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pretendem que nada existe."' Essa alusão critica visa essencialmente M. Malher Buscando cletei--
minar o autismo como um narcisisnio primário absoluto, induzindo "um:i ausência de consciên-
cia do agente materno", ela postula a existência de uma "dis[~osiçãoalucinatória negativa", ma-
nifesta por uma "orelha surda a mãe e ao universo inteiro.'Wão há dúvida de que isso hoje não
é nada. Seria mais exato descrever o comportamento das crianças autistas dizendo que a niaior
parte cleles não quer deixar que notem seu interesse pelo meio. Sellin escreve eni seu computa-
do~-:"vê tudo ouve tudo'", o que vários outros testemunhos confirmam.
Apesar do termo empregado por Sellin, trata-se aí, não de uma alucinaçáo, mas de um
problema da percepçáo que é classicamente organizada, desde Esquirol. no registro das
ilusões, quer dize. de um erro dos sentidos que não coloca eiii questáo a presença real do
suporte da percepção. Por outro lado, alguns fenômenos alucinatórios niais autênticos parecem
ter sido relatados. Um dos clínicos mais atentos a estes foi sem dúvida Bettelheim. Ele age
assim em relação a duas crianças que apresentavam um fechamento autistico autêntico: Laurie
e Márcia. Ao final cle sua estadia na Escola orhogênica cle Chicado, Laurie não ultrapassou a
véspera da fala: tambéni suas alucinações são inferidas pelos clínicos. "Laurie começou ;I
alucinar. afirnia Bettellieim. Decluzimos isso de seu olhar perdido, voltado preferencialniente
para o forro, tão preocupada que estava pelo que se passava eni seu psiquismo e esquecendo
completamente o que se passava a sua volta. Após esses períodos alucinatórios que foram
inicialmente breves, depois aumentaram em duraçáo e intensidade, ela voltava a sua ocupação
do momento." A obbsn7ação de Márcia é mais coniprobatória: ela não deixa dúvida quanto à
existkncia de fenômenos alucinatórios, por é capaz de testemunhá-los por si mesma: "Parecia,
escreve Betellieim, que ela tinha alucinações particularmente apavorantes quando olhava para
o forro. Às vezes, ela tampava o rosto ou o naiiz coiii a niáo, Blvez fosse para se assegurar dos
limites de seu corpo, pois, alucinando, ela tinha, sem dúvida, a impressão de que se estendia
até as imagens que projetava no forro. Ou, talvez, era para forniar uma tela entre ela e o
mundo que percebia obscuramente (ou que alucinava como estando lá for.) ,I . IMuito mais
tarde, quando alucinava desse modo, ela dizia: "vejo mamãe:' [seem o n ~ ]e ,suplicava desespe-
rada: "tragani mamãe" [take m o m awa.~j'~. Márcia testemunha, conseqüentemente: alucina-
ções apavorantes, mas não alucinações verbais, além disso ela se protege delas colocando
suas niãos nos olhos e não nas orelhas. A partir da observação de Marcia e de alguns outros,
Bettelheim tenta um;! teorização da alucinação da criança autista. Ele apreende isso clinica-
mente pela atitude de olhar Ftiarnente para o teto, e fomiula a hipótese de que essas crianças
alucinani a fonte e vida: "a pessoa responsável pela nutrição, a pessoa que eles nunca esperam
afetivamente, a pessoa que eles buscam e, ao mesmo tempo, da qual querem se Iivrac"" Essa
hipótese não parece pocler ser generalizada; por outro lado, parece claro que alucinações
visuais sejam inerentes aos estados de autosensualidade destacados por Tustin.
Quando alguém lhe pergunta se escuta uma frase falada uma ou várias vezes intenormen-
te, ele diz novamente que considera, a respeito disso, náo ser ciiferente dos outros:
Contudo, nos autistas verbais, observa-se muito frequentemente uma repetição niumura-
da da frase que veni de lhe ser dita, como se a saboreassem ou examinassem com atenção.
\Villiams indica que esse fenômeno se ancora em sua dificuldade de captar imediatamente a
significaçáo, um trabalho reflexivo suplementar Ihes é por vezes necessário para que ela
advenha: "Por volta da idade cle dez anos, conta ela, eu começava a ouvir fragmenros que
continham diretamente um sentido. Descobri uma estratégia: dizer interiormente as frases
do outro. Assim eu podia dar um sentido a toda uma frase. Com o passar dos anos, eu poli
essa arte a ponto de poder dialogar com um atraso praticamente imper~eptível."~~
Os gritos
Mais característico da sindrome autistica é uni fenômeno pouco estudado, o das crises de
berros, geralmente muito pregnances, e que consticuem o modo mais frequente de reagir às
contrariedades. É notável que os terrores de crianças autistas se traduzam por gritos não
verbais e nao por gritos como "o lobo", que atestariam um funcionamento do sujeito da
enunciaçáo. Eles sáo inteiramente confrontados com uni Outro real iiiuinano, que não fala, o
que anota Lemay quando constata que a criança autista não transfona suas angústias em
"medos designáveis ligados a potências animadas. Não há fantasmas, bruxas ou personagens
assassinos em seus relatos. Ele náo nos fala, como tantas crianças, seus medos da "cortina que
se mexe", do desconhecido que pode entrar em seu quarto pela janela ou de uma presença
misteriosa debaixo de sua cania. Estamos, eiirâo, sempre em representações nas cluais o
sensorial e o inanimado são conduzidos por configurações humanas.29Da mesma forma as
angústias da criança autista se exprimem aquém da hunianização produzida pela assunção da
linguagem. Sellin retorna várias e várias vezes em seus escritos ao sofrimento que lhe produ-
zem os berros incoerci\,eis:
"osgriios doidos são acessos sobre os qtrais e21 náo tenho conrrole
nuda nze é mais odioso que esses repug>ia?~res
berros de raiva qtre itjlam e ?nugema*
Ele se dá conta que esses gritos o isolam e obstaculizam seus esforços de socialização,
gostaria de livrar-se deles: mas eles se impõem. Ele lamenta sua ignorância quanto as razões
desses gritos infames?' Certamente, os berros não são próprios à clínica do autismo! sabemos
como Schreber mosmva isso, ma. concebemos imediatamente que não são de mesina natureza
quando destacanios que o Presidente conhecia suas razões. Seus berros estão articulados em
seu delírio, eles se produzem sempre na mesnia circunstância: quando Deus acredita poder
retornar nele, a partir do momento em que ele consente e não pensa em nada. Bis gritos são
denominados "milagres": eles são produzidos pelo Deus inferior (Ariman) quando ele aciona
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