Você está na página 1de 158

Variáveis complexas

1
Mathieu Molitor
e-mail: pergame.mathieu@gmail.com

1 Departamento de Matemática, Universidade Federal da Bahia, Salvador, Bra-


sil.
ii
Conteúdo

1 Análise no Rn 1
1.1 Norma euclidiana . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1
1.2 Conjuntos abertos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3
1.3 Pontos de acumulação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4
1.4 Limites . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5
1.5 Continuidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 8
1.6 Diferenciabilidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11
1.7 Derivadas parciais e matriz jacobiana . . . . . . . . . . . . . . 15
1.8 Conjuntos conexos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17

2 Funções holomorfas 23
2.1 Notação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23
2.2 Limites . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23
2.3 Continuidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 26
2.4 Derivação complexa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 28
2.5 Equações de Cauchy-Riemann . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31
2.6 Outras propriedades . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 33

3 Funções analı́ticas 35
3.1 Sequências numéricas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 35
3.2 Séries numéricas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 38
3.3 Convergência absoluta . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 40
3.4 Soma e produto de séries numéricas . . . . . . . . . . . . . . . 48
3.5 Sequências de funções . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 50
3.6 Séries de funções . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 54
3.7 Séries de potências . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 57
3.8 Soma, produto e quociente de séries de potências . . . . . . . 66
3.9 Analiticidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 69

iii
iv CONTEÚDO

3.10 Zeros de uma função analı́tica . . . . . . . . . . . . . . . . . . 74


3.11 Exponencial e logaritmo complexos . . . . . . . . . . . . . . . 78

4 Teoria de Cauchy 87
4.1 Caminhos em C . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 87
4.2 Integração . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 90
4.3 Primitivas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 98
4.4 Índice de um caminho fechado . . . . . . . . . . . . . . . . . . 102
4.5 Teoremas de Cauchy . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 107
4.6 Aplicações . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 117
4.6.1 Analiticidade das funções holomorfas . . . . . . . . . . 117
4.6.2 Teorema de Liouville . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 118
4.6.3 Teorema fundamental da Álgebra . . . . . . . . . . . . 119
4.6.4 Compostas e inversões de funções analı́ticas . . . . . . 120
4.6.5 Forma local das funções holomorfas . . . . . . . . . . . 122
4.6.6 Teorema do módulo máximo . . . . . . . . . . . . . . . 126
4.6.7 Lema de Schwarz . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 127
4.7 Versões homológicas dos Teoremas de Cauchy . . . . . . . . . 128

5 Resı́duos 137
5.1 Singularidades removı́veis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 137
5.2 Pólos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 139
5.3 Singularidades essenciais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 144
5.4 Funções meromorfas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 145
5.5 O Teorema dos resı́duos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 150
5.6 Cálculo dos resı́duos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 152
Capı́tulo 1

Análise no Rn

1.1 Norma euclidiana


Definição 1.1.1. A norma euclidiana do vetor x = (x1 , ..., xn ) ∈ Rn é o
número real
v
u n
uX
kxk := t (xk )2 .
k=1

Proposição 1.1.2. Dados x, y ∈ R e λ ∈ R, tem-se

a) se kxk = 0, então x = 0,

b) kλxk = |λ| kxk,

c) kx + yk ≤ kxk + kyk. (desigualdade do triângulo)

Demonstração. As propriedades a) e b) são óbvias. Vamos mostrar c). Sejam


x = (x1 , ..., xn ) e y = (y1 , ..., yn ) dois vetores de Rn e seja λ ∈ R arbitrário.
Temos que
n
X n
X
kx + λyk2 = (xk + λyk )2 = (xk )2 + 2λxk yk + (λyk )2 ,

k=1 k=1

isto é,

kx + λyk2 = kxk2 + 2λhx, yi + λ2 kyk2 , (1.1)

1
2 CAPÍTULO 1. ANÁLISE NO RN

onde hx, yi := nk=1 xk yk . O membro direito pode ser visto como um po-
P
linômio de grau 2 na variável λ. Esse polinômio é positivo qualquer que seja
o valor de λ. Logo o seu discriminante deve ser negativo, isto é, ∆ ≤ 0, onde
∆ = 4(hx, yi2 − kxk2 kyk2 ),
o que significa que
|hx, yi| ≤ kxk kyk. (1.2)
Usando as desigualdades λhx, yi ≤ |λhx, yi| e (1.2) em (1.1) obtemos
kx + λyk2 ≤ kxk2 + 2|λ| kxk kyk + λ2 kyk2 = (kxk + |λ| kyk)2 ,
donde
kx + λyk ≤ kxk + |λ| kyk.
Tomando λ = 1 otemos a desigualdade desejada.
Observação 1.1.3.
a) Em geral, uma aplicação Rn → R+ satisfazendo as condições a), b) e c)
da Definição 1.1.1 é chamada norma.
b) Fazendo λ = 0 e λ = −1 em b) vê-se que k0k = 0 e k − xk = kxk para
todo x ∈ Rn .
c) A aplicação Rn × Rn → R, (x, y) 7→ hx, yi := x1 y1 + ... + xn yn que aparece
na demonstração da Proposição 1.1.2 é chamada produto euclidiano,
ou produto escalar, de Rn .
d) No decorrer da demonstração da Proposição 1.1.2 mostramos a desigual-
dade de Cauchy-Schwarz: para todo par x, y ∈ Rn , tem-se:
|hx, yi| ≤ kxk kyk.
Proposição 1.1.4. Para todos x, y ∈ Rn , tem-se

kxk − kyk ≤ kx − yk.
Demonstração. Pela desigualdade do triângulo, kxk = ky + (x − y)k ≤ kyk +
kx − yk e portanto
kxk − kyk ≤ kx − yk. (1.3)
O mesmo argumento invertendo x e y e multiplicando por −1 mostra que
−kx − yk ≤ kxk − kyk. (1.4)
Comparando (1.3) e (1.4) obtemos a desigualdade desejada.
1.2. CONJUNTOS ABERTOS 3

1.2 Conjuntos abertos


Definição 1.2.1.
• B(a, r) = {x ∈ Rn | kx − ak < r} é a bola de centro a ∈ Rn e raio
r > 0.

• B ∗ (a, r) = B(a, r) − {a} é a bola furada de centro a ∈ Rn e raio r > 0.

• B(a, r) = {x ∈ Rn | kx − ak ≤ r} é a bola fechada de centro a ∈ Rn e


raio r > 0.
Observação 1.2.2.
a) a ∈ B(a, r) qualquer que seja r > 0.

b) Se r1 ≤ r2 , então B(a, r1 ) ⊆ B(a, r2 ).


Exemplo 1.2.3. Se n = 1, então B(a, r) = (a − r, a + r).
Definição 1.2.4. Seja U ⊆ Rn um conjunto não vazio. Diz-se que U é
aberto se para todo a ∈ U , existe r > 0 tal que B(a, r) ⊆ U. Convencione-se
que o conjunto vazio é aberto.
Proposição 1.2.5.
a) A interseção U1 ∩ U2 de dois conjuntos abertos U1 e U2 em Rn é um
conjunto aberto.

b) Se (Ui )i∈I é uma famı́lia arbitrária de conjuntos abertos Ui ⊆ Rn , então a


reunião ∪i∈I Ui é um conjunto aberto.
Demonstração. A asserção b) é óbvia. Vamos mostrar a). Seja a ∈ U1 ∩ U2
arbitrário. Seja i = 1, 2. Como a ∈ Ui , existe ri > 0 tal que B(a, ri ) ⊆ Ui .
Logo B(a, min{r1 , r2 }) ⊆ B(a, r1 ) ∩ B(a, r2 ) ⊆ U1 ∩ U2 .
Exemplo 1.2.6. Os seguintes conjuntos sáo abertos.
a) Rn .

b) Qualquer bola B(a, r) ⊆ Rn .

c) U − {a}, onde U ⊆ Rn é aberto e a ∈ U. Em particular, qualquer bola


furada B ∗ (a, r) = B(a, r) − {a} em Rn é aberta.
4 CAPÍTULO 1. ANÁLISE NO RN

Demonstrações.

a) Óbvio.

b) Seja x ∈ B(a, r) arbitrário. Então kx − ak < r o que implica que δ := r −


kx − ak > 0. Afirmamos que B(x, δ) ⊆ B(a, r). De fato, dado y ∈ B(x, δ),
vem que

ky − ak = ky − x + x − ak
≤ ky − xk + kx − ak (desigualdade do triângulo)
< δ + kx − ak ( y ∈ B(x, δ))
= r − kx − ak + kx − ak (definição de δ)
= r.

Assim ky − ak < r, ou seja, y ∈ B(a, r), o que mostra a afirmação. Segue


da afirmação que B(a, r) é aberta.

c) Seja x ∈ U − {a} arbitrário. Como U é aberto, existe r > 0 tal que


B(x, r) ⊆ U. Seja r0 := min{r, kx − ak}. Obviamente 0 < r0 ≤ r, e
portanto B(x, r0 ) ⊆ U. Afirmamos que a 6∈ B(x, r0 ). Com efeito, caso
contrário, terı́amos

ka − xk < r0 = min{r, kx − ak} ≤ kx − ak,

o que implicaria ka−xk < ka−xk, um absurdo. Assim B(x, r0 ) ⊆ U −{a}.


Segue-se que U − {a} é aberto.

1.3 Pontos de acumulação


Seja X ⊆ Rn un conjunto não vazio.

Definição 1.3.1. Diz-se que a ∈ Rn é um

a) ponto de acumulação de X se para todo ε > 0, existe x ∈ X tal que


0 < kx − ak < ε. Noutros termos: para todo ε > 0, B ∗ (a, ε) ∩ X 6= ∅.

b) ponto isolado de X se a ∈ X e se a não é ponto de acumulação de X.


Isto significa que existe r > 0 tal que B(a, r) ∩ X = {a}.
1.4. LIMITES 5

O conjunto de todos os pontos de acumulação de X será denotado por


0
X.

Exemplo 1.3.2.

a) Se X = U ⊆ Rn é aberto, então X ⊆ X 0 .

b) Se X = U − {p}, onde U ⊆ Rn é aberto e p ∈ U , então p ∈ X 0 .

c) Se a < b, então (a, b)0 = [a, b].

d) Se X = Z ⊆ R, então qualquer k ∈ X é ponto isolado de X.

Demonstrações.

a) Sejam x ∈ X e ε > 0 ambos arbitrários. Como X é aberto, existe


r > 0 tal que B(x, r) ⊆ X. Seja δ := min{r, ε}. Obviamente B ∗ (x, δ) ⊆
B ∗ (x, ε) ∩ X, e portanto, B ∗ (x, ε) ∩ X 6= ∅.

b) Análogo.

c) Seja x ∈ R arbitrário. Há três possibilidades: x ∈ (a, b), x ∈ {a} ∪ {b} ou


x ∈ R − [a, b].

1) Se x ∈ (a, b). Como (a, b) é aberto (já que é uma bola), temos pelo
Examplo 1.2.6 que (a, b) ⊆ (a, b)0 . Logo x ∈ (a, b)0 .
2) Se x ∈ {a} ∪ {b}. Suponha x = a. Dado ε > 0 arbitrário, é claro que
B ∗ (a, ε) ∩ (a, b) = (a, min{ε, b − a}) 6= ∅. Logo a ∈ (a, b)0 . De maneira
análoga mostra-se que b ∈ (a, b)0 .
3) Se x ∈ R − [a, b]. Se x < a, então B ∗ (x, a−x
2
) ∩ (a, b) = ∅ e portanto
x 6∈ (a, b)0 . Analogamente, se x > b, então x 6∈ (a, b)0 .

d) Se k ∈ X = Z, então B(k, 21 ) ∩ Z = {k}.

1.4 Limites
Seja a ∈ Rn um ponto de acumulação do conjunto X ⊆ Rn .
6 CAPÍTULO 1. ANÁLISE NO RN

Definição 1.4.1. Seja f : X → Rm uma aplicação. Diz-se que l ∈ Rm é um


limite de f quando x tende a a se para todo ε > 0, existe δ > 0 tal que

x ∈ X, 0 < kx − ak < δ ⇒ kf (x) − lk < ε.

Neste caso, escrevemos lim f (x) = l.


x→a

Observação 1.4.2.

a) Equivalentemente, l ∈ Rm é um limite de f : X → Rm quando x tende a


a se para todo ε > 0, existe δ > 0 tal que

x ∈ X ∩ B ∗ (a, δ) ⇒ f (x) ∈ B(l, ε).

b) Se lim f (x) = l, dizemos que f tende para l quando x tende a a. É


x→a
frequente escrever f (x) → l quando x → a.

c) Dada f : U → Rm , segue-se da definição do limite que limx→a f (x) = l se


e somente se limx→a (f (x) − l) = 0.

Proposição 1.4.3. Se l1 e l2 são dois limites de f : X → Rm quando x tende


a a, então l1 = l2 .

Demonstração. Seja ε > 0 arbitrário. Dado i = 1, 2, existe pela definição do


limite um número real δi > 0 tal que x ∈ X e 0 < kx − ak < δi implicam
kf (x) − li k < 2ε . Como a é um ponto de acumulação de X, existe x ∈ X tal
que 0 < kx − ak < δ := min{δ1 , δ2 }, e portanto
ε ε
kl1 − l2 k = kl1 − f (x) + f (x) − l2 k ≤ kl1 − f (x)k + kf (x) − l2 k < 2
+ 2
= ε.

Assim kl1 − l2 k < ε qualquer que seja ε > 0. Isso implica kl1 − l2 k = 0, ou
seja, l1 = l2 .

Proposição 1.4.4. Sejam f, g : X → Rm e λ ∈ R. Suponha que limx→a f (x) =


l e limx→a g(x) = m. Então,

a) lim f (x) + g(x) = l + m,
x→a

b) lim λf (x) = λl.


x→a

Demonstração.
1.4. LIMITES 7

a) Seja ε > 0 arbitrário. Como f (x) → l quando x → a, existe δ1 > 0 tal


que kf (x)−lk < 2ε sempre que 0 < kx−ak < δ1 . Como g(x) → m quando
x → a, existe δ2 > 0 tal que kg(x) − mk < 2ε sempre que 0 < kx − ak < δ2 .
Seja δ := min{δ1 , δ2 }. Então

k(f + g)(x) − (l + m)k = k(f (x) − l) + (g(x) − m)k


≤ kf (x) − lk + kg(x) − mk
< 2ε + 2ε = ε

sempre que 0 < kx − ak < δ.

b) Seja ε > 0 arbitrário. Sem perda de generalidade, podemos supor λ 6= 0


(senão terı́amos o caso trival f ≡ 0). Como f (x) → l quando x → a,
ε
existe δ > 0 tal que kf (x) − lk < |λ| sempre que 0 < kx − ak < δ. Logo

ε
k(λf )(x) − (λl)k = |λ| kf (x) − lk < |λ| |λ| =ε

sempre que 0 < kx − ak < δ.

Proposição 1.4.5. Sejam f : X → Rm e l = (l1 , ..., lm ) ∈ Rm . Então


limx→a f (x) = l se e somente se limx→a fi (x) = li para todo i = 1, ..., m, onde
fi : X → R denota a i-ésima função coordendada de f .

Demonstração.

(⇒) Sejam ε > 0 e i = 1, ..., m, ambos arbitrário. Como limx→a f (x) = l,


existe δ > 0 tal que x ∈ X, 0 < kx − ak < δ implica kf (x) − lk <
√ε . Daı́, aplicando a desigualdade de Cauchy-Schwarz aos vetores
m
(1, ..., 1) ∈ Rm e (|f1 (x) − l1 |, ..., |fm (x) − lm |) ∈ Rm , vê-se que
m
X √
|fi (x) − li | ≤ 1.|fj (x) − lj | ≤ k(1, ..., 1)k kf (x) − lk < m √εm = ε
j=1

para todo x ∈ X tal que 0 < kx − ak < δ. Logo limx→a fi (x) = li .

(⇐) Seja ε > 0 arbitrário. Dado i = 1, ..., m, limx→a fi (x) = li implica que
existe δi > 0 tal que |fi (x) − li | < mε para todo x ∈ X satisfazendo
8 CAPÍTULO 1. ANÁLISE NO RN

0 < kx − ak < δi . Tomando δ := min{δ1 , ..., δm } vem que para todo


x ∈ X satisfazendo 0 < kx − ak < δ,
m
X m
X 2
2 2
kf (x) − lk = (fi (x) − li ) ≤ |fi (x) − li | < ε2 ,
i=1 i=1

onde usamos a desigualdade (a1 )2 + ... + (ap )2 ≤ (a1 + ... + ap )2 , a


qual vale para qualquer famı́lia de números reais positivos a1 , ..., ap (se
mostra por indução). O resultado segue.

1.5 Continuidade
Seja X ⊆ Rn um conjunto não vazio.

Definição 1.5.1. Diz-se que f : X → Rm é contı́nua em a ∈ X se para


todo ε > 0, existe δ > 0 tal que

x ∈ X, kx − ak < δ ⇒ kf (x) − f (a)k < ε.

Se f é contı́nua em todos os pontos de X, dizemos que f é contı́nua em X.

Proposição 1.5.2. Sejam f : X → Rm e a ∈ X.

a) Se a é um ponto de acumulação de X, então f é contı́nua em a se e


somente se limx→a f (x) = f (a).

b) Se a é um ponto isolado de X, então f é contı́nua em a.

Demonstração. A asserção a) é óbvia. Para mostrar b), seja ε > 0 arbitrário.


O ponto a sendo um ponto isolado, existe r > 0 tal que B(a, r) ∩ X = {a},
e portanto

x ∈ X, kx − ak < r ⇒ x ∈ B(a, r) ∩ X = {a}


⇒ x=a
⇒ kf (x) − f (a)k = 0 < ε.

Segue-se que f é contı́nua em a.


1.5. CONTINUIDADE 9

Proposição 1.5.3.
a) Se f, g : X → Rm são contı́nuas em a ∈ X, então f + g é contı́nua em a.

b) Se λ ∈ R e f : X → Rm é contı́nua em a, então λf é contı́nua em a.


Demonstração. Decorre da Proposição 1.4.4 e da Proposição 1.5.2.
Proposição 1.5.4. Sejam
• X ⊆ Rn e Y ⊆ Rm dois conjuntos não vazios,

• f : X → Rm e g : Y → Rp duas aplicações tais que f (X) ⊆ Y,

• a ∈ X 0 e b ∈ Y.
Se limx→a f (x) = b e se g é contı́nua em b, então limx→a (g ◦ f )(x) = g(b).
Demonstração. Seja ε > 0 arbitrário. Pela continuidade de g em b, existe
δ > 0 tal que

y ∈ Y, ky − bk < δ ⇒ kg(y) − g(b)k < ε.

Por outro lado, lim f (x) = b implica que existe η > 0 tal que
x→a

x ∈ X, 0 < kx − ak < η ⇒ kf (x) − bk < δ.

Segue-se que

x ∈ X, 0 < kx − ak < η ⇒ k(g ◦ f )(x) − g(b)k < ε,

e consequentemente limx→a (g ◦ f )(x) = g(b).


Corolário 1.5.5. Sejam
• X ⊆ Rn e Y ⊆ Rm dois conjuntos não vazios,

• f : X → Rm e g : Y → Rp duas aplicações tais que f (X) ⊆ Y.


Se f é contı́nua em a ∈ X e se g é contı́nua em f (a), então g ◦ f é contı́nua
em a.
Demonstração. Se a é um ponto isolado, então não tem nada para mostrar.
Suponha então a ∈ X 0 . Temos que:
10 CAPÍTULO 1. ANÁLISE NO RN

1. pela continuidade de f em a, limx→a f (x) = f (a),

2. por hipótese, g é contı́nua em f (a).

Portanto podemos aplicar a Proposição 1.5.4: limx→a (g ◦ f )(x) = g(f (a)).


Isto mostra que g ◦ f é contı́nua em a.

Proposição 1.5.6. A aplicação f : X → Rm é contı́nua em a ∈ X se e


somente se suas funções coordenadas fi : X → R são todas contı́nuas em a.

Demonstração. Decorre da Proposition 1.4.5 e da caraterização da continui-


dade em termos do limite (veja Proposition 1.5.2).
O conjunto das aplicações contı́nuas no conjunto X ⊆ Rn e tomando
valores em Rm será denotado por C(X, Rm ). Se m = 1, escreveremos
C(X, R) = C(X).
Decorre da Proposição 1.5.3 que se f, g ∈ C(X, Rm ) e se λ ∈ R, então
f + g ∈ C(X, Rm ) e λ f ∈ C(X, Rm ).

Proposição 1.5.7. Seja A um subconjunto não vazio de X. Se f ∈ C(X, Rm ),


então f |A ∈ C(A, Rm ), onde f |A : A → Rm denota a restrição de f ao con-
junto A.

Demonstração. Óbvio.

Exemplo 1.5.8. As seguintes aplicações são contı́nuas.

a) A aplicação constante Rn → Rm , x 7→ c, onde c ∈ Rm .

b) A aplicação identidade Rn → Rn , x 7→ x.

c) Rn → R, x 7→ kxk.

d) R → Rn , t 7→ tu, onde u ∈ Rn − {0}.

e) Qualquer aplicação linear L : Rn → Rm . Em particular, cada projeção


πk : Rn → R, (x1 , ..., xk , ..., xn ) 7→ xk é contı́nua.

Demonstrações.

a) kf (x) − f (a)k = kc − ck = 0 < ε quaisquer que sejam ε > 0 e x ∈ Rn .

b) kf (x) − f (a)k = kx − ak < ε sempre que kx − ak < δ = ε.


1.6. DIFERENCIABILIDADE 11

c) |f (x) − f (a)| = |kxk − kak| ≤ kx − ak, logo |f (x) − f (a)| < ε sempre que
kx − ak < δ = ε.
d) kf (t) − f (a)k = ktu − tak = |t − a| kuk, logo kf (t) − f (a)k < ε sempre
ε
que |t − a| < δ = kuk .

e) Se {e1 , ..., en } denota a base canônica de Rn , então


kL(x) − L(a)k = kL(x1 e1 + ... + xn en ) − L(a1 e1 + ... + an en )k
= k(x1 − a1 )L(e1 ) + ... + (xn − an )L(en )k
≤ |x1 − a1 | kL(e1 )k + ... + |xn − an | kL(en )k
≤ M kx − ak, (Cauchy-Schwarz)
Pn
onde M := ( i=1 kL(ei )k2 )1/2 . Sem perda de generalidade podemos supor
M 6= 0 (senão terı́amos o caso trivial L ≡ 0). Logo kL(x) − L(a)k < ε
sempre que kx − ak < δ = Mε .
Observação 1.5.9. No decorrer da demonstração do item e) acima, mos-
tramos o seguinte fato útil: se L : Rn → Rm é linear, então existe M > 0 tal
que kL(x)k ≤ M kxk para todo x ∈ Rn .

1.6 Diferenciabilidade
Seja f : U → Rm uma aplicação definida no conjunto aberto U ⊆ Rn .
Definição 1.6.1. A aplicação f : U → Rm é diferenciável no ponto a ∈ U
se existem uma aplicação linear L : Rn → Rm e uma aplicação ε : U → Rm ,
a qual é contı́nua em a, tais que ε(a) = 0 e
f (x) = f (a) + L(x − a) + kx − ak ε(x)
para todo x ∈ U. Neste caso, dizemos que a aplicação linear L é uma deri-
vada de f no ponto a.
Proposição 1.6.2. Se f : U → Rm é diferenciável em a ∈ U , então f é
contı́nua em a.
Demonstração. Por definição da diferenciabilidade, existe uma aplicação li-
near L : Rn → Rm e ε : U → Rm , contı́nua em a, tais que f (x) =
f (a) + L(x − a) + kx − ak ε(x) para todo x ∈ U. Logo f é a soma de três
aplicações contı́nuas em a e portanto é contı́nua em a.
12 CAPÍTULO 1. ANÁLISE NO RN

Sejam a ∈ U e u ∈ Rm . Como U é aberto, existe r > 0 tal que B(a, r) ⊆


U . Pela continuidade em 0 da aplicação t 7→ a+tu, existe δ > 0 tal que |t| < δ
implica ka + tu − ak < r. Logo a + tu ∈ B(a, r) ⊆ U sempre que |t| < δ. Em
particular, tem sentido considerar a função V : (−r, r) − {0} → Rm definida
por
f (a + tu) − f (a)
V (t) := .
t
Note que 0 é ponto de acumulação de (−r, r) − {0}.
Proposição 1.6.3. Sejam a ∈ U , u ∈ Rn e V : (−r, r) − {0} como acima.
Se f é diferenciável em a ∈ U com derivada L : Rn → Rn , então

L(u) = lim V (t). (1.5)


t→0

Segue-se, em particular, que a derivada de f no ponto a é única; é denotada


por Dfa .
Demonstração. Se u = 0, então a fórmula (1.5) é trivialmente satisfeita.
Suponha então u 6= 0. Devemos mostrar que limt→0 V (t) = L(u). Seja  > 0
arbitrário. Pela definição da diferenciabilidade, existe ε : U → Rm , contı́nua
em a, tal que ε(a) = 0 e f (x) = f (a) + L(x − a) + kx − ak ε(x) para todo
x ∈ U . Logo
f (a+tu)−f (a) L(tu)+ktuk ε(a+tu)
V (t) = t
= t
= L(u) + σ(t)kukε(a + tu),

onde σ(t) = 1 se t > 0 e σ(t) = −1 se t < 0. A aplicação composta t 7→ ε(a +


tu) sendo contı́nua em 0, existe η > 0 tal que |t| < η implica kε(a + tu)k =

kε(a + tu) − ε(a)k < kuk . Assim

kV (t) − L(u)k = kuk kε(a + tu)k < kuk kuk =

para todo |t| < η, t 6= 0. Isso mostra que limt→0 V (t) = L(u).
Proposição 1.6.4. A aplicação f : U → Rm é diferenciável em a ∈ U se e
somente se suas funções coordenadas fi : U → R são todas diferenciáveis em
a. Neste caso,

Dfa (u) = (Df1 )a (u), ..., (Dfm )a (u)

para todo u ∈ Rn .
1.6. DIFERENCIABILIDADE 13

Demonstração.
(⇒) Seja i = 1, ..., m arbitrário. Se f é diferenciável em a ∈ U , então existe
ε : U → Rm , contı́nua em a, tal que ε(a) = 0 e tal que f (x) = f (a) +
L(x − a) + kx − ak ε(x) para todo x ∈ U, onde L = Dfa : Rn → Rm .
Compondo com a projeção πi : Rn → Rm , (x1 , ..., xi , ..., xm ) 7→ xi ,
obtemos
fi (x) = fi (a) + Li (x − a) + kx − ak εi (x)
para todo x ∈ U , onde Li = πi ◦ L : Rn → R e εi := πi ◦ ε : U → R.
Obviamente Li é linear, εi (a) = πi (ε(a)) = πi (0) = 0 e pela Proposição
1.4.5, limx→a εi (x) = 0. Segue-se que fi é diferenciável em a e que
(Dfi )a = Li = πi ◦ Dfa .
(⇐) Suponha que todas as funções coordenadas de f sejam diferenciáveis
em a ∈ U . Então para todo i = 1, ..., m existe εi : U → R, contı́nua em
a, tal que εi (a) = 0 e tal que fi (x) = fi (a) + Li (x − a) + kx − ak εi (x)
para todo x ∈ U, onde Li = (Dfi )a . Pondo L : Rn → Rm , x 7→
(L1 (x), ..., Lm (x)) e ε : U → Rm , x 7→ (ε1 (x), ..., εm (x)), vê-se que
f (x) = f (a) + L(x − a) + kx − ak ε(x) para todo x ∈ U . Obviamente
L é linear, ε(a) = (ε1 (a), ..., εm (a)) = (0, ..., 0) = 0, e pela Proposição
1.5.6, ε é contı́nua em a. Segue-se que f é diferenciável em a e que
Dfa = (L1 , ..., Lm ) = (Df1 )a , ..., (Dfm )a .

Proposição 1.6.5. Se f, g : U → Rm são diferenciáveis em a ∈ U , então


para quaisquer α, β ∈ R, a aplicação αf + βg é diferenciável em a e
D(αf + βg)a = αDfa + βDga .
Demonstração. Óbvio.
Proposição 1.6.6 (Regra da cadeia). Sejam
• U ⊆ Rn e V ⊆ Rm dois conjuntos abertos,
• f : U → Rm e g : V → Rp duas aplicações tais que f (U ) ⊆ V .
Se f é diferenciável em a ∈ U e se g é diferenciável em f (a), então g ◦ f é
diferenciável em a e
D(g ◦ f )a = Dgf (a) ◦ Dfa . (1.6)
14 CAPÍTULO 1. ANÁLISE NO RN

Demonstração. Pela diferenciabilidade de f no ponto a e a de g no ponto


b := f (a), existem ε1 : U → Rm e ε2 : V → Rp tais que para todo x ∈ U e
todo y ∈ V ,

f (x) = f (a) + Dfa (x − a) + kx − ak ε1 (x), com lim ε1 (x) = ε1 (a) = 0


x→a
e g(y) = g(b) + Dgb (y − b) + ky − bk ε2 (y), com lim ε2 (y) = ε2 (b) = 0.
y→b

Tomando y = f (x), x ∈ U , na equação acima, um cálculo simples mostra


que

g(f (x)) = g(b) + (Dgb ◦ Dfa )(x − a) + kx − ak · Dgb (ε1 (x))


+kf (x) − bk · ε2 (f (x)).

Seja ε : U → Rp a aplicação definida por

Dgb (ε1 (x)) + kfkx−ak


(x)−bk
(
ε2 (f (x)) se x ∈ U − {a},
ε(x) :=
0 se x = a.

Então, para todo x ∈ U,

g(f (x)) = g(b) + (Dgb ◦ Dfa )(x − a) + kx − ak ε(x).

Devemos mostrar que limx→a ε(x) = 0.


A aplicação Dgb sendo linear, é contı́nua, e como limx→a ε1 (x) = 0, ob-
temos pela Proposição 1.5.4 que limx→a Dgb (ε1 (x)) = Dgb (0) = 0. Resta
mostrar que

lim kfkx−ak
(x)−bk 
ε2 (f (x)) = 0. (1.7)
x→a

Para mostrar (1.7), usamos a fato simples que se L : Rn → Rm é uma


aplicação linear, então existe M > 0 tal que kL(x)k ≤ M kxk para todo
x ∈ Rn (veja Observação 1.5.9). No caso L = Dfa , obtemos,

kf (x) − bk = kDfa (x − a) + kx − ak ε1 (x)k


≤ M kx − ak + kx − ak kε1 (x)k,

donde,
kf (x)−bk
kx−ak
≤ M + kε1 (x)k
1.7. DERIVADAS PARCIAIS E MATRIZ JACOBIANA 15

para todo x ∈ U − {a}. Agora seja  > 0 arbitrário. Pela continuidade


das aplicações ε1 (x) e ε2 (f (x)) em a, existe δ > 0 tal que kε1 (x)k <  e
kε2 (f (x))k < M+ sempre que kx − ak < δ. Segue-se que

kf (x)−f (a)k
kx−ak ε2 (f (x)) ≤ (M + kε1 (x)k) kε2 (f (x))k

< (M + ) M+ = ,

para todo x ∈ U satisfazendo 0 < kx − ak < δ, o que mostra (1.7). A


proposição segue.
Proposição 1.6.7. Seja U1 ⊆ Rn um conjunto aberto contido em U . Se
f : U → Rm é diferenciável em a ∈ U1 , então f |U1 : U1 → Rm é diferenciável
em a e D(f |U1 )a = Dfa .
Demonstração. Óbvio.
Exemplo 1.6.8.
a) Dado c ∈ Rm , a aplicação constante f (x) ≡ c é diferenciável em todo
ponto a ∈ U e Dfa = 0.

b) Se f : U → Rm é a restrição a U de uma aplicação linear L : Rn → Rm ,


então f é diferenciável em todo a ∈ U e Dfa = L.

1.7 Derivadas parciais e matriz jacobiana


Sejam U ⊆ Rn um conjunto aberto e a ∈ U . Dado i = 1, ..., n, existe ri > 0
tal que a + tei ∈ U sempre que t ∈ (−ri , ri ), onde ei denota o i-ésimo vetor
da base canônica de Rn . Portanto, dada f : U → R, tem sentido considerar
a função real Vi : (−ri , ri ) − {0} → R definida por
f (a + tei ) − f (a)
Vi (t) := .
t
Definição 1.7.1. Dado i = 1, ..., n, a i-ésima derivada parcial de f : U →
R no ponto a ∈ U é o número real
∂f
(a) := lim Vi (t)
∂xi t→0

caso este limite exista.


16 CAPÍTULO 1. ANÁLISE NO RN

∂f
Observação 1.7.2. O sı́mbolo “xi ”aparecendo na notação “ ∂x i
(a)” refere-
se às variáveis usadas para definir f . Quando estas variáveis não aparecem
∂f
explicitamente na definição de f , escreve-se às vezes ∂i f (a) em vez de ∂x i
(a).

Proposição 1.7.3. Seja i = 1, ..., n. Se f : U → R é diferenciável em a ∈ U ,


∂f ∂f
então ∂xi
(a) existe e ∂x i
(a) = Dfa (ei ).

Demonstração. Decorre da Proposição 1.6.3.

Definição 1.7.4. Seja f : U → Rm uma aplicação diferenciável em a ∈ U . A


matriz jacobiana de f no ponto a é a representação matricial da aplicação
linear Dfa : Rn → Rm em relação às bases canônicas de Rn e Rm ; é denotada
por Jf (a).

Proposição 1.7.5. Se f : U → Rm é diferenciável em a ∈ U , então


 ∂f1 ∂f1

∂x1
(a) · · · ∂xn
(a)
Jf (a) =  ... ..  ,

. 
∂fm ∂fm
∂x1
(a) · · · ∂xn (a)

onde fi : U → R denota a i-ésima função coordenada de f , i = 1, ..., m.

Demonstração. Seja i = 1, ..., n arbitrário. Levando em conta Proposição


1.6.4 e Proposição 1.7.3, vem que as entradas da i-ésima coluna de Jf (a) são
dadas por:

(Dfa )(ei ) = ((Df1 )a (ei ), ..., (Dfm )a (ei )) = ∂f ∂fm


1

∂xi
(a), ..., ∂xi
(a) .

O resultado segue.

Proposição 1.7.6. Sejam

• U ⊆ Rn e V ⊆ Rm dois conjuntos abertos,

• f : U → Rm e g : V → Rp tais que f (U ) ⊆ V .

Suponha que f seja diferenciável em a ∈ U e que g seja diferenciável em f (a)


(logo g ◦ f : U → Rp é diferenciável em a). Então,

J(g ◦ f )(a) = Jg(f (a)) · Jf (a).


1.8. CONJUNTOS CONEXOS 17

Demonstração. SejamP i = 1, ..., p e j = 1, ..., n arbitrários. Devemos mostrar


que (J(g ◦ f )(a))ij = m k=1 (Jg(f (a)))ik (Jf (a))kj , ou seja, que

∂j (gi ◦ f )(a) = m
P
k=1 ∂k gi (f (a))∂j fk (a).

Sem perda de generalidade, podemos supor que p = 1 e escrever g := gi . Seja


{h1 , ..., hm } a base canônica de Rm . Levando em conta a Proposição 1.7.3,
temos pela regra da cadeia que

∂j (g ◦ f )(a) = D(g ◦ f )a (ej ) = Dgf (a) Dfa (ej )


= Dgf (a) ((Df1 )a (ej ), ..., (Dfm )a (ej ))
Pm 
= Dgf (a) k=1 ∂j f k (a)h k
Pm
= ∂
k=1 j k f (a)Dg f (a) hk
Pm
= k=1 ∂j fk (a)∂k g(f (a)).

A proposição segue.

1.8 Conjuntos conexos


Seja X ⊆ Rn um conjunto não vazio. Denotamos por TX o conjunto de todos
os subconjuntos de X da forma X ∩ U , onde U ⊆ Rn é um conjunto aberto.
Note que ∅ ∈ TX .
Definição 1.8.1.
a) Uma cisão de X é um par (A, B) de elementos de TX tal que X = A ∪ B
e A ∩ B = ∅.

b) Diz-se que a cisão (A, B) é trivial se A = ∅ ou se B = ∅.

c) Diz-se que X é conexo se não admite outra cisão além das cisões triviais.
Noutros termos: se X = A ∪ B com A, B ∈ TX , e se A ∩ B = ∅, então
A = ∅ ou B = ∅.
Definição 1.8.2. Um conjunto I ⊆ R é um intervalo se para todos x, y ∈ I
e todo z ∈ R,

x≤z≤y ⇒ z ∈ I.

Convencione-se que o conjunto vazio é um intervalo.


18 CAPÍTULO 1. ANÁLISE NO RN

Exemplo 1.8.3. Os intervalos não vazios de R são necessariamente da forma

{a}, (a, b), (a, b], [a, b), (−∞, a), (−∞, a], (a, ∞), [a, ∞), R,

onde a, b ∈ R, a < b.

Teorema 1.8.4. Um subconjunto de R é conexo se e somente se é um inter-


valo.

Demonstração.

(⇒) Seja X ⊆ R um conjunto conexo. Se X = ∅ ou X = {ponto}, então X


é trivialmente un intervalo. Suponha então que X possua pelo menos
dois pontos distintos, x, y ∈ X. Sem perda de generalidade, podemos
supor x < y. Seja z ∈ R tal que x < z < y. Afirmamos que z ∈ X.
Com efeito, caso contrário, a reunião

X = (X ∩ (−∞, z)) ∪ (X ∩ (z, ∞))

seria uma cisão não trivial de X que é conexo, criando um absurdo.


Logo z ∈ X. Segue-se que X é um intervalo.

(⇐) Seja I ⊆ R um intervalo não vazio. Suponha por absurdo que exista
uma cisão não trivial (A, B) de I. Seja x ∈ B. Definimos

A−
x := A ∩ (−∞, x) e A+
x := A ∩ (x, ∞).

Como A = A− + − +
x ∪ Ax 6= ∅, necessariamente Ax 6= ∅ ou Ax 6= ∅. Sem
perda de generalidade, podemos supor A− x 6= ∅ (senão o raciocı́nio é

análogo). Então Ax é um conjunto não vazio e limitado superiormente
por x, e portanto, possui um supremo α := sup (A− x ). Lembramos que

α é por definição o menor dos majorantes de Ax . Logo

a≤α≤x (1.8)

para todo a ∈ A−x . Isso implica em particular que α ∈ I, pois I é um


intervalo contendo x e contendo qualquer a ∈ A− x.

Agora, há duas possibilidades: α ∈ A ou α ∈ B.


1.8. CONJUNTOS CONEXOS 19

1. Se α ∈ A. Neste caso, α e x são distintos, pois pertencem a A


e B que são disjuntos. Logo a segunda desigualdade em (1.8) é
estrita, isto é, α < x. Assim α ∈ A ∩ (−∞, x) = A−
x , isto é,

α ∈ A−
x.

Por outro lado, a condição A ∈ TI implica que A−x = A ∩ (−∞, x)


pertence a TI , o que significa que A− x = U ∩ I para algum aberto

U ⊆ R. Necessariamente α ∈ U (pois α ∈ Ax = U ∩ I) e portanto
existe η > 0 tal que (α − η, α + η) ⊆ U . Isto implica que (α −
η, α + η) ∩ I ⊆ U ∩ I = A− x , ou seja,

(α − η, α + η) ∩ I ⊆ A−
x.

Diminuindo η se necessário, podemos supor que α+η < x (recorde-


se que α < x). Seja z := α + η2 . O ponto z pertence a I, pois
α < z < x com α, x ∈ I, e portanto, z ∈ (α − η, α + η) ∩ I ⊆ A−
x.
− −
Conluı́mos que z ∈ Ax com z > α, contradizendo α = sup(Ax ).
2. Se α ∈ B. A condição B ∈ TI implica que existe um conjunto
aberto V ⊆ Rn tal que B = V ∩ I. Necessariamente α ∈ V
(pois α ∈ B = V ∩ I) o que implica que existe δ > 0 tal que
J = (α − δ, α + δ) ⊆ V . Segue-se que

J ∩I ⊆V ∩I =B ⇒ J ∩I ∩A⊆B∩A=∅
⇒ J ∩ A = ∅.

Mas isto é absurdo, porque sendo α = sup(A− −


x ), existe w ∈ Ax tal

que α − δ < w ≤ α, o que implica α ∈ J ∩ Ax ⊆ J ∩ A = ∅.

Lema 1.8.5. Seja f : X → Rm uma aplicação contı́nua.


a) Se U ⊆ Rm é aberto, então f −1 (U ) ∈ TX .
b) Se (A, B) é uma cisão de f (X), então (f −1 (A), f −1 (B)) é uma cisão de
X.
Demonstração.
a) Seja U ⊆ Rm um conjunto aberto. Suponha f −1 (U ) 6= ∅. Para todo
x ∈ f −1 (U ), escolhamos
20 CAPÍTULO 1. ANÁLISE NO RN

• εx > 0 tal que B(f (x), εx ) ⊆ U (εx existe pois f (x) ∈ U e U é aberto),
• δx > 0 tal que f (B(x, δx )∩X) ⊆ B(f (x), εx ) (δx existe pois f é contı́nua
em x).

Seja V := ∪x∈f −1 (U ) B(x, δx ). Temos então que

f (B(x, δx ) ∩ X) ⊆ B(f (x), εx ) ⊆ U


⇒ x ∈ B(x, δx ) ∩ X ⊆ f −1 (U )
⇒ ∪x∈f −1 (U ) {x} ⊆ ∪x∈f −1 (U ) B(x, δx ) ∩ X ⊆ ∪x∈f −1 (U ) f −1 (U )
⇒ f −1 (U ) ⊆ V ∩ X ⊆ f −1 (U ),

e consequentemente, f −1 (U ) = V ∩ X com V ⊆ Rn aberto. Isto significa


que f −1 (U ) ∈ TX .

b) Seja (A, B) uma cisão de f (X). Claramente X = f −1 (A) ∪ f −1 (B) e


f −1 (A) ∩ f −1 (B) = ∅. Resta mostrar que f −1 (A) e f −1 (B) são elementos
de TX . Como A ∈ Tf (X) , existe um conjunto aberto U ⊆ Rm tal que
A = f (X) ∩ U , donde f −1 (A) = f −1 (f (X) ∩ U ) = X ∩ f −1 (U ). Pelo item
a), f −1 (U ) ∈ TX , o que significa que existe um conjunto aberto V ⊆ Rn
tal que f −1 (U ) = X ∩ V , e portanto f −1 (A) = X ∩ f −1 (U ) = X ∩ V . Isto
mostra que f −1 (A) ∈ TX . De maneira análoga mostra-se que f −1 (B) ∈
TX .

Proposição 1.8.6. Se f : X → Rm é contı́nua e se X é conexo, então f (X)


é conexo.

Demonstração. Seja (A, B) uma cisão de f (X). Pelo Lema 1.8.5, o par
(f −1 (A), f −1 (B)) é uma cisão do conjunto conexo X, e portanto f −1 (A) = ∅
ou f −1 (B) = ∅. Logo A = ∅ ou B = ∅.

Teorema 1.8.7 (Teorema do valor intermediário). Suponha X conexo


e f : X → R contı́nua. Se a, b ∈ X são tais que f (a) < f (b), então para todo
d com f (a) < d < f (b), existe c ∈ X tal que f (c) = d.

Demonstração. Decorre do Teorema 1.8.4 e da Proposição 1.8.6

Definição 1.8.8.
1.8. CONJUNTOS CONEXOS 21

a) Um caminho é uma aplicação contı́nua γ : I → Rn definida num intervalo


I ⊆ R. Se γ(t) ∈ X para todo t ∈ I, diz-se que γ é um caminho em X.

b) Dois pontos a, b ∈ X podem ser ligados por um caminho em X


quando existe um caminho em X, γ : [0, 1] → Rn , tal que γ(0) = a e
γ(1) = b.

c) X é conexo por caminhos quando dois pontos quaisquer a, b ∈ X


podem ser ligado por um caminho em X.
Proposição 1.8.9. Se X é conexo por caminhos, então é conexo.
Demonstração. Suponha por absurdo que X possua uma cisão não trivial
(A, B). Sejam a ∈ A e b ∈ B quaisquer. Por definição da conexidade por
caminhos, existe uma aplicação contı́nua γ : [0, 1] → Rn tal que γ(0) =
a, γ(1) = b e γ(t) ∈ X para todo t ∈ [0, 1]. Seja Γ := γ([0, 1]). Visto
que (A ∩ Γ, B ∩ Γ) é uma cisão de Γ, o Lema 1.8.5 implica que (γ −1 (A ∩
Γ)), γ −1 (B ∩ Γ)) = (γ −1 (A), γ −1 (B)) é uma cisão de [0, 1]. Como [0, 1] é
conexo, γ −1 (A) = ∅ ou γ −1 (B) = ∅. Mas isto é absurdo, pois 0 ∈ γ −1 (A) e
1 ∈ γ −1 (B).
Definição 1.8.10. Sejam γ1 , γ2 : [0, 1] → Rn dois caminhos com γ1 (1) =
γ2 (0). O caminho justaposto é o caminho γ1 ∗ γ2 : [0, 1] → Rn definido por
(
γ1 (2t) se 0 ≤ t ≤ 21 ,
(γ1 ∗ γ2 )(t) :=
γ2 (2t − 1) se 12 ≤ t ≤ 1.

Observação 1.8.11. Se γ1 , γ2 : [0, 1] → Rn são caminhos em X e se γ1 (1) =


γ2 (0), então γ1 ∗ γ2 é um caminho em X, isto é, (γ1 ∗ γ2 )(t) ∈ X para todo
t ∈ [0, 1].
Teorema 1.8.12. Se X ⊆ Rn é aberto, então X é conexo se e somente se é
conexo por caminhos.
Demonstração.
(⇒) Seja a ∈ X. Seja U o conjunto dos pontos x ∈ X que podem ser
ligados ao ponto a por um caminho em X. Devemos mostrar que
U = X. Primeiro, note que U 6= ∅, pois a ∈ U . Seja x ∈ U arbitrário.
Por definição de U , existe um caminho γ1 que liga a e x em X. O
conjunto X sendo aberto, existe r > 0 tal que B = B(x, r) ⊆ X. Seja
22 CAPÍTULO 1. ANÁLISE NO RN

y ∈ B arbitrário. Defina o caminho γ2 pondo γ2 (t) = (1 − t)x + ty; é


um caminho em B ligando x e y. Como γ1 (1) = γ2 (0) = x, tem sentido
considerar γ1 ∗ γ2 ; é um caminho em X que liga a e y. Isto implica que
B ⊆ U . Segue-se que U é aberto.
Vamos mostrar que X − U também é aberto. Se X − U = ∅, não tem
nada para mostrar. Senão, considere um ponto z ∈ X − U arbitrário.
Seja s > 0 tal que B(z, s) ⊆ X. Afirmamos que B(z, s) ⊂ X − U . Com
efeito, caso contrário, existiria w ∈ B(z, s) que poderia ser ligado a a
por um caminho em X, α, com α(0) = a e α(1) = w. Existiria também
um caminho em X, β, ligando w a z, com β(0) = w e β(1) = z (por
exemplo β(t) := (1 − t)w = tz). Logo α ∗ β ligaria a e z em X, criando
um absurdo. Isto mostra que B(z, s) ⊆ X − U . Segue-se que X − U é
aberto.
Agora, o conjunto X sendo conexo, a cisão (U, X − U ) é trivial, o que
implica U = ∅ ou X − U = ∅. Mas como a ∈ U , necessariamente
X − U = ∅, o que significa que U = X.

(⇐) Decorre da Proposição 1.8.9.

Exemplo 1.8.13.

a) Diz-se que X ⊆ Rn é estrelado se existe a ∈ X tal que para todo x ∈ X,


o segmento {ta + (1 − t)x |, 0 ≤ t ≤ 1} está contido em X.
Capı́tulo 2

Funções holomorfas

2.1 Notação
• i2 = −1,

• C = {z = x + iy | x, y ∈ R}, x = Re z, y = Im z; C∗ = C − {0},
p
• |z| = x2 + y 2 é o módulo de z = x + iy,

• z = reiθ = r(cos(θ) + i sin(θ)), onde r = |z| e θ ∈ R, é a representação


polar de z,

• D(z0 , R) = {z ∈ C | |z − z0 | < R} é o disco de centro z0 ∈ C e raio R > 0,

• D∗ (z0 , R) = D(z0 , R) − z0 é o disco furado de centro z0 ∈ C e raio R > 0.

2.2 Limites
Seja z0 ∈ C um ponto de acumulação do conjunto aberto U ⊆ C.

Definição 2.2.1. Seja f : U → C uma função. Diz-se que l ∈ C é um


limite de f quando z tende a z0 se para todo ε > 0, existe δ > 0 tal que

z ∈ U, 0 < |z − z0 | < δ ⇒ |f (z) − l| < ε.

Neste caso, escrevemos lim f (z) = l.


z→z0

23
24 CAPÍTULO 2. FUNÇÕES HOLOMORFAS

Esta definição é um caso particular da Definição 1.4.1. Por conseguinte,


valem todos os resultados vistos no Capı́tulo 1. Em particular,

• o limite é único.

• Se f = u + iv, onde u = Re f e v = Im f , então limz→z0 f (z) = l se e


somente se limz→z0 u(z) = Re l e limz→z0 v(z) = Im l.

• Sejam f, g : U → C.  Se limz→z0 f (z) = l e limz→z0 g(z) = m, então


limz→z0 f (z) + g(z) = l + m.

• Sejam f : U → C e λ ∈ R. Se limz→z0 f (z) = l, então limz→z0 (λf (z)) = λl.

Proposição 2.2.2. Sejam f, g : U → C duas funções e sejam l, m ∈ C.


Suponha que limz→z0 f (z) = l e limz→z0 g(z) = m. Valem as seguintes as-
serções:

a) limz→z0 (f g)(z) = lm, onde f g : U → C, z 7→ f (z)g(z);


g m

b) se l 6= 0 e se f (z) 6= 0 para todo z ∈ U , então limz→z0 f
(z) = l
, onde
g g(z)
f
: U → C, z 7→ f (z)
.

Demonstração.

a) Seja ε > 0 arbitrário. Como limz→z0 f (z) = l e limz→z0 g(z) = m, existem


δ1 > 0 e δ2 > 0 tais que:

ε
z ∈ U, 0 < |z − z0 | < δ1 ⇒ |f (z) − l| < 2(|m|+1)
,
 ε
e z ∈ U, 0 < |z − z0 | < δ2 ⇒ |g(z) − m| < min 2(|l|+1) ,1 .

Note que se |g(z) − m| < 1, então



|g(z)| − |m| ≤ |g(z)| − |m| ≤ |g(z) − m| < 1,

o que implica

|g(z)| < |m| + 1.


2.2. LIMITES 25

Seja δ := min{δ1 , δ2 }. Então, para todo z ∈ U tal que 0 < |z − z0 | < δ,


temos que

|f (z)g(z) − lm| = |f (z)g(z) − lg(z) + lg(z) − lm|


= |(f (z) − l)g(z) + l(g(z) − m)|
≤ |f (z) − l| |g(z)| + |l| |g(z) − m|
ε ε
< 2(|m|+1) |g(z)| + |l| 2(|l|+1)
ε |l| ε
< 2(|m|+1)
(|m| + 1) + |l|+1 2
ε ε
= 2
+ 2 = ε.

Logo limz→z0 f (z)g(z) = lm.
1
= 1l . Seja ε > 0 arbitrário. Como

b) Basta mostrar que limz→z0 f (z)
limz→z0 f (z) = l 6= 0, existe δ > 0 tal que
 2
z ∈ U, 0 < |z − z0 | < δ ⇒ |f (z) − l| < min |l|2 ε , | 2l | .

Note que se |f (z) − l| < | 2l |, então

|l| = |l − f (z) + f (z)| ≤ |l − f (z)| + |f (z)| < | 2l | + |f (z)|,

o que implica |f (z)| > | 2l |, e então


1 2
< .
f (z) l

Seja agora z ∈ U tal que 0 < |z − z0 | < δ. Temos que

= f (z) − l 1 1 < |l|2 ε 1 2 = ε.


1 1
l−f (z)

f (z)
− l
=
l f (z) l f (z) 2 l l

1
= 1l .

Logo limz→z0 f (z)

Exemplo 2.2.3.
a) Seja c ∈ C. Se f (z) ≡ c on U , então limz→z0 f (z) = c pois |f (z) − c| =
|c − c| = 0 < ε qualquer que seja ε > 0.

b) Se f (z) = z on U , então limz→z0 f (z) = z0 pois |f (z) − z0 | = |z − z0 | < ε


sempre que 0 < |z − z0 | < δ = ε.
26 CAPÍTULO 2. FUNÇÕES HOLOMORFAS

c) Se f (z) = Re z, então limz→z0 f (z) = Re z0 . Com efeito,

|f (z) − Re z0 | = |Re z − Re z0 | = |Re (z − z0 )|


= | z−z0 +z−z
2
0
| ≤ 12 |z − z0 | + 21 |z − z0 |
≤ |z − z0 |,

e portanto, |f (z) − Re z0 | < ε sempre que 0 < |z − z0 | < δ = ε.

2.3 Continuidade
Sejam U ⊆ C e U1 ⊆ C dois conjuntos abertos.

Definição 2.3.1. Diz-se que f : U → C é contı́nua no ponto z0 ∈ U se


para todo ε > 0, existe δ > 0 tal que

z ∈ U, |z − z0 | < δ ⇒ |f (z) − f (z0 )| < ε.

Se f é contı́nua em todos os pontos de U , dizemos que f é contı́nua em U .

Esta definição é um caso particular da Definição 1.5.1. Por conseguinte,


valem todos os resultados vistos no Capı́tulo 1. Em particular,

• f : U → C é contı́nua em z0 ∈ U se e somente se limz→z0 f (z) = f (z0 );

• se f = u + iv, onde u = Re f e v = Im f , então f é contı́nua em z0 ∈ U se


somente se u : U → R e v : U → R são contı́nuas em z0 ;

• se f, g : U → C são contı́nuas em z0 ∈ U , então f + g é contı́nua em z0 ;

• se f : U → C é contı́nua em z0 ∈ U e se λ ∈ R, então λf é contı́nua em z0 ;

• a aplicação C → C, z 7→ iz sendo um isomorfismo R-linear, é contı́nua, e


portanto, se f : U → C é contı́nua em z0 , então if : U → C, z 7→ if (z)
é contı́nua em z0 . Logo αf é contı́nua em z0 qualquer que seja α ∈ C;

• dadas f : U → C e g : U1 → C tais que f (U ) ⊆ U1 , se f é contı́nua em z0


e se g é contı́nua em f (z0 ), então g ◦ f é contı́nua em z0 ;

• se U1 ⊆ U e se f : U → C é contı́nua, então f |U1 : U1 → C é contı́nua,

Lema 2.3.2. Seja f : U → C uma função.


2.3. CONTINUIDADE 27

a) Se f é contı́nua em z0 ∈ U e se f (z0 ) 6= 0, então existem ε > 0 e um disco


D(z0 , r) ⊆ U tais que |f (z)| ≥ ε sempre que z ∈ D(z0 , r).

b) Seja Z(f ) := {z ∈ U | f (z) = 0}. Se f é contı́nua em U e não é identica-


mente nula, então U − Z(f ) é um conjunto aberto não vazio.

Demonstração.

a) Seja ε := |f (z20 )| . Pela continuidade de f em z0 , existe r > 0 tal que


z ∈ U, |z − z0 | < r implica |f (z) − f (z0 )| < ε. Diminuindo r se necessário,
podemos supor que D(z0 , r) ⊆ U . Dado z ∈ D(z0 , r), vem que
|f (z0 )|
|f (z0 )| = |f (z0 ) − f (z) + f (z)| ≤ |f (z0 ) − f (z)| + |f (z)| < 2
+ |f (z)|,
|f (z0 )|
e portanto |f (z)| ≥ |f (z0 )| − 2
= ε.

b) Decorre de a).

Proposição 2.3.3. Se f, g : U → C são contı́nuas, então f g : U → C e


f
g
: U − Z(g) → C são contı́nuas.

Demonstração. Decorre da Proposição 2.2.2.

Exemplo 2.3.4. As seguintes funções são contı́nuas en C (com exceção de


d) que é contı́nua em C∗ ):

a) a função constante f (z) ≡ c, onde c ∈ C,

b) a função identidade f (z) = z,

c) qualquer polinômio p(z) = nk=0 ak z k , ak ∈ C,


P

d) C∗ → C, z 7→ 1
zn
, n ∈ N − {0},

e) f (z) = z.

Demonstrações. A função constante e a função identidade são contı́nuas em


C (veja Exemplo 1.5.8). Deduz-se por indução, usando a Proposição 2.3.3,
que p(z) e z1n são contı́nuas. A função f (z) = z é R-linear, logo é contı́nua.
28 CAPÍTULO 2. FUNÇÕES HOLOMORFAS

2.4 Derivação complexa


Seja U ⊆ C um conjunto aberto.
Definição 2.4.1. Seja f : U → C uma função. Diz-se que f é derivável
no sentido complexo, ou que tem derivada complexa, ou ainda que é
C-derivável, em z0 ∈ U , se o limite
f (z) − f (z0 )
f 0 (z0 ) := lim
z→z0 z − z0
existe. O número complexo f 0 (z0 ) é chamado derivada de f em z0 .
Proposição 2.4.2. Seja f : U → C uma função e seja z0 ∈ U. As seguintes
asserções são equivalentes.
a) f é C-derivável em z0 .

b) Existem l ∈ C e uma função ε : U → C, a qual é contı́nua em z0 , tais que


ε(z0 ) = 0 e

f (z) = f (z0 ) + l(z − z0 ) + ε(z)(z − z0 )

para todo z ∈ U .
Além disso, se uma (logo as duas) das asserções a) ou b) é satisfeita, então
l = f 0 (z0 ).
Demonstração.
(a ⇒ b) Suponha que f seja C-derivável em z0 . Defina ε : U → C pondo
 f (z)−f (z0 )
z−z0
− f 0 (z0 ) se z ∈ U − {z0 },
ε(z) :=
0 se z = z0 .

Por construção, f (z) = f (z0 ) + f 0 (z0 )(z − z0 ) + ε(z)(z − z0 ) para todo


z ∈ U . Além disso, dado  > 0 arbitrário, existe pela definição da
derivabilidade complexa um número real δ > 0 tal que

z ∈ U, 0 < |z − z0 | < δ ⇒ | f (z)−f


z−z0
(z0 )
− f 0 (z0 )| = |ε(z) − 0| < .

Isso mostra que limz→z0 ε(z) = 0. Tomando l = f 0 (z0 ), a asserção b)


segue.
2.4. DERIVAÇÃO COMPLEXA 29

(b ⇒ a) Suponha que existam l e ε como na asserção b). Então 0 = limz→z0 ε(z) =


limz→z0 ( f (z)−f
z−z0
(z0 )
− l), donde limz→z0 f (z)−f
z−z0
(z0 )
= l. Isso implica que f
é C-derivável em z0 .
Se as condições a) e b) são satisfeitas, então l = f (z)−f
z−z0
(z0 )
− ε(z) para todo
z ∈ U − {z0 }, o que implica, tomando o limite quando z tende a z0 , que
l = f 0 (z0 ). A proposição segue.
Proposição 2.4.3. Se f : U → C é C-derivável em z0 ∈ U , então f é
contı́nua em z0 .
Demonstração. Se f é C-derivável em z0 ∈ U , então existe uma função
ε : U → C contı́nua em z0 tal que

f (z) = f (z0 ) + f 0 (z0 )(z − z0 ) + ε(z)(z − z0 )

para todo z ∈ U . O membro direito é a soma de três funções contı́nuas em


z0 , logo é contı́nua em z0 .
Definição 2.4.4. Diz-se que f : U → C é holomorfa em U se f é C-
derivável em todos os pontos de U . Neste caso, denotamos por f 0 : U → C
a função z 7→ f 0 (z); é chamada função derivada de f .
O espaço das funções holomorfas no cunjunto aberto U ⊆ C será denotado
por H(U ).
Exemplo 2.4.5.
a) A aplicação identidade f (z) = z é holomorfa em C, pois f (z)−f
z−z0
(z0 )
=1→1
0
quando z → z0 . Em particular, f (z) = 1 para todo z ∈ C.

b) As funções constantes f (z) = c são holomorfas em C e f 0 (z) ≡ 0.


Proposição 2.4.6. Seja U1 ⊆ C um conjunto aberto contido em U . Se
f ∈ H(U ), então f |U1 ∈ H(U1 ) e (f |U1 )0 (z) = f 0 (z) para todo z ∈ U1 .
Demonstração. Óbvio.
Proposição 2.4.7. Sejam f, g ∈ H(U ). Então,
a) f + g ∈ H(U ) e (f + g)0 = f 0 + g 0 ,

b) f g ∈ H(U ) e (f g)0 = f 0 g + f g 0 ,
30 CAPÍTULO 2. FUNÇÕES HOLOMORFAS

f f 0 f 0 g−f g 0

c) se Z(g) = {z ∈ U | g(z) = 0}, então g
∈ H(U − Z(g)) e g
= g2
.

Demonstração.

(f +g)(z)−(f +g)(z0 ) f (z)−f (z0 ) g(z)−g(z0 )


a) z−z0
= z−z0
+ z−z0
→ f 0 (z0 ) + g 0 (z0 ) quando z → z0 .

(f g)(z)−(f g)(z0 ) f (z)−f (z0 ) g(z)−g(z0 )


b) z−z0
= z−z0
g(z) + z−z0
f (z0 ) → f 0 (z0 )g(z0 ) + g 0 (z0 )f (z0 )
quando z → z0 .

1
c) Basta considerar g
:

(1/g)(z) − (1/g)(z0 ) g(z0 ) − g(z) −1 g(z) − g(z0 )


= = .
z − z0 g(z)g(z0 )(z − z0 ) g(z)g(z0 ) z − z0
0
Tomando o limite quando z tende a z0 obtemos ( g1 )0 (z0 ) = − gg2(z 0)
(z0 )
.

Proposição 2.4.8. Se f : U → C e g : U1 → C são holomorfas e f (U ) ⊆ U1 ,


então g ◦ f : U → C é holomorfa e (g ◦ f )0 (z) = g 0 (f (z))f 0 (z), z ∈ U.

Demonstração. Seja z0 ∈ U arbitrário. A C-derivabilidade de g em f (z0 ),


implica que existe ε : U → C, contı́nua em f (z0 ), tal que ε(f (z0 )) = 0 e
g(z) = g(f (z0 )) + g 0 (f (z0 ))(z − f (z0 )) + ε(z)(z − f (z0 )) para todo z ∈ U1 .
Logo

(g◦f )(z)−(g◦f )(z0 ))


= (g 0 (f (z0 )) + ε(f (z)) f (z)−f (z0 )
→ g 0 (f (z0 ))f 0 (z0 )

z−z0 z−z0

quando z → z0 .

Exemplo 2.4.9. Seja n ≥ 1 um número inteiro.

a) fn (z) = z n ∈ H(C) e fn0 (z) = nz n−1 (se mostra por indução).


Pn
b) Seja p(z) ∈ C[z] um polinômio de grau
Pn n, istok−1
é, p(z) = k=0 ak z k , onde
0
ak ∈ C. Então p ∈ H(C) e p (z) = k=1 kak z .
2.5. EQUAÇÕES DE CAUCHY-RIEMANN 31

2.5 Equações de Cauchy-Riemann


Seja f : U → C uma função definida no conjunto aberto U ⊆ C. Definamos
u := Rel f e v := Im f. Então u e v são funções reais em U e f = u + iv.

Teorema 2.5.1. Seja z0 ∈ U . As seguintes asserções são equivalentes.

a) f é C-derivável em z0 .

b) f é R-diferenciável em z0 e Dfz0 : C → C é C-linear.

c) u e v são R-diferenciáveis em z0 e satisfazem as equações de Cauchy-


Riemann,

∂u ∂v ∂u ∂v
= , =− ,
∂x ∂y ∂y ∂x
em z0 .

Demonstração.

(a ⇒ c) Se f é C-derivável em z0 , então existe ε : U → C, contı́nua em z0 ,


tal que ε(z0 ) = 0 e f (z) = f (z0 ) + l(z − z0 ) + ε(z)(z − z0 ) para todo
z = x + iy ∈ U, onde l = l1 + il2 = f 0 (z0 ). Tomando a parte real e a
parte imaginária, obtemos

u(z) = u(z0 ) + (l1 + ε1 (z))(x − x0 ) − (l2 + ε2 (z))(y − y0 )


e v(z) = v(z0 ) + (l2 + ε2 (z))(x − x0 ) + (l1 + ε1 (z))(y − y0 ),

onde ε1 = Re ε : U → R e ε2 = Im ε : U → R. Definimos

L1 : C → C, (x, y) 7→ l1 x − l2 y,
L2 : C → C, (x, y) 7→ l2 x + l1 y,

e φ1 : U → C e φ2 : U → C pondo
(
ε1 (z)(x−x0 )−ε2 (z)(y−y0 )
|z−z0 |
se z = x + iy ∈ U − {z0 },
φ1 (z) :=
0 se z = z0 ,
(
ε2 (z)(x−x0 )+ε1 (z)(y−y0 )
|z−z0 |
se z = x + iy ∈ U − {z0 },
φ2 (z) :=
0 se z = z0 .
32 CAPÍTULO 2. FUNÇÕES HOLOMORFAS

Note que L1 e L2 são R-lineares e que

u(z) = u(z0 ) + L1 (z − z0 ) + |z − z0 | φ1 (z),


e v(z) = v(z0 ) + L2 (z − z0 ) + |z − z0 | φ2 (z)

para todo z ∈ U. Além disso, a desigualdade de Cauchy-Schwarz im-


plica que |φ1 (z)| ≤ |ε(z)| e |φ2 (z)| ≤ |ε(z)| para todo z ∈ U − {z0 }, e
como limz→z0 ε(z) = 0, deduz-se que limz→z0 φ1 (z) = 0 e limz→z0 φ2 (z) =
0. Segue-se que u e v são R-diferenciáveis em z0 e que Duz0 = L1 e
Dvz0 = L2 . Em particular, valem as relações ∂u (z ) = l1 , ∂u
∂x 0
(z ) = −l2 ,
∂y 0
∂v ∂v
(z ) = l2 e ∂y = l1 , as quais implicam as equações de Cauchy-
∂x 0
Riemann.

(c ⇒ b) Se u e v são R-diferenciáveis em z0 , então f = u+iv é R-diferenciável


em z0 e Dfz0 = (Duz0 , Dvz0 ) (veja Proposição 1.6.4). Resta verificar
que Dfz0 : C → C é C-linear. Seja J : C → C, z 7→ iz. É claro
que Dfz0 é C-linear se e somente se Dfz0 ◦ J = J ◦ Dfz0 , ou seja, se e
somente se
" ∂u ∂v
#  " ∂u (z ) ∂v (z )#
∂x
(z0 ) ∂x
(z 0 ) 0 −1
 
0 −1 ∂x 0 ∂x 0
= .
∂u
(z0 ) ∂v
(z0 ) 1 0 1 0 ∂u
(z0 ) ∂v
(z0 )
∂y ∂y ∂y ∂y

Um cálculo simples mostra que essa igualdade matricial vale se e so-


mente se u e v satisfazem as equações de Cauchy-Riemann em z0 , o
que é o caso por hipótese. Logo Dfz0 é C-linear.

(b ⇒ a) Se f é R-diferenciável em z0 , existe ε : U → R, contı́nua em z0 , tal


que ε(z0 ) = 0 e f (z) = f (z0 ) + Dfz0 (z − z0 ) + |z − z0 | ε(z) para todo
z ∈ U . Por hipótese, Dfz0 : C → C é C-linear. Logo existe l ∈ C tal
que Dfz0 (z) = lz para todo z ∈ C. Seja φ : U → C a função definida
por
 |z−z0 |
z−z0
ε(z) se z ∈ U − {z0 },
φ(z) :=
0 se z = z0 .

Temos então que f (z) = f (z0 )+l(z −z0 )+φ(z)(z −z0 ) para todo z ∈ U,
e como limz→z0 φ(z) = 0 (já que |φ(z)| = |ε(z)| e limz→z0 ε(z) = 0),
deduz-se que f é C-derivável em z0 e que f 0 (z0 ) = l.
2.6. OUTRAS PROPRIEDADES 33

Observação 2.5.2. Vimos que se f = u + iv : U → C é C-derivável em


z0 ∈ U , então
a) f 0 (z0 ) = ∂u
(z )
∂x 0
∂v
+ i ∂x (z0 ) = ∂v
(z )
∂y 0
− i ∂u (z );
∂y 0

b) Dfz0 é a multiplicação por f 0 (z0 ), isto é, Dfz0 : C → C, z 7→ z f 0 (z0 ).


Exemplo 2.5.3.
a) A função exp : C → C definida por
exp(z) := exp(x + iy) = ex (cos(y) + i sin(y))
é chamada função exponencial complexa, ou simplesmente função
exponencial; é uma extensão da função exponencial real. Vê-se logo,
pelas equações de Cauchy-Riemann, que exp é holomorfa em C e que
exp0 (z) = ∂x
∂ ∂
(ex cos(y)) + i ∂x (ex sin(y)) = ex cos(y) + iex sin(y) = exp(z),
isto é,
exp0 (z) = exp(z)
para todo z ∈ C.
b) A função f (z) = z é C-derivável em nenhum ponto de C. De fato, ∂u
∂x
=
∂x ∂v ∂(−y) ∂u ∂v
∂x
= 1 e ∂y = ∂y = −1, e portanto ∂x (z) 6= ∂y (z) qualquer que seja o
ponto z ∈ C considerado.

2.6 Outras propriedades


Seja f = u + iv : U → C uma função definida no conjunto aberto U ⊆ C.
Relembramos a seguinte notação: se γ : I → Rn é definida num intervalo
aberto I ⊆ R e é R-diferenciável em t ∈ I, escrevemos γ 0 (t) = Dγt (1), onde
Dγt : R → Rn é a derivada de γ em t. Se γ(t) = (γ1 (t), ..., γn (t)), então
γ 0 (t) = (γ10 (t), ..., γn0 (t)), onde cada γk0 (t) é a derivada no sentido usual da
função real γk : I → R.
Lema 2.6.1. Seja γ : [0, 1] → C uma aplicação contı́nua em [0, 1], R-
diferenciável em (0, 1), e tal que γ(t) ∈ U para todo t ∈ [0, 1]. Se f : U → C
é holomorfa, então f ◦ γ : [0, 1] → C é contı́nua em [0, 1], R-diferenciável em
(0, 1), e para todo t ∈ (0, 1),
(f ◦ γ)0 (t) = f 0 (γ(t)) γ 0 (t).
34 CAPÍTULO 2. FUNÇÕES HOLOMORFAS

Demonstração. A função f : U → C sendo holomorfa, é R-diferenciável em


U . Logo a composta f ◦ γ é contı́nua em [0, 1] e R-diferenciável em (0, 1), e
sua derivada em t ∈ (0, 1) é dada por

(f ◦ γ)0 (t) = D(f ◦ γ)t (1) = Dfγ(t) ◦ Dγt (1) = Dfγ(t) (γ 0 (t)) = f 0 (γ(t))γ 0 (t),

onde usamos a regra da cadeia e a Observação 2.5.2.

Teorema 2.6.2. Suponha U conexo e f ∈ H(U ). Se f 0 é identicamente


nula, então f é constante.

Demonstração. Fixamos z0 ∈ U . O conjunto U sendo aberto, existe R > 0


tal que D = D(z0 , R) ⊆ U. Afirmamos que f é constante em D. Para ver
isto, seja z ∈ D arbitrário. Definimos γ : [0, 1] → C por γ(t) := (1 − t)z0 + tz.
Note que γ(t) ∈ D para todo t ∈ [0, 1], de modo que tem sentido considerar
f ◦γ : [0, 1] → C. Pelo Lemma 2.6.1, f ◦γ é contı́nua em [0, 1], R-diferenciável
em (0, 1) e para todo t ∈ (0, 1), (f ◦ γ)0 (t) = f 0 (γ(t))γ 0 (t) = 0. Deduz-se que
as funções coordenadas de f ◦ γ têm derivadas identicamente nulas em (0, 1)
e são contı́nuas em [0, 1], logo são constantes em [0, 1]. Isto implica que f ◦ γ
é constante em [0, 1], donde f (z0 ) = (f ◦ γ)(0) = (f ◦ γ)(1) = f (z), isto é,
f (z0 ) = f (z), o que prova a afirmação.
Seja agora A := {z ∈ U | f (z) = f (z0 )}. Note que z0 ∈ A (em particular
A 6= ∅) e que A = Z(f − f (z0 )). Decorre da afirmação feita acima que A é
aberto. Além disso, segue-se do Lemma 2.3.2 que U − A = U − Z(f − f (z0 ))
é aberto ou vázio. Assim U = A ∪ (U − A) é uma cisão de U , o qual é conexo
por hipótese. Portanto A = ∅ ou U − A = ∅. Como A 6= ∅, necessariamente
U − A = ∅ o que siginifa que U = A.
Capı́tulo 3

Funções analı́ticas

3.1 Sequências numéricas


Definição 3.1.1.
a) Uma sequência de números complexos, ou sequência em C, é uma
aplicação f : N → C. Em geral, se f (n) = zn para todo n ∈ N, escreve-se
(zn )n∈N no lugar de f .
b) Uma sequência (zn )n∈N em C é convergente se existe l ∈ C tal que para
todo ε > 0, é possı́vel obter N ∈ N tal que

n≥N ⇒ |zn − l| < ε.

Neste caso, diz-se que l é um limite de (zn )n∈N e que (zn )n∈N converge
para l. Escreve-se então limn→∞ zn = l ou zn → l. Quando (zn )n∈N não é
convergente, diz-se que (zn )n∈N diverge, ou que é divergente.
c) Uma sequência (zn )n∈N em C é limitada quando existe A > 0 tal que
|zn | ≤ A para todo n ∈ N.
d) Seja (zn )n∈N uma sequência em C. Uma subsequência de (zn )n∈N é
uma sequência da forma (zϕ(n) )n∈N , onde ϕ : N → N é uma aplicação
estritamente crescente.
Observação 3.1.2.
a) O conjunto das sequências em C é naturalmente um espaço vetorial com-
plexo.

35
36 CAPÍTULO 3. FUNÇÕES ANALÍTICAS

b) Seja (zn )n∈N uma sequência em C e seja l ∈ C. As seguintes afirmações


são equivalentes.

i) limn→∞ zn = l.
ii) limn→∞ |zn − l| = 0.
iii) Para todo ε > 0, existe N ∈ N tal que zn ∈ D(l, ε) sempre que
n ≥ N.

As definições acima são casos particulares das definições do Capitulo 1.


Por conseguinte, valem todos os resultados vistos no Capı́tulo 1. Em parti-
cular,

• o limite é único;

• se limn→∞ zn = l e se limn→∞ wn = m, então limn→∞ (zn + wn ) = l + m;

• se limn→∞ zn = l, então limn→∞ (λzn ) = λl qualquer que seja a constante


multiplicativa λ ∈ R;

• dada uma função f : U → C definida num conjunto aberto U ⊆ C, vale


a seguinte afirmação: f é contı́nua no ponto z0 ∈ U se e somente se
para toda sequência (zn )n∈N de pontos zn ∈ U que converge para z0 , a
sequência (f (zn ))n∈N converge para f (z0 );

• limn→∞ zn = l se e somente se limn→∞ Re zn = Re l e limn→∞ Im zn = Im l;

• a sequência (zn )n∈N é convergente se e somente se é uma sequência de


Cauchy, isto é, se para todo ε > 0, existe N ∈ N tal que m, n ≥ N
implica |zm − zn | < ε;

• toda sequência convergente é limitada;

• vale o Teorema de Bolzano-Weierstrass: toda sequência em C, limitada,


possui uma subsequência convergente.

Proposição 3.1.3. Sejam (zn )n∈N e (wn )n∈N duas sequências em C que con-
vergem para l ∈ C e m ∈ C, respectivamente. Valem as seguintes afirmações.

a) limn→∞ (zn wn ) = lm.

b) Se m 6= 0 e se wn 6= 0 para todo n ∈ N, então limn→∞ wznn = l


m
.
3.1. SEQUÊNCIAS NUMÉRICAS 37

Demonstração. Análogo à demonstração da Proposição 2.2.2.


Definição 3.1.4. Diz-se que uma sequência (zn )n∈N em C tem limite infi-
nito, ou que converge para infinito, se para todo A > 0, existe N ∈ N tal
que

n≥N ⇒ |zn | ≥ A.

Neste caso, escrevemos limn→∞ zn = ∞ ou zn → ∞.


Observação 3.1.5.
a) Decorre da definição que limn→∞ zn = ∞ se e somente se limn→∞ |zn | = ∞.

b) A definição do limite infinito no caso complexo é diferente do caso real.


Por exemplo, se zn = (−1)n n, n ∈ N, então a sequência (zn )n∈N converge
para infinito no sentido complexo, pois |(−1)n n| = n → ∞. Mas vista
como sequência real, (zn )n∈N não é convergente para infinito.

c) Devemos tomar cuidado com a terminologia: se limn→∞ zn = ∞, então


(zn )n∈N converge para infinito, mas não é uma sequência convergente.
Exemplo 3.1.6. Seja q ∈ C. Então a sequência (q n )n∈N converge se e so-
mente se |q| < 1 ou se q = 1. Se |q| < 1, então limn→∞ q n = 0 e se |q| > 1,
então limn→∞ q n = ∞.
Demonstração.
• Se |q| ≥ 1 e q 6= 1. Então para todo n ∈ N, tem-se

|q n − q n+1 | = |q|n |1 − q| ≥ |1 − q| > 0. (3.1)

Suponha por absurdo que limn→∞ q n = l ∈ C. Isto implica que existe


N ∈ N tal que |q n − l| < |1−q|
2
sempre que n ≥ N . Em particular,
|1−q| |1−q|
|q N − q N +1 | ≤ |q N − l| + |l − q N +1 | < 2
+ 2
= |1 − q|. (3.2)

Comparando (3.1), com n = N , e (3.2) obtemos |q N − q N +1 | < |q N −


q N +1 |, um absurdo. Segue-se que (q n )n∈N diverge.
Se |q| > 1, então |q| = 1 + δ para um certo δ > 0. PelaPnfórmula
 do
n n n n k
binômio de Newton, dado n ∈ N, |q | = |q| = (1+δ) = k=0 k δ =
1 + nδ + ... + δ n ≥ 1 + nδ → ∞. Resulta que |q n | → ∞ o que implica
que q n → ∞ (veja Observação 3.1.5).
38 CAPÍTULO 3. FUNÇÕES ANALÍTICAS

• Se q = 1, então obviamente q n = q = 1 → 1.
1
• Se 0 < |q| < 1, então p := |q| > 1 e portanto pn → ∞ (pelo primeiro ponto
acima). Segue-se que |q n | = |q|n = p1n → 0. Logo limn→∞ q n = 0. Se
q = 0, então q n = 0 → 0.

3.2 Séries numéricas


Seja (an )n∈N uma sequência de números complexos. Dado n ∈ N, definimos
n
X
Sn := a0 + a1 + a2 + ... + an = ak .
k=0

Definição 3.2.1. A sequência (Sn )n∈N chama-se série numérica, ou sim-


plesmente série, associada à sequência (an )n∈N ; é denotada por qualquer um
dos sı́mbolos:

X X X ∞
X
an , an , an , ak , etc.
n=0 n≥0 n∈N k=0
P
Neste contexto, diz-se que an é o termo geral
P da série n≥0 an e que (Sn )n∈N
é a sequência das somas parciais de n≥0 an .

P n0 ∈ N tal que aP
Observação 3.2.2. Às vezes existe n = 0 para todo 0 ≤
n ≤ n0 . Neste caso, escrevemos n≥n0 an no lugar de n≥0 an .
P
Definição 3.2.3. Diz-se que a série n≥0 an

a) converge, ou que é convergente, quando a sequência (Sn )n∈N converge,


isto é, quando existe S ∈ C tal que limn→∞ Sn = S;

b) diverge, ou que é divergente, caso contrário.

Se Sn → S ∈ C ∪ {∞}, escreve-se

X
S= an .
n=0

Exemplo 3.2.4.
3.2. SÉRIES NUMÉRICAS 39

q n converge, pois
P
a) Seja q ∈ C. Se |q| < 1, então a série geométrica n≥0

n
X 1 − q n+1
k 1
Sn = q = → .
k=0
1−q 1−q

q n diverge (veja Exemplo 3.2.7).


P
Se |q| ≥ 1, então n≥0

n
P
b) No caso da série n≥0 (−1) , temos que

1 se n = 2k, k ∈ N,
Sn =
0 se n = 2k + 1, k ∈ N.

As subsequências (S2n )n∈N e (S2n+1 )n∈N convergem mas têm limites di-
ferentes (respectivamente
P 1 e 0),n o que implica que (Sn )n∈N não pode
convergir. Resulta que n≥0 (−1) diverge.

c) Uma série é dita telescópica quando o termo geral é da forma an =


bn+1 − bn , onde bn ∈ C, n ∈ N. Neste caso,

X n
X
Sn = an = (bk+1 − bk )
n=0 k=0
= (b1 − b0 ) + (b2 − b1 ) + ... + (bn − bn−1 ) + (bn+1 − bn )
= bn+1 − b0 .
P
Portanto n≥0 an converge se e somente se (bn )n∈N converge.
1 1 1 1
P
d) n≥1 n(n+1) converge pois é uma série telescópica: n(n+1) = n − n+1 =
bn+1 − bn , onde bn := −1
n
→ 0.
P
Proposição 3.2.5 (Critério de Cauchy para séries). A série n≥0 an
converge se e somente se para todo ε > 0, existe N ∈ N tal que
m
X
m>n≥N ⇒ ak < ε.
k=n+1
P
Demonstração. Pela Proposição ?, a série n≥0 an converge se e somente se
(Sn )n∈N é uma sequência de Cauchy, o que significa que para todo ε > 0,
existe N ∈ N tal que n, m ≥ N implica |Sn − Sm | < ε. Claramente, isto é
equivalente à condição do enunciado. ...
40 CAPÍTULO 3. FUNÇÕES ANALÍTICAS
P
Corolário 3.2.6. Se n≥0 an converge, então lim Pn→∞ |an | = 0. Consequen-
temente, se (|an |)n∈N não converge para 0, então n≥0 an diverge.
Demonstração. Seja ε > 0 arbitrário. Tomando m = n + 1 na Proposição
3.2.5, vem que |an+1 | < ε sempre que n ≥ N para um certo N ∈ N. Segue-se
que |an | < ε sempre que n ≥ N + 1.
Exemplo 3.2.7.
n n
P
a) n≥0 n+1 diverge, pois n+1 → 1 6= 0.
n
P
b) A série geométrica n≥0 q diverge quando |q| ≥ 1, pois, neste caso,
|q n | = |q|n 6→ 0.
1 1
P
c) n≥1 n diverge, embora n → 0. Para ver isto, seja M > 0 arbitrário.
Escolhamos m ∈ N tal que m ≥ 2M . Para todo n ≥ 2m , vem que
Sn = 1 + 12 + 13 + ... + 21m + ... + n1
≥ 1 + 21 + 13 + ... + 21m
= 1 + 12 + ( 13 + 41 ) + ( 15 + 61 + 17 + 18 ) + ( 19 + ... + 1
16
) + ...
1
= ... + ( 2m−1 +1
+ ... + 21m )
≥ 1
2
+ 2 41 + 4 18 + 8 16
1
+ ... + 2m−1 21m
m
= 2
≥ M,
e consequentemente, Sn → ∞.

3.3 Convergência absoluta


Seja (an )n∈N uma sequência de números complexos.
P
Definição 3.3.1. Diz-se que a série n≥0 an converge
P absolutamente, ou
que é absolutamente convergente, quando n≥0 |an | converge.
P P
Proposição 3.3.2. Se n≥0 an converge absolutamente, então n≥0 an con-
verge.
P
Demonstração. Seja ε > 0 arbitrário. Por hipótese, n≥0 P |an | converge, o
que implica pela critério de Cauchy que existe N ∈ N tal que m k=n+1 |ak | < ε
sempre que m > n ≥ N. Portanto,
m m
X X


ak
≤ |ak | < ε
k=n+1 k=n+1
3.3. CONVERGÊNCIA ABSOLUTA 41
P
sempre que m > n ≥ N . Pelo critério de Cauchy, n≥0 an converge.

Proposição 3.3.3 (Teste da comparação). Seja (bn )n∈N uma sequência


de números reais bn ≥ 0 e seja n0 ∈ N. Valem as seguintes afirmações.
P P
a) Se |an | ≤ bn para todo n ≥ n0 e se n≥0 bn converge, então n≥0 an
converge absolutamente.
P P
b) Se |an | ≥ bn para todo n ≥ n0 e se n≥0 bn diverge, então n≥0 |an |
diverge.

Demonstração.
P
a) Seja ε > 0 arbitrário. Por hipótese, n≥0 bn converge, o que implica pelo
critério de Cauchy que existe N ≥ n0 tal que | m
P
k=n+1 k | < ε sempre que
b
m > n ≥ N . Logo
Xm X m m
X
|ak | ≤ bk = bk < ε
k=n+1 k=n+1 n+1
P
sempre que m > n ≥ N. Pelo critério de Cauchy, n≥0 |an | converge.

b) Por absurdo usando a).

Lembrete 3.3.4.

• Um conjunto X ⊆ R é limitado superiormente quando existe M ∈ R


tal que x ≤ M para todo x ∈ X.

• Todo conjunto limitado superiormente X ⊆ R possui um supremo, o qual


é o único número real α que satisfaz a seguinte condição: para todo
ε > 0, existe x ∈ X tal que α − ε < x ≤ α. Escreve-se α = sup X. Se
X não é limitado superiormente, convencione-se que sup X = ∞.

• Uma sequência de números reais (xn )n∈N é limitada superiormente


(resp. limitada inferiormente) se existe M ∈ R tal que xn ≤ M
(resp. xn ≥ M ) para todo n ∈ N. Se (xn )n∈N é crescente (resp. decres-
cente) então (xn )n∈N converge se e somente se é limitada superiormente
(resp. limitada inferiormente). Se (xn )n∈N é crescente (resp. decres-
cente) mas não é limitada superiormente (resp. limitada inferiormente),
então limn→∞ xn = ∞ (resp. limn→∞ xn = −∞).
42 CAPÍTULO 3. FUNÇÕES ANALÍTICAS

• Seja (xn )n∈N uma sequência de números reais limitada superiormente. Para
todo n ∈ N, o conjunto {xk | k ≥ n} é limitado superiormente, e por-
tanto possui um supremo sn := sup{xk | k ≥ n}. A sequência (sn )n∈N é
uma sequência de números reais decrescente. Logo é convergente se e
somente se é limitada inferiormente, e se não converga, então sn → −∞.
Conclusão: limn→∞ sn sempre existe e pertence ao conjunto [−∞, ∞[.
• Seja (xn )n∈N uma sequência de números reais qualquer. Para todo n ∈ N,
ponhamos sn := sup{xk | k ≥ n} ∈ R. O limite superior de (xn )n∈N
é o elemento s ∈ R = R ∪ {−∞, ∞} definido por:

limn→∞ sn se (xn )n∈N é limitada superiormente,
s :=
∞ caso contrário,
Escreve-se s = lim supn→∞ xn .
Proposição 3.3.5 (Caracterização do limite superior). Seja (xn )n∈N
uma sequência de números reais e seja s = lim supn→∞ xn ∈ R. Valem as
seguintes afirmações.
a) Existe uma subsequência (xϕ(n) )n∈N que converge para s, isto é, xϕ(n) → s.
b) Para todo r > s, existe N ∈ N tal que n ≥ N implica xn < r.
Além disto, s é o único elemento de R que satisfaz as condições a) e b).
Demonstração. Para todo n ∈ N, ponhamos sn := sup{xk | k ≥ n} ∈ R.
Vamos estabelecer a) e b) separadamente. Cada caso será subdivido em
subcasos.
a) 1. Se (xn )n∈N é limitada superiormente. Neste caso, sn ∈ R para todo
n ∈ N, e (sn )n∈N é uma sequência decrescente que converge para s ∈
R ∪ {−∞}. Sendo s0 o supremo de {xk | k ≥ 0}, existe um inteiro
ϕ(0) ≥ 0 tal que s0 − 1 < xϕ(0) ≤ s0 . Sendo sϕ(0)+1 o supremo de
{xk | k ≥ ϕ(0) + 1}, existe um inteiro ϕ(1) > ϕ(0) tal que sϕ(0)+1 −
1
2
< xϕ(1) ≤ ϕ(0) + 1. Continuando assim, obtemos uma aplicação
ϕ : N → N estritamente crescente que satisfaz
1
sϕ(n−1)+1 − n+1
< xϕ(n) ≤ sϕ(n−1)+1 (3.3)
para todo n ≥ 1. Se s ∈ R, então o Teorema do sanduı́che implica que
xϕ(n) → s. Se s = −∞, então a segunda desigualdade em (3.3) implica
que xϕ(n) → −∞. Em todos os casos, (xϕ(n) )n∈N converge para s.
3.3. CONVERGÊNCIA ABSOLUTA 43

2. Se (xn )n∈N não é limitada superiormente. Neste caso, (xn )n∈N possui
uma subsequência (xϕ(n) )n∈N que converge para infinito, isto é, xϕ(n) →
∞. Mas isto implica que xϕ(n) → s, já que s = ∞ nesse caso.

b) 1. Se (xn )n∈N é limitada superiormente e s ∈ R. Neste caso, (sn )n∈N é


uma sequência decrescente de números reais que converge para s. Seja
r > s arbitrário. Como sn → s, existe N ∈ N tal que sn < s+ε sempre
que n ≥ N , onde ε := r − s > 0. Sendo SN o supremo de {xk | k ≥ N },
tem-se xn ≤ SN para todo n ≥ N . Assim

xn ≤ sN < s + ε = s + (r − s) = r,

donde xn < r para todo n ≥ N .


2. Se (xn )n∈N é limitada superiormente e s = −∞. Como xn ≤ sn para
todo n ∈ N, resulta de sn → −∞ que xn → −∞. Isto implica que b).
3. Se (xn )n∈N não é limitada superiormente. Neste caso, s = ∞ e não
tem nada para mostrar (não existe r > ∞).
Para mostrar a unicidade de s, suponha que existam s, s0 ∈ R satisfazendo
a) e b). Sem perda de generalidade, podemos supor s < s0 . Seja t ∈ R tal
que s < t < s0 . Pela condição b), existe N ∈ N tal que xn < t para todo
n ≥ N . Mas isto implica que s0 não pode satisfazer a condição a).
Corolário 3.3.6. Seja s = lim supn→∞ xn , onde (xn )n∈N é uma sequência de
números reais, e seja l ∈ R. Valem as seguintes afirmações.
a) Se limn→∞ xn = l, então s = l.

b) Seja (xϕ(n) )n∈N uma subsequência de (xn )n∈N . Se limn→∞ xϕ(n) = l, então
l ≤ s.
Demonstração.
a) Decorre do item a) da Proposição 3.3.5 e do seguinte fato geral: se (yn )n∈N
é uma sequência em R satisfazendo limn→∞ yn = l ∈ R, então para qual-
quer subsequência (yϕ(n) )n∈N , tem-se limn→∞ yϕ(n) = l.

b) 1. Se s ∈ R ∪ {−∞}. Seja r > s arbitrário. Pelo item b) da Proposição


3.3.5, existe N ∈ N tal que xn < r para todo n ≥ N . Como ϕ(n) ≥ n
para todo n ∈ N, isto implica que xϕ(n) < r para todo n ≥ N . Tomando
o limite quando n → ∞, obtemos l ≤ r. Sendo r arbitrário, l ≤ r.
44 CAPÍTULO 3. FUNÇÕES ANALÍTICAS

2. Se s = ∞, não tem nada para mostrar.


Observação 3.3.7. Seja (xn )n∈N uma sequência de números reais. Diz-se
que l ∈ R é um valor de aderência de (xn )n∈N se existir uma subsequência
(xϕ(n) )n∈N tal que limn→∞ xϕ(n) = l. Decorre da caracterização do limite
superior e do Corolário 3.3.6 que s = lim supn→∞ xn é o maior valor de
aderência de (xn )n∈N .
Exemplo 3.3.8.
a) Se xn = 1 + (−1)n , n ∈ N, então sn = sup{xk | k ≥ n} = max{0, 2} = 2
para todo n ∈ N. Logo lim supn→∞ xn = 2.
b) Se xn = (−1)n n, n ∈ N, então (xn )n∈N não é limitada superiormente.
Logo lim supn→∞ xn = ∞.
c) Se xn = −n, n ∈ N, então sn = −n para todo n ∈ N. Logo lim supn→∞ xn =
−∞.
1 1
d) Se xn = 1+n
n ∈ N, então lim supn→∞ xn = 0, pois limn→∞ n+1
, = 0.
p
Proposição 3.3.9 (Teste da raiz). Seja s := lim supn→∞ n |an | ∈ [0, ∞].
Valem as seguintes afirmações.
P
a) Se s < 1, então n≥0 an converge absolutamente.
P
b) Se s > 1, então n≥0 an diverge.
Demonstração.
a) Suponha s < 1. Escolhamos r > 0 tal que s < r < 1.pPelo item b) da
Proposição 3.3.5, existe N ∈ N tal que n ≥ N implica n |an | < r, donde
|an | < rn
n
P
sempre que n ≥ N . Visto que r < 1, a série geométrica
P n≥0 r converge,
o que implica pelo teste de comparação que n≥0 an converge absoluta-
mente.
b) Suponha
p s > 1. Pelo item a) da Proposição 3.3.5, existe uma subsequência
( ϕ(n) |aϕ(n) |)n∈N que converge para s. Como s > 1, existe N ∈ N tal que
p
n ≥ N implica ϕ(n) |aϕ(n) | > 1, donde
|aϕ(n) | > 1
3.3. CONVERGÊNCIA ABSOLUTA 45

sempre que n ≥ N . Isto implica que (an )n∈N não é convergente para
0P(pois possui uma subsequência que não converge para 0) e portanto
n≥0 an diverge.
2
Exemplo 3.3.10. Vamos determinar todos os z ∈ C tal que n≥1 (1+ n1 )n z n
P
2
seja absolutamente convergente. Sejam an := (1 + n1 )n z n , n ≥ 1, e s :=
p
lim supn→∞ n |an |. Temos que
1 1 1 1 1
 
− 2 + 2 ε( )
p n ln 1+ n
n 1 n
|an | = (1 + n ) |z| = e n |z| = e n 2n n n |z|
1 1 1
= e1− 2n + n ε( n ) |z| → e|z| = s,
2
onde usamos a fórmula de Taylor ln(1+x) = x− x2 +x2 ε(x), com limx→0 ε(x) =
0. Segue-se que n≥1 an converge absolutamente quando |z| < 1e e diverge
P

quando |z| > 1e . Se |z| = 1e , então


1 2 1 1 1 1 −1 1 −1
 
2
|an | = en ln 1+ n −n = en n − 2n2 + n2 ε( n ) −n = e 2 +ε( n ) → e 2 .
−1 P
Portanto |an | → e 2 6= 0. Assim n≥1 an diverge.
Proposição 3.3.11 (Teste da razão). Suponha an 6= 0 para todo n ∈ N.
Valem as seguintes afirmações.
a) Se lim supn→∞ | an+1
P
an
| < 1, então n≥0 an converge absolutamente.
b) Se existe N ∈ N tal que | an+1
P
an
| ≥ 1 para todo n ≥ N , então n≥0 an
diverge.
Demonstração.
a) Suponha s := lim sup| an+1
an
| < 1. Escolhamos r > 0 tal que s < r < 1.
Pelo item b) da proposição 3.3.5, existe N ∈ N tal que n ≥ N implica
| an+1
an
| < r. Logo,
|aN +1 | < r|aN |,
|aN +2 | < r|aN +1 | < r2 |aN |,
..
.
|aN +p | < rp |aN |,
onde p ≥ 1. Segue-se que para P todo n ≥ N + 1, |an | < |aN |r−N rn . Como
n
0 < r < 1, a série geométrica
P n≥0 r converge. Resulta daı́ e do teste
da comparação que n≥0 an converge absolutamente.
46 CAPÍTULO 3. FUNÇÕES ANALÍTICAS

b) Suponha que exista N ∈ N tal que | an+1 an


| ≥ 1 para todo n ≥ N . Então
|an+1 | ≥ |an | para todo n ≥ N , donde |an | ≥ |aN | > 0 para todoPn ≥ N.
Isto implica que (an )n∈N não é convergente para zero, e portanto n≥0 an
diverge.
Observação 3.3.12. Suponha an 6= 0 para todo n ∈ N. Se l := limn→∞ | an+1
an
|∈
an+1
R existe e l > 1, então existe N ∈ NPtal que | an | > 1 sempre que n ≥ N .
Resulta daı́ e do teste da razão que n≥0 an diverge.
Exemplo 3.3.13.
a) Vamos determinar todos os z ∈ C tal que n≥3 n3 z n seja absolutamente
P 

convergente, onde n3 = (n−3)!3! n!


. Dado z ∈ C, ponhamos an := n3 z n ,
 

n ≥ 3. Se z 6= 0, então
n+1
 n+1 (n+1)!
a
n+1 3 
|z| (n−2)!3! n+1
= n = n! |z| = |z| → |z|.
an |z|n n−2

3 (n−3)!3!
P
Portanto n≥3 an converge absolutamente quando |z| < 1. Se |z| ≥ 1,
então | an+1 n+1 n+1
P
an
| = n−2
|z| ≥ n−2
≥ 1 para todo n ≥ 3. Logo n≥3 an diverge
para todo |z| ≥ 1.
b) Sejam a, b ∈ R tais que 0 < a < b. Dado n ∈ N, ponhamos c2n := an bn+1
e c2n+1 := an+1 bn+1 . Assim c0 = b, c1 = ab, c2 = ab2 , c3 = a2 b2 , c4 = a2 b3 ,
etc. Então
(
p
n
a1/2 b1/2+1/(2k) se n = 2k,
|cn | =
a(k+1)/(2k+1) b(k+1)/(2k+1) se n = 2k + 1,

donde n |cn | → ab. Por outro lado, | c2n+1
p c2n
c2n
| = a e | c2n−1 | = b, o
cn+1
que implica lim supn→∞ | cn | = b. Em particular, se a = 3 e b = 43 ,
2
q
< 1 e lim supn→∞ | cn+1
p 8
então lim supn→∞ |cn | =
n
9 cn
| = 43 > 1. Pelo
P
teste da raiz, concluı́mos que n≥0 cn converge absolutamente, embora
lim supn→∞ | cn+1
cn
| > 1.
P
Definição 3.3.14. Uma reordenação da série n≥0 an é uma série da forma

X
aϕ(n) ,
n=0

onde ϕ : N → N é uma bijeção.


3.3. CONVERGÊNCIA ABSOLUTA 47
P
Proposição P3.3.15. Se n≥0 an converge absolutamente, então qualquer
reordenação n≥0 aϕ(n) converge absolutamente e

X ∞
X
aϕ(n) = an .
n=0 n=0
P
Demonstração.
P Seja ε > 0 arbitrário. Seja S = n≥0 an . Por hipótese,
n≥0 na converge absolutamente, o que implica pelo critério de Cauchy que
existe N1 ∈ N tal que
m
X ε
|ak | < (3.4)
k=n+1
2
P
sempre que m > n ≥ N1 . Também, S = n≥0 an implica que existe N2 ∈ N
tal que
n
X ε
S − a k
< (3.5)
2
k=0

sempre que n ≥ N2 . Seja N := max{N1 , N2 } e seja M ∈ N tal que


{0, 1, 2, ..., N + 1} ⊆ {ϕ(0), ϕ(1), ..., ϕ(M )}. Dado n ≥ M , ponhamos In :=
{ϕ(0), ..., ϕ(n)} − {0, 1, 2, ..., N }. Dado n ≥ M , tem-se
• {ϕ(0), ϕ(1), ..., ϕ(n)} = {0, 1, 2, ..., N } ∪ In (reunião disjunta);
• ∅ 6= In ⊆ {N + 1, N + 2, ..., f (n)}, onde f (n) := max{ϕ(k) | 0 ≤ k ≤ n}.
Daı́ vem que para todo n ≥ M ,
|S − nk=0 aϕ(k) | = |S − ( N
P P P
k=0 a k + k∈In ak )|
PN P
≤ |S − k=0 ak | + k∈In |ak |
Pf (n)
≤ |S − N
P
k=0 a k | + k=N +1 |ak |
ε ε
≤ 2 + 2 = ε,
onde usamos (3.4) e (3.5). Resulta que nk=0 aϕ(k) → S.
P
P P
Observação
P 3.3.16. Se n≥0 an converge mas n≥0 |an | diverge, diz-se
então que n≥0 an converge condicionalmente, ou Pque é condicional-
mente convergente. Se an ∈ R para todo n ∈ N e se n≥0 an converge con-
dicionalmente,
P mostra-se que para todo S ∈ R existe uma bijeção ϕ : N → N
tal que n≥0 aϕ(n) = S.
48 CAPÍTULO 3. FUNÇÕES ANALÍTICAS

3.4 Soma e produto de séries numéricas


P P
Sejam n≥0 an e n≥0 bn duas séries de números complexos.
P P
Proposição 3.4.1. SuponhaP que n≥0 a n e n≥0 bn convirjam. Então para
todo par λ, µ ∈ C, a série n≥0 (λan + µbn ) converge e


X ∞
X  ∞
X 
(λan + µbn ) = λ an + µ bn .
n=0 n=0 n=0

Demonstração.
P PSejam (An )n∈N e (Bn )n∈N as sequências das somasPparciais
de n≥0 an Pe n≥0 bn respectivamente.
Pn Por hipótese, A n → A := n≥0 an e
Bn → B := n≥0 bn . Logo k=0 (λak + µbk ) = λAn + µBn → λA + µB.
P P
Definição 3.4.2. O produto de Cauchy de
P n≥0 an por n≥0 bn é a série
n≥0 cn , onde

n
X
cn := ak bn−k
k=0

Observação 3.4.3. Visto que nk=0 ak bn−k =


P Pn
k=0 a
P n−k bk , o produto
P de
Cauchy é comutativo, isto é, o produto
P de Cauchy
P de n≥0 na por n≥0 bn
é igual ao produto de Cauchy de n≥0 bn por n≥0 an .
P P
Proposição 3.4.4. Suponha que Pk≥0 an e n≥0 bn convirjam absoluta-
mente. Então o produto de Cauchy n≥0 cn converge absolutamente e


X ∞
X ∞
 X 
cn = an bn .
n=0 n=0 n=0

Demonstração. Dado n ∈ N, ponhamos

An = a0 + a1 + ... + an , A := limn→∞ An ∈ R,
Bn = b0 + b1 + ... + bn , B := limn→∞ Bn ∈ R,
Cn = c0 + c1 + ... + cn .

Consideremos primeiro o caso an ≥ 0 e bn ≥ 0 para todo n ∈ N. Isto implica


3.4. SOMA E PRODUTO DE SÉRIES NUMÉRICAS 49

em particular que cn ≥ 0 para todo n ∈ N. Dado n ∈ N, tem-se

Cn = c0 + c1 + c2 + ... + cn
= (a0 b0 ) + (a0 b1 + a1 b0 ) + (a2 b0 + a1 b1 + a0 b2 ) + ...
... + (a0 bn + a1 bn−1 + ... + an b0 )
= a0 (b0 + b1 + ... + bn ) + a1 (b0 + b1 + ... + bn−1 ) + ...
... + an−1 (b0 + b1 ) + an b0
Pn
= k=0 ak Bn−k ,

isto é, Cn = nk=0 ak Bn−k . Levando em conta as desigualdades Bm ≤ Bn ≤


P
B, que valem para todos 0 ≤ m ≤ n ∈ N, vem que

Cn = nk=0 ak Bn−k ≤ nk=0 ak Bn = An Bn


P P

C2n = 2n
P Pn Pn
e k=0 ak B2n−k ≥ k=0 ak B2n−k ≥ k=0 ak Bn = An Bn ,

donde

Cn ≤ An Bn ≤ C2n (3.6)

para todo n ∈ N. Como An Bn ≤ AB, segue da primeira desigualdade que


Cn ≤ AB para todo n ∈ N. Portanto (Cn )n∈N é uma sequência crescente e
limitada superiormente, o que implica que ela converge para um certo C ∈ R.
Sendo (C2n )n∈N uma subsequência de (Cn )n∈N , tem-se também C2n → C. Vem
então de (3.6) e do Teorema do sanduı́che que C = limn→∞ An Bn = AB, isto
é, C = AB. Isto conclui o primeiro caso.
Passemos agora ao caso geral. Dado n ∈ N, ponhamos

A0n = |a0 | + |a1 | + ... + |an |, A0 := limn→∞ A0n ∈ R,


Bn0 = |b0 | + |b1 | + ... + |bn |, B 0 := limn→∞ Bn0 ∈ R,
Cn0 = c00 + c01 + ... + c0n , c0n := nk=0 |ak bn−k |.
P

Note que:
0
P P P
• n≥0 cn é o produto de Cauchy de n≥0 |an | por n≥0 |bn |, o que implica
pelo primeiro caso que C 0 = limn→∞ Cn0 = A0 B 0 ;

• |cn | ≤ c0n para todo n ∈ N e portanto n≥0 cn converge absolutamente


P
pelo teste da comparação.
50 CAPÍTULO 3. FUNÇÕES ANALÍTICAS
P
Seja C := n≥0 cn . Resta mostrar que C = AB. Para isso, usaremos as
fórmulas
n
X n
X
Cn = ak Bn−k e Cn0 = 0
|ak |Bn−k ,
k=0 k=0

que já foram mostradas acima, e a desigualdade

|Bn − Bm | ≤ Bn0 − Bm
0
,

que vale para todos 0 ≤ m ≤ n. Dado n ∈ N, temos que

| nk=0 ak Bn − nk=0 ak Bn−k |


P P
|An Bn − Cn | =
| nk=0 ak (Bn − Bn−k )|
P
=
Pn
≤ |ak |(Bn0 − Bn−k
0
)
Pk=0
n 0
P n 0
= k=0 |ak |Bn − k=0 |ak |Bn−k
= A0n Bn0 − Cn0 → A0 B 0 − C 0 = 0,

donde |An Bn − Cn | → 0. Segue-se que Cn = An Bn − (An Bn − Cn ) → AB, e


portanto, C = AB.

3.5 Sequências de funções


Seja U ⊆ C um conjunto aberto não vazio. Denotaremos por F (U ) o espaço
das funções complexas definidas em U .

Definição 3.5.1. Uma sequência de funções em U é uma aplicação φ :


N → F (U ). Em geral, se φ(n) = fn para todo n ∈ N, escreve-se (fn )n∈N no
lugar de φ.

Seja (fn )n∈N uma sequência de funções complexas fn : U → C.

Definição 3.5.2.

a) Diz-se que (fn )n∈N converge pontualmente, ou que é pontualmente


convergente, em X ⊆ U , se para todo z ∈ X, a sequência de números
complexos (fn (z))n∈N converge.
3.5. SEQUÊNCIAS DE FUNÇÕES 51

b) Se (fn )n∈N converge pontualmente em X ⊆ U , então a função f : X → C


definida por f (z) := limn→∞ fn (z) chama-se função limite de (fn )n∈N em
X. Escreve-se f = limn→∞ fn ou fn → f , e diz-se que (fn )n∈N converge
pontualmente para f em X.

Obviamente, se (fn )n∈N converge pontualmente para f em X, então a


função limite f : X → C é única.

Exemplo 3.5.3. Se U = C e fn (z) = fn (x + iy) = e−nx , n ∈ N, então



 0 se x > 0,
lim fn (z) = 1 se x = 0,
n→∞
∞ se x < 0.

Logo (fn )n∈N converge pontualmente em X := {x + iy ∈ C | x ≥ 0}, e a


função limite é dada por

0 se x > 0,
f (z) =
1 se x = 0.

Definição 3.5.4. Diz-se que (fn )n∈N converge uniformemente, ou que é


uniformemente convergente, em X ⊆ U se existir uma função f : X → C
com a propriedade que para todo ε > 0, é possı́vel obter N ∈ N tal que

z ∈ X, n ≥ N ⇒ |fn (z) − f (z)| < ε.

unif.
Neste caso, escreve-se fn → f e diz-se que (fn )n∈N converge uniforme-
mente para f em X.

Observação 3.5.5.
unif.
a) Se fn → f em X ⊆ U , então fn → f em X.
unif.
b) fn → f em X ⊆ U se e somente se σn → 0, onde

σn = sup |fn (z) − f (z)| ∈ R ∪ {∞}.


z∈X

Exemplo 3.5.6.
52 CAPÍTULO 3. FUNÇÕES ANALÍTICAS

a) Sejam fn , f e X como no Exemplo 3.5.3. Dado z = x + iy ∈ X, tem-se


 −nx
e se x > 0,
|fn (z) − f (z)| =
0 se x = 0,

e portanto

σn = sup|fn (z) − f (z)| = sup e−nx = e−n0 = 1.


z∈X x>0

Assim limn→∞ σn = 1 6= 0. Consequentemente (fn )n∈N não converge uni-


formemente para f em X, embora converge pontualmente.
unif.
b) Seja 0 < R < 1. Se U = C e fn (z) = z n , n ∈ N, então fn → 0 (= função
identicamente nula) em D(0, R). Com efeito,

σn = sup |fn (z) − 0| = sup |z|n = Rn ,


z∈D(0,R) z∈D(0,R)

e portanto σn = Rn → 0.

Proposição 3.5.7 (Critério de Cauchy uniforme). A sequência de funções


(fn )n∈N converge uniformemente em X ⊆ U se e somente se para todo ε > 0,
existe N ∈ N tal que

z ∈ X, m, n ≥ N ⇒ |fm (z) − fn (z)| < ε.

Demonstração.

(⇒) Suponha que (fn )n∈N convirja uniformemente em X. Seja ε > 0 ar-
unif.
bitrário. Como fn → f em X para uma certa função f : X → C,
existe N ∈ N tal que z ∈ X e n ≥ N implicam |fn (z) − f (z)| < 2ε .
Portanto
ε ε
|fm (z) − fn (z)| ≤ |fm (z) − f (z)| + |f (z) − fn (z)| < 2
+ 2

sempre que z ∈ X e m, n ≥ N .

(⇐) Suponha que a condição do enunciado seja satisfeita. Claramente, isto


implica que para todo z ∈ X, (fn (z))n∈N é uma sequência de Cauchy,
que por sua vez converge para um certo f (z) ∈ C. Seja f : X →
C, z 7→ f (z). Vamos mostrar que (fn )n∈N converge uniformemente
3.5. SEQUÊNCIAS DE FUNÇÕES 53

para f em X. Seja ε > 0 arbitrário. Por hipótese, existe N ∈ N tal


que |fm (z) − fn (z)| < 2ε sempre que z ∈ X e m, n ≥ N . Como fn → f
em X, tem-se também que para todo z ∈ X, existe M (z) ∈ N tal que
n ≥ M (z) implica |fn (z) − f (z)| < 2ε . Segue-se que para todo z ∈ X e
todo n ≥ N ,
ε ε
|fn (z) − f (z)| ≤ |fn (z) − fN +M (z) (z)| + |fN +M (z) (z) − f (z)| < 2
+ 2
= ε.
unif.
Isto mostra que fn → f em X.
Proposição 3.5.8. Seja z0 um ponto de acumulação de U e seja f : U → C
uma função. Suponha que
unif.
a) fn → f em U ,
b) exista uma sequência (ln )n∈N em C tal que limz→z0 fn (z) = ln para todo
n ∈ N.
Então (ln )n∈N converge e limz→z0 f (z) = limn→∞ ln . Noutros termos,

lim lim fn (z) = lim lim fn (z).


z→z0 n→∞ n→∞ z→z0

Demonstração. Seja ε > 0 arbitrário. Como (fn )n∈N converge uniformemente


em U , o critério de Cauchy uniforme implica que existe N1 ∈ N tal que

z ∈ U, m, n ≥ N1 ⇒ |fm (z) − fn (z)| < 3ε .

Como limz→z0 fn (z) = ln , tem-se também que para todo n ∈ N, existe R(n) >
0 tal que

z ∈ U ∩ D∗ (z0 , R(n)) ⇒ |fn (z) − ln | < 3ε . (3.7)

Sejam então m, n ≥ N1 arbitrários. Dado z ∈ U ∩ D∗ qualquer, onde D∗ =


D∗ (z0 , min{R(m), R(n)}), vem que

|lm − ln | ≤ |lm − fm (z)| + |fm (z) − fn (z)| + |fn (z) − ln |


< 3ε + 3ε + 3ε = ε.

Portanto (ln )n∈N é uma sequência de Cauchy. Seja l = limn→∞ ln ∈ C. Resta


unif.
mostrar que limz→z0 f (z) = l. Como fn → f , existe N2 ∈ N tal que

z ∈ U, n ≥ N2 ⇒ |f (z) − fn (z)| < 3ε ,


54 CAPÍTULO 3. FUNÇÕES ANALÍTICAS

e como ln → l, existe N3 ∈ N

n ≥ N3 ⇒ |ln − l| < 3ε .

Seja N := max{N1 , N2 , N3 }. Tomando n = N em (3.7), vem então que para


todo z ∈ U ∩ D∗ (z0 , R(N )),
ε
|f (z) − l| ≤ |f (z) − fN (z)| + |fN (z) − lN | + |lN − l| < 3
+ 3ε + ε
3
= ε.

Segue-se que limz→z0 f (z) = l.

Corolário 3.5.9. Seja f : U → C uma função. Suponha que


unif.
a) fn → f em U ,

b) fn é contı́nua para todo n ∈ N.

Então f é contı́nua.

Demonstração. Decorre da Proposição 3.5.8 e da caracterização da continui-


dade em termos do limite.

3.6 Séries de funções


Seja (fn )n∈N uma sequência de funções fn : U → C definidas num conjunto
aberto U ⊆ C. Dado n ∈ N, definimos Sn : U → C pondo
n
X
Sn (z) := f0 (z) + f1 (z) + ... + fn (z) = fk (z).
k=0

Definição 3.6.1. A sequência de funções (Sn )n∈N chama-se série de funções,


ou simplesmente série, associada a (fn )n∈N ; é denotada por qualquer um dos
sı́mbolos

X X X ∞
X
fn , fn , fn , fk , etc.
n=0 n≥0 n∈N k=0
P
Neste contexto, diz-se que fn é o termo geral
P da série n≥0 fn e que (Sn )n∈N
é a sequência das somas parciais de n≥0 fn .
3.6. SÉRIES DE FUNÇÕES 55
P
Definição 3.6.2. Seja X ⊆ U um conjunto não vazio. Diz-se que n≥0 fn
converge pontualmente (resp. converge uniformemente) em X se
(Sn )n∈N converge pontualmente (resp. converge uniformemente) em X.
P
Se n≥0 fn converge pontualmente em X ⊆ U , a Pfunção limite S =
limn→∞ Sn : X → C é chamada função soma da série n≥0 fn . Neste caso,
escreve-se

X
S= fn
n=0

P
e diz-se que n≥0 fn converge pontualmente
P para S em X. Quando
a convergência é uniforme, diz-se que n≥0 fn converge uniformemente
para S em X.

Exemplo 3.6.3.
n
P
a) A série geométrica n≥0 z converge pontualmente em D(0, 1) para a
1
função S(z) = 1−z (veja Exemplo 3.2.4). A convergência não é uniforme
em D(0, 1), pois

n k 1 − z n+1
X n+1
1 1 z
z − = − =
1 − z ,


k=0
1 − z 1−z 1 − z

donde
n+1
z
σn = sup |Sn (z) − S(z)| = sup = ∞,
z∈D(0,1) 1 − z

z∈D(0,1)

o que implica σn → ∞ =
6 0.

z n converge uniformemente em D(0, R).


P
b) Seja 0 < R < 1. Então n≥0
Com efeito, neste caso,
n+1 n+1
z
= R

σn = sup |Sn (z) − S(z)| = sup 1 − R,
z∈D(0,R) z∈D(0,R) 1 − z

e portanto σn → 0.
56 CAPÍTULO 3. FUNÇÕES ANALÍTICAS

ProposiçãoP3.6.4 (Critério de Cauchy uniforme para séries). A série


de funções n≥0 fn converge uniformemente em X ⊆ U se e somente se para
todo ε > 0, existe N ∈ N tal que
m
X
z ∈ X, m > n ≥ N ⇒ fk (z) < ε.
k=n+1

Demonstração. É só aplicar o critério de Cauchy uniforme para a sequência


de funções (Sn )n∈N .
Proposição 3.6.5 (Teste de Weierstrass (ou “M-test”)). Seja X ⊆ U
um conjunto não vazio. Suponha que exista uma sequência (Mn )n∈N de
números reais tal que:
a) para todo z ∈ X e todo n ∈ N, |fn (z)| ≤ Mn ;
P
b) n≥0 Mn converge.
P
Então n≥0 fn converge uniformemente em X.
P
Demonstração. Seja ε > 0 arbitrário. Visto que n≥0 Mn converge, Pomcritério
de Cauchy para séries numéricas implica que existe N ∈ N tal que | k=n+1 Mk | <
ε sempre que m > n ≥ N , e portanto,
m m
X X

f k (z)
≤ Mk < ε
k=n+1 k=n+1

sempre que z ∈ XPe m > n ≥ N . Pelo critério de Cauchy uniforme para


séries de funções, n≥0 fn converge uniformemente em X.
Proposição 3.6.6. Seja z0 um ponto de acumulação de U e seja S : U → C
uma função. Suponha que
P
a) n≥0 fn convirja uniformemente para S em U ;

b) exista uma sequência de números complexos (ln )n∈N tal que limz→z0 fn (z) =
ln para todo n ∈ N.
P P
Então n≥0 ln converge e limz→z0 S(z) = n≥0 ln . Noutros termos,

X ∞
X
lim fn (z) = lim fn (z).
z→z0 z→z0
n=0 n=0
3.7. SÉRIES DE POTÊNCIAS 57

Demonstração. Decorre da Proposição 3.5.8.


Corolário 3.6.7. Seja z0 ∈ U. Suponha que
P
a) n≥0 fn convirja uniformemente em U ,

b) fn é contı́nua no ponto z0 para todo n ≥ 0.


P
Então a função soma S = n≥0 fn é contı́nua no ponto z0 .
Demonstração. Decorre da Proposição 3.6.6 e da caracterização da continui-
dade em termos do limite.

3.7 Séries de potências


Seja (an )n∈N uma sequência de números complexos e seja z0 ∈ C. Dado
n ∈ N, definimos fn : C → C pondo

fn (z) = an (z − z0 )n .

Convencionamos que z 0 = 1 qualquer que seja z ∈ C. Em particular, f0 (z) =


a0 para todo z ∈ C.
P
Definição 3.7.1. A série de funções n≥0 fn chama-se série
P de potênciasn
Pn )n∈N e centrada em z0 . Em geral, escreve-se n≥0 an (z − z0 )
associada a (a
no lugar de n≥0 fn .
Seja A ⊆ R o conjunto dos números reais t ≥ 0 tal que a sequência de
números complexos (an tn )n∈N seja limitada, isto é,

A = {t ≥ 0 | (an tn )n∈N é limitada}.

Assim, um número real t ≥ 0 pertence a A se e somente se existe C ∈ R tal


que |an tn | ≤ C para todo n ∈ N.
Note que 0 ∈ A. Em particular, A =6 ∅.
Lema 3.7.2. Se t ∈ A, então [0, t] ⊆ A.
Demonstração. Se t ∈ A, então existe C ∈ R tal que |an tn | ≤ C para todo
n ∈ N. Dado s ∈ [0, t] arbitrário, tem-se então que |an sn | = |an | |s|n ≤
|an | |t|n = |an tn | ≤ C para todo n ∈ N. Isto mostra que s ∈ A. O número s
sendo arbitrário, [0, t] ⊆ A.
58 CAPÍTULO 3. FUNÇÕES ANALÍTICAS

Decorre do lema que A é um intervalo contido em R+ e contendo 0. Logo


é da forma A = [0, R] ou A = [0, R[ para um certo R ∈ [0, ∞], e este R é o
supremo de A, isto é, R = sup A.

Definição 3.7.3. PR = sup A ∈ [0, ∞] chama-se raio de convergência da


série de potências n≥0 an (z − z0 )n .

Observação 3.7.4.

a) O raio de convergência é independente de z0 .

b) Seja t ≥ 0. Se (an tn )n∈N converge, então é limitada o que implica t ∈ A.


Se |an tn | → ∞, então (an tn )n∈N não é limitada e portanto t 6∈ A.

Exemplo 3.7.5.
n
P
a) n≥0 n!z , R = 0.

n
P
b) n≥0 z , R = 1.

zn
P
c) n≥0 n! , R = ∞.

Demonstração. Seja t > 0.

a) Seja N ∈ N∗ arbitrário. Dado n ≥ N + 1, tem-se

n! tn = (1 × 2 × 3 × ... × N ) × (N + 1) × (N + 2) × ... × n tn
≥ N !N n−N tn = N !tN (N t)n−N .

Se t > N1 , então (N t)n−N → ∞ e portanto n! tn → ∞, donde t 6∈ A.


Resulta que A ⊆ [0, N1 ]. O ńumero N sendo arbitrário, A = {0}, e
consequentemente, R = 0.

b) Se t ≤ 1, então (tn )n∈N converge (para 0 ou 1) e portanto t ∈ A. Se t > 1,


então limn→∞ tn = ∞, o que implica t 6∈ A. Logo A = [0, 1], e portanto,
R = 1.
tn
c) Seja φn : [0, ∞[→ R a função definida por φn (t) = n!
− et . Note que

• φ0 (t) ≤ 0 para todo t ≥ 0;


• para todo t > 0 e todo n ≥ 1, φ0n (t) = φn−1 (t).
3.7. SÉRIES DE POTÊNCIAS 59

Mostra-se por indução usando os dois pontos acima que φn é decrescente


para todo n ∈ N. Como φn (0) ≤ 0 para todo n ∈ N, isto implica que
φn (t) ≤ 0 para todo n ∈ N e todo t ≥ 0. Resulta daı́ que para todo
n
t ≥ 0, a sequência ( tn! )n∈N é limitada por et . Logo A = [0, ∞[ e portanto
R = ∞.
P
Definição 3.7.6. O disco de convergência da série de potências n≥0 an (z−
z0 )n é o conjuntoPD(z0 , R) := {z ∈ C | |z − z0 | < R}, onde R é o raio de
convergência de n≥0 an (z − z0 )n .
Observação 3.7.7. Tem-se

 um disco se R ∈ R,
D(z0 , R) = C se R = ∞,
∅ se R = 0.

A seguir, usaremos a notação D(z0 , R) = {z ∈ C | |z − z0 | ≤ R}. Em


particular, D(z0 , 0) = {z0 } e D(z0 , ∞) = C.
Proposição 3.7.8 (Lema de Abel). Valem as seguintes afirmações.
a) Se z ∈ D(z0 , R), então a série numérica n≥0 an (z − z0 )n converge abso-
P
lutamente.
n
P
b) Para todo 0 < s < R, a série de funções n≥0 an (z − z0 ) converge
uniformemente em D(z0 , s).
Demonstração.
a) Seja z ∈ D(z0 , R). Escolhamos t ∈ R tal que |z − z0 | < t < R. Como
t ∈ A, existe C ∈ R tal que |an tn | ≤ C para todo n ∈ N, e portanto

|an (z − z0 )n | = |an tn | | z−z


t
0 n
| ≤ C | z−z
t
0 n
|

para todo n ≥ 0. Como | z−z | < 1,Pa série geométrica n≥0 C| z−z 0 n
P
t
0
t
|
n
converge. Pelo teste de comparação, n≥0 |an (z − z0 ) | converge.

b) Suponha 0 < s < R. Seja t ∈ R tal que s < t < R. Como t ∈ A, existe
C ∈ R tal que |an tn | ≤ C para todo n ∈ N. Dado z ∈ D(z0 , s) e n ∈ N
arbitrários, vem então que
n z−z n
0 ≤ C s n .

|an (z − z0 )n | = |an tn | z−z
t
0
≤ C t t
60 CAPÍTULO 3. FUNÇÕES ANALÍTICAS

Como | st | < 1, a série geométrica n≥0 | st |n converge.


P
Resulta daı́ e do
s n
teste de Weierstrass (com Mn = C| t | ) que n≥0 an (z − z0 )n converge
P

uniformemente em D(z0 , s).

Proposição 3.7.9. Seja z ∈ C. Valem as seguintes afirmações.

a) Se z ∈ D(z0 , R), então a série numérica n≥0 an (z − z0 )n converge abso-


P
lutamente.

b) Se z 6∈ D(z0 , R), então a série numérica n≥0 an (z − z0 )n diverge, e a


P
sequência (an (z − z0 )n )n∈N não é limitada.

c) Se |z − z0 | = R, então a série numérica n≥0 an (z − z0 )n pode convergir


P
ou não.

Demonstração.

a) É o item a) do Lema de Abel.

b) Se z 6∈ D(z0 , R), então |z − z0 | 6∈ A o que implica que a sequência (an (z −


z0 )n )n∈N nãoPé limitada, e portanto, não pode convergir para zero. Isto
implica que n≥0 an (z − z0 )n diverge.
n
c) Considere a série n≥1 zn . Seja t ≥ 0. Para todo n ≥ 1, as desigualdades
P
n
0 ≤ tn ≤ tn e o teorema do sanduı́che implicam que se t < 1, então
tn
n
→ 0. Logo [0, 1[⊆ A. Se t > 1, então t = 1 + δ para um certo δ > 0, e
portanto,
(n−1)n 2
tn (1 + δ)n 1 + nδ + 2
δ + ... + δ n
= =
n n n
1 + nδ + (n−1)n
2
δ2

n
2
≥ n−1
2
δ
n
para todo n ≥ 2. Como n−1 2
δ 2 → ∞, segue que tn → ∞. Isto implica
tn
t 6∈ A sempre que t > 1. Se t = 1, obviamente n
= n1 → 0. Assim
n
A = [0, 1]. Logo R = 1. Se z = 1, então n≥1 zn = n≥1 n1 diverge (veja
P P
n n
Exemplo 3.2.7). Se z = −1, então n≥1 zn = n≥1 (−1)
P P
n
é uma série
To do. alternada. Pelo critério de Leibniz, ela converge (veja Exemplo 3.2.4).
3.7. SÉRIES DE POTÊNCIAS 61

Observação 3.7.10. A Proposição 3.7.9 pode ser usada para estimar o raio
de convergência R, da seguinte maneira. Dado z ∈ C,
• se a série numérica n≥0 an (z − z0 )n converge, então R ≥ |z − z0 |,
P

• se a série numérica n≥0 an (z − z0 )n diverge, então R ≤ |z − z0 |.


P

Exemplo 3.7.11. Dados n ∈ N e s ∈ R, ponhamos


   s(s−1)(s−2)...(s−n+1)
s se n 6= 0;
:= n!
n 1 se n = 0.

Considere a série de potências n≥0 ns z n . Se s ∈ N, então ns = 0 para


P  

todo n > s e portanto a série numérica n≥0 ns z n converge qualquer que


P 

seja z ∈ C. Logo R = ∞. Note que, neste caso, n≥0 ns z n = (1 + z)s para


P 

todo z ∈ C.
Se s 6∈ N, então ns 6= 0 para todo n ∈ N e portanto podemos aplicar o


teste da razão: dado z ∈ C∗ ,


s  n+1
n+1 z

s − n
n + 1 |z| → |z|.
=
s

z n
n

Logo n≥0 ns z n converge se |z| < 1 e diverge se |z| > 1, o que implica
P 

R = 1.
p
Proposição 3.7.12 (Fórmula de Hadamard). Seja s := lim supn→∞ n |an | ∈
[0, ∞]. Então,

 ∞ se s = 0,
1
R= se 0 < s < ∞,
 s
0 se s = ∞.

Demonstração. Decorre do teste da raiz e da observação 3.7.10.


P
A seguir, denotaremos por S : D(z0 , R) → C a função soma de n≥0 an (z−
n
z0 ) , isto é,

X
S(z) = an (z − z0 )n ; z ∈ D(z0 , R).
n=0

Quando considerarmos esta função, suporemos sempre que R > 0.


62 CAPÍTULO 3. FUNÇÕES ANALÍTICAS

an (z − z0 )n é continua no
P
Proposição 3.7.13. A função soma S(z) = n≥0
seu disco de convergência D(z0 , R).

Demonstração. Decorre do Lema de Abel a da Proposição 3.6.7.

Lema 3.7.14. As séries de potências



X ∞
X
n
an (z − z0 ) e an+1 (n + 1)(z − z0 )n
n=0 n=0

têm o mesmo
P∞ raio de convergência. A segunda série é chamada série deri-
n
vada de n=0 an (z − z0 ) .

Demonstração. Basta mostrar que, dado t ≥ 0, t 6= R, a sequência (an tn )n∈N


é limitada se e somente se (an+1 (n + 1)tn )n∈N é limitada. Seja então t ≥ 0,
t 6= R.

(⇒) Suponha (an tn )n∈N limitada. Por definição, isto significa que t pertence
ao conjunto A, o qual é da forma [0, R[ ou [0, R]. Logo t < R. Seja
s ∈ R tal que t < s < R. Como s ∈ A, existe C ∈ R tal que |an sn | ≤ C
para todo n ∈ N, e portanto
 t n
≤ C n+1 t n

|an+1 (n + 1)tn | = |an+1 sn+1 | n+1
s s s s
(3.8)

para todo n ∈ N. Afirmamos que (n + 1)| st |n → 0. Com efeito, como


| st | < 1, tem-se | st | > 1 e portanto existe δ > 0 tal que | st | = 1 + δ.
Logo,
n n+1 n+1
(n + 1) st = s n =
|t| (1 + δ)n
n+1
= n(n−1) 2
1 + nδ + 2 δ + ... + δ n
n+1 2 n+1
≤ n(n−1) = 2 2 → 0.
δ2 δ n −n
2

Isto mostra a afirmação. Voltando à equação (3.8), segue do Teorema


do sanduı́che que an+1 (n + 1)tn → 0, e portanto, (an+1 (n + 1)tn )n∈N é
limitada.
3.7. SÉRIES DE POTÊNCIAS 63

(⇐) Suponha que (an tn )n∈N não seja limitada. Necessariamente t 6= 0 e


temos que

|an+1 (n + 1)tn | = n+1


t
|an+1 tn+1 | ≥ 1t |an+1 tn+1 |

para todo n ∈ N. Resulta desta desigualdade e do fato de (an tn )n∈N


não ser limitada que (an+1 (n + 1)tn )n∈N não é limitada.
Lema 3.7.15. Sejam a, b ∈ C, a 6= b. Para todo k ∈ N, k ≥ 2, tem-se:
k−2
ak − b k X
− kbk−1 = (a − b) (j + 1)ak−2−j bj .
a−b j=0

Demonstração. Por indução sobre k ≥ 2.


Proposição 3.7.16. A função soma S(z) = n≥0 an (z − z0 )n é holomorpha
P
no seu disco de convergência D(z0 , R), e para todo z ∈ D(z0 , R), tem-se

X
0
S (z) = an+1 (n + 1)(z − z0 )n .
n=0

Demonstração. Sem perda de generalidade, podemos supor z0 = 0. Dado


n ∈ N, definamos

A : D(0, R) → C, z 7→ ∞ n
P
n=0 an+1 (n + 1)z ,
Pn
An : C → C z 7→ k=0 ak+1 (k + 1)z k .

Pelo Lema 3.7.14, a função A está bem definida, e para todo z ∈ D(0, R),
An (z) → A(z). Seja w ∈ D(0, R) arbitrário. Devemos mostrar que S é
C-derivável em w e que S 0 (w) = A(w).
Escolhamos s ∈ R tal que |w| < s < R. Dados z ∈ D(0, s), z 6= w e
n ≥ 2, tem-se
Sn (z)−Sn (w)
z−w
− An (w)
Sn (z)−Sn (w) Pn k
= z−w
− k=0 ak+1 (k + 1)w
z k −wk
Pn Pn k−1
= k=1 ak z−w − k=1 kak w − an+1 (n + 1)wn
z k −wk
Pn 
= k=2 ak z−w
− kwk−1 − an+1 (n + 1)wn
= (z − w) nk=2 ak
Pk−2 k−2−j j

+ 1)wn ,
P
j=0 (j + 1)z w − an+1 (n
64 CAPÍTULO 3. FUNÇÕES ANALÍTICAS

onde usamos o Lema 3.7.15 (com a = z e b = w) na última equação. Tendo


em vista as desigualdades |w| < s e |z| < s e a fórmula k−2 k(k−1)
P
j=0 (j + 1) = 2
,
vem então que para todo n ≥ 2,
Sn (z)−Sn (w)

z−w
− A n (w)
≤ |z−w| n k−2
+ |an+1 |(n + 1)sn .
P
2 k=2 k(k − 1)|ak |s (3.9)

Agora note que:

an+1 (n + 1)z n é a série de potências


P
• a série derivada de n≥0

+ 2)(n + 1)an+2 z n .
P
n≥0 (n (3.10)

Pelo lema 3.7.14, o disco de convergência de (3.10) é D(0,PR). Em


particular, ela converge absolutamente em z = s. Seja C := n≥0 (n +
2)(n + 1)|an+2 |sn .

• Para todo n ≥ 2, tem-se:


Pn k−2
= n−2 k
P
k=2 k(k − 1)|ak |s k=0 (k + 2)(k + 1)|ak+2 |s → C.

• |an+1 |(n + 1)sn → 0, pois é o termo geral evaluado em z = s de uma série


convergente.

Tomando o limite quando n → ∞ em (3.9), vem então que


S(z)−S(w)
− A(w) ≤ C |z − w|
z−w 2

para todo z ∈ D(0, s) − {w}. Claramente, essa desigualdade implica que S


é C-derivável em z = w e que S 0 (w) = A(w).
Como no caso real, definimos as derivadas de ordem k ∈ N de uma função
complexa f pondo f (0) = f , f (1) = f 0 e f (k) := (f k−1 )0 se k ≥ 2.
n
P
Corolário 3.7.17. A função soma S(z) = n≥0 an (z − z0 ) possui deri-
vadas de toda ordem no seu disco de convergência D(z0 , R), e para todo
z ∈ D(z0 , R) e todo k ≥ 0, tem-se:

(k)
X (n + k)!
S (z) = an+k (z − z0 )n . (3.11)
n=0
n!
3.7. SÉRIES DE POTÊNCIAS 65

Demonstração. Decorre do Lema 3.7.14 e da Proposição 3.7.16.


Corolário 3.7.18. Para todo n ∈ N,

S (n) (z0 )
an = .
n!
Demonstração. Tome z = z0 em (3.11).
Definição 3.7.19. A ordem da série n≥0 an (z −z0 )n é o menor inteiro não
P
negativo m tal que am 6= 0 (se an = 0 para todo n ∈ N, convencione-se que a
ordem é ∞). Denotaremos por o(S) a ordem da série S = n≥0 an (z − z0 )n .
P

Observação 3.7.20. ParaP todo 0 ≤ n < o(S), Sn é identicamente nula,


onde Sn : C → C, z 7→ nk=0 ak (z − z0 )k .
Lema 3.7.21. Dado m ∈ N, m ≥ 1, as séries S(z) = ∞ n
P
n=0 an (z − z0 ) e
= ∞ n
P
S(z) n=0 an+m (z − z0 ) têm o mesmo raio de convergência, e para todo
e
z ∈ D(z0 , R), tem-se:

S(z) = Sm−1 (z) + (z − z0 )m S(z).


e (3.12)

Em particular, se o(S) = m ∈ N, então S(z) = (z − z0 )m S(z)


e para todo
z ∈ D(z0 , R).
Demonstração. Seja m ∈ N, m ≥ 1. Dados l ≥ m e z ∈ C, um cálculo
simples mostra que

Sl (z) = Sm−1 (z) + (z − z0 )m Sel−m (z), (3.13)

onde (Sen )n∈N denota a sequência das somas parciais de n≥0 an+m (z − z0 )n .
P

LogoPliml→∞ Sl (z) existe se e somente se liml→∞ PSl (z) existe, o que


e significa
que n≥0 an (z − z0 ) converge se e somente se n≥0 an+m (z − z0 )n converge.
n

Pela Observação 3.7.10, estas séries têm o mesmo raio de convergência. To-
mando o limite quando l → ∞ em (3.13), obtemos (3.12).
Proposição 3.7.22. Considere as seguintes condições:
i) a função soma S é identicamente nula num conjunto aberto contendo z0 ;

ii) existe uma sequência (wn )n∈N de pontos wn ∈ D∗ (z0 , R) tal que wn → z0
e S(wn ) = 0 para todo n ∈ N.
66 CAPÍTULO 3. FUNÇÕES ANALÍTICAS

Se i) ou ii) está satisfeita, então an = 0 para todo n ∈ N.


Demonstração. Como i) implica ii), basta mostrar o resultado supondo ii).
Seja então uma sequência (wn )n∈N como na condição ii). Por continuidade
de S em z0 , vem que
a0 = S(z0 ) = limn→∞ S(wn ) = limn→∞ 0 = 0,
e portanto a0 = 0. Por indução, suponha que ak = 0 para todos 0 ≤ k ≤ n.
Por absurdo, suponha an+1 6= 0. Temos então que o(S) = n + 1. Pelo Lema
3.7.21, existe uma função contı́nua Se : D(z0 , R) → C tal que S(z
e 0 ) = an+1 e
S(z) = (z − z0 )n+1 S(z)
e para todo z ∈ D(z0 , R). Logo,
e n ) = limn→∞ S(wn )n+1 = limn→∞
an+1 = limn→∞ S(w 0
= 0,
(wn −z0 ) (wn −z0 )n+1
criando um absurdo. Assim an+1 = 0.
Corolário 3.7.23 (Unicidade dos coeficientes de uma série). Sejam
X∞ X∞
n
S(z) = an (z − z0 ) e T (z) = bn (z − z0 )n
n=0 n=0

duas séries de potências com raios de convergência R > 0 e R0 > 0, respecti-


vamente. Considere as seguintes condições:
i) as funções soma S e T coincidem num conjunto aberto contendo z0 ;
ii) existe uma sequência (wn )n∈N de pontos wn ∈ D∗ (z0 , min{R, R0 }) tal
que wn → z0 e S(wn ) = T (wn ) para todo n ∈ N.
Se i) ou ii) está satisfeita, então an = bn para todo n ∈ N.
P
Demonstração. Basta considerar a série de potências (S−T )(z) = n≥0 (an −
bn )(z − z0 )n e aplicar a Proposição 3.7.22.

3.8 Soma, produto e quociente de séries de


potências
Sejam n≥0 an (z −z0 )n e n≥0 bn (z −z0 )n duas séries de potências com raios
P P
de convergência Ra > 0 e Rb > 0, respectivamente, e sejam
X∞ X∞
n
f (z) = an (z − z0 ) e g(z) = bn (z − z0 )n
n=0 n=0

as funções soma associadas.


3.8. SOMA, PRODUTO E QUOCIENTE DE SÉRIES DE POTÊNCIAS67

Proposição 3.8.1. P Para todo par λ, µ ∈ nC, o raio de convergência R da


série de potências n≥0 (λan + µbn )(z − z0 ) satisfaz R ≥ r := min{Ra , Rb },
e sua função soma em D(z0 , r) é λf + µg.

Demonstração. Sem perda de generalidade, podemos suporP z0 = 0. Dados


n ∈ N e z ∈ C, ponhamos fn (z) = k=0 ak z e gn (z) = nk=0 bk z k . Por
Pn k

hipótese, para todo z ∈ D(0, Ra ), fn (z) → f (z), e para todo z ∈ D(0, Rb ),


gn (z) → g(z). Logo para todo z ∈ D(0, r), r = min{Ra , Rb }, tem-se
n
X
(λak + µbk )z k = λfn (z) + µgn (z) → λf (z) + µg(z). (3.14)
k=0

Portanto, a série numérica n≥0 (λan + µbn )z n converge sempre que |z| <
P
r. Pela Observação 3.7.10, isso implica RP≥ r. Segue também de (3.14)
que a função soma da série de potências n≥0 (λan + µbn )z n em D(0, r) é
λf + µg.

Dado n ∈ N, ponhamos
n
X
cn = ak bn−k .
k=0
P P P
Note que n≥0 cn é o produto de Cauchy de n≥0 an por n≥0 bn .
P
Proposição 3.8.2. O raio de convergência Rc da série de potências n≥0 cn (z−
z0 )n satisfaz Rc ≥ r := min{Ra , Rb }, e sua função soma em D(z0 , r) é f g.

Demonstração. Sem Pperda de generalidade, podemos supor z0 = 0. Dado z ∈


n
P a sériennumérica
C, P n≥0 cn z é o produto de Cauchy das séries numéricas
n
n≥0 an z e Pbn z . Segue
n≥0 desta observação e da Proposição 3.4.4 que
n
a série numérica n≥0 cn z converge sempre que |z| < r = min{Ra , Rb }
(implicando em particular Rc ≥ r) e sua soma é f (z)g(z).

Lema 3.8.3. Seja a ∈ C. Então para todo n ∈ N, n ≥ 1, tem-se


n
X
1+a (1 + a)n−k = (1 + a)n .
k=1

Demonstração. Por indução sobre n.


68 CAPÍTULO 3. FUNÇÕES ANALÍTICAS

Suponha agora g(z0 ) = b0 6= 0. Definimos indutivamente uma sequência


(dn )n∈N de números complexos pondo
 a0
 d0 := ,

 b0
 n 
1 X
 dn := b an − bk dn−k , n ≥ 1.


0
k=1

dn (z −z0 )n satisfaz Rd > 0.


P
Lema 3.8.4. O raio de convergência Rd de n≥0

Demonstração. Escolhamos t ∈ R tal que 0 < t < min{Ra , Rb }. Por de-


finição do raio de convergência de uma série de potências, as sequências
(an tn )n∈N e (bn tn )n∈N são limitadas, o que significa que existem C1 > 0 e
C2 > 0 tais que |an tn | ≤ C1 e |bn tn | ≤ C2 para todo n ∈ N. Sem perda de
generalidade, podemos supor C1 = C2 =: C. Temos então
C C
|an | ≤
n
e |bn | ≤ n (3.15)
t t
para todo n ∈ N. Afirmamos que para todo n ∈ N,
 n
1 C C
|dn | ≤ n 1+ . (3.16)
t |b0 | |b0 |
Vamos proceder por indução sobre n. No caso n = 0, (3.16) reduz-se à
desigualdade | ab00 | ≤ |bC0 | , a qual é verdadeira já que |a0 | ≤ C. Suponha então
que (3.16) valha para todo ı́ndice 0 ≤ k ≤ n. Tendo em vista a definição de
dk , k ∈ N, e as desigualdades em (3.15), vem que
 n+1 
1 X
|dn+1 | ≤ |an+1 | + |bk dn+1−k |
|b0 | k=1
 n+1  n+1−k 
1 C X C 1 C C
≤ + 1+
|b0 | tn+1 k=1 tk tn+1−k |b0 | |b0 |
 n+1  n+1−k 
1 C C X C
≤ 1+ 1+ .
|b0 | tn+1 |b0 | k=1 |b0 |
C
Tendo em vista o Lema 3.8.3 com a = |b0 |
, obtemos assim
 n+1
1 C C
|dn+1 | ≤ n+1 1+ .
t |b0 | |b0 |
3.9. ANALITICIDADE 69

Isto conclui a demonstração da indução. Agora, dadas duas sequências


(xn )n∈N e (yn )n∈N de números reais tais que xn ≤ yn para todo n ≥ 0, é
fácil ver que lim supn→∞ xn ≤ lim supn→∞ yn . Segue dessa observação, da
desuigualdade (3.16) e da fórmula (C/|b0 |)1/n = eln(C/|b0 |)/n → 1, que
p
lim sup n |dn | ≤ 1t 1 + |bC0 | ,

n→∞

t|b0 |
o que implica pela fórmula de Hadamard que Rd ≥ [ 1t (1 + C
|b0 |
)]−1 = C+|b0 |
>
0.

P Suponha g(zn0 ) 6= 0. Denotamos ainda por Rd o raio de convergência de


n≥0 dn (z − z0 ) (Rd > 0 pela Lema 3.8.4), e por h sua função soma, isto é,


X
h(z) = dn (z − z0 )n , z ∈ D(z0 , Rd ).
n=0

Proposição 3.8.5. Sob as hipóteses acima, tem-se Ra ≥ r := min{Rb , Rd }


e h(z)g(z) = f (z) para todo z ∈ D(z0 , r). Em particular, h(z) = fg(z)
(z)
para
todo z ∈ D(z0 , r), desde que g(z) 6= 0.
P P
Demonstração.
P O produto de Cauchy de n≥0 bn por n≥0 dn é a série
n≥0 an , pois
Pn
= b0 dn + nk=1 bk dn−k
P
k=0 bk dn−k
= b0 b10 an − nk=1 bk dn−k + nk=1 bk dn−k
P  P

= an .

Segue daı́ e da Proposição 3.8.2 que Ra ≥ min{Rb , Rd } e que g(z)h(z) = f (z)


para todo z ∈ D(z0 , min{Rb , Rd }).

3.9 Analiticidade
Definição 3.9.1. Seja f : U → C uma função definida num conjunto aberto
U ⊆ C. Diz-se que f é

a) representável por uma série de potências em z0 ∈ U , ou simples-


mente, que é analı́tica em z0 ∈ U , se existirem ε > 0 e uma série de
70 CAPÍTULO 3. FUNÇÕES ANALÍTICAS

n
P
potências n≥0 an (z − zn ) com raio de convergência R ≥ ε tais que
D(z0 , ε) ⊆ U e

X
f (z) = an (z − z0 )n
n=0

para todo z ∈ D(z0 , ε);

b) analı́tica em X ⊆ U se f é analı́tica em todos os pontos de X.


Exemplo 3.9.2. As seguintes funções são analı́ticas no conjunto U indicado.
a) f (z) ≡ c, c ∈ C, U = C.

b) f (z) = z, U = C.

c) f (z) = z1 , U = C∗ .
Demontração. Seja z0 ∈ U arbitrário.
a) Dado z ∈ C, f (z) = c = ∞ n
P
n=0 an (z − z0 ) , onde a0 := c e an = 0 para
todo n ≥ 1.

b) Dado z ∈ C, f (z) = z = z0 + (z − z0 ) = ∞ n
P
n=0 an (z − z0 ) , onde a0 := z0 ,
a1 = 1 e an = 0 para todo n ≥ 2.

c) Dado z ∈ D(z0 , |z0 |), tem-se

1 1 1
P∞ −1 n

f (z) = = = n=0 (z − z0 )n .
z
z0 1 − z−z
−z0
0 z0 z0

Lema 3.9.3 (de Fubini para séries duplas). Seja {αij ∈ C | i, j ∈ N}


uma famı́lia de números complexos. Suponha que:
P P
i) para todo i ∈ N, a série numérica j≥0 |αij | convirja; seja βi := j≥0 |αij |,
P
ii) i≥0 βi convirja.

Então,
P
a) para todo i ∈ N, a série numérica j≥0 αij converge absolutamente,
P
b) para todo j ∈ N, a série numérica i≥0 αij converge absolutamente,
3.9. ANALITICIDADE 71
P P  P P 
c) As séries numéricas i≥0 j≥0 αij e j≥0 i≥0 αij convergem ab-
solutamente e têm a mesma soma.
Demonstração. A condição a) decorre imediatamente da hipótese i). Seja
X := { n1 ∈ C | n = 1, 2, 3, ...} ∪ {0} ⊆ C. Dado i ∈ N, definimos fi : X → C
pondo
 Pn
 j=0 αij se z = n1 , n ≥ 1,
fi (z) =
 P∞ α se z = 0.
j=0 ij
P
Note que a convergência da série j≥0 αij implica a continuidade de fi em
0. P
Considere agora a série P de funções i≥0 fi . Pela hipótese i), |fi (z)| ≤ βi
para todo z P ∈ X, e como i≥0 βi converge por ii), o teste de Weierstrass
implica que i≥0 fi converge uniformemente em X. Seja S : X → C a sua
função soma,

S(z) = ∞
P
i=0 fi (z), z ∈ X.

Pela Proposição 3.6.7, a função S é contı́nua no ponto 0. Portanto S(0) =


limn→∞ S( n1 ), ou seja,
P∞ P∞   P∞ Pn 
i=0 j=0 αij = limn→∞ i=0 j=0 αij . (3.17)

Agora note que:


P P
• para todo i, j ∈ N, |αij | ≤ k≥0 |αik | = βi , e como i≥0 βi converge,
P
resulta do teste da comparação que para todo j ∈ N, a série i≥0 αij
converge absolutamente (o que mostra b));
P
• dado
P n ≥ 0, segue
P do ponto acima que as séries numéricas i≥0 αi0 ,
α
i≥0 i1 ,..., α
P i≥0 i n convergem, o que implica pela Proposição 3.4.1
que
P a série P i≥0 (αi0 + αi1 P + ... + αin ) converge e que o seu limite é
α
i≥0 i0 + α
i≥0 i1 + ... + i≥0 αin . Em notação mais compacta,
P∞ Pn  Pn P∞
i=0 j=0 αij = j=0 i=0 αij . (3.18)
Pn P∞ 
Comparando (3.17) e (3.18), deduzimos
P∞ P∞ que a sequência j=0 ( i=0 α ij ) n∈N
converge e que o seu limite é i=0 ( j=0 αij ). Mas isto significa exatamente
que a série ∞
P P∞ P∞ P∞
j=0 ( i=0 αij ) converge e que a sua soma é i=0 ( j=0 αij ).
72 CAPÍTULO 3. FUNÇÕES ANALÍTICAS
P∞ P∞
Resta
P∞ P∞ mostrar que a convergência das séries numéricas j=0 ( i=0 αij )
e i=0 ( j=0 αij ) é absoluta. Para ver isso, basta observar que a famı́lia
{|αij |, | i, j ∈ N} satisfaz as hipóteses do enunciado. PLogo, pelo que já

foi feito acima, temos que para todo i ∈ N, a série j=0 |αij | converge,
P∞ P∞  P∞ P∞
e i=0 j=0 |αij | converge também.
P∞ P∞
Como j=0 αij ≤
j=0 |aij |, o
teste da comparação implica que i=0 j=0 αij converge. Analogamente,
mostra-se que ∞
P P∞
i=0 αij converge.

j=0

Teorema 3.9.4. Seja n≥0 an (z − z0 )n uma série de potências com raio de


P
convergência R > 0. Então a sua função soma S é analı́tica em D(z0 , R).
(n)
Além disso, dado w0 ∈ D(z0 , R), o raio de convergência da série n≥0 S n!(w0 ) (z−
P
w0 )n é maior do que ou igual a R − |w0 − z0 |, e para todo z ∈ D(w0 , R −
|w0 − z0 |), tem-se:

X S (n) (w0 )
S(z) = (z − w0 )n .
n=0
n!

Demonstração. Seja w0 ∈ D(z0 , R) arbitrário. Dados z ∈ C e i, j ∈ N,


definamos
(
ai ji (z − w0 )j (w0 − z0 )i−j se j ≤ i,

αij (z) :=
0 se j > i,

Então,

|αij (z)| = |ai | (|z −w0 |+|w0 −z0 |)i ;


P
• pela fórmula de Newton, βi (z) := j≥0

• para todo z ∈ C satisfazendo |z − w0 | < R − |w0 − z0 |, a série


P∞ P∞ i
i=0 βi (z) = i=0 |ai | (|z − w0 | + |w0 − z0 |)

converge, pois |z − w0 | + |w0 − z0 |P∈ D(0, R) e D(0, R) é o disco de


convergência da série de potências i≥0 ai z i .

Portanto, dado z ∈ D(w0 , R − |w0 − z0 |), a famı́lia {αij (z) ∈ C | i, j ∈ N}


satisfaz as hipóteses do lema de Fubini. Segue-se que para todo z ∈ D(w0 , R−
|w0 − z0 |),
P∞ P∞ P∞ P∞
i=0 j=0 αij (z) = j=0 i=0 αij (z). (3.19)
3.9. ANALITICIDADE 73

Vamos calcular separadamente cada membro. Por um lado, a fórmula de


Newton nos dá
P∞ P∞ P∞ i
i=0 j=0 αij (z) = i=0 ai (z − z0 ) = S(z).

Por outro lado, dados 1 ≤ j ≤ n, vem que


Pn Pj−1 Pn
i=0 αij (z) = i=0 αij (z) + i=j αij (z)
Pn Pn i

= i=j α ij (z) = i=j a i j
(z − w0 )j (w0 − z0 )i−j
= (z − w0 )j ni=j ai ji (w0 − z0 )i−j
P 

= (z − w0 )j n−j i+j
P  i
i=0 ai+j j (w0 − z0 )
Pn−j
= (z − w0 )j j!1 i=0 ai+j (i+j)!
i!
(w0 − z0 )i .

Tomando o limite quando n → ∞, obtemos


P∞ S (j) (w0 )
i=0 αij (z) = j!
(z − w0 )j ,

onde usamos a igualdade ∞ (i+j)! i (j)


P
i=0 ai+j i! (w0 − z0 ) = S (w0 ) (veja Corolário
3.7.17). Voltanto à equação (3.19), obtemos
P∞ S (j) (w0 )
S(z) = j=0 j!
(z − w0 )j (3.20)

para todo z ∈ D(w0 , R−|w0 −z0 |). Isso mostra que S é analı́tica em w0 e que
o raio de convergência de (3.20) é maior do que ou igual a R − |w0 − z0 |.
Corolário 3.9.5. Seja f : U → C uma função definida num conjunto aberto
U ⊆ C. Então o conjunto dos pontos z ∈ U tal que f é analı́tica em z é
aberto.
Demonstração. Decorre da definição de uma função analı́tica e do Teorema
3.9.4.
Seja U ⊆ C um conjunto aberto não vazio. Denotaremos por A(U ) o
conjunto das funções complexas analı́ticas em U .
Proposição 3.9.6. Sejam f, g ∈ A(U ). Valem as seguintes afirmações.
a) Para todos λ, µ ∈ C, λf + µg ∈ A(U ).

b) f g ∈ A(U ).
74 CAPÍTULO 3. FUNÇÕES ANALÍTICAS

f
c) g
∈ A(U − Z(g)), desde que Z(g) 6= U .

d) f é homolorfa e f 0 ∈ A(U ).
Demonstração. Decorre das propriedades das séries de potências.
Exemplo 3.9.7. Decorre da Proposição 3.9.6 que
a) as funções polinomiais P (z) = a0 + a1 z + ... + an z n , ak ∈ C, são analı́ticas
em C;
P (z)
b) as funções racionais, isto é, as funções da forma f (z) = Q(z) , onde P e
Q são duas funções polinomiais, são analı́ticas em C − Z(Q).

3.10 Zeros de uma função analı́tica


Seja f : U → C uma função analı́tica definida num conjunto aberto U ⊆ C.
Definição 3.10.1. A ordem de f em z0 ∈ U é por definição a ordem da
série de potências que representa f em z0 ; é denotada por o(f, z0 ) ∈ N∪{∞}.
Observação 3.10.2. A ordem de f em z0 ∈ U é o menor inteiro não negativo
m tal que f (m) (z0 ) 6= 0 (com a convenção m = ∞ se f (n) (z0 ) = 0 para todo
n ∈ N). Em particular,
i) o(f, z0 ) = 0 se e somente se f (z0 ) 6= 0;
ii) o(f, z0 ) = ∞ se e somente se f se anula identicamente num disco cen-
trado em z0 .
Exemplo 3.10.3. Sejam m ∈ N, m ≥ 1, e z0 ∈ C. Considere a função
f (z) = (z − z0 )m , z ∈ C. Seja w0 ∈ C arbitrário. Dado z ∈ C, tem-se:
f (z) = (z − z0 )m = ((z − w0 ) + (w0 − z0 ))m
Pm m
= (w0 − z0 )m−n (z − w0 )n
Pn=0 n n
= n≥0 an (z − w0 ) ,

onde an = m

n
(w0 − z0 )m−n se n ≤ m e an = 0 senão. Se w0 6= z0 , então
m
a0 = (w0 − z0 ) 6= 0, donde o(f, w0 ) = 0. Se w0 = z0 , então a0 = a1 = ... =
am−1 = 0 e am = m m
00 = 1 6= 0. Assim,

0 se w0 6= z0 ,
o(f, w0 ) =
m se w0 = z0 .
3.10. ZEROS DE UMA FUNÇÃO ANALÍTICA 75

Lema 3.10.4. Sejam g ∈ A(U ) e z0 ∈ U . Se m = o(f, z0 ) < ∞ e m0 =


o(g, z0 ) < ∞, então

o(f g, z0 ) = m + m0 .
0
Demonstração. Se m = mP = 0, então o resultado é óbvio. Suponha então
0
m 6= 0 ou m 6= 0. Sejam n≥0 an (z − z0 ) e n≥0 bn (z − z0 )n as séries que
n
P
representam f e g em z0 , respectivamente. Sabemos P que a série de potências
n
que representa
Pn f g em z0 é o produto de Cauchy n≥0 cn (z − z0 ) , onde
cn = k=0 ak bn−k . Devemos mostrar que cm+m0 6= 0 e que cn = 0 para todo
0 ≤ n < m + m0 . Sejam k, n ∈ N tais que 0 ≤ k ≤ n ≤ m + m0 . Afirmamos
que

am bm0 se n = m + m0 e k = m,

ak bn−k =
0 senão.

Para ver isto, vamos considerar os seguintes casos.

1. Se k < m, então ak = 0 o que implica ak bn−k = 0.

2. Se k ≥ m, então n − k ≤ n − m ≤ m0 , donde n − k ≤ m0 .

i) Se n − k < m0 , então 0 = bn−k = ak bn−k .


ii) Se n − k = m0 , então n = m0 + k ≥ m0 + m ≥ n, donde n = m + m0
e k = m. Neste caso, ak bn−k = am bm0 .

Isso conclui a demonstração da afirmação. Segue da afirmação e da fórmula


cn = nk=0 ak bn−k que
P

am bm0 se n = m + m0 ,

cn =
0 senão.

Em particular, cm+m0 6= 0, já que am 6= 0 e bm0 6= 0, por hipótese. Segue-se


que o(f g, z0 ) = m + m0 .

Proposição 3.10.5. Seja z0 ∈ U . Se m = o(f, z0 ) < ∞, então existe uma


função analı́tica g : U → C tal que g(z0 ) 6= 0 e

f (z) = (z − z0 )m g(z)

para todo z ∈ U .
76 CAPÍTULO 3. FUNÇÕES ANALÍTICAS

Demonstração. Seja n≥0 an (z − z0 )n a série de potências que representa f


P
em z0 . Por hipótese, an = 0 sempre que 0 ≤ n < m e am 6= 0. Quando
m = 0, podemos tomar f = g, pois, neste caso, (z − z0 )m = (z − z0 )0 ≡ 1 e
f (z0 ) = a0 6= 0. Quando m ≥ 1, definamos g : U → C pondo
(
f (z)
(z−z0 )m
se z ∈ U − {z0 },
g(z) = (3.21)
am se z = z0 .

No conjunto U − {z0 }, g é o quociente de duas funções analı́ticas, e portanto,


é analı́tica em U − {z0 }. Para ver que é analı́tica em z0 , utilizamos o Lema
3.7.21: para todo z num certo disco D(z0 , ε) ⊆ U , f (z) = (z − z0 )m S(z), e
= n≥0 an+m (z − z0 )n . Portanto,
P
onde S(z)
e
(
f (z)
(z−z0 )m
se z ∈ D∗ (z0 , ε),
S(z)
e = (3.22)
am se z = z0 .

Comparando (3.21) e (3.22), vê-se que g(z) = S(z)e para todo z ∈ D(z0 , ε).
Logo g é analı́tica em z0 . Finalmente, é fácil ver que g satisfaz todas as
outras condições do enunciado.
Seja Z(f ) o conjunto dos pontos z ∈ U tais que f (z) = 0. Elementos de
Z(f ) são chamados zeros da função f .
Corolário 3.10.6. Seja z0 ∈ U tal que o(f, z0 ) < ∞. Valem as seguintes
afirmações.
a) Existe ε > 0 tal que D(z0 , ε) ⊆ U e o(f, z) < ∞ para todo z ∈ D(z0 , ε).

b) Se f (z0 ) = 0, então z0 é um ponto isolado de Z(f ).


Demonstração. Seja z0 ∈ U tal que o(f, z0 ) < ∞. Pela Proposição 3.10.5,
existe g ∈ A(U ) tal que g(z0 ) 6= 0 e

f (z) = (z − z0 )m g(z) (3.23)

para todo z ∈ U , onde m = o(f, z0 ). Por continuidade de g em z0 , existe um


disco D(z0 , ε) ⊆ U tal que g(z) 6= 0 para todo z ∈ D(z0 , ε), ou seja, tal que
o(g, z) = 0 para todo z ∈ D(z0 , ε). Resulta daı́ e do Lema 3.10.4 que

o(f, z) = o((z − z0 )m , z) + o(g, z) = o((z − z0 )m , z) < ∞


3.10. ZEROS DE UMA FUNÇÃO ANALÍTICA 77

para todo z ∈ D(z0 , ε) (veja Exemplo 3.10.3). Isso mostra a).


Seja agora z ∈ D(z0 , ε). Se z 6= z0 , então (z − z0 )m 6= 0, e como g(z) 6= 0,
deduzimos que f (z) 6= 0. Assim o único zero que f pode possuir no disco
D(z0 , ε) é o ponto z = z0 . Isto mostra b).
Teorema 3.10.7. Suponha U ⊆ C conexo e f ∈ A(U ) não identicamente
nula. Então os zeros de f são pontos isolados de Z(f ).
Demonstração. Os conjuntos

A = {z ∈ U | o(f, z) = ∞}
e B = {z ∈ U | o(f, z) < ∞}

são abertos (veja Observação 3.10.2 e Corolário 3.10.6) e satisfazem U =


A ∪ B e A ∩ B = ∅. Portanto (A, B) é uma cisão de U . Sendo U conexo,
U = A ou U = B, e como B 6= ∅ (já que f não é identicamente nula),
necessariamente B = U . Resulta daı́ e do Corolário 3.10.6 que todos os zeros
de f são pontos isolados de Z(f ).
Teorema 3.10.8. Seja f ∈ A(U ) com U conexo. As seguintes afirmações
são equivalentes.
a) f é identicamente nula em U .

b) Existe z0 ∈ U tal que para todo n ∈ N, f (n) (z0 ) = 0.

c) f se anula num subconjunto aberto de U .

d) Existem µ ∈ U e uma sequência (wn )n∈N de pontos wn ∈ U − {µ} tais


que wn → µ e f (wn ) = 0 para todo n ∈ N.

e) Z(f ) possui um ponto de acumulação em U .


Demonstração. Tendo em vista as propriedades das séries de potências, é
claro que a ⇒ b ⇔ c ⇔ d ⇔ e. Resta mostrar que qualquer uma das
afirmações b), c), d) ou e) implica a). Pelo Teorema 3.10.7, temos que e ⇒
a.
Teorema 3.10.9 (Unicidade das funções analı́ticas). Sejam f, g ∈ A(U )
com U conexo. As seguintes afirmações são equivalentes.
a) f ≡ g em U .
78 CAPÍTULO 3. FUNÇÕES ANALÍTICAS

b) Existe z0 ∈ U tal que para todo n ∈ N, f (n) (z0 ) = g (n) (z0 ).

c) f ≡ g num subconjunto aberto de U .

d) Existem µ ∈ U e uma sequência (wn )n∈N de pontos wn ∈ U − {µ} tais


que wn → µ e f (wn ) = g(wn ) para todo n ∈ N.

e) O conjunto dos pontos z ∈ U tal que f (z) = g(z) possui um ponto de


acumulação em U .
Demonstração. Tome f − g no lugar de f no Teorema 3.10.9.
Exemplo 3.10.10. Diz-se que o conjunto U ⊆ C é simétrico com respeito
ao eixo real se para todo z ∈ U , então z ∈ U . Seja f ∈ A(U ) com U conexo
e simétrico com respeito ao eixo real. Suponha que U ∩ R 6= ∅ e que f (z) ∈ R
para todo z ∈ U ∩ R. Então

f (z) = f (z)

para todo z ∈ U . Com efeito, sabemos que a função g(z) = f (z) é analı́tica
em U , e como f ≡ g em R ∩ U , segue do Teorema 3.10.9 que f ≡ g em U .

3.11 Exponencial e logaritmo complexos


No Exemplo 2.5.3, definimos a função exponencial exp : C → C através da
fórmula

ez = exp(z) = ex (cos(y) + i sin(y)), (3.24)

onde z = x + iy ∈ C. Nesta seção, adotaremos temporariamente uma ou-


tra definição. Será mostrado na Proposição 3.11.5 que as duas definições
coincidem.
Definição 3.11.1. A função exponencial é a função soma da série de
potências

z
X zn
e = exp(z) = .
n=0
n!

Vê-se pelo teste da razão que o raio de convergência desta série é R = ∞.


Logo o domı́nio de definição de exp(z) é o plano complexo C.
3.11. EXPONENCIAL E LOGARITMO COMPLEXOS 79

Teorema 3.11.2 (Fórmula de adição da exponencial). Para todos z, w ∈


C, tem-se

ez+w = ez ew .

Demonstração. PSejam z, w ∈PC. O termo geral cn do produto de Cauchy da


n n
série numérica n≥0 zn! por n≥0 wn! é dado por
n n  
X z k wn−k 1 X n k n−k (z + w)n
cn = = z w = ,
k=0
k! (n − k)! n! k=0
k n!

onde usamos a fórmula de Newton. Resulta daı́ e da Proposição 3.4.4 que


∞ ∞
X X (z + w)n
ez ew = cn = = ez+w .
n=0 n=0
n!

A resultado segue.
Corolário 3.11.3.
a) Para todo z ∈ C, ez 6= 0 e e−z = 1
ez
.
ez
b) Para todos z, w ∈ C, ez−w = ew
.

c) Para todo z ∈ C e todo n ∈ Z, (ez )n = enz .

d) A aplicação z 7→ ez é um homomorfismo do grupo aditivo (C, +) para o


grupo multiplicativo (C∗ , · ).
Demonstração. Decorre indutivamente da fórmula de adição da exponencial
e da fórmula e0 = 1.
Proposição 3.11.4. A função exponencial é analı́tica em C (em particular
é holomorfa em C) e exp0 (z) = exp(z) para todo z ∈ C.
Demonstração. A analiticidade decorre do Teorema 3.9.4. Dado z ∈ C,
temos pelo Proposição 3.7.16 que
∞ ∞
X 1 X 1
exp0 (z) = (n + 1)z n = z n = exp(z).
n=0
(n + 1)! n=0
n!

A proposição segue.
80 CAPÍTULO 3. FUNÇÕES ANALÍTICAS

Proposição 3.11.5. Para todo z = x + iy ∈ C, tem-se

ez = ex (cos(y) + i sin(y)),

onde ex denota a exponencial real de x. Em particular, a função exponencial


complexa é uma extensão analı́tica da função exponencial real.
Demonstração. Denotaremos temporariamente por expC e expR as funções
exponencial complexa e real, respectivamente. Dado z = x + iy ∈ C, a
fórmula de adição da exponencial implica que expC (z) = expC (x + iy) =
expC (x)expC (iy). Sejam h, u, v : R → R as funções definidas por

h(x) = expC (x), u(y) = Re(expC (iy)), v(y) = Im(expC (iy)).

Obviamente h é uma função real, isto é, h(x) ∈ R para todo x ∈ R. Também,
resulta da analiticidade de expC que h, u e v são de classe C ∞ . Note que
expC (0) = h(0) = u(0) = 1 e v(0) = 0.
Primeiro, vamos mostrar que h = expR . Por um lado, segue da Ob-
servação 2.5.3 que

(expC )0 = ∂
∂x
(hu) ∂
+ i ∂x (hv) = ∂h
∂x
(u + iv).

Por outro lado, temos pela Proposição 3.11.4 que

(expC )0 = expC = h(u + iv). (3.25)

Comparando, obtemos
∂h
∂x
(u + iv) = h(u + iv). (3.26)

Sendo ez 6= 0 para todo z ∈ C, necessariamente (u + iv)(y) 6= 0 para todo


y ∈ R. Podemos então dividir por u+iv na equação (3.26). Obtemos ∂h ∂x
= h.
A única função real de classe C ∞ satisfazendo esta equação com a condição
inicial h(0) = 1 é a função exponencial real. Segue-se que h = expR .
Agora vamos mostrar que u(y) = cos(y) e v(y) = sin(y) para todo y ∈ R.
Novamente pela Observação 2.5.3, temos que

(expC )0 = ∂
∂y
(hv) ∂
− i ∂y ∂v
(hu) = h( ∂y − i ∂u
∂y
).

Comparando com (3.25) e usando e igualdade h = expR , deduzimos que


∂u ∂v
= −v e = u. (3.27)
∂y ∂y
3.11. EXPONENCIAL E LOGARITMO COMPLEXOS 81

Em particular, ∂u∂y
∂v
(0) = 0 e ∂y (0) = 1. Derivando na primeira equação em
(3.27) em relação a y e levando em conta a segunda, obtemos a equação
diferencial
∂ 2u
+u=0
∂y 2

com as condições iniciais u(0) = 1 e ∂u


∂y
(0) = 0. A única solução de classe
C ∞ é a função u(y) = cos(y). Visto que ∂u ∂y
= −v, temos também que
v(y) = sin(y).
Corolário 3.11.6. Sejam z = x+iy ∈ C, w ∈ C e t ∈ R. Valem as seguintes
afirmações.
a) |ez | = ex .

b) eit = cos(t) + i sin(t). (Identidade de Euler)

c) ez = 1 se e somente se z ∈ 2πiZ.

d) ez = ew se e somente se z − w ∈ 2πiZ.
Demonstração. Decorre da Proposição 3.11.5.
Corolário 3.11.7. A função exponencial é periódica de perı́odo 2πi, isto é,
para todo z ∈ C e todo k ∈ Z, tem-se:

ez+2πik = ez .

Demonstração. Decorre do item d) do corolário anterior.


Definição 3.11.8. Seja z ∈ C∗ .
z
a) Diz-se que um número real θ é um argumento de z se |z|
= eiθ . Escreve-
se então Arg(z) = θ.

b) Se θ ∈ R é um argumento de z, então z = reiθ , onde r = |z|. A expressão


reiθ é chamada representação polar de z.
Observação 3.11.9.
a) Decorre da identidade de Euler que um argumento de z ∈ C∗ sempre
existe.
82 CAPÍTULO 3. FUNÇÕES ANALÍTICAS

b) Se θ1 e θ2 são dois argumentos de z ∈ C∗ , então θ1 − θ2 ∈ 2πZ. Noutros


termos, Arg(z) é definido módulo 2πZ.
c) Qualquer que seja z ∈ C∗ , z possui uma representação polar.
d) Se r1 eiθ1 e r2 eiθ2 são duas representações polar de z ∈ C∗ , então r1 = r2 e
θ1 = θ2 ∈ 2πZ.
Proposição 3.11.10. Seja reiθ uma representação polar de w ∈ C∗ . Um
número complexo z ∈ C é solução da equação
ez = w
se e somente se existe k ∈ Z tal que z = ln(r) + i(θ + 2kπ). Segue-se em
particular que exp(C) = C∗ .
Demonstração. Seja z ∈ C. Levando em conta Corolário 3.11.6, temos as
seguintes equivalências:
ez = w ⇔ ez = reiθ
⇔ ez = eln(r) eiθ
⇔ ez = eln(r)+iθ
⇔ ∃ k ∈ Z : z = ln(r) + iθ + 2kπi.
A proposição segue.
Definição 3.11.11.
a) Seja reiθ uma representação polar de z ∈ C∗ . Um logaritmo complexo
de z é qualquer número complexo da forma ln(r) + i(θ + 2kπ), onde
k ∈ Z. Segue da Proposição 3.11.10 que w ∈ C é um logaritmo complexo
de z ∈ C∗ se e somente se ew = z.
b) Seja V ⊆ C∗ um conjunto aberto. Diz-se que g : V → C é um ramo do
logaritmo em V se g é contı́nua e se exp(g(z)) = z para todo z ∈ V .
Considere os conjuntos abertos
U := {z ∈ C | − π < Im(z) < π} e V := C − I,
onde I := {x ∈ R | x ≤ 0}. É fácil ver que se w ∈ V , então existe uma única
reprentação polar |w|eiθ de w com −π < θ < π. Seja Ln : V → U a função
definida por
Ln(w) = ln |w| + iθ (w = |w|eiθ , −π < θ < π). (3.28)
3.11. EXPONENCIAL E LOGARITMO COMPLEXOS 83

Proposição 3.11.12. A função Ln é um ramo do logaritmo em V , chamado


ramo principal do logaritmo. Além disto,
a) Ln : V → U é uma bijeção cuja inversa é a restrição de exp ao conjunto
U.

b) Se x > 0, então Ln(x) = ln(x). Em particular, o ramo principal do


logaritmo é uma extensão da função logaritmo real.

c) Sejam z1 , z2 ∈ V com argumentos θ1 e θ2 , respectivamente. Se |θj | < π2 ,


j = 1, 2, então Ln(z1 z2 ) = Ln(z1 ) + Ln(z2 ).
Demonstração. Primeiro, vamos mostrar que Ln é um ramo do logaritmo em
V . Dado w = reiθ ∈ V , com r > 0 e |θ| < π, temos que

eLn(w) = eln(r)+iθ = eln(r) eiθ = reiθ = w.

Assim eLn(w) = w para todo w ∈ V . Para mostrar que Ln é contı́nua,


considere a aplicação φ : R∗+ ×] − π, π[→ V definida por

φ(r, t) = reit = (r cos(t), r sin(t)).

É claramente uma bijeção de classe C ∞ (no sentido real) cuja matriz jacobi-
ana num ponto arbitrário (r, t) ∈ R∗+ ×] − π, π[ é dada por:
 
cos(t) −r sin(t)
. (3.29)
sin(t) r cos(t)

O determinante de (3.29) é r > 0. Pelo Teorema da função inversa, φ é


um difeomorfismo local numa vizinhanca de (r, t). Sendo (r, t) arbitrário e
φ bijetiva, deduzimos que φ : R∗+ ×] − π, π[→ V é um difeomorfismo global.
Agora Ln : V → U é contı́nua se e somente se Ln ◦ φ : R∗+ ×] − π, π[→ C é
contı́nua, o que é o caso, pois

(Ln ◦ φ)(r, t) = Ln(reit ) = ln(r) + it.

Isto mostra que Ln é contı́nua (melhor: isso mostra que Ln é de classe C ∞ ).


Mostremos agora os três itens.
a) Já sabemos que eLn(w) = w para todo w ∈ V . Dado z = x+iy ∈ U , temos
também que Ln(ez ) = Ln(ex eiy ) = ln(ex ) + iy = x + iy = z. Segue-se que
Ln : V → U é bijetiva e que Ln−1 = exp|U .
84 CAPÍTULO 3. FUNÇÕES ANALÍTICAS

b) Óbvio.

c) Dados z1 = r1 eiθ1 e z2 = r1 eiθ2 dois pontos em V tais que |θj | < π2 ,


j = 1, 2, temos que z1 z2 = r1 r2 ei(θ1 +θ2 ) pertence ao conjunto V (já que
|θ1 + θ2 | < π2 + π2 = π) e portanto podemos usar (3.28):

Ln(z1 z2 ) = Ln(r1 r2 ei(θ1 +θ2 ) ) = ln(r1 r2 ) + i(θ1 + θ2 )


 
= ln(r1 ) + iθ1 + ln(r1 ) + iθ2 = Ln(z1 ) + Ln(z2 ).

Proposição 3.11.13. Seja g : V → C um ramo de logaritmo em V ⊆ C∗ .


Então g é analı́tica em V (em particular é holomorfa) e para todo z ∈ V ,
g 0 (z) = z1 . Além disso, a série de potências que representa g em z0 ∈ V é
dada por:

X (−1)n−1
g(z0 ) + (z − z0 )n .
n=1
z0n n

Demonstração. Seja g : V → C uma ramo do logaritmo em V ⊆ C∗ . Seja


z0 ∈ V arbitrário. Primeiro, vamos mostrar que g é de classe C ∞ numa
vizinhança de z0 . A derivada (no sentido real) de exp em g(z0 ) é a aplicação
Dexpg(z0 ) : C → C dada por

Dexpg(z0 ) (z) = exp0 (g(z0 ))z = exp(g(z0 ))z = z0 z,

isto é, Dexpg(z0 ) é a multiplicação por z0 . Obviamente, é uma bijeção. Pelo


teorema da função inversa, existe um conjunto aberto U ⊆ C contendo g(z0 )
tal que exp|U é um difeomorfismo. Pela continuidade de g em z0 , existe um
conjunto aberto W ⊆ V contendo z0 tal que g(W ) ⊆ U . Resulta daı́ e da
fórmula exp(g(z)) = z que g(z) = (exp|U )−1 para todo z ∈ W . Isto implica
em particular que g é de classe C ∞ em W . Sendo z0 arbitrário, g é de classe
C ∞ em V .
Agora, segue da fórmula exp(g(z)) = z e da regra da cadeia que

Dexpg(z0 ) Dgz0 = Id,


⇒ Dgz0 = (Dexpg(z0 ) )−1
⇒ Dgz0 = (multiplicação por z0 )−1
⇒ Dgz0 = multiplicação por z10 .
3.11. EXPONENCIAL E LOGARITMO COMPLEXOS 85

A derivada de g em z0 sendo C-linear, g é C-derivável em z0 e g 0 (z0 ) = z10 .


Sendo z0 arbitrário, g é holomorfa em V , e para todo z ∈ V , g 0 (z) = z1 . Resta
mostrar que g é analı́tica. Dado z0 ∈ V , considere a série de potências:

X (−1)n−1
S(z) = g(z0 ) + (z − z0 )n .
n=1
z0n n

Vê-se pelo teste da razão que o raio de convergência desta série é R = |z0 |, e
um cálculo simples mostra que S 0 (z) = z1 para todo z ∈ D(z0 , |z0 |). Segue-se
que (g − S)0 ≡ 0 numa vizinhança conexa de z0 . Pelo Teorema 2.6.2, g − S
é constante nesta vizinhança. Como (g − S)(z0 ) = 0, deduzimos que g ≡ S
nessa vizinhança de z0 . Isso implica que g é analı́tica em z0 .
86 CAPÍTULO 3. FUNÇÕES ANALÍTICAS
Capı́tulo 4

Teoria de Cauchy

4.1 Caminhos em C
Seja X ⊆ C um conjunto não vazio.

Definição 4.1.1. Um caminho é uma aplicação contı́nua γ : [a, b] → C.


Os pontos γ(a) e γ(b) são chamados ponto inicial e ponto final de γ,
respectivamente. Denotaremos por γ ∗ a imagem do caminho γ, isto é, γ ∗ =
γ([a, b]). Se γ ∗ ⊆ X, diz-se então que γ é um caminho em X.

Exemplo 4.1.2.

a) Sejam z, w ∈ C. O segmento orientado que vai de z a w é o caminho


γ : [0, 1] → C definido por

γ(t) = (1 − t)z + tw.

É frequente usar a notação [z, w] = γ ∗ .

b) A aplicação γ : [0, 2π] → C, t 7→ eit é um caminho em C. A sua imagem


é o cı́rculo unitário γ ∗ = S 1 = {eit ∈ C | t ∈ [0, 2π]}.

Definição 4.1.3. Diz-se que um caminho γ : [a, b] → C é:

a) constante se γ(t) = γ(a) para todo t ∈ [a, b];

b) fechado se γ(a) = γ(b);

c) continuamente diferenciável, ou de classe C 1 , se:

87
88 CAPÍTULO 4. TEORIA DE CAUCHY

i) para todo t ∈]a, b[, a derivada γ 0 (t) = lims→t γ(t)−γ(s)


s−t
existe,
ii) a derivada à direita γ 0 (a) = lims→a+ γ(a)−γ(s)
a−s
existe,
iii) a derivada à esquerda γ 0 (b) = lims→b− γ(b)−γ(s)
b−s
existe,
iv) a função derivada γ 0 : [a, b] → C, t 7→ γ 0 (t) é contı́nua;
d) C 1 por partes se existir uma partição a = t0 < t1 < t2 < ... < tn−1 <
tn = b do intervalo [a, b] tal que para todo j = 0, ..., n − 1, a restrição
γ|[tj ,tj+1 ] é de classe C 1 .
Observação 4.1.4. Seja γ = γ1 + iγ2 : [a, b] → C um caminho, onde γ1 =
Re(γ) e γ2 = Im(γ).
a) Suponha que existam ε > 0 e um caminho γ̃ :]a − ε, b + ε[→ C de classe
C 1 tais que γ(t) = γ̃(t) para todo t ∈ [a, b]. Então γ é de classe C 1 e para
todo t ∈ [a, b], γ 0 (t) = (γ̃)0 (t).
b) Se γ é de classe C 1 , então a sua função derivada γ 0 : [a, b] → C existe, é
contı́nua e é dada por
γ 0 (t) = γ10 (t) + iγ20 (t),
onde γ10 (t) e γ20 (t) são as derivadas habituais das funções reais γ1 e γ2 .
c) Se γ é de classe C 1 por partes, então a derivada γ 0 (t) existe para todo t
com exceção de um número finito de pontos. Nesses pontos, a derivada à
esquerda e a derivada à direita existem.
Exemplo 4.1.5.
a) O caminho γ : [0, 2π] → C definido por γ(t) = sin3 (t) + i(cos(t) − cos4 (t))
é de classe C 1 , e é fechado.
y
γ(t)

x
4.1. CAMINHOS EM C 89

b) O caminho γ : [0, 1] → C definido por γ(t) = i t não é de classe C 1 pois
a derivada à direita em t = 0 de γ não existe.
c) Considere o caminho γ : [−1, 1] → C definido por γ(t) = t + i|t|. No
conjunto [−1, 0], γ(t) = t − it é de classe C 1 , e no conjunto [0, 1], γ(t) =
t + it também é de classe C 1 . Logo γ é de classe C 1 por partes.
y
1 γ(t)

x
−1 1

Definição 4.1.6 (Operações entre caminhos).


a) Seja γ : [a, b] → C um caminho. O caminho simétrico de γ é o caminho
γ − : [a, b] → C definido por
γ − (t) = γ(a + b − t).

b) Sejam γ1 : [a, b] → C e γ2 : [c, d] → C dois caminhos tais que γ1 (b) = γ2 (c).


A soma dos caminhos γ1 e γ2 é a caminho γ1 + γ2 : [a, d − c + b] → C
definido por

γ1 (t) se t ∈ [a, b],
(γ1 + γ2 )(t) =
γ2 (c − b + t) se t ∈ [b, d − c + b].

c) Seja γ : [a, b] → C um caminho. Uma reparametrização de γ é um


caminho da forma γ ◦ φ : [a0 , b0 ] → C, onde φ : [a0 , b0 ] → [a, b] é uma
bijeção de classe C 1 tal que φ(a0 ) = a e φ(b0 ) = b.
Observação 4.1.7.
a) Se, na definição acima, γ, γ1 e γ2 são C 1 por partes, então γ − , γ1 + γ2 e γ̃
também o são.
b) Se γ1 : [a, b] → C, γ2 : [b, c] → C e γ3 : [c, d] → C são três caminhos tais
que γ1 (b) = γ2 (b) e γ2 (c) = γ3 (c), então é fácil ver que
(γ1 + γ2 ) + γ3 = γ1 + (γ2 + γ3 ).
Esse exemplo se generaliza a um número arbitrário de caminhos.
90 CAPÍTULO 4. TEORIA DE CAUCHY

Definição 4.1.8. Diz-se que um conjunto Γ ⊆ C é uma curva se Γ =


γ ∗ para algum caminho γ : [a, b] → C. Neste caso, diz-se que γ é uma
parametrização de Γ. Se Γ ⊆ X, diz-se que Γ é uma curva em X.

Se Γ = γ ∗ com γ C 1 por partes, diz-se então que Γ é C 1 por partes.

4.2 Integração
Definição 4.2.1. Seja f = u + iv : [a, b] → C uma função complexa. Diz-
se que f é integrável no sentido de Riemann, ou simplesmente que é
integrável, se as funções reais u e v o são. Neste caso, definimos a integral
de f como sendo o número complexo
Z b Z b Z b
f (t)dt = u(t)dt + i v(t)dt.
a a a

Segue-se da definição que se f : [a, b] → C é integrável, então


Z b  Z b Z b  Z b
Re f (t)dt = Ref (t)dt e Im f (t)dt = Imf (t)dt.
a a a a

Exemplo 4.2.2. Se f = u + iv : [a, b] → C é contı́nua, então as funções reais


u e v o são, o que implica que u e v são integráveis. Logo f é integrável.

Recordemos agora alguns resultados e definições da teoria da integração


de Riemann, adaptados ao caso complexo, que serão úteis mais adiante.

• Sejam λ, µ ∈ C. Se f, g : [a, b] → C são integráveis, então λf + µg o é, e


Rb Rb Rb
a
(λf + µg) = λ a
f (t)dt + µ a
g(t)dt.

• Seja f : [a, b] → C e seja c ∈ [a, b] qualquer. Se f é integrável, então as


Rb Rc
restrições de f aos conjuntos [a, c] e [c, b] o são e a f (t)dt = a f (t)dt+
Rb
c
f (t)dt.

• Diz-se que uma função f : [a, b] → C é contı́nua por partes se existir


uma partição a = t0 < t1 < t2 < ... < tn−1 < tn = b do intervalo [a, b]
tal que para todo j = 0, ..., n − 1, a restrição f |]tj ,tj+1 [ é contı́nua.

• Se f : [a, b] → C é limitada e contı́nua por partes, então f é integrável.


4.2. INTEGRAÇÃO 91

• Sejam f, g : [a, b] → C. Suponha que f seja integrável e que f (t) = g(t)


para todo t Rcom exceçãoR de um número finito de pontos. Então g é
b b
integrável e a f (t)dt = a g(t)dt.

• Sejam f, g : [a, b] → R duas funções integráveis. Se f (t) ≤ g(t) para todo


Rb Rb
t ∈ [a, b], então a f (t)dt ≤ a g(t)dt.

• Sejam f : [a, b] → C uma função contı́nua e φ : [a0 , b0 ] → [a, b] uma bijeção


R b0
de classe C 1 tal que φ(a0 ) = a e φ(b0 ) = b. Então, a0 f (φ(t))φ0 (t)dt =
Rb
a
f (t)dt.
Lema 4.2.3. Se f : [a, b] → C é contı́nua, então
Z b Z b


f (t)dt ≤ |f (t)|dt.
a a

Demonstração. Seja f : [a, b] → C uma função contı́nua. Usando uma repre-


Rb
sentação polar a f (t)dt = reiθ , r ≥ 0 e θ ∈ R, vem que
Rb Rb Rb
| a
f (t)dt| = r = e−iθ a
f (t)dt = a
e−iθ f (t)dt, (4.1)

onde, na última equação, usamos a C-linearidade da integral. Visto que o


último membro em (4.1) é um números real (já que é igual a r ≥ 0), segue
de (4.1) que
Rb Rb  Rb
| a f (t)dt| = Re a e−iθ f (t)dt = a Re(e−iθ f (t))dt.

Resulta daı́ e das desigualdades Re z ≤ |Re z| ≤ |z|, as quais valem para todo
z ∈ C, que
Rb Rb Rb
| a f (t)dt| ≤ a |e−iθ f (t)|dt = a |f (t)|dt.

O resultado segue.
Definição 4.2.4. Seja γ : [a, b] → C um caminho de classe C 1 e seja f : Γ →
C uma função contı́nua em Γ = γ ∗ . A função [a, b] → C, t 7→ f (γ(t))γ 0 (t)
sendo contı́nua, é integrável. A sua integral é chamada integral de f ao
longo do caminho γ e é denotada por
Z Z b
f (z)dz = f (γ(t))γ 0 (t)dt.
γ a
92 CAPÍTULO 4. TEORIA DE CAUCHY

Exemplo 4.2.5.

a) Sejam z1 , z2 ∈ C. A integral de f (z) = z ao longo do caminho γ(t) =


(1 − t)z1 + tz2 , t ∈ [0, 1], é dada por
R R1
γ
zdz = ((1 − t)z1 + tz2 )(z2 − z1 )dt
0
R1 R1
= z1 (z2 − z1 ) 0 (1 − t)dt + z2 (z2 − z1 ) 0 tdt
= 12 z1 (z2 − z1 ) + 12 z2 (z2 − z1 )
(z2 )2 (z1 )2
= 2
− 2
.

z2
R
Note que γ
zdz = F (γ(1)) − F (γ(0)), onde F (z) = 2
.

1
b) Seja R > 0. A integral da função f (z) = z
ao longo do caminho γ(t) =
Reit , t ∈ [0, 2π], é dada por:
2π 2π
Rieit
Z Z Z
dz
= dt = i dt = 2πi.
γ z 0 Reit 0

Definição 4.2.6. Sejam

a) γ : [a, b] → C um caminho de classe C 1 por partes,

b) f : Γ → C uma função contı́nua definida na curva Γ = γ ∗ ,

c) a = t0 < t1 < ... < tn−1 < tn = b uma partição do segmento [a, b] tal que
para todo j = 0, ..., n − 1, a restrição γj := γ|[tj ,tj+1 ] é de classe C 1 .

A integral de f ao longo do caminho γ é o número complexo


Z n−1 Z
X
f (z)dz = f (z)dz.
γ j=0 γj

Observação 4.2.7. A definição acima é independente da partição de [a, b]


usada. Isto decorre facilmente das seguintes observações:

1. Dadas duas funções integráveis f, g : [a, b] → C, se f (t) = g(t) para todo t


Rb Rb
com exceção de um número finito de pontos, então a f (t)dt = a g(t)dt;
4.2. INTEGRAÇÃO 93
R Rb
2. γ
f (z)dz = a
h(t)dt, onde h : [a, b] → C é a função definida por

f (γ(t))γ 0 (t) se t 6= tj para todo j = 0, ..., n,



h(t) :=
0 se t = tj para algum j = 0, ..., n.

(Note que h é contı́nua por partes e limitada, o que implica em particular


que é integrável.)

Exemplo 4.2.8. Seja γ : [−2, π] → C o caminho definido por


t + 1 se t ∈ [−2, 0]
γ(t) =
eit se t ∈ [0, π].

É um caminho fechado de classe C 1 por partes.

γ1
i

2

−1 γ0 1

1
Vamos calcular a integral de f (z) = z−i/2
ao longo de γ. Sejam γ0 := γ|[−2,0]
e γ1 = γ|[0,π] . Por definição,

dz
R R R
γ z−i/2
= γ0
f (z)dz + γ1
f (z)dz.
94 CAPÍTULO 4. TEORIA DE CAUCHY

Vamos calcular separadamente cada integral.


R R0 dt
R0 t+1+i/2
γ0
f (z)dz = −2 t+1−i/2 = −2 (t+1)2 +(1/2)2 dt
R1 udu i 1
R du
= −1 u2 +(1/2)2 + 2 −1 u2 +(1/2)2
 1
= 0 + i arctan(2u) −1
= 2i arctan(2),
R R π ieit dt R π ieit (e−it +i/2)
γ1
f (z)dz = it
0 e −i/2
= 0 (eit −i/2)(e−it +i/2)
dt
Rπ i−eit /2
= 0 5/4+(i/2)(e it −e−it )
R π cos(t)dt Rπ
= −2 0 5−4 sin(t) + i 0 4−2 sin(t)
5−4 sin(t)
dt
1 π R π 4−5/2+(5−4 sin(t))/2
= 2 ln(5 − 4 sin(t)) 0 + i 0 5−4 sin(t)
dt
π
= 0 + i 23 0 5−4dtsin(t) + π2
R 
R π/2
= i π2 + 3i 0 5−4dtsin(t) (por simetria, sin(π − x) = sin(x))
R1 2 tan(t/2)
= i π2 + 3i 0 1
2u
2du
 1+u 2 (sin(t) = 1+tan 2u
2 (t/2) = 1+u2 )
5−4
1+u2
R1
= i π2 + 3 5 i 0 (u−4/5)du
2
2 +(3/5)2

1/5
= i π2 + 3 52 i −4/5 v2 +(3/5)
dv
R
2 (v := u − 4/5)
1/5
= i π2 + 3 52 i 53 arctan( 35 v) −4/5


= i π2 + 2i(arctan(1/3) + arctan(4/3)).
Somando, obtemos
π
R  
γ
f (z)dz = 2
i + 2i arctan(2) + arctan(1/3) + arctan(4/3) .
Para simplificar esta expressão, relembramos que para todo par x, y ∈ R,
x+y
arctan(x) + arctan(y) = arctan( 1−xy ) + kπ,
onde k = 1 se xy > 1 e x > 0; k = −1 se xy > 1 e x < 0; k = 0 se xy < 1.
Daı́, um cálculo simples mostra que

arctan(2) + arctan(1/3) + arctan(4/3) = 4
,
e portanto,
Z
dz
= 2iπ.
γ z − 2i
4.2. INTEGRAÇÃO 95

Proposição 4.2.9 (Propriedades da integral). Seja X ⊆ C um conjunto


e sejam γ, γ1 e γ2 três caminhos em X de classe C 1 por partes tais que o ponto
final de γ1 coincide com o ponto inicial de γ2 . Sejam também f, g : X → C
duas funções contı́nuas. Valem as seguintes afirmações.
R R R
a) γ (λf + µg)(z)dz = λ γ f (z)dz + µ γ g(z)dz. (λ, µ ∈ C)
R R R
b) γ1 +γ2 f (z)dz = γ1 f (z)dz + γ2 f (z)dz.
R R
c) γ − f (z)dz = − γ f (z)dz.
R R
d) γ̃ f (z)dz = γ f (z)dz, onde γ̃ é uma reparametrização de γ.
Demonstração. Decorre imediatamente das propriedades da integral de Rie-
mann.
Definição 4.2.10. Seja γ : [a, b] → C um caminho de classe C 1 por partes
e seja a = t0 < t1 < ... < tn = b uma partição de [a, b] tal que γj = γ|[tj ,tj+1 ]
seja de classe C 1 para todo j = 0, ..., n−1. O comprimento de γ é o número
real
Xn−1 Z tj+1
L(γ) = |γj0 (t)|dt. (4.2)
j=0 tj

Analogamente à Observação 4.2.7, vê-se que a definição acima é independente


da partição de [a, b] usada.
Note que (4.2) pode ser reescrito como L(γ) = L(γ0 ) + ... + L(γn−1 ).
Proposição 4.2.11. Seja Γ = γ ∗ , com γ : [a, b] → C um caminho de classe
C 1 por partes, e seja f : Γ → C uma função contı́nua. Então,
Z

f (z)dz ≤ L(γ) sup |f (z)|,
z∈Γ
γ

onde L(γ) denota o comprimento de γ.


Demonstração. Se γ é de classe C 1 , temos pelo Lema 4.2.3 que
Rb Rb
| γ f (z)dz| = | a f (γ(t))γ 0 (t)dt| ≤ a |f (γ(t))| |γ 0 (t)|dt
R
Rb
≤ sup |f (z)| a |γ 0 (t)|dt = sup |f (z)|L(γ).
z∈Γ z∈Γ

Quando γ é de classe C 1 por partes, o resultado se mostra de maneira análoga.


96 CAPÍTULO 4. TEORIA DE CAUCHY

Corolário 4.2.12. Sejam Γ = γ ∗ , com γ : [a, b] → C de classe C 1 por partes,


e f : Γ → C uma função contı́nua. Seja M ≥ 0 tal que |f (z)| ≤ M para todo
z ∈ Γ. Então
Z

f (z)dz ≤ M L(γ).

γ

Demonstração. Isto resulta imediatamente da proposição anterior.


Lema 4.2.13. Seja Γ = γ ∗ , com γ : [a, b] → C de classe C 1 por partes, e
seja (fn )n∈N uma sequência de funções contı́nuas fn : Γ → C que converge
uniformemente em Γ para uma certa função f . Então
Z Z
f (z)dz = lim fn (z)dz.
γ n→∞ γ

Demonstração. Primeiro, note the f é contı́nua (já que é o limite uniforme de


uma sequência de funções contı́nuas), e portanto é integrável. Dado n ∈ N,
ponhamos σn := supz∈Γ |f (z) − fn (z)|. Por hipótese, σn → 0. Tendo em vista
Proposição 4.2.11, vem que
R R R
f (z)dz − fn (z)dz = (f (z) − fn (z))dt
γ γ γ
≤ L(γ) supz∈Γ |f (z) − fn (z)|
= L(γ) σn → 0.

O resultado segue.
Proposição 4.2.14. Sejam γ : [a, b] → C um caminho de classe C 1 por
partes e ϕ : Γ → C uma função contı́nua em Γ = γ ∗ . Seja f a função
complexa definida em U := C − Γ por
Z
ϕ(u)
f (z) := du.
γ u−z

Se z0 ∈ U e r >
P0 são tais que D(z0 , r) ⊆ U , então para todo z ∈ D(z0 , r),
tem-se f (z) = n≥0 an (z − z0 )n , onde
Z
ϕ(u)
an = n+1
du. (n ∈ N)
γ (u − z0 )

Em particular, f é analı́tica em U .
4.2. INTEGRAÇÃO 97

Demonstração. Seja z0 ∈ U arbitrário. Vamos mostrar que f é representável


por uma série de potências em z0 . Sendo U aberto, existe s > 0 tal que
D(z0 , s) ⊆ U . Seja r > 0 tal que r < s. Note que para todo z ∈ D(z0 , r) e
todo u ∈ Γ, tem-se:

z − z0 r
u − z0 < s < 1.

Fixamos z ∈ D(z0 , r). Dado n ∈ N, definamos gn : Γ → C pondo


n
X ϕ(u)
gn (u) := (z − z0 )k .
k=0
(u − z0 )k+1
ϕ(u)
A função u → 7 u−z0
sendo contı́nua no compacto Γ, existe M > 0 tal que
ϕ(u)
≤ M para todo u ∈ Γ, donde
u−z0

ϕ(u) z − z0 k
 k
ϕ(u) k r
(u − z0 )k+1 (z − z0 ) = u − z0 u − z0 < M s

para todo k ∈ N. Como | rs | < 1, a série geométrica n≥0 ( rs )n converge. Pelo


P
teste de Weierstrass, a sequência de funções (gn )n∈N converge uniformemente
ϕ(u) Pn z−z0 k

em Γ para uma certa função g : Γ → C. Visto que gn (u) = u−z 0 k=0 u−z 0
z−z
com u−z 0
0
< 1, é claro que
 
ϕ(u) 1 ϕ(u)
g(u) = z−z0 = .
u − z0 1 − u−z0 u−z
Resulta daı́ e do Lema 4.2.13 que
Z Z X n 
ϕ(u) ϕ(u) k
du = lim k+1
(z − z0 ) du,
γ u−z n→∞ γ
k=0
(u − z0)

o que implica, pela C-linearidade da integral, que


Z ∞ Z 
ϕ(u) X ϕ(u)
f (z) = du = n+1
du (z − z0 )n .
γ u − z n=0 γ (u − z0 )
Sendo z ∈ D(z0 , r) e r < s arbitrários, o resultado segue.
Observação 4.2.15. Sob as hipóteses da proposição acima, para todo n ∈ N
e todo z ∈ U , tem-se:
Z
(n) ϕ(u)
f (z) = n! n+1
du.
γ (u − z)
98 CAPÍTULO 4. TEORIA DE CAUCHY

4.3 Primitivas
Seja f : U → C uma função definida num conjunto aberto U ⊆ C.

Definição 4.3.1. Diz-se que uma função F : U → C é uma primitiva de f


em U se F é holomorfa em U e se F 0 (z) = f (z) para todo z ∈ U.

Observação 4.3.2. Se F1 e F2 são duas primitivas de f , então (F1 − F2 )0 =


F10 − F20 = f − f ≡ 0. Quando U é conexo, isto implica que duas primitivas F1
e F2 de f diferem apenas por uma constante complexa, isto é, existe c ∈ C
tal que F1 (z) = F2 (z) + c para todo z ∈ U .

Exemplo 4.3.3. Em cada um dos casos abaixo, F é uma primitiva de f no


conjunto U indicado.
2
a) f (z) = a0 + a1 z + a2 z 2 + ... + an z n (polinômio), F (z) = a0 z + a1 z2 + ... +
n+1
an zn+1 , U = C.
1 1
b) f (z) = (z−z0 )2
, F (z) = − z−z 0
, U = C − {z0 }.

c) f (z) = z1 , F (z) = Ln(z) (ramo principal do logaritmo), U = C − {x ∈


R | x ≤ 0}.

d) f (z) = S(z) = n≥0 an (z − z0 )n (função soma P


P
de uma série de potências
an−1 n
com raio de convergência R > 0), F (z) = n≥1 n (z − z0 ) , U =
D(z0 , R).

e) f (z) = F (z) = exp(z), U = C.

Lema 4.3.4 (Teorema fundamental do cálculo para funções com-


pexas). Seja g : [a, b] → C uma função diferenciável em [a, b] cuja função
derivada g 0 é integrável. Então,
Z b
g 0 (t)dt = g(b) − g(a).
a

Demonstração. Sejam g1 = Re(g) e g2 = Im(g). Por linearidade das funções


Re, Im : C → R, temos que g1 e g2 são diferenciáveis e que g10 (t) = Re(g 0 (t))
e g20 (t) = Im(g 0 (t)) para todo t ∈ [a, b]. Note que g10 e g20 são integráveis, pois
são a parte real e a parte imaginária, respectivamente, da função g 0 , a qual
4.3. PRIMITIVAS 99

é integrável por hipótese. Resulta daı́ e do teorema fundamental do cálculo


para funções reais que
Rb 0 Rb 0
Rb
a
g (t)dt = a
Re(g (t))dt + i a
Im(g 0 (t))dt
Rb 0 Rb 0
= a g1 (t)dt + i a g2 (t)dt
= g1 (b) − g1 (a) + i(g2 (b) − g2 (a))
= (g1 + ig2 )(b) − (g1 + ig2 )(a)
= g(b) − g(a).

Teorema 4.3.5 (Teorema fundamental do cálculo para funções ao


longo de um caminho). Se f possui uma primitiva em U , digamos F :
U → C, então para todo caminho γ : [a, b] → C de classe C 1 por partes em
U , tem-se:
Z
f (z)dz = F (γ(b)) − F (γ(a)).
γ

Demonstração. Sejam F uma primitiva de f em U e γ : [a, b] → C um


caminho de classe C 1 por partes em U . Seja a = t0 < t1 < ... < tn = b uma
partição do intervalo [a, b] tal que γj = γ|[tj ,tj+1 ] seja de classe C 1 para todo
j = 0, ..., n − 1. Temos que:
Pn−1 R Pn−1 R tj+1
f (γj (t))γj0 (t)dt.
R
γ
f (z)dz = j=0 γj
f (z)dz = j=0 tj

Por um argumento análogo ao do Lema 2.6.1, vê-se que f (γj (t))γj (t) =
(F ◦ γj )0 (t) para todo t ∈ [tj , tj+1 ], e portanto
R tj+1 R tj+1
tj
f (γj (t))γj0 (t)dt = tj
(F ◦ γj )0 (t)dt
= F (γj (tj+1 ) − F (γj (tj )) = F (γ(tj+1 ) − F (γ(tj )),

onde usamos o teorema fundamental do cálculo para funções complexas.


Segue-se que

f (z)dz = n−1
R P 
γ j=0 F (γ(tj+1 ) − F (γ(tj )) = F (γ(b)) − F (γ(a)).

Lema 4.3.6. Se U é conexo, então para todo par z1 , z2 ∈ U , existe um


caminho de classe C 1 por partes em U , digamos γ : [a, b] → C, tal que
γ(a) = z1 e γ(b) = z2 .
100 CAPÍTULO 4. TEORIA DE CAUCHY

Demonstração. Análogo à demonstração do Teorema 1.8.4.

Teorema 4.3.7 (Existência das primitivas). Suponha U conexo e f


contı́nua. As seguintes afirmações são equivalentes.

a) f possui uma primitiva em U .


R
b) γ f (z)dz = 0 para todo caminho γ em U fechado e de classe C 1 por
partes.

Demonstração.

(a ⇒ b) Decorre do teorema fundamental do cálculo.

(b ⇒ a) Fixamos z0 ∈ U . Dado z ∈ U , definamos um número complexo


F (z) pondo
R
F (z) := γ f (u)du,

onde γ : [a, b] → C é qualquer caminho de classe C 1 por partes em U


ligando z0 a z, isto é, tal que γ(a) = z0 e γ(b) = z (tal caminho existe
já que U é conexo). Esta definição faz sentido, pois se γ̃ : [a0 , b0 ] → C é
um outro caminho de classe C 1 por partes em U ligando z0 a z, então
γ + (γ̃)− é um caminho fechado de classe C 1 por partes em U , o que
implica pelo item b) que
R R R
0 = γ+(γ̃)− f (u)du = γ f (u)du − γ̃ f (u)du.
R R
Isto mostra que γ f (u)du = γ̃ f (u)du. Fazendo variar z ∈ U , obtemos
assim uma função F : U → C. Seja z ∈ U arbitrário. Vamos mostrar
que F é C-derivável em z e que F 0 (z) = f (z).
Seja ε > 0 arbitrário. Pela continuidade de f em z, existe δ > 0 tal
que

u ∈ U, |u − z| < δ ⇒ |f (u) − f (z)| < 2ε . (4.3)

Diminuindo δ se necessário, podemos supor que D(z, δ) ⊆ U. Dado


w ∈ D(z, δ), considere:

• η : [c, d] → C um caminho de classe C 1 por partes em U tal que


η(c) = z0 e η(d) = z,
4.3. PRIMITIVAS 101

• σz,w : [0, 1] → C, o caminho definido por σz,w (t) = (1 − t)z + tw.

Note que η + σz,w é um caminho em U ligando z0 a w. Por definição


de F , temos então
R R R R
F (w) = η+σz,w f (u)du = η f (u)du + σz,w f (u)du = F (z) + σz,w f (u)du,

donde
R
F (w) − F (z) = σz,w
f (u)du.

Levando em conta a Proposição 4.2.11 e supondo w 6= z, vem que


F (w)−F (z) 1 R 1
R

w−z
− f (z) = w−z σz,w
f (u)du − w−z σz,w
f (z)du
1
R
= |w−z| | σz,w (f (u) − f (z))du|
L(σz,w )
≤ |w−z|
supu∈[z,w] |f (u) − f (z)|
= supu∈[z,w] |f (u) − f (z)|,

onde [z, w] = (σz,w )∗ . Como [z, w] ⊆ D(z, δ), segue de (4.3) que |f (u)−
f (z)| < 2ε para todo u ∈ [z, w]. Logo supu∈[z,w] |f (u) − f (z)| ≤ 2ε < ε, e
então
F (z)−F (w)

z−w
− f (z) <ε

para todo w ∈ D∗ (z, δ). Isto mostra que


F (z)−F (w)
lim z−w
= f (z),
w→z

e consequentemente, que F é C-derivável em z e que F 0 (z) = f (z),


como querı́amos.

Corolário 4.3.8. Não existe nenhum ramo do logaritmo em C∗ .

Demonstração. Suponha por absurdo que exista um ramo do logaritmo g :


C∗ → C. Pela Proposição 3.11.13, g seria uma primitiva da função f (z) = z1
em C∗ , o que implicaria pelo Teorema 4.3.7 que γ dz
R
z
= 0, qualquer que seja
1 ∗
o caminho fechado γ de classe C por partes em CR. Mas no caso em que
γ(t) = eit , t ∈ [0, 2π], já vimos no Exemplo 4.2.5 que γ dz
z
= 2πi 6= 0, criando
um absurdo.
102 CAPÍTULO 4. TEORIA DE CAUCHY

4.4 Índice de um caminho fechado


Seja γ : [a, b] → C um caminho fechado de classe C 1 por partes. Denotamos
por Ω o conjunto C − Γ, onde Γ = γ ∗ .
Definição 4.4.1. O ı́ndice do caminho γ com respeito a z ∈ Ω é o
número complexo
Z
1 du
Ind(γ, z) = .
2πi γ u − z
Exemplo 4.4.2.
a) Seja n ∈ Z. Considere o caminho γn (t) = eint , t ∈ [0, 2π]. Então
Z 2π
1 ineint
Ind(γn , 0) = dt = n.
2πi 0 eint

b) Sejam n, m ∈ Z. Então Ind(γn + γm , 0) = n + m.


i
c) O ı́ndice do caminho γ considerado no Exemplo 4.2.8 com respeito a z = 2
é Ind(γ, 2i ) = 1 (veja Figura 4.1).

γ
i

2

Figura 4.1: Ind(γ, 2i ) = 1

Top. ind.
Lembrete 4.4.3. Seja X ⊆ C um conjunto não vazio.
a) A componente conexa de x ∈ X é o maior conjunto conexo de X que
contém x; este conjunto é denotado por C(x). Equivalentemente, C(x) é
a reunião de todos os subconjuntos conexos de X que contém x.

b) Diz-se que um conjunto C ⊆ X é uma componente conexa de X se


existir x ∈ X tal que C = C(x).
4.4. ÍNDICE DE UM CAMINHO FECHADO 103

c) X é a reunião disjunta das suas componentes conexas.

d) Cada componente conexa de X é conexa.

e) Se C ⊆ X é uma componente conexa de X, então C é um conjunto aberto


e fechado de X, relativamente à topologia induzida.
Observação 4.4.4. O Teorema 2.6.2 se generaliza imediatamente, mediante
o conceito de componente conexa, da seguinte maneira. Seja f : U → C
uma função complexa definida num conjunto aberto U ⊆ C. Suponha f
holomorfa em U e f 0 ≡ 0 em U . Então f é constante em cada componente
conexa de U.
Lema 4.4.5. O conjunto Ω possui uma única componente conexa não limi-
tada.
Demonstração. O conjunto Γ sendo compacto (já que é a imagen do com-
pacto [a, b] pela aplicação contı́nua γ), é limitado, e portanto existe R > 0
tal que Γ ⊆ D(0, R). Seja z ∈ C tal que |z| ≥ R. Note que z ∈ Ω. Considere
C(z) a componente conexa de Ω que contém z. Claramente, C − D(0, R)
é um conjunto conexo contendo z e contido em Ω. Pela definição de uma
componente conexa, isto implica C − D(0, R) ⊆ C(z). Resulta daı́ e do fato
das componentes conexas de X serem disjuntas que se C 6= C(z) é uma outra
componente conexa de Ω, então C ⊆ D(0, R). Isto implica em particular que
C é limitada.
Exemplo 4.4.6. No caso em que γ(t) = (cos(t), sin(2t)), t ∈ [0, 2π], Ω =
C − Γ possui duas componentes conexas limitadas, C1 e C2 , e uma que não
é, C3 (veja Figura 4.2).
Seja Indγ : Ω → C a função definida por
Z
1 du
Indγ (z) = Ind(γ, z) = .
2πi γ u−z

Teorema 4.4.7. Valem as seguintes afirmações.


a) Indγ é constante em cada componente conexa de Ω.

b) Indγ é identicamente nula na componente conexa não limitada de Ω.

c) Para todo z ∈ Ω, Indγ (z) ∈ Z.


104 CAPÍTULO 4. TEORIA DE CAUCHY

y
C3

C1 C2

γ(t)

Figura 4.2: C3 é a componente conexa não limitada.

Demonstração.
a) Seja z0 ∈ Ω arbitrário. Pela Proposição 4.2.14, aP função Indγ é analı́tica
em Ω e a série que a representa em z0 é a série n≥0 an (z − z0 )n , onde
1 du
R
an = 2πi γ (u−z0 )n+1
, n ∈ N. Em particular,
Z
0 1 du
(Indγ ) (z0 ) = a1 = . (4.4)
2πi γ (u − z0 )2

Além disto, como a função u 7→ (u−z1 0 )2 possui uma primitiva no conjunto


conexo C − {z0 },R temos pelo Teorema 4.3.7 que a sua integral ao longo de
du 0
γ é zero, isto é, γ (u−z 0)
2 = 0. Resulta daı́ e de (4.4) que (Indγ ) (z0 ) = 0.

Sendo z0 ∈ Ω arbitrário, (Indγ )0 ≡ 0 em Ω. Logo Indγ é constante em


cada componente conexa de Ω.

b) Seja R > 0 tal que Γ ⊆ D(0, R). Dados |z| > R e u ∈ Γ, temos que
|z| ≤ |z − u| + |u| ≤ |z − u| + R, donde |z − u| ≥ |z| − R, e portanto
1 1
≤ .
|u − z| |z| − R
Resulta daı́ e do Corolário 4.2.12 que
Z
1 du ≤ 1 L(γ) .

Indγ (z) =
γ u−z
2πi 2π |z| − R
4.4. ÍNDICE DE UM CAMINHO FECHADO 105

Seja C a componente conexa não limitada de Ω e seja a ∈ C o valor


de Indγ em C. Seja (zn )n∈N uma sequência de pontos zn ∈ C tal que
limn→∞ zn → ∞ (tal sequência existe já que C não é limitada). Pela
desigualdade acima, temos que
1 L(γ)
|a| ≤
2π |zn | − R
1 L(γ)
para todo n ∈ N. Como 2π |zn |−R
→ 0 quando n → ∞ (já que |zn | → ∞),
necessariamente |a| = 0.
c) Seja z ∈ Ω arbitrário. O caminho γ sendo de classe C 1 por partes, existe
uma partição a = t0 < t1 < ... < tn = b de [a, b] tal que γj = γ|[tj ,tj+1 ] é
de classe C 1 para todo j = 0, ..., n − 1. Dado j = 0, ..., n − 1, definamos
gj : [tj , tj+1 ] → C pondo
γj0 (s)
Z t
gj (t) := ds.
tj γj (s) − z

= n−1
R du P
Note que γ u−z j=0 gj (tj+1 ) e que gj (tj ) = 0. Exatamente como no
caso real, mostra-se que gj é diferenciável e que
γj0 (t)
gj0 (t) =
γj (t) − z
para todo t ∈ [tj , tj+1 ]. Seja Gj : [tj , tj+1 ] → C a função definida por

Gj (t) = (γj (t) − z)e−gj (t) .

Dado t ∈ [tj , tj+1 ], temos que

G0j (t) γj0 (t)e−gj (t) − (γj (t) − z)e−gj (t) gj0 (t)
=
Gj (t) (γj (t) − z)e−gj (t)
γj0 (t)
= − gj0 (t) = 0,
γj (t) − z
e portanto, Gj é constante em [tj , tj+1 ]. Segue-se que Gj (tj ) = Gj (tj+1 )
para todo j = 0, ..., n − 1, ou seja, que
γ(tj+1 ) − z
= egj (tj+1 )
γ(tj ) − z
106 CAPÍTULO 4. TEORIA DE CAUCHY

para todo j = 0, ..., n − 1 (lembramos que gj (tj ) = 0). Resulta daı́ e da


igualdade γ(a) = γ(b) que
Z  n−1
X 
du
exp = exp gj (tj+1 )
γ u−z j=0
= exp(g0 (t1 ))exp(g1 (t2 ))...exp(gn−1 (tn ))
    
γ(t1 ) − z γ(t2 ) − z γ(tn ) − z
= ···
γ(t0 ) − z γ(t1 ) − z γ(tn−1 ) − z
γ(b) − z
= = 1.
γ(a) − z
du
R
Isto implica que γ u−z
∈ 2πiZ (veja Corolário 3.11.6). O resultado segue.

Proposição 4.4.8 (Interpretação do ı́ndice). Seja z ∈ Ω. Suponha que


existam duas funções de classe C 1 por partes, r, θ : [a, b] → R, tais que para
todo t ∈ [a, b], r(t) > 0 e γ(t) = z + r(t)eiθ(t) (em particular, r(a) = r(b) e
θ(a) − θ(b) ∈ 2πZ). Então,

θ(b) − θ(a)
Ind(γ, z) = .

Assim, Ind(γ, z) pode ser interpretado como o ńumero de voltas efetivas pelo
vetor γ(t) em torno de z quand t varia entre a e b.

Demonstração. Sem perda de generalidade, podemos supor que r e θ são de


classe C 1 (senão o raciocı́nio é análogo). Por definição do ı́ndice, temos que:
R du
Rb γ 0 (t)
2πi Ind(γ, z) = γ u−z
= a γ(t)−z
dt
Rb r0 (t)eiθ(t) +r(t)iθ0 (t)eiθ
= a z+r(t)eiθ(t) −z
dt
R b r0 (t) Rb 0
= a r(t)
dt + i a θ (t)dt
= [ln(r(t))]ba + i[θ(t)]ba
= ln(r(b)) − ln(r(a)) + i(θ(b) − θ(a))
= i(θ(b) − θ(a)).

O resultado segue.
4.5. TEOREMAS DE CAUCHY 107

4.5 Teoremas de Cauchy


Definição 4.5.1.

a) Sejam z1 , z2 , z3 três pontos de C. O triângulo fechado formado pelos


pontos z1 , z2 , z3 é a envoltória convexa desses pontos, isto é, é o conjunto

{t1 z1 + t2 z2 + t3 z3 ∈ C | 0 ≤ tj ≤ 1, t1 + t2 + t3 = 1}.

Este conjunto será denotado por ∆(z1 , z2 , z3 ).

b) Diz-se que um conjunto X ⊆ C é um triângulo fechado se existirem


três pontos z1 , z2 , z3 tais que X = ∆(z1 , z2 , z3 ).

Dado um triângulo fechado ∆(z1 , z2 , z3 ), denotaremos por ∂∆ : [0, 3] → C


o caminho fechado definido por:

 (1 − t)z1 + tz2 se t ∈ [0, 1],
∂∆(t) = (2 − t)z2 + (t − 1)z3 se t ∈ [1, 2], (4.5)
(3 − t)z3 + (t − 2)z1 se t ∈ [2, 3].

Note que:

• ∂∆ é de classe C 1 por partes,

• ∂∆ = ∂1 ∆ + ∂2 ∆ + ∂3 ∆, onde cada caminho ∂j ∆ : [0, 1] → C é definido


por ∂j ∆(t) := (1 − t)zj + tzj+1 (com a convenção z4 = z1 ).

• (∂j ∆)∗ = [zj , zj+1 ], j = 1, 2, 3.


R
Quando não houver perigo de confusão, escreveremos [zj ,zj+1 ] f (z)dz em vez
R R
de ∂j ∆ f (z)dz. Mais geralmente, dados z1 , z2 ∈ C, a notação [z1 ,z2 ] f (z)dz
significará a integral de f ao longo do caminho [0, 1] → C, t 7→ (1−t)z1 +tz2 .

Lema 4.5.2. Sejam z1 , z2 ∈ C e f : [z1 , z2 ] → C uma função contı́nua.


Então, para todo z3 ∈ [z1 , z2 ], tem-se:
Z Z Z
f (z)dz = f (z)dz + f (z)dz.
[z1 ,z2 ] [z1 ,z3 ] [z3 ,z2 ]
108 CAPÍTULO 4. TEORIA DE CAUCHY

Demonstração. Se z3 = z1 ou se z3 = z1 , então o resultado é trivial. Suponha


então z3 6= z1 e z3 6= z2 . Existe t0 ∈]0, 1[ tal que z3 = (1 − t0 )z1 + t0 z2 . Seja
σ : [0, 1] → C o caminho definido por σ(t) = (1 − t)z1 + tz2 . Note que
σ(t0 ) = z3 . Temos que:
R1 R1
f (z)dz = 0 f (σ(t))σ 0 (t)dt = 0 f (σ(t))(z2 − z1 )dt
R
[z1 ,z2 ]
Rt R1
= 0 0 f (σ(t))(z2 − z1 )dt + t0 f (σ(t))(z2 − z1 )dt
R1
= 0 f (σ(t0 s))(z2 − z1 )t0 ds (s = tt0 )
R1 t−t0
+ 0 f (σ(s(1 − t0 ) + t0 ))(z2 − z1 )(1 − t0 )ds, (s = 1−t0
). (4.6)

Considere a primeira integral na última equação acima. Temos que:

σ(t0 s) = (1 − t0 s)z1 + t0 sz2


= z1 − sz1 + sz1 − t0 sz1 + t0 sz2
= (1 − s)z1 + s((1 − t0 )z1 + t0 z2 )
= (1 − s)z1 + sz3
d
e ds
(σ(t0 s)) = z3 − z1
= (1 − t0 )z1 + t0 z2 − z1
= (z2 − z1 )t0 .

Logo
R1 R1
0
f (σ(t0 s))(z2 − z1 )t0 ds = 0 f ((1 − s)z1 + sz3 )(z3 − z1 )ds
R
= [a,c] f (z)dz. (4.7)

Analogamente, vê-se que


R1 R
0
f (σ(s(1 − t0 ) + t0 ))(z2 − z1 )(1 − t0 )ds = [z3 ,z2 ] f (z)dz. (4.8)

Comparando (4.6), (4.7) e (4.8), obtemos


R R R
[z1 ,z2 ]
f (z)dz = [z1 ,z3 ]
f (z)dz + [z3 ,z2 ]
f (z)dz,

como querı́amos.

Lema 4.5.3. Seja {Kn }n∈N uma sequência de conjuntos compactos Kn ⊆ C


tal que Kn+1 ⊆ Kn para todo n ∈ N. Então ∩n∈N Kn 6= ∅.
4.5. TEOREMAS DE CAUCHY 109

Demonstração. Suponha por absurdo que ∩n∈N Kn = ∅. Dado n ∈ N, po-


nhamos Un = Knc , onde Knc denota o complementar de Kn em K0 , isto é,
Knc = K0 ∩ (C − Kn ). Note que
• cada Un é aberto em K0 em relação à topologia induzida,
• a famı́lia {Un }n∈N forma uma cobertura de K0 , pois ∪n∈N Un = (∩n∈N Kn )c =
∅c = K0 .
Assim {Un }n∈N é uma cobertura aberta do conjunto compacto K0 . Logo
existem n1 , ..., nk ∈ N tais que K0 = Un1 ∪ Un2 ∪ ... ∪ Unk . Tomando o com-
plementar e levando em conta o fato da sequência {Kn }n∈N ser decrescente,
deduzimos que

∅ = (Un1 ∪ Un2 ∪ ... ∪ Unk )c = Kn1 ∩ Kn2 ∩ ... ∩ Knk = Kmax{n1 ,...,nk } ,

e portanto, Kmax{n1 ,...,nk } = ∅, o que é absurdo.


Lema 4.5.4. Seja ∆ = ∆(z1 , z2 , z3 ) um triângulo fechado em C. Então

diam(∆) = max{|z1 − z2 |, |z2 − z3 |, |z3 − z1 |},



onde diam(∆) = sup |z − w| z, w ∈ ∆ é o diâmetro de ∆. Em particu-
lar, diam(∆) ≤ L(∂∆), onde L(∂∆) = |z1 − z2 | + |z2 − z3 | + |z3 − z1 | é o
comprimento de ∂∆.
Demonstração. Sejam z, w ∈ ∆ arbitrários. Por definição, ∆ é a envoltória
convexa de z1 , z2 e z3 . Logo existem t1 , t2 , t3 ≥ 0 tais que

w = t1 z1 + t2 z2 + t3 z3 , t1 + t2 + t3 = 1,

e então

|z − w| = |(t1 + t2 + t3 )z − (t1 z1 + t2 z2 + t3 z3 )|
≤ |t1 (z − z1 ) + t2 (z − z2 ) + t3 (z − z3 )|
≤ t1 |z − z1 | + t2 |z − z2 | + t3 |z − z3 |
≤ (t1 + t2 + t3 )max{|z − zj | | j = 1, 2, 3|}
≤ max{|z − zj | | j = 1, 2, 3}.

Assim,

|z − w| ≤ max{|z − zj | | j = 1, 2, 3|}. (4.9)


110 CAPÍTULO 4. TEORIA DE CAUCHY

O mesmo raciocı́nio mostra que para todo j = 1, 2, 3,

|z − zj | ≤ max{|zj − zk | | k = 1, 2, 3}. (4.10)

Comparando (4.9) e (4.10), vem que

|z − w| ≤ max{|z1 − z2 |, |z2 − z3 |, |z3 − z1 |} =: M.

Sendo z, w ∈ ∆ arbitrários, diam(∆) ≤ M , e como z1 , z2 , z3 ∈ ∆, temos


também que diam(∆) ≥ M.

Teorema 4.5.5 (de Cauchy-Goursat). Sejam U ⊆ C um conjunto aberto,


p ∈ U e ∆ = ∆(z1 , z2 , z3 ) ⊆ U um triângulo fechado. Então, para toda função
f : U → C contı́nua em U e holomorfa em U − {p}, tem-se:
Z
f (z)dz = 0.
∂∆
R
Demonstração. Seja I = ∂∆ f (z)dz.
– 1◦ caso: p 6∈ ∆. Sejam a, b, c os pontos médios dos segmentos [z2 , z3 ],
[z1 , z3 ], [z1 , z2 ], respectivamente (veja Figura 4.3).

z3

b a

z1 c z2

Figura 4.3:

Ponhamos

∆1 = ∆(z1 , c, b),
∆2 = ∆(c, z2 , a),
∆3 = ∆(b, a, z3 ),
∆4 = ∆(a, b, c).
4.5. TEOREMAS DE CAUCHY 111

Note que o comprimento de cada ∂∆j , j = 1, ..., 4, é metadePdo comprimento


de ∂∆, isto é, L(∂∆j ) = 12 L(∂∆). Afirmamos que I = 4j=1 ∂∆j f (z)dz.
R

Com efeito, por um lado, segue do Lema 4.5.2 que


R R R
I = [z ,z ]
f (z)dz + [z ,z ]
f (z)dz + [z ,z ]
f (z)dz
R 1 2 R 2 3 R 3 1
= [z1 ,c] f (z)dz + [c,z2 ] f (z)dz + [z2 ,a] f (z)dz
R R R
+ [a,z3 ] f (z)dz + [z3 ,b] f (z)dz + [b,z1 ] f (z)dz

e por outro lado,


R R R
0= [a,b]+[b,a]
f (z)dz + [b,c]+[c,b]
f (z)dz + [c,a]+[a,c]
f (z)dz.

Somando e reorganizando os termos, deduzimos que:


R R
I = [z1 ,c]+[c,b]+[b,z1 ]
f (z)dz + [c,z2 ]+[z2 ,a]+[a,c]
f (z)dz
R R
+ [b,a]+[a,z3 ]+[z3 ,b]
f (z)dz +
f (z)dz [a,b]+[b,c]+[c,a]
R R R R
= ∂∆1
f (z)dz + ∂∆2 f (z)dz + ∂∆3 f (z)dz + ∂∆4 f (z)dz.

Isso conclui a demonstração


R da afirmação. |I|Segue da afirmaçõa quej existe
j0 ∈ {1, 2, 3, 4} tal que | ∂∆j0 f (z)dz| ≥ 4 . Ponhamos T1 := ∆ 0 . Fa-
zendo o mesmo raciocı́nio para T1 , obtemos um triângulo T2 ⊆ T1 tal que
| ∂T2 f (z)dz| ≥ |I| e L(∂T2 ) = 212 L(∂∆). Continuando assim, obtemos uma
R
42
sequência decrescente de triângulos (Tn )n≥1 tal que para todo n ≥ 1,
R |I|
• | ∂Tn
f (z)dz| ≥ 4n
,

1
• L(∂Tn ) = 2n
L(∂∆).

Pelo Lema 4.5.3, ∩n≥1 Tn 6= ∅. Seja z0 ∈ ∩n≥1 Tn . Note que z0 ∈ ∆ e que


z0 6= p (já que p 6∈ ∆).
Por hipótese, f é holomorfa em U − {p}. Em particular, f é C-derivável
em z0 , o que significa que existe uma função ε : U − {p} → C, contı́nua em
z0 , tal que ε(z0 ) = 0 e

f (z) = f (z0 ) + f 0 (z0 )(z − z0 ) + ε(z)(z − z0 )

para todo z ∈ U − {p}. Segue-se, levando en conta o primeiro item acima,


112 CAPÍTULO 4. TEORIA DE CAUCHY

que
|I|
(f (z0 ) + f 0 (z0 )(z − z0 ) + ε(z)(z − z0 ))dz|
R R
4n
≤ | ∂Tn
f (z)dz| = | ∂Tn
≤ | ∂Tn (f (z0 ) + f 0 (z0 )(z − z0 ))dz | + | ∂Tn ε(z)(z − z0 )dz|
R R
| {z }
=0 pois possui uma primitiva
≤ L(∂Tn ) supz∈(∂Tn )∗ |ε(z)(z − z0 )|
1
≤ 2n
L(∂∆) supz∈Tn |ε(z)(z − z0 )|
1
≤ 2n
L(∂∆) diam(Tn ) supz∈Tn |ε(z)|.

Tendo em vista o Lema 4.5.4, é claro que para todo n ≥ 1, diam(Tn ) =


2diam(Tn+1 ), donde

diam(T1 ) diam(∆) L(∂∆)


diam(Tn ) = n−1
= n
≤ . (4.11)
2 2 2n
Assim,

|I| 1
n
≤ n L(∂∆)2 supz∈Tn |ε(z)|,
4 4
ou seja,

|I| ≤ L(∂∆)2 supz∈Tn |ε(z)|. (4.12)

Note que esta desigualdade vale para todo n ≥ 1.


Seja η > 0 arbitrário. Pela continuidade de ε en z0 , existe δ > 0 tal que
η
|z − z0 | < δ ⇒ |ε(z)| < L(∂∆)2
.

Como diam(Tn ) → 0 (veja (4.11)), existe N ∈ N tal que n ≥ N implica Tn ⊆


η
D(z0 , δ). Logo |ε(z)| < L(∂∆) 2 sempre que z ∈ TN , donde supz∈TN |ε(z)| ≤
η
L(∂∆)2
. Substituindo n por N em (4.12), deduzimos que

|I| ≤ η.

Sendo η > 0 arbitrário, I = 0.


– 2◦ caso: p ∈ {z1 , z2 , z3 }. Sem perda de generalidade, suponha p = z3 .
Seja ε > 0 arbitrário. Escolhemos w1 ∈ [z1 , z3 ] e w2 ∈ [z2 , z3 ] tais que
|w1 − w2 | < ε, |w1 − z3 | < ε e |w2 − z3 | < ε (veja Figura 4.5). Ponhamos
4.5. TEOREMAS DE CAUCHY 113

p
w1 w2

z1 z2

Figura 4.4:

∆1 = ∆(z1 , z2 , w1 ),
∆2 = ∆(z2 , w2 , w1 ),
∆3 = ∆(w1 , w2 , p).

Analogamente ao primeiro caso, vê-se que I = 3j=1 ∂∆j f (z)dz. Pelo pri-
P R
R R
meiro caso, temos que 0 = ∂∆1 f (z)dz = ∂∆2 f (z)dz, donde
R
|I| = | ∂∆3
f (z)dz| ≤ L(∂∆3 ) supz∈∆ |f (z)| ≤ 3ε supz∈∆ |f (z)|.

Visto que ε > 0 é arbitrário, |I| = 0.


– 3◦ caso: p ∈ [z1 , z2 ] ∪ [z2 , z3 ] ∪ [z3 , z1 ], digamos p ∈ [z1 , z3 ]. Neste caso,
considere os triângulos ∆(z1 , z2 , p) e ∆(z2 , z3 , p) e utilise o segundo caso.

z3
p

z1 z2

Figura 4.5:

– 4◦ caso: p ∈ ∆◦ (= interior de ∆). Neste caso, considere os triângulos


∆1 =P∆(z1R, z2 , p), ∆2 = ∆(z2 , z3 , p) e ∆3 = ∆(z3 , z1 , p). Pelo segunda caso,
I = 3j=0 ∂∆j f (z)dz = 0.
114 CAPÍTULO 4. TEORIA DE CAUCHY

z3

z1 z2

Definição 4.5.6. Seja X ⊆ C um conjunto. Diz-se que X é

a) estrelado com respeito a um ponto z0 ∈ X se [z0 , z] ⊆ X para todo


z ∈ X,

b) estrelado se existir z0 ∈ X tal que X é estrelado com respeito a z0 .

Observação 4.5.7. Se U ⊆ C é aberto e estrelado, então é conexo por


caminhos, logo é conexo (veja Teorema 1.8.12).

Exemplo 4.5.8. Em cada um dos casos abaixo, o conjunto X ⊆ C é estre-


lado com respeito ao ponto z0 indicado.

a) X = qualquer conjunto convexo, z0 ∈ X qualquer.

b) X = qualquer disco D(z, R), z0 = z.

c) X = C, z0 = 0.

d) X = C−] − ∞, 0], z0 = 1.

O conjunto C∗ não é estrelado.

Lema 4.5.9. Seja U ⊆ C um conjunto aberto e estrelado com respeito a


z0 ∈ U . Sejam w ∈ U e r > 0 tais que D(w, r) ⊆ U. Então para todo
z ∈ D(w, r), ∆(z0 , w, z) ⊆ U (veja Figura 4.6).

Demonstração. Sejam z0 , w, z e r como no enunciado. Seja a ∈ ∆(z0 , w, z)


arbitrário. Visto que ∆(z0 , w, z) é a envoltória convexa de z0 , w, z, existem
t1 , t2 , t3 ≥ 0 tais que t1 + t2 + t3 = 1 e a = t1 z0 + t2 w + t3 z. Sem perda
de generalidade, podemos supor t1 6= 1 (senão terı́amos trivialmente que
a = z0 ∈ U ). Temos que

a = t1 z0 + (1 − t1 )σ,
4.5. TEOREMAS DE CAUCHY 115

onde σ = t21−t
w+t3 z
1
= t2t+t
2
3
w + t2t+t
3
3
z. Note que a ∈ [z0 , σ]. Claramente
σ ∈ [w, z], e como [w, z] ⊆ D(w, r) ⊆ U , obtemos σ ∈ U . Como U é
estrelado com respeito a z0 , segue-se que [z0 , σ] ⊆ U . Logo a ∈ U .

•z
•w


z0

Figura 4.6:

Teorema 4.5.10 (de Cauchy). Sejam U ⊆ C um conjunto aberto e estre-


lado, p ∈ U e f : U → C uma função contı́nua. Suponha f holomorfa em
U − {p}. Então para todo caminho fechado γ em U de classe C 1 por partes,
tem-se:
Z
f (z)dz = 0.
γ

Demonstração. O conjunto U sendoR aberto e estrelado, é conexo, e portanto


podemos utilizar o Teorema 4.3.7: γ f (z)dz = 0 para todo caminho fechado
γ em U de classe C 1 por partes se e somente se f possui uma primitiva em
U . Então para mostrar o teorema, basta mostrar que f possui uma primitiva
em U .
Seja z0 ∈ U tal que [z0 , z] ⊆ U para todo z ∈ U (tal ponto existe já que
U é estrelado). Seja F : U → C a função definida por
Z
F (z) = f (u)du.
[z0 ,z]

Seja w ∈ U . Vamos mostrar que F é C-derivável em w e que F 0 (w) = f (w).


Seja ε > 0 arbitrário. Pela continuidade de f em w, existe δ > 0 tal que

|z − w| < δ ⇒ |f (z) − f (w)| < 2ε . (4.13)


116 CAPÍTULO 4. TEORIA DE CAUCHY

Seja 0 < r < δ tal que D(w, r) ⊆ U . Seja z ∈ D(w, r) arbitrário. Sabemos
pelo Lema 4.5.9 queR ∆(z0 , w, z) ⊆ U . Pelo Teorema de Cauchy-Goursat,
obtemos a relação ∂∆(z0 ,w,z) f (z)dz = 0, a qual pode ser reescrita como
R R R
0 = [z0 ,w] f (u)du + [w,z] f (u)du + [z,z0 ] f (u)du
R
= F (w) + [w,z] f (u)du − F (z),
ou seja,
R
F (z) − F (w) = [w,z]
f (u)du.
Supondo z 6= w, vem então que
F (z)−F (w) 1
R
z−w
− f (w) = z−w [w,z]
(f (u) − f (w))du,

donde, levando em conta (4.13),


|z−w|
| F (z)−F
z−w
(w)
− f (w)| ≤ |z−w|
supu∈[w,z] |f (u) − f (w)| ≤ ε
2
< ε.

Segue-se que limz→w F (z)−F


z−w
(w)
= f (w), como querı́amos.
Teorema 4.5.11 (Fórmula de Cauchy). Sejam U ⊆ C um conjunto
aberto estrelado, γ um caminho fechado em U de classe C 1 por partes e
f ∈ H(U ). Então para todo z ∈ U − γ ∗ , tem-se:
Z
1 f (u)
Indγ (z)f (z) = du.
2πi γ u − z
Demonstração. Seja z ∈ U . Definamos gz : U → C pondo
( f (u)−f (z)
u−z
se u 6= z,
gz (u) =
f 0 (u) se u = z.
Visto que gz é contı́nua em U (já que f é C-derivável em z) e holomorfa
R em
U − {z}, temos pelo Teorema de Cauchy (com p = z) que 0 = γ gz (u)du.
Em particular, se z 6∈ γ ∗ , temos que
0 = γ f (u)−f (z)
R R f (u) R f (z)
u−z
du = γ u−z
du − γ u−z
du
R f (u) R du
= γ u−z du − f (z) γ u−z du
= γ fu−z
R (u)
du − f (z)2πi Indγ (z),
1
R f (u)
donde Indγ (z)f (z) = 2πi γ u−z
du, como querı́amos.
4.6. APLICAÇÕES 117

4.6 Aplicações
4.6.1 Analiticidade das funções holomorfas
Lema 4.6.1. Sejam z0 ∈ C e r > 0, e seja γ : [0, 2π] → C o caminho definido
por γ(t) = z0 + reit . Então, para todo z ∈ D(z0 , r), tem-se:

Ind(γ, z) = 1.

Demonstração. Seja C(z0 ) a componente conexa de C − γ ∗ que contém z0 .


Visto que D(z0 , r) é conexo e contém z0 , temos por definição de C(z0 ) que
D(z0 , r) ⊆ C(z0 ). Pelo Teorema 4.4.7, a função Indγ é constante em C(z0 ).
Logo Ind(γ, z) = Ind(γ, z0 ) para todo z ∈ D(z0 , r). Como
1
R du 1
R 2π rieit i
R 2π
Ind(γ, z0 ) = 2πi γ u−z0
du = 2πi 0 z0 +reit −z0
dt = 2πi 0
dt = 1,

deduzimos que Ind(γ, z) = 1 para todo z ∈ D(z0 , r).

•z
• z0 γ(t) = z0 + reit

Figura 4.7: Ind(γ, z) = 1.

A seguir, dados z0 ∈ C e r > 0, usaremos a notação

C(z0 , r) = {z ∈ C | |z − z0 | = r}
R
e denotaremos por C(z0 ,r) f (z)dz a integral de uma função f ao longo do
caminho γ(t) = z0 + reit , t ∈ [0, 2π].
Teorema 4.6.2. Toda função holomorfa num conjunto aberto U ⊆ C é
analı́tica em U .
Demonstração. Seja f : U → C uma função holomorfa. Seja z0 ∈ U ar-
bitrário. Escolhamos r, s > 0 tais que r < s e D(z0 , s) ⊆ U . Pela Proposição
4.2.14 (com ϕ = f ), temos que a função
Z
1 f (u)
C − C(z0 , r) → C, z 7→ du
2πi C(z0 ,r) u − z
118 CAPÍTULO 4. TEORIA DE CAUCHY

é analı́tica em C − C(z0 , r), e pela fórmula de Cauchy, esta função coincide


com f no disco D(z0 , r) (aqui usamos o Lema 4.6.1, o qual garante que o
ı́ndice que aparece na fórmula de Cauchy é igual a 1). Logo f é analı́tica em
D(z0 , r). Sendo z0 ∈ U arbitrário, f é analı́tica em U .
Proposição 4.6.3 (Complemento do Teorema 4.6.2). Seja f : U → C
uma função holomorfa e seja n≥0 an (z − z0 )n a série que representa f em
P
z0 ∈ U . Valem a seguintes afirmações.
a) O raio de convergência da série n≥0 an (z − z0 )n é maior do que ou igual
P
ao raio de qualquer disco de centro z0 contido em U .
b) f coincide com a função soma da série n≥0 an (z −z0 )n em qualquer disco
P
de centro z0 contido em U .
c) Seja s > 0 tal que D(z0 , s) ⊆ U . Então para todo n ≥ N e todo 0 < r < s,
tem-se:
f (n) (z0 )
Z
1 f (u)
an = = du.
n! 2πi C(z0 ,r) (u − z0 )n+1

Demonstração. Isto decorre da demonstração do Teorema 4.6.2, da Pro-


posição 4.2.14 e do fato de r, s serem arbitrários.

4.6.2 Teorema de Liouville


Lema 4.6.4 (Estimativas de Cauchy). Sejam z0 ∈ C, R > 0 e f ∈
H(D(z0 , R)). Suponha que exista M ≥ 0 tal que |f (z)| ≤ M para todo
z ∈ D(z0 , R). Então para todo n ∈ N, tem-se:
n!M
|f (n) (z0 )| ≤.
Rn
Demonstração. Sejam n ∈ N e 0 < r < R. Tendo em vista a Proposição
4.6.3, temos que
Z
(n) n! f (u)
f (z0 ) = du,
2πi C(z0 ,r) (u − z0 )n+1
donde, levando em conta a Proposição 4.2.11,

(n) n! f (u) ≤ n! 2πr M = n!M .

|f (z0 )| ≤ 2πr supu∈C(z0 ,r)

n+1
2π (u − z0 ) 2π rn+1 rn
Fazendo r → R na expressão acima, obtemos a desigualdade desejada.
4.6. APLICAÇÕES 119

Definição 4.6.5. Uma função f : C → C chama-se inteira quando é holo-


morfa em C.

Teorema 4.6.6 (de Liouville). Toda função inteira e limitada é constante.

Demonstração. Seja f : C → C uma função inteira satisfazendo |f (z)| ≤ M


para todo z ∈ C. Por um lado, segue da Proposição 4.6.3 que

X f (n) (0)
f (z) = zn
n=0
n!

para todo z ∈ C, e por outro lado, as estimativas de Cauchy implicam que


para todo n ∈ N,

|f (n) (0)| M
0≤ ≤ n
n! R
qualquer que seja R > 0. Fazendo R → ∞, obtemos f (n) (0) = 0 para todo
n ≥ 1. Segue-se que f ≡ f (0) em C.

4.6.3 Teorema fundamental da Álgebra


Definição 4.6.7. Seja X ⊆ C um conjunto não limitado e seja f : X → C
uma função. Diz-se que o limite de f quando z tende a infinito é
infinito se para todo M > 0, existe r > 0 tal que

z ∈ X, |z| > r ⇒ |f (z)| > M.

Escreve-se então limz→∞ f (z) = ∞.

Lembramos que um polinômio é uma função P : C → C da forma P (z) =


a0 + a1 z + ... + an z n , onde a0 , ...an são números complexos.

Lema 4.6.8. Seja P : C → C um polinômio não constante. Então limz→∞ P (z) =


∞.

Demonstração. Seja P : C → C um polinômio não constante. Então P é da


forma P (z) = a0 + a1 z + ... + an z n , com an 6= 0 e n ≥ 1. Seja

M = max |ak | k = 0, 1, ..., n − 1 .
120 CAPÍTULO 4. TEORIA DE CAUCHY

Usando a desigualdade |z + w| ≥ |z| − |w|, a qual vale para todos z, w ∈ C,


vê-se que para todo |z| > R > 0,
|P (z)| = |an z n + an−1 z n−1 + ... + a1 z + a0 |
= |z n | |an + an−1
z
+ an−2
z2
a1
+ ... + zn−1 + zan0 |
Rn |an | − an−1 + an−2
a1

≥ z z2
+ ... + zn−1 + zan0
Rn |an | − M ( R1 + R12 + ... + R1n )


n+1
= Rn |an | − M 1−(1/R)

1−(1/R)
−1
= Rn ρ(R).
Assim, dado R > 0 arbitrário, temos que
|z| > R ⇒ |P (z)| ≥ Rn ρ(R), (4.14)
n+1
onde ρ(R) := |an | − M 1−(1/R)

1−(1/R)
− 1 . Como ρ(R) → |an | =
6 0 quando
n
R → ∞, temos que R ρ(R) → ∞ quando R → ∞. Resulta daı́ e de (4.14)
que limz→∞ P (z) = ∞.
Teorema 4.6.9. Dado um polinômio não constante P : C → C, existe w ∈ C
tal que P (w) = 0 (diz-se que w é uma raiz de P ).
Demonstração. Seja P : C → C um polinômio não constante. Suponha que
P não tenha nenhuma raiz. Podemos então considerar a função holomorfa
g : C → C definida por
1
g(z) = .
P (z)
Pelo Lema 4.6.8, tem-se limz→∞ P (z) = ∞, e portanto existe R > 0 tal que
1
|z| > R implica |P (z)| > 1. Logo |g(z)| = |P (z)| < 1 para todo |z| > R. Em
particular, g é limitada no conjunto C − D(0, R). Pela continuidade de g no
compacto D(0, R), tem-se também que g é limitada em D(0, R). Segue-se
que g é limitada em C. Mas então o Teorema de Liouville implica que g é
constante em C, criando um absurdo.

4.6.4 Compostas e inversões de funções analı́ticas


Proposição 4.6.10. Sejam U e V dois conjuntos abertos de C e sejam
f : U → C e g : V → C duas funções analı́ticas tais que f (U ) ⊆ V . Então
g ◦ f : U → C é analı́tica.
4.6. APLICAÇÕES 121

Demonstração. As funções f e g sendo analı́ticas, são holomorfas, e visto que


a composta de duas funções holomorfas é holomorfa (Proposição 2.4.8), g ◦ f
é holomorfa. Pelo Teorema 4.6.2, g ◦ f é analı́tica.

Proposição 4.6.11 (Teorema da função inversa). Seja f : U → C uma


função analı́tica. Suponha que exista z0 ∈ U tal que f 0 (z0 ) 6= 0. Então existe
uma vizinhança aberta V de z0 , V ⊆ U , tal que:

a) W := f (V ) é um conjunto aberto,

b) f |V : V → W é bijetiva,

c) (f |V )−1 : W → V é analı́tica.

Demonstração. Visto que f é analı́tica, é holomorfa, e a sua derivada (no


sentido real) em z0 ∈ U é a multiplicação por f 0 (z0 ), isto é,

Dfz0 : C → C, z 7→ f 0 (z0 )z.

Note que Dfz0 é invertı́vel se e somente se f 0 (z0 ) 6= 0. Fixamos z0 ∈ U tal que


f 0 (z0 ) 6= 0. Então Dfz0 é uma bijeção R-linear, o que implica pelo Teorema
da função inversa que existe um conjunto aberto V ⊆ U contendo z0 tal que
f (V ) = W é aberto em C e tal que f |V : V → W é um difeomorfismo de
classe C ∞ . Seja g := (f |V )−1 : W → V a função inversa de f em W . Resta
mostrar que g é analı́tica. Dado z ∈ V arbitrário, temos pela regra da cadeia
aplicada em w = f (z) que:

f ◦ g = Id
⇒ Dfg(w) ◦ Dgw = Id
⇒ Dgw = (Dfz )−1
⇒ Dgw = (multiplicação por f 0 (z))−1
⇒ Dgw = multiplicação por f 01(z) .

A derivada de g em w sendo C-linear, g é C-derivável em w (e g 0 (w) =


1 1
f 0 (z)
= f 0 (g(w)) ). Segue-se que g é holomorfa em W . Pelo Teorema 4.6.2, g é
analı́tica.
122 CAPÍTULO 4. TEORIA DE CAUCHY

4.6.5 Forma local das funções holomorfas


Sejam U ⊆ C um conjunto aberto e f : U → C uma função.

Definição 4.6.12. Diz-se que f é localmente constante em z0 ∈ U se


existir uma vizinhança aberta V de z0 , V ⊆ U , tal que f é identicamente
constante em V .

Observação 4.6.13. Se f é analı́tica em U , com U conexo, e se f é local-


mente constante em z0 ∈ U , então f é identicamente constante em U , isto
é, f (z) = f (z0 ) para todo z ∈ U . Isto resulta do fato da função constante
z 7→ f (z0 ) ser analı́tica em U e do Teorema 3.10.9.

Lema 4.6.14. Suponha f analı́tica em z0 ∈ U e não localmente constante


em z0 ∈ U . Então existe um inteiro m ≥ 1 tal que f (m) (z0 ) 6= 0.

Demonstração. Seja n≥0 an (z − z0 )n a série que representa f em z0 . Supo-


P
nha por absurdo que am = 0 para todo m ≥ 1. Terı́amos então que a função
soma dessa série é a função constante S(z) ≡ a0 , o que implicaria que f é
constante numa vizinhança de z0 , criando um absurdo. Assim existe m ≥ 1
(m)
tal que am = f m!(z0 ) 6= 0, ou seja, tal que f (m) (z0 ) 6= 0.

Definição 4.6.15. Suponha f analı́tica em z0 ∈ U e não localmente cons-


tante em z0 ∈ U . Neste caso, define-se a multiplicidade de f em z0 como
sendo o inteiro

m(f, z0 ) = min m ≥ 1 f (m) (z0 ) 6= 0 .


Observação 4.6.16. Suponha f analı́tica em U e não localmente constante


em z0 ∈ U . Então

m(f, z0 ) = o(f − f (z0 ), z0 ),

onde o(f − f (z0 ), z0 ) denota a ordem de f − f (z0 ) em z0 (veja a Definição


3.10.1).

Definição 4.6.17. Seja ϕ : U → C uma função analı́tica definida num


conjunto aberto U ⊆ C. Diz-se que ϕ é um difeomorfismo analı́tico
quando

a) V := ϕ(U ) é aberto,
4.6. APLICAÇÕES 123

b) ϕ é uma bijeção sobre a sua imagem V ,

c) a inversa (ϕ|U )−1 : V → C é analı́tica.


Teorema 4.6.18 (Forma local das funções analı́ticas). Suponha f :
U → C analı́tica em U ⊆ C e não localmente constante em z0 ∈ U . Então
existem uma vizinhança V de z0 , com V ⊆ U , r > 0 e um difeomorfismo
analı́tico ϕ : D(0, r) → V tais que ϕ(0) = z0 e

(f ◦ ϕ)(z) = f (z0 ) + z m ,

para todo z ∈ D(0, r), onde m = m(f, z0 ).


Demonstração. Seja m = m(f, z0 ) = o(f −f (z0 ), z0 ). Pela Proposição 3.10.5,
existe uma função analı́tica g̃ : U → C tal que λ := g̃(z0 ) 6= 0 e

f (z) − f (z0 ) = (z − z0 )m g̃(z)

para todo z ∈ U . Denotanto por g : U → C a função z 7→ λ1 g̃(z) e escolhendo


uma raiz m-ésima µ de λ (⇔ µm = λ), obtemos que

f (z) = f (z0 ) + µm (z − z0 )m g(z)

para todo z ∈ U . A continuidade de g no ponto z0 e a relação g(z0 ) = 1


implicam que existe ε > 0 tal que g(D(z0 , ε)) ⊆ D(1, 1). Seja h : D(z0 , ε) →
C a função analı́tica definida por

h(z) = µ(z − z0 )exp m1 Ln(g(z)) ,




onde Ln denota o ramo principal do logaritmo (note que a composta Ln ◦ g


na expressão acima está bem definida, pois g(D(z0 , ε)) ⊆ D(1, 1) e D(1, 1)
está contido no domı́nio de definição de Ln). Segue da fórmula de adição da
exponencial que (h(z))m = µm (z − z0 )m g(z), donde

f (z) = f (z0 ) + (h(z))m (4.15)

para todo z ∈ D(z0 , ε). Além disto, dado z ∈ D(z0 , ε), vem que
 0 (z)
h0 (z) = µ exp m1 Ln(g(z)) + µ(z − z0 )exp m1 Ln(g(z)) m1 gg(z)


e portanto h0 (z0 ) = µ 6= 0. Pelo Teorema da função inversa, existe uma


vizinhança aberta Ve de z0 , Ve ⊆ D(z0 , ε), tal que h|Ve é um difeomorfismo
124 CAPÍTULO 4. TEORIA DE CAUCHY

analı́tico sobre o conjunto aberto h(Ve ). Note que 0 ∈ h(Ve ), pois h(z0 ) = 0.
Seja r > 0 tal que D(0, r) ⊆ Ve . Coloquemos V := (h|Ve )−1 (D(0, r)) e
definamos ϕ : D(0, r) → V pondo ϕ(z) = (h|V )−1 (z). Obviamente, ϕ é
um difeomorfismo analı́tico satisfazendo h(ϕ(z)) = z para todo z ∈ D(0, r).
Resulta daı́ e de (4.15) que

(f ◦ ϕ)(z) = f (z0 ) + (h(ϕ(z)))m = f (z0 ) + z m

para todo z ∈ D(0, r). A resultado segue.


Corolário 4.6.19 (Teorema da aplicação aberta). Suponha f : U → C
não constante e U conexo. Se f é analı́tica em U , então f é aberta, isto é,
para todo aberto V ⊆ U , f (V ) é aberto.
Demonstração. Seja V ⊆ U um conjunto aberto. Seja z0 ∈ V arbitrário.
Devemos mostrar que existe ε > 0 tal que D(f (z0 ), ε) ⊆ f (V ). Primeiro, note
que f não é localemente constante em z0 , pois senão f seria constante em U
(veja a Observação 4.6.13). Seja m a multiplicidade de f em z0 . Pelo Teorema
4.6.18, existem r > 0 e um difeomorfismo analı́tico ϕ : D(0, r) → W ⊆ V
tais que (f ◦ ϕ)(z) = f (z0 ) + z m para todo z ∈ D(0, r). Afirmamos que
(f ◦ ϕ)(D(0, r)) = D(f (z0 ), ε), onde ε = rm . Com efeito, dado z ∈ C, temos
que:

z ∈ (f ◦ ϕ)(D(0, r)) ⇔ ∃ w ∈ D(0, r) : (f ◦ ϕ)(w) = z


⇔ ∃ w ∈ D(0, r) : f (z0 ) + wm = z
⇔ ∃ µ ∈ D(0, rm ) : f (z0 ) + µ = z
⇔ z − f (z0 ) ∈ D(0, rm )
⇔ z ∈ D(f (z0 ), rm ) = D(f (z0 ), ε).

Segue da afirmação que D(f (z0 ), ε) = f (ϕ(D(0, r))) = f (W ) ⊆ f (V ), e


consequentemente, D(f (z0 ), ε) ⊆ f (V ), como querı́amos.
Corolário 4.6.20. Suponha f : U → C analı́tica em U e não localemente
constante em z0 ∈ U . Seja m a multiplicidade de f em z0 . Então existem
dois conjuntos abertos V e W de C, com z0 ∈ V e f (z0 ) ∈ W , tais que:
a) a única solução da equação f (z) = f (z0 ), com z ∈ V , é z = z0 ;

b) dado c ∈ W − {f (z0 )}, a equação f (z) = c possui exatamente m soluções


em V .
4.6. APLICAÇÕES 125

Demonstração. Sejam z0 ∈ U e m = m(f, z0 ). Pelo Teorema 4.6.18, existem


r > 0 e um difeomorfismo analı́tico ϕ : D(0, r) → V ⊆ U tais que ϕ(0) = z0
e (f ◦ ϕ)(z) = f (z0 ) + z m para todo z ∈ D(0, r). Seja W := f (V ) =
D(f (z0 ), rm ). Dado z = ϕ(w) ∈ V , tem-se:
f (z) = f (z0 ) ⇔ (f ◦ ϕ)(w) = (f ◦ ϕ)(0)
⇔ f (z0 ) + wm = f (z0 )
⇔ wm = 0
⇔ w=0
⇔ ϕ(w) = ϕ(0)
⇔ z = z0 .
Isto mostra o primeiro item. Agora mostremos o segundo item. Seja c ∈ W −
{f (z0 )} = D∗ (f (z0 ), rm ). Existe b ∈ C tal que 0 < |b| < rm e c = f (z0 ) + b.
Dado z = ϕ(w) ∈ V , temos que:
f (z) = c ⇔ (f ◦ ϕ)(w) = f (z0 ) + b
⇔ f (z0 ) + wm = f (z0 ) + b
⇔ wm = b.
A equação wm = b, com 0 < |b| < rm , possui exatamente m raı́zes w0 , ...wm−1
distintas duas a duas, as quais são dadas por
p  θ + 2kπ 
wk = m |b| exp i , k = 0, 1, ..., m − 1,
m
onde θ ∈ R é um argumento de b. Note que wk ∈ D(0, r) para todo k =
0, 1, ..., m − 1. Segue-se que as soluções em V da equação f (z) = c são
z0 = ϕ(w0 ),..., zm−1 = ϕ(wm−1 ). Sendo ϕ um difeomorfismo, estas soluções
são distintas duas a duas.
Corolário 4.6.21. Suponha f : U → C injetiva e holomorfa em U . Então
para todo z ∈ U , f 0 (z) 6= 0.
Demonstração. Suponha por absurdo que exista z0 ∈ U tal que f 0 (z0 ) = 0.
Visto que f é injetiva, não é localmente constante em z0 , e portanto podemos
considerar a multiplicidade m = m(f, z0 ) de f em z0 . Como f 0 (z0 ) = 0,
necessariamente m ≥ 2. Pelo Corolário 4.6.20, existem dois conjuntos abertos
V e W de C, com z0 ∈ V e f (z0 ) ∈ W , tais que dado c ∈ W − {f (z0 )}, a
equação f (z) = c possui exatamente m ≥ 2 soluções em V , o que contradiz
a injetividade de f .
126 CAPÍTULO 4. TEORIA DE CAUCHY

Proposição 4.6.22 (Critério de injetividade). Suponha f : U → C


holomorfa e U convexo. Se Re(f 0 (z)) > 0 para todo z ∈ U , então f é
injetiva.
Demonstração. Sejam z, w ∈ U , z 6= w. Devemos mostrar que f (z) 6= f (w).
Como U é convexo, [z, w] ⊆RU , e portanto o Teorema fundamental do cálculo
implica que f (z) − f (w) = [z,w] f 0 (u)du. Daı́ resulta que
R1
|f (z) − f (w)| = 0 f 0 ((1 − t)z + tw)(w − z)dt
R1
= |w − z| 0 f 0 ((1 − t)z + tw)dt
R1
≥ |w − z| Rel 0 f 0 ((1 − t)z + tw)dt

R1
= |w − z| 0 Rel f 0 ((1 − t)z + tw) dt
 
| {z }
>0
> 0.

Isto mostra que f (z) 6= f (w), como querı́amos.

4.6.6 Teorema do módulo máximo


Teorema 4.6.23 (do módulo máximo). Sejam U ⊆ C um conjunto aberto
conexo e f ∈ H(U ). Suponha que exista z0 ∈ U tal que |f (z)| ≤ |f (z0 )| para
todo z numa vizinhança de z0 . Então f é constante em U .
Demonstração. Seja z0 ∈ U tal que |f (z)| ≤ |f (z0 )| para todo z numa vi-
zinhança V de z0 . Se |f (z0 )| = 0, então f (z) = 0 para todo z ∈ V , o
que implica por conexidade de U que f se anula em U . Suponha então
f (z0 ) 6= 0. Afirmamos que f (z0 ) não é um ponto interior de f (V ). Com
efeito, caso contrário, existiria ε > 0 tal que D(f (z0 ), ε) ⊆ f (V ). Logo o
ε
ponto w = f (z0 ) + f (z0 ) 2|f (z 0 )|
, o qual pertence ao disco D(f (z0 ), ε), perten-
ceria também ao conjunto f (V ), e portanto existiria z ∈ V tal que f (z) = w.
Mas então terı́amos |f (z)| = |w| = |f (z0 )| + 2ε > |f (z0 )| com z ∈ V , o que
é absurdo. Segue da afirmação que f não é uma aplicação aberta. Pelo
Teorema da aplicação aberta, f é constante em U .
Corolário 4.6.24. Seja U ⊆ C um conjunto aberto, limitado e conexo. Seja
f : U → C uma função contı́nua em U e holomorfa em U . Então

sup |f (z)| = sup |f (z)|, (4.16)


z∈U z∈∂U
4.6. APLICAÇÕES 127

onde ∂U = U − U é o bordo de U .

Demonstração. Como U é limitado, U é compacto, e portanto existe z0 ∈ U


tal que supz∈U |f (z)| = |f (z0 )|. Sendo assim, há duas possibilidades: z0 ∈ ∂U
ou z0 ∈ U . Se z0 ∈ ∂U , então

|f (z0 )| ≤ supz∈∂U |f (z)| ≤ supz∈U |f (z)| = |f (z0 )|

o que implica supz∈∂U |f (z)| = supz∈U |f (z)|. Se z0 ∈ U , então o Teorema do


módulo máximo implica que f é constante em U . Logo f é constante em U ,
e em particular, vale a relação (4.16).

4.6.7 Lema de Schwarz


Seja D = D(0, 1) ⊆ C.

Teorema 4.6.25 (Lema de Schwarz). Seja f ∈ H(D) tal que f (0) = 0 e


|f (z)| ≤ 1 para todo z ∈ D. Então,

a) |f (z)| ≤ |z| para todo z ∈ D,

b) |f 0 (0)| ≤ 1.

Além disso, se |f 0 (0)| = 1 ou se |f (z0 )| = |z0 | para algum z0 ∈ D − {0}, então


existe θ ∈ R tal que f (z) = eiθ z para todo z ∈ D.

Demonstração. Seja f : D → C como no enunciado. Sem perda de genera-


lidade, podemos supor que f não é identicamente nula numa vizinhança de
0 (senão f seria nula em D). Seja m = o(f, 0) a ordem de f em 0. Como
f (0) = 0 e f não se anula numa vizinhança de 0, temos que 1 ≤ m < ∞.
Pela Proposição 3.10.5, existe uma função holomorfa g : D → C tal que
f (z) = z m g(z) para todo z ∈ D. Seja h : D → C a função definida por
h(z) = z m−1 g(z). Então h é analı́tica em D e temos que

f (z) = zh(z)

para todo z ∈ D. Note que f 0 (z) = h(z) + zh0 (z), e portanto

f 0 (0) = h(0).
128 CAPÍTULO 4. TEORIA DE CAUCHY

Seja z ∈ D arbitrário. Dado |z| < r < 1, temos pelo Corolário 4.6.24 e a
hipótese |f | ≤ 1 que

|h(z)| ≤ supw∈D(0,r) |h(w)| = sup|w|=r f (w)


1
= sup|w|=r |f (w)| ≤ 1 ,
w r r

e portanto |h(z)| ≤ 1r . Fazendo r → 1 obtemos

|h(z)| ≤ 1, (4.17)

donde |f (z)| ≤ |z|. Como z ∈ D é arbitrário, isso conclui a demonstração


do primeiro item. O segundo item decorre da igualdade f 0 (0) = h(0) e da
desigualdade (4.17) com z = 0. Se |f 0 (0)| = 1, então |h(0)| = 1, o que
implica, tendo em vista (4.17) e o Teorema do módulo máximo, que h é
constante em D. Logo existe θ ∈ R tal que h(z) = eiθ para todo z ∈ D, e
então f (z) = eiθ z para todo z ∈ D. Se |f (z0 )| = |z0 | para algum z0 ∈ D−{0},
então |h(z0 )| = 1, e o mesmo raciocı́nio mostra novamente que existe θ ∈ R
tal que f (z) = eiθ z para todo z ∈ D.

4.7 Versões homológicas dos Teoremas de Cau-


chy
Definição 4.7.1. Um ciclo ω é uma sequência finita (γ1 , ..., γn ) de caminhos
fechados de classe C 1 por partes γk : [ak , bk ] → C, k = 1, ..., n. Escreve-se:

ω = γ1 + γ2 + ... + γn .

Denotaremos por ω ∗ a reunião γ1∗ ∪ ... ∪ γn∗ . Se ω ∗ ⊆ X, onde X é um


subconjunto de C, diz-se então que ω é um ciclo em X ⊆ C.

A seguir, estenderemos para ciclos alguns dos conceitos desenvolvidos nas


seções anteriores para caminhos fechados.

Definição 4.7.2. Sejam ω = γ1 + ... + γn e ω 0 = γ10 + ... + γm


0
dois ciclos.

a) A soma de ω e ω 0 é o ciclo

ω + ω 0 = γ1 + ... + γn + γ10 + ... + γm


0
.
4.7. VERSÕES HOMOLÓGICAS DOS TEOREMAS DE CAUCHY 129

b) O simétrico de ω é o ciclo

ω − = γ1− + ... + γn− .

É frequente escrever ω − ω 0 em vez de ω + (ω 0 )− .

c) Seja f : ω ∗ → C uma função contı́nua. A integral de f sobre o ciclo ω


é o número complexo
Z n Z
X
f (z)dz = f (z)dz.
ω j=1 γj

d) O ı́ndice de ω com respeito a z ∈ C − ω ∗ é o número complexo


n
X
Ind(ω, z) = Ind(γj , z).
j=1

Proposição 4.7.3. Sejam ω e ω 0 dois ciclos em X ⊆ C e f, g : X → C duas


funções contı́nuas. Valem as seguintes afirmações.
R R R
a) ω (λf + µg)(z)dz = λ ω f (z)dz + µ ω g(z)dz. (λ, µ ∈ C)
R R
b) ω− f (z)dz = − ω f (z)dz.
R R R
c) ω+ω0 f (z)dz = ω f (z)dz + ω0 f (z)dz.

d) Para todo z ∈ C − ω ∗ , Ind(ω − , z) = −Ind(ω, z).

e) Para todo z ∈ C − (ω + ω 0 )∗ , Ind(ω + ω 0 , z) = Ind(ω, z) + Ind(ω 0 , z).

f) A função Indω : C − ω ∗ → C, z 7→ Ind(ω, z) é constante em cada compo-


nente conexa de C − ω ∗ .

g) C − ω ∗ possui uma única componente conexa não limitada e Indω se anula


nesta componente conexa.

h) Para todo z ∈ C − ω ∗ , Indω (z) ∈ Z.


Demonstração. Decorre das propriedades da integral ao longo de um caminho
de uma função contı́nua (veja a Proposição 4.2.9) e das propriedades do ı́ndice
de um caminho (veja o Teorema 4.4.7).
130 CAPÍTULO 4. TEORIA DE CAUCHY

Definição 4.7.4. Seja U ⊆ C um conjunto aberto. Diz-se que


a) um ciclo ω em U é homólogo a zero em U se Ind(ω, z) = 0 para todo
z ∈ C − U ; escreve-se então ω ∼U 0;
b) dois ciclos ω e ω 0 em U são homólogos em U se o ciclo ω −ω 0 é homólogo
a zero em U , isto é, se Ind(ω, z) = Ind(ω 0 , z) para todo z ∈ C−U . Escreve-
se então ω ∼U ω 0 .
Observação 4.7.5. A relação ∼U é uma relação de equivalência no conjunto
dos ciclos em U . As classes de equivalência correspondentes são chamadas
classes de homologia.
Exemplo 4.7.6. Sejam D = D(0, 1) e U = D − {0}. Considere os caminhos
γ1 : [0, 2π] → C e γ2 : [0, 2π] → C definidos por:

γ1 (t) = 12 eit e γ2 (t) = 32 e−it .

Sejam ω = γ1 e ω 0 = γ2 , vistos como ciclos.

D
γ2
γ1

0

Então,
a) ω ∼D 0,
b) ω 6∼U 0,
c) ω + ω 0 ∼U 0.
Demonstração.
a) O conjunto C − D é conexo, não limitado e está contido em C − γ1∗ .
Logo C − D está contido na componente conexa não limitada de C − γ1∗ , e
sabemos que neste conjunto, a função Indγ1 se anula. Portanto Ind(ω, z) =
Ind(γ1 , z) = 0 para todo z 6∈ D.
4.7. VERSÕES HOMOLÓGICAS DOS TEOREMAS DE CAUCHY 131

b) Basta observar que 0 6∈ U e que


Z 2π Z π
1 (1/2)ieit 1
Ind(ω, 0) = Ind(γ1 , 0) = = dt = 1 6= 0.
2πi 0 (1/2)eit 2π 0

c) Se z = 0, então Ind(ω + ω 0 , z) = Ind(γ1 , 0) + Ind(γ2 , 0) = 1 − 1 = 0. Se


|z| > 1, então Ind(ω + ω 0 , z) = Ind(γ1 , z) + Ind(γ2 , z) = 0, pois neste caso
z pertence às componentes conexas não limitadas de C − γ1∗ e C − γ2∗ .
Proposição 4.7.7. Seja U ⊆ C um conjunto aberto e estrelado. Então todo
ciclo ω em U é homólogo a zero em U .
Demonstração. Seja ω = γ1 + ... + γn um ciclo em U . Dado z ∈ C − U , temos
que
n Z
1 X du
Ind(ω, z) = .
2πi j=1 γj u − z

1
Visto que a função u 7→ u−z é holomorfa em U , o Teorema de Cauchy (para
R du
abertos estrelados) implica que cada integral γj u−z é nula. Logo Ind(ω, z) =
0.
Lema 4.7.8. Sejam U ⊆ C um conjunto aberto e γ : [a, b] → C um caminho
de classe C 1 por partes em U . Seja

g : γ ∗ × U → C, (u, z) 7→ g(u, z)

uma função contı́nua tal que para todo u ∈ γ ∗ , g(u, .) : U → C é holomorfa


em U . Então a função h : U → C definida por
Z
h(z) = g(u, z)du
γ

é holomorfa em U . Mais geralmente,


R se na afirmação anterior γ é substituı́do
por um ciclo ω em U , então z 7→ ω g(u, z) também é holomorfa em U .
Demonstração. Mostremos primeiro que h é contı́nua. Seja z0 ∈ U arbitrário
e r > 0 tal que D = D(z0 , r) ⊆ U . Seja ε > 0 arbitrário. Visto que g é
contı́nua, a sua restrição ao compacto γ ∗ × D é uniformemente contı́nua o
que impliqua que existe δ, com 0 < δ < r, tal que
g(a, b) − g(a0 , b0 ) < ε

L(γ)+1
132 CAPÍTULO 4. TEORIA DE CAUCHY

sempre que a, a0 ∈ γ ∗ e b, b0 ∈ D satisfazem |a − a0 | < δ e |b − b0 | < δ. Em


particular, dado u ∈ γ ∗ qualquer, temos que:
ε
z ∈ U, |z − z0 | < δ ⇒ |g(u, z) − g(u, z0 )| < L(γ)+1
.

Segue-se que para todo z ∈ D(z0 , δ),


L(γ)
R 
|h(z) − h(z0 )| = γ g(u, z) − g(u, z0 ) du ≤ ε L(γ)+1 < ε.
Isso mostra que h é contı́nua em z0 . Como z0 é arbitrário, h é contı́nua em
U . Isto conclui a demonstração da afirmação.
Mostremos agora que h é holomorfa. Seja ∆ ⊆ U um triângulo fechado.
Para simplificar, denotaremos por σ o caminho ∂∆ : [0, 3] → C (veja (4.5)).
Temos que σ = σ1 + σ2 + σ3 , onde cada σk : [0, 1] → C percorre um dos lados
de ∆ (em particular, cada σk é de classe C 1 ). Existe também uma partição
a = t0 < t1 < ... < tn = b de [a, b] tal que γj = γ|[tj ,tj+1 ] é de classe C 1 para
todo j = 0, ..., n − 1. Vem então que
R P3 R
∂∆
h(z)dz = a=1 σa h(z)dz
P3 R 1 0
= a=1 0 h(σa (s))σa (s)ds
P3 R 1  Pn−1 R tb+1
g(γb (t), σa (s))γb0 (t)dt σa0 (s)ds

= a=1 0 b=0 tb
P3 Pn−1 R 1  R tb+1 0 0

= a=1 b=0 0 tb
g(γ b (t), σa (s))γ b (t)σa (s)dt ds.
Pelo Teorema de Fubini, podemos inverter a ordem de integração na ex-
pressão acima. Obtemos
R Pn−1 R tb+1  P3 R 1 0
 0
∂∆
h(z)dz = b=0 a=1 0 g(γb (t), σa (s))σ a (s)ds γb (t)dt
R  R tb 
= γ ∂∆ g(u, z)dz du
e portanto
R R R 
∂∆
h(z)dz = γ ∂∆
g(u, z)dz du.

Por hipótese, a função u 7→ g(u, z)R é holomorfa em U , o que implica pelo


Teorema
R de Cauchy-Goursat que ∂∆ g(u, z)dz = 0. Consequentemente,
∂∆
h(z)dz = 0 para todo triângulo fechado ∆ ⊆ U . Pelo Teorema de Morera,
h é holomorfa em U .
Finalmente, se γ é sustituı́do por um ciclo ω em U na definição de h,
então h é uma soma finita de funções em U , as quais são todas holomorfas
em U pelo que já foi feito acima. Segue-se que h é holomorfa em U .
4.7. VERSÕES HOMOLÓGICAS DOS TEOREMAS DE CAUCHY 133

Teorema 4.7.9 (Teorema e Fórmula de Cauchy globais). Sejam U ⊆ C


um conjunto aberto, f ∈ H(U ) e ω um ciclo em U homólogo a zero em U .
Valem as seguintes afirmações.
R f (u)
a) Para todo z ∈ U − ω ∗ , Ind(ω, z)f (z) = 2πi
1
ω u−z
du.
R
b) ω f (z)dz = 0.

Demonstração. Seja g : U × U → C a função definida por


( f (u)−f (z)
u−z
se u 6= z,
g(u, z) =
f 0 (z) se u = z.

– Afirmarção 1: g é contı́nua em U × U . Obviamente g é contı́nua em


(U × U ) − d, onde d = {(z, z) | z ∈ C} é a diagonal complexa. Para ver que
é contı́nua em (a, a) ∈ (U × U ) ∩ d, seja ε > 0 arbitrário. Pela continuidade
de f 0 em a, existe δ > 0 tal que

z ∈ U, |z − a| < δ ⇒ |f 0 (z) − f 0 (a)| < ε. (4.18)

Diminuindo δ se necessário, podemos supor que D(a, δ) ⊆ U . Sejam z1 , z2 ∈


D(a, δ), z1 6= z2 . Pelo Teorema fundamental do cálculo, temos que
R1 0
g(z1 , z2 ) = f (zz11)−f (z2 ) 1 0
R
−z2
= z1 −z2 [z2 ,z1 ]
f (z)dz = 0
f (σ(t))dt,

onde σ(t) = (1 − t)z2 + tz1 , e portanto


R1
g(z1 , z2 ) = 0 f 0 (σ(t))dt.

Note que esta fórmula vale também para z1 = z2 ∈ D(a, δ). Levando em
conta (4.18) e a inclusão σ ∗ ⊆ D(a, δ), vem então que
R1 
|g(z1 , z2 ) − g(a, a)| = 0 f 0 (σ(t)) − f 0 (a) dt ≤ ε.

Isto mostra que g é contı́nua em (a, a).


– Afirmação 2: Para todo u ∈ U , a função g(u, . ) : U → C é holomorfa
em U . Claramente, g(u, . ) é contı́nua
R em U e holomorfa em U − {u}. Pelo
Teorema de Cauchy-Goursat, ∂∆ g(u, z)dz = 0 para todo triângulo fechado
∆ ⊆ U. Mas então, o Teorema de Morera implica que g(u, . ) é holomorfa em
U.
134 CAPÍTULO 4. TEORIA DE CAUCHY

1
R
– Afirmação 3: A função h : U → C, z 7→ 2πi ω
g(u, z)du é holomorfa em
U . Isto resulta do Lema 4.7.8.
Agora, considere o conjunto

O = {z ∈ C − ω ∗ | Ind(ω, z) = 0}.

e a função h1 : O → C definida por


Z
1 f (u)
h1 (z) = du.
2πi ω u−z

– Afirmação 4: O é um aberto não vazio. Claramente, O é uma reunião de


componentes conexas de C−ω ∗ , as quais são abertas. Logo O é aberto. Para
mostrar que O = 6 ∅, basta observar que O contém a componente conexa não
limitada de C − ω ∗ .
– Afirmação 5: h1 ∈ H(O). Isto decorre da Proposição 4.2.14 ou do Lema
4.7.8.
– Afirmação 6: h1 (z) = h(z) para todo z ∈ U ∩O. Com efeito, dado z ∈ U ∩O,
temos que:
1
R f (u)
h1 (z) = 2πi ω u−z
du
1
R f (u)−f (z)
= 2πi ω u−z
du (pois Ind(ω, z) = 0)
1
R
= 2πi
ω
g(u, z)du
= h(z).

– Afirmação 7: U ∪ O = C. Como efeito, como ω é homólogo a zero em


U , temos que Ind(ω, z) = 0 para todo z 6∈ U , donde C − U ⊆ O e então
C ⊆ U ∪ O.
Resulta das afirmações 4–7 que a função φ : C → C definida por

h(z) se z ∈ U,
φ(z) =
h1 (z) se z ∈ O,

está bem definida, é holomorfa em C e é um prolongamento analı́tico de h.


Além disto, dado R > 0 tal que ω ∗ ⊆ D(0, R), temos que

f (u) M
u − z ≤ |z| − R

4.7. VERSÕES HOMOLÓGICAS DOS TEOREMAS DE CAUCHY 135

para todo z ∈ C − D(0, R) e todo u ∈ ω ∗ , onde M = supu∈ω∗ |f (u)| (veja a


demonstração do Teorema 4.4.7). Logo
1 R f (u) L(ω) M
|φ(z)| = |h1 (z)| = 2πi ω u−z
du ≤ 2π |z|−R (4.19)

para todo z ∈ C − D(0, R). Em particular, |φ(z)| ≤ L(ω) 2π


M para todo
|z| > R+1. Visto que φ é também limitada no fecho de D(0, R+1), deduzimos
que φ é uma função inteira limitada em C. Pelo Teorema de Liouville, φ é
constante. Usando uma sequência que converge para infinito em (4.19), vê-se
que esta constante é zero. Então φ ≡ 0 em C, e em particular, h ≡ 0 em U .
Resulta daı́ que para todo z ∈ U − ω ∗ ,
1
R f (u)−f (z)
2πi ω u−z
du = 0,

ou seja
1
R f (u)
2πi ω u−z
du − f (z)Ind(ω, z) = 0, (4.20)

o que mostra o primeiro item do teorema.


Agora mostremos o segundo item do teorema. Seja z0 ∈ U − ω ∗ qualquer.
Considere a função holomorfa F : U → C definida por F (z) = (z − z0 )f (z).
Aplicando a fórmula (4.20) com F no lugar de f , no ponto z = z0 , obtemos
1
R F (u) 1
R
0 = F (z0 ) = Ind(ω, z0 )F (z0 ) = 2πi ω u−z0
du = 2πi ω
f (u)du,
R
e portanto ω
f (u)du = 0, como querı́amos.

Corolário 4.7.10. Sejam ω e ω 0 dois ciclos no conjunto aberto U ⊆ C. Se


ω ∼U ω 0 , então para toda f ∈ H(U ), tem-se:
Z Z
f (z)dz = f (z)dz.
ω ω0

Demonstração. Basta considerar o ciclo ω−ω 0 e aplicar o Teorema de Cauchy


global.
136 CAPÍTULO 4. TEORIA DE CAUCHY
Capı́tulo 5

Resı́duos

5.1 Singularidades removı́veis


Seja U ⊆ C um conjunto aberto. Dados a ∈ C e r > 0, denotaremos por

D∗ (a, r) = z ∈ C | 0 < |z − a| < r




o disco furado de centro a e raio r.

Lema 5.1.1. Seja a ∈ C − U . As seguintes afirmações são equivalentes.

a) Existe r > 0 tal que D∗ (a, r) ⊆ U .

b) U ∪ {a} é aberto.

Demonstração. Óbvio.

Definição 5.1.2.

a) Diz-se que a ∈ C − U é uma singularidade isolada de f ∈ H(U ) se


U ∪ {a} é aberto. Noutras palavras, se f está definida e holomorfa num
disco furado de centro a.

b) Seja a ∈ C − U uma singularidade isolada de f ∈ H(U ). Diz-se que a é


removı́vel se exitir h ∈ H(U ∪ {a}) tal que h|U = f .

Exemplo 5.1.3.

137
138 CAPÍTULO 5. RESÍDUOS

a) Considere o ramo principal do logaritmo

Ln : C − I → C,

onde I = {x ∈ R | x ≤ 0}. Se x ∈ I, então (C − I) ∪ {x} não é aberto e


portanto x não é uma singularidade isolada de Ln.

b) O ponto 0 é uma singularidade isolada da função C∗ → C, zR 7→ z1 . Não é


removı́vel, pois senão o teorema de Cauchy implicaria que C(0,1) dz z
= 0,
o que não é o caso.

Teorema 5.1.4 (de Riemann sobre as singularidades removı́veis).


Seja a ∈ C − U uma singularidade isolada de f ∈ H(U ). Suponha que f seja
limitada num disco furado de centro a. Então a é uma singularidade isolada
removı́vel.

Demonstração. Por hipótese, U ∪ {a} é um conjunto aberto. Seja h : U ∪


{a} → C a função definida por

(z − a)2 f (z) se z ∈ U,
h(z) = (5.1)
0 se z = a.

Note que h é holomorfa em U . Por hipótese, existem r > 0 e M > 0 tais que
D∗ (a, r) ⊆ U e |f (z)| ≤ M para todo z ∈ D∗ (a, r). Logo

h(z) − h(a)
z − a = |(z − a)f (z)| ≤ |z − a| M

para todo z ∈ D∗ (a, r), donde limz→a h(z)−h(a)


z−a
= 0. Isto mostra que h é C-
0
derivável em a e que h (a) = 0. Em particular, h ∈ H(U ∪ {a}). Visto que
h(a) = h0 (a) = 0, a ordem m ∈ N de h em a é maior do que ou igual a 2.
Pela Proposição 3.10.5, existe uma função g ∈ H(U ∪ {a}) tal que

h(z) = (z − a)m g(z) (5.2)

para todo z ∈ U ∪ {a}. Comparando (5.1) e (5.2), vê-se que (z − a)m−2 g(z)
é uma extensão analı́tica de f em U ∪ {a}.

Corolário 5.1.5. Seja a ∈ C − U uma singularidade isolada de f ∈ H(U ).


Então a é removı́vel se e somente se limz→a f (z) existe.
5.2. PÓLOS 139

Demonstração. Isto resulta imediatamente do Teorema de Riemann.

Exemplo 5.1.6. Considere a função f : C∗ → C definida por

1 − cos(z)
f (z) = .
z2
Então 0 é uma singularidade isolada removı́vel. Para ver isto, note que a
ordem da função 1 − cos(z) em 0 é 2, e portanto existe h ∈ H(C) tal que
1 − cos(z) = z 2 h(z) para todo z ∈ C. Logo limz→0 f (z) = limz→0 h(z) = h(0).

5.2 Pólos
Definição 5.2.1. Seja f : X → C uma função definida num conjunto X ⊆ C,
e seja z0 um ponto de acumulação de X. Diz-se que o limite de f quando
z tende a z0 é infinito se para todo M > 0, existe δ > 0 tal que

z ∈ X, 0 < |z − z0 | < δ ⇒ |f (z)| > M.

Escreve-se então limz→z0 f (z) = ∞.

Observação 5.2.2. Seja z0 ∈ C um ponto de acumulação de X ⊆ C. Dada


uma função f : X → C, é fácil ver que as seguintes afirmações são equiva-
lentes.

i) limz→z0 f (z) = ∞.

ii) limz→z0 |f (z)| = ∞.

iii) Existe r > 0 tal que f (z) 6= 0 para todo z ∈ D∗ (z0 , r)∩X e limz→z0 f (z)
1
=
0.

iv) Para toda sequência (wn )n∈N de pontos wn ∈ X tal que limn→∞ wn = z0 ,
limn→∞ f (wn ) = ∞.

Agora fixamos um conjunto aberto U ⊆ C.

Definição 5.2.3. Seja a ∈ C − U uma singularidade isolada de f ∈ H(U ).


Diz-se que a é um pólo de f se limz→a f (z) = ∞.

Exemplo 5.2.4.
140 CAPÍTULO 5. RESÍDUOS

1
a) Os pólos de f (z) = P (z) , onde P : C → C é um polinômio, são os zeros de
1
P. Com efeito, se P (a) = 0, então limz→a f (z) = limz→a P (z) = P (a) = 0,
e portanto limz→a f (z) = ∞.
ez 1
b) O ponto a = 0 é um pólo de f (z) = z
, pois limz→0 f (z) = limz→0 ezz = 0.

Lema 5.2.5. Seja a ∈ C − U um pólo de f ∈ H(U ). Então existe um inteiro


m ≥ 1 tal que limz→a (z − a)m f (z) existe e é diferente de zero.

Demonstração. Seja a ∈ C − U um pólo de f ∈ H(U ). Como limz→a f (z) =


∞, existe r > 0 tal que D∗ (a, r) ⊆ U e f (z) 6= 0 para todo z ∈ D∗ (a, r). Seja
g : D∗ (a, r) → C a função definida por

1
g(z) = .
f (z)
1
Visto que limz→a g(z) = limz→a f (z) = 0, segue do Teorema de Riemann que a
é uma singularidade isolada removı́vel de g, o que significa que g possui uma
extensão analı́tica no disco D(a, r), a qual denotaremos também por g. Seja

m = o(g, a)

a ordem de g em a. Lembramos que m é o menor inteiro não negativo tal que


g (m) (a) 6= 0 (tal m existe já que g não é identicamente nula numa vizinhança
de a). Visto que g(a) = limz→a g(z) = 0, temos que m ≥ 1. Pela Proposição
3.10.5, existe uma função analı́tica h : D(0, r) → C tal que h(a) 6= 0 e

g(z) = (z − a)m h(z)

para todo z ∈ D(a, r). Claramente, h(z) 6= 0 par todo z ∈ D(a, r) e portanto
1
h
está bem definida e é holomorfa no disco D(a, r). Daı́, segue-se que

limz→a (z − a)m f (z) = limz→a h(z)


1
= 1
h(a)
6= 0.

O resultado segue.

Definição 5.2.6. A ordem do pólo a ∈ C − U de f ∈ H(U ) é o menor


inteiro m ≥ 1 tal que limz→a (z − a)m f (z) existe e é diferente de zero (tal
inteiro existe em vertude do Lema 5.2.5).
5.2. PÓLOS 141

Teorema 5.2.7 (de Laurent para pólos). Seja a ∈ C − U um pólo de


ordem m ≥ 1 de f ∈ H(U ). Então existe uma famı́lia de números complexos
{an ∈ C | n ∈ Z, n ≥ −m}, com a−m 6= 0, tal que f coincide com a função

a−m a−2 a−1 X
+ ... + + + an (z − a)n
(z − a)m (z − a)2 z − a n=0

em qualquer disco furado D∗ (a, R) ⊆ U . Além disto, dado um inteiro n ≥


−m, tem-se
Z
1 f (u)
an = du,
2πi C(a,r) (u − a)n+1

onde r > 0 é qualquer número real tal que D(a, r) − {a} ⊆ U.


Demonstração. Dizer que a é um pólo de ordem m de f implica que limz→a (z−
a)m f (z) existe e é diferente de zero. Sendo assim, a é uma singularidade iso-
lada removı́vel de (z−a)m f (z) (veja Corolário 5.1.5) o que significa que existe
uma função analı́tica h : U ∪ {a} → C tal que

h(z) = (z − a)m f (z) (5.3)

para todo z ∈ U . Seja R > 0 tal que D∗ (a, R) ⊆ U . O fato de h ser holomorfa
em U ∪ {a} ⊇ D(a, R) implica que h coincide com a função soma de uma
certa série no disco D(a, R),

X
h(z) = bn (z − a)n , z ∈ D(a, R). (5.4)
n=0

Comparando (5.3) e (5.4) e lavando em conta o Lema 3.7.21, vem que para
todo z ∈ D∗ (a, R),

(z − a)m f (z) = h(z) = n≥0 bn (z − a)n


P

= b0 + ... + bm−1 (z − a)m−1 + (z − a)m n≥0 bn+m (z − a)n .


P

Dividindo por (z − a)m e pondo an = bn+m , n ≥ −m, obtemos


a−m a−1 P n
f (z) = (z−a)m + ... + z−a + n≥0 an (z − a)

para todo z ∈ D∗ (a, R). Note que a−m = b0 = h(a) = limz→a (z − a)m f (z) 6=
0. Isto conclui a demonstração da primeira parte do enunciado.
142 CAPÍTULO 5. RESÍDUOS

Agora mostremos a segunda parte do enunciado. Sejam n ≥ −m ar-


bitrário e r > 0 tal que D(a, r) − {a} ⊆ U . Usando novamente o fato de h
ser holomorfa em U ∪ {a} ⊇ D(a, r), temos pela Proposição 4.6.3 que
1
R h(u)
an = bn+m = 2πi C(0,r) (u−a)n+m+1
du
m
(u−a) f (u)
1
R
= 2πi C(0,r) (u−a)n+m+1
du
1
R f (u)
= 2πi C(0,r) (u−a)n+1
du.

O resultado segue.

Observação 5.2.8. Com a notação do Teorema acima, a função



a−m a−2 a−1 X
+ ... + + + an (z − a)n (5.5)
(z − a)m (z − a)2 z − a n=0

é chamada série de Laurent de f no pólo a ∈ C − U . É frequente escrever



X
an (z − a)n
n=−m

P−1
em vez de (5.5). A função n=−m an (z − a)n é chamada parte principal
da série de Laurent (5.5).

Corolário 5.2.9. Seja a ∈ C − U uma singularidade isolada de f ∈ H(U ).


As seguintes afirmações são equivalentes.

a) a é um pólo de ordem m de f .

b) Existem um disco furado D∗ (a, r) ⊆ U e g ∈ H(D(a, r)) tais que g(a) 6= 0


e
g(z)
f (z) =
(z − a)m

para todo z ∈ D∗ (a, r).

Demonstração.
1
(a ⇒ b) Basta considerar a série de Laurent de f em a e fatorar por (z−a)m
.
5.2. PÓLOS 143

(b ⇒ a) Seja g ∈ H(D(a, r)) como no enunciado. Dado un inteiro k ≥ 0,


temos que
g(z)
f (z)(z − a)k =
(z − a)m−k
para todo z ∈ D∗ (a, r), donde

 ∞ se k < m,
k
limz→a f (z)(z − a) = g(a) se k = m,
0 se k > m.

Resulta daı́ que a é um pólo de f de ordem m.


Corolário 5.2.10. Seja a ∈ C − U um pólo de ordem m ≥ 1 de f ∈ H(U ).
Então a é um pólo de ordem m + 1 de f 0 .
Demonstração. Pelo Corolário 5.2.9, existem um disco furado D∗ (a, r) ⊆ U
g(z) ∗
e g ∈ H(D(a, r)) tais que g(a) 6= 0 e f (z) = (z−a) m para todo z ∈ D (a, r).

Logo
g 0 (z)(z−a)m −m(z−a)m−1 g(z) g 0 (z)(z−a)−mg(z) h(z)
f 0 (z) = (z−a)2m
= (z−a)m+1
= (z−a)m+1
,

onde h(z) = g 0 (z)(z − a) − mg(z). Visto que h ∈ H(D(a, r)) e h(a) =


−mg(a) 6= 0, o Corolário 5.2.9 implica que a é um pólo de ordem m + 1 de
f 0.
Lema 5.2.11. Seja a ∈ U um zero de f ∈ H(U ) tal que m = o(f, a) < ∞
(isto é, tal que f não seja identicamente nula numa vizinhança de a.). Então
1
a é um pólo de ordem m da função U − Z(f ), z 7→ f (z) .
1
Demonstração. Seja g : U − Z(f ), z 7→ f (z) . Como f (a) = 0 e m < ∞,
segue do Corolário 3.10.6 que a é um ponto isolado de Z(f ), o que implica
que a é uma singularidade isolada de g. Seja r > 0 tal que D∗ (a, r) ⊆
U − Z(f ). Pela Proposição 3.10.5, existe h ∈ H(D(a, r)) tal que h(a) 6= 0
e f (z) = (z − a)m h(z) para todo z ∈ D(a, r). Note que f (z)h(z) 6= 0 para
todo z ∈ D∗ (a, r). Assim,
1 1/h(z)
g(z) = =
f (z) (z − a)m
para todo z ∈ D∗ (a, r). Como 1
h(a)
6= 0, segue-se do Corolário 5.2.9 que a é
um pólo de ordem m de g.
144 CAPÍTULO 5. RESÍDUOS

Proposição 5.2.12. Suponha U conexo e f ∈ H(U ) não identicamente


nula. Então cada zero a ∈ U de f é um pólo de ordem o(f, a) da função
1
U − Z(f ) → C, z 7→ f (z) .
Demonstração. Sendo U conexo e f não identicamente nula, temos que
o(f, z) < ∞ para todo z ∈ U . Resta aplicar o Lema 5.2.11.

5.3 Singularidades essenciais


Seja U ⊆ C um conjunto aberto.
Definição 5.3.1. Diz-se que uma singularidade isolada a ∈ C − U de f ∈
H(U ) é essencial se a não é removı́vel e não é um pólo.
Observação 5.3.2. Seja a ∈ C − U uma singularidade isolada de f ∈ H(U ).
Então há três alternativas:
a) a é removı́vel ⇔ limz→a f (z) existe;
b) a é um pólo ⇔ limz→a f (z) = ∞;
c) a é essencial ⇔ a não é removı́vel e não é um pólo.
Exemplo 5.3.3. O ponto a = 0 é uma singularidade essencial de f (z) = e1/z .
Com efeito, limn→∞ f ( n1 ) = ∞ e limn→∞ f ( −1
n
) = 0.
Teorema 5.3.4 (de Casorati-Weierstrass). Sejam a ∈ C − U uma sin-
gularidade isolada de f ∈ H(U ) e r > 0 tal que D∗ (a, r) ⊆ U . As seguintes
afirmações são equivalentes.
a) a é uma singularidade isolada essencial de f .
b) Para todo 0 < ε ≤ r, f (D∗ (a, ε)) é denso em C.
Demonstração. Claramente b) implica a). Para mostrar a outra implicação,
vamos proceder por absurdo. Suponha então que exista 0 < ε ≤ r tal que

S := f (D∗ (a, ε)) 6= C.

Assim C − S é um conjunto aberto não vazio. Sejam z0 ∈ C − S e δ > 0 tal


que D(z0 , δ) ⊆ C − S. Temos então que

z ∈ D∗ (a, ε) ⇒ |f (z) − z0 | ≥ δ. (5.6)


5.4. FUNÇÕES MEROMORFAS 145

Definamos g : D∗ (a, ε) → C∗ pondo


1
g(z) = .
f (z) − z0

Segue-se de (5.6) que |g(z)| ≤ 1δ para todo z ∈ D∗ (a, ε). Pelo Teorema de
Riemann, a é uma singularidade isolada removı́vel de g. Sendo assim, g
possui uma extensão analı́tica no disco D(a, ε), que denotaremos também
por g.
– 1◦ caso: g(a) 6= 0. Neste caso, g(z) 6= 0 para todo z ∈ D(a, ε). A
1
função z 7→ g(z) sendo contı́nua no compacto D(a, ε/2), é limitada, e como
1
g(z)
= f (z) − z0 para todo z ∈ D∗ (a, ε/2), segue-se que f (z) − z0 é limitada
em D∗ (a, ε/2). Pelo Teorema de Riemann, a é uma singularidade isolada
removı́vel de f (z) − z0 . Logo a é uma singularidade isolada removı́vel de f .
– 2◦ caso: g(a) = 0. Pela Proposição 5.2.12, a é um pólo de g(z)
1
. Visto que
1 ∗
g(z)
= f (z) − z0 para todo z ∈ D (a, ε), a é um pólo de f (z) − z0 . Logo a é
um pólo de f .
Segue-se dos dois casos que a não é uma singularidade isolada essencial.

5.4 Funções meromorfas


Definição 5.4.1. Diz-se que um conjunto A ⊆ C é discreto se todos os seus
pontos são isolados em A, isto é, se para todo a ∈ A, existe ε > 0 tal que
D(a, ε) ∩ A = {a}.

Exemplo 5.4.2. Os seguintes conjuntos são discretos.

a) Qualquer subconjunto finito de C.

b) Z ⊆ C.

c) Z(f ) = {z ∈ U | f (z) = 0}, onde f : U → C é uma função holomorfa não


identicamente nula definida num conjunto aberto conexo U ⊆ C (veja o
Teorema 3.10.7).

d) { n1 ∈ C | n ∈ N∗ }.

Note que 0 é um ponto de acumulação do último conjunto.


146 CAPÍTULO 5. RESÍDUOS

Lema 5.4.3. Seja A um subconjunto de um conjunto aberto U ⊆ C. As


seguintes afirmações são equivalentes.

a) A é discreto e U − A é aberto.

b) A não possui pontos de acumulação em U , isto é, A0 ∩ U = ∅.

c) Para todo compacto K ⊆ U , a interseção K ∩ A é finita.

d) Para todo z ∈ U , existe ε > 0 tal que D∗ (z, ε) ⊆ U − A.

Demonstração.

(a ⇒ b) Por absurdo, suponha que A possua um ponto de acumulação em


U , digamos z ∈ U. Então existe uma sequência de números complexos
(an )n∈N tal que an ∈ A − {z} para todo n ∈ N e limn→∞ an = z. O fato
de A ser discreto implica que z 6∈ A, ou seja, z ∈ U − A, e como U − A
é aberto, existe N ∈ N tal que n ≥ N implica an ∈ U − A. Mas isto
contradiz a condição an ∈ A para todo n ∈ N.

(b ⇒ c) Por absurdo, suponha que exista um compacto K ⊆ U tal que K ∩A


seja infinito. Pela compacidade de K, o conjunto K∩A possui um ponto
de acumulação, digamos z, o qual pertence a K (já que K é fechado).
Logo z é um ponto de acumulação de A pertencente a U , um absurdo.

(c ⇒ d) É fácil ver que o item d) é equivalente a seguinte afirmação: para


todo z ∈ U , existe ε > 0 tal que

D(z, ε) ∩ A ⊆ {z}.

Para mostrar esta afirmação, considere z ∈ U arbitrário e escolha r > 0


tal que K = D(z, r) ⊆ U . Por hipótese, K ∩ A é finito. Se K ∩ A = ∅,
então D(z, r) ∩ A = ∅ ⊆ {z}. Senão, existem a1 , ...an ∈ A, dois a dois
distintos, tais que K ∩ A = {a1 , ..., an }. Seja ε = min{|z − ak | | k =
1, ..., n}. Se ε > 0, então D(z, ε) ∩ A = ∅ ⊆ {z}. Se ε = 0, então
existe k0 ∈ {1, ..., m} tal que z = ak0 . Seja δ = min{|z − ak | | k =
1, ..., n, k 6= k0 }. Então δ > 0 (pois os ak são dois a dois distintos) e
D(z, δ) ∩ A = {z}.

(d ⇒ a) Óbvio.
5.4. FUNÇÕES MEROMORFAS 147

Definição 5.4.4. Seja A um subconjunto de um conjunto aberto U ⊆ C.


Diz-se que A é localmente finito em U se satisfizer uma das condições do
Lema 5.4.3 (logo todas). Convencione-se que A = ∅ é localmente finito em
qualquer conjunto aberto.

Exemplo 5.4.5.

a) N e Z são localmente finitos em C.

b) Qualquer conjunto finito A de uma conjunto aberto U ⊆ C é localmente


finito em U.

c) A = { n1 ∈ C | n ∈ N∗ } é localmente finito em C∗ (pois A0 ∩C∗ = {0}∩C∗ =


∅), mas não é localmente finito em C.

d) Sejam U ⊆ C um conjunto aberto conexo e f ∈ H(U ) não identicamente


nula. Então A = Z(f ) = {z ∈ U | f (z) = 0} é localmente finito em U
(veja o Teorema 3.10.7).

Lema 5.4.6. Seja A um subconjunto localmente finito de um conjunto aberto


U ⊆ C (em particular U − A é aberto pelo lema acima). Se f ∈ H(U − A),
então todo a ∈ A é uma singularidade isolada de f .

Demonstração. Isto resulta imediatamente do Lema 5.4.3.


Fixamos um conjunto aberto U ⊆ C.

Definição 5.4.7. Seja f : X → C uma função definida num conjunto X ⊆ C.


Diz-se que f é meromorfa em U se X ⊆ U e se:

a) A = U − X é localmente finito em U ,

b) f ∈ H(U − A),

c) cada a ∈ A é um pólo ou uma singularidade isolada removı́vel de f

(note que X = U − A é aberto e que cada a ∈ A é uma singularidade isolada


de f em virtude do Lema 5.4.3 e do Lema 5.4.6).

O conjunto das funções meromorfas em U será denotado por M (U ).

Exemplo 5.4.8. Em cada um dos casos abaixo, a função f é meromorfa no


conjunto U indicado.
148 CAPÍTULO 5. RESÍDUOS

a) Qualquer função f holomorfa em U é meromorfa em U .


1
b) Qualquer função da forma U − Z(f ) → C, z 7→ f (z) , com U ⊆ C conexo e
f ∈ H(U ) não identicamente nula, é meromorfa em U (veja a Proposição
5.2.12).
P (z)
c) Qualquer função da forma U − Z(Q) → C, z 7→ Q(z) , onde P, Q : C → C
são dois polinômios, Q não identicamente nulo, é meromorfa em C.
sin(z)
d) f (z) = z3
, U = C.
e1/z
e) f (z) = z−1
, U = C∗ (z = 0 é uma singularidade essencial).
Proposição 5.4.9. Sejam U ⊆ C um conjunto aberto conexo, g, h ∈ H(U )
não identicamente nulas e f = hg ∈ H(U − Z(h)). Seja a ∈ Z(h) (é uma
singularidade isolada de f ) e sejam m1 ∈ N e m2 ∈ N as ordens de g e h em
a, respectivamente. Valem as seguintes afirmações.
a) Se m1 ≥ m2 , então a é uma singularidade isolada removı́vel de f .

b) Se m1 < m2 , então a é um pólo de ordem m2 − m1 de f .


Em particular, f ∈ M (U ).
Demonstração. Seja a ∈ Z(h) e sejam m1 ∈ N e m2 ∈ N as ordens de g e h
em a, respectivamente. Pela Proposição 3.10.5, existem g1 , h1 ∈ H(U ) tais
que g1 (a)h1 (a) 6= 0 e g(z) = (z − a)m1 g1 (z) e h(z) = (z − a)m2 h1 (z) para todo
z ∈ U. Logo
g1 (z)
f (z) = (z − a)m1 −m2
h1 (z)
para todo z ∈ U − Z(h). Quando m1 < m2 , o Corolário 5.2.9 implica que a
é um pólo de ordem m2 − m1 de f . Quando m1 ≥ m2 , temos que
(
g1 (a)
h1 (a)
se m1 = m2 ,
limz→a f (z) =
0 se m1 > m2 ,

e portanto a é removı́vel.
Dada uma função f : X → C meromorfa em U , denotaremos por Af o
conjunto U − X.
5.4. FUNÇÕES MEROMORFAS 149

Definição 5.4.10 (Operações entre funções meromorfas). Sejam f, g ∈


M (U ).

a) A soma de f e g é a função

U − (Af ∪ Ag ) → C,
f +g :
z 7→ f (z) + g(z).

b) O produto de f e g é a função

U − (Af ∪ Ag ) → C,
fg :
z 7→ f (z)g(z).

c) Suponha U conexo e f não identicamente nula. A inversa de f é a função



1 U − (Af ∪ Z(f )) → C,
: 1
f z 7→ f (z) .

d) Seja Sf = {a ∈ Af | limz→a f (z) existe} o conjunto dos pontos a ∈ Af


que são singularidades isoladas removı́veis de f . A extensão analı́tica de
f ao conjunto (U − Af ) ∪ Sf será denotada por f ∗ . Assim,

∗ f (z) se z ∈ U − Af ,
f (z) =
limw→z f (w) se z ∈ Sf .

Proposição 5.4.11. Sejam f, g ∈ M (U ). Então f + g, f g, f ∗ ∈ M (U ). Se


U é conexo e f não é identicamente nula, então f1 ∈ M (U ).

Demonstração. Primeiro, note que se A e B são dois conjuntos localmente


finitos em U e se C é um subconjunto qualquer de A, então A ∪ B e C são
localmente finitos em U (isto decorre imediatamente do item c) do Lema
5.4.3). Logo os domı́nios de definição de f + g, f g, f1 e f ∗ são todos da forma
U − Γ, com Γ ⊆ U localmente finito em U . Além disto, é óbvio que as
funções f + g, f g, f1 e f ∗ são todas holomorfas nos seus domı́nios de definição
respectivas. Resta mostrar que para cada uma dessas funções, todo a ∈ U −Γ
é uma singularidade removı́vel ou um pólo. Vamos considerar cada função
separadamente.
Seja a ∈ Af ∩ Ag .
150 CAPÍTULO 5. RESÍDUOS

Se a é um pólo de ordem m de f e um pólo de ordem n de g. Neste caso,


existem r > 0 e h1 , h2 ∈ H(D(a, r)) tais que h1 (a)h2 (a) 6= 0 e tais que
h1 (z) h2 (z)
para todo z ∈ D∗ (a, r), f (z) = (z−a) m e g(z) = (z−a)n (veja Corolário

5.2.9). Sem perda de generalidade, podemos supor m ≤ n. Logo


h1 (z) h2 (z) h1 (z)(z − a)n−m + h2 (z)
(f + g)(z) = + =
(z − a)m (z − a)n (z − a)n

Corolário 5.4.12. Suponha U conexo. Então M (U ), munido das operações


acima, é um corpo.
Demonstração. Que dire?
Proposição 5.4.13. Sejam U ⊆ C um conjunto aberto e f ∈ M (U ). Valem
as seguintes afirmações.
a) A derivada f 0 é meromorfa em U . Além disto, f e f 0 têm os mesmos pólos
em U . Se a é um pólo de ordem m de f em U , então, é um pólo de ordem
m + 1 de f 0 .
f0
b) Suponha U conexo e f não identicamente nula. Se g = f
, então g ∈ M (U )
e todos os pólos de g ...
Demonstração. Que dire?

5.5 O Teorema dos resı́duos


Seja U ⊆ C um conjunto aberto.
Definição 5.5.1. Seja a ∈ C − U uma singularidade isolada de f ∈ H(U ).
O resı́duo de f em a é o número complexo
Z
1
Res(f, a) = f (z)dz,
2πi C(a,r)

onde r > 0 é qualquer número real tal que D(a, r) − {a} ⊆ U .


Observação 5.5.2. O Teorema de Cauchy global garante que Res(f, a) é
independente da escolha de 0 < r < R, pois dados 0 < r1 ≤ r2 < R, os
Disco fechado... caminhos a + r1 eit e a + r2 eit , 0 ≤ t ≤ 2π, são homólogos em D∗ (a, R).
5.5. O TEOREMA DOS RESÍDUOS 151

Exemplo 5.5.3. O resı́duo de f (z) = z1 relativo a z = 0 é dado por:


Z Z 2π it
1 dz 1 ie
Res(f, 0) = = dt = 1.
2πi C(0,1) z 2πi 0 eit
Lema 5.5.4. Seja ω um ciclo em U − A homólogo a zero em U . Então o
conjunto dos pontos a ∈ A tais que Ind(ω, a) 6= 0 é finito.
Demonstração. Visto que a função Indω é constante nas componentes cone-
xas de C − ω ∗ , o conjunto O = {z ∈ C − ω ∗ | Ind(ω, z) = 0} é uma reunião
de componentes conexas de C − ω ∗ contendo a componente conexa não limi-
tada de C − ω ∗ . Logo O é um conjunto aberto e seu complementar em C
é fechado e limitado, ou seja, é compacto. Seja K = C − O este compacto.
Dado z ∈ K, há duas possibilidades: z ∈ ω ∗ ou Indω (z) 6= 0. Se z ∈ ω ∗ ,
então z ∈ U , já que ω ∗ ⊆ U . Se Indω (z) 6= 0, então a condição ω ∼U 0
implica também que z ∈ U . Em todos os casos, se z ∈ K, então z ∈ U .
Assim K ⊆ U . Seja P o conjuntos dos pontos a ∈ A tais que Ind(ω, a) 6= 0.
Claramente P = A ∩ K. Em particular, P ⊆ K, e isto implica que P é finito,
pois caso contrário, P possuiria um ponto de acumulação no compacto K, o
qual está contido em U , e portanto A possuiria um ponto de acumulação em
U , um absurdo. Segue-se que P é finito.
Teorema 5.5.5 (dos resı́duos). Sejam, com a notação acima, f ∈ H(U −A)
e ω um ciclo em U − A homólogo a zero em U . Então
Z
1 X
f (z)dz = Ind(ω, a)Res(f, a)
2πi ω a∈A

(note que este somatório é finito em virtude do Lema 5.5.4).


Demonstração. Seja P = {a1 , ..., an } o conjunto dos pontos a ∈ A tais que
Ind(ω, a) 6= 0. Dado j = 1, ..., n, escolhamos um disco Dj = D(aj , εj ) tal que
Dj − {aj } ⊆ U − A
e definamos γj : [0, 2π] → C pondo
γj (t) = aj + εj eit .
Ponhamos também
n
X
ω0 = ω − nj γj ,
j=1
152 CAPÍTULO 5. RESÍDUOS

onde nj = Ind(ω, aj ) ∈ Z e nj γj denota o ciclo γj + γj + ... + γj (nj -vezes).


Afirmamos que ω 0 é homólogo a zero em U −A, isto é, que Ind(ω 0 , z) = 0 para
todo z ∈ C − (U − A). Para ver isto, considere z ∈ C − (U − A) = (C − U ) ∪ A
arbitrário. Levando em conta a Proposição 4.7.3, vem que:
n
X
0
Ind(ω , z) = Ind(ω, z) − nj Ind(γj , z).
j=1

Vamos considerar três casos.


– 1◦ caso: z ∈ C − U . Dado j = 1, ..., n, a condição z 6∈ U implica que z
pertence à componente conexa não limitada de C−γj∗ , e portanto Ind(γj , z) =
0. Logo Ind(ω 0 , z) = Ind(ω, z). Como ω ∼U 0, Ind(ω, z) = 0.
– 2◦ caso: z ∈ A − P . Dado j = 1, ..., n, a condição Dj ∩ A = {aj } implica
que z não pertence ao disco Dj (pois senão terı́amos z = aj ∈ P ) e portanto
z pertence à componente conexa não limitada de C − γj∗ . Sendo assim,
Ind(γj , z) = 0 para todo j = 1, ..., n, donde Ind(ω 0 , z) = Ind(ω, z). Por
definição de P , Ind(ω, z) = 0.
– 3◦ caso: z ∈ P . Então z = ak para algum k = 1, ..., m e então

Ind(ω 0 , z) = Ind(ω, ak ) − nj=1 nj Ind(γj , ak )


P

= nk − nj=1 nj δjk
P

= nk − nk = 0,

onde usamos as relações Ind(γj , ak ) = δjk , as quais decorrem facilmente de


Dj ∩ A = {aj }. Isto conclui a demonstração da afirmação.
Seja agora f ∈ H(U − A). Pelo Teorema de Cauchy global, tem-se:
1
R
0 = 2πi f (z)dz
Rω 0
= 2πi ω f (z)dz − nj=1 nj 2πi
1 1
P R
γj
f (z)dz
1
f (z)dz − nj=1 nj Res(f, aj )
R P
= 2πi ω
1
R P
= 2πi ω
f (z)dz − a∈A Ind(ω, a)Res(f, a).

O resultado segue.

5.6 Cálculo dos resı́duos


Seja U ⊆ C um conjunto aberto.
5.6. CÁLCULO DOS RESÍDUOS 153

Lema
P∞ 5.6.1. Seja a ∈ C − U um pólo de ordem m de f ∈ H(U ). Se
n
n=−m an (z − a) denota a série de Laurent de f em a, então

Res(f, a) = a−1 .
Demonstração. Pelo Teorema 5.2.7,
Z
1
a−1 = f (u)du, (5.7)
2πi C(a,r)

onde r > 0 é qualquer número real tal que D(a, r) − {a} ⊆ U . Por outro
lado, a integral do lado direito de (5.7) é, por definição, o resı́duo de f em
a.
dn g
Dados n ∈ N e g ∈ H(U ), denotaremos por dz n
a derivada de ordem n
de g.
Proposição 5.6.2. Seja a ∈ C − U um pólo de ordem m de f ∈ H(U ).
Então,
dm−1 m
 1
Res(f, a) = lim m−1
(z − a) f (z) . (5.8)
z→a dz (m − 1)!
Demonstração. O fato de a ser um pólo de ordem m de f implica que a é
f (z)(z − a)m . Logo existem um disco
uma singularidade isolada removı́vel deP
D(a, ε) ⊆ U ∪ {a} e uma série S(z) = n≥0 bn (z − a)n tais que
(z − a)m f (z) = S(z)
para todo z ∈ D∗ (a, ε). Em particular,
S (m−1) (a) (m−1)
dm−1
= limz→a S (m−1)!(z) = limz→a (z − a)m f (z) 1

bm−1 = (m−1)! dz m−1 (m−1)!
,
isto é,
dm−1 m
 1
bm−1 = limz→a dz m−1 (z − a) f (z) (m−1)! . (5.9)

Por outro lado, se ∞ n


P
n=−m an (z − a) denota a série de Laurent de f em a,
já vimos na demonstração do Teorema de Laurent para pólos que an = bn+m
para todo n ≥ −m. Em particular,
a−1 = bm−1 . (5.10)
Comparando (5.9) e (5.10) e levando em conta a fórmula a−1 = Res(f, a)
(veja Lema 5.6.1), obtemos a fórmula desejada.
154 CAPÍTULO 5. RESÍDUOS

Corolário 5.6.3. Sejam g, h ∈ H(U ) e a ∈ U tais que g(a) 6= 0, h(a) = 0 e


h0 (a) 6= 0. Então a é um pólo de ordem 1 de f = hg ∈ H(U − Z(h)) e

g(a)
Res(f, a) = .
h0 (a)

Demonstração. Basta observar que

g(z) g(z) g(a)


(z − a) = −→ 6= 0
h(z) h(z)−h(a) z→a h0 (a)
z−a

e aplicar a Proposição 5.6.2.

Proposição 5.6.4. Sejam f ∈ M (U ) não identicamente nula e a ∈ Z(f ) ∪


P (f ). Então,

f0 m se a é um zero de ordem m de f,
Res( f , a) =
−m se a é um pólo de ordem m de f.

Você também pode gostar