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SOMENTE AMOR

Oeste 04

Elizabeth Lowell
SINOPSE

Território do Colorado, 1868.


Após o desaparecimento de sua família, a bela e inocente,
Shannon Conner, tenta desesperadamente sobreviver ao gélido
inverno na pequena cabana que herdou.
Sozinha e desamparada, deverá enfrentar o cruel assédio
ao qual é submetida por um grupo de foragidos... e à
devastadora atração que sente pelo rígido pistoleiro que
arriscará sua própria vida para protegê-la.
Rafe Moran, um homem perigoso e implacável, que nunca
pensou em se assentar em algum lugar, até conhecer Shannon
e sucumbir a doce violência do desejo e da paixão que ela lhe
oferece... uma paixão selvagem e sem limites pela qual ele será
capaz de perder sua própria alma.
CAPÍTULO 1

Verão de 1868
Echo Basi Território de Colorado

Está assustada.
Tem um jeito de andar doce como o mel.
As duas ideias assaltaram quase ao mesmo tempo a
mente de Rafael Chicote Moran, e não soube decidir o que o
atraía primeiro à jovem, o medo ou o seu modo de andar.
Esperava que fosse o medo.
Porém, o calor que correu em suas veias lhe dizia o
contrário. Sob as calças puídas e a jaqueta de lã masculina que
aquela jovem usava, havia um corpo muito feminino. E sob as
costas eretas, o queixo alto e a determinação, existia um medo
muito real.
Rafe ignorava o que provocava o medo da jovem ou porque
lhe importava tanto. O que sabia era que descobriria.
Permaneceu um momento mais em pé, no barro frio, em
frente ao único armazém de Holler Creek, e o gélido vento da
montanha atravessou sua grossa jaqueta de lã. A jovem
também percebeu porque estremeceu ao passar
apressadamente pela imunda porta do estabelecimento.
Com os rápidos movimentos de um homem dotado de um
ágil e poderoso corpo, Rafe seguiu a misteriosa jovem e entrou
no armazém. O vento fechou a porta às suas costas com um
forte estrépito, porém mal notou devido a concentrar toda sua
atenção na jovem, que parou com aquele andar tão seu, doce e
levemente oscilante, debaixo de um raio de luz que entrava pela
única janela que não estava quebrada e que não havia sido
coberta com tábuas. Durante alguns poucos segundos, os
olhos femininos percorreram avidamente as pilhas espalhadas
de comestíveis não perecíveis, ferramentas e roupas, enquanto
seus dedos se fechavam formando um punho envolvendo
alguma coisa que levava na mão.
Como se sentisse o intenso interesse de Rafe sobre sua
pessoa, a jovem se virou de repente e o olhou com lindos olhos
da cor de um selvagem e outonal céu azul, tão claros e
profundos que um homem poderia admirá-los eternamente e
nunca achar fim em tal beleza. Algumas rebeldes e longas
mechas escapavam do chapéu e Rafe viu admirado que
possuiam um brilhante tom castanho com reflexos vermelhos e
dourados.
Eu já a vi antes, pensou. Porém aonde?
Respirou profundamente e uma longínqua e perturbadora
lembrança voltou à sua cabeça.
Meu sonho. É a mulher que aguarda em pé à porta de
uma cabana, me esperando.
Paralisado, Rafe contemplou como um cacho escapava
inesperadamente do deteriorado chapéu e resplandecia como
seda contra seu pálido rosto.
Sem pensar, se aproximou ainda mais dela e levantou a
mão para recolocar em seu lugar a mecha, por cima da sua
orelha, porém quando percebeu o que ia fazer, parou, se
afastou e tocou a aba do chapéu.
— Bom dia, senhora. —Acompanhou sua saudação com
uma leve inclinação de cabeça.
A jovem piscou e olhou sua grande mão. Rafe sabia o por
quê. Movera-se tão rápido que ela não poderia estar certa se ele
pretendera tocá-la em vez de erguer o chapéu educadamente.
O olhar da jovem se deslocou então para o chicote
enrolado sobre seu ombro direito e seus olhos se abriram ainda
mais.
Os chicotes não eram algo especialmente incomum no
território do Colorado, mas não o suficiente para que a visão de
um deles surpreendesse alguém, pelo que a reação involuntária
da jovem indicou a Rafe que provavelmente ela sabia quem ele
era.
Ou, para ser mais preciso, conhecia sua reputação.
Com um tenso movimento da cabeça, a jovem respondeu a
sua educada saudação e lhe virou as costas com fria
determinação.
— Senhor Murphy? — disse com voz rouca.
Rafe sentiu que seu corpo ficava tenso como se a jovem o
tivesse acariciado dos pés à cabeça. Sua voz, assim como seu
modo de andar, era incrivelmente doce.
Passei muito tempo sem uma mulher.
No entanto, quando a ideia surgiu em sua mente, soube
que não era verdade. Nunca fora um homem dominado por sua
sexualidade. Havia passado muitos anos em terras longínquas
onde as mulheres eram proibidas aos estrangeiros; até mesmo
para um com voz suave e educada, fortes ombros, olhos cinza e
cabelos loiros.
— Senhor Murphy?
Como resposta, se ouviu um ruído e uma série de
impropérios, seguidos pelo som de alguns passos reticentes,
procedentes da parte de trás do armazém. O comerciante
finalmente havia abandonado seu acolhedor assento junto à
estufa para atender o frio armazém com aspecto de celeiro onde
os abastecimentos se amontoavam em desordenadas pilhas. O
fato de possuir o único armazém na região mineira de Echo
Bassin conseguira que Murphy se acreditasse ser um homem
importante, e agora fazia os clientes se sentirem como ele lhes
fizesse um favor ao vender seus produtos a preços abusivos.
Rafe se colocou a um lado e se virou instintivamente
quando a porta se abriu às suas costas. Sua mão esquerda
voou sobre o extremo do chicote que pendurava em seu ombro
direito enquanto se virava, porém, mesmo sendo rápido, o
movimento não pareceu ameaçador. Era simplesmente o
comportamento de alguém que estava acostumado a viver
somente em lugares perigosos entre o mais violento dos
animais: o homem.
E, na verdade, os quatro homens que atravessaram a
porta pareciam exemplos perfeitos do porque de Rafe ter
cuidado em não dar as costas a ninguém em Echo Bassin. Os
integrantes da família Culpepper eram inclusive mais perigosos
do que os caçadores de ouro. Escandalosos, grosseiros, sujos e
preguiçosos. Ninguém os apreciava especialmente, incluindo,
segundo se murmurava, a sua própria mãe, que vivia no
Arkansas.
Poucos podiam distinguir Beau Culpepper de seu irmão
Clim, ou Darcy de Floyd. E ninguém se importava. Não havia
grande diferença entre eles. Cabelos castanhos, olhos azul
claro, magros, irritáveis. Todos os Culpepper eram iguais e
nunca se separavam. Procuravam minérios, caçavam, brigavam
e se deitavam, juntos, com as prostitutas.
Dizia-se que também roubavam juntos, aos mineiros que
levavam seu ouro de Echo Bassin até Canyon City. Mesmo que
ninguém nunca tivesse conseguido provar. Porém, ninguém
insistia no assunto, nem em público nem em particular, porque
os poucos que contrariavam os Culpepper costumavam
despertar cheios de hematomas, ensanguentados e decididos a
provar a sorte em qualquer outra parte das Montanhas
Rochosas.
No entanto, apesar de que os Culpepper não pareciam ter
muito interesse em arrancar o ouro da dura rocha, a
marteladas, brigavam ferozmente com os pés, punhos, facas e
pistolas.
Silenciosamente, Rafe se aproximou um pouco mais da
parede com o fim de ter espaço suficiente para alguma
manobra. Não esperava que ocorresse nenhum incidente,
porém um homem cuidadoso sempre estava preparado e Rafe
era um homem extremamente cuidadoso. Daquela posição,
podia ver a jovem à sua direita e os Culpepper à sua esquerda.
Se os irmãos perceberam os movimentos de Rafe, não
demonstraram. Seus pálidos olhos azuis estavam fixos na bela
jovem como se suas miseráveis vidas dependessem daquilo.
— O que quer exatamente, Shannon? — Perguntou
Murphy, o dono do armazém. — Fale rápido. Minhas frieiras
estão me matando.
— Farinha, sal. — A jovem respirou agitadamente. — Um
punhado de banha de porco e um pouco de bicarbonato de
sódio.
— Como pagará? — Murphy rosnou. Era uma exigência,
mais do que uma pergunta.
— Com minha aliança. — Shannon respondeu, enquanto
abria a mão. Um círculo de ouro brilhava sobre a palma de sua
mão.
Ao descobrir que a jovem estava casada, Rafe sentiu uma
gelada sensação de decepção se apoderando dele.
Claro que está, disse a si mesmo acidamente. Uma mulher
como ela não viveria sozinha em um lugar como Echo Basin.
— É de ouro? — Murphy perguntou, olhando o anel.
— Sim.
Aquela curta resposta, assim como o leve tremor na mão
que estendeu ao comerciante, deixou entrever o nervosismo de
Shannon.
Rafe piscou em um gesto de compaixão pela jovem. O
inverno passado deveria ter sido muito duro para ela e seu
marido se era forçada a vender sua aliança por aquelas
escassas provisões.
Os dedos sujos de Murphy se demoraram na palma de
Shannon ao pegar o anel, porém quando os afastou da
imaculada pele da jovem, se moveram rápidos para comprovar
a qualidade da joia.
Enquanto o dono do armazém mordia a aliança, Shannon
deixou cair o braço direito ao lado. Suas roupas, assim como
suas mãos, estavam quase exageradamente limpas. Sem
perceber ela esfregou a palma da mão contra aquelas calças,
enormes, como se tentasse afastar a sensação do contato de
Murphy.
Os Culpepper observaram os movimentos da jovem e
riram.
— Ei, velho. Ela não gosta que lhe encoste suas garras
sujas nela. — Assoprou um deles.
— E as minhas, preciosa? Lavei-as na semana passada.
— Suas mãos não estão mais limpas do que as minhas
Beau. — O outro Culpepper apontou.
— Cale-se, Clim. — Beau replicou. — Procure outra
mulher. Esta é minha. Não é preciosa?
Shannon agiu como se os Culpepper não existissem.
Porém Rafe sabia que escutara todas e cada uma de suas
palavras claramente. Porém, se mantinha ali de pé, mais ereta
do que nunca e com as generosas linhas de sua boca, tensas,
em uma careta que indicava uma mistura de medo e nojo.
Será melhor que não pensem em tentar nada com ela,
Rafe pensou gravemente, apesar da superioridade numérica
dos Culpepper e de contar somente com o chicote.
Murphy mordeu novamente o anel, rosnou e o colocou no
bolso da engordurada camisa de flanela.
— Seu esposo não deve ter encontrado nada de valor em
suas jazidas, se todo o ouro que lhe resta é este. — Comentou
um momento depois.
—Pergunte a ele... — Shannon respondeu. — ... se puder
encontrá-lo antes que ele encontre você.
Murphy emitiu um som gutural e os Culpepper
explodiram em gargalhadas.
— As poucas provisões que conseguiu com seu anel não
durarão nem duas semanas, e muito menos todo o verão. —
Resmungou o comerciante.
— Meu esposo sabe manejar muito bem suas armas,
independente do que estiver caçando.
Shannon não disse mais nada.
Também não precisou fazê-lo. Os Culpepper se olharam e
logo Beau sorriu de forma inquietante.
— Sim, sabemos muito bem que seu esposo, John, o
Silencioso, é um bom atirador. — Beau assentiu. — Porém faz
muito tempo que não se sabe nada dele. E agora que penso, faz
mais de dois anos que não o vejo, mesmo estando por aqui há
mais de dois anos.
Ao escutar o nome do esposo de Shannon, Rafe
compreendeu porque a jovem tinha a coragem suficiente para
descer ao povoado, sozinha. A reputação de John, o Silencioso,
como caça recompensas fazia que um homem sussurrasse seu
nome em vez de dizê-lo em voz alta e que a mulher dele
pudesse andar tranquila, por mais sedutora que fosse.
— John não é muito sociável. — Shannon replicou. — As
maiorias dos homens que o encontram não vivem para contar.
Sua voz era fraca, quase quebradiça, e não se virara nem
uma só vez para encarar os Culpepper. Sabia quem eles eram.
E o que eram.
— Farinha e sal. — Repetiu a Murphy. — Já lhe paguei,
assim, agradeceria se me atendesse rápido. Tenho um longo
caminho de volta à cabana.
— Eu acredito. Sobretudo com essa velha mula que seu
esposo tanto gosta. — Murphy disse com indiferença. —
Encarregar-me-ei de seu pedido quando atender o forasteiro e
os Culpepper.
— Não tenho pressa. — Rafe interferiu. — Atenda à
senhora. Ela chegou primeiro.
O comerciante rosnou sem se deixar impressionar pela
lógica do forasteiro e olhou a mão direita de Shannon, a que ela
esfregara contra as calças para apagar a sensação de seus
dedos. Depois sorriu, mostrando dentes manchados pelo
tabaco de mascar.
— Se estiver disposta a me oferecer algo mais..., —
Murphy murmurou dirigindo-se a ela — talvez tenha suas
provisões preparadas antes do anoitecer.
— Meu esposo se sentirá muito decepcionado com você.
— E eu também. — Rafe acrescentou.
Para o comerciante não passou por alto aquela
advertência. Inclinou-se por baixo do balcão, puxou uma
escopeta e a deixou com um golpe seco sobre a madeira
estragada. O cano não apontava para ninguém, porém a mão
do ancião não estava longe do gatilho.
Rafe sorriu com cinismo. Murphy não era o primeiro
homem que o confundia com um vaqueiro comum e pensava
que uma escopeta era mais rápida do que um chicote. Aquele
tipo de mal entendido sempre jogava ao seu favor, no entanto,
esperava que tudo aquilo não acabasse em uma briga. A
superioridade numérica de seus inimigos era mais que
evidente.
— Prepare o pedido da senhora. — Rafe insistiu com
calma. — Se estes homens tiverem tanta pressa, atenda-me por
último.
Uma rápida centelha azul safira o deslumbrou quando
Shannon se virou para olhá-lo.
— Obrigada. — Sussurrou.
— Um prazer, senhora. — Rafe respondeu, tocando a aba
de seu chapéu com um elegante movimento.
Apesar da cortesia do forasteiro, a jovem afastou os olhos
antes que ele pudesse prolongar a conversa.
Rafe se surpreendeu ao se sentir decepcionado. Escutar a
voz de Shannon fora tão prazeroso como ver seu andar, ou
tentar escrutinar as profundezas de seus belíssimos olhos
azuis.
— Ei, preciosa. — Beau assoviou.
Shannon o ignorou e continuou de costas para os
Culpepper.
— Que amável por sua parte me mostrar seu traseiro. —
Beau comentou, sem se dirigir a ninguém em particular. — Um
pouco pequeno, porém suficiente para poder se agarrar a ele
quando a coisa ficar dura.
Os Culpepper riram como se seu irmão tivesse dito algo
divertido.
Shannon não se moveu.
— Diga-me, que postura seu esposo gosta mais, preciosa?
— Beau continuou. — Pela frente, ou faz você se apoiar sobre
uma cadeira e a ataca como um velho animal no cio?
O rosto da jovem perdeu qualquer sinal de cor ao ouvir
aquilo, porém não se mexeu, nem falou.
Rafe também não disse nada. Limitou-se a medir a
distância que havia entre Shannon e os quatro irmãos. Dois
dos homens pareciam se apoiar um no outro, balançando-se
muito levemente. Um fedor de suor velho e uísque emanavam
deles.
Talvez aqueles dois não estejam em condições de
apresentar briga, Rafe pensou Rafe rapidamente. Começarei
com os outros primeiro, e deixarei esses para o final.
Murphy se moveu com extrema lentidão pelo salão,
reunindo o pequeno pedido de Shannon.
— Se eu fosse seu esposo, — Beau continuou — Abaixaria
essas calças puídas e lhe...
— Murphy! — Rafe rugiu, interrompendo o grosseiro
comentário. — Não é necessário que pese o sal grão a grão.
Quero sair daqui antes do por do sol.
Beau lhe lançou um olhar duro.
Rafe sorriu. A curva que sua boca formava era mais fria,
do que tranquilizadora, porém Murphy estava muito longe para
notar e os Culpepper só tinham olhos para Shannon.
— Acalme-se. — disse o comerciante do outro extremo do
salão. — Estou fazendo o mais rápido que posso.
— Esforce-se mais. A senhora tem pressa.
Algo na voz de Rafe fez com que os Culpepper se virassem
e olhassem o forasteiro de cabelos claros.
Nada havia mudado. Continuava sendo um homem
tranquilo com um chicote enrolado no ombro direito. Sorria e
não possuia nenhum rifle ou revólver à vista. Os Culpepper, no
entanto, possuiam pistolas e não se importavam em usá-las.
— Deveria seguir o conselho de Murphy, amigo. — Beau o
avisou, arrastando as palavras.
Enquanto falava, levou a mão ao cinturão e a apoiou bem
na gasta empunhadura de madeira de seu revólver.
— É muito forte para acabar com dois de nós em uma
briga, — interveio Clim — porém somos quatro e você está
sozinho. Além disso, sabemos nos defender e estamos armados.
— Estou vendo. — Rafe respondeu com voz firme. Os
Culpepper resmungaram algo entre eles e chegaram à
conclusão que já haviam intimidado o forasteiro o suficiente,
assim, voltaram a acossar Shannon.
— Porque não se vira, preciosa? — Beau insistiu. — Por
muito bonito que seja o seu traseiro, preferia ver você de frente.
— Sim. — Clim o apoiou. — Estivemos nos perguntando
durante todo o inverno que aspecto teria sem esses trapos de
homem que usa sempre. Tem os mamilos escuros como os da
velha Betsy ou são rosados como os da Clementine?
— Clementine costuma usar rouge nos mamilos. — Outro
dos Culpepper interferiu. — E não é o único lugar onde ela usa.
— Não acredito, Darcy. — Clim replicou. — Eu lhe deixei
marcas suficientes na pele, para saber o que é real e o que é
rouge.
Um pequeno arrepio percorreu Shannon ao escutar
aquilo.
Somente Rafe notou, porque que era o único que tentava
perceber uma reação na silenciosa jovem. Beau será o
primeiro, sem dúvida. Necessita uma lição de boas maneiras,
pensou enquanto dava um passo à frente.
— Não. — Shannon disse em voz baixa ao mesmo tempo
em que virava a cabeça e olhava diretamente para Rafe. —
Ignore-os. Suas palavras não me afetam.
Os Culpepper não escutaram as palavras da jovem.
Estavam muito ocupados discutindo entre eles o que mais
Clementine empoava com o rouge.
Rafe passou um frio olhar pelos irmãos, com os olhos
apertados e se perguntou com quanta frequência Shannon se
via forçada a suportar suas grosserias. Provavelmente, cada vez
que aparecia no povoado para comprar as provisões.
Maldito seja seu marido por permitir que isto aconteça,
rosnou em silêncio. Se é tão bom com sua arma deveria ter
posto fim a esta situação.
Porém não o fez, assim, eu me encarregarei.
Um movimento na parte de trás da loja atraia a atenção de
Rafe. Murphy estava levantando lentamente a tampa do barril
de farinha, manuseava a peça de madeira como se pesasse
vários quilos e com a cabeça voltada para Shannon.
— O que você pensa, Floyd? — Beau zombou, acima do
som das discussões dos demais irmãos. — Os peitos desta
preciosidade são grandes o bastante para apertar até que
fiquem vermelhos, brancos e azuis como uma bandeira ianque?
Rafe tentou controlar inutilmente a raiva que apertava
suas entranhas. Não podia deixar de pensar em como se
sentiria se fosse sua mulher que estivesse sozinha, comprando,
enquanto vários homens falavam aos gritos sobre o aspecto que
teria nua e de que tamanho seriam seus seios.
Se Shannon fosse minha esposa, quando voltasse de
minha viagem daria caça aos Culpeppery e os faria pagar por
suas palavras.
Aquela ideia não satisfez Rafe. Às vezes, um homem não
regressava de suas viagens. E incluso quando o fazia nada
poderia apagar da mente de uma mulher a lembrança de uma
humilhação assim.
Maldito John, o Silencioso! Se não pode cuidar de uma
mulher como Shannon, nunca deveria ter se casado com ela
nem trazê-la a um lugar tão perigoso.
— E então, Floyd. — Beau insistiu. — O que opina de sua
dianteira? Floyd deixou escapar um som grosseiro e coçou a
entreperna pensativamente antes de dizer:
— Creio que John, o Silencioso é um pistoleiro
malditamente bom.
— E o quê? — Beau respondeu. — Nós não a estamos
tocando. Essa foi a única coisa que nos avisou, não deveríamos
tocá-la. — E a outra, — Clim acrescentou. — Nós também não
fizemos isso. — Beau disse. — Não depois da primeira vez. —
Floyd falou, tirando o chapéu e enfiando dois dedos em
buracos de bala que atravessavam a aba. — Aquele homem tem
boa pontaria. Devia estar a quase um quilômetro de distância
quando atirou em mim, e eu nem mesmo o vi.
— A única coisa que fizemos foi tentar ser amáveis com
sua esposa. — Clim afirmou. — A seguimos para ver se
chegava sã e salva a casa.
— Sim. Estávamos sendo amáveis. — Beau sorriu,
mostrando uma linha de irregulares e afiados dentes. — Como
agora. Simplesmente amáveis. Pensando em seus pequenos e
quentes músculos. —Muito, muito quentes. Com certeza. —
Darcy resmungou. — Maldita puta orgulhosa. — Clim
murmurou, entre dentes.
— Murphy, — Rafe rugiu, bruscamente — pese essa
farinha de uma vez. Estou começando a me cansar de ouvir
esses latidos.
— O quê? — Clim soltou.
Um sinistro silêncio caiu sobre todos os presentes,
enquanto os Clulpepper tentavam determinar se haviam sido
insultados pelo forasteiro.
Murphy fechou o barril de repente e se dirigiu com passos
lentos para a parte dianteira do armazém. Levava um pequeno
saco de farinha sobre um ombro e uma bolsa de sal muito
menor na mão esquerda.
— Acreditam que é das que gritam? — Darcy perguntou,
sem se dirigir a alguém em particular e voltando a concentrar a
atenção em Shannon. — De quem fala agora? — Beau
perguntou.
— Dela, de quem se não dela? — Darcy esclareceu,
impaciente. — Quando aquele velho que tem por marido a
inclina sobre uma cadeira e se diverte com ela, resiste, solta
gemidos e pede compaixão, ou simplesmente o deixa fazer o
que quer e geme pedindo mais como a puta que é?
Darcy será o segundo, Rafe decidiu.
Um sutil movimento de seu ombro direito fez o rolo do
chicote deslizar pelo braço, e seu punho se fechou ao redor do
extremo da arma enquanto as espirais se desfaziam caindo
para o chão.
O chicote ganhou vida.
Com cada pequeno movimento da mão esquerda de Rafe,
ondas de energia percorriam o couro provocando que todo seu
longo e fino comprimento vibrasse e sussurrasse delicadamente
como uma serpente se deslizando sobre a grama seca.
Rafe começou a assoviar suavemente, através dos dentes,
sem olhar para nada em particular e, ainda assim, observando
cada movimento que os Culpepper faziam. Porém, nenhum dos
irmãos percebeu o que acontecia. Já haviam decidido que o
forasteiro não significava nenhuma ameaça para eles.
Última oportunidade bastardo. Cuide de sua linguagem ou
me encarregarei de vocês.
Murphy passou junto a Shannon, olhando-a lascivamente
e deixou cair a farinha sobre o balcão.
— Volto com a banha de porco em um minuto. —
resmungou — Cuidem bem dela, jovens.
Os Culpepper riram e se aproximaram ainda mais de
Shannon. Beau a examinou com olhos vidrados e
especulativos, despindo-a, e explorando cada curva e sombra à
procura do vulnerável corpo feminino sob suas roupas puídas.
A jovem ficou totalmente imóvel, tal e como faria uma
presa no momento em que fosse descoberta por um caçador.
Estava a ponto de se deixar levar pelo pânico e fugir a toda
velocidade. Empalidecia e ruborizava alternadamente, lutando
para manter o controle.
— Não sei como ela gosta, Darcy, ou se gosta. — Beau
rosnou, arrastando as palavras.
Shannon estremeceu apesar de sua desesperada tentativa
para não demonstrar que estava escutando cada palavra.
— Ainda que sim, sei como eu gosto. — Beau continuou.
— Cortaria suas calças com um punhal, abriria suas pernas
e... Ah!
O grito de Beau silenciou o ruído do chicote, porém nada
conseguiu ocultar o sangue que saiu aos borbotões de sua
boca.
Veloz como o raio, Rafe voltou a dar uma sacudida com a
mão.
O longo chicote se retorceu e emitiu um chiado, golpeando
muito rápido para que o olho humano pudesse segui-lo. No
instante, Darcy se inclinou para cobrir a entreperna e tentou
gritar através de uma garganta que se fechava pela dor.
Rafe não hesitou nem um instante. O fator surpresa
jogava ao seu favor, porém era consciente de que só duraria
alguns segundos.
Ouviu-se mais um chiado.
Clim agarrou a camisa, que de repente estava aberta
desde o pescoço até à cintura.
Outro chiado.
O chapéu de Floyd caiu partido ao meio enquanto o
chicote continuava emitindo sons aterrorizantes.
Beau segurou as calças. Os botões de aço que em seu
momento as haviam mantido em seu lugar, começaram a saltar
e rolar pelo irregular piso de madeira do armazém.
Os Culpepper ainda não tinham se mexido de seus
lugares, completamente espantados pelo que estava ocorrendo.
— Não se perguntaram que aspecto vocês têm sem
roupas? — Rafe zombou.
— Aposto que não são mais que sacos de ossos e que
estão cheios de sujeira. E me atreveria a dizer que não
possuem nada que possa agradar a uma mulher.
O chicote assoviou e emitiu um chiado como selvagem
contraponto às palavras de seu dono, arrancando botões e
rasgando calças e camisas.
Enquanto os Culpepper saltavam entre gritos e suas
roupas caiam em tiras a uma velocidade vertiginosa, Rafe
continuou devolvendo-lhes as palavras que haviam usado para
envergonhar Shannon.
— Vão gritar e suplicar clemência? — zombou — Ou talvez
gostem tanto que os fustiguem que irão gemer e pedir mais? O
que farão? Falem de uma vez. Normalmente sou um homem
paciente, porém vocês conseguiram me enfurecer.
No momento, três dos irmãos estavam inclinados sobre si
mesmos, tentando se proteger.
O quarto, no entanto, tentou alcançar a pistola, porém o
chicote se esticou a uma velocidade incrível e o couro se
enrolou avidamente ao redor de seu punho. Após um rápido e
forte puxão, Rafe agitou a mão para libertar o chicote e voltou a
atacar. Floyd soltou um grito, se agitou freneticamente e caiu
de joelhos. O sangue corria de um longo corte bem abaixo das
sobrancelhas.
— Matarei o próximo que tentar alcançar sua arma. —
Rafe rugiu. —E isso inclui você, Murphy.
O comerciante havia voltado da parte traseira ao ouvir o
estrépito. — Eu não estou tentando alcançar nada. — Ele disse
com calma.
— Para seu bem, espero que assim seja. — Rafe o
advertiu.
Então, o chicote ficou imóvel.
O silêncio foi se fechando como uma tempestade enquanto
Rafe observava os irmãos Culpepper. Com exceção de Beau e
de Floyd, nenhum mais sangrava, só possuiam dolorosas
queimaduras produzidas pelo chicote. Ainda assim, todos os
presentes sabiam que Rafe poderia ter acabado com os quatro
Culpepper com a mesma facilidade com que desarmara Floyd.
O ataque havia sido rápido e inesperado e nenhum conseguira
reagir e contra atacar.
— Já vi latrinas mais limpas do que suas línguas. — Rafe
murmurou. — Se desejarem conservá-las, controlem-nas
quando estiverem perto de uma mulher. Entenderam?
— Os Culpepper assentiram lentamente.
— Tirem suas armas. — Ordenou-lhes.
Quatro revólveres bateram no piso.
— Não voltem a se aproximar da esposa de John, o
Silencioso. Entenderam? — Rafe bradou.
Os irmãos voltaram a assentir toscamente.
— Já os avisei, — Rafe continuou — e isso é mais do que
merecem. Agora desapareçam da minha vista.
Atordoado, Beau permitiu que Darcy o ajudasse a se
levantar enquanto Clim carregava Floyd.
Abriram a porta dianteira e os quatro saíram para o frio
externo cambaleando. Nenhum olhou para trás. Já tinham
visto tudo o que desejavam ver do enorme forasteiro.
Quando a porta bateu, se fechando, na loja somente
ficaram Rafe e o dono. Rafe olhou o balcão. A farinha e o sal
haviam desaparecido. Ergueu os olhos para Murphy e
comprovou que suas mãos sujas estavam vazias.
— Você é o homem ao qual chamam de Chicote. —
Aventurou-se o comerciante.
Rafe não respondeu. Virou-se e observou através da suja
janela do armazém como os Culpepper se afastavam montados
em suas esquálidas mulas.
Shannon havia desaparecido.
— Pelo menos, — Murphy continuou — assim é como o
apelidam desde que despelou aqueles mineiros do Canyon City
por insultar a esposa branca daquele mestiço chamado Wolfe
Lonetree.
Rafe se virou e olhou para o comerciante com uns olhos
da cor do inverno.
— Onde está Shannon? — Perguntou.
— Saiu quando você cortou a língua do Beau.
O chicote se mexia inquieto. Murphy o olhou com cautela,
como se fosse uma cascavel.
— Para onde foi? — Rafe insistiu.
— Penso que foi para sua casa. — O comerciante
respondeu, apontando com um dedo sujo para o norte. —
John, o Silencioso é o proprietário de algumas jazidas além da
bifurcação da avalanche.
— Ele vem sempre a Holler Creek?
Murphy negou com a cabeça.
O chicote estremeceu e assoviou suavemente.
O comerciante engoliu a saliva. Naquele momento, o
forasteiro apresentava uma incômoda semelhança com um
anjo vingador.
Ou, com o próprio Lúcifer.
— Com que frequência? — Rafe perguntou.
O tom suave não enganou Murphy. Conseguira dar uma
boa olhada aos olhos daquele homem e eram uma antecipação
do inferno.
— Uma vez ao ano. — Respondeu rapidamente.
— No verão?
— Não. Somente no outono. E durante os últimos quatro
ou cinco anos, vem somente pelas provisões do inverno.
Rafe apertou os olhos.
— Agora ela está metida em uma boa confusão. — Murphy
acrescentou. — Seu maldito marido é o único que mantêm os
irmãos Culpepper afastados dela e se murmura que está morto.
Uma pequena esperança começou a arder nas entranhas
de Rafe.
Talvez Shannon seja livre.
Uma viúva jovem. Alguém que não sentirá minha falta
quando eu tiver de novo a necessidade de viajar.
Na primeira vez que Rafe atravessou as Montanhas
Rochosas e contemplou seus cumes de esmeralda e granito,
sentiu no mais profundo de seu íntimo que em algum pedaço
daquele lugar habitava uma mulher.
Que não conhecia e que o esperava fazia tempo. Estava
tão certo daquilo que até mesmo, via aquela imagem em seus
sonhos; a porta aberta deixando entrever a luz dourada do
interior da cabana, neve por todas as partes e picos que se
erguiam submergindo-se no amanhecer.
Porém nos últimos meses percorrera as belas e letais
montanhas do Leste ao Oeste e do Norte ao Sul, e somente
encontrara a sua própria sombra cavalgando a frente dele,
empurrada pelo sol que ia subindo mais e mais.
— Acredita que John, o Silencioso está morto? — Rafe
exigiu saber.
Murphy encolheu os ombros, parecendo pouco disposto a
dizer mais. Porém quando olhou de esgueio ao perigoso
forasteiro, decidiu continuar falando.
— Não tem sido visto desde que se abriu o caminho que
conduz às montanhas. — comentou finalmente — Alguns dias
depois nevou muito e o caminho permaneceu fechado durante
semanas.
— Onde foi visto pela última vez?
— Na Avalanche Creek, dirigindo-se para suas concessões
sobre aquela velha mina que tanto gosta.
— Quem o viu?
— Um dos irmãos Culpepper.
— Quanto tempo faz isso?
— Cinco, ou seis semanas. Não somos muito conscientes
da passagem do tempo por aqui. Ou está nevando, ou não.
Esse é o único relógio que importa.
— E ninguém o tem visto em seis semanas?
— Assim é, senhor.
— E isso é normal?
Murphy rosnou.
— Não há nada normal naquele mal nascido. É um velho
imprevisível, mesquinho e incrivelmente perigoso. Chega
quando menos se espera e se vai do mesmo modo. Um homem
duro, John, o Silencioso. Realmente duro.
— A maioria dos caça recompensas são assim. — Rafe
disse, secamente. — Alguma vez esteve fora durante mais de
seis semanas?
Murphy entrefechou os olhos e raspou a barba
embaraçada que cobria sua mandíbula.
— Não saberia lhe dizer. Uma vez, talvez, em sessenta e
seis. — disse por fim — E em sessenta e um, quando foi pela
jovem ao Leste.
— Faz sete anos. — Rafe murmurou. — Antes da guerra...
— Exato. Muita gente veio ao Oeste naquela época.
A ideia de que Shannon tivesse permanecido casada tanto
tempo com um homem como o que Murphy lhe descrevia, o
aborreceu. Ele estivera na Austrália durante a Guerra da
Secessão, no entanto, sabia como fora brutal para as pessoas
que ficaram presas entre o Norte e o Sul. Na verdade, sua irmã
Willow conseguira sobreviver a duras penas.
Willy também poderia ter se visto forçada a se vender para
um ancião para continuar vivendo, Rafe pensou em silêncio.
Porém ela teve sorte. Conseguiu se manter com vida e solteira
até que conheceu um homem a quem pode amar. Caleb Black
era um homem duro, porém seria capaz de dar sua vida por
ela.
— Sim. — Murphy continuou. — Imagino que Shannon
agora esteja viúva. Houve muitas avalanches nesta primavera.
Provavelmente seu esposo ficou preso em algum lugar além da
bifurcação da Avalanche Creek. Os Culpepper também devem
acreditar nisso, ou não tomariam tantas liberdades com ela.
Rafe não disse nada. Simplesmente ficou ali de pé,
escutando, enquanto o chicote se retorcia e assoviava aos seus
pés como uma longa serpente.
Provavelmente também ela morra quando chegar o
outono. — Murphy acrescentou com alguma satisfação. — As
provisões que comprou mal durarão alguns dias. Se tivesse
sido mais amável comigo e menos orgulhosa...
A voz do comerciante se apagou ao ver o modo como o
forasteiro o olhava.
— Vi um cavalo amarrado na entrada do povoado. — Rafe
disse em tom letal. — Estaria à venda para usá-lo como animal
de carga?
Se tiver ouro, não há nada que não possa comprar em
Creek.
Rafe tirou algumas moedas do bolso de suas calças. Eram
de ouro e tilintaram ao cair sobre o balcão.
— Comece a reunir provisões. — Ordenou.
Murphy alongou a mão e recolheu as moedas com
surpreendente rapidez.
— E quando pesar os comestíveis, — Rafe acrescentou
friamente — mantenha seu sujo dedo gordo longe da balança.
Surpreendentemente, Murphy sorriu.
Poucas pessoas são rápidas o bastante para ver o que faço
com a balança.
— Eu sou rápido.
O comerciante deu uma gargalhada e começou a seguir as
instruções do perigoso forasteiro.
Quando Rafe retornou ao armazém com o esquálido cavalo
negro de carga, suas provisões já estavam preparadas. Em uma
hora, tinha carregado tudo e estava pronto para partir.
Saltou sobre a sela de seu grande cavalo cinza, pegou as
rédeas do animal de carga e partiu, cavalgando através da
tempestade, seguindo os rastos de uma jovem com os olhos
cheios de medo e um andar incrivelmente sensual.
Quando o sol começava a se pôr entre as montanhas, Rafe
atravessou um barranco pouco profundo e arborizado que
levava a uma clareira. No outro extremo o aguardavam a
mulher e a cabana que via em seus sonhos.
Porém, Shannon possuia um cachorro enorme ao seu
lado, uma escopeta nas mãos e uma expressão no rosto que
indicava que não queria nada com o homem conhecido como
Chicote Moran.
CAPÍTULO 2

Shannon ficou de pé na entrada da cabana e observou o


inquietante brilho que cobria as montanhas naquele entardecer
tempestuoso. Os trovões se sucediam um após o outro como se
fossem o eco das avalanches longínquas. Podia cheirar a
tempestade que descia pela ladeira da montanha. Podia
saboreá-la. Podia senti-la no vento que enfurecia.
Porém aquilo não a assustava tanto, quanto a solitária
figura que aparecia no ocaso.
Deus, é enorme, e parece indiferente à tempestade.
O cavaleiro montava um cavalo cinza prateado da mesma
cor que o do forasteiro com quem havia se encontrado em
Holler Creek. Quando o homem se virou para comprovar o
avanço de seu animal de carga, o longo chicote de couro
enrolado em seu ombro direito brilhou no crepúsculo.
Sem dúvida deve se tratar do homem ao qual chamam
Chicote. Cherokee disse que ninguém com vida conseguia
manejar um chicote como ele. Porém, o que o traz até aqui?
A resposta chegou no momento em que se lembrou das
olhadas brilhantes e claras que o forasteiro lhe dirigira,
tocando-a como fantasmagóricas carícias.
Outros homens a haviam olhado, seguido, desejado...
porém, nenhum deles o fizera como ele. Em seus olhos tinha
visto uma combinação de desejo cru e uma profunda ânsia,
como se tivesse passado toda uma vida na escuridão e ela fosse
o amanhecer que resplandecia fora de seu alcance.
O coração de Shannon martelou selvagemente contra seu
peito enquanto o cavaleiro se aproximava com calma. A
escopeta de dois canos descansava fria e pesada em suas
mãos. A jovem verificou que a arma estivesse carregada e
apoiou o dedo sobre o gatilho.
Junto a Shannon, o enorme cachorro manchado rosnou
ao perceber a inquietude de sua dona. Era maior que um
mastim, de patas tão grandes quanto as de um lobo e de amplo
peito. Adotou uma atitude protetora e suas perigosas presas
brilharam brancas em sua boca.
— Acalme-se, Prettyface. — Sussurrou a jovem.
Aquelas palavras acalmaram o animal, porém os pelos
continuavam eriçados em seu poderoso pescoço e suas orelhas
se mantiveram abaixadas sobre sua cabeça em um gesto de
clara advertência sobre seu temperamento.
Rafe continuou se aproximando até que Shannon pode ver
a cinzenta cor de seus olhos. Seu desejo para ela também ficou
à vista, uma ânsia direta e complexa ao mesmo tempo. Aquele
mesmo desejo havia obcecado Shannon durante todo o
caminho de volta à cabana.
E ainda a obcecava.
— Não se aproxime mais, senhor. — Avisou com firmeza.
— O que quer?
Para seu alívio, o cavaleiro freou o cavalo e inclinou o
chapéu educadamente para ela.
— Boa tarde, senhora. — Respondeu. — Você partiu do
armazém de Murphy tão rápido que deixou a maior parte de
suas provisões.
Os olhos de Shannon percorreram as centelhas e as
sombras da poderosa figura masculina.
Não se equivocara. Não estava sonhando. O homem
conhecido como Chicote Moran estava ali, em seu vale.
E a queria.
— Chicote Moran. — Disse com voz rouca. — Assim é
como o chamam, certo?
— Por aqui, sim.
Shannon não cometeu o erro de perguntar se possuia
outro nome, um nome de batismo, uma casa e uma família,
porque no oeste do Mississippi se chamava a um homem com
qualquer apelido que aceitasse.
O olhar da jovem percorreu àquele desconhecido com
curiosa melancolia. O ritmo de suas palavras e o leve sotaque
eram os de um homem que não havia sido criado nos bairros
baixos do Leste, nem nos rudes acampamentos do Oeste. Era
do Sul, porém não do Sul profundo. Talvez nem mesmo fosse
confederado.
— Você...? Você...? — Shannon tomou uma rápida
inspiração. — Os Culpepper o feriram?
Rafe sorriu preguiçosamente.
Ao ver aquele gesto, a jovem conteve dolorosamente o
fôlego. O desconhecido possuia o sorriso de um anjo caído,
doce, cheio de promessas, e tão intimamente atraente que fez
seus joelhos tremerem.
— Não, Shannon. — Rafe respondeu. — Não me feriram.
— Tem certeza?
— Sim.
A jovem deixou escapar o fôlego que estivera contendo em
um entrecortado suspiro.
De repente, um relâmpago iluminou os cumes das
montanhas que se elevavam ao redor da clareira. O vento
aumentou, dobrando delicados álamos tremulantes que ainda
estavam sem folhas e os trovões trouxeram com eles a
promessa da chuva.
— Não deveria ter se envolvido. — Shannon o repreendeu
gravemente. — O último homem que me defendeu dos
Culpepper recebeu uma surra que o levou à morte. Aqueles
olhos cinza se apertaram.
— Não gostei dos modos deles. — Rafe se limitou a dizer.
— Tentei avisá-la. — E eu tentei avisá-los, porém não me
escutaram. Assim, como diria Caleb, dei-lhes uma boa lição.
Talvez aprendam a escutar melhor no futuro.
Os escuros olhos de Shannon se desviaram para o longo
couro enroscado ao redor do musculoso ombro do
desconhecido. Não chegara a ver como aquele chicote golpeara
Beau, porém sabia que o fizera, e quando viu o sangue saindo
aos borbotões de sua boca, pegou as provisões e saiu correndo
em busca de Razorback, sua velha mula.
— Caleb? — perguntou Shannon.
Era a única coisa que lhe ocorria dizer, porque o sorriso
havia desaparecido do rosto do forasteiro. Agora a olhava como
se ela fosse a mulher mais bela que já vira e ele fosse um
homem que estivera faminto de beleza durante muito tempo.
Na verdade, o que realmente assustava Shannon era o
tanto que uma parte dela desejava aliviar a fome daquele
desconhecido.
Ainda estou assustada pelo que aconteceu no povoado,
disse a si mesma com decisão. Amanhã irei ver Cherokee.
Então não me sentirei tão sozinha para que o sorriso de um
homem deixe meu coração louco e faça meus joelhos tremerem.
— Sim, Caleb Black. — Rafe explicou com suavidade. — É
o marido de minha irmã Willow. Eles têm um rancho ao oeste
daqui, perto do meu irmão Reno e sua esposa Eve.
— Oh.
Shannon obrigou a si mesma a respirar normalmente.
Suas mãos doíam de apertar com força a pesada escopeta,
porém não estava disposta a largar a arma. Sabia muito bem
como ele movia aterrorizantemente rápido aquele chicote.
— Eu sou Shannon Conner, eh... Smith. — se corrigiu,
acrescentando apressadamente: — Smith é meu nome de
casada.
Rafe franziu o cenho como se não gostasse de recordar
que ela não era uma mulher livre.
— Parece-lhe bem que eu desmonte e lhe entregue as
provisões que você deixou?
— Se me parece bem? — Perguntou perplexa.
— Pergunto por causa da escopeta. — Rafe esclareceu com
calma.
— Oh!, isto.
Rafe não fez nenhum esforço para ocultar a diversão que
lhe produzia ver como afetava Shannon com sua presença.
— Sim. — Disse com voz profunda. — Isso.
A jovem ruborizou. No entanto, manteve o cano da
escopeta onde estava apontando à parte dianteira do cavalo
cinzento.
— De acordo. — Shannon decidiu. — Tire o que seja que
Murphy acreditou que poderia roubar-me.
Rafe desmontou com uma agilidade imprópria de sua
força e tamanho, o que não ajudou a acalmar a jovem.
Deus, é possivelmente o homem mais perigoso que
conheci.
Porém também é o mais atraente.
O segundo pensamento lhe pareceu tão chocante que
esteve a ponto de dar uma gargalhada.
Devo ter ficado louca para achar um homem tão perigoso,
atraente.
Um relâmpago iluminou as negras nuvens que cobriam os
cumes da imponente cordilheira, ainda banhada pela luz
avermelhada do crepúsculo. A montanha aceitava a tempestade
com a mesma facilidade que o chicote se enrolava no ombro do
desconhecido.
As montanhas também são belas. E aquelas nuvens de
tempestade. E os relâmpagos que atravessam o céu.
Este homem é assim. Possui a força de uma montanha, de
uma tempestade e de um relâmpago...
O tenso grunhido de Prettyface fez com que a dispersa
atenção de Shannon voltasse a se concentrar no vale.
Naquele momento, o forasteiro caminhava para ela, porém
em vez dos pequenos pacotes de bicarbonato de sódio e banha
de porco que ela esperava, seus grandes braços estavam cheios
até transbordar.
— Pare, Chicote.
A escopeta já não apontava para o cavalo, mas para Rafe,
que parou de repente.
Meu nome é Rafael Moran, — disse com voz calma —
porém pode continuar me chamando de Chicote se preferir.
Esse é o nome que vem a minha mente quando penso em
você. — Reconheceu.
— Pensou em mim?
— O quê?
— Pensou em mim? — Repetiu, tateando.
Shannon ruborizou ao perceber o que acabava de admitir.
Rafe sorriu e voltou a avançar para ela.
— Disse que pare! — Ordenou.
— De acordo, eu paro, — Rafe concordou razoavelmente —
porém, aviso-a que estes pacotes pesam.
Shannon mordeu os lábios para combater o impulso de
sorrir, de deixar de lado a escopeta e confiar naquele enorme
desconhecido que parecia tão familiar quanto sua própria
respiração.
Porque Cherokee nunca me falou sobre o efeito que alguns
homens têm sobre as mulheres? Deus Santo, não é de
estranhar que as mulheres façam loucuras pelos homens.
Pelo menos por homens como este.
— Não se aproxime mais. — Avisou com um tom grave. —
Prettyface não gosta dos estranhos.
Rafe piscou.
— Prettyface? Cara bonita?
— É o nome do meu cachorro.
Rafe olhou para o grande cachorro manchado que não
deixava de grunhir e cuja cabeça chegava a altura dos seios de
Shannon.
— Esse é Prettyface? — Perguntou.
— Claro. Ou talvez seja o primeiro a lhe dizer que é feio?
Houve um momento de silêncio até que Rafe jogou a
cabeça para trás e riu divertido.
Uma onda de prazer atravessou Shannon ao escutar o
som da risada do forasteiro. Era até mais belo que seu sorriso.
— Não, em absoluto. — Rafe disse. — Teria que ser muito
estúpido para chamar essa besta de outro modo.
Shannon não pode evitar sorrir.
— Onde quer que deixe suas provisões? — Rafe
perguntou.
O sorriso desapareceu.
— Não são minhas. — Shannon afirmou.
— Isso não foi o que Murphy disse.
— Murphy é um avarento, além de mentiroso.
Os lábios de Rafe se esticaram em um sorriso.
— Isso eu não posso discutir. Pense nisto como uma
desculpa de Murphy por todas as vezes que roubou de você
com a balança quando pesava suas provisões.
Com uma ansiedade que não conseguia ocultar, Shannon
observou os sacos de ervilhas e farinha, bacon e maçãs secas,
sal, especiarias e outras coisas que havia dispensado durante
tanto tempo que mal conseguia recordar seus nomes.
Ainda assim, a jovem afastou os olhos da tentação que lhe
oferecia e engoliu em seco. Somente em pensar em comida era
suficiente para encher a boca de água.
— Obrigada pelo trabalho. Ficarei somente com o
bicarbonato de sódio e a banha de porco que paguei. — Ela
anunciou com a voz tensa — Pode devolver o restante.
No momento em que Rafe tentou protestar, outro
relâmpago atravessou a noite que começava a cair. O trovão
retumbou ainda mais perto e o ar começou a cheirar a neve.
Tudo indicava que a tempestade estava se aproximando do vale
de Shannon, trazendo as geladas chuvas do verão das terras
altas.
— Não vou percorrer o caminho de volta a Holler Creek
com este tempo. — Rafe avisou.
— O lugar para onde vai é assunto seu. A única coisa que
quero é que leve o que trouxe com você.
Por um longo momento, nenhum som foi ouvido a não ser
pela tempestade e as árvores se curvando diante dela, o trovão
rugindo no som abafado da chuva batendo na montanha como
minúsculos martelos de prata.
— Necessita a comida. — Rafe afirmou sem rodeios. —
Está muito magra.
Shannon não se preocupou em negar. Perdera tanto peso
durante o último inverno que mal conseguia que as roupas
abandonadas por John, o Silencioso se mantivessem sobre seu
corpo. Na verdade, se não fosse pelas pronunciadas curvas de
seus quadris, as calças poderiam cair a qualquer momento.
Porém ele não tem direito de se fixar em algo tão pessoal, e
muito menos a assumir a responsabilidade de me alimentar.
Tanto Cherokee, quanto John, o Silencioso a avisaram
sobre os problemas que teria se ficasse em dívida com alguém;
e sabia que não podia se permitir o luxo de dever nada a
nenhum homem. Nem mesmo a um que possuía o sorriso de
um anjo caído.
Talvez especialmente a ele.
Quando Rafe viu a determinação nos traços da jovem,
soube antes que ela mesma falasse, que recusaria as provisões
e aquilo o deixou enfurecido. No entanto, o que realmente o
deixou cheio de raiva foi o fato de não poder obrigá-la a aceitar
nem mesmo um pouco da comida que lhe trouxera.
Não tinha direito de cuidar de Shannon. Somente seu
marido poderia, mas era evidente que ele não se ocupava
daquilo.
— Pense nisso como em um empréstimo. — Rafe insistiu
com os dentes apertados.
— Não.
— Por todos os diabos. — amaldiçoou — Está tão fraca
que mal consegue segurar essa escopeta!
— Não tanto que não possa apertar o gatilho.
O som que Prettyface emitiu fez eco da raiva de Rafe; um
grave rugido similar ao da tempestade que se aproximava.
Rafe controlou sua fúria. Se quisesse estabelecer boas
relações com Shannon, a última coisa que deveria fazer seria se
enfrentar com seu cachorro.
Por outro lado, a maldita besta representava uma ameaça
a ser levada em conta.
Mesmo sabendo isso, Rafe precisou se esforçar para
reprimir o desejo de tomar a escopeta das mãos de Shannon,
controlar o cachorro e fazer a obstinada jovem se sentar e
comer uma comida de verdade.
Perceber que estava a ponto de perder os nervos abalou
Rafe. Normalmente ele era o Moran tranquilo, e seu irmão
Reno, o teimoso. Porém, havia algo na forte vontade de
Shannon que o impedia de manter sua habitual calma.
— Não há nada desonroso em aceitar ajuda quando se
necessita. — Rafe insistiu, obrigando a si mesmo a falar
suavemente.
— Cherokee, o xamã destas montanhas, me disse que os
homens domam os mustangs lhes oferecendo comida quando
têm fome e bebida quando têm sede. Claro, primeiro, esses
homens levam os mustangs até a beira da morte para que
fiquem famintos e sedentos, e depois, lhes oferecem uma mão...
com uma corda nela.
A diversão passou brevemente pelos olhos de Rafe.
— Esse é um modo de fazê-lo. — concordou.
Porém Wolfe Lonetree me ensinou um método melhor,
recordou. É preciso se aproximar de um mustang sem assustá-
lo, sem pressa, até que ele se acostume a sentir você perto.
Então se aproxima mais, e se o mustang ficar nervoso é preciso
parar até ele aceitar sua presença.
Depois espere, se aproxime mais e espere de novo, até que
finalmente venha comer na sua mão.
Mesmo sendo verdade que alguns mustangs precisem de
mais cuidados com eles.
O vento soprou fazendo com que as roupas de Shannon se
inflassem e, no momento seguinte, se colassem ao seu corpo.
Rafe ficou sem fôlego. Embora a jovem estivesse
extremamente magra, mesmo debaixo daquelas roupas gastas,
mostrava curvas que manteriam um homem acordado toda a
noite pensando nas infinitas formas de acariciar tudo.
Maldição. Se fosse minha, não estaria procurando ouro ou
perseguindo homens para receber recompensas. Estaria ao seu
lado, descobrindo os diferentes modos de satisfazer um ao
outro.
Continuaria ali até que ambos estivéssemos muito
esgotados até mesmo para nos beijarmos.
— Shannon...
Não conseguiu continuar falando. Um relâmpago traçou
um arco no céu com branca violência e os trovões golpearam as
montanhas até que o solo tremeu. Na calma que se seguiu, foi
ouvido um longínquo trovão que anunciava a chegada da
chuva.
Rafe ficou fascinado pela beleza da tempestade que se
aproximava velozmente para ele. Na verdade, não se deixou
enganar. Conhecia muito bem a sedutora e letal beleza das
Montanhas Rochosas. Mesmo estando nos princípios do verão,
naquela altitude, o pôr do sol trazia consigo um intenso ar frio.
Quando saísse a lua, estariam abaixo de zero. E pela manhã, a
neve poderia alcançar o peito de um cavalo montanhês. Mesmo
que também fosse possível que a neve desaparecesse no dia
seguinte, ou se mantivesse durante um mês, como acontecera
na nevasca da primavera passada.
As poucas provisões com as quais Shannon contava, mal
a manteria com vida durante duas semanas.
— Onde diabos está seu marido? — Rafe exigiu saber,
exasperado. — Você precisa dele!
Shannon teve a esperança de que estivesse muito escuro
para que aquele homem pudesse ver o alarme em seus olhos.
Cherokee tinha razão. Mesmo John, o Silencioso estando
desaparecido, precisava dele.
As pessoas do povoado acreditavam que ele continuava
vivo, que podia aparecer sem prévio aviso e que ainda era capaz
de derrubar um cervo ou um homem a quase três quilômetros
de distância.
— Não sei. — Respondeu finalmente sem mostrar
nenhuma emoção.
— Em Holler Creek se murmura que está morto, — Rafe
replicou — e que você está aqui sozinha, passando fome nesta
miserável clareira.
Prettyface rosnou, e Rafe teve vontade de lhe devolver o
grunhido.
A jovem não disse nada. Limitou-se a ficar ali, de pé,
segurando a escopeta com firmeza em seus doloridos braços.
De repente, uma intensa chuva molhou o vale e acabou
com todas as cores do ocaso. Em poucos minutos, a água,
implacável, caiu sobre o chapéu de Rafe e resvalou por suas
roupas.
Shannon contava com a cobertura do beiral da cabana,
porém não era suficiente para desviar o cortante vento e não
pode evitar estremecer quando foi golpeada pela primeira
rajada de chuva.
— Seja razoável. — ele insistiu, obrigando-se a manter a
voz em um tom neutro.
— Eu sou. Você é que não atende a razão.
— Murphy a roubou durante anos. — Continuou,
ignorando a resposta de Shannon. — Quando eu o fiz ver,
decidiu devolver o que lhe devia. Isso foi tudo o que aconteceu.
Não há nenhuma obrigação de sua parte, nenhuma.
A jovem tentou falar, porém Rafe não deixou que o
interrompesse.
— E também não quero que pense que está em dívida
comigo por ter trazido as provisões até aqui. Eu me dirigia à
jazida de ouro da Avalanche Creek e sua cabana estava no
caminho.
— É uma bonita história, — Shannon replicou, desejando
poder acreditar. — porém, já ouvi isso antes. Não procuro a
ajuda de homens ávidos por mulheres.
Apesar de seu esforço para manter o controle, Rafe
começou a perder a paciência ao sentir que a chuva gelada
açoitava um lado de seu rosto e que a verdade o açoitava do
outro.
— Eu não sou como os outros. — Afirmou apertando a
mandíbula.
— Então, me diga, — Shannon o espetou friamente. —
isso significa que não me deseja?
Rafe abriu e fechou a boca, mentir não era seu estilo.
— Eu a desejo. — Admitiu sem rodeios.
A jovem não conseguiu controlar o estremecimento que a
dominou, ao escutar as cruas palavras daquele homem.
— Porém eu nunca a forçaria, Shannon. — Acrescentou
com suavidade. — E isso é uma promessa.
— Farei que fique fácil manter sua promessa. Monte em
seu cavalo e saia daqui.
— Escute. — Rafe tentou se explicar.
— Não, escute você. — Ela o interrompeu. — É como o
resto dos homens que conheço. Deseja meu corpo; isso é tudo.
Nada de propostas de casamente e filhos, nem de compartilhar
os bons e os maus tempos durante o resto de nossas vidas. A
única coisa que quer é poucos minutos na escuridão com
alguém que pode ser ou não uma viúva.
— Não é só isso. — Ele acrescentou furioso.
— Oh! Isso significa que está me propondo casamento
além de companhia durante algumas noites?
O olhar no rosto de Rafe disse a Shannon mais do que ela
desejava saber.
— Isso era o que eu pensava. — Sua breve risada foi tão
implacável e fria, quanto a chuva. — Obrigada, porém, não.
Tenho tudo o que necessito até que John regresse.
— E se não voltar nunca? Maldição, e se estiver morto?
Os dedos de Shannon se apertaram sobre o gatilho da
escopeta. O fato de escutar seus próprios medos naquela voz
grave e furiosa os reforçaram.
E aquilo a abalou profundamente.
Não discuta com ele, avisou a si mesma. Perderá. Então,
será como aquelas duas tristes prostitutas em Whiskey Fiat, e
todos os homens do território do Colorado pretenderão passar
por sua cama.
— Você ganhou o apelido de Chicote, — Shannon disse
friamente. — porém, parece que não é bastante rápido para
encontrar o caminho de volta. Pegue suas provisões e saia
daqui.
Para ela pareceu que Rafe demorava uma eternidade para
se virar e começar a amarrar as provisões no cavalo de carga.
Um raio atravessou o chuvoso crepúsculo, transformando
o mundo em ardente prata. O trovão o seguiu no instante com
força suficiente para sufocar o restante dos sons. A chuva
aumentou e caiu ainda mais intensamente, convertendo-se em
uma torrente capaz de apagar as chamas do próprio inferno.
Mesmo que Rafe se encontrasse a somente uns três
metros de distância, Shannon precisava se esforçar para vê-lo.
Piscou ferozmente, consciente de que devia ser capaz de ver
através das lágrimas e da chuva.
Segundos depois, outro raio iluminou o céu e conseguiu
comprovar que o vale estava vazio.
Rafe partira e Shannon precisou morder o lábio para
conter o desejo de gritar seu nome através da tempestade, de
lhe pedir que voltasse e lhe oferecer o que quisesse em troca de
comida e segurança.
E ela sabia exatamente que era o que ele queria. Os
Culpepper, em mais de uma ocasião, deixaram selvagemente
claro o que era que desejavam os homens. Queriam encontrar
prazer em seu corpo, incliná-la sobre uma cadeira e cavalgá-la
até ela suplicar e sangrar, e depois, suplicar um pouco mais.
Somente de pensar aquilo, a fez encolher o estômago,
fazendo a bile subir à garganta.
Talvez ele não me pedisse isso. Talvez só quisesse ajudar e
não teria pedido nada mais do que uma comida caseira.
Shannon recordou então as palavras de Rafe e o ardor em
seu olhar prateado, e deixou de tentar se enganar.
Ele me deseja, é somente isso. Igual aos Culpepper.
Estremeceu e sentiu que o frio penetrava até sua alma.
Nada do que havia vivido a fazia pensar que as mulheres
fizessem outra coisa que suportar que os homens as tomassem
em troca de casa, comida e segurança. E crianças. Pequenos e
suaves bebês aos quais cantar, embalar e amar.
Prettyface uivou e mordeu sua mão delicadamente para
lhe recordar de sua presença. Também a faz se lembrar de que
se encontrava de pé debaixo da gelada chuva do crepúsculo,
sentindo-se tão vazia como aquele vale depois da partida de
Rafe.
Deixe de sonhar, se repreendeu ferozmente. Mamãe
sonhava, e o que conseguiu? Um homem que a abandonou
quando as coisas deixaram de ir bem.
Eu a queria, porém, a única coisa que ela amava era o
láudano.
Cherokee tem razão. O amor é um conto de fadas que
somos levadas a acreditar para evitar que as mulheres se
estabeleçam por sua conta e deixem de precisar dos homens.
Com aquele triste pensamento, a jovem se virou
lentamente e entrou na maltratada cabana, que só lhe oferecia
um pouco mais de calor do que a chuva.
CAPÍTULO 3

Shannon acordou antes do amanhecer. Havia parado de


chover e a noite ia se dissipando lentamente no céu, deixando-
o com uma transparente cor prateada que lhe recordava muito
os olhos de Rafe.
— Prettyface soltou um grave grunhido do mais profundo
de sua garganta e voltou a golpear suavemente o rosto de sua
dona.
— Brrrr! — A jovem protestou. — Seu nariz está tão frio
quanto ele deve estar.
Porém, Shannon mexeu com sua pelagem igualmente. Era
o único ser que havia correspondido ao seu amor. Se não fosse
pelo cachorro, não sabia o que teria feito quando John, o
Silencioso desapareceu no inverno de 1865.
Também não era que seu tio avô fosse uma grande
companhia. Na verdade, ganhara merecidamente o apelido de
Silencioso, mas mesmo assim, Shannon se sentia
profundamente agradecida pelo que ele fizera por ela. Não se
importava que fosse remota, solitária, ou dura, a vida em Echo
Basin, era infinitamente melhor do que a vida que levara na
Virgínia.
Ali, no Colorado, Shannon era livre.
Na Virgínia, era um pouco mais que uma escrava.
— Bom dia, Prettyface, meu lindo monstro. — Disse
enquanto se espreguiçava. — Acredita que o verão chegará
realmente? Às vezes sinto frio que nem mesmo a nascente pode
me aquecer.
— Ao ouvir a palavra nascente, Prettyface levantou as
orelhas e tombou a cabeça, latiu e olhou à parte traseira da
cabana. Sabia muito bem que atrás daquela nascente era um
verdadeiro luxo.
Durante os primeiros invernos nos quais Shannon esteve
sozinha, quando não possuia a força, nem a destreza para
partir madeira suficiente para esquentar a cabana, a nascente
lhe salvara a vida. Agora se dava melhor ao manejar o
machado, o malho e a serra, ainda que não possuísse
habilidade suficiente para ser auto suficiente. Na verdade,
naquele momento, fora da cabana, havia lenha empilhada para
passar apenas alguns poucos dias. Na porta do armário se
abria um estreito túnel que conduzia a uma caverna com águas
termais.
John se beneficiava da nascente de águas curativas
quando sua artrite o aborrecia muito, e Shannon desfrutava
quanto podia do fumegante calor da caverna oculta. Além de
aliviar seu trabalho de precisar cortar lenha para esquentar a
água para o banho e lavar as roupas. Graças à nascente, as
roupas de segunda mão que usava estavam limpas, assim
como sua pele debaixo delas. Em um lugar tão remoto, onde
faltavam quase todas as suaves comodidades da civilização.
Se não estivesse tão perto, acabaria tão suja quanto
Murphy e os Culpepper.
Ao ver para onde se dirigia o olhar de sua dona, Prettyface
uivou esperançoso. Apesar de seu feroz aspecto, o cachorro
gostava de caçar sombras na quente caverna do tanque.
Obrigada pela fonte, meu Deus.
— Esta manhã não. — Shannon falou com Prettyface. —
Precisamos devolver a Cherokee o sal que nos emprestou. Ela...
demônios, ele... precisará.
A jovem franziu o cenho em direção ao cachorro, que
abanava a cauda animadamente.
— É uma sorte que nunca tenha ninguém aqui por perto.
— Comentou com pesar. — Eu me acostumei que me tratem
como se fosse a esposa de meu tio, porém é difícil me referir a
Cherokee como se fosse homem, agora que sei que é uma
mulher.
Recordou por um momento os grosseiros comentários dos
Culpepper e seus lábios ficaram tensos.
— Quanto mais tempo passa desde que meu tio
despareceu, mais entendo porque Cherokee decidiu se vestir
como um homem, deixar que a chamem de xamã e viver além
da bifurcação norte da Avalanche Creek.
Com um decidido movimento do braço, Shannon afastou a
manta de pele de urso que a protegia do frio durante a noite.
Não precisava se vestir, desde que assumira logo o hábito de se
banhar antes de dormir e se vestir com roupas limpas que a
aquecessem.
Não havia muitas coisas para fazer na cabana pela
manhã, pois planejava ir embora e não adiantava fazer fogo.
Assim como não havia razão para acender um lampião e
desperdiçar o óleo precioso tão perto do amanhecer.
Sem pressa, Shannon se serviu uma taça de água da
pequena jarra de prata que pertencera a sua mãe. A água
estava tão fria que provocou dor nos dentes, porém, mesmo
assim, tornava mais fácil mastigar pequenos pedaços de carne
seca de veado. Era tudo o que possuia para o desjejum.
Ainda mastigava enquanto vestia a segunda melhor
jaqueta de John e se dirigiu à porta. Enquanto caminhava
colocou nos bolsos algumas tiras mais de veado seco.
Minhas últimas provisões, pensou com tristeza. Graças a
Deus que logo poderei caçar.
Antes de destrancar a porta da cabana, tirou a escopeta
dos ganchos sobre o umbral. Assim como fizera na noite
anterior, abriu a arma, tirou os dois preciosos cartuchos e
pegou um pano macio de pele de anta.
Shannon mal completara quinze anos quando chegou ao
Colorado, no entanto, seu tio lhe ensinou, logo, a importância
de aprender a usar e cuidar das suas armas. Não possuia a
força necessária para manipular a pesada escopeta para os
bisontes1 de calibre 50 que era a favorita de John, porém podia
atirar muito bem, para se defender, com armas mais leves.
Conseguir comida era um assunto totalmente diferente.
Não havia dinheiro para desperdiçar em munição extra para
melhorar sua pontaria, então precisava se aproximar muito das
suas presas antes de se arriscar a desperdiçar uma bala. Como
consequência, quase sempre revelava sua presença antes de se
sentir segura para atirar.
— Porém estou melhorando. — Afirmou para si mesma. —
Antes que o inverno chegue Cherokee já não precisará caçar
para nós duas.
Com movimentos rápidos e eficientes, a jovem limpou a
escopeta com o pano, observando que, durante a noite, não
tivesse condensado umidade nas câmaras. Quando confiou que
tudo estivesse limpo e seco, enfiou um cartucho em cada
câmara, fechou a arma com firmeza e colocou mais quatro
cartuchos no bolso, deixando somente três na caixa.
Assim como a comida, suas reservas de munição estavam
quase esgotadas.
— Quando voltar a Holler Creek, precisarei comprar
munição. E na próxima vez que for, irá comigo, Prettyface. Sei
que não gosta dos estranhos, porém preciso de você para
guardar minhas costas.
O cachorro permanecia quieto, mostrando uma avidez mal
reprimida. Dirigia o olhar à porta e para sua dona
alternativamente.
— Antes de ir a Holler Creek, preciso extrair algumas
gramas de ouro das concessões de meu tio. — Shannon disse,
pensando em voz alta; como se acostumara. — O anel de
casamento de mamãe era a última coisa de valor que me
restava, com exceção da pequena bolsa de ouro que estou
guardando para comprar provisões para o inverno, no caso da
caçada sair realmente mal.
A jovem abrigava a esperança de não precisar usar aquela
minúscula reserva de ouro de John, porque era a única coisa
que a separava da pobreza extrema que obrigava as mulheres a
venderem seus corpos para estranhos.
— Se pelo menos pudesse me ensinar a rastrear e espiar
melhor, — desejou em voz alta, olhando para Prettyface —
conseguiria me aproximar o suficiente de qualquer presa e
teríamos suficientes reservas para o inverno.
O cachorro observou Shannon com olhos escuros cheios
de adoração, porém, não foi de mais ajuda. Quando saía para
rastrear com sua dona, perseguia qualquer coisa que farejasse
a um ritmo que deixava Shannon muito atrás. E em algumas
ocasiões, conseguia caçar presas grandes e as compartilhava
com a jovem.
John, o Silencioso ensinara a Shannon, o básico para
atirar e preparar a peça, porém não a caçar, porque era algo
que gostava de fazer sozinho.
Quando seu tio não caçava, dedicava seu tempo a extrair
ouro das duras rochas das montanhas. E aquilo, também era
uma ferramenta de sobrevivência que ele não ensinara à jovem
sobrinha que trouxera da Virgínia para morar com ele.
— Porém, estou aprendendo. — afirmou — Se o clima se
mantiver, caçarei para conseguir comida suficiente para subir
até a bifurcação Este da Avalanche Creek e extrair ouro, e
depois caçarei para conseguir mais comida e secarei a carne.
Comprarei provisões para o inverno e...
A voz de Shannon se apagou. Vivia a quase dois mil e
quinhentos metros de altura e ali o verão não era muito longo.
Devia se apressar a fazer todas aquelas tarefas antes que
chegasse o inverno novamente.
— A lenha! Oh!, Deus. Como consegui esquecer a parte de
cortar, lascar, armazenar e secar a lenha? Necessitarei uma
quantidade grande, mesmo contando com a nascente para
lavar as roupas. E precisarei ter tudo preparado antes que as
primeiras nevascas fechem as passagens e façam a caça se
mover para os lugares mais quentes.
Respirou fundo várias vezes, tentando apagar o medo que
frequentemente a dominava de surpresa desde que seu tio
desaparecera.
Tenho medo, Prettyface. Tenho muito medo.
Na verdade, nunca pronunciaria aquelas palavras em voz
alta. Com treze anos aprendera que se deixar levar pelo medo
somente piorava as coisas. Mostrava aos demais que era
vulnerável e que poderiam se aproveitar dela.
— Já basta. Quando chegar o dia eu enfrentarei o
problema. Tenho tempo suficiente para fazer tudo se sair agora
mesmo em vez de ficar quieta retorcendo minhas mãos!
Com rápidos e leves passos, Shannon se aproximou da
arca com dobradiças de couro, onde guardava as provisões não
perecíveis. Com exceção do sal e da farinha que comprara no
dia anterior, estava vazia. Na noite anterior dividira o sal em
duas porções. A menor era a sua. A maior seria para devolver a
Cherokee pelo empréstimo que lhe fizera no Natal.
— Deveria ter dito a Rafe Moran que deixasse as provisões
que pagara. — Shannon resmungou.
A lembrança dos Culpepper fez seus traços ficarem tensos
em um gesto de medo e repugnância
Porém a lembrança do homem que cavalgara até sua
cabana no dia anterior fez com que sua respiração se
descontrolasse com uma excitação que não conhecia até aquele
momento.
— Vamos, Prettyface. É hora de ir ver Cherokee. Ela fará
com que eu pense melhor.
Obediente, o cachorro saiu ao exterior enquanto sua dona
o observava com atenção, consciente de que os sentidos do
animal estavam muito mais aguçados que os seus. Se alguém
estivesse rodeando por ali, Prettyface o descobriria muito antes
dela. O cachorro ergueu o focinho para o vento frio e farejou o
ar com todos os sentidos alertas. Depois saltou à frente,
indicando a Shannon que não havia nenhum perigo.
Ainda assim, ela se mostrou cautelosa. Saiu pela porta e
olhou a sua volta com atenção. Não havia marcas nos pastos
gelados que circundavam a cabana. Suspirou aliviada e deu
outra olhada para se garantir.
Levava a escopeta apoiada no braço e sua mão nunca se
afastava do gatilho. O vento quase arrancou seu chapéu apesar
de estar preso com um desbotado lenço de seda, um dos
poucos luxos que sobreviveu à sua infância na Virgínia.
Finalmente, Shannon fechou a porta com firmeza atrás dela e
saiu andando à cabana de Cherokee. Poderia ter montado em
Razorback, a velha mula, porém ainda estava cansada da
viagem a Holler Creek. Assim, deixou o exausto animal
amarrado a uma estaca, comendo a macia grama.
Havia menos de três quilômetros e meio até a cabana de
Cherokee. Quando a jovem começou a andar, o amanhecer se
erguia com gloriosos tons violáceos, dourados e um rosado
muito escuro. A beleza do dia ergueu seu ânimo. Cantarolando
muito baixinho, se deixou envolver pelas cores do amanhecer,
como se fosse um glorioso manto, e apressou seus passos.
Ao se aproximar da cabana de Cherokee, parou e a
chamou. Desde a chegada dos Culpepper a Echo Basin, as
pessoas do lugar se tornaram menos hospitaleiras com as
visitas. Aquele que se aproximasse de qualquer lugar sem se
anunciar, corria o risco de receber algum tiro. Na verdade, nem
mesmo Cherokee, com sua reputação como xamã, podia
manter na linha aqueles tipos do caráter dos Culpepper.
Shannon não deu nem um passo até que não ouviu um
cordial convite procedente da maltratada estrutura de madeira
onde vivia a anciã.
— Aproxime-se. — Cherokee gritou. — Faz muito frio para
estar vagando aí fora.
— Vamos, Prettyface. — Shannon o animou.
O cachorro saltou à frente e, no momento em que
chegaram à cabana, a porta se abriu completamente e uma
figura alta e magra apareceu no umbral.
Com um único olhar no modo como a anciã se mantinha
de pé, a jovem soube que algo ia mal com seu pé direito.
— Olá, Shannon. — Cherokee a saudou. — Bonito dia,
não é?
— Oh, sim. — concordou — Prettyface afaste-se. Se tiver
fome, vá caçar seu desjejum.
A porta da cabana se fechou deixando o animal para fora.
Na verdade, mal havia espaço para duas pessoas na diminuta
cabana da anciã, e muito menos para um cachorro do tamanho
de Prettyface.
— Ouvi que você foi a Holler Creek comprar provisões. —
Cherokee comentou.
— Como soube?
— Pelos índios, por quem seria? O sobrinho de Urso
Ferido estava trocando ouro por uísque em Holler Creek e
ouviu que os Culpepper receberam uma lição.
— Ah, sim? Receberam?
— Pode apostar por isso. Onde você estava quando as
coisas se acalmaram? Depois de tudo, brigaram por você.
— Quando o chicote do forasteiro chiou pela primeira vez,
peguei a farinha e o sal, e me apressei a voltar à cabana. —
Shannon respondeu com a voz tensa.
A áspera risada de Cherokee inundou a diminuta cabana.
Usava os cabelos grisalhos presos em duas grossas tranças, no
estilo índio. Seu rosto escuro e enrugado, junto com as calças
sem forma, a camisa de lã e os mocassins gastos, lhe davam a
aparência de um mestiço que escolhera viver sozinho, em vez
de suportar insultos por não ser branco, nem índio. Somente o
amuleto pendurado em seu pescoço dava uma pista da
sabedoria que se escondia atrás daqueles escuros e serenos
olhos.
Se alguém, com exceção de Shannon, sabia que Cherokee
era na verdade uma mulher, havia se mantido em silêncio
durante anos. A habilidade da anciã para curar e seus
conhecimentos sobre as propriedades das ervas, conseguiram
que os índios a chamassem de xamã e que os brancos a
respeitassem.
— Sente-se junto ao fogo. — Cherokee a convidou.
Shannon se acomodou na banqueta perto da velha estufa
de lenha, enquanto observava como a anciã se aproximava
mancando, lentamente da sua cama para se sentar.
— O que aconteceu com seu pé? — A jovem se interessou.
Cherokee virou a cabeça, colocou uma pequena mistura
de ervas e tabaco em um cachimbo de pedra e deu algumas
tragadas depois de acendê-lo.
— Foi um inverno duro, — comentou depois de uns
instantes — porém, a tribo de Urso Ferido só perdeu uma anciã
e um bebê que nasceu morto. Os outros têm uma saúde tão
boa quanto seu maldito cachorro.
Shannon desejava insistir no assunto da perna, no
entanto, não falou mais, consciente que Cherokee sempre
falava do que lhe interessava e ignorava o resto.
— Se não fosse assim, um de seus tônicos faria que se
recuperassem. — a jovem afirmou enquanto fazia uma careta.
Os remédios da anciã possuiam um sabor horrível, porém
ela jurava que era precisamente aquilo que fazia que fossem
bons.
— Gosto de pensar que isso seja verdade. — Cherokee
disse.
Discretamente, Shannon deu uma olhada na cabana.
Normalmente havia um balde cheio de água junto à estufa,
lenha empilhada perto e alguma coisa cozinhando no caldeirão.
Às vezes, havia até mesmo pãezinhos recém assados.
Porém agora o balde estava praticamente vazio, a panela
continha os escassos restos de um cozido e não havia nada
comestível à vista. Nem mesmo lenha.
— Andar até aqui me deu sede. — Shannon disse
distraidamente, alongando o braço para o balde vazio. —
Importa-se que eu vá buscar água?
Cherokee hesitou antes de encolher os ombros.
— A água do riacho está bem fria para gelar o inferno —
resmungou. — Doem até os dentes quando a bebo.
— Então, recolherei um pouco de lenha e aquecerei um
pouco a água. A anciã hesitou novamente e suspirou.
— Eu agradeço muito, Shannon. Hoje me sinto um pouco
fraca.
A jovem se apressou a buscar água e lenha do monte, e
quando acabou de colocar os troncos destinados ao fogo entre
a banqueta e a estufa, deu uma olhada de soslaio à mulher.
Parecia pálida e cansada.
— Se lhe parece bem, — Shannon propôs, tentando
incutir algum ânimo em suas palavras. — esfregarei esta velha
panela e prepararei um pouco de sopa. Não há nada como a
sopa para levantar o ânimo.
Dessa vez Cherokee nem pensou. Simplesmente se deitou
sobre o colchão com uma maldição abafada.
Escorreguei quando trazia água há seis dias e machuquei
o tornozelo. — explicou — O cataplasma de ervas ajudou,
porém ainda me incomoda.
— Então, descanse. — Shannon recomendou, enquanto
esfregava a panela. — Dê um tempo ao tornozelo para que se
recupere. Cherokee sorriu levemente.
— Esse foi o mesmo conselho que dei a John, o Silencioso
quando a velha Razorback pisou no seu pé.
— Espero que o siga melhor do que ele fez.
— Não soube nada de seu esposo ultimamente. Era uma
afirmação, porém Shannon agiu como se fosse uma pergunta.
— Não. — respondeu — Não há nem rastros dele.
— Precisa enfrentar isso de uma vez. É uma viúva.
Shannon não disse nada.
— Mesmo aqueles inúteis dos Culpepper imaginam, —
Cherokee continuou, — e isso porque ninguém pode acusá-los
de serem muito inteligentes.
— Então, só preciso voltar a vestir o casaco de John e
atravessar a passagem com Razorback outra vez.
— Não acredito que isso volte a enganá-los. — Cherokee
grunhiu.
A jovem deu de ombros. — Não há outra solução.
— E o que há sobre aquele homem ao qual chamam de
Chicote? — A anciã perguntou — Urso Pequeno me disse que
seguiu seu rastro desde Holler Creek.
— Urso Pequeno gosta de falar muito, igual ao seu tio,
Urso Ferido.
Cherokee esperou que Shannon lhe falasse do
desconhecido. Porém, em vez disso, a jovem preparou a sopa
como se sua vida dependesse daquilo.
— E bem? — A anciã urgiu finalmente.
— E bem, o quê?
— Aquele tal Chicote a encontrou?
— Sim.
— Maldição, jovem. Passou muito tempo com John, o
Silencioso! O que aconteceu entre você e o forasteiro?
— Nada. Disse-lhe que se fosse e ele foi.
— Como conseguiu isso?
— Com Prettyface e uma escopeta carregada.
— Se aquele tipo partiu, foi porque quis, não porque você
o intimidou — Cherokee resmungou sem se deixar
impressionar. — O que ele pretendia?
— O mesmo que os Culpepper. — Shannon replicou.
— Duvido. Chicote Moran não tem fama de bater em
mulheres até fazê-las sangrar para conseguir prazer.
Shannon levantou os olhos do que estava fazendo,
surpresa de que Cherokee tivesse alguma coisa boa para dizer
de algum homem.
— Você o conhece? — Perguntou.
— Não diretamente. Porém, Urso Ferido e Wolfe Lonetree
são amigos; e Lonetree está muito unido a Reno, o irmão desse
homem.
— Reno? O pistoleiro? — Shannon teve receio de fazer
essa mesma pergunta a Rafe quando mencionou seu irmão.
— Sim, ainda que só use o revólver se for obrigado a fazê-
lo. Reno, na verdade, é um caçador de ouro. O fato de ver a ele
e a sua mulher trabalhando juntos, quase faz você acreditar
que os espíritos realmente falam aos homens. Pelo menos é o
que Lonetree disse ao Urso Ferido, que, por sua vez, contou ao
Urso Pequeno e...
— Urso Pequeno disse para você. — Shannon concluiu. —
Estou convencida de que superam o telégrafo de Denver
transmitindo as notícias.
Cherokee riu entre dentes.
— Não há muito que fazer além de falar, quando se chega
à minha idade. — A anciã se lamentou. — Por outro lado, os
homens gostam mais dos rumores do que as mulheres,
acredite em mim. Com exceção de John, o Silencioso, claro.
Tentar se comunicar com ele era como falar com um túmulo.
Não sei como conseguiu suportá-lo. Seu esposo quase me fez
cair na bebida.
— Não sabia que havia passado tanto tempo com ele para
se aborrecer.
Cherokee se inclinou e acariciou o tornozelo antes de
voltar a falar.
— Esse silêncio não demora muito a me cansar. —
resmungou.
— Eu não me importo com o silêncio. John gostava da
leitura e me ensinou a gostar também. Mesmo reconhecendo
que prefiro a poesia, a Platão. Cherokee bufou.
— Sim, vi aquele seu baú cheio de livros. São uma perda
de tempo nos que falam sobre as propriedades das ervas.
— No inverno há muito tempo para perder. Não é natural
se manter sempre em silêncio. Oh, eu falo todo o tempo comigo
mesma e com Prettyface. — Shannon lhe confessou.
— Muito sensato. Pelo menos, um de vocês faz
comentários inteligentes. Mesmo que não direi quem.
Sorrindo, Shannon verificou a temperatura da água que
pusera sobre o fogo.
— Você deseja um pouco de chá de casca de salgueiro? —
Perguntou.
Cherokee fez uma careta antes de responder.
— Essa maldita bebida parece água suja.
— Fará seu tornozelo doer menos.
— É água suja.
Ignorando os resmungos de protesto de Cherokee, a jovem
se aproximou de uma arca de madeira e levantou a tampa. No
instante, um requintado aroma de ervas se expandiu pela
minúscula cabana. A casca de salgueiro era fácil de identificar
e também de admirar, porém a arca também continha algumas
plantas secas verdadeiramente letais. Por sorte, Shannon sabia
quais eram e evitou tocá-las. Aproveitando que a jovem estava
preparando o chá medicinal, Cherokee tirou de baixo da cama
uma bolsa de lona, levou a mão em seu interior e pegou um
pacote envolvido em papel de seda. Sem dizer nada, voltou a se
sentar sobre o colchão enquanto apoiava levemente sua mão
nodosa e cheia de cicatrizes sobre o pacote como se fosse uma
coisa maravilhosa.
Quando Shannon se virou para lhe oferecer a bebida
fumegante, a anciã ignorou a amassada taça de metal e olhou à
jovem diretamente aos olhos.
— Precisamos conversar. — Anunciou sem rodeios. —
Deve enfrentar que John está morto.
— Não pode ter certeza disso.
— Claro que sim. Rezei sobre seu túmulo.
Shannon abriu muito os olhos.
— O quê?
— Foi há três anos, no outono. A noite já havia caído,
porém a lua cheia me permitiu ver a sua pobre e velha mula
descer correndo, pelo riacho, esgotada e cheia de sangue.
Ao ouvir aquilo, Shannon sentiu que o fôlego enregelava
nos pulmões. Cherokee nunca lhe contara como havia
encontrado Razorback.
Simplesmente levara a mula até a cabana de John, o
Silencioso, e lhe disse que o mais provável seria que seu esposo
voltasse tarde de suas concessões naquele ano e que deveria
começar a procurar comida por si mesma.
Foi então quando a anciã lhe revelou que seu verdadeiro
nome era Teresa e lhe disse que não hesitasse em lhe pedir
ajuda se precisasse.
— Nunca havia me contado. — Shannon sussurrou.
— Tratei da mula como pude e parti ao amanhecer para
rastrear o lugar. As marcas acabavam em um desprendimento
de terras e assumi que era o túmulo de John
— Porque não me contou?
— Para quê? — Respondeu, laconicamente. — Se eu
estivesse enganada, John apareceria no inverno. Se estivesse
certa e se espalhasse o rumor, todos os homens de Echo Basin
acabariam perseguindo você, cedo ou tarde. Dizer a verdade
não traria nada bom.
Shannon tentou dizer algo, porém não conseguiu que as
palavras atravessassem sua apertada garganta.
— De que teria servido lhe contar? — Cherokee continuou.
— As passagens já estavam fechadas e não poderia partir.
Possuia comida para se manter e não corria nenhum perigo na
cabana, desde que ninguém descobrisse que John estava
morto. Não disse nada porque seria o melhor para você.
Quando Shannon tentou falar de novo, somente
conseguiu emitir um estranho gemido.
Um repentino rubor apareceu nas faces curtidas de
Cherokee.
— Deveria ter lhe contado antes, — a anciã reconheceu —
porém, me sinto sozinha. E você também não tem família. Além
do que qualquer cidade seria perigosa para uma mulher tão
bela como você. Acreditei sinceramente que estaria muito
melhor aqui. Se tivesse descoberto que John estava morto,
teria se decidido a partir.
— Este é o meu lugar. Não o deixarei.
— Enganei-me ao segurá-la aqui. — Cherokee continuou,
ignorando as palavras de Shannon. — Foi por puro egoísmo e
agora minha consciência não deixa de me recordar isso. Ia lhe
contar logo e lhe dar dinheiro para...
— Não. — A jovem a interrompeu.
Cherokee resmungou uma maldição entre dentes e se
ergueu antes de falar.
— As coisas mudaram. — Afirmou secamente. — Agora
você deve ir.
— Por quê? Simplesmente porque agora sei que é verdade
o que suspeitei durante dois anos, que John está morto?
— Precisa sair de Echo Basin e Chicote Moran é...
— Porque preciso sair daqui? —Shannon cortou. — É o
único lar que tenho.
— Porque não poderá sobreviver sozinha naquela cabana,
— Eu vivi até agora.
Cherokee rosnou.
— Seu esposo acumulou muita comida, porém o tempo
passa e você não possui dinheiro para comprar mais. Olhe-se.
Está muito magra.
— Sempre emagreço no inverno. Engordarei no verão,
garanto.
— E se não for assim?
— Será.
— Maldição. É muito teimosa.
— Essa é a razão pela qual sobreviverei. — Shannon
afirmou. — Por pura teimosia. Vamos, deixe de falar e beba o
chá.
Cherokee recusou a taça com um gesto.
— Eu a ajudei nos três últimos invernos, porém...
— Eu sei. — A jovem não a deixou terminar. — E lhe
agradeço. Trouxe o seu sal e quando os cervos retornarem, eu
devolverei a...
— Diabos, não é a isso que me refiro! — Cherokee
exclamou furiosa. — Precisa me escutar, maldição!
A raiva de Cherokee a surpreendeu tanto, que Shannon
fechou a boca e a olhou atenta.
— Alguns homens são melhores do que os outros. —
Cherokee reconheceu de má vontade. — Muito melhores. Pelo
menos, isso é o que Betsy e Clementine dizem quando veem
buscar sua poção para não ficarem grávidas.
Shannon fechou os olhos durante um instante. Sabia que
as prostitutas às vezes visitavam a xamã mestiça, porém
ignorava até aquele momento que tipo de poções procuravam.
— Entendo. — Disse em voz baixa.
— Duvido. — Cherokee replicou. — Ainda que agora isso
não importe. O que precisamos fazer é encontrar um homem
que valha a pena e, pelo que ouvi, Chicote Moran reúne todos
os requisitos.
Shannon fez menção de protestar.
— Não diga nada ainda. — Cherokee a interrompeu,
apontando o pacote. — Um bastardo, filho de uma cadela deu
isto a minha mãe faz muito tempo. Ela me presenteou, e agora
quero que seja seu.
Antes que Shannon pudesse dizer algo, a anciã já estava
desembrulhando o pacote com mãos reverentes. O papel estava
tão gasto, que era quase transparente.
Porém, nem mesmo o papel de seda era tão frágil quanto a
macia seda e renda que havia em seu interior. Shannon
inspirou bruscamente enquanto soltava um gemido de
surpresa e prazer ao ver o sutil brilho da delicada peça que a
anciã segurava entre as mãos.
— Bonita, não é? — Cherokee comentou com um sorriso.
— A primeira vez que vi você, pensei nesta camisola.
— Não posso aceitá-la.
— Claro que sim.
— Porém...
— Demônios, para mim não serve para nada. — Cherokee
rosnou com impaciência. — Nunca a usei. Sou muito grande,
igual a minha mãe. Ninguém a usou.
Indecisa, Shannon tocou a camisola. O tecido era tão leve
quanto uma nuvem. Até mesmo a renda das beiradas era
sedosa e suave.
— Vamos, pegue-a. — Cherokee insistiu.
— Não posso.
— Claro que sim. — Voltou a embrulhar a camisola e a
estendeu para Shannon. — Guarde-a no bolso dianteiro da
velha jaqueta de John. Ali estará a salvo até que chegue em
casa.
— Porém...
— Não penso beber nem uma gota desse chá a menos que
aceite meu presente.
Lentamente, Shannon pegou o pacote com sua mão livre.
— Vamos. — Cherokee a apressou, pegue o chá. —
Coloque-a onde falei.
Até que a jovem não guardou o pacote no bolso de sua
jaqueta, a anciã não bebeu o chá.
— Não sei como agradecer... — Shannon começou a dizer,
hesitante.
— Não precisa agradecer. Eu me sentirei melhor sabendo
que você a tem. Já era hora que alguém pudesse aproveitá-la.
Shannon se ruborizou.
— Não é o uniforme de uma prostituta. — Cherokee a
tranquilizou rindo. — É uma armadilha; uma armadilha de
seda para um homem. Para Rafe Moran, por exemplo. Sei que é
um homem íntegro e...
— Não.
— Sim — A anciã insistiu. — Se vir você com essa
camisola, esquecerá completamente sua vontade de viajar.
Estará casada antes que possa dizer sim, bem, ou talvez...
— Não. — Shannon exclamou, taxativamente.
— Por acaso não entende que...
— Não — Repetiu. — Agora você precisa escutar. Minha
mãe e eu vivemos da generosidade dos familiares até que ela
morreu de uma pneumonia. O irmão de minha mãe morreu
pouco depois e a seguir, sua esposa me fez trabalhar como
uma escrava. Mesmo eu só estando com treze anos.
Cherokee assentiu sem mostrar nenhuma surpresa.
— Colocaram-me como aprendiz de um alfaiate, —
continuou — e não havia permissão para sair da loja.
Trabalhava lá, comia e dormia lá. E quando o alfaiate se
embebedava, o que era duas vezes ao mês, precisava me
defender dele com umas tesouras que guardava debaixo da
almofada.
A anciã assentiu de novo, limitando-se a escutar.
— Um dia o tio de minha mãe veio à cidade. — Shannon
continuou relatando com voz monótona. — Finalmente, havia
chegado até ele uma carta que eu lhe escrevera quando minha
mãe faleceu. Conseguiu que minha tia devolvesse o lenço de
seda de minha mãe e sua aliança de ouro. Colocou o anel no
meu dedo e, a partir daquele momento, me converti na senhora
Smith.
— Mais ou menos como eu havia imaginado. — Cherokee
falou. — Ninguém viveria com John a menos que estivesse
desesperado.
O sorriso que Shannon lhe dirigiu foi agridoce.
— Comparado com o lugar de onde eu vinha, meu tio e
Echo Basin me pareceram o paraíso.
— Eu também me senti sempre assim neste lugar. Com a
diferença que cheguei aqui com mais anos que você, sozinha, e
disfarçada de homem. Meu pai era mexicano e minha mãe uma
prostituta do Tennessee, forte como uma mula e terrivelmente
teimosa.
— Contrataram-me para fazer trabalhos de homem desde
que completei dez anos, porém me pagavam um salário
irrisório e me tratavam como se fosse lixo. Depois que minha
mãe morreu, parti e nunca olhei para trás.
— Também não procurou um homem com quem se casar.
— Shannon assinalou.
Cherokee deu de ombros.
— Como já disse, estava farta de ser uma escrava para os
homens.
— E ainda assim, quer que eu vá em busca de um.
— Isso é diferente.
— Sim. — Shannon disse, com voz grave. — Trata-se da
minha escravidão, não da sua.
A anciã amaldiçoou e sorriu ao mesmo tempo.
— Sempre é muito rápida para mim. Ainda que, na
verdade, hoje em dia qualquer um é. Estou ficando velha e não
há forma de conseguir alguma coisa neste verão.
— Então, eu caçarei para nós duas.
— Shannon, possui uma coragem admirável, porém suas
habilidades para caçar...
— Vou melhorar antes do final do verão.
Durante um longo momento, os escuros olhos de
Cherokee estudaram o rosto da jovem. Depois, suspirou e não
disse nada mais sobre o assunto dos homens, do casamento e
da sobrevivência. Simplesmente balançou a cabeça porque
sabia que não haveria tempo suficiente para que Shannon
aprendesse a caçar antes do inverno.
Porém, aquilo precisaria descobrir por si mesma, já que se
negava a aceitar conselhos.
Assim, somente restava para Cherokee, rezar para que
Shannon não descobrisse muito tarde, depois que a passagem
alta sobre Whiskey Creek estivesse fechada pela neve. A partir
daquele momento, todos aqueles que vivessem em Echo Basin
ficariam presos até que a passagem se abrisse, ou morressem
de fome.
Dependendo do que acontecesse primeiro.
CAPÍTULO 4

O sol quase havia desaparecido quando Shannon chegou


ao alto de uma empinada e rochosa colina. Daquele ponto sua
cabana mal era visível. Estava meio enterrada na própria
encosta da montanha e permanecia oculta graças à espessura
dos álamos.
Raras vezes, o lugar onde se encontrava seu lar, lhe
parecera tão belo. As horas transcorridas desde que deixara a
cabana de Cherokee passara tentando caçar algo, qualquer
coisa, porém, o único resultado era um corpo cansado e um
estômago que roncava muito alto para atrair a atenção de
Prettyface.
— Acalme-se. — Shannon sorriu. — Não penso comer você
no jantar.
O cachorro abanou o rabo e lambeu o focinho.
— Sinto muito. Precisará caçar por sua conta. — Avisou-o,
cansada enquanto acariciava sua cabeça. — E desta vez, tente
que sua presa seja muito grande para que nós dois possamos
comer.
Não tentou disfarçar a fome, nem a fadiga, e sua postura e
seu tom de voz refletiam o esgotamento que sentia. Além das
poucas tiras de carne seca que comera pela manhã, não
comera nada mais em todo o dia. A carne seca que colocara no
bolso naquela manhã acabara na sopa de Cherokee, junto a
algumas lâminas de erva macia que Shannon descobrira perto
da cabana da anciã.
Estava tentando caçar durante horas, porém, por mais
que se esforçasse, por mais silenciosamente que seguisse suas
presas, elas sempre saíam fugindo antes dela se aproximar o
suficiente para se arriscar a atirar um de seus preciosos
cartuchos.
Abatida, Shannon começou a descer a encosta da
montanha na qual estava encravada a parte posterior da
cabana. Ainda que não houvesse nenhum sinal externo na
superfície, sob seus pés se escondia a caverna da fonte termal.
À esquerda havia uma pilha de rochas onde John, o Silencioso
havia escavado uma segunda saída secreta da cabana, porém
também não era visível do exterior.

Prettyface trotava alegremente, farejando o vento que


atravessava o vale. De repente, parou em seco. Suas orelhas se
retesaram e emitiu um grunhido.
No instante, Shannon apoiou as costas em uma árvore,
levantou a escopeta e começou a observar a zona à frente dela,
esquecendo o esgotamento.
Prettyface só reagia assim diante da presença de homens.
Alguém estava perto da cabana. Talvez até mesmo em seu
interior, à espera que ela entrasse desprevenida.
Tentando não fazer nenhum ruído, Shannon desceu a
costa em diagonal e, quando o terreno se aplainou, começou a
rodear a cabana sem abandonar em nenhum momento, o
bosque.
Prettyface não mostrou nenhum interesse pelo que o
rodeava. Só a cabana atraía sua atenção.
Assim que Shannon rodeou o vale até chegar ao outro
extremo, descobriu o que havia provocado aquela reação no
cachorro. Um animal de bom tamanho, totalmente despelado e
recém caçado, estava pendurado em alguns troncos em um
canto da cabana.
O tio de Shannon usava aqueles mesmos troncos para
pendurar a carne recém caçada enquanto a picava para secá-
la.
— John? — Ela sussurrou.
De repente, Prettyface se virou rapidamente e olhou à
empinada costa que acabavam de descer. Os pelos do seu
pescoço se eriçaram.
Shannon se virou e conseguiu ver a silhueta de um
homem montado a cavalo, perfilada pelo verde e laranja do pôr
do sol. A amplitude de seus ombros era inconfundível assim
como a arma enrolada ao redor do ombro direito. Um chicote.
O cavaleiro a saudou com uma leve inclinação do chapéu,
virou seu grande cavalo cinza, e segundos depois desaparecia
ao descer pelo outro lado da encosta.
Ainda que Shannon esperasse um longo tempo contendo o
fôlego, Rafe não voltou a aparecer.
Finalmente, Prettyface bocejou, empurrou sua dona com o
focinho e olhou com nostalgia à cabana.
— Espero que não se atreva a voltar agora que o
descobrimos.
Enquanto pronunciava aquelas palavras, Shannon disse a
si mesma que não estava decepcionada pelo fato de que ele
houvesse partido.
Porém sabia que mentia.
Também pensou que deixaria o presente que lhe fizera,
apodrecer onde estava pendurado.
Porém, sabia que aquilo também era mentira. Estava
faminta e a pouca farinha que trouxera de Holler Creek se
acabaria muito cedo.
Com uma mistura de agradecimento, fúria e inquietação,
Shannon entrou na cabana e tirou o presente de Cherokee do
bolso da jaqueta. A seda brilhou através de uma abertura no
papel.
Quando vir você com essa camisola, esquecerá
completamente sua vontade de viajar. Estará casada antes de
conseguir dizer sim, bem, ou talvez...
Uma curiosa sensação de cócegas percorreu Shannon ao
pensar em usar uma peça tão delicada, sentir sua fria
suavidade contra seu corpo.
Balançou a cabeça e, sem querer pensar mais no assunto,
guardou a camisola e saiu ao exterior para se ocupar do
presente de Rafe Moran.
Rapidamente, a primeira comida de verdade que havia
preparado em meses estava fumegando em frente a ela. Apesar
da fome, comeu com cuidado e saboreou cada bocado.
E, ao contrário do que esperava, a carne só foi o primeiro
presente de Rafe. Na manhã seguinte, a jovem encontrou dois
sacos de aniagem pendurados no galho de uma árvore perto do
riacho. O primeiro saco estava cheio de maçãs secas e açúcar,
canela e banha de porco. O segundo continha as provisões que
deixara para trás em Holler Creek, e outras mais.
Shannon resistiu à tentação durante várias horas. Depois,
decidiu que poderia dar melhor uso das provisões do que
qualquer animal que conseguisse subir até a árvore e ficar com
os sacos.
Uma vez tomada a decisão, não perdeu tempo e preparou
uma torta de maçãs. E bolachas. E pão.
Quando se dirigiu à cabana de Cherokee para
compartilhar com ela a generosidade de Rafe, teve a impressão
de ser seguida. Os pelos da sua nuca se eriçaram e seus
instintos indicavam que não estava sozinha.
Ainda assim, cada vez que se virava com a esperança de
vislumbrar o seu benfeitor, não conseguia ver mais que as
árvores, rochas e um céu incrivelmente azul, próprio da alta
montanha.
Prettyface também o farejou em todo o trajeto até a
cabana de Cherokee.
— Entre, jovem. — A anciã a convidou do umbral.
— Obrigada.
Shannon descarregou a incômoda mochila que fabricara a
partir de várias tiras de couro e um velho alforje.
— Como está seu tornozelo?
— Curado.
A jovem observou Cherokee fixamente e soube que mentia.
— Bem. — Murmurou sem convicção. — Trouxe-lhe
alguma comida para pagar o que me deu neste inverno.
— Um momento. Não foi um empréstimo, então, não
precisa me devolver.
— Vou pendurar a carne na parte de trás. — Shannon
continuou, como se não tivesse ouvido o protesto. — O restante
eu vou colocar em sua arca para provisões.
Atônita, a anciã observou como a jovem punha em prática
suas palavras.
— Maldição! Ontem teve sorte quando saiu para caçar!
Shannon não disse nada.
— Espere leve as sacolas de farinha e açúcar. — Cherokee
rosnou. — Tenho o suficiente até que extraia mais ouro ou
venda algumas ervas em Holler Creek.
A jovem a ignorou.
— Maçãs! — A anciã exclamou surpresa. — Estou
sentindo cheiro de maçãs?
— Isso mesmo. Coloquei a metade de uma torta de maçã
na parte de trás de sua estufa para aquecer.
— Pão, torta. Por todos os demônios! Você voltou ao
povoado e exigiu que Murphy lhe desse tudo o que esteve
roubando ao longo dos anos.
Shannon emitiu um som que poderia ter significado
qualquer coisa.
— Isso foi algo malditamente estúpido de sua parte. —
Cherokee a repreendeu. — Dois dos Culpepper só ficaram
feridos em seu orgulho na briga com Rafe Moran. Poderiam ter
feito qualquer coisa com você.
— Mas, não fizeram.
— Ainda assim, eles...
— Não voltei a Holler Creek. — Shannon a interrompeu.
Cherokee ficou calada e, de repente, seu enrugado rosto se
iluminou com um amplo sorriso irregular.
— Foi ele. — Sussurrou. — Está lhe cortejando!
A jovem pensou em dizer a verdade, porém, decidiu não
falar. Cherokee não se negaria a compartilhar a inesperada
generosidade de Rafe se acreditasse que ele a estava
cortejando; no entanto, se negaria a aceitar se pensasse que
era o começo de uma planejada sedução.
— Talvez. — A jovem respondeu. — Ou, talvez não.
— Claro que sim. Pense um pouco, jovem. Ele se fixou em
você. Já usou a camisola para ele?
— Estou casada, lembra? Não quero que ninguém pense
que não é assim.
— O fato de usar um anel não a converte em uma mulher
casada.
— Não se apoie no tornozelo. — Shannon lhe recordou,
tentando mudar de assunto. — Trarei água e lenha para vários
dias, porque certamente não poderei voltar logo.
— Vai a algum lugar?
— Caçar. — Respondeu sucintamente.
Cherokee pareceu confusa. Depois riu entre dentes.
— Não vai deixar fácil, certo, jovem?
O sorriso que ela lhe dirigiu era tão duro como a folha do
punhal de caça que enfiara no cinturão.
Vou deixá-lo totalmente esgotado. — Replicou arrastando
as palavras, em uma imitação do sotaque de Cherokee.
— Você continua pensando assim. — Comentou a anciã
antes de soltar uma gargalhada que a deixou sem fôlego. —
Continue assim até que ele a prenda e leve arrastada à frente
de um pregador.
O sorriso de Shannon se apagou. Rafe Moran não possuia
o casamento em mente, e ela sabia muito bem.
Porém Cherokee não precisava saber. Não agora que
parecia tão aliviada pelo fato de que o futuro da jovem que
protegia estava resolvido.
— Deixe de se apoiar nesse tornozelo. — Shannon a
advertiu. — Se eu a vir passeando por aí, deixarei você mesma
se encarregar de suas tarefas.
Rindo entre dentes, a anciã se aproximou mancando até
sua maltratada cama e se deitou.
Quando Shannon saiu da cabana, soube que Rafael
Moran estava em alguma parte observando-a. No entanto,
Prettyface, que estava deitado ao sol diante da cabana,
deixando que o vento alvoroçasse sua pelagem grisalha, não
deu nenhum sinal de percebê-lo.
Enquanto carregava água e lenha, não deixou de olhar em
direção ao vento, pois era o único lugar onde Rafe poderia se
esconder do agudo olfato do cachorro.
Não o viu nem uma vez. Porém, ouviu algo que poderia ter
sido o vento se lamentando através das longínquas rochas...
ou, o som de um homem arrancando suaves lamentos de uma
guaira, um curioso instrumento de vento indígena.
Depois de deixar Cherokee, dedicou longas e infrutíferas
horas a caçar e tentar descobrir onde Rafe estava. Seus
instintos diziam que ele se encontrava ali e, se aquilo não fosse
suficiente, a melodia da primitiva flauta chegava até ela de vez
em quando; um mero eco que fazia com que Prettyface
tombasse a cabeça e escutasse tranquilo, já que a música não
supunha nenhuma ameaça para ele.
Apesar da intensa procura de Shannon e do faro de
Prettyface, não viram em nenhum momento o homem cuja
presença atormentava a jovem.
No dia seguinte, Shannon seguiu os rastros de uma presa,
caminhando entre duas grandes rochas e encontrou três
perdizes perfeitamente depenadas e amarradas pelas pernas,
penduradas no galho de uma árvore.
A jovem se virou rapidamente para olhar ao redor, só para
descobrir que não havia nada para ver com exceção de árvores
e rocha, a luz do implacável sol e nuvens brancas como a neve.
Observou o solo minuciosamente, porém não descobriu
marcas, nem nada que sugerisse a presença de um homem.
Também não escutara nenhum tiro. Ainda assim, era
evidente que os pássaros foram caçados recentemente.
Caçou-os com aquele chicote. Deus, ele deve ser
incrivelmente veloz!
Prettyface rodeou o solo que havia embaixo das perdizes
emitindo roucos grunhidos.
— Alegro-me que possa farejá-lo. — Shannon sussurrou.
— Estava começando a pensar que fosse um fantasma.
Hesitou durante um instante sem saber o que fazer.
Depois, retirou as perdizes e as colocou em sua improvisada
bolsa de lona.
Não faz sentido deixar que os vermes as comam. —
Murmurou.
Prettyface farejou o vento várias vezes antes de perder o
interesse. Sua pelagem eriçada voltou ao seu estado normal e
olhou para sua dona à espera de um sinal.
Shannon observou suas mãos e percebeu que tremiam. O
fato de saber que Rafe podia estar perto, fora do alcance do
olfato de seu cachorro, lhe deixava nervosa.
Pelo menos mantêm a distância. Não se aproximará mais
enquanto eu tiver uma escopeta carregada e Prettyface estiver
ao meu lado.
Ergueu os ombros e começou a andar uma vez mais.
Enquanto procurava uma presa, recolheu plantas comestíveis e
as colocou na bolsa com as perdizes.
Quando retornou à cabana, encontrou uma grossa fatia de
toucinho pendurado nos troncos que utilizava para secar a
carne.
Virou-se a toda velocidade e olhou a sua volta.
Ali não havia ninguém. E já não sentia aquela estranha
sensação em seu íntimo que a advertia da presença de Rafe.
No entanto, horas depois, coincidindo com a saída da lua
cheia, uma rouca melodia chegou até ela atravessando o vale.
Ao ouvir o som parecido a um lamento, Shannon se
ergueu com o coração batendo com força e com o gutural
grunhido de Prettyface vibrando aos pés da cama. Logo o
grunhido diminuiu.
Pouco a pouco, a jovem percebeu que o que quebrava o
silêncio da noite era a flauta de Rafael Moran. Cautelosa, se
aproximou da janela, abriu apenas as persianas e observou o
exterior. Não viu nada exceto as sombras que a lua projeta, sua
luz prateada e o enorme manto de ébano com qual o bosque
cobria a encosta da montanha.
Prettyface se queixou com um suave murmúrio e voltou a
se deitar em seu lugar, confirmando a Shannon com aquela
ação o que ela já sabia, que estava a salvo das roucas notas de
lamento.
Finalmente, voltou à cama e escutou o som da solidão
destilado pelo fôlego de um homem que manipulava com
mestria uma primitiva flauta.
O dia seguinte foi muito parecido para Shannon. Voltou a
sentir a presença masculina e foi perseguida pelo doce
tormento da flauta enquanto procurava as pegadas de alguma
presa. A única diferença consistiu no presente que Rafe Moran
deixou para ela: três trutas, ainda frias pela água do riacho.
Naquela noite a flauta despertou Shannon de novo, porém
não se sentiu intranquila. Prettyface rosnou, deu várias voltas
pela cabana, se aconchegou em seu canto e voltou a dormir.
Ao contrário, a jovem ficou acordada escutando o roucos
lamentos da flauta e ansiando pela indescritível beleza de algo
que não conseguia tocar.
No terceiro dia, Rafael Moran deixou em frente à sua porta
cebolas e batatas, luxos que Shannon não provava há seis
meses.
Naquela noite ficou deitada meio adormecida, esperando o
som da flauta. Quando o ouviu, estremeceu e o escutou com
atenção. Prettyface acordou, rondou pela cabana um momento
e voltou a dormir.
No quarto dia, deixou ao seu alcance um pote de
marmelada. Enquanto mantinha durante alguns segundos o
doce manjar sobre a língua e lambia as pontas dos dedos, a
jovem se sentiu quase como se estivesse saboreando uma doce
manhã de verão.
O suave lamento da flauta chegou cedo naquela noite
chamando com sua melodia as estrelas e oferecendo-as para
Shannon como se fosse outro presente. Prettyface tombou a
cabeça e escutou, porém não se preocupou em se levantar. O
enorme cachorro já não associava o som da flauta com algo
desconhecido e, portanto, perigoso.
No quinto dia, quando a jovem retornou da caçada, se
encontrou com uma pilha de troncos preparados para serem
cortados. O machado que seu tio usava para partir a lenha e
que Shannon havia quebrado, estava consertado e afiado,
assim como a serra.
Prettyface farejou cada objeto com receio. Eriçou os pelos
e o peito vibrou com um grave grunhido. Porém, não se sentiu
desafiado, nem mesmo captou nenhum sinal de inquietação em
sua dona.
O cachorro estava começando a aceitar o cheiro de Rafe
como algo normal.
Naquela noite Prettyface mal levantou as orelhas quando
os roucos gemidos da flauta atravessaram serpenteantes o
crepúsculo. Shannon ficou paralisada e deixou de estender as
roupas na corda sobre a estufa. Jogou a cabeça para trás e
fechou os olhos, permitindo que a beleza da música acalmasse
seu cansado espírito.
No sexto dia em que a jovem regressou com as mãos
vazias da caçada, o presente de Rafael consistiu em lenha
recém cortada com a medida exata para ser queimada na
estufa. Os troncos e as lascas se encontravam elegantemente
empilhados junto à porta da cabana para que estivessem perto
sempre que ela precisasse.
Quando olhou a lenha, a flauta de Rafael emitiu um
inquietante gemido de três notas do bosque próximo. No
entanto, quando Shannon se virou, não viu nada.
Nem quando a flauta voltou a soar.
No sétimo dia a esperava um ramo de flores silvestres.
Shannon olhou as flores e mordeu o lábio ao sentir um
inesperado desejo de chorar. Deixou escapar um trêmulo
gemido e examinou o bosque ansiando ver algo mais que a
sombra de Rafael se afastando. Já não se preocupava com o
fato de que pudesse tentar forçá-la. Se assim quisesse, poderia
tê-lo feito em qualquer momento, pois ela era tão consciente de
sua vulnerabilidade quando deixava a cabana quanto ele.
E também os Culpepper. A jovem esperava que Rafe
encontrasse os rastros de quatro mulas encilhadas a uns três
quilômetros da cabana. Ao ver as delatoras marcas, Shannon
havia se tranquilizado por saber que Chicote Moran estava em
algum lugar do bosque, cuidando dela.
Protegendo-a.
Aquela ideia fez seus lábios mostrarem um sorriso, mesmo
que desaparecesse rapidamente. Sabia que aquela proteção
não duraria muito tempo. Quando ele percebesse que ela não
seria dele somente lhe pedindo, continuaria cavalgando até
encontrar uma mulher mais disposta.
Porém, até então, Shannon agradecia o fato de não estar
totalmente sozinha.
Inclinou-se lentamente e pegou as flores que Rafael Moran
deixara para ela. Foi como segurar um punhado de mariposas.
Olhou as gloriosas cores, tocou as suaves pétalas com os lábios
e tentou recordar quando alguém a presenteara com alguma
coisa que não fosse necessário para sobreviver.
Não podia recordar nem uma só vez. Mesmo a camisola
que Cherokee lhe presenteara possuia como objetivo alongar a
sobrevivência de Shannon, como se fosse uma caixa de
cartuchos para a escopeta ou uma perna de veado.
Com um entrecortado gemido, a jovem afundou o rosto
nas suaves e perfumadas flores, e chorou.
Quando ergueu os olhos, viu a silhueta de Rafael Moran
contra o ardente azul do céu ao fundo. Piscou para conter as
lágrimas e tentar ver melhor; porém, ao tornar a abrir os olhos,
viu somente o céu vazio.
Rafe desceu pelo outro lado da pendente até a pequena
clareira onde havia amarrado seu cavalo. A imagem de
Shannon chorando o deixara chocado de um modo que não
conseguia entender.
Porque ela choraria por um punhado de flores?
Não havia resposta.
Murmurou uma maldição e saltou sobre a sela. Voltou a
amaldiçoar e apoiou o peso nos estribos. Ver Shannon
atravessar o vale até a cabana provocara uma intensa reação
em seu corpo. Aquela mulher possuia um modo de se mover
que poderia fazer arder as pedras.
Sua excitação o enfurecia e divertia ao mesmo tempo. Não
se sentia assim desde que vivia na Virgínia Ocidental, quando
Savannah Marie, uma jovem do lugar, se propusera a seduzi-lo
para que se casasse com ela. Rafe sabia perfeitamente o que
ela pretendia, porém, ainda assim, os ansiosos suspiros da
jovem, as sussurrantes anáguas de seda e as breves olhadas
aos seus seios deixavam seu corpo tenso.
Porém, Shannon não usava anáguas de seda, e seus seios
permaneciam escondidos a menos que o vento soprasse com
força para colar a roupa às suas curvas surpreendentemente
exuberantes. Além de suspeitar que ela gostava que sua pele
estivesse limpa e perfumada. Descobrira as ervas perfumadas
que alguém plantara junto ao riacho e a vira colhendo brotos e
levando-os à cabana.
De novo, voltou a se perguntar por que ela teria chorado
pelas flores.
Talvez se deva a que se sente sozinha.
Considerou a possibilidade enquanto começava a procurar
algum sinal sobre o caminho que levava desde a cabana de
Shannon a Holler Creek. Sabia que as viúvas frequentemente
se encontravam sozinhas, sobretudo se não tivessem filhos,
parentes próximos ou amigos.
Diabos, qualquer mulher se sentiria sozinha naquelas
circunstâncias.
Claro, está o velho xamã que vive naquela cabana na
bifurcação norte da Avalanche Creek. Shannon o visita com
frequência, então, deve forjar algum tipo de amizade.
Rafe se surpreendera na primeira vez que seguira a jovem
até a pequena e distante cabana onde vivia o xamã. Depois,
percebeu a torpeza nos movimentos do ancião e notou que
Shannon o estava ajudando.
Possivelmente estivesse acostumada a cuidar de homens
idosos. Se fosse verdade o que diziam os rumores John, o
Silencioso deve ser também um ancião.
Se é que continua vivo.
Terá morrido como pensam os Culpepper, ou estará
rastreando algum foragido, se escondendo até conseguir
prendê-lo?
A única resposta que lhe ocorria era outra pergunta.
Talvez esteja ferido como esse xamã mestiço e regresse
dentro de um tempo. Apesar de tudo, foi visto cavalgando pela
passagem da Avalanche Creek no primeiro degelo.
Aquela ideia fez seus lábios se transformarem em uma
fina linha. Por mais que desejasse a Shannon, não queria
seduzir uma mulher casada, nem tampouco uma virgem. Ia
contra seus princípios. Na verdade, aquela era a razão pela
qual passara a maior parte da última semana escalando as
diversas bifurcações da Avalanche Creek, em busca de algum
sinal que indicasse que John, o Silencioso estivesse
trabalhando em suas concessões ou tivesse descido delas para
esperar que sarasse algum ferimento.
Rafe não conseguira nenhum resultado em suas buscas.
Vira somente alguns buracos irregulares no alto da encosta da
montanha, que indicavam que alguém utilizara uma picareta
para trabalhar a dura rocha em busca de ouro. Porém, não
havia nada que indicasse há quanto tempo foram feitos aqueles
buracos. Da única coisa que podia estar certo era que as cinzas
das diversas fogueiras que encontrara não haviam sido
alteradas desde a última tempestade, três dias antes.
Três dias.
Três semanas.
Três anos.
Era impossível saber.
Maldição, Caleb me comentou que era comum encontrar
carvão procedente de antigos fogos junto às paredes dos
precipícios no alto daquelas montanhas, e parecia que nada
mudara desde que seu pai inspecionara aqueles mesmos restos
de carvão, há trinta anos, para o exército.
Inclusive talvez, fosse provável que aqueles fogos tivessem
sido acesos pelos índios trezentos anos atrás, antes de
roubarem os cavalos dos espanhóis e de aprenderem a
cavalgar.
Rafe não sabia quando partiria das Montanhas Rochosas.
Na verdade, já havia passado mais tempo ali, do que em
qualquer outro lugar desde que saíra da Virgínia Ocidental,
ainda quase um adolescente.
Parte do que o retinha nas Rochosas era o fato de que
seus irmãos, Reno e Willow, viviam ali, junto às suas famílias,
e que também seu amigo Wolfe havia se estabelecido naquele
lindo lugar. Porém, a terra por si só, também possuia uma
extraordinária atração. O aroma do vento e as cores da terra
não se pareciam a nada que tivesse conhecido em qualquer
outro lugar da terra. Alguma coisa nas agrupações das geladas
cumieiras e dos verdes vales entre as cordilheiras fascinava
Rafe como nunca antes.
No entanto, por mais que amasse a paisagem, não
pensava em ficar para sempre nas selvagens Rochosas. Sabia
que, mais cedo ou mais tarde, a ânsia por conhecer o mundo,
renasceria novamente em seu íntimo e voltaria a partir em
busca de algo que só podia descrever como o amanhecer que
ainda ficava por ver.
Porém até que aquele impulso apareça, não há nada que
me impeça desfrutar deste amanhecer.
Acompanhado tão somente por seus pensamentos e um
agitado vento, Rafe procurou rastros sob a longa e inclinada luz
da última hora da tarde. Viu pegadas de alces, cervos e pumas.
Também escutou a aguda reclamação de uma águia que
chamava seu par, sem dúvida, mas, não ouviu nenhum
homem, nem viu sinais que indicassem que não estivesse
sozinho.
Não havia novas pegadas onde as rápidas águas do rio
Holler Creek se uniam com a bifurcação oriental da Avalanche
Creek. Os rastros de quatro mulas ainda continuavam ali,
levemente apagados por uma leve chuva, porém,
inconfundíveis.
Os Culpepper haviam cavalgado à bifurcação do caminho
que levava até a cabana de Shannon. Três deles ficaram ali
durante algum tempo, sentados sobre suas mulas e bebendo,
enquanto o quarto explorava o terreno.
Rafe se encontrava na colina atrás da cabana de Shannon
quando viu Darcy Culpepper atravessando silenciosamente o
bosque. Sem perder um segundo, tirou seu rifle da bainha da
sela, disparou e fez com que várias lascas de rocha saltassem
sobre o peito de Darcy, que correu para sua mula e escapou
rapidamente.
Rafe o seguiu até o lugar onde seus irmãos o esperavam.
Sem dúvida, os Culpepper não ficaram esperando a quem quer
que houvesse atirado em Darcy. Em vez disso, jogaram duas
garrafas de uísque vazias contra as rochas e se apressaram em
fugir.
Quando Rafe chegou até ali, encontrou somente as
pegadas das mulas e fragmentos de cristal brilhando debaixo
do sol.
Aquilo fazia vários dias, Rafe pensou, examinando o vale
onde os dois riachos se uniam. Os Culpepper não voltaram
desde então.
Porém voltarão quando conseguirem criar coragem
novamente.
Durante longos minutos, ficou sentado sobre o cavalo
pensando nos Culpepper e na aterrorizada jovem com um
andar doce como o mel e seu esposo. Nada do que havia
encontrado enquanto explorava a caverna da Avalanche Creek
levava a pensar que John, o Silencioso estivesse vivo, e muito
menos trabalhando em suas concessões.
Penso que poderia estar perseguindo algum foragido no
outro lado da Grande Divisão.
Aquela ideia o fez franzir o cenho.
Porém, se tivesse que apostar, diria que John, o Silencioso
está morto. Nenhum homem tão astuto como se supõe que ele
seja, deixaria Shannon sozinha durante seis semanas com os
Culpepper estando tão perto.
E se na realidade estivesse morto, Shannon precisaria se
arranjar sozinha, sem a ajuda de um esposo. Era uma mulher
jovem em uma terra cheia de homens perigosos. E não
importava que Prettyface fosse grande e feroz, ou que
precauções ela tomasse; mais cedo ou tarde, os Culpepper a
pegariam desprevenida.
Provavelmente, mais cedo do que tarde.
Rafe não gostou de pensar no que aconteceria quando os
Culpepper pusessem as mãos em cima de Shannon.
Com ou sem John, o Silencioso, era hora de apertar o
cerco em volta do seu lindo mustang quase domado.
CAPÍTULO 5

No dia seguinte, Shannon não acordou com o chamado da


flauta de Rafe ao sol, mas com os rítmicos sons de um homem
rachando lenha.
Havia muito tempo que não ouvia algo assim.
No instante, olhou para Prettyface. O cachorro estava
deitado com a cabeça apoiada em suas enormes patas e estava
com as orelhas erguidas em direção à porta. Rosnava
fraquinho, porém sem expressar uma verdadeira ameaça.
A jovem saiu da cama apressadamente e correu para uma
das duas janelas da cabana. Nenhuma delas possuia vidro. Em
vez disso, estavam cobertas com venezianas onde apareciam
pequenas fendas para introduzir uma arma. Haviam tampado
os buracos com trapos, porém, ainda assim, o ar conseguia se
infiltrar por eles.
Shannon abriu alguns centímetros das venezianas para
conseguir dar uma olhada.
Rafael estava de pé a menos de cinco metros de distância.
Apesar do frio amanhecer e do granizo havia tirado a grossa
jaqueta. O vermelho de sua camisa de lã contrastava
notavelmente com a cinzenta luz, e seu corpo parecia emanar
calor.
Com as pernas levemente abertas e o granizo açoitando
seu corpo, Rafael levantou o pesado machado e o fez descer
com rapidez sobre um tronco de abeto. Quando a madeira se
dividiu limpamente, se inclinou, colocou um dos pedaços sobre
um toco e voltou a descer o machado, dividindo uma vez mais o
tronco.
A graciosidade e a força dos movimentos de Rafe
provocaram uma estranha e inquietante sensação através do
corpo de Shannon. Durante um longo momento, permaneceu
imóvel observando a força e o equilíbrio com que aquele homem
manejava o machado.
Finalmente, uma gota perdida do granizo sobre seu rosto a
fez sair da fascinação. Entorpecida pela falta de movimento,
afastou-se tremendo e fechou com cuidado a veneziana,
deixando fora o gelado amanhecer.
Porém era impossível deixar fora de sua mente a visão do
poderoso corpo de Rafe se movendo com agilidade e elegância.
Sentindo-se quase atordoada, Shannon tentou se
concentrar em suas tarefas matutinas. Como não precisaria
passar horas recolhendo lenha caída no bosque para substituir
a que queimara, decidiu preparar um desjejum quente.
Cantarolando em voz baixa, sem perceber que entoava
uma das melodias que Rafe tocava com sua evocadora flauta,
fez com que o carvão na estufa de lenha voltasse à vida e
ardesse. Acrescentou madeira e pegou um balde de água
fumegante da fonte, sorrindo ao pensar no desjejum.
Um dos presentes que Rafael lhe dera, eram grãos de café.
Fazia dois anos que ela não moía café, porém não se esquecera
de como se fazia.
Pouco depois, o aroma dos pãezinhos, bacon e lenha
queimada preenchia a cabana. Uma vez que o café estava
preparado, Shannon serviu cuidadosamente um pouco do
reconfortante líquido que transbordava da amassada cafeteira,
em uma caneca de metal igualmente amassada. Depois, saiu
da cabana e se aproximou do homem cuja presença já não a
assustava.
Quando Rafe se inclinou para levantar outro tronco, viu a
jovem de pé, em silêncio, a apenas um metro dele. O granizo
brilhava em seus lindos cabelos castanho avermelhados e em
suas mãos havia uma fumegante caneca de café.
E a estava oferecendo a ele.
Rafe pegou a caneca com cuidado de não tocar na jovem.
Ainda que usasse luvas de trabalho em couro, não queria fazer
nada que assustasse o seu tímido mustang. Ainda não. Não
quando estava tão perto de comer em sua mão.
— Obrigado. — Disse com voz grave.
— Não há de que, Rafael. — Shannon respondeu quase
sem fôlego.
Sua voz era tão doce e rouca quanto Rafe a recordava.
Uma extraordinária mistura de fumo e mel. Ouvir seu nome
dos lábios dela lhe produziu um inesperado prazer que o
surpreendeu por sua intensidade.
E olhá-la era como respirar puro fogo.
Seus olhos eram tão azuis que resplandeciam no anódino
amanhecer. Seus sedosos cabelos castanhos negavam-se a se
manterem confinados nas tranças, e suaves mechas
escapavam rebeldes para tocar seu rosto e caírem sobre seu
vulnerável pescoço.
Quando o ar que Shannon exalou chegou até Rafe, ele o
respirou profundamente, ávido por tocá-la. Mesmo que fosse
somente daquele modo tão sutil.
Um vivo tom vermelho que não tinha nada a ver com o frio
surgiu nas faces da jovem, e Rafe percebeu muito tarde que
estava olhando-a fixamente. Amaldiçoando a si mesmo, em
silêncio, por agir como um adolescente que nunca vira uma
mulher, antes, ergueu a caneca até sua boca.
— Cuidado! — Shannon o avisou rapidamente, esticando o
braço para impedir que bebesse.
Ele ficou paralisado. A mão da jovem deslizara pela luva
de trabalho até se apoiar sobre sua pele nua, bem acima do
punho. Os dedos de Shannon eram quentes,
surpreendentemente delicados e cheiravam a menta verde,
igual a seu fôlego.
Ser consciente de que ela havia comido menta fez Rafe
desejar apertá-la entre seus braços e lhe mostrar o quanto
gostaria de saboreá-la.
Porém, não fez nada. A última coisa que queria seria
assustá-la e fazer com que fugisse.
— O café está muito quente. — Shannon lhe explicou.
Rafe sorriu, revelando dentes tão limpos e brancos quanto
os dela.
— É assim que gosto. — Ele respondeu lentamente —
Quente. Muito quente. E doce.
O sorriso que Shannon lhe dedicou era um pouco trêmulo,
igual às batidas de seu coração. Aquele homem irradiava um
calor que parecia chegar a ela em ondas.
— Eu sinto. — Ela desculpou-se. — Não pensei em colocar
açúcar.
— Não é necessário. Eu prefiro puro.
— Porém acabou de dizer que gosta muito quente e doce.
— Eu disse isso?
Shannon assentiu.
Rafe sorriu levemente.
— Devia estar pensando em outra coisa.
Tomou um gole da caneca amassada, fechou os olhos, e
saboreou o reconfortante líquido.
— Assim está bom. Muito bom. — Ele acrescentou — E
nada poderia ser mais doce do que você me trazendo o café.
O rubor se acentuou nas faces de Shannon e ele esteve a
ponto de sorrir antes de afastar os olhos, timidamente.
— O desjejum estará pronto em seguida. — Anunciou
enquanto se dirigia de volta à cabana. — Deixarei água quente
junto à porta para que possa se lavar.
— Comerei aqui fora.
A jovem se virou e um brilho de surpresa apareceu em
seus extraordinários olhos azuis. Segurou uma mecha solta
atrás da orelha e o olhou com o cenho franzido.
— Não há necessidade que coma aqui fora com este frio.
Minha cabana não é luxuosa, mas tenho duas cadeiras.
— Não quero incomodá-la com minha presença.
Mal interpretando as palavras de Rafe, Shannon dirigiu o
olhar ao chicote que se encontrava perfeitamente enrolado
sobre um tronco, onde o longo braço de seu dono pudesse
alcançá-lo facilmente.
— Minha cabana não é tão grande quanto o armazém de
Murphy. Uma vez lá dentro, esse seu chicote não servirá para
nada. — Disse com voz tensa. — E de todo modo, Prettyface é
mais rápido que você.
Rafe baixou os olhos para o café, porque não desejava que
Shannon visse a diversão que bailava em seus olhos. Não
precisava de seu chicote para lutar, como bem lhe haviam
ensinado suas viagens ao longínquo Oriente. E quanto a
Prettyface, era verdade que o cachorro era muito rápido e
grande para matar um homem descuidado. Porém ele estava
longe de ser assim.
No entanto, seria estúpido de sua parte dizer isso a
Shannon. Não desejava alterá-la em absoluto. Era um
verdadeiro prazer ver um sorriso em seus lábios, em vez da
tensão que gerava ter que realizar tarefas que ultrapassavam
suas forças.
— Então, será uma honra para mim, eu compartilhar o
desjejum com você — Rafe aceitou finalmente. — Avise-me
quando estiver pronta.
Tomou outro longo gole do café, deixou a caneca a um
lado e voltou a pegar o machado.
— Eu o farei. — Respondeu.
Shannon permaneceu imóvel por alguns segundos com a
esperança de ver novamente os incomuns e inquietantes olhos
daquele homem; no entanto, Rafe não voltou a olhar para ela.
Apoiou bem as pernas, levantou o pesado machado e o desceu
com um ágil movimento.
O pedaço de abeto se partiu limpamente, porém a jovem
mal o notou. Não conseguia afastar os olhos da poderosa
presença masculina. Perguntou-se como seria possuir aquela
impressionante segurança e destreza, sentir o poder fluindo por
seu sangue com cada movimento de seu corpo.
Rapidamente, percebeu que estava com os olhos fixos nele
como se nunca antes tivesse visto um homem. Com as faces
quentes, se virou e correu apressada à cabana.
Rafe partiu quatro pedaços circulares em oito partes antes
de se atrever a olhar por cima do ombro.
Ao verificar que Shannon se fora, deixou escapar uma
longa exalação semelhante a um assovio. Seu corpo estava tão
tenso quanto a corda de um arco, e o fato de saber que ela
gostava de olhá-lo não o ajudava a se acalmar.
Porém precisava se acalmar.
Quanto mais se aproximava de Shannon, mais notava que
ela não era como as viúvas que conhecera no passado e com as
quais compartilhara alguns dias ou semanas. Ela se ruborizava
quando o olhava. Afastava o olhar um instante depois de se
encontrar com seus olhos e, sem dúvida, não estava flertando.
Nem mesmo sabia flertar.
Seu esposo não devia tratá-la bem, Rafe pensou enquanto
afundava o machado em um grande tronco. Shannon age mais
como uma noiva nervosa recém saída da igreja, do que como
uma mulher casada. Maldição. Não acredito que tenha muita
experiência.
A ideia era desconcertante.
Agarrou bem o machado e o desceu com tanta força que
assoviou atravessando o ar. A madeira se partiu violentamente
e saltou fora de seu alcance.
Resmungando sobre sua própria falta de jeito, Rafe pegou
um dos pedaços e o colocou no toco para cortá-lo uma vez
mais.
— O desjejum está quente e pronto. — Shannon anunciou
de repente, da janela.
O machado falhou o alvo.
— Por todos os... — Rafe rosnou em voz baixa.
Levantou o machado por cima de sua cabeça outra vez e o
desceu, usando menos força dessa vez. O tronco se partiu
limpamente em dois e ficou ao alcance de sua mão.
Espero ter aprendido a lição, disse a si mesmo com
sarcasmo. A delicadeza sempre vence a força bruta, sendo
troncos, ou mulheres.
Rafe partiu novamente o pedaço antes de deixar de lado o
machado, tirar as luvas de couro e colocá-las no bolso traseiro
de suas calças. Pelo hábito, pegou o chicote e o acomodou no
ombro.
Quando se dirigiu à cabana, tirou o chapéu para se lavar e
o granizo caiu sobre seus cabelos. Inclinou-se sobre a bacia
que Shannon lhe preparara junto à porta e inalou o aroma de
menta que emanava da água.
De repente, recordou-se da sala de banho de Willow, um
lugar quente e acolhedor graças à agua quente da fonte que
Wolfe e Reno haviam canalizado para seus lares.
Recolheu a fumegante água com as mãos, submergiu o
rosto nela e emitiu um gemido de prazer ao sentir que o granizo
desaparecia junto com o suor.
Quem dera tivesse isto quando me barbeei esta manhã. A
água fria é um inferno, independentemente de quanto a
navalha esteja afiada.
Suspeitando que a água provinha de uma fonte, Rafe se
ergueu e observou o vale e o bosque que o rodeava. Porém não
havia nada que indicasse a presença de uma nascente, quente,
perto dali.
— Venha comer o desjejum antes que eu o entregue a
Prettyface — Shannon insistiu da janela.
— Dê-me um segundo.
Voltou a molhar o rosto e as mãos com a água quente e se
lavou com o pedaço de sabão que estava colocado na larga
beirada da bacia. Finalmente se enxaguou de novo,
assegurando-se de estar limpo. Quando levantou a cabeça viu
que a porta da cabana estava fechada e que Shannon se
encontrava ali de pé, muito perto.
— Pegue. — ofereceu-lhe em voz baixa.
Rafe olhou o pedaço de tecido que a jovem lhe estendia.
Estava descolorido e gasto, porém ainda podia ver que o tecido
exibia um belo desenho de flores e pássaros. Era um desenho
muito feminino, tão delicado e elegante quanto a mão que o
segurava.
Sem dúvida devia proceder de um de seus vestidos
favoritos. Ou talvez do único vestido de Shannon, já que ele só
a via com roupas de homem que haviam sido cortadas para se
adaptarem ao seu magro corpo.
— Obrigado. — Disse com voz rouca.
Quando pegou o tecido, acreditou sentir o sedoso toque
dos dedos femininos contra os seus, porém não conseguiu ter
certeza.
No entanto, a jovem sim estava certa de que o tocara e
Rafe o soube ao ver a repentina dilatação de suas pupilas e ao
escutar o trêmulo suspiro que escapou de seus lábios.
— Eu... esperarei junto à porta. — Sussurrou sem fôlego.
— Não tem porquê. — Rafe disse antes de afundar o rosto
no tecido que em algum momento Shannon usara sobre sua
pele. — Não mordo.
— Pode ser que Prettyface sim. Essa é a razão porque o
mantenho dentro no momento. Não está acostumado com os
homens.
— Quantos anos ele tem?
A pergunta ficou amortecida pelo tecido, porém ainda
assim, Shannon a ouviu.
— Oh!, pouco mais de dois anos, eu creio. — Respondeu.
Rafe levantou a cabeça rapidamente.
— E o que acontece com John, o Silencioso? — perguntou
— Ele é um homem.
Shannon piscou, mordeu o lábio e se ruborizou.
— John é a exceção, claro. — Respondeu com os olhos
fixos em suas mãos.
Rafe teve a forte suspeita que Shannon estivesse
mentindo, e intuiu porquê.
Pode ser que seu esposo estivesse ausente durante tanto
tempo que o cachorro nunca teve a oportunidade de se
acostumar aos homens.
Maldição!
Se sua suposição fosse correta, a jovem tivera muita sorte
ao se manter fora do alcance dos caçadores de ouro e foragidos,
porém não poderia evitar os Culpepper por muito tempo mais.
Antes de partir, precisarei me livrar deles. Não posso
deixar que continuem perseguindo-a.
Secou as mãos com ar ausente e se dirigiu à porta da
cabana.
— Espere. — Shannon o parou, se aproximando mais.
Rafe baixou os olhos entrefechados.
— Mudou de opinião? — Perguntou.
— Sobre o quê? — A jovem pegou o pano úmido das mãos
e lhe secou os lábios com cuidado. — Pronto. — Decidiu,
examinando as duras linhas que formavam o rosto masculino.
— Agora os pãezinhos não terão gosto de sabão.
Ergueu os olhos para ele e, de repente, ficou sem palavras.
Os olhos de Rafe eram de uma quase impossível cor cinzenta,
com manchas azuis e verdes que pareciam brilhar enquanto ela
os observava, fascinada.
— Você deixou um pouco de espuma. — Explicou com voz
tremida. Rafe estava olhando sua boca com uma ardente
intensidade que a fazia se sentir fraca.
— Só um pouco?
A jovem assentiu.
— Tem certeza que não há mais? — Ele insistiu.
Sua escura e rouca voz fez um estranho calafrio percorrer
Shannon por inteiro, como se, novamente, o estivesse
observando em segredo da janela da cabana.
— Mais? — Murmurou.
—Mais espuma para tirar.
Com uma velada avidez, o olhar da jovem percorreu os
pronunciados traços do rosto de Rafe.
— Não. — Ela respondeu incapaz de ocultar sua decepção.
—Nada.
— Talvez na próxima vez.
O sorriso que Rafe dedicou a Shannon foi como sua voz,
sombrio e muito masculino, e provocou outra cascata de
sensações, tirando-lhe o fôlego.
— Será melhor que eu entre primeiro. — A jovem
murmurou. — De outro modo, pode ser que Prettyface o
ataque.
Sua voz era mais rouca do que o habitual e refletia
claramente sua perturbação.
Bem, Rafe pensou aliviado, seja o que for que John, o
Silencioso lhe fez, não conseguiu roubar-lhe a paixão.
Nem o desejo.
Observou-a mal ocultando seu próprio desejo enquanto
ela abria a porta da cabana.
No mesmo instante, brilhantes dentes apareceram na
estreita abertura e Shannon precisou se interpor entre o
focinho do animal e Rafe. Ainda assim, o enorme cachorro
continuou rosnando para o intruso.
— Não. — Shannon ordenou com firmeza. — Prettyface,
basta! É um amigo. Um amigo, Prettyface. Amigo.
Lentamente, o cachorro fechou a boca, porém os surdos
sons ameaçadores não pararam.
— Não acontece nada, Prettyface. — A jovem o
tranquilizou. — É um amigo.
Rafe olhou os ferozes olhos do cachorro, viu o sangue de
lobo que lhe devolvia o olhar e soube que Prettyface não estava
convencido de ser o amigo de nenhum homem.
— Agora entendo porque não o levava ao povoado. —
Comentou em tom tranquilizador. — Não cede com facilidade.
— De que raça é?
— Mastim, principalmente. Ainda que acredite que
também tem alguma coisa de lobo. Sinto que esteja tão
nervoso.
— Não se desculpe. A teimosia é parte de seu caráter. —
Rafe replicou com voz dura. — Tenho um irmão igual a ele. E
um cunhado.
A jovem o olhou surpresa.
— E o certo é, — acrescentou ele com um leve sorriso —
que me acusaram também alguma vez, de que me custa ceder.
Shannon tentou mostrar que nunca lhe havia ocorrido
pensar que Rafe fosse teimoso, porém o esforço se dissolveu em
algo que pareceu suspeitosamente uma risada sufocada.
Prettyface olhou então para sua dona como se ela tivesse
perdido a razão.
Rafe sorriu. Estava descobrindo o prazer de ver como os
bonitos olhos de Shannon se iluminavam de diversão.
— Vá se deitar, Prettyface. — Ela ordenou, apontando o
canto favorito do seu mascote. — Vá.
Devagar, sem deixar de observar o intruso, Prettyface
obedeceu enquanto um grave e quase inaudível rosnado fazia
vibrar seu corpo.
Apesar do sorriso no rosto de Rafe, ele não afastou o olhar
do cachorro. No início o considerara perigoso, porém na última
semana o via deitado docilmente sobre um lado permitindo que
Shannon lhe tirasse os cardos dentre as tenras almofadinhas
de suas patas, e do interior de suas grandes e sensíveis
orelhas.
O cachorro era possessivo, não feroz.
— Prettyface age deste modo quando está com o xamã? —
Rafe perguntou.
— Com Cherokee?
— Sim.
— Claro que não. — Shannon respondeu com ar ausente
enquanto pegava os pãezinhos da bandeja e os colocava em um
prato. — Odeia somente os homens.
— O que quer dizer então? Que o xamã é uma mulher?
Shannon percebeu seu erro e amaldiçoou em voz baixa.
— Não. Claro que não. Penso que Cherokee deve cheirar
diferente. Pode ser que se deva a sua avançada idade ou as
ervas que utiliza para curar. Seja o que for não altera
Prettyface.
— Talvez devesse lhe pedir emprestadas algumas de suas
ervas para mudar meio cheiro.
— Oh! Sim, é uma boa ideia.
Rapidamente, a jovem se virou para a estufa para ocultar
a diversão que lhe causava a ideia de que um punhado de
ervas pudesse diminuir a masculinidade daquele homem o
suficiente para que Prettyface se sentisse cômodo com ele.
Deixou o prato de pãezinhos e bacon sobre a maltratada
mesa feita à mão e lhe assinalou uma cadeira.
— Sente-se. — Indicou.
Rafe, ao invés de se sentar, afastou a cadeira de Shannon
e esperou que ela o fizesse. A jovem, confusa, ficou olhando-o
por um momento, até que finalmente lembrou-se das cortesias
de um tempo tão longínquo que às vezes acreditava que fosse
apenas um sonho.
— Obrigada. — Ela murmurou.
Porém, quando se sentou na cadeira que Rafe lhe oferecia,
Prettyface se levantou e começou a rosnar furiosamente.
— Não! — Shannon exclamou taxativa. — Deite-se!
Prettyface ignorou a ordem e avançou imprimindo um ar
ameaçador a cada passada, provocando que Rafe alongasse
instintivamente a mão para o chicote.
— Afaste-se de minha cadeira. — Shannon pediu com
urgência. — Rápido! Prettyface não gosta que se interponha
entre ele e eu.
Por um momento, Rafe considerou a opção de resolver
seus problemas com o cachorro naquele mesmo instante,
porém, finalmente decidiu que não era o momento. Talvez se
lhe desse um pouco de tempo, o animal se acalmasse e ele não
se veria obrigado a assustar a jovem deitando o enorme
mascote dela e lhe ensinando quem dava as ordens e quem as
obedecia.
Tomara que se acostume com a minha presença, pensou.
Em caso contrário, precisarei aguentar algumas mordidas
desse cachorro antes de colocá-lo em seu lugar, sem matá-lo.
Porém, Rafe não teria apostado nem um dólar que
Prettyface o respeitaria sem uma briga. O lobo que levava
dentro o exigiria.
Com calma, sem nenhuma pressa, se afastou da cadeira
de Shannon sem deixar nem um momento de olhar fixamente
os olhos do cachorro.
— Agora deite-se! — A jovem disse com dureza.
— Eu, ou o cachorro?
Shannon estremeceu diante do tom de Rafe e recordou o
que lhe dissera um momento antes.
Acusam-me de que me custa ceder.
Ainda assim, havia se afastado do caminho do cachorro
quando ela lhe pedira que o fizesse.
— Desculpe-me — Pesarosa, ela se desculpou — é...
— Está ciumento?
— É muito protetor.
— Não acredito.
Rafe sustentou o olhar de Shannon com a mesma
expressão inquebrantável que havia usado com Prettyface.
— Um cachorro protetor aceita as ordens de seu dono. —
Ele explicou — Um cachorro ciumento age como Prettyface, se
enfurece quando alguém se aproxima de você, sem se importar
como você possa sentir a respeito.
— Não teve tempo para se acostumar aos desconhecidos.
— Deveria pensar em algum modo de que ele aceite seus
amigos. — Rafe acrescentou com suavidade. — Ou, de outro
modo, seus amigos terão que fazê-lo por você. Toma café?
A mudança de assunto distraiu Shannon e, quando quis
responder, já era muito tarde. Rafe lhe servira o café e estava
lhe oferecendo o prato de pãezinhos e bacon.
No momento em que a mão de sua ama tocou o prato,
Prettyface rosnou roucamente.
— Não! — Shannon ordenou com voz firme, dirigindo ao
cachorro um grave olhar. — Não acontece nada. Quieto!
Prettyface uivou inquieto e voltou a se acomodar para
observar o intruso com os olhos ferozes e imperturbáveis de um
lobo.
Comeram em silêncio, porém não pareceu incômodo
devido à fome que ambos sentiam. Uma vez satisfeita, Shannon
se levantou para servir mais café e voltou a se sentar para
saborear aquele inesperado luxo.
Rafe, por sua parte, se serviu de outra porção de bacon e
pãezinhos. Enquanto o fazia, se descobriu perguntando se as
galinhas sobreviveriam naquele lugar. Alguns ovos teriam sido
o complemento perfeito para aquela requintada comida.
Está sonhando, disse a si mesmo. Os ovos são para
pessoas que estão estabelecida e criam galinhas, como Willow,
ou os que são muito ricos para se permitirem comprá-los.
Deu uma mordida a um tenro pãozinho e soltou um
suspiro de prazer. O pãozinho estava quente, desprendia um
cheiro delicioso e era macio.
— Sempre pensei que ninguém poderia igualar os
pãezinhos de minha irmã Willow. — Comentou enquanto se
servia de mais. — Parece que estava enganado. Os seus são
deliciosos.
A jovem observou com um doce sorriso como seu
convidado comia com prazer os pãezinhos e o bacon. Apesar da
fome, Rafe utilizava os talheres com uma precisão e habilidade
que indicava os bons modos que recebera.
Vê-lo saborear o desjejum foi para Shannon um prazer
inesperado. Era como se uma pequena parte dela estivesse em
cada bocado... uma parte dela que se convertia pouco a pouco
em parte dele.
— Continue me olhando assim, — Rafe a advertiu ao final
de uns segundos — e farei algo que vai deixar Prettyface
realmente nervoso.
A jovem percebeu muito tarde que o estava observando
com evidente desejo.
— Desculpe. — Sussurrou. — Não estou acostumada a ter
companhia.
Rafe lhe sorriu com suavidade.
— Estou somente brincando. Pode me olhar todo o tempo
que quiser. Ainda que corra o risco de ficar muito vaidoso,
valeria a pena para ver seus bonitos olhos me observando e
admirando o que vê.
As cores da face de Shannon se intensificaram, e não
consegui afastar o olhar de seu convidado. O abundante cabelo
de Rafe, loiros e brilhantes, fazia a jovem sentir desejo de
afundar os dedos neles para descobrir se eram tão quentes e
sedosos quanto pareciam.
Rafe ergueu os olhos e ao ver que ela continuava ali,
sentada e imóvel, apertou os olhos e sua pulsação latejou com
força. Havia aprovação nos olhos dela, junto com uma sensual
curiosidade que o excitou ao ponto da dor.
Maldição. Talvez não devesse ter lhe dito que podia olhar
tudo o que quisesse.
Tentando se controlar, Rafe se obrigou a olhar para
qualquer outra parte que não fosse os olhos cor de safira que o
observavam com evidente prazer.
— Como você chegou a Echo Basin? — inquiriu.
Por um momento, Shannon pareceu não ter escutado a
pergunta. Depois, piscou e dirigiu os olhos para a sua caneca
de café.
— John, o Silencioso me trouxe aqui há sete anos.
— Devia ser uma menina.
— Estava com idade para me casar e não possuia parentes
que me quisessem. Mesmo antes da guerra... — Shannon
encolheu os ombros. — havia muitas crianças órfãs.
— A Eve, a mulher de meu irmão, aconteceu o mesmo.
Chegou ao Oeste em um trem de órfãos e foi vendida para um
casal de jogadores para tornar a vida deles mais fácil. —
Dirigiu-lhe um olhar compassivo. — Echo Basin deve ser um
lugar duro para você.
Shannon mostrou surpresa antes de negar com a cabeça,
fazendo os reflexos avermelhados de seus cabelos refulgirem.
— É melhor que o lugar de onde vim. — Ela afirmou —
Aqui não estou em dívida com ninguém por meu sustento.
Rafe aguardou que a jovem continuasse falando de seu
passado, porém, ela se apressou a mudar de assunto.
— E você? Como acabou aqui?
Rafe não evitou sorrir. Aquela era uma pergunta que
pouca gente do Oeste se atrevia a plantear a um homem.
Ainda que, por outro lado, ele acabasse de lhe perguntar o
mesmo.
— Deveria responder para corresponder a sua sinceridade,
certo?
— Incomodam-lhe as perguntas? — Ela se preocupou.
— Não, se veem de você. Vim a Echo Basin porque nunca
estive aqui.
Shannon franziu o cenho levemente.
— Parece como se não houvesse muitos lugares onde você
não esteve.
— Não há. Comecei a viajar quando era apenas um
adolescente e tive tempo de percorrer o mundo.
— De verdade?
Rafe sorriu.
— De verdade.
— Visitou as pirâmides do Egito?
— Eu as vi.
— Como são?
— Enormes. Erguem-se no deserto, orgulhosas e
maltratadas pelo tempo. Existe uma cidade perto, um lugar
onde as mulheres andam cobertas da cabeça aos pés, de forma
que só mostram seus olhos.
Shannon deu um gemido de surpresa.
— Só seus olhos?
Rafe assentiu.
— Você seria a mais valiosa posse de um sultão, com
esses olhos tão incrivelmente azuis.
E um andar que é mais ardente que o inferno, acrescentou
para si mesmo.
Porém, não diria aquelas palavras em voz alta. Se
Shannon soubesse o quanto a desejava, duvidava muito que
continuasse sentada comodamente naquela pequena mesa
junto a ele.
— Paris — disse de repente a jovem. — Esteve lá?
— Paris, Londres, Madrid, Roma, Shangai... estive lá e em
muitos outros lugares. Gosta das cidades?
— Não sei. Nunca mais estive em uma há anos.
Shannon dirigiu os olhos para além de Rafe, para as
linhas de luz que atravessavam as persianas que não se
encaixavam bem.
— Porém, creio — sussurrou lentamente — que não
gostaria de viver rodeada de gente.
— Está ansiosa para descobrir isso?
— Não. Só perguntei, porque os livros de história sempre
falam sobre Paris, Londres e Roma. São os únicos lugares que
me ocorrem. E a China, claro.
Os olhos de Rafe adotaram uma expressão ausente.
— A China é um lugar especial. — disse em voz baixa —
Construíram impérios e se dedicaram a arte e a filosofia muito
antes que a cristandade se estendesse pelo Ocidente. Os
chineses têm uma forma realmente diferente de ver a vida;
desde a música, até a comida ou a luta.
— Você gosta?
— Gostar, amar, odiar... — Deu de ombros. — Essas
palavras não têm um verdadeiro significado quando se trata da
China.
— Ao que se refere?
Rafe levantou sua caneca de café, bebeu e tentou
encontrar as palavras adequadas para explicar a Shannon o
que nunca havia explicado a si mesmo.
— Uma vez, — começou lentamente — cheguei a margem
de um rio a meia noite e vi como alguns homens pescavam com
faróis e pássaros negros em vez de anzóis e redes.
Shannon deixou escapar um pequeno grito de espanto.
— Funcionava? — Perguntou.
— Oh, sim! Funciona há milhares de anos. Foi incrível ver
a luz dourada dos faróis girando cada vez que os pássaros
submergiam; os silvos aflautados dos pescadores que
chamavam seus pássaros; à noite e o rio negro fluindo... estar
lá foi uma experiência única. A China é complexa e fascinante,
muito mais do que imaginei a princípio.
Um estremecimento percorreu Shannon ao contemplar os
olhos de Rafe. Estavam nublados pela lembrança, a distância,
de um rio negro que não deixava de fluir.
— Há outros lugares como este? — Perguntou quando já
não conseguiu suportar mais o silêncio e a distância de seu
convidado.
— Como Echo Basin?
— Como o território do Colorado.
Rafe passou a mão pelos cabelos e franziu o cenho.
— Não vi nenhum que o superasse. — Reconheceu
finalmente.
— Em todo o mundo?
— A Irlanda é muito bonita, ainda que não se possa
comparar a isto. E a Birmânia e a Suíça possuem montanhas
grandiosas, porém são de pedra e gelo, e não é fácil sobreviver
nelas.
Fascinada, Shannon se inclinou para diante com os olhos
brilhantes.
— Na América do Sul há uma longa e enorme cadeia
montanhosa com vales verdes, — Rafe continuou — porém,
possuem tal altitude que deixam um homem esgotado só em
andar um quilômetro e meio. A Austrália tem montanhas
verdes com alguns picos nevados. Porém, o aroma dos bosques
australianos nunca me atraiu tanto quanto o cheiro das
Rochosas.
— Então, parece que o melhor lugar da terra para você é
este. —Ela concluiu.
Rafe riu e contemplou, divertido, os belos olhos dela.
Então, compreendeu de repente que Shannon na verdade
estava tentando averiguar se ele pretendia se estabelecer
naquelas montanhas, e sua expressão se tornou muito séria.
— As Rochosas me prenderam durante mais tempo que
nenhum outro lugar. — Explicou com suavidade. — Porém,
algum dia eu voltarei a sentir o impulso de viajar. Um
longínquo amanhecer me chamará prometendo tudo o que
sempre desejei e nunca fui capaz de pegar, e quando chegar
esse dia, eu precisarei partir novamente. Não há nada tão
grandioso quanto o amanhecer que resta para descobrir. Nada.
Ao escutar aquilo, Shannon sentiu uma inexplicável e
profunda dor no coração. Aquele homem era pouco mais que
um estranho para ela e não deveria se importar se ele ficaria
para sempre ou se partiria em uma hora.
Porém, importava-se, e muito. Atordoada, fechou os olhos
e lutou contra a inesperada dor.
— Como já lhe disse, — Rafe acrescentou com ternura —
gosto de viajar.
Shannon piscou e fixou seu olhar nos olhos selvagemente
claros do homem a quem todos conheciam como: Chicote
Moran, olhos que tinham visto muito e que, ainda assim,
procuravam um lugar diferente, um amanhecer mais
longínquo, porque sempre haveria mais para ver.
Sempre.
Entendo sua mensagem, Rafe. Não devo tentar prendê-lo,
nem sonhar com você.
Nem amá-lo.
No entanto, Shannon teve a incômoda sensação de que a
advertência havia chegado muito tarde. Em algum lugar no
mais profundo de seu ser, alguma coisa que nunca sentira
havia despertado.
Rogou para que fosse somente desejo.
CAPÍTULO 6

Uma semana mais tarde, pouco depois do amanhecer, a


jovem se sentiu terrivelmente aliviada ao acordar com o som de
um machado cortando um tronco.
Nada havia mudado enquanto dormia. Ele continua aqui.
Se os Culpepper se atrevessem a rondar por ali,
encontrariam Shannon com um rifle entre as mãos, um
cachorro que rosnaria... e um homem conhecido como Chicote
Moran ao seu lado.
— Você o vê? — Sussurrou em direção a Prettyface. —
Disse-lhe que ele continuaria aqui pela manhã.
Pelo menos por esta vez.
Ao não ouvir o som da flauta na noite anterior, temeu que
Rafe pudesse ter ido para não voltar mais. Porém, ainda estava
ali, levando a cabo todas as tarefas que eram tão difíceis para
ela.
Ele tinha consertado o barraco onde a mula passava o pior
do inverno, se encarregara de ferrar as patas do velho animal
com ferraduras que John, o Silencioso nunca chegou a usar e
arrumara a porta da cabana para que se encaixasse no umbral
com perfeição. E depois se ocupara de cobrir os buracos entre
os troncos que formavam a cabana para que fosse um lugar
mais quente no inverno, e de derrubar oito árvores. Na
verdade, naquele instante se encontrava trabalhando na nona.
Agora Shannon não só teria lenha para o inverno, mas
poderia se permitir o luxo de ter um pequeno pomar no lugar
das árvores cortadas. Tentara fazer o mesmo quatro anos atrás,
porém depois de seis dias de árduo trabalho, a árvore que
estava cortando caiu em parte sobre ela e a feriu gravemente.
John, o Silencioso riu ao ouvir Shannon relatar o acidente
que havia sofrido; mas, quando contou o acontecido a Rafe, ele
não riu. Em vez disso, resmungou algo entre dentes e a
advertiu que nunca voltasse a tentar algo assim se não
quisesse sofrer as consequências de sua fúria.
Cantarolando em voz baixa, a jovem saiu da cama e
acendeu o fogo para preparar o desjejum. Somente a ideia de
voltar a ver Rafe fez seu sangue correr com força por suas
veias. Em poucos minutos, lhe levaria uma panela de água
quente ao banco na lateral da cabana e o observaria enquanto
se lavava e barbeava.
Se tivesse sorte, ele deixaria um pouco de espuma no lábio
superior ou no furinho do queixo. Então, ela se aproximaria
para limpar com suavidade... e depois ergueria os olhos e veria
a centelha naqueles olhos cinzentos ardendo de desejo, e a
dilatação de suas fossas nasais ao captar o aroma a menta de
suas mãos e de seu fôlego.
— É uma estúpida, Shannon Conner Smith. —
Repreendeu a si mesma com firmeza. — Está deixando que
esse homem se aproxime muito.
Ainda assim, a única coisa que realmente lhe importava
era conseguir que Rafe se aproximasse ainda mais. Sentia por
ele uma mistura de escuras e confusas emoções que a
mantinham em um contínuo estado de excitação.
Acendeu um fósforo e se inclinou sobre a porta aberta da
estufa de lenha. As chamas surgiam e se entrelaçaram até
conseguir aquecer a cabana.
Sentir-me-ia assim se Rafe me fizesse sua? Arderíamos
juntos até que tudo desaparecesse exceto a lembrança do
calor?
Estremeceu e um fogo que não conhecera até então,
nasceu no mais profundo de suas entranhas.
Deus, o que está me consumindo, o que me faz tremer, em
vez de ter vontade de chorar?
— Luxúria, isso é tudo. — Sussurrou. — Pura luxúria.
Prettyface raspou de repente, a porta da cabana,
conseguindo que sua dona deixasse de olhar para o fogo.
— Está bem, saia. Porém se tentar morder Rafe ou rosnar
para ele quando vier se lavar, juro que lhe baterei.
O cachorro abriu a boca e abanou a longa e manchada
cauda. Duas fileiras de brancos e afiados dentes brilharam
para ela.
— Sim, eu também não acredito em mim mesma. —
Reconheceu — Porém, preciso fazer algo, Prettyface. Observa
Rafe como se não pudesse esperar para ter uma desculpa para
saltar sobre ele. E ele partirá logo. Muito depressa. Até então,
deverá ter paciência.
Shannon abriu a porta da cabana e o cachorro saiu dando
saltos com a cabeça alta para farejar o ar. Mesmo que Rafe
tivesse caçado em abundância, Prettyface ainda procurava
suas próprias presas. Por sua parte, eles faziam a cura da
carne que não consumiam e faziam o mesmo com as trutas.
Rafe estava decidido a que a jovem tivesse comida mais que
suficiente para o próximo inverno.
Quando ela fechou a porta e se dirigiu à arca das
provisões, percebeu o ramo de flores silvestres recentemente
cortadas, colocado na pequena e maltratada mesa do lugar.
Pegou o ramo com reverência e passou os dedos pelas tenras e
perfumadas pétalas. Sorrindo, colocou as flores em uma jarra
com água e começou a medir a farinha em um recipiente de
metal amassado.
Rafe sempre lhe trazia algo, detalhes para alegrar o escuro
interior da cabana. Flores ou seixos polidos e arredondados
pelo riacho. Uma vez lhe levou uma borboleta recém saída do
casulo. Ver como as asas se desdobravam lentamente fora
como ter um arco íris ganhando força e dançando na palma da
mão.
Shannon nunca esqueceria a expressão do rosto de Rafe
ao ver a borboleta se elevar de sua palma e subir em espiral
para o intenso azul do céu. O sorriso de Rafe refletira o prazer e
a inveja, compreensão, satisfação, desejo...
Sei que algum dia ele partirá. Mas, por favor, Deus, hoje
não.
Hoje não.
Sem perceber, realizou um movimento brusco e a farinha
se derramou. Com cuidado, amontoou-a com a beirada da mão
e voltou a colocá-la na caneca.
Não devo pensar na partida de Rafe, disse a si mesma com
dureza. Talvez vá partir hoje ou talvez não, e tudo o que posso
fazer é observá-lo comer, limpar a espuma de seu queixo e
desfrutar do modo como seu sorriso ilumina a minha vida.
No lugar de me preocupar pelo amanhã, deveria estar
agradecida pelo fato de que um homem íntegro e honrado
tenha decidido me ajudar. Há carne fresca na despensa e carne
salgada e seca, pescado defumando e um grande monte de
lenha empilhada nas paredes da cabana. Isso é muito mais do
que eu possuia quando vendi a aliança de minha mãe para
evitar morrer de fome enquanto aprendia a caçar.
Tentando conservar a calma, Shannon observou que a
temperatura do forno ainda não havia alcançado o nível
adequado e acrescentou mais lenha. Depois cortou várias tiras
de bacon que pendurava em um canto e as colocou em uma
frigideira para fritá-las.
Na vez seguinte que olhou o forno, já estava pronto.
Correu apressada à janela e abriu as persianas para que a luz
do sol entrasse no interior da cabana.
— Vou pôr os pãezinhos no forno. — Disse a Rafe. — Eu
levarei a água em um momento.
Os rítmicos sons do machado se interromperam e Rafe se
afastou alguns passos. Somente com um olhar, soube que
demoraria mais tempo para derrubar a árvore do que Shannon
usaria para preparar os pãezinhos, então, afundou o machado
em um toco para que o fio ficasse a salvo e seco até que o
necessitasse de novo.
Olhou por cima do ombro e viu a jovem na janela com um
sorriso no rosto e um pente na mão. Passava o pente pelas
longas mechas de seus cabelos com rápidos movimentos, como
se estivesse impaciente para acabar com aquela pequena
tarefa.
Aquela manhã estava especialmente bela e a luz do sol
transformava seus cabelos em um escuro fogo cheio de reflexos
dourados e vermelhos.
Algum dia, muito próximo, deixará que seja eu quem
penteie aqueles lindos cabelos para ela, Rafe prometeu a si
mesmo em silêncio. Logo, acenderei seu desejo pouco a pouco e
conseguirei que arda por mim. Porém, antes, estou certo,
preciso conseguir que aquele maldito cachorro me aceite.
— Vou em um segundo. — Gritou.
Sua voz soou brusca. Era muito consciente de que
Prettyface era um verdadeiro obstáculo para sua relação com
Shannon. Apesar de se esforçar ao máximo, o animal o tratava
como perigoso intruso e, em várias ocasiões, Rafe tivera que se
conter para não lhe ensinar uma lição que não esqueceria.
Respeito. Puro e simples respeito.
Rafe sabia que o sangue de lobo de Prettyface somente
cederia a uma força superior. Quando ficasse claro quem era o
mais forte dos dois, chegaria o respeito e poderia começar a
ensinar ao cachorro que nem todos os homens encontravam
prazer abusando dos animais.
Com o tempo, não só aceitaria Rafe, mas lhe ofereceria a
mesma confiança e lealdade que oferecia à jovem que o havia
encontrado meio morto no caminho que levava a Holler Creek.
A única coisa que precisava era tempo.
De quanto tempo disponho antes que sinta novamente a
ânsia de viajar?
Não houve resposta à silenciosa pergunta de Rafe. Nunca
a tivera. Quando o desejo de viajar o dominava, fazia a
bagagem e partia. E nunca retornava ao mesmo lugar, exceto
para ver a sua família.
O amanhecer o chamava uma só vez de cada terra nova.
Antes de partir de Echo Basin, Rafe planejava deixar a
cabana de Shannon em bom estado, a despensa transbordando
e lenha suficiente para todo o inverno. Era o que sempre fazia
pelas viúvas que cruzavam seu caminho, mesmo que as
mulheres não fizessem nada mais que cozinhar para ele,
remendar suas camisas e compartilhar o calor de suas
cozinhas.
O mundo era um lugar difícil para uma mulher sozinha,
um fato que Rafe compreendia melhor que a maioria dos
homens. Por isso o atormentava a visão de Shannon deitada
debaixo de uma árvore caída, ferida e sozinha, sem ninguém
que a ajudasse e ignorada por todos.
É viúva, queira ou não admitir. Deve ser. Diabos, nem
mesmo age como uma mulher casada. Não deixa de me
observar como se nunca antes tivesse visto um homem.
E eu a observo como se fosse a primeira mulher que vejo.
Franzindo o cenho, tirou as luvas de trabalho, colocou-as
no bolso traseiro e pegou o chicote que sempre mantinha ao
seu alcance. Quando se aproximava da casa, Prettyface
apareceu entre as árvores e lhe rosnou ferozmente.
— Bom dia para você também, bastardo teimoso. — Rafe
saudou amavelmente.
— Prettyface, basta! — Shannon gritou do interior.
Os rosnados do cachorro se intensificaram.
A jovem correu até a porta da cabana e as mechas meio
trançadas se esparramaram sobre a descolorida flanela azul de
sua camisa. O contraste entre o gasto tecido e a brilhante seda
de seus cabelos tentou Rafe de um modo que nem mesmo ele
conseguia explicar.
— Basta! — Shannon ordenou, olhando diretamente nos
olhos do cachorro.
Prettyface lançou a Rafe uma olhada predadora. Depois,
reticente, obedeceu a sua ama.
Rafe o olhou fixamente antes de se virar para a tigela de
água fumegante que Shannon trouxera para ele. Sua navalha
de barbear estava sobre o banco, assim como o sabão e o
desbotado trapo de flores. Quando se inclinou sobre a água, o
familiar aroma de menta preencheu seus sentidos.
Sem prévio aviso, o desejo se apossou dele e deixou seus
músculos tensos. Sabendo que devia se acalmar, respirou
fundo até que seu corpo começou a relaxar lentamente.
A profundidade de seu desejo por Shannon foi uma
advertência para ele e uma incrível descoberta. Nunca desejara
uma mulher do modo em que desejava Shannon Conner Smith.
A parte sensata de sua mente lhe disse que sua crescente
obsessão por ela era a melhor razão do mundo para fazer a
bagagem e continuar cavalgando. Uma relação entre alguém
como ele e uma jovem viúva que o observava com olhos
sonhadores, só poderia ter como resultado um coração partido.
Porém, Rafe já não escutava a prudência, nem a
consciência. Percebia muito claramente o indescritível êxtase
que o aguardava nos braços de Shannon. Até que não se
saciasse dela, não partiria dali.
Não podia.
Eu preciso dela.
Tenho que fazê-la minha.
A intensidade de seus próprios pensamentos chocou Rafe.
Em algum momento dos últimos dez dias, havia passado de um
simples desejo para uma paixão mais complexa, mais obscura
e inquietante, uma feroz avidez que só encontraria alívio no
mais profundo do corpo de Shannon.
Os pensamentos de Rafe deram lugar a uma inevitável
reação em seu corpo que o fez amaldiçoar. Tentando manter o
controle, esfregou o sabão entre suas grandes palmas até
convertê-lo em espuma, aplicou no rosto e começou a se
barbear utilizando a navalha e o pequeno espelho com
hipnótica habilidade.
Shannon o observava fascinada.
— Age como se nunca tivesse visto um homem se
barbeando. — Rafe comentou, lisonjeado e irritado ao mesmo
tempo. A aprovação nos escuros olhos azuis da jovem
aumentava dolorosamente sua excitação.
— John, o Silencioso usava barba. — Shannon respondeu.
Rafe rosnou e passou a lâmina da navalha por sua
mandíbula.
— Sempre fala dele no passado. — Comentou ao final de
alguns segundos.
— De quem?
— De seu esposo.
Shannon abriu a boca, fechou-a e abraçou a si mesma
como se de repente tivesse frio.
— Terei mais cuidado. — Murmurou. — Não quero que os
Culpepper saibam que estou sozinha.
— Pensa que John, o Silencioso está morto.
Ainda que não fosse uma pergunta, Shannon percebeu o
evidente interesse de Rafe.
— Não acredito que volte a ver John. — Reconheceu em
voz baixa. Depois, acrescentou com preocupação: — Por favor,
não diga nada a respeito em Holler Creek. Murphy não é muito
mais educado comigo do que os Culpepper. Se acreditarem que
estou sozinha...
A voz de Shannon se apagou.
Porém, não havia necessidade de acabar a frase. Rafe
sabia exatamente ao que se referia.
— Talvez deva considerar a ideia de partir de Echo Basin.
— Sugeriu secamente.
Por um instante, a esperança de que Rafe estivesse lhe
pedindo que fosse com ele quando partisse fez o coração de
Shannon golpear com força em suas costelas.
— Para onde eu iria? — Perguntou suavemente.
— Não sei, porém o que sei é que um dos Culpepper está
sempre acampado a uns três quilômetros do caminho.
— Por quê?
— Espera até eu partir. — Fez uma pausa e a olhou nos
olhos. — E quando eu for, começarão a molestar você
novamente.
Shannon afastou rapidamente o olhar, porque não
desejava que ele visse a dor em seus olhos.
Quando eu for.
Não se eu for.
Quando eu for.
Até aquele momento, Shannon não sabia até que ponto
desejava que Rafe ficasse. Cada dia que passava, ele a
observava com mais intensidade e era mais evidente que a
desejava. Ainda assim, ela lhe importava o suficiente para não
falar cruamente de sua necessidade, e se limitar a tomá-la sem
mais.
— Eu me arranjarei. — Disse em voz baixa. — Sempre o
fiz.
— Não. Não estando sozinha.
— Prettyface me protege.
— Isso não é suficiente e você sabe.
— Não é problema seu, é meu. — Ela respondeu com voz
tensa. — O desjejum está pronto.
Rafe resmungou uma maldição e se inclinou para se
enxaguar. Depois, esticou o braço à espera de que ela lhe desse
o trapo.
Porém sua mão permaneceu vazia.
Ergueu os olhos e viu que Shannon voltara à cabana.
Hoje não receberia de suas mãos aquele trapo perfumado.
Não lhe secariam, com ternura, os dedos com perfume de
menta. E o pior de tudo era que não desfrutaria daqueles olhos
como safiras percorrendo seu rosto como carinhosas mãos,
deixando em evidência sua admiração por ele e se ruborizando
quando a flagrasse observando-o.
Rafe soltou algo desagradável entre dentes, procurou
tateando, o trapo e se secou com mais irritação do que
cuidado. Não percebera quanto se satisfazia com o ritual do
barbear até o momento em que se descobriu com as mãos
vazias e a água deslizando por seu pescoço.
Não sou mais que um maldito estúpido por discutir com
Shannon em vez de ser agradável com ela, — disse a si mesmo
com sarcasmo. — Sim, um maldito estúpido, porém não um
completo estúpido. Aqui ela não está segura. Não quando eu
partir. Estará completamente exposta ao que qualquer um
desejar fazer com ela.
Odiava pensar na vulnerabilidade de Shannon e sabia que
devia fazer alguma coisa a respeito.
Antes de ir me livrarei dos Culpepper.
Aquela ideia sim atraia Rafe, muito.
Sorrindo como um lobo, acomodou o chicote no ombro e
entrou na cabana. Estava ansioso para desfrutar de um
desjejum quente e de Shannon sentada em frente a ele na
pequena mesa, muito perto para tocar sua perna com cada
pequeno movimento de seu corpo.
Prettyface rosnou do seu lugar favorito no canto mais frio
da cabana, porque sua espessa pelagem o mantinha mais
quente do que qualquer estufa. Os perigosos dentes brilharam
como gelo em sua boca.
— Porque se encarregou desse maldito cachorro? Rafe
perguntou, irritado de novo.
— Você poderia ter deixado o pobre esticado no caminho
sem fazer nada para aliviar sua dor? — Shannon perguntou
por sua vez.
Rafe olhou para Prettyface com os olhos apertados e
observou as muitas cicatrizes que percorriam seu enorme
corpo.
— Não. — Reconheceu afinal. — No mínimo, o teria livrado
de seu sofrimento.
— Você se dedica a percorrer o mundo. — Shannon
assinalou. — Porém, eu estou estabelecida e havia espaço em
minha vida para ele.
— A maioria das mulheres teria desejado um bebê em vez
de um cachorro selvagem com olhos de lobo.
A porta do forno se fechou com uma batida e com um som
metálico.
— Tenha cuidado, a bandeja está quente. — Shannon o
preveniu ao colocá-la em frente a ele.
— Você não?
— Eu não o quê?
— Não quer um bebê?
— Eu era uma carga para John. — Shannon afirmou
evasivamente enquanto se sentava. — Um bebê seria muito
para ele.
— Os bebês chegam, queira ou não. — Rafe repôs
enquanto pegava vários pãezinhos da bandeja.
— Diga-me. Quantos você tem?
Rafe se engasgou com o pãozinho que tentava engolir.
Tomou um gole de café ardendo, engoliu com força e olhou
para Shannon fixamente.
— Essa é uma pergunta muito delicada, não acha?
— Foi você que puxou o assunto. Quantos Rafael?
— Nenhum.
— Pelo menos, que você saiba. — Ela acrescentou
suavemente, mesmo que seus olhos estivessem cheios de
escuras sombras.
— O que pena que isso significa?
— Custa um segundo fazer um bebê e uns quatro meses
para se notar. Alguma vez você ficou tanto tempo ao lado de
uma mulher?
— Não.
— Então, não pode saber.
— Eu sei. — Afirmou secamente.
— Como?
— Do mesmo modo que John, o Silencioso sabia como não
deixar você grávida. Vai compartilhar essa marmelada?
A virada da conversa pegou Shannon com a boca ainda
aberta e olhando para Rafe com incredulidade. Admirava-se
que um homem como ele nunca tivesse estado com uma
mulher, porém aquilo era o que acabava de dizer.
Do mesmo modo que John, o Silencioso sabia como não
deixar você grávida.
Seu tio nunca a tocara e seu falso casamento fora apenas
um modo de manter afastados os homens como os Culpepper,
já que se respeitava mais uma esposa do que uma sobrinha
neta.
Não era de estranhar que Rafe não quisesse falar daquilo.
Não podia ser uma conversa cômoda para ele, já que a jovem
sabia que ele era mais que capaz de tomar uma mulher. De
fato, na maior parte das vezes, quando estava perto dela,
Shannon via o inconfundível sinal de sua excitação
pressionando com força contra suas calças.
— Ah... a marmelada. — Shannon balbuciou, tentando
clarear sua mente atordoada. — Sim, claro. Tome.
— Obrigado.
Rafe pegou o pote e começou a espalhar a marmelada nos
pãezinhos. Mesmo não parecendo rápido, a comida
desapareceu dentro de sua boca com assombrosa velocidade.
Shannon aprendera depois do primeiro desjejum que Rafe
podia comer muito e, continuar com fome, assim, agora
costumava preparar uma porção dupla de pãezinhos.
— Será melhor que dê uma olhada no forno. — Shannon
murmurou. — A segunda fornada de pãezinhos já deve estar
pronta.
— Eu os trarei. — Rafe se ofereceu.
— Não, não é nenhum trabalho.
— Então tenha cuidado com a porta do forno. A dobradiça
está a ponto de se quebrar. Tentarei fazer uma nova quando
acabar com a lenha.
Shannon sentiu como seus desejos renasciam, deixando-a
vulnerável. Já não duvidava que Rafe fosse partir, porém
enquanto ficasse, cuidaria dela como ninguém fizera até agora.
Se ela ansiava mais, era culpa sua, não dele. Rafe lhe
dissera claramente que não tinha nenhuma intenção de se
estabelecer.
— Obrigada. — Ela sussurrou finalmente — Tentei fazer
uma nova dobradiça com uma velha ferradura, porém, por
mais que batesse com o martelo...
Encolheu os ombros e não acabou a frase.
— Alguma vez viu os braços de um ferreiro? — Rafe lhe
perguntou secamente.
— Não.
— São maiores que os meus.
A jovem o olhou admirada e ele não evitou sorrir. Sentia-
se cômodo com sua incomum força e altura, porém Shannon
não.
No princípio, o contraste entre o musculoso corpo de Rafe
e a fragilidade do seu fizera com que ela o temesse; no entanto,
ultimamente o observava trabalhar mais agradecida por sua
força que assustada por ela.
Afastou-se da mesa para pegar os pãezinhos e os olhos de
Prettyface a seguiram até o forno. Tirou a bandeja com cuidado
e, ao voltar para a mesa, tropeçou em uma tábua do piso,
desnivelada.
Soltou um grito de surpresa e tentou recuperar o
equilíbrio, porém teria caído se as grandes mãos de Rafe não a
tivessem impedido.
— Está...? — Rafe começou.
O restante de suas palavras se perderam entre um
selvagem rosnado quando Prettyface deu um salto do canto,
disposto a agarrar sua garganta.
CAPÍTULO 7

Rafe colocou Shannon a salvo com um empurrão,


enquanto se virava para encarar o cachorro e agarrava o
chicote. Horrorizada, Shannon observou como seu enorme
mascote se jogava sobre o intruso a quem considerava um
inimigo.
Homem e cachorro caíram em um emaranhado de
maldições e latidos. Prettyface acabou por cima. Seus dentes
estavam afundados na mão esquerda de Rafe e nos rolos de
couro que segurava.
— Não, Prettyface! Não! — Shannon gritou, tentando
segurar o cachorro.
O animal a ignorou; Rafe, no entanto, não o fez.
— Afaste-se daí, maldição! — Ordenou.
— Mas...
Shannon não conseguiu acabar sua objeção. Com um ágil
e poderoso movimento, Rafe se virou até colocar Prettyface
debaixo dele, e empurrou Shannon para evitar que saísse
ferida.
Ela cambaleou e precisou se apoiar no velho baú cheio de
livros para não cair. Procurou a sua volta alguma coisa que
pudesse usar para impedir que o cachorro continuasse
atacando.
— Prettyface! Não!
Seus gritos não surtiram nenhum efeito.
Entrelaçados, o homem e o animal se chocaram com as
pernas da velha mesa, que bateu na cama antes de sair voando
contra a porta principal, impulsionada pela ferocidade da luta.
Agora a única coisa que Shannon podia ver eram os
tensos músculos das costas de Rafe e as patas traseiras de
Prettyface arranhando as pernas de Rafe.
— Basta!
Mesmo enquanto gritava, ela sabia que não adiantava
nada. Prettyface não tinha intenção de se render.
Continuou procurando algo, qualquer coisa que pudesse
acabar com a luta, e seu desesperado olhar viu o fumegante
balde de água sobre a estufa. Alongou os braços para ele,
porém só em tocá-lo soube que a água estava muito quente. Se
a usasse, queimaria Rafe e mal penetraria na grossa pelagem
de Prettyface.
De repente, os sons da luta diminuíram.
— Oh, Deus. — Shannon gritou. — Rafael!
Não houve resposta.
Ela atravessou a sala a toda velocidade, afastou com um
puxão a mesa que bloqueava a porta e pegou a escopeta que
estava pendurada sobre o umbral. Apesar das lágrimas
escorrendo pelo seu rosto, armou o gatilho e se virou para
disparar no cachorro que acreditava estar defendendo-a.
Porém não o fazia. Estava matando Rafael.
— Abaixe essa maldita arma. — Rafe lhe ordenou de
repente com severidade. — Não quero matar o maldito
cachorro; só vou lhe ensinar alguns modos.
Escutar a potente voz de Rafe impactou Shannon de tal
modo que foi incapaz de dizer que seu objetivo era Prettyface.
Com impaciência, enxugou os olhos com a manga e voltou a
mirar, acreditando que as lágrimas a impediam de ver o que
realmente estava acontecendo.
O enorme corpo do cachorro continuava em sua maior
parte sobre Rafe, porém os dentes do animal estavam fixos no
chicote em vez de se afundar na garganta masculina.
Uma sensação de alívio a invadiu, só para ceder passo à
consternação e o medo quando foi consciente que a mão
esquerda de Rafe estava dentro da boca do animal junto ao
chicote e a outra mão rodeava com força a traqueia de
Prettyface.
Estava tomando lentamente o ar e a vida do seu cachorro.
— Você o está matando! — gritou.
— Está enganada.
— Solte-o! Mal se mexe!
— Mal é muito para uma besta deste tamanho
Com os lábios convertidos em uma dura linha, Rafe
apertou ainda mais forte com sua mão direita.
— Basta!
Rafe ignorou Shannon, mesmo quando ela pegou sua mão
e tentou afastá-la da garganta do cachorro. Porém, quando
firmou os pés no solo e começou a puxar seu polegar com
ambas as mãos, lhe deu uma dura olhada com os olhos
apertados.
— Afaste-se antes que saia ferida. — Rafe ordenou entre
dentes.
A jovem pareceu não ouvi-lo e continuou puxando sua
mão.
Prettyface esperneou fracamente e ficou quieto.
No instante, Rafe deixou de fazer pressão na traqueia do
animal e o cachorro se deslizou lentamente até o chão.
— Você o matou! — Shannon o acusou. — Você o matou!
— Maldição. — Ele protestou furioso. — Se quisesse matá-
lo, teria quebrado seu pescoço quando saltou sobre mim.
Sem pronunciar uma palavra, Shannon soluçou e tentou
se aproximar de Prettyface, porém um duro e musculoso braço
a impediu.
— Não está morto. — Rafe afirmou asperamente. — Olhe
seu lado. Está respirando bem agora que meus dedos não
bloqueiam sua traqueia.
Ao escutar aquilo, ela piscou para clarear seus olhos
cheios de lágrimas e observou que o costado do cachorro subia
e descia sem dificuldade.
— Graças a Deus. — Sussurrou.
Tentou se aproximar de novo, e de novo Rafe voltou a
impedi-la.
— Vá para junto da estufa. — Indicou.
— Mas, eu quero...
— Agora mesmo não importa o que queira. —
Interrompeu-a com voz severa. — Teve dois anos para
domesticar Prettyface; agora toca a mim.
— Mas...
Rafe ergueu os olhos para Shannon.
— Mova-se. — Disse suavemente.
Muito suavemente.
Assim como sua voz, seus olhos eram serenos, claros e
frios como o gelo.
— Não o machuque mais. — Shannon suplicou enquanto
se afastava para a estufa.
Prettyface gemeu e tentou levantar a cabeça. No instante,
Rafe o segurou contra o solo e o obrigou a permanecer naquela
posição.
— Acalme-se. — disse em voz baixa — Antes que se
levante e volte a me atacar, centre esses malditos olhos em
mim e saiba quem manda.
Prettyface uivou levemente. Piscou várias vezes e se
encontrou com os olhos de Rafe, lhe devolveu o olhar durante
um milésimo de segundo e... abaixou a cabeça, reconhecendo
em silêncio sua derrota.
Não tentou se levantar de novo.
— É isso, Prettyface. — Rafe o felicitou enquanto o
acariciava com delicadeza para reconfortá-lo. — Sabia que
acabaríamos nos entendendo. A única coisa que precisava
saber era quem estava no comando.
Prettyface uivou novamente e percorreu com sua longa e
áspera língua a ensanguentada mão de Rafe.
— É um bom adversário. — Rafe riu. — Agora precisa
aprender também a ser um bom companheiro.
Apesar de percorrer com dedos firmes cada milímetro do
corpo de Prettyface, ele não mostrou nenhum outro tipo de
objeção. Nem mesmo rosnou quando acariciou as sensíveis
almofadinhas das patas.
Shannon os olhava, completamente, admirada.
— Muito bem, Prettyface. — Rafe o elogiou, esfregando
suas orelhas afetuosamente. — Acredito que captou a
mensagem. Você obedece às ordens aqui. Não as dá.
Sem mais, se levantou do chão com uma graciosidade
felina que parecia assombrosa em um homem de seu tamanho.
O chicote continuava em sua mão esquerda, ainda enrolado.
— De pé. — ordenou.
Prettyface se levantou no instante, se sacudiu e olhou
para o homem que havia considerado um intruso.
— Saia e procure seu desjejum em vez de tentar me
atacar. — Rafe disse secamente.
Prettyface deu uma breve olhada a sua ama e saiu.
— Quebrou seu espírito. — Shannon sussurrou com a voz
fraca, uma vez que Rafe fechou a porta.
— Não, eu só...
— Você é como os Culpepper. — Interrompeu-o
violentamente.
Sua voz era fria. Seu corpo tremia de raiva e medo, e pelo
resultado da avalanche de adrenalina.
— Porém, o que...? — Rafe começou.
— É cruel e brutal. Gosta de usar sua força para submeter
os mais fracos!
Rafe se aproximou lentamente de Shannon até que mal os
separava um metro de distância. Seus olhos eram de um tom
de cinza tempestuoso e o sangue gotejava dos ferimentos de
sua mão esquerda.
Parecia tão perigoso quanto era realmente.
As batidas do coração de Shannon se aceleraram, porém,
ela não se afastou nem um passo. Não conseguia. Não confiava
que suas pernas pudessem sustentá-la.
— Prettyface é um cachorro selvagem e malcriado que
pesa mais que a maioria dos homens. — Rafe afirmou suave e
friamente. — Tem muito de lobo para ceder a algo que não seja
a força e eu precisei vencê-lo em seu próprio terreno, à força e
agora me aceitará.
Shannon ergueu o queixo desafiante, porém era muito
inteligente para não dizer nem uma palavra. Rafe tinha razão e
ambos sabiam. O problema era que ela não gostava de ouvir
tudo de uma forma tão brutal.
— Quanto a dizer que gosto de submeter os fracos, — ele
continuou implacável — quando se entregar a mim, e o fará,
não será porque a forcei. Se essa fosse minha intenção, teria
matado Prettyface na primeira vez que entrei na cabana e
depois a teria tomado no chão.
Um leve gemido surgiu do mais profundo da garganta de
Shannon ao compreender a crua verdade na afirmação de Rafe,
já que, no mais profundo de seu ser, ela sempre assumira que
era a ameaçadora presença de Prettyface que evitava que Rafe
a tocasse de qualquer modo.
Agora Shannon sabia como interpretara mal a situação.
Rafe era tão inteligente e rápido, quanto forte.
Aterradoramente forte.
— Porém, não é isso o que quero de você. — Rafe
acrescentou em um tom letalmente sereno.
— O que...? — sua voz se quebrou. Umedeceu os lábios
secos, inspirou rapidamente e o tentou de novo. — O que... que
quer de mim?
Por um instante, Shannon pensou que Rafe não lhe
responderia. Então, ele deu um último passo e quando parou,
estava tão perto dela que não conseguiria respirar sem que
seus seios tocassem seu duro torso.
Lentamente, dando-lhe a oportunidade de se afastar, Rafe
ergueu as mãos para seu rosto. Ela não se moveu, se limitou a
observá-lo com uma mistura de cautela e desafio em seus belos
olhos.
O chicote que Rafe ainda segurava na mão esquerda tocou
sua face tão levemente que Shannon pensou que fosse mais
um suspiro do que uma carícia. Os flexíveis rolos de couro
traçaram suas sobrancelhas, a linha reta de seu nariz, seus
altos pômulos...
Era a última coisa que ela havia esperado. As carícias a
provocavam enquanto a acalmavam, expressando claramente a
contenção de Rafe.
Shannon fechou os olhos, desejando se concentrar nas
fugazes e trêmulas sensações que a faziam vibrar. Respirou
fundo e seus pulmões se encheram do aroma de lenha e
bosque sempre presente em Rafe, porém também chegou até
ela o primitivo e perturbador cheiro de sangue.
— Rafael? — Sussurrou através dos tremulantes lábios.
Ele moveu o punho e os rolos de couro desapareceram.
Uma batida surda indicou a Shannon que o chicote caíra ao
solo. Depois ele pegou o rifle das mãos dela, e o desarmou com
rápidos e hábeis movimentos, e voltou a colocar a arma nos
ganchos sobre a porta. Foi então que Shannon percebeu que as
grandes mãos de Rafe estavam ensanguentadas.
— Não acontece nada, meu doce anjo. — Disse Rafe ao se
virar e ver a preocupação no rosto dela. — Não precisa do rifle.
Não vou lhe fazer mal. Só tento responder a sua pergunta sobre
o que quero de você. Porém, não tenho palavras para lhe dizer.
As pontas dos dedos calosos percorreram levemente o
nascimento dos cabelos de Shannon, os sensíveis lóbulos de
suas orelhas, os espessos cílios que tremiam contra seu rosto,
o delicado traço de sua mandíbula, a pulsação que vibrava
freneticamente em seu pescoço.
— Realmente tem medo de mim? — Perguntou com voz
rouca.
Shannon negou com a cabeça.
— Não...
— Deveria ter.
— Por quê?
— Porque quero de você o que percebi na primeira vez que
a vi andar. — Explicou.
— Não... não compreendo.
— Eu também não. Nunca desejei uma mulher como
desejo você. De repente, sem pensar, sem prévio aviso, sem
importar se era bom ou ruim, você invadiu meus pensamentos
e não existe nada para mim além de uma dura necessidade que
me domina todo o tempo, todos os dias. E as noites... as noites
são um inferno.
Shannon tentou falar, porém foi incapaz de emitir algum
som.
Os polegares de Rafe percorreram lentamente sua carnuda
boca enquanto a observava, até que ela murmurou seu nome
em um entrecortado suspiro.
— Deus, sua forma de andar... — acrescentou
roucamente, inclinando-se sobre ela. — Beije-me, Shannon.
Deixe-me descobrir se o gosto da sua boca é tão doce quanto
você.
Um arrepio a percorreu sem misericórdia, forçando-a a se
agarrar aos seus braços fortes para encontrar um ponto de
referência num mundo que se dissolvia sob os seus pés a cada
batida frenética do seu coração
— Rafael? — Perguntou com voz baixa.
— É isso. — Ele sussurrou contra sua boca. — Abra esses
suaves lábios um pouco mais. Preciso saborear você.
— Saborear-me?
Shannon deixou escapar um suave gemido de admiração
ao sentir que os dentes de Rafe mordiscavam suavemente seus
lábios antes de desenhá-los com sua língua.
— Sim. Agora.
Esmagada pelas tumultuosas emoções que se
concentravam em seu ventre, ela o olhou sentindo-se
completamente vulnerável. Rafe estava com o cenho franzido e
os olhos fechados. Seus braços pareciam barras de aço e
respirava com dificuldade. No entanto, apesar da potente
avidez que deixava seus músculos tensos, suas mãos
sangrando e cheias de cortes seguravam o rosto como se fosse
mais frágil que as asas de uma mariposa.
Shannon sabia que Rafe poderia ter tomado o que
quisesse dela muito mais facilmente do que lhe custara
dominar Prettyface.
E ele também sabia.
Ainda assim, não lhe exigia nada. Seduzia, persuadia,
rogava em silêncio que lhe desse acesso a sua boca.
Shannon deu um suspiro de rendição e abriu os lábios. No
instante, a língua de Rafe deslizou sobre a dela, instando-a a
lhe responder com uma caricia suave e delicada.
Um pequeno gemido surgiu das profundezas da garganta
de Shannon ao compreender a tácita mensagem de Rafe. Dizia-
lhe sem palavras quanto a desejava e como seria cuidadoso se
ela se entregasse a ele.
Somente a ideia de lhe pertencer, de que a fizesse sua com
aquela extrema ternura que lhe mostrava, fez com que o
mundo desaparecesse debaixo dos seus pés e, sem ser
consciente daquilo, firmou os dedos nos seus braços para não
cair.
— Rafael?
O apagado sussurro de Shannon mal foi inteligível e ele se
sentiu tentado a ignorá-lo. Porém não o fez. A pesar da intensa
resposta da jovem, Rafe temia que o medo, no lugar da paixão,
fosse o causador dela se agarrar aos seus braços. Reticente,
levantou a cabeça, baixou o olhar para os aturdidos olhos azuis
e acariciou seus lábios com os dele.
Shannon sorriu levemente e o beijou suavemente,
pedindo-lhe em silêncio que continuasse beijando-a. Rafe
deslizou então, a língua no calor de sua boca, devagar,
entrando e saindo com muito cuidado, provocando e
acalmando-a ao mesmo tempo.
Shannon soltou outro gemido estrangulado e estremeceu.
— O que acontece? — Rafe sussurrou. — Tem medo de
mim, depois de tudo?
Ela negou com a cabeça, admirada de que alguém que
parecia tão duro e controlado pudesse tratá-la com aquela
excitante mescla de força e suavidade.
— Eu... — piscou e conseguiu murmurar: — Sinto-me
enjoada. O sorriso de Rafe foi obscuro, rápido e muito varonil.
O olhar dela proclamava claramente a paixão que a dominava.
— Enjoada. — Rafe repetiu com voz rouca, enquanto seus
olhos se transformavam em prata ardente ao observar como ela
lambia os lábios.
Shannon assentiu e, hesitante, tocou sua boca na dele. —
Abrace meu pescoço e eu a seguro. — Rafe indicou — Prometo
não deixar você cair.
Enquanto falava, guiou os braços de Shannon e a atraiu
contra seu corpo, fazendo com que ela ficasse nas pontas dos
pés. Surpreendida, ela inspirou com um suave e entrecortado
ofego que agiu sobre Rafe como um gole de uísque.
— Agora podemos fazer como é devido. — Ele murmurou.
— O quê?
— Umedeça seus lábios outra vez e lhe mostrarei.
Shannon obedeceu e, no instante, Rafe se inclinou e
tomou posse de sua boca. Nem precisou esperar para obter
uma reação. Em segundos, sentiu a hesitação do frágil corpo
dela, a rápida inspiração e a trêmula pressão de sua língua
contra a dele em uma secreta carícia.
Satisfeito, Rafe emitiu um grave gemido e a abraçou com
mais firmeza enquanto sua língua iniciava um sensual ritmo de
penetrações e retiradas que a deixaram sem fôlego e a
obrigaram a apertar os braços ao redor do pescoço dele.
Sem ser consciente, Shannon abriu ainda mais a boca.
Queria conhecer até o último cantinho da boca de Rafe e,
avidamente, iniciou uma íntima e erótica exploração na ardente
escuridão que a devorava.
O mundo virou rapidamente ao redor de Rafe ao sentir
que Shannon aceitava seus avanços, ansiosa. Suas mãos se
moveram dos seus ombros até seus músculos em longas e
lentas carícias.
Estendeu os dedos e avaliou a elegante linha das costas, a
exuberante curva dos quadris... e quando foi incapaz de se
reprimir, permitiu que suas mãos abarcassem os tensos e
firmes seios, muito mais generosos do que ele supunha em
princípio.
Com cuidado, sem querer assustá-la, desenhou círculos
nos mamilos com os polegares, provocando seu endurecimento.
Shannon deu um agudo grito de surpresa e se curvou
contra ele. Seus mamilos eram duros cumes que erguiam
orgulhosamente sua velha camisa de flanela, suplicando a
atenção das mãos de Rafe, sua boca e sua paixão.
— Meu anjo... meu doce anjo. — Ele sussurrou. — Nem
imagina como me faz arder.
Antes que ela pudesse responder, Rafe outra vez saboreou
sua boca com avidez, enquanto deslizava as mãos por seus
quadris e a erguia para acoplar sua dura ereção entre os
suaves músculos femininos.
Um selvagem prazer atravessou Shannon, deixando-a
trêmula e ofegante. Mal conseguia respirar e, queria que ele a
apertasse com mais força, necessitada de seu contato de um
modo que não compreendia.
Implacável, Rafe a moveu sensualmente contra seu grosso
membro, enquanto sua língua se entrelaçava com a dela em
um ritmo feroz e elementar.
Um sufocado suspiro saiu então, da garganta de Shannon,
que podia ser interpretado como sinal de dor, medo ou paixão,
ou mesmo uma complexa mistura de tudo.
De repente, Rafe percebeu que a estava amassando contra
seu corpo com ambos os braços e apertando seus quadris
contra os dela como se fosse tomá-la ali mesmo, naquele
instante, em pé, como a uma prostituta em um beco.
Tremendo, deixou de beijá-la e afrouxou a pressão de seus
braços para permitir que o corpo de Shannon se deslizasse pelo
seu até que seus pés tocaram o chão.
Ela soltou um som interrogante e tocou os lábios com os
dedos trêmulos, levemente, a cada rápida inspiração.
Rafe a olhou com faminta impaciência. Em contraste com
as marcas ensanguentadas que suas mãos feridas lhe
deixaram no delicado rosto, a pele de Shannon parecia quase
transparente. Suas pupilas estavam dilatadas e sua boca suave
e trêmula, tentava fazer o ar chegar até seus pulmões.
Perturbada, titubeou até que esticou os braços às cegas e
conseguiu recuperar o equilíbrio ao se apoiar na parede.
— Você está bem? — Rafe se preocupou.
Não queria ser brusco, porém a pergunta pareceu áspera.
Sua voz estava impregnada da força do sangue que ainda
bombeava ferozmente através de seu corpo.
— Sinto-me... — Levou uma mão à garganta e precisou
fazer um esforço para continuar falando — enjoada. Atordoada.
Não posso respirar e tremo como se tivesse frio e... há partes de
mim que estão em chamas e quero... quero... oh!, Deus, não sei
o que eu quero! O que você me fez?
Durante um longo momento, Rafe a olhou assombrado,
quase incapaz de acreditar no que escutava.
— Durante quanto tempo está casada? — perguntou
finalmente.
— O que... o que tem isso a ver com o que sinto?
A entrecortada respiração de Shannon agiu em Rafe como
se fosse uma língua de fogo que lambia sua excitada e dolorida
carne, ao ponto de precisar apertar os dentes para reprimir um
rosnado.
— Tem muito a ver. Tudo. — Murmurou com voz grossa.
— O que sente é paixão. Pura, selvagem e mais ardente que o
próprio inferno.
— Não... não entendo.
Rafe emitiu um grunhido que poderia ser uma maldição,
uma oração, ou ambas as coisas.
— Seu marido não devia ser um homem com o qual se
aconchegar em uma noite fria. — Disse entre dentes.
— John não era, quero dizer, não é um homem carinhoso.
— Está me dizendo que nunca antes sentiu um desejo
sexual como este?
— Quer dizer que...? — Shannon inspirou
entrecortadamente e fixou seus olhos nele atormentada. — O
que sinto é... desejo?
— Maldição. — Rafe murmurou. — Fala sério, não é?
A jovem assentiu.
— Tão ingênua quanto um bebê. — Ele rosnou — Deus,
seu marido a trouxe até este maldito lugar e se esqueceu de
você. Não estranho que não se importe em ser viúva, esteve
mais morto que vivo para você durante anos!
Shannon não soube como responder à fúria impressa na
voz de Rafe e abraçou a si mesma em um gesto protetor. Tão
ingênua quanto um bebê.
De repente, seu desejo se transformou em raiva. O fato de
não saber tanto de homens quanto Clementine ou Betsy não
me transforma em alguém inferior.
Porém, Shannon não falaria de novo no assunto fazendo
aquele comentário.
— Não me chame de viúva. — Protestou com os dentes
apertados.
— Por quê? É muito provável que seja.
— Mas se a verdade sair desta cabana, quem me protegerá
dos Culpepper quando você tiver partido? Porque irá, não é?
— Sim. — Rafe respondeu com aspereza, consciente da
raiva e da distância que se desprendia da voz de Shannon. —
Irei algum dia. Porém, não enquanto não encontrar um lugar
seguro onde você possa viver.
— Enquanto continuar sendo a mulher de John, o
Silencioso, estarei segura aqui.
— Basta de estupidez, Shannon. Você é uma viúva, não a
esposa, e este lugar não é seguro para uma mulher sozinha.
Sobretudo uma tão ingênua como você!
— Eu fui durante sete anos.
— Só porque seu esposo a protegia. — Rafe replicou. —
Sem ele não teria durado nem dois meses.
Shannon engoliu a duras penas, a resposta que se agitava
em seu íntimo. Se lhe dissesse a verdade, poderia prejudicar-
se, e muito. — Viverei onde desejar. — Afirmou com voz tensa.
— Sozinha?
— Sim.
— Não pode.
— Claro que sim! — Exclamou tensa. — De qualquer
forma, o que pode importar para você onde irei viver? Não tem
direito de me dar ordens como se estivesse ligada a você por lei.
Rafe se aterrorizou com a ideia de que Shannon passasse
o inverno, sozinha, no território selvagem e gelado de Echo
Basin, sem ninguém de quem depender além de si própria.
Balançou a cabeça, soltou uma dura imprecação e passou a
mão pelos cabelos em um gesto de frustração.
Seus dedos estavam brilhantes por seu próprio sangue;
sangue derramado por Prettyface em defesa de sua ingênua e
teimosa dona.
Ao ver novamente as mãos de Rafe, Shannon sentiu sua
fúria contra ele desaparecer, deixando somente uma intensa
preocupação por seus ferimentos.
— Vamos. — Shannon lhe indicou, enquanto se virava. —
Não acontecerá nada se compartilhar um segredo com você.
— O que...?
Sem qualquer palavra, ela se aproximou do armário das
provisões. Abriu a porta, empurrou o centro de uma estante e
entrou na escuridão.
No instante, o calor e cheiro úmido de uma nascente
termal chegaram flutuando até Rafe, junto com a voz de
Shannon.
— John me disse que não falasse nunca a ninguém desta
fonte, porém não quis dar mais explicações e fingiu se distrair
na tarefa de acender a mecha de um lampião de azeite, com
uma isca.
— Entre. — Shannon insistiu com impaciência. O quente
brilho amarelo do lampião ressaltava seus belos traços. —
John, o Silencioso tinha fé cega, melhor, tem fé cega no poder
curativo da nascente, e suas mãos estão em mau estado.
— Então, esta foi a razão porque seu marido construiu a
cabana bem na encosta da montanha. — Rafe comentou,
abaixando-se para atravessar o armário.
Quando entrou na caverna, viu que o teto era bem alto
para se erguer. A luz do lampião se refletia nas paredes
rochosas e no solo irregular, e conseguia que as profundas
fendas na rocha parecessem desiguais porções da meia noite.
Com exceção do mínimo sopro do lampião e os sussurrantes
redemoinhos de água, naquele lugar reinava um absoluto
silêncio.
— Suponho que acreditava que seria prático. — Shannon
sussurrou, como se não quisesse romper a paz que imperava
na caverna. — Nesta parte da nascente a água está quase
fervendo, uns quatro metros além, a temperatura baixa alguns
graus e se pode lavar as roupas e os pratos, e no outro
extremo, posso tomar banho. Além do calor que gera, a água
impede que eu morra congelada quando não consigo reunir
lenha no verão.
Deixou o lampião sobre uma caixa de madeira, que em
seu momento conteve munição e pegou um utensílio de metal
para oferecer água quente a Rafe. Depositou a fumegante
vasilha junto com um pedaço de sabão sobre a caixa e se
afastou para deixar mais espaço ao enorme corpo masculino.
Rafe deu uma olhada a sua volta e observou como a luz
transformava as espirais de vapor em inquietantes espectros
dourados. Depois olhou para Shannon e soltou um irritado
bufido.
— Você tem medo das cavernas? — Ela perguntou
incrédula.
— Não. Porém você sim deveria ter.
— Por quê? Eu estive aqui milhares de vezes.
— Não comigo. Não quando a luz de uma lâmpada mostra
seus seios e seus mamilos ainda duros e ávidos. Eles doem
meu doce anjo?
Shannon se ruborizou até a raiz dos cabelos. Sim, sentia
dor, e não somente nos seios. Porém, não estava disposta a
dizer; ele já se divertira bastante às suas costas.
— Vá para o inferno, Rafe. O que eu sinto não é da sua
conta. — A frustração vibrou através da voz e do corpo dela.
Rafe sabia qual era o motivo, conhecia a cura e o pior de
tudo era que sabia que, apesar de ser ingênua, Shannon se
transformaria em seus braços na mulher mais ardente que já
tivera.
Incapaz de continuar olhando-a sem tocá-la ele fechou os
olhos e tentou se controlar.
Se a tocasse, a tomaria. E não queria que acontecesse
aquilo. Ainda não. Não depois de ter descoberto como era
ingênua. Desejava que Shannon se entregasse a ele totalmente
consciente do que estava fazendo, e não porque seu juízo se
visse nublado pelo fato de ter provado o prazer pela primeira
vez.
— Contarei até três. — Rafe anunciou com voz áspera. —
Quando abrir os olhos, será melhor que esteja...
— Mas...
— ... na cabana ou lhe arrancarei essas esfarrapadas
roupas e lhe ensinarei tudo o que seu maldito esposo deveria
ter lhe ensinado sobre as relações entre homens e mulheres.
Shannon soltou um rápido e audível gemido diante da
brusquidão de Rafe. Se não fosse pelos ferimentos, pegaria o
lampião e o deixaria ali, sozinho na escuridão.
— Suas mãos precisam de cuidados. — Protestou
arrastando as palavras.
— Não me doem tanto quanto a outra parte de meu corpo.
Quer se encarregar disso também?
— É um grosseiro, desprezível...
— Tire seu doce traseiro daqui, — interrompeu-a
selvagemente — ou farei algo de que ambos nos
arrependeremos. Um...
A tentação de lhe jogar a vasilha de água foi tão grande
que Shannon agarrou o recipiente antes de ser consciente do
que estava fazendo. E por um instante, seus dedos se
prepararam para levantar a vasilha.
Então, a razão retornou à sua cabeça em uma fria rajada.
Por mais enfadada e nervosa que estivesse, seria uma total
loucura provocar um homem tão perigoso quanto Rafe,
sobretudo levando em conta como ele estava excitado. Assim,
com uma maldição abafada, soltou a vasilha e se afastou.
— Dois... — Rafe continuou.
Hesitou um momento antes de dizer o número seguinte.
Imóvel, escutou com atenção, porém não ouviu nada, além dos
abafados ruídos do lampião e da nascente.
— Três.
Abriu os olhos só para descobrir que Shannon saíra de
forma tão silenciosa como o vapor que subia da superfície da
nascente.
Maldição.
Eu estava com a esperança de que ela perdesse os estribos
e me lançasse aquela vasilha. Teria sido divertido deixá-la nua
e fazer que me desejasse de novo.
Respirou fundo e deixou escapar o ar, lentamente,
tentando liberar a agressiva e mal contida avidez de seu corpo.
Foi melhor assim. É muito ingênua.
Rafe continuou repetindo aquele pensamento enquanto se
aproximava da vasilha com água, ainda que não se
convencesse em absoluto. Desejava Shannon com uma
intensidade que nunca sentira antes.
Mergulhou as mãos na água quente com a esperança de
que a dor o fizesse esquecer o desejo que retorcia suas
entranhas.
Não conseguiu.
Amaldiçoando entre os dentes, Rafe começou a ensaboar
os irregulares cortes das mãos. Jessi, a esposa de Wolfe,
costumava dizer que precisava manter os ferimentos limpos
para sararem rapidamente.
Em silêncio, se perguntou se o sabão levaria com ele o
desejo, assim como levava o sangue e a sujeira.
Duvido, pensou amargamente.
Estava certo.
CAPÍTULO 8

Durante o resto do dia, Rafe e Shannon foram tão


amáveis, um com o outro como teriam sido educados
desconhecidos. Ela cozinhou para ele, lavou suas roupas e as
remendou; ele cortou lenha e substituiu um tronco podre da
parede da cabana, se encarregou de encontrar uma nova
localização para a mula e, além de pescar meia dúzia de trutas
para o jantar, começou a curtir a pele de anta para fazer novos
mocassins.
O assunto da paixão e da ingenuidade de Shannon não
voltou a ser mencionado. Também não houve nenhuma
discussão sobre a morte de John, o Silencioso, ou das viúvas e
sua segurança.
Mantinham conversas curtas, porém sempre sobre o
clima.
Prettyface era o único que se sentia à vontade na cabana.
Pedia as sobras tanto para Rafe quanto para Shannon, e
oferecia a ambos a cabeça para que a acariciassem e
considerava tanto o homem quanto a mulher como um meio
para abrir as portas e brincar no bosque.
Shannon deveria ter se sentido satisfeita, pelo fato de que
Prettyface finalmente aceitasse seu convidado. E estava, ainda
que uma parte dela se perguntasse mordazmente se o cachorro
a abandonaria quando Rafe o fizesse.
Na manhã seguinte, Shannon dormiu até mais tarde do
que o habitual. Passara uma noite agitada cheia de sonhos e
desejos que não conseguia expressar com palavras. Acordou
com o familiar som de um machado cortando madeira.
— Bem. — Disse em voz baixa. — Assim poderá
descarregar sua fúria com a lenha em vez de comigo. Além,
exceto do que lhe fiz...
As sensuais recordações do dia anterior assaltaram seus
sentidos de repente, fazendo seus mamilos ficarem
dolorosamente tensos.
Oh, não, Porque não desaparece?
Irritada consigo mesma, afastou as mantas com um puxão
e saiu da cama como se estivesse em chamas.
Porém, não era a cama, era seu corpo.
Agora entendo a fúria com a qual Rafe está cortando a
madeira. Deve se sentir tão irritado e dolorido quanto eu.
Shannon se apressou a iniciar as familiares tarefas
domésticas, como preparar o desjejum e organizar a cabana.
Quando acabou, se aproximou da janela, abriu as persianas e
deixou que o frio e revigorante ar da montanha a
tranquilizasse.
Foi necessário apenas um olhar para confirmar que Rafe
havia cortado uma impressionante quantidade de lenha à
estufa, desde que a acordara com o ruído do machado, pouco
depois do amanhecer. Tivera a intenção de levantar-se então,
porém em vez disso, se virara e se deslizara novamente nos
febris sonhos que a reclamaram durante a maior parte da
noite.
Com um ávido desejo que Shannon não compreendia,
observou a tensa musculatura do corpo de Rafe enquanto
transformava pedaços de tronco de abeto em pequenos pedaços
de lenha. Nem uma só vez ergueu os olhos para verificar se ela
se encontrava na janela. Simplesmente continuou trabalhando
como se sua força não tivesse limites.
— A esse ritmo, vou ficar enterrada debaixo de tanta
lenha. — Shannon murmurou para si.
Tendo consciência de que olhar para Rafe aumentava o
inquieto ardor de seu corpo, virou as costas à janela aberta.
— Suas mãos não irão se curar se ele continuar assim. —
Murmurou franzindo o cenho.
Aquele era outro assunto que Rafe se negara a discutir. Na
verdade, a única vez que Shannon lhe perguntara sobre suas
mãos, deu-lhe uma olhada turva e, claro, começou a falar do
clima.
Ambos concordaram que gostavam do sol e do granizo.
Shannon suspirou. Nunca se sentira tão sozinha desde
que sua mãe morrera e a deixara aos cuidados de uma tia
distante, sem nenhum sentimento de compaixão. O estranho
era que nunca se sentira especialmente sozinha em Echo
Basin, até aquele momento, porém o fato de que fosse
agradável compartilhar os dias com Rafe fazia com que a
distância entre eles doesse ainda mais.
Sem prévio aviso, lhe sobreveio uma vívida e quase
tangível lembrança do que sentira ao ser beijada e acariciada,
por Rafe, o fogo que havia consumido seu ventre. Não podia
evitar abrigar a esperança de que quando passasse sua
irritação, voltaria a beijá-la e tocá-la, e...
— O que você acha Prettyface? Desaparecerá o mau
humor de Rafe antes que acabem os troncos?
O cachorro bocejou.
— Tem razão. Seu mau humor vai durar mais que todo o
maldito bosque.
— Conte com isso.
Shannon deu um salto ao escutar a profunda voz de Rafe
bem atrás dela, proveniente da janela aberta. Virou-se
rapidamente e se ruborizou ao ter sido surpreendida pensando
em voz alta.
Rafe estava de pé com os antebraços cruzados sobre o
beiral da janela, rindo.
O sorriso de Shannon em resposta foi tão bonito, quanto
um inesperado amanhecer.
Deus, não me sorria assim, meu doce anjo, ou todas
minhas boas intenções se esfumaçarão em um segundo.
— Isso significa que me perdoou? — Rafe perguntou com
suavidade, consciente de que não devia falar do acontecido no
dia anterior, porém incapaz de se conter.
— Perdoar? Por quê?
— Por ensinar ao seu cachorro alguns modos, e depois
esquecer os meus.
— Não estava zangada por causa do Prettyface.
— Eu vi você me apontar um rifle carregado e pronto para
atirar.
Por um instante, a jovem pensou que ele só estava
brincando; mas não havia sinal de diversão em seus olhos
cinzentos.
— Eu ia atirar em Prettyface. — Afirmou sem rodeios. Seu
bom humor se transformara em raiva.
— O quê? — Rafe exclamou.
Pensei que ele o estava matando, não se mexia, havia
sangue e parecia que suas mandíbulas se fechavam sobre sua
garganta. — O horror que sentiu ao ver Rafe em perigo voltou
sua mente com tanta intensidade que precisou lhe virar as
costas. — Por isso peguei o rifle.
— Para salvar minha vida?
— Não devia parecer tão admirado. — Shannon replicou,
apertando os dentes.
Na verdade, Rafe estava absolutamente perplexo. Sabia
quanto ela amava aquele cachorro e como dependia dele para
poder desfrutar de um pouco de companhia e segurança.
E, apesar de tudo, estivera disposta a matar Prettyface
para salvar um homem que não lhe fizera nenhuma promessa
de futuro.
Nenhuma, absolutamente.
— Entendo. — Rafe respondeu.
— Verdade? Duvido. — A irritação em sua própria voz
surpreendeu Shannon. — Desculpe, não queria dizer isso. Não
sei por que estou tão suscetível ultimamente.
— Eu sim. É por desejar alguém e ir à cama ansiosa e
sozinha.
— Então, eu não entendo como os casais podem
sobreviver aos namoros. — Shannon replicou.
Rafe tentou não rir, mas não conseguiu.
Também tentou não entrelaçar seus dedos nos longos e
indomáveis cabelos castanhos de Shannon, porém também não
conseguiu evitá-lo. Lentamente, estendeu o braço à janela
aberta, colocou os cabelos dela sobre um de seus frágeis
ombros e acariciou a suave pele da nuca.
Shannon estremeceu visivelmente.
— Sobreviveremos, meu doce anjo.
— Nós o faremos, se você parar de cortejar viúvas tão
ingênuas quanto bebês. — Disse, enquanto se afastava da
provocação de seus ágeis dedos. — Entre quando estiver
pronto. Os pãezinhos estão quase no ponto.
Enquanto Rafe lavava as mãos, Shannon dirigiu uma
rápida olhada à despensa. As provisões que deveriam durar
meses estavam desaparecendo a uma velocidade espantosa.
Meu Deus, o que farei quando se acabarem?
Inquieta, mordeu o lábio e franziu o cenho. Ele se
encarregava da reposição de carne e pescado, e ela recolhia
plantas comestíveis. Porém, a farinha somente podia ser
conseguida no povoado, assim como as ervilhas, maçãs, o arroz
e o sal, e outras provisões indispensáveis. Isso, sem mencionar
luxos como o café e a canela.
— Precisarei ir a Holler Creek e comprar mais. —
Murmurou enquanto fechava o armário.
Porém, como pagarei?
Contava somente com algumas gramas de ouro
escondidos em uma velha bolsa na caverna. Era o último que
restava do que lhe dera seu tio. Quando o gastasse, estaria
exatamente como estivera aos treze anos, sem uma moeda,
sozinha e sem ninguém que se importasse se vivesse ou
morresse.
Não, não tocarei naquele ouro.
Não estou tão desesperada.
No entanto, Shannon temia estar, logo.
Quando gastasse o último legado de John, o Silencioso,
teria que depender única e exclusivamente de sua própria
capacidade para arrancar o ouro da rocha, algo que era até
mais difícil do que caçar.
Preocupada, Shannon fechou com força a porta do
armário e virou as costas às estantes vazias.
Rafe estava de pé a poucos centímetros, observando-a com
seus cintilantes olhos prateados.
— Irei a Holler Creek buscar mais provisões amanhã. —
Ele anunciou.
— Obrigada, mas não. Já me deu muito.
— Eu comi praticamente tudo.
— Para quem é a lenha que está cortando? — Shannon
perguntou com suavidade. — De quem é a cabana que está
arrumando para que suporte as nevascas invernais? De quem é
a mula que você ferrou? Deveria estar lhe pagando um salário.
— Apenas ganho meu sustento.
— Ganha a comida, um salário seria muito mais que isso.
Trabalha sem parar.
— Gosto de trabalhar — Rafe disse.
— Encontrarei um modo de lhe pagar.
— Não aceitarei dinheiro de você.
— Você o ganhou. — Ela insistiu.
— Não.
Aquela única palavra fez Shannon se sentir como se
tivesse topado com um muro de granito.
— Você é tão teimoso quanto aquela mula que ferrou. —
Afirmou.
— Obrigado. Frequentemente penso o mesmo de você.
Porém, eu a superarei em teimosia, Shannon. Pode contar com
isso.
Uma onda de irritação a inundou.
— Não acredito. A única coisa com que posso contar é que
um dia acordarei e terá partido. Talvez me supere em teimosia
antes desse momento, ainda que eu duvide.
Sem nem mais uma palavra, rodeou Rafe e começou a
servir o desjejum enquanto ele seguia seus movimentos com
um feroz brilho cinzento no olhar.
Até que ambos não comeram algo e beberam uma caneca
de café, Shannon não se sentiu cortês para romper o silêncio.
— Que tipo de trabalhos tem feito desde que decidiu
percorrer o mundo? — Inquiriu.
A boca de Rafe se converteu em uma fina linha ao escutar
aquela pergunta. Não sabia por que o fato de que Shannon
tivesse sempre presente sua partida o feria muito.
Porém, era assim.
— Trabalhei de condutor de diligências, marinheiro,
topógrafo, jackaroo, professor, militar. — Rafe respondeu com
voz tensa. — Um pouco de tudo, dependendo do lugar e do
momento.
— O que é um jackaroo?
— Um aprendiz de vaqueiro australiano.
— Oh! — Shannon franziu o cenho e perguntou: —
Alguma vez procurou ouro?
— Aqui e ali.
— E encontrou algum?
Rafe encolheu os ombros.
— Aqui e ali. — repetiu.
— Porém, não o suficiente para reclamar uma concessão?
— As concessões são como as esposas. Amarram você.
— Quer dizer que não deseja encontrar ouro porque
estaria amarrado?
— Sim. — Afirmou categórico. Shannon engoliu a saliva.
— Entendo.
— Verdade? Duvido. — Rafe replicou, fazendo eco das
anteriores palavras dela.
— Sim, entendo. Sempre se afastará de um lar, uma
família, amigos, do ouro... e para quê? O que é mais valioso
que tudo isso junto?
— Um amanhecer que nunca tenha visto. — Rafe
respondeu redondamente. — Para mim, não há nada mais
atraente ou irresistível que isso.
Shannon desejava sacudi-lo, porém sabia que não serviria
para nada porque ele estava absolutamente seguro do que
dizia.
E ela acabava de perceber uma verdade que lhe destruiria
o coração.
— O amor é mais poderoso que esse seu amanhecer. —
Ela sussurrou — Sempre ardente... sempre bonito.
Rafe começaria a discutir, no entanto, o sorriso de
Shannon o deteve. Aquele sorriso era uma das coisas mais
tristes, que ele já vira, tão evocador e inquietante quanto a dor
em seus olhos, sua voz, e até mesmo, sua respiração.
— O amor se entrega sem que se peça. — Shannon
continuou, em voz baixa. — Não pode ser preso, nem retido,
somente custodiado, porque é a coisa mais valiosa que terá.
Desconfortável, Rafe mudou de posição e se serviu de
mais pãezinhos.
— Para você, talvez. — Resmungou com voz tensa,
magoado de novo. E uma vez mais sem saber por quê. — Para
mim, o amor é uma jaula.
— O amor, se for verdadeiro, nunca poderia se
transformar em uma jaula.
Rafe reprimiu uma palavra grosseira e bebeu um gole de
café quase fervendo.
— É isso o que quer? — Perguntou depois de um
momento. — Amor?
— Não sei.
— Quer dizer que não tem nenhum sonho? — Inquiriu
cortante.
— Sonho?
A suave risada de Shannon mostrou a Rafe o que
realmente era o desespero e lutou contra a sensação de se pôr
na pele daquela mulher, respirar seu fôlego, sentir sua dor
como se fosse a sua própria.
— Houve um tempo em que sonhei com um lar, —
Shannon confessou. — um jardim, crianças e, sobretudo, com
um homem que me amasse...
Sua voz acabou em um gemido sufocado.
Rafe ia pegar um pãozinho, porém sua mão parou no meio
do caminho. Não queria continuar com o assunto e, ainda
assim, lhe parecia impossível não fazê-lo.
— Houve um tempo? Quer dizer que já não sonha com
essas coisas?
— Não, agora não.
— Porque não? Ainda pode conseguir tudo isso, Shannon.
Muitos homens honestos estariam encantados em se casar com
uma viúva tão bela como você.
— Casar-se comigo?
Shannon riu, porém, não havia diversão naquele som.
Nem mesmo tristeza. Simplesmente refletia uma total
resignação diante da realidade da vida.
— Todos esses homens honestos, — Shannon refutou de
forma sarcástica — querem de mim o mesmo que você.
— Só porque não me amarrarei a...
— ... um lar, um jardim, e o amor não têm nada a ver com
o que esses homens desejam. — Interrompeu-o. — Com
respeito às crianças, os homens também não as querem, porém
estou certa que não lhes importaria concebê-los com uma
bonita viúva antes de partirem e deixar que ela se encarregue
de criá-los.
As faces de Rafe se ruborizaram intensamente em
contraste com o tom bronzeado de seu rosto.
— Já lhe disse eu nunca deixei nenhum filho para trás. —
Afirmou com secura.
— O que isso tem a ver? — Shannon perguntou, erguendo
suas escuras sobrancelhas. — Estamos falando de homens
bons e honestos que estariam encantados de se casarem com
uma bonita viúva como eu. Já sabemos que você não é um
deles, Rafe.
— Eu não seria um bom esposo!
— Por acaso estou discutindo isso? — Ela zombou
suavemente.
Rafe abriu a boca e logo a fechou com força.
— Não. — Respondeu.
— Então, porque grita comigo?
— Não grito.
— É um grande alívio para mim. Não suporto que gritem
comigo.
Rafe deu a Shannon uma mordaz olhada cinzenta, porém
ela parecia estar muito ocupada comendo bacon para notar.
— E então, — acrescentou depois de mastigar com
cuidado — por aonde íamos? Ah, sim. Não discutiremos aos
gritos sobre o fato de que nenhum dos dois tem pressa em se
casar.
— Não há problema com o fato de que eu esteja sozinho.
— Rafe argumentou com severidade. — Porém é diferente em
seu caso.
— Por quê?
— Porque você não pode cuidar de você mesma e sabe
disso, malditamente bem!
— Oh, vá! Outro assunto sobre o qual não gritar. Passe-
me a marmelada, por favor. Não faz um tempo maravilhoso?
Rafe soltou uma maldição entre dentes.
Shannon agiu como se não o tivesse ouvido. Estendeu o
braço, pegou o pote de conservas e começou a untar a
marmelada em um pãozinho.
— Prefere o granizo ou a neve? — Perguntou.
— Shannon...
— Eu sei. — cortou — É uma escolha tão difícil... e do
granizo? Acredita que seremos capazes de não discutir aos
gritos sobre isso?
— Duvido — Ele respondeu. — Eu não discutiria aos
gritos por outra caneca de café.
Disfarçando um sorriso, Shannon se virou sobre a cadeira
e pegou a cafeteira que estava sobre a estufa, atrás dela, sem
se levantar. Virou-se de novo com graciosidade e surpreendeu
Rafe olhando seus seios com ávido desejo, mesmo que no
instante seguinte, a expressão houvesse desaparecido.
Em silêncio, Rafe lhe estendeu a caneca de café. E
também em silêncio, Shannon lhe serviu e voltou a colocar a
cafeteira sobre a estufa.
— O que lhe parece a metade do ouro que encontrar nas
concessões de John, o Silencioso? — Perguntou diretamente. —
Discutiria aos gritos sobre isso?
A fumegante caneca café parou a um milímetro dos lábios
de Rafe.
— O quê?
— John, o Silencioso possuia, possui, várias concessões
na Avalanche Creek.
Rafe franziu o cenho, dando-lhe a entender que não
entendia o que ela queria dizer.
— Trabalhava nessas concessões para pagar a comida que
não podia caçar. — Shannon lhe explicou.
— Continue. — Animou-a secamente.
— Estou tentando, corremundo, estou tentando.
— Meu nome é Rafael. — Replicou no instante, magoado
por aquele apelido.
— Por que lhe desgosta que eu o chame de corremundo? É
o que você é, não é verdade? — Shannon disse, razoavelmente.
— Você não sabe se na verdade sou viúva e sempre me chama
assim.
Rafe teve intenção de discutir, mas soube que seria inútil,
antes de chegar a pronunciar uma só palavra. Tentando se
acalmar, deixou escapar uma longa exalação e se concentrou
no café e no bacon.
Shannon esteve tentada a forçar Rafe a aceitar que não
havia razão para se enfurecer. Depois, reticente, decidiu que
seria melhor se calar enquanto levasse vantagem.
Foi difícil, na realidade, a tentação de provocar Rafe era
quase irresistível. Finalmente, franziu o cenho e se concentrou
em seu café.
— Minha irmã caçula, Willow, costumava fazer o mesmo.
— Rafe disse ao final de alguns segundos. — Meus irmãos e eu
chegamos à conclusão que as mães devem ensinar essa arte às
suas filhas, além de lhes mostrar como fazer bons pãezinhos.
— Ao que se refere?
— A deixar os homens indefesos com seus argumentos.
Rafe descobriu o sorriso de Shannon antes que ela
pudesse escondê-lo.
— Porém nós nos vingamos. — Ele continuou, arrastando
as palavras.
— Como?
Rafe se limitou a sorrir em resposta.
— Fale-me dessas concessões de ouro.
— Não há muito que dizer.
— Comece me explicando onde estão. — Sugeriu
secamente.
— Além da Avalanche Creek.
— Em qual bifurcação?
— A oriental. Acima, muito acima. Em uma saliente
rochosa e rachada.
Rafe rosnou.
— É uma das zonas mais escarpadas que conheço.
— Eu sei. — Ela assentiu. — Cada vez que subo até lá fico
tonta e tenho a impressão que cairei no precipício.
— Você não tem nada que fazer em um lugar tão perigoso!
— Um urso prendeu uma das mulas lá no segundo verão
que passei em Echo Basin. — Shannon comentou ignorando a
imprecação de Rafe. — Depois daquilo, John trouxe Razorback
de volta para casa e voltou andando até as concessões.
— Você foi com ele?
— Algumas vezes. Outras, ficava na cabana. Nunca sabia
o que me mandaria fazer até o último momento. Assim era
como ele queria. Dizia que um caçador não podia prender uma
presa que não tivesse um esquema de movimentos.
— Um homem precavido.
Shannon encolheu os ombros.
— Era sua forma de ser.
— Ele possuia algum outro trabalho, além de procurar
ouro? — Rafe inquiriu intrigado para saber se Shannon
conhecia a outra vida de seu marido como caça recompensas.
— Não.
— Levando em conta todo o tempo que ele passava fora,
sua procura por ouro não era muito frutífera, não acha?
— Nunca passamos fome.
— Não trabalhava para outras pessoas se não conseguisse
encontrar ouro? — Rafe insistiu.
— John? Impossível. Odiava as pessoas. De todo modo
quem o contrataria? Era hábil com as armas, porém estava
longe de ser um homem forte. E tinha muitos anos. Era mais
provável que fosse ele quem contratasse alguém para se
encarregar de alguma tarefa.
— Há alguns trabalhos que não requerem muita força. —
Rafe adicionou, secamente.
Shannon franziu o cenho.
— John não teria suportado trabalhar em uma taberna ou
em uma loja de comestíveis. Não se dava bem em tratar com
pessoas.
Rafe observou os claros e inocentes olhos de Shannon e se
convenceu que ela não fazia a mínima ideia de que era a viúva
de um caça recompensas dos mais temidos de todo o Colorado.
— Você mencionou que seu esposo possuia várias
concessões. — Comentou mudando de assunto. — Qual era a
melhor?
— Rifle Sight. A mais alta. — Shannon respondeu. — Está
mais acima da saliência que lhe falei, em um pequeno
barranco.
— Mineração em rocha dura?
Shannon assentiu.
— Maldição — Rafe exclamou. — Túneis?
— Só um.
— Um é muito para mim. — Fez uma careta. — Depois de
tirar Reno de uma mina no ano passado, não tenho muito
apreço pelos túneis e pelas cavernas.
— Podemos experimentar com Chute primeiro.
— Outra concessão?
— Sim, porém está em plena zona das Avalanches.
Rafe olhou pela janela. As abundantes neves do último
inverno ainda brilhavam nas cumieiras.
— Então também não é uma opção. Ainda há muitas
possibilidades de que se produza um desabamento.
— John costumava trabalhar lá no verão, — Shannon
disse — quando a maior parte da neve já se derretera.
— O que há sobre as outras concessões?
— Existe só uma mais que eu conheço.
— Descreva-me.
— É uma fria e úmida fenda em uma rocha escarpada
onde se acumula a chuva.
— John, o Silencioso não era um homem que gostasse das
comodidades, não é?
— Nunca disse nada.
Rafe rosnou e olhou além de sua caneca de café,
considerando as possibilidades que se apresentavam a ele.
— Não gosto da ideia de procurar ouro em nenhuma
dessas malditas concessões. — Concluiu finalmente. — Claro
que, se gostasse de cavar em busca de ouro, teria vindo ao
Oeste há anos, com Reno, em vez de continuar minha viagem à
China. Há algo para alimentar os cavalos em Rifle Sight?
— Um prado a meio quilômetro da mina.
Rafe rosnou.
— Ursos pardos?
— Lá foi onde morreu a outra mula.
— Não acredito que Sugarfoot tenha nenhum problema a
respeito.
— Sugarfoot?
— Meu cavalo. — Rafe respondeu com ar ausente. — Foi
castrado muito tarde, assim, ainda pensa que pode enfrentar
qualquer coisa.
Shannon aguardou enquanto Rafe segurava a caneca e
olhava à distância para um ponto que só ele podia ver. Seu
olhar percorreu o arco de suas claras sobrancelhas, a forma
rasgada de seus olhos cinza, e os limpos e ásperos traços de
sua mandíbula e maçãs do rosto. Havia um leve brilho de café
em sua boca.
— Em que está pensando? — Ele perguntou suavemente.
— Que gostaria de lamber o café de seus lábios.
O fato de escutar suas próprias palavras, fez Shannon se
ruborizar.
Rafe deixou escapar o ar com um lento som que poderia
ter sido uma maldição.
— Não sabe até que ponto se põe em perigo com essas
palavras.
— Desculpe... não percebi como podia parecer até que o
disse.
— Dê-me a mão. — Rafe pediu com suavidade.
Hesitante, Shannon obedeceu e ele virou sua palma para
cima.
— Menta. — Disse com voz rouca depois de cheirar
profundamente. — Deus, morrerei recordando seu doce aroma.
— Rafe. — Sussurrou entrecortadamente.
— Gostaria de beijar você. — Aproximou a mão para si,
acariciando suavemente sua sensível pele. —Porém se eu sentir
sua boca aberta debaixo da minha agora mesmo...
Lenta, meticulosamente, Rafe deslizou o dedo pelas linhas
da palma de Shannon.
— Se sentir sua boca, — continuou com voz cada vez mais
profunda e grave — começaria a tirar essas roupas de homem
que usa.
Levou a mão aos lábios e a mordeu com ternura, fazendo-
a gemer com paixão e surpresa.
— E se me permitisse deixá-la nua, — acrescentou — eu a
tomaria aqui mesmo, sentada, encavalada sobre minhas coxas,
e a observaria cavalgar sobre mim até chegar ao êxtase.
Rafe ergueu seus brilhantes olhos cinza, fixando-os em
Shannon.
— Gostaria disso, meu doce anjo?
— Eu... eu...
— Não sabe?
— Não posso pensar quando me toca. — Admitiu,
tremendo. — E quando não me toca, a única coisa que posso
pensar é na próxima vez que o fará.
Rafe estremeceu, agarrou a mão de Shannon com força e
deslizou a língua entre dois de seus dedos em um ardente e
terno ritmo.
— Sua sinceridade me faz arder. — Rafe reconheceu
contra sua pele. — Quando arder do mesmo modo corra para
mim. Esperarei todo o tempo que puder.
— Você partirá logo? — Sussurrou ela com tristeza.
— Não, meu doce anjo. Antes, a farei minha.
CAPÍTULO 9

— Continuo pensando que deveríamos dividir todo o ouro


que encontrarmos em partes iguais. — Shannon insistiu por
cima do ombro.
Razorback, com a jovem como amazona, avançava lenta e
pesadamente pelo abrupto caminho que levava ao começo da
bifurcação oriental da Avalanche Creek. Atrás de Shannon,
Rafe ia comodamente sentado em seu grande cavalo cinza,
seguindo-a para as afastadas concessões de John, o Silencioso.
— Rafael?
Ignorando-a, ele olhou por cima do ombro. O cavalo de
carga seguia-os cada vez mais lentamente à medida que a
altitude aumentava. E havia aumentado muito. A bifurcação
oriental da Avalanche Creek subia pela encosta da montanha
ziguezagueando de um barranco para uma cascata, e de novo a
um barranco.
— Decidiu não falar comigo durante o resto do caminho?
Shannon perguntou mordazmente.
— Cobrarei um salário, como qualquer outro trabalhador
não qualificado. — Rafe resmungou.
— Alguém deveria lhe colocar as rédeas, ferraduras e usá-
lo como mula. Shannon murmurou, acreditando que ele não a
ouviria.
— Se desejar cavalgar sobre mim, só precisa me pedir. —
Ele respondeu com voz profunda.
— Oh! É frustrante não poder dizer nada sem que me
ouça. — Ela replicou, envergonhada.
Rafe viu o rubor nas pálidas faces de Shannon e riu em
voz alta.
— É tão fácil provocar você. — comentou — Juro que
poderia me embebedar de você.
— É a altitude.
— Não. É você.
Shannon negou com a cabeça vigorosamente, porém seus
olhos cintilavam. As ternas e sensuais provocações de Rafe
eram uma constante surpresa para ela.
— Nunca sei quando levá-lo a sério. — Queixou-se
suspirando. — É o primeiro homem que conheci que não está
empenhado em conseguir ouro, nem em lutar. E também não
está obcecado com... — Shannon percebeu muito tarde o que
estava dizendo.
— Em levá-la para minha cama? — Rafe perguntou
secamente.
Ela assentiu.
— Oh, sim, estou obcecado com isso. — Assegurou.
— Tem uma estranha forma de demonstrá-lo. — Shannon
replicou.
O sorriso de Rafe iluminou seu bronzeado rosto.
— Você tem contado? Os dias que não a toco? — Ele
completou: — Dos dias que fazem que não a toquei.
— E porque deveria fazer algo assim? — Ela repôs com
frieza.
A risada de Rafe foi tão escuramente masculina quanto
seu sorriso.
— Já arde, meu doce anjo?
— Não sei do que está falando.
— Sou consciente disso. Por isso não a tenho tocado.
Shannon mordeu o lábio.
— Como vou me tornar menos ingênua se não me tocar?
— Boa pergunta. Quando pensar na resposta, faça-me
saber. Eu farei o mesmo por você.
Shannon deu um gemido exasperado e se virou outra vez
para o caminho, ignorando o terno sorriso de Rafe.
Prettyface os esperava mais acima, onde o caminho se
bifurcava. Uma estreita vereda levava até Chute, a concessão
que ainda estava enterrada debaixo das avalanches invernais.
O outro caminho conduzia para Rifle Sight, passando por um
lugar ao qual John, o Silencioso chamava: O prado dos ursos
pardos.
— À direita, Prettyface. — Shannon ordenou agitando o
braço.
O cachorro obedeceu sem demora e ela riu, e não
conseguiu evitar olhar para trás para confirmar se Rafael
estava impressionado pelo comportamento do mascote. Porém
ele estava ocupado observando atentamente um buraco entre
várias árvores afastadas do caminho. A intensidade de seus
apertados olhos era quase tangível.
— Rafael?
Ele levantou bruscamente a mão exigindo silêncio.
Shannon esperou inquieta, esquadrinhando o caminho
que haviam deixado para trás em busca de algo que não fosse
normal. Viu somente árvores que se inclinavam levemente
debaixo da brisa e nuvens que projetavam sombras sobre a
encosta verde e cinza da montanha.
Após alguns minutos, Rafe se virou na sela e olhou para
Shannon para tranquilizá-la.
— Não era nada importante. Somente um pássaro,
assustado por um cervo, penso. Os índios e os foragidos não
têm motivos para subir tão alto.
— Poderia se tratar também de um urso pardo?
— É possível. Estamos seguindo um caminho que eles
também utilizam e não abrem nenhuma vereda nova a menos
que seja temporada de bagas. Nesse caso, seriam capazes de
atravessar o próprio inferno para chegar a elas.
Shannon observou a encosta da montanha na qual se
encontravam. Piceas, abetos e álamos cresciam densamente,
bloqueando grande parte da visão. Mais adiante, o bosque se
tornava menos espesso indicando que se aproximavam da
pradaria dos ursos pardos, que, rodeado de arbustos e
salgueiros, era o último lugar antes da cimeira onde os cervos
podiam pastar. Depois da pradaria, as plantas escasseavam
cada vez mais deixando passagem para cimeiras rochosas que
se erigiam altivas para o céu.
— Viu algum rasto de ursos? — Shannon perguntou
inquieta.
— Olhe essa árvore a sua direita.
Ela seguiu suas instruções, porém a única coisa que viu
foi que a grossa casca fora raspada a grande altura, revelando
a madeira mais clara debaixo.
— Refere-se a esse sinal?
Rafe assentiu.
— Está no mínimo a dois metros e meio do solo. —
Objetou.
— Melhor, a três.
— O que tem isso a ver com os ursos?
— John, o Silencioso não lhe ensinou muito, certo?
— Não. Fui aprendendo nos livros que ele me trazia... me
traz de vez em quando, para não aborrecê-lo com minhas
perguntas.
— Quando um urso macho marca seu território, — Rafe
explicou — se apoia sobre as patas traseiras e arranha o mais
alto que consegue na árvore.
— Por quê?
— Um velho caçador me disse que era para advertir os
outros ursos. Se um macho errante não puder superar as
marcas das garras que encontra, marcha para um novo
território.
Shannon olhou os profundos arranhados na árvore e
tentou não pensar na ameaça que poderia representar um urso
capaz de deixar seu sinal a uma altura tão considerável.
— Pelo aspecto dessas marcas, — Rafe acrescentou —
diria que há um urso de bom tamanho que ronda por aqui no
verão reclamando seus direitos.
Instintivamente, os dedos de Shannon voaram à funda
que se pendurava de sua sela. A fria culatra da escopeta a
tranquilizou. A arma estava carregada e só precisaria armar o
gatilho para que estivesse pronta para atirar.
— Não se preocupe. — Rafe a tranquilizou sem olhá-la. —
É cedo para encontrar ursos a esta altitude.
— Depois que mataram a mula, John me disse que os
ursos eram extremamente perigosos; e que se visse uma fêmea
com cachorros, teria que me afastar em direção contrária a
toda velocidade.
Shannon afastou os olhos do bosque e olhou para Rafe de
um modo estranho.
— Creio que essa foi a única vez que John me dirigiu
várias frases seguidas. — Ela continuou — Foi seu modo de me
dizer como era importante o que estava me explicando.
A ideia de que Shannon tivesse estado tão sozinha
durante os últimos sete anos enfureceu Rafe. Sentia-se como
se estivesse planejando roubar caramelos de um bebê, em vez
de planejar compartilhar um prazer mútuo com uma mulher
que já estivera casada.
— Não se preocupe. — Repetiu com voz tensa. — Essas
marcas não são recentes. De todo modo, a maior parte do
tempo, os ursos não querem ter nada com os homens, exceto
para lhes roubar a comida que deixam ao seu alcance.
Tal e como John o Silencioso havia dito, os ursos eram
criaturas perigosas e, apesar da calma impressa em suas
palavras, Rafe continuou verificando constantemente o
caminho que iam deixando para trás, assim como as árvores
que flanqueavam o caminho que levava até a concessão.
Ainda assim, não viu nada que não fosse a indomável
beleza da própria natureza. Aquele era um lugar de altas e
recortadas cimeiras de pedra, grandes vales verdes e álamos
tremulantes que sussurravam entre eles enquanto tempestades
elétricas clareavam o horizonte com luminosos raios.
— Pode fazer a mula andar mais rápido? — Rafe inquiriu
depois de um longo silêncio.
— Posso tentar.
— Cairá chuva e neve em breve.
— Granizo, provavelmente. — Shannon assentiu. — Essas
nuvens que o vento arrasta para nós não apresentam bom
aspecto.
Quando instou Razorback a aumentar a velocidade, a
mula não protestou muito. Ela também percebera o cortante
frio do gelo no vento.
Assim que chegaram à pradaria, Rafe e Shannon se
apressaram para montar o acampamento. Enquanto Shannon
se ocupava de sua velha mula e da montaria de Rafe, ele levou
Crowbait, o cavalo de carga, ao limite sul do prado. Ali, entre as
árvores, ainda ficavam restos de um velho fogo que John, o
Silencioso utilizara para se aquecer.
Porém, não recentemente.
— Como soube que este era o melhor lugar para acampar?
— Shannon perguntou se aproximando de Rafe por trás.
— Estive aqui antes.
— Faz muito tempo?
— Quando procurava sinais que indicassem que John, o
Silencioso ainda estivesse pela zona.
— E? — Perguntou temendo que Rafe tivesse descoberto
alguma prova da morte de seu tio.
— Não encontrei nenhum rastro novo, pelo que vi,
ninguém exceto eu esteve aqui desde muito tempo.
— Você foi também até a concessão de Chute?
— Sim, ainda que não soubesse que a chamava assim.
Shannon abriu muito os olhos.
— Havia algum rastro de John, o Silencioso?
— Nada recente; uma picareta quebrada, uma lata cheia
de parafina e vários trapos que alguém usou como pavio. O
vento espalhou carvão. Havia vestígios de um desabamento tão
antigo, que flores silvestres haviam crescido entre as
rachaduras.
Shannon engoliu a saliva e se esforçou ao máximo para
não pensar em seu tio enterrado debaixo das enormes pedras.
— E o que há na última concessão?
— Refere-se àquela que está um pouco para o norte?
Ela assentiu.
— Qualquer um que trabalhasse lá deve ter ficado
enterrado no inverno pelas neves. Existem alguns lugares mais
nos quais alguém esteve cavando, porém se encontram acima
da bifurcação norte e não existem sinais recentes de...
— Porque não me contou? — Interrompeu-o Shannon.
— Que estava procurando John, o Silencioso?
Shannon voltou a assentir.
— Naquele tempo, você não falava comigo. — Rafe
respondeu com tom seco.
— Mas, porque o procurava?
— Porque não aprovo o adultério.
Aquelas secas palavras não eram o que Shannon esperava
ouvir, já que John e ela nunca foram casados. Só fingiram ser
um casal para que Shannon estivesse mais segura.
Rafe se virou e para ela, parecia uma figura imponente
com seus largos ombros e o pesado casaco de lã com a gola
levantada para se proteger do vento. Entretanto, foi o indômito
fogo que ardia em seus olhos que prendeu seu olhar.
— Em mais de uma ocasião durante esses dias, — ele
prosseguiu — tentei afastar-me cavalgando e seguir meu
caminho. Porém, eu a desejava muito para ficar de braços
cruzados e com as mãos quietas.
— Oh!, isso você fez muito bem, asseguro. — Ela replicou
com ironia. — Estou orgulhosa de você.
— É orgulhosa e ponto. — Rafe lhe deu um lento e torto
sorriso. — Isso me agrada, Shannon. É o contraponto perfeito
para sua suavidade.
— Incapaz de continuar enfrentando o evidente desejo que
brilhava no olhar de Rafe, ela virou as costas e procurou
alguma coisa para fazer, temerosa de não conseguir se reprimir
e rogar-lhe que a beijasse.
Enquanto o acampamento não esteve montado e comeram
um jantar frio, Shannon não voltou a falar com ele. Na verdade,
não tinha intenção de falar com ele, porém os raios começaram
a cair a sua volta, os trovões retumbavam com grande estrondo
e uma tempestade de granizo começou a cair com força sobre
eles.
Rapidamente, Rafe atraiu Shannon para baixo da lona
com a qual se cobrira ao intuir como a tempestade seria forte.
Com alguns movimentos hábeis e poderosos, sentou Shannon
entre suas pernas e a puxou para apoiar as costas em seu
peito.
— Se não quiser que o granizo machuque seus pés, será
melhor que dobre os joelhos. — Avisou-a cortante.
Shannon já estava dobrando os joelhos mesmo antes que
ele falasse. Embaixo da lona, pareciam estar em um protegido
anoitecer dourado, exceto nos momentos em que o vento
puxava a lona fazendo que escapasse dos dedos de Rafe ou
quando os raios brilhavam tanto que deixavam o mundo
branco durante alguns breves instantes.
— Segure a lona por aqui. — Ele indicou de repente.
Shannon esticou a mão direita e pegou o canto da fria e
rígida lona que ele lhe oferecia.
— E por aqui. — Rafe acrescentou.
Ela se apressou a fechar os dedos de sua mão esquerda ao
redor da segunda ponta da lona.
— Segurou? — Ele perguntou.
— Sim.
— Bem. Faça o que fizer, não a solte, ou teremos que
permanecer molhados até que pare a tempestade.
Shannon assentiu.
O movimento torceu seu chapéu e, quando,
instintivamente, ergueu a mão para agarrá-lo, uma rajada de
vento gelado se enfiou por baixo da lona até que ela conseguiu
pegá-la novamente.
— Desculpe, — murmurou — Meu chapéu...
— Jogue-se mais para trás.
Shannon seguiu suas indicações e de repente sentiu que
as poderosas coxas de Rafe se fechavam ao seu redor.
— Mais. — Ele insistiu.
— Assim? — Shannon perguntou enquanto se afastava
mais alguns centímetros.
— Não, um pouco mais. Ainda não consigo alcançar seu
chapéu sem deixar que a água se infiltre.
Shannon afirmou os calcanhares na terra fria e se
deslizou contra Rafe até que sentiu o calor de suas musculosas
coxas a envolvendo.
— Suficiente? — Inquiriu.
Rafe tomou uma lenta e secreta inspiração. O contato dos
quadris de Shannon lhe provocara uma dolorosa ereção que
estava difícil controlar.
— Mais perto. — Disse em voz baixa.
— Não posso. Não tem espaço.
— Tem muito mais espaço. Você se surpreenderia em
como duas pessoas podem chegar a estar perto se puserem um
pouco de empenho nisso.
Shannon murmurou algo entre dentes e firmou os
calcanhares uma vez mais, se movendo para trás centímetro a
centímetro até sentir a vibrante tensão do corpo de Rafe e
escutou ele deixando escapar um grave ofego que podia ter sido
um grunhido.
— Rafael?
Ele conseguiu emitir um som interrogante.
— Você está bem? — Shannon se preocupou.
— Está entrando frio por baixo. — Respondeu, mentindo
entre dentes. — E você?
— Estou muito mais cômoda do que antes. E mais quente.
Você é melhor que uma estufa.
Ao escutar aquilo, ele não conseguiu evitar soltar uma
gargalhada.
— Porém ainda tenho o chapéu torto. — Shannon
acrescentou, sem saber qual era a fonte da diversão de Rafe. —
Ele está me fazendo cócegas no nariz.
— Fique quieta, eu me moverei até que possa ter uma mão
livre, sem que nos congelemos.
Antes de poder responder, Shannon sentiu como o grande
corpo de Rafe se movia contra ela. A sensual prisão de seu
peito e das suas coxas, se apertaram em torno do corpo dela,
enviando rajadas de calor através de sua pele e queimando o
centro de seu ser.
— O que está fazendo? — Perguntou com voz tensa.
— Tento me sentar sobre a maldita lona para conseguir
liberar uma mão e colocar bem o chapéu. Por quê?
— Por nada.
O nariz de Shannon se moveu nervosamente quando
várias mechas de cabelos se soltaram e caíram sobre seu rosto.
O granizo golpeava sobre a lona acumulando-se friamente nas
dobras e o trovão perseguia o raio através da tempestade,
enquanto os movimentos de Rafe provocavam em Shannon,
inquietantes sensações que rodopiavam em seu ventre.
— Bem. Assim deverá bastar. — Rafe anunciou.
Shannon deixou escapar um suspiro de alívio e tentou
relaxar. Não reconhecia seu próprio corpo quando Rafe estava
tão perto dela, compartilhando até mesmo o ar que respirava.
— Recoste-se sobre mim. — Ele indicou.
— Por quê?
— Quer que eu arrume seu chapéu ou não?
Reticente, Shannon se empurrou para trás até que se
chocou com as duras espirais do chicote que Rafe levava no
ombro. Então, sentiu que ele mexia em seu chapéu e voltava a
colocá-lo com firmeza sobre a sua cabeça.
— Que tal? — Perguntou.
— Melhor. Mas agora os cabelos se soltaram e mal posso
ver.
Rafe riu enquanto passava o braço ao redor de Shannon e
colocava as longas mechas para um lado.
— Pronto?
— Sim, obrigada.
— Tem alguma coisa mis a perturbando?
— Não.
— Bem. Quero que seja capaz de se concentrar no que
está sentindo.
— Agora mesmo estou sentindo..., Rafael!
— Agarre bem essa lona, meu doce anjo. Faz muito frio ali
fora.
Shannon mal escutou as palavras de Rafe. A forte mão
dele deslizara por dentro de sua jaqueta e abarcava com
firmeza seu seio direito. Lenta, ternamente, acariciou-o até que
o mamilo se entumeceu. E sem lhe dar trégua, pegou a rígida
ponta entre os dedos e a pressionou com suavidade.
Shannon deixou escapar um ofego ao sentir que um
descontrolado fogo se apoderava dela. As chamas se avivaram
ainda mais, quando Rafe amassou sua suave carne e puxou o
mamilo até que se ergueu orgulhosamente contra sua puída
camisa.
— Há vezes que as luvas de couro são um verdadeiro
aborrecimento. — Rafe sussurrou em seu ouvido. — Ajude-me.
Morda o couro e puxe.
— Mas...
— Só estou respondendo a sua pergunta sobre como pode
adquirir experiência sem ser violada. Não posso. Então, se não
gostar como eu toco em você, diga-me o que é que não gosta e
eu mudarei.
Shannon mordeu o lábio para não gritar enquanto os
dedos de Rafe a provocavam e a deleitavam ao mesmo tempo.
— Quer que eu pare? — A áspera pergunta foi quase uma
carícia pronunciada contra seu pescoço.
— Sim. Não. Não sei!
Deu uma rápida e violenta inspiração, e o movimento fez
seu mamilo receber ainda mais carícias. Uma pontada de
prazer a atravessou por completo.
— Sim. — Conseguiu sussurrar. — Toque-me. Ensine-me.
Rafe tentou calar a resposta elementar de seu corpo às roucas
palavras de Shannon. Era impossível.
Deus, se não fosse pela tempestade de granizo, não
poderia deixá-la apenas com algumas carícias.
— Ajude-me com esta luva. — Disse com voz grave. —
Assim será melhor para nós dois.
A mão de Rafe se afastou do seio de Shannon, deslizou por
seu pescoço e se aproximou dos seus lábios. Às cegas,
Shannon encontrou a ponta de um de seus dedos, mordeu o
couro e puxou. Fez o mesmo com cada um dos dedos até que
livrou-o da luva.
No mesmo instante, a poderosa mão retornou ao seu seio.
Sob a jaqueta aberta, as pontas dos dedos rodearam o duro
mamilo sem tocá-lo.
— Gosta mais agora? — Perguntou ele roucamente. — Eu
gosto. Faz-me pensar no quente cetim, em seu corpo unido ao
meu.
Shannon reprimiu um grito e curvou as costas para tentar
se aproximar ainda mais da mão de Rafe em seu ávido mamilo.
Com um sorriso que ela não podia ver, ele inclinou a
cabeça e empurrou seu chapéu para cima até conseguir pousar
os dentes em sua frágil nuca.
A primitiva carícia arrancou um grave gemido da garganta
de Shannon, que abaixou a cabeça para lhe dar maior acesso e
foi recompensada com uma ardente e terna mordida enquanto
seu mamilo era submetido a uma deliciosa tortura.
Uma ardente lança de prazer atravessou as entranhas de
Shannon. Não era consciente de que sua camisa ia cedendo
caminho, botão a botão, deixando assim, espaço para a grande
mão de Rafe. Só sabia que sua pele estava em chamas e que os
dedos eram duros, frios e inclementes em suas ávidas carícias.
Rafe sentiu o estremecimento que percorreu Shannon
inteira e desejou ardentemente que estivessem nus em uma
quente cama em vez de totalmente vestidos debaixo de uma
tempestade de granizo que atingia a lona sem cessar.
Com um estrangulado grunhido, deslizou a mão para o
seio esquerdo dela e descobriu que já estava firme e clamando
por seu contato.
— Deus, seus seios são extremamente sensíveis. —
murmurou — Uma carícia, e se entumecem.
— Eu no... normalmente nã... quero dizer... a menos que
faça frio... umidade... oh!, não... não consigo pensar.
Rafe sorriu ao ser consciente que o aguçado gênio de
Shannon desaparecera e que seu corpo estava totalmente
concentrado no prazer. Valia a pena sofrer pela dolorosa ereção
que ameaçava acabar com seu controle em troca de ouvir a
entrecortada respiração de Shannon, de senti-la se mover
sensualmente contra sua mão.
— Paixão. — Rafe murmurou com voz rouca.
— O quê? — Foi mais um suspiro do que uma pergunta.
— Paixão. — repetiu. Sua mão deslizava uma e outra vez
pelo vale de cetim que formavam seus seios até chegar às
cimeiras de veludo. — É a paixão que endurece seus mamilos.
— São... seus dedos. — Gemeu suavemente e se retorceu
em seus braços, pedindo-lhe em silêncio que continuasse com
aquelas delicadas carícias.
Uma onda de calor atravessou Rafe, deixando ainda mais
tenso, seu grosso membro. Sem se conter, tocou a nuca dela
com os dentes com menos suavidade do que pretendera. Ela
não se queixou. Em vez disso, voltou a se mover freneticamente
contra ele.
— Gosta assim? — Rafe murmurou.
A resposta de Shannon foi um rouco som inarticulado,
porém o lento balanço de seus quadris indicou a Rafe tudo o
que necessitava saber. Voltou a mordê-la com selvagem
contenção enquanto sua mão descia pelo corpo dela e se
afundava entre seus músculos.
Shannon ficou sem respiração e rígida, soltando um
rápido e entrecortado ofego.
— Relaxe. — Rafe murmurou.
O conselho era tanto para si mesmo quanto para
Shannon. Podia sentir o calor úmido que emanava do corpo
dela através das velhas calças que usava, e sua excitação
aumentou ameaçando quebrar seu controle.
Uma rajada de granizo bateu com força sobre a lona, mas,
nenhum dos dois percebeu. Só pensavam no fogo que os
consumia.
— Não lhe farei mal. — Tranquilizou-a com voz grave. —
Só quero sentir você mais perto. Abra as pernas para mim,
Shannon. Não tenha receio.
Com um estremecimento, Shannon se deixou cair
totalmente sobre Rafe e lhe deu total acesso ao seu corpo.
Longos dedos deslizaram sobre ela, apertaram
provocadoramente e abarcaram a tenra carne de sua
feminilidade. Devagar, a mão dele se mexeu para frente e para
trás abrindo ainda mais as pernas dela, e de repente
pressionou com urgência até ela tremer violentamente
No instante, Rafe ficou quieto, limitando-se a segurá-la.
Não era suficiente, Shannon gemeu e moveu
instintivamente os quadris, desejando mais do prazer que havia
saboreado.
Com um obscuro sorriso, Rafe lhe desabotoou as calças
pensando na suavidade que encontraria.
— Rafe... sua mão...
— Sim. Minha mão. Sua suavidade. Deus, é tão suave, tão
quente. Faz com que eu deseje... — Deixou de falar
bruscamente e reprimiu uma maldição. Se não mantivesse seu
controle, acabaria por deslizar seu suave e pequeno traseiro
sobre seu colo para tomá-la ali mesmo.
Ainda não. Ainda é muito ingênua. Precisa saber o que
está me pedindo quando me observa, quando sorri e atravessa
a cozinha para estar junto a mim.
Só então a farei minha.
Shannon soltou um entrecortado ofego ao sentir que a
palma de Rafe se acomodava profundamente entre suas
pernas, acariciando-a enquanto o prazer se agitava mais e mais
até explodir e derramar sua quente umidade sobre os firmes
dedos dele.
— Não pretendia... desculpe... eu não... consegui... evitar.
— Shannon se desculpou nervosamente depois de alguns
segundos.
— Evitar o quê? — Ele moveu a mão e um fogo líquido
voltou a se espalhar por seus dedos.
— Isso. — Conseguiu responder entrecortadamente.
Rafe sorriu apesar do desejo que o invadia, e seus dedos
abriram caminho entre as sedosas dobras que davam acesso ao
corpo de Shannon para explorar a suave e rosada carne que o
esperava ansiosa.
— Isso, — explicou com voz rouca — é somente a prova de
seu prazer.
Tremendo, Shannon olhou para baixo e viu a mão de Rafe
se movendo no interior de suas calças abertas, entre suas
coxas, tocando-a como nunca ninguém fizera.
— Não deveria... deixar você...
— Não tenha medo, meu doce anjo. Só pretendo descobrir
se quer continuar.
Tocou suavemente o ponto secreto do seu prazer, fazendo
Shannon ficar rígida e gritar pela surpresa.
— Estou machucando você? — Rafe perguntou.
— Não. — Negou com voz quebrada. — É... estranho.
— Estranho... e agradável?
Enquanto perguntava, Rafe acariciou a tenra carne que
suplicava por seu contato e uma ardente umidade cobriu seus
dedos outra vez.
— Seu corpo diz que você gosta. — Acrescentou,
mordendo seu pescoço. — Que gosta muito.
A única resposta de Shannon foi um gemido, e uma
mexida com os quadris, a cada hábil movimento da mão dele. A
pressão dos dedos de Rafe se intensificava a cada segundo que
passava, empurrando-a para algo que nunca havia conhecido.
— Rafael! Não posso... pare! Pare! Tenho medo!
— Shh... acalme-se. Está tudo bem. Encoste-se sobre mim
e deixe-me lhe dar prazer.
Shannon não conseguiu uma resposta coerente. Perdida
em um mundo onde só existiam os dedos de Rafe e a pressão
dos dentes em sua nuca, era incapaz de controlar o balanço de
seus quadris, a ávida procura de algo que não podia pegar,
somente sentir.
Sem piedade, Rafe torturou o nó de cetim onde confluíam
todas as sensações de Shannon. Escutou como seus gemidos
se tornavam mais rápidos, sentiu a tensão que ameaçava mais
e mais seu corpo até se convulsionar com um prazer que estava
além de qualquer coisa que já imaginara. Presa do êxtase,
Shannon pronunciou seu nome uma e outra vez entre ofegos.
Rafe precisou reunir toda sua força de vontade para deixar
de acariciá-la. Desejava se afundar nela, sentir sua úmida
suavidade acolhendo-o e se perder em seu corpo até acalmar
aquela avidez, aquele desejo que o estava derrubando.
Shannon soltou um suspiro alquebrado e se moveu
titubeante contra a mão dele. O ar embaixo da lona era úmido,
misterioso, mais excitante que qualquer outra coisa que Rafe já
conhecera.
— Você é tudo o que sonhei quando a conheci. — Ele disse
bruscamente. — Mel e fogo.
Apertou-a com força contra si e, lentamente, como se
estivesse se rasgando por dentro, se obrigou a afastar os dedos
da doce tentação que era Shannon.
Não foi tão lento na hora de sair da intimidade da lona.
Com alguns movimentos rápidos e ferozes, prendeu a lona
impermeável ao redor de Shannon, protegendo-a da chuva e do
granizo.
— Fique aqui até terminar a tempestade. — Indicou.
— E você? — Shannon perguntou com voz apagada.
— Estou muito quente para fazer arder o gelo.
O granizo golpeou o corpo de Rafe enquanto se dirigia
para verificar como estavam os cavalos. Desejou com todas
suas forças que o frio apagasse o fogo que queimava seu
ventre.
Porém não foi o que aconteceu.
CAPÍTULO 10

— Teve mais sorte? — Shannon inquiriu, erguendo o olhar


da fogueira.
— A mesma de ontem. — Rafe respondeu enquanto se
inclinava para acariciar as orelhas de Prettyface.
Tentando evitar que seu medo fosse visível, Shannon virou
a cabeça e contemplou o prado onde pastavam os dois cavalos
e a mula, enquanto espantavam as moscas preguiçosamente
com a cauda. Uma luz dourada e enviesada derramava-se
sobre a terra, infundindo-lhe a primeira onda de verdadeiro
calor estival.
Seis dias.
Durante seis dias, Rafe havia subido até a concessão de
Rifle Sight enquanto ela ficava no acampamento. Durante seis
dias, ele cavara duramente a encosta de pedra da montanha.
Durante seis dias, a única coisa que Rafe havia
conseguido era ficar extenuado.
— Amanhã. — Shannon disse com determinação. — Irá
melhor amanhã. Ou depois de amanhã.
Rafe ficou em silêncio e acariciou a cabeça de Prettyface
até que os olhos do cachorro brilharam de prazer.
Sem obter resposta, Shannon se virou para ele e observou,
preocupada, as profundas olheiras embaixo dos seus olhos e as
marcas da transpiração que haviam se formado sobre a poeira
de rocha que cobria todo seu corpo. Cada tarde, ela se lavava
em uma bacia, se enxaguava no riacho antes que ele
regressasse, e depois aquecia mais água para o banho de Rafe.
Cada noite lavava suas roupas, e no dia seguinte voltavam para
ela, rígidas pelo suor e pela poeira.
Rafe protestava, dizendo que podia trabalhar com as
roupa sujas, mas Shannon se limitava a esfregar com mais
força porque era a única coisa que podia fazer para facilitar o
trabalho dele.
— Deveria descansar um dia. — Sugeriu com suavidade.
— Parece cansado. Trabalha muito duro e mal descansa um
pouco para comer.
— Isso faz que eu durma bem à noite.
Aquilo era verdade só até certo ponto. Acordava
frequentemente suando, dolorido, com o corpo rígido por uma
fome que não conhecera antes.
Rafe se perguntava se Shannon se sentiria igual.
Se perguntasse, porém, não tinha dúvida. Seis dias atrás
lhe mostrara o que era a paixão e se ela não desejava mais, não
a pressionaria.
Agora cabia a Shannon dar o próximo passo. Era viúva;
não uma virgem tímida. Dera-lhe a conhecer o prazer e devia
ser capaz de reconhecer o desejo masculino.
— Sente-se sobre esse tronco. — Shannon lhe indicou,
interrompendo seus pensamentos. — Aqueci água suficiente
para seu banho.
—Você está insinuando que cheiro igual a velha
Razorback?
Shannon abaixou a cabeça e olhou Rafe através de seus
cílios, tentando decidir se ele estava brincando com ela. Desde
a tempestade de granizo, sua relação mudara e não entendia
por quê. Quase não a provocava mais.
E não voltou a beijá-la, nem a abraçá-la para acariciá-la
fazendo o mundo desaparecer a sua volta e gritar de prazer.
— Para mim você sempre cheira bem. — Respondeu com
timidez. — Mas sei que a poeira das rochas é incômoda.
— Outra coisa que John, o Silencioso lhe disse?
Shannon negou com a cabeça.
— Descobri do mesmo modo que você, cavando para
tentar encontrar ouro.
A boca de Rafe se abriu, porém não saíram palavras dela.
Ficou simplesmente olhando para Shannon incapaz de
acreditar que seus frágeis braços tivessem empunhado a
picareta alguma vez.
— Não se surpreenda tanto. — Shannon protestou. — Não
sou tão inútil quanto acredita.
— Não se trata de ser útil ou não. Trata-se de... —
Rosnou.
— Não tenho a sua força, — interrompeu taxativa — mas
posso fazer qualquer tarefa se me empenhar, e isso é o que
importa no fim.
Irritada, mesmo sabendo que ele não pretendera aborrecê-
la, virou as costas e ficou olhando o fogo. Ultimamente sempre
estava com os nervos à flor da pele... e não sabia por quê.
— Encontrou algum ouro enquanto trabalhava com a
picareta? — Rafe perguntou.
— Não, mas trabalhava em um deslizamento de terra que
cobria a maior parte da jazida de Chute. Rifle Sight é mais rico.
— Segundo John, o Silencioso.
— Eu mesma vi rochas procedentes desta jazida nas quais
havia tanto ouro que se desfazia entre os dedos. — Shannon
replicou. — John dizia que qualquer joalheiro pagaria o que
fosse por um ouro daquela qualidade.
— Aquele veio deve ter se esgotado. Pelo que vi, poderia
trabalhar todo o verão aqui e não encontrar ouro suficiente
para pagar suas provisões.
Ao ouvir aquilo, um calafrio de medo percorreu suas
costas. As concessões representavam sua liberdade. Sem elas,
não saberia como seguir em frente.
— Garanto que aqui há ouro. — Afirmou com voz tensa
enquanto se virava para ele.
Rafe rosnou em resposta e, sob os atentos olhos de
Shannon, esticou os braços e os ombros para relaxar os
músculos tensos pelo duro trabalho. A camisa que usava
estava escurecida pelo suor, e se grudava a todas e a cada uma
das poderosas linhas de seu corpo.
Deus, ele realmente parece um anjo caído. Nunca poderia
imaginar que existisse um homem assim, pensou. O simples
fato de olhá-lo me deixa nervosa e me faz respirar com
dificuldade. Quando penso nele me tocando outra vez...
Uma deliciosa sensação inundou rapidamente o corpo de
Shannon ao recordar o que acontecera embaixo da lona. Nem
mesmo sabia que um prazer como aquele existisse fora do
paraíso.
No início, a experiência a fizera se sentir tímida diante de
Rafe. E o fato de que ele não tivesse feito nenhuma referência
àquilo desde então, ou que nem mesmo a tivesse tocado ao
passar ao seu lado, fizera sua timidez se intensificar.
E também sua irritação.
Não compreendia o estranho fogo que se apoderara dela
quando Rafe a tocara tão intimamente. Só sabia que desejava
que ele fizesse de novo. Logo.
Porém, obviamente, Rafe não sentia o mesmo, já que não a
tocara desde então.
Talvez eu devesse tentar tocá-lo.
— Quer que eu lave seus cabelos? — Shannon perguntou,
hesitante. — Sei como é difícil fazer isso em uma bacia.
Pensar no muito que gostaria de sentir os dedos de
Shannon esfregando seu couro cabeludo, fez o corpo de Rafe
ficar tenso apesar das extenuantes horas de trabalho as quais
acabara de submetê-lo. Seus lábios se fecharam formando uma
dura linha. Odiava a ideia de desejar uma mulher até o ponto
de que seu próprio corpo já não lhe pertencesse.
— Não. — Rosnou bruscamente, recusando o
oferecimento. — Nunca precisei de ajuda e não vou começar
agora.
— Só tentava ser amável. — Shannon disse, magoada. —
Nada mais.
Em silêncio, ele pegou a bacia de água quente e se dirigiu
a um bosque próximo, de álamos tremulantes onde fluía um
gelado riacho que poderia usar para enxaguar o sabão. Ao ver
que Rafe se afastava, o cachorro se apressou a segui-lo para
brincar na água com ele.
—É isso, Prettyface. — Shannon gritou. — Abandone-me!
Vá com ele! O que importa que ele tenha um temperamento
infernal!
Os dois a ignoraram.
Com um gemido de frustração, Shannon olhou a sua volta
em busca de algo com o que descarregar sua irritação. A única
coisa que tinha à mão era a picareta que estava apoiada no
tronco junto à sua escopeta.
— Não estou furiosa o suficiente para bater na pedra...
ainda. —Murmurou.
Deu uma olhada ao interior do caldeirão que pendurava
de um tripé sobre o fogo e comprovou que a água ainda estava
morna.
— Maldita seja. — resmungou — Precisarei ficar e esperar
que esquente.
Sentou-se perto da fogueira e a alimentou com pequenos
ramos.
A nascente da cabana é uma benção. — Refletiu em voz
alta. — Não demora nada conseguir um balde de água quente
para lavar as roupas.
Suspirando, Shannon comprovou a temperatura da água
uma vez mais. Estava quase quente.
— Finalmente posso lavar a roupa. Agora eu entendo
porque as pessoas não costumam lavar suas roupas. Aquecer a
água num clima como este é o inferno.
No preciso instante em que Shannon se inclinava para
pegar o caldeirão, se ouviu um disparo e Prettyface começou a
latir furiosamente.
No instante, Shannon soltou o caldeirão, pegou a escopeta
e se dirigiu a toda pressa para o bosque. O som de outro
disparo apagou os fortes grunhidos do cachorro.
Enquanto corria, Shannon compreendeu que os tiros que
havia escutado eram, na realidade, os sons de um chicote em
ação.
Uma e outra vez, o chicote estalou atravessando o ar como
um raio, e logo se ouviu um terrível e forte rugido. Ela nunca
ouvira nada parecido, porém seu tio o descrevera
frequentemente. Tratava-se de um urso pardo.
— Rafael! — Shannon gritou, correndo mais depressa que
em toda sua vida. — Oh, Deus, ele nem mesmo levou uma
arma!
Saltou por cima de um tronco caído, cambaleou e, depois
de recuperar o equilíbrio, continuou correndo. Armou o gatilho
da escopeta sem parar.
Viu o urso antes de ver Rafe. A besta estava erguida sobre
as patas traseiras e sua enorme corpulência parecia
aterrorizante. Abria e fechava com força os dentes de forma que
a saliva escorria por seu escuro focinho, e suas grandes patas
davam golpes no chicote que estalava uma e outra vez ao redor
de sua cabeça.
Nu até a cintura, Rafe dava as costas a um grupo de
álamos muito espesso para tentar se refugiar ali. De qualquer
forma, procurar refúgio no bosque teria sido inútil, porque o
urso abriria caminho com as garras.
E também teria sido um erro evitar o animal tanto em um
terreno plano quanto em um acidentado, o urso sempre seria
mais veloz.
Prettyface saltava e rosnava contra a enfurecida besta por
trás, soltando dentadas em busca dos tendões das patas por
baixo da grossa capa de pelos. Cansado com as tentativas do
cachorro, o urso se virou e lhe deu uma patada.
De repente, o chicote o alcançou em cheio e fez o animal
se virar bruscamente para enfrentar Rafe. Soltou um rugido
profundo e moveu as mandíbulas ameaçadoramente. O sangue
brilhava por cima de seu olho direito, provando que o chicote
alcançara a carne apesar da pelagem protetora.
Porém em vez de fazer o urso se afastar, o chicote o
enfureceu ainda mais.
Era evidente que mais cedo ou tarde uma das enormes
patas do urso se enroscaria com o longo chicote, desarmando
Rafe. Ou simplesmente o atacaria dando fim aquela luta
desigual.
Shannon correu ainda mais depressa, consciente de que
teria que se aproximar o suficiente para se assegurar que
mataria aquela besta. Recordava perfeitamente que seu tio a
advertira que um urso ferido era terrivelmente perigoso.
Enquanto Rafe tentava alcançar o animal com o chicote,
viu Shannon correndo para ele de uma lateral.
— Fuja! — bradou.
Se Shannon o ouviu, ignorou sua ordem.
Tentando atrair a atenção do urso para manter Shannon a
salvo, Rafe produziu um agudo e ensurdecedor ruído fazendo
estalar o chicote com assombrosa velocidade enquanto
Prettyface mordia as patas da besta.
Shannon continuou correndo até que a escopeta
praticamente encostou na lateral do furioso animal. Não teve
tempo para se preparar antes de atirar e o violento retrocesso
da arma a jogou ao solo com violência. O urso, por sua vez,
soltou um colérico rugido e sua garra desenhou um arco no
lugar onde estivera a cabeça de Shannon um segundo antes.
O letal couro do chicote assoviou e se enroscou com força
ao redor do pescoço do animal. Rafe firmou bem seus pés no
solo e, reunindo todas suas forças, arrastou a fera mortalmente
ferida e meio asfixiada até fazê-la perder o equilíbrio,
obrigando-a a cair longe do corpo imóvel de Shannon. O urso
tombou no solo, rugiu selvagemente e lançou suas garras para
um inimigo ao qual já não podia ver.
Igualmente, se sacudiu e ficou imóvel.
O bosque ficou em silêncio com exceção da respiração
ofegante de Rafe e os rosnados de Prettyface, que se
aproximava com as patas rígidas, da besta imóvel.
— Para trás! — Rafe ordenou.
O cachorro parou de repente.
Um movimento enganosamente preguiçoso do punho de
Rafe fez a ponta do chicote passar por cima dos olhos abertos
do urso.
O animal não se moveu, nem piscou. Estava realmente
morto.
Rafe se apressou então a correr para junto de Shannon, se
ajoelhou precipitadamente, e deixou escapar um áspero
suspiro de alívio ao ver que ela estava com os olhos abertos e
que respirava.
— Onde está ferida? — Perguntou sumamente
preocupado.
Atordoada, ela negou com a cabeça.
— Diga-me, maldição. — resmungou — Eu vi como aquele
urso lhe jogou as garras.
As mãos de Rafe não haviam tremido durante a luta,
porém agora tremiam enquanto tocava com delicadeza a parte
posterior da cabeça de Shannon, em busca do ferimento que
estava convencido que devia ter.
— Estou bem. — Ela insistiu nervosamente, tentando
recuperar o fôlego e falar ao mesmo tempo.
— Acalme-se, pequena. — Rafe sussurrou com incrível
ternura. — Não se mova e deixe-me verificar a gravidade do
ferimento.
— Só... a respiração. A escopeta... me jogou para trás...
As mãos de Rafe hesitaram e seus olhos se fixaram nas
belas profundezas dos olhos safira de Shannon.
— O retrocesso jogou você no chão?
Shannon assentiu e se concentrou em respirar.
Em silêncio, Rafe sondou os cabelos de Shannon com os
longos dedos surpreendentemente delicados. Satisfeito ao
verificar que não havia ferimentos em sua cabeça, baixou para
seu corpo. Suas mãos percorreram cada milímetro e não
encontraram mais que calor e sedosa suavidade feminina que o
fez se sentir como se estivesse acariciando fogo.
De repente, Rafe se levantou e olhou para Shannon, que
estava sem respiração, porém ilesa, durante um longo e tenso
momento.
Depois lhe estendeu a mão.
— Pode se levantar? — Perguntou em voz baixa.
Muito baixa.
Shannon observou os olhos de Rafe com receio. Onde
antes havia uma terna preocupação, agora só havia um cinza,
invernal. Seus olhos haviam perdido qualquer sinal de luz e
estavam cheios de sombras.
Só os vira assim uma vez, quando os Culpepper a
acossaram na loja de Murphy.
Então, estava furioso.
Igual naquele momento.
Shannon se levantou com dificuldade sem tocar sua mão
estendida.
— Estou bem, — Repetiu. — Está vendo?
— Vejo que é uma estúpida, Shannon Conner Smith.
Ela estremeceu.
— Porque grita comigo...?
— Ele poderia ter matado você!
— Mas você estava...
— Disse-lhe para fugir. — Rafe explodiu, falando por cima
de Shannon com dureza. — Você escutou? Diabos, não! Veio
correndo e apontou às costas do urso com essa antiga
escopeta!
— Mas...
— Se o coice da arma não a derrubasse, estaria morta
agora mesmo! Está me ouvindo, pequena idiota? Estaria morta
e eu não poderia fazer absolutamente nada!
A adrenalina e a raiva se combinaram para superar a
sensatez de Shannon, que apoiou os punhos apertados sobre
os quadris e lhe devolveu o olhar sem vacilar.
— Então, o que supunha que eu devia fazer? —
Respondeu cheia de fúria. — Ficar de lado e observar como
aquele urso fazia você em pedaços?
— Sim!
— E você me chama de idiota? Bem, deixe-me lhe dizer
uma coisa. Se acredita que eu permaneceria sem fazer nada,
enquanto você estava em perigo, é muito mais estúp...
A diatribe de Shannon acabou em um surpreso grito
quando Rafe a levantou no ar para apertá-la contra ele e se
apoderar de sua boca. Shannon resistiu por um instante, mas
logo respondeu ao seu beijo com tanta ferocidade quanto a
dele.
Prettyface rosnou, rodeou o corpo do urso e, uma vez que
tomou a medida de sua presa, cravou os dentes na pelagem e
sacudiu a cabeça com força.
Nem Rafe nem Shannon perceberam aquilo.
Passou muito tempo antes que ele permitisse que a jovem
deslizasse por toda a longitude de seu corpo até que seus pés
tocaram o solo uma vez mais. A rígida tensão de seus
poderosos músculos indicou a Shannon que o beijo lhe
transmitira o mesmo.
Rafe a desejava intensamente.
E todo seu ser refletia aquele desejo.
— Deus... — exclamou entrecortadamente, vendo-se
obrigada a se apoiar em Rafe ao sentir que seus joelhos se
dobravam. — Estive esperando que me beijasse assim desde o
dia da tempestade de granizo.
Rafe deixou escapar uma longa, muito longa expiração.
Depois, fez Shannon jogar a cabeça para trás e a olhou com
olhos que já não eram da cor do inverno.
— Porque não disse nada? — ele perguntou — Pensava
que não queria que voltasse a tocá-la.
— O que pensava que deveria fazer? Aproximar-me de
você e...e...
— Sim — Rafe respondeu taxativo.
Ruborizada, Shannon mordeu o lábio e ergueu para ele
tão intensamente azuis como o céu.
— Não vai dizer nada? — Desafiou-a.
Shannon, envergonhada, bateu levemente em seu
musculoso ombro com o punho.
Rindo baixinho, Rafe a abraçou com força e a balançou de
um lado ao outro com ternura, apoiando o queixo sobre a parte
superior de sua cabeça.
— Parece-me quase impossível acreditar que exista
alguém tão feroz e tímido ao mesmo tempo. — Refletiu depois
de uns momentos
— Eu não sou feroz. Nem tímida.
— Claro que não. — Ele concordou com um brilho de
zombaria no olhar. — Assusta-se diante do primeiro sinal de
perigo e é uma pequena descarada que se lança aos braços dos
homens.
— Você está me provocando.
— Ainda não. Porém, estou pensando nisso. — Sorriu com
antecipação. — Estou sopesando as possibilidades muito
seriamente, na verdade.
Shannon não podia ver o sorriso de Rafe, porém, o
percebia em sua voz. Sorriu e acariciou seu peito com os
lábios.
Quando seus pelos fizeram cócegas no nariz, soltou um
ofego sobressaltado ao ter consciência outra vez que ele não
usava camisa.
— O que houve? — Ele perguntou, jogando-a para trás
para ver seu rosto. — Está ferida depois de tudo?
Ela negou com a cabeça.
— Então, o que houve? — Repetiu.
— Você.
— Eu? O quê?
— Não usa camisa.
— Estava me vestindo quando o urso apareceu. Porém, se
isso faz você se sentir melhor, pode tirar a sua também.
— Agora sim, está me provocando. — Olhou-o por um
instante antes de dar uma alegre gargalhada, porém não voltou
a apoiar a cabeça no peito nu de Rafe.
— Incomoda você realmente me ver assim? — Perguntou.
— Não. — Shannon reconheceu em um apagado sussurro.
— Somente me faz desejar acariciar você por todo o...
— Por todo o corpo? — Rafe acabou por ela com voz
profunda.
Durante um instante Shannon o olhou dos pés à cabeça.
A ideia de tocar aquele impressionante corpo sem as restrições
das roupas deixou-a agoniada.
— A expressão de seu rosto... — Rafe começou, rindo. —
Venha comigo. Vamos deixar Prettyface sozinho com sua presa.
Pegou Shannon nos braços como se ela não pesasse mais
que uma criança e começou a andar à fogueira. Não parou até
que chegou ao extremo oposto do bosque, onde montara seu
próprio acampamento, separado do dela.
Queria lhe perguntar por quê, — Shannon comentou,
olhando o colchão. — Porém você estava tão malditamente
suscetível que pensei melhor.
Rafe emitiu um som interrogativo e ela continuou falando.
— Por que acampou tão afastado do fogo... e de mim?
— Aqui estou perto o suficiente para ouvir você se
precisar, e longe o bastante para não ficar acordado escutando
sua respiração, como se mexe, o som das mantas deslizando
sobre você, do mesmo modo que eu gostaria de fazer.
Ao ouvir aquilo, Shannon ficou em silêncio durante um
instante. A expressão nos olhos de Rafe a deixou sem fôlego e
provocou uma poderosa chama de paixão que a atravessou até
o centro de seu ser.
— Você também não conseguia dormir? — Conseguiu
murmurar.
— O desejo é uma via de duplo sentido. Não sabia?
Ela negou com a cabeça.
Rafe abriu a boca para dizer algo sobre as limitações de
John, o Silencioso como amante, porém pensou melhor.
Naquele momento não queria pensar em como havia sido o
esposo de Shannon.
E também não queria que Shannon pensasse nele.
— Diga-me outra vez. — Rafe pediu quase com aspereza.
— Diga-me que me deseja.
— Sim — Shannon sussurrou. — Oh!, sim. Não sabia que
existisse este tipo de desejo. Tão intenso... tão ardente...
Suas palavras excitaram Rafe terrivelmente, porém, ao
mesmo tempo, lhe deram mais controle do tivera na primeira
vez que viu como se balançavam os quadris de Shannon
enquanto passava caminhando junto a ele em Holler Creek.
Acabara a espera. Shannon enfim seria sua. Nada poderia
impedir.
— Você vai gostar, meu doce anjo. — Rafe lhe assegurou,
colocando-a cuidadosamente sobre o colchão. — Farei com que
goste.
— Tanto como na outra vez?
— Mais.
— Então, não acredito que possa sobreviver.
O sorriso de Rafe foi tão sensual quanto os seus lábios ao
tocar os dela.
— Fique deitada um momento para mim. — Murmurou
contra sua boca. — Estive sonhando em como seria deixar você
nua, olhar e tocar você... Agora já não precisarei continuar
alimentando-me de sonhos.
Um estremecimento, de nervoso e de doce antecipação,
percorreu Shannon sem misericórdia. Com os olhos meio
fechados, observou como Rafe se ajoelhava e tirava as botas e
as puídas meias.
— Sempre parece que acabou de sair do banho. — Ele
sussurrou, envolvendo seus pequenos pés com as mãos.
— É a fonte. — Ela ofegou, incapaz de dizer mais.
— Os Culpepper passam cavalgando junto a mananciais
todos os dias e são incapazes de se livrar da sujeira que os
cobre. — Seus olhos cinza contemplaram, admirados, as longas
e brilhantes tranças de Shannon. — No início, pensei que se
banhava tão frequentemente por mim, porém, logo percebi que
simplesmente era assim. Menta e água fresca, creme e mel.
Suas mãos acariciaram com delicadeza as sensíveis
plantas dos pés de Shannon, que soltou um som sufocado
enquanto os curvava em um sensual reflexo.
— Tem cócegas?
— Não...muitas.
— E o que é isto?
Rafe inclinou a cabeça e afundou os dentes delicadamente
no dorso do seu pé.
Shannon ofegou ao descobrir como sua pele era
deliciosamente sensível naquele ponto.
— Faço cosquinhas? — Rafe inquiriu.
— Não. — Ela sussurrou, olhando-o fixamente com uns
olhos muito abertos e luminosos. — É só que não sabia que os
homens beijassem as mulheres aí.
— Gostou?
— Sim...
Shannon estremeceu e soltou um grave gemido de prazer
quando Rafe acariciou o outro pé. Sua resposta provocou um
tremor que percorreu por inteiro o poderoso corpo masculino.
— Há tanto sobre fazer amor que você não sabe. — Rafe
murmurou enquanto a olhava com avidez. — Vou explorar sua
a paixão, doce anjo, cada matiz, cada textura oculta. E quando
estivermos tão esgotados que não pudermos nem respirar,
dormirei totalmente submerso em você e acordarei com seu
sabor em minha língua. Então, começaremos outra vez, nos
acariciando, provocando e nos conhecendo, vivendo um no
outro.
Shannon não compreendia a maior parte das coisas que
Rafe dizia, porém não se importou. O sensual brilho de seus
olhos e a ternura de suas grandes mãos lhe diziam tudo o que
realmente importava.
Não importava o quanto Rafe era forte, ou como seu desejo
era violento, estava a salvo com ele.
Observando-o com os olhos curiosos e ávidos, ela permitiu
a Rafe desabotoar sua camisa e a deslizar por seus braços.
Seus seios se entumeceram antes que ele os tocasse, ao ver a
aprovação em seus olhos. Então, ele abaixou a cabeça e a
deixou, totalmente, chocada quando acariciou um de seus
seios com os lábios.
— Rafael.
Ele emitiu um ávido grunhido interrogativo, virou sua
língua em volta do endurecido mamilo e o submergiu
profundamente em sua boca.
Rajadas de prazer atravessavam Shannon como lâminas,
curvando-a para trás enquanto lhe passava às cegas, os dedos
pelos cabelos para segurá-lo contra ela. Não conseguia
respirar, nem pensar, não existia nada para ela com exceção
das diferentes pressões e texturas da boca de Rafe enquanto a
sugava, dando forma e endurecendo cada vez mais o mamilo
com cada carícia de sua língua.
Quando Rafe levantou a cabeça, Shannon se retorcia
lentamente debaixo dele, gemendo suave e febrilmente. Ele
contemplou seu seio, tenso e brilhante em resposta às suas
demandas, e deixou escapar uma entrecortada respiração.
— Dei a volta ao mundo três vezes, — sussurrou
enrouquecido — e nunca conheci nenhuma mulher tão bela
quanto você, nem tão receptiva às minhas carícias.
— Eu... não sabia... que isto fosse possível. — respondeu
ofegante.
— Nunca a beijaram assim?
Shannon negou com a cabeça enquanto observava a boca
de Rafe com olhos atordoados e cautelosos.
— Você se importa que eu não tenha experiência? —
Murmurou.
— Não. — Rafe respondeu. — Eu a ensinarei, observar
como você responde... me proporciona um prazer que eu não
conhecia.
Inclinou-se novamente sobre os túrgidos seios de Shannon
e lhe mostrou que o prazer podia crescer até o ponto de deixá-
la ardendo e suplicando piedade.
Quando ela tentou aproximá-lo mais ao seu corpo, Rafe
riu baixinho e balançou a cabeça.
— Ainda não, minha pequena inocente. Há muitas formas
de acariciar e beijar que ainda devemos explorar.
Os olhos de Shannon se abriram incrédulos.
Sorrindo, Rafe deslizou os dentes pela suave pele de um
de seus seios e, ao chegar ao tenso mamilo, mordeu com terna
contenção.
O prazer açoitou Shannon, fazendo-a ofegar.
— Rafael?
A rouca voz o acariciou como uma língua de fogo.
— Sim? — Perguntou.
— Não posso... suportar.
— Se eu posso, você também pode.
— Mas eu não estou beijando você.
— Não desta vez. Tenho muita fome de você. Mais tarde a
ensinarei como me fazer suar e tremer de desejo.
As mãos de Rafe se moveram com aquela rapidez que fazia
parte dele e as roupas de Shannon desapareceram em poucos
segundos. Ao se notar nua, ela se sentiu invadida por uma
sensação de inquietação, porém, a lembrança do prazer que
havia conhecido dias atrás, foi muito mais forte.
— Acredite-me, isso é o que vai fazer antes de acabar. —
Rafe continuou em voz baixa. — Suar e tremer de desejo por
mim.
Deslizou lentamente as mãos por sua tenra pele, desde os
tornozelos até os suaves cachos avermelhados da união entre
suas coxas, apressando-a a separar mais e mais as pernas com
suas carícias.
Então, Rafe ficou muito quieto e só se escutava sua
ofegante respiração.
— Pensei que nada poderia ser mais belo do que seus
seios. — sussurrou finalmente — Estava enganado.
Shannon seguiu seu olhar por seu próprio corpo e soltou
um gemido de surpresa. Estava completamente nua diante
dele. Esmagada pela timidez, se moveu de forma instintiva para
se cobrir, porém Rafe estava ajoelhado entre suas coxas e as
mantinha abertas com seus joelhos enquanto segurava ambas
as mãos com uma das suas.
— Muito tarde. — Murmurou com voz rouca. — Você
liberou algo em meu íntimo que permanecia oculto até agora.
Não sei o que é, mas estou malditamente certo que vou
descobrir.
Uma das pontas dos dedos de Rafe rodeou o centro do
prazer de Shannon que se abria para ele. Atravessada por
perturbadoras sensações que a percorriam uma e outra vez, ela
tremeu e deu um entrecortado ofego.
— Diga-me outra vez que me deseja. — Rafe pediu com
voz espessa.
Enquanto falava, deslizou as pontas dos dedos por suas
aveludadas dobras, procurando a umidade que evidenciava sua
paixão.
— Eu o desejo. — Shannon gritou com voz rouca
enquanto erguia os quadris para ele. — Deus, eu desejo você...
— Tão doce... tão terna... — Rafe murmurou. — É tão fácil
satisfazer você.
Shannon tentou dizer alguma coisa, mas o fôlego ficou
preso em sua garganta, quando a carícia de Rafe se tornou
mais intensa. A sensação dele em seu interior por mínima que
fosse sua penetração foi inesperada e extraordinária. O prazer
se acumulou implacavelmente em seu ventre, serpenteou, se
redobrou deixando sua pele corada, quente e úmida,
extremamente sensível.
Perdida em uma espiral de sensualidade, gemeu e curvou
os quadris em um reflexo tão antigo quanto o tempo,
procurando um contato ainda mais íntimo.
Em vez disso, Rafe obrigou a si mesmo a retroceder até
deixar só as pontas de seus dedos em seu interior.
— Ainda não está pronta. — Conseguiu dizer, com a voz
áspera pela feroz contenção. — É muito estreita. Precisaremos
ir devagar e com suavidade até que se acostume a mim dentro
de você.
Shannon gemeu quando a pressão e o prazer se
intensificaram, empurrando-a à esmagadora culminação que já
conhecera uma vez em suas mãos. Antes que pudesse tocar
aquele doce êxtase, ele retirou os dedos novamente, fazendo-a
se curvar inquieta. Depois, voltou em uma ardente provocação
que prometia o céu, porém lhe oferecia só um agridoce inferno.
Tremendo, sem nenhum controle sobre seu corpo,
Shannon rogou que a liberasse daquele implacável martírio.
Rafe fechou os olhos ao sentir que o suor o cobria por
completo. Não conseguia olhar ou tocá-la, ouvir suas súplicas,
e não tomá-la.
— Aguente Shannon. — Pediu com voz gutural,
penetrando-a ainda mais profundo com dois de seus dedos. —
Só um pouco mais. Está tão malditamente apertada, e tão
quente. Só um pouco e...
Suas palavras se cortaram bruscamente, retirou
rapidamente seus dedos, e fixou nela um olhar furioso e
incrédulo.
— Você é virgem. — Rugiu se levantando com um salto.
Shannon o olhou, atordoada, sem compreender o que o
havia enfurecido tanto.
— Ingênua, é? — Exclamou com violência. — Você está
muito longe de ser. Pensou que eu lhe ofereceria um anel de
casamento se me seduzisse para tomar sua inocência.
Confusa, sem fôlego, Shannon não conseguiu responder.
Roubara-lhe a culminação que necessitava desesperadamente e
desejava chorar, gritar, pedir uma explicação.
— Que tipo de distorcido casamento mantinha com aquele
velho caça recompensas? — Rafe perguntou. Nunca se sentira
mais furioso, ou mais frustrado, em toda sua errante vida.
— Não o entendo. — Shannon conseguiu dizer com voz
trêmula.
— Eu diria que sim. Pode ser que John, o Silencioso fosse
um péssimo caçador de ouro, porém era um dos melhores caça
recompensas do Oeste.
O choque fez Shannon abrir desmesuradamente os olhos.
— Ele nunca me disse... — Começou.
— Maldição! — Interrompeu-a com violência. — Ele nunca
dizia nada, não é verdade? Era tão silencioso quanto um
túmulo. E assim era como alguns o chamavam: John, o
túmulo.
O feroz olhar de Rafe fez a vergonha inundar Shannon, ao
ter consciência de que estava completamente nua. Seus dedos
encontraram aos tatos, a camisa. Vestiu e a abotoou com mãos
trêmulas.
— Aquele homem devia ter gelo nas veias. — Rafe
explodiu, observando como os bonitos seios de Shannon
desapareciam embaixo do desbotado e gasto tecido. — Teve
você durante sete anos e nem a tocou.
— Nunca me tocou.
— Nunca? — Riu com dureza, incrédulo. — Mesmo um
velho assassino como ele teria gostado de tirar suas roupas e...
— John, o Silencioso era meu tio avô! — Shannon gritou,
interrompendo-o. — Nunca me tocou! Nunca! Nem me deu um
aperto de mãos na primeira vez que consegui caçar uma presa.
Nem um rápido puxão nas tranças, ao passar ao meu lado, ou
uma palmada na cabeça quando aprendi a fazer os pãezinhos
como ele gostava. Ninguém me tocou desde que minha mãe
morreu!
Às cegas, Shannon estendeu uma das mantas sobre seus
quadris e continuou falando.
— E então, você chegou com seu olhar penetrante, seu
sorriso de anjo caído e suas suaves carícias. — Fechou os
olhos, bloqueando a imagem do rígido rosto masculino cheio de
raiva e desprezo.
— Porque não me disse que era virgem? — Rafe perguntou
com voz firme.
— Eu disse.
— É uma mentirosa.
— Vá para o inferno, — sussurrou — e vá logo.
Rafe observou como Shannon abraçava a si mesma
tentando se proteger com a camisa mal abotoada e sua manta
sobre os quadris. Naquele momento, não restava nada da
mulher ardente e tentadora que havia suplicado pelo contato
de suas mãos, presa em um primitivo êxtase.
Mais calmo, respirou rápida e entrecortadamente, e se
esforçou para recuperar o controle. Shannon não sabia o que
perdia.
Porém, por Deus, ele sim.
— Quando me disse que era virgem? — Inquiriu com
menos dureza.
— Quando falamos sobre eu não ter tido um bebê.
Rafe refletiu durante alguns segundos, franziu o cenho, e
negou com a cabeça.
— O assunto da virgindade não surgiu. — Afirmou sério.
Shannon lhe lançou um olhar gelado.
— Perguntei-lhe como podia ter certeza de que não
possuia nenhum filho. — Recordou-o. — E você disse que do
mesmo modo que John, o Silencioso sabia como não me deixar
grávida. Bem, o método que meu tio usava...
— Nunca a tocou. — Rafe a interrompeu, compreendendo
e acreditando nela, enfim. — Nunca ninguém a tocou. Meu
Deus.
— É isso. — Shannon assentiu sarcasticamente. — Parece
que só preciso repetir algumas vezes para que você me
compreenda.
Ele abriu a boca e a fechou, e ficou olhando com olhos
sombrios à inocente virgem que quase seduzira.
— Eu... — Balançou a cabeça como se não encontrasse as
palavras adequadas. — Nunca me ocorreu pensar que John, o
Silencioso não fosse seu verdadeiro esposo.
— Assim como também não me ocorreu pensar que você
não compreendia porque eu não fiquei grávida. — Espetou.
— A castidade. O método mais antigo de todos. Maldição.
A fúria de Shannon desapareceu ao compreender que tudo
aquilo era produto de uma confusão. Após a raiva, uma enorme
fadiga invadiu-a que a fez desejar apoiar a cabeça sobre os
joelhos e chorar. Precisava assimilar muitas coisas; o urso e o
medo por Rafe, a fúria dele ao vê-la correr para o perigo, depois
a embriagadora sensualidade de suas carícias e depois, de
novo, sua fúria.
— Shannon?
— O quê?
— O que pensava que aconteceria depois que eu a tivesse
tomado?
— O que eu pensava? Quando me toca, não posso pensar
praticamente em nada.
— Não tentava me prender em um casamento?
Shannon ergueu a cabeça e o olhou com olhos escuros e
indecifráveis. Longas e grossas mechas haviam escapado de
suas tranças e deslizavam por seu rosto e seus seios.
— Porque eu faria isso? — Pela segunda vez, conseguiu
deixar Rafe sem palavras. — Para que serve um homem que
deixa uma mulher grávida e parte para percorrer o mundo até
que seja hora de fazer outro bebê?
— Se a deixasse grávida eu nunca a abandonaria. — Ele
afirmou com frieza. — Conhece-me muito bem para saber.
— Sim. — Admitiu reticente. — Sei que não é dos que
fogem de suas responsabilidades.
— Contava com isso? Queria ficar grávida para que eu não
partisse?
Uma labareda de cólera se avivou em seu íntimo. Shannon
estava muito cansada para continuar enfrentando-o.
— Sou ingênua a respeito das relações entre homens e
mulheres, mas não estúpida a respeito da vida. — Disse,
cansada.
— O que significa isso?
— Grávida ou não, nunca me casaria com um homem que
me deseja menos do que a um amanhecer que nunca viu.
Rafe estremeceu diante das emoções enfrentadas que
refletiam na voz de Shannon, em seus olhos, suas mãos se
agarrando à manta que cobria sua nudez.
— Mas teria se entregado a mim. — Rosnou furioso, sem
motivo.
Um tremor provocado pela lembrança e pelo desejo
percorreu Shannon.
— Sim. — Reconheceu.
— Por quê?
— Por que se importa?
— Porque temo que seja muito ingênua para acreditar que
me ama. — Rafe respondeu sem rodeios.
Shannon lhe dirigiu os olhos apertados.
— De todo modo, não é problema seu. — Replicou. — É
meu.
— Não quero que você me ame. — Rafe rugiu, ressaltando
cada palavra.
— Eu sei.
— O amor é uma jaula.
— Algum dia eu lhe agradecerei por me fazer sentir isso
que você chama de jaula. Mas não hoje. Por favor, deixe-me,
não posso continuar discutindo com você.
Apoiou a fronte sobre os joelhos, excluindo Rafe de seu
mundo.
— Shannon?
— Vá, eu lhe rogo. Não quer meu corpo...nem meu amor.
Não quer nada além desse amanhecer que nunca viu. Vá
procurá-lo e deixe-me sozinha.
CAPÍTULO 11

Rafe bateu na rocha com a picareta e sentiu a sacudida


desde os braços até os tornozelos. A rocha se rompeu e saltou
cobrindo-o com cortantes lascas e poeira.
Não havia nada útil naquele curto túnel. Já não restava
nada dos leves traços de ouro que estivera seguindo
furiosamente durante os últimos dois dias, e nem conseguia
averiguar aonde haviam ido aqueles leves rastos. Não existiam
falhas visíveis, era impossível decidir qual seria a melhor
direção para cavar; para cima, para baixo, para a lateral, reto
ou para nenhum lado.
Pode ser que Reno seja capaz de tirar proveito desta
maldita jazida, porém, eu não.
Não estranho que John, o Silencioso se tornasse caça
recompensas.
Apesar de seus ácidos pensamentos, Rafe continuou
manejando a picareta com toda a força que guardava em seu
corpo. Restava a esperança de que se trabalhasse o tempo
suficiente e muito duramente, seu corpo não reagiria com uma
dolorosa ereção a cada vez que pensasse em Shannon gritando
de desejo, se abrindo para ele, estremecendo de prazer com
suas carícias.
Seu suave corpo esperando recebê-lo.
A picareta de aço chocou contra a montanha de pedra.
Virgem.
A rocha explodiu em pedaços.
Mais ardente, mais doce, mais selvagem do que qualquer
outra mulher que conhecera.
O aço se chocou de novo com a pedra e soou como um
sino.
Uma maldita virgem!
Rafe tentou calar seus pensamentos com o som do aço
picando a rocha, porém não conseguiu. Era impossível; não
possuia o controle de sua própria mente desde os dois dias
anteriores, quando se ajoelhara entre as pernas de uma mulher
virgem e aprendera mais sobre a paixão do que em toda sua
vida.
A picareta golpeou, a rocha se fez em pedaços, e mais
camadas de rocha apareceram diante de seus olhos; e
possuiam um aspecto até menos prometedor que a pedra que
estivera quebrando até o momento.
Com uma cansada maldição, parou, limpou o suor e a
poeira do rosto, e voltou a levantar a picareta. Não queria
retornar com mais notícias ruins para Shannon sobre a
inutilidade das concessões de ouro de John, o Silencioso. Não
queria ver como ela tentava esconder o medo de estar sozinha e
arruinada. Não queria precisar se esforçar para não pegá-la
entre seus braços, consolá-la, beijá-la até que o frio medo se
transformasse em um selvagem e abrasador esquecimento...
Saltaram pedaços de rocha que lhe provocaram arranhões
nos braços, porém, mal percebeu aquilo. Estava muito ocupado
batalhando com sua consciência e o implacável desejo de seu
corpo por uma inocente virgem que lhe daria tudo o que
pedisse como homem, e tomaria dele tudo o que tivesse para
oferecer a uma mulher.
Shannon não pedia nada mais.
E isso era o que mais pesava sobre sua consciência. Ela
não havia tentado prendê-lo, porém ele a recriminara
duramente, no pior momento, fazendo com que ela se retraísse
sobre si mesma e lhe pedisse entre lágrimas que a deixasse
sozinha.
A picareta desceu assoviando, atravessou o ar e se
afundou na implacável pedra. A sacudida do impacto ressoou
no silêncio da montanha e subiu pelo cabo de nogueira com
força esmagadora.
Não se importou. Não havia maior castigo do que o que lhe
infligiam seu desejo e sua consciência a cada respiração, e
cada pulsação.
Shannon não esperava, nem mesmo desejava se casar
com ele.
Para que pode servir um homem que deixa uma mulher
grávida e depois parte para percorrer o mundo, até que seja
hora de fazer outro bebê?
Nunca me casaria com um homem que me deseja menos
do que a um amanhecer que nunca viu.
Rafe acreditava nas palavras de Shannon. Vira a dor e a
confusão em seus bonitos olhos enquanto falava; uma
escuridão que dilacerava suas entranhas.
Algum dia eu lhe agradecerei por me fazer sentir isso que
você chama de jaula. Mas não hoje.
Pode ser que Shannon não compreendesse porque ele
necessitava ir, porém estava convencida de que o faria. Podia
ver na atormentada expressão de seu rosto, em suas palavras,
no leve tremor de suas mãos quando falou sobre aquilo.
Ele não queria que Shannon o amasse, porém ela o fazia.
E agora ela nem mesmo queria amá-lo.
Vá, eu lhe rogo. Não quer meu corpo... nem meu amor.
Não quer nada além desse amanhecer que nunca viu. Vá
procurá-lo e me deixe sozinha.
Rafe planejava fazer precisamente aquilo, ainda que antes
tivesse que se assegurar que Shannon ficasse segura quando
ele partisse.
A picareta atacou a fria pedra, ressoou com força e
retrocedeu para voltar novamente com mais violência. Não
importava como trabalhasse duro, a quantidade de sólida
rocha que reduzisse a escombros era sempre igual. Não havia
ouro em Rifle Sight.
Exausto, Rafe deixou a picareta e se apoiou no cabo,
enquanto soltava uma série interminável de secas maldições
contra a montanha e contra si mesmo.
Quando ficou sem fôlego, limpou o suor da fronte, deixou
a um lado a picareta e pegou seu rifle para retornar ao
acampamento. Ainda não havia entardecido, porém estava
mais que farto de se esgotar trabalhando em uma jazida inútil.
Com o rifle em um ombro e o chicote enrolado no outro,
saiu do frio e sombrio buraco onde estivera usando a picareta e
começou a descida. Não podia ver o prado de onde se
encontrava, mas sabia que estava ali.
Assim como sabia que também Shannon estaria ali,
esperando-o, que aqueceria a água para ele e que teria uma
camisa limpa preparada. A peça estaria quente pelo sol e Rafe
voltaria a desfrutar uma vez mais da feminina avidez e
aprovação nos olhos de Shannon ao observar como ele a vestia.
Enquanto descia a toda velocidade a encosta cheia de
escombros na boca do barranco, as rochas ainda frias pelo
inverno abriram caminho para uma inesperada beleza.
Salgueiros, álamos tremulantes e piceas açoitadas pelo vento
cresciam desordenadamente em vários tons de verde. O gelado
riacho que descia do barranco se unia a outros, formados pela
água do degelo até se transformarem em um pequeno riacho
que adentrava no lugar onde estavam acampados. Flores
silvestres de cor vermelha, violeta, amarela e branca apareciam
à medida que a dura rocha se suavizava transformando-se em
um vale da alta montanha.
Sorrindo, Rafe passou das sombras à luz do sol que se
derramava sobre o prado, esperando escutar a voz de Shannon
dando-lhe as boas vindas quando o visse. Porém, não houve
nenhuma saudação, nem gesto de alegria. Franzindo o cenho,
caminhou mais rápido.
Chegou cedo, porém ela deveria estar aqui demônios, em
que outro lugar poderia estar?
A menos que tenha acontecido alguma coisa. Outro urso
ou...
Uma sensação de frio que nada tinha a ver com as roupas
úmidas de suor percorreu Rafe, que sondou cada sombra do
prado com os olhos tão claros e gelados quanto a água do
degelo.
Nem mesmo foi consciente de que se movera até que
sentiu o gasto e duro extremo do chicote em sua mão esquerda
e ouviu o inquieto barulho do couro aos seus pés. Com a mão
direita segurava firmemente o rifle, estava com o dedo no
gatilho e seus olhos procuravam um possível objetivo.
De repente, percebeu um movimento no outro extremo do
prado e se virou preparado à luta.
Bem então, uma risada feminina atravessou o silencioso
prado estival e Shannon saiu dentre os álamos seguida de
Prettyface. O enorme cachorro a alcançou com três saltos e se
plantou diante dela, obrigando-a a parar, porém, Shannon se
desviou com rapidez, se virou e correu de novo para os álamos.
Prettyface a seguiu, bloqueando seus passos antes que ela
alcançasse as árvores e saiu depois dela quando Shannon
voltou a se virar.
A brincadeira continuou até que Shannon foi incapaz de
continuar correndo por causa das risadas e do cansaço.
Sorrindo, se inclinou sobre Prettyface, o acariciou, elogiou e o
abraçou até recuperar o fôlego. A seguir, lhe ordenou que
ficasse ali quieto e voltou a entrar nas pontas dos pés, entre os
álamos. Ofegando e com a língua pendurada em uma silenciosa
risada canina Prettyface permaneceu imóvel e observou com
seus vigilantes olhos de lobo como Shannon desaparecia entre
as árvores.
Rafe também ficou ali observando, sem mover um
músculo, esmagado por emoções que não conseguia identificar.
Sem prévio aviso, uma pedra voou dos álamos traçando
um arco para aterrissar com um suave golpe junto a Prettyface.
Devia ser o sinal que indicava que o jogo começava outra vez,
porque o cachorro saltou à frente com o nariz colado ao solo
para seguir os rastos de sua dona e desapareceu entre os
álamos.
Rafe aguardou com um sorriso nos lábios, imaginando o
que viria a seguir; a espreita e a risada sufocada até calar, e
depois o instante da descoberta.
Alguns minutos, mais tarde, ouviu risadas e viu cintilação
de movimento no bosque. Shannon apareceu na pradaria
movendo-se com tanta rapidez que suas pernas mal podiam ser
vistas.
Agora entendo porque chegou tão rápido ao riacho quando
o urso me atacou.
Apesar de sua velocidade, Shannon não era adversária
para Prettyface e o cachorro a alcançou em seguida, bloqueou
seu caminho na pradaria e a perseguiu de novo quando tentou
escapar.
Rafe riu baixo enquanto desarmava o rifle e enrolava o
chicote para colocá-lo sobre o ombro.
Aposto que Shannon e Willow se dariam bem. As duas têm
coragem e o dom de rir por pior que as coisas estejam.
Shannon poderia ajudar com as crianças e a comida, e Cal
manteria todos, a salvo. Nem mesmo os Culpepper se
atreveriam a desafiar um homem como Caleb Black.
E sempre haveria Reno ou Wolfe para ajudar. Shannon
estaria a salvo com eles. Contaria com a companhia de Willy,
Jessy e Vic, e não estaria a mercê de qualquer um que se
aproximasse da sua cabana. Seria como estar... em família.
Eu poderia ir ao outro extremo do mundo outra vez sem
precisar olhar sempre para trás, perguntando se Shannon
estaria faminta, assustada ou ferida, se precisaria da ajuda de
alguém quando não tiver ninguém por perto.
Uma grande sensação de alívio o invadiu ao encontrar a
solução para seu problema, relaxando a tensão que o
estrangulava sem piedade desde que havia descoberto até onde
chegava a inocência de Shannon Conner Smith. Sorrindo,
caminhou até mais rápido através da pradaria.
Shannon, por sua vez, olhou para o homem que andava
decidido para ela e sentiu que seu coração acelerava de alegria,
uma alegria que acabaria destruindo seu coração. Ainda assim,
não se importou. Queria aproveitar cada minuto da companhia
de Rafe antes que ele partisse em uma nova viagem.
Mal o via desde que ele descobrira que ela era virgem.
Quando ela acordava ao amanhecer, Rafe já saíra para Rifle
Sight e não retornava até que estivesse muito escuro para
trabalhar. Então, estava muito esgotado para fazer algo além
de se banhar, comer e adormecer.
— Alegro-me que tenha voltado cedo. — Shannon
confessou.
Rafe sorriu.
— Tem certeza?
Ela concordou quase com timidez.
— Ainda que tenha sido menos companhia para você que
Prettyface? —Rafe perguntou com pesar.
Ela voltou a assentir e sussurrou:
— Sim.
Rafe observou fascinado o intenso rubor das suas faces,
assim como a doce curva de sua boca e o infinito azul de seus
olhos. Sim, estava mais que satisfeito de ter encontrado uma
solução ao problema do futuro de Shannon. Uma solução que
não incluía o casamento com ele.
Nem com nenhum outro homem.
— Rafael?
— Humm?
— O que aconteceu? Parece quase... feliz.
Rafe riu e desejou poder abraçar Shannon. Sabia que não
deveria fazê-lo. Se a tocasse, só poderiam acabar de uma
forma, com sua virgindade desaparecida e ele tão dura e
profundamente submerso nela que, quando finalmente se
separassem, seria como rasgar a pele de ambos.
Porém se separariam, porque a ânsia de viajar o
reclamaria de novo.
— Não quero lhe fazer mal. — Rafe afirmou, já sem sorrir.
O sorriso de Shannon também se apagou. Vai partir? É
por isso que voltou cedo? Aquele maldito e longínquo
amanhecer teria pronunciado seu nome?
Porém Shannon não expressou aquelas perguntas, que
eram tão dolorosas para ela, em voz alta. Não havia
necessidade de falar porque era consciente de que Rafe
partiria, e o fato de saber o momento exato de sua partida seria
pior para ela. Destruiria seu coração e não deixaria nada mais
que a escuridão em seu lugar, um vazio que não poderia
preencher por mais que se esforçasse.
— Sei que não quer me prejudicar. — Shannon assentiu,
tentando não deixar sua voz tremer.
— Não precisa se preocupar comigo, de verdade.
— E um...
— Não sou nenhuma criança, — interrompeu — e me
avisou em mais de uma ocasião que não deseja amarras. Se eu
ficar ferida, será responsabilidade minha, não sua.
— Porém...
— Vá ao acampamento e lave-se. — Shannon o
interrompeu de novo, decidida a não falar sobre sua partida. —
Essa camisa não deve ser muito cômoda. Quer que jantemos
logo?
— Minha camisa não é importante. — Rafe replicou. —
Você sim. Minha consciência não me permitiria deixá-la a
mercê de tipos como os Culpepper.
Então, não se vá!
Porém, Shannon sabia que não adiantaria nada expressar
em voz alta o grito que segurava na garganta, já que Rafe
partiria apesar do muito que lamentasse deixá-la para trás. E
além do que, ela não desejava que ficasse ao seu lado à custa
de sua felicidade e sua própria alma.
Ele amava aquele amanhecer por descobrir, mais do que
poderia amar uma mulher.
— Diga à sua consciência que me arrumei bem antes de
conhecer você. — Shannon respondeu.
— Isso não é verdade!
— Como sabe? — Perguntou ela racionalmente. — Não
estava aqui.
— Maldição, Shannon.
— Sim. Maldição.
Sem querer prolongar aquela agonia, ela começou a andar
para o acampamento, flanqueada por Prettyface.
— Como foi a escavação hoje? — Perguntou
despreocupadamente.
Rafe rosnou.
— Pior que ontem, melhor que amanhã.
Shannon tentou pensar em algo animador para dizer,
porém não conseguiu. O futuro que se apresentava diante dela
era aterrorizante. No entanto, se falasse sobre isso, Rafe
pensaria que estava criando uma jaula para ele, prendendo-o
em seus sonhos, enquanto os seus próprios o chamavam do
outro lado das grades.
— Não vou encontrar ouro em Rifle Sight. — Rafe
informou sem rodeios. — Nem amanhã, nem depois, nem
nunca.
Shannon cambaleou e ameaçou cair, mas se refez e
recuperou o equilíbrio antes que ele pudesse ajudá-la.
— Existem as outras concessões. — Conseguiu dizer
através de seus tremulantes lábios.
— Você disse que Rifle Sight era a melhor.
— Talvez tenha me enganado.
— Talvez. Mas tenho uma ideia melhor.
— Explodir a jazida de outro? — Shannon disse
amargamente.
— Deixarei isso para os Culpepper, e assaltar trens e
roubar bancos para os irmãos James.
— Qual é a sua ideia?
— O único lugar seguro para uma mulher como você é
uma bonita cidade com vales ao redor das casas, sinos de
igrejas tocando e um bom marido ao seu lado. Porém...
— Não quero me casar. — Respondeu cortante.
— ...não há nenhum lugar assim no território do Colorado
— Rafe continuou.
— Graças a Deus. — Shannon murmurou.
Ele a ignorou. Enquanto falava, voltou a sentir com toda
sua força o entusiasmo inicial que havia gerado a ideia de levar
Shannon para viver com Willow e Caleb.
— O próximo lugar mais seguro seria o rancho Black. —
Anunciou com firmeza.
Shannon o olhou de soslaio e ficou em silêncio.
— Cal e Willy... minha irmã. Lembra-se?
— Cal é sua irmã? — Shannon franziu o cenho. Pensei
que era um homem.
Rafe a olhou exasperado e ela lhe devolveu o olhar sem
hesitar.
— Willow é minha irmã, e Caleb é o marido dela. — Falou
devagar, como se tentasse se acalmar. — Eles têm um filho e
esperam outro bebê dentro de pouco. Willy só conta com a
ajuda da mulher de um de seus empregados, Homem de Aço.
Porém ela só fala Ute.
— Deveriam perguntar em Canyon City, ou em Denver, ou
talvez para alguma de suas outras viúvas se desejam o
trabalho. Eu não.
Rafe deu um grunhido de frustração e passou os dedos
pelos cabelos, jogando o chapéu ao chão. Pegou-o com
descuidada facilidade, e voltou a colocá-lo em seu lugar com
firmeza, desejando que seu temperamento fosse tão fácil de
controlar.
— Não a tratariam como uma empregada. — assegurou —
Seria como... parte da família.
— Depois de viver com a cunhada de minha mãe, prefiro
que me tratem como a uma empregada. — Shannon repôs.
— Maldição! A única coisa que pretendo é que tenha um
lugar seguro onde viver. Poderá desfrutar de boa companhia,
crianças...
— Sua casa, suas crianças. — Assinalou com voz tensa. —
Obrigada, porém não. Prefiro ter minha própria casa e minhas
próprias crianças as quais amar.
A ideia de que Shannon tivesse filhos de outro homem
provocou uma onda de fúria em Rafe. A intensa violência de
sua reação o surpreendeu e teve que fechar com força a
mandíbula para impedir que saíssem as temerárias palavras
que se aglomeravam em sua garganta.
O que me importa de quem sejam seus filhos? Pensou
ferozmente. Sempre que não sejam meus.
A racional, razoável e lógica pergunta não conseguiu
diminuir a ardente cólera que corria por suas veias. Com os
dentes apertados, se virou e se afastou daquela mulher que
conseguia enfurecê-lo e excitá-lo como nunca ninguém o fizera.
Acabou-se. É hora de sair e de encontrar outro lugar antes
que tenha os pés e mãos amarrados, e não possa nem mesmo
me mover.
Porém, primeiro preciso me encarregar de que esteja a
salvo, queira ou não.
Sem palavra, se afastou de Shannon e se dirigiu decidido
para seu próprio acampamento.
Shannon deixou escapar uma longa exalação, respirou
novamente e ficou olhando suas mãos. Tremiam visivelmente.
Sabia que estivera muito perto de fazer Rafe perder,
completamente, o controle.
Mas, ignorava o que havia feito para que aquilo
acontecesse.
— Tomara pudesse falar, Prettyface. Talvez você pudesse
me dizer por que ele ficou assim.
O grande cachorro manchado acariciou sua mão com o
focinho, percebendo claramente sua inquietação.
— Agradeci-lhe com educação por sua oferta de me
procurar um lugar na casa de sua irmã. — Shannon
continuou.
A língua de Prettyface se pendurava enquanto ofegava
suavemente.
— Bem, talvez não fosse muito educada. — reconheceu —
Mas, não fui grosseira. Não tanto quanto ele.
O cachorro inclinou a cabeça com as orelhas levantadas,
como se estivesse a ponto de dizer algo.
— Se pelo menos você pudesse falar. — Soltou um
profundo suspiro. — Penso que precisarei perguntar a ele
porque se zangou tanto, quando lhe disse que desejava um lar
e filhos próprios.
Dividida entre a raiva e a dor, Shannon seguiu Rafe.
Porém, quando chegou ao seu acampamento, todas as
perguntas desapareceram de sua mente ao ver que ele estava
empacotando rápida e eficientemente todos os seus pertences.
Não! Oh, Rafe, não me deixe ainda.
Shannon enfiou as unhas nas palmas das mãos enquanto
tentava reprimir as lágrimas que inundavam seus olhos.
Não chorarei. Sabia o que aconteceria, mas não pensei
que seria assim, que partiria furioso.
Abriu a boca com a intenção de dizer algo, qualquer coisa,
mas pensou melhor. Não podia confiar que sua voz não fosse
revelar suas lágrimas ocultas. Assim, em silêncio, se virou e
retornou ao seu próprio acampamento.
Quando Shannon escutou que o grande cavalo cinza de
Rafe se aproximava dela, já havia recuperado parte de seu
controle.
Ele parou seu cavalo e desmontou sem dizer nada.
— Vai partir? — Perguntou em tom neutro.
— Eu disse que o faria.
Shannon manteve seus olhos fixos em suas próprias
mãos, respirou profunda e silenciosamente para se acalmar e
ergueu a cabeça com um sorriso trêmulo.
— Obrigada por tudo o que fez, Rafe. Se alguma vez
passar por aqui... Não, isso não acontecerá, certo? Nunca vai
em busca do mesmo amanhecer duas vezes. — Fez um vago e
nervoso gesto com a mão direita. — Eu... estou muito
agradecida por tudo o que fez por mim. Tem certeza que não
quer aceitar um pagamento? Ainda tenho algum ouro.
Ao olhar o pálido rosto de Shannon e suas trêmulas mãos,
Rafe desejou consolar e sacudi-la ao mesmo tempo.
Porém, não o fez.
Sem dizer uma só palavra, passou junto a ela e começou a
recolher seu acampamento.
— O que está fazendo? — Shannon perguntou após
alguns segundos.
— O que lhe parece?
O tom de voz de Rafe a fez tremer.
— Está empacotando minhas coisas? — Conseguiu dizer.
— É boa observadora. — replicou mordaz. Colocou
algumas provisões em uma bolsa da mochila e procurou mais a
sua volta.
Não havia nada.
Aquilo também o irritou. Recordou-se que Shannon havia
passado fome antes que ele chegasse, e que voltaria a ficar no
limite da sobrevivência quando ele partisse.
Pelo menos, que vivesse com Willow.
— Então o que pretende? — Ela inquiriu, alarmada.
— Você irá comigo.
Shannon fechou os olhos e respirou profundamente.
Negava-se a perder o controle.
Quando abriu os olhos, eles brilhavam com tanta fúria
quanto os de Rafe. Mas, falou com muita tranquilidade.
— Não vou a nenhum lugar além de Rifle Sight para
extrair ouro.
— Vai comer capim enquanto cavar?
Shannon o olhou assombrada.
— Não.
— Então, será melhor que cavalgue até sua cabana
comigo. Aqui não tem provisões suficientes para manter
alguém com vida; nem mesmo alguém que come tão pouco
como você.
— Não se preocupe. Não terei problemas com as provisões,
mas tenho com um homem enorme que não sabe escutar e
que...
De repente, Shannon recordou que havia prometido a si
mesma não perder o controle.
— Tem provisões suficientes para um dia de trabalho. —
Acrescentou com falsa calma.
Rafe olhou ao céu transbordante de nuvens antes de
dirigir seus olhos para ela.
— Amanhã a estas horas cairá uma tempestade muito
pior que a do outro dia. — Afirmou — Uma mulher inteligente
moveria o traseiro e desceria a colina para se refugiar.
— Uma mulher inteligente não estaria aqui...
— Finalmente reconhece.
— e... com um homem tão teimoso quanto uma mula!
— Recolha suas coisas. — Ordenou em tom letal.
Shannon não se moveu.
Com uma feroz maldição, Rafe se aproximou dela em duas
rápidas passadas.
— E você me chama de teimoso? — Espetou friamente. —
Escute, é absurdo que continuemos aqui. Não há ouro em Rifle
Sight. Avizinha-se uma tempestade e não conta com as
provisões necessárias para sobreviver.
Shannon ficou em silêncio durante alguns instantes,
consciente que Rafe tinha razão. Estivera tão entretida
brincando com Prettyface e aquecendo a água que não se
preocupara em observar as ameaçadoras nuvens que se
aproximavam.
— Bem, — concordou finalmente, levantando-se com um
gracioso movimento — cavalgarei com você até minha cabana.
— Oh!, não me faça favores. — Rafe replicou com
sarcasmo.
— Faço porque é o mais razoável.
Apesar do mau humor de ambos, trabalharam juntos em
harmonia para levantar o acampamento.
Quando Crowbait estava carregado e Razorback encilhado,
grande parte da raiva de Shannon se convertera em uma
esmagadora tristeza. Duvidava que Rafe sentisse o mesmo,
porque seu rosto ainda estava tenso e continuava com os olhos
apertados quando montou sobre Sugarfoot.
Os cavalos e a mula tomaram o sinuoso caminho que
descia pela montanha, seguidos de Prettyface. Completaram o
trajeto até a cabana com rapidez e em um silêncio que deixou
Shannon com o coração apertado. Rafe não falou enquanto não
chegaram à porta da cabana.
— Reúna algumas provisões enquanto verifico como
Crowbait está. Está mancando um pouco da pata dianteira
esquerda.
Shannon desmontou e entrou na cabana. Não lhe restava
muita comida, porém não poupou nem um pouco para Rafe.
Ele havia comprado a maior parte das provisões apesar de
tudo, e se encarregara de caçar e pescar, enquanto ela não
fizera nada além de cozinhar e comer.
Guardou para si, provisões suficientes para um dia e
empacotou o restante. Saiu para o exterior, entregou o pacote
para Rafe, e ele o amarrou sobre Crowbait com várias correias
de couro.
— Tudo pronto? — Perguntou.
Shannon assentiu atordoada.
Rafe saltou sobre sua sela e abaixou o olhar à jovem. A
dor nela era quase tangível.
— Sorria para mim, doce anjo. — Ele disse suavemente,
erguendo seu queixo com a mão esquerda. — As pessoas tão
teimosas e apaixonadas como nós discutem de vez em quando.
Não há nada de mal nisso.
Shannon lhe deu um trêmulo sorriso e tocou com os
lábios a suave superfície de sua luva.
— Obrigada. — Murmurou.
— Por quê?
— Por não partir zangado. Não... não acredito que poderia
suportar... ignorar onde você estará e saber que estará furioso
comigo.
Por um instante, Rafe só conseguiu pensar em como teria
sido maravilhoso se tivesse os lábios de Shannon tocado a sua
pele em vez de sua luva. Mas então, tomou consciência do que
implicavam as palavras da jovem.
— Saberá onde estou. — Afirmou rotundo. — Virá comigo
Uma pequena chama de esperança surgiu de repente no
peito dela ao escutar aquelas palavras.
— Sim? — Perguntou.
— Pode apostar por isso.
— Aonde iremos?
— Ao rancho de Cal, como já lhe disse.
Shannon fechou os olhos e lutou contra o desejo de
aceitar qualquer coisa que Rafe lhe oferecesse para estar ao
seu lado alguns poucos dias mais.
— Não, mas, obrigada de todo modo. — disse com calma
— Tenho concessões nas quais preciso trabalhar, cuidar de
Cherokee, caçar...
— Maldição, realmente sabe como levar um homem ao
limite.
—... Prettyface não se daria bem com desconhecidos. —
Shannon continuou, sem nenhuma entonação. — Ficarei aqui,
em minha casa.
Rafe afirmou nela um penetrante olhar. Apesar de muito
enfurecido, não podia evitar admirar sua coragem.
— O que me impede de pegar você, amarrá-la a essa velha
mula e levá-la onde quiser? — Rugiu com aspereza.
— A razão. — Limitou-se a responder.
Rafe parecia hesitar e logo deixou escapar o ar que estava
contendo.
— Vai resistir a cada passo do caminho, não é verdade?
— Não, isso não acontecerá porque não vou com você a
nenhum lugar.
Sem prévio aviso, Rafe rodeou sua cintura com o braço e a
levantou no ar para apertá-la com força contra ele, fazendo que
o sangue dela corresse com força por suas veias.
Também fez arder o sangue dele. Shannon pode ver na
repentina dilatação de suas pupilas, sentiu na dura tensão de
seu corpo, saboreou no ardente beijo que a deixou tremendo e
sussurrando seu insensato amor.
Não funcionará. — Rafe resmungou com aspereza,
odiando a si mesmo e a mulher que o olhava com olhos cheios
de paixão. — Não ficarei aqui. Não a amarei.
— Eu nunca lhe pedi...
— Acredito que sim. — Interrompeu-a ferozmente. Deixou-
a no chão com tal rapidez que ela cambaleou e, sem perder um
segundo, desenganchou a rédea do cavalo de carga do pomo da
sela de Sugarfoot.
— O desejo que sinto por você me rasga por dentro, porém
não entregarei minha alma para ter você. Isso é o amor,
Shannon. Entregar sua alma.
Fez sua montaria retroceder, se virou e atravessou o vale a
galope.
— Rafael! — Shannon gritou. — Não pretendia exigir seu
amor!
Em resposta, escutou unicamente o som dos cascos de
Sugarfoot perdendo-se na distância.
Somente quando Rafe desapareceu de suas vistas,
Shannon notou que lhe deixara seu animal de carga e todas as
provisões. Ficou olhando os pacientes olhos marrons de
Crowbait e lutou para combater a tristeza que ameaçava
sufocá-la.
Ainda que Rafe estivesse furioso, havia pensado no bem
estar dela antes do seu próprio.
— Eu o quero! — Shannon gritou de novo. — Não posso
evitar amá-lo do mesmo modo que você não pode evitar partir!
Somente o silêncio respondeu a Shannon daquela vez; um
silêncio que parecia ecoar com as últimas frases que Rafe lhe
dirigira.
O desejo que sinto por você me rasga por dentro, mas não
entregarei minha alma para ter você. Isso é o amor, Shannon.
Entregar sua alma.
CAPÍTULO 12

Prettyface empurrou Shannon suavemente e emitiu um


uivo que surgiu do mais profundo de sua garganta. O
movimento e o som recordaram à jovem que ela estava em pé,
diante de sua cabana, com o rosto cheio de lágrimas. Respirou
profundamente e tentou se concentrar na longa lista de coisas
que devia fazer se pretendia sobreviver ao verão e superar o
próximo inverno.
Chorar, não estava na lista.
Colocou uma mão debaixo das grandes mandíbulas de
Prettyface e o acariciou entre as orelhas com a outra. Os
astutos olhos do cachorro brilharam de prazer. Shannon sorriu
debilmente e apoiou o rosto em sua ampla cabeça durante uns
segundos.
— Estarei bem, Prettyface. — Assegurou antes de se
erguer. — Vá rastrear seu jantar enquanto eu me encarrego de
Crowbait e de Razorback.
O cachorro se ergueu com a cabeça inclinada,
observando-a atento.
— Não se demore. Mal comeu na pradaria e sei que tem
fome. Vá.
Agitando o braço em direção ao bosque, Shannon repetiu
sua suave ordem.
Depois de um momento de hesitação, Prettyface obedeceu.
Colou o focinho ao solo e começou a rastrear a zona em busca
do cheiro de alguma presa.
Shannon se virou então para Crowbait e Razorback.
Desencilhou a mula e depois se ocupou do cavalo de carga.
Enquanto trabalhava nas correias de couro que amarravam as
provisões, sentiu que as lágrimas se aglomeravam novamente
em seus olhos ao pensar que foram as mãos de Rafe que
fizeram os nós, as que haviam colocado a manta em seu lugar e
ajustado as rédeas.
— Chorar por ele não adiantará nada. — Sussurrou para
si mesma. —Há muitas coisas para fazer.
Apesar daquelas palavras, suas mãos continuaram se
demorando na sela de carga e nas provisões, quase acariciando
tudo o que Rafe havia tocado, até que finalmente cada coisa
estava guardada em seu lugar. Sentindo-se como se estivesse
em meio de um pesadelo, guiou os animais para o vale para
comerem à vontade.
Bem naquele instante em que estava amarrando as mulas
a uma estaca fincada no solo, escutou Prettyface latir
ferozmente.
Seu cachorro só latia daquele modo quando algum
desconhecido se aproximava muito. Seu coração parou por um
segundo, e depois bateu a toda velocidade.
Imóvel, amaldiçoando a si mesma pelo fato de que a
partida de Rafe a tinha abalado a ponto de se esquecer de
pegar a escopeta, escrutinou o vale em busca de alguns rastros
que indicassem a presença de estranhos.
De repente, duas mulas de patas largas apareceram no
limite do bosque e se dirigiram velozes para ela.
Shannon se virou então à cabana sem perder um instante,
só para descobrir dois Culpepper mais, entre ela e a escopeta
que tão estupidamente havia deixado para trás.
Não desperdiçou fôlego para pedir ajuda. Não havia
ninguém por ali com exceção de Prettyface, então, correu para
o bosque, rezando para ser muito rápida para encontrar refúgio
entre as árvores antes que a alcançassem.
Quando já havia corrido a metade da distância que a
separava do bosque, escutou o golpear de alguns cascos que
soavam cada vez mais e mais alto em seus ouvidos, e soube
que estava perdida.
De repente, um longo e nervoso braço a pegou pela
cintura, e apesar de que Darcy não era muito forte para erguê-
la até a sela, não a soltou por mais que ela se debatesse e
gritasse.
— Clim tinha razão. — Darcy alardeou, reduzindo a
velocidade de sua montaria. — Não será fácil domá-la!
Beau rosnou. Aquilo era o máximo a que chegavam suas
conversas desde que ele havia descoberto como era rápido e
preciso um chicote.
— Fique quieta de uma vez. — Darcy ordenou, agarrando
Shannon com mais força. — Beau será o primeiro a desfrutar
seu corpo porque é o maior. Eu serei o terceiro, assim, reserve
suas forças até então... Aaah!
As palavras acabaram em um grito de surpresa e medo
quando Pretyface apareceu de um ângulo que Darcy não
conseguia ver e se lançou direto à sua garganta.
O fora da lei soltou Shannon para se proteger e, um
instante depois, o ataque do cachorro o derrubou da sela.
Prettyface seguiu Darcy em sua queda, rosnando e
tentando morder sua jugular.
Shannon caiu sobre as mãos e os joelhos do outro lado da
mula, levantou-se, sem perder tempo e começou a correr.
Enquanto o fazia, gritou a Prettyface que deixasse a luta,
consciente de que os Culpepper acabariam com ele se não
fugisse.
Quando conseguiu alcançar a proteção das árvores, olhou
para trás angustiada. No chão, homem e cachorro pareciam
formar uma unidade na sanguinolenta luta. Beau, por sua
parte, continuava sobre a sela. Sacara o revólver e esperava
uma oportunidade para atirar sem ferir seu irmão.
Com lágrimas escorrendo pelo rosto e o fôlego rasgando
seus pulmões, Shannon entrou correndo no bosque,
aproveitando a oportunidade que Prettyface lhe havia oferecido
para escapar. Correndo na maior rapidez que conseguia, rezou
para ser capaz de chegar a tempo ao túnel secreto que
conduzia à fonte, entrar na cabana através da caverna e pegar
a escopeta antes que fosse muito tarde para ajudar seu
cachorro.
Porém, Shannon havia percorrido somente uma parte do
caminho quando o revólver de Beau abriu fogo.
Rafe parou Sugarfoot bruscamente na beirada de um dos
muitos cruzamentos do caminho da Avalanche Creek. O cavalo
agitou a cabeça levemente e se manteve calmo.
Escutando com muita atenção, totalmente imóvel com
exceção de seus olhos, Rafe esquadrinhou as sombras e o
bosque em todas as direções. Porém não viu nem ouviu nada
que explicasse a inquietação que lhe corroía as entranhas.
— Estou imaginando coisas. — Resmungou.
Ainda assim, continuava escutando a voz de Shannon
gritando seu nome em cada sopro do vento, cada agitação das
árvores, cada sussurro de água sobre o leito do riacho.
Rafael, eu não pretendia exigir seu amor.
Apertou suas grandes mãos formando punhos.
— Maldição, Shannon. Faz-me sentir confuso.
Eu o amo, Rafe.
Estava com os dedos tão apertados que as rédeas se
cravaram na pele apesar das luvas.
— Não quero o seu amor. — Murmurou, apertando a
mandíbula. — Não quero me sentir em dívida. Não posso ficar
em um só lugar, meu doce anjo.
De repente, Rafe ficou violentamente tenso. As orelhas de
Sugarfood se levantaram e sua elegante cabeça cinza se virou
para observar o caminho que haviam deixado para trás.
Alguém havia disparado um revólver e o som parecia
proveniente do vale onde vivia Shannon.
Ela não possuia uma arma como aquela; os Culpepper,
sim.
Sem nem mesmo pensar, Rafe virou Sugarfoot e o
esporeou. Enquanto sua montaria se punha em marcha com
um salto, verificou que seu rifle de repetição estivesse firme em
sua funda, já que havia momentos em que um chicote não era
suficiente.
Inclinando-se ao máximo sobre o pescoço do cavalo, Rafe
o instigou a seguir um ritmo frenético. As rochas e as árvores
passavam junto a eles a toda velocidade, porém não lhe parecia
suficiente.
Teria sido capaz de vender sua própria alma para chegar
até Shannon antes de permitir que alguém a ferisse. Sem
dúvida os Culpepper haviam regressado em sua procura e a
atacaram ao encontrá-la sozinha.
Sugarfoot voltou a percorrer a galope o caminho da
Avalanche Creek. Quando o bosque se espessou, o cavalo
reduziu os passos só o suficiente para se desviar das árvores
caídas e atravessar pequenos canais de água.
Rafe parecia ter se fundido com Sugarfoot e exercia uma
pressão constante nas rédeas para ajudá-lo a recuperar o
equilíbrio após um salto difícil.
De repente, escutou mais tiros na distância procedentes
de diferentes revólveres.
Não lhes respondeu nenhuma escopeta.
— Corra, Sugarfoot. — Rafe o instou com os dentes
apertados. — Corra!
As esporas reforçaram as palavras e o animal respondeu
alongando ainda mais suas passadas. Com o pescoço estirado
ao máximo e a cauda ondulando ao vento, Sugarfoot
atravessou o bosque a uma velocidade realmente perigosa. Um
tropeço, um erro, e cavalo e cavaleiro sofreriam as
consequências de uma queda mortal.
Apesar de ser consciente do perigo que corria Rafe não
reduziu a marcha em nenhum momento. Tinha muito presente
o modo com que os Culpepper haviam observado Sharon em
Holler Creek.
E agora ela estava a mercê deles.
Quando se encontrava perto de seu objetivo, Rafe puxou
com força as rédeas e Sugarfoot freou levantando uma camada
de poeira. O vale estava somente a dez metros de distância.
Com o rifle em uma mão e o chicote sobre o ombro, Rafe
desmontou com um salto e começou a correr.
Mas, antes que pudesse alcançar o limite do bosque uma
corda surgiu das sombras e se enroscou ao redor de seus pés.
Mesmo assim, conseguiu rodar enquanto caía, libertando-se da
corda e recuperando o equilíbrio com um só movimento.
Porém já era muito tarde.
Ao se levantar, se encontrou com o cano do revólver de
Floyd Culpepper apontando-lhe na testa. Soube que era Floyd
porque segurava a arma com a mão esquerda e o punho direito
estava enrolado com trapos manchados de sangue.
Pálidos olhos azuis contemplaram Rafe com uma
expressão de regozijo.
— Olhe quem veio, Clim. Darcy estava certo quando disse
que este tipo voltaria quando ouvisse os tiros.
— E isso porque você acreditava que Darcy só tentava nos
afastar para roubar minha vez de desfrutar da viúva. — Clim
resmungou depois de cuspir o tabaco que estivera mascando.
Ao ouvir aquilo, Rafe sentiu que o fio de um punhal
atravessava as entranhas até chegar a sua alma.
— Qualquer um que tocar em Shannon é um homem
morto. — Afirmou em tom frio e letal.
— Bonitas palavras, — Floyd zombou enquanto lhe dirigia
um sorriso que deixava a descoberto seus dentes negros. —
Embora eu pense que não está em posição de exigir nada. Tire
o rifle e o chicote.
Rafe seguiu suas instruções, porém seus olhos cinza não
deixaram de avaliar a distância que o separava da arma que
Floyd empunhava e da que Clim mantinha no coldre.
— Vê algum punhal, Clim?
— Não. De todo modo, dizem que ele nasceu na Virgínia
Ocidental, e ninguém que venha de lá poderia ganhar em uma
luta com punhal.
— Dê o sinal. — Floyd lhe indicou então.
Clim emitiu três curtos e agudos assovios, que obtiveram
como resposta outro assovio.
— Caminhe. — Floyd ordenou a Rafe, assinalando o vale
com o punho enfaixado. — Se tentar escapar, não duvide que
eu apertarei o gatilho.
Rafe não duvidava. Começou a andar, preparado para
saltar ou atacar para qualquer direção ao primeiro sinal de
descuido por parte dos Culpepper. Mantinha as mãos em uma
posição estranha, separadas dos lados com os dedos levemente
curvados.
— Eu lhe disse. — Floyd comentou a Clim depois de dar
alguns passos.
— Ao que se refere?
— Este tipo não é ninguém sem seu chicote e seu rifle. É
tão serviçal como um cachorro bem treinado.
Clim rosnou.
— Sim, um cachorro inclusive maior do que aquele ao
qual Beau atirou.
Já teríamos a viúva se aquele maldito animal não tivesse
saltado sobre Darcy quando a prendeu.
Rafe sentiu que uma onda de alívio o inundava ao saber
que Shannon conseguira escapar.
— Não se preocupe. — Floyd disse ao seu irmão. — Pode
ser que Beau não fale muito ultimamente, porém continua
sendo malditamente bom rastreando. Pegará a viúva antes que
ela vá muito longe. Diabos, também há muitos lugares onde se
esconder.
— Porque não atira neste bastardo de uma vez e
acabamos com isto? — Clim perguntou sem afastar o olhar do
homem que caminhava diante dele. Apesar de ele estar
desarmado, a contida tranquilidade que ele transmitia o
deixava nervoso.
— Sabe tão bem quanto eu que Beau precisa ajustar
contas com este tipo. — Floyd respondeu secamente. — Quer
ser você quem lhe diga que não poderá se divertir com ele
porque o matou?
Clim resmungou algo ininteligível e depois se limitou a
andar em silêncio.
Entretanto, Shannon conseguira chegar à cabana através
do túnel de emergência que conduzia à caverna, e agora
esquadrinhava o vale com olhos cautelosos através das
persianas.
De repente, um movimento nas árvores captou sua
atenção e sentiu que seu coração deixava de bater ao ver os
três homens que surgiam do bosque.
Não pode ser Rafe! Ele havia partido.
O fato de ver o homem que amava nas mãos dos
Culpepper afastou da mente de Shannon o medo por Prettyface
e a obrigou a se concentrar em salvar a si mesma, porque só
então poderia salvá-lo.
Quase incapaz de acreditar que Rafe tivesse retornado, se
inclinou à frente e observou detidamente o homem que
precedia a marcha através das persianas mal encaixadas.
Não havia dúvida que era Rafe. Porém a luz do sol que
refletia sobre seus cabelos e desenhava sua poderosa silhueta,
também mostrou a Shannon que estava desarmado e que o
chicote que sempre levava ao ombro havia desaparecido.
A jovem precisou morder o lábio para reprimir o forte
desejo de gritar, de lhe dizer que não estava sozinho, que ela o
ajudaria. Porém, gritar não serviria para nada, exceto para
delatar sua localização. Disposta a tudo para salvar Rafe, se
virou, dirigindo-se à porta e pegou a escopeta que estava
pendurada nos ganchos.
Bem no momento em que se dispunha a sair, ficou
paralisada ao ouvir vozes no exterior.
— Eu disse que o pegaríamos!
— Sim. Foi mais fácil do que esperávamos. — Respondeu
alguém que parecia estar perto da cabana.
Com o coração pulsando freneticamente, Shannon mudou
a escopeta de mão e voltou a se aproximar da janela para ter
uma visão geral do que estava ocorrendo.
Rafe atravessava o vale com passo firme, seguido de dois
homens montados sobre mulas. Outro Culpepper se
encontrava a três metros da porta da cabana, observando como
se aproximavam os outros três. O lamentável estado de suas
roupas e as marcas de sangue em seu rosto e seus braços
indicaram a Shannon que se tratava de Darcy, o homem que
Prettyface havia atacado.
As mãos de Shannon se apertaram em volta da escopeta
ao pensar por um instante no fiel cachorro, porém no instante
se obrigou a se concentrar no perigo que Rafe corria.
Não havia tempo para abrir caminho pelo túnel para
surpreender os Culpepper. Teria que agir dali.
E logo.
Poderia abrir a porta da cabana e atirar no homem que
estava mais perto.
Franzindo o cenho, pensou que não era uma boa ideia.
Daquele modo deixaria fora do jogo a um deles, porém então,
os outros dois Culpepper atirariam em Rafe antes que ela
pudesse recarregar a escopeta.
E não podia esquecer que o mais velho dos irmãos devia
estar por perto. Provavelmente ainda se encontrava no bosque
tentando encontrá-la, e, se ouvisse tiros, voltaria a toda pressa.
Talvez só precise ameaçá-los para conseguir que joguem
suas armas.
Depois de um momento, Shannon decidiu que aquela era
sua melhor opção. Esperaria até que os outros dois Culpepper
estivessem mais perto e lhes ordenaria que largassem as
armas. Se fosse obrigada a atirar, Rafe teria o bom senso
suficiente para jogar-se ao chão. E conhecendo sua rapidez e
tamanho, provavelmente derrubaria um dos irmãos com ele.
Com os nós dos dedos, brancos pela pressão, Shannon
ficou em pé, imóvel, junto à janela, observando cada passo que
o grupo formado por três homens dava à cabana. Se tivesse
sorte, Rafael se arrumaria para se separar de seus captores de
algum modo. Dessa forma, ela não precisaria se preocupar em
feri-lo no caso de ter que atirar.
Devagar, com cuidado, movendo-se milímetro a milímetro,
abriu as persianas, o suficiente para apoiar a escopeta no
beiral da janela. Armou o gatilho, apoiou o dedo levemente
sobre o gatilho e aguardou pacientemente, sem perder de vista
o homem que apontava para Rafael com seu revólver.
— Algum sinal da viúva? — Clim perguntou, enquanto
desmontava.
Darcy negou com a cabeça.
— Deve estar em algum lugar do bosque.
Por baixo da predadora aparência de Rafe, a esperança de
que Shannon estivesse a salvo diminuiu o profundo frio que
invadira sua alma ao pensar que podia estar nas mãos dos
Culpepper.
— Acalmem-se nós a pegaremos. Beau está seguindo os
rastros. — Darcy acrescentou. — E depois de nos divertirmos
com ela, a mataremos igual ao seu cachorro.
— Vejo que Prettyface engordou com você. — Rafe o
provocou. — Certamente não gostou do seu sabor.
Darcy mudou a bola de tabaco de um lado ao outro de sua
boca e deu uma olhada gelada para Rafe.
— Atacar meu irmão foi a última coisa que aquele maldito
cachorro fez. — Floyd interveio. — Beau atirou nele.
— Deveria ter matado Beau em Holler Creek. — Rafe
zombou. — Não voltarei a cometer o mesmo erro.
Darcy cuspiu o tabaco que estivera mascando sobre as
botas de Rafe, que se limitou a olhá-lo e a pensar em novos
insultos que distraíssem Floyd o tempo suficiente para tomar
seu revólver. A seguir, se encarregaria de Darcy.
— O que fazemos agora? — Floyd perguntou.
— Esperar Beau.
— Preciso de um pouco de uísque. — Floyd resmungou,
olhando seu braço direito com apreensão. — Cada vez que
minha mula dá um passo é como se alguém me desse uma
martelada no punho.
Rafe sorriu.
— Não tem bom aspecto, Floyd. E esse cheiro que
desprende do ferimento... Surpreende-me que possa suportar.
— Terá que esperar. — Darcy disse a Floyd, sem olhar
para Rafe. — Beau leva o uísque com ele.
Atrás de Rafe, a mula de Floyd se moveu e sacudiu a pata
dianteira direita para espantar uma mosca.
— Maldição. — Floyd rosnou. — Isso dói.
— Então desmonte e deixe de se queixar. — Darcy
replicou. — Eu ainda estou sangrando por culpa daquele
maldito cachorro e não me ouve gemer, certo?
A sela rangeu quando Floyd se preparou para desmontar.
A adrenalina correu forte pelas veias de Rafe. Era o
momento que estivera esperando. Pelo rabo do olho, pode ver a
sombra de Floyd se deslizando para o chão enquanto se movia.
Continuava segurando o revólver com a mão esquerda,
porém, enquanto desmontava, o cano de sua arma se desviou
de seu alvo por um segundo. Era justo o que Rafe estava
esperando.
Em um rápido movimento, virou e ao mesmo tempo
lançou um chute. Sua bota impactou no punho ferido de Floyd,
que soltou um estranho som e caiu inconsciente ao chão pela
dor.
Rafe pegou a pistola de Floyd e voltou a se virar enquanto
o dorso de sua mão esquerda impactava contra o pescoço de
Darcy.
O som do golpe ficou amortizado pelo grito de raiva de
Clim, que sacou um longo punhal e se balançou sobre Rafe
pelas costas.
Porém ele se afastou tão rapidamente que Clim passou ao
seu lado cambaleando e perdeu o equilíbrio. Um veloz
movimento das mãos de Rafe fez Clim cair rodando e aterrissar
sobre as costas. Quando voltou a se levantar e atacou
novamente, Rafe se esquivou de novo de sua investida, agarrou
seu inimigo e o jogou de cabeça contra a lateral da cabana.
Clim chocou com tal força que fez os troncos vibrarem e caiu
inerte sobre a grama.
No preciso instante em que Rafe se dispunha a se inclinar
para verificar o estado de Clim, ouviu-se o estouro do disparo
de uma escopeta e Shannon gritou do interior da cabana.
A janela estava mais perto de Rafe do que a porta, assim,
deu um chute nas persianas entreabertas enquanto saltava
sobre o beiral da janela, contando que o fator surpresa lhe
desse vantagem a respeito do que fosse encontrar no interior.
Shannon se virou no instante para ele com o rosto pálido
enquanto sua mão armava freneticamente a escopeta.
— Acalme-se, pequena. Sou eu.
Ao ouvir aquilo, Shannon emitiu um débil gemido e ficou
ali em pé, cambaleando, lívida e com os olhos arregalados.
— Eu... — Sua voz se apagou. — Um Culpepper... a
caverna... ele...
Rafe deu uma olhada à porta aberta do armário atrás dela
e viu as botas ensanguentadas de um homem caído.
Shannon começou a se virar para o armário, porém antes
que pudesse acabar Rafe pegou a escopeta das mãos e se
colocou em frente a ela para bloquear sua visão.
— Você fez o que devia. — afirmou com suavidade. — Eu
me encarregarei disto. Vá lá fora e se assegure que Floyd
continua inconsciente.
— F... Floyd?
— O que tem o punho enfaixado.
— E os outros dois?
— Não acredito que criem muitos problemas. — disse com
tom neutro — Vá pequena. Sairei em um momento para
recolher suas armas.
Entregou-lhe de novo a escopeta, destrancou a porta e
observou Shannon com muita atenção quando passou ao seu
lado. Ela estava com os olhos muito escuros e sua pele perdera
qualquer cor, porém segurava com firmeza a escopeta. Seguiu
caminhando até alcançar uma posição que lhe permitia vigiar
os três Culpepper ao mesmo tempo.
— É única, Shannon Conner Smith. — Rafe murmurou
para si. — Nunca conheci ninguém como você.
Virou-se e se aproximou do armário. Acendeu a lâmpada e
a segurou por cima de Beau Culpepper durante alguns
segundos antes de apagá-la. Depois, saiu da cabana para se
reunir com Shannon.
— Está morto? — Ela perguntou sem rodeios.
— Sim.
Shannon fechou os olhos por um instante e seu corpo
tremeu visivelmente, porém não afrouxou a pressão de suas
mãos ao redor da escopeta.
— Carregava um punhal em uma mão. — Rafe continuou
— e um revólver na outra. Não se sinta culpada pelo ocorrido.
Esse maldito bastardo estava procurando por isto fazia muito
tempo. Sinto que tivesse que ser você a lhe dar o merecido
Shannon respirou profundamente para tentar se acalmar.
— Prettyface...
Não conseguiu dizer mais.
— Eu o encontrarei. — Rafe assegurou. — Porém antes,
será melhor que me encarregue destes tipos.
Para sua surpresa, Clim ainda continuava com vida.
Darcy não tivera tanta sorte. Floyd estava recuperando a
consciência e não deixava de gemer e se queixar.
Falando com suavidade, Rafe se aproximou de uma das
mulas e desamarrou a manta enrolada atrás da sela. O animal
o olhou com receio, mas, não fez nenhuma tentativa de
escapar; era evidente que os Culpepper haviam treinado seus
animais para que não ficassem nervosos por alguns tiros e um
pouco de sangue.
— Nunca vi um homem lutar como você. — Shannon disse
enquanto observava Rafe e recordava de seus rápidos e
inesperados movimentos. — Aprendeu a lutar assim na
Virgínia Ocidental?
— Na China.
Com uma mão, Rafe tirou as armas de Darcy, e com a
outra, estendeu a manta e o cobriu. Depois, se virou para os
outros Culpepper.
— Os chineses conhecem técnicas de luta milenares. O
que fiz foi somente uma brincadeira de meninos. —
Acrescentou.
Shannon fez um som de incredulidade.
— É verdade. — Rafe insistiu. — O homem que me
ensinou não chegava ao meu esterno e pesava menos do que
você, mas podia me derrubar e me manter imobilizado em
apenas alguns segundos. Usava suas mãos e seus pés de uma
forma que nunca voltei a ver.
Enquanto falava, pegou as pistolas e facas dos homens
feridos, recuperou seu próprio chicote e o pendurou no ombro.
Amarrou Clim pelos punhos e os joelhos com correias de couro
e fez o mesmo com Floyd, ignorando seus grunhidos
— Onde a surpreenderam? Perguntou a Shannon
enquanto se erguia.
— A meio caminho entre a cabana e o bosque, junto ao
grande toco.
Rafe se aproximou da jovem, ergueu seu queixo com a
mão, e a beijou nos lábios com suavidade antes de soltá-la.
— Fique aqui e mantenha os olhos abertos. — Avisou-a —
Eu trarei Prettyface.
Por um momento, os olhos de Shannon refletiram a
terrível angústia que sentia por seu cachorro, mas assentiu e
voltou a vigiar os Culpepper.
Rafe montou sobre uma mula e se dirigiu para o vale.
Quando se aproximou do lugar que Shannon lhe descrevera,
começou a sondar a alta folhagem e as flores silvestres. Não
levou muito tempo para encontrar o enorme cachorro.
Amaldiçoando entre dentes, olhou preocupado para
Prettyface. Ainda segurava entre os dentes um pedaço de tecido
ensanguentado. Um sulco vermelho pouco profundo
atravessava seu crânio bem por cima dos olhos, que mantinha
meio abertos e vidrados. Outro ferimento deixava uma
brilhante franja de sangue que atravessava seu manchado
peito e uma terceira bala havia perfurado a parte superior de
uma de suas patas traseiras.
Ao ver que o sangue fluía lentamente dos ferimentos, Rafe
se apressou a desmontar. Um instante depois estava de joelhos
junto a Prettyface verificando que o costado do animal subia e
abaixava levemente, porém com regularidade.
— É um tipo duro, certo? — Disse em voz baixa.
Tentando lhe fazer o menor dano possível, procurou com
dedos cuidadosos mais possíveis ferimentos. Prettyface
estremeceu e soltou um agudo queixume.
— Fique calmo. — Sussurrou. — Parece que o pisotearam
e sangra por três ou quatro lugares, mas é forte e viverá para
brincar de novo entre as flores com sua dona.
Antes que Prettyface recuperasse a consciência, Rafe
pegou-o entre seus braços, se levantou e pegou as rédeas da
mula. O cachorro só deu um gemido de protesto enquanto
atravessavam o vale com a mula seguindo-os durante todo o
caminho.
A primeira coisa que Rafe viu quando se aproximou da
cabana foi um desconhecido alto e moreno que o observava do
pátio com olhos cor do aço de um revólver.
Maldição. Espero que não seja outro dos Culpepper.
— Shannon? — Rafe chamou.
— Se está se referindo a mulher que parece disposta a
atirar em mim, se eu cometer alguma estupidez, está dentro da
cabana com uma escopeta.
Rafe olhou à janela e comprovou que o cano da escopeta
aparecia através das persianas seguindo até o mínimo
movimento do desconhecido; assim, prudentemente, ficou a
um lado para se afastar da trajetória da arma no caso de
Shannon atirar.
O forasteiro de cabelos escuros assentiu, compreendendo
porque Rafe se movera.
— Ocupe-se de seu cachorro. — Disse olhando Prettyface
com pena. — Esperarei.
Logo, os olhos do desconhecido mudaram, tornando-se tão
duros como o sílex ao fixá-los nos três Culpepper que estavam
no chão.
Rafe se ajoelhou e deixou Prettyface sobre a grama com
delicadeza. Quando voltou a se levantar, o longo chicote
deslizou por seu ombro e a ponta caiu sobre sua mão
esquerda. Redemoinhos de couro se ondularam como uma
serpente aos seus pés.
— Saia, Shannon. — Rafe ordenou com clareza. —
Prettyface está ferido, porém viverá.
No instante, o cano da escopeta desapareceu da janela e
ela saiu correndo com o medo e a esperança claramente
refletido em seu rosto.
— Prettyface? — Perguntou com voz rouca.
— Fique atrás de mim. E tenha cuidado com essa
escopeta.
Shannon não se preocupou em responder para Rafe,
porque já desarmara a arma. Fez o que ele lhe dizia e se
ajoelhou junto ao cachorro enquanto lhe dirigia suaves
palavras de consolo.
Durante todo o tempo, Rafe não afastou o olhar, nem um
segundo, do alto forasteiro cujo casaco, calças e botas haviam
feito parte, em seu momento, de um uniforme do exército do
Sul.
— Conhece estes tipos? — Inquiriu.
— Pelo aspecto de suas mulas, diria que são os Culpepper.
— Respondeu o desconhecido.
— São seus amigos?
— Estou seguindo seus rastros desde Appomattox. Aos
onze.
— Por alguma razão em particular? — Rafe perguntou,
sem nenhuma entonação na voz.
— São procurados, vivos ou mortos, no Texas. Durante a
Guerra da Secessão mataram três mulheres e venderam seus
filhos aos comanches. Quando os pais das crianças retornaram
à casa, da guerra, descobriram o que havia acontecido, e se
puseram em marcha para resgatar seus filhos, já era muito
tarde. Todos haviam morrido.
Rafe não fez mais perguntas, não era necessário. Era
evidente que aquele homem era, sem dúvida, um antigo oficial
confederado. E só precisava olhar em seus olhos sombrios para
deduzir que, provavelmente, sua mulher fora uma das três
vítimas assassinadas pelos Culpepper e que seus filhos
estavam entre os desaparecidos.
— Hoje é seu dia de sorte. — Rafe comentou suavemente.
— Estes três são Clim, Darcy e Floyd Culpepper.
— Estão mortos?
— Darcy, sim. Clim e Floyd continuam vivos, Ainda que
não apostasse nem um dólar confederado por suas
possibilidades. Clim está com as costas quebradas e o punho
de Floyd desprende um cheiro nauseabundo.
— Gangrena?
Rafe assentiu.
— Por causa da briga em Holler Creek? — Perguntou o
desconhecido.
— Não foi exatamente uma briga. Somente me limitei a lhe
ensinar as normas básicas da boa educação.
Se fosse possível chamar àquela boca se levantando
levemente, de sorriso, então, o antigo oficial do Sul sorria.
— Pensei que devia ser você. — Disse, olhando o longo e
inquieto chicote. — Chicote Moran, certo?
— Chamam-me assim.
— Eu me chamo Hunter, desde a guerra.
— O Caçador. — Rafe disse com tom neutro, assentindo,
em reconhecimento.
— Ouvi que Beau estava com eles. — Hunter acrescentou,
enquanto apontava os Culpepper.
— Estava.
— Então, voltou a escapar? Maldito bastardo! — De
repente recordou seus modos e se dirigiu a Shannon: —
Desculpe-me, senhora.
— Não se preocupe. — Shannon não tirou os olhos de
Prettyface. Não sou uma doce dama sulista. Na verdade, acabo
de matar um homem.
As negras sobrancelhas do forasteiro se ergueram.
— A um Culpepper?
Shannon assentiu.
— Acredite-me, senhora, muitos lhe diriam que não se
pode considerar um Culpepper como um homem. — Hunter lhe
assegurou. — Especialmente os que se encarregaram de
enterrar o que restou daquelas três mulheres. — Virou-se para
Rafe e perguntou: — Para onde foi Beau?
— Direto ao inferno, imagino.
— Está morto? — Inquiriu, olhando de novo ao seu redor.
Rafe assentiu.
— Na cabana.
O desconhecido assinalou com a cabeça para Shannon,
planteando uma silenciosa pergunta.
De novo, Rafe assentiu.
Parte da feroz tensão do corpo daquele homem
desapareceu. E até que ele não relaxou Rafe não tinha
consciência da adrenalina que corria por suas veias.
— Oferecem quinhentos dólares pela cabeça de Beau,
duzentos pelas de Floyd e Darcy, e cem pela de Clim. —
informou-lhes. — Encarregar-me-ei que os recebam.
— Não — Shannon exclamou com violência. — Não quero
dinheiro manchado de sangue. Não os teríamos matado se
tivéssemos outra opção.
Hunter deu uma rápida olhada a Rafe e, de novo, sua
boca se ergueu muito levemente ao compreender que, no
concernente àquele enorme homem loiro, os Culpepper haviam
assinado sua própria sentença de morte no momento em que
atacaram Shannon.
— Se me ajudar a carregá-los em duas mulas, os
entregarei ao primeiro caça recompensas que encontrar. — Ele
disse com voz fria.
— Não vai entregá-los você mesmo?
— Abner, Horace, Gaylord, Erasmus e Jeremiah
Culpepper ainda continuam vivos. Há rumores de que Erasmus
e Jeremiah se dirigiam para Virgínia City. Agora que estes já
receberam seu merecido, continuarei procurando os outros
três.
— E o que há com os outros?
— Meu irmão Case está seguindo Erasmus e Jeremiah.
Quando os onze Culpepper se dividiram, nós fizemos o mesmo.
Case extraiu a palha mais curta, assim, só lhe tocou dar caça a
dois desses bastardos. Ainda que não me surpreenderia que ele
chegasse antes que eu à Virginia City.
— Onze. — Rafe resmungou. — E os dois que faltam? É
provável que os encontre em breve?
— Não creio. Estão enterrados em algum lugar do
caminho que leva ao Texas.
Rafe não precisou perguntar quem os havia enterrado.
Havia algo naquele desconhecido que o recordava Caleb Black;
um homem íntegro, porém implacável.
O tipo de homem que ninguém gostaria de ter como
inimigo.
— Espero que você e seu irmão prendam os cinco que
continuam vivos.
— Nós o faremos. Pode contar com isso.
Rafe lhe deu um sorriso torto e se virou para Shannon.
— Suba a uma dessas mulas e vá buscar o xamã. —
indicou — Ele poderá cuidar de Prettyface enquanto estivermos
fora.
Shannon ergueu a cabeça bruscamente.
— Aonde você vai?
— Vamos. — corrigiu — Se formos logo, chegaremos ao
rancho de minha irmã antes que perceba.
Shannon abriu a boca.
— Não. — Rafe rugiu interrompendo qualquer coisa que
ela fosse dizer. — Ao diabo com o bom senso. Desta vez irá
comigo, mesmo que tenha de amarrar você à sela.
CAPÍTULO 13

Shannon acordou assustada e olhou ao seu redor com o


coração pulsando violentamente. Estava amanhecendo e as
estrelas quase haviam desaparecido. Encontrava-se em um
pequeno quarto. Rafael falava em voz baixa na varanda e Caleb
Black lhe respondia.
Aquilo era o que a despertara. O som de vozes masculinas.
Mesmo três dias depois da brutal luta com os Culpepper,
continuava nervosa, assustada com o mínimo som e olhava
constantemente por cima do ombro para se assegurar que
ninguém a seguia.
Respirou profundamente e até ela chegou um delicioso
aroma de café, pãezinhos e bacon, fazendo seu estômago
reclamar em uma instantânea resposta. Rafael e ela haviam
chegado tão tarde da noite anterior, que Willow fizera pouco
mais que saudá-los antes de se deitar. O trajeto se prolongara
excessivamente devido a sua negativa em montar sobre as duas
mulas que Hunter deixara para ela.
Saiu da cama e se vestiu rapidamente, porque não
desejava ficar deitada enquanto os outros trabalhavam. Pelo
que lhe contara, Willow estava muito ocupada com seu filho, a
gravidez e cozinhando para todos os habitantes do rancho. Isso
sem mencionar as tarefas de costurar, remendar, tecer, limpar,
lavar as roupas, passá-las, cuidar do pomar, alimentar os
frangos, recolher os ovos...
Caleb, por sua parte, se encarregava do gado e dos
cavalos, de cortar lenha, construir e consertar valas, levantar
edificações anexas, limpar bebedouros, estábulos e currais,
domar cavalos, marcar os bezerros, fazer móveis... A lista era
interminável.
Com passos rápidos, Shannon desceu as escadas de
madeira do desvão onde havia dormido e atravessou a casa até
a cozinha, correndo.
Willow estava fritando bacon, fazendo pãezinhos e
removendo uma panela de frutas cozidas da estufa de lenha.
Seus brilhantes cabelos loiros dourados, um pouco mais
escuro do que os de Rafe, estavam presos em um rabo e seus
bonitos olhos cor de avelã possuíam a mesma forma felina que
os de seu irmão.
— Bom dia, senhora Black. — Shannon a saudou.
Willow se virou e sorriu.
— Me chame de Willow, por favor.
— Willow. — Shannon repetiu, sorrindo. — Então, você
deve me chamar de Shannon.
— Bonito nome. O Oeste já lhe deu algum apelido?
Shannon não acreditou que doce anjo, pudesse ser
considerado um apelido. E mesmo que fosse não estava
disposta a dizê-lo à irmã caçula de Rafael.
— Ainda não. — Respondeu sem reprimir um sorriso ao
ver como a pronunciada curva da gravidez de Willow repuxava
o tecido do seu vestido. — Surpreende-me que Rafael a chame
de Willy.
— Rafael? — A jovem franziu o cenho por um instante
antes de sorrir. — Oh!, se refere a Rafe.
— Alto, de ombros largos, com os cabelos muito loiros,
atraente como um anjo caído e teimoso como uma mula do
Missouri?
Willow soltou uma risada.
— Esse é Rafe. Ele me chama de Willy porque eu
costumava seguir meus irmãos a todas as partes como se fosse
um menino em vez de uma menina.
— Quantos irmãos você tem?
— Cinco. Matt vive a menos de um dia a cavalo com sua
mulher, Eve.
— Matt? — Shannon perguntou.
— Provavelmente ouviu falar dele com o nome de Reno.
Mesmo eu o chamo assim na maioria das vezes. E a verdade é
que também estou me acostumando a pensar em Rafe como:
Chicote Moran.
— John, o Silencioso mencionou Reno uma vez. —
Shannon comentou. Mas, desejando evitar o complexo assunto
sobre seu tio e seu falso casamento, perguntou: — Onde estão
seus outros irmãos?
— Na Escócia, Birmânia e na Selva Amazônica segundo a
última coisa que sei. Porém isso faz anos. Agora podem estar
em qualquer lugar.
— Formam uma família de viajantes.
O atormentado tom da voz de Shannon fez Willow se virar
outra vez e a observar atentamente. Uma única olhada à sua
magra e nervosa convidada, lhe indicou que sua primeira
impressão estava correta: Shannon sentia algo mais do que
carinho por Rafe.
— Sim, suponho que sim. — Virou-se de novo à estufa. —
De todo modo, mesmo que fôssemos gente caseira, não
poderíamos regressar à Virgínia Ocidental. A guerra nos tomou
tudo o que tínhamos.
Shannon permaneceu em silêncio ao ouvir aquilo,
sabendo que nada do que dissesse seria adequado.
— Há momentos em que escuto certas reminiscências do
Sul em sua voz. — Willow comentou enquanto peneirava a
farinha.
— Virgínia. — Shannon confirmou. — Faz muito, muito
tempo.
— Foi por isso que você veio para o Oeste? A guerra
também tomou o seu lar?
Em qualquer outra pessoa, a pergunta poderia ser
ofensiva. Porém a voz e o doce olhar de Willow refletiam
compaixão mais que curiosidade.
Shannon fechou os olhos por um instante, pensando em
como explicar àquela dama sulista o inferno em vida que
sofrera, antes de seu tio a levar para o Colorado.
— Não importa. — Willow disse rapidamente. — Não
pretendia me intrometer. Deseja uma caneca de café, ou
prefere chá?
— É verdade que tem chá?
A esperançosa pergunta de Shannon foi muito reveladora
para Willow.
— Sempre temos chá. Jessi, a mulher de Wolfe Lonetree,
se criou na Escócia e Inglaterra. E também Wolfe, em parte.
— Wolfe. — Shannon franziu o cenho. — Rafael o
mencionou uma vez.
— Não me surpreende. Rafe ganhou o apelido de Chicote,
no dia que alguns bêbados de Canyon City insultaram a esposa
de Wolfe pelo fato de ter se casado com um homem com sangue
índio.
— Assim foi como conheci seu irmão. — Shannon
comentou, recordando a incrível velocidade do punho de
Rafael, o duro chiado do chicote e o brilhante sangue na boca
suja de Beau Culpepper.
Willow fez um som que a animava a seguir falando
enquanto se inclinava para tirar uma bandeja de pãezinhos do
forno. Estava decidida a descobrir como seu irmão conhecera a
mulher, ou, segundo Rafe, a viúva, de um dos caça
recompensas mais famosos do Oeste.
— Estava comprando sal e farinha na tenda de provisões
de Holler Creek quando entraram os Culpepper. — Shannon
explicou. — Começaram a dizer coisas horríveis de mim, e eu...
— Encolheu os ombros.
— Estava sozinha? — Willow perguntou enquanto
colocava com destreza os pãezinhos em um cesto coberto por
um guardanapo.
— Sim. — Shannon respondeu. — Tentei evitar que Rafael
se envolvesse. Tinha medo que saísse ferido porque eram
quatro homens armados contra um, e ele nem usava revólver.
Além do que, os Culpepper eram muito temidos em Echo
Basin.
Willow sentiu que seu coração se paralisava ao pensar em
seu irmão enfrentando quatro homens.
— Os Culpepper não paravam de dizer obscenidades. —
Shannon continuou. — De repente, se ouviu um som parecido
a um tiro e vi sangue na boca de Beau. Ouvi outro som e outro,
e os Culpepper não faziam mais que saltar e gritar. Quando
percebi que aqueles ruídos eram feitos pelo chicote, a luta
praticamente havia acabado.
Willow secou as mãos no avental e deixou escapar um
longo suspiro.
— Sei que meu irmão é muito hábil com o chicote, porém
quatro homens armados ao mesmo tempo... — Balançou a
cabeça, preocupada.
— Eles não esperavam. — Rafe interferiu da entrada. —
Isso deixou tudo muito mais fácil.
Shannon se virou e viu que atrás do homem que amava se
encontrava a imponente figura do marido de Willow.
— Não volte a fazer uma coisa tão malditamente estúpida.
— Caleb aconselhou seu cunhado secamente.
— Não planejara exatamente fazê-lo na primeira vez. —
Rafe explicou.
Caleb soltou uma gargalhada, entrou na cozinha e
acariciou os cabelos de Willow com uma ternura que deixou
Shannon admirada.
— Como está minha garota favorita? — Perguntou
suavemente.
— Ficando enorme para que logo você tenha duas garotas
favoritas.
Sorrindo, Caleb se inclinou sobre sua esposa e lhe disse
algo ao ouvido que só ela pode ouvir. O repentino rubor nas
faces de Willow e o sorriso em sua carnuda boca falaram
eloquentemente sobre a felicidade do casal.
— Esse cheiro é de pãezinhos? — Rafe perguntou.
— Não. — Caleb respondeu rapidamente. Pegou a cesta de
pãezinhos e fingiu escondê-la sob sua jaqueta. — É sua
imaginação.
— Pensei que reagiria dessa forma. — Sorriu e estendeu a
mão esquerda. Em sua palma havia dois fumegantes
pãezinhos. — Então, me servi eu mesmo enquanto você
sussurrava coisas doces ao ouvido de minha irmã.
Shannon emitiu um gemido de surpresa. Rafe agira com
tanta rapidez que nem ela vira como alongava o braço para
pegar os pãezinhos.
Willow revirou os olhos e balançou a cabeça.
— Vocês sabem que faço comida para todos. — Disse,
fingindo desgosto.
— Queria falar com você sobre isso. — Caleb sussurrou,
inclinando-se. — Entre outras coisas...
Shannon piscou e tentou não olhar para o casal. Estava
quase certa que vira os lábios de Caleb acariciando a orelha de
sua esposa.
— Fora. — Willow riu e empurrou as amplas costas de seu
marido. — Se continuar me distraindo, queimarei o bacon e
porei muito sal na mistura dos pãezinhos.
— Já a ouviu. — Rafe interferiu, agarrando o antebraço de
seu cunhado. — Mova-se. Não vai querer estragar os pãezinhos
de Willy.
— Parece admirada. — Willow comentou, tentando não
sorrir.
— Rafael é tão... diferente aqui. — Shannon disse em voz
baixa. — Eu o vi sorrir e brincar antes, porém nunca desse
modo.
— Meu irmão sabe que enquanto estiver aqui, não precisa
vigiar as costas ou cuidar das suas palavras. Somos sua
família.
— Um lar para um corremundo. — Shannon sussurrou
com pesar.
— Esse é meu irmão. — Assentiu e mediu o sal com
cuidado. — Sente a necessidade de viajar desde que tenho
memória.
O choro inquieto de uma criança chegou de repente até a
cozinha. Willow olhou a farinha e o forno, suspirou e lavou as
mãos.
— Desculpe-me. — Disse apressada. — Ethan não tem a
paciência de seu pai. Se não o tirar desse berço e lhe der de
comer, gritará até derrubar a casa.
— Vá tranquila. Eu acabarei de fazer os pãezinhos. Os
trabalhadores comeram?
— A esposa do Homem de Aço cozinha para eles
ultimamente.
— Então, só precisaremos de quatro bandejas mais de
pãezinhos, não é verdade?
Willow ergueu suas sobrancelhas cor de mel.
— Como sabe?
— Rafael come duas bandejas, sozinho.
— Caleb também.
Shannon sorriu levemente.
— Sim, imaginei por seu tamanho. O que deixa uma
bandeja de pãezinhos para nós.
— Se formos bem rápidas. — Willow comentou com ironia.
— Eu os vigiarei com uma escopeta carregada na mão.
— Aos homens?
— Aos pãezinhos. Os homens são bem crescidos para
cuidarem de si mesmos.
Willow saiu rindo em busca de seu filho, cujo pranto se
tornava mais forte por momentos.
Quando todos se sentaram para o desjejum, Ethan já
havia comido, tomado banho e estava vestido com as roupas
que Willow fizera especialmente para ele. Acomodaram o bebê,
em um trono de um velho abeto que Caleb entalhara, ao lado
de sua mãe.
Shannon, que recordava os hábitos que aprendera
enquanto cuidava de seus primos, e sentou-se junto ao
menino. E quando ele se movia inquieto e exigia a atenção de
Willow, ela lhe dava um pequeno pedaço de pãozinho para que
se entretivesse ou submergia uma colher na fruta cozida e
deixava que a lambesse.
A cozinha estava quente e cheirava a comida recém
assada. Rafe havia colhido flores silvestres amarelas e agora
adornavam o centro da mesa. Havia pequenos pratos de
marmelada espalhados por toda a superfície da toalha, e
guardanapos xadrez de azul e branco envolvendo os pãezinhos
e cobrindo o colo de todos exceto o de Ethan. As canecas de
café e chá eram de cerâmica de cor creme, e as facas, colheres
e garfos eram feitos de um metal que brilhava pelo uso e
lavagens diárias.
— Shannon? Não tem fome? — Rafe perguntou,
estendendo-lhe pacientemente uma cesta de pãezinhos.
Shannon deu um salto e olhou seu prato vazio.
— Estava tentando recordar a última vez que vi um jogo
completo de pratos, talheres e guardanapos. — Disse em voz
baixa. — Está tudo tão bonito que quase me dá pena comer.
— Coma de todo modo. Você precisa.
— Não tenho feito outra coisa que comer desde que o
conheci. — Shannon replicou.
— Isso é bom. A primeira vez que a vi, você estava muito
magra.
— Como podia saber? — Ela estranhou — Usava uma
jaqueta e calças de homem.
O olhar de soslaio que Rafe lançou a Shannon a deixou
sem fala, pondo fim à conversa. O fogo em seus olhos lhe
indicou sem dúvidas que seu interesse por ela não havia
diminuído.
Caleb baixou os olhos para seu prato com o fim de ocultar
sua diversão. Era mais que evidente que seu cunhado desejava
ardentemente a jovem que trouxera com ele, e que ainda não a
fizera sua. Entre eles não existia a cumplicidade que desfrutam
os amantes, porém, não era por falta de paixão. Rafe observava
Shannon com faminta avidez e acontecia o mesmo quando ela
o olhava. O desejo entre ambos era quase tangível.
Rafe lhe dissera que acreditava que John, o Silencioso
estava morto. E Shannon, por sua parte, não mencionara em
nenhum momento o seu esposo desaparecido.
Assim, Caleb esperava que não fosse a falta de provas da
morte do famoso caça recompensas que impedia a união de
Rafe e Shannon. Muitos homens haviam morrido no Oeste sem
que ninguém soubesse, e não se surpreenderia que aquele
fosse o caso de alguém tão solitário como John, o Silencioso.
— Rafe me contou que você tem uma cabana em Echo
Basin. — Caleb disse olhando para Shannon.
— Sim, na bifurcação norte da Avalanche Creek. — Ela
explicou.
— Lembro-me de ter perseguido Reno por ali faz alguns
anos. — Caleb comentou. — Um lugar muito belo, quando
consegue se acostumar com a altitude.
Shannon sorriu.
— A única lembrança de meus dois primeiros meses ali
era estar continuamente sem fôlego e me sentir como se levasse
uma pesada carga nas costas.
— Não deve ser fácil conseguir comida naquelas
montanhas. — Caleb acrescentou.
— É isso mesmo. — Ela reconheceu. — Às vezes, só há
seis semanas entre a última geada da primavera e a primeira
do inverno.
— Deve ser um lugar muito solitário para você, sendo a
única mulher em muitos quilômetros ao redor. — Willow
interveio.
Shannon permaneceu em silêncio durante alguns
instantes e começou a untar uma camada de brilhante
marmelada vermelha sobre um pãozinho.
— Para se sentir sozinha, — disse lentamente — precisa
existir alguém de quem sentir falta. Quando vim para o Oeste,
não deixei para trás, ninguém que me importasse.
— Porém passa grande parte de sua vida sozinha. —
Willow insistiu.
— Tenho Prettyface.
— Prettyface? — Willow perguntou.
— O cachorro maior e mais tímido que já vi. — Rafe
interveio secamente. — Ainda estava se recuperando de uma
indigestão, então o deixamos com um xamã.
— Indigestão? — Caleb soltou uma gargalhada, porque
seu cunhado lhe contara o incidente com os Culpepper. — É
assim como o chama?
— Sim — Rafe respondeu. — O Culpepper ao qual tentou
devorar teria feito qualquer um vomitar.
— Como pode fazer uma brincadeira disso? — Willow o
repreendeu. — Pelo que Shannon me disse, aqueles homens
eram muito perigosos.
— Não eram grande coisa sem um revólver nas mãos. —
Rafe lhe assegurou.
— Se tivesse visto Rafe se mover, não ficaria preocupada
com ele. — Shannon interveio. — Acabou com eles antes que
eu pudesse piscar.
— De todo modo, irmãozinho, — Willow resmungou. —
Deveria ter mais cuidado. Pode ser que algum dia se encontre
com um rival mais poderoso do que você.
— Já encontrou. — Shannon disse.
Caleb se virou rapidamente para a jovem. Sua incrível
velocidade fora uma das primeiras coisas que chamaram sua
atenção sobre ele. Chegara a pensar que talvez fosse mais
rápido do que Rafael.
— O que aconteceu? — Caleb lhe perguntou.
— Rafael enfrentou um urso com o seu chicote.
Caleb fixou seu penetrante olhar em seu cunhado.
— Um urso? Maldição! Pensava que possuísse mais juízo!
— Não foi exatamente ideia minha. — Rafe replicou com
ironia. — Estava tomando um banho e, ao ouvir os latidos de
Prettyface, me virei e vi aquele maldito urso levantado sobre
suas patas traseiras. A única coisa que tinha à mão era o
chicote, assim, o usei.
— Afugentou um urso com o chicote? — Caleb o olhou
assombrado.
— Não. Shannon chegou correndo e usou sua velha
escopeta oxidada...
— Minha escopeta está mais limpa do que seu chicote. —
Shannon o interrompeu.
—... nas costas do urso e atirou. — Rafe continuou. —
Deve ter alcançado seu coração, porque morreu no instante.
Caleb virou a cabeça e observou Shannon com um brilho
de respeito em seus estranhos olhos cor de uísque.
— Deve ter muita coragem para fazer isso. — Afirmou.
— Coragem? — Shannon repetiu com um sorriso trêmulo.
Nunca passei tanto medo. Porém tenho má pontaria e sabia
que precisaria me aproximar muito para não errar o tiro.
— Então, se aproximou daquele urso e atirou. — Caleb
concluiu, transpassando-a com o olhar.
— Você também vai gritar comigo? — Shannon perguntou,
observando-o com receio.
Caleb sorriu, fazendo seus duros traços ficarem ainda
mais atraentes.
— Foi isso o que fez o meu cunhado? — Perguntou. —
Gritou com você?
— Sim.
— Não. — Rafe negou firmemente. — Simplesmente lhe
disse que cometeu uma estupidez ao vir correndo aonde não a
chamavam e quase conseguir que a matassem. Prettyface e eu
tínhamos tudo sob controle.
Caleb bufou.
— O urso sabia disso?
Rafe deu uma olhada dura ao seu cunhado e se
concentrou nos pãezinhos em seu prato. Ainda ficava
aborrecido por Shannon ter arriscado sua vida para salvar a
dele.
Em vez de agradecer, ele gritara com ela. E aquilo também
o enfurecia.
Grande surpresa, pensou Rafe com ironia. Tudo o que se
refere a Shannon me deixa furioso.
— Se meu irmão não tem modos para lhe agradecer, —
Willow interferiu — eu sim. Será bem-vinda em nosso rancho
sempre que quiser, durante todo o tempo que desejar.
— Eu também a agradeço. — Caleb concordou. — Por
mais que odeie reconhecer, sentiria saudades do som da flauta
de Rafe ao amanhecer quando nos visita.
— E quem me acusou de fazer o gado estourar por causa
da minha música? — Rafe replicou, se sentindo agradecido
pela mudança de assunto.
— Deve ter sido Wolfe. — Caleb repôs em tom neutro.
— Não me lembro assim. — Rafe zombou.
Shannon escondeu um sorriso e também tentou ocultar
seu desejo quando olhou Rafe de soslaio, mesmo sabendo que
não havia conseguido.
Aprendera que poucas coisas passavam despercebidas aos
olhos de seu anfitrião.
Depois de comer, Caleb e Rafe saíram para verificar o
estado dos cavalos enquanto Willow e Shannon dividiam as
tarefas da casa.
No primeiro dia se estabeleceu o padrão para os seguintes.
Shannon trabalhou igual a sua anfitriã, fosse cozinhando,
costurando ou limpando. E quando Willow protestou dizendo
que Shannon fazia muito, ela simplesmente riu e disse que o
trabalho no rancho era muito mais fácil do que estaria fazendo
se estivesse em Echo Basin.
Depois do jantar do quarto dia, Willow convenceu Caleb
para tirar sua harmônica e tocar algumas de suas canções
favoritas.
Logo os evocadores sons de uma valsa encheram a casa.
Os lampiões ardiam em tons dourados no salão, suavizando
tudo aquilo que sua luz tocava, e as sóbrias linhas do
mobiliário e dos tapetes feitos à mão se transformaram em
sólidas e luxuosas formas.
Com passo decidido, Rafe se aproximou de Willow, se
inclinou com elegância e lhe estendeu a mão.
— Senhora, — disse gravemente — como anfitriã, a
primeira dança da noite é sua.
— Agora estou muito mais desajeitada do que na última
vez que dançamos. — Ela avisou.
Os lábios de Rafe se distenderam em um terno sorriso.
— É uma mulher muito bela, irmãzinha, e sua gravidez só
faz que seja ainda mais.
Sorrindo, Willow se ruborizou e permitiu que seu irmão
mais velho a ajudasse a se levantar. Fez uma reverência com a
graciosidade de uma dama que havia sido educada nos
melhores colégios do Leste e começaram a dançar.
Rafe apertava sua irmã como se fosse uma delicada figura
de porcelana, seus olhos brilhavam de prazer e seus passos se
fundiram sem problemas. Juntos, deslizaram e giraram com
habilidade por toda a sala enquanto a harmônica de Caleb
transformava a noite com sua música.
Shannon observou como os irmãos dançavam com uma
sensação próxima à inveja. Ela também soubera uma vez, o
que era assistir aos bailes, mesmo que fosse somente
aparecendo através das balaustradas do segundo piso de sua
casa e observando os redemoinhos de seda, cetim e música no
salão. Naquela época era muito jovem para dançar e sonhava
em ter idade suficiente para se unir aos elegantes dançarinos
que não paravam de rir.
Porém, antes que aquele momento chegasse, seu mundo
mudou, e as sedas, os vestidos e os bailes desapareceram da
vida de Shannon.
Quando as últimas notas da valsa vibraram através do ar,
Shannon suspirou e se virou para Caleb.
— Não sabia que uma harmônica pudesse emitir sons tão
belos. — Comentou com voz rouca.
Caleb sorriu levemente.
— Você viveu em Echo Basin muito tempo. A única coisa
que pode escutar lá é o uivo dos lobos.
— Você se surpreenderia se lhe dissesse que gosto de
ouvir os lobos sempre que me encontre a salvo no interior de
minha cabana?
— Depois de escutar como você atacou aquele urso, não
há nada que possa me surpreender.
A aprovação nos olhos de Caleb fez Shannon se ruborizar
e sorrir com timidez.
— Se lhe sobrar tempo depois de flertar com meu
cunhado, — Rafe interveio com frieza, se dirigindo a Shannon.
— Podemos deixar que Willow descanse e dançarmos.
— Eu não sei dançar e não estava flertan... — Começou a
responder.
E parou bruscamente. A raiva que viu nos olhos de Rafael
a impediu de continuar falando.
— Rafe Moran! — Willow exclamou envergonhada. — E
seus modos?
— Perdeu-os, — Seu esposo resmungou secamente. —
Junto com seu juízo.
Rafe lhe deu uma olhada feroz.
— Reserve isso para Reno. — Caleb lhe sugeriu com um
sorriso irônico. —Ele está esperando uma oportunidade para
lhe retaliar desde que você o derrubou na última briga e o fez
ver sua crueldade ao tratar a Eve.
— Ele o merecia. — Rafe afirmou. — Estava se
comportando como um maldito estúpido ao rejeitar seus
sentimentos para ela. Qualquer um podia ver.
— Exceto ele. — Caleb assinalou. — Deveria pensar nisso
detidamente. E também deveria se desculpar com Shannon
enquanto a ensina a dançar a valsa.
Dizendo aquilo, piscou um olho para sua esposa, pegou a
harmônica, e começou uma alegre música que se estendeu pela
sala.
Furiosa, Shannon olhava para todos os lugares, exceto
para Rafe. Não fizera nada que justificasse suas injustas
palavras e seu rosto ainda ardia pela vergonha que sua
acusação lhe provocara.
Sem prévio aviso, a grande mão de Rafe apareceu diante
de seus olhos. Seus dedos eram longos, bronzeados,
estranhamente elegantes apesar de sua força. As unhas
estavam limpas e elegantemente cortadas.
Cheirava a menta.
Rafe viu a acusação nos olhos azuis de Shannon quando
ela ergueu o olhar para ele, e também a surpresa ao sentir o
aroma que tanto gostava.
— Menta. — Murmurou.
— Willow a cultiva ali atrás. — Rafe lhe explicou. — Colhi
um pouco para seu quarto quando minha irmã e você estavam
tirando a mesa.
— Eu... obrigada. — Shannon balbuciou. — Foi muito
amável de sua parte.
Ele esticou a outra mão e disse com suavidade:
— Dance comigo.
Meu doce anjo.
Mesmo Rafe não dizendo as palavras em voz alta, elas
estavam refletidas no brilho prateado de seus olhos ao fitá-la.
— Não sei dançar. — Shannon respondeu.
— Eu a ensinarei, se me permitir. Você me permitirá,
Shannon?
— Sim. — Sussurrou.
— Então, aproxime-se de mim. — Sussurrou por sua vez.
Quando Shannon se levantou, Rafe pegou sua mão
esquerda e a guiou ao centro do salão. Ali a fez girar até que
esteve em frente a ele e ergueu a mão. Se estivessem sozinhos,
ele teria beijado o centro da palma, porém, em vez de isso,
pressionou seus dedos com suavidade, Shannon emitiu um
gemido apenas audível. Sua respiração se acelerou e seus olhos
se abriram ainda mais como se fossem luminosas lagoas azuis.
— Coloque sua mão esquerda em meu ombro, — Indicou
Rafe com voz profunda.
— Assim?
— Sim. Agora apoie a mão direita sobre a minha.
Um revelador tremor a percorreu quando sua palma tocou
a de Rafe, que moveu a mão até conseguir agarrar levemente a
dela entre os dedos.
— Consegue seguir o ritmo da música? — Ele perguntou.
Shannon inclinou a cabeça e tentou escutar a harmônica
apesar da esmagadora consciência do corpo de Rafe perto do
seu, suas respirações se misturando, o forte pulsar do sangue
no pescoço dele.
Depois de alguns segundos, conseguiu distinguir o ritmo
que Caleb marcava e começou a contar com Rafe em voz baixa.
— É isso. — Animou-a — Lembre-se que sempre deve
começar com o pé direito e me seguir.
Rafe começou com passos simples, porém, logo traçou
outros mais complicados ao ver que ela seguia suas indicações
sem nenhuma dificuldade. Sua forma de segurá-la mudou.
Tornou-se mais firme, a guiava todo o tempo e a segurava, se
hesitasse.
— Tem certeza que não sabe dançar a valsa? — Rafe
perguntou, girando com rapidez.
Shannon riu e se agarrou a ele confiando em que a
guiaria. Sua força e segurança tornavam a dança muito mais
simples do que ela pensava.
— Sempre sonhei em dançar assim, — admitiu em voz
baixa — mas nunca havia feito. Quando era menina costumava
observar do alto da escada como os convidados de meus pais
dançavam no salão.
— Quantos anos você tinha?
— Cinco... seis, talvez sete. Faz muito, muito tempo. —
Shannon respondeu com ar ausente. — Antes de meu pai nos
deixar e minha mãe começar a tomar láudano.
Chocado pelas palavras de Shannon, Rafe não fez mais
perguntas. A única coisa que desejava era apagar as sombras
dos bonitos olhos dela e não criar mais escuridão neles
fazendo-a recordar o passado.
— Creio que está preparada para uma polca. — Disse em
voz alta, olhando para Caleb.
No instante, a música da harmônica passou de elegante
para estridente, com pausas brincalhonas, que faziam Willow
rir às gargalhadas e acompanhar a música com o pé.
— Ouve o ritmo? — Rafe perguntou a Shannon.
— Precisaria estar morta para não ouvir!
— Ou ter bebido muito. — ele riu — Suspeito que os
alemães inventaram esta dança para ficarem sedentos e passar
toda a noite bebendo cerveja.
Pegou as mãos de Shannon e as colocou sobre seus
ombros.
— Preparada?
— Para o quê? — Seus pés já acompanhavam o mesmo
ritmo que os de Willow.
— Para correr comigo como se eu fosse Prettyface e
estivéssemos sozinhos em uma pradaria da alta montanha com
nada a nossa volta, além das flores e do sol.
A ideia de fazer algo assim com Rafael fez o calor invadir
Shannon, enquanto a risada brilhava em seus olhos e curvava
seus lábios em um deslumbrante sorriso.
Ele apoiou as mãos em seus quadris, sentindo a carne
feminina que havia embaixo daquelas calças surradas, e lhe
dirigiu um sorriso tão inquietante e sensual, quanto a luz que
brilhava em seus olhos.
Sem mais aviso, Rafe começou a dançar a polca e a contar
os passos como fizera antes. Porém, dessa vez sua voz era
quase um grito em vez de um murmúrio. Shannon o seguiu
sem dificuldade, já que aquela dança era muito mais fácil que a
valsa. Sua inexperiência foi compensada pela força e habilidade
de Rafe. Se Shannon hesitava, ele simplesmente a levantava no
ar.
Logo, ambos estavam correndo alegremente e dando fortes
batidas no piso desde o salão até a cozinha, pelo corredor e de
novo pelo salão. A cada poucos passos, Rafe levantava
Shannon no ar, para virar, e logo a deixava no chão para se
mover para outra direção.
Com o rosto corado, os olhos brilhantes, e rindo, Shannon
se deixou levar pela música e pelo homem que ria e dançava
com ela. Finalmente, na décima volta do salão até a cozinha,
Shannon ficou sem fôlego por causa das risadas e da própria
polca. Pendurou-se em Rafe e pediu piedade. Ele a fez girar
uma vez mais no ar e a apertou contra si, aproveitando que se
encontravam na cozinha e ninguém os via.
— Sei que não estava flertando com Caleb, — admitiu em
voz baixa — mas, se tivesse me sorrido daquele jeito, teria
desejado fazer... isto.
Enquanto falava, a diversão nos olhos de Rafe cedeu
passagem à esmagadora paixão que o inundava e que já não
conseguia ocultar. Abaixou a cabeça e tomou a boca de
Shannon em um rápido e ávido beijo.
— E logo você ia querer mais, muito mais. — Continuou
suavemente. — Eu a desejo, meu doce anjo. Casada, viúva ou
virgem, céu ou inferno. Seja o que for, eu desejo você com
todas as minhas forças.
Com um grave gemido, Rafe permitiu que Shannon se
deslizasse por seu corpo até o chão, deixando que fosse
consciente de sua forte ereção.
Oprimida por seus sentimentos, Shannon foi incapaz de
dizer algo coerente e só conseguiu balbuciar seu nome,
tremendo quando ele a soltou.
— Diga a Cal e a Willy que fui verificar como está
Sugarfoot. — Rafe pediu com voz rouca enquanto se afastava.
A porta traseira se fechou, batendo, deixando-a sozinha
na cozinha com o coração palpitando freneticamente e o sabor
do homem que amava em sua boca.
CAPÍTULO 14

Na manhã seguinte, um vento que descia das montanhas


arrastou com ele, breves e violentas tempestades elétricas para
o longo vale verde onde Caleb e Willow haviam construído seu
lar. Quando Rafe entrou na casa, teve que segurar o trinco da
porta com cuidado para evitar que a grossa madeira se
fechasse com uma batida.
Shannon se encontrava no salão, sentada junto a uma
janela em uma das cadeiras que Caleb havia feito com suas
próprias mãos. Estava costurando uma das blusas de tecido de
algodão xadrez de Willow, e dava pequenas e elegantes
pontadas em uma manga rasgada.
— Onde está Willy? — Rafe perguntou.
— Descansando um pouco junto a Ethan.
Rafe sorriu quase timidamente.
— Cal me disse que ontem à noite acordamos o menino
com nossa dança.
O rubor brilhou no rosto de Shannon ao recordar o duro
beijo de Rafe e seu corpo rígido contra o dela.
— Ethan não ficou acordado muito tempo. — Disse em voz
baixa. — Dormiu em seguida quando Willow cantou para ele.
Ela tem uma voz muito bonita.
— Deveria ouvi-la cantar com Reno e Eve. — Rafe
comentou, sorrindo. — Suas vozes se unem perfeitamente. O
Natal foi muito especial no ano passado, com todos nós juntos
e as canções natalinas alegrando as noites.
— Tenho certeza que foi maravilhoso. — Shannon
concordou, com voz melancólica.
Rafe olhou atentamente para ela. Seu rosto já não
apresentava a palidez das semanas anteriores e ganhara
alguns quilos. Com a costura nas mãos, uma janela de vidro
perto e o sol brilhando em seus cabelos, parecia relaxada e
quase feliz.
— Você gosta de estar aqui, não é? — Perguntou.
— Seria difícil não gostar. Caleb e Willow são muito
amáveis comigo e transformaram este lugar em um verdadeiro
lar. Vê-los faz com que eu perceba o equívoco que meus pais
cometeram ao se casar.
— Reno e Eve farão que se sinta tão confortável com eles
quanto Cal e Willy. E o mesmo pensará de Wolfe e Jessi
quando os conhecer. Deve ser alguma coisa no ar do Oeste.
Shannon tentou baixar o olhar, porque não desejava que
ele visse a emoção em seus olhos quando o olhava e pensava
em um lar, no casamento, em uma vida para compartilhar, o
amor, as crianças que poderia ter com ele.
Porém aquilo não aconteceria. Era muito consciente
daquilo, assim como, sabia que Rafael sairia logo do seu lado.
E ainda assim, não conseguia evitar amá-lo.
Finalmente, conseguiu afastar o olhar do que sabia que
não poderia ter.
Porém, não foi tão rápida. Rafe já havia visto a esperança
que ela não conseguia negar, o amor, a tristeza de saber que
ele a deixaria algum dia. O fato de que Shannon ficasse em
silêncio sobre seus sonhos e não exigisse nada dele, o fazia se
sentir mais preso e inquieto do que nunca; e ao mesmo tempo,
conseguia que a desejasse até o ponto que todos os músculos
de seu corpo ficassem tensos em uma brutal luta entre a
contenção e a liberação.
Rafe deu uma olhada ao corredor que levava aos
dormitórios e observou que as portas do quarto do menino e de
Willow e Caleb estavam fechadas.
Sabendo que não deveria, porém incapaz de se segurar,
atravessou o salão com rápidas passadas e levantou Shannon
entre seus braços sem prévio aviso. Foi mais brusco do que
pretendia por estar mais faminto dela do que acreditava.
— Rafael? — Shannon murmurou, sobressaltada.
— Shh... cale-se e me beije. Deixe-me ter você, mesmo que
seja somente assim.
Os lábios de Shannon já estavam abertos pela surpresa,
quando Rafe invadiu sua boca. Saboreou seu sabor de menta e
das sensuais texturas de sua língua, fazendo-a soltar um leve
ofego em resposta e se oferecer a ele com uma honestidade que
o fez sofrer.
Rafe nunca conseguira imaginar que o desejo pudesse
chegar a ser tão demolidor, tão apaixonado e selvagem, que
sentisse arder até o centro de sua alma.
Os gemidos de Shannon, do mais profundo de sua
garganta, a forma como mexia os quadris contra sua rígida
ereção, indicavam a Rafe que ela o desejava do mesmo modo
que ele. Naquele instante, sem promessas nem lamentações,
nada exceto a feroz necessidade que surgia de seus corpos...
mel e aço unidos em uma mesma chama.
Com um grave ofego, Rafe liberou a boca de Shannon,
consciente de que continuar beijando-a seria uma loucura,
mas era muito tarde para deter o fogo que se iniciara. Já estava
a mercê da inclemente tortura da paixão. Ele tremia e ardia, e
seu controle se desvanecia cada vez mais a cada pulsar de seu
coração.
— Deus, mulher. — Sussurrou com aspereza,
amortecendo sua voz contra o pescoço de Shannon. — Está me
deixando louco.
— Eu não pretendia...
— Eu sei. — Interrompeu-a cortante. — É culpa minha. Já
deveria saber que beijar você só faz doer mais. Porém, quando
não a beijo, a dor é muito pior.
Shannon sentiu o forte tremor que percorreu Rafe. Pegou
seu atormentado rosto entre as mãos e o beijou suavemente,
com incrível ternura, desejando apagar a dor e a escuridão de
seus olhos e do seu corpo.
Rafe voltou a estremecer, lutando para não perder o pouco
controle que lhe restava.
— Cada vez que olho para o outro lado da sala e vejo seus
olhos me observando, — confessou em voz baixa e irregular —
sei o que está pensando, o que está recordando, o que está
sentindo. Seus olhos me dizem que se entregaria a mim sem
hesitar e que me daria tudo o que necessito. E eu preciso de
você, Shannon. Eu preciso de você até o ponto de acordar
suando, tenso e dolorido dos pés à cabeça. Sei que não posso
ter você, mas não posso deixar de desejá-la, e estou ardendo
por dentro.
— Shh... está bem. — Shannon murmurou entre doces
beijos. Não acontece nada. Pode me tomar e acabar com seu
sofrimento sem precisar entregar em troca, esse amanhecer por
descobrir.
Os suaves beijos de Shannon, assim como suas palavras,
eram delicados e profundamente valiosos para Rafe, uma real
tentação e um reconhecimento igualmente real do seu amor
por ele.
Sabia que devia interromper suas palavras, seus beijos,
antes de prometer o que não poderia manter. Mas, não
conseguia se afastar da intangível rede de amor e carícias
forjados com amor que ela estava tecendo a sua volta.
— Meu anjo... meu doce anjo. — Rafe sussurrou. — Basta.
Está me destruindo.
— Então, diga-me o que devo fazer. Quero aliviar, liberar
você de seu sofrimento. Por favor, Rafael, diga-me. Mostre-me.
O simples fato de pensar naquilo, fez o sangue correr
como lava pelas veias de Rafe. Uma violenta chicotada de
desejo paralisou seu corpo e arrancou um áspero som de seu
peito. Fechou os olhos e tentou lutar contra aquele torvelinho
de emoções que se concentrava no mais fundo de seu ser e que
nunca sentira por uma mulher. Assim como as palavras e os
beijos de Shannon, a intensidade de seus sentimentos para ele
eram uma tentação quase impossível de resistir e uma grave
advertência de como era frágil seu controle.
— Rafael? — Shannon gemeu. — Por favor, mostre-me.
Apelando aos últimos fragmentos de sua força de vontade,
Rafe recordou a si mesmo que se encontrava no salão da casa
de sua irmã em pleno dia. Willow poderia acordar a qualquer
momento e surpreendê-los.
— Não. — Balançou a cabeça e afastou Shannon
bruscamente. — Não me peça. Não me tente. Não...
— Mas é você quem...
— ... não me diga que me deixaria tirar suas roupas,
acariciá-la como eu fiz na noite da tempestade e sentir seu
desejo se derramando em minha mão como sedoso fogo. Não
me diga que não aconteceria nada se desabotoasse minhas
calças e afundasse toda minha necessidade, minha dor e meu
desejo no mais profundo de seu corpo. Não me diga que me
permitiria tomar sua inocência.
Shannon tentou falar, mas não conseguiu. A ideia de que
Rafael a fizesse sua lhe provocou um visível tremor que a
percorreu por inteira e seus olhos foram incapazes de reprimir
o selvagem desejo que se apoderara dela.
— Maldição, me suplicaria, não é? — Ele murmurou,
consciente de todas e cada uma das reações de Shannon. —
Sua necessidade é tão forte, quanto a minha. Arderia comigo
e...
O ruído de uma porta se abrindo no corredor interrompeu
as violentas palavras de Rafe, que estremeceu como se tivesse
recebido uma chicotada.
— Caleb? — Willow chamou do corredor.
— Sou eu, Willy. — Rafe respondeu com aspereza,
enquanto se movia com rapidez para cobrir Shannon com seu
corpo. — Estava falando com sua hóspede sobre aquele posto
que você oferecia.
Instantes depois, Willow apareceu na entrada do salão.
Estava com os cabelos despenteados e tentava não bocejar
enquanto esfregava os olhos.
— Oh!, bem. Precisa de alguma coisa? — Perguntou
fixando seus sonolentos olhos em seu irmão.
— Não. — Rafe respondeu enquanto sorria com os dentes
apertados.
— Perfeito. — Murmurou tentando disfarçar um bocejo. —
Acho que tomarei um banho antes de começar a comida.
Importa-se de olhar Ethan enquanto isso?
— Claro que não. — Shannon disse rapidamente.
— Obrigada. Serei rápida.
— Não precisa. — Shannon afirmou. — Comecei a
preparar o cozido enquanto você dormia. E se Ethan acordar,
cuidarei dele com um pouco de leite. Tome seu banho
tranquila.
Rafe observou como Willow saía, agradecido que sua irmã
estivesse sonolenta para notar os evidentes sinais do que
acontecera momentos antes entre Shannon e ele.
Pelo menos resolvo o problema da segurança de Shannon,
disse a si mesmo tentando se acalmar. Não acredito que possa
manter as mãos afastadas dela por muito mais tempo.
Já é hora de ir procurar um amanhecer que me faça
esquecer seus bonitos olhos.
— Não se preocupe com suas coisas. — Disse
bruscamente. — Cal ou um de seus homens a ajudarão a
trazê-las quando retornar por Prettyface. Se esperar uma ou
duas semanas, poderá andar sozinho em vez de vir sobre sua
sela.
Shannon piscou e balançou a cabeça, sentindo-se como se
tivesse acordado no sonho de outra pessoa. Nunca pensara que
chegaria a amar daquela forma tão intensa e absoluta a
nenhum homem.
— Do que está falando? — Perguntou. — Mesmo
esperando duas semanas para retornar a minha cabana, não
preciso de mais roupas.
O que ela não disse foi que não havia mais roupas na
cabana, precisando delas ou não.
— E, de todo modo, porque teria de trazer Prettyface para
cá? — Acrescentou perplexa.
— Pensei que queria continuar com ele ao seu lado. —
Rafe respondeu. — Cal e Willy disseram que não se importam.
Na verdade, estão tentando conseguir um cachorro grande e
duro para sobreviver aos lobos, os carneiros do Texas e aos
ventos do inverno, mas não tiveram muita sorte.
— Claro que vou ficar com Prettyface! Do que está
falando?
— Estou falando que se instale aqui para ajudar Willow.
Ela precisa e vocês duas se deram melhor do que se fossem
irmãs.
— Não.
— Maldição! Não pode continuar vivendo naquela maldita
e estragada choça no meio do nada, e ambos sabemos disso.
— Claro que posso.
— Não é seguro! — Rafe exclamou com violência. —
Precisa...
— Não.
— ... sair de lá!
— Não.
Rafe a agarrou pelos braços com espantosa velocidade e,
antes que ela soubesse o que acontecia, levantou-a do chão e a
colocou na altura de seus olhos.
Não era um lugar muito reconfortante. Os olhos dele
estavam dilatados pela raiva, e pareciam os de um animal
preso.
— Sim. — Rafe rugiu.
Shannon estremeceu levemente, mas não cedeu.
— Não. — A palavra soou suave e definitiva. — Tenho
direito a viver onde quiser.
— Ou morrer. — Rafe bramou.
— Ou morrer. — Ela confirmou.
As firmes mãos de Rafe se apertaram com força nos
braços de Shannon; mas ela não protestou. Fosse qual fosse a
dor que sentia não era nada comparada com a furiosa angústia
que impulsionava Rafe.
— Está tentando me prender. — Acusou-a, apertando a
mandíbula. — Acredita que não partirei até que saiba que está
segura.
— Não. — Shannon negou com calma. — É você quem
tenta me prender e me fazer viver do modo que considera mais
conveniente.
— Maldição, está distorcendo minhas palavras!
— Estou distorcendo? Sei que partirá, Rafael. Soube desde
a primeira vez que o ouvi falar sobre esse amanhecer por
descobrir.
— Shannon, eu...
— Não. — Sussurrou enquanto se inclinava para tocar
seus lábios com os dele uma vez mais. — Acreditei em você
então; e acredito agora. Você irá. E eu ficarei em minha
cabana.
— Não permitirei.
— Não pode me impedir.
Rafe fechou os olhos e seus lábios se transformaram em
uma linha dura.
— Está me destruindo. — Conseguiu dizer em um
angustiado sussurro.
— Eu só...
Rafe a interrompeu, tentando fazê-la compreender.
— Eu a desejo. Nunca desejei nada desta forma, exceto
esse amanhecer por descobrir. Posso ter uma coisa ou a outra,
porém não as duas. Sabe o que é se sentir assim? — Perguntou
desesperado e enfurecido. — Arrancaria a alma se isso
significasse acabar com esta dor!
— Eu faria o mesmo. — Sua voz estava enrouquecida
pelas lágrimas que se aglomeravam em seus olhos. — Porém,
pode ter o que mais deseja, Rafael. A liberdade. Não estou
tentando prender você.
— Claro que está. — Espetou com aspereza, enquanto a
soltava. — Sabe que não irei até que saiba que está segura.
— E eu preciso saber que sou livre! Como você, Rafael.
— Não pode ser. Não é o mesmo para uma mulher.
— Talvez para uma mulher casada. Porém eu não sou.
Incapaz de continuar aguentando aquela tensão, Shannon
piscou e as lágrimas que estivera contendo se derramaram
incontidas por seu rosto.
— Shannon, não chore. — Emoldurou seu rosto com as
mãos e enxugou suas lágrimas com uma ternura esmagadora.
— Nunca pretendi lhe fazer mal.
— E eu nunca pretendi fazê-lo a você. — Ela sussurrou. —
A única coisa que lhe pedi foi que me ajudasse a procurar o
ouro. Não conseguimos nada naquela maldita concessão,
então, continue sua viagem e encontre esse amanhecer que
tanto anseia. Vá e me deixe sozinha.
— Não posso. — Resmungou. — Não até saber que estará
a salvo.
— Precisa fazê-lo.
— Shannon...
— Se ficar, me odiará. — Interrompeu-o bruscamente. —
E antes prefiro morrer, Rafael.
— E isso é precisamente o que acontecerá se voltar para
aquela condenada cabana!
— É minha escolha, não a sua.
Rafe se afastou lentamente, se virou como se não pudesse
suportar olhá-la e saiu pela porta principal sem dizer nada.
Shannon verificou de novo que tudo estivesse onde devia
estar na mesa. Normalmente não teria se preocupado, mas
nunca se sentira tão abatida e aquilo a fazia cometer erros
como deixar cair uma colher, derramar café ou queimar os
dedos ao acrescentar lenha ao fogo.
— Por todos os diabos. — Murmurou, usando uma das
expressões favoritas de Cherokee. — Esqueci os pratos.
Se Willow notou a repentina falta de jeito de Shannon, não
fez nenhum comentário. Ethan requeria toda sua atenção do
berço, gritando indignado porque sua mãe não o deixava correr
ao redor da pia para a mesa e dali para a estufa de lenha.
— Demônios, que rápido é este menino. — Willow
exclamou ao regressar à cozinha.
— É igual ao pai. — Shannon assentiu. — E também tem
a cor de seus olhos, mas o furinho no rosto é como o de Rafael.
Willow sorriu.
— Se dentro de alguns anos Ethan continuar se
parecendo ao seu pai e ao seu tio, as jovens do Colorado ficarão
loucas por ele. Que tal está o cozido?
— Está pronto.
— Bem. Eu vi Caleb chegar do estábulo quando deixava
Ethan em seu berço.
— Rafael estava com ele? — Shannon perguntou.
— Não, porém não deve demorar a chegar. Já sabe como
ele gosta da comida caseira.
Shannon inclinou a cabeça para que Willow não pudesse
ver o brilho das lágrimas.
O que me acontece? Pensou com tristeza. Sei de sobra que
chorar não resolve nada. É uma perda de tempo.
— Sim, já observei. — Respondeu com uma voz apagada.
— Sempre que não seja a da sua própria casa, claro. O pão já
está frio para cortar?
— Deveria estar. Certamente Rafe se queixará por não ter
pãezinhos.
— Não, não o fará. — Caleb interveio, fechando a porta da
cozinha atrás dele. — Ele partiu faz algumas horas.
Ao ouvir aquilo, Shannon ficou totalmente imóvel.
— Ele partiu? — Willow inquiriu, virando-se da estufa. —
Para onde?
— Para ver Reno.
— Oh! — Willow franziu o cenho e continuou servindo o
cozido em um recipiente de madeira. — O que estranho é que
não me disse nada. Não é próprio dele.
Os inquisitivos olhos de Caleb se fixaram em Shannon.
— Disse alguma coisa para você? — Perguntou sem
rodeios.
— Não. Mas, já sabem que ele não gosta de permanecer
muito tempo em um mesmo lugar.
— Isso não desculpa seus maus modos. — Willow
replicou. — Depois de ter conhecido tanta variedade de
culturas em suas viagens, já deveria saber.
Caleb não deixara de observar Shannon. Os traços
femininos estavam tensos e em seus olhos se refletia a mesma
escuridão que nos de Rafe. Na verdade, Caleb passara várias
horas pensando no problema que seu cunhado possuia e se
deveria fazer algo a respeito.
— Ouvi que Rafe trabalhou em algumas das suas
concessões. — Comentou, decidindo finalmente a intervir.
Shannon assentiu.
— Teve sorte? — Caleb lhe perguntou.
Willow o olhou com surpresa.
— Caleb, isso não é assunto nosso.
Ele se virou para sua esposa com espantosa rapidez e
respondeu: — Não, normalmente, não. Porém esta não é uma
situação normal.
Willow olhou-o longamente, disse algo em voz baixa e
continuou servindo o cozido.
— Teve sorte procurando ouro? — Caleb repetiu, virando-
se para Shannon uma vez mais.
— Não. Rafe disse que perdeu os rastros, mesmo que eu
não saiba o que significa isso exatamente.
Caleb rosnou.
— Esses rastos indicam a direção que o veio do ouro toma
no leito da rocha. Quando você o perde, a única coisa que pode
fazer é continuar cavando até encontrá-lo.
— Rafe trabalhou muito duro. Regressava a cada dia
coberto de poeira e suor.
— Porque o fazia? Odeia procurar ouro quase tanto
quanto eu, e odeia ainda mais trabalhar por um salário.
— Rafael teme que eu não possa me manter por mim
mesma. — Shannon respondeu. — Os invernos são longos em
Echo Basin, e em Coller Creek as provisões chegam a alcançar
preços proibitivos. Ele se preocupava que eu não tivesse
comida suficiente a menos que extraísse o ouro das concessões
para pagá-las.
— Sempre resta a caça. — Caleb indicou. Depois, sorriu
levemente, recordando a historia do urso. — Porém, não é uma
grande atiradora, não é?
— A munição é muito cara para desperdiçar praticando. —
Shannon fez uma careta. — Então, me aproximo
silenciosamente, da presa e faço o melhor que posso.
— Surpreende-me que John, o Silencioso não fizesse suas
próprias balas. Muitos homens gostam de fazê-las eles
mesmos.
— Fazia, mas, não confiava em mim, o suficiente para me
ensinar. Era muito exigente e contava cada grama de pólvora.
— Aposto que sim. — Caleb assentiu, pensando na
reputação do famoso caça recompensas com uma escopeta de
búfalos de calibre 50. — Acredita que ainda está vivo?
— Não. Porém, por favor, não diga a ninguém.
— Por quê?
— Não quero precisar estar sempre alerta, com medo que
apareça algum homem em minha porta. — Shannon respondeu
sem rodeios. — A reputação de John, o Silencioso atemorizava
os habitantes de Echo Basin e quero que continue assim.
Caleb assentiu sem se surpreender.
— E o que há com Rafe?
— Rafael? — Os lábios de Shannon mostraram um triste
sorriso. — Ele pode ir à minha cabana sempre que desejar.
— Rafe acredita que John, o Silencioso está morto? —
Caleb intuiu, percebendo a dor que o sorriso dela transmitia.
— Sim.
— Então, qual é o problema?
— Perdão? — Shannon disse.
— Por que ele se foi sem se despedir?
— Quer que eu fique com vocês.
— Nós também. — Willow interveio da estufa.
— Eu... os agradeço, — Shannon sussurrou — mas não
posso.
— Não pode ou não quer? — Caleb pressionou.
— Caleb, — Willow o advertiu. — não temos nenhum
direito.
— Viu seu irmão quando se afastou cavalgando? —
Perguntou ele com voz tensa,
— Não.
— Eu vi. Parecia estar sofrendo mais do que podia
suportar e quero saber por quê.
Shannon ergueu o olhar para os duros traços de Caleb e
recordou que Rafe lhe dissera que ele seguira um homem
durante anos para vingar a sedução e morte de sua irmã.
Depois se casara com Willow e agora outro anjo vingador
chamado Hunter percorria aquela terra sem lei para fazer
justiça.
Sentindo-se abatida, fechou os olhos e entrelaçou os
dedos até ficarem doloridos. Quando voltou a abri-los, viu que
Caleb a observava com uma mistura de compaixão e
determinação.
— Se pensasse que meu cunhado não lhe importa, —
disse ele com calma — não teria dito nem uma palavra disto.
Mas eu vi que o olha da mesma forma como Eve olhava para
Reno, ou Jessi para Wolfe, ou...
— ... do mesmo modo que sua esposa olha para você. —
Shannon terminou por ele. — Desculpe. Não tenho muita
prática em esconder meus sentimentos.
— Não precisa esconder nada. — Willow interviu,
enquanto colocava o cozido sobre a mesa. — Aqui está entre
amigos. Sabe disso, não é?
Shannon assentiu e tentou falar. As lágrimas ameaçavam
se derramar por seu suave rosto.
No instante, Willow se apressou a ir para seu lado e a
abraçou como a uma criança.
— Então, porque não pode ficar aqui? — Disse com
suavidade.
Shannon se apoiou levemente em Willow, respirou
profunda e entrecortadamente, e tentou explicar suas razões.
— Como se sentiria, — perguntou — se amasse Caleb e ele
desejasse algo muito mais que a você e a deixasse?
Willow ficou sem respiração. Afastou-se para olhar os
olhos de Shannon e quando a olhou, desejou não tê-los visto.
— Como se sentirias se, depois de Caleb a deixar, —
continuou com voz quebrada — vivesse na casa de sua irmã e
tudo a recordasse dele... e soubesse a cada dia, a cada
respiração que tomasse, com cada batida de se coração, que
não terá filhos para você, um lar, um companheiro com o qual
compartilhar sua vida?
— Não poderia suportar. — Willow admitiu. — Amar
Caleb, saber que ele não me ama e que tudo perto de mim, me
fará recordar... me mataria.
— Essa é a razão porque não posso ficar. — Shannon
sussurrou virando-se para Caleb.
— Você disse isso para o Rafe? — Ele inquiriu, olhando-a
com olhos compassivos, enquanto acariciava os cabelos de
Willow em um gesto de silencioso amor. — Era por isso que ele
estava com o aspecto de levar um punhal cravado nas
entranhas?
Shannon negou com a cabeça lentamente, fazendo com
que uma grossa mecha de seus cabelos deslizasse por seus
ombros.
— Não. — negou com voz rouca. — Nunca lhe direi.
— Porque não? — Caleb estranhou.
— Teria sido como pedir que ficasse..., como suplicar.
— E você é muito orgulhosa para fazer isso.
A voz de Caleb era amável, mas seus olhos a olhavam
inquisitivamente. Ainda não possuia todas as respostas que
procurava.
— Muito realista. — Shannon o corrigiu com um sorriso
amargo. — O casamento de meus pais me ensinou como as
coisas podem ir mal, quando um homem deseja uma coisa e
uma mulher deseja outra. Meu pai partiu e minha mãe tomava
láudano para aliviar a dor. Agora, pela primeira vez,
compreendo porque o fazia e espero que aquela maldita bebida
tenha funcionado.
— Isso significa que preciso guardar o láudano debaixo de
chave? — Caleb perguntou secamente.
— Não.
— Imaginava. Você é mais forte do que foi sua mãe, não é
verdade?
— Tive que cuidar dela até sua morte, então me vi
obrigada a ser forte.
— O que disse a Rafe? — Caleb exigiu saber.
— A outra metade da verdade. Que não quero dever meu
sustento a ninguém e que desejo ser livre.
— Porém é uma…
— Mulher. — Shannon o interrompeu com tom cortante.
— Sim. Já percebi esse detalhe.
— Os homens de Echo Basin também devem ter notado.
— Ele replicou.
— Caleb! — Willow exclamou envergonhada. — Não
deveria dizer essas coisas.
— Bem, carinho, é a verdade, e o fato de que pretenda
viver sozinha não mudará seu modo de andar.
— Não o faço de propósito. — Shannon se defendeu com
voz tensa.
— Maldição eu já sei. — Caleb replicou. — Não é mais
coquete ou provocante que Willow, e lhe asseguro que ela não é
em absoluto. Essa não é a questão. A questão é que estará
sozinha perto de uma povoação na qual há muito mais homens
que mulheres. Os que tiverem alguma integridade, tratarão de
cortejá-la, e se você não estiver interessada neles, se afastarão
e não voltarão. Mas, nem todos os homens se limitarão a deixar
você sair.
— Isso eu sei melhor que a maior parte das mulheres. —
Shannon afirmou.
— E ainda assim insiste em regressar? — Caleb insistiu.
— Sim. Irei amanhã.
— Não vai esperar que Rafe a acompanhe? — Willow
perguntou surpresa.
— Porque acredita que ele regressará? — Shannon repôs.
— Porque não se despediu de você. — Willow respondeu
sem hesitar.
Shannon negou com a cabeça lentamente. Recordava
muito bem a fúria e a angústia de Rafe quando partiu na
primeira vez e a deixou, sozinha, em sua cabana.
— Meu irmão nunca se mostraria tão grosseiro ao não se
despedir de você; não importa como seja forte seu desejo de
viajar. — Willow lhe assegurou. — Ele voltará.
— Fará isso? — Shannon duvidou. — Alguns homens
amam o ouro; outros, o mar. Rafael ama todos esses
amanheceres que ainda não viu.
— A única coisa que me disse, — Caleb falou — é que
precisava extrair ouro de uma antiga mina. Estava totalmente
obcecado com isso. Foi falar com Reno para que o
aconselhasse.
— Certamente Rafael necessitará de dinheiro para viajar.
— Shannon assinalou. — Negou-se a receber o salário de mim.
— Meu irmão tem tanto ouro que não saberia o que fazer
com ele. — Willow disse. — Ouro espanhol da melhor
qualidade.
— Não sabia. — Shannon sussurrou, admirada. — Então,
porque foi falar com Reno para que lhe diga como conseguir
mais?
— Se Rafe lhe oferecesse seu ouro para comprar provisões
ou uma casa em um lugar mais seguro que Echo Basin, você o
aceitaria? — Caleb inquiriu.
— Nunca. — Shannon respondeu com suavidade. — Não
sou uma prostituta a quem se compra com dinheiro.
Caleb sorriu levemente e assentiu sem se surpreender.
— Não deveria cavalgar sozinha até Echo Basin. Porque
não fica até que ele volte?
— Não, obrigada. Deveria ter voltado faz dias. Quero saber
como está Prettyface.
— Fique. — Willow pediu rapidamente. — Rafe sente afeto
por você. Ele poderia...
— Se estabelecer? — Shannon murmurou, balançando a
cabeça e sorrindo com tristeza. — Somente o amor poderia
detê-lo, mas, ele só ama aquele amanhecer que ainda precisa
ser descoberto.
CAPÍTULO 15

Rafe cavalgou para uma pequena cabana cujos últimos


detalhes ainda estavam para serem terminados. Quando freou
seu cansado cavalo uma jovem de cabelos escuros e olhos de
cor âmbar saiu correndo da cozinha. Desceu com um salto do
terraço que se estendia por toda a parte dianteira da casa e
sorriu para Rafe.
— É você! Que maravilhosa surpresa! Reno pensava que já
teria ido a algum longínquo lugar do mundo.
— Ainda não, Eve. Primeiro preciso extrair algum ouro.
— Você? Ouro?
A admirada expressão que mostrou fez Rafe sorrir apesar
da dolorosa pressão que apertava suas entranhas. A viagem
desde o rancho de sua irmã não o ajudara a melhorar seu
humor, nem a aliviar seu pesar.
— Acreditei que odiava procurar ouro, até mesmo mais
que Caleb. — Eve comentou.
— E é assim. — Rafe confirmou enquanto desmontava.
— Então, porque...?
Suas palavras se perderam quando Rafe se virou para ela
e pode ver de perto o rosto dele.
— O que acontece? — Eve perguntou preocupada. — Não
é Willow, certo? O bebê...?
— Tudo está bem no rancho dos Black. — Rafe a
interrompeu.
— Então, a que vem esse semblante tão sério?
— A nada que algum ouro não possa arranjar. Onde está
seu esposo?
— Bem atrás de você. — Reno anunciou.
— Sim, isso eu pensava. — Rafe assentiu enquanto se
virava.
Senti seus olhos sobre mim desde que cruzei o rio, e riu.
Reno sorriu.
— Temos uma excelente vista de nossa casa. Eu o vi
chegar de muito longe.
— Agradeço que não decidiu atirar em mim.
— Reconheço que me senti tentado ao ver seu chicote. —
Reno replicou com voz deliberadamente inexpressiva. — Mas,
então, me ocorreu pensar que talvez trouxesse alguns
pãezinhos de Willy para compartilhar entre nós.
— A única coisa que trouxe comigo foi um estômago vazio
e a intenção de lhe pedir um favor. — Rafe respondeu sem
rodeios.
— Isso explica a expressão de seu rosto. Sempre parece
tão amistoso quanto um urso ferido quando tem fome.
Enquanto falava, Reno observou Sugarfoot com os olhos
entrefechados. A pelagem do animal mostrava sinais de ter
suado e secado várias vezes naquele mesmo dia. Além do modo
como o cavalo castrado puxava as rédeas, tentando se
aproximar da grama, indicando que estava tão faminto e
cansado quanto o seu cavaleiro.
— Você e seu cavalo têm aspecto de ter cavalgado duro e
de estarem totalmente esgotados. — Comentou estranhando.
— Saí do rancho de Cal ontem, bem antes do almoço.
Reno ergueu as sobrancelhas de forma inquisitiva.
— Deve ter cavalgado a maior parte da noite.
Rafe encolheu os ombros.
— Eu o ajudarei a cuidar de Sugarfoot. — Reno disse
agarrando as rédeas do cavalo. — E estou certo que Eve irá
preparar alguma coisa para comer.
Quando os dois irmãos chegaram ao estábulo, Reno se
virou para Rafe.
— Fale sem rodeios. — exigiu — O que houve?
— Como já disse a Eve, nada que não possa se arranjar
com algum ouro.
— Seus lingotes estão enterrados bem embaixo dos nossos
pés. Se os desenterrar, se acabarão seus problemas?
Rafe resmungou uma imprecação. Tirou o chapéu e
passou os dedos pelos cabelos.
Dando-lhe o tempo que precisava para se acalmar, Reno
se virou em silêncio para o exausto cavalo, tirou a sela e a
colocou sobre a varanda além do estábulo. Depois pegou a
manta, virou-a e deixou sobre a sela para secar.
Inclinando-se com rapidez para não receber um coice,
Rafe travou as patas traseiras de Sugarfoot e o tirou dali para
pastar. No exterior, o animal se aproximou com entusiasmo da
margem do rio que passava a uns trinta metros da casa.
Então, Reno observou Rafe detidamente com seus olhos
verde jade e respirou tranquilo ao ver que não apresentava
nenhum ferimento e que parecia estar tão em forma como
sempre.
— Cal, Willy e Ethan estão bem. — Disse em voz alta.
Não era exatamente uma pergunta, porém Rafe assentiu.
— E você não está ferido, nem doente. — Continuou.
Rafe encolheu os ombros.
— Recebeu más notícias de algum de nossos irmãos? —
Reno pressionou.
— Não.
Reno aguardou pacientemente que seu irmão se
explicasse, porém Rafe não disse nada mais.
— Bem, isso significa que seu problema está relacionado
com uma mulher. — Reno concluiu sorrindo levemente.
— De que diabos estás falando? — Rafe espetou,
aborrecido.
— Das rugas ao redor de sua boca e da expressão de seus
olhos que me dizem que gostaria de matar alguém. E que Deus
ajude aquele que lhe der uma desculpa para fazê-lo.
Rafe flexionou as mãos que não desejavam outra coisa que
se fechar em punhos. Fora até lá para falar de ouro, não de
uma mulher a qual não faria sua e a quem não podia deixar
sozinha.
— Vai falar, — Reno perguntou com calma — ou prefere
lutar primeiro?
— Maldição. — Rafe exclamou desgostoso. — Vim aqui
para pedir um favor, não para brigar.
— Às vezes uma briga pode se transformar em um favor.
Rafe soltou um grave grunhido que podia ser uma
maldição, uma risada ou ambas as coisas. Depois, ergueu os
olhos e se ergueu. O céu estava tão escuro e azul quanto os
olhos de Shannon.
— Alguma vez desejou duas coisas, — começou
lentamente — mesmo que ter uma das duas signifique perder a
outra e sentiu que não pode se privar de nenhuma delas
porque realmente deseja as duas, com todas suas forças?
— Claro que sim. — Reno respondeu. Seus lábios se
curvaram em um sorriso quase terno, que parecia impróprio de
um homem tão duro como ele. — Sou humano, afinal.
— O que você fez? — Rafe perguntou curioso.
— Quando acabou de me fazer em pedaços, descobri que a
única coisa que me importava nesta vida não era o ouro, e sim
a Eve. Então, me casei com ela.
A boca de Rafe formou uma careta.
— Eu não seria um bom esposo. Passaria todo o tempo
olhando por cima da porta, desejando me largar dali.
— Ainda continua procurando um novo amanhecer?
— Não consigo evitar, assim como você não pode evitar ser
surdo e malditamente bom com esse seu revólver. — Rafe
disse, seco.
— Provavelmente, porém nunca se sabe.
— O que significa isso?
— Quando você começou a viajar, — Reno explicou,
lentamente, pensando enquanto falava, — era pouco mais que
um menino. Como eu, seguiu o exemplo de nossos irmãos e
deixou nosso lar mais para evitar uma confrontação direta com
nosso pai, do que por seu próprio desejo de vagar pelo mundo.
— Foi isso? — Rafe deu de ombros. — Passou muito
tempo desde então. Vi tantos lugares e fiz tantas coisas que é
difícil recordar o que me fez começar a viajar.
— Porém, não quer renunciar a isso.
— Como alguém renuncia a sua alma? — Rafe inquiriu
olhando-o com os olhos atormentados.
Incapaz de lhe dar uma resposta, Reno abraçou seu irmão
com força.
— Vamos. — Disse depois de um momento. — Eve ficará
preocupada pensando no que lhe aconteceu. Aborrece-me
reconhecer que tem muito mau gosto, mas você lhe importa
tanto, quanto eu.
Rafe sorriu levemente.
— Eu duvido. Você teve muita sorte ao encontrá-la. Eve é
uma mulher muito especial e sabe enfrentar as dificuldades
com um sorriso. Mesmo tendo que reconhecer que nunca
entenderei o que foi que a fez se apaixonar por você.
Reno deu uma gargalhada e lhe deu um tapa no ombro
enquanto caminhavam para casa dando longas passadas.
Porém quando chegaram à porta traseira, Rafe olhou hesitante
para suas botas, e para as de seu irmão.
— Acontece algo? — Reno perguntou.
— Há lugares no mundo em que insultaria aos seus
anfitriões se entrasse em sua casa com botas. — Rafe explicou.
Principalmente com uma como esta e uma casa nova como a
sua.
— Eve deve ter estado nesses mesmos lugares. — Reno
resmungou, incapaz de disfarçar um sorriso. Ser testemunha
todos os dias da felicidade de Eve por ter uma casa própria, lhe
produzia uma satisfação quase impossível de descrever. —
Sempre me deixa um par de mocassins junto à porta para os
use quando entrar.
— E o que há com as minhas botas? — Rafe perguntou. —
Ela se conformará que entre só com as meias?
— Pensará em algo. Protege esta casa como uma tigresa
protege sua cria.
— E por acaso pode culpá-la? Depois de ter se criado em
um orfanato, é normal que queira um lar próprio.
Ambos se lavaram em um pequeno local que Reno
construirá na parte de trás da casa. A água que os aguardava
estava quente e cheirava a lilás.
Por mais agradável que fosse o aroma, Rafe não deixou de
recordar o frescor da menta que ele associava com Shannon, e
o pequeno ritual de lhe oferecer o pano e inspecionar seu rosto
com extremo cuidado em busca de qualquer sinal de espuma.
Preciso deixar de pensar naqueles bonitos olhos azuis e
naquela doce boca sorrindo para mim, aconselhou a si mesmo
com severidade. Não é justo para nenhum dos dois.
Falarei com Reno e conseguirei o ouro que ela necessita.
Devo ir.
A ideia não lhe pareceu tão atraente quanto deveria ter
sido.
— Vamos, não podemos tomar todo o dia. — Eve os
apressou, sorrindo aos dois homens da entrada traseira. — Se
esperar por mais tempo para lhe dar um abraço, os pãezinhos
se queimarão.
Sorrindo, Reno secou as mãos com um trapo limpo e
estendeu os braços. Eve se lançou a eles sem pensar e o
abraçou com força.
— Está tudo bem? — Sussurrou muito baixo no ouvido de
seu esposo.
— Não há nada com o que tenhamos que nos preocupar.
— Respondeu ele no mesmo tom.
No instante, sentiu, mais que escutou o suspiro de alívio
de sua esposa.
— Cheira a pãezinhos queimados. — Rafe comentou, sem
grande entusiasmo.
Reno soltou Eve, que imediatamente se virou para seu
cunhado e estendeu os braços.
— Os pãezinhos não me preocupam, porém, estou
ansiosa, para receber um abraço de meu segundo homem
favorito em todo o mundo.
Rafe se inclinou levemente e apertou Eve em um grande
abraço.
Reno os observou com um sorriso indulgente e sem sinal
de ciúmes. Sabia que sua esposa e seu irmão haviam
estabelecido um vínculo especial quando precisaram arriscar
suas vidas para tirá-lo do interior de uma antiga e perigosa
mina.
Após um apertão final, Rafe voltou a deixar sua cunhada
no chão.
— Entre em casa. — Eve o convidou com um amplo
sorriso. — Posso ouvir como seu estômago ruge, daqui.
Terminarei de preparar a comida enquanto você tira as botas.
Se quiser, Rafe, pode pendurar o chicote em um dos ganchos
da entrada ou levá-lo com você à mesa. Como preferir, sempre
que deixe o chapéu com as botas.
Reno e Rafe trocaram um silencioso olhar divertido ao ver
o par de grandes e limpas meias, junto aos mocassins de Reno,
porém nenhum dos dois teve coragem de zombar de Eve por
sua intenção de civilizar uma pequena parte do Oeste. Na
verdade, agradeciam aqueles pequenos rituais que
transformavam uma simples casa em um lar.
Enquanto Rafe comia, explicou a Reno e a Eve o que
estivera fazendo desde que se viram pela última vez. Quando
lhes falou de Echo Basin e de Holler Creek, mencionou por
cima o acontecido com os Culpepper.
Inclusive sem mais indicações, Eve compreendeu o que
havia acontecido no armazém de Murphy. Vivera em lugares
parecidos a Echo Basin antes de conhecer Reno e sabia
perfeitamente que tipo de animais eram os Culpepper.
O que não sabia era porque a viúva de John, o Silencioso
estava no rancho Black em vez de estar com Rafe.
— Porque não trouxe a senhora Smith com você? —
Perguntou sem rodeios.
— A senhora Smith?
Ao ver a confusão que se refletia nos olhos de Rafe, Eve
soltou um gemido de exasperação.
— A mulher que o acompanhou de Echo Basin ao rancho
dos Black. — Esclareceu com ironia. — A mulher a quem
defendeu dos Culpepper com esse seu chicote.
— Oh! Refere-se a Shannon.
— Deus, a quem se não ela? — Eve exclamou, rindo. —
Seus pensamentos estão em outra parte, não é, Rafe?
Surpreendentemente, um leve tom avermelhado invadiu o
rosto de seu cunhado ao ouvir aquilo.
— Eu não penso em Shannon como senhora Smith. —
Limitou-se a dizer.
Eve piscou e seus longos cílios esconderam a suspeita que
brilhou de repente em seus olhos. Mal podia esperar para ficar
a sós com Reno e compartilhar com ele o que pensava sobre
Rafe e a mulher que parecia ser a fonte de todas as suas
preocupações.
— Entendo. — Murmurou. — Shannon estava muito
cansada pela viagem de Echo Basin para vir até aqui?
— Deixei-a com Willy e Cal. Tinha a esperança de que
quisesse ficar vivendo com eles e ajudar a minha irmã.
— Isso seria bom. — Eve comentou. — Willow esteve
pensando em contratar uma jovem para...
— Não como empregada. — Rafe a interrompeu
asperamente. — Mais como uma irmã, ou uma tia solteira.
Eve precisou se esforçar para não dizer que uma viúva não
era a tia solteira de ninguém. Porém, conhecia muito bem os
irmãos Moran para não reconhecer uma advertência nos claros
e sombrios olhos de Rafe, um homem preso entre seu desejo
por uma mulher e seu anseio para voltar a viajar.
Eve se sentiu chocada por ele e sua dor, e também pela
jovem a quem ainda não conhecia. Estava certa de que
Shannon se apaixonara por um homem que ainda não estava
preparado para amá-la. Eve também sofrera por amor, mas, em
seu caso, Reno reconheceu seus sentimentos antes que fosse
tarde.
Olhou com carinho para seu cunhado e se perguntou se
Shannon seria tão afortunada quanto ela. Rafe podia ser
amável e afetuoso, mas que Deus ajudasse aquele que tentasse
prendê-lo quando ele sentia o impulso de ir ao outro extremo
do mundo.
— Seria tratada como uma da família. Contaria com um
quarto, comida e um pequeno pagamento. — Rafe terminou de
explicar. — E segurança. Isso principalmente.
Somente com um olhar de soslaio para Reno, Eve soube
que seu esposo também se compadecia de seu irmão pela
situação que precisava enfrentar.
— É isso o que Shannon quer? — Eve perguntou com
curiosidade. — Segurança e um pequeno pagamento?
Os lábios de Rafe traçaram uma dura linha ao escutar
aquilo. Visto assim, não parecia a vida que qualquer mulher
sonharia, e menos ainda, uma como Shannon.
O silêncio se prolongou incomodamente durante alguns
segundos.
— Se Shannon for a metade da mulher que você diz, —
Eve disse finalmente com voz suave — não precisará se
preocupar com ela por muito tempo. Um dia um homem
inteligente cruzará em seu caminho e lhe oferecerá muito mais
do que um quarto, comida e algum dinheiro.
Rafe ergueu a cabeça ferozmente. Seus olhos pareciam
lascas de gelo.
— Dará a ela, seu nome, filhos e construirá um lar para
ela. — Eve continuou com calma. — E ela não se verá obrigada
a viver da generosidade de outros. Terá sua própria casa para
aproveitar, seu próprio homem ao qual amar e seus próprios
filhos aos quais criar.
— Não.
Rafe não soube que havia falado em voz alta até que
escutou o eco de sua violenta negativa à ideia de que Shannon
pudesse conceber o filho de outro homem. Suas mãos se
fecharam em punhos e seu sangue ferveu de fúria, mesmo
sabendo que sua postura não era razoável.
— Não precisa se casar para estar segura. — Protestou
obstinadamente. — Tudo o que precisa é...
Sua voz se apagou.
As escuras sobrancelhas de Eve se ergueram em uma
silenciosa pergunta diante da veemência de seu cunhado.
— Entendo, portanto, que você não deseje se casar com
ela. — Concluiu em tom neutro.
— É uma mulher maravilhosa. — A voz de Rafe era
áspera. — O problema sou eu.
— Eve, — Reno interveio com suavidade. — meu irmão
não estaria fazendo nenhum favor a Shannon se casando com
ela. Seria melhor que se casasse com o vento.
— Ela sabe? — Eve perguntou.
— Sim, sabe. — Rafe afirmou. — Disse que nunca se
casaria com um homem que ama mais um amanhecer por
descobrir que a ela.
— Uma mulher inteligente. — Eve concedeu.
— Uma mulher teimosa. — Rafe resmungou. — Não quer
sair de Echo Basin mesmo sabendo que é um lugar perigoso
para uma mulher sozinha.
— Porque não quer sair?
— Não quer estar em dívida com ninguém por seu
sustento.
— Uma mulher muito inteligente. — Eve insistiu.
— Uma mulher malditamente teimosa. — Rafe rosnou. —
Não posso deixá-la a mercê dos mineiros de Echo Basin e
também não posso ficar lá com ela até que tome juízo.
Eve fez um som que o convidou a continuar.
— O único modo de resolver toda esta confusão, — Rafe
prosseguiu — é encontrar ouro em suas malditas concessões
para comprar uma casa em Denver ou em qualquer lugar onde
esteja a salvo.
— E solteira? — Eve sugeriu com ironia.
A sombria raiva que apareceu nos olhos de seu cunhado
foi tudo o que precisou como resposta.
— Por Deus, Rafe! — Ela exclamou exasperada. — Se não
quer se casar com Shannon, porque o perturba tanto a ideia de
que outro homem... ?
Um leve chute de seu esposo por baixo da mesa
interrompeu as palavras de Eve.
— Rafe sabe que não está sendo razoável. — Reno disse.
— Essa é a razão pela qual está a ponto de explodir. Mas, se
precisa brigar, serei eu quem lhe dará a oportunidade para
isso.
— Homens! — Eve murmurou entre dentes.
Deu um suspiro e tentou enfocá-lo de outro modo.
— Porque não lhe dá algum ouro do seu daquela mina
espanhola? — Eve estranhou. — Deus sabe que mal o tocou.
— Em seu lugar, você aceitaria? — Reno perguntou, antes
que Rafe pudesse falar.
— Não. Mas eu estava apaixonada por um homem que
estava louco para encontrar ouro.
— E Shannon, — Reno replicou. — está apaixonada por
um homem que está louco para viaj...
— Ela não me ama realmente! — Rafe o interrompeu
bruscamente.
— Ela lhe disse? — Eve inquiriu. — Ou é o que você
espera?
— Nos últimos anos só se relacionou com um velho e
mesquinho caça recompensas, um xamã chamado Cherokee e
um punhado de mineiros ávidos por mulheres. — Rafe
resmungou. — Não é estranho que se sinta atraída pelo
primeiro homem que a trata com respeito.
— Em outras palavras, ela o ama. — Eve resumiu.
Rafe fez uma careta e ficou em silêncio.
— Então, — Eve continuou sem entusiasmo. — Você não
quer a Shannon, porém se preocupa com sua segurança e com
o fato de que ela não deseja ser a empregada de ninguém. Não
quer que viva sozinha em Echo Basin e também não quer que
se case com ninguém, incluindo você. Isso lhe deixa uma única
solução, e é encontrar ouro suficiente em suas concessões para
calar sua consciência antes partir. É isso, não?
As pálpebras de Rafe se fecharam perigosamente.
— Eve...— Reno interferiu, deixando escapar a respiração.
Ela o ignorou.
— Se você fosse um homem... — Rafe começou, sem
nenhuma inflexão na voz.
— Se eu fosse um homem, já teria me jogado lá fora para
brigar. — Sorriu com ironia. — Mas, não sou, e por isso me
atrevo a lhe dizer o que penso.
A expressão de Rafe se tornou ainda mais sombria.
Eve se levantou, rodeou a mesa para se aproximar dele e
acariciou com suavidade os cabelos brilhantes como o sol, tão
diferentes aos de seu esposo.
— Rafe, — Sussurrou com suavidade. — Você, Caleb,
Willow, Wolfe e Jessi são a família que sempre desejei e que
pensei que nunca teria. Enfureça-se comigo se isso o ajudar,
mas você sabe que a única coisa que quero é ajudá-lo. Magoa-
me muito ver você sofrer.
Rafe fechou os olhos e sentiu um forte calafrio lhe
percorrer as costas. Logo, lentamente, abriu as mãos, ergueu
os olhos para Eve e lhe deu um sorriso tão triste que a fez ficar
com os olhos cheios de lágrimas.
— Você é como Willy. — Rafe disse com suavidade. — É
impossível ficar furioso com vocês, mais de dois minutos
seguidos.
Eve acariciou seu rosto e devolveu um sorriso.
— O que você encontra em todos esses lugares
longínquos? — Perguntou em voz baixa.
— Não creio que possa expressá-lo com palavras.
— Você tentaria?
Rafe passou as mãos pelos cabelos e procurou com as
pontas dos dedos as tranquilizadoras voltas do chicote sobre
seu ombro. O gesto indicou até que ponto estava inquieto,
assim como seus olhos apertados e a rígida linha de sua boca.
— Fazem que me sinta vivo. — Disse finalmente.
— E o quê? — Eve insistiu. — As novas paisagens? As
novas línguas? As novas cidades? As novas mulheres?
Franzindo o cenho, Rafe puxou o longo chicote e começou
a passar as flexíveis espirais através dos dedos, procurando
com ar ausente por trechos gastos.
— Não são as mulheres. — Respondeu — Conheci
algumas realmente muito bonitas, mas Shannon é muito mais
atraente do que qualquer outra mulher que tenha visto.
Quanto mais a observo, mais bela me parece.
Reno ergueu as sobrancelhas e reprimiu sua vontade de
falar. Sabia que o fato de assinalar que se sentia igual respeito
a Eve só faria que o gênio de Rafe voltasse a explodir.
— Gosto de praticar idiomas. — Rafe acrescentou, depois
de um momento. — O chinês é uma maldita língua impossível
de entender, porém com o português e o inglês posso me
arranjar na maior parte dos lugares da Ásia, sempre que não
me afaste muito da costa.
Fez uma pausa e continuou falando.
— E o português e o espanhol não são tão diferentes,
assim, posso ir a qualquer parte da América do Sul, México...
Reno aguardou em silêncio, observando como seu irmão
batalhava para descobrir as origens de sua necessidade de
viajar.
Eve ficou junto a ele tocando seu ombro de vez em
quando, animando-o em silêncio a falar, a se libertar da dura
tensão que havia além da superfície.
— As cidades... — Parou e se mexeu inquieto, sem deixar
de passar o chicote pelos dedos.
— As cidades...? — Eve o animou suavemente.
O punho de Rafe virou preguiçosamente, fazendo o chicote
se desenrolar no chão e serpentear suavemente.
— Atraíam-me muito no princípio. — continuou — Nunca
havia o bastante. Diferentes modos de construir, rostos
exóticos, novos aromas, ruídos, comidas... algumas das coisas
que vi me agradaram e outras me pareceram horríveis, mesmo
que sempre fossem diferentes do que eu conhecia antes.
Reno concordou e fez um som alentador.
Eve aguardou.
— É estranho, — Rafe comentou em voz baixa. — mas,
depois de um tempo todas essas diferenças acabam sendo
praticamente o mesmo para mim. Nunca havia pensado nisso
até agora.
O chicote ficou quieto por um instante antes de iniciar
novamente seus sussurrantes movimentos, fazendo eco dos
pensamentos de seu dono.
— O deserto, a selva, a montanha... gosto de contemplar
os contrastes deste velho mundo.
— Sim. — Reno disse. — Essa é a razão pela qual eu voltei
para cá. Esta parte do Colorado me atrai de uma forma que
não sou capaz, de explicar. Isso sem mencionar a quantidade
de ouro que estas montanhas escondem.
— Tem um lugar favorito? — Eve perguntou, dirigindo-se
ao seu cunhado. — Um ao qual esteja desejando regressar?
Rafe negou com a cabeça.
— Nunca fui duas vezes ao mesmo lugar, exceto para
visitar a família.
— Então, ainda não encontrou o que está procurando. —
Ela concluiu.
Rafe tentou responder, porém não encontrou uma
resposta adequada.
Franzindo o cenho, se levantou e atravessou com rapidez
a porta à procura do cálido dia que o esperava no exterior.
Enquanto se movia, o chicote se mexia e chiava a sua volta
acariciando delicadamente a grama.
— O que pensa que ele vai fazer? — Eve perguntou a Reno
em voz baixa quando ficaram sozinhos.
— O que sempre fez.
— Ir a algum lugar longe daqui?
— Sim. — Reno assentiu.
— Pobre Shannon.
— Pobre Rafe. Eu não diria que ele é exatamente feliz.
— Pelo menos ele pode escolher seu destino. — Eve
replicou. — Shannon, ao contrário, tem poucas opções.
— Pelo modo como fala, parece que não se importaria em
dar umas boas marteladas na cabeça dura do meu irmão.
— Penso que só eu sou capaz de manejar um homem. —
Ela respondeu.
— E esse homem sou eu?
Eve se aproximou de Reno com um sorriso e alvoroçou
seus cabelos negros.
— Quem se não? Sabe que eu o amo mais que a minha
vida.
Sorrindo, Reno sentou a sua esposa sobre seu colo e,
durante um longo tempo, não se ouviu nenhum som na
cozinha, com exceção das suaves palavras e dos beijos que
começaram sendo um doce consolo e rapidamente se
transformaram em ardentes promessas que se cumpririam
mais tarde, uma vez que estivessem sozinhos em sua ampla
cama.
Quando Rafe retornou finalmente para casa, o longo
chicote estava pendurado em silêncio sobre seu ombro e
ninguém disse nada sobre Shannon ou suas viagens.
Falou-se somente sobre ouro. Onde era encontrado, como
encontrá-lo e extrai-lo. Reno se limitou a escutar com muita
atenção a Rafe, que lhe descreveu a concessão na qual havia
trabalhado.
Ficaram no salão até bem entrada a noite.
Na alvorada do dia seguinte, o silêncio foi interrompido
pelo estrondo produzido por cavalos cavalgando a toda
velocidade.
Segundos depois, Rafe saía silenciosamente pela porta
traseira com um rifle em uma mão, o chicote no ombro, e as
calças meio abotoadas. Reno se postou na janela frontal,
observando o exterior com olhos apertados. Eve estava junto a
ele com uma escopeta nos braços.
Dois cavalos se aproximavam apressados à casa, mas só
um deles com o cavaleiro. Reno identificou um dos animais no
instante. A pelagem dourada avermelhada, as patas brancas
em seus extremos e a cauda cor de mogno somente podiam
pertencer ao magnífico garanhão árabe de Willow.
— Esse é Ishmael. — Reno anunciou, enquanto se dirigia
à porta com grandes passadas. — E é Wolfe quem o monta!
Emitiu um agudo assovio, um sinal que seus irmãos e ele
usavam quando eram crianças e, alguns segundos depois, Rafe
apareceu por trás da casa, viu quem era o visitante e se
encaminhou para o caminho de entrada para saudar Wolfe.
Com uma olhada deduziu que os dois cavalos haviam
cavalgado muito rápido e durante muito tempo. Parecia que
Wolfe havia trocado de montaria para que o primeiro cavalo e
depois o outro pudessem descansar. O segundo animal era
esbelto, de pernas longas, com a constituição própria de um
cavalo de corridas e a resistência de um mustang.
— O que aconteceu? Rafe e Reno preguntaram em
uníssono, quando Wolfe parou os cavalos em frente a eles.
— Caleb chegou a todo galope até nossa casa, com
Ishmael, me estendeu a rédea e me pediu que viesse em busca
de Rafe o mais depressa que pudesse. Depois, voltou para
Willow.
Rafe fixou a vista no escuro rosto de Wolfe. Uns olhos do
mesmo negro azulado que o crepúsculo, lhe devolveram o
olhar.
— Já me encontrou. — Disse com voz tensa. — O que
houve?
— Tem alguma coisa a ver com uma mulher chamada
Shannon? — Inquiriu.
Rafe ficou muito surpreso para responder.
— Eu direi de outro modo. — Wolfe acrescentou com
sarcasmo. — Se essa mulher lhe importa, deve saber que já
não está na casa de Willow e Cal.
— O quê? E onde está?
Wolfe tirou o chapéu, passou os dedos por seus lisos e
negros cabelos, e recolocou o chapéu com firmeza. Rafe
apresentava o aspecto de um homem que estava a ponto de
explodir e Wolfe suspeitava que suas próximas palavras não
seriam de seu agrado.
— A única coisa que Caleb me disse foi que não podia
deixar Willow sozinha para segui-la. — Ele explicou — Parece
que a mulher tinha muito claro que queria ir e não
conseguiram detê-la.
Rafe começou a soltar maldições em uma língua que
nenhum dos presentes já ouvira e se dirigiu a toda pressa para
o estábulo. O tom de sua voz deixava nítida, a gelada fúria que
o invadia.
— Passe por nossa casa. — Wolfe lhe gritou. — Jessi lhe
proporcionará um cavalo descansado para que o use junto ao
seu.
Rafe colocou o rifle na funda, pegou as rédeas e a sela da
varanda, e caminhou rapidamente para os cavalos que estavam
pastando na beirada do rio.
— Ficará aqui? — Reno disse olhando para Wolfe.
— Precisa de outro revólver? — Seu amigo perguntou sem
rodeios.
— Duvido.
— Então, ficarei com Jessi. — Wolfe deu um sorriso que
suavizou seus traços duros. — Faz uma semana que começou
a ter náuseas pelas manhãs.
Os lábios de Reno esboçaram um amplo sorriso.
— Felicidades! E, fora as náuseas, como está?
— Bem. O fato de ver Ethan nascer fez seu medo do parto
desaparecer. Meu maior problema agora é evitar que dance de
alegria por todos os lugares, até ficar esgotada.
Wolfe deixou de falar ao ver que Rafe se aproximava deles
montado sobre Sugarfoot.
— Onde devo me reunir com você? — Reno perguntou.
— Na Avalanche Creek. — Rafe respondeu sucintamente.
— Em qual bifurcação?
— Na oriental!
Sem dizer nada mais, Rafe cravou os calcanhares no
grande cavalo cinza e se afastou a todo galope.
CAPÍTULO 16

Quando Shannon chegou à minúscula cabana de


Cherokee, observou que Prettyface apresentava um aspecto
quase tão saudável quanto o que tinha antes da briga. Por cima
de Shannon, o tempestuoso céu do Colorado transbordava de
nuvens de todas as cores, desde a das pérolas até a de uma
meia noite estranhamente radiante. Um vento refrescante
soprava sobre os picos das montanhas e a floresta fazia os
desfiladeiros estreitos de pedra emitirem uma canção
perturbadora, e as árvores se curvavam em uma bela dança.
— Bonita mula. — Cherokee comentou da porta.
Shannon observou a anciã detidamente. Apoiava-se em
uma bengala que ela mesma havia talhado para aliviar o peso
que recaía em seu tornozelo. Shannon suspeitava que aquela
bengala seria uma parte permanente da vida de Cherokee e
aquela ideia a fez ficar preocupada. A habilidade da anciã para
caçar mantivera ambas com vida durante vários invernos
apesar da neve.
— A última vez que vi uma mula assim foi há quase dois
anos, — Cherokee continuou — quando esburaquei o chapéu
de um Culpepper com duas balas a mais de um quilômetro de
distância.
— Aquilo fez eles pensarem que John, o Silencioso
continuava vivo.
— Quase acertaram. Usei seu rifle de longo alcance e
meus tiros foram muito mais certeiros. Não havia necessidade
de matar uma boa mula.
Shannon olhou à mula de longas pernas que estava
amarrada em uma árvore, esperando pacientemente enquanto
ela falava com Cherokee.
— Depois da viagem desde o rancho Black, Razorback
estava muito esgotada para dar um passo mais. — Ela explicou
— E o cavalo de carga não está acostumado a levar cavaleiros,
então, mesmo não gostando da ideia, não tive alternativa a não
ser montar a mula de um homem morto.
— Diabos, jovem, você tem montado a mula de um homem
morto há muitos anos. Já é hora de aceitar isso e continuar
com sua vida.
Shannon estremeceu.
— Agora que os Culpepper já não são uma ameaça,
poderei ter mais liberdade. Murphy é um rato, porém posso
lidar com ele.
— Apresente-se em seu armazém com Prettyface. Aposto
que os modos de Murphy mudarão radicalmente.
Sorrindo enquanto acariciava as grandes orelhas do
cachorro, Shannon tornou a observar o tempestuoso céu. O
vento soprou com força sobre seu rosto, frio como a água
gelada.
— Será melhor que eu vá logo. — comentou — Avizinha-se
uma tempestade de neve.
— Não seria a primeira vez a nevar em julho. — Cherokee
falou.
— A neve deixa os rastros muito mais fáceis de se seguir.
Cherokee se ergueu e mudou com cuidado o peso de seu
corpo de um pé para o outro. Mesmo tendo enfaixado o
tornozelo ferido e aplicado todos os cataplasmas que conhecia,
continuava sentindo dor e a inflamação não cedia.
— Vai caçar? — Perguntou.
— Claro. — Shannon respondeu com uma alegria que não
foi além do seu sorriso.
A anciã rosnou, se virou e entrou mancando, na cabana.
Quando retornou, segurava uma caixa de cartuchos para
escopeta entre os nodosos dedos.
— Tome, pegue-os. — Disse alongando a mão para
Shannon com impaciência. — Eu não posso caçar e seria uma
estupidez desperdiçar esta munição. Assim não precisará se
aproximar tanto da sua presa.
— Não posso aceitar. Já estou em dívida com você por ter
cuidado de Prettyface.
— Tolices. Você e eu temos compartilhado tudo faz quase
três anos, igual eu fiz com John desde que o conheci. Pegue os
cartuchos e use todos os que precisar para caçar algo que
possamos comer.
— Mas...
— Não faça eu me irritar, jovem. Seu cachorro não foi
nenhum problema, tem a cabeça dura como o granito, e, o
mesmo é com seu corpo. Cura-se sozinho, sem minha ajuda.
Não é mesmo, cachorro teimoso?
Prettyface olhou para Cherokee, abanou a cauda e se
virou para Shannon. Os ferimentos de bala em seu corpo
haviam se reduzido a pouco a não mais que crostas. Foi o
sangue que deixara os ferimentos com aspecto feio no
momento.
Agora, com exceção de um risco na espessa pelagem da
cabeça, mal havia sinais das balas que teriam matado qualquer
outro animal mais fraco, ou que não tivesse a sorte de ser
tratado por uma mulher que conhecia tão bem a arte da cura.
— Ainda assim, obrigada por ter cuidado tão bem de
Prettyface. — Shannon sussurrou, enquanto acariciava com
delicadeza o nariz do cachorro. — Só tenho você e ele.
Seus olhos mostravam uma imensa tristeza por seus
sonhos perdidos.
— Bem, — Cherokee comentou fixando seu agudo olhar
na jovem e vendo mais do que desejava — suponho que já não
necessitará do que havia lhe preparado.
Enquanto falava, tirou do bolso de sua jaqueta uma
garrafinha fechada na qual tinha amarrado uma pequena bolsa
com uma correia de couro.
— O que é isso? — Shannon perguntou intrigada.
— Azeite de zimbro e menta, principalmente. A bolsa
contêm pedaços de esponja seca.
— É certo que gostarei do olor. Por que não vou precisar?
— Porque Chicote Moran é um maldito estúpido, por isso.
Ou se converteu em seu homem e a deixou?
O rosto de Shannon se ruborizou antes de empalidecer.
— Rafael não é o homem de ninguém; só se entrega a si
mesmo. —Shannon respondeu com pesar. — Porém sim, se foi.
— Há alguma possibilidade de que esteja grávida? —
Cherokee perguntou sem rodeios.
Shannon respirou bruscamente.
— Não.
— Está totalmente certa?
— Sim.
A anciã suspirou e liberou o tornozelo ferido do peso de
seu corpo.
— Bem, então não precisarei me preocupar com uma
possível gravidez, — resmungou — nem você precisará desta
garrafa de azeite para evitar um bebê de um homem que
acabará partindo.
— É o que dá para Clementine e...?
— Não. — Cherokee respondeu secamente. — Seria uma
perda de tempo. Para que o azeite funcione, precisa-se aplicá-lo
com cuidado e no momento certo. E aquelas pobres jovens
costumam beber até cair esgotadas para conseguir suportar
seu trabalho.
Shannon estremeceu ao pensar nos Culpepper e em
outros homens como eles.
— Não sei como conseguem suportar. — Disse em voz
baixa.
— A maior parte não suporta — comentou a anciã. — Não
durante muito tempo.
O vento uivou ao redor da pequena cabana como um
presságio da tempestade que se aproximava.
— Será melhor que me vá. — Shannon anunciou. Virou-se
com a intenção de sair, porém, ficou paralisada ao ver o
cavaleiro que cavalgava para ela.
— Rafael.
Ao ouvir a suave exclamação de Shannon, Cherokee olhou
para o homem que se aproximava a galope e soltou uma
gargalhada triunfal. Apressadamente, enfiou os cartuchos para
a escopeta em um bolso da jaqueta de Shannon, e a garrafa do
azeite e as esponjas em outro.
Shannon nem percebeu. A esmagadora onda de felicidade
que a inundara ao ver Rafe se transformara em consternação
ao observar que os duros traços dele pareciam esculpidos em
pedra fria.
— O que está fazendo aqui? — Conseguiu dizer.
— Que diabos acredita que estou fazendo? — Rafe replicou
bruscamente, parando o cavalo quase aos seus pés. — Tento
salvar de si mesma, uma mulher que tem tão pouco juízo que
vai para um bom lar e retorna para uma miserável cabana
onde provavelmente morrerá de fome neste inverno, se é que
não se congele primeiro!
— Deixou a parte na qual é atacada por um urso. —
Cherokee interferiu secamente. — Mas, como já terá morrido
congelada, não importará muito, não é?
— Isso não é verdade. — Shannon protestou. — Vivi
sozinha aqui durante...
— Bonito cavalo, Chicote. — Disse a anciã, interrompendo
as palavras de Shannon. — Parece muito rápido.
Rafe não afastou o olhar de Shannon quando falou.
Mesmo assim acariciou as orelhas de Prettyface, que havia
apoiado as patas dianteiras sobre sua coxa e ofegava feliz.
— Deixei Sugarfoot pastando perto da cabana que
Shannon chama de lar. — Explicou — Este é um dos cavalos
de Wolfe Lonetree.
— Imaginava. — Rosnou a anciã — Desmonte e descanse
um pouco.
— Não, obrigado. — Rafe recusou, sem deixar de olhar
para Shannon. — Provavelmente começará a nevar antes que
cheguemos àquela velha cabana cheia de goteiras.
— Não tem goteiras. — Shannon resmungou.
— Só porque me ocupei em reforçar a estrutura. — Rafe
espetou.
Cherokee riu baixinho.
— Deixo-os, crianças. Meus ossos já não suportam o frio.
Sem mais, se afastou e fechou a porta para se proteger do
implacável vento.
— Prettyface conseguirá chegar a sua cabana? — Rafe
perguntou.
— Você que é o homem com todas as respostas, o que
pensa? — Shannon replicou.
— Acho que você é uma maldita estúpida.
— Que curioso. Cherokee pensa o mesmo de você. E eu
também. Fez uma longa viagem para nada, Chicote Moran. —
Ergueu-se, oferecendo-lhe uma clara visão de seus olhos. —
Não vou voltar para o rancho Black.
Rafe soprou uma palavra estrangeira entre os dentes.
Somente quando viu a desolação nos olhos de Shannon,
reconheceu o quanto havia desejado ver neles, a alegria por seu
retorno.
Cherokee tem razão. Sou um maldito estúpido.
— Suba na mula. — Ordenou curto.
Shannon virou sobre seus calcanhares e se aproximou
decidida da mula que batizara como Cully. Subiu com rapidez,
inconsciente da graciosidade de seus movimentos.
Porém, Rafe sim foi consciente deles e somente o fato de
ver Shannon andar desatou um inferno em seu corpo,
obrigando-o a afastar os olhos.
— Se Prettyface começar a mancar, grite. — Ele indicou —
Poderei levá-lo sobre minha sela. Wolfe doma seus cavalos para
que aceitem carregar qualquer coisa.
Shannon fez Cully se aproximar da montaria de Rafe, um
precioso cavalo castanho de pernas longas com aspecto de ter
deixado para trás uma longa viagem.
O homem que o montava apresentava o mesmo aspecto.
Quando chegaram à cabana, Shannon estava tão
encolhida por causa do vento gelado e pelas emoções que se
agitavam atrás de seu inexpressivo rosto, que desmontou com
rigidez e cambaleou.
Rafe a segurou rápido. Mesmo com as luvas, poderia jurar
que sentia o calor e a suavidade dela emanando até ele, e
fazendo-o arder. Os cílios de Shannon tremiam antes de se
erguerem, revelando uns olhos cuja avidez e confusão se
igualavam as dele.
Porém, não havia nenhuma dúvida sobre uma coisa.
Shannon era sua. A única coisa que Rafe precisava fazer era
tomá-la.
Com uma feroz maldição, a deixou no chão e se afastou no
preciso instante em que ela alongava os braços para ele.
— Não. — Disse com frieza. — Não me toque.
Chocada, Shannon ficou totalmente imóvel com os braços
estendidos e o amor brilhando em seus olhos de forma tão
evidente que Rafe não conseguiu olhá-la.
— Rafael?
— Já me ouviu. — Insistiu feroz. — Não me toque. Vim
aqui unicamente para procurar ouro. Quando Reno e eu
encontrarmos o suficiente para que possa passar o inverno, eu
partirei. Escutou-me, Shannon? Partirei! Não pode me prender
com seu corpo. Nem mesmo tente.
Brutais ondas de dor e humilhação percorreram Shannon,
fazendo seu rosto adquirir um vivo tom vermelho e depois
empalidecer.
— Sim. — Sussurrou através de seus tremulantes lábios.
— Eu ouvi Rafael, nunca precisará repetir. Nunca. Eu o ouvirei
me rejeitando até o dia em que morrer.
Rafe fechou os olhos para não ver a dor que havia nos de
Shannon, em seu rosto, em todo seu corpo. Não pretendia feri-
la assim. Sentia-se como um animal preso e havia arremetido
contra ela sem pensar na consequência.
— Shannon, — murmurou em agonia — Shannon.
Depois de alguns segundos, Rafe abriu os olhos e viu que
se encontrava sozinho no meio do frio e do vento.
Disse a si mesmo que era melhor assim, tanto para
Shannon, quanto para ele. Era preferível fazer mal agora, mas
não passar toda uma vida se arrependendo de uma decisão
tomada porque seu sangue fervia de excitação e ela não tinha
juízo suficiente para rejeitá-lo.
É melhor assim.
Tem que ser.
Só aquilo justificaria a dor que vira nos olhos dela.
Shannon acordou com as primeiras notas misteriosas da
flauta. Nunca ouvira aquela melodia antes, mas sabia que era
um lamento. O pesar ecoava nas trêmulas harmonias
semelhantes a um pranto, como se as entranhas de Rafe
estivessem se rasgando de dor.
A evocadora e inquietante música fechou a garganta de
Shannon e encheu seus olhos de lágrimas. A música, tão
distante e desoladora quanto o aparecimento e o
desaparecimento da lua no inferno, chorava por tudo aquilo
que não conseguia alcançar, expressar, nem mudar.
— Maldição, Rafe Moran. — Sussurrou na escuridão. —
Que direito tem de se lamentar? Foi sua decisão, não a minha.
Não houve outra resposta do que um comovente eco de
perda e condenação musicado à noite.
Passou um longo tempo antes que Shannon voltasse a
dormir, e chorou, mesmo adormecida.
Quando acordou outra vez ainda estava escuro e não se
ouvia nada com exceção da peculiar quietude de uma nevasca
cobrindo a terra em silêncio. Tremendo, Shannon se aproximou
das persiana mal encaixadas e olhou para fora.
Debaixo de um céu claro onde reinava uma lua
minguante, a suave, fria e úmida camada de neve que cobria
tudo aguardava seu inevitável fim sob o crescente calor do sol.
Mas, até que aquilo ocorresse, cada ramo caído, cada
folha, tudo o que tocasse a neve deixaria um claro sinal e se
poderia seguir qualquer tipo de pegadas.
Shannon se vestiu apressadamente tentando por todos os
meios se concentrar na caça que a esperava. Pensar no
ocorrido no dia anterior fazia suas mãos tremerem e o
estômago se apertar; e para caçar precisava ter o pulso firme e
os nervos calmos.
Não pense nele. Já se foi, mas, mesmo que ainda estivesse
aqui, não me quer. Não poderia ter me deixado mais claro,
como se tivesse gravado a ferro na pele.
O inesperado peso de sua jaqueta fez Shannon verificar os
bolsos. Ao ver de novo a pequena garrafa de azeite e a bolsa
que a acompanhava, recordou de novo a rejeição de Rafe e fez
uma careta, enquanto as deixava em uma estante. Os
cartuchos da escopeta ficaram no bolso, certa de que os usaria.
Sentindo um frio que nada tinha a ver com a temperatura
exterior chegando até sua alma, Shannon ajustou a grossa
jaqueta e tirou a escopeta dos ganchos. Revisou-a e a
encontrou limpa, seca e pronta para ser usada. Pegou um
punhado de tiras de veado curado, tomou uma caneca de água
fria do balde e saiu da cabana para entrar na densa escuridão
que precedia o amanhecer.
Respirando suavemente, ficou em pé junto à porta e
esperou tremendo, a reação de Prettyface ao ficar sozinho. Por
mais que quisesse sua companhia, o cachorro ainda não estava
recuperado. Cansava-se muito rápido e mostrava as patas
traseiras um pouco inchadas por causa do tiro que havia
recebido no lombo. Uma semana mais e estaria completamente
curado, porém, ela não podia deixar passar a oportunidade que
a neve recém caída lhe dava.
Tal e como esperava, Prettyface gemeu e começou a
arranhar a porta.
— Não. — Shannon sussurrou.
Agindo com rapidez, se moveu à lateral da cabana para
que o vento não arrastasse com ele seu cheiro até o interior da
casa.
Os gemidos de Prettyface aumentaram em volume e
intensidade, assim como os arranhões.
Shannon conhecia muito bem o seu cachorro para saber
que logo começaria a uivar. Aquilo acordaria Rafael, estivesse
onde estivesse seu acampamento, e o animaria a se aproximar
para investigar.
A ideia de ver outra vez o homem que amava fez sua pele
se umedecer e o estômago se apertar.
Mesmo se fosse capaz de enfrenta-lo, sabia que Rafael
ficaria furioso ao descobrir que pretendia sair para caçar
sozinha. No entanto, aquilo era exatamente o que precisava
fazer. Devia caçar sem ajuda de ninguém, porque, caso
contrário, precisaria enfrentar a morte no próximo inverno ou
uma vida inteira se encarregando da casa de outras pessoas,
dos filhos de outras pessoas, das vidas de outras pessoas...
E nunca teria uma vida própria.
Shannon não sabia o que seria pior, morrer ou nunca ter
vivido.
— Silêncio.
A ordem fez Prettyface se calar durante uns breves
segundos, porém, logo começou a gemer agudamente,
ameaçando se transformar em um verdadeiro uivo.
— Maldição. — Shannon soprou entre dentes.
Abriu a porta, agarrou o nariz de Prettyface com ambas as
mãos e fechou sua boca.
— Pode me acompanhar, mas pare de uivar de uma vez.
Prettyface se agitou impaciente e em silêncio, pois
conhecia o ritual da caça muito bem para fazer algum ruído,
agora que sabia que participaria dele.
Shannon e seu cachorro avançaram na escuridão com
extrema cautela. Ela era consciente de que Rafael poderia
seguir seus rastros com a mesma facilidade com que ela
esperava encontrar alguma presa, mas ainda faltavam várias
horas para o dia clarear.
Em qualquer caso, esperava que Rafe fosse ao encontro de
seu irmão e não se aproximasse da cabana, já que lhe havia
deixado muito claro que não desejava sua companhia.
Com sorte, ele nem mesmo notaria que havia saído.

O som do tiro de uma escopeta acordou Rafe. Ficou


deitado debaixo da lona impermeável e uma camada de neve
recém caída, e escutou em silêncio. Ouviu outro tiro, igual ao
primeiro.
Um homem. Uma escopeta.
Nenhum fogo de resposta.
Um caçador, provavelmente, aproveitando os rastros que
as possíveis presas deixaram sobre a neve.
Sentia-se esgotado, como se tivesse passado a noite no
inferno em vez de em um cômodo colchão, enquanto a neve
caía suavemente sobre a lona que o cobria. Entrefechou os
olhos e observou a luz que começava a emergir do Leste. Ainda
faltavam duas horas para clarear verdadeiramente o dia, já que
o sol precisaria se elevar sobre as montanhas antes que seus
brilhantes raios pudessem cair diretamente sobre Echo Basin.
Um terceiro tiro ecoou através do vento frio, seguido
rapidamente de outro.
Rafe sorriu levemente.
Deve se tratar de um mineiro. Nenhum caçador com
experiência necessitaria quatro tiros para abater uma presa.
Quando aquela ideia chegou à cabeça, se ergueu tão
bruscamente que fez a neve que cobria seu improvisado refúgio
se espalhar por toda parte.
Não pode ser Shannon!
No entanto, algo lhe disse que não poderia ser ninguém
mais. Nunca conhecera alguém tão teimoso antes.
Calçou os pés nas botas frias, ajustou o chicote no ombro,
pegou o rifle e correu para o rochoso saliente que dava para o
vale.
Não saía fumaça da cabana.
Talvez esteja dormindo.
Então, viu as pegadas que se afastavam da casa e
começou a amaldiçoar entre dentes.
Após alguns segundos, Sugarfoot estava encilhado e
avançava dando saltos para o vale. Era o modo que o cavalo
tinha de informar ao seu cavaleiro de como não gostava que lhe
colocassem uma manta fria e uma sela gelada.
Rafe estava tão preocupado pelo fato de saber que
Shannon estava tentando caçar sozinha naquelas horas
cinzentas e geladas prévias ao amanhecer, que suportou o
protesto do cavalo sem ser consciente realmente dele.
Será que acredita que não caçarei para ela antes de
partir? E por isso vai por aí com umas botas velhas e roupas
puídas?
A resposta ele encontrou nas pegadas que se viam
claramente na brilhante neve prateada. Sem se preocupar com
sua segurança, Shannon havia saído para caçar e conseguir
provisões.
O inclemente vento que desceu dos picos fez Rafe soltar
uma maldição e levantar ainda mais a gola da grossa jaqueta
para se proteger do frio.
Deve estar gelada.
Aquele pensamento fez a raiva de Rafe se intensificar.
Porque não esperou que eu me ocupasse de seus víveres
para o inverno? Eu não seria tão bastardo para não ajudá-la.
Já deveria saber.
Deus, outros homens teriam tomado o que ela lhe oferecia
e nunca teriam olhado para trás ao partir.
Porém Shannon não havia se oferecido a outros homens.
Somente para Rafe.
E ele a rejeitara brutalmente.
Ao recordar a dor e a humilhação de Shannon, soube o
que a impulsionara a sair para caçar sozinha naquela gelada
madrugada. Não aceitaria nada que ele lhe oferecesse mesmo
que estivesse morrendo de fome.
Seguiu as pegadas com um intenso pesar no coração, indo
o mais rápido que o terreno lhe permitia. Ela ia a pé, assim,
logo a alcançaria.
Pelo menos, podia ter levado uma das malditas mulas dos
Culpepper. São suas, apesar de tudo. Seus antigos donos já
não precisavam delas e Razorback teria sorte se superasse o
inverno.
Sabia que a velha mula de John, o Silencioso não era a
única criatura que teria sorte se sobrevivesse ao próximo
inverno. Somente a ideia de ver Shannon lutando contra a fome
e o frio lhe rasgava as entranhas, lhe destruía o coração sem
importar o que fizesse para aliviar a dor.
Não tem nenhum recurso para sobreviver e é muito
orgulhosa para admitir. Deveria aceitar o posto que Cal e Willy
lhe oferecem. É um bom trabalho e eles a tratariam como se
fosse da família.
Porém, Rafe não se enganava sobre suas possibilidades de
fazer com que Shannon fosse realista e aceitasse o trabalho no
rancho Black. Depois do que lhe dissera no dia anterior, ela
não se aproximaria de nenhum de seus familiares.
É para seu próprio bem. Certamente consegue entender
isso.
Deveria ter tentado com mais tato...
Porém, quantos modos existem de dizer delicadamente a
uma mulher que não se aproxime de você, sobretudo se você
fosse capaz de enfrentar um inferno somente para que ela
fizesse isso?
A ideia de ser acariciado pelas cálidas e carinhosas mãos
de Shannon provocou seu movimento incômodo sobre a sela. A
rápida e vibrante resposta de seu corpo ao pensar em Shannon
o enfureceu consigo mesmo, com ela, com tudo. Nunca se
sentira tão vulnerável diante de uma mulher.
E não gostava nada daquilo.
Vá depressa, Reno. Encontre o ouro que livrará Shannon
deste lugar.
E a mim.
Os rastros que Rafe seguia mudaram de direção
bruscamente. Ergueu os olhos para encontrar o motivo e
observou que à direita havia uma pequena clareira. Apertou os
olhos e através das árvores pode ver que havia diversas
pegadas de animais sobre a neve fugindo apressadamente.
Dirigiu Sugarfoot até a beirada do vale e confirmou o que
já havia suposto. Vários animais estiveram olhando e comendo
arbustos na margem do bosque. O vento devia estar a favor de
Shannon, porque pode se aproximar deles a menos de trinta
metros antes que a descobrissem.
Havia uma área de neve pisoteada onde ela havia parado
para apontar e também cartuchos para escopeta usados.
Rafe examinou minuciosamente a neve e comprovou que
não havia sinais de sangue nas pegadas.
Deve ter errado todos os tiros.
As outras pegadas deixavam claro que Shannon e
Prettyface seguiam uma presa em particular. As profundas
marcas de patinadas na neve indicavam que ela atravessara o
vale correndo temerariamente e que havia entrado no bosque
sem permitir que nenhum obstáculo a impedisse de seguir
rastreando. Em troca, a irregularidade das pegadas do
cachorro, assinalavam que Prettyface não forçava sua pata
traseira ferida e que seguia com tranquilidade a sua dona.
De repente, Rafe ergueu a cabeça para a imponente
cimeira que se erigia diante dele e escutou com extrema
atenção.
Não ouviu nada, somente silêncio.
No entanto, uma profunda inquietação começou a invadir
todo seu ser. Estava certo que Shannon havia gritado seu
nome.
Ficou imóvel e fechou os olhos para tentar captar
qualquer som que lhe indicasse onde ela se encontrava, porém
não conseguiu escutar nada, com exceção do som do vento.
Reticente, se obrigou a dirigir de novo a atenção aos
rastros na neve.
Maldição, nunca deveria ter saído da cabana nem levar
Prettyface com ela. No que estava pensando? Ele se perguntou
furioso.
Deveria ter estado mais alerta, impedir que saísse na
glacial manhã em busca de uma presa que ele poderia, e teria
caçado para ela.
Uma neve como esta esconde muitos perigos.
As pegadas o levaram a um riacho cheio de rochas onde a
neve ocultava ramos quebrados e troncos escorregadios.
Sugarfoot cavalgava com segurança apesar dos obstáculos,
ainda que tivesse de escolher seu caminho com cuidado.
De repente, apareceram gotas de sangue entre as pegadas
de Shannon. Umas pegadas que seguiam a sua presa sem
importar a estreiteza do terreno.
Depois de tudo, Shannon não havia falhado. Não
totalmente.
Quando Rafe viu sinais de que Shannon havia escorregado
e caído, sua raiva aumentou. Continuava ouvindo Shannon
gritando seu nome com uma urgência que o estava deixando
louco, apesar de que o único som que se escutava naquela
paragem desolada era o do penetrante e glacial vento.
Uma sombria e indescritível ansiedade apertava suas
entranhas, instando-o a seguir adiante com rapidez.
Maldição. Poderia quebrar um tornozelo correndo assim.
Um animal ferido é capaz de continuar fugindo durante
quilômetros ou dias, dependendo do ferimento. Se Shannon
continuar correndo desse modo, suará, e quando deixar de
correr, o suor a congelará.
E Rafe não queria pensar no que aconteceria depois
daquilo. Encontrara mais de um homem morto pelo frio ou
vagando entorpecido pela neve, muito atordoado para pensar
com clareza.
Os rastros de sangue se tornaram mais pronunciados e
frequentes à medida que o riacho avançava. O animal ferido
estava ficando esgotado, esforçando-se para seguir o ritmo de
seus companheiros.
O barranco que o riacho atravessava se tornou mais
abrupto e o caminho se tornou mais agreste. Até mesmo os
animais que não estavam feridos apresentavam dificuldade
para seguir em frente e havia sinais de que escorregavam na
neve quase tão frequentemente, quanto Shannon e Prettyface.
De repente, os rastros de Shannon passaram de uma
rápida carreira a parar por completo.
Rafe se levantou sobre os estribos, olhou ao seu redor e
localizou cartuchos usados na neve, junto com os restos de um
animal. Shannon se desfizera da pele de sua presa com eficácia
e amarrara a carne que não conseguia carregar em um ramo
alto, mantendo-a a salvo do alcance dos predadores.
Pelo menos John, o Silencioso lhe ensinara algo útil. A
pele em si não valia muito com todos aqueles buracos de bala,
porém poderia secar a carne e guardá-la para o inverno.
Os passos de Shannon se dirigiam para um barranco
lateral que descia serpenteando pela encosta da montanha. Em
suas anteriores explorações, Rafe havia descoberto que o
desfiladeiro se abria a uma abrupta encosta arborizada que
estava a poucos quilômetros da cabana. Se não fosse pelo fato
de que teria de cruzar várias vezes uma perigosa bifurcação da
Avalanche Creek, aquele caminho seria um atalho útil de
retorno à cabana para alguém que estivesse a pé.
Porém Rafe não estava a pé.
Seria uma estupidez obrigar Sugarfoot a que entrasse
naquela água gelada e se arriscasse a quebrar uma perna
naquelas rochas tão malditamente escorregadias somente para
ver os rastros de Shannon descendo e saindo do desfiladeiro,
pensou com dureza.
No entanto, o fez. A inquietação que começara a sentir
pouco depois de começar a seguir os rastros de Shannon se
intensificara, quase, impedindo-o de respirar.
Seu bom senso lhe dizia que ela estava bem, porém sua
intuição indicava que ela estava em perigo, que algo terrível
acontecera.
Sem perder um segundo, começou a descer pelo barranco.
O cavalo desceu com cuidado pelo irregular terreno enquanto
seu cavaleiro repetia várias vezes que quando chegasse à
cabana, Shannon estaria a salvo em seu interior. Teria
preparado um alegre fogo, água com aroma de menta para se
lavar e pãezinhos recém assados.
Porém, não para Rafe.
Aquele pensamento não ajudou em nada a tornar mais
leve os mais de três quilômetros de caminho que havia até a
cabana.
Uma vez que chegou ao vale e comprovou que não saía
fumaça da chaminé, não cheirava a pãezinhos recém assados e
não havia nenhum sinal de que ela se dirigira à cabana desde o
desfiladeiro, a inquietação de Rafe explodiu se transformando
em puro terror. Virou Sugarfoot e examinou o caminho que
Shannon deveria ter atravessado para chegar à cabana.
Não a viu em nenhum lugar.
Abriu a fivela de seu alforje com um puxão e tirou a
luneta. Estendeu-a completamente e olhou através dela. Nos
espaços entre as árvores, a neve brilhava refletindo a crescente
luz.
Nem um sinal estragava a perfeita camada branca.
CAPÍTULO 17

Rafe percorreu novamente o desfiladeiro e todas as suas


bifurcações antes de encontrar Shannon com a água gelada por
cima dos joelhos, empurrando com força um galho enfiado
entre duas pedras de um riacho.
De repente, se ouviu um ruído seco. O galho se partiu e
Shannon caiu de cabeça na água.
Só então Rafe viu qual era o problema. Prettyface devia ter
entrado em uma bifurcação do caminho para rastrear alguma
possível presa e escorregara ao tentar cruzar um riacho. De
algum modo, o cachorro se arrumara para que uma de suas
pernas traseiras ficasse presa entre duas rochas que eram
muito pesadas para Shannon conseguir separá-las.
Pelo aspecto dos galhos quebrados atirados na orla,
Shannon não tivera muita sorte na hora de encontrar uma
robusta alavanca que pudesse ajudá-la a libertar Prettyface.
Quando Sugarfoot freou bruscamente espalhando neve
por toda parte, Shannon já se levantara. Seus movimentos
eram desajeitados, como se tivesse pouca sensibilidade nas
mãos e nos pés.
Rafe se apressou a desmontar.
— Saia daí antes que congele. — Ordenou secamente.
Talvez Shannon não tivesse ouvido Rafe por cima do ruído
que produzia a corrente, mas não respondeu nenhuma palavra.
Limitou-se a pegar um longo galho que havia descartado antes,
enfiou uma ponta sob a rocha menor e puxou para cima com
toda sua força.
O galho se quebrou e só a rapidez de Rafe impediu que ela
tornasse a cair na água gelada. Pegou-a com rudeza, a levantou
e a colocou sobre a sela de Sugarfoot
— Fique aqui. — Rugiu enquanto tirava a grossa jaqueta
com rápidos movimentos para cobri-la. — Ouviu-me, maldição?
Não se mexa.
— Pre... Pretty...
— Eu vou tirá-lo, porém se você se mexer dessa sela, juro
que a levarei à cabana e a amarrarei na cama antes de ajudar
seu cachorro. Ouviu-me?
Atordoada pelo frio e pelo medo por Prettyface, Shannon
assentiu nervosamente e não opôs nenhuma resistência
quando Rafe a forçou a apoiar as mãos na sela.
Depois de lhe dirigir um penetrante olhar, Rafe se virou
bruscamente para o cachorro, que se mantinha em pé sobre
três patas no agitado riacho.
— Bem, Prettyface. — Disse enquanto entrava na gelada
água procedente do degelo. — Vou tirá-lo daí.
O grande cachorro moveu a cauda em saudação e o
observou com seus claros olhos de lobo. Seu corpo estava seco
com exceção de suas patas e não parecia sentir frio, nem
mesmo tremia.
Rafe se inclinou e percorreu com dedos cuidadosos a
perna presa. Não estava entorpecido, somente alguns
arranhões.
— Está em melhores condições que Shannon. — Ele
resmungou — Mas, preciso liberar essa perna sem feri-la mais
do que está.
Acariciou com suavidade a cabeça enquanto avaliava a
situação com olhos duros. Empurrou as pedras para descobrir
qual seria mais fácil de levantar e Prettyface gemeu em
protesto. — Acalme-se, falta pouco.
Recolheu vários galhos quebrados e os introduziu entre as
pedras em ambos os lados da perna presa, com a ajuda de uma
pedra polida pela água.
— Isso deverá manter as pedras afastadas de sua perna.
— Disse com voz tranquilizadora. — Agora aguente, Prettyface.
Vou tirar você daí.
Inclinou-se, afundou as mãos no riacho e tirou o
pedregulho da parte inferior de uma das rochas para conseguir
agarrá-la melhor. Moveu-se rápido, consciente que seus dedos
ficariam entorpecidos, por causa da baixa temperatura da
água.
— Tivemos sorte. — Rodeou a pedra com os braços e
começou a puxar. — Tem um sulco perto da parte inferior ao
qual posso me agarrar.
Ergueu-se lentamente com a ajuda de suas poderosas
pernas enquanto segurava a pedra pela base. Ouviu o rangido
de pedra contra pedra e Rafe quase escorregou, mas não soltou
a pedra.
Apesar da água gelada, o suor apareceu em seu rosto e o
pulso em seu pescoço bateu forte. Mantinha os olhos e os
dentes apertados para concentrar toda sua força em mover a
pesada rocha.
Após um segundo, o cachorro saltou para um lado e saiu
do riacho com um gemido de alívio.
Sorrindo, Rafe soltou a pedra e se ergueu respirando
agitadamente. Prettyface tentava não apoiar muito a pata que
ficara presa, mas fora isso, parecia estar bem.
— Vá para casa. — Rafe ordenou, assinalando-lhe a
encosta.
O enorme cachorro lançou um olhar hesitante para
Shannon, que estava desabada sobre a sela de Sugarfoot.
— Para casa. — Rafe repetiu, enquanto saia do glacial
riacho.
Prettyface se virou para obedecer a ordem seca e desceu a
pendente que levava até a cabana com uma corrida irregular.
Rafe se aproximou então de Shannon. Olhou aos seus
olhos atordoados e aos lábios azuis, e intuiu que só a força de
vontade evitava que ela perdesse a consciência.
Ainda assim, estava tentando desmontar.
— Que diabos pensa em fazer? — Rafe estalou. — Disse-
lhe que não se movesse.
Ela tentou falar, porém seus rígidos lábios mal se
moveram. Tremendo, apontou com a mão a esfarrapada bolsa
de tecido e a carne que havia abandonado na orla do riacho em
sua pressa para resgatar Prettyface.
Rafe se sentiu tentado a subir atrás de Shannon, cavalgar
até a cabana e se esquecer da carne. No entanto, chocado pela
incrível determinação que ela havia mostrado em seu afã de
caçar, se aproximou da margem e pegou a bolsa. Aquela carne
representava para ela sua sobrevivência e não podia deixá-la
ali.
— Tome. — Rosnou com aspereza.
Colocou a bolsa em seu colo e montou atrás dela.
Quando a rodeou com o braço para pegar as rédeas,
percebeu que ela tremia convulsivamente debaixo da pesada
jaqueta.
— Maldição. — Bramou.
Rodeou-a também com o outro braço e esporeou o grande
cavalo cinza. Sugarfoot desceu a encosta a um ritmo quase
temerário que não era suficientemente rápido para Rafe,
mesmo que o bom senso lhe dissesse o contrário.
Passaram só alguns poucos minutos até chegarem à
cabana, porém os tremores de Shannon já haviam piorado. Se
não fosse pelos poderosos braços que a seguravam, não teria
sido capaz de se manter sobre o cavalo.
Prettyface aguardava pacientemente junto à porta da
cabana.
Rafe desmontou, pegou Shannon nos braços e a levou a
toda pressa até a cabana. Apesar de estar tremendo, ela
segurava a bolsa que continha a carne como se sua vida
dependesse dela.
— Deveria ter tanto juízo quanto tem coragem. — Rafe
rosnou, enquanto abria a porta empurrando-a com o pé.
O interior da cabana não estava muito mais agradável que
no exterior, mas, pelo menos havia lenha preparada para fazer
um fogo na estufa, aguardando que uma faísca proporcionasse
vida ao lugar.
Prettyface não se importou com a falta de calor. Foi para
seu canto e se deitou sobre uma esfarrapada manta com um
gemido de prazer.
Rafe deixou Shannon sobre a cama, cobriu-a com a manta
de pele de urso e tentou acender a estufa. Estava com as mãos
tão frias que teve de fazer várias tentativas antes de conseguir
segurar e acender um fósforo sem quebrá-lo. Assim que o
fósforo tocou a lenha, as chamas se prenderam e cresceram
com rapidez.
Porém, Rafe não achou muito rápido. Ele era muito mais
forte que Shannon e não ficara tanto tempo na água como ela,
mas, sentia que o frio chegava aos seus ossos.
Só após cinco tentativas, conseguiu acender o lampião e
depois seus olhos se fixaram no armário que levava à fonte
termal.
Sem hesitar, se aproximou da cama e pegou Shannon;
agarrou o lampião e atravessou a escura porta escondida pelo
armário. O calor da caverna foi como uma benção.
Deixou o lampião sobre a caixa de madeira que fazia às
vezes de mesa e uma luz dourada iluminou as paredes
rochosas. Com ágeis movimentos, tirou as botas encharcadas
de Shannon, a manta de pele de urso e a jaqueta na qual a
envolvera, tirou suas roupas sem contemplações, rasgando o
velho tecido em sua pressa para livrá-la de suas roupas
geladas.
Ela não falou, nem olhou para Rafe, enquanto ele a
deixava nua. Tinha o olhar perdido e tremia convulsivamente.
— Shannon, pode me ouvir? Shannon!
Lentamente, os bonitos olhos o enfocaram e Rafe deixou
escapar um suspiro de alívio.
— Vai tomar um delicioso banho quente. — Disse com a
esperança de que o entendesse. — Então, todos os tremores
desaparecerão e ficará bem, eu prometo.
A cabeça de Shannon se moveu em um gesto que poderia
ser de desentendimento. Os dentes batiam até que apertou a
mandíbula.
— É isso, meu doce anjo. Continue lutando contra o frio.
Não deixe que a vença.
Tirou suas próprias botas e as roupas encharcadas, e se
submergiu com Shannon no tanque. O amplo banco que John,
o Silencioso havia modelado e picotado na pedra não era muito
profundo para Rafe, a quem a agua quente só chegava até a
metade do peito, mas era perfeito para Shannon.
Sentada em seu colo, ela ficou submersa até a garganta e
a água da nascente a envolveu em seu calor.
Rafe deixou escapar o ar entre os dentes ao entrar em
contato com a água. Sentia seu calor como fogo em contraste
com sua pele gelada.
— Está bem? — Perguntou preocupado. — Sente dor?
Shannon negou com a cabeça lentamente.
Durante um tempo, só se ouvia o suave chiado do lampião
e as sutis correntes da nascente ao redor deles. Rafe mantinha
Shannon segura contra seu peito e percebeu exatamente o
momento em que ela começou a ter consciência do ocorrido.
Ainda tremia, mas seu corpo ficou tenso e tentou inutilmente
se afastar dele.
— Prettyface. — Ela balbuciou.
— Seu cachorro está bem. Maldição ele está melhor do
que você. Não há necessidade de que vá ver como ele se
encontra. Ainda está congelada. Fique quieta até que entre em
calor.
Shannon não discutiu. Mal conseguia falar, então,
assentiu e se manteve em silêncio.
No entanto, não se recostou de novo no peito de Rafe.
Recordava com muita clareza a terrível dor que sentira quando
ele gritou que não o tocasse mais.
Ainda estava magoada.
A boca de Rafe traçou uma tensa linha que nada tinha a
ver com o frio. Gostara de sentir o delicado peso do corpo de
Shannon sobre o peito e a fragrante seda de seus cabelos
tocando seu ombro a cada movimento de sua cabeça.
Porém quando tentou que voltasse a se apoiar contra ele,
Shannon ficou rígida e se afastou.
Após alguns minutos, a água da nascente conseguiu que
os tremores de Shannon diminuíssem e que seu corpo fosse
relaxando lentamente.
Rafe a mantinha tão perto dele, que soube qual foi o
instante preciso em que ela tomou consciência de que ambos
estavam nus.
— Solte-me. — Shannon pediu com frieza.
— Ainda está tiritando.
— Estou bem. — Conseguiu dizer.
— Está bem. — Rafe replicou com frieza. — Então, talvez
possa me explicar que diabos fazia percorrendo a montanha
quando deveria estar dormindo e a salvo em sua cama.
— Estava caçando.
— Isso já sei. O que não sei é por quê.
Shannon ergueu a cabeça. Viu os olhos de Rafe pela
primeira vez desde que a resgatara e compreendeu que, apesar
da calma exterior, estava furioso.
Que novidade, pensou com sarcasmo. Vive furioso comigo
desde que reconheci que o amo.
— Porque as pessoas caçam normalmente? — Perguntou
em tom neutro.
— Acredita que eu seria capaz de deixar você aqui sozinha
sem provisões para o inverno?
A surpresa de Shannon ficou claramente refletida em seus
grandes olhos cor de safira.
— Claro que não. — Respondeu atordoada.
— Se caçasse para você, aceitaria o que lhe oferecesse?
Ela assentiu em resposta.
— Se é assim, porque, em nome de Deus, você saiu para
caçar? — Rafe rugiu.
— Preciso aprender a me arranjar sozinha. Nem sempre
estará aqui para caçar por mim.
— Você ficaria muito melhor se vivesse com Cal e Willy.
— Em sua opinião, sim.
— Porém não na sua. — Ele replicou.
— Não. — Disse em voz baixa. — Por outro lado, não
posso deixar Cherokee e a Prettyface sozinhos.
— Prettyface gostaria do rancho.
— Cherokee não.
— Como sabe?
— Foi a primeira coisa que lhe perguntei quando voltei.
— Você fez isso? — Perguntou surpreso.
Shannon assentiu.
— Tive muito tempo para pensar sobre como você parecia
furioso e angustiado quando partiu em busca de seu irmão. —
sussurrou — Decidi que poderia voltar e... tentar... viver a vida
de outro.
A dor que as palavras de Shannon transmitiam fez o
coração de Rafe parar por um instante.
— Se... se não desse certo, a cabana continuaria aqui, —
Shannon continuou. — Mas Cherokee não gostou da ideia de ir
para o rancho de sua irmã.
Uma sensação de alívio invadiu Rafe, fazendo seus braços
se relaxarem ao redor do seu corpo.
— Aquele velho xamã está cuidando dele mesmo desde
antes de você nascer e poderá se arranjar sozinho. — Afirmou.
Depois tocou seus cabelos com os lábios tão levemente
que ela não pode sentir a carícia. — Você não.
— Engana-se. — Shannon repôs taxativamente. — Ela
gosta da solidão e da sua forma de vida, porém agora está
ferida e não posso deixá-la sozinha.
— Ela?
— Ela — Shannon repetiu. — Cherokee é uma mulher.
— O quê? — Rafe balançou a cabeça, incrédulo. — Tem
certeza?
Shannon assentiu.
— Ela é a prova de que uma mulher pode sobreviver em
qualquer lugar se estiver disposta, mesmo na Avalanche Creek.
Assim, pode deixar de se preocupar comigo. — Disse em voz
baixa.
— Não. Você não sobreviveria sozinha ao inverno.
Não havia nenhuma inflexão na voz de Rafe, simplesmente
uma absoluta e contundente segurança no que estava dizendo.
— Sobrevivi no ano passado, — Shannon insistiu — e no
anterior, e no anterior.
Rafe a olhou com atenção.
— O que quer dizer? — Perguntou com aspereza depois de
uns segundos.
— Meu tio desapareceu faz três invernos.
Por um momento, Rafe ficou imóvel. Depois, se jogou para
trás como se tivesse sido baleado.
Na realidade, se sentiu como se o tivessem feito.
— Passou três invernos, sozinha? — Espetou com
severidade.
— Sim.
Ainda que parecesse difícil acreditar naquilo, Rafe sabia
que Shannon não estava mentindo.
— Então, John, o Silencioso deve estar morto.
Shannon assentiu de novo e fechou os olhos.
— Está enterrado perto da concessão de Chute, na
Avalanche Creek.
— Desde quando você sabe? — Rafe exigiu saber.
— Supus que estivesse morto faz dois anos, mesmo não
tendo certeza realmente até que Cherokee me disse que seguira
seus rastros até um desabamento de terra quando suspeitou
que lhe acontecera alguma coisa. Suas pegadas desapareciam
no terreno, mas não se afastavam dele.
— Sendo assim, nada a prende neste lugar além de sua
teimosia. —Rafe acrescentou.
— Nada faz com que as pessoas se agarrem à vida fora a
pura teimosia. — Shannon respondeu, cansada.
— Maldição! — rosnou — Está tentando me prender!
— Não! Só digo...
— Como vou deixar você aqui sabendo que está sozinha e
indefesa? — Olhou-a com olhos tão duros quanto sua voz. —
Não posso e você sabe! Espera que eu...
— Não estou indefesa! — Shannon o interrompeu. — E
não espero nada de você! Não preciso de você!
Um torvelinho de emoções rodopiou em seu íntimo,
apertando sua garganta e irritando-a. O frio que sentira no
riacho não era nada comparado com o vazio gelado que se
apoderava dele quando pensava em Shannon morta na
montanha em um túmulo sem identificação como o de John, o
Silencioso.
— Mentira que não precisa de mim. — Explodiu com uma
voz grave e feroz. — Hoje esteve a ponto de morrer ali fora.
Durante dois longos segundos, Shannon olhou para o
homem que estava tão perto dela e, no entanto, tão longe. A luz
do lampião se refletia em seus cabelos e transformava a
claridade cinza de seus olhos em um mistério prateado. Nunca
poderia imaginar que amar alguém pudesse ser tão doloroso.
Teria dado sua vida para se ver refletida nos olhos de Rafe, em
seu coração.
Teria vendido sua própria alma para ser um longínquo
amanhecer que pronunciasse seu nome... e para ouvir como ele
lhe respondia.
— Sim. — Disse com calma enquanto seus lábios
mostravam um estranho sorriso. — Poderia ter morrido. E daí?
As estrelas teriam brilhado da mesma forma esta noite e o sol
teria saído pela manhã. A única diferença seria que eu não o
veria.
Ao ouvir aquilo, Rafe sentiu como se uma faca sem fio
atravessasse dolorosamente sua alma e a partisse em duas.
— Por favor, deixe que eu me vá. — Ela suplicou com voz
alquebrada.
— Ainda está tremendo.
— Estarei bem quando me deixar vestir as roupas.
— Esses trapos com os quais se cobre não lhe
proporcionarão calor. O gesto protetor dos braços de Rafe ao
redor de Shannon, diziam muito mais que suas palavras.
Talvez não a quisesse, porém se preocupava com sua
segurança. E parecia maravilhoso se sentir cuidada, mimada,
mesmo que só fosse por uma vez.
Por um instante, a tentação de ceder e apoiar a cabeça no
peito de Rafe colocou à prova a determinação de Shannon de se
manter afastada dele. Ansiava se perder em seus braços, deixar
de se sentir sozinha, mas a lembrança da vergonha e da
humilhação sofridas no dia anterior correu em sua ajuda.
Não me toque.
Sem prévio aviso, Shannon tentou se libertar do férreo
abraço para sair do tanque.
— O que lhe acontece? — Rafe exclamou, segurando-a
com força. — Age como se eu fosse violar você!
Shannon emitiu um som que foi quase uma risada e não
chegou a ser um soluço.
— Não precisaria me violar e você sabe disso. —
Respondeu com amargura.
Um estremecimento percorreu o poderoso corpo de Rafe.
— Não deveria ter dito isso. Pode ser perigoso.
— Por quê? Você não me deseja. Nem pode suportar que
eu o toque.
A dor na voz de Shannon fez pedaços do controle de Rafe.
Ficou tenso bruscamente e agarrou uma das suas frágeis mãos
para submergi-la por baixo da cálida superfície da água e
colocá-la sobre sua grossa ereção. Respirou agitadamente e
deixou o ar escapar com um grave grunhido.
— Agora, — assoviou entre os dentes — volte a me dizer
que não quero que me toque. Mataria para fazê-la minha e você
sabe malditamente bem.
Chocados olhos safira olharam para Rafe incrédulos.
— Então, porque não para de me recusar continuamente?
— Conseguiu dizer com voz quebrada. — Não estou lhe pedindo
que me queira. Não estou rogando que fique comigo. Eu só
quero...eu só quero me sentir viva, realmente viva, antes de
morrer. Se você não me tomar, irei para o túmulo sem saber
como seria me entregar ao homem que eu amo.
Rafe afastou a mão de Shannon de sua dolorida carne
como se fosse um ferro quente.
— Não posso. — Ele ofegou.
Shannon deixou escapar uma risada alquebrada e
percorreu o corpo de Rafe com a mão.
— Claro que pode. — insistiu.
Ele soltou o ar em um silvo enquanto Shannon explorava
cuidadosamente a rígida evidência de sua excitação.
— Você é virgem. — Resmungou apertando a mandíbula.
— Não importa.
— Poderia deixar você grávida.
— Adoraria ter um filho seu.
— Eu não poderia partir se estivesse grávida. — Rafe
rugiu. — É isso o que você quer? Obrigar-me a ficar?
— Não. Você me odiaria se o fizesse.
—Odiaria a mim mesmo. Oh, Deus... pare.
Prendeu com firmeza a mão que o estava torturando e a
levou aos lábios para mordê-la delicadamente, fazendo a jovem
estremecer contra ele.
— O que você fez para evitar que as mulheres com as
quais teve relação no passado não ficassem grávidas? —
Shannon inquiriu com voz rouca.
Uma cor vermelha viva apareceu no rosto de Rafe.
— Você faz umas perguntas das mais surpreendentes.
— Eram todas muito velhas para ter um filho? — Ela
insistiu.
Rafe deixou escapar um suspiro, esmagado pela
combinação de inocência e honestidade de Shannon.
— Não, não eram muito velhas, — explicou — mas
conheciam meios para reduzir as possibilidades de uma
gravidez. — O celibato.
A decepção na voz de Shannon fez Rafe sofrer lutando
contra a risada e um implacável desejo que não conhecia até
encontrar Shannon.
— Há outros modos. — Disse depois de alguns segundos.
— Verdade? Quais são?
— Não consumando o ato.
— Isso me parece celibato.
O sorriso de Rafe foi lento e muito varonil.
— Não é, meu doce anjo. Não se lembra do prazer que
sentiu quando nos refugiamos da tempestade debaixo de uma
lona?
Um calafrio provocado pela lembrança e pela antecipação
fez com que Shannon tremesse.
— É isso o que quer? — Ela perguntou.
— É melhor que nada.
— Mas...
— Mas? — Rafe a animou, apertando-a contra ele.
— Eu também quero tocar você. Quero sentir o sangue
fluir como lava por suas veias. — Shannon sussurrou,
recordando como tinha sido para ela. — Quero ver você arder.
Quero satisfazer você até que grite e pense que não poderá
sobreviver a tanto prazer.
O coração de Rafe se acelerou e seu grosso membro
palpitou exigindo atenção.
— Foi assim que você se sentiu, meu doce anjo? — Mal
conseguindo que as palavras atravessassem a embriagadora
rajada de paixão que apertava sua garganta.
— Sim. — Ela reconheceu em voz baixa. — Nem tenho
palavras para explicar. Só sei que...
Rafe deslizou os lábios por seus cabelos e emitiu um som
interrogante.
— Queria mais. — Shannon confessou. — Queria sentir
seu corpo quente e forte me apertando. Queria... — Sua voz
tremeu. — Não sei o que queria. Só sentia que faltava alguma
coisa.
Todos e cada um dos músculos de Rafe ficaram tensos ao
ouvir aquilo. Respirou bruscamente e deixou o ar escapar com
dificuldade.
Ele sabia exatamente o que havia faltado.
— É normal que me sinta assim? — Shannon perguntou
em um sussurro.
— Absolutamente. — Rafe respondeu com voz rouca. —
Algumas pessoas se conformam com menos, porém outras
querem mais.
Mordeu delicadamente a parte superior da orelha de
Shannon e saboreou o pequeno tremor que a percorreu.
— Não entendo. — Ela refletiu em voz baixa. — Se pode
ter tudo, por que ficar satisfeito com menos?
Rafe riu em silêncio e se perguntou se um homem poderia
morrer de desejo enquanto se encontrava sentado nu em uma
nascente com uma inocente virgem que era tão curiosa quanto
um gatinho.
E tão inconsciente.
— Adoro cada milímetro de você. — Sussurrou ao seu
ouvido. — Quero beijar você da cabeça aos pés e depois
recomeçar, mas não sei se serei capaz de me conter e não a
fazer minha.
Shannon estremeceu e olhou com atenção os prateados
olhos de Rafe. O calor e o desejo que viu neles fizeram seu
coração parar.
— Eu gostaria de beijar você do mesmo modo, —
sussurrou trêmula — por todas as partes. Mal posso afastar
meus olhos de você, mesmo se tentar. Sonho em acariciar seu
peito, os músculos de seus braços...
Dedos cálidos e úmidos selaram os lábios de Shannon,
interrompendo o atropelado fluxo de suas palavras.
— Basta, meu doce anjo. Vai me matar de desejo. —
Afastou os dedos, acariciando cada curva dos seus lábios o
fazia.
— Não pretendo matar você. — murmurou — Nem saberia
como fazer isso. Você me ensina, Rafe? Diz como posso lhe dar
prazer?
— Não. — Respondeu brusco. — Você não entende? Não
posso.
CAPÍTULO 18

Rafe fechou os olhos tentando lutar contra o selvagem


desejo que atravessava seu corpo e que o atormentava com
aquilo que desejava mais que respirar, e não devia tomar.
Quando abriu os olhos, percebeu claramente a sombra da
angústia e confusão que cruzava os olhos de Shannon.
— Desejo muito você para confiar em mim mesmo. —
Reconheceu com voz áspera. — Isto é novo para mim. Nunca
antes tive algum problema protegendo uma mulher.
Shannon respirou profundamente.
— Não entendo.
— Posso tomar uma mulher sem deixá-la grávida. — Rafe
esclareceu de forma bruta. — A única coisa que tenho de fazer
é conter meu próprio prazer até sair de seu interior.
— Oh! — Shannon franziu o cenho, pensativa. — Entendo.
Acredito.
Rafe não sabia se ria ou amaldiçoava diante da sua
sincera e inocente expressão.
— Não é infalível, — acrescentou — se uma mulher está
em sua época fértil, não me arrisco.
— E qual é sua época fértil?
Ele abaixou os olhos que adotaram um tom cinza prateado
que contrastava vivamente com seu bronzeado rosto. Seus
espessos cílios eram do mesmo dourado resplandecente da luz
do lampião.
— Sua mãe nunca lhe explicou nada? — Perguntou
quando pode falar de novo.
— Explicar-me? O quê?
— Por exemplo, o fato de que é mais provável que as
mulheres fiquem grávidas na metade de seu ciclo mensal.
Um rubor que não tinha nada a ver com a calidez da
nascente cobriu as faces de Shannon.
—Oh, eh..., não. — balbuciou. — Não me explicou nada
sobre isso.
— Quando você sangrou pela última vez? — Rafe
perguntou diretamente após alguns segundos, quando ficou
patente que ela não ia dizer mais nada.
— O silêncio de meu tio me parecia mais cômodo que suas
perguntas. — Shannon murmurou em voz baixa depois de
engolir a saliva.
— Quando você sangrou a última vez? — Rafe repetiu com
firmeza, sem permitir que ela afastasse os olhos.
— A... acabei ontem. — Shannon murmurou
precipitadamente.
Ao ouvir aquilo, Rafe sentiu uma brutal explosão de desejo
em suas entranhas. Só pensar em se submergir no apertado e
suave corpo feminino foi suficiente para levá-lo até o limite de
seu controle.
— Ontem, é? — Disse com voz rouca.
Shannon assentiu e se perguntou se teria a face tão
corada quanto acreditava.
Rafe sorriu e acariciou sua orelha com a língua.
— Nunca conhecera alguém que pudesse corar por
completo.
— É o calor da água. — Shannon disse.
Ele riu em baixinho em resposta.
Shannon se moveu envergonhada em seu colo, mas ficou
imóvel no instante em que tocou na grossa ereção de Rafe e ele
deu um rouco grunhido.
— Desculpe. — Desculpou-se ela precipitadamente. — Não
pretendia machucá-lo.
— Não machucou.
— Mas... escutei como...
— Você fazia o mesmo som debaixo da lona. Eu a
machucava então?
Ao recordar a noite da tempestade, Shannon
experimentou um delicioso e diferente tremor.
— Não. — Respondeu em um sussurro. — Não me fez
nenhum mal. Nem sabia que pudesse sentir tanto prazer.
Posso fazer que você sinta o mesmo que eu?
— Sim.
— Como?
Rafe fechou os olhos, respirou profundamente... e apelou
para sua força de vontade para não dar rédea solta ao seu
ávido desejo.
— Começaremos com um beijo. — propôs — Você gostaria
disso?
— Oh, sim. E você?
— É um início. — Rafe disse com voz tensa, enquanto
inclinava a cabeça para capturar sua boca ferozmente.
Com um suave gemido, Shannon ergueu o rosto e abriu os
lábios aceitando satisfeita sua invasão. Deslizou os braços ao
redor de seu pescoço e enterrou os dedos em seus cabelos
enquanto saboreava o calor e as diferentes texturas da língua
de Rafe.
Com um áspero e estrangulado ofego, ele explorou
profundamente sua boca, a saqueou, a devorou tão
minuciosamente quanto lhe era possível somente com um beijo
até que, relutante, se afastou e levantou a cabeça.
— Rafael? — Shannon inquiriu com voz rouca. — Ocorreu
algo? Porque parou
— Nunca estive tão excitado. — Fez uma pausa e respirou
fundo. — E isso poderia ser perigoso.
Shannon percorreu com os olhos a superfície da
fumegante fonte.
— Talvez devêssemos sair da água.
Rafe deu uma gargalhada apesar de sua dolorosa ereção.
— Não é a água, — explicou — é você. Sinto-me como se a
tivesse desejado desde o inicio dos tempos. Você me faz arder
até nos sonhos.
A violenta paixão que os olhos de Rafe refletiam fez
Shannon se esquecer de respirar.
— Isso significa que me deixará acariciar você? —
Sussurrou.
— Quando quiser. Onde quiser. Do modo que quiser.
Deus, sou um estúpido por incitá-la assim, Rafe se
repreendeu em silêncio.
Porém, não disse em voz alta. Desejava muito se perder no
corpo de Shannon para ser sensato.
Sorrindo, ela deslizou as mãos por seus poderosos ombros
e sua expressão deixou patente o tanto que desfrutava com a
força que palpitava sob a flexível pele. Mordeu o lábio inferior e
seus finos dedos acariciaram o amplo peito de Rafe, deleitando-
se com o contraste entre o áspero velo e os planos e
surpreendentemente suaves mamilos masculinos.
Rafe fechou os olhos, chocado ao sentir que todos seus
sentidos ganhavam vida.
Com um desejo evidente, Shannon se inclinou sobre ele e
tocou a base do seu pescoço com a língua em uma carícia que
encerrava uma delicadeza e curiosidade felinas.
O corpo de Rafe ficou violentamente tenso em resposta,
dominado pela paixão, enquanto Shannon, deixando-se levar
por seus instintos, gemia e passava a ponta da língua pelos
férreos tendões de seu pescoço.
— Gosto do seu sabor. — Murmurou contra sua pele. —
Tão diferente do meu, tão masculino...
Rafe deixou escapar o ar em uma brusca rajada e colocou
uma de suas mãos na nuca de Shannon, animando-a em seus
avanços.
— Rafael?
— Deixe-me sentir seus dentes. — Murmurou com voz
rouca. — Morda-me, Shannon.
Poucos minutos antes, ela teria hesitado, mas agora,
desejava oferecer a Rafe aquela primitiva carícia tanto quanto
ele desejava recebê-la. Então, abaixou a cabeça até que seu
queixo quase tocou a fumegante água.
Lentamente, abriu os lábios e seus dentes se afundaram
com extremo cuidado no forte peito de Rafe.
Um agudo e ávido som surgiu das profundezas da
garganta dele.
— Rafael?
— Faça outra vez, meu doce anjo. Mais forte.
— Tem certeza?
Ele riu com suavidade, inclinou a cabeça e a ergueu para
Shannon ao mesmo tempo para morder quase dolorosamente a
lateral de seu esbelto pescoço.
Um fogo abrasador consumiu o ventre de Shannon, que
fechou os olhos e se curvou contra Rafe tentando aumentar a
pressão da feroz carícia. Ele deu uma grave risada gutural e
deu o que lhe pedia, marcando-a com sua boca até que a ouviu
gritar.
No instante, a soltou.
— Desculpe. — disse — Não pretendia lhe fazer mal.
Shannon abriu os olhos, acesos pela paixão que corria em
suas veias.
— Fazer-me mal? — Negou com a cabeça e riu baixinho.
— Oh!, não.
Abaixou a cabeça e correspondeu a aquele audaz jogo
amoroso mordendo seu peito, saboreando-o e aliviando a
marca de seus dentes com a língua.
Após alguns segundos, se afastou alguns centímetros para
olhar Rafe nos os olhos e perguntou:
— Estou machucando você?
Porém seus olhos diziam que já conhecia a resposta.
— Está me matando. — Rafe conseguiu dizer com voz
rouca. — Não me faz nenhum mal, mesmo havendo uma parte
de meu corpo que está começando a doer como nunca.
— Qual?
— Imagine. — Desafiou-a.
— Oh. Quer dizer...?
— Sim. Exatamente.
A mão de Shannon deslizou sob a água e percorreu os
músculos do torso de Rafe, seu quadril... até encontrar a rígida
evidência de seu desejo.
— Aqui? — Perguntou.
O ar escapou com dificuldade entre os dentes apertados
de Rafe.
— Piora o fato de que eu o toque? — Shannon inquiriu
com inquietação.
— Depende.
— Do quê?
— De onde me tocar, e como.
Shannon mordeu o lábio, afastou os olhos e ficou muito
quieta.
— Não sei como. — Confessou com voz baixa.
— Investigue Shannon. Sobreviverei.
— Mas...
— A menos que me tocar a incomode ou...
A jovem ergueu a cabeça surpresa.
— Como poderia me incomodar? É maravilhoso.
Rafe encolheu os ombros.
— Algumas mulheres não gostam de tocar um homem, e
muito menos nessa parte.
— Verdade? Eu passei a maior parte do tempo desejando
poder acariciar você, mesmo... aí.
— Desejo cumprido, então.
Shannon sorriu apesar do rubor que ardia em suas faces e
pegou com cuidado seu grosso membro na mão.
— Diga-me se o machucar. — Pediu com voz rouca. —
Esta sua parte é tão suave e... tão dura ao mesmo tempo.
Rafe emitiu um som entre risada e grunhido. O contato
dos dedos de Shannon explorando-o sob a superfície da
nascente era uma deliciosa tortura e tornava difícil permanecer
imóvel. Quando os delicados dedos o acariciaram várias vezes
desde a ponta rombuda até a rígida base, o sangue martelou
tão violentamente através dele que temeu estalar.
— Shannon.
Ela ficou imóvel.
— Estou apertando muito?
— Não o bastante.
— Já disse que não sabia como fazer. — Sussurrou
pesarosa enquanto afastava a mão.
No instante, os dedos de Rafe se fecharam sobre os dela.
— É fácil. — Disse com voz rouca.
Sua mão lhe mostrou o ritmo adequado para acariciar sua
dura e sedosa ereção, e a jovem soltou um trêmulo suspiro de
prazer ao sentir o ávido palpitar da rígida carne sob a palma.
O fato de saber que Shannon estava desfrutando
verdadeiramente ao lhe dar prazer, quase conseguiu fazer Rafe
ceder às exigentes demandas de seu corpo. Seu sangue fluiu
violentamente por suas veias ao sentir que ela apertava os
dedos para rodeá-lo com firmeza, avaliando-o e se deleitando
ao mesmo tempo. Tentou respirar e manter o controle, porém
não conseguiu se conter e, para sua surpresa, ejaculou com
força na cálida mão que o segurava. Aquilo o surpreendeu, pois
nunca alcançara o clímax com tanta rapidez.
Porém também era verdade que nunca tivera em seus
braços uma inocente virgem olhando-o com desejo e
submetendo-o a todo tipo de carícias.
— Você treme. — Shannon murmurou depois de um
momento. — Está bem?
— Muito melhor do que antes.
Shannon sorriu e deslizou lenta e tranquilizadoramente os
dedos por seu peito. Sentia claramente que parte da tensão que
o havia dominado desaparecera.
— Gostaria de ver você por inteiro. — Shannon se
lamentou enquanto observava os reflexos da luz dourada do
lampião na escura superfície da nascente. — Gostaria de ver
como muda quando me deseja.
O coração de Rafe bateu com força ao sentir que o desejo o
invadia novamente.
— Vai acabar me matando.
Shannon o olhou surpresa.
— Ao que se refere?
— Não creio que possa lhe explicar, mas estou
malditamente certo de poder lhe demonstrar.
Prendeu a mão que acariciava seu peito e a levou ao
pescoço antes de abaixar a cabeça e capturar a boca de
Shannon em um beijo que a fez grudar-se a ele, suplicante.
Sua forte mão tomou posse de um de seus firmes seios e
pressionou o mamilo entre o indicador e o polegar, fazendo
Shannon gemer roucamente.
O som se perdeu na boca de Rafe enquanto ela se retorcia
em seus braços, indefesa.
Ansiando lhe dar prazer, acariciou as pernas de Shannon
até chegar à união entre suas coxas. Longos dedos a instaram
a se abrir para ele e investigaram o úmido calor que o recebeu.
De repente, ela estremeceu e ficou rígida como se tivesse
sido açoitada com um chicote.
— O que aconteceu? — Rafe sussurrou ao seu ouvido. —
Já fizemos isso antes.
— Sim, mas depois você se enfureceu comigo, e não voltou
a me tocar.
— Desta vez não será assim. Agora sei que é virgem.
— Eu... — Disse entrecortadamente. — Eu...
Rafe aprofundou sua carícia e sentiu como os braços de
Shannon se apertavam ao seu pescoço quando outro feroz
estremecimento a dominou. Ela tentou falar, porém só
conseguiu dar um gemido estrangulado.
Preocupado, Rafe saiu do corpo de Shannon contrariado e
as pontas de seus dedos acariciaram as inchadas e suaves
dobras de sua feminilidade com extrema delicadeza.
— O que acontece? — Ele murmurou — Diga-me.
— Sinto-me estranha. — Confessou entrecortadamente.
— Mas, você gosta?
Um longo dedo se afundou em Shannon enquanto Rafe
falava.
— Sim. — Sussurrou. — Sim.
Mais que as palavras de Shannon foi seu corpo que
indicou a Rafe que ela estava desfrutando de suas carícias. Sua
resposta, como fogo líquido, acolheu seus dedos e lhe deu a
certeza que ela só sentiria uma breve dor quando a fizesse sua
na primeira vez.
Parecia ter nascido para ele.
Não, disse Rafe a si mesmo, com violência. Não posso
correr riscos.
Que riscos? Respondeu a si mesmo. Não haverá um
momento mais seguro que agora. Shannon acaba de me dar
prazer e poderei me controlar.
Na mente de Rafe havia mais argumentos contra para
tomar a jovem, porém seu corpo clamava por ela e havia
sonhado muitas vezes com aquele momento.
— Falava sério? — Perguntou sem querer aprofundar a
penetração de seus dedos.
— O quê? — Ela conseguiu dizer, atordoada.
— Deseja me ver?
— Sim.
—Bem. Porque eu também desejo ver você. Estive
sonhando com isso e... com outras coisas.
— Com o quê?
— Com algo que fará você corar por completo. — Riu
baixinho. — Mas, prometo que gostará.
Sem prévio aviso, se levantou e saiu do tanque com
Shannon em seus braços. Parou junto à manta de pele de urso
e se sentiu chocado ao se dar conta da total confiança que
Shannon depositava nele.
Gotas de água prateadas brilhavam em seus ombros e
deslizavam formando pequenos riachos entre seus seios. Os
tensos mamilos permaneciam eretos, e o desejo de tomá-los
entre seus lábios quase o fez se ajoelhar.
— Deve estar frio na cabana. — Disse com voz rouca. — E
está muito longe.
— Está somente a alguns passos. — Ela murmurou.
— Bem o que disse, muito longe.
Shannon deu um pequeno sorriso e observou como o
vapor surgia de seu corpo, revelando primeiro e ocultando
depois o poder de seus ombros. O pelo que cobria seu peito
estava úmido e brilhava com a luz do lampião.
— Shannon?
— O que você quiser. — Sussurrou com voz quebrada. —
Como você desejar.
Rafe deslizou os olhos por seus generosos seios, sua fina
cintura, seus quadris, até chegar ao suave e escuro pelo que
cobria a união entre suas coxas.
— Não me tente, pequena. Desejo você de formas que você
nem consegue imaginar.
O olhar de Shannon subiu preguiçosamente por seu
amplo peito e o olhou fixamente aos olhos.
— Quais são essas formas? — inquiriu.
Incapaz de emitir uma resposta coerente, Rafe a deixou
sobre a grossa manta e se ajoelhou ao seu lado.
Shannon observou então a grossa ereção e tremeu de
medo e antecipação.
Ao se conscientizar do temor dela, Rafe lhe colocou os
dedos sob o queixo e ergueu seu rosto para obrigá-la a afastar
o olhar de seu palpitante membro.
— Não tenha medo. Não acontecerá nada que você não
deseje.
— Eu... — Shannon engoliu a saliva e tentou falar
novamente. — Não acontece nada. É somente que...
Rafe aguardou paciente que ela se explicasse.
— É só que essa parte sua não parecia tão grande quando
a toquei embaixo da água. — Confessou atropeladamente em
um sussurro.
— Então, feche os olhos. — Aguardou que ela o fizesse e
lhe pediu: — Dê-me a mão.
Shannon alongou o braço para ele e Rafe pegou os
trêmulos dedos entre os seus, os beijou com suavidade e os
guiou para sua dolorosa ereção. Estava tenso e incrivelmente
duro, como se não tivesse desfrutado de nenhum alívio em
meses.
Shannon soltou uma longa e entrecortada expiração, e
começou a acariciá-lo com lentos e indecisos movimentos.
— Vê? — Rafe sussurrou com voz profunda. — Não
precisa temer nada.
Shannon riu ao ouvir aquilo. Abriu os olhos e observou
que o olhar de Rafe refletia uma estranha mistura de ternura e
desejo.
— Vai doer quando...? — Sua voz se perdeu.
— Um pouco. Mas, será só na primeira vez. —assegurou
— Você foi feita para mim, meu doce anjo. Adaptar-me-ei a
você perfeitamente e você a mim.
— Tem certeza?
Rafe entrefechou os olhos e, sem deixar de olhá-la nem
um segundo, instou-a a separar as coxas desejando acariciá-la
sem nenhuma restrição.
— Tenho certeza. — Respondeu com voz áspera,
colocando-se entre suas pernas com um rápido e controlado
movimento. — E também o seu corpo.
— R... Rafael?
— Shhh. Tudo está bem. Só quero lhe dar prazer.
Inclinou-se para acariciar a tenra pele do interior de suas
coxas com os lábios e entreabriu com dedos cuidadosos as
úmidas dobras que protegiam sua feminilidade.
Ela ofegou pronunciando o nome de Rafe ao compreender
suas intenções.
— N... não.
— Gosta?
Shannon respirou com um rasgado gemido ao sentir que
Rafe explorava com a língua a úmida entrada do seu corpo. Ele
sorriu, repetiu a íntima carícia e desfrutou do doce aroma que
se desprendia e que lhe dizia o que já sabia. Shannon era sua...
poderia fazer com ela o que quisesse e como quisesse.
E ele desejava tudo.
— Em minhas viagens aprendi que há tantas formas de
amar quanto de lutar. — Mordeu com extrema delicadeza a
tenra carne que estava saboreando e fez com que abrisse ainda
mais as coxas.
Um rouco gemido surgiu da garganta de Shannon e suas
costas se arquearam em um inconsciente convite a que
seguisse com aquelas agonizantes e apaixonadas carícias. Na
distância, percebeu que estava em uma posição de total
vulnerabilidade, de completo abandono. Não se importou. Um
prazer tão escuro e profundo como um negro abismo a animava
a esquecer, tudo, exceto que estava entre os braços do homem
que amava.
— Nunca tive problemas para encontrar oponentes com os
quais aperfeiçoar minhas habilidades na luta, — Rafe
murmurou entre ternos e exploradores beijos — mas, nunca
consegui encontrar uma companheira adequada para este tipo
de jogo. Precisará ter paciência comigo enquanto aprendo os
segredos de seu corpo.
A língua de Rafe traçou círculos brincalhões ao redor de
seu excitado clitóris, fazendo-a ofegar e implorar que não
parasse.
— Gosta? — murmurou — Eu gosto. Sei que este é o
ponto mais sensível de seu corpo, assim, só lhe darei uma
pequena mordida.
Um agudo e trêmulo grito emergiu de Shannon enquanto
se afundava em um mundo de intensas e turbulentas
sensações no qual só existia um demolidor prazer.
Rafe sorriu com satisfação ao sentir como o êxtase
dominava Shannon, fazendo-a tremer como uma folha em meio
a uma tempestade. Sabia que devia soltar aquela tenra e
rosada carne que ninguém mais havia provado, mas, não
conseguiu se obrigar a fazê-lo. Continuou saboreando-a
levemente, mordendo-a com ternura, torturando-a com
extremas carícias em um silêncio somente interrompido pelos
selvagens gritos dela.
Finalmente, Rafe liberou Shannon com reticência da
escravidão de sua sensualidade. Estendeu-se junto a ela, lhe
acariciou os cabelos e beijou as prateadas lágrimas que
resvalavam por suas faces.
Às cegas, ela se apoiou sobre o lado e estendeu os braços
para ele, necessitando-o de modo que não conseguia
compreender. Quando Rafe a apertou contra seu corpo, seu
grosso membro acariciou a união entre suas coxas e a
intimidade da posição em que se encontravam fez seu coração
parar e voltar a bater com redobrada força.
Apesar de saber que deveria parar, os quadris de Rafe se
mexeram lentamente contra ela em busca da quente e receptiva
entrada de seu trêmulo corpo, e Shannon, em resposta, se
curvou de forma instintiva conseguindo que a penetrasse
levemente.
— Shannon. — Ele resmungou quase com aspereza. —
Sabe o que está me pedindo?
Ela abriu os olhos devagar. A paixão os havia mudado e
refletiam a paixão que a dominava.
— Olhe para baixo. — Rafe pediu.
Ela abaixou os olhos que se abriram muito. Moveu-se
experimentalmente para acolhê-lo em sua úmida suavidade e
esboçou um sorriso tão antigo quanto o tempo.
— Ouvi você dizer que doeria. — sussurrou.
— Se continuar se movendo assim, doerá.
— Quer dizer que...?
— Quero dizer que ainda é virgem, — Rafe explicou sem
rodeios. — porém se continuar movendo os quadris a tomarei
tão profundamente que não saberá onde acabo e onde você
começa.
Confusa, ela franziu o cenho e se curvou de novo contra
ele.
— Não... não creio que seja possível. — Murmurou após
alguns segundos.
O corpo de Rafe ficou tenso ao lhe ser negado aquilo que
ele desejava mais que respirar.
— Já estamos o mais perto que podemos estar. —
Shannon continuou. — Não podemos nos aproximar... mais.
Ao ouvir aquilo, Rafe deixou escapar um longo suspiro de
alívio. Ela não o estava recusando, mas, sua inocência a
impedia de entender o que estava ocorrendo.
— Garanto-lhe que podemos. — Ele afirmou suavemente.
— Quer se unir a mim por completo, Shannon?
Ela o olhou fixamente nos olhos e seu coração parou por
um instante por causa do amor que sentia por ele.
— Sim. — assentiu com voz rouca. — Eu o desejo.
Sorrindo, Rafe fez com que ela apoiasse as costas contra a
manta e se colocou com cuidado entre suas pernas.
Shannon ficou sem fôlego. Podia sentir a inconfundível
evidência da poderosa necessidade de Rafe e seu corpo
respondeu umedecendo generosamente a apertada entrada do
seu interior para acolhê-lo.
Surpreso, ele tentou lutar contra a dura urgência que o
dominava. Não esperava que a jovem o desejasse depois de tê-
la satisfeito. Porém, o desejava e a prova daquilo umedecia seu
rígido membro, incitando-o a possui-la por completo.
— Rodeie meus quadris com as pernas. — Murmurou com
voz rouca.
Quase sem ser consciente, Shannon seguiu suas
indicações enquanto um estremecimento de prazer e
antecipação a atravessava com força. Senti-lo contra sua
sensível carne era perturbador... e profundamente excitante.
— Está bem? — Ele perguntou.
— Sim. — Shannon conseguiu murmurar.
Rafe se deslizou em seu interior até que soube que a vida
de Shannon mudaria para sempre se fosse adiante.
Retrocedeu, voltou a avançar e se retirou de novo.
— Tudo bem? — Perguntou com voz tensa.
Shannon não percebeu a aspereza na voz de Rafe nem o
suor que cobria seu poderoso corpo por causa do feroz controle
que exercia. Estava perdida em uma espiral de sensações que
nublavam seus sentidos e que a faziam gemer asperamente.
Ao ouvir aquele som alquebrado, Rafe ficou totalmente
imóvel.
— É muito? — Preocupado, se retirou alguns centímetros.
— Não, nunca será muito. — Shannon sussurrou. — Por
favor, não... não se afaste. Quero sentir você dentro de mim.
Rafe apertou os olhos por um instante e sentiu que um
violento tremor o percorria inteiro até chegar a sua alma.
Olhou para Shannon diretamente nos olhos e começou a
marcar um lento e cuidadoso ritmo com leves penetrações.
Ofegante, buscando a liberação, Shannon ergueu os quadris
para sair ao seu encontro e aumentar a sensual pressão em
seu interior.
— Ainda não. — Rafe murmurou, rindo e se afastando ao
mesmo tempo.
— Quando...? — Ela gemeu.
— Quando seu corpo se agarrar ao meu, quando estiver
tão perto do êxtase que mal sentirá dor.
Uma de suas fortes mãos percorreu,
enlouquecedoramente, os seios dela, seu ventre... e se deslizou
entre seus corpos para acariciar de novo o sedoso e
escorregadio centro de seu prazer. Sem piedade, a submeteu a
uma extrema tortura até que Shannon, desesperada, gritou seu
nome e o procurou com mais avidez.
Com um obscuro sorriso, Rafe colocou ambas as mãos por
baixo de seus quadris. Pegou firmemente seu traseiro e a
empurrou para cima para que se abrisse completamente para
ele enquanto se perguntava se não seria muito para ela.
Não foi. Rafe soube quando os músculos internos de
Shannon começaram a se contrair suavemente ao redor de sua
palpitante ereção, deixando seu controle pendendo por um fio.
— Shannon. — Exclamou com urgência. — Olhe-me!
Atordoada, estremecendo, ela obedeceu e viu a Rafe
flutuando sobre ela com o rosto obscurecido pela paixão e os
olhos ardendo como duas chamas de prata idênticas.
— Agora, meu doce anjo. Agora.
Mal acabou de falar, penetrou-a profundamente com uma
suave e poderosa investida, e não parou até que seus corpos
estiveram tão intimamente unidos como era possível que um
homem e uma mulher estivessem.
Shannon ficou tensa e deu um agudo grito. No instante,
Rafe ficou totalmente imóvel, à espera que o corpo dela se
adaptasse à dura invasão.
Um segundo depois, sentiu de novo as secretas e cada vez
mais rápidas contrações no interior de Shannon e soube que
estava paralisada pelo prazer, não pela dor. Com um áspero
grunhido, sentindo que o sangue rugia com força por suas
veias, Rafe começou a investir sem resistir à obscura e
elementar paixão que o invadia. Submergiu com força
estirando ao máximo os delicados tecidos que se apertavam a
ele e sorriu satisfeito ao ouvir os gemidos de Shannon que
anunciavam que se aproximava do clímax.
— Por favor. — Ela ofegou.
Rafe a segurou com mais firmeza e aumentou o ritmo de
suas investidas até escutar Shannon ofegando e seu corpo se
desmanchando entre seus poderosos braços.
Só então Rafe se abandonou aos seus próprios desejos,
selvagem e febril. Era muito tarde para se conter. Sentia que
cada onda de prazer que percorria seu corpo era mais intensa
que a anterior e não consegui evitar ejacular selvagemente no
interior de Shannon, enquanto uma ardente e atraente
escuridão sem principio nem fim explodia ao seu redor.
CAPÍTULO 19

Reno cavalgou até a cabana de Shannon no meio de um


esmagador calor que fazia a tempestade de neve caída três dias
antes parecer impossível. Pequenos grupos de nuvens
nacaradas cobriam os cumes mais altos, porém o resto do céu
estava tão claro e azul quanto os olhos de Shannon, e o aroma
do bosque e da erva do prado impregnava tudo.
Mas, apesar da tranquilidade reinante, os cantos dos
pássaros e o sussurro das folhas das árvores mal se escutavam
devido aos ferozes latidos de Prettyface.
— Basta, Prettyface! — Rafe ordenou enquanto saía da
cabana. — Reno é um amigo. Um amigo!
Mesmo que o enorme cachorro não opinasse o mesmo,
reduziu os latidos a rosnados e depois emitiu um murmúrio em
protesto.
Os verdes olhos de Reno observaram Prettyface sem
grande interesse, porém sua mão esquerda não se afastou da
culatra do revólver.
— Parece que gostou de mim. — Comentou com ironia.
— Acabará aceitando você. — Rafe assegurou.
— Assim espero.
— Ainda assim, não tente se aproximar por aqui quando
eu tiver saído.
— Quando será isso? — Reno perguntou com frieza.
Diante do persistente silêncio de Rafe, seu irmão o
observou detidamente pensando se estaria mais perto de
resolver os problemas que o atormentavam.
Então, a porta da cabana se abriu outra vez e uma jovem
com um andar tão sensual quanto aquele dia estival se
aproximou deles.
— Maldição. — Reno exclamou entre dentes enquanto
desmontava com um rápido movimento. — Agora entendo seu
dilema.
Rafe não respondeu. Olhou para Shannon com uma
sombra de angústia em seus olhos prateados e estendeu a mão
para ela com um suave sorriso nos lábios. Quando ela
entrelaçou seus dedos com os dele, Rafe a atraiu para seu
corpo para apertá-la contra si.
Reno não perdeu nenhum detalhe do terno sorriso de seu
irmão e seu braço protetor, os afetuosos olhos azuis de
Shannon e seu cálido sorriso, e deduziu que aquela
cumplicidade entre eles era devida a terem se transformado em
amantes. Não tinha a menor dúvida daquilo; e se a tivesse, o
brilho dos olhos da jovem e as sombras nos de Rafe o teriam
confirmado.
Recordando seus bons modos, Reno tocou a aba de seu
chapéu para Shannon em uma muda saudação.
— Shannon, — Rafe disse — este é meu irmão Matt,
mesmo que todos o chamamos de Reno. Reno, esta é Shannon
Conner Smith.
Minha mulher.
Mesmo que as palavras não tenham sido pronunciadas em
voz alta, Reno as percebeu claramente.
Também Shannon as sentiu, provocando o rubor que
tingiu suas faces durante alguns segundos enquanto estendia
a mão e procurava os vívidos olhos verdes do irmão de Rafe
com inquietação, pensando se ele a condenaria.
Seus temores foram infundados. Os duros dedos de Reno
ergueram sua mão até os lábios e inclinou a cabeça diante dela
como se estivesse em um salão de baile de Paris em vez de um
selvagem prado da montanha.
Seguindo o jogo, Shannon surpreendeu os dois homens
fazendo uma profunda e graciosa reverência, como se exibisse
metros e metros de seda e armações em vez das andrajosas
roupas de homem. Depois, olhou de soslaio ao sombrio e
surpreendentemente bonito irmão de Rafael com a risada e o
alívio refletidos em seus bonitos olhos.
— Um prazer, senhor Moran. — Sussurrou, se erguendo.
— Reno, senhora Smith. — Corrigiu-a, sem soltar sua delicada
mão. — Deixei para trás o senhor Moran faz muito, muito
tempo.
— Então, você deve me chamar de Shannon. Na verdade,
eu nunca fui verdadeiramente a senhora Smith. Na realidade,
John, o Silencioso era meu tio avô.
Por um instante, os espessos cílios negros de Reno
ocultaram sua reação.
Agora entendo porque Rafe está lutando com sua
consciência, disse em silêncio. Shannon é virgem. Ou era.
— Em qualquer caso, John, o Silencioso está morto. —
Shannon concluiu.
— Muitos homens se sentirão aliviados ao ouvir isso. —
Reno resmungou entre dentes enquanto soltava sua mão.
— Como?
— John, o Silencioso era muito conhecido no território do
Colorado. — Reno esclareceu.
— Sua reputação e Prettyface me foram de grande ajuda
para me manter a salvo enquanto ele esteve fora. — Shannon
assentiu.
— Prettyface. — Reno repetiu, olhando para o enorme
cachorro manchado. — Um nome curioso para... — Não acabou
a frase por temor a ferir os sentimentos dela.
— Talvez queira ser você que o chame de feio pela primeira
vez. — Rafe o incitou, sorrindo ao recordar que Shannon lhe
dissera algo parecido.
A jovem riu baixinho.
— Não, obrigado. — Reno respondeu com rapidez. —
Minha mãe fez um bom trabalho comigo e não criou nenhum
estúpido.
Rafe deu uma gargalhada.
— Vamos para dentro. — Ele propôs — Íamos nos sentar
para comer neste momento.
— Só se deixar que ponha algo de minha parte na mesa.
Eve me preparou comida suficiente para dois.
— Por quê?
— Queria me acompanhar, porém quando chegamos à
casa de Cal, decidiu ficar para cuidar de Ethan e da Willow.
— O que aconteceu com eles? — Rafe e Shannon
perguntaram ao mesmo tempo.
— Estão bem. É só um resfriado de verão. Disse a Eve que
eu podia me encarregar das concessões, sozinho. Em caso de
não ter sorte, irei buscá-la e a trarei. Se houver ouro por aqui,
nós dois juntos o encontraremos.
O que Reno não disse foi que duvidava que houvesse
algum ouro que valesse a pena na Avalanche Creek. Havia
explorado aquele lugar fazia anos e só conseguira perder o
tempo e alguns machucados.
— Você trouxe as varinhas espanholas? — Rafe perguntou
— Estão em meus alforjes. — Reno respondeu. — Porém
não servem para nada sem Eve.
— O que são essas varinhas espanholas? — Shannon quis
saber.
— Algumas varinhas de radiestesia feitas de metal. —
Reno lhe explicou. — Reagem ao ouro ou a prata, em vez da
água. Os jesuítas as trouxeram para o Novo Mundo faz séculos.
— Funcionam realmente? — Shannon se interessou.
— Pode contar com isso.
— Porém só se Reno e Eve as utilizam. — Rafe pontuou. —
Não são mais que varas inúteis nas mãos de outras pessoas.
— Verdade? — Shannon franziu o cenho, estranhando.
— Acredite, vê-los trabalhar com elas é algo incrível.
— Vocês já encontraram ouro com essas varinhas? —
Perguntou Reno.
— Sim. Nos Abajos, em uma velha mina abandonada que
foi cavada pelos índios que trabalhavam para os jesuítas. Havia
lingotes de ouro maciço tão pesados que Eve mal conseguia
levantar um com ambas as mãos.
— Vocês têm sorte de contar com essas varinhas. —
Shannon comentou.
— Foram uma entrada para o inferno. — Rafe replicou
cortante.
Ao ouvir aquilo, ela o olhou, desconcertada.
— A mina veio abaixo comigo dentro. — Reno explicou
então. — E Eve e Rafe estiveram a ponto de morrer tentando
me tirar de lá.
Shannon empalideceu e agarrou a mão de Rafe com os
dedos trêmulos.
— Eu não quero encontrar ouro a esse preço. — Afirmou.
— Não acontecerá nada, meu doce anjo. — Rafe a
tranquilizou, tocando sua mão com os lábios.
— Em sua concessão da Avalanche Creek não haverá
nenhum problema com os desabamentos. — Reno interveio. —
Lá tudo é rocha, ao contrário da velha mina espanhola.
— Como você sabe tanto da Avalanche Creek? — Shannon
inquiriu.
— John, o Silencioso não foi o primeiro homem que
encontrou algumas pepitas no riacho e que seguiu os rastros
até o cume da montanha.
— Você esteve lá antes do meu tio? Encontrou ouro? —
Ela perguntou ansiosa.
Reno deu um grunhido neutro.
— Algum.
— Quanto é algum? — Shannon insistiu.
— Não muito. — Rafe respondeu sucintamente. — Do
contrário, não teria arriscado sua vida na mina espanhola.
— Oh! — Shannon exclamou, decepcionada.
— A verdade é que não procurei com muito empenho. —
Reno acrescentou com amabilidade.
— Desta vez será diferente. — Rafe afirmou.
Reno ergueu as sobrancelhas diante da segurança na voz
de seu irmão, porém um olhar aos seus olhos prateados lhe
indicou que devia ficar em silêncio.
O ouro foi o assunto principal durante a rápida refeição
que os três compartilharam, e também se falou dele em cada
oportunidade que surgiu no caminho à concessão de Rifle
Sight. O suor brilhava sobre os cavalos e as mulas, devido ao
duro ritmo que Rafe lhes exigia.
O sol do meio dia os acompanhou durante sua viagem
com uma luz tão dourada quanto o metal que procuravam.
Fazia calor quando chegaram à pradaria onde foram atacados
pelo urso. Naquela ocasião o encontraram transbordante de
flores silvestres e de melodiosos sons provenientes dos
pássaros ocultos. Os dois homens examinaram a área com
cuidado, porém não encontraram nenhuma evidência recente
de que rondasse por ali algum urso. Aliviados, montaram o
acampamento rapidamente.
— Isto está cheio de pegadas de animais. — Reno
comentou. — Se ficar alguma luz depois que descermos da
concessão, deveríamos caçar. Os invernos são longos aqui em
cima.
Rafe franziu o cenho preocupado ao escutar as palavras
de seu irmão. Shannon necessitaria até o último pedaço de
carne que pudesse conseguir para sobreviver à estação das
tempestades e do gelo.
Enquanto Shannon começava a preparar o jantar, os
homens empreenderam a marcha à jazida. O céu já começava a
mudar de cor, insinuando o glorioso entardecer que se
aproximava.
Reno não demorou muito para inspecionar a mina. Na
verdade, não havia muito para ver.
— Algum outro túnel? — Perguntou ao sair do pequeno
buraco cavado na montanha com uma lâmpada na mão.
— Eu não encontrei nenhum outro. — Rafe respondeu. —
E afirmo que procurei durante dias.
— Eu acredito. Um homem que vai em busca de sua
liberdade é capaz de qualquer coisa.
A boca de Rafe ficou tensa, porém não negou as palavras
de seu irmão.
— O ouro é para Shannon. — Resmungou.
— Verdade?
— Por todos os...
— Acalme-se. — Reno o interrompeu com calma. —
Ambos sabemos que o ouro é tanto para sua liberdade quanto
para a segurança de Shannon. Se não pode suportar ouvir a
verdade, talvez deveria refletir com cuidado sobre o que está
fazendo.
Rafe deu ao seu irmão uma fria e penetrante olhada. —
Sei o que estou fazendo. Reno deu de ombros.
— Eu também pensava que sabia no outono passado.
Porém então, Eve me abandonou e você me jogou um alforje
cheio de lingotes de ouro maciço aos pés e me fez ver como eu
era estúpido.
— E agora pensa que eu sou o estúpido, não é isso?
— Penso em uma bonita mulher a quem você vai quebrar
o coração. Uma lástima que fosse virgem. Isso tornará inclusive
mais difícil quando...
— Não é assunto seu. — Rafe o interrompeu com um tom
firme e perigoso.
— Claro que é assunto meu. Sou eu quem vai encontrar
ouro para que você possa calar sua consciência e não precise
olhar para trás quando partir.
Rafe deu um passo para seu irmão de forma ameaçadora.
O sorriso de Reno em resposta foi tão tenso quanto a
olhada dos olhos entrefechados de Rafe.
— É isso. — Reno o provocou. — Ataque-me. Talvez possa
meter a golpes algum juízo em seu cérebro. Claro que alguém
deveria fazer isso.
— Tente com uma rocha. Será mais fácil.
— E mais inteligente, também. — Ele se virou, não
querendo ouvir o que Rafe estava prestes a dizer e disse por
cima do ombro: — Três dias atrás eu teria dado a você a luta
que você queria; mas minha paciência acabou. Estou voltando
para o acampamento antes de ceder à tentação de atirar em
você. A última coisa que Shannon precisa é se preocupar com
um homem ferido e estúpido que também planeja abandoná-la.
Já tem preocupações suficientes.
Quando Shannon acordou, as estrelas começavam a
desaparecer do céu. Na distância, escutou o murmúrio de vozes
masculinas. Não se ouvia o crepitar do fogo nem o frio ar
cheirava a café.
— Rafael? Reno? — chamou — Querem tomar o desjejum?
— Volte a dormir. — Rafe disse. — Reno e eu estamos
falando das concessões. Eu a acordarei quando for hora de
retornar à cabana.
Shannon suspirou, se virou e se cobriu com as mantas até
às sobrancelhas. As noites eram muito frias nas terras altas e
mais de uma vez na escuridão ela desejara sentir o calor e a
firme segurança dos braços de Rafe apertando-a enquanto
dormia. Fora muito fácil se acostumar ao luxo de sua presença.
Rafe colocara sua cama no outro lado da fogueira, onde
dormia seu irmão. Prettyface fazia companhia a Shannon,
ainda que não por muito tempo. O cachorro preferia dormir
afastado do fogo, já que as brilhantes chamas e a penetrante
fumaça anulavam seu sentido do olfato. Porém, se mantinha
no perímetro do acampamento, perto das pessoas as quais
protegia com tanto cuidado.
Quando Rafe passou junto a Prettyface de volta ao
acampamento, o cachorro levantou a enorme cabeça e golpeou
o solo, com o rabo, várias vezes em uma muda saudação.
— Shannon dormiu outra vez, certo? — Rafe perguntou
em voz baixa. — Bem. Aproveitarei para descansar um pouco.
Não dormi nada bem esta noite, fique aqui e se mantenha
alerta.
Sem fazer o menor ruído, Rafe se aproximou do lugar onde
ela descansava. Tirou a pesada jaqueta e se deslizou debaixo
das mantas, estendendo-se junto a ela. Shannon murmurou
algo e se virou para ele com um suspiro para se aconchegar em
seu calor.
No princípio, Rafe pensou que ela acordara. Depois, sentiu
o total relaxamento de seu corpo e soube que estava
profundamente adormecida. Ao perceber que Shannon confiava
nele de uma forma tão absoluta mesmo naquele estado, fez
com que uma estranha pontada atravessasse suas entranhas
fazendo-o sentir dor e prazer ao mesmo tempo.
Shannon, não me ame. Não quero lhe fazer mal, meu doce
anjo.
Ela se mexeu de forma quase imperceptível como que em
resposta e seu cheiro de menta e de mulher encheu os sentidos
de Rafe.
Seu coração deu uma virada e seu corpo se endureceu em
uma feroz reação, consciente de que não poderia ficar com ela
muito mais tempo. Porém, poderia fazer com que ambos
desfrutassem cada instante que passassem juntos.
Devagar, Rafe se acomodou sob as mantas, inspirando
profundamente o inconfundível aroma feminino.
Talvez pudesse beijar seus seios sem acordá-la.
Mesmo enquanto dizia a si mesmo que Shannon
necessitava mais do descanso do que de suas carícias, suas
mãos já se moviam sobre a velha e séria camisa, encontrando
seda e renda por baixo.
Que diabos...! De onde havia tirado aquilo?
Longos dedos desataram os laços de seda da delicada
camisola e deixaram descoberta a suave pele de Shannon, que
se curvou em busca de seu contato com um murmúrio.
Rafe hesitou e chamou em voz muito baixa.
— Shannon?
Sua única resposta foi um suspiro. Com exceção da sutil
tensão dos mamilos sob seus dedos, seu corpo ainda
continuava totalmente relaxado, confiando em Rafe como
nunca ninguém o fizera antes.
Nem ele mesmo.
Meu doce anjo, como vou viver sem você?
Inclinou a cabeça e tocou com sua língua o bico de cada
seio. Os mamilos se ergueram imediatamente pedindo-lhe em
silêncio que continuasse com suas carícias e ela começou a se
mover languidamente.
Não acorde ainda. Deixe-me saborear seus sonhos.
Desabotoou suas calças e a tirou com cuidado. Inquieta,
Shannon começou a se mexer até que Rafe a abraçou.
— Sou eu, meu doce anjo. — Murmurou ao ouvido.
Shannon deu um gemido e se aconchegou mais perto de
Rafe.
Ele ficou deitado muito quieto tentando diminuir o feroz
martelar de seu coração, que se iniciara quando seus dedos
encontraram a sedosa roupa íntima. Desejava ver Shannon
vestida unicamente com aquela peça de seda. Desejava a tal
ponto que seu corpo se cobriu completamente com uma fina
pátina de suor.
Porém, desejava mais, continuar acariciando-a e sabia que
se retirasse as mantas para deixar que a crescente luz do
amanhecer banhasse Shannon, poderia acordá-la. Assim, a
abraçou até que ela relaxou em seus fortes braços outra vez.
Então, começou a descer lentamente por seu corpo sob as
mantas e seguiu com seus lábios a abertura da camisola,
percorrendo a fronteira entre a suave peça e a pele de cetim.
Shannon suspirou sob as lentas e requintadas carícias de
Rafe e seus quadris se moveram ao lento ritmo que ele
marcava.
Sua sensual resposta excitou Rafe ao ponto da dor
enquanto explorava com a língua as sedosas dobras que
custodiavam sua feminilidade e buscava o centro de seu
prazer.
Deus, poderia morrer tentando me saciar de você, rosnou
em silêncio.
Um entrecortado gemido escapou dos lábios de Shannon e
ele respondeu incrementando a pressão de sua língua,
enquanto sussurrava seu nome na ardente escuridão debaixo
das mantas.
Durante um instante eterno, Shannon não conseguiu
distinguir a diferença entre o sonho e o ardente despertar que
corava sua pele. Logo, o êxtase a reclamou consumindo seu
ventre com sutis chamas.
Ele foi plenamente consciente da tensão que se apoderou
do corpo de Shannon e soube que havia acordado ao alcançar o
clímax. Podia sentir como seus músculos internos se contraiam
e o fogo líquido que evidenciava que chegara ao cume do
prazer.
O suor banhava Rafe dos pés à cabeça. Ansiava se
afundar em seu interior, possui-la sem pensar no amanhã.
Pronunciou seu nome com urgência, e nem mesmo notou
aquilo até que Shannon enterrou as mãos em seus cabelos e o
puxou, fazendo-o subir por seu corpo.
Quando Rafe se posicionou entre suas pernas, as mãos de
Shannon se dirigiram às suas calças procurando-o
desesperadamente. No entanto, ele, contra seus desejos, lhe
segurou as mãos com uma das suas, mantendo-as sobre seu
duro membro nu.
— Rafael...? — Shannon murmurou enquanto movia os
quadris tentando capturá-lo.
— Não. Não podemos continuar com isto.
— Por quê? — Ela protestou com os olhos fechados.
— Não confio em mim e poderia deixar você grávida.
Shannon estremeceu violentamente ao ouvir aquilo e
escapou do último filete de seus sonhos sensuais.
— Ontem e anteontem... — ela começou.
— E no dia anterior. — Rafe a interrompeu com voz tensa.
— Cada dia está mais perto do momento em que estará fértil.
— Mas, porque você disse, deveria ser seguro durante pelo
menos cinco dias, talvez mais.
Rafe deixou escapar o ar entre os dentes em um assovio.
— E se não fosse assim? — resmungou — É muito
viciante. A cada vez que a faço minha a desejo mais
profundamente. Mais ardentemente. Mais duramente. Não
posso confiar que serei capaz de me afastar a tempo suficiente
para proteger você. Maldição, estou quase fora de controle
agora mesmo, só em pensar em como me sinto quando estamos
unidos.
Shannon observou os brilhantes olhos prateados de Rafe,
sorriu, e ergueu a cabeça para beijá-lo, para saboreá-lo, a si
mesma e à paixão compartilhada.
— Adoro sentir como perde o controle em meu interior. —
Murmurou enquanto se curvava sensualmente debaixo dele e
deixava escapar um longo e entrecortado suspiro. — Adoro
sentir seu peso e sua força. Adoro o contato de suas mãos em
minha pele.
— Shannon. — Rafe sussurrou. — Eu...
Não conseguiu dizer mais. Ela se moveu sem prévio aviso
fazendo que o duro membro se posicionasse na apertada
entrada que dava acesso ao seu corpo.
— Eu o quero, Rafe. Sem concessões, sem exigências. A
única coisa que lhe peço é que me faça amor como só você
pode fazer durante o tempo que nos resta juntos.
Com o gemido de um homem atormentado, Rafe a
penetrou profundamente, sem concessões. Seu poderoso corpo
estava rígido, tenso, tentando manter o controle.
Então, sentiu que os músculos internos de Shannon se
agarravam a sua grossa ereção ritmicamente e o lançavam a
um prazer tão intenso que só pode abandonar a ele, e a mulher
cujos gritos ressoavam com os seus.
Na segunda vez que Shannon acordou, Rafe a estava
observando com uma sombra de angústia em seus olhos cinza.
Já se vestira e segurava um rifle nas mãos. Prettyface brincava
impaciente ao redor dele, ansioso para sair para caçar.
— Vou subir ao cume para ver como Reno está. —
informou — Depois, voltarei com você à cabana.
— E depois? — Shannon perguntou, preocupada pelo
inquietante brilho nos olhos de Rafe.
— Retornarei aqui e ajudarei Reno.
— Não parece que ele necessite de ajuda.
— Quanto antes encontrar o ouro, mais segura estará. —
Rafe afirmou.
— Mais segura?
— Quanto antes eu me vá, menos possibilidades terá de
que a deixe grávida. — Rafe rosnou ferozmente.
— Entendo.
— O de ontem à noite não deveria acontecer!
— Você não teve culpa. — Ela replicou — Fui eu.
Os lábios de Rafe ficaram duros.
— Shannon, isto só pode acabar de um modo.
— Adiante, diga-o.
— Eu tento, mas não está me escutando. Não posso
manter minhas calças abotoadas se estou perto de você e
também não posso me assentar em nenhum lugar, assim...
— Você partirá quando puder. — Shannon o interrompeu
com uma voz tão dura quanto a linha que traçava a boca de
Rafe. Mesmo com lágrimas em seus olhos, falou com firmeza:
— Eu sei muito bem.
— Prepare-se para sair ao meio dia. — Ele indicou.
Sem mais, virou e se afastou. Prettyface o seguiu, só para
voltar a ser enviado para junto de Shannon com uma cortante
ordem.
Rafe tomou o caminho que levava para a concessão de
Rifle Sight com passos rápidos e angustiados. Sentia a alma
rasgada pelas duas coisas mais importantes de sua vida: seu
desejo de viajar e Shannon, a linda mulher que o fizera
experimentar sentimentos que ignorava que existissem e que se
enfiaram sob sua pele de um modo que nunca imaginou.
Nada podia competir com Shannon exceto aquele
amanhecer por descobrir... a vasta distância chamando-o,
prometendo-lhe a liberdade e a imensa beleza de lugares
desconhecidos.
Queria falar com seu irmão o quanto antes. Acabava de
lhe ocorrer um modo para se garantir de que ela estaria a salvo
quando ele partisse e necessitava saber se seria possível.
Quando chegou à jazida, estava um pouco mais calmo.
Ainda assim, Reno lhe deu uma olhada de cautela ao sair da
mina. A expressão nos olhos de Rafe se assemelhava a de um
lobo preso.
— Aconteceu alguma coisa errada? — Reno perguntou
com suavidade.
— Sim. Finalmente encontrei a solução para tudo isto.
Os inquisitivos olhos de Reno fizeram uma muda
pergunta.
— Que possibilidade existe, segundo você, de encontrar
ouro nas concessões de John, o Silencioso? — Rafe inquiriu.
— Uma quantidade suficiente para assegurar a
sobrevivência de Shannon e comprar sua liberdade?
— Sim. — Rafe assentiu com frieza.
— Nenhuma.
Rafe soltou uma gargalhada que foi quase dolorosa.
— Isso eu já pensava. Shannon me contou que seu tio
descia desta montanha com grandes quantidades de ouro.
— Então, aquele homem devia tirá-lo de outra jazida. E
com certeza, não na Avalanche Creek. — Reno afirmou com
segurança.
— Não repita isso diante de Shannon.
Em silêncio, Reno esperou com paciência que seu irmão
se explicasse.
— Ainda possui pepitas e pó de ouro escondidos de suas
velhas jazidas?— Rafe perguntou depois de alguns tensos
segundos.
Reno assentiu.
— Desenterre um daqueles lingotes de ouro espanhol que
Eve me deu, —seu irmão continuou, — e troque-o por pepitas e
pó.
— Não é tão fácil. Não tenho tanto ouro desse tipo.
— Compense a diferença com um de meus lingotes. Corte
e funda-o e misture com o pó. Ou coloque uma carga de
dinamite por baixo e faça-o explodir pelo ar. Preciso que traga
aqui aquele maldito ouro em pedaços.
Reno ergueu as sobrancelhas de forma interrogativa.
— Traga Eve e finja que estão procurando ouro com as
varinhas espanholas. — Rafe continuou sem deixá-lo falar. —
Faça o que tiver de fazer, porém garanta que Shannon acredite
que ainda existe alguma coisa de valor na mina de seu tio.
— Se fizer o que você diz, teremos três tipos de ouro,
pepitas, poeira e pedaços incrustados na rocha. — Reno
aduziu. — Além de não serem da mesma cor do ouro que se
encontra aqui. Tenho ouro com traços de cobre e prata, e
pepitas de rio polidas pela água.
— Ninguém acreditaria que esse ouro é de Echo Basin. —
Reno explicou com impaciência.
— Isso não será nenhum problema. Shannon não verá a
diferença.
Pensativo, Reno tirou o chapéu e bateu em sua coxa com
ele.
Rafe esperou sem dizer nada, consciente de que seu irmão
estava refletindo sobre sua proposta.
Reno balançou o chapéu algumas vezes mais e, depois de
uns segundos, voltou a colocá-lo com um rápido e destro
movimento.
De acordo. — disse finalmente — Estarei de volta em seis
dias com Eve e ouro suficiente para que Shannon possa se
livrar de Echo Basin, e você possa se livrar dela.
Os olhos de Rafe se fecharam por um instante para
esconder a dor que sentia, porém não tentou rebater ao seu
irmão. Ergueu os olhos e contemplou o céu com olhos ávidos.
— Que sejam quatro dias. — Resmungou observando a
posição do sol.
— Maldição. Se você está tão impaciente, vá de uma vez.
Eu me encarregarei de tudo.
Rafe negou com a cabeça lentamente.
— Não é o que imagina. É só que quanto mais tempo
passar com ela...
Incapaz de continuar falando, virou-se e começou a descer
a encosta. Não sabia como explicar que cada dia que passava
com Shannon tornava sua partida mais difícil.
E cada dia ao seu lado também aumentaria a dor de
Shannon ao vê-lo partir.
Nunca pretendi lhe fazer mal, meu doce anjo.
Ainda assim, ele faria, e sabia.
CAPÍTULO 20

Dividida entre a esperança de que a procura de ouro


tivesse êxito e a segurança de que aquilo significaria o final de
seu tempo com Rafe, Shannon observou como Reno percorria o
vale junto a sua bonita esposa de cabelos escuros e olhos
âmbar. Seus movimentos eram suaves, elegantes, e estavam
cheios de harmonia.
Quando o casal se virou, Shannon pode ver que ambos
seguravam nas mãos umas peças de metal. As pontas das
forquilhas das varinhas espanholas descansavam uma sobre a
outra, entrelaçando-se com delicadeza.
Nem Reno, nem Eve exerciam pressão alguma que
forçasse as varinhas a se tocarem. Também não faziam
nenhum esforço para manter os extremos juntos. Na verdade,
não havia nenhuma razão visível para que as varinhas
permanecessem entrelaçadas enquanto Reno e Eve
caminhavam pelo irregular terreno.
Ainda assim, as varinhas não se separavam.
— É... incrível. — Shannon comentou.
Sua voz foi somente um sussurro, Mesmo sabendo que
não havia possibilidade de que o casal a escutasse.
— As varinhas? — Rafe perguntou.
— O modo como Reno e Eve se movem, juntos. Como se
aquelas peças de metal os conectassem de algum estranho
modo.
— Meu irmão afirma que é assim. E a verdade é que não
acredito que aquelas varinhas funcionem igual para outras
pessoas.
— Lembra-me quando nós... — A voz de Shannon se
apagou enquanto o rubor subia por seu rosto.
O brilho prateado dos olhos de Rafe lhe indicou que sabia
no que estava pensando.
— Precisamente assim, meu doce anjo. Entrelaçando-se,
movendo e se mexendo.
Shannon sorriu e sorveu uma trêmula inspiração.
— Sim.
Rafe tocou levemente o cálido rosto de Shannon com o
dorso dos dedos, seus lábios, o acelerado pulso em seu
pescoço... como se não suportasse a ideia de se afastar dela.
— Hora de partir. — Anunciou com uma voz incomumente
áspera. — Crowbait está carregado e pronto para partir.
Shannon o olhou com os olhos cheios de angústia.
— Pensava que não iria até Reno e Eve encontrarem ouro.
— Murmurou trêmula.
Rafe apertou-a com força entre seus braços, sentindo sua
dor como se fosse a sua própria.
— Shannon, — sussurrou contra seus cabelos — não
falava de partir sozinho. Falava de levar você novamente à
cabana e sair para caçar.
Por um instante, os braços de Shannon se apertaram ao
redor de Rafe. Depois, se afastou e se forçou a esboçar um
sorriso.
— Claro. — Conseguiu dizer, consciente de que sua reação
não passara despercebida diante de Rafe. — Não sei no que
estava pensando.
Ele fechou os olhos por um instante, tentando aliviar a
dolorosa pressão que sentia no peito. Sabia perfeitamente no
que Shannon estava pensando. O fato de que logo a deixaria
estava atormentando-o também.
Não quero lhe fazer mal.
E também não posso ficar.
Deus, porque vim para Echo Basin? Nunca imaginei que
partir daqui seria tão doloroso.
Nem quanto podia uma mulher chorar sem emitir nenhum
som. Contemplar a tristeza em seus olhos me rasga o coração.
No entanto, apesar daqueles pensamentos, se limitou a
dizer:
— Aprendeu muito sobre como seguir rastros e pegadas
nos últimos dias. Logo será uma boa caçadora.
Na verdade, não precisaria treinar suas recém adquiridas
habilidades por muito tempo, já que Rafe havia caçado mais
que o suficiente para que Shannon, Cherokee e um urso
faminto passassem o inverno sem dificuldades. A maior parte
de suas presas, encontravam-se na cabana de Cherokee
naquele momento, curando a fogo lento.
— Bem, será melhor sairmos, não acha? Shannon disse e
sua voz não refletia nada, assim como seu vazio sorriso. —
Devo me despedir de Reno e Eve agora, ou passarão pela
cabana antes que os três partam para sempre?
— Shannon... — A voz de Rafe se apagou. Engoliu a saliva
tentando fazer desaparecer a emoção que não deixava de
surpreendê-lo sem prévio aviso e continuou falando: — Reno e
Eve a apreciam e estou certo que eles gostariam que os
visitasse.
— Claro. — Shannon sussurrou em tom neutro. — Você
fará isso? — Rafe a pressionou.
— Fazer o quê?
— Visitará Reno e a Eve.
— Não se preocupe. — Shannon respondeu com uma voz
totalmente inexpressiva. — Não se encontrará comigo se voltar
de uma de suas viagens e desejar ver a sua família.
— Não era isso o que eu queria dizer!
— Não? Bem, em qualquer caso, sim é o que eu queria
dizer.
— E sobre Caleb e Willow? — Rafe perguntou. — Também
não os visitará?
Shannon lhe deu uma olhada apertada.
— São sua família, não a minha. — Replicou secamente.
— E tenho um lar para cuidar.
— Maldição, essa pequena cabana não é um lar. — Rafe
rugiu.
— Para mim é, e nada que você possa dizer ou fazer
mudará isso. Aceite, assim como eu aceitei que você me deixará
quando sua consciência lhe permitir.
Afastou-se dele alguns passos e observou em silêncio o
casal que se movia como uma só pessoa pela escarpada
encosta. Reno e Eve percorriam a área com cuidado, afastando-
se cada vez mais da negra entrada da mina.
Rafe também os observou. Um músculo na lateral de sua
mandíbula se moveu visivelmente enquanto lutava para
controlar seu temperamento diante da enlouquecedora e
teimosa insistência de Shannon em continuar vivendo em um
lugar que ele não considerava seguro para ela.
Porém, não havia nada que pudesse fazer a respeito, como
também não podia fazer desaparecer a escuridão dos bonitos
olhos de Shannon.
— Está ficando tarde. — Rafe anunciou, finalmente.
Ela concordou sem deixar de olhar a intrincada dança das
varinhas espanholas, sustentadas com extremo cuidado por
um homem e uma mulher.
Por amor.
Ao ser consciente do que Eve e Reno sentiam um pelo
outro, alguma coisa se rompeu no mais profundo de sua alma.
Ela nunca teria nada assim. Quando Rafe partisse, levaria seu
coração com ele.
E não voltaria jamais.
Nunca vou ao mesmo lugar duas vezes, exceto quando
visito a minha família.
E ela nunca formaria parte de sua família.
— Precisa-se tempo para encontrar ouro. — Rafe lhe
explicou, mantendo a voz firme. — Temos coisas melhores para
fazer que observar como Eve e Reno trabalham.
— Quanto tempo acredita que irão demorar?
Durante alguns segundos, ele foi incapaz de responder.
Estava muito chocado com a falta de emoção na voz de
Shannon. Onde uma vez houvera risadas, esperança e amor,
agora só havia palavras sem vida, duramente controladas.
— Poderiam demorar dias. — Disse finalmente. — Usar as
varinhas é difícil e esgotante.
— Dias.
A palavra foi apenas um entrecortado suspiro, porém
indicou a Rafe que Shannon abrigara a esperança de que a
resposta tivesse sido semanas, talvez meses.
Talvez, até que chegue a neve, fechando o acesso às terras
mais altas da Avalanche Creek.
— Então, tem razão. — Ela concluiu. — Não podemos
perder mais tempo dando longos passeios pelo bosque, ou
brincando com Prettyface, ou segurando nossas mãos e
contemplando o amanhecer e a saída da lua, ou nos deitando
juntos pela noite fingindo que o amanhã não chegará nunca.
— Shannon...
— Não. — Ela exclamou, interrompendo-o. — É hora de
seguir adiante.
— Maldição! Faz parecer que estou lhe dizendo adeus
agora mesmo. E não estou fazendo isso!
— Deveria. Seria mais fácil desse modo.
— É isso o que quer? Que me vá agora mesmo?
— O que eu quero? — Shannon riu de um modo estranho.
— Quando você se importou com o que eu quero ou deseje?
As lágrimas brilharam tristemente em seus olhos.
— Shannon. — Rafe sussurrou enquanto esticava os
braços para ela. — Por favor, não. Não chore. Não mereço.
Ela se afastou dele tão rapidamente que quase caiu ao
chão.
— Não me toque.
Sua voz soou áspera devido ao feroz controle que estava
usando sobre suas emoções.
— Mas...
— Se me tocar, — Shannon continuou — chorarei de
verdade e isso não servirá para nada.
Rafe se moveu com alarmante rapidez e força, porém
ainda assim, suas mãos foram delicadas quando atraíram
Shannon para seus braços e a apertaram contra seu corpo.
— Fa... falava sério. — Ela insistiu entrecortadamente,
negando-se a olhá-lo nos olhos.
— Eu sei.
Inclinou-se e beijou com devastadora ternura, seus cílios,
onde já brilhavam lágrimas prateadas.
— Adiante, chore se isso a consola. Chore por nós dois.
Um estremecimento percorreu Shannon enquanto lutava
contra si mesma e contra o homem que a abraçava e a mimava.
Protegia-lhe e desejava... porém, ansiava em partir em busca
daquele amanhecer que lhe faltava descobrir.
Desolada, ergueu os olhos para Rafe e viu sua própria, e
destruidora dor refletido nos olhos dele, uma angústia, que era
ainda mais intensa porque ele nunca esperava senti-la.
Chore por nós dois.
A feroz tensão no corpo de Shannon cedeu finalmente.
Afundou o rosto no pescoço de Rafe e chorou como se tivessem
lhe roubado tudo, exceto a dor.
Com os olhos fechados e a mandíbula apertada, Rafe se
mexeu lentamente Shannon com expressão atormentada,
tentando aliviar a angústia que chegava de uma dor que ele
nunca pretendera causar, uma agonia que surgia do mais
fundo de seu ser e que ele não sabia como acalmar.
Ao final de alguns minutos, montou-a sobre seu próprio
cavalo, incapaz de se obrigar a soltá-la. Desceram a montanha
como se fossem um só, seguidos por uma mula de longas
pernas, um cavalo de carga e um enorme cachorro.
Em algum lugar entre os sonhos dourados de Rifle Sight e
a única realidade da cabana, as lágrimas de Shannon
cessaram. Mas, Rafe nem pode soltá-la então. Ele a apertou
com mais força, como se temesse que a arrebatassem a
qualquer momento.
Quando chegaram à cabana, levou Shannon nos braços
até o interior e a deixou sobre a cama. Apesar da chegada do
verão, a pequena cabana estava gelada por não ter nenhum
fogo aceso durante várias noites. Cobriu-a com a manta de pele
de urso e a ajeitou com delicadeza por baixo do seu queixo.
— Voltarei quando tiver acabado com os animais. — Rafe
disse.
Shannon começou a protestar, porém se conteve e
concordou lentamente. Nunca se sentira tão cansada, nem com
tanto frio. Nem mesmo quando tentara tirar Prettyface daquela
gelada armadilha no riacho.
Quando Rafe retornou encontrou Shannon na mesma
posição que a deixara, aconchegada debaixo da pesada e
felpuda manta, e olhando sem ver os raios do sol do entardecer
que se infiltravam através das persianas mal encaixadas. A luz
dourada fazia seus olhos adquirirem um estranho tom violeta,
uma preciosa cor que ele nunca tinha visto ao longo de suas
viagens.
Então Shannon virou levemente a cabeça para ele e Rafe
sentiu que seu coração se rachava em mil pedaços ao ver o
profundo pesar que refletiam seus atormentados traços.
— Deus! — Murmurou com aspereza, fechando os olhos e
se ajoelhando junto à cama. — Eu deveria ser um homem
diferente!
— Não. — Shannon acariciou os cabelos de Rafe com
dedos tremulantes. — Eu não teria amado um homem
diferente.
— Eu ficarei.
Por um instante, a alegria fez a amargura de Shannon
desaparecer e as sombras de tristeza abandonaram sua alma,
mas, quando Rafe abriu os olhos, Shannon pode ver um brilho
metálico neles. Mostrava a feroz e atormentada olhada de um
lobo encurralado.
— Não funcionaria. — Seus lábios desenharam um
trêmulo sorriso. — Mesmo assim, obrigada por oferecer-se a
fazê-lo.
— Farei com que funcione.
— Como? — Ela perguntou com uma voz cheia de crua
emoção. — Deixará de tocar sua flauta na madrugada,
chamando esse amanhecer que nunca viu? Deixará de
contemplar as nuvens ao entardecer pensando em uma terra
diferente, um idioma diferente, uma vida diferente? Deixará de
ansiar por algo que não tem nome, nem pode descrever, porém,
você, do fundo de sua alma, acredita que exista em algum
lugar da face da terra, e que está aguardando que você o
descubra?
Rafe ficou paralisado por um instante. Não havia
imaginado que Shannon o compreendesse tão bem.
Melhor do que ele compreendia a si mesmo.
— Eu a desejo. — Murmurou com voz quebrada e dura.
— Eu sei. — Ela murmurou. — Mas partirá de todo modo.
O desejo não é suficiente; só o amor poderia manter você junto
a mim.
Rafe fechou os olhos e sua boca se torceu em um gesto
amargo.
— Voltarei para você, meu doce anjo.
— Não o faça. — Pediu em um sussurro enquanto
acariciava as duras linhas que formavam seu rosto. — Nem
você, nem eu poderíamos suportar outra vez a dor de sua
partida.
— Shannon... Deus, eu sinto tanto.
A voz de Rafe se alquebrou e seus olhos se encheram de
lágrimas não derramadas.
— Não acontece nada, meu amor. — Shannon murmurou.
— Não acontece nada.
Beijou suas pálpebras, suas faces, sua boca...
— Não devia ter tomado você. — Rafe se lamentou,
tremendo sob as delicadas carícias.
— Nunca mentiu para mim. — Shannon o recordou, sem
deixar de beijá-lo com uma ternura comovedora. — Sempre me
deixou claro que partiria. Não compreendi no início. Depois,
não acreditei. Mas, agora sim, acredito, e também compreendo.
— Deveriam me açoitar. — Resmungou com aspereza. —
Nenhum homem honrado teria feito isso.
— Eu o desejava de um modo que não imaginava que
fosse possível. Você foi amável e delicado quando outros
homens teriam sido selvagens e rudes, e me mostrou o que era
a paixão.
— Não queria que me amasse. — Rafe mal conseguia falar.
Sua garganta se fechava com as emoções que se negava a
liberar. — Não queria lhe fazer mal.
Shannon sorriu com tristeza.
— Não creio que eu seja a primeira mulher que vê você
partindo com amor em seus olhos.
— É a primeira cuja dor me rasga até me fazer sangrar; e
o ferimento não fecha.
Havia amargura no tom de Rafe, e acusação, e
contrariedade.
— Você não pode mudar o fato de que eu o ame, assim
como eu não posso mudar o fato de que você não me ame. —
Ela sussurrou. — Assim são as coisas, e não podemos fazer
nada a respeito.
O nome de Shannon saiu dos lábios de Rafe em uma
entrecortada rajada que foi quase um grito.
— Não vamos gastar mais fôlego em algo que não podemos
mudar. —Ela pediu. — Mostre-me seu amor do único modo
que pode fazer enquanto estiver aqui. Una seu corpo ao meu e
faça-me voar até o sol. Temos pouco tempo mais...
Rafe respirou com um rápido e rasgado grunhido quando
as mãos de Shannon se deslizaram por seu corpo e embalaram
sua grossa e palpitante ereção.
— Não. — Negou-se com voz amarga. — É muito perigoso.
Passaram-se muitos dias.
— Então, pelo menos, deixe-me aliviar você.
Com um gemido angustiado, Rafe pegou as mãos de
Shannon e as levou aos lábios.
— Não. — Repetiu cortante. — Não entende? Não confio
em mim mesmo. Começo dizendo-me que só nos acariciaremos
um pouco, nada mais. Só um alívio mútuo. Depois, sua
respiração começa a se acelerar e me excito até um ponto em
que só desejo me afundar em você.
Shannon deu um gemido entrecortado.
— E isso é o que faço cada vez. — Rafe continuou
pesaroso. — Eu a tomo com todas as forças de meu ser até que
nada tenha sentido exceto você, tão suave, tão perfeita para
mim. Não há manhã, não há dor, nem razão, nada além de
você e de mim e esse devastador prazer que morrerei
recordando.
— O mesmo acontece comigo. — Shannon confessou
contra seus lábios. — Faça amor comigo de novo, Rafael. Adoro
sentir seu corpo contra o meu, perder-me em seus braços,
acariciar sua pele trêmula quando está em meu interior e perde
o controle.
— Você não me ouviu? Não é seguro! Não confio em mim
mesmo! Poderia deixar você grávida!
Um forte estremecimento atravessou Shannon; desejo e
dor ao mesmo tempo.
Um bebê.
Deus, desejo tanto ter um filho de Rafael. Porém isso o
prenderia a mim irremediavelmente, e não quero que ele se
sinta obrigado a ficar.
De repente, Shannon recordou o estranho presente de
Cherokee.
— Cherokee me deu uma coisa para eu não conceber. —
Disse com voz rouca.
— O quê? — Rafe perguntou, admirado.
— Ali. — Shannon apontou a parede do fundo. — Na
estante. A garrafinha e a bolsa.
Rafe a olhou de forma estranha antes de se levantar com
agilidade e se aproximar da estante. Abriu a bolsa com cuidado
e observou seu conteúdo. Virou-a e alguns pedacinhos de
esponja caíram sobre sua palma. Depois, abriu a garrafa e
cheirou o aromático azeite de zimbro e menta, misturado com
alguma coisa que não conseguiu identificar.
— Por todos os diabos! — Murmurou.
— Não sei o que tenho que fazer com tudo isso. —
Shannon se lamentou com pesar. — Você sabe?
Ele assentiu.
— Oh!, bom. — Ela exclamou, aliviada. — O que preciso
fazer?
Rafe selecionou uma esponja, ensopou-a com cuidado no
ácido azeite e se virou para ela com um sorriso preguiçoso e
muito varonil.
— Eu lhe mostrarei. — Respondeu
Shannon piscou surpresa pela transformação de Rafe.
Já não parecia um animal preso. Seu primitivo desejo e a
ferocidade de sua paixão eram quase tangíveis.
— Não fique nervosa meu doce anjo. Ficará encantada em
aprender a usar isto. E eu gostarei de ensiná-la.

— Rafael? — Shannon gritou da porta da cabana. — A


comida está pronta. Acabou com o que estava fazendo?
Prettyface apontou a cabeça do canto do prado onde
estivera comendo as sobras da última presa de Rafe. Shannon
o ouvira latir alguns momentos antes, e também escutara a
severa ordem de Rafe exigindo-lhe silêncio.
— Continue. — Shannon disse, agitando a mão para o
cachorro. — É Rafael que procuro, não você.
Prettyface voltou a desaparecer debaixo da alta erva do
prado.
— Rafael? Onde você está?
Não chegou nenhuma resposta do prado, onde pastavam
três mulas placidamente. Também não escutou nada na lateral
da cabana, onde agora se amontoava uma enorme pilha de
lenha; nem do barracão, onde tiras de carne e pescado eram
defumadas ao fogo lento; nem do bosque, onde as árvores se
erguiam altas e açoitadas pelo vento, erguendo seus verdes
galhos para o céu.
Com o coração batendo com força contra o peito, Shannon
se virou de novo para o prado e descobriu finalmente o que era
que não encaixava.
Os cavalos de Rafe haviam desaparecido.
— Não, não pode ter partido. — sussurrou — Só se
passaram quatro dias desde que deixamos Eve e Reno na mina
e não voltaram com notícias de que encontraram ouro.
Oh, Deus, ainda não. Ainda não!
Apoiou-se na porta ao sentir que seus joelhos cediam e
sua pele se cobriu de um frio suor. Agarrou com força a
esfarrapada barra da camisa que usava e o gasto tecido cedeu
sob a pressão de seus dedos, rasgando com um som abafado.
— Rafael, onde está?
De repente chegou até ela o fantasmagórico lamento da
flauta evocando longínquos amanheceres, terras ignotas e
horizontes desconhecidos.
A doce e inquietante música soava às suas costas. Do
interior da cabana.
Respirou profundamente e se virou.
Não havia ninguém atrás dela.
— Rafael? Onde você está?
A suave melodia da flauta rodou em volta de Shannon
como uma correia invisível que a arrastava para o armário que
levava à caverna.
Rafael deve se encontrar no túnel na montanha que leva
até a nascente, pensou aliviada. Provavelmente esteja se
lavando agora mesmo.
Sem perder um segundo, fechou a porta da cabana e a
trancou. Entrou no armário que dava acesso ao túnel e a luz de
uma única vela dançou em uma silenciosa boas-vindas.
Quando fechou o armário atrás dela, o rouco lamento da flauta
se interrompeu bruscamente e tudo ficou em silêncio.
Shannon observou, atenta, o denso vapor procedente das
águas termais. Não conseguia ver Rafael. Impaciente, tirou as
botas, as meias e o cinturão de pele que segurava suas calças.
— Rafael, você está no tanque?
Sem prévio aviso, ouviu um sibilante sussurro e um longo
chicote surgiu da escuridão. Shannon sentiu um puxão em sua
camisa e escutou um suave som de rasgar. Antes que pudesse
dar pouco mais que um gemido de surpresa, sentiu outro
rápido movimento, outro puxão, e logo outro e outro. Em um
abrir e fechar de olhos, sua velha camisa de flanela
desapareceu e caiu flutuando em tiras, sobre o piso de rocha.
No instante, o chicote retornou para fazer suas calças em
trapos. Ouviu um leve chiado e um ruído metálico, quando o
único botão caiu ao solo.
Apesar de olhar freneticamente a sua volta, Shannon não
viu nada exceto redemoinhos de vapor e o longo chicote se
aproximando dela. mesmo sabendo o que aconteceria, não
evitou soltar um grito sufocado quando o chicote de couro,
delicadamente, com extrema precisão, foi arrancando o tecido
de seu corpo sem tocar sua pele.
Sentindo que uma estranha excitação invadia seu ventre,
tremeu de forma visível quando o que restava de suas calças
caiu ao chão de pedra, deixando-a, unicamente, vestida com
limpos calções.
— R... Rafael?
— Desejava fazer isto desde a primeira vez que vi você
vestida com esses farrapos que eram um insulto a sua beleza.
Mas, sabia que o chicote a assustaria então. Assusta-se agora?
Um calafrio de antecipação correu seu corpo ao ouvir
aquilo.
— Não. — murmurou — Nada do que fizer pode me
assustar, Rafael.
O chicote se moveu de novo para rasgar o laço que
segurava a única peça que ainda usava. Os calções, sem nada
mais com o que segurá-los, deslizaram até o solo e Shannon
ficou ali em pé, imóvel, com seu corpo unicamente coberto pela
luz da vela e da bruma que surgia da nascente.
— Sua beleza me deixa sem fôlego.
A voz de Rafe era tão obscura e sedutora quanto a
escuridão que reinava na caverna.
— Não minta. — Shannon protestou brincalhona. — Olho-
me no espelho que você utiliza para se barbear.
— Nem imagina como é bela.
A sinceridade na voz de Rafe foi como uma doce carícia
que percorreu Shannon com a mesma suavidade que a bruma,
tão delicada como o suave couro que tocava seu rosto, seu
ombro, o volume de um de seus seios, a exuberante curva do
quadril, a sensível pele atrás do joelho. As frias e delicadas
carícias eram rápidas, sempre inesperadas,
surpreendentemente excitantes em sua contenção e sua
sensual promessa.
Shannon gemeu o nome de Rafe enquanto seu corpo
estremecia ansiando seu contato. Finalmente, prendeu o
provocante chicote e puxou com força, somente para ver que
era arrastada à fumegante escuridão onde ele a aguardava. Sob
seus pés, a fria pedra cedeu caminho a suaves e grossas
mantas que Rafe estendera perto da beirada da nascente.
No meio de um redemoinho de água Rafe saiu do tanque
com um ágil movimento. Coberto somente pelas espirais de
vapor e brilhantes gotas de água, se aproximou de Shannon
emanando masculinidade e comovendo-a com sua poderosa
presença.
Parecia um Deus pagão exigindo uma oferenda, porém as
sombras que cercavam seus olhos eram as de um homem
atormentado.
Deveria ser um homem diferente.
Não me ame, Shannon. Por favor, não o faça. É muito
doloroso.
Uma camada de gelo envolveu o coração de Shannon,
fazendo-a parar. Sua intuição lhe dizia que aquela seria a
última vez que veria Rafe.
O coração deu um tombo ao final de alguns instantes e em
seguida começou a bater freneticamente. Abatida, conteve um
grito de protesto por seus sonhos quebrados; risadas
compartilhadas e vidas entrelaçadas, um lar e filhos, crianças
com os olhos dele e o sorriso dela, e seu amor envolvendo a
ambos com seu calor.
Porém, aquilo nunca aconteceria.
Tudo o que Shannon teria era naquele momento para
compartilhar seu corpo e sua alma com Rafe pela última vez.
Com a mesma graciosidade que a luz da vela e a bruma,
deu um passo para ele e se sentou sobre seus calcanhares. E
como a luz da vela e a bruma, percorreu com extrema
suavidade a dura longitude de seu membro utilizando a língua,
seus dentes, seus lábios, no meio de um esmagador silêncio
carregado de significados.
— Shannon. — Ele murmurou entre dentes. — Deus.
A resposta da jovem foi um delicado movimento circular
da língua sobre a grossa ponta de sua ereção.
— Basta. — Rafe resmungou com voz rouca.
— Ainda não. — Ela sussurrou. — Quero percorrer cada
milímetro de sua pele. Deixe-me... memorizar você.
Rafe não conseguiu responder. Shannon havia tecido um
sensual feitiço ao seu redor e o guiava com determinação a um
caminho sem retorno. Havia tomado o duro membro em sua
boca e o atormentava sem piedade com movimentos lentos,
provocantes, profundamente sedutores, conhecendo-o, de
formas, que ele nunca teria esperado.
Preso em uma selvagem espiral de paixão, estremeceu e
lutou para manter o controle ao perceber que ela estava
fazendo amor como se fosse a última vez.
Ela sabe, pensou atormentado. De algum modo, ela sabe.
Shannon lhe arrancou seu nome dos lábios, porém a
palavra não foi reconhecível. A magnitude da excitação de Rafe
ameaçou fazê-lo explodir e, consciente de que não poderia
suportar aquele martírio, nem um segundo a mais, estendeu
Shannon sobre as enrugadas mantas e a penetrou com uma
forte investida tentando aliviar a agridoce agonia de seu amor
por ele.
Mesmo assim, enquanto se consumia no mais profundo do
corpo feminino, Rafe não foi capaz de deixar de lado a dor que
lacerava suas entranhas. Ao olhar para Shannon nos olhos,
podia perceber claramente sua desolação; e quando a beijou,
saboreou sua própria essência. Nenhuma outra mulher
chegara a conhecê-lo tão intimamente.
Rafe tentou falar, mas, não conseguiu emitir as palavras
através da angústia e da paixão que fechavam sua garganta.
Inclinou a cabeça e iniciou um ardente caminho de beijos por
seus cabelos, pela fronte, as sobrancelhas, as curvas de suas
orelhas, as maçãs do rosto, os tremulantes lábios. Seus
quadris se moviam contra ela com doce cadência, cativando e
conduzindo-a para um total abandono, suplicando-lhe em
silêncio que o perdoasse.
Perdida em um mundo onde unicamente imperava a
sensualidade, Shannon deu um grito entrecortado e seu corpo
convulsionou selvagemente ao chegar ao clímax. Rafe sorriu
com satisfação ao sentir as contrações que se agarravam a sua
grossa ereção e continuou penetrando-a de forma terna e
implacável. Sem lhe dar trégua, sem deixá-la descansar um só
momento, fazendo-a vibrar com cada poderoso e contido
movimento de seu corpo.
Os olhos de Shannon se abriram ao sentir que um novo e
renovado prazer se estendia por todo seu ser. Sem permitir que
recuperasse o fôlego, Rafe imprimiu um doce e primitivo ritmo
de posse que a levou a cotas de insuportável excitação, e que a
levou a fincar as unhas nos rígidos músculos das costas dele
enquanto lançava um rouco gemido de liberação.
Rafe riu baixinho e continuou martelando sem piedade,
em seu interior. Seus movimentos eram medidos e ferozes ao
mesmo tempo, exigindo tudo o que tivesse que lhe oferecer
como mulher. Presa do prazer, o corpo de Shannon voltou a se
curvar enquanto era percorrido por turbulentas sensações.
Abraçando-a, dando-lhe cobertura, Rafe tomou sua boca
tão completamente quanto havia tomado seu corpo, tremendo
quando ela o fazia, compartilhando a doce fúria de seu clímax.
Porém, no instante em que ela parava de tremer a cada fôlego
que tomava, ele continuou com sua doce e inclemente tortura.
E de novo, a fez vibrar com violência.
— Rafael? — Ela pediu atordoada, quase assustada.
— Não acontece nada, meu doce anjo. É somente que
necessito saber.
— Saber o quê?
— A que altura consegue me fazer voar.
— Eu? — Shannon balbuciou com um sorriso. — É você
quem...
Suas palavras se converteram em um rouco ofego quando
Rafe a levou a apoiar as pernas sobre seus ombros e a deixou
sem nenhuma defesa, exposta, e, completamente, aberta diante
do poder de seu musculoso corpo. Imobilizou-a com a
intensidade de seu olhar e, antes que ela pudesse emitir algum
som, penetrou-a até o fundo.
O nome de Rafe surgiu dos lábios de Shannon a cada
poderosa investida, cada massacrante onda de prazer que a
dominava deixando-a sem forças.
Profundamente ancorado no seu interior, Rafe tremeu
selvagemente e soltou um grito agonizante enquanto ejaculava
ferozmente e desabava exausto sobre o corpo de Shannon em
uma elementar união que não se parecia a nada do que
conhecia.
Longos e lentos minutos passaram sem que nenhum dos
dois dissesse alguma coisa, até que, finalmente, Rafe se afastou
com extremo cuidado e acendeu o lampião sobre a caixa de
madeira com um fósforo.
A repentina luz revelou dois pesados alforjes repletos de
ouro.
Ao ver os alforjes, ela soube, sem dúvidas, que perdera
Rafe a favor daquele amanhecer por descobrir.
— Shannon, eu...
Ela negou com a cabeça, acariciou os lábios de Rafe com
dedos trêmulos e o observou com os olhos sem lágrimas. As
lágrimas surgiam da esperança e para ela não restava
nenhuma.
— Meu coração sempre será seu. — Shannon sussurrou.
— Agora, siga o seu caminho, meu amor, simplesmente,...siga
o seu caminho.
CAPÍTULO 21

Shannon entrou no armazém de Murphy com o revólver de


Cherokee preso em um cinturão e um irritado Prettyface ao seu
lado. Não sabia quanto tempo havia passado desde que Rafe
partira. Só sabia que os álamos do bosque ficaram coloridos de
um intenso e vivo verde enquanto esteve ali e que se tornaram
tristes e amortecidos dourados desde que se fora.
Ela se sentia igual às folhas. Vivera um tempo cheio de
luz, de vida e beleza; e depois o mundo havia girado e tudo
havia mudado.
Deveria ser como uma daquelas brilhantes folhas sem vida
e o vento me levasse para longe, muito longe.
Porém Cherokee precisa de mim. Aquele tornozelo nunca
voltará a ser o mesmo.
Talvez algum dia me acostume com a perda de Rafael do
mesmo modo que Cherokee está se acostumando ao novo
estado de seu tornozelo. Talvez um dia a dor já não me
surpreenda, e me faça sentir como se tudo tivesse acontecido
ontem.
Enquanto Shannon olhava o armazém em silêncio, um
mineiro ao qual não conhecia começou a discutir com Murphy
sobre o peso do pedaço de bacon que estava na balança.
— Dois quilos e trezentos? — O mineiro zombou. — Deve
estar brincando.
— Se acredita nisso, talvez seja melhor que saía do meu
armazém e...
As palavras de Murphy pararam de repente quando
Prettyface surgiu de trás de um monte de provisões junto à
porta principal. O comerciante se afastou do balcão tão rápido
que a balança saltou, vibrou e marcou um novo peso.
— Um quilo e pouco mais. — O mineiro anunciou,
satisfeito. — Isso já parece mais provável. As pessoas de
Canyon City me disseram que era um miserável avaro, mas
penso que falavam de outro Murphy.
O comerciante rosnou em resposta, pegou o dinheiro do
mineiro e colocou em um saco o restante das provisões sem
dizer nada mais. Satisfeito, o mineiro se virou para sair, mas,
ficou paralisado ao ver a jovem.
— Deus, você é toda uma beleza. — Exclamou, dirigindo-
se para Shannon. — Chama-se Clementine ou Betsy?
— Nenhum dos dois nomes. — Respondeu com voz tensa.
— Sou a viúva de... John, o Silencioso.
Murphy ergueu as sobrancelhas de forma interrogativa.
O mineiro parou. Pareceu aborrecido por seu erro, mesmo
continuando ansioso para falar com Shannon.
— Perdão, senhora. — Desculpou-se. — Não pretendia
insultar você. Alguém me disse que só havia duas mulheres em
Echo Basin. Posso compensar meu erro, convidando-a para
jantar?
— Não, obrigada.
— Posso visitar você? — Começou a avançar para ela de
novo com determinação, mas, quando Prettyface ergueu a
cabeça e rosnou ferozmente, ele parou em seco.
— Não tem nenhum sentido em que me visite. — Shannon
disse em tom neutro. — Nunca lhe oferecerei o tipo de
companhia que está procurando.
— Será melhor que a escute. — Murphy interferiu de trás
do balcão. — Ela é a mulher de Chicote Moran. O mesmo me
disse com toda clareza antes de partir para procurar ouro.
Estará fora um ou dois meses, então o aconselho que se afaste
dela ou pagará caro ao seu regresso.
Shannon queria protestar dizendo que já não era a mulher
de Rafael, que ele não se fora para procurar ouro e que nunca
voltaria. Porém, se manteve em silêncio, consciente que, pelo
menos por um tempo, a reputação de Rafe a ajudaria a se
proteger do mesmo modo que o fizera a de John, o Silencioso.
— Chicote Moran? — O mineiro perguntou com o cenho
franzido. — O homem que acabou com os quatro Culpepper?
— Sim. — Murphy confirmou com malicioso prazer. — E
se isso não for suficiente para desanimá-lo, eu lhe direi que o
irmão de Chicote é um pistoleiro chamado Reno.
O mineiro empalideceu ao ouvir aquilo.
— Oh, creio que me esquecia de lhe dizer que Chicote
Moran também me disse que Caleb Black e Wolfe Lonetree
consideram esta jovenzinha como parte da família. — Murphy
continuou. — Qualquer homem que a aborrecer terá que
responder diante deles, e o advirto que seu cachorro também
pode ser muito perigoso.
Shannon dirigiu a Murphy um olhar apertado e se
perguntou o que Rafe teria dito ao comerciante para que agisse
daquela forma. O resultado não poderia ser melhor, já que
agora Murphy a respeitava até mais do que quando seu tio
ainda vivia.
A ideia de Rafael tentando velar por seu bem estar, da
distância, foi outro punhal que se cravou retorcendo-se
profundamente em sua alma. Deixara-lhe a despensa cheia de
provisões compradas no armazém, o defumador de Cherokee
repleto de veados, pescado e perdizes, e lenha empilhada até as
beiradas nos três lados da cabana. Enquanto Reno, por sua
parte, encontrara ouro suficiente para que Shannon pudesse
abandonar Echo Basin e viver confortavelmente onde
desejasse.
Não havia dúvida que Shannon significara muito para
Rafael.
Porém, não o suficiente para ele ficar.
Que Deus o proteja, meu amor, rezou, em silêncio, como
fazia muitas, muitas vezes nas longas e dolorosas semanas que
se transcorreram desde a partida de Rafael. Que algum dia
encontre o que deseja.
— Desculpe-me, senhora. — Disse o mineiro
educadamente. — Eu gostaria de sair.
Shannon afastou os pensamentos de Rafe para dirigi-los
ao mineiro, que estava junto à porta com os braços cheios de
provisões.
— O cachorro me bloqueia a saída. — Ele esclareceu,
observando Prettyface com olhos receosos.
— Prettyface. — Shannon ordenou avançando para o
balcão. — Venha aqui.
Após um profundo rosnado, o cachorro cedeu e seguiu
Shannon em silêncio, mas, não afastou em nenhum momento,
seus olhos de lobo, do homem que considerava seu inimigo.
Quando a porta principal se fechou atrás do mineiro,
empurrada por uma rajada de vento fresco de setembro, ela
sentiu frio e abotoou a gasta jaqueta que a cobria. Setembro
trouxera consigo tempestades e gélidos ventos, e os alces e os
cervos já haviam partido das terras altas ao perceber que as
primeiras nevascas da temporada poderiam chegar a qualquer
momento.
A mudança brusca da estação obrigara Shannon a ir ao
povoado. Necessitava comprar provisões para Cherokee e
roupas adequadas para ela. A velha xamã não estava em
condições de fazer a viagem, embora Shannon suspeitasse que
ela a estaria espreitando em algum lugar ao longo do caminho
para Holler Creek, como John, o Silencioso costumava fazer
para garantir que ninguém a seguisse.
— Boa tarde senhor Murphy. — Shannon saudou-o,
estendendo-lhe uma folha de papel. — Poderia preparar este
pedido para mim enquanto escolho algumas roupas mais
quentes?
A única resposta do comerciante foi um surdo grunhido.
— Senhor Murphy?
Ele voltou a grunhir.
— Mantenha o polegar afastado da balança. — Ela o
avisou secamente.
O comerciante sorriu.
— Assim como Chicote Moran disse.
— Não precisava fazer isso. Reconheço que durante anos
você trapaceava. John, o Silencioso aceitava para salvar a si
mesmo de alguma viagem a qualquer outro assentamento.
Mas, eu não. Se isso significa precisar ir a Canyon City, atrás
de provisões, eu o farei.
— Está bem, está bem. Não quero ter problemas com
Chicote Moran.
— Ou comigo?
— Ou com você. — Murphy assentiu. — As pessoas com
um mínimo de bom senso não têm nenhum problema comigo.
— Bem. Minha mula de carga está lá fora. Por favor,
carregue as provisões quando tiver acabado.
— Isso lhe custará três dólares a mais.
— Um.
— Dois.
— Um dólar e dois centavos.
— Você é uma boa negociante, senhora.
— Não acredito. Você carrega as provisões de Betsy e
Clementine, gratuitamente.
— Oferecem-me um pequeno... bem, extra pelo trabalho.
— Murphy esclareceu, olhando-a lascivamente.
— Um dólar e vinte e cinco centavos. — Ela disse com
frieza. — Trato feito?
Com um suspiro de resignação, Murphy moveu a cabeça
em sinal de assentimento.
Shannon se aproximou da pilha de roupas espalhadas
pelo balcão do armazém e selecionou duas jaquetas, quatro
camisas, dois pares de calças de lã e todo o necessário para se
proteger dos fortes ventos do inverno. Quando finalmente
acabou, Murphy já havia preparado e carregado as provisões
sobre a mula.
— Acrescente isto ao total, por favor. — Shannon pediu,
deixando as roupas sobre o balcão.
— Suponho que a partir de agora precise pedir algumas
peças femininas. Deve ser tedioso para um homem, ver sua
mulher vestindo as mesmas roupas que ele.
Os lábios de Shannon desenharam uma fina linha, mas,
não disse nada enquanto Murphy somava a conta. O total, sem
dúvida, fez com que ela arregalasse os olhos.
— Posso ver a conta? — Perguntou, alongando a mão.
— Para quê?
— Para verificar sua soma.
Murphy lhe deu a conta e observou nervoso como
Shannon repassava a soma.
— Você somou trinta e um dólares e dois centavos a mais.
— anunciou após alguns segundos.
Grunhindo, Murphy diminuiu aquela quantia do total e
Shannon lhe estendeu uma grossa bolsa de ouro.
— Tenho as balanças de John, o Silencioso na cabana. —
Ela avisou-o. — E sei exatamente quanto ouro tem nessa bolsa.
Quando voltar para casa, pesarei o que restar.
Murphy olhou-a com fúria e respeito.
— Você mudou muito nos últimos tempos.
Shannon resmungou algo e deu um fraco sorriso em
resposta.
O comerciante pegou a bolsa, abriu-a e a virou. Uma
mistura de pó, pepitas e pequenos pedaços de ouro se espalhou
sobre um dos pratos da balança.
— Por todos os diabos. — Exclamou, admirado. — Chicote
Moran encontrou alguma jazida nova, é?
— Ao que se refere?
— Este ouro não vem das velhas concessões de John, o
Silencioso.
Shannon franziu o cenho, surpresa.
— O quê?
— A cor e a forma não coincidem. — Murphy lhe explicou
com impaciência. — Nas concessões de seu esposo não havia
rastros de cobre. Porém este ouro...
Com destreza, o comerciante escolheu uma pesada e
irregular pepita, e fez uma marca com a unha do polegar sobre
a superfície.
— Estas pepitas são muito ásperas para proceder de um
rio. — Comentou com reverência. — Nunca vi nada parecido
desde que um trapaceiro da cidade tentou me vender uma
concessão no Colorado na qual havia colocado ouro de Dakota.
Ainda que na verdade, esta pepita me faz pensar em algumas
que vi sobre uma mesa de pôquer em Las Cruzes. O ouro
procedia dos Abajos. Ouro espanhol, sem dúvida. Não há nada
melhor.
Um calafrio percorreu a espinha dorsal de Shannon ao se
recordar de Reno e Rafael falando sobre lingotes de ouro
espanhol.
Não, disse a si mesma, rapidamente. Rafael não teria feito
uma coisa assim! Murphy deve estar enganado.
O comerciante afastou os olhos do ouro e observou a
expressão de desconcerto no rosto de Shannon.
— Penso que não vai querer me dizer onde Chicote Moran
encontrou este ouro.
Shannon engoliu a saliva e disse com firmeza:
— Nas concessões de John, o Silencioso.
Murphy riu.
— Não a culpo por não dizer nada. Se eu soubesse onde
encontrar um ouro desta qualidade, levaria o segredo para o
túmulo.
— Ele me disse que o ouro procedia das concessões de
meu falecido esposo. — Shannon repetiu com uma voz carente
de matizes.
— Um homem astuto, sem dúvida. O que você não sabe,
não poderá dizer aos desconhecidos. Mas, conheço bem o tipo
de mineral que se extrai em Echo Basin, senhora, e posso lhe
assegurar que nem um grama deste ouro procede das jazidas
de John, o Silencioso.
Algo que Reno havia dito voltou à mente de Shannon para
atormentá-la.
Nos Abajos, em uma velha mina abandonada... lingotes de
ouro maciço tão pesados que Eve mal conseguia erguê-los.
Shannon desejou perguntar a Rafe a gritos como fora
capaz de lhe fazer aquilo, mas, não se permitiu fazer nem um
som. Possuia muitas coisas a fazer para perder tempo gritando
para alguém que já estaria no outro lado do continente.
Em um gelado silêncio, foi enumerando mentalmente o
que deveria fazer. Primeiro, devia levar as provisões a
Cherokee. Depois, precisaria procurar Clementine e Betsy. E
depois disso, cavalgaria ao rancho Black e retornaria para casa
antes que as primeiras grandes nevascas surgissem e
fechassem as passagens durante o inverno.
Pela primeira vez, Shannon se sentiu agradecida de poder
dispor das duas mulas que pertenceram aos Culpepper. Tanto
Cully quanto Pepper trabalhariam muito duro nos próximos
dias.
Um dia depois, montando uma mula e guiando a outra,
Shannon chegou ao rancho Black. Caleb descia, cavalgando,
dos pastos do norte no mesmo instante em que Willow saía ao
terraço.
— Shannon? — Willow perguntou, protegendo os olhos do
sol que brilhava por trás de uma grande nuvem de tempestade.
— É você realmente?
— Sim, sou eu. — Ela confirmou enquanto desmontava.
— Que maravilhosa surpresa! Entre, terei o chá preparado
em um minuto.
— Não, obrigada. Prettyface, se voltar a rosnar, eu o
transformarei em alimento para os corvos.
O cachorro parou de rosnar e ficou em silêncio junto a
Shannon, enquanto Caleb se aproximava a cavalo.
— Problemas? — Perguntou preocupado.
— Nada que não possa resolver. — Shannon respondeu
com voz tensa. — Poderia descarregar os alforjes para mim?
Caleb a olhou longamente. Depois desmontou, se
aproximou das mulas e soltou um assovio de admiração.
— Bonito par de mulas. Pelo aspecto, diria que são da
Virgínia.
— Os Culpepper gostavam das mulas da Virgínia. —
Shannon disse em tom distante.
— Têm muita força. — Caleb comentou.
— Elas precisaram. — Shannon repôs sem dar mais
explicações.
Caleb começou a fazer uma pergunta, porém se
interrompeu ao levantar os pesados alforjes.
— Por todos os... — resmungou. — O que há aqui dentro?
Plumas?
— O ouro de Rafael. — Shannon respondeu ferozmente,
enquanto soltava a chincha da sela de Cully.
Willow e seu esposo trocaram um rápido olhar.
— Que eu saiba, — Caleb começou com cautela — Rafe
trabalhava em troca de um salário e não por uma parte do seu
ouro.
— Eu também pensava. — Shannon replicou.
Puxou a sela com uma mão e a manta com a outra e, com
uns poucos movimentos rápidos, encilhou a segunda mula.
— Mas, estava enganada. — Shannon continuou,
montando sobre a mula recém encilhada. — E Murphy me
disse que ele também me enganava sobre o ouro.
— Quer me esclarecer isso? — Caleb perguntou, perplexo.
Shannon se virou e o olhou sem fazer nenhum esforço
para ocultar a fria ira que sentira ao descobrir a pobre opinião
que Rafael possuia dela.
— Este ouro não foi extraído de Echo Basin. — Explicou-
lhe com voz fria e longínqua. — Rafael me pagou com seu
próprio ouro antes de partir para não voltar. Mas, cometeu um
pequeno erro de cálculo.
— Um pequeno erro? — Caleb repetiu com cautela.
— Quando descobri o que havia acontecido, suspeitei que
ele me pagara muito e procurei a Betsy e a Clementine para
lhes perguntar quais eram suas tarifas.
Caleb avaliou a fúria que os olhos de Shannon refletiam e
decidiu não perguntar quem eram Clementine e Betsy, e o que
tinham a ver com tudo aquilo.
— Eu estava certa. — Shannon concluiu. — Rafael pagou
muito pelo que havia obtido de mim e lhe trouxe seu troco. Até
a última onça de ouro do que lhe corresponde.
— Espere! — Willow exclamou ao ver que ela erguia as
rédeas. — Você percorreu um longo caminho. Pelo menos,
entre e descanse um pouco antes de sair novamente.
— Não, obrigada. — Shannon se negou. — As passagens
poderiam se fechar a qualquer momento.
— Mas... — Willow protestou.
— Em qualquer caso, — Shannon a interrompeu,
agarrando-se ao seu orgulho. — Eu a respeito muito para
permitir que a rameira de seu irmão entre em sua casa.
Sem mais, virou a mula e a esporeou para que iniciasse
um rápido galope. A outra mula e Prettyface a seguiram a um
ritmo veloz.
Assombrados, Willow e Caleb observaram sua partida em
silêncio.
— Queria saber onde está meu irmão. — Willow disse,
finalmente após deixar escapar um longo e áspero suspiro. —
Gostaria de vê-lo outra vez.
— Shannon também. — Caleb disse gravemente. —
Preferivelmente sem pele e cravado na parede de sua cabana.

O sol havia caído e a tarde ameaçava com um frio glacial


quando Rafe se aproximou cavalgando ao rancho Black.
Levantara a gola da jaqueta para se proteger do vento e dos
flocos de neve que brilhavam e giravam em espiral ao seu
redor.
— Rafe! — Caleb saudou, descendo do terraço. —
Pensávamos que se dirigira a São Francisco com intenção de
embarcar. Não esperava ver você em um ou dois anos.
Havia uma pergunta subjacente nas palavras de seu
cunhado, mas Rafe não soube como respondê-la. Estava tão
desconcertado, quanto ele por ter voltado ao Colorado.
— Eu também pensava o mesmo, respondeu reflexivo,
mas aqui estou.
— E ficará aqui. Todas as passagens estão fechadas,
exceto a do Sul.
— Eu sei. Venho de lá. O deserto se transformou em um
inferno de gelo.
Desmontou e deu a mão ao seu cunhado.
— Onde esteve durante os últimos três meses? — Caleb
perguntou.
— Dirigi-me ao oeste, — respondeu, encolhendo os ombros
— àquele grande cânion onde o rio Colorado serpenteia no
fundo de um enorme desfiladeiro.
— Um lugar incrível, pelo que conta Wolfe.
— Sim, Precisa ver. — Rafe assentiu. — Percorri o cânion
inteiro até que me encontrei no lugar onde havia começado.
Uma terra selvagem e solitária, cada milímetro dela.
— Vamos. — Caleb insistiu. — Willow já deve ter deitado
Ethan.
Rafe hesitou.
— Se está pensando em cavalgar às terras altas, — Caleb
o advertiu — pense bem. As passagens estão fechadas há
meses e não se abrirão de novo até dentro de alguns mais.
— Eu sei. Essa é a razão por... — A voz de Rafe se apagou.
— Essa é a razão pela qual voltou? Porque sabia que não
conseguiria chegar à cabana de Shannon?
Rafe fez uma careta.
— Sim.
— Não importa. — Caleb repôs. — A última vez que a
vimos, ela...
— Vocês a viram? — Rafe o interrompeu no instante. —
Quando?
— Bem antes de se fecharem as passagens.
— Veio visitá-los?
— Não. Nem quis entrar para tomar uma caneca de chá.
Rafe franziu o cenho.
— Estava me procurando, então?
— De certo modo — Seu cunhado respondeu com ironia.
— Que diabos significa isso?
— Eu direi, Caleb. — Willow interferiu da porta. — Entre,
Rafe. Shannon deixou uma mensagem para você.
— Ela está...? — Rafe não conseguiu continuar falando e
se obrigou a engolir a saliva. — Ela está... está bem?
— Com bem, você se refere a se não está grávida? —
Willow perguntou com falsa suavidade.
Um vivo tom vermelho que nada tinha a ver com o frio
vento cobriu o rosto de Rafe.
Caleb pegou as rédeas da sua mão e se dirigiu ao
estábulo.
— Não seja muito dura com ele. — Disse para sua esposa
por cima do ombro.
— Porque não? — Willow replicou.
— Shannon vai querer que deixe alguma coisa para
conseguir cravá-lo na parede de sua cabana.
— Não se preocupe. — O sorriso de Willow não parecia
reconfortante. — Rafe sabe se cuidar. Entre, querido irmão.
Rafe observou Caleb se afastar e se virou para Willow.
Finalmente, com rápidas e duras passadas, seguiu sua irmã e,
quando estavam dentro, fechou a porta e a pegou pelo braço.
— Diga-me sem rodeios, Willy. — Pediu em tom firme. —
Shannon está grávida?
— Se está não nos disse nada.
Rafe soltou uma brutal imprecação.
— Não pensei que Shannon viesse até aqui a menos que
estivesse grávida. — Reconheceu.
— É por isso que não está a caminho da China? Estava
preocupado pelo fato de que Shannon pudesse ter concebido
um filho seu?
— Não sei por que não estou a caminho da China. — Rafe
respondeu com olhos sombrios e atormentados. — Só sei que
precisava voltar aqui.
A compaixão suavizou a severa expressão do rosto de
Willow. Podia perceber a tristeza do irmão a quem tanto amava,
como se fosse a sua própria.
Vamos à cozinha. — Indicou com suavidade. —Eu lhe
servirei algum café e pãezinhos. Tem aspecto de necessitar de
uma boa comida.
— Me conformo com qualquer coisa. Perdi o gosto aos
pãezinhos. Lembram-me muito de...
A voz de Rafe se apagou. Com uma abafada maldição,
levantou o chapéu, jogou-o sobre a mesa da cozinha e passou
os dedos pelos cabelos. Com movimentos rápidos, tirou o
chicote, pendurou a jaqueta junto a porta traseira e voltou a
colocar o chicote no ombro enquanto se sentava.
Com olhos que refletiam muitas lembranças, Rafe
observou como sua irmã realizava os rituais para reavivar o
fogo, servir café e cortar pão. Se fechasse os olhos, podia ver
Shannon preparando o jantar, oferecendo-lhe calor e comida
com suas próprias mãos. Mas, era muito doloroso e se obrigou
a continuar olhando para sua irmã.
Então, ouviu um rangido e uma batida seca na parte de
trás da cabana. Como se alguém tivesse trazido lenha e a
tivesse deixado empilhada fora. Logo a porta se abriu e Caleb
entrou com um par de alforjes sobre o ombro.
Rafe nem mesmo ergueu os olhos de seu café.
Caleb fechou a porta e olhou para sua esposa, que
balançou a cabeça levemente, fazendo-o quase sorrir. Willow
era muito bondosa para se mostrar dura com seu irmão. Caleb,
sem dúvida, não era.
— Você disse que Shannon deixou uma mensagem para
mim. —Rafe disse, erguendo os olhos para ele. — O que era
essa mensagem? Willow olhou para seu esposo com olhos
cautelosos.
— Você esqueceu seu troco,. — Caleb explicou ao seu
cunhado com ironia.
Dois alforjes caíram pesadamente sobre a mesa da
cozinha.
Rafe os olhou sem interesse, mas, de repente, seus olhos
se apertaram e alongou uma mão para eles. Os músculos de
seu braço ficaram tensos quando levantou os dois alforjes
amarrados para verificar seu peso.
Soltou-os sobre a mesa e soprou uma palavra que fez
Willow estremecer.
— Aquela pequena teimosa... — Rosnou.
— Este ouro procedia das concessões de Shannon? —
Caleb o interrompeu.
— Que diabos importa isso?
— Para mim, nada, — Caleb replicou — mas, para
Shannon, sim, lhe pareceu importante. Acreditou que o ouro
que você lhe deu a transformou em uma rameira.
Rafe se levantou da cadeira com rapidez e se jogou sobre
ele, lançando-o contra a parede da cozinha em um único
movimento feroz.
— Vá para o inferno, ela não é nenhuma rameira.
— Rafe! Basta! — Willow gritou, segurando seu irmão pelo
braço.
Caleb observou a violência refletida nos olhos de seu
cunhado e sorriu quase suavemente.
— Maldição, Rafe, eu já sei. — Ele afirmou — Porém, se
vai se sentir melhor arrancando-me essas mesmas palavras a
socos, será melhor sairmos para o pátio de trás.
Rafe olhou fixamente nos compassivos e firmes olhos de
Caleb e se afastou, depois de respirar profundamente.
— Desculpe-me. — Olhou suas próprias mãos como se
nunca antes as tivesse visto. — Ultimamente perco a paciência
com facilidade.
— Nesse caso, será melhor que sente-se e meta as mãos
nos bolsos durante alguns minutos. — Caleb sugeriu
secamente. — Não quero acabar marcado por esse seu chicote.
Devagar, Rafe se sentou.
— Serei breve. — Caleb continuou. — Shannon veio até
aqui sobre uma mula e guiando a outra. Um cachorro tão
grande quanto um pônei a acompanhava.
— Prettyface. — Rafe comentou.
— Não acredito que esse seja um nome adequado para
aquele cachorro, mas, se você prefere chamá-lo assim... —
Caleb resmungou. — De qualquer modo, Shannon desceu da
mula e me pediu que pegasse os alforjes. Enquanto eu fiz isso,
desencilhou a primeira mula e colocou a sela na outra.
Rafe franziu o cenho.
— Devia estar muito furiosa.
— Eu pensei o mesmo. — Caleb concordou. Fez uma
pausa e depois lhe perguntou: — Conhece umas mulheres
chamadas Betsy e Clementine?
Rafe deu uma rápida olhada para Willow, que estava
aquecendo um cozido ao fogo.
— Não as conheço exatamente. — Rafe disse em um tom
de voz que não chegou mais longe que os ouvidos de Caleb. —
Na verdade, nunca as vi em pessoa. Vivem em Holler Creek.
São... eh, jovens de salão.
— Sim, isso foi o que pensei.
— Onde ouviu seus nomes? — Rafe perguntou.
— Shannon os mencionou.
— O quê!
Caleb respirou profundamente e confiou em que Rafe
pudesse manter o controle. Se fossem se enroscar em uma
briga na cozinha, destruiriam todos os móveis.
— Parece que alguém se encarregou de que Shannon
soubesse que esse ouro não podia vir das concessões de John,
o Silencioso. — Caleb esclareceu.
— Murphy! Maldito filho de uma cadela! Pensei que
aceitaria o ouro e fecharia a boca.
— Segundo o que Shannon nos explicou, você também se
enganou em outra coisa. — Caleb acrescentou, colocando-se
previdentemente atrás da cadeira de seu cunhado.
— Em quê? — Rafe perguntou.
— Você... eh, lhe pagou de mais. — Caleb respondeu.
— De que diabos você está falando?
Caleb respirou fundo e se preparou para a explosão que
sabia que ocorreria.
— Quando Shannon descobriu que o ouro não era seu, —
prossegui — procurou Betsy e a Clementine e lhes perguntou
qual era o preço dos serviços que prestavam aos homens de
Echo Basin.
— O quê?
Rafe teria se levantado violentamente se não fosse porque
as grandes mãos de Caleb o seguravam pelos ombros,
mantendo-o sentado.
— Acalme-se e escute. — Seu cunhado espetou
severamente. — Shannon pegou a quantia que as jovens lhe
indicaram, calculou quanto você lhe pagara a mais e descontou
dessa montanha, e veio como uma fúria para devolver seu
troco.
Uma vez que Rafe assimilou o significado das palavras de
Caleb, sua vontade de brigar desapareceu.
Eu nunca pensei em você desse modo, meu doce anjo, era
tão inocente quando a toquei pela primeira vez.
— Realmente disse isso? — Conseguiu dizer finalmente.
Caleb assentiu.
— Ela pensou que a paguei como se fosse uma prostituta?
— Rafe sussurrou.
De novo, Caleb assentiu.
— Não acredito. — Rafe afirmou.
— Pois acredite. — Willow explodiu enquanto batia a
cafeteira com a colher do cozido, salpicando tudo ao seu redor.
— Shannon nem entrou em casa para tomar uma caneca de
café.
— Por quê?
— Disse que me respeitava muito para permitir que a
rameira de meu irmão entrasse em meu lar.
Rafe soltou um angustiado gemido e bateu na mesa com o
punho, fazendo sua caneca de café quase fervendo se virar
sobre suas pernas. Mal notou. A dor que rasgava sua alma em
duas não deixava espaço para nada mais.
Sem prévio aviso, se virou e levantou, afastando as mãos
de Caleb.
— Mudei de ideia sobre esses pãezinhos, Willy. —
Conseguiu dizer com voz contida. — Faça o suficiente para que
durem até que eu atravesse a montanha.
— Mas... a passagem está fechada. — Willow protestou.
Rafe se virou para Caleb.
— Ainda tem aquelas botas para a neve que costumava
utilizar?
— Sim. Estão lá fora, junto à porta de trás. Eu o
acompanharei até onde meus cavalos de Montana puderem nos
levar. Depois disso, estará sozinho.
— Obrigado.
— Quando chegar lá, — Caleb o advertiu. — Vá com muito
cuidado.
— Por quê?
— Shannon estava muito furiosa e poderá lançar aquele
cachorro infernal sobre você.
Rafe olhou as cicatrizes de suas mãos e sorriu levemente.
— Não seria a primeira vez que ele e eu brigaríamos.
Pegou a jaqueta e o chapéu, e se dirigiu à saída.
— E sobre as provisões? — Caleb se preocupou ao ver que
Rafe abria a porta traseira. — Os dois terão o suficiente para
passar o inverno?
— Assegurei-me que Shannon tivesse suficiente comida
para alimentar duas pessoas até que chegasse o degelo.
— Demorou muito para descobrir quem era essa segunda
pessoa, não acredita? — Willow lhe perguntou com sarcasmo.
Sem dizer uma só palavra, Rafe se foi e fechou a porta
com uma forte batida que bloqueou o som da risada de Caleb.
— E se ele não conseguir chegar à cabana? — Willow
perguntou, intranquila.
— Chegará. — Caleb assegurou. — Conseguir se
reconciliar com Shannon será o verdadeiro problema. A mulher
que se afastou daqui cavalgando estava cheia de raiva.
— Terá todo o inverno para conseguir que ela o perdoe.
— Necessitará todo esse tempo.
— Não acredito. Ele tem uma vantagem, ainda que seja
injusto.
— Qual?
— Shannon o ama. — Willow afirmou sem hesitar.
Quando o amanhecer começou a ganhar a batalha da
escuridão e das estrelas, Rafe voltou a colocar o alforje sobre o
ombro e se dispôs a cruzar o vale em direção à cabana de
Shannon. Os picos se elevavam orgulhosos para o céu,
permitindo que as irregulares encostas brilhassem com as
primeiras luzes da alvorada.
O ar que respirava era tão frio e afiado como o gelo recém
cortado, e seu fôlego era uma trêmula nuvem ao redor de seu
rosto. Cada passo que dava fazia ranger a grossa camada de
neve sob seus pés.
Na verdade, Rafe mal percebia o som. Sentia como se
estivesse atravessando a nebulosa bruma do sonho que o
acompanhara em todas suas viagens ao longo dos anos.

Estive aqui antes, no inverno, banhado pela luz do


amanhecer.
— Eu não procurava um amanhecer. — Rafe lhe explicou
com suavidade. — procurava alguma coisa que não conseguia
pegar, algo extraordinariamente bonito, indescritivelmente
perfeito que aguardava que eu o descobrisse.
Inclinou-se e beijou Shannon com uma ternura que
encheu de lágrimas os olhos dela.
— Eu o encontrei em você. —Ele afirmou — Você é toda a
minha vida, meu amor, o amanhecer que sempre precisei.
EPÍLOGO

Shannon e Rafe passaram o inverno na pequena cabana,


rindo e se amando enquanto selvagens tempestades assolavam
a terra. Quando as passagens das montanhas se abriram outra
vez, viajaram para Canyon City e procuraram um pastor.
Casaram-se na casa de Willow e Caleb, com Reno como
padrinho, a voz de contralto de Eve entoando uma canção
sobre o amor eterno, Ethan correndo entre as pernas de todos
e, Rebecca, o bebê dos Black, observando-os dos braços de sua
mãe com imperturbáveis olhos verdes. Jessi e Wolfe
presentearam a noiva com um xale de fina renda irlandesa e
um mustang cuja pelagem era do mesmo tom outonal que os
cabelos de Shannon.
Rafe e sua esposa se instalaram em um vale oculto que
estava a meio dia de caminho do rancho Black, e não muito
mais longe do lar de Reno e Eve. Os homens trabalharam
juntos para construir uma casa, e as mulheres colaboraram
para dar os toques que converteriam aquela casa em um lar.
No final do verão, Rafe e Shannon foram à Avalanche
Creek e convenceram Cherokee para que voltasse com eles,
trazendo consigo um rico conhecimento da vida e das ervas
curativas.
A cada ano, as famílias se reuniam em dias festivos para
organizar rodeios e compartilharem o trabalho e os jogos em
igual medida. Cada reunião era maior e mais animada, com
bebês que iam nascendo, crianças que cresciam a um ritmo
implacável, e adultos que riam recordando como tudo
começara e como a vida podia ser inesperada na hora de
presenteá-los com seus maravilhosos dons.
Rebecca logo teve uma companheira de jogos chamada
Catherine Wolfe. E em questão de um ano, nasceu John Rafael
Moran.
O filho de Rafe herdou a força e a vontade de viajar de seu
pai, porém eram os olhos de safira de sua mãe que
contemplavam o mundo com cautelosa curiosidade. As irmãs e
irmãos que o seguiram possuiam olhos diferentes, rostos
diferentes, sonhos diferentes...
No entanto, em meio a todas as mudanças produzidas ao
longo dos anos que passaram sobre a terra, como as sombras
das nuvens, só uma coisa continuou intacta e imperturbável.
Se Rafe partisse por uma hora ou uma semana, Shannon
sempre o aguardava, se jogando sobre ele e apertando-o entre
seus braços no instante em que o via chegar, e havia uma luz
nos olhos de ambos que só poderia ser fruto do amor.
Notas

[←1]
Mamífero ruminante selvagem, maior, mas parecido ao touro, com corpo robusto,
giba, chifres curtos e curvados para cima. Pelos grossos de cor marrom escuro,
mais largo na parte anterior do corpo. Vive em manadas, na América do Norte e
Europa.

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