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O GRUPO COMO RECURSO TERAPÊUTICO PARA CRIANÇAS COM

TRANSTORNOS MENTAIS GRAVES: RELATO DE EXPERIÊNCIA 1

Maryana Marinho2; Renata Wollenhoupt da Luz Rodrigues3; Bruna Rodrigues


Maziero4

RESUMO
Introdução: Os Centros de Atenção Psicossociais da infância e adolescência
(CAPSi) tem como objetivo a (re) inserção social e o fortalecimento da autonomia de
crianças e adolescentes com transtornos mentais graves, através de um cuidado
pautado na reabilitação psicossocial. Esse serviço oferece diversos tipos de
atividades terapêuticas dentre elas o grupo terapêutico. Objetivo(s): Apresentar as
principais contribuições de uma experiência com grupos terapêuticos para crianças
com transtornos mentais graves. Metodologia: O estudo parte do relato de
experiência em grupos terapêuticos coordenados por duas terapeutas ocupacionais
residentes, atuantes em um CAPSi. Resultados: Os grupos terapêuticos se
constituem em um espaço de trocas sociais e desenvolvimento de vínculos, se
tornando potentes para a atuação do terapeuta ocupacional. Conclusões: A partir da
experiência grupal o olhar e prática singulares do terapeuta ocupacional estão
direcionados para organização e ressignificação dos fazeres cotidianos da criança.

Palavras-chave: CAPSi; Criança; Grupo; Terapia Ocupacional.

1. INTRODUÇÃO

Os Centros de Atenção Psicossociais (CAPS) são serviços de média


complexidade em saúde mental que surgiram para substituir os modelos
manicomiais para tratamento e reabilitação de pessoas com transtornos mentais
severos, em uso de substâncias psicoativas e com dificuldades de estabelecer
vínculos sociais (BRASIL, 2004). Os Centros de Atenção Psicossociais da infância e

1
Relato de experiência – UNIFRA.
2
Terapeuta Ocupacional Residente do Programa de Residência Multiprofissional em Saúde Mental –
UNIFRA. maryanagmarinho95@gmail.com
3
Terapeuta Ocupacional Residente do Programa de Residência Multiprofissional em Saúde Mental –
UNIFRA. renatarodrigues.to@gmail.com
4
Orientadora. Professora do Curso de Terapia Ocupacional – UNIFRA. brunarmaziero@gmail.com

1
adolescência (CAPSi) tem como objetivo a (re) inserção social e o fortalecimento da
autonomia de crianças e adolescentes, através de um cuidado pautado na clínica
ampliada e na reabilitação psicossocial, no qual o sujeito é compreendido como um
ser constituído por uma singularidade e que está inserido em um coletivo (BRASIL,
2004). Os CAPSi oferecem diversos tipos de atividades terapêuticas e dispositivos
em seu dia-a-dia, dentre eles: psicoterapia individual ou em grupo, oficinas
terapêuticas, atividades comunitárias, atividades artísticas, orientação e
acompanhamento do uso de medicação, atendimento domiciliar e aos familiares. Os
grupos terapêuticos, por sua vez, se constituem em um espaço de trocas sociais e
desenvolvimento de vínculos (JURDI; BRUNELLO, 2015).

O CAPSi é um serviço de atenção diária destinado ao atendimento de


crianças e adolescentes diagnosticados com transtornos mentais graves, sendo
estes o transtorno do espectro autista, as psicoses, as neuroses graves e todos
aqueles que, por sua condição psíquica, estão impossibilitados de manter ou
estabelecer laços sociais. O serviço funciona diariamente de segunda a sexta-feira,
articulando-se com a rede municipal de saúde, educação e assistência social, assim
ampliando as possibilidades de um cuidado e tratamento efetivo (BRASIL, 2004).

Assim, o presente trabalho destina-se a relatar a experiência de duas


terapeutas ocupacionais em uma equipe multiprofissional na realização de grupos
terapêuticos com crianças em um CAPSi através do Programa de Residência
Multiprofissional em Saúde Mental do Centro Universitário Franciscano.

2. REVISÃO DE LITERATURA

Os grupos terapêuticos se constituem por um conjunto de sujeitos em


relações uns com os outros que compartilham uma atividade e um espaço, com a
presença de um terapeuta e com o objetivo de tratamento em saúde, que podem ser
abertos ou fechados. O primeiro se caracteriza por um maior movimento dos
integrantes que podem variar de encontro para encontro, enquanto o segundo se
diferencia por manter os mesmos participantes. Os grupos também podem ser
classificados como homogêneos ou heterogêneos. Essa classificação se constitui
pelas características em comum ou não entre os integrantes do grupo, pode-se, por

2
exemplo, criar um grupo homogêneo a partir de sujeitos com o mesmo diagnóstico,
idade ou gênero, ou um heterogêneo com uma diversidade dessas características
(SANTOS, 2010).

Para Jurdi e Brunello (2015) o grupo é um espaço que possibilita o encontro


com o outro e se torna potente para transformação e criação, no qual a
singularidade individual é vivida nesses encontros com diferentes modos de ser.
Assim, o grupo se constitui como uma conexão entre o sujeito e a sociedade.

Nos grupos terapêuticos com crianças o brincar tem um papel fundamental ao


considerar sua relevância no desenvolvimento humano como experiência criativa do
sujeito durante seu processo de amadurecimento emocional. Takatori destaca que
“ao brincar a criança pode se colocar no mundo, participar da realidade
compartilhada a partir da sua singularidade, transitando entre a realidade interna e
externa” (2012, p. 13). Tem-se o brincar como área de procedimentos de terapia
ocupacional e possível norteador de propostas de cuidado para crianças que por
diversas razões apresentam dificuldades e\ou ausência das brincadeiras infantis no
cotidiano, interferindo diretamente em seu fazer criativo, evidenciando assim uma
relação terapêutica constituída pelo terapeuta ocupacional, criança e atividade
(TAKATORI, 2012). O brincar como recurso terapêutico proporciona à criança
expressão criativa e livre, na qual a mesma escolhe o brinquedo ou material
disponível no setting terapêutico construindo uma brincadeira, direcionando pela
ideia do que deseja formar ou expressar (MOREIRA; MESQUITA; ALVES, 2016).

O terapeuta ocupacional utiliza o grupo como um recurso terapêutico para


alcançar os seus objetivos específicos, assim os princípios dos grupos terapêuticos
também são aproveitados no processo terapêutico ocupacional (CUNHA; SANTOS,
2009). O terapeuta ocupacional tem como função no grupo observar a necessidade
de cada usuário e assim utilizar estratégias para atingir os objetivos terapêuticos
singulares (SCHWARTZBERG, 2002). Jurdi e Brunello também abordam o papel do
terapeuta ocupacional nos grupos, como aquele que favorece “a organização do
coletivo a partir das práticas do cotidiano compreendidas na articulação entre a
realidade subjetiva e a compartilhada, constituídas no contexto social e cultural”
(2015, p. 254).

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3. METODOLOGIA

Este trabalho utiliza-se do relato de experiência. O relato trata-se de


compartilhar a experiência vivenciada no dia-a-dia da prática de duas terapeutas
ocupacionais em grupos com crianças de um CAPSi através da carga horária prática
do Programa de Residência Multiprofissional em Saúde Mental do Centro
Universitário Franciscano.
Os grupos, em que as terapeutas ocupacionais atuam como facilitadoras, são
constituídos por aproximadamente cinco crianças, com uma faixa etária entre cinco
e dez anos de idade e com hipóteses diagnósticas variadas, como transtorno do
espectro autista, psicose e neuroses graves, associadas, ou não, a transtornos
globais do desenvolvimento e hipercinéticos. Assim se caracterizam como fechados,
sendo um heterogêneo com uma diversidade de hipóteses diagnósticas, e dois
homogêneos. A facilitação dos grupos é realizada em conjunto com profissionais das
áreas de psicologia, fonoaudiologia e/ou farmácia. Cada encontro tem em média
uma duração de sessenta minutos e ocorre uma vez na semana, onde são
realizadas atividades de caráter lúdico.

4. RESULTADOS E DISCUSSÕES

Os grupos terapêuticos podem fazer parte do Projeto Terapêutico Singular


(PTS) dos usuários do CAPSi, sendo este um de seus dispositivos que estrutura e
organiza o cuidado em saúde mental. A sua (re) construção é realizada em conjunto
pelo usuário, seu familiar e a equipe multiprofissional do serviço. Deste modo, cada
criança ou adolescente terá o seu PTS, que se constituirá pelas ações planejadas
em seu cuidado pautado na clínica ampliada, considerando a sua singularidade e
propondo atividades no serviço ou fora dele de acordo com suas necessidades e
desejos. Assim, quando os grupos terapêuticos fazem parte do PTS dos usuários
pode-se considerar também a disponibilidade de criação de novos grupos ou de
inserção nos já existentes que contemplem os objetivos terapêuticos e a
singularidade do usuário.

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Um dos principais objetivos dos grupos de crianças com transtornos mentais
graves é desenvolver atividades terapêuticas que facilite as trocas sociais. Deste
modo, promovem a interação e a socialização entre os usuários e proporcionam a
criação e o fortalecimento de vínculos, implicando também na percepção de si, do
outro e da formação do grupo (MORETTO, 2013).

As atividades realizadas nos grupos geralmente são de caráter lúdico, como


brincadeiras, jogos e contação de histórias. Essas atividades acontecem ora a partir
de sugestões das terapeutas e ora por meio da construção das escolhas dos
usuários do grupo. Assim, frequentemente, são as crianças que conduzem as
atividades e as terapeutas interveem para facilitar o desenvolvimento dos aspectos
sociais e subjetivos objetivados. Também são através das brincadeiras que os
usuários compartilham os seus cotidianos, aquilo que lhes é singular, e oferecem a
possibilidade do terapeuta ocupacional contribuir para a criança ressignificar o seus
fazeres.

Assim, a dinâmica grupal constituída na ludicidade pode proporcionar outras


experiências ao estar junto com o outro, dentre elas está a compreensão de regras e
limites. Desde o respeitar o espaço do outro e saber ouvi-lo e compartilhar os
objetos ou a atividade, até a organização dos materiais e compreensão do tempo de
duração do encontro. Essas experiências também possibilitam o reconhecimento de
sentimentos, o que promove a oportunidade de oferecer meios para que as crianças
lidem com os seus e com os dos outros.

Tais atividades e dinâmicas grupais possuem uma relevante influência do


ambiente onde são realizadas. O espaço em que os grupos acontecem e que o
terapeuta atende e acolhe o usuário é reconhecido como setting terapêutico, que
requer previamente uma observação e uma organização do local. Neste caso
específico, no decorrer dos encontros com o grupo e conforme as demandas e
necessidades apresentadas pelos usuários, o lugar onde o mesmo acontece pode
variar, tanto dentro do serviço (salas, pátio), como fora dos muros da instituição (em
lugares públicos).

Assim como o setting terapêutico, o processo dos grupos terapêuticos no


CAPSi também requer constantes reavaliações da sua dinâmica, constituição e

5
objetivos. É preciso que o terapeuta observe os movimentos de cada criança, as
relações estabelecidas entre elas e os seus envolvimentos com as atividades
propostas e os espaços oferecidos. Essas observações devem ser registradas
através de relatos nos prontuários de cada usuário, juntamente com os registros de
todas as intervenções realizadas no CAPSi. As discussões multiprofissionais sobre
os grupos também irão enriquecer o seu processo ao considerar que toda profissão
tem um olhar e uma proposta terapêutica que se complementa num cuidado
ampliado. Essas discussões podem ocorrer tanto entre os profissionais que estão
como facilitadores no grupo, quanto com outros profissionais do serviço em reunião
de equipe ou com os profissionais de referência dessas crianças.

5. CONCLUSÃO

Este relato apresenta uma reflexão acerca do grupo como um espaço potente
para efetivação dos objetivos da reabilitação psicossocial e da contribuição do olhar
e da prática da terapia ocupacional como mais uma facilitadora do processo grupal
em meio a uma equipe multiprofissional. Evidencia a potencialidade terapêutica dos
grupos para crianças com transtornos mentais graves, espaços esses que
possibilitam o desenvolvimento de fatores sociais, subjetivos e de criação dentro do
setting terapêutico que irão refletir nas suas relações cotidianas em outros espaços
oferecidos pela sociedade, efetivando os objetivos da reabilitação psicossocial que é
proposta no CAPSi.
Deste modo, também demonstra a relevância da contribuição do terapeuta
ocupacional para o processo do grupo terapêutico. A partir da experiência grupal o
olhar e prática singulares do terapeuta ocupacional estão direcionados para
organização e ressignificação dos fazeres cotidianos da criança, considerando seu
contexto e história de vida para integrar aquilo que ela sente, pensa e faz.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Ministério da Saúde. Saúde mental no SUS: os centros de atenção


psicossocial. Brasília, DF, 2004.

6
CUNHA, A. C. F.; SANTOS, T. F. A utilização do grupo como recurso terapêutico no
processo da terapia ocupacional com clientes com transtornos psicóticos:
apontamentos bibliográficos. Cadernos de Terapia Ocupacional da UFSCar, São
Carlos, v. 17, n.2, p 133-146, jul./dez. 2009.

MOREIRA, C. S.; MESQUITA, S. L.; ALVES, A. M. O. A ação de brincar em crianças


de 2 a 5 anos no desenvolvimento psicomotor, do ponto de vista da terapia
ocupacional. Multitemas, Minas Gerais, n. 23, p. 9-16, 2016.

MORETTO, C. C. O grupo como estratégia de intervenção em saúde mental da


infância e adolescência. Mental, v. 10, n. 19, p. 221-233, jul./dez. 2013.

JURDI, A. P. S.; BRUNELLO, M. I. B. Brincar em grupo: uma proposta de


intervenção na clínica da terapia ocupacional com crianças. In: MAXIMINO, V.;
LIBERMAN, F. Grupos e terapia ocupacional: formação, pesquisa e acções. São
Paulo: Summus, 2015.

SANTOS, É. G. dos. O grupo como estratégia terapêutica nos Centros de


Atenção Psicossocial Álcool e Drogas do Espírito Santo. 2010. 123 p.
Dissertação (Mestrado em Saúde Coletiva)-Universidade Federal do Espírito Santo,
Vitória, 2010.

SCHWARTZBERG, S. L. Processo de grupo. In: NEISTADT, M. E.; CREPEAU, E.


B. Terapia Ocupacional. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, p. 107-117, 2002.

TAKATORI, M. O brincar na terapia ocupacional: um enfoque na criança com


lesões neurológicas. São Paulo: Zagodon Editora, 2012.

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