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FUNDAÇÃO EDSON QUEIROZ

UNIVERSIDADE DE FORTALEZA
CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE - CCS
CURSO DE MEDICINA / AÇÕES INTEGRADAS EM SAÚDE
PRODUTO DO MÓDULO - AIS VII

TRANSTORNO DE PERSONALIDADE HISTRIÔNICO E TRANSTORNO AFETIVO


BIPOLAR EM PACIENTE INSTITUCIONALIZADA: RELATO DE CASO

Lara Nogueira da Escóssia ¹; Mariana da Silva Magalhães¹, Victor Leonardo Barreto¹;


Rafaela Yasmine²

1. Discente da Universidade de Fortaleza (UNIFOR)

2. Docente da Universidade de Fortaleza (UNIFOR)

Palavras-chave: Transtorno Afetivo Bipolar. Transtorno de Personalidade. Instituição de Longa Permanência.


Saúde do idoso.

Resumo

O transtorno bipolar trata-se de uma condição psiquiátrica de origem multifatorial


e de elevado prejuízo social, dada a sobrecarga pessoal e familiar suscitada pelo agravo.
Essa situação é agravada quando o diagnóstico acontece de forma tardia. Nesse relato, foi
dissertado acerca do caso de uma mulher portadora de Diabetes Mellitus (DM) tipo 2,
Hipertensão Arterial Sistêmica (HAS), Insuficiência Venosa, Transtorno de Personalidade
(TP) Histriônica e Transtorno Afetivo Bipolar (TAB), que reside em Instituição de Longa
Permanência (ILP) e que teve seu diagnóstico psiquiátrico estabelecido após a admissão na
ILP. Foi abordado, principalmente, o atraso no diagnóstico da paciente e o contexto
biopsicossocial que reforçou esse retardo.
Introdução

O envelhecimento populacional trata-se de um fenômeno global que traz consigo a


necessidade da adoção de políticas públicas que favoreçam um envelhecimento ativo,
objetivando a melhora da qualidade de vida da população idosa. Esse acontecimento traz
consigo questionamento a respeito da saúde física e mental dos idosos, os quais
necessitam, cada vez mais, de cuidados. No Brasil, a reorganização das políticas públicas
ainda são insuficientes para atender essa mudança no perfil etário brasileiro, e muitas
famílias não conseguem, por inúmeras limitações, sejam elas financeiras e emocionais,
aliada a carência de serviços suficientes para atender essa demanda,por exemplo, se
dedicar ao idoso que requer atenção e manejos especiais.Dessa forma, acabam recorrendo
a moradia em Instituições de Longa Permanência. Essa institucionalização interfere
significativamente na vida do paciente, uma vez que é introduzido em um local de
desconhecimento absoluto, aliado a companhias e a rotina divergentes. (MARIN,2012)

As Instituições de Longa Permanência tratam-se de locais de caráter residencial,


que funcionam como domicílio coletivo de idosos, oferecendo-lhes alimentação, assistência
à saúde, moradia, lazer e outros cuidados. No Brasil, no estado do Ceará, a instituição Lar
Torres de Melo, recebe destaque pela sua história de 116 anos, a qual perpassou por várias
formas de atuação, funcionando inicialmente como instituição de caridade, dependendo
unicamente da contribuição espontânea coletiva, e, atualmente, atuando por intermédio de
parcerias e de contribuição financeira de idosos institucionalizados. Atualmente, esse
serviço apresenta um convênio com a Universidade de Fortaleza (UNIFOR), fato que
favorece o acompanhamento regular da saúde de idosos e acolhe integralmente a pessoa
idosa, respeitando de maneira ética seus devidos valores e ofertando um acompanhamento
multiprofissional, a fim de assegurar a longevidade dos indivíduos, por meio de avaliações
com profissionais de saúde, acompanhamentos regulares de atividades e monitoramento e
avaliação do idoso. (FAGUNDES, 2017)

Assim, esse acompanhamento, regular e efetivo de maneira longitudinal, consegue


investigar, tratar doenças e condições associadas que não foram diagnosticadas em
decorrência, possivelmente, da falta de um acompanhamento profissional em anos
anteriores à institucionalização. Logo, esse atraso de diagnóstico interfere na qualidade,
impossibilitando-os de um envelhecimento mais confortável.

Desta forma, o objetivo deste trabalho é explanar e evidenciar a importância do


acompanhamento precoce da pessoa idosa na tentativa de evitar complicações futuras e
impactos negativos na saúde. Além disso, este estudo relata um caso acompanhado na
Instituição de longa permanência Lar Torres de Melo, que exemplifica a repercussão do
atraso no diagnóstico de uma paciente com consequências em suas relações interpessoais.

Metodologia

Esse trabalho trata-se de um relato de caso de idosa internada em Instituição de


Longa Permanência, elaborado por ocasião da conclusão da disciplina de Ações Integradas
em Saúde. O estudo em questão é de caráter longitudinal, descritivo e qualitativo, e foi
realizado no período de Abril a Junho do ano de 2022, auxiliado por dados coletados a partir
de conversa com a paciente, assim como de informações constantes em seu prontuário,
mantendo o sigilo e preservando a integridade da mesma. De modo a enriquecer o debate
acerca dos tópicos mais relevantes para o caso, foram realizadas revisões de literatura em
artigos das bases de dados Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde
(LILACS), Scientific Electronic Library Online (SciELO) e US National Library of Medicine
National Institutes of Health (PubMed).

Resultados e Discussão
O caso relatado é de uma paciente feminina, de 76 anos, natural e procedente de
Fortaleza, aposentada, casada e residente em Instituição de Longa Permanência (ILP), Lar
Torres de Melo, desde dezembro de 2021.
A paciente procurou a instituição juntamente com seu esposo, Damião, e possuía
como diagnósticos prévios Hipertensão Arterial Sistêmica (HAS), Insuficiência Venosa e
Diabetes Mellitus (DM), todas sem tratamento, além da queixa de insônia crônica há dois
anos, com associação, segundo a paciente, à dor no tornozelo, interferindo na
deambulação. Antes de residir em uma ILP, refere nunca ter sido acompanhada
longitudinalmente por nenhum profissional da saúde, apenas frequentando consultas
pontuais.
Na formação profissional, refere que começou a ser professora de piano aos 15
anos de idade, mas só começou os estudos na área musical mais tarde, tendo concluído o
seu mestrado em Música na Universidade Estadual do Ceará (UECE) aos 24 anos. Relatou,
ainda, que deu aula de piano até os 55 anos, parando suas atividades devido a crises de
ansiedade recorrentes que tiravam dela a vontade de seguir sendo professora. Atualmente,
durante as consultas, mostra-se muito saudosa da época em que ensinava e tocava piano.
Apesar do contexto biopsicossocial e da idade da paciente, ela demonstra-se
extremamente lúcida e ativa em suas atividades de vida diárias, além de demonstrar vasto
leque cultural. Ao ser questionada sobre sua vida durante a adolescência, pôde-se concluir
que ela vem de uma família de alto poder aquisitivo e que ela era muito cobrada para ser
uma pianista profissional. Ao entrar no assunto, nota-se pensamento de grandiosidade
acerca da sua aptidão musical, e a empolgação ao falar sobre o assunto é rapidamente
notada.
Nesse contexto, destaca-se que, em dezembro de 2021, ou seja, com menos de um
mês de institucionalização, a paciente foi avaliada por psiquiatra e, a partir disso, passou a
ter o TAB como uma das hipóteses diagnósticas para a referida paciente. Em Maio de 2022,
a psiquiatra da ILP confirmou o diagnóstico de TAB. Nessa mesma consulta, a médica
prescreveu o antipsicótico Quetiapina 25mg para tomar 01 comprimido todas as noites, e
suspendeu outra medicação antipsicótica que a paciente tomava, a Olanzapina, a qual foi
receitada em sua primeira consulta psiquiátrica no Lar Torres de Melo, embora o diagnóstico
para TAB não tivesse sido estabelecido. Ainda nesse momento de consulta, levantou-se o
questionamento sobre a possibilidade do diagnóstico de Transtorno de Personalidade
Histriônico, sendo confirmado no mesmo mês em consulta subsequente, devido ao
comportamento de grandiosidade anteriormente percebido. A paciente, assim como seu
esposo, relatam que não houve nenhuma mudança exacerbada nas atitudes da paciente
nos últimos anos: “eu sou assim desde adolescente”, diz a paciente, e isso reforça a
hipótese de que o quadro da paciente já existe há bastante tempo, apenas não havia sido
diagnosticado.
Alguns fatores são vistos como colaborativos para o aumento da dificuldade em
estabelecer um alvo clínico, sendo eles: a falta de acompanhamento longitudinal capaz de
estabelecer um diagnóstico clínico, bem como a associação com outras comorbidades,
principalmente psiquiátricas. Além disso, a aparente manipulação de informações sobre
acontecimentos e vivências da paciente também dificultou o diagnóstico.
No que tange ao histórico familiar, a paciente refere que o pai possuía diagnóstico
de TAB e que a convivência com um paciente psiquiátrico foi conturbada, gerando sequelas
psicológicas em toda a família, inclusive nela. Ela relata que a manifestação dos estados
extremos de euforia e mania do seu pai geraram um sentimento contínuo de medo e
insegurança. É notório durante as consultas que a paciente, de fato, estudou sobre TAB,
haja vista que ela faz aplicação correta de alguns termos como “mania”, “euforia”, dentre
outros. Ela refere, ainda, que os irmãos gostavam de brincar de assustá-la quando eram
crianças, o que reforçou o medo que ela já sentia e que remetia a situação do seu pai.
(Apêndice 01: Genograma Familiar)
A respeito das consultas na instituição, o exame físico da saúde mental da paciente
se apresentava recorrentemente da seguinte forma: paciente logorreica, com vestimentas
adequadas e higiene preservada, cooperativa, consciente auto e alopsiquicamente, não
apresentando delirium e alucinações, memória imediata, recente e remota preservadas,
normotenaz e normovigil, hipertímica, pensamento de fluxo acelerado associado a
tangencialidade e fuga de ideias em seu discurso.
No que concerne à aplicação dos testes de saúde do idoso, na avaliação do
Miniexame do Estado Mental (MEEM), a paciente pontuou 29 em uma escala de 30 pontos,
com comprometimento apenas na atenção e cálculo. Assim, conclui-se que paciente não
apresenta alterações cognitivas. Já na Escala de Depressão Geriátrica de Yesavage, a
paciente em questão pontuou apenas 1 em uma escala de 15 pontos, indicando quadro
psicológico sem alterações quanto à depressão. Também é válido ressaltar o Índice de
Vulnerabilidade Clínico Funcional-20 (IVCF-20), teste que avalia dimensões preditoras do
declínio funcional e cognitivo do idoso, no qual ela pontuou apenas no quesito faixa etária,
totalizando 1 em uma escala de 40 pontos, encontrando-se no grau máximo de vitalidade,
caracterizando, assim, uma idosa robusta.
Após novos diagnósticos e exames complementares, a paciente índice segue em
acompanhamento longitudinal e multidisciplinar no Lar Torres de Melo. Atualmente, para
controle do quadro psiquiátrico, está em uso de Clonazepam 2,5 mg/ml, na posologia de 3
gotas por noite; e Quetiapina 50 mg, 01 comprimido por dia. No que tange aos outros
diagnósticos clínicos, a paciente está em uso de Losartana 50 mg, 01 comprimido por dia e
acompanhamento do índice glicêmico sem medicação no momento, além de ser reforçado a
necessidade de mudança no estilo de vida.
Assim, a paciente foi orientada a usufruir dos serviços ofertados pelo Lar Torres de
Melo e que podem contribuir para um desfecho positivo no quadro abordado de forma
integral. Dentre eles, foi mencionado o serviço de psicologia, fisioterapia, atividades físicas
e convivência com outros residentes. Ademais, outra estratégia de intervenção para o caso
seria a reintrodução das práticas musicais no cotidiano da paciente como forma de sanar a
melancolia referente ao abandono do contato com instrumentos musicais, principalmente
com o piano.

Conclusão

Após a admissão em ILP e diversos acompanhamentos multiprofissionais de forma


longitudinal, foram estabelecidos os diagnósticos de Transtorno Afetivo Bipolar e Transtorno
de Personalidade Histriônico na paciente índice mesmo que tardiamente. Esses
diagnósticos representam, inclusive, as principais problemáticas a serem acompanhadas de
forma mais efetiva.
Destarte, apesar do atraso no diagnóstico, ainda há alternativas a serem
apresentadas na tentativa de melhorar o convívio social e a qualidade de vida da paciente.
Reforça-se, ainda, a importância de um acompanhamento longitudinal e um vínculo
médico-paciente bem estabelecido que pode ser firmado desde as consultas na atenção
primária, que podem ser vitais para estabelecer um diagnóstico de forma precoce.

Referências

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Disponível em: <https://doi.org/10.1590/S1518-8787.2016050006963>. Epub 22 Dez 2016.
ISSN 1518-8787. https://doi.org/10.1590/S1518-8787.2016050006963.

Agradecimentos

Gostaríamos de agradecer à Universidade de Fortaleza pela oportunidade de


conhecer diferentes instituições e ofertar diferentes experiências por meio da disciplina
Ações Integradas em Saúde VII, como o Lar Torres de Melo, o qual foi fundamental para a
compressão da saúde do idoso. Também agradecemos à professora Rafaela, pela
disponibilidade, paciência e harmonia com a turma, fato que foi fundamental para o
aprendizado.

Apêndices
Figura 1: Genograma Familiar. Figura 2: Descritores do Genograma Familiar.

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