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ANÁLISE E DINÂMICA COMPLEXA

EM UMA VARIÁVEL
E APLICAÇÕES

Luis T. Magalhães

Julho de 2021

Departamento de Matemática • IST • Lisboa


ADVERTÊNCIA
Estas notas são parte de um texto em preparação sobre Álgebra Linear.
Prevê-se incluir secções adicionais.

Facultam-se para utilização exclusiva por professores e alunos do IST.


Índice
Prefácio . . .............................. vii
Introdução . .............................. xi

1 Plano omplexo 1
1.1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1
1.2 Estrutura algébri a . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2
1.3 Estrutura métri a . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 6
1.4 Estrutura topológi a . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 6

2 Funções 11
2.1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11
2.2 Representação geométri a de funções . . . . . . . . . . . . . . 11
2.3 Funções polinomiais e funções ra ionais . . . . . . . . . . . . 16
2.4 Função exponen ial . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 16
2.5 Funções trigonométri as e hiperbóli as . . . . . . . . . . . . . 17
2.6 Logaritmos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 20
2.7 Potên ias e exponen iais de base omplexa . . . . . . . . . . . 22
2.8 Funções trigonométri as inversas . . . . . . . . . . . . . . . . 23
2.9 Limite e ontinuidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 24

3 Derivada 27
3.1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 27
3.2 Diferen iabilidade e derivada . . . . . . . . . . . . . . . . . . 28
3.3 Transformações onformes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37

4 Integral 51
4.1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 51
4.2 Integral em aminho . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 53
4.3 Primitiva . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 56
4.4 Teorema de Cau hy lo al em onjuntos onvexos . . . . . . . 61
4.5 Índi e de aminho fe hado e homotopia de aminhos . . . . . 62
4.6 Fórmula de Cau hy lo al em onjuntos onvexos . . . . . . . 65

5 Funções analíti as 69
5.1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 69
5.2 Su essões e séries de números omplexos . . . . . . . . . . . . 71
5.3 Su essões e séries de funções uniformemente onvergentes . . 72
5.4 Séries de potên ias . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 74
5.5 Denição e propriedades bási as de funções analíti as . . . . . 77
5.6 Zeros de funções analíti as . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 79
iv ÍNDICE

5.7 Fórmula de Parseval para séries de potên ias . . . . . . . . . 81

6 Uni ação de holomora, teorema de Cau hy e analiti idade 89


6.1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 89
6.2 Holomora, teorema de Cau hy lo al e analiti idade . . . . . 91
6.3 Teorema Fundamental da Álgebra . . . . . . . . . . . . . . . . 94
6.4 Estrutura lo al de funções holomorfas . . . . . . . . . . . . . 95
6.5 Analiti idade de séries de funções analíti as . . . . . . . . . . 100

7 Teorema e fórmula de Cau hy globais 107


7.1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 107
7.2 Cadeias e i los . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 108
7.3 Teorema e fórmula de Cau hy globais . . . . . . . . . . . . . . 112
7.4 Invariân ia de integrais de funções holomorfas . . . . . . . . . 113
7.5 Regiões simplesmente e multiplamente onexas . . . . . . . . 114
7.6 Extensões do Prin ípio de Módulo Máximo . . . . . . . . . . 117
7.7 Ordem e tipo de função inteira . . . . . . . . . . . . . . . . . 120

8 Singularidades, funções meromorfas e teorema dos resíduos129


8.1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 129
8.2 Singularidades e séries de Laurent . . . . . . . . . . . . . . . . 131
8.3 Funções meromorfas e teorema dos resíduos . . . . . . . . . . 135
8.4 Contagem de zeros e pólos de funções meromorfas . . . . . . . 142

9 Funções harmóni as 167


9.1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 167
9.2 Relações de funções harmóni as e holomorfas . . . . . . . . . 170
9.3 Propriedade de valor médio de funções harmóni as . . . . . . 171
9.4 Solução do problema de Diri hlet em ír ulos . . . . . . . . . 172
9.5 Propriedade de Valor Médio forte de funções harmóni as . . . 178
9.6 Prin ípio de Máximo para funções harmóni as . . . . . . . . . 179
9.7 Uni idade de solução do Problema de Diri hlet . . . . . . . . 180
9.8 Existên ia de solução do Problema de Diri hlet . . . . . . . . 181

10 Transformações onformes 193


10.1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 193
10.2 Transformações e onjuntos onformes . . . . . . . . . . . . . 199
10.3 Automorsmos onformes de um ír ulo . . . . . . . . . . . . 201
10.4 Famílias normais de funções holomorfas . . . . . . . . . . . . 204
10.5 Regiões simplesmente onexas onformes . . . . . . . . . . . . 209
10.6 Fins primos de regiões simplesmente onexas . . . . . . . . . 215
10.7 Comprimento extremo e ns primos . . . . . . . . . . . . . . 224
10.8 Cara terizações de regiões simplesmente onexas . . . . . . . 231
10.9 Funções univalentes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 235
ÍNDICE v

11 Prolongamento analíti o e funções analíti as globais 265


11.1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 265
11.2 Prolongamento analíti o . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 270
11.3 Funções analíti as globais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 273
11.4 Superfí ies de Riemann . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 277
11.5 Cara terização algébri a de regiões onformes . . . . . . . . . 289
11.6 Métri a de Poin aré . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 291
11.7 Contradomínios de funções holomorfas e meromorfas . . . . . 295

12 Uniformização de superfí ies de Riemann 307


12.1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 307
12.2 Revestimentos e grupo fundamental . . . . . . . . . . . . . . . 310
12.3 Método de Perron em Superfí ies de Riemann . . . . . . . . . 325
12.4 Teorema de Uniformização . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 328
12.5 Geometria de Superfí ies de Riemann . . . . . . . . . . . . . . 336
12.6 Teorema de Riemann-Ro h . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 347

Apêndi es 371
I. Elementos de topologia geral . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 371
II. Espaços de homologia e teorema da urva de Jordan . . . . . . 401

Bibliograa 411
Prefácio
Este é prin ipalmente um livro de apoio ao estudo ini ial de Análise Com-
plexa. Centra-se nos aspe tos bási os de funções omplexas de uma variável,
in luindo os da teoria geométri a destas funções, e de dinâmi a denida
por iteração de funções ra ionais omplexas, estes num apítulo nal, quase
um quarto do livro, invulgar em textos de ini iação ao estudo de funções
omplexas. Este apítulo, além de tratar de um tema om aspe tos de auto-
semelhança, estrutura fra tal e aos que têm fas inado muitas pessoas e tive-
ram importantes ontribuições re entes, é parti ularmente apropriado para
fe har o livro porque utiliza om fertilidade muito do que é desenvolvido em
apítulos anteriores.
A Análise Complexa de Uma Variável tem três ara terísti as parti u-
larmente interessantes: (1) ideias simples uni adoras de on eitos que apa-
re em em análise real sem relações dire tas ou ompli ados, (2) fertilidade
para o desenvolvimento de outras áreas da matemáti a, e (3) relevân ia para
apli ações a outras iên ias e a engenharia.
A ideia orientadora prin ipal ao longo do livro é revelar om lareza estas
três ara terísti as e iluminá-las, mostrando omo muitos on eitos férteis
que levaram ao desenvolvimento de novos ampos de Matemáti a na reali-
dade emergiram no estudo de Análise Complexa de Uma Variável, em par-
ti ular em Topologia, Geometria Diferen ial, Geometria Algébri a, Análise
Harmóni a, Equações Diferen iais Elípti as, Cál ulo de Variações, Sistemas
Dinâmi os. Estou onvi to que é muitíssimo útil para estudantes serem in-
troduzidos a estes on eitos neste ontexto mais simples em que emergiram
antes de os aprofundar em estudos mais avançados e espe ializados, omo é
hoje em dia omum.
Foram publi ados muitos livros de ini iação neste tópi o e alguns são
ex elentes. Por isso, tem de haver boas razões para publi ar mais um outro
livro. Além da in lusão já men ionada de uma ini iação a dinâmi a omplexa
que orresponde a er a de um quarto do livro, e a ideia orientadora ao longo
do livro que se a abou de men ionar, há várias razões para tal:
 Em primeiro lugar, o livro foi on ebido om a exibilidade de ser uma
boa base para uma primeira dis iplina de meio semestre em Análise
Complexa omo fundação sólida para estudos subsequentes (em apenas
um pou o mais de 100 páginas de texto e 40 páginas de exer í ios,
in luindo mais de 100 guras), mas também, em apítulos adi ionais,
uma dis iplina de um semestre e para estudo individual de a ordo om
os interesses e a uriosidade do leitor.
viii Análise e Dinâmica Complexa em Uma Variável

 Utilização frequente, desde o iní io, de representações geométri as om


a intenção de desenvolver a ompreensão geométri a das restrições as-
so iadas à diferen iabilidade de funções omplexas e às transformações
que denem; em onjunto, o livro tem mais do que 200 guras.
 O onhe imento de matemáti a que é omum hoje em dia estudantes
adquirirem em dis iplinas de Análise Matemáti a e Álgebra Linear é
ompletamente utilizado, evitando repetições, sublinhando semelhan-
ças e hamando a atenção para aspe tos novos ou diferentes.
 No iní io, os on eitos de derivada, integral e analiti idade são on-
siderados separadamente em apitulos onse utivos, seguidos de um
apítulo uni ando-os e, depois, da globalização do Teorema de Cau-
hy e da sua apli ação ao Teorema dos Resíduos e a séries de Laurent;
é aqui que a matéria para uma dis iplina de meio semestre termina.
 São in luídos muitos exer í ios para trabalho à es olha do leitor. Vários
são sobre tópi os lássi os importantes que não são tratados no orpo
prin ipal do texto e também muitos sobre apli ações a diferentes áreas,
e.g. ir uitos elé tri os, sistemas me âni os, hidrodinâmi a, ele troes-
táti a, propagação de alor em equilíbrio, análise e pro essamento de
sinais, análise e ontrolo de sistemas lineares, dinâmi a de uidos, aero-
dinâmi a, elasti idade. Apli ações a estas áreas foram histori amente
forte motivação para o desenvolvimento da Análise Complexa. Penso
que vale muito a pena manter bem vivas as ligações om apli ações em
áreas para além da Matemáti a.
 Depois da parte do livro pensada para apoiar uma dis iplina de meio
semestre onsideram-se aspe tos da teoria geométri a de funções om-
plexas, in luindo alguns tópi os que não é usual tratar a este nível
introdutório, omo ns primos, omprimento extremo, uma uni ação
de ara terizações de regiões simplesmente onexas por propriedades de
natureza muito diferente (topológi as da região, topológi as do om-
plementar da região, analíti as, algébri as), funções univalentes om
uma prova da Conje tura de Bieberba h, ara terização algébri a de
regiões onformes e de regiões onformes a Superfí ies de Riemann,
métri a de Poin aré, Teorema de Uniformização.
 As importantes noções topológi as que histori amente apare eram no
estudos de funções omplexas são apresentadas de maneira simples e
natural, omo as de onexidade, número de rotação, homotopia, ho-
mologia, ompa ti ação1 revestimento, grupo fundamental, ara te-
rísti a de Euler, género de superfí ie. E analogamente para noções
bási as de Geometria Diferen ial (variedade diferen ial, métri a rie-
maniana urvatura de Gauss, folheação, orbifold), Geometria Algébri a
1
Superfı́cie Esférica de Riemann compactificação do plano complexo e Compactificação de
Carathéodory de regiões simplesmente conexas propriamente contidas no plano complexo.
Prefácio ix

( urva plana am, urva proje tiva, fórmula de Riemann-Hurwitz, teo-


remas do tipo Riemann-Ro h e Abel-Ja obi), Análise Harmóni a (fun-
ção harmóni a, série de Fourier, transformação de Fourier), Equações
Diferen iais Par iais Elípti as (equação de Lapla e, propriedade de va-
lor médio, prin ípio de máximo), Cál ulo de Variações (prin ípio de
Diri hlet, su essões minimizadoras), Sistemas Dinâmi os ( onjugação,
linearização em pontos xos ou periódi os, atra tor, ba ia de atra ção,
órbita homo íni a, papel de pontos ríti os, hiperboli idade, autose-
melhança, bifur ação, teoria KAM).
 Há a preo upação sistemáti a de situar histori amente as ontribuições
para os on eitos tratados.
 A maior parte dos assuntos são lássi os, mas bastante mais de metade
do livro é sobre resultados obtidos no sé .XX, vários nas 4 dé adas mais
re entes.
The rst nine hapters were very inuen ed by the books of L. Ahlfors,
Complex Analysis, W. Rudin, Real and Complex Analysis and B. Chabat,
Introduction à l’Analyse Complexe, but dier from these and other texts in
many ways. The 1st of these books stands as one of the best referen es on
the subje t, despite its 1st edition having been more than half a entury ago.
Chapters 9 to 12 were also heavily inuen ed by the books: Ahlfors, L.V.,
Conformal Invariants - Topics in Geometruic Function Theory; Remmert,
R., Classical Topics in Complex Function Theory; and the two books last
hapter by Milnor, J.W., Dynamics in One Complex Variable, and Carleson,
L., Gamelin, T.W., Complex Dynamics2 .
Referem-se a seguir algumas outras ideias gerais simples da orientação
adoptada.
Uma primeira ideia é que a aprendizagem de Matemáti a, além de estudo
regular que permita um gradual amadure imento da apreensão dos on eitos,
requer a resolução de exer í ios por ada aluno individualmente. É quase
sempre ao tentarmos resolver problemas que es lare emos on eitos e nos
aper ebemos de di uldades que nos es apam em leituras ou em aulas. Por
esta razão in luem-se muitos exer í ios no nal dos vários apítulos. A re-
solução de exer í ios e a pro ura individual de exemplos, ontra-exemplos e
provas para es lare er questões que surgem durante o estudo são uma insubs-
tituível omponente experimental essen ial para progredir no onhe imento
de Matemáti a. Esta referên ia à ne essidade de resolução de problemas por
ada aluno deve ser bem entendida: não é para automatizar a resolução de
exer í ios tipo; bem pelo ontrário, um exer í io deixa de ser útil quando
a sua resolução está automatizada ou não ofere e di uldades.
Outra ideia é a minha onvi ção que no ensino de Matemáti a, tal omo
de outras dis iplinas, os aspe tos de natureza utilitária ligados à ne essi-
2
Rudin, Walter (1921-2010). Chabat, Boris (1917-1987). Remmert, Reinhold (1930-2016).
Carleson, Lennart (1928-). Gamelin, Theodore William (1939-).
x Análise e Dinâmica Complexa em Uma Variável

dade deste ou daquele tópi o para apli ações imediatas devem ser integrados
em obje tivos mais ambi iosos e nun a devem ser tomados omo obje tivos
dominantes a adquirir por simples automatização. Treinar alunos num re ei-
tuário de ál ulo sem ensinar os ra io ínios que os fundamentam não ajuda a
prepará-los para a ompanharem o progresso da iên ia e da te nologia, on-
tribuírem para o seu desenvolvimento ou apli ação, e até para se ajustarem
a mudanças de a tividades ao longo da vida. Além disso, a formação de tipo
ex lusivamente utilitário é geralmente feita em ondições em que os alunos
não onseguem identi ar as limitações dos métodos usados nem adaptá-los
a situações que não sejam de rotina es olar. Do ponto de vista de formação
geral é mais importante ensinar ideias e on eitos que se revelaram férteis e
ilustrar a sua inuên ia noutras a tividades, em parti ular em áreas rela i-
onadas om as de espe ialização dos alunos, do que insistir num tratamento
ex lusivamente virado para a ginásti a de ál ulo. A fertilidade de on eitos
demonstrada histori amente é o úni o ritério sólido para es olha de tópi os
a estudar.
Este livro teve uma gestação prolongada e om longas interrupções. Os
primeiros 8 apítulos foram testados, omo manus ritos, em aulas para alu-
nos do 2o ano dos ursos de engenharia, físi a e matemáti a do IST da Uni-
versidade Té ni a de Lisboa (que entretanto se juntou om a Universidade
de Lisboa) durante um período de vários anos anterior a 1997. Retomei o
texto depois de uma ausên ia de in o anos em argo na ional de adminis-
tração de iên ia e te nologia, ampliando-o e modi ando-o durante o ensino
de um honours course no semestre de Primavera de 2002/03, altura em que
os primeiros oito apítulos foram pela primeira vez disponibilizados a alunos
aproximadamente na forma que têm presentemente. Infelizmente, não tive
então oportunidade de ompletar a preparação do texto para publi ação de-
vido a outra ausên ia da Universidade por seis anos e meio para outro argo
de administração públi a de iên ia e te nologia, agora para oordenar as
políti as na ionais de te nologias digitais e a sua apropriação so ial. Só pude
retomar a preparação do texto há dois anos, o que, ontudo, teve a vantagem
de poder in luir alguns resultados importantes obtidos na segunda metade
do sé . XX e de ganhar tempo para perspe tivar melhor resultados obtidos
nas últimas dé adas desse período.
Introdução
Men ionou-se no prefá io que a Análise Complexa de Uma Variável tem três
ara terísti as parti ularmente interessantes: ideias simples unificadoras
de on eitos que em análise real apare em omo distintos ou ompli ados,
fertilidade para o desenvolvimento de outras áreas da matemáti a, e rele-
vância para aplicações a outras iên ias e a engenharia.
As ara terísti as uni adoras e expli ativas de on eitos e situações en-
ontrados em álgebra e análise real elementares que se tornam evidentes no
quadro omplexo, são visíveis em exemplos simples:
(i) Todo número real ou omplexo diferente de zero tem exa tamente n
raízes omplexas de ordem n , igualmente espaçadas numa ir unferên-
ia entrada na origem do plano omplexo, enquanto um número real
pode ter 0, 1 ou 2 raízes reais3 .
(ii) Equações polinomiais de grau n om oe ientes reais ou omplexos
têm n soluções omplexas, ontando multipli idades, enquanto até po-
dem não ter qualquer solução real, mesmo om todos oe ientes reais4.
(iii) Funções trigonométri as omplexas podem ser expressas em termos
da função exponen ial e as funções hiperbóli as são iguais a funções
trigonométri as sob um simples rotação da variável, uni ando funções
que no quadro real apare em desligadas.
(iv) Séries de Taylor5 de funções omplexas diferen iáveis num ponto on-
vergem absolutamente para o valor da função em pontos a distân ia
menor do que um raio de onvergên ia, que é a distân ia do ponto aos
pontos mais próximos em que a função não é diferen iável ou não está
denida, e divergem em pontos a distân ia maior, enquanto a série
de Taylor de uma função real indenidamente diferen iável pode não
onvergir para a função sem haver pontos em que deixe de ser inde-
nidamente diferen iável6 . As funções analíti as7 omplexas são as fun-
ções diferen iáveis, enquanto uma função real pode ser indenidamente
diferen iável sem ser analíti a. Uma função omplexa diferen iável é
3 √ √ √
Resp., 2k a, com a < 0 e k ∈ N , 2k+1 a, com a < 0 e k ∈ N ou ± 2k a, com a > 0 e k ∈ N .
Abrevia-se “respectivamente” por “resp.” em todo o texto.
4
e.g. x2k +1 = 0 , com k ∈ N .
5
Taylor, Brook (1685-1731).
6 1
e.g. a função real 1+x 2 é indefinidamente diferenciável em R , mas tem série de Taylor
convergente se |x| < 1 e divergente se |x| > 1 , enquanto a função complexa definida pela √ mesma
fórmula é indefinidamente diferenciável para |x| < 1 , mas não está definida nos pontos ± −1, que
têm valor absoluto 1, o que explica que o raio de convergência seja 1.
7
i.e. representáveis por séries de potências num conjunto aberto.
xii Análise e Dinâmica Complexa em Uma Variável

automati amente indenidamente diferen iável e analíti a, enquanto


uma função real diferen iável pode até não ter segunda derivada.
(v) Funções omplexas diferen iáveis num onjunto aberto são analíti as e
indenidamente diferen iáveis, enquanto funções reais indenidamente
diferen iáveis num onjunto aberto que ontém um ponto podem não
ser analíti as em9qualquer onjunto aberto que ontenha esse ponto8 .
(vi) Séries de Fourier de funções periódi as omplexas são séries de potên-
ias a menos de transformação de variáveis por uma exponen ial, que
para funções periódi as reais tem expoente imaginário puro, enquanto
no quadro real os dois tipos de séries apare em desligados.
Um outro aspe to é a fertilidade da Análise Complexa para o desenvolvi-
mento de outras áreas da Matemáti a, omo Teoria de Poten ial e Equações
Diferen iais Par iais (pois as partes real e imaginária de uma função om-
plexa diferen iável são soluções da equação diferen ial par ial de Lapla e
que é satisfeita pelo poten ial asso iado a equilíbrio de pro essos onservati-
vos em meios ontínuos), Análise Fun ional e Cál ulo de Variações (pois as
soluções da equação de Lapla e satisfazem o Prin ípio de Diri hlet de mini-
mização do quadrado da norma do gradiente, o que orresponde a minimizar
a energia dos ampos ve toriais de que são poten iais), Análise Harmóni a
(pois funções omplexas diferen iáveis são harmóni as e séries de Fourier e
transformações de Fourier e de Lapla e são denidas no quadro omplexo),
Geometria Diferen ial (em que as noções de variedade diferen ial e de Geo-
metria Riemanniana en ontraram a motivação nas Superfí ies de Riemann
ini ialmente onsideradas em Análise Complexa para resolver por funções
(i.e. relações unívo as) a inversão de funções não inje tivas10 ), Topolo-
gia Algébri a (pois as noções de número de rotação de aminho fe hado,
homotopia, homologia, revestimento, grupo fundamental, ara terísti a de
Euler e género11 de superfí ie surgem naturalmente no estudo de funções
de uma variável omplexa), Geometria Algébri a (pois os onjuntos de nível
de funções omplexas são urvas algébri as, e urvas planas ans e urvas
algébri as proje tivas12 , estão asso iadas a Superfí ies de Riemann), Teo-
ria Analíti a de Números (em que a distribuição dos números primos pode
ser es lare ida através da Função Zeta de Riemann13 ), Sistemas Dinâmi os
8 2
e.g. a função real e−1/x prolongada por continuidade à origem é indefinidamente diferen-
ciável e as derivadas de qualquer ordem assim como a própria função são 0 na origem, que é o
único ponto em que a função é 0 , pelo que a função não é analı́tica em qualquer conjunto que
contenha 0 , enquanto a função complexa definida pela mesma fórmula não pode ser prolongada
2 2
por continuidade a 0 (com y ∈ R , e−1/(iy) = e1/y → +∞ quando y → 0), e não é analı́tica em
qualquer conjunto aberto que contenha 0 .
9
Fourier, Joseph (1768-1830).
10
e.g. z 2 .
11
Em inglês diz-se genus.
12
Uma curva plana afim é o conjunto dos zeros de um polinómio complexo de duas variáveis.
Uma curva algébrica projectiva é um conjunto de pontos do plano projectivo complexo corres-
pondente aos zeros de um polinómio complexo homogéneo de três variáveis. O plano projectivo
complexo é o conjunto das classes de equivalência de pontos de C3 pela relação de equivalência
entre pontos definida por um ser múltiplo complexo do outro.
13 P
ζ(z) = ∞ n=1 n
−z .
Introdução xiii

(dando o ontext em que esta área foi ini iada e ontribuindo para uma parte
substan ial da teoria bási a, in luindo a noção de onjugação, linearização
em pontos de equilíbrio ou periódi os, a onsideração de pontos e órbitas
periódi as atra tores, ba ias de atra ção, pontos e órbitas periódi as repul-
sores, o papel de pontos ríti os, a onsideração de órbitas homo líni as, a
noção de hiperboli idade, o papel de pequenos denominadores em pontos de
equilíbrio neutros que está na base da Teoria KAM14 , a utilização de To-
pologia Algébri a no estudo da dinâmi a de sistemas, a noção de onjunto
atra tor e a questão da sua dimensão)15 .
As origens de Topologia Algébri a, Geometria Algébri a, Geometria Ri-
emanniana, Sistemas Dinâmi os, Análise Harmóni a, Equações Diferen iais
Par iais elípti as ruzam-se om Análise Complexa de tal modo que é muito
bené o pre eder o estudo dessas áreas por um aprofundamento do estudo
de Análise Complexa nessas dire ções, pois é neste ontexto que surgem num
quadro natural e relativamente simples, o que fa ilita muito a apreensão dos
on eitos bási os envolvidos e o estudo espe ializado desses assuntos.
A Análise Complexa tem muitas apli ações. O seu desenvolvimento ini-
ial onfundiu-se om o de ertas áreas de apli ação omo artograa, hi-
drodinâmi a, aerodinâmi a, elasti idade, ele troestáti a, ele tromagnetismo,
pro essos de difusão em quími a e em biologia. A ligação da Análise Com-
plexa a áreas de outras iên ias e de engenharia é tão íntima que o pró-
prio desenvolvimento de várias dessas áreas se onfundiu om os métodos
de Análise Complexa, por exemplo no ál ulo do movimento de uidos, da
elasti idade em sólidos, dos ampos elé tri os e ele tromagnéti os resultan-
tes de distribuições de arga e orrente elé tri as, da força de sustentação de
asas de aviões, de sistemas de ontrolo, de análise e pro essamento de sinais.
Houve até uma épo a em que o termo Matemáti a Apli ada era prati amente
sinónimo de métodos de análise omplexa e equações diferen iais.
Com estas ara terísti as, não é surpreendente que vários dos mais des-
ta ados matemáti os de toda História se tenham interessado pela Análise
Complexa. En ontramos não só ontribuições dos 15 notáveis da história
da matemáti a que ontribuíram espe ialmente para a Análise Complexa de
funções de uma variável ujas biograas são resumidas no apêndi e IV 
Euler,Gauss,Cau hy,Weierstrass,Riemann,Klein,S hwarz,Poin aré,Pi ard,
Goursat,Carathéodory,Montel,Löwner,NevanlinnaeAhlfors16  omo de ou-
14
Designação dada em 1968 por Felix Izrailev (1941-) e Boris Chirikov (1928-2008) com as
iniciais dos últimos nomes de Andrei Nikolaevich Kolmogorov (1903-1987), Vladimir Igorevich
Arnold (1937-2010) e Jürgen Moser (1928-1999), que a desenvolveram inicialmente. Foi criada
com motivação na questão de Mecânica Celeste de estabilidade do Problema de 3 Corpos – Sol,
Terra e Lua.
15
Laplace, Pierre-Simon (1749-1827). Dirichlet, Johann Peter Gustav Lejeune (1805-1859).
Riemann, Bernhard (1826-1866). Euler, Leonhard (1707-1783).
16
Gauss, Carl Friedrich (1777-1855). Cauchy, Augustin-Louis (1789-1857). Weierstrass, Karl
(1815-1897). Klein, Felix (1849-1925). Schwarz, Hermann (1843-1921). Poincaré, Henri (1854-
1912). Picard, Charles Émile (1856-1941). Goursat, Édouard (1858-1936). Carathéodory, Cons-
tantin (1873-1950). Montel, Paul Antoine (1876-1975). Löwner, Karl (1893-1968), mudou o nome
xiv Análise e Dinâmica Complexa em Uma Variável

tros matemáti os distintos entre os quais uma lista impressionante de mais


de um terço de todos que re eberam a Medalha Fields17 em vários anos
desde 1936, quando este prémio omeçou a ser atribuído de quatro em qua-
tro anos18 : L.Ahlfors(1936), A.Selberg(1950), K.Kodaira(1954), J.P.Serre
(1954), J. Milnor (em 1962), M. Atiyah (1966), A. Grothendie k (1966), H.
Hironaka (1970), E. Bombieri (1974), P. Deligne (1978), C. Feerman (1978),
A.Connes(1982), W.Thurston(1982), S.-T.Yau(1982), S.Donaldson(1986),
S.Mori(1990), J.-C.Yo oz(1994), R.Bor herds(1998), C.M Mullen(1998),
W.Werner(2006), S.Smirnov(2010), A.Avila(2014), M.Mirzakhani(2014).
Também é interessante observar a rapidez do desenvolvimento da Análise
Complexa de funções de uma variável, prin ipalmente nos em anos de 1810
a 1910 e, om menos intensidade, nos trinta anos seguintes, embora om
ontribuições importantes durante todo o período até hoje.
Começa-se por rever a denição de números omplexos, a sua represen-
tação geométri a omo pontos de um plano e as estruturas algébrica,
métrica e topológica do plano omplexo, dando ênfase à extensão algé-
bri a dos números reais pelos números omplexos e à identi ação métri a e
topológi a do plano omplexo om o plano real.
No apítulo 2 dene-se exponencial complexa e as orrespondentes
funções logaritmo, e são es lare idas as suas relações om funções trigo-
nométri as, hiperbóli as e potên ias, mostrando que no quadro omplexo
todas estas funções traduzem aspe tos da função exponen ial. São intro-
duzidos diversos modos de representação geométri a de funções omplexas:
deformação geométri a do plano pela representação de famílias de urvas e
das suas imagens, grá os das partes real e imaginária, grá os do módulo
e de um argumento, linhas de nível das partes real e imaginária.
Seguem-se três apítulos dedi ados, por ordem, às noções de derivada,
integral, função analı́tica.
As equações de Cau hy-Riemann, rela ionando derivadas par iais das
partes real e imaginária da função em relação às partes real e imaginária
da variável independente, são estabele idas omo ondições ne essárias para
uma função omplexa ser diferen iável (i.e. holomorfa), e são exploradas al-
para Carl Loewner. Nevanlinna, Rolf (1895-1980). Ahlfors, Lars (1907-1966).
17
A Medalha Fields foi instituida em 1936 pela União Internacional de Matemática, muito
devido ao esforço de John Charles Fields (1863-1932). É atribuı́da a matemáticos com menos de 40
anos no Congresso Internacional de Matemática que reúne de 4 em 4 anos, embora interrompido
entre 1936 e 1950 devido à II Guerra Mundial. É vista como um tipo de Prémio Nobel de
Matemática, rivalizando apenas com o Prémio Abel que, embora considerado em 1902, só foi
criado pelo Governo da Noruega em 2001 com o objectivo explı́cito de “dar aos matemáticos o seu
próprio equivalente a um Prêmio Nobel”.
18
Selberg, Atle (1917-2007). Kodaira, Kunhiiko (1915-1997). Serre, Jean Pierre (1926-). Milnor,
John (1931-). Atiyah, Michael (1929-2019). Grothendieck, Alexander (1928-2014). Hironaka,
Heisuke (1931-). Bombieri, Enrico (1940-). Deligne, Pierre (1944-). Fefferman, Charles (1949-).
Connes, Alain (1947-). Thurston, William (1946-2012). Donaldson, Simon (1957-). Yoccoz, Jean-
Christophe (1957-2016). Yau, Shing-Tung (1949-). Mori, Shigefumi (1951-). Borcherds, Richard
(1959-). McMullen, Curtis (1958-). Werner, Wendelin (1968-). Smirnov, Stanislav (1970-). Avila,
Artur (1979-). Mirzakhani, Maryam (1977-2017).
Introdução xv

gumas onsequên ias destas equações, omo a de funções om derivadas dife-


rentes de zero denirem transformações onformes, analisando-se em detalhe
a importante lasse das Transformações de Möbius19 e omo deformam
o plano omplexo.
No apítulo dedi ado a integral dis ute-se a existên ia de primitiva e
estabele em-se para funções holomorfas em onjuntos onvexos o Teorema
de Cauchy (integrais de funções holomorfas em aminhos fe hados são nu-
los) e a Fórmula de Cauchy (que dá o valor de uma função holomorfa em
termos de integrais em aminhos fe hados) lo ais, om base no resultado de
E. Goursat que em 1900 dispensou a hipótese de ontinuidade da derivada
(a Fórmula de Cau hy envolve a onsideração do número e sentido de voltas
de um aminho fe hado em torno de um ponto, o que é expresso pela no-
ção de Índice ou Número de Rotação do aminho em relação ao ponto,
que é invariante sob deformações ontínuas do aminho fe hado na região
omlementar ao ponto onsiderado, expressas rigorosamente pela noção de
homotopia); om a Fórmula de Cau hy obtém-se a Propriedade de Va-
lor Médio de funções holomorfas em ír ulos fe hados que dá o valor da
função no entro pela sua média na ir unferên ia que limita o ír ulo.
Seguindo K. Weierstrass e E. Cartan opta-se por identi ar função ana-
líti a om função igual à soma de uma série de potên ias; es lare em-se os
on eitos de onvergên ia simples, absoluta e uniforme de séries, e de onver-
gên ia de séries de potên ias. Como apli ações estabele e-se que as funções
analíti as são indenidamente diferen iáveis e as derivadas de qualquer or-
dem também são analíti as, es lare e-se que os zeros de funções analíti as
em regiões (i.e. onjuntos abertos onexos) em que não se anulam são pontos
isolados e têm ordem nita, prova-se o Teorema de Unicidade de Funções
Analı́ticas (funções analíti as numa região que oin idem num onjunto
que tem um ponto limite são iguais), estabele e-se a Fórmula de Parseval
para séries de potên ias, que é usada para obter as Estimativas de Cau-
hy (majorações das derivadas de qualquer ordem num ponto em termos de
majorantes da função num ír ulo entrado no ponto e no raio do ír ulo),
o Teorema de Liouville (as úni as funções inteiras, i.e. analíti as em todo
C , limitadas são as onstantes), o Princı́pio de Módulo Máximo (funções
analíti as om valores absolutos que assumem um valor máximo numa região
são onstantes) e o orrespondente resultado para mínimos20 .
O apítulo seguinte é de unificação de derivada, integral, função
analı́tica (denidas separadamente em ada um dos três apítulos pre e-
dentes), estabele endo a equivalên ia de holomora, validade do Teorema de
Cau hy em onjuntos onvexos, e analiti idade. Prova-se o Teorema Fun-
damental da Álgebra21 por apli ação simples do Teorema de Liouville
e es lare e-se a estrutura local de funções holomorfas, onsiderando
19
i.e. funções do tipo az+b
cz+d
, com a, b, c complexos e ad−bc 6= 0 .
20
Möbius, AugustFerdinand (1790-1868). Cartan, Élie (1869-1951). Liouville, Joseph (1809-1882).
21
É a primeira de 7 provas alternativas dadas neste livro.
xvi Análise e Dinâmica Complexa em Uma Variável

também os teoremas de Função Inversa e de Apli ação Aberta. Prova-se o


Teorema de Weierstrass de analiticidade dos limites de sucessões
e séries de funções analı́ticas uniformemente convergentes em con-
juntos compactos. Fi a laro assim que o pro esso de extensão de funções
polinomiais a funções analíti as pela onsideração de séries não onduz a
uma nova extensão quando apli ado a funções analíti as om a onvergên-
ia uniforme em onjuntos ompa tos. O apítulo termina om teoremas
de Hurwitz22 sobre passagem de várias propriedades dos termos de su es-
sões de funções uniformemente onvergentes em onjuntos ompa tos para
os resp. limites (inexistên ia de zeros, inje tividade e in lusão de ontrado-
mínios num mesmo onjunto).
No apítulo 7 globalizam-se o Teorema e a Fórmula de Cauchy,
em termos de homologia de aminhos denida om a noção de Número de
Rotação (ou Índi e) de um aminho fe hado em relação a um ponto. Em
onsequên ia, o Teorema de Cau hy é imediatamente válido para funções
holomorfas em regiões simplesmente onexas. Também se onsideram ex-
tensões do Prin ípio de Módulo Máximo a regiões ilimitadas, in luindo o
Princı́pio de Phragmén-Lindelöf obtido em 1908 que dá ondições para
funções holomorfas em regiões ilimitadas om res imento moderado no in-
nito serem ne essariamente onstantes. Este Prin ípio é apli ado a provar o
Princı́pio de Incerteza de Hardy, sobre a impossibilidade de uma fun -
ção ser simultaneamente lo alizada no espaço e na frequên ia. O apítulo
termina om as noções de ordem e tipo de funções inteiras e uma prova da
Conje tura de Denjoy do número de valores assimptóti os de funções intei-
ras ao longo de urvas que tendem para innito não ex eder o dobro da
ordem da função. Esta onje tura de 1907 por A. Denjoy esteve em aberto
21 anos apesar de tentativas de vários matemáti os experientes; foi provada
 Teorema de Denjoy-Carleman-Ahlfors  por L. Ahlfors23 em 1929.
No apítulo 8 onsideram-se singularidades isoladas de funções om-
plexas, que são lassi adas omo removíveis, pólos ou singularidades es-
sen iais, e a série de Laurent (série de potên ias om possíveis expoentes
inteiros negativos) de uma função numa singularidade isolada. Introduz-se
a noção de função meromorfa (sem singularidades ou om singularidades
que são pólos isolados) e estabele e-se, omo orolário simples do Teorema
de Cau hy Global do apítulo pre edente, o Teorema dos Resı́duos (que
permite al ular integrais de funções meromorfas em aminhos fe hados por
somas de resíduos, dados pelo 1o oe iente de ordem negativa da série
de Laurent em pólos na região limitada pelo aminho). Seguem-se várias
apli ações do Teorema dos Resíduos ao ál ulo de integrais de funções om-
22
Hurwitz, Adolf (1859-1919).
23
Quando, com 21 anos, estava a iniciar a preparação para doutoramento, o que surpreendeu o
mundo matemático e lhe abriu um percurso que o levou à Medalha Fields 7 anos depois. Phragmén,
Lars Edward (1863-1937). Lindelöf, Ernst (1870-1946). Hardy, Godfrey Harold (1877-1947).
Denjoy, Arnaud (1884–1974). Carleman, Torsten (1892-1949).
Introdução xvii

plexas e de funções reais, in luindo integrais impróprios em R , e à prova do


Princı́pio do Argumento e do Teorema de Rouché24 sobre ontagem
e lo alização de zeros e pólos.
Termina aqui a parte que tem o obje tivo espe í o de apoiar uma pri-
meira dis iplina de meio semestre em funções omplexas de uma variável.
Alguns tópi os lássi os importantes de Análise Complexa em Uma Va-
riável apare em omo exer í ios, prin ipalmente a partir do apítulo 6: Prin-
cı́pio de Simetria para funções holomorfas; ordem, tipo e género de fun-
ção inteira; Teorema dos 3 Cı́rculos de Hadamard; Função Gama
(que estende fa torial de números naturais); Teorema de Mittag-Leffler
(de existên ia de funções meoromorfas om pólos e partes singulares pré-
estabele idas); produtos innitos (in luindo o Teorema de Factorização
de Weierstrass que estende para funções inteiras a fa torização de poli-
nómios em fa tores elementares, ada um dependente de um dos zeros da
função); Função Zeta de Riemann (a série dos re ípro os dos números
naturais elevados a ada ponto do domínio, asso iada à distribuição dos nú-
meros primos e à rela ionada Hipótese de Riemann); expansões assimptó-
ticas em séries de potên ias (dando aproximações de funções num ponto por
séries que podem divergir); Fórmula de Jensen (para o valor de uma fun-
ção no entro de um ír ulo fe hado em que é holomorfa); funções elı́pticas,
i.e. funções meromorfas biperiódi as, in luindo a função-℘ de Weierstrass;
domı́nio máximo de existência de função holomorfa e domı́nio de
holomorfia de função (in luindo a prova que toda região em C é domínio
de holomora de alguma função); Teorema de Runge (de aproximação
de funções holomorfas por funções ra ionais om pólos pre-xados fora do
onjunto de holomora)25 .
Também se in luem muitos exer í ios sobre apli ações a diversas áreas,
e.g. ir uitos elé tri os, sistemas me âni os, hidrodinâmi a, ele troestáti a,
propagação de alor em equilíbrio, análise e pro essamento de sinais, análise e
ontrolo de sistemas lineares, dinâmi a de uidos, aerodinâmi a, elasti idade.
A parte nal do livro onsiste em in o apítulos adi ionais em temas
fundamentais, om incidência em aspectos geométricos e topológicos
julgados espe ialmente úteis para ontinuação do estudo de Análise Com-
plexa de funções de uma variável. Podem ser usados omo base para a
segunda parte de uma dis iplina de um semestre ou para partes de dis ipli-
nas subsequentes. Em parti ular, o último apítulo pode ser a base de uma
dis iplina sobre dinâmi a denida por iteração de funções holomorfas, om
re urso a tópi os de apítulos anteriores que os alunos ainda não dominem,
visto que usa prati amente toda a matéria anterior. Contudo, a prin ipal ra-
zão para in luir estes in o apítulos é despertar a uriosidade de estudantes
pelos temas abrangidos e apoiar o estudo individual desses assuntos.
24
Rouché, Eugène (1832-1910).
25
Hadamard, Jacques (1865-1963). Mittag-Leffler, Magnus Gösta (1846-1927). Jensen, Johan
Ludwig (1859-1925). Runge, Carl David (1856-1927).
xviii Análise e Dinâmica Complexa em Uma Variável

O apítulo 9 é sobre funções harmónicas, que são as soluções da equa-


ção diferen ial par ial de Lapla e. Têm um ampo de apli ação vasto porque
orrespondem a poten iais de ampos ve toriais onservativos om divergên-
ia nula e des revem soluções de equilíbrio em meios ontínuos, por exemplo
para ampo gravita ional num onjunto sem massas, ampo elé tri o num
onjunto sem argas elé tri as, ampo de velo idades de um uido in om-
pressível esta ionário e irrota ional, densidade em pro essos de difusão (em
físi a, quími a, biologia). Considera-se o Problema de Dirichlet de deter-
minação de uma função harmóni a num onjunto limitado que na fronteira
tem valores dados por uma função ontínua, primeiro em ír ulos e depois
em onjuntos mais gerais om o Método de Perron26 de 1923, que é si-
multaneamente simples e geral, e permite separar a questão de existên ia
de soluções no interior do onjunto da sua ontinuidade na fronteira om
a utilização de funções subharmóni as para obter su essões de funções que
onvergem para a solução. Este apítulo abre a porta para o estudo de Teoria
do Poten ial, Equações Diferen iais Par iais e Cál ulo de Variações.
O obje tivo prin ipal do apítulo 10 é identi ar ondições em que exis-
tem transformações onformes entre duas regiões do plano omplexo, o que,
em parti ular, permite obter funções harmóni as numa das regiões a partir
de funções harmóni as na outra região e alarga os métodos para obter solu-
ções da equação de Lapla e. O Teorema do Mapeamento de Riemann
estabele e o forte (e possivelmente surpreendente) resultado de existên ia de
transformações onformes de qualquer região simplesmente onexa propri-
amente ontida em C sobre o interior de um ír ulo. Foi armado por B.
Riemann in 1951, mas permane eu sem prova durante 49 anos. A primeira
prova foi em 1900 por W. Osgood, embora H. S hwarz o tivesse provado
para regiões poligonais in 1870 e para regiões om fronteira on atenação de
um número nito de urvas analíti as em 1890. Em 1912 C. Carathéodory
obteve uma prova om o Lema de Schwarz (que estabele e que uma fun-
ção holomorfa que mantém a origem xa e transforma o ír ulo aberto om
raio 1 e entro na origem nele próprio é uma rotação em torno da origem
ou aproxima da origem todos os outros pontos (não ne essariamente sobre
o mesmo raio) e su essões de transformações onformes entre Superfí ies de
Riemann obtidas resolvendo equações algébri as de graus 1 e 2 e o Teorema
de Montel sobre ompa idade sequen ial de onjuntos de funções holomor-
fas. Ainda em 1912 P. Koebe simpli ou essa prova evitando Superfí ies de
Riemann e em 1915 obteve uma prova onstrutiva. Em 1922 L. Fejér and F.
Riesz des obriram que podia ser obtida uma prova resolvendo um problema
varia ional de maximização do módulo da derivada da transformação num
ponto da região, o que permitiu obter uma prova muito mais simples27 . A
26
Perron, Oskar (1880-1975).
27
Esta prova, publicada em 1922 por T. Radó em nome de L. Fejér e F. Riesz, é a mais difundida,
possivelmente porque é a de livros de Análise Complexa muito divulgados como os de L. Ahlfors,
W. Rudin and B. Chabat mencionados alguns parágrafos abaixo.
Introdução xix

prova apresentada neste apítulo, dada por C.Carathéodory in 1929, evita o


uso de derivadas, resultando numa prova ainda mais simples. Considera-se
também a extensão por ontinuidade de transformações onformes à fron-
teira da região e a identi ação de propriedades da fronteira que permitem
uma tal extensão, in luindo as noções de fim primo de região simplesmente
onexa em C introduzida por C.Carathéodory em 1913 e de comprimento
extremo de um onjunto de urvas re ti áveis num sub onjunto aberto de
C introduzida por L. Ahlfors e A. Beurling em 1946. A penúltima se ção
do apítulo é dedi ada a uma unificação de caracterizações de regiões
simplesmente conexas do plano omplexo por propriedades de natureza
muito diferente (topológi as da região, topológi as do omplementar da re-
gião, analíti as, algébri as). O apítulo termina om resultados muitíssimo
interessantes sobre funções holomorfas inje tivas  funções univalentes 
sobre restrições aos oe ientes de séries de Taylor que são exploradas para
obter que funções univalentes não podem ontrair regiões do plano mais do
que uma erta grandeza, pelo que os ontradomínios de tais funções de-
nidas num onjunto aberto de C ontêm ír ulos abertos om raios pelo
menos iguais ao produto de 1/4 do valor absoluto da derivada da função
num ponto pela distân ia do ponto à fronteira do onjunto, e relações de
limitação da distorção resultante de apli ação de tais funções. Estabele e-se
o resultado obtido por L. Bieberba h em 1916 do valor absoluto do oe-
 iente do termo de ordem 2 da série de Taylor em 0 de uma função f
univalente no ír ulo aberto om raio 1 e entro na origem B1 normalizada
om f (0) = 0 e f ′(0) = 1 ser majorado por 2, de que obteve o Teorema de
Um Quarto de Koebe, onje turado por P. Koebe em 1907 mas provado
só em 1916 por L.Bieberba h, segundo o qual os ontradomínios destas fun-
ções ontêm o dis o aberto om entro na origem e raio 1/4, que é óptimo
no sentido de tal dis o aberto ser o maior om entro na origem ontido nos
ontradomínios de todas funções om as propriedades de f . Na altura, L.
Bieberba h formulou a famosa Conje tura de Bieberba h do valor absoluto
do oe iente do termo de ordem n da série de Taylor em 0 ser majorado
por n e esta majoração ser óptima. Esta onje tura  ou em aberto 69 anos
e a sua prova foi grande notí ia matemáti a em 1985 quando foi provada
por L. de Branges; é um exemplo de vários resultados importantes obtidos
em dé adas re entes. Em 1991 L. Weinstein publi ou uma prova mais di-
re ta, que é a prova da Conjectura de Bieberbach que se apresenta28 .
No apítulo 11 estudam-se aspe tos globais de funções analíti as, omo
prolongamento analı́tico, funções analı́ticas globais, Superfı́cies de
Riemann, caracterização algébrica de regiões conformes. A on-
sideração de Superfı́cies de Riemann, on ebidas por B. Riemann em
1854, teve importân ia determinante para o desenvolvimento da Geometria
28
Osgood, William (1864-1943). Koebe, Paul (1882-1945). Fejér, Leopold (1880-1959). Riesz,
Friegyes (1880-1956). Radó, Tibor (1895-1965). Beurling, Arne (1905-1986). Bieberbach, Ludwig
(1886-1982). de Branges, Louis (1932-). Weinstein, Lenard.
xx Análise e Dinâmica Complexa em Uma Variável

Diferen ial e, em parti ular, da Geometria Riemanniana, mas só em 1913


foram rigorosamente des ritas por H.Weyl omo variedades omplexas, om
uma denição semelhante à de variedade diferen ial de dimensão 2 mas om
vizinhanças de oordenadas omplexas rela ionadas por transformações on-
formes entre sub onjuntos abertos do plano omplexo em vez de homeomor-
smos entre sub onjuntos abertos do plano real. Rela ionam-se onjuntos
de zeros de polinómios em duas variáveis omplexas (mais pre isamente,
de urvas planas ans irredutíveis não singulares e de urvas algébri as no
plano proje tivo) om Superfí ies de Riemann. In lui-se a ara terização
algébri a de regiões onformes do plano omplexo por isomorsmos das ál-
gebras de funções holomorfas pelo Teorema de Bers de 1948 e de regiões
onformes de Superfí ies de Riemann pelo Teorema de Iss’sa de 1965.
Também se in lui o estudo da métrica de Poincaré ou métrica hiper-
bólica numa região simplesmente onexa e da métrica ultrahiperbólica
numa região, introduzida em 1938 por L. Ahlfors. O apítulo termina om
uma se ção sobre tamanho do ontradomínio de funções holomorfas numa
região do plano omplexo, em parti ular sobre onterem ír ulos om raios
estimados em termos da derivada da função num ponto e na distân ia desse
ponto à fronteira, prin ipalmente om resultados obtidos entre 1924 e 1938,
mas simpli ados e renados até ao nal do sé . XX. Estes resultados são
apli ados para estabele er o Pequeno Teorema de Picard (funções intei-
ras não onstantes assumem todos valores omplexos ex epto possivelmente
um) e o Grande Teorema de Picard (funções holomorfas assumem em
vizinhanças de singularidades essen iais isoladas todos números omplexos
ex epto possivelmente um, innitas vezes). Estes dois teoremas foram pro-
vados pela primeira vez por E. Pi ard em 1879, mas foram obtidas várias
provas mais simples ao longo de prati amente todo sé . XX29 .
O apítulo 12 é prin ipalmente dedi ado ao Teorema de Uniformiza-
ção de Superfí ies de Riemann simplesmente onexas, que L.Ahlfors onside-
rou talvez o teorema mais importante em toda a teoria de funções analíti as
de uma variável e D.Hilbert in luiu omo penúltimo dos Problemas de Hil-
bert30 . Este teorema estende para Superfí ies de Riemann simplesmente
onexas o Teorema do Mapeamento de Riemann para regiões simplesmente
onexas propriamente ontidas no plano omplexo: a menos de transforma-
ções onformes, além de plano omplexo ou ír ulo aberto só há a possi-
29
Weyl, Hermann (1885-1955). Bers, Lipman (1914-1993). O Teorema de Iss’sa foi publicado
sob o pseudónimo Hej Iss’sa pelo matemático Heisuke Hironaka (1931-). A palavra japonesa
pronunciada como “Issa” significa “um chá” ou “uma chávena de chá” ou “um gole de chá”, que
já tinha sido usada no pseudónimo Kobayashi Issa adoptado pelo poeta japonês de nome de
nascimento Kobayashi Nobuyki (1763-1828), um expoente da forma de poesia curta japonesa
Haiku cuja essência é a captura de uma imagem ou sensação com linguagem sensorial, como no
seu poema traduzido em inglês por Summer night – even the stars are whispering to each other.
30
Um conjunto de 23 problemas propostos por David Hilbert (1862-1943) no Congresso In-
ternacional e Matemáticos de 1900, em Paris, que este esperava poderem ter um contribuição
significativa para o avanço da Matemática no séc. XX, a maioria dos quais influenciaram impor-
tantes desenvolvimentos; Paul Cohen (1934-2007) recebeu a Fields Medal em 1966 por trabalho no
1o Problema de Hilbert, sobre a Hipótese do Continuum, designadamente, que não há conjuntos
com cardinalidade entre a de N e a de R .
Introdução xxi

bilidade adi ional de superfí ie esféri a. Para a prova deste teorema, são
introduzidas as importantes noções em Topologia de grupo fundamental
e de espaço de revestimento e função de revestimento, estas últimas
noções riadas em 1882 por H.S hwarz pre isamente para provar o Teorema
de Uniformização. Prova-se que curvas planas afins relacionam-se na-
turalmente com Superfı́cies de Riemann compactas, e onsidera-se
o Método de Perron em Superfí ies de Riemann inspirado no método om o
mesmo nome para funções harmóni as. Estabelece-se que toda Super-
fı́cie de Riemann admite uma métrica de Riemann conforme com
curvatura de Gauss constante e que o orrespondente espaço métri o
é ompleto e lo almente ompa to; prova-se que uma funções holomorfas
entre Superfí ies de Riemann om tal métri a om urvatura negativa são
ontra ções (Teorema de Pick). In luem-se no nal do apítulo o Teo-
rema de Riemann-Roch e o Teorema de Abel-Jacobi para Superfí ies
de Riemann ompa tas; o primeiro rela iona a topologia de uma Superfí-
ie de Riemann, através da Caracterı́stica de Euler ou do Género, om
as dimensões dos espaços lineares de possíveis funções meromorfas denidas
na Superfí ie om pólos e zeros om ordens majoradas por números espe-
i ados; o último dá uma ondição me essária e su iente in termos da
lo alização e das ordens de zeros e pólos para existên ia de Funções Mero-
morfas. Em 1969 D. Mumford e em 1976 P. Griths estenderam as ideias
de N.H. Abel asso iadas ao Teorema de Abel-Ja obi para obter resultados
importantes em Geometria Algébri a31 .
Con lui-se om um apítulo ( er a de 1/4 do livro) sobre Dinâmica
Complexa de iteração de funções holomorfas, em parti ular de funções ra-
ionais, om propriedades da dinâmi a na vizinhança de pontos de equilíbrio
ou órbitas periódi as e dos conjuntos de Julia, Fatou e Mandelbrot32.
Es olheu-se este tema para nalizar o livro por várias razões: utiliza grande
parte dos aspe tos geométri os apresentados nos últimos apítulos anteri-
ores, é uma ex elente base para o estudo de sistemas dinâmi os de outros
tipos, eviden ia o poder da Análise Complexa num ontexto interessante e
om aspe tos difí eis e surpreendentes, teve ontribuições importantes em
dé adas re entes e ontinua a ser um tema em que se levantam questões que
desaam alguns dos melhores matemáti os da a tualidade33 .
As primeiras ontribuições para Dinâmi a Complexa foram em 1870-
1920, mas houve um renas imento a partir 1965, espe ialmente vigoroso
depois de 1982 e que ainda prossegue, muito em onsequên ia da uriosidade
31
Pick, Georg (1859-1942). Roch, Gustav (1839-1866). Abel, Niels Henrik (1802-1829). Carl
Gustav Jacobi (1804-1851). Griffiths, Philip (1928-). Mumford, David (1937-), recebeu a Fields
Medal em 1974 por contribuições para a teoria de variedades de modulos e para a teoria de
superfı́cies algébricas.
32
Julia, Gaston (1893-1978). Fatou, Pierre (1878-1929). Mandelbrot, Benoit (1924-2010).
33
Inclusivamente vários laureados com a Medalha Fields: J. Milnor (1962), A. Connes (1982),
W. Thurston (1982), J.-C. Yoccoz (1994), C. McMullen (1998), S. Smirnov (2010), A. Avila (2014),
M. Mirzakhani (2014).
xxii Análise e Dinâmica Complexa em Uma Variável

despertada pelo ál ulo em omputador a partir de 1978 de guras impres-


sionantes dos onjuntos de Mandelbrot e de Julia om geometria intrin ada
revelando autosemelhança lo al a várias es alas e fra talidade. Outra on-
tribuição para este renas imento foi a des oberta por M. Feigenbaum e por
P. Coullet e C. Tresser (em 1978 e também om simulações om omputa-
dor) de propriedades quantitativas universais de bifur ações de dupli ação
de período om a variação de um parâmetro que move o máximo da função
unimodal num intervalo de números reais, e as asso iadas órbitas aóti as
destes sistemas dinâmi os determinísti os muito simples, seguidas de ontri-
buições importantes de muitos investigadores, pois a dinâmi a de iteração
de funções holomorfas é a extensão mais simples a funções em sub onjuntos
de um plano da dinâmi a de iterações de funções num intervalo real34 .
Além da dinâmi a lo al na vizinhança de pontos xos, es lare ida prin-
ipalmente entre 1871 e 1904, e dos resultados bási os sobre os onjuntos de
Julia e de Fatou obtidos prin ipalmente por P. Fatou e G. Julia entre 1918
e 1920, in luem-se no apítulo nal, entre outros tópi os: apli ações da Te-
oria KAM a provar o Teorema de Siegel de existên ia de linearização
lo al num ponto xo de uma função holomorfa om número de rotação irra-
ional diofantino obtida por C.L. Siegel e J. Moser em 1956, e o Teorema
de Arnold de existên ia de onjugação a uma rotação de um homeomor-
smo numa ir unferên ia om número de rotação diofantino e prolongável a
uma função holomorfa numa oroa ir ular obtida em 1961 por V.I. Arnold;
o Teorema de Classificação de Sullivan para omponentes onexas pe-
riódi as do onjunto de Fatou de funções ra ionais formulado em 1983 por
D. Sullivan (no essen ial provado por P. Fatou em 1920 embora na altura
não estivesse provada a existên ia de domínios de rotação35 ); o estudo do
onjunto de Mandelbrot por A. Douady e J. Hubbard de 1983 a 1985, in-
luindo a análise de raios exteriores baseada no Teorema do Mapeamento
de Riemann apli ado à ba ia de atra ção do ponto xo superatra tor ∞ de
fc (z) = z 2 + c para estudar a fronteira do onjunto de Julia; a prova de
abundância de Discos de Siegel de fω (z) = z(z +ei2πω ) , no sentido de
existirem para w ∈ [0, 2π[ ex eptuando um onjunto de medida de Lebesgue
nula, dada por J.-C.Yo oz em 198736 .
A ontribuição mais mar ante em dé adas re entes para dinâmi a da ite-
ração de funções ra ionais omplexas foi a introdução por D. Sullivan em
34
A 1a referência a grande sensibilidade a condições iniciais em sistemas determinı́sticos foi
de H. Poincaré em 1890, a propósito do Problema de 3 Corpos – Lua, Terra e Sol – sob acção
da gravidade. Em 1898 J. Hadamard apresentou resultados sobre o movimento caótico de uma
massa pontual a deslizar sem fricção numa superfı́cie com curvatura negativa constante. Quase
todos os laureados com a Medalha Fields que contribuı́ram para o estudo de dinâmica complexa
mencionados na nota de pé de página precedente também contribuı́ram para o estudo de dinâmica
num intervalo real. Feigenbaum, Mitchell (1944-). Coullet, Pierre (1949-). Tresser, Charles.
35
A de discos de Siegel só foi provada em 1942 por Carl Ludwig Siegel (1896-1981) e a de anéis
de Herman em 1979 por Michael Herman (1942-2000).
36
Sullivan, Denis (1941-). Douady, Adrien (1935-2006). Hubbard, John (1945-). Lebesgue,
Henri (1875-1941).
Introdução xxiii

1982 de perturbações por transformações quase onformes e da analogia om


grupos de Klein. Estes são subgrupos do grupo das matrizes omplexas 2×2
om determinante 1 módulo o seu entro, que é representado pelas transfor-
mações onformes da Superfí ie Esféri a de Riemann C∞ (a ompa ti ação
do plano omplexo que pode ser modelada pela proje ção estereográ a do
plano omplexo sobre uma superfí ie esféri a tangente no pólo Sul ao plano
na origem omo obtida por raios emanando do pólo Norte da superfí ie
esféri a). As transformações quase onformes são homeomorsmos que pre-
servam a orientação e podem não ser diferen iáveis omo funções omplexas
embora sejam diferen iáveis quase em toda a parte omo funções de R2 e as
derivadas em ada ponto em que existem poderem transformar ir unferên-
ias em elipses de ex entri idade limitada que pode variar om o ponto assim
omo a orientação do eixo maior, ontrastando om transformações onfor-
mes que são diferen iáveis omo funções omplexas em todos pontos e têm
derivadas que transformam ir unferên ias em ir unferên ias. A exibili-
dade onseguida om perturbações de funções holomorfas por transformações
quase onformes tem sido parti ularmente fértil por tornar possível a análise
de aspe tos da dinâmi a denida por iteração de funções omplexas que são
ina essíveis no âmbito estrito de funções holomorfas. Este valioso lão não
é explorado neste livro porque a in lusão de des rições dos aspe tos de Aná-
lise Real ne essários de modo a poderem ser apreendidos no nível pre o e
de aprendizagem matemáti a em âmbito universitário a que este livro se
destina o ampliaria para além do que pare eu razoável. Estes aspe tos são
onsiderados num outro livro do autor37 que é ontinuação natural deste.
In luem-se 4 apêndi es. Dois sobre aspe tos de Topologia ne essários
em vários apítulos, um de Topologia Geral e outro om uma prova do Teo-
rema da Curva de Jordan (nos exer í ios indi a-se omo obter outra prova),
embora este teorema seja apenas usado nos 10 (só para ns primos) e 13
(pontualmente). O ter eiro apêndi e é sobre o Teorema de Densidade de
Lebesgue, que é utilizado no último apítulo para provar que os onjuntos
de Julia de funções ra ionais de grau ≥ 2 hiperbóli as têm área nula. O
último apêndi e ontém notas biográ as de 15 dos mais de isivos riadores
da Análise Complexa de Uma Variável. As introduções dos apítulos têm re-
ferên ias históri as mais detalhadas, usadas para apresentação dos assuntos
e informação sobre omo foram desenvolvidos, permitindo uma visão geral
do desenvolvimento históri o dos on eitos om a preo upação sistemáti a
de os situar histori amente à medida que são apresentados.
Embora os primeiros oito apítulos tenham o obje tivo prin ipal de apoi-
arem um urso de apenas meio semestre de ini iação a Análise Complexa,
houve a preo upação de serem uma base oerente e sólida sobre que pos-
sam ser naturalmente ali erçados estudos subsequentes sem que se justique
37
Magalhães, L.T., Transformações Quaseconformes no Plano e Dinâmica Complexa, em pre-
paração.
xxiv Análise e Dinâmica Complexa em Uma Variável

refazer om mais profundidade partes dos assuntos in luídos, não só de Aná-


lise Complexa mais avançada, omo de Geometria Riemanniana, Geometria
Algébri a, Topologia Algébri a e Análise Harmóni a.
A maior parte dos assuntos são lássi os, mas bastante mais de metade
do livro é sobre resultados obtidos no sé .XX, in luindo vários nas 4 dé adas
mais re entes, omo: propriedades do onjunto de Mandelbrot dos valores c
do plano omplexo para os quais a órbita de 0 por iteração da função quadrá-
ti a fc(z) = z2+c não tende para ∞ ; a prova de existên ia de anéis de Herman
em 1979 por M.Herman; o Teorema de Classi ação de Sullivan da dinâmi a
de omponentes de Fatou formulado por D. Sullivan em 1983; a introdução
do on eito defunções ra ionais Subhiperbóli as em 1984-85 por A.Douady e
J.Hubbard, inspirados nas ontribuições de W.Thurston sobre Orbifolds em
1982, permitindo Pontos Críti os om órbitas eventualmente periódi as no
onjunto de Julia e a sua ara terização por órbitas Post-Críti as; o estudo
de A.Douady e J.Hubbard em 1985 do onjunto de Mandelbrot om a utili-
zação do Teorema do Mapeamento de Riemann e o asso iado prolongamento
ontínuo à fronteira da região; a prova por J.-C.Yo oz em 1987 de abundân-
ia de dis os de Siegel para funções ra ionais de grau ≥ 2 fω (z) = z(z+ei2πω )
no sentido de existirem para todos w ∈ [0, 2π[ ex eptuando um onjunto de
medida de Lebesgue nula; exemplos de sistemas de ontrolo desenvolvidos e
apli ados em 1986 e 1990; a simpli ação da prova da Conje tura de Bieber-
ba h por L. Weinstein em 1991 ( om a simpli ação adi ional de S. Ekhad e
D. Zeilberger em 1994) na sequên ia da primeira prova da onje tura por L.
de Branges em 1985 (provando a Conje tura de Milin de 1971 que, devido
à 2a Desigualdade de Lebedev-Milin obtida em 1965, impli a a validade da
Conje tura de Robertson de 1936 que, por sua vez, impli a a da Conje tura
de Bieberba h); a prova que onjuntos de Julia de funções ra ionais de grau
≥ 2 são sub onjuntos uniformemente perfeitos de C∞ obtida em 1992 por R.
Mañé e L.F. Ro ha; a prova alternativa do Pequeno Teorema de Pi ard por
A.Eremenko e M.Sodin em 1992 om base na Desigualdade de Harna k e no
Teorema de Uni idade de Funções Harmóni as, e a simpli ação subsequente
om um resultado de en aixe do supremo de uma função harmóni a em bolas
om raios r e 10r obtido por J. Lewis em 1994; a prova simples por J.-M.
Gambaudo, P. Le Calvez e É. Pé ou em 1996 do número de rotação de um
ponto xo neutro de uma função holomorfa numa Superfí ie de Riemann ser
um invariante topológi o , um resultado ini ialmente estabele ido em 1982
por V.A. Nashul'38.

38
Brooks, Robert (1952-2002). Matelski, John Peter. Ekhad, Shalosh. Zeilberger, Doron
(1950-). Lebedev, Nikolai Andreevich (1919-1982). Milin, Isaac (1919-1992). Robertson,
Malcolm (1906-1998). Mañé, Ricardo (1948-1995). da Rocha, Luiz Fernando. Eremenko, Alexan-
dre (1954-). Sodin, Mikhail. Harnack, Carl Gustav Alex (1851-1930). Lewis, John L. Naı̌shul’,
V.A. Gambaudo, Jean-Marc (1958-). Le Calvez, Patrice (1958-). Pécou, Élisabeth.
Capı́tulo 1

Plano complexo

1.1 Introdução
Os números omplexos omeçaram por ser introduzidos para dar sentido à
resolução de equações polinomiais do 2o grau om oe ientes reais omo,
por exemplo, x2 +1 = 0 . Como os quadrados de números reais são sempre
maiores ou iguais a zero, esta equação não tem soluções reais. Resolvê-la
orresponde a introduzir números que sejam raízes quadradas de números
reais negativos. A primeira referên ia a esta possibilidade pare e ter sido em
1545 por H. Cardano. Foi seguida da exposição das propriedades algébri as
destes
√ números por R. Bombelli em 1572, que também introduziu o símbolo
−1 . Em 1748, L. Euler designou por i este símbolo, a que se hamou
unidade imaginária. Foi também L.Euler que introduziu em 1747 a expressão
eiθ = cos θ + i sin θ , de que obteve omo aso parti ular a uriosa relação
eiπ = −1 que rela iona numa igualdade os números 1, e, π, i que surgiram em
ontextos muito diferentes39 .
A onsideração de números omplexos não só apare eu omo ne essária
para resolver ertas equações polinomiais do 2o grau om oe ientes reais
omo forne eu todas as possíveis soluções de equações polinomiais de qual-
quer grau, tanto om oe ientes reais omo omplexos. A 1a formulação
lara deste resultado, hoje onhe ido por Teorema Fundamental da Álge-
bra, foi publi ada por L. Euler em 1743 para o aso parti ular de equações
polinomiais om oe ientes reais e a propósito da resolução de equações
diferen iais lineares om oe ientes onstantes. O Teorema Fundamental
da Álgebra e as orrespondentes observações históri as apare em mais deta-
lhadamente no apítulo 6, em que é provado om Análise Complexa.
O termo número omplexo deve-se a C.F. Gauss tal omo a dissemina-
ção da on epção dos números omplexos omo pontos de um plano, no
seguimento de uma publi ação sua em 1831. Esta relação está implí ita na
tese de doutoramento de C.F. Gauss de 1799 sobre o Teorema Fundamental
da Álgebra e apare e laramente numa arta que enviou a F.W. Bessel em
1811, mas a representação geométri a dos números omplexos num plano
39
Cardano, Hieronimo (1501-1576). Bombelli, Rafael (1526-1572).
2 Plano complexo

apare eu também em 1799 num trabalho de C. Wessel, pre edido em 1673


pela representação no plano de raízes da equação polinomial do 2o grau por
J. Wallis. Também foi des oberta, independentemente, por J.-R. Argand e
A.-Q.Buée em 1806 e J.Warren em 1828, embora tenha passado desper ebida
aos matemáti os desse tempo e não tenha sido explorada para prosseguir o
estudo dos números omplexos. Esta ideia permitiu uma denição on reta
destes números e abriu aminho ao desenvolvimento do estudo dos núme-
ros omplexos e das funções omplexas. Na publi ação de 1831 já referida
C.F. Gauss props denir os números omplexos omo pares ordenados de
números reais om propriedades algébri as espe í as e explorou esta deni-
ção e a sua identi ação om pontos de um plano. Esta denição depende,
naturalmente, da denição de números reais, que só foi dada om rigor em
1872 por G. Cantor. A notação (a, b) para números omplexos foi ini iada
em 1837 por W.R. Hamilton40 .
1.2 Estrutura algébrica
Os números complexos são pares ordenados de números reais (x, y) ∈ R×R
om uma adição e uma multipli ação denidas por
(x1 , y1 )+(x2 , y2 ) = (x1 +x2 , y1 +y2 ) , (x1 , y1 )(x2 , y2 ) = (x1 x2 −y1 y2 , x1 y2 +y1 x2 ) .
Estas operações são omutativas, asso iativas e têm elemento neutro ou iden-
tidade (resp., zero (0, 0) e unidade (1, 0) ). Cada número omplexo (x, y)
tem um simétri o (−x, −y) e, quando diferente de zero, tem um re ípro o
−y 
x
2 ,2 2 .2 A multipli ação é distributiva em relação à adição. Um
onjunto om estas propriedades algébri as hama-se orpo. Portanto, os
x +y x +y

números omplexos om estas adição e a multipli ação são um corpo, e


também são um espaço linear complexo; designam-se ambas estruturas
algébri as assim omo o onjunto dos números omplexos por C , dado que
a ambiguidade não traz problemas.
Como (x, 0) + (y, 0) = (x + y, 0) e (x, 0)(y, 0) = (xy, 0) , é usual
identi ar ada número real x om o número omplexo (x, 0) e, deste
modo, onsiderar C omo uma extensão de R , e R omo sub onjunto de C .
Designa-se i = (0, 1) , hamada unidade imaginária (note-se que
i2 = (0, 1)(0, 1) = (−1, 0) = −1 ). Logo, para ada número omplexo
z = (x, y) = (1, 0)x + (0, 1)y = x + iy ; hama-se a x e y , resp., parte real
e parte imaginária de z = (x, y) = x+iy , e designa-se x = Rez e y = Imz .
Aos números omplexos (0, y) = iy , om y ∈ R , hama-se imaginários pu-
ros. É i0 = 1, i1 = i, i2 = −1, i3 = −i, i4 = 1, e assim su essivamente, pelo que
i4k = 1, i4k+1 = i, i4k+2 = −1, i4k+3 = −i, para k ∈ Z ; em parti ular, 1i = −i .
Como os números omplexos são pares ordenados de números reais, po-
dem ser representados num plano (Figura 1.1). O eixo das ab issas é
{(x, 0) ∈ C} e é hamado eixo real. O eixo das ordenadas é
40
Bessel, Friedrich (1784-1846). Wessel, Caspar (1745-1818). Wallis, John (1616-1703). Ar-
gand, Jean-Robert (1768-1822). Buée, Adrien-Quentin (1746-1826). Warren, John (1796-1852).
Hamilton, William Rowan (1805-1865). Cantor, Georg (1845-1918).
1.2 Estrutura algébrica 3

{(0, y) ∈ C} e é hamado eixo imaginário. Como se vê na Figura 1.1,


a utilização de oordenadas polares dá a representação polar (ou repre-
sentação trigonométri a) de números omplexos, p z = (x, y) = r(cos θ, sin θ) ou
z = x+ iy = r(cos θ + i sin θ) . A |z| = r = x2 +y 2 hama-se módulo41 ou
valor absoluto de z e a θ hama-se argumento de z . Assim, o argumento
de z 6= 0 é denido a menos da adição de múltiplos inteiros de 2π. Ao ar-
gumento de z em ]−π, π] hama-se argumento principal de z , designado
Arg z . Com a função real ar o tangente ujo ontradomínio é o intervalo
]− π2 , π2 [ , tem-se (Figura 1.1):

arctan ImRe z + π , se Re z < 0 , Im z ≥ 0
z




 + π2 , se Re z = 0 , Im z > 0
(1.1) Arg z =  arctan Im z
Re z , se Re z > 0


 − π
, se Re z = 0 , Im z < 0
 2
arctan Im z
Re z − π , se Re z < 0 , Im z < 0

Figura 1.1: Representação cartesiana e polar de números complexos


A adição de números omplexos oin ide om a de pares ordenados de
números reais no espaço linear real R2 (Figura 1.2); orresponde à usual regra
do paralelogramo para a soma de ve tores. A multipli ação de números reais
por números omplexos oin ide om a multipli ação por es alares reais no
espaço linear real R2 ; orresponde à expansão ou ontra ção da distân ia
à origem, onforme o número real tem módulo maior ou menor do que 1,
mantendo ou invertendo o sentido onforme o número real é positivo ou
negativo (Figura 1.2).

Figura 1.2: Adição de complexos e multiplicação de reais por complexos


41
A notação |z| para o módulo, tanto de números reais como complexos, foi introduzida por
K. Weierstrass em notas de 1841 só publicadas em 1894, e foi usada numa sua comunicação à
Academia de Ciências de Berlim em 1859.
4 Plano complexo

O que destingue o espaço linear omplexo C do espaço linear real R2, ou


seja o plano omplexo do plano real, é a multipli ação de números omplexos
(não reais). Por exemplo, a multipli ação de números omplexos z = (x, y)
pela unidade imaginária i dá iz = (0, 1)(x, y) = (−y, x) , o que orresponde
a uma rotação de π2 em relação à origem. Em geral, a multipli ação por
números omplexos pode envolver expansões/ ontra ções e rotações, ou seja
pode ser de omposta numa homotetia seguida de uma rotação, ambas en-
tradas na origem (Figura 1.3), a multipli ação de z1 = r1(cos θ1, sin θ1) e
z2 = r2 (cos θ2 , sin θ2 ) dá z1 z2 = r1 r2 cos(θ1 +θ2 ), sin(θ1 +θ2 ) .

Figura 1.3: Multiplicação de números complexos


Convém introduzir já a notação exponencial para a representação po-
lar de números omplexos, denindo a exponen ial de imaginários puros por
eiθ = (cos θ, sin θ) , para θ ∈ R . A exponen ial omplexa satisfaz:
ei0 = 1 , ei(θ+ϕ) = eiθ eiϕ , e1 = e−iθ , (eiθ )n = einθ , para θ, ϕ ∈ R , n ∈ Z .

A representação polar de um número omplexo pode-se es rever z = |z| eiθ ,


em que θ ∈ R é um argumento de z , e o produto de omplexos z1 = |z1 | eiθ 1

e z2 = |z2 | eiθ pode-se es rever z1z2 = |z1 | |z2 | ei(θ +θ ) .


2 1 2

Dado um número omplexo z = (x, y) = x+iy , dene-se o seu conjugado


por z = (x, −y) = x−iy . Geometri amente z é a reexão de z em relação ao
eixo real. Veri a-se z = z , zz = |z|2 e, para z, w ∈ C é z+w = z+w , zw = z w ,
e, se w 6= 0 , ( wz ) = wz . Além disso, Re z = z+z 2 e Im z = 2i . Também é
z−z

eiθ = e−iθ , para θ ∈ R .


Para a divisão zz de números omplexos z1 = (x1 , y1) = |z1 |(cos θ1, sin θ1),
1

z2 = (x2 , y2 ) = |z2 |(cos θ2 , sin θ2 ) 6= 0 , tem-se qualquer uma das fórmulas


2

z1 z2 1 |z1 |  |z1 | i(θ1−θ2 )


|z2 |2 , x2 +y 2 (x1 x2 +y1 y2 ,−x1 y2 +x2 y1 ), |z2 | cos(θ1 −θ2 ), sin(θ1 −θ2 ) , |z2 | e .
As potências de expoente inteiro positivo k ∈ N de um número
omplexo z = |z|(cos θ, sin θ) , om θ ∈ R , satisfazem zk = |z|k (cos kθ, sin kθ).
Atendendo a que o argumento de um número omplexo é denido a menos
da adição de um múltiplo inteiro de 2π, obtém-se para raízes de ordem k ∈ N
de z os k números omplexos
p  2πj 
wj = |z| cos kθ + 2πj
k
k , sin θ
k + k , para j ∈ {0, 1, . . . , k−1} ,
1.2 Estrutura algébrica 5

ou, em notação exponen ial,


p
wj = k
θ
para j ∈ {0, 1, . . . , k−1} ,
|z| e k +
2πj
k ,
Portanto, todo número omplexo z 6= 0 tem exa tamente k ∈pN raízes de
ordem k , igualmente espaçadas sobre a ir unferên ia om raio |z| e entro
k

na origem no plano omplexo (Figura 1.4).

Figura 1.4: Raı́zes cúbicas de número complexo z

Como é natural, são satisfeitas as propriedades seguintes de raízes in-


teiras positivas de números reais que são reais: (i) as raízes reais de ordem
par de números reais positivos são sempre duas e simétri as uma da outra,
(ii) não há raízes reais de ordem par de números reais negativos, (iii) as
raízes reais de ordem ímpar de números reais não nulos são uma e só uma
para ada ordem e o sinal da raiz é o do número onsiderado. Observa-se que
a existên ia de raízes inteiras reais tem uma des rição um pou o ompli ada
que  a lari ada e simpli ada no âmbito dos números omplexos. É um
1o exemplo de diversas situações que  am simultaneamente lari adas e
simpli adas quando se passa de números reais para números omplexos.
Um aso parti ular de interesse são as raízes da unidade. Para qualquer
ordem k ∈ N das raízes, uma das raízes de ordem k da unidade é a própria
unidade e as outras k−1 raízes omplexas da unidade são os números om-
plexos que orrespondem aos pontos na ir unferên ia om raio 1 e entro
0 no plano omplexo que a separa em k ar os do mesmo omprimentos, a
partir da unidade (Figura 1.5). Por exemplo, as√ raízes quadradas da unidade
são ±1 , as raízes úbi as da unidade são 1, − 23 ± i 21 , as raízes
 de ordem 4
da unidade são ±1 , ±i , et . Com w = cos k + i sin k , as k raízes de
2π 2π

ordem k da unidade são 1, w, w2 , . . . , wk−1 , e


wk = 1 , 1+w+w2 + · · · +wk−1 = 0 ,
em √que a última igualdade resulta de (1 − w) Pj=0 k−1 j
w = 1 − wk = 0 .
Se k z designa uma qualquer das raízes√de ordem k de um omplexo z 6= 0 ,
todas as raízes de ordem k de z são wj k z, om j = 0, 1, . . . , k−1 .
6 Plano complexo

Figura 1.5: Raı́zes inteiras positivas da unidade de ordens k = 2, 3, 4, 5, 6, 7


As potên ias inteiras negativas de números omplexos z 6= 0 denem-se,
omo no aso real, por z−k = z1 , para k ∈ N . As potên ias ra ionais z , om
p
q
k
p ∈ Z e q ∈ N , denem-se pelas raízes de ordem q do número omplexo z p .

1.3 Estrutura métrica


p
O valor absoluto |(x, y)| = x2 +y2 de um número omplexo (x, y) é uma
norma no espaço linear C , e a mesma fórmula dene uma norma no espaço
linear real R2. Em parti ular, para z, w ∈ C tem-se a desigualdade trian-
gular |z + w| ≤ |z| + |w| , om igualdade se e só se um dos z, w é múltiplo
|z|
positivo do outro ou é zero. Também |zw| = |z||w| e, para w 6= 0 , wz = |w| .
A distância de dois números omplexos z, w é |z−w| . Assim, as noções de
norma e distân ia oin idem no espaço linear omplexo C e no espaço linear
real R2. Portanto, as noções métri as em C e em R2 são oin identes: C
e R2 são indistinguı́veis metricamente. Por exemplo, um onjunto do
plano é limitado em C se e só se é um onjunto limitado em R2.
1.4 Estrutura topológica
A estrutura métri a de C dene uma topologia om base que são os ír-
ulos abertos Br (z) = {w : |w − z| < r} de raios r > 0 e entros em pontos
z ∈ C . Como as estruturas métri as de C e R2 oin idem, também oin idem
as resp. estruturas topológi as: C e R2 são indistinguı́veis topologica-
mente. Em parti ular, um onjunto do plano é aberto, fechado, conexo,
simplesmente conexo, compacto em C se e só se o é em R2 . Analoga-
mente, as noções de ponto interior, exterior, fronteiro, de acumulação
(ou limite), isolado de um onjunto e de conjuntos interior, exterior,
Exercı́cios do capı́tulo 1 7

fronteira, fecho (ou aderência) de um onjunto são oin identes em C e


em R2 . Chama-se região em C a um sub onjunto de C não vazio, aberto e
onexo.
Exercı́cios
1.1 Indique as representações artesianas e trigonométri as do número omplexo:
3 2+i3 5 16
a) (1+i) b) 3−i4 ) i +i .

1.2 Determine o onjunto dos números R tais que:


P
a) x+iy = |x+iy| b) x+iy = (x−iy)2 ) x+iy = 100 k
k=0 i .
1.3 Cal ule as raízes quadradas de: a) i b) −i ) 1+i .
1.4 Prove: Três números complexos de módulo 1 com soma 0 são vértices de um tri-
ângulo equilátero inscrito na circunferência com raio 1 e centro em 0 .
1.5 Prove que z, v, w ∈ C são vérti es de um triângulo equilátero se e só se
z 2 +v 2 +w2 = zv+zw+vw .
1.6 Prove: Para z, w ∈ C verifica-se:
a) |z−w|2 ≤ (1+|z|2 )(1+|w|2 ) . b)
z
|z−w| = |z|+|w| , com w 6= 0 , se e só se w >0 .
1.7 Determine em que ondições a equação az+bz+c = 0 em C dene uma re ta.

1.8 Prove: Para a, b, c ∈ R , com a 6= 0 , a equação azz + bz + bz + c = 0 define uma


circunferência no plano complexo.
1
1.9 Prove: Todas circunferências que passam por pontos a, a
∈ C intersectam ortogo-
nalmente a circunferência |z| = 1 .
|a−b|
1.10 a) Prove: |1−ab|
= 1 se |a| = 1 ou |b| = 1 mas não ambos, e indique que ex epção
deve ser feita se |a| = |b| = 1 .
b) Mostre que a igualdade em a) dá lugar a uma desigualdade se |a|, |b| < 1 .
1.11 Des reva geometri amente a transformação do domínio para o ontradomínio de-
z+2
nida pela função omplexa f (z) = z+3 .
az+b
1.12 Determine uma função da forma f (z) = cz+d que transforme a ir unferên ia |z| = 2
na ir unferên ia |z+1| = 1 , o ponto −2 na origem e a origem em i .

1.13 Determine as transformações da forma f (z) = az+b


cz+d
que transformam a ir unferên-
ia |z| = R , om R>0 , em si mesma.

1.14 Prove: Uma transformação em C que deixa a origem fixa e preserva distâncias é
uma rotação ou uma rotação seguida de uma reflexão em relação ao eixo real.
42
1.15 Prove: Identidade de Lagrange para números complexos
Pn Pn 2 Pn 2 Pn
z k w k
= |z k | |w k | − 1≤j≤k≤n |zj wk −zk wj |2 .
k=1 k=1 k=1

1.16 Assim omo os números reais podem ser representados numa ir unferên ia em
que um dos pontos representa ∞ (re ta real estendida R∞ ) também os números
omplexos podem ser representados numa superfí ie esféri a om o pólo Norte or-
respondente a ∞ (plano complexo estendido C∞ ).
a) Determine uma representação deste tipo na superfí ie esféri a em R3
(x1 )2 + (x2 )2 + (x3 )2 = 1 ,
dada pela orrespondên ia biunívo a entre os números omplexos z representados
no plano equatorial x3 = 0 ( om o eixo dos x1 identi ado om o eixo real e o eixo
dos x2 om o eixo imaginário) e os pontos da superfí ie esféri a que perten em a
uma mesma re ta que passa pelo pólo Norte, provando que (Figura 1.6)
2
x1 +ix2 z+z z−z 1−|z|
1−x3
, x1 = 1+|z| 2 , x2 = 1+|z| 2 , x2 = − 1+|z| 2 .

42
Lagrange, Joseph-Louis (1736-1813).
8 Plano complexo

Chama-se Superfı́cie Esférica de Riemann, designada C∞ , a esta represen-


43
tação do plano omplexo e projecção estereográfica à orrespondên ia assim
denida de ada ponto do plano omplexo para ada ponto da superfí ie esféri a.

b) Prove: z e w são pontos diametralmente opostos da Superfı́cie Esférica de Rie-


mann se e só se zw = −1 .
) Prove: As projecções estereográficas de rectas ou circunferências no plano com-
plexo são circunferências na Superfı́cie Esférica de Riemann.

Figura 1.6: Superfı́cie Esférica de Riemann e projecção estereográfica


Exercı́cios com aplicações a circuitos eléctricos e a sistemas mecânicos
44
1.17 A relação entre tensão e orrente sinusoidais num ir uito elé tri o om resis-
tên ias, ondensadores e bobinas pode ser fa ilmente expressa em números om-
plexos, dado que uma função real t 7→ a sin(ωt + ϕ) , om a, ω, ϕ ∈ R , a que se
hama, resp., amplitude, frequência angular, fase, é igual à parte imaginária
i(ωt+ϕ)
de a e = a eiϕ) eiωt = A eiωt , om A ∈ C , hamada amplitude complexa45 .
a) Considere um ir uito RLC em série (Figura 1.7). Sabendo que a relação entre
a tensão V (t) e a orrenteI(t) no instante t nos terminais de uma resistên ia R ,
de uma bobina de indutân ia L e de um ondensador de apa idade C , é, resp.,
Z
V (t) = RI(t) , V (t) = LI ′(t) , V (t) = 1c I(t) dt ,
mostre que se a tensão apli ada nos terminais do ir uito é sinusoidal om frequên ia
angular ω e amplitude omplexa V0 , então a orrente no ir uito é sinusoidal
om frequên ia angular ω e amplitude omplexa I0 , e a relação entre ambas é
 1

V0 = R+i ωL− ωC I0 .
43
A representação do plano complexo estendido numa superfı́cie esférica foi proposta por B.
Riemann em 1851.
44
As 1a s leis gerais da análise de circuitos eléctricos foram formuladas em 1845 pelo matemático
Gustav Robert Kirchoff (1824-1887) na sequência do matemático Georg Simon Ohm (1789-1854)
ter estabelecido em 1827 a relação de proporcionalidade da corrente eléctrica através de um con-
dutor com a diferença de potencial eléctrico entre os terminais (Lei de Ohm). A 1a lei de Kirchoff
é a soma das correntes que entram por ramos ligados a um nó de um circuito é igual à soma das
correntes que saem por ramos ligados ao mesmo nó e a 2a lei de Kirchoff é a soma das forças
electromotrizes ao longo de uma malha de um circuito é igual à soma das diferenças de potencial
nos ramos da malha.
45
A representação complexa de sinais eléctricos sinusoidais e de impedâncias foi introduzida
em 1893 pelo engenheiro Charles Steinmetz (1865-1923) e contribuiu para o rápido progresso da
engenharia de sistemas eléctricos de corrente alternada no inı́cio do século XX. É usada rotineira-
mente na análise de circuitos e sinais e no controlo de sistemas. A sólida preparação obtida por
C. Steinmetz na Alemanha como estudante universitário de matemática permitiu-lhe dispor de
conhecimentos de análise complexa invulgares nos engenheiros da época.
Exercı́cios do capı́tulo 1 9

Figura 1.7: Circuito em série RLC e sistema mecânico análogo


b) Chama-se impedância de um circuito eléctrico bipolar (Figura 1.8) om
tensão e orrente sinusoidais nos terminais om amplitudes omplexas, resp., V0 , I0
V
a Z = I 0 . Determine a impedân ia dos ir uitos das Figuras 1.7 e 1.8, supondo no
0
último aso que Zk é a impedân ia de um ir uito bipolar om terminais que são
os nós do orrespondente ramo do ir uito.

Observação: É análogo para sistemas me âni os lineares de massas e molas om atrito,


substituindo tensão elé tri a por força, intensidade de orrente por velo idade, bobinas
de indutân ia L por massas de grandeza L, ondensadores de apa idade C por molas
om força de restituição propor ional ao deslo amento do ponto de equilíbrio om fa tor
de propor ionalidade C1
e resistên ias por amorte edores om forças de atrito propor io-
nais à velo idade om fa tor de propor ionalidade R (Figura 1.7). Também se onsidera
analogamente a noção de impedância mecânica.

Figura 1.8: Circuito bipolar e circuito com impedâncias


Capı́tulo 2

Funções

2.1 Introdução
Neste apítulo onsideram-se vários exemplos de funções omplexas e
ilustram-se representações geométri as destas funções que ontribuem para
a apreensão geométri a dos seus efeitos e para a ompreensão de omo po-
dem estender funções reais. O exemplo mais importante é o da exponen ial
omplexa, em asso iação natural om funções logaritmo que são inversas da
exponen ial restrita a onjuntos em que esta é uma função inje tiva.
Consideram-se ainda outras funções omplexas denidas om a exponen-
ial, omo funções trigonométri as, hiperbóli as, potên ias e exponen iais.
Para o leitor que só lidou om estas funções no âmbito de números reais
pode pare er surpreendente que as funções trigonométri as possam ser ob-
tidas das funções exponen iais, dada a grande diferença de grá os destas
funções no aso real (em ara terísti as omo monotonia, periodi idade, si-
nal, limitação, domínio) e porque originaram em ontextos muito diferentes.
L. Euler identi ou a relação de funções trigonométri as e exponen ial
numa arta de 1740 a J. Bernoulli46 em que es reveu 2 cos θ = eiθ +e−iθ .
A exponen ial omplexa, além do res imento geométri o da exponen ial
real, ontém as os ilações das funções trigonométri as reais seno e oseno.
Como funções omplexas, as funções hiperbóli as oin idem om as funções
trigonométri as mediante uma simples rotação de variáveis. Este é um 1o
exemplo do poder uni ador e simpli ador do ontexto omplexo em om-
paração om o real que se en ontra em várias outras situações.
O apítulo termina om as noções de limite e ontinuidade.
2.2 Representação geométrica de funções
As funções omplexas são denidas num onjunto de números omplexos e
têm valores omplexos, f : S → C om S ⊂ C . Para z = x+iy ∈ S , x, y ∈ R , a
função pode-se es rever f (x+iy) = u(x, y)+iv(x, y) , om u(x, y), v(x, y) ∈ R .
Chama-se às funções u, v, resp., parte real e parte imaginária da função
f , e es reve-se f = (u, v) .
46
Bernoulli, Johann (1667-1748).
12 Funções

Analogamente a funções reais, se uma função omplexa é dada por uma


expressão sem indi ação do domínio, onsidera-se que o domı́nio é o máximo
sub onjunto S ⊂ C para que a expressão dá valores omplexos.
A visualização do efeito de funções omplexas é semelhante à de funções
om valores e variáveis em R2, por: imagens de urvas no domínio, pares de
grá os (das partes real e imaginária, ou das funções módulo e argumento),
pares de onjuntos de nível (das partes real e imaginária). Com omputado-
res é possível representar ada um dos pares referidos numa só gura om o
uso de or ou gradação de inzento para um dos elementos do par.
(2.1) Exemplo: A função complexa f (z) = z 2 definida no semiplano supe-
rior complexo S = {(x, y) ∈ C : y > 0}.
Uma possibilidade de visualizar a função é a representação de ima-
gens de conjuntos de curvas com união igual ao domı́nio de modo a
dar uma ideia geométri a de omo a função deforma regiões do plano quando
se passa do domínio para o ontradomínio.
É práti o analisar o efeito da função onsiderada neste exemplo w = f (z)
em oordenadas polares, om z = r(cos θ, sin θ) e w = ρ(cos ϕ, sin ϕ) . A
relação entre w e z pode ser expressa por ρ = r2 e ϕ = 2θ . Cada semi ir-
unferên ia om raio r0 e entro na origem no semiplano superior omplexo
transforma-se no sub onjunto da ir unferên ia om raio ρ = (r0 )2 e entro na
origem obtido retirando-lhe apenas o ponto no semieixo real positivo (Figura
2.1). Cada semire ta do semiplano superior omplexo om origem no ponto
zero om pontos de argumento θ0 transforma-se na semire ta om origem
no ponto zero e om pontos om argumento ϕ = 2θ0 (Figura 2.1). Assim,
o semiplano superior omplexo transforma-se no plano omplexo menos o
semieixo real positivo e a origem.
Im Im

2i 2i

i 2 i 1
3
1
7 6 2
4 5 5
8 Re 6 Re
-2 -1 0 1 2 -2 -1 8 1 2
7
4
-i
3 -i

-2i
-2i

Figura 2.1: Transformação definida pela função f (z) = z 2 para Im z > 0


A função pode ser representada em oordenadas artesianas, om
z = (x, y)e w = f (z) = (u(x, y), v(x, y)) . Obtém-se
u(x, y)+iv(x, y) = (x+iy)2 = (x2 −y 2 )+i2xy .
2.2 Representação geométrica de funções 13

Cada re ta horizontal y = y0 do semiplano superior omplexo é transformada


na urva de equações paramétri as u = x2 − (y0 )2 , v = 2xy0 , om parâmetro
x > 0 . Eliminando x , obtém-se a equação da parábola u = (2yv ) − (y0 )2
2
2

(Figura 2.2). Cada semire ta verti al do semiplano superior om origem no


0

eixo real, x = x0 , y > 0 , transforma-se no ar o de parábola om equações


paramétri as u = (x0)2 − y2, v = 2x0 y , y > 0 . Eliminando y obtém-se a
equação da parábola u = (x0 )2 − (2xv ) , que é simétri a da parábola anterior
2
2

om y0 = x0 em relação ao eixo imaginário (Figura 2.2).


0

Im Im
5
2i 2i

8 7i 6 5 1
6 i
4 3 2 1 2
Re Re
-2 -1 0 1 2 -2 -1 30 1 2
7

-i -i 4

-2i 8 -2i

Figura 2.2: Transformação definida pela função f (z) = z 2 para Im z > 0


Outra representação geométri a possível é pelos gráficos das partes
real e imaginária da função. Estas funções reais são u(x, y) = x2 −y 2 e
v(x, y) = 2xy , om y > 0 (Figura 2.3).

Figura 2.3: Gráficos das partes real e imaginária de f (z) = z 2 para Im z > 0
Também se pode representar geometri amente uma função omplexa f
pelos conjuntos de nı́vel das partes real e imaginária de f , o que
orresponde a determinar os onjuntos de pontos do domínio que são trans-
formados em re tas verti ais u = u0 e em re tas horizontais v = v0 , que neste
exemplo são, resp., os ar os de hipérboles de equações artesianas x2−y2 = u0,
om y > 0, e o ar o de hipérbole xy = v2 , om y > 0 . São hipérboles equilá-
0

teras om assímptotas, resp., as bisse trizes dos quadrantes denidos pelos


eixos dos oordenados e esses próprios eixos (Figura 2.4).
14 Funções

Figura 2.4: Curvas de nı́vel das partes real e imaginária de f (z) = z 2 para Im z > 0

Outra representação geométri a útil é o grá o de (x, y) 7→ |f (x+iy)| , a


que se hama o relevo de f ; juntamente om o grá o de um argumento
de f , (x, y) 7→ arg f (x+iy) , obtêm-se representações geométri as ompletas
da função f ( omo o argumento de um número omplexo é determinado
a menos de um múltiplo inteiro de 2π, para fa ilitar a visualização pode
ser útil assegurar a ontinuidade do grá o nos pontos em que seja possível
pela utilização de valores apropriados do argumento em regiões diferentes
do domínio, em vez de uma es olha predeterminada omo, por exemplo,
o argumento prin ipal). Neste exemplo |f (reiθ )| = r2 e pode-se es olher
arg f (reiθ ) = 2θ (Figura 2.5).

Figura 2.5: Relevo e gráfico de um argumento de f (z) = z 2 para Im z > 0

A função f (z) = z2 om domínio no semiplano superior é uma bije ção


para todo o plano menos o semieixo real positivo e a origem. Se f (z) = z2
om domínio todo o plano omplexo, o ontradomínio seria todo o plano
omplexo e ada ponto não nulo deste plano seria imagem de dois pontos
distintos, um no semiplano superior unido om o semieixo real positivo e
outro simétri o desse em relação à origem, e, portanto, na união do semi-
plano inferior omplexo om o semieixo real negativo, ou seja os valores de
f : C → C , om f (z) = z 2 , obrem o plano ( om ex epção da origem) duas
vezes. f não é inje tiva e diz-se que a relação inversa é plurívo a om dois ra-
mos ontínuos máximos que têm ontradomínio o semiplano superior (resp.,
inferior) unido om o semieixo real positivo (resp., negativo). A relação in-
versa neste aso dá as raízes quadradas de ada número omplexo, que são
duas para números diferentes de zero, simétri as em relação à origem.
2.2 Representação geométrica de funções 15

1
(2.2) Exemplo: A função complexa f (z) = z−1 .

O domínio de f é C\{1}. Com z = (x, y) e w = f (z) = u(x, y), v(x, y) ,
1 (x−1)−iy
u(x, y)+iv(x, y) = (x−1)+iy = (x−1)2 +y 2
.
O onjunto de pontos transformados na ir unferên ia om entro na origem
e raio r0 , om equação artesiana x2 + y2 = (r0 )2 , é a urva om equação
artesiana (x− 1)2 + y2 = (r1) ; logo, é uma ir unferên ia om entro em
0
2

(1, 0) e raio r1 . O onjunto de pontos que são transformados na união das


semire tas de de live m om extremidade na origem das oordenadas, que
0

têm equação artesiana v = mu , om (u, v) 6= (0, 0) , tem equação artesiana


y = −m(x−1) , om (x, y) 6= (1, 0) , que é a união das semire tas de de live −m
om origem no ponto (1, 0) (Figura 2.6). O onjunto de pontos do domínio
que são transformados no eixo imaginário, u = 0 , é a re ta verti al x = 1
(Figura 2.6). O ontradomínio de f é C\{0} .
Im Im

6
2i 2i

i 3 i
7 1
5 2
8
Re 4 Re
-2 -1 0 1 2 -2 -1 8 1 2
4 1 6
3 5
-i -i 7

-2i
2
-2i

1
Figura 2.6: Transformação definida por f (z) = z−1
O relevo de f é o grá o da função (x, y) 7→ |f (x + iy)| , indi ado na
Figura 2.7. O grá o do argumento prin ipal de f pode ser obtido notando
que Arg f (x+iy) = (x−1)+iy
1
= Arg (x−1, y) (ver Figura 2.7).

1
Figura 2.7: Relevo e gráfico do argumento principal de f (z) = z−1
16 Funções

2.3 Funções polinomiais e funções racionais


Chama-se função polinomial complexa de grau n a uma função da forma
n
X
P (z) = ak z k = a0 +a1 z+a2 z 2 + · · · + an z n ,
k=0
om an 6= 0 , em que os oe ientes ak , k ∈ {0, . . . , n} são números omplexos.
Podem também ser onsideradas funções polinomiais omplexas om oe-
ientes reais. Chama-se função racional complexa a uma função que é o
quo iente de duas funções polinomiais omplexas.

2.4 Função exponencial


Dene-se a função exponencial complexa por (Figuras 2.8 e 2.9)
ez = ex+iy = ex (cos y+i sin y) , para z = (x, y) ∈ C .

A expressão no lado direito só envolve funções reais de variável real que


podem ser denidas pelas séries reais de potên ias
P∞ xk P∞ (−1)k x2k P∞ (−1)k x2k+1
ex = k=0 k! , cos x = k=0 (2k)! , sin x = k=0 (2k+1)! ,

e multipli ando as séries obtém-se ez = P∞ k=0 k! . A exponen ial omplexa


z k

é uma extensão da exponen ial real, pois ex+i0 = ex (cos 0 + i sin 0) = ex , e


satisfaz as propriedades bási as da exponen ial ez 6= 0 , ez+w = ez ew , e−z = e1 , z

para z, w ∈ C . Além disso, ez = ez e |ez | = eRe z para z ∈ C , |eiy | = 1 para


y ∈ R , e Im z é um argumento do número omplexo ez . O ontradomínio
da função de variável real y 7→ eiy é a ir unferên ia no plano omplexo om
raio 1 e entro em 0 e o ontradomínio da exponen ial omplexa é C\{0} .
A exponen ial omplexa não é inje tiva, mas ez = ew se e só se z−w = ik2π
om k ∈ Z .

Figura 2.8: Gráficos das partes real e imaginária da exponencial


2.5 Funções trigonométricas e hiperbólicas 17

Figura 2.9: Relevo e gráfico do argumento principal da exponencial


Analogamente a funções reais, diz-se que uma função omplexa f é pe-
riódica de período w ∈ C\{0} , ou w é um perı́odo de f , se f (z+w) = f (z)
para todo z no domínio de f ; todos múltiplos inteiros positivos de w, kw
om k ∈ N também são períodos de f . Diz-se que w é um perı́odo mı́nimo
de f se é um período e nenhum seu submúltiplo inteiro é período de f . Em
ontraste om funções reais, uma função omplexa pode ter mais de um pe-
ríodo mínimo (e.g. f (x+iy) = cos x+i sin(2y) para (x, y) ∈ C tem períodos
mínimos 2π e iπ ; todos n2π+imπ, n, m ∈ Z não ambos 0, são períodos de f ).
A exponen ial omplexa é períódi a om úni o período mínimo i2π.
2.5 Funções trigonométricas e hiperbólicas
É imediato da denição de exponen ial omplexa que para y ∈ R é
cos y = 21 (eiy + e−iy ) e sin y = 2i (e − e−iy ) . As funções omplexas coseno
1 iy

e seno denem-se estendendo estas fórmulas para números omplexos e as


funções tangente e cotangente são, resp., tan z = cos z , cot z = sin z , ou seja
sin z cos z

(Figuras 2.12 a 2.14)


iz +e−iz iz −e−iz iz−e −iz iz −iz
cos z = e 2 , sin z = e 2i , tan z = −i eeiz +e e +e
−iz , cot z = i eiz −e−iz .

Figura 2.10: Relevo e gráfico do argumento principal do coseno complexo


18 Funções

Im
-π -π/2 -π/2 π
2 1 -1.5 1 1 -1.5 -0.52

1.5 -1 -1.5
1.5
0
-1 0.5

0 -0.5 0.5 00.5 -0.5 -1 Re


-1
-0.5 1
-1.5 -1.5
-1.5 1
1.5 1.5

-2 -1 0 0 0.5 -2
-π -π/2 -π/2 π
Figura 2.11: Curvas de nı́vel das partes real (a grosso)
e imaginária (a fino) do coseno complexo
Im

Re
-2 -1 1 2

-1

-2

Figura 2.12: Imagens de rectas verticais Re z = k π6 , k = 0, 1, 2, 3, 4, 5, 6 (a


fino) e horizontais Im z = k π2 , k = 0, 1, 2, 3 (a grosso) do coseno complexo;
cos z transforma cada faixa vertical [jπ, (j +1)π]+iR , j ∈ Z , em C

Figura 2.13: Gráficos das partes real e imaginária do seno complexo


Como a exponen ial é uma função periódi a de período i2π, as funções
omplexas oseno e seno são periódi as de período 2π, e, omo este é o pe-
ríodo mínimo das funções reais oseno e seno, também é o período mínimo
destas funções omplexas. Da função real tangente ser períodi a om pe-
ríodo mínimo π e da denição da função omplexa tangente, esta também é
periódi a om período mínimo π e pode-se provar que este é o úni o.
2.5 Funções trigonométricas e hiperbólicas 19

Figura 2.14: Relevo e gráfico do argumento principal da tangente


As funções omplexas oseno e seno satisfazem as relações
cos(−z) = 12 (e−iz +eiz ) = cos z , sin(−z) = 2i1
(e−iz −eiz ) = − sin z ,
 π π  
cos z + π2 = 21 eiz ei 2 +e−iz e−i 2 = 12 eiz i+e−iz (−i) = − 2i 1
(eiz −e−iz ) = − sin z,
 1 iz i π π 1

sin z + π2 = 2i e e 2 −e−iz e−i 2 = 2i eiz i−e−iz (−i) = 12 (eiz +e−iz ) = cos z,
i2z −i2z  i2z −i2z 
cos2 z +sin2 z = e +2+e 4 − e −2+e4 = 1,
cos(z +w) = 21 [ei(z+w)+e−i(z+w) ] = 12 [(eiz+e−iz )(eiw+e−iw )+(eiz−e−iz )(eiw−e−iw )]
= (cos z)(cos w)−(sin z)(sin w) ,
  
sin(z +w) = − cos z +w+ π2 = − cos z + π2 (cos w)+ sin z + π2 (sin w)
= (sin z)(cos w)+(cos z)(sin w) ,
estendendo orrespondentes fórmulas válidas para z ∈ R .
Denem-se analogamente as funções omplexas coseno hiperbólico,
seno hiperbólico e tangente hiperbólica omo extensões das orrespon-
dentes funções reais (Figuras 2.15 a 2.17):
z +e−z z −e−z z −e−z
cosh z = e 2 , sinh z = e 2 , tanh z = eez +e −z .

É laro que
cosh z = cos(iz) , sinh z = −i sin(iz) , tanh z = −i tan(iz) .
Portanto, as funções omplexas oseno hiperbóli o e seno hiperbóli o são
periódi as de período i2π, a tangente hiperbóli a é periódi a de período iπ
e estes são os seus úni os períodos mínimos. O oseno hiperbóli o pode ser
obtido por uma rotação de π2 em torno da origem seguida da apli ação do
oseno trigonométri o. O seno hiperbóli o e a tangente hiperbóli a podem
ser obtidos por uma rotação de π2 em torno da origem seguida da apli ação
da orrespondente função trigonométri a e, depois, uma rotação de − π2 em
torno da origem, sendo esta última equivalente a tro ar a parte real om a
imaginária e, no nal, mudar o sinal da parte imaginária. Estas observações
são fa ilmente identi adas nos grá os dados nas guras. Veri a-se
 
cosh2 z − sinh2 z = 1
4 (ez +e−z )2 −(ez −e−z )2 = 1 ,
i.e. cosh2 z−sinh2 z = 1 para z ∈ C , estendendo a fórmula válida para z ∈ R .
20 Funções

Figura 2.15: Relevo e gráfico do argumento principal do coseno hiperbólico

Figura 2.16: Gráficos das partes real e imaginária do seno hiperbólico

Figura 2.17: Relevo e gráfico do argumento principal da tangente hiperbólica

2.6 Logaritmos
Dado um número omplexo em representação polar z = reiθ 6= 0 , uma vez
que z = eln r eiθ = eln r+iθ , dene-se o seu logaritmo por
ln z = ln r + iθ ,
em que ln r designa o logaritmo real de r < 0 (Figuras 2.18 e 2.19). Como
o ontradomínio da exponen ial é C \ {0}, todos números omplexos 6= 0
têm logaritmos. Em parti ular, os números reais negativos têm logaritmos
omplexos, apesar de não terem logaritmos reais.
2.6 Logaritmos 21

Figura 2.18: Gráficos das partes real e imaginária do logaritmo

Figura 2.19: Relevo e gráfico do argumento principal do logaritmo


Como o argumento θ de ada z 6= 0 pode ser es olhido num onjunto in-
nito de valores que diferem de múltiplos inteiros de 2π, o logaritmo omplexo
pode ser es olhido entre innitos valores que diferem de múltiplos inteiros
de i2π. Para assegurar a uni idade de valor e a ontinuidade de ln z pode-se
restringir θ a um intervalo semiaberto I ⊂ R de largura 2π ( orresponde a
separar diferentes ramos do logaritmo om  ortes ao longo de uma semi-
re ta om origem no ponto zero). Cada uma destas es olhas onduz a um
ramo ontínuo do logaritmo47 , ln z = ln r +iθ , om θ ∈ I . Chama-se valor
principal do logaritmo de z a ln z = ln r+iθ0 , em que θ0 ∈ ]−π, π] designa
o argumento prin ipal de z . Os logaritmos omplexos assim denidos são
extensões do logaritmo real e têm propriedades bási as semelhantes, omo
ln(zw) = ln z+ln w , ln wz = ln z−ln w , ln z n = n ln z ,

(a menos de ik2π, om k ∈ Z)48 . Por onvenção, o logaritmo de um número


real positivo é sempre onsiderado omo o seu logaritmo real e, portanto, é
denido univo amente, a menos que se diga o ontrário.
47
Podem-se obter outros ramos, e.g. considerando “cortes” ao longo de linhas curvas ilimitadas
com origem no ponto zero e sem auto-intersecções.
48
Há números ln z + ln w que não são da forma ln(zw) , embora deles difiram de um múltiplo
inteiro de i2π ; no sentido contrário não acontece. É análogo para as outras fórmulas.
22 Funções

2.7 Potências e exponenciais de base complexa


Dados C\{0} , w ∈ C\Q, dene-se a potência complexa de base omplexa
e expoente omplexo w por (Figura 2.20)
z 7→ z w = ew ln z .

Figura 2.20: Relevo e gráfico do argumento principal da potência z 7→ z i


(z i= ei ln z= ei(ln |z|+iArg z)= e−Arg z ei ln |z| ; logo, |z i | = e−Arg z, Arg z i= ln |z| )
Se z é um número real positivo, ln z é real e zw tem um úni o valor. Caso
ontrário, ln z é um logaritmo omplexo e, portanto, zw pode ser denido por
uma es olha em valores que diferem de fa tores de eik2πw , om k ∈ Z . Chama-
se valor principal da potência complexa z 7→ zw à função que se obtém
pela expressão a ima tomando ln z igual ao valor prin ipal do logaritmo de
z . Se z não é um número real positivo, z w tem um úni o valor possível se
e só se w ∈ Z . Neste aso, zw é uma potên ia inteira de z e oin ide om
o orrespondente valor da potên ia inteira omo denida no apítulo 1. Se
w ∈ Q , é w = pq om p ∈ Z e q ∈ N que podem ser onsiderados sem fa tores
primos omuns, pelo que zw pode ser denido por uma es olha entre√q valores
que oin idem om as q raízes de ordem q de zp e, portanto, z = zp , que
p
q q

também está denida para z = 0 se w = pq > 0 .

Figura 2.21: Relevo e gráfico do argumento principal da exponencial de base


π π
i complexa w 7→ iw (iw= ew ln i= ewi 2 ; logo, |iw | = e− 2 Im w , Arg iw= π2 Re w)
2.8 Funções trigonométricas inversas 23

As potên ias omplexas satisfazem z−w = z1 , zw +w = zw zw , mas


w
1 2 1 2

(ew )w = ew w eik2πw e ln z w = w ln z+ik2π , om k ∈ Z .


1 2 1 2 2

Se z, w ∈ C , z 6= 0 , exponencial complexa de base z é (Figura 2.21)


w 7→ z w = ew ln z ,
om observações semelhantes às para a potên ia omplexa de base omplexa,
e valor principal da exponencial complexa de base z é a função dada
pela expressão a ima om ln z o valor prin ipal do logaritmo de z .
2.8 Funções trigonométricas inversas
Para denir inversas da função omplexa oseno, por w = arccos z om
z = cos w = 12 (eiw + e−iw ) , nota-se que tal equivale a (eiw )2 − 2zeiw + 1 = 0 ;

logo, eiw = z ± z2 −1 , om s = √z denida√
por

s2 = z e arg s ∈ ] − π2 , π2 [ ,
e, portanto,
√ 
arccos z = w = −i ln z ± z 2 −1 , ou, atendendo a que z +
√  √
z 2 −1 z − z 2 −1 = 1, pelo que z ± z 2 −1 são números re ípro os, é
√ 
arccos z = ±i ln z+ z 2 −1 (Figura 2.22)

Figura 2.22: Relevo e gráfico do argumento principal de ramo do arcos z complexo

Como o logaritmo de um número omplexo 6= 0 pode ser denido por uma


es olha num número innito de valores que diferem de múltiplos inteiros de
i2π , também arccos z pode ser denido através de uma es olha em inni-
tos valores que diferem de múltiplos inteiros de 2π. Os valores possíveis de
arccos z também in luem os simétri os do logaritmo onsiderado (pois o o-
seno é uma função par, i.e. cos(−z) = cos z ) que, em geral, formam um
onjunto diferente de pontos que diferem √entre si de múltiplos inteiros de i2π
(os dois onjuntos oin idem se e só se z+ z2 −1 é um número real positivo).
A inversão da função omplexa seno é imediata de sin w = cos π2 −w , e
dá arcsin z = π2 −arccos z e
p 
π
arcsin z = 2 ∓i ln z+ z 2 −1 .
que também pode ser denido por uma es olha em innitos valores que
diferem de múltiplos inteiros de 2π.
24 Funções

2.9 Limite e continuidade


Como as estruturas topológi as de C e R2 oin idem, dada uma função
f : S → C , om S ⊂ C , e um ponto z0 = (x0 , y0 ) ∈ C , diz-se que o limite
de f = (u, v) em z0 existe e é Z = (X, Y ) , e es reve-se z→z lim f (z) = Z , se
lim [(u, v)](x, y) = (X, Y ) no sentido dos limites de funções em R2 . Também
0

se onsideram limites innitos e no innito:


(x,y)→(x ,y )
0 0

lim f (z) = ∞ , se lim k(u, v)(x, y)k = ∞ ,


z→z 0 (x,y)→(x ,y ) 0 0

lim f (z) = Z , se lim (u, v)(x, y) = (X, Y ) ,


z→∞ k(x,y)k→∞

lim f (z) = ∞ , se lim k(u, v)(x, y)k = ∞ .


z→∞ k(x,y)k→∞

Diz-se que f é contı́nua num ponto z0 ∈ S se z→z lim f (z) = f (z0 ) . Diz-se
que f é contı́nua num conjunto C ⊂ S se é ontínua em ada ponto de C ,
0

e diz-se que f é contı́nua se é ontínua em todo o domínio S . É laro que,


f = (u, v) é ontínua em z0 = (x0 , y0 ) se e só se (u, v) é ontínua em (x0 , y0 )
omo função real de variável em R2.
Em onsequên ia, o limite da soma, produto e quo iente de funções om-
plexas num ponto é, resp., igual à soma, produto e quo iente dos orrespon-
dentes limites das par elas (no aso do quo iente, se o limite do denominador
não é zero).
Analogamente, somas, produtos, quo ientes, omposições de funções on-
tínuas são funções ontínuas (no aso do quo iente nos pontos em que o
denominador não é zero). Em parti ular, as funções polinomiais omplexas
são ontínuas em C . As funções ra ionais são ontínuas em todos pontos do
domínio, i.e. em todos pontos em que o denominador não se anula.
A função que a ada omplexo faz orresponder o seu onjugado,
z 7→ z é ontínua em C , assim omo as funções Re z , Im z , |z| . A função
Arg z é ontínua em C\{(x, 0) : x ≤ 0}. As funções omplexas exponen ial,
oseno, seno, oseno hiperbóli o e seno hiperbóli o são ontínuas em C . A
tangente omplexa é ontínua no domínio, i.e no onjunto de pontos em que
o denominador
 no quo iente de
funções que a dene não se anula, ou seja
π
 k ∈ Z . Apli a-se o mesmo
em C\ z ∈ C : z = 2 +kπ, à tangente hiperbóli a,
que tem domínio C\ z ∈ C : z = i π2 +ikπ, k ∈ Z .
Exercı́cios
2.1 Determine os valores de 2, i, (−1)2i na forma a+ib , om a, b ∈ R .
2.2 Determine os valores de sin i , cos i , tan(i+1) .
z i
2.3 Determine todos os valores de z ∈ C para os quais e é igual a 2, −1, i, − 2 , −1−i, 1+2i .

2.4 Obtenha expressões para arctan w , em que w é um número omplexo, em termos


de logaritmos.

2.5 Prove que |z | < eπ ,


i
para z ∈ C\{0} .
2.6 Prove que a função omplexa | cos z| é ilimitada.
2.9 Limite e continuidade 25

2.7 Prove que para a ∈ R e −π < θ ≤ π é (cos θ+i sin θ)a= cos(aθ)+i sin(aθ) e mostre que
a restrição aos valores de θ é ne essária. Mostre que se a ∈ Z , a fórmula veri a-se
49
para todo θ ∈ R ; neste aso é onhe ida por fórmula de De Moivre .

2.8 Determine equações artesianas para os onjuntos do plano omplexo que são trans-
formados em re tas paralelas aos eixos oordenados pela função omplexa denida
z
por z+e e represente-os gra amente.

z n z
2.9 Mostre que lim 1+ n existe para todo z ∈ C e é igual a e .
n→+∞
2.10 Determine o ontradomínio da restrição da função omplexa tan z à faixa verti al do
π
plano omplexo |Re z| ≤ e indique as imagens das re tas verti ais e dos segmentos
4
de re tas horizontais desta faixa.

49
A fórmula de De Moivre apareceu publicada pela primeira vez em 1748 no livro de L. Euler
Introductio. De Moivre, Abraham (1667-1754).
Capı́tulo 3

Derivada

3.1 Introdução
O 1o estudo sistemáti o das funções omplexas e das suas apli ações a proble-
mas de análise matemáti a, hidrodinâmi a e artograa deve-se a L. Euler,
em 1776-77. Funções deste tipo tinham sido anteriormente onsideradas,
prin ipalmente por J.R. d'Alembert50 que utilizou funções omplexas em
1752 no estudo do movimento de uidos. L.Euler obteve então as ondições
de Cau hy-Riemann ne essárias para diferen iabilidade de uma função om-
plexa, mas não as explorou. Estas ondições resultam da orrespondên ia
bási a de diferen iabilidade de uma função num ponto e a possibilidade de
a aproximar bem numa vizinhança do ponto por uma função linear.
Cer a de 1825 A.-L.Cau hy deu um sentido pre iso a derivada de função,
om uma noção rigorosa de limite da sua razão in remental, seguindo uma
ideia de d'Alembert er a de 1752. A.-L. Cau hy avançou de isivamente o
estudo de funções omplexas om base nas ondições ne essárias de diferen-
iabilidade obtidas por L. Euler, mas só om trabalho de B. Riemann em
1851 estas ondições omeçaram a ser plenamente exploradas; é por isso que
são hamadas ondições de Cau hy-Riemann. PoSão equações que rela io-
nam as derivadas par iais das partes real e imaginária da função em relação
às partes real e imaginária da variável independente estabele endo que a
diferen iabilidade de funções omplexas impli a uma forte interligação das
partes real e imaginária da função, ausente para diferen iabilidade de funções
de R2 em R2 que restringe severamente funções ompelxas diferen iáveis em
omparação om funções diferen iáveis de R2 em R2.
As ondições de Cau hy-Riemann são ne essárias para diferen iabilidade
de funções omplexas num onjunto aberto e são su ientes para funções
om partes real e imaginária C 1 omo funções das partes real e imaginária
da variável independente, pois tais funções são diferen iáveis omo funções
de variável em R2, mas ainda são su ientes se a função é ontínuas no
onjunto aberto onsiderado, omo provado por D. Men ho51 em 1935.
50
d’Alembert, Jean le Rond (1717-1783).
51
Menchoff, Dmitrii (1892-1988). A prova usa integral de Lebesgue e categoria de Baire.
28 Derivada

As transformações lineares denidas pelas derivadas de funções omple-


xas diferen iáveis num onjunto aberto orrespondem a relações geométri as
de semelhança do domínio para o ontradomínio, i.e. transformações que
preservam ângulos entre re tas e em ada ponto expandem (ou ontraem)
omprimentos uniformemente em todas dire ções. Como as derivadas de
uma função denem transformações lineares que são boas aproximações lo-
ais da função, as propriedades referidas tendem a ser satisfeitas pela função
no limite quando a variável independente tende para um ponto de diferen ia-
bilidade. L.Euler hamou a estas funções transformações innitesimamente
semelhantes para traduzir a ideia de na vizinhança de ada ponto tenderem
a denir transformações de semelhança no sentido da geometria elementar
(triângulos semelhantes têm ângulos orrespondentes iguais e lados orres-
pondentes propor ionais om a mesma onstante de propor ionalidade). L.
Euler onsiderou estas transformações em trabalhos de 1777 sobre artas ge-
ográ as da Rússia, que tinha sido en arregado de elaborar pela A ademia
das Ciên ias de S. Petersburgo. Um aspe to essen ial para o uso práti o
de artas é que o traçado de rumos denindo um ângulo de dire ção de
per urso om uma dire ção de referên ia (e.g. om o Norte magnéti o ou
eleste) possa ser feito mar ando o mesmo ângulo numa arta plana, o que
exige a preservação de ângulos na onstrução de artas planas da superfí ie
do globo terrestre e, portanto, a propriedade de serem transformações in-
nitesimamente semelhantes. A designação transformações onformes foi
introduzida para transformações do plano om as propriedades geométri as
referidas em 1789 por F.T. S hubert52 , a adémi o de S. Petersburgo.
3.2 Diferenciabilidade e derivada
Seja f : Ω → C uma função denida num onjunto aberto não vazio Ω ⊂ C .
Diz-se que f é diferenciável num ponto z0 ∈ Ω se existe o limite da razão
in remental de f de z0 para z ∈ Ω quando z → z0 :
f (z)−f (z0 )
f ′ (z0 ) = lim z−z0 .
z→z0
A f ′(z0 ) hama-se a derivada de f em z0 . Se f é diferen iável em todos
os pontos de um sub onjunto aberto de Ω que ontém ∅ = 6 S ⊂ Ω , diz-se
que é holomorfa53 em S . O onjunto de todas as funções holomorfas em
S designa-se por H(S) . Chama-se função inteira a uma função holomorfa
em C . Logo, o onjunto das funções inteiras é H(C) .
(3.1) Exemplos:
1. A função complexa f (z) = |z|2 só é diferenciável no ponto z = 0 , pois,
com h = reiθ , com r > 0 e θ ∈ R , é
f (z+h)−f (z) (z+h)(z+h)−zz zz+zh+hz+hh−zz
h = h = h = z hh +z+h = z e−i2θ +z+h .
52
Schubert, Friedrich Theodor von (1758-1825).
53
Nome introduzido em 1875 por Charles Briot (1817-1882) e Jean Bouquet (1819-1885).
3.2 Diferenciabilidade e derivada 29

Logo54 , lim f (z+h)−f


h
(z)
= z e−i2θ +z . Para z 6= 0 este limite varia com θ, pelo
h→0
que não existe, e para z = 0 o limite existe e é zero. Portanto a derivada de
f só existe no ponto 0 e f ′ (0) = 0 .
2. Para uma função complexa constante f (z) = c é
f (z+h)−f (z)
f ′ (z) = lim h = lim c−c
= 0.
h→0 h→0 h

Funções constantes em C são funções inteiras com derivada nula em todos


pontos de C .
3. Para a função identidade f (z) = z é
f (z+h)−f (z)
f ′ (z) = lim h = lim z+h−z
h = 1.
h→0 h→0

A função identidade é inteira e tem derivada 1 em todos os pontos de C .


4. Para uma função potência de expoente inteiro positivo f (z) = z n , com
n ∈ N , da fórmula binomial de Newton55 é
" n   #
X n
f ′ (z) = lim h1 [(z + h)n −z n ] = lim h1 z n−k hk − z n
h→0 h→0 k
k=0
" n   # n  
X n X n n−k k−1
n n−k k n
1
= lim h z + z h −z = lim z h = nz n−1 .
h→0 k h→0 k
k=1 k=1
Logo, f (z) = z n é uma função inteira com derivada f ′ (z) = nz n−1 para z ∈ C .
As derivadas nos exemplos anteriores foram al uladas dire tamente a
partir da denição, omo limites de razões in rementais. Contudo, da deni-
ção de derivada resultam propriedades de derivação de operações de funções
análogas às de funções reais e que se estabele em da mesma maneira. Em
parti ular, somas, produtos e quo ientes om denominadores não nulos de
funções omplexas diferen iáveis num ponto são diferen iáveis nesse ponto, e
omposições de funções omplexas diferen iáveis em pontos orrespondentes
na de omposição são
f ′ f ′ g−f g ′
(f +g)′ = f ′ +g′ , (f g)′ = f ′ g+f g ′ , g = g2 , (f ◦g)′ = (f ′ ◦g)g ′ .
Logo, somas, produtos e quo ientes om denominadores não nulos de funções
holomorfas num onjunto aberto Ω ⊂ C são holomorfas em Ω , e omposi- 
ções de funções holomorfas são holomorfas, i.e. se g ∈ Ω e f ∈ H g(Ω) , é
f ◦g ∈ H(S) . Em parti ular, o onjunto H(S) das funções holomorfas num
onjunto S ⊂ C é um espaço linear omplexo om a soma e a multipli ação
por es alares omplexos usuais, e substituindo os es alares por números reais
é um espaço linear real.
54
Este limite é a derivada direccional da correspondente função em R2 no ponto (x, y) = z
segundo o vector (cos θ, sin θ) .
55
Newton, Isaac (1642-1727).
30 Derivada

(3.2) Exemplos:
P
1. As funções polinomiais complexas P (z) = nk=0 ck z k são inteiras, pois
são somas de produtos de constantes por potências de expoentes inteiros
não negativos, que são funções
Pn−1 inteiras. As regras de derivação de operações
′ k
de funções dão P (z) = k=0 (k+1)ck+1 z . Logo, a derivada de uma função
polinomial de grau n é uma função polinomial de grau n−1 .
P (z)
2. As funções racionais Q(z) , em que P, Q são funções polinomiais e Q
não é o polinómio zero, são holomorfas no resp. domı́nio, i.e. no conjunto
de pontos em que o denominador Q(z) não é zero, pois são quocientes de
funções inteiras. As derivadas de funções racionais podem ser calculadas
com a regra de derivação do quociente de funções e a fórmula de derivação
de polinómios do exemplo precedente.
Se f : Ω → C , om Ω ⊂ C , é uma função diferen iável no ponto z0 , a
função denida por 
, se z 6= z0
f (z)−f (z0 )−f ′ (z0 )(z−z0 )
z−z0
, se z = 0
(3.3) E(z, z0 ) =
0
satisfaz z→z
lim E(z, z0 ) = 0 e a função Tz : C → C tal que Tz (z) = f ′ (z0 ) z
0 0

é uma transformação linear no espaço linear omplexo C . Portanto, da


0

orrespondên ia entre pontos de C e de R2, a diferen iabilidade de uma


função omplexa f num ponto z0 ∈ C orresponde à diferen iabilidade da
função (u, v) = f de R2 em R2 no ponto (x0, y0 ) = z0 uja derivada é uma
transformação linear em R2 que orresponde a uma transformação linear no
espaço linear omplexo C . Designando (A, B) = f ′(z0 ) , é

Tz0 (x, y) = (A+iB)(x+iy) = (Ax−BY )+i(Ay +Bx) = (Ax−BY, Ay +Bx).
A representação matri ial da orrespondente transformação linear em R2 na
base anóni a oin ide om a matriz ja obiana
"
da# função (u, v) em (x0, y0 )
  ∂u
− ∂u
A −B ∂x ∂y
= ,
B A ∂v ∂v
∂x ∂y
o que é onsistente om a observação em Álgebra Linear das representações
matri iais das transformações lineares em R2 que orrespondem a transfor-
mações lineares omplexas em C serem na base anóni a de R2 as matrizes
reais 2×2 om as omponentes na diagonal prin ipal iguais e as outras duas
omponentes simétri as uma da outra.
Fi ou provado o resultado seguinte.
(3.4) Equações de Cauchy-Riemann: Se f : Ω → C com Ω ⊂ C é
diferenciável em z0 = (x0 , y0 ) ∈ Ω e f = (u, v) , em z0 verificam-se as
equações de Cauchy-Riemann
∂u ∂v ∂v ∂u
∂x = ∂y , ∂x = − ∂y ,
e a derivada de f é dada por qualquer das quatro fórmulas seguintes:
∂v def ∂f ∂u def ∂f
f ′ = ∂u ′ ∂v ′ ∂u ∂u ′ ∂v ∂v
∂x +i ∂x = ∂x , f = ∂y −i ∂y = −i ∂y , f = ∂x −i ∂y , f = ∂y +i ∂x .
3.2 Diferenciabilidade e derivada 31

As equações de Cau hy-Riemann estabele em fortes restrições de interli-


gação das partes real e imaginária de funções omplexas diferen iáveis, mas
também estabele em restrições às partes real e imaginária, omo se vê nos
exemplos seguintes.
(3.5) Exemplos:
1. Se f = (u, v) é uma função holomorfa numa
2 2 ∂u ∂u
 região Ω ⊂ C com parte
real u(x, y) = x − xy − y , é ∂x (x, y), ∂y (x, y) = (2x−y, −x−2y) , e, das
∂v ∂v

equações de Cauchy-Riemann, é ∂x , ∂y = (x+2y, 2x−y) . Primitivando as
duas componentes em relação às variáveis das resp. derivadas parciais dá
 
v(x, y), v(x, y) = 12 x2 +2xy+k1 (y) , 2xy− 12 y 2 +k2 (x) ,
e equacionando as duas componentes obtém-se v(x, y) = 12 x2 +2xy− 21 y 2 +c ,
com c uma constante real. Logo, a parte imaginária v de uma função holo-
morfa numa região com a parte real u dada tem de ser desta a forma.
2. Se f = (u, v) é uma função holomorfa numa região Ω ⊂ C com parte
real u(x, y) = x2 + y 2 , obtém-se analogamente
 ao exemplo precedente
v(x, y), v(x, y) = −2xy+k1 (y) , 2xy+k2 (x) e equacionando as duas com-
ponentes −2xy + k1 (y) = 2xy + k2 (x) , que é impossı́vel. Portanto, não há
funções complexas holomorfas com parte real u(x, y) = x2 + y 2 , ou seja não
há funções holomorfas f com Ref (z) = |z|2 .
A diferen iabilidade de uma função omplexa num ponto z0 orresponde
a a rés imos dos valores da função numa vizinhança de z0 em relação ao valor
da função em z0 serem bem aproximados por uma função linear omplexa,
no sentido do quo iente do desvio de aproximação do valor da função num
ponto pelo desvio do ponto a z0 tender para zero quando o ponto tende para
z0 , o que orresponde geometri amente ao grá o da função em R2 asso i-
ada à função omplexa admitir um plano tangente (não verti al) no ponto
orrespondente a z0 , e impli a ontinuidade em pontos de diferen iabilidade.
(3.6) Funções complexas são contı́nuas em pontos de diferenciabilidade.

Dem. Com E(z, z0 ) como na fórmula (3.3) para z numa vizinhança de z0 , é


f (z)−f (z0 )−f ′ (z0 )(z−z0 ) = (z−z0 )E(z, z0 ) , e lim f (z) = f (z0 ) . Q.E.D.
z→z0

O exemplo seguinte mostra que as equações de Cau hy-Riemann são


ne essárias, mas não su ientes para diferen iabilidade.
 p
(3.7) Exemplo: Se f (x, y) = |xy| para (x, y) ∈ C e f = (u, v) , é
u(x, 0) = u(0, y) = v(x, y) = 0 , as derivadas parciais de u e v em z0 = 0
são nulas e, portanto, as equações de Cauchy-Riemann são satisfeitas em
z0 . A razão incremental de f em z0 , com z = reiθ , em que r > 0 , θ ∈ R , é
√ q
f (reiθ ) −f (0) r |(cos θ)(sin θ)| | sin(2θ)| −iθ
reiθ
= reiθ
= 2 e ,
32 Derivada

cujos valores variam com θ, e.g. o valor é 0 para θ = 0 e é 12 (1−i) para θ = π4 .


Logo, lim f (z) −z f (0) não existe, e, portanto, f não é diferenciável em z0 = 0 ,
z→0
embora satisfaça as equações de Cauchy-Riemann.

Sabe-se do estudo de funções em R2 que uma ondição su iente para


diferen iabilidade de uma função num onjunto aberto não vazio é que as
duas omponentes reais da função sejam C 1, i.e. as derivadas par iais exis-
tam e sejam ontínuas. Esta propriedade permite estabele er ondições em
que as equações de Cau hy-Riemann são ne essárias e su ientes para dife-
ren iabilidade de uma função omplexa.

(3.8) Se Ω ⊂ R2 é um conjunto aberto não vazio e u, v : Ω → R são


funções C 1 , a função complexa f = (u, v) é holomorfa em Ω se e só se
as equações de Cauchy-Riemann se verificam em Ω .

Dem. A função (u, v) como função com valores em R2 e variável em R2 é


diferenciável e a derivada é uma transformação linear em R2 que corresponde
a uma transformação linear no espaço linear complexo C se e só se a matriz
jacobiana tem as componentes na diagonal principal iguais e as outras duas
componentes simétricas, que são as equações de Cauchy-Riemann. Q.E.D.

(3.9) Equações de Cauchy-Riemann em coordenadas polares


É por vezes útil onsiderar as equações de Cau hy-Riemann em oorde-
nadas polares. Como a relação de oordenadas artesianas om polares é
(x, y) = (r cos θ, r sin θ) , a mudança para oordenadas polares no domínio de
funções u(x, y), v(x, y) pode ser expressa por
u(x, y) = u(r cos θ, r sin θ) = U (r, θ) , v(x, y) = v(r cos θ, r sin θ) = V (r, θ) .
Com a regra de derivação
"
da
# "
função omposta
#
obtém-se
∂U ∂U ∂u ∂u  
∂r ∂θ ∂x ∂y cos θ −r sin θ
= .
∂V ∂V ∂v ∂v sin θ r cos θ
∂r ∂θ ∂x ∂y
As equações de Cau hy-Riemann em oordenadas artesianas são
∂u def def
∂x = ∂v
∂y = A ,
∂v
∂x = − ∂u
∂y = B ,
pelo que " ∂U #  
∂U
∂r ∂θ A cos θ−B sin θ −r(A sin θ+B cos θ)
= .
∂V ∂V A sin θ+B cos θ r(A cos θ−B sin θ)
∂r ∂θ
Logo, as equações de Cauchy-Riemann em oordenadas polares são
∂V ∂U ∂U
(3.10) ∂θ =r ∂r , ∂θ = −r ∂V
∂r .
3.2 Diferenciabilidade e derivada 33

(3.11) Exemplos:
1. Considera-se a função complexa f (z) = ez . Com f = (u, v) e z = (x, y) , é
ez = ex (cos y+sin y) , pelo que u(x, y) = ex cos y, v(x, y) = ex sin y, e
∂u ∂u ∂v ∂v
∂x = ex cos y , ∂y = −ex sin y , ∂x = ex sin y , ∂y = ex cos y .
Estas funções são contı́nuas e satisfazem as equações de Cauchy-Riemann
em C . Logo, do resultado precedente, a exponencial complexa é uma função
inteira, com derivada
∂u ∂v
(ez )′ = ∂x +i ∂x = ex cos y + i ex sin y = ez .
A derivada da exponencial é a exponencial, tal como da exponencial real.
2. As funções complexas cos z = 12 (eiz + e−iz ) e sin z = 2i 1 iz
(e − e−iz ) são
inteiras, pois somas, produtos e composições de funções inteiras são inteiras,
e têm derivadas ′
(cos z)′ = 12 (eiz +e−iz ) = 12 (i eiz − i e−iz ) = − sin z ,
′
(sin z)′ = 2i (e −e−iz ) = 2i
1 iz 1
(i eiz + i e−iz ) = cos z .
Logo, a derivada do coseno complexo é o simétrico do seno e a derivada do
seno complexo é o coseno, tal como para as correspondentes funções reais.
sin z
Como a tangente complexa tan z = cos z é um quociente de funções in-
teiras, é holomorfa no seu domı́nio, i.e. no conjunto em que o denominador
cos z não se anula, C\{ π2 +kπ, k ∈ Z} . A derivada é

sin z ′ 2 z + sin2 z
(tan z)′ = cos z = cos cos 2z = cos12 z ,
que também é a fórmula de derivação da tangente real.
3. Obtém-se analogamente que as funções complexas coseno hiperbólico
e seno hiperbólico são funções inteiras com derivadas (cosh z)′ = sinh z e
(sinh z)′ = cosh z , e a tangente hiperbólica é holomorfa no seu domı́nio, em
1
que tem derivada (tanh z)′ = cosh 2 .
z
4. Viu-se na secção sobre logaritmos do capı́tulo precedente que o logaritmo
de números complexos pode ser definido por escolhas em infinitos valores,
mas podem-se considerar funções dadas por cada ramo do logaritmo ln z ,
e.g. ln z +i(Arg z+k2π) , com k ∈ Z fixo. Cada um destes ramos do logaritmo
complexo está definido em C\{0} e é descontı́nuo no semieixo real negativo,
com a parte imaginária a aproximar-se de (2k + 1)π quando os pontos do
domı́nio se aproximam deste semieixo pelo semiplano complexo superior
Im z > 0 e de (2k − 1)π quando se aproximam pelo semiplano complexo
inferior Im z < 0 . As partes real e imaginária de cada um destes ramos
são, em coordenadas polares, z = reiθ com θ ∈ ](2k − 1)π, (2k + 1)π] , resp.
U (r, θ) = ln r e V (r, θ) = θ . Verifica-se
∂U
∂r = 1r , ∂U
∂θ =0 , ∂V
∂r =0 , ∂U
∂θ =1 .
Estas funções são contı́nuas e satisfazem as equações de Cauchy-Riemann
em coordenadas polares em {(r, θ) ∈ [0, +∞[×](2k−1)π, (2k+1)π] }, que em
34 Derivada

coordenadas cartesianas corresponde a C\{(x, 0) ∈ C : x < 0}. A continui-


dade de U e V no conjunto indicado implica a continuidade das partes real
e imaginária em coordenadas cartesianas, u, v, de cada ramo do logaritmo
considerado C \{(x, 0) ∈ C : x < 0}. De (3.8), cada uma destas funções lo-
garitmo é holomorfa no conjunto referido. A derivada pode ser facilmente
calculada com a regra de derivação da função composta, derivando eln z = z ,
o que dá eln z (ln z)′ = 1 , pelo que (ln z)′ = 1z , analogamente à fórmula de
derivação do logaritmo real.
5. Também se viu no capı́tulo precedente que as potências complexas são
definidas para w ∈ C \ Q por z 7→ z w = ew ln z . Para56 z ∈/ R+, z w pode ser
escolhido de infinitos valores, tal como ln z , e para z ∈ R+ convencionou-se
tomar para ln z o logaritmo real, o que dá uma única possibilidade para
os valores de z w que corresponde ao valor principal do logaritmo complexo.
Cada um dos ramos do logaritmo complexo considerados no exemplo pre-
cedente corresponde a um ramo da potência complexa z w e é uma função
complexa definida em C\{(x, 0) ∈ C : x < 0}, tal como o correspondente ramo
de ln z . A fórmula z w = ew ln z dá cada ramo de z 7→ z w como composição
de funções holomorfas no resp. domı́nio, pelo que também é uma função
holomorfa no resp. domı́nio. A derivada de cada ramo de z 7→ z w nos pontos
de C\{(x, 0) ∈ C : x < 0} calcula-se pelas regras da derivação de operações
com funções diferenciáveis, obtendo-se
(z w )′ = (ew ln z )′ = ew ln z wz = wz w−1 ,
análoga à fórmula para a derivada da função real potência de base positiva.
Para z ∈ C e w ∈ Q com w = pq em termos mı́nimos com p ∈ Z e q ∈ N ,
p
é z q = z w = ew ln z , pelo que as conclusões anteriores também se aplicam
neste caso. Para as potências inteiras positivas z w com w ∈ N já se obteve
no exemplo (3.1.4) a mesma fórmula de derivação, e para potências inteiras
negativas z w com −w ∈ N obtém-se
1 ′
 1
(z w )′ = (z −|w| )′ = z |w| = − (z |w| )2
|w|z |w|−1 = −|w|z −|w|−1 = wz w−1 ,
que é a mesma fórmula de derivação obtida para os casos anteriores.
6. As exponenciais complexas de base complexa foram definidas na corres-
pondente secção do capı́tulo precedente por w 7→ z w = ew ln z , para z ∈ C\{0}.
Para cada um dos ramos do logaritmo, esta função é uma composição de
funções inteiras e, portanto, também é inteira. A derivada calcula-se com as
regras da derivação de operações de funções diferenciáveis, obtendo-se
(z w )′ = (ew ln z )′ = ew ln z ln z = z w ln z ,
a mesma fórmula da derivada de exponenciais reais com bases positivas.
7. Na secção sobre inversas de funções
√ trigonométricas
 do√capı́tulo
 prece-
2
dente obteve-se arccos z = ±i ln z + z −1 = ±i ln z + i 1−z . Para 2

56
Designa-se R+ = ]0, +∞[ .
3.2 Diferenciabilidade e derivada 35

definir uma função correspondente a um ramo desta relação há que escolher
o sinal, escolher um ramo da raiz quadrada e um ramo do logaritmo. Pode-
se escolher o valor principal do logaritmo, o ramo da raiz quadrada definido
no plano sem o semieixo real negativo e que assume valores de parte imagi-
nária positiva, e o sinal negativo. Para que 1−z 2 não esteja no semieixo real
negativo, excluem-se do domı́nio √ os números reais z da união de intervalos
] − ∞, −1] √∪ [1, +∞[ . Se z + i 1−z 2 pertence ao semieixo real negativo,
como z −i 1−z 2 é o seu recı́proco, também este pertence ao semieixo real
negativo e a soma dos dois 2z é um número real negativo. Como√o intervalo
] − ∞, −1] 2
√ está excluı́do, resta verificar que para z ∈ ] − 1, 0[ é 1−z > 0
2
e z + i 1−z não é √real, para  concluir que se pode considerar a função
2
arccos z = −i ln z +i 1−z definida na região C\ ]−∞, −1] ∪ [1, +∞[
com o valor principal do logaritmo (ver Figura 2.22). Para números reais
z ∈ [−1, 1] o valor desta função é o mesmo da função real arccos , que tem
contradomı́nio [0,π] . A função é definida por composições, produtos e so-
mas de funções holomorfas, pelo que é holomorfa em Ω . A derivada desta
função arccos z calcula-se facilmente pela regra de derivação de operações
com funções diferenciáveis, obtendo-se
p  
 ′
(arccos z)′ = −i ln z+i 1−z 2 = −i z + i√11−z 2 1+i 2√−2z
1−z 2
√ 
i 1−z 2 − iz 1
= − z + i 1−z 2
√ √
1−z 2
= − 1−z 2 ,

concordante com a fórmula para a correspondente função real.


Para arcsin z = π2 − arccos z pode-se tomar o ramo de arccos z acima
considerado. Como é uma diferença de funções holomorfas em Ω , também
é uma função holomorfa em Ω . Com as regras de derivação de operações de
funções complexas obtém-se,
 ′
(arcsin z)′ = π2 −(arccos z) = −(arccos z)′ = √1−z1
2
.
O resultado seguinte dá ondições simples para uma função holomorfa
numa região ser onstante. Ilustram, mais uma vez, que a existên ia de
derivada de uma função omplexa numa região impõe restrições fortes de
interligação entre as partes real e imaginária, e os módulo e argumento.
(3.12) Uma função holomorfa f numa região de C é constante se f ′ = 0
ou uma das funções Re f , Im f , |f |, arg f é constante.

Dem. Se a derivada de f = (u, v) é nula numa região Ω ⊂ C , as derivadas


parciais de u, v são nulas e, portanto, u, v são constantes em todos segmentos
de recta paralelos aos eixos coordenados contidos em Ω . Como Ω é um
conjunto aberto e conexo, qualquer par dos seus pontos pode ser ligado por
uma linha poligonal em Ω com segmentos sucessivos paralelos a um dos eixos
coordenados. Logo, u, v e, portanto, também f , são constantes em Ω .
Se u = Re f (resp., v = Im f ) é constante em Ω , então f ′ = ∂u ∂u
∂x −i ∂y = 0
∂v ∂v
(resp., f ′ = ∂y +i ∂x = 0) e, do parágrafo precedente, f é constante em Ω .
36 Derivada

Se |f | é constante em Ω , também u2 +v 2 é constante em Ω . Derivando


em ordem a x e y e com as equações de Cauchy-Riemann obtém-se
u ∂u ∂v
∂x +v ∂x = 0 , u ∂u ∂v
∂y +v ∂y = 0 ,
∂v
−u ∂x ∂v
+v ∂x =0 .
a
O sistema de equações lineares com a 1 e a última destas equações é equi-
valente à equação matricial  " ∂u #
u v ∂x
= 0.
v −u ∂v
∂x
O determinante da matriz de coeficientes é −(u2 +v 2 ) . Se u2 +v 2 se anula
num ponto, como é constante em Ω anula-se em toda esta região e f = 0 em
Ω . Caso contrário, o sistema tem solução única 0, e f ′ = ∂u ∂v
∂x −i ∂x = 0 , pelo
que, do penúltimo parágrafo anterior, f é constante em Ω .
Se o argumento de f é constante em Ω , u e v têm valores numa mesma
semirecta com extremidade na origem, pelo que ou u = 0 em Ω e do penúltimo
parágrafo anterior f é constante em Ω , ou para algum c ∈ R é v = cu e
Re(1+ic)f = Re [(1+ic)(u+iv)] = u−cv = 0 ,
e, desse parágrafo, (1+ic)f = 0 , e, como 1+ic 6= 0 , é f = 0 em Ω . Q.E.D.
Im Im

2 2

1 1

0 Re 0 Re

-1 -1

-2 -2
-2 -1 0 1 2 -2 -1 0 1 2
Im
Im
3
1.5
2 1
1 0.5
0 Re 0 Re
-1 -0.5

-2 -1
-1.5
-3 -1.5-1-0.5 0 0.5 1 1.5
-3 -2 -1 0 1 2 3
Im Im
3 3
2 2
1 1
0 Re 0 Re
-1 -1
-2 -2
-3 -3
-3 -2 -1 0 1 2 3 -3 -2 -1 0 1 2 3

Figura 3.1: Intersecção ortogonal de curvas de nı́vel das partes real (a grosso)
e imaginária (a fino) de funções holomorfas (z 2 , 1z , ez , tan z, ln z, arccos z )
3.3 Transformações conformes 37

A onsequên ia seguinte das equações de Cau hy-Riemann é muito útil


para representação geométri a de funções holomorfas. Mais uma vez, veri a-
se que a diferen iabilidade de uma função omplexa num onjunto aberto im-
põe fortes restrições de interligação das suas partes real e imaginária, neste
aso om uma expressão geométri a muito simples.
(3.13) Curvas de nı́vel das partes real e imaginária de uma função
holomorfa intersectam-se ortogonalmente (Figura 3.1).

Dem. Se f = (u, v) , das equações de Cauchy-Riemann, o produto interno


canónico em R2 de ∇u, ∇v satisfaz
∂u ∂v ∂u ∂v ∂u ∂v ∂v ∂u
∇u ·∇v = ∂x ∂x + ∂y ∂y = ∂x ∂x − ∂x ∂x = 0.
Logo, ∇u, ∇v são ortogonais, e as curvas de nı́vel de u e v também. Q.E.D.

3.3 Transformações conformes


Para analisar omo transformações denidas num plano deformam o espaço
é útil observar o efeito em urvas dos domínios das transformações.
As noções de urva e aminho em sub onjuntos de C e em R2 são análo-
gas. Em parti ular, um caminho em Ω ⊂ C é uma função ontínua denida
num intervalo de números reais om valores em Ω . Chama-se curva γ ∗
em Ω ao ontradomínio de um aminho γ em Ω . Um caminho regular é
um aminho C 1 om derivada que não se anula. Para um aminho regular
γ : I → C , em que I ⊂ R é um intervalo, γ ′ (t) 6= 0 é um ve tor tangente à
urva γ ∗ no ponto γ(t) , para t ∈ I .

Figura 3.2: Transformação de curvas por uma função holomorfa


Se Ω ⊂ C é aberto, f ∈ H(Ω) e γ é um aminho regular em Ω ,
β = f ◦ γ também é um aminho em Ω . A urva β ∗ orrespondente é a
imagem da urva γ ∗ pela função f (Figura 3.2). Da regra de derivação da
função omposta, β ′ (t) = f ′ γ(t) γ ′(t) , para t ∈ I . Se f é C 1, β é um aminho
regular se e só se f ′(z)6= 0 , para z ∈ γ ∗, e arg β ′(t) = arg f ′ γ(t) + arg γ ′ (t) ,
para t ∈ I om f ′ γ(t) 6= 0 . Se t0 ∈ I , z0 = γ(t0 ) e f ′(z0 ) 6= 0 , o ângulo entre
as tangentes dirigidas γ ′(t0 ) e β ′(t0 ) aos aminhos, resp., γ e β nos pontos,
resp., z0 = γ(t0) e w0 = f (z0) é igual a arg f ′(z0 ) . Logo, aminhos regulares
38 Derivada

que formam um ângulo θ em z0 são transformados por f em aminhos que


formam o mesmo ângulo θ em w0 (Figura 3.3). Também é
|f (z)−f (z0 )|
lim |z−z0 | = |f ′ (z0 )| ,
z→z0
pelo que pequenos segmentos de re ta om origem em z0 são, no limite
quando z → z0, ontraídos ou expandidos na razão |f ′(z0 )| . Portanto, a mu-
dança de es ala no ponto z0 resultante da transformação f é independente da
dire ção (Figura 3.3). Quando uma função satisfaz estas duas propriedades
diz-se que é uma transformação conforme.

Figura 3.3: Preservação de ângulos e mudança de escala em cada ponto


sob transformações definidas por funções holomorfas
Assim, as funções holomorfas satisfazem restrições geométri as muito
fortes, omo já se tinha observado om as urvas de nível das partes real e
imaginária de uma função holomorfa a interse tarem-se ortogonalmente.
Os dois tipos de onformidade para uma função f : Ω → C num ponto
z0 ∈ Ω impli am que f ′ (z0 ) existe: o módulo de f ′ (z0 ) é a razão de ontra ção
ou expansão de pequenos segmentos om origem em z0 e o argumento é, para
ada aminho regular γ que passa em z0 , a diferença dos argumentos das
tangentes dirigidas dos aminhos γ e β = f ◦γ em, resp., z0 e f (z0) .
O resultado seguinte dá, sob a hipótese adi ional de f = (u, v) ser C 1
numa vizinhança de z0 omo função de R2 em R2, que o 1o tipo de onfor-
midade impli a diferen iabilidade de f em z0 e o 2o tipo de onformidade
impli a a diferen iabilidade de f ou f em z0 , om derivadas 6= 0 .
(3.14) Se Br (z0 ) ⊂ C com r > 0 é um cı́rculo aberto centrado em z0 ∈ C
e f : Br (z0 )→ C é tal que nos pontos z = (x, y) ∈ Br (z0 ) ∂f ∂f
∂x , ∂y existem e
são contı́nuas:
1. A preservação dos ângulos entre caminhos regulares em z0 equivale
à existência f ′ (z0 ) 6= 0 .
2. A existência de uma razão de expansão (ou contracção) de dis-
tâncias de pontos a z0 no limite quando tendem para z0 equivale

à existência de f ′ (z0 ) 6= 0 ou f (z0 ) 6= 0 (no último caso f pre-
serva valores absolutos de ângulos entre caminhos regulares que se
intersectam em z0 mas inverte sentidos).
3.3 Transformações conformes 39

Dem. Já se provou que a existência de f ′ (z0 ) 6= 0 implica a validade das


duas condições de conformidade. Como os valores absolutos de complexos
conjugados são iguais e os ângulos definidos por complexos conjugados não
nulos são iguais em valor absoluto mas de sentidos contrários, a existência
de ( f )′ (z0 ) 6= 0 em z0 também implica a validade das duas condições de
conformidade, com inversão de sentidos de ângulos.
De (3.8), a existência de derivada de f (resp., f ) em z0 é equivalente à
validade das equações de Cauchy-Riemann de f (resp., f ) em z0 , pelo que
basta mostrar que, separadamente, cada uma das condições de conformidade
implica a validade das equações de Cauchy-Riemann em z0 e f ′ (z0 ) 6= 0 (resp.,
( f )′ (z0 ) 6= 0 ).
Para um caminho  regular z : I → Br (z0 ) , com z0 = z(t0 ) , t0 ∈ I,
1
z(t) = x(t), y(t) e w(t) = f z(t) , é x′ = 12 (z ′+z ′ ), y ′ = i2 (z ′−z ′ ) = −i 21 (z ′−z ′ ) ,
 
w′ = ∂f
∂x x ′ + ∂f y ′ = 1 ∂f −i ∂f z ′ + 1 ∂f +i ∂f z ′
∂y 2 ∂x ∂y 2 ∂x ∂y
em que as derivadas parciais de f são calculadas em z0 e as derivadas de
x, y, z, w são calculadas em t0 .
Prova de 1): Se os ângulos entre caminhos regulares em z0 são preservados,
w′ 1 ∂f ∂f  1 ∂f ∂f  z ′
(3.15) z ′ = 2 ∂x −i ∂y + 2 ∂x +i ∂y z ′
deve ser 6= 0 e ter argumento independente de z ′ . Quando z ′ percorre todos

os possı́veis valores complexos, o quociente zz ′ percorre a circunferência do
plano complexo com raio 1 e centro na origem, pelo que os valores de (3.15)
∂f 
percorrem a circunferência com centro em 12 ∂f ∂f 1 ∂f
∂x − i ∂y e raio 2 ∂x + i ∂y .
A única situação em que o argumento permanece constante é com raio nulo,
i.e. ∂f ∂f ∂u ∂v ∂u ∂v
∂x + i ∂y = 0 , que, om f = (u, v) , equivale a ∂x = ∂y e ∂y = − ∂x , que
são as equações de Cauchy-Riemann. Portanto, f é diferenciável em z0 .
Como a expressão (3.15) tem de ser 6= 0 e o 2o termo no lado direito é zero
w′
e ∂f ∂f ∂f ′ ∂f
∂x +i ∂y = 0 , resulta de (3.15) que z ′ = ∂x 6= 0 e, de (3.4), f = ∂x 6= 0 .
Prova de 2): Se pequenos segmentos de recta com origem em z0 são, no
limite quando os comprimentos tendem para zero, expandidos (ou contraı́-
′|
dos) numa razão constante pela transformação f , é |w|z ′ | 6= 0 e independente
de z ′ , pelo que o valor absoluto da expressão (3.15) tem de permanecer
constante quando z ′ percorre todos os possı́veis valores complexos. Como os
valores assumidos por (3.15) percorrem uma circunferência, os seus módulos
só permanecem constantes se o raio da circunferência é nulo ou o centro
está na origem. Já se viu que o 1o caso implica a validade das equações de
Cauchy-Riemann e, portanto, a diferenciabilidade de f em z0 . O 2o caso
corresponde a ∂f ∂f ∂f ∂f
∂x = i ∂y , ou seja a ∂x = −i ∂y , que implica a validade das
equações de Cauchy-Riemann de f e, portanto, a diferenciabilidade desta
função em z0 . Como no parágrafo precedente, obtém-se
∂f ∂f
( f )′ (z0 ) = ∂x = ∂x 6= 0 .
. Q.E.D.
40 Derivada

(3.16) Exemplos: As funções holomorfas consideradas em secções anterio-


res dão exemplos de transformações conformes. Consideram-se sem seguida
três exemplos especı́ficos mais detalhadamente.
1. A transformação exponencial
Considera-se a função exponencial f (z) = ez = ex (cos y + i sin y) , com
z = (x, y) . Como a exponencial é uma função periódica de perı́odo i2π, cada
faixa horizontal do plano complexo com largura 2π é transformada em todo
o contradomı́nio da exponencial, i.e. em C\{0}.

Figura 3.4: Transformação do plano definida pela exponencial complexa


As rectas verticais x = a são transformadas em circunferências com cen-
tro na origem e raio ea (Figura 3.4). Em particular, o eixo imaginário é
transformado na circunferência com centro na origem e raio 1, as rectas
verticais do semiplano direito em circunferências com raio > 1 e as rectas
verticais do semiplano esquerdo em circunferências com raio < 1 .
As rectas horizontais y = b são transformadas em semirectas com ex-
tremidade na origem sem a conter que fazem ângulo b com o semieixo real
positivo (Figura 3.4).

Figura 3.5: Transformação de um rectângulo pela exponencial complexa


3.3 Transformações conformes 41

Uma vez que as rectas horizontais são ortogonais às rectas verticais, têm
imagens que têm de ser curvas ortogonais, pois (ez )′ = ez 6= 0 para z ∈ C , o
que se confirma pelas semirectas que passam pela origem serem ortogonais
às circunferências de centro na origem.
A exponencial transforma biunivocamente rectângulos de altura inferior
a 2π em sectores de coroas circulares (Figura 3.5). Rectângulos de altura
superior a 2π são transformados em coroas circulares não injectivamente.
2. Transformações de Möbius
Chama-se transformação de Möbius57 a uma função complexa
az + b
f (z) = cz + d ,
em que a, b, c, d ∈ C e ad−bc 6= 0 (o exemplo (2.2) é o caso particular com
a = 0, b = c = 1, d = −1 ). Vê-se num dos capı́tulos finais que estas transforma-
ções desempenham um papel fundamental no esclarecimento da diversidade
possı́vel das transformações conformes.
Com as regras de derivação de operações obtém-se
a(cz+d) − c(az+b)
f ′ (z) = (cz+d)2 = ad − bc
(cz + d)2 ,

se cz+d 6= 0 . Logo, se c 6= 0 , a derivada existe C\ − dc ; se c = 0 ,
e f ′ 6= 0 em
a derivada existe e f ′ 6= 0 em C . Portanto, as transformações 
de Möbius

com c = 0 são conformes em C, e com c 6= 0 são conformes em C\ − dc .
Verifica-se
w = az+b dw−b
cz+d ⇐⇒ czw+dw = az+b ⇐⇒ z(cw−a) = −dw+b ⇐⇒ z = −cw+a .
em que
caz + cb − acz − ad cb − ad
cw−a = c az +b
cz + d − a = cz + d = cz + d 6= 0 .
Portanto, a função f é injectiva e a inversa é
f −1 (w) = dw − b
−cw + a .
Como da−(−b)(−c) = ad−bc 6= 0 , a inversa de uma transformação de Möbius
também é uma transformação de Möbius.
É especialmente simples de analisar o caso a = d = 0 , b = c = 1 , nome-
adamente a função recı́proco R(z) = 1z , que tem domı́nio e contradomı́nio
iguais a C\{0}. Como R(iz) = −iz , a imagem pela função R da rotação de
um conjunto S ⊂ C de ângulo π2 em torno da origem é a rotação de ângulo
− π2 de S. Para ver como R transforma rectas e circunferências, como estas
têm equações cartesianas que, com z = (x, y) , podem ser escritas
(3.17) A(x2 +y 2 ) + Bx + Cy + D = 0 .
São rectas que passam na origem se (A = 0 , B 6= 0) ou (A = 0 , C 6= 0 ). Se
A 6= 0, completando quadrados de somas pode-se escrever a equação como
B 2
 
C 2 2 2
x+ 2A + y+ 2A = B +C4A−4AD
2 ,
57
Também são conhecidas por transformações homográficas, transformações lineares
fraccionárias ou transformações bilineares fraccionárias.
42 Derivada

e se A 6= 0 e B 2 + C 2 − 4AD > 0 , (3.17) √é a equação cartesiana da circunfe-


B C
 2 2 −4AD
rência com centro em − 2A ,− 2A e raio B +C 2|A| . Com as substituições
x2 +y 2 = zz , x = 21 (z+z) , 1
y = i2 (z−z) ,
w = z1 = u+iv ,

u2 +v 2 = ww , u = 21 (w+w) , 1
v = i2 (w−z) ,
a equação (3.17) transforma-se sucessivamente em
B C
Azz + 2 (z+z) + i2 (z−z) + D = 0.
1 B 1 1
 C 1 1

A ww + 2 w+w + i2 w − w + D = 0.
B C
A+ 2 (w+w) + i2 (w−w) + Dww = 0 .

(3.18) D(u2 +v 2 ) + Bu − Cv + A = 0 .
A última equação tem a forma de (3.17) com coeficientes diferentes, pelo
que é a equação cartesiana de rectas que passam na origem se (D = 0 , B 6= 0)
ou (C = 0 , C 6= 0 ), ou de circunferências se D 6= 0 e B 2 + C 2 − 4AD > 0 .
Portanto, as imagens de rectas que passam na origem ou circunferências
pela função R(z) = z1 são rectas que passam na origem ou circunferências.
Em particular, rectas verticais x = −D (da forma (3.17) com A = C = 0 ,
B = 1 ) transformam-se na recta u = 0 se D = 0 , ou em circunferências
D(u2 +v 2 )+u = 0 se D6= 0 . Por analogia com (3.17) estas circunferências
1 1
têm centro em − 2D , 0 e raio 2|D| (Figura 3.6).

Figura 3.6: Transformação de uma recta vertical por z 7→ z1


Da análise anterior conclui-se que uma grelha de rectas verticais e hori-
zontais é transformada pela função R(z) = z1 numa grelha de circunferências
tangentes aos eixos coordenados na origem intersectando-se ortogonalmente
e pelos próprios eixos coordenados (Figura 3.7).
Para analisar o caso geral, nota-se que se c 6= 0 , é
az + b bc − ad 1 a
w = f (z) = cz + d = c cz + d + c .
3.3 Transformações conformes 43

Portanto, uma transformação de Möbius geral com c 6= 0 é a composição de


três transformações A1 , R, A2 na forma A1 ◦R◦A2 , em que:
• A1 : z 7→ z1 = A1 (z) = cz+d
(homotetia e rotação centradas na origem seguidas de translação),
• R : z1 7→ z2 = R(z1 ) = z11 (transformação recı́proco analisada acima),
• A2 : z2 7→ w = A2 (z2 ) = αz2 +β
(homotetia e rotação centradas na origem seguidas de translação),
em que α = bc −c ad e β = ac . As funções A1 e A2 são funções afins. Se c = 0 ,
f (z) = ad z +b é uma função afim, pelo que corresponde a uma homotetia e
rotação centradas na origem seguidas de translação.

Figura 3.7: Transformação de Möbius z 7→ z1


3. Transformação de Joukovski
A transformação de Joukovski58 é a função

J(v) = 21 z+ z1 ,
que tem domı́nio C \{0}. É uma função racional
 e, portanto, é holomorfa
no domı́nio. A derivada é J ′ (v) = 12 1− z12 , que se anula nos pontos ±1 e
apenas nestes pontos, que são pontos fixos de J pois J(±1) = ±1 . Portanto,
a transformação de Joukovski é uma transformação
 conforme na região
C \ {−1, 0, 1} . Verifica-se a simetria J 1z = J(z) , ou seja a imagem de
um ponto z 6= 0 coincide com a imagem do seu recı́proco z1 e

J(eiθ ) = 12 (eiθ +e−iθ ) = cos θ = Re eiθ ,


pelo que a circunferência com raio 1 e centro na origem é transformada
no segmento de recta no eixo real entre os números −1 e 1 . Pares de
pontos conjugados dessa circunferência são transformados no mesmo ponto
do segmento de recta, que é a parte real desses pontos.
A imagem da circunferência de raio r 6= 1 obtém-se com z = reiθ e de
−iθ   
(3.19) X +iY = f (reiθ ) = 12 reiθ + e r = 21 r+ 1r cos θ + 2i r− 1r sin θ ,
58
Joukovski, Nicolai (1847-1921).
44 Derivada

pelo que
X2 Y2
1
(r+ 1 2
)
+ 1
(r− 1 2
)
= 1.
4 r 4 r

Logo, a circunferência com raio r 6= 1 e centro na origem é transformada na


elipse com semieixos ao longo
do eixo real e do eixo imaginário de compri-
mentos, resp., 12 r+ 1r e 21 r− 1r (Figura 3.8). Portanto, toda região exterior
à circunferência com raio 1 e centro na origem é transformada no comple-
mentar em C do segmento de recta no eixo real de extremos nos números
±1 e o mesmo acontece para o complementar da origem no cı́rculo com raio
1 e centro na origem.

1 1

r r
1 1

Figura 3.8: Gráficos das funções 1
2 r+ r 1
e 12 r− r1
Da fórmula (3.19) também se obtém, para θ ∈ R tal que cos θ 6= 0 e
X2 Y2
sin θ 6= 0 , cos 2 θ + sin2 θ = 1 , pelo que as rectas de declive com valor absoluto
| tan θ| que passam na origem são transformadas na hipérbole com semieixo
real de comprimento | cos θ| ao longo do eixo real e eixo transverso de com-
primento | sin θ| ao longo do eixo imaginário (Figura 3.9). Estas hipérboles
são ortogonais às elipses acima consideradas, pois são imagens de curvas
ortogonais por uma transformação conforme.
O eixo real (excluindo a origem) é transformado na união das semirectas
que se obtêm retirando ao eixo real o segmento de recta com extremida-
des nos números ±1 , e cada um dos semieixos imaginários {iy : y > 0},
{iy : y < 0} é transformado em todo o eixo imaginário (Figuras 3.9). Os
conjuntos {iy : y > 1}, {iy : −1 < y < 0} são transformados no semieixo
imaginário {iy : y < 0} e os conjuntos {iy : 0 < y < 1}, {iy : y < −1} são
transformados no semieixo imaginário positivo.
Com w = f (z) , obtém-se
w−1 z + 1/z − 2 z 2 − 2z + 1 z−1 2

w + 1 = z + 1/z + 2 = z 2 + 2z + 1 = z + 1 .
w−1 ζ +1
Como w 7→ w + 1 é uma transformação de Möbius com inversa ζ 7→ ζ − 1 , a
transformação de Joukovski w = J(z) resulta da composição de três trans-
formações, w = (M −1 ◦Q◦M )(z) , em que
−1
M : z 7→ z1 = zz + 1, Q : z1 7→ z2 = (z1 )2 , M −1 : z2 7→ w = zz22 −
+1
1,

com M e M −1 transformações de Möbius e Q a função potência de expoente


2. Verifica-se M ∈ H(C\{−1}) , Q ∈ H(C) e M −1 ∈ H(C\{1}) . Como estas
transformações são conformes, preservam os ângulos entre curvas regulares
em todos os pontos dos seus domı́nios. Q duplica os argumentos em relação
3.3 Transformações conformes 45

a z1 = 0 , que corresponde ao ponto do domı́nio z = M −1 (0) = 1 . Com


a função recı́proco R(z) = 1z obtém-se que a transformação de Joukovski
também é a composição R ◦ N◦ Q ◦ M −1 , e, como R é uma transformação de
Möbius holomorfa em C\{0} e conforme no seu domı́nio, as transformações
R, M, M −1 preservam os ângulos entre curvas regulares em todos os pontos
dos seus domı́nios e a transformação Q duplica os argumentos
−1 em relação a
z1 = 0 , que corresponde ao ponto do domı́nio z = M −1 (0) = M (0) = −1 .
Portanto, a transformação de Joukovski duplica os argumentos em relação
a qualquer dos pontos z = ±1 .

Im Im

Re Re
3 -2 -1 1 2 3 -2 -1 1 2

Im Im

Re Re
-1 1 -2 -1 1 2

Figura 3.9: Transformação de Joukovski


Qualquer circunferência S que √ passa nos pontos ±1 tem centro num
ponto ia do eixo imaginário e raio 1+a2 , com a ≥ 1 . A imagem do arco
de S contido no semiplano complexo inferior pela transformação R é um
arco de circunferência que passa nos pontos ±1 incluı́da no semiplano com-
plexo superior, ou seja é o arco da circunferência S incluı́do no semiplano
complexo superior. Como J ◦R = J, a imagem do arco de S no semiplano
complexo inferior coincide com a do arco de S no semiplano complexo su-
perior. Esta imagem é um arco de uma circunferência C que passa nos
pontos ±1 . Designando por α > 0 o ângulo da tangente a S no ponto +1
46 Derivada

com a semirecta com origem neste ponto contida no semieixo real positivo
(Figura 3.10), obtém-se que a transformação de Joukovski J é uma função
bijectiva conforme do interior do cı́rculo delimitado por S para U = C \ C
e o arco de circunferência C faz um ângulo 2α com a semirecta de origem
neste ponto contida no semieixo real positivo. Também se obtém que J é
uma função bijectiva conforme do exterior desse cı́rculo para U . A transfor-
mação de Joukovski transforma a região delimitada pela circunferência S e
por uma outra qualquer circunferência tangente a S no ponto 1 numa região
semelhante ao perfil clássico da asa de um avião planador (Figura 3.10).

Figura 3.10: Transformação de Joukovski da região delimitada por duas


circunferências tangentes em 1, com uma delas a passar no ponto -1
Os exemplos precedentes mostram que as propriedades de conformidade
podem ser úteis para obter o traçado das imagens de certas curvas do plano
complexo que resultam da aplicação de uma função holomorfa. Pode-se
assim ter uma ideia geométrica de como a função deforma regiões do plano.
O estudo de transformações conformes tem grande interesse tanto de um
ponto de vista estritamente matemático como para aplicações em diversas
outras áreas. Por exemplo, com inı́cio em 1939 as foram usadas transforma-
ções de Möbius em electrotecnia e linhas de transmissão em comunicações no
estudo de variações de impedância de circuitos quando certos componentes
do circuito são variam, através do diagrama de Smith59 , e a transformação
de Joukovski foi usada em 1906 para calcular a força de sustentação de um
perfil de asa de avião e foi a base do 1o método de cálculo da aerodinâmica
de asas de aviões, directamente ou com outras funções com propriedades
semelhantes adaptadas a outros perfis de asas. Este último exemplo é um
caso particular da utilidade mais geral útil para resolução de certas equações
diferenciais parciais, nomeadamente no âmbito de hidrodinâmica, aerodinâ-
mica, elasticidade, electroestática, entre outras áreas. Em certos casos de
interesse prático é possı́vel resolver com relativa facilidade uma dada equa-
ção diferencial numa região adequada, como por exemplo um rectângulo ou
um cı́rculo, e com transformações conformes apropriadas obter soluções da
equação diferencial noutras regiões por simples mudanças de variáveis.
59
Em inglês diz-se Smith chart. Foi introduzidos em 1939 por Philip Smith (1905–1987) para
cálculo de linhas de transmissão e melhorado em 1944. Os diagramas de Smith em papel ou plástico
foram substituı́dos por software digital, mas o diagrama de Smith ainda é a apresentação gráfica
mais utilizada para resultados de cálculo computacional para circuitos de Radio-Frequência.
Exercı́cios do capı́tulo 3 47

Exercı́cios
3.1 Determine o onjunto em que a função omplexa dada é holomorfa:

a) f (x, y) = x2 − y 2 − 2xy+i2y(x−1) b) f (x, y) = ey (cos x+i sin x)


) f (x, y) = x2 y 2 +i2x2 y 2 .
3.2 Determine os polinómios de duas variáveis om todos os termos de grau 4 sem
2 2
monómios propor ionais a x y que adi ionados à parte real e à parte imaginária
da função em 3.1. ) dão uma função inteira.

3.3 Determine a função inteira f = (u, v) tal que v(x+iy) = 3x2−y 3 , x, y ∈ R , e f (0) = 1 .
− 14
3.4 Mostre que f (z) = e z prolongada por ontinuidade a 0 satisfaz as ondições de
Cau hy-Riemann em C e não é diferen iável em 0 .
5
z
3.5 Mostre que f (z) = |z| 4 prolongada por ontinuidade a 0 é uma função ontínua em
C que satisfaz as ondições de Cau hy-Riemann em 0 e não é diferen iável em 0 .

3.6 Seja Ω⊂C aberto. Prove: f ∈ H(Ω) se e só se g ∈ H(Ω) com g(z) = f (z) .
3.7 Dena uma função numa região apropriada que seja a soma de raizes quadradas de
1+z e 1−z , om z omplexo, pro urando uma região tão grande quanto possível.
Determine o onjunto em que a função é holomorfa.

3.8 Resolva o exer í io pre edente para uma omposição de dois logaritmos omplexos.
2
3.9 Seja Ω ⊂ C uma região e f ∈ H(Ω) tal que |f −1| < 1 em Ω . Mostre que Re f > 0
ou Re f < 0 em Ω .
60

3.10 Prove o truque de Herglotz : toda função f ∈ H BR (0) ⊂ C para algum R > 1

que satisfaz satisfaz a fórmula de duplicação 2f (2z) = f (z)+f z+ 12 , para todo
1
z, z+ 2 , 2z ∈ Br (0), é constante. .
(Sugestão: Obtenha 4 maxB |f ′ | ≤ 2 maxB |f ′ | para B = Br (0) om 0 < r < R).
3.11 Prove: Se f ∈ H(C\Z) é uma função ı́mpar (i.e. f (−z) = −f (z)) tal que (z − p)f (z)
é holomorfa numa vizinhança de cada p ∈ Z que satisfaz a fórmula de duplicação do
exercı́cio precedente em C\Z , então f (z) = π cot(πz) .

(Sugestão: Come e por obter tan z = cot z −2 cot(2z) e tan(πz) = cot z + 12 .
3.12 Diz-se que uma função om valores reais u é harmónica num onjunto aberto
Ω ⊂ C se satisfaz a equação de Laplace em ada ponto (x, y) ∈ Ω , i.e. se
def ∂ 2 u 2
∆u = ∂2 x
+ ∂∂ 2 uy =0 .
a) Determine as funções polinomiais de duas variáveis reais om todos os termos
de grau 3 que são funções harmóni as em C.
b) Prove: u é harmónica em Ω se e só se v(z) = u(z) é harmónica em Ω .
) Prove: As partes real e imaginária de uma função holomorfa com derivada con-
tı́nua num conjunto aberto são harmónicas nesse conjunto.
3.13 Mostre que se z1 , z2 , . . . , zn ∈ C estão situados do mesmo lado de uma re ta que
Pn Pn −1
passa na origem, então k=1 zk 6= 0 , e se k=1 (zk ) = 0 , então os pontos não
podem estar situados do mesmo lado de uma re ta que passa na origem.
Qn
3.14 Prove: Todos os zeros da derivada de uma função polinomial P (z) = k=1 (z −zk )
pertencem ao invólucro convexo dos zeros dessa função polinomial, i.e. ao menor
61
onjunto onvexo que os ontém (que é um polígono onvexo em que os vérti es
são zeros da função polinomial).

60
Em inglês diz-se Herglotz trick. Gustav Herglotz (1881-1953) incluı́a-o nas suas lições, mas
não o publicou. Apareceu publicado em 1950 na 1a edição do livro de C. Carathéodory referido na
bibliografia final. Anteriormente, tinha sido incluı́do em notas de lições sobre funções complexas
de várias variáveis de Solomon Bochner (1899-1982) de 1936. Foi usado em 1964 por Emil Artin
(1898-1962) para a Função Gamma.
61
Diz-se que S ⊂ C é um conjunto convexo se todos os segmentos de recta com extremidades
em S estão totalmente contidos em S.
48 Derivada

3.15 Prove que z 7→ z não é uma transformação de Möbius.

3.16 Prove: A Transformação de Cayley62 φ(z) = z−iz+i


é um difeomorfismo complexo
do semiplano superior complexo H = {z ∈ C : Im z > 0} no cı́rculo B1 (0) com inversa
φ−1 : B1 (0) → H tal que φ−1 (w) = i 1−w
1+w
.
3.17 Determine uma transformação de Möbius que transforma os pontos 0, i, −i , nos
pontos, resp., 1, −1, 0 .
3.18 Determine uma transformação onforme que transforma a interse ção dos ír ulos
do plano omplexo |z| < 1 e |z−1| < 1 no ír ulo |z| < 1 .
3.19 Determine uma transformação onforme que transforma a região entre as ir unfe-
1 1
rên ias do plano omplexo |z| = 1 e |z− 2 | = 2 no semiplano Im z > 0 .

3.20 a) Prove: Uma transformação de Möbius tem 0 e ∞ como únicos pontos fixos se e
só se é uma expansão uniforme.
b) Prove: Uma transformação de Möbius tem ∞ como único ponto fixo se e só se
é uma translação.
3.21 Prove: Uma transformação de Möbius comuta com uma transformação de Möbius
T diferente da identidade se tem os mesmos pontos fixos de T .
3.22 Identique as transformações de Möbius orrespondentes a rotações da Superfí ie
Esféri a de Riemann (ver exer í io 1.16) em torno de diâmetros.

3.23 Prove: Para cada par ordenado de ternos (z1 , z2 , z3 ) e (w1 , w2 , w3 ) de pontos dis-
tintos de C existe uma e só uma transformação de Möbius que transforma cada zk
em wk , para k = 1, 2, 3 . (Sugestão: Come e por provar para (w1 , w2 , w3 ) = (0, 1, ∞) ).

Figura 3.11: Geometria de pontos simétricos em relação a circunferência


3.24 Pontos z, z ∗ ∈ C são simétricos em relação a uma circunferência C se são
olineares om o entro de C e o produto das distân ias dos pontos ao entro de C
é igual ao quadrado do raio. Chama-se simetria em relação a C à função que

transforma ada ponto z no seu simétri o z em relação à ir unferên ia C .

a) Prove: z, z ∗ ∈ C são pontos simétricos em relação a uma circunferência C se e


só se toda circunferência que passa nos dois pontos é ortogonal a C.
b) Mostre que é válida a seguinte onstrução geométri a simples: o simétri o z∗ de
um ponto z do interior do ír ulo delimitado por C C
em relação à ir unferên ia
é a interse ção da re ta r que passa em z e no entro de C om a tangente a C no
ponto de interse ção de C om a re ta perpendi ular a r que passa por z (Figura

3.11); vi e versa, o simétri o z de um ponto z no exterior do ír ulo delimitado

por C em relação a C é a interse ção da re ta r que passa por z e pelo entro de
C om a perpendi ular à re ta que passa no ponto de tangên ia a C de uma re ta

que passa por z ; o simétri o de ada ponto de C é esse próprio ponto.

) Prove: As transformações de Möbius transformam pontos simétricos em relação


a uma circunferência ou a uma recta em pontos simétricos em relação à imagem
da circunferência ou recta (propriedade de conservação da simetria).

62
Cayley, A. (1821-1895).
Exercı́cios do capı́tulo 3 49

Exercı́cios com aplicações a hidrodinâmica,


electroestática e propagação de calor em equilı́brio
3.25 Considera-se um es oamento hidrodinâmi o plano esta ionário, ou seja tal que o
ampo de velo idades (u, v) do uido não varia om o tempo, está denido numa
região Ω⊂C e é onstante em pontos numa mesma re ta perpendi ular ao plano
1
omplexo. Supõe-se que o ampo de velo idades é C e é lamelar ou irrotacional,
∂v

i.e. rot (u, v, 0) = 0, 0, ∂x − ∂u
∂y
= 0 , e solenoidal , i.e. ∂u ∂v
div (u, v, 0) = ∂x + ∂y = 0 . A
a
1 ondição orresponde à ir ulação do ampo de velo idades em aminhos fe ha-
dos que delimitam sub onjuntos de Ω ser zero (não há vórti es totalmente ontidos
a
em Ω) e a 2 ondição orresponde a um prin ípio de onservação (há onservação
de massa e o uido é in ompressível). Se Ω é uma região simplesmente onexa,
existem ampos es alares potenciais ϕ e ψ tais que (u, v) = ∇ϕ e (−v, u) = ∇ψ ;
hama-se potencial do campo de velocidades à função ϕ . Numa urva de nível
ψ(x, y) = c de ψ , em que u = ∂ψ 6= 0 ,  a denida impli itamente y em função de
∂ψ ∂ψ
 ∂y
∂y
 
x de tal modo que ∂x + ∂y ∂x = 0 , pelo que dx , dy = u1 dx
dt dt dt
(u, v) e, portanto,
a urva de nível é uma linha de corrente ou linha de fluxo, razão por que se
hama a ψ função de corrente ou função de fluxo. Chama-se potencial com-
plexo do ampo de velo idades à função omplexa f = (ϕ, ψ) .
Observação: Um ampo ele troestáti o num onjunto sem argas elé tri as também é ir-
rota ional e solenoidal, pelo que a ada situação de um es oamento hidrodinâmi o plano
esta ionário om ampo de velo idades irrota ional e solenoidal orresponde uma situa-
ção análoga em ele troestáti a plana num onjunto sem argas elé tri as e vi e-versa. É
análogo em propagação do alor em equilíbrio, substituindo o poten ial do ampo de ve-
lo idades por temperatura e as linhas de uxo do uido por linhas de uxo de alor.
Uma função complexa f definida e C 1 em Ω é o potencial complexo de
a) Prove:
um campo irrotacional e solenoidal se e só se f ∈ H(Ω) .

Figura 3.12: Escoamento sobre um leito plano com um obstáculo vertical


b) Determine o poten ial omplexo, as linhas de orrente e a velo idade de um
es oamento plano de profundidade innita sobre um leito plano om um obstá ulo
verti al de altura h perpendi ular ao leito e velo idade no innito perpendi ular ao
plano do obstá ulo e om magnitude 1 (Figura 3.12).
Observação: Este poten ial também determina o ampo elé tri o na mesma região se a
fronteira é um isolador elé tri o perfeito e a intensidade do ampo elé tri o no innito é
perpendi ular ao plano da barra ondutora na verti al e tem magnitude 1. Neste aso, o
poten ial ϕ é o simétri o do poten ial elé tri o e as linhas de orrente são as linhas de uxo
do ampo elé tri o. Por outro lado, o ampo elé tri o na mesma região om intensidade no
innito igual a 1, mas om fronteira que é um ondutor perfeito, tem poten ial propor ional
à função de orrente ψ e as linhas de uxo do orrespondente ampo elé tri o são as linhas
de nível do poten ial ϕ do ampo de velo idades.
(Sugestão: Considere o es oamento no semiplano superior omplexo e o obstá ulo omo
um segmento de re ta verti al no eixo imaginário de omprimento h a partir da origem.
Determine uma transformação onforme do domínio no semiplano superior. Mostre que as
h2
1
linhas de uxo satisfazem y = ψ0 1+ x2 +(ψ )2
2 ).
0
50 Derivada

3.26 Considere f (z) = arccos z omo poten ial omplexo (ver exer í io anterior) em
ele troestáti a, mostre que as linhas equipoten iais e as linhas de orrente são as
representadas na Figura 3.13 e des reva omo este poten ial permite obter ada um
dos ampos elé tri os seguintes:

1. Exterior a um ondutor ilíndri o de se ção ortogonal elípti a arregado, in lu-


sivamente no aso limite de uma ta ondutora;

2. Entre duas superfí ies ondutoras ilíndri as om se ções ortogonais elípti as


onfo ais, ou entre uma destas superfí ies e a ta ondutora de se ção igual ao
segmento entre os fo os;

3. Entre folhas onexas de duas superfí ies ondutoras ilíndri as om se ções or-
togonais hiperbóli as onfo ais, ou entre uma destas e um semiplano ondutor om
aresta a passar pelo fo o e perten ente ao plano de simetria da superfí ie ilíndri a;

4. Entre dois semiplanos ondutores omplanares de arestas separadas paralelas;

5. Entre um plano e um semiplano ortogonal de aresta paralela ao plano e não o


interse tando.

Figura 3.13: Linhas de nı́vel das partes real e imaginária de f (z) = arccos z
Capı́tulo 4

Integral

4.1 Introdução
Uma 1a referên ia a integral de função omplexa e a algumas das suas apli a-
ções apare e num trabalho de L.Euler apresentado na A ademia das Ciên ias
de S. Petersburgo em 1777. A noção não era rigorosa nem era men ionado
que o integral é sobre aminhos no plano omplexo, pois ainda não se onhe-
ia a identi ação dos números omplexos om pontos de um plano.
A 1a referên ia a uma noção de integrais de funções omplexas sobre a-
minhos om preo upação de rigor apare e numa arta de C.F.Gauss a F.W.
Bessel em 1811, que também men iona um resultado de independên ia do
integral em aminhos de integração om as mesmas extremidades, equiva-
lente ao Teorema de Cau hy. Estes resultados nun a foram publi ados, mas
C.F. Gauss usou integrais omplexos em 1816 num dos seus artigos om o
obje tivo de provar o Teorema Fundamental da Álgebra.
A 1a publi ação om integrações de funções omplexas foi de S.D. Pois-
son63 em 1813.
Em 1814 A.-L. Cau hy apresentou na A ademia das Ciên ias de Paris
uma memória que referia integrais de funções omplexas analogamente a L.
Euler em 1777, que só foi publi ada em 1825 om uma nota adi ionada por
A.-L.Cau hy em 1822 men ionando que os integrais sobre a fronteira de um
re tângulo de lados paralelos aos eixos oordenados são nulos para funções
omplexas ontinuamente diferen iáveis no fe ho do re tângulo. Este resul-
tado, que pode ser obtido do Teorema de Green64 para funções reais denidas
em sub onjuntos de R2, é um aso parti ular do Teorema de Cau hy, embora
om a hipótese ex essivamente forte de ontinuidade das derivadas da função
integranda.
A denição rigorosa de integral, mesmo de funções reais ontínuas num
intervalo limitado e fe hado, só apare eu em 1823, também por A.-L. Cau-
hy. Em 1854, B. Riemann estendeu esta noção de integral a funções reais
63
Poisson, Siméon Dénis (1781-1840).
64
A 1a afirmação e utilização do Teorema de Green, embora sem prova, foi em 1846 por A.-L.
Cauchy, precisamente no contexto de Análise Complexa. Green, George (1793-1841).
52 Integral

limitadas num intervalo limitado e fe hado de números reais sem exigir on-
tinuidade e, em 1902, H. Lebesgue estendeu a noção de integral de funções
reais na tese de doutoramento que apresentou om o título Intégrale, Lon-
geur, Aire.
O Teorema de Cau hy estabele e que integrais em aminhos fe hados
num onjunto em que a função itegranda é holomorfa são zero, sob ertas
ondições topológi as ou geométri as relativas ao onjunto e aos aminhos
onsiderados. Esta propriedade equivale a igualdade dos integrais em a-
minhos no onjunto om o mesmo par ordenado de pontos ini ial e nal.
Portanto, a validade do Teorema de Cau hy num onjunto equivale à inva-
riân ia do integral em lasses de aminhos om o mesmo par ordenado de
pontos ini ial e nal obtidos por deformações ontínuas possíveis sem deixar
o onjunto, logo à propriedade referida na arta de C.F.Gauss a F.W.Bessel
a ima men ionada. Esta é a propriedade que A.-L. Cau hy onsidera para
aminhos bem mais gerais do que fronteiras de re tângulos na Mémoire sur
les intégrales définies prises entre des limites imaginaires, também publi ada
em 1825, ainda om a hipótese de ontinuidade das derivadas das funções
integrandas. O mesmo trabalho in lui uma denição rigorosa de integrais
omplexos que, embora orrespondam aos integrais sobre aminhos, são aí
denidos sem qualquer referên ia geométri a e onsiderados relativamente a
funções auxiliares que se viu forçado a introduzir para tornar onsistente a
denição. Pare e laro que A.-L. Cau hy des onhe ia na altura a identi a-
ção dos números omplexos om pontos de um plano, que, embora tivesse
apare ido em 1799 num trabalho de C. Wessel e esteja implí ita na tese de
doutoramento de C.F.Gauss do mesmo ano, e apare esse em 1806 em publi-
ações de J.-R. Argand e A.-Q. Buée, só  ou amplamente onhe ida após
disseminação de um artigo de C.F. Gauss publi ado em 1831.
Em 1900 E. Goursat provou uma versão do Teorema de Cau hy sem a
hipótese de ontinuidade da derivada da função e abriu o aminho para es-
tabele er que funções holomorfas num onjunto aberto são indenidamente
diferen iáveis. Outra onsequên ia interessante é que a existên ia de primi-
tiva de uma função omplexa ontínua num onjunto aberto impli a que a
função é holomorfa e, portanto, indenidamente ontinuamente diferen iável
no onjunto. Estas propriedades ontrastam fortemente om as de funções
de variáveis reais.
Neste apítulo estabele e-se uma versão lo al do Teorema de Cau hy
em onjuntos onvexos e no apítulo 7 uma versão global. Do Teorema de
Cau hy de orre a Fórmula de Cau hy, que dá os valores de uma função
holomorfa num onjunto de pontos fora de uma urva fe hada por integrais
que só envolvem os valores da função sobre a urva. Para ir unferên ias,
esta fórmula foi obtida em 1831 pelo próprio A.-L. Cau hy numa memória
dedi ada a Me âni a Celeste. Uma onsequên ia da Fórmula de Cau hy é
a Propriedade de Valor Médio de funções holomorfas que estabele e que o
valor de uma função no entro de um ír ulo fe hado em que é holomorfa
4.2 Integral em caminho 53

é a média dos valores que tem na fronteira do ír ulo. Esta propriedade


apare eu em 1823 numa publi ação de S.D. Poisson.
A Fórmula de Cau hy envolve a onsideração do sentido e do no de vol-
tas de um aminho em torno de um ponto, o que é expresso pela noção
de Índi e, ou Número de Rotação, introduzida por L. Krone ker em 1869 e
redes oberta mais tarde por H. Poin aré. Este Índi e é invariante sob defor-
mações ontínuas do aminho na região omplementar ao ponto onsiderado,
ideia tornada rigorosa om a noção de homotopia entre aminhos introduzida
por C.Jordan em 1866 e desenvolvida por H.Poin aré, passando a onstituir
um dos elementos de base da Topologia Algébri a65 .
4.2 Integral em caminho
As noções de aminho em C e em R2 são idênti as, pelo que há apenas
que lari ar e relembrar a terminologia e a notação adoptadas. Como para
sub onjuntos de R2 um caminho em S ⊂ C é uma função ontínua γ de um
intervalo de R em S . Uma curva em S é o ontradomínio γ ∗ de um aminho
γ em S . Diz-se que γ representa ou per orre a urva γ ∗ e que esta urva
orresponde ao aminho γ . Neste livro onsideram-se os aminhos denidos
em intervalos limitados e fe hados de R e as orrespondentes urvas.

Figura 4.1: Simétrico de caminho e concatenação de caminhos


O simétrico deum caminho γ : [a, b] → C é −γ : [a, b] → C tal que
(−γ)(t) = γ b−(t−a) , que é um aminho que representa a mesma urva em
sentido ontrário (Figura 4.1 à esquerda). Chama-se concatenação dos
caminhos γj : [aj , bj ] → C , j = 1, . . . , n, ada um om om ponto nal
igual ao ponto ini ial do seguinte, ao aminho que per orre su essivamente
P orrespondentes pela ordem indi ada γ : [a, b] → C, om t0 = a,
as urvas
tj = a+ jk=1 (bk −ak ) , b = tn e a restrição de γ a ada intervalo [tj−1 , tj ] igual
ao aminho t 7→ γj (t−tj +aj ) para j = 1, . . . , n, que se designa γ1 + · · · +γn
(Figura 4.1 à direita).
Chama-se caminho regular a um aminho C 1 om derivada 6= 0 em
todos os pontos. Diz-se que um aminho é seccionalmente regular se
existe uma partição nita do domínio em subintervalos tal que a restrição a
ada um dos fe hos dos subintervalos é um aminho regular.
Um caminho fechado é um aminho γ : [a, b] → C om γ(a) = γ(b)
(Figura 4.2 à esquerda).
65
Leopold Kronecker (1823-1891). Jordan, Camille (1838-1922).
54 Integral

Diz-se que um aminho que não é fe hado é um caminho simples se


é uma função inje tiva e diz-se que um aminho fe hado γ é um aminho
simples se é uma função inje tiva no intervalo semife hado obtido ex luindo
um dos extremos do intervalo do domínio de γ . A um aminho fe hado
simples hama-se caminho de Jordan e diz-se que a urva orrespondente
é uma curva de Jordan (Figura 4.2 à direita).

Figura 4.2: Caminhos fechados e curva de Jordan


Um caminho poligonal é uma on atenação π = π1 + · · · + πn de um
número nito de aminhos regulares simples que des revem segmentos de
re ta. O omprimento de um aminho poligonal π é a soma dos ompri-
mentos dos segmentos de re ta que o ompõem, ou seja se os domínios dos
aminhos
P πk são os intervalos [ak , bk ] para k = 1, · · · , n , o omprimento de
π é nk=1 kπk (bk )−πk (ak )k . Um caminho poligonal inscrito num ca-
minho γ é um aminho poligonal π = π1 + · · · +πn tal que as extremidades
dos aminhos regulares simples πk que des revem segmentos de re ta, onsi-
deradas na ordem k = 1, . . . , n, são pontos da urva γ ∗ ordenados de a ordo
om o sentido de per urso do aminho γ (Figura 4.3).

Figura 4.3: Caminho poligonal inscrito num caminho


Chama-se caminho rectificável a um aminho γ tal que o onjunto dos
omprimentos de todos os aminhos poligonais ins ritos no aminho é majo-
rado e ao supremo deste onjunto hama-se comprimento do caminho66 ,
que se designa Lγ . Um aminho γ : [a, b] → C se ionalmente regular é re -
Rb ′
ti ável e o seu omprimento é Lγ = a kγ k , mas há aminhos re ti áveis
que não são se ionalmente regulares.
Se γ : [a, b] → C é um aminho, γ ∗ é a urva orrespondente e f é uma
função omplexa denida em γ ∗ , dene-se o integral de f no caminho γ
Z Z b Z b Z b
 ′  ′ 
f (z) dz = f γ(t) γ (t) dt = Re[f γ(t) γ (t)]dt+i Im[f γ(t) γ ′ (t)]dt,
γ a a a
66
Esta noção foi adoptada em 1866, por Jean Marie Duhamel (1797-1872) na sequência de uma
definição semelhante em 1833 de Enno Heeren Dirksen (1788-1850).
4.2 Integral em caminho 55

quando os integrais
 das funções reais no lado direito da fórmula existem .
67

Com X(t), Y (t) = γ(t) e (u, v) = f , obtém-se


Z Z b
  
f (z) dz = u X(t), Y (t) +i v X(t), Y (t) [X ′ (t)+i Y ′ (t)]dt
γ a
Z b
  
= u X(t), Y (t) X ′ (t)−v X(t), Y (t)Y ′ (t) dt
a Z b
   
+i v X(t), Y (t) X ′ (t)+u X(t), Y (t) Y ′ (t) dt .
a
Portanto, o integral tem partes real e imaginária dadas por integrais de linha 
em R2 Z al ulados Zsobre o aminhoZ α : [a, b] → R2 Ztal que α(t) = ZX(t), Y (t) ,
(4.1) f (z) dz = u dx−v dy + i v dx+u dy = (u,−v)·dα + i (v, u)·dα.
γ
Como para aminhos em R2, dois aminhos em C , γj : [aj , bj ] → C , para
j = 1, 2, dizem-se equivalentes se diferem apenas por uma reparametrização
que preserva o sentido, i.e. se existe uma bije ção C 1 ϕ : [a2, b2 ] → [a1, b1 ]
om ϕ′ > 0 em todos os pontos, tal que γ2 = γ1 ◦ ϕ . Em onsequên ia do
teorema de mudanças de variávies de integração para integrais de funções
reais de variável real, Os integrais de funções complexas são invariantes sob
reparametrizações, i.e. os integrais sobre caminhos equivalentes são iguais.
Obtêm-se propriedades gerais destes integrais a partir das propriedades
de integrais de funções reais de variável real, mas onvém hamar a atenção
para as quatro propriedades seguintes:
1) Linearidade do integral
Z Z Z
(c1 f1 +c2 f2 )(z) dz = c1 f1 (z) dz + c2 f2 (z) dz , c1 , c2 ∈ C .
γ γ γ

2) Simetria do integral de caminhos simétricos


Z Z
f (z) dz = − f (z) dz .
−γ γ
3) Aditividade do integral em relação à concatenação de caminhos
Z Z Z
f (z) dz = − f (z) dz + f (z) dz .
γ1 +γ2 γ1 γ2

4) Majoração do integral de funções limitadas


Z Z b

f (z) dz ≤ kf k∞ |γ ′ (t)| dt = kf k∞ Lγ ,
γ a
em que kf k∞ = supz∈γ ∗ |f (z)| e Lγ é o omprimento do aminho γ .
67
O leitor pode usar o integral de Cauchy ou de Riemann (e os correspondentes integrais
impróprios) ou o de Lebesgue, conforme prefira. Naturalmente, os caminhos que podem ser
considerados e as funções integráveis são diferentes nos três casos, mas tal é, em geral, indiferente
para os resultados que se consideram neste livro, pois, em geral, as funções a integrar são contı́nuas
e podem-se usar caminhos regulares, seccionalmente regulares ou rectificáveis, conforme a noção
de integral adoptada. O conjunto das funções limitadas integráveis é mais amplo sucessivamente
para integral de Cauchy, Riemann ou Lebesgue.
56 Integral

4.3 Primitiva
Diz-se que uma função F é primitiva de uma função f num onjunto aberto
Ω ⊂ C se F ′ = f em Ω . É imediato da denição que as funções que se
obtêm somando constantes a uma primitiva de uma função f também são
primitivas de f . Em regiões de C a re ípro a também é verdadeira.

(4.2) Se F é primitiva de uma função f numa região Ω ⊂ C , o conjunto


de todas as primitivas de f em Ω é o conjunto das funções que se obtêm
de f adicionando-lhe constantes.

Dem. Se F1 , F2 são primitivas de f em Ω , a derivada de G = F1 −F2 é G′ = 0


e, de (3.12), G é constante em Ω . Q.E.D.
Quando se onhe e uma primitiva de uma função ontínua num sub on-
junto aberto de C , os integrais sobre aminhos neste onjunto podem ser
simplesmente al ulados pelas diferenças dos valores da primitiva nos extre-
mos dos aminhos, omo om a regra de Barrow68 para funções reais69 .
(4.3) Se F é primitiva de uma função f contı́nua num conjunto aberto
Ω ⊂ C e γ : [a, b] → C é um caminho seccionalmente regular em Ω ,
Z
 
f (z) dz = F γ(b) −F γ(a) ,
γ
e se o caminho γ é fechado, Z
f (z) dz = 0 .
γ

Dem. Seja {a0 , . . . , an } uma partição finita de [a, b] tal que a restrição de
γ a cada subintervalo [ak−1 , ak ], k = 1, . . . , n , é regular. Como F ′ = f é
contı́nua em Ω , F é C 1 em Ω . Da regra de derivação da função composta
e da regra de Barrow para funções reais, é
Z Z Z b Z b Xn Z ak
′ ′
 ′ ′
f (z) dz = F (z) dz = F γ(t) γ (t) dt = (F ◦γ) = (F ◦γ)′
γ γ a a k=1 ak−1
n
X     
= F γ(ak ) −F γ(ak−1 ) = F γ(b) −F γ(a) .
k=1
Se γ é fechado, γ(b) = γ(a) e o lado direito da fórmula é zero. Q.E.D.

(4.4) Para todo


R caminho fechado seccionalmente regular γ em C\{0} e
k
k ∈ Z\{−1} é γ z dz = 0 .

z k+1 ′
Dem. Do resultado precedente, pois z k= k+1 é contı́nua em C\{0}.Q.E.D.
68
Barrow, Isaac (1630-1677).
69
Com integrais de Cauchy o resultado é válido para caminhos regulares e com integrais de
Lebesgue para caminhos rectificáveis. Para a generalidade dos resultados seguintes com integrais
de funções contı́nuas em caminhos seccionalmente regulares é análogo.
4.3 Primitiva 57

Como, em ondições relativamente gerais, as derivadas de integrais inde-


nidos de funções reais ontínuas oin idem om a função integranda (Teo-
rema Fundamental do Cál ulo para funções reais), uma ideia natural para
provar a existên ia de primitiva de uma função num onjunto é onstruir
uma andidata a primitiva por integração da função dada de um ponto xo
até ada ponto do onjunto. Para integrais de funções omplexas sobre a-
minhos esta onstrução exige que todos pares de pontos do onjunto possam
ser ligados por aminhos no onjunto (o que para um onjunto aberto orres-
ponde a ser onexo) e que os integrais sobre aminhos diferentes que liguem
o mesmo par ordenado de pontos sejam iguais (equivalente à anulação dos
integrais sobre todos aminhos se ionalmente regulares fe hados).

Figura 4.4: Figuras para apoio à prova de (4.5)

(4.5) Se f é uma função complexa contı́nua numa região Ω \ C , as


afirmações seguintes são equivalentes:
1. f tem primitiva em Ω .
R
2. γ f (z) dz = 0 para todo caminho fechado seccionalmente regular γ
em Ω .
3. Integrais de f sobre caminhos seccionalmente regulares em Ω com
o mesmo par ordenado de pontos inicial e final são iguais.

Dem. Se γ1 , γ2 são caminhos seccionalmente regulares em Ω com o mesmo


par ordenado de pontos inicial e final, a concatenação γ1 +(−γ2 ) é um cami-
nho fechado seccionalmente regular (Figura 4.4 à esquerda). O integral na
concatenação é a soma dos integrais nos caminhos γ1 e −γ2 , pelo que é a
diferença entre os integrais nos caminhos γ1 e γ2 . Logo, estes integrais são
iguais se e só se o integral no caminho fechado γ1 +(−γ2 ) é zero.
De (4.3), a existência de primitiva de uma função contı́nua em Ω implica
a anulação dos integrais sobre caminhos seccionalmente regulares fechados
em Ω . Reciprocamente, como integrais de f sobre caminhos seccionalmente
regulares fechados em Ω são nulos, os integrais de f sobre caminhos secci-
onalmente regulares em Ω com o mesmo par de pontos inicial e final são
iguais. Toma-se um ponto arbitrário a ∈ Ω e define-se a função
Z
F (z) = f (ζ) dζ , z ∈ Ω ,
αz
58 Integral

em que αz é um caminho seccionalmente regular em Ω que liga a a z . Como


Ω é um conjunto aberto conexo, existem caminhos com estas propriedades
para todo z ∈ Ω , pelo que a função F fica definida em Ω .
Como Ω é aberto, para cada z0 ∈ Ω existe r > 0 tal que o cı́rculo
aberto Br (z0 ) está contido em Ω . Com z0 fixo, como os cı́rculos são con-
juntos convexos, para qualquer z ∈ Br (z0 ) tal que βz : [0, 1] → C com
βz (t) = (1 − t)z0 + tz é um caminho regular em Br (z0 ) ⊂ Ω que percorre o
segmento de recta de z0 a z . A concatenação de caminhos αz +βz +(−αz )
é um caminho seccionalmente regular fechado em Ω (Figura 4.4 à direita),
pelo que o integral de f sobre este caminho é nulo e, portanto, a diferença
dos integrais de R f sobre αz e αz0 é igual ao integral de f sobre βz . Logo,
F (z)−F (z0 ) = βzf (ζ) dζ e
F (z)−F (z0 ) 1
R
z−z0 −f (z0 ) = z−z0 βz [f (ζ)−f (z0 )] dζ .

A continuidade de f garante que qualquer que seja ε > 0 existe δ > 0 tal que
|f (ζ)−f (z0 )| < ε se |z−z0 | < δ . Logo,

F (z)−F (z0 ) 1
z−z0 −f (z0 ) ≤ |z−z 0|
|z−z0 | ε = ε , se |z−z0 | < δ ,
F (z)−F (z0 )
e, portanto, lim z−z0 = f (z0 ) para z0 ∈ Ω , pelo que F ∈ H(Ω) e F ′ = f .
z→z0
Logo, F é uma primitiva de f em Ω . Q.E.D.

Considera-se agora a existên ia de primitivas de funções holomorfas. Viu-


se na prova do resultado pre edente que uma ideia natural para provar a
existên ia de primitiva de uma função num onjunto é onstruir uma andi-
data por integração da função de um ponto xo até ada ponto do onjunto,
o que exige que todos pontos do onjunto possam ser ligados por aminhos
se ionalmente regulares nesse onjunto e que os integrais sobre aminhos
se ionalmente regulares fe hados sejam nulos. Para obter uma andidata
a primitiva basta que as duas propriedades men ionadas se veriquem para
uma lasse parti ular de aminhos para que os ál ulos sejam simples.
Os aminhos mais simples que ligam pares de pontos orrespondem a
segmentos de re ta, pelo que é mais fá il apli ar esta ideia em onjuntos
onvexos e om aminhos que per orrem segmentos de re ta. Em onjun-
tos onvexos a 1a propriedade men ionada é automati amente garantida,
mas é ne essário assegurar a validade da 2a propriedade, que neste aso é
a igualdade dos integrais sobre aminhos poligonais resultantes da on ate-
nação de segmentos de re ta que liguem o mesmo par ordenado de pontos.
Esta propriedade é equivalente à anulação dos integrais sobre as fronteiras
de triângulos fe hados ontidos no onjunto. O resultado seguinte, que é
uma pequena variação de um resultado de E. Goursat publi ado em 1900,
estabele e esta propriedade para funções holomorfas num onjunto aberto
onvexo, ex epto possivelmente num dos seus pontos70 .
70
Vê-se no capı́tulo 6 que estas funções são holomorfas em todo Ω ⊂ C , mas a prova nas
4.3 Primitiva 59

Figura 4.5: Triângulos para apoio à prova do Teorema de Goursat

(4.6) Teorema de Goursat: Se Ω ⊂ C é aberto, ∆ ⊂ ΩRé um triângulo


fechado, p ∈ Ω e f ∈ H(Ω\{p}) é contı́nua em Ω , então ∂∆ f (z) dz = 0 ,
em que ∂∆ é a fronteira de ∆ e o integral é sobre um caminho seccio-
nalmente regular simples que a percorre.

Dem. Designam-se vértices ordenados de ∆ por a, b, c .


Supõe-se 1o que p ∈ / ∆ . Designa-se por a′ , b′ , c′ os pontos a meio dos
lados, resp., bc, ac, ab. Para os triângulos ∆j , j = 1, 2, 3, 4, com vértices
ordenados (a, c′ , b′ ), (b, a′ , c′ ), (c, b′ , a′ ), (a′ , b′ , c′ ) (Figura 4.5 à esquerda) é
Z X4 Z
def
J = f (z) dz = f (z) dz .
∂∆ j
j=1 ∂∆
O valor absoluto de pelo menos um dos integrais na direita é ≥ J4 . Seja
∆1 um dos quatro triângulos com esta propriedade. Repetindo o argumento
com ∆1 no lugar de ∆ , e assim sucessivamente, obtém-se uma sucessão
de triângulos ∆n tal que ∆ ⊃ ∆1 ⊃ ∆2 ⊃ · · · . Existe um único ponto
z0 ∈ ∩∞
n=1 ∆n , o comprimento de ∂∆n é L2
−n , em que L é o comprimento de

∂∆, e verifica-se Z

n
|J| ≤ 4 f (z) dz , n ∈ N .
∂∆n
Como f é holomorfa em ∆ , qualquer que seja ε > 0 existe r > 0 tal que
|f (z)−f (z0 )−f ′ (z0 )(z−z0 )| ≤ ε|z−z0 | , z ∈ Br (z0 ) .
Para n grande é ∆n ⊂ Br (z0 ) , e |z−z0 | < L2−n para z ∈ ∆n . Como
Z
[f (z)−f (z0 )−f ′ (z0 )(z−z0 )] dz
∂∆n Z Z Z Z
= f (z) dz − f (z0 ) 1 dz − f ′ (z0 ) z dz + f ′ (z0 ) z0 1 dz ,
∂∆n ∂∆n ∂∆n ∂∆n
de (4.4), os integrais no lado direito são nulos com excepção do 1o pelo que
Z Z
f (z) dz = [f (z)−f (z0 )−f ′ (z0 ) (z−z0 )] dz .
∂∆n ∂∆n
presentes condições é usada para provar o resultado imediatamente depois do resultado seguinte
de existência de primitiva e para provar a Fórmula de Cauchy no final deste capı́tulo, que são
ambos usados para provar o resultado mencionado do capı́tulo 6.
60 Integral

Portanto, para n ∈ N suficientemente grande é


Z

n
|J| ≤ 4 f (z) dz ≤ 4n ε (L2−n )2 = εL2 .
∂∆n
Como ε > 0 é arbitrário, é J = 0 se p ∈
/ ∆ , como se pretendia provar.
Supõe-se agora que p é um vértice de ∆ , sem perda de generalidade
p = a. O integral sobre ∂∆ é a soma dos integrais sobre as fronteiras dos
triângulos de vértices ordenados (a, x, y) , (x, b, y) , (b, c, y) , em que x e y são,
resp., pontos dos lados ab e ca do triângulo (Figura 4.5 ao centro). Do caso
considerado no parágrafo precedente, os integrais sobre as fronteiras dos dois
últimos triângulos são nulos. Portanto, o integral sobre ∂∆ é igual ao integral
sobre o triângulo de vértices (p, x, y) . Como o perı́metro deste triângulo
pode ser tomado arbitrariamente pequeno tomando x e y suficientemente
próximos de p e f é contı́nua nesteRponto, logo limitada numa sua vizinhança,
também se obtém para este caso ∂∆ f (z) dz = 0 .
Se p é um ponto arbitrário no triângulo ∆ , aplicando o resultado do
parágrafo precedente aos triângulos de vértices ordenados
R (a, b, p) , (b, c, p) ,
(c, a, p) (Figura 4.5 à direita) obtém-se também ∂∆ f (z) dz = 0 . Q.E.D.

O resultado seguinte estabele e a existên ia de primitivas (lo ais) de


funções ontínuas em onjuntos onvexos em que são holomorfas ex epto
possivelmente num ponto.

Figura 4.6: Primitiva de função holomorfa em conjunto convexo

(4.7) Existência de primitiva local: Se Ω ⊂ C é convexo aberto e


p ∈ Ω , toda função f ∈ H(Ω\{p}) contı́nua em p tem primitiva em Ω .

Dem. Seja a um ponto arbitrário de Ω . Como Ω é convexo, contém o


segmento de recta az para cada z ∈ Ω . O caminho αz : [0, 1] → C tal que
αz (t) = (1−t)a+tz , percorre este segmento de recta. Define-se
Z
F (z) = f (ζ) dζ , z ∈ Ω .
αz
Para cada z0 ∈ Ω o triângulo fechado de vértices a, z, z0 está contido em Ω .
Do teorema precedente, F (z)−F (z0 ) é o integral de f sobre o segmento de
recta de z0 para z (Figura 4.6). Procedendo exactamente como na parte
final da prova de (4.5) obtém-se f = F ′ em Ω . Q.E.D.
4.4 Teorema de Cauchy local em conjuntos convexos 61

4.4 Teorema de Cauchy local em conjuntos convexos


Os resultados anteriores permitem estabele er a seguinte versão lo al do
Teorema de Cau hy em onjuntos onvexos71 .
(4.8) Teorema de Cauchy local em conjuntos convexos: Se Ω ⊂ C
é aberto e convexo, γ é um caminho fechado seccionalmente
R regular em
Ω , p ∈ Ω , e f ∈ H(Ω\{p}) é contı́nua em p , então γ f (z) dz = 0 .

Dem. De (4.7) f tem primitiva e de (4.3) o integral é zero. Q.E.D.


Como se referiu na introdução a este apítulo, o Teorema de Cau hy
omeçou por ser obtido por A.-L. Cau hy em re tângulos, om a hipótese
ex essivamente forte da função integranda ser C 1, aso em que o resultado é
onsequên ia dire ta do Teorema de Green para funções reais denidas em
onjuntos de R2. Mesmo onsiderando um qualquer domínio regular om
antos D ⊂ R2 e não apenas re tângulos o Teorema de Green dá
Z ZZ
∂Q ∂P

(P, Q) · dα = ∂x − ∂y dxdy ,
∂D D
para um ampo ve torial (P, Q) C 1 no fe ho de D , em que α = (X, Y ) é um
aminho se ionalmente regular fe hado simples que des reve a fronteira72 de
D . Da fórmula (4.1), para uma função f∈H(D) , om (u, v) = f e γ = X+iY ,
Z Z Z
f (z) dz = (u,−v) · dα + i (v, u) · dα ,
γ
pelo que para f em D o Teorema de Green apli ado aos dois integrais no
C 1

lado
Z
direitoZZe as equações de Cau hy-Riemann
ZZ
para
ZZ
f dão
ZZ
∂v
 
f (z) dz = − ∂x − ∂u
∂y dxdy +i
∂u ∂v
∂x − ∂y dxdy = 0 dxdy + 0 dxdy = 0 .
γ D D D D
O onjunto D pode não ser onvexo, mas a exigên ia de f ser C 1 é ex es-
sivamente forte, pelo que se prefere generalizar no apítulo 7 a formulação
lo al em onjuntos onvexos anterior para um resultado global.
Este resultado estabele ido om base no Teorema de Green tem a vanta-
gem de tornar dire tamente visível a ligação entre a anulação dos integrais
sobre aminhos fe hados e as equações de Cau hy-Riemann, e eviden ia que
a anulação dos integrais sobre aminhos fe hados é uma expressão integral
71
Usa-se este resultado no capı́tulo 6 para provar que as funções holomorfas são sempre inde-
finidamente diferenciáveis e representáveis por séries de potências, que são usados no capı́tulo 7
para estabelecer uma versão global do Teorema de Cauchy.
72
Um domı́nio regular com cantos D ⊂ R2 é um conjunto aberto que é o interior do seu
fecho com fronteira que é uma curva seccionalmente regular fechada. O Teorema da Curva de
Jordan é que toda curva de Jordan separa o plano em 2 conjuntos conexos abertos, um ilimitado
e outro limitado. O conjunto limitado é um domı́nio regular com fronteira a curva de Jordan.
A existência de pelo menos 2 componentes conexas no complementar de uma curva de Jordan
seccionalmente regular em que uma e só uma é ilimitada é uma consequência dos resultados da
secção seguinte, mas é mais difı́cil provar que só há 1 componente conexa limitada. Este teorema
só é usado neste texto no capı́tulo 10 (apenas para fins primos) e pontualmente no último capı́tulo.
No apêndice II dá-se uma prova com homologia e indica-se nos exercı́cios como obter outra prova.
62 Integral

das restrições impostas pela diferen iabilidade de funções omplexas. As


versões do Teorema de Cau hy onsideradas desde a 1a proposta em 1822
até 1900 onsideravam a hipótese adi ional de f ser C 1. Esta hipótese só foi
dispensada em 1900 om a ontribuição de E. Goursat.
Com o Teorema de Cau hy lo al em onjuntos onvexos pode-se esta-
bele er a Fórmula de Cau hy, que dá os valores de uma função holomorfa
num onjunto de pontos fora de uma urva fe hada se ionalmente regular
por integrais que envolvem apenas os valores da função nessa urva. Como
os valores destes integrais dependem do sentido e do no de voltas em que
o aminho per orre a urva, é ne essário tornar pre isa e quanti ar esta
dependên ia. Para tal introduz-se na se ção seguinte o Índi e ou Número
de Rotação de um aminho fe hado se ionalmente regular em relação a um
ponto fora da urva que des reve.
4.5 Índice de caminho fechado e homotopia de
caminhos
O resultado seguinte permite denir Índi e ou Número de Rotação de um
aminho fe hado se ionalmente regular γ em relação a um ponto z ∈/ γ ∗ . O
Índi e, designado Indγ (z) , é um número inteiro que dá informação sobre o
sentido e o no de voltas que o aminho γ dá na urva γ ∗ em torno de z .
É útil entender geometri amente omo al ular um número para o efeito
indi ado por integração de uma função apropriada num aminho. Com os
argumentos de pontos em relação a um par de eixos oordenados ortogonais
entrado em z a variarem ontinuamente ao longo do aminho, a diferença
dos valores dos argumentos dos pontos nal e ini ial de um aminho fe hado
é um múltiplo inteiro 2πn de 2π, em que n ∈ Z é a diferença entre o no de
voltas do aminho em torno de z nos sentidos positivo e negativo (Figura
4.7). Para obter 2πn por integração sobre o aminho usa-se uma função
integranda tal que o integral dê a variação total do argumento de pontos
ao longo do aminho. Re ordando que a parte imaginária do logaritmo de
um número é um argumento desse número, um argumento de w ∈ γ ∗ rela-
tivamente a z é a parte imaginária de ln(w − z) . Nenhum logaritmo pode
ser denido omo função ontínua em todo plano omplexo, mas é possível
denir ontinuamente t 7→ ln γ(t) − z passando para diferentes ramos do
logaritmo. Como dwd ln(w−z) = w−z 1
, é natural onsiderar omo função inte-
granda w 7→ w−z1
. A parte imaginária do integral dá 2πn omo se pretende,
e a parte real dá a diferença entre o logaritmo do módulo dos pontos ini ial
e nal do aminho e, omo estes oin idem, é zero.
Chama-se Índice ou Número de Rotação73 de um aminho fe hado
se ionalmente regular γ em relação a um Z ponto z a (Figura 4.7)
Indγ (z) = i2π w−z
1 1
dw .
γ
73
Em inglês diz-se Winding Number.
4.5 Índice de caminho fechado e homotopia de caminhos 63

θ+4π

θ
z Arg

Figura 4.7: Índice de caminho γ em relação a ponto z

(4.9) Se γ é um caminho fechado seccionalmente regular em C,


Z
1 1
Indγ (z) = i2π w−z dw
γ
define uma função de Ω = C \γ ∗ em Z constante em cada componente
conexa de Ω e nula na componente conexa ilimitada de Ω .
ζ
Dem. Seja γ : [a, b] → C e fixe-se z ∈ Ω . Como para ζ ∈ C é i2π ∈ Z se e só se
eζ = 1, a condição Indγ (z) ∈ Z equivale ϕ(b) = 1 com ϕ : [a, b] → C tal que
Z t 
γ ′ (s)
ϕ(t) = exp γ(s)−z ds .

γ (t) a
Como ϕ′ (t) = ϕ(t) γ(t)−z excepto no conjunto finito de pontos S ⊂ [a, b] em
que γ não tem derivada, para s ∈ [a, b]\S é
ϕ(s) ′ ϕ′ (s) ϕ′ (s) γ ′ (s)
γ(s) − z = γ(s) − z − [γ(s) − z]2 = 0 ,
ϕ(s)
pelo que s 7→ γ(s) − z é contı́nua em [a, b] e tem derivada 0 em [a, b]\S ; logo,
é constante em cada subintervalo de [a, b]\S e a continuidade nos pontos de
γ(s)−z
S implica que é constante em [a, b] . Como ϕ(a) = 1, é ϕ(s) = γ(a)−z . Como
γ é fechado, γ(a) = γ(b) ; logo, ϕ(b) = 1 e Indγ (Ω) ⊂ Z .
A função Indγ : Ω → Z é contı́nua,
Z pois Z
1  
Indγ (z)−Indγ (w) = 1 1 1 z−w
i2π s−z − s−w ds = 2π (s−z)(s−w) ds
γ n γ o
|z−w|L
≤ 2π γ max |(s−z)(s−w)| 1
: s ∈ γ∗ ,

em que Lγ é o comprimento de γ , pelo que Indγ (z)−Indγ (w) → 0 quando
|z−w| → 0 . A imagem de um conjunto conexo por uma função contı́nua é um
conjunto conexo. Como Indγ (Ω) ⊂ Z , Indγ é constante em cada componente
conexa de Ω . Finalmente, para |z| suficientemente
Z grande,
1 b γ ′ (s)
Indγ (z) =
2π γ(s)−z ds < 1 .
a
Logo, Indγ (z) = 0 para z na componente conexa ilimitada de Ω . Q.E.D.
64 Integral

O sinal e o valor absoluto de Indγ (z) dão, resp., o sentido e o no de voltas


que o aminho γ dá em torno de z , omo se ilustra no resultado seguinte
para uma ir unferên ia γ ∗ .
(4.10) Se γ é o caminho regular que dá n voltas com sentido positivo
na circunferência com raio r > 0 e centro no ponto a ∈ C definido por
γ : [0, 2π] → C tal que γ(θ) = a+reiθ ,

n , se z ∈ Br (a)
Indγ (z) =
0 , se z ∈
/ Br (a) .

Dem. Do resultado precedente basta calcular


Z Z 2πn Z 2πn

1
Indγ (z) = i2π w−z dw = i2π ire
1 1
reiθ
dθ = 1
2π 1 dθ = n .
γ 0 0
Q.E.D.
Os índi es de dois aminhos fe hados se ionalmente regulares que podem
ser deformados ontinuamente de um para o outro em Ω ⊂ C são iguais em
pontos de C\Ω . Tal omo em R2, o on eito apropriado para traduzir a noção
de deformação ontínua de aminhos num onjunto Ω ⊂ C é homotopia.
Diz-se que dois aminhos γ1 , γ2 : [a, b] → Ω fe hados (resp., não fe hados
mas om o mesmo par ordenado de pontos ini ial e nal, γ1 (a) = γ2 (a) = A e
e γ1 (b) = γ2 (b) = B ) são homotópicos em Ω se existe uma função ontínua
H : [a, b]×[0, 1] → Ω , hamada homotopia de γ1 para γ2 em Ω , tal que
H(t, 0) = γ1 (t) , H(t, 1) = γ2 (t) para t ∈ [a, b] e H(a, s) = H(b, s) (resp.,
H(a, s) = A e H(b, s) = B ) para s ∈ [0, 1] (Figura 4.8).
Homotopia é uma relação de equivalên ia74 , pelo que estabele e no on-
junto de todos aminhos se ionalmente regulares fe hados em Ω (ou não
fe hados mas om o mesmo par ordenado de pontos ini ial e nal em Ω )
lasses de equivalên ia, hamadas classes de homotopia em Ω .

Figura 4.8: Caminhos homotópicos em Ω ⊂ C (pares γ1 , γ2 e σ1 , σ2 separadamente)


O resultado seguinte mostra que o Índi e em relação a um ponto no
omplementar de Ω é invariante em ada lasse de homotopia de aminhos
fe hados em Ω , e que, para dois aminhos não fe hados homotópi os em Ω
o Índi e do aminho fe hado que é on atenação de um dos aminhos om o
simétri o do outro em relação a pontos no omplementar de Ω é zero.
74
Uma relação de equivalência num conjunto é uma relação binária no conjunto com as três
propriedades: reflexividade, simetria e transitividade.
4.6 Fórmula de Cauchy local em conjuntos convexos 65

(4.11) Se Ω ⊂ C, z ∈ C\Ω e γ1 , γ2 são caminhos seccionalmente regulares:


1. Se γ1 , γ2 são fechados e homotópicos em Ω , Indγ1 (z) = Indγ2 (z) .
2. Se γ1 , γ2 são homotópicos mas não fechados (com o mesmo par
ordenado de pontos inicial e final), γ = γ1 +(−γ2 ) é um caminho
fechado e Indγ (z) = 0 .
R 1
Dem. Indγj (z) = γj fz (w) dw com fz (w) = i2π(w−z) dw, para j = 1, 2, e
fz ∈ H(C\{z}) .Z O integral deZfz = (u, v) em γj éZ
fz (w) dw = (u,−v) · dαj + i (v, u) · dαj ,
γj
em que αj é o caminho em R2 correspondente ao caminho γj em C para
j = 1, 2, pelo que o resultado pode se pode aplicar o que se sabe para in-
tegrais de linha de campos vectoriais em R2 . u e v são C 1 e satisfazem as
equações de Cauchy-Riemann em Ω, pelo que os campos vectoriais (u, −v),
(v, u) com valores e variáveis em R2 são fechados75 em Ω . α1 , α2 em R2
são caminhos seccionalmente regulares homotópicos em Ω . Da invariância
de integrais de linha de campos vectoriais fechados sobre caminhos secci-
onalmente regulares homotópicos (quando não fechados têm o mesmo par
ordenado de pontos inicial e final) num conjunto em que os campos são C 1 ,
2
que pode
Z ser estabelecida
Z como consequência
Z do Teorema Z de Green em R ,
(u,−v) · dα1 = (u,−v) · dα2 , (v, u) · dα1 = (v, u) · dα2 ,
R R
pelo que γ1 fz (w) dw = γ2 fz (w) dw .
Se γ1 , γ2 são caminhos fechados, a última igualdade é Indγ1 (z) = Indγ2 (z) ;
se não são fechados, γ1 +(−γ2 ) é fechado e Indγ (z) = 0 . Q.E.D.

4.6 Fórmula de Cauchy local em conjuntos


convexos
A Fórmula de Cau hy dá os valores de uma função holomorfa num onjunto
em pontos fora de uma urva fe hada se ionalmente regular nesse onjunto
por integrais que envolvem apenas os valores da função sobre a urva. A
prova desta fórmula baseia-se no Teorema de Cau hy, pelo que se estabele e
agora a Fórmula de Cau hy para onjuntos onvexos, nos quais foi estabele-
ida a ima a validade do Teorema de Cau hy. No apítulo 7 estabele e-se a
Fórmula de Cau hy geral om o Teorema de Cau hy Global.
(4.12) Fórmula de Cauchy local em conjuntos convexos:
Se Ω ⊂ C é um conjunto aberto convexo, γ um caminho fechado seccio-
nalmente regular em Ω , z ∈ Ω\γ ∗ e f ∈ H(Ω) ,
Z
f (z) Indγ (z) = i2π fw−z
1 (w)
dw .
γ

75 ∂h2
Diz-se que h = (h1 , h2 ) : S → R2 , S ⊂ R2 , é um campo fechado se ∂x
= ∂h
∂y
1 em S .
66 Integral

Dem. A função definida por


(
f (w)−f (z)
w−z , se w ∈ Ω\{z}
gz (w) =
f ′ (z)
, se w = z
satisfaz as hipóteses
R do Teorema de Cauchy local em conjuntos convexos
(4.8), pelo que γ gz (w) dw = 0 , ou seja
Z Z Z
1 f (z)
0 = i2π w−z dw − i2π w−z dw = i2π fw−z
f (w) 1 1 (w)
dw − f (z) Indγ (z) .
γ γ γ
Q.E.D.
A Fórmula de Cau hy é uma expressão integral das fortes restrições im-
postas pela diferen iabilidade de funções omplexas, dado que se obtêm os
valores da função em todos pontos z de um onjunto em que é holomorfa fora
de um aminho fe hado se ionalmente regular γ om Indγ (z) 6= 0 em função
dos valores da função na urva γ ∗ e do valor de Indγ (z) . Em parti ular, os
valores de uma função omplexa numa urva γ ∗ ( onjunto de medida nula76
no plano) num onjunto onvexo em que é holomorfa determinam os valores
da função em todas omponentes onexas de Ω\γ ∗ em que Indγ (z) 6= 0 .
Uma onsequên ia importante da Fórmula de Cau hy é que o valor de
uma função no entro de um ír ulo fe hado em que é holomorfa é a média
dos valores na fronteira do ír ulo.
(4.13) Propriedade de Valor Médio de Funções Holomorfas:
Se f é uma função holomorfa num cı́rculo fechado Br (a) ⊂ C , o valor
f (a) de f no centro do cı́rculo é igual à média dos valores na circunfe-
rência que o delimita:
Z 2π
f (a) = 2π f (a+reiθ ) dθ .
1
0

Dem. Como f ∈ H Br (a) , f ∈ Br+ε (a) para algum ε > 0 . Se γ : [0, 2π] → C é
o caminho regular simples tal que γ(θ) = a+reiθ , pode-se aplicar a Fórmula
de Cauchy do resultado precedente, que dá
Z Z 2π Z 2π
f (w) f (a+reiθ )
1 1
f (a) Indγ (a) = i2π w−a dw = i2π reiθ
ire dθ = i2π f (a+reiθ ) dθ.
iθ 1
γ 0 0
De (4.10) obtém-se Indγ (a) = 1 , o que termina a prova. Q.E.D.
Com a Propriedade de Valor Médio veri a-se mais uma vez que os valo-
res de funções holomorfas satisfazem fortes restrições de interligação. Vê-se
no apítulo 9 que as funções omplexas ontínuas que satisfazem a proprie-
dade de valor médio em todos ír ulos fe hados ontidos num onjunto aberto
Ω ⊂ C são ne essariamente holomorfas, pelo que esta Propriedade de Valor
Médio para funções omplexas ontínuas ara teriza as funções holomorfas.
76
Diz-se que S ⊂ R2 tem medida nula se para todo ε > 0 existe uma cobertura numerável de
S por intervalos com soma de áreas < ε (um intervalo em R2 é um rectângulo produto cartesiano
de 2 intervalos reais); S ⊂ C tem medida nula se como subconjunto de R2 tem medida nula.
Exercı́cios do capı́tulo 4 67

Exercı́cios
R
4.1 Com (x, y) = z ∈ C , al ule
γ
x dz , em que γ é um aminho regular simples que
per orre:

a) O segmento de re ta orientado de 0 a 1+i .


b) A ir unferên ia om raio r>0 e entro na origem no sentido positivo ( al-
2
ule de duas formas: dire tamente e observando que x = 12 (z + z) = 12 z + rz na
ir unferên ia).
R 1
4.2 Cal ule
γ z 2 −1
dz , em que γ é um aminho regular simples que per orre a ir un-
ferên ia om entro na origem e raio r ∈ [0, +∞[ \{1} .

4.3 Cal ule uma primitiva da função omplexa f (x +iy) = 2x(1−y) + i(x2 +2y −y 2 ) ,
om x, y ∈ R .
R
4.4 Mostre que
γ
f (z) f ′ (z) dz é um imaginário puro, para todo aminho fe hado se -
1 ∗
ionalmente regular γ e toda função f C numa região que ontém γ .
R f ′ (z)
4.5 Mostre que
γ f (z)
dz = 0 para todo aminho fe hado se ionalmente regular γ
1
numa região em que a f é C e satisfaz |f −1| < 1 .
R
4.6 Des reva ondições em que se veri a
γ
ln z dz = 0 .
4.7 Cal ule os integrais seguintes, em que γr é um aminho regular simples que per orre
a ir unferên ia om raio r > 0 e entro na origem:
R ez R 1
R ez R sin z R sin z
a)
γ1 z
dz , b)
γ2 1+z 2
dz , )
γ1 z n
dz , d)
γ1 z 3
dz , e)
γ1 z
dz .

4.8 Prove: Se f ∈ H BR (p)\{p} , lim (z−p) f (z) = 0 e γp,r é um aminho se ionalmente
z→p
regular fe hado simples que des reve a ir unferên ia om entro p e raio r , então
R R
γp,r
f (z) dz = 0 para todo 0 < r < R . (Sugestão: γp,s |z−p|1
dz = ±2π , 0 < s < R ).
4.9 Prove que o Teorema de Cau hy lo al em onjuntos onvexos abertos (4.8) pode
ser estendido enfraque endo a hipótese sobre a função f para, em vez de holomorfa
em todos pontos ex epto possivelmente um em que é ontínua, ser holomorfa ex-
a
epto possivelmente num onjunto nito {p1 , . . . , pn } em que lim (z−pj ) f (z) = 0 ,
z→pj
om 0 < a < 1 ; além disso, se esta ondição não se veri a em alguns dos pontos
indi ados mas nesses pontos o limite indi ado é 0 om a=1, os integrais sobre a-
minhos fe hados se ionalmente regulares que não passam nestes pontos são nulos.
(Sugestão: Use o resultado do exer í io pre edente).
Capı́tulo 5

Funções analı́ticas

5.1 Introdução
As funções analíti as são as representáveis por séries de potên ias.
Até meados do sé .XVII a noção de função onfundia-se om a de fórmula
algébri a om variáveis, envolvendo somas, diferenças, produtos, quo ientes
e raízes de qualquer ordem. A partir da des oberta de uma série de po-
tên ias para o logaritmo em 1668, independentemente por N.Mer ator e W.
Broun ker, foram des obertas séries para muitas funções, nomeadamente por
J.Gregory, I.Newton, G.W.Leibniz, entre outros, embora a onvergên ia de
séries ainda não fosse um on eito rigoroso. J. Gregory sugere laramente
em 1668 a identi ação de função om fórmula que envolve expressões al-
gébri as e séries destas expressões. A obtenção de séries de potên ias para
ertas funções ra ionais e trigonométri as e a des oberta por J. Gregory em
1671 das séries de Taylor de funções levaram a que neste período a noção
de função se onfundisse om a de função analíti a, mesmo sem se dispor de
um es lare imento abal da onvergên ia de séries77 .
Em 1748, após importantes ontribuições para o ál ulo de somas de er-
tas séries numéri as e do omportamento assimptóti o de séries divergentes
(em parti ular a relação do logaritmo om a série dos re ípro os dos números
naturais, onhe ida por série harmóni a), L. Euler publi ou séries de potên-
ias para, entre outras, as funções exponen ial, seno e oseno. Em 1755, L.
Euler apli ou séries de Taylor para desenvolver o ál ulo diferen ial e utilizou
as séries omo instrumento uni ador da Teoria de Números e da Análise,
utilizando-as para obter propriedades de números, omo a distribuição dos
números primos om a Função Zeta de Riemann que, para um dado valor
da variável, dá a soma da série dos re ípro os dos números naturais elevados
a esse valor. Em 1812, C.F. Gauss estudou sistemati amente a onvergên ia
da série hipergeométri a e obteve séries para uma ampla lasse de funções.
O on eito de onvergên ia de su essões e séries só foi estabele ido ri-
gorosamente em 1821 por A.-L. Cau hy no Cours d’Analyse Algébrique da
77
Mercator, Nicholas (1620-1687). Brouncker, William (1620-1684). Gregory, James (1638-
1675). Leibniz, Gottfried Wilhelm (1646-1716).
70 Funções analı́ticas

École Polytechnique, em que também apare e a denição a tual de função


omo orrespondên ia unívo a de elementos de um par ordenado de on-
juntos sem referên ia a expressões que as denam. Também onsiderou a
noção de função ontínua, mas não a explorou noutros ontextos, omo para
de integrais. B. Bolzano78 já tinha onsiderado esta noção de função em
1817, também em relação om ontinuidade, nas lições na Universidade de
Praga, que permane eram omo manus rito até serem publi adas em 1930.
As onsequên ias desta denição de função para integrais só omeçaram a
ser laramente exploradas por P.G.Diri hlet em 1829 e B.Riemann em 1854.
N.H. Abel79 estabele eu em 1826 que toda série de potên ias omplexa
tem um raio de onvergên ia de 0 a +∞ , i.e. a série é absolutamente on-
vergente em pontos no interior de um ír ulo om esse raio e entro no ponto
em que a série de potên ias está entrada, e diverge no exterior desse ír ulo.
A fórmula para o raio de onvergên ia em termos dos oe ientes da série
apare eu num trabalho de A.-L.Cau hy de 1821, embora tenha sido provada
apenas em 1892 na tese de doutoramento de J. Hadamard.
Em várias situações é pre iso al ular integrais de funções denidas por
séries, para o que é onveniente poder integrar séries termo a termo. Em 1826
N.H. Abel apresentou exemplos de séries de funções ontínuas onvergentes
om soma que não é ontínua, ontrariando um artigo de A.-L. Cau hy de
1821. K.Weierstrass introduziu a noção de onvergên ia uniforme80 e provou
em notas de 1841, só publi adas em 1894, que séries de funções ontínuas
uniformemente onvergentes podem ser integradas termo a termo. Em 1848,
G. Stokes e P.L. Seidel introduziram, independentemente, o mesmo on eito
para integrar séries de funções termo a termo81 .
As funções analíti as são indenidamente diferen iáveis e têm derivadas
de qualquer ordem que também são funções analíti as, e, portanto, funções
ontínuas. Além disso, as representações em séries de potên ias de uma
função são ne essariamente as resp. séries de Taylor, em que o oe iente de
ada ordem é a derivada dessa ordem da função no ponto em que a série de
potên ias está entrada dividida pelo fa torial da ordem de derivação.
Neste apítulo são estabele idas as armações referidas e algumas on-
sequên ias importantes, in luindo: o onjunto dos zeros de uma função analí-
ti a numa região onde não é identi amente zero é nito ou innito numerável
sem pontos limite na região; as estimativas de Cau hy, obtidas por A.-L.Cau-
hy em 1835 (os valores absolutos dos oe ientes da Fórmula de Taylor de
uma função analíti a num ír ulo aberto em que é limitada são majorados
pelo quo iente de um majorante do valor absoluto da função pela potên ia
do raio do ír ulo de exponente igual à ordem do termo da série de Taylor);
78
Bolzano, Bernhard (1781-1848).
79
Abel, Niels Henrik (1802-1829).
80
Num artigo de 1838 sobre funções elı́pticas Christoph Gudermann (1798-1852), cujas lições K.
Weierstrass seguiu, usou pela 1a vez o termo convergência uniforme para funções elı́pticas, embora
não tenha aplicado esta propriedade para estabelecer qualquer resultado.
81
Stokes, Gabriel (1819-1903). Seidel, Philipp Ludwig (1821-1896).
5.2 Sucessões e séries de números complexos 71

o Teorema de Liouville, provado em 1844 por A.-L.Cau hy (funções inteiras


limitadas são onstantes) a que C.W. Bor hardt82 deu em 1879 o nome de
J. Liouville por este o armar no iní io das suas lições sobre funções dupla-
mente periódi as de 1847; o Teorema de Uni idade de Funções Analíti as
(funções analíti as numa região que oin idem num onjunto que tem um
ponto limite são iguais), o Prin ípio de Módulo Máximo (funções analíti as
numa região ujo módulo tem um máximo lo al são onstantes) e o or-
respondente resultado para mínimos (os módulos de funções analóti as não
onstantes só podem ter mínimos lo ais em pontos em que são zero).
Os três últimos resultados men ionados no parágrafo pre edente apare-
eram em 1851 na tese de doutoramento de B. Riemann. O Teorema de
Uni idade de Funções Analíti as tinha apare ido em embrião numa publi a-
ção de N.H. Abel de 1827 em que prova que funções analíti as iguais num
intervalo de números reais são iguais em todo ír ulo de onvergên ia, num
artigo de C. Gauss de 1840 para o aso parti ular de funções poten iais de
massas sob atra ção gravita ional, e num artigo de A.-L. Cau hy de 1845
numa versão mais próxima do resultado geral. O Prin ípio de Módulo Má-
ximo para as partes real e imaginária de funções holomorfas apare eu num
livro de H. Burkhardt de 1897. Embora não se saiba quando o resultado foi
enun iado e provado para funções holomorfas, foi invo ado por C.Carathéo-
dory em 1912 quando deu uma prova simples do Lema de S hwarz.
As provas que são aqui apresentadas para os resultados men ionados nos
dois parágrafos pre edentes baseiam-se na Fórmula de Parseval para séries de
potên ias omplexas, que é aqui designada assim por ser um aso parti ular
da Fórmula de Parseval, obtida ini ialmente em 1799 para séries trigono-
métri as por M.-A.Parseval, em espaços lineares omplexos eu lidianos (i.e.
om produto interno) de igualdade do quadrado da norma de um ve tor à
soma dos quadrados dos valores absolutos das omponentes do ve tor num
sistema ortonormal, generalizando o Teorema de Pitágoras para triângulos.
Esta fórmula foi publi ada na forma que é aqui usada (a soma da série dos
quadrados dos módulos dos termos da série de Taylor da função num ponto
al ulados numa ir unferên ia om raio menor ao raio de onvergên ia da
série de Taylor é igual à média do quadrado do módulo da função na ir un-
ferên ia) por A.Gutzmer em 1888, embora pudesse ser obtida om o método
des oberto por M.-A. Parseval 90 anos antes83 .
5.2 Sucessões e séries de números complexos
Uma sucessão em C ou sucessão de números complexos {zn } é uma
função de N em C , n 7→ zn . Diz-se que a su essão {zn } em C é convergente
se são onvergentes as su essões em R {xn } e {yn } ujos termos são, resp., as
82
Borchardt, Carl Wilhelm (1817-1880).
83
Ver capı́tulo 10. Burkhardt, Heinrich (1861-1914). Parseval, Mark-Antoine (1775-1836).
Pitágoras (c. 569 AC – c. 475 AC). Gutzmer, August (1860-1924).
72 Funções analı́ticas

partes real e imaginária de ada termo de {zn } . Em aso de onvergên ia, o


limite da sucessão {zn } é o número omplexo om partes real e imaginária
que são, resp., os limites das su essões de números reais {xn } e {yn } .
Segue-se que as propriedades usuais dos limites de somas, produtos e
quo ientes de su essões em R também se veri am para su essões em C .
Diz-se que uma su essão {zn } em C é uma sucessão de Cauchy se
qualquer que seja ε > 0 existe M ∈ N tal que |zn+m −zn | < ε para n, m ∈ N
om n > M . Com (xn , yn ) = zn , é |zn+m −zn |2 = |xn+m −xn |2 +|yn+m −yn|2 ,
uma su essão {zn } em C é su essão de Cau hy se e só se as su essões em
R das suas partes real e imaginária {xn } e {yn } são su essões de Cau hy.
Como as su essões de Cau hy em R são onvergentes para números reais, ou
seja R om a distân ia entre pontos denida pelo valor absoluto da diferença
entre eles é um espaço completo, também as su essões de Cau hy em C ,
om a distân ia de pontos denida pelo valor absoluto da diferença desses
pontos, são onvergentes para números omplexos e C é um espaço completo.
Diz-se que uma série de números omplexos P∞ n=0 zn , em que
(xn , yn ) = Pzn ∈ C , é convergente
P∞ se as séries das partes real e imaginá-
ria, resp., ∞
P∞ n=0 n x e n=0 n y são onvergentes; aso ontrário, diz-se que
a série n=0 zn é divergente
P . Em aso de onvergên ia, hama-se limite
ou somaPN
da série ∞ n=0 z n ao limite S daPsu essão das
P∞ P∞
suas somas par iais
SN = n=0 zn e es reve-se S = n=0 zn = n=0 xn +i n=0 yn .

Como as su essões de termos de séries onvergentes de números reais


onvergem para zero, também as sucessões de termos de séries convergentes
de números complexos convergem para zero.
Diz-se que uma série de números omplexos P∞ n=0 zn é absolutamente
convergente se a série de números reais dos valores absolutos dos seus
termos é onvergente.
Se (xn , yn ) = zn , é |xn |, |yn | ≤ |zn | e a onvergên ia absoluta dePP∞ n=0 zn
impli a
P∞ a onvergên ia absoluta das séries de números reais n=0 xn e

n=0 yn , logo, também a onvergên ia simples destas séries e a indepen-


dên ia das resp. somasPde reordenações dos termos, o que é equivalente à
onvergên ia da série ∞ n=0 zn e à independên ia da soma de reordenações
dos termos. Portanto, tal omo para séries de números reais, convergência
absoluta de uma série de números complexos implica convergência (simples)
e a soma de séries absolutamente convergentes é independente de reordena-
ções dos termos.

5.3 Sucessões e séries de funções uniformemente


convergentes
Diz-se que uma su essão de funções omplexas {fn } denidas em onjuntos
Un ⊂ C é uma sucessão uniformemente convergente em U ⊂ C se para
ada z ∈ U , a su essão {fn (z)} em C é onvergente e, designando por f (z) o
5.3 Sucessões e séries de funções uniformemente convergentes 73

limite, qualquer que seja ε > 0 existe N ∈ N tal que U ⊂ Un e |fn (z)−f (z)| < ε
para todos n > N, z ∈ U (ou seja |fn(z)−f (z)| < ε pode ser uniformemente
assegurada em todos pontos z ∈ U , porP84 n > N ).
Diz-se que uma série de funções ∞ n=0 fn (z) é uma série uniforme-
mente P convergente num onjunto U ⊂ C se a su essão das somas par iais
Sn (z) = nk=0 fk (z) é uniformemente onvergente em U .
Os dois resultados seguintes estabele em que limites de su essões e sé-
ries uniformemente onvergentes num onjunto U ⊂ C om termos que são
funções ontínuas em U são funções ontínuas em U e podem ser integradas
termo a termo sobre aminhos se ionalmente regulares em U .
(5.1) Se {fn } é uma sucessão de funções com cada fn definida e con-
tı́nua em Un ⊂ C , fn → f uniformemente em U ⊂ C , e γ é um cami-
nho
R fechado seccionalmente
R regular em U , então f é contı́nua em U e
γ fn (z) dz → γ f (z) dz .

Dem. Como fn → f uniformemente num conjunto U , qualquer que seja ε > 0


existe N ∈ N tal que U ⊂ Un e |fn (z)−f (z)| < ε para todos n > N, z ∈ U , pelo
que para n > N e quaisquer z, z0 ∈ U é
|f (z)−f (z0 )| ≤ |f (z)−fn (z)|+|fn (z)−fn (z0 )|+|fn (z0 )−f (z0 )| ≤ ε+|fn (z)−fn (z0 )|+ ε .
Como fn é contı́nua em Un , lim fn (z) = fn (z0 ) e lim |f (z) − f (z0 )| ≤ 2ε, e
z→z0 z→z0
como ε > 0 é arbitrário, f é contı́nua em todo z0 ∈ U .
Se n > N, z ∈ U e Lγ é o comprimento do caminho γ , é
Z Z Z Z

fn (z) dz − f (z) dz = [fn (z)−f (z)] dz ≤ |fn (z)−f (z)| dz ≤ εLγ .

γ γ γ γ
R R
Como ε > 0 é arbitrário, γ fn (z) dz → γ f (z) dz . Q.E.D.
P
(5.2) Se f (z) = ∞ n=0 fn (z) é uniformemente convergente com cada fn
uma função contı́nua em U ⊂ C e γ éR um caminho
P seccionalmente
R regular
em U , então f é contı́nua em U e γ f (z) dz = ∞ n=0 γ f (z) dz .

Dem. É consequência imediata


PN de aplicar o resultado precedente à sucessão
de somas parciais SN = n=0 fn (z) com Un = U . Q.E.D.
Para assegurar onvergên ia uniforme é muitas vezes útil o seguinte.
(5.3) Uma sucessão de funções complexas {fn } definidas em U ⊂ C tal
que |fm (z)−fn (z)| ≤ |am −an | para z ∈ U , com {an } ⊂ C convergente, é
uniformemente convergente em U .
84
A distinção da definição de sucessão de funções convergente em cada ponto de um
conjunto U e uniformemente convergente em U é apenas a troca do quantificador univer-
sal ’qualquer que seja’ do inı́cio dos quantificadores na definição para o fim, ou seja de
∀z∈U ∀ǫ>0 ∃N∈N ∀n>N : |fn (z)−f (z)| < ε para ∀ǫ>0 ∃N∈N ∀n>N ∀z∈U : |fn (z)−f (z)| < ε.
74 Funções analı́ticas

Dem. É consequência imediata das sucessões em C convergentes serem as


sucessões de Cauchy. Q.E.D.
Um aso parti ular simples
P é: se |fn (z)| ≤ M |an | para alguma constante
M > 0 e {an } converge, ∞
n=0 fn (z) converge uniformemente (teste-M de
Weierstrass). Este teste só se apli a para séries absolutamente onvergen-
tes, mas o ampo de apli ação do resultado anterior é mais amplo.
5.4 Séries de potências
As séries de potências omplexas são da forma

X
(5.4) cn (z−a)n ,
n=0
om z, a, cn ∈ C , para n ∈ N ∪ {0} . Diz-se que é uma série de potências
centrada no ponto a e hama-se a {cn }n∈N∪{0} su essão dos coeficientes
da série de potências.
Com a, cn ∈ C e n ∈ N ∪ {0} xos, se C ⊂ C designa o onjunto de pontos
z em que a série (5.4) onverge,
P a soma da série define uma função
S : C → C , tal que S(z) = ∞ c
n=0 n (z−a) n.

Para uma série de potên ias omplexa entrada em a existe um ír ulo


aberto BR (a) om raio R > 0 e entro em a em que a série onverge e em ujo
exterior diverge, ou a série onverge em todo o plano omplexo (designando
B∞ (a) = C pode-se dizer que onverge em BR (a) om R = +∞ ), ou onverge
om z = a e diverge om z ∈ C\{a} (designando B0(a) = {a} pode-se dizer
que onverge em BR (a) om R = 0 ), e que a onvergên ia é uniforme em
ada ír ulo fe hado om entro em a ontido em BR (a) . O valor de R é
dado pelo limite superior (diz-se lim sup) de su essões de números reais,
denido por limun =n→+∞lim sup um , omo indi ado no resultado seguinte.
m>n

(5.5) Cı́rculo de convergência de


P∞série de potências:
Uma série de potências complexa n=0 cn (z−a)n com
1
p
R= ,
lim n |cn |
e R = 0 ou = +∞ conforme o denominador é, resp., = +∞ ou = 0 , é:
1. uniformemente convergente em Br (a) se 0 < r < R ,
2. absolutamente convergente em cada z ∈ BR (a) ,
3. divergente em cada z ∈ C\BR (a) ,
em que B0 (a) = {a} e B∞ (a) = C .

Se L = lim cn+1
cn
existe, então R = 1 .
L

Dem. A prova baseia-se no teste da raiz para convergência de séries, que, por
seu lado, se baseia na convergência de progressões geométricas de números
reais com razão < 1 e divergência com razão ≥ 1 .
5.4 Séries de potências 75

p
1. Se 0 < r < r ′ < R , existe M ∈ N tal que n > M implica 
n
|cn | < r1′ .
n r n
Portanto,
P∞ para z ∈ Br (a) é |z −a| < r e |cn (z −a)| < r′ r para n > M . A
r n
série n=0 r′ é uma progressão
P geométrica de razão r′ < 1 , pelo que é
convergente. Logo, a série ∞ n
n=0 n −a) é absolutamente convergente e,
c (z
do teste-M de Weierstrass no final da secção precedente, é uniformemente
convergente em Br (a) com 0 < r < R .
2. Foi provada na prova de 1) no parágrafo precedente.
3. Se z ∈ C\BR (a) e R < ρ < |z −a| , existe n ∈ N arbitrariamente grande tal
p n
que n |cn | > ρ1 . Logo, |cn (z−a)n | > |z−a|
ρn > 1 para infinitos termos, pelo que
P
{cn (z−a)n } não converge para 0 e ∞ n
n=0 cn (z−a) diverge.
|cn+1 | |cn+1 (z−a)n+1 |
Se L = lim existe, é lim |cn (z−a)n | = L|z−a| , e o teste da razão
n→+∞ |cn | n→+∞ P
para séries reais implica convergência de ∞ n
n=0 |cn (z −a) | se
L|z − a| < 1 e
divergência se L|z−a| > 1 , pelo que, dos pontos precedentes, R = L1 . Q.E.D.
P∞
Chama-se raio
p de convergência da série de potên ias n=0 cn (z−a)
n

a R = 1/ lim |cn | , e R = 0 ou = +∞ onforme o denominador é, resp.,


85 n

+∞ ou 0 , e hama-se a, resp., BR (a) , B0 (a) = {a} , B∞ (a) = C , cı́rculo de


convergência da série de potên ias.
A onvergên ia uniforme de uma série de potên ias entrada em a em
Br (a) , om 0 < r < R em que R é o raio de onvergên ia da série, onju-
gada om (5.2) garante que a série dene uma função ontínua em BR(a) e
integrais em aminhos se ionalmente regulares em Br (a) podem ser al u-
lados integrando a série termo a termo, o que se usa abaixo para provar que
funções holomorfas são representáveis por séries de potên ias.
Em pontos da fronteira do ír ulo de onvergên ia uma
P série de potên ias
omplexa pode ser ou não onvergente. Por exemplo, n=0 n z om a > 0
1 n
a

tem raio de onvergên ia 1 e é absolutamente onvergente se a > 1 e diver-


gente se 0 < a ≤ 1 em todos pontos da fronteira do ír ulo de onvergên ia.
Em qualquer ponto da fronteira do ír ulo de onvergên ia em que a série
onverge veri a-se a propriedade seguinte86 .
(5.6) Teorema dePlimite de Abel: Se R > 0 é o raio de convergência
da série complexa ∞ n
n=0 cn (z−a) que converge em z = z0 = a+Re , com
iθ0

θ0 ∈ R , e fM é a restrição da soma da série


ao conjunto SM ∪ {z0 }, em
|R − e−iθ0 (z−a)|
que SM = z ∈ BR (a) : R − |z−a| ≤ M , então lim fM (z) = f (z0 ) .
z→z0
P
Dem. Se R > 0 é o raio de convergência da série complexa ∞ n
n=0 cn (z−a) que
converge em z = z0 = a+Reiθ0, com θ0 ∈ R , e fM é a restrição da soma da série
 −iθ0 (z−a)|
ao conjunto SM ∪ {z0 }, em que SM = z ∈ BR (a) : |R−e R−|z−a| ≤ M , então
85
Esta é a fórmula de Hadamard para o raio de convergência de séries de potências.
86
Os conjuntos SM no enunciado deste teorema são a intersecção do cı́rculo de convergência
com um ângulo < π simétrico em relação ao diâmetro do cı́rculo que passa em z0 . A um ângulo
deste tipo chama-se ângulo de Stolz. Stolz, Otto (1842-1905).
76 Funções analı́ticas

lim fM (z) = f (z0 ) . Pode-se supor sem perda de generalidade que a = 0 ,


z→z0
z0 = 1 , pois tal obtém-se com uma mudança de variáveis por translação da
origem para o ponto a seguida de uma rotação de −θ0 em torno P∞ da origem
e de uma divisão por R . Com esta simplificação a série é n=0 cn z n com
P 
z0 = 1 , ∞ n=0 cn convergente e SM = zP ∈ B1 (0) : |1−z|
1−|z| ≤ M , e, também sem
perda de generalidade, pode-se supor ∞ n=0 cn = 0 , pois pode-se subtrair a
c0 a soma
P da série se não for 0
Pk. Os termos da sucessão de somas parciais da
série ∞ c
n=0 n z n são s (z) =
k c
n=0 n z n , pelo que c = s (1)−s
k k k−1 (1) para
k ∈ N , e, agrupando termos como indicado,
X k X k
sk (z) = cn z n = [sn (1)z n −sn−1 (1)z n ]
n=0 n=0
k−1
X k−1
X
= sn (1)(z n −z n+1 )+sk z k = (1−z) sn (1)z n +sk z k , k ∈ N .
n=0 P n=0 P∞
Como lim sk z k= 0 , f (z) = (1−z) ∞ n
n=0 sn (1)z . Como lim sn (1) = k=0 ck = 0,
k→+∞
para qualquer ε > 0 existe N ∈ N tal que n ≥ N ⇒ |sn (1)| < ε , pelo que
P∞ sk (1)z k ≤ ε P∞ |z|n . Esta série é geométrica com razão |z| e,
k=N k=N
como |z| < 1 para z ∈ SM ,
 NX  N −1
−1 |z|N X
|f (z)| ≤ |1−z| k
sk (1)z +ε 1−|z| ≤ |1−z| k
sk (1)z +M ε, z ∈ SM .
Pk=0 k=0
N −1
Como lim |1−z| k=0 sk (1)z k = 0 , é lim |f (z)| ≤ M ε para todo ε > 0 , pelo
z→1 z→1
que limz→1 |f (z)| = 0 = f (1) . Q.E.D.

(5.7) Exemplos:
P (−1)n+1 n P
1. Considera-se a série de potências ∞ n=1 n z , que é ∞ n
n=1 cn z com
(−1)n+1 c
cn = n . De (5.5), como L = lim cn = lim n+1
n+1 n
= 1 , o raio de conver-
(−1)n+1 n ′ n−1
gência da série é R = 1 . Como z = (−z) e a série geométrica
P∞ n−1
n
n=1 (−z) é uma série de funções contı́nuas uniformemente convergente
em Br (0) , com 0 < r < 1 , de (5.2), pode ser integrada termo a termo em
qualquer caminho seccionalmente regular em Br (0) . Como para |z| < 1 é
P∞ n−1 = 1 , integrando ambos os lados no caminho γ : [−x, 0] → C
n=1 (−z) 1+z R0 R0 1
P
tal que γ(t) = t , com 0 < x < 1 , ∞ n=1 (−t)n−1 dt = −x 1+t dt , o que dá
P∞ 1 n −x P∞ 1 n
n=1 n x = −ln(1−x) . Como a série alternada com x = −1 , n=1 n (−1) ,
1
éPconvergente porque lim n = 0 , do teorema de limite de Abel precedente,
∞ 1 n
n=1 n (−1) = −x→−1lim ln(1−x) = − ln 2 , e
X∞
(−1)n+1
n = ln 2 .
P n=1 (−1)k+1 2k−1 P∞ k+1
2. A série de potências ∞ k=1 2k−1 z é n=1 cn z n com c2k−1 = (−1)2k−1
p p 1
e c2k = 0 , k ∈ N , e lim n |cn | = lim 2k−1 2k−1 = 1 , pelo que o raio de conver-
(−1)k+1 2k−1 ′
gência é R = 1 . Como 2k−1 z = (−1)k+1 z 2(k−1) = (−z 2 )k−1 , analo-
P∞ 1
gamente ao exemplo 1, considera-se k=1 (−z 2 )k−1 = 1+z 2 . Integrando am-
5.5 Definição e propriedades básicas de funções analı́ticas 77

P (−1)k+1 2k−1
bos os lados desta igualdade no caminho γ , ∞ k=1 2k−1 x = arctan x .
Para x = −1 a série no lado esquerdo desta igualdade é a série alternada
P∞ (−1)k 1
k=1 2k−1 , que converge pois lim 2k−1 = 0 , e, do teorema de limite de
P∞ (−1)k
Abel, k=1 2k−1 = lim arctan x = arctan(−1) = − π4 , e
x→−1 ∞
X (−1)k−1 π
2k−1 = 4 .
k=1
P
3. A série de potências geométrica
P∞ k de razão z , ∞ k
k=1 z é convergente se e
1
só se |z| < 1 e neste caso k=1 z = 1−z . Apesar da divergência da série fora
do disco aberto com raio 1 e centro na origem, a função no lado direito está
definida e é holomorfa em C\{1}, pelo que pode ser que uma função possa
ser estendida como função holomorfa para além do cı́rculo de convergência
de uma sua série de potências.

5.5 Definição e propriedades básicas de funções


analı́ticas
Diz-se que uma função omplexa denida num onjunto aberto Ω ⊂ C é
uma função analı́tica87Pem Ω se para ada ír ulo aberto Br (a) ⊂ Ω existe
uma série de potên ias ∞ n=0 cn (z −a) entrada em a om soma f (z) para
n

ada z ∈ Br (a) (Figura 5.1). Assim, as funções analíti as são as funções


representáveis por séries de potên ias.

Figura 5.1: Analiticidade de f em Ω : a série de Taylor em a dá f em Br (a) ⊂ Ω


O conjunto das funções analı́ticas num subconjunto Ω de C é um espaço
linear complexo com a adição e a multiplicação por escalares complexos usu-
ais. O resultado seguinte dá uma lasse de funções analíti as denida por
integrais que será usado várias vezes. No apítulo seguinte estabele e-se que
também são analíti as as funções obtidas por limites de su essões e séries
de funções analíti as uniformemente onvergentes em sub onjuntos limita-
dos e fe hados do domínio da função denida pelo limite. Este pro esso de
passagem ao limite de su essões e séries de funções que estende as funções
polinomiais às funções analíti as, apli ado a estas não leva a outra extensão.
87
Alguns autores preferem definir função analı́tica como função diferenciável, identificando na
definição analiticidade e holomorfia. Prefere-se a definição de analiticidade pela existência de
representações em séries de potências, seguindo a opção de K. Weierstrass e de E. Cartan.
78 Funções analı́ticas

(5.8) Se Ω ⊂ C é um conjunto aberto, γ é um caminho seccionalmente


regular em C e g é uma função complexa definida eRabsolutamente inte-
g(w)
grável em γ, então a função f definida por f (z) = γ w−z dw é analı́tica
∗ ∗
em Ω\γ e tem, em cada cı́rculo aberto Br (a) ⊂ Ω\γ , a representação
em série de potências
X∞ Z 
g(w)
f (z) = (w−a)n+1
dw (z−a)n , z ∈ Br (a) .
n=0 γ

z−a
Dem. Se Br (a) ⊂ Ω \ γ ∗ , como w−a ≤ |z−a| < 1 para z ∈ Br (a) e
r
w ∈ γ ∗ , para cada z ∈ Br (a) fixo a série geométrica em função de w,
P∞ (z−a)n 1 ∗ 1
n=0 (w−a)n+1 = w−z converge uniformemente em γ . Com Sz (w) = w−z
PN (z−a) n
e Sz,N = n=0 (w−a) n+1 , qualquer que seja ε > 0 existe M ∈ N tal que para

N > M e w ∈ γ é |Sz,N (w)−Sz (w)| < ε e
Z Z Z Z

Sz,N (w) g(w) dw − S(w) g(w) dw ≤ |Sz,N (w)−S(w)| |g(w)| dw ≤ ε |g(w)| dw .

γ γ γ γ

Logo, Z ∞ Z 
X 
g(w) g(w)
f (z) = w−z dw = (w−a)n+1
dw (z−a)n , z ∈ Br (a) ,
γ n=0 γ

pelo que f é analı́tica em Br (a) . Portanto, f é analı́tica em Ω\γ ∗ . Q.E.D.


O resultado seguinte estabele e que funções analíti as são indenida-
mente diferen iáveis om derivadas que podem ser obtidas derivando termo
a termo as orrespondentes séries de potên ias.
(5.9) Toda função analı́tica f num conjunto aberto Ω ⊂ C é indefinida-
mente diferenciável em Ω (em particular f ∈ H(Ω)) e as derivadas f (k)
de qualquer ordem k ∈ N são analı́ticas em Ω . Se
X∞
(5.10) f (z) = cn (z−a)n , z ∈ Br (a) ⊂ Ω ,
n=0
então ∞
X
(5.11) f (k) (z) = n!
(n−k)! cn (z−a)
n−k
, k ∈ N , z ∈ Br (a) ,
n=0
(5.12) f (n) (a)
cn = n! .

Dem. Os raios p de convergência da série


p (5.10) e das séries (5.11) são, resp.,
R0 = 1/ lim n |cn | e Rk = 1/ lim n (n!/(n−k)!)|cn |, pelo que, como88
p n→+∞
lim n n!/(n−k) = 1 , Rk = R0 para k ∈ N . Se for provado que f é diferen-
n→+∞
ciável em a e tem derivada dada pela fórmula (5.11) com k = 1 , a validade
desta fórmula para derivadas de ordem superior obtém-se por aplicação su-
cessiva da fórmula para a 1a derivada. A fórmula (5.12) para os coeficientes
q √ √ √ √
88 n! n! n n
É 1 < (n−k)! < kn , 1 < n (n−k)! < k n n , lim k = 1 , lim n n = 1 .
n→+∞
5.6 Zeros de funções analı́ticas 79

da série de f é (5.11) com z = a . Resta provar que f é diferenciável em


a e tem derivada dada por (5.11) com k = 1 . Sem perda de generalidade
considera-se a = 0 para aliviar a notação (basta mudar variáveis ze = z −a ).
Fixa-se z ∈ BR0 (0) e r > 0 tal que |z|
P<∞r < R0 en−1
a função g definida pelo lado
direito de (5.11) com k = 1, g(z) = n=0 n cn z . Para w ∈ Br (0)\{z},

X
f (w) − f (z) w n −z n n−1

w−z − g(z) = cn w−z −nz .
n=1
Para n = 1 a expressão
Pn entre parêntesis é 0 e para n ≥ 2 , como se tem
n n
w −z = (w−z) k=1 w n−k z k−1 ,
n
X
w n −z n
w−z −nz
n−1 = wn−k z k−1 −nz n−1 .
k=1
Verifica-se
n−1
X n−1
X n−1
X n−2
X
(w−z) kwn−k−1 z k−1 = kwn−k z k−1 − kwn−k−1 z k = (j +1)wn−j−1 z j
k=1 k=1 k=1 j=0
n−1
X n−2
X n
X
− kwn−k−1 z k = wn−1 −(n−1)z n−1 + wn−k−1 z k = wn−k z k−1 −nz n−1 .
k=1 k=1 k=1
Com as três últimas fórmulas obtém-se

X n−1
X
f (w)−f (z)
w−z −g(z) ≤ |w−z| |cn | k|w|n−k−1 |z|k−1
n=2 k=1
X∞ n−1
X ∞
X
n−2 n(n−1)
≤ |w−z| |cn |r k = |w−z| 2 |cn | r n−2 .
n=2 k=1 n=2
p p p
n n
Como lim n(n−1)/2 = 1 , é lim [n(n−1)/2]|cn | = lim n |cn | , e como
r < R0 , a série no último termo é convergente, pelo que o limite desse
termo quando w → z é 0 e, portanto, f ′ (z) = g(z) . Q.E.D.
Este resultado estabele e que para uma função ser representável por uma
série de potências centrada num ponto a ∈ C tem de ser indefinidamente
diferenciável e a série é a série de Taylor da função centrada em a é
X∞
f (n) (a) n
n! (z−a) .
n=0
É possível ter séries de Taylor de funções reais indenidamente diferen iáveis
que não onvergem para essas funções, ou seja há funções reais indenida-
mente diferen iáveis que não são analíti as. No apítulo seguinte prova-se
que tal não pode a onte er para funções omplexas. Para estas funções basta
existir a 1a derivada num onjunto aberto para que a função seja indenida-
mente diferen iável e analíti a nesse onjunto.
5.6 Zeros de funções analı́ticas
O resultado seguinte estabele e que o conjunto Z(f ) dos zeros de uma
função f não identi amente zero analíti a numa região é um onjunto de
80 Funções analı́ticas

pontos isolados e ada zero tem uma ordem ou multiplicidade, i.e. um


número m ∈ N que é o menor inteiro positivo para que a derivada de ordem
m da função nesse zero não se anula.

(5.13) Se f é uma função analı́tica complexa numa região Ω ⊂ C onde


não é identicamente zero, o conjunto Z(f ) dos zeros de f em Ω não tem
pontos limite em Ω , i.e. não existe qualquer sucessão {zn } ⊂ Z(f )\{z}
convergente para z ∈ Ω , Z(f ) ∩ K é finito para todo K ⊂ Ω compacto,
Z(f ) é finito ou infinito numerável, e a cada a ∈ Z(f ) corresponde um
único m ∈ N tal que f (z) = (z−a)m g(z) para todo z ∈ Ω , com g analı́tica
em Ω e g(a) 6= 0 ; m é a ordem do zero a de f .

Dem. Designa-se por A o conjunto dos pontos limite de Z(f ) em Ω . Como


f é contı́nua em Ω , A ⊂ Z(f ) e os pontos limite de A pertencem a A que,
portanto, é fechado.
Se a ∈ Z(f ) e r > 0 é tal que Br (a) ⊂ Ω ,Pcomo f é analı́tica em Ω , tem
representação em série de potências f (z) = ∞ n
n=0 cn (z −a) para z ∈ Br (a) ,
e tem-se a alternativa seguinte: (i) cn = 0 para todo n ∈ N , ou (ii) existe um
menor inteiro m ∈ N tal que cm 6= 0 .
No caso (i) f (z) = 0 para z ∈ Br (a) , pelo que Br (a) ⊂ A e a ∈ int A.
No caso (ii) define-se

(z−a)−m f (z) , se z ∈ Ω\{a}
g(z) =
cm , se z = a .
P∞ k
É g(z) = k=0 cm+k (z −a) para z ∈ Br (a) , pelo que g é analı́tica em Ω e
g(a) = cm 6= 0 . Da continuidade de g, existe uma vizinhança de a em que g
é 6= 0 , e a é um ponto isolado de Z(f ) , pois f (z) = (z−a)m g(z) para z ∈ Ω .
Como no caso (ii) a é um ponto isolado de Z(f ) , se a ∈ A , é o caso (i)
e, portanto, a ∈ int A , pelo que A é um conjunto aberto.
Como A é um conjunto aberto e fechado, com B = Ω \ A é Ω = A ∪ B
e A ∩ B = ∅ com A e B abertos e disjuntos, e, como Ω é um conjunto
conexo, tem de ser A = Ω ou A = ∅ . Se A = Ω , f é identicamente zero em
Ω e Z(f ) = Ω , e se A = ∅ , como toda sucessão de pontos num conjunto
compacto tem pelo menos um ponto limite nesse conjunto, Z(f ) tem um
no finito de pontos em cada subconjunto compacto de Ω . Como qualquer
subconjunto aberto de C é uma união numerável de uma famı́lia expansiva
de conjuntos compactos89 , Ω = ∪n∈N Kn , em que Kn ⊂ Kn+1 para n ∈ N ,
conclui-se que Z(f ) é finito ou é infinito numerável.
Prova-se por indução que as derivadas de f (z) = (z−a)m g(z) são
f (k)(z) = m!
(m−k)! (z−a)
m−k
g(z) + (z−a)m−k+1 hk (z) , k∈N , k≤m ,
em que cada hk é analı́tica em Ω . Logo, f (k)(a) = 0 para k < m , e
f (m) (a) = m! g(a) . m é o menor k ∈ N para que f (k) (a) 6= 0 . Q.E.D.
89
Ver exercı́cios do apêndice I.
5.7 Fórmula de Parseval para séries de potências 81

Uma onsequên ia é o seguinte resultado obtido em 1851 por B.Riemann.


(5.14) Teorema de Unicidade de Funções Analı́ticas: Se f, g são
funções analı́ticas complexas numa região Ω ⊂ C e f = g num conjunto
com um pelo menos um ponto limite em Ω , então f = g em Ω .

Dem. f −g é analı́tica em Ω e Z(f −g) tem pelo menos um ponto limite em


Ω . Do resultado precedente, Z(f −g) = Ω e f = g em Ω . Q.E.D.

Este resultado garante que uma função analíti a numa região é univo a-
mente determinada pelos seus valores em qualquer onjunto que tenha pelo
menos um ponto limite da sua região de analiti idade.
Em onsequên ia, duas funções diferentes analı́ticas numa região
Ω ⊂ C só podem coincidir num conjunto finito de pontos em cada subcon-
junto compacto de Ω , e num conjunto numerável de pontos de Ω . Em re-
giões des onexas om innitas omponentes onexas duas funções analíti as
diferentes podem oin idir num onjunto numerável de pontos.

5.7 Fórmula de Parseval para séries de potências


Nesta se ção obtêm-se propriedades importantes de funções analíti as om-
plexas que podem ser provadas om a Fórmula de Parseval para séries de
potên ias omplexas, que dá que a média quadráti a da soma de uma série
de potên ias sobre uma ir unferên ia de raio menor do que o raio de on-
vergên ia da série é igual à soma da série dos quadrados dos módulos dos
termos da série ini ial num ponto da ir unferên ia.
(5.15) Fórmula
P de Parseval para séries de potências:
Se f (z) = ∞ n
n=0 n (z − a) para z ∈ BR (a) , em que R > 0 é o raio de
c
convergência da série, e 0 < r < R ,
Z π ∞
X
iθ 2
1
2π |f (a+re )| dθ = |cn |2 r 2n .
−π n=0

P
Dem. Define-se90 g(θ) = f (a+reiθ ) = ∞ n inθ . Para 0 < r < R esta série
n=0 cn r e
é uniformemente convergente com θ ∈ [−π, π] . Considera-se o produto in-
terno para
R funções contı́nuas em [−π, π] definido por
1 π
hϕ, ψi = 2π −π ϕψ . Das propriedades do produto interno e como séries
90
Com (xn , yn ) = cn , é uma série trigonométrica complexa com partes real e imaginária que são
séries trigonométricas reais:
X∞ X∞
  
cn r n einθ = cn r n xn cos(nθ)−yn sin(nθ) +i xn sin(nθ)+xn cos(nθ) .
n=0 n=0
82 Funções analı́ticas

uniformemente convergentes podem ser integradas termo a termo (5.2),


Z π ∞
X ∞
X
iθ 2 n inθ
1
2π |f (a+re )| dθ = hg, gi = h cn r e , cn r n einθ i
−π n=0 n=0

X ∞
X
m+n imθ inθ
= cm cn r he ,e i= |cn |2 r 2n ,
m,n=0 n=0
pois
Z π 
imθ inθ 1 i(m−n)θ 1 , se m = n
he ,e i= 2π e dθ =
−π 6 n.
0 , se m =
Q.E.D.

Este resultado permite obter majorações simples para o valor e as deriva-


das de qualquer ordem de funções analíti as, omo as do resultado seguinte.
(5.16) Estimativas de Cauchy: Se f é uma função analı́tica num
cı́rculo aberto BR (a) , com R > 0 , e |f (z)| ≤ M para z ∈ BR (a) ,
|f (k) (a)| ≤ M k!
Rk
, k ∈ N∪{0} .

Dem. Da Fórmula de Parseval para séries de potências com 0 < r < R ,


X∞ Z π
|cn | r = 2π |f (a+reiθ )|2 dθ ≤ M 2 .
2 2n 1

n=0 −π

Portanto, é |cn |2 r 2n ≤ M 2 e |cn | ≤ rMn para n ∈ N ∪ {0} . Como r ∈ ]0, R[ é


arbitrário, |cn | ≤ RMn . Da fórmula (5.12),
|f (k) (a)| ≤ k! |ck | ≤ M k!
Rk
, k ∈ N∪{0} .
Q.E.D.

Segue-se outra importante onsequên ia da Fórmula de Parseval.


(5.17)Teorema de Liouville: Funções inteiras limitadas são constantes.

Dem. No resultado precedente R > 0 pode ser arbitrariamente grande, pelo


que k!|ck | = f (k) (a) = 0 e ck = 0 , para k ∈ N . Logo, f = c0 . Q.E.D.

A hipótese do Teorema de Liouville pode ser enfraque ida para funções


analíti as om módulo sublinear omo se segue.
(5.18) As funções analı́ticas f : C → C tais que |f (z)| ≤ C +M |z|a para
z ∈ C , com 0 ≤ a < 1 e C, M ≥ 0 são constantes.
a
Dem. Das estimativas de Cauchy, |f (k) (z)| ≤ (C+M R ) k!
Rk
= Ck!
Rk
+ RMk−a
k!
para
(k)
z ∈ C , k ∈ N ∪ {0}, R > 0 . Logo, f = 0 para k ∈ N e f = f (0) . Q.E.D.
5.7 Fórmula de Parseval para séries de potências 83

Ainda outra onsequên ia da Fórmula de Parseval para séries de potên-


ias é que o módulo de uma função analíti a numa região Ω ⊂ C não pode
ter máximos lo ais a não ser quando a função é onstante91 (Figura 5.2).

Figura 5.2: Princı́pio de Módulo Máximo em regiões e do corolário para mı́nimos

(5.19) Princı́pio de Módulo Máximo: Se f é uma função analı́tica


numa região Ω ⊂ C , |f | não tem máximos locais em Ω a não ser que
f seja constante; se K ⊂ Ω é compacto e f não é constante em K, o
máximo de |f | em K é assumido em pontos da fronteira de K.

Dem. Seja Br (a) ⊂ Ω , com r > 0 , tal que |f (a+ reiθ )| ≤ |f (a)|, para todo
θ ∈ [0, 2π] . Da Fórmula de Parseval para séries de potências em (5.15) é
X∞ Z π
|cn | r = 2π |f (a+reiθ )|2 dθ ≤ |f (a)|2 = |c0 |2 ,
2 2n 1

n=0 −π
e, portanto, cn = 0 para n ∈ N , e f (z) = c0 = f (a) para z ∈ Br (a) . Da
Unicidade de funções analı́ticas (5.14), f é constante em Ω .
Como |f | é contı́nua no conjunto compacto K, do teorema de Weiertrass
para extremos de funções contı́nuas, assume um valor máximo em K. Este
valor não pode ser assumido no interior de K porque |f | teria máximos locais
em pontos interiores a Ω . Logo, o valor máximo é assumido em ∂K. Q.E.D.
O Prin ípio de Módulo Máximo pode ser provado dire tamente para fun-
ções holomorfas numa região R Ω ⊂ C om a Propriedade de Valor Médio (4.13),
que impli a |f (a)| ≤ 2π −π |f (a+reiθ)|dθ se Br (a) ⊂ Ω , pois, se |f | tem um
1 π

máximo lo al em a ∈ Ω , existe um ír ulo aberto BR (a) , om R > 0 , em que


|f | ≤ |f (a)| e se existissem r ∈ ]0, R[ e θ0 ∈ [0, 2π] tais que |f |(a+reiθ ) < |f (a)|
om θ = θ0 , da ontinuidade de f esta desigualdade também se veri aria
para valores de θ numa vizinhança de θ0 e a média de |f | na ir unferên ia
om entro a e raio r su ientemente pequeno seria < |f (a)| , em ontra-
dição om a Propriedade de Valor Médio. Logo, |f | = |f (a)| em BR (a), e,
de (3.12), f é onstante em BR (a) . O resto é omo no nal da prova do
resultado pre edente.
91
Este resultado apareceu provado na tese de doutoramento de B. Riemann, em 1851, com uma
demonstração diferente da que aqui se apresenta.
84 Funções analı́ticas

O resultado seguinte estabele e que o módulo de uma função analíti a


numa região Ω ⊂ C onde não é onstante só pode ter mínimos lo ais em
pontos onde se anule (Figura 5.2).
(5.20) Corolário do Princı́pio de Módulo Máximo: Se f é uma
função analı́tica numa região Ω ⊂ C, |f | só tem mı́nimos locais em pontos
de Ω em que se anula ou é constante em Ω ; se K ⊂ Ω é compacto e f
não é constante e não tem zeros em K, o mı́nimo de f em K é em ∂K.

Dem. Os pontos em que f se anula são mı́nimos locais de |f | . De (5.13),


o conjunto Z(f ) dos zeros de f em Ω verifica a alternativa: (i) Z(f ) = Ω,
ou (ii) Z(f ) não tem pontos limite em Ω . No caso (i) |f | tem mı́nimo local
zero em todos os pontos de Ω . No caso (ii) Z(f ) é fechado e U = Ω\Z(f ) é
aberto. Se A, B são conjuntos disjuntos fechados relativamente a U tais que
U = A∪B, A∪Z(f  ) e B são conjuntos disjuntos fechados relativamente a Ω
e Ω = A∪Z(f ) ∪B. Como Ω é um conjunto conexo, tem de ser B = ∅ ou
B = Ω , o que implica que U é conexo, e, como é aberto, é uma região em C .
Como f não se anula na região U , o Princı́pio de Módulo Máximo em (5.19)
pode ser aplicado a f1 e obtém-se que |f1 | não tem máximos locais. Logo, |f |
não tem mı́nimos locais em U a não ser que seja constante em U .
Do Teorema de Weierstrass de extremos de funções contı́nuas, |f | > 0
assume um valor mı́nimo no conjunto compacto K. Como este valor não
pode ser assumido em pontos interiores a K porque, então, |f | teria mı́nimos
locais não nulos nesses pontos de Ω , o que não pode acontecer, o valor
mı́nimo em K é assumido em pelo menos um ponto de ∂K. Q.E.D.

Exercı́cios
5.1 Prove: Uma função analı́tica em C que satisfaz |f (z)| ≤ |z|n , para algum n ∈ N e
todo z ∈ C tal que |z| é suficientemente grande é polinomial.
1
5.2 Desenvolva
1+z 2
em série de potên ias entrada em ada a∈R e determine o raio
de onvergên ia.
P
5.3 Prove: Se Pf (z) = ∞ k
k=0 ak z , em que a série tem raio de convergência R > 1 ,
n k
e Sn (z) = k=0 ak z , então o valor mı́nimo do desvio quadrático médio de um
R 2π P
1
polinómio de P de grau n ∈ N a f , 2π 0
|f (eiθ )−P (eiθ )|2 dθ , é ∞ 2
k=0 |an+k | e é
assumido se e só se P = Sn .
5.4 Determine todos os valores de C para os quais a série dada é onvergente:
P∞ k P∞ zk
P∞ zk
P∞ 
−z k
P∞ z
k P∞ kz
a) k=0 z b) k=0 k ) k=0 k2 d) k=0 z−2 e) k=0 z+1 f) k=0 e .

5.5 Cal ule o raio de onvergên ia da série dada, para z ∈ C e n ∈ N :


P∞ z k  k P∞ k k P∞ k n k P∞ k! P∞ (k!)2 −k
a) k=0 k b) k=0 (kz ) ) k=0(k2 ) z d) k=0 z e) k=0 (2k)! z .
z
5.6 a) Mostre que a função omplexa denida por f (z) = ez −1 pode ser estendida por
ontinuidade a z = 0 e que essa extensão fe é analíti a num ír ulo entrado na
origem. Determine fe(0) e o máximo raio de ír ulos entrados em 0 em que a
extensão é analíti a. Designa-se Bn = fe(n) (0) para n ∈ N∪{0} .
b) Prove: z cot z = iz + fe(i2z) nos pontos da interse ção dos domínios das funções
nos dois membros da igualdade e z cot z pode ser estendida por ontinuidade a
Exercı́cios do capı́tulo 5 85

z = 0 , a igualdade também válida para essa extensão em z = 0 , e em onsequên ia


B2k+1 = 0 para k ∈ N e B1 = − 21 .
Pn−1 n
) Prove: k=0 k Bk = 0 , que permite al ular re ursivamente os números B2k ,
k ∈ N{0} , hamados números de Bernoulli92 .
(Sugestão: Multiplique as séries de Taylor no ponto 0 de fe e 1/fe).
d) Prove: A su essão de números de Bernoulli é uma su essão ilimitada de números
ra ionais que omeça om os números:
B0 = 1, B2 = 61 , B4 = − 30
1 1 1
, B6 = 42 , B8 = − 30 ,
5
B10 = 66 691 7
, B12 = − 2730 , B14 = 6 .
e) Mostre que a série de Taylor no ponto 0 para a extensão por ontinuidade à
z z
P∞ n 1 2n
origem de 2 cot 2 é n=0 (−1) (2n)! B2n z .

f ) Obtenha os oe ientes das fórmulas de Taylor no ponto 0 para tan z e para a
z 93
extensão por ontinuidade de a z = 0 em termos dos números de Bernoulli .
sin z  (−1)n
1
5.7 Mostre que se f é analíti a numa vizinhança de 0, existe n ∈ N tal que f n 6= .
n3
5.8 Prove: Se f, g são funções analı́ticas numa região de C onde f g = 0 , pelo menos
uma é 0 na região.
5.9 Prove: Se f, g, f g são funções analı́ticas numa região de C, f = 0 ou g é constante
na região.
5.10 Prove: Uma função analı́tica em C tal que as representações em série de potências
centradas em qualquer ponto de C têm pelo menos um coeficiente 0 é polinomial.
5.11 Prove: Se f, g são funções analı́ticas e sem zeros num cı́rculo aberto Br (a) contı́nuas
em Br (a) e |f | = |g| em ∂Br (a) , f = λg em Br (a) para algum λ ∈ C com |λ| = 1 .
′ ′ ′
5.12 Prove: Se f é analı́tica em Br (a) e |f (z)−f (a)| < |f (a)| para z ∈ Br (a)\{a}, f é
injectiva em Br (a) .

Exercı́cios com aplicações a hidrodinâmica, electroestática e


propagação de calor em equilı́brio
5.13 Consideram-se es oamentos hidrodinâmi os planos esta ionários, solenoidais e ir-
94
rota ionais (ver exer í io 3.24) om poten ial de ampo de velo idades ϕ, função
de orrente ψ e poten ial omplexo f = (ϕ, ψ) .
92 P
Jakob Bernoulli (1665-1705) descobriu-os para calcular n k
j=1 j para k, n ∈ N (só publicado
postumamente em 1713) com as fórmulas correctas para k de 1 a 10, sem prova.
93
Estas séries aparecem no livro de L. Euler, Introductio in Analysin Infinitorum, de 1748.
94
Quando considerados em R3 invariantes por translações ortogonais ao plano do escoamento.
Estas situações de hidrodinâmica correspondem a situações de electroestática. As alı́neas deste
exercı́cio correspondem aos campos eléctricos de:
(a) um filamento condutor cilı́ndrico carregado perpendicular ao plano na origem;
(b) um par de filamentos condutores cilı́ndricos carregados perpendiculares ao plano e simétricos
em relação à origem;
(c) um dipolo bifilar eléctrico perpendicular ao plano na origem;
(d) um filamento condutor cilı́ndrico carregado perpendicular a um semiplano limitado por um
isolador eléctrico perfeito plano;
(e) um par de filamentos condutores cilı́ndricos perpendiculares ao plano com cargas iguais, so-
breposto a um campo eléctrico uniforme; em alternativa, um campo eléctrico uniforme no infinito
na presença de um isolador eléctrico perfeito cilı́ndrico perpendicular ao plano e com secção igual
à oval de Rankine;
(f) um dipolo bifilar eléctrico perpendicular ao plano na origem sobreposto a um campo eléctrico
uniforme; em alternativa, um campo eléctrico uniforme no infinito com um isolador eléctrico per-
feito cilı́ndrico de revolução perpendicular ao plano;
(g) uma corrente eléctrica constante num filamento rectilı́neo perpendicular ao plano;
(h) um canto definido por dois semiplanos isoladores eléctricos perfeitos intersectando-se ao longo
de uma recta perpendicular ao plano na origem.
Podem-se obter outras situações de electroestática trocando isoladores por condutores e funções
potenciais por funções de corrente. Também se obtêm situações de propagação de calor em equi-
lı́brio substituindo o potencial da velocidade por temperatura e as linhas de fluxo de fluido por
linhas de fluxo de calor. Rankine, William (1820–1872).
86 Funções analı́ticas

a) Fonte ou sumidouro. Uma fonte ou um sumidouro é uma singularidade de


que radiam linhas de orrente (ψ onstante) e em torno da qual equipoten iais da
velo idade (ϕ onstante) são ir ulares. Mostre que um poten ial omplexo para
Q
uma fonte de magnitude Q em 0 é f (z) = ln z (Figura 5.3 à esquerda).

b) Sobreposição de fonte e sumidouro. Mostre que um poten ial omplexo de
um uxo sobreposição linear de uma fonte e um semidouro de magnitudes ±Q nos
iθ Q iθ iθ
pontos, resp., ±re , om r, θ ∈ R , é f (z) = 2π [ln(z−re )−ln(z+re )] (Figura 5.3
ao entro).

) Dipolo. Chama-se dipolo ao limite do par fonte-sumidouro da alínea ante-


rior, quando r → 0 e Qr
π
= m é onstante. Mostre que um poten ial omplexo é

f (z) = − mez (Figura 5.3 à direita).

d) Fonte perto de parede. Mostre que um poten ial omplexo de um uxo no


semiplano omplexo superior resultante de uma fonte de magnitude Q situada no
ponto ia do eixo imaginário (o eixo real é uma parede, i.e. a omponente da
velo idade na dire ção normal ao eixo real é zero nos pontos deste eixo) é, para
x, y ∈ R , y > 0 (Figura 5.4 à esquerda)

Q
  y−a
 y+a

f (x+ iy) = 4π
ln (x2 +(y−a)2 )(x2 +(y+a)2 +i2 arctan x
+arctan x
.
(Sugestão: Sobreposição da fonte dada om uma fonte auxiliar que é a sua imagem si-
métri a em relação ao eixo real. Este método é onhe ido por método das imagens).

Figura 5.3: Fonte ou sumidouro, fonte e sumidouro, dipolo (com sentido inverso)
e) Oval de Rankine. Considere um es oamento sobreposição linear de uma fonte
e um sumidouro pontuais de magnitudes ±Q nos pontos ±a do eixo real, e um
es oamento uniforme (velo idade re tilínea onstante) de magnitude V∞ na paralelo
ao eixo real. Mostre que um poten ial omplexo é (Figura 5.4 ao entro)
h  i h  i
Q (x+a)2 +y 2 Q 2ay
f (x+ iy) = V∞ x+ 4π ln (x−a) 2 +y 2 + i V∞ y− 2π arctan x2 +y 2 −a2 .

Mostre que uma das linhas de orrente é oval. Observe que a orrente exterior à
oval é a em torno de um obstá ulo ilíndri o om se ção que é a oval se a velo idade
no innito é onstante na dire ção e no sentido do eixo real positivo.

Figura 5.4: Fonte perto de parede, oval de Rankine, obstáculo cilı́ndrico


f) Escoamento em torno de obstáculo cilı́ndrico de revolução com ve-
locidade uniforme no infinito e circulação nula em torno do obstáculo.
Exercı́cios do capı́tulo 5 87

Mostre que o poten ial omplexo de um es oamento em torno de um obstá ulo


ilíndri o de revolução de eixo na origem e raio R>0 om velo idade no innito
onstante na dire ção e no sentido do eixo real positivo e ir ulação em torno do
R2

obstá ulo nula é f (z) = V∞ z+ z (Figura 5.4 à direita).
(Sugestão: Sobreposição de um uxo uniforme om um dipolo na origem na dire ção do
eixo real tal que a ir unferên ia om raio R e entro na origem é uma linha de orrente).
g) Vórtice potencial. Um vórti e poten ial é uma singularidade pontual em torno
da qual as linhas de orrente são ir unferên ias entradas na singularidade e as
equipoten iais são semire tas om origem na singularidade. Mostre que um poten-
Γ Γ
ial omplexo é f (z) = −i 2π ln z , om 2π a magnitude do vórti e (Figura 5.5).

Figura 5.5: Vórtice potencial


h) Escoamentos em cantos. Mostre que um poten ial omplexo para o es oa-
mento num anto de amplitude angular 0 < θ < 2π , om vérti e na origem e um
π
dos lados ao longo do eixo real é f (z) = V z θ (Figura 5.6). (Sugestão: Aplique uma
transformação onforme do semiplano superior omplexo no anto).

Figura 5.6: Escoamentos em cantos


5.14 Considere dois ilindros ondutores paralelos de se ções ortogonais ir ulares de
raios R > 0 perpendi ulares ao plano omplexo om eixos sobre os pontos do eixo
real ±b om poten iais elé tri os ±V . Mostre que num plano ortogonal aos ilndros
as linhas de uxo e as linhas equipoten iais do ampo elé tri o são omo indi ado
na Figura 5.7, e que a apa idade dos ondutores por unidade de omprimento é
πε
C = cosh−1 b/R
farads/metro, em que ε é a onstante dielé tri a do meio.

(Sugestão: Na alínea e) do exer í io anterior, obtenha equações artesianas para as equipo-


ten iais, observe que são ir unferên ias e rela ione a om b e R de modo às ir unferên ias
om raio R e entros em ±b serem equipoten iais, al ule a função de uxo Φ = εψ . Cal ule
88 Funções analı́ticas

a arga por unidade de omprimento integrando a função de uxo em torno de um ondu-


tor. Obtenha a apa idade por unidade de omprimento, dividindo a arga por unidade
de omprimento pelo poten ial V do ondutor).

Figura 5.7: Campo eléctrico de dois condutores ci-


lı́ndricos paralelos ortogonais ao plano complexo
Capı́tulo 6

Unificação de holomorfia,
teorema de Cauchy e
analiticidade
6.1 Introdução
O erne deste apítulo é a uni ação de holomora, validade do Teorema de
Cau hy analiti idade, que foram onsideradas separadamente nos três apí-
tulos pre edentes om base em, resp., derivada, integral e série de potên ias.
É uma ilustração elegante e útil do ará ter espe ial das funções omplexas.
A possibilidade de representação de funções holomorfas em ír ulos por
séries de potên ias foi omuni ada por A.-L.Cau hy à A ademia das Ciên ias
de Turim em 1831. A.-L.Cau hy não justi ou a integração termo a termo de
uma série usada na prova, o que levou P.Chebyshev95 a assinalar em 1844 que
tal só é possível em asos parti ulares, di uldade que foi ultrapassada om
onvergên ia uniforme, omo referido na introdução do apítulo pre edente.
Em 1886 J. Morera96 provou um re ípro o do Teorema de Cau hy, es-
tabele endo que funções omplexas om integrais nulos sobre as fronteiras
dos triângulos fe hados ontidos no onjunto de ontinuidade da função in-
tegranda são holomorfas no interior do onjunto.
Com a ontribuição de E. Goursat em 1900 que permitiu provar o Teo-
rema de Cau hy para funções holomorfas sem a hipótese de ontinuidade das
derivadas foi possível estabele er a equivalên ia de holomora e analiti idade,
e destas om a existên ia de primitivas lo ais.
Neste apítulo também se prova o Teorema Fundamental da Álgebra
(todo polinómio real ou omplexo não onstante tem pelo menos um zero
omplexo). Este teorema tem uma longa história. Foi previsto para polinó-
mios om oe ientes reais por A.Girard em 1629 e foi formulado laramente
em 1743 por L. Euler para utilização na resolução de equações diferen iais
ordinárias lineares om oe ientes onstantes (no ano anterior tinha es rito
95
Chebyshev, Pafnuty (1821-1894).
96
Morera, Jacinto (1856-1909).
90 Unificação de holomorfia, teorema de Cauchy e analiticidade

numa arta a A. Clairaut que o resultado é indubitável, embora eu não o


possa demonstrar perfeitamente), mas resistiu a várias tentativas de prova
durante dois sé ulos. As 1as tentativas onsideraram polinómios om oe-
ientes reais, em parti ular por J.R. d'Alembert em 1746, L. Euler em 1749,
F.D. Fon enex em 1759, J.-L. Lagrange em 1772, P.-S. Lapla e em 1795.
C.F. Gauss indi ou em 1799, na sua tese de doutoramento, falhas nessas
tentativas e props uma prova, também in ompleta por utilizar uma pro-
priedade de urvas algébri as ainda não estabele ida. Em 1806 J.R. Argand
publi ou uma tentativa de prova na linha ini iada por J.R. d'Alembert, mas
também in ompleta por assumir a validade do Teorema de Weierstrass de
extremos de funções ontínuas em sub onjuntos ompa tos do plano, o que
ainda não estava estabele ido. A ideia entral de J.R. d'Alembert e J.R.
Argand é a mesma das provas neste apítulo baseadas em propriedades de
funções analíti as. As provas ini iadas por J.R. d'Alembert e J.R. Argand
foram ompletadas na viragem do sé . XIX para o sé . XX om a prova
do Teorema de Weierstrass de extremos de funções ontínuas em onjuntos
ompa tos97 . A provável insatisfação de C.F.Gauss om a prova na sua tese
é eviden iada por ter publi ado mais três artigos sobre provas do Teorema
Fundamnetal da Álgebra, dois em 1816 om ideias diferentes e um em 1849
renando o argumento da tese para polinómios om oe ientes omplexos,
mas sem resolver a la una referida, só superada em 1920 por A. Ostrowski.
Uma das provas de C.F. Gauss de 1816 é um argumento algébri o extenso
seguindo a ideia de prova de L. Euler e veio a ser a 1a prova a  ar om-
pleta;  ou apenas pendente do teorema de valor intermédio para funções
reais ontínuas  Teorema de Bolzano  no essen ial provado no ano seguinte
por B. Bolzano, mas que, por sua vez,  ou pendente de uma denição ri-
gorosa dos números reais, só dada em 1872 por G. Cantor, o que permitiu a
K. Weierstrass ompletar pou o depois a prova do Teorema de Bolzano nas
suas lições, publi adas pela 1a vez em 1878, preen hendo a la una da prova
algébri a de C.F. Gauss de 1816. Entretanto apare eram dezenas de outras
provas, em geral om Análise Complexa, Topologia ou Geometria Algébri a,
a ponto de vários matemáti os terem instado à des oberta de uma prova pu-
ramente algébri a98 . As provas referidas não são onstrutivas, i.e. não dão
97
Uma prova para funções definidas em intervalos limitados fechados de números reais por K.
Weierstrass foi publicada em 1878 e Maurice Fréchet (1878-1973) estendeu em 1904 o resultado
para funções definidas em espaços compactos com uma noção de convergência de sucessões que
inclui funções de várias variáveis reais com a distância euclidiana.
98
A prova de C.F. Gauss em 1816 que foi a 1a a ser completada, embora intrincada, é tão algé-
brica quanto possı́vel, pois além de Álgebra só usa o Teorema de Bolzano, que é uma propriedade
minimalista de distinção entre números reais e racionais (no sentido de na definição axiomática de
números reais como corpo ordenado (como os racionais) que satisfaz o axioma de todo subconjunto
não vazio majorado ter supremo, este axioma poder ser substituı́do pelo Teorema de Bolzano) e
em algum ponto esta distinção tem de surgir. Uma prova algébrica mais abstracta é com Teoria
de Galois e extensão de corpos. O autor obteve em Fevereiro de 2018 uma prova com Álgebra
Linear que pode ser considerada a mais elementar que existe, pois pode ser dada na parte inicial
de uma 1a disciplina de Álgebra Linear porque só usa: desigualdade de Cauchy-Schwarz em Cn,
produto de matrizes, independência linear, determinante e o Teorema de Weierstrass de extremos
6.2 Holomorfia, teorema de Cauchy local e analiticidade 91

pro essos para al ular zeros aproximadamente. K.Weierstrass tentou obter


uma prova onstrutiva sem su esso; a 1a prova onstrutiva só foi obtido em
1940 por H.Kneser, e depois simpli ado pelo seu lho M.Kneser em99 1981.
In luem-se o Teorema da Função Inversa (toda função holomorfa num
onjunto aberto tem inversa lo al holomorfa numa vizinhança de ada ponto
em que a derivada não é 0 e em tal vizinhança transforma onjuntos aber-
tos em onjuntos abertos), a ara terização lo al das funções holomorfas em
regiões (somas de potên ias inteiras de funções invertíveis holomorfas om
onstantes ou onstantes), o Teorema da Apli ação Aberta (imagens de re-
giões por funções holomorfas não onstantes são regiões) e um resultado de
K. Weierstrass em notas de 1841 (só publi adas em 1894) estabele endo que
os limites de su essões e séries de funções analíti as uniformemente onver-
gentes em onjuntos ompa tos são analíti as e podem ser indenidamente
derivadas termo a termo; em parti ular, o pro esso de extensão de funções
polinomiais a funções analíti as por séries uniformemente onvergentes não
onduz a novas funções quando apli ado a funções analíti as.
6.2 Holomorfia, teorema de Cauchy local e
analiticidade
Prova-se a seguir que holomora e analiti idade são equivalentes e dá-se uma
Fórmula de Cau hy lo al para as derivadas de funções holomorfas.
(6.1) Fórmula de Cauchy para derivadas:
Seja Ω ⊂ C um conjunto aberto. f ∈ H(Ω) se e só se f é analı́tica em
Ω . Em caso afirmativo, se Br (z) ⊂ Ω e γ é um caminho seccionalmente
regular fechado em Br (z)\{z}, para f e suas derivadas é
Z
(k) k! f (w)
f (z) Indγ (z) = i2π (w−z)k+1 dw , k ∈ N ∪ {0} .
γ

Dem. De (5.9), se f é analı́tica em Ω , f ∈ H(Ω) .


Se f ∈ H(Ω) , Br (z) ⊂ Ω e γ é um caminho seccionalmente regular fechado
em Br (z)\{z} , da Fórmula de Cauchy local em conjuntos convexos em (4.12),
Z
f (z) Indγ (z) = i2π fw−z
1 (w)
dw .
γ
De (5.8), f Indγ é analı́tica em Br (z) \ γ ∗ e tem em cada cı́rculo aberto
Br′ (a) ⊂ Ω\γ ∗ a representação em série de potências
∞ Z
X 
f (w)
1
f (z) Indγ (z) = i2π (w−a)n+1
dw (z−a)n , z ∈ Br (a) .
n=0 γ
de funções contı́nuas em subconjuntos limitados e fechados de Cn , que, tal como o Teorema de
Bolzano e no mesmo sentido, é uma propriedade minimalista de distinção entre números reais e
racionais (Magalhães, L.T. (2021), Simple proof of existence of a complex eigenvalue of a com-
plex square matrix . . . and yet another proof of the fundamental theorem of algebra with linear
algebra, Linear and Multilinear Algebra, DOI: 10.1080/03081087.2021.1913981).
99
Girard, Albert (1595-1632). Clairaut, Alexis (1713-1765). Foncenex, François Daviet de (1734-
1799).Ostrowski, Alexander(1893-1986).Kneser, Hellmuth(1868-1973).Kneser, Martin(1928-2004).
92 Unificação de holomorfia, teorema de Cauchy e analiticidade

P∞ n
A unicidade dos coeficientes cn das séries de potências n=0 cn (z − a)
centradas num ponto a que representam uma mesma função, estabelecida
em (5.9), garante que se obtém a mesma série de potências centrada em
a para Rf (z) Indγ (z) qualquer que seja γ com as propriedades indicadas, e
f (w)
cn = i2π
1
γ (w−a)n+1 dw . Esta representação em série de potências centrada em
a é válida para z ∈ Br (a) ⊂ Ω\γ ∗ , pelo que f é analı́tica em Ω\γ ∗. Para pontos
de z ∈ γ ∗ aplica-se o que foi estabelecido com o caminho γ , substituindo-o
por um caminho γ e seccionalmente regular fechado em Ω\γ ∗.
A fórmula para as derivadas de f obtém-se directamente de (5.9). Q.E.D.
Deste resultado, o raio de convergência da série de Taylor centrada num
ponto a de uma função f ∈ H(Ω) é a distância de ∂Ω ao ponto a .
Portanto, a úni a obstrução à onvergên ia da série de Taylor entrada
num ponto a de uma função diferen iável omplexa para o orrespondente
valor da função a partir de uma erta distân ia de a é a função não estar
denida ou não ser holomorfa num ponto a essa distân ia de a . Isto on-
trasta om funções reais diferen iáveis e permite expli ar a limitação de raios
de onvergên ia destas séries pela o orrên ia de pontos no plano omplexo
fora do eixo real em que as extensões omplexas naturais das funções reais
onsideradas não são diferen iáveis. Um exemplo simples é o da função real
1
2referida na introdução deste livro.
Com (6.1) também se obtém que as derivadas de qualquer ordem de
1+x

funções holomorfas num onjunto existem e são holomorfas nesse onjunto.


(6.2) Funções holomorfas num conjunto aberto Ω ⊂ C são indefinida-
mente diferenciáveis em Ω e têm derivadas de qualquer ordem holomor-
fas; em particular, são C ∞ .

Dem. É consequência imediata do resultado precedente e da existência de


derivada num ponto implicar a continuidade da função nesse ponto. Q.E.D.
Este resultado impli a o re ípro o seguinte do Teorema de Cau hy.
(6.3) Teorema de Morera: Se R Ω ⊂ C é um conjunto aberto e f : Ω → C
é uma função contı́nua tal que ∂∆ f (z) dz = 0 para todo triângulo fechado
∆ ⊂ Ω , então f ∈ H(Ω) .

Dem. Se Br (a) ⊂ Ω é um cı́rculo aberto em Ω , da existência de primitivas


de funções holomorfas em conjuntos convexos em (4.7), f tem primitiva F
em Br (a) e, de (6.1), F ∈ H(Ω) . Logo, f = F ′ ∈ H(Ω) . Q.E.D.
Com (6.2) prova-se que a razão in remental de uma função entre dois
pontos distintos de sub onjunto aberto de C em que é holomorfa pode ser
estendida por ontinuidade omo função dos dois pontos om o valor da
derivada da função quando os pontos são iguais dada pela derivada da função
e as funções de um dos pontos om o outro xo são holomorfas.
6.2 Holomorfia, teorema de Cauchy local e analiticidade 93

(6.4) Se Ω ⊂ C é um conjunto aberto, f ∈ H(Ω) e g : Ω×Ω → C é tal que


(
f (w)−f (z)
w−z , se w 6= z
g(w, z) = ′
f (z) , se w = z ,
então g é contı́nua em Ω×Ω e as funções w 7→ g(w, z) com z ∈ Ω fixo e
z 7→ g(w, z) com w ∈ Ω fixo, são holomorfas em Ω .

Dem. A continuidade de g em pontos de Ω×Ω\{(a, a) : a ∈ Ω} é imediata


da continuidade de funções holomorfas e da continuidade de diferenças e
quocientes de funções holomorfas em pontos em que o denominador não
se anula. A diferenciabilidade de g como função de uma variável com a
outra fixa em a ∈ Ω implica a continuidade dessas funções (a, a) , mas é
preciso provar a continuidade de g como função de duas variáveis nestes
pontos. Para (w, z) ∈ Ω×Ω com w e z num cı́rculo aberto de C com centro
em a contido em Ω considera-se o caminho regular γw,z : [0, 1] → Ω com
γw,z (t) = tw+(1−t)z que descreve um segmento de recta de z a w e designa-
se (u, v) = f .
Z 1 Z 1
 ′
g(w, z)−g(a, a) = w−z (f ◦γw,z ) −f (a) = w−z f ′ γw,z (t) γw,z
1 ′ ′ 1
(t) dt−f ′ (a)
0 0
Z 1 Z 1
   
1
= w−z ′ ′
f γw,z (t) (w−z) dt−f (a) = f ′ γw,z (t) −f ′ (a) dt.
0 0

De (6.2), f′ é contı́nua em
′Ω , pelo que ′para qualquer ε > 0 existe δ > 0 tal
que z, w ∈ Bδ (a) implica f γw,z (t) −f (a) < ε , pois γw,z (t) ∈ Bδ (a) para
R1
t ∈ [0, 1] . Logo, |g(w, z)−g(a, a)| ≤ 0 ε = ε , e g é contı́nua em (a, a) .
Resta provar diferenciabilidade das funções de uma variável com a outra
fixa. Para cada w ∈ Ω , a função definida em Ω por z 7→ g(w, z) é diferenciável
em todos pontos z 6= w das regras de derivação das operações usuais de
funções. De (6.1), funções holomorfas são analı́ticas e, como a representação
de uma função analı́tica por série de potências centrada num ponto é a série
de Taylor da função nesse ponto, para cada w ∈ Ω ,
1 ′
lim 1 [g(w, w+h)−g(w, w)] = lim 1
2 [f (w)−f (w+h)]− h f (w)
h→0 h h→0 h
X
∞  ∞
X
f (n) (w) ′ h2 f (n+2) (w)
=lim h12 n!
n
h −f (w)−f (w)h = lim 2 (n+2)! hn = 21 f ′′ (w).
h→0 h→0 h
n=0 n=0

pelo que z 7→ g(w, z) também é diferenciável em z = w . Logo, para cada


w ∈ Ω , esta função é holomorfa em Ω , e pode-se trocar w com z. Q.E.D.

O teorema seguinte uni a em onjuntos abertos de C holomora, va-


lidade do Teorema de Cau hy na fronteira de triângulos fe hados ontidos
nesses onjuntos, analiti idade, existên ia de primitivas lo ais em sub on-
juntos onvexos de tais onjuntos.
94 Unificação de holomorfia, teorema de Cauchy e analiticidade

(6.5) Teorema de Unificação: Se Ω ⊂ C é um conjunto aberto e


f : Ω → C , as afirmações seguintes são equivalentes:
1. f é holomorfa em Ω .
2. f é analı́tica em Ω . R
3. f é contı́nua em Ω e ∂∆ f (z) dz = 0 para todo triângulo fechado
∆⊂Ω .
4. f tem primitiva em todo subconjunto aberto convexo de Ω .

Dem. A equivalência de 1 e 2 foi provada em (6.1), a de 1 e 3 resulta do


teorema (4.6), do Teorema de Morera 6.3 e da continuidade de funções ho-
lomorfas, a de 1 e 4 resulta de (4.7), da continuidade de funções holomorfas
e de (6.2) aplicados a F tal que F ′ = f . Q.E.D.

Cau hy baseou-se na ara terização 3, Weierstrass na 2 e Riemann na 1.


6.3 Teorema Fundamental da Álgebra
Com a analiti idade das funções holomorfas e o Teorema de Weierstrass
de extremos de funções ontínuas obtém-se uma prova urta do Teorema
Fundamental da Álgebra, que assume um interesse espe ial por os núme-
ros omplexos terem sido introduzidos para obter zeros de polinómios reais
sem zeros reais. São dadas mais à frente 6 outras provas alternativas om
apli ação de outros resultados.
(6.6) Teorema Fundamental da Álgebra: Um polinómio complexo P
de grau n ∈ N não constante tem n zeros em C , contando multiplicidades
de acordo com as resp. ordens como zeros de P . Se z1 , . . . P
, zk são os zeros
distintos de P com multiplicidade, resp., m1 , . . . , mk , é kj=1 mj = n e
P (z) = an (z−z1 )m1 · · · (z−zk )mk , an ∈ C\{0} .

Dem. Prova-se 1o que se P não tivesse qualquer zero, seria constante. Nesse
caso, P1 seria holomorfa em C . Como lim |P (z)| = +∞ , para qualquer
|z|→+∞
ε > 0 existe R > 0 tal que 1 < ε se |z| > R . Do Teorema de Weierstrass
P
de extremos de funções contı́nuas100 , a função contı́nua |P1 | teria máximo no
conjunto compacto BR (0) . Logo, a função inteira P1 seria majorada e, do
Teorema de Liouville (5.17), seria constante.
Como por hipótese P não é constante, tem pelo menos um zero z1 em
C . De (5.13), é P (z) = (z −z1 )m1 P1 (z) , com P1 polinómio de grau n−m1 .
Se n−m1 > 0 , aplica-se a P1 o argumento anterior, e assim sucessivamente,
obtendo zeros zj de ordens mj até que P (z) = (z −z1 )m1 · · · (z −zk )mk Pk (z)
P
com Pk de grau n− kj=1 mk = 0 , logo uma constante, que é an . Q.E.D.
100
Ver apêndice 1.
6.4 Estrutura local de funções holomorfas 95

Uma outra prova simples semelhante de que um polinómio não onstante


tem pelo menos um zero é om o Prin ípio de Módulo Máximo. Como
lim |P (z)| = +∞ , existe R > 0 tal que |P (z)| > |P (0)| se |z| > R . Se P
não tivesse zeros, seria f = P1 ∈ H(C) e, portanto, f seria analíti a em C ,
|z|→+∞

om |f (0)| > |f (z)| para |z| > R . Do Teorema de Weierstrass de extremos de


funções ontínuas, f teria um máximo em BR(0) . Logo, f seria uma função
analíti a em C om um máximo lo al, em ontradição om o Prin ípio de
Módulo Máximo101 (5.19). Portanto, P tem pelo menos um zero.
É útil ter o resultado para polinómios om oe ientes reais seguinte.
(6.7) Um polinómio complexo com coeficientes reais P de grau n ∈ N
tem n zeros em C, contando multiplicidade dos zeros de acordo com as
resp. ordens como zeros da função analı́tica P , e os zeros que não são
números reais ocorrem em pares conjugados de zeros de ordens iguais.
P P
Dem. Se P (z) = nj=1 aj z j com aj ∈ R , é P (z) = nj=1 aj z j , pelo que se w é
/ R . Se w ∈
zero de P , também w é, e são distintos se e só se w ∈ / R e a ordem
do sero w de P é m , então P (z) = (z−w)m Q(z) , em que Q é um polinómio
com coeficientes reais com Q(w) 6= 0 , e P (z) = P (z) = (z −w)m Q(w) , pelo
que a ordem do zero w de P também é m. Q.E.D.

6.4 Estrutura local de funções holomorfas


Prova-se nesta se ção que ontradomínios de funções holomorfas numa região
são uma região ou um ponto, e outros aspe tos rela ionados, in luindo o
seguinte Teorema da Função Inversa que estabele e a existên ia de inversa
lo al holomorfa de uma função holomorfa om derivada 6= 0 num ponto.
(6.8) Teorema da Função Inversa: Se Ω ⊂ C é um conjunto aberto,
ϕ ∈ H(Ω) , a ∈ Ω e ϕ′ (z0 ) 6= 0 , existe uma vizinhança de z0 V ⊂ Ω tal que:
1. ϕ é injectiva e ϕ′ não tem zeros em V ,
2. W = ϕ(V ) é um conjunto aberto,
3. A inversa da restrição de ϕ a V , ϕ−1: W → V é holomorfa e
(ϕ−1 )′ = ϕ′ ◦1ϕ−1 , em V .


Dem. Com (u, v) = ϕ e (x, y) = z, (x, y) 7→ u(x, y), v(x, y) como função de
variáveis reais é C 1 e, das equações de Cauchy-Riemann, tem jacobiano

∂u 2

∂v 2
J(u, v) = ∂u ∂v ∂u ∂v
∂x ∂y − ∂y ∂x = ∂x + ∂x = |ϕ′ |2 ,
101
Em alternativa, pode-se substituir o Princı́pio de Módulo Máximo pela Propriedade de Va-
lor Médio. Agora não só temos uma prova do Teorema Fundamental da Álgebra com Análise
Complexa como três variantes baseadas em propriedades diferentes de funções analı́ticas comple-
xas. No final da secção seguinte dá-se uma 4a variante baseada na contagem de zeros de funções
holomorfas.
96 Unificação de holomorfia, teorema de Cauchy e analiticidade

que é 6= 0 em (x0 , y0 ) = z0 . Portanto, do Teorema da Função Inversa para


funções de variável em R2 , existe uma vizinhança V de (x0 , y0 ) = z0 em
que (u, v) é injectiva, J(u, v) 6= 0 , W = [(u, v)](V ) é aberto e a inversa da
restrição de (u, v) a W , (u, v)−1: W → V é C 1 . Logo, ϕ tem as propriedades
no enunciado, faltando só verificar a fórmula para a derivada, que é imediata
da regra de derivação da função composta aplicada a ϕ◦ ϕ−1 = 1W . Q.E.D.
Com este resultado, a propriedade dos zeros de funções holomorfas não
identi amente nulas serem isolados, a noção de ordem de zero de função
analíti a e a existên ia de primitiva lo al em onjuntos onvexos de funções
holomorfas pode-se estabele er a ara terização simples seguinte das funções
holomorfas em regiões: a menos da adição de onstantes são lo almente
potên ias inteiras de funções invertíveis holomorfas.
(6.9) Estrutura local de funções holomorfas: Se Ω ⊂ C é um con-
junto aberto e f : Ω → C não é constante em Ω , f ∈ H(Ω) se e só se para
cada ponto z0 ∈ Ω existe uma vizinhança V ⊂ Ω de z0 tal que
m
f (z) = w0 + ϕ(z) , z ∈ V ,
em que w0 = f (z0 ) , m é a ordem do zero z0 da função analı́tica f −w0 e
ϕ é uma bijecção holomorfa de V sobre um cı́rculo aberto Br (0) tal que
ϕ(z0 ) = 0 e ϕ′ não tem zeros em V (Figura 6.1).

Dem. Da holomorfia de somas e composições de funções holomorfas, f da


forma indicada numa vizinhança de cada ponto de Ω é holomorfa em Ω .
Se f ∈ H(Ω) e ρ > 0 é tal que Bρ (w0 ) ⊂ Ω , como de (5.13) os zeros de
f −w0 são isolados e Bρ (w0 ) é compacto, neste conjunto há um no finito de
e = Bρe(z0 ) e
tais zeros, e existe ρe∈ ]0, ρ[ tal que z0 é o único dos zeros em Ω
(6.10) f (z)−w0 = (z−z0 )m g(z) , z ∈ Ω e,
 ′ 
em que g ∈ H Ω e não tem zeros em Ω e . Logo, ∈ H Ω
g e e, como Ω e = Bρe (z0 )
g 
g′ e . Verifica-se
é aberto e convexo, de (4.7), g tem primitiva h ∈ H Ω

(g e−h )′ = g ′ e−h −ge−h h′ = g′ e−h − g e−h gg = 0 .
Portanto, existe c ∈ C tal que g e−h = c em Ω e . Sem perda de generalidade

supõe-se c = 1 e g = eh , pois para tal basta considerar uma primitiva de gg
h(z)
obtida adicionando uma constante a h . Define-se ϕ(z) = (z −z0 ) e m para
z∈Ω e . A potência m de ambos os lados desta fórmula com (6.10) dá a
fórmula no enunciado. Como ϕ é definida por produtos e composições de
funções holomorfas em Ω e , também é holomorfa em Ω e . Como ϕ(z0 ) = 0 e
h(z0 )

ϕ (z0 ) = e m 6= 0 , do Teorema da Função Inversa precedente, existe uma
vizinhança Ve de z0 sem zerosde ϕ′ e esta função é uma bijecção de Ve sobre
o conjunto aberto W f = ϕ Ve . Como W f é aberto e ϕ(z0 ) ∈ W f , existe um
cı́rculo aberto com centro na origem e raio r > 0 tal que Br (0) ⊂ W f . Como
ϕ é contı́nua em Ve , as preimagens por ϕ de conjuntos abertos são conjuntos
abertos, o que conclui a prova com V = ϕ−1 [Br (0)] . Q.E.D.
6.4 Estrutura local de funções holomorfas 97

Como a potên ia de expoente m ∈ N é uma função de m para 1 em


qualquer ír ulo aberto Bρ (0)\{0} sem o entro sobre Bρ (0)\{0} , do m

resultado pre edente, uma função f holomorfa e não onstante numa re-
gião é, numa vizinhança V de ada ponto z0 da região, uma função de m
para 1 em V \ {z0 } sobre Br (w0)\{w0 } , em que w0 , m, r são omo no enun-
m

iado do resultado pre edente (Figura 6.1). Se m > 1 , diz-se que z0 é um


ponto de ramificação102 da função f de ordem m .

Figura 6.1: Vizinhança de ponto de ramificação de ordem m = 3


(exemplo com z0 = 1 , z0 = 0 , ϕ(z) = ln z , f (z) = (ln z)3 )
Em onsequên ia dos resultados anteriores, obtém-se o resultado seguinte
que impli a que a não anulação da derivada de funções holomorfas é ne es-
sária e su iente para inje tividade lo al, em ontraste om funções reais.
(6.11) Se f é uma função holomorfa e injectiva num
 conjunto aberto
′ −1
Ω ⊂ C , então f não se anula em Ω e f ∈ H f (Ω) .

Dem. Se z0 ∈ Ω e f é injectiva em Ω , f não é constante em qualquer vizi-


nhança de z0 , pelo que a fórmula no enunciado de (6.9) dá a sua estrutura
local, e f só é injectiva se nessa fórmula é m = 1 , e, portanto, f ′ (z0 ) 6= 0 para
todo z0 ∈ Ω . Do Teorema da Função Inversa (6.8), f −1 é holomorfa numa
vizinhança de cada ponto de Ω , pelo que f −1 ∈ H f (Ω) . Q.E.D.

(6.12) Teorema da Aplicação Aberta:


Funções holomorfas não constantes(se f é constante em Ω , f (Ω) é um
ponto) em subconjuntos de C transformam conjuntos abertos em conjun-
tos abertos e regiões em regiões.

Dem. De (6.9), se Ω é aberto, para cada z0 ∈ Ω existe um cı́rculo aberto


Br f (z0 ) ⊂ f (Ω) , pelo que f (Ω) é aberto. Como f é contı́nua em Ω ,
se este é conexo, também f (Ω) é, pois se A, B são abertos disjuntos tais
que f (Ω) = A ∪ B, é Ω = f −1 (A) ∪ f −1 (B) , em que estas preimagens dos
conjuntos abertos A, B são conjuntos abertos porque f é contı́nua e Ω é
aberto. Como Ω é conexo, uma destas preimagens tem de ser Ω , pelo que
também um dos conjuntos A, B tem de ser Ω , e f (Ω) é conexo. Q.E.D.
102
Em inglês diz-se branching point.
98 Unificação de holomorfia, teorema de Cauchy e analiticidade

Uma onsequên ia imediata dos dois últimos resultados é: uma função


holomorfa e injectiva num conjunto aberto é um homeomorfismo103 (i.e.
uma bijecção contı́nua com inversa contı́nua) deste conjunto na sua imagem.
Com o Teorema da Apli ação Aberta (6.12) tem-se uma prova alternativa
do Prin ípio de Módulo Máximo para funções analíti as (5.19) lara e urta,
pois se f é uma função holomorfa não onstante num onjunto aberto Ω ⊂ C
e a ∈ Ω , deste teorema, f (Ω) é um onjunto aberto que ontém um ír ulo
entrado em f (a) , e, portanto, pontos om valores absolutos > |f (a)| , pelo
que |f | não pode ter máximos lo ais em Ω a não ser que seja onstante.
Esta prova mostra que o Prin ípio de Módulo Máximo é onsequên ia de
propriedades topológi as de funções analíti as.
Outro aspe to da estrutura lo al de funções holomorfas é a ontagem de
zeros ou de pontos em que a função tem um valor w0 ( ontando multipli i-
dades) num ír ulo. O resultado seguinte dá uma fórmula para ontar estes
pontos pela integração de uma função apropriada sobre um aminho que
per orre a ir unferên ia fronteira do ír ulo. Antes de enun iar e provar o
resultado onvém entender porque se espera uma fórmula deste tipo.
Os pontos em que uma função f assume um valor w0 são os zeros de
f −w0 . O resultado seguinte estabele e que o no de zeros de uma função f
holomorfa num ír ulo
R fe hado de entro num ponto a uja fronteira não tem
zeros de f é i2π1 γff , em que γ é um aminho regular simples que per orre

a ir unferên ia fronteira do ír ulo no sentido positivo. A função w = f (z)


transforma γ num aminho regular fe hado Γ = f ◦γ e, da regra de derivação
da função omposta
Z
e mudança
Z
de variáveis
Z
de integração,
Z
f ′ (z) (f ′ ◦γ) γ ′ (f ◦γ)′ 1
f (z) dz = f ◦γ = f ◦γ = w dw ,
γ I I Γ
em que I é o domínio do aminho γ . O último integral é, por denição,
(i2π) IndΓ (0) , pelo que é o no de voltas N que Γ dá em torno da origem
quando o γ dá uma volta sobre a ir unferên ia. Supondo que os zeros de f
no ír ulo delimitado por γ ∗ são simples e não há mais de um zero no mesmo
raio do ír ulo, enquanto o raio da ir unferên ia passa uma vez por ada
ponto do ír ulo no domínio durante uma volta em torno do entro, a sua
imagem passa N vezes por 0 no ontradomínio (Figura104 6.2). Se os zeros
são simples, há N pontos no ír ulo onsiderado em que f é zero, pelo que
a fórmula onta os zeros de f . Se os zeros de f não são todos simples ou há
mais de um zero num mesmo raio do ír ulo, da estrutura lo al das funções
holomorfas em (6.9), também se obtém que a fórmula onta os zeros de f de
a ordo om as resp. ordens (Figura 6.2).
103
Os homeomorfismos também são chamados transformações topológicas.
104
A função considerada nesta figura é z 7→ (z − z1 )(z − z2 ) , com zeros z1 , z2 que são os dois
pontos marcados no domı́nio com os cı́rculos maiores a cheio. Cada ponto na componente conexa
de C \ Γ∗ que contém a origem é assumido em pares de pontos distintos do cı́rculo delimitado
pela circunferência traçada no domı́nio, com excepção de f (a) que é assumido apenas no ponto
a . Cada ponto na outra componente conexa limitada de C\Γ∗ é assumido num único ponto do
cı́rculo considerado no domı́nio.
6.4 Estrutura local de funções holomorfas 99

Figura 6.2: Correspondência local entre valores de z e f (z) e contagem


de zeros e do número de pontos em que f assume um mesmo valor
Se Γ não passa em f (a) , existe um ír ulo no ontradomínio de f om
entro em f (a) numa omponente onexa de C\Γ e todos pontos deste ír ulo
são varridos o mesmo no de vezes pela imagem do raio da ir unferên ia
onsiderada no domínio durante uma volta. Portanto, o no de pontos no
ír ulo do domínio que têm omo valor um ponto do ír ulo no ontradomínio
é o mesmo do no de pontos no ír ulo do domínio em que f assume o valor
f (a) , ontando as resp. ordens omo zeros de f − f (a) , de a ordo om a
estrutura lo al das funções holomorfas em (6.9).
(6.13) Se Ω ⊂ C é um conjunto aberto, γ é um caminho fe-
chado regular simples que percorre no sentido positivo a circunferência
que delimita um cı́rculo Br (a) ⊂ Ω , f ∈ H(Ω) não é constante e
w0 ∈ C \ f (γ ∗ ) , o no de pontos em Br (a) em que f assume w0 , con-
tando multiplicidades de acordo com asZ ordens dos zeros de f − w0 , é
 1 f ′ (z)
Nw0 f ; Br (a) = i2π f (z)−w0 dz .
γ

Dem. Os pontos em quef assume w0 são os zeros def−w0 . Como (f−w0 )′= f ′,
basta provar para w0 = 0 , o que corresponde a contar o no de zeros de f
em Br (a) . Como os zeros de uma função holomorfa não constante são
pontos isolados e Br (a) é compacto, o no de zeros de f em Br (a) é fi-
nito. Como, por hipótese, f não tem zeros em γ ∗ , os zeros em Br (a) e
em Br (a) são os mesmos. Portanto, pode-se designar os zeros de f em
Br (a) , sem repetições,
 P por z1 , . . . , zk , e as resp. ordens por m1 , . . . , mk , e
Nw0 f ; Br (a) = kj=1 mj . As funções holomorfas são analı́ticas, pelo que
para cada zero z0 de f de ordem m0 , o desenvolvimento de f em série de
potências centrada em z0 dá f (z) = (z − z0 )m g0 (z) , em que g0 ∈ H(Ω) e
g0 (z0 ) 6= 0 . Aplicando sucessivamente esta ideia para todos os zeros de f
em Br (a) , obtém-se f (z) = (z −z1 )m1 · · · (z −zk )mk g(z) , em que g ∈ H(Ω) e
g(z) 6= 0 para todos z ∈ Br (a) . Portanto, verifica-se
f ′ (z) m1 mk g ′ (z)
f (z) = z−z1 + · · · + z−zk + g(z) , z ∈ Br (a) .
100 Unificação de holomorfia, teorema de Cauchy e analiticidade

Com γ : [0, 2π] → Ω tal que γ(θ) = a+reiθ , o Teorema de Cauchy em conjuntos
R ′ R ′ P
convexos (4.8) implica γ gg , e γ ff = (i2π) kj=1 mj Indγ (zj ) . Como Br (a)
é uma componente conexa de C\γ ∗ , de (4.9), Indγ é constante em Br (a) , e,
R ′ P 
de (4.10), Indγ (a) = 1 . Logo, γff = i2π kj=1 mj = i2πN0 f ; Br (a) . Q.E.D.
Com este resultado dá-se uma prova do Teorema Fundamental da Ál-
gebra diferente
R (z) das três referidas em (6.6): se P é um polinómio R de grau
n , i2π γ PP (z) dz pode ser arbitrariamente aproximado por i2π γ nz dz = n ,

em que γ é um aminho regular simples que per orre no sentido positivo


a ir unferên ia om entro na origem e raio r > 0 su ientemente grande.
Como os dois integrais têm valores inteiros, para r > 0 grande, são iguais.
Do resultado pre edente, P tem n zeros em C , ontando multipli idades.
6.5 Analiticidade de séries de funções analı́ticas
Limites de su essões e séries de funções levaram a alargar o onjunto das
funções polinomiais, dando origem ao onjunto das funções analíti as. É
natural indagar se a apli ação do mesmo pro esso a funções analíti as om-
plexas onduz a uma nova extensão ou se, pelo ontrário, ontinua a dar
funções analíti as. O resultado seguinte, estabele ido por K. Weierstrass em
1841 nos seus Cadernos de Munique, publi ados só em 1894, mostra que
se veri a este último aso quando a onvergên ia é uniforme em sub on-
juntos ompa tos do domínio da função denida pelo limite, propriedade já
veri ada para as representações de funções analíti as em séries.
(6.14) Teorema de Weierstrass para sucessões de funções:
Se Ω ⊂ C é um conjunto aberto e {fn } é uma sucessão de funções com
fn analı́tica num conjunto aberto Ωn ⊂ C e fn → f uniformemente em
subconjuntos compactos de Ω , então f é analı́tica em Ω e (fn )(k) → f (k)
uniformemente em subconjuntos compactos de Ω , para todo k ∈ N.

Dem. Como cı́rculos fechados contidos em Ω são compactos, a sucessão é


uniformemente convergente nesses cı́rculos. Como as funções fn são con-
tı́nuas nesses cı́rculos, f também é contı́nua neles; logo, é contı́nua em Ω .
Seja ∆ ⊂ Ω um triângulo fechado. Como Ω é aberto, existe um triângulo
fechado ∆e ⊂ Ω com ∆ no interior. Como ∆ e é compacto, {fn } converge uni-
R R
e
formemente em ∆ , pelo que ∂∆ fn → ∂∆ f . Do Teorema de Goursat (4.6),
Z Z
f (z) dz = lim fn (z) dz = 0 .
∂∆ n→+∞ ∂∆
Do Teorema de Morera (6.3), f ∈ H(Ω) . Se K ⊂ Ω é compacto, existe r > 0
tal que U = ∪z∈K Br (z) é um subconjunto compacto de Ω . Da estimativa de
Cauchy para a derivada de f −fn em (5.13),
|fn′ (z)−f ′ (z)| ≤ 1r max |f −fn | , z ∈ K ,
U
Como fn → f uniformemente no conjunto compacto U , (fn )′ → f ′ unifor-
memente em K, o que prova o resultado para k = 1 . Para k > 1 resulta de
aplicações sucessivas a derivadas de ordens sucessivas. Q.E.D.
6.5 Analiticidade de séries de funções analı́ticas 101

Segue-se o resultado análogo para séries que estabele e que somas de


séries de funções omplexas analíti as uniformemente onvergentes em on-
juntos ompa tos são analíti as e as suas derivadas podem ser obtidas por
derivação termo a termo que dá séries também uniformemente onvergentes
em onjuntos ompa tos, em ontraste radi al om funções reais, para as
quais séries de funções indenidamente diferen iáveis até podem onvergir
para funções não diferen iáveis em qualquer ponto105 .
(6.15) Teorema de Weierstrass para séries de funções:
Se Ω ⊂ C é um conjunto aberto e uma série de funções fn ∈ H(Ω) con-
verge uniformemente
P∞ em subconjuntos compactos de Ω para P∞uma função
f (z) = n=0 fn (z) , então f é analı́tica em Ω e f (z) = n=0 (fn )(k) (z)
(k)

para todo z ∈ Ω e k ∈ N , em que esta série também converge uniforme-


mente em subconjuntos compactos de Ω , para cada k ∈ N .

Dem. É consequência imediata do resultado precedente, aplicado à sucessão


das somas parciais da série, com Ωn = Ω . Q.E.D.
Veri ar que uma su essão {fn } de funções analíti as onverge unifor-
memente num onjunto ompa to K pode ser fa ilitado pelo Prin ípio do
Módulo Máximo (5.19), pois omo |fn −f | assume o máximo em K na fron-
teira, basta veri ar a onvergên ia uniforme na fronteira.
A noção de onvergên ia uniforme é espe ialmente útil porque várias
propriedades dos termos de su essões uniformemente onvergentes em sub-
onjuntos ompa tos de um onjunto Ω ⊂ C passam para o limite da su essão,
o que, em geral, não a onte e om onvergên ia simples. Já se observou que
assim é om ontinuidade em (5.1), analiti idade em (6.14) e derivação de
ordem arbitrária em (6.14). Os resultados seguintes106 estabele em que ine-
xistên ia de zeros de funções analíti as num onjunto Ω ⊂ C , inje tividade
de funções analíti as, e in lusão de ontradomínios de funções analíti as num
mesmo onjunto se a função limite não for onstante também são proprie-
dades que passam para os limites de su essões uniformemente onvergentes
em sub onjuntos ompa tos de um onjunto Ω ⊂ C .
(6.16) Teorema de Hurwitz: Se Ω ⊂ C é um conjunto aberto, {fn } é
uma sucessão de funções analı́ticas em Ω tal que fn → f uniformemente
em subconjuntos compactos de Ω , as funções fn não têm zeros em Ω e
f não é identicamente zero em Ω , então f não tem zeros em Ω .

Dem. Do teorema (6.14), f é analı́tica em Ω . Se não é identicamente zero


em Ω , de (5.13), os seus zeros, caso existam, são isolados. Logo, para cada
a ∈ Ω existe r > 0 tal que f 6= 0 em Br (a)\{a} ⊂ Ω . Em particular, a função
105
O 1o exemplo foi dado por K. Weierstrass em 1872.
106
Obtidos em 1889 por A. Hurwitz.
102 Unificação de holomorfia, analiticidade, teorema de Cauchy

contı́nua |f | tem um mı́nimo m > 0 no conjunto compacto ∂Br (a) , pelo que
para n ∈ N suficientemente grande é
1 1 |fn −f | |fn −f |
|fn −f | > m |fn | > |f |− m m − =
2 , 2 ≥ 2 , fn f |fn ||f | < m2 /2 .
Como fn → f uniformemente em ∂Br (a) , tem-se f1n → f1 uniformemente em
′ ′
∂Br(a) . De
1 ′
 (6.14), também (fn ) → f uniformemente
1 ′
R em ∂Br (a) R . Logo,
fn → f uniformemente em ∂B r (a) , e, de (5.1), f
∂Br (a) n → ∂Br (a) f .
De (6.13), como as funções Rfn não têm zeros em Br (a) , têm integrais em
∂Br (a) nulos, e, portanto, ∂Br (a) f = 0 . De (6.13), f não tem zeros em
Br (a) . Como a ∈ Ω é arbitrário, f não tem zeros em Ω . Q.E.D.
O resultado seguinte é onsequên ia imediata deste teorema.
(6.17) Teorema de Injecção de Hurwitz:
Se {fn } é uma sucessão de funções analı́ticas num conjunto aberto Ω ⊂ C
e fn → f uniformemente em subconjuntos compactos de Ω :
1. Se as funções fn são injectivas em Ω , f é injectiva em Ω .
2. Se fn (Ω) ⊂ S ⊂ Ω e f não é constante em Ω , então f (Ω) ⊂ S.

Dem. 1. Seja a ∈ Ω . Da injectividade de fn , a função fn−fn(a) não tem zeros


em Ω\{a}. Esta função é analı́tica em Ω e fn−fn (a) → f−f (a) uniformemente
em subconjuntos compactos de Ω , pelo que, do teorema precedente, f−f (a)
não tem zeros em Ω , e f é injectiva em Ω .
2. Seja b ∈ C \ S . As funções fn − b são analı́ticas em Ω e fn − b → f − b
uniformemente em subconjuntos compactos de Ω . Como as funções fn −b
não têm zeros em Ω , e f −b não é identicamente zero em Ω , pois f não é
constante, o teorema precedente implica que f −b não tem zeros em Ω e f
não assume o valor b em Ω . Logo, f (Ω) ⊂ S . Q.E.D.

Exercı́cios
z
6.1 Determine o maior ír ulo em que o prolongamento por ontinuidade de sin z tem
desenvolvimento em série de potên ias entrada na origem.

6.2 Determine o maior ír ulo entrado na origem em que a função dada é inje tiva:
2 z
a) z +z b) e .

6.3 Prove as propriedades de funções inteiras seguintes:


a) Se os valores de f ∈ H(C) estão no semiplano complexo esquerdo, f é constante.
b) Se f ∈ H(C) e lim |f (z)| = ∞ , f tem pelo menos um zero.
|z|→+∞
z
6.4 Prove: Toda função inteira com perı́odos z, w ∈ C\{0} com w / R é constante.

6.5 Prove: Se uma função é contı́nua no cı́rculo aberto Br (a) e holomorfa nos semi-
cı́rculos {z ∈ Br (a) : Im z > 0} e {z ∈ Br (a) : Im z < 0}, é holomorfa em Br (a).

Prove: Se f ∈ H Br (a) , |f | ≤ M em Br (a) e |f (a)| = b > 0 , o n de zeros de f em
o
6.6
Bρ (a) , com 0 < ρ < r, contando multiplicidades
 de acordo com a ordem dos zeros
da função analı́tica f , é ≤ ln M
b
/ ln r
ρ
−1 .
(Sugestão: Se z1 , . . . , zn designam os zeros de fQem Bρ (a) , 
repetidos de a ordo om as
−1
resp. ordens omo zeros de f , dena g(z) = f (z) n
k=1 1− z
z
e note que g(0) = f (0)).
k
Exercı́cios do capı́tulo 6 103

6.7 Prove as propriedades seguintes:


a) Se as fronteiras de duas regiões disjuntas Ω1 , Ω2 ⊂ C têm em comum um segmento
de recta ou um arco de circunferência L, fk ∈ H(Ωk ) e fk é contı́nua em L, para
k = 1, 2, e f1 = f2 em L, então a função f = fk em Ωk ∪L, para k = 1, 2, é holomorfa
em Ω1 ∪ Ω2 ∪L. (Sugestão: Use o Teorema de Morera.)
b) Se Ω1 ⊂ C é uma região com fronteira que contém um segmento de recta ou
uma recta γ ∗ , Ω2 é a região simétrica de Ω1 em relação à recta R que contém γ ∗
e f ∈ H(Ω1 ) é prolongável por continuidade a Ω1 ∪ γ ∗ , então a função fe obtida
por prolongamento de f a Ω1 ∪ γ ∗ ∪ Ω1 por simetria em relação à recta R e por
continuidade a γ ∗ é holomorfa em Ω1 ∪γ ∗ ∪Ω1 .
6.8 Prove: Se Ω ⊂ C é uma região cuja fronteira numa vizinhança de um dos seus pontos
é um arco de curva regular simples γ ∗ e f ∈ H(Ω) é prolongável por continuidade a
γ ∗ anulando-se neste arco, então f = 0 em Ω .
107 ∗
6.9 Prove o Princı́pio de Simetria ou Reflexão: Sejam Ω1 , Ω1 ⊂ C regiões cujas
fronteiras contêm segmentos de recta ou arcos de circunferência, resp., L, L∗, e
Ω2 , Ω∗2 ⊂ C regiões simétricas e disjuntas de, resp., Ω1 , Ω∗1 . Se f é uma transforma-
ção conforme de Ω1 sobre Ω∗1 e f (L) = L∗, pode ser prolongada a uma transformação
conforme de Ω1 ∪ L ∪ Ω2 sobre Ω∗1 ∪L∗ ∪ Ω∗2 . (Sugestão: Aplique ex. 6.7).
6.10 Prove o seguinte resultado de prolongamento analı́tico devido a H. S hwarz:
Se Ω ⊂ C é uma região cuja fronteira contém um arco analı́tico108 γ ∗, toda trans-
formação conforme f de Ω sobre um cı́rculo aberto Br (0) tem um prolongamento
analı́tico através de γ ∗. (Sugestão: Aplique o exer í io pre edente).
6.11 Prove: Seja Ω ⊂ C limitado e f ∈ H(Ω) contı́nua em Ω . Se a ∈ Ω e |f (z)−f (a)| ≥ d > 0

para z ∈ ∂Ω , então f (Ω) ⊃ Bd f (a) .
 
6.12 Seja F = f ∈ H B1 (0) : f ′ (0) = 1 .
109
a) Prove o Teorema de Bloch
  Se f ∈ F,
 existe a ∈ B1 (0) tal que √
f B1 (0) ⊃ f Bρa (a) ⊃ Bβ f (a) , om ρa = 1−2|a| , β = 23 − 2 .
(Sugestão: Designe por a ∈ B1 (0) um ponto de máximo de |f ′ (z)|(1−|z|) em B1 (0) . Ob-
serve que |f ′ | ≤ 2|f ′ (a)| em Bρa (a) . Estime o resto da fórmula de Taylor de 1a ordem
2
de f em a om base na Fórmula de Cau hy e prove que, om K(ρ) = ρ − ρaρ−ρ , se tem
|f (z)−f (a)| ≥ K(ρ) |f ′ (a)| para |z −a| = ρ < ρa . Aplique o exer í io anterior).
 
b) Prove: Nas condições de a), f é injectiva em Bρa /3 (a) e f Bρa /3 (a) ⊃ B1/72 f (a) .
(Sugestão: Estime om base na Fórmula de Cau hy e aplique o exer í io 5.12).
) Chama-se constante de Bloch110 a B = inf{β(f ) : f ∈ F }, em que
β(f ) = sup{r : ∃ um ír ulo aberto C ⊂ B1 (0) em que f é inje tiva
tal quef (C) ontém um ír ulo aberto de raio r}.
107
O Princı́pio de Simetria foi mencionado pela 1a vez em 1851 por B. Riemann na sua tese de
doutoramento e foi provado em 1869-1870 por H. Schwarz, que também explorou consequências.
108
Um arco analı́tico ou uma curva analı́tica é a imagem de um caminho função analı́tica de
variável real, i.e. representável por séries de potências em vizinhanças
√ de cada ponto do domı́nio.
109
André Bloch (1893-1948) provou o resultado (com β = 23 2 − 2 ≈ 0,12) em 1924. Em 1926
1 1
√ √
Edmund Landau (1877-1938) simplificou a prova, mas com β = 16 < 12 < 32 − 2 < 32 2−2 . A prova
sugerida neste exercı́cio foi proposta em 1971 por Theodor Estermann (1902-1991). A. Hurwitz foi
quem 1o provou, em 1904, um resultado do tipo do Teorema  de Bloch: se f ∈ H B1 (0) , f (0) = 0 ,
1
f ′ (0) = 1 e f (z) 6= 0 para todo z 6= 0 , então f B1 (0) ⊃ Br (0) , para r = 58 ; C. Carathéodory
1
mostrou em 1907 que neste caso r = 16 é o raio óptimo. Em 1938 L. Ahlfors obteve o resultado

com β = 14 3 ≈ 0,43 , mais do triplo do obtido por A. Bloch (ver capı́tulo 11).
110
A constante de Bloch foi introduzida por E.Landau em 1929, que provou a estimativa indicada.
Em 1937 L. Ahlfors e Helmut Grunsky (1904-1986) provaram  
√ q√ 1 11
3−1 Γ 3 Γ 12
0,43 ≈ 43 ≤ B ≤ 2 1
≈ 0,47 .
Γ 4
e conjecturaram que a estimativa superior é o valor de B, o que não está
√ estabelecido. Em 1990
Mario Bonk simplificou a prova de L. Ahlfors
√ e H. Grunsky e obteve 43 +10−14 ≤ B, e em 1996
Huaihui Chen e Paul Gauthier provaram 43 +2×10−4 ≤ B .
104 Unificação de holomorfia, analiticidade, teorema de Cauchy

1
Prove: A constante de Bloch B satisfaz 72
≤ B ≤ 1.
111
d) Chama-se constante de Landau a L = inf{λ(f ) : f ∈ F }, em que

λ(f ) = sup{r : f B1 (0) ontém um ír ulo aberto de raio r }.
Prove: As constantes de Bloch e de Landau satisfazem B ≤ L ≤ 1 .

e) Prove: Se f ∈ F , f B1 (0) contém um cı́rculo aberto com raio L .

f ) Prove: Se Ω ⊂ C é uma região, f ∈ H(Ω) e f ′ (c) 6= 0 para algum c ∈ Ω , então para


cada ε > 0 f (Ω) contém um cı́rculo de raio d(c, ∂Ω) |f ′ (c)|/(L−ε) , em que d(c, ∂Ω)
é a distância de c a ∂Ω .
112
g) Prove : Contradomı́nios de funções inteiras não constantes contêm cı́rculos de
raios arbitrariamente grandes.
dw
6.13 Prove: A equação diferencial dz = P (w, z) , com P função polinomial de duas
variáveis complexas tem uma única solução holomorfa numa vizinhança de a ∈ C .

Exercı́cios sobre localização de zeros de polinómios


n Pn−1 k
6.14 Prove: Um polinómio z +
Pn−1 n=0 ak x , com ak ≤ 0 para k = 0, 1, . . . , n−1 e
n=0 ak < 0 tem um e só um zero positivo.
n
Pn−1 k
6.15 Prove: Se z0 é um zero de um polinómio z + n=0 ak x , então |z0 | ≤ p, em que p
P n−1
é o único zero positivo do polinómio z n − n=0 ak xk .
n Pn−1 k
6.16 Prove: Se a0 6= 0 , nenhum zero do polinómio z + n=0 ak x tem valor absoluto
n Pn−1
menor do que o único zero positivo do polinómio z + k=0 |ak |xk .
P
6.17 Prove: Se a0 > a1 > · · · > an > 0 , o polinómio n k
k=0 ak x não tem zeros em B1 (0) .
Pn k
6.18 Prove: Se ak > 0 para k = 0, 1, . . . , n−1, os zeros do polinómio k=0 ak x pertencem
 ak
à coroa circular min R ≤ |z| ≤ max R, em que R = ak+1 : k = 0, . . . , n−1 .
6.19 Mostre que os zeros da equação z 4 +z 3 +4z 2 +2z +3 = 0 perten em ao semiplano
omplexo esquerdo. (Sugestão: Mostre que não há zeros no 1o quadrante onsiderando
um aminho fe hado que per orre a fronteira de um quarto de ír ulo no 1o quadrante
om entro na origem e raio su ientemente grande).
P
6.20 Prove: Se todos zeros do polinómio n k
k=0 ak x pertencem ao semiplano complexo
esquerdo, todos coeficientes ak , k = 0, 1, . . . , n , são 6= 0 e têm o mesmo sinal.
6.21 Diz-se que uma m-pla ordenada de polinómios reais (P1 , . . . , Pm ) é uma cadeia
de Sturm113 se em ada zero de Pk os polinómios adja entes Pk−1 e Pk+1 têm
valores 6= 0 de sinais ontrários e Pm não tem zeros. Chama-se cadeia de Sturm
generalizada a uma m-pla ordenada de polinómios reais obtidos de uma adeia
de Sturm multipli ando ada elemento por um mesmo polinómio real.

a) Prove: Se P, Q são polinómios reais com o grau de P maior ou igual ao de Q,


então a m-pla ordenada (P1 , . . . , Pm ) , com P1 = P , P2 = Q e cada um dos outros
elementos Pk igual ao resto da divisão polinomial dos dois elementos anteriores
(resto da divisão de Pk−2 por Pk−1 ) é uma cadeia de Sturm generalizada.
b) Chama-se ı́ndice de Cauchy de uma função ra ional real R à diferença I(R)
entre o número de saltos de −∞ para +∞ nos valores de R(x) quando x res e de
′
−∞ para +∞ . Prove: O no de zeros reais distintos de um polinómio real P é I PP .
) Dada uma adeia de Sturm generalizada P = (P1 , . . . , Pm ) , designa-se por ∆S(P )
111
A constante de Landau foi introduzida por E. Landau em 1929, quando também obteve a
estimativa indicada e provou o resultado em e). Em 1943 Hans Rademacher (1892-1969) provou
0,5 < L ≤ Γ(1/3) Γ(5/6)
Γ(1/6)
≈ 0, 543 e conjecturou que a estimativa superior é o valor de L , o que não
está estabelecido.
112
O Pequeno Teorema de Picard (capı́tulo 11) estabelece o resultado mais forte de funções
inteiras não constantes não poderem omitir mais de um ponto de C .
113
Sturm, Jacques (1803-1855).
Exercı́cios do capı́tulo 6 105

o 
a diferença entre os n s de mudanças de sinal na m-pla ordenada P1 (x), . . . , Pm (x)
quando x → +∞ e quando x → −∞ .
114 P′

Prove : Se (P1 , . . . , Pm ) é uma cadeia de Sturm generalizada, I P
= ∆S(P ) .
d) Considere o polinómio omplexo om oe ientes reais
P (z) = an z n +bn−1 z n−1 +an−2 z n−2 +bn−3 z n−3 + ··· .
Chama-se tabela de Routh a
a0 a1 a2 · · · ··· a n 
2
b0 b1 b2 ··· b  
n− n
2
c0 c1 c2 ···
d0 d1 d2 ···
. . .
. . .
. . .
n n a
em que 2
é o menor inteiro ≥ 2 e os elementos de ada linha a partir da 2 são
obtidos das duas linhas pre edentes subtraindo aos elementos da penúltima linha
anterior os elementos orrespondentes da última linha anterior multipli ados pelo
o a
n tal que a diferença obtida na 1 oluna seja nula, omitindo depois esta diferença
nula om o orrespondente deslizamento de uma posição para a esquerda de todas
as outras diferenças al uladas.
115
Prove o critério de Routh : Todos zeros de um polinómio têm partes reais
negativas se e só se todos elementos na qa coluna da tabela de Routh correspondente
são 6= 0 e do mesmo sinal. (Sugestão: Considere um aminho que per orre o ar o
da ir unferên ia no semiplano omplexo direito om entro na origem e raio R → +∞
e o orrespondente diâmetro ontido no eixo imaginário, mostre que o aumento de um
argumento ontínuo de P (iω) quando iω per orre o eixo imaginário de baixo para ima é
πI(R) , em que I(R) é o índi e de Cau hy de
b0 ω n−1 −b1 ω n−3 +b2 ω n−5 −···
R(ω) = a0 ω n −a1 ω n−2 +a2 ω n−4 −···
,
e al ule I(R) om base na alínea b)).

Exercı́cios com aplicações a análise e processamento de sinais


R
6.22 a) Para f : R → R dene-se a função real fˆ(ω) = R f (t) e−iωt dt , hamada transfor-
116 117
mada de Fourier de f , onsiderando o integral de Lebesgue . Esta função
1
 a denida em R se e só se F é integrável à Lebesgue em R , ou seja f ∈ L (R) . À
ˆ
transformação F[f ] = f hama-se transformação de Fourier
118
. É uma transfor-
1
mação linear de L (R) no espaço das funções reais denidas em R e pode-se provar
que pode ser invertida em ondições muito gerais, por exemplo: Se f, fb ∈ L (R)
1
R
1
e g(t) = 2π R
fb(ω) e dω, para t ∈ R, então g está definida e é contı́nua em R,
iωt

g(t) → 0 quando t → ±∞ e f = g q.t.p.119 em R . Uma onsequên ia imediata é:


A transformação de Fourier é injectiva como função definida em120 L1 (R) .
114
Este resultado é o caso particular do Teorema de Sturm sobre o no de zeros de um polinómio
real num intervalo J, em que J = R , estabelecido em 1829 por J. Sturm.
115
O critério de Routh foi publicado em 1887 por Edward Routh (1831-1907).
116
A transformação de Fourier foi introduzida por J. Fourier, em associação com a introdução
de séries de Fourier, numa comunicação sobre a propagação de calor à Academia das Ciências de
Paris em 1807, só publicada em 1822 depois de grande controvérsia pela surpresa da afirmação
da possibilidade de representação de uma ampla classe de funções por funções trigonométricas.
Contudo, a transformação de Fourier só foi tornada rigorosa com trabalhos de vários matemáticos
no final do séc. XIX e no inı́cio do séc. XX, inclusivamente com a adopção do integral de Lebesgue
por H. Lebesgue em 1902. O desenvolvimento da análise de Fourier originou a Análise Harmónica.
117
ver apêndice III.
118
Encontram-se boas introduções à transformação de Fourier nos livros de W. Rudin, Real and
Complex Analysis e de E. Stein e R. Shakarchi Complex Analysis, indicados na bibliografia final.
Stein, Elias (1931-1918). Shakarchi, Rami.
119
q.t.p. significa “quase em toda a parte”, i.e. a menos de um conjunto de medida nula.
120
Pressupõe identificar em L1 (R) funções iguais q.t.p., ou seja tomar como elementos de L1 (R)
as classes de equivalência das funções integráveis em R com a igualdade q.t.p.
106 Unificação de holomorfia, analiticidade, teorema de Cauchy

Figura 6.3: Decomposição espectral de um impulso unitário de largura 2∆


A transformação de Fourier é muito útil no estudo e resolução de equações dife-
ren iais, na análise e ontrolo de sistemas, na análise e pro essamento de sinais.
Neste ontexto é usual hamar à transformada de Fourier de uma função decom-
posição na frequência ou decomposição espectral de f. Representa-se esta
de omposição gra amente em função da frequên ia pelos grá os do módulo e de
um argumento (ou, na linguagem de análise de sinais, de amplitude e fase) da
transformada de Fourier (Figura 6.3).

b) Prove: Se f ∈ L1 (R) e existemRM, a > 0 tais que |f (t)| ≤ M e−a|t| para t ∈ R ,


a transformada de Fourier fˆ(ω) = R f (t) e−iωt dt definida como função de variável
complexa é holomorfa na faixa horizontal do plano complexo {z ∈ C : |Im z| < a}.

Figura 6.4: Circuito eléctrico


6.23 Considere o ir uito da Figura 6.4 e re orde os exer í ios 1.17 e 6.22.

a) Supondo que existem, mostre que as transformadas de Fourier das tensões de


 −1
v̂0 e v̂i , estão rela ionadas por v̂0 = 2 1+i 3RC
saída e entrada, resp. 2
ω v̂i (ω)
v̂0
e observe que o módulo e o argumento de v̂ têm as representações grá as na
i
Figura 6.5. Em parti ular, as omponentes espe trais de alta frequên ia do sinal
de entrada são mais atenuadas do que as de baixa frequên ia, pelo que se diz que
este ir uito é um filtro passa-baixo.

v̂0
Figura 6.5: Módulo e argumento de v̂i
para o circuito da Figura 6.4
b) Chama-se largura de banda de um ltro passa-baixo à frequên ia FB = ω2πB
121
em que o sinal é atenuado a −3dB do seu valor em ω = 0 . Mostre que para o
2
ir uito onsiderado ωB é aproximadamente 3RC . Cal ule o valor de RC de modo
ao ltro ter largura de banda de 100 Hz.

121
dB designa decibéis. É uma medida logarı́tmica de amplitude de sinais que foi introduzida
em acústica para quantificar a intensidade sonora: um sinal de amplitude A tem 20 log10 A dB.
Capı́tulo 7

Teorema e fórmula de Cauchy


globais

7.1 Introdução
O Teorema de Cau hy Global é des rito neste apítulo em termos de homo-
logia de i los, denida om a noção de Índi e de um aminho fe hado em
relação a um ponto, segundo uma ideia de E.Artin de 1951 que orresponde
a estender o Teorema de Cau hy a um sistema de aminhos fe hados ( i los)
om soma zero de índi es em relação a ada ponto exterior a um onjunto
onde a função é holomorfa (i.e. homólogo a zero). A prova aqui dada do
Teorema e Fórmula de Cau hy globais deve-se a J.D. Dixon122 em 1971.
O aso de onjuntos simplesmente onexos foi onsiderado por A.-L.Cau-
hy em 1825 para funções om derivada ontínua e por E. Goursat em 1900
sem exigir ontinuidade da derivada. O aso de onjuntos multiplamente
onexos é onsiderado no nal do apítulo om a noção de one tividade de
onjuntos introduzida para superfí ies por B. Riemann em 1857.
As noções de adeia, i lo e homologia devem-se a H. Poin aré em 1895-
1904, quando ontribuiu de isivamente para ini iar a Topologia Algébri a ao
estudar propriedades topológi as de superfí ies om métodos algébri os.
Na parte nal do apítulo in luem-se extensões do Prin ípio de Módulo
Máximo para funções holomorfas em regiões ilimitadas, in lusivamente om
res imento moderado no innito, obtidas om o Prin ípio de Phragmén-
Lindelöf estabele ido por L. Phragmén e E. Lindelöf em 1908.
O apítulo termina om uma se ção sobre ordem e tipo de funções in-
teiras. Além de propriedades gerais destes on eitos sobre res imento no
innito de funções inteiras in lui-se uma prova da Conje tura de Denjoy, de
A.Denjoy em 1907, armando que o no de valores assimptóti os de uma fun-
122
Ver E. Artin, Collected Papers, Addison-Wesley Publishing Co., 1965. E. Artin resolveu em
1927 o 17o Problema de Hilbert, sobre funções reais polinomiais semidefinidas positivas em n
variáveis reais serem uma soma de quadrados de funções racionais; D. Hilbert tinha provado a
existência de tais funções polinomiais que não são a soma de quadrados de polinómios, mas o 1o
exemplo explı́cito só foi dado em 1967 por Theodore Motzkin (1908-1970): z 6+x4 y 2+x2 y 4−3x2 y 2 z 2 .
Dixon, John D. (1937-).
108 Teorema e fórmula de Cauchy globais

ção inteira sobre urvas que tendem para ∞ é majorado pelo dobro da ordem
da função. Esta onje tura permane eu em aberto 21 anos, resistindo às in-
ursões de vários matemáti os experientes. O úni o progresso notável nesse
período foi de T. Carleman em 1921 quando obteve o majorante π4 ≈ 2,5 2

vezes a ordem da função. A Conje tura de Denjoy foi nalmente provada


em 1929 por L. Ahlfors, quando om 21 anos ini iou a preparação para dou-
toramento, surpreendendo o mundo matemáti o e atapultando-o para um
amplo re onhe imento que ini iou um per urso que o levou à Medalha Fields
7 anos depois. Depois da elegante prova de L. Ahlfors, om Transformações
Conformes e o Prin ípio de Phragmén-Lindelöf, T.Carleman obteve em 1933
uma prova elementar que é a que se dá neste apítulo.
7.2 Cadeias e ciclos
No apítulo 4 onsideraram-se simétri os e on atenações de aminhos, o que
exigiu lidar om detalhes sobre os domínios e as relações entre as extremida-
des de aminhos que são in onvenientes e até irrelevantes para integração. É
útil poder on atenar aminhos sem preo upações om aspe tos se undários,
omo a ordem em que são onsiderados e o a erto de extremidades. É por
isso que as noções de adeia e i lo de aminhos são úteis.
Chama-se cadeia em ∅ = 6 Ω ⊂ C a um onjunto nito de aminhos
γ1 , . . . , γn se ionalmente regulares123 em Ω , designado Γ = γ1 + · · · + γn ,
identi ando adeias tais que ada função ontínua na união das urvas
des ritas pelos aminhos que as ompõem têm integrais iguais, R P om oR in-
tegral de uma função f numa cadeia Γ denido por Γ f = nk=1 γ f ,
quando estes integrais existem. Diz-se que a adeia Γ é a soma dos ca- k

minhos γ1 , . . . , γn . O simétrico da cadeia Γ é −Γ = (−γ1 ) + · · · +


(−γn ) , em que −γ é o simétri o do aminho γ . Se os aminhos γ1 , . . . , γn
são fe hados, diz-se que a adeia Γ é um ciclo. Designa-se Γ∗ = ∪nk=1γk∗ .
A soma de cadeias Γ = γ1 + · · · + γn e Σ = σ1 + · · · + σm é a adeia
Γ+Σ = γ1+· · ·+γn+σ1+· · ·+σm e a diferença de cadeias é Γ−Σ = Γ+(−Σ) .
A soma de uma adeia Γ onsigo mesma k ∈ N vezes é designada kΓ. Dene-
se (−k)Γ = −kΓ para k ∈ N , e cadeia nula ou cadeia vazia por 0 = 0Γ = ∅ .
Assim, podem-se onsiderar ombinações lineares nitas de adeias num on-
junto Ω ⊂ C om oe ientes inteiros. Portanto, se f é uma função omplexa
ontínua denida em Ω ⊂ZC, Γ, Σ sãoZ adeias Zem Ω e a, b ∈ Z ,
f = a f +b f.
aΓ+bΣ Γ Σ
As somas e subtra ções de um no nito de adeias em Ω ⊂ C dão adeias em Ω
e a soma é omutativa, asso iativa, tem elemento neutro e ada elemento tem
simétri o, ou seja o conjunto das cadeias em Ω ⊂ C é um grupo comutativo.
Chama-se Índice de umPciclo Γ = γ1 + · · · + γn em relação a um
ponto z ∈ C\Γ∗ a IndΓ (z) = nk=1 Indγ (z) . k
123
Com integrais de Lebesgue basta considerar caminhos rectificáveis.
7.2 Cadeias e ciclos 109

É imediato das denições que se Γ, Σ são i los e a, b ∈ Z ,


IndaΓ+bΣ = a IndΓ + b IndΣ .
Como as omponentes onexas de C\Γ∗ são interse ções das de C\γ1∗ , . . . , C\γ1∗
e, de (4.9), Indγk é onstante em ada omponente onexa limitada de C\γk∗
e é zero na omponente onexa ilimitada deste onjunto, para k = 1, . . . , n ,
também se Γ é um ciclo, IndΓ é constante em cada componente conexa de
C\Γ∗ e é zero na componente conexa ilimitada deste conjunto.
É onveniente ter um método práti o para al ular índi es de i los,
para o que é útil o resultado seguinte que se baseia no Índi e de um aminho
fe hado γ em C aumentar de 1 quando é atravessado da direita para a es-
querda e, omo Indγ = 0 na omponente onexa ilimitada de C\γ ∗ , poder ser
al ulado su essivamente em onjuntos de pontos ao longo de um aminho
τ que omeça na omponente onexa ilimitada de C\γ ∗ e orta transversal-
mente γ interse tando todas omponentes onexas de C\γ ∗ (Figura 7.1).

Figura 7.1: Determinação de Indγ em cada componente conexa de C\γ ∗

(7.1) Se γ é um caminho seccionalmente regular fechado em C ,


a < u < v < b são tais que a circunferência com centro no ponto P a
meio do segmento de recta com extremidades em γ(u) e γ(v) que passa
nestes dois pontos e não intersecta a curva γ ∗ em qualquer outro
 ponto,
o cı́rculo por ela limitado intersecta γ ∗ no conjunto γ [u, v] , e B+ , B−
designam as componentes conexas de B \γ ∗ com P ± iQ ∈ B± , em que
Q = γ(v)−γ(u)
2 , e z ∈ B+ , w ∈ B− , então Indγ z = Indγ w+1 (Figura 7.2).

Dem. Para simplificar notação reparametriza-se


( γ para ser u = 0 e v = π,
C(t) , se t ∈ [0, π]
C(t) = P − Q eit , para t ∈ [0, 2π] , f (t) =
γ(2π−t) , se t ∈ [π, 2π] ,
( (
γ(t) , se t ∈ [0, π] γ(t) , se t ∈ [a, 0]∪[0, π]
g(t) = , h(t) = .
C(t) , se t ∈ [π, 2π] C(t) , se t ∈ [0, π]
Como γ(0) = C(0) e γ(π) = C(π) , os caminhos f, g, h são fechados (Figura
7.2). Seja r = kQk o raio da circunferência considerada no enunciado. Se
110 Teorema e fórmula de Cauchy globais

E ⊂ B e ζ ∈ C ∗ \E , 2P −ζ é o ponto na circunferência C ∗ diametralmente


/ B2r (2P − ζ) . Com E = g∗,
oposto a ζ , e verifica-se E ⊂ B2r (2P − ζ) e ζ ∈
ζ = P − iQ , é Indg (P − iQ) = 0 . Como B− é conexo e B− ∩ g∗ = ∅ , é
Indg (w) = 0 para w ∈ B− . Analogamente, Indf (z) = 0 para z ∈ B+ . Logo, é
Indγ (z) = Indγ (z)+Indf (z) = Indh (z) = Indh (w)
= Indh (w)+Indq (w) = Indγ (w)+IndC (w) = Indγ (w)+1 .
Q.E.D.

Figura 7.2: Ilustração para prova de (7.1), Indγ (z) = Indγ (w)+1
Um ciclo homólogo a zero em Ω ⊂ C é um Γ tal que IndΓ = 0 em
C \ Ω (Figura 7.3 à esquerda). Diz-se que i los Γ e Σ em Ω são ciclos
homólogos em Ω se Γ−Σ é i lo homólogo a zero em Ω , i.e. se IndΓ = IndΣ
em C\Ω (Figura 7.3 à direita). A homologia é uma relação de equivalên ia
no onjunto dos i los em Ω ⊂ C ; às lasses de equivalên ia hama-se classes
de homologia de Ω .

Figura 7.3: Caminhos fechados e ciclos homólogos a zero (γ1 ≈ γ2 ≈ γ3 ≈ 0) e


caminhos fechados e ciclos homólogos (γ1 +γ2 ≈ γ3 , λ1 ≈ λ2 ≈ σ1 + σ2 )
Como o Índi e de um aminho γ em relação a um ponto fora de γ ∗ é a
diferença do no de voltas que o aminho dá em torno desse ponto nos sentidos
positivo e negativo, um i lo é homólogo a zero em Ω se os aminhos fe hados
que o ompõem dão em torno de ada uma das omponentes onexas de C\Ω
tantas voltas no sentido positivo omo negativo (Figura 7.3 à esquerda).
Logo, dois aminhos são homólogos em Ω se ambos têm a mesma diferença
entre o no de voltas que dão no sentido positivo e negativo em torno de ada
uma das omponentes onexas de C\Ω (Figura 7.3 à direita).
A homotopia de pares de aminhos fe hados se ionalmente regulares
om o mesmo par ordenado de pontos ini ial e nal e de aminhos fe hados
num dado onjunto estende-se a, resp., adeias e i los.
7.2 Cadeias e ciclos 111

Γ e Σ são cadeias (ou ciclos) homotópicos em Ω ⊂ C se podem ser


de ompostos em somas nitas de aminhos Ω em orrespondên ia biunívo a
(Figura 7.4). Homotopia é uma relação de equivalên ia no onjunto das
adeias (ou i los) em Ω ⊂ C ; às lasses de equivalên ia de i los hama-se
classes de homotopia de Ω .

Figura 7.4: Caminhos e ciclos homotópicos em Ω (γ1 ∼ γ2 , λ1 ∼ λ2 , σ1 ∼ σ2 )


Há uma relação simples entre homologia e homotopia124 de i los.
(7.2) Ciclos homotópicos em Ω ⊂ C são homólogos em Ω .

Dem. É imediata da definição de homotopia de ciclos e da invariância do


Índice relativo a pontos de C\Ω em cada classe de homotopia de Ω . Q.E.D.

Figura 7.5: Relações de inclusão de classe de homotopia, classe de homologia,


conjunto dos ciclos e conjunto das uniões finitas de caminhos fechados seccional-
mente regulares (ou, com integral de Lebesgue, rectificáveis) em Ω ⊂ C
Há onjuntos Ω ⊂ C om i los homólogos em Ω não homotópi os (e.g. γ1
e γ2 na Figura 7.3) em Ω , pelo que, em geral, a de omposição em lasses de
homotopia é mais na do que a de omposição em lasses homologia, i.e. toda
lasse de homotopia em Ω está ontida numa lasse de homologia em Ω e
toda lasse de homologia em Ω é uma união disjunta de lasses de homotopia
em Ω (Figura 7.5).
124
Não se exploram aqui as consequências das importantes noções de homotopia e homologia
em Topologia Algébrica e de Álgebra Homológica, além da utilização de homologia na prova do
Teorema da Curva de Jordan no apêndice II. O leitor interessado em Topologia Algébrica poderá
consultar textos gerais nessa área como, por exemplo, o excelente texto introdutório de W. Fulton,
Algebraic Topology, A First Course. Springer-Verlag, New York, 1995. Fulton, William (1939-).
112 Teorema e fórmula de Cauchy globais

7.3 Teorema e fórmula de Cauchy globais


A prova do Teorema de Cau hy Global e da orrespondente Fórmula de
Cau hy aqui apresentada é de J. Dixon125 , em 1971.
(7.3) Teorema de Cauchy Global e Fórmula de Cauchy Global:
Sejam Ω ⊂ C um conjunto aberto, Γ, Γ1 , Γ2 ciclos em Ω e f ∈ H(Ω) .
R
1. Se Γ é homólogo a zero em Ω , então Γ f (z) dz = 0 .
1
R f (w)
2. Se Γ é homólogo a zero em Ω , então f (z) IndΓ (z) = i2π dw .
R R Γ w−z
3. Se Γ1 e Γ2 são homólogos em Ω , então Γ2 f (z) dz = Γ1 f (z) dz .

Dem. (2 ⇒ 1) Toma-se a ∈ C \ Γ∗ e define-se F (z) = (z − a) f (z) . Como


F ∈ H(Ω) e F (a) = 0 , de 2, é
Z Z
f (z) dz = Fz−a(z)
dz = i2πF (a) IndΓ (a) = 0 .
Γ Γ
(1 ⇒ 3) Se Γ1 e Γ2 são homólogos em Ω , Γ1 −Γ2 é homólogo a zero em Ω e,
de 1, é
Z Z Z
f (z) dz − f (z) dz = f (z) dz = 0 .
Γ1 Γ2 Γ1 −Γ2
Resta provar 2, para o que são úteis as funções g : Ω × Ω → C, h : Ω → C,
h0 : Ω0 → C , em que Ω0 = {z ∈ C\Γ∗ : IndΓ (z) = 0}, tais que
( Z Z
f (w)−f (z)
, se w 6= z
g(w, z) = w−z , h(z) = i2π g(w, z) dw, h0 (z) = i2π fw−z
1 1 (w)
dw,
f ′ (z) , se w = z Γ Γ

e notar que 2 equivale a h(z) = 0 para z ∈ Ω\Γ∗ . De (6.4), g(w, z) é contı́nua


como função das duas variáveis e holomorfa como função de z para w ∈ Γ∗
fixo e, com o resultado a seguir a esta prova, obtém-se h ∈ H(Ω) . De (5.8),
h0 é analı́tica; logo, holomorfa em Ω0 . Em Ω0 ∩ Ω é h = h0 −i2πf IndΓ = h0 .
Como Ω0 é uma união de componentes conexas do conjunto aberto C \Γ∗
e, portanto, Ω0 é um subconjunto aberto de C , ϕ : Ω ∪ Ω0 → C tal que
ϕ = h em Ω e ϕ0 = h0 em Ω0 é holomorfa em Ω ∪ Ω0 ; como C\Ω0 , ϕ é uma
função inteira. A componente conexa ilimitada de C \Γ∗ está incluı́da em
Ω0 , pelo que lim ϕ(z) = lim h0 (z) = 0 . Do Teorema de Liouville (5.14), ϕ
|z|→+∞ |z|→+∞
é constante e, portanto, ϕ = 0 em C . Logo h = 0 em C\Γ∗ . Q.E.D.
O resultado seguinte, utilizado na prova pre edente, é útil noutras situ-
ações, pelo que se onsidera separadamente.
(7.4) Se Ω1 , Ω2 ⊂ C são conjuntos abertos, Γ é uma ccadeia em Ω1 ,
g : Ω1 ×Ω2 → C é contı́nua, Rz 7→ g(w, z) é holomorfa em Ω2 para w ∈ γ ∗ e
h : Ω2 → C é tal que h(z) = Γ g(w, z) dw, então h ∈ H(Ω2 ) .

125
John D. Dixon, A brief proof of Cauchy’s integral theorem, Proc. Amer. Math. Society, 29
(1971), 625-626.
7.4 Invariância de integrais de funções holomorfas 113

Dem. A prova usa propriedades de continuidade e convergência uniforme, e


os teoremas de Fubini, de Cauchy em conjuntos convexos e de Morera.
Como o integral numa cadeia é uma soma finita de integrais sobre cami-
nhos seccionalmente regulares e a soma de funções holomorfas é holomorfa,
basta provar com a cadeia Γ substituı́da por um caminho seccionalmente re-
gular em Ω1 , γ : [a, b] → Ω1 . Como g é contı́nua em Ω1×Ω2 , é uniformemente
contı́nua em cada subconjunto compacto. Se {zn } é uma sucessão em Ω2
que converge para um z ∈ Ω2 , g(w, zn ) → g(w, z) uniformemente para todo
w ∈ γ ∗ , pois γ ∗ é um conjunto compacto. Integrando os termos da sucessão
e o seu limite, lim h(zn ) = h(z) . Logo, h é contı́nua em Ω2 , e para todo
n→+∞
triângulo fechado ∆ ⊂ Ω2 pode-se aplicar o Teorema de Fubini e o Teorema
de Cauchy local em conjuntos convexos (4.8), obtendo-se
Z Z Z Z Z
h(z) dz = g(w, z) dw dz = g(w, z) dw dz = 0 .
∂∆ ∂∆ γ γ ∂∆
Do Teorema de Morera (6.3), h ∈ H(Ω2 ) . Q.E.D.
Se γ é um aminho se ionalmente regular fe hado num onjunto aberto
onvexo Ω ⊂ C e z ∈ C \ Ω , do Teorema de Cau hy lo al em onjuntos
onvexos (4.8), é Indγ (z) = 0 , pelo que todo i lo em Ω é homólogo a zero
em Ω . Logo, se Ω é onvexo e f ∈ H(Ω) , as ondições da hipótese de (7.3)
veri am-se para todo i lo Γ em Ω , pelo que o Teorema de Cau hy Global
(1 em (7.3)) generaliza o Teorema de Cau hy lo al em onjuntos onvexos
(4.8) e a Fórmula de Cau hy global (2 em (7.3)) generaliza a Fórmula de
Cau hy lo al em onjuntos onvexos (4.12).
7.4 Invariância de integrais de funções holomorfas
O resultado seguinte é onsequên ia imediata do Teorema de Cau hy Global.
(7.5) Invariância de integrais de funções holomorfas sobre ca-
minhos homólogos ou homotópicos: Se γ1 , γ2 são caminhos seccio-
nalmente regulares homotópicos,
R Rou fechados e homólogos num conjunto
aberto Ω ⊂ C e f ∈ H(Ω) , γ1 f = γ2 f .

Dem. Para caminhos fechados homólogos em Ω é consequência imediata


de 3 no Teorema de Cauchy Global. Caminhos fechados homotópicos em
Ω são homólogos em Ω , pelo que nesse caso é consequência imediata do
resultado para caminhos fechados homólogos. Resta provar para caminhos
homotópicos em Ω não fechados. De (4.11), o ı́ndice do caminho fechado
γ = γ1 −γ2 em relação a cada ponto de C\Ω é nulo, pelo que o ciclo Γ = γ ∗
Ré homólogo
R aR zero Rem Ω e,Rde 1 no Teorema de Cauchy Global, obtém-se
γ1 f − γ2 f = γ1 f + −γ2 f = Γ f = 0 . Q.E.D.

No apítulo 4 viu-se que os integrais de uma função omplexa sobre a-


minhos se ionalmente regulares equivalentes são invariantes, pelo que os
114 Teorema e fórmula de Cauchy globais

integrais de funções omplexas  am bem denidos nas lasses de equiva-


lên ia. O resultado pre edente estabele e a invariân ia dos integrais de uma
função holomorfa em Ω ⊂ C sobre aminhos se ionalmente regulares homo-
tópi os em Ω , pelo que os integrais de funções holomorfas em Ω  am bem
denidos nas lasses de homotopia de Ω . O resultado também estabele e
a invariân ia dos integrais de uma função holomorfa em Ω sobre aminhos
fe hados se ionalmente regulares homólogos em Ω , pelo que os integrais de
funções holomorfas em Ω  am bem denidos nas lasses de homologia de Ω .
Como adeias (resp., i los) em Ω ⊂ C são somas nitas de aminhos (resp.,
aminhos fe hados) se ionalmente regulares em Ω , o resultado pre edente
e estas observações também se apli am a adeias (resp., i los).
7.5 Regiões simplesmente e multiplamente conexas
Tal omo é usual em Rn , diz-se que Ω ⊂ C é uma região simplesmente
conexa se é uma região onde todo aminho se ionalmente regular fe hado
é homotópi o a um aminho onstante em Ω (i.e. a um aminho γ tal que
γ ∗ é um ponto) (Figura 7.6).
O resultado seguinte estabele e que todos i los numa região simples-
mente onexa Ω ⊂ C são homólogos a zero em Ω , ou seja não há i los
em Ω à volta de pontos que não perten em à região. Logo, para regiões
simplesmente onexas a apli ação do Teorema de Cau hy Global (7.3)  a
muito simpli ada, pois é desne essário veri ar se um i lo numa tal região
é homólogo a zero porque é sempre.

Figura 7.6: Regiões simplesmente conexas

(7.6) Numa região simplesmente conexa em C todo ciclo é homólogo a zero.

Dem. Todo caminho fechado seccionalmente regular em Ω é homotópico a


um caminho constante em Ω e, de (7.2), também é homólogo a um caminho
constante em Ω . O Índice de um caminho constante em relação a um ponto
do complementar de Ω é zero, pelo que um tal caminho é homólogo a zero.
Logo, todo caminho fechado seccionalmente regular em Ω é homólogo a zero
em Ω . Como ciclos em Ω são somas finitas de caminhos seccionalmente
regulares em Ω , todos ciclos em Ω são homólogos a zero. Q.E.D.
O Teorema de Uni ação (6.5) garante a equivalên ia de holomora numa
região e existên ia de primitiva lo al em ada aberto onvexo ontido na
região. Pode-se provar o resultado análogo (não lo al) obtido substituindo
onjuntos onvexos por simplesmente onexos.
7.5 Regiões simplesmente e multiplamente conexas 115

(7.7) Uma função complexa numa região simplesmente conexa Ω ⊂ C é


holomorfa em Ω se e só se tem primitiva em Ω .

Dem. Do resultado precedente, todo caminho fechado seccionalmente regu-


R γ em Ω é homólogo a zero. Se f ∈ H(Ω) , do Teorema de Cauchy Global,
lar
γ f (z) dz = 0 . Logo, de (4.5), f tem primitiva em Ω . Reciprocamente, se
F é uma primitiva de f em Ω , é F ′ = f e, portanto, F ∈ H(Ω) , pelo que é
indefinidamente diferenciável, assim como f , e f ∈ H(Ω) . Q.E.D.

Figura 7.7: Ilustração de apoio a prova de (7.8)


É útil dispor da ara terização seguinte das regiões em que todos i los
são homólogos a zero, i.e. onde não há i los em torno de pontos que não
perten em a essas regiões. Obtém-se, assim, uma propriedade alternativa de
onjuntos em que a apli ação do Teorema de Cau hy Global é simpli ada.
(7.8) Se Ω ⊂ C é uma região, as afirmações seguintes são equivalentes:
1. Todos ciclos em Ω são homólogos a zero em Ω .
2. Nenhuma das componentes conexas de C\Ω é limitada.

Dem. (2 ⇒ 1) Se Γ é um ciclo em Ω , o conjunto aberto C\Γ∗ tem uma e só


uma componente conexa ilimitada U e, de (4.9), IndΓ = 0 em Ω . Se C\Ω 6= ∅
e nenhuma das suas componentes conexas é limitada, é C\Ω ⊂ U , pelo que
IndΓ = 0 em C\Ω e, portanto, Γ é homólogo a zero em Ω .
(1 ⇒ 2) Supõe-se que 2 é falsa. Existe uma componente conexa limitada K
de C \Ω . Como ∂K ⊂ ∂Ω e ∂(K ∪ Ω) = ∂Ω \∂K, K é limitado e fechado,
logo compacto. Se ∂(K ∪ Ω) 6= ∅ , a distância mais curta entre pares de
pontos de K e ∂(K ∪Ω) é um número d > 0 ; se ∂(K ∪Ω) = ∅ , toma-se d > 0
arbitrário. Fixa-se k ∈ K e cobre-se todo plano com uma rede de quadrados
fechados Qj com lados de comprimento √d2 de modo a k ficar no centro
de um dos quadrados (Figura 7.7). Para cada quadrado Qj considera-se
o caminho poligonal fechado simples γj que percorre a fronteira de Qj no
sentido
P positivo em relação aos pontos interiores a Qj . Considera-se o ciclo
Γ = j γj , em que a soma respeita aos quadrados que intersectam K. Como
k está no interior de um dos quadrados, é IndΓ = 1 . Como Γ é igual ao ciclo
116 Teorema e fórmula de Cauchy globais

γ ∗ em que γ é o caminho poligonal fechado simples que percorre no sentido


positivo a fronteira da união dos quadrados que intersectam K, Γ é um ciclo
em Ω . Como IndΓ = 1 e k ∈ C\Ω , Γ é um ciclo em Ω não homólogo a zero
em Ω . Logo, 1 é falsa. Portanto, 2 falsa ⇒ 1 falsa, ou seja 1 ⇒ 2. Q.E.D.
Este resultado e (7.6) garantem que as ondições 1 e 2 deste resultado
são ne essárias para uma região ser simplesmente onexa. No apítulo 10
vê-se que uma destas ondições também é su ientes para a região ser sim-
plesmente onexa. Portanto, ada uma das ondições é uma ara terização
alternativa das regiões simplesmente onexas.
Diz-se que uma região Ω ⊂ C é multiplamente conexa se não é sim-
plesmente onexa (Figura 7.8). Mais espe i amente, diz-se que uma região
tem conectividade finita n se o seu omplementar tem exa tamente n−1
omponentes onexas limitadas (podendo ter ou não omponentes onexas
ilimitadas) e que uma região tem conectividade infinita se o seu om-
plementar tem innitas omponentes onexas limitadas.

Figura 7.8: Regiões multiplamente conexas com conectividade n = 2, 3, 4


A noção de one tividade foi introduzida por B. Riemann em 1857 para
superfí ies. Quando apli ada a sub onjuntos de um plano, orresponde ao
mínimo no de ortes, ada um ao longo de um aminho totalmente ontido no
onjunto, que pode separar o onjunto em onjuntos simplesmente onexos.
Por isso, one tividade n de um onjunto orresponde ao omplementar ter
n−1 omponentes onexas limitadas.
Se Ω ⊂ C é uma região om one tividade nita n , K1 , . . . , Kn−1 são as
omponentes onexas limitadas de C\Ω , e Γ é um i lo em Ω , pode-se obter
omo na prova de (7.8) que IndΓ é onstante em ada Kj , para j = 1, . . . , n−1 ,
e se Kn é uma omponente onexa ilimitada de C \ Ω , é IndΓ = 0 em Kn
(pode haver várias omponentes onexas ilimitadas em C \ Ω e nesse aso
IndΓ = 0 em todas estas omponentes). Como na prova de (7.8), podem-se
obter i los Γj em Ω tais que IndΓ = 1 em Kj e IndΓ = 1 em C\(Ω∪Kj ) ,
para j = 1, . . . , n−1 .
j j

Se para um dado i lo PΓ em Ω cj ∈ Z é o valor de IndΓ em Kj , para


j = 1, . . . , n − 1 , e Σ = Γ − j=1
n−1
cj Γj , é IndΣ = 0 em C \Ω . Logo, Γ é ho-
Pn−1
mólogo a j=1 cj Γj em Ω . Portanto, todo i lo em Ω é homólogo a uma
ombinação linear om oe ientes inteiros dos i los Γj , om j = 1, . . . , n−1 .
Esta ombinação linear é úni a, pois a diferença de duas ombinações line-
ares dos i los Γj homólogas a um mesmo i lo Γ é homóloga a zero em Ω
7.6 Extensões do Princı́pio de Módulo Máximo 117

e, portanto, tem todos oe ientes zero. Por isso, diz-se que os i los Γj ,
j = 1, . . . , n−1 , são uma base de homologia para a região Ω de one ti-
vidade n . Bases de homologia de uma região multiplamente onexa Ω ⊂ C
não são úni as, mas, tal omo para bases de espaços lineares, todas bases de
homologia
R de Ω têm a mesma ardinalidade. Do Teorema de Cau hy Global
n−1 R
(7.3), Γ f (z) dz = PR j=1 cj Γ f (z) dz para f ∈ H(Ω) . Em ertos asos os va-
lores dos integrais Γ f (z) dz sobre os elementos de uma base de homologia
j

podem ser obtidos fa ilmente e este é um método onveniente que permite


j

avaliar muitos integrais sem fazer integrações explí itas, o que se explora no
apítulo seguinte om o Teorema dos Resíduos.
7.6 Extensões do Princı́pio de Módulo Máximo
Se Ω = R+i[− π2 , π2 ] , om z = x+iy , x, y ∈ R , a função f (z) = ee satisfaz
z

 π
f x± i π = eex e±i 2 = | e±iex | = 1 , x
lim ee = +∞ ,
2 x→+∞
pelo que |f | é ilimitada em Ω apesar de ser 1 em ∂Ω . Portanto, embora
do Prin ípio de Módulo Máximo (5.19) se f é uma função analíti a num
sub onjunto limitado e fe hado K de uma região Ω ⊂ C , o máximo de |f | em
K é assumido em ∂K , tal pode falhar se K é ilimitado. É possível estender
o resultado a regiões ilimitadas se na vizinhança de ∞ |f | é majorada pelo
máximo de |f | em ∂Ω . Prova-se um resultado um pou o mais geral.
(7.9) Se f é uma função analı́tica numa região Ω ⊂ C e existe M > 0
tal que para cada b ∈ ∂Ω∪{∞} se Ω é ilimitada, existe uma vizinhança
Vb ∩ Ω de b em que |f | ≤ M , então |f | ≤ M em Ω .

Dem. Seja ε > 0 . Aε = {z ∈ Ω : |f (z)| > M+ε} é limitado e Aε ⊂ Ω . Portanto,


Aε é um subconjunto compacto de Ω e, do Princı́pio de Módulo Máximo, se
fosse Aε 6= ∅ , o máximo de |f | em Aε seria assumido em ∂Aε . Como neste
conjunto |f | = M + ε, seria |f | ≤ M + ε em Aε e, portanto, Aε = ∅ . Logo,
|f | ≤ M +ε em Ω . Como ε > 0 é arbitrário, |f | ≤ M em Ω . Q.E.D.

(7.10) Se f é função analı́tica na faixa vertical do plano complexo


Ω = {x + iy : a < x < b , y ∈ R} , limitada e contı́nua em Ω , e
Sf (x) = supy∈R |f (x+iy)| para x ∈ [a, b] , então Sfb−a (x) ≤ Sfb−x (a) Sfx−a (b)
para x ∈ [a, b] , e |f | ≤ max{Sf (a), Sf (b)} em Ω .
b−z z−a
Dem. Se Sf (a), Sf (b) > 0 , g(z) = Sfb−a (a) Sfb−a (b) é uma função inteira que
nunca é 0 em Ω , com 1g limitada em Ω e |g(x+iy)| = M (x) para x ∈ {a, b} ,
y ∈ R. Logo, fg satisfaz as condições para f no enunciado com
S f (a) = S f (b) = 1 . Do resultado precedente, fg ≤ 1 em Ω . Logo,
g g
b−z z−a
b−a
|f (z)| ≤ Sf (a) Sfb−a (b) em Ω , e, Sfb−a (x) ≤ Sfb−x (a) Sfx−a (b) para x ∈ [a, b] .
118 Teorema e fórmula de Cauchy globais

Portanto,
Sfb−a (x) ≤ max{Sf (a), Sf (b)}b−x max{Sf (a), Sf (b)}x−a = max{Sf (a), Sf (b)} , x ∈ [a, b] ,
e |f | ≤ max{Sf (a), Sf (b)} em Ω .
Se Sf (a) = 0 , f = 0 em toda a recta vertical Re z = a , do Princı́pio de
Simetria (ver exercı́cio 6.10), f pode ser estendida a uma função holomorfa
na faixa vertical aberta limitada pelas rectas verticais Re z = a − (b − a) e
Re z = b que é 0 na recta Re z = a , é 0 em toda essa faixa vertical e, portanto,
em Ω , pelo que o resultado é trivialmente válido neste caso. Q.E.D.
Também é possível uma extensão a onjuntos ilimitados sem exigir |f |
uniformemente limitada em vizinhanças de pontos em ∂Ω ∪ {∞} , mas res-
tringindo o res imento de |f (z)| quando z tende para esses pontos, analo-
gamente à extensão do Teorema de Liouville a funções ilimitadas sublineares
(5.18), por apli ação do Prin ípio de Phragmén-Lindelöf que, em geral, on-
siste em multipli ar uma função f holomorfa numa região ilimitada Ω por
uma função hǫ tal que ε→0
lim hε = 1 , de modo a limitar o produto |f hε | < M
na fronteira de uma região limitada Ωe ⊂ Ω e apli ar o Prin ípio de Módulo
Máximo para obter que f hε é limitada em Ωe , expandindo depois a região Ωe
para Ω e estabele endo que f hε é limitada em Ω , e fazer ε → 0 para obter
f hε → f e on luir que f é limitada em Ω .

(7.11) Princı́pio de Phragmén-Lindelöf: Se f é uma função ana-


lı́tica numa região simplesmente conexa Ω ⊂ C e existem M, ε0 > 0 e
ϕ ∈ H(C) que não assume o valor 0 e é limitada em Ω tais que para
cada b ∈ ∂Ω ∪ {∞} se Ω é ilimitada, existe uma vizinhança Vb de b e
|f (z)| min{1, |ϕ(z)|ε } ≤ M para z ∈ Vb ∩ Ω , ε ∈]0, ε0 [ , é |f | ≤ M em Ω .

Dem. Seja K > 0 tal que |ϕ| ≤ K em Ω . Como εϕε−1 ∈ H(Ω) , de (7.7), tem
primitiva holomorfa em Ω , que é um ramo de ϕε . F = f ϕε K −ε é analı́tica
e |F | ≤ M max{1, K −ε } em Ω . De (7.11), |f | ≤ |ϕ|−εM max{1, K −ε } em Ω .
Como ε > 0 é arbitrário, |f | ≤ M em Ω . Q.E.D.

(7.12) Corolário: Se f é função analı́tica no sector angular de abertura


π iθ π 1
a , Ω = {re : r > 0, |θ| < 2a } com a ≥ 2 , e existem M, C > 0 e ρ < a tais
que para cada b ∈ ∂Ω existe uma vizinhança Vb de b tal que |f | ≤ M em
ρ
Vb ∩ Ω e |f (z)| ≤ Ce|z| para z ∈ Ω com |z| grande, é |f | ≤ M em Ω .
σ π
Dem. Seja σ ∈ ]ρ, a[ e ϕ(z) = e−z para z ∈ Ω . Com z = reiθ , |θ| < 2a , é
iθ −r σ cos(σθ) π
|ϕ(re )| = e . Como |σθ|< 2 , é cos(σθ) ≥ δ para algum δ > 0 e
|ϕ| < 1 em Ω. Para qualquer ε > 0 e para r > 0 suficientemente grande,
ρ −εr σ ρ −εr σ δ
|f (reiθ )||ϕ(reiθ )|ε ≤ Cer cos(σθ)
≤ Cer → 0, quando r → +∞ .
Do Princı́pio de Phragmén-Lindelöf (7.11), |f | ≤ M em Ω . Q.E.D.
7.6 Extensões do Princı́pio de Módulo Máximo 119

π
(7.13) Corolário: Se f é função analı́tica em Ω = {reiθ : r > 0, |θ| < 2a },
1
com a ≥ 2 , existe M > 0 tal que para cada b ∈ ∂Ω existe uma vizinhança
Vb de b tal que |f | ≤ M em Vb ∩ Ω e para cada ε > 0 existe C > 0 tal que
a
|f (z)| ≤ Ceε|z| para z ∈ Ω com |z| grande, é |f | ≤ M em Ω .
a
Dem. Sejam δ > ε > 0 arbitrários e g = f e−δz . Existe C > 0 tal que
a
para x > 0 é lim |g(x)| ≤ Ce(ε−δ)x = 0 . Logo, {|g(x)| : x > 0} é um
x→+∞
subconjunto majorado de R e, portanto, tem um supremo M1 . Designa-se
π
M2 = max{M1 , M } e Ω± = {reiθ : r > 0 , 0 < ±θ < 2a } . O corolário precedente
pode ser aplicado com g em vez de f , Ω± em vez de Ω e M2 em vez de M , pois
cada um dos conjuntos Ω± é, a menos de uma rotação em torno da origem,
um sector do tipo considerado nesse corolário, obtendo-se |g| ≤ M2 em cada
um dos sectores Ω± e, portanto, também no sector inicial Ω , pois Ω\(Ω−∪Ω+ )
é o semieixo real positivo e aı́ |g| ≤ M1 ≤ M2 . Se fosse M2 = M1 > M , |g|
assumiria o seu valor máximo M1 em algum ponto xmax > 0 e considerando
sectores limitados e fechados contidos em Ω ∩ {reiθ : 0 < r < R} ∪ {0} com
R > |xmax | , do Princı́pio de Módulo Máximo, g é constante nestes sectores,
logo, constante em Ω , e, portanto, |g| = M1 = M em Ω , em contradição com
a
M1 > M . Logo, M2 = M e |g| ≤ M em Ω , pelo que |f | ≤ M eδRe z para z ∈ Ω .
Como δ > ε > 0 são arbitrários, |f | ≤ M em Ω . Q.E.D.
A ondição de limitação de res imento no innito |f (z)| ≤ Ceε|z| deste a

resultado

é óptima,

pois om f (z) = ez , em pontos da fronteira de Ω é
a

f re±i = e(r e ) = |e±ir | = 1 e f (r) = er , r > 0 , é ilimitada.


π π
a ±i 2 a a
2a

(7.14) Corolário: Se f é função analı́tica na faixa horizontal do plano


complexo Ω = {x+iy : x ∈ R , |y| < π2 } e contı́nua em Ω , e existem M, ε > 0
ρ|Re z|
e ρ ∈ ]0, 1[ tais que |f (z)| ≤ M eεe para z ∈ Ω e |f (x± i π2 )| ≤ M para
x ∈ R , então |f | ≤ M em Ω .
ρ|Re z|
Dem. Princı́pio de Phragmén-Lindelöf (7.11) com ϕ(z) = e−e . Q.E.D.
Com o Prin ípio de Phragmén-Lindelöf pode-se provar o Prin ípio de
In erteza de Hardy126, segundo o qual as funções gaussianas são as úni as
funções que de aem no innito mais rapidamente que funções gaussianas e
têm transformada de Fourier também om esta propriedade de de aimento.
De um modo geral prin ípios de in erteza referem-se a não ser possível ter
uma função simultaneamente lo alizada no espaço e na frequên ia, ou seja
tais que tanto a função omo a sua transformada de Fourier de aem no
innito rapidamente. Por exemplo (ver exer í io 6.22), uma função f ∈ L1(R)
que de ai no innito mais rapidamente do que uma exponen ial (o que in lui
funções 0 fora de um intervalo limitado) tem transformada de Fourier fb
estendida ao plano omplexo que é uma função inteira, e, omo os zeros de
126
Foi formulado em 1933 por Godfrey Harold Hardy (1877-1947).
120 Teorema e fórmula de Cauchy globais

funções inteiras não identi amente nulas são isolados, fb não pode ser nula
em qualquer intervalo real, em parti ular as funções de variável real f e fb
não podem ambas anular-se fora de intervalos limitados. A transformada de
Fourier deZ uma gaussiana f (t) = KeZ− , om K, σ > 0 , é
t2

σ2
ω2 − 1
(t+i √1 σω)2 √ σ2 2
fb(ω) = f (t) e−iωt dt = Ke− 2 e 2σ 2 2 dt = Kσ 2π e− 2 ω ,
R R
que é uma fun ção gaussiana; portanto, fun ções gaussianas estão igualmente
lo alizadas no tempo e na frequên ia. O Prin ípio da In erteza de Hardy
estabele e que a máximalo alização no tempo e na frequên ia smulanea-
mente veri a-se para funções gaussianas.
(7.15) Princı́pio de Incerteza de Hardy: Se fb é a transformada
2
de Fourier de f ∈ L1 (R) e existem C, a > 0 tais que |f (t)| ≤ Ce−at ,
1 2 2
|fb(ω)| ≤ Ce− a ω , t, ω ∈ R , então f (t) = Ke−at para algum K > 0 .

Dem. Com mudanças de variáveis t′ = at e ω ′ = √ωa e multiplicando f por
1

C π
pode-se supor, sem perda de generalidade, a = 1 e C = √1π . Devido ao
decaimento supraexponencial no infinito de f , fb pode ser estendida a C e
esta extensão é uma função inteira. Como para x, y ∈ R é
Z Z Z
b −i(x+iy)t 2
|f (x+iy)| = f (t) e dt ≤ |f (t)| e dt ≤ √1π e−t eyt dt
yt
RZ R Z
y
2 R
2 −yt) y 2 y 2
1 −(t 1 ( ) − t− 2 dt = e( 2 ) .
= √π e dt = √π e 2 e
R R
z 2
Logo, a função inteira F (z) = e( 2 ) fb(z) é tal que a restrição de |F | aos eixos
imaginário e real é majorada por 1 e
x+iy 2 y 2 x 2 y 2 xy y 2 x 2
|F (x+iy)| ≤ e( 2 ) e( 2 ) = e[( 2 ) −( 2 ) +i 2 ] e( 2 ) = e( 2 ) .
Do Princı́pio de Phragmén-Lindelöf (7.11) com Ω = C \ {x : x ≤ 0 }, M = 1 e
x 2
ϕ(x + iy) = e−( 2 ) , é |F | ≤ 1 em C . Logo, F é uma função inteira limi-
tada, pelo que, do Teorema de Liouville, é constante, e existe k ∈ R tal que
z 2
fb(z) = ke−( 2 ) para z ∈ C , que é uma função gaussiana. Do que se viu antes
1 2
do enunciado deste resultado, f (t) = K ′ e− 2 t para algum K ′ ∈ R . Invertendo
2
as mudanças de variáveis, f (t) = Ke−at para algum K > 0 . Q.E.D.

7.7 Ordem e tipo de função inteira


A ordem e o tipo de funções inteiras foram introduzidas para tipi ar res-
imento exponen ial destas funções em innito127 .
Chama-se ordem e tipo de uma função inteira f a, resp.,
    
ρ(f ) = lim ln1r ln ln sup |f | , σ(f ) = lim 1
ρ(f ) ln sup |f | .
r→+∞ |z|=r r→+∞ r |z|=r
127
A noção de ordem de uma função inteira foi introduzida por H. Poincaré em 1883, mas esta
definição deve-se a Émile Borel (1871-1956), em 1897.
7.7 Ordem e tipo de função inteira 121

(7.16) A ordem e o tipo de funções inteiras f têm as propriedades:


1. ρ(f +g) ≤ max{ρ(f ), ρ(g)}, ρ(f ′ ) = ρ(f ), ρ(f g) ≤ max{ρ(f ), ρ(g)}.
2. ρ(f ) ≤ α se e só se existem constantes a ≥ 0 , β > 0 tais que
α
|f (z)| ≤ aeβ|z| para z ∈ C , e se ρ(f ) = α , então σ(f ) ≤ β se e
só se a desigualdade se verifica com a > 0 .
3. Se ρ(f ) = 1 , σ(f ) < β e |f (x)| ≤ M , M > 0 para x ∈ R , então
|f (x+iy)| ≤ M eβ|y| para x, y ∈ R .
P 1 1
4. Se f (z) = ∞ n
n=0 cn z , ρ(f ) ≤ α se e só se {n |cn | }n∈N é limitada.
α n

5. Se ρ(f ) < 1 ou (ρ(f ) = 1 e σ(f ) = 0) e f é limitada sobre uma recta


em C , f é constante.

Dem. Deixa-se como exercı́cio (1 e 2 são imediatas das definições, 3 a 5


decorrem de 2). Q.E.D.
Em 1907 A. Denjoy onje turou que o no de valores assimptóti os de
uma função inteira f sobre urvas tendentes para ∞ é ≤ 2ρ(f ) , hamada
Conjectura de Denjoy. Depois de 21 anos em aberto, L.Ahlfors provou-a
em 1929. Em 1933 T. Carleman obteve a prova elementar que se segue.
(7.17) Teorema de Denjoy-Carleman-Ahlfors:
O no de valores assimptóticos de uma função inteira f ao longo de curvas
que tendem para ∞ é menor ou igual ao dobro da ordem de f .

Dem. Se f é uma função inteira com n valores assimptóticos diferentes,


existem n curvas γ1∗ , . . . , γn∗ sem pontos comuns com ponto inicial na circun-
ferência com raio 1 e centro 0 que tendem para ∞ em que a restrição de |f |
é limitada enquanto as restrições às regiões entre essas curvas são ilimitadas.
Seja F (z) = f (ez ) . Sem perda de generalidade, |F | < α < 1 sobre as curvas
γ1∗ , . . . , γn∗ , pois tal pode-se conseguir multiplicando F por uma constante
> 0 suficientemente pequena. w = log z transforma a região C \ (B1 ∪ γ1∗ )
numa banda S de altura 2π no semiplano complexo direito. Designam-se as
regiões delimitadas pelas imagens das curvas γ1∗ , . . . , γn∗ em ordem cı́clica por
Ω1 , . . . , Ωn , Sj,x a intersecção de Ωj com cada recta vertical de C com abcissa
x > 0 , ℓj (x) o supremo dos comprimentos dos segmentos desta intersecção,
+ + R 2
log p = max{log p, 0} , u(x, y) =log |F (x+iy)| , e ϕj (x) = Sj,x u (x, y) dy . As
a a ′
R
1 e 2 derivadas de ϕj são ϕj (x) = 2 Sj,x u ∂x dy e
∂u

Z   Z   Z   Z   Z   Z  
2 2 2 2
∂2 u ∂2 u
ϕ′′
j (x) = 2 ∂u
∂x
dy+2 u ∂x2
dy = 2 ∂u
∂x
dy−2 u ∂y 2
dy = 2 ∂u
∂x
dy+2 ∂u
∂y
dy ,
Sj,x Sj,x Sj,x Sj,x Sj,x Sj,x

2a 3a
em que a igualdade é porque u é harmónica e a resulta de integração
R por
partes. A Desigualdade de Cauchy-Schwarz Inequality para hf, gi = Sj,xf g
aplicada à fórmula para ϕ′j dá
Z    ′ 2
2
∂u 1 [ϕj (x)]
2 ∂x dy ≥ 2 ϕ′ (x) .
j
Sj,x
122 Teorema e fórmula de Cauchy globais

R 2
Para minorar o termo 2 Sj,x ∂u ∂y
dy na fórmula para ϕ′′j (x) observa-se que

se V ∈ C 1 ]− π2 , π2 [ , R é limitada,
Z π h i Z π
2
V (θ) ′ 2 2
0≤ sin θ
2
sin θ dθ = 1
sin2 θ
[V ′ (θ) sin θ−V (θ) cos θ ]2 dθ
− π2 − π2
Z π Z π
2  ′ 2  2
= (V ) −V 2 + V 2 (θ)(cot2 θ+1)−2V (θ)V ′ (θ) cot θ ] dθ
− π2 − π2
Z π Z π Z π
2  ′ 2  2

2 
= 2 2
(V ) −V − [V (θ) cot θ ] dθ = (V ′ )2 −V 2 .
− π2 − π2 − π2
 
Para U ∈ C 1 ]a, b[ , R limitada e V (t) = U b−a t+ a+b , é V ′ (t) = U ′ b−a
π t+

a+b b−a b−a
π 2
a+b
2 π e com a mudança de variáveis s = π t+ 2 ,
Z b Z π Z π Z
′ 2 π
2
′ 2 π
2
2 π 2
 b 2
(U ) (s) ds = b−a (V ) (t) dt ≥ b−a V (t) dt = b−a (U ) (s) ds ;
a − π2 − π2 a
 π
Rb 2 R b
i.e. para U ∈ C 1 ]a, b[ , R limitada, é a (U ′ )2 ≥ b−a 2
a U , o que é uma
das versões das desigualdades de Wirtinger128 , obtidas em 1904 by W.
Wirtinger. Com esta desigualdade,
Z    2Z  2
2
∂u π 2 π
∂y dy ≥ ℓj (x) u (x, y) dy = ℓj (x) ϕj (x) .
Sj,x Sj,x

Os minorantes obtidos nos dois parágrafos precedentes dão


[ϕ′ (x)]2
 2
ϕ′′j (x) ≥ 12 ϕjj (x) + 2 ℓjπ(x) ϕj (x) , x ∈ R ,
p ′′ 2√
o que equivale a ϕj (x) ≥ ℓjπ(x) x para x ∈ R .
Se Ωj não é limitado à direita por uma recta vertical e existe uma recta
vertical que intersecta o eixo real em x tal que |F | é limitada à direita
dessa recta, existe x0 > 0 tal que ϕj (x) > 0 for x > x0 , e com ϕj = eψj, da
desigualdade obtida no parágrafo precedente,

2π 2 ψj′′ 2 ψj′′ 
′ 2
ℓj ≤ 2ψj′′ +(ψj′ )2 ≤ ψj′ + 2ψj′′ +(ψj′ )2 = ψj′ +ψj .
2π ψ′′
Logo, ℓj ≤ ψj′ +ψj′ . Integrando duas vezes de x0 a x ,
j
Z x Z x
2π (x−s) ℓj1(s) ds ≤ ψj + ψj + O(x) , x → +∞ .
x0 x0

A soma destas desigualdades para j = 1, . . . , n dá


Z x X n Z xX
n X n
1
2π (x−s) ℓj (s) ds ≤ ψj + ψj + O(x) , x → +∞ .
x0 j=1 x0 j=1 j=1

128
Wirtinger, Wilhelm (1865-1945).
Exercises of chapter 7 123

De (7.16.1), para todo ε > 0 existe b > 0 tal que ϕj (x) ≤ bx2(ρ(f )+ε) e,
portanto, ψj (x) ≤ 2(ρ(f ) + ε)x+O(1) quando x → +∞ . Logo,
Z x Xn
1 2
2π (x−s) ℓj (s) ds ≤ n2(ρ(f ) + ε)x + O(x) , x → +∞ .
x0 j=1
Da Desigualdade
Pn 1de Cauchy-Schwarz
 P  para
Pn o produto interno canónico em
n 2 n
R , n ≤ j=1 ℓj j=1 ℓj , e como j=1 ℓj ≤ 2π , da desigualdade as-
simptótica precedente, n x ≤ n2(ρ(f ) + ε)x2 + O(x) quando x → +∞ , e,
2 2

portanto, n ≤ 2[ρ(f ) + ε] . Como ε > 0 é arbitrário, n ≤ 2ρ(f ) . Q.E.D.

Exercises
7.1 Prove: Se Ω ⊂ C é aberto e compacto e f ∈ H(Ω) , existe um ciclo Γ em Ω\K tal
1
R f (w)
que se verifica a Fórmula de Cauchy f (z) = i2π Γ w−z
dw, para z ∈ K.
(Sugestão: Construa um i lo Γ em Ω\K e aplique o Teorema de Cau hy Global).
7.2 Mostre que em qualquer região simplesmente onexa que não ontém a origem
podem ser denidas funções holomorfas que são ramos de:
a z
a) ln z b) z ) z
7.3 Mostre que em toda a região Ω⊂C tal que os pontos ±1 perten em a uma mesma
omponente onexa de C \ Ω pode ser denida uma função holomorfa que é um
2 1/2
R 1
ramo de (1−z ) . Quais são os valores possíveis de dz , em que γ é
γ (1−z 2 )1/2
um aminho fe hado se ionalmente regular em Ω ?
P 2n
7.4 Mostre que f (z) = n=0 z é analíti a em B1 (0) , mas não tem prolongamento
analíti o a uma região que ontenha propriamente este ír ulo.

7.5 Prove: Toda função f ∈ H Br (a) tem um prolongamento analı́tico a um cı́rculo
aberto BR (a) ⊃ Br (a) . 

7.6 Prove: Se f ∈ H Br (a) , f (a) = b, f (a) 6= 0 e |f − b| ≤ M ∈ R em Br (a), então

f Br (a) ⊃ BR (b) com R = 6M r |f (a)|2 .
1 2 ′

(Sugestão: Considere a série de Taylor de f − b entrada em a , aplique a desigualdade


triangular e estimativas de Cau hy para obter |f (z) − b | ≥ R para |z − a| = 3R
2
, tome
w ∈ BR (b) e mostre que f −w e f −b têm o mesmo no de zeros em B 3R (a) ).
2 R
+∞
7.7 Dada uma função f : R+ → R , dene-se a função omplexa F (s) = 0 f (t) e−st dt ,
129
hamada transformada de Laplace de f , onsiderando o integral de Lebes-
130
gue . Esta função  a denida num ponto s = α+iω , om α, ω ∈ R , se e só se a
−αt +
função f Eα , em que Eα (t) = e , é integrável à Lebesgue em R , ou seja se e só se
1 + 1 +
f ∈ Lα (R ) = {f: f Eα ∈ L (R ) } . À função denida por L [f ] = F hama-se Trans-
formação de Laplace131 . É imediato que L [f +g] = L [f ]+L [g] e L [cf ] = cL [f ]
129
A Transformação de Laplace foi usada por L. Euler em 1737 para resolver uma equação
diferencial e foi explorada por P.S.Laplace em 1812 em Probabilidade. Depois das contribuições de
P.S. Laplace e de J. Liouville, Jozéph Petzval (1807-1891) desenvolveu-a bastante, mas só passou a
ser generalizadamente utilizada depois de: (i) Oliver Heaviside (1850-1925) ter obtido entre 1880 e
1887 um cálculo operacional para resolver equações diferenciais ordinárias por equações algébricas
obtidas por substituição da solução y(t) por uma função complexa Y (s) e as derivadas de ordem
k de y(t) por produtos de Y (s) por sk ; (ii) Thomas John Bromvich (1875-1929) ter obtido uma
fórmula integral para inversão da transformação de Laplace; (iii) Gustav Doetsch (1892-1977)
ter contribuı́do em 1930-1937 para o desenvolvimento do método; (iv) Horatio Carslaw (1870-
1954) e John Conrad Jaeger (1907-1979) terem prosseguido os trabalhos anteriores em 1938-40,
culminando com a ampla disseminação do método no livro que publicaram em 1941 Operational
Methods in Applied Mathematics. A adopção da Transformação de Laplace na rotina de formação
e na prática em engenharia foi muito rápida: em 1947, menos de 10 anos após algumas propriedades
básicas ainda serem objecto de investigação, era amplamente ensinada a estudantes de engenharia.
130
Ver apêndice III.
131
A transformação
 de Laplace L relaciona-se com a de Fourier F (ver exercı́cio 6.22) por
L [f ] = (a+iω) = F feEα (ω) , com α, ω ∈ R, f ∈ L1α (R+ ), fe a extensão de f a R nula em ]−∞, 0[ .
124 Global Cauchy theorem and formula

para f, g ∈ L1α (R+ ) , c ∈ C , α ∈ R .


A Transformação de Lapla e pode ser invertida
1 +
em ondições relativamente gerais. Em parti ular, pode-se provar: Se f ∈ Lα (R ) ,
1
Fα ∈ L (R) , em que Z α+iΩ
Fα (ω) = F (α+iω) , α, ω ∈ R , F = L [f ] , 1
g(t) = i2π lim F (s) est dt , t > 0 ,
Ω→+∞ α−iΩ
então g é contı́nua, lim g(t) = 0 e f = g q.t.p. em R+ . Logo, a Transformação de
t→+∞
Laplace é injectiva. 
1 + +
a) Prove: Se f ∈ Lα0 (R ) , com α0 ∈ R , e F = L [f ] , então F ∈ H Πα0 , em que
+
Πα0 = {z ∈ C : Re z > α}. (Sugestão: Use o Teorema de Morera).
1 + α t +
b) Prove: Se f ∈ Lα0 (R ) com α0 ∈ R e t 7→ f (t)e 0 é limitada em R , então
F = L [f ] , que, de a), é holomorfa em Π+
α0 , pode ser estendida por continuidade a
α0 . (Sugestão: Use o Teorema de Cau hy).
1
) A convolução de funções f, g ∈ Lα (R) , em que α ∈ R , é denida por
Z t
(f ∗g)(t) = f (t−τ ) g(τ ) dτ , t>0.
0
1
Prove: Se f, g ∈ Lα (R) , então L [f ∗g] = L [f ]+L [g] .
′ 1 ′
d) Prove: Se f, f ∈ Lα (R), f (0+) = lim f (t) ∈ R , é L [f ](s) = s L [f ](s)−f (0+).
t→0+
′′ ′
e) Considere a equação diferen ial y +2y +2y = f (t) , t > 0 , om ondições ini iais
y ′ (0) = y(0) = 0 e f (t) = e−2t . Mostre que a transformada de Lapla e da solução y
s+2
é Y (s) = 2 . Obtenha a solução do problema de valor ini ial dado.
s + 2s + 2
′′ ′
f ) Considere a equação diferen ial y +2y +2y = f (t) , t > 0 , om ondições ini iais
′ 1 + 1
y(0) , y (0) e f ∈ Lα (R ) . Designe T (s) = s2 +2s+2 . Mostre que Y = L [y] satisfaz

Y (s) = T (s) F (s)+T (s) [y (0)s + 2y(0)] , em que F = L [f ] , pelo que T (s) ara teriza
a equação diferen ial, dando a transformada de Lapla e da solução por produtos
om a transformada de Lapla e do termo independente e om um polinómio om
oe ientes que dependem das ondições ini iais.
7.8 a) Determine a ordem da função inteira dada:
√ n z
(i) sin z (ii) cos z (iii) cos z (iv) ez (v) ee .
132
7.9 Prove o teorema de interpolação : Se f é uma função inteira de ordem ρ < 1 ,
ou de ordem ρ = 1 e tipo σ < τ para algum τ > 0 ,
XN
 sin τ z
f (z) = lim f nπτ τ z−nπ
.
N→+∞
n=−N
R
(Sugestão: Para N ∈ N designe FN (z) = i2π1 w
γN (w−z) sin(τ w)
dw , em que γN é um aminho
regular simples que des reve a ir unferên ia |z| = (N + 12 ) πτ no sentido positivo, aplique o
Teorema dos Resíduos e mostre que |FN (z)| → 0 quando N → +∞ , estimando |f (z)| om
base numa estimativa | sin z| ≥ m eIm z , para z ∈ γN , e apli ando o exer í io pre edente).
132
Este resultado é conhecido por Teorema de Amostragem e é muitas vezes atribuı́do ao
matemático Claude Shannon (1916-2001), embora fosse conhecido muito antes. C. Shannon (que
em 1941-1952 trabalhou no Mathematics of Communication Research Department dos Bell Labs)
introduziu-o na comunidade de telecomunicações dos paı́ses ocidentais em 1949 no livro A Mathe-
matical Theory of Communication em que criou a Teoria de Informação, embora a frequência
de amostragem, chamada frequência de amostragem de Nyquist, tivesse sido considerada
em telecomunicações em 1928 por Harry Nyquist (1889-1976), que também trabalhou nos Bell
Labs em 1934-54. Uns anos depois do trabalho de C. Shannon soube-se que Vladimir Kotelnikov
(1908-2005) tinha obtido o resultado na Rússia em 1933, também a propósito de telecomunicações.
Contudo, o resultado era conhecido de E. Borel desde 1897, no estudo de séries de interpolação, e
de outros matemáticos, como Edmund Whittaker (1873-1956) em 1915 e John Whittaker (1905-
1984) em 1935 que também consideraram este tipo de resultados antes de V. Kotelnikov e C.
Shannon. O resultado estabelece que uma função de ordem ρ = 1 e tipo σ < τ pode ser exacta-
mente interpolada a partir dos valores nos pontos nπ τ
com n ∈ Z. Uma função f ∈ L1 (R) com
transformada de Fourier fb ∈ L1 (R) com suporte num intervalo compacto [−τ, τ ] é exactamente
interpolada pela expressão dada, apenas a partir dos seus valores nos pontos nπ τ
. Portanto, uma
frequência de amostragem ≥ σ τ
é suficiente para reconstituir exactamente um sinal com espectro
σ σ
de frequência limitado por 2π (i.e. de largura de banda 2π ), ou seja basta uma frequência de
amostragem dupla da frequência máxima no espectro do sinal.
Exercises of chapter 7 125

7.10 Prove: Se f, fb∈ L1 (R) e fb tem suporte num intervalo compacto [−τ, τ ] (i.e. fb tem
valor 0 em R \ [−τ, τ ] ), em que fb designa a transformada de Fourier de f (ver
exercı́cio 6.22), a extensão complexa da fórmula de inversão da transformada de
R
Fourier, g(t) = 2π1
R
fb(ω) eiωt dω (g = f q.t.p. em R) é uma função inteira de ordem
ρ ≤ 1 e, quando ρ ≤ 1 , é de tipo σ ≤ τ ( ompare om exer í io 6.22).
(Sugestão: Aplique o Teorema de Morera e majore o integral).
7.11 Prove o teorema dos três cı́rculos de Hadamard: Se f é holomorfa na coroa circular
aberta Cr1 ,r2 limitada pelas circunferências com centro na origem e raios r2 > r1 > 0 ,
S(r) = maxθ∈[0,2π] |f (r iθ )| e r1 < a < r < b < r2 ,
log S(b/r) log S(r/a)
log S(r) ≤ log b/a
log S(a) + log b/a
log S(b) .
.
Exercı́cios com aplicações a análise e controlo de sistemas lineares
7.12 Considere o problema de valor ini ial para uma equação diferen ial ordinária linear
es alar de ordem n∈N om oe ientes omplexos onstantes, termo independente
que é ombinação linear do valor e das derivadas de uma função r e ondições
ini iais nulas

y (n) +an−1 y (n−1) + · · · + a1 y ′ +a0 y = bn−1 r (n−1) (t)+ · · · +b1 r ′ (t)+b0 r(t) ,
y (n−1) (0) = · · · = y ′ (0) = y(0) = 0 .
Mostre que, om Y = L [y], R = L [r] e T (s) = YR(s)
(s)
se obtém
bn−1 s(n−1) + ··· +b1 s+b0
T (s) = sn +an−1 s(n−1) + ··· +a1 s+a0
.
A função T sistema linear denido pela equação diferen ial e é
ara teriza o
onhe ida por função de transferência do sistema. É usual onsiderar r(t) omo
sinal de entrada e y(t) omo sinal de saı́da ou resposta do sistema, e representar
o sistema por um diagrama de blo os omo na Figura 7.9.

Figura 7.9: Diagrama de blocos para sistema linear com função de transferência T
a) Mostre que, om ondições ini iais diferentes de zero, a resposta do sistema a
uma entrada é a soma da resposta om ondições ini iais nulas à entrada onside-
rada adi ionada à resposta om as ondições ini iais onsideradas e entrada nula.
Chama-se a estas omponentes aditivas da resposta, resp., resposta forçada e
resposta natural ou resposta livre do sistema.

Figura 7.10: Resposta impulsiva de sistema li-


1
near com função de transferância T (s) = s2 +2s+2
b) Mostre que para um sistema linear om função de transferên ia T , se h é tal que
T = L [h] , a resposta forçada y obtém-se da entrada r e da função h pela onvolução
y = h∗r . Mostre que a resposta forçada yL orrespondente a um impulso positivo
1
om largura L > 0 e integral 1 na entrada, rL (t) = L se 0 ≤ t < L , e rL (t) = 0
se t ≥ L , satisfaz lim yL (t) = h(t) , para t > 0 . Por esta razão, hama-se a
L→+∞
h resposta impulsiva do sistema. Cal ule a resposta impulsiva do sistema da
questão pre edente (Figura 7.10).
126 Global Cauchy theorem and formula

1
Figura 7.11: Diagrama de Bode para função de transferência T (s) = s2 +2s+2
) Analogamente à representação grá a de transformadas de Fourier em análise
e pro essamento de sinais (ver exer í io 6.23), representa-se gra amente a função
de transferên ia T ω por grá os
de um sistema linear em função da frequên ia
do módulo e de um argumento de T (iω) em função de ω (ou, na linguagem de
análise de sistemas, amplitude (ou ganho) e fase da função de transferên ia).
133
A este tipo de representação grá a hama-se diagrama de Bode do sistema;
tal omo para sinais (exer í io 6.23), é usual adoptar es alas logarítmi as para a
amplitude e para a frequên ia angular em de ibéis (dB) e uma es ala linear para
a fase. Mostre que o diagrama de Bode do sistema linear das duas últimas alíneas
do exer í io pre edente é o indi ado na Figura 7.11.
R(s) Y(s)
T1 (s) T2 (s)

Figura 7.12: Diagrama de blocos da ligação em série de dois sistemas

Figura 7.13: Diagrama de blocos de sistema com retroacção


7.13 a) Mostre que a ligação em série de sistemas lineares (ver os dois exer í ios
o
pre edentes) om funções de transferên ia T1 e T2 (i.e. a saída do 1 é a entrada
o
do 2 ) é um sistema linear om função de transferên ia T = T2 T1 (Figura 7.12).

b) Mostre que a função de transferên ia do sistema linear de controlo com


retroacção134 na Figura 7.13, em que G e H são funções de transferên ia de
133
Hendrik Wade Bode (1905-1982) iniciou a utilização dos gráficos da amplitude (em dB) e da
fase de funções de transferência na análise e projecto de amplificadores com retroacção em 1940.
H.W. Bode foi para os Bell Telephone Laboratories em 1926, logo depois de obter o Mestrado, e em
1929 entrou para o influente Mathematical Research Group dos Bell Labs, que dirigiu no perı́odo
1944-1955, e depois foi Director de Investigação em Ciências Fı́sicas até 1958 e seguidamente um
dos dois Vice-Presidentes dos Bell Labs para Military Development and Systems Engineering até
1967 quando se aposentou. Pouco depois de se aposentar dos Bell Labs foi eleito para Gordon
McKay Professor of Systems Engineering na Harvard University, funções que exerceu até 1974.
134
Em inglês diz-se feedback. O uso de retroacção no projecto de sistemas remonta à Antiguidade
grega, para aumento da precisão de medição do tempo por relógios de água e para regulação do
nı́vel de contentores de lı́quidos. Durante a Revolução Industrial no final do séc. XVIII e ao longo
do séc. XIX foram desenvolvidos sistemas industriais com retroacção para máquinas a vapor, moi-
nhos, teares mecânicos, fornos de combustão, com a introdução de reguladores de temperatura,
pressão, velocidade. Um outro avanço importante foi a introdução de giroscópios em 1910 e de
sistemas de controlo com retroacção para manutenção de rumo em navios e de pilotos automáticos
em 1922 (ver exercı́cio 8.32). Contudo, o maior impulso tecnológico para o desenvolvimento das
técnicas de projecto de sistemas com retroacção foi a propósito de amplificadores electrónicos de
ganho muito elevado na indústria de comunicações, em particular com a introdução de retroacção
negativa no projecto de amplificadores por Harold Black (1898-1983) em 1927. O papel do Mathe-
matical Research Group dos Bell Labs foi determinante para este desenvolvimento em 1927-1940,
com a introdução de métodos baseados em Análise Complexa como: critério de estabilidade de
Nyquist em 1932 (exercı́cio 8.33) e diagrama de Bode em 1940 (exercı́cio 7.12).
Exercises of chapter 7 127

KG
sistemas lineares (ver os dois últimos exer í ios anteriores) eK > 0 , é T = 1+KHG .
K1
) Considere o sistema linear om função de transferên ia G(s) = 10s+1 e o sistema
linear om retroa ção da Figura 7.14. Determine a resposta ao escalão unitário
(u(t) = 0 para t < 0 , u(t) = 1 para t ≥ 0 ) do sistema em malha aberta om função
135
de transferên ia G e do sistema om retroa ção onsiderado, para K1 = Kt = 1 e
Ka = 100 (Figura 7.15).

Figura 7.14: Diagrama de blocos de sistema em malha aberta e com retroacção

Figura 7.15: Respostas dos sistemas com retroacção e em malha aberta


da figura precedente (à direita) ao escalão unitário (à esquerda)
d) Chama-se erro de um sistema linear de ontrolo om retroa ção omo na Figura
7.13 à diferença entre a saída e a entrada e = y −r . Mostre que a transformada de
1+KHG−KG
Lapla e do erro é E = 1+KHG
.

e) Chama-se erro estacionário136 de posição ess de um sistema de ontrolo om


retroa ção ao limite quando t → +∞ do erro no instante t quando a entrada é o
es alão unitário. Mostre que o erro de posição do sistema da Figura 7.13 é
1 + K H(s) G(s) − K G(s)
ess = lim 1 + K H(s) G(s)
.
s→0
1
Se H = 1 (sistema com retroacção identidade) é ess = lim 1 + KG(s)
e se H =0
s→0
(sistema em malha aberta) é ess = lim [1−KG(s)] .
s→0
(Observação: Em ) para malha aberta é ess = 0 e para retroa ção identidade ess = 101 1
,
e uma variação de 10% no ganho K1 do sistema ausa uma variação de 10% no erro
de posição em malha aberta e de 0,1% om retroa ção identidade. Portanto, embora seja
teori amente possível um erro de posição nulo em malha aberta, a sensibilidade a variações
do parâmetro do sistema (inevitáveis na práti a) é total para o sistema em malha aberta
e muito menor para o sistema om retroa ção, apesar de ter de haver erro de posição).

135
Esta função de transferência pode ser de um motor de corrente contı́nua em que a saı́da y(t) é
a velocidade. O sistema com retroacção indicado corresponde a realimentar a velocidade observada
por um tacómetro com ganho Ksubtraindo-a à entrada r(t) , que é a velocidade pretendida.
136
Em inglês diz-se steady state error.
Capı́tulo 8

Singularidades,
funções meromorfas e
teorema dos resı́duos

8.1 Introdução
Nos apítulos anteriores en ontraram-se diversas manifestações de proprie-
dades bastante restritivas de funções holomorfas, entre outras as equações
de Cau hy-Riemann, o Teorema de Liouville, o Teorema de Uni idade, a
Propriedade de Valor Médio, o Prin ípio de Módulo Máximo e o Teorema
de Cau hy. Uma outra manifestação deste tipo é que uma função holomorfa
num onjunto aberto limitado om fronteira su ientemente regular é om-
pletamente determinada pelos valores na fronteira (o que  a mais laro no
apítulo seguinte). Neste ontexto assumem parti ular interesse os pontos
isolados da fronteira do onjunto em que a função é holomorfa nos quais a
função tem singularidades. Há três tipos de singularidades isoladas: removí-
veis (a função é prolongável ao ponto de modo a também ser aí holomorfa),
pólos (a função tende para innito omo potên ias inteiras negativas das di-
ferenças ao ponto de singularidade) e essen iais (os valores da função numa
vizinhança da singularidade são densos em C ). Em 1868, independente-
mente, Y. Sohotsky (na tese de doutoramento) e F. Casorati, estabele eram
que estas eram as úni as possibilidades de singularidades isoladas e oito anos
depois K. Weierstrass deu outra prova deste resultado. Como o trabalho de
Y. Sohotsky demorou algum tempo a ser onhe ido na Europa o idental, o
resultado  ou om o nome de Teorema de Casorati-Weierstrass. O nome
pólo foi introduzidoem 1857 por C. Briot e J. Bouquet137 .
Se a singularidade isolada é essen ial ou um pólo, a função não é extensí-
vel na vizinhança da singularidade a uma função holomorfa, e não tem aí uma
representação em série de potên ias entrada na singularidade om expoen-
tes não negativos. Contudo, a função pode ser representada na vizinhança
destas singularidades por uma série de potên ias entrada na singularidade
137
Sohotsky, Yulian (1842-1927). Casorati, Felice (1835-1890).
130 Singularidades, funções meromorfas e teorema dos resı́duos

mas om alguns expoentes negativos (um no nito de tais termos se é um


pólo ou innito se a é uma singularidade essen ial), hamada série de Lau-
rent138 , por ter sido estabele ida por P.F.Laurent em 1843, embora já tivesse
apare ido nas notas de K. Weierstrass de 1841, só publi adas em 1894.
O nome resíduo foi introduzido em 1826 por A.-L. Cau hy para a di-
ferença dos integrais de uma função sobre dois aminhos om o mesmo par
ordenado de pontos ini ial e nal delimitando uma região onde a úni a sin-
gularidade é um pólo, que já tinha identi ado num trabalho de 1814. O
nome resíduo traduz literalmente uma quantidade residual que, nas ondi-
ções indi adas, falta a um dos integrais para dar o o outro. Os integrais em
aminhos fe hados de funções holomorfas num onjunto ex epto num on-
junto de pontos isolados em que têm pólos, hamadas funções meromorfas139
podem ser al ulados por simples soma de resíduos ou de seus simétri os.
Esta possibilidade foi estabele ida por A.-L. Cau hy em 1826, no Teorema
dos Resíduos, om a hipótese das funções serem C 1, mas omo se viu, om o
trabalho de E. Goursat em 1900 esta hipótese pode ser omitida. O teorema
tem extensas apli ações, nomeadamente porque quando pode ser apli ado
reduz o ál ulo de ertos integrais sobre aminhos fe hados ou de integrais
impróprios de funções reais a simples somas e diferenças de resíduos.
Uma outra onsequên ia do Teorema dos Resíduos é o Prin ípio do Ar-
gumento, que estabele e que a variação do argumento dos pontos da imagem
de uma função meromorfa f ao longo de um aminho fe hado é propor ional
ao integral ff sobre o aminho onsiderado. Isto permite obter a diferença

entre os no s de zeros e pólos, ontando multipli idades, na região em torno


da qual o aminho dá uma volta. Este resultado, publi ado por A.-L. Cau-
hy em 1855, generaliza para funções meromorfas a fórmula no apítulo 6 de
ontagem de zeros de funções holomorfas obtida.
O apítulo termina om uma apli ação do Prin ípio do Argumento que dá
igualdade das diferenças dos no s de zeros e pólos de duas funções meromorfas
f e g numa região em torno da qual um aminho fe hado γ dá uma volta, se
|f − g| < |f | + |g| (i.e. em ada ponto da urva γ ∗ representada pelo aminho
(i.e. em γ ∗ nun a se veri a igualdade na Desigualdade TRiangular para
f e g , ou seja os valores das duas funções não se anulam simultaneamente
em pontos de γ ∗ e quando nenhum se anula têm argumentos diferentes).
Este resultado é uma pequena extensão do Teorema de Rou hé, provado
por E. Rou hé em 1862, que tem a mesma tese mas a hipótese um pou o
mais forte |f −g| < |g| em γ ∗ ; esta extensão foi provada, independentemente,
por T. Estermann em 1962 e I. Gli ksberg140 em 1976. Também se mostrae
que este teorema pode ser apli ado para obter uma prova urta do Teorema
Fundamental da Álgebra, diferente das 4 variantes dadas no apítulo 6.
138
Laurent, Pierre Alfonse (1813-1854).
139
Este nome foi dado por C. Briot e J. Bouquet em 1857.
140
Glicksberg, Irvin.
8.2 Singularidades e séries de Laurent 131

8.2 Singularidades e séries de Laurent


Se Ω ⊂ C é um onjunto aberto, a ∈ Ω e f ∈ H(Ω\{a}) mas f ∈/ H(Ω) , diz-se
que f tem uma singularidade isolada em a . Se f pode ser denida (ou
redenida) em a de modo à nova função ser holomorfa em a , diz-se que a
singularidade em a é removı́vel.

(8.1) Uma singularidade de f ∈ H(Ω\{a}) num ponto a de um conjunto


aberto Ω ⊂ C é removı́vel se e só se f é limitada numa vizinhança de a .

Dem. Se a singularidade é removı́vel, f pode ser definida em a de modo a


ser holomorfa em Ω . Logo, a função resultante f é contı́nua em Br (a) ⊂ Ω
com r > 0 , e, do Teorema de Weierstrass de extremos de funções contı́nuas,
f é limitada em Br (a) .
Se f é limitada em Br(a)\{a} para algum r > 0 , a derivada em a de
(z−a)2 f (z) , se z ∈ Ω\{a}
h(z) = .
0 ,Pse z = a
′ ∞ n
é h (a) = 0 e h ∈ H(Ω) . Logo, P∞ h(z) = n=2n cn (z − a) , para z ∈ Br (a) .
Definindo f (a) = c2 , f (z) = n=0 cn+2 (z − a) para z ∈ Br (a) . Portanto,
f ∈ H Br (a) . Q.E.D.
O resultado seguinte ara teriza as singularidades isoladas.
(8.2) Se Ω ⊂ C é aberto, a ∈ Ω , f ∈ H(Ω\{a})\H(Ω) , em alternativa:
1. f tem uma singularidade removı́vel em a ;
2. existemP c1 , . . . , cm ∈ C , com cm 6= 0 , tais que
f (z) − m −k
k=1 c−k (x−a) tem uma singularidade removı́vel em a e
existe r > 0 tal que
X m X∞
−k
(8.3) f (z) = c−k (z−a) + cn (z−a)n , z ∈ Br (a)\{a} ;
k=1 n=0
3. f Br (a)\{a} é denso em C, para todo r > 0 tal que Br (a) ⊂ Ω .

Dem. Se não se verifica 3, existem r, δ > 0 e w ∈ C tais que |f (z)− w| > δ
para z ∈ Br (a)\{a}. g(z) = f (z)1− w satisfaz g ∈ H Br (a)\{a} e |g| < 1δ em
Br (a)\{a}, pelo que, do resultado precedente, g é extensı́vel a uma função
holomorfa em Br (a) , que se continua a designar por g .
Se g(a) 6= 0 , f = w + 1g define uma extensão de f em Bρ (a) para algum
ρ > 0 Logo, f tem uma singularidade removı́vel em a e verifica-se 1.
Se g(a) = 0 e m ∈ N é a ordem deste m
 zero de g , é g(z) = (z1 − a) g1 (z)
para z ∈ Br (a) , em que g1 ∈ H Br (a) e g1 (a) 6= 0 . Com h = g em Br (a)
 1
e ρ > 0Ptal que g1 não se anula em Bρ (a) , é h ∈ H Bρ (a) e, portanto,
h(z) = ∞ n
n=0 bn (z −a) , para z ∈ Bρ (a) , com b0 6= 0 pois h não tem zeros, e,
para z ∈ Br (a)\{a} , é ∞ m ∞
X X X
1
f (z) = w + g(z) =w+ bn (z−a)n−m = c−k (z−a)−k + cj (z−a)j ,
n=0 k=1 j=0
em que c−k = bm−k , c0 = w+bm , cj = bm+j , pelo que se verifica 2. Q.E.D.
132 Singularidades, funções meromorfas e teorema dos resı́duos

Na alternativa 2 diz-se que f tem um pólo de ordem m em a , hama-se


parte principal ou parte singular de f em a à função ra ional denida
por Q(z) = Pmk=1 c−k (z −a)−k e diz-se que (8.3) é a série de Laurent de
f centrada em a . Na alternativa 3 diz-se que f tem uma singularidade
essencial em a ; todo número omplexo w pode ser aproximado pelos valores
de f em pontos de uma su essão {zn } ⊂ C tal que zn → a ; do resultado que
se segue, f tem em Br (a)\{a} , para algum r > 0 , um desenvolvimento em
série de Laurent centrada em a ,

X m
X +∞
X
−k n
(8.4) f (z) = c−k (z−a) + cn (z−a) = cn (z−a)n ,
k=1 n=0 n=−∞
P
Uma série de Laurent n∈Z cn diz-se (resp., absolutamente ou
(z−a)n
uniformemente) convergente se as séries que orrespondem aos termos de
potên ias não negativas e de potên ias negativas, separadamente, são (resp.,
absolutamente ou uniformemente) onvergentes. A estas séries hama-se,
resp., parte regular de f em a , e parte principal (ou parte singular)
de f em a . Por exemplo, a função e tem singularidade essen ial em 0 .
1
z

Figura 8.1: Coroa de convergência de série de Laurent


Os resultados gerais de onvergên ia de séries de potên ias impli am
que a parte regular de uma série de Laurent é absolutamente onvergente
no interior √de um ír ulo de onvergên ia om raio (de onvergên ia)
R2 = 1/ lim cn e a parte prin ipal é absolutamente onvergente no exterior
n

de um ír ulo om raio R2 = 1/ lim √c−n . Portanto, uma série de Laurent


n

é absolutamente onvergente no interior de uma oroa ir ular limitada por


ir unferên ias de raios 0 ≤ R1 ≤ +∞ e 0 ≤ R2 ≤+∞ , hamada coroa de
convergência da série de Laurent (Figura 8.1); pode ser R1 ≥ R2 , i.e. a
série de Laurent diverge em todos pontos. Se o onjunto de onvergên ia
não é vazio, a série de Laurent é absolutamente onvergente no interior da
oroa de onvergên ia e na fronteira há pontos em que diverge e pode haver
pontos em que onverge mas não absolutamente. A onvergên ia é uniforme
em todos sub onjunto ompa to da oroa de onvergên ia. Do Teorema de
Weierstrass de séries uniformemente onvergentes, a soma de uma série de
Laurent é analíti a na oroa de onvergên ia. Mais geralmente, tem-se o
resultado seguinte publi ado por P.A.Laurent em 1843, mas que apare e nas
notas de K. Weierstrass de 1841, só publi adas em 1894.
8.2 Singularidades e séries de Laurent 133


(8.5) Se f ∈ H BR2 (a) \ BR1 (a) , com a ∈ C e R2 > R1 ≥ 0 , para
z ∈ BR2 (a)\BR1 (a) f tem desenvolvimento em série de Laurent único
+∞
X Z
n 1 f (w)
f (z) = cn (z−a) , com cn = i2π (w−a) n+1 dw , n∈Z ,
n=−∞ γ

em que γ : [0, 2π] → C satisfaz γ(θ) = a+reiθ e R1 < r < R2 .


 
Dem. Prova-se que f = f1 +f2 , em que f1 ∈ H BR2 (a) e f2 ∈ H C\BR2 (a)
com lim f2 (z) = 0 . Para tal define-se
|z|→+∞ Z Z
f1 (z) = i2π w−z dw , z ∈ Br (a) , f2 (z) = − i2π fw−z
1 f (w) 1 (w)
dw , z ∈ C\Br (a) .
γ   γ
De (5.8), f1 ∈ H Br (a) e f2 ∈ H C \ Br (a) . Do Teorema de Cauchy
Global (7.3), os valores dos integrais nas definições de f1 e f2 são
os mesmos para r ∈ ]R1 , R2 [ , com r 6= |z − a| , pelo que as fórmulas defi-
P∞ f1 ∈ H nBR2 (a) e f2 ∈1 HR C \f (w)
nem funções BR1 (a) . Para z ∈ BR2 (a) é
f1 (z) = n=0 an (z−a) , em que an = i2π γ (w−a)n+1 dw . Com g(s) = f2 a+ 1s ,
como lim f2 (z) = 0 , é lim g(s) = 0 e g é limitada em B1/R1 (0) \ {0}. De
|z|→+∞ s→0
(8.1), a singularidade de g na origem é removı́vel P com g(0) = 0 e, com esta
extensão, g ∈ H B1/R1 (0) , pelo que g(s) = ∞ n=1 b n sn , em que
Z Z Z
1 g(s) 1 f2 (a+1/s) 1 f2 (w)
bn = i2π sn+1
ds = − i2π sn+1
ds = i2π (w−a)−n+1
dw ,
λ λ γ P
com λ : [0, 2π] → C tal que λ(θ) = 1r e−iθ . Logo, f2 (z) = ∞ b (z − a)−n ,
  n
n=1
para z ∈ C\BR1 (a) . Como g ∈ H B1/R1 (0) e f1 ∈ H BR2 (a) , do Teorema
de Cauchy Global (7.3), para n ∈ N ,
Z Z Z
f2 (w) g(s)
(w−a)n+1 dw = − s−n+1 ds = − g(s) sn−1 ds = 0 ,
γ λ λ
Z Z
f1 (w)
(w−a)−n+1
dw = f1 (w) (w−a)n−1 dw = 0 .
γ γ
Portanto, c0 = a0 , cn = an , c−n= bn , para n ∈ N , pelo que f o desenvolvimento
em série de Laurent
X∞ ∞
X X∞
n −n
f (z) = f1 (z)+f2 (z) = an (z−a) + bn (z−a) = cn (z−a)n .
n=0 n=1 n=−∞
Resta provar unicidade. Se γ ∗ é um subconjunto compacto da coroa de con-
vergência da série de Laurent, esta converge uniformemente em γ ∗ . Logo,
uma série obtida multiplicando todos os termos por uma potência fixa de
(z −a) também converge uniformemente ∗
R em γ j, e, portanto, pode ser inte-
R a termo em γ . De (4.4), γ (w−a) = 0 para j ∈ Z\{−1} , e, de
grada termo
(4.10), é γ (w−a)−1 = i2π . Portanto,
Z ∞
X Z
f (w)
(w−a)n+1 dw = ck (z−a)k−n−1 = i2π cn , n ∈ N .
γ k=−∞ γ
Esta fórmula determina os coeficientes da série de Laurent. Q.E.D.
134 Singularidades, funções meromorfas e teorema dos resı́duos

1
(8.6) Exemplo: f (z) = (z−1)(z−2) é holomorfa em cada uma das coroas
circulares B1 (0)\{0}, B2 (0)\B1 (0), C\B2 (0) . Para obter séries de Laurent
1 1
de f nestas coroas circulares, observa-se que f (z) = z−2 − z−1 e

X
1

z n
z−r = − 1r 1−z/r
1
= − 1r r , z ∈ Br (0) ,
n=0

X ∞
X
1 1 1 1

r n

z −n
z−r = z 1−r/z = z z = 1r r , z ∈ C\Br (0) ,
n=0 n=1
Logo, obtêm-se as séries de Laurent

X ∞ ∞
1
 X
z n n
X
1
 n
f (z) = − 2 2 + z = 1− 2n+1 z , z ∈ B1 (0) ,
n=0 n=0 n=0
X∞ X∞

z n
f (z) = − 12 2 − z −n , z ∈ B2 (0)\B1 (0) ,
n=0 n=1
X∞ X∞ ∞
X

z −n
 −n
f (z) = 1
2 2 − z −n = 1
1− 2−n+1 z , z ∈ C\B2 (0) ,
n=1 n=1 n=1
Portanto, f não tem parte singular em B1 (0)\{0} (i.e. é holomorfa em B1 (0))
e não tem parte regular em C\B2 (0) , enquanto em B2 (0)\B1 (0) tem tanto
parte singular como parte regular diferentes de zero.
As séries de Fourier de funções periódi as holomorfas numa faixa do
plano omplexo entre re tas paralelas na dire ção do período obtêm-se di-
re tamente das séries de Laurent por uma simples mudança de variáveis,
mostrando que séries de Fourier de funções periódi as são apenas uma visão
alternativa das suas séries de Laurent, e revelando no quadro omplexo uma
ligação dire ta entre séries de Fourier e séries de potên ias inatingível no
quadro real.
(8.7) Série de Fourier: Se τ ∈ C \ {0}, a < b ≤ +∞ , Sa,b é a faixa
entre rectas paralelas (ou o semiplano) Sa,b = {z ∈ C : a < 2π Im τz < b} e
F ∈ H(Sa,b ) é periódica com perı́odo τ , para z ∈ Sa,b é
+∞
X Z
F (z) = cn ei2πz/τ
, com cn = τ F (z) e−i2πz/τ dz , n ∈ Z ,
1

n=−∞ γz0 ,τ
em que γz0 ,τ : [0, 2π] → C é qualquer caminho seccionalmente regular em
Sa,b de um ponto z0 ao ponto z0 +τ . Rτ
Em particular, se adicionalmente τ ∈ R , cn = τ1 0 F (t) e−i2πt/τ dt.

Dem. É uma aplicação imediata de (8.5) com R1 = e−b , R2 = e−a e F (z) =


f (ei2πz/τ ) , pois F é periódica com perı́odo τ se e só se existe f ∈ H BR2 (a)\

BR1 (a) tal que se verifica a igualdade precedente, e a mudança de variáveis
w = ei2πz/τ na fórmula para cn em (8.5) dá a fórmula no enunciado. Q.E.D.
8.3 Funções meromorfas e teorema dos resı́duos 135

8.3 Funções meromorfas e teorema dos resı́duos


Diz-se que uma função omplexa f é meromorfa num onjunto aberto Ω ⊂ C
se existe um onjunto A ⊂ Ω tal que: (1) f ∈ H(Ω\A) , (2) f tem um pólo
em ada ponto de A , e (3) A não tem pontos limite em Ω . Designa-se o
onjunto das funções meromorfas em Ω por M (Ω) .
É imediato da denição que se Ω é um subconjunto aberto não vazio de
C , M (Ω) é espaço linear complexo com as operações usuais.
As funções meromorfas são as funções sem singularidades (A = ∅) ou om
singularidades que são pólos isolados. A ondição (3) impli a que nenhum
onjunto ompa to tem innitos pontos de A , pelo que o conjunto de pólos
de uma função meromorfa é numerável.
De (8.2), uma função meromorfa tem numa vizinhança P de ada ponto a
do seu domínio desenvolvimento em série de Laurent f (z) = ∞ k=o ck (z−a) ,
k

om oa ∈ Z , em que f tem um pólo de ordem −oa ou um zero de ordem oa


a

em a se, resp., oa < 0 ou oa > 0 , pelo que se hama a oa a ordem da função


meromorfa f em a .
Se f é uma função meromorfa num onjunto aberto Ω ⊂ C e a ∈ Ω é um
pólo de f , hama-se resı́duo de f em a a
Z
1
(8.8) Res(f ; a) = i2π f (z) dz ,
γ
em que γ : [0, 2π] → C é tal que γ(θ) = a+r eiθ e r > 0 é tal que no interior
do ír ulo limitado pela ir unferên ia γ ∗ a função f não tem singularidades
além do pólo em a (Figura 8.2). Do Teorema de Cau hy, os integrais al u-
lados em diferentes ir unferên ias γ ∗ nas ondições anteriores são iguais.
Nas ondições indi adas, de (8.2), f tem representação em série de Lau-
rent P∞n=−∞ cn (z−a) em BR (a)\{a} , em que R > 0 ou R = +∞ é a distân ia
n

de a à mais próxima das outras singularidades de f e


(8.9) Res(f ; a) = c−1 .
Se o pólo de f emP∞a é simples (ni.e. de ordem 1), a série de Laurent de f
entrada em a é n=−1 cn (z−a) e c−1 = z→a lim (z−a)f (z) , pelo que

(8.10) Res(f ; a) = lim (z−a)f (z) , se o pólo em a é simples.


z→a

Se oPpólo de f em a é de ordem m ∈ N , a série de Laurent de f entrada em


aé ∞ n=−m cn (z−a) e c−1 = (m−1)! z→a [(z−a)m f (z)] , pelo que
1 (m−1)
n lim ddz m−1

(m−1)  
1
(8.11) Res(f ; a) = (m−1)! lim ddzm−1 (z −a)m f (z) , se o pólo em a é de ordem m.
z→a

Nas ondições indi adas, se Γ é um i lo em Ω , a ∈ A\Γ∗ e P designa a parte


prin ipalZde f em a , Z
m
X
(8.12)
1
i2π
1
P (z) dz = i2π c−k (z−a)−k+1 z−a
1
dz = c−1 IndΓ (a) = Res(P ; a) IndΓ (a) .
Γ Γ k=1
136 Singularidades, funções meromorfas e teorema dos resı́duos

Esta fórmula é um aso parti ular do Teorema dos Resíduos que se se-
gue. Este teorema foi estabele ido no aso de funções C 1 por A.-L. Cau hy
num trabalho publi ado em 1826, seguido de vários artigos om apli ações.
Permite al ular integrais de funções meromorfas em aminhos fe hados por
somas nitas de quantidades lo ais dadas pelos resíduos da função num no
nito de pólos e tem amplas apli ações.

1
R
Figura 8.2: Pólos ak e resı́duos Res(f ; ak ) = i2π γkf (z) dz de f ∈ M (Ω)

(8.13) Teorema dos Resı́duos: Se Ω ⊂ C é aberto, Γ é um ciclo em Ω


homólogo a zero em Ω , f ∈ M (Ω) e A é o conjunto dos pólos de f em Ω ,
Z X
1
i2π f (z) dz = Res(f ; a) IndΓ (a) .
Γ a∈A
em que a soma tem um no finito de termos.

Dem. Seja B = {a ∈ A : IndΓ (a) 6= 0} . A função IndΓ definida em C \ Γ∗


é zero na componente conexa ilimitada V de C ⊂ Γ∗ . Como A não tem
pontos limite em Ω e C\V é compacto, B é um conjunto finito, e a soma
no enunciado tem um no finito de termos. Se a1 , . . . , am são os elementos
distintos de B, as partes principais de f nestes pontos são, resp., P1 , . . . , Pm e
g = f−(P1+· · ·+Pm ) (se B = ∅ , é g = f ), como g tem singularidades removı́veis
nos pontos a1 , . . . , am , do TeoremaR de Cauchy Global (7.3) aplicado a g no
conjunto aberto Ω0 = Ω\(A\B) , Γ g(z) dz = 0 , e, com (8.12),
Z Xm Z m
X
1 1
i2π f (z) dz = i2π Pk (z) dz = Res(Pk ; ak ) IndΓ (ak ) .
Γ k=1 Γ k=1
A prova termina verificando que f e Pk têm o mesmo resı́duo em ak . Q.E.D.

(8.14) Exemplos:
1
1. Para calcular o integral de f (z) = (z−1)(z−2) , considerada no Exem-
plo (8.6), em caminhos γa,r : [0, 2π] → C tais que γa,r (θ) = a + r eiθ , com
a ∈ C\{1, 2}, r ∈ R+{|a−1|, |a−2|}, nota-se que, de (8.10), Res(f ; 1) = −1 e
Res(f ; 2) = 1 , pelo que o Teorema dos Resı́duos dá (Figura 8.3)


 0 , se 0 < r < min{|a−1|, |a−2|}
Z 
 Res(f ; 1) = −1 , se |a−1| < r < |a−2|
f (z) dz =
γa,r 
 Res(f ; 2) = 1 , se |a−2| < r < |a−1|


Res(f ; 1)+Res(f ; 2) = 0 , se r > max{|a−1|, |a−2|} .
8.3 Funções meromorfas e teorema dos resı́duos 137

π
O integral de f no caminho λ : [0, 2π] → C com λ(ϕ) = 23 +3 cos(ϕ) e−i 4 sin ϕ é
Z
f (z) dz = Res(f ; 1) − Res(f ; 2) = −1 − 1 = −2 .
λ

1
Figura 8.3: Valores I dos integrais de f (z) = (z−1)(z−2) em
circunferências em C\{1, 2} no caminho λ indicado
R 2π
2. Integrais de funções racionais de senos e cosenos 0 R(cos θ, sin θ) dθ,
em que R é uma função racional de duas variáveis, podem ser facilmente
calculados com o Teorema dos Resı́duos. Também podem ser calculados por
iθ −iθ
primitivação, mas, em geral, com muito mais trabalho. Como cos θ = e +e2
iθ −iθ
e sin θ = e −e2i
, com γ : [0, 2π] → C tal que γ(θ) = eiθ , a substituição z = eiθ ,
e o Teorema dos Resı́duos, permitem escrever o integral na forma
Z 2π Z X
  1 
R(cos θ, sin θ) dθ = 1i R 21 z+ z1 , 2i z− z1 z1 dz = 2π Res(f ; a) ,
0 γ a∈A
1 11
 
em que f (z) = R 2 z + , 2i z z − z1 1z e A é o conjunto de pólos de f no
cı́rculo com raio 1 e centro na origem B1 (0) . Rπ 1
Como exemplo concreto calcula-se o integral 0 a+cos θ dθ , para a > 1 .
Como cos(2π−θ) = cos θ ,
Z π Z 2π Z Z
1 1 1 1 1  z dz = i 2 1
1 1
a+cos θ dθ = 2 a+cos θ dθ = i2 1 1
dz .
z +2az+1
0 0 γ a+ 2i z+ z γ
O denominador na função integranda no último termo desta√equação pode
ser factorizado na forma (z −z+ )(z −z− ) , em que z± = −a± a2 −1 . Como
1
z− < −1 < z+ < 0 , é A = {z+ } e, com f (z) = (z−z+ )(z−z −)
,
1 1 √1
Res(f ; z+ ) = lim [ (z−z+ ) f (z) ] = lim z−z −
= z+ −z− = 2 a2 −1
.
z→z+ z→z+
Rπ 1
Portanto, 0 a + cos θ dθ = √aπ2 −1 .
138 Singularidades, funções meromorfas e teorema dos resı́duos

Diz-se que uma função f holomorfa em Ω ⊂ C que ontém uma vi-


zinhança do infinito (i.e. Ω ⊃ C \ Br (0) para algum r > 0 ) tem uma
singularidade isolada (resp., removı́vel, pólo de ordem m, essencial)
no infinito se a função g(z) = f (z)
1
tem uma singularidade isolada (resp.,
removível, pólo de ordem m, essen ial) em zero. Se f tem um pólo de ordem
m no innito, dene-se o resı́duo de f no infinito por
Z
1
(8.15) Res(f, ∞) = i2π f (z) dz ,
−γr
em que γr : [0, 2π] → C om γr (θ) = reiθ e r > 0 é tal que a função f não tem
singularidades
Z
noZexterior do ír ulo limitado Zpela ir unferên ia γr∗. Como
2π 2π  
eiθ ieiθ
f (z) dz = f (re−iθ ) (−ir) e−iθ dθ = − g r r 2 e−i2θ g r dθ
−γr 0 0
Z Z

= − g(z) z12 dz = − f 1z z12 dz ,
γ1 γ1
r  r
om a função h(z) = −f 1 1
z z2 ,
(8.16) Res(f ; ∞) = Res(h; 0) .
Da série de Laurent de g entrada em zero g(z) = Pn∈Zc−nP z −n obtém-se a
série de Laurent de f centrada em ∞ , f (z) = g 1z = n∈Z cn z n , que
tem partes singular e regular dadas pelos termos de ordem, resp., positiva e
negativa desta série, pelo que
(8.17) Res(f ; ∞) = −c−1 .
ou seja, o resíduo no innito é o simétri o de um oe iente da parte regular
da série de Laurent entrada no innito. Em parti ular, se f tem uma
singularidade removível no innito, o seu resíduo no innito pode ser 6= 0 .
O resultado elementar seguinte, relativo à soma total de resíduos, é útil
em situações omo a do exemplo que se lhe segue.
(8.18) Se f ∈ M (C) tem um conjunto finito
P A de pólos e um pólo em ∞
ou uma singularidade em ∞ removı́vel, a∈A Res(f ; a)+Res(f ; ∞) = 0 .

Dem. Se γr é um caminho nasR condições do penúltimo parágrafo anterior


ao enunciado, Res(f ; ∞) = i2π 1
−γr f (z) dz , e o Teorema dos Resı́duos dá
R P
1
i2π −γr
f (z) dz = a∈A Res(f ; a) , que implica a fórmula no enunciado. Q.E.D.
R
(8.19) Exemplo: Pode-se calcular γ (1+z1 8 )2 dz , em que γ : [0, 2π] → C satis-
faz γ(θ) = 2eiθ , sem calcular os resı́duos no conjunto A dos 8 pólos de ordem
2 da função integranda (Figura 8.4). Como todos pólos estão na circunfe-
rência com centro na origem e raio 1 e, portanto, são interiores ao cı́rculo
limitado por γ ∗ , do Teorema dos Resı́duos e do resultado precedente,
Z X X
1
(1+z )8 2 dz = i2π Res(f ; a) = −i2π Res(f, ∞) .
γ a∈A a∈A
8.3 Funções meromorfas e teorema dos resı́duos 139


f (z) = (1+z1 8 )2 tem uma singularidade removı́vel no infinito, pois g(z) = f 1z
é extensı́vel a uma função holomorfa numa vizinhança da origem com  o
valor 0 na origem, e este zero Rtem ordem 16, pelo que, com h(z) = f 1z z12 ,
é Res(f ; ∞) = Res(h; 0) = 0 , e γ (1+z1 8 )2 dz = 0 .

1
Figura 8.4: Pólos de (1+z 8 )2

O Teorema dos Resíduos permite al ular ertos integrais impróprios de


funções de uma variável real, omo no exemplo seguinte.
R +∞ eitx
(8.20) Exemplo: Considera-se a função real ϕ(t) = −∞ 1+x 2 dx. Este inte-
gral impróprio converge absolutamente, pois a função integranda tem mó-
1
dulo 1+x 2 que tem integral impróprio de −∞ a +∞ convergente. Prolonga-se
eitz
a função integranda à função complexa f (z) = 1+z 2 e escolhe-se um caminho
seccionalmente regular fechado simples que percorre o segmento de recta no
eixo real que liga os pontos −R a R e, depois, percorre a semi-circunferência
com raio R > 0 e centro na origem contida no semiplano superior de C ;
designa-se esta última parte do caminho por γR (Figura 8.5). A função f é
meromorfa em C com os pólos simples em ±i , pelo que
itz
eitz ∓t
Res(f ; ±i) = lim (z∓i) e
1+z 2
= lim z±i = ± e2i .
z→±i z→±i
Do Teorema dos Resı́duos, para R > 1 é
Z R Z
f (x) dx + f (z) dz = i2π Res(f ; i) = π e−t .
−R γR
Para obter o integral impróprioR que define ϕ é natural fazer r → +∞ e
ver o que acontece ao integral γR f (z) dz . Como para (x, y) = z ∈ γR ∗ é
−ty R
|f (z)| ≤ Re2 −1 , para t ≥ 0 tem-se lim γR f (z) dz ≤ lim RπR 2 −1 = 0 , e
RR −t
R→+∞ R→+∞
ϕ(t) = lim −R f (x) dx = π e . Para t < 0 esta majoração não limita o
r→+∞
valor do integral porque e−ty é ilimitada para (x, y) = z ∈ γR
∗ e R → +∞ . De

modo análogo, mas substituindo a semi-circunferência do semiplano superior


pela simétrica no semiplano inferior e designando o resp. caminho por λR ,
obtém-se também para t < 0 uma majoração análoga. Como o Teorema dos
140 Singularidades, funções meromorfas e teorema dos resı́duos

Resı́duos dá, para R > 1 ,


Z R Z
f (x) dx + f (z) dz = −i2π Res(f ; −i) = π e−t ,
−R
RλR
R

e para t < 0 é ϕ(t) = lim −R f (x) dx = π et , é ϕ(t) = e−|t| , t ∈ R .


R→+∞

itz
e
Figura 8.5: Pólos de ft (z) = 1+z 2 , para t ∈ R , e caminhos de

integração considerados no exemplo (8.20)


A ideia apli ada no exemplo anterior é útil noutras ir unstân ias, pelo
que onvém expli itá-la no resultado seguinte141 .
(8.21) Lema de Jordan: Seja f uma função definida e contı́nua em
{z ∈ C : Imz ≥ 0 , |z| > r}, γR : [0, π] → C tal que γR (θ) = R eiθ , e
K(R) um majorante de |f | em γR ∗ para R > r. Se lim K(R) = 0 , para
R R→+∞
t > 0 é lim γR f (z) eitz dz = 0 ; substituindo Imz ≥ 0 por Imz ≤ 0 e
R→+∞
γR (θ) = R eiθ por γR (θ) = R e−iθ obtém-se a mesma conclusão para t < 0 .
θ
Dem. Para θ ∈ [0, π2 ] é sin θ ≥ 2θ
π e eitγR (θ) = e−tR sin θ ≤ e−2tR π . Para
2(π−θ) itγ (θ) −tR sin θ π−θ
θ ∈ [ π2 , π] é sin θ = sin(π−θ) ≥ e R = e ≤ e−2tR π . Logo
π
Z Z π Z π 
2 θ
−2tR (π−θ)
f (z) eitz dz ≤ K(R) e −2tR π
R dθ + e π R dθ = K(R) πt (1 − e−tR ) .
π
γR 0 2

As parcelas no último termo tendem para 0 quando R → +∞ . Se t < 0 ,


verifica-se a desigualdade substituindo t por |t| . Q.E.D.

(8.22) Exemplos:
1. O método do exemplo (8.19) com o Lema de Jordan permite calcular
R +∞
os integrais −∞ R(x) eix dx , em que R é uma função racional com o grau
do denominador
R +∞ pelo menos duploP do numerador e sem pólos no eixo real,
obtendo-se −∞ R(x) eix dx = i2π a∈A Res(f ; a) , com f (z) = R(z) eiz e A o
conjunto dos pólos de f no semiplano complexo superior.
141
Apareceu pela 1a vez em 1894 no Cours d’Analyse da École Polytechnique de C. Jordan.
8.3 Funções meromorfas e teorema dos resı́duos 141

Figura 8.6: Caminho de integração do exemplo (8.22.1)


R +∞
2. Para integrais −∞ R(x) eix dx como no exemplo precedente, mas com
R uma função racional com o grau do denominador igual ao do numerador
mais 1, é possı́vel mostrar que a mesma fórmula permite calcular o integral
com os resı́duos dos pólos da mesma função no semiplano complexo supe-
rior, embora por um processo diferente. Não só não é fácil estimar o integral
sobre semicircunferências, como a consideração dessas semicircunferências
Rr
permitiria, quanto muito, provar a convergência de lim −r R(x) eix dx (i.e.
r→+∞
o valor principal
Rc do integral impróprio) quando o que se pretende é o
limite de −b R(x) eix dx quando b e c tendem, independentemente, para
+∞ . No exemplo precedente esta questão não surgia porque a convergência
do integral podia ser assegurada à partida. Por isso, neste caso é natu-
ral considerar a integração sobre a fronteira de um rectângulo de vértices
−b, c, c+iy e −b+iy, com b, c, y > 0 . Para valores suficientemente grandes de
b, c, y > 0 , o rectângulo contém todos os pólos de f no semiplano complexo
superior (Figura 8.7). Como o grau do denominador é o do numerador mais
1, |z R(z)| é limitada por uma constante K > 0 . Logo, o integral de f no
R y e−t R y −t
lado vertical direito do rectângulo é ≤ K 0 |c+it| dt ≤ K K
C 0 e dt < C , e ana-
K
logamente, o integral de f no lado vertical esquerdo do rectângulo é < C.
−y
O integral de f no lado horizontal superior do rectângulo é < K(b+c)e y .
Portanto, se A é o conjunto dos pólos de f no semiplano complexo superior,
Z c
X  −y
R(x) eix dx − i2π Res(f ; a) < K 1b + 1c +K e y (b+c) .

−b a∈A
Com y, b, c a tenderem, independentemente, para +∞ , obtém-se
Z +∞ X
R(x) eix dx = i2π Res(f ; a) .
−∞ a∈A

Figura 8.7: Caminho de integração do exemplo (8.22.2)


142 Singularidades, funções meromorfas e teorema dos resı́duos

R +∞
3. Para calcular 0 sinx x dx procede-se como no exemplo (8.20). A ex-
tensão natural da função integranda ao plano complexo é a função complexa
eiz −e−iz eiz −iz
f (z) = sinz
z = 2iz . As funções 2iz e e2iz têm uma única singularidade,
situada na origem. Portanto, é natural evitar a origem considerando a in-
tegração num caminho seccionalmente regular simples que percorre sucessi-
vamente a semi-circunferência com raio r > 0 e centro na origem contida no
semiplano superior de C , o segmento de recta no eixo real que liga os pontos
r e R > 0 , a semi-circunferência com raio R e centro na origem contida no
semiplano superior de C e o segmento de recta no eixo real que liga os pontos
−R e −r (Figura 8.8). Obtém-se
Z R  Z R ix Z R   Z R ix Z −r 
sinx 1 e e−ix 1 e eix
x dx = i2 x dx − x dx = i2 x dx + x dx ,
r r r r −R
e designando γr , γR as partes do caminho que percorrem as semi-circunferências
de raio, resp., r e R , do Teorema de Cauchy,
Z R Z Z −r Z
eix eiz eix eiz
x dx + z dz + x dx + z dz = 0 .
r γR −R γr

∗ é 1 ≤ 1 , o Lema de Jordan implica que o limite do
Como, para z ∈ γR z R
2o integral na fórmula tende para zero quando R → +∞ . Logo, das duas
últimas fórmulas,
Z +∞ Z R  Z Z  Z
sin x sinx 1 eiz eiz 1 eiz
x dx = lim x dx = − i2 lim z dz + lim z dz = − i2 lim z dz.
0 R→+∞ r R→+∞ γR r→0 γr r→0 γ
r
r→0
iz
g(z) = e z−1 tem uma singularidade removı́vel na origem. Do Teorema de
Weierstrass de extremos de funções contı́nuas, |g| é majorado no cı́rculo
R iz
B1 (0) por algum K > 0 . Logo, γr e z−1 dz ≤ πrK, que tendem para 0
quando r → 0 . Portanto,
Z +∞ Z Z π Z π
sin x 1 1 1 − sin θ+i cos θ 1
x dx = − i2 lim z dz = 2 lim i(cos θ+i sin θ) dθ = 2 lim 1 dθ = π2 .
0 r→0 γr r→0 0 r→0 0

eiz
Figura 8.8: Pólo de z e caminho de integração do exemplo (8.22.3)

8.4 Contagem de zeros e pólos de funções


meromorfas
Para uma função omplexa f denida em Ω ⊂ C designa-se o número de
zeros de f em Ω por N0 (f ; Ω) e o número de pólos de f em Ω por
8.4 Contagem de zeros e pólos de funções meromorfas 143

N p (f ; Ω) ,
ontando multipli idades de a ordo om as ordens dos zeros e
pólos da função f . O resultado seguinte dá a diferença dos nos de zeros
e polos de funções meromorfas numa região por apli ação do Teorema dos
Resíduos, estendendo o resultado (6.13) de ontagem de zeros de funções
holomorfas.

Figura 8.9: Ilustração do Princı́pio do Argumento (2 zeros e 1 pólo em


B1 (0) : à direita indica-se a imagem da fronteira do cı́rculo e dos 4 raios
indicados à esquerda, 2 passando nos zeros e 1 no pólo)

(8.23) Princı́pio do Argumento: Se Ω ⊂ C é uma região, f ∈ M (Ω) e


γ é um caminho fechado seccionalmente regular em Ω homólogo a zero
em Ω que não passa em zeros ou pólos de f tal que Indγ (z) ∈ {0, 1} para
z ∈ Ω\γ ∗ e Ω1 = {z ∈ Ω : Indγ (z) = 1}, Z
f ′ (z)
N0 (f ; Ω1 ) − N p (f ; Ω1 ) = 1
i2π f (z) dz = IndΓ (0) ,
γ
em que Γ = f ◦γ (Figura 8.9).

Dem. Como f é meromorfa em Ω , as singularidades de ϕ = ff em Ω são
pólos ou zeros de f . Como os zeros de f têm ordem finita, as singularidades
de ϕ são pólos isolados, e ϕ também é meromorfa em Ω . Se f tem um
zero de ordem m(a) em a ∈ Ω , é f (z) = (z −a)m(a) h(z) , em que h e h1 são
h′ (z)
holomorfas numa vizinhança V de a . Para z ∈ V \{a} é ϕ(z) = m(a) z−a + h(z) e,

como hh é holomorfa em V , ϕ tem um pólo simples em a e Res(ϕ; a) = m(a) .
Analogamente, se f tem um pólo em b ∈ Ω de ordem p(b) , a singularidade
de f1 em b é removı́vel e a sua extensão holomorfa g a uma vizinhança
de b tem um zero em b de ordem p(b) . Logo g(z) = (z − b)p(b) k(z) , em
que k e k1 são holomorfas numa vizinhança Ve de b . Para z ∈ Ve \ {b} é
1 ′ g ′ (z)
ϕ(z) = g(z) g(z) = − g(z) e, obtém-se analogamente que ϕ tem um pólo
simples em b e Res(ϕ; b) = −p(a) . Designa-se A = {a ∈ Ω1 : f (a) = 0} e
B = {b ∈ Ω1 : f tem um pólo em b} . O Teorema dos Resı́duos dá
Z X X
1
i2π ϕ(z) dz = Res(ϕ; a) + Res(ϕ; b) = N0 (f ; Ω1 ) − N p (f ; Ω1 ) .
γ a∈A b∈B
144 Singularidades, funções meromorfas e teorema dos resı́duos

Resta calcular IndΓ (0) . Designando o domı́nio do caminho γ por [c, d] ,


Z Z d Z d Z
1 1 1 (f ◦γ)′ 1 (f ′ ◦γ) γ ′ 1 f ′ (z)
IndΓ (0) = i2π z dz = i2π f ◦γ = i2π f ◦γ = i2π f (z) dz .
Γ c c γ
Q.E.D.
A razão do nome Prin ípio do Argumento é que se fosse possível denir
uma função logaritmo ln f sobre os valores do aminho γ , seria uma primitiva
de ff , pelo que da fórmula no enun iado ln f variaria de i2πK ao longo de

γ , em que K é a diferença entre os números de zeros e pólos de f em Ω1 ,


i.e. a parte imaginária de ln f , ou seja o argumento de f , variaria 2πK . Não
se pode denir uma função logaritmo R f
nestas ir unstân ias em f (γ ∗) (se
fosse possível impli aria o absurdo γ f = 0 ), mas pode-se tornar rigorosa a

on lusão que, onsiderando variações ontínuas do argumento de f sobre o


aminho γ , a variação total do argumento do ponto ini ial ao nal é 2πK ,
o que orresponde aos valores f (z) darem K voltas no sentido positivo em
torno da origem à medida que z per orre a urva γ ∗ ao longo do aminho γ
(ver guras 8.9, 6.2 e 4.7).
O resultado seguinte foi obtido em 1962 por T.Estermann e, independen-
temente, em 1976 por I.Gli ksberg142 . É uma pequena extensão do Teorema
de Rou hé lássi o, o qual tem a mesma tese mas a hipótese um pou o mais
forte |f −g| < |g| em γ ∗.
(8.24) Teorema de Rouché: Se Ω ⊂ C é uma região, f, g ∈ M (Ω) e γ
é um caminho fechado seccionalmente regular em Ω homólogo a zero em
Ω que não passa em zeros ou pólos de f ou g tal que Indγ (z) ∈ {0, 1}
para z ∈ Ω\γ ∗ e Ω1 = {z ∈ Ω : Indγ (z) = 1},
|f −g| < |f |+|g| em γ ∗ =⇒ N0 (f ; Ω1 )−N p (f ; Ω1 ) = N0 (g; Ω1 )−N p (g; Ω1 ).

Dem. Em γ ∗ , fg −1 < fg +1 e fg ∈ C\{z ∈ C : Re ≥ 0}, que é o domı́nio do
′ ′
logaritmo principal ln z , pelo que numa vizinhança de γ ∗ é ln fg = (ff/g) /g .
O Princı́pio do Argumento aplicado a f e g dá Z
 p
  p
 1 f′ g′ 
N0 (f ; Ω1 ) − N (f ; Ω1 ) − N0 (g; Ω1 )−N (g; Ω1 ) = i2π f −g
Z Zγ  ′
(f /g)′
1 1 f
= i2π f /g = i2π ln g = 0.
γ γ
Q.E.D.
A desigualdade na hipótese deste resultado, |f (z)−g(z)| < |f (z)|+|g(z)| ,
é a Desigualdade Triangular em R2 ex luindo a possibilidade de igualdade.
Logo, veri a-se sempre ex epto quando f (z) e g(z) são ve tores olineares
om o mesmo sentido, ou seja se e só se f (z) e g(z) têm o mesmo argumento
ou um deles é 0 , ou, ainda, se e só se perten em a uma mesma semire ta om
142
I.L. Glicksberg, A remark on Rouché’s theorem. Amer. Math. Monthly, 83 (1976), 186.
8.4 Contagem de zeros e pólos de funções meromorfas 145

extremidade na origem. Portanto, esta versão do Teorema de Rou hé tem


a vantagem de permitir uma des rição geométri a simples da desigualdade
onsiderada na hipótese, que pode ser substituída por: f e g não têm em
qualquer ponto de γ ∗ o mesmo argumento.
Para funções f e g holomorfas numa região Ω ⊂ C e para um ami-
nho γ om as propriedades na hipótese do Teorema de Rou hé, tais que
|f −g| < |f |+|g| em γ ∗ , este teorema dá a igualdade do no de zeros de f e g .
O Teorema de Rou hé também pode ser apli ado, em ondições análogas,
para obter a igualdade do no de pontos em que funções f e g holomorfas
numa região assumem um dado valor b ∈ C , ontando multipli idades.
(8.25) Exemplo: Para determinar o no de zeros de P (z) = z 4 + 10z + 1
na coroa circular B2 (0) \ B1 (0) consideram-se os caminhos que percorrem
as circunferências que limitam a coroa circular γ1 , γ2 : [0, 2π] → C tais que
γk (θ) = Rk eiθ , com Rk = k , k = 1, 2 . Com Ω = C verificam-se as condições
do Teorema de Rouché, para γ1 e para γ2 , com Ω1 , resp., B1 (0) e B2 (0). A
função f = P é holomorfa em Ω = C . Para z ∈ γ1∗ é
|P (z)−(10z+1)| = |z|4 = 1 , |10z+1| ≥ |10z|−1 = 9 ,
pelo que
|P (z)−(10z+1)| < |10z+1| ≤ |P (z)|+|10z +1| ,
e o Teorema de Rouché dá que o no de zeros de P e de g1 (z) = 10z +1 em
1
B1 (0) é o mesmo, logo 1, pois g1 tem apenas um zero z = 10 , que pertence

a B1 (0) . Para z ∈ γ2 é
|P (z)−(z 4 +10z)| = 1 ,
|z 4 +10z| = |z||z 3 +10| ≥ 2(10 − |z|3 ) = 4 ,
|P (z)−(z 4 +10z)| < |z 4 +10z| ≤ |P (z)|+|z 4 +10z| ,
e o Teorema de Rouché dá que o no de zeros de P e de g2 (z) = z 4 +10z em
B2 (0) é o mesmo, logo 1, pois √os zeros de g2 são 1 na origem e as 3 raı́zes
de 10 na circunferência de raio 3 10 > 2 , todos com multiplicidade 1. Como,
contando multiplicidades, P tem exactamente 1 zero tanto em B1 (0) como
em B2 (0) , conclui-se que não tem zeros na coroa circular143 B2 (0)\B1 (0) .
143
É possı́vel obter do Teorema de Rouché informação
√ muito precisa sobre a distância à origem
dos zeros do polinómio dado. Observando que 4 10 < 2,2 obtém-se que g tem 4 zeros no cı́rculo
B2,2 (0) . Para z = 2,2 é
|P (z)−(z 4 +10z)| = 1 ,
|z 4 +10z| = |z||z 3 +10| ≥ |z|(|z|3 −10) = 2,2((2,2)3 −10) > 1,4 ,
|P (z)|−(z 4 +10z)| < |z 4 +10z| ≤ |P (z)|+|z 4 +10z| ,
e o Teorema de Rouché dá que P e g têm 4 zeros em B2,2 (0) . Para |z| = 0,2 é
|P (z)−(10z +1)| = |z|4 = (0,2)4 ,
|10z +1| ≥ 10|z|−1 = 1 ,
|P (z)−(10z +1)| < 10z +1 ≤ |P (z)|+|10z +1|| ,
e o Teorema de Rouché dá que P e g têm 1 zero no cı́rculo B0,2 (0) . Como o grau do polinómio
P é 4, este polinómio tem 4 zeros, três entre as circunferências de centros na origem com raios 2 e
2,2, e um no cı́rculo de centro na origem com raio 0,2. Pode-se refinar sucessivamente a precisão
da localização dos zeros de modo análogo.
146 Singularidades, funções meromorfas e teorema dos resı́duos

O Teorema de Rou hé pode ser apli ado para obter uma urta prova do
Teorema Fundamental da Álgebra (a 5a variante de prova neste livro). Se P
é um polinómio omplexo de grau n ∈ N e oe iente
P (z) de maior grau cn 6= 0 ,
lim cP (z)
z = 1
n . Logo, para R > 0 grande, é
c z −1 < 1 para |z| < R ; em
n

parti ular, p não tem zeros fora de BR (0) . O Teorema de Rou hé pode ser
n n
|z|→+∞

apli ado, om Ω = C , γ : [0, 2π] → C tal que γ(θ) = R eiθ , Ω1 = BR(0) , f = P ,


g(z) = cn z n . Como P, g são holomorfas em Ω , têm o mesmo no de zeros em
BR (0) , ontando multipli idades, e omo g tem apenas 1 zero, na origem e
de ordem n , P tem n zeros em BR(0) , ontando multipli idades.
Com o Prin ípio do Argumento obtém-se a Desigualdade de Jensen144
segundo a qual o logaritmo do módulo de uma função no entro de um ír ulo
em que é holomorfa é ≤ à média em qualquer ir unferên ia om o mesmo
entro, analogamente à Propriedade de Valor Médio de funções holomorfas
mas om uma desigualdade em vez de igualdade e para o logaritmo do módulo
da função em vez do valor da função. Se a função não é identi amente nula,
essa média res e (em sentido lato) ontinuamente om o raio.
(8.26) Desigualdade de Jensen: Se f ∈ H(BR (a)) não é identica-
mente nula, tem média em circunferências com centro a e raio 0 < r < R
Z 2π
Af,a (r) = 2π log |f (a+reiθ )| dθ
1
0
é uma função contı́nua crescente do raio r ∈ ]0, R[ ; em particular,
Z 2π
1
log |f (a)| ≤ 2π log |f (a+reiθ )| dθ .
0
Mais precisamente, Af,a (r) é uma função contı́nua seccionalmente afim
de log r com derivada igual ao no de zeros de f no cı́rculo com raio r e
centro na origem, contados de acordo com a resp. ordem.

Dem. Sem perda de generalidade, pode-se supor a = 0 e R = 1 (com uma


translação e um escalamento de variáveis). Do Princı́pio do Argumento
(8.23), se f não tem zeros numa coroa circular aberta com centro em 0 ,
C(r1 , r2 ) tal que 0 < r1 < r2 , o no de zeros de f num cı́rculo Br (0) com
r ∈ ]r1 , r2 [ é
Z Z h i
f ′ (z) ′
1 1 1
n = i2π f (z) dz = i2π log f (z) dz = i2π lim log f (reiθ )− lim log f (reiθ ) ,
γr γr θ→2π θ→0
com γr: [0, 2π] → C tal que γr (θ) = reiθ . Como
log f (re ) = log |f (re )| + i arg f (reiθ ) ,
iθ iθ

com o argumento arg f (reiθ ) a variar continuamente ao longo do caminho


quando θ cresce de 0 para 2π a partir do valor do argumento principal de
f (r) em θ = 0 , e log (reiθ )n = log r+inθ, é
log f (reiθ ) − log (reiθ )n = [ log |f (reiθ )|−log r ] + i [ arg f (reiθ ) − nθ ] ,
144
Foi estabelecida por J.L. Jensen em 1899.
Exercises of chapter 8 147

em que log |f (reiθ )| − log r e arg f (reiθ ) − nθ são funções analı́ticas reais
definidas em [0, 2π] , cada uma com valores iguais nos extremos deste in-
tervalo, resp., log |f (r)| − log r e 0 , e pode-se definir log f (z) − log z n de
modo
R a ser uma função holomorfa em C(r1 , r2 ) . Do Teorema de Cauchy,
1 n 1
i2π γr [ log f (z) − log z ] z dz é independente de r ∈ ]r1 , r2 [ . Logo,
 Z   Z 2π 
1 n 1 1 n
Re i2π [ log f (z)−log z ] z dz = Re 2π [ log f (z)−log z ] dθ
γr 0
Z 2π
1 n

= 2π | log f (z)|−| log z | dθ = Af (r)−Apn (r) ,
0
também independente de r ∈ ]r1 , r2 [ , em que pn (z) = z n e na 1a igualdade se
usou γr′ (θ) = ireiθ = iγr (θ) . Como Apn (r) = n log r, a função log r 7→ Af (r) é
afim com declive n para r ∈ ]r1 , r2 [ .
Af (r) está definida e é contı́nua em ]0, 1[ mesmo em valores de r que
sejam raios de circunferências com centro em 0 onde f tem zeros de qualquer
ordem n , pois, como (x log |x|−x)′ = log |x| para x 6= 0 , é
Z b Z b
log xn dx = n log x dx = nlim (b log b−b−ε log ε−ε) = nb log b−nb , b > 0 ,
0 0 ε→0
obtém-se facilmente a continuidade de r 7→ Af (r) . Q.E.D.

Exercises
8.1 Determine e lassique todas as singularidades da função dada e indique o raio de
onvergên ia da resp. série de Taylor no ponto a .
2
(z−1)(z+1)
a)
1
1+z 3
, a=1 b) 2
z
z −z−2
, a=0
1
) z−2 e , a=1 z
d) z−1 e−z , a=0
8.2 Classique a singularidade na origem da função dada. Se for removível, dena a
função na origem de modo a ser holomorfa numa vizinhança da origem. Se for um
pólo, determine a parte prin ipal da função na origem Se for essen ial, al ule a
imagem de ír ulos de raios su ientemente pequenos entrados na origem.
sin z cos z−1 1 ln(1+z) 1 1 n 1
a) b) ) e z d) e) z cos z f ) 1−ez g) z +sin z , N∪{0}
z z z2
1
8.3 Determine os desenvolvimentos de z(z−1)(z−2) em série de Laurent nos onjuntos:

a) B1 (0)\{0} b) B2 (0)\B1 (0) ) C\B2 (0)


P∞ k
8.4 Determine o raio de onvergên ia de k=0z 2 . Verique que se f (z) é a soma da
2 2n n
série para z no ír ulo de onvergên ia, f (z) = z + · · · + z +f (z 2 ) , para n ∈ N.
Mostre que o onjunto de pontos de singularidade de f é denso em B1 (0) .

8.5 Prove: Se {an } ⊂ Br (a) é uma sucessão com limite a e f ∈ H(Br (a)\ {a}∪{an }
tem pólos nos pontos de {an }, então para todo w ∈ C existe uma sucessão
{zn } ⊂ Br (a)\ {a}∪{an } com limite a tal que f (zn ) → w.
8.6 Cal ule om resíduos o integral sobre um aminho regular simples γ que per orre
a ir unferên ia om entro em a e raio r no sentido positivo:
R z
R zez 2
a)
γ z 2 −z−2
dz , a = 2, r = 1 b)
γ z−1
dz , a = 0, r 6= 1
R 5+z 2 R z4
)
γ 1+z 2
dz , a = 0, r = 2 d)
γ (1−z)3
dz , a = 0, r = 3
8.7 Cal ule os integrais seguintes om resíduos:
R 2π 1 R +∞ x2
R +∞x2 −x+2
a)
0 a+sin2 x
dx , a > 0 b)
0 x4 +6x2 +13
dx )
−∞ x4 +10x2 +9
dx
R +∞sin2 kx R +∞ ln x
d)
−∞ x2
dx , k > 0 e)
0 (1+x2 )2
dx
1
R1 1
8.8 Identique as regiões de holomora das funções omplexas
sin(1/z)
e
0 t−z
dt e
determine as suas singularidades isoladas e não isoladas.
148 Singularities, meromorphic functions and residue theorem

8.9 Determine as regiões onde as funções omplexas seguintes estão denidas:


R1 1 R +∞ 1 tz R 1 1 tz
a)
0 1+tz
dt b)
0 1+t2
e dt )
−1 1+t2
e dt
8.10 Mostre que as funções seguintes têm singularidades essen iais no innito:
z
a) e b) sin z ) cos z
8.11 Prove: Funções inteiras sem singularidade essencial no infinito são polinomiais.
8.12 Prove: Funções meromorfas sem singularidade essencial no infinito são racionais.
f
8.13 Prove: Uma singularidade isolada de uma função complexa f não é pólo de e .
Deduza: Se Ref é limitada numa vizinhança de uma singularidade isolada, esta
singularidade é removı́vel.
a−z
8.14 Mostre que a equação z e = 1 , om a > 1 , tem uma e só uma raiz no ír ulo
B1 (0) , que é um número real positivo.
−z
8.15 Prove que a equação a−z−e = 0 , om a > 1 , tem uma e só uma raiz no semiplano
Re z ≥ 0 , que é um número real.

Exercı́cios sobre a Função Gama


145
R +∞ −t z−1
8.16 A Função Gama é denida, para Re z > 0 por Γ(z) = e t dt . Prove:
0
a) Γ(z+1) = z Γ(z) para Re z > 0 , Γ(n) = (n−1)! para n ∈ N , e Γ pode ser estendida
a uma função definida em D = C\{−n ∈ N∪{0}}, ainda designada Γ, de modo a
satisfazer Γ(z+1) = z Γ(z) para z ∈ D.
R +∞ −t z−1
b) Fn (z) = 1 e t dt é inteira para n ∈ N , e Γ é holomorfa em D de a).
n
o
) Considere as funções denidas pelos 1 s n+1 termos da série de Taylor na origem
−z P∞ k zk
de e , En (z) = n=0 (−1) k! . Mostre que para Re z > 0 é
Z 1 Z +∞
  −t 
1
Γ(z) − En n+z = e −En (t) tz−1 dt + e−t tz−1 dt ,
0 1
pelo que esta função é holomorfa no semiplano Re z > −(n+1) , para n ∈ N .
d) Γ é uma função meromorfa em C comn os pólos simples em 0 e nos inteiros
negativos −n , com os resı́duos, resp., (−1)
n!
para n ∈ N ∪ {0} (Figura 8.10).

Figura 8.10: Relevo da função Gama


146
e) O resultado de uni idade : Se F é uma função holomorfa no semiplano com-
plexo Re z > 0 limitada em 1 ≤ Re z < 2 com F (z+1) = zF (z) e F (1) = 1 , é F = Γ.
145
A Função Gama foi introduzida por L.Euler em 1729 como função real. C.F.Gauss considerou-
a como função complexa. A designação “Função Gama” e a notação Γ foram introduzidos em 1811
por Adrien-Marie Legendre (1752-1833).
146
Foi obtido em 1939 por Helmut Wielandt (1910-2001) e permitiu simplificar consideravelmente
as passagens entre as diferentes fórmulas para a Função Gama.
Exercises of chapter 8 149

(Sugestão: Mostre que F −Γ pode ser estendida a uma função meromorfa em C om singu-
laridades removíveis, note que Γ é limitada na faixa onsiderada, obtenha que F −Γ pode
ser estendida a uma função inteira limitada e aplique o Teorema de Liouville).

Exercı́cios sobre o Teorema de Mittag-Leffler


8.17 Prove o Teorema de Mittag-Leffler147 : Se {an } ⊂ C , an → +∞ quando n → +∞
e {Pn } é uma sucessão de funções polinomiais sem termos constantes, existem
funções meromorfas f em C com pólos nos termos de {an } e correspondentes partes
1
singulares iguais a Pn z−a n
que podem ser escritas na forma
X  
1
f (z) = Pn z−a n
− pn (z) + g(z) ,
n∈Z
em que {pn } é uma sucessão de funções polinomiais e g é uma função inteira.
A uma expansão deste tipo hama-se expansão de f em fracções parciais.

(Sugestão: Para an 6= 0 desenvolva Pn z−a 1
n
em série de Taylor entrada em 0 , dena
pn (z) igual à soma par ial desta série de ordem mn e mostre que a série é onvergente se,
para ada n ∈ N , mn for tomado su ientemente grande).
π2
P 1
8.18 a) Mostre que
sin2 πz
= n∈Z (z−n)2 .
(Sugestão: Observe que a diferença dos dois lados da igualdade é uma função inteira g ,
ambos têm período 1 e, om (x, y) = z , | sin(πz) |2 = cosh2 y − cos2 x , pelo que o lado
esquerdo da igualdade onverge uniformemente para zero quando |y| → +∞ , assim omo
o direito, e obtenha que g = 0 ).
P 1
 1
 1
P
b) Mostre que n∈Z (z−n) + n = z n∈Z n(z−n) é uniformemente onvergente em
onjuntos ompa tos sem números inteiros.
P   P∞  1  P∞
) Prove: π cot(πz) = z
1+
n∈Z z−n + n = z +
1 1 1
n=1 z−n + z+n = z +2z
1 1 1
n=1 z 2 −n2 .
(Sugestão: Derive termo a termo as séries na igualdade em b) e use a)).
148
d) Obtenha uma prova alternativa para ) mostrando que a série dene uma fun-
ção meromorfa ímpar om pólos pre isamente em ada p ∈ Z om partes prin ipais,
1
P∞  1 
resp., z−p e que a su essão de somas par iais sn = z 1 + 1
n=1 z−n + z+n satisfaz

sn (z)+sn z+ 21 = 2s2n (z)+ 2z+2n+1
1
, pelo que a soma da série satisfaz a fórmula de
dupli ação do exer í io 3.10 e aplique o exer í io 3.11.
149 P∞ 1
e) Cal ule as somas das séries de Dirichlet n=1 ns , para s = 2, 4, 6, 8 .
(Sugestão: Compare o desenvolvimento em ) om a série de Laurent de π cot(πz) ).
π
P (−1)n
f ) Mostre que sin(πz) = n∈Z z−n .
π(z−1) 
(Sugestão: Use ) para mostrar que π
sin(πz)
= π2 cot πz) − π2 cot 2
).
P∞ n 1
g) Cal ule a soma da série n=0 (−1) 2n+1 .

Exercı́cios sobre factorização de funções holomorfas e prescrição de zeros


8.19 Analogamente à denição de séries, dada uma su essão {un } ⊂ C onsidera-se a su-
cessão de produtos parciais pQ n = u1 · · · un e, se pn→ p ∈ C \{0} quando n → +∞ ,

diz-se que o produto infinito
Q∞ n=1 un onverge para p 6= 0 . Se lim pn = 0 , diz-se
o
que n=1 un onverge para 0 se o n de termos de {un } nulos é nito e o produto
innito obtido suprimindo estes termos é p 6= 0 e se {un } tem innitos termos nulos
Q∞ 150
diz-se que n=1 un diverge . Prove:
Q∞
a) n=1 un converge =⇒ un →1.
147
Foi publicado por M.G. Mittag-Leffler em 1877.
148
Obtida em 1892 por Friedrich Schottky (1851-1935)..
149
L. Euler calculou estas somas em 1735 para os números pares de 2 a 12 de modo diferente.
150
O tratamento especial do caso em que lim pn = 0 é porque tal acontece se um termo é nulo,
independentemente da cauda do produto infinito, o que é inconveniente para considerar conver-
gência, e convém poder usar produtos infinitos para representar funções, mesmo que tenham
zeros. Uma 1a fórmula com produtos infinitos foi dada em 1579 por François Viète (1540-1603)
150 Singularities, meromorphic functions and residue theorem

Q P∞
b) Se 1 + un 6= 0 para todo n ∈ N , ∞n=1 (1 + un ) converge ⇐⇒ n=1 log(1 + un ) ,
considerando o ramo principal do logaritmo.
Q∞ P∞
)
Q∞ convergente ⇐⇒ n=1 un é absolutamente con-
n=1 (1+un ) é absolutamente

P∞ em que se diz que n=1 (1 + un ) é absolutamente convergente se a


vergente,
série n=1 log(1+un ) é absolutamente onvergente, onsiderando o ramo prin ipal
do logaritmo.
Q P∞
d) Se 0 ≤ un < 1 , então ∞ n=1 (1−un ) > 0 ⇐⇒ n=1 un < ∞ .
e) Se {un } é uma sucessão de funções complexas definidas e limitadas em Ω ⊂ C
P
tais que ∞ n=1 |un | é uniformemente convergente em Ω :
Q
1) O produtoQinfinito ∞ n=1 (1+u n ) converge uniformemente em Ω .
2) A função ∞ n=1 (1+u n ) é zero num ponto a se e só se un (a) = −1 para todo n ∈ N.
3) O limite do produto infinito considerado é invariante sob reordenação dos termos.
Q∞ 1
 1
8.20 a) Mostre que n=1 1− n2 = 2 .
Q∞ 1

b) Mostre que n=2 1− n não onverge, mas o limite dos produtos par iais existe.
P∞ Q∞
) Prove: Se un ≥ 0 para todo n ∈ N e n=1 (1−un ) = +∞ , então n=1 un = 0 .
(Sugestão: Use t ≤ e−(1−t) para t ∈ R).
Q∞  z
8.21 Mostre que n=1 1 + nz e− n onverge absoluta e uniformemente em onjuntos
ompa tos.
8.22 Prove: Se Ω ⊂ C é uma região, {fn } éPuma sucessão de funções definidas em Ω
nenhuma delas identicamente nula eQ ∞ n=1 |1 − fn | converge uniformemente em
subconjuntos compactos de ΩQ , então ∞ n=1 fn converge uniformemente em subcon-
juntos compactos de Ω e f = ∞ n=1 fn é holomorfa em Ω .
8.23 Para uma função g holomorfa num ponto z designa-se por m(g, z) a multipli idade
do zero de g em z (se g(z) 6= 0 dene-se m(g, z) = 0 ).

Prove: Se Ω ⊂ C é uma região, {fn } ⊂ H(Ω) é uma sucessão de funções e nenhuma é


P
identicamente zero em Ω , e ∞ n=1P|1−fn | converge uniformemente em subconjuntos
compactos de Ω , então m(f, z) = ∞ n=1 m(fn , z).
g
8.24 Prove: Se f é uma função inteira sem zeros, então f = e , com g inteira.
8.25 Prove:
Q 
a) Se f é uma função inteira com um no finito de zeros, f (z) = z p eg(z) N z
n=1 1− zn ,
em que g ∈ H(C) , p é a ordem do zero de f na origem caso exista ou p = 0 caso
contrário, e z1 , . . . , zN são os outros zeros de f repetidos de acordo com as resp.
multiplicidades.
p g(z) QN z

b) f (z) = z e n=1 1− zn , com g ∈ H(C), p ∈ N ∪ {0} e z1 , . . . , zN ∈ C\{0}, é
P
inteira se e só se ∞ 1
n=1 |zn | converge. Q∞ 
z pn (z)
) Se {pn } é uma sucessão de polinómios complexos, n=1 1− zn converge
P∞   
se e só se n=1 ln 1− zzn + pn (z) converge.
8.26 O Teorema de Fa torização de Weierstrass estabele e que toda função inteira pode
ser representada por um produto (possivelmente innito) de fa tores elementares
função dos zeros da função (analogamente à representação de funções polinomiais
por produtos de fa tores que são as diferenças da variável independente aos ze-
ros do polinómio, omo é garantido pelo Teorema Fundamental da Álgebra) e que

Q 1√
para cálculo aproximado de π : π2 = ∞ n=1 un com un = 2 2+un−1 e u1 = 22 , obtida geometrica-
mente pelo produto dos quocientes das áreas de polı́gonos regulares inscritos numa circunferência
com raio 1 com no s de lados sucessivas potências inteiras de 2, que podem ser calculados com
Q (2n)(2n)
o Teorema de Pitágoras. Em 1655 J.Wallis obteve a elegante fórmula π2 = ∞ n=1 (2n−1)(2n+1) .
Porém, foi L. Euler que em 1748 iniciou o trabalho sistemático com produtos infinitos, que es-
tendeu aos números complexos. O 1o critério de convergência deve-se a A.-L. Cauchy em 1821.
K. Weierstrass contribuiu decisivamente para o estudo de produtos infinitos, por volta de 1854.
Alfred Pringsheim (1850-1941) deu em 1889 uma teoria geral da convergência de produtos infini-
tos. A prova de convergência do produto infinito de F. Viète só foi dada em 1891, por Ferdinand
Rudio (1856-1929).
Exercises of chapter 8 151

dada uma su essão arbitrária de números omplexos om módulos que tendem para
innito existe uma função inteira ujos zeros são os termos da su essão (também
analogamente ao que é garantido pelo Teorema Fundamental da Álgebra para fun-
ções polinomiais). Para produtos innitos onvergirem é ne essário que os termos
onvirjam para 1, pelo que os fa tores elementares a onsiderar para ada n∈N
devem ser funções om exa tamente um zero num ponto pres rito zn e om valo-
res noutros pontos ada vez mais próximos de 1 à medida que n res e. Para tal
onvém onsiderar uma su essão de funções {En } om esta propriedade e zero em
z

1, pois En z terá a propriedade desejada om zero em zn 6= 0 . Observando que
P
n
zk
ln(1−z) = − ∞ k=1 k , para |z| < 1 , pode-se denir os factores elementares
151
Pn z k 
por E0 = (1−z) , En (z) = (1−z) exp k=1 k , para n ∈ N . Prove:
n+1
a) |1−En (z)| ≤ |z | , para n ∈ N , e z ∈ C tal que |z| ≤ 1 .
b) Se {zn } ⊂ C\{0} é tal que |zn | → +∞ quando n → +∞ e {mn } ⊂ N é tal que
P∞ mn +1 Q 
1
n=1 1+mn |zn |
r
converge qualquer que seja r > 0 , P (z) = ∞n=1 Emn zn
z

uma função inteira cujos zeros são os termos de {zn }, em que um zero tem multi-
plicidade m se e só se ocorre m vezes nos termos de {zn }.
152
) Teorema de Factorização de Weierstrass : Se f é uma função inteira e
z1 , z2 , . . . são os zeros de f fora da origem, repetidos de acordo com as resp. mul-
tiplicidades, existe Q  inteira g e uma sucessão {mn } ⊂ N ∪ {0} tais que
uma função
f (z) = z p eg(z) n∈N Emn zzn , em que p é a ordem do zero de f na origem, caso
exista, ou é p = 0 caso contrário, QN e N ézN ou um conjunto finito de 1 s números
o
p
naturais.. A ada função z n=1 Emn zn hama-se produto de Weierstrass.

8.27 Prove
152 : Toda função meromorfa em C é um quociente de funções inteiras.

8.28 a) Prove: Se {zn } ⊂ C\{0}


Q∞  P |zn | →1 +∞ quando n → +∞ e m ∈ N∪{0},
é tal que
z
n=1 Em zn converge se e só se ∞ n=1 |zn |m+1 converge.
Em aso armativo, se MQ designa o mínimo dos inteiros m ∈ N∪{0} tal que esta
∞ z

série onverge, hama-se a n=1 EM zn produto canónico associado à suces-
são {zn } e diz-se que M é o género153 do produto anóni o.
b) Se na fa torização de Weierstrass de uma função inteira (exer í io 8.26. ) é pos-
sível usar o produto anóni o asso iado à su essão {zn } e g é um polinómio de
grau N , diz-se que f é uma função inteira de género finito e hama-se género
da função inteira f a µ = max{M, N }, em que M é o género do produto anó-
ni o asso iado a {zn } . Prove: Uma função inteira f de género finito é de ordem
µ+1+ε
ρ(f ) ≤ µ+1 , i.e. para todo ε > 0 existe R > 0 tal que |f (z)| ≤ e|z| para z ∈ C .
(Sugestão: Mostre que ln |Eµ (z)| ≤ (2µ+1)|z|µ+1 e use a)).
8.29 Prove:
154
a) Se Ω ⊂ C é um conjunto aberto e {zn } ⊂ Ω uma sucessão sem pontos limite em
Ω , existe f ∈ H(Ω) cujos zeros são os termos da sucessão {zn } com multiplicidades
iguais ao no de vezes que ocorrem nesta sucessão.
(Sugestão: Prove 1o om a hipótese adi ional de existir R > 0 tal que BR (0) ⊂ Ω e |zn | ≤ R
para n ∈ N , onsiderando uma su essão {wn } ⊂ C \ Ω om |zn − wn | = d(zn , C \ Ω) , em
que o lado direito é a distân ia de zn ao onjunto C \ Ω , e mostrando, por apli ação do
Q zn −wn 
exer í io 8.22, que ∞ n=1 En z−wn onverge para uma função f ∈ H(Ω) e f (z) → 1
quando z → +∞ . Para o aso geral, tome Br (a) ⊂ Ω tal que {zn } ∩ Br (a) = ∅ e aplique
a transformação de Möbius T (z) = z−a1
para reduzir ao aso anterior).

151
Estes factores elementares foram descobertos em 1851 por James Joseph Sylvester (1814-1897)
e redescobertos por K. Weierstrass em 1868.
152
Foi publicado por K. Weierstrass em 1876.
153
Na literatura em inglês diz-se genus.
154
Este resultado generaliza o Teorema de Factorização de Weierstrass (ver exercı́cio 8.26.c) para
funções holomorfas em subconjuntos abertos de C , estabelecida em 1884 por Mittag-Leffler.
152 Singularities, meromorphic functions and residue theorem

b) Teorema de factorização de funções holomorfas155 Q: Se Ω ⊂ C é um con-


junto aberto e f ∈ H(Ω) não é identicamente 0, então f = u n∈N fn , em que N = N
ou é um conjunto finito de 1o s números naturais, u ∈ H(Ω) é tal que existe v ∈ H(Ω)
tal que uv = 1Ω e fn são produtos de Weierstrass (ver Exer í io 8.24).
) Toda função meromorfa num conjunto aberto Ω ⊂ C é um quociente de funções
holomorfas em Ω .
156
8.30 Prove :
1) Toda função inteira de ordem ρ ∈ N assume todos os valores complexos excepto
possivelmente um.
(Sugestão: Se f não assume a ∈ C , f −a não tem zeros; aplique o exer í io 8.24).
2) Toda função inteira de ordem finita não inteira assume todos os valores comple-
xos infinitas vezes. (Sugestão: f tem innitos zeros e as ordens de f e f −a são iguais).
8.31 Prove o seguinte teorema de interpolação: Se {zn }, {wn } ⊂ C são sucessões e
|zn | → +∞ quando n → +∞ , existe uma função inteira f tal que f (zn ) = wn .
P∞ g(z)ecn (z−zn ) wn
(Sugestão: Mostre que existe {cn } ⊂ C tal que n=1 (z−z )g ′ (z )
n n
onverge).
Q∞ z
 −z
8.32 Considere a função G(z) = n=1 1+ n e
n (ver exer í io 8.21). Prove:
Q z2

a) O género de sin(πz) é µ = 1 e
157
sin(πz) = πz ∞ n=1 1− n2 .
sin(πz)
b) z G(z) G(−z) = .
γ
z Pn 1  158
) G(z−1) = z e G(z) , γ = lim
n→+∞ k=1 k − ln n a constante de Euler .
1 159
d)
z G(z) eγz
= Γ(z) , em que γ é a constante de Euler de c) e Γ é a Função Gama .
π 1
 √
e) Γ(z) Γ(1−z) = sin(πz) . Em particular, Γ 2 = π .
Q
f)
160 π
2
= ∞ (2n(2n)
n=1 (2n−1)(2n+1) .
Q∞ 4z 2

g) O género de cos(πz) é µ = 2 e cos(πz) = n=1 1− (2n−1)2 .
(Sugestão: Use sin(2z) = 2(sin z)(cos z) ).
8.33 Os resultados seguintes sobre zeros de funções inteiras om oe ientes no orpo
Q + iQ dos números omplexos om partes real e imaginária ra ionais foram
obtidos por A. Hurwitz em 1889. Prove:
a) Se f é uma função holomorfa na origem, existe uma função inteira g tal que a
série de Taylor de f eg em 0 tem coeficientes em Q + iQ . Se, adicionalmente, os
coeficientes da série de Taylor de f em 0 são reais, existe uma função inteira g
pode ser tal que os coeficientes da série de Taylor de f eg são racionais.
(Sugestão: Para f 6= 0 existem k ∈ N∪{0} e uma função h holomorfa numa vizinhança da
origem tais que f (z) = z k eh(z) . Da densidade de Q + iQ em C , existe g ∈ H(C) tal que
g = q−h , em que q é uma série de potên ias em 0 om oe ientes em Q+iQ e q(0) = 0.)
b) Dado um conjunto de pontos isolados em S ⊂ C e uma função m : S → N , existe
uma função inteira cujos zeros são os elementos de S com resp. multiplicidades
dadas pela função m com sériede Taylor na origem com coeficientes em Q + iQ.
Se, adicionalmente, m(s) = m s para todo s ∈ S, existe uma tal função inteira com
série de Taylor na origem com coeficientes racionais.
) Todo a é um número real (resp., complexo) é o único zero de alguma função
inteira com fórmula de Taylor na origem com coeficientes em Q (resp., Q+iQ).
155
O 1o exemplo de factorização de funções holomorfas num aberto Ω * C foi de E.Picard em 1881
com Ω = C\∂B1 . Em 1884 G. Mittag-Leffler provou a existência de funções holomorfas com zeros
isolados arbitrários em quaisquer abertos de C . Em 1950 Heinrich Behenke (1898-1979) e Karl
Stein (1913-2000) estenderam o resultado a superfı́cies de Riemann não compactas arbitrárias.
156
O Pequeno Teorema de Picard (capı́tulo 11) generaliza este resultado para toda função inteira.
157
Esta fórmula foi descoberta por L. Euler em 1734 no contexto de R .
158
L. Euler obteve esta relação para o crescimento assimptótico da série harmónica em 1734. A
constante de Euler é ≈ 0,577216 . Não se sabe se é racional ou irracional.
159
Esta representação da Função Gama foi Q obtida por K. Weierstrass
z em 1876, depois de ter
introduzido em 1854 a representação Γ(z) 1
=z ∞ n=1 1+ n
z n
n+1
.
160
Esta é a fórmula obtida por J. Wallis em 1655 que foi referida na nota do exercı́cio 8.19.
Exercises of chapter 8 153

Exercı́cios sobre a Função Zeta de Riemann


161 P∞ 1
8.34 A Função Zeta de Riemann é ζ(z) = n=1 nz (Figura 8.11). Prove:
162
a) Teorema de Euler de factorização da Q
Função
 Zeta−xde−1Riemann em
termos de números primos: Se x > 1, ζ(x) = ∞ n=1 1−(pn ) , em que {pn }
é a sucessão crescente dos números primos.
(Sugestão: Es reva ada termo omo uma série geométri a de razão p−x, arranje os termos
da série que dá ada um dos produtos par iais por ordem res ente de denominadores e
use a fa torização de ada inteiro positivo em fa tores primos).
b) Prove que o resultado de a) é válido para x ∈ C om Re x > 1 .
1
) ζ é uma função holomorfa no semiplano complexo Re z > 1 , e ζ(z)− z−1 pode
ser estendida como função holomorfa a Re z > 0 .
P∞ R +∞ −nt z−1
d) ζ(z) Γ(z) = n=1 0 e t dt , para Re z > 1 .
R +∞ t −1 z−1
e) ζ(z) Γ(z) = (e −1) t dt , para Re z > 1 .
R01  t −1 −1

−1 z−1
R +∞  t 
f ) ζ(z) Γ(z) =
0
(e −1) −t +2 t dt + 1 (e −1)−1 −t−1 tz−1 dt , para
Re z > 1 . (Sugestão: Use expansões em fra ções par iais (exer í io 8.17)).
g) ζ pode ser estendida à faixa vertical |Re z| < 1 e satisfaz neste conjunto a equa-

ção funcional de Riemann163 ζ(z) = 2(2π)z−1 Γ(1−z) ζ(1−z) sin πz 2
.
(Sugestão: Use a fórmula da alínea pre edente.

Figura 8.11: Relevo da Função Zeta de Riemann


g) A equação funcional de Riemann permite definir ζ como função meromorfa em
C com apenas um pólo simples em 1, com resı́duo 1.
h) Os inteiros negativos pares são zeros de ζ e não há outros zeros fora da faixa
crı́tica164 0 ≤ Re z ≤ 1 (Figura 8.12).
161
B. Riemann considerou pela 1a vez ζ como função complexa num artigo de 1859 com tı́tulo
que se traduz por “Sobre o número de primos menores do que uma dada grandeza”.
162
L. Euler considerou ζ para valores reais e provou a relação com a distribuição dos números
primos em a) em 1748.
163
Introduzida por B. Riemann no artigo de 1859 acima referido em nota de pé de página.
164
A hipótese de Riemann foi formulada por B. Riemann no mesmo artigo de 1859; é a
conjectura que todos zeros de ζ na faixa crı́tica têm parte real 12 . Este difı́cil problema permanece
em aberto. É um dos famosos Problemas de Hilbert, referidos na introdução do capı́tulo 7,
e foi proposto em 2000 por Stephen Smale (1930-), premiado com a Medalha Fields em 1966,
como um dos 7 Problemas do Milénio formulados como desafios para o século XXI pelo Clay
Mathematics Institute que oferece 1 milhão de dólares a quem resolver cada um dos problemas.
O Clay Mathematics Institute foi fundado em 1998 pelo investidor financeiro e financiador de
venture capital para projectos de inovação baseada em ciência Landon Thomas Clay (1926-2017).
Só um dos Problemas do Milénio foi resolvido até hoje, a Conjectura de Poincaré de 1904 – toda
variedade diferencial compacta de dimensão 3 é homeomorfa à fronteira de uma bola em R4 – por
154 Singularities, meromorphic functions and residue theorem

2n
i) ζ(2n) = (−1)n−1 (2π)
2(2n)!
B2n para n∈N , em que B2n
são os números de Bernoulli
B
(ver exer í io 5.6). Verique que estes números alternam de sinal, | 2(n+1)
B2n
| → +∞ e
o raio de onvergên ia da série de Taylor na origem para a extensão por ontinuidade
z
de z a z = 0 é 2π . (Sugestão: Compare os oe ientes da série de Laurent para z cot z
e −1
em 0 om os da série do exer í io 5.6.e).

Figura 8.12: Restrições de |ζ| ao eixo real negativo e à recta Re = 12


Exercı́cios sobre expansões assimptóticas em séries de potências
8.35 Seja Ω ⊂ C um onjunto aberto e a ∈ ∂Ω . Uma função f ∈ H(Ω) tem série de Taylor
em ada ponto de Ω onvergente num ír ulo aberto entrado no ponto, mas pode
não ter série de Taylor no ponto a ou esta não ser onvergente e ser arbitrariamente
aproximada por uma série de potên ias entrada em a assimptoti amente quando
o
o n de termos da série tende para +∞ . Chama-se expansão assimptótica de
P
f ∈ H(Ω) em a ∈ ∂Ω a ∞ n
n=0 cn (z−a) tal que
h m
X i
1
lim (z−a) m f (z)− cn (z−a)n = 0 , m ∈ N∪{0} ;
z→a
n=0
em aso armativo es reve-se ∞

X
f∼ cn (z−a)n .
n=0
A denição e as alíneas seguintes, bem omo os exer í ios sobre expansões assimp-
tóti as que se seguem, também se apli am a a = ∞ se Ω é ilimitado, substituindo
z−a por 1z . Prove:
a) É condição necessária para existir expansão assimptótica de f ∈ H(Ω) em a ∈ ∂Ω
que existam e sejam finitos os limites seguintes:
m−1
X
 
1
lim (z−a) m f (z)− cn (z − a)n .
z→a
n=0
b) Se f ∈ H(Ω) tem expansão assimptótica em a ∈ ∂Ω este é único.
) A existência de expansão assimptótica não depende apenas da função e do ponto
mas também do domı́nio da função.
1
(Sugestão: Considere f : Ωα → C tal que f (z) = e z om Ωα = {reiθ : r > 0, |θ −π| < α} nos
dois asos 0 < α < π ou α ≥ π ).
d) Somas ou produtos de duas funções em H(Ω) com expansão assimptótica em
a ∈ ∂Ω têm expansão assimptótica em a que é, resp., a soma ou o produto dos
expansões assimptóticas das parcelas.
e) É condição suficiente para existir expansão assimptótica de f ∈ H(Ω) em a ∈ ∂Ω
que para cada ponto z ∈ Ω exista uma sucessão {bk } ⊂ Ω tal que bk → a e os
segmentos de recta com extremidades z e bk estão incluı́dos em Ω e os limites
lim f (n) (z) existam para todo n ∈ N∪{0}; em caso afirmativo,
z→a ∞

X
f∼ cn (z−a)n , om cn = n! 1
lim f (n) (z) .
z→a
n=0
(Sugestão: Use em segmentos de re ta fórmulas de Taylor de uma variável real om resto
integral para estimar os desvios de f (z) às somas par iais da expansão assimptóti a).

Grigoriy Perelman (1966-) em 2002-03. G. Pereleman foi um dos 4 laureados com a Medalha Fields
em 2006, por contribuições para a geometria e ideias revolucionárias sobre a estrutura analı́tica e
geométrica do fluxo de Ricci. Ricci-Curbastro, Gregorio (1853-1925).
Exercises of chapter 8 155

8.36 Consideram-se se tores ir ulares abertos em C om abertura angular < 2π e, para


165
simpli ar, vérti e na origem ( om vérti es noutros pontos obtêm-se os resulta-
1
dos por translação de oordenadas e para a = ∞ substituindo z por z . Prove:
a) Se R, S ⊂ C são sectores circulares abertos com vértices em 0 e aberturas angula-
res < 2π tais que R\{0} ⊂ S e f ∈ H(S) satisfaz lim f (z) = 0 , então lim zf|R (z) = 0 ,
z→0 z→0
om f|R a restrição de f a R .

(Sugestão: Mostre que existem δ, ρ > 0 tal que para todo z ∈ R om |z| < ρ é Bδ|z| (z) ⊂ S e
aplique uma estimativa de Cau hy de |f ′ (z)| para todo z que satisfaz as ondições a ima.)
S P∞ n R P∞
b) Se R e S são como em a), f ∈ H(S) e f (z) ∼ n=0 cn z , é f ′ (z) ∼ n=0 ncn z n−1.
(Sugestão: Aplique a).)
S P∞ n (n)
) Se R e S são como em a), f ∈ H(S) e f (z) ∼ n=0 cn z , é lim f|R (z) = ncn
z→0
para n ∈ N . (Sugestão: Aplique b) n vezes.)
8.37 Prove o Teorema de Ritt166 : Se S ⊂ C é um subconjunto aberto de um sector
circular aberto com vértice em 0 e abertura angular < 2π, para qualquer série de po-
P S P
tências n=0 cn z n (convergente ou não) existe f ∈ H(S) tal que f (z) ∼ n=0 cn z n.
(Sugestão: Considere 1o que S é todo o se tor ir ular. Construa uma su essão de funções
P
hn tais que f (z) = ∞ n=0 cn hn (z)z om a série uniformemente onvergente em sub on-
n

juntos ompa tos de S , para o que deve hn (z) → 0 su ientemente rapidamente quando
n → +∞ , e a série seja uma expansão assimptóti a de f no ponto 0 , para o que deve
hn (z) → 1 su ientemente rapidamente quando z → 0 . Sem perda de generalidade pode-se
supor que S é um se tor angular simétri o em relação √ ao eixo real e que não in lui o semi-

eixo real negativo. Podem ser usadas hn (z) = 1−e−an / z , onsiderando o ramo de z om
argumento prin ipal, e an = n!|c 1
n|
se cn 6= 0 e an = 0 se cn = 0 . Mostre que |hn (z)| ≤ |√
an
z|
para z ∈ S e lim z1k [1 − hn (z)] = 0 para todo m ∈ N, domine a série onsiderada om as
z→0
desigualdades obtidas e aplique o Teorema de Weierstrass de séries (6.15).
8.38 Prove a existên ia de funções C ∞ de R em R om valor e derivadas num ponto
167
arbitrariamente espe i adas e analíti as no omplementar desse ponto : Para

qualquer sucessão {cn } ⊂ R existem funções C f : R → R analı́tica
P em R\{0} com
f (n) (0) = cn para n ∈ N∪{0}. Um exemplo concreto√ é f (x) = ∞ 1
n=0 n! cn hn (x)√xn se
x 6= 0 e f (0) = a0 , em que hn (x) = 1−e−an / x se x > 0 e hn (x) = 1−cos an / −x
se x < 0 e an = n!|c1 n | se cn 6= 0 e an = 0 se cn = 0 .
(Sugestão: Considere um se tor S om vérti e em 0 e abertura angular < 2π que ontenha
o eixo real e aplique o Teorema de Ritt do exer í io pre edente para obter f ∈ H(S) om
P∞ 1
expansão assimptóti a em 0 n=0 n! cn z . Mostre que a restrição de f a R \ {0} tem
n

extensão C a R utilizando o Teorema de Lagrange em intervalos de R ).


8.39 Seja S⊂C um se tor ir ular aberto om vérti e em 0 e abertura angular <π
simétri o em relação ao eixo real e ontendo o semieixo real positivo. Prove:
168
R +∞ z −t S P∞ n n+1
a) f (z) = 0 1+zt e dt ∼ n=0 (−1) n! z .
169
R z −t 2 S P ∞
b) f (z) = √π 0 e dt ∼ √π n=0 (−1) (2n+1)n! z 2n+1 .
2 2 n 1

165
Para estes sectores circulares a propriedade geométrica na condição suficiente do exercı́cio
8.35.e) é sempre satisfeita pelo que uma condição suficiente para existência de expansão assimp-
tótica em 0 é simplesmente a existência dos limites lim f (n) (z) , n ∈ N∪{0} .
z→a
166
Foi provado em 1916 por Joseph Ritt (1893-1951). É notável que mesmo que a uma série
de potências centrada num ponto seja fortemente divergente é expansão assimptótica de alguma
função holomorfa em qualquer sector circular com vértice no ponto e abertura angular < 2π.
167
No essencial foi obtido por E. Borel em 1893, na tese de doutoramento. É mais um exemplo
de um resultado difı́cil no quadro real que pode ser obtido com relativa facilidade passando a
funções complexas. O resultado só interessa se as derivadas especificadas no ponto dão uma série
de Taylor nesse ponto que não é convergente em R , pois caso contrário esta série define a função.
168
Foi a 1a expansão assimptótica por série de potências divergente, obtida em 1754 por L. Euler.
R 2 R 1 2
169
A restrição de f ao semieixo real positivo f (x) = √2π 0x e−t dt = √1π 0x e− 2 t dt é a função
156 Singularities, meromorphic functions and residue theorem

) Se a, α > 0 e a série de Taylor em 0 de uma função ϕ : [0, a] → C indefinidamente


diferenciável em 0 tem raio de convergência R > 0 e f : S → C tal que
Z a

f (z) = ϕ(t) e z dt ,
0
em que para algum z = x > 0 o integral do valor absoluto da integranda existe,

X
S  n+1
f (z) ∼ 1
α n!
ϕ(n) (0) Γ n+1
α
z α .
n=0
(Sugestão: Se r2 < a , separe o integral nos intervalos [0, r2 ] e [ 2r , a] , mostre que o último é
irrelevante para a expansão assimptóti a e obtenha a expansão assimptóti a do 1o ).
d) Prove: Método de Laplace de expansões assimptóticas para máximo na
fronteira de um intervalo170 : Se a < b ≤ +∞ , g : [a, b[→ R tem máximo absoluto
em a onde é indefinidamente diferenciável, g ′ (a) < 0 , g ≤ g(a) − δ em [a+δ, b[ com
δ > 0 , as séries de Taylor em a de g e de uma função ϕ : [a, b[→ C indefinidamente
diferenciável em a têm raios de convergência ≥ δ , e f : S → C tal que

S g(c) X
f (z) ∼ e z n! cn z n+1 ,
n=0
em que cn são os coeficientes da série de Taylor em 0 para a função (ϕ◦h)h′ com
h a inversa da função real t 7→ g(a) − g(t) numa vizinhança de a ; em particular,
g(c)
h(0) = a , h′ (0) = − |g′ 1(a)| , e o 1o termo da expansão é −e z ϕ(a) |g′ 1(a)| .
(Sugestão: Mostre que só é relevante para a expansão assimptóti a o integral numa vizi-
nhança de a tão pequena quanto onveniente e use ) om α = 1 ).
e) Obtenha o análogo de d) om f ′ (a) = 0 e f ′′ (a) < 0 . (Sugestão: Use ) om α = 2 ).
f ) Obtenha os análogos de d) e e) om o máximo de g em b em vez de a .
g) Prove o Método de de Laplace de expansões assimptóticas para máximo
no interior de um intervalo: Com as hipóteses de e) excepto que o máximo de
g é num ponto c ∈ ]a, b[ em vez de ser em a ,

S g(c) X  1
f (z) ∼ e z Γ n+ 21 c2n z n+ 2 ,
n=0

em que ck são os coeficientes da psérie de Taylor em 0 para a função (ϕ◦h)h com
h a inversa da função real t 7→ g(c)+g ′ (c)t−g(t) numa vizinhança de c ; em par-
q g(c)
q
ticular, h(0) = c , h′ (0) = |g′′2(c)| , e o 1o termo da expansão é e z ϕ(c) − g2πz
′′ (c) .

(Sugestão: Separe o intervalo de integração em dois no pinto c e aplique e) e f)).


o
h) Mostre q que a soma dos três 1 s termos da expansão assimptóti a em 0 da função
 1 z2
 o
Γ 1+ z é 2π
1
z
1 z
ez
z
1+ 12 + 288 . O 1 termo da expansão em ∞ dá a aproxima-
√ w √ n
171
ção ou fórmula de Stirling Γ(1+w) ≈ 2πw we , e n! ≈ 2πn ne , n ∈ N .
i) Aplique d) para obter que se m ∈ N ∪ {0} e a série de Taylor de ψ : [0, b[→ C ,
0 < b ≤ +∞ , indenidamente diferen iável em 0 tem raio de onvergên ia >0 , é
Z b X∞
t S
f (z) = tm ψ(t) e− z dt ∼ (m+n)!
n!
ψ (n) (0) z m+n+1 .
0 n=0
j) Prove a seguinte generalização do resultado de i): Lema de Watson172 : Se

0 < b ≤ +∞ , α > −1 , ψ : [a, b[→ C é mensurável e C em [0, δ] para algum δ ∈ ]0, b[

de erro que dá a probabilidade de uma variável aleatória com distribuição normal de média 0 e
variância 12 pertencer a [−x, x] .
170
A ideia deste método, que se deve a P.-S. Laplace em 1820, é que se uma função g : [a, b] → R
assume um máximo absoluto estrito num ponto, o máximo de eg(t)/z é mais acentuado para
valores de z com partes reais cada vez mais pequenas, pelo que as contribuições principais para o
integral são de uma vizinhança do ponto de máximo.
171
Descoberta para factorial de naturais por A. De Moivre em 1773. Stirling, James (1692-1770).
172
Foi provado em 1918 por George Watson (1886-1965).
Exercises of chapter 8 157

e t 7→ eβt|tα ψ(t)| é limitada em [δ, b[ para alguma constante β > 0 e f : S → C tal que
Z b
t
f (z) = tα ψ(t) e− z dt ,
então ∞
0

S
X Γ(α+n+1)
f (z) ∼ n!
ψ (n) (0) z α+n+1 .
n=0
(Sugestão: Para a parte do integral em [0, δ] use a fórmula de Taylor de ϕ em 0 om resto de
δ R t
Lagrange a a Função Gama. Prove que, para β > −1 , z 7→ eRe( z ) 0δ tβ e− z dt−Γ(β+1) z β+1
é limitada em S e use esta propriedade).
k) Prove o Método de ponto de sela para expansões assimptóticas173 :

Se a abertura angular de S é < π2 , Ω ⊂ C é uma região, g, ϕ ∈ H(Ω) e G(s) = Re g(s)
z
tem um único ponto de sela em Ω , no ponto s0 ∈ Ω , G′′ (s0 ) 6= 0 , e f : S → C com
Z
g(s)
f (z) = ϕ(s) e z ds ,
γ
em que γ é um caminho seccionalmente regular simples em S tal que nas extremi-
dades de γ G é < G(s0 ) , então ∞
g(s0 ) X  1
S
f (z) ∼ e z Γ n+ 12 c2n z n+ 2 ,
n=0
em que c2n = e−i(n+1/2)Arg z a2k e a2k são os coeficientes de ordem par da série de
Taylor
q em 0 para a função (ϕ◦h) h′ , com h a inversa da restrição da função real

t 7→ e−iArg z [ g(s0 )−g γ(t+t0 ) ] , em que s0 = γ(t0 ) , a uma vizinhança de 0 ; em
g(s0 ) q
particular, o 1o termo da expansão assimptótica no ponto 0 é ϕ(s0 ) e z 2πz
− ′′
g (s )
.
0
Nota: Pode ser adaptado para pontos de sela de ordem maior, ou mais de um
ponto de sela em que G assume o máximo em pontos de sela (somando as resp.
ontribuições), ou é assumido em extremidades de γ ( omo em d), e), f )).
(Sugestão: Do Teorema de Cau hy, o integral é invariante em aminhos homotópi os em Ω ,
pelo que se pode es olher em Ω um aminho de integração om os mesmos pontos ini ial 
g(s) g(s)
e nal em que seja mais fá il obter a expansão assimptóti a. Como e z = eRe z ,
para obter um ponto em torno do qual as ontribuições para o integral são tanto mais
dominantes quanto menor for o valor de |z| onvém um aminho γ em que G assume um
máximo mais a entuado nesse ponto s0 . Tem de ser g ′ (s0 ) = 0 , (x0 , y0 ) = s0 ponto de

sela de G(x, y) e γ tangente à urva de nível de Im g(s)
z
em s0 (se ϕ tem valores om
argumento onstante, γ ∗ é esta urva de nível numa vizinhança de s0 , ujos pontos têm
argumento onstante, e também se diz que é o método de fase estacionária. Aplique
o método de Lapla e de d)).
174
l) Mostre que para a função de Bessel de ordem n
Z
1 z(s− 1 ) −(n+1)
1
Jn (z) = i2π e 2 s s ds ,
γ
173
Também é conhecido por método de descida por declive máximo (em inglês, steepest
descent). Foi publicado pela 1a vez em 1909 por P.Debeye, para aproximações de funções de Bessel,
que indicou que tinha aparecido numa nota de B. Riemann de 1863 sobre funções hipergeométricas
que não foi publicada. O método foi encontrado em 1932 por C.L. Siegel em notas anteriores de
B. Riemann, da década com inı́cio em 1950 e também não publicadas, para obter uma fórmula
assimptótica para o erro da equação funcional aproximada para a Função Zeta de Riemann, agora
chamada fórmula de Riemann-Siegel. Debeye, Peter (1884-1966) foi laureado com o Prémio
Nobel da Quı́mica em 1936 pelo trabalho em estrutura molecular sobre momentos de um dipolo
e difracção de raios-X e electrões em gases.
174
As funções de Bessel foram introduzidas por Daniel Bernoulli (1700-1782) e estendidas por
F. Bessel. No plano, dão soluções da equação de Laplace e da equação de Helmoltz lap u+k 2 u = 0
com simetria circular, em que k > 0 é chamado número de onda. Esta equação surge na
resolução da equação de onda por separação das variáveis de tempo e espaço e corresponde à
componente independente do tempo de soluções da equação de onda. Por isso, as funções de
Bessel têm ampla aplicação tanto para soluções de equilı́brio como de propagação de ondas, em
mecânica dos meios contı́nuos, como difusão de calor, electromagnetismo, gravidade, fluı́dos ideais
incompressı́veis,elasticidade linear de membranas. Helmholtz, Hermann Ludwig von (1821-1894).
158 Singularities, meromorphic functions and residue theorem

em que γ é um aminho regular fe hado simples que des reve a ir unferên ia


om raio q
1 e entro 0 no sentido positivo, obtém-se a expansão assimptóti a em 0
 S 
f z1 ∼ 2z
π
cos z1 −n π2 − π4 , om S om abertura angular < π2 .
(Sugestão: Aplique o exer í io pre edente).
Exercı́cios com aplicações a dinâmica de fluidos e a aerodinâmica
8.40 Consideram-se es oamentos hidrodinâmi os planos esta ionários, solenoidais e irro-
ta ionais (exer í ios 3.25 e 5.13) om poten ial de ampo de velo idades ϕ , função
de orrente ψ e poten ial omplexo f = (ϕ, ψ) fluido ideal
de um uido ideal. Um
é in ompressível, pelo que tem es oamentos solenoidais, densidade de massa ρ0
175
onstante e é um fluido de Euler, i.e. o tensor da tensão de Cauchy é em
ada ponto T = −pI , em que p é um ampo es alar e I é a identidade, ou seja a
tensão desenvolvida é uma pressão, i.e. normal a ada superfí ie em que é onside-
rada. A equação de onservação de momento linear na ausên ia de forças internas
dá para a velo idade v a equação de movimento ρ0 dv dt
= −∇p, que para es oamen-
176
tos esta ionários e solenoidais pode ser expressa pela equação de Bernoulli
1 2 ′
ρ
2 0
kvk +p = onstante . V = (v ,
1 2v ) = ϕ é a velocidade complexa .
RSe γ é um
aminho de Jordan que limita uma região simplesmente onexa S , F = γ pn ds é a
força total externa do uido sobre S (mais espe i amente, a força por unidade de
omprimento sobre o ilindro perpendi ular ao plano om se ção ortogonal S ).
Fórmula de Blasius177 : Para um uxo esta ionário, plano, irro-
a) Estabeleça a
ta ional de um uido ideal, a força total externa F = (f1 , f2 ) sobre umaRregião sim-
plesmente onexa S delimitada por um aminho de Jordan γ é F = i 21 ρ0 γ V 2 (z) dz .
(Sugestão: Use a equação de Bernoulli).
b) Estabeleça a Fórmula de Kutta-Joukovski178 : Se, além das hipóteses em a),
−iα
a velo idade do uido é uniforme no innito, i.e. V (z) → V∞ e quando |z| → +∞ ,
om V∞ , α ∈ R , a força total externa sobre uma região simplesmente onexa S de-
−iα
limitada por um aminho de Jordan γ é F = iρ0 V∞ C e , em que C é a ir ulação
R
do ampo de velo idades ao longo de γ , C = V (z) dz . (Sugestão: Coloque a origem
γ
em S , desenvolva V em série de Laurent entrada na origem, aplique o Teorema dos Resí-
duos para al ular C , obtenha a série de Laurent entrada na origem para V 2 , aplique o
R
Teorema dos Resíduos para al ular γV 2 (z) dz e substitua na fórmula de Blasius de a) ).
8.41 Consideram-se es oamentos hidrodinâmi os planos esta ionários, solenoidais e irro-
ta ionais de um uido ideal omo no exer í io pre edente e om as mesmas notações
em torno de um obstá ulo ilíndri o perpendi ular ao plano de se ção ir ular om
−iα
raio R > 0 e velo idade uniforme no innito V∞ e , om V∞ , α ∈ R .
−iα 2
a) Mostre que o poten ial omplexo é da forma f (z) = V∞ e z + Rz −i 2π
C
ln z ,
om C ∈ R . Observe (ver exer í io 5.13) que o es oamento é a sobreposição linear
de um es oamento om velo idade uniforme no innito e ir ulação nula em torno
do obstá ulo om um vórti e em torno do qual a ir ulação no sentido positivo é C
e dis uta os possíveis tipos de uxos (Figura 8.13).
(Sugestão: Desenvolva em série de Laurent na origem ompatível om a ondição na velo-
idade no innito e o ontorno do obstá ulo ser uma linha de orrente).
175
A hipótese de Cauchy da mecânica dos meios contı́nuos é que a tensão (força por unidade
de área) t numa superfı́cie regular no interior de um corpo com normal unitária contı́nua n , devida
à força exercida pelo material do lado para onde n aponta sobre o material no lado oposto, é em
cada ponto x função de n (em particular, a tensão é a mesma em todas as superfı́cies tangentes
entre si num ponto). A.-L. Cauchy provou em 1822 que esta função é uma transformação linear
hermiteana de n (i.e. tem representação matricial simétrica numa base ortonormal) da forma
t(x, n) = T (x)n , em que T (x) é o tensor de tensão de Cauchy.
176
A equação de Bernoulli aparece no livro de D. Bernoulli Hydrodynamica de 1736, mas deve-se
a L. Euler.
177
Blasius, Paul Richard (1873-1970).
178
A Fórmula de Kutta-Joukovski foi obtida independentemente por W. Kutta em 1902 e N.
Joukowski em 1906. Kutta, Martin Wilhem (1867-1944).
Exercises of chapter 8 159

Figura 8.13: Escoamento em torno de obstáculo cilı́ndrico ortogonal ao plano de


secção circular com circulação C no sentido positivo em torno do obstáculo
b) Mostre que para α=0 as linhas de uxo para valores simétri os de C são simé-
tri as em relação ao eixo real.
) Mostre que para α = 0 e (1) −4πV∞ R < C ≤ 0 , (2) C = −4πV∞ R ,
(3) C < −4πV∞ R , os pontos de estagnação (velo idade zero) são, resp.,
(1) 2 na parede, (2) 1 na parede, (3) 1 no exterior do obstá ulo.
d) Mostre que a força total externa F sobre o obstá ulo devida ao es oamento é
F = −iρ0 V∞ C . Em parti ular, é verti al e para ima quando179 C > 0 .
(Sugestão: Aplique a Fórmula de Kutta-Joukovski do exer í io pre edente).
8.42 No nal do apítulo 3 onsiderou-se o perl de asa de avião de Joukovski, obtido
1 1

pela transformação onforme J(z) = 2 z+ z apli ada à região delimitada por duas
ir unferên ias C1 e C2 tangentes no ponto 1, om C1 a passar no ponto -1 e C2
exterior a C1
om entro em z0 e raio r > 0 (Figura 3.10). Considere o es oamento
em torno do perfil de Joukovski om velo idade uniforme no innito V∞ e−iα ,
om V∞ , α ∈ R . Chama-se a α ângulo de ataque.
a) Mostre que o poten ial omplexo para o es oamento, om ir ulação C ∈ R
no sentido positivo, obtido por transformações onformes a partir do poten ial
omplexo da alínea a) do exer í io pre edente para o es oamento em torno de um
perl ir ular é 2 i2α 
f (z) = 12 V∞ e−iα g(z)+ r g(z)
e C
− i 2π ln g(z)
r
,

em que g(z) = z− z0 + z 2 −1 .
179
Este resultado é previsı́vel a partir da equação de Bernoulli, pois esta equação implica que a
pressão na fronteira do obstáculo é maior se a velocidade é menor e, portanto, a força é ascendente
se as linhas de fluxo em torno do obstáculo são mais longas na parte superior do que na inferior,
pois a condição de velocidade uniforme no infinito exige maior velocidade na parte superior. A
relação para a pressão é a inversa.
160 Singularities, meromorphic functions and residue theorem

Figura 8.14: Linhas de fluxo e força de sustentação em perfil de Joukovski, e


com pontos de estagnação e fuga não coincidentes e velocidade não limitada
b) Mostre que a velo idade é limitada ( omo tem de ser si amente) se e só se
C = −πrV∞ sin(α + θ) , em que θ é o ângulo da tangente às ir unferên ias C1 e
C2 om o eixo real, que é metade do ângulo da tangente ao perl de Joukovski
om o eixo real no ponto de fuga, i.e. no vérti e do perl. Mostre que se a
ondição indi ada não é satisfeita a velo idade no ponto de fuga é innita, e se é
satisfeita o ponto de fuga é um ponto de estagnação (Figura 8.14). Mostre que a
força de sustentação de uma asa om o perl de Joukovski é de baixo para ima,
2
perpendi ular à re ta de in linação α e om intensidade F = 2πρ0 (V∞ ) sin(α+θ) .

Exercı́cios com aplicações a análise e controlo de sistemas lineares


8.43 Diz-se que um sistema linear é estável180 se tem saídas limitadas para entradas
limitadas (ver exer í io 7.12).Se o sistema tem função de transferên ia denida
P (s)
por uma função ra ional própria T (s) = , em que P, ∆ são polinómios om
∆(s)
oe ientes reais sem zeros omuns (i.e. é uma fra ção irredutível) e om ∆ de grau
maior do que o de P, hama-se equação caracterı́stica do sistema a ∆(s) = 0 .
a) Prove: Um sistema linear é estável se e só se as raı́zes da equação caracterı́stica
(ou seja os pólos da função de transferência) têm partes reais negativas.
(Observação: O ritério de Routh (exer í io 6.21.d) pode ser apli ado para veri ar se o
sistema é ou não estável).

Figura 8.15: Sistema de controlo de viragem de um veı́culo de dois carris


181
b) Considere o sistema de ontrolo esquematizado na Figura 8.15. Mostre que
para K > 0 a região dos parâmetros (K, a) ∈ R2 para os quais o sistema é estável é

S = (K, a) ∈ R2 : 0 < K < 126, 0 < a < (K+10)(126−K)
64K
(Figura 8.16).
(Sugestão: Aplique o ritério de Routh do exer í io 6.21.d).
8.44 Considere o sistema linear de ontrolo om retroa ção da Figura 7.14.
a) Mostre que a equação ara terísti a (exer í io 8.43) é ∆(s) = 1+KH(s) G(s) = 0 .
180
A estabilidade de sistemas de controlo foi considerada pelos fundadores da Teoria do Controlo,
inicialmente designada em inglês Theory of Governors: James Clerk Maxwell (1831-1879) em
1868 e Ivan Alekseevich Vyshnegradskii (1831-1895) em 1876. Ambos obtiveram a equivalência
da estabilidade de um sistema linear com a localização dos zeros da equação caracterı́stica no
semiplano complexo esquerdo. A utilização de equações diferenciais na análise e projecto de
sistemas de controlo tinha sido iniciada pelo matemático George Airy (1801-1892) em 1840, num
sistema de controlo com retroacção de telescópios para compensar a rotação da Terra.
181
Este sistema de controlo é estudado no artigo de Wang, G.G., Wang, S.H., Chen, C.H., Design
of turning control for a tracked vehicle, IEEE Control Systems Magazine, April 1990, 122-125.
Wang, Geng (1947-). Wang, Shih. Chen, Cheng.
Exercises of chapter 8 161

Figura 8.16: Região de estabilidade para o sistema de controlo da Figura 8.15


b) Chama-se traço das raı́zes182 da equação ara terísti a à união dos aminhos
no plano omplexo que des revem as posições das raízes em função do ganho K.
Prove as propriedades seguintes úteis para obter gra amente o traço das raízes
p(s)
se F (s) = H(s) G(s) = q(s) omo fra ção irredutível, em que p, q são polinómios
omplexos om oe ientes reais:
(i) O traço das raı́zes é simétrico ao eixo real e é a união de caminhos que
começam em zeros e terminam em pólos de F , quando K cresce em [0, +∞[
(como grau de q > grau de p , há um caminho de zeros que tende para ∞ ).
(ii) O traço das raı́zes sobre o eixo real é a união dos pontos à esquerda de cada
soma ı́mpar de zeros e pólos de F , contando multiplicidades.
(iii) As componentes do traço das raı́zes que Pn ∞ são assimptóticas a rectas
Pnpvão para z z
pk −
que intersectam o eixo real em σA = k=1np −nzj=1 com ângulo φA = (2k+1)π
j
np −nz
,
para k = 0, 1, . . . , np−nz−1 , com np , nz , resp., o no de zeros e de pólos de F , e
pk , zk , resp., os zeros e os pólos de F , repetidos de acordo com multiplicidades.
(iv) Os pontos de saı́da ou entrada no eixo real (i.e. em que caminhos deixam ou
entram o eixo real) são raı́zes múltiplas da equação caracterı́stica.
(v) P
O argumento Pnzda tangente ao traço das raı́zes em cada ponto z0 é
np
k=1 θ pk − j=1 θzj = π, módulo 2π), em que θpk , θzj são argumentos das
diferenças, resp., pk −z0 , zj −z0 .
) Use as propriedades em b) para mostrar que o traço das raízes da equação a-
K
ra terísti a de um sistema linear ∆(s) = 1+ 4 = 0 é o indi ado na
s +12s3 +64s2 +128s
Figura 8.17. Verique que o valor de K > 0 orrespondente ao traço das raízes
insterse tar o eixo imaginário é aproximadamente K = 569 .
(Sugestão: Para a última questão use o ritério de Routh do exer í io 6.21.d)
8.45 Chama-se controlador PID183 a um ontrolador om função de transferên ia
Gc (s) = Kp +Ki 1s +Kd s , om Kp , Ki , Ks > 0R são onstantes, o que orresponde a

uma relação entrada-saída y(t) = Kp r(t)+Ki r(t) dt+Kd r (t) . Considere o sistema
184
de ontrolo om retroa ção e ontrolador PID na Figura 8.18. Mostre que se
os zeros desta função de transferên ia são −3 ± i , o traço das raízes da equação
ara terísti a do sistema é omo na Figura 8.19. Verique que o erro esta ionário de
185
posição (ver exer í io 7.13) é 0, o desvio positivo máximo em resposta ao es alão
186
unitário é < 2% do valor esta ionário e o tempo de ajuste (i.e. para a resposta
ao es alão unitário permane er a < 2% do valor esta ionário) é aproximadamente
1 se Kd é su ientemente grande (para tempos de ajuste menores pode-se es olher
os zeros do ontrolador PID mais à esquerda no plano omplexo).

182
Em inglês diz-se root locus. Foi introduzido na análise e projecto de sistemas de controlo em
1948 por Walter Evans (1920-1999) quando trabalhava na North American Aviation.
183
PID abrevia “Proporcional-Integral-Derivada”. Estes controladores são amplamente aplicados
em controlo de processos industriais. Foram introduzidos em 1922 por Elmer Sperry (1860-1930)
e Nicholas Minorsky (1885-1970) em sistemas de manutenção de rumo de navios, por inspiração
na observação de como os “homens de leme” mantinham o rumo de navios combinando acções
proporcionais, correctoras de desvios médios, e preditivas de tendências.
184
Um sistema deste tipo pode ser um sistema de controlo de um veı́culo autónomo.
185
Em inglês diz-se overshoot.
186
Em inglês diz-se settling time.
162 Singularities, meromorphic functions and residue theorem

Figura 8.17: Traço das raı́zes do sistema linear com equação


K
caracterı́stica ∆(s) = 1+ s4 +12s3 +64s2 +128s = 0

Figura 8.18: Sistema linear de controlo com controlador PID

Figura 8.19: Traço das raı́zes do sistema com controlador PID da Figura 8.18
8.46 Dado um sistema linear de ontrolo om equação ara terísti a ∆(s) = 1+L(s) = 0
(ver exer í ios 8.43 e 8.44), contorno de Nyquist é o aminho ΓL = L◦γ , em que
γ é um aminho de Jordan se ionalmente regular que per orre no sentido negativo
a semi ir unferên ia om entro na origem ontida no semiplano omplexo direito
om raio R ≈ +∞ e diâmetro no eixo imaginário, ex epto na vizinhança de pólos
no eixo imaginário, que ontorna sobre semi ir unferên ias entradas nesses pólos
ontidas no semiplano omplexo esquerdo om raios r ≈ 0 .
187
a) Mostre que o ontorno de Nyquist do sistema linear de ontrolo na Figura
8.20 são omo na Figura 8.21. Mostre que os orrespondentes diagramas de Bode
do sistema om função de transferên ia L = 1 −∆ , em que ∆(s) = 0 é a equação
ara terísti a do sistema linear de ontrolo onsiderado, são omo na Figura 8.22.

Figura 8.20: Sistema linear de controlo com retroacção


187
Pode ser o sistema de controlo de um manipulador com motor de corrente contı́nua.
Exercises of chapter 8 163

b) Prove o critério de estabilidade de Nyquist188 : Um sistema linear de con-


trolo com equação caracterı́stica ∆(s) = 1+L(s) = 0 é estável se e só se IndΓL (−1)
é igual ao no de pólos de L com parte real positiva, em que ΓL é um contorno de
Nyquist. Mostre que o sistema na Figura 8.20 é estável se e só se K < ττ11+τ τ2
2
.

Figura 8.21: Contorno de Nyquist do sistema de controlo da Figura 8.20


) Chama-se diagrama polar do sistema om função de transferên ia L à represen-
tação grá a do aminho ω 7→ L(iω) , para 0 < ω , ou seja à parte do ontorno de Ny-
quist orrespondente ao per urso do semieixo imaginário positivo. Mostre que o di-
agrama polar do sistema om função de transferên ia L = KHG da Figura 8.20 om
K < ττ11+τ
τ2
2
é omo na Figura 8.23. A distân ia da urva no diagrama polar ao ponto
−1 é uma medida da margem de estabilidade do sistema. Chama-se margem
1
de ganho do sistema ao re ípro o do ganho gm = L(iω π)
para o qual Arg L(iωπ ) = π ,
189
e margem de fase do sistema à diferença φm = Arg L(iω0 )−(−π) para a qual
|L(iω0 )| = 1 (Figura 8.23). Verique que as margens de ganho e de estabilidade são
as indi adas no diagrama de Bode da Figura 8.22; em parti ular, são positivas para
0 < K < ττ11+τ
τ2
2 τ +τ
e negativas para K > τ1 τ 2 .
1 2

Figura 8.22: Diagrama de Bode do sistema L = KHG da Figura 8.20

Figura 8.23: Diagrama polar para sistema L = KHG da Figura 8.20


188
Este critério foi introduzido na análise e controlo de sistemas por H. Nyquist em 1932.
189
No projecto de sistemas de controlo, para assegurar as caracterı́sticas pretendidas para as
respostas consideram-se muitas vezes os efeitos nas margens de ganho e/ou de fase, analisados
com o diagrama polar, o diagrama de Bode ou um diagrama em que se representa o caminho do
ganho em dB versus a fase em função da frequência angular, chamado diagrama de Nichols,
introduzido na análise de sistemas por Nathaniel Nichols (1914-1997) durante a parte final da II
Guerra Mundial no MIT Radiation Laboratory e publicado em 1947. Estas representações gráficas
permitem identificar os efeitos de controladores, em particular para especificar a localização de
zeros e pólos e os valores de ganhos que permitam obter as caracterı́sticas pretendidas.
164 Singularities, meromorphic functions and residue theorem

8.47 Considere o sistema linear om retroa ção e o sistema a que se adi ionou um com-
pensador om função de transferên ia190 Gc (s) da Figura 8.24.

Figura 8.24: Sistema linear de controlo com retroacção, sem e com compensador
a) Mostre que o traço das raízes do sistema om um ompensador de ganho simples
om função de transferên ia Gc (s) = K > 0 é o indi ado na Figura 8.25 (o sistema
sem ompensador orresponde a K = 1 ) e al ule o ganho K de modo ao sistema
ter pólos dominantes (i.e. os pólos om maior parte real ex luindo o pólo no zero)
o o
nas bisse trizes dos 2 e 3 quadrantes do plano omplexo.

Figura 8.25: Traço das raı́zes do sistema linear de controlo


da Figura 8.24 com compensador de ganho simples

/4
0

/6

-5
/12

-10

Figura 8.26: Diagrama de Bode do compensador de avanço de fase Gc (s) = K(s−z)


s−p
K(s−z)
b) Considere um ompensador om função de transferên ia Gc (s) =
s−p
, om
p<z < 0 . Mostre que o diagrama de Bode deste ompensador é omo na Figura
8.26, pelo que introduz um avanço de fase om maior in idên ia numa frequên ia
angular om valor entre os simétri os do zero e do pólo que diminui para frequên ias
angulares que se afastam dessa frequên ia, razão por que é designado compensa-
dor de avanço de fase.
) Mostre que a in lusão do ompensador de avanço de fase de b) resulta em a res-
entar 1 zero e 1 pólo ao sistema. Considere o zero em z = −20 e al ule a lo alização
190
Sistemas destes tipos podem ser controladores de um traçador gráfico de computador (S.T.Van
Voorhis, Digital control of measurement graphics, Hewlett-Packard Journal, January 1986, 24-26.
O compensador em d) foi usado pela Hewlett-Packard em 1986 no traçador gráfico HP7090A.
Exercises of chapter 8 165

do pólo p e o ganho K de modo ao sistema ter pólos dominantes em −20±i20 (satis-


faz o obje tivo de lo alização dos pólos dominantes de a) ). Mostre que a res entar
o zero e o pólo onsiderados transforma o traço das raízes no da Figura 8.27.

Figura 8.27: Traço das raı́zes do sistema linear de controlo da Figura 8.24
com compensador de avanço de fase Gc (s) = K(s−z)
s−p

Figura 8.28: Traço das raı́zes do sistema linear de controlo da Figura 8.24
com compensador PD Gc (s) = K +Kds
d) Considere um ompensador om função de transferên ia Gc (s) = K+Kd s, a que
se hama compensador PD191 . Mostre que a in lusão deste ompensadora res-
enta 1 zero ao sistema. Considere o zero em z = −10 de modo a an elar o pólo
dominante de G(s) e al ule os ganhos K, Kd de modo ao sistema ter pólos domi-
nantes que satisfaçam o obje tivo de lo alização de a) ). Mostre que o an elamento
do pólo dominante de G(s) transforma o traço das raízes no da Figura 8.28.
e) Mostre que as respostas ao es alão unitário dos sistemas sem e om ompensa-
dores de ganho simples, de avanço de fase e PD, em, resp., a), ), d), são omo na
Figura 8.29. É possível melhorar o desempenho om zeros e pólos adi ionais.

191
PD abrevia “Proporcional-Derivada” (comparar com o controlador PID do exercı́cio 8.45).
166 Singularities, meromorphic functions and residue theorem

Figura 8.29: Respostas ao escalão unitário dos sistemas (1) sem compensador,
(2) com compensador de ganho simples, (3) com compensador de avanço de fase
e (4) com compensador PD, considerados, resp., nas alı́neas a), c), d)
Capı́tulo 9

Funções harmónicas

9.1 Introdução
As funções harmóni as num sub onjunto aberto de C são as que
satisfazem nesse onjunto a equação de Lapla e ∆f (x, y) = 0 , em que
f . Como as funções holomorfas são indenidamente diferen-
∂ 2 ∂ 2
∆f = ∂x f+ ∂y
2 2
iáveis, as derivadas de 2a ordem em relação às duas variáveis são iguais nas
duas ordens possíveis, o que onjugado om as equações de Cau hy-Riemann
dá que funções holomorfas são harmóni as. É laro que uma função om-
plexa é harmóni a se e só se as partes real e imaginária são harmóni as;
assim, o o que se segue nesta introdução é para funções harmóni as om
valores reais. Para funções om valores reais denidas em sub onjuntos de
R2 a noção de função harmóni a é a que, no quadro omplexo, orresponde
naturalmente à noção de função holomorfa; assim, funções harmóni as reais
e funções holomorfas têm várias propriedades semelhantes.
As funções harmóni as são importantes para apli ações em físi a, quí-
mi a, biologia, engenharia porque orrespondem a poten iais de ampos
ve toriais onservativos192 om divergên ia nula193 . Por isso, a teoria das
funções harmóni as também é onhe ida por Teoria de Poten ial. Em apli-
ações em meios ontínuos nas áreas me ionadas, funções que orrespondem
a equilíbrio são muitas vezes harmóni as, e.g. para ampo gravita ional num
onjunto sem massas, ampo elé tri o num onjunto sem argas elé tri as,
ampo de velo idades de um uido in ompressível esta ionário e irrota ional,
densidade em pro essos de difusão (em físi a, quími a, biologia). Portanto,
as funções harmóni as têm um amplo âmbito de apli ação.
A equação de Lapla e apare eu em 1752 numa publi ação de L. Euler
sobre hidrodinâmi a, e depois em Mécanique Céleste de P.-S.Lapla e, publi-
192
Campos vectoriais conservativos são os cujo trabalho (i.e. os seus integrais de linha) em
caminhos seccionalmente regulares com o mesmo par ordenado de pontos inicial e final; do Teorema
Fundamental do Cálculo, os campos vectoriais conservativos são os gradiente de funções C 1 . Para
campos de forças contı́nuos newtonianos (i.e. iguais a massa vezes aceleração em movimentos de
massa) a energia cinética menos um potencial do campo (a energia total: cinética mais potencial)
é conservada.
193
Um campo vectorial tem divergência nula num conjunto se o fluxo para dentro e para fora de
domı́nios regulares contidos no conjunto através da fronteira se cancelam, dando fluxo total zero.
168 Funções harmónicas

ado em vários volumes entre 1799 e 1825. S.D. Poisson ontribuiu de isiva-
mente para o estudo das funções harmóni as em 1811-12 e em 1820 obteve
a Fórmula de Poisson que dá os valores de uma função ontínua harmóni a
no interior de um ír ulo fe hado em função de valores dados na fronteira
por uma função ontínua. Inspirado nos trabalhos de P.-S. Lapla e em me-
âni a eleste, G. Green, nas suas próprias palavras  onsiderando quanto
desejável era que um poder de a ção universal, omo a ele tri idade, fosse,
tanto quanto possível, submetido à possibilidade de ser al ulado, ini iou
em 1828 uma teoria matemáti a do ele tromagnetismo om o trabalho Es-
say on the Application of Mathematical Analysis to Theories of Electricity
and Magnetism, em que ontribuiu para o estudo das funções harmóni as
e estabele eu as bases para o aminho que levou à uni ação dos ampos
elétri o e magnéti o por J.C. Maxwell meio sé ulo depois.
Em 1839 e 1840 C.F.Gauss ini iou a Teoria de Poten ial om uma publi-
ação sobre forças entrais inversamente propor ionais ao quadrado da dis-
tân ia ( omo o ampo gravita ional e o ampo elé tri o). Nesta altura C.F.
Gauss des onhe ia o trabalho de G.Green já referido que só  ou onhe ido
após W.Thomson194 promover uma reimpressão em 1846. Há sobreposições
nos trabalhos de C.F. Gauss e G. Green, ao ponto de ambos hamarem po-
ten ial à função harmóni a om gradiente que é o ampo de forças. Uma
importante ontribuição de C.F. Gauss neste âmbito foi a Propriedade de
Valor Médio de uma função harmóni a numa região dando em ada ponto
valor igual à média da função em ada ir unferên ia da região entrada no
ponto. Assim, uma função harmóni a orresponde a uma situação natural
de equilíbrio expressa pelo valor em ada ponto ser a média em onjuntos de
pontos equidistantes desse ponto.
O problema da determinar uma função harmóni a num dado onjunto
om valores na fronteira dados por uma função ontínua foi onsiderado desde
edo, pois orresponde ao problema práti o importante de obter os valores
de soluções de equilíbrio em apli ações om as men ionadas a ima a partir
dos valores osbervados na fronteira. Foi hamado por B. Riemann em 1851
Problema de Diri hlet pela razão que se refere mais abaixo. As pessoas que
trabalhavam na área a reditavam que o problema tinha solução úni a, visto
orresponder a situações que poderiam ser realizadas si amente xando os
valores na fronteira de um onjunto limitado e, portanto, uma deveria existir
uma solução. Contudo, a existên ia de solução do Problema de Diri hlet foi
provada para regiões ir ulares só em 1872, apesar da Fórmula de Poisson
que dá uma função harmóni a pela sua média na ir unferên ia fronteira do
ír ulo estar disponível desde 1820. A di uldade era provar que a função
denida pela Fórmula de Poisson no interior do ír ulo é ontínua na fronteira
se a função que dá os valores na fronteira é ontínua, e só foi ultrapassada em
1872 por H.A.Shwarz. Também é ne essário provar que não há mais soluções,
194
Thomson, William, Lord Kelvin (1824-1907).
9.1 Introdução 169

o que já estava resolvido na altura usando a Propriedade de Valor Médio ou


no Prin ípio de Máximo, pelo qual o máximo e o mínimo de uma função
harmóni a num onjunto não podem ser assumidos em pontos interiores.
A uni idade de solução do Problema de Diri hlet em onjuntos gerais é
assegurada omo no aso parti ular referido, mas a garantia de existên ia de
solução exige propriedades da fronteira do onjunto. A 1a prova de existên ia
de solução do Problema de Diri hlet em ondições razoavelmente gerais em
dimensão 2 foi de A. Harna k em 1987, om funções de Green.
Em 1923 O.Perron deu o Método de Perron para resolver o Problema de
Diri hlet em qualquer dimensão, que é simultaneamente simples e muito ge-
ral. O método assegura a existên ia de solução do Problema de Diri hlet em
sub onjuntos abertos limitados de C om omplementar sem pontos isolados.
Um dos pro essos mais naturais para provar existên ia de soluções de proble-
mas de Análise Matemáti a quando não se onsegue onstruir uma solução
é omo limites de su essões. O Método de Perron é deste tipo e baseia-se
na solução do Problema de Diri hlet em ír ulos e na utilização de su essões
res entes de funções subharmóni as195 . A su essão de funções subharmó-
ni as que tendem para uma solução do Problema de Diri hlet é denida de
modo a onvergir na fronteira para a solução do Problema de Diri hlet om
valores iguais ao supremo dos valores possíveis de funções subharmóni as
om valores na fronteira menores ou iguais aos aí espe i ados para a solu-
ção. Obtém-se assim a úni a andidata a solução no interior do onjunto, e
resta obter ondições a que a fronteira deve satisfazer para assegurar onti-
nuidade na fronteira. Uma das ara terísti as mais atraentes deste método
é que, analogamente à resolução do Problema de Diri hlet em ír ulos om
base na Fórmula de Poisson, separa a prova de existên ia de uma função
harmóni a no interior do onjunto em que o Problema de Diri hlet é posto
(i.e. a úni a andidata a solução) da prova da sua ontinuidade na fronteira.
Deste modo, o problema de en ontrar ondições a que a fronteira deve obede-
er para se poder assegurar existên ia de solução é onvenientemente isolado
de outras questões. A onvergên ia de su essões de funções subharmóni as
pode ser assegurada om o Teorema de Harna k para onvergên ia uniforme
de su essões de funções harmóni as, estabele ido por A. Harna k em 1887.
J.P. Diri hlet modi ou as ideias de C.F. Gauss para fundação da Teoria
de Poten ial e props a determinação de funções harmóni as omo funções
que minimizam o integral do quadrado da norma do gradiente de funções de-
nidas na região onsiderada. Nos asos on retos de apli ação referidos este
problema do Cál ulo de Variações orresponde a minimizar a energia, o que
de um ponto de vista físi o é natural para soluções de equilíbrio. B.Riemann
hamou Prin ípio de Diri hlet a esta ideia e utilizou-a em 1851 para obter
propriedades de funções harmóni as. Contudo, a validade deste Prin ípio
195
Funções que, localmente em cada cı́rculo fechado, são menores ou iguais às funções harmónicas
com valores que lhes são superiores ou iguais na fronteira do cı́rculo.
170 Funções harmónicas

só foi estabele ida rigorosamente por volta de 1910, por vários matemáti os,
em que se desta aram D.Hilbert, H.Weyl e R.Courant196 , om metodologias
que exigiram novas importantes ontribuições de Análise Fun ional para ul-
trapassar di uldades no problema de minimização. Este resultado é a base
dos hamados Métodos Varia ionais em Equações Diferen iais.

9.2 Relações de funções harmónicas e


holomorfas
O laplaciano de uma função f om valores omplexos (resp., reais) num
ponto (x, y) = z ∈ C (resp., (x, y) ∈ R2 ) dene-se por ∆f = ∂∂xf +∂∂yf . Também 2
2
2
2
se designa lap f = ∆f . Diz-se que f é função harmónica num onjunto
S ⊂ C (resp., S ⊂ R2 ) se existe um onjunto aberto Ω ⊃ S em que existem
todas as derivadas par iais de f de 1a e de 2a ordem e f satisfaz a equação
de Laplace ∆f = 0 .
O conjunto das funções harmónicas em S ⊂ C com valores complexos
(resp., reais) é um espaço linear complexo (resp., real) com a soma e o
produto por escalares usuais.
As funções harmóni as mais simples são as funções ans omplexas az+b ,
om a, b ∈ C onstantes, que são harmóni as em C ( om valores reais são as
funções (x, y) 7→ cx+dy+k , om c, d, k ∈ R onstantes, que são harmóni as em
R2 ). Em oordenadas polares (r, θ) o lapla iano é r ∂r ∂r + ∂θ , pelo que
2

r ∂f ∂ f
2
é uma observação dire ta que log r é uma função harmóni a em C\{0} em
todo o plano e que qualquer função harmónica numa região sem a origem e
que depende apenas de r é da forma a log r+b , em que a, b são constantes.
Também, qualquer função contı́nua definida numa região de C de modo a
dar um argumento do ponto em que é calculada é harmónica nessa região.
Uma função omplexa é harmóni a num onjunto aberto Ω ⊂ C se e
só se tem partes real e imaginária harmóni as em Ω . Por outro lado, se
f ∈ H(Ω) , tem derivadas par iais ontínuas de ordem arbitrária, e veri am-
se as ondições de Cau hy-Riemann, que podem ser es ritas ∂f ∂x = −i ∂y .
∂f

Derivando esta fórmula em ordem a x e a y,


∂ 2f ∂ 2f ∂ f2 ∂ f 2
∂x2
+ ∂y 2
= −i ∂x∂y + i ∂x∂y ,

pelo que as funções holomorfas são harmóni as. Além disso, se u é uma
função real harmóni a e C 2 em Ω , f = ∂u
∂x −i ∂y satisfaz
∂u

∂f ∂2u 2 2 ∂2u ∂2u ∂2u


∂x + i ∂f
∂y = ∂x2
∂ u
− i ∂x∂y ∂ u
+ i ∂y∂x + ∂y 2
= ∂x2
+ ∂y 2
= 0.

Logo, f é C 1 e satisfaz as equações de Cau hy-Riemann, pelo que f ∈ H(Ω) .


196
Courant, Richard (1888-1972).
9.3 Propriedade de valor médio de funções harmónicas 171

(9.1) Para S ⊂ C :
1. Uma função com valores complexos é harmónica em S se e só se
as suas partes real e imaginária são harmónicas em S.
2. As funções holomorfas em S são harmónicas em S.
3. Se u é uma função com valores reais harmónica e C 2 em S,
a função com valores complexos f = ∂u ∂u
∂x −i ∂y é holomorfa em S.

Também é útil o resultado seguinte.


(9.2) A composição de uma função harmónica (com valores reais ou
complexos) com uma função holomorfa é harmónica.

Dem. Se h = f ◦T , com T= (u, v) holomorfa num conjunto aberto Ω ⊂ C e f


harmónica em T (Ω) , da regra de derivação da função composta,
∂ ∂f  ∂u ∂f  ∂v
∂x (f ◦T ) = ∂u ◦T ∂x + ∂v ◦T ∂x ,
∂2 ∂2f  ∂u 2 ∂2f  ∂v ∂u ∂f  ∂2u
∂x2
(f ◦T ) = ∂u 2 ◦T ∂x + ∂v∂u ◦T ∂x ∂x + ∂u ◦T ∂x2
2  ∂v 2 ∂2f  ∂v  ∂2v
+ ∂∂vf2 ◦T ∂x + ∂u∂v ◦T ∂u ∂f
∂x ∂x + ∂v ◦T ∂x2 ,
e fórmulas idênticas substituindo x por y . Adicionando a última fórmula
com a correspondente com derivadas em ordem a y e aplicando as equações
de Cauchy-Riemann,  2 ∂v 2   
∂f
∆(f ◦T ) = (∆f ◦T ) ∂u ∂x + ∂x + ∂u ◦T ∆u + ∂f ∂v ◦T ∆v .
Como T é holomorfa, do resultado precedente, u e v são harmónicas. Logo,
∆f = 0 , ∆u = 0 , ∆v = 0 , e ∆(f ◦T ) = 0 , i.e. f ◦T é harmónica. Q.E.D.

9.3 Propriedade de valor médio de funções


harmónicas
Da Propriedade de Valor Médio de funções analíti as (4.13), o valor de uma
função omplexa f holomorfa (e portanto harmóni a) num onjunto aberto
Ω ⊂ C no entro de ada ír ulo fe hado Br (a) ⊂ Ω é a média da função na
ir unferên ia fronteira do ír ulo. O resultado seguinte mostra que todas
funções harmóni as ( om valores reais ou omplexos) têm esta propriedade.
Em onsequên ia da determinação de funções harmóni as no interior de
ír ulos e ontínuas nas suas fronteiras a partir dos valores que assumem
nessas fronteiras, estabele ida na se ção seguinte, ver-se-á que é válido um
re ípro o da Propriedade de Valor Médio. Nomeadamente, uma função on-
tínua que satisfaz a Propriedade de Valor Médio num onjunto aberto Ω ⊂ C
é ne essariamente harmóni a em Ω e, portanto, as funções harmóni as são
pre isamente as funções ontínuas om a Propriedade de Valor Médio197 .
197
Na secção seguinte estabelece-se que uma função com valores reais harmónica num conjunto
aberto é localmente, nos cı́rculos contidos neste conjunto, a parte real de uma função holomorfa e,
portanto, é indefinidamente diferenciável. Contudo, a propriedade que se segue é usada para obter
este resultado, pelo que a hipótese da função ser C 2 é necessária nesta fase. Depois do resultado
referido ser obtido deixará de ser necessário verificar esta hipótese em aplicações da Propriedade
de Valor Médio de funções harmónicas.
172 Funções harmónicas

(9.3) Propriedade de Valor Médio de Funções Harmónicas:


Se f é uma função (com valores reais ou complexos) harmónica e C 2
num cı́rculo aberto Br (a) ⊂ C e contı́nua em Br (a) ,
Z 2π
f (a) = 2π f (a+reiθ ) dθ .
1
0

Dem. Uma função complexa satisfaz a igualdade no enunciado se e só se as


suas partes real e imaginária a satisfazem. Logo, basta provar para funções
com valores reais. Para cada ρ ∈ ]0, r[ considera-seR o caminho γρ : [0, 2π] → R2

tal que γρ (θ) = a+ρ(cos θ, sin θ) e define-se F (ρ) = 0 (f◦γρ ) . Como f é contı́-
nua em a, lim F (ρ) = 2πf (a) . A derivada direccional de f em cada ponto de
ρ→0 
γ ∗ na direcção
 da normal unitária exterior a Bρ (a) , ν γρ (θ) = (cos θ, sin θ),
∂f ∂
é ∂ν γρ (θ) = ∂ρ (f◦γρ )(θ) e, das Fórmulas de Green estabelecidas a partir do
Teorema de
R ∂f Green Rpara funções com valores reais definidas em subconjuntos
de R2 , γρ ∂ν ds = Bρ (a) ∆f = 0 e
Z Z 2π Z 2π Z 2π
∂f ∂f
0 = ∂ν ds = ( ∂ν ◦γρ )k(γρ )′ k = ∂ρ∂ ∂
(f ◦γρ ) ρ = ρ ∂ρ (f ◦γρ ) = ρ F ′ (ρ) ,
γρ 0 0 0
pelo que F ′ (ρ)
= 0 e F (ρ) = 2πf (a) para 0 < ρ < r . Resta provar que
F (ρ) → F (r) quando ρ → r. Como f é contı́nua no conjunto compacto
Br (a) , é uniformemente contı́nua neste conjunto, pelo que para cada ε > 0
existe δ > 0 tal que w, z ∈ Br (a), |w −z| < δ ⇒ |f (w)−f (z)| < ε . Portanto,
para r−δ < ρ < r é
Z 2π

|F (ρ)−F (r)| ≤ (f ◦γρ )−(f ◦γr ) ≤ 2πε .
0
Logo, F (ρ) → F (r) quando ρ → r. Q.E.D.

9.4 Solução do problema de Dirichlet em cı́rculos


Chama-se Problema de Dirichlet num onjunto aberto Ω ⊂ C ao problema
de en ontrar uma função harmóni a em Ω e ontínua na sua fronteira que
assume na fronteira valores dados. Este problema pode não ter solução, pelo
que interessa obter ondições que a fronteira deve satisfazer para garantir
existên ia de solução. A Fórmula de Poisson onsiderada nesta se ção resolve
o problema de existên ia de solução se Ω é um ír ulo, dando os valores de
uma função harmóni a no interior do ír ulo em termos dos valores dados
na fronteira por uma função ontínua.
Para quaisquer r > 0 e a ∈ C a transformação am T : B1 (0) → BR(a) tal
que T (z) = a+Rz é uma bije ção holomorfa om inversa holomorfa. Como
omposições de funções harmóni as om funções holomorfas são harmóni as
e omposições de funções ontínuas om funções holomorfas são ontínuas,
a existên ia de solução do Problema de Diri hlet em qualquer ír ulo BR(a)
resulta da existên ia de solução no ír ulo B1(0) .
9.4 Solução do problema de Dirichlet em cı́rculos 173

Para abreviar, B1 e S 1 designam, resp., o cı́rculo e a circunferên-


cia com centro na origem e raio 1.
Da Propriedade de Valor Médio de funções harmóni as (9.3), uma função
(real ou omplexa) harmóni a e C 2 no ír ulo aberto Br (a) e ontínua em
Br (a) satisfaz
Z 2π
(9.4) f (0) = 1
2π f (eiθ ) dθ .
0
Os valores de f em B1 podem ser obtidos dos valores na fronteira por
uma transformação de Möbius bije tiva de B1 em B1 , pois para ada z ∈ B1
existe uma transformação de Möbius Tz : B1 → B1 que transforma o entro
de B1 em z e S 1 em S 1 (Figura 9.1), om
ζ+z w−z
Tz (ζ) = 1+zζ , Tz (0) = z , Tz (S 1 ) = S 1 , Tz−1 (w) = 1−zw .

Figura 9.1: Transformação de Möbius Tz: B1 → B1 , com Tz (0) = z,


ζ+z
em que z é um ponto arbitrário de B1 , Tz (ζ) = 1+zζ
Como f é harmóni a e Tz é holomorfa em B1 , de (9.2), f◦Tz é harmóni a
em B1 . Como f é ontínua em B1 e as funções holomorfas são ontínuas,
f ◦Tz é ontínua em B1 . Logo, (9.4) é válida para esta função e dá
Z 2π
f (z) = (f ◦Tz )(0) = 1
2π [f ◦Tz ](eiϕ ) dϕ .
0
A equação eiϕ = Tz−1(eiθ ) dene uma bije ção θ 7→ ϕ de [0, 2π] em [0, 2π].
A derivada desta equação em ordem a θ dá eiϕi dϕ dθ = (Tz ) (e ) e i , pelo
−1 ′ iθ iθ

que dθ = T (e ) e, om mudança de variáveis de integração,


−1 ′ iθ iθ
dϕ (T ) (e ) e
z
−1 iθ
z
Z 2π −1 ′ iθ
f (z) = 1
2π f (eiθ ) (TTz−1)(e(eiθ ) ) eiθ dθ .
z
0
Como
(Tz−1 )′ (w) (1−zw)+z(w−z) (1−zw) w z
Tz−1 (w)
w= (1−zw)2 w−z w= w−z + w−z ,
para |w| = |z| = 1 é
(Tz−1 )′ (w) 1−|z| 2 (Tz−1 )′ (w) 
Tz−1 (w)
w = |w−z| 2 ,
Tz−1 (w)
w = 21 w+z w+z
w−z + w−z
w+z
= Re w−z .
174 Funções harmónicas

Substituindo estas duas expressões no integral a ima, om w = eiθ obtém-se


Z 2π
1−|z|2
(9.5) f (z) = 1
2π |eiθ −z|2
f (eiθ ) dθ , z ∈ B1 .
0
Z 2π iθ 
(9.6) f (z) = 1
2π Re eeiθ −z
+z
f (eiθ ) dθ , z ∈ B1 .
Em oordenadas polares z = reiϕ é |eiθ −reiψ |2 = 1−2r cos(θ−ψ)+r2, e a
0

fórmula (9.5) pode-se es rever


Z 2π
1−r 2
(9.7) f (reiϕ ) = 1
2π 1−2r cos(θ−ψ)+r 2 f (eiθ ) dθ , reiϕ ∈ B1 .
As fórmulas (9.5), (9.6) e (9.7) são formas diferentes de uma mesma
0

expressão integral, onhe ida por Fórmula de Poisson.


O integral em (9.6) pode ser es rito omo um integral sobre o aminho
γ : [0, 2π] → C tal que γ(θ) = eiθ ,
Z 2π   Z 2π   Z  

eiθ +z γ(θ)+z (θ)
Re eiθ −z
f (eiθ ) dθ = Re γ(θ)−z f (γ(θ)) γiγ(θ) w+z
dθ = Re w−z 1
f (w) iw dw.
0 0 γ

Se f = u tem valores reais, a Fórmula de Poisson (9.6) pode-se es rever


Z 2π Z
1 eiθ +z iθ 1 (w+z) u(w) w −1
(9.8) u(z) = Re g(z) , g(z) = 2π eiθ −z u(e ) dθ = i2π w−z dw , z ∈ B1 .
0 γ
Como Z Z
1 w u(w) w −1 z u(w) w −1
g(z) = i2π w−z dw + i2π w−z dw , z ∈ B1 ,
γ γ
de (5.8), os dois integrais no lado direito denem funções analíti as e, por-
tanto, holomorfas em B1 . Como g é uma soma de produtos de funções
holomorfas também é holomorfa em B1 . Por isso, diz-se que as funções har-
mónicas com valores reais são localmente, em cı́rculos abertos, partes reais
de funções holomorfas.
Logo, as funções harmónicas são indefinidamente diferenciáveis.
A diferença de qualquer outra função holomorfa om parte real igual a u
em B1 para g é uma função holomorfa em B1 om parte real nula, pelo que,
de (3.12), é onstante. Assim, as funções holomorfas em B1 om parte real
igual a u são as funções que se obtêm de g dada pela Fórmula de Poisson na
forma (9.8) por adição de onstantes imaginárias puras.
O argumento pre edente estabele e o resultado seguinte.
(9.9) Os valores de uma função f (com valores reais ou complexos)
harmónica no cı́rculo aberto B1 e contı́nua em B1 são determinados
pelos valores na fronteira S 1 = ∂B1 através da Fórmula de Poisson em
qualquer das formas (9.5), (9.6), (9.7); se f tem valores reais, é a parte
real de uma função g holomorfa em B1 com valores determinados pelos
valores na fronteira através da Fórmula de Poisson na forma (9.8), e
qualquer função holomorfa em B1 com parte real igual a f difere de g
por uma constante imaginária pura.
9.4 Solução do problema de Dirichlet em cı́rculos 175

Este resultado mostra omo se podem obter os valores de uma função


harmóni a num ír ulo a partir dos seus valores na fronteira do ír ulo. Para
on luir a resolução do Problema de Diri hlet em ír ulos resta provar que
esta função onverge na fronteira para os valores da função dada.
Com base na Fórmula de Poisson na forma (9.7), om ϕ = ψ−θ, dene-se
o Núcleo de Poisson (Figura 9.2) por
1−r 2
(9.10) Pr (ϕ) = 1−2r cos ϕ+r 2 , (r, ϕ) ∈ R2 \{(1, 2kπ) : k ∈ Z} .
É laro das formas (9.5) e (9.6) da Fórmula de Poisson que Pr (ϕ) também
pode ser es rito omo P (z, w) om z = reiψ e w = ei(ψ+ϕ) nas formas
1−|z|2
(9.11) P (z, w) = |w−z|2 , |w| = 1, w, z ∈ C .
w+z

(9.12) P (z, w) = Re w−z , |w| = 1, w, z ∈ C .

Figura 9.2: Núcleo de Poisson

(9.13) Propriedades básicas do Núcleo de Poisson:


O Núcleo de Poisson satisfaz para 0 ≤ r < 1 e ϕ ∈ R :
1. 0 < Pr (π) ≤ Pr (ϕ) ≤ Pr (0) , Pr (−ϕ) = Pr (ϕ) , Pr (ϕ+2π) = Pr (ϕ) .
2. Pr é decrescente em [0, π] .
3. lim Pr (ϕ) = P1 (ϕ) = 0 , ϕ ∈ ]0, 2π[ .
r→1R 2π
4. 2π
1
0 Pr (ϕ) dϕ = 1 .

Dem. Como −1 ≤ cos ϕ ≤ 1 , é 1−r 2 ≤ 1−2r cos ϕ+r 2 ≤ 1+r 2 e, de (9.10),


1−r 1−r 2 1−r 2 1+r
0 < Pr (π) = 1+r = (1+r)2 ≤ Pr (ϕ) ≤ (1+r)2 = 1−r = Pr (0) .
As outras relações em 1 são imediatas. Como ϕ 7→ cos ϕ decresce em [0, π] ,
(9.10) implica 2. 3 resulta de (9.10) e 4 de (9.7) com f = 1 . Q.E.D.
Dada uma função f denida em S 1 hama-se Integral de Poisson de
f à função P [f ] = F denida em B1 por
Z 2π
(9.14) F (reiψ ) = 1
2π Pr (ψ−θ) f (eiθ ) dθ , 0≤r <1 , ψ ∈R .
0
176 Funções harmónicas

ou, o que é equivalente, om γZ: [0, 2π] → C tal que γ(θ) = eiθ ,
1 P (z,w)
(9.15) F (z) = i2π w f (w) dw , z ∈ B1 .
O Integral de Poisson de f existe sempre que a função θ 7→ f (eiθ ) é absolu-
γ

tamente integrável em [0, 2π] . As outras formas onsideradas para o Nú leo


de Poisson Zdão formas orrespondentes
Z 2π
do Integral deZPoisson,
2π 
para

z ∈ B1 ,
1 P (z,w) 1 1−|z|2 1 eiθ +z
F (z) = i2π w f (w) dw = 2π |eiθ −z|2
f (eiθ ) dθ = 2π Re eiθ −z
f (eiθ ) dθ.
O resultado seguinte permite estabele er a existên ia de solução do Pro-
γ 0 0

blema de Diri hlet em ír ulos. Foi provado em 1872 por H.A. S hwarz.
(9.16) Propriedades básicas do Integral de Poisson:
def
Se f : S 1 = ∂B1 → K (K = C, resp., R) e θ 7→ f (eiθ ) é absolutamente
integrável em [0, 2π] , o integral de Poisson P [f ] de f é uma função
harmónica em B1 e lim P [f ](z) = f (w) para w ∈ S 1 em que f é contı́nua.
z→w
P é uma transformação linear do espaço linear complexo (resp., real)
das funções f : S 1 → K tais que θ 7→ f (eiθ ) é absolutamente integrável em
[0, 2π] no espaço linear complexo (resp., real) das funções harmónicas
com valores complexos (resp., reais).

Dem. A linearidade de P é imediata da linearidade do integral na função


integranda. Como f = u+iv, com u, v com valores reais, o basta provar para
f com valores reais. Como se viu imediatamente a seguir à fórmula (9.8),
P [f ] é harmónica em B1 . Resta provar a propriedade do limite de P [f ]
em pontos de S 1 em que f é contı́nua. Fixa-se arbitrariamente um destes
pontos w ∈ S 1 . Sem perda de generalidade, pode-se supor que f (w) = 0 (caso
contrário, substitui-se f por f −f (w)). Para qualquer ε > 0 existe um arco
aberto (i.e. que não contém as extremidades) C1 da circunferência S 1 que
contém w e em que |f | < ε . Se C0 é o arco complementar de C1 em S 1 e
fj é a função que coincide com f em Cj e é zero em Cj−1 para j = 1, 2 ,
é P [f ] = P [f0 ] + P [f1 ] . P [f0 ] é dada por um integral sobre C0 da mesma
função integranda que dá P [f ] . Aplicando a argumentação a seguir a (9.8)
ao integral que dá P [f0 ] obtém-se que esta função é a parte real de uma
função holomorfa em B1 ∪ C1 . Como
 iθ  2
Re eeiθ −z
+z
= P (z, eiθ ) = |e1−|z|
iθ −z|2 = 0 , z ∈ S 1 \{eiθ } ,
a função integranda no integral sobre C0 anula-se para z ∈ C1 e P [f ] = 0
em C1 . Como P [f0 ] é a parte real de uma função holomorfa em B1 ∪ C1 , é
contı́nua neste conjunto. Como w ∈ C1 , lim P [f0 ](z) = f (w). Logo, existe
z→w
δ > 0 tal que |P [f0 ]| < ε em B1 ∩Bδ (w) . Como |f1 | < ε, de (9.13.4),
Z 2π Z 2π

P [f1 ](ρ eiψ ) ≤ 1 Pρ (ψ−θ) |f1 (eiθ )| dθ < ε Pρ (ϕ) dϕ = ε, ρ ∈ [0, 1[ , ψ ∈ R.
2π 2π
0 0
Portanto, para qualquer ε > 0 existe δ > 0 tal que |P [f ]| ≤ |P [f0 ]|+|P [f1 ]| < 2ε
em B1 ∩Bδ (w) , ou seja lim P [f ](z) = 0 = f (w) . Q.E.D.
z→w
9.4 Solução do problema de Dirichlet em cı́rculos 177

Como orolário, tem-se a solução do Problema de Diri hlet no ír ulo.


(9.17) Solução do Problema de Dirichlet no cı́rculo: Se f é uma
função (com valores reais ou complexos) definida e contı́nua em S 1 ,

f (z) , se |z| = 1
H[f ] =
P [f ](z) , se |z| < 1
é a única função harmónica em B1 e contı́nua em B1 igual a f em S 1 .

*
e 2

*
e 1

e 1

e 2

Figura 9.3: Ilustração para interpretação geométrica da Fórmula de Poisson

A Fórmula de Poisson tem uma interpretação geométri a interessante,


também devida a H.A.S hwarz. Dado um ponto z no ír ulo aberto B1 , para
ada ponto eiθ∈ ∂S 1 onsidera-se o ponto eiθ ∈ S 1 que é a outra extremidade

da orda da ir unferên ia que tem uma extremidade em eiθ e passa por z


(Figura 9.3). Pode-se ver geometri amente ou om um ál ulo simples que
1−|z|2 = |eiθ−z||eiθ −z| . Como ee −z é um número real negativo, veri a-se
∗ iθ
iθ ∗
1−|z|2 = −(eiθ−z)(e−iθ −z) . Derivando esta igualdade em ordem a θ ( om θ∗
∗ −z

função de θ ) obtém-se 0 = −eiθ i(e−iθ −z)−e−iθ −i dθdθ (eiθ−z) e, portanto,
∗ ∗ ∗

∗ iθ −iθ∗ iθ∗
dθ e (e −z) e −z 1−|z|2
dθ = −iθ∗ (eiθ −z) = eiθ−z = |eiθ −z|2
.
e
Logo,
Z 2π Z 2π ∗ Z 2π
1−|z|2 ∗
P [f ](z) = 1
2π |eiθ −z|2
f (eiθ ) dθ = 1
2π f (eiθ ) dθ
dθ dθ =
1
2π f (eiθ ) dθ .
0 0 0

Logo, o valor da Fórmula de Poisson em z obtém-se substituindo o valor de


f em ada ponto eiθ ∈ S 1 pelo seu valor no ponto eiθ da extremidade oposta

da orda que passa por eiθ e z , e al ulando a média de g(θ) = f (eiθ ) em S 1.


Como se observou no iní io da se ção, para quaisquer R > 0 e a ∈ C
a transformação am T : B1 → Br (a) tal que T (z) = a + Rz permite obter
a solução do Problema de Diri hlet em qualquer ír ulo BR (a) a partir da
solução em B1 . Obtém-se assim uma solução do Problema de Diri hlet em
qualquer ír ulo. As diferentes formas da Fórmula de Poisson para o ír ulo
BR (a) podem ser obtidas das orrespondentes formas
 (9.5), (9.6) e (9.7) para
o ír ulo B1 , om as substituições e → a+Re , z → (z−a) , 1 → R2 , 2 → 2R,
iθ iθ
178 Funções harmónicas

que dão as Fórmulas de


Z
Poisson para o ír ulo BR (a) ,

1 R2 −|z−a|2 iθ
(9.18) f (z) = 2π |(a+Reiθ )−(z−a)|2 f (a+Re ) dθ, z ∈ BR (a) .
0
Z 2π  
1 (a+Reiθ )+(z−a)
(9.19) f (z) = 2π Re (a+Reiθ )−(z−a)
f (a+Reiθ ) dθ, z ∈ BR (a) .
0
Z 2π
1 R2 −r 2
(9.20) f (a+reiϕ ) = 2π

R2 −2Rr cos(θ−ψ)+r 2 f (a+Re ) dθ, (a+reiϕ ) ∈ BR (a) .
0

9.5 Propriedade de Valor Médio forte de funções


harmónicas
Convém adoptar para a Propriedade de Valor Médio um sentido menos res-
tritivo para obter um resultado mais forte. Assim, diz-se que uma função
f tem a Propriedade de Valor Médio num conjunto aberto Ω ⊂ C
se para todo a ∈ Ω existe um onjunto de números Ra > 0 om elementos
arbitrariamente pequenos tal que as ir unferên ias om entro em a e raios
r ∈ Ra estão ontidas em Ω e a média dos valores de f em ada uma destas
ir unferên ias é f (a) , ou seja
Z 2π
(9.21) f (a) = 2π f (a+reiθ ) dθ , para r ∈ Ra .
1
0
Não se exige que a fórmula se verique para todos raios de ír ulos fe hados
em Ω , nem sequer para todos raios su ientemente pequenos, assim omo
não se exige uniformidade nos máximos raios das ir unferên ias onsidera-
das om entros em pontos diferentes de Ω , pelo que esta Propriedade de
Valor Médio é onsideravelmente menos restritiva que em (9.3).
Começa-se por estabele er que uma função om valores reais ontínua
num ír ulo fe hado e om a propriedade de valor médio no seu interior
oin ide om a função denida pela Fórmula de Poisson e om a função
dada na fronteira do ír ulo.
(9.22) Se u é uma função com valores reais com a Propriedade de Valor
Médio num cı́rculo aberto B ⊂ C e contı́nua no seu fecho, e u
e é definida
em B pela Fórmula de Poisson a partir dos valores de u em ∂B, u = u e
em B é harmónica e é a parte real de uma função holomorfa em B.

Dem. Como u e é harmónica em B, tem a Propriedade de Valor Médio em


B e, por hipótese, também u a tem, e, portanto, também g = u − u e.
Se M é o máximo da função contı́nua g no conjunto compacto B (que
existe devido ao Teorema de Weierstrass de extremos de funções contı́nuas),
ΩM = g−1 ({M }) é fechado (porque g é contı́nua e preimagens de conjun-
tos fechados por funções contı́nuas são fechados relativamente ao domı́nio,
neste caso o conjunto fechado B) e é limitado (porque está contido em B),
pelo que é um conjunto compacto. Para qualquer a ∈ ∂B , como a função
z 7→ |z−a| definida no conjunto compacto ΩM é contı́nua, do mesmo Teorema
9.6 Princı́pio de Máximo para funções harmónicas 179

de Weierstrass, tem máximo D ≥ 0 em algum ponto b ∈ ΩM . Se fosse M > 0 ,


como g = 0 na fronteira de B, ΩM não teria pontos da fronteira de B, e,
portanto, ΩM ⊂ B . Em B \BD (a) se D > 0 , ou em B se D = 0 , seria g < M
(Figura 9.4), e, como para cada r > 0 suficientemente pequeno B \ BD (a)
contém semicircunferências com centro em b e raio r, pelo que a média de g
na circunferência com o mesmo centro e raio seria menor do que M = g(b) ,
em contradição com a Propriedade de Valor Médio de g em B . Logo, é
M ≤ 0 . Aplicado a −g , dá M ≥ 0 . Logo, M = 0 e u = ue em B. De (9.9), ue é
a parte real de uma função holomorfa em B. Q.E.D.

Figura 9.4: Ilustração geométrica de apoio à prova de (9.22)


O resultado seguinte estabele e para funções ontínuas num onjunto
aberto que ser harmóni a equivale a ter a Propriedade de Valor Médio. As-
sim, podia-se denir uma função harmóni a num onjunto aberto omo uma
função ontínua om a Propriedade de Valor Médio, e tal bastaria para a
função ser indenidamente diferen iável e satisfazer a equação de Lapla e.
(9.23) Caracterização das funções harmónicas pela Propriedade
de Valor Médio de funções contı́nuas: Uma função (com valores
reais ou complexos) contı́nua num conjunto aberto Ω ⊂ C é harmónica
em Ω se e só se satisfaz a Propriedade de Valor Médio em Ω .

Dem. De (9.3) e como funções harmónicas com valores reais são localmente
a parte real de funções holomorfas, logo indefinidamente diferenciáveis, as
funções harmónicas em Ω têm a Propriedade de Valor Médio em Ω . Como
combinações lineares de funções harmónicas são harmónicas, basta provar
a recı́proca para funções com valores reais. Se B é um cı́rculo aberto com
B ⊂ Ω e f é contı́nua em B e satisfaz a Propriedade de Valor Médio em B,
de (9.22), é harmónica em B e, como B é um cı́rculo aberto arbitrário com
fecho contido em Ω , obtém-se que f é harmónica em Ω . Q.E.D.

9.6 Princı́pio de Máximo para funções harmónicas


As funções holomorfas satisfazem o Prin ípio de Módulo Máximo (5.19) e,
omo se veri ou, são harmóni as. As funções harmóni as om valores reais
satisfazem um Prin ípio de Máximo orrespondente e, omo a relação de
ordem pode ser onsiderada para os próprios números e não apenas para os
180 Funções harmónicas

seus valores absolutos, omo no aso de valores omplexos, obtém-se para


mínimos uma propriedade semelhante à de máximos.
(9.24) Princı́pio de Máximo de funções harmónicas com valores
reais: Se u é uma função com valores reais harmónica numa região
Ω ⊂ C , u não tem máximo nem mı́nimo absolutos em Ω a não ser que
seja constante. Se, adicionalmente, Ω é limitado e u é contı́nua em Ω ,
o máximo e o mı́nimo de u em Ω são assumidos em ∂Ω .

Dem. Se u tem um máximo local em a ∈ Ω , existe um cı́rculo aberto B


com centro em a tal que B ⊂ Ω em que o máximo de u é M . Verifica-se
u − M ≤ 0 em B e u − M é harmónica em Ω . Da Propriedade de Valor
Médio de funções harmónicas, a média de u nas circunferências com centro
em a contidas em B é u(a)−M = 0 . Se u−M < 0 num ponto de uma destas
circunferências, da continuidade de u , esta desigualdade verifica-se num arco
dessa circunferência, pelo que a média de u sobre a circunferência é negativa,
em contradição com u(a)− M = 0 . Portanto, é u− M = 0 e u é constante
em B. Se M = supΩ u e ΩM = u−1 ({M }) , como u é contı́nua e preimagens
de conjuntos fechados por funções contı́nuas são fechados relativamente ao
domı́nio, ΩM é fechado relativamente a Ω . Se a ∈ ΩM , u tem um máximo
local em Ω em a e, do argumento anterior, existe um cı́rculo aberto B ⊂ Ω
com centro em a em que u = M , pelo que ΩM também é aberto relativamente
a Ω . Portanto, ΩM = Ω . O resultado para o caso em que u tem um mı́nimo
local num ponto de Ω obtém-se aplicando o argumento anterior a −u .
Se Ω é limitado e u é contı́nua em Ω , do Teorema de Weierstrass de
extremos de funções contı́nuas, u tem máximo e mı́nimo em Ω . Como não
há extremos em Ω , são em ∂Ω . Q.E.D.
Este resultado permite estender para funções harmóni as f om va-
lores omplexos o Prin ípio de Módulo Máximo para funções holomorfas,
apli ando-o a log |f | , que é harmóni a no onjunto de pontos em que não é
zero. Também se pode provar que uma função om valores reais harmóni a
numa região não tem máximos nem mínimos lo ais nessa região.
9.7 Unicidade de solução do Problema de Dirichlet
A uni idade de solução do Problema de Diri hlet em qualquer onjunto limi-
tado, (i.e. a garantia de que não pode existir mais de uma solução) prova-se
fa ilmente om o Prin ípio de Máximo para funções harmóni as.
(9.25) Unicidade de solução do Problema de Dirichlet em con-
juntos limitados: Se f é uma função (com valores reais ou complexos)
harmónica num conjunto limitado e aberto Ω ⊂ C e contı́nua no fecho
de Ω , não há outras funções harmónicas em Ω e contı́nuas no seu fecho
que coincidam com f na fronteira de Ω .
9.8 Existência de solução do Problema de Dirichlet 181

Dem. Como as partes real e imaginária de uma função harmónica são har-
mónicas, a validade para funções com valores complexos resulta da validade
para funções com valores reais, pelo que se supõe ser este o caso. Se g é
harmónica em Ω e g = f em ∂Ω , h = g−f é harmónica em Ω e nula em ∂Ω .
Do Princı́pio de Máximo para funções harmónicas com valores reais (9.24),
o máximo e o mı́nimo de h são em ∂Ω , pelo que h = 0 em Ω . Q.E.D.
Portanto, se for possível obter, de qualquer modo mesmo que por adivi-
nhação, uma função que satisfaz as ondições, sabe-se que é a úni a solução.
A garantia de existên ia de solução exige a espe i ação de ondições na
fronteira do onjunto. Na se ção seguinte apresenta-se o Método de Perron,
simultaneamente simples e muito geral, que permite obter existên ia e uni i-
dade de solução do Problema de Diri hlet em qualquer onjunto aberto om
omplementar sem omponentes onexas om apenas um ponto.
Há lasses mais vastas de onjuntos em que Problemas de Diri hlet po-
dem ser resolvidos om base em soluções em ír ulos, pois sempre que se
resolva o Problema de Diri hlet num onjunto,  a-se a saber resolvê-lo em
todas as suas imagens por transformações onformes. Para já pode-se resol-
ver o Problema de Diri hlet nos onjuntos imagem de B1 por transformações
onformes. O apítulo seguinte destina-se a es lare er o âmbito de apli ação
desta ideia. Ver-se-á om o Teorema do Mapeamento de Riemann que toda
região simplesmente onexa propriamente ontida em C é imagem de B1 por
uma transformação onforme, pelo que  a garantida a existên ia e uni i-
dade de solução do Problema de Diri hlet em qualquer região simplesmente
onexa om fronteira a que seja possível prolongar por ontinuidade a trans-
formação onforme. Este método permite determinar soluções do Problema
de Diri hlet em situações diversas, mas requer o onhe imento on reto de
uma transformação onforme apropriada, o que nem sempre é fá il.
9.8 Existência de solução do Problema de Dirichlet
Limites de su essões de funções holomorfas num onjunto aberto Ω ⊂ C
uniformemente onvergentes em sub onjuntos ompa tos de Ω são funções
holomorfas em Ω . Veri a-se o análogo para su essões de funções harmóni-
as ( om valores reais ou omplexos) e om valores reais é possível assegurar
onvergên ia uniforme em onjuntos ompa tos de su essões res entes on-
vergentes. O resultado seguinte foi obtido por A. Harna k em 1887.
(9.26) Teorema de Harnack: Seja {un } uma sucessão de funções
(com valores reais ou complexos) harmónicas em Ω ⊂ C aberto. Então:
1. Se un → u uniformemente em subconjuntos compactos de Ω , u é
harmónica em Ω .
2. Se Ω é uma região, as funções un têm valores reais e para z ∈ Ω
{un (z)} é crescente, {un } converge uniformemente em subconjun-
tos compactos de Ω para uma função harmónica ou para +∞ .
182 Funções harmónicas

Dem. 1) Para funções com valores complexos é consequência de aplicar às


partes real e imaginária o resultado para funções com valores reais. Seja
B um cı́rculo aberto arbitrário com B ⊂ Ω . Da existência e unicidade de
soluções do Problema de Dirichlet em cı́rculos, o Integral de Poisson da
restrição a ∂B de uma função harmónica em B dá o seu valor em B, pelo
que un = P [un ] . Como ∂B é compacto, un → u uniformemente em ∂B, e
P [un ] → P [u] . Logo, u é harmónica em B. Como B é um cı́rculo aberto
arbitrário com B ⊂ Ω , u é harmónica em Ω .
2) Sem perda de generalidade, u1 ≥ 0 (se não, substitui-se un por un −u1 ).
Define-se u = sup{un }, A = {z ∈ Ω : u(z) ∈ R} e C = Ω\A. Seja R > 0 tal que
BR (a) ⊂ Ω . O Núcleo de Poisson satisfaz, para 0 < r ≤ R, θ, ψ ∈ [0, 2π] ,
R−r R2 −r 2 R+r
R+r ≤ R2 −2Rr cos(θ−ψ)+r 2 ≤ R−r .
Qualquer que seja a função v ≥ 0 harmónica em BR (a) , da solução do
Problema de Dirichlet num cı́rculo (9.17), é v = P [v] , ou seja
Z 2π
iψ 2 −r 2 iθ
v(a+re ) = 2π R2 −2RrRcos(θ−ψ)+r
1
2 v(a+re ) dθ ,

pelo que 0
Z 2π Z 2π
R−r 1 iθ iψ R+r 1 iθ
R+r 2π v(a+re ) dθ ≤ v(a+re ) ≤ R−r 2π v(a+re ) dθ .
0 0
Da Propriedade de Valor Médio de funções harmónicas (9.23), a média de v
em ∂BR (a) é v(a) , e obtém-se a Desigualdade de Harnack198
R−r R+r
(9.27) R+r v(a) ≤ v(z) ≤ R−r v(a) , z ∈ BR (a) , |z| = r .
Aplicando esta desigualdade com v = un e calculando supremos,
R−r R+r
R+r u(a) ≤ u(z) ≤ R−r u(a) , z ∈ BR (a) , |z| = r ,
em que pode haver termos +∞ . Portanto, u(z0 ) ∈ R para algum z0 ∈ BR (a)
se e só se u(z) ∈ R para todo z ∈ BR (a) . Logo, tanto A como C são conjuntos
abertos com união Ω , que é conexo, pelo que é um desses conjuntos. Se
Ω = C , un (z) → +∞ para z ∈ Ω ; se Ω = A , un (z) → u(z) ∈ R para z ∈ Ω .
Para obter uniformidade da convergência, aplica-se a Desigualdade de
R+r
Harnack com v = un − um e n ≥ m . A função r 7→ R−r é crescente em
R
[0, R[ e tem o valor 3R em r = 2 . Logo, un (z)−um (z) < 3R[un (a)−um (a)]
para z ∈ B R (a) . Portanto, em B R (a) a sucessão {un } tende uniformemente
2 2
para +∞ se C = Ω , e para u se A = Ω . A convergência uniforme em
conjuntos compactos K ⊂ Ω obtém-se nos dois casos com o argumento usual
de compacidade, considerando uma cobertura aberta por cı́rculos centrados
em cada ponto de K em que a convergência é uniforme e uma subcobertura
finita de K. Se Ω = A , como a convergência é uniforme em conjuntos
compactos, un = P [un ] → u = P [u] em cada cı́rculo fechado BR (a) ⊂ Ω . De
(9.17), u é harmónica em Ω . Q.E.D.
198
Esta desigualdade dá limitações para os valores de uma função arbitrária harmónica num
cı́rculo que são assumidos sobre qualquer circunferência contida no cı́rculo, em termos dos valores
da função no centro do cı́rculo e dos raios do cı́rculo e da circunferência, pelo que é útil noutras
circunstâncias. Foi obtida por A. Harnack em 1887.
9.8 Existência de solução do Problema de Dirichlet 183

Diz-se que uma função om valores reais u é subharmónica num con-


junto aberto Ω ⊂ C se para toda função om valores reais h harmóni a
num ír ulo aberto B e ontínua em B ⊂ Ω tal que u ≤ h em ∂Ω , é u ≤ h em
Ω . Diz-se que uma função é subharmónica num conjunto não aberto
C se é subharmóni a num onjunto aberto que o ontém. Uma função u é
superharmónica num conjunto se −u é subharmóni a nesse onjunto.
Uma função om valores reais harmóni a é trivialmente subharmóni a,
somas finitas de funções subharmónicas num dado conjunto são subharmó-
nicas nesse conjunto, produtos de números reais não negativos por funções
subharmónicas num conjunto são subharmónicas nesse conjunto, e funções
definidas em cada ponto pelo máximo dos valores de duas funções subhar-
mónicas são subharmónicas no conjunto considerado. Produtos de funções
subharmóni as por números negativos podem não ser subharmóni as.
Os três resultados seguintes mostram que, analogamente às funções har-
móni as, as funções subharmóni as podem ser ara terizadas por uma pro-
priedade de valor submédio que é denida da mesma maneira que a Proprie-
dade de Valor Médio para funções harmóni as na se ção 9.5, om a ex epção
de se onsiderar a desigualdade ≤ em vez da igualdade em (9.21).
Diz-se que uma função u tem a Propriedade de Valor Submédio
num onjunto aberto Ω ⊂ C se para todo a ∈ Ω existe um onjunto de
números positivos Ra om elementos arbitrariamente pequenos tal que as
ir unferên ias om entro em a e raios r ∈ Ra estão ontidas em Ω e u(a) é
menor ou igual à média dos valores de u em ada uma destas ir unferên ias,
Z 2π
u(a) ≤ 1
2π u(a+reiθ ) dθ , para r ∈ Ra .
0

(9.28) Se u é uma função com valores reais com a Propriedade de Valor


Submédio num cı́rculo aberto B ⊂ C contı́nua em B e u e é a função
definida em B pela Fórmula de Poisson a partir dos valores de u em
∂B, então u ≤ u
e em B e toda função harmónica h em B com u ≤ h em
∂B satisfaz u ≤ u
e ≤ h em B, pelo que u é subharmónica em B.

Dem. A prova começa por seguir os passos da correspondente para funções


harmónicas (9.22), substituindo a Propriedade de Valor Médio pela Propri-
edade de Valor Submédio. Os argumentos nessa prova não se podem agora
aplicar a −u , pelo que se obtêm desigualdades em vez de igualdades, ou seja
u≤u e . Se h é uma função harmónica em B com u ≤ h em ∂B e eh é a função
definida em B pela Fórmula de Poisson a partir dos valores de h em ∂Ω , da
unicidade de solução do correspondente Problema de Dirichlet, h = e h. Da
Fórmula de Poisson, é ue ≤ h, pelo que u ≤ u
e ≤ h em B. Q.E.D.
184 Funções harmónicas

(9.29) Propriedade de Valor Submédio de funções subharmóni-


cas: Se u é uma função subharmónica num cı́rculo aberto Br (a) ⊂ C e
contı́nua no seu fecho, Z

u(a) ≤ 1
2π u(a+reiθ ) dθ , para r ∈ Ra .
0

Dem. Se u e é definida em Br (a) pela Fórmula de Poisson a partir dos valores


de u em ∂Br (a) , é harmónica em Br (a) , contı́nua em Br (a) e a parte real
de uma função holomorfa em em Br (a) , pelo que é C ∞ em Br (a) . A
Propriedade de Valor Médio de funções harmónicas (9.3) é válida para ue e,
como u e = u em ∂Br (a) , as médias das duas funções em ∂Br (a) são iguais a
e(a) . Como u é subharmónica em Br (a) , u(a) ≤ u
u e(a) . Q.E.D.

(9.30) Caracterização das funções subharmónicas pela Propri-


edade de Valor Submédio: Uma função com valores reais contı́nua
num conjunto aberto Ω ⊂ C é subharmónica em Ω se e só se tem a
Propriedade de Valor Submédio em Ω .

Dem. É consequência directa dos dois resultados anteriores. Q.E.D.

Para funções subharmóni as é válido um Prin ípio de Máximo, sem re-


ferên ia a mínimos, mas, em geral, não de mínimo. Obtém-se, assim, uma
outra ara terização das funções subharmóni as
(9.31) Caracterização das funções subharmónicas pelo Princı́pio
de Máximo: Uma função com valores reais u contı́nua num conjunto
aberto Ω ⊂ C é subharmónica se e só se para cada função com valores
reais h harmónica numa região Ω e ⊂ Ω , u − h satisfaz o Princı́pio de
Máximo em Ω: e se u−h tem um máximo absoluto Ω, e é constante em Ω.e
Se u é subharmónica em Ω , satisfaz este Princı́pio de Máximo em
todas regiões Ωe ⊂ Ω ; se, adicionalmente, Ω é um conjunto limitado e u
é contı́nua em Ω , o máximo de u em Ω é assumido em ∂Ω.

Dem. Supõe-se que para todas funções com valores reais h harmónicas numa
e u−h satisfaz o Princı́pio de Máximo em Ω
região qualquer Ω, e . Considera-se
um cı́rculo aberto arbitrário B com B ⊂ Ω e uma função v com valores reais
harmónica em B e contı́nua em B tal que u ≤ v em ∂B. Se u > v em algum
a ∈ B, é u−v ≤ 0 < u(a)−v(a) em ∂B, e, como u−v é contı́nua no conjunto
compacto B , do Teorema de Weierstrass de extremos de funções contı́nuas,
assume um máximo em B num ponto de B. Como u−v satisfaz o Princı́pio
de Máximo em B, é constante em B, pelo que, da continuidade de u−v em
∂B, teria de ser u(a)−v(a) ≤ 0 , o que contradiz u > v em a . Logo, u ≤ v em
B. Portanto, u é subharmónica em Ω .
9.8 Existência de solução do Problema de Dirichlet 185

Supõe-se agora que u é uma função subharmónica em Ω , Ω e ⊂ Ω é uma


e
região, h é uma função com valores reais harmónica em Ω e g = u−h tem
um máximo absoluto M . Designa-se ΩM = g−1 ({M }) ∩ Ω e . Se a ∈ ΩM e
B é um cı́rculo aberto com centro em a e B ⊂ Ω , g − M é subharmónica
em Ω e ≤ 0 em B , e, de (9.29), a média de g −M nas circunferências com
centro em a contidas em B é ≥ g(a)−M = 0 . Se num ponto de uma destas
circunferências é g−M < 0 , da continuidade de g, é g−M < 0 num arco dessa
circunferência, e a média de g−M na circunferência é < 0 , em contradição
com g(a)− M = 0 . Logo, g − M = 0 em B, e B ⊂ ΩM . ΩM 6= ∅ (porque g
assume o valor M em pelo menos um ponto de Ω e ) é fechado relativamente
e
a Ω (porque é a preimagem do conjunto fechado {M } pela função contı́nua
e (porque cada a ∈ ΩM pertence a um cı́rculo
g ) e é aberto relativamente a Ω
e
aberto B ⊂ ΩM ). Como Ω é conexo, ΩM = Ω e , e g é constante em Ωe.
Se u é subharmónica em Ω , com h = 0 em Ω , da argumentação anterior,
u = u −h satisfaz o Princı́pio de Máximo enunciado em todas regiões Ω e ⊂Ω .
Se u é uma função subharmónica num conjunto limitado e aberto Ω ⊂ C
contı́nua no conjunto compacto Ω , do Teorema de Weierstrass de extremos
de funções contı́nuas, assume um valor máximo em Ω . Como o máximo
no fecho de cada componente conexa de Ω não pode ser assumido em Ω, é
assumido em pelo menos um ponto de ∂Ω . Q.E.D.

Para funções u(x, y) om valores reais, (x, y) ∈ R2 e derivadas par iais de


2 ordem em relação a x e a y , em ada ponto de máximo de u é ∂∂xu ≤ 0 ,
a 2
2

∂y ≤ 0 , e ∆u ≤ 0 . Do resultado pre edente, para uma função om derivadas


2
∂ u
2
par iais de 2a ordem numa região Ω ⊂ C ser subharmóni a em Ω é su iente
∆u > 0 em Ω . Esta ondição não é ne essária e uma função subharmóni a
até pode não ter derivadas par iais. Contudo, para funções u C 2 numa região
Ω ⊂ C pode-se provar que ∆u > 0 em Ω é ondição ne essária e su iente
para u ser subharmóni a em Ω .
Dados um onjunto aberto Ω ⊂ C e uma função u om valores reais de-
nida e limitada em ∂Ω , hama-se subfunção de u em Ω a uma função
v ontínua em Ω e subharmóni a em Ω tal que v ≤ u em ∂Ω . O onjunto
de todas subfunções de u em Ω designa-se Su (Ω) . Dene-se analogamente
superfunção de u em Ω , substituindo na denição subharmóni a por su-
perharmóni a e tro ando o sentido da desigualdade onsiderada em ∂Ω .
Cada superfunção de u em Ω é maior ou igual a todas subfunções de u
em ∂Ω . O onjunto das subfunções Su (Ω) tem a propriedade seguinte.
(9.32) Seja Ω ⊂ C um conjunto aberto, u uma função com valores re-
ais definida e limitada em ∂Ω e B um cı́rculo aberto tal que B ⊂ Ω .
Se v ∈ Su (Ω) , ve é a função definida em B pela Fórmula de Poisson a
partir dos valores de v em ∂B e V é a função definida em Ω por V = ve
em B e V = v em Ω\B, então V ∈ Su (Ω) e v ≤ V em Ω .
186 Funções harmónicas

Dem. Como as subfunções de u são contı́nuas em Ω, v é contı́nua em Ω e ve


é contı́nua em B, obtém-se que V é contı́nua em Ω .
Se h é uma função com valores reais harmónica num cı́rculo aberto B ee
contı́nua em B e ⊂ Ω tal que V ≤ h em ∂ B,e da Propriedade de Valor Submédio
de funções subharmónicas (9.29) e de (9.28), v ≤ ve em B . Portanto, em
B∩B e é v ≤ ve = V e em B e \B é v = V . Logo, v ≤ V em B e e v ≤ V ≤ h em
e
∂ B (Figura 9.5). Como v é subharmónica em Ω , é v ≤ h em B e e, portanto,
V = v ≤ h em B e \B . Em ∂B ∩ B e é V ≤ h e, como se viu, também V ≤ h em
e e
∂ B . Como ∂(B∩B) ⊂ (∂B∩B)∪∂ B, e e é V −h ≤ 0 em ∂ B.e Dado que h e V são
e
harmónicas em B , do Princı́pio de Máximo para funções harmónicas (9.24),
V −h ≤ 0 em B ∩ B e . Como v ≤ h em B e \B , é V ≤ h em B.
e Como v ≤ V em
e e e
B , da arbitrariedade de B com B ⊂ Ω , V é subharmónica e v ≤ V em Ω .
Como B ⊂ Ω e v ≤ u em ∂Ω , é V = v ≤ u em ∂Ω .
Dos três parágrafos precedentes, V é contı́nua em Ω , subharmónica em
Ω e satisfaz V ≤ u em ∂Ω , pelo que é subfunção de u em Ω . Q.E.D.

Figura 9.5: Ilustração para a prova de (9.32)


Dados um onjunto aberto Ω ⊂ C e uma função om valores reais u
denida e limitada em ∂Ω hama-se solução de Perron em Ω corres-
pondente a u à função denida em Ω por U (z) = sup{v(z) : v ∈ Su (Ω)} .
O resultado seguinte estabele e que a solução de Perron U orrespondente
a uma função u é harmóni a em Ω . Se existe uma solução v do Problema
de Diri hlet em Ω om valores em ∂Ω dados por u , v é uma subfunção de
u e, portanto, v ≤ U em Ω . v − U é harmóni a em Ω e satisfaz v − U ≥ 0
em ∂Ω , pelo que, do Prin ípio de Máximo para funções harmóni as, v ≥ U
em Ω . Conjugando as duas desigualdades obtém-se v = U em Ω . Logo, a
solução de Perron é a única candidata a solução do Problema de Dirichlet.

(9.33) Uma solução de Perron em Ω ⊂ C aberto é harmónica em Ω .

Dem. Se u é uma função com valores reais definida e limitada em ∂Ω e


M = sup{|u(z)| : z ∈ ∂Ω}, para cada v ∈ Su (Ω) é v ≤ u ≤ M em ∂Ω . Como
v é função subharmónica em Ω e contı́nua em Ω , do Princı́pio de Máximo
para funções subharmónicas (9.31), v ≤ M em Ω . Logo, para cada z ∈ Ω o
supremo na definição de solução de Perron existe e define U em Ω .
9.8 Existência de solução do Problema de Dirichlet 187

Seja z ∈ Ω arbitrário. Da definição de U , existe uma sucessão


{vn } ⊂ Su (Ω) tal que vn (z) → U (z) . Sem perda de generalidade, os ter-
mos desta sucessão são limitados e ≥ m = inf{u(z) : z ∈ ∂Ω} (caso contrário
substitui-se cada termo ilimitado vn por max(vn , m) , que também pertence
a Su (Ω) ), e são tais que em cada z ∈ Ω a sucessão {vn (z)} é crescente (caso
contrário substitui-se vn por max{v1 , . . . , vn }).
Se as funções Vn ∈ Su (Ω) são definidas a partir de vn ∈ Su (Ω) como no
resultado anterior, pelo que satisfazem vn ≤ Vn em Ω , como vn ≤ Vn ≤ U em
Ω tem-se Vn (z) → U (z) para z ∈ Ω . Se B = BR (z) é um cı́rculo aberto tal
que B ⊂ Ω , do Teorema de Harnack (9.26), {Vn } converge uniformemente
para uma função harmónica Vz em B que satisfaz Vz ≤ U e Vz (z) = U (z) .
Toma-se um outro ponto w ∈ B arbitrário e procede-se com o processo
anterior substituindo z por w . Começa-se por considerar uma sucessão
{un } ⊂ Su (Ω) tal que un (w) → U (w) , mas antes de prosseguir substitui-se
cada un por max(un , vn ) e só depois se continua o processo como anterior-
mente, obtendo-se uma função harmónica Vw em B que satisfaz Vz ≤ Vw ≤ U
e Vw (w) ≤ U (w) . Vz −Vw é uma função harmónica em B que assume o valor
máximo zero no ponto z . Do Princı́pio de Máximo para funções harmónicas
(9.24), Vz−Vw = 0 em B. Logo, U (w) = Vz (w) e, como w é um ponto qualquer
de B , U = Vz em B ,e U é harmónica em B . Como B é um cı́rculo aberto
arbitrário com B ⊂ Ω , U é harmónica em Ω . Q.E.D.

Para se obterem ondições de existên ia de solução do Problema de Di-


ri hlet  a apenas a faltar identi ar ondições a satisfazer por ∂Ω que ga-
rantam a ontinuidade da solução de Perron em Ω nos pontos de ∂Ω .
Há conjuntos em que o Problemas de Dirichlet não tem solução, e.g. o
Problema de Diri hlet em B1(0)\{0} om valor 0 em ∂B1 (0) e 1 na origem
não tem solução, pois qualquer função harmóni a em B1(0)\{0} e ontínua
em B1 (0)\{0} é limitada, pelo que a singularidade na origem seria removível
e o Prin ípio de Máximo impli aria que a função seria identi amente nula,
em ontradição om assumir o valor 1 na origem.
Chama-se função de barreira relativamente a um ponto a da
fronteira de um conjunto aberto Ω ⊂ C a uma função ontínua β : Ω → R
superharmóni a em Ω tal que β > 0 em Ω\{a} e β(a) = 0 .
A existência de função de barreira num ponto da fronteira de um con-
junto é uma propriedade local da fronteira. Mais pre isamente, se βe é uma
barreira lo al num ponto a ∈ ∂Ω que satisfaz as propriedades indi adas na
interse ção de um ír ulo aberto Br (a) om Ω e m = inf{β(z)
e : r < |z| < r}, a
2
função denida em Ω por β = min(β, e m) em Ω∩B r (a) e β = m em Ω\B r (a)
é uma função de barreira em a relativamente a Ω 2. 2

Se Ω ⊂ C é um onjunto aberto e u é uma função om valores reais


denida e limitada em ∂Ω , hama-se ponto regular da fronteira de Ω a
a ∈ ∂Ω tal que existe uma função de barreira em a .
188 Funções harmónicas

(9.34) Se Ω ⊂ C é aberto e u : ∂Ω → R limitada é contı́nua num ponto


regular a da fronteira de Ω , a solução de Perron em Ω correspondente
a u é contı́nua em a .

Dem. Seja ε > 0 e M = sup{|u(z)| : z ∈ ∂Ω} . Como a é um ponto regular


da fronteira de Ω , existe uma função de barreira β em a . Da continuidade
de u em a , existe δ > 0 tal que z ∈ ∂Ω e |z −a| < δ implica |u(z)−u(a)| < ε .
Como β é contı́nua e positiva no conjunto compacto Ω\Bδ (a) , assume um
valor mı́nimo m > 0 neste conjunto. Logo, se z ∈ ∂Ω e |z−a| ≥ δ , é β(z)≥ m e
u(z) ≥ −M ≥ − M M
m β(z) . Portanto, com k = 2 m , para z ∈ ∂Ω com |z−a| ≥ δ ,
u(a)−ε−kβ ≤ u(a)−ε− k2 β +u < u .
Como para z ∈ ∂Ω e |z − a| < δ é u(a) − ε − kβ ≤ u − kβ ≤ u , a função
v = u(a)−ε−kβ é contı́nua em Ω , subharmónica em Ω e satisfaz v ≤ u em
∂Ω , pelo que é uma subfunção de u em Ω . Analogamente, V = u(a)+ε+kβ
é uma superfunção de u em Ω . Se U é a solução de Perron em Ω corres-
pondente a u , é v ≤ U ≤ V em Ω , e, portanto, |U (z) − u(a)| ≤ ε + kβ(z)
para z ∈ Ω . Como lim β(z) = 0 , é lim U (z) = u(a) = v(a) = V (a) . Como
z→a z→a
v(a) ≤ U (a) ≤ V (a) , também lim U (z) = U (a) . Q.E.D.
z→a
Em onsequên ia, tem-se a solução da questão de existên ia para o Pro-
blema de Diri hlet seguinte.
(9.35) Existência de solução do Problema de Dirichlet: O Pro-
blema de Dirichlet num aberto Ω ⊂ C com valores na fronteira especifi-
cados por uma função contı́nua tem solução (com valores em R ou C)
se e só se todos pontos de ∂Ω são pontos regulares da fronteira de Ω .

Dem. Como uma função com valores complexos é harmónica e contı́nua se


e só se as suas partes real e imaginária são, basta provar para soluções com
valores reais. Se os valores na fronteira são dados pela função contı́nua u
e todos pontos de ∂Ω são pontos regulares da fronteira de Ω , do resultado
precedente, a correspondente solução de Perron é solução do Problema de
Dirichlet. Se o Problema de Dirichlet tem solução para valores na fronteira
dados por uma função contı́nua, para cada a ∈ ∂Ω u(z) = |z −a| é contı́nua
em ∂Ω , e a solução do Problema de Dirichlet com valores em ∂Ω dados por
u é uma função de barreira em a relativamente a Ω . Logo, todos pontos de
∂Ω são pontos regulares da fronteira de Ω . Q.E.D.
A existên ia de solução do Problema de Diri hlet num onjunto aberto
 ou, assim, reduzida a averiguar se todos pontos da fronteira do onjunto
são regulares. Vê-se no apítulo seguinte que uma ampla lasse de onjun-
tos satisfaz esta ondição, nomeadamente regiões om fronteira sem pontos
isolados e, portanto, também onjuntos abertos om omponentes onexas
que satisfazem esta ondição.
Exercises of chapter 9 189

O Método de Perron pode ser estendido de modo natural a dimensão


n > 2. Contudo, neste aso a existên ia de funções de barreira exige ondições
mais fortes. Em parti ular, H. Lebesgue deu um exemplo de uma superfí ie
fe hada sem bordo em R3 om fronteira que forma uma úspida dirigida para
o interior da região num ponto, tão estreita que o ponto na extremidade
da úspida não é regular. Uma ondição simples su iente para existên ia
de solução do Problema de Diri hlet numa região limitada Ω ⊂ Rn , om
n > 2 , é que a fronteira satisfaça a ondição de esfera exterior, i.e. para ada
ponto a ∈ ∂Ω existe uma bola aberta Br (a) tal que Br (a)∩Ω = {a} , o que
pode ser estabele ido om a função de barreira lo al b(x) = r2−n −kx−ak .
O Método de Perron é simples e tem a vantagem de separar a existên ia
de solução da equação diferen ial na região onsiderada do omportamento
da solução na fronteira. Contudo, não é onstrutivo e dá pou a informação
sobre as ondições de regularidade a exigir à fronteira. Embora não possa
ser estendido om generalidade tem um âmbito de apli ação mais amplo do
aqui onsiderado, pois pode ser apli ado quando se veri am as três on-
dições seguintes: (i) o Prin ípio de Máximo é válido para a diferença de
duas soluções; (ii) o Problema de Diri hlet pode ser resolvido para valores
na fronteira dados por funções ontínuas em domínios arbitrariamente pe-
quenos adequados ( omo no aso onsiderado para ír ulos); (iii) onjuntos
limitados de soluções são ompa tos. Há equações diferen iais par iais de
interesse além da equação de Lapla e para que estas ondições se veri am.
Exercises
9.1 Mostre que uma função om valores reais u harmóni a num onjunto aberto Ω ⊂ C
∂2u
satisfaz ∂z∂z = 0 .
9.2 Prove: Uma função harmónica não constante numa região é uma aplicação aberta
(i.e. transforma abertos em abertos).
9.3 Prove: Uma função harmónica com valores reais u num conjunto aberto Ω ⊂ C
satisfaz a propriedade de média espacial
ZZ num cı́rculo fechado Br (a) ⊂ Ω ,
1
u(a) = πr 2
u(x, y) dxdy .
Br (a)
9.4 Sejam u, v
funções harmóni as om valores reais numa região Ω ⊂ C . Em que
ondições uv é harmóni a em Ω ?
2
Prove: Se u é harmónica em Ω , u é constante.
2
Para que funções f ∈ H(Ω) é |f | harmóni a?
9.5 Prove: Se f é uma função complexa tal que f ou f é harmónica numa região Ω ⊂ C ,
f ou f é holomorfa em Ω .
9.6 Prove: Se K é um subconjunto compacto de uma região Ω ⊂ C , existe M > 0 tal
que para toda função u positiva harmónica em Ω é u(w) ≤ M u(z) , para w, z ∈ K.
9.7 Prove a extensão do Prin ípio de Máximo para funções harmóni as: Uma fun-
ção com valores reais harmónica numa região em que não é constante não assume
máximos nem mı́nimos relativos.
9.8 Seja Ω ⊂ C uma região e u uma função om valores reais harmóni a em Ω . Se
g = (g1 , g2 ) ∈ H(Ω) , om z = (x, y) dene-se o diferen ial
g dz = (g1 dx−g2 dy) + i(g2 dx+g1 dy) ,
em que dx, dy são as transformações lineares, resp., dx(x, y) = x e dy(x, y) = y , pelo
que g dz orresponde a (x, y) 7→ [x g1 (x, y)−y g2 (x, y)]+i[x g2 (x, y)+y g1 (x, y)] .
190 Harmonic function

 
a) Prove: f = ∂u
∂x
−i ∂u
∂y
é holomorfa em Ω e f dz = ∂u ∂x
dx+ ∂u
∂y
dy +i − ∂u
∂y
dx+ ∂u
∂x
dy .
b) Diz-se que uma função om valores reais v é uma função harmónica conju-
gada de u se a função om valores omplexos (u, v) é holomorfa em Ω .
Mostre que u pode não ter uma função harmóni a onjugada. Mostre que se v é
uma função harmóni a onjugada de u , f dz = du+idv .
⋆ ∂u ∂u
) Chama-se diferencial harmónico conjugado de du a du =− ∂y dx+ ∂x dy , de
⋆ ⋆ 199
modo a ser sempre f dz = du+i du . A du 7→ du hama-se operador de Hodge .
R⋆
Prove: Para todo ciclo Γ homólogo a zero em Ω é du = 0 .
Γ

R ∂uSe γ é um caminho
Rd)⋆ Prove: ⋆
seccionalmente regular simples em Ω , então
∂u
γ
du = γ ∂n
ds, em que du é o diferencial harmónico conjugado de du e ∂n é
1 ′ ′

a derivada direccional de u na direcção normal a γ, n = kγ ′ k −γ2 , γ1 e o último
integral é em relação ao comprimento de arco.
e) Prove: Se u1 , u2 são funções de valores reais harmónicas numa região Ω ⊂ C ,
R
então Γ u1 ⋆du2−u2 ⋆du1 , para todo ciclo Γ homólogo a zero em Ω . Em notação clás-
R
sica, a última igualdade escreve-se γ u1 ∂u ∂n
2
ds, para todo caminho seccionalmente
regular fechado γ em Ω .
9.9 Mostre que |z|α (α > 0), log(1+|z|2 ) são funções subharmónicas (i.e. têm valores
reais, em todo ír ulo aberto B são ≤ a toda função om valores reais harmóni a
em B e em pontos de ∂B ≥ à função onsiderada).

9.10 Prove: Se Ω ⊂ C é aberto e f ∈ H(Ω) , |f (z)|α (α > 0), log(1+|f (z)|2 ) são funções
subharmónicas em Ω .
9.11 Prove: Uma função om valores reais u C2 num onjunto aberto Ω⊂C é subhar-
móni a se e só se ∆u ≥ 0 .
(Sugestão: Para su iên ia prove 1o que u(x)+ ε2 x é subharmóni a para todo o ε > 0 e
explore a Propriedade de Valor Médio).
9.12 Prove: Se Ω1 , Ω1 ⊂ C são conjuntos abertos, u é uma função subharmónica em Ω1
e T : Ω2 → Ω1 é conforme, então u◦T é subharmónica em Ω2 .
9.13 Prove:
 R 2π
a)
1
Se f ∈ H Br (0) não tem zeros, log |f (0)| = 2π 0
log |f (reiθ )| dθ .
(Sugestão: Note que é harmóni a e aplique a Propriedade de Valor Médio).

b) Se f ∈ H Br (0) só tem zeros em ∂Br (0) , a fórmula em
R
a) permanece válida.
π
(Sugestão: Para ada zero z0 = reiθ divida f (z) por z−reiθ0 e use 0 log sin x dx = −π log 2 ,
integral que pode ser al ulado om o Teorema dos Resíduos).

)Se os zeros de f ∈ H Br (0) em Br (0) são z1 , . . . , zN , repetidos de acordo com
multiplicidade, Z 2π
N
X
log |f (0)| = − log |zrn | + 2π
1
log |f (reiθ )| dθ
n=1 0
r 2 (z−a)
(Sugestão: Para ada a ∈ Br (0) a Transformação de Möbius r 2 −az
transforma B1 (0) e
Q r 2 −az
∂B1 (0) em, resp., Br (0) e ∂Br (0) . Aplique b) a f (z) Nn=1 r 2 (z−a) ).

d) Fórmula de Jensen200 : Se f ∈ H Br (0) tem zero na origem de multiplicidade
m (ou não tem zero na origem e m = 0 ) e os outros zeros em Br (0) são z1 , . . . , zN ,
repetidos de acordo com multiplicidades (ou não existem e N = 0 ),
N
X Z 2π
(m)
log |f m!(0)| + m log r = − log |zrn | + 2π
1
log |f (reiθ )| dθ .
n=1 0

e) Se f é uma função inteira, f (0) = 1 , M (r) = sup{|f (reiθ )| : 0 ≤ θ ≤ 2π} e ν(r) é


o número de zeros em Br (0), contando multiplicidades, ν(r) ≤ log1 2 M (r) .
199
Hodge, William (1903-1975).
200
Foi estabelecida em 1899 por J.L. Jensen.
Exercises of chapter 9 191


9.14 Prove a Fórmula de Poisson-Jensen: Se os zeros de f ∈ H Br (0) em Br (0)
são z1 , . . . , zN , repetidos de acordo com multiplicidades, para |z| < r e f (z) 6= 0 ,
XN Z 2π  
r 2 −zn z reiθ +z
log |f (z)| = − log r(z−z n)
+ 1

Re re iθ −z log |f (reiθ )| dθ .
n=1 0
(Sugestão: Aplique o método de prova sugerido no exer í io 9.13 à Fórmula de Poisson em
vez da Propriedade de Valor Médio).
9.15 Prove o Teorema de Factorização de Hadamard201 : Se uma função inteira
tem género µ e ordem202 ρ , é µ ≤ ρ ≤ 1 .
(Sugestão: No exer í io 8.24.b) estabele e-se ρ ≤ µ+1 . Para a outra desigualdade quando
f tem ordem nita e zeros {zn } ⊂ C ordenados por módulos res entes, onsidere µ o maior
inteiro ≤ ρ e designe ν(r) o no de zeros em Br (0) . Aplique a Propriedade de Valor Médio e
os exer í ios 9.13.e), 8.26 e 8.27 para obter, qualquer que seja ε > 0 , n ≤ ν(|an |) < |an |ρ+ε ,
para n su ientemente grande e f (z) = eg(z) P (z) , em que g é uma função inteira e P é
o produto anóni o de género µ. Para provar que g é polinomial de grau ≤ µ, aplique
o operador diferen ial ∂x ∂ ∂
+ i ∂y à Fórmula de Poisson-Jensen do exer í io pre edente e
′ ′ (µ) ′ (µ)
al ule a derivada de ordem µ de ff , para obter g µ+1 = ff − PP = 0 ).
9.16 Considere a su essão res ente dos números primos
P {pj } . Prove:
a) g(x) = j:pj ≤x log pj om x∈R satisfaz g(x) = O(x) , x → +∞.
2n Q 
(Sugestão203 : Mostre que 22n ≥
n j=n+1 pj ).
≥ 2n
P∞
log pj 1
b) Φ(z) = j=1 pz é meromorfa em Re > 2 om pólos apenas em z =1 e nos
1
zeros da Função Zeta de Riemann, e Φ(z)− z−1 é holomorfa em Re ≥ 1 .
(Sugestão: Use 0 exer í io 8.34 b) e )).
R +∞ g(x)−x
)
1 x2
dx existe. (Sugestão: Aplique o exer í io 7.7.a)).
d) g de a) satisfaz g(x) ∼ x , x → +∞ .
(Sugestão: Mostre que se para x arbitrariamente grande fosse g(x) ≥ cx om c > 1 ou
g(x) ≤ cx om c < 1 , o integral em ) não existiria).
e) Teorema dos Números Primos204 : O no P (x) de números primos ≤ x ∈ R
satisfaz P (x) ∼ logx x , x → +∞ . (Sugestão: Aplique d)).
205
9.17 a) Prove : Toda função inteira de ordem finita inteira assume todos os valores
complexos excepto possivelmente um.
b) Prove: Toda função inteira de ordem finita não inteira assume cada valor com-
plexo infinitas de vezes.
Exercı́cios com aplicações a elasticidade
9.18 Em elasti idade linear, o omportamento estáti o de um corpo elástico206 iso-
trópi o, ilíndri o om se ção ortogonal simplesmente onexa R , na ausên ia de

201
Este resultado foi obtido em 1893 por J. Hadamard. Dá uma factorização para uma função
inteira de ordem finita ρ (ver exercı́cios 8.23 a 8.26). Se ρ não é inteiro, o género µ , e portanto o
produto canónico na factorização, fica determinado univocamente; se ρ é inteiro, há ambiguidade.
J. Hadamard usou este resultado em 1896 para, na sequência de consideração da Função Zeta de
Riemann como função de variável complexa por B. Riemann em 1851 (ver exercı́cio 8.31), provar
o Teorema dos Números Primos (ver exercı́cio 9.16).
202
Ver os exercı́cios 8.24 a 8.26, e 6.15.
203
A prova indicada nesta sugestão deve-se no essencial a P. Chebyshev em 1848 e 1850.
204
Este teorema foi conjecturado em 1797 ou 1798 por A.-M. Legendre e foi provado pela 1a vez
um século depois, em 1896, independentemente por J. Hadamard e Charles de la Valée Poussin
(1866-1962). A prova aqui sugerida é bastante mais simples do que as outras conhecidas e foi
obtida em 1980 por Donald Newman (1930-2007).
205
Este resultado é um caso particular do Pequeno Teorema de Picard válido para qualquer
função inteira, independentemente da sua ordem (capı́tulo 11).
206
Chama-se corpo elástico a um corpo com lei constitutiva que dá o tensor de tensão de
Cauchy em cada ponto (ver exercı́cio 8.32) em função da derivada da deformação (usualmente cha-
mada gradiente da deformação). Em elasticidade linear (também designada elasticidade
infinitesimal) essa relação é uma transformação linear. Ver, e.g. M.E. Gurtin, An Introduction
to Continuum Mechanics, Academic Press, New York, 1981. Gurtin, Morton (1934-).
192 Harmonic function

forças internas e num estado de deformação plana, é ara terizado pelas equações
 3,3
seguintes relativas às omponentes de uma representação matri ial Sjk j,k=1 do
tensor de tensão de Piola-Kirchoff207 numa base ortonormal:
∂2 ∂2
(1) ∂x2
(S11 +S22 )+ ∂y 2 (S11 +S22 ) = 0 , (2) ∂
∂x

(S11 )+ ∂y (S22 ) = 0 ,
(3) ∂
∂x

(S21 )+ ∂y (S22 ) = 0 , (4) S12 = S21 ,
(5) S13 = S31 = S23 = S32 = 0 , (6) S33 = ν(S11 +S22 ) ,
em que 0 < ν/2 é a razão de Poisson208 . Se S é C 2 , o deslo amento u = (u1 , u2 , 0)
e o gradiente da deformação F = 12 [(∇u)+(∇u)t ] obtêm-se do tensor de tensão de
Piola-Kir ho por:
   
(7) F11 = 2µ
1
S11 −ν(S11 +S22 ) , (8) F22 = 2µ
1
S22 −ν(S11 +S22 ) ,
(9) F12 = F21 = 2µ1
S12 , (10) F11 = ∂u
∂x
1 ,

∂u2 ∂u1 
(11) F22 = ∂y , (12) F12 = 21 ∂x
+ ∂u
∂y
2
,
em que µ>0 é o módulo de deslizamento, e a tra ção t = (t1 , t2 , 0) em ada
ponto da fronteira om normal exterior unitária n = (n1 , n2 , 0) é dada por:
(13) t1 = (S11 , S12 ) · (n1 , n2 ) , (14) t2 = (S21 , S22 ) · (n1 , n2 ) .
(a) Mostre que existe uma função C 4 om valores reais ϕ, a que se hama função
2
∂2 ϕ ∂2ϕ
da tensão de Airy, tal que S11 = ∂∂yϕ2 , S12 = S21 = − ∂x∂y , S22 =
∂x2
e ϕ satisfaz
4 4 4
∂ ϕ ∂ ϕ ∂ ϕ
a equação biharmónica ∆(∆(ϕ)) , i.e. 4 +2 2 2 + 4 . Diz-se que ϕ é uma
∂x ∂x ∂y ∂y
função biharmónica.
4
(b) Prove: Uma função ϕ C em R é biharmónica se e só se existem ψ, χ ∈ H(R)
tais que 2ϕ(z) = z ψ(z) = z ψ(z)+χ(z)+χ(z) , em que (x, y) = z ∈ C .
( ) Mostre que o deslo amento orrespondente às funções ψ, χ ∈ H(R) de b) satisfaz
2µ(z) = (3 − 4ν)ψ(z)−zψ ′ (z)−zχ′ (z) .
(d) Mostre que para a tra ção num segmento da fronteira entre dois pontos A e B ,
  
no sentido positivo, é (t1 , t2 ) = −i ψ(B)+Bψ ′ (B)+χ′ (B) − ψ(A)+Aψ ′ (A)+χ′ (A) .

(e) Mostre que ψ1 , χ1 e ψ2 , χ2 são dois pares de funções holomorfas em R que orres-
pondem às mesmas tensões se e só se ψ1 (z) = ψ2 (z)+iCz+A e χ1 (z) = χ2 (z)+iBz+D,
em que A, B, C, D ∈ C são onstantes. Mostre que tal a onte e se e só se a diferença
de deslo amentos é um deslo amento de um orpo rígido.

(f ) Considere um ilindro de se ção ortogonal R = [−a, a]×[−b, b] e obtenha o tensor


da tensão de Piola-Kir ho para o sistema plano de deformação-tensão asso iado
Pz
às funções omplexas ψ(z) = 2 , χ(z) = 0 , om P ∈ R , e determine o deslo amento
asso iado (u1 , u2 ) e a tra ção total (t1 , t2 ) em ada aresta da se ção (Figura 9.6).
2
(g) Idem om ψ(z) = 0 , χ(z) = i Qz
2
, Q∈R , para a mesma se ção R (Figura 9.6).

Im Im

Re Re
-1 1 -1 1

Figura 9.6: Displacements for ψ(z) = P2z , χ(z) = 0 and for ψ(z) = 0 ,
2
χ(z) = i Qz2 , P, Q ∈ R , with the same rectangular section R

207
O tensor de tensão de Piola-Kirchoff descreve numa configuração de referência fixa a relação
tensão-deformação descrita pelo tensor da tensão de Cauchy no próprio corpo deformado (ver
exercı́cio 8.32). Piola, Gabrio (1791-1850).
208
A razão de Poisson foi introduzida no estudo da elasticidade em 1830 por S.D. Poisson.
Capı́tulo 10

Transformações conformes

10.1 Introdução
O obje tivo entral deste apítulo é identi ar ondições para existên ia de
transformações onformes entre duas regiões dadas  diz-se que tais regiões
são onformes  e propriedades rela ionadas. Outros obje tivos importantes
das se ções nais são: (i) a uni ação de ara terizações de regiões simples-
mente onexas do plano omplexo por propriedades de regions de natureza
muito diferente (topológi as da região, topológi as do omplementar da re-
gião, analíti as, algébri as), e (ii) propriedades bási as de funções holomorfas
inje tivas, in luindo uma prova da Conje tura de Bieberba h em 1985 e 1991.
As transformações onformes surgiram em 1777 nos trabalhos de L.Euler
sobre artas geográ as da Rússia, omo referido na introdução do apítulo 3.
L. Euler hamou-lhes transformações innitesimamente semelhantes para
expressar a ideia de no limite em ada ponto preservarem semelhança de
triângulos, i.e. ângulos permane em iguais e distân ias expandem/ ontraem
por uma razão diferente de zero independente da dire ção e possivelmente
diferente em pontos diferentes. O nome transformação onforme só surgiu
em 1789 om F.T. S hubert e foi adoptado por C.F. Gauss em 1822.
Viu-se no apítulo 3 que transformações onformes são holomorfas e fun-
ções holomorfas om derivadas sem zeros são transformações onformes.
Como se viu no apítulo 6 que derivadas de funções holomorfas inje tivas
num onjunto aberto não têm zeros, no onjunto das funções omplexas in-
je tivas num dado onjunto aberto transformações onformes oin idem om
funções holomorfas. Do Teorema da Função Inversa, inversas de transforma-
ções onformes inje tivas também são transformações onformes inje tivas.
Como omposições de funções harmóni as om funções holomorfas são
harmóni as, transformações onformes são muito úteis para obter funções
harmóni as num onjunto (e.g. soluções do Problema de Diri hlet) por mu-
danças de variáveis de funções harmóni as al uladas noutro onjunto (e.g.
num ír ulo  ver apítulo 9). Isto foi muito importante para áreas em que
funções harmóni as des revem equilíbrio, omo hidrodinâmi a, ele troestá-
ti a, elasti idade e pro essos de difusão em quími a, biologia, et .
194 Transformações conformes

As transformações onformes entre ír ulos abertos são uma lasse parti-


ular das Transformações de Möbius do apítulo 3. Por translações e es ala-
mentos no domínio e/ou ontradomínio, as transformações onformes entre
ír ulos abertos podem passar a transformações onformes do ír ulo aberto
om raio 1 e entro 0 , designado B1 , sobre ele próprio. Em 1869-70 H.
S hwarz provou que estas transformações são omposições de rotações em
torno da 0 om as transformações de Möbius espe iais Ta (z) = 1−az z−a
, om
a ∈ C , |a| < 1 . Como rotações em torno de 0 são produtos por λ ∈ C om
|λ| = 1 , as transformações onformes de B1 sobre B1  os automorsmos
onformes de B1  são determinadas por três parâmetros reais, Re a , Im a
e Arg λ , e formam uma variedade tridimensional. A ara terização dos au-
tomorsmos onformes de B1 pelas funções λTa é aqui provada om o Lema
de S hwarz (i.e. uma função holomorfa que mantém 0 xo e transforma B1
em B1 é uma rotação em torno de 0 ou aproxima de 0 todos os outros pon-
tos (possivelmente não no mesmo raio)). Em 1869-70 H. S hwarz estendeu
o Lema a transformações onformes de B1 numa região Ω ⊂ C analisando a
parte real de log f (z)
z para f holomorfa e inje tiva. Em 1912 C.Carathéodory
deu uma prova mais simples para funções holomorfas de B1 em B1 , mesmo
não inje tivas, om o Prin ípio de Módulo Máximo e uma ideia que usou
numa publi ação de 1907 e atribuiu a omuni ação oral de E. S hmidt209 .
O Teorema do Mapeamento de Riemann estabele e a existên ia de trans-
formações onformes entre B1 e qualquer região simplesmente onexa propri-
amente ontida em C . Logo, há apenas 2 lasses de equivalên ia de regiões
simplesmente onexas do plano omplexo: uma só om C e outra om todas
as outras regiões simplesmente onexas. O Teorema foi previsto em 1851,
na tese de doutoramento de B. Riemann, om um esboço de prova para
regiões om fronteira se ionalmente regular om o Prin ípio de Diri hlet.
Em 1870 H. S hwarz provou o resultado para regiões poligonais om fórmu-
las explí itas para transformações onformes210 . Nesse ano K. Weierstrass
deu ontraexemplos do Prin ípio de Diri hlet, mostrando que a tentativa de
prova de B. Riemann tinha falhas211 . Em 1890 H. S hwarz deu uma prova
para regiões om fronteira on atenação de um no nito de urvas analíti as
sem úspidas nas junções, om o seu Prin ípio de Simetria212 e Integral de
Poisson. A forma geral do Teorema permane eu sem prova durante 49 anos;
em 1900 W. Osgood213 provou a existên ia de funções de Green de sub on-
juntos próprios de C simplesmente onexos e obteve a 1a prova do Teorema
do Mapeamento de Riemann. Em 1907 P.Koebe deu outra prova e em 1912
C. Carathéodory deu uma prova mais simples om o Lema de S hwarz.
209
Schmidt, Erhard (1876-1959).
210
Ver exercı́cio 9.16 no fim deste capı́tulo.
211
Embora fosse reabilitado cerca de meio século depois quando o Princı́pio de Dirichlet foi
estabelecido, como se referiu no capı́tulo precedente.
212
Ver exercı́cio 6.9.
213
Osgood, William (1864-1943).
10.1 Introdução 195

As transformações de Möbius não podem transformar regiões não ir u-


lares em regiões ir ulares, pois transformam ir unferên ias ou re tas em
re tas ou ir unferên ias. Contudo, as transformações onformes apropria-
das para o Teorema do Mapeamento de Riemann podem ser obtidas omo
limites de su essões de funções que só envolvem transformações de Möbius
e raízes quadradas. Esta elegante prova requer a existên ia de limites de
subsu essões de su essões de funções em ertas famílias de funções holomor-
fas. Mais expli itamente, é pre iso onhe er ondições para toda su essão
de funções numa família de funções holomorfas em Ω ⊂ C ter uma subsu es-
são uniformemente onvergente em sub onjuntos ompa tos de Ω ; se uma
família de funções de H(Ω) tem esta propriedade, diz-se que é uma família
normal, nome dado por P.A. Montel em 1912 quando explorou para funções
holomorfas ideias desenvolvidas para funções reais por G. As oli em 1883 e
por C. Arzelà em 1885. O Teorema de Arzelà-As oli214 estabele e que uma
família de funções om valores reais ou omplexos é normal se e só se é
pontualmente limitada e lo almente equi ontínua. O on eito de equi onti-
nuidade deve-se a G.As oli em 1883, mas a prova de su iên ia da ondição
foi de C. Arzelà em 1885. A prova do Teorema de Arzelà-As oli usa o Mé-
todo Diagonal de Cantor, introduzido por G. Cantor em 1874 para provar
#R>#N . P.A. Montel estabele eu em 1907, na tese de doutoramento, que
equi ontinuidade é garantida para famílias de funções holomorfas porque a
família é lo almente uniformemente limitada, o que permite simpli ar as
ondições que garantem que uma família de funções holomorfas é normal.
Estes resultados têm importân ia fundamental em Análise Fun ional porque
ara terizam a ompa idade em espaços de funções ontínuas ou holomorfas;
uma ara terização rela ionada de onjuntos ompa tos em espaços métri os
é pela Propriedade de Bolzano-Weierstrass, i.e. toda su essão no onjunto
tem uma subsu essão onvergente para um ponto do onjunto.
A prova do Teorema do Mapeamento de Riemann obtida em 1912 por
C.Carathéodory baseia-se na onstrução de uma su essão de transformações
onformes entre Superfí ies de Riemann al uladas resolvendo equações al-
gébri as de graus 1 e 2 que, do resultado do Teorema de Montel, tem uma
subsu essão onvergente para a transformação pretendida. Ainda em 1912
P.Koebe simpli ou a prova de C.Carathéodory evitando Superfí ies de Ri-
emann e em 1915 obteve uma prova onstrutiva, denindo expli itamente
uma su essão de funções que transformam a região numa su essão expansiva
de sub onjuntos de B1 que, no limite, transforma a região em todo B1. Em
1922 L. Fejér e F. Riesz des obriram que o Mapeamento de Riemann po-
dia ser obtido omo solução de um problema varia ional de maximização do
módulo da derivada da transformação num ponto da região, o que permitiu
uma prova muito mais simples215 , publi ada nesse ano por T.Radó em nome
214
Arzelà, Cesaro (1847-1912). Ascoli, Giulio (1843-1896).
215
É a prova mais divulgada, provavelmente por ser a nos livros de Análise Complexa com ampla
difusão, como os de L. Ahlfors, W. Rudin e B. Chabat referidos no prefácio.
196 Transformações conformes

de L. Fejér e F. Riesz. Em 1929 C. Carathéodory simpli ou-a evitando usar


derivadas216 . É esta a prova que se apresenta neste apítulo.
Quando se onsiderou o Problema de Diri hlet no apítulo pre edente
viu-se que a extensão por ontinuidade de uma função holomorfa à fronteira
de uma região pode falhar e requer que os pontos da fronteira satisfaçam
ondições apropriadas. Para transformações onformes de uma região sim-
plesmente onexa Ω $ C om ∂Ω se ionalmente regular no ír ulo aberto
B1 esta questão foi resolvida em 1913 por C. Carathéodory. O resultado foi
depois estendido sob outras ondições satisfeitas pelos pontos da fronteira.
Em parti ular, C.Carathéodory estabele eu também em 1913 que a extensão
por ontinuidade à fronteira é possível se esta é uma urva de Jordan, i.e.
uma urva simples fe hada, sem requerer regularidade adi ional.
In lui-se uma outra apli ação do Teorema de Montel, o Teorema de Vitali:
uma su essão de funções holomorfas num onjunto aberto Ω ⊂ C lo almente
uniformemente limitada onverge uniformemente em sub onjuntos ompa -
tos de Ω se e só se o onjunto A de pontos de Ω em que a su essão onverge
para um número omplexo tem um ponto limite em Ω , i.e. há uma pro-
pagação de onvergên ia de um tal onjunto para todo Ω . Este resultado
foi provado por G. Vitali em 1903. Em 1885 C.D. Runge tinha provado este
tipo de propagação de onvergên ia de uma urva de Jordan para a região Ω
que delimita, ini iando uma sequên ia de ontribuições que foram enfraque-
endo as hipóteses su essivamente: em 1894 T. Stieltjes para A om interior
não vazio, em 1901 W.Osgood para A ontendo um sub onjunto denso num
sub onjunto aberto de Ω . Em 1911 C. Carathéodory e E. Landau provaram
que a hipótese da su essão ser lo almente uniformemente limitada pode ser
substituída por eventualmente os termos da su essão dois valores omplexos
distintos xos217 . Em 1914 R. Jentzsh deu, na sua tese de Doutoramento
só publi ada em artigo em 1917, uma prova sem usar o Teorema de Montel
( om o Lema de S hwarz estabele ido na ver se ção 10.3)218 .
Ainda em 1913 C.Carathéodory introduziu o importante on eito de m
primo de uma região simplesmente onexa Ω $ C para des rever a orres-
pondên ia de pontos das fronteiras de Ω e B1 asso iados pelo mapeamento
de Riemann entre estes onjuntos. Su intamente, um m primo de Ω é
um sub onjunto de ∂Ω tal que a s su essões em Ω que onvergem para um
ponto deste sub onjunto são transformadas pelo mapeamento de Riemann
em su essões em B1 que onvergem para um mesmo ponto de ∂B1. C. Ca-
rathéodory estabele eu então que os onjuntos de ns primos de uma região
simplesmente onexa Ω $ C são invariantes sob transformações onformes.
Em 1946 L. Ahlfors e A. Beurling rela ionaram m primo om  ompri-
216
Também em 1929 A. Ostrowski apresentou uma prova que evita o uso directo de derivadas,
mas envolve um princı́pio variacional em termos de derivadas, enquanto o princı́pio variacional
considerado por C. Carathéodory em 1929 não envolve derivadas.
217
Ver no final da secção 11.6.
218
Vitali, Giuseppe (1875-1932). Stieltjes, Thomas (1856-1894). Jentzsh, Robert (1890-1918).
10.1 Introdução 197

mento extremo, o que permitiu uma outra denição de m primo e fa ilitou


a obtenção de ertas propriedades asso iadas. A noção de  omprimento
extremo, importante em si mesma, deve-se a A. Beuerling e foi apresentada
publi amente em 1946 no Congresso de Matemáti a em Copenhaga, mas
a omuni ação não foi publi ada. É uma quantidade geométri a invariante
sob transformações onformes para a relação omprimento-área de onjuntos
de urvas re ti áveis e áreas de sub onjuntos abertos de C que as ontêm,
baseada em trabalho de H. Grötzs h sobre relações omprimento-área para
funções holomorfas publi ado em 1928-1934, mas pou o difundido219 .
A penúltima se ção é sobre a importante uni ação de ara terizações de
regiões simplesmente onexas do plano omplexo por propriedades de uma
região de natureza muito diferente: (1) topológi as da região (e.g. homeo-
morfa a um ír ulo aberto, ou ter só uma lasse de homotopia), (2) topo-
lógi as do omplementar da região (e.g. ter só uma lasse de homologia, ou
omplementar sem omponente onexa limitada), (3) analíti as (e.g. funções
holomorfas nela terem primitivas, or todas funções harmóni as om valores
reais serem a parte real de funções holomorfas), (4) algébri as (e.g. funções
holomorfas sem zeros nela terem raízes quadradas holomorfas)220 .
O apítulo termina om uma se ção sobre funções holomorfas inje tivas,
hamadas funções univalentes, om resultados muito interessantes que esta-
bele em restrições nos oe ientes de séries de Taylor e as exploram para
obter que não podem ontrair onjuntos abertos Ω ⊂ C mais do que uma
erta onstante, pelo que os ontradomínios de tais funções ontêm dis os
om raios pelo menos iguais a um valor função do produto da derivada da
função num ponto pela distân ia deste a ∂Ω , e limitações da distorção resul-
tante da apli ação dessas funções. Em 1907 P.Koebe provou que existe R > 0
tal que o ontradomínio de qualquer função f univalente em B1 normalizada
om f (0) = 0 e f ′(0) = 1 , hamadas funções schlicht, que em alemão signi a
simples, ontém o ír ulo om raio R e entro 0 . Em 1916 L. Bieberba h
provou que o valor absoluto do oe iente do termo de ordem 2 da série de
Taylor em 0 de uma função schlicht é majorado por 2, de que se obtém o
Teorema de Um Quarto de Koebe segundo o qual R = 41 e este é o raio óptimo
para as funções shlicht em onjunto, pois a função om oe iente de ada
potên ia de ordem n da série de Taylor em 0 igual a n , hamada função
de Koebe e des oberta por P. Koebe em 1910, é schlicht e esta função ou
alguma das suas rotações em torno de 0 tem ontradomínio que não ontém
qualquer dis o om entro 0 e raio > 14 . Em onsequên ia, para uma função
univalente num sub onjunto aberto Ω ⊂ C a distân ia da imagem de um
ponto à imagem de ∂Ω é majorada pelo quádruplo do produto do módulo
219
Grötzsch, Herbert (1902-1993).
220
Três outras importantes caracterizações são dadas em capı́tulos seguintes por outras pro-
priedades da região: (2’) topológica do complementar da região (terem complmentar conexo),
(3’) analı́ticas (existirem extensões holomorfas a toda ela de todo elemento de função analı́tica
com prolongamento analı́tico ao longo de caminhos nela, ou existirem aproximações polinomiais
uniformes em subconjuntos compactos para as funções holomofas nela).
198 Transformações conformes

da derivada da função no ponto pela distân ia deste a ∂Ω . A majoração do


valor absoluto do oe iente do termo de ordem 2 da série de Taylor em 0 de
uma função schlicht também permite estabele er um teorema de distorção
que delimita os valores absolutos da derivada da função e da própria função
em ada z ∈ B1 por valores que dependem de |z| , óptimos no sentido análogo
ao referido a ima omo se pode ver também om a função de Koebe.
Uma onsequên ia quase imediata deste teorema de distorção é que se an
é o oe iente do termo de ordem n da série de Taylor em 0 de uma função
schlicht, então |an | ≤ e n2 para n ∈ N . Em 1916 L. Bieberba h formulou
a famosa Conje tura de Bieberba h segundo a qual a majoração óptima é
n . Foram su essivamente obtidas majorações melhores para |an | designada-
mente: |an | ≤ en, em 1925 por√J.E. Littlewood; |an | ≤ 2e n + 1,51, em 1951
por J. Basilewits h;
√ |an | ≤ min ex−1 n<1,243 n (pois o mínimo é assumido
x

em [1, 2] e =1,243), emq1965 por I. Milin; |an | ≤ n < 1,08 n , em


x>0 q
e3/2 −1 7

1972 por C. FitzGerald; |an | ≤ n < 1,0657 n , em 1978, por D. Horowitz.


3/2 6
6 209

Entretanto, K. Löwner em 1923, P. Garabedian e M. S hier em 1955, R.


140

Pederson e, independentemente, M. Ozawa em 1968, R. Pederson e M. S hi-


eer em 1972, provaram a Conje tura para, resp., n = 3, 4, 6, 5 . Estas eram
as úni as ordens dos termos da série de Taylor para que tinha sido provada
antes de 1985, quando L. de Branges a provou em geral, 69 anos depois de
formulada, o que foi uma das grandes notí ias matemáti as desse ano221 .
Antes da Conje tura de Bieberba h ser provada em 1985, foi estabele-
ida para alguns sub onjuntos de funções shlicht, e.g.: para funções uni-
valentes om ontradomínios onvexos, hamadas funções univalentes on-
vexas (introduzidas por E. Study em 1913), em 1917 por K. Löwner, que
provou que neste aso os valores absolutos dos oe ientes da série de Tay-
lor em 0 são
P∞majorados por 1 e esta majoração é óptima devido à função
n=2 z ; para funções om ontradomínio em estrela em relação
z n
1−z = z +
a 0 (que in luem a função de Koebe), hamadas funções univalentes em es-
trela, em 1920 por R. Nevanlinna; para funções om oe ientes da série de
Taylor em 0 reais, em 1931 por J. Dieudonné. Em 1936 M. Robertson deu
provas alternativas para os resultados obtidos por K. Löwner em 1917 para
funções schlicht onvexas e por R.Nevanlinna em 1920 para funções schlicht
em estrela e formulou a Conje tura de Robertson segundo a qual para uma
função schlicht ímpar as somas dos quadrados dos valores absolutos dos 1os
n oe ientes de ordem ímpar da fórmula de Taylor em 0 são majoradas por
n , mostrou que impli a a validade da Conje tura de Bieberba h e provou a
sua onje tura para n = 3 . I.Milin observou em 1965 que é muito mais difí il
majorar os valores absolutos dos oe ientes de fórmulas de Taylor em 0 de
funções schlicht f do que os de log f (z) , e em 1971 formulou a Conje tura de
Milin segundo a qual para os oe iente dk dos termos de ordem k da série
z

221
Littlewood, John Edensor (1885-1977). Basilewitsch, J.. FitzGerald, Horowitz, David. Carl.
Garabedian, Paul (1927-2010). Schiffer, Menahem (1911-1957). Pederson, Roger (1931-1996).
Ozawa, Mitsuru. Study, Eduard (1862-1930). Dieudonné, Jean (1906-1992).
10.2 Transformações e conjuntos conformes 199


de Taylor em 0 destas funções é Pnk=1(n+1−k) k|dk |2 − k4 ≤ 0 e provou que
esta impli a a validade da Conje tura de Robertson. L. de Branges provou
em 1985 a Conje tura de Milin, estabele endo a validade da Conje tura de
Bieberba h em onsequên ia dos resultados de I. Milin e M. Robertson refe-
ridos. Em 1991 L. Weinstein obteve uma prova mais dire ta da Conje tura
de Milin, simpli ada in 1994 por S. Ekhad e D. Zeilberger; é esta prova que
termina o apítulo.
Curiosamente, os ingredientes prin ipais das provas da Conje tura de Bi-
eberba h por L. de Branges em 1985 e L. Weinstein em 1991 são aspe tos
desenvolvidos por três autores em alturas diferentes (a 1a e a última sepa-
radas de meio sé ulo) ao provaram a validade da Conje tura de Bieberba h
para oe ientes espe í os an das fórmulas de Taylor em 0 de funções sch-
licht de ordens baixas n , majorações desses oe ientes para todo n ∈ N ou
majorações análogas para sub onjuntos espe í os dessas funções, designa-
damente: (1) adeias de Löwner em 1923 a propósito de obter |a3 | ≤ 3 (que
usou para obter uma prova alternativa de |a2 | ≤ 2 ) e usadas em 1955 por P.
Garabedian e I.S hier para obter |a4 | ≤ 4 ; (2) Conje tura de Robertson em
1936 a propósito de repli ar om um método uni ado as majorações ópti-
mas |an | ≤ 1 obtidas em 1917 por K. Löwner para funções schlicht onvexas
e em 1920 por R. Nevanlinna para provar a Conje tura de Bieberba h para
funções schlicht em estrela; (3) Conje tura de Milin em 1971 a propósito de
obter as majorações |an | ≤ 1,243 n para funções schlicht em 1965.
Uma parte dos exer í ios nais do apítulo é sobre funções elípti as, que
são as funções meromorfas biperiódi as no plano omplexo, om propriedades
bási as desta importante lasse de funções e a função-℘ de Weierstrass.
10.2 Transformações e conjuntos conformes
Sabe-se do estudo de sub onjuntos de Rn, e.g. superfí ies e variedades dife-
ren iais, que é útil identi ar onjuntos topologi amente idênti os, i.e. que
podem ser deformados um no outro sem dobragens ou ortes omo se fossem
obje tos elásti os, ideia tornada pre isa pelo on eito de homeomorsmo.
Diz-se que f : Ω1 → Ω2 om Ω1 , Ω2 ⊂ C é um homeomorfismo de Ω1
em Ω2 se é uma bije ção ontínua om inversa ontínua; se um tal home-
omorsmo existe, diz-se que Ω1 e Ω2 são conjuntos homeomorfos. A
homeomora de sub onjuntos de C é uma relação de equivalên ia, pelo que
estabele e no onjunto de todos sub onjuntos de C lasses de equivalên ia
hamadas classes de homeomomorfia. Homeomorsmos têm um papel
entral em topologia. Chama-se propriedade topológica a uma propri-
edade invariante sob homeomorsmos. Portanto, propriedades topológi as
são as propriedades de lasses de homeomora.
En ontraram-se várias propriedades topológi as de onjuntos222 nos apí-
222
Também já se encontraram propriedades topológicas de funções, e.g. continuidade, e de
relações entre conjuntos de caminhos fechados seccionalmente regulares (resp., rectificáveis) ou de
200 Transformações conformes

tulos pre edentes, e.g. serem onexos, simplesmente onexos, multiplamente


onexos om one tividade nita n ∈ N , ompa tos.
Viu-se em apítulos anteriores, nomeadamente a propósito da onstrução
de mapas planos do globo terrestre e de funções harmóni as, que é útil on-
siderar transformações que preservam ângulos entre urvas regulares simples
que se interse tam num ponto e tendem a denir relações geométri as de se-
melhança do domínio para o ontradomínio, no limite quando se tende para o
ponto, i.e. além de preservarem ângulos expandem/ ontraem omprimentos
de modo uniforme em todas as dire ções lo almente em ada ponto. Sabe-se
dos apítulos 3 e 6 que uma função omplexa é transformação onforme num
onjunto se e só se é holomorfa e tem derivada que não se anula no onjunto.
Do Teorema da Apli ação Aberta (6.12) e do resultado asso iado (6.11),
a imagem de uma região por uma função holomorfa inje tiva é uma região e a
inversa da função também é holomorfa. Em parti ular, as funções holomorfas
inje tivas são homeomorsmos e, por isso, designam-se por homeomorfis-
mos conformes223 ou simplesmente transformações conformes. Diz-se
que Ω1, Ω2 ⊂ C são conjuntos conformes se um é a imagem do outro por
uma transformação onforme. A onformidade de sub onjuntos de C é uma
relação de equivalên ia que dene lasses de equivalên ia no onjunto dos
sub onjuntos de C hamadas classes de conformidade (Figura 10.1).

Classe de conformidade

Classe de homeomorfia
Conjunto dos subconjuntos de números complexos

Figura 10.1: Relações entre classes de conformidade, classes de


homeomorfia e conjunto dos subconjuntos de C

A composição de transformações conformes é conforme, a transforma-


ção identidade é conforme e, omo se a abou de ver, toda transformação
conforme tem inversa conforme. Portanto, omo a omposição de funções é
asso iativa, o onjunto das transformações onformes de um onjunto Ω ⊂ C
em si próprio, hamados automorfismos conformes de Ω , om a ompo-
sição, é um grupo, a que se hama grupo dos automorfismos conformes
de Ω , designado Aut Ω .

ciclos num conjunto, e.g. homotopia, homologia, igualdade de ciclos.


223
Também chamadas difeomorfismos conformes, transformações biholomorfas.
10.3 Automorfismos conformes de um cı́rculo 201

O resultado seguinte mostra que a diversidade das transformações on-


formes entre dois onjuntos é a mesma das transformações que perten em
ao grupo de automorsmos onformes de qualquer um dos onjuntos.
(10.1) Se Ω1 , Ω2 ⊂ C e f: Ω1 → Ω2 é transformação conforme, g : Ω1 → Ω2
é transformação conforme se e só se g = f ◦T , com T ∈ Aut Ω1 .

Dem. É imediato que se T ∈ Aut Ω1 , então f◦T é transformação conforme de


Ω1 sobre Ω2 e, reciprocamente, se g é transformação conforme de Ω1 sobre
Ω2 , então T = f −1 ◦ g é um automorfismo conforme de Ω1 . Q.E.D.
Por isso, é natural pro urar identi ar a diversidade dos automorsmos
onformes de uma região. Na se ção seguinte omeça-se om o aso mais
simples ede regiões ir ulares.
10.3 Automorfismos conformes de um cı́rculo
Os automorsmos onformes de um ír ulo aberto qualquer em C podem
ser obtidos dos automorsmos onformes de um ír ulo aberto espe í o
por simples translações e expansões (ou ontra ções) no domínio e/ou no
ontradomínio, pelo que se onsidera aqui o ír ulo aberto B1 om entro
na origem e raio 1, uja fronteira é a ir unferên ia designada S 1 .
Para ara terizar automorsmos onformes de B1 é útil dispor do Lema
de S hwarz, que é uma importante onsequên ia do Prin ípio de Módulo Má-
ximo e estabele e que uma função holomorfa que mantém 0 xo e transforma
B1 em si próprio aproxima todos os pontos de zero (não ne essariamente so-
bre o mesmo raio) ou é uma rotação em torno da origem (Figura 10.2).

Figura 10.2: Ilustração do Lema de Schwarz

(10.2) Lema de Schwarz: Se f : B1 → B1 é holomorfa e f (0) = 0 , é


|f (z)| ≤ |z| para todo z ∈ B1 e |f ′ (0)| ≤ 1 . Se |f ′ (0)| = 1 ou |f (z)| = |z|
para algum z ∈ B1 \{0}, existe λ ∈ C com |λ| = 1 tal que f (z) = λz .
202 Transformações conformes

Dem. Como f ∈ H(B1 ) , g(z) = f (z) z pode ser estendida a uma função

g ∈ H(B1 ) com g(0) = f (0) . Para cada r ∈ ]0, 1[ , do Princı́pio do Mó-
 (w)|
dulo Máximo (5.19), |g(z)| ≤ max |f|w| : |w| = r ≤ 1r para z ∈ Br (0) .
Fazendo r → 1 obtém-se |g(z)| ≤ 1, i.e. |f (z)| ≤ |z| para z ∈ B1 . Logo,
|f ′ (0)| = |g(0)| ≤ 1 . Se |f ′ (0)| = 1 ou |f (z)| = |z| para algum z ∈ B1 \{0}, |g|
tem o máximo 1 em 0 ou em z . Do Princı́pio de Módulo Máximo, g é uma
constante, λ ∈ C e |λ| = 1 . Q.E.D.
O Lema de S hwarz permite para quaisquer a, b ∈ B1 xos determinar o
máximo do módulo da derivada em a de funções holomorfas f: B1 → B1 om
f (a) = b (o Lema de S hwarz orresponde a a = b = 0) e para que funções
esse máximo é atingido. Estas funções são surpreendentemente simples: são
transformações de Möbius obtidas por omposições de rotações em torno de
0 om transformações de Möbius do tipo Ta (z) = 1−az z−a
, para algum a ∈ B1 ,
onsiderado na se ção 9.4 ao onstruir a Fórmula de Poisson, em que se
observou que Ta(0) = 0 , (Ta )−1 = T−a e T (S 1 ) = S 1 (Figura 10.3).

z−a
Figura 10.3: Transformações de Möbius Ta (z) = 1−az , with a ∈ B1

(10.3) Se f : B1 → B1 é holomorfa, a, b ∈ B1 e f (a) = b , então


1−|b|2
|f ′ (a)| ≤ 1−|a| 2 , com igualdade se e só se existe λ ∈ C com |λ| = 1 tal
z−x
que f = T−b ◦ (λTa ) , com Tx (z) = 1−xz para x ∈ B1 , e f ∈ Aut B1 .

Dem. g = Tb ◦ f ◦ T−a é holomorfa de B1 em B1 e g(0) = 0 . Do Lema de


1
Schwarz, |g′ (0)| ≤ 1 . Como g ′ (0) = (Tb )′ (b) f ′ (a) (T−a )′ (0) , (Tb )′ = 1−|b| 2 e
1−|b| 2
′ 2 ′ ′
(T−a ) = 1 − |a| , é |f (a)| ≤ 1−|a|2 . Há igualdade se e só se g (0) = 1 , e,
do Lema de Schwarz, existe λ ∈ C com |λ| = 1 tal que g(z) = λz . Logo,
f = (Tb )−1 ◦ g ◦ (T−a )−1 = T−b ◦ (λTa ) . Como Ta , g, T−b são homeomorfismos
conformes de B1 , também f é. Q.E.D.
Este resultado mostra que o máximo do módulo das derivadas |f ′(a)| de
funções holomorfas f de B1 em B1 om f (a) = b é um valor de balanço entre
as diferenças dos quadrados das distân ias de b e de pontos da fronteira de
10.3 Automorfismos conformes de um cı́rculo 203

B1 ao entro de B1 e analogamente de a , expresso pelo quo iente entre as


duas diferenças. Em parti ular, o máximo onsiderado é 1 se e só se a = b
( omo no Lema de S hwarz), tende para 0 quando b tende para S 1 om a
xo, e tende para +∞ quando a tende para S 1 om b xo (Figura 10.4).

Figura 10.4: Soluções do problema variacional de maximizar |f ′ (a)|


para funções holomorfas de B1 em B1 com f (a) = b para a, b fixos,
e correspondentes valores de |f ′ (a)| em função de |a|, |b|
Não se imps qualquer ondição de regularidade fora de B1 (nem mesmo
ontinuidade na fronteira S 1) e obteve-se que as funções holomorfas f de B1
em B1 soluções do problema varia ional de maximização de |f ′(a)| om a
restrição f (a) = b , para a, b xos, são funções ra ionais que podem ser esten-
didas a B1 e são holomorfas neste ír ulo fe hado. Também nada se sups
à partida de inje tividade ou sobreje tividade de f , embora as soluções do
problema varia ional sejam inje tivas e sobreje tivas em B1 . Isto é típi o de
soluções de problemas varia ionais, frequentemente muito bem omportadas
devido a satisfazerem ondições de optimização naturalmente asso iadas a
estruturas algébri as que impli am propriedades de simetria ou regularidade.
Com base no resultado anterior pode-se ara terizar fa ilmente os au-
tomorsmos onformes de B1 omo sendo omposições de rotações om as
transformações de Möbius de B1 sobre B1.
(10.4) Caracterização de Aut B1 : Os automorfismos conformes de
B1 são as transformações de Möbius de B1 sobre B1 da forma λTa com
z−a
λ ∈ C , |λ| = 1 e Ta (z) = 1−az para algum a ∈ B1 ; logo, são determinadas
pelos 3 parâmetros reais Re a, Im a e Arg λ .

Dem. Como as transformações de Möbius são invertı́veis, as transformações


de Möbius de B1 sobre B1 são conformes. Reciprocamente, se f ∈ Aut B1 é
injectiva, de (6.11), f ′ 6= 0 em B1 e g = f −1 ∈ H(B1 ) . (10.3) aplicado a f
1
com f (a) = 0 e a g com g(0) = a dá |f ′ (a)| ≤ 1−|a| ′ 2
2 e |f (a)| ≤ 1−|a| . Como
204 Transformações conformes

g ◦f = 1B1 , é g′ (0) f ′ (a) = 1 e tem-se igualdade nas duas desigualdades. De


(10.3) com b = 0 , existe λ ∈ C com |λ| = 1 tal que f = λTa . Q.E.D.

Con lui-se das observações que pre edem este resultado que o onjunto
dos automorsmos onformes no ír ulo fe hado B1 é análogo ao de B1 ,
sendo a úni a diferença os elementos neste aso serem restrições a B1 dos
automorsmos de B1 estendidos omo transformações de Möbius a um on-
junto aberto ontendo B1 , o que é sempre possível.
10.4 Famı́lias normais de funções holomorfas
Na se ção seguinte prova-se o Teorema do Mapeamento de Riemann, de
existên ia de homeomorsmos onformes entre quaisquer duas regiões sim-
plesmente onexas propriamente ontidas em C, ou seja essas regiões sim-
plesmente onexas perten em à mesma lasse de onformidade. Como se
referiu na introdução a este apítulo, a prova que se apresenta baseia-se na
existên ia de solução de um problema varia ional garantida omo limite de
uma su essão de funções maximizantes, i.e. uma su essão de funções que
onverge para uma função em que é assumido o valor máximo. Para provar
a existên ia de uma tal su essão é ne essário usar propriedades de famílias de
funções que são muito úteis noutras ir unstân ias, pelo que se onsideram
aqui espe i amente.
Diz-se que uma família F de funções omplexas denidas em Ω ⊂ C é:
famı́lia normal224 se toda su essão de funções em F tem uma subsu es-
são uniformemente onvergente em sub onjuntos ompa tos de Ω ; famı́lia
pontualmente limitada se para ada z ∈ Ω existe um número M (z) > 0 tal
que |f (z)| ≤ M (z) para todo f ∈ F ; famı́lia localmente uniformemente
limitada se para ada ompa to K ⊂ Ω existe um número N (K) > 0 tal
que |f (z)| ≤ N (K) para todos z ∈ K e f ∈ F ; famı́lia equicontı́nua se
para ada ε > 0 existe δ > 0 tal que |f (z) − f (w)| < ε para todos z, w ∈ Ω
om |z −w| < δ e f ∈ F ; famı́lia localmente equicontı́nua se para ada
ompa to K ⊂ Ω e ada ε > 0 existe δ > 0 tal que |f (z)−f (w)| < ε para todos
z, w ∈ K om |z−w| < δ e f ∈ F .
A razão dos nomes lo almente limitada e lo almente equi ontínua
deve-se à validade destas propriedades lo almente em alguma vizinhança
de ada ponto de um onjunto impli ar a validade em todos sub onjuntos
ompa tos (por toda obertura aberta ter sub obertura nita) e vi e-versa.
224
A propriedade de uma famı́lia de funções ser normal é muitas vezes referida como “propriedade
de compacidade de conjuntos de funções”. Uma caracterização de conjuntos compactos em espaços
métricos é pela chamada Propriedade de Bolzano-Weierstrass, i.e. toda sucessão no conjunto tem
uma subsucessão convergente para um ponto do conjunto. Considerando o espaço das funções
complexas contı́nuas definidas em Ω com uma métrica (que existe) correspondente à convergência
uniforme em conjuntos compactos, verifica-se que uma famı́lia é normal se e só se o seu fecho é um
conjunto compacto na métrica referida. O apêndice I, sobre aspectos básicos da Topologia Geral,
contém os resultados gerais essenciais sobre conjuntos e espaços compactos.
10.4 Famı́lias normais de funções holomorfas 205

O resultado seguinte ara teriza famílias normais em termos de limitação


pontual e equi ontinuidade225 . Para o Teorema do Mapeamento de Riemann
na se ção seguinte só se usam as ondições su ientes para uma família ser
normal nos dois resultados que se seguem, mas devido à utilidade destes
resultados noutras situações opta-se por estabele ê-los omo ondições ne-
essárias e su ientes, o que alonga as provas. O leitor pode saltar sobre as
provas de ne essidade sem perder o aminho lógi o de prova do Teorema do
Mapeamento de Riemann.
(10.5) Teorema de Arzelà-Ascoli: Uma famı́lia F de funções com-
plexas definidas num conjunto aberto Ω ⊂ C é normal se e só se é pon-
tualmente limitada e localmente equicontı́nua.

Dem. 1) Suficiência. Seja {fn } uma sucessão de funções em F . O es-


paço C é separável, i.e. contém um subconjunto denso Q (tal que Q = C)
numerável, nomeadamente o conjunto dos números complexos com partes
real e imaginária racionais. Logo, Q ∩ Ω é numerável e denso em Ω . Seja
{qk } uma sucessão que enumera os pontos de Q∩Ω . Organizam-se os ter-
mos de {fn (qk )} sucessivamente em linhas (correspondentes a diferentes va-
lores de k) e colunas (correspondentes a diferentes valores de n). Como
{fn (q1 )} é uma sucessão limitada de números complexos, tem pelo menos
uma subsucessão convergente; tomam-se os termos de uma tal subsucessão
para 1a linha, suprimindo os restantes termos. Procede-se sucessivamente
para as linhas seguintes, construindo cada linha {fn (qk )} com os termos de
uma subsucessão convergente cujos termos correspondem a ı́ndices retidos
para a linha imediatamente anterior. Toma-se, agora, a sucessão {fnkk (qk )}
dos termos na diagonal da construção anterior, indicados entre parênteses
rectos. A sucessão de funções consideradas na diagonal {fnkk } converge
em todos os pontos de Q ∩ Ω . Esta construção é conhecida por Método
Diagonal de Cantor e é útil noutras situações.
 
fn11 (q1 ) fn12 (q1 ) · · · fn1k (q1 ) · · ·
 
fn21 (q2 ) fn22 (q2 ) · · · fn2k (q2 ) · · ·
.. .. .. .. ..
. . . . .
 
fnj21 (qj ) fnj2 (q2 ) ··· fn2k (q2 ) · · ·
.. .. .. ..
. . ··· . .
Para simplificar a notação, redesigna-se por {fn } a sucessão de funções
obtida na diagonal pelo método indicado.
225
Tendo em conta a nota de pé de página anterior a propósito da definição de uma famı́lia
normal, este resultado caracteriza compacidade de conjuntos de funções no espaço de funções
definidas em Ω com a métrica correspondente à convergência uniforme em conjuntos compactos.
206 Transformações conformes

Sejam ε > 0 e K ⊂ Ω compacto e se Ω 6= C designa-se ρ = 21 inf{|z−w|: z ∈


K, w ∈ ∂Ω}.Se Ω = C , toma-se ρ > 0 arbitrário. Designa-se a vizinhança-ρ de
K por Kρ = ∪z∈K Bρ (z) , que é um conjunto aberto com fecho Kρ compacto
tal que Kρ ⊂ Kρ ⊂ Kρ ⊂ Ω (Figura 10.5). Como F é uma famı́lia localmente
equicontı́nua, existe δ > 0 tal que |fk (z) − fk (z)| < ε para todos z, w ∈ Kρ
com |z −w| < δ e todo k ∈ N . O conjunto dos cı́rculos abertos com raio
σ = min 2ρ , 2δ e centros em pontos de K é uma cobertura aberta de K, pelo
que existe uma subcobertura finita de K, com elementos que se designam
C1 , . . . , CM . Como Q ∩ Ω é denso em Ω , para cada j ∈ {1, . . . , M } existe
pj ∈ Q ∩ Cj . Para cada j ∈ {1, . . . , M } fixo a sucessão {fk (pj )}k∈N tem limite,
e, portanto, é uma sucessão de Cauchy, ou seja existe N ∈ N tal que para
m, k > N é |fm (pj )−fk (pj )| < ε para todo j ∈ {1, . . . , M }. Se z ∈ K, para
algum j ∈ {1, . . . , M } é z ∈ Cj e, portanto, |z−pj | < δ e |z−pj | < ρ, pelo que
z, pj ∈ Kρ . Logo, para m, k > N é
|fm (z)−fk (z)| ≤ |fm (z)−fm (pj )|+|fm (pj )−fk (pj )|+|fk (pj )−fk (z)| < 3 ε.
Portanto, {fk (z)}k∈N é uma sucessão de Cauchy em C e, como este é um
espaço completo, é convergente para algum ponto L(z) ∈ C. Fazendo k → +∞
na desigualdade que se obteve, para para cada ε > 0 existe N ∈ N tal que
para todo z ∈ K, m > N ⇒ |fm (z)−L(z)| ≤ 3ε, ou seja fm → L uniformemente
em K quando m → +∞ . Conclui-se que F é normal.
2) Necessidade. Seja z ∈ Ω arbitrário. Se {an } ⊂ C é uma sucessão em
Az = ∪f ∈F f (z) , para cada n ∈ N existe fn ∈ F tal que |fn (z) − an | < n1 ,
e, como se supõe que F é normal, existe uma subsucessão de {fn (z)} con-
vergente (pois {z} é compacto) para algum Lz ∈ C . A subsucessão de {an }
obtida considerando os termos com os mesmos ı́ndices da subsucessão an-
terior também converge para Lz . Logo, Az ⊂ C é compacto, e, portanto,
limitado, pelo que F é pontualmente limitada.
Resta provar que se F é normal, é localmente equicontı́nua. Supõe-
se quenão é equicontı́nua num conjunto compacto K ⊂ Ω , pelo que exis-
tem ε > 0 e sucessões {zn }, {wn } ⊂ K, {fn } ⊂ F tais que |zn − wn | → 0 e
|fn (zn )−fn (wn )| > ε para n ∈ N . Como K é compacto, existe uma subsu-
cessão de {zn } convergente. Pela mesma razão, a subsucessão de {wn } com
os termos dos mesmos ı́ndices da subsucessão anterior tem uma subsucessão
convergente. Como F é normal, a subsucessão de {fn } dos termos com
os mesmos ı́ndices da subsucessão anterior tem uma subsucessão uniforme-
mente convergente em K. Consideram-se as subsucessões das sucessões con-
sideradas {zk }, {wk }, {fk } dos termos com os mesmos ı́ndices da subsucessão
anterior. Tem-se |zk−wk | → 0 e, para alguma função f0 definida em ω , fk → f0
uniformemente em K. Como {fk } é uma sucessão de funções contı́nuas e a
convergência é uniforme, f0 é contı́nua em K. Portanto, existe N ∈ N tal
que para k > N , |fk (zk )−f0 (wk )| , |f0 (wk )−f0 (zk )| , |f0 (zk )−fk (wk )| < 3ε , e
|fk (zk )−fk (wk )| ≤ |fk (zk )−f0 (wk )|+|f0 (wk )−f0 (zk )|+|f0 (zk )−fk (wk )| < ε,
contradizendo a hipótese |fn (zn )−fn (wn )| > ε , n ∈ N ; logo, F é localmente
equicontı́nua. Portanto, se F é normal, é localmente equicontı́nua. Q.E.D.
10.4 Famı́lias normais de funções holomorfas 207

Figura 10.5: Ilustração de apoio às provas dos


teoremas de Arzelà-Ascoli e de Montel
Prova-se a seguir que uma família de funções holomorfas lo almente uni-
formemente limitada é lo almente equi ontínua e, portanto, por apli ação do
Teorema de Arzelà-As oli, para que seja uma família normal é su iente que
seja lo almente uniformemente limitada, mas tal omo no aso pre edente
opta-se por também provar ne essidade226 .
(10.6) Teorema de Montel: Uma famı́lia F de funções holomorfas num
aberto Ω ⊂ C é normal se e só se é localmente uniformemente limitada.

Dem. 1) Suficiência. Como F é uma famı́lia localmente uniformemente li-


mitada, também é pontualmente limitada. Para obter que F é uma famı́lia
normal aplicando o Teorema de Arzelà-Ascoli resta provar que se F é lo-
calmente uniformemente limitada, é localmente equicontı́nua. Sejam ε > 0
e K ⊂ Ω compacto. Designa-se ρ > 0 e Kρ como na prova de suficiência
do Teorema de Arzelà-Ascoli (10.5) (Figura 10.5). Como F é localmente
uniformemente limitada, existe M > 0 tal que |f (z)| ≤ M para z ∈ Kρ
e f ∈ F . Sejam z, w ∈ K tais que |z − w| < ρ . Como Bρ (z) ⊂ Kρ , é
|f (ζ)−f (z)| < 2M para ζ ∈ Bρ (z) . A função holomorfa g(ξ) = f (z+ρ2M
ξ)−f (z)

transforma B1 em B1 e g(0) = 0 . OLema de Schwarz (10.2) implica |g(ξ)| ≤ |ξ|


para ξ ∈ B1 , pelo que |f (ζ) − f (z)| < 2M
ρ |ζ − z| para ζ ∈ Bρ (z) . Portanto,
para z, w ∈ K tais que |z − w| < ρ é |f (z)− f (w)| < 2Mρ |z − w| . Logo, com
ρ
δ = min{ρ, 2M ε}, verifica-se |f (z)− f (w)| < ε para todos z, w ∈ K tais que
|z−w| < δ . Conclui-se que F é localmente equicontı́nua.
2) Necessidade. Como F é normal, o Teorema de Arzelà-Ascoli (10.5)
implica que F é pontualmente limitada e localmente equicontı́nua. Resta
provar que estas propriedades juntas implicam que F é localmente unifor-
memente limitada. Sejam ε > 0 e K ⊂ Ω compacto. Como F é pontualmente
limitada, existe Mz > 0 tal que |f (z)| < Mz . Como Ω é aberto, existe ρz > 0
226
Tendo em conta a nota de pé de página anterior a propósito da definição de famı́lia normal,
o Teorema de Montel caracteriza compacidade de conjuntos de funções holomorfas no espaço
de funções definidas em Ω com a métrica correspondente à convergência uniforme em conjuntos
compactos. Por esta razão, este teorema também é conhecido por Princı́pio de Compacidade para
funções holomorfas.
208 Transformações conformes

tal que Bρ (z) ⊂ Ω . Como Bρ (z) é compacto e F é localmente equicontı́nua,


existe δz > 0 tal que |f (z)−f (w)| < ε para todos w ∈ Bρ (z) com |z−w| < δz e
f ∈ F . Logo, para rz = min{ρz , δz } é
|f (w)| ≤ |f (w)−f (z)|+|f (z)| < ε+Mz , w ∈ Br z , f ∈ F .
Os cı́rculos abertos Brz com z ∈ K formam uma cobertura aberta do conjunto
compacto K, pelo que existe uma subcobertura finita de K com elementos
Brz1 (z1 ), . . . , BrzN (zN ) . Logo, |f (w)| < ε + max{Mzj : j = 1, . . . , N } para
w ∈ K. Conclui-se que F é localmente uniformemente limitada. Q.E.D.
O Teorema de Montel garante que uma su essão de funções holomorfas
num sub onjunto aberto de C lo almente uniformemente limitada nesse sub-
onjunto tem pelo menos uma subsu essão uniformemente onvergente em
sub onjuntos ompa tos desse onjunto para alguma função, mas a su essão
original pode não onvergir. O resultado seguinte dá uma ondição su iente
para onvergên ia da su essão original.
(10.7) Se {fn } é uma famı́lia uma famı́lia localmente uniformemente
limitada de funções holomorfas num conjunto aberto Ω ⊂ C e toda sub-
sucessão que converge uniformemente em subconjuntos compactos de Ω
converge para uma mesma função f ∈ H(Ω) , então fn → f uniforme-
mente em subconjuntos compactos de Ω .

Dem. Se a conclusão falha, existe um conjunto compacto K ⊂ Ω tal que


maxz∈K |fn (z) − f (z)| não converge para 0 , pelo que existem ε > 0 e uma
subsucessão {fnk } tais que |fnk (z)−f (z)| ≥ ε para k ∈ N . Como esta subsuces-
são é localmente uniformemente limitada, do Teorema de Montel precedente,
tem uma subsucessão unifomemente convergente em K para uma função g
e, da desigualdade precedente, teria de ser g 6= f . Q.E.D.
O resultado seguinte, provado om o Teorema de Montel por G.Vitali em
1903, estabele e, em parti ular, que uma su essão de funções holomorfas num
onjunto aberto Ω ⊂ C que é lo almente uniformemente limitada onverge
uniformemente em sub onjuntos ompa tos de Ω se e só se o onjunto A de
pontos em Ω em que a su essão onverge para um número omplexo tem
um ponto limite em Ω , ou seja há propagação de onvergên ia de um tal
onjunto para todo Ω .
(10.8) Teorema de Vitali: Se Ω ⊂ C é uma região e {fn } ⊂ H(Ω) é
uma sucessão localmente uniformemente limitada em Ω , as condições
seguintes são equivalentes:
1. {fn } é uniformemente convergente em subconjuntos compactos de Ω.
2. A = {z ∈ C : lim fn (z) ∈ C } tem um ponto limite em Ω .
n→+∞
(k)
3. Existe a ∈ Ω tal que para cada k ∈ N a sucessão {fn (a)} converge.
10.5 Regiões simplesmente conexas conformes 209

Dem. (2 ⇒1) Do Teorema de Weierstrass de sucessões de funções (6.14), os


limites de subsucessões de {fn } uniformemente convergentes em subconjun-
tos compactos de Ω são funções holomorfas em Ω . Essas funções limite têm
os mesmos valores em cada ponto de A . Como são funções holomorfas que
coincidem num conjunto com pontos limite na região Ω , do Teorema de Uni-
cidade de Funções Analı́ticas (5.14), as funções limite coincidem em Ω . Do
Teorema de Montel, {fn } tem pelo menos uma subsucessão uniformemente
convergente em subconjuntos compactos de Ω e, do resultado precedente,
fn → f uniformemente em subconjuntos compactos de Ω .
(1 ⇒3) É imediata do Teorema de Weierstrass de sucessões de funções.
(3 ⇒2) Se Br (a) ⊂ Ω , com r > 0 , do Teorema de Weierstrass de extremos de
funções contı́nuas, cada função |fn | é limitada no conjunto compacto Br (a) .
Com mudanças de variáveis por transformações afins no domı́nio e no es-
paço de chegada das funções fn pode-se supor a = 0 , r = 1 e |fn | ≤ 1
em B1 para n ∈ N . A série de Taylor de cada uma destas funções é
P 1 (k) (k)
fn (z) = ∞ k 1
k=0 k! fn (0)z . Das Estimativas de Cauchy (5.16), k! |fn (0)| ≤ 1
1 (k)
e, de 3, para cada k ∈ N ∪ {0} fixo, k! fP
n (0) converge para algum ak com
|ak | ≤ 1 quando n → +∞ . Para z ∈ B1 , ∞ k
k=0 ak z converge para os valores
f (z) de uma função f ∈ H(B1 ) . Fixando R ∈ ]0, 1[, para z ∈ BR (0), m ∈ N é
m−1
X
Rm
fn (z)−f (z) ≤ |ank −ak |Rk + 2 1−R , n∈N .
k=0 m
R
Como R < 1 , para qualquer ε > 0 existe m ∈ N tal que 2 1−R ≤ ε. Como
Pm−1 k
lim
n→+∞ k=0 |ank − ak | R = 0 , existe N ∈ N tal que para n ≥ N é
P m−1

k
k=0 |ank− ak |R < ε , e, portanto, fn (z) − f (z) ≤ 2ε . Como R ∈ ] 0, 1[
pode ser escolhido arbitrariamente próximo de 1, fn → f uniformemente em
subconjuntos compactos de B1 quando n → +∞ . Nas variáveis iniciais é
Br (a) ⊂ A e, portanto, A tem pontos limite em Ω . Q.E.D.

10.5 Regiões simplesmente conexas conformes


O Teorema do Mapeamento de Riemann, que se prova nesta se ção, esta-
bele e para toda região Ω $ C a existên ia de uma transformação onforme
que a transforma em B1. Em onsequên ia, todos sub onjuntos simples-
mente onexos do plano omplexo om ex epção de todo o plano perten em
à mesma lasse de onformidade. O plano C é uma região simplesmente
onexa que não perten e à mesma lasse de onformidade de B1, pois aso
ontrário haveria uma função holomorfa de C sobre B1 , logo limitada, e, do
Teorema de Liouville, seria onstante e não teria omo ontradomínio B1 .
Em onsequên ia, há exactamente duas classes de conformidade de regiões
simplesmente conexas em C , uma com único elemento C e a outra com todas
as regiões simplesmente conexas excepto C .
A úni a propriedade de regiões simplesmente onexas usada na prova se-
guinte do Teorema do Mapeamento de Riemann é que toda função holomorfa
210 Transformações conformes

numa região simplesmente onexa sem zeros tem uma raiz quadrada holo-
morfa na região, o que é onsequên ia dire ta da existên ia de primitivas de
funções holomorfas em regiões simplesmente onexas estabele ida em (7.7),
omo se mostra no resultado auxiliar seguinte.
(10.9) Se Ω ⊂ C é uma região, cada uma das condições abaixo implica
as que se lhe seguem:
1. Todas f ∈ H(Ω) têm primitiva em Ω .
2. Se f ∈ H(Ω) não tem zeros, existe g ∈ H(Ω) tal que f = eg em Ω .
3. Se f ∈ H(Ω) não tem zeros, existe g ∈ H(Ω) tal que f = h2 em Ω .

Dem. (1 ⇒ 2) Se f ∈ H(Ω) não tem zeros, ff ∈ H(Ω) , e, de 1, existe h ∈ H(Ω)

tal que h′ = ff em Ω . Como (f e−h )′ = f ′ e−h −f e−h h′ = 0 , f e−h ∈ H(Ω) , e
como Ω é conexo, f e−h é constante em Ω . Se esta constante é 1, f = eh ;.
Caso contrário, fixando a ∈ Ω e b ∈ C tal que eb = f (a) e−h(a) , com g = h+b ,
eg(a) = eh eb = f (a) , f e−g = f e−h e−b = f (a) e−h(a) e−b = 1 , em Ω .
g
Logo, f = e em Ω .
(2 ⇒ 3) Se f ∈ H(Ω) não tem zeros, de 2, existe g ∈ H(Ω) tal que f = eg em
g
Ω . Logo, com h = e 2 ∈ H(Ω) é h2 = eg = f . Q.E.D.
A prova que se segue do Teorema do Mapeamento de Riemann227 é a
simpli ação de C.Carathéodory em 1929 que se seguiu à sua prova de 1912
e às ontribuições de P. Koebe em 1912 e de L. Fejér e F. Riesz em 1922.
(10.10) Teorema do Mapeamento de Riemann: Todas regiões sim-
plesmente conexas propriamente contidas em C são conformes a B1 ;
para cada a numa tal região Ω existe uma transformação conforme f de
Ω sobre B1 com f (a) = 0 .

Dem. Sem perda de generalidade a = 0 (pois tal pode ser assegurado por
composição com a translação de 0 para a e a sua inversa). Seja F a famı́-
lia das funções holomorfas injectivas de Ω em B1 que são holomorfas que
transformam 0 em 0 . Pretende-se provar que F tem algum elemento com
contradomı́nio B1 . A prova continua em 4 passos228 :
1) F 6= ∅ . Seja b ∈ C\Ω . f (z) = z−b é holomorfa e não tem zeros em Ω . Logo,
de (7.7) e (10.9), existe h ∈ H(Ω) tal que f = h2 em Ω . Se h(z1 ) = h(z2 ) , é
f (z1 ) = f (z2 ) e, portanto, de z1 = z2 , ou seja h é injectiva. Do Teorema da
Aplicação Aberta (6.12), h(Ω) contém algum cı́rculo aberto Br (c) , em que
r pode ser escolhido de modo a 0 < r < |c| . Como (−h) 2 2
r 1 1
 = h = f é injectiva,
B(−c) não intersecta h(Ω) . Logo, g = 2 h+c − h(0)+c é holomorfa e injectiva
 r 1 1
em Ω e |g| ≤ 2r |h+c|1 1
+ |h(0)+c| ≤ 2 r + r = 1, pelo que g ∈ F .
227
Em inglês diz-se Riemann Mapping Theorem.
228
A. Ostrowski também apresentou em 1929 uma prova com passos semelhantes, mas com F
definida sem exigir de f (0) = 0 e considerando a maximização de |f ′ (0)| para para f ∈ F em vez
da maximização de f (p) , em que p é um ponto fixado em Ω\{0}.
10.5 Regiões simplesmente conexas conformes 211

2) Se f ∈ F , p ∈ Ω \ {0} e B1\ f (Ω) 6= ∅ , existe ϕ ∈ F tal que |ϕ(p)| >


|f (p)| . Suponha-se que f satisfaz as condições indicadas e b ∈ B1\f (Ω). Da
secção 10.3, a transformação de Möbius Tb ∈ Aut B1 só tem zero em b , e
−Tb ∈ H(B1 ) não tem zeros em f (Ω) ⊂ B1 . Do Teorema da Aplicação Aberta
(6.12), f (Ω) é uma região. Pelas mesmas razões do passo 1) existe h ∈ H(Ω)
tal que −Tb = h2 em f (Ω) . Como Tb é injectiva, também h é. Com A = h(a) ,
ϕ = −TA ◦h◦f é injectiva e, como TA ∈ Aut B1 e TA h(0) = TA (A) = 0 , é
ϕ ∈ H(Ω) , ϕ(Ω) ⊂ B1 e ϕ(0) = 0 , pelo que ϕ ∈ F . Designando q(w) = w2 ,
g = T−b ◦q◦(−TA ) satisfaz g(0) = 0 e não é uma rotação, pois q ∈
/ Aut B1 . Do
Lema de Schwarz, |g(z)| ≤ |z| para z ∈ B1 \{0}, pelo que |ϕ(p)| > |f (p)|.
def
3) Se a ∈ Ω , existe F ∈ F tal que |F (p)| = M = sup{|f (p)| : f ∈ F }. Existe
uma sucessão {fn } ⊂ F tal que |fn (p)| → M . Como os contradomı́nios de
todas funções f ∈ F são subconjuntos de B1 , F é uniformemente limitada
e, do Teorema de Montel (10.6), é uma famı́lia normal. Portanto, existe
uma subsucessão da sucessão considerada, redesignada {fn }, uniformemente
convergente em subconjuntos compactos de Ω para uma função F . Como
toda f ∈ F é injectiva em Ω e F (Ω) ⊂ B1 , do Teorema de Weierstrass de
sucessões de funções (6.14) e do Teorema de Injecção de Hurwitz (6.17),
F ∈ H(Ω) , é injectiva e f (Ω) ⊂ B1 . Como também F (0) = 0 , é F ∈ F e
|F (p)| = M .
def
4) Se p ∈ Ω\{0} e F ∈ F são tais que |F (p)| = M = sup{|f (p)| : f ∈ F },
F (Ω) = B1 . De 2), se B1 \F (Ω) 6= ∅ , ∃ϕ∈F tal que |ϕ(p)| > |F (p)| . Q.E.D.
O Mapeamento de Riemann de uma região simplesmente onexa Ω $ C
sobre B1 é úni o no sentido seguinte, omo estabele ido por H. Poin aré em
1844. A urta prova aqui dada é de C. Carathéodory em 1912.
(10.11) Unicidade do Mapeamento de Riemann: Se Ω $ C é uma
região simplesmente conexa, a ∈ Ω , h1 , h2 são transformações conformes
de Ω sobre B1 e h1 (a) = h2 (a) , h′1 (a) = h′2 (a) , então h1 = h2 .

Dem. Com b = h1 (a) = h2 (a) , T = Tb ◦h2 ◦(h1 )−1 ◦T−b ∈ Aut B1 e T (0) = 0 .
1 1
De (10.4), T (z) = λz , com λ ∈ S 1 . Como T ′ (0) = 1−|b| ′ 2
2 h2 (0) h′ (a) (1−|b| ) = 1,
1
pelo que λ = 1 , T (z) = z para z ∈ B1 , e, portanto, h1 = h2 . Q.E.D.
Interessa obter ondições em que se possa estender uma transformação
onforme de uma região simplesmente onexa Ω $ C sobre o ír ulo aberto
B1 a um homeomorsmo de Ω em B1 , o que é útil por exemplo para resolver
o Problema de Diri hlet em Ω a partir da solução do problema em B1.
Em parti ular, é pre iso garantir a possibilidade de extensão ontínua da
transformação onforme à fronteira de Ω , o que depende de propriedades da
fronteira. Os resultados seguintes foram obtidos por C. Carathéodory em229
1913.
229
O 1o par de resultados é para a situação mais simples de pontos na fronteira. O caso geral
envolve a noção de fim primo (em inglês diz-se prime end) considerada na secção seguinte.
212 Transformações conformes

Figura 10.6: Ilustração de apoio à prova de (10.12)

(10.12) Se Ω ⊂ C é uma região limitada simplesmente conexa e existe


um cı́rculo Br (a) com centro num ponto a ∈ ∂Ω e raio r > 0 tal que
∂Ω ∩ Br (a) é uma curva simples, então uma transformação conforme f
de Ω sobre B1 pode ser estendida por continuidade a a .

Dem. Aplica-se uma propriedade de “comprimento de arco-área”230 . Consi-


deram-se circunferências com centro em a e raios r∈ ] 0, r0 ] com r0 suficiente-
mente pequeno para a intersecção das circunferências com Ω ser uma curva
conexa descrita por um caminho γr : [θ1 (r), θ2 (r)] tal que γr (θ) = a+reiθ . É
γr∗∩Ω = γr∗\{γr (θ1 (r)), γr (θ1 (r))} com ∗
 imagem f (γr ∩ Ω) ⊂ B1 que é uma curva
não fechada em B1 tal que f γr (θ) se aproxima de ∂B1 quando θ → θ1 (r)+
ou θ → θ1 (r)− , mesmo se não tiver ponto limite único. A imagem por f do
interior do sector circular em Ω limitado por γr∗ é uma região Dr ⊂ B1 com
Dr2 ⊂ Dr1 para 0 < r2 < r1 ≤ r0 (Figura 10.6). Logo, ∩r∈ ]0,r0] Dr ⊂ B1 tem
pelo menos um ponto b . Para cada ε > 0 tem-se-se a alternativa:
(i) existe δ > 0 tal que para todo r ∈ ]0, δ[ Dr ⊂ Bε (b) ∩ B1 ,
(ii) existe b′ ∈ ∩r∈ ]0,r0 ] Dr \{b}.
No caso (ii) (Figura 10.6), como transformações holomorfas localmente
expandem/contraem comprimentos numa razão independente da direcção,
quando r → 0 a área de Dr tende a decrescer proporcionalmente a r e as
dos sectores f −1 (Dr ) proporcionalmente a r 2 em contradição com a razão de
expansão/contracção local de comprimentos, pelo que este caso é impossı́vel.
Para tornar rigorosa esta observação, nota-se que para r > 0 suficientemente
pequeno (sem perda de generalidade designado r ∈ ]0, r0 ] ) os arcos de circun-
ferência em Ω têm amplitudes angulares θ2 (r)−θ1 (r)Re as imagens f (γr∗ ∩ Ω)
θ (r)
são curvas com comprimentos ≥ d = |b′ −b|, i.e.231 θ12(r) |f ′ ◦ γr | r ≥ d para
r ∈ ]0, r0 ]. Da Desigualdade de Cauchy-Schwarz para o produto interno de L2 ,
Z θ2 (r) 2 Z θ2 (r) Z θ2 (r)  Z θ2 (r) 
2 ′ ′ 2 2 ′ 2
 
d ≤ |f ◦γr | r ≤ |f ◦γr | r = |f ◦γr | θ2 (r)−θ1 (r) r2 ,
θ1 (r) θ1 (r) θ1 (r) θ1 (r)
d2
R θ2 (r)
pelo que 2πr ≤ θ1 (r)
|f ′ ◦ γr |2 r para r ∈ ]0, r0 ] . Com a mudança de variáveis
230
Em inglês diz-se arclength-area.
231
Os integrais podem não existir, mas tomados +∞ as desigualdades mantêm-se no sentido usual.
10.5 Regiões simplesmente conexas conformes 213

(u, v) = f (r cos θ, r sin θ) no integral que dá a área de Dr0 , como o jacobiano
associado é o produto do jacobiano |f ′ |2 da função com variável e valores em
R2 correspondente a f pelo jacobiano r da mudança de coordenadas polares
para cartesianas e com o Teorema de Fubini,
ZZ ZZ Z rZ0 θ2 (r) Z r0
d2
1 du dv = |f ′ (r cos θ, r sin θ)|2 r drdθ = |f ′ ◦γr |2 r dθ dr ≥ 2π 1
r dr = +∞ ,
Dr0 Qr0 0 θ1 (r) 0
o que contradiz Dr0 ⊂ B1 . Logo, verifica-se a alternativa (i). Portanto, Dr
converge para {b} quando r → 0 . Definindo f (a) = b obtém-se uma extensão
contı́nua de f a Ω ∪{a} . Q.E.D.

(10.13) Teorema de Carathéodory: Uma transformação conforme da


região limitada simplesmente conexa Ω ⊂ C sobre B1 pode ser estendida
a um homeomorfismo de Ω em B1 se e só se ∂Ω é uma curva de Jordan.

Dem. Se existe um homeomorfismo f de Ω sobre B1 , a restrição de f −1 a


∂B1 é um homeomorfismo de S 1 sobre ∂Ω , que, portanto, é uma curva de
Jordan. Resta provar o recı́proco.
Seja ∂Ω uma curva de Jordan. Cada ponto a ∈ ∂Ω satisfaz as condições
na hipótese do resultado precedente. logo, f pode ser estendida por conti-
nuidade a Ω , ainda designada f . Como f (Ω) = B1 , é |f (a)| = 1 para a ∈ ∂Ω .
Para provar injectividade basta provar a injectividade da restrição de f a
∂Ω , pois |f (z)| < 1 para z ∈ Ω . Se fosse f (a) = f (a′ ) = b com a, a′ ∈ ∂Ω ,
existiria δ > 0 tal que Bδ (a)∩Bδ′ (a) = ∅ e f Bδ (a) ∩ Ω ∩ f Bδ (a′ ) ∩ Ω seria
aberto por ser preimagem de um conjunto aberto pela função contı́nua  in-
versa da restrição
 de f a Ω , epara algum σ ∈ ]0, 1[ seria ∅ 6
= B σ f (a) ∩ B 1 ⊂
f Bδ (a) ∩ Ω ∩ f Bδ (a′ ) ∩ Ω . Como Bδ (a) ∩ Bδ′ (a) = ∅ e f é injectiva em
Ω , o lado direito da inclusão seria ∅ ; como tal não é o caso, f é injectiva
em ∂Ω . Como f é injectiva e contı́nua do conjunto compacto Ω em B1 e
inversas de funções contı́nuas em conjuntos compactos são contı́nuas, f −1 é
contı́nua em B1 . Portanto, f é um homeomorfismo de Ω em B1 . Q.E.D.
Podem-se dar provas alternativas do Teorema do Mapeamento de Rie-
mann e do Teorema de Carathéodory baseadas nos resultados de existên ia
de soluções do Problema de Diri hlet estabele idos om o Método de Perron
no nal do apítulo pre edente232 .
Interessa também onsiderar transformações onformes entre regiões mul-
tiplamente onexas. Duas regiões multiplamente onexas om a mesma o-
ne tividade podem não ser onformes, e.g. duas oroas ir ulares são onfor-
mes se e só se as razões entre os raios das ir unferên ias que as delimitam
são iguais. Contudo, para regiões multiplamente onexas é possível en on-
trar sistemas de regiões anóni as tais que ada região multiplamente onexa
é onforme a uma e só uma das regiões anóni as do sistema.
232
Ver por exemplo o livro de H. Cohn indicado na bibliografia final.
214 Transformações conformes

Há várias possibilidades para sistemas de regiões anóni as. Um dos sis-


temas para regiões multiplamente onexas limitadas om one tividade nita
onsiste em oroas ir ulares on entro em 0 limitadas pela ir unferên ia
om raio 1 e por uma ir unferên ia om um raio maior apropriado om
ranhuras ao longo de ar os de ir unferên ias na oroa ir ular om entro
em 0, em no igual ao de omponentes onexas limitadas do omplementar
da região em C menos 1, de modo a ter a mesma one tividade da região
onsiderada. Consideram-se transformações onformes tais que:
- a fronteira da omponente onexa ilimitada do omplementar da região
em C é transformada na ir unferên ia de raio 1;
- a fronteira de uma das omponentes onexas do omplementar da re-
gião em C é transformada na ir unferên ia om raio maior do que 1
apropriado que om a ir unferên ia de raio 1 limita a oroa ir ular;
- as fronteiras de ada uma das outras omponentes onexas do omple-
mentar da região em C são transformadas em ada uma das ranhuras
ao longo de ar os de ir unferên ias a onsiderar na região anóni a,
omo se tivessem duas fa es, ada uma orrespondente a ar os om-
plementares da fronteira da omponente onexa do omplementar da
região onsiderada, om raio, amplitude angular e posição apropriadas
no interior da oroa ir ular (Figura 10.7).

Figura 10.7: Possı́veis regiões canónicas para regiões multiplamente conexas


A onguração geométri a de uma região anóni a de one tividade n ∈ N
depende de 3(n−2) parâmetros reais, dado que a posição e a amplitude an-
gular de ada ranhura é determinada por 3 números reais. O raio da ir un-
ferên ia maior que delimita a oroa ir ular é outro parâmetro a espe i ar.
Portanto, ada uma destas regiões anóni as  a determinada por 3n−5 pa-
râmetros reais, embora diferenças asso iadas a rotações das regiões anóni as
em torno de 0 tenham de ser fa torizadas.
Detalhes deste pro esso, que envolvem onsiderar bases de homologia
dos i los na região onsiderada, podem-se en ontrar nos livros de L.Ahlfors
ou H. Cohn233 referidos na bibliograa nal (ver também exer í io 10.18).
233
Cohn, Harvey (1923-2014).
10.6 Fins primos de regiões simplesmente conexas 215

O livro de H.Cohn também onsidera 4 outros sistemas de regiões anóni as:


(1) o plano omplexo om ranhuras ao longo de ar os de ir unferên ia
om entros em 0 ;
(2) o ír ulo de raio 1 e entro em 0 menos {0} om ranhuras ao longo de
ar os de ir unferên ia também om entros em 0 ;
(3) o plano omplexo om ranhuras ao longo de segmentos de re ta para-
lelos a um dos eixos oordenados;
(4) o plano omplexo om ranhuras ao longo de segmentos de re ta radiais.
10.6 Fins primos de regiões simplesmente conexas
Apesar de regiões simplesmente onexas Ω $ C serem onformes a um ír ulo
aberto B1 podem ter fronteiras ompli adas, e.g. podem ter um ponto que é
uma das extremidades de um onjunto numerável de segmentos de re ta ou
onter ar os que a umulam num outro ar o da fronteira (ver Figura 10.8).
Em 1913 C.Carathéodory analisou a orrespondên ia entre pontos das fron-
teiras de Ω e de B1 asso iada a um mapeamento de Riemann de Ω em B1,
om a introdução do importante on eito de m primo 234 de Ω , orres-
pondente a um onjunto de pontos de ∂Ω tais que su essões de pontos em
Ω que têm ada um dos pontos do onjunto omo limite são transformadas
por um mapeamento de Riemann de Ω em B1 em su essões que onvergem
para um mesmo ponto de ∂B1.

Figura 10.8: Exemplo de fronteira de região simplesmente conexa Ω $ C


Se Ω é um sub onjunto aberto simplesmente onexo da Superfí ie Esféri a
de Riemann235 C∞ e #∂Ω ≥ 2 , um corte transversal de Ω é C ⊂ Ω
homeomorfo a um intervalo real aberto limitado tal que C é homeomorfo a
um intervalo real fe hado e só interse ta ∂Ω nas extremidades (Figura 10.9).
234
Em inglês diz-se prime end, que é tradução literal do original em alemão Primende, criado
por C. Carathéodory e descrito como conjunto de pontos de ∂Ω que não podem ser naturalmente
subdivididos, pelo que o nome surgiu por analogia com o de número primo. Sobre a originalidade
desta contribuição, L. Ahlfors afirma no prefácio do livro Constantin Carathéodory: An Inter-
national Tribute, ed. Th.M. Rassias, World Scientific, 1991: “I can personally never forget how
impressed I was, and still am, by his invention of prime ends”.
235
Ver exercı́cio 1.16.
216 Transformações conformes

(10.14) Todo corte transversal C de um conjunto aberto simplesmente


conexo Ω ⊂ C∞ com #∂Ω ≥ 2 separa Ω em duas componentes conexas
abertas N1 , N2 e C = ∂N1 ∩ Ω = ∂N2 ∩ Ω .

Dem. Como o espaço topológico quociente Ω/∂Ω obtido de Ω por identifica-


ção de ∂Ω com um ponto é homeomorfo a C∞ e C corresponde a uma curva
de Jordan em Ω/∂Ω , do Teorema da Curva de Jordan236 , C separa Ω/∂Ω
em duas componentes conexas abertas, e o mesmo faz C a Ω . A verificação
das igualdades para C é imediata. Q.E.D.

N2
C

N1

Figura 10.9: Corte transversal C de conjunto aberto simplesmente


conexo Ω e resp. vizinhanças de corte transversal N1 , N2
Seja Ω um sub onjunto aberto simplesmente onexo da Superfí ie Es-
féri a de Riemann C∞ e #∂Ω ≥ 2 . Às omponentes onexas abertas N1
e N2 em que um orte transversal separa Ω hama-se vizinhanças de
corte transversal de Ω (Figura 10.9). Uma Cadeia fundamental em
Ω é uma su essão N = {Nj } de vizinhanças de orte transversal de Ω tais
que Nj ⊃ Nj+1, os fe hos dos orrespondentes ortes transversais C j são dis-
juntos para j ∈ N e o diâmetro de Cj na métri a esféri a de C∞ tende para 0
quando j → +∞ (esta propriedade é independente de métri as ompatíveis
om a topologia de C∞). Diz-se que duas adeias fundamentais em Ω são
cadeias fundamentais equivalentes em Ω se ada termo de uma ontém
um termo da outra. Fim primo de Ω é ada uma das lasses de equivalên ia
de adeias fundamentais em Ω . Duas adeias fundamentais {Nj }, {Nj′ } em
Ω são eventualmente disjuntas se para j, k ∈ N su ientemente grandes,
Nj ∩Nk′ = ∅ . Chama-se impressão de uma adeia fundamental {Nj } de Ω
ou do m primo a que perten e a ∩∞ j=1 Nj (Figura 10.10).

(10.15) A intersecção dos termos de uma cadeia fundamental num con-


junto aberto simplesmente conexo de Ω ⊂ C∞ com #∂Ω ≥ 2 é vazia e a
sua impressão é um subconjunto não vazio compacto e conexo de ∂Ω .

Dem. Sejam {Nj } uma cadeia fundamental em Ω , z ∈ Ω , z0 ∈ Ω\N1 , γ um


caminho em Ω de z0 a z e j ∈ N suficientemente grande para que o diâmetro
do corte transversal Aj de Nj seja menor do que a distância de z0 a z .
236
Ver apêndice II.
10.6 Fins primos de regiões simplesmente conexas 217

Como Aj ∩ γ ∗= ∅ , Aj não separa z0 de z . Como z0 ∈


/ N1 ⊃ Nj e Nj é conexo,
z∈ ∞
/ Nj para todo j ∈ N . Logo, ∩j=1 Nj ⊂ ∂Ω . Como z ∈ Ω é arbitrário e
∩∞ ∞
j=1 Nj ⊂ Ω , é ∩j=1 Nj = ∅ . Como Nj são conjuntos não vazios compactos,
conexos e Nj ⊃ Nj+1 para j ∈ N , a impressão ∩∞
j=1 Nj da cadeia fundamental
{Nj } em Ω é um conjunto não vazio compacto e conexo237 . Q.E.D.

A3

IC
A1 IB
C3
IA B1
B2 C2
B3
A2 C1
D1 D2 Dn
ID
Figura 10.10: Cadeias fundamentais numa região simplesmente conexa e
resp. impressões: as impressões das cadeias fundamentais que consistem nas
vizinhanças geometricamente menores das sucessões de cortes transversais
{An }, {Bn }, {Cn }, {Dn } são, resp., um segmento de recta vertical IA , um
segmento de recta vertical IB , a união dos lados de um rectângulo IC e um
ponto ID . As outras possı́veis impressões de cadeias fundamentais desta
região são qualquer um dos outros pontos da fronteira da região. IB também
é a impressão de uma cadeia fundamental análoga mas construı́da com cortes
a partir de cima semelhantes aos de {Bn }. Estas duas cadeias fundamentais
pertencem a fins primos distintos que têm a mesma impressão
A impressão de ada adeia fundamental ou m primo de um sub onjunto
simplesmente onexo de C∞ om #∂Ω ≥ 2 pode ser um só ponto z ∈ ∂Ω , omo
no último aso na Figura 10.10 e então diz-se que a adeia fundamental ou
o m primo converge para o ponto z , o que a onte e se e só se o diâmetro
de Nj tende para 0 quando j → +∞ , ou pode ser um continuum, omo
nos 3 outros asos na gura. Diferentes ns primos podem onvergir para
um mesmo ponto, omo no 2o aso na gura. Em baixo na gura, perto
do meio, a fronteira da região ontém um segmento de re ta verti al de uja
extremidade superior P emanam segmentos de re ta radiais; se os segmentos
de re ta radiais são em no nito N , há N + 1 ns primos om impressão
{P } ; se são innitos om todos os de lives inteiros positivos ou negativos e
omprimentos minorados por algum m > 0 , existe um onjunto numerável
innito de ns primos om a mesma impressão {P } .
(10.16) Cadeias fundamentais num aberto simplesmente conexo Ω ⊂ C∞
com #∂Ω ≥ 2 são equivalentes ou eventualmente disjuntas.

Dem. Se {Nj } e {Nj′ } são cadeias fundamentais em Ω que não são even-
tualmente disjuntas, é Nj ∩ Nk′ 6= ∅ para todos j, k ∈ N . Seja j ∈ N fixo.
237
Ver (I.27) no apêndice I.
218 Transformações conformes

Para todo k ∈ N é Nj+1 ∩Nk′ 6= ∅ e, como, de (10.15), ∩∞ ′


k=1 Nk = ∅ , também
Nj+1 ∩(Ω\Nk′ ) 6= ∅ para k suficientemente grande. Como Nj+1 é conexo, a
fronteira comum de Nk′ e Ω\Nk′ , que é o corte transversal associado a Nk′ ,
intersecta Nj+1 . Logo, o corte transversal Ck′ de Ω associado a Nk′ intersecta
Nj+1 para k ∈ N suficientemente grande. Se para todo k ∈ N Nk′ não esti-
vesse contido em Nj , seria Nk′ ∩ (Ω\Nj ) 6= ∅ e um argumento análogo ao do
parágrafo precedente daria Ck′ ∩(Ω\Nj ) 6= ∅ para todo k ∈ N suficientemente
grande. Como Ck′ intersecta Nj+1 , Ω \Nj intersectaria os cortes transver-
sais Cj e Cj+1 associados a, resp., Nj e Nj+1 . Portanto, o diâmetro de Ck′
seria ≥ à distância entre Cj e Cj+1 para k ∈ N suficientemente grande, em
contradição com {Nk′ } ser uma cadeia fundamental em Ω . Logo, para todo
j ∈ N existe k ∈ N tal que Nj ⊂ Nk′ . Em conclusão, se {Nj } e {Nj′ } não são
cadeias fundamentais eventualmente disjuntas, são equivalentes. Q.E.D.
Para rela ionar ns primos om a geometria de regiões simplesmente
onexas asso iadas é útil obter relações omprimento-área.
Para δ > 0 designa-se Qδ = ] 0, δ[ + i ] 0, δ[ ⊂ C e ρ : Qδ → ]0, +∞[ uma
função limitada ontínua. A área Aδ de Qδ e o comprimento Lδ (y) de
]0, δ[×{y} para ada y ∈ ]0, δ[ na métri a ρ(z)|dz| (Figura 10.11) são, resp.,
ZZ Z δ
Aδ = ρ(x+iy) dxdy , Lδ (y) = ρ(x+iy) dx .
Qδ 0

i
Q

L (y)
y
] 0, [ x{y}

0
Figura 10.11:Ilustração para Desigualdade Comprimento-Área de Quadrado (10.17)

(10.17) Desigualdade Comprimento-Área de quadrado: Se a área


do quadrado Qδ = ] 0, δ[ +i ] 0, δ[ ⊂ C , com δ > 0 e métrica ρ(z)|dz| com
ρ : Qδ → ]0, +∞[ limitada e contı́nua, é finita, o comprimento Lδ (y) do

segmento de recta ]0, δ[×{y} é finito q.t.p. para y ∈]0, δ[, 1δ 0 L2δ ≤ Aδ e
 √ R
S = y ∈ ]0, δ[: Lδ (y) ≤ 2Aδ tem comprimento euclidiano ℓ(S) = S 1 > 2δ .

Dem. Da Desigualdade de Cauchy-Schwarz no espaço euclidiano de funções


de quadrado integrável no intervalo [0, δ] com valores reais com o produto

interno hf, gi = 0 f g ,
Z δ 2 Z δ Z δ  Z δ
2 2
Lδ (y) = 1 ρ(x+iy) dx ≤ 1 dx ρ (x+iy) dx ≤ δ ρ2 (x+iy) dx,
2
0 0 0 0
10.6 Fins primos de regiões simplesmente conexas 219

pelo que Z δ Z
1
δ ρ2 (x+iy) dx dy = Aδ ,
L2δ (y) dy ≤
Z δ Z p 0 Z Qδ
2
2
δ Aδ ≥ Lδ > 2Aδ = 2Aδ 1 = 2Aδ [δ−ℓ(S)] ,
R 0 [0,δ]\S [0,δ]\S
e ℓ(S) = S 1 > δ2 . Q.E.D.

(10.18) Um homeomorfismo η do quadrado Qδ = ] 0, δ[ +i ] 0, δ[ ⊂ C ,


com δ > 0 , sobre U ⊂ C∞ transforma o segmento de recta ]0, δ[×{y}
numa curva com comprimento p ′ finito na métrica esférica de C∞ , e
′ ′ ′ ′
S = y ∈ ]0, δ[ : Lδ (y) ≤ 2Aδ , em que Lδ (y) e Aδ são, resp., o com-
primento de ]0, δ[×{y} e a área de Qδ na métrica induzida em Qδ pela
métrica esférica deR C∞ através do homeomorfismo η , tem comprimento
euclidiano ℓ(S ′ ) = S ′ 1 > δ2 .

Dem. É uma consequência imediata do resultado precedente. Q.E.D.


Uma outra propriedade onveniente para rela ionar ns primos om a
geometria de regiões simplesmente onexas, obtida em 1916 pelos irmãos F.
Riesz e M. Riesz238, é que uma função holomorfa num ír ulo aberto om o
mesmo limite radial num sub onjunto de pontos da da fronteira om argu-
mentos em relação ao entro om medida de Lebesgue não nula é onstante,
porque tal impli a a existên ia de um ponto limite do onjunto de pontos
em que a função assume o mesmo valor, pelo que se apli a o Teorema de
Uni idade de Funções Analíti as (5.14).

(10.19) Teorema de F. e M. Riesz: Se f ∈ H BR (a) , com a ∈ C e
R > 0 , é limitada e o limite radial c = limrրR f a+reiθ existeR para θ
num conjunto E ⊂ [0, 2π] com medida de Lebesgue i.e. ℓ(E) = E 1 > 0
(com integral de Lebesgue), então f é constante igual a c em BR (a) .

Dem. Sem perda de generalidade c = 0 e f (B1 ) ⊂ B1 (basta mudar


variáveis
 com translação e escalamento dos valores da função).
Eε,δ = θ ∈ E : |f (reiθ )| < ε para todo r ∈ ]1 − δ, 1[ é mensurável e E =
∩ε>0 ∪δ>0 Eε,δ . Logo, E é mensurável
Z eZ
lim lim 1 = 1 = ℓ(E) .
ε→0 δ→0 E E
ε,δ
Para todo ε > 0 existe δ > 0 tal que ℓ Eε,δ > ℓ(E) 2 . Como |f | < 1 , em pontos
z ∈ B1 tais que f (z) 6= 1 é log |f |(z) < 0 e log |f | < log ε em
R 2πE(ε, δ) . iθLogo,
se f não fosse identicamente nula em B1 , com A(r) = 2π 0 log |f (re )| dθ
1

1
seria A(r) < 4π (log ε) ℓ(E) para r > 0 suficientemente perto de 1. Portanto,
lim A(r) = −∞ . Da Desigualdade de Jensen (8.26), f (0) = 0 e A(r) = 0 para
r→1
0 < r < 1 . Logo, em cada circunferência com centro em 0 existe pelo menos
um ponto em que f é 0 e considerando circunferências com raios n1 , n ∈ N,
238
Riesz, Marcel (1886-1969).
220 Transformações conformes

obtém-se uma sucessão {an } ⊂ B1 tal que f (an ) = 0 para n ∈ N , i.e. 0 é


ponto limite de um conjunto em que a função holomorfa f é 0 . Do Teorema
de Unicidade de Funções Analı́ticas (5.14), f = 0 em B1 . Q.E.D.
Este resultado e uma ontribuição de P.Fatou239 em 1905 dá o resultado
seguinte que estabele e para uma transformação onforme f de uma região
simplesmente onexa Ω sobre B1 que para quase raios de B1 existe limite ao
longo das suas imagens por f quando pontos tendem para ∂Ω , mas qualquer
onjunto de raios de B1 om esses limites iguais tem medida nula, no sentido
dos resp. argumentos serem um sub onjunto de [0, 2π] om medida zero.
(10.20) Teorema de Fatou-Riesz,Riesz: q.t.p. para θ ∈ [0, 2π[ uma
transformação conforme f de B1 sobre uma região simplesmente conexa
Ω ⊂ C∞ transforma o raio de B1 com argumento θ , {reiθ: 0 <r<1}, numa
curva com comprimento
 finito na métrica esférica de C∞ e o limite radial
limrր1 f reiθ existe e pertencea ∂Ω q.t.p. para θ ∈ [0, 2π[ . Para z ∈ ∂Ω,
Rz = {θ ∈ [0, 2π[ : limrր1 f reiθ = z } tem medida nula.

Dem. A função exponencial exp transforma o semiplano complexo esquerdo


sobre B1\{0} e f ◦ exp transforma o quadrado ]−2π, 0[×[0, 2π[ sobre uma
vizinhança de ∂Ω em Ω . De (10.18), q.t.p. para y ∈ [0, 2π[ o segmento
da recta correspondente a pontos com parte imaginária y no quadrado é
transformado numa curva com comprimento finito na métrica esférica de
C∞ . Logo, o limite sobre essa curva quando a parte real tende para 1 existe.
Se f (B1 ) é um subconjunto limitado de C , do teorema de F. e M. Riesz
precedente, um ponto em ∂Ω pode ser limite radial limrր1 f reiθ apenas
para θ num subconjunto de [0, 2π] com medida nula.
Como f (B1 ) $ C , f omite pelo menos 2 pontos de C∞ , que podem ser
transformados em 0 e ∞ com uma transformação de Möbius. Como na
parte 1) da prova do Teorema do Mapeamento de Riemann (10.10) obtém-
se que a composição de f com uma tal transformação de Möbius tem uma
raiz quadrada holomorfa que omite um subconjunto aberto de C∞ . Como o
quadrado desta função transforma curvas com comprimento finito em curvas
com comprimento finito na métrica esférica de C∞ , existe z ∈ C∞ com uma
vizinhança que não intersecta f (B1 ) . Com uma transformação de Möbius
pode-se transformar z em ∞ e a imagem de B1 pela composição de f com
esta transformação é limitada. Aplica-se o parágrafo precedente. Q.E.D.
Este resultado tem a onsequên ia topológi a seguinte.
(10.21) Se as imagens de dois raios de B1 por uma transformação
conforme de B1 sobre uma região simplesmente conexa Ω ⊂ C∞ têm
o mesmo limite radial z ∈ ∂Ω, ∂Ω\{z} é desconexo.
239
P. Fatou obteve o resultado para funções holomorfas limitadas em 1905, mas para o que se
segue basta tê-lo nas condições mais restritivas consideradas e a prova é mais fácil.
10.6 Fins primos de regiões simplesmente conexas 221

Dem. As imagens dos dois raios unidas com o resp. limite radial comum
são uma curva de Jordan Γ que separa C∞ em subconjuntos abertos U1 , U2 ,
e os pontos em que os raios terminam em ∂B1 separam esta circunferência
em dois arcos. Do Teorema de Fatou-Riesz,Riesz precedente, f transforma
o raio de B1 que termina nesse ponto numa curva com extremidade em ∂Ω
diferente de z . Como Γ ∩ ∂Ω = {z}, z separa ∂Ω \ {z} em dois conjuntos
disjuntos abertos relativamente a ∂Ω ; logo, ∂Ω\{z} é desconexo. Q.E.D.
É agora possível obter as relações pretendidas entre ns primos de uma
região simplesmente onexa Ω $ C e de B1.
(10.22) Se f é uma transformação conforme de B1 sobre uma região
simplesmente conexa Ω ⊂ C∞ com #∂Ω ≥ 2 :
1. Para cada z ∈ ∂B1 existe uma cadeia fundamental {Nj } em B1 con-
vergente para z tal que {f (Nj )} é uma cadeia fundamental em Ω .
2. f −1 transforma cada caminho em Ω , γ : [0, 1[→ Ω , convergindo para
um ponto de ∂Ω em 1 num caminho convergindo para um ponto de
∂B1 em 1, caminhos que convergem para pontos distintos de ∂Ω em
caminhos que convergem para pontos distintos de ∂B1 , e cadeias fun-
damentais em Ω em cadeias fundamentais em B1 .
3. f induz uma correspondência biunı́voca dos fins primos de B1 nos de
Ω , e dos pontos de ∂B1 nas impressões de fins primos de Ω .

Dem. 1) z = eiθ para algum θ ∈ R . Como na prova do Teorema de Fatou-


Riesz,Riesz (10.20), usa-se a exponencial exp para mudar variáveis de modo
a passar B1 \ {0} para o semiplano esquerdo H− de C . O ponto na fron-
teira deste semiplano correspondente a z = eiθ é iθ. Constrói-se indutiva-
mente uma cadeia fundamental em H− convergente para iθ com rectângulos
com um lado no eixo imaginário centrado em iθ, Nj′ = ] − δj , 0[×]yj1 , yj2 [ ,
δ δ 2
com δ1 = 1 , yj1 ∈ ]θ − 2j , θ[ , yj2 ∈ ]θ, θ + 2j [ e δj+1 < j+1 suficientemente
pequeno para se ter Nj+1 ⊂ Nj para j ∈ N . A área Aj de exp(Nj′ ) na métrica
′ ′

esférica de C∞ tende para 0 quando j → +∞ . De (10.18), podem-se escolher


yj1 , yj2 de modo às imagens dos segmentos p de recta Imz = yjk , k = 1, 2 , por
exp serem curvas com comprimentos ≤ 2Aj na métrica esférica de C∞ . De
(10.20), cada uma destas curvas tende para um ponto de ∂Ω , os dois pontos
são diferentes e são distintos dos pontos para que tendem as imagens dos
segmentos de recta Imz = ymk , k = 1, 2 , para m ≤ j −1, m ∈ N . Conclui-se
que as sucessões {Nj }, {f (Nj )}, com Nj = exp(Nj′ ) , são cadeias fundamen-
tais em, resp., B1 , Ω , convergentes para, resp., z = eiθ , f (z) .
2) Se eiθ com θ ∈ [0, 2π[ é um ponto do subconjunto de ∂B1 para que tende
o caminho f −1◦ γ(t) quando t → 1 , e {Nj } é uma cadeia fundamental em B1
que converge para eiθ (cuja existência decorre de 1), {f (Nj )} é uma cadeia
fundamental em Ω . Se para algum j ∈ N existisse uma sucessão crescente
{tm } com tm → 1 tal que f −1 ◦ γ(tm ) ∈ / Nj , f −1 ◦ γ(t) passaria através dos
cortes transversais Cj , Cj+1 associados às vizinhanças de cortes transversais
222 Transformações conformes

de B1 , resp., Nj , Nj+1 infinitas vezes quando t cresce de um ponto qualquer


t0 ∈ [0, 1[ para 1 e, como as distâncias destes cortes transversais são positivas,
γ(t) não convergiria para qualquer ponto quando t → 1 . Logo, para cada
j ∈ N f −1◦γ(t) ∈ Nj para t ∈ [0, 1[ suficientemente perto de 1, e f −1◦γ(t) → eiθ .
Se γ1 , γ2 : [0, 1[ → Ω são caminhos em Ω tais que lim γk (t) = pk para k = 1, 2 , e
t→1
lim f −1◦γ1 (t) = lim f −1◦γ2 (t) = eiθ ∈ ∂B1 para algum θ ∈ [0, 2π[ , e {Nj } é uma
t→1 t→1
cadeia fundamental em B1 que converge para eiθ , para qualquer t0 ∈ [0, 1[
cada corte transversal Cj associado à vizinhança de corte transversal Nj
de B1 intersecta f −1 ◦γj ([t0 , 1[) ; Logo, f (Cj ) ∩ Ω intersecta γj ([t0 , 1[) para
j = 1, 2 . Como o diâmetro de f (Cj ) tende para 0 quando j → +∞ , é p1 = p2 .
Se {Nk′ } é uma cadeia fundamental em Ω com cada Nk′ associado a um corte
transversal Ck′ de Ω , dos parágrafos precedentes, f −1 (Ck′ ) é um corte trans-
versal de B1 e f −1 (Nk′ ) é uma vizinhança de corte transversal em B1 , pelo
que os conjuntos f −1 (Nk′ ) para k ∈ N são disjuntos. Se eiθ ∈ ∂B1 é limite de
uma sucessão {qj } tal que qj ∈ f −1 (Nj′ ) e {Nj } é uma cadeia fundamental
em B1 que converge para eiθ com {f (Nj )} uma cadeia fundamental em Ω ,
é Nj ∩ f −1 (Nk′ ) 6= ∅ ; logo, f (Nj ) ∩ Nk′ 6= ∅ para j, k ∈ N . De(10.16), as
duas cadeias fundamentais consideradas em Ω são equivalentes. Logo, cada
Nj contém algum f −1 (Nk′ ) e, como o diâmetro de Nj tende para 0 quando
j → +∞ , o mesmo verifica-se para o diâmetro de f −1 (Nk′ ) .
3) De 1 e da última propriedade em 2, f induz uma correspondência biunı́-
voca entre fins primos de B1 e de Ω . Logo, f transforma cada ponto de ∂B1
na impressão de um e só um fim primo de Ω com impressões de fins primos
de Ω distintos a serem imagens por f de pontos distintos de ∂B1 . Q.E.D.
Por exemplo, numa região Ω om a na Figura 10.10, os segmentos de re ta
IA , IBe a fronteira de re tângulo IC são impressões de ns primos de Ω , pelo
que ada um destes continua orresponde a um só ponto de ∂B1 , enquanto
pontos de ∂Ω numa vizinhança do ponto ID orrespondem a pontos distintos
de ∂B1 numa vizinhança do ponto orrespondente a ID . Na parte de ∂Ω
om um segmento de re ta verti al e segmentos de re ta radiais que emanam
da extremidade P superior do segmento de re ta verti al, se os segmentos
de re ta radiais são em no nito N , há N + 1 ns primos om impressão
{P } e P orresponde a N +1 pontos de ∂B1 que são extremidades de ar os
onse utivos da ir unferên ia ∂B1 ; ada um destes ar os da ir unferên ia
S orresponde a um segmento de re ta radial que emana de P e ontém um
ponto p orrespondente à extremidade do segmento de re ta radial que não
é P ; S é separado por p em dois ar os, ada um orrespondente a todo o
semento de re ta radial de modo que ada um dos seus pontos ex epto as
extremidades orrespondem a 2 pontos do ar o de i lo S . Se há innitos
segmentos de re ta radiais om todos os de lives inteiros e omprimentos
minorados por algum m > 0 , P orresponde a um onjunto numerável de
pontos de ∂B1 que são extremidades de ar os onse utivos de ∂B1 , ada um
orrespondente a um dos segmentos de re ta radiais.
10.6 Fins primos de regiões simplesmente conexas 223

A união Ωe de uma região simplesmente onexa Ω ⊂ C∞ tal que #∂Ω ≥ 2


om o onjunto dos seus ns primos é um espaço topológi o om base da
topologia240 o onjunto de uniões de vizinhanças de orte transversal N em
Ω om o onjunto dos ns primos de Ω que são as lasses de equivalên ia
de alguma adeia fundamental om todos termos ontidos em N , hamado
Compactificação de Carathéodory da região simplesmente onexa Ω .

(10.23) Compactificação de Carathéodory:


A compactificação de Carathéodory de B1 é homeomorfa a B1 . Toda
transformação conforme de B1 sobre um conjunto Ω ⊂ C∞ tem exten-
são única a um homeomorfismo de B1 (ou da sua compactificação de
Carathéodory) sobre a compactificação de Carathéodory de Ω .

Dem. Deixa-se como exercı́cio de aplicação dos resultados precedentes. Q.E.D.


Carathéodory também estabele eu em 1916 o resultado seguinte241 .
(10.24) Critério de Carathéodory para possı́vel extensão contı́-
nua de uma transformação conforme definida em B1 para B1 :
Uma transformação conforme f de B1 sobre Ω ⊂ C∞ pode ser estendida
a uma função contı́nua de B1 sobre Ω se e só se ∂Ω é localmente conexo
ou se e só se C∞\Ω é localmente conexo.

Dem. Supõe-se que ∂Ω ou C∞\Ω é localmente conexo e considera-se uma


cadeia fundamental {Nj } em Ω . Como242 para cada ε > 0 existe δ > 0 tal
que dois pontos de S = ∂Ω , resp., S = C∞\Ω , que distam < δ pertencem
a um subconjunto conexo de S com diâmetro < ε , para j suficientemente
grande o diâmetro do corte transversal Cj = Ω ∩ ∂Nj tem diâmetro < δ .
Logo, as extremidades de Cj distam < δ e, portanto, pertencem a um con-
junto conexo K ⊂ C∞\Ω com diâmetro < ε , que, sem perda de generalidade,
é compacto (se não for, basta considerar o resp. fecho, que tem o mesmo
diâmetro e é compacto). O conjunto compacto K ∪ C j separa Nj de Ω\Nj ,
pois caso contrário poder-se-ia escolher um arco regular A′ ⊂ C∞ disjunto
de K ∪ C j a ligar algum x ∈ Nj a um y ∈ Ω \Nj . A união de A′ com um
arco apropriado A′′ ⊂ Ω que ligue x a y e intersecte Cj num ponto seria uma
curva de Jordan que separaria as extremidades de C j e, portanto, também
separaria K, em contradição com esse conjunto ser conexo. O diâmetro do
conjunto compacto K ∪ C j é < δ+ε . Tomando ε, δ < min{ π4 , 12 dΩ\N1 }, com
dΩ\N1 o diâmetro de Ω \N1 , é δ + ε < π2 , pelo que uma das componentes
conexas de C∞\ (K ∪ C j ) contém toda uma semiesfera de C∞ e as outras
componentes conexas têm diâmetros < δ +ε . Logo, Ω\Nj está contido na
maior componente conexa de C∞\(K ∪ C j ) e o diâmetro de Nj é < δ + ε .
240
Ver apêndice I.
241
Ver no apêndice I a definição e propriedades básicas de conjuntos localmente conexos.
242
Ver (I.32.4) no apêndice I.
224 Transformações conformes

Como ε, δ > 0 podem ser tomados arbitrariamente pequenos, a impressão


∩j=1 Nj de {Nj } é um ponto. De (10.22.1), f tem extensão contı́nua a ∂B1 .
Reciprocamente, se f tem extensão contı́nua a B1 , ainda designada f ,
é f (∂B1 ) = ∂Ω , e, como funções contı́nuas em espaços métricos preservam
compacidade e convexidade local243 , ∂Ω é localmente conexo. Para provar
que C∞\Ω é localmente conexo basta provar a conexidade local da intersecção
com uma vizinhança de cada ponto z0 ∈ ∂Ω , pois a intersecção com um
conjunto aberto que não contenha ∂Ω é localmente conexa. Se V é uma
vizinhança de z0 no subespaço métrico ∂Ω de C∞ com, por exemplo, a
métrica esférica, e ε > 0 é tal que a intersecção de ∂Ω com a bola aberta
Bε (z) do espaço métrico C∞ está contida em V . A intersecção desta bola
aberta com V ∪ Bε (z) ∩ (C∞ \Ω) é uma vizinhança conexa de z0 . Q.E.D.
Este resultado, (10.21) e o fa to de urvas de Jordan não serem separáveis
por um qualquer ponto dão uma prova alternativa imediata do Teorema de
Carathéodory (10.13) sobre existên ia de extensão de uma transformação
onforme de uma região limitada simplesmente onexa Ω $ C sobre B1 a um
homeomorsmo de Ω sobre B1 se e só se ∂Ω é uma urva de Jordan.
10.7 Comprimento extremo e fins primos
Como referido na introdução deste apítulo, em 1946 L.Ahlfors e A.Buerling
rela ionaram m primo om omprimento extremo, introduzido por A. Bu-
erling na altura. Considera-se aqui para aprofundar a ompreensão da noção
de m primo também om esta perspe tiva, embora que omo referên ia
para possíveis outras apli ações.
A noção de omprimento extremo radi a-se no Prin ípio de Comprimento-
Área de que a Desigualdade Comprimento-Área (10.17) na se ção pre edente
é um aso parti ular. A noção apare eu da ideia de en ontrar uma quan-
tidade geométri a invariante sob transformações onformes para a relação
omprimento-área, onsiderando onjuntos de urvas re ti áveis om sub-
onjuntos abertos do plano omplexo que as ontêm.
É natural pro urar quantidades adimensionais, e a possibilidade mais
simples é o quo iente de quadrados de omprimentos de urvas por áreas
dos onjuntos abertos.
Para inavariân ia sob transformações onformes, é natural pro urar in-
variân ia om métri as onformes à métri a eu lidiana, ou seja métri as om
elemento de omprimento ds = ρ(z) |dz| e elemento de área ρ2(x, y) dxdy , em
que (x, y) = z , om ρ > 0 denido num aberto Ω ⊂ C que dê o omprimento
de um aminho γZ: [a, b] → Ω e a área de um abertoZ SZ ⊂ Ω por integrais, resp.,
b 
Lρ (γ) = ρ γ(t) |γ ′ (t)| dt , Aρ (S) = ρ2 (x, y) dxdy ,
tal que existe uma transformação onforme h denida em Ω om as ima-
a S

gens de aminhos em sub onjuntos abertos de Ω om, resp., omprimentos


243
Ver (I.33) no apêndice I.
10.7 Comprimento extremo e fins primos 225

e áreas na métri a eu lidiana, i.e. na métri a om elemento de omprimento


ds = |dz| e elemento de área dxdy no onjunto h(Ω) . Sob transformações
onformes z 7→ z′ de um onjunto aberto Ω sobre dz outro
Ω′ a métri a ρ(z) |dz|
transforma-se em ρ (z ) |dz | om ρ (z ) = ρ(z) dz . Para que toda urva re -
′ ′ ′ ′ ′

ti ável na métri a eu lidiana tenha omprimento na métri a om elmento


de omprimento ρ(z) |dz| , e analogamente para área, exige-se que ρ seja
mensurável à Borel, i.e. para ada intervalo real aberto I ⊂ R , ρ−1(I) é
sub onjunto aberto de Ω , embora se pudessem onsiderar outras ondições.
A invariân ia sob transformações onformes pode ser assegurada tomando
o supremo dos quo ientes adimensionais de quadrados de omprimentos de
urvas por áreas de onjuntos abertos que as ontêm.
Para independên ia de parametrizações das urvas num onjunto de ur-
vas re ti áveis Γ , é natural onsiderar o omprimento de Γ na métri a
ρ(z) |dz| denido por Lρ (Γ) = inf {γ: γ ∈Γ} Lρ (γ) .

Juntando estes três requisitos  adimensionalidade, invariância sob trans-


formações conformes, independência de parametrizações de curvas  é-se
onduzido à denição seguinte
O comprimento extremo de um onjunto Γ de urvas re ti áveis num
onjunto aberto Ω ⊂ C é
[Lρ (Γ)]2
λΩ (Γ) = sup Aρ (Ω) ,
ρ

em que supρ é para todas métri as om elemento de omprimento ρ(z) |dz| ,


om ρ mesurável à Borel em Ω , onformes à métri a eu lidiana e tais que
0 < Aρ (Ω) < ∞ .
Logo, o comprimento extremo é invariante sob transformações conformes.
É fá il obter que o omprimento extremo depende só das urvas e não
dos sub onjuntos abertos de C que as ontêm, no sentido de para Ω ⊂ Ω′
se ρ′ = ρ em Ω e ρ′ = 0 em Ω′ \Ω , então, Lρ(Γ) = Lρ (Γ) e Aρ(S) = Aρ (S) ,
′ ′

pelo que λΩ (Γ) ≥ λΩ (Γ) para Γ um onjunto de urvas e S um sub onjunto


aberto de Ω , e a desigualdade no outro sentido veri a-se omeçando om ρ′


em Ω′ e onsiderando a sua restrição ρ a Ω . Portanto, λΩ(Γ) é o mesmo para
todos onjuntos abertos Ω ⊂ C que ontêm o onjunto de urvas Γ. Assim, a
notação de omprimento extremo pode ser simpli ada para λ(Γ) .
A distância extrema de dois sub onjuntos E1, E2 relativa a um on-
junto aberto Ω ⊂ C ujo fe ho os ontém, designada dΩ (E1, E2) , é o om-
primento extremo λ(Γ) do onjunto Γ de todas urvas re ti áveis em Ω om
um extremidade em ada um dos onjuntos E1 , E2 . Chama-se distância
extrema conjugada de E1 , E2 relativamente a Ω , designada d∗Ω (E1 , E2 ) ,
ao omprimento extremo λ(Γ∗) do onjunto Γ∗ de todas urvas re ti áveis
em Ω que separam E1 , E2 .
Obtêm-se fa ilmente as propriedades de omparação de omprimentos
extremos e distân ias extremas seguintes.
226 Transformações conformes

(10.25) Princı́pios de Comparação de Comprimento Extremo:


Sejam Γ1 , Γ2 conjuntos de curvas rectificáveis num conjunto aberto
Ω ⊂ C e E1 , E2 ⊂ Ω . Então:
1. Se cada curva de Γ1 contém uma de Γ2 , λ(Γ1 ) ≥ λ(Γ2 ) (Figura 10.12).
2. dΩ (E1 , E2 ) decresce se um ou mais dos conjuntos Ω, E1 , E2 cresce.
Sejam Γ′ , Γ′′ , Γ conjuntos de curvas nos subconjuntos abertos de C , resp.,
Ω′ , Ω′′ , Ω′ ∪ Ω′′ , com Ω′ ∩ Ω′′ = ∅ . Então:
3. Se cada curva de Γ contém uma de Γ′e uma de Γ′′, λ(Γ) ≥ λ(Γ′ )+λ(Γ′′ ) .
1 1 1
4. Se cada curva de Γ′ ∪Γ′′ contém uma de Γ, λ(Γ) ≥ λ(Γ ′ ) + λ(Γ′′ ) .

Dem. 1 e 2 são imediatas das definições.


Se os comprimentos extremos λ(Γ1 ) ou λ(Γ2 ) degeneram em 0 ou ∞ ,
3 é imediata de 1. Caso contrário, consideram-se métricas com elementos
de comprimento ρ(z) |dz| com ρ′ definida em Ω′ e ρ′′ em Ω′′ normalizadas
para ser Lρ′ (Γ′ ) = Aρ′ (Γ′ ), Lρ′′ (Γ′′ ) = Aρ′′ (Γ′′ ) e Ω ⊃ Ω1 ∪ Ω2 . Define-se ρ
igual a ρ′ em Ω′, a ρ′′ em Ω′′ e a 0 em Ω\(Ω′ ∪Ω′′ ). É Lρ (Γ) ≥ Lρ′ (Γ′ )+Lρ′′ (Γ′′ )
e Aρ (Γ) = Aρ′ (Γ′ )+Aρ′′ (Γ′′ ) = Lρ′ (Γ′ )+Lρ′′ (Γ′′ ); logo, λ(Γ) ≥ Lρ′ (Γ′ )+Lρ′′ (Γ′′ ) .
Para provar 4, considera-se ρ definida em Ω e normalizada para ser
Lρ (Γ) = 1 ; então, Lρ (Γ′ ), Lρ (Γ′′ ) ≥ 1 e Aρ (Γ) ≥ Aρ (Γ′ )+Aρ (Γ′′ ) ≥ λ(Γ1 1 )+λ(Γ1 2 ) ,
1
e o resultado segue-se de λ(Γ) = inf ρ Aρ (Ω) . Q.E.D.

'
1

'
2

1 1

Figura 10.12: Aplicação de Princı́pios de Comparação de Comprimento Extremo:


dΩ1 (α1 , α′1 ) ≥ dΩ2 (α2 , α′2 ) . Curvas αj , α′j a grosso, curvas de Γ2 a fino and curvas
de Γ1 a tracejado fino com as intersecções com Ω2 pertencentes a Γ2
(10.26) Exemplos:
1. Considera-se um quadrilátero Q = Q(α, α′ ) ⊂ C , definido como par
ordenado de uma curva de Jordan orientada e um conjunto de 4 dos seus
pontos, chamados vértices do quadrilátero; os lados do quadrilátero são os
arcos da curva de Jordan com extremidades cada par consecutivo de vértices;
dois dos lados, α e α′ , não são contı́guos e diz-se que são lados opostos, o
que também se aplica ao outro par de lados β e β ′ .
10.7 Comprimento extremo e fins primos 227

Como a distância extrema é invariante sob transformações conformes,


int Q é conforme a um rectângulo aberto R com os lados correspondentes a
α e α′ nas rectas verticais do plano complexo de pontos (x, y) com equações
cartesianas x = 0 e x = a > 0 e os outros dois lados correspondentes a
segmentos horizontais nas rectas y = 0 e y = b > 0 . Com a métrica euclidiana,
L1 (Γ) = a e A1 (R) = ab , em que Γ é o conjunto das curvas rectificáveis em R
2
com uma extremidade em α e a outra em α′R; logo, dQ (α, R α′ ) ≥ aab = ab , e com
a a
uma métrica arbitrária tal que Lρ (Γ) = a, é 0 ρ ≥ a = 0 1 , e, portanto,
Z a ZZ Z bZ a
(ρ−1) ≥ 0 , (ρ−1) = (ρ−1) dx dy ≥ 0 ,
0 ZZ ZZ R 0 0 ZZ
2 2
Aρ (R) = ρ = [(ρ−1) +2(ρ−1)+1] ≥ 1 = ab ;
R R R
[L (Γ)]2 2
logo, Aρρ (R) ≤ aab = ab para todas métricas possı́veis. com igualdade se e só
se ρ = 1 , que, com mudança de variáveis e f a transformação conforme da
região limitada por Q sobre o rectângulo R , com a normalização adoptada
corresponde à métrica inicial ter elemento de comprimento ρ|dz| com ρ = |f ′ |
e sem essa normalização com esta função multiplicada por uma constante
k > 0 ). Portanto, dQ (α, α′ ) = ab . Analogamente, a distância extrema dos
outros lados opostos β, β ′ é ab e o produto das distâncias extremas dos dois
pares de lados opostos é 1.
Neste caso a distância extrema conjugada de lados ]opostos relativamente
a R é igual à distância extrema dos outros lados opostos β, β ′ relativamente
a R , ou seja d∗Q (α, α′ ) = dQ (β, β ′ ) , pelo que dQ (α, α′ ) d∗Q (α, α′ ) = 1 , ou
seja a distância extrema e a distância extrema conjugada de lados opostos
relativamente ao quadrilátero R são recı́procas.
É interessante ilustrar com este exemplo como pode ser obtida outra
informação geométrica comparando comprimentos extremos. Se δ designa a
distância euclidiana dos lados opostos α, α′ do quadrilátero Q definida pelo
ı́nfimo dos comprimentos euclidianos de curvas em Q com uma extremidades
num destes lados e a outra no outro, δ∗ a quantidade análoga para os outros
2
lados opostos β, β ′ , e A a área euclidiana de Q , então dQ (α, α′ ) ≥ δA e
∗ 2
d∗Q (α, α′ ) ≥ (δA) . Como estas distâncias extremas são recı́procas uma da
2 ∗ 2
outra, é δA ≤ dQ (α, α′ ) ≤ (δA) e, em particular, δδ∗ ≤ A , que é uma relação
comprimento-área euclidiana válida para todos quadriláteros.
2. Considera-se uma região duplamente conexa Ω ⊂ C conforme a uma coroa
circular aberta S limitada por circunferências C2 , C1 com centros 0 e raios,
resp., R2 > R1 > 0 . Com a métrica com elemento de comprimento ρ(z) |dz|
1
e ρ(z) = |z| , como os segmentos de raios que ligam C1 a C2 são descritos por
caminhos αθ: [R1 , R2 ] →ZS com αθ (r) = reiθ e Zθ ∈ [0, 2π[ fixo,
R2 R2
Lρ (α∗θ ) = 1
|reiθ |
|(reiθ )′ | dr = 1
r dr
R2
= log R1
,
R1 R1
e para caminhosZrectificáveis γ : [0,Z1] → S com |γ(0)| Z = R1 e |γ(1)| = R2 ,
1 1 R2
Lρ (γ ∗ ) = |γ(t)|
1
|γ ′ (t)| dt ≥ |γ(t)|
1
|γ(t)|′ dt = 1r dr = log RR1 .
2

0 0 R1
228 Transformações conformes

Logo, os segmentos de recta radiais de C1 a C2 sãoR geodésicas na métrica con-


2πR R2 1
siderada. A área de S nesta métrica é Aρ (S) = 0 R1 r2 r drdθ = 2π log R R1 .
2

[Lρ (γ ∗ )]2 1 R2
Portanto, dS (C1 , C2 ) ≥ Aρ (S) = 2π log R1 . Com qualquer métrica, da De-
R 2πR R
sigualdade de Cauchy-Schwarz para hf, gi = 0 R12f (reiθ ) g(reiθ ) drdθ , mu-
dança de variáveis de integração e Teorema de Fubini,
Z 2π 2 Z 2πZ R2 2 Z 2πZ R2 √ 2
 ′ 
Lρ (α∗θ ) dθ = ρ αθ (r) |αθ (r)| drdθ = √1
r
r ρ re iθ
drdθ
0 0 R1 0 R1
Z 2πZ R2 Z 2πZ R2

≤ 1
r
drdθ ρ2 reiθ r drdθ = 2π log R2
A (S) .
R1 ρ
0 R1 0 R1
Logo, se Γ é o conjunto de curvas rectificáveisR 2π em S com uma extremidade
[L (Γ)]2
em C1 e a outra em C2 , (2π)Lρ (Γ) ≤ 0 Lρ (α∗θ ) dθ e Aρρ (S) ≤ 2π 1
log R2
R1
para todas métricas possı́veis, com igualdade se e só se há igualdade na

Desigualdade de Cauchy-Schwarz, i.e. se e só se rρ(reiθ ) = k √1r para al-
k
guma constante k , ou seja se e só se ρ(z) = |z| , que, mudando variáveis de
integração com a transformação conforme ′ considerada de Q sobre R cor-
responde à métrica inicial ser ρ = k ff com k > 0 constante). Portanto,
1
dS (C1 , C2 ) = 2π log R
R1 .
2

Para obter a distância extrema conjugada de C1 , C2 relativamente a S


calcula-se o comprimento de uma circunferência com Rraio r ∈ ]R1 , R2 [ des-

crita por βr : [0, 2π] → S com βr (θ)R = reiθ , Lρ (βr∗ ) = 0 ρ(reiθ ) r dθ . Com
1 2π
métrica com ρ(z) = |z| , é Lρ (βr∗ ) = 0 1r r dθ = 2π. Logo, todas circunferên-
cias com centro 0 e raio r ∈ ]R1 , R2 [ têm comprimentos iguais e outra curva
que separe C1 de C2 tem comprimento ≥ 2π . Portanto, em todas métri-
cas conformes à métrica dada essas circunferências têm comprimento que
minimiza o de outras curvas que separam C1 de C2 . Outra conclusão é
[Lρ (βr∗ )]2 (2π) 2

Aρ (S) ≤ 2π log(R 2 /R1 )


= log(R2π2 /R1 ) .
Como para a distância extrema de C1 a C2 , para todas métrica possı́veis
Z R2 2 Z RZ 2 2π
2 Z RZ 2 2π
2
1 ∗ 1
 ′ iθ 
r
Lρ (βr ) dr = r
ρ β r (θ) |β r (θ)| dθdr = ρ re dθdr
R1 R1 0 R1 0
Z RZ 2 2π
2 Z RZ 2 2π
Z RZ2 2π

√ 
= √1 ρ re
r
r dθdr ≤ 1
r
dθdr ρ reiθ r dθdr = 2π log R
2 2
A (S) .
R1 ρ
R1 0 R1 0 R1 0

Logo, se Γ é o conjunto de curvas rectificáveis em S que separam C1 e C2 ,


R2
R R2 1 2
∗ ) dr e [Lρ (Γ)] ≤ 2π
log R1
L ρ (Γ) ≤ R 1 r L ρ (βr A ρ (S) log(R2 /R1 ) ; a distância extrema con-
jugada de C1 a C2 é d∗S (C1 , C2 ) = log(R2π2 /R1 ) e dS (C1 , C2 ) d∗S (C1 , C2 ) = 1, tal
como no exemplo precedente.
Dadao um onjunto Γ de urvas re ti áveis num onjunto aberto Ω ⊂ C ,
a uma métri a que realize o supremo na denição de métri a extrema de Γ
hama-se métrica extrema de Γ.
O resultado seguinte, omuni ado em 1946 por A. A. Beurling mas não
publi ado, dá uma ondição su iente para uma métri a ser extrema por
simples generalização da utilização da Desigualdade de Cau hy-S hwarz nos
exemplos pre edentes.
10.7 Comprimento extremo e fins primos 229

(10.27) Para uma métrica com elemento de comprimento ρ0 (z)|dz| ser


extrema para um conjunto de curvas rectificéveis Γ num conjunto aberto
Ω ⊂ C é suficiente que exista Γ0 ⊂ Γ RR tal que o comprimento de cada
curva de Γ0 nesta métrica é RLρ (Γ) e Ω h(x, y) ρ0 (x, y) dxdy ≥ 0 para
toda função h : Ω → R tal que γ h|dz| ≥ 0 para todas curvas de γ ∈ Γ0 .

Dem. Supõe-se que a condição se verifica e considera-se uma métrica com


elemento
R de comprimento
R ρ(z) |dz| normalizada tal que Lρ (Γ) = ρR0 (Γ) . Como
ρ(z) |dz| ≥ γ ρ0 (z) |dz| para γ∗ ∈ Γ0 , se h = ρ−ρ0 e γ ∈ Γ0 , é γ h|dz| ≥ 0 e
RRγ 2
Ω [ρ(x, y) ρ0 (x, y)−ρ0 (x, y)] dxdy ≥ 0 . Da Desigualdade de Cauchy-Schwarz,
Z Z 2 Z Z 2 Z Z Z Z 
ρ20 dxdy ≤ ρ ρ0 dxdy ≤ 2
ρ dxdy ρ20 dxdy .
RR 2
Ω RR 2
Ω Ω Ω
Logo, Ω ρ0 dxdy ≤ Ω ρ dxdy e ρ0 define uma métrica extrema. Q.E.D.
É fá il veri ar que a ondição su iente para métri a extrema deste
resultado se apli a imediatamente aos exemplos (10.26) de quadrilátero e
oroa ir ular.
Considera-se agora a ara terização de m primo de região simplesmente
onexa Ω $ C por omprimento extremo, o que permite denir m primo em
termos de omprimento extremo.
Dado um ponto z0 de uma região simplesmente onexa Ω $ C , para
ada su essão a = {an } ⊂ Ω , o onjunto das uniões onexas Ca de ortes
transversais de Ω tais que só um no nito de pontos que o orrem nos termos
da su essão perten e à mesma omponente onexa de Ω\Ca a que perten e
z0 hama-se aglomerado de cortes de separação finita do ponto z0
e da sucessão a , designado A Cz ,a ; se A C z ,a = 0 , diz-se que a é uma
sucessão fundamental em Ω .
0 0

Esta denição é independente de z0 ∈ Ω . λ(A Cz ,a) = 0 se e só se


inf{Lρ (γ ∗ ): γ ∗ ∈A C z ,a } = 0 para toda ρ admissível tal que a área Aρ (Ω)
0

de Ω na métri a asso iada a ρ é nita. Em parti ular, tal veri a-se para a
0

métri a esféri a de C∞ , aqui designada ρ0 . Se z0′ é outro ponto de Ω , existe


um aminho em Ω de z0 a z0′ e, om d a distân ia esféri a de ∂Ω à urva
des rita por esse aminho, se Aρ(Ω) é nita, também Aρ+ρ (Ω) é, e, portanto,
qualquer que seja ε > 0 existe uma urva γ ∗ ∈ A Cz ,a tal que Lρ+ρ (γ ∗ ) <
0

ε , e Lρ , Lρ podem ser analogamente feitas arbitrariamente pequenas. Se


0 0

Lρ (γ ∗ ) < d , é γ∗ ∈ A C z ,a . Logo, Lρ (A C z ,a ) = 0 , e λ(A C z ,a ) = 0 .


0
′ ′ ′
0 0 0 0

(10.28) Se a = {an }, b = {bn }, c = {cn } são sucessões num conjunto


aberto simplesmente conexo Ω $ C e as uniões a ∪ b e b ∪ c são sucessões
fundamentais em Ω , então a ∪ c também é.

Dem. Seja z0 em Ω . Se γ0∗ ∈ A C z0 ,a ∪ b e γ1∗ ∈ A C z0 ,a ∪ b intersectam, é


γ0∗ ∪ γ1∗ ∈ A C z0 ,a∪c . Caso contrário, designa-se Ωj a componente conexa
que contém z0 , pelo que γj∗ pertence a uma componente conexa de Ω \
230 Transformações conformes


γ1−j para j = 0, 1. Se γ1∗ ∈ / Ω0 , an , cn ∈
/ Ω0 excepto possivelmente para
o ∗
um n finito de n ∈ N , pelo que γ0 ∈ A C z0 ,a ∪ c . Escolhendo bn numa
componente conexa Ωj+2 de Ω\γj∗ que não contém z0 para j = 0 ou j = 1 , é
Ω2 ⊂ Ω3 , pois caso contrário Ω3 conteria um ponto de ∂Ω4 e, portanto, um
ponto de γ4∗ ⊂ Ω0 , em contradição com Ω0 ∩ Ω3 = ∅ . Trocando γ0∗ com γ1∗ ,
γ1∗ ∈ A C z0 ,a ∪ c . Em qualquer caso, γ0∗ ou γ1∗ ou γ0∗∪γ1∗ pertence a A C z0 ,a ∪ c ,
pelo que λ(A C z0 ,a ∪ c ) = 0 , e a∪c é uma sucessão fundamental em Ω . Q.E.D.
Uma onsequên ia é que omprimento extremo zero de uma união de
su essões, i.e. λ(A C z ,a ∪ b) = 0 , dene uma relação de equivalên ia de su-
essões a, b numa região simplesmente onexa Ω $ C ; su essões a, b ⊂ Ω são
0

equivalentes se a ∪ b é uma su essão fundamental em Ω .


(10.29) Se C é uma união de cortes transversais isolados de um conjunto
aberto simplesmente conexo Ω $ C que separa z1 , z2 ∈ Ω , algum dos
elementos de C separa esses pontos.
Dem. Seja Ω1 a componente conexa de Ω\C que contém p1 , γ um caminho
em Ω de p1 a p2 e p0 o último ponto ao longo de γ em ∂Ω0 , o qual pertence
a algum dos cortes transversais em C , designado C0 . Se Ω′ é a componente
de Ω \ C0 que contém Ω0 , como os cortes transversais que pertencem a C
são isolados, p0 não pertence à fronteira de Ω0 ∪γ0∗ relativamente a Ω′ ∪γ0∗ .
Logo, se p2 pertencesse a Ω′ , para p′ ∈ Ω0 ∪ γ0∗ , este conjunto é conexo e a
parte da curva γ ∗ que liga p′ , p2 estaria incluı́da em Ω′∪γ0∗ e não intersectaria
a fronteira de Ω0 ∪ γ0∗ . Logo, p2 ∈ Ω0 ∪ γ0∗ , em contradição com C separar
p1 , p2 . Portanto, γ0∗ é um corte transversal de Ω que separa p1 , p2 . Q.E.D.

(10.30) Uma sucessão a = {an } num conjunto aberto simplesmente co-


nexo Ω $ C é fundamental se e só se cada z0 ∈ Ω pode ser separado
de a por um corte transversal com diâmetro arbitrariamente pequeno, a
menos de possivelmente um no finito dos pontos que são termos de a .
Dem. Se a é uma sucessão fundamental e z0 ∈ C , existe um aglomerado de
cortes de separação finita A C z0 ,a do ponto z0 e da sucessão a com com-
primento arbitrariamente pequeno. Designando a distância de z0 a ∂Ω por
por d > 0 , para 0 < δ < d existe um aglomerado de cortes de separação
finita A C ′z0 ,a do ponto z0 e da sucessão a com diâmetro < δ . Se w é um
ponto em que termina este aglomerado de cortes, C = Ω ∩ Bδ (w) é uma
união de cortes transversais isolados e, do resultado precedente, algum des-
tes cortes transversais separa z0 de A C z0 ,a e tem diâmetro < 2δ . Este corte
transversal separa z0 de a , a menos de possivelmente um no finito dos pontos
que são termos de a e tem diâmetro arbitrariamente pequeno.
Reciprocamente, se C é um corte transversal de Ω com diâmetro δ < d
que separa z0 de a , a menos de possivelmente um no finito dos pontos
que são termos de a , e z é uma extremidade de C, uma curva de Jordan
J que separe as circunferências S1 , S2 centradas em z com raios, resp., δ
e d , separa z0 de C. J ∩ Ω é união de cortes transversais isolados de Ω
10.8 Caracterizações de regiões simplesmente conexas 231

e, do resultado precedente, algum separa z0 de C ; logo, também de a , a


menos de possivelmente um no finito dos pontos que são termos de a . Tal
corte transversal pertence a A C z0 ,a . Dos Princı́pios de Comparação de
comprimento extremo (10.25), λ(A C z0 ,a ) ≤ d∗ (S1 , S2 ) , em que d∗ (S1 , S2 ) é
a distância extrema conjugada das circunferências concêntricas S1 , S2 . Com

a métrica euclidiana, do exemplo (10.26.2), d∗ (S1 , S2 ) = log(d/δ) , e, portanto,

d (S1 , S2 ) → 0 quando δ → 0 . Como d > 0 pode ser arbitrariamente pequeno,
é λ(A C z0 ,a ) = 0 e, portanto, a é uma sucessão fundamental em Ω . Q.E.D.
Este resultado tem a onsequên ia importante seguinte.
(10.31) Os fins primos de uma região simplesmente conexa Ω $ C são as
classes de equivalência da relação de equivalência de sequências a, b ⊂ Ω
definida por λ(A C z0 ,a ∪ b ) = 0 , para algum (logo, todos) z0 ∈ Ω .
Logo, as lasses de equivalên ia denidas om omprimento extremo po-
dem ser adoptadas omo denição alternativa de ns primos de Ω . Uma
vantagem é que a invariân ia om transformações onformes é automáti a.
O resultado om Ω = B1 dá imediatamente que uma su essão em B1 é
fundamental se e só se onverge para um ponto de ∂B1 , dando uma prova
alternativa dos ns primos de B1 serem ada um dos pontos de ∂B1 .
É possível obter expli itamente a distân ia extrema de sub onjuntos
E1 , E2 do fe ho de uma região simplesmente onexa Ω $ C , em ondições
muito gerais, em termos de soluções do problema de valor na fronteira para a
equação de Lapla e om ondições na fronteira mistas de Diri hlet-Neumann.
Por exemplo244 , evitando detalhes té ni os, se Ω é limitada e ∂Ω é união -
nita de urvas de Jordan e ∂E1 , ∂E2 são sub onjuntos disjuntos ada um
união nita de ar os fe hados (in luindo a possibilidade de urvas fe hadas)
RR ∂Ω , a distân ia extrema dΩ (E1 , E2 ) é o re ípro o do integral de Diri hlet
de
Ω ∆u(x, y) dxdy , em que u é uma função om valores reais harmóni a em
Ω que pode ser estendida por ontinuidade a Ω ∪ E1o ∪ E2o , em que Ejo designa
o interior de Ej relativamente a ∂Ω , om valor 0 num dos onjuntos Ejo e 1
no outro, para j = 1, 2 , e derivada normal à fronteira 0 em ∂Ω\(E1 ∪E2) .
10.8 Caracterizaçõesderegiõessimplesmenteconexas
O resultado seguinte dá várias ara terizações das regiões simplesmente o-
nexas Ω ⊂ C , in luindo alguns aspe tos já onsiderados anteriormente. Tem
um interesse espe ial porque, além de sublinhar a importân ia de regiões
simplesmente onexas em Análise Complexa, é uma uni ação de ra ateri-
zações om noções muito diferentes: propriedades topológi as internas de Ω
(1,2 ), propriedades topológi as do omplemento de Ω em C (3, 4 ), proprie-
dades analíti as245 (5, 6, 7, 9 ) e uma propriedade algébri a (8).
244
e.g. ver o livro L.V. Ahlfors, Conformal Invariants – Topics in Geometric Function Theory,
indicado na bibliografia final. Se E1 , E2 ⊂ Ω não estão contidos em ∂Ω o problema pode ser
reduzido a este caso substituindo Ω por Ω\(E1 ∪E2 ).
245
Prova-se outra caracterização topológica no final da secção 11.2 com o Teorema de Monodro-
mia para prolongamento analı́tico – o complementar de C\Ω é conexo – e duas outras caracteriza-
232 Transformações conformes

(10.32) Unificação de algumas caracterizações topológicas,


analı́ticas e algébricas de regiões simplesmente conexas:
Para qualquer região Ω ⊂ C as condições seguintes são equivalentes:
1. Ω é simplesmente conexa.
2. Ω é homeomorfa ao cı́rculo aberto B1 .
3. Todos ciclos em Ω são homólogos a zero em Ω.
4. Todas componentes conexas de C\Ω são ilimitadas.
R
5. Para toda f ∈ H(Ω) e todo ciclo em Γ em Ω é Γ f (z) dz = 0 .
6. Toda f ∈ H(Ω) tem primitivas em Ω .
7. Se f ∈ H(Ω) não tem zeros, existe g ∈ H(Ω) tal que f = eg em Ω .
8. Se f ∈ H(Ω) não tem zeros, existe h ∈ H(Ω) tal que f = h2 em Ω .
9. Toda função com valores reais harmónica em Ω é parte real de f ∈ H(Ω).

Dem. (2 ⇒ 1 ) Seja F um homeomorfismo de Ω em B1 e γ : [a, b] → Ω


um caminho fechado seccionalmente regular em Ω  . A função definida
em [a, b] × [0, 1] em Ω por H(t, s) = F −1 sF (γ(t)) é contı́nua e satisfaz
H(t, 0) = F −1 (0) , H(t, 1) = γ(t) e H(a, s) = H(b, s) ; portanto, H é uma
homotopia do caminho constante identicamente igual a F −1 (0) em [a, b] e
γ. Logo, todo caminho fechado seccionalmente regular em Ω é homotópico
em Ω a um caminho constante, ou seja Ω é uma região simplesmente co-
nexa. Ω = C é trivialmente simplesmente conexa, pois H(t, s) = sγ(t) é uma
homotopia do caminho constante com valor 0 e γ .
(2 ⇒ 3 ) Como integrais sobre caminhos constantes são 0 , o Índice de um
caminho constante em Ω em relação a um ponto de Ω\C é 0 ; logo, caminhos
constantes em Ω são homólogos a 0 em Ω . Todo caminho seccionalmente
regular fechado numa região simplesmente conexa Ω é homotópico, logo, de
(7.2), homólogo em Ω a um caminho constante; portanto, é homólogo a 0
em Ω . Como ciclos em Ω são somas finitas de caminhos seccionalmente
regulares fechados em Ω , todo ciclo em Ω é homólogo a 0 em Ω .
(3 ⇒ 5 ) É consequência directa do Teorema de Cauchy Global (7.3).
(5 ⇒ 6 ) De (4.5).
(6 ⇒ 7 ) e (7 ⇒ 8 ) De (10.9).
(8 ⇒2 ) Se Ω 6= C , segue-se da prova do Teorema do Mapeamento de Rie-
mann (10.10), pois 8 foi a única propriedade de regiões simplesmente conexas
z
usada na prova. Se Ω = C , 1+|z| é um homeomorfismo de Ω em B1 com in-
w
versa 1−|w| . Com este passo fecha-se um ciclo de implicações e fica provada
a equivalência de todas as condições com excepção de 4 e 9.
(3 ⇔ 4 ) É (7.8).
ções analı́ticas são consideradas no exercı́cio 11.6 sobre prolongamento analı́tico – para todos região
R e elemento de função analı́tica (f, R) com prolongamento analı́tico ao longo de cada caminho
em R existe g ∈ H(R) tal que g = f em R – e no exercı́cio II.11.e) sobre o Teorema de Runge –
toda f ∈ H(Ω) pode ser aproximada por funções polinomiais, uniformemente em subconjuntos
compactos de Ω .
10.8 Caracterizações de regiões simplesmente conexas 233

(8 ⇒ 9 ) Se Ω 6= C , da prova de (8 ⇒ 1), existe uma transformação conforme


F de Ω em B1 . u1 = u◦F −1 é harmónica em B1 . Da secção 9.4, as funções
harmónicas com valores reais são, localmente em cı́rculos abertos, partes
reais de funções holomorfas. Logo, existe h1 ∈ H(B1 ) tal que u1 = Re h1 , e
h = F ◦h1 ∈ H(Ω) , u = Re  h . Se Ω = C , pela mesma razão, para qualquer
r > 0 existe h ∈ H Br (0) tal que u = Re h . Como funções inteiras iguais
num cı́rculo são iguais em C, existe h ∈ H(C) tal que u = Re h . √
(9 ⇒ 7 ) Seja (u, v) = f ∈ H(Ω) sem zeros. U = ln |f | = ln u2 + v 2 é
harmónica em Ω e, de 9, é a parte real de uma função h ∈ H(Ω) . g = eh
é holomorfa, não tem zeros em Ω e |g| = |f | em Ω . Portanto, fg ∈ H(Ω) e
f
= 1 em Ω . Logo, f é constante em Ω , pelo que existe c ∈ C tal que
g g
f = cg = ceh = eh+c1 , em que c1 é um logaritmo qualquer de c . Q.E.D.
Com a ara terização de regiões simplesmente onexas de C (10.32.4)
pode-se estabele er a ondição topológi a simples seguinte su iente para
um ponto de ∂Ω ser ponto regular de fronteira246 , o que leva a uma ondição
su iente simples para existên ia de solução do Diri hlet Problem in Ω .
(10.33) Se Ω ⊂ C é uma região, todo a ∈ ∂Ω numa componente conexa
de C\Ω que não é apenas {a} é ponto regular da fronteira de Ω .

Dem. Seja Ca a componente conexa de C\Ω que contém a . É um conjunto


fechado que, sem perda de generalidade, se considera ilimitado com a = 0
(caso contrário, tal pode ser assegurado com uma transformação conforme).
Seja C 0 a componente conexa de C\Ca que contém Ω e C 1 , C 2 , . . . as outras
componentes conexas247 de C \Ca . Se b ∈ ∂C k , C k ∪ {b} é conexo e, como
C k é uma componente conexa de C\Ca e Ca é fechado, é ∂C k ⊂ Ca . Logo,
cada C k ∪ Ca é conexo e, em consequência, ∪k (C k ∪ Ca ) = C \C 0 é conexo.
Portanto, C 0 é uma região cujo complementar tem uma única componente
conexa, e esta é ilimitada porque contém o conjunto ilimitado Ca . Da ca-
racterização de regiões simplesmente conexas (10.32), C 0 é simplesmente
conexa, e, como não contém 0 , de (10.9.2), é possı́vel definir uma função
logaritmo holomorfa
 em C0 , designada L . Para r > 0 e z ∈ Ω∩Br (0) define-se
Lr (z) = L zr , pelo que −Lr Ω∩Br (0) está contido no semiplano complexo
direito. O conjunto das componentes conexas de Ωr = Ω ∩ {z : |z| = r}
é numerável e, portanto, Ωr é uma união numerável de arcos abertos de
circunferência
P disjuntos γj∗ = {reiθ: αj < θ < βj }. Logo −Lr (Ωr ) = ∪j ]αj , βj [
e j (βj − αj ) ≤ 2π . Designando o logaritmo principal por log , as fun-
z−iα
ções hj (z) = Im log z−iβjj são harmónicas no semiplano complexo direito e
Rβ x
0 <hj (z) <π para Rez> 0 .Como hj (x+iy) Z = αjjx2 +(y−t)2 dt, para x > 0 , y ∈ R ,
X +∞
x
hj (x+iy) ≤ x2 +(y−t) 2 dt = π ,
j −∞
246
Ver parte final da última secção do capı́tulo precedente
247
Como C é espaço métrico separável, o conjunto das componentes conexas de qualquer seu
subconjunto é numerável (ver (I.28) do apêndice I).
234 Transformações conformes

P
do Teorema de Harnack (9.26). Portanto, h = j hj é harmónica no semi-

plano complexo direito. Logo, br (z) = h −Lr (z) é harmónica em Ω∩Br (0) .
Resta provar que br pode ser estendida a uma “barreira local” em a = 0 relati-
vamente a Ω , para o que chega provar que br pode ser estendida por continui-

dade a ∂ Ω ∩ Br (0) , anulando-se em a = 0 e sendo > 0 em ∂ Ω ∩ Br (0) \{a}.

Como Re −Lr (z) → +∞ quando z → 0 e, para x > 0 , y ∈ R , é
X X Z +∞ 1/x X
1
h(x+iy) = hj (x+iy) = 1+((y−t)/x)2 dt ≤ x (βj −αj ) ≤ 2π
x ,
j j −∞ j
pelo que lim h(x+ iy) = 0 uniformemente em y ∈ R e, portanto, lim = 0 .
x→+∞ z→0
Logo, br pode ser estendida por continuidade a 0 com o valor 0 . O fecho
de −Lr Ω ∩ Br (0) está contido no semiplano complexo direito fechado e,
quando z → c ∈ ∂ Ω ∩ Br (0) sem Re − Lr (z) tender para 0 , tanto −Lr
como br = h◦(−Lr ) podem ser estendidas por continuidade a c , e é br (c) > 0 ,
pois h(z) > hj (z) > 0 para Re z > 0 .  
Resta provar que se z → d ∈ ∂ Ω ∩ Br (0) e Re − Lr (z) → 0 ,
br = h ◦ (−Lr ) tende para um valor 6= 0 . Logo, há que analisar a exis-
tência de limite de h(z) quando z → iθ, com θ ∈ ]αj , βj [ para algum j .
Da fórmula que define hk (z) , este valor é a diferença dos argumentos de
z − iαk e z − iβk . Com uma argumentação elementar que se deixa como
exercı́cio, para Re z > 0 , Im z ∈ ]αj , βj [ ,
X X z−iβ
z−iα
hk (z) ≤ Im z−iα j
, hk (z) ≤ Im z−iβj ,
k∈{k:βk <αj } k∈{k:αk >βj }
P P
em que α = αj − k∈{k:βk <αj } (βk −αk ) , β = βj − k∈{k:αk >βj } (βk −αk ) , e
z−iα z−iβ
0 ≤ h(z)−hj (z) ≤ Im z−iαj
+ Im z−iβj .
Quando z → iθ, θ ∈ ]αj , βj [ para algum j e Re z > 0 , o último termo da
desigualdade converge para 0 e hj (z) → π, pelo que h(z) → π. Logo, br pode
ser estendida por continuidade a d com o valor π. Q.E.D.
Uma onsequên ia, om (9.35), é a ondição topológi a seguinte su iente
para existên ia de solução do Problema de Diri hlet.
(10.34) Se Ω ⊂ C é um conjunto aberto tal que nenhuma das componen-
tes conexas do complementar de cada componente conexa é um ponto,
o Problema de Dirichlet em Ω com valores na fronteira dados por uma
função contı́nua em ∂Ω (com valores reais ou complexos) tem solução.

Como orolário, existe solução do Problema de Diri hlet em qualquer


região simplesmente onexa propriamente ontida em C .
(10.35) O Problema de Dirichlet numa região simplesmente conexa Ω $ C
com valores na fronteira dados por uma função contı́nua em ∂Ω tem solução.

Dem. De (10.32), nenhuma componente conexa de C\Ω é limitada, pelo que


este resultado é consequência do precedente. Q.E.D.
10.9 Funções univalentes 235

10.9 Funções univalentes


Chama-se função univalente em Ω ⊂ C a uma função omplexa holomorfa
e inje tiva em Ω . Diz-se que é função schlicht248 se, em a rés imo, Ω = B1,
f (0) = 0, f ′ (0) = 1 . Designa-se o onjunto das funções schlicht por S .
Uma função univalente f num onjunto aberto Ω ⊂ C é uma transforma-
ção de oordenadas. Do teorema de mudança de variáveis de integração para
funções de duas variáveis reais, se f = (u, v) , as equações
 de Cau hy-Riemann
impli am que o ja obiano de (x, y) 7→ u(x, y), v(x, y) é

∂u 2

∂v 2

∂v 2
∂u ∂v ∂u ∂v
∂x ∂y − ∂y ∂x = ∂x + ∂x = ∂u
∂x +i ∂x = |f ′ |2 > 0 .
Uma onsequên ia imediata é que a área do ontradomínio de f é
ZZ ZZ

Área f (Ω) = 1 = |f ′(x, y)|2 dxdy .
f (Ω) Ω
Como Ω é aberto, para ada a ∈ Ω existe um ír ulo aberto om entro em
a e raio R > 0 BR (a) ⊂ Ω e, portanto, Br (a) ⊂ Ω para 0 < r < R . Como
|f ′ |2 é ontínua no onjunto ompa to Br (a) , do Teorema de Weierstrass
de extremos de funções ontínuas,  assume
RR um valor mínimo m > 0 neste
onjunto e, portanto, Área f (Ω) ≥ B m dxdy = mπ > 0 . Logo, funções
univalentes não podem olapsar áreaa. Resume-seisto omo se segue.
1

(10.36) Se f é uma função univalente num conjunto aberto Ω ⊂ C ,


ZZ

Área f (Ω) = |f ′ (x, y)|2 dxdy > 0 .

É útil onhe er ertas onsequên ias da univalên ia de funções paras as


séries de potên ias que as representam. O resultado seguinte foi estabele ido
por T. Grönwall249 em 1914 om base em áreas serem ≥ 0 .
(10.37) Teorema de área de Grönwall: Se g ∈ M (B1 ) é P injectiva e
1 ∞ n
tem um P∞só pólo simples em 0 com resı́duo 1, i.e. g(z) = z + n=0 cn z ,
então n=0 n|cn |2 ≤ 1 ; os coeficientes da série de Taylor de g(z) − 1z em
0 satisfazems |cn | ≤ √1n , n ∈ N .

Dem. Para 0 < r < 1 , Dr = C\g(Br ) é o fecho de um domı́nio regular com


fronteira ∂Dr = g(∂B1 ) que é uma curva de Jordan regular. Considerando
248
O nome função univalente começou por ser usado para o que se chama hoje função injectiva,
mas passou a ser mais comum usá-lo para função holomorfa injectiva. O nome schlicht, que
em alemão significa simples, começou por ser usado para funções holomorfas injectivas, mas é
agora frequente utilizá-lo para funções holomoras injectivas definidas em Ω = B1 que satisfazem as
condições de normalização f (0) = 0 e f ′ (0) = 1 , convenientes para formular vários resultados
importantes, como se adopta aqui, embora esta convenção não seja universal. Em geral, os
resultados para funções schlicht podem ser adaptados por mudanças de variáveis para funções
univalentes em outros conjuntos abertos Ω relativamente a qualquer p ∈ Ω e quaisquer valores de
f (p) e de f ′ (p) 6= 0 .
249
Grönwall, Thomas (1877-1932).
236 Transformações conformes

um caminho regular simples γ : [a, b] → C tal que γ(t) = X(t) + iY (t) que
descreve ∂Dr no sentido positivo, com o Teorema de Green obtém-se
Z Z b
z dz = [X(t)−iY (t)][X ′ (t)+iY ′ (t)] dt
γ a
Z Z
= [X(t)X (t)+Y (t)Y (t)]dt + i [−Y (t)X ′ (t)+X(t)Y ′ (t)] dt
′ ′
γ γ
Z Z Z
= 21 [X 2 (t)+Y 2 (t)]′ dt + i −ydx+xdy = i 2 dxdy = 2i Área(Dr ) .
γ ∂Dr Dr
Com mudança de variáveis de integração, usando as séries para g e g ′ ,
Z Z Z  ∞
X   ∞
X 
1
Área(Dr ) = 2i 1
z dz = − 2i g(z) g ′ (z) dz = − 2i
1 1
z
+ cn z n z1 − z1 + ncn z n dz
γ ∂Br ∂Br n=0 n=0
 ∞
X Z  ∞
X   ∞
X 
1
= 2i 1
r2
− n|cn |2 r 2n 1
z
1
dz = 2i 1
r2
− 2 2n
n|cn | r 1
i2π = π r2 − 2 2n
n|cn | r .
n=0 ∂Br n=0 n=0
P∞
Como Área(Dr ) ≥ 0 , fazendo r → 1 obtém-se n=0 n|cn |2 ≤ 1 . Q.E.D.
O resultado seguinte foi obtido por L. Bieberba h em 1916.
P ′′
(10.38) Se f ∈ S, é f (z) = z + ∞ n=2 an z n e |a2 | = f 2(0) ≤ 2 , com
z P∞ n i(n−1)θ com θ ∈ R .
igualdade se e só se f (z) = (1−ze iθ )2 = n=1 nz e
P
Dem. É f (z 2 ) = z 2 G(z) , com G(z) = 1+ ∞n=2 an z
2(n−1) , que é uma função

analı́tica sem zeros em B1 . De (10.32.8), como B1 é simplesmente conexo,


G
p tem uma única raiz quadrada holomorfap em B1 igual a 1 em0 , designada
G(z) . A função complexa F (z) = z G(z) = z 1+ 12 a2 z 2+ · · · é holomorfa
em B1 , e é injectiva porque
F (z1 ) = F (z2 ) ⇒ f (z12 ) = [F (z1 )]2 = [F (z1 )]2 = f (z12 ) ⇒ z12 = z22 ⇒ z1 = ±z2 .
Como F é ı́mpar e não tem zeros, F (−z1 ) = −F (z1 ) 6= F (z1 ), e z1 = z2 .
Logo, F é univalente em B1 e, como F (0) = 0 e F ′ (0) = 1 , f ∈ S. Portanto,
g(z) = 1 = 1 − 1 a z + · · · é univalente em B1 , e, do resultado precedente,
1 2 F (z) z 2 2 1
a2 ≤ 1 e também a2 ≤ 1 . Em consequência, |a2 | ≤ 2 . Se |a2 | = 2 , do
2 2
resultado precedente, é an = 0 para n ∈ N\{1, 2}. Logo, θ ∈ R ,
2 iθ √ 
g(z) = z1 −zeiθ = 1−zz e , F (z) = 1−zz2 eiθ , f (z) = [F z ]2 = (1−zzeiθ )2 .
Q.E.D.
O ontradomínio de uma função univalente em Br (0) que é 0 e tem
derivada 6= 0 em 0 om raio que pode ser al ulado da derivada em 0 do
valor de r > 0 . Em 1907 P. Koebe provou que existe R > 0 tal que, para
qualquer função schlicht f , f (B1) ⊃ BR (0) e em 1916 L. Bieberba h provou
que o valor óptimo de R é 14 .
(10.39) Teorema de Um Quarto de Koebe: Se f ∈ S, f (B1 ) ⊃ B 1 (0).
4
Se existe c ∈ C\f (B1 ) com |c| = 14 , f (z) = (1−zzeiθ )2 com θ ∈ R , c = − 14 e−iθ.
10.9 Funções univalentes 237

P
Dem. Seja f (z) = z + ∞ n
n=2 an z . Se c ∈ C \ {0} é um valor que não é
cf (z) 
1 2
assumido por f em B1 , F (z) = c−f (z) = z + a2 + c z +· · · é holomorfa em
cf (z) cf (w)
B1 e c−f (z) = c−f (w) implica cf (z)−f (z)f (w) = cf (w)−f (z)f (w) . Portanto,
f (z) = f (w) , que, como f é injectiva, implica z 1= w, pelo que F ∈ S. Do

resultado precedente 1 aplicado a
f e F , 2 a2 + c ≤ 2 , e, da1 Desigualdade
|a |,
1 1
Triangular, |c| = c + a2 − a2 ≤ a2 + c + |a2 | ≤ 4 . Se |c| = 4 , é c = 14 e−iθ

para algum θ ∈ R , Como |a2 |, a2 + 1c ≤ 2, é a2 = 2eiθ . Logo do resultado
z ”
precedente, f (z) = (1−ze iθ )2 . Q.E.D.
Chama-se função de Koebe a k : B1 →

C om
X
k(z) = z
(1−z)2
= nz n .
n=0
A menos de rotação da variável z apare eu omo aso limite nos dois últimos
resultados anteriores. Outras fórmulas para esta função são
 1+z 2  1  1+z  
k(z) = 14 1−z −1 = 4 1−z −1 1+z 1−z +1 .
Tem-se k ∈ S e k(B1 ) = C\ ] − ∞, − 41 ] . Apesar da in lusão do ír ulo
aberto om raio 14 e entro em 0 no ontradomínio f (B1) de uma qualquer
função f ∈ S ter sido obtida muito simplesmente, é óptima.
Uma onsequên ia imediata do Teorema de Um Quarto de Koebe é que
a área do ontradomínio de uma função schlicht f é maior do que 16π , pois
Área f (B1) ≥ Área B (0) = 16π . 1

No que se segue, para z ∈ C e X ⊂ C fe hado a a distância euclidiana


4

do ponto z a X é designada d(z, S) .


1

(10.40) 4 ≤d0, ∂f (B1 ) ≤ 1 para f ∈ S .

Dem. 41 ≤ d 0, ∂f (B1 ) é imediata do Teorema de Um Quarto de Koebe.
Por outro lado, f (B1 ) não pode conter B1 , pois caso contrário f −1 (B1 ) $ B1
e, do Lema de Schwarz,|(f −1 )′ (0)| < 1 e |f ′ (0)| > 1 , em contradição com
f ∈ S. Logo, d 0, ∂f (B1 ) ≤ 1 . Q.E.D.
Este resultado adapta-se a funções univalentes em onjuntos abertos.
(10.41) Se F é uma função univalente num aberto Ω ⊂ C ,
1

′ (z)| ≤ d F (z), ∂F (Ω) ≤ d(z, ∂Ω) |F ′ (z)| ,
4 d(z, ∂Ω) |F z ∈Ω .

Dem. Para r = d(z, ∂Ω) , Br (z) ⊂ Ω . A restrição de fz (w) = F (z+rw)−F


rF ′ (z)
(z)
a
B1 é função schlicht, pelo que satisfaz as desigualdades
 do resultado prece-
dente, e d 0, ∂fz (B1 ) = r|F 1′ (z)| d F (z), ∂F Ω . Q.E.D.
A apli ação deste resultado a pontos z ∈ B1 om r = 1−|z| , que é o raio do
maior ír ulo aberto om entro em a ontido em B1 , dá para funções uni-
valentes f em B1 : 14 (1−|z|)|f ′ (z)| ≤ d(f (z), ∂f (B1 ) ≤ (1−|z|)|f ′ (z)| . Porém,
a desigualdade à esquerda pode ser melhorada se em vez de translações e
es alamento omo no resultado pre edente se usarem automorsmos de B1 .
238 Transformações conformes

(10.42) Se f é uma função univalente em B1 ,


1 2 ′
 ′
4 (1−|z| ) |f (z)| ≤ d f (z), ∂f (B1 ) ≤ (1−|z|) |f (z)| , z ∈ B1 .

w+z
 ′ 2 ′
Dem. A função gz (w) = f 1+zw é univalente em B1 e gz (0) = (1−|z| )f (a) ,
pelo que Gz (w) = g(1−|z|
z (w)−gz (0)
2 )f ′ (z) é uma função schlicht. Do penúltimo resultado
1
 1 2 ′
anterior, 4 ≤ d 0, ∂Gz (B1 ) . Logo, 4 (1−|z| ) |f (z)| ≤ d f (z), ∂f (B1 ) .
A desigualdade à direita é a que precede o enunciado. Q.E.D.
Outra onsequên ia de (10.38) é o resultado seguinte om que se pode
obter o Teorema de Distorção por funções schlicht que se lhe segue. No
essen ial, foi obtido em 1916 por L. Bieberba h.
′′ (z) 2|z|2
(10.43) zff ′ (z) −
1−|z|2
≤ 4|z| 2 para z ∈ B1 , f ∈ S.
1−|z|

Dem. Para cada z ∈ B1 seja Fz : B1 → C tal que Fz (w) = f ((w+z)/(1+zw))−f


(1−|z|2 )f ′ (z)
(z)
.

f ((w+z)/(1+zw))
′ ′
Fz ∈ H(B1 ), Fz (w) = f ′ (z)(1+zw)2 , Fz (0) = 0, Fz (0) = 1 e Fz é injectiva, de
w1 +z
 w2 +z
 w1 +z w2 +z
Fz (w1 ) = Fz (w2 ) ⇒ f 1+zw 1
= f 1+zw 2
⇒ 1+zw 1
= 1+zw 2

⇒ w1 +zw1 w2 +z+|z|2 w2 = w2 +zw1 w2 +z+|z|2 w1


⇒ (w1 −w2 )(1−|z|2 ) = 0 ⇒ w1 = w2 .
f ′′ (z)(1−|z|2 )
Logo, F ∈ S, e, de (10.38), |Fz′′ (0)| ≤ 4 . Como Fz′′ (0) = f ′ (z) − 2z,
a
desigualdade precedente é a do enunciado. Q.E.D.

(10.44) Teorema de Distorção: Se f ∈ S, para todo z ∈ B1 ,


1−|z| 1+|z|
(1+|z|)3
≤ |f ′ (z)| ≤ (1−|z|)3 ,

|z| |z| 1−|z| zf ′ (z)| 1+|z|


≤ |f (z)| ≤ (1−|z|)
(1+|z|)2 2 , 1+|z| ≤ f (z) ≤ 1−|z| .

Dem. Seja h(r, θ) = reiθ para r ≥ 0 , θ ∈ R , e f0 = f ◦h, f1 = f ′ ◦h, f2 = f ′′ ◦h .



2 ∂r ∂
log |f1 | = ∂r log |f1 |2 = |f11|2 ∂r

|f1 |2 = |f11 |2 ∂r

(f1 f1 )

= r|f11 |2 (f2 hf1 +f1 f2 h) = r|f21 |2 Re(hf2 f1 ) = 2r Re h ff21 .

Logo, ∂r

log |f1 | = 1r Re h ff21 , e, como |Re(z)| ≤ |z| , do resultado precedente,
2r−4 2r 2
 2r 2
1−r 2
= 1r ( 1−r 4r
2 − 1−r 2 ≤ ∂r

log |f ′ (reiθ )| ≤ r1 ( 1−r 4r 2r+4
2 + 1−r 2 ) = 1−r 2 .

2r−4 ′ iθ
Portanto, 1−r 2 ≤ ∂r log |f (re )| ≤ 1−r 2 e, integrando de 0 a r, como
∂ 2r+4

Z r Z rh  i
2r±4 2r 2 2 2 2 2
1−r 2 dr = 1−r 2 ± 1+r 1−r dr =− log(1−r )±[ log(1+r) −log(1−r) ]
+
0 0
(1±r) 2
1±r
= log (1−r)(1+r)(1∓r)2 = log (1∓r)3 ,

′ iθ
é log (1+r) 3 ≤ log |f (re )| ≤ log (1−r)3 , que, como o logaritmo real é crescente,
1−r 1+r

a
são as 1 s desigualdades no enunciado.
10.9 Funções univalentes 239

 
Analogamente, ∂r ∂
log |f0 | = 1r Re h ff10 , pelo que |f10 | ∂r ∂
|f0 | = r1 Re h ff01 e


|f0 | = |fr0 | Re h ff01 . Logo, ∂r ∂
|f0 | ≤ |fr0 | |h| |f 1 | = |f | e, da majoração nas 1a s
1
∂r

|f0 |
r
′ 1+r
desigualdades no enunciado, ∂r |f (re )| ≤ (1−r)3 . Como (1−r)
∂ 1+r
2 = (1−r)3 , in-
r
tegrando de 0 a r , |f (reiθ )| ≤ (1−r) a
2 , que é a majoração nas 2 s desigualdades

no enunciado.
′ Para obter a minoração nestas desigualdades, observa-se que
r 1−r r 1
(1+r)2 = (1+r)3 ≥ 0 para 0 < r < 1 , pelo que (1+r)2 ≤ 4 e, portanto, se
|f (z)| ≥ 41 , a minoração pretendida verifica-se trivialmente; resta prová-la
para o caso de ser |f (z)| < 14 . Neste caso, do Teorema de Um Quarto de
Koebe, o segmento de recta de 0 a z está contido em f (B1 ) , e, como f tem
inversa holomorfa, é a preimagem de uma curva descrita por um caminho
regular simples de 0 a z , γ : [0, 1] → B1 , e f ◦γ descreve o segmento de recta
de 0 a z . Logo, o argumento principal de (f ◦γ)′ = (f ′ ◦γ)γ ′ é constante e
igual ao argumento principal de z e
Z Z 1 Z 1
′ ′
|f (z)| = f (w) dw = (f ◦γ)γ = |(f ′ ◦γ)γ ′ | eiArg z

γ 0 0
Z 1 Z 1 Z 1 Z |z|
iArg z ′ ′ ′ ′ 1−|γ| |z|
= e |(f ◦γ)γ | = |f ◦γ||γ | ≥ (1+|γ|)3
|γ ′ | = 1−s
(1+s)3
ds = (1+|z|)2 ,
0 0 0 0
com a mudança de variável de integração s = |γ(t)| na penúltima igualdade.
As últimas desigualdades no enunciado, que são muito melhores
do que as que resultam directamente das anteriores, obtêm-se, tal
como na prova de (10.42),
 com a função schlicht Gz (w) = g(1−|z|
z (w)−gz (0)
2 )f ′ (z) , em que
w+z a
gz (w) = f 1+zw , e aplica-se as 2 s desigualdades no enunciado a
−f (z)
z 7→ Gz (−z) . Como Gz (−z) = (1−|z| 2 )f ′ (z) ,

|z| |f (z)| |z|


(1+|z|)2
≤ (1−|z|2 )|f ′ (z)|
≤ (1−|z|)2
,
que equivale a

1−|z| (1−|z|)2 (z) (1+|z|)2
1+|z| = (1−|z|2 )
≤ z ff (z) ≤ (1−|z|2 )
= 1+|z|
1−|z| .
Q.E.D.

O Teoremas de Distorção e o Teorema de Um Quarto de Koebe dão:



(10.45) d f (z), f (∂B1 ) > 161 (1−|z|)2 , para z ∈ B1 , f ∈ S.

Dem. De (10.42), d f (z), f (∂B1 ) ≥ 14 (1 − |z|2 )|f ′ (z)| . Da desigualdade à
direita nas desigualdades para |f ′ (z)| no Teorema de Distorção precedente,
 1−|z| 1 (1−|z|)2
d f (z), f (∂B1 ) ≥ 14 (1−|z|)(1+|z|) (1+|z|) 1 2
3 = 4 (1+|z|)2 > 16 (1−|z|) .

Q.E.D.

Do Teorema de Distorção é que S é uniformemente lo almente limitada,


pelo que se tem o resultado seguinte de ompa idade.
240 Transformações conformes

(10.46) S é uma famı́lia normal e sucessões em S que convergem têm


limite em S.

Dem. Como S é uniformemente localmente limitada, do Teorema de Montel,


S é uma famı́lia normal de funções. Do Teorema de Weierstrass de sucessões
de funções (6.14), os limites de sucessões em S uniformemente convergen-
tes em subconjuntos compactos de B1 são funções holomorfas em B1 e, do
Teorema de Injecção de Hurwitz, são funções injectivas. Como as funções
em S satisfazem as condições de normalização de terem valor 0 e derivada 1
em 0, também os limites de sucessões em S as satisfazem. Logo, limites de
sucessões em S convergentes pertencem a S. Q.E.D.
Uma onsequên ia quase imediata do Teorema de Distorção é que, nas
ondições de hipótese desse teorema, se γr (θ) = reiθ , para 0 < r < 1 , n ∈ N ,
os oe ientes an da série de Taylor de f em 0 satisfazem
Z Z 2π Z 2π
1 f (z) 1 |f (reiθ )| 1 r 1
|an | = i2π z n+1 dz ≤ 2π r n+1 r dθ ≤ 2π r n+1 (1−r)2 r dθ = r n−1 (1−r)2 ,
γr 0 0
 
o que, omr = 1− n1 = , dá |an | ≤ 1+ n−1n2 para n ∈ N . Como
1 −1
1+ n−1 1
n−1

ր e estritamente, é |an | < en2 . Em 1925 J.E. Littlewood obteve


n
un = 1+ 1

majorações melhores, de ordem n em vez de n2, omo se segue.


n

P∞ n,
(10.47) Se f ∈ S, com f (z) = n=1 an z |an | ≤ en para n ∈ N .

Dem. Considera-se
p a função schlicht usada na prova de (10.38),
P f (z 2 )
F (z) = z G(z) = ∞ n a2
n=1 bn z , com b1 = 1 e b2 = 2 , em que G(z) = z 2 .
Z 2π Z 4π Z 2π Z 2π ∞
X
|f (ρ2 eiθ )|dθ = 21 |f (ρ2 eiθ )|dθ = |f (ρ2 ei2t )|dt = |F (ρeit )|2 dt = 2π |bn |2ρ2n ,
0 0 0 0 n=1
com a última igualdade da Fórmula de Parseval para séries de potências (5.15).
De (10.36) e da Fórmula de Parseval (5.15), para 0 < r < 1 ,
ZZ Z 2πZ r
 ′
Área F Br (0) = 2
|F (x, y)| dxdy = |F ′ (reiθ )|2 r drdθ
Br (0) 0 0
Z 2πZ r X∞
2
Z 2πZ r X ∞
iθ 2n−1
= nbn (re ) r drdθ = n2 |bn |2 r 2n−2 r drdθ
0 0 0 0 n=1
n=1
X∞ Z r X∞ X∞
= 2π n2 |bn |2 r 2n−1 dr = 2π n2 |bn |2 2n r = π n|bn |2 r 2n .
1 2n

n=1 0 n=1 n=1


|z| |z|
Do Teorema de Distorção, |f (z)| ≤ |F (z)| ≤ 1−|z|
(1−|z|)2
, pelo que
e, por-
 r
 2 r2
tanto, F BP r (0) ⊃ BR (0) , com R = F (Br (0)) ≤ π (1−r2 )2 .
1−r 2
. Logo, Área
Portanto, n=1 n|bn |2 r 2n−1 ≤ (1−rr 2 )2 . Integrando de 0 a ρ ambos os lados
P ρ2
desta desigualdade, ∞ 2 2n
n=1 |bn | ρ ≤ 1−ρ2 . Desta desigualdade e da igualdade
no 1o parágrafo desta prova,
Z 2π
ρ2
1
2π |f (ρ2 eiθ )| dθ ≤ 1−ρ 2 .
0
10.9 Funções univalentes 241

Com esta estimativa e ρ2 = r, a estimativa de |an | no inı́cio do parágrafo que


precede o enunciado pode ser melhorada para
Z 2π
1 |f (reiθ )|
|an | ≤ 2π rn dθ ≤ rn−11(1−r) ,
0
que é uma estimativa como a obtida no parágrafo que precede o enunciado,
mas diminuindo de 2 para 1 a ordem da potência de (1−r) no denominador,
pelo que, com r = 1− n1 tal como no parágrafo referido, a ordem da potência
n no numerador desce de 2 para 1 e obtém-se |an | ≤ en para n ∈ N . Q.E.D.
Com a função de Koebe obtém-se que as estimativas no Teorema de
Distorção e a onstante 161 em (10.45) são óptimas.
Para provar que o oe iente do termo do 3o grau da série de Taylor em
0 satisfaz |a3 | ≤ 3 K. Löwner onstruiu aproximações de uma função univa-
lente em B1 por funções univalentes numa família ontinuamente res ente
de sub onjuntos de B1 obtidos retirando-lhe a urva des rita on atenando
um aminho regular simples que des reve o segmento de re ta da origem a
um ponto em ∂B1 om um aminho regular que des reve ∂B1 num dos senti-
dos om iní io e m no ponto em que o segmento de re ta termina e passando
só uma vez em ada um dos outros pontos de ∂B1 , e,então, en urtando on-
tinuamente a urva ao onsiderar pontos ini iais ao longo do segmento radial
aproximando-se do ponto deste em ∂B1 , para as quais obteve estimativas do
valor absoluto do oe iente do termo de 3o grau da série de Taylor que, no
limite, dão a estimativa pretendida.

(a)
0
B1

Figura 10.13: Corte no cı́rculo B1 ao longo de curva descrita pela concatenação γ :


[0, 1] → B1 , injective in [0, 1[ , de 2 caminhos regulares, o 1o descrevendo o segmento
radial de 0 a γ(a) ∈ ∂B1 e o 2o descrevendo ∂B1 com ambas as extremidades γ(a)
Para des rever o Método de Löwner250 omeça-se por onsiderar fun-
ções univalentes f : B1 → B1 om f (0) = 0 e f ′(0) > 0 , e um aminho
se ionalmente regular simples γ : [0, 1] → B1 , om parâmetro o ompri-
mento de ar o, que des reve um segmento de re ta da origem a γ(1) ∈ ∂B1
(Figura 10.13). Designa-se Bt = B1\ γ([0, t]) ; em parti ular Bt = B1 para
250
Descreve-se aqui o caso mais simples de cortes de B1 ao longo de um raio com comprimento
decrescente para 0 , como considerado por K. Löwner em 1923, chamados em inglês slit discs. O
método foi depois estendido por vários autores, especialmente Pavel Kufarev (1909–1968) em 1943,
para famı́lias contı́nuas de regiões simplesmente conexas de C a um parâmetro (real) {Bt }t∈[0,+∞[
com Bs ⊃ Bt para s < t , chamadas Cadeias de Löwner, que têm sido utilizadas em outros
problemas.
242 Transformações conformes

t=1. Como Bt é uma região simplesmente onexa, do Teorema do Mape-


amento de Riemann, existe uma transformação onforme ft de B1 sobre Bt
que, sem perda de generalidade, satisfaz ft(0) = 0 , ft′(0) > 0 . De (10.12), ft
tem uma  extensão ontínua a B1 e existe um úni o ponto λ(t) ∈−1∂B1 tal que
ft λ(t) = γ(1) para t ∈ ]0, 1[ . Para 0 ≤ s < t ≤ 1 a função hst = ft ◦fs satisfaz
hst (0) = 0 e h′st (0) > 0 , é uma
 transformação onforme de B1 sobre B1 \Sst∗ ,
em que Sst∗ = ft γ([s, t]) é uma urva em B1 om uma extremidade
−1
 em
λ(t) , hst pode ser estendida a B1 por ontínuidade e Sst ∗ =h
st σst , em que

∗ = f −1 γ([s, t]) é um ar o da ir unferên ia ∂B que ontém λ(s) . Com
σst s 1
t xo, se s ր t , a urva Sst ∗ en olhe para {λ(t)} e o ar o de ir unferên ia
∗ en olhe para {λ(s)}, omo se prova mais à frente (Figura 10.14).
σst

(a)
(s)
0
B1

Figura 10.14: Regiões simplesmente conexas Bt = B1 \γ([0, t]) expandindo


para B1 quando t ր 1 à medida que um corte em B1 ao longo de um raio
encolhe, com um caminho γ como na figura precedente e 0 ≤ s < t ≤ 1
Como para 0 ≤ s < t ≤ 1 a função hst é holomorfa de B1 em B1, não é
uma rotação e hst(0) = 0 , do Lema de S hwarz, |hst (z)| < |z| para z ∈ B1, o
que, om w = fs(z) , dá |ft−1(w)| < |z| = |fs−1(w)| para w ∈ Bs. Logo, para
w ∈ Bs xo, t 7→ |ft−1 (w)| é estritamente de res ente, para z ∈ B1 , t 7→ |ft (z)|
é estritamente res ente, e
|fs (z)| |ft (z)|
|fs′ (0)| = lim ≤ lim = |ft′ (0)| ,
z→0 |z| z→0 |z|
em que não se veri a igualdade porque hst não é uma rotação nem a iden-
tidade, e, omo fs′ (0), ft′ (0) > 0 , t 7→ ft′(0) é estritamente res ente.
Como h′st(0) existe, a função z 7→ h z(z) tem uma singularidade removível
st

em 0 e pode ser estendida a uma função holomorfa em B1 om valor h′st(0) > 0


e a uma função ontínua em B1 .ZDa Fórmula de Poisson na forma (9.8),

hst (z) eiθ +z
log z = 1
2π eiθ −z
log |hst (eiθ )| dθ .
0
Como |hst (z)| = 1 para z ∈ B1 \σst∗ , a função integranda anula-se para todos
valores de θ ex epto argumentos de pontos do ar o de ir unferên ia σst∗ .
Logo, om z = fs−1(w) , Z θst,2 iθ
f −1 (w) e +fs−1 (w)
log ft−1 (w) = 1
2π eiθ −fs−1 (w)
log |hst (eiθ )| dθ ,
s
θst,1
em que θst,1 < θst,2 são argumentos das extremidades do ar o ∗
σst om
θst,2 − θst,1 < 2π , e para w = 0 é
Z θst,2
fs′ (0)
log f ′ (0) = 2π log |hst (eiθ )| dθ .
1
t
θst,1
10.9 Funções univalentes 243

Do parágrafo pre edente, t 7→ ft′(0) é estritamense res ente, e, portanto,


limsրt fs′ (0) ≤ ft′ (0) , pelo que limsրt fs′ (0) = e−α ft′ (0) om α ≥ 0 , e
R
1 θ
limsրt 2π log |hst (eiθ )| dθ = −α . Como σst
st,2
θ
∗ en olhe para {λ(s)} quando

sրt , limsրt θst,1 = limsրt θst,2 é um argumento de λ(t) , que se designa θt .


st,1

Da última igualdade do período pre edente, limsրt log |hst (eiθ )| = −2πα , e t

da fórmula anterior para log ff (w) ,


−1
t (w)
−1
s
 
λ(s)+z
lim fs−1 (w) = z exp λ(s)−z (−α) .
sրt
Do Teorema de Montel (10.6), para t ∈ [0, 1[ xo, {hst : s < t ≤ 1} é uma
família normal. Logo, em sub onjuntos ompa tos de B1 qualquer su essão
destas funções tem uma subsu essão uniformemente onvergente para uma
função holomorfa em B1 e, omo estas funções são inje tivas, do Teorema de
Inje ção de Hurwitz (6.17), as funções limite são inje tivas. Se fosse α > 0 ,
λ(t)−rλ(t) (−α) = −∞ e limsրt fs (w) = 0 , em ontradição om
seria limrր1 λ(t)+rλ(t) −1

o que obteve a ima. Logo,


α = 0 , lim fs′ (0) = e−αft′ (0) = ft′ (0) , lim fs−1 (w) = z = ft−1 (w) , lim hst (z) = z,
sրt sրt sրt
uniformemente em sub onjuntos ompa tos de B1 . A prova garante que
hst tende para a identidade quando sրt uniformemente em sub onjuntos
ompa tos de B1 . Em parti ular, as funções t 7→ ft−1(0) e, para ada w ∈ Bt,
t 7→ ft−1 (w) são ontínuas à esquerda.
Para 0 ≤ s < t ≤ 1 om s xo e tցs , omo Sst∗ en olhe para um ponto,
qualquer que seja ε∈ ]0, 1[ para t su ientemente próximo de s , h−1 st está
denida em B1−ε (0) . Do Lema de S hwarz, |hst (ζ)| < 1−ε |ζ| , pelo que,
−1 1

para w = fs (ζ) é |ft−1(w)| ≤ 1−ε


1
|fs−1 (w)| . Do penúltimo parágrafo anterior,
|fs (w)| < |ft (w)| para w ∈ Bt , e |fs−1 (w)| < |ft−1 (w)| ≤ 1−ε
−1 −1 1
|fs−1 (w)| , o
que, omo ε ∈ ]0, 1[ pode ser tomado arbitrariamente próximo de 0 , impli a
que t 7→ |ft−1| é ontínua à direita. A ontinuidade à direita de t 7→ ft−1 e de
t 7→ ft′ (0) pode-se provar om a Fórmula de Poisson.
Na des rição ini ial do Método de Löwner diz-se que a urva Sst∗ en olhe
para {λ(t)} e o ar o de ir unferên ia σst∗ en olhe para {λ(s)} quando sրt , o
que se prova agora om o Prin ípio do Argumento. Do Prin ípio de Simetria
de S hwarz (ver exer í io 6.9), as funções hst e h−1 st podem ser estendidas a
funções holomorfas em, resp., C\σst∗ e C\Sst∗ , e estas extensões podem ser
obtinuamente estendidas a C\f  s γ(]t, 1]) . Para ε > ε , Bε λ(t) ontém
−1 ′ ′

a imagem do ír ulo Bε λ(t) se ε > 0 su ientemente pequeno e para s


su ientemente próximo de t , se ε′ < |p−λ(t)| < ε, então IndS (p) = 0 , em que
Sst é um aminho se ionalmente regular simples que des reve a urva Sst ∗ .
st

Para apli ar a argumentaçãopre edente, é pre iso garantir que hst(z) → z


uniformemente em ∂Bε λ(t) , mas até agora só temos isso assegurado em

sub onjuntos ompa tos de C \ Sst∗ . Representando hst pela Fórmula de


Cau hy om integral na ir unferên ia
 om entro 0 e raio 2, obtém-se que
o integral de hst em ∂Bε λ(t) tende para 0 quando ε′ → 0 , e, portanto,
244 Transformações conformes

hst (z) → z uniformemente em sub onjuntos ompa tos de C \ {λ(t)} . Em


onsequên ia, Sst∗ en olhe para {λ(t)} quando s ր t . Como IndS (p) = 0 ,
hst −p tem o mesmo no de zeros e pólos fora de Bε λ(t) . Como hst tem um
st

pólo em ∞ , assume em algum ponto o valor p e, omo hst não tem valores
em Sst∗ , Sst∗ ⊂ C\Bε λ(t) .
A prova de σst∗ en olher para λ(s) quando t ց s é a mesma, om h−1 st em
vez de hst .
Como λ(t) ∈ Sst∗ e λ(s) ∈ σst∗ , a função t 7→ λ(t) é ontínua.
Con lui-se assim a argumentação para estabele er rigorosamente a vali-
dade do Método de Löwner para ír ulos om ranhura.
É útil observar que, omo t 7→ ft′(0) é estritamente res ente, pode-se
es olher para parâmetro log ft′(0) em vez de t , e então ft′(0) = et . Com este
parâmetro, f0(z) = z e a igualdade a ima,
Z θst,2
fs′ (0)
log ft′ (0) = 1
2π log |hst (eiθ )| dθ ,
passa a ser
θst,1
Z θst,2
s−t = 1
2π log |hst (eiθ )| dθ ,
θst,1 R st,2
e derivando ambos os lados em ordem a t dá θθst,1 log |hst (eiθ )| dθ = −1 . Por
outro lado, a igualdade a imaZ
θst,2 iθ
f −1 (w) e +fs−1 (w)
log ft−1 (w) = 1
2π eiθ −fs−1 (w)
log |hst (eiθ )| dθ ,
s

θst,1
Z θst,2 iθ
e +fs−1 (w) ∂

∂t log ft−1 (w) = 1
2π eiθ −fs−1 (w) ∂t
log |hst (eiθ )| dθ
θst,1
Z θst,2
eiθ +fs−1 (w) ∂
= 1
lim 2π eiθ −fs−1 (w) ∂t
log |hst (eiθ )| dθ
sրt θst,1
Z θst,2
λ(t)+ft−1 (w) ∂ λ(t)+f −1 (w)
= 1
lim 2π λ(t)−ft−1 (w) ∂t
log |hst (eiθ )| dθ = − λ(t)−ft−1 (w) ,
sրt θst,1 t

em que na última igualdade se usou a fórmula obtida derivando a igualdade


pre edente em ordem a t . Logo, om w = ft(z) ,
∂ft−1 (w) λ(t)+f −1 (w) λ(t)+z
∂t = −ft−1 (w) λ(t)−ft−1 (w) = −z λ(t)−z .

Derivando em ordem a t ,
t
ft−1 ft (z) = z
∂ft−1 (w) ∂ft−1 (w) ∂ft (z)
∂t + ∂w ∂t = 0,
 ∂ −1
e, omo ∂ −1
∂w ft (w) = ∂w ft (z) ,
∂ft λ(t)+z ∂ft
∂t (z) = z λ(t)−z ∂z (z) .
Com a notação f˙(t, z) = ∂f∂t
t (z)
,
f ′ (t, z) = ∂f∂z
t (z)
esta equação é
f˙(t, z) = z λ(t)+z ′
λ(t)−z f (t, z) ,
que é uma equação diferen ial par ial linear de 1a ordem hamada equação
diferencial de Löwner. A família {ft }t∈[0,+∞[ é hamada uma cadeia de
Löwner de f .
10.9 Funções univalentes 245

A majoração óptima do valor absoluto do oe iente do termo de 3a


ordem da série de Taylor em 0 de uma função schlicht foi obtida em 1923
por K. Löwner om este método omo se faz a seguir251 .
P ′′′
(10.48) Se f ∈ S com f (z) = z + ∞ n=2 an z n , é |a3 | = f 3!(0) ≤ 3 , com
z P∞ n i(n−1)θ com θ ∈ R .
igualdade se e só se f (z) = (1−ze iθ )2 = n=1 nz e

Dem. As funções associadas à cadeia de Löwner parametrizada de modo a


ft′ (0) = et têm expansões
 em série de potências
 de z

X
ft (z) = et z+ an (t)z n , com lim an (t) = an .
t→+∞
n=2
Esta série pode ser derivada termo a termo com os coeficientes expressos
por integrais de Cauchy e trocando a derivada com o integral. A equação
diferencial
 de Löwner dá para  os coeficientes de z 2 e z 3  
et λ(t) [ a2 (t)+ ȧ2 (t) ]−1 z 2 + λ(t) [ a3 (t)+ ȧ3 (t)−a2 (t)− ȧ2 (t) ] z 3
   
= et λ(t) 2a2 (t)+1 z 2 + λ(t) 3a3 (t)+2a2 z 3 .
Igualando os coeficientes de z 2 , ȧ2 (t)−a2 (t) = λ(t)
2
; Zlogo,
+∞
−t

∂t
[e−t a2 (t)] e
= 2 λ(t) , e−t a2 (t) = −2 e−τ 1
λ(τ )
dτ ,
Z +∞ Z +∞ t
t−τ 1 t−τ
|a2 (t)| ≤ 2 e |λ(τ )| dτ = 2 e dτ = 2 , t>0 .
t t
Portanto, |a2 | = lim |a2 (t)| ≤ 2 , dando uma prova de |a2 | ≤ 2 com o Método
t→+∞
de Löwner, em alternativa a (10.38) com o Teorema de Área de Grönwall.
Igualando os coeficientes de z 3 na igualdade  no4 parágrafo2precedente,
1
ȧ3 (t)−2a3 (t) = λ(t) 3a2 (t)+ ȧ2 (t) = λ(t) a2 (t)+ λ2 (t) ,
∂ −2t −2t 4 2

pelo que ∂t [e a3 (t)] = e λ(t) a2 (t)+ λ2 (t) . Logo,
Z ∞ 2 Z ∞
e−2t a3 (t) = 4 e−τ λ(τ
1
)
dτ − 2 e−2τ λ21(τ ) dτ .
t t
Com θ(t) um argumento de λ(t) e tomando as partes reais,
Z ∞ 2 Z ∞ 2 Z ∞
e−2t Re a3 (t) = 4 e−τ cos θ(τ ) dτ −4 e−τ sin θ(τ ) dτ −2 e−2τ [2 cos2 θ(τ )−1] dτ.
t t t
Ccom a Desigualdade de Cauchy-Schwarz na 1a parcela e −1 ≤ 2 cos2 θ(τ )−
1 ≤ 0 na 3a parcela,
Z e desprezando a 2a parcela,
Z
∞ ∞
e−2t Re a3 (t) < 4 e−τ (e−t −e−τ ) cos2 θ(τ ) dτ + e−2t ≤ 4 e−τ (e−t −e−τ ) dτ +e−2t = 3e−2t .
t t
Portanto, Re a3 = lim Re a3 (t) ≤ 3 . Aplicando isto a e−iα f (eiα z) com
t→+∞
α ∈ R , as partes reais dos correspondentes coeficientes dos termos do ordem
3 das resp. fórmulas de Taylor em 0 são majoradas por 3 e como para
diferentes valores de α estes coeficientes rodam em torno de 0 longo numa
circunferência de raio |a3 | , é |a3 | ≤ 3 . Q.E.D.
251
A majoração óptima para o termo de 2a ordem também se obtém com o Método de Löwner na
prova. Em 1974 Zeev Nehari (1915-1978) obteve a majoração óptima do termo de 4a ordem com
o Método de Löwner (embora Z. Charzynski e I. Schiffer já tivessem obtido em 1960 uma prova
mais simples deste resultado provado pela 1a vez em 1955 por P. Garabedian e I. Schiffer com uma
prova intrincada). Contudo, apesar de insistentes tentativas, não foi possı́vel provar a Conjectura
de Biberbach para qualquer outra ordem > 4 com o método de Löwner, até este método ser uma
das ideias principais da prova da Conjectura de Bieberbach por L. de Branges em 1985.
246 Transformações conformes

No nal da introdução a este apítulo referem-se su essivas melhorias


de estimativas dos oe ientes da série de Taylor em 0 de funções schlicht,
baixando a onstante e nas estimativas dobtidas por J.E.Littlewood (10.47)
em 1925 su essivamente para 2ε (módulo a adição de 1,51), 1,243, 1,08, 1,0657,
em resp., 1951, 1965, 1972, 1978, até hegar ao valor óptimo 1 da Função
de Koebe om a prova da Conje tura de Bieberba h por L. de Branges em
1985. Antes desta prova as úni as estimativas óptimas que tinham sido
estabele eidas eram para ordens n = 2, 3, 4, 6, 5 , em, resp., 1916, 1923, 1955,
1968, 1972; não só eram pou os, omo o progresso foi lento, om uma média
de apenas um em ada 14 anos.
L. de Branges estabele eu a Conje tura de Bieberba h provando a
Conjectura de Milin (1971): Se f ∈ S, para os coeficiente dj dos termos
de ordem j da série de Taylor em 0 do ramo de 21 log f (z)
z que é 0 na origem
X n

(n+1−j) j|dj |2 − 1j ≤ 0 , n ∈ N ,
que só tinha sido provada para n = 2, 3 , por A. Grinshpan252 em 1972, e,
j=1

omo I. Milin tinha provado em 1971, impli a a validade da


Conjectura de Robertson (1936) : Se f ∈ S é ı́mpar, as médias aritmé-
ticas dos quadrados dos valores absolutos dos 1o s n coeficientes de ordem
ı́mpar da fórmula de Taylor em 0 são ≤ 1 para todo n ∈ N ,
que M. Robertson provou em 1936 impli a a da Conje tura de Bieberba h.
Para provar que a validade da Conje tura de Milin impli a a da Conje -
tura de Robertson, usa-se uma desigualdade obtida por N.A. Lebedev e I.
Milin em 1965 que rela iona os oe ientes das séries de Taylor em 0 de uma
função holomorfa numa vizinhança da origem e de um dos seus logaritmos.
Esta é uma de três desigualdades úteis que obtiveram ao onstatarem que é
mais fá il estimar os oe ientes das séries de Taylor de logaritmos de fun-
ções schlicht do que os das próprias funções, ao melhorarem as estimativas
de J.E. Littlewood em (10.47) para menos de metade, mais expli itamente
para |an | < 1,243 n , para n ∈ N .
(10.49) 2aP Desigualdade de Lebedev-Milin:
Se ψ(z) = ∞ j=0 βP
j
j z com β0 = 1 tem raio de convergência positivo,

ϕ(z) = log ψ(z) = j=1 δj z j tem o mesmo raio de convergência e
Xn  Xn 
1 2 1 2 1

n+1 |βj | ≤ exp n+1 (n+1−j) j|δj | − j , n ∈ N ,
j=0 j=1
que se pode encurtar
Pn substituindo
Pm a expressão
 para onde se avalia a
2
exponencial por m=1 j=1 j|δj | − j .
1

Dem. A afirmação sobre os raios de convergência deixa-se como exercı́cio,


assim como verificar que ψ ′′ = ψϕ′ . Então,
X∞ X∞ X∞ ∞ X
X n
nβn z n−1 = βn z n nδn z n−1 = mβm δn−m z n−1 ,
n=1 n=1 n=1 n=1 m=1
252
Grinshpan, Arcadii (1945-).
10.9 Funções univalentes 247

P
pelo que βn = nm=1 mβm δn−m . Da Desigualdade de Cauchy-Schwarz para
o produto interno canónico em Cn ,
Xn Xn n
X n−1
X
2 2 2 2 2 2 2
n |βn | ≤ m |βm | |δn−m | = m |βm | |δn |2 = An Bn ,
m=1 m=1 m=1 m=0
Pn 2 2
Pn−1
com An = m=1 m |βm | , Bn = m=0 |δn |2 .

An −n
 An −n
Bn = Bn−1 +|δn |2 ≤ Bn−1 1+ n2 = Bn−1 n+1An n+1 n(n+1)
n 1+ n(n+1) ≤ Bn−1 n e .
Aplicando sucessivamente esta desigualdade recursiva, como β1 = 1 ,
n
!
X Aj −j
Bn ≤ (n+1) exp j(j+1) , n∈N .
j=1
Aplicando a fórmula para somas análoga à de integração por partes
Xn n
X
xj (yj+1 −yj ) = [xn yn+1 −x1 y1 ] − (xj −xj−1 )yj
j=1 j=2
à1a soma na 2a
versão da expressão no enunciado em que a exponencial é
avaliada, com xj = Aj −j e yj = − 1j ,
n
X n
Aj −j  n −n
 X  
j(j+1) = − An+1 +(A1 −1) + (Aj −j)− Aj−1 −(j −1) 1j
j=1 j=2
n
X n
X n
X n
X n
X
1 2 2 2
= n
n+1 −An n+1 + (Aj −Aj−1 ) 1j − 1
j = j|β j | − 1
n+1 j |β j | + n
n+1 − 1
j
j=2 j=2 j=2 j=1 j=2
n
X n
X
  
1
= n+1 (n+1−j)j|βj |2 +1− n+1
j = 1
n+1 (n+1−j) j|βj |2 − j .
1

j=1 j=1
Usando esta desigualdade na majoração de Bn acima e a fórmula de defi-
nição de Bn , obtém-se a desigualdade no enunciado. A forma alternativa
no enunciado para a expressão em que a exponencial é avaliada obtém-se
trocando a ordem das somas e, depois, calculando a soma em m . Q.E.D.

Provam-se a seguir as onje turas de Milin, Robertson e Bieberba h,


mostrando que a validade da Conje tura de Robertson impli a a da Conje -
tura de Bieberba h e a da Conje tura de Milin impli a a da Conje tura de
Robertson, e provando a Conje tura de Milin om adeias de Löwner, omo
na prova da Conje tura de Bieberba h dada por L.de Branges em 1985, mas
om a prova mais dire ta de L. Weinstein em 1991 e a simpli ação de um
passo dessa prova por S. Ekhad e D. Zeilberger publi ada em 1994.
(10.50) Validade daP Conjectura de Bieberbach:
Se f ∈ S, com f (z) = ∞ n
n=1 an z , |an | ≤ n para n ∈ N .

Dem. Considera-se a função schlicht utilizada na prova de (10.38),



p  X
F (z) = z G(z) = z 1+ a22 z 2 +· · · = b2j−1 z 2j−1 , com b1 = 1, b3 = a22 ,
j=1
248 Transformações conformes

2) Pn
e G(z) = f (z
z 2 . Como f (z 2 ) = [F (z)]2 , é a =
n j=1 b2(n−j)+1 b2j−1 , da
Desigualdade de Cauchy-Schwarz para o produto interno canónico em Cn ,
n 2 n n
X X X
1 2
|a | =
b2(n−j)+1 b2j−1 ≤ n1 2 1
|b2(n−j)+1 | n |b2j−1 |2 .
n2 n
j=1 j=1 j=1

Logo, se a Conjectura de Robertson é válida, cada factor no lado direito


desta desigualdade é majorado por 1, pelo que n12 |an |2 ≤ 1 e |an | ≤ n, ou seja
a Conjectura de Bieberbach é válida.
Se a Conjectura de Milin é válida, para qualquer função schlicht √ 
ı́mpar Fe
P  e ( z) 2 e
com Fe(z) = ∞ e(z)]2 , é F √
2j+1 e fe∈ S tal que fe(z 2 ) = [F = f (z)
j=0 β2j+1 z z z
e
em B1√menos o semieixo real negativo. Logo, 21 log f (z)
z é o ramo do logaritmo
Fe√
( z) P∞ j
de = j=0 β2j+1 z que é zero em 0 , cuja série de Taylor em 0 é
P∞ z j a
j=1 j . Da 2 Desigualdade de Lebedev-Milin (10.49),
d z
Xn  n
X 
1 2 1 2 1

n+1 |β2j+1 | ≤ exp n+1 (n+1−j) j|δj | − j ≤ 1 , n ∈ N ,
j=0 j=1
Pn+1
pelo que 1
n+1 j=1 |β2j+1 |2 ≤ 1 , e a Conjectura de Robertson é válida.
Resta provar a Conjectura de Milin.
A função definida pela série de potências centrada em 0 com coeficientes
que são as expressões na desigualdade da Conjectura de Milin
X∞ X n 
2 1
 n+1
ω(z) = (n+1−j) j|dj | − j z ,
n=1 j=1

em que dj são os coeficientes dos termos de ordem j da série de Taylor em 0


do ramo de 21 log f (z)
z que é 0 na origem. Esta série converge absolutamente
em B1 , pelo que a ordem dos termos pode ser trocada, o que dá
∞ X
X ∞ 
n+1

ω(z) = (n+1−j)z j|dj |2 − 1j
j=1 n=j
∞ X
X ∞  ∞
X
m+j
 
= mz j|dj |2 − 1j = k(z) j|dj |2 − 1j z j ,
j=1 m=0 j=1
z P∞ m é a Função de Koebe. Com a função
em que k(z) = (1−z) 2 = m=0 mz  ϕ(t,z)
ϕ : [ 0 , +∞ [×B1 → B1 tal que ϕ(t, z) = k−1 e−t k(z) , é k(z) = et [ 1−ϕ(t,z) ]2 ,
que é uma função analı́tica com contradomı́nio B1 menos o raio no semieixo
real negativo, e {ϕ(t, z)}t∈[0,+∞[ é uma Cadeia de Löwner para a função de
Koebe. Derivando ambos os lados em ordem a t e designando a derivada
1−ϕ
parcial de ϕ(t, z) em ordem a t por ϕ̇ , obtém-se ϕ̇ = −ϕ 1+ϕ . Designando
dj (t) o coeficiente do termo de ordem j da série de Taylor em 0 do ramo de
1 f (t,z)
2 log z considerado, em que {f (t, z)}t∈[0,+∞[ é uma Cadeia de Löwner de
f correspondente a cortes em B1 ao longo do raio no semieixo real negativo.
10.9 Funções univalentes 249

Como a série converge uniformemente em subconjuntos compactos de B1 ,


pode ser derivada termo a termo,
 ∞
X   X

ϕ 2
 j ϕ ϕ̇( 1−ϕ )2 +ϕ 2[1−ϕ]ϕ̇ 

∂t et ( 1−ϕ )2 j|dj | − 1
j ϕ = e t
( 1−ϕ )2 + ( 1−ϕ )4 j|dj |2 − 1j ϕj
j=1 j=1

X ∞
X
ϕ
   j
+ et ( 1−ϕ )2

j ∂t |dj |2 − 1j ϕj = k ∂ 2 1
∂t j|dj | − j ϕ .
j=1 j=1

Como ϕ(z, 0) = z , lim ϕ(z, t) = 0 e dj (0) = dj , é


t→+∞
Z +∞ ∞
X
ϕ  1  j 
ω(z) = et ( 1−ϕ )2

∂t
2
j −j|dj (t)| ϕ (t, z) dt .
0 j=1
P∞ 
Deixa-se como exercı́cio que, como f (t, z) = et z exp
verificar253 j=1 dj (t) z
j
z
e (1−z) t ϕ(t,z)
2 = e [1−ϕ(t,z)]2 , é

 1 2
 j  1−ϕ(t,z) X

∂t j −j|dj (t)| ϕ (t, z) = 1+ϕ(t,z) Aj (t) ϕj (t, z) ,
j=1
em que  2 
j
X

Aj (t) = Re CTz
p(t, z) 1+2 m j
m dm (t)z −j dj (t)z ϕj ,
m=1
e CTz [g(z)] é o termo constante (de ordem 0) de uma função g com desen-
˙
volvimento em série de Laurent na origem, p(t, z) = ff′(t,z) ˙ ′
(t,z) e f (t, z), f (t, z)
são as derivadas parciais de f (t, z) em ordem a, resp., t, z , pelo que
Z +∞ ∞
X
ϕ(t,z)
ω(z) = et 1−ϕ 2 (t,z) Aj (t) ϕj (t, z) dt .
0 j=1
Com o desenvolvimento em série de Taylor em 0 das funções analı́ticas de
ϕj+1 (t,z) P∞ n
z , para cada t ≥ 0 fixo, 1−ϕ 2 (t,z) = n=1 cjn (t)z , é
Z +∞X ∞ X ∞ X∞ Z +∞X ∞ 
t n t
ω(z) = e cjn (t)z Aj (t) dt = e cjn (t)Aj (t) dt z n .
0 j=1 n=1 n=1 0 j=1
Como a Conjectura de Milin equivale aos coeficientes da série de Taylor de ω
em 0 serem ≥ 0 e, da equação diferencial de Löwner, p(t, w) = λ(t)+z
λ(t)−z , em que
λ(t) ∈ ∂B1 , pelo que Re p(t, z) > 0 , para provar a validade da Conjectura de
Milin é suficiente provar que cjn (t) ≥ 0 para t ≥ 0 , j, n ∈ N .
Observou-se acima que o contradomı́nio de ϕ é B1 menos o raio no se-
mieixo real negativo. Para α ∈ R que não é múltiplo inteiro de π o contrado-
z
mı́nio da função hα (z) = 1−2z cos α+z 2 definida em B1 é um conjunto aberto
com cortes no eixo real e ϕ(t, z) = h−1 −t
β e hα (z) para um par (α, β) ∈ R
2

apropriado. É cos α = (1−e−t )+e−t cos β, e


 
ϕ 1−ϕ2 ϕ 1+eiβ ϕ
hα = et hβ ◦ϕ = et1−ϕ 2 1−2ϕ cos β+ϕ2
= et1−ϕ 2 Re 1−eiβ ϕ

ϕ P∞ j  t ϕ P∞ P∞
= et1−ϕ 2 1+2 j=1 ϕ cos jβ = e 1−ϕ2 +2 j=1 cos jβ
n
n=1 cjn (t)z .
253
Esta é a simplificação por S. Ekhad e D. Zeilberger em 1994 referida antes do resultado.
250 Conformal mappings

Os coeficientes da série de Taylor centrada em 0 da função


√ ∞
X
hα (z)
η(z) = z = √ 1
1−2z cos α+z 2
= Pn (cos α)z n
n=0
são os polinómios de Legendre calculados em cos α . Do teorema de adição
de polinómios de Legendre254 , se cos α = cos2 θ+sin2 θ cos β, é
Xn
(n−j)!
Pn (cos α) = [Pn (cos θ)]2 +2 j 2
(n+j)! [Pn (cos θ)] cos jβ ,
j=1
pelo que, com sin2 θ = e−t , obtém-se uma representação de η da forma

X X∞ X ∞ 
2 n (n−j)! 2 n
η(z) = νn z + 2 (n+j)! µjn z cos jβ , com νn , µjn ∈ R , j, n ∈ N ,
n=0 j=1 n=j
logo, com todos coeficientes ≥ 0 , pelo que elevando ao quadrado obtém-se
cjn (t) ≥ 0 para t ≥ 0 , j, n ∈ N , o que termina a prova. Q.E.D.

Exercises
10.1 Prove: Seja Ω ⊂ C uma região que contém o zero. Uma função h : Ω → B1 é um
homeomorfismo de Ω em B1 com h(0) = 0 se e só se para todas funções holomorfas
injectivas f com f (0) = 0 , é |h| ≥ |f | em Ω e |h(p)| = |f (p)| num ponto p ∈ Ω.
(Sugestão: Aplique o Lema de S hwarz a f ◦h−1 ).
10.2 Prove o Teorema de Study: Seja f uma transformação conforme  de B1 sobre
Ω ⊂ C . Se Ω é um conjunto convexo (resp., em estrela), f Br (0) também é convexo
(resp., em estrela), para 0 < r < 1 . (Sugestão: Aplique o Lema de S hwarz).
10.3 Prove:
a) Generalização do Lema de Schwarz: Se f ∈ H(B1 ) e a1 , . . . , an ∈ B1 são
Q
zeros distintos de f , |f (z)| ≤ supB1 |f | n j=1 |gaj (z)| para z ∈ B1 , em que
z−a
Qn ga (z) = 1−az
para a, z ∈ B1 , e verifica-se igualdade se e só se f (z) = η supB1 |f | j=1 gaj (z) , em
Q
que η ∈ ∂B1 . (Sugestão: Como na prova do Lema de S hwarz om g = hf e h = n j=1 gaj ).
255
b) Desigualdade de Jensen : Se f ∈ H(B1 ) e a1 , . . . , an∈B1 são zeros distintos
de f , |f (0)| ≤ |a1 | · · · |an | supB1 |f | . (Sugestão: Aplique o resultado de a) om z = 0 .)
10.4 Prove: Se Ω ⊂ C é uma região, a ∈ Ω e f ∈ H(Ω\{a}) é tal que f (Ω\{a}) = D é
limitado, f tem uma singularidade removı́vel em a . Se, além disso, f é injectiva,
f (a) ∈ ∂D.
10.5 Prove: Não existem funções holomorfas injectivas que transformam Br (0)\{0} sobre
a coroa circular {z ∈ C : r < |z| < R}, em que 0 < r < R.
10.6 Prove: Se Ω $ C é uma região simplesmente conexa simétrica em relação ao eixo
real e f é uma transformação conforme de Ω em B1 que transforma um ponto a do
eixo real na origem com f ′ (a) 6= 0 , a imagem da parte de Ω no semiplano complexo
superior está contida em um dos semiplanos complexos superior ou inferior.
254
Os polinómios de Legendre, introduzidos em 1782 por A.-M. Legendre no artigo Sur
l’attraction des sphéroı̈des homogènes de 1785, são úteis em Teoria de Potencial com simetria es-
férica. Embora possam ser definidos de várias maneiras, uma definição é pelos coeficientes Pn (x),
|x| ≤ 1 , da fórmula de Taylor em 0 do potencial de uma carga eléctrica situada em 0 em pontos
a distância 1 da origem
P com projecção ortogonal sobre um plano que passa em 0 à distância x :
(1−2zx+z 2 )−1/2 = ∞ n
n=0 Pn (x)z . O teorema de adição de polinómios de Legendre dá uma fórmula
análoga à do coseno de uma diferença, especificamente:
n
se cos α = cos θ1 cos θ2 +sin θ1 sin θ2 cos β,
X (n−j)!
Pn (cos α) = Pn (cos θ1 )Pn (cos θ1 2)+2 (n+j)! n
P j (cos θ1 )Pnj (cos θ2 )cos jβ ,
j=1 j j
em que Pnj são os polinómios de Legendre associados, Pnj (x) = (1−x2 ) 2 dx
d
j Pn (x) . Encontram-se
provas deste resultado em livros clássicos de Fı́sica-Matemática.
255
Foi obtida independentemente em 1898-99 por J.L. Jensen e em 1899 por Julius Peterson
(1839-1910). A prova aqui sugerida é de C. Carathéodory e L. Fejér em 1907.
Exercises of chapter 10 251

10.7 Prove: Se Ω = {z : Re z > 0}, f ∈ H(Ω) é injectiva, Re f > 0 e f (a) = a para algum
a ∈ Ω , |f ′ (a)| ≤ 1 .
10.8 Prove: A famı́lia das funções holomorfas com partes reais positivas numa região
Ω $ C é normal.
n
10.9 Prove: A famı́lia das funções complexas z 7→ z , com n ∈ N∪{0}, definidas em B1
ou em C\B1 é normal, mas não é normal se as funções são definidas numa região
com pelo menos um ponto de ∂B1 .
10.10 Prove: Seja f ∈ H(C) . A famı́lia das funções complexas f (cz), com c ∈ C, é normal
em cada coroa circular {z ∈ C : r < |z| < R}, em que 0 < r < R, se e só se f é
polinomial.
256
10.11 Prove o Teorema de Convergência de Blaschke
P {fn } ⊂ H(B1 ) é uma
: Se
sucessão limitada e existe uma sucessão {ak } ⊂ B1 tal que ∞ k=1 (1−|ak |) diverge e
lim fn (ak ) existe para todo k ∈ N, {fn } converge uniformemente em subconjuntos
n→+∞
compactos de B1 .
257
10.12 Prove o Teorema de Convergência de Osgood : Se {fn } é uma sucessão
de funções holomorfas numa região Ω ⊂ C que converge pontualmente para
uma função f em Ω (i.e. para cada a ∈ Ω a sucessão numérica {fn (a)} converge
para f (a) ), então {fn } converge uniformemente em subconjuntos compactos de um
subconjunto denso de Ω , e f é holomorfa nesse subconjunto.
(Sugestão: Prove que se F é uma família pontualmente limitada de funções ontínuas
em Ω , existe Ω
e ⊂ Ω aberto tal que a a família das restrições dos elementos de F a Ω
e é
lo almente limitada em Ω e aplique o Teorema de Vitali).
e
10.13 Prove: Dado um caminho γ : [a, b] → C e um conjunto aberto Ω ⊂ C , se f : γ ∗× Ω → C
é localmente limitada, para cada w ∈ γ ∗ z 7→ f (w, z) é holomorfa em Ω e para
cada z R∈ Ω w 7→ f (w, z) é integrável à Riemann no caminho γ, então a função
F (z) = γ f (w, z) dw é holomorfa em Ω , para cada z ∈ Ω w 7→ ∂f (w, z) é integrável
R ∂z
à Riemann no caminho γ e F ′ (z) = γ ∂f ∂z
(w, z) dw .
(Sugestão: Aplique o Teorema de Vitali).
10.14 Prove: Coroas circulares são conformes se e só se têm quocientes dos raios iguais.
10.15 Chama-se ponto simples da fronteira de um onjunto aberto Ω ⊂ C a a ∈ ∂Ω tal
que para toda a su essão {an } ⊂ Ω om an → a existe uma urva em Ω que passa
su essivamente pelos pontos desta su essão e termina no ponto a ∈ ∂Ω , ou seja se
existe um aminho γ : [0, 1] → Ω∪{a} om γ(t) ∈ Ω para todo t ∈ [0, 1] e uma su essão
estritamente res ente {tn } ⊂ [0, 1] om tn → 1 tais que γ(tn ) = an .

(a) Prove: Se Ω ⊂ C e para cada ε > 0 existe uma vizinhança V de a ∈ ∂Ω contida


em Bε (a) tal que V ∩Ω é conexo, então a é um ponto simples da fronteira de Ω .
(b) Prove: Se Ω ⊂ C é uma região simplesmente conexa e todo a ∈ ∂Ω é ponto
simples da fronteira de Ω , toda transformação conforme de Ω sobre B1 pode ser
estendido a um homeomorfismo de Ω sobre B1 .
(Sugestão: Estenda a transformação onforme f de B1 sobre Ω a uma função ontínua de
B1 em Ω , observando que se {zn }, {wn } ⊂ B1 são su essões om limites iguais a b ∈ ∂B1 ,
lim f (zn ) = lim f (wn ) . Prove que a extensão obtida é uma bije ção.).
10.16 Prove a Fórmula de Schwarz-Christoffel258 : As transformações conformes F
de B1 sobre
R wpolı́gonos
Q com ângulos internos αk π, para k ∈ {1, . . . , n}, são da forma
F (w) = C 0 n k=1 (ξ − wk )αk −1 dξ + K, com wk ∈ S 1 = ∂B1 e C, K ∈ C (Figura
10.15).
(Sugestão: Considere g(ζ) = f (zk + ζ αk ), em que zk é o vérti e do polígono que or-
responde ao ângulo αk π e f é uma transformação onforme do polígono sobre B1 , ob-
tenha uma inversa lo al de g numa vizinhança de ζ = 0 e prove que F = f −1 satisfaz
256
Foi provado por W. Blaschke em 1915, com os teoremas de Vitali e Montel.
257
Foi provado por W. Osgood em 1901.
258
Foi estabelecida em 1867-1869. Elwin Bruno Christoffel (1829-1900).
252 Conformal mappings

F (z)−zk = (w −wk )αk Gk (w) , em que Gk é holomorfa e não tem zeros numa vizinhança
Q
de wk . Prove que H(w) = F (w) n k=1 (w−wk )
1−αk é holomorfa e não tem zeros em B , e
1
que é onstante).

Figura 10.15: Transformação conforme entre B1 e um polı́gono


10.17 Designam-se os pontos de pontos de Lobatchevski259 ou pontos-Λ e
B1 por
1
os ar os de ir unferên ias ortogonais a S = ∂B1 ontidos em B1 por re tas de
Lobatechevski ou rectas-Λ. É possível mostrar que se obtém um modelo260 da
Geometria de Lobatchevski ou Geometria Hiperbólica.
a) Identique uma transformação de Möbius de B1 sobre o semiplano superior om-
plexo, para obter um modelo da Geometria Hiperbóli a neste semiplano, no qual
as re tas-Λ são as semi ir unferên ias de entros no eixo real.

b) Prove: Por qualquer par de pontos-Λ distintos passa uma e só uma recta-Λ.
) Prove: Por um ponto-Λ exterior a uma recta-Λ passam infinitas rectas-Λ que
não intersectam a recta dada.
Portanto, veri a-se o axioma do paralelismo da Geometria Hiperbólica.

d) Prove: As transformações bijectivas de B1 em B1 que transformam rectas-Λ


em rectas-Λ e preservam os ângulos são os automorfismos conformes. Assim, o
grupo dos automorfismos conformes desempenha na geometria hiperbólica o papel
do grupo das transformações afins na geometria euclideana.
e) Os automorsmos onformes de B1 podem ser lassi ados dependendo se têm
1
1 ponto xo ( hamado centro-Λ) em B1 , 2 pontos xos em S ou um ponto xo
1
em S . Identique as orrespondentes lasses de Aut B1 da forma λT om a ∈ B1
e λ∈C om |λ| = 1 , indi ando os orrespondentes valores de a e λ. Des reva geo-
metri amente os movimentos denidos por estas transformações, designados resp.
por rotações de Lobatchevski ou rotações-Λ, translações de Lobatchevski
ou translações-Λ e translações limite de Lobatchevski ou translações-Λ
limite. As traje tórias orrespondentes hamam-se, resp., (1) circunferências
de Lobatchevski, circunferências-Λ ou ciclos de Lobatchevski, (2) equidis-
tantes de Lobatchevski, equidistantes-Λ ou hiperciclos de Lobatchevski, e
(3) horociclos de Lobatchevski (Figura 10.16).

Prove: Os ciclos de Lobatchevski são circunferências euclideanas em relação às


quais z e z ∗ são simétricos (ver exercı́cio 3.22), em que z é o centro-Λ e z ∗ é o
ponto simétrico de z em relação à circunferência S 1, os hiperciclos são arcos de
circunferências euclideanas que passam nos dois pontos fixos correspondentes ao
segmento de recta definido por estes pontos, e os horociclos são circunferências
euclideanas tangentes a S 1 no correspondente ponto fixo (Figura 10.16).
259
Nikolai Ivanovich Lobatchevski (1793-1856). Foi um dos fundadores das geometrias não eu-
clidianas, juntamente com C.F. Gauss e János Bolyai (1802-1860), que foram enquadradas num
contexto geral comum proposto por B. Riemann em 1854 com a introdução da Geometria Ri-
emanniana, que também incluiu a geometria de dimensão > 3 introduzida por Hermann Grass-
mann (1809-1877) em 1844 e A. Cayley em 1843 e só aceite com generalidade depois do trabalho de
B. Riemann. Quando iniciou actividades na Universidade de Erlangen em 1872 F. Klein defendeu
que toda geometria é o estudo dos invariantes de um grupo. Esta perspectiva, que ele próprio ilus-
trou para a geometria euclideana e para as geometrias não euclidianas de Lobatchevski e Bolyai,
ficou conhecida por Programa de Erlangen.
260
H. Poincaré obteve a medalha da Sociedade de Fı́sica e Matemática de Kazan 1904 por ter
descoberto este modelo em 1882.
Exercises of chapter 10 253

Figura 10.16: Ciclos, hiperciclos e horociclos de Lobatchevski


10.18 a) Chama-se transformação de Möbius normalizada a T (z) = az+b cz+d
, om
ad − bc = 1 . Prove: Toda transformação de Möbius tem precisamente duas re-
presentações normalizadas (com coeficientes que diferem por trocas de sinais).
b) Chama-se grupo especial linear de matrizes omplexas 2×2 ao grupo das
matrizes omplexas da forma
 
a b
, com ad−bc = 1 ,
c d
om o produto de matrizes, designado SL(2, C) .
Prove: Toda transformação de Möbius tem precisamente duas representações (que
diferem por troca de sinal) por matrizes de SL(2, C) e a composição de transforma-
ções de Möbius corresponde ao produto de matrizes.
) Mostre que a orrespondên ia da alínea anterior não pode ser modi ada de
modo a eliminar a ambiguidade de sinal das representações matri iais.
(Sugestão: Considere as transformações T0 (z) = z , T1 (z) = −z , T2 (z) = 1z , T4 (z) = − z1 , e
observe que T2 ◦T1 = T1 ◦T2 = T3 ).
d) Prove: As transformações de Möbius podem ser classificadas com base nos seus
pontos fixos como se segue:
1. Infinitos pontos fixos: Transformação identidade;
2. Precisamente 2 pontos fixos distintos (podendo um ser ∞ ):
Transformações com representações por matrizes de SL(2, C) diagonalizáveis
e com valores próprios distintos λ e λ1 ;
3. Precisamente 1 ponto fixo:
Transformações com representação matricial em SL(2, C) não diagonalizá-
veis, i.e. semelhantes à matriz acima com a = d = 1, c = 0 e b 6= 0 .
Diz-se que as transformações do tipo 3 são parabólicas, e as do tipo 2 são hiper-
bólicas se os valores próprios são reais e são elı́pticas se os valores próprios têm
módulo 1 (Figura 10.17). As restantes transformações do tipo 2 são omposições
de transformações hiperbóli as e elípti as, e designam-se por loxodrómicas.

Figura 10.17: Tranformações de Möbius parabólicas, hiperbólicas e elı́pticas


e) Prove: Uma transformação de Möbius normalizada como em a) é parabólica, hi-
perbólica, elı́ptica, loxodrómica se e só se, resp., a+d = ±2, −2 < a+d < 2, (a+b) ∈ C\R.
254 Conformal mappings

f ) Prove:
1.Uma transformação de Möbius T tal que para algum n ∈ N é T n (z) = z para
todo z ∈ C, é elı́ptica.
2. Uma transformação de Möbius hiperbólica ou loxodrómica T é tal que {T n (z)}
converge para um ponto fixo quando n → +∞ (resp., n → −∞) para todo z ∈ C
que não é ponto fixo; diz-se que o ponto xo é um atractor (resp., repulsor).
n
3. Uma transformação de Möbius parabólica T é tal que tal que {T (z)} converge
para o ponto fixo quando n → ±∞ ; diz-se que o ponto fixo é homoclı́nico.
g) Prove: Os “movimentos” da Geometria Hiperbólica considerados no exercı́cio pre-
cedente — rotações, translações e translações limite de Lobatchevski — são trans-
formações de Möbius, resp., elı́pticas, hiperbólicas e parabólicas.
h) Prove: As representações por matrizes em SL(2, C) de transformações de Möbius
que transformam B1 em si próprio são da forma
 
1 −γ
±λ , com λ, γ ∈ C, |λ| = 1, |γ| < 1 .
−γ 1
i) Prove:As representações por matrizes em SL(2, C) de transformações de Möbius
que transformam o eixo real em si próprio são as matrizes com componentes reais.
j) Prove: As transformações de Möbius que correspondem a rotações da Superfı́cie
Esférica de Riemann em SL(2, C) têm representação matricial (ver exercı́cio 3.20)
 
δ −γ
, com δ, γ ∈ C, |δ|2 +|γ|2 = 1 .
γ δ
Observe que om δ = (p, q) e γ = (r, s) é
         
δ −γ 1 0 i 0 0 −1 0 −i
=p +q +r +s , com p2 +q 2 +r 2 +s2 = 1 ,
γ δ 0 1 0 −i 1 0 −i 0
que dá a representação lássi a do grupo das rotações por quaterniões261 .

Factorização e prescrição de zeros de funções holomorfas limitadas em B1


10.19 Do Teorema de Liouville, não é possível pres rever arbitrariamente zeros isolados
para funções limitadas holomorfas em todo plano omplexo, pois estas são ne es-
sariamente onstantes, mas é possível pres revê-los para funções limitadas em sub-
onjuntos abertos limitados do plano omplexo. A pres rição de zeros de funções
holomorfas limitadas no ír ulo aberto B1 om raio 1 e entro 0 leva à onsideração
de produtos de Blas hke, que desempenham neste aso o papel dos produtos de

261
O corpo dos números complexos C estende o corpo dos números reais R. Qualquer corpo
que estende R também é um espaço linear real. C é um espaço linear real de dimensão 2. Não
há mais corpos que sejam espaços lineares de dimensão finita e estendam R. Enfraquecendo
as propriedades básicas da multiplicação de um corpo sem exigir comutatividade obtém-se a
noção de anel de divisão. Os quaterniões H são um anel de divisão que estende os anéis de
divisão C e R. Qualquer anel de divisão que estende R também é um espaço linear real. H é
um espaço linear real de dimensão 4 ; é o subespaço do espaço linear real das matrizes complexas
2 × 2 gerado pelas quatro matrizes no lado direito da igualdade que precede a referência a esta
nota de pé de página: 1, I, J, K = IJ. As regras básicas da multiplicação (não comutativa) de
quaterniões são: q1 = q = 1q para todo q ∈ H , I2 = J2 = 1, IJ = −IJ = K, JK = −KJ = I,
KI = −IK = J. Os quaterniões foram introduzidos numa publicação de W.R. Hamilton de 1853.
Em 1878 Ferdinand Georg Frobenius (1849-1917) estabeleceu que não há mais anéis de divisão
que são espaços lineares de dimensão finita e estendem R e C. Enfraquecendo ainda mais as
propriedades da multiplicação não exigindo associatividade obtém-se precisamente uma outra
estrutura algébrica que estende R, C e H: os números de Cayley ou octoniões, que apareceram
em 1845 numa publicação de A.Cayley. A prova que não há mais estruturas algébricas de dimensão
finita com as propriedades referidas foi obtida em 1958 conjuntamente por J. Milnor e Raoul Bott
(1923-) e, independentemente, por Michel Kervaire (1927-2007). J. Milnor recebeu a Medalha
Fields em 1962 por ter provado que uma superfı́cie esférica de dimensão 7 pode ter várias estruturas
diferenciais, o que levou à criação da Topologia Diferencial.
Exercises of chapter 10 255

Weierstrass no aso de funções holomorfas gerais. Chama-se produto de Blas-


chke262 a uma função B : B1 → C tal que
Y
B(z) = z k an −z |an |
1−an z an
,
n
em que k ∈ N ∪ {0} e a1 , a2 , . . . é uma sequên ia nita ou innita numerável de pon-
tos isolados de B1 \{0}, ou B(z) = 1 . No 1o aso hama-se produto de Blaschke
infinito e nos dois últimos asos produto de Blaschke finito. Prove:
P
a) Um produto de Blaschke B da forma acima tal que n (1−|an |) converge é uma
função holomorfa tal que |B(z)| ≤ 1 cujos zeros são a1 , a2 , . . . , e a origem se k ∈ N ,
com multiplicidade do zero an o no de termos de valor an na sequência e multi-
plicidade do zero na origem k . A sucessão de produtos parciais do produto infinito
na fórmula de B é uniformemente convergente em subconjuntos compactos de B1 .
(Sugestão: Aplique o Exer í io 8.22).
b)
Plimitada f ∈ H(B1 ) são a1 , a2 , . . . repetidos de acordo
Se os zeros de uma função
com a resp. multiplicidade, ∞ n=1 (1−|an |) converge).
(Sugestão263 : Sem perda de generalidade, f (0) 6= 0 pois se f (z) tem um zero em 0 de
multipli idade k pode-se substituí-la pela função obtida dividindo-a por z k . Suponha
P∞
n=1 (1−|an |) = +∞ e aplique os Exer í ios 8.20. ) e 10.3.b).)
) Prove: As condições seguintes são equivalentes:
(1) Existe uma função limitada f ∈ H(B1 ) com zeros arbitrários a1 , a2 , . . . repetidos
de acordo
P com a resp. multiplicidade;
(2) ∞ n=1 (1−|an |) é convergente (condição de Blaschke);
Q a −z |a |
(3) O produto de Blaschke B(z) = z k n 1−a n
n z an
n , em que k é o no de termos 0 em

a1 , a2 , . . . e o produto é para n tal que an 6= 0 , é uma função limitada holomorfa em


B1 cujos zeros são os termos da sequência considerada, cada um com multiplicidade
que é o no de vezes que ocorre na sequência.
d) Se f, g ∈ H(B1 ) são limitadas e têm os mesmos valores em cada um dos termos
de uma P sequência finita ou infinita numerável a1 , a2 , . . . de pontos isolados de B1
tal que ∞ n=1 (1−|an |) = +∞ , então f = g .
e) Teorema de factorização para funções holomorfas limitadas em B1 :
Se f ∈ H(B1 ) é limitada, existe um produto de Blaschke B e uma função g ∈ H(B1 )
tais que f = eg B .
f ) Mostre que não existe qualquer função limitada não identi amente nula e holo-
morfa em B1 om zeros em ada um dos pontos 1− n1 , n ∈ N .

Exercı́cios com funções harmónicas


10.20 Este exer í io destina-se a provar a armação na se ção 10.5 que qualquer região
multiplamente onexa Ω⊂C om one tividade n∈N é onforme a uma região
anóni a do tipo das onsideradas nessa se ção, seguindo os passos seguintes:

(1) Designe E0 , E1 , . . . , En−1 as omponentes onexas de C\Ω, em que E0 é


a omponente ilimitada. Prove: Ω é onforme a uma região multiplamente
onexa e
Ω om a mesma one tividade e fronteiras das omponentes onexas
e
C\Ω orrespondentes E0 , E1 , . . . , En−1 designadas, resp., Ee0 , E
e1 , . . . , E
en−1
urvas fe hadas analíti as designadas, resp., e e e e
C0 , C1 , . . . , Cn−1 , om E0 ilimi-
tada e e ⊂ (C\ E
Ω e1 )∩B1 (0) . (Figura 10.18)
(Sugestão: Aplique o Teorema do Mapeamento de Riemann 1o a E0 e depois, su-
essivamente pela ordem de enumeração adoptada, ao omplementar de ada uma
das omponentes onexas do omplementar das imagens pelas transformações on-
formes que forem sendo obtidas, transformando ada região onsiderada no exterior
de B1 (0) e mantendo ∞ xo).
262
Foi introduzido por Wilhelm Blaschke (1885-1962) em 1915.
263
A prova sugerida foi dada em 1918 por E. Landau.
256 Conformal mappings

(2) Prove: Os problemas de Diri hlet na região e


Ω obtida em (1) om ondi-
ções na fronteira de valores iguais a 1 numa das urvas ek
C e a 0 nas urvas
ej om j 6= k têm
C soluções úni as e designe-as por, resp., ωk para ada
k = 0, 1, . . . , n−1 .
(3) Chama-se a ada uma das funções ωk obtidas em (2) medida harmónica264
de ek
C em relação à região e.

Prove: 0 < ωk (z) < 1 para k = 0, 1, . . . , n − 1 e e
z∈Ω e ada ωk pode ser
estendida a uma função harmóni a no fe ho de e.

(Sugestão: Para a última parte onsidere transformações onformes om Ck trans-
formada numa ir unferên ia e aplique o Prin ípio de Simetria (ver exer í io 6.9)).

Figura 10.18: Transformação conforme de Ω para


região com fronteira união de curvas analı́ticas
(4) Considere as urvas C e0 , C
e1 , . . . , C
en−1 des ritas por aminhos fe hados regu-
lares simples, om C e0 no sentido positivo e as outras no sentido negativo.
Prove: Os i los representados por ada um de aminhos formam uma base
de homologia para os i los em e e a matriz [αjk ]n−1,n−1 om omponentes
Ω j,k=1
que são os períodos de homologia dos diferen iais harmóni os onjugados de
R ∂ωk
ada ωk , αjk = ds (ver exer í io 9.8), é não singular.
C ∂nj
(Sugestão: Com o Prin ípio de Simetria verique que uma ombinação linear
Pn−1
j=1 λj ωj que é a parte real de uma função f ∈ H(Ω) pode ser estendida a uma
e
função holomorfa no fe ho de Ω onstante em ada urva C
e en−1 , e, om o
e1 , . . . , C
Prin ípio do Argumento, que a função é onstante e tem parte real nula em Ω e ).

(5) Prove: Existe um integral de valores múltiplos f (z) om períodos de homo-


logia e2 , . . . , C
±i2π em C0 e C1 e todos os períodos de homologia zero em C en−1 .
(Sugestão: O sistema de equações [αjk ][λ1 , . . . , λ1 n − 1]t = [−2π, 2π, 0, . . . , 0]t tem
solução úni a.).

Figura 10.19: Região canónica para região multiplamente conexa Ω


(6) Prove: A função F (z) = ef (z) em que f é a função obtida em (5) é uma
transformação conforme de Ω e sobre a coroa circular 1 < |w| < eλ1 menos
n−2 arcos concêntricos das circunferências |w| < eλj , j = 2, . . . , n−1 (Figura
10.19). (Sugestão: Aplique o Prin ípio do Argumento).
264
A noção de medida harmónica foi introduzida por R. Nevanlinna em 1936.
Exercises of chapter 10 257

10.21 Seja Ω⊂C uma região tal que nenhuma omponente onexa do seu omplementar
no plano omplexo estendido C∞ é um ponto, e a ∈ Ω . Chama-se função de
Green265 de Ω om singularidade em a a z 7→ G(z, a) harmóni a em Ω\{a} tal que
g(z) = G(z, a)+ log |z−a| é harmóni a numa vizinhança de a e G(z, a) → 0 quando
z → b ∈ ∂Ω∞ , em que ∂Ω∞ designa a fronteira de Ω em C∞ . Prove:
a) Existência e Unicidade da Função de Green: Existe uma e só uma função
G : {(z, a) ∈ Ω× Ω : z 6= a} → C tal que z 7→ G(z, a) é a função de Green de Ω com
singularidade em a .
b) A função de Green de um cı́rculo Br (a) ⊂ C , em que r > 0 , com singularidade
em a ∈ C é G(z, a) = − log |z−a|
r
(Figura 10.20).

Figura 10.20: Função de Green de um cı́rculo com singularidade no centro


) Invariância das Funções de Green sob Transformações Conformes: Se
T é uma transformação conforme entre regiões Ω1 , Ω2 ⊂ C, a1 ∈ Ω1 e a2 = T (a1 ) ,
G1 é uma função
 de Green de Ω1 com singularidade em a1 se e só se G2 (z, a2 ) =
G1 T −1 (z), a1 é uma função de Green de Ω2 com singularidade em a2 .
d) Se Ω $ C é uma região simplesmente conexa, a ∈ Ω e T é uma transformação
conforme de Ω sobre B1 tal que T (a) = 0 , a função de Green de Ω com singulari-
dade em a é G(z, a) = − log |T (z)| .
e) Seja Ω $ C uma região multiplamente conexa com conectividade n ∈ N (ou sim-
plesmente conexa com n = 0 ) com fronteira que é a união de n curvas de Jordan
analı́ticas266 C0 , C1 , . . . , Cn−1 , e z 7→ G(z, a) é a função de Green de Ω com singu-
laridade em a . Então:
1. G(z, w) = G(w, z) para todo z, w ∈ Ω
2. Se z 7→ H(z, a) é a função harmónica conjugada de z 7→ G(z, a) , H tem perı́odo
de homologia 2π numa circunferência com centroR em a e raio suficientemente
pequeno e tem perı́odos de homologia Pk (a) = C∗dG(z, a) , em que Ck são
k
ciclos em Ω , k = 0, 1, . . . , n−1. Os perı́odos de homologia Pk (a) são iguais às
medidas harmónicas ωk (a) multiplicadas por 2π (ver o exercı́cio precedente).
(Sugestão: Use o exer í io 9.8).
10.22 Seja Ω ⊂ C um domínio regular, i.e. uma região limitada tal que ∂Ω é uma urva de
Jordan des rita por um aminho de Jordan regular γ, e seja z 7→ G(z, a) a função
de Green de Ω om singularidade em a . Prove:
2 1
a) Se u ∈ C (Ω) ∩ C (Ω) é uma função com valores reais,
Z Z
u(z) = u ∂G
∂n
(·, z) ds + u(x+iy) G(x+iy, z) dxdy .
γ Ω

265
As funções de Green foram introduzidas por G. Green em 1828 no trabalho Essay on the
Application of Mathematical Analysis to the Theory of Electricity and Magnets.
266
Como se viu no exercı́cio anterior, com transformações conformes preliminares, se necessário,
é sempre possı́vel conseguir esta situação.
258 Conformal mappings

R R 
(Sugestão: Aplique a Fórmula de Green Ω (u∆v−v∆u) = ∂Ω
∂v
u ∂n ∂u
−v ∂n ds , que pode ser
obtida om o Teorema da Divergên ia em R2 ).
b)A solução do Problema
R de Dirichlet ∆u = 0 em Ω , u = f em ∂Ω , em que f é C 1
em ∂Ω , é u(z) = γ f ∂G
∂n
(·, z) ds .
Verique que para Ω = BR (a) esta é a Fórmula de Poisson obtida no apítulo 8.

)A solução da equação de Poisson267 ∆u = ρ em Ω , com condições de Dirichlet


na fronteira, u = f em Z∂Ω , em que f é ZC 1 em ∂Ω , é
u(z) = f ∂G
∂n
(·, z) ds + ρ(x+iy) G(x+y, z) dxdy .
γ Ω
10.23 Prove: A função de Green do cı́rculo BR (0) é (Figura 10.21)
h 2 2  i
G(re , ρeiψ ) = 4π
iθ 1
log R2 + rRρ2 −2rρ cos(θ−ψ) − log r 2 + ρ2 −2rρ cos(θ−ψ) .

Figura 10.21: Função de Green de um cı́rculo com singularidade descentrada


10.24 Resolva o Problema de Diri hlet
 ∆u = 0 em Ω = {reiθ : 0 < r < 2(1+cos θ) , 0 ≤ θ ≤ 2π},
u 2(1+cos θ) = f (θ) para θ ∈ [0, 2π] , om f C 1 e f (0) = f (2π) .
(Sugestão: Identique uma transformação onforme de Ω em B1 , determine a Função de
Green de Ω e obtenha um integral que dê a solução em termos de f ).
10.25 Dê uma prova alternativa do Teorema do Mapeamento de Riemann om base em
funções de Green, segundo os passos seguintes:

(1) Se z 7→ G(z, a) é a função de Green de Ω om singularidade em a ,


u(z) = G(z, a)+log |z−a| , v é a função harmóni a onjugada de u , ϕ = u+iv ,
f (z) = eiα (z −a) e−ϕ(z) , em que α ∈ R , então f ∈ H(Ω) , |f (z)| → 1 quando
z → b ∈ ∂Ω , para 0 < r < 1 {z ∈ Ω : |f (z)| = r} é uma união nita de urvas
fe hadas simples em Ω .
(2) Se Ωr é uma omponente onexa de {z ∈ Ω : |f (z)| < r} e |g(z)| < 1 para z ∈ Ωr ,
o
então f e f −g têm o mesmo n de zeros em Ωr , ontando multipli idades.
(3) f é inje tiva em Ωr , f (Ω) = B1 e para todo a ∈ Ω existe α ∈ R tal que f ′ (a) .
(4) Se Ω é ilimitada, 0, ∞ são pontos da fronteira de Ω em C∞ e log z é um ramo
do logaritmo denido em Ω , om log a = α , então esta função log é inje tiva,
1
log z 6= α+i2π em Ω , e ϕ(z) = log z−α−i2π é onforme em Ω sobre uma região
simplesmente onexa.
(5) Aplique as propriedades obtidas para provar o Teorema do Mapeamento de
Riemann.
268
10.26 a) Prove : Se u é uma função harmónica em B2R (z0 ) com u(z0 ) = 0 e R > 0 , e
Mr (z) = sup{u(w) : w ∈ Br (z)}, existem r ∈ ]0, R[ , z1 ∈ B2R (z0 ) e C ≥ 2 tais que
u(z1 ) = 0 e C1 Mr (z0 ) ≤ M10r ≤ CMr (z1 ) .
267
Esta equação é satisfeita pelo potencial do campo eléctrico numa região onde a densidade de
carga eléctrica é dada pela função ρ .
268
Este resultado foi obtido em 1994 no artigo Lewis J., Picard’s theorem and Rickman’s theorem
by way of Harnak’s inequality, Proc. Amer. Math. Society, 122 (1994), 199-206.
Exercises of chapter 10 259

(Sugestão: Com d(z) = 2R − |z − z0 | , = {z ∈ B2R (z0 ) : u(z) = 0}, F = ∪z∈E Bd(z)/100 (z)
P
e γ = z∈E Md(z)/100 (z) , es olha z1 ∈ E tal que Md(z1 )/100 (z1 ) ≥ γ/2, designe
d(z )
r = 1001 e es olha z2 = B10r (z1 ) tal que M10r (z1 ) ≤ 2u(z2 ) . Se z2 ∈ F , mostre que
M10r (z1 ) ≤ 2u(z2 ) ≤ 2γ ≤ 4Mr (z1 ) . Se z2 ∈
/ F , onsidere z ∈ F no segmento de re ta de
z1 a z2 de modo a ser o úni o ponto do segmento de re ta de z a z2 em F e mostre que
para ada ponto w 6= z neste segmento de re ta É u ≥ 0 em Br/4 (w) . O segmento de
re ta pode ser oberto por 80 ír ulos om raios r8 e entros em pontos deste segmento e
use a desigualdade de Harna k e M10r (z1 ) ≤ 2u(z2 ) para mostrar que existe θ ≥ 1 tal que
M10r (z1 ) ≤ 2u(z2 ) ≤ 2θ 80 u(z) ≤ 4θ 80 Mr (z1 ) .
269
b) Dê uma prova alternativa do Pequeno Teorema de Pi ard para funções intei-
ras, baseada na Desigualdade de Harna k e no Teorema de Uni idade para Funções
Harmóni as. (Sugestão: Suponha f ∈ H(C) não onstante que não assume os valores 0 e
1, onsidere as funções harmóni as u0 = log |f | e u1 = log |f −1| e dena u+ 0 = max(u0 , 0),
u+ + +
1 = max(u1 , 0). ∃c>0 : |u0 − u1 | ≤ c e max(u0 , u1 ) ≥ −c . Mostre om a) que existem
su essões {zn } ⊂ C , {rn }, {Cn } ⊂ ]0, +∞[ tais que Cn → 0 , Cn uj (zn+rn z) → vj (z) quando
n → +∞ para |z| ≤ 1 e j = 0, 1 , em que v0 , v1 são funções harmóni as não identi amente
nulas tais que v0+ = v1+ , max(v0 , v1 ) ≥ 0 , v0 (0) = v1 (0) = 0 , e obtenha uma ontradição om
a uni idade de funções harmóni as).

Exercı́cios com funções elı́pticas


270
10.27 Seja Π o semiplano omplexo superior e F : Π× ]0, 1[ → C tal que
Rz 1
F (z, a) = 0 √ 2 2 2
dξ , em que a raiz quadrada é om argumento em ]−π, π].
(1−ξ )(1−a ξ )
a) Mostre que z 7→ F (z, a) é uma transformação onforme do semiplano Π sobre o
re tângulo aberto de vérti es ±A, ±A + iB , em que
Z 1 Z 1
a
1 1
A= √ dx , B= √ dx .
(1−x2 )(1−a2 x2 ) (x2 −1)(1−a2 x2 )
0 0
Compare om a Fórmula de S hwarz-Christoel (exer í io 10.15) para o re tângulo.
b) Mostre que a inversa da função de a) pode ser estendida a uma função mero-
morfa em C, biperiódi a om períodos 4A e i2B , e om pólos (simples) nos pontos
4Am+iB(1+2n) , om m, n ∈ Z. Esta função hama-se seno elı́ptico e é designada
por sn(z, a) , ou simplesmente sn(z) .
(Sugestão: Aplique o Prin ípio de Simetria (exer í io 6.9)).
10.28 Uma função elı́ptica271 é uma função meromorfa biperiódi a em C . Chama-se
paralelogramo fundamental de uma função elípti a om períodos independentes
T, τ > 0 ao paralelogramo om vérti es 0, T, τ, T +τ que ontém os lados de 0 a T e
a τ e não ontém os lados opostos. Chama-se ordem de uma função elı́ptica ao
o
n de pólos, ontando multipli idades, no seu paralelogramo fundamental. Prove:
a) O seno elípti o (exer í io 10.18) é uma função elípti a. Indique qual é a ordem.
b) Toda função elı́ptica holomorfa é constante.
) Toda função elı́ptica não constante tem infinitos pólos.

269
A ideia de uma prova do Pequeno Teorema de Picard a partir de propriedades elementares
de funções harmónicas deve-se a A. Eremenko e Mikhail Sodin, em 1992. O resultado da alı́nea a)
permitiu simplificar a prova.
270
Este integral foi introduzido em 1829 por R C.G. Jacobi. É um caso particular de integral
elı́ptico. Os integrais elı́pticos são da forma R(z, w(z)) dz, em que R é uma função racional e
w 2 (z) é uma função polinomial do 3o ou 4o graus com zeros distintos. Da expansão de funções
racionais emR fracções Rparciais resulta queR os integrais elı́pticos são combinações lineares de integrais
1
dos tipos w(z) dz , (z−a)1k w(z) dz e (z−b)1k w(z) dz , em que w(z) é da forma atrás indicada, a
é um dos zeros de w 2 (z), b é um número complexo que não é zero de w 2 (z) e k ∈ N . A integrais
destes tipos chama-se integrais abelianos, resp., de 1a , 2a e 3a espécie.
271
As funções elı́pticas têm aplicações importantes. Tiveram contribuições importantes de C.F.
Gauss, N.H.Abel, C.Jacobi, J.Liouville, K.Weierstrass, B.Riemann, Charles Hermite (1822-1901).
260 Conformal mappings

d) A soma dos resı́duos de uma função elı́ptica em todos os pólos no seu paralelo-
gramo fundamental é 0 , e uma função elı́ptica não constante tem ordem ≥ 2 .
e) Uma função elı́ptica não constante tem o mesmo n de pólos e zeros no parale-
o

logramo fundamental, contados de acordo com as resp. multiplicidades.


f ) Toda função elı́ptica não constante assume no seu paralelogramo fundamental
todos os valores de C∞ um no de vezes igual à sua ordem.
(Sugestão: Aplique o Princı́pio do Argumento).
10.29 Prove: Uma função elı́ptica
P com um pólo duplo na origem de ordem 2 tem série de
Laurent da forma a+b ∞ 2k
k=−1 ck z , com a, b, ck ∈ C, k ∈ N∪{−1, 0} .

10.30 Considere a função-℘ de Weierstrass272 (Figuras 10.22 e 10.23).


X  
℘(z; ω1 , ω2 ) = z12 + 1
[z−(mω1 +nω2 )]2
1
− [mω1 +nω 2]
2 ,
n,m∈Z
(n,m)6=(0,0)
em que ω1 , ω2 ∈ C\{0} om ω1 6= ω2 . Prove:

a) As simetrias ℘(z; ω1 , ω2 ) = ω12 ℘ ωz1 ; 1, ω
ω1
2
, ℘(−z; ω1 , ω2 ) = ℘(z; ω1 , ω2 ) .
1
b) A série na definição de ℘ converge uniformemente em subconjuntos compactos
de C\{mω1 +nω2 : m, n ∈ Z} .
′ P 1
) ℘ (z) = −2 n,m∈Z [z−(mω1 +nω2 )]3 .

Figura 10.22: Relevo da função-℘ de Weierstrass com perı́odos ω1 = 1


e ω2 = 43 +i 23 e indicação do paralelogramo fundamental no topo
d) ℘′ e ℘ são biperiódicas com perı́odos ω1 , ω2
(Sugestão: Para ℘ use que ℘′ é biperiódi a e ℘ é par).
e) ℘ tem uma primitiva ı́mpar, designada −ζ, que satisfaz ζ(z+ωj ) = ζ(z)+ηj , com
ηj ∈ C constantes para j = 1, 2 , em que η1 ω1 −η2 ω2 = i2π , que é hamada equação
de Legendre.
Q z
 z/w+(z/w)2 /2
f ) O produto em σ(z) = z n,m∈Z 1− w e , z ∈ C , converge, σ é uma
função inteira tal que σ ′= ζσ e σ(z+ωj ) = −σ(z) eηj (z+ωj /2) , j = 1, 2 .
g) Toda função elı́ptica par (i.e. tal que f (−z) = f (z)) com perı́odos ω1 , ω2 e sem
Q
pólo ou zero em 0 é igual a C n ℘(z)−℘(ak )
k=1 ℘(z)−℘(bk ) , com n ∈ N, C, a1 , . . . , an , b1 , . . . , bn ∈
C constantes.
Qn σ(z−ak )
h) Toda função elı́ptica com perı́odos ω1 , ω2 é igual a C k=1 σ(z−bk ) , com n ∈ N,
C, a1 , . . . , an , b1 , . . . , bn ∈ C constantes.
272
Lê-se “função-P de Weierstrass”. O sı́mbolo ℘ é generalizadamente usado para esta função
desde que foi introduzido no livro Whittaker, E.T., Watson, G.N., A Course of Modern Analysis,
Cambridge University Press, Cambridge, 1902. Esta função foi introduzida por K. Weierstrass em
1860. Watson, George (1886-1965).
Exercises of chapter 10 261

i) ℘ satisfaz a equação diferencial [℘′ (z)]2 = 4 [℘(z)]3 − g2 ℘(z) − g3 , em que


X X
1 1
g2 = 60 (mω1 +nω2 )4
, g3 = 140 (mω1 +nω2 )6
,
n,m∈Z n,m∈Z
(n,m)6=(0,0) (n,m)6=(0,0)
R ℘(z)
e verifica-se z −z0 = ℘(z0 ) √ 2 1 dω , com a integração sobre a imagem sob
4ω −g2 ω−g3
℘ de um caminho de z0 a z que não passa em zeros ou pólos de ℘′ e o sinal da raiz
quadrada é tal que esta raiz é igual a ℘′ (z) . ℘ é inversa de uma função dada por
um integral elı́ptico.
σ(z−u) σ(z+u)
j) ℘(z)−℘(u) = − .
[σ(z)]2 [σ(u)]2
℘′ (z)
k) ℘(z)−℘(u) = ζ(z−u) + ζ(z+u) − 2 ζ(z) .
′ ′
1 ℘ (z)−℘ (u)
l) ζ(z+u) = ζ(z) + ζ(u) + 2 ℘(z)−℘(u)
.

m) Prove o teorema de adição para a função-℘ :


 ′ 2
(z)−℘′ (u)
℘(z+u) = −℘(z) − ℘(u) + 14 ℘℘(z)−℘(u) .
(Sugestão: Come e por derivar as equações das duas últimas alíneas anteriores).

℘′′ (z) 2
1
n) ℘(2z) = ℘′ (z)
4
− 2 ℘(z) .
′ σ(2z)
o) ℘ (z) = − .
[σ(z)]4
  
p) ℘(z+u), −℘′ (z+u) = w ℘(z), ℘′ (z) +(1−w) ℘(u), −℘′ (u) para algum w ∈ C.
 ω
    


2
q) [℘ (z)] = 4 ℘(z) − ℘ 21 ℘(z) − ℘ ω22 ℘(z) − ℘ ω1 +ω
2
2
e ℘ ω21 , ℘ ω22 ,
℘ ω1 +ω
2
2
são distintos.
(Sugestão: Observe que ℘ assume ada um deste valores om multipli idade 2).
def
r) λ(τ ) = ℘((ω 1 +ω2 )/2)−℘(ω2 /2)
℘(ω1 /2)−℘(ω2 /2)
depende apenas da razão τ = ω
ω1
2
e é uma função
holomorfa no semiplano complexo superior que não assume os valores 0 e 1 .

Figura 10.23: Pormenor das partes real e imaginária da


função-℘ de Weierstrass com perı́odos ω1 = 1 e ω2 = 43 +i 23
em conjunto que inclui o paralelogramo fundamental
10.31 Prove:
(a) Uma função meromorfa f não constante em C não pode ter mais de 2 perı́o-
dos independentes. Se o conjunto dos perı́odos não é {0}, então é {nω1 : n ∈ Z}
ou {n1 + n2 ω2 : n1 , n2 ∈ Z} com Im ω ω2
1
6= 0 , para algum(ns) ω1 , ω2 ∈ C \ {0} com
ω1 6= ω2 ; neste último caso diz-se que f é biperiódica. Ao conjunto dos perı́odos de
uma função meromorfa f chama-se módulo dos perı́odos de f .
′ ′ ′
(b) Quaisquer bases ω = (ω1 , ω2 ) e ω = (ω1 , ω2 ) do módulo dos perı́odos de uma
função meromorfa biperiódica relacionam-se por ω ′ = U ω , em que U é uma ma-
triz unimodular, i.e. uma matriz 2 × 2 om omponentes em Z e determinante
±1 . À transformação linear representada pela matriz unimodular em relação à
2
base anóni a de C hama-se transformação unimodular. O onjunto das ma-
trizes ou transformações unimodulares é um grupo, hamado grupo modular. O
262 Conformal mappings

paralelogramo de arestas ω1 , ω2 hama-se paralelogramo fundamental da base


(ω1 , ω2 ) . As áreas dos paralelogramos fundamentais de quaisquer bases do módulo
de períodos de uma função meromorfa biperiódi a são iguais (Figura 10.24).

Figura 10.24: Exemplo de 5 paralelogramos fundamentais do módulo dos


perı́odos de função meromorfa com perı́odos 1 e 43 + i 32 . Os desenhados
a traço contı́nuo são os correspondentes às 2 bases canónicas
( ) Todo módulo de perı́odos de uma função meromorfa biperiódica tem uma base
(ω1 , ω2 ) tal que τ = ω1 /ω2 pertence ao conjunto (Figura 10.25)
def
U = {τ ∈ C : Im τ > 0 , − 12 < Re τ ≤ 21 , |τ | ≥ 1 , |τ | = 1 ⇒ Re τ ≥ 0 } ,
chamado região fundamental do grupo unimodular (apesar de não ser uma
região por não ser um onjunto aberto). τ ∈ U é único, no sentido de não existir
qualquer base (ω1′ , ω2′ ) com ω1′ /ω2′ ∈ U \{τ } e existem 6, 4 ou 2 bases (ω1′ , ω2′ ) com
ω1′ /ω2′ = τ , chamadas bases canónicas do módulo de perı́odos de uma função
π
meromorfa biperiódica, conforme τ é, resp., ei 3 , i ou qualquer outro elemento de
′ ′
U, contando que (−ω1 , −ω2 ) é uma base canónica se (ω1 , ω2 ) é (e.g. o módulo
3 2
de períodos de uma função meromorfa om períodos 1 e 4 + i 3 tem duas bases
1 2

anóni as ± − 4 + i 3 , −1 ujos paralelogramos fundamentais apare em a traço
ontínuo na Figura 10.24).
(Sugestão: Bases anóni as orrespondem a pontos xos da transformação unimodular).

Im

Re
-1 -1/2 1/2 1

Figura 10.25: Região fundamental U do grupo unimodular


10.32 Prove as propriedades seguintes da função λ da última alínea do exer í io 10.30:
(a) λ é uma função modular elı́ptica, denida omo função invariante sob
o subgrupo do grupo modular das matrizes ongruentes módulo 2 om I2 , i.e.

λ aτ +b
cτ +d
= λ(τ ) para a = 1 , b = 0 , c = 0 , d = 1 todos módulo 2 .
λ(τ ) 1

(b) λ(τ +1) = λ(τ )−1 e λ − τ = 1−λ(τ ) , λ(τ + 2) = λ(τ ) para τ ∈ C .

( ) λ(iy) ∈ R para y ∈ R , λ(iy) → 1 quando y → 0 , e λ(τ ) → 0 uniformemente em


relação a Re τ e λ(τ ) e−iπτ → 16 quando Im τ → ∞ . (Sugestão: Use a fórmula que
dene ℘(z; ω1 , ω2 ) no exer í io (10.30) om ω1= 1, ω2= τ e a fórmula no exer í io (8.18.a)).
Exercises of chapter 10 263

Im

iy

i2

i3/2 S

i/2

Re
-1/2 1/2 1

Figura 10.26: S = {τ ∈ C : Im > 0 , 0 < Re τ < 1 , |τ − 12 | > 21 }


(d) λ é uma bijecção conforme de S = {τ ∈ C : Im > 0 , 0 < Re τ < 1 , |τ − 12 | > 21 }
(Figura 10.26) sobre o semiplano superior complexo e tem extensão contı́nua a S
com valores reais em ∂S com λ(0) = 1 , λ(1) = ∞ , λ(∞) = 0 . Se S ′ é a reflexão
de S relativamente ao eixo imaginário, λ é uma bijecção de S ∪ S ′ \ {0, 1} sobre
C \ {0, 1} . (Sugestão: Para provar inje tividade em S use o Prin ípio do Argumento
apli ado à fronteira da região que se obtém de S omitindo o sub onjunto a ima de uma
re ta z = iy om y > 0 su ientemente grande e as imagens deste onjunto pelas funções τ1
e 1− τ1 . Para provar inje tividade em ∂S note que em aso ontrário seria λ′ (τ ) = 0 em
algum τ ∈ ∂S e obtenha uma ontradição).
(d) Cada ponto τ do semiplano superior complexo é equivalente sob o subgrupo de
congruência módulo 2 a um único ponto de S ∪ S ′ .
(Sugestão: Prove que a região R (resp., R′ ) na Figura 10.27 é transformada em ada
uma das regiões sombreadas (resp., não sombreadas) in luídas em S ∪ S ′ pelas funções que
transformam τ em τ, − τ1 , τ−1 , 1−τ
1
, τ −1
τ
τ
, 1−τ e que R∪R′ é o fe ho da região fundamental
do grupo unimodular onsiderada no exer í io pre edente).
Im

R' R

i/2

Re
-1 -1/2 1/2 1
Figura 10.27: Figura de apoio ao exercı́cio 10.32.d)
Exercı́cios com comprimento extremo e distância extrema
10.33 Determine a máxima distân ia extrema de um ar o e um raio de uma ir unferên ia
no plano omplexo.

10.34 Considere um triângulo topológi o que onsiste numa urva de Jordan om 3 dis-
tintos dos seus pontos (os vérti es do triângulo), om os lados numerados 1,2,3, no
plano omplexo. Cal ule o omprimento extremo do onjunto das urvas re ti á-
veis om iní io no lado 1, m no lado 3 e um ponto no lado 2.
10.35 Cal ule o omprimento extremo do onjunto das urvas em 8 do plano omplexo
om índi e +1 e -1 em torno de pontos, resp., a+ e a− xos.
Capı́tulo 11

Prolongamento analı́tico
e funções analı́ticas globais

11.1 Introdução
É interessante es lare er se uma função analíti a numa região de C pode ser
prolongada a uma função analíti a num onjunto maior. O aso elementar
é o prolongamento da função à união dos ír ulos de onvergên ia das sé-
ries de Taylor entradas em ada ponto da região, o que se rela iona om
as noções de fronteira natural de função holomorfa e de domínio de holo-
mora273 , obje to dos exer í ios 11.1 a 11.5. Outros asos simples vistos em
apítulos anteriores são o Prin ípio de Simetria e o resultado de H. S hwarz
de prolongamento de uma função analíti a através de um ar o analíti o274 .
Como base para onsiderar prolongamentos analíti os de funções, K.Wei-
erstrass introduziu em 1861 a noção de elemento de função analíti a omo
par ordenado de uma função analíti a numa região e essa região, e onsiderou
prolongamentos de um elemento de função analíti a ao longo de aminhos
por uma adeia nita de su essivos elementos de função analíti a om as re-
giões asso iadas aos elementos de função analíti a a obrirem a urva que o
aminho des reve; também onsiderou a onsistên ia de prolongamento ana-
líti o ao longo de aminhos om o mesmo par de pontos ini ial e nal que
podem ser ontinuamente deformados um no outro numa região de C (i.e.
são homotópi os na região) de tal modo que o elemento de função analíti a
tem prolongamento analíti o ao longo dos aminhos intermédios. Este re-
sultado, hamado Teorema de Monodromia, só apare eu publi ado em 1922
na 2a edição do livro de A. HurwitzVorlesungen Über Allgemeine Funktio-
nentheorie und Elliptische Funktionen, que in luiu uma se ção sobre Teoria
de Funções Geométri a por R. Courant.
Uma função analíti a global é um onjunto de elementos de função ana-
líti a om ada dois elementos prolongamento analíti o do outro. Diz-se que
273
A ideia de funções holomorfas terem fronteiras naturais e de domı́nio de holomorfia foi de K.
Weierstrass, cerca de 1842. Incluiu-a nas suas lições a partir de 1863, mas só a publicou em 1866.
274
Ver exercı́cios 6.7 a 6.10.
266 Prolongamento analı́tico e funções analı́ticas globais

é uma função analíti a ompleta se ontém todos prolongamentos analíti os


de qualquer dos seus elementos. Funções analíti as não inje tivas em regiões
em que têm derivada não nula podem ser restringidas a subregiões em que
são inje tivas e têm inversas analíti as, e podem ser prolongadas por ramos
diferentes (e.g. funções raízes inteiras e logaritmo).
Para ter um quadro rigoroso e útil para funções analíti as ompletas B.
Riemann introduziu em 1857 o on eito de Superfí ie de Riemann, omo su-
perfí ie onexa em que podem ser onsiderados prolongamentos de elementos
de função analíti a ao longo de aminhos no domínio da função om ramos
diferentes orrespondentes a folhas diferentes da superfí ie, ada uma om
um ponto que se proje ta num mesmo ponto de uma região em C (e.g. n fo-
lhas para raízes de ordem n ∈ N e innitas folhas para logaritmo). Na altura
B.Riemann identi ou que as urvas ans planas irredutíveis não singulares,
ou seja os sub onjuntos de C2 que são os zeros de polinómios irredutíveis
não singulares de duas variáveis omplexas são Superfí ies de Riemann om-
pa ti áveis a res entando pontos no innito, e que todas variedades dife-
ren iais de dimensão 2 onexas orientáveis e ompa tas são homeomorfas a
Superfí ies de Riemann asso iadas a urvas ans planas irredutíveis não sin-
gulares. Ini iou a lassi ação destas variedades omo superfí ies esféri as
ou de toros-n , mas a prova só foi dada em 1907 por M.Dehn e P.Heegard275 .
Embora a Superfí ie de Riemann de uma função analíti a possa ter innitas
folhas, em 1888 H.Poin aré e V.Volterra, independentemente, provaram que
o onjunto das folhas é numerável, por C ser espaço métri o separável276 .
A des rição pre isa de Superfí ies de Riemann omo variedades omple-
xas, análoga à de variedades diferen iais de dimensão 2, mas om vizinhanças
de oordenadas omplexas rela ionadas por transformações onformes entre
sub onjuntos abertos de C em vez de homeomorsmos C 1 entre sub onjun-
tos abertos de R2, só foi dada por H. Weyl277 em 1913. Os exemplos mais
simples de Superfí ies de Riemann são regiões em C , a Superfí ie Esféri a
de Riemann C∞ , a superfí ie S 1 × S 1 de um toro omplexo ( om S 1 uma
ir unferên ia), a superfí ie ompa ta de um poliedro em R3 . Como Superfí-
ies de Riemann são orientáveis, são homeomorfas a variedades diferen iais
de dimensão 2 orientáveis onexas, que podem ser mergulhadas278 em R3,
omo foi provado para variedades ompa tas em 1944 por H. Whitney e não
ompa tas em 1960 por M. Hirs h. Em 1971 R. Rüedy provou que toda Su-
275
Em 1934 H. Seifert e W. Thelfall deram uma prova mais simples e em 1992 C. Thomassen
publicou uma prova muito simples, e J. Conway deu outra prova só publicada em 1999 num artigo
de G. Francis e J. Weeks. Dehn, Max (1878-1952). Heegard, Poul (1871-1948). Seifert, Herbert
(1907-1996). Thelfall, William (1888-1949). Thomassen, Carsten (1948-). Conway, John (1937-).
Francis, George. Weeks, Jeffrey (1956-).
276
Vito Volterra (1860-1940) trabalhou no assunto ao receber um artigo de Giulio Vivanti (1859-
1949) com uma tentativa de prova com ideias sugeridas por G. Cantor. V. Volterra detectou falhas
no uso de superfı́cies de Riemann e deu uma prova com séries de potências.
277
A noção de variedade diferencial surgiu mais tarde, influenciada pela de Superfı́cie de Rie-
mann, em esboço em 1919 por Robert König (1885-1979) e usada por E.Cartan in 1928, mas com
rigor só em 1931-32, por Oswald Veblen (1880-1960) e John Henry Whitehead (1904-1960).
278
Em inglês diz-se embedded.
11.1 Introdução 267

perfí ie de Riemann é onforme a uma variedade diferen ial de dimensão 2


onexa mergulhada em R3, respondendo armativamente a uma questão que
tinha sido posta por F. Klein quase um sé ulo antes, em 1882.279 .
Uma singularidade isolada de uma função analíti a global é um ponto
de C∞ om uma vizinhança tal que existe um elemento de função analíti a
que pode ser prolongado a pontos dessa vizinhança por todos aminhos nela
ex epto à singularidade. Se os prolongamentos a partir de ada ponto não
dão no nal de um aminho fe hado simples o elemento de função analíti a
ini ial, diz-se que a singularidade é ponto de rami ação, de ordem n se após
n voltas num tal aminho dão o elemento de função analíti a ini ial. Em
1850 V.Puiseaux280 provou que na vizinhança de um destes pontos a função
tem desenvolvimento em série análogo a série de Laurent, mas om potên ias
fra ionárias inteiras om denominador n , em vez de potên ias inteiras.
As noções de função holomorfa e meromorfa podem ser estendidas a
funções denidas em Superfí ies de Riemann. As propriedades de funções
omplexas holomorfas invariantes sob transformações onformes passam para
funções holomorfas entre Superfí ies de Riemann, pois a prova de uma pro-
priedade geral neste ontexto a partir da propriedade orrespondente para
funções omplexas apenas requer a intermediação de sistemas de oorde-
nadas, i.e. de transformações onformes entre sub onjuntos abertos de C .
As funções ra ionais omplexas são pre isamente as funções meromorfas em
C∞ . As funções holomorfas de Superfí ies de Riemann em C são severamente
restringidas quando são denidas em Superfí ies de Riemann ompa tas, pois
são as funções onstantes, e, portanto, onstituem um espaço linear om-
plexo de dimensão 1, generalizando o Teorema de Liouville segundo o qual
as funções holomorfas limitadas numa região de C são onstantes.
As Superfí ies de Riemann ou as regiões onformes do plano omplexo
podem ser ara terizadas algebri amente por isomorsmos das álgebras das
funções, resp., holomorfas ou meromorfas nelas denidas om, resp., o Teo-
rema de Bers publi ado em 1948 por L.Bers e o Teorema de Iss'sa publi ado
em 1965 sob o pseudónimo Hej Iss'sa. Anteriormente a L. Bers, C. Cheval-
ley e S. Kakutani obtiveram em 1945 resultados para a álgebra de funções
holomorfas limitadas que não publi aram e foram melhorados por W.Rudin
em 1955. O Teorema de Bers foi ini ialmente obtido para regiões do plano
omplexo e estendido para Superfí ies de Riemann por H. Royden em 1956
e M. Nakai em 1963. O Teorema de Iss'sa foi logo provado para Superfí ies
de Riemann possivelmente não ompa tas281 .
Em 1916 G.Pi k mostrou que o Lema de S hwarz no apítulo pre edente
pode ser formulado em termos de uma métri a em B1 invariante sob automor-
smos onformes, úni a a menos de multipli ação por onstantes positivas,
279
Whitney, Hassler (1907-1989). Hirsch, Morris (1933-). Rüedy, Reto.
280
Puiseux, Victor (1820-1883).
281
Chevalley, Claude (1909-1984). Kakutani, Shizuo (1911-2004). Royden, Halsey (1928-1993).
Nakai, Mitsuru (1933-).
268 Prolongamento analı́tico e funções analı́ticas globais

hamada métri a hiperbóli a ou de Poin aré da Superfí ie de Riemann, ga-


rantindo que funções holomorfas de B1 em B1 que não são automorsmos
são ontra ções nesta distân ia (enquanto na distân ia eu lidiana ontraem
distân ias a 0 om a hipótese adi ional de 0 ser ponto xo).
Esta observação geométri a levou L. Ahlfors em 1938 a onsiderar a ur-
vatura de Gauss da métri a e a des rever o Lema de S hwarz em termos
de métri as, om a introdução de métri as ultrahiperbóli as numa região
de C . Deniu-as282 omo produtos da métri a eu lidiana por uma função
semi ontínua superior λ > 0 denida na região tal que para ada ponto em
que λ é positiva existe uma métri a de suporte denida na vizinhança do
ponto que é produto da métri a eu lidiana por uma função C 2 λ0 > 0 tal que
∆ log λ0 ≥ λ20 que oin ide om λ no ponto e minora-a nessa vizinhança.
In lui-se uma se ção sobre o tamanho do ontradomínio de funções ho-
lomorfas numa região de C . Do Teorema da Apli ação Aberta no apítulo
6, uma função holomorfa não onstante num onjunto aberto de Ω ⊂ C é
aberta, pelo que o ontradomínio ontém ír ulos em C entrados em qual-
quer ponto, mas, se o ontradomínio está propriamente ontido em C , omo
o supremo do raio de tais ír ulos entrados num mesmo ponto é função do
ponto, a possibilidade desta função onvergir para 0 em algum ponto de ∂Ω
não está imediatamente eliminada, e ainda mais para uma família ampla de
funções holomorfas. Em 1904 A. Hurwitz provou que uma função holomorfa
em B1 diferente de zero em todos os pontos ex epto 0 onde é nula e tem
derivada 1 ontém um ír ulo om entro 0 e raio r = 581 ≈ 0,017, e em 1907
C.Carathéodory provou que nestas ondições o raio óptimo é r = 161 ≈ 0,063 .
Deixando air o requisito dos ír ulos terem entro em 0 em 1924 A. Blo h
provou que o ontradomínio de uma função holomorfa √ em B1 om derivada
em 0 de módulo 1 ontém um ír ulo om raio β = 32 2−2 ≈ 0,12 na imagem
de um ír ulo no domínio em que a função é inje tiva, resultado onhe ido
por Teorema de Blo h. Foram depois dadas provas mais simples, por vezes
om valores de β mais pequenos. Em 1929 E.Landau introduziu a onstante
de Blo h B , denida pelo ínmo, para todas a funções holomorfas em B1
om derivada em 0 om módulo 1, dos supremos dos possíveis raios β de
ír ulos nas ondições referidas para todas essas funções. Com uma prova
simples (ver exer í io 6.12), obteve 0,014 ≈ 721 ≤ B ≤ 1 . Em 1938√L. Ahlfors
obteve om a sua versão geométri a do Lema de S hwarz B ≥ 41 3 ≈ 0,43 ,
mais do triplo do minorante obtido√ por A.Blo h em 1924. Em 1990 M.Bonk
simpli ou a prova
√ e obteve β = 41 3+10−14 . Em 1996 H.Chen e P.Gauthier
obtiveram β = 41 3 + 2×10−4 . Em 1937 L.qAhlfors e H. Grunsky provaram

Γ(1/3) Γ(11/12) 3−1
B≤β= Γ(1/4) 2 ≈ 0,47 ,
e armaram a onje tura deste ser o valor de B , que permane e em aberto.
Em termos simplistas, omo 0,43 ≤ B ≤ 0,47, o contradomı́nio de uma função
282
Por analogia com funções subharmónicas no estudo de funções harmónicas como no final do
capı́tulo 9.
11.1 Introdução 269

holomorfa numa região contém um cı́rculo com raio pouco menor do que
metade do valor máximo do produto do valor absoluto da derivada da função
em cada ponto pela distância deste ponto à fronteira, que está contido na
imagem de um cı́rculo no domı́nio em que a função é injectiva.
Também apli ando a sua versão geométri a do Lema de S hwarz no artigo
de 1938, L.Ahlfors obteve uma versão quantitativa do Teorema de S hottky
de 1904 que tinha sido enun iado: para todo α > 0 e 0 ≤ β ≤ 1 existe uma
constante C(α, β) tal que se Ω ⊂ C é uma região simplesmente conexa que
contém B1 , f ∈ H(Ω) não assume os valores 0 e 1, e |f (0)| ≤ α , então
|f (z)| ≤ C(α, β) para z ∈ Bβ (0) (ver exer í io 11.14), dando uma majoração
do módulo de uma função holomorfa em B1 que não assume os valores 0
e 1 em ada ponto em termos dos módulos do valor da função em 0 e da
distân ia do ponto a 0 . As 1as versões quantitativas tinham sido obtidas
em 1933 por A. Ostrowski, om valores muito piores. Em 1935 A. Puger
obteve om funções modulares uma versão quantitativa da mesma ordem
de grandeza de L. Ahlfors, e R. Robinson em 1939, W. Hayman em 1947, J.
Jenkins em 1955 e S.Zhang em 1990 obtiveram versões su essivamente mais
fortes. Em 1980 J. Hampel renou as estimativas de W. Hayman e de J.
Jenkins om um método semelhante ao de L. Alfhors e obteve estimativas
que melhoraram signi ativamente a estimativa de L. Ahlfors283 .
As funções modulares foram introduzidas por H. S hwarz em 1873. São
funções meromorfas no semiplano superior omplexo abertoPinvariantes sob
transformações de Möbius e om série de Laurent f (z) = ∞ n=−m cn e
i2πnz

para algum m ∈ N ou o resultado de omposição de uma destas funções


om uma transformação onforme denida no semiplano superior omplexo
aberto. Logo, são asos parti ulares de funções automorfas (i.e. invariantes
sob um subgrupo dis reto de automorsmos do ír ulo), que foram inten-
sivamente estudadas por H. Poin aré entre 1880 e 1884. Do Teorema do
Mapeamento de Riemann, podem-se onsiderar funções modulares em qual-
quer região simplesmente onexa ontida propriamente em C .
Em 1879 E. Pi ard provou om funções modulares o Pequeno Teorema
de Pi ard: funções inteiras não constantes assumem todos valores complexos
excepto possivelmente um. Em 1896 E. Borel deu uma prova om proprie-
dades elementares de Teoria de Funções (ver exer í io 11.12). No artigo de
1938 já itado L. Ahlfors deu uma prova baseada na versão quantitativa do
Teorema de S hottky que obteve omo se referiu, om um argumento des o-
berto por E. Landau em 1904 por modi ação da prova de E. Borel. É esta
prova de L.Ahlfors do Pequeno Teorema de Pi ard que se dá neste apítulo.
Também em 1879, E. Pi ard renou o Teorema de Casorati-Weierstrass,
onsiderado no apítulo 8, obtendo om funções modulares o Grande Teo-
rema de Pi ard284 : funções holomorfas assumem em vizinhanças de singula-
283
Pfluger, Albert (1907-1993). Robinson, Raphael (1911-1995). Hayman, Walter
(1926-). Jenkins, James (1923-2012). Zhang, Shunyab. Hampel, Joachim.
284
O nome do resultado diz-se em inglês Geat Picard Theorem.
270 Prolongamento analı́tico e funções analı́ticas globais

ridades essenciais isoladas todos números complexos, excepto possivelmente


um, infinitas vezes. Em 1925 R. Nevanlinna renou os teoremas de Pi ard
om uma teoria da distribuição de valores de funções meromorfas onhe ida
por Teoria de Nevanlinna, que não é onsiderada neste livro285 . Em 1929
E. Landau publi ou uma prova mais simples do que a de E. Pi ard baseada
nos teoremas de S hottky e de Blo h (ver exer í io 6.12). Em 1971 T.Ester-
mann deu uma prova que usa o Teorema de Blo h mas não o de S hottky.
A prova do Grande Teorema de Pi ard neste apítulo é uma prova simples
om a ideaia da prova da versão quantitativa do Teorema de of S hottky
Theorem por L. Ahlfors in 1938.
Em 1911 P. Montel e C. Carathéodory, om vários dos teoremas men i-
onados (S hottky, Montel, Weierstrass de su essões de funções, Hurwitz),
obtiveram que uma família de funções holomorfas numa região em que não
assumem uns mesmos 2 valores de C é normal se onsiderada om valores
em C∞. O resultado análogo para funções meromorfas é para famílias de
funções de C∞ em C∞ que não assumem uns memos 3 valores de C∞ .
11.2 Prolongamento analı́tico
Chama-se elemento de função analı́tica a um par ordenado (f, Ω) , em
que Ω ⊂ C é uma região e f ∈ H(Ω) . Diz-se que dois elementos de função
analíti a (f1 , Ω1) e (f2, Ω2 ) são prolongamentos analı́ticos directos um
do outro se Ω1 ∩ Ω2 6= ∅ e f1 = f2 nesta interse ção. Chama-se cadeia de
elementos de função analı́tica a um múltiplo ordenado nito de elemen-
tos de função analíti a tal que elementos onse utivos são prolongamentos
analíti os dire tos um do outro. Diz-se que dois elementos de função analí-
ti a são prolongamentos analı́ticos um do outro se existe uma adeia
de elementos de função analíti a que omeça num deles e termina no outro.
Chama-se prolongamento analı́tico de um elemento de função ana-
lı́tica (f, Ω) ao longo de um caminho γ : [0, 1] → C a um elemento de
função analíti a em que termina uma adeia de elementos de função analí-
ti a (fk , Ωk ) que omeça em (f, Ω) talque para uma partição nita de [0, 1],
0 = t0 < t1 < · · · < tN = 1 , é γ [tk−1 , tk ] ⊂ Ωk para k = 1, . . . , N (Figura 11.1).

Figura 11.1: Prolongamento analı́tico de elemento de função analı́tica em caminho



(11.1) Exemplo: Com wk = ei 3 k e Ωk = B1 (wk ) para k = 0, 1, . . . , 6, sejam
fk (z) = |z|ei(Arg z)/2 para k = 0, 1, fk (z) = |z|ei(Arg z+2π)/2 para k = 2, 3, 4, e
285
e.g. A.A. Goldberg, I.V. Ostrovskii, Value Distribution of Meromorphic Functions, Tranla-
tions of Mathematical Monographs, American Mathematical Society, 2008. Goldberg, Anatolii
Asirovich (1930-2008). Ostrovskii, Iossif Vladimirovich (1934-)
11.2 Prolongamento analı́tico 271

1 
fk (z) = |z|ei 2 (Arg z+4π) para k = 5, 6 . (f0 , Ω0 ), (f1, Ω1 ), .. . , (f6 , Ω6 ) é uma
2
cadeia de elementos de função analı́tica tal que fk (z) = z para z ∈ Ωk ,
k = 0, . . . , 6 e Ω0 = Ω3 = Ω6 , f6 = f0 6= f3 , Ω1 = Ω4 , f1 6= f4 , Ω2 = Ω5 , f2 6= f5 .
Como funções holomorfas numa região oin identes num sub onjunto
aberto da região são iguais em toda a região e interse ções de regiões são
onjuntos abertos, duas adeias de elementos de função analíti a em que
as regiões em ada elemento de função analíti a são iguais duas a duas,
pela mesma ordem, om as funções dos 1o s elementos de função analíti a
das duas adeias iguais, são iguais. Logo, um elemento de função analíti a
(f1 , Ω1 ) e uma N -pla ordenada de regiões (Ω1 , . . . , ΩN ) tais que Ωk−1 ∩Ωk 6= ∅
para k = 2, . . . , N , determinam univo amente a orrespondente adeia de
elementos de função analíti a.
O resultado seguinte prossegue a determinação unívo a de prolongamento
analíti o ao longo de aminhos homotópi os.
(11.2) Teorema de Monodromia: Se γ1 , γ2 : [0, 1] → C são caminhos
homotópicos numa região R ⊂ C com os mesmos pontos inicial e final,
um elemento de função analı́tica (f, Ω) tem prolongamentos analı́ticos
ao longo de todos os caminhos em R com os mesmos pontos inicial e
final de γ1 , γ2 e os prolongamentos ao longo destes caminhos são, resp.,
(f1 , Ω1 ) e (f2 , Ω2 ) , então f1 = f2 em Ω1 ∩ Ω2 .

Dem. A afirmação é equivalente ao prolongamento ao longo da concatenação


de caminhos γ1 −γ2 ser (f, Ω) e com Ω e ⊂ Ω uma região que contém o ponto
inicial de γ1 e γ2 . Seja H: [a, b]×[0, 1] → R com H(t, 0) = γ1 (t) e H(t, 1) = γ2 (t)
uma homotopia em R de γ1 para γ2 .
Uma prova simples é uma argumentação por absurdo com bissecção su-
cessiva de subrectângulos de I0 = [a, b]×[0, 1] . Supõe-se que o prolongamento
ao longo de γ1 −γ2 não dá um elemento de função analı́tica (f, Ω). e γ1 −γ2
corresponde em I0 ao caminho ao longo de ∂I0 no sentido positivo. Divide-se
I0 ao meio horizontalmente em dois subrectângulos I01 e I02 e consideram-se
os caminhos correspondentes que percorrem no sentido positivo ∂I01 e ∂I02 ,
mas com o caminho para o subrectângulo superior prolongado no seu canto
inferior esquerdo de modo a incluir o percurso nos dois sentidos do segmento
de recta que o liga ao canto inferior esquerdo de I0 de modo a ambos os cami-
nhos começarem e terminarem neste canto (Figura 11.2). O prolongamento
ao longo de um destes dois caminhos não dá um elemento de função ana-
e ; designa-se o correspondente subrectângulo I1 . Prossegue-se
lı́tica (f, Ω)
analogamente dividindo ao meio este subrectângulo em dois I11 e I12 , mas
agora verticalmente e considerando caminhos que percorrem as fronteiras
dos subrectângulos no sentido positivo mas prolongados por concatenação
de segmentos de recta percorridos em ambos os sentidos se necessário para
começarem e terminarem no canto inferior esquerdo de I0 . Tal como an-
teriormente, o prolongamento ao longo de um destes dois caminhos não dá
272 Prolongamento analı́tico e funções analı́ticas globais

e ; designa-se o correspondente subrec-


um elemento de função analı́tica (f, Ω)
tângulo I2 . Prossegue-se analogamente com divisões sucessivas ao meio de
subrectângulos alternando divisões horizontais e verticais. Obtém-se uma
sucessão de subrectângulos {In } que se intersectam num ponto a ∈ I0 .
As curvas associadas às fronteiras dos subrectângulos {In } convergem
para uma linha poligonal que vai do canto inferior esquerdo de I0 a a pela
concatenação numerável de segmentos de recta alternadamente verticais e
horizontais cada um com comprimento do segmento, resp., vertical e horizon-
tal precedente; designa-se Γ um caminho que descreve esta curva. Considera-
se o prolongamento analı́tico de (f, Ω) ao longo da concatenação de caminhos
H ◦ Γ−H ◦ Γ que dá um elemento de função analı́tica (f, Ω) e , em que Ω
e ⊂Ω
contém o ponto inicial de γ1 e γ2 . Considerando uma vizinhança V da curva
(H ◦ Γ)∗ , para n suficientemente grande os caminhos associados às imagens
das fronteiras dos subrectângulos {In } por H têm valores em V, pelo que o
prolongamento analı́tico de (f, Ω) ao longo destes caminhos dá um elemento
e , em contradição com o que se supôs.
de função analı́tica (f, Ω) Q.E.D.
I0
1 1

I 01
0 0
a b a b

1 1

11 I 12

0 0
a b a b

1 1

0 0
a b a b

1 1

0 0
a b a b
Figura 11.2: Subdivisões sucessivas ao meio de subrectângulos de
I0 = [a, b]×[0, 1] para apoio à prova do Teorema de Monodromia
11.3 Funções analı́ticas globais 273

Uma onsequên ia é que um elemento de função analı́tica que pode ser


prolongado ao longo de todos caminhos de uma região simplesmente conexa
determina uma única função analı́tica em toda a região.
Se Ω ⊂ C é uma região não simplesmente onexa, existe uma omponente
onexa de C\Ω limitada. Se a é um ponto de uma tal omponente, log(z−a)
pode ser denida de innitas maneiras em Ω , que, por isso, não é simples-
mente onexa. Esta é uma ara terização de regiões simplesmente onexas
além das 8 em (10.32) e das 2 nos exer í ios 11.6 e II.12.e): uma região em
C é simplesmente conexa se e só se tem complementar conexo.
Diz-se que dois elementos de função analíti a (f1 , Ω1) e (f2 , Ω2) tais que
Ω1 ∩ Ω2 ontém um ponto a ∈ C∞ são equivalentes se existe uma vizinhança
de a em que f1 = f2 . A ada lasse de equivalên ia hama-se ramo ou
gérmen em a de qualquer função analíti a global que tem estes elementos
de função analíti a, designado fa .
O gérmen de uma função analíti a global f em a pode ser identi ado om
a série de Taylor em a , ou seja om a su essão {f n (a)}n∈N∪{0} , em que (f, Ω)
é um elemento de função analíti a de f om a ∈ Ω . Logo, pode-se onsiderar
uma função analíti a global omo o onjunto dos seus gérmenes. Podem-
se somar e multipli ar gérmenes om as operações naturais, que herdam as
propriedades das operações de funções denidas ponto a ponto.
11.3 Funções analı́ticas globais
Chama-se função analı́tica global a uma família não vazia de elementos
de função analíti a tal que ada dois dos seus elementos são prolongamentos
analíti os um do outro. Diz-se que é uma função analı́tica completa se
ontém todos prolongamentos analíti os de qualquer dos seus elementos.
Uma função analíti a global f tem derivada de qualquer ordem k que é
a função analíti a global ujos elementos de função analíti a são (f (k), Ω)
em que (f, Ω) é elemento de função analíti a de f , pois se dois elementos de
função analíti a (f, Ω1) e (f, Ω2) são prolongamento analíti o um do outro,
também (f (k), Ω1 ) e (f (k), Ω2) são.
Pro ede-se analogamente para outras relações entre funções analíti as
globais f e g onsistentes sob prolongamentos analíti os num sentido análogo,
aso em que se diz que f é subordinada a g . Por exemplo, qualquer
elemento de função analíti a global f é subordinado a uma função analíti a
ompleta inteira g de modo que permite denir a soma e o produto de
funções analíti as globais f e g omo sendo as funções analíti as globais om
elementos de função analíti a, resp., (f +g, Ω) e (f g, Ω) , em que (f, Ω) é um
elemento de função analíti a de f .
Uma função analíti a global pode assumir num ponto de uma região de
Ω ⊂ C vários valores (e.g. a raiz quadrada). A noção de Superfí ie de Ri-
emann permite onsiderar funções analíti as globais omo funções unívo as
274 Prolongamento analı́tico e funções analı́ticas globais

denidas em Superfí ies de Riemann orrespondentes. Antes de denir Su-


perfí ie de Riemann ilustra-se a ideia om a raiz quadrada, a raiz de ordem
n ∈ N\{1, 2} e a função logaritmo.

Figura 11.3: “Realização geométrica” em R3 da superfı́cie de Riemann



3
√ y, z) ∈ R : z = Re x+iy }
da raiz quadrada (neste caso, superfı́cie {(x,
com gradação de cinzentos dada por Im x+iy )
Consideram-se dois elementos de função analíti a da raiz quadrada
(f1 , Ω1 ) e (f2 , Ω2 ) om Ω1 = Ω2 o plano omplexo sem o semieixo real nega-
tivo nem a origem e f12(z) = z, f22(z) = z para z ∈ Ω1 = Ω2, om f1(1) = 1
e f2(1) = −1 , que satisfazem f1(z) = −f2(z) para z ∈ Ω1 = Ω2 e são ambos
elementos de função analíti a máximos no sentido de não existir qualquer
elemento de função analíti a (f, Ω) e om Ω e % Ω1 e f = f1 em Ω1 , e analoga-
mente para (f2, Ω2 ) . Para obter os elementos de função analíti a (f1, Q) ,
(f2 , Q) que orrespondem às restrições de, resp., f1 e f2 ao 2o quadrante
do plano omplexo, podem-se onsiderar os resp. prolongamentos analíti os
a partir, e.g. do ponto ei π , em que f1(ei π ) = ei π e f2(ei π ) = ei π , ao
3
4
3
4
3
8
3
4
11
8

longo do aminho que per orre no sentido positivo a ir unferên ia om en-


tro na origem e raio 1 aos pontos dessa ir unferên ia nos outros quadrantes
e, om o Teorema de Monodromia, também a todos esse quadrantes bem
omo aos semieixos reais e imaginário que os separam. Prosseguindo analo-
gamente a partir de restrições desses prolongamentos, e.g. ao 1o quadrante
do plano omplexo, obtém-se que após duas voltas ao longo de ir unfe-
rên ias em torno da origem os valores dos prolongamentos analíti os assim
obtidos são os mesmos dos ini iais, o que pode ser visualizado om 2 folhas
sobre Ω1 = Ω2 e om ele ongruentes om a parte do semiplano superior que
tem fronteira no semieixo real negativo de uma delas  olada à parte do
semiplano inferior om a mesma fronteira, mas sem se interse tarem. A re-
alização geométri a desta superfí ie em R3 envolve auto-interse ções que a
Superfí ie de Riemann não tem, mas, om esta abstra ção, pode ser visua-
lizada

omo indi ado em perspe tiva na Figura 11.3,

em que se representou
Re z om gradação de inzentos dada por Im z , o que eviden ia que a
Superfí ie de Riemann de √z não se autointerse ta em C2 , pois na autoin-
11.3 Funções analı́ticas globais 275

terse ção no semieixo negativo real desta realização geométri a em R3 uma


folha es ura interse ta-se om uma folha lara.
Uma realização geométri a análoga da Superfí ie de Riemann para a
raiz úbi a tem 3 folhas (e.g. omo na Figura 11.4) ada uma proje tando-
se verti almente no plano horizontal que passa em 0 e om folhas su essivas
 oladas ao longo de uma semire ta horizontal om um mesmo argumento
(na Figura 11.4, resp., 2π3 e 4π3 ), mas sem auto-interse ções. Tal omo no
aso da raiz quadrada, as auto-interse ções desta realização geométri a em
R3 não orrespondem a auto-interse ções da Superfí ie de Riemann.

Figura 11.4: “Realização geométrica” em R3 da superfı́cie de Riemann



da raiz cúbica (neste caso, superfı́cie {(x,
√ y, z) ∈ R3 : z = Re 3 x+iy }
com gradação de cinzentos dada por Im 3 x+iy )
Uma realização geométri a da Superfí ie de Riemann para a raiz de
ordem n ∈ N\{1, 2, 3} é análoga às dadas para n = 2, 3 , om n folhas ue
se proje tam no plano horizontal que passa em 0 e om folhas su essivas
 oladas ao longo de semire tas, mas sem auto-interse ções.
Analogamente, dado que a exponen ial ex+iy , om x, y ∈ R , repete valores
para um mesmo x e valores de y que diferem de múltiplos inteiros de 2π,
uma realização geométri a da Superfí ie de Riemann para logaritmo requer
um onjunto innito numerável de folhas su essivamente  oladas omo as
folhas intermédias da raiz de ordem n ∈ N\{1, 2} (ver Figura 4.7). Contudo,
toda Superfí ie de Riemann tem um onjunto numerável de folhas.
(11.3) Teorema de Poincaré-Volterra:
O conjunto de elementos de uma função analı́tica global com regiões que
contêm um dado ponto e com funções diferentes em qualquer vizinhança
do ponto contida nessas regiões é finito ou infinito numerável.

Dem. Se (f, Ω) é elemento de uma função analı́tica f , a ∈ Ω e z é um ponto


da região em que a função holomorfa f pode ser prolongada ao longo de um
caminho poligonal com vértices num no finito de pontos com partes real e
imaginária racionais. Para qualquer elemento de função analı́tica (g, Σ) , e
276 Prolongamento analı́tico e funções analı́ticas globais

qualquer ponto b ∈ Σ há um número complexo com partes real e imaginária


arbitrariamente próximo e o prolongamento analı́tico a partir deste ponto
confunde-se com o a partir de b . A união de um conjunto de caminhos
poligonais com vértices num conjunto numerável é numerável. Q.E.D.
Chama-se singularidade isolada de uma função analíti a global f a
a ∈ C∞ om uma vizinhança V tal que existe um elemento de função analí-
ti a de f que pode ser prolongado aos pontos de V \{a} ao longo de todos
aminhos em V \{a}. Se o prolongamento analíti o de um elemento de função
analíti a de f ao longo de um aminho de Jordan γ em V \{a} a partir de um
qualquer ponto do aminho não dá no nal do aminho o mesmo elemento
de função analíti a ini ial, diz-se que a singularidade isolada a é ponto de
ramificação286 de f ; se existe n ∈ N \ {1} tal que o prolongamento analíti o
de um elemento de função analíti a de f ao longo da on atenação nγ dá
no nal do aminho o mesmo elemento de função analíti a ini ial, diz-se que
é ponto de ramificação de ordem finita e, mais espe i amente, se n
é o menor número natural para que tal a onte e, diz-se que é ponto de
ramificação de ordem n ; aso ontrário, diz-se que é ponto de ramifi-
cação de ordem infinita ou ponto de ramificação logaritmico. Se o
prolongamento analíti o ao longo de γ dá no nal do aminho o elemento de
função analíti a ini ial, diz-se que a é singularidade isolada removı́vel.
(11.4) Exemplos:
1. As singularidades isoladas da função analı́tica global raiz de ordem n ∈
N\{1} são 0 e ∞ , que são pontos de ramificação de ordem finita n .
2. As singularidades isoladas da função analı́tica global logaritmo também
são 0 e ∞ , mas são pontos de ramificação de ordem infinita.
3. As singularidades isoladas da função analı́tica global definida por 1+z11/2
são 0, 1, ∞ . Além das singularidades da raiz quadrada, com a função raiz
quadrada z 1/2 com valor −1 em z = 1 há um pólo em 1. 0 e ∞ são pontos de
ramificação de ordem finita 2 e 1 é ponto de ramificação de ordem infinita.

4. As singularidades isoladas da função analı́tica global definida por sin√z z
são 0 e ∞ . 0 é removı́vel e ∞ é singularidade de ordem infinita. p
5. As singularidades isoladas da função analı́tica
p global definida por 1+ez 2
2
são os zeros de f (z) = 1+ez , ou seja zk± = ± i(2k+1)π para k ∈ Z , que são
pontos de ramificação de ordem finita 2 . ∞ é ponto singular não isolado.
6. As singularidades isoladas da função analı́tica global definida por ln1z são
0, 1 e ∞ , que são pontos de ramificação de ordem infinita, embora no ponto
1 a determinação pelo argumento principal tenha um pólo de ordem 1 e as
outras determinações tenham singularidade removı́vel.
Na vizinhança de pontos de rami ação de ordem nita de uma função
analíti a global a função pode ser representada por uma série de potên ias
fra ionárias hamada série de Puiseux.
286
Em inglês diz-se branch point.
11.4 Superfı́cies de Riemann 277

(11.5) Série de Puiseux: Para cada elemento de função analı́tica


(f, Ω) de função analı́tica global com singularidade isolada num ponto
a ∈ Ω de ramificação de ordem n ∈ N existe R > 0 tal que para r ∈ ]0, R[
X∞
k
f (z) = ck (z−a) n , z ∈ BR (a)\Br (a) ,
k=−∞
em que se pode tomar r = 0 com B0 (a) = {a} no caso de ck = 0 para
k < −m para algum m ∈ Z , ou seja se f tem em a um pólo de ordem
m ∈ N, uma singularidade removı́vel, ou não tem singularidade em a .
Dem. Com a mudança de variável z − a = ζ n , numa vizinhança de ζ = 0
a função é transformada numa função complexa com uma singularidade
P
isolada, pelo que tem desenvolvimento em série de Laurent ∞ k
k=−∞ ck ζ ,
que é o desenvolvimento pretendido passando para a variável z . Q.E.D.

11.4 Superfı́cies de Riemann


A denição de Superfí ie de Riemann287 é análoga à de variedade diferen ial
(real) de dimensão 2, ex epto que as oordenadas lo ais são em onjuntos
abertos do plano omplexo em vez de R2 e as relações de diferentes sistemas
de oordenadas de uma mesma vizinhança de oordenadas são por trans-
formações onformes em vez de difeomorsmos, ou seja as Superfí ies de
Riemann são variedades diferen iais omplexas de dimensão 1 onexas.
Chama-se Superfı́cie de Riemann S a uma variedade complexa
analı́tica de dimensão 1 conexa, denida omo um espaço topológi o
de Hausdor onexo288 om uma família {(U, ϕ )}U ∈U em que U é uma
família de sub onjuntos de S uja união ontém S e ϕ : U → C são home-
U

omorsmos sobre onjuntos abertos de C tais que para todos U, V ∈ U tais


U

U ∩ V 6= ∅ , ϕ ◦ ϕ−1 é uma transformação onforme de ϕ (U ∩ V ) ⊂ C sobre


ϕ (U ∩ V ) ⊂ C . A {(U, ϕ )}U ∈U , (U, ϕ ) , U , ϕ , ϕ−1 hama-se, resp.,
V U U

atlas, carta289 , vizinhança de coordenadas, sistema de coordenadas


V U U U U

local, parametrização local de S (Figura 11.5). Diz-se que dois atlas


de S são equivalentes se a união é um atlas. Chama-se estrutura analı́-
tica ou estrutura complexa ou estrutura conforme de S a uma das
orrespondentes lasses de equivalên ia de atlas de S .
Portanto, uma Superfí ie de Riemann é uma variedade diferen ial real
C ∞ de dimensão 2 om uma estrutura analíti a. Pode-se provar que uma tal
variedade diferen ial admite uma estrutura analíti a se e só se é orientável e
onexa, mas, em geral, admite várias estruturas analíti as.
287
Para um estudo elementar de propriedades topológicas de Superfı́cies de Riemann, curvas
algébricas e funções analı́ticas e meromorfas globais uma boa referência é o livro de W. Fulton na
bibliografia final.
288
Ver final do apêndice I.
289
Em inglês diz-se chart.
278 Prolongamento analı́tico e funções analı́ticas globais

S
U

Figura 11.5: Vizinhanças de coordenadas U , V e sistemas


de coordenadas ϕU , ϕV de uma superfı́cie de Riemann S
(11.6) Exemplos: de superfı́cies de Riemann:
1. Qualquer região S 6= ∅ de C com atlas {(S, 1C )}, incluindo S = C .
2. A superfı́cie esférica de Riemann S = C∞ com atlas {(U, 1U ), (V, ϕV )},
com U = C∞ \{∞} = C, V = C∞ \{0} e ϕV (z) = 1z se z ∈ C\{0} e ϕV (∞) = 0 .
3. Qualquer superfı́cie de um toro complexo C/Γ, que é o conjunto das
classes de equivalência da relação de equivalência em C z ∼ w se z−w ∈ Γ com
Γ = {mω1 +nω1: n, m ∈ Z}, em que ω1 , ω2 ∈ C são linearmente independentes
no espaço linear dos números complexos com escalares reais, com a topologia
que faz com que π : C → C/Γ tal que π(z) é a classe de equivalência de z
seja contı́nua, ou seja o conjunto dos subconjuntos de C/Γ com preimagem
por π um aberto de C , com atlas {(U, ϕU )}U ∈U em que U é o conjunto dos
subconjuntos U = π(V ) ⊂ C/Γ tais que V é um subconjunto aberto de C que
não contém mais de um ponto da mesma classe da equivalência e ϕU : U → V
é a inversa da restrição de π a V . Como C é conexo, também C/Γ é. Como
o paralelogramo P = {a ω1 +b ω1: a, b ∈ [0, 1]} é um subconjunto compacto de
C e π é contı́nua, C/Γ = π(P ) é compacto.
 Para cada aberto V ⊂ C , a união
de conjuntos abertos π −1 π(V ) = ∪ω∈Γ V + {ω} é um conjunto aberto,
pelo que π é uma função aberta. Resta verificar que para U, V ∈ U tais que
U ∩V 6= ∅ , ψ = ϕV ◦ ϕ−1 U
é uma transformação conforme de ϕU (U ∩V ) ⊂ C
sobre ϕV (U ∩ V ) ⊂ C . Para cada z ∈ ϕU (U ∩ V ) é π ψ(z) = π(z) , pelo que
ψ(z) − z ∈ Γ. Como os pontos de Γ são isolados e ψ é contı́nua, ψ(z) − z
é constante em cada componente conexa de ϕU (U ∩ V ) ⊂ C, pelo que ψ
é holomorfa, e obtém-se analogamente que ψ −1 também é. A função que
transforma cada classe de equivalência de C/Γ representada por um elemento
aω1 +bω2 com a, b ∈ [0, 1] em (eia2π , eib2π ) ∈ S 1 ×S 1 é um homeomorfismo de
C/Γ sobre a superfı́cie do toro S 1 ×S 1 .
4. Qualquer superfı́cie definida por prolongamento analı́tico de um elemento
de função analı́tica ou um gérmen como descrito antes nesta secção.
5. Qualquer superfı́cie poliédrica S ⊂ R3 , i.e. uma variedade diferencial
11.4 Superfı́cies de Riemann 279

com cantos compacta união de um número finito F1 , . . . , Fm de faces planas


poliédricas sem as fronteiras com as correspondentes arestas E1 , . . . , En , que
são segmentos de recta sem as extremidades, chamadas os vértices V1 , . . . , Vp .
Portanto, o fecho de cada face em R3 é a união da face com as suas arestas
e vértices. Cada aresta Ej é a intersecção dos fechos em R3 de duas faces
adjacentes Fj1 , Fj2 menos as extremidades da aresta. Cada face tem faces
adjacentes que partilham uma mesma aresta. A cada aresta Ej pode-se
associar uma carta (Fj1 ∪Ej ∪Fj2 , ϕj ) da estrutura complexa de S, em que ϕj
é uma função que transforma isometricamente Fj1∪Ej∪Fj2 num subconjunto
de R2 , planificando-o. Os únicos pontos de S que não pertencem à união
dessas vizinhanças de coordenadas ∪j (Fj1 ∪ Ej ∪ Fj2 ) são os vértices. Em
cada vértice Vs encontram-se um no finito de arestas de faces com ângulos
α1 , . . . , αk e comP
Us a união do vértice com essas arestas e as correspondentes
faces e c = 2π/ kj=1 αj , obtém-se uma carta (Us , ψs ) com ψs uma função
que dilata ângulos de sectores com vértice em Vs multiplicando-os por c , o
que pode ser realizado com a função z 7→ z c .
Dos exemplos pre edentes de Superfí ies de Riemann, 2, 3 e 5 são homeo-
morfas a variedades diferen iais de dimensão 2 ompa tas (2 a uma superfí ie
esféri a e 3 a um toro-1), o exemplo 1 é de Superfí ies de Riemann homeo-
morfas a variedades diferen iais de dimensão 2 não ompa tas, e o exemplo
4 in lui variedades diferen iais de dimensão 2 que podem ser ompa tas (e.g.
2 e 3) ou não (e.g. as Superfí ie de Riemann asso iadas a funções inteiras,
raízes inteiras ou logaritmo).
As Superfí ies de Riemann ompa tas são homeomorfas a variedades di-
feren iais de dimensão 2 orientáveis que podem ser mergulhadas em R3.
Uma variedade diferen ial (real) de dimensão 2 orientável ompa ta o-
nexa S é homeomorfa a uma superfí ie esféri a om um no nito de pegas 290
g(S) , hamado género da variedade i.e. à superfí ie de um toro-n obtido
 olando duas a duas ao longo dos resp. bordos n superfí ies obtidas de
toros usuais (toros-1) retirando-lhes um pequeno sub onjunto homeomorfo
a um aberto de R2 om bordo uma urva fe hada simples291 (Figura 11.6).
Em ada variedade diferen ial (real) de dimensão 2 orientável ompa ta
onexa S pode ser denida uma triangulação, que é um onjunto om um
no nito de sub onjuntos de S homeomorfos ao interior de um triângulo em
R2 , hamados faces, e a união dos seus bordos. Chama-se lado de uma
290
Em inglês diz-se handles.
291
É o Teorema de Classificação de Superfı́cies Compactas Orientáveis, que não se
prova aqui. A prova directa mais disseminada é uma em H. Seifert, W. Threlfall, A Textbook of
Topology and Seifert Topology of 3-Dimensional Fibred Spaces, Academic Press, 1980, a tradução
para inglês do livro publicado em alemão em 1934. Em 1992 J. Conway obteve uma prova simples,
mas pressupondo a existência de triangulações destas superfı́cies, o que, embora pareça natural,
requer uma prova laboriosa. Esta interessante prova é descrita no artigo Francis, George K.,
Weeks, Jeffrey R., Conway’s ZIP Proof, Amer. Math. Monthly, 106 (1999), 393-399. Autor e
datas das figuras de superfı́cie esférica com 3 pegas e dos toros 1, 2, 3: Oleg Alexandrov (resp.,
2.06.2008, 13.07.2008, 6.09.2007, 7.09.2007), sob Licença Creative Commons Public Domain.
280 Prolongamento analı́tico e funções analı́ticas globais

fa e homeomorfa a um triângulo T ⊂ R2 à imagem de um lado de T pela


extensão ontínua do homeomorsmo ao fe ho da fa e. Cada fa e tem três
lados (homeomorfos a intervalos ompa tos de R) e ada par destes lados
interse ta-se num de três pontos hamados vértices da fa e. O onjunto das
fa es de uma triangulação, dos vérti es e dos lados sem as extremidades é
uma partição de S . O onjunto dos vérti es e dos lados sem as extremidades
é uma partição da fronteira da união das fa es. Se F, E, V designam o no de,
resp., fa es, lados e vérti es de uma triangulação de S , o valor de F −E+V é
o mesmo para todas triangulações de S , hama-se caracterı́stica de Euler
de S , designada χ(S) , e satisfaz χ(S) = 2 − 2 g(S) .

Figura 11.6: Superfı́cies esféricas com 2 e 3 “pegas”, e de toros-n, n = 1, 2, 3


A invariân ia da ara terísti a de Euler om triangulações e a relação
om o género podem ser provadas de muitas maneiras, e.g. omo se segue:
(1) Uma triangulação obtida de outra onsiderando numa das fa es um
novo vérti e orresponde a substituir essa fa e por 3 fa es de uma triangula-
ção da fa e original om o vérti e a res entado e 3 lados que têm extremida-
des nesse vérti e e em ada um dos vérti es da fa e original; logo, F −E+V
não muda de valor ((−1+3)−3+1 = 0).
(2) Uma triangulação obtida de outra onsiderando um novo vérti e num
dos seus lados, mas não nas extremidades, orresponde a substituir ada uma
das fa es da triangulação original om fe hos que ontêm o lado por 2 fa es
que partilham um novo lado ontido em ada uma das 2 fa es originais e
separar o lado original om o novo vérti e em 2 lados; logo, F −E +V não
muda de valor ((−2+4)−(−1 + 4)+1 = 0).
(3) Obtém-se por indução que F − E + V não muda om triangulações
obtidas a res entando um no nito de novos vérti es a uma triangulação.
(4) O renamento omum de duas triangulações de S , que é a trian-
gulação om fa es que são as interse ções de ada par de fa es das duas
triangulações onsideradas, pode ser obtido de qualquer das duas triangula-
ções a res entando um no nito de vérti es; logo, o valor de F −E +V para
ada um das triangulações é o mesmo que para o seu renamento omum.
(5) Considere-se a triangulação de uma superfí ie esféri a S om 3 vérti-
es (e.g. nos pólos Norte e Sul, e num ponto do equador), 3 lados (os ar os
11.4 Superfı́cies de Riemann 281

do meridiano interse ção da superfí ie esféri a om o plano que passa nos


3 vérti es e om extremidades ada par desses vérti es) e 2 fa es (as semi-
superfí ies esféri as de ada lado do plano); a sua ara terísti a de Euler é
2 = 2−3+3 .
(6) Se S é uma variedade diferen ial de dimensão 2 orientável, ompa ta
e onexa, onsiderando uma triangulação de S e a variedade diferen ial S ′
obtida a res entando-lhe 1 pega que interse ta S nas fronteiras de 2 das
fa es da triangulação não adja entes om lados que são urvas analíti as (se
todos pares de fa es são adja entes, rena-se a triangularização de modo a
ter fa es não adja entes, e.g. a res entando um vérti e diferente das extre-
midades em ada lado de uma de duas fa es. Se os lados das 2 fa es não
são urvas analíti as, regularizam-se substituindo-as por urvas analíti as
próximas om as mesmas extremidades), é g(S ′ ) = g(S)+1 e obtém-se uma
triangulação de S ′ substituindo essas 2 fa es por 6 fa es de uma triangulação
da pega, o que envolve a res entar 6 lados à triangulação e nenhum vérti e
(Figura 11.7), pelo que χ(S ′) = χ(S) − 2 + (6 − 6 + 0) = χ(S) − 2 ; portanto,
ada vez que se adi iona uma pega a ara terísti a de Euler de res e de
2 unidades enquanto o género res e uma unidade; omo, de (5), a ara te-
rísti a de Euler de uma superfí ie esféri a é 2, obtém-se por indução que se
S é uma variedade diferen ial de dimensão 2 orientável ompa ta onexa S ,
χ(S) = 2−2 g(S) .

c' a a'
b b'
c a' c c'
b'
a a'
a
b

Figura 11.7: Triangulação de uma “pega” e resp. planificação


Em 1961 M.Hirs h provou que variedades diferen iais de dimensão m ∈ N
não ompa tas podem ser mergulhadas em R2m−1. Logo, toda Superfí ie de
Riemann é homeomorfa a uma variedade diferen ial de dimensão 2 onexa
mergulhada em R3. Em 1882 F. Klein tinha posto a questão mais difí il de
toda Superfí ie de Riemann ser onforme a uma superfí ie C ∞ mergulhada
em R3, que foi respondida positivamente por R. Rüedy292 quase um sé ulo
depois, em 1971. Portanto, toda Superfı́cie de Riemann é conforme a uma
variedade diferencial de dimensão 2 conexa mergulhada em293 R3 .
292
Rüedy, Reto.
293
Para Superfı́cies de Riemann mergulhadas em C2 a questão é ainda mais difı́cil (é a Con-
282 Prolongamento analı́tico e funções analı́ticas globais

As Superfí ies de Riemann de raízes inteiras orrespondem às soluções


da equação zn = w om z, w ∈ C . Isto generaliza-se para equações algébri as
de duas variáveis omplexas.
Chama-se curva plana afim a Γ = {(z, w) ∈ C2 : P (z, w) = 0 },
em que PP é um Pm polinómio em duas variáveis omplexas, ou seja
m z n om c
P (z, w) = m j=0 k=0 cjk w jk ∈ C ; diz-se que é irredutı́vel se
não existem polinómios não onstantes P1 , P2 tais que P = P1P2 ; diz-se que
é não singular se em ada ponto (z0 , w0 ) é Pz (z0 , w0 ) 6= 0 ou Pw (z0 , w0 ) 6= 0 .
Toda urva plana am é uma variedade diferen ial de dimensão 2 em
que se pode denir uma estrutura analíti a, pois parametrizações denidas
om o Teorema da Função Implí ita para vizinhanças de oordenadas que
se interse tam transformam-se por homeomorsmos C ∞ que satisfazem as
equações de Cau hy-Riemann, pelo que são transformações onformes.
(11.7) Curvas planas afins irredutı́veis são conexas; se também são não
singulares, são Superfı́cies de Riemann.

Dem. Seja Γ = {(z, w) ∈ C2 : P (z, w) = 0} a curva afim complexa definida


pelo polinómio de duas variáveis complexas irredutı́vel P .
Se P (z, w) tem grau n em w, Pw (z, w) = Pw (z, w) tem grau n − 1
em w.A divisão de P por Pw depois de eliminar possı́veis factores comuns no
numerador e denominador dá p1 (z) P (z, w) = Q1 (z, w) Pw (z, w)+ R1 (z, w),
em que p1 (z) é um polinómio e R1 (z, w) é um polinómio de grau < n − 1
em w . Se o grau de R1 (z, w) em w não é 0 , a divisão de Pw por R1 dá
p2 Pw = Q2 R1 +R2 . Por divisões sucessivas, pj+1 Rj−1= Qj+1 Rj +Rj+1 , para
j = 1, 2, . . . J, chega-se a RJ+1 com grau 0 ; como P é irredutı́vel, d = RJ+1 6=
0 . Logo, p(z) P (z, w)+q(z, w) Pw (z, w) = d(z) , em que p(z), q(z, w), d(z) são
polinómios e d(z) 6= 0 é chamado discriminante de P (z, w) em relação a
w . Portanto, não pode ser simultaneamente P (z, w) = 0 , Pw (z, w) = 0 ,
pelo que para cada P z ∈ C as raı́zes w da equação P (z, w) = 0 são simples;
como P (z, w) = nk=0 ak (z) wk , em que ak (z) são polinómios, e a0 (z) 6= 0 , a
equação tem n raı́zes distintas.
Como F = {z ∈ C : a0 (z) d(z) = 0} é o conjunto dos zeros de um polinó-
mio não constante em uma variável complexa, do Teorema Fundamental da
Álgebra e divisão polinomial, é um conjunto não vazio finito. O Teorema
da Função Implı́cita pode ser aplicado em cada ponto de Γ\(F ×C) como
antes do enunciado, obtendo-se que Γ0 = Γ\(F×C) é uma variedade analı́tica
complexa de dimensão 1 com n “folhas” sobre o plano z .
Passando para a superfı́cie esférica de Riemann C∞ como usualmente e
acrescentando ∞ a F obtém-se que existe f : Γ0 → C∞\F tal que cada ponto
jectura de Bell-Narasimhan, afirmada em 1990 por Steven Robert Bell e Raghavan Narasimhan
(1937-2015)) e permanece em aberto, mas houve várias contribuições parciais importantes. Para
superfı́cies de Riemann mergulhadas em C3 a questão tinha sido respondida afirmativamente em
1960 por R. Narasimhan.
11.4 Superfı́cies de Riemann 283

em Γ0 tem  uma vizinhança em que a restrição de f é um homeomorfismo e


f −1 {z} tem n elementos para cada z ∈ C∞\F .
Se Γ0 é desconexa e Γ1 é uma componente conexa de Γ0 , a restrição
de f a Γ1 é tal que cada ponto em Γ0 tem uma  vizinhança em que a res-
trição de f é um homeomorfismo e f −1 {z} ∩ Γ1 tem m < n elementos
w1 (z), . . . , wm (z) para cada z ∈ C∞\F . Designam-se e1 (z), . . . , em (z) as fun-
ções simétricas elementares nos m valores w1 (z), . . . , wm (z) , ou seja e1 (z) é
a soma desses m valores, e2 (z) é a soma dos produtos de pares distintos des-
ses valores e assim sucessivamente até que em (z) é o produto dos m valores;
as funções e1 , . . . , em são holomorfas
P em C∞\F . Para cada z ∈ C\F fixo o
polinómioQG(z, w) = wm + m−1 k=0 (−1) m−k e
m−k (z)
Qw
k pode ser factorizado
m m
G(z, w)= k=1 [w−wk (z)] . Como P (z, w)=a0 (z) k=1 [w−wk (z)] , G divide
P , em contradição com P ser irredutı́vel. Portanto, Γ0 é conexo.
Como toda curva plana afim não singular admite uma estrutura analı́tica,
e se é irredutı́vel é conexa, uma curva plana afim irredutı́vel não singular é
uma superfı́cie de Riemann. Q.E.D.
P
Se P (z, w) = wm + m−1 k=0 ak (z) w , em que ada ak (z) é um polinómio,
k

a Superfí ie de Riemann orrespondente à urva plana am Γ denida por


P (z, w) = 0 pode ser realizada om m folhas sobre o plano omplexo z . Para
pontos z ∈ C tais que existe w om (z, w) ∈ Γ tal que Pw (z, w) 6= 0 , existem
pontos (z, w) ∈ Γ nas m folhas. Os outros pontos são de rami ação.
Curvas planas ans irredutíveis não singulares são Superfí ies de Rie-
mann não ompa tas, mas podem ser ompa ti adas a res entando pontos
no innito, omo o plano omplexo C pode ser ompa ti ado na Superfí ie
Esféri a de Riemann C∞ onsiderando um ponto ∞ no innito e oordena-
das lo ais em vizinhanças Uc (∞) = {z ∈ C : |z| > c}, c > 0 , de ∞ ompatíveis
om as de pontos de C no sentido de onstituírem uma estrutura analíti a de
C∞ , o que se pode onseguir denindo em Uc (∞) o sistema de oordenadas
ψ(z) = 1z para z 6= ∞ e ψ(∞) = {0} , pois a restrição de ψ a Uc (±∞)\{∞} é
uma transformação onforme sobre Q Bc (0)\{0} .
Em parti ular, se P (z, w) = w − Nk=1(z−zk ) , om N par, N = 2n , n ∈ N
2

e z1 , . . . , zN ∈ C distintos, a Superfí ie de Riemann orrespondente à urva


plana am Γ denida por P (z, w) = 0 pode ser realizada om 2 folhas sobre
o plano omplexo z . A equação P (z, w) = 0 equivale a
N
Y
2 
w
z n+1 − 1− zzk = 0 .
k=1
A ompa ti ação da urva plana am onsiderada neste aso parti ular
pode ser realizada analogamente à de C em C∞ , mas onsiderando dois
pontos simétri os ±∞ no innito om, resp., vizinhanças de oordenadas
n o
w
Uc (±∞) = (z, w) ∈ Γ : |z| > c , lim z n+1 = ±1 , c>0 ,
|z|→+∞
e sistemas de oordenadas

ψ± (z, w) = 1 w
z , z n+1 para (z, w) ∈ Uc (±∞)\{±(∞, 1)} ,
284 Prolongamento analı́tico e funções analı́ticas globais


e ψ± ± (∞, 1) = (0, ±1) para (z, w) = ±(∞, 1) , pois a restrição de ψ± a
Uc (±∞)\{±(∞, 1)} é uma transformação onforme sobre

V± (0) = (x, y) ∈ Γ e : 0 < |x| < 1 \{(0, ±1)} ,
 c
em que Γe = (x, y) ∈ C2 : y2 − QNk=1(1−xzk ) = 0 e c > |zk | para k = 1, . . . , N .

Figura 11.8: onstrução da superfı́cie de Riemann correspondente


à curva plana afim w2 = (z −z1 ) (z −z2 )
Se N = 2 no aso onsiderado no parágrafo pre edente, ou seja a urva
plana am é denida por w2 = (z −z1)(z −z2 ) , om z1 6= z2 , retirando a C∞
o ar o de ír ulo máximo om extremidades nos pontos orrespondentes a
z1 , z2 , ada um dos dois ramos da raiz quadrada, orrespondentes a ada uma
das duas folhas da resp. Superfí ie de Riemann sobre o plano omplexo w
tem imagem C∞ menos um ar o de ír ulo máximo om extremidades or-
respondentes às raízes quadradas de z1, z2 , ou seja obtêm-se duas superfí ies
esféri as sem um ar o de ír ulo máximo idênti as, ex epto que os valores
de um dos ramos nesse ar o orrespondem aos valores do outro ramo no
outro lado do ar o sobre a superfí ies esféri a, pelo que as duas superfí ies
esféri as podem ser oladas em ambos os lados do ar o referido, obtendo-se
uma superfí ie homeomorfa a uma superfí ie esféri a (Figura 11.8).
11.4 Superfı́cies de Riemann 285

Figura 11.9: Construção da superfı́cie de Riemann correspondente à


curva plana afim w2 = (z −z1 )(z −z2 )(z −z3 )(z −z4 )
Se N = 2n , n ∈ N\{1} no aso do penúltimo parágrafo anterior, ou seja
uma urva plana am denida por w2 = (z−z1) · · · (z−z2n) , om z1 , . . . , z2n
distintos, podem-se asso iar estes números aos pares, e.g. pares onse utivos,
e obtêm-se para ada par destes pontos on lusões análogas às do parágrafo
pre edente, ou seja ada um dos ramos da raiz quadrada tem omo imagem
uma superfí ie esféri a menos n ar os de ír ulo máximo om extremidades
orrespondentes a raízes quadradas de ada par de pontos z2j−1, z2j , j =
1, . . . , n, que podem ser oladas em ambos os lados do ar o referido, obtendo-
se uma superfí ies homeomorfa a um toro-(n−1) (Figura 11.9).
Logo, toda variedade diferencial de dimensão 2 orientável, compacta e
conexa é homeomorfa a uma Superfı́cie de Riemann correspondente a uma
curva plana afim294 , i.e. à superfı́cie de um toro-n com n ∈ N ∪ {0}.
294
Como para o caso m = 2 e N par considerado acima, obtêm-se Superfı́cies
Q de Riemann
compactas para Curvas Planas Afins definidas por equações da forma w m + Nk=1 (z−zk ) = 0 , com
z1 , . . . , zN distintos, para m ∈ N\{1, 2} e N ∈ N .
286 Prolongamento analı́tico e funções analı́ticas globais

Chama-se espaço projectivo omplexo de dimensão n Pn, n ∈ N , ao


onjunto das re tas que passam na origem em Cn+1, ou seja ao onjunto das
lasses de equivalên ia da relação z ∼ w denida em Cn+1 por w = c z para
algum c ∈ C . A ada lasse de equivalên ia p hama-se ponto do espaço
projectivo Pn e diz-se que z = (z1 , . . . , zn+1 ) ∈ Cn+1 são coordenadas
homogéneas de p , e es reve-se p = [z] = [(z1 , . . . , zn+1 )] se z ∈ p . Considera-
se aqui Pn om a topologia induzida pela topologia usual de Cn+1. Nesta
topologia, Pn é um espaço ompa to. Chama-se plano projectivo omplexo
a P2. Chama-se curva algébrica no plano projectivo de grau d a um
sub onjunto do plano proje tivo Z(P ) = { [(z1 , z2 , z3 )] ∈ P2: P (z1 , z2 , z3 ) = 0 },
em que P é um polinómio omplexo de três variáveis homogéneo de grau
d ≥ 1 , i.e. tal que P (cz1 , cz2 , cz3 ) = cd P (z1 , z2 , z3 ) para todos c, z1 , z2 , z3 ∈ C ;
do Teorema Fundamental da Álgebra, Z(P ) 6= ∅ . Diz-se que é irredutı́vel
se P é um polinómio irredutível e diz-se que é não singular se em ada
ponto (z1 , z2 , z3 ) ∈ C3 \{0} P e Pz , j = 1, 2, 3 .
j

(11.8) Curvas algébricas no plano projectivo irredutı́veis são conexas;


se também são não singulares, são Superfı́cies de Riemann compactas.

Dem. Como Z(P ) é um subconjunto fechado de P2 e este é um espaço


compacto, Z(P ) é compacto.
Se Z(P ) é uma curva algébrica no plano projectivo com P irredutı́vel e
não singular, Z(P )af = {(z1 , z2 ) ∈ C2 : P (z1 , z2 , 1) = 0} é uma curva plana
afim, que, como se viu, é uma superfı́cie de Riemann. Logo, existe uma
vizinhança de coordenadas de variedade analı́tica complexa de dimensão 1
para Z(P ) que inclui [(z1 , z2 , z3 )] para zj 6= 0 para algum j ∈ {1, 2, 3}. As
cartas correspondentes dão um atlas de Z(P ) .
Resta provar que uma curva algébrica Z(P ) no plano projectivo com
P irredutı́vel é conexa. P é um polinómio homogéneo de grau d ≥ 1 .
Deixa-se como exercı́cio verificar que Z(P ) é conexa se d = 1 . Se d > 1 ,
(z1 , z2 ) 7→ P (z1 , z2 , 1) é um polinómio irredutı́vel de grau d . Logo, de (11.7),
o conjunto Z(P ) ∩ {[(z1 , z2 , z3 )] ∈ P2 : z3 6= 0} é conexo, e analogamente subs-
tituindo a condição z3 6= 0 por z2 6= 0 ou z1 6= 0 . Z(P ) é a união destes três
conjuntos e, como estes se intersectam dois a dois, Z(P ) é conexo. Q.E.D.

As noções de função holomorfa ou meromorfa podem ser estendidas a


funções denidas em superfí ies de Riemann.
Diz-se que uma função entre Superfí ies de Riemann R e S é holomorfa
se para ada par de sistemas de oordenadas ψ : V → C de R e ϕ : U → C de
S om f (U ) ⊂ V , a função omplexa ϕ ◦f ◦ ψ −1 : V → U é holomorfa. Diz-se
que a ordem de um zero de f é a ordem do orrespondente zero da função
omplexa de variável omplexa ϕ◦f ◦ψ−1 . Esta denição é independentes
dos sistemas de oordenadas adoptados. Designa-se o onjunto das funções
holomorfas de R em S por H(R, S) , e se S = C , simplesmente por H(R) .
11.4 Superfı́cies de Riemann 287

Diz-se que uma função f denida num sub onjunto aberto V de uma super-
fí ie de Riemann S é meromorfa em V se f : V → C ∪ {∞} , f −1 {∞} 
é um onjunto de pontos isolados deV , a restrição de f a V \f −1 {∞} é
holomorfa e para ada P ∈ f −1 {∞} existe uma arta (U, ϕ) de S tal que
P ∈ U e a função f ◦ ϕ−1 é meromorfa omo função omplexa de variável
omplexa. A ada elemento de f −1 {∞} hama-se pólo de f e diz-se que
a ordem de um pólo de f é a ordem do orrespondente pólo da função
omplexa de variável omplexa f ◦ϕ−1 . Chama-se zero de f a um zero da
função holomorfa que é a restrição de f a V \ f −1 {∞} e hama-se ordem
de um zero de f à ordem deste zero dessa função holomorfa. Estas deni-
ções são independentes dos sistemas de oordenadas adoptados. Designa-se
o onjunto das funções meromorfas em U por M (U ) .
Se S é uma Superfı́cie de Riemann, H(S) e M (S) com as operações
usuais são espaços lineares complexos e álgebras complexas comutativas (a
multiplicação de elementos de H(S) (resp., M (S)) definida ponto a ponto é
fechada), e M (S) é um corpo.
Diz-se que duas Superfí ies de Riemann são isomorfas ou conformes se
existe uma bije ção holomorfa om inversa holomorfa de uma sobre a outra.
Uma função polinomial não constante P é holomorfa em C e é mero-
morfa na Superfı́cie Esférica de Riemann C∞ .
As propriedades de funções omplexas holomorfas invariantes sob trans-
formações onformes passam para funções holomorfas entre Superfí ies de
Riemann, pois a prova de uma propriedade geral para funções holomorfas
entre Superfí ies de Riemann a partir da propriedade orrespondente para
funções omplexas apenas requer a intermediação de sistemas de oordena-
das, ou seja de transformações onformes de onjuntos abertos de C , e.g. se
R e S são Superfí ies de Riemann, então:
 Se funções f, g ∈ H(R, S) são iguais num subconjunto de R com pontos
limite, são idênticas em R .
 Se U ⊂ S é aberto, a ∈ U e f ∈ H(U \ {a}, C) é limitada em V \ {a}
para alguma vizinhança V de a, f pode ser estendida por continuidade
a um elemento de H(U, C) .
 Se f ∈ H(R, S) não é constante, a ∈ R e b = f (a) , existem k ∈ N e
sistemas de coordenadas de R e S, resp., ϕ : U → C e ψ : V → C com
a ∈ U , ϕ(a) = 0 , b ∈ V, ψ(b) = 0 , f (U ) ⊂ V e ψ ◦ f ◦ ϕ−1 (z) = z k, z ∈ ϕ(U ) .
 Se f ∈ H(R, S) não é constante, f é função aberta.

 Se f ∈ H(R, S) é injectiva, f −1 ∈ H f (R), R .
 Se f ∈ H(S, C) não é constante, |f | não tem máximo em S.
A propriedade seguinte resulta da onexidade de Superfí ies de Riemann.
(11.9) Se R e S são Superfı́cies de Riemann, f ∈ H(R, S) não é cons-
tante e R é compacta, então f é sobrejectiva.
288 Prolongamento analı́tico e funções analı́ticas globais

Dem. Como f é contı́nua, transforma conjuntos compactos em conjuntos


compactos, que são fechados, e como f é função aberta, f (R) é aberto e
fechado. Os únicos subconjuntos de um espaço topológico conexo que são
abertos e fechados são todo o espaço e ∅ . Logo, f (R) = S . Q.E.D.
Em onsequên ia obtém-se o resultado seguinte.
(11.10) As funções holomorfas de uma Superfı́cie de Riemann compacta
S em C são as funções constantes definidas em S .
Dem. Como funções contı́nuas transformam conjuntos compactos em con-
juntos compactos e C não é compacto, f ∈ H(S, C) não pode ser sobrejectiva.
Do resultado precedente, f é constante. Q.E.D.
Estes resultados permitem as provas urtas alternativas seguintes do Teo-
rema de Liouville  se f ∈ H(C) é limitada, pode ser estendida a um elemento
de H(C∞ , C) e, de (11.10), f é onstante  e do Teorema Fundamental da
Algebra (a 6a neste livro)  todo polinómio omplexo não ontantes f pode
ser estendido a um elemento de H(C∞ , C∞ ) om f (∞) = ∞ e, de (11.9), f
é sobreje tiva sobre C∞ e, portanto, 0 é assumido em algum ponto de C .
Uma outra onsequên ia de (11.9) é a seguinte.
(11.11) As funções meromorfas em C∞ são as funções racionais.
Dem. Se f ∈ M (C∞ ) , o conjunto P de pólos de f é finito, pois caso contrário
teria um ponto limite em C∞ e f seria constante, e, como f tem de assumir
o valor ∞ em algum ponto, seria identicamente ∞ em C∞ , em contradição
com ser meromorfa. Se f é identicamente 0 , é o polinómio 0 ; logo, trivi-
almente uma função racional. Se f não é identicamente 0 , sem perda de
1
generalidade ∞ não é um pólo (caso contrário, substitui-se f por f −c , com
f (c) 6= 0 ). SePp1 , . . . , pk ∈ C são os pólos de f de ordens, resp., m1 , . . . , mk ,
mk −n e a parte principal de f no pólo p ,
e hj (z) = n=1 ckn (z − pj ) j
para j = 1, . . . , k , g = f − (h1 + · · · + hk ) é holomorfa de C∞ em C ;
do resultado P precedente,
P k g é identicamente uma constante C ∈ C e
f (z) = C + kj=1 m c
n=1 kn (z−p j)
−n , que é uma função racional. Q.E.D.
Denindo funções meromorfas em C em C∞ obtém-se o seguinte.
(11.12) Se S é uma Superfı́cie de Riemann, então f ∈ M (S) se e só se
a extensão de f igual a ∞ em cada pólo pertence a H(S, C∞ ).
Dem. Se f ∈ M (S) e P é o conjunto de pólos de f , a função estendida a
f : S → C∞ definindo-a ∞ em cada pólo é contı́nua. Se ϕ : U → C e ψ : V → C
são sistemas de coordenadas das superfı́cies de Riemann,
 resp., S e C∞ com
f (U ) ⊂ V , como f ∈ H(S \P ) , é f ◦ϕ ∈ H V \ϕ(P ) ; os valores de f ◦ϕ−1
−1

em V \ϕ(P ) são em C∞ , que é limitado, pelo que f ◦ϕ−1 pode ser estendida
por continuidade a uma função holomorfa em V ; logo, também g ◦f ◦ ϕ−1
pode; portanto f ∈ H(S, C∞ ) . Reciprocamente, se f ∈ H(S, C∞ ) não é
identicamente ∞ , o conjunto em que f tem valor ∞ não tem pontos limite;
logo, é um conjunto de pontos isolados; portanto, f ∈ H(S \P ) . Q.E.D.
11.5 Caracterização algébrica de regiões conformes 289

11.5 Caracterização algébrica de regiões


conformes
Nesta se ção onsidera-se a ara terização de Superfí ies de Riemann on-
formes por isomorsmos das álgebras das funções holomorfas e das funções
meromorfas denidas nas Superfí ies de Riemann.
Chama-se álgebra sobre um orpo K a um espaço linear om orpo de
es alares K em que está denido um produto bilinear. Chama-se homomor-
fismo de uma álgebra A1 numa álgebra A2 , ambas sobre o mesmo orpo, a
uma função de A1 em A2 que preserva as operações. É um isomorfismo se
é uma bije ção de A1 sobre A2. Chama-se caracter de uma álgebra A a um
homomorsmo de A no orpo de es alares.
Um exemplo simples de álgebra sobre C é o onjunto das matrizes om-
plexas n×n , para n ∈ N xo, om o produto de matrizes. Os onjuntos H(S)
e M (S) das funções, resp., holomorfas de S em C e meromorfas numa Super-
fí ie de Riemann S , onsiderados omo espaços lineares omplexos om as
operações usuais e produto a omposição de funções, são álgebras sobre C .
Como H(S) ⊂ M (S) , isomorsmos de álgebras de funções holomorfas são
menos restritivos do que de álgebras de funções meromorfas. A ara teriza-
ção de Superfí ies de Riemann onformes por isomorsmos de álgebras de
funções holomorfas é mais fra a do que por álgebras de funções meromorfas,
e é de esperar que seja mais simples de estabele er, pelo que se onsidera 1o
esse aso e as mais simples Superfí ies de Riemann, ou seja regiões de C ,
para as quais as provas dos resultado são muito simples.
(11.13) Teorema de Bers: Para cada homomorfismo h 6= 0 de H(R)
em H(S) , com R, S regiões de C , h(f ) = f ◦g para f ∈ H(R) se e só se
g : S → R é g = h(1R ) ; h é um isomorfismo de H(R) sobre H(S) se e só
se g é uma transformação conforme de S sobre R.

Dem. A unicidade de g é imediata de h(1R ) = 1R ◦g = g .


Se a ∈ S e χSa : H(S) → C é a aplicação de avaliação em a definida em
H(S) , χSa (k) = k(a) , então χSa ◦ h é um caracter de H(R) .
Para cada c ∈ C designa-se c a função constante igual a c em R . Para
todo caracter χ 6= 0 de H(R) , χ(1) = χ(1.1) = χ2 (1) , pelo que χ(1) é 0 ou
1 . Se fosse χ(1) = 0 , seria χ(f ) = χ(1f ) = χ(1) χ(f ) = 0 para f ∈ H(R)
em contradição com χ 6= 0 . Logo, χ(1) = 1 , e χ(c) = χ(c1) = c χ(1) = c
para c ∈ C . Com b = χ(1R ) e a translação tb : R → C tal que tb = 1R − b ,
é χ(tb ) = χ(1R ) − χ(b) = b − b = 0 . Se b ∈ / R , seria t1b ∈ H(R) e
1 1
1 = χ(1) = χ tb tb = χ(tb ) χ(tb ) = 0 , o que é impossı́vel; logo, b ∈ R . Para
cada f ∈ H(R) , com a série de Taylor de f em b , f (z) = f (b)+ tb (z)f1 (z)
para z ∈ R , emque f1 ∈ H(R) . Logo,
χ(f ) = χ f (b) +χ(tb ) χ(f1 ) = f (b)+ 0 χ(f1 ) = f (b) = χRb (f ) , f ∈ H(R) ,
Portanto, todo caracter χ 6= 0 de H(R) é a aplicação de avaliação em H(R)
no ponto b = χ(1R ) , ou seja χ = χR b .
290 Prolongamento analı́tico e funções analı́ticas globais

Dos dois parágrafos precedentes, se χSa ◦ h 6= 0 , é χSa ◦ h = χR b com


S S
b = (χa ◦ h)(1R ) = χa (g) = g(a) , e
[h(f )](a) = (χSa ◦h)(f ) = χR S
g(a) (f ) = [(f ◦g)](a) , para a ∈ S com χa ◦h 6= 0 .
Como χSa ◦h = 0 ⇔ [h(f )](a) = 0 para f ∈ H(R) , e h(f ) ∈ H(S) , os zeros de
h(f ) são pontos isolados a não ser que h(f ) seja identicamente nula em S,
o que está excluı́do pela hipótese h 6= 0 . Logo, h(f ) = f ◦ g em S excepto
possivelmente num conjunto de pontos isolados e, do Teorema de Unicidade
de Funções Analı́ticas (5.14), h(f ) = f ◦g em S.
Resta provar a última afirmação. Se g é uma transformação conforme
de S sobre R , f 7→ f ◦g é uma bijecção de H(R) sobre H(S) e, como é um
homomorfismo, é um isomorfismo. Reciprocamente, se h é um isomorfismo
de H(R) em H(S) e b ∈ R , χR −1 é um caracter de S. Como no penúltimo
b ◦h
parágrafo anterior, obtém-se que se não é 0 , é uma aplicação de avaliação
em H(S) , ou seja χR −1 = χS para algum a ∈ S. Logo, χR = χS ◦ h e
b ◦h a b a
χRb (1R ) = χ S h(1 ) = χS (g) = g(a) . Portanto, g ∈ H(S) é uma bijecção e,
a R a
em consequência, uma transformação conforme de S sobre R . Q.E.D.
Este resultado pode ser estendido a funções meromorfas.
(11.14) Teorema de Iss’sa: Para cada homomorfismo h 6= 0 de M (R)
em M (S) , com R, S Superfı́cies de Riemann, h(f ) = f ◦g para f ∈ M (R)
se e só se g : S → R é g = h(1R ) ; h é um isomorfismo de M (R) sobre
M (S) se e só se g é uma transformação conforme de S sobre R.

Dem. Considera-se 1o que R e S são regiões de C .


Do Teorema de Bers e como M (R) é o corpo de fracções de elementos de
H(R) , basta provar que  para todo homomorfismo de corpos
h : M (R) → M (S) é h H(R) ⊂ H(S) .
Como h é injectiva, h(f ) 6= 0 para f ∈ M (R)\{0}, peloque para a ∈ S ,
f ∈ H(R) \ {0} a ordem oa h(f ) de f ∈ M (R) é oa h(f ) ≥ 0 . A ordem
oa (k) de k ∈ M (S) em a ∈ S tem as propriedades
oa (kl) = oa (k)+oa (l) , l 6= −k, oa (l) 6= oa (k) ⇒ oa (k+l) = min{oa (k), oa (l)},
c ∈ C\{0} ⇒ oa (c) = 0 , k ∈ H(S)\{0} ⇔ oa (k) ≥ 0 ,

pelo que va : M (R) → Z tal que va (f ) = oa h(f ) satisfaz para a ∈ S ,
f ∈ H(R) \ {0} as três 1a s propriedades de oa e, portanto, também va,f :
M (C) → Z tal que va,f (k) = va (k ◦f ) as satisfaz.
Se va,f (1C ) = −m com m ∈ N , seria va,f (1−c) = va,f (1C )+va,f (−c) = −m
para c ∈ C\{0}. Para cada d ∈ N\{1} existe uma função inteira q com zeros
apenas em N com o zero  Qem j ∈ N com multiplicidade dj (exercı́cio 8.28) e
n−1 dj
as funções qn (z) = q(z) j=0 (z−j) , para n ∈ N , são inteiras e
n−1
X n−1
va,f (qn ) = va,f (q) + m dj = va,f (q) + m dd−1 .
j=0
Como dn divide oz (qn ) para z ∈ C , existe uma função inteira rn tal que
n n−1
rnd = qn . Logo, dn va,f (rn ) = va,f (qn ) e, portanto, va,f (q)+m dd−1 ∈ dn Z para
11.6 Métrica de Poincaré 291

m
n ∈ N , o que só é possı́vel se va,f (q) = d−1 . Como d ∈ N\{1}, tal é impossı́vel
com m ∈ N . Logo, va,f (1C ) ∈ N ∪ {0} para a ∈ S e f ∈ H(R)\{0} .
Em consequência, oa h(f ) = va (f ) = va (1C ◦f ) = va,f (1C ) ∈ N ∪{0} para
a ∈ S e, portanto, f ∈ H(R)\{0} ⇒ h(f ) ∈ H(S) . Como h(0)  é uma função
constante definida em S, também h(0) ∈ H(S) , e h H(R) ⊂ H(S) .
A extensão para superfı́cies de Riemann gerais R, S fica como exercı́cio
de aplicação de cartas locais. Q.E.D.

11.6 Métrica de Poincaré


O Lema de S hwarz (10.2) pode ser des rito por ontrações numa métri a
apropriada, invariante sob automorsmos onformes de B1 .
A Transformação de Möbius T (z) = bz+a
az+b
om |a|2 −|b|2 = 1 é uma trans-
formação onforme de B1 sobre B1 . Com e = aa e c = − ab , T (z) = eiθ 1−cz
iθ z−c
,
em que c = T (0) , θ = Arg T (0) . Com wj = T (zj ) , j = 1, 2 ,
−1 ′
z −z w −w
w1 −w2 = (bz z1 −z2
, 1−w1 w2 = (bz +a)(bz1−z1 z2
, 1 2 = 1 2 .
1 +a)(bz2 +a) 1 2 +a) 1−z1 z2 1−w1 w2
z −z
Logo, δ(z1 , z2 ) = 1−z1 z2 < 1 , z1 , z2 ∈ B1 , é um invariante conforme; esta
1 2

desigualdade é equivalente a
(1−|z1 |2 ) (1−|z2 |2 )
1 − δ2 (z1 , z2 ) = |1−z1 z2 |2
>0 .
Com z1 a aproximar-se de z2 obtém-se que a métri a295 om elemento de
omprimento ds = 1−|z| , que é invariante sob automorsmos onformes de
2 |dz|
2

B1 . Nesta métri a, os omprimento de aminhos de 0 a z ∈ B1 dados por


γ: [a, b] → B1 om γ(t) = r(t) eiθ(t) , em que r : [a, b] → [0, +∞[ , θ : [a, b] → R
são funções se ionalmente C 1 tais que r(a) = 0 , r(b) eiθ(b) = z , satisfazem
Z b Z b
2 | r ′ (t) eiθ(t) + i r(t) θ ′ (t) eiθ(t) | 2 | r ′ (t) + i r(t) θ ′ (t) |
Lγ = 1 − r 2 (t)
dt = 1 − r 2 (t)
dt
a a
Z b
2 r ′ (t) 1 + r(b) |z|
≥ 1 − r 2 (t) dt = log 1 − r(b) = log 11 +
− |z| .
a
O último termo é o omprimento do segmento de re ta de 0 a z nesta mátri a,
pois om λ : [0, 1] → B1 , λ(t) = tz ,
Z Z 1
2 |dz| 2 |z| 1 + |z|
Lγ = 1−|z|2
dt = 1−|tz|2
dt = log 1 − |z| .
λ 0
295
É um caso particular de uma métrica de Riemann conforme numa variedade diferencial (real)
de dimensão 2. Uma métrica de Riemann define numa variedade diferencial de dimensão 2 noções
geométricas euclidianas de comprimento de curvas, área de subconjuntos mensuráveis e ângulo
de curvas regulares intersectando-se num ponto isolado considerando em cada ponto um produto
interno definido no espaço tangente à variedade no ponto dependendo C 1 do ponto na variedade.
Uma métrica de Riemann é conforme se os ângulos são preservados por transformações de co-
ordenadas através de sistemas de coordenadas para uma mesma vizinhança de coordenadas de
um ponto de intersecção de curvas regulares na variedade. Em Superfı́cies de Riemann podem-se
considerar métricas de Riemann conformes. O leitor interessado pode consultar os livros de L.
Ahlfors, Conformal Invariants – Topics in Geometric Function Theory, de W.M. Boothby ou de
H. Cohn na bibliografia final. Boothby, William Munger (1918-).
292 Prolongamento analı́tico e funções analı́ticas globais

Logo, o segmento de re ta de 0 a z é uma geodésica para a métri a on-


siderada e a distân ia de 0 a z é d(0, z) = log 1 − |z| . Como δ(0, z) = |z| ,
1 + |z|

δ(0,z) . Logo, [1−δ(0, z)] e


ed(0,z) = 11 −
+ δ(0,z) d(0,z) = 1−δ(0, z) e, portanto,

ed(0,z)/2 − e−d(0,z)/2
ed(0,z) − 1
δ(0, z) = ed(0,z) + 1
=
ed(0,z)/2 + e−d(0,z)/2
= tanh d(0,z)
2 .
Como δ e d são invariantes onformes, δ = tanh 2 d
z −z
para (z1 , z2 ) ∈ B1 ×B1,
d(z1 , z2 ) = 2 arctanh δ(z1 , z2 ) = 2 arctanh 1−z 1 2
1 z2
, (z1 , z2 ) ∈ B1 ×B1 ,
hamada distância de Poincaré em B1 . À métri a om elemento de om-
primento ds = 1−|z|
2 |dz|
hama-se métrica de Poincaré ou métrica hiper-
2

bólica de B1 . Como é invariante sob automorsmos onformes de B1 , as


296

outras geodési as são imagens de segmentos de re ta em diâmetros de B1 por


automorsmos onformes de B1 , que são ar os de ir unferên ias que inter-
se tam ortogonalmente S 1= ∂B1 , pois imagens de re tas por transformações
de Möbius são ir unferên ias ou re tas e, em pontos de interse ção de urvas
preservam ângulos, pelo que ortogonalidade de diâmetros a S 1 e a invariân-
ia de S 1 sob automorsmos onformes de B1 determina ortogonalidade das
imagens dos diâmetros a S 1 (Figura 11.10).
Im Im
i i

Re Re
-1 1 -1 1

-i -i

Figura 11.10: Geodésicas nas métricas de Poincaré em B1 e em H


Do Teorema do Mapeamento de Riemann, pode ser denida uma mé-
trica de Poincaré ou métrica hiperbólica de uma região simplesmente
onexa Ω $ C a partir de uma métri a de Poin aré em B1 através de uma
orrespondente transformação onforme de Ω sobre B1 .
É útil ter uma métrica de Poincaré do semiplano superior com-
plexo H obtida da métri a de Poin aré de B1 pela transformação de Möbius
de B1 sobre H , T (z) = i 1−z
z+1
, om inversa T −1(w) = i+w
w−i
, dando a métri a
om elemento de omprimento Im z ujas geodési as em H são segmentos de
|dz|

re ta verti ais e ar os de semi ir unferên ias om entros num ponto do eixo


real (Figura 11.10).
Em 1916 G.Pi k des reveu o Lema de S hwarz om métri a de Poin aré
pelo resultado seguinte, que garante que uma função holomorfa de B1 em
B1 que não perten e a Aut B1 é uma ontra ção na distân ia de Poin aré,
enquanto na distân ia eu lidiana usual só é garantido que ontrai distân ias
a 0 , e sob a hipótese adi ional de 0 permane er xo.
296
É única a menos de multiplicação por constantes positivas.
11.6 Métrica de Poincaré 293

(11.15) Lema de Schwarz-Pick: Se f é uma função holomorfa de B1


em B1 e d é a distância de Poincaré de B1 ,
 (z)|2
d f (z), f (w) ≤ d(z, w) , |f ′ (z)| ≤ 1−|f
1−|z|2 , z, w ∈ B1 ;
com igualdade na 2a desigualdade para algum z, ou na 1a para alguns
w 6= z, se e só se f ∈ Aut B1 .
z−c
Dem. Com Tc (z) = 1−cz é Tc−1 (0) = c , e, também, Tc−1 = T−c , pelo que
Fw = Tf (w) ◦f ◦T−w é holomorfa de B1 em B1 e Fw (0) = Tf (w) (f (w)) = 0 .
Do Lema de Schwarz, |Fw (ζ)| ≤ |ζ| para ζ ∈ B1 . Com ζ = Tw (z) , é
 
Tf (w) f (z) ≤ |Tw (z)| , i.e. f (z)−f (w) ≤ z−w , ou δ f (w), f (z) ≤ δ(w, z) .
1−f (w)f (z) 1−wz
Como δ = tanh d2 é uma função estritamente crescente verifica-se a 1a desi-
gualdade no enunciado; |Fw (ζ)| = |ζ| se e só se Fw é uma rotação em torno
de 0 e, nesse caso, Fw ∈ Aut B1 e, como Tf (w) , T−w ∈ Aut B1 , f ∈ Aut B1 . A
parte da 2a desigualdade é estabelecida em (10.3). Q.E.D.
Dada uma métri a onforme à métri a eu lidiana numa região Ω ⊂ C
om elemento de omprimento ds = ρ(z) |dz| , om ρ > 0 C 2 em Ω , hama-se
curvatura de Gauss297 da métri a a K(ρ) = − ρ1 ∆ log ρ . 2

Para a métri a de Poin aré de B1 onsiderada é ρ(z) = 1−|z|


2
,e 2
2 ∂2 2
∆ log ρ(z) = ∆ log 1−|z| 2 = ∂x2 log 1−x22 −y2 + ∂y
∂ 2
2 log 1−x2 −y 2
2 2 2 2
∂ 2x ∂ 2y 2(1+x −y ) 2(1−x +y ) 4 4 2
= ∂x 1−x2 −y 2 + ∂y 1−x2 −y 2 = (1−x2 −y 2 )2 + (1−x2 −y 2 )2 = (1−x2 −y 2 )2 = (1−|z|2 )2 = ρ (z);

logo, K(ρ) = − ρ1 2 ∆ log ρ = −1 . Para a métri a de Poin aré de H , ρ(z) = Im


1
z ,
1 ∂ 2 1 ∂ 2 1 ∂ −1 1 1
∆ log ρ(z) = ∆ log Im z = ∂x 2 log y + ∂y 2 log y = ∂y y = y 2 = (Im z)2
= ρ2 (z) .
Logo, também K(ρ) = −1 . Portanto, a urvatura da métri a de Poin aré
onsiderada é em ambos os asos -1 ( omo a métri a de Poin aré é determi-
nada a menos de multipli ação por uma onstante positiva, é intrinse amente
onstante e negativa; o valor −1 resulta das normalizações adoptadas). Dei-
xando detalhes omo exer í io, a urvatura de Gauss é invariante sob trans-
formações onformes, pois se f é transformação onforme  e w = f (z) om ρe
tal que ρ(z) |dz| = ρe(w) |dw| , ou seja ρ(z) = ρe f (z) |f ′(z)| , omo log |f ′(z)|
é harmóni a e a mudança de variáveis para o lapla iano om ρe = ρ ◦ f é
′ 2
∆ρ = |f (z)| ∆eρ , resulta [K(ρ)](z) = [K(e ρ)] f (z) .

2
(11.16) Se λ : B1→ ]0, +∞[ é C 2 , K(λ) ≤−1, ρ(z) = 1−|z| 2 , então ρ ≥ λ .

Dem. Se a extensão contı́nua de λ a B1 é estritamente positiva,


como K(λ) ≤ −1 , é ∆ log λ ≥ λ2 , e ∆(log ρ − log λ) ≤ ρ2 − λ2 . Como
log ρ(z) − log λ(z) → +∞ quando |z| → 1, log ρ − log λ tem mı́nimo em B1
num ponto em que ∆(log ρ−log λ) ≥ 0 . Nesse ponto e, portanto, em todo
B1, ρ2 − λ2 ≥ 0 , e ρ − λ ≥ 0 . No caso geral, substitui-se λ(z) por rλ(rz) ,
297
Em Geometria Riemanniana a curvatura de Gauss tem um significado geométrico que não é
explorado aqui; o termo é usado aqui apenas para facilitar a terminologia.
294 Prolongamento analı́tico e funções analı́ticas globais

com 0 < r < 1 , que satisfaz a condição do perı́odo precedente e tem mé-
trica associada com a mesma curvatura de λ , pelo que ρ(z) ≥ rλ(rz) e, por
continuidade, para r → 1 obtém-se ρ ≥ λ . Q.E.D.
A ondição de λ > 0 ser C 2 é ex essivamente restritiva, o que pode
ser resolvido de maneira semelhante ao uso de funções subharmóni as para
estabele er existên ia de solução do Problema de Diri hlet298 .
Chama-se métrica ultrahiperbólica numa região Ω ⊂ C a uma métri a
om elemento de omprimento λ(z) |dz| om λ : Ω→ ]0, +∞[ tal que:
1. λ é semicontı́nua superior, i.e. w→z
lim λ(w) ≤ λ(z) para todo z ∈ Ω ;
2. para ada a ∈ Ω om λ(a) > 0 existe uma métrica de suporte da
métri a om elemento de omprimento λ(z) |dz| , λ0 (z) |dz| om λ0 > 0
denida e C 2 numa vizinhança V de a tal que λ0 ≤ λ em V , λ0(a) = λ(a)
e ∆ log λ0 ≥ λ20 em V .
(11.17) Se λ(z) |dz| é o elemento de comprimento de uma métrica
2
ultrahiperbólica numa região Ω ⊂ C e ρ(z) = 1−|z| 2 , ρ ≥ λ em Ω .

Dem. log ρ−log λ é semicontı́nua inferior299 , e existe mı́nimo em Ω, que é


mı́nimo local de log ρ − log λ0 . O resto é como em (11.16). Q.E.D.
Uma métri a de Poin aré ou métri a hiperbóli a de BR(0) , om R > 0 ,
tem elemento de omprimento ρR (z) |dz| om ρR (z) = R 2R . Se λ(z) |dz|
2 2
é o elemento de omprimento de uma métri a ultrahiperbóli a em BR (0) , é
−|z|

λ ≤ ρR . Em onsequên ia, não há métri as ultrahiperbóli as em C , pois se


tal fosse o aso, teria de ser λ = 0 . Também não há métri as ultrahiperbóli as
em Ω\{z} om z 6= 0 , pois se tal fosse o aso, λ(ez ) |ez | seria o elemento de
omprimento de uma métri a ultrahiperbóli a em C .
A noção de métri a ultrahiperbóli a estende-se a Superfí ies de Riemann.
Em 1938 L. Ahlfors observou que a majoração do módulo da derivada
da função no Lema de S hwarz-Pi k de orre de uma propriedade geral de
métri as ultrahiperbóli as, obtendo o resultado seguinte de que a majoração
do módulo da derivada no Lema de S hwarz-Pi k é o aso parti ular om
S = B1 e ds = 1−|z|2
|dz| o elemento de omprimento da métri a de Poin aré.
2

(11.18) Lema de Schwarz-Pick-Ahlfors: Se S é uma Superfı́cie de


Riemann, f ∈ H(B1 , S) e λ(z) |dz| é o elemento
 de comprimento de uma
métrica ultrahiperbólica em S, então λ f (z) |f ′ (z)| ≤ 1−|z|
2
2 para z ∈ B1 .

Dem. Pararegiões S ⊂ C é consequência do resultado precedente notando


que λ f (z) |f ′ (z)| |dz| é o elemento de comprimento de uma métrica ul-
trahiperbólica em B1 . Os detalhes da extensão a superfı́cies de Riemann
ficam como exercı́cio. Q.E.D.
298
Ver apêndice I.
299
i.e. lim [log ρ(w)−log λ(w)] ≥ ρ(z) − log λ(z) para todo z ∈ Ω .
w→z
11.7 Contradomı́nios de funções holomorfas e meromorfas 295

11.7 Contradomı́nios de funções holomorfas


e meromorfas
Do Teorema da Apli ação Aberta, uma função holomorfa não onstante num
onjunto aberto Ω ⊂ C é aberta, pelo que o ontradomínio ontém ír ulos
em C entrados em qualquer ponto, mas não elimina a possibilidade desses
ír ulos terem de ser arbitrariamente pequenos. Sabe-se da última se ção do
apítulo pre edente que este não é o aso para funções univalentes em Ω , em
onsequên ia do Teorema de Um Quarto de Koebe. Obtém-se agora uma
on lusão semelhante para funções holomorfas possivelmente não inje tivas.
Chama-se constante de Bloch a B = inf{β(f ) : f ∈ F } , em que
F = {f ∈ H(B1 ) : |f ′ (0)| = 1} e

β(f ) = sup{r > 0 : ∃ ρ>0 : Bρ (a) ⊂B1, f|Bρ (a) é inje tiva,f Bρ(a) ⊃Br (b) para algum b}.
a∈B1

(11.19) Se Ω ⊂ C é uma região e f ∈ H(Ω) não é constante, f (Ω)


contém um cı́rculo com raio R arbitrariamente próximo por defeito de
M B, com M = sup{|f ′ (z)| d(z, ∂Ω) : z ∈ Ω}, d(z, ∂Ω) a distância de z a
∂Ω e B a constante de Bloch.

Dem. Como z ∈ B1 se e só se rz + a ∈ Br (a) ⊂ Ω , g(z) = f (rz+a))


rf ′ (a) satisfaz
g ∈ H(B1 ) e g′ (0) = 1 , pelo que g(B1 ) contém um cı́rculo com raio
 arbitrari-
amente próximo de B . Logo, para z ∈ Ω e r = d(z, ∂Ω) , f Br (a) contém um
cı́rculo com raio R arbitrariamente próximo por defeito de |f ′ (z)| d(z, ∂Ω) B.
Considerando o supremo para z ∈ Ω obtém-se o resultado. Q.E.D.
Em√ 1938 L. Ahlfors obteve om o último resultado da se ção pre edente
B ≥ 41 3 ≈ 0,43 , mais do triplo do obtido por A. Blo h 14 anos antes.

(11.20) Teorema de Bloch-Ahlfors:
1
√ Se f ∈ H(B1 ) e |f (0)| = 1 , f (B1 )
contém um cı́rculo com raio β = 4 3 .

Dem. Chama-se cı́rculo não ramificado resultante de f a um circulo


D = f (U ) para algum conjunto aberto U ⊂ B1 e a restrição de f a U é
injectiva. Designa-se β(f ) o supremo dos raios dos cı́rculos não ramificados
resultantes de f , considerado ∞ se o conjunto desses raios não é majo-
rado. Designa-se R(w) o raio do maior cı́rculo não ramificado resultante de
f com centro em w ∈ f (B1 ) . Num ponto w de ramificação de f define-se
R(w) = 0 . Considera-se em f (B1 ) uma métrica com elemento de compri-
e
mento λ(w) |dw| , em que
p
e
λ(w) = 2 a √
, com a > β(f ) ,
[ a −R(w) ] R(w)
que induz a métrica
 ′ em B1 com elemento de comprimento λ(z) |dz| com
e
λ(z) = λ f (z) |f (z)| . Se um valor w0 é assumido com multiplicidade n > 1 ,

para z próximo de z0 , R f (z) = |f (z)−f (z0 )| é de ordem |z−z0 |n , e, como
n
|f ′ (z)| é de ordem |z−z0 |n−1 , λ(z) é de ordem |z−z0 | 2 −1 .
296 Prolongamento analı́tico e funções analı́ticas globais

Se n > 2 , λ é contı́nua e λ(z0 ) = 0 . Se n = 2 , numa vizinhança de z0 é


a|f ′ (z)|
λ(z) = √ ,
[ a2 −|f (z)−f (z
0 )| ] |f (z)−f (z0 )|
2
e obtém-sep ∆ log λ = λ2 directamente ou observando que λ(z) |dz| = 1−|t| 2 |dt| ,
1
com t = a f (z)−f  (z0 ) . Seja C(z0 ) a componente conexa da preimagem
f −1 BR(w0 ) (w0 ) , em que w0 = f (z0 ) . ∂C(z0 ) contém um ponto a tal que
|a| = 1 ou f ′ (a) = 0 . No 1o caso, f (a) pode ser definida por prolongamento
de continuidade. No 2o caso, ∂BR(w0 ) (w0 ) contém um ponto de ramificação
b = f (a) . Se z1 ∈ C(z0 ) , w1 = f (w0 ) ∈ BR(w0 ) (w0 ) e R(w1 ) ≤ |w1 −b| , e se b
pertencesse a BR(w1 ) (w1 ) , o segmento de recta de w0 a b sem extremidades
estaria incluı́do em BR(w0 ) (w0 ) ∩ BR(w0 ) (w0 ) e, como as funções inversas de f
com valores em C(z0 ) e em C(z1 ) coincidem neste conjunto, seria a ∈ C(z1 ) ,
o que é impossı́vel. Logo, b ∈/ BR(w1 ) (w1 ) e R(w1 ) ≤ |b−w1 | . A função
a|f ′ (z)|
λ0 (z) = √
[ a2 −|f (z)−b| ] |f (z)−b|

satisfaz K(λ0 ) = − λ12 ∆ log λ0 = −1, λ0 (z0 ) = λ(z0 ) e λ0 (z) ≤ λ(z) para z
0
próximo de z0 em √ pontos correspondentes a t ∈ [0, δ] com δ ≤ R(w0 ) tais 
1
que ϕ(t) = (a2 − t) t é crescente em [0, δ], e, como ϕ′ (t) = 2√ t
a 2 − 3t ,
2
pode-se tomar δ = a3 . Portanto, se a2 > 3β(f ) , a métrica com elemento de
comprimento λ(z) |dz| é ultrahiperbólica.

Do Lema de Schwarz-Pick-Ahlfors (11.18), λ f (z) |f ′ (z)| ≤ 1−|z| 2
2 para

z ∈ B1 , pelo que, com z = 0 , é λ f (0) ≤ 2 e, portanto,
 q   p
a ≤ 2 a2 −R f (0) R f (0) ≤ 2 a2 −β(f ) β(f ) .
p p p √
Com a → 3β(f ) obtém-se 3β(f ) ≤ 4β(f ) β(f ) , i.e. β(f ) ≥ 14 3 . Q.E.D.

(11.21) Se z ∈ C é tal que 0 < |z| ≤ 1 , |z−1| ≤ 1 , então


′ (z)
ρ0,1 (z) ≥ ζζ(z) 1
4−log |ζ(z)| , log ρ0,1 (z) = − log |z|−log log
1
|z| +O(1) , z → 0 ,
em que ρ0,1 (z) |dz| é a métrica de Poincaré de S0,1 = C \ {0, 1} e ζ
é a transformação conforme de C \ [1, +∞[ em B1 tal que ζ(0) = 0 e
ζ(x+iy) = ζ(x−iy) para x, y ∈ R .

Dem. A região S0,1 é transformada em si mesma pelas funções 1 − z e z1 .


Logo, ρ0,1 (z) = ρ0,1 (1−z) = |z|1 2 ρ0,1 z1 , pelo que basta considerar ρ0,1 numa
das regiões (Figura 11.11)
Ω1 = {z ∈ C : 0 < |z| ≤ 1 , |z−1| ≤ 1}, Ω2 = −Ω1 , Ω3 = (C\{0, 1})\(Ω1 ∪Ω2 ).
A menos de multiplicação por uma constante a métrica de Poincaré de B1\{0}
1 1
é − |z| log |z| |dz| . Como B1\{0} ⊂ S0,1 , ρ0,1≤ − |z| log |z| para 0 < |z| < 1. λ(z) |dz|
ζ ′ (z)
1
com λ(z) = ζ(t) 4−log |ζ(z)| é uma métrica de Poincaré de Be4 (0)\{0}, pelo
que tem curvatura de Gauss K(λ) = −1 . Considera-se esta métrica em
S1 e estende-se a S2 e a S3 pelas relações de simetria λ(1 − z) = λ(z) e
11.7 Contradomı́nios de funções holomorfas e meromorfas 297


λ 1z = |z|2 λ(z) . Esta extensão de λ é contı́nua em C\{0, 1}. Designando por
L o segmento de recta que separa S1 de S2 sem as extremidades, a restrição
da métrica inicial com elemento de comprimento λ(z) |dz| em Be4 (0)\{0} a
S1∪ L ∪ S2 é uma métrica de suporte da restrição da métrica estendida como
indicado ao mesmo conjunto,
√ se ∂λ
∂x√< 0 em L . A transformação conforme

ζ é a função ζ(z) = √1−z+1 , com 1 − z + 1 > 0 , pelo que ζζ = z √11−z e,
1−z−1
′ ′
portanto, log ζζ = 2z(1−z) 3z−2
. Logo, com z = (x, y), x, y ∈ R ,
∂ log λ(x,y)  ζ ′ (z) ′  ζ ′ (z) ′ 1
∂x = Re log ζ(z) +Re ζ(z) 4−log |ζ(z)|
1 1 √
= − 4|z| 2 + |z|2 Re z 4−log1|ζ(z)| < 0 ,

pois |ζ(z)| < 1 e Re z < 1 . Como ∂ log∂x λ(x,y)
= λ(x,y)1 ∂λ ∂λ
∂x , é ∂x < 0 . Em
consequência das relações de simetria assinaladas, λ é métrica de suporte
de ρ0,1 em C \ {0, 1} e, portanto, ρ0,1 ≥ λ em C \ {0, 1} , que é a desigual-
dade no enunciado. A fórmula assimptótica quando z → 0 no enunciado é
consequência imediata desta desigualdade. Q.E.D.
Im

S2 S1
Re
-1 -1/2 1/2 1

Figura 11.11: Regiões S1 e S2 na prova de (11.21)


O resultado seguinte é uma versão quantitativa do Teorema de S hottky
que dá uma majoração do módulo de uma função holomorfa em B1 que não
assume os valores 0 e 1 em termos do módulo do valor da função em 0 e da
distân ia do ponto à origem.
(11.22) Teorema de Schottky-Ahlfors: Se f ∈ H(B1 ) não assume os
valores 0 e 1 ,
1+θ
+ 
log |f (z)| < 1−θ 6+log 2+ log |f (0)| , |z| ≤ θ < 1 ,
+
em que log |f (0)| = max{log |f (0)| , 0} .

Dem. f transforma  B1 em S0,12= C\{0, 1}.Do Lema de Schwarz-Pick-Ahlfors


(11.18), ρ0,1 f (z) |f ′ (z)| ≤ 1−|z| 2 , em que ρ0,1 (z) |dz| é o elemento de com-

primento de uma métrica de Poincaré da região S0,1= C\{0, 1} . Integrando,


Z f (z)
 1+|z|
ρ0,1 f (w) dw ≤ log 1−|z| ,
f (0)
em que o integral é sobre a imagem do segmento de recta de 0 a z por f .
298 Prolongamento analı́tico e funções analı́ticas globais

Para um caminho no mesmo conjunto S1 da prova do resultado prece-


dente e com a estimativa nele obtida,
Z f (z) ′
1 ζ (f (w)) 1+|z|
4−log |ζ(f (w))| ζ(f (w)) dw ≤ log 1−|z| .

f (0)
′ ′

ζ(s)
4−log |ζ(f (z))|
Como ζ (s) ≥ − |ζ| (s), é 1+|z|
4−log |ζ(f (0))| ≤ 1−|z| . Da fórmula para ζ na prova
|ζ(s)|
|s| |s|
do resultado precedente, é |ζ|(s) = |√1−s+1| 2 , pelo que (1+ 2)2 ≤ |ζ(s)| ≤ |s| e

 1+|z|
−log |ζ(f (w))| < 4−log |ζ(f (w))| ≤ 4−log |ζ(f (0))| 1−|z|
√  1+|z|  1+|z|
≤ 4−log |f (0)|+2 log(1+ 2) 1−|z| < 6−log |f (0)| 1−|z| .
 1+|z|
Logo, − log |f (z)| < 6−log |f (0)| 1−|z| .
Para um caminho no integral considerado no 1o parágrafo que não seja
em S1 mas termine em f (z) ∈ S1 , a 1a estimativa do integral no parágrafo
precedente é válida para o integral que inicia no último ponto do caminho de
f (0) a f (z) tal que w0 ∈ ∂S1 e, como |w0 | ≥ 21 , da última desigualdade do pa-

rágrafo precedente, − log |f (z)| < 6+log 2| 1+|z|
1−|z| , que também é trivialmente
válida se f (z) ∈ S1 .
A conjugação das desigualdades finais dos parágrafos precedentes dá
+
1
 1+|z|
− log |f (z)| < 6 + log 2 + log |f (0)| 1−|z| ,
1
que é a desigualdade no enunciado para f . Q.E.D.
O resultado seguinte foi obtido em 1879 por E. Pi ard om funções mo-
dulares. A prova aqui dada é de L. Ahlfors om uma ideia de E. Landau de
1904 modi ando um argumento da prova dada por E. Borel em 1896.
(11.23) Pequeno Teorema de Picard para Funções Inteiras:
Funções inteiras não constantes assumem todos valores de C excepto
possivelmente um.

Dem. Se f é uma função inteira que não assume valores a, b ∈ C com a 6= b,


−a
g = fb−a é inteira e não assume os valores 0 e 1. O resultado precedente 
aplicado, para qualquer R > 0 , a f (z) = g(Rz) , dá que (r, θ) 7→ |g 2r eiθ | ,
com r ≥ 0 e θ ∈ R , é limitada, ou seja g é uma função inteira limitada e, do
Teorema de Liouville, é constante e, portanto, f também é. Q.E.D.

(11.24) Pequeno Teorema de Picard para Funções Meromorfas:


Funções meromorfas não constantes em C assumem todos valores de C∞
excepto possivelmente dois.

Dem. Se f é uma função meromorfa que não assume valores a, b, c ∈ C∞ , sem


perda de generalidade nenhum destes é ∞ (caso contrário se nenhum dos
outros é 0 , substitui-se f por f1 , e se um dos outros é 0 , com uma translação
da origem obtém-se uma função que não assume três valores, nenhum deles
11.7 Contradomı́nios de funções holomorfas e meromorfas 299

1
0 e um deles ∞ e aplica-se a substituição precedente). A função g = f −c é
1 1
inteira e não assume os valores a−c e b−c , pelo que, do resultado precedente,
é constante. Portanto, também f é constante. Q.E.D.
Como os ontradomínios de ez e tan z são, resp., C\{0} e C\{−i, +i} ,
os pequenos teoremas de Pi ard pre edentes são óptimos.
(11.25) Toda função meromorfa em Br (a) \ {a}, com r > 0 , que não
assume três valores de C∞ tem extensão meromorfa a Br (a) .

Dem. Sem perda de generalidade a = 0, r = 1 e os valores omitidos


são 0,1,∞ (ver prova de (11.24). Comparando a métrica de Poincaré de
C \ {0, 1} com elemento
de comprimento ρ0,1 (z) |dz| com a de B1 \ {0} dá
ρ0,1 f (z) f ′ (z) ≤− |z| log
1
|z| . Com S1 como na prova de (11.21), integrando
num raio de B1 de r0 e a f (z) = reiθ ∈ S1 , r < r0 < 1 , como na prova do

1
Teorema de Schottky-Ahlfors (11.22), log 4−log |f (z)| ≤ log log |z| +C, com
C 1 1
C ∈ R constante. Logo, − log |f (z)| < e log |z| , |f (z)| é majorada por uma
1
potência inteira de |z| , e a singularidade de f em 0 não é essencial. Q.E.D.
O resultado seguinte, que rena o Teorema de Casorati-Weierstrass do
apítulo 8, foi obtido em 1879 por E. Pi ard om funções modulares.
(11.26) Grande Teorema de Picard: Funções holomorfas assumem
em vizinhanças de singularidades essenciais isoladas todos números com-
plexos, excepto possivelmente um, infinitas vezes.

Dem. Se f ∈ H(Br (a))\{a} para algum r > 0 tem uma singularidade essencial
em a e não assume 2 valores de C , pelo que não assume 3 valores de C∞ , do
resultado precedente, tem uma extensão meromorfa a Br (a) , em contradição
com a singularidade em a ser essencial. Logo, f só pode não assumir um
valor de C . Se f não assume um valor de C , e w ∈ C fosse assumido só um
no finito de vezes, considerando 0 < R < r tal que BR (a) não contém pontos
em que w é assumido, f não assumiria em BR (a) dois valores de C , o que é
impossı́vel; logo, se f não assume em Br (a) um valor de C todos os outros
têm de ser assumidos um infinitas vezes. Analogamente, se f assume todos
valores de C e se existissem dois valores w1 , w2 ∈ C assumidos só um no finito
de vezes, para algum R ∈ ]0, r[ f não assumiria em BR (a) dois valores de C ,
o que é impossı́vel. Logo, se f assume Br (a)\{a} todos valores de C apenas
um pode ser assumido um no finito de vezes. Q.E.D.

(11.27) Funções inteiras não polinomiais assumem (na vizinhança de


∞) todos números complexos, excepto possivelmente um, infinitas vezes.

Dem. Se f ∈ H(C) não é polinomial, g(z) = f f1 tem singularidade essencial
isolada em 0 , e aplica-se o Grande Teorema de Picard a g . Q.E.D.
300 Prolongamento analı́tico e funções analı́ticas globais

Com o Grande Teorema de Pi ard, o Pequeno teorema de Pi ard para


funções inteiras não onstantes tem a prova urta seguite: há uma singu-
laridade isolada não removível em ∞ ; se fosse essen ial, seriam assumidos
todos valores de C ex epto possivelmente um; se fosse um pólo, a função seria
polinomial om ontradomínio C , do Teorema Fundamental da Álgebra.
É instrutivo obter os teoremas pequeno e grande de Pi ard om funções
modulares, omo se segue.

Figura 11.12: Função modular no cı́rculo B1


Consideram-se três pontos equidistantes no ír ulo S 1 = ∂B1 :ei(7/6)π ,
ei(11/6)π , ei(1/2)π . Designa-se T0 a região limitada pelos ar os de ir unfe-
rên ia om extremidades em ada par destes pontos e ortogonais a S 1 , T1(k),
k = 1, 2, 3, as regiões de T0 simétri as em relação a ada ar o de ir unferên-
ia que a delimita, por T2(k), k = 1, . . . , 6, as regiões de ada T1(k), k = 1, 2, 3,
simétri as em relação a ada ar o de ir unferên ia que as delimitam, e assim
su essivamente (Figura 11.12). É B1 = ∪ Tj(k), om j ∈ N∪{0} , k = 1, . . . , 3k .
Do Teoremas do Mapeamento de Riemann e do Teorema de Carathéo-
dory, existe transformação onforme h de T0 sobre o semiplano omplexo
superior Π que pode ser estendida por ontinuidade a um homeomorsmo
de T0 sobre Π que transforma os ar os abertos de ir unferên ia CA, AB, BC
nos intervalos de números reais ]−∞, 0[ , ]0, 1[ , ]1, +∞[ .
Do Prin ípio de Simetria (exer í io 6.10), h pode ser estendida de ∪ T0
às regiões ∪ T1 , s = 1, 2, 3, ujas imagens são o semiplano(1) omplexo
(s)
inferior,
pelo que a função assim estendida é holomorfa de T0 ∪ T1 ∪T1(2)∪ T1(3) sobre
C \ {0, 1} . Com apli ações su essivas do Prin ípio de Simetria h pode ser
estendida das regiões ∪ Tj(k) às regiões ∪ Tj+1 (s)
, j ∈ N ∪ {0}, s = 1, . . . , 3 2j , até
obter uma função holomorfa de B1 sobre C\{0, 1}, que é modular.
O onjunto das imagens su essivas de ada um dos vérti es A, B, C de T0
é denso na ir unferên ia S1. Entre ada duas imagens de um dos vérti es
existem innitas imagens de ada um dos outros dois vérti es, pelo que o
limite de h em ada ponto de S 1 não existe. Portanto, h não pode ser
estendida omo função holomorfa para fora de B1 , ou seja B1 é o domínio de
holomora de h (ver exer í io 11.1). A extensão por ontinuidade da função
11.7 Contradomı́nios de funções holomorfas e meromorfas 301

modular h a função de C∞ em C∞ não assume os valores 0, 1, ∞ .


A inversa g da restrição da função modular a T0 também pode ser esten-
dida om o Prin ípio de Simetria a uma função holomorfa de C\{0, 1} em
B1 , que é uma função modular denida em C\{0, 1} .
Isto prova o resultado seguinte.
(11.28) As funções modulares h, g acima definidas são holomorfas,
resp., de B1 sobre C\{0, 1} e de C\{0, 1} sobre B1 .

Com a função modular g tem-se a prova alternativa do Pequeno Teorema


de Pi ard para funções inteiras seguinte: se f é uma função inteira que não
assume dois valores a, b ∈ C , F (z) = f (z)−a
b−a também é uma função inteira
que não assume os valores 0 e 1, e k = g ◦ F denida numa vizinhança de
a , em que g é uma inversa à esquerda da função modular h do resultado
pre edente, é holomorfa numa vizinhança de b = F (a) e pode ser prolongada
ao longo de qualquer aminho γ em C , pois F , omo função de C∞ em
C∞ , não assume os valores 0, 1, ∞ . Do Teorema de Monodromia (11.2), k é
inteira e tem valores em B1, pelo que é limitada, e, do Teorema de Liouville,
é onstante. Logo, F é onstante e, portanto, também f é.
O resultado seguinte foi provado em 1911.
(11.29) Teorema de Montel-Carathéodory: Seja Ω ⊂ C uma região.
A famı́lia F das funções f ∈ H(Ω) que não assumem uns mesmos dois
valores a, b ∈ C , como funções com valores em C∞ é normal. A famı́lia
G das funções meromorfas g : Ω → C∞ que não assumem os mesmos três
valores a, b, c ∈ C∞ , como funções com valores em C∞ é normal.

Dem. Sem perda de generalidade, considera-se a = 0 e b = 1 . Do Teorema


de Montel (10.6), uma famı́lia de funções holomorfas em Ω é normal se e só
se é localmente uniformemente limitada, ou seja se e só se cada z ∈ Ω tem
uma vizinhança V tal que a sucessão {fn|V } das restrições dos termos da
sucessão {fn } a V é normal.
Para cada w ∈ Ω e r ∈ ] 0, +∞[ fixos, designa-se Fw,r a subfamı́lia de F
dos elementos que têm valor absoluto ≤ r em w . Do Teorema de Schottky-
Ahlfors (11.22), existe uma vizinhança de w em que Fw,r é limitada.
Portanto, para cada p ∈ Ω o conjunto U dos pontos de Ω com uma vizi-
nhança em que a famı́lia Fp,1 é limitada é aberto. Se fosse U 6= Ω , existiria
w ∈ ∂U ∩ Ω e uma sucessão {fn } ⊂ Fp,1 com lim fn (w) = ∞ , e verificar-
n→+∞
se-ia gn = f1n ∈ F e lim gn (w) = 0 . Do parágrafo precedente, existiria uma
n→+∞
vizinhança de w em que a famı́lia {gn } seria limitada. Do Teorema de Mon-
tel (10.6), haveria uma subsucessão uniformemente convergente num cı́rculo
B(w) com centro em w para uma função g que, do Teorema de Weierstrass
de sucessões de funções (6.14), seria holomorfa em B(w) . Como as fun-
ções gn não têm zeros e g(w) = 0 , do Teorema de Hurwitz (6.16), g seria
302 Prolongamento analı́tico e funções analı́ticas globais

identicamente 0 , pelo que a subsucessão correspondente de {fn } tenderia


para ∞ nos pontos de B(w) , em contradição com ser limitada. Portanto,
U = Ω , e, do Teorema de Montel (10.6), a famı́lia Fp,1 é normal.
Se uma sucessão {fn } de elementos de F tem alguma subsucessão em
Fp,1 , do parágrafo precedente tem uma subsucessão convergente. Caso con-
trário, só um no finito de termos de {fn } pertencem a Fp,1 , pelo que existe
N ∈ N tal que para n > N é f1n ∈ Fp,1 . Portanto, existe uma subsucessão
desta sucessão uniformemente convergente em cada subconjunto compacto
de Ω para alguma função g . Se g não tem zeros, a subsucessão correspon-
dente de {fn } é convergente em cada subconjunto compacto de Ω . Se g
tem algum zero, do Teorema de Hurwitz (6.16), g é identicamente 0 em Ω
e, portanto {fn } converge para ∞ . Logo, F é uma famı́lia normal.
Para funções meromorfas, sem perda de generalidade a, b, c ∈ C . Seja H
c−b g−a
a famı́lia das funções h = c−a g−b tais que g ∈ G são funções holomorfas que
não assumem os valores 0 e 1. Do parágrafo precedente, H é uma famı́lia
normal, e, como g = b(c−a)h−a(c−b)
(c−a)h−(c−b) , também G é uma famı́lia normal. Q.E.D.

Este resultado pode ser usado para provar o Grande Teorema de Pi ard
om a prova alternativa
 seguinte: supondo a singularidade essen ial na origem
e f ∈ H Br (0)\{0} para algum r > 0 e que f não assume os valores 0 e 1,
a su essão das funções fn(z) = f nz seria uma família normal omo função
om valores em C∞ , pelo que existiria uma subsu essão {fn } uniformemente
onvergente em sub onjuntos ompa tos de Br (0)\{0} para uma função om
k


valores em C∞ e {fn } ou f 1 seria uma su essão limitada em ∂B (0) .
k
r

No 1o aso existiria M > 0 tal que |f (z)| ≤ M para |z| = 2nr para todo k ∈ N .
nk 2

Do Prin ípio de Módulo Máximo (5.19), seria |f | ≤ M em ada oroa ir ular


k

limitada por ir unferên ias om raios 2nr e 2nr para k ∈ N , e, portanto, f


seria limitada em B (0)\{0} e não teria singularidade essen ial na origem.
1 k
r

No 2o aso tro a-se f por f1 .


2n1


Este argumento prova que se f ∈ H Br (a) \ {0}  para alguns r > 0 e
z
a ∈ C tem uma singularidade essencial em a , então f n não é normal
em Br (a)\{0}.
Com o Teorema de Montel-Carathéodory, C. Carathéodory e E. Landau
anaram em 1911 o Teorema de Vitali (10.8) de propagação de onvergên ia.
(11.30) Teorema de Carathéodory-Landau: Se {fn } é uma sucessão
de funções holomorfas numa região Ω ⊂ C que não assumem os mesmos
dois valores a, b ∈ C e {fn (z)} é uma sucessão convergente para z num
conjunto com pontos limite em Ω , {fn } converge uniformemente em
subconjuntos compactos de Ω .

Dem. Do Teorema de Montel-Carathéodory, considerando as funções com


valores em C∞ a sucessão {fn } é uma famı́lia normal; logo, é localmente
uniformemente limitada. Aplica-se o Teorema de Vitali (10.8). Q.E.D.
Exercı́cios do capı́tulo 11 303

Exercı́cios
11.1 Diz-se que uma região Ω ⊂ C é o domı́nio máximo de existência de uma fun-
ção holomorfa f f ∈ H(Ω) e não existe extensão de f a uma função holomorfa
se
numa região que ontém propriamente Ω . Diz-se que uma região Ω ⊂ C é o domı́-
nio de holomorfia de uma função f se f ∈ H(Ω) e para ada a ∈ Ω o ír ulo de
onvergên ia da série de Taylor de f entrada em a está ontido em Ω . Prove:
a) O domı́nio de holomorfia de uma função complexa f também é o domı́nio má-
ximo de existência da função holomorfa f .
b) Um cı́rculo aberto que é o máximo domı́nio de existência de uma função holo-
morfa também é o seu domı́nio de holomorfia.
) O domı́nio máximo de definição de uma função holomorfa pode ser diferente do
seu domı́nio de holomorfia.
1
P∞ 2n
d) Os domínios de holomora de z , z e n=1 z são, resp., C , C\{0} e B1 .

e) Toda região Ω ⊂ C é o máximo domı́nio de existência de uma função holomorfa.


(Sugestão: Use o Teorema de Fa torização de Weierstrass, exer í io 8.25).
11.2 a) Mostre que a onvergên ia ou divergên ia num ponto da fronteira do ír ulo de
onvergên ia de uma série de potên ias não determina a possibilidade de extensão
da função que dene omo função holomorfa a esse ponto onsiderando a função f
denida em B1 por ada uma das séries seguintes e determinando se a série on-
verge ou diverge em z = −1 ouP z = 1 e se f podeP∞ser1oun não estendida
P∞ 1 omo função
holomorfa a estes pontos: (i) ∞ n
n=1 z , (ii) n=1 n zP, (iii)
n
n=1 n2 z .
∞ n
b) Mostre que a su essão de somas par iais da série n=0 z é uniformemente li-
mitada em ada ar o fe hado de ir unferên ia ontido em ∂B1 \{1} mas tal não é
P∞ n−1
verdade para a série n=0 nz .
P∞ n
) Se B ⊂ C é o ír ulo de onvergên ia de n=0 an z hama-se arco de holo-
morfia da função f denida pela série em B a um ar o fe hado da ir unferên ia
∂B a que f pode ser estendida omo função holomorfa.
300
Prove o seguinte lema de M. Riesz : Se a sucessão de coeficientes da série
P∞ n e
f (z) = n=0 an z é limitada e f é uma extensão de f holomorfa num sector circu-
lar fechado S com vértice em 0 cujo interior contém um arco de holomorfia de f e
gn (z) = [fe(z)−sn (z)](z −w1 )(z −w2 ) z n+1
1
, n ∈ N , em que sn é a sucessão de somas
parciais da série dada e w1 , w2 são as intersecções de ∂S com a fronteira do cı́rculo
de convergência da série, então a sucessão de funções {gn } é limitada em S.
(Sugestão: Considere, sem perda de generalidade, que o raio de onvergên ia da série é 1.
Mostre que {gn } é limitada em ∂S e aplique o Prin ípio de Módulo Máximo.
d) Prove o Teorema
P de Limitação de M. Riesz: Se a sucessão de coeficientes
da série f (z) = ∞ n
n=0 n z é limitada, a sucessão de somas parciais é limitada em
a
cada arco de holomorfia de f . (Sugestão: Aplique ).
301
e) Prove o Teorema de Convergência de Fatou e M. Riesz
P∞ : Se a sucessão
n
de coeficientes da série f (z) = n=0 an z converge para 0 , a sucessão de somas
parciais converge uniformemente em cada arco de holomorfia de f .
(Sugestão: Considere, sem perda de generalidade, que o raio de onvergên ia da série é 1,
um se tor ir ular S e a su essão de funções {gn } omo em ), e prove que {gn } onverge
uniformemente em sub onjuntos ompa tos de int S apli ando o Teorema de Vitali (10.8)).
P
f ) Prove:Se f (z) = P∞n=0 an z
n
tem raio de convergência 1 e tem extensão holo-

morfa a z = 1, então n=0 an converge se e só se lim an = 0 .
P∞ n
g) Chama-se série de potências lacunar a n=0 an z tal que existe uma su essão

300
Foi provado em 1916 por M. Riesz.
301
P. Fatou provou o caso particular para arcos de convergência que consistem num único ponto
e a sucessão {nan } é limitada em 1906. O resultado geral foi provado por M. Riesz em 1911.
304 Prolongamento analı́tico e funções analı́ticas globais

{mn } ⊂ N tal que ak = 0 para k ∈ ]mn , mn+1 [ para n ∈ N , e mn+1−mn ) → +∞ quando


302
n → +∞ . Prove o Teorema de Convergência de Ostrowski P∞ : Uma m série de
potências lacunar com sucessão de coeficientes limitada f (z) = n=0 amn z n con-
verge uniformemente em cada arco de holomorfia de f .
h) Prove: O domı́nio de holomorfia de uma série de potências lacunar é o seu cir-
culo de convergência.
P n2
i) Determine o domínio de holomora da Série Teta
303
θ(z) = 1+2 ∞ n=0 z .

11.3 Chama-se ponto fronteiro visı́vel de uma região Ω ⊂ C a a ∈ ∂Ω tal que existe um
ír ulo aberto B⊂Ω tal que a ∈ ∂Ω∩∂B . Chama-se conjunto bem distribuı́do
de pontos fronteiros de uma região Ω ⊂ C a W ⊂ ∂Ω tal que para ada b ∈ Ω e
r > 0 om Br (b)∩∂Ω 6= ∅ existe um ponto fronteiro visível de Ω , a ∈ Br (b)∩W , na
omponente onexa de Br (b) ∩ Ω 6= ∅ que ontém b .

a) Mostre que é possível existirem urvas ontidas em fronteiras de regiões ujos


pontos não são pontos fronteiros visíveis dessas regiões.

b) Prove: Todo conjunto bem distribuı́do de pontos fronteiros visı́veis de uma região
Ω ⊂ C é denso em ∂Ω .
) Prove: Se W é um conjunto numerável bem distribuı́do de pontos fronteiros
visı́veis de uma P região Ω ⊂ C , {an } é uma enumeração de W e {bn } ⊂ C \ {0} é
∞ 304
tal que a série
P∞ n=1 |cn | converge , então o domı́nio de holomorfia da função
cn
f (z) = n=1 z−a n
é Ω .
(Sugestão: f (z) → ∞ quando z → cn ao longo de um raio de um ír ulo aberto B ⊂ C\∂Ω ).
d) Prove o Teorema de Existência para Domı́nios de Holomorfia305 : Para
toda região Ω ⊂ C existe uma função complexa que tem domı́nio de holomorfia Ω .
(Sugestão: Para Ω 6= C, onsidere um onjunto numerável Q ⊂ Ω denso em Ω e para ada
q ∈ Q onsidere an (q) ∈ ∂Ω∩Br (q) , em que r > 0 é o maior raio dos dis os abertos tais que
Br (q) ⊂ C\Ω e aplique b) om W = {an (q) : q ∈ Q} ).
11.4 Se Ω ⊂ C é uma região e f ∈ H(Ω) , diz-se que a é um ponto de singularidade
de f se em alguma vizinhança V de a não existe qualquer função em H(V ) que
oin ide om f numa omponente onexa de V ∩ Ω .
Prove: Se Ω ⊂ C é uma região e f ∈ H(Ω) , as condições seguintes são equivalentes:
1. Ω é o domı́nio de holomorfia de f .
2. Se R ⊂ C é uma região que intersecta Ω e C\Ω e g ∈ H(Ω) ,
int {z ∈ R ∩ Ω : f (z) = g(z)} = ∅ .
3. Todos pontos de ∂Ω são pontos de singularidade de f .
(Sugestão: Prove: não 1 ⇒ não 2 ⇒ não 3 ⇒ não 1 ).
11.5 a) Chama-se conjunto periférico numa região Ω ⊂ C a um onjunto P de pontos
isolados de Ω tal que se C é uma omponente onexa de uma região R∩Ω , então
todos pontos de R ∩ ∂C são pontos de a umulação de P ∩ C .

302
Foi provado por A. Ostrowski em 1921.
303
L. Kronecker deu em 1863 este exemplo mais simples do que os de K. Weierstrass para fun-
ções definidas por série de potências com domı́nio de holomorfia coincidente com o cı́rculo de
convergência da série e obteve o domı́nio de holomorfia de θ utilizando simetrias desta função.
304 P P∞
As séries ∞ cn
n=1 z−an com n=1 |cn | convergente foram consideradas em 1887 por E.Goursat
para construir funções holomorfas com “fronteiras naturais”.
305
K. Weierstrass foi o 1o a afirmar que todas regiões são domı́nios de holomorfia, em 1880. A 1a
prova foi em 1885 por C.D. Runge com o seu teorema de aproximação de funções holomorfas por
funções racionais que foi desenvolvido para este efeito apesar de ter depois tido diversas aplicações
e extensões que lhe deram uma importância própria. Em 1912 W. Osgood publicou uma prova
baseada no Teorema de Factorização de Weierstrass, como a sugerida no exercı́cio 11.5.c. A.
Pringsheim publicou em 1932 a 1a prova com as séries de E. Goursat referidas no exercı́cio 11.3.c
e creditou-a a Friedrich Hartogs (1874-1943). Em 1938, Jean Besse observou que esta prova podia
ser simplificada explorando propriedades da função junto à fronteira do domı́nio, como é sugerido
nesse exercı́cio.
Exercı́cios do capı́tulo 11 305

Prove: Se o conjunto dos zeros Z(f ) de uma função complexa f holomorfa numa
região Ω ⊂ C é periférico em Ω , então Ω é um domı́nio de holomorfia de f .
(Sugestão: Mostre que a existên ia de a ∈ ∂Ω que não é ponto de singularidade de f
ontradiz Z(f ) ser periféri o em Ω e aplique o resultado do exer í io pre edente).
b) Prove: Para toda região Ω ⊂ C existem conjuntos periféricos em Ω .
(Sugestão: Considere um onjunto numerável Q denso em Ω , enumere-o por uma su essão
{qn } e es olha um ponto an om d(an , ∂Ω) < n
1
. Para qualquer região R ⊂ C , C uma
omponente onexa de R ∩ Ω e p ∈ R ∩ ∂C , onsidere Br (p) ⊂ R e um ponto qn ∈ Q em
Br (p) ∩ ∂C su ientemente próximo de p. Mostre que A = {an } é periféri o em Ω .
) Dê uma prova alternativa do Teorema de Existên ia para Domínios de Holomora
(exer í io 11.3.d)) utilizando a) e b).
(Sugestão: Aplique a onsequên ia do do Teorema de Fa torização de Weierstrass do
exer í io 8.23 para obter f ∈ H(Ω) om Z(f ) igual ao onjunto A de b) e aplique a)).
306
11.6 Prove a ara terização de regiões simplesmente onexas : Uma região R ⊂ C é
simplesmente conexa se e só se para todo elemento de função analı́tica (f, Ω) , em
que Ω ⊂ R, com prolongamentos analı́ticos ao longo de todos caminhos em R existe
g ∈ H(R) tal que g = f em Ω .
11.7 Des reva uma realização geométri a da Superfí ie de Riemann das funções analí-
ti as globais denidas pelo seno elípti o (exer í io 10.18) e pela relação de z para
2 2
w estabele ida pela equação (w −1) = z . Determine e analise as singularidades
desta última, e obtenha a série de Puiseux em 0 .

11.8 Prove: As funções holomorfas de Superfı́cies de Riemann compactas em Superfı́cies


de Riemann não compactas são as funções constantes.
11.9 Prove: A superfı́cie definida por prolongamento analı́tico de um elemento de função
analı́tica de uma função racional é a Superfı́cie Esférica de Riemann, e de uma
função elı́ptica é a superfı́cie de um toro.
11.10 Prove: Uma função f ∈ M (C, C∞ ) biperiódica assume todos valores de C∞ .
11.11 Obtenha a prova alternativa bastante mais simples do Teorema de Blo h-Ahlfors
307
provando as armações nas alíneas seguintes :

′ ′ 1− 3 |z|
a) Se F ∈ H(B1 ), F (0) = 1, |F (z)| ≤
1
1−|z|2
para z ∈ B1 , é Re F ′ (z) ≥ (1− √1 |z|)3
3
para |z| ≤ √13 . (Sugestão: Observe que basta provar para z ∈ [0, √13 ] . Mostre que se
√ 1−w 2    
p(w) = 3 e q(w) = 4 w 1 − 3 w , então p [0, 1] = 0, √3 , p B1 ⊂ B1 ,
9 1 1
 3−w √3 z 
q p−1 (z) = 1− √
(1−z/ 3)3
, |q(w)| 1 − |p(w)|2 = 1 para w ∈ ∂B1 . Mostre que F ′′ (0) = 0
om série de Taylor em 0 da primitiva de F ′ que se anula em 0 provando que o oe iente
′ 
do termo do 2o grau é 0. Prove que h(w) = F q(w)
(p(w)) w
− 1 (1−w) 2 é holomorfa em B1 .

Aplique o Prin ípio de Módulo Máximo a e−h e obtenha Re F ′ p(w) ≥ q(w), w ∈ [0, 1] .)
b) Se h é uma função holomorfa num conjunto aberto convexo G ⊂ C e Re h′ > 0
em G, h é uma transformação conforme.
 ′
) Existe F ∈ H B1 tal que F (B1 ) = f (B1 ) e |F | tem o valor máximo em 0 da

forma F (z) = f az−1 , em que F (0) = f (a) e |F (0)| = maxw∈B1 |f ′ (w)|(1−|w|2 ) .
z−a ′

(Sugestão: Considere omposições de f om funções bz−w


bzw−1
, om b ∈ S 1 , w ∈ B1 .)
 ′ 2
d) Se f ∈ H B1 e M = maxz∈B1 |f (z)|(1−|z| ) > 0 , f (B1 ) contém um cı́rculo com

raio 41 3M que é imagem de um cı́rculo em B1 por uma transformação conforme.
(Sugestão: Considere F de ) e aplique a) e b).)
11.12 Prove que o Pequeno Teorema de Pi ard para funções inteiras (alínea d)) é equi-
308 f g
valente a : Se f e g são funções inteiras e e + e = 1 , f e g são constantes.

306
Ver outras caracterizações em (10.32) e no exercı́cio II.11.e).
307
Foi dada por M. Bonk em 1990.
308
Em 1896, E. Borel provou esta afirmação como propriedade geral de funções inteiras obtida
por métodos elementares e deu uma prova alternativa do Pequeno Teorema de Picard.
306 Prolongamento analı́tico e funções analı́ticas globais

11.13 Prove: Se f é uma função inteira que não é uma translação, f ◦f tem um ponto
fixo. (Sugestão: Aplique o Pequeno Teorema de Pi ard).
309
11.14 a) Prove : Se Ω ⊂ C é uma região simplesmente  conexa e f ∈ H(Ω) não assume
os valores 0 e 1, existe g ∈ H(Ω) tal que f (z) = 21 1−cos π cos(πg(z)) para z ∈ Ω ,
e g(Ω) não contém qualquer cı́rculo com raio 1.
(Sugestão: Come e por mostrar que uma função holomorfa numa região simplesmente
onexa que não assume os valores ±1 é o oseno de uma função holomorfa na região).
310
b) Prove : Se Ω ⊂ C é uma região simplesmente conexa e f ∈ H(Ω) não assume

os valores 0 e 1, existe g ∈ H(Ω) tal que f (z) = − exp(iπ cosh 2g(z) para z ∈ Ω , e
g(Ω) não contém qualquer cı́rculo com raio 1.
) Obtenha uma prova alternativa do Pequeno Teorema de Pi ard para funções
311
inteiras om a), o que é bastante mais simples do que a prova apresentada em
(11.23) porque não invo a o Teorema de S hottky-Ahlfors.

11.15 Prove o Teorema de Schottky312 : Para α > 0, 0 ≤ β ≤ 1 existe constante C(α, β)


tal que se Ω ⊂ C é uma região simplesmente conexa que contém B1 , f ∈ H(Ω) não
assume os valores 0 e 1, e |f (0)| ≤ α , então |f (z)| ≤ C(α, β) para z ∈ Bβ (0) .
(Sugestão: Separe a prova em 3 asos: (1) α ≥ 2 , (2) 12 ≤ |f (0)| ≤ α, (3) 0 < f (0) < 21 . No
2o aso aplique o resultado da alínea a) do exer í io anterior om uma função g es olhida
por sele ções adequadas de ramos de funções logaritmo adoptadas para onstruir g ).
313

11.16 Prove : Para todo a ∈ C existe R : C\{0, 1} → ] 0, +∞ [ tal que se f ∈ H BR(a) (0) ,

f (a) = 0 e f (0) = 1 , f assume pelo menos um dos valores 0 ou 1.

(Sugestão: Dena R(a) = C a, 12 , om C(α, β) omo no Teorema de S hottky, onsidere

a função g(z) = f R(a)z e use e estimativas de Cau hy).
11.17 Prove a versão mais na do Grande Teorema de Pi ard: Se f ∈ H(B1 \ {0}) tem
uma singularidade essencial
 na origem, existe b ∈ B1 \{0} e a ∈ C tais que f assume
em cada cı́rculo B nε nb , com 0 < ε < |b| , todos os valores em C\{a}.

309
Este resultado foi provado por Heinz König (1929-) em 1957 por analogia com o de b).
310
Este resultado foi estabelecido por E. Landau em 1916.
311
Esta prova é uma combinação da prova dada por E. Landau em 1929, em que usou b), com a
prova de a) por H. König em 1957.
312
Foi provado em 1904 de modo diferente, quando não se dispunha do Teorema de Bloch.
313
Este resultado foi publicado por E. Landau em 1904. A função óptima pode ser dada expli-
citamente em termos de uma função modular.
Capı́tulo 12

Uniformização de
superfı́cies de Riemann

12.1 Introdução
L.Ahlfors onsiderou314 o Teorema de Uniformização para Superfí ies de Ri-
emann simplesmente onexas talvez o teorema mais importante em toda a
teoria de funções analíti as de uma variável. Este resultado é o penúltimo
dos 23 Problemas de Hilbert propostos por D. Hilbert no Congresso Inter-
na ional de Matemáti a de 1900 em Paris, que esperava poderem ontribuir
signi ativamente para o avanço da Matemáti a no sé . XX.
Em 1881 H.Poin aré provou que toda equação algébri a em duas variáveis
omplexas F (z, w) = 0 , em que F é uma função polinomial de duas variáveis,
pode ser uniformizada através de duas funções Z e W de uma variável  om-
plexa invariantes sob a a ção de um grupo, tais que F Z(ζ), W (ζ) = 0 . Por
exemplo, a equação z2 +w2 = 1 pode ser uniformizada, entre outras possibi-
lidade, por Z(ζ) = cos ζ , W (ζ) = sin ζ ou por Z(ζ) = 1−ζ
1+ζ , W (ζ) = 1+ζ . A
2ζ 2
2 2

equação w2= z3+az+b pode ser uniformizada por Z(ζ) = ℘(ζ) , W (ζ) = ℘′(ζ) ,
em que ℘ é a função-℘ de Weierstrass (ver exer í ios 10.30 e 10.31.a)). A uni-
formização de funções de uma variável omplexa orresponde a generalizar
este resultado para funções analíti as315 .
O Teorema de Uniformização para Superfí ies de Riemann simplesmente
onexas estende o Teorema do Mapeamento de Riemann que se apli a a re-
giões simplesmente onexas propriamente ontidas no plano omplexo. Do
Teorema do Mapeamento de Riemann, as regiões simplesmente onexas no
plano omplexo são, a menos de transformações onformes, apenas o ír ulo
aberto B1 ou todo plano C . A extensão para todas Superfí ies de Riemann
simplesmente onexas só exige a possibilidade adi ional da Superfí ie Esféri a
de Riemann C∞ . Os três tipos de Superfí ies de Riemann simplesmente o-
314
No livro Conformal Invariants – Topics in Geometry Function Theory de 1978 citado na
bibliografia final. Este capı́tulo segue partes dos dois ultimos capı́tulos desse livro.
315
Num trabalho de 1883 H.Poincaré expressou a ideia de uniformização de funções na afirmação:
“Seja y qualquer função analı́tica de x, não unı́voca. É sempre possı́vel encontrar uma variável z
tal que x e y são funções unı́vocas de z”.
308 Uniformização de superfı́cies de Riemann

nexas são hamadas, resp., eu lidianas, hiperbóli as e elípti as. O resultado


foi onje turado por H. Poin aré e por F. Klein em 1882 para as Superfí ies
de Riemann asso iadas a urvas algébri as, e em 1883 H. Poin aré estendeu
e fundamentou a onje tura para Superfí ies de Riemann asso iadas a fun-
ções holomorfas (possivelmente não inje tivas). A 1a prova só foi obtida 24
anos depois, em 1907, independentemente, por P.Koebe e H.Poin aré. Nesse
mesmo ano P. Koebe deu outra prova e nos anos subsequentes obteve ainda
outras provas simpli ando a argumentação.
Foi depois possível simpli ar as provas om resultados que foram sendo
obtidos. Em 1907 P. Montel publi ou o seu teorema sobre famílias normais
dado no penúltimo apítulo anterior; em 1925 T.Radó provou que todas Su-
perfí ies de Riemann são triangularizáveis; em 1941 van der Waerden provou
om um argumento topológi o muito simples que uma Superfí ie de Riemann
simplesmente onexa aberta é uma união expansiva de onjuntos ompa tos
simplesmente onexos om fronteiras poligonais. Estes resultados permiti-
ram a C. Carathéodory provar o Teorema de Uniformização em 1952 om
o método alternante de H. S hwarz316 , de 1869, que é um método iterativo
para obter soluções do Problema de Diri hlet numa união de dois onjuntos
em que se sabe obter soluções (e.g. uniões de ír ulos ou regiões poligonais).
Em 1949 M.Heins observou que o Método de Perron, riado em 1923 para o
problema de existên ia de solução do Problema de Diri hlet permitia simpli-
 ar os argumentos topológi os e dispensar as triangularizações de T. Radó,
o que simpli ou muito a prova do Teorema de Uniformização317 .
Uma Superfí ie de Riemann ser simplesmente onexa pode ser ara te-
rizado algebri amente em termos da noção de grupo fundamental (introdu-
zida por H.Poin aré em 1892) de Superfí ie de Riemann e orresponde a este
grupo ser trivial, onsistindo em um só elemento. Os elementos do grupo fun-
damental são lasses de homotopia de aminhos que se normalizam de modo
a terem o mesmo domínio que, por simpli idade, pode ser es olhido [0, 1] ,
e a operação deste grupo é uma on atenação de dois aminhos es alando
a variável independente para um intervalo om metade do omprimento de
modo ao resultado ser um aminho denido em [0, 1] . Como é uma operação
de on atenação, os aminhos têm de omeçar e terminar num mesmo ponto,
pelo que se dene o grupo fundamental om um ponto es olhido omo base
e os elementos do grupo são aminhos fe hados que omeçam e terminam
nesse ponto. Grupos fundamentais de uma mesma Superfí ie de Riemann
om pontos de base diferentes podem ser rela ionados através de um aminho
de um dos pontos para o outro e são isomorfos. Uma superfí ie esféri a S 2 é
simplesmente onexa e a superfí ie de um toro T1 = S 1×S 1 não é simplesmente
onexa, pelo que se pode garantir que estas superfí ies não são homeomorfas
por não terem o mesmo grupo fundamental. Analogamente, a superfí ie de
316
Em inglês diz-se Schwarz alternating method.
317
van der Waerden, Bartel Leendert (1903-1996). Heins, Maurice (1915-2015).
12.1 Introdução 309

um toro T2 que é soma onexa de dois toros T1 , obtida removendo pequenas


vizinhanças de um ponto em ada um dos toros T1 re ortadas por urvas fe-
hadas simples em torno desses pontos e  olando os dois toros T1 ao longo
dessas urvas, não é homeomorfa a T1 nem a S 1 por estas superfí ies terem
grupos fundamentais diferentes, embora haja superfí ies que não são home-
omorfas e têm o mesmo grupo fundamental, e.g. S 1 e um ír ulo aberto sem
o entro têm o mesmo grupo fundamental e não são homeomorfas.
Depois do Teorema de Uniformização ter sido onje turado por H. Poin-
aré e F. Klein em 1882, H. S hwarz riou, ainda em 1882, as ideias de
revestimento de Superfí ie de Riemann e de revestimento universal, pre i-
samente para utilização na prova desse teorema. Num grupo onsidera-se
uma relação de equivalên ia de subgrupos, hamada onjugação, om as or-
respondentes lasses de onjugação ordenadas pela in lusão de um par de
subgrupos que as represente. Esta estrutura algébri a do grupo fundamen-
tal de uma Superfí ie de Riemann S tem uma ontrapartida geométri a de
pares ordenados (R, f ) de Superfí ies de Riemann R e funções f , hamadas,
resp., espaço e função de revestimento, em orrespondên ia biunívo a om
as lasses de onjugação dos subgrupos do grupo fundamental tais que f é
uma sobreje ção de R sobre S que é um homeomorsmo lo al de R em S ,
i.e. ada ponto de S tem uma vizinhança V tal que a restrição de f a ada
omponente onexa de f −1(V ) é uma bije ção sobre V . O grupo fundamen-
tal de R é isomorfo ao grupo que lhe orresponde pela bije ção referida. À
in lusão de lasses de onjugação de subgrupos do grupo fundamental de S
orresponde uma ordem par ial dos revestimentos de S , dizendo-se que um
revestimento é mais forte do que os que lhe seguem por in lusão. A lasse
de onjugação menor na ordem par ial onsiderada é a que orresponde à
identidade do grupo fundamental de S ; ao orrespondente revestimento, que
é simplesmente onexo por ter grupo fundamental isomorfo ao grupo trivial
que onsiste só da identidade, hama-se revestimento universal de S ; é mais
forte do que os outros revestimentos de S .
Viu-se no apítulo pre edente que as funções holomorfas denidas em
Superfí ies de Riemann S  am radi almente restringidas quando se onsi-
deram denidas em Superfí ies de Riemann ompa tas, pois são as funções
onstantes e, portanto, formam um espaço linear de dimensão 1. As funções
meromorfas em Superfí ies de Riemann ompa tas S também  am radi-
almente restringidas. Além da restrição simples de quando diferentes de 0
terem um no nito de zeros e pólos em resultado imediato da ompa idade
do domínio, a dimensão do espaço linear omplexo das funções meromorfas
om m pólos Pj e n zeros Qk om a ordem de ada pólo e de ada zero
menor ou igualPa númerosPprexados, resp., Mj e Nk , para j = 1, . . . , m e
k = 1, . . . , n , é m
j=1 Mj + k=1 Nk − g , em que g é o género de S , a res ida
n

de um termo de orre ção que é a dimensão de um espaço linear determi-


nado por S e pelos números Mj , Nk , para j = 1, . . . , m , k = 1, . . . , n . Por
exemplo, as funções meromorfas na Superfí ie Esféri a de Riemann om no
310 Uniformização de superfı́cies de Riemann

máximo um pólo simples na origem e sem zeros isolados em C são as funções


a+ zb om a, b ∈ C , que formam um espaço linear omplexo de dimensão 2.
Este resultado é onhe ido por Teorema de Riemann-Ro h. Sem o termo de
orre ção foi estabele ido em 1857 por B.Riemann e hama-se Desigualdade
de Riemann. O termo de orre ção foi introduzido em 1865 por G. Ro h. A
validade das provas que apresentaram foi questionada em 1870 por K. Wei-
erstrass por usar o Prin ípio de Diri hlet que ainda não estava estabele ido,
embora, omo referido na introdução ao apítulo 9, tenha sido estabele ido
por volta de 1910 por vários matemáti os em que se desta aram D. Hilbert,
H.Weyl e R.Courant. O nome Teorema de Riemann-Ro h foi dado em 1874
por A. Brill e M. Noether. A prova que se apresenta aqui evita argumen-
tos de Topologia Algébri a e de Geometria Algébri a e, tal omo a prova
do Teorema de Uniformização que se apresenta neste apítulo, usa funções
harmóni as e o Método de Perron318 .
12.2 Revestimentos e grupo fundamental
Se R, S são Superfí ies de Riemann, diz-se que (R, f ) é um revestimento319
de S se f é uma sobreje ção ontínua de R em S e ada a ∈ S tem uma
vizinhança U tal que f −1(U ) é uma união disjunta de onjuntos abertos,
ada um homeomorfo a U . A R hama-se espaço do revestimento, a S
espaço de base do revestimento e a f projecção do revestimento.
Chama-se a f (p) a projecção de p ∈ R e diz-se que p projecta-se sobre
f (p) ; a f −1 ({a}) Chama-se fibra de a ∈ S . Diz-se que um ponto a ∈ S
é revestido n vezes se a bra de a tem n ∈ N elementos e aso ontrário
diz-se que a ∈ S é revestido infinitas vezes, e que o revestimento tem,
resp., n ou infinitas folhas (Figura 12.1).

Figura 12.1: Revestimento (R, f ) com 3 folhas de Superfı́cie de Riemann S

318
Brill, Alexander Wilhelm von (1842-1935). Noether, Max (1844-1921).
319
Em inglês diz-se covering ou covering map.
12.2 Revestimentos e grupo fundamental 311

Se R, S são Superfí ies de Riemann, diz-se que f : R → S é um homeo-


morfismo local se ada ponto de R tem uma vizinhança em que a restrição
de f é um homeomorsmo, e, nesse aso, diz-se que A ⊂ S é uniformemente
revestido320 por (R, f ) se a restrição de f a ada omponente onexa da
preimagem f −1(A) é uma bije ção sobre A .
(12.1) Exemplos:
1. (R, f ) com R = C e f (z) = ez é um revestimento de S = C\{0} . C\{0} não
é simplesmente conexa, mas R é. Com R = R+i ]0, α[ e α = 2π, (R, f ) é um
revestimento de C\[0, +∞[ , mas (R, f ) não é revestimento de C\{0} apesar
deste ser o contradomı́nio de f porque neste caso f não é um homeomorfismo
local, pois não é um homeomorfismo de quaisquer vizinhanças de pontos em
R+i{0, 2π}. Com α > 0 que não é múltiplo inteiro de 2π f : R → C\{0} é um
homeomorfismo local e é sobrejectiva, mas (R, f ) não é revestimento de C\{0}
porque há pontos de S que não têm quaisquer vizinhanças uniformemente
revestidas, designadamente os pontos ex+iα com x ∈ R . Para obter um
revestimento (R, f ) de S = C\{0} com R simplesmente conexa são precisas
infinitas folhas.
2. Revestimentos de S = C\{0} muito diferentes são (R, f ) com R = C\{0}
e f = z n , para cada n ∈ Z\{0} .
3. Um revestimento da superfı́cie de um toro T1 = S 1× S 1 ⊂ C2 , em que
S 1 = {eiθ : θ ∈ [0, 2π]} é (R, h) com R = C e h a função biperiódica com
perı́odos 1 e i que para z = (x, y) no quadrado Q = [0, 1] × i[0, 1] satisfaz
h (x, y) = ei2πx , ei2πy . Também neste caso T1 não é simplesmente conexo,
mas R é e para obter um revestimento (R, h) com R simplesmente conexa
são precisas infinitas folhas.
4. A função modular h de (11.28) é uma função holomorfa de B1 sobre P =
C\{0, 1} . (B1 , h) é um revestimento de P . Neste caso P não é simplesmente
conexo, mas B1 é.
Se (U, ϕ ) , U ∈ U , são as artas de uma Superfí ie de Riemann S e
é um revestimento de S , é possível dotar R de uma úni a estrutura
U
(R, f )
omplexa tal que f : R → S seja analíti a, o que pode ser garantido om ar-
tas de R (V, ϕ ) , V ∈ V , tais que f é inje tiva em V e as funções ϕV ◦f◦ϕ−1
são analíti as de sub onjuntos abertos de C em C se estiverem denidas por
V U

ser V ∩ U 6= ∅ . Se um subconjunto aberto A de uma Superfı́cie de Riemann


S é uniformemente revestido por (R, f ) , cada restrição de f a uma compo-
nente conexa de f −1 (A) é uma transformação conforme sobre A .
Cada sub onjunto onexo de uma Superfí ie de Riemann S uniforme-
mente revestido por um revestimento (R, f ) de S também é uniformemente
revestido por (R, f ) , pelo que para (R, f ) ser um revestimento de S é neces-
sário e suficiente que cada ponto tenha uma vizinhança homeomorfa a um
cı́rculo aberto revestido por (R, f ) .
320
Em inglês diz-se evenly covered.
312 Uniformização de superfı́cies de Riemann

(12.2) Se (R, f ) é um revestimento de uma Superfı́cie de Riemann S, as


fibras de pontos de S são numeráveis e todas têm a mesma cardinalidade.

Dem. Designando An o conjunto de pontos de S revestidos n vezes, se existe


a ∈ An , U é uma vizinhança de a em S e p1 , . . . , pn ∈ R são os n pontos de R
tais que f (pj ) = a para j = 1, . . . , n , como f é um homeomorfismo local, para
cada pj existe um aberto Vj ⊂ R que contém pj e é homeomorfo a U , pelo
que ∩nj=1 Vj é um conjunto aberto em R homeomorfo a uma vizinhança de a
em S e os pontos desse conjunto são revestidos n vezes. Logo, An é aberto.
Se f −1 ({a}) é infinito, com o mesmo argumento, existe um conjunto aberto
em S que contém a tal que a preimagem por f de cada ponto dele é um
conjunto infinito e, portanto, o conjunto de pontos de S revestidos infinitas
vezes é aberto em S. Como uniões de conjuntos abertos são abertos, o
complementar de An em S é aberto em S e, portanto, An é fechado em S.
Como S é conexo, os únicos subconjuntos de S simultaneamente abertos e
fechados são S e ∅ . Logo, todos pontos de S são revestidos o mesmo no de
vezes se um deles for revestido um no finito de vezes.
Para uma prova curta da última propriedade usa-se que toda Superfı́cie
de Riemann satisfaz o 2o axioma de numerabilidade (i.e. a topologia tem
uma base numerável), provado mais à frente em (12.20). Tal garante que
todo conjunto de subconjuntos abertos de S disjuntos é numerável321 , e,
como cada a ∈ S tem uma vizinhança U tal que f −1 (U ) é uma união de
conjuntos abertos disjuntos, é numerável. Como cada um desses conjuntos
contém só um ponto da fibra f −1 ({a}) , esta é um conjunto numerável.
Q.E.D.
Se (R, f ) é um revestimento de uma Superfí ie de Riemann S , diz-se que
β : [0, 1] → R é um caminho em R que reveste um caminho em S
α : [0, 1] → S se α = f ◦β .
O resultado seguinte foi estabele ido por H. Weyl em 1913 no aso mais
geral de superfí ies322.
(12.3) Se (R, f ) é um revestimento de uma Superfı́cie de Riemann S,
para cada caminho α em S definido em [0, 1] e cada b ∈ f −1 {α(0)}
existe um único caminho em R definido em [0, 1] com ponto inicial b que
reveste α , a que se chama o levantamento de α pelo revestimento.
Dem. O argumento é análogo ao da prova do resultado precedente. Se T é o
conjunto dos t ∈ [0, 1] tais que existe um único caminho β em
 R definido em
[0, t] com ponto inicial b que é um revestimento de α [0, t] , para cada t ∈ T
existe uma vizinhança V de α(t) que é uniformemente revestida. Para δ > 0
321
Ver apêndice 1.
322
O resultado era certamente conhecido de H. Schwarz, F. Klein e H. Poincaré, na sequência do
1o ter introduzido em 1882 a noção de revestimento de Superfı́cie de Riemann, embora não tivesse
sido publicado antes de H. Weyl em 1913.
12.2 Revestimentos e grupo fundamental 313


suficientemente pequeno, α [t, t + δ] ⊂ V , pelo que a componente conexa
de f −1 (V ) que contém β(t) é uma vizinhança de β(t) em R e, como f é
um homeomorfismo local, β pode ser estendido de maneira única a [0, t+δ].
Logo, T ⊂ [0, 1] é aberto relativamente a [0, 1]. Prova-se analogamente que o
complementar de T em [0, 1] é aberto relativamente a [0, 1], e, portanto, T é
fechado relativamente a [0, 1]. Logo, T é simultaneamente aberto e fechado
relativamente ao conjunto conexo [0, 1] , pelo que só pode ser ∅ ou [0, 1] .
Como se supôs que não é o 1o caso, T = [0, 1] . Q.E.D.

Se S é uma Superfí ie de Riemann, a ∈ S e γ1 , γ2 : [0, 1] → S são a-


minhos em S om ponto ini ial e nal a , pode-se denir o produto  γ=
γ1 γ2 (diz-se  γ1 seguido de γ2 ) por γ(t) = γ1 (2t) para t ∈ 0, 2 e γ(t) =
1

γ2 (2t − 1) para t ∈ 21 , 1 . Este produto é uma operação binária no on-


junto dos aminhos em S denidos em [0, 1] om ponto ini ial e nal a , e
preserva homotopias de tais aminhos em S , pelo que induz um produto
de lasses de homotopia em S de aminhos om ponto ini ial e nal a ,
[γ]S,a = [γ1 ]S,a [γ2 ]S,a , em que [γ]S,a designa a lasse de homotopia em S do
aminho γ em S denido em [0, 1] om ponto ini ial e nal a . Esta mul-
tipli ação é asso iativa, tem elemento neutro que é a lasse de homotopia
do aminho onstante γa (t) = a para t ∈ [0, 1] , e ada lasse de equivalên ia
de homotopia [γ]S,a tem inverso [γ]−1 S,a = [γ
−1 ]
S,a , em que γ
−1 (t) = γ(1 − t)

(o aminho γ per orrido no sentido oposto), pelo que o onjunto das lasses
de homotopia de aminhos em S que omeçam e terminam em a om este
produto é um grupo, designado π1(S, a) e hamado (1o ) grupo fundamen-
tal323 de S com base em a .
Se a, b ∈ S , os grupos π1(S, a) e π1(S, b) podem ser rela ionados om um
aminho λ em S de a para b denido em [0, 1] , que existe porque Superfí ies
de Riemann são, por denição, onjuntos  abertos onexos. A função Φ :
π1 (S, a) → π1 (S, b) tal que Φ [γ1 ]S,a = [λ◦γ1 ◦λ−1 ]S,a é um isomorsmo de
grupos. Logo, a menos de isomorfismos uma Superfı́cie de Riemann S tem
um único grupo fundamental, designado π1 (S) .
Uma Superfı́cie de Riemann S é simplesmente conexa se e só se π1 (S, a)
para qualquer a ∈ S tem só um elemento, que é a classe de homotopia do
caminho constante com valor a .
Para as Superfí ies de Riemann onsideradas nos 6 exemplos do iní io
da se ção e a um ponto qualquer na resp. Superfí ie de Riemann, têm-se
os isomorsmos de grupos fundamentais seguintes: π1 (R, a) ≈ π1(S, a) ≈
π1 (Q, a) ≈ (Z, +) , π1 (L, a) ≈ (1, .) , π1 (S 1 ×S 1 , a) ≈ π1 (P, a) ≈ (Z×Z, +) .
O resultado seguinte estabele e uma ligação importante entre revesti-
mentos e o grupo fundamental de uma Superfí ie de Riemann.
323
Os grupos fundamentais πn com n ∈ N\{1} definem-se analogamente com funções definidas
na superfı́cie esférica unitária de dimensão n em Rn , que é a fronteira da bola de Rn com raio 1
e centro em 0 .
314 Uniformização de superfı́cies de Riemann

tN =1

t3 HQ

t2
HS
t1

t0 =0 t
t0 =0 t1 t2 t3 tN =1
Figura 12.2: Figura auxiliar para a prova de (12.4)

(12.4) Se (Q, p) é um revestimento de uma Superfı́cie de Riemann S,


q ∈ Q e p(q) = a, levantamentos com ponto inicial q de caminhos com o
mesmo par ordenado (a, b) de pontos inicial e final que são homotópicos
em S têm o mesmo ponto final e são homotópicos em Q .

Dem. Seja HS : [0, 1]2 → S uma homotopia em S de um caminho α num


caminho β com ponto inicial a e ponto final b , pelo que HS (0, s) = a ,
HS (1, s) = b para s ∈ [0, 1] . Considera-se uma partição finita estritamente
crescente {tj }N 2
j=0 de [0, 1] com t0 = 0 , tN = 1 tal que a partição P de [0, 1]
2

é suficientemente fina para que a imagem por H do fecho de cada subrectân-


gulo da partição seja revestida uniformemente pelo revestimento (Q, p) de
S. Define-se HQ : [0, 1]2→ Q começando por fixar HQ (0, 0) = q e prosseguindo
para subrectângulos fechados sucessivos da partição P 2 da esquerda para a
direita e, depois, de baixo para cima, e definindo HQ em cada subrectân-
gulo fechado da partição por composição da inversa da restrição de p a um
conjunto aberto homeomorfo a um subconjunto aberto de S que contenha
o subrectângulo (Figura 12.2). A função HQ assim construı́da é definida
e contı́nua em [0, 1]2 e é um levantamento de HQ com HQ (0, s) = q para
s ∈ [0, 1]. Como HQ (1, s) = b para s ∈ [0, 1] e HQ é um levantamento de HS ,
HQ (1, s) ∈ p−1 (b) para s ∈ [0, 1] . Como s 7→ HQ (1, s) é contı́nua em [0, 1] ,
HQ (1, [0, 1]) ⊂ p−1 (b) é conexo. Como p−1 (b) é numerável, HQ (1, [0, 1]) é
um subconjunto numerável conexo de um espaço metrizável324 , pelo que
tem um só ponto. Logo, existe q ′ ∈ Q tal que HQ (1, s) = q ′ para s ∈ [0, 1] .
Portanto, HQ é uma homotopia em Q de caminhos com ponto inicial q e
ponto final q ′ . A função αe(t) = HQ (t, 0) é um caminho em Q com ponto
inicial q que é um levantamento de α . Da unicidade de levantamentos de
caminhos com o mesmo ponto inicial estabelecida em (12.3), HQ (t, 0) = α e(t)
e
e HQ (t, 1) = β(t) , pelo que α e
e e β têm o mesmo ponto final e HQ é uma
homotopia em Q de α e em βe . Q.E.D.
324
Ver apêndice 1.
12.2 Revestimentos e grupo fundamental 315

Em (12.3) estabele eu-se a existên ia e uni idade de levantamento de


um aminho numa Superfí ie de Riemann por um revestimento. Mais geral-
mente, se R, S são Superfí ies de Riemann e (Q, p) é um revestimento de S ,
pode-se ara terizar em termos dos grupos fundamentais de R e S as funções
ontínuas de R em S om levantamento pelo revestimento (Q, p) de S .
Se R, S são Superfí ies de Riemann, qualquer função ontínua f : R → S
transforma aminhos fe hados em aminhos fe hados e preserva homotopias,
pelo que se R, S são Superfı́cies de Riemann, a ∈ R e b ∈ S , toda função
contı́nua f : R → S induz uma função f∗ : π1 (R, a) → π1 (S, b) .
Se R, S são Superfí ies de Riemann, (Q, p) é um revestimento de S e
f : R → S é ontínua, hama-se levantamento325 de f pelo revestimento
(Q, p) a F : R → Q tal que p ◦ F = f .
Se S é uma Superfí ie de Riemann, a ∈ S , (Q, p) é um revestimento de
S e q ∈ p−1 (a) , então p transforma aminhos fe hados em Q em aminhos
fe hados em S e preserva homotopias desses aminhos, pelo que um revesti-
mento (Q, p) de uma Superfı́cie de Riemann S induz uma função injectiva
p∗ : π1 (Q, q) → π1 (S, a) , cujo contradomı́nio em geral depende de q ∈ Q .

(12.5) Lema de levantamento: Se R, S são Superfı́cies de Riemann,


f : R → S é contı́nua, (Q, p) é um revestimento de S, a ∈ R , q ∈ Q,
b = f (a) = p(q) , existe um levantamento F : R → Q de f pelo revestimento
(Q, p) de S com F (a) = q se e só se a função p∗ : π1 (Q, q) → π1 (S, a)
induzida pelo revestimento satisfaz f∗ π1 (R, a)) ⊂ p∗ π1 (Q, q) . Um le-
vantamento que satisfaz estas condições é único.
Se, em acréscimo, R é simplesmente conexa, o levantamento existe.

Dem. Se o levantamento existe,


  
f∗ π1 (R, a) = p∗ F∗ π1 (R, a) ⊂ p∗ π1 (Q, q) .
Se a′ ∈ R e α : [0, 1] → R é um caminho em R de a a a′ , f◦α tem levantamento
que é um caminho β : [0, 1] → Q com ponto inicial q e F (a′ ) = β(1) , pois F◦ α
é um levantamento de f ◦α e, de (12.3) o levantamento de um caminho em
S é único, pelo que se existe levantamento de f , é único.
Reciprocamente, se a′ ∈ R e α : [0, 1] → R é um caminho em R de
a a a′ , define-se F pelo levantamento β : [0, 1] → Q do caminho f ◦ α de
modo a F (a′ ) = β(1) . É preciso provar que fica assim definida uma fun-
ção em R . Dados dois caminhos α1 , α2 : [0, 1] → R de a a a′ designa-se
por β1 , β2 : [0, 1] → Q os levantamentos, resp., dos caminhos f ◦ α1 , f ◦ α2
em S com ponto inicial b . Prova-se que é definida uma função F : R → Q
como indicado se for provado que β1 (1) = β2 (1) . Designa-se por β3 o le-
vantamento de f ◦ α−1 2 com ponto inicial β1 (1) . A concatenação β1 +β3 é o
levantamento da concatenação (f ◦α1 )+(f ◦α−1 2 ) , que é um caminho fechado
325
Em inglês diz-se lifting ou lift. O conceito, muito útil noutros contextos de topologia, foi
introduzido precisamente no contexto de Superfı́cies de Riemann.
316 Uniformização de superfı́cies de Riemann

em S. A classe de homotopia deste caminho é a imagem por f∗ da classe


de homotopia do caminho α1 + α−1 2 em R , a qual, por hipótese, pertence
a p∗ π1 (Q, q) . Existe um caminho fechado γ : [0, 1] → Q com ponto inicial
e final q na classe de homotopia de caminhos fechados em Q que contém
β1 +β3 , e, portanto, (f ◦ α1 )+(f ◦ α−1 2 ) e p ◦γ são homotópicos. De (12.4),
os resp. levantamentos γ e β1 +β3 são homotópicos e terminam no mesmo
ponto, que é q , pelo que este é o ponto final de β3 . Como o caminho β3 é
o levantamento de f ◦α−1 −1
2 com ponto inicial β1 (1) e termina em q , β3 é o
levantamento de f ◦ α2 com ponto inicial q e termina em β1 (1) , tal como
β2 , e, da unicidade de levantamento de caminhos em (12.3), β3−1 = β2 e,
portanto, β1 (1) = β3−1 (1) = β2 (1) , o que termina a prova de ser definida uma
função F : R → Q da maneira indicada no inı́cio do parágrafo.
Para terminar a prova de suficiência para existência e unicidade de le-
vantamento de f na condição no enunciado resta provar que F é contı́nua.
Sejam a, a′ e α, β como no inı́cio do 2o parágrafo desta prova, V uma
vizinhança de F (a′ ) em Q e U uma vizinhança de f (a′ ) em S uniformemente
revestida pelo revestimento (Q, p) , Qa′ a folha do revestimento que contém
F (a′ ) e pa′ a restrição de p a Qa′ . Tomando uma vizinhança mais pequena
U de f (a′ ) , se necessário, pode-se supor que Qa′ ⊂ V . Como f é contı́nua
existe uma vizinhança conexa de a′ , W ⊂ f −1 (U ). Para cada x ∈ W existe
um caminho α′ em W de a′ a x . Designando por β ′ o levantamento do
caminho f ◦ α′ com ponto inicial F (a′ ) , β+β ′ é o levantamento do caminho
f ◦(α+α′ ) com ponto inicial q . F (a′ ) é o ponto final do caminho β +β ′ em
Qa′ , o que prova F (W ) ⊂ Qa′ e, portanto, que F é contı́nua em o a′ ∈ R .
Se R é simplesmente conexa, π1 (R, a) tem um único elemento que é a
classe de homotopia do caminho constante com valor a , pelo que f∗ π1 (R, a)
é a classe de homotopia do caminho  constante com valor constante f (a) , que
é a unidade do grupo p∗ π1 (Q, q) , pois p(q) = f (a) . Q.E.D.

Se (R1 , f1) é um revestimento de uma Superfí ie de Riemann S e (R2 , f2 )


é um revestimento da Superfí ie de Riemann R1 , R2, f1◦f2 é um revestimento
de S . Diz-se que este é um revestimento mais forte de S do que (R1 , f1) .
Esta relação de revestimentos é uma relação de ordem par ial. Se ada um
de dois revestimentos de uma Superfí ie de Riemann S é mais forte do que
o outro, diz-se que são revestimentos de S equivalentes e hama-se às
lasses de equivalên ia classes de revestimento de S .
Se (R, f ) é um revestimento de uma Superfí ie de Riemann S , a ∈ S , b ∈ R
om f (b) = a e α é um aminho fe hado em S denido em [0, 1] om ponto
ini ial e nal a , o aminho β em R denido em [0, 1] om ponto ini ial b que
é um revestimento de α pode ser ou não fe hado. Se α é um aminho fe hado
homotópi o ao aminho onstante om valor a , do Teorema de Monodromia
(11.2), β é um aminho fe hado homotópi o em R ao aminho onstante
om valor b . Se β é um aminho fe hado, α também é. Caminhos fe hados
α1 e α2 em S denidos em [0, 1] om pontos ini ial e nal a perten em
12.2 Revestimentos e grupo fundamental 317

à mesma lasse de homotopia se e só se α−1 2 + α1 é homotópi o em S ao


aminho onstante om valor a , pelo que se β1 e β2 são os aminhos em R
denidos em [0, 1] om ponto ini ial b que são revestimentos de, resp., α1 e
α2, então β2−1+β1 é um aminho fe hado em R homotópi o em R ao aminho
onstante om valor b e, portanto, β1 e β2 são homotópi os em R . Logo, os
caminhos fechados em R revestem caminhos fechados em S e o conjunto das
classes de homotopia de caminhos fechados em S com ponto inicial e final
a é particionado em dois, conforme os caminhos na classe de equivalência
são revestidos por caminhos em R com ponto inicial em b fechados ou não.
Designa-se Da,b o 1o dos dois conjuntos desta partição.
Se [α1 ]S,a , [α2 ]S,a ∈ Da,b , também [α−1
1 ]S,a , [α1 α2 ]S,a ∈ Da,b , e, portanto,
Da,b é um subgrupo de π1 (S, a) .
Como uma Superfí ie de Riemann R é um onjunto aberto onexo, quais-
quer pontos b1 , b2 ∈ f −1({a}) , em que a ∈ S , são pontos, resp., ini ial e nal
de algum aminho λ em R , e f◦λ é um aminho fe hado em S om ponto ini-
ial e nal a . Se α é um aminho em S fe hado denido em [0, 1] om ponto
ini ial e nal a , (f◦λ) + α + (f◦λ)−1 é revestido por um aminho fe hado em
R se e só se α é. Logo, Da,b2 = [f ◦λ]S,a Da,b1 [f ◦λ]−1 S,a , ou seja Da,b1 e Da,b2
são subgrupos conjugados326 de π1 (S, a) e qualquer subgrupo conjugado de
um subgrupo Da,b é [γ]S,a Da,b [γ]−1 S,a para algum [γ]S,a ∈ π1 (S, a) .
As lasses de revestimento de uma Superfí ie de Riemann estão rela io-
nadas om os subgrupos de onjugação do grupo fundamental de S om base
num ponto a ∈ S pelo resultado seguinte.
(12.6) Se S é uma Superfı́cie de Riemann e a ∈ S, a correspondên-
cia de cada revestimento (R, f ) de S e b ∈ f −1 ({a}) com o subgrupo
Da,b de π1 (S, a) induz uma bijecção entre classes de equivalência de
revestimentos de S e classes de conjugação de subgrupos de π1 (S, a) .
Da,b e π1 (R, b) são grupos isomorfos.

Dem. Viu-se antes do enunciado deste resultado como a cada revestimento


(R, f ) de S e b ∈ R se faz corresponder um subgrupo Da,b de π1 (S, a) .
É imediato verificar que a revestimentos equivalentes de S correspondem
subgrupos da mesma classe de conjugação de π1 (S, a) .
Reciprocamente, dado um subgrupo Da de π1 (S, a) pretende-se cons-
truir um revestimento (R, f ) de S. Considera-se uma relação α1 ∼α2 entre
caminhos em S definidos em [0, 1] com ponto inicial a se têm o mesmo
326
Se (G, ⋆) é um grupo, diz-se que x, y ∈ G são elementos conjugados se x = g −1 yg para
algum g ∈ G (analogamente à relação de semelhança de matrizes n×n com o grupo das matrizes
não singulares n×n). É uma relação de equivalência e as correspondentes classes de equivalência
são chamadas classes de conjugação do grupo G . Diz-se que dois subgrupos de um grupo são
subgrupos conjugados se todos os seus elementos são conjugados de um mesmo elemento do
grupo. Analogamente a classes de conjugação de elementos de um grupo consideram-se classes
de conjugação de subgrupos.
318 Uniformização de superfı́cies de Riemann

ponto final e α1 + α−1 2 ∈ Da , que é uma relação de equivalência. Designa-


se [α]∼ a correspondente classe de equivalência que contém um caminho α
em S com ponto inicial a , R o conjunto das classes de equivalência e f
a função que atribui a cada [α]∼ o ponto final de α . Se {(Up , ϕp )}p∈S é
um atlas da Superfı́cie de Riemann S com ϕ(Up ) cı́rculos abertos em C ,
fixando q0 ∈ Up e [α0 ]∼ ∈ f −1 ({q0 }) e considerando para cada q ∈ Up um
caminho αq0 ,q em Up de q0 a q a classe de equivalência da concatenação de
caminhos  [α0+αq0 ,q ]∼ , que não depende de αq0 ,q , {(Vq0 ,p , ϕp◦f )}p∈S , em que
Vq0 ,p = [α0+αq0 ,q ]∼: q ∈ Up , define uma estrutura complexa em R . Para as-
segurar que R é uma Superfı́cie de Riemann resta provar que é um espaço de
Hausdorff, ou seja que quaisquer [α1 ]∼ , [α2 ]∼ , em que α1 , α2 são caminhos em
S definidos em [0, 1] com  ponto inicial
 a, têm vizinhanças em R disjuntas. Tal
é imediato se f [α1 ]∼ 6= f [α1 ]∼ , ou seja α1 , α2 têm pontos finais distintos.
Se f [α1 ]∼ = f [α2 ]∼ , ou seja α1 , α2 têm pontos finais, resp., q1′ , q2′ coinci-
dentes, com [αj ]∼ ∈ Vqj ,pj , existem caminhos αqj ,qj′ tais que αj ∼ α0,j +αqj ,qj′ .
A concatenação de caminhos α0,1 + αq1 ,q1′ + α−1 q2 ,q2′
+ α−1
0,2 é um caminho fe-
chado com classe de homotopia que não pertence a Da , pois α0,1 + αq1 ,q1′ e
α0,2 + αq2 ,q2′ pertencem, resp., a [α1 ]∼ , [α2 ]∼ , que são classes de equivalência
distintas. Se Vq1 ,p1 e Vq2 ,p2 intersectassem, seria [α0,1+γ1 ]∼ = [α0,2+γ1 ]∼ para
alguns caminhos γ1 , γ2 , e, portanto, α0,1+ γ1+ γ2−1+ α−1 0,2 S,a∈ Da , mas se os
pontos finais de γ1 e αq1 ,q1′ estivessem numa mesma componente conexa de
f (Vq1 ,p1 )∩f (Vq2 ,p2 ) , os caminhos γ2−1+α−1 −1
0,2 e αq1 ,q1′+αq2 ,q2′ seriam homotópicos
 
em S e seria α0,1+αq1 ,q1′ +α−1 q2 ,q2′
+α−1
0,2 S,a ∈/ Da , o que é contraditório, pelo que,
também neste caso, [α1 ]∼ , [α2 ]∼ têm vizinhanças em R disjuntas. Portanto,
R é uma Superfı́cie de Riemann e (R, f ) é um revestimento de S . Esta prova
também garante que quaisquer Vq1 ,p1 , Vq2 ,p2 tais que f (Vq1,p1 ) = f (Vq2 ,p2 ) são
disjuntos ou idênticos, pelo que (R, f ) é um revestimento de S .
É preciso provar que a construção que precede o enunciado faz corres-
ponder ao revestimento (R, f ) de S e a um b ∈ R o subgrupo Da,b ou um
dos seus conjugados. Toma-se b = [αa ]∼ , em que αa é o caminho constante
definido em [0, 1] com valor a . Se γ é uma curva fechada em S definida em
[0, 1] com ponto inicial e final a o caminho γτ que é a restrição de γ a [0, τ ]
é revestido pelo caminho β em R tal que β(τ ) = [γτ ]∼ , que é fechado se e só
se a classe de homotopia em S [γ]S,a ∈ Da,[αa ]∼, como se queria.
Resta provar que π1 (R, b) e Da,b para algum b ∈ R são isomorfos. A fun-
ção f induz uma sobrejecção de π1 (R, b) em Da,b que preserva o produto de
classes de equivalência. Como γ é homotópico ao caminho constante com va-
lor a em [0, 1] é revestido por um caminho homotópico ao caminho constante
com valor b em [0, 1] , como se viu com base no Teorema de Monodromia
no penúltimo parágrafo que precede o enunciado a função induzida por f é
injectiva e, portanto, é um isomorfismo de π1 (R, b) em π1 (S, a) . Q.E.D.
Como R é simplesmente onexo se e só se π1(R, b) é o grupo trivial só om
a identidade (a lasse de equivalên ia do aminho onstante om valor b),
12.2 Revestimentos e grupo fundamental 319

om b um ponto qualquer de R , uma Superfı́cie de Riemann é simplesmente


conexa se e só se tem um revestimento com uma única folha.
Chama-se revestimento

universal de uma Superfí ie de Riemann S a

um revestimento S, e fe de S om Se simplesmente onexa. Logo, S,

e fe é
revestimento universal de S se e só se π1 Se é o grupo trivial apenas om a
identidade, ou seja um aminho βe em Se é fe hado se e só se o aminho e e
∗ f ◦ β
é homotópi o a um aminho em S onstante om um valor a ∈ fe◦ βe .
(12.6) estabele e uma orrespondên ia biunívo a entre os revestimentos
de uma Superfí ie de Riemann e subgrupos do grupo fundamental dessa
superfí ie. Logo, toda Superfı́cie de Riemann tem um revestimento universal.
Nos 6 exemplos do iní io desta se ção obtiveram-se revestimentos uni-
versais para ada uma das Superfí ies de Riemann onsideradas.
(12.7) Se (R2 , f2 ) e (R1 , f1 ) são revestimentos de uma Superfı́cie de Ri-
emann S, a ∈ S, bj ∈ Rj e Da,bj é o subgrupo correspondente de π1 (S, a) ,
para j = 1, 2 , (R2 , f2 ) é mais forte do que (R1 , f1 ) se e só se Da,b2 ⊂ Da,b1 .

Dem. (R2 , f2 ) é um revestimento mais forte do que (R1 , f1 ) se existe um


homeomorfismo local f21 : R2 → R1 tal que f2 = f1 ◦ f21 . Da,b2 é o conjunto
das classes de homotopia de caminhos fechados em S com ponto inicial e
final a revestidos por caminhos fechados em R2 com ponto inicial b2 . Se β2 é
um caminho fechado em R2 , f21 ◦ β2 é um caminho fechado em R1 , pelo que
se β2 reveste um caminho fechado em S com ponto inicial e final a, também
o caminho em R1 f21 ◦ β2 reveste esse caminho. Logo, Da,b2 ⊂ Da,b1 .
Reciprocamente, se Da,b2 ⊂ Da,b1 e (R2 , f2 ), (R1 , f1 ) estão relacionados
pela relação de ordem parcial de revestimentos de S considerada, ou seja exis-
tem f12 ou f21 tais que (R1 , f12 ) é um revestimento de (R2 , f2 ) ou (R2 , f21 )
é um revestimento de (R1 , f1 ) , como Da,b2 ⊂Da,b1 , tem de ser este o caso
(o outro caso só é possı́vel se também Da,b2 = Da,b1 e (R2 , f2 ), (R1 , f1 ) se-
riam revestimentos equivalentes). Resta provar a existência de f21 tal que
f2 = f1 ◦ f21 . Da construção do revestimento a partir do subgrupo na prova
de (12.6), para j = 1, 2 Rj é o conjunto das classes de equivalência [α]∼j da
relação de equivalência α1 ∼j α2 entre caminhos em S definidos em [0, 1] com
ponto inicial a e um mesmo ponto final tais que α1 α−1 2 ∈ Da,bj , e fj é a função
que atribui a cada [α]∼j o ponto final de α . Como Da,b2 ⊂ Da,b1 , cada classe 
de equivalência [α]∼1 está contida em [α]∼2 e f2 [α]∼2 = α(1) = f1 [α]∼1 ,
pelo que f21 [α]∼2 = [α]∼1 . Com as estruturas complexas em R1 e R2 defi-
nidas na prova de (12.6), f21 : R2 → R1 é um homeomorfismo local e (R2 , f21 )
é um revestimento de (R1 , f1 ) . Logo, (R2 , f2 ) é um revestimento mais forte
do que o revestimento (R1 , f1 ) de S . Q.E.D.
Uma onsequên ia é que a relação de ordem parcial definida nos re-
vestimentos de uma Superfı́cie de Riemann S é a mesma da inclusão dos
correspondentes subgrupos de π1 (S, a) , para qualquer a ∈ S; em particular,
320 Uniformização de superfı́cies de Riemann

o revestimento universal de uma Superfı́cie de Riemann S é o mais forte de


todos os revestimentos de S, ou seja reveste todos os outros revestimentos
de S, o que justi a o nome universal.
Se (R, f ) é um revestimento de uma Superfí ie de Riemann S , hama-se
transformação do revestimento (R, f ) de S a uma transformação on-
forme ϕ de R sobre si próprio tal que f ◦ ϕ = f , ou seja a um homeomorsmo
de R sobre R que preserva as bras do revestimento.
(12.8) Uma transformação de um revestimento de uma Superfı́cie de
Riemann que não seja a identidade não tem qualquer ponto fixo.

Dem. Se (R, f ) é um revestimento de uma Superfı́cie de Riemann S e ϕ é


uma transformação de revestimento tal que ϕ(b) = b , como f é um homeo-
morfismo local, existe uma vizinhança V de b tal que f é um homeomorfismo
de V sobre f (V ) . Se U é uma vizinhança de b tal que ϕ(U ) ⊂ V , para c ∈ U
é f ◦ϕ(c) = f (c) ∈ f (V ) , e, como c, ϕ(c) ∈ V , é c = ϕ(c) . Logo, o conjunto
de pontos fixos de ϕ é aberto. Como ϕ é contı́nua, o limite de qualquer
sucessão convergente de pontos fixos é ponto fixo de ϕ, pelo que o conjunto
de pontos fixos de ϕ é fechado. Como R é conexa, os únicos subconjuntos
de R fechados e abertos são ∅ e R , ou seja não há qualquer ponto fixo ou
todos pontos são fixos, caso em que ϕ é a identidade em R . Q.E.D.
Se (R, f ) é um revestimento de uma Superfí ie de Riemann S , o onjunto
das transformações do revestimento (R, f ) om a omposição é um grupo,
hamado grupo das transformações do revestimento (R, f ) de S .
Chama-se normalizador de um grupo G ao subgrupo N (G) dos elemen-
tos que omutam om todos elementos de G. Chama-se grupo quociente
de um grupo G por um subgrupo D ao subgrupo G/D de G ujos elementos
são os produtos de elementos de D om todos os elementos do grupo.
(12.9) O grupo das transformações de um revestimento (R, f ) de uma
Superfı́cie de Riemann S é, para a ∈ S e b ∈ f −1 ({a}) , isomorfo ao grupo
quociente N (Da,b )/Da,b , em que N (Da,b ) é o subgrupo normalizador do
subgrupo Da,b de π1 (S, a) associado ao revestimento (R, f ) .

Dem. Se α é um caminho fechado com ponto inicial e final a tal que


[α]S,a ∈ N (Da,b ) , define-se, em cada p ∈ R , ϕα (p) o ponto final q do caminho
λ em R com ponto inicial b tal que f◦λ = α◦f◦β, em que β é um caminho em
R com ponto inicial b e ponto final p . Para assegurar que a função está bem
definida é preciso verificar que q assim definido é independente do caminho
β em R de b a p . Se β1 , β2 são caminhos em R de b a p e λ1 , λ2 são os
caminhos em R com ponto inicial b tais que f ◦ λj = α ◦ f ◦ βj para j = 1, 2,
é [(f ◦β1 )(f ◦β2 )−1 ]S,a ∈ Da,b e, portanto, [α(f ◦β1 )(f ◦β2 )−1 α−1 ]S,a ∈ Da,b ,
pelo que λ1 e λ2 têm o mesmo ponto final.
A função ϕα é uma transformação do revestimento (R, f ) de S tal que
12.2 Revestimentos e grupo fundamental 321

ϕα1 α2 = ϕα1 ◦ ϕα2 para α1 , α2 caminhos em S com ponto inicial a tais que
[α1 ]S,a , [α2 ]S,a ∈ Da,b , e ϕα1 é a identidade se e só se [α1 ]S,a ∈ Da,b . Logo,
α 7→ ϕα induz uma função de N (Da,b )/Da,b no grupo das transformações do
revestimento (R, f ) .
Se ϕ é uma transformação do revestimento (R, f ) de S, β é um caminho
em R de b a ϕ(b) e α = f ◦β, ϕα (b) = ϕ(b) , pelo que ϕα ◦ϕ−1 é uma transfor-
mação do revestimento (R, f ) de S com ponto fixo b , pelo que, do resultado
precedente, é a identidade e, portanto, ϕ = ϕα . Logo, toda transformação
do revestimento (R, f ) de S é da forma ϕα com [α]S,a ∈ N (Da,b ) . Q.E.D.
Chama-se revestimento regular de uma Superfí ie de Riemann S a
um revestimento (R, f ) de S tal que N (Da,b ) = π1(S, a) om b ∈ f −1({a}) ,
ou seja π1(S, a) é um subgrupo normal327 de Da,b .
Se (R, f ) é um revestimento regular de uma Superfı́cie de Riemann S,
existe uma transformação ϕα do revestimento (R, f ) correspondente a cada
caminho fechado α em S com ponto inicial e final a , e para cada par de pon-
tos b1 , b2 ∈ R na fibra de a existe uma única transformação do revestimento
(R, f ) que transforma b1 em b2 , ou seja pontos numa mesma fibra de um
revestimento regular de uma Superfı́cie de Riemann são indistinguı́veis. A
propriedade de um revestimento de uma Superfı́cie de Riemann ser regular
é independente dos pontos a, b considerados.
Convém dispor de ondições simples para denir uma função globalmente
numa Superfí ie de Riemann S a partir de famílias de funções denidas lo-
almente em ada onjunto de uma obertura aberta de S . A ondição no
resultado seguinte é para S simplesmente onexa om os elementos da ober-
tura aberta de S onexos, designadamente que as famílias de funções lo ais
em elementos da obertura que se interse tem tenham funções oin identes
na interse ção e as outras funções nessas famílias não assumam um mesmo
valor em qualquer ponto da interse ção.
(12.10) Se S é uma Superfı́cie de Riemann simplesmente conexa,
{Ua }a∈A é uma cobertura aberta de S por conjuntos conexos e Φa é
uma famı́lia de funções definidas em Ua tais que para a ∈ A , ϕa ∈ Φa e
Vab é uma componente conexa de Ua ∩ Ub com b ∈ A :
(i) se ϕb ∈ Φb , ϕa = ϕb em Vab ou ϕa e ϕb tem distintos valores em
cada ponto de Vab ,
(ii) existe ϕb ∈ Φb tal que ϕa = ϕb em Vab ,
então existe uma função ϕ definida em S cuja restrição a cada Ua per-
tence a Φa , para todo a ∈ A ; a função ϕ é univocamente determinada
pelos valores que assume num qualquer dos Ua .

327
Chama-se subgrupo normal N de um grupo G a um subgrupo de G invariante sob conju-
gação por qualquer elemento de G, i.e. gng −1 ∈ N para todo g ∈ G, n ∈ N .
322 Uniformização de superfı́cies de Riemann

Dem. No conjunto de todos pares ordenados328 (p, ϕ) ∈ Ua ×Φa para a ∈ A


considera-se a relação (p, ϕ) ∼ (q, ψ) se p = q e ϕ(p) = ψ(q) , que é uma relação
de equivalência para a qual se designa a classe de equivalência que contém
(p, ϕ) por [(p, ϕ)]∼ , o conjunto de  todas estas classes de equivalência por T
e f : T → S é a função f [(p, ϕ)]∼ = p . Para cada a ∈ A e ϕa ∈ Φa designa-se
o conjunto das classes de equivalência [(p, ϕa )]∼ com p ∈ Ua por U e [a, ϕa ] . f
e
é uma bijecção de U [a, ϕa ] sobre Ua que induz uma topologia em T e, da
condição (i), o espaço topológico correspondente é um espaço de Hausdorff.
Se R é uma componente conexa de T , (R, f ) é um revestimento de S, pois
se [(p, ϕ)]∼ ∈ f −1 (Ua ) , é ϕ ∈ Φb , p ∈ Ua ∩ Ub para algum b ∈ A e, da condição
(ii), existe ψ ∈ Φa tal que ϕ(p) = ψ(p) . Logo, [(p, ϕ)]∼ ∈ U e [a, ϕa ] ⊂ f −1 (Ua ) e
−1
f (Ua ) = ∪ϕa ∈Φa U e [a, ϕa ]. Cada conjunto U e [a, ϕa ] é aberto e conexo e, da
condição (i), os conjuntos que correspondem a diferentes ϕa são idênticos
ou disjuntos, pelo que são as componentes conexas de f −1 (Ua ) , e destas as
que pertencem a R são as componentes conexas de f −1 (Ua ) ∩ R . Portanto,
(R, f ) é um revestimento de S.
Como S é simplesmente conexa, (R, f ) tem só uma folha, f : R → S é
bijectiva e f −1 (Ua ) = U e [a, ϕa ] para ϕa ∈ Φa . Se Ua ∩ Ub 6= ∅ , ϕa e ϕb
coincidem em Ua ∩ Ub e, portanto, definem uma função ϕ em S. Para obter
a função determinada pelos valores que assume num especı́fico Ua0 basta
escolher para R a componente conexa de T que contém U e [a, ϕa ] . Q.E.D.
O espaço de um revestimento de uma Superfí ie de Riemann é uma Su-
perfí ies de Riemann tal que a proje ção do revestimento é holomorfa.
(12.11) Se (R, f ) é um revestimento de uma Superfı́cie de Riemann  S,
R é uma Superfı́cie de Riemann com cartas Ua ∩ f −1 (Vb ), f ◦ ϕa , em
que (Vb , ϕb ) são cartas de S tais que f (Ua )∩Vb 6= ∅ , ϕa ∈ H(Vb , C) e a
restrição de f a Ua é um homeomorfismo sobre f (Ua ), para a ∈ A , b ∈ B,
com {Ua }a∈A e {Vb }b∈B coberturas
 abertas de, resp., R e S. A estrutura

analı́tica de R que contém Ua ∩ f −1 (Vb ) , f ◦ ϕa : a ∈ A , b ∈ B é a
única tal que f : R → S é holomorfa.
Diz-se que R com esta estrutura analı́tica é a Superfı́cie de Rie-
mann definida pelo revestimento (R, f ) de S.

Dem. {Ua ∩ f −1 (Vb ) : a ∈ A , b ∈ B} é uma cobertura aberta de R . Se


X= [Ua ∩ f −1 (Vb )] ∩ [Ua′ ∩ f −1 (Vb′)] 6= ∅ , é [ϕb′ ◦f|X ] ◦ [ϕb ◦f|X ]−1= ϕb′ ◦ ϕ−1
b

em ϕb f (X) . Como S é uma Superfı́cie de Riemann, ϕb′ ◦ϕ−1 b é uma trans-
formação conforme de ϕb (Vb ) em C . Logo, as cartas consideradas para R
definem uma estrutura analı́tica em R para a qual f é holomorfa. A unici-
dade desta estrutura analı́tica resulta da composição de funções holomorfas
ser holomorfa e, portanto, se (W, ψ) é uma carta de uma estrutura analı́tica
para R e Y = Ua∩f −1 (Vb ) ∩ W6= ∅ , para alguns a ∈ A e b ∈ B, e f é holomorfa
328
Não se especificaram conjuntos de chegada das funções Φa por serem irrelevantes.
12.2 Revestimentos e grupo fundamental 323

também nesta estrutura analı́tica, então ϕb◦f◦(ψ|Y )−1 é holomorfa, pelo que
(W, ψ) pertence à estrutura analı́tica anteriormente considerada. Q.E.D.
Tem parti ular interesse o aso de Superfí ies de Riemann denidas por
revestimentos universais (R, f ) de Superfí ies de Riemann, em que R é sim-
plesmente onexa que, omo se verá nas duas se ções a seguir om o Teorema
de Uniformização, é onforme a C , C∞ ou B1.
Se X, Y são Superfí ies de Riemann e f ∈ H(X, Y ) não é onstante,
hama-se ı́ndice de ramificação de f em P ∈ X , designado e (f ) à ordem
do zero de f −f (P ) em P . Diz-se que P ∈ X é um ponto de ramificação
P

ou ponto crı́tico de f se e (f ) > 1 ( orrespondem a pontos em que as


derivadas das funções omplexas denidas a partir de f através de artas
P

de X e Y são nulas). Chama-se valores crı́ticos de f aos valores de f em


pontos ríti os.
Se X, Y são Superfı́cies de Riemann, X é compacta e f ∈ H(X, Y ) não é
constante, o conjunto dos pontos crı́ticos de f e o conjunto Σ ⊂ Y de valores
crı́ticos de f são finitos. Por apli ação do Teorema de Rou hé às funções
omplexas denidas a partir de f através de artas de X e Y , X \f −1(Σ) , f
é um revestimento de f (X)\Σ com d ∈ N folhas e
X
eP (f ) = d , Q ∈ f (X) ,
P ∈f −1 ({Q})
e hama-se a d o grau da função holomorfa f .
O pro esso de a partir de uma função holomorfa de uma Superfí ie de
Riemann ompa ta X numa Superfí ie de Riemann Y obter um revestimento
de f (X) ⊂ Y menos os valores ríti os de f pode ser invertido omo se segue.
(12.12) Dada  uma Superfı́cie de Riemann S, F ⊂ S finito e um revesti-
e
mento R, p de S\F com d ∈ N folhas, existe uma Superfı́cie de Riemann
R⊃R e com estrutura analı́tica que estende a de R e , no sentido das res-
e
trições de cartas a R (i.e. substituindo vizinhanças de coordenadas pelas
e e sistemas de coordenadas pelas resp. restrições
resp. intersecções com R
e e existe
a estas vizinhanças de coordenadas) ser a estrutura analı́tica de R,
uma função f ∈ H(R, S) própria (i.e. com preimagens de subconjuntos
compactos em S subconjuntos compactos em R) tal que f|Re = p .

Dem. Se (U, g) é uma carta de S tal que U ∩ F = {P } , g(P ) = 0 e


ϕ(U ) = B1 ⊂ C , designa-se por V1 , . . . , Vm as componentes conexas de
p−1 U \ {P } . Cada (Vj , p|Vj ) é um revestimento de U \ {P } com um no
P 
finito de folhas dj tais que mj=1 dj = d , e Vj , ϕ ◦ p|Vj é um revestimento de

B1 \ {0} com dj folhas. O grupo fundamental π1 B1 \ {0}, a de B1 \ {0}
com base num ponto a ∈ B1 \ {0} é (Z, +) , pelo que, para ponto base
b ∈ Vj na fibra que se projecta em a o revestimento Vj , g ◦ p|Vj de B1\{0}
está associado a um subgrupo Da,b de π1 B1 \{0}, a (ver (12.6)). Um  re-
vestimento de B1\ {0} associado ao mesmo subgrupo é B1\ {0}, pj com
324 Uniformização de superfı́cies de Riemann

pj (z) = z dj . Logo, existe um homemomorfismo Ga,b de B1\{0} em Vj tal que


g ◦ p|Vj ◦ Ga,b = pj (Figura 12.3). As possı́veis dj escolhas de b ∈ (p|Vj )−1 ({a})
dão os possı́veis homeomorfismos Ga,b , e para b′ , b ∈ (p|Vj )−1 ({a}) os corres-
pondentes homemomorfismos estão relacionados por Ga,b′ (z) = Ga,b (ζz), em
que ζ é uma raiz dj complexa da unidade. Pode-se estender o revestimento

Vj , g ◦ p|Vj de B1 \{0} a um revestimento Vj ∪ {P ′ }, G−1 a,b ◦ pj de B1 em
que P ′ é o valor em 0 da extensão contı́nua de Ga,b a 0 . Obtém-se assim
uma Superfı́cie de Riemann R e ∪ {P ′ } que estende R e no sentido enunciado
−1 −1 e ′
tal que com fP,j = g ◦ Ga,b ◦ pj e fP : R ∪ {P } → S cuja restrição a cada

Vj ∪ {P ′ } coincide com fP,j , para j = 1, . . . , m , tem-se fP ∈ H R e ∪ {P ′ }, S

com eP ′ (fP ) = d , e R,e fP é um revestimento de S ∪ {P } .
Procedendo assim sucessivamente para cada ponto de F obtém-se uma
Superfı́cie de Riemann R e uma extensão f ∈ H(R, S) de p como pretendido.
A restrição de p a cada folha de R e é uma função injectiva sobre S \F
com inversa contı́nua, pelo que a restrição de f à união de uma folha do
revestimento R, e p com os pontos de f −1 (F ) no seu fecho também é uma
função injectiva com inversa contı́nua. Portanto, intersecções da preimagem
por f de um subconjunto K compacto em S na união de cada uma das
folhas do revestimento R, e p com os pontos de f −1 (F ) no resp. fecho são
subconjuntos compactos de R , cuja união f −1 (K) é uma união finita de
conjuntos compactos em R , pelo que é um conjunto compacto em R . Q.E.D.

Ga,b
0

B1

pj (z) = zdj

g(P)

B1

e com (R,
Figura 12.3: Extensão de Superfı́cie de Riemann R e p) revestimento
e
de S \F , S Superfı́cie de Riemann e F finito a R ∪{P } para P ∈ F

Uma onsequên ia deste resultado é que a toda urva algébri a am pode
ser asso iada de modo natural uma Superfí ie de Riemann ompa ta.
12.3 Método de Perron em Superfı́cies de Riemann 325

(12.13) Se Γ ⊂ C2 é uma curva plana afim e p : Γ → C é tal que p(z, w) = z,


existem um conjunto finito F ⊂ C tal que, com X = Γ\ p−1 (F ) , (X, p|X )
é um revestimento de C\F com n ∈ N folhas, uma Superfı́cie de Riemann
compacta S ⊃ X com estrutura analı́tica que estende a de X no sentido de
(12.12) e f ∈ H(S, C∞ ) tais que f|X = p|X . Chama-se a S a Superfı́cie
de Riemann compacta da curva plana afim Γ.

Dem. A 1a afirmação é simplesmente uma reinterpretação do que foi estabe-


lecido na 1a metade da prova de (11.7), designadamente que se a curva plana
afim é Γ = {(z, w) ∈ C2 : P (z, w) = 0} com P um polinómio de duas variáveis
complexas irredutı́vel, existe um conjunto finito F ⊂ C tal que Γ0 = Γ\(F×C)
é uma variedade analı́tica complexa de dimensão 1 com d “folhas” sobre o
plano z , em que d é o grau de P (z, w) em w, pois isso corresponde a afirmar
que (X, p|X ) é um revestimento de C \ F com d folhas. A 2a afirmação é
consequência imediata da 1a e de (12.12). Q.E.D.

12.3 Método de Perron em superfı́cies de


Riemann
A subharmoni idade de funções omplexas é invariante sob transformações
onformes, pelo que se pode onsiderar em Superfí ies de Riemann.
Chama-se famı́lia de Perron numa Superfí ie de Riemann S a um
onjunto V de funções subharmóni as em S , ex epto possivelmente num
onjunto de pontos isolados em que assumem qualquer valor de R∪{−∞},
tal que v1, v2 ∈ V ⇒ max{v1 , v2 } ∈ V , e toda função ve harmóni a em Ω ⊂ S
aberto e ontínua em Ω que oin ide em S\Ω om uma v ∈ V perten e a V .
De (9.33), se S é uma região em C , V é uma família de Perron em Ω e
a restrição da função u : Ω → R tal que u(x) = supv∈V v(x) a ∂Ω é limitada,
u é harmóni a em Ω . Deixa-se omo exer í io provar que também é assim
para Superfí ies de Riemann não planas.
Se S é uma Superfí ie de Riemann, onsiderando para um p0 ∈ S um
sistema de oordenadas ψ denido numa vizinhança de oordenadas de S
que ontém p0 e tal que ψ(p0 ) = 0 , designa-se por Vp o onjunto de funções
v : S → R tal que v é subharmóni a em S \{p0 }, anula-se  fora de um sub-
0

onjunto ompa to de S e satisfaz p→plim v(p)−log |ψ(p)| < +∞ ; Vp é uma0

família de Perron. Se v ∈ Vp e supv∈V v é majorada, e, portanto, harmóni a,


0

diz-se que g(p, p0 ) = supv∈V v(p) é uma função de Green da Superfí ie de


0

Riemann S om pólo em p0 . A propriedade de lim onsiderada, e, portanto,


a denição de função de Green om pólo em p0 , é independente do sistema
de oordenadas ψ adoptado.
Se g é uma função de Green com pólo em p0 , lim g(p, p0 ) = +∞ e
p 7→ g(p, p0 ) não é constante, pois se Br0 (0) está ontido no ontradomínio
p→p0

do sistema de oordenadas ψ, om v0 : S → R tal que v0(p) = log r0−log |z(p)|


326 Uniformização de superfı́cies de Riemann

se |z(p)| < r0 e v0 = 0 em S \Br , é v0 ∈ Vp e, portanto, g(p, p0 ) ≥ v0(p) .


Do Teorema de Weierstrass de extremos de funções ontínuas, uma função
0 0

de Green assume um mínimo e omo funções harmóni as não têm máximos


ou mínimos relativos a não ser que sejam onstantes (ver exer í io 9.7) e as
funções de Green não podem ser onstantes, não existem funções de Green
em Superfı́cies de Riemann compactas.
Diz-se que uma Superfí ie de Riemann é aberta se não é ompa ta. Pode
ser ompa ti ada a res entando-lhe um ponto ∞ ujas vizinhanças são os
sub onjuntos de S om omplementares em S ompa tos.
Para S uma Superfí ie de Riemann aberta e K ⊂ S ompa to om S \K
onexo, onsidera-se o onjunto VK de funções v : S \K → R subharmóni as
e ≤ 1 em S \K om lim v(pn ) ≤ 0 quando pn → ∞ , {pn } ⊂ S . É imediato
que VK é uma família de Perron e uK (x) = supv∈V v(x) dene uma função
harmóni a de S em [0, 1] . Se int K 6= ∅ , p0 ∈ ∂ int K e ψ é um sistema de
K

oordenadas de uma vizinhança de oordenadas U de S que ontém p0 tal


que ψ(p0 ) = 0 om ψ(U ) = B1 (0) , existem z0 ∈ B1(0) e δ > 0 tais que
Bδ (z0 ) ⊂ ψ(K ∩ U ) , B2δ (z0 ) ⊂ B1 (0) , B2δ (z0 )\ψ(K ∩ U ) 6= ∅ .
A função v(p) = log1 2 log |z(p)−z

0|
se δ < |z(p)−z0 | < 2δ e v(p) = 0 aso ontrário
para p ∈ S \K perten e a VK e não é identi amente nula, pelo que uK > 0 .
Do Prin ípio de Máximo para funções harmóni as, uK não pode assumir
um valor máximo a não ser que seja onstante. Logo, tem-se a alternativa:
uK (S \ K) ∈ ]0, 1[ ou uK = 1 em S \ K . No 1o aso diz-se que uK é uma
medida harmónica de K e no 2o que não existe medida harmóni a de K .
Se S é uma Superfí ie de Riemann aberta, K ⊂ S é ompa to e S \K é
onexo, o Princı́pio de Máximo é válido em S \K se para toda função
u harmóni a e majorada em S \K , lim u(p) ≤ 0 ⇒ u ≤ 0 em S \K .
p→K

(12.14) Se S é uma Superfı́cies de Riemann aberta, são equivalentes:


1. Existe função de Green g(p, p0 ) de S para todo p0 ∈ S;
2. Existe medida harmónica de K para todo compacto K ⊂ S;
3. O Princı́pio de Máximo não é válido em S\K com K ⊂ S compacto.

Dem. Designa-se 1p0 , 2K e 3K as resp. condições para p0 e K especı́ficos.


( 1p0⇒3K , se p0∈K): Se g(p, p0 ) é função de Green, do teorema de Weiers-
trass para extremos de funções contı́nuas em conjuntos compactos, tem um
mı́nimo m em K e é g(p, p0 ) em S\K. Se 3K falhasse, seria g(p, p0 ) ≥ m em
S \K, em contradição com g(p, p0 ) não poder assumir máximo em int S\{p0 }.
( 2K ⇒ 1p0 , se p0 ∈ int K): Sejam U ⊂ K uma vizinhança de coordenadas
de S que contém p0 com sistema de coordenadas ψ tal que ψ(p0 ) = 0 e
o contradomı́nio de ψ é B1 (0) , e Kj = ψ −1 Brj (0) para j = 1, 2 , com
0 < r1 < r2 < 1 . Se existe medida harmónica de K também existe de Kj ,
j = 1, 2 . Se v pertence à famı́lia de Perron Vp0 , também v += max(v, 0) ∈ Vp0 .
Verifica-se v + ≤ (maxK1 v + ) uK1 numa vizinhança de ∞ e em ∂K1 ; logo,
12.3 Método de Perron em Superfı́cies de Riemann 327

também em S \ K1 , e max∂K2 v + ≤ (max∂K1 v + )(max∂K2 uK1 ) . Como a


função p 7→ v + (p)+ (1+ ε) log |ψ(p)| definida em K2 com ε > 0 é ≤ 0 numa
vizinhança de p0 , assume um valor máximo em ∂K2 e
max v + +(1+ε) log r1 ≤ max v + +(1+ε) log r2 .
∂K1 ∂K2
Logo,
max v + ≤ 1−max1∂K u log rr21 .
∂K1 2 K1
Portanto, v + e v são majoradas em ∂K1 , e existe função de Green g(p, p0 ) .
e ⊂ S): Se K
( 3K ⇒ 2Ke , para todos compactos K, K e ⊂ K, u ≤ 1 é harmónica
em S \K e satisfaz lim u(p) ≤ 0 , e v ∈ VKe , é u+ v ≤ 1 em S \K. Se não
p→K
existe medida harmónica de K, e v ∈ V e pode ser escolhida arbitrariamente
K
próxima de 1, pelo que u ≤ 0 em S \K e o Princı́pio de Máximo é válido em
S \K. Se K e * K, considera-se K b ⊂ S compacto tal que int K b ⊃ K ∩K
e eu
b
como anteriormente. Do Princı́pio de Máximo em S \ K, é u ≤ max∂ Kb u em
b e, portanto, u ≤ max b u em S \ K.
S \ K, b Se fosse max b u > 0 , também
∂K ∂K
seria u ≤ max∂ Kb u em Kb \K, e u assumiria o máximo em S \K num ponto
b logo num ponto de int (S \K), em contradição com o Princı́pio de
de ∂ K,
Máximo clássico. Portanto, u ≤ 0 em ∂ K. b Aplicando o Princı́pio de Máximo
b b
separadamente a K \K e S \ K obtém-se u ≤ 0 em S \K.
A conjugação das três implicações dá as equivalências. Q.E.D.
Em onsequên ia deste resultado, se existe uma função de Green ou uma
medida harmóni a para um, resp., pólo ou sub onjunto ompa to de uma
Superfí ie de Riemann, existe para todos.
A uma Superfí ie de Riemann aberta que satisfaz as ondições do re-
sultado pre edente hama-se Superfı́cie de Riemann hiperbólica e aso
ontrário hama-se Superfı́cie de Riemann parabólica. A uma Superfí-
ie de Riemann ompa ta hama-se Superfı́cie de Riemann elı́ptica.
As Superfí ies de Riemann B1 , C e C∞ são, resp., hiperbóli a, parabóli a
e elípti a. As Superfí ies de Riemann parabóli as têm várias propriedades
de Superfí ies de Riemann ompa tas, omo por exemplo a seguinte.
(12.15) Uma função harmónica u ≥ 0 numa Superfı́cie de Riemann
parabólica S é constante.

Dem. Se p1 , p2 ∈ S, aplicando o Princı́pio de Máximo à função harmónica


−u ≤ 0 em S\{pj } para j = 1, 2 obtém-se −u(p2 ) ≤ −u(p1 ) ≤ −u(p2 ) . Q.E.D.
É útil dispor das propriedades seguintes de funções de Green.
(12.16) As funções de Green numa Superfı́cie de Riemann S satisfazem:
1. g(p, p0 ) > 0 ;
2. inf p∈S g(p, p0 ) = 0 ;
3. p 7→ g(p, p0 ) + log |ψ(p)| tem uma extensão harmónica a uma vi-
zinhança de p0 , em que ψ é um sistema de coordenadas numa
vizinhança de coordenadas de S que contém p0 tal que ψ(p0 ) = 0 .
328 Uniformização de superfı́cies de Riemann

Dem. 1. é imediata de Vp0 conter a função 0 .


Se m(r) = maxp∈∂Br (0) g(p, p0 ) , da desigualdade para max∂Kj v + , j = 1, 2,
na prova de (12.14), r 7→ m(r) + log r é uma função crescente e, portanto,
p 7→ g(p, p0 ) + log |ψ(p)| é majorada numa vizinhança de p0 . Se v : S → R
é tal que v(p) = log r0 − log |ψ(p)| se |ψ(p)| < r0 e v(p) = 0 caso contrário,
v ∈ Vp0 . Logo, g(p, p0 ) ≥ log r0 −log |ψ(p)|, pelo que g tem uma singularidade
isolada em p0 numa vizinhança da qual excluindo p0 é limitada. Portanto,
esta singularidade é removı́vel, o que prova 3.
Como p 7→ g(p, p0 )+log |ψ(p)| tem limite finito quando p → p0 , verifica-se
inf p∈S g(p, p0 ) ≤ g(p, p0 ) − (1 − ε)v(p) para ε > 0 e v ∈ Vp0 . Logo,
0 ≤ inf p∈S g(p, p0 ) ≤ 0 , o que prova 2. Q.E.D.

12.4 Teorema de Uniformização


Superfí ies orientáveis homeomorfas podem admitir estruturas onformes di-
ferentes, omo por exemplo B1 ⊂ C e C , mas estas são as úni as estruturas
onformes em superfí ies homemorfas a B1, e C∞ admite uma úni a estru-
tura onforme. Como a existên ia de funções de Green é invariante sob
transformações onformes, uma Superfí ie de Riemann simplesmente onexa
só pode ser onforme a B1 se for hiperbóli a, a C se for parabóli a e a C∞
se for ompa ta. O Teorema de Uniformização estabele e que não há outras
Superfí ies de Riemann simplesmente onexas.
Como, do Teorema de Liouville e do Prin ípio de Módulo Máximo, toda
função holomorfa, resp., de C em B1 ou de C∞ em C é onstante, e 1B , 1C
são funções holomorfas não onstantes de, resp., B1 em C e de C em C∞ ,
1

nenhuma das Superfı́cies de Riemann B1 , C, C∞ é conforme a outra delas.

(12.17) Teorema de Uniformização para Superfı́cies de Riemann


simplesmente conexas: Toda Superfı́cie de Riemann simplesmente
conexa é conforme a B1 , C ou C∞ .
Dem. do Teorema de Uniformização no caso hiperbólico:
Seja S uma Superfı́cie de Riemann simplesmente conexa hiperbólica e
g(p, p0 ) uma função de Green. Cada p ∈ S \ {p0 } tem uma vizinhança Uα
que não contém p0 e é conforme a um circulo aberto de C . Seja hα uma
função harmónica conjugada de g(p, p0 ) em Uα , que é única a menos da
adição de uma constante. A função fα(p) = e−[g(p,p0)+ihα ] é analı́tica em
Uα e é única a menos de multiplicação por um número complexo com valor
absoluto 1. Numa vizinhança de coordenadas Uα0 de p0 existe uma função
harmónica conjugada de p 7→ g(p, p0 ) + log |ψ(p)| , em que ψ é um sistema
de coordenadas definido em Uα0 tal que ψ(p0 ) = 0 . Considera-se a função
fα0 (p) = e−[g(p,p0 )+ihα0 ] se p 6= p0 e fα0 (p0 ) = 0 . As vizinhanças
Uα de cada
ponto p0 ∈ S formam uma cobertura de S. Se Uα ∩ Uβ 6= ∅ , ffαβ é constante e,
portanto, ffαβ é constante em cada componente conexa de Uα ∩Uβ . Mantendo
fα fixa, em cada uma destas componentes a constante arbitrária de fβ pode
12.4 Teorema de Uniformização 329

ser ajustada de modo a fβ = fα . De (12.10), existe uma função analı́tica


p 7→ f (p, p0 ) em S que se anula em p0 e satisfaz log |f (p, p0 )| = −g(p, p0 ) se
p 6= p0 . É |f (p, p0 )| < 1 e f (p, p0 ) = 0 se e só se p = p0 . Resta provar que
p 7→ f (p, p0 ) é injectiva, pois se assim for esta função é uma transformação
conforme de S sobre um região limitada simplesmente conexa de C e do
Teorema do Mapeamento de Riemann, S é conforme a B1 ⊂ C .
Para p1 , p0 ∈ S distintos considera-se F (p) = Tf (p1 ,p0 ) (f (p, p0 )), em que
w−z
Tz (w) = 1−zw são as transformações da secção 9.4. É F (p1 ) = 0 e, como
|f (p, p0 )| < 1 para p ∈ S, F é analı́tica e |F | < 1 em S. Do inı́cio da sub-
secção precedente, cada v ∈ Vp1 é subharmónica em S \{p1 }, é 0 fora de um
compacto K ⊂ S e lim [v(p)−log |ψ1 (p)| ] < +∞ , em que ψ1 é um sistema
p→p1
de coordenadas definido numa vizinhança de coordenadas de S que contém
p1 tal que ψ(p1 ) = 0 . A função p 7→ ψF1(p)(p) tem singularidade removı́vel em p1
e para todo ε > 0 com Gv,ε (p) = v(p) + (1+ε)log|F (p)| é lim Gv,ε (p) = −∞ ;
p→p1
logo, Gε (p) < 0 numa vizinhança V de p1 . Como v é nula fora de K e |F | < 1
em S, é Gv,ε (p) < 0 fora de K. Portanto, Gε < 0 em ∂(K \V ), pelo que, do
Princı́pio de Máximo, para todo v ∈ Vp1 é Gv,ε (p) ≤ 0 em S, e
g(p, p1 )+(1+ε) log |F (p)| = sup v(p)+(1+ε) log |F (p)| ≤ 0 , ε>0 , p∈S .
v∈Vp1

Como ε > 0 é arbitrário, g(p, p1 )+log |F (p)| ≤ 0 e, de g(p, p1 ) =−log |f (p, p1 )|,
é − log |f (p, p1 )|+log |F (p)| ≤ 0 , ou seja |F (p)| ≤ |f (p, p1 )| para p ∈ S. Como
F (p0 ) = f (p1 , p0 ) , é f (p1 , p0 ) ≤ f (p0 , p1 ) , e, como no argumento precedente
se pode trocar p0 com p1 , resulta f (p1 , p0 ) = f (p0 , p1 ) e g(p1 , p0 ) = g(p0 , p1 ) .
Logo, a função p 7→ g(p, p1 )+log |F (p)| ≤ 0 anula-se em p0 , pelo que é uma
função harmónica que assume o valor máximo 0 e, portanto, é identicamente
0, ou seja |F (p)| = |f (p, p1 )| para p ∈ S, pelo que existe θ ∈ R tal que
F (p) = eiθ f (p, p1 ) e é F (p) = 0 se e só se p = p1 , ou seja f (p, p0 ) = f (p1 , p0 ) se
e só se p = p1 , o que prova a injectividade de p 7→ f (p, p0 ) . Q.E.D.

No último parágrafo desta prova obteve-se a propriedade geral de funções


de Green que tem interesse independente do resultado: As funções de Green
numa Superfı́cie de Riemann S satisfazem g(p, q) = g(q, p) para p, q ∈ S.
No aso parabóli o não existe função de Green e onvém substituí-la
por uma função u(p, p0 ) tal que p 7→ u(p, p0 ) é harmóni a em S \ {p0 } e
na vizinhança de p0 omporta-se omo Re ψ(p) 1
, em que ψ é um sistema de
oordenadas denido numa vizinhança de oordenadas de S que ontém p0
tal que ψ(p0 ) = 0 . Podia-se pensar em onstruir u analogamente à onstrução
de g a partir de famílias de Perron, mas esta ideia não pode ser prosseguida
porque não há um modo simples de assegurar que a família não é vazia. Por
isso, segue-se um método dire to que, no essen ial, se deve a C.Neumann329
em 1884 e prossegue om os resultados auxiliares seguintes.
329
Neumann, Carl (1832-1925).
330 Uniformização de superfı́cies de Riemann

Im

z0

Re
-1 R 1
Figura 12.4: Figura auxiliar para a prova de (12.18)

(12.18) Se u é função harmónica em B1 (0) \BR (0) ⊂ C e constante em


∂BR (0) com R ∈ ]0, 1[ , e ωr (u) =max u−min u , existe q : ]R, 1[ → [0, +∞[
∂Br (0) ∂Br (0)
tal que lim q(r) = 0 e ωr (u) ≤ q(r) ω1 (u) .
r→0

Dem. Pode-se supor sem perda de generalidade que o máximo e o mı́nimo


de u em ∂Br (0) são em pontos conjugados, resp., z0 e z0 . Considera-
se a função z7→ u(z) − u(z) , que é harmónica na coroa circular superior
B1 (0)\Br (0) ∩ {z ∈ C : Im z ≥ 0} , anula-se em Br (0)∩{z ∈ C : Im z = 0} e

em B1 (0)\Br (0) ∩{z ∈ C : Im z = 0} , é ≤ ω1 (u) em B1 (0)∩{z ∈ C : Im z = 0}
e é ωr (u) em z0 . u é majorada pela função harmónica em B1 (0) que é ω1 (u)
em ∂B1 (0) ∩ {z ∈ C : Im z > 0} e 0 em {z ∈ C : Im z = 0 : |z| < 1}. Com α o
ângulo definido por ±1−z0 , é ωr (u) ≤ π2 (π−α) ω1 (u) (Figura 12.4). α assume
o valor mı́nimo com r fixo para z0 = ir, pelo que ωr (u) ≤ π4 (arctan r) ω1 (u) ,
de que resulta a estimativa pretendida. Q.E.D.

(12.19) Se ψ é um sistema de coordenadas definido numa vizinhança de


coordenadas de uma Superfı́cie de Riemann parabólica contendo p0 com
ψ(p0 ) = 0 , existe uma única função harmónica
 R ur: S \ψ −1 Br (0) → R tal
1 2π ∂
que ur (p) = Re ψ(p) para p ∈ ∂ψ −1 Br (0) , 0 ∂ρ (ur ◦ψ −1 )(ρeiθ ) dθ = 0 ,

lim ur = u , com u harmónica em S \{p0 }, limitada fora de ψ −1 Br (0)
r→0  1

e tal que lim u(p)−Re ψ(p) =0 .
p→p0

Dem. O método de Perron pode ser aplicado  à famı́lia V de funções v


1
subharmónicas limitadas em S \ψ −1 Br (0) que satisfazem v ≤ Re ψ(p) em
−1

Kr = ∂ψ Br (0) . Do Princı́pio de Máximo, estas funções são uniforme-
mente majoradas, ur (x) = supv∈V v(x) é harmónica e prova-se que ur satisfaz
a condição na fronteira como no método de Perron usual. A unicidade re-
sulta do Princı́pio de Máximo. 
Se D ⊂ S é um domı́nio regular tal que D ⊃ ψ −1 Br (0) e wKr é a medida

harmónicaZde Kr relativamente a D\ψZ−1 Br (0) , é
   
∂wKr ∂wKr
wKr ∂u
∂n
r
−u r ∂n ds = w ∂ur
Kr ∂n −u r ∂n ds ,
Kr ∂D
em que os integrais de linha e as derivadas normais podem se expressas em
coordenadas locais através do sistema de coordenadas ψ. Como wKr é 1 em
12.4 Teorema de Uniformização 331

Kr e 0 em ∂D, ∂w ∂n não muda de sinal em Kr e em ∂D, e, do Princı́pio de


r

Máximo, |ur | ≤ 1r , obtém-se


Z Z Z Z
∂u 1 ∂wK 1 ∂wK 2 ∂wK

∂n ds ≤ r ∂n ds + r ∂n ds = r ∂n ds .
r r r r

Kr Kr ∂D Kr

Expandindo D, como ψ −1 Br (0) não tem medida harmónica, wKr → 1 uni-

formemente numa vizinhança de ψ −1 Br (0) (estendendo wKr com o Princı́-
∂w R
pio de Simetria), e ∂nKr → 0 uniformemente em Kr , pelo que Kr ∂u ∂n
r ds = 0 ,
R 2π ∂  
ou seja 0 ∂ρ (ur ◦ψ −1 )(ρeiθ ) dθ = 0 para ρ = r e, portanto, para qualquer ρ
porque o integral não depende de ρ .
Sem perda de generalidade, o contradomı́nio  do sistema de coordenadas

ψ contém B1 (0). De (12.18), ωρ ur − Re ψ1 ≤ q(ρ) ω1 ur − Re ψ1 e, por-
tanto, ωρ (ur )− 2ρ ≤ q(ρ) [ ω1 ur )+ 2 ] para r < ρ . Do Princı́pio de Máximo

em S \ ψ −1 Br (0) , é ω1 (ur ) ≤ ωρ (ur ) para r < ρ . Logo, ω1 (ur ) ≤ 2q(ρ)+1
1−q(ρ)
para r < ρ . Fixando ρ < 1 e designado o correspondente valor do lado
direito da última
 desigualdade por C, a 1a desigualdade neste perı́odo dá
ωρ ur −Re ψ ≤ (C +2) q(ρ) para r < ρ . O valor médio de Re 1z em circunfe-
1

rências com centro em 0 é nulo e, do parágrafo  precedente, o de ur ◦ ψ −1 é


independente do raio. Logo, o de ur −Re ψ1 ◦ ψ −1 também é nulo e

max ur (p)−Re ψ(p) 1
: |ψ −1 (p)| = ρ ≤ (C +2)q(ρ) , r < ρ .
Portanto,
max{|ur (p)−ur′ (p)| : |ψ −1 (p)| = ρ } ≤ 2(C +2)q(ρ) , r, r ′ < ρ .

Do Princı́pio de Máximo, |ur − ur′ | ≤ 2(C + 2)q(ρ) em S \ψ −1 Br (0) para
r, r ′ < ρ , pelo que ur é uniformemente convergente fora de uma vizinhança
de p0 para uma função u e

max u(p)−Re ψ(p) 1
: |ψ −1 (p)| = ρ ≤ (C +2)q(ρ) .
max{|ur (p)−u(p)| : |ψ −1 (p)| = ρ } ≤ 2(C +2)q(ρ) , r<ρ .
1
Da penúltima desigualdade, lim [u(p) − Re ψ(p) ] = 0 e da última desigual-
p→p0
−1

dade, u é limitada fora de ψ Br (0) . Q.E.D.
Dem. do Teorema de Uniformização no caso parabólico:
O resultado precedente garante para cada p0 ∈ S a existência  de uma
função u harmónica em S\{p }, limitada fora de cada ψ −1 B (0) e tal que
  0 r
1
lim u(p)− Re ψ(p) = 0 , em que ψ é um sistema de coordenadas definido
p→p0
numa vizinhança de coordenadas de S que contém p0 e tal que ψ(p0 ) = 0 .
Nessa vizinhança de coordenadas existe uma função harmónica conjugada
v, única a menos da adição de constantes. De (12.10), existe uma única
função meromorfa em S igual a f = u+iv em cada vizinhança de coordenadas
considerada, para v a função harmónica conjugada de u em nessa vizinhança
de coordenadas com a constante aditiva apropriada, P∞ tal que, em termos de
1 n
um sistema de coordenadas ψ é f (p) = ψ(p) + n=1 cn [ψ(p)] , com {cn }
332 Uniformização de superfı́cies de Riemann

uma sucessão de números complexos e a série convergente. Considerando na


mesma vizinhança de coordenadas que contém p0 o sistema de coordenadas
ψe = −iψ obtém-se analogamente uma função meromorfa P em S quen nessa
vizinhança de coordenadas é da forma fe(p) = ψ(p) i
+ ∞ n=1 bn [ψ(p)] , com
{bn } uma sucessão de números complexos e a série convergente.

Fixando r, como |Re f | = |u| e |Re fe| são limitadas em S \ψ
−1 B (0) ,
r
existe M > 0 tal que |Re f |, |Re fe| ≤ M em S \ ψ −1 Br (0) . Existe p1
suficientemente próximo de p0 tal que Re f (p1 ), Re fe(p1 ) > M , e
 
f (p) 6= f (p1 ) para p ∈ S \ψ −1 Br (0) , Re[f (p)−f (p1 )] < 0 para p ∈ ∂ψ −1 Br (0) ,
e, do Princı́pio
 do Argumento, p1 é o único zero de p 7→ f (p) − f (p1) em
ψ −1 Br (0) e é um zero simples. Verifica-se o mesmo para fe. Portanto,
def f (p) def fe(p)
F (p) = , Fe(p) = ,
f (p)−f (p1 ) fe(p)−fe(p1 )
têm desenvolvimentos em termos de coordenadas locais definidas pelo sis-
tema de coordenadas ψ da forma

X X∞
A−1 e−1
A
−1
(F ◦ψ )(z) = z−z1 + n −1
An (z−z1 ) , (F ◦ψ )(z) = z−z1 + en (z−z1 )n ,
A
n=0 n=0
em que z1 = ψ(p1 ) e {An }, {A en } são sucessões de números complexos e as

séries são convergentes. Para p ∈ S \ψ −1 Br (0) é
|f (p)−f (p1 )|+|f (p1 )| |f (p1 )| |f (p1 )|
|F (p)| ≤ |f (p)−f (p1 )| = 1+ |f (p)−f (p1 )| ≤ 1+ Re f (p1 )−M ,

e, analogamente, |Fe (p)| ≤ 1+


|fe(p1 )|
Re fe(p1 )−M
, pelo que Ae−1 F −A−1 Fe é analı́tica e
majorada em S \ψ −1 Br (0) . Na vizinhança de coordenadas considerada é

X
 
e−1 (F ◦ψ −1 )−A−1 (Fe ◦ψ −1 ) (z) =
A (Ae−1 An −A−1 A
en )(z−z1 )n ,
n=0
que também é analı́tica e majorada. Logo, A e−1 F −A−1 Fe é analı́tica e ma-
jorada em S e, portanto, é igual a uma constante K em S e existe uma
transformação de Möbius T tal que fe= T (f ) . Como
X∞ ∞
X
1
f (p) = ψ(p) + cn [ψ(p)]n , fe(p) = ψ(p)
i
+ bn [ψ(p)]n ,
n=1 n=1
tem de ser fe= if em S. Portanto, f e não apenas  Ref é limitada
 em
S \ψ −1 Br (0) . Sejam M1 ≥ |f | em S \ψ −1 Br (0) e p1∈ ψ −1 Br (0) \{p0 }
tais que |f (p1)| > M1 . F definida como acima para este p1 é majorada em
S\ψ −1 Br (0) . Como no parágrafo precedente, do Princı́pio do Argumento,
F tem uma única singularidade que é um pólo de ordem 1 em p1 .
Designa-se f (p, p0 ) a função definida como indicado para um dado sis-
tema de coordenadas ψ numavizinhança de coordenadas que contém p0 tal
que ψ(p0 ) = 0 e p ∈ ψ −1 Br (0) . Comparando os desenvolvimentos em coor-
denadas locais do sistema de coordenadas ψ de f (p, p1 ) e F (p), ambas com
o pólo de ordem 1 em p1 como única singularidade, é F (p) = af (p, p1 ) + b
com a, b ∈ C constantes, pelo que f (p, p1 ) é a imagem de f (p, p0 ) por uma
12.4 Teorema de Uniformização 333

transformação de Möbius T , como se verifica mesmo que p1 ∈ S não esteja


numa vizinhança de coordenadas de S que contém p0 , pois podem ser in-
termediadas através de uma sucessão de pontos. Se f (p, p0 ) = f (p1 , p0 ) , é
 
f (p, p1 ) = T f (p, p0 ) = T f (p1 , p0 ) = f (p1 , p1 ) = ∞ ,
e, como p1 é o único pólo de p 7→ f (p, p1 ) , p = p1 e esta função é injectiva.
Conclui-se que S é conforme a um conjunto aberto U ⊂ C∞ . Como S não
é compacta, U 6= C∞ . Se fosse # C∞\U ≥ 2 , do Teorema do Mapeamento
de Riemann, S seria conforme a B1 e seria uma Superfı́cie de Riemann
hiperbólica, o que não é o caso. Logo, # C∞\U = 1 , existe q ∈ C∞ tal que
1
U = C∞ \{q} e w 7→ w−q é uma transformação conforme de U em C . Q.E.D.
Se a Superfí ie de Riemann S é ompa ta, podia-se pensar em mostrar
que, para p0 ∈ S , S\{p0 } é uma Superfí ie de Riemann parabóli a, mas não é
simples provar om argumentos topológi os que este onjunto é simplesmente
onexo. Por isso, segue-se o mesmo argumento do aso parabóli o.
Dem. do Teorema de Uniformização no caso campacto:
(12.18) e (12.19) também são válidos neste caso, com provas semelhantes,
mas mais simples porque o Princı́pio de Máximo requerido é o clássico. A
construção da função f (p, p0 ) também é semelhante, assim como a prova
de que é injectiva. O contradomı́nio de p 7→ f (p, p0 ) é um subconjunto
aberto e fechado de C∞ . Como C∞ é um conjunto conexo, os únicos seus
subconjuntos abertos e fechados são ∅ e C∞ . Logo, o contradomı́nio de
p 7→ f (p, p0 ) é C∞ e S é conforme a este conjunto. Q.E.D.
Na denição de Superfí ie de Riemann não se exige que satisfaça o 2o
axioma de numerabilidade, i.e. tenha uma base numerável. A 1a prova de
que toda Superfí ie de Riemann satisfaz esse axioma foi obtida em 1925 por
T. Radó usando triangularizações. A prova do Teorema de Uniformização,
baseada no método de Perron, só usa onstruções lo ais e, portanto, não
pressupõe a validade desse axioma, pelo que pode ser usado para a provar
de modo simples.
(12.20) Teorema de Radó:
Toda superfı́cie de Riemann satisfaz o 2o axioma de numerabilidade.

Dem. Do Teorema de Uniformização, toda Superfı́cie de Riemann simples-


mente conexa é conforme a B1 ou C ou C∞ , em qualquer caso um espaço
topológico que satisfaz o 2o axioma de numerabilidade. No caso de S ser uma
Superfı́cie de Riemann não simplesmente conexa, considerando o seu Reves-
timento Universal, o espaço do Revestimento satisfaz o axioma e, através da
projecção do Revestimento, também S o satisfaz. Q.E.D.
Da 2a se ção deste apítulo, toda Superfí ie de Riemann S tem um reves-
e fe) , em que Se é a úni a Superfí ie de Riemann simples-
timento universal (S,
mente onexa que reveste S , a menos de equivalên ia por transformações
334 Uniformização de superfı́cies de Riemann

onformes. Do Teorema de Uniformização da se ção pre edente, Se é on-


forme a uma das Superfí ies de Riemann B1 ⊂ C , C ou C∞, pelo que se
pode supor que Se é uma destas Superfí ies de Riemann e a orrespondente
proje ção fe: Se → S é uma função analíti a global de Se sobre S .
Um homeomorsmo ϕ : Se → S é uma transformação do revestimento
e fe) de S se fe◦ϕ = fe. Transformações de um revestimento de um Super-
(S,
fí ie de Riemann são transformações onformes e, de (12.8), se não são a
identidade, não têm pontos xos.
Em B1 , C ou C∞ os automorsmos onformes são transformações de
Möbius. Como toda transformação de Möbius de C∞ em C∞ tem um ponto
xo, a úni a transformação de um revestimento (C∞ , f ) de uma Superfí ie de
Riemann S é a identidade. O ponto xo de uma transformação de Möbius de
C em C é ∞ , pelo que as transformações de um revestimento (C, f ) de uma
Superfí ie de Riemann S são as translações ϕ(z) = z+b , om b ∈ C . O ponto
xo de uma transformação de Möbius de B1 em B1 perten e a S 1 = ∂B1 e,
portanto, as transformações de um revestimento (B1 , f ) de uma Superfí ie
de Riemann S são transformações de Möbius hiperbóli as ou parabóli as
az+b
ϕ(z) = bz+a , om a, b ∈ C , |a|2 −|b|2 6= 0 .
De (12.9), o grupo das transformações de um revestimento (R, f ) de uma
Superfí ie de Riemann S é, para a ∈ S e b ∈ f −1({a}) , isomorfo ao grupo
quo iente N (Da,b )/Da,b , em que N (Da,b ) é o subgrupo normalizador do
subgrupo Da,b de π1 (S, a) orrespondente ao revestimento (R, f ) . Nos asos
onsiderados, Da,b = {1} e o grupo das transformações do revestimento (S, e fe)
é isomorfo a π1(S, a) , om a ∈ S . O grupo fundamental é π1 (C∞, a) = {1}
para a ∈ C∞ . Como C∞ é ompa ta também a sua proje ção S é. Do
Teorema de Uniformização, S é onforme a C∞ . π1 (C, a) = {1} para a ∈ C∞
é o grupo das translações no plano eu lidiano. π1 (B1, a) = {1} para a ∈ B1
é o grupo dos movimentos sem pontos xos no plano hiperbóli o, i.e. dos
i los de Lobat hevski (Exer í ios 10-16 e 10.17).
Se (S,e ϕ) é um revestimento de S , ada a ∈ Se tem uma vizinhança U
em orrespondên ia biunívo a om a sua proje ção ϕ(U ) . Se ϕ 6= 1Se e
p ∈ U ∩ ϕ(U ) , existe q ∈ U tal que p = ϕ(q) e fe(p) = fe ϕ(q) = fe(q) , e,
omo fe não tem pontos xos, é fe6= 1Se . Logo, se ϕ é uma transformação de
revestimento que não é a identidade, ada ponto de Se tem uma vizinhança
U tal que U e ϕ(U ) são disjuntos. Quando tal se veri a diz-se que é um
grupo propriamente descontı́nuo.
Se Se é onforme a C , há apenas dois tipos de grupos de transformações
propriamente des ontínuos: (i) o grupo í li o innito gerado por ϕ(z) = z+b ,
b 6= 0 ; (ii) o grupo omutativo gerado por ϕ1 (z) = z+b1 e ϕ2 (z) = z+b2 , em
que b1, b2 ∈ C , bb ∈ C\R . A Superfí ie de Riemann S obtém-se identi ando
2

pontos orrespondentes sob transformações do resp. grupo. Se S tem espaço


1

de revestimento C , no aso (i) é onforme a C \ {0} e no aso (ii) a uma


superfí ie de um toro S 1 ×S 1, em que S 1 = ∂B1 .
12.4 Teorema de Uniformização 335

Em resumo, tem-se o resultado seguinte.


(12.21) Teorema de Uniformização: Toda Superfı́cie de Riemann S
é conforme a uma das Superfı́cies de Riemann
B1 ⊂ C , B1 /G , C∞ , C, C\{0} , S 1 ×S 1 ,
em que a 2a obtém-se identificando pontos correspondentes sob elementos
do grupo G de transformações de Möbius de B1 sobre B1 que, exceptu-
ando a identidade, não têm pontos fixos e cada p ∈ B1 tem uma vizi-
nhança U com U ∩ g(U ) = ∅ para g ∈ G. Nos dois 1o s casos a Superfı́cie
de Riemann é hiperbólica, no 3o elı́ptica e nos outros casos parabólica.

Em onsequên ia, uma Superfı́cie de Riemann que não é homeomorfa a


um plano, a um plano perfurado num ponto, ou à superfı́cie de uma esfera
ou de um toro é hiperbólica. Em parti ular, um ír ulo aberto perfurado
num ponto, uma oroa ir ular aberta ou Superfí ies de Riemann om grupo
fundamental não omutativo são hiperbóli as.
As Superfı́cies de Riemann com grupo fundamental (Z, +) são homeo-
morfas a C\{0} e só podem ser parabólicas ou hiperbólicas, resp., conformes
a C\{0} e a B1 \{0} ou a Br (0)\B1 , ou seja a um cı́rculo aberto perfurado
ou a uma coroa circular aberta.
Outra onsequên ia importante do Teorema de Uniformização Geral é
que a propriedade dos sub onjuntos onexos abertos de C serem uniões nu-
meráveis de onjuntos ompa tos se estende a sub onjuntos de qualquer Su-
perfí ie de Riemann, pois tal veri a-se para B1 , C , C∞ , C\{0} e S 1 ×S 1.
(12.22) Toda Superfı́cie de Riemann S é união numerável de compactos.

Do iní io da se ção pre edente, 1B e 1C são funções holomorfas não


onstantes, das Superfí ies de Riemann B1 (hiperbóli a) e C (parabóli a)
1

nas Superfí ies de Riemann, resp., C e C∞ , e não há funções holomorfas


não onstantes entre estas Superfí ies de Riemann no sentido inverso. Estas
propriedades estendem-se a quaisquer Superfí ies de Riemann.
(12.23) Funções holomorfas de Superfı́cies de Riemann elı́pticas em
parabólicas ou hiperbólicas assim como de Superfı́cies de Riemann para-
bólicas em hiperbólicas são constantes.

Dem. Uma função holomorfa entre Superfı́cies de Riemann dos tipos indica-
dos induz uma função holomorfa entre as Superfı́cies de Riemann dos resp.
revestimentos universais, que são conformes a C∞ , C , B1 para Superfı́cies
de Riemann, resp., elı́pticas, parabólicas, hiperbólicas que, do resultado do
inı́cio da secção precedente referido, são constantes, pelo que também são
constantes as funções holomorfas iniciais. Q.E.D.
336 Uniformização de superfı́cies de Riemann

(12.24) Superfı́cies de Riemann S = C∞\X com #X ≥ 3 são hiperbólicas.

Dem. Para conjuntos compactos K ⊂ S suficientemente grandes, S \K tem


pelo menos 3 componentes conexas, e se S é C, C∞ , C\{0}, S 1 ×S 1 tem,
resp., 1, 0, 2, 0 componentes conexas. Por isso, o resultado segue-se do
Teorema de Uniformização Geral (12.21). Q.E.D.
Os 2 últimos resultados dão a prova alternativa do Pequeno Teorema de
Pi ard para funções inteiras: uma função inteira f que omite pelo menos 2
valores distintos a, b ∈ C pode ser onsiderada da Superfí ie de Riemann pa-
rabóli a C na Superfí ie de Riemann hiperbóli a C\{a, b}; logo, é onstante.
12.5 Geometria de Superfı́cies de Riemann
Em 1872 F.Klein ini iou o hamado Programa de Erlangen de ara terização
de geometrias por invariân ia sob grupos. As geometrias das Superfí ies de
Riemann hiperbóli as, parabóli as e elípti as podem ser ara terizadas dessa
forma, onsiderando os revestimentos universais de ada um destes tipos de
Superfí ies de Riemann om Superfí ies de Riemann, resp., B1 , C e C∞ ,
ara terizadas através de invariân ia sob grupos.
(12.25) O grupo G(S) dos automorfismos conformes numa Superfı́cies
de Riemann simplesmente conexa S é o subgrupo do grupo das transfor-
mações de Möbius normalizadas (isomorfo ao grupo especial linear de
transformações lineares em C2 , SL(2, C), ver exercı́cio 10.17):
1. Se S é conforme a C∞ : o grupo G(C∞ ) de transformações de Mö-
bius T (z) = az+b
cz+d , com a, b, c, d ∈ C tais que ad−bc = 1 módulo mu-
dança de sinal de todos a, b, c, d, que é isomorfo ao grupo especial
linear projectivo P SL(2, C) (P SL(2, C)=SL(2, C)/{±1C2 } com
SL(2, C) o grupo das transformações lineares em C2 com deter-
minante 1), que é variedade diferencial complexa de dimensão 3
(homeomorfa a variedade diferencial real de dimensão 6);
2. Se S é conforme a C : o grupo afim G(C) das transformações
T (z) = az +b , com a, b ∈ C , que é uma variedade diferencial com-
plexa de dimensão 2 (homeomorfa a uma variedade diferencial real
de dimensão 4);
3. Se S é conforme a B1 : o grupo G(B1 ) das transformações de Mö-
z+b
bius T (z) = eiθbz+1 , com b ∈ B1 e θ ∈ [0, 2π[ , que é homeomorfo a
uma variedade real de dimensão 3, o toro B1×∂B1 , e não é uma
variedade diferencial complexa; o grupo G(H) , em que H é o se-
miplano superior complexo aberto, das transformações w 7→ aw+b cw+d ,
com a, b, c ∈ R e ad−bc > 0 , que é isomorfo a P SL(2, R) .

Dem. 1. É imediato que G(C∞ ) contém o grupo de transformações de Mö-


bius indicado e qualquer g ∈ G(C∞ ) é a composição de um elemento de
12.5 Geometria de Superfı́cies de Riemann 337

G(C∞ ) com h ∈ G(C∞ ) tal que g(0) = 0 e g(∞) = ∞ , pelo que h(z) z é uma
w)
função limitada holomorfa de C\{0} em C\{0} . Com z = e , w 7→ g(e
w
ew é
uma função holomorfa em C limitada, pelo que, do Teorema de Liouville, é
constante. Portanto, h(z) = cz com c ∈ C , que é um elemento de G(C∞ ) .
2. Todo automorfismo conforme T em C tende para ∞ em ∞ , pelo que a
singularidade em ∞ é removı́vel e T estende-se a um automorfismo conforme
em C∞ . Logo, G(C) é isomorfo ao subgrupo de G(C∞ ) das transformações
de Möbius normalizadas com ponto fixo ∞ , que é o grupo das transforma-
ções afins em C .
3. É imediato que G(B1 ) contém o grupo de transformações de Möbius
indicado. Por outro lado, se T ∈ G(B1 ) , é
|T (z)| < 1 ⇐⇒ (z+b)(z +b) < (1−bz)(1−bz) ⇐⇒ (1−zz)(1−bb) > 0 ,
pelo que para b ∈ B1 é |T (z)| < 1 ⇔ |z| < 1 e, portanto, T (B1 ) = B1 . Se
T é um automorfismo conforme em B1 e b ∈ B1 é o zero de T , a função
z−b
f (z) = −bz+1 é tal que f (b) = 0 e T ◦f −1 é um automorfismo conforme em
B1 com ponto fixo 0, pelo que, do Lema de Schwarz, T ◦f −1 (z) = eiθ z com
θ ∈ [0, 2π[ , e, portanto, T = eiθ f .
Deixa-se como exercı́cio obter os automorfismos de H dos de B1 através
da transformação conforme de H em B1 , que é a Transformação de Cayley
w 7→ i−w i−z
i+w com inversa z 7→ i i+z . Q.E.D.
É útil ara terizar os elementos de ada grupo de automorsmos on-
formes nas Superfí ies de Riemann C , C∞ , B1 que omutam em termos do
onjunto dos resp. pontos xos.
Para f : X → X , designa-se o conjunto dos pontos fixos de f por
Fix(f ) . Chama-se involução num onjunto X a g : X → X tal que g◦g = 1X .

(12.26) Se G(S) é o grupo dos automorfismos conformes numa Super-


fı́cie de Riemann simplesmente conexa S é o subgrupo do grupo das
transformações de Möbius normalizadas, então:
1. f, g ∈ G(C)\{1C } comutam se e só se Fix(f ) = Fix(g) ;
2. f, g ∈ G(C∞ ) \ {1C } comutam se e só se Fix(f ) = Fix(g) , ou são
involuções com 2 pontos fixos e cada uma a trocar os 2 pontos fixos
da outra; #Fix(f ) ∈ {1, 2} para f ∈ G(C∞ ) ;
3. f, g ∈ G(B1 )\{1C } comutam se e só se FixB1 (f ) = FixB1 (g) , em
que FixB1 (f ) é o conjunto de pontos fixos da extensão de f a
B1 , funções que constituem G(B1) ; G(B1 ) e G(B1) são isomorfos
e FixB1 (f ) é {p} com p ∈ B1 ou {p, q} com p 6= q ∈ B1 .

Dem. 1. Sejam f, g ∈ G(C) . Se Fix(f ) ≥ 2 , como f é afim, é a identi-


dade. Se Fix(f ) = {p} e, como se f, g comutam, é f (Fix(g)) ⊂ Fix(g) e
g(Fix(f )) ⊂ Fix(f ) , também Fix(g) = {p} . As transformações afins com
338 Uniformização de superfı́cies de Riemann

ponto fixo único p são da forma Tc (z) = c(z−p)+p com c ∈ C\{0}. Como
Tc ◦Tk = c [(k(z−p)+p)−p]+p = ck(z−p)+p ,
todas transformações desta forma comutam. Se Fix(f ) = ∅ , é f (z) = z + c
com c ∈ C \ {0} , ou seja f é uma translação diferente da identidade. As
únicas transformações afins que comutam com uma tal translação também
são uma translação diferente da identidade, e todas as translações comutam.
2. Os pontos fixos de transformações de Möbius normalizadas diferentes da
identidade são zeros de polinómios de 2o grau, que têm 1 ou 2 soluções em
C ou há um único ponto fixo ∞ .
Se f, g ∈ G(C∞ )\{1C } comutam e #Fix(g) = 2 , como f (Fix(g)) ⊂ Fix(g)
e f é biunı́voca, é Fix(f ) = Fix(g), pelo que f tem os mesmos 2 pontos fixos
de g ou troca-os, e analogamente para g . Sem perda de generalidade (a
menos da composição com um elemento de G(C∞ ) , consideram-se os pontos
fixos em 0 e ∞ . No 1o caso tanto f como g são transformações lineares
não nulas e todas transformações lineares não nulas comutam. No 2o caso,
como f troca os pontos fixos 0 e ∞ é da forma f (z) = zc com c ∈ C \ {0},
pelo que f ◦f (z) = z , ou seja f é uma involução, e, portanto, com g(z) = kz
e k ∈ C \ {0}, é g ◦ f (z) = kc c 2
z e f ◦ g(z) = kz , ou seja k = 1 e g também é
um involução. Todas involuções f, g das formas f (z) = zc e f ◦ g(z) = kz c
,
2
com c, k ∈ C \ {0} e k = 1 , comutam. Se f, g ∈ G(C∞ ) \ {1C } comutam e
#Fix(g) = 1, como f (Fix(g)) ⊂ Fix(g) e f é biunı́voca, é Fix(f ) = Fix(g),
pelo que f tem o mesmo único ponto fixo de g . Sem perda de generalidade
(a menos da composição com um elemento de G(C∞ ) considera-se o ponto
fixo em ∞ , pelo que f e g são translações diferentes da identidade; todas
translações diferentes da identidade comutam.
3. Todo automorfismo conforme f em B1 (ou B1 ) é uma transformação de
Möbius que se pode estender a uma transformação de Möbius F em C∞ e
comuta com g(z) = z1 . g ◦ F ◦ g é holomorfa e coincide com F em ∂B1 e,
portanto, em C∞ , pelo que F tem um ponto fixo p ∈ B1 se e só se tem um
ponto fixo correspondente em C∞\B1 . Se F ∈ G(C∞ ) fosse uma involução,
F ′ seria −1 nos 2 pontos fixos. Como F (B1 ) = B1 , estes pontos fixos não
poderiam pertencer a ∂B1 , pelo que um deles pertenceria a B1 e o outro a
C∞\B1 . Portanto, outra involução que comutasse com F e trocasse os pontos
fixos não poderia transformar B1 em B1 . Logo, F não é uma involução e,
de 2, G ∈ G(B1) comuta com F se e só se FixB1 (f ) = FixB1 (g) . Q.E.D.
A group homomorphism h of (R, +) to (Aut S, ◦) is alled a one pa-
rameter group of conformal automorphisms de uma Superfí ies de
Riemann S a uma função ontínua .
Apli ando o último resultado anterior pode-se veri ar que uma Super-
fı́cie de Riemann admite um grupo a um parâmetro de automorfismos con-
formes se e só se tem grupo fundamental comutativo.
Do apítulo pre edente, existe uma métri a de Riemann onforme numa
região simplesmente onexa Ω $ C , úni a a menos de multipli ação por uma
12.5 Geometria de Superfı́cies de Riemann 339

onstante positiva. Estas métri as têm urvatura de Gauss onstante K < 0 e


podem ser obtidas através de uma transformação onforme de Ω sobre B1 da
métri a de Poin aré de B1 normalizada om K = −1 , que é ds = 1−|z|2
|dz| .
2

Com revestimentos universais e o Teorema de Uniformização Geral (12.21)


estende-se este resultado para todas Superfí ies de Riemann hiperbóli as (o
que in lui as regiões de C sem pelo menos dois pontos), pois a Superfí ie
de Riemann Se do revestimento universal de uma Superfí ie de Riemann
hiperbóli a S é onforme a B1 e existe uma úni a métri a em S tal que
a proje ção de Se em S é uma isometria que transforma ada sub onjunto
aberto su ientemente pequeno de Se num onjunto aberto de S , em que,
omo Se é onforme a B1 , está denida uma métri a de Riemann, úni a a
menos de multipli ação por uma onstante positiva. A métri a em S denida
por isometrias lo ais om a métri a de Poin aré de B1 tem, tal omo esta
métri a, urvatura de Gauss onstante K = −1 , e é hamada métrica de
Poincaré da Superfí ie de Riemann hiperbóli a S . R
Chama-se comprimento de Poincaré de uma aminho γ em S a γ ds ,
em que ds é a métri a de Poin aré de S . Chama-se distância de Poincaré
na Superfí ie de Riemann hiperbóli a S ao ínmo dS (z, w) dos omprimentos
de Poin aré de aminhos se ionalmente regulares em S que têm pontos
ini ial e nal, resp., z, w . Chama-se geodésica em S a uma urva em S
tal que o omprimento de Poin aré de um aminho se ionalmente regular
simples em S que a des reve é o mínimo dos omprimentos de Poin aré
de todos aminhos se ionalmente regulares simples em S om as mesmas
extremidades, e hama-se caminho geodésico a um tal aminho. Se γ é um
aminho geodési o em S om extremidades z, w, dS (z, w) é o omprimento
de Poin aré de γ .
(12.27) Uma Superfı́cie de Riemann hiperbólica S com uma distância
de Poincaré dS é um espaço métrico completo, as bolas fechadas deste
espaço são conjuntos compactos e para cada par de pontos de S existe
pelo menos uma geodésica que os tem como extremidades.

Dem. Devido à métrica de Poincaré de S ser construı́da com isometrias


locais a partir da métrica de Poincaré de B1 basta provar para S = B1 . Dados
z, w ∈ B1 , considera-se um automorfismo conforme em B1 que transforma
z, w em, resp., 0 e r > 0 , pelo que, com γ um caminho seccionalmente regular
em B1 com extremidades em 0 e r, e ds a métrica de Poincaré de B1 ,
Z Z Z r
2 2 1+r
dB1 (z, w) = dS (0, r) = ds = 1−|z|2 |dz| ≥ 1−x 2 dx = log 1−r ,
γ γ 0
com igualdade se e só se γ ∗ é o segmento de recta de 0 a r. Logo, existe pelo
menos uma geodésica que tem z, w como extremidades (que se w = 0 , é o
segmento de recta com extremidades 0 e z e tem comprimento de Poincaré
dB1 = log 1+|z|
1−|z| ), e o espaço métrico é completo. Como S é uma variedade
de dimensão finita, o espaço métrico é localmente compacto. Q.E.D.
340 Uniformização de superfı́cies de Riemann

Os sub onjuntos abertos simplesmente onexos próprios de C são on-


formes a B1 e as orrespondentes métri as de Poin aré obtêm-se por trans-
formações onformes desses onjuntos sobre B1 . Os sub onjuntos abertos
duplamente onexos de C são onformes a uma oroa ir ular aberta ou a
um ír ulo aberto sem o entro. Nos exemplos seguintes obtêm-se as resp.
métri as de Poin aré e algumas propriedades de geodési as nessas métri as.
(12.28) Exemplos:
1. Métrica de Poincaré de B1\{0}: Se H = R + i [0, +∞[ é o semi-
plano complexo superior e p : H→ B1\{0} é tal que p(z) = eiz , (H, p) é um
revestimento de B1\ {0} . A métrica de Poincaré de B1\ {0} é tal que p é
uma isometria local considerando a métrica de Poincaré de H que, como
1
obtida antes do Lema de Schwarz-Pick (11.15), é dada por Im z |dz| . Com
w = eiz , w = |w|eiArg w , é z = −i(log |w|+iArg w) , Im z = − log |w| e como
dw iz
dz = i e = iw, a métrica de Poincaré de B1 \{0} é dada por
1
|w| | log |w|| |dw| .
Cada geodésica na métrica hiperbólica em B1\ {0} é a imagem por h
de uma geodésica na métrica hiperbólica de H. Como segmentos de recta
verticais em H são geodésicas na métrica de Poincaré de H , as suas imagens
por p , que são segmentos de recta Lr,R,θ = {teiθ : r ≤ t ≤ R} em raios de B1
são geodésicas na métrica de Poincaré R R 1de B1iθ \{0} . RO comprimento de uma
R 1
dessas geodésicas nesta métrica é r t | log |e dt| = r t| log t| dt e, como logpara

′ t|
t > 0 é log | log t| = |t| | log t| , o comprimento da geodésica Lr,R,θ é log log Rr .
1

O comprimento na métrica de Poincaré de B1\ {0} da geodésica que é


um segmento de raio de B 1 entre os pontos a distância r e R de 0 , com
0 < r < R < 1 , é log log R
log r , é independente do argumento do raio e tende
para +∞ quando r ց 0 com R fixo ou quando R ր 1 com r fixo.
O comprimento
R 2π 1 na métrica R de Poincaré2π de B1\{0} de ∂Br (0) com
iθ dθ| = 2π 1
0 < r < 1 é 0 r| log r| |re 0 | log r| dθ = | log r| . Logo, o comprimento na

métrica de Poincaré de B1\{0} de ∂Br (0) com 0 < r < 1 é | log r| e tende para
0 quando r ց 0 e para +∞ quando r ր 1 .
A área da coroa circular BR (0) \ Br (0) , com 0 < r < R < 1 na métrica
R 2πR R 1

de Poincaré de B1\{0} é 0 r |t|2 | log t|2
t dtdθ = 2π | log1 R| − | log1 r| , e tende

para ∞ quando R ր 1 com r fixo e para | log R| quando r ց 0 com R fixo.
2. Métrica de Poincaré de BR (0)\Br (0) com 0 < r < R < 1 : Duas
coroas circulares abertas em C são conformes se e só se o quociente dos raios
das circunferências que a delimitam Rr > 1 é o mesmo. Logo, para uma dada
coroa circular existe uma única outra que lhe é conforme que é simétrica
em relação à circunferência com o mesmo centro e raio p 1, expressa pela
transformação z 7→ z1 , que é Cρ = Bρ (0)\B1/ρ (0) com ρ = R/r > 1 . A faixa
vertical do plano complexo Fb = ]−b, b [+i R com b = log ρ e p(z) = ez definem
um revestimento (Fb , p) da coroa circular Cρ , pelo que p é uma isometria local
π
considerando as métricas de Poincaré de Fb e de Cρ . A função s 7→ z = i ei 2b s
12.5 Geometria de Superfı́cies de Riemann 341

é uma transformação conforme de Fb sobre o semiplano complexo superior


1
H . Recordou-se no exemplo 1 que a métrica de Poincaré de H é Im z |dz| .
π
 dz π
π i 2b s
Como Im z = cos 2b Re s e ds = − 2b e , a métrica de Poincaré de Fb
π/(2b)
é cos([π/(2b)]Re s) |ds| , com w = e , w = |w| eiArg w , é s = log |w| + iArg w e
s

Re π2 sb = π2 logb|w| e, como dw s
ds = e = w, a métrica de Poincaré de Cρ é
π
π log |w| |dw| .
2(log ρ) |w| cos 2 log ρ
O comprimento nesta métrica de Poincaré da circunferência euclidiana com
centro em 0 e raio r é Z 2π
π2
π
π log r |ireiθ | dθ = π log r .
2(log ρ) r cos (log ρ) cos
2 log ρ 0 2 log ρ
Circunferências euclidianas com centro em 0 ∂Br (0) na coroa circular Cρ
simétricas por invariância sob z 7→ 1z têm o mesmo comprimento na métrica
π2
de Poincaré de Cρ e assumem o valor mı́nimo estrito log ρ na circunferência
com raio 1 ∂B1 (0) , crescem estritamente à medida que o raio da circunfe-
rência ∂Br (0) se afasta de 1 nos dois sentidos e tendem para +∞ quando
rց 0 ou quando rր 1 . ∂Br (0) é uma geodésica na métrica de Poincaré de
Cρ se e só se r = 1 .
Podem-se obter métri as de Riemann em Superfí ies de Riemann para-
bóli as ou elípti as de modo semelhante.
(12.29) Toda Superfı́cie de Riemann S admite uma métrica de Rie-
mann conforme, que tem curvatura de Gauss constante, negativa, nula
ou positiva, conforme S é hiperbólica, parabólica ou elı́ptica, e é única a
menos de multiplicação por uma constante positiva nos casos hiperbólico
e parabólico, mas não no caso elı́ptico. O espaço métrico S com uma
distância de Poincaré dS é completo e localmente compacto.
Dem. No caso hiperbólico o resultado foi estabelecido acima e a constru-
ção de métricas de Riemann para os casos parabólico e elı́ptico a partir de
métricas de Riemann na Superfı́cie de Riemann do revestimento universal
é análoga, assim como a obtenção das propriedades enunciadas. No caso
parabólico a Superfı́cie de Riemann do revestimento universal é conforme a
C , que tem uma única métrica de Riemann a menos de multiplicação por
uma constante positiva, que é a métrica euclidiana canónica em C . No caso
elı́ptico a Superfı́cie de Riemann do revestimento universal é conforme a
2
C∞ , que admite a métrica esférica normalizada ds = 1+|z| 2 |dz| , que tem

curvatura de Gauss K = 1 e é induzida por projecção estereográfica a partir


da métrica euclidiana no plano C contradomı́nio da projecção estereográfica.
O correspondente grupo de isometrias que preservam a orientação, conside-
rando a Superfı́cie Esférica de Riemann mergulhada em R3 com centro na
origem, é o grupo ortogonal especial SO(3) das rotações em torno da origem
em R3 , que é muito menor do que o grupo G(C∞ ) dos automorfismos con-
formes de C∞ , pois como variedades diferenciais reais têm, resp., dimensões
3 e 6, e, portanto, a métrica considerada está longe de ser única. Q.E.D.
342 Uniformização de superfı́cies de Riemann

Outras métri as úteis para Superfí ies de Riemann elípti as são as ons-
truídas a partir da métri a dada por omprimentos de ordas em C∞
2|z−w|
d(z, w) = √ = 2 sin δ(z,w)
2 ,
(1+|z|2 )(1+|w|2 )
em que δ é a distân ia esféri a normalizada em C∞ .
A métri a de Poin aré de Superfí ies de Riemann hiperbóli as é útil por
distân ias de Poin aré não aumentarem om funções holomorfas.
(12.30) Teorema de Pick para Superfı́cies de Riemann:
Se R, S são Superfı́cies de Riemann hiperbólicas com distâncias
 de Poin-
caré, resp., dR e dS , e f ∈ H(R, S) , então dS f (z), f (w) ≤ dR (z, w) para
z, w ∈ R e, em alternativa:
1. f é uma transformação conforme de R sobre S e uma isometria
nas métricas de Poincaré de R e de S.
2. (R, f ) é um revestimento de f (S) , f não é injectiva e é uma iso-
metria local não global nas métricas de Poincaré e a desigualdade
acima é igualdade se z, w são suficientemente próximos.
3. f contrai estritamente distâncias de Poincaré, uniformemente em
cada compacto K ⊂ R com pelo menos dois pontos.

Dem. Do Lema de Schwarz-Pick (11.15), se R = S = B1 , em alternativa, f :


(i) contrai estritamente as distâncias de Poincaré, ou (ii) é um automorfismo
conforme em B1 . No 2o caso como a métrica de Poincaré de B1 é invariante
sob automorfismos conformes f é uma isometria nessa métrica. No 1o caso
verifica-se a alternativa 3 do enunciado e no 2o caso a 1.
Se R, S são quaisquer Superfı́cies de Riemann hiperbólicas, as métricas
de Poincaré de R e S são definidas a partir da métrica de Poincaré de B1
com revestimentos universais, resp., (R, e g) de R e (S,
e h) de S, em que R ee
e
S são conformes a B1 , com homeomorfismos conformes, resp., hRe : B1 → R e
e de modo a terem-se isometrias locais. Do Lema de Levanta-
e hSe : B1 → S,
mento (12.5), se a ∈ R , q ∈ Se e b = f (a) = h(q) , existe um único levantamento
F : R → Se de f com F (a) = q . Como h é um homeomorfismo local, con-
siderando a inversa local h−1 da restrição de h a uma vizinhança V de q
e uma vizinhança U de a tal que F (U ) ⊂ V , a restrição de F a U satisfaz
F = f ◦ h−1. Como a restrição de h a V é uma isometria, esta restrição e a
sua inversa h−1 são holomorfas, pelo que F é holomorfa em U . O argumento
pode ser repetido substituindo a por qualquer a′ ∈ R e q por q ′ = F (a′ ) , U, V
por vizinhanças correspondentes de, resp., a′ e q ′ , e, portanto, F : R → Se é
holomorfa. Logo, h−1 ◦F◦ g ◦hRe : B1 → B1 também é holomorfa. Do parágrafo
Se
precedente, a distância de Poincaré entre pares de pontos de B1 decresce
ou mantém-se por aplicação desta função. Diminuindo as vizinhanças se
necessário, g, h, hRe , hSe são isometrias nas métricas de Poincaré nas corres-
pondentes vizinhanças e, portanto, a distância de Poincaré entre pares de
pontos em cada U ′ decresce ou mantém-se por aplicação de f = h ◦ F , ou
12.5 Geometria de Superfı́cies de Riemann 343

seja, localmente, f contrai ou mantém distâncias entre pares de pontos. A


distância de Poincaré entre quaisquer pares de pontos de R ou de S é o
mı́nimo dos comprimentos de Poincaré de caminhos seccionalmente regu-
lares em, resp., R ou S com extremidades nesses pontos, que é o integral
da função constante
 1 na resp. métrica sobre os resp. caminhos. Por isso,
dS f (z), f (w) ≤ dR (z, w) para z, w ∈ R .
Do 1o parágrafo desta prova, h−1 ◦F ◦g ◦hRe : B1 → B1 , em alternativa:
Se
(i) contrai estritamente distâncias de Poincaré, ou (ii) é um automorfismo
conforme de B1 e uma isometria na métrica de Poincaré. Na alternativa (i),
f contrai distâncias de Poincaré entre qualquer par de pontos em R , que
é a alternativa 3 do enunciado. Na alternativa (ii) f é localmente injectiva
e, de (6.11), a inversa da restrição de f a uma vizinhança de um qualquer
ponto em que é injectiva é holomorfa, pelo que é um homeomorfismo local,
e f : R → S é sobrejectiva, e, portanto, (R, f ) é um revestimento de S. Se
f é injectiva, é um homeomorfismo conforme de R sobre S e uma isometria
nas métricas de Poincaré de R e S, que é a alternativa 1 do enunciado. Se
f não é injectiva, é uma isometria
 local mas não global, e.g. se f (z) = f (w)
com z 6= w , é dS f (z), f (w) = 0 < dR (z, w) .
Resta provar que na alternativa 3 do enunciado a contracção estrita de
distâncias de Poincaré por aplicação de f é uniforme em cada conjunto
compacto K ⊂ R . Como a distância de Poincaré entre quaisquer pares
de pontos de R ou de S é o mı́nimo dos comprimentos de Poincaré de
caminhos seccionalmente regulares em, resp., R ou S com extremidades
nesses pontos, que é o integral da função constante 1 na resp. métrica sobre
os resp. caminhos, dR : R2 → R e dS : S 2 → R são funções contı́nuas. Se
K ⊂ R é um conjunto compacto com pelo menos dois pontos, K 2 também é
compacto, pelo que a função D : K 2 → R tal que D(z, w) = dS (f (z),f (w))
dR (z,w) <1
se z 6= w e D(z, w) = 0 se z = w é contı́nua, dado que a aplicação de f
contrai estritamente distâncias entre pares de pontos. Logo, do Teorema de
Weierstrass de extremos de funções contı́nuas, D assume um valor máximo
M < 1 em K 2 , pelo que dS (f (z), f (w)) ≤ M dR (z, w) , ou seja f contrai
estritamente distâncias de Poincaré uniformemente em K . Q.E.D.
Este resultado tem a onsequên ia importante seguinte.
(12.31) Se S é uma Superfı́cie de Riemann hiperbólica e R $ S é uma
região, então dS (z, w) < dR (z, w) para z 6= w, z, w ∈ R , ou seja dis-
tâncias entre pontos distintos com métricas de Poincaré de Superfı́cies
de Riemann maiores são menores do que com métricas de Poincaré de
Superfı́cies de Riemann nelas contidas propriamente.
Dem. É imediato do resultado anterior com f : R → S tal que f (z) = z , pois
verifica-se a alternativa 3 desse resultado. Q.E.D.
A noção de família normal de funções omplexas holomorfas num sub on-
junto de C estende-se imediatamente a funções holomorfas de uma Superfí ie
344 Uniformização de superfı́cies de Riemann

de Riemann R numa Superfí ie de Riemann ompa ta S . Contudo, se S não


é ompa ta, onvém adoptar uma denição um pou o mais elaborada.
Diz-se que uma su essão {zn } numa Superfí ie de Riemann S é di-
vergente de S se para ada onjunto ompa to  K⊂ S existe N ∈ N tal
que zn ∈/ K para n ≥ N . Por exemplo, a su essão n n∈N é divergente de
i

H = {z ∈ C : Im z > 0} e é onvergente para 0 em H . Diz-se que uma


su essão {fn } ⊂ H(R, S) é uniformemente divergente de S em sub-
conjuntos compactos se para ada par de onjuntos ompa tos KR ⊂ R
e KS ⊂ S existe n ∈ N tal que fn (KR ) ∩ KS = ∅ para n ≥ N . Diz-se que
F ⊂ H(R, S) é uma famı́lia normal se toda su essão em F tem uma sub-
su essão que é onvergente para um elemento de F ou é divergente de S
uniformemente em sub onjuntos ompa tos de R .
(12.32) Normalidade de famı́lias de funções holomorfas entre
Superfı́cies de Riemann hiperbólicas: Se R, S são Superfı́cies de
Riemann hiperbólicas, toda famı́lia F ⊂ H(R, S) é normal.

Dem. Sejam dR , dS as métricas de Poincaré de, resp., R, S e r0 ∈ R, s0 ∈ S.


Considera-se 1o o caso em que {f (r0 ) : f ∈ F } está incluı́do em algum
conjunto compacto KS ⊂ S. De (12.22), toda Superfı́cie de Riemann é uma
união numerável de conjuntos compactos, e, como subconjuntos compactos
de um espaço métrico são totalmente limitados330 , as Superfı́cies de Riemann
são espaços métricos separáveis, ou seja qualquer Superfı́cie de Riemann tem
um subconjunto denso numerável. A prova que neste caso F é normal é
análoga às provas das partes de suficiência dos teoremas de Arzelà-Ascoli
(10.5) e de Montel (10.6) e deixa-se como exercı́cio.
No caso de {f (r0 ) : f ∈ F } não estar incluı́do em qualquer  compacto
KS ⊂ S, existe uma sucessão {fn } em F tal que dS fn (r0 ), s0 → +∞ . Do
Teorema de Pick para Superfı́cies de Riemann (12.30), {fn } é uniformemente
divergente de S em subconjuntos compactos de R .
Dos dois parágrafos precedentes obtém-se que F é normal. Q.E.D.

Uma onsequên ia importante é que se R $ S são Superfí ies de Riemann


ompa tas, distân ias de Poin aré em R onstantes en olhem para 0 numa
distân ia de Poin aré de S quando pontos se aproximam da fronteira de R
em S , omo se prova a seguir. Convergên ia de uma su essão de onjuntos
 n }n∈N ⊂ R to z ∈ S numa distân ia dS em S signi a
{X que a su essão
supx∈X dS (x, z) n∈N onverge para 0 , designado Xn → {z} .
d S
n

Em onsequên ia do resultado pre edente obtém-se o seguinte para a


métri a de Poin aré de uma Superfí ie de Riemann hiperbóli a R om fe ho
numa Superfí ie de Riemann qualquer S , perto de ∂R .
330
Ver apêndice I.
12.5 Geometria de Superfı́cies de Riemann 345

z4 z3 z2

z z1
R S

Figura 12.5: Bolas Br (zn ) com o mesmo raio r em métrica de Poincaré


de Superfı́cie de Riemann hiperbólica R com fecho incluı́do em Superfı́cie
de Riemann S, perto de ∂R (com {zn } ⊂ R e zn → ∂R)

(12.33) Métrica de Poincaré perto da fronteira de Superfı́cie de


Riemann hiperbólica contida noutra Superfı́cie de Riemann:
Se R $ S são Superfı́cies de Riemann hiperbólicas com distâncias de
Poincaré,resp., dR , dS, e {zn }n∈N ⊂ R é tal que lim zn = z ∈ ∂R na
distãncia dS , então as bolas-dR BrdR (zn ) com raio r > 0 fixo convergem
para {z} quando n → +∞ . Se o fecho de R é subconjunto compacto de
S com distância dS , o diâmetro-dS de B δR (zn ) (δn = sup{δ(x, y) : x, y ∈
B δR (zn )}), então lim δn= 0 (Figura 12.5).

Dem. Se R e é o revestimento universal de R , por composição da projecção


e
P : R → R com uma transformação conforme h de B1 sobre R e apropriada
pode-se ter uma função de revestimento fn = P ◦ h : B1 → R com fn (0) = zn e
BrR (zn ) ⊂ R pode ser identificada com fn BrB1 (0) ⊂ B1 .
Para cada conjunto compacto K ⊂ R suficientemente grande, cada com-
ponente conexa de S \K é uma superfı́cie de Riemann hiperbólica. Existe
N ∈ N tal que os contradomı́nios das restrições de B1
 fn a Br (0) estão in-
cluı́dos em S \K , pelo que, de (12.32), fn |B B1 (0) n≥N é uma famı́lia nor-
r
mal. Se todos zn pertencem a um mesmo subconjunto compacto de S
(e.g. se {zn } é convergente), existe uma subsucessão de fn |B B1 (0) uniforme-
r
mente convergente em subconjuntos compactos de BrB1 (0) para uma função

f ∈ H BrB1 (0), S\K . Como este argumento pode ser aplicado substituindo
r por r+1 , existe uma subsucessão de fn B1 uniformemente convergente
Br (0) 
em BrB1 (0) . Se f não fosse constante, o subconjunto f BrB1 (0) de S \K
seria aberto, pelo que teria de intersectar R . Como a distância de Poincaré
de um ponto de R a ∂R é ∞ , se K ⊂ R é compacto, rK é o diâmetro de
K e k0 ∈ K , então BrRk+r (k0 ) é um conjunto compacto contido em int R e
para n ∈ N suficientemente
 grande BrR (zn ) ⊂ R\K, pelo que BrR (zn ) ∩ K = ∅ .
B
Logo, f Br (0) ∩ K = ∅ ; como, de (12.22),
1 R é uma união numerável
B

de subconjuntos compactos, f Br (0) ∩ R = ∅ , em contradição com a
1

conclusão do perı́odo precedente. Portanto, f é constante em BrB1 (0) .


346 Uniformização de superfı́cies de Riemann

Conclui-se que uma subsucessão de fn |B B1 (0) converge uniformemente para


r
uma função que só assume
como valores um ponto, pelo que existe uma
subsucessão de BrR (zn ) que converge uniformemente para z .

Resta provar que BrR (zn ) e não apenas uma sua subsucessão converge
para z . A sucessão com termos dn que são os diâmetros das bolas BrR (zn )
na distância δ em S converge para 0 , pois caso  contrário existiria
uma
subsucessão {dnj } minorada por um m > 0 tal que fnj |B B1 (0) convergiria
r
uniformemente para uma função constante, o que é impossı́vel. Q.E.D.
Com este resultado e o Teorema de Pi k para Superfí ies de Riemann
obtém-se o resultado seguinte para su essões de funções holomorfas de uma
Superfí ie de Riemann R numa Superfí ie de Riemann S que são unifor-
memente divergentes de S em sub onjuntos ompa tos, mas não de uma
Superfí ie de Riemann T ⊃ S .
(12.34) Se R, S, T , S ⊂ T são Superfı́cies de Riemann, toda sucessão
{fn } ⊂ H(R, S) uniformemente divergente de S, mas não de T , em sub-
conjuntos compactos de R tem uma sucessão uniformemente convergente
em subconjuntos compactos de R para uma constante de R em ∂S.

Dem. Existem compactos KR ⊂ R e KT ⊂ T tais que fn (KR )∩KT 6= ∅ para


infinitos valores de n ∈ N . Existe uma subsucessão {fnj } e uma sucessão de
pontos knj ∈ KR tais que fnj(knj ) converge para algum L ∈ KT .
Se R, S são hiperbólicas, como KS tem diâmetro finito na métrica de
Poincaré de R , do resultado precedente e do Teorema de Pick para Super-
fı́cies de Riemann, fnj (K) → L . Do resultado precedente, {fnj } é uniforme-
mente convergente em subconjuntos compactos de R para a função constante
que assume o valor L ∈ ∂S em KR .
Se R, S não são hiperbólicas, pode-se escolher uma vizinhança hiperbó-
lica R0 de KR com fecho compacto e uma Superfı́cie de Riemann hiperbólica
S0 que é o complementar de um subconjunto compacto de S em S. Do pa-
rágrafo precedente, existe uma subsucessão de {fn |R0 } que é uniformemente
convergente em subconjuntos compactos de R0 e o resultado é válido porque
R0 ⊂ S pode ser arbitrariamente grande. Q.E.D.
Em onsequên ia obtém-se o resultado seguinte sobre famílias normais de
funções de uma Superfí ie de Riemann em Superfí ies de Riemann in luídas
uma na outra uja prova se deixa omo exer í io.
(12.35) Se R, S, T são Superfı́cies de Riemann e S ⊂ T , FS ⊂ H(R, S)
é uma famı́lia normal se e só se FT ⊂ H(R, T ) é, em que FT é a famı́lia
das funções em FS consideradas como funções de R em T .

Combinando este resultado om (12.32) e om a Superfí ie de Riemann


ser hiperbóli a se a, b, c ∈ C∞ são distintos, obtém-se a extensão
C∞\{a, b, c}
12.6 Teorema de Riemann-Roch 347

seguinte do Teorema de Montel-Carathéodory (11.29) a funções holomorfas


denidas em Superfí ies de Riemann hiperbóli as.
(12.36) Teorema de Montel-Carathéodory para funções defini-
das em Superfı́cies de Riemann hiperbólicas: Se S é uma Super-
fı́cie de Riemann hiperbólica, qualquer famı́lia de funções holomorfas de
S em C∞ com contradomı́nios em C∞\{a, b, c}, em que a, b, c ∈ C∞ são
distintos, é normal.

O Teorema de Um Quarto de Koebe (10.39) pode ser expresso em termos


de métri a de Poin aré omo se segue.
(12.37) Teorema de Um Quarto de Koebe em métrica de Poin-
caré: Se Ω ⊂ C é uma região simplesmente conexa, a métrica de Poin-
1
caré ρ(z) |dz| de Ω não se afasta da métrica |z| |dz| mais de um factor
1 2
de 2, ou seja 2|z| ≤ ρ(z) ≤ |z| para z ∈ Ω .

Dem. Aplica-se o Teorema de Um Quarto de Koebe (10.39) a uma transfor-


mação conforme de B1 sobre Ω tendo em conta que a métrica de Poincaré
de B1 na origem é 2 |dz| . Q.E.D.

12.6 Teorema de Riemann-Roch


Viu-se no apítulo pre edente que a lasse de funções holomorfas de uma
Superfí ie de Riemann S em C é radi almente reduzida se S é ompa ta,
pois onsiste nas funções onstantes. Para funções meromorfas também há
uma redução radi al se S é uma Superfí ie de Riemann ompa ta. Como
os pólos são pontos isolados e S é ompa ta, o onjunto de pólos de uma
função meromorfa de S em C é nito, mas a redução ainda é mais drásti a
pois xando os pontos em que a função tem zeros ou pólos, o espaço das
funções meromorfas de S em C om majorantes das ordens de ada um dos
zeros ou pólos prexadas é um espaço linear de dimensão nita determinada
pelos majorantes das ordens dos zeros e pólos e pelo género da Superfí ie de
Riemann através de uma fórmula estabele ida pelo Teorema de Riemann-
Ro h, que se prova nesta se ção331 . Por exemplo, as funções meromorfas em
C∞ om no máximo um pólo simples na origem e sem zeros isolados em C
são as funções a+ zb om a, b ∈ C , que formam um espaço linear omplexo de
dimensão 2. Tal omo na prova do Teorema de Uniformização na penúltima
se ção anterior, na prova do Teorema de Riemann-Ro h que se apresenta
aqui usa-se o Método de Perron da se ção que ante ede a referida.
Para espe i ar a lo alização de zeros e pólos de uma função meromorfa
numa Superfí ie de Riemann S e atribuir-lhes as respe tivas ordens, basta
331
Seguem-se partes de notas de T. Tao (1975-) disponı́veis no blog que mantém na Internet.
Tao, Terence (1975-), laureado com a Medalha Fields em 2006 por contribuições para equações
diferenciais parciais, análise harmónica e teoria de números aditiva.
348 Uniformização de superfı́cies de Riemann

dar um onjunto de pares ordenados de ada um desses pontos om um


número inteiro positivo ou negativo onforme o ponto é um zero ou um pólo
que é a ordem do zero e o simétri o da ordem do pólo.
Chama-se divisor numa Superfí ie de Riemann ompa ta S a um on-
junto DP = {(P, nP )}P ∈P ⊂ S×Z omPP ⊂ S nito, que na notação lássi a,
que aqui se adopta, se es reve DP = P ∈P nP P . Chama-se grau do di-
visor DP em P ∈ P a degP D = nP e diz-se que o grau de P DP num
ponto de S fora de P é 0 , e grau do divisor DP a deg DP = P ∈P nP
e suporte do divisor DP a supp DP = {P ∈ P : nP 6= 0} . Designa-se
o onjunto dos divisores de S por Div(S) . Diz-se que o divisor DP é um
divisor efectivo ou divisor não negativo se nP ≥ 0 para P ∈ P . Considera-
se em Div(S) a ordem par ial
P D ≥ D ′ tal quePD +(−D ′ ) é um divisor não
negativo, em que se D = P ∈P nP P , é −D = P ∈P (−nP )P .
Se S é uma Superfı́cie de Riemann compacta, Div(S) é um grupo comu-
tativo com a adição
X X X
mP P + nP P = (mP +nP )P .
Se S é uma Superfí ie
P ∈P 1
deP ∈P
Riemann ompa ta
2

P e f ∈ M (S)\{0}, hama-se
P ∈P ∪P 1 2

divisor principal de f ao divisor div(f ) = P ∈P ordP (f )P , em que P é a


união dos onjuntos de zeros e de pólos de f e ordP (f ) é a ordem do zero de
f em P ou o simétri o da ordem do pólo de f em P ∈ S , onven ionando-se
ordP (f ) = 0 se P não é zero nem pólo de f , e ordP (0) = +∞ se P ∈ / S.
Designa-se PDiv(S) o onjunto dos divisores prin ipais de funções mero-
morfas em S . Se D é umdivisor em S , designa-se
LS (D) = f ∈ C ∪{∞} : f = 0 ou (f ∈ M (S)\{0} e div(f )+D ≥ 0) .
S

Por exemplo, se S é uma Superfí ie de Riemann ompa ta e P, Q, R são


pontos distintos de S , LS (3P +1Q−2R) é o onjunto das funções meromorfas
em S om no máximo um pólo de ordem 3 em P e um pólo simples em Q ,
e no mínimo um zero de ordem 2 em R .
Diz-se que dois divisores numa Superfí ie de Riemann ompa ta S são
equivalentes se a sua diferença é um divisor prin ipal de uma função me-
romorfa em S não nula. Esta é uma relação de equivalên ia em Div S ;
à orrespondente lasse de equivalên ia que ontém um divisor D em S
hama-se classe do divisor D , designada D+PDiv(S) . O onjunto
Div(S)/PDiv(S) das lasses de divisores em S é um grupo omutativo, a
que se hama grupo das classes de divisores em S .
(12.38) Exemplo:
(z−z1 ) ··· (z−zm )
Uma função complexa racional f (z) = c (z−w 1 ) ··· (z−wn )
, com c ∈ C \ {0},
m, n ∈ N ∪ {0} e z1 , . . . , zm ∈ C possivelmente com repetições mas distintos
de w1 , . . . , wn ∈ C que também podem ter repetições, é meromorfa em C∞
com ordem de um zero ou pólo em ∞ dada por P|n−m| (se
Peste número é 6= 0 ),
m n
pelo que o divisor principal de f é div(f ) = j=1 zj − j=1 wj +(n−m)∞ ,
e o grau de div(f ) é 0 .
12.6 Teorema de Riemann-Roch 349

Se S é uma Superfı́cie de Riemann compacta e f, g ∈ M (S) , para P ∈ S:


(i) ordP (f g) = ordP (f ) + ordP (g) ;

(ii) ordP fg = ordP (f ) − ordP (g) ;
(iii) ordP (f +g) ≥ min{ordP (f ), ordP (g)};
e se f ∈ M (S) , então:
1. div(f g) = div(f ) + div(g) ;

2. div fg = div(f ) − div(g) ;
3. div(f +g) ≥ min{div(f ) , div(g)};
PDiv(S) é um subgrupo do grupo Div(S) .
Destas propriedades, se D, D′ são divisores numa Superfı́cie de Riemann
compacta S, LS (D) é um espaço linear complexo e:
f ∈ LS (D), g ∈ LS (D ′ ) =⇒ f g ∈ LS (D+D ′ ) , D ≤ D ′ =⇒ LS (D) ⊂ LS (D ′ ) ,
D ≤ 0 , f ∈ LS (D) =⇒ f ∈ H(S, C) , f é onstante (de (11.10)),
D < 0 , f ∈ LS (D) =⇒ f = 0 , dim LS (D) = 0 (de (11.10) e todo f ter zero),
LS (0) = {funções onstantes em S}, dim LS (0) = 1 ;
f, g ∈ M (S) e div f ≤ div g =⇒ existe c ∈ C tal que f = c g e div f = div g .

(12.39) Se D, D ′ são divisores numa Superfı́cie de Riemann compacta


S, P ∈ S e f ∈ M (S) :
1. LS (D) ⊂ LS (D+1P ) , e
dim LS (D) = dim LS (D+1P )−1 ou dim LS (D) = dim LS (D+1P ) .
2. Os espaços lineares LS (D) têm dimensão finita.
3. Acrescentando um pólo a f ∈ M (S) , dim div(f

) cresce 1 ou 0 . 
4. dim LS (D)+ dim LS (D′ ) ≤ dim LS min{D, D′ } + dim LS max{D,
 D′ } .
5. F : h 7→ hf é um isomorfismo de LS (D) em LS D+div(f ) .
Dem. 1. Seja ϕ : U → C um sistema de coordenadas de S com P ∈ U e
ϕ(P ) = 0 , e nP o grau de D em P . Se f ∈ LS (D+1P ) ,

X
−1
 cnP +1−k
f ◦ϕ (z) = z nP +1−k
, com cnP +1 , cnP , . . . ∈ C .
k=0
f 7→ cnP +1 é uma transformação linear de LS (D+1P ) em C com caracterı́stica
0 ou 1 e núcleo LS (D) , pelo que se verifica a condição enunciada.
2. É imediata de 1 e de dim LS (D) = 0 se D < 0 .
3. É consequência imediata de 1.
4. Resulta de para subespaços lineares X, Y de um espaço linear ser
dim X +dim Y = dim X ∩ Y + dim X ∪ Y , e de 
LS (D) ∩ LS (D ′ ) = LS min(D, D ′ ) , LS (D) ∪ LS (D ′ ) = LS max(D, D ′ ) .
P P
5. Se D = P ∈PD nP P e div(f ) = P ∈Pf kP P , é h = 0 ⇔ F (h) = 0 e, de
 
div F (h) +D + div(f ) = div fh +D + div(f ) = div(h) + D ,

também div(h)+D ≥ 0 ⇔ div F (h) +D+div(f ) ≥ 0 . Logo,

h ∈ LS (D) ⇔ F (h) ∈ LS D+div(f ) ,
e F é uma bijecção de LS (D) sobre LS D + div(f ) . Se h1 , h2 ∈ LS (D) e
c ∈ C , é F (h1 +h2 ) = h1 +h
f
2
= F (h1 ) + F (h2 ) , F (ch1 ) = cF (h1 ) . Q.E.D.
350 Uniformização de superfı́cies de Riemann

De 5 neste resultado, se S é uma Superfı́cie de Riemann compacta, D, D′


são divisores equivalentes em S se e só se dim LS (D) = dim LS (D ′ ) .
Os divisores numa Superfí ie de Riemann ompa ta têm as propriedades
adi ionais seguintes.
(12.40) Se D é um divisor numa Superfı́cie de Riemann compacta S:
1. deg D < 0 =⇒ dim LS (D) = 0 .
2. Para P ∈ S e n ∈ N∪{0} é dim LS (nP ) = n+1 .
3. dim LS (D) > 0 ⇐⇒ D é equivalente a um divisor ≥ 0 .
4. deg D = 0 =⇒ dim LS (D) = 0 ou dim LS (D) = 1, e este último
se e só se D é um divisor principal de uma função f ∈ M (S)\{0}.
Além disso, todo elemento não nulo de LS (D) tem divisor −D .
5. deg D ≥ 0 =⇒ dim LS (D) ≤ 1+deg D .

Dem. Deixa-se como exercı́cio. Q.E.D.


Como as funções meromorfas em C∞ são as funções omplexas ra ionais
estendidas a ∞ e, do Exemplo (12.38), o divisor de uma função meromorfa
em C∞ é 0 , dois divisores em C∞ são equivalentes, ou seja diferem de um
divisor principal de uma função meromorfa em C∞ , se e só se têm o mesmo
grau. Logo, D 7→ deg D é um isomorfismo do grupo Div(C∞ )/PDiv(C∞ ) das
classes de divisores em C∞ no grupo Z com a adição usual.

(12.41) Exemplo (Teorema de Riemann-Roch para C∞ ):


Se D < 0 é um divisor em C∞ , é deg D ≤ −1 e dim LC∞ (D) = 0 . Se D ≥ 0
e P ∈ C , existe n ∈ N∪{0} tal que D é equivalente ao divisor principal nP
e como deg nP = n, do parágrafo precedente, deg D = n. Do antepenúltimo
parágrafo precedente, dim LC∞ (nP ) = n + 1 . Logo, se D é um divisor em
C∞ , é dim LC∞ (D) = max{0, 1+deg D} . Portanto, se D, K são divisores em
C∞ com deg K = −2 , é
deg D ≥ −1 =⇒ deg(K −D) ≤ −1 , dim LC∞ D = 1+deg D
=⇒ dim LC∞ (K −D) = 0 , dim LC∞ (D)+dim LC∞ (K −D) = 1+deg D .
deg D < −1 =⇒ deg(K −D) ≥ 0 , dim LC∞ D = 0
=⇒ dim LC∞ (K −D) = 1+deg(K −D) = 1−K−deg D = −(1+deg D) ,
dim LC∞ D = 0 , dim LC∞ (D)+dim LC∞ (K −D) = 1+deg D .
Logo, se D, K são divisores em C∞ e deg K = −2 , é sempre
dim LC∞ (D) − dim LC∞ (K −D) = deg D + 1 ,
que é o caso particular do Teorema de Riemann-Roch para C∞ .
Embora as noções de função meromorfa numa Superfí ie de Riemann,
pólo e ordem de zeros ou pólos tenham sido em termos das mesmas noções
para as funções de variável omplexa através de sistemas de oordenadas,
pois são invariantes om sistemas de oordenadas diferentes, as noções de
12.6 Teorema de Riemann-Roch 351

resíduo de uma função meromorfa num pólo, integral de uma função ao


longo de um aminho ou derivada de uma função meromorfa não podem
ser denidas simplesmente em termos das mesmas noções para funções de
variável omplexa através de sistemas de oordenadas, pois transformam-se
de a ordo om a regra de derivação da função omposta. A noção de forma-1
meromorfa é a apropriada nestes asos.
Uma forma-1 meromorfa numa Superfí ie de Riemann S é um on-
junto ω de funções meromorfas ωa denidas na vizinhança de oordenadas
Ua de ada arta (Ua , ϕa ) de um atlas de S , designado por {ωa (za ) dza } , tais
que se (Ua , ϕa ) , (Ub , ϕb ) são artas om vizinhanças de oordenadas Ua , Ub
que se interse tam, veri a-se a condição de compatibilidade
 
−1 ′
ωb (zb ) = ωa ϕa ◦ ϕ−1
b (zb ) ϕa ◦ ϕb (zb ) , zb ∈ Ua ∩ Ub .

O onjunto de todas formas-1 meromorfas em S designa-se M Ω1(S) . Se


todas as funções ωa são holomorfas, diz-se que ω é uma forma-1 holomorfa
em S . Dene-se a ordem de uma forma-1 ω em S em ada ponto P ∈ S
por ordP (ω) = ordϕ (P ) (ωa) , em que (Ua , ϕa ) é uma arta de S tal que
P ∈ Ua , que, da ondição de ompatibilidade, é a mesma para todas possíveis
a

artas. Diz-se que P é um zero (resp., pólo) de ordem n da forma-1 ω em


S se n = ordP (ω) > 0 (resp., −n = ordP (ω) < 0 ). Dene-se analogamente o
divisor da forma-1 ω em S , designado div ω . Divisor canónico em S
é um divisor de uma forma-1 não nula em S .
Se ω = {ωa (za ) dza } é uma forma-1 meromorfa numa Superfí ie de Rie-
mann S om atlas {(Ua , ϕa )}) e γ : [a, b] → S é um aminho se ionalmente
regular numa vizinhança de oordenadas Ua de uma arta (Ua , ϕa ) de S
que não passa em qualquer pólo deR ω , dene-se
R o integral da forma-1
meromorfa ω no aminho γ por γ ω = ωa (z) dz , que devido à ondi-
ção de ompatibilidade e ao teorema de mudança de variável de integração
ϕ◦γ

é independente da arta onsiderada om uma vizinhança de oordenadas


que in lua a urva γ ∗. Para aminhos γ que des revem
R urvas não ontidas
numa só vizinhança de oordenadas, dene-se γ ω pela soma de integrais
em aminhos tais que ada aminho está ontido numa das vizinhanças de
oordenadas e γ é a on atenação desses aminhos, que devido à aditivi-
dade de integrais em relação ao aminho de integração é independente da
on atenação de aminhos onsiderada.
O resı́duo uma forma-1 meromorfa ω = {ωa(za ) dza } numa Superfí ie
de Riemann S om atlas {(Ua , ϕa )} num ponto P ∈ Ua é o resíduo de ωa em
ϕa (P ) . Da ondição de ompatibilidade é independente da arta.
Uma forma-1 meromorfa numa Superfı́cie de Riemann S pode ser especi-
ficada numa vizinhança de coordenadas em que a condição de compatibilidade
acima seja satisfeita pois, do Teorema de Uni idade de Funções Analíti as,
 a determinada univo amente em todas vizinhanças de oordenadas.
352 Uniformização de superfı́cies de Riemann

Há três maneiras simples de riar formas-1 meromorfas:


1. O diferen ial df de uma função f ∈ M (S) , que avaliado numa arta
(Ua , ϕa ) de S é denida por (df )a dza = (f ◦ϕ−1a ) (za ) dza .

2. A multipli ação de uma função f ∈ M (S) por uma forma-1 mero-


morfa em S , que avaliada numa arta (Ua , ϕa ) de S é denida por
(f ω)a dza = (f ◦ϕ−1a ) (za ) ωa (za ) dza .

 )
3. ∂(u◦ϕ∂x
) −1
−i∂(u◦ϕ
∂y d(x+iy) , em que u : S → R é uma função harmóni a
−1

om valores reais, i.e. para ada arta (U, ϕ) de S u◦ϕ−1 : ϕ(U ) → R é


uma função armóni a de variável omplexa; neste aso, é uma forma-1
holomorfa332 (e.g. onsiderando a função harmóni a u(x, y) = x2 − y2
em C obtém-se a forma-1 holomorfa 2(x+ iy) d(x+ iy) , i.e. 2z dz na
Superfí ie de Riemann C ).
Se ω1, ω2 são formas-1 meromorfas numa Superfí ie de Riemann, a soma
de formas-1 meromorfas ω1 +ω2 dene-se da maneira natural e se, adi-
ionalmente, ω2 não é identi amente 0 , pode-se denir o quociente das
formas-1 meromorfas ωω omo a úni a função f ∈ M (S) tal que ω1 = f ω2 .
1

Supondo que existe alguma forma-1 meromorfa 6= 0 numa Superfí ie de


2

Riemann S (o que é sempre o aso, omo é provado mais à frente), o con-


junto M Ω1 (S) das formas-1 meromorfas numa Superfı́cie de Riemann S
com corpo de escalares M (S) é um espaço linear de dimensão 1 .
Se f ∈ M (S)\{0}, ω1, ω2 ∈ M Ω1(S)\{0} e ω2 6= 0 ,
div (f ω) = div (f ) + div (ω) , div ωω21 = div (ω1 ) − div (ω2 ) .
(12.42) Exemplo: A extensão da função complexa f (z) = z a C∞ é uma
função meromorfa que tem um zero simples em
 z = 0 , e um pólo simples em
z = ∞ porque com z = w1 a função w 7→ f w1 = w1 tem um pólo simples em
w = 0 .Como dz = − w12 dw , a forma-1 meromorfa dz em C∞ tem um pólo de
ordem 2 em ∞ , pelo que div(dz) =(−2) ∞ . As outras formas-1 meromorfas
em C∞ são g(z) dz com g ∈ M C∞ , ou seja g uma função complexa racional
estendida a ∞. Como o grau de div(g) é 0 (ver Exemplo (12.38)), verifica-
se div g(z) dz = div (g) + div (dz) = (−2) ∞ , e o divisor de toda forma-1
g(z) dz não identicamente 0 em C∞ tem grau −2.

(12.43) Se S é uma Superfı́cie de Riemann compacta:


1. A soma dos resı́duos de qualquer forma-1 meromorfa ω em S é 0 .
2. O grau do divisor principal de qualquer f ∈ M (S)\{0} é 0 .

Dem. 1. Em cada vizinhança de coordenadas de S o integral de ω num


caminho de Jordan que não contorne qualquer pólo é 0 , pelo que ω é uma
forma fechada no complementar do conjunto dos pólos de ω . Do Teorema
de Stokes, o integral de ω na soma de caminhos de Jordan pequenos em
332
Ver exercı́cio 9.8.
12.6 Teorema de Riemann-Roch 353

torno de cada pólo no sentido positivo é 0 . Do Teorema dos Resı́duos, este


integral é i2π vezes a soma de todos os resı́duos, pelo que esta soma é 0 .
1
2. É imediata da aplicação de 1 à forma-1 f df meromorfa em S. Q.E.D.
Tal omo para um qualquer divisor D numa Superfí ie de Riemann om-
pa ta S se deniu o espaço linear omplexo LS (D) de funções meromorfas,
dene-se o espaço

linear omplexo de formas-1 meromorfas
ΩS (D) = ω ∈ M Ω1 (S) : ω = 0 ou (ω ∈ M Ω1 (S)\{0} e div(ω) ≥ D)
(note-se a diferença estrutural desta denição em relação à de LS (D) . Em
parti ular, se D = PP np P om nP > 0 para P ⊂ S nito, LS (D) in lui
funções om pólos nos pontos de P enquanto ΩS (D) requer zeros nesses
pontos). Com esta notação, o espaço linear omplexo das formas-1 holomor-
fas em S é ΩS (0) . Analogamente a LS (D) :
1. Se P ∈ S, então ΩS (D) ⊃ Ω(D+1P ) e dim ΩS (D) = dim ΩS (D+1P )+ 1
ou dim ΩS (D) = dim ΩS (D+1P ) .
2. Os espaços lineares ΩS (D) têm dimensão finita.

3. F : f 7→ f ω é um isomorfismo de LS div(ω)−D em ΩS (D)
ω ∈ M Ω1 (S)\{0}.
De (12.43.2), se S é uma Superfí ie de Riemann ompa ta e f ∈ M (S)\{0},
é deg div(f ) = 0 , e o quo iente de formas-1 meromorfas perten e a M (S) .
Logo, os divisores de formas-1 anóni as em S têm o mesmo grau (prova-se
em (12.51) que é 2 g(S) − 2 om g(S) o género de S ). Da propriedade 3
no nal do parágrafo pre edente obtém-se o resultado seguinte333 , pelo qual
dim LS (K) é a mesma para todos divisores de formas-1 anóni as em S (na
prova do Teorema de Riemann-Ro h vê-se que é g(S) ).
(12.44) Se K é um divisor canónico numa Superfı́cie de Riemann com-
pacta S, é dim ΩS (0) = dim LS (K) e dim ΩS (K) = 1 .

Dem. Aplica-se a propriedade 3 no final do penúltimo parágrafo anterior ao


enunciado com ω uma forma-1 meromorfa não nula em S e K = div(ω) , com
D = K0 para a 1a igualdade e D = K para a 2a , pois dim LS (0) = 1 . Q.E.D.

(12.45) Exemplo (Teorema de Riemann-Roch para superfı́cies de


toros complexos):
Se S é a superfı́cie de um toro complexo S = C/Γ , em que
Γ = {mw1 + nw2 : m, n ∈ Z}, com w1 , w2 ∈ C linearmente independentes
e o conjunto dos números complexos considerado como espaço linear real
(ver Exemplo (11.6.3)), pode-se calcular explicitamente dim LS (D) para
divisores D em S como se segue.
A forma-1 meromorfa em C/Γ definida numa qualquer carta (U, ϕ) com
ϕ : U → C , ϕ(z + Γ) = z por (dz)ϕ = dz e noutras cartas de C/Γ por
333
Prova-se mais à frente que existem formas-1 meromorfas não nulas e, portanto, também
divisores canónicos em qualquer Superfı́cie de Riemann compacta S.
354 Uniformização de superfı́cies de Riemann

compatibilidade não tem pólos nem zeros e tem divisor 0 , que é um di-
visor canónico em C/Γ. Com esta forma-1 meromorfa a função F que
transforma f ∈ M C/Γ  na forma-1 meromorfa
 f (z) dz em C/Γ é uma
bijecção de M C/Γ sobre M Ω 1 C/Γ . Como o divisor canónico é 0 ,

div F (f ) = div(f ) . Com esta bijecção df identifica-se com f ′ .
P  1 
A função-℘ de Weierstrass334 ℘(z) = z12 + w∈∈Γ\{0} (z−w) 1
2 − w2 é me-
romorfa e periódica com perı́odo Γ em C cujos pólos, todos duplos, são os
pontos de Γ. Para cada P ∈ C/Γ a função-℘ de Weierstrass define uma função
meromorfa ℘P em C/Γ com um só pólo em P , que é duplo, e ℘P ∈ LC\Γ (2P ) .

(12.46) Se D é um divisor na superfı́cie de um toro complexo C/Γ:


1. deg D < 0 =⇒ dim LC/Γ(D) = 0 .
2. Se deg D = 0 :
(a) dim LC/Γ(D) (D) = 0 ou dim LC/Γ(D) (D) = 1.
(b) dim LC/Γ(D) (−D) = dim LC/Γ(D) D.
(c) D = P −Q, P, Q ∈ C/Γ, P 6= Q =⇒ dim LC/Γ(D) D = 0 .
P 
(d) D = nk=1 P 1Pk −1Qk , com possı́veis repetições, é principal
se e só se nk=1 (Pk −Qk ) = 0 com a operação do grupo C/Γ
(caso em que dim LC/Γ (D) = 1).
3. deg D > 0 =⇒ dim LC/Γ(D) (D) = deg D.

Dem. 1. É imediata do estabelecido para Superfı́cies de Riemann compactas


a seguir à prova de (12.43).
2. As 1a s três afirmações são consequência do mesmo resultado,
(a) directamente, (b) porque um divisor D em C/Γ é principal se e só se −D
é, e (c) identificando formas-1 meromorfas 6= 0 com funções de M C/Γ \{0}
e observando que funções meromorfas em C/Γ não nulas têm ordem ≥ 2 ,
i.e. não podem
Pn só ter um pólo simples. Logo, não podem ter divisor P −Q .
Se D = k=1 1Pk −1Qk , com possı́veis repetições, é um divisor prin-
′ (z)
cipal em C/Γ, existe f ∈ M (C/Γ) com div(f ) = D . Integrando z ff (z) num
caminho seccionalmente regular que descreve a fronteira do paralelogramo
fundamental de f (se necessário para evitar P pólos ou zeros precedendo por
uma translação de coordenadas) obtém-se nk=1 (Pk−Qk ) = 0 com a operação
do grupo C/Γ. Reciprocamente, do que se viu a seguir à prova de (12.43),
dim LC/Γ (D) = 1 , pelo que existe f ∈ M (C/Γ) com pólos em P1 , . . . , Pn e ze-
ros em Q1 , . . . , Qn−1 , com repetições de acordo com as resp. multiplicidades.
De (12.43), f tem mais um zero e, do parágrafo precedente, em Qn .
3. Designa-se por D o conjunto dos divisores D em C/Γ tais que
dim LC/Γ(D) (D) = deg D. Pretende-se provar que deg D > 0 ⇒ D ∈ D .
Como para cada P ∈ C/Γ os elementos de LC/Γ (1P ) são as funções cons-
tantes, é dim LC/Γ (1P ) = 1 . Como ℘P ∈ LC/Γ (2P ) e esta função não é cons-
334
Ver Exercı́cios 10.30 e 10.31.a).
12.6 Teorema de Riemann-Roch 355

tante, é dim LC/Γ (2P ) ≤ 2 . De (12.39.1), dim LC/Γ (2P ) ≤ dim LC/Γ (1P )+1,
pelo que dim LC/Γ (2P ) = 2 , ou seja 2P ∈ D. ℘′P é uma função meromorfa
em C/Γ com um pólo triplo em P , pelo que é uma função em LC/Γ (3P ) que
não pertence a LC/Γ (2P ) e dim LC/Γ (3P ) = 3 , ou seja 3P ∈ D. Prosseguindo
com derivadas sucessivas de ℘P obtém-se kP ∈ D para todo k ∈ N .
Para cada
R par de pontos distintos P, Q ∈ C/Γ considera-se a função
℘P,Q (z) = γ ℘P +w (z) dw, com γP,Q um caminho seccionalmente regular
P,Q
em C/Γ de 0 a ζP,Q = Q − P . Como w 7→ ℘P +w (z) tem primitiva, ℘P,Q é
independente da escolha do caminho γP,Q . ℘P,Q é meromorfa em C/Γ com
pólos simples em P e Q e dim LC/Γ (1P+1Q) ≥ 2. Obtém-se analogamente de
(12.39.1) que dim LC/Γ (1P+1Q) = 2 , ou seja 1P+1Q ∈ D . Também se obtém
analogamente que se D é um divisor em C/Γ e P, Q são pontos distintos de
C/Γ tais que D, (D+1P ), (D+1Q) ∈ D, então D+(D+1P )+(D+1Q) ∈ D.
Ficou provado que os divisores ≥ 0 de graus 1 ou 2 em C/Γ pertencem a
D. Obtém-se de modo análogo para divisores de graus sucessivos que todos
divisores ≥ 0 de grau n ∈ N pertencem a D .
Seja B o conjunto dos divisores D de grau 1 em C/Γ com D+D ′ ∈ D para
todo divisor D ′ ≥ 0 em C/Γ. Obteve-se no parágrafo precedente que 1P ∈ B
para todo P ∈ C/Γ. Se D ∈ B e DP,Q = D+1P −1Q , os divisores DP,Q −1P
e DP,Q−1Q não podem ser ambos divisores principais porque 1P − 1Q não é
um divisor principal de C/Γ. Logo, do que foi estabelecido para Superfı́cies
de Riemann compactas a seguir à prova de (12.43), dim LC/Γ (DP.Q−P ) = 0 ou
dim LC/Γ (DP.Q−Q) = 0 e, portanto, de (12.39.1), dim LC/Γ (DP.Q ) ≤ 1 . Como
D ∈ B, é DP,Q+1Q = D+1P ∈ D, pelo que dim LC/Γ (DP.Q+1Q) = 2 . Portanto,
de (12.39.1), DP,Q ∈ D. Para R ∈ C/Γ é DP,Q +1 Q+1 R = D+1 P +1 R ∈ D.
Logo, de (12.39.1), também DP,Q +1 R ∈ D. Aplicando sucessivamente este
argumento obtém-se que DP,Q + D ′ ∈ D para todo divisor D ′ ≥ 0 em C/Γ.
Portanto, todo divisor de grau 1 pertence a B e por iterações sucessivas
todo divisor de grau n ∈ N em C/Γ pertence a B . Q.E.D.
Portanto, para todo divisor D na superfı́cie de um toro complexo C/Γ:
dim LC/Γ (D) − dim LC/Γ (−D) = deg D ,
que é o caso particular do Teorema de Riemann-Roch para C/Γ.
O resultado seguinte só difere do Teorema de Riemann-Ro h para Super-
fí ies de Riemann ompa tas em geral por se restringir a divisores D ≥ 0 , ter
dim ΩS (0) no lugar de g(S ), e ser uma desigualdade em vez de igualdade.

(12.47) Se D, K são divisores numa Superfı́cie de Riemann compacta


S, D ≥ 0 e K é um divisor canónico em S,
dim LS (D) − dim LS (K −D) ≤ deg D + 1 − dim ΩS (0) .
P
Dem. Seja D = P ∈P nP P , em que P é um conjunto finito de pontos de S e
nP ∈ N para P ∈ P. Como K é um divisor canónico em S, existe uma forma-1
356 Uniformização de superfı́cies de Riemann

meromorfa ω em S não nula com divisor K. Para h ∈ LS (K) e hω é uma


forma-1 meromorfa em S .
Verificam-se as três propriedades seguintes:
P
1. f ∈ LS (D) , h ∈ LS (K) ⇒ P ∈P Res(f hω; P ) = 0 , de (12.43.1), dado
que os pólos de f hω pertencem a P.
2. Se P ∈ P, U ⊂ S é uma vizinhança de P , f ∈ LU (D) , verifica-se
Res(f hω ; P ) = 0 ⇔ h ∈ LS (K−D), pois div(f hω) ≥−D−(K−D)+K = 0
(portanto, f hω não tem pólo em P ) se e só se h ∈ LS (K −D) .
3. Se P ∈ P , U ⊂ S é uma vizinhança de P , h ∈ LS (K) e f ∈ M (S) é
holomorfa em P , então Res(f hω ; P ) = 0 , pois hω é holomorfa em P .
Se (UP , ϕP ) é uma carta de S com ϕP (P ) = 0 , para cada f ∈ LS (D)
a função f ◦Pϕ−1 P tem um pólo de ordem ≤ nP em 0 e, portanto, 
nP cP,j
f ◦ ϕ−1
P (z) = j=1 z j + gP (z) , em que cP,j ∈ C e gP ∈ H ϕ(UP ) . Com
P = {P1 , . . . , Pm },
 X nP1 nPm
Xc 
cP1 ,j  m
V= zj
,... , Pm ,j
zj
⊂ M ∩m
k=1 ϕ(UPk )
j=1 j=1
P
é um espaço linear complexo com dim V = P ∈P nP = deg(D) . O subcon-
junto W de V correspondente a funções f ∈ LS (D) é um subespaço linear de
V . Se f1 , f2 ∈ LS (D) representadas em coordenadas locais têm os mesmos
pólos e partes principais em cada pólo iguais, f1 −f2 ∈ H(S) e, de (11.10),
f1 −f2 é constante, pelo que dim W = dim LS (D) − 1 .
O resto da prova é estritamente de Álgebra Linear. Se K é um
divisor canónico em S , é o divisor de uma forma-1 meromorfa ω
em S , e sePh ∈ LS (K) , hω PénPuma forma-1
 meromorfa em S . Se v ∈ V
nP1 cP ,j m cPm ,j
com v = j=1 z j , . . . ,
1
j=1 zj
, define-se uma função bilinear de
LS (K)×V em C por  nP 
X X cP,j
−1
hh, vi = Res (hω ◦ ϕP )(z) zj
;0 .
P ∈P j=1
Para v ∈ W as m componentes de v são partes principais de representações
em sistemas de coordenadas locais em vizinhanças
P de coordenadas dos pólos
de alguma função f ∈ LS (D) e hh, vi = P ∈P Res(f hω ; P ) = 0 , devido a
(12.43.1), pelo que hh, vi = 0 para h ∈ LS (K) , v ∈ W . Fixadas bases para
os espaços lineares LS (K) e V , existe uma matriz complexa A m × n com
m = dim LS (K) e n = dim V tal que hh, vi = ytAx = xtAt y, em que x ∈ Cm
e y ∈ Cn são os vectores com as componentes de, resp., h ∈ LS (K) e v ∈ V
nessas bases. Portanto, ytAx = 0 para y ∈ Cn se x pertence ao espaço linear
W ′ ⊂ Cm das componentes dos vectores de W na base fixada, pelo que Ax = 0
se x ∈ W ′ , e W ′ ⊂ N (A) . Se U é o conjunto dos h ∈ LS (K) tais que hh, vi = 0
para v ∈ V , e U ′ é o subespaço linear de Cn das componentes dos vectores
de U , é xtAt y = 0 para x ∈ Cn se e só se y ∈ U ′ . Portanto, At y = 0 se e
só se y ∈ U ′ , ou seja U ′ = N (At ) . Como rank At = rank A , do Teorema de
Caracterı́stica e Nulidade, é
dim U = nul At = m−rank A = m−(n−nul A) ≥ m−(n−dim W ) .
12.6 Teorema de Riemann-Roch 357

Logo, dim U ≥ dim LS (K)−deg D+dim LS (D)−1 . Portanto, se h ∈ U e ω é


uma forma-1 meromorfa em S com divisor K, hω tem em cada P ∈ P um
zero de ordem pelo menos nP e div(hω) ≥ D , ou seja div(h) ≥ D−K , pelo
que h ∈ LS (K −D) e U ⊂ LS (K −D) . Conclui-se que
dim LS (K −D) ≥ dim U ≥ dim LS (K) − deg D + dim LS (D) − 1 .
Como, de (12.44), dim LS (K)=dim ΩS (0) , esta desigualdade é a que se quer
provar se D 6= 0 . Se D = 0, a desigualdade é igualdade trivial. Q.E.D.

Se ω é uma forma-1 meromorfa em Y , hama-se pullback de ω por


f à forma-1 em X que para artas (Ua , ϕa ) de X e (Vb , ψb ) de Y om
Vb ∩ f −1 (Ua ) 6= ∅ satisfaz
 ′
(f ∗ ω)b (zβ ) dzb = ωa ϕa ◦f ◦ψb−1 (zb ) ϕa ◦f ◦ψb−1 (zb ) dzb .

(12.48) Fórmula de Riemann-Hurwitz: Se X, Y são Superfı́cies de


Riemann compactas, f : X → Y é uma função holomorfa não constante
de grau d e Σ ⊂ Y é o conjunto dos valores crı́ticos de f ,
X X
χ(X) + [ eP (f ) − 1 ] = d χ(Y ) ,
Q∈Σ P ∈f −1 ({Q})
em que χ(X), χ(Y ) são as caracterı́sticas de Euler de, resp., X, Y e
eP (f ) é o ı́ndice de ramificação de f em P . Além disso, para cada
forma-1 meromorfa em Y ,
X X
−deg(f ∗ ω) + [ eP (f ) − 1 ] = −d deg(ω) .
Q∈Σ P ∈f −1 ({Q})


Dem. Como X \ f −1 (Σ) , f é um revestimento de f (X) \ Σ com d ∈ N
folhas, a preimagem
 de uma triangulação de f (X)\Σ é uma triangulação de
X\f −1 (Σ) , f com o no de faces, arestas e vértices d vezes o da triangulação
de f (X)\Σ , pelo que X
     
χ X \f −1 (Σ) = d χ f (X)\Σ = d χ f (X) −#Σ = d χ f (X) −d 1,
  X  X X Q∈Σ
χ X \f −1 (Σ) = χ X − #f −1 ({Q}) = χ X − 1,
P Q∈Σ Q∈Σ P ∈f −1 ({Q})
o que, como335 P ∈f −1 ({Q}) eP (f ) = d para Q ∈ f (X) , dá a 1a fórmula.
Se P ∈ X e Q = f (P ) , é ordQ (f ∗ ω) = ordQ (ω) eP (f )+eP (f ) −1 , e
X X
deg(f ∗ ω) = ordQ (f ∗ ω)
Q∈Σ P ∈f −1 ({Q})
X X X X
= ordQ (ω) eP (f ) + [ e (f )−1 ] ,
P
Q∈Σ P ∈f −1 ({Q}) Q∈Σ P ∈f −1 ({Q})
e, portanto, X X
deg(f ∗ ω) = deg(ω) d + [ e (f )−1 ] ,
P
Q∈Σ P ∈f −1 ({Q})
que é a 2a fórmula no enunciado. Q.E.D.
335
Ver os 3 parágrafos que precedem (12.12).
358 Uniformização de superfı́cies de Riemann

(12.49) Exemplos de aplicação da Fórmula de Riemann-Hurwitz:


1. Considera-se a curva plana afim Γ de equação P (z, w) = 0 com
P (z, w) = w3 +z 3 w+z . É Pz (z, w) = 3z 2 w+1 e Pw (z, w) = 3w2 +z 3 . Como
9z 2 w
 3 3  9z 2 w

27
4 − 2 (w +z w+z) + z 5 − w3 27 4 − 2 (3w2 +z 3 ) = z 8 + 27
4 z,

o discriminante de P (z, w) em relação a w é d(z) = 4z 8 + 27z, a menos


de multiplicação por uma constante. Os pontos possı́veis de ramificação
correspondem aos zeros do discriminante e a ∞ , logo a z = 0 , z = ∞ e
às soluções de z 7 = − 27 1
4 . A condição Pz (z, w) = 0 equivale a w = − 3z 2 e
z 6= 0 , pelo que Pz (z, w) 6= 0 nos pontos (z, w) ∈ Γ com z = 0 ou z = − 277
4 ,
6 1 7 35
neste caso porque 27z P z, − 3z 2 = −1 + 18z = −1 − 2 6= 0 . Logo, estes
pontos de Γ não são singulares. Como P (0, w) = 0 implica w = 0 , com
z = 0 existe apenas (z, w) ∈ Γ com (z, w) = (0, 0) que, portanto, é um ponto
de ramificação com ı́ndice 3. Para z igual a qualquer uma das 7 raı́zes de
3 2
ordem 7 de − 27 3 3
4 é w + z w + z = w + 2z 2 w − z32 , pois − 27 1 3 e
4 z4 = z 
− 27 1
4 z 6 = z , pelo que os
3
 pontos de ramificação correspondentes são z, − 2z 2
3
com ı́ndice 2 e z, + z 2 com ı́ndice 1. Viu-se na secção do capı́tulo precedente
“Superfı́cies de Riemann” que o género de uma superfı́cie compacta S obtém-
se da caracterı́stica de Euler por g(S) = − 12 χ(S)+1, pelo que a caracterı́stica
de Euler é um número par e, da Fórmula de Riemann-Hurwitz (12.48), a
soma dos ı́ndices de todos pontos de ramificação menos o no desses pontos
é um número par. Como o ı́ndice de ramificação de (0, 0) é 3 e a soma dos
ı́ndices de pontos de ramificação (z, w) ∈ Γ com z igual a qualquer uma das
7 raı́zes de ordem 7 de − 27 4 é 7(2+1) = 21 , a soma dos ı́ndices de possı́veis
pontos de ramificação (∞, w) tem de ser ı́mpar, e como a soma dos ı́ndices
destes pontos de ramificação tem de ser igual ao grau do polinómio P (z, w) ,
que é 3, há dois pontos de ramificação (∞, w) um com ı́ndice 1 e outro com
ı́ndice 2. Da Fórmula de Riemann-Hurwitz,
χ(S) = 3 χ(C∞ ) − [(3−1)+7(3−2)+(3−2)] = 6−10 = −4 ,
pelo que o género da Superfı́cie de Riemann compacta da curva plana afim
S de equação w3 +z 3 w+z = 0 é g(S) = − 21 χ(S)+1 = 3 .
2. Seja Z(P ) = {(z, w) ∈ C2 : P (z, w) = 0 } uma curva plana afim irredutı́-
vel não singular de grau d > 1 eP S a Superfı́cie
P de Riemann compacta desta
curva afim plana. É P (z, w) = dj=0 jk=0 cjk z k wd−j e cjk ∈ C . Supõem-se
P
as condições genéricas c00 6= 0 e dj=0 cjj wd−j = 0 tem d raı́zes complexas
distintas w1 , . . . , wd . Com a mudança de variáveis z ′ = z1 e w′ = wz a equação
P (z, w) = 0 equivale a
d X
X j
′ ′ def
Q(z , w ) = cjk (z ′ )j−k (w′ )d−j = 0 ,
j=0 k=0
Pd
em que o termo de ordem 0 em z ′ é ′ d−j e, portanto, os
j=0 cjj (w )
pontos (∞, w) ∈ S são com w = w1 , . . . , wd . Para cada w = wj , j = 1, . . . , d ,
aplicando à função h(z, w) = Pw (z, w) a mesma mudança de variáveis dá
12.6 Teorema de Riemann-Roch 359

(z ′ , w′ ) 7→ (z ′ )1−d Qw′ (z ′ , wj′ ) , pelo que o pólo de h em cada um dos pontos


referidos tem ordem d−1 . A soma das ordens dos pólos de h é d(d−1) e
como h é uma função meromorfa numa Superfı́cie de Riemann compacta, a
soma das ordens dos zeros de h também é d(d− 1) . Os pontos crı́ticos de
f ∈ H Z(P ), C∞ tal que f (z, w) = z são (z, w) ∈ Z(P ) tais que Pw (z, w) = 0 ,
pelo que, contando multiplicidades, existem d(d−1) pontos crı́ticos. Logo,
da Fórmula de Riemann-Hurwitz (12.48), obtém-se
 
2 − 2 g Z(P ) + d(d−1) = χ Z(P ) + d(d−1) = d χ(C∞ ) = 2d .
Portanto, o género de qualquer curva plana afim irredutı́vel não singular de
grau d é336 g = (d−1)(d−2)
2 .
3. Considera-se agora que se verificam condições análogas às do
exemplo precedente, excepto que P tem singularidades simples, ou seja em
cada ponto (z0 , w0 ) de singularidade o determinante da matriz hessiana é
(Fzw )2 −Fzz Fww 6= 0 . A pontos de singularidade que satisfazem esta condi-
ção chama-se nós simples (geometricamente, a curva tem dois arcos não
singulares que se cruzam transversalmente e a Superfı́cie de Riemann S tem
dois pontos sobre z0 ; ver Figura 12.6 para a curva real y 2 = x2 + x3 que
corresponde a esta condição na origem). Como no exemplo precedente, mas
agora com Pw (z, w) a anular-se em 2δ pontos de S que se projectam pela
função f nos nós, pelo que a Fórmula de Riemann-Hurwitz dá
 
2 − 2 g Z(P ) + d(d−1) = χ Z(P ) + d(d−1) − 2δ = d χ(C∞ ) − 2δ = 2d .
Logo, o género de qualquer curva plana afim irredutı́vel de grau d com sin-
gularidades que são apenas δ ∈ N nós simples é g = (d−1)(d−2)
2 −δ.
Portanto, toda curva plana afim com Superfı́cie de Riemann compacta

de género g ∈ N\ (d−1)(d−2)
2 : d ∈ N tem singularidades.
Y

X
-1 -1/2 1/2 1

-i
Figura 12.6: Curva real y 2 = x2 +x3 com nó simples em (0,0)
4. Se Z(P ) = {[(z1 , z2 , z3 )] ∈ P2 : P (z1 , z2 , z3 ) = 0} é curva algébrica no
plano projectivo irredutı́vel não singular  de grau d, os pontos crı́ticos de
1
f ∈ H Z(P ), P tal que f [(z1 , z2 , z3 )] = [(z1 , z3 )] são [(z1 , z2 , z3 )] ∈ Z(P )
336 (d−1)(d−2)
Se d ∈ N é o grau de um polinómio complexo de várias variáveis, a 2
chama-se
constante de Castelnuovo. Castelnuovo, Guido (1865-1952).
360 Uniformização de superfı́cies de Riemann

tais que Pz2 = 0 . Genericamente, P e Pz2 são irredutı́veis de grau, resp., d


e d − 1 . Do Teorema de Bézout337 , existem d(d − 1) pontos crı́ticos, cada
um com multiplicidade 1. Logo, se p é um ponto crı́tico, ep (f ) = 2 . Com a
Fórmula de Riemann-Hurwitz (12.48) obtém-se
 
2 − 2 g Z(P ) + d(d−1) = χ Z(P ) + d(d−1) = d χ(P1 ) = 2d ,
em que na última igualdade se usou a conformidade de P1 a C∞ e, portanto,
χ(P1 ) = χ(C∞ ) = 2 . Logo, o género de qualquer curva algébrica no plano
projectivo irredutı́vel não singular de grau d é338 g = (d−1)(d−2)
2 . Tal como
curvas planas afins, para se ter alguma curva algébrica no plano projectivo

de género g ∈ N\ (d−1)(d−2)
2 : d ∈ N é necessário que tenha singularidades.
(12.47) pode ser tornado mais forte om o resultado seguinte, ru ial para
tudo o que se segue nesta se ção339 .
(12.50) Existência de funções de Green dipolares em Superfı́-
cies de Riemann compactas: Se S é uma Superfı́cie de Riemann
compacta, para qualquer par de pontos de S existem:
1. Funções meromorfas e formas-1 meromorfas em S com exacta-
mente um pólo simples em cada um dos pontos com resı́duos qual-
quer número complexo não nulo num dos pólos e o seu simétrico
no outro, chamadas funções de Green dipolares.
2. Funções meromorfas com valores diferentes arbitrários em cada
um dos pontos, i.e. funções meromorfas que separam pontos.

Dem. 1. Viu-se na secção anterior deste capı́tulo “Método de Perron em


Superfı́cies de Riemann” que este método permite obter, a partir de funções
subharmónicas, funções de Green com um pólo num ponto qualquer de S em
que tem uma “singularidade logarı́tmica”. Este método pode ser modificado
para obter funções com exactamente dois pólos, um em cada um de dois
pontos arbitrários de S, com resı́duos simétricos não nulos nesses pontos.
A partir de uma qualquer função de Green dipolar em S obtém-se uma
forma-1 meromorfa em S não nula da mesma maneira indicada acima depois
337
O no de pontos de intersecção (contando multiplicidades) de duas curvas no plano projectivo
Z(P1 ) e Z(P2 ) com maior divisor comum polinomial de P1 e P2 constante é o produto dos graus
de P1 e P2 (ver Exercı́cio 12.12). Bézout, Étienne (1730-1783).
338
Francesco Severi (1879-1961) provou em 1921 que existem curvas algébricas no plano projec-
tivo irredutı́veis de qualquer grau d ≥ 3 (e, em consequência, também para curvas planas afins)
cujas singularidades são δ nós para todo δ ≤ (d−1)(d−2) 2
, para as quais o género é (d−1)(d−2)
2
−δ
(ver o exemplo precedente para curvas planas afins). Chama-se nó de uma curva algébrica pro-
2
jectiva Z(P ) = {[(z1 , z2 , z3 )] ∈ P : P (z1 , z2 , z3 ) = 0} com P um polinómio homogéneo irredutı́vel
a um ponto [(z1 , z2 , z3 )] ∈ Z(P ) tal que Pzj (z1 , z2 , z3 ) = 0 para j = 1, 2, 3 e a matriz hessiana
[Pzj zk ]3,3
j,k=1 de P é não singular. Este resultado foi generalizado em 1979 para curvas algébricas
em qualquer espaço projectivo Pn por Allen Tannenbaum (1953-). Para uma prova simples ver
D. Pecker, Simple construction of algebraic curves with nodes, Compositio Math. 87 (1993), 1-4.
Pecker, Daniel (1950-).
339
A existência de funções de Green dipolares em qualquer Superfı́cie de Riemann compacta foi
descoberta por B. Riemann em 1857, intuı́da por analogia com modelos no plano de electroestática
e de fluidos ideais.
12.6 Teorema de Riemann-Roch 361

da definição de forma-1 meromorfa para construir formas-1 holomorfas a


partir de funções harmónicas.
2. Como o contradomı́nio de uma função de Green dipolar é C , com
uma tal função e um posicionamento adequado em relação aos pontos dados
obtém-se uma função meromorfa que assume em cada um dos pontos um
qualquer par de valores complexos prefixado. Q.E.D.
Uma onsequên ia é o Teorema de Existência de Riemann: Em
qualquer Superfı́cie de Riemann compacta S podem ser definidas funções
meromorfas não constantes, apesar das funções holomorfas nela denidas
serem onstantes.
Outra onsequên ia é poder provar dim ΩS (0) = g(S) dire tamente om a
obtenção de uma base nos asos de S ser: (1) a Superfí ie de Riemann om-
pa ta de uma urva plana am irredutível não singular, ou (2) a Superfí ie
de Riemann ompa ta de uma urva algébri a plana irredutível singular om
singularidades que são nós simples, ou (3) uma Curva Algébri a irredutível
não singular no plano proje tivo. Designa-se d o grau da urva algébri a.
De (12.50), existe uma forma-1 meromorfa não nula em S que dá um divisor
anóni o K ≥ 0 . Do resultado pre edente, deg K = 2 g(S) − 2 e, de (12.47)
om D = K , dim ΩS (0) ≤ g(S) .
No aso (1), do Exemplo (12.49.2), g(S) = (d−1)(d−2) . Se d = 1 ou
d = 2 , S é onforme a C∞ , pelo que não existem formas-1 holomorfas em
2

S não nulas. Se d ≥ 3, omo 0 = d[P (z, w)] = Pz (z, w) dz + Pw (z, w) dw,


é P (z,w)
1 1
dz = P (z,w) dw e, omo os denominadores não se anulam simul-
taneamente em pontos de (z, w) ∈ Z(P ) , a forma-1 P (z,w) dz é holomorfa
w z
1

em Z(P ) . Para ∞ usa-se a mudança de variáveis z = z e w′ = wz e para


w
′ 1

j, k ∈ N∪{0} obtém-se
z j wk
 w′ j −(z ′ )−2 ′ d−3−j−k (w ′ )k

Pw (z,w) dz = (z ′ )−j z′ (z ′ )1−d Qw′ (z ′ ,w ′ )


dz ′ = − −(z Q
)
′ ,w ′ ) dz ′ ,
w′ (z
em que Q (z1 ,w ) dz′ é uma forma-1 holomorfa por razão análoga à invo ada
w′
′ ′

no parágrafo pre edente para P (z,w) 1


dz , pelo que − −(z Q
) (w )k
(z ,w ) dz ′ é
′ d−3−j−k
′ ′

uma forma-1 holomorfa nesse onjunto se e só se j+k ≤ d−3 om j,k ∈ N∪{0}.


w w′

Portanto, P z (z,w)
w j
dz são formas-1 holomorfas em S se e só se j + k ≤ d− 3.
k

Estas formas-1 são linearmente independentes e geram o espaço linear das


w

formas-1 P (z,w) dz om g(z, w) um polinómio de grau ≤ n−3 . Como para


g(z,w)

ada m ∈ N ∪ {0} existem m + 1 pares ordenados (j, k) ∈ N ∪ {0} 2 tais


w

que
Pd−3
j + k = m , o espaço linear gerado por essas formas-1 tem dimensão
Pd−2
m=0 (m + 1) = m=1 m =
(d−1)(d−2)
2 = g(S) . Logo, dim ΩS (0) ≥ g(S) e
omo, do parágrafo pre edente, dim ΩS (0) ≥ g(S) , é dim ΩS (0) = g(S) e
(z,w) dz: g é um polinómio de grau ≤ n−3 em z, w .
ΩS (0) = Pg(z,w)
No aso (3) é semelhante pois, do Exemplo (12.49.4), também
w

g(S) = (d−1)(d−2)
2 e se d ≥ 3 , a função zz meromorfa em P1 = [(z1 , z3 )]
1

tem um pólo simples em [(1, 0)] e a sua derivada tem um pólo duplo em
3

[(1, 0)] , pelo que a forma-1 meromorfa d(z1 /z3 ) em S tem pólos duplos em
362 Uniformização de superfı́cies de Riemann

ada uma das d preimagens de [(1, 0)] , que generi amente são distintos e
não degenerados, e tem um zero simples em ada um dos d(d−1) zeros de
Pz . Logo, existe um polinómio R(z1 , z2 ) de grau ≤ d−3 tal que a forma-1
2

P (z /z ,z /z ) d z1 /z3 é holomorfa em S e o espaço linear destes polinómios
R(z /z ,z /z )
1 3 2 3
z2 1 3 2 3

R tem dimensão (d−1)(d−2)


2 = g S) .
No aso (2) Pw (z, w) também se anula nos 2δ pontos que se proje tam
em nós, pelo que as formas-1 holomorfas em S são da forma Pg(z,w) (z,w) dz , em
que g são polinómios de grau ≤ d−3 que se anulam em δ pontos de Z(P ) .
w

O espaço que estas formas-1 geram tem dim ≥ (d−1)(d−2) 2 − δ , mas omo
dim ΩS (0) ≤ g(S) = (d−1)(d−2)
−δ , essas formas-1 são em número (d−1)(d−2) −δ
e formam uma base de ΩS (0) , pelo que também neste aso dim ΩS (0) = g(S) .
2 2

(12.51) Se D é um divisor canónico numa Superfı́cie de Riemann com-


pacta S e ω é uma forma-1 não nula em S,
X
degD = ordP (ω) = 2 g(S) − 2 .
P ∈S

Dem. De (12.50.2), para um par de pontos de S existe uma função mero-


morfa em S com valores diferentes nesses pontos. Se f é a extensão com
valores em C∞ de tal função e ω é a forma-1 ω = dz meromorfa em C∞ , que
tem grau 2, subtraindo as fórmulas em (12.48), como χ(C∞ ) = 2 , é
χ(S) + deg(f ∗ ω) = d [ χ(C∞ ) + deg(ω) ] = 0 .
Logo, deg(f ∗ ω) = −χ(S) = 2g(S)−2 e o divisor canónico em S div(f ∗ ω) tem
grau −χ(S) = 2g(S)−2 . Como os divisores canónicos em S são equivalentes,
todo divisor canónico em S tem grau 2g(S)−2 .
Na vizinhança de um ponto P ∈ S, abreviando e = eP (f ) , f pode ser
descrita em coordenadas locais por w 7→ we e o pull back para S de uma
forma-1 meromorfa em C∞ com representação em coordenadas locais g(z)dz
tem representação local g(we ) e we−1 , pelo que
ordP (f ∗ ω) = [ eP (f ) − 1 ] + eP (f ) ordf (P ) (dz) ,
e, portanto,
X X X
ordP (f ∗ ω) = [ eP (f ) − 1 ] + eP (f ) ordf (P ) (dz) .
P ∈S P ∈S P ∈S
Como ordQ (dz) = 0 para todo Q ∈ C e ord∞ (dz) = −2 ,
X X X X
ordP (f ∗ ω) = [ eP (f ) −1 ] − 2 eP (f ) = [ eP (f )−1 ]−2d = 2 g(S) −2 ,
P ∈S P ∈S P ∈f −1 ({∞}) P ∈S
em que a última igualdade é uma aplicação da Fórmula de Riemann-Hurwitz
(12.48). Qualquer outra forma-1 é g f ∗ ω para alguma função g meromorfa
em S, pois o espaço linear das formas-1 em S com escalares em M (S) é
unidimensional, e
X X X
ordP (gω) = [ ordP (g) + ordP (ω) ] = 0 + ordP (ω) ,
P ∈S P ∈S P ∈S
em que na última igualdade se usou que para
P qualquer função meromorfa g
numa Superfı́cie de Riemann compacta é P ∈S ordP (g) = 0 . Q.E.D.
12.6 Teorema de Riemann-Roch 363

Em onsequên ia, para


P toda forma-1 ω numa Superfı́cie
 de Riemann
compacta S , div(ω) = P ∈S ordP (ω) P e deg div(ω) = 2 g(S) − 2 ; além
disso, se D é um divisor em S com deg D > 2 g(S)−2 , é dim ΩS (D) = 0 .
Uma outra onsequên ia de (12.50) é o resultado seguinte.
(12.52) Toda Superfı́cie de Riemann compacta S é conforme à Super-
fı́cie de Riemann compacta de uma curva plana afim irredutı́vel.

Dem. Seja h ∈ H(S, C∞ ) de grau d e Q ∈ C∞ tal que h−1 ({Q}) consiste


em d pontos distintos P1 , . . . , Pd ∈ S. De (12.50.2), para quaisquer P, Q ∈ S
distintos existe função de Green dipolar g em S com g(P ) 6= g(Q) , pelo que
aplicando este resultado a pares sucessivos dos pontos P1 , . . . , Pd obtém-se
que existe uma função meromorfa f em S dada por soma de d−1 funções
meromorfas dipolares que assume valores distintos nestes pontos. Esta fun-
ção meromorfa separa as “folhas” de S num revestimento (S\(hf )−1 (Σ), hf )
de C∞\Σ , em que Σ é o conjunto finito de valores crı́ticos de hf . De (12.12)
este revestimento pode ser estendido a um revestimento (S, hf ) de C∞ .
Para N ∈ N suficientemente grande existe um divisor DN ≥ 0 em S tal que
hjf k∈ LS (DN ) para j, k ∈ {1, . . . , N }. De (12.40.3), dim LS (DN ) ≤ 1+deg DN ,
pelo que as funções hjf k ∈ LS (DN ) para j, k ∈ {1, . . . , N } são mais do que
dim LS (DN ) e, portanto, são linearmente dependentes. Logo, existe um
polinómio de duas variáveis complexas F tal que F h, f = 0 e é possı́vel
escolhê-lo irredutı́vel, porque se não for, factores diferentes correspondem a
curvas planas afins que unidas são um conjunto desconexo, o que não é o
caso de S . Portanto, S é conforme à Superfı́cie de Riemann compacta da
curva plana afim {(z, w) ∈ C2 : F (z, w) = 0} . Q.E.D.
O resultado seguinte é a desigualdade obtida por B.Riemann em 1857, an-
tes de em 1865 G.Ro h identi ar a orre ção que a transforma em igualdade.
É aqui expressa em termos do género g(S) da Superfí ie de Riemann om-
pa ta S e da dimensão do espaço linear omplexo das formas-1 holomorfas
ΩS (0) . Na prova do Teorema de Riemann-Ro h obtém-se dim ΩS (0) = g(S) ,
pelo que o termo entre parênteses re tos na desigualdade é g(S) .
(12.53) Desigualdade de Riemann: Se D é um divisor numa Super-
fı́cie de Riemann compacta S,
dim LS (D) ≥ deg D + 1 − [ 2 g(S)−dim ΩS (0) ] .

Dem. Sejam K, D divisores em S, K um divisor canónico, D ′ > 0 e


K + D ′ ≥ D . dim LS (K + D ′ ) é igual à dimensão do espaço
P linear M das
formas-1 meromorfas em S com divisor ≥ −D ′ . Se D ′ = P ∈P nP P com
nP ≥ 1 , o espaço linear M consiste nas formas-1 meromorfas com pólos de
ordem ≤nP em cada P ∈ P. Como na prova de (12.47), considera-se
 X
nP1 nPm
Xc 
cP1 ,j Pm ,j
V = zj
,... , zj
,
j=1 j=1
364 Uniformização de superfı́cies de Riemann

com dim V = deg D ′ ≥ 1 . Existe uma transformação linear T : M → V que


transforma cada forma-1 meromorfa ω ∈ M no múltiplo ordenado das suas
Pm principais nos pontos de P. De (12.43.1), a soma dos resı́duos é
partes
k=1 cPk ,1 = 0 .
Na prova de (12.50.1) obteve-se a existência de formas-1 meromorfas não
nulas numa Superfı́cie de Riemann compacta com resı́duos simétricos num
qualquer par de pontos (P, Q) tomados para pólos da forma-1. Fixando um
dos pontos P do par e fazendo o outro Q tender para ele obtém-se, com
uma normalização apropriada, uma forma-1 com pólo duplo apenas em P
e resı́duo 0 em P . Procedendo sucessivamente de modo análogo, obtêm-se
formas-1 com apenas um pólo de qualquer ordem340 n ∈ N em P e resı́duo
0 em P . Considerando combinações lineares dessas formas-1 obtém-se que
qualquer elemento de V com soma de resı́duos 0 pertence ao contradomı́nio
de T e rank T = deg D ′ −1 .
Como o núcleo de T é o espaço das formas-1 holomorfas ΩS (0) , do
Teorema de Caracterı́stica e Nulidade,
dim LS (K −D ′ ) = dim M = rank T +nul T = deg D ′ −1+dim ΩS (0) .
Aplicando sucessivamente (12.39.1) obtém-se
dim LS (K −D ′ ) ≤ dim LS (D) + deg(K +D ′ −D) = degK + degD ′ + degD .
Como, de (12.51), deg K = 2g(S)−2 , das duas últimas desigualdades obtém-
se a desigualdade no enunciado. Q.E.D.
O Teorema de Riemann-Ro h generaliza para qualquer Superfí ie de Ri-
emann ompa ta S as igualdades que traduzem as restrições a funções me-
romorfas em S que foram obtidas para a Superfí ie Esféri a de Riemann no
exemplo (12.41) e para as superfí ies de toros omplexos no exemplo (12.45).
(12.54) Teorema de Riemann-Roch: Se D, K são divisores numa
Superfı́cie de Riemann compacta S e K é divisor canónico, então
dim LS (K) = dim ΩS (0) = g(S) e
dim LS (D) − dim LS (K −D) = deg D + 1 − g(S) .

Dem. De (12.47), se D ≥ 0 e K é canónico,


dim LS (D) − dim LS (K −D) ≤ deg D + 1 − dim ΩS (0) ,
e, substituindo D por K −D , se K −D ≥ 0 e D é canónico,
dim LS (K −D) − dim LS (D) ≤ (2g(S)−2−deg D)+1−dim ΩS (0)
= −deg D − 1+[ 2 g(S)−dim ΩS (0) ] ,
pelo que se D, K −D ≥ 0 e D, K são canónicos,
dim LS (D) − dim LS (K −D) = deg D+1−[ 2 g(S)−dim ΩS (0) ] .
340
As formas-1 com uma par de pólos simples com resı́duos simétricos são chamadas diferenciais
abelianos de 1o tipo e as formas-1 com um pólo de ordem n ≥ 2 num ponto com resı́duo 0 são
chamadas diferenciais abelianos de 2o tipo. No exercı́cio 12.9. pedem-se os detalhes desta
construção de diferenciais abelianos de 1o e 2o tipos.
12.6 Teorema de Riemann-Roch 365

Resta apenas remover a condição D, K −D ≥ 0 , o que se faz separada-


mente conforme de LS (D) , LS (K −D) : (1) nenhum é {0} , (2) são ambos
{0} , (3) só um é {0} .
(1) Se dim LS (D), dim LS (K −D) ∈ N , tanto D como K −D são equiva-
lentes a divisores ≥ 0 e, de (12.47),
dim LS (D)−dim LS (K −D) ≤ deg D+1−dim ΩS (0) ,
dim LS (K −D)−dim LS (D) ≤ deg(K −D)+1−dim ΩS (0) .
De (12.51) é deg K = 2g(S)−2 , que substituı́do na 2a desigualdade dá
dim LS (K −D)−dim LS (D) ≤ degK −degD+1−dim ΩS (0)
= 2g(S)−2−degD+1−dim ΩS (0) = −{degD+1−[ 2 g(S)−dim ΩS (0) ]}.
Com a 1a desigualdade anterior obtém-se
2 [ g(S)−dim ΩS (0) ] ≤ dim LS (D)−dim LS (K −D)−degD−1+dim ΩS (0) ≤ 0 .

De (12.47) com D = K ≥ 0 é dim ΩS (0) ≤ deg K + 2 − dim ΩS (0) que,


com (12.51), dá dim ΩS (0) ≤ g(S) . Logo, g(S) − dim ΩS (0) ≥ 0 que na
desigualdade precedente dá dim ΩS (0) = g(S) e a igualdade no enunciado.
De (12.44), dim LS (K) = dim ΩS (0) = g(S) .
(2) Da Desigualdade de Riemann (12.53) e substituindo nessa desigual-
dade D por K −D obtém-se
0 = dim LS (D) ≥ deg D+1−[ 2 g(S)−dim ΩS (0) ] ,
0 = dim LS (D) ≥ deg(K −D)+1−[ 2 g(S)−dim ΩS (0) ] ,
e, como, de (12.51), é deg K = 2 g(S)−2 , e
deg(K −D) = deg K −deg D = 2g(S)−2−deg D .
Logo,
0 ≤ −{[deg(K −D)+1−[ 2 g(S)−dim ΩS (0) ]}
= −[2g(S)−2−deg D]−1+[ 2 g(S)−dim ΩS (0)) ] = deg D+1−dim ΩS (0) ≤ 0 ,
pelo que 0 = deg D+1−dim ΩS (0) . Como dim LS (D) = dim LS (K −D) = 0 ,
com dim ΩS (0) = g(S) obtida em (1), resulta a igualdade no enunciado.
(3) Como dim LS (D) ∈ N e dim LS (K − D) = 0 , D é equivalente a um
divisor ≥ 0 e, de (12.47),
dim LS (D)−dim LS (K −D) ≤ deg D+1−dim ΩS (0) .
Como dim LS (K −D) = 0 , da Desigualdade de Riemann (12.53),
dim LS (D)−dim LS (K −D) = dim LS (D) ≥ deg D + 1 − dim ΩS (0) .
As duas últimas desigualdades e dim ΩS (0) = g(S) , obtida em (1), dão a
igualdade no enunciado. Se dim LS (D) = 0 e dim LS (K−D) ∈ N , troca-se D
com K −D e aplica-se o que se acabou de provar. Q.E.D.
366 Uniformização de superfı́cies de Riemann

Uma onsequên ia imediata é: se D é um divisor numa superfı́cie de


Riemann compacta S, dim LS (D) ≥ deg D+1−g(S) ; se deg D ≥ 2 g(S)−1, a
desigualdade precedente é igualdade e dim LS (D) ≥ g(S). Se degD = 2 g(S)−1,
dim LS (D) é g(S) ou g(S)−1 conforme D é canónico ou não.
Se a ondição deg D ≥ 2g(S) − 1 falha e deg D ≥ 0 , veri a-se a desigual-
dade seguinte obtida por W. Cliord341 em 1878.
(12.55) Teorema de Clifford: Se D é divisor numa superfı́cie de
Riemann compacta S tal que 0 ≤ deg D < 2 g(S) − 1 , então
1
dim LS (D) ≤ 2 deg D +1 ≤ g(S) .

Dem. Se dim LS (D) = 0 , a desigualdade verifica-se trivialmente, pois o lado


direito é ≥ 1 . Se para K um divisor canónico em S, dim LS (K−D) = 0 , com
o Teorema de Riemann-Roch,
dim LS (D) = deg D +1−g(S) = 21 deg D + 12 deg D +1−g(S) ≤ 21 deg D .
Se dim LS (D) > 0 e dim LS (K−D) > 0 , com G : LS (D)×LS (K−D) → LS (K)
tal que G(f, h) = f h e V o contradomı́nio de G , é
g(S) = dim LS (K) ≥ dim V = [ dim LS (D) ] [ dim LS (K −D) ]
≥ dim LS (D) + dim LS (K −D) − 1 = 2 dim LS (D) − deg D − 2+g(S) ,
em que se usou ab ≥ a+b−1 para a, b ≥ 1 e o Teorema de Riemann-Roch.
Logo, 2 dim LS (D) ≤ deg D+2 . Q.E.D.
Com uma apli ação simples do Teorema de Riemann-Ro h obtém-se uma
prova alternativa do Teorema de Uniformização para Superfí ies de Riemann
ompa tas S de género 0 : om um ponto p ∈ S e o divisor D = 1p , omo
para um divisor anóni o K em S é dim LS (K − D) ≤ dim LS (K) = g(S) ,
do Teorema de Riemann-Ro h, dim LS (D) − g(S) ≥ deg D + 1 − g(S) , i.e.
dim LS (D) ≥ 2 . LS (D) ontém as funções onstantes que são as úni as fun-
ções holomorfas de S em C , pelo que LS (D) ontém uma função meromorfa
f em S om um pólo em p de ordem 1. Se g(S) = 0 , a extensão de f om
valores em C∞ tem grau 1, pelo que f é um homeomorsmo onforme de S
sobre C∞ .
Viu-se a seguir a (12.50) que o género de uma urva algébri a no plano
proje tivo irredutível não singular de grau d é g = (d−1)(d−2)
2 que, para di-
ferentes valores de d onstitui um onjunto bastante restrito de números
naturais. Contudo, om o Teorema de Riemann-Ro h obtém-se omo se se-
gue que toda Superfí ie de Riemann ompa ta pode ser mergulhada num
espaço proje tivo Pn para algum n .
Diz-se que uma Superfí ie de Riemann S pode ser mergulhada num es-
paço linear omplexo V se existe S ′ ⊂ V onforme a S . Chama-se mergulho
de S em V a um homeomorsmo holomorfo de S em S ′.
341
Clifford, William (1845-1879).
12.6 Teorema de Riemann-Roch 367

Chama-se sistema linear completo de um divisor D numa Superfí ie


de Riemann ompa ta S , designado |D| , ao onjunto dos divisores D′ ≥ 0
equivalentes a D . Diz-se que |D| é livre se dim LS (D−1P ) = dim LS (D)−1
para todo P ∈ supp D .
(12.56) Toda Superfı́cie de Riemann compacta S pode ser mergulhada
em Pn para n ∈ N com n ≥ g(S)+1 .

Dem. Se D é um divisor em S , P, Q ∈ S e {f1 , . . . , fn+1 } é uma


base de LS (D) tal que {f1 , . . . , fn } é uma base de LS (D − 1P ) ,
verifica-se ordP (fj ) ≥ 1 − degP D > −degP D para j = 1, . . . , n e, como
fn+1 ∈ / LS (D − 1P ) , é ordP (fn+1 ) = −degP D . Seja FD : S → Pn tal
que FD (x) = [f1 (x), . . . , fn+1 (x)] . Verifica-se FD (P ) = FD (Q) se e só se
 . . . , fn+1 (Q)] , ou seja se e só se existe z ∈ C
[f1 (P ), . . . , fn+1 (P )] = [f1 (Q),
tal que f1 (Q), . . . , fn+1 (Q) = z f1 (P ), . . . , fn+1 (P ) , o que se verifica se e
só se ordQ (fj ) > −degQ D para j = 1, . . . , n e ordQ (fn+1 ) > −degQ (D) , e,
portanto, se e só se {f1 , . . . , fn } é base de LS (D−Q) . Logo, FD é injectiva
se e só se LS (D−P ) 6= LS (D−Q) para todos P, Q ∈ S distintos.
Se |D| é livre, para todo P, Q ∈ supp D é
dim LS (D−1P ) = dim LS (D−1Q) = dim LS (D)−1 ,
e, portanto, dim LS (D−1P−1Q) é igual a dim LS (D)−1 ou a dim LS (D)−2 .
Do parágrafo precedente, FD é injectiva se e só se LS (D − 1P − 1Q) é um
subespaço próprio de LS (D−1P ) para todos P, Q ∈ supp D distintos. Logo,
FD é injectiva se e só se dim LS (D − 1P − 1Q) = dim LS (D) − 2 para to-
dos P, Q ∈ supp D distintos. Esta igualdade verifica-se trivialmente para
P, Q ∈/ supp D distintos e também para P ∈ supp D e Q ∈ / supp D. Portanto,
se |D| é livre, FD é injectiva se e só se dim LS (D−1P −1Q) = dim LS (D)−2
para P, Q ∈ S distintos.
Se P não é um ponto crı́tico de uma das funções fj , j ∈ {1, . . . , n}, é

fj (P ) 6= 0 e, do Teorema da Função Implı́cita, a intersecção do gráfico de FD

com alguma vizinhança de P, FD (P ) é o gráfico de um homeomorfismo
holomorfo definido em alguma vizinhança de P . P não é ponto crı́tico de fj
se e só se ordP (fj ) = degP D−1 , ou seja se e só se fj ∈ LS (D−1P )\LS (D−2P ) ,
i.e. se e só se dim LS (D−2P ) = dim LS (D)−2 .
Se D é um divisor em S com deg D ≥ 2 g(S)+1 para P, Q ∈ S, é deg(D−
1P ) , deg(D−1P−1Q) ≥ 2 g(S)−1 e, pela aplicação do Teorema de Riemann-
Roch referida logo a seguir à prova do teorema, para X igual a D ou D−1P
ou D−1P −1Q é dim LS (X) = deg X +1−g(S) . Como
deg(D−1P −1Q) = deg(D−1P )−1 = deg(D)−2 ,
|D| é livre e dim LS (D−1P −1Q) = dim LS (D)−2 para todos P, Q ∈ S. Logo,
do penúltimo parágrafo anterior FD é injectiva e do parágrafo precedente,
 o
gráfico de FD é localmente numa vizinhança de cada ponto P, FD (P ) com
P ∈ S conforme a uma vizinhança de P . Portanto, obtém-se um mergulho F
368 Uniformização de superfı́cies de Riemann

de S em Pn escolhendo D um divisor em S com deg D ≥ 2 g(S)+1 , fixando


n = dim LS (D)− 1 e F = FD , com FD definida como no 1o parágrafo. Da
aplicação do Teorema de Riemann-Roch referida logo a seguir à prova do
teorema, se for escolhido D = K+1P +1Q com K divisor canónico em S e
P, Q ∈ S distintos, dim LS (D) = dim LS (K)+2 = g(S)+1 , pelo que S pode
ser mergulhada em Pn para n ≥ g(S)+1 . Q.E.D.

Exercı́cios
12.1 Prove que os grupos fundamentais dos 5 exemplos no iní io da se ção 3 são os
o
indi ados no 3 parágrafo a seguir à denição de grupo fundamental.

12.2 Prove: Os grupos fundamentais de uma coroa circular aberta em C e de C\{0} são
isomorfos.
12.3 Determine os revestimentos universais das Superfí ies de Riemann asso iadas a
z 2
funções analíti as globais e , log z , z .

12.4 Prove: A Superfı́cie Esférica de Riemann C∞ é simplesmente conexa.


(Sugestão: Mostre que qualquer aminho fe hado em C∞ é homotópi o a um aminho
poligonal fe hado γ . Aplique o Teorema de Categoria de Baire (ver apêndi e I) para
garantir que γ ∗ 6= C∞ . Se ∞ ∈
/ γ ∗, mostre que γ é homotópi o a um ponto pois γ ∗ ∈ C, que
é um onjunto onvexo. Se ∞ ∈ γ ∗ , aplique uma transformação de Möbius que transforme
γ ∗ numa urva que não passa em ∞ e aplique o aso pre edente).
12.5 Prove o Teorema da Curva de Jordan na Superfí ie Esféri a de Riemann C∞ :
Se γ ∗ é uma curva fechada simples em C∞ , C∞\ γ ∗ é a união de dois conjuntos
simplesmente conexos disjuntos.
(Sugestão: Come e por mostrar que γ ∗ é homeomorfa ao equador de C∞ ).
12.6 Prove: Ss f, g são funções não constantes meromorfas numa Superfı́cie de Riemann
S, existe uma função polinomial complexa de duas variáveis não nula P (z1 , z2 )
tal que P (f, g) = 0 , e que existe uma função polinomial irredutı́vel P com esta
propriedade. (Sugestão: Mostre que os monómios f j g k om j, k ≤ N perten em a LS (DN )
para N su ientemente grande e algum divisor DN .
12.7 Prove: Se R, S são Superfı́cies de Riemann compactas com géneros g(R) < g(S) e
f ∈ H(R, S) , então f é constante.
12.8 Determine os pontos de rami ação, as resp. índi es e o género da Superfí ie de
Riemann ompa ta da urva algébri a plana am de equação P (z, w) = 0 .
2 Qm
(a) P (z, w) = w − j=1 (z−zj ) , om zj ∈ C , j = 1, . . . , m, distintos, om m ∈ N .
3 2 3
(b) P (z, w) = 4w −3z w+z −2z .
3 6
( ) P (z, w) = w −z +1 .
3 2 6
(d) P (z, w) = w −3w +z .
m m
(e) P (z, w) = w +z +1 , para m ∈ N .
o o
12.9 Dê os detalhes da onstrução de diferen iais abelianos de 1 e 2 tipos referida na
prova da Desigualdade de Riemann (12.53).

12.10 Prove: Se S é uma Superfı́cie de Riemann compacta e g(S) = 1, existe h ∈ X → C∞


com deg(h) = 2 e S é conforme à superfı́cie de uma curva algébrica plana afim de
grau 3 com equação w2 = z(z−1)(z−c) com c ∈ C\{0, 1}. (Sugestão: Com um divisor
D = 1 p1 +1 p2 +1 p3 e p1 , p2 , p3 ∈ S distintos aplique o Teorema de Riemann-Roth.)
12.11 Prove: Se S é Superfı́cie de Riemann compacta e g(S)≥2, existem p1 , . . . , pg(s) ∈S
Pg(S)
distintos tais que para o divisorD = k=1 1 pk éLS (D) = {0}, existem p1 , . . . , pg(s)∈S
tais que LS (D) 6= {0} e existe h∈S → C∞ com deg(h) ≤ g(S) . Se g(S) = 2, S é
conforme
Q à Superfı́cie de Riemann de uma curva algébrica plana afim com equação
w2 = m k=1 (z −ck ) com ck ∈ C para k = 1, . . . , m e m = 2g(S)+2 ou m = 2g(S)−1
Exercı́cios do capı́tulo 12 369

(neste caso com um ponto de ramificação em ∞). Estas Superfı́cies de Riemann


chamam-se hiperelı́pticas.
12.12 Prove:
P Pn
(a) Polinómios complexos f (z) = m ℓ
ℓ=0 aℓ z e g(z) =
s
s=0 bs z , com aℓ , bs ∈ C\{0}
para ℓ = 0, 1, . . . , m e s = 0, 1, . . . , n , têm um zero comum se e só se o resultante de
f e g é nulo. Chama-se resultante dos polinómios f e g a det R(f, g), em que
 
a0 a1 · · · · · · am
 a0 a1 · · · an−1 am 
 
 .. .. . . . 
 . . . .. .. 
 . 
 a a · · · a a 
 0 1 n−1 m 
R(f, g) =  ,
 b0 b1 · · · · · · bn 
 
 b 0 b 1 · · · b n−1 b n 
 
 .. .. . . . 
 . . . .. .. 
.
b0 b1 ··· bn−1 bn
em que as omponentes em bran o são nulas. (Sugestão: Verique que se v1 ∈ Cm ,
 
v2 ∈ Cn e S(x) = (1, x, . . . , xm+n−1 ) é v1t v2t R(f, g) S(x) = v1 (x) f (x) + v2 (x) g(x) , em
que v1 (x), v2 (x) são polinómios de graus, resp., ≤ m−1 e ≤ n−1 , e prove que f, g admitem
fa torização por um mesmo polinómio não onstante se e só se R(f, g) é não singular.)
(b) Teorema de Bézout: O no de pontos de intersecção (contando multiplicida-
des) de duas curvas no plano projectivo Z(P1 ) e Z(P2 ) com maior divisor comum
polinomial de P1 e P2 constante é o produto dos graus de P1 e P2 . (Sugestão: Apli-
que a ideia de (a) substituindo os números omplexos aℓ , bs por polinómios omplexos.)
12.13 Prove:
342
(a) Teorema de Lacuna de Weierstrass : Se S é uma Superfı́cie de Riemann
compacta e P ∈ S, existe N ⊂ S com g(S) números tal que não existem funções
meromorfas em S com pólo de ordem n ∈ N em P , e que 2 g(S)−1 majora N .
343
(b) Teorema de Lacuna de Noether : Se S é uma Superfı́cie de Riemann com-
pacta e P1 , . . . , Pk com k ≥ γ(S) são pontos distintos de S, para cada número natural
n ≤ g(S) não existem funções meromorfas em S sem pólos fora de {P1 , . . . , Pk },
com um pólo simples em Pn e no máximo pólos simples em P1 , . . . , Pn−1 .

342
Em inglês diz-se Weiertrass Gap Theorem.
343
Em inglês diz-se Noether Gap Theorem. Noether, Emmy (1882-1935).
Apêndice I

Elementos de topologia geral

I.1 Introdução
Neste apêndi e reúnem-se aspe tos bási os de noções topológi as de on-
juntos, om ênfase em ompa idade, onexidade e nas suas relações om fun-
ções ontínuas, on eitos usados nos vários apítulos e que, embora onhe i-
dos do estudo usual da Análise Real e fa ilmente adaptáveis para o ontexto
da Análise Complexa, bene iam de uma breve exposição aqui para mais
fá il referên ia. Para utilização em ontextos mais gerais do que C , e dado
que a apresentação não seria mais simples restringindo a este espaço, opta-
se pelo quadro mais geral de espaços métri os, in lusivamente identi ando
no nal o que permane e válido em espaços topológi os, mas onsiderando
apenas propriedades relevantes para C .

Figura I.1: Esquema das sete pontes de Königsberg no artigo de L. Euler

A 1a publi ação onhe ida om topologia é um artigo de L. Euler de


1736 om o título Solutio problematis ad geometriam situs pertinentis, em
que é resolvido o problema das pontes de Königsberg provando que não há
qualquer aminho que per orra as 7 pontes desta idade atravessando uma
só vez ada ponte (Figura I.1). O título do artigo revela que L. Euler sabia
que o assunto era do âmbito de uma geometria do lugar independente de
distân ias. O termo topologia só apare eu publi ado em 1847 num artigo de
372 Apêndice I

J.B.Listing344 , mas já tinha sido usado numa arta que tinha es rito em 1836
a um antigo professor, em que também indi ava que as ideias bási as sobre
este novo tema tinham sido aprendidas om C.F. Gauss, embora este não
tenha publi ado sobre o assunto. B. Riemann teve um papel importante no
desenvolvimento da topologia, nomeadamente a propósito das Superfí ies de
Riemann que onsiderou em 1857 no âmbito do estudo de funções omplexas.
O termo topologia não foi adoptado na altura e o assunto  ou onhe ido
por analysis situs, que traduzido à letra signi a análise do lugar. Foi om
este título que H. Poin aré publi ou em 1895 o 1o trabalho sistemáti o de
Topologia, em que introduziu as bases da Topologia Algébri a. O uso do
termo topologia só se generalizou a partir dos trabalhos de S. Lefs hetz345
do nal da dé ada de 1920, mais de sessenta anos após ter sido usado pela
1a vez por Listing.
O on eito bási o da Topologia é onjunto aberto. A ideia de onjunto
aberto, assim omo as de onjunto fe hado e ponto limite, foi introduzida
para onjuntos de números reais em 1872 por G. Cantor. A noção de vizi-
nhança de um ponto foi introduzida por K. Weierstrass em 1877 e utilizada
por G.Peano e C.Jordan em 1887, e por D.Hilbert em 1902. A noção de in-
terior, exterior e fronteira de um onjunto devem-se a G.Peano em 1887. C.
Jordan também refere em 1887, no Cours d’Analyse da École Polytechnique
de Paris, a noção de fronteira de um onjunto sem men ionar G. Peano346 ,
não sendo laro se hegou a este on eito independentemente.
O 1o estudo sistemáti o de topologia geral foi de M. Fré het, no on-
texto de espaços métri os, noção que introduziu na tese de doutoramento
que apresentou em 1906. Porém, a designação espaço métri o só apare eu
em 1914 por F.Hausdor. Um espaço métri o é um onjunto não vazio om
uma função que dá a distân ia de pares de elementos e satisfaz as proprie-
dades simples de ter valores reais não negativos, ser invariante om tro a da
ordem dos elementos, satisfazer a desigualdade triangular e ser zero se e só
se os pontos oin idem. Motivado por apli ações a espaços de funções, M.
Fré het estudou as propriedades bási as da topologia de sub onjuntos de um
espaço métri o a partir da noção de bola aberta om entro num ponto, que
é o onjunto dos pontos que distam dele menos de um valor hamado raio
da bola. Os espaços métri os tiveram grande importân ia a partir de 1920,
om os trabalhos de S. Bana h sobre espaços lineares normados de funções
e o desenvolvimento subsequente da Análise Fun ional. São um quadro par-
ti ularmente apropriado para onsiderar onvergên ia, em que a noção de
su essão de Cau hy, onsiderada pela 1a vez em 1817 por B. Bolzano e de-
pois por A.-L.Cau hy em 1824 tem um papel importante; devido à relevân ia
desta propriedade, quando se veri a diz-se que o espaço é ompleto347 .
344
Listing, Johann Benedict (1802-1882).
345
Lefschetz, Solomon (1884-1972).
346
Peano, Giuseppe (1858-1932).
347
Hausdorff, Felix (1868-1942). Banach, Stefan (1892-1945).
Elementos de topologia geral 373

O on eito de onjunto ompa to é fundamental por permitir passar de


famílias innitas de onjuntos abertos uja união ontém o onjunto ( ha-
madas oberturas abertas) a um no nito de elementos da família om união
que ainda ontém o onjunto. Esta passagem do innito ao nito é muito
útil e é uma das maneiras mais simples de obter resultados globais a partir de
resultados lo ais, i.e. válidos em vizinhanças de quaisquer pontos. Esta pro-
priedade de onjuntos ompa tos, hoje hamada Propriedade de Heine-Borel,
omeçou por ser usada por E. Heine num artigo de 1872 em que provou que
uma função real ontínua num intervalo limitado e fe hado de números reais é
uniformemente ontínua (Teorema de Heine-Cantor). Um outro ante edente
signi ativo da noção de ompa idade é o Teorema de Weierstrass de extre-
mos de funções ontínuas, publi ado por K. Weierstrass em 1877, segundo
o qual uma função ontínua num intervalo limitado e fe hado de números
reais assume um valor máximo e um valor mínimo nesse intervalo. Embora
utilizada impli itamente no artigo de E.Heine, a Propriedade de Heine-Borel
só foi expli itamente formulada em 1895, por E.Borel, no aso de oberturas
de intervalos limitados e fe hados de números reais por intervalos abertos
numeráveis. Esta propriedade foi depois estendida por H.Lebesgue em 1902
para oberturas por intervalos abertos não ne essariamente numeráveis, ra-
zão pela qual o Teorema de Heine-Borel também é onhe ido por Teorema
de Borel-Lebesgue. Em 1903 E.L.Lindelöf provou que toda obertura de um
sub onjunto de R por intervalos abertos tem uma sub obertura numerável,
o que estabele eu uma relação entre o modo omo a propriedade foi onside-
rada por E. Borel e a sua formulação por H. Lebesgue no aso de intervalos
limitados e fe hados de números reais. Em 1904 G.Vitali estendeu o Teorema
de Heine-Borel de intervalos limitados e fe hados para quaisquer onjuntos
limitados e fe hados de números reais. O termo  ompa to foi introduzido
por M. Fré het em 1906 na sua tese de doutoramento. A Propriedade de
Heine-Borel geral só apare eu em 1926, nos trabalhos de P. Uryshon e P.
Alexandro348 .
A noção de onjunto onexo foi introduzida por C. Jordan em 1893 para
sub onjuntos de um plano, a propósito do Teorema da Curva de Jordan que
estabele e que o omplementar de toda urva fe hada simples num plano
é a união de dois onjuntos abertos disjuntos e onexos. A denição geral
de onjunto onexo deve-se a F. Riesz, em 1906, e foi redes oberta por F.
Hausdor no trabalho de 1914 já referido.
Um espaço topológi o é um onjunto não vazio om uma família de sub-
onjuntos (designados onjuntos abertos) a que se hama topologia, que on-
tém todo o espaço e o onjunto vazio e é fe hada para interse ções nitas
e uniões nitas ou innitas de sub onjuntos. Uma vizinhança de um ponto
num espaço topológi o é um onjunto aberto que ontém o ponto. A noção
de espaço topológi o foi dada por F. Hausdor em 1914, embora D. Hilbert
348
Heine, Henrich (1821-1881). Uryshon, Pavel (1898-1924). Alexandroff, Pavel (1896-1982).
374 Apêndice I

já tivesse onsiderado em 1902 uma axiomáti a para vizinhanças num plano.


Um aspe to bási o da noção de espaço topológi o, até para entender até
que ponto é mais amplo do que o on eito de espaço métri o, é o de ondições
para uma topologia poder ser denida por uma distân ia, ou seja para que
um espaço topológi o seja metrizável. No período 1920-1930 esta questão
foi intensivamente estudada, prin ipalmente por P. Uryshon, P. Alexandro
e V.I. Smirnov, e levou à obtenção em 1950-51 de ondições ne essárias e
su ientes para um espaço topológi o ser metrizável por R.H.Bing, J.Nagata
e V.I. Smirnov. V.I. Smirnov estabele eu 1o uma ondição semelhante às
de R.H. Bing e de J. Nagata, na sequên ia do Teorema de Metrização de
Urysohn que deu uma ondição su iente para metrizabilidade, e depois
uma outra ondição om a noção de onjunto para ompa to, na sequên ia
de A.H.Stone ter provado em 1948 que os espaços topológi os metrizáveis são
para ompa tos. O on eito de onjunto para ompa to é uma generalização
de onjunto ompa to, introduzida em 1944 por J.Dieudonné, om apli ações
em Geometria Algébri a e em Geometria Diferen ial349 .
I.2 Espaços métricos e espaços completos
Chama-se distância num onjunto X 6= ∅ a d : X×X → [0, +∞[ tal que:
1 ) d(x, y) = d(y, x) , 2 ) d(x, z) = d(x, y)+d(y, z) , 3 ) d(x, y) = 0 ⇔ x = y .
Chama-se espaço métrico a um onjunto X 6= ∅ om uma distân ia d ,
(X, d) , que se designa simplesmente por X se a distân ia está implí ita. Um
sub onjunto Y 6= ∅ de um espaço métri o X também é espaço métri o om
a mesma distân ia, e diz-se que Y é subespaço métrico de X .
Considera-se num espaço métri o a topologia om base denida pelas
bolas abertas Br (x) = {y ∈ X : d(x, y) < r}, om x ∈ X e r > 0 , a que se
hama, resp., entro e raio da bola aberta, i.e. os conjuntos abertos são
todas as possíveis uniões (nitas ou innitas) destas bolas abertas. Chama-se
vizinhança de um ponto x ∈ X a qualquer onjunto aberto que o ontém.
Os conjuntos fechados são os omplementares de onjuntos abertos.
Para S ⊂ X , hama-se interior de S à união de todos onjuntos abertos
nele ontidos, designado int S , exterior de S a ext S = int X \S , fecho ou
aderência de S a S = X \ ext S , fronteira de S a ∂S = S \ int S .
Para qualquer S ⊂ X, {int S, ∂S, ext S} é uma partição de X , i.e. um
onjunto de onjuntos disjuntos om união igual a X .
Diz-se que um ponto é interior, exterior ou fronteiro de um onjunto
S ⊂ X se perten e, resp., a int S, ext S, ∂S . Chama-se ponto limite ou
349
Um espaço paracompacto é um espaço topológico tal que cada cobertura aberta tem um
refinamento localmente finito que é uma cobertura aberta do espaço. Um refinamento de uma
cobertura aberta é uma cobertura aberta em que cada elemento da 1a contém um elemento da
2a . Uma cobertura aberta é localmente finita se cada ponto do espaço tem uma vizinhança
com pontos em comum com apenas um no finito de elementos da cobertura. Smirnov, Vladimir
Ivanovich (1887-1974). Bing, R.H. (1914-1986). Nagata, Jun-iti (1925-). Stone, Arthur Harold
(1916-2000).
Elementos de topologia geral 375

ponto de acumulação de S a x ∈ X tal que toda a vizinhança tem pelo


menos um outro ponto de S .
Diz-se que S é denso em X se S = X . Diz-se que X é um espaço
separável se tem um sub onjunto numerável denso em X .
Uniões (numeráveis ou não) de conjuntos abertos são conjuntos abertos,
pois dado um ponto numa união, perten e a um dos onjuntos e, omo esse
onjunto é aberto, ontém uma vizinhança do ponto, que está in luída união
dos onjuntos, que, assim, é um onjunto aberto. Considerando omplemen-
tares, obtém-se: intersecções (numeráveis ou não) de conjuntos fechados são
conjuntos fechados.
Se Y ⊂ X , os onjuntos abertos do subespaço métri o Y de X são as
interse ções de Y om os sub onjuntos abertos de X , pelo que se diz que
ada um destes onjuntos é um conjunto aberto relativamente a Y . Os
onjuntos fe hados de Y são os omplementares em Y dos onjuntos abertos
relativamente a Y , pelo que são as interse ções de Y om os sub onjuntos fe-
hados de X , e diz-se que ada um destes onjuntos é um conjunto fechado
relativamente a Y .
Diz-se que uma su essão {xn } num espaço métri o converge para um
ponto x ou tem limite x se para toda vizinhança V de x existe N ∈ N tal
que xn ∈ V para todo n > N . Diz-se que x é um ponto limite da sucessão
{xn } se para toda vizinhança V de x e todo N ∈ N existe xn ∈ V om n > N .
Um ponto de um espaço métrico é ponto limite de uma sucessão se e só
se é limite de alguma subsucessão.
Uma sucessão {xn } num espaço métrico com distância d converge para
ℓ se e só se para todo ε > 0 existe N ∈ N tal que d(xn , ℓ) < ε para todo n > N .
Diz-se que uma su essão {xn } num espaço métri o é uma sucessão de
Cauchy se para todo ε > 0 existe N ∈ N tal que d(xm , xn ) < ε para todos
m, n > N (ou seja, em termos da distân ia, a denição de su essão de Cau hy
difere da de su essão onvergente, apenas por substituir a distân ia de termos
da su essão ao limite pela distân ia entre termos da su essão). Diz-se que
um espaço métri o é completo se todas su essões de Cau hy no espaço são
onvergentes.
Toda sucessão convergente num espaço métrico é sucessão de Cauchy.
Um subespaço de um espaço métrico completo é completo se e só se é
fechado.
Diz-se que uma função entre espaços métri os f : X → Y é contı́nua
num ponto a ∈ X se para toda vizinhança V de f (a) em Y existe uma
vizinhança U de a em X tal que f (U ) ⊂ V . Diz-se que f é contı́nua num
conjunto S ⊂ X se é ontínua em ada a ∈ S .
As condições seguintes são necessárias e suficientes para uma função en-
tre espaços métricos f : X → Y , com distâncias d em X e d′ em Y , serem
contı́nuas em a ∈ X:
1. Para todo ε > 0 existe δ > 0 tal que para todo x ∈ X
d(x, a) < δ ⇒ d′ f (x), f (a) < ε .
376 Apêndice I

2. Para toda sucessão {xn } ⊂ X convergente para a, a sucessão {f (xn )}


converge para f (a).
3. Preimagens de subconjuntos abertos de Y são subconjuntos abertos de
X , em que a preimagem de S ⊂ Y é f −1 (S) = {x ∈ X: f (x) ∈ S} .
Diz-se que uma função entre espaços métri os f : X → Y , om distân ias
d em X e d′ em Y , é uniformemente contı́nua  se para todos y, x ∈ X, ε > 0
existe δ > 0 tal que d(x, y) < δ ⇒ d′ f (x), f (y) < ε (ou seja as denições da-
das de ontinuidade e de ontinuidade uniforme só diferem pelo quanti ador
para todo y ∈ X  passar de último quanti ador para primeiro).
Uma função entre espaços métricos uniformemente contı́nua é contı́nua.
Kn , com K R ou C e n ∈ N , é um espaço métrico com a distân-
cia usual (x, y) 7→ kx − yk , em que para x = (x1 , . . . , xn ), com xj ∈ K,
Pn 
2 1/2 .
kx−yk = j=1 |xj −yj |
Se f é um função denida num onjunto X om valores reais, om R
onsiderado espaço métri o om a distân ia usual (x, y) 7→ |x − y| , hama-
se a oscilação de f em S ⊂ X a ω(f, S) = supS f − inf S f ( onsidera-se
ω(f, S) = +∞ se supS f ou inf S f não existe) e oscilação de f em x ⊂ X
por ω(f, x) = δ→0
lim ω f, Bδ (x) .
Se X é espaço métrico e R é considerado espaço métrico com a distância
usual, f : X → R é contı́nua num ponto a ∈ X se e só se a oscilação de f em
a é ω(f, a) = 0 .
É útil dominar a propriedade importante seguinte de onjuntos de pontos
de ontinuidade de funções om valores em Rn or Cn.
(I.1) Se X é espaço métrico, K é R ou C , n ∈ N e Kn é considerado
como espaço métrico com a distância usual, o conjunto de pontos de
continuidade de f : X → Kn é intersecção numerável de subconjuntos
abertos de X.

Dem. É válido em geral se é válido com K = R e n = 1 , pelo que se considera


este caso. Para ε > 0 designa-se Cε = {x ∈ X : ω(f, x) < ε}. O conjunto de
pontos de continuidade de f é C0 = {x ∈ X : ω(f,  x) = 0} = ∩k∈N C k1 . Se
x ∈ Ck , é ω(f, x) < k1 e, portanto, lim ω f, Bδ (x) < k1 , pelo que existe δk > 0
 δ→0
tal que ω f, Bδk (x) < k1 . Logo, y ∈ Bδk (x) implica ω(f, y) < k1 e, portanto,
y ∈ Ck , o que prova que cada Ck é um conjunto aberto. Q.E.D.

Segue-se um teorema importante e útil em espaços métri os ompletos350 .


350
Foi provado em 1899 por R.-L. Baire em Rn a propósito do estudo de conjuntos de pontos
de continuidade de funções de duas variáveis reais com valores reais contı́nuas separadamente em
cada uma das variáveis, e tinha sido provado em R. por William Osgood (1864-1943) em 1897, a
propósito da troca de limite com integral.
Elementos de topologia geral 377

(I.2) Se X é um espaço métrico completo, intersecções numeráveis de


abertos densos em X são densas em X.

Dem. Seja {Uj } um conjunto numerável de conjuntos abertos densos em X,


BR uma qualquer bola aberta de X e b ∈ BR . Com subdivisões sucessivas
de raios de bolas sucessivamente para menos de metade do raio da bola
r
precedente obtém-se uma sucessão de bolas abertas {Brn } com 0 < rj+1 < 2j
para j ∈ N tal que
BR ⊃ Br1 ∩ U1 ⊃ Br2 ⊃ Br2 ∩ U2 ⊃ Br3 ⊃ · · · ,
pois dada a bola Brn do passo n , como Un é denso em X, é Brn ∩ Un 6= ∅
e, portanto, existe bn ∈ Brn ∩ Un ⊂ BR . Como Brn ∩ Un é aberto, existe
uma bola Brn+1 com raio rn+1 ∈ ] 0, r2n [ tal que Brn+1 ⊂ Brn ∩ Un ⊂ Brn ∩ Un .
{bn } é uma sucessão de Cauchy e, como X é um espaço métrico completo,
converge para algum b ∈ X. Como para n > m é bn ∈ Brm e este conjunto é
fechado, b ∈ ∩∞ ∞
m=2 Brm ⊂ ∩m=1 Brm ∩ Um . Este conjunto é simultaneamente
subconjunto de ∩n∈N Un e de BR , pelo que b ∈ BR ∩n∈N Un . Logo, toda bola
de X tem pontos de ∩n∈N Un . Q.E.D.
Se X é um espaço métri o, diz-se que S ⊂ X é um conjunto magro ou
de 1a categoria de Baire em X se é união numerável de onjuntos om
fe hos om interiores vazios; aso ontrário, diz-se que S é um conjunto
gordo ou de 2a categoria de Baire351 em X .
Com esta terminologia, o Teorema de Baire pode ser enun iado:
(I.3) Teorema de Baire: Um espaço métrico completo é gordo nele próprio.

Tem-se a seguinte propriedade importante de espaços mátri os ompletos.


(I.4) Todo subconjunto numerável de um espaço métrico completo X é
magro em X e todo subconjunto S = 6 ∅ de X sem pontos isolados é
inumerável e gordo em X.

Dem. Todo conjunto numerável U é união numerável dos conjuntos singula-


res com cada um dos seus pontos; estes conjuntos são fechados e têm interior
vazio, pelo que U é magro. Como S 6= ∅ é subconjunto fechado do espaço
métrico completo X , é espaço métrico completo. Se S fosse numerável,
com S = {x1 , x2 , . . .}, cada S \{xj } seria aberto e denso e, do Teorema de
Baire, ∩j=1 (S \ {xj }) seria um conjunto gordo em S, em contradição com
esta intersecção ∅ . Logo, S não é numerável e é gordo em X . Q.E.D.
Uma onsequên ia imediata deste resultado é que bolas fechadas de um
espaço métrico completo X são conjuntos são inumeráveis gordos em X ,
porque são sub onjuntos fe hados não vazios sem pontos isolados, o que
também dá uma prova de C e R não serem numeráveis.
351
A noção de Categoria de Baire foi introduzida em 1899 por R.-L. Baire.
378 Apêndice I

Um sub onjunto de um espaço métri o é limitado se existe uma bola


aberta que o ontém, e é totalmente limitado se para todo ε > 0 existe
uma obertura do onjunto por um no nito de bolas abertas om raio ε
(uma cobertura de um sub onjunto S de um espaço é um onjunto de
sub onjuntos do espaço uja união ontém S ).
Um subconjunto totalmente limitado de um espaço métrico é limitado.
Chama-se diâmetro de um sub onjunto S de um espaço métri o ao
supremo (nito ou innito) das distân ias entre pares de pontos de S .
Do apítulo 1, C é um espaço métri o om a distân ia entre dois pontos
dada pelo valor absoluto da diferença dos pontos e, portanto, om a topologia
denida om base nos ír ulos abertos na métri a onsiderada. Vê-se no
apítulo 5 que C é um espaço ompleto e no apítulo 10 que é um espaço
separável, nomeadamente o onjunto dos pontos om partes real e imaginária
ra ionais é denso em C .
Como um sub onjunto numerável Q denso em C pode ser enumerado
por uma su essão Q = {qn }, não pode ser interse ção numerável de abertos
de C , pois aso ontrário seria Q = ∩n∈N Un para uma su essão {Un } de
sub onjuntos abertos de C e, omo Q é denso em C , ada Un teria de ser
denso em C e ∩n∈N (Un\{qn }) seria uma interse ção de abertos densos em
C e, portanto, do Teorema de Baire, esta interse ção seria densa em C , em
ontradição om ser o onjunto vazio. Por outro lado, C\Q = ∩n∈NC\{qn } é
uma interse ção de sub onjuntos abertos de C .
Em parti ular, de (I.1), não há funções de C em C om onjunto de
pontos de ontinuidade que seja um sub onjunto Q numerável denso em C ,
embora possa haver funções om onjunto de pontos de ontinuidade que
seja o omplementar de um tal onjunto. Pode-se dar um exemplo om o
onjunto Q dos números omplexos om partes real e imaginária ra ionais.
Analogamente, não há funções de R em R ontínuas nos números ra io-
nais e des ontínuas nos irra ionais, mas há funções ontínuas nos irra ionais
e des ontínuas nos ra ionais.
Os espaços lineares normados são espaços métri os om a distân ia
d(x, y) = kx − yk , que designa a norma do ve tor x − y . Há espaços line-
ares métri os que não são normados, e.g. R2 om a distân ia
 p p
d (x1 , x2 ), (y1 , y2 ) = |x1 −y1 | + |x2 −y2 | ,
p p
pois k(x1 , x2 )k = |x1 | +p |x2| não satisfaz
p a homogeneidade positiva de
normas (e.g. kt(1, 0)k = |t| k(1, 0)k e |t| = 6 |t| para t ∈ R \ {0, 1} ). Um
espaço linear real ou omplexo métri o (X, d) é normado se e só se
d(tx, ty) = |t| d(x, y) , d(x+z, y+z) = d(x, y) , x, y ∈ X, t ∈ K ,
em que K é o orpo dos es alares do espaço linear X (em aso armativo a
norma é kxk = d(x, 0) ). Há espaços métri os que não são espaços lineares,
e.g. qualquer X 6= ∅ om d(x, y) = 1 se x 6= y , e d(x, y) = 0 se x = y é um
espaço métri o om distân ia d .
Elementos de topologia geral 379

I.3 Conjuntos e espaços compactos


Seja (X, d) um espaço métri o.
Diz-se que K ⊂ X é um conjunto compacto se para toda obertura
aberta de K existe uma sub obertura nita352 de K . Considerando K omo
subespaço métri o de X , a ondição anterior veri a-se ou não independen-
temente de se onsiderarem onjuntos abertos de X ou onjuntos abertos do
subespaço métri o K (ou seja onjuntos abertos relativamente a K). Por isso,
se K é um onjunto ompa to, também se diz que é um espaço compacto.
A noção de ompa idade de um onjunto rela iona-se om a de onjunto
fe hado pelos dois resultados seguintes.
(I.5) Subconjuntos fechados de conjuntos compactos são compactos.

Dem. Se K é um conjunto compacto, F ⊂ K é fechado e U é uma cobertura


aberta de F , então U ∪ {X \ F } é uma cobertura aberta de K, pelo que
existe uma subcobertura aberta finita de K, que também é cobertura aberta
de F . Se esta cobertura contém X \F , a famı́lia obtida retirando-lhe este
conjunto é uma cobertura aberta de F , pelo que U tem uma subcobertura
aberta finita de F e, em consequência, F é compacto. Q.E.D.

(I.6) Subconjuntos compactos de um espaço métrico são fechados.

Dem. Se K é subconjunto compacto de um espaço métrico X e x ∈ X \K,


como {Bd(k,x)/2 (k) : k ∈ K} é cobertura aberta de K, existe uma subcober-
tura finita de K, {Bd(kj ,x)/2 (kj ) : j = 1, . . . , n}, e U = ∩nj=1 Bd(kj ,x)/2 (x) é
aberto, contém x e não intersecta elementos dessa subcobertura finita de K.
Logo, x ∈ U ⊂ X \K, pelo que X \K é aberto e K fechado. Q.E.D.
Consideram-se agora duas ara terizações de onjuntos ompa tos em
espaços métri os, uma pelas noções de onjunto totalmente limitado e espaço
métri o ompleto, e outra pela existên ia de pontos limite de su essões.
(I.7) Um subespaço de um espaço métrico é compacto se e só se é com-
pleto e totalmente limitado.

Dem. 1) Necessidade. Como o conjunto das bolas abertas com raio ε > 0
qualquer centradas em cada ponto de um espaço métrico X é uma cobertura
aberta de X, se K ⊂ X é compacto, existe uma subcobertura finita de K,
pelo que K é totalmente limitado. Se {xn } ⊂ K é sucessão de Cauchy e y ∈ K
não é o limite de {xn }, existe ε > 0 tal que d(xn , y) > ε para infinitos n ∈ N .
Como d(xm , y) ≥ d(xn , y)−d(xm , xn ) , tomando N ∈ N tal que d(xm , xn ) < 2ε
para m, n > N e escolhendo n > N tal que d(xn , y) > ε, é d(xm , y) > 2ε para
todo m > N , pelo que a bola aberta Bε/2 (y) contém um no finito de termos
352
Esta condição é conhecida por Propriedade de Heine-Borel.
380 Apêndice I

de {xn } . Se {xn } não fosse convergente, a famı́lia dos conjuntos abertos


com um no finito de termos da sucessão seria uma cobertura aberta de K e
existiria uma subcobertura finita de K. Cada elemento desta subcobertura
teria um no finito de termos de {xn }, pelo que K também teria um no finito
de termos de {xn }, em contradição com ser uma sucessão em K. Logo, {xn }
é convergente. Portanto, toda sucessão de Cauchy em K converge para
um ponto, que pertence a K porque, do penúltimo resultado anterior, K é
fechado, e, portanto, é um subespaço métrico completo de X .
2) Suficiência. Seja X um espaço métrico e K ⊂ X totalmente limitado e
completo. Prova-se por absurdo, com sucessivas divisões ao meio dos raios
de bolas de coberturas. Assim, supõe-se que existe uma cobertura aberta
U de K sem qualquer subcobertura finita de K. Como K é totalmente
limitado, há uma cobertura finita com elementos que são bolas abertas com
centros em pontos de K todas com raio εn = 21n , com n ∈ N . Se a cobertura
U tivesse alguma subcobertura finita para cada uma destas bolas abertas,
existiria uma subcobertura aberta finita de K e, como se supõe que tal não é
o caso, não existiria subcobertura finita de U que cobrisse alguma das bolas
abertas de raio ε1 consideradas, designada Bε1 (k1 ) . O conjunto K ∩ Bε1 (k1 )
é totalmente limitado, pelo que o argumento anterior garante que existiria
Bε2 (k2 ) com k2 ∈ K tal que não existiria subcobertura finita de U que
cobrisse alguma das bolas abertas com raio ε2 consideradas. Procedendo
assim sucessivamente, obter-se-ia uma sucessão {kn } tal que não existiria
subcobertura finita de U que cobrisse Bεn (kn ), para todo n ∈ N. Como
p
X X p
1 1
d(kn , kn+p ) < εj = 2n < 2n−1 , p∈N ,
j=0 j=0
{kn } seria uma sucessão de Cauchy, que, como K é completo, convergiria
para algum k ∈ K pertencente a algum elemento U ∈ U. Como U é aberto,
existiria δ > 0 tal que Bδ (k) ⊂ U . Para n suficientemente grande seria
d(kn , k) < 2δ e εn < 2δ , pelo que Bεn (kn ) ⊂ Bδ (k) ⊂ U . Logo, {U } ⊂ U seria
uma subcobertura finita de Bεn (kn ) , o que contradiz o que se supõe. Logo,
K satisfaz a Propriedade de Heine-Borel e, portanto, é compacto. Q.E.D.

(I.8) Teorema de Intersecção de Cantor:


Se {Kn } é uma sucessão de conjuntos compactos não vazios com
Kn ⊃ Kn+1 para n ∈ N , ∩∞
n=1 Kn é não vazio e compacto.

Dem. Se fosse S = ∩∞n=1 Kn = ∅ , a sucessão {Uj } em que cada Uj é o comple-


mentar de Kj , j ∈ N , seria uma cobertura aberta de K1 , pelo que existiria
uma subcobertura aberta finita {Uj1 , . . . , UjN } de K1 e o conjunto desta
subcobertura com maior ı́ndice conteria os outros, e existiria n ∈ N tal que
Kj ⊂ K1 ⊂ Un para todo j ∈ N , o que é contraditório porque Un não contém
os pontos de Kn 6= ∅ . Logo, S 6= ∅ . De (I.6), os conjuntos K2 , K3 , . . . são
fechados e, portanto, S = ∩∞n=2 Kn é fechado, logo compacto. Q.E.D.
Elementos de topologia geral 381

(I.9) Um subconjunto infinito de um compacto K tem ponto limite em K.

Dem. Se K é compacto e S ⊂ K é infinito sem qualquer ponto limite em K,


cada k ∈ K teria uma vizinhança com, no máximo, 1 ponto de S. Como K
é compacto existiria uma subcobertura finita de K e S seria finito, o que é
contraditório. Logo, K tem pelo menos um ponto limite de S. Q.E.D.

(I.10) Lema de Lebesgue: Para toda cobertura aberta de um subcon-


junto compacto K de um espaço métrico existe ε > 0 tal que todo subcon-
junto de K com diâmetro < ε está contido num elemento da cobertura.

Dem. Caso contrário, para cada n ∈ N existiria Sn ⊂ K de diâmetro inferior


a n1 não contido em nenhum dos elementos da cobertura. S = ∪n=1 Sn é
infinito, pois se não fosse, para n1 menor do que a distância mı́nima entre
pontos de S, cada Sn teria quanto muito um ponto e, em consequência,
estaria contido num elemento da cobertura. De (I.9), S tem pelo menos um
ponto limite p ∈ K, que pertence a algum elemento U da cobertura. Como
U é aberto, existe r > 0 tal que Br (p) ⊂ U . Logo, para infinitos números
naturais n > 2r é Sn ∩B 2r (p) 6= ∅ e, portanto, Sn ⊂ Br (p) ⊂ U , em contradição
com as especificações para escolha dos conjuntos Sn . Q.E.D.
Diz-se que um sub onjunto S de um espaço topológi o tem a Proprie-
dade de Bolzano-Weierstrass se toda su essão em S tem pelo menos um
ponto limite em S . Como num espaço métri o x é um ponto limite de uma
su essão se e só se existe uma subsu essão onvergente para x , a propriedade
de Bolzano-Weierstrass em espaços métri os é equivalente a toda su essão
de de S ter uma subsu essão onvergente para um ponto de S , pelo que se
diz que S é sequencialmente compacto353 .
(I.11) Teorema de Bolzano-Weierstrass: Um subconjunto de um
espaço métrico é compacto se e só se é sequencialmente compacto.

Dem. 1) Necessidade. De (I.9), qualquer sucessão num conjunto compacto


K com termos que assumem infinitos valores tem um ponto limite em K.
Caso contrário, pelo menos um ponto de K é assumido em infinitos termos
da sucessão, pelo que é um ponto limite da sucessão.
2) Suficiência. Se K é um subconjunto de um espaço métrico com a Pro-
priedade de Bolzano-Weierstrass, como toda sucessão de Cauchy com um
ponto limite em K converge para esse ponto, K é completo. Se K não é
totalmente limitado, existe ε > 0 tal que não há qualquer cobertura finita de
K com bolas abertas com raio ε > 0 . Constrói-se uma sucessão {xn } ⊂ K es-
colhendo x1 ∈ K arbitrário e, sucessivamente, xn+1 ∈ K \∪nj=1 Bε (xj ) . Como
353
Os teoremas de Arzelà-Ascoli e de Montel do capı́tulo 10 caracterizam pela Propriedade
de Bolzano-Weierstrass a compacidade de espaços de funções, resp., contı́nuas e holomorfas na
métrica correspondente à convergência uniforme em conjuntos compactos.
382 Apêndice I

d(xm , xn ) > ε para m, n ∈ N , nenhuma subsucessão de {xn } converge, em


contradição com a Propriedade de Bolzano-Weierstrass. Logo, se K tem
esta propriedade, é totalmente limitado, e, de (I.7), é compacto. Q.E.D.
Em R ou C os onjuntos ompa tos são os onjuntos limitados e fe hados.
(I.12) K ⊂ Rn ou K ⊂ Cn é compacto se e só se é limitado e fechado.

Dem. Rn e Cn são espaços métricos e, de um ponto de vista métrico, Cn é


idêntico a R2n, pelo que basta provar o resultado para Rn .
1) Necessidade. Se K ⊂ Rn é compacto, de (I.7), é totalmente limitado; logo,
é limitado, e, de (I.6) é fechado.
2) Suficiência. Se K ⊂ Rn é limitado e fechado e ε > 0 , como K é limitado,
existe R > 0 tal que para todo k ∈ K é K ⊂ I = [k−R, k+R]n . Subdividindo
sucessivamente m vezes ao meio cada aresta do intervalo, obtém-se uma
sucessão de subintervalos com centro em k e arestas com comprimentos
R
2m−1
. Para m grande, cada um destes subintervalos está contido na bola
aberta com centro em k e raio ε > 0 . Estas bolas abertas, com centro em
cada k ∈ K formam uma cobertura aberta de K, e, como K é compacto,
existe uma subcobertura finita. Logo, K é totalmente limitado. Como K é
fechado e Rn é um espaço métrico completo, de (I.7), K é compacto. Q.E.D.
Os resultados seguintes são de funções ontínuas em ompa tos.
(I.13) Se f é função contı́nua num espaço K compacto, f (K) é compacto.

Dem. Se U é uma cobertura aberta de f (K) , {f −1 (U )}U ∈U é uma co-


bertura aberta de K, pelo que existe uma subcobertura finita de K, e o
conjunto das imagens dos elementos desta cobertura é uma subcobertura fi-
nita de f (K) com elementos de U . Logo, para toda cobertura aberta f (K)
existe uma subcobertura finita de f (K) , e f (K) é compacto. Q.E.D.

(I.14) Teorema de Weierstrass de extremos de funções contı́-


nuas: Uma função com valores reais contı́nua num espaço compacto
K 6= ∅ assume máximo e mı́nimo em K.

Dem. De (I.13), se f é contı́nua num compacto K e f (K) ⊂ R , f (K) é


compacto e, de (I.12), é um subconjunto limitado e fechado de R , pelo que
tem supremo e ı́nfimo em R , que pertencem a f (K) pois este conjunto é
fechado, e, portanto, são, resp., máximo e mı́nimo de f em K. Q.E.D.

(I.15) Funções contı́nuas injectivas de um conjunto compacto não vazio


num espaço métrico são homeomorfismos.

Dem. Se K é um conjunto compacto, f é uma função injectiva contı́nua que


transforma K num subconjunto de um espaço métrico, e F ⊂ K é fechado, de
Elementos de topologia geral 383

(I.6) F é compacto, de (I.13), f (F ) também é compacto, e, de (I.6) é fechado.


Logo, f transforma conjuntos fechados em conjuntos fechados, pelo que,
como f é injectiva, preimagens de conjuntos fechados por f −1 são conjuntos
fechados, e, portanto, f −1 é contı́nua, e f é um homeomorfismo. Q.E.D.

(I.16) Teorema de Heine-Cantor: Funções contı́nuas de um espaço


métrico compacto num espaço métrico são uniformemente contı́nuas.

Dem. Se (K, d) é um espaço métrico compacto, f é uma função contı́nua


de K num espaço métrico (Y,d′ ) , e ε > 0 , para cada k ∈ K existe ρk > 0
tal que f Bρk (k) ⊂ Bε f (k) , pelo que U = {Bρk /2 (k) : k ∈ K} é uma
cobertura aberta de K, e, portanto, existe uma subcobertura finita de K.
Se δ > 0 é o menor dos raios das bolas em tal subcobertura finita de K,
para todo x, y ∈ K com d(x, y) < δ existe uma bola aberta na subcobertura
finita considerada com centro num ponto z ∈ K e raio ρ2z tal que d(x, z)  < ρ2z .
Logo, d(y, z)≤ d(y, x)+d(x, z) < δ + ρ2z ≤ ρz . Portanto, d′ f (x), f (z) < ε e
d′ f (y), f (z) < ε, pelo que d′ f (x), f (y) < 2ε. Conclui-se que qualquer
 que

seja ε > 0 existe δ > 0 tal que x, y ∈ K, d(x, y) < δ ⇒ d f (y), f (z) < ε, pelo
que f é uniformemente contı́nua em K. Q.E.D.

A distância de subconjuntos de um espaço métri o X om distân ia


d>0 é d(A, B) =a∈A,infb∈Bd(a, b) para A, B ⊂ X .
A distân ia de onjuntos fe hados pode ser 0 , e.g. dos grá os das funções
reais x1 e 0 , mas se um dos onjuntos é ompa to a distân ia não pode ser 0.

(I.17) Se K e F são subconjuntos não vazios, resp., compacto e fechado


de um espaço métrico com distância d , d(K, F ) > 0 .

Dem. Define-se em K a função f por f (x) = d({x}, F ) , que é > 0 porque


x não pertence a F = F . Para cada x, y ∈ K e ε > 0 existe a ∈ F tal que
d({x}, a) ≤ d({x}, F )+ε . Logo,
d({y}, F )−d({x}, F ) ≤ d(y, a) − d(x, a) + ε ≤ d(y, x)+ε ,
em que a última desigualdade se deve à Desigualdade Triangular. Como ε > 0
é arbitrário, f (y)−f (x) ≤ d(y, x) . Trocando x com y, |f (y)−f (x)|≤ d(y, x)
para x, y ∈ K . Logo, f : K → ]0, +∞[ é contı́nua e, do Teorema de Weierstrass
de extremos de funções contı́nuas, assume um valor mı́nimo m em K , pelo
que d(K, F ) = m > 0 . Q.E.D.
O resultado seguinte é uma apli ação de ompa idade que é utilizada no
apítulo 13 na prova de (??).
(I.18) Se K é um espaço métrico compacto com distância d e h : K → K
é um homeomorfismo expansivo no  sentido de existirem ε > 0 e C > 1
tais que d(x, y) < ε ⇒ d h(x), h(y) ≥ Cd(x, y) , então K é finito.
384 Apêndice I

Dem. De (I.13), h(K) é compacto. Como h−1 é uma função contı́nua de


h(K) em K, de (I.16), h−1 é uniformemente contı́nua, pelo existe δ > 0
tal que d h(x), h(y) < δ ⇒ d(x, y) < ε . Da hipótese de h ser expansivo,
d(x, y) ≤ C1 d h(x), h(y) < δ . A cobertura aberta {Bδ (x)}x∈K tem uma
subcobertura finita {Bδ (xj )}j=1,...,N com N ∈ N e {h−n (Bδ (xj ))}j=1,...,N é
uma cobertura finita de K por conjuntos com diâmetros ≤ Cδn qualquer que
seja n ∈ N , pelo que K é um conjunto finito. Q.E.D.
Se (X, d) é um espaço métri o, hama-se distância de Hausdorff no
onjunto P(X)\{∅} dos sub onjuntos não vazios de X a
n o
dH (A, B) = max sup inf d(a, b) , sup inf d(a, b) , A, B ∈ P(X)\{∅} .
a∈A b∈B b∈B a∈A
A distân ia de Hausdor em geral não é uma distân ia, e.g. se X
é ilimitado, dH (A, B) é innito se um dos onjuntos A, B ∈ P(X) \ {∅} é
limitado e ou outro ilimitado. Contudo, se (X, d) é um espaço métrico e K
é o conjunto dos subconjuntos compactos de X não vazios, (K , dH ) é um
espaço métrico com a distância de Hausdorff, que  a omo exer í io.

I.4 Conjuntos e espaços conexos


Seja (X, d) um espaço métri o.
Diz-se que S ⊂ X é conexo se não é união de dois onjuntos não vazios,
disjuntos e abertos relativamente a S ( omo um sub onjunto de S é aberto se
e só se o seu omplementar em S é fe hado, nesta denição pode-se substituir
abertos por fe hados); diz-se que é desconexo se não é onexo.
Considerando S omo subespaço métri o de X , a ondição anterior veri a-
se ou não independentemente de se onsiderarem onjuntos abertos de X ou
do subespaço S (i.e. onjuntos abertos relativamente a S ). Por isso pode-se
onsiderar um onjunto onexo omo um espaço conexo.
Se S é des onexo, hama-se separação de S a qualquer partição de S
em dois sub onjuntos abertos relativamente a S .
(I.19) Um conjunto S é conexo se e só se os seus únicos subconjuntos
abertos e fechados relativamente a S são S e ∅ . Se S é desconexo,
os subconjuntos abertos e fechados relativamente a S, são S, ∅ e os
conjuntos A ⊂ S tais que {A, S \A} é uma separação de S.

Dem. A ⊂ S é um subconjunto aberto e fechado relativamente a S se e só


se S \A também é. Como S = A∪ (S \A) , S é conexo se e só se A = ∅ ou
A\S = ∅ ; a última igualdade é equivalente a A = S. Q.E.D.
Diz-se que S ⊂ X é um onjunto conexo por caminhos se para ada
par de pontos de S existe um aminho em S om extremidades nesses pontos.
A noção de onjunto onexo tem ligações importantes a ontinuidade de
funções, omo é eviden iado no resultado seguinte.
Elementos de topologia geral 385

(I.20) Funções contı́nuas têm as propriedades:


1. Transformam conjuntos conexos em conjuntos conexos.
2. Um conjunto é conexo se e só se as funções contı́nuas desse con-
junto em {0, 1} são constantes.

Dem. 1) Se f é uma função contı́nua definida num conjunto conexo S e f (S)


fosse desconexo, existiriam conjuntos A, B não vazios, disjuntos e abertos
relativamente a f (S) tais que f (S) = A∪B. Como preimagens de conjuntos
abertos por uma função contı́nua são abertos relativamente ao domı́nio da
função, seria S = f −1 (A)∪f −1 (B) com f −1 (A), f −1 (B) não vazios, disjuntos
e abertos relativamente a S, em contradição com S ser conexo.
2) Se S é desconexo, existem A, B ⊂ S não vazios, disjuntos, abertos
relativamente a S e tais que S = A∪B. Define-se f : S → {0, 1} igual a 0 em
pontos de A e a 1 em pontos de B. Como preimagens por esta função de
subconjuntos de {0, 1} são um dos conjuntos A, B, S, ∅, todos conjuntos
abertos relativamente a S, f é contı́nua. Logo, se S é desconexo, existem
funções contı́nuas de S em {0, 1} que não são constantes. Reciprocamente,
se existe f : S → {0, 1} contı́nua e não constante, é S = f −1 (A) ∪ f −1 (B)
com f −1 (A) , f −1 (B) não vazios, disjuntos e abertos relativamente a S, pois
preimagens de conjuntos abertos por uma função contı́nua são conjuntos
abertos relativamente ao domı́nio da função. Logo, se existe uma função
f : S → {0, 1} contı́nua não constante, S é desconexo. Q.E.D.

(I.21) Se S é um conjunto conexo e S ⊂ T ⊂ S, T é conexo.

Dem. Se a restrição a S de uma função f contı́nua de T em {0, 1} é cons-


tante, como f é contı́nua em T ⊂ S também é constante em T . Logo, de 2
no resultado precedente, se S é conexo, também T é. Q.E.D.
Em R as noções de onjuntos onexo ou onexo por aminhos e intervalo
são indistinguíveis.
(I.22) Para S ⊂ R com mais de um ponto são condições equivalentes:
1. S é um intervalo.
2. S é conexo por caminhos.
3. S é conexo.

Dem. 1) implica 2). Se S é um intervalo, existem a < b tais que [a, b] ⊂ S .


A identidade em [a, b] é um caminho em S com extremidades a, b, pelo que
S é conexo por caminhos.
2) implica 1). Se S é conexo por caminhos e x, y ∈ S com x < y, existe um
caminho γ : [a, b] → S com e γ(a) = x e γ(b) = y . Como γ é uma função real
de variável real contı́nua, do Teorema de Bolzano, γ assume todos números
reais entre x e y, pelo que S é um intervalo.
386 Apêndice I

1) implica 3). Se S é um intervalo e f : S → {0, 1} é contı́nua e assume os


valores 0 e 1 no intervalo S, do Teorema de Bolzano, f assume todos números
reais entre 0 e 1, em contradição com só poder ter estes dois valores. Logo,
f é constante em S e, de (I.20.2), S é conexo.
3) implica 1). Se S é conexo e fosse x < z < y com x, y ∈ S e z ∈
/ S, A = ]−∞, z[
e B = ]z, +∞[ seriam conjuntos abertos disjuntos tais que S ⊂ A∪B e tanto
A ∩ S como B ∩ S seriam não vazios, em contradição com S ser conexo.
Logo, z ∈ S e, portanto, S é um intervalo. Q.E.D.
Mesmo em geral, as noções de onjunto onexo e de onjunto onexo por
aminhos estão interligadas, omo se vê nos dois resultados seguintes.
(I.23) Todo conjunto conexo por caminhos é conexo.

Dem. Se S é um conjunto conexo por caminhos, f : S → {0, 1} é contı́nua


e x, y ∈ S são arbitrários, existe um caminho γ : [a, b] → S com γ(a) = x e
γ(b) = y . f ◦ γ : [a, b] → {0, 1} é contı́nua e, como do resultado precedente
o intervalo [a, b] é conexo, de (I.20.2), f ◦ γ é constante em [a, b] . Logo,
f (x) = f (y) para todos x, y ∈ S , e outra vez de (I.20.2), S é conexo. Q.E.D.

(I.24) Um subconjunto aberto de um espaço métrico é conexo se e só se


é conexo por caminhos.

Dem. Se S não é conexo por caminhos e x, y ∈ S não podem ser ligados por
caminhos em S, designando por A o conjunto de pontos de S que podem
ser ligados a x por caminhos em S, verifica-se x ∈ S e y ∈ / S. Considera-se
f : S → {0, 1} tal que f (z) = 0 se z ∈ A e f (z) = 1 se z ∈ S \A . Se w ∈ S,
como S é aberto, existe uma bola aberta Br (w) ⊂ S. Br (w) é um conjunto
convexo e, portanto, é conexo por caminhos. Se w ∈ A , todos  pontos de
Br (w) podem ser ligados a x por caminhos em S, e f Br (w) = {0}. Se
w ∈ S\A , nenhum ponto de  Br (w) pode ser ligado a x por caminhos em S, e
f Br (w) = {1}, f Br (y) = {0}. Logo, f é contı́nua em todo w ∈ S, f (x) = 0
e f (y) = 1 , e, de (I.20.2), S é desconexo. Portanto, se S é conexo, é conexo
por caminhos. O recı́proco é imediato do resultado precedente. Q.E.D.
Qualquer aminho num onjunto aberto pode ser arbitrariamente apro-
ximado por aminhos se ionalmente regulares no onjunto, e qualquer a-
minho num sub onjunto aberto de um espaço métri o linear de dimensão
nita (e.g. Rn ou Cn) pode ser arbitrariamente aproximado por aminhos
poligonais simples que são a on atenação de segmentos de re ta paralelos a
ada um dos elementos de uma qualquer base do espaço linear xada (e.g.
no aso de Rn ou Cn aos ve tores da base anóni a354 .
354
Em alternativa, um caminho num subconjunto aberto de Rn ou Cn pode ser arbitrariamente
aproximado por caminhos poligonais simples concatenação de segmentos de recta não paralelos a
cada um dos elementos de uma qualquer base do espaço linear fixada (e.g. no caso de Rn ou Cn
aos vectores da base canónica).
Elementos de topologia geral 387

Portanto, para conjuntos abertos conexidade é equivalente a conexidade


por caminhos seccionalmente regulares, e em Rn (resp., C equivalente a co-
nexidade por caminhos poligonais uniões de segmentos de recta paralelos aos
eixos coordenados (resp., eixos real e imaginário).
O exemplo seguinte é de um onjunto onexo não onexo por aminhos.
(I.25) Exemplo: Considera-se o conjunto S = C1 ∪C2 , em que C1 é o seg-
mento de recta {(0, y)∈R2 : |y|≤1} e C2 é o gráfico da função f : [0, 1] → R
com f (x) = sin πx (Figura I.2).
C2 é conexo por caminhos, pois se (a  1 , a2 ), (b1 , b2 ) ∈ C2 e a1 < b1 , então
γ : [a1 , b1 ] → R2 tal que γ(t) = t, sin πt é um caminho em S que liga os
dois pontos. Se existisse um caminho λ = (λ1 , λ2 ) : [a, b] → S ⊂ R2 de
1 1
2 , 0 ∈ C2 a (0, 0) ∈ C1 , seria λ1 (a) = 2 e λ1 (b) = 0 , pelo que, do Teorema de
Bolzano, existiriam sucessões estritamente crescentes {tn }, {sn } ⊂ [a, b] , com
1 2
tn < sn < tn−1 e λ1 (tn ) = 2n , λ1 (sn ) = 4n+1 , limitadas, crescentes e com
limites iguais a algum L ∈ [a, b] . Como λ(tn ) → (0, 0) e λ(sn ) → (0, 1) , λ não
tem limite no ponto t = L , o que contradiz a continuidade de λ . Logo, S
não é conexo por caminhos.
Ss S fosse desconexo, existiriam conjuntos A, B não vazios, disjuntos e
abertos relativamente a S tais que S = A∪B . Como o fecho de C2 é S, se
qualquer dos conjuntos A ou B contivesse pontos de C1 , também conteria
pontos de C2 . Logo, tanto A como B teriam pontos de C2 . Os conjuntos
Ae = A ∩ C2 e B e = B ∩ C2 seriam não vazios, disjuntos e abertos relativamente
a C2 , em contradição com C2 ser conexo. Portanto, S é conexo.
Em conclusão, S é conexo, mas não é conexo por caminhos.

Figura I.2: Conjunto conexo que não é conexo por caminhos

(I.26) Uniões (finitas ou infinitas) de conjuntos conexos com intersec-


ção não vazia são conjuntos conexos.

Dem. Se F é uma famı́lia de conjuntos conexos com T = ∩F ∈F F 6= ∅ ,


S = ∪F ∈F F e U, V são conjuntos abertos tais que U ∪V ⊃ S e S ∩U , S ∩V
são disjuntos, com a ∈ T , que, sem perda de generalidade, se supõe a ∈ U
388 Apêndice I

(caso contrário troca-se U com V ), então para todo F ∈ F é a ∈ F e, como


F é conexo, tem de ser F ∩ V = ∅ , e S ∩ V = ∅ , pelo que S é conexo. Q.E.D.

(I.27) A intersecção de uma sucessão {Kn }n∈N de subconjuntos não


vazios compactos conexos de um espaço métrico com Kn ⊃ Kn+1 é não
vazia, compacta e conexa.

Dem. Do Teorema de Intersecção de Cantor (I.8), S = ∩∞


n=1 Kn 6= ∅ e compacto.
Se S é desconexo, existem abertos A, B tais que S = (A ∩ S) ∪ (B ∩ S)
com A ∩ S 6= ∅ , B ∩ S 6= ∅ , A ∩ B ∩ S = ∅ , e S ⊂ A ∪ B. Se U é uma
cobertura aberta de A ∩ S, as uniões de elementos de U com B formam
uma cobertura aberta de S e, como S é compacto, existe uma subcober-
tura finita de S e os elementos de U envolvidos nessa subcobertura for-
mam uma subcobertura finita de A∩S . Logo, A∩S e, pela mesma razão,
B ∩ S são compactos, e são disjuntos porque A∩ B ∩ S = ∅ . As bolas cen-
tradas em cada ponto de cada um dos conjuntos A ∩ S e B ∩ S com raios
metade de raios suficientemente pequenos para não intersectarem o outro
conjunto são coberturas abertas dos resp. conjuntos compactos, pelo que
existem correspondentes subcoberturas finitas. As uniões dos elementos de
cada uma dessas subcoberturas são conjuntos abertos disjuntos, cada um
incluindo o resp. conjunto A∩S e B ∩S, pelo que se pode supor sem perda
de generalidade que A e B são disjuntos (basta substituir A, B iniciais pelas
intersecções com os conjuntos abertos obtidos que separam A∩S e B ∩S).
Os conjuntos Fn = Kn\(A∪B) são fechados por serem complementares de
conjuntos abertos em conjuntos fechados, e, de (I.6), são compactos com
Fn ⊃ Fn+1 para n ∈ N , ∩∞ ∞
n=1 Fn = ∩n=1 Kn\(A∪B) = ∅ . Do Teorema de In-
tersecção de Cantor (I.8), Fn = ∅ para algum n ∈ N e, portanto, Kn ⊂ A ∪ B
e Kn = (A ∩ Kn ) ∪ (B ∩ Kn ) . De A ∩ S 6= ∅ , B ∩ S 6= ∅ e S ⊂ Kn , também
A∩Kn 6= ∅ , B ∩Kn 6= ∅ , com A e B disjuntos, pelo que Kn não é conexo.
Portanto, se S não é conexo, para algum n ∈ N o conjunto Kn não é conexo.
Logo, se Kn é conexo para todo n ∈ N , S é conexo. Q.E.D.
O resultado seguinte estabele e que qualquer onjunto não vazio pode ser
de omposto de modo úni o em sub onjuntos onexos máximos, hamados
omponentes onexas do onjunto onsiderado. Mais pre isamente, diz-se
que T ⊂ S é uma componente conexa de S se T é onexo e não existe
qualquer outro sub onjunto onexo de S que ontém T .
(I.28) Todo conjunto 6= ∅ tem uma partição em componentes conexas única.

Dem. Se a é um ponto de um conjunto S 6= ∅ e Ca é a união de todos


subconjuntos conexos de S que contêm a, de (I.26), Ca é um subconjunto
conexo de S. Se B ⊂ S é conexo e a ∈ B, de (I.26), Ca ∪B é conexo e contém
a , pelo que B ⊂ Ca e, portanto, Ca é uma componente conexa de S. Logo,
para cada par de pontos a, b ∈ S existem componentes conexas Ca e Cb que
Elementos de topologia geral 389

contêm, resp., a e b , e verifica-se a alternativa Ca = Cb ou Ca ∩ Cb = ∅ . Logo,


{Ca : a ∈ S} é uma partição única de S em componentes conexas. Q.E.D.

(I.29) Componentes conexas de subconjuntos abertos de um espaço mé-


trico são conjuntos abertos.

Dem. Se S é aberto e a ∈ S, existe um subconjunto aberto de S que contém


a bola aberta Br (a) ⊂ S . Se Ca é a componente conexa de S que contém
a ∈ S, como Br (a) é conexo, é Br (a) ⊂ Ca . Logo, as componentes conexas
de S são conjuntos abertos. Q.E.D.
Há onjuntos om innitas omponentes onexas (e.g. um onjunto in-
nito de pontos isolados), o que pode a onte er mesmo para onjuntos
abertos
 1(e.g.1 uma união innita de intervalos abertos disjuntos de R omo
n=1 n+1 , n ). Apesar de haver sub onjuntos de R om innitas ompo-
∪∞
nentes onexas não numeráveis, tal não a onte e para onjuntos abertos, pois
em espaços métri os separáveis (e.g. Rn e Cn) as omponentes onexas de
um onjunto aberto são numeráveis, omo se prova a seguir.
(I.30) O conjunto das componentes conexas de um subconjunto aberto
de um espaço métrico separável é numerável.

Dem. Se S é subconjunto aberto de um espaço métrico separável, do resul-


tado precedente, as componentes conexas de S são conjuntos abertos e, como
X é separável, existe um conjunto numerável Q ⊂ S denso em S. Cada con-
junto aberto A ⊂ S . Logo, cada componente conexa de S contém um ponto
qa ∈ Q , pelo que as componentes conexas de S são numeráveis. Q.E.D.
Diz-se que S ⊂ X é localmente conexo (resp., localmente conexo
por caminhos) se para todo ponto de S , todo onjunto aberto relativamente
a S a que o ponto perten e ontém um sub onjunto aberto que ontém o
ponto relativamente a S onexo (resp., onexo por aminhos).
Tal omo para a noção de onjunto onexo, onsiderando S omo subes-
paço métri o de X , a ondição anterior veri a-se ou não independentemente
de se onsiderarem onjuntos abertos de X ou onjuntos abertos do subes-
paço S (i.e. onjuntos abertos relativamente a S). Assim, pode-se onsiderar
um onjunto lo almente onexo omo um espaço localmente conexo e a
denição pode ser simpli ada onsiderando onjuntos abertos do espaço S .
(I.31) Exemplos:
1. Considera-se o espaço métrico R com a distância usual d(x, y) = |x−y| .
Este espaço é localmente conexo, pois toda bola com raio ε > 0 e centro
num ponto x é um conjunto aberto conexo e qualquer conjunto aberto que
contém x também contém uma destas bolas. Com S = {0} ∪ n1 : n ∈ N ,
Ir =] − r, r[ e Sr = S ∩ Ir para r > 0 , cada um dos conjuntos Sr contém 0
390 Apêndice I

e é aberto relativamente a S, todo conjunto aberto relativamente a S que


contém 0 contém um conjunto Sa para algum  0 < a < 1 e, com b um número
irracional com 0 < b < a3 é Sa = Sb ∪ Sa \Sb , em que os dois conjuntos no
lado direito são disjuntos não vazios e abertos relativamente a S, pelo que
Sa é desconexo.
2. Um exemplo simples de subconjunto não localmente conexo denso no
espaço métrico R com distância d é Q , pois todo o argumento no último
perı́odo do exemplo precedente é válido substituindo S = {0}∪{ n1 : n ∈ N}
por S = Q .
3. S =]0, 1[ ∪ ]2, 3[ é localmente conexo, pois dado um subconjunto U de S
aberto relativamente a S que contém um ponto x ∈ S, a vizinhança de x
com raio min{x, |x−1|, |x−2|, |x−3|} é um subconjunto aberto conexo de S
que contém x , mas S é desconexo pois ]0, 1[ , ]2, 3[ são não vazios disjuntos
e abertos relativamente a S.

4. O subconjunto S = x+i sin x1 : 0 < x < 1 do espaço métrico C com a
distância usual é conexo porque é o fecho da imagem da função contı́nua
x + iy 7→ x + sin x1 definida no conjunto conexo ]0, 1[+iR . Contudo, não é
localmente conexo; e.g. todo subconjunto de S aberto relativamente a S que
contém o ponto i 12 é desconexo porque 1 π
 as rectas de equação Re z = 2 +2kπ
1
com k ∈ N não intersectam S ∩B 1 i 2 e todos subconjuntos abertos relativa-
4
mente a S que contêm i 12 têm pontos com partes reais menores e com partes
reais maiores do que π2 +2kπ para k ∈ N suficientemente grande.
Estes exemplos mostram que um conjunto conexo pode não ser localmente
conexo e um conjunto localmente conexo pode não ser conexo.
Seguem-se várias ara terizações de onjuntos lo almente onexos.
(I.32) Se S é um subconjunto de um espaço métrico, as condições
seguintes são equivalentes:
1. S é localmente conexo,
i.e. Para todos x ∈ S e U ⊂ S aberto relativamente a S que contém
x existe um subconjunto conexo aberto de U que contém x.
2. Para todos x ∈ S e U ⊂ S aberto relativamente a S que contém x
existe um subconjunto conexo de U que contém um conjunto aberto
relativamente a S a que pertence x.
3. Todo subconjunto de S aberto relativamente a S é união de sub-
conjuntos conexos de S abertos relativamente a S.
Se S também é compacto, a condição seguinte equivale às anteriores:
4. Para todo ε > 0 existe δ > 0 tal que dois pontos de S que distam
< δ pertencem a um subconjunto conexo de S com diâmetro < ε .

Dem. É imediato que 3 ⇒ 1 ⇒ 2 e 4 ⇒ 2 . 2 ⇒ 3 porque, de 2, se x ∈ S


e U ⊂ S é aberto relativamente a S e existe um conjunto conexo C que
contém um conjunto aberto U a que pertence x e, por isso, existe uma bola
Elementos de topologia geral 391

aberta Brx (x) ⊂ U com centro em x , pelo que U = ∪x∈U Brx (x) e, como
as bolas de um espaço métrico são conexas, verifica-se 3. As implicações
estabelecidas, com a transitividade de implicações, provam que 1, 2, 3 são
equivalentes. Para provar a equivalência com 4 no caso de S ser compacto,
basta provar que uma das condições 1,2,3 implica 4. Prova-se que 1 ⇒ 4 .
Se O é o conjunto de todos conjuntos conexos abertos relativamente a S
com diâmetro < ε, e δ = inf{d(x, y) : (x, y) ∈ S 2 \∪U ∈O U 2 }, em que d é a
distância do espaço métrico, como S 2 \∪U ∈O U 2 é um subconjunto fechado
do compacto S 2 , também é compacto, pelo que o ı́nfimo é atingido em algum
ponto (x, y) ∈ S 2 \∪U ∈O U 2 , e, de 1, δ > 0 . Q.E.D.
Funções ontínuas preservam ompa idade e onexidade e em espaços
métri os também preservam ompa idade e onexidade lo al simultânea. Em
parti ular, curvas num espaço métrico descritas por caminhos definidos em
intervalos compactos são conjuntos compactos localmente conexos.

(I.33) Se X, Y são espaços métricos, f : X → Y é contı́nua e S ⊂ X é


compacto e localmente conexo, também f (S) é.

Dem. Como f (S) é compacto e preimagens de conjuntos abertos (resp.,


fechados) por funções contı́nuas são conjuntos abertos (resp., fechados) rela-
tivamente a S, dado y ∈ f (S) e uma vizinhança N de y tem-se f −1 ({y}) ⊂ S
fechado e f −1 (N ) ⊂ S aberto, ambos relativamente a S, e como S é com-
pacto, f −1 ({y}) também é compacto. Seja O o conjunto dos subconjuntos
de f −1 (N ) conexos e abertos relativamente a S que intersectam f −1 ({y}) .
∪U ∈O f (U ) é um subconjunto conexo de N porque é união de conjuntos cone-
xos (por serem imagens de conjuntos conexos por uma função contı́nua) com 
intersecção 6= ∅ (por todos conterem y), e contém f (S) \ f S \∪U ∈O f (U ) ,
que é aberto relativamente a f (S) e contém y . Logo,de 2 no resultado
precedente, f (S) é localmente conexo. Q.E.D.
O resultado seguinte dá uma ondição su iente para um sub onjunto
fe hado da superfí ie de uma esfera em dimensão 3 om a distân ia esféri a
ser lo almente onexo. Pode-se provar que o re ípro o também é verdadeiro,
ou seja a ondição enun iada é ne essária e su iente para um sub onjunto
fe hado da superfí ie de uma esfera em dimensão 3 om a distân ia esféri a
ser lo almente onexo.
(I.34) Se K é um subconjunto fechado da superfı́cie S 2 de uma esfera
em dimensão 3 com a distância esférica, as fronteiras das componentes
conexas de S 2 \K são localmente conexas e para todo ε > 0 o conjunto
dessas componentes com diâmetros > ε é finito, K é localmente conexo.
 
Dem. De (I.32.4), para todo ε > 0 existe δ ∈ 0, 2ε tal que para cada
componente conexa Uj de S 2 \ K e dois pontos de ∂Uj a distância < δ
392 Apêndice I

pertencem a um subsconjunto conexo de ∂Uj de diâmetro < δ2 . Para cada


y ∈ K ∩ Bδ (x) seja Gx,y o arco de cı́rculo máximo de S 2 com extremidades
x e y de menor comprimento ou se x e y são diametralmente opostos um
qualquer dos dois arcos de cı́rculo máximo de S 2 com extremidades x e y .
Substituindo cada componente conexa de Gx,y\K por um subconjunto conexo
da fronteira do correspondente conjunto Uj com diâmetro < 2ε obtém-se um
subconjunto conexo de K ∩ Nε (x) que contém x e y . Logo, K é localmente
conexo. Q.E.D.

I.5 Espaços topológicos (não) metrizáveis


Não é ne essário, e por vezes não é possível, expressar relações de vizi-
nhança em termos de distân ias. É fá il observar que muitas das proprieda-
des anteriores são formuladas e estabele idas a partir de on eitos denidos
em termos de onjuntos abertos. Os onjuntos abertos são denidos em es-
paços métri os om base numa distân ia, mas a noção de espaço topológi o
onsidera dire tamente onjuntos abertos a partir de propriedades bási as,
independentemente da noção de distân ia. Nem todos espaços topológi os
são metrizáveis. O obje tivo desta se ção é alertar para a noção de espaço
topológi o e para alguns dos seus aspe tos elementares, onsiderados a pro-
pósito das noções das se ções anteriores355 .
Dado um onjunto X 6= ∅ hama-se topologia em X a uma família T
de sub onjuntos de X que ontém X e ∅ , e é fe hada para uniões (nitas ou
innitas) e interse ções nitas de onjuntos. Um espaço topológico é um
onjunto X 6= ∅ om uma topologia. Os conjuntos abertos de um espaço
topológi o são os elementos da sua topologia.
Tal omo em espaços métri os, um sub onjunto Y de um espaço topoló-
gi o X om topologia T é um espaço topológi o om a topologia que onsiste
na interse ção de Y om os elementos de T , i.e. os conjuntos abertos re-
lativamente a Y , pelo que se diz que esta é a topologia em Y herdada
da, ou induzida pela, topologia em X , e que este espaço topológi o Y é um
subespaço topológico de X .
Diz-se que uma família B de onjuntos abertos de um espaço topológi o
é uma base da topologia se para ada ponto do espaço e ada onjunto
aberto U que o ontém existe um elemento de B que ontém esse ponto e
está ontido em U .
A família das bolas abertas de um espaço métri o é uma base da topologia
do espaço. Dada uma base de uma topologia, os conjuntos abertos são todas
as uniões (finitas ou infinitas) de elementos da base.
É útil poder espe i ar uma topologia a partir de uma base, para o que
é ne essário identi ar as propriedades que uma família de onjuntos deve
355
Um excelente texto de topologia geral que contém os aspectos aqui mencionados e muitos
outros é o livro de J.R. Munkres indicado na bibliografia: Topology, 2nd edition, Prentice-Hall,
Englewood Cliffs, New Jersey, 2000. Munkres, James (1930-).
Elementos de topologia geral 393

satisfazer para ser base de alguma topologia.


Uma famı́lia B de subconjuntos de X 6= ∅ é base de alguma topologia
em X se e só se cada ponto de X está contido em pelo menos um elemento
de B e para cada ponto da intersecção de dois elementos de B existe um
elemento de B contido nessa intersecção que contém o ponto.
Há espaços topológi os que não sãométri os. Um exemplo muito simples
é X = {0, 1} om a topologia T = ∅, {0}, {0, 1} , pois se d fosse uma
distân ia em X , seria d(0, 0) = 0 = d(1, 1), d(0, 1) = D > 0 e BD (1) = {1} seria
aberto, mas {1} ∈/ T .
Para onsiderar um exemplo de espaço topológi o que não é espaço mé-
tri o mais natural e útil, onsidera-se a noção de seminorma em espaços
lineares reais ou omplexos.
Chama-se seminorma num espaço linear real ou omplexo V a uma
função om as propriedades de denição de norma ex epto que pode haver
ve tores não nulos om seminorma nula.
Uma seminorma num espaço linear real ou omplexo pode não ser uma
norma, e.g. no espaço linear omplexo das das funções ontínuas do intervalo
real [−1, 1] em C, designado C 0([−1, 1], C) , f 7→ kf k = |f (0)| .
Qualquer famı́lia de seminormas num espaço linear V real ou complexo
define uma topologia em V pelos conjuntos S tais que S = int S, em que
x ∈ int S se para todo f ∈ F existe r > 0 tal que {y ∈ V : ky−xkf < r} ⊂ S.
O espaço linear omplexo das funções om valores omplexos denidas
e ontínuas na bola fe hada B1(0) ⊂ C , designado C 0 B1(0), C , om a
família de seminormas F = {k · kx }x∈B (0) , em que kf kx = |f (x)| , é um
espaço topológi o que não é metrizável (i.e. não existe qualquer distân ia
1

neste espaço que dena a mesma topologia). Neste espaço, uma su essão
{fn } onverge para f se e só se onverge pontualmente para f , ou seja
fn (x) → f (x) qualquer que seja x ∈ [−1, 1] , pelo que se diz que a topologia
denida pela família de seminormas  onsiderada é a topologia da con-
vergência pontual em C 0 B1 (0), C . Outro exemplo útil é a topologia da
onvergên ia uniforme em onjuntos ompa tos, por exemplo no onjunto
C 0 (C, C) das funções ontínuas f : C → C , om a família de seminormas
F = {k · kK }K∈K , em que K é o onjunto dos sub onjuntos ompa tos de C
e para ada K ∈ K e f ∈ C 0(C, C) , kf kK = max f (K) , hamada topologia
compacta-aberto356 em C 0 (C, C) .
Os on eitos onsiderados em espaços métri os na se ção 2 são todos de-
nidos em termos de onjuntos abertos, om ex epção das noções de bola
aberta, onjunto limitado, onjunto totalmente limitado, diâmetro de on-
junto, su essão de Cau hy, espaço ompleto, função uniformemente ontínua
e os ilação de função, pelo que, om ex epção destas 8 noções, podem ser
356
Foi introduzida em 1945 por Ralph Fox (1913-1973). A razão do nome é que uma base da
topologia é o conjunto dos conjuntos V (K, U ) = {f ∈ C 0 (C, C) : f (K) ⊂ U } com K compacto e U
aberto.
394 Apêndice I

onsiderados em espaços topológi os. É de notar que em espaços topológi os


uma su essão pode ter mais de um limite, e pode ter um ponto limite que
não é limite de uma qualquer das suas subsu essões. O Teorema de Baire
pode falhar; se é válido, diz-se que é um espaço topológico de Baire.
As noções de onjunto e espaço ompa to da se ção 3 também fazem
sentido no ontexto mais geral de espaços topológi os, pois são denidas
em termos de onjuntos abertos. Portanto, os resultados da se ção 3 para
onjuntos ompa tos são válidos em espaços topológi os, om ex epção357
de (I.6), (I.7), (I.10), (I.11), (I.13), (I.15), (I.16), (I.17) e (I.18).
A prova de (I.6) exige que para qualquer par de pontos distintos do espaço
haja pares de onjuntos abertos disjuntos om ada um dos pontos. Quando
tal é o aso diz-se que o espaço topológi o é um espaço de Hausdorff.
Assim, (I.6) ainda é válida em espaços topológi os de Hausdor.
Limitação total, diâmetro, ontinuidade uniforme e distân ia de dois on-
juntos são noções métri as. Não fazem sentido em espaços topológi os e, as-
sim, (I.7), (I.10), (I.16)), (I.17) e (I.18) nem sequer podem ser formulados em
espaços topológi os. Na prova de (I.15), (I.6) é a úni a propriedade que se
usou que pode falhar em espaços topológi os gerais, pelo que (I.15) é válido
em espaços de Hausdor.
Quanto ao Teorema de Bolzano-Weierstrass (I.11), a prova da ne essi-
dade da ondição permane e válida em espaços topológi os gerais, mas a da
su iên ia usa limitação total e a overgên ia de toda su essão de Cau hy
om um ponto limite, que podem falhar em ertos espaços topológi os. A
Propriedade de Bolzano-Weierstrass não é su iente para ompa idade em
espaços topológi os arbitrários, mas é possível provar que é equivalente a
ompa idade em espaços topológi os que tenham uma base ujos elementos
que ontêm ada ponto do espaço sejam numeráveis. Quando um espaço
topológi o tem esta propriedade diz-se que satisfaz o 1o axioma de nume-
rabilidade. Como R é um espaço métri o separável, todo espaço métrico é
um espaço topológico que satisfaz o 1o axioma de numerabilidade.
As noções de onjunto e espaço onexo da se ção 4 também fazem sentido
no ontexto mais geral de espaços topológi os, pois são denidas em termos
de onjuntos abertos. Pela mesma razão, os resultados da se ção 4 para
onjuntos onexos são válidos em espaços topológi os gerais, om ex epção358
de (I.22), (I.24), (I.27), (I.29), (I.30), (I.32) e (I.33).
(I.22) respeita a sub onjuntos de R .
A prova de (I.24) exige que toda vizinhança de um ponto ontenha uma
vizinhança do ponto onexa por aminhos, i.e. que o espaço seja lo almente
onexo por aminhos, o que equivale a existir uma base da topologia de
357
Para distinguir nas secções 3 e 4 os resultados que permanecem válidos em espaços topológicos
são enunciados sem referir explicitamente que são subconjuntos de espaços métricos, enquanto
os que não permanecem válidos em espaços topológicos arbitrários referem explicitamente no
enunciado espaços métricos.
358
Ver a nota de pé de página anterior.
Elementos de topologia geral 395

onjuntos onexos por aminhos. Logo, (I.24) ainda é válida em espaços to-
pológi os lo almente onexos por aminhos. Um espaço topológi o pode ser
lo almente onexo por aminhos sem ser onexo e vi e versa. É semelhante
para (I.29), substituindo lo almente onexo por aminhos por lo almente
onexo, o que equivale existir uma base da topologia de onjuntos onexos.
A prova de (I.27) exige que para qualquer par de pontos distintos do
espaço haja pares de onjuntos abertos disjuntos que ontêm ada ponto, ou
seja que o espaço topológi o seja de Hausdor.
(I.30) não é válido para todos espaços topológi os, mas é válido se existe
uma base numerável da topologia. Se tal se veri a, diz-se que o espaço topo-
lógi o satisfaz o 2o axioma de numerabilidade. Nestes espaços qualquer
família de onjuntos abertos disjuntos é numerável. Pode-se provar que todo
espaço métrico é um espaço topológico que satisfaz o 2o axioma de numera-
bilidade se e só se é separável.
(I.32) e (I.33) não são válidos em todos espaços topológi os, mas sim em
espaços topológi os de Hausdor.
A validade do 2o axioma de numerabilidade impli a a validade do 1o
axioma de numerabilidade, a ima referido omo ondição que assegura a
validade do Teorema de Bolzano-Weierstrass num espaço topológi o.
A relação entre espaços topológi os e espaços métri os é essen ial, em
parti ular o es lare imento das ondições em que um espaço topológi o é
metrizável359 , i.e. em que existe uma distân ia tal que a topologia que
dene oin ide om a do espaço topológi o ini ial. Uma 1a grande ontri-
buição para esta questão foi o Teorema de Metrização de Uryshon,
que estabele e que uma ondição su iente para um espaço topológi o ser
metrizável é satisfazer o 2o axioma de numerabilidade e ter a propriedade de
para qualquer par de um ponto e um onjunto fe hado que não o ontenha
existir um par de onjuntos abertos disjuntos em que um deles ontém o
ponto e o outro ontém o onjunto; quando um espaço topológi o tem esta
propriedade diz-se que é um espaço regular.
Pode-se veri ar que om uma topologia tal que para ada par ordenado
de pontos distintos existe um onjunto aberto que ontém um dos pontos e
não o outro, todos onjuntos singulares de pontos do espaço são fe hados.
Logo, esta propriedade é mais fra a do que a ondição que dene espaço de
Hausdor, a ima referida omo ondição que assegura a validade de (I.6), e
esta é mais fra a que a ondição que dene espaço regular. Portanto, os es-
paços regulares são espaços de Hausdorff e em espaços regulares os conjuntos
com um só ponto são fechados.
Os espaços métri os são espaços regulares, pelo que a ondição de um
espaço topológi o ser regular é ne essária para ser metrizável. Contudo, a
validade do 2o axioma de numerabilidade não é ne essária. O Teorema de
359
Para provas dos teoremas de metrização referidos a seguir ver, e.g. o livro de J.R. Munkres
referido na bibliografia final.
396 Apêndice I

Metrização de Nagata-Smirnov estabele e que um espaço topológico é


metrizável se e só se é regular e tem uma base numeravelmente localmente
finita360 . Como onsequên ia obtém-se o Teorema de Metrização de
Bing, que estabele e que um espaço topológico é metrizável se e só se é
regular e tem uma base numeravelmente localmente discreta. Também se
obtém o Teorema de Metrização de Smirnov, pelo qual um espaço
topológico é metrizável se e só se é paracompacto e localmente metrizável361 .

Exercı́cios
I.1 Diz-se que duas distân ias d, d′ denidas num mesmo onjunto X 6= ∅ são distâncias
equivalentes se existem onstantes k, K > 0 tais que
k d(z, w) ≤ d′ (z, w) ≤ K d(z, w) , z, w ∈ X .
a) Mostre que as distân ias na desigualdade a ima podem ser tro adas.

b) Prove: Topologias definidas num mesmo conjunto por duas distâncias são iguais
se e só se as distâncias são equivalentes.
I.2 a) Prove que a distân ia eu lidiana entre as proje ções estereográ as (ver exer í io
2|z−w|
1.16) de dois números do plano omplexo z e w é d(z, w) = , e
(|z|2 +1)1/2 (|w|2 +1)1/2
2
de um número do plano omplexo z e ∞ é d(z, ∞) = 1/2 .
(|z|2 +1)
b) Prove que a função d de a) é umadistância no plano complexo estendido
C∞ . Mostre que esta distân ia é ≤ 2 e em ada sub onjunto limitado do plano
omplexo é equivalente à distân ia usual entre números omplexos.
I.3 Considere o modelo de Geometria de Lobat hevski des rito no exer í io 10.16.
a) Determine a distância de Lobatchevski entre ada par ordenado de pontos
de B1 de modo às ir unferên ias de Lobat hevski serem onjuntos de pontos equi-
distantes do ponto xo, e os hiper i los om o mesmo par de pontos xos serem
equidistantes. Prove que satisfaz as propriedades gerais de uma distân ia.
b) Prove: O comprimento de um ciclo e a área de um disco com raio r em geometria
hiperbólica são, resp., 2π sinh r e 4π sinh2 r2 .
I.4 Prove: Se Ω ⊂ C é aberto, existe uma sucessão {Kn } de subconjuntos compactos
de Ω com as propriedades seguintes: 1) Ω = ∪∞ n=1 Kn , 2) Kn ⊂ Kn+1 , 3) se K ⊂ Ω
é compacto, existe n ∈ N tal que K ⊂ Kn , 4) toda componente conexa de C∞ \Kn
contém uma componente conexa de C∞ \Ω .
I.5 Prove o Teorema de Cantor: Um espaço métrico (X, d) é completo se e só se
para toda sucessão {Fn } de subconjuntos fechados não vazios de X, com Fn−1 ⊂ Fn
para n ∈ N, e diam Fn → 0 , a intersecção ∩∞ n=1 Fn tem só um ponto, em que diam Fn
designa o diâmetro de Fn , diam Fn = sup{d(x, y) : x, y ∈ Fn } .
I.6 Diz-se que uma família de onjuntos F tem a propriedade de intersecção finita
se as interse ções de quaisquer suas subfamílias nitas não são vazias.
Prove: Um subconjunto K de um espaço métrico é compacto se e só se a intersecção
de todos os elementos de qualquer famı́lia de subconjuntos fechados de K com a
propriedade de intersecção finita é não vazia.
360
Diz-se que uma famı́lia de subconjuntos de um espaço topológico é localmente finita (resp.,
localmente discreta) se todo ponto do espaço tem uma vizinhança que intersecta apenas um
no finito de (resp., no máximo um dos) elementos da famı́lia. A uma união numerável de famı́lias
localmente finitas (resp., localmente discretas) chama-se famı́lia numeravelmente localmente
finita (resp., numeravelmente localmente discreta).
361
Um espaço paracompacto é um espaço topológico de Hausdorff tal que toda a sua cobertura
aberta tem um refinamento aberto localmente finito que cobre o espaço, em que um refinamento
aberto de uma famı́lia de conjuntos é uma famı́lia de conjuntos abertos em que cada elemento
está contido num elemento da famı́lia inicial. Um espaço topológico é localmente metrizável
se todo ponto do espaço tem uma vizinhança em que a topologia induzida é metrizável.
Elementos de topologia geral 397

I.7 Dê uma prova alternativa om os dois exer í ios pre edentes de: Um espaço métri o
é ompa to se e só se é ompleto e totalmente limitado.
362
: O produto cartesiano de um n finito de conjuntos compactos é compacto.
o
I.8 Prove

I.9 Para S ⊂ C designa-se por C(S) o onjunto das funções ontínuas de S em C e, se


S = K é ompa to, dene-se ρK (f, g) = max{|f (z)−g(z)| : z ∈ K}. Dado um on-
junto aberto Ω ⊂ C e uma su essão {Kn } de onjuntos ompa tos que satisfazem as
P∞ −n ρKn (f,g)
ondições do exer í io I.4, dene-se para f, g ∈ C(Ω) ρ(f, g) = n=1 2 1+ρKn (f,g)
.

a) Prove: C(K), ρK é um espaço métrico completo .

b) Prove: C(Ω), ρ é um espaço métrico completo .

) Prove: Uma sucessão em C(Ω) é convergente se e só se é uniformemente con-


vergente em subconjuntos compactos de Ω .
d) Cara terize os sub onjuntos ompa tos de C(Ω) om base no Teorema de Arzelà-
As oli.

e) Prove: H(Ω), ρ é um subespaço métrico do espaço em b) e f 7→ f ′ é uma função
contı́nua de H(Ω) em H(Ω) . Cara terize os seus sub onjuntos ompa tos om base
no Teorema de Montel.

f ) Prove: A topologia definida em C(Ω) , ou em H(Ω) , pela distância ρ é indepen-


dente da sucessão {Kn } considerada.
I.10 Para uma região Ω ⊂ C designa-se C(Ω, C∞ ) o onjunto das funções ontínuas de Ω
em C∞ e ρ∞ a distân ia denida omo ρ no exer í io pre edente, mas substituindo
a distân ia usual em C pela distân ia usual em C∞ , onsiderada no exer í io I.2.

a) Prove: C(Ω, C∞ ), ρ∞ é um espaço métrico completo.

b) Prove: M (Ω) ∪ {∞}, ρ∞ é um subespaço métrico do espaço anterior.
) Prove: Uma famı́lia de funções F ⊂ M (Ω) é normal em C(Ω, C∞ ) se e só se
µ(F ) = {µ(f ) : f ∈ F } é localmente limitada, com µ(f ) : Ω → R tal que
|f ′ (z)| |f ′ (z)|
[µ(f )](z) = 2 1+|f (z)|2
se z não é um pólo de f e [µ(f )](z) = lim 2 1+|f (z)|2
se z
z→a
é um pólo de f .
I.11 a) Seja Ω ⊂ C ompa to, C(K) omo no exer í io I.9, P = C∞\K , RP (K) o fe ho
em C(K) do onjunto das restrições a K das funções ra ionais om pólos em P .
Prove:
1) RP (K) é um espaço linear.
2) f, g ∈ RP (K) ⇒ f g ∈ RP (K) .
1
3) a ∈ C\K ⇒ z−a ∈ RP (K) .
(Sugestão: Se ∞ ∈ / P , mostre que V = {a ∈ C : z−a 1
} é aberto. Se ∞ ∈ P , onsidere a
distân ia usual d em C∞ (exer í io I.2), es olha a0 na omponente onexa ilimitada de
C\K tal que d(a0 , ∞) ≤ 21 d(K, ∞) , |a0 | > 2 max{|z| : z ∈ K}, dena P0 = (P \ {∞}) ∪ {a0 }
e prove que z−a
1
∈ RP0 (K) ⊂ RP (K) ).
b) Prove o Teorema de Runge363 : Seja Ω ⊂ C aberto, K ⊂ Ω compacto e
P ⊂ C∞ \K um conjunto com um ponto em cada componente conexa de C∞ \K . Se
f ∈ H(Ω) e ε > 0 , existe uma função racional R com pólos que são os elementos de
P tal que |f (z)−R(z)| < ε para todo z ∈ K.
(Sugestão: Use a) e o exer í io 7.1, e mostre que se γ : [0, 1] → C é um aminho se ional-
mente regular
R
fe hado em C\K , existe uma função ra ional R om todos os pólos na urva
f (w)
γ ∗ tal que γ g(w, z) dw −R(z) < ε para todo z ∈ K , em que g(w, z) = w−z , mostrando que
existe uma partição nita de [0, 1], 0 = t0 < · · · < tn = 1, tal que |g(t, z)−g(tk , z)| < Lεγ para
P
t no subintervalo da partição om extremidade direita tk , e dena R(z) = n k=1 g(tk , z) .

362
A generalização deste resultado para famı́lias infinitas de conjuntos compactos é o Teorema
de Tikhonov, estabelecido pela 1a vez em 1926 por Andrei Nikolaevich Tikhonov (1906-1993).
363
Foi estabelecido em 1885 por C.D. Runge para provar que toda região é domı́nio de holomorfia
de alguma função. A prova aqui sugerida segue o artigo Grabiner, S., A Short Proof of Runge’s
Theorem, Amer. Math. Monthly, 83 (1976), 807-808. Grabiner, Sandy (1939-).
398 Apêndice I

) Prove: Seja Ω ⊂ C aberto, P ⊂ C∞\K com K compacto, um conjunto com um


ponto em cada componente conexa de C∞\ Ω . Se f ∈ H(Ω) e ε > 0 , existe uma
sucessão {Rn } de funções racionais com pólos em P tal que Rn → f uniformemente
em subconjuntos compactos de Ω . (Sugestão: Use o exer í io I.4).
364
d) Prove : Seja Ω ⊂ C aberto e C∞ \Ω conexo. Se F ∈ H(Ω) , existe uma sucessão
{Pn } de funções polinomiais tal que Pn → f uniformemente em subconjuntos com-
pactos de Ω .
e) Prove: Se B1 ⊂ C é o cı́rculo aberto com raio 1 e centro em 0 e ∅ = 6 K $ ∂B1 é
compacto, existe um polinómio P tal que P (0) = 1 e |P | < 1 em K.
365
f ) Prove a ara terização das regiões simplesmente onexas seguinte : Ω ⊂ C é
uma região simplesmente conexa se e só se toda função f ∈ H(Ω) pode ser apro-
ximada por funções polinomiais, uniformemente em subconjuntos compactos de Ω .
366
I.12 Prove o Teorema de Mittag-Leffler
Pm(a) : Se Ω ⊂ C é aberto, A ⊂ Ω sem pontos
1
limite em Ω , m : A → N e Pα (z) = k=1 ck,α z−a , com ck,α ∈ C, existe f ∈ M (Ω)
com pólos que são os pontos a ∈ A, com partes principais Pa .
(Sugestão: Considere uma su essão {Kn } de sub onjuntos ompa tos de Ω omo no exer-
P
í io I.4, dena A1 = A∩K1 , An = A∩(Kn \Kn−1 ) e Qn = a∈An Pa . Aplique o Teorema
de Runge do exer í io pre edente para aproximar Qn em por uma função ra ional Rn , a
P
menos de 21n e dena f = Q1 + ∞ n=1 (Qn −Rn ) ).
I.13 Seja (X, d) um espaço métri o, dH a distân ia de Hausdor asso iada eK o on-
junto dos sub onjuntos ompa tos não vazios de X . Prove:
(a) se A, B ∈ P(X)\{∅}, dH (A, B) = inf{ε > 0 : A ⊂ Bε , B ⊂ Aε } em Zε = ∪z∈Z {x ∈
X : d(z, x) ≤ ε}.
(b) dH (A, B) = 0 com A, B ∈ P(X)\{∅} se e só se os fechos de A e B são iguais.
( ) se int(A∩B) 6= ∅ com A, B ∈ P(X)\{∅}, existe c > 0 tal que S ∩Y 6= ∅ para todo
S ∈ P(X)\{∅} tal que dH (S, A) < c .
(d) Se (X, d) é compacto, (K , dH ) é um espaço métrico compacto.
(e) Se (X, d) é completo, (K , dH ) é um espaço métrico completo.

I.14 Prove: Um conjunto S é conexo se e só se não é a união de dois conjuntos não
vazios A e B tais que A∩B = ∅ = A∩B.
I.15 Prove: Um conjunto S é conexo se e só se não existem conjuntos abertos U e V
tais que S ⊂ U ∪V , S ∩V = ∅, S ∩U ∩V = ∅ .
I.16 Prove: Um conjunto S é conexo se e só se os seus subconjuntos simultaneamente
fechados e abertos são só S e ∅ .
I.17 Prove: A união de duas bolas abertas Br (a) e BR (A) de um espaço métrico é conexa
se e só se |a−A| < r +R . O que se pode dizer da onexidade da união se uma ou
as duas bolas são fe hadas.

I.18 Prove: Se S é um conjunto conexo e T é uma componente conexa do complementar


de S, o complementar de T é conexo.
I.19 a) Prove: O produto cartesiano de conjuntos conexos é conexo.

b) Prove: Se um produto cartesiano de conjuntos é conexo e não vazio, os conjunto


são conexos.
364
C.D. Runge não referiu a aproximação de funções holomorfas por funções polinomiais em
regiões simplesmente conexas, embora esta propriedade seja uma consequência directa do resul-
tado que obteve. Em 1897 D. Hilbert provou este caso particular de uma outra forma. Como
consequência obtém-se: Toda função holomorfa num conjunto compacto K ⊂ C tal que C \ K
é conexo pode ser uniformemente aproximada em K por funções polinomiais. Em 1951 Sergei
Margelyan (1928-2008) provou que a hipótese de f ser holomorfa em K pode ser enfraquecida
para ser contı́nua em K e holomorfa no seu interior.
365
Ver outras caracterizações em (10.32).
366
Foi estabelecido por M.G. Mittag-Leffler em 1884 (ver o exercı́cio 8.17 para uma prova alter-
nativa no caso Ω = C ).
Elementos de topologia geral 399

I.20 a) Dê um exemplo de uma su essão {Fn } de sub onjuntos fe hados onexos de C


tal que Fn+1 ⊂ Fn para todo n∈N e ∩∞
n=1 Fn não é onexo.

b) Prove: Se {Fn } é uma sucessão de subconjuntos fechados conexos de R tal que


Fn+1 ⊂ Fn para todo n ∈ N, ∩∞
n=1 Fn é conexo.

I.21 a) Prove: A união de uma sucessão {Sn } de conjuntos conexos tais que Sn ∩Sn+1 6= ∅
para todo n ∈ N é um conjunto conexo.
b) Prove: Se {Sn } é uma sucessão de conjuntos que intersectam um mesmo conjunto

conexo C, Un=1 Sn é conexo.
I.22 Prove: Se S é um conjunto que intersecta um conjunto conexo C e o seu comple-
mentar, a fronteira de S intersecta C.
I.23 a) Prove: Todo subconjunto próprio conexo de um conjunto conexo tem fronteira
não vazia.
b) O re ípro o da armação em a) é verdadeiro?
Apêndice II

Espaços de homologia e
teorema da curva de Jordan

II.1 Introdução
Como denido na se ção 4.2, uma urva de Jordan J ⊂ C é a imagem de
um aminho fe hado simples. O exemplo mais simples é uma ir unferên ia.
Uma ir unferên ia num plano separa-o em duas omponentes onexas: o
ír ulo aberto que delimita e o onjunto ilimitado omplementar no plano
da sua união om esse ír ulo. Da se ção 4.5, o omplementar de uma
urva de Jordan se ionalmente regular em C\J é um onjunto aberto om
exa tamente uma omponente onexa ilimitada e pelo menos uma ompo-
nente onexa limitada. O Teorema da Curva de Jordan estabele e que, tal
omo para ir unferên ias, C tem exa tamente duas omponentes onexas,
uma limitada e outra ilimitada, ambas om fronteira J . Este resultado foi
onsiderado evidente antes de 1817, altura em que B. Bolzano apontou a
ne essidade de o provar, o que só foi feito 70 anos depois por C. Jordan367 .
As provas mais simples usam Topologia Algébri a, om base na noção
de homotopia introduzida pelo próprio C. Jordan em 1893 a propósito deste
mesmo resultado, ou homologia introduzida por H. Poin aré em 1895. A
prova aqui apresentada baseia-se em espaços de homologia . Nos exer í ios
no nal deste apêndi e II.1, II.2 e II.5 indi a-se omo obter uma outra prova.
II.2 Espaços de homologia-1 e de homologia-0
No apítulo 7 onsideram-se adeias de aminhos om oe ientes intei-
ros e grupos de homologia. De modo a tirar partido do que se sabe sobre
dimensão de espaços lineares e evitar introduzir on eitos adi ionais para
367
No livro Cours d’Analyse de l’École Polythécnique. Em 1905 Oswald Veblen (1880-1960)
afirmou que essa prova era insatisfatória e apresentou uma prova alternativa que a partir dessa
data foi amplamente considerada como a 1a prova correcta do resultado, mas em 2007 Thomas
Hales (1958-) reabilitou a prova de C. Jordan (120 depois de apresentada) que é hoje considerada
a 1a prova correcta. O Teorema da Curva de Jordan é de tal modo fundamental que na 1a
metade do séc. XX foram apresentadas muitas provas alternativas e extensões por matemáticos
proeminentes.
402 Apêndice II

grupos, onsideram-se aqui adeias omP oe ientes reais.


Chama-se cadeia-1 em Ω ⊂ C a Γ = rk=1 ck γk , em que r ∈ N, ck ∈ R e γk
são aminhos se ionalmente regulares em Ω , para k = 1, . . . , r, onsiderando
duas cadeias-1 iguais se os integrais sobre elas de ada função ontínua
denida na união
R PΓ∗ das urvas
R des ritas pelos aminhos que as ompõem são
iguais, om Γ = rk=1 ck γ f . Diz-se que uma adeia-1 é um ciclo-1 em Ω se
é ombinação linear de aminhos fe hados em Ω .PChama-se ı́ndice do ciclo-
k

1 Γ em relação a um ponto p ∈ C\Γ∗ a IndΓ (p) = rk=1 ck Indγ (p) . Diz-se que
i los-1 Γ, Σ em Ω são ciclos-1 homólogos em Ω se IndΓ = IndΣ em C\Ω .
k

A relação de homologia entre i los-1 em Ω é uma relação de equivalên ia e


as orrespondentes lasses de equivalên ia onstituem um espaço linear real
designado H1Ω e hamado espaço de homologia-1 de Ω .
Dene-se analogamente cadeia-0 em Ω , substituindo na denição de
adeia-1 em Ω aminhos se ionalmente regulares por pontos em Ω e o in-
tegral de uma função ontínua f sobre uma adeia-1 Γ pelo valor de uma
função f numa adeia-0 P = Prk=1 ck pk . Diz-se que P, Q são cadeias-0
homólogas em Ω se f (P ) = f (Q) para todas funções onstantes em ada
omponente onexa de Ω . A relação de homologia entre adeias-0 em Ω é
uma relação de equivalên ia ujas lasses de equivalên ia formam um espaço
linear real, designado H0Ω e hamado espaço de homologia-0 de Ω .
H0 Ω dá informação sobre as omponentes onexas de Ω e H1 Ω sobre as
omponentes onexas limitadas de C \ Ω . Em parti ular, o no de compo-
nentes conexas de Ω é a dimensão do espaço linear H0 Ω e, no caso do no
de componentes conexas de Ω ser finito, uma base de H0 Ω é um conjunto
de pontos de Ω com exactamente um elemento em cada componente conexa
de Ω . Analogamente, o no de componentes conexas limitadas de C\Ω é a
dimensão do espaço linear H1 Ω e, no caso do no de componentes conexas
limitadas de C \ Ω ser finito, uma base de H1 Ω é um conjunto de ciclos-1 em
Ω correspondentes a cada uma das componentes conexas limitadas de C\Ω
e com ı́ndice P
1 nessa componente e 0 nas outras.
Seja Γ = rk=1ck γk uma adeia-1 em Ω ⊂ C , om r ∈ N, ck ∈ R e γk
aminhos se ionalmente regulares em Ω . Sem perda de generalidade,
onsideram-se estes aminhos denidos em [0, 1] . Chama-se bordo do ca-
minho γ : [0, 1] → C à adeia-0 ∂γ = γ(1)−γ(0) , bordo da cadeia-1 Γ à
adeia-0 ∂Γ = Prk=1ck ∂γk , e diz-se que uma adeia-0 P em Ω é um bordo-0
em Ω se existe uma adeia-1 Γ em Ω tal que P = ∂Γ.
O bordo de uma cadeia-1 Γ é vazio se e só se Γ é um ciclo-1. Dois pontos
de Ω são as extremidades de algum caminho em Ω se e só se pertencem a
uma mesma componente conexa de Ω . Duas cadeias-0 em Ω são homólogas
em Ω se e só se diferem de um bordo-0 em Ω .
Analogamente, se R : [0, 1]×[0, 1] → C é ontínua e tal que os aminhos
que são as restrições de R às arestas de [0, 1]×[0, 1] , i.e.
γ1 , γ2 , γ3 , γ4 : [0, 1] → C, om γ1 (t) = (t, 0), γ2 (t) = (1, t), γ3 (t) = (t, 1), γ4 (t) = (0, t),
são se ionalmente regulares, bordo de R é a adeia-1 ∂R = γ1 +γ2 −γ3 −γ4
Espaços de homologia e teorema da curva de Jordan 403

(Figura II.1) e diz-se que uma adeia-1 Γ em Ω é um bordo-1 em Ω se é


uma ombinação linear nita de bordos de funções Rk om as propriedades
a ima onsideradas para R , mas om valores em Ω . É laro que um ciclo-
1 em Ω homólogo a zero em Ω é combinação linear de caminhos fechados
seccionalmente regulares com ı́ndices zero em C\Ω , cada um homólogo a um
bordo-1 em Ω . Dois ciclos-1 em Ω são homólogos em Ω se e só se diferem
de um bordo-1 em Ω .

Figura II.1: Bordo de R : [0, 1]×[0, 1] → C , ∂R = γ1 +γ2 −γ3 −γ4

II.3 Teorema da curva de Jordan


Nesta se ção prova-se o resultado seguinte.
(II.1) Teorema da Curva de Jordan: Se J ⊂ C é uma curva de
Jordan, C \ J tem duas componentes conexas, uma limitada e a outra
ilimitada, ambas com fronteira J.

Seja J ⊂ C uma urva de Jordan, A 6= B pontos em J e J1, J2 as ur-


vas om extremidades nestes pontos tais que J1 ∪ J2 = J e J1 ∩ J2 ={A, B}
(Figura II.2). Provar que C\J tem exa tamente duas omponentes onexas
é equivalente a provar que dim H0(C\J) = 2 , para o que se onsidera uma
adeia de transformações lineares denidas entre espaços de homologia
δ ι
H1 (C\{A, B}) −→ H0 (C\J) −→ H0 (C\{A, B}) ,
e se al ula a dimensão do nú leo e do ontradomínio da transformação
linear ι , designadas, resp., nul ι e rank ι , pois, de Álgebra Linear elementar,
dim H0 (C\J) = nul ι+ rank ι .
ι transforma ada lasse de homologia-0 de C \ J que ontém p ∈ C \ J
na lasse de homologia-0 de C\{A, B} que ontém p . Se p, q são pontos de
uma mesma lasse de homologia-0 de C \ J , perten em à mesma omponente
onexa deste onjunto e, omo {A, B} ⊂ J , C\J ⊂ C\{A, B} e C\{A, B} é
onexo, também perten em à mesma lasse de homologia-0 de C\{A, B}, pelo
que ι é uma transformação linear de H0(C\J) em H0(C\{A, B}). C\{A, B}
é onexo, ι é sobreje tiva e dim H0(C\{A, B}) = 1, pelo que rank ι = 1 .
δ é denida em ada lasse α de homologia-1 de C \ {A, B} do modo
seguinte. Toma-se um i lo-1 γ ∈ α . De (II.2) abaixo, existem adeias-1 γ1
em C \ J1 e γ2 em C \ J2 tais que γ = γ1 + γ2 . Como ∂γ1 + ∂γ2 = ∂γ = 0 ,
∂γ1 = −∂γ2 é simultaneamente uma adeia-0 em C\J1 e em C\J2 . Dene-se
404 Apêndice II

     
δα = ∂γ1 = − ∂γ2 , em que ∂γk , k = 1, 2 , designa a lasse de homologia-
0 em C \ J que ontém a adeia-0 ∂γk . Para que δ seja uma função de
H1 (C\{A, B}) em H0 (C \ J) é ne essário que para γ, γ1 , γ2 e γe, γe1 , γe2 om
as propriedades a ima, ∂γ1 seja homóloga-0 a ∂eγ1 em C \ J , o que resulta de
(II.3) abaixo. δ é uma transformação linear de H1(C\{A, B}) em H0(C\J) .

Figura II.2: Curva de Jordan J

(II.2) Se γ é uma cadeia-1 em C\{A, B}, existem cadeias-1 γ1 em C\J1


e γ2 em C\J2 tais que γ = γ1 +γ2 .

Dem. Como γ ∗ é compacto, do Lema de Lebesgue (I.10), γ pode ser subdi-


vidido num no finito de caminhos, cada um em C\J1 ou em C\J2 . Define-se
a cadeia-1 γ1 pela soma dos caminhos da subdivisão que estão contidos em
C\J1 e a cadeia-1 γ2 pela soma dos restantes caminhos da subdivisão. Q.E.D.

e são ciclos-1 homólogos em C\{A, B}, γj , γ


(II.3) Se γ, γ ej são cadeias-1
em C\Jj , j = 1, 2, tais que γ = γ1 +γ2 , e
γ =γe1 + γ
e2 , então ∂γ1 , ∂e
γ1 são
cadeias-0 homólogas em C\J.

Dem. Como γ, γ e são ciclos-1 homólogos


Pr em C\{A, B}, γ −e γ é um bordo-1
em C \ {A, B} e γ − γ e = c
k=1 k ∂R k , em que r ∈ N, ck ∈ R e
Rk : [0, 1]×[0, 1] → C são funções contı́nuas tais que as restrições às arestas
de [0, 1]×[0, 1] são caminhos seccionalmente regulares. Define-se um opera-
dor de subdivisão S que transforma cada Rk na soma das quatro funções
Rkjl : [0, 1]×[0, 1] → C, j, l ∈ {0, 1}, obtidas dividindo ao meio cada uma das

arestas de [0, 1]×[0, 1] e reescalando-as de modo a Rkjl (t, s) = Rk j+t l+s
2 , 2 .
P2
Define-se o bordo ∂S(Rk ) = j,l=1 ∂Rkjl . Analogamente, S transforma cada
caminho σ : [0, 1] → C na soma dos dois caminhos σj : [0, 1] → C, j ∈ {0, 1}
Espaços de homologia e teorema da curva de Jordan 405

 P
tais que σj (t) = σ j+t2 . Define-se o bordo ∂S(σ) = 2j=1 ∂σj . S estende-
se linearmente
Pr  aP
combinações lineares de caminhos definidos em [0, 1] por
r
S k=1 ck σ k = k=1 ck S(σk ) . É S(∂Rk ) = ∂S(Rk ) (Figura II.3).
Do Lema de Lebesgue (I.10), por um no finito m ∈ N de aplicações do
operador de subdivisão obtém-se S m (∂Rk ) como soma finitaP de bordos-1,
cada um em C\J1 ou C\J2 . Portanto, a cadeia-1 γ −e γ = rk=1 ck ∂Rk , em
C\{A, B} é uma combinação linear finita de bordos-1, cada um em C\J1
ou C\J2 . Designa-se λ1 a cadeia-1 em C\J1 que consiste nos termos que
envolvem bordos-1 em C\J1 , e λ2 a cadeia-1 em C\J1 obtida subtraindo à
combinação linear os termos que envolvem bordos-1 em C\J1 . Como λ1 é
um bordo-1 em C\J1 , é um ciclo-1 e ∂λ1 = 0 . Como
λ1 +λ2 = γ −e γ = γ1 +γ2 −e
γ1 +e
γ2 ,
λ1 −γ1 +e γ1 = −λ2 +γ2 −e γ2 é simultaneamente uma cadeia-1 em C\J1 e em
C\J2 , e, portanto, é uma cadeia-1 em C\J com bordo
∂(λ1 −γ1 +e γ1 ) = ∂λ1 −∂γ1 +∂e γ1 −∂γ1 .
γ1 = ∂e
Logo, ∂eγ1 −∂γ1 é um bordo-0 em C\J e ∂γ1 , ∂e γ1 são cadeias-0 homólogas
em C\J. Q.E.D.

Figura II.3: Operador de subdivisão usado na prova de (II.3)


C\{A, B} tem duas omponentes onexas limitadas {A} e {B} . Logo,
dim H1 (C\{A, B}) = 2 e uma base deste espaço onsiste no par de aminhos
regulares simples que des revem no sentido positivo ir unferên ias σ , σ
om entro, resp., em A, B e o mesmo raio r ∈ ] 0 , |A−B| [ .
A B

Como J é ompa to, existe um ír ulo que ontém J e está ontido na


omponente onexa ilimitada de C\J . A fronteira deste ír ulo está ontida
na mesma omponente onexa de C \J ; logo, se σj é um aminho regular
  no sentido positivo, δ σJ = 0 (Figura II.2). Como,
simples que a des reve
Indσ (A) = 1 , é σJ 6= 0 e, portanto, nul δ ≥ 1 .
Se J é des rita por um aminho se ionalmente regular γ , de (7.1), om
J

r > 0 su ientemente pequeno para Br (A)∩J ser um ar o onexo, Br (A)\J


J

é a união de duas omponentes onexas tais que se p1 , p2 são pontos de


ada omponente, é |Ind (p2)− Ind (p1 )| = 1 , pelo
 que
 p1 , p2 perten em a
omponentes onexas diferentes de C\J , e δ σ = ± p1 −p2 , rank δ ≥ 1 .
J J

Como dim H1(C\{A, B}) = 2 , é rank δ ≥ 1 e nul δ ≥ 1 , e, do Teorema da


A

Cara terísti a e Nulidade de transformações lineares


rank δ+ nul δ = dim H1(C\{A, B}) ,
rank δ = nul δ = 1 . Do resultado seguinte, N (ι) = R(δ) , pelo que
rank δ = nul ι = 1 . Logo, dim H1(C \ {A, B}) = rank δ + nul δ = 2 , o que
on lui a prova do teorema para urvas se ionalmente regulares.
406 Apêndice II

(II.4) O núcleo N (ι) de ι : H0 (C\J) −→ H0 (C\{A, B}) e o contradomı́nio


R(δ) de δ : H1 (C\{A, B}) −→ H0 (C\J) são iguais.

Dem. Se α ∈ H1 (C \ {A, B}) , δ(α) é uma classe de homologia-0 de C \ J


que contém uma cadeia-0 soma finita de diferenças de pares de pontos em
C\J. Logo, ι δ(α) é uma classe de homologia-0 de C\{A, B} que contém a
cadeia-0 referida. Como C\{A, B} é conexo e C\J ⊂ C\{A, B}, cada par
dos pontos considerados está na mesma componente conexa de C\{A, B},
pelo que a sua diferença é homóloga-0 em C \ {A, B} a zero e ι δ(α) = 0 .
Logo, R(δ) ⊂ N (ι) . Por outro lado,
  se uma classe de homologia-0 P  em
C\J pertence ao núcleo de ι , ι P = 0 ∈ H0 (C\{A, B}) , e, como i P é
a classe de homologia-0 em C\{A, B} que contém a cadeia-0 P , esta é um
bordo-0 em C \{A, B}. Portanto, existem cadeias-1 γ1 em C \J1 e γ2 em
C\J2 tais que P = ∂γ1 = ∂γ2 . A cadeia-1 γ = γ1 −γ2 em C\{A, B} satisfaz
∂γ = ∂γ1 − ∂γ2 = 0 , pelo que é um ciclo-1 em C \ {A, B}.
 Se α é a classe
de homologia-1 de C \{A, B} que contém γ , é δ(α) = ∂γ1 = P . Logo,
N (ι) ⊂ R(δ) . Q.E.D.

Figura II.4: Definição de Indγ (q) se γ não é seccionalmente regular


em termos do ı́ndice de um caminho poligonal inscrito em γ
A hipótese da urva de Jordan J ser se ionalmente regular foi usada ape-
nas para onsiderar o Índi e de um aminho que a des reve omo denido no
apítulo 4 e para apli ar o resultado (7.1) que estabele e que o Índi e de um
aminho se ionalmente regular altera-se de 1 se for atravessado transversal-
mente. Contudo, a noção de Índi e e o resultado (7.1) podem ser estendidos
para aminhos de Jordan arbitrários. Para tal basta ver que para um ami-
nho de Jordan γ em C arbitrário e todo par de pontos p ∈ γ ∗ e q ∈ C \ γ ∗
existe um ír ulo aberto om entro em p uja interse ção om γ ∗ ∪ {q} é
um ar o onexo e não fe hado de γ ∗, omo se prova no resultado seguinte,
pois dado q ∈ C\γ ∗ existe uma obertura aberta de γ ∗ por ír ulos abertos
om a propriedade indi ada e, omo γ ∗ é um onjunto ompa to, existe uma
sub obertura nita de γ ∗, e o valor em q do Índi e de um aminho poli-
gonal ins rito em γ om ada um dos segmentos ontido num dos ír ulos
da sub obertura nita é independente da obertura e do aminho poligonal
ins rito onsiderados. Dene-se Indγ (q) por esse valor (Figura II.4). Com
esta denição, (7.1) é válido para todos aminhos de Jordan, mesmo não
se ionalmente regulares. Em onsequên ia, a argumentação a ima também
Espaços de homologia e teorema da curva de Jordan 407

é válida para quaisquer urvas de Jordan em C , o que estabele e o Teorema


da Curva de Jordan enun iado em (II.1).
(II.5) Se γ é um caminho de Jordan em C, para cada par de pontos
p ∈ γ ∗ e q ∈ C\γ ∗ existe um cı́rculo aberto com centro em p cuja inter-
secção com γ ∗ ∪{q} é um arco conexo e não fechado de γ ∗ .

Dem. A função d = |γ − p| é contı́nua no conjunto compacto [a, b] e, do


Teorema de Weierstrass de extremos de funções contı́nuas, assume um valor
máximo M > 0 neste conjunto. Por subdivisões ao  meio
 sucessivas de [0, M ]
obtém-se uma sucessão de conjuntos Sn = d−1 0, 2Mn tais que Sn+1 ⊂ Sn
e cada Sn é uma união de subintervalos fechados de [a, b] . Se t ∈ ∩∞ n=1 Sn ,
como d é contı́nua, é d(t) = 0 . Como γ[a,b[ é injectiva e γ(a) = γ(b) , é
γ −1 (0) = {a, b} ou γ −1 (0) = {t0 } com a < t0 < b . No 1o caso é t = a ou t = b ,
e no 2o caso é t = t0 . Logo, existe N ∈ N tal que para n > N no 1o caso Sn
é a união de dois intervalos fechados, Sn = [a, tn ] ∪ [tn , b] e no 2o caso é um
intervalo fechado [tn , tn ] que contém t0 . Para n > N tal que 2Mn < |p−q| , a
restrição de γ a Sn é um arco conexo não fechado de γ ∗ que é a intersecção
de γ ∗ ∪ {q} com o cı́rculo B Mn (p) . Q.E.D.
2

Uma onsequên ia imediata deste resultado é que uma curva de Jordan


no plano é homeomorfa a uma circunferência.
Um outro enun iado usual do Teorema da Curva de Jordan é que uma
urva de Jordan num plano separa-o em duas omponentes onexas, uma
limitada e outra ilimitada. De uma das ara terizações de regiões simples-
mente onexas em (10.32) obtém-se que a componente conexa limitada do
complementar de uma curva de Jordan num plano é uma região simples-
mente conexa, pois o seu omplementar é a união da urva de Jordan om
a omponente onexa ilimitada do seu omplementar. Além disso, a com-
ponente conexa ilimitada do complementar de uma curva de Jordan num
plano é multiplamente conexa com conectividade 2, pois o seu omplemen-
tar é a união da urva de Jordan om a omponente onexa limitada do
omplementar desta urva.
Do Teorema do Mapeamento de Riemann, o fe ho da omponente onexa
limitada do omplementar de uma urva de Jordan é onforme e, portanto
homeomorfo, ao ír ulo fe hado B1 om raio 1 e entro na origem do plano
omplexo. Por outro lado, por proje ção estereográ a do plano omplexo
numa superfí ie esféri a om vérti e num seu ponto, e nova proje ção es-
tereográ a da superfí ie esféri a no plano, mas om vérti e no ponto da
superfí ie esféri a diametralmente oposto, o fe ho da omponente onexa ili-
mitada do omplementar de uma urva de Jordan se ionalmente regular é
homeomorfa a B1\{0} que, por sua vez, é homeomorfa a C\B1 . Obtém-se, as-
sim, uma prova simples do Teorema de Schoenflies368 para o plano: Um
368
Schoenflies, Arthur (1853-1928).
408 Apêndice II

homeomorfismo de S 1 = ∂B1 numa curva de Jordan J num plano pode ser


estendido a um homeomorfismo do plano no plano, que transforma o cı́rculo
aberto limitado por S 1 na região do plano limitada por J e o complementar
daquele cı́rculo no fecho da componente conexa ilimitada do complementar
de J no plano.
O Teorema da Curva de Jordan no plano impli a que toda urva fe hada
numa superfí ie esféri a separa-a em duas omponentes onexas. Neste aso
o Teorema de S hoenies assegura que os fe hos destas omponentes om-
plexas são ambos homeomorfos ao fe ho de uma semiesfera.
O Teorema da Curva de Jordan é um aso parti ular de resultados to-
pológi os onhe idos por teoremas de separação. Por exemplo, om base
em espaços de homologia de ordens superiores pode-se provar que uma es-
fera de dimensão n é separada em duas omponentes onexas por qualquer
seu sub onjunto homeomorfo a uma esfera de dimensão n−1 . Contudo, o
Teorema de S hoenies não é válido em geral para n > 2 e a sua validade
depende do modo omo a esfera de dimensão n − 1 está mergulhada na de
dimensão n , o que ilustra a subtileza destas questões.
Exercı́cios
II.1 Se Ω ⊂ C e f : Ω → S 1 = ∂B1 ⊂ C é ontínua, diz-se que f é uma função inessencial
se existe uma função ontínua u : Ω → R tal que f (z) = eiu(z) para z ∈ Ω ; aso
ontrário diz-se que é uma função essencial.
Prove:
a) Se f1 , f2 são funções inessenciais com o mesmo domı́nio, então f1 , f2 e f11 = f1
são inessenciais. Se f1 é uma função essencial e f2 é uma função inessencial com
o mesmo domı́nio, então f1 f2 e ff12 são essenciais.
b) Se f é uma função inessencial definida em Ω ⊂ C e g é uma função complexa
contı́nua com contradomı́nio em Ω , então f ◦g é inessencial.
1
) Toda função continua de Ω ⊂ C em S não sobrejectiva é inessencial.
1
d) Se f1 , f2 : Ω → S são contı́nuas e f1 6= −f2 , se f1 é essencial (resp., inessencial),
também f2 é.
1
e) Se K ⊂ C é compacto, f : K ×[0, 1] → S e z 7→ f (z, 0) é essencial (resp., inessen-
cial), também z 7→ f (z, 1) é.
1
f ) Toda função contı́nua de B1 em S é inessencial.
g) Se A, B ⊂ C são conjuntos fechados, A∪B, A∩B são conexos e as restrições de
uma função contı́nua f = A ∪ B → S 1 a A e a B são funções inessenciais, também
f é.
1 1
h) Uma função f : S → S é essencial se e só se Indγ (0) 6= 0 , com γ : [0, 2π] → C tal
que γ(θ) = f (eiθ ) .
II.2 Diz-se que um conjunto S ⊂ C separa os pontos a, b ∈ C se estes não perten em
a uma mesma omponente onexa de C\S .
Prove:
a) Critério de Eilenberg369 : Um conjunto compacto K ⊂ C separa pontos a, b ∈ C
se e só se a função definida em K por f (z) = z−a
z−b
/| z−a
z−b
| é essencial.
(Sugestão: Use o exer í io anterior)

369
Foi provado em 1936 por Samuel Eilenberg (1913-1998).
Espaços de homologia e teorema da curva de Jordan 409

b) Teorema de Janiszewski370 : Se A, B ⊂ C são conjuntos, resp., compacto e


fechado, A∩B é conexo e a, b ∈ C\(A∪B) são pontos distintos não separados por A
nem por B, então A∪B também não separa os pontos a, b.
(Sugestão: Use a) e o exer í io anterior)
) O complementar de uma curva simples não fechada em C é conexo.
(Sugestão: Use a) e o exer í io anterior)
II.3 Prove: C ⊂ C é uma curva de Jordan se e só se os seus pontos são pontos simples
da fronteira da região que limita (ver exer í io 10.14).
(Sugestão: Prove ne essidade om o exer í io II.2.b) e su iên ia om o exer í io 10.13.b).)
II.4 Prove: A fronteira de qualquer região limitada convexa em C é uma curva de Jor-
dan. (Sugestão: Use o exer í io pre edente.)
II.5 Dê uma prova alternativa do Teorema da Curva de Jordan om II.2 e II.1.
(Sugestão: Come e por provar que, se C é uma urva de Jordan em C, a fronteira de ada
omponente onexa de C\C é C . Depois onsidere o aso em que C ontém um segmento
de re ta, prove que C\C não pode ter mais de duas omponentes onexas e, a seguir, que
não é onexo. Se C não ontém um segmento de re ta, es olha dois pontos em C e o
segmento de re ta que denem onsidere as urvas de Jordan que se obtêm on atenando
este segmento de re ta om ada um dos subar os de C om extremidades nos pontos
onsiderados, e aplique o aso anterior e II.2.b).)
371
II.6 Dê uma prova alternativa do Teorema Fundamental da Álgebra om II.1.
P
(Sugestão: Come e por onsiderar um polinómio omplexo P (z) = z n + n−1 k=0 ck z om
k
Pn−1
k=0 |ck | < 1 , suponha que P não tem zeros e mostre que a restrição de f = |P | a S 1
P
Pn−1
é inessen ial, prove que F : S ×[0, 1] F (z, t) = z +t k=0 ck z k ) é uma homotopia entre
1 n

as restrições de P (z) e z n a S 1 e obtenha uma ontradição. Aplique este aso parti ular
Pn−1
a um polinómio qualquer P (z) = z n + k=0 ck z k om a mudança de variável z = aw om
a > 0 su ientemente grande.)
II.7 Prove: Se f : B1 → C \ {0}, em que B1 é a bola em C com raio 1 e centro em
0 , é contı́nua, existem a1 , a2 ∈ S 1 = ∂B1 tais que f (aj ) = cj aj para j = 1, 2 com
c1 < 0 < c2 .
(Sugestão: Suponha que não existe a1 om a propriedade indi ada. Mostre que a restrição
de f a S 1 é homotópi a a j : S 1 → C\{0} tal que j(z) = z e obtenha uma ontradição om
o resultado do exer í io II.1.f).
II.8 Prove o Teorema de Ponto Fixo de Brouwer372 para ír ulos no plano: Se
f : B1 → B1 , em que B1 é a bola em C com raio 1 e centro em 0 , é contı́nua, existe
um ponto fixo de f , ou seja um ponto z ∈ B1 tal que f (z) = z .
(Sugestão: Suponha que não existe ponto xo, obtenha uma função a que possa apli ar o
exer í io pre edente levando a ontradição).

370
Foi obtido em 1913 por Zygmunt Janiszewski (1888-1920).
371
Será a 7a neste livro.
372
É um caso particular do resultado análogo para qualquer dimensão provado em 1910 por L.
Brouwer. Em dimensão 1 é simples consequência do Teorema de Bolzano, ou seja do teorema de
valor intermédio para funções contı́nuas num intervalo.
Bibliografia
A bibliograa sobre os assuntos deste texto é imensa. Optou-se por indi ar
uma lista reduzida, om alguns livros alternativos sobre os temas onside-
rados e in luindo, também, livros sobre assuntos aorados mas não apro-
fundados neste texto. Pretende-se, assim, fa ultar referên ias possíveis para
a ontinuação do estudo destes assuntos. Os livros itados têm referên ias
bibliográ as adi ionais que podem ser úteis.
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of Analytic Functions of One Complex Variable, 3rd ed., M Graw-Hill
Book Company, New York, 1978.
2. AHLFORS, L.V., Lectures on Quasiconformal Mappings, 2nd ed. with
additional hapters by C.J. Earle and I. Kra, M. Shishikura, J.H. Hub-
bard, University Le ture Series, vol. 38, Ameri an Mathemati al So-
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3. AHLFORS, L.V., Conformal Invariants – Topics in Geometruic Func-
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4. AHLFORS, L.V., SARIO, L., Rieman Surfaces, Prin eton University
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MIR, Mos ou, 1990.
9. COHN, H., Conformal Mapping on Riemann Surfaces, Dover Publi-
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412 Análise e Dinâmica Complexa em Uma Variável e Aplicações

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Nota Biográfica do Autor
LUIS T. MAGALHÃES foi Professor Catedráti o de Matemáti a no IST  Instituto Superior
Té ni o da Universidade de Lisboa (anteriormente da Universidade Té ni a de Lisboa) de 1993 a
Dezembro de 2020 quando se jubilou.
Obteve os graus a adémi os Engenheiro Ele troté ni o  Tele omuni ações e Elé tróni a pelo IST
em 1975, MSc (1980) e PhD (1982) em Matemáti a Apli ada pela Brown University, EUA.
Trabalhou no IST (1972-97, 2002-05, 2012-), no IMA  Institute of Mathematics and Its Appli-
cations, University of Minnesota, EUA (1982-83, 1985), na Division of Applied Mathematics,
Brown University, EUA (1978-83), no Centro de Biologia do Instituto Gulbenkian de Ciên ia
(1972-78).
Em Portugal: Presidente do Conselho Geral da Universidade do Algarve (2013-17); Presidente
da Agên ia para a So iedade do Conhe imento (UMIC), o Instituto Públi o om a missão de
oordenar as políti as na ionais da So iedade da Informação e da Te nologia de Informação e
Comuni ação (TIC) (Jul 2005-Jan 2012); Presidente da FCT  Fundação para a Ciên ia e a
Te nologia, o Instituto Públi o om a missão de promover o onh imento ientí o e te nológi o
na ional através de avaliação e nan iamento de pessoas, proje tos e instituições (1997-2002).
Membro do Conselho Cientí o da Universidade Aberta (2019-20); Membro do Conselho Geral
da FCCN  Fundação para a Computação Cientí a Na ional, a entidade públi a responsável
pela Rede de Investigação e Edu ação Na ional (2009-12); Membro do Conselho Consultivo da
FLAD  Fundação Luso-Ameri ana para o Desenvolvimento (1997-2011); Coordenador e Fundador
do Centro de Análise Matemáti a Sistemas Dinâmi os e Apli ações à Engenharia (1991-97), que
em 1997 passou a hamar-se Centro de Análise Matemáti a Geometria e Sistemas Dinâmi os; Pre-
sidente do Departamento de Matemáti a do IST (1993-97); Co-Fundador om João Sentieiro do
ISR  Instituto de Sistemas e Robóti a e Sub-Dire tor do seu pólo de Lisboa (1991-96); Membro da
Comissão de Coordenação de Investigação de Ciên ias Exa tas e Naturais da JNICT  Junta Na i-
onal de Investigação Cientí a e Te nológi a (1992-94); Coordenador do Conselho de Se retários
do Complexo Interdis iplinar I do INIC  Instituto Na ional de Investigação Cientí a(1991-93).
Em Organizações e Par erias Interna ionais de Investigação: Presidente do Conselho do
INL  Laboratório Ibéri o Interna ional de Nanote nologia (2008-12) e da Assembleia Geral da
Comissão Instaladora do INL (2007-11); Membro do Conselho da EGI  European Grid Initiative
(2009-12); Membro do Governing Board da ESF  European Science Foundation (2000-02);
Membro dos Conselhos de Administração dos programas de par erias interna ionais MIT  Portu-
gal (2006-11), Carnegie Mellon University  Portugal (2006-11), University of Texas at Austin
 Portugal (2007-11), Harvard Medical School  Portugal (2009-11); Membro do Steering Com-
mittee do Programa Fraunhofer  Portugal (2007-12).
Na ICANN: Membro do Strategy Panel on ICANN Role in the Internet Governance Ecosys-
tem, chaired by Vint Cerf (2013-14); Membro do GAC  Governmental Advisory Committee
(2009-12).
Na União Europeia (UE): Presidente (2016-18), Presidente em Exer í io (2015) e Vi e-Presidente
(2013-16) do HORIZON 2020 Advisory Board on Research Infrastructures Including e-Infra-
structures; Co-Presidente Europeu da 8a Par eria UE-Áfri a, Ciên ia, So iedade da Informação,
Espaço (2011, 2012); Membro do Grupo de Trabalho do National ICT Research Directors
Forum sobre as FET – Future and Emerging Technologies Flagships (2010-12).
Na OCDE: Membro do OECD Committee on Digital Economy Policy (anteriormente Com-
mittee on Information, Computers and Communication Policy (2005-22), de que foi Vi e-
Presidente em 2009, 2010, 2017, 2018 e Membro do Extended Bureau (2009-19); Membro do Ste-
ering Group of the OECD Horizontal Project GOING DIGITAL – Digital Transformation
of the Economy and Society (2016-20); Membro do Steering Group of the OECD 2016 Mi-
nisterial Meeting on Digital Economy, Innovation, Growth and Social Prosperity (2014-16);
Presidente do OECD Working Party on Measurement and Analysis of the Digital Economy
(MADE) (anteriormente Working Party on Indicators for the Information Society (WPIIS)
(2011-16).
Nas Nações Unidas (UN): Membro da UN CSTD – Commission on Science and Techno-
logy for Development (2009-12), Membro do MAG  Multistakeholder Advisory Group do
IGF  Internet Governance Forum, por nomeação do Se retário-Geral da UN (Set-Dez 2007).
É o-autor, om Ja k K. Hale e Waldyr M. Oliva, dos livros An Introduction to Infinite Di-
mensional Dynamical Systems — Geometric Theory, Springer-Verlag, 1984, e Dynamics in
Infinite Dimensions, Springer-Verlag, 2002, e autor de Álgebra Linear como Introdução a Ma-
temática Aplicada, Texto Editora, 1989, Integrais Múltiplos, Texto Editora, 1993, e Integrais
em Variedades e Aplicações, Texto Editora, 1993.

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