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POR TODOS OS DIAS DA MINHA VIDA

WIDJANE ALBUQUERQUE

Duologia Perdidos — Livro 01


Sumário
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Capítulo 26
Capítulo 27
Capítulo 28
Capítulo 29
Capítulo 30
Capítulo 31
Capítulo 32
Capítulo 33
Capítulo 34
Capítulo 35
Capítulo 36
Capítulo 37
Capítulo 38
Capítulo 39
Capítulo Final
Epílogo
Agradecimentos
Próximo lançamento
Capítulo 1

Valentina
Um leve sorriso bailava em meus lábios enquanto me olhava no espelho. Eu fiz
o que para muitos seria considerado uma loucura.
Sorri ainda mais.
— Não sei por que você está rindo! — Minha irmã entrou em meu quarto já
reclamando.
Revirei os olhos.
— Eu poderia te dar muitos motivos para sorrir Viviam — falei alto, ainda
olhando para o meu novo visual —, mas estou simplesmente feliz. Este é um ótimo
motivo!
Bufando, ela me olhou com desgosto.
— Você não pode ir com essa roupa! —Apontou para mim. — Você
simplesmente não pode!
Desviei meu olhar do espelho, lentamente me virando para encarar minha irmã,
toda linda em um vestido na altura dos joelhos.
Ela era linda, parecia uma boneca delicada, de fato. Ela poderia ser a Miss
Califórnia, em charme, beleza, simpatia e o que mais você pensasse.
Viviam MacKerrick era simplesmente impecável.
— Não vejo problemas com minha roupa. — Cruzei os braços, encarando-a. —
Calça e blusa foi um direito adquirido pelas mulheres. — Bufei, sorrindo de lado. —
Eu posso me sentar à vontade, sem essa de nenhum espertinho tentando ver minha
calcinha, aliás assim fica mais fácil de me livrar de algum idiota!
Minha irmã arregalou os olhos, ultrajada.
— Os vestidos e saias nos deixam femininas — pontuou. — Você sabe que eu
amo calças, mas Valentina, nós fomos convidadas para ir à festa de aniversário do
nosso próximo cliente! Papai está viajando com mamãe e temos que representar nossa
empresa...
— Querida irmã, representa você! — Eu ri. — Não vou colocar vestido, não
vou me arrumar para esses riquinhos idiotas. Eu vou do jeito que eu quero: calça, blusa
e um salto super alto, acessórios legais, — Agitei meu cabelo. — corte novo.
Vi o exato momento em que minha irmã fungou para tentar engolir as lágrimas.
Fazia dois dias desde que dei adeus aos longos cabelos louros e boas-vindas ao cabelo
curto e castanho.
— Ainda não acredito que você fez isso — acusou. — Ainda não acredito!
—Irmãzinha. — Caminhei até ela e a abracei. — Eu sou a única loira nessa
casa, eu queria mudar e ver como ficava. Eu amei, Viviam, e você deveria gostar
também, agora eu me pareço mais com vocês...
— Eu bem que gostaria de ter o seu cabelo longo e loiro. — Bufou chateada —
E você é a cara da nossa avó, vai fazer o que, agora? Usar lente para escurecer os olhos
também?
— Não, sua dramática. — Gargalhei. — E outra, só para deixar claro, eu me
visto para agradar aos meus olhos, não vou ficar horas em frente ao espelho provando
uma roupa atrás da outra pensando “será que essa está boa? Será que ele vai gostar?
Será que essa vai chamar atenção daquele carinha?”.
— Para, Val! — reclamou. — Você é muito diferente.
— Na boa irmã, eu vivo para me agradar e não agradar aos outros,
principalmente homens que, de acordo ao tanto de amiga minha de coração partido, são
uma raça podre, que não vale nada!
— Você por acaso já teve seu coração partido, Valentina? — inquiriu, me
fazendo rir ainda mais. Carinhosamente, apoiei meu queixo em seu ombro, abraçando-a
por trás. — Não, maninha. Ainda não conheci o homem capaz de tal feito.
Ficamos em silêncio durante alguns minutos, até que o silêncio foi quebrado por
um bufo nada delicado.
— Meu Deus você não tem dezessete anos, Valentina. Juro por Deus que você
não tem.
— Realmente eu não tenho. Completei dezoito há... — Olhei meu relógio. —
Dez minutos. Sou oficialmente maior de idade e vou ter que perder meu tempo aturando
um bando de patricinha fresca e filhinhos de papai que se acham um presente para a
humanidade.
Suspirando pesadamente, Viviam afastou-se. Fiquei parada olhando ela ir até a
porta. Antes de sair, ela parou e me olhou.
— Por favor, não esmurre ninguém! —pediu preocupada. — Por favor,
Valentina, é muito importante este trabalho. O papai está muito feliz e...
Ergui uma mão, fazendo-a calar.
— Minha irmã, eu estou feliz também. Sei como o nosso pai lutou para chegar
onde chegou. Eu não vou desapontar. Sei manter meu temperamento sobre controle.
Pode confiar em mim! Não vou fazer nada que te desaponte.
— Você vai fazer pelo menos uma maquiagem? — Fez um biquinho pidão.
Juro por Deus que não parecia que eu era a caçula. Minha irmã é dez anos mais
velha do que eu, mas no quesito dureza, eu pareço ser muito mais velha e experiente do
que ela. Comigo homem não se cria.
— Tudo bem, Viviam, traga a sua parafernália que eu vou deixar você brincar
de boneca comigo por hoje.
Minha irmã gritou e saiu correndo. Eu ri voltando a me olhar no espelho.
Realmente não vejo problema com meu look. Mordi o lábio tentando me
enxergar pelos olhos da minha irmã.
Vou descrever minhas roupas para que assim consigam visualizar melhor: eu
estava com uma regata longa, daquele estilo cauda, muito simples na cor preta; para
completar, adicionei um colar – três na verdade – com um coração, cadeado e uma
chave. Simbologia, pura e simples. Meu coração, para sempre guardado e seguro!
Amém. Pode até ser brega, mas como eu disse: eu que tenho que gostar, não os outros.
De qualquer maneira, juntos eles ficavam lindos, podem confiar. Numa orelha coloquei
três brincos e meu piercing, e na outra apenas os brincos.
Continuando: minha calça jeans era preta, super colada e ajustada no tornozelo
– não vou nem dizer como ela é confortável –; meus sapatos consistem em um par de
scarpins altíssimos; coloquei algumas pulseiras simples junto com meu relógio e os
meus anéis.
— Você está linda, Valentina, mas está parecendo com uma dessas cantoras
pop! Não me conformo em vê-la saindo assim.
— Estou começando a repensar a decisão de deixá-la me maquiar — brinquei
tranquila. Meu look era agradável aos meus olhos, eu gostava de me vestir assim. — E
você quer dizer Rihanna? Jessie J? Porque se for, eu agradeço. Eu gosto de calças,
jaquetas e saltos. É sexy, irmã.
Revirando os olhos, ela despejou em minha cama um horror de coisa.
— Vai usar tudo isso em mim?
— Não, você não precisa, sua pele é perfeita, vou apenas realçar esse olho
incrível que você tem! — Sorriu marota e eu até fiquei com medo. Ainda me lembro de
Viviam me fazendo de cobaia; eu era sua boneca em tamanho real.
— Cuidado com isso aí! Se eu não gostar, vou tirar, portanto cuidado com o
serviço desperdiçado
— Até parece! — Bufou. — Agora senta aqui na cadeira. A luz neste ponto está
ótima.
Suspirando, eu me sentei.
— Feche os olhos e relaxe. Já que vai com essa roupa, vou fazer uma make que
combine.
Fiz como mandou e minha irmã começou a trabalhar. Devo confessar que
Viviam tinha uma visão sobre como as coisas poderiam se dispor a ter harmonia. Ela
era simplesmente incrível!
Ah!, para quem não sabe do que estou falando, vou clarear a ideia: minha irmã é
paisagista e designer de interiores. Ela é simplesmente foda: consegue transformar o
medíocre em esplêndido. Ela junto com a minha mãe arrasam.
Minha mãe é arquiteta especialista em reformas e restaurações de todo o tipo.
Ela que faz milagre com pouco espaço ou com os pedidos extravagantes dos ricos e
famosos: se você quer um closet imenso em um lugar onde não cabe, fique
despreocupado, porque dona Miranda vai fazer um milagre e você terá seu tão sonhado
closet; se você quer recuperar a estrutura pré-histórica e fora de moda dos grandes
casarões, mas deseja um toque de modernidade, pode ficar de boas, ela resolve.
Já que estou falando sobre a minha família, me deixe falar do meu pai, aquele
gato. Sinclair MacKerrick é engenheiro especialista em fundação e outras coisas mais.
Foi dele a ideia de montar a empresa. Minha mãe topou e, depois de muito trabalho,
tudo deu certo. Minha irmã seguiu carreira pois se apaixonou por esse ramo,
encontrando sua profissão. Já eu gostaria de fazer outra coisa, mas ainda não falei com
meus pais. Por enquanto eu trabalho com eles como pintora
Pois é! Eu faço a pintura dos grandes contratos que meus pais fecham. Tornei-
me especialista nisso; consigo visualizar o que fica melhor em cada cor ou textura.
O mais provável, até, é que eu fique com a pintura da casa do riquinho da
festa à qual iremos.
— Abra os olhos. — Obedeci. — Olhe para cima.
Obedeci cada um dos seus comandos. Não reclamei uma só vez.
— Pronto, terminei!
Pela voz da minha irmã eu acho que ela gostou do resultado. Curiosa, olhei-me
no espelho.
— Puta merda, Viviam! — exclamei, fazendo-a revirar os olhos pelo meu
linguajar.
Mas de fato, ela não rebocou meu rosto, ela apenas destacou meus olhos com
um delineado esfumado; meus cílios estavam impossivelmente longos; nas bochechas,
um leve blush rosadinho; nos lábios, um batom mate.
Amei o resultado.
— Nossa! Você está linda. — Agora quem foi abraçada, fui eu. — Parabéns,
minha irmã! O pai e a mãe te deixaram um envelope contendo seu presente, e o meu está
lá fora.
Viviam me entregou o envelope. Os olhos dela brilhavam e eu ri, sentindo um
friozinho na barriga. Não vou começar a dizer sobre a guerra que travei na hora de
convencer meus pais a fazerem a viagem que há anos vinha sendo adiada. Foram muitos
"não podemos estar fora no dia do seu aniversário”. Meu argumento era: “Vocês já
me aturaram por dezessete anos! Vão embora curtir e fazer um irmão para mim e
Viviam. Ser caçula é uma porcaria!"
Agora meus pais estão em alguma praia do caribe, curtindo os bons frutos de
anos de trabalho.
— Espero que goste! Nossos pais sabem do seu sonho, mesmo você tentando
esconder — minha irmã murmurou baixinho e agora foi a minha vez de fungar. — Não
invente de chorar! Vai borrar sua make-rocker.
Acenei, puxando de dentro do envelope o presente dos meus pais. Olhei para o
cheque e quase morri.
— Quarenta mil dólares?! — gritei pulando feito louca. Abracei minha irmã
fazendo-a pular comigo. — Porra! São Quarenta mil dólareeeees!
— Sim, são isso mesmo. O cheque é simbólico. — Riu alto. — O dinheiro está
na sua conta. Você pode mexer, mas eu te aconselho a esperar. A herança da vovó será
liberada em poucos anos, aí eu mesma farei o projeto para a sua doceria.
Gritei e pulei feito louca.
Esse era meu sonho! O que eu queria fazer!
— Obrigada, obrigadaaaa! — Apertei minha irmã, esperando ela protestar.
— Vamos. A festa do Sr. Cortês já começou, e eu estou louca para ver o que
você vai achar do seu presente! — Minha irmã ostentava um sorrisinho maroto. — Um
conselho: Pegue a sua jaqueta.
Peguei, saindo do meu quarto.
— Feche os olhos. Preciso do suspense! — Obedeci e minha irmã pegou minhas
mãos. — Como você consegue pintar paredes, mexer em todos aqueles produtos, e
ainda manter essas unhas assim? — Eu ri baixinho.
— Segredo. Se te contar, eu teria que te matar!
— Sua chata! — reclamou me guiando com cuidado; meus saltos eram gigantes.
— Pode parar. Fique aqui. Só abra os olhos quando eu mandar.
Acenei e Viviam afastou-se. Pouco tempo depois ela gritou:
— Pode olhar! — Eu abri meus olhos. — Tcharan! — gritou abrindo os braços.
— Não me ferra! — soprei, sem acreditar.
Diante de mim estava uma moto branca, muito do caralho, daquelas potentes e
nossa! Muito linda! Não sei como descrever; só sei que ela era lacradora.
Toda linda e poderosa.
— Não acredito nisso! — Ri incrédula. Viviam era fervorosa na discussão
acerca de eu não poder ter uma moto. Um carro seria mais seguro. Revirei os olhos.
— E aí, gostou? — perguntou sorrindo.
— Se eu gostei? — Corri para tocar minha belezinha, mas antes espremi minha
irmã em outro abraço. — Eu amei! Tipo: Ameeei muito!
— Mas você sabe das recomendações né? — perguntou preocupada. — Nada
de correr, nada de beber e pilotar esse troço, só saia de capacete, não invente de
apostar corrida...
— Isso fere a recomendação de não correr! — brinquei, beijando seu rosto.
— Você é louca, e se sofrer algum acidente com esse monstro, eu juro que vou
mandar ela para uma sucata e terei prazer de eu mesma apertar o botão para vê-la
virando um quadrado amassado!
— Sim, senhora. Não vou fazer merda.
— Besteira, Valentina. Besteira! Tire os palavrões do seu vocabulário. Você é
uma dama.
— Viviam, meu amor, a única dama aqui é você. — Dei-lhe outro beijo. —
Você sabe disso. Comigo é “se bater, leva”.
— Ave Maria! Onde foi que nós erramos com você, Valentina? — questionou.
— Você é um garoto...
— Eu realmente acho que nasci com o sexo errado! Mas já que Deus me deu
peitos e não bolas, eu irei aceitar que tenho a surpresa a meu favor...
— O homem que te domar será um santo e eu vou colocar o nome dele para ser
canonizado, porque Valentina, só sendo muito duro para te conquistar.
Gargalhei alto.
— Fazer o quê? — Dei de ombros, pegando o capacete. Ansiedade rolava pela
minha barriga. — Eles não aguentam o tranco. Eu só não vou fingir para agradar a
ninguém... Fingir ser quem não sou para dizer que tenho namorado — Bufei. — Não
mesmo!
— Você nunca tentou. Como pode ter certeza?
— Eu simplesmente tenho! A maioria dos homens quer mulheres delicadas,
suaves, que faça o instinto de proteção deles aflorar — Eu ri subindo em minha moto.
— Comigo não teria essa de “querido, mata a barata!”, comigo é, “deixa essa porra
comigo!”. Simples assim.
Minha irmã revirou os olhos, fazendo cara feia. Estendi minha mão pedindo a
chave da moto.
— Você deveria ir comigo no carro — resmungou, entregando a chave.
— Você sabe que se estiver muito insuportável, eu vou correr dali. Você tem a
diplomacia nas veias e aguenta essas idiotas descerebradas e os pomposos arrogantes.
Se eu quiser correr, eu pego meu garoto e corremos.
— Garoto?
— Minha moto é homem! — brinquei e ela riu.
— Por quê? — questionou, destravando o seu Porsche azul.
— Os homens colocam nomes de mulheres em suas motos; eu coloco nome de
homem na minha. Direitos iguais, oras.
Gargalhando, minha irmã foi para o seu carro.
— Me siga! — Sorri, acenando.
Não seria culpa minha se eu me perdesse no caminho.
Observei Viviam muito tranquilamente guiar o carro pelo pavimento de pedra
que levava aos portões da nossa casa.
Você deve estar se perguntando se eu sou rica... Sim, eu sou. Mas não é como se
eu vivesse de mimos. Eu trabalho. Todos em minha casa trabalham. Nossos empregados
são nossos amigos, e meus amigos são os mesmos da escola.
Nesse lado da cidade eu não tenho amizade. Como eu já disse: não suporto
essas idiotas mimadas sem um pingo de ideias próprias.
Meus amigos são humildes, e esses sim são meus amigos. Eu morreria por cada
um deles, como sei que fariam o mesmo por mim. Não pense que a lista é longa, pois
não é. Eu conto em apenas uma mão os meus irmãos por escolha.
Uma buzina fez-me despertar. Melhorei minha postura em cima da moto, dei um
tapa na viseira do meu capacete e liguei o motor.
— É disso que eu 'Tô falando, porra! — gritei, acelerando feliz da vida,
ouvindo aquele som tão perfeito.
Quando João ver essa beleza, vai surtar!, pensei, guiando a moto para a saída.
João é um dos meus cinco melhores amigos. Ele é apaixonado pela Carla, uma das
meninas do nosso grupo. Eles namoravam desde sempre e acho que eles vão acabar se
casando, porque grude daquele jeito eu nunca vi.
Enquanto seguia minha irmã, eu pensei que talvez devesse ver meus amigos.
Hoje era meu aniversário! Por que eu tinha que passar com um bando de retardado sem
boa conversa?
Sorri de lado, permitindo que o carro da minha irmã se perdesse no meio do
trânsito; logo fiz uma curva e acelerei rumo ao centro. Sabia que eles estariam reunidos
na lanchonete do Japa.
E de fato eu estava certa. Assim que cheguei lá, meus amigos fizeram a festa.
Brinquei com eles, recebi seus abraços, e me senti muito confortável ali. Nós éramos
uma equipe. Um cobria as costas do outro. Se um caía, várias mãos estendiam-se para
ajudar a levantar.
— Val? — Ouvi a voz tímida da Alice me chamar. Ela era a tímida, a mascote.
Tínhamos a mesma idade e o mesmo sonho: Ter a nossa própria doceria.
— O que foi, minha amiga? — perguntei, e ela me puxou para um lugar mais
afastado.
— Eu comprei um presente para você, e... — Engoliu em seco e eu vi o exato
momento em que suas bochechas ficaram rosadas. — Eu só queria... — pausou. — É
simples, sabe? Mas é de coração.
Sorri, abraçando-a.
— Obrigada — agradeci quando ela me entregou um pequeno saquinho. Abri e
dentro encontrei duas pulseiras. Eram iguais, porém uma tinha um pingente do infinito, a
outra, um chapéu de confeiteiro, além das letras BFF.
Na hora eu soube que essa pulseira era para ser usado pela minha melhor amiga.
E ela estava diante de mim.
— Essa é sua. — Entreguei uma pulseira a ela. — Você é minha melhor amiga...
Sempre será.
Nos abraçamos novamente e ela acabou chorando. Alice era uma manteiga
derretida.
— Eu não pensei que... Mas eu...
— Alice Schanuel! — Nem deixei que terminasse de falar. Uma coisa que eu
lutava desde que a conheci, quatro anos atrás, era com essa síndrome de inferioridade
que parecia habitar dentro da minha amiga.
Já quebrei a cara de muita patricinha da escola por causa dela. E ainda
quebrarei umas quantas, se ousarem machucar meu pintinho. Sou protetora com Alice, e
meus pais a amam.
— Você é minha melhor amiga. Você e eu somos telepáticas, garota. Não fique
pensando besteira! Conta bancária não vai mudar nada, e você sabe que minha família é
pé no chão. Eu trabalho feito um burro de carga para ganhar meu dinheiro. Nossa
doceria vai sair, mas com o uso do nosso trabalho, nada dado, e você também sabe que
meu pai nunca iria dar as coisas de mão beijada.
Eu tinha que viver na mesma ladainha. Alice foi muito ferida por ser de origem
pobre, imigrante e órfã.
Ela chegou aqui nos Estados Unidos com a avó, que também já faleceu.
Resumindo: Alice não tinha ninguém. Digo, ela tinha a mim. E sempre teria.
— Val, eu nunca vou poder agradecer o que sua família...
— Ei, pode parar a palhaçada! — Cruzei os braços. — Chega de abaixar a
cabeça, Ally, já chega. Ninguém ouviu? Ninguém é melhor que você! E se aparecer
algum idiota louco o bastante para achar isso — Fiz cara feia e logo ergui minhas mãos
mostrando minhas unhas. —, eu vou ter o prazer de apresentar a essas mocinhas aqui.
Quase caí quando ela se jogou em meus braços, apesar de sermos do mesmo
tamanho, neste momento eu estava quinze centímetros mais alta por causa dos saltos.
— Eu te amo, sua boba. — Acariciei seus cabelos. — E condição social não
tem uma merda nessa história. Você é bilionária, pois tem o coração bom, puro e
humilde. Eu conheço muita gente que tem milhões na conta, mas não vale a merda que
caga.
Ela ofegou horrorizada e eu ri.
— Ainda não está acostumada com meu linguajar?
Ela negou e eu revirei os olhos.
— Você e minha irmã se completam. — Rimos e logo voltamos para o grupo.
Umas três horas depois eu resolvi que deveria ir para a festa do ator boçal.
— Galera, vou nessa! — Peguei minha jaqueta de couro preta vestindo-a em
seguida.
Antes de sair, abracei todos os meus amigos. Minha vontade era de ficar com
eles e pronto. Mas tinha que ir; já estava a mais de horas atrasada.
Subi em minha moto, ligando o motor.
— Val! Val! — Olhei para cima e vi Alice vindo em minha direção com o rosto
pegando fogo.
— O que foi?
Ela ficou ao meu lado. Notei que tremia levemente.
— O que foi? Alguém disse algo que te chateou? Outra coisa: Você vai voltar
para casa como? João vai te levar? — perguntei, querendo me chutar por não ter
resolvido isso antes.
— Eu vou de ônibus e...
— Uma ova que vai! — grunhi puxando minha carteira. — Você mora longe,
não vai coisa nenhuma. — Conferi meu relógio. — Já é quase uma da manhã!
Puxei minha carteira tirando cem dólares.
— Você vai de táxi! — Ela protestou, eu sabia que iria negar. Era um inferno
dar alguma coisa a essa cabeça dura. — Ótimo! Você não aceita, e quem sabe meus
pais descobrem que você anda por aí se arriscando? Sabemos como é perigoso para
uma moça.
Ela pegou o dinheiro da minha mão, e me olhou com a cara feia. Seus olhos
queimavam de desgosto.
— Ally. — Estendi minha mão tocando seu coração. — Mi casa, su casa. Mi
dinheiro su dinheiro. Mi coração, su coração — Alice sorriu, respirando mais aliviada.
— Agora me conta o que você precisa. Por que me chamou?
Mais uma vez o vermelho banha sua face, fazendo-me rir alto.
— Já sei... Já sei! — Balancei a cabeça. — Você quer um autografo daquele
paspalho, não é?
— Não diga isso, por favor. Eu gosto dos filmes, do rosto dele. Alecsander é
tão lindo, eu sou apenas uma fã. — Ela pegou a barra do suéter e torceu nervosa. —
Você consegue para mim, um autógrafo?
— Claro que sim! Nem que eu tenha que forçá-lo a isso. — Ela riu nervosa e
assentiu, sabendo que eu iria trazer esse autógrafo de um jeito ou de outro.
— Pode ser em um guardanapo mesmo — deu a ideia. — Eu não sabia se você
viria e... não trouxe nenhuma foto dele.
— Relaxa, eu trago o seu autógrafo. Pelo menos essa bosta de festa que ele deu
vai servir para algo!
Alice me deu um beijo na bochecha e eu parti logo em seguida. Cheguei na casa
do famoso ator Alecsander Cortês, exatamente à uma e vinte e cinco da madrugada.
Minha irmã estaria pronta para arrancar meu couro, mas eu saberia como
contornar a situação. Aliás ela nem me ligou, então não deveria estar com tanto ódio da
minha cara.
Na portaria do gigantesco condomínio de mansões onde o ator morava, eu tive
que parar. Lá me identifiquei, mostrei minha identidade, tendo em seguida minha
entrada liberada.
Não foi surpresa nenhuma ver que sua casa era umas das maiores. O terreno era
gigantesco, mais de cinco mil metros quadrados de terreno, isso por alto, pela cara
parecia ter mais. Aliás, estava escuro.
Estacionei a moto ao lado de outra moto linda, essa era vermelha e tão grande
quanto a minha. Deixei minha moto travada com o capacete no lugar. Como já estava
dentro da propriedade de Alecsander Cortês, ela estaria protegida.
Caminhei até a porta, já ouvindo o barulho da música alta. Mais uma vez me
identifiquei, e esperei para ver se meu nome estava na lista.
Revirei os olhos, dando uma bagunçada no meu cabelo.
Aqui estava mais protegido que a casa branca. De qualquer forma tinha que dar
o braço a torcer. O cara estava no auge da carreira, fazendo filme adoidado, campanha
publicitária e a porra toda. Então entendia todo esse cuidado.
Minha entrada foi autorizada e eu me dirigi para dentro da casa. Bom, ela era
linda de fato, mas era notavelmente ultrapassada. As cores dos móveis e os arcos do
hall de entrada eram bonitos, mas não havia harmonia. Parecia nada mais que um
museu.
— Senhorita MacKerrick, a festa é na área da piscina.
Fui guiada para lá e a primeira coisa que vi foi Blake Walker sentado em um
sofá, com uma mulher em cada lado.
Mas olhem se não é o notório playboy arrasador de corações!? Sacudi os
ombros. Ele se achava a última coca cola do deserto, um presente de Deus para as
mulheres.
Notei que as pessoas olhavam para mim, claro que com minhas roupas não seria
diferente; aqui parecia um atelier de alta costura; tinha mais vestido que em uma loja de
noivas.
Naquele exato momento, a atenção de Blake se voltou para mim. E eu o encarei
de volta. Ele lambeu os lábios e eu dei de ombros.
— Escroto! — murmurei, olhando ao redor. Assim que avistei minha irmã fui
até ela. — Perdoe-me o atraso, eu me distraí pelo caminho.
Se olhar matasse, eu estaria morrendo agora mesmo. Minha irmã estava com
cara de quem chupou um limão. Já eu, fiz a minha melhor cara de “o que foi que eu
fiz?!”.
— Qual o nome dessa beleza, Viviam? — o homem que conversava com minha
irmã perguntou.
Ele era ninguém menos ninguém mais do que o tal Alecsander, o ator que minha
amiga gostava.
Ótimo!
— Meu nome é Valentina, sou irmã de Viviam e quero um autógrafo — despejei
rápido, fazendo-o rir.
Minha irmã ofegou morta de vergonha, e eu nem aí, porque não havia cometido
nenhum crime grave.
— Claro. — Ainda sorrindo, ele pegou minha mão e a beijou. — Encantando
com a sua perspicácia, querida.
— Valentina! Este é o meu nome! — Bufei com essa intimidade que não dei a
ele.
— Claro. Perdoe-me! — Ele ainda sorria. — Vou conseguir uma ótima foto,
aguarde um minuto. — Ele ergueu a mão para alguém. Olhei para minha irmã vendo que
ela comprimia os lábios. Eu sabia que estava ferrada!
Pouco tempo depois, um tipo de pôster foi trazido. Era uma bonita foto de
perfil. Alice iria amar!
— Como você quer que assine? —perguntou, todo charmoso.
Aff.
— Coloque assim... — Pigarreei — Com todo o amor que existe em meu
coração, dedico esta foto à Alice. Um beijo, sua linda!
Mais uma vez ele riu e falou que achou que era para mim a foto.
— Não, é para a minha melhor amiga. Ela é sua fã.
Minha irmã gemeu, balançando a cabeça. Olhei para ela, perguntando o que eu
havia feito sem nem ao menos precisar falar.
— Controle sua boca! — Li seus lábios e foi minha vez de revirar os olhos.
— Prontinho. — Ele me entregou a foto e fiquei feliz pois ele acrescentou a
frase: Um beijo na boca. Do seu Alec.
— Obrigada. — Eu sabia que minha amiga iria, no mínimo, endeusar a foto. Ou
então, nem acreditaria.
Pensando nisso, eu pedi para ele segurar o pôster e tirei uma foto, enviando
para o WhatsApp dela. Instantes depois o emoticon morto apareceu lá. Ri guardando o
celular.
— Realmente obrigada — agradeci novamente e ele conversou com a gente um
pouco mais antes de se afastar.
— Pelo amor de Deus! Cada vez que você abria a boca, meu coração acelerava!
— Minha irmã suspirou. — Valentina do céu, você tem uma boca muito direta. Morri
de medo de você acabar com o acordo para reforma da casa.
— O que você acha que eu sou, criatura? — reclamei. — E sim, apesar de
linda, esta casa fede a coisa velha.
— É vintage! — gritou, mas logo abaixou a voz, apertando o nariz — É
vintage, e não “coisa velha”.
— Tudo bem, eu vou passar o zíper na boca e só acenar tudo bem? — murmurei
e ela concordou.
— Cola do meu lado, Valentina. Pelo amor de Deus, cola do me lado!
Foi o que eu fiz, e as próximas duas horas foram, no mínimo, torturantes. A
única parte boa foi ouvir minha irmã falando sobre as reformas realizadas pela nossa
equipe. Graças a Deus ninguém perguntou quem eu era, apesar de alguns me encararem
com olhos crescidos, e algumas mulheres me olharem com ódio.
Olha a minha cara de quem dá uma merda para alguém aqui! Eu não estava
nem aí!
Boa parte das pessoas ali ficavam feito idiotas sem saber a quem bajular: Ao
dono da festa ou a seu convidado, o Piloto da Nascar, também conhecido Blake Walker
– o grande bastardo libertino.
— Vamos nos sentar ali — minha irmã chamou e eu fui. Muda, surda e cega.
Agora ficamos perto do sofá que Blake e Alecsander estavam. Tinha mulher se
equilibrando até no encosto do sofá. As posições em que estavam parecia
desconfortáveis, mas a cara de boneca congelada no sorriso que algumas delas
mantinham, dava-me vontade de rir.
Queria mesmo que uma barata voadora, ou melhor, várias baratas voadoras
aparecessem. Certamente seria o melhor da festa.
— Viviam, vou embora — murmurei no ouvido da minha irmã.
Eu não estava gostando do olhar fixo que aquele tarado do Blake dirigia a mim.
— Quem é você, belezinha? — ele perguntou alto, fazendo todos se calarem.
Estreitei meus olhos e olhei ao redor.
Não acredito que ele disse isso!
— Por favor, por favor, fique calada! — minha irmã implorou, sussurrando no
meu ouvido, e como eu havia prometido, eu iria cumprir.
— Eu sou uma estudante de intercâmbio. Estou aqui apenas porque tive sorte.
Meu nome é Miranda, prazer. — Sorri e olhei para minha irmã. Apesar de levemente
pálida, ela agora sorria aliviada.
— Você é linda — Blake continuou.
— É, eu pareço com a minha avó. Ela era uma modelo Alemã.
Mentira grave. Mas não estava nem aí. Ninguém sabia quem eu era, a não ser
Alecsander. E por falar nele, a besta ria feito uma hiena.
— Você gosta de velocidade? —insistiu.
— Não mesmo, eu prefiro a calma das tartarugas. Elas vivem mais, sabia?! Pois
é.
Minha irmã engasgou, Alecsander explodiu em uma gargalhada estrondosa, e eu
mentindo na maior cara de pau.
— Eu gosto de velocidade, Blake querido! — a loira pendurada em seu braço
direito falou. — Eu amo velocidade!
Ele não deu bola; parecia nem escutar o que ela dizia, coitada.
— Do que você gosta? — perguntou, soltando-se das mulheres e inclinando-se
para frente.
— Eu gosto de fazer nada. Sou sedentária. Só estudo porque é o jeito. Sou muito
feliz sendo sustentada pelo meu pai, que é um empresário alemão do ramo das vacas,
digo, carne de vaca.
Minha irmã riu. Alecsander parecia que ia morrer de rir, e Blake estava ainda
mais curioso. Já as mulheres, estavam soltando fumaça.
— Qual a marca?
— Uma vez vaca, sempre vaca. — Arqueei uma sobrancelha, e desta vez
Alecsander riu tão alto, que pessoas vieram para ver o que acontecia. Ele limpava
lágrimas e eu não vi a menor graça.
Esse povo estava tudo bêbado! Era notável. O próprio Blake estava com os
olhos meio mortos e falando embolado.
— Não é possível que alguém coloque um nome desses em uma empresa.
— Qual o problema? — Cruzei os braços e minha irmã parou de rir. Agora ela
me olhava com receio — Existem normas específicas para se escolher o nome de uma
empresa?
Todos esperaram pela resposta de Blake, inclusive eu. Mesmo estando bêbado,
ele deveria ter uma resposta.
— Não, de fato. Se o nome chama atenção, pode ser até bom — murmurou. —
Você mora aqui?
— Não, eu moro na Alemanha e estou voltando para lá... — Olhei o relógio. —
Daqui a doze horas.
Mais uma vez ele lambeu os lábios e parecia ansioso enquanto me encarava
fixamente. Eu acho que as vacas com ele devem ter pensado que eu era um perigo,
porque uma delas se levantou, fingiu tropeçar e derramou vinho em cima da minha
blusa. Minha irmã gritou baixinho, horrorizada.
Ela sabia que a coisa poderia ficar feia.
Levantei já respirando fundo, fechando minhas mãos em punhos, pronta para
quebrar o nariz dessa imbecil.
— Filha da puta! — grunhi baixo, dando um passo, ficando cara a cara com a
mulher.
Ninguém nem ousava respirar.
— Por favor, não faça nada... — Ouvi o murmúrio em gaélico da minha irmã.
Essa era a língua materna do nosso pai.
Com ódio, eu fui mais para perto da garota que me molhou. Ela agora me
encarava com medo. Eu queria apavorá-la um pouco mais.
— Sorte sua. — Ergui minha mão na cara dela, rosnando baixo e fazendo garra
com minhas unhas longas e pontudas. — Ou isso aqui ia tudo na sua cara, sua puta!
Virei, dando as costas a eles e saí. Quando cheguei na porta, eu parei e olhei
para onde estavam todos. Blake já estava de pé, o que me fez estreitar os olhos.
— Por isso odeio essa gente!
Virei às costas, já quase na saída quando uma mão me puxou.
— Por favor, não saia da minha casa assim. Estou envergonhado que tenha
recebido esse tratamento aqui. — Alecsander olhava para mim com o rosto duro de
raiva.
— Tranquilo. Você não precisou chamar uma ambulância, então digamos que
está tudo bem. Agora eu preciso ir.
— Eu insisto que vá pelo menos a um dos quartos para se limpar um pouco.
— Não, obrigada. Ainda estou muito próxima daquela puta. Ela ainda está sob
perigo de ter a cara rasgada em tiras.
— Eu posso te arranjar uma camisa, DVDs, fotos em tamanho real... Tudo
autografado para sua amiga. — Ofereceu. — Eu nunca me senti tão envergonhado em
minha própria casa.
Foda-se esse chantagista!
— Eu aceito, mas quero tudo isso amanhã na empresa do meu pai. E outra! —
Pensei em algo e não dei nem tempo de raciocinar direito. — Se alguém vier perguntar
sobre mim, segure a versão mentirosa que contei. Não quero ninguém na minha cola,
por favor.
— Fechado! — Apertamos as mãos e ele chamou uma mulher. — Lucia, leve-a
para um dos quartos e consiga uma blusa para ela se trocar. Sinta-se em casa e
obrigado.
Ele voltou para a festa e eu fui guiada para o primeiro andar. Notei que o piso
rangia, e algumas tábuas do assoalho estavam desniveladas.
— Esta casa foi comprada há uma semana. Limpamos para a festa de boas
vindas do Sr. Cortês, mas sinceramente não vejo a hora da reforma começar, só ontem a
energia caiu umas seis vezes. — Concordei. O primeiro andar estava muito pior que o
térreo. — Eu vou conseguir uma camisa para você.
Entrei no quarto. Ele tinha um cheiro de que passou muito tempo fechado,
apesar de estar limpo. Fui para o banheiro que Lucia indicou e fui logo arrancando a
blusa. Fiquei de soutien.
Eu estava com muita raiva. Desde que me entendo por gente, eu nunca deixei
uma merda como essa passar.
Segurei na bancada da pia, tremendo.
Ouvi a porta abrindo, julguei ser Lucia e por isso não dei a mínima. Continuei
de cabeça baixa; minhas correntes penduradas à minha frente.
— Ainda mais deliciosa do que eu poderia pensar! — Escutei uma voz rouca
atrás de mim.
Ergui minha cabeça e olhei o espelho. Blake estava encostado no batente da
porta, de braços cruzados, encarando-me com fome.
Muita fome.
Capítulo 2

Valentina
Sabe qual é o grande problema dos homens? A arrogância e o alter ego! Seja
rico ou pobre: eles se acham melhores que nós, com direito a melhores salários,
melhores carros, melhores tudo. Uma mulher pode até ser mais fraca fisicamente que
um homem, mas nós somos mais inteligentes, astuciosas. E é aí que eles se ferram, e
sabe por quê? Porque nós somos subestimadas demais e acabamos por surpreendê-los.
— Miranda, você é deliciosa! — Blake murmurou, lambendo os lábios. O que
me fez sorrir lentamente.
Homens se aproveitam das mulheres indefesas quando elas estão bêbadas. São
presas fáceis. Agora me pergunto porque não uma mulher se aproveitar de um idiota
bêbado? Digo, Blake é um fanfarrão, disso todo mundo sabe, mas ele é um fanfarrão
musculoso e gostoso. Com uma boca muito beijável.
— Não vai dizer nada? — perguntou quando eu não respondi a sua cantada
barata. Dei-lhe uma boa olhada, voltando a recostar minhas mãos na pia.
— Se manda! — falei indiferente.
Chore querido! Não sou uma bajuladora sua!
—Você tem tatuagem! — exclamou alto. Dava para ouvir a excitação em sua
voz. Olhei de lado.
Ele me encarava com olhos brilhantes, as mãos abrindo e fechando
freneticamente como se quisesse agarrar algo. Sua respiração estava levemente
acelerada. Coitado.
— Não. Isso é uma miragem. — Revirei os olhos, impaciente.
Essa tatuagem me rendeu quase um mês de castigo, mas no fim, o que estava
feito, feito estava. Meu pai berrou por horas, minha mãe chorou e minha irmã quase
desmaiou. Gritaram que eu era uma filha ingrata. Eu só escutava calada, divagando se
fazia outra ou não. Eu tinha 16 anos, na época. Minha tatuagem não era nada demais, eu
tinha uma inscrição em linha reta, feita em mandarim desde minha nuca até a base da
coluna. Uma inscrição perfeita na minha opinião
"A força do ser humano vem de sua habilidade em controlar seu próprio
medo"
— Deixa-me te tocar? — grasnou, dando um passo em minha direção. — Eu
preciso te tocar.
Sacudi meus cabelos curtos, permitindo que eles caíssem em meus olhos. Sabia
que provocava, mas eu não estava me importando muito; qualquer coisa, eu poderia
fazer uma omelete, afinal tinha dois ovos por perto.
— Sinto muito, querido. — Sorri maliciosa. — Olhe, mas não toque. — Ele
gemeu desgostoso, esfregando o rosto.
Deu outro passo e cambaleou um pouco, no processo.
— Se você cair e vomitar na própria cara, vou tirar uma foto e postar no Google
—debochei. — Você não perdeu nada aqui. Se manda!
— Eu preciso te tocar! — Esfregou as mãos nas coxas, que eram, sem dúvida,
bem poderosas, a julgar pelo jeans ajustado e bem recheado entre as pernas.
— Não estou me importando uma merda para o que você precisa. Te vira, agora
vá atrás das suas bonecas.
Vamos ver se ele aguenta. Por muito menos eu tive rapazes saindo de perto de
mim praticamente correndo!
Liguei a torneira ignorando-o completamente. Homens como Blake,
acostumados a terem todos a seus pés, detestavam que alguém não beijasse o chão que
eles pisavam. Silenciosamente, peguei um punhado de água e molhei minha nuca. Senti
a água escorrendo pela minha coluna e ouvi algo entre gemido e grunhido vindo do
grande homem parado a poucos metros de distância.
— Porra!
— Ainda aí? — perguntei, virando-me novamente. Blake me olhava como se
fosse me comer.
Confesso que tremi um pouco, mas não demonstrei. Não seria agora que eu iria
cair no conto do vigário.
— Não vou sair daqui sem te tocar, ou provar — rosnou, respirando ainda mais
acelerado.
Então eu me estiquei, sentindo um medo básico me atingir. Mas antes de
qualquer coisa, ou morre ele, ou morro eu, porque não havia chance de eu me encolher
e chorar, comigo ele iria encontrar uma boa briga. Se Blake estivesse pensando em
fazer maldade, amanhã a essa hora ele estará se recuperando de uma cirurgia
reparadora, entre as pernas, é claro! Sendo assim, voltei ao pensamento original de
provocar esse grande bêbado gostoso, levando em conta que as suas intenções fossem
apenas prazerosas.
— Um beijo, apenas. — Caminhei até ele. Iria ver agora, se ele fazia parte dos
mocinhos ou dos vilões. Quando Blake ergueu a mão para me tocar eu o empurrei com
força contra a porta.
— Agressiva? — Gemeu, e eu já estava mordendo seu lábio inferior, meus
saltos ajudando no problema de altura. O homem era como um prédio de vinte andares.
— Foda-se! — rosnou quando mordi com mais força. Ele começou a se esfregar em
mim enquanto eu engolia o choque. Blake parecia grande demais. Não vou mentir e
dizer que não sabia como era a anatomia masculina, eu sabia. Assistia a alguns pornôs
de vez em quando e sabia onde cada coisa se encaixava.
— Aproveite o beijo, Blake, é só o que terá. — Puxei sua camisa, permitindo
que ele afastasse apenas a cabeça. Em seguida, desci um pouco para poder prender seus
braços. — Não tente se soltar, caso contrário nem o beijo você terá.
— Mulher, acho que estou apaixonado — ronronou e eu o beijei.
Tomei sua boca com força, e ele me engoliu. Eu sabia que permitia que eu o
prendesse, pois forte do jeito que era, ele se soltaria com facilidade se assim quisesse.
Continuei o beijo, chupando seus lábios, sua língua ouvindo-o gemer dengoso, cheio de
necessidade.
— Gosta assim? — Dei-lhe uma lambida e ele sorriu de olhos fechados. Acabei
de aumentar para dois beijos.
— Você é além do que pensei — gemeu, inclinando a cabeça para aprofundar o
beijo. Blake chupou minha língua com intensidade de um animal faminto; era quase
selvagem a forma como nos beijávamos. Eu não estava atrás, mas ele? Ele parecia
sedento! — Vamos, dê-me mais — exigiu e eu o encarei.
Olhos azuis contra olhos verdes. Três beijos... E eu dei a ele mais. Engoli seus
gemidos, esfreguei-me de volta em sua dureza. Senti-me pulsar, latejar. Mas desejo eu
já conhecia, eu me tocava, me explorava. Não tinha vergonha, mas agora estava
vivendo um intenso fogo consumidor. Pela primeira vez tinha alguém que não parecia
prestes a desistir, que não iria recuar por eu ser agressiva – ou fingir que era. No
mundo, às vezes você precisa de uma capa protetora.
Pensar nisso me fez beijá-lo com mais força, nossas línguas duelavam, se
buscavam, e eu já estava toda arrepiada, molhada. Mas ainda assim, havia uma linha
que hoje não seria ultrapassada.
— Que tesão do caralho! — Gemeu, apertando-me com força.
Descolei nossas bocas para respirar, e de maneira brusca, Blake se libertou da
prisão que fiz com sua própria camisa. Revidei sua afronta, cravando minhas unhas em
seu ombro, arranhando-o até quase o umbigo. Deixando nele minha marca. Grunhindo,
ele se afastou alguns centímetros, olhou para si mesmo e quando viu as quatro linhas
vermelhas, voltou a me encarar. Safadeza e perversidade brilhavam em seus olhos.
Ele arrancou a camisa, fazendo engolir um suspiro. O bastardo era perfeito! E
nesse momento ele me agarrou forte.
— Sangrentamente apaixonado, porra!
E agora eu estava sendo apertada e beijada até minha próxima vida. Quatro
beijos! Suspirei, ele me fez ultrapassar o limite.
— Deliciosa, gostosa... — Arranhava meu pescoço, lambendo onde podia.
Deus, aquele homem era um beijador profissional! Explorava todos os cantos da
minha boca, mordiscava ou apenas brincava, fazendo-me revirar os olhos e enrolar os
dedos dos pés. Blake saqueava como um animal faminto, em seus lábios um inebriante
gosto de uísque.
— Você precisa deixar o cabelo crescer — ronronou, lambendo minha orelha.
Arrepiei-me toda. — Assim poderei enrolar em meu punho enquanto quebramos
algumas camas pelo mundo. — Eu ri de sua ousadia, encarando-o.
— Não haverá outras vezes. — Pisquei um olho e ele negou freneticamente.
— Não faça isso. Eu necessito tê-la em minha vida, toda essa agressividade...
— Um pesado suspirou lhe escapou. — Eu te quis assim que te vi.
Sorri tentando me soltar, lutando para não demonstrar o quando aquelas
palavras me afetaram.
— Sinto muito, mas eu tenho que ir embora... — Não terminei de falar, pois ele
me puxou para outro beijo, e eu cedi porque queria.
Nem liguei para quantos tinham sido, a cota já fora extrapolada e eu nunca mais
o veria, então iria aproveitar. Pelo que vi até o presente momento, ele fazia parte dos
mocinhos: era grande, forte e, mesmo cheirando a uísque, o cheiro de homem ainda
estava impregnado nele. Ou seja, Blake Walker era um bastardo tentador.
Nos beijamos por mais algum tempo, entre esfregadas, mãos bobas e promessas
de muito prazer.
— Se fugir, eu vou atrás de você no quinto dos infernos! — falou muito sério,
encarando-me. Respirávamos com sofreguidão, meus seios cobertos pelo soutien
esmagados pelo peito musculoso e nu dele.
— Pode ir, será interessante. — Eu ri baixinho. Ele nunca iria me achar
mesmo.
— Eu vou.
— Quero ver você tentar. — Pisquei um olho e ele riu, ficando ainda mais
lindo.
Que ódio dele!
— Você não faz ideia, não é? — murmurou, colocando uma mão na parede ao
lado da minha cabeça. — Eu vou atrás de você, ma petit. Pode ter certeza.
Claro, até conseguir o que quer.
Ouvi o barulho de alguém batendo na porta do quarto. O momento foi quebrado,
e eu o empurrei.
— Acabou o intervalo. Hora de ir. — Eu me virei para sair, mas ele me puxou,
colando-se em minhas costas.
— Vamos juntos. — Mordiscou meu ouvido. — Seguimos juntos, ma petit. Sou
seu seguidor.
Ri, caminhando até a porta. Lucia estava ali com o rosto pegando fogo,
segurando uma camisa e uma garrafa de champanhe com duas taças.
— Obrigado. — Blake pegou as coisas e fechou a porta.
Enquanto preparava a bebida, caminhei até a janela, pensando em uma forma de
sair daqui. Era para ser um beijo e nada mais. Agora as coisas estão saindo do
controle, o mocinho da história está sendo fofo, e eu não quero deixá-lo sem poder ter
filhos.
— Planejou tudo, não foi? — perguntei e ele sorriu.
Idiota! Pensa que vamos dormir juntos. A sorte de Blake é que eu sou do tipo
que ouve: “‘Valentina, não olhe!’ , eu vou e olho; ‘Valentina, não toque!’ , eu toco;
‘Valentina, não faça isso!’, eu terei prazer em fazer”.
— Claro! Nossa noite será perfeita! — Sua voz soou extasiada.
Notei que ele cambaleava um pouco. Provavelmente se algo acontecesse, ele
nem se lembraria amanhã, quando acordasse.
Certo, eu o beijei e daí? Eu troquei uns amassos, e daí de novo? Eu nunca saí
por aí fazendo isso, e com ele me deu vontade. Ponto final. Graças a Deus, até agora
Blake estava controlado, caso contrário as coisas estariam muito feias. Quem iria me
ouvir pedindo ajuda? Quem viria me ajudar? Minha irmã acha que fui embora... E
Blake... Olhem para ele. O cara é um monstro! Não quero entrar na lista de mulheres
traumatizadas. Entretanto ele não me pareceu nenhum violador, se bem que quem vê
cara, não vê coração. As pessoas sabem fingir muito bem.
— E se quando eu quiser sair ele ficar violento? — perguntei tão baixo que sei
que era impossível dele escutar.
A verdade, era que eu estava começando a ficar nervosa. Esfreguei minha nuca,
agitando meu cabelo. Bagunçando-o.
— Venha, ma petit. Senta aqui no meu colo. — Ele se largou em uma cadeira e
me chamou com um dedo.
Já me arrumou um apelido! Não sei se classifico isso como fofo ou detestável.
Respirando fundo, resolvi me unir à bipolaridade que hoje resolveu me agarrar,
decidindo por aproveitar mais um pouco do bêbado gostoso. Depois eu correria.
Caminhei devagar até o lugar onde ele havia jogado a blusa que Lucia trouxe. Vesti e
percebi que havia ficado folgada, mas quem se importa? Eu não estava aí para
impressionar alguém.
— Não gostei — reclamou fazendo uma careta de desagrado.
Eu gostei, e uns beijos não significam que você manda em mim ou que eu vou
dar para você. Aliás, eu não vou dar nada. O que é meu é meu, e vai continuar
comigo!
Sorri para os meus pensamentos, totalmente contrários ao que ele pensava.
Agora mesmo eu poderia sair e pronto, ele estava sentado e a porta ao meu alcance.
Entretanto não é todo dia que se tem um homem desse porte ao alcance, desconte as
idiotices, e eu tenho um belo android sexual. Resolvi aproveitar. No pior dos casos,
como falei, era só fechar a fábrica de bebês dele e pronto. Depois iria embora e isso
nunca aconteceu.
— Senta aqui, ma petit — chamou novamente, batendo na perna.
Parei em sua frente e neguei com um dedo. Preferi colocar uma perna de cada
lado e sentar de frente. Dando uma ajeitadinha inteligente e pronto, Blake estava quase
revirando os olhos. O coração da mulher fica do lado esquerdo do peito e o do homem
entre as pernas. Por isso é quase fácil colocá-los para baixo.
— Você é pervertida! — ronronou e eu concordei.
— Eu não tenho frescura. Se quero uma coisa eu não arrumo desculpas para não
ter, eu simplesmente vou lá e pego. E eu quero mais alguns beijos agora. — Ele riu
engasgado.
— Onde você estava todo esse tempo? — perguntou, enfiando a mãos em minha
nuca.
— Eu estive crescendo, agora cale a boca, eu não quero saber da sua vida.
Mais uma vez o beijei. Na verdade, eu acho que o devorei. Blake estava
permitindo que eu comandasse. Gostei disso. Apesar de não saber se eu era uma
Dominatrix, eu estava gostando de tê-lo sob controle. Beijei-o com gosto, nunca tive
um homem como esse; eram sempre os garotos da escola, todos muito preocupados com
o crescimento dos músculos e do amiguinho entre as pernas.
— Você é gostoso, Blake — sussurrei, agora era a vez de agir como um homem
— Mas não é para mim. Foi bom, querido. Foi realmente bom, mas agora preciso ir.
Saltei de cima dele, e nem consegui chegar até a porta. Antes de ser puxada de
novo.
— Por quê? O que eu fiz? — perguntou ansioso. Tadinho, estava balançando.
Quase ri de sua carinha de cachorro abandonado. Mas não sou tão malvada assim.
— Você não fez nada. O problema aqui sou eu.
— Você?
— Bom, eu estou em uma vibe diferente sabe. — Dei um passo para perto dele
e me ergui um pouco para poder mordiscar seu lábio. — Estou em meu ano sabático,
experimentando coisas novas. Agora quero ver como duas mulheres juntas podem criar
fogo.
— Não diga isso! — Arregalou os olhos, horrorizado — Se você quer ter uma
experiência nova, eu arrumo outra mulher, mesmo achando que... Porra, Miranda! Você
não é...?
Quase ri dele me chamando pelo nome da minha mãe. Certo, eu falei que me
chamava Miranda, culpa minha, e não vou falar a verdade. Assenti para o que ele
achava que sabia.
— Cristo, isso é quase uma...
— Querido, é triste ver um cara gostoso namorando ou casado com outro ainda
mais gostoso, mas acostume-se. O mundo é gay!
— Caralho! — berrou, fazendo uma careta horrenda. — Eu arrumo outra
mulher, você mata sua vontade e depois nós dois... —Blake engoliu em seco, agitado.
Estava aí a minha deixa.
— Oh, isso seria perfeito. — Mordi sua orelha. — Pegue aquela que me
molhou. Quero fazer algumas coisas com ela — sussurrei em sua orelha. — Você terá
um show ao vivo, seu lindo.
O olhar de Blake era tão deslumbrado que eu quase ri da cara dele. Até parece!
Se aquela filha da puta chegasse perto de mim, era capaz de eu fazer iscas de vadia
loira!
— Eu vou. — Correu ao banheiro e voltou vestindo a blusa. — Tem certeza?
Não quero ter que compartilhar você.
— Serão duas mulheres para você comer. Irá ficar de barriga cheia! Agora vá
chamar a garota e só traga ela.
Só preciso que ele saia, e pronto. Caminho livre para mim.
— Você vai me esperar aqui mesmo? — Ele pareceu duvidoso.
— Claro! Estarei na cama, ansiosa.
— Foda-se! — rosnou, passando as duas mãos pelo cabelo. — Não se contenta
apenas comigo?
Neguei e ele bufou.
— Uma vez só, então eu chuto a outra e faremos a festa! Eu vou te mostrar que
posso realizar todas as suas perversões, não imagina o que passa na minha cabeça. Não
faz ideia, ma petit!
— Não faço, mas vou fazer, não é? — perguntei, mordendo o lábio. Tipo atriz,
mesmo.
E agora agradeço a Deus pela maquiagem que Viviam fez, porque sinto meu
rosto queimar.
Pelo amor de Deus! Eu não tinha papas na língua, mas uma coisa era falar, outra
seria fazer. O cara está com um pacote completo entre as pernas, meu alerta acabou de
soar. Fuja!
— Com toda certeza do mundo, se você não reparou: está ruim até de andar!
Tenho uma barraca para você desarmar.
Blake deu as costas para sair, mas naquele momento pareceu pensar melhor.
Com duas pernadas ele voltou e me prendeu em um beijo ardente, tomando o que eu
nem sabia que tinha para dar. Tudo perdeu o foco e antes da minha mente dar curto
circuito, ouvi um grande estalo e a energia acabou.
Suspirei, deixando a máscara de dureza escapar. A escuridão trouxe minha
fragilidade. Nem pude evitar gemer baixinho enquanto era beijada pelo homem que
estava me roubando sem o meu consentimento. Sim, ele estava roubando algo de mim e
eu não estava disposta a dar. Quando me soltou, encostou nossas testas. Ambas as
respirações saíam em ofegos desesperados. Eu tremia, e ele me abraçou. Agora sim, eu
queria correr o mais rápido possível.
— Eu posso ser suficiente para você! Fique comigo, apenas — pediu enquanto
distribuía beijos em meu rosto, mas eu neguei de novo e ele suspirou. — Espere-me. Eu
volto correndo.
— Uhum. — Não confiei em minha voz.
Quando Blake saiu, eu contei até trinta e praticamente corri. Saí da mansão de
Alecsander sem olhar para trás, eu parecia uma mulher sendo perseguida pelo cão
guardião do inferno. E talvez eu estivesse sendo, mesmo.
— Maldito — grunhi. Ele não iria me fazer baixar a guarda!
Nós nunca mais iremos nos ver! Nunca mais.
Com esse pensamento, eu acelerei minha moto o mais rápido que pude.
Capítulo 3

Valentina
Um mês se passou desde aquele momento onde minha sanidade foi chutada para
debaixo do tapete. Tudo bem, não vou chegar aqui e dizer: “Eu me arrependo do que
fiz, foi loucura e blá-blá-blá.”.
Eu gostei. Eu fiquei excitada porque aquele infeliz era gostoso como uma grande
taça de sorvete com calda de chocolate escorrendo. Minha única raiva daquele dia foi
que perdi umas das minhas correntes favoritas. Isso me deixou puta. Não era como se
naquele dia eu fosse voltar para procurar e correr o risco de encontrar Blake.
— Val, porque você está com esse sorriso de doida? — Ally perguntou
enquanto eu soltava uma risada.
— Eu estava pensando nos pegas que dei em Blake, aquele gostoso! — Sorri,
boba. — Aquele ali me faria distribuir umas dentadas naquele corpo perfeito. Ah, Ally,
ele tem uma boca infernalmente deliciosa, é carnuda, sabe? Imagina aquilo nos peitos
da gente? — Gemi, revirando os olhos. — Deve causar umas “coisas” muito boas.
Quase afoguei em outra risada quando Ally, em toda a sua timidez, ofegou por
causa das minhas palavras, então só para envergonhá-la ainda mais, eu entrei nos
detalhes. Desde a primeira vez que contei o que fiz, ela só faltava ter um treco de
constrangimento.
— Pois é, Ally, meu amor! Eu dei uma boa esfregada no equipamento do Sr.
Walker, e além de tudo, ainda recebi uns beijos de verdade, junto com umas apalpadas
que, nossa!, me deixaram pingando! Veja aí. Eu deveria ter deixado ele chupar meus
seios.
— Para, Val. Você é muito sem vergonha! — Ofegou, me matando de rir. —
Mulheres não falam dessas coisas! Meu Deus, que vergonha! — Ela abanou o rosto
freneticamente.
— Eu só sou sincera, nada demais. Não vou pular as melhores partes. E Ally,
imagina se fosse o seu ator te dando uma prensa?
— Va-Valentina! — Engasgou e eu corri para dar-lhe uns tapinhas nas costas.
— Não existe essa possibilidade. Ele nunca iria reparar em mim.
— Deixe disso! Você é uma gata da porra! Sorte dele se você o quisesse nesse
sentido.
— Não. — Pigarreou. — Não acho que... — Ela abaixou a cabeça corando pior
do que antes. — Você acha que eu sou bonita mesmo?
— Alice Schanuel você é linda! Tem carinha de boneca, é delicada, meiga,
inteligente que assusta, e tudo mais! O homem que te conquistar, vai ser tão sortudo!
Ally deu uma risada que parecia muito feliz por minha descrição.
— Mas voltando ao assunto: apesar de toda a minha safadeza, eu tenho o meu
lacre; nem meu dedo eu coloquei para testar, e meus peitos nunca receberam uma boca.
Estou começando a ficar ansiosa para saber como é, entretanto, não quero esses
moleques babões que mal sabem abrir um soutien.
— Meninas, o jantar está na mesa! — minha mãe gritou da escada e nós duas
encerramos a conversa. Corremos empurrando uma a outra
Assim que chegamos na sala de jantar, fomos beijar minha mãe. Adorávamos
fazer carinho nela.
— Isso faz cócegas, meninas — reclamou quando eu e Ally fungamos em seu
pescoço. — Parem!
Ally parou e eu continuei. Minha mãe me deu cotoveladas, enquanto ria de mim.
— Valentina MacKerrick! — Ri baixinho. Chamar-me pelo nome completo
nunca funcionou comigo e nem me dava medo. — Já disse que faz cócegas!
— Não estou sentindo.
Antes dela revidar, eu fui puxada e meu pai me prendeu pelo pescoço enquanto
usava o punho em minha cabeça.
— Cafuné, princesa.
— Isso é um atentado! — gritei, esmurrando meu pai no peito. — Solte-me, seu
brutamontes!
Brincamos e meu pai me soltou, fizemos posição de luta e começamos.
— Dois rounds. — Concordei
Socos, esquiva, chute... trocamos de lado. Agora era a vez dele. Direta,
esquerda, esquiva e chute...
— Vocês não são lutadores de MMA! — minha mãe reclamou, mas
continuamos.
— Aqui, princesa, me deixe testar seu soco. — Sorriu, colocando as duas mãos
atrás da cabeça. — Acerte meu estômago, vamos.
— Contraia o abdome, pai. O senhor está velho, já eu... — Ginguei e esmurrei.
— Estou em forma.
Ele fez careta e eu o esmurrei de novo.
— Meu Deus! Você criou um garoto! — Minha mãe revirou os olhos. — Agora
sentem-se! Veja, minha querida, o que eu tenho que suportar.
Ri alto. Minha mãe adorava a Ally, e era por muito pouco que dona Miranda
ainda não conseguiu trazer sua filha postiça para morar conosco. Eu estava no esquema:
um vacilo e teria minha irmã de coração onde eu pudesse cuidar dela. Ou melhor: onde
minha família pudesse cuidar dela.
— A comida está cheirosa, mãe. — Sentei em meu lugar. — Vou comer até
cair!
Meu pai riu feliz, minha mãe grasnou alguma coisa sobre “minha filha é um
filho”, e Ally brincou dizendo que eu era o irmão mais perfeito que existia.
— Você está batendo mais forte. — Meu pai parecia orgulhoso. — Sabe que se
algum idiota tentar algo, solte o braço e corra!
— Não antes de vê-lo sangrar. – Pisquei um olho e meu pai inclinou-se em cima
da mesa em minha direção, e esticou o punho fechado, no qual eu toquei com o meu.
— Garota, você é cruel! Não vou nem precisar ter conversa de homem para
homem quando trouxer seu namorado para me conhecer — brincou, voltando para o seu
lugar. — Você já irá aterrorizar o bastardo o suficiente.
— Pode deixar, papai. — Sorri enchendo meu prato. — Ele vai ter que pedir
ajuda a Deus... — Todos acharam graça e eu continuei colocando comida em meu prato.
— Por que você come em um prato, Valentina? — minha mãe perguntou
indiferente. — Você deveria comer na panela logo! Minha filha, você parece um
homem.
— Mãe, se eu fosse um homem, comeria mais!
— Como você consegue, Val? — Ally me olhava com os olhos arregalados. —
Olhe o seu prato! — Eu sorri de boca fechada, trabalhando em mastigar.
— Tenho apetite voraz — falei assim que engoli aquele bocado. — E eu gosto
de comer. Eu faço trabalho braçal; é normal comer como um caminhoneiro. Por falar
nisso, pai, a pintura da casa dos Anderson's está finalizada. Vou recolher o material
amanhã.
Meu pai sorriu me olhando. O orgulho era nítido. Eu gostava dessa sensação.
— Esse foi um projeto simples, mas perfeito. Eu amei os resultados. O jardim
de verão ficou esplendoroso, sua irmã mais uma vez acertou e as cores que você
escolheu para harmonizar, Valentina, minha filha, foi estupendo.
— Obrigada, mãe. E por falar em filha magnífica, onde está Viviam?
— Ela está em um encontro com Robert. Eles foram a um jantar romântico.
Grunhi. Foi inevitável. Aquele bastardo era um filho da puta. Ele tinha um olhar
malvado, e eu não queria minha irmã perto dele nem a pau.
— Vou logo avisando: não vou com a cara dele. — Bufei e meu pai me apoiou.
— Também não vou. Ele não me desce — meu pai disse fechando a cara.
— Não é vocês que têm que gostar — minha mãe apontou. — É a Viviam, e ela
até agora...
Naquele momento minha irmã entrou chorando. Notei que ela estava com o
cabelo bem bagunçado e os braços arranhados.
Pulei em pé com brutalidade, tanto que derrubei minha cadeira.
— O que foi? — Corri atrás dela que subiu as escadas apressada, indo direto
para o seu quarto. — O que aconteceu, Viviam? — quase gritei. Eu podia ouvir os
passos atrás de mim. — O que aquele idiota fez? Responde, merda!
Minha irmã só chorou. Ela nem me olhou, mas tremia tanto, tanto, que eu senti
um nó sendo dado em minhas tripas. Fiquei ainda mais nervosa. E paciência não era
meu forte, então eu puxei suas mãos do rosto e berrei na sua cara.
— O que aquele escroto fez? Me fala você ou eu vou perguntar a ele!
— Val, não chegue perto daquele... daquele... — Engasgada e longe de me
contar, ela só ofegou, tossindo enquanto chorava e soluçava. — Ele tentou me... Ele
tentou...
Ela nem precisou falar. O estado dela já mostrava o que tinha acontecido. Eu
enlouqueci.
— Eu não vou perguntar mais! — Levantei. — Vou ali trazer três tiras de couro
das costas dele e pendurar como souvenir! Nenhum filho da puta magoa minha irmã.
— Não, não, ele é malvado, Val, ele... — implorou, segurando minhas mãos. –
Não chegue perto dele, não chegue, por favor.
Olhei para o meu pai que estava vermelho de raiva. Nós éramos tão parecidos!
— Ally, cuida da minha irmã e da minha mãe! — Levantei e nem quis saber.
Eu ia acabar com aquele desgraçado e me machucar. Brigar com homem pode
ser perigoso, mas enquanto minha irmã foi criada indo para aulas de balé aos cuidados
de suas saias fru-fru, eu cresci fazendo Jiu-jítsu, judô e depois boxe com muay-thai.
Recentemente, entrei em aulas de Krav maga. E estava gostando muito.
— Vamos, pai.
Corri no meu quarto e calcei um tênis, peguei meu taco de baseball e a chave da
minha moto. Desci as escadas pulando os degraus. Minha moto estava em frente de
casa, assim não perdia tempo.
— Não sei onde aquele infeliz pode estar, filha — meu pai grunhiu baixo, raiva
distorcendo suas feições.
Acho que eu estava tão louca quanto.
— Eu sei onde ele pode estar. Todos esses engomadinhos filhos da puta vão
para o mesmo lugar. O bar de Rocket é o point desses babacas!
Subi em minha moto e meu pai subiu atrás de mim. Entreguei o taco para ele
segurar, e liguei o motor colocando para rugir. estava prestes a sair, quando minha mãe
surgiu na porta gritando, pedindo para que ficássemos em casa.
— Não vão, por favor. — Ela estava aos prantos, tremendo feito vara verde.
Fiquei com mais ódio daquele cretino. Ele acabou com o equilíbrio da minha
casa.
— Sinclair! — Ela olhou para meu pai e ele olhou para ela. E ali, eles
conversaram.
Apesar de sentir meu pai tremer de raiva, ele desceu da moto. Desistindo de
sair e caçar o infeliz.
Peguei o taco colocando debaixo da minha perna. Não sei como ia fazer, mas eu
ia levar meu amigo e mostrar que o buraco é mais embaixo.
Ninguém mexe com um MacKerrick. Ninguém!
— Desça da moto, filha. — Minha mãe se aproximou. — Tenho algo para te
contar.
Arranquei. Não coloquei capacete, não tive cuidado. Eu fui feito doida, com
sangue nos olhos, atrás de acabar com o imbecil que tentou fazer mal à minha irmã.
Viviam era a criatura mais controlada do mundo e para ela estar naquele estado, o
negócio deve ter sido grave.
— Ah, Robert, seu rabo é meu! — grunhi, acelerando ainda mais.
O bar ficava perto da praia, do outro lado da cidade. Era uma coisa chique de
doer, a ideia renovadora. Minha mãe que fez todo o trabalho arquitetônico e minha irmã
o paisagístico.
Cada quilômetro percorrido, mais raiva ia sendo acumulada em meu sistema.
Minha irmã era uma boneca, delicada, gentil e acreditada. Não sei o que aquele infeliz
fez exatamente, mas iria descobrir e iria cobrar os arranhões que vi nos braços dela.
Iria fazer pior: descontaria na cara dele, para todo mundo ver o escroto que ele era,
Cheguei ao Rocket, e na frente coloquei o motor para rugir. As pessoas
começaram a me olhar assustadas. Tudo patricinha frívola e mauricinho sem futuro.
Com medo de mim, o pequeno cão de briga raivoso.
Graças a estrutura aberta, o Rocket era um tipo de tenda com um bar chique e
muitos ambientes. Eu estava na frente, e as pessoas já estavam me olhando enquanto
meus olhos buscavam o bastardo.
Desliguei minha moto e desci. Não estava me importando para meu cabelo
assanhado, meu short curto e minha camisa surrada. Eu estava em casa, com minha
família, curtindo um jantar em paz, enquanto minha irmã podia estar sendo atacada.
Minha raiva tomou proporções épicas, quando pensei que ele deve ter largado
minha irmã em qualquer lugar e depois veio curtir.
— Valentina, o que faz aqui? — Ouvi a voz de Alecsander e nem me dei ao
trabalho de responder.
Eu continuei procurando. E quando encontrei Robert, O Sorridente cercado por
mulheres, vi vermelho. Caminhei até onde estava o grande cretino e parei na sua frente,
apontando o taco.
— Um motivo para não arrebentar sua cara agora?
Ele me olhou e riu. Porem as pessoas se afastaram.
— Ohh, eu acho que escolhi a irmã errada — debochou. — Viviam é cheia de
não me toques, muito fresca.
Bati o taco com força na mesa, fazendo os copos quebrarem e ele saltar
assustado.
— Você perdeu seu motivo! Agora... — Ergui o taco e ele gritou feito uma
moça. — Minha irmã é mais macho que você, sua puta! — falei alto, fazendo um monte
de gente rir e ele ficar vermelho de raiva.
A vontade que eu tinha era de dar um novo rosto ao bastardo. Avancei com o
taco erguido, pronta para iniciar o estrago. Ninguém fazia nada para me parar, aqui era
cada um por si.
Povo egoísta!
— Se você me bater com esse taco, eu vou te processar por agressão física —
falou rápido e eu parei, respirando fundo. Ódio deslizando pelo meu corpo.
Dei um passo atrás. Pensei em meus pais. Pensei no dinheiro que eu estava
juntando, pensei em Ally e na nossa doceria. Respirei fundo de novo, travando o
maxilar. Sorte não ter quebrado meus dentes.
— Oh, vejo que você é esperta. — Bateu palmas. — Já a sua irmã não aguenta
uma pegada mais forte.
— Foda-se! — Ergui o taco mirando no ponto certo. — Me processe, sua vadia!
— rosnei, acertando o taco na lateral de sua perna, ao lado do joelho.
— AAAH! — gritou, e eu estiquei meu taco para alguém pegar.
Logo parti com tudo para cima dele, já acertando o murro em seu nariz. Houve
um crack e sangue espirrou. Mais gritos de dor se fizeram ouvir do covarde. Não me
importei. Ajustei meu joelho entre suas pernas e pressionei com força. Ele gritou ainda
mais alto e várias pessoas abafaram gemidos de dor compartilhada.
Sem estar satisfeita, eu cravei minhas unhas em forma de garra em sua testa, e
em seguida arrastei com força até seu queixo, fazendo um estrago em seu rosto. Ele
gritou mais alto e revidou, acertando um murro na minha boca, dor explodiu, deixando-
me tonta, mas era tanto ódio que eu só rosnei. Mudando de posição, ele agarrou meu
cabelo e eu ri meio louca, agarrando entre suas pernas e, com um giro do punho, eu
torci seus ovos. Uma pena que ele usasse calça de tecido. Mais um berro alto se fez
ouvir. Eu torci mais forte.
— Seu filho da puta, não brinque comigo! Pensa que sou essas idiotas que não
aguentam pancada? Comigo você está fodido! Eu te avisei para não magoar minha irmã!
Eu te falei! — Cuspi cada palavra agressivamente. — Vou estourar seus ovos,
bastardo!
Ele gritou mais alto, contorcendo-se. Eu continuei apertando, ele continuou
gritando. Ninguém chegava perto. Ninguém ousava tentar chegar perto. Então, com
minha mão livre, eu agarrei seu queixo, cravando minhas unhas em sua carne.
— Viu o que é uma pegada bruta? — rosnei na sua cara. — Viu que nem você
aguenta uma pegada bruta, seu covarde?! Agora fale: eu sou um covarde! — gritei em
sua cara e ele rosnou. Torci seus ovos mais forte, cravando minhas unhas em sua pele.
— FALE, PORRA!
— Eu sou... — repetiu com a voz abafada. — Sou... — Aliviei um pouco. — Eu
sou um covarde. — Apertei. — Eu sou um covarde! — gritou engasgado, chorando em
pânico.
— Se você chegar perto da minha irmã, se tentar alguma coisa contra ela, eu
vou te caçar até no inferno e vou quebrar suas duas pernas e arrancar seu pau com uma
faca enferrujada. Não se preocupe, porque em se tratando do covarde que você é, eu
vou muito bem acompanhada de dois brutamontes para qualquer eventualidade. Idiota!
Larguei o bastardo no chão e me levantei. Todo mundo me olhava sem
acreditar: as mulheres, como se eu fosse uma louca homicida, e os homens, como se eu
fosse a mulher maravilha.
— O que é? Nunca viram? — Cuspi sangue.
Estendi minha mão para Alecsander me entregar meu taco. Nem vi que foi ele
quem pegou.
Saí de lá tremendo de raiva. Quando cheguei na minha moto vi uma Ferrari
vermelha a poucos metros. Sabia que era daquele idiota. Ele esfregou na cara do meu
pai sua Ferrari, porque viu uma miniatura na sala. Tive certeza quando olhei a placa.
Califórnia: 1ROB 100
O bastardo excêntrico pagou para ter o nome na placa do carro. E o número
dele na lista dos mais ricos da Califórnia. O próprio falou para meu pai, todo contente,
lá em casa, e nem sabia que o Sr. Sinclair lutava contra a vontade de dormir.
Sem pensar duas vezes, eu dei umas pauladas no capô. Nos retrovisores, nas
laterais e, por fim, peguei um cesto de lixo que havia ali e joguei dentro. Depois cuspi e
me virei.
— Você é feroz! — Alecsander sorriu. — Por isso Blake está me infernizando
dia e noite para saber quem você é. “Por favor, me diga o nome completo dela? Me
diga de onde conheceu? Meus detetives não encontraram nada. Preciso de ajuda
aqui Alec!”.
— Nem ouse! Não quero nada com ele, vocês riquinhos são um bando de
idiotas!
Subi em minha moto.
— Ei, não me compare a todos! — reclamou de cara feia. — Eu achei bem feito
o que você fez. Aquele cara é um idiota pomposo. — Cuspi sangue de novo. —
Querida, ele te pegou de jeito! — Alecsander se aproximou e pegou meu rosto. Logo
ele colocou para trás o cabelo que caía na minha cara. — Sua boca está com um corte.
— Seu grande bastado! — Olhei para o lado e vi um homem lindo se aproximar.
Aquilo me fez despertar para a realidade de que eu tinha que correr dali.
— Alistair, meu irmão mais velho. — Alec apontou.
— Prazer — murmurei descontente, voltando minha atenção a Alecsander. —
Não diga a Blake quem eu sou. Eu não quero ninguém na minha cola. Eu não sou troféu
para ego masculino. Agora me deixe ir. — Empurrei-o para longe e liguei a moto.
Naquele momento, um Bugatti Chiron preto completamente arrepiante de tão
caro e ostentoso estacionou a dois carros de distância.
Meu corpo todo acendeu quando olhei para o motorista. Blake.
Ele ainda não tinha me visto, por isso, meio desesperada, eu liguei minha moto
e quando o motor ganhou vida ele me olhou. Ferrou!
— Miranda! — gritou, saindo do carro. — Oh, graças a Deus eu te encontrei!
— Ele já chegou me apertando. — Deus, ma petit, quase enlouqueci quando...
Ele me olhou e seus olhos focaram na minha boca ensanguentada. Vi quando
seus olhos incendiaram. Seu grande corpo tremeu.
— Quem fez isso? — rosnou baixo. — Quem ousou tocar no que é meu, assim?
— Não sou sua — murmurei puxando meu rosto. — Eu não tenho saco para ser
,

mulherzinha! Agora se me der licença.


Blake grunhiu grosseiramente, meteu a mão na minha moto e desligou-a. Logo eu
me vi sendo arrancada dela. Ele me arrastou até o carro dele e quase me jogou dentro,
batendo a porta com força.
— Minha moto, seu doido! — rosnei abrindo a porta, mas ele bateu de volta,
trancando-a.
— Que Deus me ajude se você ousar sair daí! — Sua voz me fez calar. Ele
estava além de furioso. Fechei a cara, ficando quieta. Eu era doida, mas não tanto
assim.
— Quem fez isso com você? — perguntou baixinho e eu estirei o dedo médio.
Que ele pegou e chupou.
Senti umas tremidas lá embaixo. Ah, minha nossa. Minha mente ligou o alerta
máximo. Uma placa neon piscava a palavra fuja.
— Bom mesmo vai ser quando eu estiver com a boca em outro lugar. — Piscou
um olho. — Agora me fala, quem fez isso?
Uma comoção na entrada fez com que Blake levantasse a cabeça. Robert
caminhava encurvado e mancando muito. Ele olhou para o carro dele, blasfemou meio
gemendo. Então ele viu minha moto. Meu coração quase parou. Nem me importei, pulei
para o banco do motorista e saltei do carro.
— Se você quer evitar uma surra pior, sugiro que não olhe para ele assim. —
Apontei para minha moto, mas o cretino não ligou. Robert empurrou minha moto,
derrubando-a no chão. Não sei como, mas ele começou a pisar em cima do tanque e da
lataria, fazendo um grande estrago na mesma hora.
— Seu puto! — Voei em cima dele, dando-lhe um murro nas costelas.
Ele gemeu, revidando, acertando meu rosto com a mão aberta. Logo meu
estômago foi esmurrado. Eu quase vomitei, mas fiquei mais raivosa.
Minha mãe vai me matar!
— Vadia! — Robert gritou, e naquele momento um grande alarido violento
ecoou. Então eu fui puxada e logo Robert teve que lidar com um enorme rolo
compressor desgovernado.
— Você não bate na minha mulher, seu bastardo! Você, malditamente, não bate!
— Blake socava a cara de Robert como se fosse um bicho. Ele rosnava e blasfemava
palavrões que nem eu conhecia, e olha que eu tinha a boca muito suja.
Olhei ao redor vendo as estrelas piscando diante dos meus olhos. Eu estava
tentando encontrar uma forma de escapar daquele tumulto. Meio tonta e enjoada, peguei
meu taco no chão e comecei a caminhar.
Eu estava com minha cabeça latejando. Ser durona às vezes é um porre. Agora
eu só queria chegar em casa, me encolher e chorar. Lógico que seria escondido, porque
não dou o gosto a ninguém para ver minhas lágrimas. O pior é que eu saí de casa
completamente fora de mim e nem celular peguei.
Sentia o sangue escorrendo pela minha boca de novo e o atordoamento,
deixando-me levemente confusa sobre para que lado seguir.
— Deixe-me em paz — resmunguei, assim que braços fortes me puxaram.
Tropecei ao tentar me livrar deles. — Não gosto que me peguem nos braços. Não sou
uma inválida.
— Eu sei, mas gosto de te ter aqui e crer que é real. — Senti um beijo na testa,
o calor e o perfume dele me envolvendo. — Seu tarado, me deixe em paz! —
resmunguei, aconchegando-me nele enquanto caminhava comigo nos braços.
Mais uma vez, Blake me colocou em seu carro. Só que agora ele me depositou
com carinho no banco e fechou a porta suavemente. O barulho, por incrível que pareça,
reverberou em minha cabeça como um tambor.
Gemi de dor. Logo travei o maxilar. Nada de demonstrar.
— Dói muito? — murmurou, todo carinhoso. Virei o rosto para olhá-lo, e Blake
se aproximou.
— No outro dói mais! — Respirei fundo. — Minha moto! Vou acertar meu taco
em você se deixar ele aqui sendo espancado por aquele escroto!
— Ele? — Riu baixinho, acariciando meu lábio partido.
— Minha moto é macho — resmunguei. — Já falei.
— Eu vou levar e depois mando para sua casa, Blake — Alecsander falou,
encostando ali do meu lado. — Amanhã eu deixo lá.
Olhei para Alec e ele sorriu quase imperceptivelmente.
Ele não vai entregar, ele está me safando. Porque é certo: com a placa em
mãos, Blake descobre até o nome do meu dobermann adulto, aquela coisa fofa e
brava!
— Ainda iremos conversar! Eu vi você cheio de dedos para cima de Miranda.
— Encolhi-me. Droga!
Uma mentira pequena aqui, aí amanhã você tem que inventar outra para cobrir a
primeira e depois outra mentira para cobrir a segunda e assim uma verdadeira bola de
neve se dá origem.
— Diga a Robert que se ele ousar tentar algo contra minha garota, eu usarei os
contatos certos e fodo com tudo o que ele pensa que tem.
Alec acenou e saímos dali cantando pneu.
— Estou com frio. — Encolhi-me e ele subiu a capota. Logo uma jaqueta de
couro quente era colocada em cima de mim
— Vista minha jaqueta.
— Não.
— Coloque logo! — bradou alto e eu bufei, colocando.
— Seu porre! — resmunguei, fazendo-o rir.
— Sou seu, então aceite — cantarolou, me fazendo estirar um dedo.
— Deixe-me em qualquer lugar — resmunguei, agarrando meu taco. — Não
posso ficar aqui.
Blake dirigia com a cara fechada depois que pedi para ele me deixar. Ele
apertava o volante com tanta força, que os nós dos seus dedos estavam brancos.
— Você tem noção de como eu te procurei? — perguntou furioso. Dei de
ombros
— Eu não consegui nem chegar na festa para buscar aquela mulher que você
queria. Eu voltei quase imediatamente para encontrar o quarto vazio! Nunca me senti
tão enganado e puto.
— Você supera.
— Como é afiada! Eu senti sua falta. — Sua voz saiu baixa. — Eu senti falta do
seu beijo, mesmo tendo que lutar com a lembrança de seu rosto que insistia em se
apagar da minha memória.
— Você estava muito bêbado. Não acreditei nem por um momento que iria se
lembrar de mim.
— Está enganada. Eu me lembrei de você e de tudo o que me falou. Contratei
dezenas de investigadores aqui e na Alemanha. Fui pessoalmente na universidade
procurar os alunos de intercâmbio. Droga, Miranda! Eu estava ficando louco e com
muita raiva.
— Não é problema meu. — Olhei as unhas, dando de ombros. — Sou assim.
Não gosto de relacionamentos, e se quisesse um, não seria com você, Blake Walker.
Ele freou o carro e me olhou. Nós estávamos em uma rodovia quase deserta.
Havia apenas árvores de ambos os lados.
— Eu poderia provar que você está errada. Fique comigo hoje, e se ainda assim
não me quiser amanhã eu a deixarei em paz.
— Não vou transar com você — respondi, revirando os olhos. — Não estou na
vibe. Quero apenas um bife cru congelado para colocar no rosto e depois cama.
— Ótimo! Durma comigo e amanhã eu te deixo em paz. Você me deve, por fugir
de mim daquela forma. Você foi sorrateira, Miranda, e eu juro que poderia te dar umas
boas palmadas.
— Deixe isso para o dia em que eu estiver me sentindo melhor, aí sim, minha
bunda será sua.
— Anote o dia de hoje. Eu pretendo cobrar essa promessa.
Blake arrancou com o carro.
E eu sabia que aquela noite seria longa.
Capítulo 4

Valentina
Respirei fundo quando passamos por cima de um buraco, o barbeiro do Blake
não se importando em desacelerar. Nem parecia um piloto profissional! O cara dirigia
como alguém que não conhecia a diferença entre freio e acelerador.
— Pelo amor de Deus! Você está cego? — reclamei, apertado meu estômago.
Ele estava revirado e, às vezes, a bílis subia. Estava cada vez mais difícil me manter
indiferente.
— Desculpe. Eu só quero chegar logo em casa para poder cuidar de você —
admitiu, passando em outro buraco.
— Ah, é demais! — Estremeci agarrando meu estômago. — Pare este carro, seu
barbeiro!
Blake freou indo para o acostamento, eu mal tive tempo de abrir a porta antes de
me curvar. Respirei fundo de olhos fechados, tentando controlar o enjoo. A pancada
que levei no estômago foi forte, mas eu era mais.
Lentamente, eu puxei o ar pelo nariz e o expeli pela boca. Concentrando-me em
mim mesma, tentando enviar o comando para o meu cérebro de que eu não queria e nem
iria vomitar.
— Hey, ma petit. — Senti Blake me tocando suavemente, seus dedos em meu
queixo, erguendo minha cabeça. — Estamos perto. Mais alguns minutinhos e estaremos
em casa.
— Blake, sinceramente, você é um péssimo motorista — murmurei fazendo
careta. A dor era tanta, que era como se uma pedra estivesse alojada em meu estômago,
causando um desconforto filho da puta. Minha paciência estava indo parar no inferno,
— Eu só estou preocupado. — Acariciou minha bochecha. — Desejo você em
minha cama em breve.
— Você é um grande mimado — acusei. — Eu não irei para sua "cama".
— Veremos!
— É, veremos — revidei, mexendo nos cabelos — Agora, se você continuar
dirigindo assim, é bem capaz de não chegarmos. Você não consegue diferenciar os
buracos nem os quebra-molas! Quem faz isso com um Bugatti, meu Deus? — Ergui o
dedo, acusando-o. — Quem faz isso?!
— Eu faço. Você é mais importante do que o meu Bugatti. — Riu, voltando a
acariciar meu rosto. — Não sei o que fez comigo, Miranda, mas você me tem e eu vou
tê-la também.
— Só em seus sonhos, Blake. Você vive no fantástico mundo de Bob, só pode!
—falei sem muita convicção.
Ele estava me fazendo baixar a guarda. Grande bastardo tolo!
Fazendo-me de desligada, eu puxei minhas pernas e me sentei direito. Não
queria ficar parada no meio do nada com um dos herdeiros da automobilística. Blake
deveria andar com alguns seguranças, mas ele me parecia louco o suficiente para
desfilar com carros exclusivos e sem proteção.
— Vamos, eu quero tirar o gosto de sangue da boca — disse baixo, minha
cabeça latejando com a possibilidade de ter meus ideais caindo por terra por causa do
homem ao meu lado.
Não preciso alardear que me preocupei com o fato de ter Blake vulnerável a
sequestradores.
— Por que ainda insiste em fugir de mim? — perguntou me obrigando a encará-
lo de novo. — Desista, eu sou muito insistente. — Ele me fez rir, descontraindo.
— Eu sou pior, Blake. Vai por mim: nem eu me aguento, às vezes.
— Sem problema, eu vou te domar.
Vai sonhando querido.
— Você sempre pode tentar.
Rindo do nosso embate, Blake deu a volta e se sentou banco do motorista.
Arrancando com seu Bugatti dali e cantando pneu.
— Ai, Miranda! — reclamou, assim que o belisquei com força, usando as
minhas unhas, ou melhor, garras.
— Se você não entende as coisas quando as pessoas falam, você precisa de
terapia de choque — rosnei. — Olhe os buracos, criatura! Que raios de estrada podre é
essa, Blake? Porque não foi pela rodovia leste? — Ele deu de ombros, e eu o estapeei.
— Não dê de ombros!
— Estou pensando em reforçar minha cama. — Sua voz soou pensativa.
— Por quê? — Minha cara deve ter transparecido minha confusão. às vezes os
homens são uns idiotas!
— Violenta do jeito que você é, quando eu te pegar já vejo que terei um
momento duro de encarar. — Ultraje. Foi o que senti.
— Você, de fato, vive em algum mundo fantástico. Minha calcinha vai
permanecer em meu corpo, e você pare fingir que é bobo. — Blake gargalhou.
Não era para estar brincando com ele. Eu deveria pensar em um jeito de
escapar. Blake era o queridinho da mídia, vivia cheio de holofotes na cara, e gostava
disso. Mas o pior era a fila de mulheres que deixava para atrás. Eu não queria ser mais
uma.
— Olha, não precisa se preocupar. Não teremos ninguém nos interrompendo.
Meus pais estão viajando, e os empregados já devem ter se recolhido a essa hora.
— Você ainda mora com os seus pais? — perguntei incrédula. Eu ainda não
havia saído de casa porque meu pai deixou claro que, se eu tentasse, ele me traria de
volta. Blake, no entanto? Sem preconceitos, mas geralmente os homens não veem a hora
de sair do ninho para irem viver suas vidas.
— Moro sim — respondeu, parecendo constrangido.
— Meu Deus, que horror! Você é igual aqueles quarentões que moram com os
pais.
— Eu tenho vinte e nove anos. — Bufou de cara feia, fazendo-me rir.
— Você conhece o termo “assalta berços”? — cutuquei, mesmo que não me
importasse com essas coisas. Só queria saber por que ele mentiu a idade. Li em uma
revista que ele tem mais do que 29. — Você está sendo um escroto, Blake. Um
verdadeiro tarado!
— Você tem o quê? Vinte anos? Vinte e um?
— Eu acabei de completar dezoito, há um mês. — Neste momento ele freou
bruscamente o carro, mas logo voltou a acelerar.
— Porra, você é um bebê?! — rosnou, esfregando o rosto. — Deve ser
inexperiente, aposto que toda essa agressividade não passa de medo!
Pronto, agora começou a frescura! Porque eu sou obrigada a ter que ser uma
moça convencional que vive rodeada de regras sociais que geralmente não se aplicam
aos homens?
Eu certamente devo ter uns parafusos a menos, nunca neguei este fato, mas odeio
com todas as forças do meu coração aquelas pessoas que dizem: “Você não pode fazer
isto, garota. É errado!”, e quando pergunto por que não posso, a resposta vem na hora:
“Porque você é mulher.”.
— Eu sou nova, vovô. — Soprei as unhas, mas fiz careta. Meu lábio estava
doendo horrores. — Mas tenho minha coleção de pornô do Manolo, de revista de
homem pelado e de dedos frenéticos. Não me tome por uma tola juvenil. Isso seria um
erro.
Blake engasgou, e logo começou a tossir sem parar. Ele me olhou assombrado,
seus olhos arregalados mostravam isso.
— Esqueça essas dondocas cheias de “não me toques”. Se eu quiser fazer algo
eu vou fazer, e ser mulher não me impede.
— Quando digo que você foi feita para mim ainda, você não acredita. —
Suspirou, aparentemente apaixonado, no que eu não acreditava, porque ele era um
solteirão convicto e assumido, pegador safado, e não seletivo.
Okay, vamos jogar!
— Blake, eu não estou a fim de ter sexo agora e nem tão cedo. — Prestei
atenção em seu rosto — Mas, se você quiser um relacionamento aberto, eu aceito. —
Acenou sorrindo. — Mas eu terei o mesmo privilégio que você, ou seja, se eu quiser
outro homem se esfregando em mim, eu terei.
Cobri meus ouvidos após o berro ultrajado que ele deu. A seguir, uma corrente
de palavrões terríveis se fez ouvir enquanto ele passava, de propósito, em cima de um
buraco enorme.
— O carro não é meu! — Suspirei. — Olha, estou pensando seriamente em
embarcar na sua loucura, mas não minta para mim sobre outras mulheres, e, nunca,
jamais, tente me tratar como se eu fosse uma imprestável, porque isso vai foder o seu
esquema.
— Miranda, eu passei um mês atrás de você. Eu não tenho ninguém. — Notei a
leve modulação em sua voz.
— Tem certeza que não tem nenhum rabo preso? — questionei e ele deu um
aceno duro.
— Ótimo. Meu nome...
— Chegamos em minha casa.
— Puta que pariu! — Esqueci que ia dizer meu nome verdadeiro quando olhei
para a casa dele.
Era uma mansão moderna, com luzes estrategicamente colocadas na frente. As
paredes não eram lisas, elas tinham pedras de talho colocadas para dar um ar rústico e
elegante ao mesmo tempo. A cor, as disposições da estrutura, tudo era simplesmente
fantástico.
— Nossa! — exclamei e ele concordou. Logo guiou o carro para uma garagem
que quase me fez enfartar. — Posso me mudar paraa sua garagem?
Esqueci a dor, a tontura e a porra toda. Eu estava na minha Disneylândia.
Maserati prata, Aston Martin Vanquish azul perolado, Ferrari preta, Audi R8 branco e
uma Lamborghini Veneno cinza chumbo.
— Este carro não está à venda! — Corri para tocar, sem acreditar. — Este
carro não está à venda, e eu sei porque ele foi apresentado no salão automotivo de
Londres e foi feito apenas como protótipo. Um modelo para sonhar e nunca ter!
— Bom, na verdade existem dois — Blake apontou, aproximando-se. — Aquele
da exposição, e este. — Meu corpo dolorido cantou de euforia quando eu pude tocar a
pintura. A Lamborghini veneno era um carro que eu simplesmente não tinha palavras
para descrever.
— Venha, vamos entrar e amanhã eu te levo para dar uma volta, afinal minha
namorada tem privilégios.
— Você coleciona carros poderosos! – Engasguei chocada ao olhar as motos.
— E motos também. — Olhei séria para Blake. — Casa comigo? — Ele riu e me
abraçou.
— Aceito, mas se me lembro bem, você disse que não gostava de velocidade.
— Mentira grande! Eu falei aquilo para não te dar papo. Até as pedras sabem
que você corre a Nascar e que seu pai é o magnata da automobilística!
— Você é intragável, sua peste. — Agarrou-me apertado. — E eu tentando
escavar no cérebro algo que pudesse chamar sua atenção, naquele dia.
— Minha missão de vida: fazer os homens tremerem nas bases perto de mim. —
Pisquei um olho, sorrindo largamente e logo gemi. Meu lábio doía e mais uma vez eu
senti o sangue escorrer.
— Vamos. — Ele me levou para dentro da casa por uma porta nos fundos da
garagem. Não prestei atenção nos detalhes por dentro, já estava ocupada tentando
manter o sangue longe da minha camisa. Subimos por uma escada curva e logo me
deparei com um longo corredor cheio de portas.
— Meu quarto. — Blake abriu uma porta e mais uma vez eu nem tive tempo de
olhar direito; ele me levou direto para o banheiro.
— Não precisa disso — falei, assim que ele me sentou na bancada. Primeiro
Blake tirou a jaqueta dos meus ombros, em seguida pegou uma toalha, molhando-a para
limpar meus lábios.
— Minha vontade é de partir aquele infeliz ao meio — rosnou enquanto limpava
o sangue. — Porque você entrou em uma briga com ele? — Torci a boca.
— Divergência de opinião.
Blake grunhiu alguns palavrões e, quando se deu por satisfeito, pegou a barra da
minha blusa e começou a erguer. Senti um peso no estômago. Era excitação de novo.
Pior do que quando vi aqueles carros. Ergui os braços permitindo que ele retirasse a
peça. Cuidadosamente, as pontas dos seus dedos alisaram a minha barriga, no lugar
arroxeado do murro.
— Filho da puta! — grunhiu baixo e logo se inclinou para dar um beijo.
— Ele bate como mulher. Já levei pancadas piores. — Pigarreei, sorrindo.
— Não mais. Agora você vai se sentar ao meu lado...
— Blake, não tente me mudar. Eu sou briguenta, ignorante, um verdadeiro
pesadelo — esclareci sem muita suavidade. — Não serei um enfeite. Procure outra, se
quiser uma boneca decorativa.
— Tudo bem, vou me adaptar. Estamos juntos — falou em um suspiro e
arrancou a própria camisa. Merda!
Engoli a vontade de morder toda essa gostosura diante de mim, mas aí ele
chutou os sapatos e tirou a calça. Merda dupla!
— Tenho dois pontos a esclarecer, Blake. — Sorri. — Primeiro: você não me
pediu em namoro e eu não disse que sim. — Ergui um dedo quando ele abriu a boca
para falar. — Segundo: você fica gostoso de boxer preta. Agora esqueça o resto e me
beije. — Ele fez um som baixo e rouco. Logo sua boca estava na minha e juntou a dor
do corte com a vontade de beijá-lo mais.
— Ah, você é ideal para mim — grunhiu, segurando meu rosto. — Minha...
Miranda, você é minha e...
— Você não me pediu para ser sua. — Mordisquei seu queixo. — Você não me
pediu porra nenhuma, seu pedaço de mal caminho. — Meio rindo e rosnando, ele me
olhou dentro dos olhos.
— Seja minha e só minha. Aceite ser a dona de todo esse pedaço gostoso. —
Piscou um olho apontando para si mesmo e eu o esmurrei.
— Convencido! Você vai ser meu gostoso, então. — Voltamos a nos beijar com
ardor. Ele me apertava com força, esfregando-se em mim.
Gemi baixinho com seus dedos caminhantes, que se embrenharam no cós do meu
short abrindo-o. Não me importei, e eu ainda o ajudei a tirar.
Fiquei só de calcinha e soutien, nada de constrangimento, porque eu era bem
confortável e feliz com meu corpo. Realmente acho que, seja gordinha, magra, alta ou
baixa, se gosta do que vê diante do espelho, a opinião dos outros está debaixo do seu
pé, ou melhor: ela está onde você permite que ela esteja.
— Você é linda. — Blake suspirou e puxou-me de uma forma que tive que
enlaçar sua cintura com as minhas pernas. — Você é minha.
— Estou aqui não estou? — Enfiei minhas unhas em eu couro cabeludo e o
arranhei de leve, fazendo arquear comigo nos braços e gemer longamente. — Isso
significa muito, pode crer.
— Acredito. — Puxei sua nuca, beijando-o com força.
Eu não estava nem aí se compartilhávamos um beijo de sangue. A dor parecia
nada, comparada à excitação, e ele também parecia não se importar. Então foda-se. Eu
iria aproveitar.
Esse era o rei de todos os beijos que já dei. Sabia que estava em movimento,
mas não estava dando a mínima, eu estava com minha boca sendo devorada.
É um bastardo, mesmo!
Meu corpo todo doía, eu estava a ponto de entrar em combustão e precisava ter
a boca dele em um lugar novo, se é que me entende.
— Blake, meus seios doem. — Ofeguei beijando seu pescoço e depois
mordendo seu ombro com força. — Quero sua boca em meus seios agora!
Voltei a beijar seus lábios com ardor. Gemi duro quando ele chupou minha
língua. Rosnando feito um bicho, ele se esfregava em mim, nossos sexos alinhados e em
perfeito movimento. Não estava mais pensando, só sei que ele me sentou de volta no
balcão do banheiro e eu não parei de pensar no porquê ele voltou para lá.
— Eu quero te olhar no espelho. — Mordeu o próprio lábio, dando-me uma
olhada quente. — Eu quero ver. — Não me importei quando tirou meu soutien, e sim
suspirei de alívio.
— Lindos. — Segurou meus seios com as mãos e os massageou.
— Blake! — Seu nome saiu como uma prece.
Meu corpo todo estava em uma expectativa incoerente porque eu estava tendo
algo aqui. Era a primeira vez que um homem me via só de calcinha; era a primeira que
eu permitia que um chegasse muito perto.
— O que você quer, ma petit?
— Sua boca nos meus seios. Agora.
Sem gentileza, ele tomou meu mamilo na boca. A cada sugada forte eu sentia
minha barriga apertar e a boceta contrair. Molhada é pouco para descrever como eu
estava. Gemi longamente, arqueando-me, dando-lhe o acesso que ele queria.
Meus seios estavam sendo sugados com fome. Blake alternava de um para o
outro, mas ele não chupava, apenas; ele mordiscava, soprava, esfregava a barba, me
enlouquecendo.
— Blake, querido, você está aí? — Congelei na hora. Meu corpo travou.
— Caralho! Inferno! Agora não! — Ele me encarou aflito, murmurando coisas
baixinhas, enquanto eu estreitava meus olhos.
— Blake, abra a porta, meu amor! — Ouvi as batidas e o empurrei com força.
Saltei da bancada e apontei um dedo.
— Me diz que é a sua mãe. — Ele fez uma careta, passando as mãos de um jeito
nervoso pelo cabelo. — Obrigada, seu estúpido! — Coloquei meu soutien tão rápido
que pareceu um piscar de olhos.
— Eu vou resolver. Fica aqui! Ela não é nada minha, digo... — Ele respirou
fundo. — Ela não será mais nada minha, você sim, então...
— Não é? Não será? Decida! — Vesti o restante das minhas roupas.
Eu estava com vontade de chutá-lo onde mais doía, mas se ele disse que iria
resolver, eu iria pagar para ver.
Eu gosto desse tarado, eu gosto dele realmente.
— Tudo bem. Ela é uma ex, ou futura e x insistente, então você vai resolver,
certo? — perguntei, olhando para todos os lados, menos para ele.
— Sim, eu quero você. — Blake colocou ambas as mãos em meu rosto. — Eu te
procurei demais e estou tão feliz por tê-la aqui! Não vou estragar. Confie em mim.
— Okay, tudo bem. — Senti-me estranha por estar entregando os pontos, assim,
tão fácil.
Essa não era o meu eu habitual, mas com Blake, eu não agia normalmente. Então
iria explorar e ver o que era isso acontecendo. Eu fugi uma vez, e não pretendia fazer
outra. Antes que eu pudesse me conter, eu o abracei. Apertado.
— Eu abri minhas defesas para deixar você entrar. Não faça merda, porque eu
não sou do tipo caridosa. — Ele retribuiu o abraço e enterrou o rosto em meu pescoço.
— E acha que eu não sei? — brincou para descontrair. — Eu irei acender uma
vela de agradecimento. Você é dura na queda, mas eu sou duro também, então...
— BLAKE, ABRA A PORTA!
Grunhimos juntos.
— Resolva e volte. Você prometeu que eu iria dormir em seus braços. — Ele
me beijou rápido e colocou a calça às presas, prestes a sair.
— Coloque uma blusa. Evite a exposição desnecessária. — Fiz um gesto de
rasgar com as minhas unhas. — Não sou muito tolerante em mostrar por aí o que é meu.
— Foda-se, você é mandona.
— Eu serei sua dominatrix, meu amor. Agora vá. Você tem dez minutos para
dispensar essa coisa batendo na porta. — Blake correu e antes de sair me olhou uma
última vez.
— Você estará aqui, não é? Quando eu voltar.
— Sim, mas não demore. Não pretendo criar teias de aranha. Se bem que, se
você me permitir, eu posso expulsar sua visitante em segundos. Prometo que nunca mais
ela volta!
— Você é ruim, garota. — Blake riu.
— Nunca disse o contrário. — Pisquei um olho. — Agora vá. — Sacudi a
mãos. — E volte logo.
A porta abriu e eu ainda vislumbrei uma cabeleira loira antes de Blake bater a
porta atrás de si. Cruzei os braços. E lá começaram os pensamentos a circular. Ele
disse que não tinha ninguém, e mentiu. Mas eu menti também, sobre muitas coisas.
Neste quesito estamos no mesmo barco, e eu não sou dessas que diz: “Faça o que eu
digo, mas não faça o que eu faço”. Se eu menti antes de tudo, ele pode ter mentido
também.
— Vou colocar os pingos nos is assim que ele voltar.
Agora que estava sozinha, eu comecei a avaliar o quarto. Primeiro detalhe: ele
era puramente masculino, em tons de azul e marrom. A mobília era de madeira escura.
No lado mais distante do quarto havia uma enorme prateleira com troféus. Caminhei até
lá para poder ver de perto.
— Campeão da Nascar três anos consecutivos, veterano na corrida de moto
velocidade, bacharel da automobilística internacional. — Balancei cabeça. — Nossa,
você tem uma vida corrida, hein.
Ri do trocadilho, mas logo comecei a ficar entediada. Não estava afim de olhar
o closet dele. Eu não estava querendo muita coisa, pois a dor no meu rosto estava
começando a me deixar impaciente.
— Vinte minutos depois... — resmunguei, olhando o relógio que tinha no criado
mudo.
Saí do quarto refazendo o caminho para a sala. Eu estava perdida, mas um grito
furioso me deixou em alerta. Eu fui em direção ao som.
— Para com isso, eu não te devo satisfação! — Blake parecia chateado e eu me
sentei para assistir a loira levar um fora.
Eu deveria ser educada e sair, pois uma boa moça certamente sabe que
bisbilhotar, ouvir a conversa alheia e essas coisas é errado. Não tenho nenhum pingo de
remorso por ouvir conversa indevida.
— Quem é a vadia? — A loira gritou e eu, sentada do meu lugar no escuro,
ergui um dedo. — Você sabe que eu não me importo se você fode essas putas, mas
Blake, na casa dos seus pais?
— Vá para casa, depois conversamos. — Blake tentou contornar a situação —
Eu realmente não quero discutir com você.
Vamos, livre-se dela logo!
— Ontem, quando dormiu comigo, você prometeu que iria anunciar nosso
noivado. Já faz dois anos, Blake. Dois anos de noivado secreto e eu não aguento mais!
Combinamos de nos encontrarmos no Rocket e quando chego lá, para a minha surpresa,
a primeira coisa que fico sabendo é que você bateu no Robert e ainda saiu com a
selvagem que o atacou! Como pôde fazer isso?
Raiva. Foi o que senti. Eu queria matar aquele idiota por ser tão paspalho e
mentir sobre o fato de estar noivo há tanto tempo. Levantei-me com ódio, observando a
noiva traída chorar de desgosto, enquanto Blake a abraçava.
— Esse bastardo mentiroso! — rosnei baixo, tremendo de raiva.
— Fique calma! Nós iremos anunciar quando chegar a hora certa. Cadê o seu
remédio? — ele soava como se falasse com uma criança, até acariciando os cabelos
dela ele estava.
— Jura que vai casar comigo, Blake? Você sabe que eu...
— Juro! Eu juro. Agora sente aqui no sofá. — Ele a encaminhou para um sofá
tão branco que dava agonia, e a ajudou a se sentar.
Filho da puta!
Voltei para o quarto e peguei o celular que ele deixou ali. Chamei um táxi,
pedindo para que ele parasse na esquina da rua, e saí dali. Fiz questão de derrubar um
vaso cheio de plantas ao passar pela sala. O estrondo foi enorme e pelo grito de susto,
eu esperava que a patricinha tivesse morrido do coração.
Corri pela garagem em direção à passagem que daria para os portões. Eu estava
quase chegando, quando um segurança apareceu por ali.
— Libere minha saída, por favor. — Ele abriu um portão menor e eu saí, tendo
que encarar a rua malditamente escura.
Eu sentia tanta raiva do Blake, mas pior que isso: eu sentia raiva de mim
mesma, por abaixar a guarda! Eu sabia que ele não prestava, sabia que ele era um
fanfarrão, e ainda assim, eu arrisquei.
— Valentina otária! — xinguei, depois sorri.
Pelo menos agora eu sabia o que era ter os peitos bem chupados e teria algo
para escandalizar Ally. Não estava com o coração partido nem nada parecido; eu
estava mais com raiva de mim por achar que o meu rolo com o Blake safado Walker
teria futuro.
— Volte uma casa no jogo, Valentina, e nunca mais esqueça os seus conceitos, e
nem os coloque de lado! Homens não valem à pena. Vire o lado e pronto.
Pisando duro, eu desci a rua até a esquina. Encostei-me ali, perto de uma árvore
que daria para me esconder. Ainda resmungando, blasfemando minha idiotice, eu me
encolhi quando Blake surgiu gritando meu nome. Ele olhava de um lado para o outro, e
quando viu que eu não estava ali, colocou as duas mãos na cabeça enquanto rosnava de
raiva.
— Foda-se, seu mentiroso barato! — Estirei os dois dedos em sua direção. Não
mais que um minuto depois, ele correu subindo a rua e gritando por Miranda. Eu ri da
cara dele, achando ser pouco.
— Até que enfim! — Corri para o táxi quando ele estacionou, e dei o endereço
da Ally para que ele pudesse seguir.
Quando chegou lá, eu pedi para que esperasse. Peguei a chave reserva
escondida e o dinheiro no pote de biscoitos. Paguei o motorista e voltei. Fui direto para
a geladeira e lá peguei um saco de gelo, colocando-o no rosto.
A próxima hora passei amaldiçoando Blake Walker por ter nascido. Mas chorar
não. Nunca, meu bem. Para isso, aquele infeliz teria que ter um par de bolas extra.
— Vá se foder! E espero que você e sua boneca louca se explodam juntos e
abraçados!
Amém!
Capítulo 5

Valentina
O pior de estar arrebentada era a hora de acordar, quando o corpo esfriava,
sabe? Na hora do vamos ver, era porrada para todo lado, mas depois...
— Merda! — Fiz uma careta quando me virei de lado.
A cama de Ally era confortável, mas meu corpo doía em cantos que nem sabia
como explicar, além do meu estômago que parecia um grande saco de pedras. Dormi
muito mal, só não pense que foi apenas por causa dos meus hematomas. Aah, não! Foi,
também, pela maneira como deixei a casa daquele grande idiota do Blake.
Sim: eu me arrependi de ter saído na surdina. Eu deveria ter, no mínimo,
chutado as bolas dele e mostrado àquela boneca ridícula da noiva que ela deveria
prestar mais atenção, pois o homem dela estava querendo comer no prato alheio!
— São um casal de idiotas! — Vesti minha camisa velha, a mesma de ontem.
Encarei o espelho.
— Um dia, querido... — Sorri meio diabólica. Infelizmente, para ele, eu não era
do tipo que chorava nem esquecia. Eu era mais do tipo que pouco fala, e muito mostra.
Terminei de me arrumar para poder voltar para casa. Acreditava que um dia,
sim, encontraria Blake e seria indiferente à sua presença.
Eu era uma pessoa fácil de se lidar, não tinha mistério comigo. Na minha vida
só existiam algumas zonas proibidas, mas era só respeitá-las que tudo ficaria bem.
Número um: nunca, jamais, mexa com a minha família; número dois: não toque
na minha moto, porque eu sou muito possessiva com o que é meu. Número três: não
diga de forma alguma que meu cachorro deveria ser fêmea; Cyborg não gosta de
preconceito. Ele é meu lindo Dobermann macho. Muito fofo. Número quatro e mais
importante: nunca me tome por uma tola. Eu tenho uma natureza excepcionalmente
vingativa, gosto de fazer as pessoas se sentirem no lado oposto, pelo simples fato de
que, às vezes, só se aprende que um murro dói, quando se leva um.
Eu estou aqui para mostrar que não tem essa de sexo frágil. Mulher ou homem
só é frágil se quiser.
— Isso aí, garota — resmunguei mal-humorada, remexendo nas coisas de Ally
até encontrar analgésicos. Engoli dois comprimidos para dor, peguei os óculos escuros
que encontrei e saí. Chamei um táxi, mandando-o ir direito para minha casa. No
caminho baguncei meu cabelo um pouco, sabia que estaria ferrada no pior sentido
quando minha mãe olhasse na minha cara.
O sol batendo no meu rosto ardia, estava quente demais e, este clima, para mim,
era bem-vindo. Não tenho frescura com calor, tal como o frio, era só vestir roupas
adequadas. E como disse antes, não se esconda das pessoas. Mostre-se, mande os
estereótipos perfeitos tomar no lugar que não bate sol. Se você se gosta, ligue o foda-se
e vá ser feliz. Ninguém paga suas contas, então a opinião alheia também não deve
interferir.
Tirei minha blusa, ficando apenas com um top, amarrei na cintura para não
esquecer no táxi e esperei chegar em casa. Qual foi minha surpresa ao encontrar minha
moto estacionada na entrada? Nem esperei o motorista parar direito e já corri para
alisar minha bebezinha. Coitadinha, estava toda amassada.
— Ei, moça, a conta do táxi! — o motorista gritou.
— Acha que eu não vou pagar? — gritei de volta, sem olhar para ele. — Se
fosse assim não teria parado na porta da minha casa.
Meu grito alertou aos meus pais que eu estava em casa, pois a porta abriu e eu
nem mesmo havia tido coragem de me virar para encará-los. Primeiro, porque eu não
havia recolocado a blusa; segundo, porque estaria fodida quando a minha mãe visse o
hematoma na minha barriga.
— Valentina, minha filha! — Fechei os olhos, fazendo careta.
Travei a mandíbula quando fui virada e abraçada. Dor irradiou para todos os
lados.
— Oh, minha menina, quando você não voltou eu fiquei com tanto medo! Só
consegui respirar depois que sua moto apareceu...
Um... Dois...
— Meu Deus!
— Oi, mãe, bom dia! Agora tchau... — Eu me virei de costas, preparada para
escapar. — Pague o táxi, por favor.
Caladinha, eu caminhei em direção a porta de casa, pensando em quanto
dinheiro eu teria que gastar para concertar minha moto e, ao mesmo tempo, querendo
dar um sorrisinho. Robert, aquele babaca, iria gastar, em seu carro, muito mais.
— Oh, merda! — Arregalei os olhos quando lembrei que se Blake fosse atrás
de Robert, ele iria dizer quem eu sou, então...
Grande bobagem! Que viesse sem problemas, porque eu não devo satisfação a
ninguém.
Entrei em casa e mal alcancei as escadas antes do primeiro berro me fazer
estancar.
— Não se atreva a dar mais nenhum passo! Você se meteu em confusão, não
foi? — Assenti. — Você estava só defendendo sua irmã, não é mesmo? — Balancei a
cabeça, deixando minha expressão cair um pouco.
Às vezes minha mãe ajudava a criar minha própria desculpa.
— Por que as pessoas têm que provocar meu bebê, Sinclair? — Minha mãe
estava quase chorando. — Tenho certeza que você não atacaria ninguém, não é, filhote?
Fiz careta. Não disse nem que sim e nem que não. Minha mãe que tirasse as
próprias conclusões. Ela gostava de se iludir achando que eu era uma dama fofa, e olha
que ela sabia que eu era meio selvagem. Talvez Cyborg me amasse tanto por isso:
éramos parecidos.
— Miranda, você poderia apenas ficar calma? — Meu pai parecia uma grande
mamãe urso; dona Miranda não podia espirrar que ele aparecia com um lenço, e um
telefone já conectado com o médico da família.
— Olhe para ela! — Minha mãe fez um bico e meu pai derreteu um pouco. —
Ela está machucada, a barriga, o rosto... Sinclair!
— Mãe, pare aí! A senhora precisa ver o Robert! Eu arrebentei a cara dele,
estourei seu joelho e ainda devo ter deixado minhas digitais no saco do bastardo.
Meu pai deu um sorrisinho. Culpa dele que desde sempre fez programas de
garoto, comigo: futebol, lutas, e o que mais ele faria se tivesse um filho homem. Eu sou
esse filho, creio eu.
— Relaxe, tudo bem? — Pisquei um olho para minha mãe. — Eu mostrei a ele
que seria necessário um par de bolas extra para mexer com as mulheres desta família.
Eu até perdi o meu taco no meio da confusão.
— Meu Deus! — mamãe gritou e agora sim o choro começou. — Por que você
tem que ser assim, tão violenta? Por que não pode ser delicada como sua irmã? Eu não
devia ter deixado seu pai te levar para aprender essas... — Abanou a mãos, furiosa. —
Essas lutas de homens brutos.
Fechei as mãos em punhos. Todo mundo ficou em silêncio. Meu plano de não
falar nada indo parar no ralo.
— Por que, minha filha, você é tão agressiva? De onde vem está tanta revolta?
— Pare, mãe! — exclamei. — Apenas pare. Se quer saber, eu digo: eu sou
assim porque eu não tenho paciência para frescura. Eu, sinceramente, não tenho! Não
sou do tipo frágil. Olhem para a Viviam e a Ally. Elas são delicadas, eu não. Apenas
não seja preconceituosa, porque não sou homem. — Meu pai grunhiu e eu o olhei,
magoada. — Se o que aconteceu com Viviam, fosse comigo, das duas uma: ou a senhora
estaria buscando sua filha no necrotério ou estaria em uma delegacia, porque, certo
como inferno, eu não deixaria o bastardo vivo, tampouco deixaria de lutar. Desculpe se
a senhora está decepcionada comigo por ser assim, mas não vou mudar. Mais fácil eu
sair de casa.
Subi as escadas correndo. No meu quarto a minha raiva explodiu tanto, que eu
esmurrei a porta umas duas vezes. Minha mão queimou, e eu acabei por sentir meus
olhos queimando, também. Decepcionar minha mãe era o fim para mim; ela era meu
calcanhar de Aquiles, pois não existia pontos fracos na minha autoestima,
personalidade, ou qualquer coisa relacionada a mim como um indivíduo. Meu pai era
duro, ele aguentava o tranco, mas ela? Que droga! Decepcioná-la me matava. Joguei-me
em minha cama e cruzei as mãos para cobrir meus olhos.
Respire, controle a raiva, canalize a energia em produtividade... Nunca
chore. Isso é para os fracos. Quase podia ouvir meu instrutor de luta falando comigo.
Continuei obrigando-me a relaxar, a respirar, a lembrar de não magoar meus pais
quando eu estivesse com raiva. Escutei duas batidas na porta. Não respondi. Quem quer
que fosse, iria embora.
— Filha? — minha mãe chamou. Devagar, eu afastei minhas mãos do rosto e a
encarei. — Reunião familiar no seu quarto — falou baixinho.
Meu pai, Viviam e Ally estavam próximos à porta. olhando-me ansiosos.
— Adoro reuniões familiares. — Ergui uma mão — Eeeba...
Ela fez um bico de choro, e eu me sentei, chamando para que ela se sentasse
também.
— Venha aqui. — Bati do lado do colchão. — A senhora sabe que eu sou
assim, não sabe? Eu não me vejo procurando um homem para apoiar minha força, o
homem da minha vida já está aqui no quarto. — Apontei para o meu pai. Ele sorriu, os
olhos brilhando. — A senhora é a mulher da minha vida e elas duas também. —
Apontei para Viviam e Ally. — Entenda: eu tenho dentro dessa casa, ou melhor: eu
tenho dentro deste quarto toda a minha força, não preciso de mais. O mundo, para mim,
é uma grande caixa violenta. Eu só tenho que ser forte e estar preparada para o que
vier. Eu sou assim, mãe. Não existem traumas nem nada, a senhora sabe.
Ela acenou e chorou ainda mais, abraçando-me
— Eu te amo, minha filha. Eu falei demais, não mudaria nada em você, eu juro.
Perdoe-me, eu só estava com raiva e com medo, pensando coisas absurdas, e depois
você chegou machucada e eu fiquei pensando o pior, de novo.
— Mãe, calma. A senhora precisa respirar entre uma palavra e outra. Eu sempre
vou agir feito louca quando o assunto for vocês. Lembra a senhora Benson? — Minha
mãe acenou enquanto meu sorria. — Super cola nos cabelos dela por dizer que a
senhora era uma vadia. Eu ouvi e mostrei com quantos paus, ou melhor: eu mostrei que
era preciso apenas um tubo de cola e muita perspicácia em escalar árvores para
mostrar como as coisas funcionam.
Começamos a rir, e logo eu meio que gemia, porque agora meus machucados
começavam a reclamar.
— Oh, meu Deus, meu Deus! — Minha mãe afastou-se e começou a inspeção.
Ela começou no meu rosto, até puxou a pele dos cílios inferiores para ver se
tinha sangue. Aí foi nariz, boca... Careta para o machucado que encontrou. E ela foi
descendo; minha barriga estava pior que meu rosto e, olhando meu estômago, ela
começou a ficar pálida, oscilando de lado.
— Miranda... — Meu pai ficou nervoso na mesma hora. Minha irmã correu para
buscar alguma coisa e Ally foi ajudar meu pai.
— O que está acontecendo aqui? — Pulei da cama para dar espaço para deitá-
la. — Mãe, pelo amor de Deus, me diga: o que a senhora tem? — Ela me olhou toda
carinhosa, acariciou meu rosto onde Robert havia batido.
— Eu adorava seu cabelo loiro. — Ela fez um bico. — Prometa que vai deixá-
lo crescer. Eu sinto falta de olhar para minha bonequinha loira.
— Mãe, eu gosto deste cabelo. — Ela fechou os olhos e gemeu. — Prometo! Eu
vou deixar crescer e ficar loiro de novo. Posso até colocar aquelas coisas detestáveis
de aplique, se isso ajudar a senhora a melhorar. — Minha voz soava aflita até mesmo
para mim. — Calma aí, apenas relaxe.
— Prometa que não vai sair por aí naquela coisa monstruosa que sua irmã lhe
deu de presente.
— Mãe, a senhora está apelando.
— Oh, eu não me sinto bem.
— Prometo, eu juro que não ando rápido! Eu prometo o que a senhora quiser, eu
prometo tudo. Pai... — Olhei para ele já em total aflição. — Vamos levar a mamãe no
médico?
— Estou ótima! — Sorriu, piscando um olho. — Eu só estou grávida.
Minhas pernas falharam e eu caí sentada na cama.
— A senhora me enganou?! — Ri, incrédula. — Espere aí. Grávida?
— Sim, você vai ter um irmãozinho. — Sorriu, acariciando a barriga. — E você
prometeu! Vou lembrar quando fingir que esqueceu.
Sem cuidado algum, eu pulei em seus braços, apertando-a. Mesmo ela estando
deitada, eu arrumei um jeito de abraçá-la.
— Deus ouviu minhas preces — murmurei, fungando. — Ser caçula é uma
droga. — Ela me estapeou e eu ri. A emoção quase me sufocando.
— Quem mais a senhora manipulou? — perguntei, limpando a areia dos meus
olhos. Não eram lágrimas. Eu não chorava.
— Eu posso ter insistido para Ally vir morar aqui. — Meu pai gargalhou, e eu
ri também. Minha mãe era má, e ainda perguntava por que eu era assim...
— Vamos festejar a gravidez! — Levantei rápido demais e uma tontura me fez
cambalear. Meu pai foi quem me equilibrou. — Isso é fome, pode acreditar. Estou de
jejum forçado até agora.
Depois de minha irmã se certificar de que tanto eu quanto minha mãe estávamos
em perfeito estado, nós descemos.
— Cadê o bolo de comemoração? — perguntei assim que me sentei à mesa.
Viviam não deixou que eu ficasse em pé. — Não sou uma inválida!
Ela nem deu bola.
— Você é meu bebê — reclamou — Fique quieta aí!
— Saco! — Revirei os olhos.
— Bom, já que estão todos à mesa... —Ally chegou com aquela sua voz suave.
— Eu fiz uma receita que estava testando. — Minha barriga até roncou. — Macaron ao
chocolate de Ganache mista.
— Ah, meu Deus! Me passa uns cinco, aí! — Estendi os dedos gananciosos.
— Você precisa tomar café primeiro! Nós já comemos — Viviam falou,
tentando tirar os bolinhos coloridos do meu alcance
— Meus ovos, Viviam! — reclamei já babando para ter o bolinho. — Me dê
logo ou... — Respirei fundo. — Cyborg! — berrei alto e logo um latido monstruoso se
fez ouvir. De repente, um enorme vulto preto chegou perto de mim. — Rosne se Viviam
se mexer. — Dei o comando em gaélico.
Minha mãe gargalhou alto, meu pai também. Ally se encolheu um pouco.
— Não acredito nisso! — Viviam berrou sem acreditar e retirou a ordem.
Porém Cyborg, meu grande amor canino, nem se mexeu; estava parado, encarando
Viviam.
— Tenta se mexer, para ver. — Ri, mordendo um Macaron. — Hmm, delícia.
Crosta levemente crocante. — Revirei os olhos de prazer. — Fofinho e sabor perfeito,
Ally. — Estendi a mão e ela bateu. — Nossa doceria vai ser top!
De repente Cyborg rosnou alto, causando arrepios. Ele era grande demais até
para os cães da própria raça. Conclusão: os dentes dele também eram maiores.
— Sàmhach, Cyborg — murmurei o comando. — Tranquilo...
— Isso é tão injusto! — Viviam fez bico quando o cachorro colocou a cabeça
no joelho dela, querendo carinho. — Ele só te obedece. — Bufou.
— Ele me ama — brinquei e logo todos riram.
Cyborg era treinado em gaélico. Ele atendia aos comandos, mas era como se eu
fosse uma espécie de autoridade para ele; eu era como sua alfa. Ele me respeitava e eu
a ele. Era amor demais. Só isso.
— Miranda, precisamos sair — meu pai chamou cerca de uma hora depois que
começamos a comer. — Eu estou cansado de ver Valentina mastigar.
— Eu tenho que me alimentar direito — respondi de boca cheia. — Eu não
comi muito bem ontem.
— Eu acho que não deveria ir. Preciso cuidar da minha filha.
— Mãe, eu estou ótima! Irei terminar aqui, tomar banho e então cama. Pode ir
tranquila.
— Temos que visitar a mansão do Sr. Cortês. Ele está nos esperando. — Meu
pai me encarou. — Aliás, ele que trouxe sua moto em um reboque. Vocês são amigos?
— Não. Isso foi um favor.
— Tem certeza que pode ficar, filha? — Dona Miranda parecia aflita.
— Eu estou ótima. Uma dor aqui e outra ali... Nada demais — fingi indiferença.
Se eu dissesse que estava ruim, ela não iria sair de casa, e ficar com minha mãe em
cima de mim não era o que eu queria. Juntos, meus pais e minha irmã saíram, deixando-
me em paz.
— Vamos subir, Ally. Depois a gente lava a louça. — Levantei da mesa e ela
me seguiu, com Cyborg em nossa cola. — Venha, meu bebê lindo — chamei meu
monstro negro e ele veio fuçar minhas pernas.
Quando cheguei em meu quarto, fui direto tomar banho. Não demorei muito e
logo estava de volta. enrolada em uma toalha. Em meu closet peguei uma boxer femina
e um vestido velho e folgado.
— Ally, por que você está com as bochechas coradas? — perguntei enquanto
secava os cabelos.
Minha irmã de coração estava sentada em minha cama com a cabeça de Cyborg
apoiada nas penas, fazendo carinho nele.
— Eu não estou corada — murmurou, ficando ainda mais vermelha
— Você está sim, desde que papai falou de Alecsander.
— Oh, meu Deus, Valentina, ele veio aqui! — Ally engasgou, tão fofa. — Ele
sentou no sofá, o sofá que eu sentei. Tipo, ele estava aqui!
Notei que ela prendia a respiração. Estava meio assombrada, e não conseguiu
disfarçar.
— Ele é lindo, tipo, lindooo demais. Muito mesmo. — Soprou o fôlego
devagar. — Ele é perfeito!
— E por que você está sussurrando? —perguntei, sussurando também. — Ele
não está ouvindo, sabia?
— Ahh, meu Deus! — Agora as duas mãos de Ally foram parar no rosto. — Ele
é... Ah, Meu Deus.
— O que você fez, Ally? — questionei ao pegar um pente.
— Eu me escondi, é claro. — Não acreditei em meus ouvidos.
— Mas o quê? Por quê?
— Porque sim, oras! — respondeu, toda desconfortável. — Eu iria chegar perto
dele e ficar olhando feito uma idiota? Olhos esbugalhados e baba escorrendo? Eu me
escondi para espiar. Feliz e escondida, obrigada.
— Não acredito! — Bufei e sem seguida dei uma risada.
— O que você queria que eu fizesse?
— Garota, era para você ter descido, dado uma olhada para ele daquelas bem
indiferentes e depois sair da sala como se ele fosse um desconhecido e você muito
importante para falar com ele.
— Sério?
— Sim! Ele é acostumado a ter as mulheres em cima, aí você seria indiferente;
carne nova, querida; uma mudança de ar; e ele não te esqueria tão cedo.
— Jura? — perguntou e arregalou os olhos, sem acreditar.
— Sim. Então, quando você o encontrar de novo, pare, dê uma olhada de cima a
baixo, e depois siga direto. Seja indiferente. Homens que gostam de atenção odeiam ser
ignorados.
— Vou me lembrar disso — murmurou ainda mais corada.
— Nossa, Ally, eu creio que basta você corar desse jeito na frente dele, que
tudo será resolvido. Minha nossa, como você é fofa!
— Ah, Val, para! Você não é tão mais experiente do que eu — rebateu,
apontando o dedo.
— Você que se engana! Posso ser virgem, mas já tive um par de orgasmos com
e sem ajuda. Além do mais, sobre aquele meu arrependimento, eu não tenho mais. Blake
finalmente meteu a boca nos meus seios e ele chupou como se o mundo fosse acabar.
— Minha nossa! — Ally estava muito chocada, e eu sabia que ficaria assim
quando soubesse.
— Chupou com gosto, esfregou aquele belo pacote em mim, eu o arranhei de
volta... — Senti um arrepio subir pela minha espinha. — Me deu prazer, mas não passa
de um otário babaca. — Fiz careta, voltando a pentear meus cabelos.
— Por que ele é um babaca? Se te deu prazer e você gosta dele...
— Simples. — Travei a mandíbula. — Ele é noivo!

Um mês depois...
A música explodia em meus fones de ouvido enquanto eu me concentrava.
Havia sido um inferno convencer meu pai e me levar para o encontro de
Skatistas praticantes de Longboard. Creio que este era o único esporte que meu pai
odiava. Incrivel! Era um dos meus esportes favoritos; eu nunca caí, ou melhor: já caí
sim, mas nunca quebrei nada.
Hoje era um dia especial: minha descida seria filmada.
Ansiedade me consumia e eu estava ouvindo música para me concentrar. A
descida era longa, com curvas e um grande abismo de presente, para caso eu errasse a
manobra.
— Vocês já deveriam me conhecer —cantei balançando o corpo, as mãos
agitadas, e eu atenta a tudo ao meu redor.
Os óculos escuros impediam alguém de ver meus olhos.
Mais distante, eu vi uma moto poderosa estacionar. Uma loira desceu da garupa,
logo o condutor também. Quando ele arrancou o capacete, eu rosnei de raiva.
— Blake!
O mentiroso e seu enfeite – sua noiva – haviam acabado chegar.
Dei uma encarada neles, mas sabia que muito provavelmente ele não iria me
reconhecer, pois eu estava longe, usando óculos escuros, e havia muita gente por ali.
Alguns fazendo manobras em solo com o skate, outros saltando pequenos obstáculos
improvisados.
— Val! — Ally se aproximou e parecia meio alflita. Tirei um dos fones. —
Blake está aqui.
— Relaxa, não é grande coisa. — Acenei, concordando. — Cyborg... — Sorri
de lado. — Em guarda. Ninguém se aproxima — dei o comando direto. Eu sabia que
ninguém compreenderia o gaélico.
— Valentina, qual foi o comando que você deu a ele? — Ally até parecia
assustada.
— Mandei ele ficar alerta — respondi e recoloquei meu fone. — Se me tocar,
ele morde. — Voltei para a minha música, dançando no ritmo contagiante.
Agora eu cantava mesmo, Cyborg todo lindo sentado dao meu lado, com pose de
rei e olhos fixos. Ele era adorado pelos meus amigos. Olhei para trás e o idiota do
Blake ainda estava lá, todo gostoso com uma jaqueta de couro. Queria usar minhas
garras naquele bastardo.
— Quem manda ser gostoso? — Ri sem sentir nenhuma fagulha de ansiedade ou
nervosismo. Eu estava tranquila, na minha. Só não era cega: ele era um gato, meio
burro, mas ainda um gato.
Alguns amigos meus se aproximaram, levando Cyborg a rosnar e mostrar os
dentes. Eles pararam.
— Cyborg não está feliz hoje. — Sorri de lado, olhando para Blake à distância.
Às vezes, quando eu sinto raiva, eu só encarava fixamente o meu alvo, sem ficar
dando surtos.
Neste momento mesmo eu não saberia dizer se havia sido o meu olhar fixo ou as
pessoas que migraram para perto de mim, mas parecia que o olhar de Blake procurava
algo e, quando ele me encontrou, eu sorri, saudando-o com um curto aceno de piloto.
Vi como ele saiu empurrando as pessoas do caminho para vir até onde eu
estava, com sua boneca nariguda à sua cola. Quando estava a cerca de três metros de
distância, eu abaixei um pouco meu óculos, dando-lhe uma olhada de corpo inteiro.
Logo coloquei-o no lugar e virei-lhe as costas. Voltei à minha música.
Ignorando-o.
— Vadia — cantei — Vadia, pague o que me deve.
Escutei um rosnado primitivo.Cyborg dando olá! Ri contente do meu cachorro,
que era maravilhoso.
— Está na hora! — Josh, um dos filmadores da minha descida, avisou.
Peguei meu skate e fui caminhando devagar para a borda da descida. Seria mais
ou menos dois quilômetros de ladeira perigosa. Arrepiei-me toda.
As pessoas que estavam ali começaram a acompanhar. Blake, furioso, seguia o
fluxo também. Cyborg, caminhando ao meu lado, rosnava para todo mundo, menos para
Ally.
Chegando no lugar de partida, ergui um braço, dançando para descontrair. Meus
amigos todos levantaram a mão, me imitando.
Blake ficou pálido.
— Não faça isso! — berrou alto. A aflição dele piorando quando viu a ladeira.
— Blá-blá-blá. — Tirei os óculos e a blusa e entreguei para Ally. Minha
tatuagem e barriga ficavam à mostra, já que o meu top era curto.
Agora eu era o centro das atenções, com minha calça completamente rasgada no
joelho, tênis estilo coturnos e cabelo louco. Os caras queriam um pedaço da única
garota praticante de Longboard daquele grupo imenso.
— Miranda! — Blake gritou. Olhei para ele. — Não faça isso! É perigoso. Por
favor. — Ele ergueu uma mão e deu um passo. Cyborg rosnou ainda mais violento.
Sorri, arqueando uma sobrancelha enquanto acariciava a cabeça do meu bebê
fofo. Retirei meus fones, também entregando-os para Ally.
— Não faça isso, por favor! — Blake repetiu, branco feito papel. — Uma
queda...
— Blake, quem é essa? — a noiva perguntou.
— Eu sou a que estava verificando as amígdalas do seu noivo lá na casa dos
pais dele. — Não fiquei para ver o que ele iria dizer.
Virei-me para posicionar o skate. Quando dei o primeiro impulso, Blake gritou
alto.
De costas, eu ergui meus braços, dando-lhe meus dedos em riste como resposta,
ao mesmo tempo em que a adrenalina corria em minhas veias e o vento soprava meu
rosto.
Aquela era uma mega descida.
A maior que já enfrentei.
Capítulo 6

Valentina
A sensação que eu tinha era a de liberdade, quase como se pudesse voar.
Poderia até comparar este momento único com a sensação que tenho quando ando de
moto, porém aqui eu podia abrir meus braços e me permitir. O vento batia em meu rosto
como um açoite, nas curvas eu quase podia tocar o chão. Meu corpo em sintonia com o
momento.
Ouço um latido e soube que meu fiel amigo corria em meu encalço; ele sempre
fazia isso. Cyborg é um grande amigo.
Mais à frente havia uma curva fechada. Preparei-me, permitindo meu corpo
abaixar o suficiente para que meus dedos tocassem o chão, se assim eu quisesse. Meu
fôlego sempre travava quando eu estava nas curvas, isso ainda pelo fato de que a pista
era mão dupla. A adrenalina misturada ao medo causava uma energia intoxicante. Eu
não conseguia encontrar comparativos para esta sensação, ou talvez sim: quando
encontro uma reta e acelero minha moto ao limite.
Aumente a velocidade garota! Comandei a mim mesma. Havia acabado de
chegar a uma longa descida. Atenta aos movimentos, coloquei as mãos para trás, e me
inclinei para frente, aumentando o peso na ponta do meu Skateboard. A sensação de
queda aumentou a velocidade. As rodinhas com rolamento especial deslizavam com
perfeição pelo asfalto.
Olhei de lado e vi Josh sorrir de orelha a orelha. Ele apontava a câmera para
mim e eu fiz um sinal positivo, baixando ainda mais meu corpo e inclinando ainda mais
para frente, para aumentar perigosamente a velocidade que já estava muito alta.
Por um momento, o barulho silenciou. Euforia se espalhava pelo meu sistema de
forma que eu pude sentir borboletas no estomago.
Naquele trecho eu poderia dar ainda mais liberdade ao momento. Abri meus
braços, gritando minha felicidade. Cyborg respondeu com um latido feliz.
Olhei para trás e quase morri; até bambeei um pouco.
Um moto descia a ladeira, e eu sabia muito bem quem era o piloto.
— Merda de perseguidor — murmurei olhando para Josh. Ergui o indicador e
fiz um gesto circular. Ele acenou de volta, guardou a câmera e parou de me seguir.
Aquele gesto era um pedido de parada, ele agora poderia voltar e recomeçar
com outro skatista.
Sem mais exibição, pois eu estava mesmo querendo sair dali. Blake era
insistente e um sem vergonha. O cara era noivo e ainda por cima ficava querendo pular
a cerca.
Ridículo!
— Pare! — Escutei o berro e me assustei.
O skate bambeou nos meus pés, mas mantive o equilíbrio. Subiu um frio pela
minha espinha, um gelo de medo, porque uma queda ali e eu estaria muito ferrada. Meu
pai, no mínimo, iria quebrar meu skate e me deixar de castigo até eu começar a usar
bengala ou andador. E conhecendo o Sr. Sinclair, nem rodinha eu teria.
Não respondi. Comecei a girar o skate, manobrando de forma perfeita para
mostrar àquele idiota que eu não tinha perigo de cair.
— Miranda! — gritou, buzinando a moto sem parar.
Ele estava ao meu lado. Se tocasse em mim, eu iria virar polpa de morango.
— Pare!
Olhei para Blake de cara feia. Ele estava pálido, com os olhos arregalados.
— Tudo sob controle! — gritei e ele negou, aproximando-se mais. — Seu
louco, não faça isso!
Tarde demais. Havia uma pequena fissura no chão e, tão próximo a mim do
como a moto dele estava, não havia para onde eu pudesse desviar. Meu skate passou
bem em cheio na fissura, perdi o controle e a instabilidade das rodas. Escutei um grito
horrorizado. A sensação de que estava ferrada bateu tão duro que nem deu tempo de ter
medo. Quando dei por mim, já estava voando igual a um pássaro.
Eu vou matar esse idiota!
Ainda pude ouvir o pensamento e, em seguida, houve um clarão em meus olhos.
O fôlego foi expulso dos meus pulmões.
E eu apaguei.
***
— Inferno de cachorro demoníaco! — Escutei um berro, um rosnado violento e
um zumbido desconhecido ecoarem dentro dos meus ouvidos.
Respirar era uma tarefa quase impossível. Meus pulmões pareciam dois balões
murchos.
Gemi desorientada
— Oh, graças a Deus! — O lamento foi quase choroso.
Abri um olho e vi tudo vermelho. Comecei a me mexer e só conseguia gemer.
Doía até meus dentes.
— Miranda, por favor!
Miranda? O que minha mãe estava fazendo aqui? Onde raios eu estava?
Apertei os olhos. Minha cabeça latejava; um liquido viscoso molhava meu rosto
e escorria pelo meu pescoço.
— Infernos, saia do meu caminho, seu monstro!
Os grunhidos e rosnados soavam cada vez piores. Eu tentei me sentar, mas caí
de lado. Alguém gritou, e eu tentei de novo. Sangue enchia minha boca. Coloquei para
fora, e escorreu pelo meu queixo.
— Miranda, ma petit, por favor, me deixe te ajudar. — Ainda confusa, procurei
o dono da voz.
— Miranda? Não me chamo Miranda. — Tentei ficar em pé, mas era
impossível.
Meu corpo todo protestou, então deslizei – não tão graciosamente – de novo
para o chão. Arrumei-me com muito esforço para, pelo menos, ficar sentada. A cabeça
pendendo e o sangue pingando.
— Permita-me chegar perto, por favor.
Olhei para mim mesma, ignorando complemente o idiota falante. Eu estava toda
suja de terra e grama; minha calça suja de sangue devido ao corte no joelho. Olhei
minhas costelas que estavam uma mancha só; havia ralado no chão, então agora tinha
uma bela ferida lateral.
— Miranda!
— O que é? — indaguei, olhando de novo para ele. Sacudi a cabeça. A
confusão foi limpando até que lembrei do motivo pelo qual eu estava no chão, toda
arrebentada. — Estou ferrada! — lamentei baixinho. Minha mãe iria arrancar o resto da
minha pele. Agora eu não teria paz na minha vida.
— Cyborg — chamei meu cachorro e retirei o comando de contenção. Logo ele
afastou-se um pouco e deitou, me encarando.
— Graças a Deus! Ele quase me mordeu — Blake falou assim que pôde chegar
perto.
— Meu cachorro não come porcaria — resmunguei, cuspindo sangue. — Seu
grande idiota! Não encosta a mão em mim! — Eu o empurrei sem muita força; ele nem
se moveu. Suas mãos trêmulas começaram a vasculhar em busca de possíveis ossos
quebrados.
— Isso dói! — gemi, dando-lhe um tapa. Minha cabeça estava parecendo um
tambor.
— Envelheci dez anos — ladrou, tocando meu rosto. Seus dedos, com muita
gentileza, tocaram meu nariz, e notei que voltaram sujos de sangue.
— É grave, viu?! — gemi de dor. — Você tem coração fraco. Agora ajude-me a
levantar e depois me deixe em paz. — O idiota gostoso fez como pedi.
Por sorte, eu não havia quebrado nada, mas estava meio grogue. Minhas pernas
falhavam.
— Eu tenho você! — murmurou, puxando-me de encontro a seu peito.
— Blake...
— Uhn?
— Não deixe que me vejam assim. — Minhas vistas estavam embaçando. —
Não deixe.
— Confie em mim, ma petit — sussurrou quando meu corpo caiu frouxo. —
Ninguém irá te ver.
— Tudo sua culpa. — Minha voz soou quase inaudível.
— Sim, pequena. — Senti seus lábios em mim. — Tudo culpa minha.
— Cyborg... — suspirei, sendo abraçada pelo seu calor. — Blake é amigo.
A escuridão rondava minha cabeça.
— Amigo, Cyborg — falei com esforço.
— Por enquanto, acredite nisso, se te faz feliz.
Pela segunda vez na minha vida eu desmaiei.
***
— Deixe de agonia — uma voz de homem grunhiu. — Ela irá acordar!
— Não é a sua mulher que está desmaiada! Se fosse, não estaria nessa calma
toda — Blake rosnou.
— Não sou... — murmurei, abrindo os olhos. — sua mulher coisa nenhuma.
— Graças a Deus! — Ignorando completamente o que eu havia dito, ele veio
para cima de mim. — Como se sente?
— Atropelada e muito puta com você. — Ele sorriu!
Mas que droga! Por que ele sorriu? Se Blake, por acaso, pensava que eu iria
me encantar com esse sorriso lindo, ele podia ir tirando o cavalinho da chuva.
Ei, borboletas idiotas, parem de voar! Parem agora!
— Você, seu grande barbeiro! Por sua culpa eu caí! Ódio de você, Guardião da
cripta! — Ao invés de achar ruim, ele riu ainda mais.
Feliz?! O cretino que me acidentou estava feliz?! Jesus, eu iria matá-lo!
— Graças a Deus que está de volta — disse, dando-me um selinho.
— Eu por acaso estou te dano liberdade para me beijar? — rosnei, tentando
sentar. Eu tombei e ele me segurou.
Droga. Eu me sentia bêbada.
— Miranda, não é? — Ouvi falarem e nem olhei. — Responda, senhorita. Seu
nome é Miranda?
— Ah, sim, é! — assenti.
— Miranda de quê?
— Miranda não te interessa. Agora me deixe ir embora. — Empurrei Blake, que
só fazia rir. — Não vejo graça, Tio!
Os homens caíram na gargalhada e eu fiquei com ainda mais raiva. Uma leve
dormência me deixava confusa e chateada.
— Sua garota está de mal humor, Blake. — Arregalei os olhos, sem acreditar.
— Do jeito que você falou.
Mas que merda era essa?!
— Obrigado pela discrição e por me receber, Carl. Eu agradeço muito. —
Blake estendeu a mão para o homem de jaleco. Obviamente ele era o médico.
— Eu quero as cadeiras especiais e os bastidores da corrida, como você
prometeu. — Rindo, ambos começaram a caminhar em direção à porta.
— Ei! Que qualidade de médico é você? — Apontei o dedo. — Vai me deixar
aqui com ele? Quero ir embora!
— Vai ficar querendo. Você está em observação pelo restante do dia. Não
reclame. Você está sob os cuidados de Blake.
— Ele por acaso é enfermeiro?
E por que eu deveria agradecer, se ele era um piloto profissional e vivia
fazendo barbeiragem? Eu devia fazer o quê? Adorar que ele fosse meu enfermeiro? Eu
acabaria morrendo, isso sim.
— Qual é a graça?
Ambos riam ao olharem para mim.
— Ele disse que você seria assim, toda esquentada. O amor é lindo! — disse e
saiu.
— Nem venha, Blake! — avisei quando ele se reaproximou. — Você está
noivo! Por acaso deseja montar um harém? Vá arrumar mais vadias descerebradas para
preencher a folha, porque eu não vou ser mais uma aquisição sua!
— Miranda, amor — murmurou em tom apaziguador. — Você irá ser minha...
Por que apenas não poupa o seu trabalho de negar, e o meu de insistir?
Senhor, eu mereço isso?
— Blake, só no dia que o inferno congelar. Não tenho material para ser puta de
ninguém. Você teria quer ser muito melhor para me fazer quebrar as regras.
— Isso é facilmente remediável, basta apenas ter paciência e me deixar...
— Meu cachorro! Onde está meu bebê? — Evitei olhar para ele.
O safado tinha um sorriso e a boca pecaminosa convidava a imaginação. Não
estava caindo de amores por ele, mas que Blake era lindo, isso ele era. E me lembro
muito bem como era um beijador infernal. Meus peitos também lembram.
Droga!
— Ele está em um SPA para cães. Vai ter um final de semana de rei.
— Você está corrompendo meu menino? — Fiz um bico.
— Bobagem. Agora me diga: você estava sozinha?
— Estava com uma amiga, apenas. Agora pode ir embora. Você deve ter coisas
para fazer.
— Ok! — Levantou sem protestar.
— Muito bem. Antes de sair, deixe anotado o nome do lugar onde posso pegar
Cyborg... O que você pensa que está fazendo?
— Tirando minha jaqueta. Quero ficar confortável.
— Mas você disse ok e levantou.
— Para você parar de falar!
— Gosto de você bêbado.
— Gosto de você em meus braços.
— Tarado!
— Claro! Estou há muito tempo de pau duro por sua causa.
— Minha causa, não. — Cruzei os braços. — Não sou eu quem tenho problemas
com super excitação. Na sua idade, isso deve ser algum problema. Procure um médico;
aproveite que está em um hospital e vá.
— Como eu senti sua falta — murmurou, segurando meu rosto. — Passei um
mês de sofrimento. Nem dormindo direito, eu estava, por medo de outro homem chegar
na minha frente.
— Não é problema meu se você sofre de insônia. — Fiz careta e ele puxou meu
lábio inferior devagar. — Não me beije, senão vou te morder... — Suspirei e ele gemeu
baixinho, passando a língua de leve pela minha boca.
— Morda se quiser, eu não me importo.
— Apenas pare! — Puxei o fôlego, devagar. — Não vou te beijar. Você é um
péssimo beijador.
— Ensine-me, então — revidou e nos olhamos. O riso estava estampado em
nossos olhares.
— Blake... — Nem tinha muita convicção em mim. Perto dele eu ficava meio
quente e mole.
— Eu te quero demais... — As suas palavras murmuradas me deixaram ainda
mais tonta
— Eu te odeio por me fazer te querer.
— O amor começa assim. — Sorriu, acariciando meu rosto. — Vou cuidar de
você, mas primeiro vou te beijar como esperei por tanto tempo.
Nem liguei para o fato de minha boca estar com gosto de sangue. Se ele, que era
o principal interessado, insistia, então depois que não reclamasse! Estávamos tão
próximos, que seus longos cílios tocavam minha pele.
Essa demora era como se fosse uma pequena expectativa, um preparo.
Meu corpo estava confuso; não sabia se sentia desejo ou dor.
Fechei meus olhos e, quando ele fechou os dele, nossos lábios se tocaram.
Suspiramos juntos. Nossas bocas, tão próximas, criariam um encaixe perfeito.
— Que baixaria é essa? — Olhamos para porta e quem estava lá? A noiva.
Respirei fundo enquanto pensava em algo para dizer...
— Olá, querida! Seu noivo estava me falando sobre você, então algo caiu no
meu olho e ele veio ajudar. Senta aqui. Vamos conversar?
— Sim, vamos, mas por que pareceu que vocês iam se beijar?
Mordi o corte em minha bochecha e então sorri para evitar rosnar.
— Acha que ele a me beijar? Olha a minha boca como está! — Mostrei a língua
ensanguentada, e a noiva ficou meio verde. —Prazer, Miranda — Estendi a mão.
— Barbara Richmore — respondeu sem querer chegar perto. Enquanto isso,
Blake ria, com uma sobrancelha arqueada.
— Olhe, me desculpe mais cedo. Eu sou apenas amiga dele, amante de esporte
radicais e velocidade. Nunca tivemos, nem teremos nada. Blake, para mim, é apenas um
amigo e nada mais. Vamos deixar o mal entendido de lado?
— Ah, tudo bem. — Sorriu aliviada, e Blake me olhou cuspindo fogo.
Dei de ombros.
— Como chegou aqui, Barbara? — Blake parecia zangado, mas ficava fofinho.
Até me ajeitei para assistir melhor.
— Bom, eu esqueci meu celular em sua jaqueta. — Notei que ela estava ficando
vermelha. — Mandei rastrear. — Comecei a rir, não dava para evitar.
— Ei, muito bem, garota. Tem que rastrear mesmo. Sabe, eu até tenho um casal
de amigos que andam com pulseiras rastreadoras. Se você quiser, eu posso entrar em
contato e ver se consigo um par para vocês. Até o nome ele grava nas pulseiras.
— Cale a Boca. — Blake apontou o dedo para mim e eu ri ainda mais.
— Obrigue-me!
— Blake, querido, eu acho que poderia ser bom... O mundo está perigoso
demais.
Naquele momento houve uma batida na porta e Ally entrou, toda tímida e linda.
— Venha, querida, sente-se aqui. — Bati na cama e ela veio já em lágrimas por
causa do meu estado.
— Eu morri de medo — lamentou. — Josh falou que você tinha caído. Meu
coração quase parou.
— Vaso ruim não quebra. — Pisquei um olho e Barbara riu, aparentemente
contente.
— Creio que tem muita gente no quarto. — Barbara quebrou o silêncio. —
Blake, querido, vamos deixar Miranda em paz?
A cara dele estava de dar medo.
— Vá na frente — grunhiu, empurrando a noiva. — Não me espere, porque não
tenho hora para chegar.
— Vou ficar com você aqui, Val — Ally confidenciou e eu neguei.
Deus me livre de meus pais descobrirem que estou no hospital.
— Não. Você vai para casa e avisará aos meus pais que eu irei passar o final de
semana com uns amigos na praia. Eu ligo amanhã.
— Tem certeza? — inquiriu, duvidosa.
— Claro, agora vá. Eu não tenho nada quebrado. Está tudo em ordem e você
sabe que essa nem foi a minha pior queda.
— Não quero ir.
— Mas vai. Cyborg vai ficar comigo. —Ally me abraçou com cuidado e saiu do
quarto.
Blake me olhou por um momento, apontou o dedo e saiu também.
Relaxei. Até fechei os olhos, curtindo o silêncio, que não demorou muito.
— Mas o que é isso? — rosnei quando Blake voltou. Ele sorria.
— Obrigado por facilitar a minha vida.
— O que eu fiz? — perguntei assustada.
Ele estava com cara de psicopata.
— Barbara pede desculpas por não ficar e disse que deseja que se recupere
logo. — Blake riu descarado — Ah, sim! Ela disse para eu cuidar bem direitinho de
você.
— Bastardo! — acusei — Como conseguiu?
— Você conseguiu — respondeu, os olhos brilhando.
Que merda eu fiz?
Capítulo 7

Valentina
— Não sei o que se passa nessa sua cabeça perturbada, Blake. — Fiz uma
careta quando as minhas costelas começaram a doer. — Qual a parte do “Não vou ficar
com você” que VOCÊ ainda não entendeu?
Olhei a cara do bastardo. Por que tinha que ser lindo desse jeito? Mas não era
só isso: era a cara de safado, mesmo, do tipo bom de cama, daqueles que comem e
ainda querem comer mais. Isso deixava até as virgens experientes, como eu, de pernas
bambas. Merda!
— Eu já disse que você será minha. — Sorriu, sentando-se na minha cama. —
Eu estou tão tranquilo sobre isso que nem me importo com suas carícias de amor.
— Você, com certeza, caiu e bateu a cabeça quando era pequeno, porque normal
você não é! Já falei que não tenho material para puta. Eu não vou ser a sua amante.
Tome vergonha na cara, e vê se te arrume com a tua noiva esquisita.
— Suave, ma Petit — murmurou rindo e eu com ódio crescente.
— Vai ver se estou na esquina! — Peguei o controle da TV e joguei nele. O
bastardo desviou e, se possível, sua crise de cacarejos aumentou. — Você parece uma
hiena. Ridículo, ouviu? Você está ridículo!
— Já que gosta tanto de ser clara, deixe-me ser também — fez suspense —
Você me ama, Miranda — falou todo seguro de si. — Só não sabe ainda.
Minha cara de descrença deve tê-lo alertado de que foi longe demais, porque,
coitadinho, ele até se encorpou na cama.
— Blake. — Segurei a risada. — É sério isso? — Ele só me encarou. —
Querido, para começo de conversa: eu não acredito em amor à primeira vista; depois:
eu não acredito em amor à segunda vista, e nem de terceira, nem de quarta. Agora, para
você, que tem o raciocínio lento demais para um homem dessa idade, eu vou desenhar...
Seus olhos estreitaram-se enquanto ele me encarava. Só Deus sabe o que raios
se passava na cabeça louca daquela criatura.
— Vou ser bem sincera com você: se vivêssemos um romance, eu seria aquele
que tem o pau entre as pernas. — Ergui um dedo quando ele abriu a boca para falar. —
Muito provavelmente, eu seria o amigo do mocinho, porque eu não tenho saco para
romantismo, aí veja: eu seria o amigo fodedor que inferniza o idiota apaixonado para
ele não se deixar abater, entende?
— Perfeita para mim. — Sorriu, piscando o olho. — Eu seria a mocinha e iria
te dominar. Já vejo tudo.
— Blake, me responda uma coisa com sinceridade — pedi e ele anuiu. — Seus
pais já negaram alguma a você?
Sua testa enrugou e, se possível, ele ficou ainda mais lindo. Mas era um
pecado... Se fosse solteiro, eu ficaria.
Deixei-o pensando e pensando. Não dei um pio sequer.
— Não, eu sempre tive tudo.
— Agora está explicado essa sua obsessão por mim. — Ergui as mãos para
cima. — Já tenho o seu remédio!
Inclinei-me para frente e ele veio também.
— Qual é? — Notei a ansiedade em sua voz.
— Procure outra! Mude o foco; pegue algo mais fácil e não em uma prateleira
que você não alcança! Isso que você tem é paixonite aguda por um brinquedo exclusivo
e não recarregável, ou seja, você está birrento porque foi mimado demais. Sua mãe
deveria ter te dado uns tapas, ao invés de atender aos seus caprichos.
Primeiro ele me olhou por um longo tempo. Depois coçou o queixo, a barba,
sorriu de lado e fez um bico. Por fim, fez uma cara de “Não importa! Eu arrumo uma
escada, mas sempre consigo o que quero”.
— Bobagem. Eu adoro uma coisa exclusiva, e não posso evitar. Você cravou
suas garras de megera em mim. Culpa sua, e não minha. Se quiser me soltar e me deixar
livre, eu poderia me afastar, mas você não deixa. Então se culpe. A cada alfinetada que
me dá, eu tenho mais tesão por você, porque sei que, um dia, quem estará brincando de
perfurar, serei eu.
Meu queixo caiu.
Nunca fui tão confrontada dessa forma! No geral eu sempre coloco os rapazes
para correr, mas a ficha agora caiu. Não estou lidando com um garoto, e sim com um
homem.
— Ficou calada de repente? — Sacudi a cabeça, voltando à realidade. Pelo
visto, Blake não iria descolar com gentileza. O jeito seria puxar à força, mesmo...
— Estava aqui pensando... — Passei a mão no rosto. — Vou ser sincera com
você — falei séria. Ele até perdeu a expressão brincalhona. — Blake, eu não quero
namorar, ficar, ou qualquer coisa que me prenda. No dia que eu disse que poderia
tentar, eu realmente quis dizer isso. Eu desejei você e teria ido até Deus sabe onde, se a
sua noiva não tivesse nos interrompido.
Uma expressão de pura raiva modificou seus traços. Naquele momento eu soube
que Blake era muito mais do que apenas brincadeiras e sorrisos. Ele estava
escondendo-se de mim. E isso, para a desgraça dele e minha, atiçou a curiosidade da
senhorita Não toque, Desculpe, já toquei.
— Eu não vou ficar com você, caramba! Você tem uma noiva; fique com ela e,
se não estiver satisfeito, se resolva. Mas mentir para a coitada, traí-la? Isso é triste.
Não que eu me importe, porque eu sou solteira, mas o ponto aqui não é esse. Você deve
se importar com sua garota, e não eu. Se faz isso com ela, irá fazer com qualquer outra.
Não comece um relacionamento assim.
Ele respirou fundo. Encarou-me por um longo tempo, então eu esperei.
— Quero você e não vou desistir — murmurou, e pela expressão em seu rosto,
ele falava sério.
Contudo, tinha mais coisa ali.
— Barbara sabe algum segredo cabeludo seu, não é?! — investiguei — Ela fica
toda feliz do seu lado, mas você parece que chupou um limão.
— É complicado, Miranda, existem muitas coisas no meio.
Fingi um bocejo.
— Deixe-me adivinhar. — Tentei me ajeitar nos travesseiros, mas, infelizmente,
estava tudo doendo. Sorte a minha que eu não caía com pouca coisa. — Você sabe algo
dela, ou ela de você, então fizeram um pacto estranho de manter um relacionamento
fictício que acabou virando uma meia verdade? Se você não tem coragem de dizer “eu
não quero”, é frouxo.
— Adoro sua perspicácia — rosnou baixo, sua expressão de assustar. — E um
dia, quando a oportunidade surgir, vou te mostrar como posso ser “frouxo” de verdade.
Ironia, não é? Eu notei e, ansiosa, comecei a cutucar:
— No dia que você estiver devidamente livre e, eu, muito, muito disposta.
Porque, Blakezito, antes disso, você terá bastante trabalho.
Ele sorriu, acenando.
— Adoro um desafio.
E eu adoro te sabotar, Blake, querido!
Resolvi que tem mais futuro, para mim, apenas deixar Blake à vontade; não iria
empurrá-lo porta à fora, pois ele parecia ter uma tendência absurda para o masoquismo,
porque ali gostava de sofrer, não tinha vergonha na cara, e eu já estava ficando sem
argumentos.
O que adiantava eu ser petulante e ignorante se o bastardo apenas ria? Ele acha
graça, ele acha fofo a minha língua ferina.
— Vou te chamar de criatura – murmurei fazendo careta; agora sim eu sentia
bastante dor. — Você não é normal, deve ser uma experiência.
— Eu sou o que você quiser, ma petit. — Sorriu quando vinha para tocar em
mim.
— Não me toque — reclamei quando sua mão carinhosamente escovou minha
franja. — Além de doido é surdo. Eu te odeio.
— Eu também te odeio. — Sua testa estava franzida. — Merda, você está com
febre.
— Eu não tenho essas coisas. — Não evitei um gemido. Minha cabeça estava
latejando.
Ergui uma mão e toquei, sem cuidado algum, uma parte machucada. Encolhi-me
toda. Havia tinha uma área muito, muito, dolorida com uma saliência que, no momento,
eu não queria saber o que significava.
— Ei, calma aí! Você levou três pontos. — Ele segurou minha mão e eu fiz um
bico. — Teve uma luxação no ombro, também, e, pelo visto, a dose de sedativo que
Carl lhe deu já passou o efeito.
— Blake... — Fechei os olhos quando uma náusea ameaçou me atingir. — Eu
estou ficando tonta.
— Fique calma. Vai dar tudo certo. — Senti-me tombar de lado e ele me
segurou. Uma fadiga passou a me engolir enquanto eu afundava em seus braços.
— Eu estou ótima, você que cansa a minha beleza. — Suspirei, permitindo que
ele me abraçasse.
— Claro que sim. Eu sou intragável, lembra? — Riu suavemente, para logo
fazer silêncio. — Não sei por que você me olhou com indiferença na festa de Alec... Eu
estava quase indo embora e, de repente, eu vi meus desejos molhados parados a poucos
metros.
— Eu sou assim: chocante — falei e ele riu. — Beije minha bunda.
— Quando você permitir, vou beijar mais do que isso.
— Tarado pervertido!
— Eu sou um santo, um anjo de bondade — brincou, mas minhas dores
aumentavam muito rápido. — Aliás, sou o guardião da cripta, esqueceu? Acumulei
experiência ao longo dos séculos.
Fizemos silêncio. Aquele aconchego estava tão confortável... Eu não conseguia
arrumar uma resposta plausível para este conforto todo.
— Você encaixa nos meus braços. — Ouvi Blake, ao mesmo tempo que ele
esfregava os lábios na minha cabeça. — Não lute tanto, ma petit, por favor, eu te
desejo muito.
— As pessoas desejam muitas coisas. Eu, por exemplo, não desejava cair, e o
que aconteceu? O destino, ou melhor: você me ajudou a não realizar. Moral da história:
nem sempre temos os desejos realizados. Acostume-se.
— Uhun. Sorte a sua que sou paciente. Quando estivermos relaxando, depois de
fazer amor, eu vou te lembrar de como é bom ter os desejos realizados.
Não respondi, pois ele sempre tinha resposta para tudo. Se eu falasse dez, ele
dizia vinte. Aliás, não estava pensando direito, meu disco rígido havia sido danificado
na queda. Precisava me recuperar primeiro.
Não mudamos a posição. Blake estava ali, em pé, ao lado da cama, e eu
sentada, completamente abraçada por ele. Já deveria até estar com o cheiro dele,
porque, verdade seja dita: ele era muito cheiroso.
— Blake, eu possivelmente... — gemi mais do que falei. Não estava dando para
esconder, nem ser durona; até eu tinha limite. Fechei os olhos, meio que apagando. Isso
era normal?
— Você possivelmente o quê? — Ele mexeu em meu rosto para erguer a minha
cabeça. — Abra os olhos, por favor.
Sua voz estava aflita?
— Dói, Blake... — Obedeci seu pedido e quase me afoguei em seu olhar. Por
que ele me encarava com tanta intensidade? Não queria que me olhasse dessa
maneira, pois ele parecia me despir com essa intimidade toda.
Eu me senti assustada e, por isso, o empurrei.
— Não me afaste! — Respirei seu hálito quente, saboroso. Nós estávamos tão
próximos! — Não faça isso.
— Fique solteiro e volte em alguns anos — respondi e ele sorriu de lado, me
dando um selinho. — Aproveite que estou com a guarda baixa. Ainda vou te chutar nas
bolas.
— Se me chutar nas bolas, terá que fazer carinho com a boca depois — falou
em meu ouvido. Me arrepiei inteira.
— Jamais, meu bem. Eu nunca farei isso.
Ele gargalhou alto e, em minha cabeça, foi como uma violência. Me encolhi e
acho que, para o meu total horror, choraminguei de verdade.
Naquele instante, uma batida na porta quase me fez desmaiar de alívio. Devia
ser o médico.
— Você quase perde suas credencias para os bastidores — Blake falou para o
visitante. — Que demora do caralho, Carl!
— Desculpe. Eu estava visitando a ala cirúrgica. Agora deixe-me ver o que está
acontecendo.
Blake me deitou na cama, com tanto cuidado, que até parecia que eu iria
quebrar. Logo o médico estava em cima de mim, colocando uma luz forte nos meus
olhos.
— Pupilas contraindo normalmente — murmurou, colocando dois dedos no meu
rosto. — Quantos dedos você vê?
— Cinco.
— Tudo está como deveria. Você é dura, mas uma queda como a sua pode ser
fatal. Eu já analisei a sua tomografia, e os exames ósseos. Está tudo no lugar. É só
estresse causado pelo acidente.
— Eu não me lembro desses exames. — Arregalei os olhos. Eu não gostava da
ideia de ficar vulnerável.
— Você passou duas horas fora do ar, e no desespero dele... — Apontou para
Blake. — Eu fiz todos os exames, ou estaria com outro paciente, devido a infarto.
Olhei para o Blake e ele colocou a mão no peito, como se pedisse paz. Assenti.
— Vou ministrar um remédio anti-inflamatório e um analgésico sedativo. Irá
aliviar a dor. Quando for tomar banho, lave a área dos pontos. Creio que ficará um
pouco tonta quando estiver de pé, então tome banho sentada. Ou com ajuda.
— Tomar banho sentada, ótimo. Doutor, preciso comer. Se o acidente não me
matou, a fome irá.
O médico riu da minha cara e saiu avisando que iria passar a receita para a
enfermaria.
— Pronto. — Fiz um bico. — Vou morrer de fome, de dor e de tristeza!
— Eu vou contrabandear uma salada para você.
— Blake, eu não gosto muito de salada, entende? Preciso de algo mais pesado.
— Geralmente as mulheres vivem de dieta, não é? — Ele coçou a cabeça,
confuso.
Neguei, tentando ficar séria.
— Se vai contrabandear alimento, faça isso direito. Compre um Big Mac com
carne extra, batata grande e Coca-Cola média. Não esqueça o molho. Ninguém é nada
sem molho.
Minha barriga roncou, afirmando minha situação precária.
— Estou morrendo de fome. Se você puder ir agora, eu te agradeço.
— Só vou sair quando você for medicada. — Blake estava meio tenso, mas
ainda sorria.
— O que há com você? — perguntei, encarando-o. — Você sorri demais. Isso
assusta, devido às circunstâncias. Isso é esquisito.
— Desde que você me aceite, posso ser tudo.
Não respondi. Só me encolhi de lado, deixando-o. Eu esperava que o médico
voltasse com essa receita, ou eu estaria chorando mesmo, e não tinha piada no mundo
que me distraísse da quantidade de dor.
Sentia-me tonta, enjoada e meio sufocada.
Encolhida na minha, evitei olhar para Blake, essa indiferença que ele parece ter
dos meus modos selvagens, está me deixando exasperada. Ele nem liga. Como ele nem
liga?
Fechei meus olhos e desejei minha cama, o conforto de minha casa, mesmo que
eu precisasse fingir que estava melhor do que aparento, aliás, às vezes, eu fazia isso.
Quase sempre, na verdade. Não me sentia bem demonstrando fraqueza.
— Pode me ignorar — ele disse de maneira irônica.
Ignorei mesmo.
Nós éramos tão diferentes!
Blake, minha múmia preferida, você não é para mim!
***
Muita gente por aí não consegue disfarçar suas aflições, sejam elas físicas ou
emocionais.
Eu me tornei especialista no oposto. Começou quando eu queria fazer luta.
Minha mãe tinha medo; meu pai, nem tanto.
Muitas vezes eu estava toda roxa, sem aguentar sentar ereta, de tanta dor nas
costas, devido ao número de quedas nos treinos, mas eu tinha que esconder. Meu pai, às
vezes, notava. Creio que meu olhar suplicante o fazia me ajudar. Não era surpresa
encontrar, na geladeira, bolsas de gel especial para compressa, tampouco analgésicos e
anti-inflamatórios no meu travesseiro. Meu pai cuidava de mim, mas respeitava meu
espaço.
Existia algo que queimava meu temperamento: eu odiava injustiça. Odiava que
alguém mais forte humilhasse um mais fraco, estigmas, machismo e até mesmo
feminismo quando isso atingia quem não deveria. Por fim, posso dizer que odiava as
formas como as pessoas não sabiam respeitar o espaço das outras.
No geral, muita gente dificulta a própria vida, preocupando-se com coisas que
geralmente não lhe dizem respeito. Em minha família cada um respeita o outro, porém,
durante um tempo, tive minha mãe achando que eu precisava me ocupar com algo
especial que tirasse o foco da minha agressividade nata. Lembro como se fosse hoje a
última tentativa que ela fez para me afastar dos treinos:
— Anda, Valentina! Temos uma surpresa para você. — Minha mãe chegou em
meu quarto. Eu tinha dezesseis anos. — Vista-se que vamos à feira de animais.
Pulei da cama e quase chorei. Minhas costelas estavam uma tristeza. Eu tinha
sofrido alguns golpes do meu parceiro de treino; ele estava tentando entrar no MMA
e me arrebentou porque sou melhor no chão. Ele também saiu ferrado, mas eu estava
andando torto e respirando devagar.
Eu me arrumei, vestindo uma blusa de mangas compridas, e um moletom.
Prendi meu imenso cabelo loiro em um rabo de cavalo, depois saímos de casa.
Viviam estava linda; ela sempre se vestia como uma bonequinha. Eu admirava minha
irmã e sua doçura, mas eu não conseguia sorrir e baixar a cabeça. Havia uma
tendência a encarar inerente a mim. No carro, meu pai sentou ao meu lado. Minha
mãe estranhou ele não dirigir, pois a desculpa usada foi que ele precisava conversar
comigo sobre um curso especial de marmorização; eu já trabalhava com as pinturas,
na época. Mas eu sabia que, na verdade, meu pai queria me apoiar ao seu lado, e ele
o fez, passando seus fortes braços a minha volta.
— Sei que mal consegue se manter em pé — sussurrou em meu ouvido. —
Esses treinos têm que diminuir a intensidade. E você deixe de ser tão dura.
Em um pequeno momento eu cogitei a hipótese de me tornar profissional,
entrar nas lutas e ficar por lá. Liberar a tensão em um saco de pancadas era mais
fácil do que guardar tudo e acabar explodindo como uma panela de pressão. Não
houve resposta que eu pudesse dar a meu pai, pois nós sabíamos que eu não iria
parar. Finalmente chegamos na feira e o que mais tinha era gente. Senti um pequeno
frio de apreensão, mas meu pai estava ali, ele me protegeu como se fosse meu
segurança. Evitando qualquer esbarrão sem querer.
— Veja esses aqui! — Viviam fez uma voz encantada. — Poodles, eu amo
poodles.
— Valentina vai escolher. — Minha mãe sorriu. Deus, como era linda!
— Olhe aqueles ali. — Meu pai apontou. — Labradores são muito
brincalhões. Tem o York também
— Não ainda, pai. — Olhei ao redor. Vários criadores estavam ali com seus
cãezinhos fofos. Todas as cercas de filhotes estavam cheias de pessoas brincando ou
disputando algum, porém ali no meio havia uma cerca que ninguém parecia notar.
— Ohhhh, que lindo! — Viviam estava com os olhos brilhantes. — Val olhe
este Husky siberiano. Tão fofo!
— Calma aí! Quem vai escolher sou eu. — Franzi o cenho caminhando para o
lugar desprezado pelos outros.
Algumas pessoas pararam lá antes que eu pudesse chegar perto, mas todas
elas seguiram adiante, sem demorar muito. Algumas até faziam cara de riso. Já me
chateei, porque parecia haver alguma piada ali. Adiantei o passo e, quando cheguei,
vi que havia apenas um filhote naquele cercadinho. Eu não reconhecia as raças
assim, no olho, mas aquele filhote era bonitinho.
— Dobermann. — O dono do cercado era um garoto. Ele parecia fofo com
suas bochechas rosadas. Encarei-o por um momento e logo ele desviou o olhar. —
Ninguém os quer por causa do tamanho — murmurou baixinho. — Não é defeito,
moça, é só que o pai deles é maior que o normal.
— Você só tem esse? — perguntei ao garoto e ele negou.
— O outro está doente. Está escondido debaixo do ursinho. — Apontou para
um canto onde havia um amontoado de tecidos e um ursinho de pelúcia. Fiz a volta
para poder chegar até lá, com sofrimento, porque doeu horrores. Eu inclinei e
comecei a desenterrar o filhote escondido.
Na primeira olhada foi amor duro e forte.
— Vou ficar com ele — sorri enquanto encarava os olhinhos marrons.
Inclinei-me um pouco e esfreguei meu nariz no dele; o filhote choramingou e eu o
abracei com cuidado.
— Ele está doente — o garoto falou. — Leve o outro.
— Eu quero este aqui.
— Então pode ficar com ele — um homem falou. — Eu os trouxe porque meu
filho estava a ponto de surtar; chorou dia e noite com cada filhote que morria. Sinto
muito, mas a mãe deles está bem velha e creio que esta seja a última ninhada.
Nasceram cinco filhotes, sobraram apenas estes dois machos.
Olhei para o meu pai e fiz um bico. Ele balançou a cabeça. Aumentei o bico.
Ele revirou os olhos.
— Vou ficar com os dois. — Os homens ficaram acertando os detalhes da
venda enquanto eu mimava o meu filhotinho.
Viviam pegou o outro filhote marrom. Ela o encarou e sorriu, fazendo o
mesmo que eu.
— Achei tão fofo. — Minha irmã sorriu. — Ele precisa de um nome que
combine com essa fofura toda.
— Mas não vai ser fofo para sempre — lembrei. — O meu vai se chamar
Cyborg. — Esfreguei a ponta do dedo em sua cabeça. — Ele tem cara de quem vai
ser fodão.
Infelizmente meu avô também se apaixonou pelo cachorro de Viviam, e o
levou quando veio nos visitar. Minha irmã chorou, mas minha avó a convenceu,
dizendo que o cãozinho faria companhia a ela e ao vovô.
Minha irmã tinha um coração de ouro, e aceitou. Por um momento eu até
agradeci que meu filhote fosse doentinho.
Cyborg me fez ficar acordada por várias noites, morrendo de medo. E quando
ficou bom, se tornou o queridinho da casa. Ele dormiu em minha cama até
desenvolver um amor especial pelas minhas colchas; ele mordeu todas.
Minha mãe projetou uma casinha quando ele ficou maior, digo: muito maior.
Cyborg era meio mutante. Um dobermann gigante e raro, pelo que o veterinário
constatou. Na época certa, colocamos o meu amorzinho para ser treinado. Depois de
todo o trabalho duro, Cyborg estava em um nível tão hard de perfeição, que lágrimas
de emoção e orgulho queriam se derramar dos meus olhos.
Voltando ao presente, eu devo salientar que o objetivo da minha mãe para me
afastar da academia de luta foi em vão. Eu continuei indo; continuei escondendo minhas
lesões; continuei vivendo mais dias mais machucada do que inteira. Já cheguei ao ponto
de torcer o punho e trabalhar para não deixar que descobrissem.
Então, agora, resumindo minha situação: estou uma massa de dor, mas ainda
assim não fico choramingando. Os gemidos que deixei escapar foram porque não deu
para conter e Blake ficava com esse cuidado todo, me tirando a concentração.
— Preciso tomar um banho — resmunguei, puxando o lençol.
— Fique aí. Você irá tomar um banho na cama, mesmo.
— Deus me livre! Banho mal tomado é a pior coisa.
Blake fez careta e não me importei. Virei-me para sair da cama e tudo ficou
escuro. Senti-me caindo, mas fui abraçada.
— Eu falei. Porque fingir que é durona? Eu sei que você está sofrendo. Confie
em mim.
— Eu não o conheço o suficiente para confiar — murmurei, permitindo ele me
abraçar, senti seu riso.
— Eu também não, mas quero tentar. — Suas mãos acariciavam meu rosto.
Gostava desse carinho. Ele era diferente, mas estávamos numa situação
complicada.
— Calma, ma petit. — Blake me ajustou de modo que abri minhas pernas e ele
se encaixou no meio delas. Suas mãos esfregavam minhas costas enquanto eu ainda, sem
relutância alguma, descansava a cabeça em seu peito.
— Preciso tomar banho. Não suporto essa sujeira em mim.
— Miranda...
Fechei meus olhos quando as lágrimas ficaram mais próximas.
— Para de me chamar de Miranda!
— Mas seu nome é Miranda. Você não gosta?
— Pare de me chamar!
— Miranda.
— Detestável! — Empurrei seu peito musculoso. — Você é pior do que eu.
Ele riu e confirmou.
— Sou um perfeito filhinho de papai que sempre teve tudo, inclusive os meus
pensamentos eram realizados antes mesmo que eu os verbalizasse. Entenda: meus pais
só têm a mim. Eles viviam a minha volta e, por isso, me tornei este ser arrogante.
Sempre fui bajulado; as mulheres choviam... Aí! — Belisquei sua barriga com força.
— Você é um arrogante pomposo, seu idiota. Você merece uns tapas.
— Pode me bater, eu gamo ainda mais. Contudo, deixe-me explicar: você me
ignora, maltrata, xinga. — Ele até suspirou sonhador, e isso me fez contrair. — Sabe
como é bom para mim ver que você não está nem aí para o cara podre de rico que além
de tudo é piloto de corrida e filho único de um magnata? Eu sei que, quando você ficar
comigo, será porque gosta de mim. Acha mesmo que estou deixando você escapar?
— Eu vou te corrigir, porque odeio mal-entendidos. — Pigarreei e inclinei
minha cabeça para trás. — Quem disse que eu não tenho interesse em você?
Ele arqueou uma sobrancelha e uma sugestão de sorriso começou a se formar
em seu rosto lindo e pecaminoso.
— Eu me casaria com você só para herdar seus carros e motos. A legítima e
única herdeira daquelas belezas maravilhosas. Nem me importaria de ficar viúva.
Esperei e o que ganhei? Uma gargalhada sonora.
— Eu te adoro cada dia mais! Pense em um sofrimento nos dias que você esteve
sumida aí pelo mundo? Agora não mais. Não serei enrolado por você de novo.
— Blake, eu não quero te magoar, mas é sério: eu não estou sentindo o mesmo
que você pensa que sente. Por favor, evite ser magoado. Quero te ver bem.
Agora sim ele ficou sério. Sua expressão dura e firme.
— Eu sei disso — me interrompeu. O desgosto escorria por sua voz. — Eu sei
muito bem, mas o que me impede de tentar te conquistar? — Mordi o lábio e ele
encostou sua testa na minha. — O que me impede de ter essa ânsia dentro de mim? Eu
acordo me sentindo agitado e em expectativa para te ver, ou melhor, para te encontrar.
Eu sonho em apenas ouvir suas agressões, porque você fica linda com os olhos
brilhando em desafio. Eu sonho com seus beijos, com seus gemidos em meu ouvido...
Eu sonho com nós dois fazendo amor, o barulho dos nossos corpos se chocando, você
agressiva me arranhado, eu te penetrando com força, sem parar, te marcando para
sempre.
Ofeguei, sentindo meu corpo querendo ficar pesado. Respirar parecia difícil e
ele estava apenas desabafando seus desejos. Sentia-me começando a pulsar em todos os
lugares sensíveis
— Eu sonho com você nua em minha cama, toda aberta para mim, para os meus
olhos, minhas mãos e língua.
Oh, minha nossa, que pornografia adorável.
— Eu quero te provar, beber seu prazer, posso até imaginar quão saborosa você
é.
— Meu Deus do céu! — gemi, esfregando de leve meus seios nele. — Isso é
injusto.
— Feche seus olhos, monamour — murmurou baixinho e, sem notar, eu
obedeci. — Agora imagine que estamos fazendo amor. Ouça minha voz e tente recriar
em sua mente o que fazemos. Minhas mãos estão por seu corpo, minha boca deslizando
devagar por sua pele...
Seu tom de voz soava grave e rouco, baixo. A cadência me fazia revirar os
olhos, e o pior de tudo era tê-lo respirando de forma rápida em meu ouvido como se
pudesse, de fato, imaginar.
— Blake... — Abri a boca, puxando o ar. Sua língua passou de leve em minha
orelha, mordendo de leve.
Meu estômago afundou, senti tremores muito fortes. Excitação subia dura e
intensamente através do meu corpo, arrepiando-me inteirinha. Minha calcinha estava
ficando molhada. A voz dele, as imagens que ele criara, as ideias que proporcionou...
Ohh.
— Eu vou lamber cada pedacinho do seu corpo; vou te chupar sem parar por
muito tempo e você vai retribuir; verei você ajoelhada diante de mim, levando-me
profundo em sua boca, me adorando como eu te adorarei.
— Pare, por favor. — Minha voz nem parecia ser minha.
— O que a impede de sonhar com isso, ma petit? — Seu murmúrio parecia vir
de longe. Minha cabeça estava povoada com as imagens do que ele disse. Era tão
carnal e intenso, que me vi sem pensamentos coerentes. Blake havia derretido meu
cérebro. Pela segunda vez na minha vida, o mesmo homem estava conseguindo fazer
com que eu quebrasse minhas próprias regras. — Responda à minha pergunta — exigiu
autoritário, fazendo-me encolher.
Algo dentro de mim adorou sua repentina força e domínio.
— O que me impede de sonhar em ter você para mim e tentar fazer isso real?
A resposta para sua pergunta era simples:
— Nada.
Constatei, ao término da palavra, que eu estava ferrada.
Capítulo 8

Valentina
Consegui um momento de solidão para poder extravasar minha frustração. A
enfermeira veio e me aplicou o remédio prescrito, e só então Blake foi buscar a minha
comida.
— Droga — resmunguei quando meus pés tocaram o chão. Minhas pernas
bambearam, mas eu segurei a onda respirando fundo e mantendo a calma. Eu estava
meio dormente; meu corpo formigava de forma estranha; certos movimentos causavam
dor; mas a sensação de entorpecimento era pior.
Vamos lá, garota. Um pé na frente do outro.
Cheguei ao banheiro tateando a parede para acender a luz, quando o fiz, me
segurei na borda da pia e me olhei.
— Mas que droga! — murmurei, chocada. Eu estava cheia de machucados.
Tanto no rosto, quanto no corpo. — Eu não deveria ter descido com uma blusa curta.
Cambaleei até o chuveiro. Me recusava a tomar banho sentada, era o cumulo.
Com o chuveiro ligado, eu me curvei para retirar a calcinha. Abaixar a cabeça
não foi legal: dor irradiou por todo meu corpo, me deixando tonta. Para não cair,
segurei o corrimão do suporte. Nem parecia que estava sob efeito de analgésicos, pois
a dor era muito forte e o esforço para ficar ereta e dar os poucos passos até o chuveiro
roubou o restante das minhas forças. Sabia que iria cair se tentasse dar mais algum
passo.
— Miranda! Por que não me esperou?
— Só me dê um minuto, Blake — pedi baixinho. — Estou quase lá.
Como se negasse as minhas palavras, eu me desequilibrei, e ele me segurou,
colando minhas costas em seu peito.
— Vou buscar a cadeira.
— Por favor, eu não quero tomar banho em uma cadeira.
Ele fez silêncio, ajustou os braços para não machucar minhas costelas e, com
cuidado, me virou.
— Sua outra opção é eu te ajudar — ele falava sério — O que vai ser? Cadeira,
ou Blake?
Mordi o lábio e o encarei. Eu queria muito tomar banho, eu sabia que iria ajudar
a me sentir revigorada.
— Eu aceito. Mas as peças íntimas ficam.
Ele olhou meus seios, deu um sorriso lindo e concordou.
— Você iria adorar o que eu mantenho guardado. — Piscou um olho enquanto
se despia.
— Pancada na cabeça. — Fiz uma careta e fechei os olhos. — Traumatismo
quando criança... Resultado: seu cérebro é paralisado parcialmente.
— É a idade. — Sorriu, esticando-se. Agora ele está apenas de cueca.
Que corpo, meu Deus!
— Você já notou que parece ter mais de vinte e nove? — Eu sorri de sua cara
ultrajada — Eu sei, Blake, que você mentiu a sua idade.
— Tanto faz. Eu sou gostoso assim mesmo. — Sorriu e passou o braço em
minha cintura, colando minhas costas em seu peito. — Agora vou te dar banho. Veja se
não é perfeito?
— Ultrapasse a linha do meu umbigo e perderá mais do que somente a mão.
Estou temporariamente aceitando seus dotes de servo.
Blake nos molhou. Gemi de prazer enquanto ele esfregava vagarosamente as
minhas costas.
— Um servo disposto para caralho — ronronou em minha orelha. — Vamos te
limpar, ma petit. Eu vejo que está muito, muito suja.
Suspirei quando ele começou a massagear meus seios, apertando meus mamilos
entre os dedos.
— Isso não é limpar. — Minhas pernas, já bambas, viraram gelatina no exato
momento em que os meus mamilos foram apertados com um pouco mais de força. —
Hmm... Isso não é limpar.
— É sim. — Sua voz viajou por meu corpo, e só não caí porque ele me
segurava. — Eu te tenho e não vou te deixar cair.
Foi o fim. O resto nem fez sentindo. Eu curti aquele momento louco e ao mesmo
tempo especial. Eu sabia que, quando saíssemos daqui, as coisas voltariam a ser as
mesmas.
— Incline o pescoço de lado. — Obedeci. — Isso, boa garota. — Um beijo
suave foi depositado na lateral do meu pescoço, em seguida ele me mordeu.
Estava entregue a ele. Viajei em sensações. Uma névoa de desejo escondeu meu
raciocínio lógico. Eu me tornei um poço de desejo que seria prontamente negado.
— Você nunca ficará tão limpa — murmurou. — Incline a cabeça para frente.
— Fiz como me pediu.
Havia certo medo por causa da pancada, mas ele foi perfeito. Doeu, sim, ardeu
quando bateu o sabão, mas, com certeza, depois eu iria me sentir nas nuvens.
— Só mais um pouco e estará pronta. — A mão de Blake zapeava pelo meu
couro cabeludo com um cuidado excepcional. — Vamos retirar o curativo, já está
molhado o suficiente.
— Um segundo. — Puxei o fôlego e me concentrei em minha respiração.
— Terei cuidado. — Senti os dedos de Blake nas bordas do curativo
Encolhi-me em seus braços. Esta sempre era uma parte desagradável.
— Só puxe logo. Vai ser uma dor só — eu disse.
— Isso não é um band-aid. — Pude comparar a sua agressividade à minha. Eu
gostei muito. Mas a ansiedade para me ver livre do curativo me deixava agitada, queria
eu mesma arrancá-lo. — Tenha calma, porra! Eu vou tirar.
— Apenas puxe logo.
— Foda-se!
Ele puxou, eu dei-lhe uma cotovelada forte, minha cabeça rodou, e o sangue
escorreu pela minha pele.
— Inferno de mulher teimosa!
— É o meu charme. — Trinquei os dentes quando ele, meio tremente, passou o
sabão. — Puta que pariu! Vou te matar, Blake, por ter me derrubado!
— Quem mandou descer aquela ladeira? Você que é a louca, não eu.
Aproveitei que estava na água e deixei as lágrimas escorrerem. Ele não ia ver
mesmo, e eu tenho esse direito. Devo ter dado algum sinal, porque, com todo o cuidado
do mundo, Blake me virou e me olhou nos olhos. Sua expressão tremulou.
— Ei, não chore! — Ele me abraçou. — Seja mal-educada, grosseira como
quiser, mas não chore! Eu não sei lidar com as suas lágrimas.
Passei meus braços a sua volta, e ele ficou tenso, como se tivesse se
surpreendido. Em seguida, então, relaxou e ficamos assim por um pequeno momento de
trégua.
— Blake? — murmurei, erguendo minha cabeça.
— Sim?
O conjunto todo: o rosto, os olhos, a barba, os lábios. Tudo – absolutamente
tudo – o tornava tentador.
Em um momento de iluminação, vi que Blake vale, ou melhor, que ele podia
vir a valer à pena! Bastava terminar o noivado, para ser meu namorado.
— O que foi? — O olhar dele era intenso. Contava promessas de prazer a noite
toda.
Confesso que tenho meus anseios de virgem, mas um dia isso vai acontecer. Eu
vou aceitar me render. Blake parece o homem para isso.
— Termine seu noivado — pedi, querendo ouvir um sim. Eu desejava ver aonde
poderíamos ir.
Ele fechou os olhos, parecendo sofrer.
— Fique comigo, apenas isso — murmurou, encostando nossas testas. — Eu
juro que meu noivado é muito complicado para resolver de uma hora para outra, mas eu
vou resolver. Só me dê essa chance e um pouco de tempo. Juro que não vai se
arrepender.
Não respondi.
— O que eu sinto por você é diferente de tudo! Me dê essa chance e eu juro que
vou fazer por merecer.
Ele aparentemente não queria terminar seu noivado.
Sem chance. Com as duas ele não vai ficar! Eu teria que estar muito apaixonada
para aceitar uma coisa dessas.
— Não posso. Sinto muito, Blake. Creio...
Fui interrompida pelos seus lábios. O beijo que viemos negando o dia todo
aconteceu. Tentei sair, mas ele me segurava – com delicadeza, por causa dos meus
machucados –, porém sua boca era outra história. Blake dominou nosso beijo.
Elevando-se sobre mim, em altura e força. Uma de suas mãos segurava meu rosto, a
outra me apertava contra seu corpo, esmagando meus seios em seu poderoso tórax. Ele
me dobrou à sua vontade, com ferocidade, e eu gostei. Ou melhor: uma parte
desconhecida, de mim, gostou.
— Pare! — Puxei o ar. Ao abrir meus olhos, eu vi o incêndio que eram os dele.
— Não.
Mais uma vez ele me beijou; sua língua nem esperou, e já foi lambendo e
pedindo passagem, gemendo, rendida. Naquele momento, eu aceitei sua invasão.
Eu fui submetida. Isso nunca aconteceu antes. Blake era intrigante para mim, o
que despertava, em mim, uma curiosidade para saber o que ele tinha de diferente que
me atraía tanto.
— Fica comigo. — Sua voz rouca enviou arrepios para todo lado. — Somos
perfeitos juntos, você sabe, eu sei, o mundo também precisa saber.
Suspirei, concordei e ele sorriu me dando vários beijos rápidos.
— Vou te fazer tão feliz.
Blake me abraçou, beijou o meu ombro, o meu pescoço e, mais uma vez, a
minha boca. Adorei a brincadeira que nossas línguas faziam. A reação do grande
homem diante de mim era quente. Ele estava duro, grosso e muito palpitante.
Uma festa para os sentidos femininos, inclusive os meus. Então eu poderia ficar
com ele? Sim, eu poderia e queria. Óbvio que sim! Blake parece um espécime raro, ele
era fofinho, entretanto, o que não desejo para mim, não quero para os outros. Por isso...
— Blake, eu serei toda sua. Mas antes, você precisa estar solteiro. Termine seu
noivado.
— Ma petit, eu vou terminar.
Todo homem comprometido diz isso. Novidade do século! Eles só dizem,
mesmo. A maioria vive nesse disco arranhado, mas nunca muda.
— Então termine. Eu estarei esperando.
Pulei de susto quando seu punho esmurrou a parede ao meu lado. Tremi
assustada. De onde veio isso?
— Você é minha! — rosnou, segurando meu queixo e encarando-me com os
olhos em brasa. Ele não admitia recusa.
— Não vejo nenhum título de posse. E eu não sou sua. Se me quer mesmo,
termine seu noivado, fique livre. Até lá, não ficaremos juntos.
— Como quiser. Eu sempre consigo o que quero.
E me beijou com brutalidade, marcando-me de alguma forma misteriosa.
***
— Vamos para a minha casa, Blake.
Ele parecia feliz, mas eu não estava. E sabe por quê? Ele dormiu na minha cama
de hospital, me abraçou a noite toda, fungou em meu pescoço, me fez gostar, mas ainda
assim, quando falava sobre o seu noivado, ele travava. Não queria falar de jeito
nenhum, então, durante a noite eu decidi que, quando nos despedíssemos, seria de vez.
E, para isto, estávamos indo para a casa da Ally. Ele não precisava saber onde eu
moro.
— Antes de irmos para sua casa, vamos pegar o seu cachorro.
— Cyborg. — Sorri com falsidade.
O que Blake mal conseguiu, já perdeu.
Eu queria mesmo que ele abaixasse a guarda, pois assim eu poderia voltar para
a minha antiga vida descomplicada, onde eu não cobiço o que não se deve.
— Chame-o pelo nome: Cyborg.
Blake sorriu e se esfregou em minha coxa. Eu estava com uma roupa que ele
comprou; consistia em um conjunto completo de moletom.
— Então, vamos pegar Cyborg e vamos para a sua casa.
Eu ri da cara dele.
— O Coringa perde para você. — Rimos juntos. — Você é interessante... Com
apenas alguns ajustes, seria perfeito.
— Você acha? Acostume-se comigo, porque esses ajustes serão deixados de
lado.
— Você é do tipo que força sua presença na vida das pessoas?
— Não, nunca precisei, porque geralmente acontece o contrário. — Ele me
olhou sorridente.
Ele era muito lindo, e não custava nada admirar.
— Você é a única que me chuta a cada dois segundos.
— Você gosta de sofrer. Serei sua nêmese, depois não reclame.
— Ontem você me quis — reclamou, e o aperto em minha perna passou a
aumentar. — O que foi que aconteceu? Você é bipolar?
— Pois é, eu sou, e só para deixar claro: você me querer não é problema meu.
Ontem eu estava confusa devido a pancada, mas não pretendo ficar com você e sua
noiva.
— Eu já disse que vou resolver, só tenha paciência. — Ele passou a mão no
cabelo, e notei que apertava o volante com força. — Tem coisas demais no meio, só...
Confie em mim.
— Por que raios eu iria confiar em você? Blake, meu bem, você está aqui,
enganando a sua noiva na maior cara de pau. Novidade do século: você não é confiável.
Ele socou o volante várias vezes, muito diferente do homem centrado e
divertido que não parecia sair nunca da zona da tranquilidade.
— Alguém está mostrando as garrinhas?
Ele me olhou com raiva, e eu o encarei de queixo erguido, toda segura.
— Não sou uma bajuladora sua, então repense esse interesse todo. Acho que
você está escolhendo um caminho errado.
— Nossa primeira discussão de casal. Estamos no caminho certo.
— Você é doente, só pode. — Balancei a cabeça, incrédula. — O que,
finalmente, você quer? Não pode ser ficar comigo, já que não quer terminar seu outro
relacionamento.
Blake suspirou, e depois encolheu os ombros.
— Eu quero você na minha vida, seja discutindo, fazendo amor, fazendo sexo,
brigando... Tanto faz! Só te quero comigo. Quero uma vida, ter liberdade de te tocar, te
fazer minha, conversar sem levar pancadas. Porra, será que não dá para me aceitar sem
questionar?
— Eu deveria me comover com o discurso? — fingi indiferença.
— Não junte as pernas se quiser que eu não perceba a sua excitação. Agora
mesmo creio que, se eu te tocar, vou te encontrar toda molhada. — Blake lambeu os
lábios, e eu permaneci calada. — Você não está usando calcinha, então eu teria fácil
acesso... — O carro parou em um sinal e Blake virou-se para mim. — Provavelmente
você molhou sua calça. Já sente a dor? Quer gozar? Eu posso fazer isso. — Blake
mordeu o lábio, esfregando a barba. — Você precisa de um homem de verdade, e não
de um moleque que corre porque você é uma pequena gatinha agressiva. Curo tudo isso
na cama.
Antes de notar, eu já tinha acertado meu punho em seu rosto.
— Seu bastardo, me respeita!
Ele sorriu limpando o sangue que escorria do seu lábio.
— Uma foda dura, gostosa, e você vai entender. Não te quero para brinquedo, te
quero para ser minha mulher. Você é perfeita, e não será engolida pelo meu ciclo
social.
— Não serei sua! — Ergui a mão de novo, mas ele segurou. Nos aproximamos e
tão logo ouvimos buzinadas, mas o clima dentro do carro ainda estava fervendo
— Sim, será, e não me bata. Para cada tapa que você me der, eu vou te negar um
orgasmo quando a hora chegar. Agora limpe o sangue na minha boca!
— Não.
— Limpe, caralho! Agora!
Tremendo de puro ódio, resolvi que ele poderia se ferrar comigo. No clima
tenso, sexual, que sufocava, lambi lentamente o sangue que escorreu do seu lábio
partido. Blake fechou os olhos, gemeu, e eu senti meu sexo pulsar.
Droga, droga, droga
Eu me afastei e nos encaramos, olhos nos olhos.
— Perfeita para mim! — E me beijou duro, gemendo em minha boca, chupando
minha língua com gosto. Pulei de susto quando sua mão desceu entre minhas pernas. Ele
esfregou rapidamente os dedos em meu sexo, e eu gritei em sua boca, sendo engolida
por seu beijo. Em seguida ele me soltou, puxou o freio de mão e acelerou. Sem me
olhar, chupou os dedos.
— Delicia.
Preciso correr! Agora era quase desespero, mesmo. Ele me assustava, e não
iria desistir. Minha opinião não contava.
— Não pense em fugir. Você é minha e tem gente de olho. Desta vez você não
escapa.
Ignorei suas palavras.
— Se você enfiar a mão na minha calça de novo, arranco seus dedos. Nunca
mais ultrapasse o limite.
— Você puxa o pior de mim, o melhor também. Estou lutando por algo bom,
tenho certeza. Se fosse por você, eu já estaria longe.
Paramos em frente a um Pet Shop muito chique. Eu queria sair logo, mas antes
terminaríamos a conversa.
— Você tem suas ideias, e eu as minhas. Veremos quem é pior. Eu te disse:
fique solteiro e eu serei sua. Tão fácil, mas você complica. Agora, depois desse seu
show de arrogância e exibição, acredito que você queira realizar um capricho, porque é
claro que você não quer terminar.
— Eu já falei...
— Uma merda! Eu não sou obrigada a aceitar. Você deveria respeitar a minha
decisão, seu mimado idiota!
— Cuidado com a língua.
— Ou o quê? — Ergui o queixo. — Eu tenho dezoito anos e você tem trinta.
Acha que eu não sei? Paciência, Blake. Eu tenho uma vida pela frente, muita
experiência para viver, gente para conhecer, relacionamentos... Tudo.
Ele agarrou meu cabelo na nuca, e o puxou com força. Aquele era o único lugar
livre de machucado e dor.
— Não ouse permitir que outro encoste em você. Eu já te falei que você é
minha!
Cravei minhas unhas em seu couro cabeludo, também. Ele fechou os olhos e
gemeu.
— Não sou suas putas! — Ignorei a dor no corpo e na cabeça. — Eu precisaria
ser louca por você para te aceitar de qualquer forma, e sinto muito, não cheguei aí
ainda.
— Você é minha.
— Um caralho que sou!
Ambos ofegávamos, nos encarando, olhos nos olhos. Não sei que lapso houve:
eu o puxei, ele me puxou, e nos atracamos em um beijo duro e cheio de raiva. Nossas
línguas brigavam, duelavam pelo controle; eu o chupava e ele fazia o mesmo, angulando
nossas cabeças para aprofundar, e eu perdi. Ele ganhou a batalha pelo controle, e um
som baixo ameaçava se fazer ouvir. Algo em mim despertou para ele, e eu me apavorei.
O próprio Blake interrompeu o beijo e ficou me olhando. A forma com que me
sujeitava complicava qualquer reação.
— Minha, entendeu? — disse sério, ainda muito próximo para que eu tivesse
meu próprio ar. — Entendeu?
Não respondi.
Ele estreitou os olhos.
— Vamos buscar Cyborg. Isso ainda não acabou.
Blake saiu do carro e me deixou. Fechei minhas mãos em punhos, tremendo de
raiva, excitação e medo. Instantes depois, a porta do meu lado abriu e ele estendeu a
mão.
— Não empurre ainda mais o meu limite. Eu não quero ter que puxar o seu
também. Você é o tipo de pessoa que precisa de alguém igual ou pior.
Não o olhei. Mantive meus olhos adiante. Eu queria me controlar, para não
deixá-lo ainda mais confiante.
— Vou te falar uma coisa... — Ele se abaixou, colocando os lábios em meu
ouvido. — Lute comigo o quanto quiser, mas, no final, quem estará curvada e sendo
dominada, será você. E não fique com raiva, porque você vai gostar e ainda vai pedir
por mais, muito mais.
Lambeu minha orelha e levantou, deixando-me absorver tudo que disse. Saí do
carro e passei por ele, ignorando-o. Fui direto para a recepção do Pet Shop. A
atendente admirava Blake como se ele fosse uma miragem.
— Vim buscar o dobermann que deixei aqui ontem — Blake falou todo
educado, longe de aparentar ser o cara agressivo de segundos atrás.
Afastei-me mancando até a parede de vidro. Fiquei surpresa e feliz ao constatar
que o lugar onde Cyborg ficou era muito bom. Pelo visto era muito mais do que apenas
um SPA e Pet Shop, pois o lugar era amplo, com bastante espaço para correr em uma
extensa área aberta. Gostei de tudo o que vi, mas saberia se meu cachorro foi feliz
assim que eu olhasse para ele.
Um ganido aflito me chamou a atenção. Olhei para o lado, à procura pela
origem do som, e a única que coisa que vi foi vermelho. Bufando de raiva, manquei
para perto de Cyborg, arranquei a focinheira que o apertava, e a joguei no chão.
— Oi, amorzinho. — Ele latiu, enfiando o focinho no meu pescoço, pedindo por
carinho. — Te trataram bem, meu filhote?
Cyborg choramingava, me lambia e fungava. Ele estava cheiroso, e o pelo
brilhante. Parece que foi bem tratado, mas nós nunca passamos muito tempo afastados,
então a saudade era normal.
— Está feliz em me ver, não está? Eu também estou — falei enquanto fazia
carinho.
Cyborg me encarava e logo vieram as lambidas frenéticas.
Olhei para Blake, que sorria. Eu sorri de volta, aí o sorriso dele morreu.
— Cyborg — ronronei. Blake arregalou os olhos, então, no calor do momento,
dei uma ordem em gaélico: — Guarda, ao meu lado.
Blake deu um passo atrás. Cyborg se incorporou, rosnando violentamente. Ergui
minha cabeça, e sorri. Ninguém chegaria perto.
— Você me quer? Ótimo. Mas tem que conquistar ele primeiro. — Apontei para
Cyborg.
Blake tentou se aproximar de novo, e o rosnado foi pior. Meu sorriso aumentou.
Esperei que Blake notasse que ele estava ferrado, mas não; ele apenas sorriu.
Capítulo 9

Blake
Nunca fui um homem que precisasse correr atrás de nada. Desde uma tenra
idade, tudo que fosse desejo ou sonho, era realizado. Sendo filho único, meus pais me
colocaram em um pedestal, porém, sempre houve uma angústia profundamente enterrada
dentro de mim, sempre faltou algo que o dinheiro não comprava. Sempre senti como se
essa coisa especial estivesse fora de meu alcance e, aos poucos, fui enterrando esses
sentimentos sobre camadas e camadas de coisas supérfluas.
Ao longo da minha carreira eu me tornei um homem realizado, campeão mais
vezes que qualquer outro. Eu consegui com esforço próprio mostrar que a influência do
meu pai não tinha nada a ver, que eu era bom no que fazia. O que veio a seguir foi
estupendo. Mulheres, corridas dentro e fora da lei, muito sexo, muito prazer.
Eu era feliz, estava satisfeito.
Até ela aparecer.
Assim que meus olhos pousaram sobre aquela mulher parada na entrada da festa
de Alec, todos aqueles anseios esquecidos voltaram com tudo, foi como levar um murro
no estômago. Faltou-me o ar, e por um pequeno momento eu me senti tonto.
Eu teria que tê-la, era fundamental que ela fosse minha e eu fiz o que nunca faço:
corri atrás de uma mulher. Mas, diante de mim, estava alguém que simplesmente não
dava uma merda para meu óbvio e claro desejo.
De perto, ela era espetacular, porém quando abriu a boca notei que era
esplêndida. Agressiva, ferina, dura, uma verdadeira fera selvagem pronta para briga.
Eu era um bastardo de sorte, porque tive a chance de encontrá-la antes que fosse
embora.
Alemanha ou Estados Unidos, não importava, eu iria dar um jeito de encontrá-
la. E sim, eu faria qualquer coisa, principalmente depois de provar seus beijos; de
sentir o calor de sua pele de seda.
Eu era um homem fodido.
— Está me olhando com essa cara por quê? — ela perguntou enquanto
estreitava os olhos azuis e lindos — Quer uma foto?
Tentei chegar perto, mas o monstro dela rosnou, incorporando-se ainda mais,
todo eriçado e pronto para morder.
Paciência era algo que eu tinha de sobra, sabia que valia muito a pena. A
personalidade dela era intensa, do tipo “ama ou odeia” e eu precisava que ela me
amasse. Minha felicidade dependia dela. Como eu sabia? Eu apenas sabia.
— Ma petit — murmurei, erguendo as mãos. — Temos o dia todo, hoje é
domingo. Eu sou todo seu. — Segurei o riso diante de sua carinha brava. — Se você
sair por aí com Cyborg, eu te acompanharei até seu destino, mas como está machucada,
eu creio que isso pode demorar.
— Decrépito! — Bufou.
Sim, para ela eu era velho, e isso me angustiava muito, mas foda-se. Não estava
perdendo o pique.
— O que vai ser? Vamos caminhar? O sol está de torrar, mas eu sou seu servo,
esqueceu?
A recepcionista ofegou toda rosada. Miranda revirou os olhos, nem aí.
Eu estava apaixonado e precisava de Miranda, mas não podia terminar com
Barbara assim. Para tudo ser perfeito, ela precisava terminar comigo, assim as coisas
ficariam, digamos, perfeitas para todas as questões importantes.
Com a cara mais feia, ainda assim, linda para mim, ela falou aquela língua
extravagante com o Cyborg e o cachorro parou de rosnar. Era tão fofo os dois juntos.
Só de ver dava para notar que eram um pacote.
Meus. Os dois!
— Eu te odeio por ser um intrometido. — Miranda deu um esbarrão em mim.
Minha pequena megera linda.
Felizmente para o nosso relacionamento eu também sabia ser ruim e perverso.
Miranda não sentia o mesmo que eu, mas ela iria, caso contrário eu estaria muito
desolado para qualquer outra coisa.
— Vou esperar lá fora com o meu filhote.
Não evitei o sorriso enquanto ia pagar a conta. Miranda não parecia sofrer de
vergonha.
— Por que ela o chama de filhote? — a recepcionista perguntou de olhos
arregalados. — Ele é um monstro! Nunca vi um dobermann daquele tamanho antes.
Meu sorriso morreu na hora.
— Minha mulher. E meu cachorro. Mais respeito.
— Desculpe, Sr. Walker. Eu não quis ser rude.
— Tudo bem. Termine logo.
Paguei a conta e sai do SPA para cães. Encontrei Miranda recostada em uma
parede sombreada. Seus olhos estavam fechados e sua expressão concentrada; Cyborg
estava perfeito ao seu lado, guardando-a. Creio que estava me apaixonando pelo
monstro também.
Deus, o que ela fez comigo? Cravou as garras em mim e nem sabia disso.
Certamente minha experiência a assustava, ela era tão jovem ainda. Esfreguei meu
rosto, dividido entre arrependimento e felicidade. Ela não teria outro homem em sua
vida, a não ser eu.
Ansioso para tocá-la, me aproximei. Minha altura muito maior que a dela, faz-
me sentir protetor. E não era só isso, ela vivia se metendo em confusão, precisava de
mim, só não admitia. Ainda.
— Sei que sente dor. — Ergui seu queixo. Ela tentou puxar longe do meu agarre,
mas, com carinho, consegui o que queria.
Vi, ali, o quanto ela era vulnerável, e me apaixonei mais.
Sabia que ela era casca grossa, mas no fundo escondia uma garota que só
precisava de alguém que a compreendesse e aceitasse. No caso: eu.
— Não é da sua conta.
Se ela soubesse que a cada golpe que me dava só me fazia querê-la mais e mais,
talvez passasse a ser mais carinhosa comigo.
Aproximei-me ainda mais, colando nossos corpos.
— Shh! Não precisa ficar brava. Nós precisamos é de tranquilidade, certo? —
Esfreguei minha boca em sua testa. — Precisamos de uma cama, uma TV, chocolates e
você nos meus braços. Aceito Cyborg no meio.
Carinhoso, bruto, suave, agressivo... Eu poderia ser tudo, sabia como apertar os
botões da minha pequena fera, ela só não sabia que enquanto me atacava eu aprendia
sobre ela. Agora sei exatamente o que fazer e como fazer.
— Blake, só me deixa ir. — Ela nem notou, mas fez um bico pequenino. Eu me
senti derreter um pouco mais
— Sabe que não posso. — Fiz carinho em seus cabelos e rosto.
Ela precisava de paz para se recuperar. Minha explosão no carro foi apenas
porque ela realmente tirava o pior de mim, o melhor também, porque nunca fui assim
com mulher nenhuma.
— Você é importante demais para mim. Não posso te deixar ir.
Ela tentou se afastar de novo, e eu beijei de leve seus lábios.
— Eu sou um desafio, sei disso. Se eu te der o que tanto deseja, serei deixada
em paz?
Tão inocente...
— Olhe para mim — pedi, e ela o fez. — No dia que você me der o que quero,
ficaremos juntos para sempre.
Seus olhos azuis brilharam. As respostas naturais de seu corpo falavam mais do
que os seus lábios. Por isso eu não me desesperava. Era duro não ser correspondido.
Sentia tanta dor por saber que ela não retribuía meus sentimentos. A tive por
poucos momentos, mas foram suficientes para mim.
— Não me magoe desta forma, por favor. — Minha voz denotava meu
sofrimento interior. — Meu erro é te querer tanto.
Ela negou. Meu coração afundou e, sem poder evitar, eu a abracei tão apertado
quanto podia sem machucá-la.
— Você é tão perfeita para os meus braços, ma petit. — Beijei sua cabeça. —
Veja como encaixa de maneira completa? Não fuja disso, só não fuja.
Ela agarrou minha camisa, encolhendo em meus braços.
— Fique livre para mim. — Quase não escutei sua voz. — Por favor.
Fechei os olhos quando imagens tristes me assaltaram. Não era apenas terminar
um noivado. Na verdade, era um noivado do qual quase ninguém sabia. Eu queria que
pudesse ser fácil; eu queria que fosse apenas chegar e comunicar a minha decisão à
Barbara, mas existia muita coisa envolvida por trás. Não por mim, mas por outras
pessoas, e eu dei minha palavra. Minha maldita palavra!
Nunca me arrependi tanto.
Eu tinha um plano em mente, e levaria algum tempo para fazer tudo, e, nesse
tempo, eu estaria arrumando a minha vida para poder viver com a mulher que escolhi,
ou melhor, ela quem me escolheu, só não aceitava isso. Daria à Miranda alguns meses
de liberdade. Mesmo que isso me fizesse sofrer muito, faria porque já havia acumulado
muita experiência de vida, e ela precisava de alguma. Isso me deixaria louco, e
morrendo de ciúmes.
— Diga alguma coisa!
Farei o que me pede amor. Tomarei minha liberdade para ser seu como
deseja. Falei para mim mesmo, por enquanto era só o que poderia fazer.
— Fique tranquila, tudo vai dar certo, amor.
Ela me esmurrou nas costelas. Fiz uma careta, mas continuei abraçando-a e
acariciando suas costas.
— Você não respondeu à minha pergunta. Ao invés disso está sendo meloso. Eu
detesto romantismo.
A cadência de sua voz mudava como se fosse moldada para atender aos seus
desejos. Preferia acreditar que ela mentia e que ser agressiva seria melhor do que
demonstrar seus sentimentos e sofrer. Dava-me até um frio de ansiedade para ver o dia
em que ela iria retribuir meus sentimentos, nem que fosse um pouco.
— Eu já disse: você puxa o melhor e o pior de mim! — Sorri. — Eu posso ser
louco, bruto e selvagem como você, mas também posso ser carinhoso, romântico e
dedicado. Entenda apenas que eu posso ser tudo que você precisa que eu seja.
— Por que eu? Com tanta mulher mais disposta, por que eu, Blake?
— Por que não você?
Sem resposta. Ficamos ali, parados. Meus braços a sua volta, nossas
respirações calmas.
— Minha mãe uma vez me falou... — comecei um tanto envergonhado. — Ela
me disse que não precisa muito para um homem ou mulher reconhecer sua outra metade.
— Não comece. — Miranda se agitou, tentando escapar. Permiti que ela fosse.
— Pare com essas coisas.
— Só me escute. — Ergui as mãos em sinal de paz. — Eu senti isso por você
assim que te vi. Você entrou naquela festa parecendo a dona do pedaço. Foi
instantâneo; e as mulheres te odiaram. Já eu? Eu senti loucura para chegar perto e me
apresentar.
— Odeio românticos! Pare logo.
— Miranda. — Ela fechou os olhos, em negação. Parecia chateada e
arrependida, e confesso que me desesperei um pouco. — Olha, eu nunca me senti assim
por ninguém! Eu só quero uma chance.
— Velho, Blake. — Ela atirou direto na minha cara. Agora não haviam
brincadeira. Ela estava séria, me ferindo de propósito, porém, não era mentira. — Você
é muito velho para mim. Já viveu suas experiências, tem uma noiva, pode se acomodar.
E eu? Você chega dizendo “ mim Tarzan. Você Jane” , e acha que pode comandar minha
vida? Quer me tomar para você, não aceita minhas escolhas... E então eu cedo e te peço
para ficar livre e você não quer!
Ela virou as costas, os ombros curvando.
— O amor é para os fracos. Não preciso disso na minha vida. Apenas vá e seja
feliz. Se ficar, eu vou te magoar e não quero isso, porque, mesmo sendo louco e
pervertido — Pude escutar o riso em sua voz. —, você não merece sofrer gratuitamente.
Fui puxado para ela, por fios invisíveis. Era assim que eu me sentia.
Quando dei por mim, já a abraçava por trás, encostando meu queixo em seu
ombro bom.
— Tudo a seu tempo, você vai ter suas experiências, mas me mantenha em seu
coração porque ele será meu.
Negou.
— Quero ir embora. Estou muito cansada.
Beijei a lateral de seu pescoço e notei que ficou arrepiada. Aproveitando seu
silêncio, rocei a minha barba ali.
— Calma, ma petit. Vamos devagar. — Contra a minha vontade, eu me afastei.
Olhei ao redor, mas não havia nenhum paparazzi. Era foda. Quando não queríamos os
bastardos por perto, eles choviam como uma nuvem de insetos, mas quando
desejávamos apenas um, cadê os infelizes?
Segurei a mão de Miranda, mas ela puxou de volta. Sorri, arqueando uma
sobrancelha. Às vezes discutir não resolvia nada, bastava agir e mostrar que não
adiantava brigar. Peguei sua mão de novo e entrelacei nossos dedos; os levei até minha
boca e os beijei com todo carinho. Talvez assim ela se acostumasse com meu toque e,
até mesmo, sentisse falta quando eu não estivesse por aqui.
— Vem. Permita-me te levar para casa.
Em silêncio, ela entrou no carro.
— Cyborg?
— Ah, o nosso garotão irá no banco de trás. Ele precisa de espaço.
Miranda olhou para trás, depois olhou para mim, então ela olhou para o banco
de novo.
— Não se importa de colocar um cachorro no seu Escalade?
Eu ri de seu assombro.
— Não me importo. Peguei esse carro justamente por causa de Cyborg. Quando
fui buscar sua comida, ontem, eu corri em casa e troquei o carro.
Abri a porta e chamei o cachorro, que entrou e se acomodou no banco de trás.
Tentei não demonstrar receio, porque o gigante canino já rosnou para mim mais que
todos os cães que passaram em minha vida. Fiz um carinho tímido e, para minha total
surpresa, ele aceitou. Até mesmo lambeu a minha mão.
— Bom garoto — incentivei. — Seremos grandes amigos.
Miranda riu e eu decidi não abusar da sorte. Dentro do carro o silêncio era um
tanto carregado. Eu desejava um pouco de safadeza, que ela tentasse algo mal educado,
queria alguma reação e não esse rosto virado para a janela.
— O que você tanto olha?
— A casa dos sonhos. — Apontou para o lado mais alto da cidade. Parei no
sinal e olhei também; no topo da colina havia uma mansão.
— Está à venda, mas devido ao tempo abandonada, ela está muito deteriorada.
O preço é uma verdadeira fortuna, entretanto, a visão que se tem é de tirar o fôlego.
Acordar todas as manhãs de frente para o mar é um espetáculo inigualável. O sol brinca
de ser perfeito, sabe?
— Hmm. — Acenei positivamente. — Como você sabe?
Ela soltou uma risada baixa enquanto o sinal abria.
— Uma vez eu e meus amigos apostamos cem dólares para ver quem
conseguiria passar a noite lá.
— Você ganhou?
— Não. Eu era a encarregada de fazer as pessoas correrem.
Gargalhei alto. Ela era má. Por Deus, eu a adorava!
— Mas eu fiquei até o dia amanhecer, e é incrível.
Olhei bem o lugar e já sabia onde ficava. Guardei na memória.
— Saímos do centro. Para onde iremos agora? — Não pude evitar a ansiedade
em minha voz. Finalmente eu iria saber onde ela morava.
— East Los Angeles. — Notei que se sentia culpada, talvez, por me levar para
lá sem querer.
Coloquei minha mão em sua perna para transmitir-lhe calma.
— Tudo bem.
— Cadê os seus seguranças, Blake?
— Acredite: estão por aí. Não se preocupe, pois nem eu os vejo.
— Você não pode andar sem eles. Sabe disso, não é?
— Sim. — Olhei para ela. — Preocupada comigo?
— Você pode me deixar em casa e ir. — Mudou de assunto, não respondendo à
minha pergunta ansiosa.
— Sem discussão.
Eu estava indo embora. Esta noite com ela seria minha despedida. Pelo menos,
até a minha volta, para ficarmos juntos definitivamente. Com as suas instruções, cheguei
em um bairro simples e até mesmo perigoso.
— Eu menti, está legal? Não sou alemã coisa nenhuma. A casa é essa aqui. —
Apontou para uma modesta casinha espremida entre outras.
Balancei a cabeça, aceitando. Saí do carro e dei a volta para ajudá-la.
— Um dia você vai perder essa necessidade de mentir para mim — resmunguei,
abrindo a porta do carona para Cyborg. Ele parecia acanhado, cheirando tudo, até
mesmo mijando nos cantos próximos aonde estávamos.
Observei Miranda caminhar até um local e mexer com o pé. Quando tentou se
abaixar, ela ondulou e eu a segurei.
— Deixe comigo.
Prestei atenção ao lugar exato, e avistei logo uma chave; peguei e abri a porta, e
a primeira coisa que vi foi uma enorme foto dela e da outra moça, a Ally. Entramos e
eu fui logo me acomodando. Cyborg parecia à vontade. Notei que o lugar era bem
pequeno: tinha uma sala minúscula com cozinha anexada e, pelo visto, o quarto era
atrás da porta fechada.
— Estou morrendo de fome!
— E quando não está? — Peguei meu celular. — O que quer comer? Nada de
hambúrgueres e fritas. — Ergui o dedo, em negação. Ela fechou a cara, mas aceitou.
— Eu quero uma lasanha de carne com queijo duplo e coca-cola. — Ela sentou
no sofá e fechou os olhos. — O que você vai querer?
— Não podemos dividir? Ou você pediu isso só para você?
— Óbvio que foi para mim! E não vou dividir.
Comecei a rir e não parei mais. Fiz o pedido e só aumentei o tamanho da
lasanha. Resolvido o problema eu sentei ao lado dela.
— Nem vem! Desencoste! — Ela não abriu os olhos quando falou. — Você
parece aqueles bonecos que grudam.
— Adoro a forma como é carinhosa — brinquei, batendo na perna para chamar
Cyborg. Ele veio trotando até onde eu estava.
— Você que é esquisito. Nunca vi levar tanta porrada e gostar. Isso é
masoquismo, sabia?
Não falei nada, só observei. Não adiantava discutir, pois ela entrou em modo de
ataque. Vai me xingar, estapear, me expulsar e tudo. Depois, quando notar que não fez
efeito, a raiva passará. Assim, irei quebrando o muro que ela criou.
— Poderíamos aproveitar para ficar juntos, não acha? — Retirei a camisa e me
sentei mais próximo.
Ela estava com a cabeça jogada para trás, e eu fui chegando devagar. Primeiro
cheirei seu pescoço, depois rocei um pouco a barba.
— Pode parar! — A voz dela, tão melodiosa para mim, soava rouca. — Vai
encher outra.
Lambi seu pescoço, gemi baixinho de prazer. Ela era perfeita.
— Você é deliciosa. — Mordisquei sua orelha. Ela já estava toda arrepiada. —
Perfeita para mim.
— Você é cego. Desde quando eu sou perfeita? — murmurou incrédula — Sofre
de miopia Blake?
Ri, continuando meus carinhos. Em algum momento, Miranda começou a passar
as unhas em meu couro cabeludo, causando uma deliciosa sensação de arrepio. Fechei
os olhos para desfrutar. Miranda, quando queria, podia ser muito carinhosa. Ouvi que
me chamava, dizendo que estava com fome, mas não abri meus olhos. Eu queria um
pouco mais de tempo.
Um barulho na porta anunciou nosso jantar. Levei os pacotes para a mesa e
arrumei as coisas sob o auxílio dela.
Nunca tive um jantar com uma mulher que se alimentava tão bem. Miranda não
era uma dama na mesa, em nenhum quesito, inclusive arrotou demonstrando não se
importar com nada. De forma surpreendente, me vi ainda mais encantando. Ela era
grosseira, mas tão real, tão palpável! Uma mulher de verdade.
— Estou com sorte. — Ela mexeu na geladeira, tirando de lá uma taça com algo
que parecia ser muito gostoso dentro. — Mousse de chocolate com morangos e
chantilly. — Ela montou um enorme cone em cima da taça. Muito tranquilamente, ela se
sentou e começou a comer. Sem me oferecer.
Minha boca encheu d'água para comer o doce com Miranda, ou vice e versa.
— Nem olhe com essa cara! Não vou dividir — disse maldosa, enfiando a
colher na boca só para gemer de prazer.
Me levantei fingindo que ia sair, e o que eu fiz? Roubei a taça de suas mãos,
rindo de sua revolta. Começamos uma divertida briga, que era vantajosa para mim pois
sou alto demais para ela.
— Dê-me um pouco! — Sua voz viajou pelo meu corpo inteiro.
Olhei para baixo. Minha respiração já estava mais forte só em olhar para o
rosto dela. Devagar, para prolongar a tensão, eu peguei uma colher de chocolate. A
calda escorreu; Miranda gemeu; eu gemi. Coloquei em sua boca, sujando-a de
propósito.
— Deixe-me limpar. — Lambi o chocolate de sua boca. Beijei seus lábios
doces e gelados. Gememos juntos.
Me afastei para olhá-la. Ela lambia os lábios e, de propósito, eu a sujei ainda
mais, lambi mais, beijei mais.
— Blake, acabe esse noivado — murmurou e eu balancei a cabeça.
Puxei-a para mim. Ela ia me afastar.
— Uma despedida. — Não permiti nem que ela protestasse. Tomei seus lábios
com ardor, sorvendo seu sabor sofregamente. Era sim, de fato, uma despedida, até eu
voltar livre para ela.
Larguei a taça quase vazia para ter as mãos livres. Colei nossos corpos,
desfrutando do pequeno momento. Nossas línguas dançavam, sem pressa. Às vezes eu
mordia e ela retribuía da mesma forma. Minhas mãos estavam fora de controle, na ânsia
pelo toque. Acariciei sua pele e Miranda ergueu os braços, me permitindo remover sua
blusa.
Parei um momento para admirá-la: seios pequenos, empinados e durinhos;
segurei ambos em minhas mãos. Curvei-me para lamber, puxando o mamilo entre os
dentes. Miranda arqueou ofegante. E eu queria mais. Sentei no sofá, puxando-a para
meu colo, alinhado nossos sexos, fazendo um choque de prazer disparar por minhas
terminações nervosas.
Frenético: era assim que eu me sentia. Desde que a vi, nunca mais estive com
outra mulher. Segurar Barbara, quando ela precisava, não era o mesmo que este
momento.
Ambos precisávamos de alívio. Principalmente para os meses que viriam.
— Esfregue-se em mim. Veja como estou duro — sussurrei em seu ouvido. Ela
rebolou em resposta, me fazendo tremer. — Vou gozar nas minhas calças. Deus sabe
como queria estar dentro de você.
Dor e prazer: era pelo que meu corpo enviava a cada rebolada. Os mamilos
durinhos se esfregando em meu peito me deixavam louco para tê-los em minha boca,
para mamar com força enquanto ela me montava. Minhas mãos os massageavam sem
muita gentileza, meu polegar esfregava, beliscava. Ouvir os gemidos dela me
enlouquecia. Estava foda demais. Lambia e mordia seu pescoço sem parar, sempre
tomando cuidado para evitar a lateral machucada.
— Beije-me — pedi baixinho e ela o fez, cravando as longas unhas em meu
couro cabeludo, me obrigando a inclinar e gemer em sua boca, desesperado por ar.
Miranda me mordeu. Doeu, mas foi gostoso; eu retribuí, e ela choramingou. Nos
devorávamos, engolindo o oxigênio um do outro.
O corpo da pequena mulher em meu colo tremia. Ela estava mais desesperada
ao tentar encontrar a sua própria satisfação. Vi com deslumbramento o momento em que
ela se perdeu na paixão. Seu corpo ondulou, melhorando o aperto e a força de seus
movimentos. Ela ia em busca de seu próprio orgasmo, e eu estaria lá com ela.
Esfreguei meu rosto no vale de seus seios, minha barba a arranhando. Ergui um
deles em direção à minha boca e, encarando-a, lambi o mamilo; depois capturei-o em
minha boca, rodando a língua no biquinho teso. Ela gritou, e eu mordi com um pouco
mais de força, sugando e, em seguida, soprando-o por maldade.
Uma dor gostosa se construía em minhas bolas, muito perto do abismo, eu sabia.
Brusca, Miranda puxou minha cabeça e me beijou, eu fui violento no beijo, naquele
momento ela começou a gozar, seus gritos engolidos por mim. O prazer me cegava e
assim a acompanhei, explodindo com força; rugindo para o teto; apertando-a sem
cuidado algum.
Nossos corpos sofriam espasmos de prazer. Ofegávamos em busca de ar.
Miranda tombada em meu peito, ainda sem acreditar que isso havia acontecido.
Ela me deu mais prazer do que nenhuma outra mulher jamais ousou sequer chegar perto.
— Blake...
— Shh! Não diga nada. — Acariciei suas costas com a ponta dos meus dedos.
— Tudo vai se revolver. Vou voltar para você.
Miranda ergueu a cabeça e me encarou por um momento. Para minha total
surpresa, ela me deu um beijinho suave e voltou a deitar-se em meu peito. Não
dissemos mais nada, nem saímos de casa. Ficamos juntos, até que a ela começasse a
sentir sonolência por causa dos medicamentos.
— Boa noite, ma petit. — Beijei seus lábios de um jeito delicado. Ela sorriu,
os olhos brilhantes.
Observei-a ir para o quarto. Resolvi esperar ela dormir para me juntar. Não era
como se eu fosse perder a chance. Aproveitei o momento de solidão, para sondar o
terreno com a besta que ela criava.
— Cyborg, meu garoto — chamei, batendo nas coxas e ele veio trotando,
parando bem à minha frente. — Olhe, começamos com o pé esquerdo, certo? Mas
vamos nos relacionar bem, eu sei que você é um cachorrão muito inteligente.
Ele latiu como se concordasse. E gostei ainda mais dele. Cyborg era
diferenciado.
— Então, vamos ser bons amigos e para começar uma boa amizade, daquelas
duradouras. Você não pode rosnar para mim, entende?
Ele virou a cabeça de um lado para outro, fazendo barulhos legais.
— Então, se você me ajudar com a sua dona, eu prometo que arrumo uma
companheira bem top para você.
Cyborg lambeu minha mão e depois deitou. Satisfeito, peguei o controle da TV e
fui passando os canais até encontrar um especial sobre cães de grande porte.
— Você gosta? — Esfreguei sua cabeça. Ele latia e deixava os olhos marrons
fixos na tela. — E o mimado sou eu...
Encerrada a minha conversa unilateral com Cyborg, peguei meu celular e liguei
para meu assessor. Bastavam dois toques e Brad atendia, parece que ele vivia com o
celular na mão.
— E aew, cara! Pronto para vencer mais este ano?
Revirei os olhos. Não subestimava meus adversários, muito menos o maior de
todos eles: Nikkos. De qualquer forma, não foi para isso que havia ligado.
— Brad, procure saber quem está vendendo a casa localizada no ponto mais
alto do Mountain Park, Califórnia.
— Okay, estou anotando aqui. — Sua voz soava profissional. — Posso saber
por que o interesse?
— Compra, obviamente — Ri. — Eu a quero, não importa o preço. Feche o
negócio, mas não quero alarde de que eu sou o comprador.
— Sigilo?
— Por favor.
— Tudo bem. Resolvo na primeira hora amanhã. Ah! Não esqueça que você tem
que estar às sete na sede da Racers. Sua bateria de exames para a próxima temporada
começa amanhã.
— Estarei lá.
Desliguei o telefone e deixei-o no sofá. Rumei para o quarto, arrancando a
minha camisa e calças pelo caminho; fiquei nu. Olhei para a cama e lá estava ela
abraçada a um travesseiro que deveria ser eu. Deitei com cuidado, me ajeitei e comecei
a mexer em Miranda para ficarmos abraçados. Ela me bateu e depois se aconchegou,
até jogou uma perna em cima de mim, alguns gemidos de dor foram inevitáveis, mas
Miranda continuava procurando a melhor posição, e, quando encontrou, ela estava
quase toda em cima de mim.
Não consegui dormi. Fiquei a noite toda acordado, acariciando suas costas,
cabelos, beijando suas mãos, olhando suas unhas imensas.
— Não aceite outro homem perto de você. — Beijei sua cabeça. — Não aceite
nenhum por perto. Só eu sou perfeito para você.
E assim fiquei sussurrando em seu ouvido até que a noite foi substituída pelo
dia. Muito a contragosto, eu comecei a nos desenrolar. Ri baixinho com os protestos
dela. Eu me afastava e Miranda tentava chegar perto, parecia uma gatinha em busca de
calor. Quando me soltei, fui ao banheiro, tomei um banho e vesti só a minha calça.
Voltei para a cama. Observei seu sono. Não queria ir. Fechei meus olhos por
um momento, não sei como isso foi acontecer, mas eu sentia algo muito forte pela garota
adormecida na cama.
Preciso tê-la comigo! Por um momento desisti de presenteá-la com a liberdade.
— Venha comigo. — Sentei-me ao seu lado, meus dedos indo direto para o seu
rosto. — Fique comigo!
Como se sentisse meu desespero, ela acordou e me olhou.
— Blake?
Seus olhos sonolentos fizeram meu coração saltar. Sem toda aquela brutalidade,
ela não passava de uma linda e delicada garota, prestes a ser amada com loucura.
— Eu preciso ir.
— Uhn, tudo bem.
Era ruim notar o quanto ela não se importava comigo.
— Eu irei pelo resto do ano. — Atravessei o nó em minha garganta e acariciei
seu rosto lindo. — A temporada da Nascar vai começar. Vou me concentrar para os
treinos de aquecimento.
Fizemos silêncio, até que ela se sentou na cama e me abraçou apertado.
— Eu desejo que dê tudo certo para você, Blake. — Sua voz suave me causou
estragos. — Eu desejo que este seja mais um ano vitorioso, e que você seja muitíssimo
feliz.
— Venha comigo.
— Não sou eu quem deve acompanhar você. Tenho minha vida e não tenho
interesse em pará-la. Sinto muito, mas não estou apaixonada o suficiente para aceitar
ser a segunda opção, e talvez nunca esteja.
— Eu vou colocar as coisas no lugar. — Sentia-me magoado comigo, por estar
em um relacionamento confuso que agora me atrapalhava. E magoado com Miranda, por
não ter o mínimo de cuidado com suas palavras.
— Faça o que achar melhor. Não é problema meu o que você faz com a sua
vida. Eu sou solteira e vou permanecer assim.
— Eu disse o quanto gosto de você e isso não mudou em nada o que sente por
mim?
— Não mudou. Você continua sendo noivo, continua querendo manter duas
mulheres porque VOCÊ precisa que seja assim. No fim, você é apenas egoísta, Blake.
— Porque você parte meu coração desta forma? — perguntei baixo, tentando
tirar a tristeza de minha voz para que ela não percebesse a minha dor.
— Você mesmo faz isso a você.
— Você tem um rosto tão angelical. — Escapou antes que eu pudesse me
segurar.
— Não confunda a delicadeza do meu rosto com a personalidade. Isso seria um
equívoco grave. Agora vai. Você precisa seguir sua vida.
Me levantei e caminhei para a porta do quarto. Antes de sair, parei.
— Dez meses. É o tempo para você se acostumar com a ideia de pertencer a
mim.
— Sonho seu!
— Não, Miranda. Não é sonho.
Saí de lá sem esperar por resposta. Em meu carro, abri o porta luvas retirando a
corrente que achei no quarto da casa de Alec. Aquela foi minha única lembrança de ter
conhecido Miranda. Eu nunca tirei do pescoço, apenas agora para que ela não a
tomasse de volta. A pequena memória daquele primeiro encontro. A corrente simbólica
trazia uma chave, e eu só esperava que fosse a do seu coração.
Porque o meu não me pertencia mais.
— Até a volta, meu amor.
Capítulo 10

Valentina
Melhor assim para nós dois, Blake.
Respirei fundo, despertando. O cheiro dele ainda permeava o ambiente. Inflei as
narinas para encher os pulmões. Sândalo picante. Escuro e quente.
— Delícia. — Espreguicei com cuidado, passando as mãos pelo corpo. Eu o
desejava, entretanto isso não fazia a menor diferença. Eu sentia por magoá-lo, mas foi
inevitável. Não queria relacionamentos complicados.
Talvez, se eu gostasse dele o suficiente para ser sua puta, as coisas fossem
diferentes, mas não sou esse tipo de mulher. Era sempre assim: após a novidade passar,
o brinquedo deixava de ser interessante, e eu estaria no lugar de Barbara, sendo
enganada, passada para trás.
— Nunca me colocaria em uma posição dessas.
Saí da cama e não me dei ao trabalho de olhar pela janela. Escutei o barulho do
carro dando partida e senti alívio.
Juro que não sei o que faria se estivesse no lugar de Barbara. Com certeza ela
deve notar a indiferença de Blake, a não ser, é claro, que ele finja para ela também.
Creio que me amo demais, ou minha personalidade forte desafie o meu pretendente a
demonstrar que merece. Eu teria que sentir que vale a pena, porque acho que sou igual a
homem cafajeste: quando ama, é para a vida toda.
Devagar, caminhei até o banheiro. Diante do espelho analisei meu rosto e ele
estava machucado parcialmente. Porém não era isso que chamava minha atenção, mas
sim os meus olhos brilhantes, os lábios vermelhos e o sorriso que insistia em surgir.
Balançando a cabeça eu liguei o chuveiro e tomei uma ducha rápida,
praguejando meio mundo por causa da dor em minhas costelas. Na hora do prazer,
contudo, era a última coisa que me incomodava. Agora a simples tarefa de lavar a
ferida parecia me deixar doente. Infernos!
Quando resolvi sair da casa de Ally, a primeira coisa que vi foi dois homens
enormes e de terno parados no lado de fora da porta. Chocada, olhei para ambos.
Cyborg se empertigou eriçando-se todo, ficando tenso e pronto para atacar.
— Mas o que é isso? — Apontei para os dois. — O chefe de vocês já foi.
Dormiram no ponto e não o viram sair?
— Recebemos ordens, senhorita.
Concordei, achando que Blake os deixou aqui para ver se tudo estava bem.
— Podem ir para casa agora. — Indiquei a rua. — Está tudo em ordem.
— Sinto muito — o mais alto falou. — Não podemos. — Respirei fundo e
contei até dez.
— Ligue para seu chefe. — Esperei o segurança ligar para Blake. Demorou uma
eternidade e eu já estava ficando nervosa.
— Senhor Walker, a senhorita Miranda está aqui e deseja...
— É para antes do meu aniversário de cem anos! — Estendi a mão e o
segurança me entregou o celular. A primeira coisa que ouvi foi a risada de Blake. —
Para de rir. — Apertei o celular no ouvido. — Quero-os fora daqui.
— Sinto muito, ma petit. — Sua voz estava risonha — Você mora em um lugar
perigoso. Estou apenas sendo cuidadoso com você, pelo simples fato de ser...
— Se você disser que sou sua, eu vou escolher o armário loiro e vou beijá-lo
— provoquei.
O homem arregalou os olhos.
— Miranda, pare com isso! — A voz de Blake estava ofegante, ele até gritou
com alguém; coisas pareceram cair onde ele estava.
Creio que achei o botão do ciúme da minha múmia preferida.
— Pensei melhor. Pode deixá-los. — Desliguei o telefone e contei: um, dois,
três...
E o telefone vibrou.
— Alô — atendi, mantendo a voz sedosa.
— Passe o telefone! — Até afastei um pouco, Blake estava gritando.
— Para você. — Estendi o telefone para o segurança mais próximo.
— Miranda!
Blake teria explodido meus tímpanos se eu estivesse com o telefone no ouvido.
Esperei de braços cruzados. O homem que falava ao telefone só acenava, a expressão
dura enquanto dava curtas olhadas em minha direção.
Soprei um beijo. O cara bufou.
— Nada, senhor — murmurou virando as costas. — Não foi... — Os ombros
encolheram. Eu ri, mas logo fiquei séria. A brincadeira chegou ao fim.
Como poderia ir embora e viver minha vida com esses dois na minha cola?
— Se mandem. Se eu encontrá-los, aqui chamarei a polícia.
Voltei para casa, chateada. Blake estava de fato me considerando sua. Essa
possessividade toda não era normal.
— O que foi que ele viu em mim, Cyborg?
***
No dia seguinte, em plena segunda-feira, eu espiei a rua e não vi os dois postes
de terno me esperando, ou melhor, me vigiando. Com sorte eu pude me esgueirar pela
rua de Ally até o centro. Dei umas voltas – até agarrar ódio dos taxistas que olhavam
feio para Cyborg – e passei boa parte do dia andando para cima e para baixo. A
intenção por trás disso eu nem sabia qual era, entretanto existia um ditado que dizia:
Quem tem medo vive mais. No meu caso, eu não tinha medo, mas sim precaução.
Sabe-se Deus qual era o nível de paranoia de Blake, além disso, eu tinha o
direito de ir e vir, certo? Sim, eu tinha. Era solteira, havia atingido a maioridade há
pouco tempo e queria curtir. Nunca desrespeitando meus pais, é claro. Eu tinha
liberdade e sabia lidar com ela, então se eu tinha limite de horário, eu cumpria. Agora,
devido à idade, estava com pena flexível e gostava disso. Blake, por outro, lado tinha
trinta anos e, se não me engano, faltava pouco para ele fazer trinta e um, o que nos dava
treze anos de diferença.
Não que a diferença seja um problema, mas o acordo estranho entre aqueles
dois, era. Resumindo: Blake queria que eu ficasse com ele e não questionasse. Isso
seria fácil: ele era um homem gostoso demais, experiente, vivido. Eu não teria que lidar
com os hormônios furiosos dos rapazinhos que ganhavam dois gominhos na barriga e já
tiravam a blusa se achando um Adônis. Com Blake, seria uma viagem de pura delícia.
Mas eu não iria carregar essa complicação que ele tinha na vida. Eu queria paz e, por
isso, só depois de ter certeza de que estava sem nenhum tipo de vigia. Liguei para o
meu pai e ele veio me buscar.
— Você caiu daquela ladeira, não foi? — resmungou, me ajudando a subir em
sua caminhonete. — Eu não sei porque ainda te deixo fazer essas coisas. Você me deu
novos cabelos brancos.
— Pai, eu...
— Cale a boca! — Sua voz soou furiosa. — Eu não acreditei nem por um
minuto na sua história. Eu só fiquei calado porque não queria sua mãe se estressando.
Ela não é nenhuma jovenzinha e a gravidez requer cuidados.
Senti meu coração apertar de medo. Um dedo gelado desceu pela minha
espinha.
— Foi a última vez — murmurei firme. Não seria por minha culpa que a minha
rainha teria complicações. — Vou sossegar.
— Claro que vai. — Meu pai ainda estava sério, mas uma ponta de sorriso
brilhou em seus olhos. — Você ficará responsável pela pintura e marmorização da casa
do Senhor Cortês, então descanse. Creio que o andar dos quartos ficará pronto em um
mês, aí você começa.
Concordei. Em breve não teria tempo para mais nada, a não ser dormir e
trabalhar muito. Como previsto, assim que cheguei em casa a tempestade se desaguou:
minha mãe me puxou e eu gemi de dor; uma tontura me invadiu deixando tudo rodando
até meu pai me amparar. Grande problema: ele segurou em minha lateral ralada.
O grito explodiu da minha boca antes que pudesse evitar. Inclusive Cyborg
choramingava por causa da minha aflição. A seguir, meu pai me carregou para o meu
quarto e eu vivi de mimos por muitos dias, até me recuperar. Por fim, minha mãe, com
lágrimas nos olhos, me pediu calma e paz.
— Sim, mãe. — Ergui as mãos em sinal de paz. — Não vou preocupar a
senhora, prometo.
Ganhei um abraço carinhoso. Minha mãe era maravilhosa, na verdade, toda a
minha família era. Em paz, curti a minha folga que não durou quase nada. Nem deu
tempo de me divertir com os meus poucos amigos antes de começar a trabalhar pesado.
Às seis da manhã eu já estava pronta, vestindo meu macacão curto — porque não sou
obrigada a cobrir as pernas — e esperando meu pai terminar de se despedir da minha
mãe e de Ally.
— Nós iremos almoçar em casa, amor. — Que voz melosa, minha nossa
senhora! O açúcar escorria da boca do meu pai. Chegava a dar agonia. — Ally, cuide
da nossa garota.
— Sim, senhor. — Minha amiga sorriu e ganhou um beijo na testa do meu pai.
Felicidade era meu nome. Finalmente Ally viera morar conosco de vez, apesar de
manter a casa alugada. Creio que minha irmã postiça se sentia melhor assim, e ninguém
queria forçá-la.
— Vou vender açúcar aqui na porta — gritei. — Vamos, pai! Troque saliva
com a mamãe depois. Que horror, gente!
Meu pai riu e minha mãe correu atrás de mim. Deixei ela me pegar, então eu
estava sendo apertada e beijada também. Saímos de casa sob os pálidos raios de sol e a
promessa de um dia quente. Enquanto meu pai dirigia, eu ia ajustando minha playlist de
trabalho. Só as melhores músicas para dar energia e animação ao longo do dia que eu
teria pela frente.
— Sua irmã já explicou como as cores irão ficar nos quartos de hóspedes, não
explicou?
— Sim.
— A suíte máster será a última, porque você levará mais tempo nela; a lareira
do quarto será feita com marmorização, e Viviam prefere que você dê uma olhada e
converse com o Alecsander antes de começar.
— Uhun.
Assim que cheguei na enorme mansão, avistei homens indo e vindo. Tapumes,
ferramentas, andaimes e um pequeno trator estavam na parte da frente; pelo som, a
escavadeira estava trabalhando nos fundos.
— Bom dia, pessoal. — Ergui dois dedos e eles responderam acenando.
Eu praticamente fui criada no meio disso tudo. Éramos uma família no trabalho:
um cuidava do outro e não era qualquer um que podia entrar. O mestre de obras do meu
pai era um homem astuto, bastava ele bater o olho para dizer se o candidato a ingressar
na empresa prestava ou não. Entrosamento filho da puta. Todos trabalhavam
comprometidos, vestiam a camisa da empresa e eram recompensados por isso.
— Sinclair, eu gostaria de, em nome da minha família, agradecer a ajuda. Meu
filho foi aceito em Yale, e eu só gostaria de dizer que...
— Court! — meu pai o interrompeu com um aperto no ombro. — Estamos
trabalhando juntos há quanto tempo mesmo?
— Vinte e dois anos.
— Então creio que somos amigos, e amigos de verdade ajudam uns aos outros.
Eu confio em você cegamente, confio em sua palavra, em seu trabalho. Eu não fiz nada.
Considere um presente para sua família. Desejo que Erik obtenha sucesso.
Os olhos do amigo e mestre de obras do meu pai ficaram brilhantes demais; era
até estranho ver um homem tão grande a ponto de chorar.
— Pare logo — brinquei, abraçando-o pela cintura. — Se você chorar, vou
gravar em vídeo e postar no YouTube. A legenda: “gigante escocês chora ao ver a
beleza de Valentina MacKerrick”. — As gargalhadas foram altas, e eu fui jogada para
cima como um saco de batatas.
— Sua peste! — brincou me fazendo cafuné. Meu pai ria das minhas tentativas
de me livrar.
— Você vai ver, coroa. — Fechei o punho e bati em seu estômago. Ele rosnou,
mas logo estava parecendo um treinador, enquanto eu batia rápido e chutava.
— Bate nele, Valentina! — alguém gritou.
— Ele está sendo um feitor de escravos! — outro completou. Todo mundo riu e
eu também.
— Acho que cuidamos bem da nossa garotinha, Sinclair! — Sorriu estufando o
peito. Aquela era a minha outra família.
***
Enquanto passava o rolo de tinta suavemente na parede, eu ia cantando. Era um
tipo de transe no qual eu entrava quando estava trabalhando. A música explodia nos
meus ouvidos enquanto seguia um ritmo uniforme para não manchar nem criar linhas na
pintura.
"Sim, eu serei sua mulher, eu serei o seu bebê.
Sim, eu serei o que você quiser quando disser que está pronto!"
Parei por um momento o meu trabalho; pensei no que acabei de cantar. Que
ironia infeliz. Eu hein... Até parece que eu iria cair de amores pelo Blake.
— O idiota nem se separar quer! — Mexi nos cabelos ignorando qualquer
afetação.
Minha atenção tinha que estar sobre o que eu estava fazendo agora. Eu não vou
mentir: adorava o meu trabalho. Creio que pintar só perdia para gastronomia, minha
outra paixão. Eu me perdi nisso e só notei que estava na hora de ir embora quando meu
pai chegou puxando os meus fones.
— Almoço e descanso. — Ergueu o polegar enquanto avaliava a parede. — O
segundo turno começa às duas.
Fomos embora. No caminho paramos em um sinal e meu pai apontou com o
queixo para a minha casa. Sonho de consumo irrealizável.
— Foi vendida por sessenta milhões.
O quê? Senti um soco no peito. Era um sonho, mas vê-la com a placa de venda
tornava possível desejar.
— Tomara que desabe! — Mas logo me arrependi. A casa não tinha nada a ver
com a minha raiva. Não foi culpa dela que o maldito comprador a pegou antes de mim.
Sinceramente, Valentina, quando nesta vida você poderia tê-la?
Fechei os olhos, triste.
Nunca.
Esta era a verdade.
***
O bom de se trabalhar com aquilo que gosta é o enorme prazer que isso te dá.
Sendo em uma situação oposta, você chora de tristeza para levantar e chora de alegria
quando chega em casa. Eu amava o que fazia, tanto que nunca deu errado. Todas as
reformas nas quais a pintura ficou por minha responsabilidade ocorreram bem, e aqui
na casa de Alecsander não seria diferente.
Fazia mais ou menos dois meses que eu estava trabalhando igual os outros
funcionários. Nesse tempo eu praticamente perdi minha vida social. Não dava para ir
para uma festa, pois a única festa que queria era minha cama e os lençóis. Eu meio que
caia morta assim que chegava do segundo turno de trabalho.
— Val... — A voz suave de Ally me trouxe à realidade
— O que foi, amore?
Eu me virei para poder olhá-la. Enquanto eu ajustava os cadarços da minha bota
de trabalho, notei que a minha querida amiga apertava os dedos, olhava para baixo e
respirava um tanto sôfrega.
— Ele vai... — Sua voz soava enfraquecida. A testa franzida completava um
rosto levemente rosado e ansioso. — Alecsander. Ele aparece por lá?
— Você quer saber se eu o vejo, é isso? — Se possível, ela corou ainda mais.
— Não quero parecer assanhada. — Suspirou. — É só curiosidade, sabe? Eu só
queria saber. Não tem nada demais, não é?
— Ally, ele quase não vai lá. Depois de me encher o saco com suas exigências
e desistências, eu quero mesmo que ele não dê as caras, ou eu vou fazê-lo engolir a
porcaria da tinta. — Notei sua cara assustada, então tratei de desmentir antes que ela
acreditasse em minhas palavras. — É brincadeira. Agora falando sério: vou começar a
suíte máster hoje. Que tal se você for comigo? Dependendo, eu te deixo pintar um
quadradinho para você dar um toque no quarto do seu ator paspalho.
— Jura? Posso ir mesmo? — Acenei que sim e ela deu pulinhos. — Vou ficar
quieta. Não vou atrapalhar, eu prometo.
— Se arrume. Saímos em quinze minutos.
Minha moto percorria as ruas em alta velocidade. Ally me beliscava sem parar,
demonstrando seu estado de nervos.
— Não corra tanto. — Reclamou assim que parei em um sinal vermelho. Nem
subi a minha viseira, só acenei positivamente.
— Eu não estava correndo tanto assim.
Esqueci o que ia dizer quando escutei o ronco de um potente motor. Minha
cabeça acompanhou o carro que parava ao lado. Não precisei que os vidros estivessem
abaixados para reconhecer aquele carro, visto que só existiam dois no mundo: um
exposto em um salão do automóvel em Londres, o outro com Blake.
Meu estômago deu um tombo e eu me sacudi. Não estava animada, não estava
sentindo nada!
— Nossa, Val, que carro!
Sim, Ally, que carro!
O vidro abaixou e vi um forte braço apoiar na porta. Meus seios doeram, até me
senti desconfortável. Então, lentamente, ele virou e me olhou. Fiz o motor da minha
moto roncar; ele franziu o cenho, mas não fez nada. Com certeza não me reconheceu.
Óbvio que com o capacete ele não estava vendo meu rosto. Não sei que destino era
esse que insistia em cruzar nossos caminhos.
Olhei o sinal e ele estava próximo de abrir. Voltei a encarar Blake. Ele também
me encarava e lambeu os lábios. Suspirei, toda mole. Logo encarei com horror o meu
pequeno gesto. Estiquei-me na hora, toda tensa.
Que merda era essa? O que estava acontecendo aqui?
Seus olhos claros estavam fixos em mim, mas então uma mão passou pelo peito
dele, e sua noiva encostou a cabeça em seu ombro. Um gesto íntimo e, pela hora, com
certeza eles estiveram juntos durante a noite. Desgostosa e confusa, subi minha viseira.
Blake me olhou horrorizado. Eu pisquei um olho e logo acelerei. Se antes eu pilotava
rápido, agora eu estava voando.
Em minha cabeça seus pedidos de chance, minha quase fraquejada e a raiva
ecoavam sem parar. Blake, a cada instante, só cimentava minha crença de que homem
bom era homem domado, na coleira, porque todos são mentirosos, manipuladores,
falsos e idiotas.
— Foda-se esse mentiroso! — rosnei, querendo esmurrá-lo.
Por um curto momento eu quase vacilei, mas o quão bom pode ser um cara que
fode com as suas próprias chances? Blake ou é muito idiota ou é muito inocente.
Ninguém merece. Senti batidinhas no ombro para prestar atenção. Respirei fundo,
deixando Blake para trás. Não iria delegar pensamentos errôneos em sua direção. Abri
a caixa de pandora e joguei ele lá dentro, tranquei e permiti que caísse em um profundo
vácuo de consciência.
Aqui jaz Blake idiota Walker. Ponto final.
***
— Val, a casa é linda demais! — Ally ofegou chocada enquanto ia conhecendo
os cômodos da mansão de Alecsander.
— Sim, e isso porque ainda não foi mobiliada. Viviam vai estourar os bolsos
do seu ator. — Eu ri baixinho. — A casa está ficando foda, só não seria mais bonita
que a minha casa perdida. Juro, Ally, que eu queria que ela caísse, aí depois eu queria
poder pegar a reforma e deixá-la linda, mas então eu resolvo que cobiçar coisa alheia
não faz bem.
— Eu nem sei o que dizer.
— Não diga nada, apenas sente por aí e vamos conversar. Preciso começar essa
parede agora. Tenho que deixá-la pronta até o horário do almoço.
— Por que até o horário do almoço?
— Metas, querida. Ninguém trabalha sem metas.
Sorri observando o quanto Ally estava encantada, os olhinhos brilhando, um
sorriso simples e lindo gravado em seu rosto desde que chegamos. Ela tinha um bonito
tom rosado nas bochechas, o que piorou drasticamente quando Alistair chegou e meio
que caiu de quatro por minha amiga. Acho que a inocência que brilhava ao redor dela
era como um forte ímã para os homens. Apenas observei como as coisas se
desenrolavam e, caso Ally precisasse de reforço, eu estaria pronta. Não foi preciso,
pois Alistair era um gentleman e deixou minha amiga encantada, convidou-a para jantar
e tudo pareceu fluir para um encontro romântico, até Alec aparecer.
Um silêncio pesado preencheu o quarto. Uma tensão começava a crescer entre
os irmãos.
— Quem é essa belezinha? — Alec perguntou, acentuando na fala a
discrepância já existente entre os dois.
Enquanto Alistair estava de terno e gravata, Alec estava de jeans e jaqueta de
couro, um óculos aviador preso ao colarinho da camisa. Alice encarava Alec como se
ele fosse uma miragem. Eu já me preparava mentalmente para contê-la, pois não sabia
se era saudável colocar fã e ídolo no mesmo ambiente.
— Ninguém vai falar nada? — Alec provocou e eu me adiantei
— Esta é minha melhor amiga. — Dei ênfase para ele se tocar que Alice era
território proibido: um passo em falso e eu soltaria a besta para defendê-la. — Alice.
Alec me olhou e estreitou os olhos como se estivesse pensando e, então, ele
bateu a mão na testa e sorriu.
— Oh, sim, como pude esquecer? — Sem se importar com a cara assassina de
Alistair, Alec puxou Alice para um abraço apertado. — Prazer em finalmente conhecê-
la. Alec, seu criado.
Fodeu!
— Não acredito nisso! — Alice engasgou encarando-o. Então ela tocou o rosto
dele e sorriu o sorriso mais lindo que já vi no rosto da minha amiga. — Meu Deus! —
Ela o abraçou/meio que pulou empurrando-o como se levasse um choque, Alec
cambaleou sorrindo e retribuiu apertando-a de volta. — Não acredito que é você
mesmo! Me belisque, por favor. — Ele mordiscou a mão de Alice, beijando em
seguida. Minha amiga cambaleou levemente.
Alistair negou com a cabeça, então virou-se para sair. Praticamente corri, me
colocando na frente dele. O grande homem parecia triste.
— Vai sair assim de fininho? — perguntei sem acreditar. Olhei para o casal
ainda abraçado. Alice parecia não querer soltar o famoso. Notei Alistair respirar fundo
e sacudir os ombros para voltar.
Assim que se faz! Por alguma razão, me pareceu que Alistair sempre ficava em
segundo plano diante do irmão. Acostumou-se a isso, certamente.
— Solte a minha amiga, Alec! — Ele riu, me chamando de ciumenta.
Pelo menos se soltaram e Alice pareceu acordar para a cena que protagonizou.
O vermelho em seu rosto aprofundou e ela afastou-se um pouco. Creio que o momento
foi apenas uma reação confusa. Agora que ela estava pensando, voltou a ser a minha
amiga tímida e recatada de sempre. Naquele instante, meu pai apareceu, timing
perfeito! Eu sorri para os rapazes, e Ally me acompanhou. Sabia que éramos
observadas por ambos.
— Você deve uma resposta a Alistair — soprei em seu ouvido e ela virou-se
para os homens parados no meio do quarto.
— Alistair, será um prazer! Sete e meia? — Senti um pequeno aperto no peito,
pois ele até respirou aliviado. Parecia importante que ele fosse escolhido naquele
momento.
— Perfeito! Eu te pego em sua casa.
— Até mais.
— Até, anjo.
Peguei a mão de Ally e notei que estava trêmula e gelada.
— Sou uma idiota! Eu me descontrolei quando vi Alec. Eu acho que Alistair
ficou magoado. Estou arrependida.
Minha amiga não suportava magoar as pessoas. Isso era algo que eu admirava
muito, visto que eu não me importava com isso.
— Pense que você não é obrigada a nada. Eles são irmãos. Deve haver
rivalidade em algum nível. — Pisquei um olho e ela riu.
— Só não quero magoar ninguém, mas não vou ficar no meio dos dois. Eu não
tenho cacife para isso não.
— Boba.
Rindo, fomos para casa. Minha mãe preparou um almoço daqueles que adoro:
sobras. Então tinha carne, frango, massas, dois tipos de sobremesa, e mais uns mimos
que me deixaram salivando. Comi horrores. Minha mãe também. Apesar dos enjoos, ela
comia bem. Não sabia até quando ela iria ficar assim, mas esperava que não demorasse
muito.
— Valentina, seu cabelo está com a raiz loira crescida, vamos corrigir isso? —
Minha irmã falou. Neguei. Estava estranho mesmo. Apesar de curto, a raiz clara estava
se destacando demais. Porém não estava incomodando, ainda.
— Vou comprar uma tinta escura e rapidinho ajeito isso.
— Você esqueceu o que me prometeu? — minha mãe resmungou e eu parei a
colher de mousse a meio caminho da boca.
— O que eu prometi? — Eu me fiz de doida. Vai que cola.
Faço isso pois, às vezes, a resposta que ganho é melhor do que a minha própria.
— Deixar o cabelo ficar loiro de novo. Você me prometeu e eu vou cobrar! Já
pensou se este bebê nasce loiro? Vocês serão parecidos. Algo me diz isso.
— O que a senhora está sugerindo, mamãe? — Arqueei uma sobrancelha e ela
sorriu, com a cara de manipuladora que só ela tem.
— Eu marquei uma hora para todas nós hoje à tarde em um salão. Teremos um
dia de garotas.
Arregalei os olhos, sentindo pavor, mas não pude evitar. Meu pai, em complô,
me deu a tarde de folga e quando me vi estava sentada diante de um homenzinho
maquiado que me olhava com expressão feliz.
— Miranda, meu amor, estou pronto para deixar o cabelo da sua filha uma
arraso.
Revirei os olhos deixando que eles decidissem. Enquanto isso, me preocupei
em combinar os detalhes da festa de aniversário de Ally. Eu queria uma surpresa
gigante, então colocaria nossos amigos para trabalhar em prol disso.
— Eu gostaria dele na cor natural — minha mãe falou toda alegre. — Olhe aqui
a foto.
Quando o cabeleireiro pegou a foto, arregalou os olhos e ficou olhando para
mim e para a foto, repetidas vezes.
— Eu sei, foi um choque para mim também, querido, e agora eu gostaria que
você trouxesse o loiro de volta. — Suspirei quando ele falou que poderia fazer muito
mais. No final de todo o processo, minha mãe me olhava com olhos marejados. Ela
estava toda emotiva por causa da gravidez e eu tinha que admitir que o negócio estava
bem feito. Meu cabelo ficou igual ao das artistas que usam o método de alongamento.
— Olhe como fica diferente, minha filha! — Olhei-me no espelho e concordei,
Mudei radicalmente.
— Mãe, não vou ficar usando isso! E seu eu quiser lavar? Vai ficar caindo
cabelo?
— Ah!, pode relaxar! O seu namorado poderá puxar seu cabelo e nem vai notar.
Eu sou o melhor, querida, e a manutenção é em trinta dias. Se não gostar, retiramos e
pronto.
Suspirei voltando a me encarar no espelho. Voltei a fase de parecer uma
Barbie! Toquei no cabelo, passando os dedos pelos fios loiros e sedosos. O que eu não
fazia pela minha mãe?
No fundo, eu queria era que outra pessoa me visse assim...
Expulsei a ideia absurda. Volta e meia eu me pegava pensando em Blake, e isso
tinha que parar. O foco agora não era eu, e sim Ally e o encontro dela.
Capítulo 11

Valentina
— Nunca saí com um homem, Val — Ally murmurou com a voz engasgada. O
pior é que se fosse apenas a voz dela que estivesse descontrolada, estaria ótimo, mas
nem Viviam e minha mãe juntas conseguiram acalmar os tremores de ansiedade e o gelo
de suas mãos.
— Isso não tem nada demais. — Sorri para descontrair. — Você vai conversar.
Deixe ele puxar assunto, vai desenrolando e quando não souber responder... — Pisquei
o olho. — Faça charme, olhe para baixo, brinque com uma mecha de cabelo. Suspire
por nada. Ele vai ficar com os miolos fritos, nem vai lembrar do que se tratava o
assunto! Não há complicação, realmente. — Caminhei parando às suas costas.
— Tudo bem, farei isso.
— Agora levante o cabelo — pedi e ela obedeceu, com cuidado coloquei uma
delicada corrente em seu pescoço. — Prontinho.
Admirei a minha amiga, pois ela estava linda, parecia uma princesa de conto de
fadas. Com certeza Alistair vai ficar com cara de idiota, e só espero que ele não seja
mais um infeliz mal-intencionado, ultimamente – sempre, na verdade – ando com pouco
saco para as merdas dos homens.
— Não se preocupe. — Segurei suas mãos. — Alistair sabe que você é moça de
família, ele não vai decepcionar. E se ele se mostrar um babaca, pelo menos serve de
experiência. Seja você mesma, Alice, e tudo estará muito bem. — Sorri e ela retribuiu,
então eu a abracei apertado tentando demonstrar que, independe de tudo, ela tinha a
mim.
— Valentina, eu juro que sempre vou estar aqui para o que precisar. Eu não
tenho mais ninguém e pensei que era sozinha, mas agora sinto que é verdade: eu tenho
uma família. Minha família.
Pigarreei quando uma areia suspeita caiu nos meus olhos. Meu quarto estava
empoeirado, só pode!
— Vou espanar o teto — brinquei, coçando os olhos. — Meus olhos ardem.
— Eu te conheço! Comigo não precisa se fazer de durona. — Fui abraçada e
nem disfarcei ao enterrar meu rosto no pescoço de Ally. Respirei fundo tentando me
segurar. Eu não choro, não sou emotiva, não tenho tempo para essas coisas.
— Val, esconda-se de quem quiser, menos de mim. Nunca irá funcionar.
Puta que pariu. Permiti algumas lágrimas escorrerem. Era muito bom ter amigos
verdadeiros, mesmo que fosse apenas um. Se este valesse verdadeiramente a pena,
certamente seria mais precioso do que ter milhares de pessoas que se diziam amigos.
— Meninas? — A voz da minha mãe me fez acordar. Limpei os olhos, afinal eu
tenho uma reputação a zelar. — Ally, você tem visita. — Dona Miranda estava toda
sorrisos, um lindo rubor pintando suas bochechas. — Vamos, querida, não vá deixar o
rapaz esperando.
Depois dessa produção toda? Nem eu deixaria Alice ficar.
— Nossa! — De olhos saltados e mãos no rosto, ela pareceu em dúvida.
— Minha filha... — Desta vez minha mãe entrou pelo meio, com a voz suave e
conselhos certos. Eu não tinha experiência para tranquilizar uma donzela virgem. —
Você acha mesmo que Sinclair iria te deixar sair sem antes interrogar seu
acompanhante? Agora mesmo Alistair está levando uma encarada de Cyborg e ouvindo
atentamente meu lindo marido explicar as consequências de você chegar aqui com um
fio de cabelo fora do lugar.
Aquilo pareceu aliviar Ally, porque ela respirou fundo algumas vezes, depois
virou-se para o espelho e encarou sua própria imagem. Linda. Maravilhosa. Era assim
que eu a via e, como eu suspeitava, Alistair também. Eu gostava dele, me parecia
verdadeiro. Diferente de Alec, que já fora corrompido pelo cinismo que envolvia seu
próprio trabalho.
— Está linda, mulher! Agora dê o fora. Jante com o gato, faça ele começar a
suar a camisa. — Eu sorri descarada. — Deixe ele querendo mais.
— Valentina, deixe que Alice faça do jeito dela — minha mãe reclamou. —
Não se preocupe, você irá arrasar, filha. — Ela acariciou os macios cabelos loiros da
minha amiga, transmitindo-lhe calma para aquele primeiro encontro.
Queria ter tido uma câmera para filmar a cara de idiota de Alistair quando viu
minha amiga descer as escadas. Ally também não ajudou: ficou toda corada ao receber
o imenso buquê que ele trouxe. Até suspirou!
— Obrigada. — Ver Ally inalar o cheiro das rosas deixou o podre coitado
derretido. Acho que nessa história eu era a única criatura que não era romântica, porque
os homens estavam tão melosos que chegava a dar medo.
— Você está linda.
Fez-se silêncio. O casal nem parecia notar que estávamos aqui. Alistair pegou a
mão livre de Ally para dar um beijo suave, todo galanteador. Ele estava muito
tranquilo, à vontade.
— Vamos? — chamou oferecendo o braço. Ally nem pensou, aceitou a oferta e
foi embora.
Observamos como ele foi cavalheiro ao abrir a porta do carro para acomodar
minha amiga. Logo ele foi se posicionar em seu lugar. Afastaram-se tranquilamente.
Subi para meu quarto, feliz por finalmente Alice estar conhecendo alguém.
Agora, sozinha, resolvi dar uma olhada no tesouro que eu e ela estávamos montando.
Tudo começou quando em meio aos pertences de minha falecida avó. Eu encontrei um
livro de receitas escrito à mão, com técnicas, receitas únicas e sabores exóticos. Eu e
minha amiga quase surtamos de felicidade e agora montávamos os nossos. Eu tinha um
com doze receitas; minha amiga tinha o dela com trinta. No meu livro havia mais
desmembramentos do que receitas propriamente ditas. Falei, há algum tempo, que,
provando, eu conseguia detectar os ingredientes, enquanto Ally estudava a textura e
conseguia traduzir, deixando as vezes até mais gostoso do que a receita original.
Éramos uma dupla e tanto, e quando abríssemos a nossa doceria, não teria para
ninguém. Por isso Ally precisava estudar, se especializar. Eu, no entanto, não pretendia
fazer isso agora. Quem sabe lá por volta dos vinte e poucos anos...
Perdi-me em meio àquela maravilha, e só quando minhas costas doeram percebi
que as horas haviam passado. Fui até a janela durante um momento e nem me espantei
por ver o carro de Alistair chegar. Dali pude vê-lo abrir a porta para Ally e então
caminharem de mãos dadas até a frente da casa. Sorri quando minha amiga riu alto. Não
sei o que ele contou, mas a cabeça de Ally foi para trás em meio a sua felicidade.
Naquele instante, Alistair acariciou seu rosto e começou a aproximar-se.
Franzi o cenho, porque senti um aperto no peito de saudade. Há dias eu estava
me sentindo meio doente. Às vezes me pegava ansiando, então o nome dele flutuava em
minha mente, deixando-me trêmula. Assumi que eu sentia uma leve saudade daquele
idiota do Blake. Ele beijava tão incrivelmente bem, que dava ódio, e o pior era que eu
nem tinha tempo para sair por aí e caçar uma boca para experimentar. Para meu o
horror, eu só desejava a dele.
— Blake, seu infeliz gostoso, por que teve que mexer comigo? Por que não me
deixou em paz? Por quê? —Aapertei os olhos, visualizando sua expressão determinada.
— Saia da minha cabeça, seu babaca! Vá se infiltrar nos pensamentos da sua noiva
estranha e chata!
Caminhei de um lado para outro nervosa, não queria pensar em Blake, não
queria. Minha sorte foi a porta do quarto abrindo, pois eu já estava a ponto de cometer
assassinato ou bater com a cabeça na parede para parar de pensar naquele idiota
delicioso. Olhei para Ally. Minha amiga estava com os olhos brilhantes e com um
sorriso bobo. Melhor puxar assunto para ocupar minha mente e não pensar em merda.
— Conte-me os detalhes sórdidos — adiantei afobada. Era a primeira vez que
Alice tinha o que contar. — Vamos, mulher! Ele te beijou? Passou a mão em algum
lugar proibido?
— Pode parar! Não houve mão em lugar algum, mas quase rolou um beijo. —
Ela sorriu, tocando os próprios lábios. — Eu não sei o que houve, Val, mas no final eu
andei para trás. Nunca beijei um homem como Alistair. Na verdade, nunca beijei
homem nenhum.
Arregalei os olhos sem acreditar, pasma mesmo. Minha cara estava no chão
ouvindo isso.
— Ally, não tem o que fazer. — Tratei logo de disfarçar o constrangimento da
minha amiga. — Faz assim: na dúvida, agarra a língua e chupa. É muito fácil. — Eu ri
da cara chocada dela. Eu sabia que não existia dificuldade alguma, ainda mais quando o
primeiro beijo vinha recheado de pegada, gemidos e um belo pacote esfregando no
lugar certo. Ah, Blake, eu vou te matar!
***
Enquanto vou passando o rolo de tinta na parede da imensa sala de Alec, a
música vai explodindo em meus ouvidos. Todo o andar superior interno já está pronto,
agora estou guerreando com o térreo, pois sei que, quando for pintar a frente, demorará
muito mais tempo.
Não que esteja atrasada no serviço, na verdade estou até adiantada e olha que
no último mês tive uma parada para manutenção do cabelo e unhas, além é claro de
acertar os detalhes da festa surpresa da Ally que, para minha felicidade, era hoje. Não
me aguento de ansiedade para entregar meu presente, só Deus sabe como sou
imprestável com essas coisas. Sempre quero entregar assim que compro, e minha mãe
me repreende dizendo que eu estrago o sentido da surpresa.
Surpresa mesmo foi ver que Alec está tentando se aproximar de Alice, mesmo
sabendo que seu irmão estava se dando muito bem com ela. Foi uma pena Alistair ter
viajado. Não vou aprofundar no assunto; vou ficar de olho, só isso. Quero sonhar que
esses dois estão competindo para ver quem consegue minha amiga. Não quero estar na
pele de nenhum dos dois se isso for disputa de irmão.
Terminei meu dia de trabalho e corri para casa, fazendo aquela bagunça assim
que cheguei. Todo mundo já sabia dos planos surpresa, mas para Ally iríamos apenas
jantar.
— Em quinze minutos eu desço — gritei subindo as escadas
— Arrume-se! — minha irmã gritou de volta.
— Quinze minutos, só preciso disso.
Saímos de casa e já na garagem houve uma confusão: minha mãe queria todo
mundo junto no mesmo carro, só que eu tinha alguns planos isolados, e não ter minha
moto estragaria toda a diversão, por isso bati e pé e não fui manipulada.
Segui sozinha para ao restaurante onde iríamos jantar. Cheguei primeiro e já
arrumei os parabéns com o bolo. Aquela seria a primeira etapa; a outra seria melhor.
Com tudo pronto, eu só esperei. Pode parecer bobagem, mas eu adoro surpresas.
— Pensei que estavam vindo de ré. — Levantei para beijar a bochecha da
minha mãe.
— Você que veio muito rápido. Eu ainda vou mandar aquela coisa na qual você
anda para um ferro velho.
— E eu vou buscar. — Sorri levando um beliscão.
— Se você cair dessa coisa, Valentina, eu vou te bater!
— E me machucar mais? — ironizei. Desta vez meu pai acertou a parte de trás
da minha cabeça. — Vocês estão tão carinhosos hoje! — rosnei, alisando o local, mas
um sorriso jogava em meus lábios. Minha família toda ali, era maravilhoso, só faltava
Cyborg e aí sim seria perfeito.
O jantar transcorreu de forma divertida. Na sobremesa todos tentaram descobrir
o ingrediente secreto e eu fui a vencedora, com Ally complementando minha
descoberta.
— Vai ser muito top nossa confeitaria! — Eu me orgulhei com a aquela
verdade.
— Com certeza! Só preciso estudar mais. Vou fazer um curso por
correspondência, tudo pela internet; vou ler mais livros especializados...
Chegou o grande momento. Sorrindo estiquei a mão para a bolsa da minha mãe e
de dentro retirei o envelope com o emblema da Le Cordon Bleur. Não precisei dizer
nada. Quando o estendi para Ally, seus olhos verdes foram enchendo de lágrimas.
— Feliz aniversário!
Sorri de pura felicidade quando vi a expressão da minha querida amiga. Seus
olhos verdes pareciam duas esmeraldas, de tão brilhantes.
A festa estava feita. Era muita felicidade e o dia era permitido extravasar. Do
restaurante fomos direto para o bar que havia marcado com a turma. Meus pais não
ficaram muito tempo, minha mãe precisava descansar e o Sr. Sinclair era a babá.
Viviam até que tentou controlar os ânimos, mas era muita felicidade e, depois de
algumas margueritas, a turma estava meio louca. Eu era a única lúcida. Foda para
isso.
— Hoje é o melhor dia da minha vida — Ally gritou, abraçando-me. Já estava
altinha.
Eu só pude sorrir. Creio que foi a primeira vez que a vi tão livre, leve e solta.
Parecia que nada poderia atrapalhar o momento, mas olhe, o destino as vezes é uma
puta safada. Alec e Alistair acabaram de chegar. Não que eles soubessem da festa...
Olhei para Ally, que sorria feito boba. Certamente ela não convidaria os dois...
— Ai meu Deus! — Minha amiga sorriu, colocando as mãos no rosto. — Os
dois juntos, lindos, mas Alec...
Meu Deus do céu, prevejo problemas.
— Ally, por acaso você disse onde estávamos? — perguntei, encarando-a. Nem
cara de inocente ela conseguia fazer; o rubor era um ótimo denunciador.
— Eu acho que devo ter dito alguma coisa — sorriu, os olhos nublados e
felizes. — Alistair me ligou, eu falei para ele. Aí Alec ligou, mas eu confundi com a
voz de Alistair. — Um soluço risonho escapou de seus lábios — Eles têm a mesma voz.
— Cruzando os dedos juntos, os beijou — Eu juro.
Eu ri. A Ally normal estaria agora mesmo debaixo da mesa, escondida em
silêncio. Todo mundo sabe que dois homens, juntos, que querem a mesma mulher,
sempre dá merda.
— O que eu faço? — meio nervosa, ela questionou assim que eles olharam para
nosso reservado e começaram a caminhar em nossa direção
Não faça nada, porque isso Vai. Dar. Merda!
Eu queria dizer algo, mas cá estou eu, bem de boas e servindo de escudo para
qualquer coisa.
— Hoje é seu aniversário, seu dia. Curta muito, beba , dance, cante e deixe o
resto comigo.
Era só o que eu podia dizer. Eles chegaram. Alice virou um morango de cabelo
loiro. E foi declarada a guerra! Ambos se hostilizavam com olhares, disputavam a
garota que estava mais ocupada se divertindo. Sorri, só observando o que a bebida não
faz. Até de cantar Ally teve coragem, o que pareceu deixar os rapazes hipnotizados, um
mais que o outro: Alec.
— A noite vai ser uma beleza. — Cruzei os braços, contente. — Só espero que
Alice se lembre de tudo o que está fazendo hoje.
***
— Alec, por favor, deixa-a. — Recuei quando ouvi a voz desesperada de
Alistair. — Meu irmão, eu nunca te pedi nada; sempre me abstive, mas, agora... —
Houve uma pausa. — Por favor, deixe-a. Eu estou apaixonado por Alice.
Abri a boca completamente em choque, passada com aquela revelação.
— Infelizmente eu não vou poder te ajudar. — Ouvi Alec praguejar alto. — Eu
não paro de pensar nela. Sinto muito.
Pulei com a violência da pancada e do berro que se seguiu.
— Eu estarei aqui, Alec, e se você vacilar com Alice, eu quebro a sua cara! Ela
não é suas putas; não é para brincar! Ela é uma garota de família, respeitável! — Daqui
eu ouvia a voz ofegante e desesperada de Alistair. — Juro que esquecerei que somos
irmãos, se você magoá-la!
Uma porta bateu. Esperei alguns segundos e saí. Encostei-me ali e esperei para
ver. Alguns minutos depois, Alec saiu do banheiro.
— Eu vou reiterar o que o seu irmão disse: se você está em alguma disputa
estranha para ver quem ganha a Alice, eu diria que agora é um bom momento para
recuar. Se por acaso você cair na besteira de magoar a minha amiga, eu vou te fazer
pagar!
— Não se meta! — Esfregou os cabelos. — Você deveria se preocupar com
Blake, e não comigo — ironizou cruzando os braços. — Você deve se preocupar com
ele.
— Recado dado! Não esqueça! — Não esperei para ouvir uma resposta.
Voltei para festa e Alistair havia ido embora, o que foi ótimo para Alec, que
não perdeu tempo e ficou perto de Alice. Ele já chegou e a abraçou, parecendo o
perfeito namorado, deixando minha amiga flutuando de felicidade. Ficaram juntos, ele
todo cuidadoso, a abraçando por trás e beijando seu ombro de vez em quando.
Só queria ver o que aconteceria quando, em dois dias, Alice embarcasse para
uma nova vida.
***
A despedida de Ally foi terrível.
Eu estava ali, toda dura, me fingindo de forte. Viviam e minha mãe choravam
sem pudor; eu, não. Abraços apertados, palavras de agradecimento, e eu já estava
sentindo um quilo de areia nos olhos.
— Val! — Alice pegou minhas mãos. — Eu só queria agradecer por tudo. —
Ela sorriu, chorando — Graças a você eu tenho uma família; me sinto parte de algo
maior. Quero que sua mãe e seu pai se orgulhem de mim.
— Filha... — Minha mãe desmanchou.
— É verdade, senhora! Eu quero que se orgulhem de mim. Não desejo que se
arrependam por terem me aceitado em suas vidas.
Todo mundo chorava, menos eu, porque ser forte era a minha especialidade.
— Val, minha melhor amiga, irmã, defensora... — Soprei para aguentar. — Essa
conquista é nossa! Eu vou estudar, vou me dedicar. Serei a melhor e, quando eu voltar,
conquistaremos nosso lugar. Você não vai se arrepender por me dar essa chance.
— Não precisa dizer isso. Fique bem, aproveite, curta cada momento. Não é
mérito meu e sim seu! — Olhei dentro de seus olhos. — Nosso futuro será brilhante,
Alice, porque nos amamos e nos completamos. Você sabe que nunca abandono os meus,
assim nunca poderia ter te deixado sozinha.
Sem perceber quem deu o primeiro passo, me vi apertada em um abraço
enquanto retribuía. Não dissemos mais nada. Alice estava indo crescer. Quando
voltasse, seria uma nova mulher, mais segura de si, e estaria em seu lugar. Observei ela
desaparecer pela porta de embarque. Em silêncio, fui para o carro do meu pai. Sentei-
me no banco de trás, de cabeça baixa, mãos firmes em meu colo.
Dois anos passam rápido...
Neguei sorrindo. Só precisei disso. O primeiro soluço veio, o segundo e,
quando dei por mim, estava com o rosto enterrado em minhas mãos. Chorava feito
doida, já me acabando de saudade, todavia, jamais deixaria Alice viajar com a imagem
do meu choro descontrolado. Depois de vários anos juntas, a separação estava sendo
traumática para mim.
Para tentar esquecer da minha saudade, me enterrei no trabalho, curti a gravidez
da minha mãe e deixei Viviam me convencer a manter o cabelo longo. Os dias viraram
semanas, e estes, meses. Todo dia Alice me contava as novidades, uma técnica nova e
como estava adorando cada instante. Eu estava muito feliz por ela, pois a felicidade dos
meus entes queridos era a minha. Isso bastava para mim, só que, sem Alice, eu não tinha
vontade de sair e não o fiz. Meu lazer era brincar com Cyborg. Como agora, corria com
ele pelos arredores de casa. Meu cachorro era grande e precisava se exercitar.
— Vamos, garoto! Precisamos voltar para casa — dei a ordem, já correndo de
volta. Ele, como sempre, ao meu lado.
Cheguei em casa e me assustei ao ouvir os berros do meu pai.
— Cuidado, Blake. Vamos, cara! — Franzi o cenho — Isso, isso. Brilhante!
Merda! Aaaaah, issooo...
— O que foi, pai?
— Blake está liderando a Nascar. O garoto é um fenômeno! — Meu pai estava
todo eufórico. Não creio que ele é fã da múmia! — Venha assistir comigo!
— Não gosto de corrida.
— Você adorava! — falou sem desviar o olhar da TV. Meu pai estava saltando,
super nervoso e elétrico. Ele ficava assim quando viciava em algum esporte.
— Não adoro mais.
Não fiquei para ver. Subi para o meu quarto, tomei um banho e deitei. Antes de
dormir, e sem controle dos meus pensamentos, fiz uma prece. Espero que Deus te
abençoe Blake, seu atrevido.
Adormeci com um sorriso nos lábios.

Dois meses depois...


— Ally faz falta. — Engoli minhas panquecas com xarope de morango. Não
eram as panquecas a única coisa que precisei engolir; o caroço em minha garganta
também desceu rasgando.
Pense em uma saudade ruim. O pior é que eu sempre fingia que estava tudo bem.
Inclusive tive que brincar para animá-la, pois Alec, O Infeliz, surgiu com uma
namorada horrorosa e azeda. Minha amiga estava meio chorosa, mas compreendia que
não dava para terem nada.
Meus pensamentos estavam tão desconectados, que eu me sentia confusa,
entretanto eu não queria levar o tiro que meu pai deu:
— Blake bateu o carro e capotou, na corrida de Dallas.
Capítulo 12

Valentina
— O quê? — gritei no momento em que eu bebia o meu suco. Engasguei em
seguida, espirrando o líquido pelo nariz enquanto sentia um nó em minhas tripas.
Fiquei tonta; não conseguia respirar. Nem tossir estava dando certo. Meus olhos
lacrimejavam sem parar. Não sei qual foi a alma caridosa que espancou minhas costas,
me fazendo cuspir grosseiramente e sentir que a qualquer momento um pulmão seria
cuspido também.
— Minha filha, você está bem? — minha mãe perguntou, alisando meu cabelo.
Assenti, sem muita confiança.
Meus pais estavam em cima de mim, olhando-me preocupados. Se eu não os
mandasse sair, provavelmente ficaria sem meu importante suprimento de oxigênio.
— Continuem a conversa — eu disse, ofegante. Meu coração estava acelerado
demais.
Meu pai me encarou por um momento, mas voltou a falar:
— Estamos encaminhando para a parte final da reforma, aí ficará faltando
apenas o acabamento da área externa.
Assenti, doida para voltar ao assunto de Blake.
O que aquele idiota fez?
— Do que você estava falando? — Pigarreei. Minha garganta ardia. — Que
alguém sofreu um acidente?
Meu pai nem sonhava que eu e Blake havíamos trocado saliva, então eu
precisava pisar em ovos com as perguntas.
— O quê? — Revirei os olhos. Meu pai e sua memória curta.
— Pai, o tal Blake. O que aconteceu? — Tentei demonstrar apenas indiferença.
— O senhor falou que ele sofreu um acidente?
— Ah, foi na corrida de ontem. Ele se chocou com outro carro em uma
ultrapassagem perigosa. — Senti um calafrio horrível. Aquele barbeiro de uma figa!
— Só isso? — perguntei sem olhar para ninguém, meus olhos fixos em meu
prato. A fome completamente perdida.
— Ele foi retirado desacordado da pista. — Com toda a calma do mundo, meu
pai cortou um pedaço de filé, levou-o à boca para, depois, sorrir para minha mãe
elogiar o sabor.
Merda! Será que ele não percebia que tinha alguém aqui em estado de aflição?
E por que eu me importava, mesmo?
— Pai! E então? — Eu sorri. — O cara saiu desacordado... Tinha muito sangue?
Deu para ver? Já houve alguma atualização do estado dele?
Fechei a boca porque minha irmã me encarava. Ela até mesmo cruzou os braços
e arqueou uma sobrancelha.
— É, pai, nos conte como Blake está — Viviam falou alto. — O senhor está
torcendo por ele que eu sei.
— Na verdade, seu pai é meio fã deste piloto desde que ele ganhou o primeiro
ano de forma desafiadora, causando sensação e comoção entre os mais experientes. —
Minha mãe sorriu, acariciando o braço do meu pai.
Caralho. Por essa eu não esperava!
— Bom, pelo que foi noticiado, ele não quebrou nada, mas bateu a cabeça e por
isso estou preocupado.
— Não deve ser nada demais... — Dona Miranda apaziguou o clima, de
repente, muito estranho. — Ele é muito querido. Certamente, se algo grave tivesse
acontecido, já estaria nas primeiras manchetes do dia.
Sem fome, eu pedi licença e saí da mesa. Corri para o meu quarto, ansiosa para
ligar meu computador, e quase esmurrei aquela merda por demorar demais a conectar à
internet. Resmungando todo tipo de impropério, puta de raiva e sem querer de forma
alguma investigar que raio de agonia era essa, eu praticamente espanquei o teclado
quando o Tio Google abriu.
Acidente de Blake
A busca me trouxe mais de mil resultados. Fui no que achei menos especulativo,
tentando, no ato, encontrar uma notícia confiável:
Blake saiu desacordado do acidente que sofreu...
O choque dos carros na corrida de Dallas.
Blake Walker Tricampeão Nascar...
Apesar de ser um novo nome…
Nikkos Mandelev principal rival...
— Que tanto de merda! — Escolhi o quinto link, torcendo para ser o melhor.
Meu computador corria um sério risco de ser açoitado na parede se algum site de
propaganda aparecesse na minha frente.
Controle o seu temperamento! Uma criança vem aí!
O site abriu, fazendo-me abafar um grito. A foto da reportagem era a de um
carro todo amassado. Uma bola de metal contorcido.
— Filho de uma esfinge! — rosnei, tremendo, mas fui ler. Não sou uma
medrosa.
A acirrada disputa entre os dois melhores pilotos da Nascar resultou em um
dos piores acidentes da temporada, as imagens são chocantes...
Clique aqui para assistir ao vídeo
Não me importei uma merda para possíveis vírus, e cliquei. Esperei alguns
segundos e lá estava a imagem de um Audi branco com o número dezoito preenchendo a
tela. Ele corria em alta velocidade, liderando, deixando os outros comendo poeira.
Inclinei-me para frente, os olhos pregados na tela. Alguns metros adiante surgiu uma
curva fechada. O carro de Blake fechou o canto, mas um carro preto forçou a curva,
aproximando-se demais.
Gritei, cobrindo a boca quando ambos os carros se chocaram. O carro de Blake
pareceu voar; bateu na mureta e capotou, seguido pelo preto. Minhas tripas revolveram-
se na minha barriga, tremendo, e eu voltei à matéria para ter notícias.
— Que merda, Blake! — Aflita, me senti meio cega. — Cadê a porra da parte
em que parei?
... o Choque dos carros cancelou a corrida. A pista foi isolada para os
primeiros socorros e procedimentos de contenção. Um forte cheiro de combustível
foi sentido a muitos metros de distância e, devido a este fator, a pista foi alagada
com água e pó neutralizante. Ambos os pilotos ficaram presos nas ferragens. Nikkos
Mandelev sofreu fraturas expostas em ambas as pernas...
— Acho é pouco! Bom que morra, esse miserável. — Continuei a ler.
... Blake foi retirado uma hora depois. A frente do seu carro precisou ser
serrada e, apesar do barulho do resgate, ele permaneceu inconsciente. Não há
notícias de seu real estado, o que sabemos é que a diretoria do Hospital Geral de
Dallas não permitiu transferência para o Centro de Traumas da Califórnia, assim,
acreditamos que o estado de Blake Walker seja pior do que o relatado. Apenas uma
nota foi expedida pela equipe que fez o atendimento:
“Blake está estável, mas não podemos atestar, de fato, como está enquanto
ele não recuperar os sentidos. As tomografias nos deixaram aliviados. Porém, apenas
quando ele acordar poderemos enxergar algum problema não detectado pelos
exames. Nada mais a declarar"
Dr. Christofer E. Newton — Chefe do Departamento de Neurologia do
Hospital Geral de Dallas
— Merda! — Mordi o lábio, com força. — Ajudou muito não dizendo como ele
realmente está!
Batuquei os dedos, procurado algo de hoje. De agora! Será que esse povo não
trabalhava? Blake era famoso, oras! Procurei em todos os sites de renome, li durante
horas até meus olhos arderem. E nada.
— Vou ficar doida! — Arranhei meu couro cabeludo. — Por que eu não roubei
o número de telefone dele? Era só pegar o número e ele nem saberia que eu tinha.
Parabéns, Valentina, por ser muito esperta que fica burra. Levantei meio
revoltada. Não havia nada que eu pudesse fazer... Alec!
Eu me vesti às pressas para poder sair de casa. Trancei meu cabelo, coloquei
meus tênis e nem dei tchau. Subi em minha moto e voei. Não sabia onde procurar, mas
pelo menos não iria ficar parada feito uma completa idiota aflita. O primeiro lugar onde
procurei foi na casa dele, afinal eu tinha acesso. Com sorte eu o encontraria. Alec, às
vezes, gostava de ir lá e apenas olhar para as paredes. Retardado famosinho.
Para o meu ódio, ele não estava. Comecei a percorrer os lugares mais agitados,
até que, por último, eu o encontrei no bar do Rocket. Totalmente desconfortável por ter
que pedir um favor, eu me aproximei de sua mesa. Ele acariciava uma loira horrorosa
e, assim que me viu, meio que a empurrou fazendo-a protestar, chateada.
— Valentina? — Engasgou quando fiz cara feia. — Tem notícias de Al...
— Alec, eu não tenho. — Respirei fundo, controlando meu temperamento. —
Preciso que me dê o telefone de Blake. Eu preciso falar com ele.
— Como é que se pede? — Debochou, cruzando os braços.
Vou chutar as bolas desse escroto. Torci a boca, tentando me acalmar.
Lembre-se do seu irmão que está vindo. Respire...
— Por favor, Alec — cuspi, cerrando a mandíbula. — Preciso do telefone do
Blake.
— Eu não ouvi direito. — Sorriu e algumas pessoas riram. Inflei as narinas.
Raiva queimava seu caminho através do meu corpo.
Pense na sua múmia. Controle-se. Vai que dá!
— Alec — falei alto. — por favor, eu preciso do número de Blake!
Ele bateu palmas.
— Viu que não dói? — questionou, cínico. — Bom, infelizmente como eu não
dei sua localização nem disse quem você realmente era em todas as milhares de vezes
que ele implorou, creio que agora seja um bom momento para você provar do seu
próprio veneno. Eu não vou te dar o número dele.
1...2...3...
Controle o temperamento!
4...5...6...
Respire e acalme-se.
7...8...
— Vá se foder, seu filho da puta! — Apontei o dedo, minha unha quase tocando
sua cara bonita. — Eu agradeço a Deus que seus olhos tenham se fixado em outra. Você
não é para alguém como Ally. Você é um escroto e eu prefiro seu irmão.
Saí sem olhar para trás e aquele momento cravou a faca. Eu nunca seria amiga
dele.
Que se foda! Eu queimava em fúria, de raiva, mesmo, e precisava me acalmar.
Nada resultava bem quando eu me descontrolava. Sabia do único lugar onde eu
encontraria paz, e foi para lá que me dirigi. Cheguei na academia de treino, fazendo um
barulho infernal com a minha moto, mostrando a todos que eu não estava com saco nem
disposição para aguentar merda, hoje.
Em silêncio, fui para o meu armário, peguei meu material, troquei de roupa,
conectei meus fones e fui aquecer no saco de pancadas. Cada murro que dava, meu
corpo aliviava um pouco da tensão. Ainda não havia descoberto outra válvula de
escape a não ser essa. Parecia uma coisa natural, a agressividade. Deus que abençoe
para que eu melhorasse antes do nascimento do meu irmão.
Ah, calma aí. Descobrimos o sexo do fedelho na última ultra. Meu pai estava
roxo de felicidade e minha mãe, que já era a soberana, foi promovida para o status de
semi deusa. Meu pai estava uma coisa melosa que dava agonia, mas até que eu entendia.
Depois de séculos, o senhor Sinclair estava sendo pai de um menino. Era tão legal!
Só quando senti meu corpo entrar em estado de exaustão, foi que me dei por
satisfeita. Na própria academia tomei um banho, coloquei as mesmas roupas e voltei
para casa. Mais tranquila, porém não menos apreensiva. Eu queria notícias.
— Porra, passei da hora. — Suspirei, ao estacionar a minha moto. A casa
estava escura, o que significava que todos estavam dormindo.
Tentei fazer o mínimo de barulho possível enquanto abria a porta e subia para o
meu quarto. Sem tirar as roupas, me joguei na cama e cobri meu rosto um braço.
— Blake foi transferido. — Ouvi a voz da minha irmã. — Não estão divulgando
porque querem manter o foco longe dele. Pelo que sei, ele acordou, mas sentia dor de
cabeça e foi sedado.
O alívio me deixou meio tonta. Se isso for normal.
— O que eu tenho a ver com isso? — De minha voz escorria alegria.
— Minta para você mesma, mas eu sei o que está acontecendo. Se é muito
tapada para admitir, não serei eu a desenhar para você. — Sentei-me na cama devido
ao tom da minha irmã. — Eu fiz algumas ligações, cobrei uns favores... Vá agora e terá
acesso a ele por algum tempo.
Levantei da cama sorrindo e passei por minha irmã, não sem antes recolher um
boné e dar-lhe um beijo.
— Eu te amo! — murmurei, fazendo-a rir.
— Eu também — retrucou, entregando-me um papel. — Procure pelo Dr.
Dawson. Diga que é minha irmã. Ele irá te levar até Blake.
Mais uma vez corri pelas ruas de Los Angeles. Eu queria vê-lo só para saber se
estava bem. Só isso. Pirada, cheguei ao hospital, procurei pelo tal médico e nem me
surpreendi por ser um ex cliente do meu pai. Lembro que a casa dele fora totalmente
reformada devido a uma triste infestação de cupins.
— Valentina, querida! — Sorriu ao me receber. — Viviam me contou que você
é uma fã de Nascar e queria realizar o sonho de conhecer o Blake, pena que seja nessas
circunstâncias.
— Não me importo, desde que eu o veja e me certifique que está bem. — Mordi
o lábio. — Uhn... Eu apostei uma grana alta que este ano ele também seria campeão.
Estou apenas protegendo meu investimento.
O homem mais velho soltou uma risada. Ainda bem que ele não enrolou e foi
logo me levando para onde eu queria ir. O longo corredor branco, bem iluminado,
exigia silêncio. Meus sapatos eram silenciosos, até mesmo a minha respiração era
quase imperceptível.
Entramos em um elevador e fomos para os apartamentos, ainda no mais
completo silêncio. Quando as portas abriram, eu estranhei que a luz fosse difusa e
amena, criando um clima de sonolência. Não havia ninguém perambulando, e à
esquerda do elevador ficava um posto de enfermagem.
Caminhamos um pouco, até pararmos em frente a uma porta. Quarto 305.
— Você tem uma hora para ficar com ele. Depois começam as visitas dos
médicos e das enfermeiras com os medicamentos.
Concordei, vendo-o afastar-se. Em seguida, abri a porta e notei que estava
quase escuro. Apenas um abajur iluminava o leito. Ajustei meu boné, arrumando minha
longa trança para não bater no rosto dele.
— Oh, Blake, o que houve? — murmurei, tocando seu rosto lindo. — Vamos lá!
Deixe para hibernar quando chegar a época. Você não pode ser tão preguiçoso.
Acariciei seus cabelos para trás. Ele estava com um corte que ia desde a testa e
sumia entre os cabelos.
— Deixe-me te dizer que seus olhos não são tão perfeitos. — Sorri quando ele
enrugou a testa. — Sim, eles têm uma mescla de verde, não são tão azuis assim. Você
não é tão perfeito, seu lindo.
Sua boca abriu levemente.
— Devo perguntar qual o segredo para ser tão velho e ainda assim ser tão
bonito? — Sem resistir, eu encostei meus lábios nos seus e ele gemeu baixo. — Isso.
Reconheça-me.
Sem abrir os olhos, Blake suspirou e eu o beijei com carinho. Meus lábios
tocavam os dele com muita suavidade. Às vezes, quando ele gemia manhoso, eu
chupava devagar seu lábio, mordiscando com cuidado. A todo momento eu o
acariciava, apenas com as pontas dos dedos. Queria que ele soubesse que não estava
sozinho, e, de fato, ele não deveria estar. Senti uma raiva instantânea daquela noiva. Ela
não merecia Blake! A demora para ficarmos juntos era apenas por ele não terminar com
ela. Como ela pôde deixá-lo sozinho?
Enterrei meu rosto em seu pescoço, esfregando meu nariz em sua pele.
Marcando-o para mim.
— Preciso ir. — Fiz-lhe mais carinhos. Essa não era eu, mas eu não desgostava
de estar com ele, tampouco.
— Não... — Ouvi o fraco murmúrio. Afastei-me para olhá-lo. As pálpebras de
Blake tremiam num esforço por abrir.
— Shh! Não se esforce. — Dei-lhe beijos rápidos. — Volte a sonhar.
— Não me deixe. — Suspirou, me fazendo sorrir
Aos poucos ele abriu os olhos. Notei que estavam desfocados. Ele parecia não
me enxergar, mas talvez tenha reconhecido minha voz.
— Mi...
— Shh. — Toquei sua boca, interrompendo-o, e ele beijou meu dedo.
— Saudade...
— Eu sei — falei baixinho, nossos rostos bem próximos. — Eu sei.
O barulho de atividade no corredor me alertou. Eu precisava ir embora, mas
não iria deixá-lo abandonado em uma cama.
— Feche os olhos. Volte a dormir. Você precisa descansar para ficar bom e
ganhar o campeonato.
— Não vá! — Notei suas pálpebras pesadas quando fechou os olhos em um
longo suspiro profundo. Falei em seu ouvido:
— Eu sempre estarei por perto. — Beijei sua bochecha. — Apenas seja livre
para mim.
Observei Blake inconsciente por alguns instantes. Minhas mãos procuraram as
suas, dando-lhe conforto. O máximo que eu podia fazer por enquanto.
No corredor, o barulho aumentou. Essa era a minha hora. Com cuidado,
desvencilhei minhas mãos de Blake e seu rosto torceu um pouco.
— Não me deixe!
Inclinei-me, depositando um beijo em seus lábios.
— Eu nunca deixo os meus. — Esfreguei bem de leve os nossos narizes. —
Continue sonhando, meu querido. Recupere-se e logo, logo estará perfeito de novo.
Fiz um carinho em seu rosto antes de começar a me afastar.
— Não! — Ouvi seu lamento adormecido e parei. Quis ficar, mas não era eu
quem deveria estar ali. Se, de fato, eu fosse a sua mulher, nem um guindaste me
removeria do seu lado, porém, sendo prática, eu não tinha direito algum de estar aqui.
Não daria certo se sua noiva aparecesse. Eu não iria me conter e Blake não
estava precisando de tumulto. Pessoas doentes precisam de carinho e paz.
— Baby, descanse. — Distribuí uns beijinhos em seu rosto. Ele nem saberia que
eu apareci aqui. — Durma em paz, se recupere e volte para aguentar toda a minha
maldade.
Ele sorriu. Eu escovei seus cabelos com minhas unhas, tendo muito cuidado com
seu machucado. Esta era a Valentina fora da capa protetora: aqui eu era a companheira,
a mulher que nunca abandonava os entes queridos, e Blake, mesmo sendo
comprometido, me fazia sentir coisas. Ele era alguém especial.
— Isso é apenas um sonho, onde a liberdade é como as estrelas e estão ao nosso
alcance.
Sorri beijei sua mão.
— Sonhe, baby. Isso é o que te digo agora: um sonho gentil, onde não há dor,
apenas felicidade.
Caminhei em direção à porta, escondendo meu rosto sob o boné. Antes de sair,
eu olhei para Blake. Sozinho no leito de um hospital.
— Sinto-o... — Ergui uma mão em despedida, saindo em seguida.
Isto era, sim, apenas um sonho.
Capítulo 13

Blake
O motor do meu carro rugiu. Minhas mãos apertavam o volante com força.
Aquela era a última corrida da temporada. Eu já não via a hora de voltar para casa e
procurá-la.
Deus, eu não eu suportava mais esperar.
Tudo estava planejado: eu iria terminar com Bárbara, terminar a reforma da
casa, e encontrar Miranda. Três pequenas tarefas simples para que minha felicidade
estivesse completa. Eu estava me mantendo na linha, completamente concentrado em
ganhar o campeonato quando o acidente aconteceu. Não sei se foi um sonho ou meu
absurdo desejo de sentir a pele dela contra a minha, os seus lábios contra os meus... Ou
eu, de fato, a senti. Algo dentro de mim despertou para a necessidade de tê-la logo.
Esperar era sufocante e eu não suportava a presença de Barbara. Não aceitava que
nenhuma mulher chegasse perto de mim, pois parecia simplesmente errado.
Eu estava apaixonado e me recusava a voltar para minha garota estando com
alguma mancha. No meu sonho ela era tão carinhosa e gentil, tocava-me de forma
amorosa, sussurrando palavras de conforto, tirando-me da escuridão que me engolia.
Quando abri os olhos naquele dia, eu não vi seu rosto, nem sei de fato se eu estava
realmente acordado, porém sua voz era a mesma, e isso já era alento para o meu
coração saudoso.
Depois de dez meses de campeonato e quarenta e duas provas, eu estava com o
título nas mãos. Minha pontuação estava muito acima do segundo colocado, assim, eu
iria correr hoje apenas para terminar mais aquele ano erguendo a taça de campeão.
Os motores ao meu lado rugiram. Respirei fundo, me concentrando. Assim que a
luz verde indicou a largada, eu apertei o acelerador. Com um solavanco, meu carro
voou. Juntos formamos uma perfeita sincronia, homem e máquina trabalhando juntos.
Era perfeito, era o certo.
Foi neste meio que eu cresci. Enquanto meu pai desenvolvia grandes projetos,
eu estava vendo como o desenho virava realidade. Grandes e potentes carros saindo da
mente brilhante de um visionário e ganhando as ruas. Correr, para mim, era natural; uma
extensão de mim mesmo; quem eu era.
A pista oval era apenas um borrão. Cada milha percorrida me levava mais
próximo de casa e mais próximo dela. Eu sabia que teria um complicado momento para
encontrá-la. Sinceramente, ainda me pergunto como uma delicada garota e um imenso
cachorro poderiam sumir das vistas de dois seguranças. Não era à toa que ela me havia
me conquistado. Criatura perversa e apaixonante. Tão verdadeira quanto um diamante
bruto.
Eu precisava tê-la!
Faltava tão pouco, muito pouco. Isso gerava uma ansiedade terrível, por isso
hoje era tão diferente das outras vezes: antes eu estaria delirando de prazer por ser
campeão, agora eu me encontrava querendo acabar logo com tudo isso. Acelerei na
última curva. Meu carro fez a manobra com perfeição, a multidão gritava enlouquecida
e eu só queria terminar logo. Na reta, o meu velocímetro atingiu o máximo de sua
capacidade.
— Acabou! — Fechei os olhos, aliviado quando ultrapassei a linha de chegada.
Era hora de ir para casa.
Desacelerei o carro para manobrar e finalmente parar. Minha equipe já me
esperava para mais uma comemoração de título. Eu estava feliz, óbvio que sim, porém,
gostaria de ver determinado par de olhos azuis insolentes, lindos e desafiadores. Sorri
em antecipação. Estaria ronronando se isso me aliviasse de algum modo.
Quando parei o carro, uma multidão me cercou, e assim que pus meu corpo para
fora, fui arrastado em uma maré de abraços, felicitações e urros de vitória. A excitação
do pessoal era grande. Minha vitória era a deles, também.
— Blake, eu juro que, por um momento, pensei que você não iria terminar o
campeonato depois do acidente — Javier, meu chefe de equipe, bateu em meus ombros.
— Eu só tive um pequeno incômodo, entretanto Nikkos levou a pior. Soube que
ficará de molho por muitos meses.
— Na verdade, será por um ano, no mínimo. Além dos ossos partidos, ele teve
os tendões, também. O negócio foi grave.
Estremeci. Nikkos era i meu maior rival. O cara era bom, e isso me fazia ter que
correr para ser melhor. Não existiam dois campões; primeiro lugar só existia um.
Fiquei triste pelo que aconteceu, porém o show tinha que continuar. E agora, tudo o que
eu conseguia sentir era alívio por finalmente entrar de férias e ir buscar a minha garota.
Isso me deixou até tonto. Eu não aguentava mais de tanta saudade. Entre a ilusão e o que
eu considerava real, eu senti seu cheiro, seus lábios nos meus, suas carícias... Devo
estar louco!
Infelizmente sei que foi um sonho – um muito real, por sinal –, entretanto, minha
Miranda nunca seria carinhosa, nunca cuidaria de mim. Ela era muito arisca, muito
violenta para tal coisa. Eu precisava fazê-la me amar para que, talvez, ela demonstrasse
carinho por minha pessoa. Balancei a cabeça. Desistir dela nunca foi uma opção, o que
ela fez foi certo, mesmo. As mulheres deveriam se dar mais o valor, porque eu e a
grande maioria dos homens, éramos assim mesmo. Queríamos comer e depois sair e
comer mais. Às vezes nem lembrávamos o nome da garota ou simplesmente trocávamos
de nome. Eram tantas!
Bom, não quero que me odeiem, mas nós não precisávamos saber seu nome
completo para oferecer uma boa noite de foda. Bastava rolar química e tchau.
Camisinhas seriam usadas. Já as mulheres, queriam toda uma situação de preliminar e
tal. Não me refiro a preliminar na hora H, e sim prelúdio antes de gemidos e orgasmos:
jantar em um lugar bacana, conversar sobre coisas que, na maioria das vezes, irritam,
porque tem mulher que fala demais; a seguir, e com sorte, o cara iria chamar-lhe para
dançar; isso depende se o restaurante for propício a isso; por fim, a volta para o carro,
onde poderia haver alguns beijos e amassos e, então, se decidiria se iria rolar motel ou
se seria na sua casa mesmo.
Isso não era regra. Poderia haver alterações nos itens, mas, no final, rolaria
sexo e adeus. Umas poucas conseguiam mais tempo, porém, no geral, não havia final
feliz. E nós classificamos as mulheres em: essa corro longe porque é para casar, e essa
corro para cima porque é para comer.
Essa era minha vida – com uma noiva falsa que aceitava tudo isso – ainda
assim, era minha vida. Até conhecer Miranda e pronto: ela me tinha e eu não estava
indo para desistir dela. Ela foi quente, segura de si, auto suficiente.
Ah, caralho! Só em pensar naquela mulher, eu sentia câimbras nas bolas.
Quase um ano sem sexo, mantendo Barbara e as loucuras dela a um metro de
distância, além da saudade que sentia de Miranda. Juro que estava a ponto de sofrer
combustão espontânea!
Abri um pouco as pernas para aliviar a pressão. Eu passava os dias de maneira
desconfortável. Depois de sonhar com ela, eu vivia sentindo dores nas partes baixas, e
não era só isso. Bastava imaginar aquela cara de anjo perverso que Miranda tinha para
meu pau contrair de alegria e tristeza. Iria ser difícil ter aquela mulher, contudo no dia
em que a fizesse minha, ah, nesse dia...
— Que sorriso é esse? — Javier surgiu em minha frente. Eu apenas arqueei uma
sobrancelha em zombaria. — Posso apostar que tem mulher no meio. Vamos dividir?
Depois de umas bebidas e loucuras, sempre rolava uma bagunça. Não mais.
Agora eu era um homem reformado.
— Não vou dividir nada. O que é meu é só meu. — Soquei seu ombro. —
Minha mulher é só minha! Não ouse nem olhar. — Ergui o punho. — Arranco seus
olhos, bastardo.
— Calma, cara. — De olhos arregalados, ele ergueu os braços, tentando
apaziguar a minha cara de louco.
Foda-se, isso era falta de sexo. Muito sexo. Mas não qualquer um. Tinha que ser
com Miranda, aquela safada perversa.
— Eu não sabia que você e Barbara já assumiram.
— O quê? — Estranhei essa conversa. De onde ele tirou isso?
— Ah, Blake, você quer me enganar? Logo eu? — De braços cruzados,
deixando as tatuagens a mostra, Javier parecia saber de algo que eu certamente não
contei. — Aquela mulher vive na sua cola; ela briga com as suas fãs; fala e age como
sua garota; aí, do nada, você começar a ficar um idiota sonhador. Já te peguei sorrindo
para o nada, murmurando coisas como “Olhos azuis como o céu” ou “minha briguenta
linda!”. Quem mais seria a sua mulher, a não ser Barbara, que, até onde sei, é sua
amiga de infância e não esconde o amor que tem por você?
Estreitei meus olhos para o meu amigo e chefe de equipe. Javier era um cara
alto, fortão, convicto da solteirice e pervertido nas horas vagas. Ele amava a mulheres,
todas elas. Até onde eu sei, elas também amavam o grande bastardo descarado.
― Você não sabe de nada, idiota! — Eu sorri. — O que Barbara pensa que nós
temos vai acabar assim que eu a encontrar. Não sou dado a conversas sérias por
telefone ou mensagem de texto. Moleques fazem isso; homens não.
― Melhor. Sem nenhuma mulher querendo mandar no pau da gente, sobra mais
pau para todas elas. — Javier sorriu, mexendo as sobrancelhas. — Hoje teremos uma
festa. Já arrumei tudo. Vamos comemorar mais este campeonato. Preciso beber e me
esfregar em uma mulher. Quero carinho. Sinto-me deprimido depois de ser obrigado a
conviver com esse tanto de homem fedorento!
A vergonha na cara não era um dos predicados do meu amigo.
― Eu vou descansar. Quero voltar para casa e resolver algumas pendências...
― Meu pau! — Javier estirou ambos os dedos enquanto se afastava. — Você
vai! A festa é para você. Não me faça te obrigar a comparecer. Fresco!
Suspirei, esfregando o rosto. O dia não ia terminar tão cedo.
Subir ao pódio, no lugar mais alto, era costumeiro. Ergui a Taça de Ouro puro,
sorri durante muito tempo e recebi o espumante para o tradicional banho. Muitas
mulheres estavam próximas, e eu só queria uma. Estou podre! Meus ombros caíram. Eu
nem sequer podia lutar. A megera havia laçado minhas preciosas bolas.
― Vamos — Javier cochichou. — Temos entrevistas agora.
Só tive tempo de tomar um banho antes de me apresentar para a coletiva de
imprensa. Acenei quando entrei na sala lotada. Milhares de flashes pipocaram. Fiquei
tonto de novo e sacudi a cabeça. Procurei me sentar logo em meu lugar. Certamente eu
estava sob muito estresse. A reforma da minha casa havia emperrado. A empresa que
contratei não valia merda alguma, e o pior era que eu não estava fiscalizando a reforma,
então já viu. Dor de cabeça eterna.
― As perguntas já foram selecionadas, não se preocupe — meu responsável de
relações públicas murmurou. Apenas concordei, esperando Javier sentar o meu lado.
― Comecem! — A voz do meu amigo soou indiferente. Ele adorava entrevistas,
tanto quanto eu. Isso era uma ironia grande.
A parte agradável dessa merda toda era que Javier e eu apenas respondíamos;
quem escolhia a ordem das perguntas e quem a faria era a equipe liderada pelo meu
agente. Em um instante, estavam todos silenciosos, no outro, várias mãos se ergueram
ao mesmo tempo.
Iniciou-se a tortura.
― Javier, você e Blake são amigos de longa data. — Revirei os olho. Sempre
as mesmas perguntas! — Isso te dá benefícios? Quero dizer, a sua associação com
Blake te facilitou o cargo de chefe de equipe da Racers?
Oh, cara! Vamos partir para a truculência: um mecânico especialista em motor
que é um prodígio no que faz, briguento e mal-educado, nunca ficaria quieto quando seu
profissionalismo é posto à prova.
― Oh, obviamente, isso me dá sim muitas regalias. Por exemplo: eu sou o
primeiro a chegar e o último a sair; cuido dos carros pessoalmente; faço as adaptações
até que fique perfeito para Blake pilotar; ah, sim!, lido com a merda burocrática,
porque aí de quem me trouxer equipamento errado! E, no fim, toda a responsabilidade
para manter a equipe na linha também é minha. Satisfeito?
Surpreendi-me com a educação do cara, inclusive o olhava incrédulo. Era sério
isso?
― Bom, eu realmente não perguntei isso, entendo sua ironia, mas andei
pesquisando e vi que o senhor tem uma vida noturna muito agitada. Isso me fez acreditar
que regalias existem nessa equipe.
Fodeu. Ri baixinho. Agora vai. Javier em modo ignorante ativado.
― Obviamente que tenho uma vida noturna agitada. Ao contrário de homens
como você, que parece mijar sentado, eu preciso de algo bom para desestressar. Sabe
como é: usar o pau em vaginas. Você sabe o que é uma vagina? — Javier inclinou para
frente, encarando o repórter mudo. — Não sabe, não é? Vou explicar rapidamente: fica
entre as pernas de uma mulher.
Cobri a boca para esconder minha risada. Javier boca suja. Ele era famoso por
isso. Os repórteres nem pareciam assustados, salvo aquele engomadinho novato.
― Ah, sim, minha única regalia foi dada por Deus e essa eu não posso exibir
aqui.
As mulheres no ambiente suspiraram. É um tarado infeliz.
Balancei a cabeça. Aquilo era tão chato! Mais um tanto de perguntas foram
destinadas a mim e eu respondi o mais brevemente possível. Eis que surge uma que me
chama atenção:
― Sr. Walker, sabemos que existem muitas fãs que o adoram, então creio que a
pergunta que não quer calar é... — Inclinei-me para frente, prestando atenção à mulher
que perguntava. — Seu coração já tem dona, ou ainda está disponível?
Pensei por um momento. Pesei as opções e decidi que poderia enviar uma
mensagem para as duas mulheres que interessavam. Uma seria a advertência do
resultado iminente quando nos encontrássemos – me refiro à Barbara, obviamente –, a
outra, as minhas intenções e sentimentos – minha megera ignorante que eu amava
demais.
Respirando fundo, coloquei as cartas na mesa:
― Sim, meu coração já tem dona.
Se possível o mar de câmeras e gravadores inclinou-se em minha direção. Dei
de ombro e virei meu boné, expondo meu rosto. Meio agitado, cocei minha barba.
― Ela é uma garota da Califórnia. — Eu sorri cheio de saudade. Deveria estar
até com cara de apaixonado. — Linda e forte. Perfeita para mim. Confesso que me sinto
apreensivo, pois ela é jovem. Preciso acertar, não posso cometer erros. Na verdade, eu
não quero errar com ela, pois, se eu o fizer, não terei outra oportunidade.
― Poderia nos dizer um nome? — Afoitos? Todos estavam. Eu até gostaria de
revelar, mas aí seria dar um tiro na cara. Quais as chances de Miranda me deixar vivo
se eu dissesse seu nome em rede internacional?
Não vou arriscar!
Esse pensamento explodiu dentro da minha cabeça assim que o repórter quis
saber o nome de Miranda. Com certeza nada resultaria de bom para mim se eu abrisse a
boca e dissesse seu nome.
― Sinto muito, mas minha garota não gosta de exposição desnecessária.
― Então já estão juntos? ― Agora sim foi um verdadeiro alvoroço. ― Sr.
Walker, e quanto a declaração da socialite Barbara Richmore sobre o relacionamento
que mantém com você? Algo a declarar?
― Sim. Eu e a Srta. Richmore... ― Mantive distância nessa pequena
declaração. ― Nós somos amigos de infância. Obviamente criamos um laço. Seremos
sempre amigos, isso é fato.
Pronto. Barbara sabia que precisávamos conversar e sabia ainda mais sobre o
conteúdo da conversa, portanto ela deixaria de se esconder e viria me confrontar. Não
sabia ao certo por que, mas no dia em que estava decidido a falar com ela, a mulher
sumiu. Eu só recebi uma mensagem avisando que estava indo para um retiro espiritual
que a deixaria incomunicável.
Ela estava fugindo, isso sim. Ela sabia do respeito que eu tinha por seus pais,
sabia que eu nunca a machucaria, não intencionalmente. Mas foda-se! Já fiz mais do
que pude. Agora queria e iria pensar em mim.
― Levanta, homem. ― Recebi um leve tapa no ombro. ― Vamos embora.
Eu estava disperso e cansado. A ideia de horas ouvindo música não me deixava
nem um pouco feliz.
No hotel, a cama parecia cantar como uma sereia; era tão convidativa! Arrastei-
me por cima dos lençóis frio. Uma fraqueza dos infernos me engolia inteiro.
― Estaremos juntos em breve, ma petit ― murmurei sonolento ao puxar as
cobertas, e me aninhei ali em busca de calor.
Antes de adormecer, prometi que não iria para festa nenhuma. Eu queria
descansar, recuperar o peso que perdi, tentar me sentir menos fadigado. Precisava estar
em boa forma para lutar contra a minha garota pelo nosso amor.
Festa não vai te ajudar em nada, Blake. Em nada.
***
Como suspeitava, a festa não estava me fazendo bem. Entretanto, não sei o que
era pior: Javier insistir para que eu viesse, ou estar aqui. Maldito fosse por sua
insistência.
― Que cara de enterro! Vai arrumar uma mulher, homem.
Revirei os olhos para Javier. O cara não tinha jeito mesmo. Para ele, todos os
problemas se resolviam com uma boa foda. Idiota!
― Eu nem queria estar aqui! ― Apontei a cabeça em direção a um grupo de
garotas. ― Vá cuidar delas e me deixe em paz.
A música alta fazia meus ouvidos zumbirem. A mistura de perfume me deixava
enjoado. Não dava para ficar nem mais dois minutos aqui. A fumaça do cigarro fazia
com que a minha respiração se tornasse ofegante.
― Blake, você não me parece bem... ― Javier me olhou sério. ― Vem, vamos
para o hotel.
Eu nem me importei com o fato de estar acabando com a noite do meu amigo; eu
só queria voltar para minha cama. Devo ter cochilado no carro, porque acordei com
Javier me chamando. Minha cabeça latejava, minhas pernas estavam meio bambas, mas
consegui sair do carro sozinho.
― Não te vi bebendo tanto ― ele disse e eu concordei. Eu mal bebi, de fato,
mas estava tão cansado que falar parecia uma grande tarefa. ― Ah, o comitê emitiu a
lista de doping. Você está limpo.
― Obviamente ― resmunguei. ― Eu nunca saí da linha. Além da maldita dieta
saudável, eu não posso me auto medicar, além, é claro, de aspirina para dor de cabeça
ou sal de fruta para o estômago.
A expressão de Javier era estranha. Ele me encarava fixamente.
― Blake, eu reparei que você perdeu peso, anda amuado, todo calado. ―
Balançou a cabeça. ― O que está acontecendo contigo? Desde o acidente você está
uma merda.
Não me dei ao trabalho de responder. Aquilo era particular.
― Que merda, velho! Abre o caralho da boca e despeje logo! Eu sei que você
está com problemas. Vamos lá! Aponte o lugar e eu resolvo. Uma boa surra sempre
coloca juízo na cabeça das pessoas.
Sorri. Javier era tão carinhoso quanto um touro endemoniado.
― Eu conheci uma garota e me apaixonei quase instantaneamente.
― Deus misericordioso! ― Cruzei os braços quando ele fez o sinal da cruz. ―
Eu não acredito nisso! Blake, amor à primeira vista é coisa de garotas! Vai trocar o
lado agora?
― Aconteceu! Ela é perfeita.
― Deve ser uma boneca mimada, cheia de frescura e “Não me toque!”.
Ri baixinho, engolindo meu suspiro de saudade.
― Uma garota derramou vinho na roupa dela. ― Meus olhos deveriam estar
brilhando.
― Com certeza deve ter chorado e se sentido ultrajada. ― Javier não poderia
estar mais errado.
― Na verdade, ela berrou um alto e sonoro “Vadia” e estendeu a mão em
garras, ameaçando fazer tiras na cara da garota. Não vou mencionar o fato dela ter
unhas enormes e pontudas. Arranhou-me todo no nosso primeiro beijo. Ela fugiu de
mim, e, quando a encontrei novamente, estava brigando com um cara maior do que ela.
Minha garota levou umas porradas ― rosnei com raiva. A mera lembrança me deixando
puto
― Quem foi o filho da puta? Não se deve bater em uma mulher! A não ser que
seja surra de pau, aí sim.
― Não sei direito o que houve, mas ela estava muito furiosa! Acabou com a
Ferrari do cara. Ele estava todo machucado. Ela carregava um taco.
Javier riu alto. Parecia encantado. Como não estaria?
― Ela anda de moto, é mal-educada, come igual um caminhoneiro, fala
palavrão...
― Ela tem alguma irmã ou prima para me apresentar? ― Javier parecia
esperançoso.
Abaixei a cabeça, negando.
― Eu não sei. Eu a perdi de vista.
― Blake, mas tu és inocente ― Javier grunhiu, batendo em meu ombro. ― Por
que não contratou um detetive? Porque não colocou um na cola dela?
― Eu contratei muitos, mas ela não estava onde disse estar. Parecia nem existir.
Depois eu desisti porque não queria invadir sua privacidade, já que eu tenho coisas
para resolver. Além do mais, coloquei dois seguranças para vigiá-la ― disse. ― Ela e
o imenso cachorro monstro chamado carinhosamente de Cyborg enganaram os idiotas e
sumiram.
― Ela colocou o nome do cachorro de Cyborg? ― concordei. ― Porra, eu
acho que estou apaixonado.
― Ela me recusa, mas quando me beija, me faz revirar os olhos. Gozei nas
calças apenas tendo-a esfregando-se em mim. Ela não está nem aí para meu dinheiro;
adora carros; pratica esportes radicais e, em um desses, ela caiu e se arrebentou toda,
porém, não teve frescura: nem queria ficar no hospital. Criatura mal-humorada e
ranzinza. Ainda por cima me chama de múmia, pai tempo, guardião da cripta e outras
coisas carinhosas.
Javier começou a gargalhar alto, até se curvou um pouco.
― Guardião da cripta! ― o bastardo cacarejou. ― Pai tempo! Caralho eu amo
essa garota! E Blake, você tem 31 anos! Esses apelidos devem ser só para chatear.
― Ela tem dezoito! ― exclamei esfregando as mãos na calça. Se eu disser que
sinto-as coçar em ansiedade para tocá-la, não estarei mentindo. ― Ela me deu um
murro porque falei o que não devia.
― Porra! Ela é praticamente adolescente, ainda! Deve estar com os hormônios
em fúria, coitada!
― Eu a fiz limpar o sangue. ― Respirei baixo, tentando ocultar minha excitação
com a lembrança. Eu nem prestava atenção ao meu amigo. ― Ela me lambeu como uma
gata. ― Javier gemeu, esfregando o rosto. ― Lambeu meu sangue, cara! ― Meu
coração acelerou. ― Depois estávamos agarrados, nos devorando. Mesmo estando
machucada, ela me beijava com paixão, puxava meu cabelo, cravava as unhas em meu
couro cabeludo...
― Porra! ― Meu amigo balançou a cabeça. ― Só... Porra!
― Ela é incrível! Estou apaixonado e ela só diz que não quer saber de mim e
que não vai se amarrar a velharia aqui. ― Apontei o dedo em meu peito.
Javier voltou a rir da minha cara. Caminhamos até minha suíte e ele ia
lembrando do que falei. O bastardo achava divertido ficar repetindo trechos da
conversa.
― Javier eu preciso voltar para casa. Este tempo longe dela me faz temer que
seja tarde. Não estou me sentindo bem com essa saudade. Eu acho que só irei estar
inteiro novamente quando estiver duelando com ela por nós dois. É um desafio apenas
conversar com ela, toda bruta e ignorante, mas quando está em meus braços, pega fogo.
Derrete toda.
Javier olhou o relógio e me encarou
― Esteja pronto as cinco da manhã. Vou conseguir um avião para te levar. Você
parece uma merda e só tem três horas para parecer humano de novo. ― Eu sorri e ergui
o punho para ele bater.
― Vou trabalhar para que você esteja em casa o mais rápido possível ―
garantiu.― Vou mandar preparar o seu jatinho.
Fechei a porta da minha suíte consciente de que Javier iria resolver toda a
merda burocrática que me prendia em Dallas. Ele daria as entrevistas necessárias,
receberia qualquer premiação em meu nome, e, se aparecesse contratos de publicidade,
ele e meu agente resolveriam juntos.
A partir deste instante eu estava verdadeiramente de férias.
Estou indo para casa, ma petit. Estou voltando para você!
***
O Sol da Califórnia parecia brilhar mais do que o normal. Assim que desci do
jatinho, o calor apressou-se em me saldar. Recebi o abraço quente com um sorriso. O
vigor finalmente estava de volta. Não sei se era por simplesmente estar em casa ou se o
descanso que viria a seguir eram os causadores, mas o cansaço sumiu.
― É isso. ― Puxei minha bolsa, ajustando-a no ombro e arrumei meu boné,
pronto para começar a trabalhar no meu futuro.
― Sr. Walker, seja bem vindo ― assenti para o meu motorista, agradecendo
pela porta que ele mantinha aberta.
Esses meses que passei viajando a trabalho foram totalmente exaustivos. Não
me refiro ao meu estado físico, mas sim o mental. Não contei a ninguém, muito menos a
Javier, mas o acidente só aconteceu porque eu me distraí. Eu poderia ter freado ou
desviado, mas mantive o curso e quase me fodi. Sei que Nikkos era um louco, mas
foda-se!, eu não deveria ter ficado tão desatento.
Minha sorte foi grande! Eu poderia, sim, ter me machucado feio, mas agora só
me restava uma quase imperceptível cicatriz. Podia jurar que ela as vezes pinicava,
como se lembrasse de algum toque que fazia falta.
― Ma petit ― murmurei, encostando o rosto na janela. Olhava as ruas
passando, sem me importar. Nada fazia sentido. Parecia que a batalha sempre travada
entre mim e Miranda era o combustível que eu passei a precisar. Sempre vivi sendo
bajulado, nunca me importei com isso, mas então ela surgiu na minha vida e bagunçou
tudo: eu odeio bajuladores e comecei a sentir o quão falso todos eles são. Isso me irrita
muito.
― Chegamos, senhor.
Respirei fundo franzindo a testa. Estava cada vez mais próximo de arrumar
minha vida. O carro parou em frente à nossa casa. Lá, minha mãe e meu pai já me
esperavam.
Por um momento me lembrei de como os dois quase enlouqueceram quando
sofri o acidente. Eles estavam do outro lado do mundo, a negócios, e correram,
largando tudo do jeito que estava. Meu pai obrigou a tripulação do jato dele a viajar
fazendo apenas uma parada para abastecimento.
― Meu filho! ― Eu sorri, larguei minha bolsa e abri os braços. Minha mãe era
uma coisa miúda e linda, que sumia dentro do meu abraço. ― Meu bebê, que saudade a
mamãe estava! ― Beijei o topo de sua cabeça, apertando-a mais um pouco.
― Mãe, o que falamos sobre me tratar assim? ― reclamei, afastando-a para
olhá-la nos olhos. ― Eu não posso ser chamado dessas coisas.
― Blake, você pode ser avô, mas para mim continuará sendo o meu bebê. Isso é
um direito de mãe que eu tenho. Não vou mudar!
Balancei a cabeça, aceitando. Ser filho único às vezes era um saco, toda
atenção e expectativa estavam sempre direcionados a apenas você.
― Tudo bem. ― Eu ri baixinho, sendo logo surpreendido pelas mãos da minha
mãe em meu rosto. Estreitando os olhos, ela começou a me avaliar.
― Você está abatido, cansado ― murmurou, afastando-se um pouco para me
dar uma olhada. ― Perdeu peso, está pálido...
― Amor, deixe o nosso filho em paz. ― Meu pai interveio. ― Venha aqui,
moleque ― chamou, abrindo os braços. Eu o abracei de volta. Meu pai era tão grande
quanto eu. ― Você está bem?
Acenei suavemente.
― Você finalmente está em casa. ― Ele apertou meu ombro. ― Vamos
descansar juntos. Podemos viajar nós três para a nossa casa em Cancun. Férias à beira
mar!
― Eu adoraria, mas tenho coisas para fazer. Não se prendam a mim, por favor.
Eu estou de férias, mas também não estou. A corrida do milhão é em quatro meses, em
seguida começa a próxima temporada. Vou ficar de molho alguns dias e depois volto
aos treinos.
Meu pai me olhou fixamente. Ele estava descontente.
― Sempre passamos as férias juntos. Pelo menos uma parte. Eu não quero ficar
tão longe de você. Não basta a época do campeonato, que...
― Pai, vocês sempre vão até onde eu estou, e montaram acampamento na
semana que fiquei hospitalizado. Sabe quão estranho foi ver o senhor berrando ordens
para melhorar o acesso à internet?
― Eu nunca deixaria você desamparado, meu filho. A única exceção foi o
tempo que precisei arrastar a sua mãe para casa, na intenção de fazê-la descansar um
pouco. Ressaltando que ela só aceitou porque o seu médico falou que você estaria
dormindo.
Eu estava sonhando, pai. Com a minha garota.
― Eu amo vocês. ― Estendi o braço para a minha mãe. Logo ela estava
aninhada entre mim e meu pai. ― Vão viajar, curtir e fazer coisas que eu juro que vocês
não fazem.
Eu preciso ir atrás do meu coração. Já não dá mais para esperar.
Deixei meus pais abraçados enquanto me observavam partir. Algo naquela
singela cena fez meu coração acelerar. Sacudindo a cabeça, caminhei ainda mais
rápido. Eu estava muito esquisito. Isso já não era imperceptível para mim. Havia uma
urgência gritando em meu íntimo.
Preciso encontrá-la!
Capítulo 14

Blake
Ódio. Foi o primeiro sentimento que me engoliu quando adentrei os portões da
minha mansão em reforma. Havia entulho espalhado por todo lado; máquinas largadas;
material de construção amontoado; a grama que deveria existir ainda não havia nem
sinal; o chão estava árido; buracos e mais buracos marcavam o jardim como se
houvesse acontecido pequenas explosões de minas terrestre.
Caminhando em torno da construção, eu encontrei a piscina em um estado de
causar nojo: os azulejos estavam encardidos; a bílis subiu com o mal cheiro que vinha
do lodo no fundo, que sequer dava para ver.
Ao entrar na casa, o ódio foi substituído por fúria homicida. Não havia pintura,
a não ser reboco grosseiro, além de fiação pendurada. O lugar também parecia uma
zona de guerra.
― Puta que pariu! ― grunhi, não acreditando que a lareira da sala estava cheia
do que parecia ser argamassa. A empresa que eu contratei não estava reformando a
casa, mas sim destruindo-a ainda mais.
Chutei um pedaço de ferro da minha inexistente sala. O pior de tudo isso era que
não havia ninguém responsável. Quando cheguei, pude entrar sem mais problemas,
logo, qualquer fodida pessoa poderia entrar também.
Trincando os dentes, eu liguei para o responsável por toda aquela desgraça.
Maldito o dia que eu contratei essa empresa de merda. Apertei o telefone com tanta
força que temi quebrá-lo. Enquanto chamava, pensei nas milhares de recomendações
que meu assessor fez:
Esta é a melhor empresa de reforma. Confie em mim. Sr. Walker.
Não se preocupe. Sua casa ficará impecável!
Eu era um homem que prezava pela paz, mas que definitivamente não gostava de
ser feito de idiota. Dessa vez não haveria maneira de deixar por isso mesmo. Quando a
linha conectou, eu compreendi o termo cego de raiva.
— Sr. Walker, que prazer receber sua ligação!
― O contrato está cancelado ― rosnei, cortando qualquer gentileza. ― Quero
você e sua empresa o mais longe possível da minha casa. Nunca vi tanta incompetência
em minha vida!
― Mas senhor, a reforma está quase concluída! ― Roger, o dono da
empreiteira, tentou argumentar, mesmo que, obviamente, além de incompetente fosse um
mentiroso.
― Sério? ― ironizei. ― E o que falta para que você me entregue?
Ouvi a respiração agitada do outro lado da linha.
― Ah, estamos nos retoques finais. ― Olhei ao redor, balançando a cabeça. ―
Creio que antes do senhor chegar estaremos com ela prontinha.
― É mesmo? ― Não acreditei em tamanha falta de responsabilidade. A
vontade que tive foi de enfiar um processo nesse bastardo. ― O quanto falta,
exatamente?
Resolvi dar um pouco de corda. Queria ver até onde ele iria. No fim, o
resultado seria desastroso. Eu sou bastante compreensivo, mas foda-se! Mais de seis
meses de reforma e a casa parecia pior do que antes.
― Agora mesmo, os homens estão terminando a piscina ― falou todo
tranquilo. Apertei meu nariz em busca de controle.
Maldito bastardo!
― Então tem operários na casa neste exato momento? ― inquiri, puto. Eu
deveria ser muito idiota, mesmo.
― Com certeza senhor.
Fiz silêncio em homenagem à tamanha falta de vergonha na cara. Agora, a única
coisa que poderia fazer era acabar com essa maldita empresa, para que ninguém caísse
em outro golpe.
― Aguarde o contato do meu advogado. Estarei entrando com um processo para
que você me pague de volta cada centavo que roubou, seu maldito trapaceiro! ― Agora
eu estava muito puto para ser civilizado. ― Eu estou na casa. Na minha maldita casa
destruída e suja por sua total falta de capacidade para cumprir com suas funções!
― Sr. Walker, por favor, vamos conversar. Eu vou entregar a casa. ― Notei o
tom de desespero na sua voz. ― Vamos chegar a um acordo. A culpa não foi minha, é
que...
― Não quero ouvir nem mais uma palavra. Estou vendo a qualidade do seu
trabalho. Não confiaria morar aqui nem morto. Ainda hoje quero que você comece a
retirar todo o seu material daqui. Amanhã, se houver um martelo nesta casa, jogarei na
rua.
Desliguei o telefone e fechei os olhos.
― E agora?
Precisava encontrar uma empresa que, antes de tudo, consertasse o desastre que
a anterior causou.
— Caralho! ― Soquei o ar, muito puto de raiva. Teria que começar tudo de
novo. Por causa disso, eu iria perder mais tempo. Um tempo que eu não tinha.
Eu precisava encontrá-la. Simplesmente precisava.
***
Como falei para Javier, agora reitero: eu não estava no clima para gentilezas.
Muitos problemas para resolver, uma mulher fujona para encontrar e tudo isso com o
tempo escasso. Em poucos meses seria a corrida do milhão; já, já teria que me preparar
para competir. Agora junte o estresse, os século em que eu não tenho um boa noite de
sexo quente e suado, mais a insônia e encontrará um homem em ponto de ruptura. Esse
era eu.
Saí da casa inabitável tendo a certeza que os acontecimentos dos últimos meses
estavam cobrando seu preço sobre mim. Era muito cansaço, muita fadiga. Eu sempre fui
osso duro de roer, mas agora estava meio doente de saudade, amor unilateral,
considerado platônico.
― Blake, seu idiota! ― Sacudi a cabeça para ver se despertava. Já estava na
hora de tentar resgatar um pouco do meu antigo eu. Não tinha como viver encolhido e
sozinho. Eu era um homem e não seria menos do que isso.
Enquanto acelerava pelas ruas, cheguei à conclusão de que ficar dentro de casa
não me ajudaria a encontrar Miranda nem a melhorar a minha autoestima. Levei muito
golpe daquela gostosa indomável e agora precisava respirar um pouco. Claro que a
reclusão não era muito a minha praia.
Já chega!
Decidi que daria uma passada na festa de Alec. Mesmo tendo recusado seu
convite mais cedo, eu acho que não faria mal. Pelo menos não estaria pensando o tempo
todo na minha gata selvagem, e, quanto mais eu me distraísse, mais rápido o tempo
passaria. Com esse pensamento me tranquilizando, eu acelerei a minha moto. Cheguei
na minha casa e fui direto para a área da piscina. Arranquei as roupas e, de cueca
mesmo, caí dentro d'água para nadar um pouco. Comecei com braçadas vigorosas até
sentir meu corpo responder. Disposição golpeava-me à medida que deixei a inércia de
lado. Já à noite eu mal pude esperar para dar uma volta.
Fui direto para a casa de Alec. À distância já escutava o barulho da música alta
e das risadas femininas. Quase pude sorrir, porém, infelizmente, diferente das outras
vezes que ir para uma balada com muitas mulheres disponíveis, desta vez eu não estava
afim de uma noite de trepada sem compromisso. Por vezes isso me irritava e por vezes
me aliviava.
Eu era a porra de um cara fiel a uma bruxa, porque, sinceramente, não tinha
explicação essa obsessão que sentia.
― Você parece um idiota Blake ― falei, descendo da moto. ― Cria vergonha
na cara! Já está velho para sofrer de paixonite aguda.
Então era isso...
Como da primeira vez, a festa que Alec preparou ocorria na área da piscina.
Assim que entrei, fui reconhecido, e choveu felicitações pelo campeonato conquistado.
Muita mulher bonita, cheirosa e cheia de “Não me toque!”s.
― Pensei que não me daria a honra da sua presença! ― Alec chegou sorrindo,
segurando um copo do que parecia Brandy que, por sinal, eu detestava.
― Estou de férias. Muita coisa para fazer. ― Fiz um gesto com a mão,
abrangendo o ambiente. ― Ficou muito foda a casa. Nem parece aquele mausoléu
podre que conheci.
Alec gargalhou, chamando atenção de alguns convidados.
― A reforma foi minuciosa. Demorou, mas posso dizer que valeu a pena. ―
Sorriu olhando ao redor. ― A equipe é perfeccionista demais. Você não vai encontrar
defeitos na minha casa.
Concordei. A iluminação estava linda; o jardim impecável; além do que pude
ver pela nova fachada, o bom trabalho gritava a cada canto. Senti uma pontada de
inveja. Minha casa estava uma zona.
― Blake, fique à vontade, sinta-se em casa. ― Alec bateu em meu ombro,
trazendo minha atenção para ele. ― Beba, pegue algumas gatas... ― Arqueei uma
sobrancelha. ― Ah, cara, vai curtir! Esse é o melhor conselho. ― Ele saiu acenando
para as belas mulheres. Respirei fundo, pegando uma bebida do primeiro garçom que
passou.
Relaxamento total era a sensação que embalava o meu corpo. Não bebi muito,
mas o pouco que engoli levou embora a tensão com a qual passei a conviver
diariamente. No sofá em que eu estava, havia uma mulher de cada lado. Era quase um
déjà vu; juro que, de vez em quando, eu olhava para a entrada, sempre sorrido da minha
idiotice.
― Blake, querido. ― Senti uma mão no meu peito e olhei para a bela morena
do meu lado. Ela sorria de maneira convidativa. ― Vamos conhecer a casa? Ouvi dizer
que é linda.
― Eu acho melhor você procurar alguém mais disposto. ― Pisquei um olho,
dando-lhe um sorrisinho safado. A garota mordeu o lábio, e logo o lambeu. Ela estava
em modo sedução. Sentia-me adulado.
― Uma noite, apenas? ― Aproximou-se da minha orelha, mordiscando-a de
leve, arrepiando-me todo. ― Eu prometo prazer por quantas horas aguentar, querido.
Meu pau endureceu nas calças. Eu fiquei feliz, afinal eu não estava tão doente
assim. Meu caso parecia ter cura. Eu não sofria de pau viciado, graças a Deus.
― É mesmo? ― Eu me aproximei, permitindo que ela mordesse meu lábio
inferior, puxando-o de leve.
― Prometo ser boazinha. ― Gemeu ainda mais baixo. ― Farei tudo o que
desejar.
― Ahh, delícia... ― Esfreguei o queixo. ― Eu gosto das perversas.
A garota sorriu, e eu olhei seus olhos. Ela era do tipo safada, sem restrições.
Com certeza seria uma noite de muita foda alucinante.
Será que era disso que eu precisava?
― É disso que você precisa ― respondeu minha pergunta como se lesse meus
pensamentos. ― Com certeza, baby. ― Arranhou minha camisa com suas unhas bem
feitas.
― Seu nome ― inquiri, subindo minha mão para seu rosto. Eu iria beijá-la e
foder muito.
― Andy ― falou quase em minha boca.
― Delícia sedutora. ― Sorri cheirando seu pescoço. Sabia onde isso iria
terminar, ou melhor, começar.
― Quero sua boca em mim ― ofegou em meu ouvido quando mordisquei seu
ombro. ― Quero tudo.
― Ah, sim, colocarei minha boca em todos os lugares. Vou acabar com você,
morena.
― Faça isso, por favor!
― Prometo que amanhã não estará andando. ― Lambi seu pescoço. ― Estou
louco para saber se está molhadinha para mim. Uhn, Andy, se eu te tocar irei sentir sua
umidade escorrendo?
― Ohh, Blake! Vamos sair daqui agora!
O “sim” veio até a ponta de minha língua, mas há um ditado que diz: “Quando
as coisas estão bem, elas nem sempre continuam bem”.
Começou com uma sensação de estar sendo observado, então procurei ao redor,
encontrando uma linda morena que me encarava. Juro que poderia dizer que em seu
rosto havia raiva. Na hora ela caminhou até o sofá onde eu estava e se sentou. Parecia
marcar território de alguma forma. Confusão era meu nome. Não me lembrava dela,
além do fato de que não deu a mínima para mim, apenas ficou ali, sem conversar, mas
me olhando ao ponto de me fazer começar a vasculhar minha mente em busca de uma
resposta.
― Nos conhecemos? ― indaguei curioso, afastando gentilmente a Andy
― Não que eu saiba ― respondeu chateada.
― Você me parece familiar ― insisti, porque a curiosidade sempre ferrou
comigo, além de agora eu ter certeza de que nos conhecíamos.
― Creio que você deva estar se lembrando da outra festa. Eu estava aqui com
Alec. A empresa do meu pai foi responsável pela reforma.
― Ah, incrível! ― Fiquei muito próximo da felicidade por isso. Com sorte eu
conseguiria o contato dela para negociar a reforma da minha casa. ― Desculpe-me a
falta de educação. Blake. ― Estendi a mão. Naquele momento, Andy se sentou em meu
colo e o telefone celular da garota desconhecida tocou.
― Só um minuto. Minha irmã está ligando.
Notei que ela ficou de cara feia quando Andy se sentou no meu colo. A pergunta
que não queria calar era: por quê?
― Blake, vamos subir? ― Andy esfregou meu peito, murmurando em meu
ouvido.
― Valentina, você não sabe quem eu encontrei aqui na festa do Alec ― a garota
falou e eu senti meus pelos arrepiarem.― Sim, claro, maninha... ― Rindo um pouco
mais, ela me olhou, acenando não sei por qual motivo. ― Uhun. Óbvio! E muito bem
acompanhado. Acredite em mim: as coisas estão quentes. Ou melhor... ― Ela me
encarou arqueando uma sobrancelha. ― Estavam, eu acho.
Senti meu peito apertando. Mas que porra era essa? Aflição me engoliu e eu
quase podia tocar esse sentimento.
― Blake, atenção em mim, querido.
Meu foco estava na conversa que eu escutava unilateralmente, e não na garota
no me colo.
― Sua boba! Ah, Valentina, você me mata! ― A risada da desconhecida era
contagiante. Eu ri, mas foi de nervoso.
― Blake!
― O que é? ― Fui grosso, mas estava tentando entender que bagunça era essa.
― Eu acho sim... ― Prendi a respiração para ver se escutava a conversa. A
garota falava ao telefone prestando atenção à mulher em meu colo.
Merda!
― Sim, muito quente, eu vi! ― Durante um momento, a moça ficou séria, então
ergueu a mão, dando adeus, e se levantou.
― Seu nome? ― gritei quando a vi se afastar.
― Viviam MacKerrick.
Empurrei Andy. Ela reclamou, mas não me importei. Viviam deu uma risada,
depois foi embora ainda ao telefone.
― Blake, querido... ― Senti a mão no meu queixo e respirei fundo, meio
agoniado, doido.
Não sei quem era essa Viviam, mas ela estava muito estranha. Eu deveria ir
atrás dela e perguntar por quê? Que classe de homem eu me tornei?
Filho da puta!
― Procure outro. Não estou disponível.
Levantei quase correndo. Iria para casa ficar quieto e longe da tentação. Nem
me despedi das mulheres que estavam próximas. Eu queria correr. Este foi um deslize
que não iria se repetir.
Caralho!
― Por que a pressa homem? ― Alec interceptou minha fuga quando já estava
próximo ao portão. ― Venha conhecer a casa por dentro.
― Outro dia. Estou com pressa.
Fiz menção de continuar meu caminho, porém Alec parecia ter outros planos
para mim.
― Com um tanto de mulher dessas, você vai embora sozinho?
― Eu tenho mulher, só falta encontrá-la. ― Passei a mão no cabelo. ― Olha, eu
preciso ir. Ainda tenho muita coisa para fazer, uma casa para reformar...
Alec deu um sorriso misterioso, então sacou o celular.
― Vou te ajudar, mas quando for sua vez de me ajudar com a minha garota, não
quero nem saber de desculpa.
Meu coração quase saiu do peito.
― Vai me dizer onde está Miranda?
― Vou te ajudar com a sua casa. ― Piscou sorrateiro. ― Agora anote o número
do meu engenheiro. Ele foi o responsável pela minha reforma e ainda é dono da
empresa.
Anotei o número que Alec me deu. Tratava-se de Sinclair MacKerrick, um dos
empreiteiros emergentes da cidade.
― Ah, sim. Peça para que a equipe principal esteja reunida. Diga que quer
conhecer todos para saber como o esquema da sua reforma funcionará.
Achei estranho, mas aceitei.
― Ligarei para o Sinclair, adiantando o assunto, mas farei isso amanhã. ― Alec
deu um sorrisinho divertido.
― Boa sorte!
Agradeci e fui direto para casa. Tomei um banho e assim que deitei, desmaiei.
***
Admirei durante alguns minutos a fachada simples porém muito bem feita da
construtora Aliancce Vitae. As letras eram bem colocadas logo acima de uma estrutura
moldada que parecia encaixar perfeitamente com a frente. Ao redor havia um mini
jardim e um caminho de pedras que trazia a sensação de ser bem-vindo.
Muito ansioso, eu estacionei minha moto na vaga ao lado de uma imensa Dodge
Ram preta. Coloquei meu capacete na moto e fui direto para a porta de entrada. Não me
surpreendi ao constatar a perfeição do ambiente interno em suas cores e móveis.
Inclusive, o local da recepção parecia ser projetado para dar a sensação de conforto
visual.
Aqui era o lugar onde eu iria encontrar o que precisava! A sensação de alívio
que senti foi tão grande que ri sem querer. Caminhei até a recepção e me identifiquei.
― O senhor MacKerrick o aguarda em sua sala. ― A recepcionista em nenhum
momento se insinuou; foi totalmente profissional. Gostei demais.
― Obrigado. ― Assenti, educado.
― Acompanhe-me, por favor.
Seguimos por um corredor sutilmente decorado. De vez em quando eu
encontrava algum objeto complementar ao ambiente incrível e familiar.
Paramos em uma porta com a logo: Sinclair MacKerrick – Engenheiro
Responsável. A recepcionista que me acompanhou deu duas batidas suaves e logo a
abriu a porta.
― O Sr. Walker chegou.
Entrei na sala já estendendo a mão para o homem em pé atrás da mesa. Não
prestei atenção à sua sala. Eu só queria que ele aceitasse pegar minha reforma mal-
acabada. Alguns não gostavam de meter a mão em serviço dos outros.
― Blake, é um prazer recebê-lo! ― Apertou minha mão.
― Digo o mesmo ― cumprimentei. ― Só lamento não ter tido a oportunidade
de ter lhe encontrado antes, assim não estaria com uma dor de cabeça e uma reforma
emperrada.
Sinclair concordou.
― Não tem problema, vamos resolver. Eu só preciso saber como anda a base
de sustentação da casa. Vou fazer uma avaliação estrutural e a partir dela começamos.
Oh, foda-se!
― Graças a Deus! ― Respirei aliviado. ― Eu estava com receio de você não
aceitar. Minha casa está pior do que antes; horrível mesmo, e foram muitos meses de
reforma.
― Por favor, sente-se, e me conte tudo. ― Indicou-me uma cadeira que ficava
ao lado oposto da sua mesa. ― Você quer café? Suco? Água?
― Não, obrigado. ― Eu me sentei e Sinclair fez o mesmo.
― Comece me contando qual empresa contratou para a sua reforma.
― Contratei a Eingeneer...
Notei o exato momento em que não precisei falar mais nada. Sinclair balançou a
cabeça.
― Essa era uma das melhores empresas do ramo. O fundador foi meu professor
na universidade. Infelizmente, depois de sua morte, as coisas nunca mais foram as
mesmas. A paixão que ele tinha por engenharia não foi herdada pelo filho. ― Sinclair
suspirou. ― A boa notícia é que a especialidade da Eingeneer é a fundação estrutural.
Vamos torcer para que eles tenham feito um bom trabalho nessa parte. Se, após a minha
avaliação, estiver tudo ok, vamos direto para a reforma de acabamento. Aí Miranda,
minha esposa, irá usar sua mágica.
Empertiguei na hora a menção do nome Miranda.
― Minha mulher também se chama Miranda ― confidenciei.
Sinclair sorriu, suspirando. Ele parecia exalar amor.
― Só espero que a sua Miranda não seja tão arisca quanto a minha. ― Eu senti
um peso no estômago quando disse isso. ― Recentemente passamos por um período
complicado, devido à sua idade. Passei o maior sufoco com a gravidez dela, mas
confesso que quando olho para o meu garotinho, eu quase explodo de orgulho.
― Parabéns! ― murmurei, meio murcho. Eu queria isso com a minha Miranda,
também.
Escutamos uma batida na porta, e a secretária entrou.
― Senhor MacKerrick, a equipe que solicitou acabou de chegar.
Levantei e me virei para a porta, só para o sorriso que mantinha em meu rosto
morrer na hora em que vi quem entrou.
Um ofego meio sufocado escapou dos meus lábios, em silêncio e cheio de dor.
Eu observei o amor da minha vida carregar um bebê que não era meu. Quando ela me
olhou, senti como se um chute fosse desferido em meu estômago, ainda assim meu
primeiro pensamento foi: se eu matar Sinclair, fico com a mulher e o filho dele. Então
eles seriam meus.
Sacudi a cabeça, afastando o pensamento. Eu não era assim.
― Meus amores! ― Eu quase gemi, tamanha foi a dor que senti quando o vi
abraçar a minha Miranda e o bebê em seus braços. E pior: o bebê era a cara dela,
loirinho de olhos azuis. Mesmo sendo pequenino, notava-se a semelhança.
― Querido! ― Ela retribuiu o abraço carinhoso, e mais um golpe foi desferido
em mim.
Por Deus! Ela estava linda! Seus cabelos, outrora curtos e castanhos, agora
estavam loiros reluzindo na altura do pescoço; sua roupa estava mais delicada: ela
trajava uma saia rosa e uma blusa preta, com uma caveira estampada. Era quase como
se, ali, mantivesse a sua rebeldia.
Deus...
Senti-me cambalear.
― Querida, este é o nosso cliente de hoje. ― Ele beijou-lhe a testa e eu me
segurei para não avançar como um animal raivoso em busca do que era meu.
― Prazer em conhecê-lo. ― Ela piscou um olho. Além de fingir que não me
conhecia, ela me olhava com raiva, e nem era mal direcionada.
Maldita! Por que não me esperou? Ou será que já existia esse homem em sua
vida? Meu rosto se contorceu em uma careta. Esfreguei o peito para aliviar a pressão
interna. Meu coração estava sendo extirpado sem piedade.
Houve um momento de silêncio, no qual os meus pulmões não conseguiam me
suprir de oxigênio. Eu vi, ainda sem acreditar, Sinclair pegar o bebê, o filho deles, nos
braços. Juro que quis correr o mais rápido possível dali, tamanho o desgosto.
― Meu bem, ele parece que recheou a fralda. ― Uma risada cristalina se fez
ouvir. Pude sentir o amor que ela tinha por ele.
Miranda! Como pôde?
O telefone da sala tocou. Sinclair, todo jeitoso com o bebê, caminhou até sua
mesa e atendeu com um sorriso nos lábios. Eu me sentia como um expectador preso a
um filme de terror.
― Que porra é essa? ― Gesticulei para ela.
― O que parece? ― respondeu da mesma forma. ― Você, safado, vive sua
vida, eu vivo a minha! ― Mais uma vez ela piscou o olho. Sinclair era completamente
alheio à nossa conversa muda.
― Estou indo levar esse pequenino para ser limpo. ― A voz do meu rival
ressoou em minha cabeça como um grito.
Esse bebê era para ser meu! Antes de sair, Sinclair pareceu lembrar da minha
existência.
― Perdoe-me, Blake, mas preciso sair um momento. Meu filho precisa de
cuidado. Ele é muito novinho e não pode ficar sujo. Deixarei que conversem sobre o
tipo de cor que lhe agrada. Ela é a chefe da pintura, marmorização e textura. ―
Apontou para a minha, ou melhor, para a sua mulher.
Ódio!
― Tudo bem. ― Eu sorri falsamente. Queria mesmo ficar sozinho com essa
megera maldita, apenas para arrancar de seus lábios cruéis uma boa explicação sobre
tudo isso.
― Ah, eu não apresentei vocês formalmente. ― Sinclair apontou para a mulher
que pisou em meu coração, recusando o amor que lhe ofereci.
Vou matá-la por ousar destruir-me dessa forma!
― Acho que não precisa ― ela falou séria, toda esticada.
Ah, claro, não precisa mesmo! Nós já nos conhecemos muito bem. Ainda posso
sentir o seu gosto em minha língua.
― Olhe os modos! ― Sinclair repreendeu. Eu até quis berrar um foda-se, mas
estava abismado pelo fato dela ficar calada. A megera foi domada. Jesus Cristo!
― Eu acho que o senhor Walker não se importa com apresentações. Vá logo
limpar o bebê que eu fico e converso sobre as novidades e tendências em cores ―
Miranda apressou-se em dizer, mas Sinclair apenas a olhou feio e não deu a mínima.
― Desculpe, mas ela é uma rebelde.
Ah, com certeza, eu bem sabia como.
― Apresentações não são necessárias. ― Miranda empinou queixo.
― Eu insisto. ― Cruzei os braços, entrando no clima. Essa safada iria me
pagar. Coitado de Sinclair! Eu até estava simpatizando com ele. Essa mulher não
prestava.
― Bom, eu vou deixá-los alguns minutos a sós para que eu possa cuidar desse
garotão. Minha esposa está me esperando.
Miranda pareceu encolher um pouco; já eu, me senti dois metros mais alto.
Alguma coisa estava errada aqui, porém Sinclair, sem querer, acabou de colocar a
megera perversa em minhas mãos.
― Blake, esta é a minha filha Valentina. Espero que vocês se entendam.
Dito isso, ele saiu. Quando ouvi o clique da porta fechando-se, uma explosão de
raiva e excitação me engoliu. Fiquei paralisado, tentando assimilar o que acabei de
ouvir. Conclusão: tudo o que ela me contou foi mentira, ou boa parte.
― Você... ― acusei, ainda chocado, e pior: ela me fez acreditar que era casada,
e que o bebê...
― Surpresa! ― gargalhou abrindo os braços.
Foda-se!
Em um piscar de olhos eu a empurrei contra a parede, segurando com minhas
duas mãos seu cabelo, obrigando-a a inclinar a cabeça obedientemente. Eu estava
usando força bruta, segurando-a firme, sem chance de defesa.
― Você mentiu! ― rosnei em sua cara. Meu corpo prensava o dela,
impossibilitando que se movesse.
― E você me ama por isso. ― Agarrou meus braços tensionados. ― Minha
múmia preferida, como foi a festa de Alec?
― Foda-se, sua mentirosa! Você não me engana mais. Agora saiba lidar com a
fúria de um homem enganado.
― Venha, fique a vontade para tentar ― provocou. Eu era bem maior do que ela
e usava minha força para dominá-la. Ela precisava de um homem resistente. Pois bem.
Eis-me aqui.
― Megera!
― Eu por acaso disse que não era? ― revidou, ofegante. ― Você adora,
admita.
Minha respiração igualou à dela. Ainda tremendo de ódio por ter sido
enganado, eu vibrava com excitação. A luta por controle, a dominação que eu exercia,
porque sim, eu era mais forte e isso me deixava vibrando, eletrizado de prazer, porque
agora eu a tinha em meus braços e não a deixaria escapar.
― Você está fodida. ― Eu sorri perverso, fazendo-a arregalar os olhos. Logo
sussurrei em seu ouvido. ― Agora você não escapa mais. Não adianta fugir, porque o
destino insiste em nos juntar. Pode lutar, mas lute muito, pois isso me deixa ainda mais
duro de tesão. ― Esfreguei-me nela sem pudor algum, pressionando minha ereção sua
barriga. ― Quando chegar a hora, eu vou te comer tanto, mas tanto...
Ela abriu a boca para revidar e eu a beijei. Um beijo duro, dominante e
molhado. Meio gemendo e rosnando, soltei seu cabelo para erguê-la. Ela enlaçou minha
cintura e naquele instante pude alinhar meu pau latejante em sua feminilidade.
Gememos juntos, prazer disparando através das minhas células, me revigorando
por inteiro.
― Delicia do caralho! ― Puxei sua blusa e agarrei um mamilo entre os dentes.
Chupei duro; não queria gentilezas. Ela estava sendo punida. ― Minha mulher, ouviu?
Minha, porra! ― Voltei a beijá-la duro. ― Prefere assim? ― Esfreguei minha barba
em seu rosto, fazendo-a gemer. ― Imagine quando fizer o mesmo em sua boceta? Gosta
assim, gosta? ― Lambi seu pescoço, chupando em seguida. ― Gosta de ter meu corpo
duro esfregando no seu? Pronto para te satisfazer de todas as formas? Agora responda
uma coisa... ― Encarei suas pupilas dilatadas de desejo. ― Sentiu minha falta? ― Ela
acenou. Voltei a engoli-la com minha demanda selvagem.
Não me importei com merda nenhuma. Ali mesmo eu comecei a matar minha
saudade e raiva. Fiz isso chupando sua língua com gosto, sorvendo seu sabor em meio a
rosnados e puxões de cabelo, mordendo-a e sendo mordido, gemendo como um animal.
Minha mão livre massageava seus seios por cima da camisa apenas porque eu podia, e
ela sabia que nunca mais iria escapar. Parecíamos dois selvagens matando a saudade,
nos engolíamos, e, enquanto ela explorava minha boca, eu tomava a dela.
― Valentina... ― Afastei ofegante, encarando seus olhos brilhantes. ― Esse
nome combina com você, sua safada.
Ela riu me puxando para outro beijo. Suas unhas curtas agora raspavam meu
couro cabeludo, arrepiando-me. Um fogo consumidor incendiava meu corpo inteiro. Em
meio ao beijo de saudade, eu me vi querendo retaliar. Uma mente perversa precisava
de outra ainda pior.
― Vai gozar esfregando-se em mim? ― Ela acenou, perdida em meus braços.
Eu ri. ― Só no dia que meu pau estiver enterrado até as bolas, minha megera perversa.
Fui arranhado. A seguir ela me deu um tapa na cara.
― Não se esfregue em putas, ouviu?! ― grunhiu, lambendo meus lábios. ― Seu
gostoso pré-histórico.
Nem respondi. Soltei-a, empurrando-a de novo contra a parede. Desta vez ergui
seus braços, dei-lhe um beijo duro, um choque de bocas, dentes e línguas brigando,
gostando do fogo que criávamos sempre que estávamos próximos um do outro.
― Blake! ― ela gemia agarrando minha bunda, pressionando meu corpo ainda
mais ao seu.
Usei uma força de vontade tremenda para conseguir soltá-la e me afastar.
Safado, abri um pouco a pernas e agarrei meu pau por cima da calça mexendo nele de
propósito.
― Você conseguiu o que queria, agora aguente ― falei misterioso. Saí da sala
deixando-a sozinha. Minha última olhada nela serviu para me mostrar que eu não era o
único com saudade.
Soltei o ar, rindo baixinho.
― Você vai me pagar Mi... Valentina. ― Esfreguei as mãos em antecipação,
aproveitando para tirar minha camisa de dentro da calça, na tentativa de esconder
minha flagrante ereção. ― Vou te infernizar dia e noite até que aprenda que não se faz
um homem de tolo.
Na recepção encontrei Sinclair com duas morenas lindas, uma delas era a
mesma que vi na festa de Alec.
Oh, merda...
― Blake, essa é minha esposa Miranda e minha outra filha, Viviam. ― Sinclair
exalava orgulho. Notei que apenas o bebê era parecido com a minha garota, as outras
não.
― Prazer em conhecê-las. ― Estendi a mão. Miranda aceitou, já Viviam me
encarava com um sorrisinho. Até parecia saber o que havia acabado de acontecer
comigo e sua irmã.
― Vamos discutir os detalhes da visita de inspeção? ― Sinclair se pronunciou.
— Meu mestre de obra acabou de chegar.
― Eu prefiro deixar o endereço da casa e carta branca para vocês. ― Eu sorri,
feliz para caralho. ― Estou de férias, então estarei acompanhando as obras. Acho que
vocês devem saber onde fica a casa. É aquela que fica no topo do Mountain Park
Califórnia.
Quando disse onde era a casa, Sinclair soltou uma risada acompanhado de sua
esposa e filha.
― O que foi?
― Essa é casa dos sonhos da minha filha Valentina.
Em pensamento corrigi: a casa dos sonhos da minha futura mulher.
Capítulo 15

Blake
Não podia me considerar feliz, primeiro porque descobri a grande mentira que
Miranda, ou melhor, Valentina foi. Durante meses eu fui apaixonado por uma garota que
se dizia uma coisa e era outra. O único fato sobre toda essa porcaria era que agora não
tinha meia conversa: ela estava em minhas mãos, e um sentimento de saciedade aos
poucos ia tomando conta.
Deixá-la daquela forma foi difícil para mim. Eu queria mesmo era devorar cada
pedacinho daquela perfeição atrevida, mas não, eu não faria isso. Sua mentira
despertou um homem que não deixaria barato. Agora ela iria ter um gostinho do que
vinha por aí e, no fim, quando estivesse rendida, saberia porque foi castigada. Acelerei
a moto rumo à minha casa. Meus pensamentos frenéticos e ansiosos.
― Agora mais do que nunca eu te quero, Mi... ― Bufei, nervoso. ― Valentina!
A contragosto, um sorriso tomou meus lábios. O nome da megera combinava
com ela, e, mesmo sendo uma completa mentirosa, ela era autêntica. Fazia o que queria,
dizia o que pensava e era livre porque sabia viver. Sempre soube que a sociedade não
ditava as regras para ela, e eu, que vivia seguindo as malditas convenções, creio que
quis desfrutar um pouco dessa liberdade. Por mais difícil que fosse admitir,
independência não era ser maior de idade, ter seu próprio dinheiro ou casa.
Independência era fazer o que te deixava feliz, sem que a opinião dos outros tivesse
peso sobre isso. Estar dentro de um molde para ser aceito: eu vivi e ainda vivo assim.
Valentina tinha asas, mesmo que elas fossem invisíveis.
Sorri de verdade. A raiva que senti evaporava. Ela mentiu, e daí? Não era
como se houvesse algum tipo de relacionamento sério entre nós. Ela não se importava
comigo, para falar a verdade. Entretanto, a partir de agora, ela nunca mais iria mentir
para mim. Eu a conheço muito bem, minha boneca cruel. Eu te conheço. Depois de
ser pisoteado como fui, eu conheço cada um dos seus truques e pretendo revidar à
altura. Ela precisava disso, e eu também.
A verdade é que eu sempre fui tranquilo; nunca vivi um conflito dessa natureza.
Desde a tenra idade, eu fui bajulado pelas mulheres por ser filho de quem era. Na
época da faculdade, então, eu mal dava trégua. Depois, ao entrar na Nascar, só piorou.
Valentina mexia comigo. Sei que já tinha dito isso, mas não me cansava de repetir. Ela
enxergou o homem e não o ídolo e herdeiro único de um magnata.
― Isso aí, ma petit. ― Suspirei, chegando em casa. ― Eu sinto que nós dois
daremos certo.
Estacionei a moto ao lado do carro que tanto chamou a atenção dela quando
veio aqui. Lembro de haver prometido um passeio, o que não aconteceu.
Sacudi a cabeça, indo para dentro de casa.
Já contava as horas para encontrar Valentina de novo. A forma como a deixei
deve ter mexido com ela de algum jeito. Pude sentir o pulsar de desejo deslizando por
nossos corpos, a corrente elétrica de antecipação. Se me concentrasse, juraria que o
cheiro de sua excitação lamberia meus sentidos. O sabor pecaminoso de seus lábios
parecia o paraíso para meus dias de tormento. Seu calor? Foi como o remédio para o
meu cansaço. Nunca me senti tão bem em segurar uma mulher em meus braços.
Estávamos conectados da melhor forma possível e ainda nem se quer a possuí como
sonhei desde então.
― Meu filho?
Ergui a cabeça e encontrei minha mãe de braços cruzados, encarando-me com
olhos especulativos.
― Mãe! ― Abri meus braços e ela veio até onde eu estava. Apertei seu corpo
miúdo e descansei meu queixo no topo de sua cabeça. ― O que foi?
― Eu te chamei um milhão de vezes ― reclamou. ― Você estava no mundo da
lua, suspirando. ― Seus olhos se estreitaram. ― Sorrindo como um bobo apaixonado.
Soltei uma risadinha e beijei seu nariz, fazendo-a torcer o rosto por causa da
minha barba.
― Isso é porque eu estou apaixonado.
O queixo da minha mãe bateu no chão. Ainda sorrindo, eu fechei sua boca.
― O que é isso, senhora Walker? Vejo que parece chocada. ― Arqueei uma
sobrancelha.
― Isso é porque eu estou ― murmurou, fazendo uma careta. ― Eu adoro a
Barbara, mas... ― O resto da frase ficou no ar. Minha mãe às vezes falava demais, em
outras ela simplesmente cortava o que ia dizer, deixando para que os outros
entendessem o que quisessem. Meu pai tinha ódio disso.
― Se serve de consolo, não é Barbara. ― Vi alívio puro em suas feições. ―
Mas... ― Dei um beijo em sua testa. Ela gostava de fazer isso, só que não gostava
quando era o contrário.
― Continue, meu filho. ― Curiosidade pingava de sua voz. ― “Mas” o quê?
― Mas a senhora terá que esperar até que eu consiga domar a fera.
Minha mãe segurou meu rosto e passou o scanner. Eu esperei para ver o que
iria dizer.
― Ela te faz bem. Vejo que a sua cor está melhor e você parece mais animado,
porém noto que há preocupação e até ousaria dizer que há raiva. Ela fez algo que te
magoou? Pode falar que eu vou resolver!
Apertei minha mãe com força. Minha gargalhada explodiu tão alta quanto
divertida.
― Largue a minha esposa! ― Meu pai apareceu, já rindo da minha diversão. ―
O que é tão engraçado?
Soltei minha mãe, pois ela foi puxada pelo meu pai. Agora ambos pareciam um
chiclete de duas cores.
― Não foi nada. ― Eu admirei-os juntos. Meus pais estavam em lua de mel
havia mais de trinta anos, e vê-los, agora, me dava uma pontada de desejo quase
dolorosa.
Eu queria exatamente isso com a minha megera.
― Tudo vai dar certo. ― Fitei o casal. ― Não aceitarei menos do que isso.
― Nunca, meu filho. ― Escutei a voz do meu pai. ― Os homens Walker não se
contentam com pouco. Ou é tudo, ou é nada!
― Exatamente ― concordei, afastando-me. Eu não aceitarei menos que do
tudo, Valentina.
Subi as escadas até o meu quarto; joguei-me na cama e soltei um suspiro alto.
Quem conseguia mandar no coração? E não só isso, cada vez que estava perto de
Miranda...
Torci a boca nunca careta. Era foda ter que me corrigir sempre que pensava no
nome dela, droga! Se ao menos eu fosse capaz de me afastar, como ela parecia querer...
Mas não! Eu era incapaz de controlar as minhas reações. Os choques pelo corpo
sempre que a tocava, a ansiedade com a mera ideia de vê-la, a saudade doente... Não.
Para o meu prazer, eu iria fazê-la sofrer um pouco, mas, então, quando o momento
chegasse, o prazer seria nosso.
No momento certo Valentina iria descobrir que eu era tudo o que ela precisava.
***
Ultimamente não vinha dormindo bem. Sentia-me agitado, enjoado e, se não
estiver exagerando, creio que em algum momento entre a madrugada e o amanhecer de
hoje eu tive febre. Acho que devo estar com algum tipo de vírus, pois no fim da
temporada eu viajei muito, mudando drasticamente de clima. Não tinha organismo que
aguentasse. Além de ter sofrido o acidente e ter voltado tão rápido quanto o possível.
É a primeira vez que isso acontece... Uma voz sussurrou em minha cabeça. Não
dei atenção. Era também a primeira vez que não estava me importando com a
temporada. Ao que parecia, eu estava na época das primeiras vezes. Para espantar o
sono, tomei um banho frio e me vesti de forma confortável, porque hoje seria mais um
dia enfrentando a fera. Tenho certeza de que iria encontrá-la logo mais. Meus planos
iniciavam em fugir de casa de fininho para não ter que passar por um interrogatório.
Agora que minha mãe teve horas para pensar, sei que iria querer dessecar a minha
história com Valentina, e eu não estava pronto ainda.
Passando pela cozinha, escolhi uma maçã para ser meu café da manhã. Na
garagem preferi pilotar minha moto. Eu pretendia ir até a minha casa em reforma e
passaria o dia por lá, cutucando Valentina desde a hora em que pusesse meus olhos
nela. Saí em alta velocidade com o vento frio da manhã batendo em meu rosto. As ruas
ainda estavam com pouco movimento por ser tão cedo, porém dentro de mim existia um
vulcão prestes a explodir com sensações que eu não podia controlar. O formigamento
que antecedia o encontro e a excitação da deliciosa batalha de vontades que estava por
vir eram revigorantes. Talvez por saber que tudo estava entrando nos eixos eu não
surtei ao entrar em minha casa, e também não me importei em verificar mais nada.
Fui para o melhor lugar na minha opinião: ficava nos fundos, na área da piscina.
Este, sim, seria o meu lugar de paz. A vista que me saudou foi revigorante. Dela eu
enxergava o mar e o verde a floresta. Tão alto quanto poderia estar, puxei uma cadeira
velha e sentei esticando as pernas. Ali eu relaxei. A calmaria ausente nos últimos meses
finalmente deu o ar da graça. Fechei os olhos e respirei fundo.
― Minha casa ― murmurei baixinho. Senti que aqui eu viveria os momentos
mais importantes da minha vida. Os mais verdadeiros, também. De olhos fechados,
acreditei nisso. Minha vida nunca mais seria a mesma. Assim eu esperava.
― Senhor, Walker?
Acordei já pulando em pé. Acabei dormindo. Estava exausto, e vivia assim nos
últimos tempos.
― Desculpe te acordar, filho. ― Sinclair estendeu a mão. ― Bom dia.
― Bom dia. ― Aceitei o cumprimento. ― E não se desculpe. Eu não deveria
ter adormecido. E, por favor, me chame de Blake.
Afinal seremos da mesma família.
― Bobagem! Com esta paisagem e o silêncio que encontrei, não me surpreende
em nada. Agora, se pudermos dar início a inspeção, eu gostaria que me acompanhasse.
― Claro. ― Indiquei a saída. ― Pode ir na frente. ― Deixamos a área de lazer
para irmos até à frente da casa, onde um homem grande e ruivo aguardava.
― Blake, este é Court, meu mestre de obras. Ele será o supervisor responsável
pela continuação da reforma ― trocamos um aperto de mãos, antes de iniciarmos a
conversa sobre a casa. Expliquei como a encontrei e meu receio sobre a confiabilidade
da estrutura.
― Não se preocupe. O primeiro passo aqui será avaliar a fundação da casa. Por
ser localizada no topo de uma colina, ela tem cálculo estrutural diferente. ― As
palavras de Sinclair me aliviaram um pouco. ― A seguir, vamos para a parte elétrica e
hidráulica. Essas instalações são as mais demoradas.
― Ok, e sobre a paisagem? ― Abrangi os arredores com a mão. ― Isso parece
uma zona desértica para teste nucleares. ― Sinclair balançou a cabeça, rindo.
― Devo concordar, porém Viviam vai cuidar disso rapidinho, inclusive da
decoração interna, se assim desejar. Minha esposa estará aqui em algumas horas. Ela
vai estudar a planta para ver se precisa de alguma adaptação, caso queira modificar
algo. ― Senti minha língua coçar para perguntar sobre a filha caçula, mas me contive.
― Podemos começar? ― Court perguntou. ― Irá nos acompanhar, senhor
Walker?
― Faço questão.
Juntos refizemos o caminho para dentro da casa. Sinclair assoviou quando
entramos na área que deveria ser a sala.
― A parede do lado esquerdo foi derrubada ― Sinclair falou assim que olhou
ao redor. Court concordou. ― Preciso ver se ela mexia na estrutura de sustentação.
Fiquei de lado apenas observando os testes serem feitos. Achei muito
interessante a forma como ambos pareciam combinar. Era sincrônico: um entendia o
que o olhar do outro dizia. Dupla foda, aqueles dois. A hora passou que eu nem
percebi. Acabei me empolgando com o que estava vendo.
― Não encontrei rachaduras nem camuflagens. A parede precisará ser refeita,
pois ela aumenta a força da sustentação do piso superior, não sei nem por que foi
removida.
― Diga-me que tem boas notícias, por favor. ― Acho que minha voz soou
desesperada até mesmo para mim. ― Não aguento mais ver a minha casa assim.
― Não houve trepidação quando fiz os testes de fundação. Não achei
rachaduras, como falei. A boa notícia é que descobri que as pilastras são feitas de
concreto, ferro e brita, o que significa que sua casa não corre o risco de desabar.
Soltei a respiração em alívio. Graças a Deus!
― Mas precisaremos recortar um metro e meio de reboco, porque tem foco de
infiltração, e a parte elétrica precisará ser completamente refeita. O risco de incêndio
por curto circuito está de oito para dez.
― Puta que pariu! ― Irado, não acreditei no risco que corria. ― Quer dizer que
estavam deixando a fiação antiga?
Sinclair e Court trocaram um olhar sério.
― Não, na verdade a fiação é nova, só que está completamente fora dos
padrões de segurança.
― Tudo bem. Não quero saber de mais nada. Entrego minha casa em suas mãos.
Não poupe gastos. Quero tudo do bom e do melhor. Essa casa é meu presente para a
minha futura esposa.
― Fique tranquilo. Deixarei sua casa pronta em três meses.
― Perfeito. Não poderia ter sido em melhor hora! Terei um mês para aproveitar
antes de começar os treinos para a corrida do milhão.
― Olá, rapazes! ― Instantaneamente meu corpo endureceu. Pleno de
expectativa, me virei para ver quem chegou. Lá estava ela: Valentina. Perfeita em um
macacão curto e em botas de trilha.
― Oi, filha. ― Sinclair foi até ela e fez o que eu ainda não podia: a abraçou
apertado. ― Onde está a sua mãe?
― Ela está no jardim, com a Viviam. Sua filha já está rabiscando coisas no
caderno. ― Sua risadinha fez meu corpo cantar. ― Estão esperando por vocês dois ―
apontou para seu pai e Court.
― Conheça a casa, Valentina. Estude as melhores sugestões de cor e textura
para Blake escolher. Comece pelo primeiro andar. Será por lá que vamos dar o ponto
de partida.
― Eu gostaria de começar pela suíte máster ― falei observando um rubor
tomar conta do rosto da minha megera linda.
― Faça isso. ― Sinclair afastou-se indo em direção à porta. ― Vamos, Court.
Temos que olhar a piscina. Outra coisa, Valentina! Lembre-se: o cliente tem sempre
razão.
Encarei seu rosto de forma solene. Esperei que ela encontrasse meu olhar e,
quando o fez, eu arqueei uma sobrancelha. Muito feliz, vi quando engoliu em seco.
Compreenda, ma petit, que o jogo virou! Pisquei um olho, acreditando que ela
entendeu bem a mensagem.
― Não é incrível como o universo gosta de nos unir, Valentina? ― ironizei,
cruzando os braços. ― Ou devo te chamar de Miranda?
Capítulo 16

Valentina
Desde ontem eu me sentia meio mole. Minhas pernas estavam bambas e meu
clitóris latejavam. Eu estava sensível de todas as formas e tudo por causa de Blake. A
jeito como ele me pegou de surpresa foi de matar! Não consegui me sair bem, e o pior
foi ver meu próprio pai me entregando de mão beijada. Não dormi direito e quase morri
quando vi onde era a casa que reformaríamos. Tive que engolir o choro, pois era a
minha casa dos sonhos.
Aos poucos e sem que percebesse, meu muro foi ruindo. Cada vez que estava
perto de Blake, uma parte desmoronava. E isso me assustava muito. Muito mesmo.
― Bela visão! ― Escutei sua risada e quase o empurrei escada a baixo. Eu não
fazia ideia de como iria aguentar ficar perto dele assim.
Misericórdia.
― Pode olhar! Orgulho-me de cada pedacinho do meu corpo, Sr. Peça de
Museu. ― Tentei soar indiferente, mas estava longe disso: meu corpo estava
eletrizado.
Se possível, ele riu ainda mais.
Tropecei quando meu clitóris pulsou dolorido. Até tentei me tocar ontem, mas
havia algum tipo de barreira. Meu toque não satisfazia; assistir Manolo também não fez
nada para ajudar. De alguma forma, apenas o homem atrás de mim seria capaz de me
aliviar. Eu estava tão fodida!
― Não estou reclamando, muito pelo contrário.
Revirei os olhos. Como raios eu iria trabalhar aqui com esse homem em
forma de tentação por perto? Eu estava bem, vivendo minha vida, até encontrar Blake
e as coisas começarem a desandar.
― Pensando na vida, ma petit? ― ronronou muito próximo, me fazendo errar o
passo.
Merda! Desde quando eu era uma deslumbrada que tropeçava nos próprios pés?
Desde que Blake marretou sua auto defesa. Oh, sim! Desde esse dia tijolo por tijolo
foi caindo. Concordei com o pensamento insistente.
― Meu quarto fica aqui. ― Uma mão quente veio até a base das minhas costas,
me guiando gentilmente. ― A propósito, você não me disse como prefere que a chame.
― Ele riu debochado. ― Valentina? Miranda? Ou existe mais algum outro nome que eu
deva saber?
― “Vá se ferrar”. Decore este! ― Afastei-me bruscamente. Não podia deixá-
lo saber como me afetava, primeiro porque eu tinha que ter certeza que ele estava sem
aquela Barbie falsificada, e segundo porque era sempre bom deixar uma pontada de
dúvida. No geral, quando não se tinha plena certeza dos sentimentos de alguém a
dedicação era maior.
― Tão doce quanto fel. ― Ouvi sua voz e me virei para confrontá-lo. Não foi
boa ideia.
Blake estava sem a camisa. O peito largo e musculoso à mostra, os gominhos da
barriga parecendo bons o suficiente para lamber e morder, não necessariamente nessa
ordem.
― Gosta do que vê? ― Esfregou o cabelo enquanto uma mão deslizava pela
barriga.
Adorooo! Sacudi a cabeça, suspirando. Porque mesmo eu não podia ficar com
ele? Mordi o lábio encarando o sorriso de puro prazer que ele carregava. Ah, sim,
porque ele era um safado que estava noivo.
― Você é passável, Blake. ― Puxei o cabelo para trás. ― Não é de se jogar
fora, claro, para quem gosta de velharia.
Longe de se chatear, tranquilo, caminhou até estar a meros centímetros de
distância. Aspirei seu cheiro e quase me inclinei para esfregar o nariz em sua pele.
Irresistível!
― Pode lamber se quiser. ― Sua voz soou rouca, baixa e muito próxima. Eu
estava, sim, colada nele, mas Blake não me tocava; eu sim.
― Você não deveria ser tão tentador, Blake. ― Esfreguei meu nariz em sua
pele, choques de prazer me fizeram ofegar. ― E você não deveria me querer. ― Fiquei
na ponta dos pés para alcançar seu queixo e mordi de leve. Ele parecia comestível.
― Eu sou tentador para você? ― questionou baixinho. Olhei em seus olhos
azul-esverdeados, lindos. Perfeitos.
― Sim.
Gemi de puro alívio e saudade quando sua cabeça desceu e seus lábios tomaram
os meus. Não dava para esconder: Eu estava apaixonada por Blake!
A constatação verdadeira e irrevogável desse fato me fez gemer em entrega
absoluta. Agarrei seus cabelos puxando-o ainda mais para mim. Queria chorar e berrar
de raiva. Eu não estava sabendo lidar com esta descoberta.
O sabor delicioso e o cheiro de homem quente e viril pareciam uma combinação
viciante. Eu me sentia drogada. Era como se a última barreira caísse por terra, me
deixando exposta e vulnerável.
― Blake... ― Distribui beijos em seu rosto. Ele me apertava e fazia o mesmo.
Sua barba me arranhava e eu adorava cada instante.
― Sentir sua respiração tão próxima a minha; ― sussurrou, me apertando. ―
seu cheiro; poder te tocar... é como alcançar o céu.
Seus olhos brilhavam como o oceano. Sua expressão, outrora cansada, pareceu
transformar-se para algo vital.
― Blake. ― Toquei seu rosto e ele fechou os olhos. Agora seria um bom
momento para recomeçar. ― Perdoe-me por mentir e por te magoar. Eu não me
importava antes, mas agora...
Sua expressão se fechou. Ele deu um passo atrás, me soltando. Quando eu quis
puxá-lo de volta, de maneira inexplicável, eu senti frio.
― Eu entendi. ― Acenou pegando sua camisa e vestindo-a. ― E aceito.
― Não! Quero dizer, espere um pouco e me deixe terminar de falar. ― Estendi
as mãos em sua direção. Ele balançou a cabeça, negando.
― Você venceu, ma petit. Vamos apenas brincar, porque isso entre nós não
significa nada, não é mesmo?
Qualquer traço de humor foi apagado de sua expressão. Eu não conseguia
acreditar que justo agora ele resolveu desistir. Ato seguido, quis me bater por tê-lo
tratado como uma megera. Em minha defesa, eu não me preocupava, pois desejo não é
amor. Todavia, depois do acidente, mal conseguia acordar antes de estar em frente ao
computador em busca de informações sobre ele.
Por fora eu parecia a mesma Valentina dura e agressiva, mas por dentro eu
havia me tornado a garota que se descobriu apaixonada pela primeira vez. No silêncio
do meu quarto, eu chorei a descoberta. Do nada, eu passei de inflexível à totalmente
maleável.
Tudo culpa do amor.
― Ontem você fechou nosso ciclo, pequena mentirosa. ― Blake parecia muito
firme. Já eu queria parafusar o juízo dele de volta no lugar. ― Fez-me acreditar que o
seu irmão era seu filho. Você nunca se importou de fato. Cansei de rastejar. Não farei
mais isso.
Segurei meu fôlego para evitar que ele percebesse minha afetação. Colei a
máscara de indiferença e obriguei-me a relaxar. Só o tremor das minhas mãos eu não
pude evitar. Estava quase sem conseguir respirar direito.
― Tem razão, Blake. ― Minha voz, a muito custo, atravessou o bolo em minha
garganta. ― Engraçado que enquanto você se divertia na festa de Alec, não estava se
importando muito com ciclos e afins... ― Eu sorri de maneira falsa. ― Fazer o quê?
Nem sempre conseguimos o que queremos, não é?
Raiva era um sentimento fácil de perceber. Blake a irradiava, agora.
― Bom, o tempo de falar sobre nós se esgotou. Você quer discutir sobre as
cores para o quarto? ― perguntei, esfregando as mãos em minha roupa.
Por favor, não queira. Não queira!
― Prefiro que faça a seu gosto ― sua voz pareceu indiferente. ― Confio em
você para deixar tudo perfeito para mim.
Senti a pancada em meu peito.
― Este será meu presente de casamento para a minha futura esposa.
E a dor só aumentou.
***
― Valentina, esta parede está horrível! ― Pela milionésima vez eu recebi um
puxão de orelha do meu pai. Eu não fazia a menor ideia do que andava acontecendo,
mas a pintura estava ficando uma merda. A tinta escorria como se fosse óleo.
― Pai, eu não sei mais o que fazer! ― Passei a mão no rosto, em sinal de
frustração. ― Essa é a terceira tentativa. Já troquei os rolos, já removi a primeira
camada de tinta que apliquei, lixei toda a parede novamente, mas não adianta!
― Você não está fazendo direito. ― Abaixei a cabeça em sinal de respeito, e
acenei em silêncio. ― Refaça. Não quero problemas aqui. Eu pensei que seria melhor
seguirmos o padrão de sempre. Quando pegamos esta reforma eu mandei começar os
quartos para você deixá-los prontos, mas isso foi um erro.
― Sinto muito, pai. Eu vou refazer.
― Olhe para mim. ― Senti o toque em meu queixo. ― Blake confiou sua casa
em nossas mãos. Ele vem todos dias, confere os avanços e vai embora satisfeito.
Prefiro que continue assim. Não quero ter problemas, filha. Cuide da sua parte.
Descubra o que está acontecendo e resolva.
― Sim, senhor. ― Aquele era meu chefe. Não tinha isso de colher de chá só
porque ele era meu pai.
― Estou descendo. Vamos puxar a fiação elétrica do térreo e depois cortar a
linha de reboco. O primeiro andar só falta pintar e estará pronto.
― Esta casa é imensa ― murmurei, cabisbaixa.
― Você sempre fica com a parte interna. É a melhor da equipe inteira e eu não
confiaria em outra pessoa, mas se tiver que mudar, eu irei.
― Entendo.
― Filha, aqui eu sou seu chefe. ― Assenti. Era assim mesmo. ― Então eu irei
te tratar como qualquer funcionário. Não vou ignorar quando eu encontrar defeitos.
Respirei fundo. Meu temperamento estava nadando em um limbo, ultimamente,
sem manifestações de bravura e tampouco de ânimo. Esperei meu pai sair, antes de eu
poder soltar o fôlego como eu queria. As lágrimas queimaram em meus olhos, mas fiz o
que me tornei especialista: engoli o choro. Sacudindo a cabeça, eu refiz o passo a passo
desde o primeiro dia que pisei aqui.
Meu pai e a equipe começaram a reforma no dia seguinte ao fechamento do
contrato. Cerca de duas semanas depois o primeiro andar estava pronto para começar a
pintar. Durante esses dias, Blake apenas me provocava, roubava beijos, me apertava,
ou sussurrava alguma safadeza em meu ouvido, me deixando desestabilizada. A última
vez eu estava anotando as cores que melhor combinaria com sua suíte, quando ele me
surpreendeu:
― Imagine nós dois embolados na cama enquanto o sol nasce... ― Em seguida,
lambeu minha orelha. Mais uma vez ele me provocou e saiu, me deixando uma poça de
baba no chão.
Agora, eu fico imaginando se a minha desatenção foi por viver em expectativa
com a sua chegada. Entretanto, eu não me lembro de cometer erros. Eu aprontava os
materiais, abria as tintas e aplicava. Pronto. Qual a dificuldade em fazer uma coisa que
era corriqueira para mim?
Não sei, mas algo estava errado. Durante a aplicação, tudo ficava perfeito, mas
quando começava a secar, a tinta escorria, craquelando a parede toda. Ficava horrível.
A aparência de rachadura era totalmente assombrosa. Cansada, puxei uma cartela de
lixa, coloquei a máscara e ignorei os óculos protetores, e comecei a esfregar. A poeira
branca formava uma nuvem fantasmagórica. Meus olhos ainda ardiam. Suspeito que não
era por aquele motivo, e sim por outro completamente diferente. Por um momento senti
raiva. Eu não podia me culpar por ter demorado a entender meus sentimentos. Eu avisei
a Blake o quanto pude, mas ele pôs sua conta em risco e continuou me rodeando. Sem
problemas. Desgosto passa e logo, logo eu estaria tinindo de novo.
Não era como se eu fosse correndo atrás de Blake para tentar fazer com que ele
voltasse; eu era orgulhosa demais para tal coisa. Ainda tinha a questão da noiva...
Talvez fosse justamente por isso que ele deu para trás. Viu que não ia conseguir ficar
com as duas. Eu fui idiota, pois ele nunca pensou em deixar a noiva. A casa seria um
presente para ela. Ponto final.
― Problemas?
Recusei-me a responder. Blake se tornou meu torturador, mas longe de mim
permitir que ele soubesse. Eu não me sentia forte ainda. Eu só não sentia. Suspirei e
continuei meu trabalho, ignorando-o.
― Eu perguntei se você está com problemas?
Dei de ombros. Minha visão embaçou de novo. Era a poeira caindo, com
certeza, porque eu não choro com facilidade. Eu não desabo. Eu nunca me permito
desabar.
― Eu estou ótima. Tudo está como deve ser. Por quê?
― Deus, o que houve com essa parede? ― Respirei fundo, em busca de
controle. ― Nunca vi coisa mais estranha. É assim mesmo?
― É, Blake. É exatamente assim. ― Minha voz saiu abafada. Engoli em seco e
sacudi a cabeça.
― Hei, o que foi? ― Senti suas mãos em meus ombros e, antes que pudesse
fugir, ele me virou. ― Porra, Valentina. Seus olhos estão vermelhos. Você está
chorando? ― Parecia horrorizado.
― É a poeira. ― Apontei para o ar a nossa volta, lutando contra a vontade de
abraçá-lo. ― Estou lixando a parede, como notou. Vou recomeçar a pintura. De novo.
Blake franziu o cenho. Parecia muito reflexivo para o meu gosto. Homem
quando pensa demais não dá muito certo...
― Olha, preciso voltar ao trabalho. ― Afastei-me, sem sucesso, pois ele me
puxou de volta, colando minhas costas em seu peito.
― Você me parece quente. ― Sua barba roçou meu ombro. Inclinei o pescoço
de lado, fechando os olhos para senti-lo me tocar.
― Eu sou quente mesmo. ― Eu ri baixo. ― Agora me largue, porque eu não
quero agarramento no trabalho. Preciso terminar esse quarto e ele tem que ficar
perfeito, caso contrário, meu digníssimo chefe irá me tirar da equipe e designar outro
para assumir o meu lugar.
Senti seu corpo endurecer. Parecia que Blake estava em discordância com
minhas palavras.
― Você não vai sair daqui ― decretou e me soltou, indo embora sem se
despedir.
Doido!
Voltei ao trabalho, o dia inteiro rezando para que as coisas começassem a dar
certo. Eu nem saberia descrever o alívio que senti quando a pintura não deu sinais de
problemas. Só por garantia, resolvi esperar secar e quando vi que estava ficando
perfeita, a alegria me engoliu inteira. Nunca me senti tão satisfeita. Agora sim, minha
parte na obra vai andar para frente.
Saí da casa de Blake morta de cansaço. Meus braços doíam muito, pois me
recusei a sair sem deixar o quarto pronto; quatro paredes que pareceram oito. Isso
porque não fiz o teto, ainda. Eu queria a casa impecável. Desejava ardentemente que
minha assinatura profissional permeasse em cada cômodo, e faria isso. Blake que não
se arrependesse por ter deixado a casa da bruxa em minhas mãos. Quando cheguei na
minha própria casa, fui direto para o meu quarto. Mal minha cabeça encostou no
travesseiro, eu adormeci.
O barulho do despertador era um dos que mais me dava nos nervos. De olhos
fechados, eu dei um tapa na coisa que não parava de berrar. O encaixe que eu e minha
cama tínhamos naquele momento era divino. Parecia injusto que no melhor do sono eu
tivesse que levantar. Só mais cinco minutos e eu levanto. Cinco minutos e pronto.
***
― Valentina, está na hora de levantar! ― Ouvi a voz da minha mãe e abri um
olho. Ela estava diante de mim, segurando minha dose diária de cafeína.
― Que horas são, mãe? ― Bocejei a pergunta, puxando meu lençol ainda mais.
Quentinho e gostoso. Paraíso.
― São quase nove.
― Meu Deus! ― Saltei da cama em desespero. Meus cinco minutos se
transformaram em quatro horas.
Merda!
Corri de lá para cá feito doida. Minha mãe só fazia rir enquanto esperava eu me
arrumar.
― Meu pai vai me matar ― lamentei engolindo meu café. ― Mãe prepare o
caixão. Hoje eu não chego viva em casa.
Corri para o trabalho em modo velozes e furiosos. Nessas horas eu amava
minha moto. Economizei uns quinze minutos. Alta velocidade e curvas perigosas, e eu
não estava nem aí. Tinha que chegar logo.
O barulho de máquinas trabalhando dava para ouvir de longe. A piscina estava
sendo quebrada porque tinha uma mega infiltração. Estacionei minha moto ao lado de
outra que me fez ronronar como uma gata. Antes de correr para o meu posto de trabalho,
passei meus dedos no metal reluzente negro.
― Você é uma beleza ― admirei enquanto me afastava, já preparando os
ouvidos para o que meu pai iria dizer.
O caminho até o primeiro andar foi feito com sucesso. Já estava com a roupa de
trabalho, então quando ouvi a voz do meu pai, peguei a primeira coisa que vi e comecei
a trabalhar. Tentando enganar o chefe? Meu Deus, eu não vou ser perdoada!
― Que bom que chegou, Valentina. ― Eu quis rir de nervoso. Meu pai odiava
atrasos no trabalho.
― Veja, a parede está impecável! ― Não evitei o orgulho em minha voz. Até
sorri, porém quando me virei, o sorriso morreu. Blake tinha a expressão, que eu só
poderia descrever como cruel.
― Sim, mas eu não gostei da cor. Quero que mude.
Vou matar o bastardo!
― Blake... ― Eu respirei fundo. ― O quarto dessa cor ficará perfeito com a luz
natural. Vê aqui? Escolhi esta parede para colocar o painel da cama. Montei um plano
de cores claras e escuras dentro da cartela de cores do cinza ao preto, ali. ― Apontei
para a parede oposta. ― Você vai ter uma estante projetada para seus troféus mais
importantes.
Ele concordou, e eu sorri aliviada.
― Ainda quero que mude. Não gostei da cor. ― Dito isto, ele saiu. Meu pai fez
um gesto com as mãos, pedindo calma. Concordei.
― Pai, ele não tem bom gosto ― lamentei. ― Essa cor é perfeita para um
quarto masculino e aconchegante. — Vou colocar azul turquesa, rosa e vermelho. Vou
bagunçar essa merda. Completei para mim mesma.
― Espere até amanhã e cuide dos outros aposentos. Vamos ver se Blake muda
de ideia.
Bastardo!
Trabalhei com ódio fumegando. Blake estava se vingando. Cheguei a esta
conclusão depois de muito refletir sobre a atitude pestilenta que ele teve. Pensa o quê?
Que arrumar um quarto enorme como o dele era como pilotar o caralho de um carro?
Vá se foder! Abri a lata de tinta aos tapas. Minha vontade era de acertar aquele escroto
no meio da cara. Como pude pensar que estava apaixonada? Nunca! Jamais! Aquilo foi
um breve momento de desvio de atenção.
O dia se arrastou. O pior foi que Blake colou em mim. Às vezes o ouvia ao
telefone, falando todo meloso com alguém. Suas putas, com certeza. Bastardo! Não
estou nem ai! Cantei o mantra vezes seguidas, enquanto passava o rolo de forma
grosseira na parede que não tinha culpa e nada.
― Com raiva, ma petit? ― Ouvi a sua voz risonha. O bastardo era assim:
falava comigo de repente. Mas passava o dia na reforma me vigiando, contando meus
passos. Parecia um relógio de frequência.
― Para de me vigiar, Blake. Eu não sou uma propriedade sua ― reclamei,
apontando o dedo. ― Vai crescer esses olhos para cima da sua noiva maníaca
homicida. Você tem que vigiar a ela e não a mim.
O cretino era todo sorrisos e não estava dando a mínima para meu estresse.
Quem ele pensava que era?
― Stalkear não é coisa de gente normal, sabia? ― falei em uma tentativa de
esconder o quanto ele me afetava. Estava foda, já que ele sempre tinha sucesso. Mesmo
que eu tente me convencer do contrário, eu gosto dele, só que não estarei dizendo, não
depois dele ter cortado minhas pequenas asas.
― Valentina, sua pequena atrevida. ― Caminhou em minha direção. ― Eu
ainda vou controlar essa sua boca...
― Promessas, promessas ― cantarolei. ― Sinceramente, Blake: vá cuidar da
sua noiva! Você deveria se preocupar mais com ela e não comigo, que não sou nada
sua.
Vi o exato momento em que estreitou os olhos com raiva e grunhiu algum
palavrão. Acho que empurrei demais.
― Você é atrevida! ― Sim: ele estava furioso.
― Vai arrumar o que fazer, seu guardião da cripta! ― provoquei, alegre. Ele
estava quase como o outro Blake, o que comia pouca corda e atacava logo.
Quase podia rir de sua cara ultrajada. Ele era lindo: sua barba bem aparada;
seus lábios carnudos, que eram um verdadeiro pecado por pertencer a um homem, pois
convidavam as mulheres bobas a caírem em seu feitiço de corpo perfeito, alto e
musculoso. Uma mulher menos inteligente poderia enredar-se em sua teia. E não só
isso! Haviam os olhos, completamente hipnotizantes. Quem bem soubesse, deveria
manter distância deste ser maligno. Eu o enxergava; ele era a luz e eu a mariposa.
― Eu não sou velho! ― grunhiu e pude jurar que seus músculos cresceram.
Também, aquela camisa negra não ajudava muito a esconder os seus atributos de
homem primitivo. A fase fofa de Blake foi declarada extinta. Ele estava irreconhecível.
Desde que descobriu o meu nome, o homem mudou da água para o vinho.
Ódio dele por ser lindo e me fazer ceder. Bom que ele não saiba dos meus
sentimentos. Estou sendo egoísta e pensando em mim mesma. Me julgue por isso!
― Ohh, não, você não é velho coisa nenhuma, todavia... ― Apontei para mim
mesma com o polegar. ― Para mim, sim! ― Cruzei os braços enquanto ele bufava uma
risada dura. Dei-lhe uma olhada provocadora, daquelas que viajam o corpo todo. ― Se
bem que, para uma múmia de três mil anos, você até que é bem conservado.
Foi só dizer isso que me vejo sendo atacada. Ele me agarrou e me puxou para
seus braços fortes. Não tive nem tempo de reagir. Quando notei, ele estava prensando-
me contra a parede.
― Eu vou te mostrar quem é velho! ― Então lambeu meu pescoço e me mordeu.
― Vou te mostrar como o seu guardião da cripta pode ser resistente.
Abri a boca em busca de ar. Ele me ergueu e eu tive que abraçar sua cintura
com as minhas pernas. Gememos...
― Você me consome! ― grunhiu, agarrando meus cabelos com força, me
fazendo soltar um gritinho. ― Você está acabando com a minha paz, com a minha
sanidade. Porra, Valentina, o que você está fazendo comigo? ― Eu nem pude
responder, pois ele me beijou, e não era um beijo qualquer, era um beijo duro;
primitivo; faminto; nossas línguas brigando; duelando; chupando; mordendo; esfregando
sem parar. Meu corpo estava recebendo choques de prazer. Parecia tão certo. Era
certo.
― Blake! ― Puxei o ar. Estava tonta e sem fôlego. ― Senti falta disso.
Esperei que ele concordasse, não que me soltasse e se afastasse.
― Uma pena que não me quis, querida mentirosa. ― Sorriu, lambendo os
lábios.
Dei-lhe as costas. Ele estava brincando comigo. Idiota!
― Vai ver se estou na esquina.
Ele gargalhou alto. Parecia feliz consigo mesmo. Não respondi. Provocar-me
era o recente passatempo que ele desenvolveu. Que ódio!
― Hora do almoço, Valentina. ― Court colocou o rosto dentro do quarto. Um
sorriso marcando seus traços. Agradeci aos céus pela interrupção. Eu queria falar algo
para Blake, mas o receio misturado ao orgulho me impediam.
― Vou lavar as mãos e já desço ― respondi apressada.
Blake estreitou os olhos. Ele parecia gostar de brincar com as suas
provocações; me deixava louca e depois fazia questão de mostrar que perdi. Isso doía.
― Você chegou atrasada, esqueceu? ― apontou quando sai do banheiro.
― Besteira! Faço hora extra depois. ― Esfreguei o cabelo enquanto saía do
quarto. Desci as escadas sabendo que era seguida. Quando cheguei na sala, avistei um
homem alto e lindo conversando com meu pai.
― Erik? ― Caminhei até onde ele estava. Fazia uns três anos que não nos
víamos. O rapaz magro foi embora e voltou um gostoso da porra.
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― Mo chridhe! ― Ele abriu os braços e eu corri, esquecendo Blake e todo
mundo. Erik foi criado praticamente lá em casa. Era filho de Court e estava estudando
engenharia em Yale.
O apertei em um abraço forte. Ele enterrou o rosto no meu pescoço e ficamos
juntos, matando a saudade. Não sei por que queria chorar. Funguei, tremendo.
― Eu sabia que vocês iriam adorar se reencontrar! ― meu pai exclamou,
contente. ― Vou avisando que faço muito gosto do casamento.
Escutei um engasgo e soltei Erik. Blake me olhava horrorizado. Um sentimento
de retribuição me invadiu, mas estranhamente eu queria explicar para ele que Erik era
mais como um parente e nada mais.
― Tio, vou roubar Valentina por hoje.
Olhei para Blake, que estava com cara de doente psicopata. As mãos estavam
fechadas em punhos. Quis ir lá e abraçá-lo ou sacudi-lo. Por fim afastei a ideia. Que
merda estava acontecendo?
― Tudo bem, mas traga minha filha inteira. Vou abrir uma exceção para você,
meu garoto.
― Mas eu tenho que terminar o quarto.
― Vá! Eu assumo por hoje. Meu filho estava ansioso para encontrá-la ― Court
falou e Erik me puxou para a saída.
Entreguei-lhe a chave da minha moto e subi na garupa, ofegando pela expressão
horrenda que vi no rosto de Blake. Antes que pudesse desistir, voamos para longe
daquela casa e do meu delicioso tormento.
Capítulo 17

Blake
Com certeza eu deveria estar em uma fase ruim. Maldição! Minha ideia de fazer
Valentina provar do próprio veneno foi longe demais. Ela não me pareceu a mesma de
antes. Se estiver errado, quero estar morto, mas ela estava sensível a mim. Cada vez
que chegava perto, a sentia tremer. Tentava esconder, é claro, mas os sinais estavam lá.
Ela começava a me querer de verdade, para além do desejo.
Eu me fingi de indiferente, de provocador demonstrando minha desistência.
Tenho a plena certeza que ela tinha acreditado que eu havia jogado a toalha. Não nesta
vida. Confesso que a brincadeira foi boa. Quando não suportava a saudade, eu roubava
um beijo ou um toque, só para aguentar um pouco mais o castigo que estava lhe
infligindo. Não queria mais isso. Eu era um homem de 31 anos, e ela apenas uma
menina de 18 que tinha todo o direito de ser petulante, malcriada e ferina. Agora, a
paciência para tratá-la com suavidade acabou. Valentina precisava de algo a mais. Ela
precisava ter os seus limites empurrados.
— Foda-se! — Esfreguei meu cabelo e a barba, e saí da minha casa cantando
pneu; ciúmes puro e quente inundando cada célula do meu ser.
Fui para a casa dos meus pais para tentar limpar minha cabeça dos pensamentos
assassinos. Eu não conhecia o tal Erik, mas já queria vê-lo morto e enterrado com
direito a uma pedra em cima do caixão.
— Filho, você precisa saber que...
— Agora não, mãe! — Sacudi a mão, impaciente. Do jeito que eu estava, pouco
me importava o que ela contaria.
Entrei em meu quarto batendo a porta com violência. A pancada reverberou em
minha cabeça. Sacudi a tontura repentina e logo arranquei minha camisa e comecei a
andar pelo quarto, apenas imaginando o que eles poderiam estar fazendo agora.
— Se aquele bastardo ousar tocá-la... Eu o mato! — Respirei fundo, o monstro
do ciúme cravando as garras em mim sem piedade. — Merda, merda!
Andei de um lado para o outro durante muito tempo. A cada instante uma nova
imagem da minha mentirosa e aquele filho da puta surgia em minha mente. Eu já estava
quase fora do meu juízo.
— Valentina, você é minha! — rosnei puto e estressado. Arranquei o resto das
minhas roupas. Já estava suado de nervoso. Eu precisava colocar as coisas em ordem
com a minha megera. Quero tranquilidade na minha fodida vida. Uma droga de namoro
chato como todo mundo. Será que é pedir muito?
Entrei no box e a água fria chicoteou minha pele. Tentei me acalmar, juro que
tentei, mas não consegui. Eu devo ser possuído por alguma entidade atormentadora,
porque agora mesmo eu vejo claramente os dois juntos, curtindo, e aquele moleque
cheio de dedos para cima dela.
Valentina parecia carente...
Ergui minha cabeça quando a ideia me apavorou. Mulher carente é uma bomba
nuclear. Aquele merda vai se aproveitar, e ela vai ceder.
— Caralho! — Saí do banheiro todo molhado, me secando no processo de
correr em busca de uma roupa. De hoje não passaria. Eu iria acertar nossas contas
definitivamente. E o único possível resultado era Valentina ficando comigo, se não,
bom, eu iria ter que usar a persuasão. Nervoso demais, eu saí de casa. O pior era que
não fazia ideia de onde começar a procurar e pela forma como a conversa se
desenrolou mais cedo, em casa é que ela não iria estar.
A sensação sufocante de arrependimento era foda. Não digo sobre ter judiado
dela, me refiro a ter deixando tão claro que não acreditava em nós. Ela mereceu, Blake!
Tremi um pouco. Era verdade, mas talvez por isso eu me foda. Agora, mais louco que
antes, comecei por visitar os pontos de encontro mais badalados da cidade numa
tentativa de encontrá-la por acaso. Horas depois e sem sucesso, eu me encontrei
ligando para Sinclair. Não estava pensando direito. Aqui não haviam regras ou leis,
então eu faria de tudo para estar com Valentina o mais rápido possível.
— Blake, algum problema?
Respirei fundo, obrigando minha voz a sair neutra. Esperava que Valentina
estivesse em casa neste tempo e eu fazendo tempestade em copo d'água. Homem louco,
apaixonado e cheio de necessidades não se pode controlar. Foda!
— Não, eu só estou com tédio e queria saber se Valentina estava aí para
conversarmos sobre alguns detalhes que gostaria de mudar. — Ouvi um chorinho de
bebê e me chutei por estar interrompendo um momento familiar, mesmo assim, não teria
feito diferente.
— Ah, tudo bem. Minha filha não está em casa. Ela saiu desde cedo com o
Erik, mas sei onde estão. Talvez você queira se misturar com a turma, estou certo?
— Eu só preciso de um momento, não demoro, mas não quero deixar para
amanhã. Estou ansioso para ver minha casa pronta.
— Entendo exatamente o que é isso — Sinclair riu. — Anote aí.
Decorei o endereço do lugar. Ficava no centro de Los Angeles e não era muito
longe. Claro que no meu atual estado de loucura, não demoraria para chegar nem na
China.
— Obrigado, Sinclair.
— Disponha.
Desliguei a chamada, guardei o celular no bolso da minha jaqueta, recoloquei
meu capacete e voei. No percurso, a única coisa que não fiz foi avançar sinal vermelho.
Na velocidade que eu estava, se por desgraça eu batesse, iria virar polpa. Só mais um
pouco e logo você a terá em seus braços! Acalmei-me. Deus, estou sofrendo de
paixão obsessiva! Ainda assim não quero perder essa chama que arde dentro de mim.
Balancei a cabeça, me concentrando no trajeto. Alívio me deixou tonto quando cheguei
ao lugar que a encontraria. Era bem movimentado. As pessoas ali se vestiam simples e
estavam em sua grande maioria em pequenos grupos.
Estacionei a moto chamando atenção. Quando tirei o capacete, um monte de
gente veio para perto de mim. Dei autógrafos, tirei fotos e gravei pequenos vídeos de
parabéns para alguns fãs.
— Pessoal, obrigado pelo carinho, mas preciso ir. — Houve alguma gritaria,
mas os seguranças do pequeno pub me ajudaram a entrar sem mais problemas. — Tem
paparazzi aqui dentro? — perguntei preocupado. Valentina não iria gostar de ter esses
urubus em cima dela.
— Não permitirmos entrada de equipamento de fotografia. Celulares é outra
história — respondeu o segurança do lugar.
Concordei, olhando ao redor. Quando a encontrei, um misto de alívio, desejo e
raiva quase me fez cambalear. Ela estava com um grupo de amigos, a grande maioria
homens. Eu não estava sabendo lidar com o ciúme, e essa mulher tem o poder de me
colocar de joelhos.
Preciso afastá-la das outras pessoas! Estreitei os olhos, sorrindo quando ela
começou a procurar ao redor. Sinta-me, ma petit! Estou bem pertinho de você!
— Por acaso existe algum lugar aqui onde eu poderia ter uma conversa privada?
— questionei sem desviar os olhos dela. Senti minhas entranhas revirando quando
gargalhou jogando a cabeça para trás. O bastardo tocava seu ombro, falando algo em
seu ouvido.
— Sim, senhor. Na parte de trás há um reservado. Lá também tem uma saída de
emergência, caso precise.
Sorri, olhando para o gigante de uniforme preto.
— Você quer entrada para os bastidores da corrida do milhão?
***
Em silêncio, eu esperei. Estava bem escondido na parte escura do pequeno
lugar discreto. Impaciente, senti minhas mãos coçando quando a porta abriu e escutei os
xingamentos nada femininos que Valentina carinhosamente destilava como se fossem
veneno.
— Seu brutamonte de uma figa, me solte. Eu tenho direitos, ouviu? DI-REI-
TOS! — esperneou, sendo empurrada para dentro. Logo a porta foi fechada. — Ótimo,
seu cretino! Deixe-me trancada aqui no escuro. Não tenho medo, palhaço! — gritou e
chutou a porta. — Merda de segurança! Merda de lugar!
— Ultimamente você anda muito nervosa, pequena mentirosa — falei baixo e,
com prazer, notei quando congelou. — Vire-se — ordenei, esperando que ela
protestasse, mas, meio assustada, Valentina me obedeceu sem questionar.
— Blake? — ofegou, levando uma mão ao peito. Saí do escuro, caminhando em
sua direção. — É você mesmo? — grasnou de olhos arregalados.
— O único. — Eu sorri, comendo-a com os olhos. Ela estava linda, muito
parecida com o dia em que a vi pela primeira vez. Não preciso dizer que a mera visão
me deixou duro no lugar certo.
— O que está fazendo aqui? — Ela olhou ao redor. Eu acendi a luz, mas ainda
assim o lugar não ficava muito claro. O ambiente tinha uma iluminação difusa e
amarelada.
— Eu vim te buscar. — Parei à sua frente. — Precisamos conversar.
— Pode começar, então. — Empinou o queixo, irritada. — Estou ocupada, se
não percebeu.
Respirei fundo. Eu estava tentando ser suave, mas não dava. Passei o dia
pensando merda, supondo coisas, me desesperando. Valentina era a minha perdição.
Toda essa agressividade e petulância me deixam louco. Já me sentia tão excitado que
estava desconfortável. Afastei um pouco as pernas para não sufocar. Encontrava-me
ansiando por ela, por nossos confrontos de idas e vindas, mas agora, neste momento,
queria apenas calma. Um pouco de paz.
— Vai ficar me admirando ou vai começar a falar de uma vez?
Deliciosa atrevida! Sorri de lado, um dia ainda iria ocupar essa boca com outra
coisa, assim darei bom uso à sua língua esperta.
— É oficial, Blake: a idade te deixou lento — provocou. Estreitei os olhos,
cruzando os braços, destacando, assim, os meus músculos e a enorme diferença entre
nossos tamanhos. Gostava disso (muito, na realidade), pois me fazia sentir protetor.
— Sua insolente.
— Sou, sim, e ainda te acho lento. Você não diz logo o que quer. Fica igual
estátua me alugando! — Cruzou os braços, me enfrentando. Para isso ela teve que jogar
a cabeça para trás. — Eu estou tendo uma noite com os meus amigos. Não estou na sua
casa para ter que ouvir suas lamúrias sobre “Ah, Valentina, essa parede está ruim,
refaça!”, ou “essa cor não me agradou, troque”... — Ela fechou a cara. — Você é um
porre e, se quer saber, meu pai já falou que você viria e que queria falar justamente
sobre o meu trabalho. Já ficou claro que não gosta do que faço. — Quase beijei o bico
que fez. — Eu vou pedir para sair da reforma, se isso te deixa feliz.
Ri de sua carinha emburrada. Se ela soubesse que eu era a causa dos problemas
que teve, certamente iria me matar. Foi maldade, eu sei, mas não resisti. Valentina
tirava o pior de mim, mas nunca – jamais – eu permitiria que ela saísse da reforma.
— Eu vou voltar para os meus amigos. Amanhã você me explica o que quer
mudar e eu farei sem problemas, mas não venha atrás de mim fora do trabalho. ― Virou
as costas para sair.
Rápido demais, eu agarrei seu braço, puxando-a para mim, feliz por estar com
seu corpo junto ao meu. Neste instante decretei que as brigas acabavam aqui. Passou o
tempo de preliminar.
— O que você quer? — Tentou se soltar. Ela andava assim: não me provocava
como antes, só confrontava e queria fugir. Perdi o pouco controle que restava e virei
seu corpo, ainda mantendo-a colada a mim.
— Eu quero você! — rugi meu desejo, olhando dentro de seus olhos.
Um ofego escapou de seus lábios. A grande mentira de não querê-la sendo
destruída apenas com essas três palavras.
— O que disse? — perguntou baixinho. Segurei seu rosto com cuidado,
beijando-a de leve.
— Exatamente o que ouviu. — Acariciei seu lábio inferior com meu polegar. —
Vai vir comigo agora para resolvermos nossa vida?
Franzi o cenho para sua expressão de dor. Ao fechar os olhos, eu notei o quanto
a menina forte estava frágil. Aquilo machucou algo profundamente enterrado dentro de
mim. Tive a consciência de que ela não era o pilar de força de que considerei.
Enxerguei que havia tristeza permeando sua agressividade.
— Preciso que venha comigo. — Encostei nossas testas, de olhos fechados
também. Eu não estava acima de implorar. — Na verdade, eu necessito que venha.
— Sim, eu vou com você.
Era só isso que eu precisava ouvir. Saí dali puxando-a. Ansiedade e um monte
de outros sentimentos guerreando dentro de mim com esta pequena aceitação. Precisei
enxergar além da capa protetora, das palavras e do que antes eu via. Assim me deparei
com a criatura mais verdadeira a qual tenho a honra de dizer que pertenço.
— Vem, meu amor. — Puxei sua mão em direção a outra porta que havia ali. Lá
fora, obtive a ajuda do segurança. Ele estacionou minha moto no beco, facilitando
minha saída sem ser visto. Peguei o capacete e coloquei em Valentina. Ajustei a correia
em seu queixo, dando-lhe um selinho antes de fechar a viseira. Subi primeiro e estendi
a mão para ajudá-la. Para a minha satisfação, ela aceitou.
— Abrace-me. — Liguei o motor. Em seguida, choques de prazer percorreram
meu corpo quando as mãos de Valentina serpentearam dentro da minha camisa. Ela
colou em mim. Eletrizado pelo seu toque, peguei uma de suas mãos, entrelacei nossos
dedos e puxei para meus lábios, beijando-a. Juntos, partimos dali. A pequena batalha
vencida.
Acelerei o mais rápido que pude. Já sabia para onde iria levá-la: Santa
Monica. Lá havia uma praia onde a noite era tranquila. Sabia que seria perfeito para
não ser interrompido. O único problema era a distância... Não me importava, de fato,
pois com Valentina agarrada a mim percorreria distâncias maiores.
Quando chegamos, estacionei a moto perto de um calçadão cheio de artistas de
rua e skatistas. Sem dizer uma palavra, Valentina tirou o capacete e me encarou.
Estendi minha mão. Ela olhou para mim e para a mão oferecida durantes uns instantes.
Com um suspiro aceitou a mão que eu lhe estendia. Tranquilos, por enquanto,
caminhamos pela areia da praia. O céu estava bem estrelado; havia uma lua cheia e,
para a minha total surpresa, a água do mar estava recheada de plâncton, o que a fazia
brilhar.
— E agora, Blake?
— Você começa sentando no meu colo. — Ajeitei-me na areia, batendo na
perna. Valentina lambeu os lábios. Logo ela se sentou em meu colo, de frente para mim.
As penas abertas me abraçavam de forma perfeita.
Gemi baixinho, dolorido, cheio de prazer.
— E agora, Blake? — tornou a perguntar, acariciando minha nuca. Retirei
minha jaqueta para mantê-la aquecida
— Agora vamos conversar. — Retirei o cabelo de seu rosto, mesmo que ele
insistisse em cair de volta. — Você não vai mentir para mim, ok?
— Sim. — Fechou os olhos, saboreando meu toque.
— Sentiu minha falta? — perguntei num mero sussurro. Começaríamos a partir
daqui.
— Sim, Blake. Senti muito. — Sua voz me causou estrago. Sua revelação me
deixou tonto de felicidade, mas preocupado: havia um embargo sutil em sua voz.
Minha adorável fera!
— Eu também, ma petit. Não sabe o quanto! — Esfreguei nossos narizes e nos
beijamos de leve. Ainda não era o momento de revelar meu amor. — Isso entre nós não
é mais uma disputa de vontades, você sabe não disso, não é?
— Sim, eu sei. — Seus dedos deslizaram por minha barba. Suspirei feliz.
— Gosto quando me toca assim. — Notei que seus olhos brilhavam demais. —
Amo quando me faz sentir desejado; amo quando sinto o seu fogo me queimar. — Rocei
minha barba em seu pescoço, fazendo-a gemer baixinho. — Fala, meu amor: você sente
algo por mim, não é?
Ela sorriu e me beijou de novo, um beijo lento, gostoso, cheio de sentimento.
Nos aproximamos ainda mais, se é que era possível. Enfiei minhas mãos dentro de sua
blusa para sentir sua pele enquanto a abraçava. Nossas línguas apenas tocando,
saboreando sem pressa.
— Agora eu gosto de verdade. — Mordeu meu lábio cheia de carinho. — A
cada instante gosto mais. Não quero mais negar isso, Blake. Eu quero você demais.
— Não sabe como me faz feliz dizendo isso. — Puxei seu cabelo, beijando-a
cheio de fome por mais. Sem fôlego, distribui beijos por seu rosto, apertando-a em um
abraço forte.
— Eu menti porque eu não me importei com você no começo. Eu era, ou melhor,
eu sou uma pessoa incontrolável. Não sou do tipo que foge da briga. Você vivia me
provocado, insistindo. Blake, você derrubou minhas defesas sem que eu percebesse.
— Se eu não houvesse descoberto a verdade, como seria? — Arqueei uma
sobrancelha — Você contaria? Ou ainda me veria te chamando de Miranda?
— Eventualmente sim, eu te contaria.
Notei que a cadência de sua voz mudava quando falava a verdade, assim, eu
poderia ler suas faces cada vez que prestasse atenção.
— E ainda vai mentir para mim?
— Nunca mais mentirei, Blake — ela falou de forma tão humilde que não pude
evitar o sentimento de plenitude. Estávamos quase lá.
— Não precisa ter medo. Eu sempre vou estar aqui, vou tomar conta de você.
Eu me apaixonei, Valentina. É mais que turbulenta paixão. É amor para a vida toda.
— Blake...
— Eu te amo, assim, sem problemas. — Despi meu coração sem temer. — Só
me abraça, me deixa desfrutar dessa paz que sinto quando estou contigo. — Seu rosto se
enterrou em meu ombro. — Eu me sinto tão cansado ultimamente... — Olhei o mar
fosforescente que parecia irreal em sua perfeição. — Doente por tudo o que poderia
estar perdendo. Vivi preocupado e agora sinto como se um peso saísse dos meus
ombros apenas porque eu te tenho em meus braços, e sei que agora será para sempre.
Valentina tremeu inteira, suspirando baixinho. Seus braços me apertaram mais
forte que alguma vez tenha imaginado.
— Nunca me senti assim também, Blake. É a primeira vez. Quero tudo com
você. Só não sei como lidar com isso.
— Não tenha medo. Desejo ser tudo o que você precisa. Juro por minha honra.
— Procurei seu rosto. — Eu serei tudo para você e você será tudo para mim. Vamos
ficar juntos, suprir nossas necessidades. Você é minha mulher. A única. Eu sou seu
homem. Só seu.
— Blake... — Sua voz flutuou apenas audível. — Eu quero tudo isso, mas...
— Mas? — Franzi o cenho, encarando-a. — O que nos impede de vivermos
esse sentimento plenamente?
— Eu te falei uma vez que não ficaria com você enquanto não terminasse com
Barbara. Você fez isso direitinho? Terminou mesmo?
Minha raiva com Barbara só aumentou. A maldita sumiu; enfiou-se em algum
buraco e ninguém, nem seus pais, sabe onde está.
— Ela sabe que não teremos mais nada.
— Blake você falou com ela, cara a cara? Terminou? Sem sombra de dúvidas?
Não corre o risco de ela aparecer e eu sair como a vadia da história?
— Barbara sumiu do mapa depois que declarei publicamente estar apaixonado
por outra. Ela sabe que, no primeiro momento em que nos encontrarmos, teremos uma
conversa definitiva.
Valentina desviou o olhar, porém eu não permitiria que Barbara e as loucuras
dela me impedissem de ficar com a mulher eu que amo.
— Olha para mim — exigi. — Não vamos voltar os degraus conquistados
depois de tanto tempo.
— Não vou desistir de você, mas não me entregarei enquanto seu noivado não
se resolver definitivamente.
— Isso eu posso aceitar, desde que a partir de agora eu seja seu namorado
oficial.
— Que eu me lembre, eu não recebi nenhum pedido.
— Sempre atrevida, não é? — perguntei, sorrindo.
— E perder meu charme? — brincou e eu a beijei. Não pude resistir.
— Não mesmo. Foi esse charme que me fez enlouquecer de amor. Agora
responda. — Pigarreei. — Valentina, aceitar ser a minha namorada?
O tempo pareceu congelar. Ela suspirou e se aproximou do meu rosto. Vi um
brilho deslizar por seu rosto.
— Eu disse sim desde o momento em que você me beijou. — O tom de voz era
emocionado. Ela parecia guardar amor dentro dela e estava me dando um pouco, ou ao
menos, me permitindo conquistá-lo. — Meu primeiro namorado.
Ao longe pude jurar que fogos de artifício explodiam.
— Serei seu último.
Tomei seus lábios, respirando aliviado. Aquele era nosso primeiro beijo de
amor.
Capítulo 18

Valentina
— Adoro ter você em meus braços — Blake murmurou em meu ouvido,
beijando meu ombro. Senti o deslizar lento de sua língua em minha pele e fechei os
olhos, encolhendo-me ainda mais em sua proteção.
— Adoro estar aqui — admiti sentindo um nó na garganta. Doía revelar meus
sentimentos, pois me tornava vulnerável a decepções e eu tinha medo disso.
Sim – admiti –, eu tinha medo.
Sempre fui grosseira. Isso para mim estava bom, mas agora me encontrava
querendo viver essas novas emoções que tanto me mudaram. A Valentina louca estava
aqui, mas agora uma moça apaixonada dividia o mesmo espaço.
— Ma petit? — Suspirei ao som de sua voz. Havia tanto carinho em cada
palavra dita. Nem me dei ao trabalho de responder – o calor que desprendia de seu
corpo grande me deixava sonolenta, e eu só queria ficar ali. — Valentina, amor...
— O que foi? — Eu virei o rosto; assim poderia esfregar meu nariz em sua pele
quente, máscula. — Se estiver pensando em sair daqui, vou logo avisando que pode
tirar o cavalinho da chuva.
Blake riu, apertando-me. Inclusive suas pernas me prenderam mais forte. Era
bom estar sentada naquele casulo enquanto, diante de mim, o mar se estendia brilhante e
lindo, um reflexo do próprio céu, à noite, que, sem dúvida compartilhava da minha
felicidade.
— Não pensaria em sair daqui de jeito nenhum — assegurou descansando o
queixo em meu ombro. — Mas estava pensando em algumas coisas e queria conversar
sobre elas.
Concordei. Eu até imaginava o que seriam.
— Pode falar. Prometi nunca mais mentir, então, por mais que doa, você só irá
ouvir verdades de mim.
— Tudo bem — pigarreou. Blake parecia duvidoso. — Não quero que fique
brava ou ache que estou invadindo a sua privacidade.
— Despeje! — Eu ri, me soltando. Assim mudei a posição, me sentando de
frente a ele. Minhas pernas estavam ao redor de sua cintura, de novo. — É para este
ano. Por favor, não seja medroso, Blakezito.
— Adoro o seu atrevimento. Nunca sei quando você será doce ou amarga.
— Eu sempre sou doce, querida múmia. Sempre.
Ele me beijou em meio a um sorriso. A leveza de poder ser eu mesma sem
esconder o quanto gostava dele me deixava fascinada. Blake era perfeito para mim. Ele
lutou o suficiente para derrubar minhas barreiras, e eu agradeço por isso.
— Amo seu sabor, ma petit. — Sua língua varreu minha boca, brincando,
saqueando, com moderada luxúria e calor.
— Eu adoro sua barba me arranhando. — Enfiei minhas mãos em seus cabelos,
puxando-o de leve. — Eu adoro nossas diferenças de tamanho, o fato de ser tão
forte...Mas, principalmente, adoro suas facetas.
Gememos de prazer em meio à noite estrelada. Blake nos virou, deitando-me na
areia da praia. Logo seu peso descansava sobre mim.
— Sem ultrapassar a linha. — Sorriu todo sedutor, puro desejo em forma de
homem. — Mas podemos ficar confortáveis para namorar um pouco. Beijo agora,
perguntas depois.
Puxei sua cabeça para mim, minha boca já pronta para receber a sua. Choques
de prazer abrasaram cada terminação nervosa – me deixando louca para diminuir a
distância que as roupas proporcionavam – assim que pude sentir mais uma vez o seu
gosto de homem. O tempo das reservas estavam próximos do fim. Eu me entregaria a
ele de corpo e alma, tão logo ele conversasse com a outra garota.
— Eu quero estar dentro de você, meu amor. — Suas palavras afogadas me
faziam pulsar. Uma profunda dor crescia dentro de mim.
— Blake, você sabe do que precisamos, não é? — Procurei seus olhos, que
brilhavam de desejo. Sua expressão era nada mais do que pura decadência.
— Tudo bem, vamos um passo de cada vez. — Abri a boca para falar e ele
aproveitou para me beijar, engolindo meu suspiro rendido. Sentia-me tonta.
Blake era como uma chama que começou pequena e agora consumia tudo. Eu
não me importava de sair queimada, desde que ele não parasse seu beijo delicioso.
Tremi inteira quando ele começou a se esfregar em mim. Eu sentia-o duro, pesado e
mal. Doía e ao mesmo tempo não. Blake era grande entre as pernas e sua calça não
fazia muito para esconder a pressão que ele exercia sobre mim.
— Preciso de você, meu amor. — Sua voz dolorosa me causou arrepios. Sua
língua parecia um açoite de fogo, queimando cada pensamento coerente. Meu corpo
lânguido queria entregar o que ele precisava, e também sabia que, apesar das minhas
loucuras, ele não poderia imaginar que eu nunca tenha levado um homem dentro do meu
corpo.
— Blake... — Empurrei de leve seus ombros. Ele pesava toneladas e, perdido
de paixão, não pensava de maneira racional.
— Desejo estar tão profundo dentro de você. — Ofeguei por suas palavras
cruas. Meus mamilos endureceram mais, causando uma nova enxurrada de prazer
selvagem. — Se sente tão bem, meu amor. — Gemi quando sua dureza esfregou em meu
ponto de prazer. Abri a boca num lamento angustiado. Eu estava perdendo a minha
mente e já não me parecia importante esperar.
É importante esperar! Um brilho de consciência piscou em meio a neblina de
sensualidade.
— Sei que vai me apertar como um punho de veludo. — Ele lambeu a minha
orelha. — Sinto seu calor, sei que está molhada. — Ao longe pude ouvir o primitivo
som de prazer. — Posso saciar cada um dos seus desejos.
Sedutor.
— Aqui não. — Suspirei, tremendo. — Blake... por favor, aqui não.
De repente ele parou de se mexer, me apertando da forma que podia. Sua
cabeça descansava no vão do meu ombro. Ele tremia muito agora.
— Tudo bem? — Acariciei suas costas. Ele tremeu ainda mais.
— Dê-me um minuto para acalmar. — Sua voz soou apertada e dura. — Foda-
se! Sinto como se o meu pau estivesse em brasa. Tesão do caralho!
Fiquei calada. Ele parecia sofrer.
— Distraia-me, por favor. Fale besteiras. Preciso acalmar a minha ereção, caso
contrário, terei meu zíper tatuado em um lugar muito importante para mim.
Eu ri, acariciando suas costas. Blake era fofo, safado, vingativo, protetor e
quente como o inferno. Perfeito, sem mais a acrescentar.
— Vou me declarar para você. — Ele riu baixo.
— Estou ansioso. — Sua voz ainda soava um pouco contida.
— Serei objetiva e espero que você anote aí cada palavra. — Olhei para o céu
estrelado. A lua parecia refletir prata.
A verdade era que eu gostava de dominar a situação, mas nunca confiaria
totalmente em um homem que se deixasse dominar, e Blake apenas cede por seus
propósitos. Nesta louca relação, eu nunca dominei nada. Sempre foi ele. Sorri, me
sentindo uma boba apaixonada. Só precisava que ele me aceitasse atravessada como eu
era, e seríamos felizes. Eu também poderia ser o que ele precisasse.
— Aguardando ansioso sua declaração antes do próximo milênio. — Um suave
ronrono me fez latejar nos lugares certos.
— Tudo bem — limpei a garganta. — Blake Insistente Walker, eu estou te
confiando meu coração, então se você tiver a idiotice de parti-lo, eu vou quebrar a sua
cara com a ajuda do meu bebê Cyborg.
Ficamos em silêncio. Ele se ergueu um pouco, apoiando-se no cotovelo para
pode me olhar. Uma trêmula mão afastou o cabelo do meu rosto. Ele parecia
deslumbrado.
— Se eu partir o seu coração, você parte a minha cara?
Afirmei, ganhando um sorriso que faria o Coringa chorar de inveja.
— Você me ama! Eu sabia!
Meus olhos arderam. Pisquei, tentando me controlar. Em certas horas parecia
que uma mulher chorona se apossava de mim. Ou pode ser TPM? Claro, pode sim.
— Antes era brincadeira. — Blake riu, sua expressão se retorcendo. — Está
valendo a partir de agora.
— Não acredito! Mais cedo você disse que gostava de mim! — zombou,
mordendo a minha bochecha.
— Eu disse, mas agora é serio de verdade, antes não. — Eu ri do seu ultraje.
— Tenho certeza que depois será a mesma coisa. — Acenei, rindo. Ele revirou
os olhos juntando-se a mim no riso. — Ah, sua peste!
Minha risada se perdeu junto com o vento. Blake esfregava sua barba em meu
pescoço e, estando eu tão sensibilizada, era como se, de fato, eu estivesse sofrendo
pequenos choques. Bati em suas costelas, mas era como se batesse em rochas. Ele nem
ligava para meu intuito de revidar. Aos poucos ele parou sua tortura e me beijou.
Ofereci minha língua para ser chupada. Eu adorava como aquele homem poderoso
parecia perder o controle comigo, uma virgem experiente.
— Droga! — rosnou, arrumando o volume entre as pernas. — Juro por Deus
que estou a ponto de perder minhas bolas.
— Dramático — cantarolei escovando seus cabelos para trás. — Termine com
a Barbara de forma correta. Pense que um homem não pode terminar um namoro por
mensagem de celular; pior é terminar um noivado pela televisão. Faça as coisas direito.
— Quantos anos você tem, mesmo? — brincou me olhando a sério. — Às vezes
você me parece madura demais para a sua própria saúde.
— Ao contrário de você — Rocei meus dedos por sua barba. —, eu não menti
minha idade. Eu completei dezoito no dia em que nos conhecemos. Semana que vem
faço dezenove.
— Você é quase uma adolescente, porra! — gemeu, fazendo careta. — Eu sabia,
mas foda-se! Realmente temos uma grande diferença, e eu só menti porque... — Deu de
ombros. — Sei lá, você me fez parecer idiota com as suas piadas e safadeza explícitas.
Gargalhei alto. Blake chamou palavrões de desgosto por meu atrevimento.
— Você tem 31 anos, seu bobo. Quando for mentir, minta com classe. —
Roubei-lhe um selinho. — Você disse que tinha um pouquinho menos, mas esqueceu
que é famoso? Sua vida é mais escancarada do que as pernas de uma puta.
— Sua criatura mal-educada! — exclamou, distribuindo beijos por meu rosto.
— Isso faz parte do meu chame. Precisava ver no ensino médio. — Ri baixinho.
Pura nostalgia viajando em memórias. — Eu nunca fui do tipo tolerante; tocava o terror
nos idiotas e nas vadias cheias de frescura.
Blake me encarava. Sua cabeça deveria estar fervilhando de perguntas. Muitas
vezes as pessoas, quando me conheciam um pouco, perguntavam o porquê de eu ser
assim. No geral se comportavam assustadas à minha volta, como se eu estivesse com
defeito.
— Porque você é assim? — Balancei a cabeça. Ele leu meus pensamentos ou eu
li os dele, vai saber. — Quero dizer, porque você é tão briguenta, intratável,
grosseira...
— Estou impressionada com tanto carinho — debochei, empurrando-o. Sentei-
me apoiando meus braços nos joelhos.
— Eu te adoro do jeito que é. — Puxou-me para ficar recostada em seu peito e
entre suas pernas. Mais uma vez estávamos abraçados na nossa posição original. — Só
quero te entender. Qual o problema nisso?
Não respondi, meus olhos fixos na beleza diante de mim. Não estava em meus
planos falar sobre coisas que eu não conversava com ninguém. Todos temos segredos,
mesmo que eles não sejam daqueles cabeludos. Entretanto, sinto que, para viver
plenamente esse momento com Blake, eu tenho que abrir um pouco minha armadura
para permitir que ele entre.
— Eu não fui tratada pelo meu pai como uma garotinha que parecia uma boneca.
— Olhei minhas mãos, satisfeita por Blake entrelaçar nossos dedos. — Ao contrário da
minha mãe, que considerava o balé uma ótima atividade para disciplina, meu pai me
levava para o futebol. Assim, cresci como o filho que ele não teve. Em casa, minha
irmã e mãe me faziam de boneca, já meu pai, me levava para as obras e me deixava
ajudar.
— Então você pensa como um homem e age como um por causa da sua criação?
— Não é bem assim, Blake. Eu sou prática, só isso. Não me importo com aquilo
que não me interessa. Meu lado sentimental não foi muito praticado. Quero dizer, eu
morro de amores por Alice, minha melhor amiga, e sou louca na minha família. As
pessoas de fora não representam tanta significância para que eu me importe com o que
pensam sobre mim. Eu não sou o tipo de garota que corre em busca de defesa como uma
donzela virgem. Eu brigo e ensino lições, se for preciso.
— Lembro de como te encontrei no estacionamento do Rocket. — Sua voz
apertou com a menção do incidente. — Lembro muito bem do ódio que senti quando vi
o que te fizeram.
— Eu estava em casa, na minha, curtindo um jantar em família, quando Viviam
chegou toda machucada. Robert tentou avançar o sinal sem o consentimento dela. Minha
irmã é a flor, querido; eu sou o espinho. Não poderia deixar barato. Além do mais,
Blake, existe uma fúria dentro de mim que me instiga a retaliar qualquer afronta ou
desafio que eu considere digno.
— Meu amor...
— Escuta, só escuta. — Respirei fundo. Agora que comecei, eu tinha que
terminar. — Alguns anos atrás meu pai me levou até uma empresa de engenharia. Fiquei
no estacionamento, esperando, e vi uma cena que mudou a minha vida para sempre. Do
lado do carro que eu estava, havia uma mulher aos prantos. Ela chorava tanto, mas
tanto, que eu senti vontade de chorar também. Ao lado dela, seu namorado ou marido,
estava berrando coisas horríveis, desprezando-a, tratando-a como se fosse nada e ela
permitia isso. Eu queria sair do carro e bater no cara por tratar a garota daquela forma,
mas o pior era que eu sentia lá no fundo do peito que ela iria ficar do lado dele. —
Pausei, puxando ar. — Então, em meio a briga, ela se ajoelhou e implorou para ele não
deixá-la. Eu fiquei em estado de choque, porque ele não fez mais do que rir e disse: “As
mulheres como você não merecem mais do que pena. Eu só queria sexo e encontrei.
Obrigado por me entregar sua virgindade. Nem foi tão bom assim. Você é pior que
um bloco de gelo. Não encontrei prazer em momento algum. Juro que foi apenas
suportável”.
Blake ficou tenso. Eu ofegava, porque nunca me esqueci daquele dia, nem das
palavras ditas.
— Eu decidi que nunca iria passar por uma daquelas, e que faria o que bem
entendesse para a minha felicidade e pronto. Se eu queria brigar, eu iria; se eu
preferisse skate e ladeiras, a ficar no salão de beleza, então que assim fosse. Vivi para
mim e isso me fez sentir plena.
— Você se protegeu para não ser magoada. — Inclinei o pescoço, dando-lhe
acesso. — Deixe-me entrar, meu amor. Nunca irei te magoar, aliás, tenho certeza de que
você nunca estaria no lugar dessa mulher. Não te vejo ajoelhando, Valentina.
— Não é questão de estar de joelhos, Blake, e sim de estar vulnerável para
chegar a tal ponto. Enfim, eu sou meio louca, mas creio que, de um jeito ou de outro, eu
terminaria tal e como estou agora, mesmo se não presenciasse a cena.
— Eu já falei que não te mudaria por nada, não foi? — Concordei e ele beijou
meu ombro. — Você vai aprender a confiar em mim quando notar que eu não vou a
lugar algum. Não briguei feito um condenado para te ter, só para depois fazer merda.
— Seja você mesmo — murmurei, virando o pescoço para beijá-lo.— Se
houver algum problema, me conte; não tente adivinhar por meus pensamentos; não
façamos como muitos casais, que simplesmente se perdem porque se acomodam com a
convivência. Se eu sentir que algo me incomoda, eu vou falar. E não minta; eu não o
farei assim, então quero o mesmo de volta, doa como doer.
— Acho muito justo, meu amor.
— Perfeito, então. — Acomodei-me o melhor que pude. Eu queria me enrolar
ao redor de seu corpo forte. — Não vou perguntar sobre esse noivado esquisito, porque
vou confiar que você tem seus motivos para estar enrolado nele, mas, Blake, não me
engane.
Seu peito expandiu com a profunda respiração que tomou. Incontáveis minutos
de silencio confortável embalou nosso momento. Foi ótimo falar com Blake sobre fatos
importantes para mim. O episódio que presenciei influenciou em minha visão dos
homens, porém não foi determinante, já que tenho um pai maravilhoso que ama a minha
mãe com loucura. A minha personalidade já era tendenciosa, os anos seguintes apenas a
reforçaram até o ponto de eu ser como sou hoje.
— Ninguém sabe do meu noivado. Isso é um segredo meu e de Barbara, porém
os motivos por trás dele não são algo que me ocorra compartilhar, pois não são meus
para contar. Enquanto não afetava a minha vida, não me importei, mas agora a história é
outra, quando falei publicamente que estava apaixonado.
Fechei os olhos, saboreando suas palavras. Era bom demais ouvir isso.
Principalmente depois de pensar que o houvesse perdido.
— Barbara sabe que quero encerrar com qualquer vínculo. Por isso se
escondeu.
— Você deveria mandar um detetive atrás dela. Eu queria ter liberdade para
namorar em paz. Acredito que existem parafusos folgados na cabeça daquela mulher.
— Quem disse que não podemos? — Blake mordeu meu ombro com força. Em
represália, eu lhe dei uma cotovelada forte, fazendo-o se encolher.
— Você está desenvolvendo um hábito de morder. Maldita serei eu por querer
morder também. Estou começando a gostar das suas tendências a brincadeira,
Blakezito.
— Não precisamos namorar escondido. Já falei que ninguém sabe desse
noivado.
— Barbara sabe! Vamos nos focar aí. Entretanto não vou recusar se quiser
aparecer lá em casa.
— E conhecer seu quarto? — sussurrou todo manhoso.
— E levar uma sova do meu pai, isso sim. — Eu ri de sua lamúria.— Já viu o
coroa nervoso? Não brinque! É procurar por problemas.
— Você é má! — reclamou me deitando em seus braços. — Assim está melhor.
— Esfregou nossos narizes, então encostou nossas testas. — Eu te amo. Sabe disso, não
é?
— Eu não sei de nada.
— Má...
Ri, puxando-o para mim. Agora eu só precisava dos lábios dele colados nos
meus. E sobre o medo que essas fortes emoções me provocavam: eu nunca fui de fugir
de uma boa briga.
Só vou cair de cabeça nisso, e o resto me preocupo depois.
Sim: depois.
***
— Ma petit, acorde! — Blake esfregava minhas costas, dando fungadas em meu
pescoço. — Está amanhecendo.
Nem abri os olhos. Eu só queria buscar calor, pois estava fazendo frio demais.
— Vamos, dorminhoca! Apenas acorde.
— Não. — Enterrei o rosto no peito dele, minha voz saindo abafada por sua
camisa.
— Vai perder nosso primeiro nascer do sol juntos? — Sua voz risonha e
divertida continuava a instigar a minha colaboração. — Você já dormiu demais.
Acorde!
— Estou acordada, apenas pensado. Silêncio.
Blake riu, me apertando em seus braços. Com carinho, ele arrumou a jaqueta
que colocou para mim.
— Tudo bem. Então pense enquanto descrevo o que você está perdendo —
murmurou em meu ouvido. — O céu está mesclado em tons de laranja, azul e cinza. As
nuvens ainda lutam por manter a escuridão da noite, porém o sol eleva-se com força e
brilho, afastando as trevas, trazendo a luz de um novo dia. O mar, meu amor, ontem
carregava uma luminosidade prata; agora ele brilha como o mais puro ouro. As ondas
estão suaves, ainda embaladas pelo sono; um extenso tapete dourado para nós dois.
— Você é um poeta? — Ergui a cabeça. Eu estava morrendo de preguiça, mas a
forma como ele descreveu a alvorada foi uma ótima forma de instigar a minha
curiosidade.
— Apenas nas horas vagas.— Blake me olhava com aquela expressão
apaixonada e feliz. Devo estar com a mesma cara, porque ele sorriu e tocou meu rosto
de forma quase reverente. — Bom dia, minha adorada megera.
— Bom dia, minha múmia preferida.
Espreguicei e, com a ajuda de Blake, me sentei. Juntos, assistimos em silêncio
ao sol elevar-s. Eu me sentia tão calma, tão bem. Era como se o cinismo houvesse sido
desativado de mim. Não sabia como seria com outras pessoas, mas agora Blake está na
minha pequena roda do amor. Ele está ali onde apenas a minha família está.
As ondas quebravam na praia com um barulho tranquilizante. Parecia que a cada
instante eu me sentia mais e mais apaixonada.
— Você está pensativa demais. Devo me preocupar? — Olhei para o par de
olhos mais lindos que já vi. Era incrível como os olhos de Blake mudavam de cor: às
vezes estavam verdes, às vezes, azuis. Maravilhosos. Inclusive o seu sorriso era lindo.
Eu sentia minha respiração travar de emoção só em olhar para ele.
Uma verdadeira boba apaixonada e eu nem sei quando caí. Olhei o mar,
suspirando em meio a tantas novas sensações.
— Ei. — Senti sua mão em meu rosto. — Não se esconda de mim. Permita que
te olhe. — Derreti com o sorriso enorme que ele deu. Blake era assim: quando sorria,
os olhos também o faziam — Você é tão linda, tão...
— Tão o quê? — Estreitei meus olhos, tentando entender o que se passava com
ele.
— Você me tira o ar, sem artifícios. — Estranhei seu tom sério. — Você é tão
natural. Veja: acabou de acordar e exala vitalidade, beleza simples e arrebatadora, ao
mesmo tempo. Creio, ma petit, que eu te amo mais hoje do que ontem.
Me joguei nos braços dele, derrubando-o. Rimos juntos, conscientes de nossa
felicidade. O ronco da minha barriga quebrou o momento. Não me constrangi, pois eu
não tinha essas frescuras. No momento havia fome por comida e pelo homem diante de
mim.
Meu homem. E isso soava como música em minha mente.
— Venha. Preciso te alimentar. — Blake levantou, estendendo as duas mãos
para mim. Aceitei e ele me puxou, abraçando-me bem apertado e erguendo-me do chão.
— O primeiro dia de nossas vidas.
— O primeiro dia de nossas vidas.
Juntos e de mãos dadas, saímos da praia rumo ao calçadão, onde deixamos a
moto. Tomamos um café da manhã de rua, misturamos sabores e provamos um do prato
do outro; rimos; nos divertimos.
Blake tirou fotos com fãs. Algumas assanhadas berravam o quanto ele era lindo.
Eu ria e concordava com elas, ressaltando que elas tinham cerca de dez anos de idade.
Em meio à euforia, notei que havia um garotinho que se mantinha afastado do grupo. Fui
até ele e me sentei ao seu lado, perguntando por que não aproveitava para tirar foto com
Blake. Ele negou e eu insisti, porque vi que ele olhava cobiçoso para onde meu
namorado estava.
— Qual o seu nome, garotinho? — perguntei, olhando nos olhos dele.
— Julian — murmurou baixo demais.
— Tudo bem, Julian? — Ele acenou positivamente — Você não quer tirar foto
com o Blake?
— Eu quero, mas... — Notei que seus pés estavam presos dentro de uma bota de
sustentação, daquelas que auxiliam a andar.
— Pode falar! Qual é o problema?
— Minha mamãe me deixou aqui para tomar um pouco de sol enquanto ela
trabalha. — Ele apontou para a mulher da barraca onde comemos. Agora ela estava
lotada e, de onde estava, eu notava a aflição dela por não poder ir até o filho.
— Você é fã de corridas? — Ele acenou, tirando do bolso de seu casaco a
miniatura de uma Ferrari vermelha. — Ok. Diga-me: você tem problemas para andar?
Julian engoliu em seco várias vezes. Por fim confirmou:
— São novas e apertam. Dói andar. Eu não gosto de andar. Machuca muito.
Ele não gosta de andar porque dói! Meu Deus! Algo tão simples e tão
fundamental. Balancei a cabeça, saindo do meu canto para poder baixar à sua frente.
— Vamos lá, garoto! Serei a sua carona. — Olhei para trás, piscando um olho.
Ele estava lindo com os cabelos de anjo lhe emoldurando a face rosada. — Não tenha
medo. Não vou te deixar cair.
— Sou pesado... — Tentou me alertar.
— Carrego pesos maiores, pois trabalho em construções. Vamos lá!
Desajeitado, ele ergueu-se, fazendo caretas. Logo senti o peso em minhas
costas. Arrumei suas pernas em meus braços e me ergui.
— Tudo bem aí atrás?
— Sim.
Satisfeita, comecei a andar até um Blake rodeado de gente. Quando me viu, ele
arregalou os olhos e correu para pegar Julian dos meus braços.
— Venha comigo, campeão. — Ele ajustou seu agarre no garoto. A mãe de
Julian nos chamou, indicando uma cadeira. Observei, muito feliz, quando o meu
namorado se sentou, arrumando o menino em seu colo
— Ele se chama Julian, e é seu fã. — A mãe parecia orgulhosa do momento. —
Ele tem muitas coisas da Nascar em casa.
— Isso é incrível! — Blake exalava carisma. Eu me senti orgulhosa, porque ele
era um astro humanizado; ele não tratava seus fãs com superioridade, mas sim com
cordialidade, prezando a eles o carinho que lhe era ofertado. Deixei Julian
aproveitando e fiquei mais afastada, de olho enquanto Blake distribuía autógrafos,
inclusive posava para fotos de paparazzi, sem largar o garotinho.
— Ele tem ossos frágeis, assim demorou a andar e os músculos atrofiaram.
Depois de anos de tratamento, Julian caminha para uma vida normal, mesmo que ainda
estejamos em uma fase complicada de transição. — Olhei para a mulher ao meu lado.
— Eu me chamo Carmen. Prazer.
— Sou Valentina, o prazer é meu. — Apertamos as mãos. — Essa prótese... Ele
reclama de dor. É assim mesmo?
— Sim — suspirou. — Mas ela é a melhor. Juntei dinheiro durante anos, mas
consegui comprar. Ela é perfeita porque é regulável. Julian está apenas se adaptando. O
começo é sempre difícil.
— Ele é um garotinho muito especial. — Sorri ao ver como o pequeno
gargalhava por algo que Blake contou. — Sei que não é da minha conta, mas e o pai
dele? Onde está?
— Somos só eu e Julian. Não existe pai.
Não disse nada. Carmem voltou para seu trabalho e eu fiquei apenas de olho.
Blake ficou bastante tempo com Julian e, quando fomos embora, eu o vi entregar um
papel ao garoto.
— Vamos para casa, meu amor. Sua família deve estar preocupada.
— Sim... Minha bolsa ficou na mesa do pub. Espero que Erik tenha cuidado das
minhas coisas.
Blake estancou. Acabei tropeçando, por disso.
— O que foi?
— O que esse Erik representa para você?
Revirei os olhos. A faceta ciumenta estava dando o ar da graça.
— Cresceu comigo, e é apaixonado por Viviam. Isso é tudo o que você precisa
saber — afrontei e fui beijada com força.
— Não quero aquele frango perto de você.
— Você entendeu a parte em que eu falei que ele é apaixonado por Viviam,
minha irmã?
— Ele pode muito bem mudar de ideia e querer você!
— Ah, tá. Depois de uma tarde juntos e quase em todo assunto ele introduzir
Viviam no meio, eu acho que sim, isso é possível.
— Não brinque comigo! — Blake fez uma careta. — Eu tenho ciúmes.
— Conselho: não vá na academia que eu treino, pois lá só tem macho sarado e
sem camisa.
— Atrevida, não me provoque!
— E perder o prazer de te dar lindos cabelos brancos? A reposta é um sólido
não.
Comecei a correr, perdida em meio à alegria. Blake me perseguia, deixando-me
dividida entre deixar que ele me pegasse ou continuar com a brincadeira. Olhei para
trás e ele sorria também. Resolvi que queria ser pega.
— Me enviando em uma caçada, ma petit? — perguntou sem ofegar. Eu estava
sentindo minhas coxas queimando. O tempo que parei de treinar cobrava seu preço.
— Sempre, Blakezito. Sempre.
Ele me beijou, fazendo meus dedos dos pés curvarem e meus olhos rolarem. Era
puro prazer.
Capítulo 19

Valentina
Há uns dois meses, se alguém me dissesse que eu estaria ostentando um sorriso
idiota enquanto solto suspiros injustificáveis, eu diria a esta pessoa que ela estava
sofrendo de disfunção cerebral.
Balancei a cabeça, apertando meus braços ao redor do corpo grande e quente de
Blake. Um suspiro escapou, pela milionésima vez, querendo poder me agarrar ainda
mais a ele. Viciei. Assim, não vou nem ter a cara de pau de negar: ele me sacudiu de
todas as maneiras certas.
Meu estômago parecia leve, como se milhares de borboletas estivessem
treinando suas asas. Eu me sentia livre e, para completar, o prazer Blake pilotava com
perícia. Tremi de emoção, meu sorriso bobo aumentou sem que eu pudesse controlá-lo.
Era tão foda! A moto dele nos deixava muito inclinados. Passávamos por entre os
carros como se fossemos uma flecha. Adiante havia uma imensa linha reta. Por um
momento prendi o fôlego apertando os braços ao redor dele, por uma fração de
segundo, Blake desacelerou. Pude sentir as vibrações de sua risada, e logo ele voava.
Correção: nós voávamos, e aquilo era felicidade pura e simples. O ápice do prazer.
O plano original era ir direto para a minha casa, mas estava tão delicioso
aquela entrega de nós dois, que eu não queria ficar longe dele; eu não queria parar de
sentir o seu cheiro único. Meu dia estava perfeito, até chegar ao momento em que Blake
perguntou meu endereço, ele me observava fixamente esperando minha resposta.
— Você sabe onde eu moro, não sabe? — Ele acenou, sua expressão
endurecendo. Sorri, colocando uma mão em seu rosto.— Então, por que me perguntou?
— Ele fez careta, sua boca em uma linha fina e tensa. — Blake, não busque coisas que
não existem. Eu não mentirei mais.
— Desculpa. — Abraçou-me apertado. — Eu só não posso evitar me sentir
magoado, às vezes.
— Tudo bem. — Esfreguei suas costas para tranquilizá-lo. — Mas acredite: eu
tenho palavra e nunca a quebrei. Você é a primeira pessoa que teve o poder de me fazer
mudar uma decisão.
— Claro que sim.— Ele afastou-se um pouco e pegou meu rosto em suas mãos.
— Você me ama e quer ficar comigo.
Não respondi porque ele me beijou. Distante, eu escutei um barulho de clic, mas
não dei a mínima. Eu só queria poder continuar provando a delícia que era Blake e
aquela boca carnuda dele que eu mordi de leve e chupei, fazendo-o gemer baixinho.
Com prazer, senti que ele estava duro e necessitado.
— Eu sou louco por você. — Choveu beijos em meu rosto todo. Eu ri me
deliciando com a sensação da barba esfregando em minha pele.
— Eu também sou louca por mim. — Ri alto quando ele me mordeu em
retaliação. — Ok, ok. Eu sou louca por você.
O grande homem diante de mim balançou um pouco. Juro que ele parecia um
felino ronronando de prazer. Eu gostava de ouvir coisas assim, e, devido a toda putaria
do início, eu tenho que amaciar o ego dele. Além do mais, eu não estou mentindo. É
tudo verdade.
— Vem para a minha casa, ma petit? — murmurou em meus lábios, beijando-
me devagar. — Não quero te deixar agora.
— Blake eu preciso voltar, mas você sabe que eu estarei na sua casa nova. —
Esfreguei seu queixo. — Eu trabalho lá, esqueceu?
O sorriso que ganhei era maravilhoso demais. Por que tem que ser tão lindo?
Nessas horas, não eram borboletas batendo as asas, e sim uma turbina super potente.
Tudo dentro de mim revolvia apenas ao fitá-lo. Puxei seu pescoço para beijá-lo de
novo. Havia essa necessidade e eu não queria me negar algo que desejava tanto.
— Precisamos ir — interrompi o beijo sob protestos. Voltamos para a moto e
Blake acelerou.
Quando chegamos em minha casa, eu notei que minhas mãos suavam. Nunca
trouxe um cara aqui, e, certamente, nenhum no status de Blake. Meu Deus, a profecia da
minha mãe está se cumprindo! Ela disse que logo, logo seria eu a arrumar um
namorado para me levar a encontros. Isso foi no dia em que Alice e Alistair foram
jantar.
— O que foi? — Blake perguntou, segurando minha mão e beijando-a em
seguida.
— Nunca trouxe ninguém aqui. — Olhei para ele.
— Ma petit...
— Tudo bem, vamos lá. — Respirei fundo. — Vai dar tudo certo. Não tem por
que ficar preocupado.
Blake me olhava com um sorriso suave. Ele estava calmo. Eu parecia a ponto de
enfartar.
— Não ria, seu besta! — Dei-lhe um tapa forte e deixei-o ali, no meio do
jardim de entrada.
A porta estava aberta e a primeira coisa que ouvi quando entrei foram as
risadas estrondosas do meu pai e de Erik.
— Olha a desaparecida aí... — minha mãe falou, apontando com a cabeça em
minha direção.
Antes que eu pudesse fazer alguma coisa, Erik correu e me abraçou tão apertado
que corria o risco dos meus pulmões virarem balões murchos.
— Calma! — ofeguei e ele apertou mais. — Solta aí.
Detestava essa tendência de apertar as pessoas que meu amigo tinha. Eu já
estava ficando tonta, sem conseguir respirar, desesperada por oxigênio.
— Erik...
O que aconteceu a seguir foi assustador: em um momento Erik me apertava, no
outro ele era apertado por um Blake demoníaco. Não acreditei no que vi. Os olhos que
antes me olhavam com amor estavam vidrados e fixos no rosto assustado e já em
processo de vermelhidão do meu amigo. Blake apertava o pescoço de Erik com tanta
força, que era impossível para ele respirar, e os protestos fracos que se ouviam não era
nada comparado a fúria que irradiava do meu namorado. Ele segurava o homem menor
como se ele não pesasse nada.
— Solte-o! — meu pai esbravejou, agarrando o braço de Blake, exercendo, em
vão, certa pressão para ele afrouxar o aperto.
A ira deixava o Blake imperturbável.
— Amor, solte-o! — Acariciei seu ombro tenso. — Solte-o, por favor. —
Minha voz era baixa e suave. A expressão facial de Blake era terrível, mas ele abriu a
mão, lentamente. Parecia desfrutar do desespero alheio.
Erik caiu no chão, tossindo muito. Meu pai correu para ele e minha mãe apenas
assistia a tudo com os olhos arregalados. Meu irmão em seus braços servindo de
suporte para ela não surtar. Graças a Deus.
— Não dê uma de engraçadinho para o lado da minha namorada! — Blake
rosnou. — Mantenha as suas mãos para si mesmo.
Meu pai me olhou com uma cara que já me garantiu meses de castigo.
Antigamente, óbvio. Por isso mesmo aproveitei para terminar de escancarar com tudo.
Se é para me ferrar, que seja por um bom motivo.
— Pai e mãe. — Peguei a mão de Blake e entrelacei os nossos dedos. Ele ainda
estava tenso. — Estamos oficialmente namorando.
Minha mãe engasgou e começou a tossir. Meu pai largou o Erik e correu para
sacudi-la enquanto escondia o sorriso. Notei que lutava para ficar sério.
— Cara, eu era seu fã! — Erik grasnou, sentado no chão. — Agora torço para o
Nikkos te fazer comer poeira. Espero que... — Chutei sua canela com força. — Porra,
Valentina!
— Não deseje o mal do meu namorado, seu pirralho! — Apontei o dedo. —
Vou te encher de porrada se o fizer.
Blake riu, me abraçando por trás, nem aí para aquele momento de merda.
— Você pode vir. Esqueceu que da última vez empatamos?
— Idiota!
— Valentão! — revidou com o apelido que eu detestava.
— O que está acontecendo aqui? — minha irmã perguntou ao descer as escadas.
Linda que dava orgulho.
— Quer ver uma coisa, Blake? — cochichei em seu ouvido e ele apenas acenou.
Tão rápido quanto possível, Erik pulou em pé, arrumando as roupas.
— Não foi nada, Viviam. — Sorriu, estendendo a mão para ela. — Estávamos
nos cumprimentando, mas a sua irmã, carinhosa como é, me chutou e eu tropecei no
tapete...
— Não tem tapete aqui — minha irmã falou toda suave. Erik olhou ao redor, um
sutil tom de rosa cobrindo suas bochechas.
Blake e meu pai soltaram risadas juntos; minha mãe grunhiu algo coisa e chamou
todo mundo para a mesa. Constranger um convidado era considerado pecado mortal
para a dona Miranda.
— Sente-se aqui, Blake. — Arrumei a cadeira para que ficássemos juntos
quando eu voltasse da cozinha. — Prepare-se, porque você vai comer a melhor
panqueca da sua vida. —Beijei sua bochecha e ele sorriu, me olhando com olhos
brilhantes. — Conversa com meu pai sobre corrida. Ele adora.
— Conquistar o sogro? — sussurrou de volta e eu concordei.
Fui para cozinha e instantes depois minha mãe e minha irmã chegaram.
— Meu bebezinho lindo. — Dei um beijinho na cabeça do meu irmão. Eu não
queria ficar muito perto dele porque havia dormido na praia. — Saudade desse
cheirinho. — Esfreguei meu nariz em seus cabelos loiros. Ele era tão perfeito! Meu
pequeno homenzinho. Feliz como nunca pensei, comecei a lavar minhas mãos, sentindo
os pelos da nunca eriçados. Isso era sinal de que minha mãe estava muito próxima.
— Desde quando você namora o Blake? —perguntou à queima roupa. Coisas de
mãe, sem enrolar nem ir testando terreno.
— Desde esta noite — respondi concentrada na água escorrendo.
— Onde se conheceram?
— No dia do meu aniversário de dezoito anos.
— Você gosta dele?
Olhei ao redor para ver se Blake ou meu pai não estavam bisbilhotando. Deus é
minha testemunha de que quando Miranda MacKerrick começava o interrogatório, não
parava mais.
— Estou apaixonada, mãe. — Olhei minhas mãos, notando que eu estava
nervosa. — Eu não planejei, mas no dia que ele sofreu o acidente eu acho que não
consegui respirar direito. Estava me sentindo como se... — Franzi a testa, sem
conseguir arrumar uma palavra que pudesse descrever. Circulei minha mão ao redor do
coração, em busca de explicação. — Mãe, eu senti como se houvesse engolido milhares
de facas. Elas cortavam meu interior a cada instante que passava. Isso era medo por ele
e doía muito.
— Ohhh! — Minha mãe já estava chorando e me agarrou. Mesmo segurando
meu irmão no colo, ela arrumou um jeito de me apertar num abraço sufocante. — Minha
garotinha está amando. Sinclair!
Meu irmão reclamou do grito, mas logo se acalmou. Minha irmã sorria enquanto
carregava algumas coisas para a mesa.
— O que foi? — Meu pai apareceu correndo todo afobado, os olhos
arregalados.
Jesus! Quis rir, porque pense a novela!
— Nossa filha está...
— Morrendo de fome! Pai, pegue o meu irmão. Preciso de ajuda com essas
panquecas. — Orei para que minha mãe entendesse. Ela tinha a tendência a divulgar na
mídia as novidades de casa só com seus gritos eufóricos.
— Por que eu não posso dizer ao meu marido que a nossa filha mais
encrenqueira, briguenta e maravilhosa está apaixonada? — ela perguntou assim que
ficamos sozinhas.
— Mãe, Blake não precisa saber a profundidade dos meus sentimentos. Deixa
eu me acostumar a falar em voz alta, primeiro. —Ela cruzou os abraços. Eu não me
importei e continuei cortando algumas frutas, de forma profissional. — Vamos com
calma. Eu só assumi que gosto dele ontem. Não precisa estampar nos jornais que eu o
amo.
— Eu falei para o seu pai que o amava no dia em que ele me pediu em namoro.
— Isso foi no seu tempo. — Sorri provocando. — Atualmente, não é saudável
deixar um homem com tanto poder. Vamos com calma e já, já...
— Seu irmão terá um sobrinho?
Cortei o dedo com o susto. Dona Miranda estava louca.
— Um sobrinho quando ele estiver em idade para sair. — Liguei a torneira para
lavar a ferida. — Mãe, se controle! Eu, hein... Pare de querer povoar o mundo.
— Sua irmã, depois daquele homem, não quer saber de namorar — analisou. —
Aí fica com você os deveres de me dar um neto.
— Ela tem razão em não querer. Viviam precisa de um homem forte, mas que
seja um fofo com ela. Esses engomadinhos não prestam. Minha irmã precisa de um
homem de verdade, não de um idiota que ainda deve usar talco e que pensa que pode
tudo. — Fiz careta. — Ela tem que ser adorada pelo cara certo e, de preferência, um
que lute para tê-la.
Dona Miranda me abraçou por trás, concordando comigo.
— Tem razão. Mas olhe! — Ela suspirou. — Eu estava brincando no que se
refere a você. Viviam, não. Ela pode me dar netos à vontade. Mas não digo para não
fazer coisas, entende? Só se previna...
— Sem fazer coisas, mãe. Relaxe. Meus negócios... — Olhei ao redor, em
busca de ajuda. — São só meus.
— Com um homem daqueles? — Ela riu. — Acho tão difícil! Eu sei bem o fogo
da sua idade. Algumas mulheres ainda ostentam um calor escaldante depois da idade da
loba. E a imaginação? — Suspirou. — Depois que a literatura erótica foi liberada, as
coisas... —Minha mãe avermelhou. — Eu entendo, filha. Eu entendo que não resista...
— Jesus, não acredito que estou ouvindo isso! — Olhei para cima, toda
dramática, interrompendo-a porque a tendência era piorar. — Não vamos por aí. A
cegonha deixou meu irmão na porta, entendeu? Não coloque imagens tão assustadoras
na minha cabeça. Terei que bater em uma parede, até esquecer. Meus pais são puros e
castos.
Ela gargalhou alto; eu ri acompanhando.
— Estou com fome! — meu pai gritou, salvando-me, sem querer, da conversa
maluca que estava tendo.
— Mãe, pegue a geleia de amora natural e separe o mel e a aveia. — Preparei a
massa das panquecas e comecei a assar. Montei uma pilha razoável antes de começar a
preparar os recheios. Banana com canela, morango com iogurte e aveia. Algumas deixei
para comer com xarope e mel, outras com pasta de amendoim.
Carreguei os pratos grandes para a mesa. Meu pai conversava animado com
Blake, Erik tentava puxar assunto com Viviam, e meu irmão estava em pose de rei no
carrinho, muito preocupado em chutar o vento.
— Quero banana e canela — meu pai se adiantou. — A de geleia de amora
também.
Blake me olhou com amor brilhando em sua expressão. Ele estava feliz por
estar ali.
— Já tomamos café — falou baixinho, me arrepiando. — Você não devia estar
com fome.
— Eu estou sempre com fome, Sr. Delicia — soprei em sua orelha.
Blake remexeu na cadeira. Com certeza estava desconfortável. Ri baixinho.
— Você quer começar comendo por onde? — perguntei, toda inocente. Seus
lindos olhos brilharam em ameaça.
— Eu gostaria de provar o morango. — Lambeu os lábios. — Com mel.
Ah, minha nossa! A temperatura vai subir!
***
Em menos de 24 horas eu estava fazendo todas as coisas que nunca fiz. Bastava
saber que estava em frente à minha casa, na parte alta do batente, para ficar da altura de
Blake e beijando-o como se não houvesse amanhã.
— Devagar — ele murmurou em minha boca. —Assim... Deixa-me provar. —
Obedeci. — Gostosa demais
Minhas pernas pareciam borracha; estava mole, toda manhosa para cima de
Blake.
— Não acredito que estamos namorando na porta da minha casa. — Raspei
minhas unhas nos cabelos de sua nuca. Ele me apertou mais. Estávamos nariz com nariz.
— Eu estou adorando.
— Claro sim. — Beijou-me rápido. — Mas deve me agradecer. Se não fosse
por minha insistência...
— Você sabe o que é bom, por isso não desistiu.
— Você é má!
— E você me ama.
— Não há dúvidas. — Blake sorriu, esfregado nossos narizes. — Eu te amo
muito.
— Vem aqui. — Puxei-o para mim, agradecendo sem palavras o fato de ele não
ter desistido. Toda a insistência que esse homem teve não é para qualquer um. Blake me
dobrou à sua vontade. Eu me rendi aos seus beijos e à forma como só ele sabe o
momento de ser duro e suave comigo. Ele sabia que era um beijador perito: lambia
devagar, explorava minha boca com lascívia, mordia meus lábios de forma suave ou
agressiva, ele me fazia desejar que o beijo nunca parasse; parecia uma sobremesa de
chocolate, daquelas que se come devagar para não acabar. Assim eu queria o mesmo:
que nunca chegasse ao fim.
— Estou tão feliz, meu amor. — Encostou nossas testas. — Vou te fazer tão
feliz! Eu prometo.
— Eu sei que sim, minha querida múmia.
— Minha megera linda. — Havia riso em seus olhos. Assim, da forma como
estávamos, eu conseguia enxergar pequenas manchas douradas mescladas ao azul. A
cor, já incrível assim de perto, ficava ainda mais impressionante. — Não vejo a hora
de poder te ter em minha cama, pronta para me receber por inteiro.
Meu clitóris pulsou de desejo. Meu ventre contraiu de dor e meus mamilos
endureceram, marcando minha camisa.
— Vejo seus pelos arrepiando, como se antecipassem o prazer que vou
proporcionar. — Mordi meu lábio. De olhos fechados, fui seduzida por sua voz baixa e
rouca. — Não vou parar enquanto não te saborear como se deve e, ao fim, estará como
uma mulher deve estar para o seu homem.
Ele fez silêncio enquanto deslizava a boca por minha pele; sua língua saía para
me experimentar; um mero toque, delicado demais, para saciar o desejo que ele criou,
porém perfeito para aumentar minha expectativa.
— Você estará perfeita, como sonhei desde a primeira vez que meus olhos
pousaram em você. — Gemi baixinho. — Será neste dia que saberá, sem sombra de
dúvidas, que me pertence; que, na verdade, sempre pertenceu.
Oh Deus...
— Blake? — Apertei as pernas sutilmente. A dor só aprofundou. — Como uma
mulher deve estar?
— Ela deve estar com os lábios vermelhos pelos beijos compartilhados; o
corpo marcado pela posse de seu homem; e, entre suas pernas, a evidência do prazer
mútuo escorrendo lentamente.
Minhas pernas cederam e ele me abraçou, acariciando minhas costas. Eu me
sentia fraca de desejo, aturdida por suas palavras explícitas.
— Embriagada de paixão, meu amor. — Choraminguei. — Eu terei seu prazer
até a última gota, todas as vezes que o desejar.
— Pare! — engoli a seco. — Por favor.
— Shh, calma. — Suas mãos acariciavam minhas costas. — Eu sou muito mais
velho do que você, ma petit. Tenho um mundo de coisas para te mostrar, e outras para
explorar. Vou te ensinar o verdadeiro significado do prazer, e você vai gostar. Agora
— Ele procurou meus olhos. —, preciso ir, mas voltarei hoje à noite.
Acenei concordando. Trocamos mais alguns beijos e ele foi até a sua moto
estacionada.
— Eu te amo. — Soprou um beijo ao colocar o capacete. Sem perceber, eu
estava com minhas mãos apertadas no peito, acho que tentando segurar meu coração no
lugar, que queria saltar e correr atrás de Blake. A saudade já estava querendo magoar.
Horrorizada comigo mesma por estar fazendo um bico desgostoso, observei-o
partir.
— Você o ama. — Pulei de susto ao escutar a voz do meu pai. Abri a boca para
falar e ele ergueu a mão, me impedindo. — Não adianta negar, pois está escrito em
letras garrafais na sua cara. Aliás, vocês mal disfarçavam. Blake não conseguia te
encontrar rápido o suficiente quando chegava na obra e, ontem, quando disse que ficaria
feliz com seu casamento com Erik... — Meu pai já estava sorrindo. — A expressão
dele era a de um homem prestes a perder a vida.
— Pai. — Cocei a cabeça. — Eu quero dizer que...
— Vamos deixar duas coisas claras — me interrompeu e eu concordei —
Primeiro de tudo: nem eu e nem sua mãe ficamos na sua cola, porque confiamos em
você, então continue assim. Segundo: você é maior de idade, porém isso não te deixa
livre de dar satisfações, então não suma como fez quando caiu de skateboard e ontem.
Confiança quebrada é difícil de reconquistar. Agora vem aqui. — Meu pai abriu os
braços e eu me enfiei ali. — Você está indo viver sua vida. Blake é um homem. Eu sei
que ele não está para namoricos. Eu odeio admitir, mas acho que estou perdendo minha
filha.
— Isso nunca isso acontecer. — Escondi meu rosto em seu peito. — Você é o
homem da minha vida.
— Não, querida. — Ele me puxou para olhar em meu rosto. — Eu sou o herói
da sua vida. Blake, sim. Aquele é o homem.
Minha visão embaçou, e ali mesmo eu chorei o fato de estar vivendo o primeiro
amor.
***
— Filha, Blake chegou! — Eu gemi encolhida na cama. Depois da conversa
com meu pai, tomei um banho e deitei para descansar um pouco da noite mal dormida e,
agora, meu corpo parece pesar uma tonelada; estou morrendo de frio, e minha garganta
dói. — Você está com febre!
— Mãe, não quero sair daqui. — Puxei o lençol até o nariz. — Diz ao Blake
que amanhã nos vemos na reforma, por favor?
Fechei os olhos. Ouvi a porta abrir e fechar.
Dedos suaves afastavam o cabelo do meu rosto. Abri meus olhos e Blake estava
ali, lindo de morrer.
— Oi — murmurou, sentando na minha cama.
— Oi. — Fiz careta quando tentei levantar. Desisti. — Você deveria ter ido
para casa. Estou imprestável.
— Acha possível eu te deixar aqui doente e ir para casa tranquilo? — Negou.
— Só irei quando seu pai me expulsar, entretanto, torço para que ele esqueça que estou
aqui, assim poderei dormir.
— Sonha.
Rimos juntos. Ele me acariciou, ficando sério.
— Eu reparei que você estava quente ontem. Não deveria ter permitido que
você passasse a noite ao relento e sem dormir direito.
— Bobagem. — Abanei uma mão. — Às vezes eu fico assim. Por nada a minha
garganta inflama. Agora, já que está aqui, vamos fazer bom uso da televisão. Escolhe
um filme ali naquele armário e vamos assistir.
Alguém pigarreou. Era meu pai e minha mãe que estavam na porta, apenas
observando a cena.
— Você tem um canto no sofá da sala, Blake. Neste quarto você não dorme nem
morto. E outra: eu tenho uma memória perfeita.
— Vou fazer pipoca para vocês. — Minha mãe correu.
— Eu vou buscar Cyborg — Meu pai completou. Eu estar namorando era muito
novo para ele.
Aconcheguei-me no calor do meu lençol. O corpo estava moído, mas o coração
transbordava por Blake estar comigo, me fazendo companhia, ou melhor, enchendo meu
quarto com sua presença deliciosa e quente.
— Eu acho que o seu cachorro e eu chegamos a um entendimento. — Sorriu,
inclinando-se para esfregar o nariz em minha bochecha. — Não será problema tê-lo
aqui.
— Bobo. — Fiz careta pela dor na garganta.— Cyborg é meu bebê. Não
podemos desvirtuar o meu filho.
— Nosso. — Sorriu travesso. — Estou adotando.
O que eu poderia fazer? Cabeça dura quando bate em outra pior, acaba
rachando. Eu não vou discutir. Se ele quer meu bebê, então receba, entretanto, depois
não reclame. Cyborg, às vezes, tem tendência a ser um filho espaçoso.
— Vai escolher um filme para a gente — incentivei, apontando a minha coleção.
— Só não mexa no box negro. Ali dentro contém a minha coleção privada.
Enquanto Blake ia mexer nos filmes, eu me sentei na cama com as costas
apoiadas contra a parede, numa tentativa de parecer menos acabada. Estava me
sentindo surrada, dolorida e meio mole.
— Puta que pariu! — Blake engasgou em meio a um berro. Eu só conseguia ver
seus ombros enquanto ele olhava os filmes.
— Você mexeu onde justamente eu falei para não mexer não, foi? — Ri
baixinho. — Quando uma coisa tem o rótulo de privado, é porque é privado.
— Não acredito que você assiste a isso! — exclamou horrorizado, virando-se
com as mãos cheias de DVDs. — Não acredito!
— Minha coleção de Manolo. — Ri de sua cara de choque. — Cultura e
educação sexual. Já ouviu falar que quando o aprendizado é cognitivo, visual e prático
nunca se esquece, e que o nível de absorção de conteúdo é muito mais relevante?
Blake me olhava como se eu fosse alguma alienígena. De olhos saltados, boca
aberta e cara pasma, ele parecia a ponto de desfalecer.
— Aqui tem mais de trinta DVDs! — ofegou, erguendo as mãos ainda mais. —
E só tem dele!
— Eu sou uma fã. — Incorporei-me. — Eu e Manolo discutimos ao longo de
nossa jornada o quanto o homem pode ter prazer em certos orifícios.
— Pare! — Blake levou uma mão ao peito. Notei que tremia. — Estou tendo um
AVC!
— Querida múmia. — Dei duas batidinhas em minha cama. — Vem aqui, minha
delícia. Deixe a Valentina te acalmar um pouco.
Ele fez um bico ao se largar em minha cama. Meus DVDs espalhados pelo chão.
— Você não deveria ver essas coisas, tampouco ser fã de um ator pornô —
lamentou deitando a cabeça em meu colo. Parecia até desamparado. — Olha o título
deste! — Ergueu o braço mostrando o filme:This is story of the sex anal’s...
— Este foi um bom ano... De 2011. Melhor cena. — Suspirei dramática. — De
um...
— Não quero ouvir! — rosnou erguendo-se. — Estou confiscando essa
pornografia explícita! Minha mulher não vai ver o pau de outro homem. Droga, amor!
— Eu ri do seu desespero. — Isso é um ultraje!
Se ele soubesse que, depois que o conheci, Manolo perdeu a graça e que faz
tempo que não assisto nenhum DVD, será que ficaria feliz? Sim, claro que ficaria,
porém, certas partes da menina malvada que sou gosta deste Blake ciumento.
— Uhn, que assistir, não é? — Sorri igual ao gato da Alice.— Quer aprender
um truque ou dois? Quem sabe não poderíamos...
Nem tive tempo de terminar a frase. Blake pegou minhas pernas e puxou.
Virando-me de bruços, ele deu um tapa forte na minha bunda, caindo em cima de mim
antes mesmo que eu pudesse gritar.
— Eu sei muitas coisas que você nem imagina. — Mordeu minha orelha,
esfregando sua ereção em mim. — Vou te mostrar como um homem de verdade fode.
Gemi baixinho, ofegante. Minha vagina piscava de tesão.
— Blake...
— Agora se comporte porque eu não quero chatear o meu sogro.
Enterrei o rosto no travesseiro, gritando a minha frustração. Eu estava quente,
escaldante, na verdade, tanto que minha calcinha totalmente molhada estava
imprestável. Levantei-me da cama e uma tontura me varreu. Respirei fundo, me
equilibrando. Com Blake, eu esquecia de dor, doença e a porra toda. Adoro-o ainda
mais por isso.
— Vai aonde? — perguntou, arrumando os filmes confiscados.
— Vou trocar a calcinha — falei, tentando parecer tranquila, só para ter o
prazer de vê-lo em choque. Eu amava isso. — Você me deixou molhada. — Dei um
selinho em sua boca carnuda. — Incomoda sabe? — Assentiu, mudo. Peguei uma
calcinha minúscula, sorrindo ao som da forte respiração que ouvi. — Volto já.
— Caralho, ela será a minha morte!
No banheiro fiz o que precisava e voltei para o quarto. Estava toda arrepiada,
morta de frio e doida para deitar abraçando Blake.
— Trouxe a pipoca e o remédio — minha irmã falou, entrando no quarto. — E
queria assistir o filme também. Posso?
— Claro que sim. — Acenei para as almofadas no chão. — Deixando claro que
só não teremos Manolo porque ele não deixa.
— Jesus Cristo! — Viviam riu quando Blake derrubou o controle remoto. — Eu
ainda te mato! — Me fuzilou com o olhar.
— Melhor você se acostumar. Valentina adora criar cabelos brancos nas
pessoas.
Tomei o remédio e voltei para a minha cama enquanto a minha irmã e meu
namorado brigavam pelos filmes. Ruim para eles que só tinha pornôs – excluídos por
Blake –, suspense – vetado por Viviam –, e de terror; aí a lista era longa, desde A
Colheita Maldita até O Massacre da Serra Elétrica 3D.
— Vamos assistir Invocação do Mal e pronto — encerrei o assunto. — Com
essa demora já estaríamos passando dos gritos.
Blake deu de ombros e Viviam fechou a cara, mas aceitou. Ela ficou sentada no
chão com as almofadas e Blake veio para a cama comigo. Deitei a cabeça em seu colo
e ficamos assim.
— Apague a luz, Viviam. — Ri baixinho olhando para minha irmã. — Deixe de
ser medrosa! É só um filme.
— Baseado em fatos reaaais! — lamentou apagando a luz. — Vou fechar a
porta. Já que é para morrer de medo, que seja direito.
Um latido chamou atenção. Viviam abriu a porta para Cyborg, que entrou na
correria e pulou em cima da cama. O atrevido deitou quase em cima de mim. Blake
reclamou e o meu bebê trocou de posição, deitando nas pernas dele.
— Folgado. — Blake sorriu.
— Eu avisei.
O filme começou e já nos primeiros dez minutos Viviam gritou, assustando ao
Blake e fazendo Cyborg pular, latindo. Comecei a rir sem parar, até acabar numa tosse
infinita que me deixou sem ar. Lágrimas saltaram dos meus olhos, mas nada pagava a
cara de desgosto e raiva da minha irmã.
— Cyborg, venha ficar comigo, meu amor. — Ela chamou e ele foi. — Você
será o meu suporte.
Ao longo do filme meus olhos foram pesando. Blake estava mexendo nos meus
cabelos, fazendo carinho em meu rosto. Eu suspirava como uma gatinha satisfeita. Olhei
para ele, que devolveu o olhar, sorrindo daquele jeito especial.
— Eu te amo — murmurou, me fazendo sorrir e acreditar que havia dito “Eu
também”. Sentia-me flutuar. Entre o sono e a consciência, eu me aconcheguei ainda
mais naquele calor. Houve conversa no quarto, silêncio, e depois um beijo casto em
meus lábios.
Eu te...
Capítulo 20

Valentina
No dia seguinte acordei me sentindo bem. A garganta ainda estava sensível, mas
nada que me impedisse de iniciar o dia. Levantei da cama esticando os braços e ficando
na ponta dos pés, uma boa alongada para relaxar e já estaria pronta. Queria voltar a
trabalhar. Agora, mais do que antes, desejo terminar a casa para que fique linda e Blake
se orgulhe. Satisfeita com tudo que estava acontecendo, iniciei meu dia com um
reforçado café da manhã. Não encontrei minha família, então provavelmente já devem
ter ido.
Conferi meu relógio: eram exatamente 5h45 da manhã. O sol ainda estava
preguiçoso, mas a energia circulava dentro de mim. Peguei minha moto e corri do jeito
que eu adorava. O vento batendo em minha pele exposta criava um prazer imenso, além
da sensação de liberdade que só a moto ou uma descida de skateboard podiam
proporcionar. Cheguei na reforma em tempo recorde e tudo já funcionava a pleno
vapor: homens indo e vindo com ferramentas e materiais.
— Nesse compasso, ficará pronta antes do prazo.
— Bom dia, Val! — Um dos rapazes ergueu a mão
— Bom dia, cowboy! — Sorri acenando de volta.
Caminhei para dentro de casa e, desta vez ao entrar, senti uma vibração muito
boa. sem as confusões entre mim e Blake, sinto que tudo será diferente. Há uma
sensação de frio na boca do estomago; ansiedade de vê-lo e desejo por tocá-lo.
— O que fez comigo, homem? — questionei, acenando de forma ausente para
todas as pessoas que ia encontrando. Subi as escadas para o primeiro andar e quase
morri de emoção quando, ao entrar na suíte máster, a encontrei prontinha e linda.
Por um momento me esqueci dos problemas que tive aqui. Agora, o que
interessava, era ver que estava perfeita e meu trabalho foi incrível. Não esquecendo, é
claro, que Court teve seu dedo aqui, mas, ainda assim, a maior parte eu que fiz. Saí do
quarto, deixando as janelas abertas para arejar, e fui para o próximo cômodo. Carreguei
os materiais, deixando-os arrumados como eu gostava, coloquei a mascará, os óculos
protetores, ajustei meus fones de ouvido e comecei a lixar a parede. Um sorriso bobo
marcando meus traços.
Tempos depois eu estava coberta de pó. No quarto, a aura fantasmagórica
emprestava a sensação de surrealismo que pareceu circular minha vida nos últimos
dias. Se antes eu estaria engolindo meus sentimentos e segurando o nó na garganta, hoje
eu preciso me segurar para que a sensação de leveza que me rodeia não me faça flutuar.
Balancei a cabeça, tentando organizar as ideias – uma tarefa impossível, já que não era
culpa minha se só pensava em Blake e no quanto ele me faz sentir incrível.
— Ahh, meu Deus! — gritei quando alguém me agarrou e puxou meus fones, não
era normal, em mim, me assustar, mas agora não tem jeito. Minha cabeça vive em outro
lugar.
— Você não devia estar aqui. — Derreti ao mero som daquela voz e me apoiei
totalmente nele. — Você está doente.
— Não estou doente. — Virei-me em seus braços, enlaçando seu pescoço. —
Imunidade baixa, mas fui bem cuidada por meu namorado delícia. — Os olhos de Blake
brilharam de satisfação, porém a sua expressão mudou quando tocou meu pescoço.
— Você está quente. Não como ontem, mas ainda assim está quente.
— Me beija que passa. — Ofereci os lábios, louca de vontade. — Beija-me...
—Meus olhos eram apenas duas frestas. A ânsia por ele crescendo cada vez mais.
— Droga — gemeu rendido, me apertando em meio a um beijo de bom dia.
Blake tinha um gosto delicioso, como café quentinho em uma manhã fria.
Arrepiei-me toda. Aprofundando o beijo molhado e gostoso, agarrei em sua camisa,
sem me importar em sujá-lo. Delirei quando suas mãos apertaram minha bunda, me
erguendo, dizendo sem palavras o que eu deveria fazer.
— Eu poderia parar de respirar — murmurou mordendo meu queixo. — Poderia
morrer para não ter que parar de te beijar.
Blake me segurava firme contra si. Minhas mãos sujas estavam em seu rosto.
Nossos olhos não se desgrudavam; havia um brilho muito especial de que éramos, sem
sombra de dúvidas, um casal apaixonado.
— Então não pare. — Lambi os lábios. Ele acompanhou o gesto. — Adoro seu
beijo Francês lento, gostoso, molhado...
— Foda!
Fogo e gasolina, explosivo, corrosivo, destruidor. Cada beijo levava a mais
desejos que ainda não poderíamos saciar. A doce vontade de lhe pertencer por
completo... Oh, sim!, mas não dava para pular partes. Por enquanto eu me contentaria
com esses momentos de prazer, o prelúdio para o depois. Não sabia como, mas, mesmo
em meio ao beijo, Blake caminhava comigo em seus braços.
— Por que me trouxe aqui? — Olhei ao redor, confusa, principalmente quando
ele fechou a porta à chave.
— Eu preciso fazer algo. — Estávamos no banheiro do quarto. — Desça e vire-
se.
Deslizei por seu corpo. Ele era duro nos lugares certos. Todo músculos e rocha
envolta em seda. Um homem grande e poderoso, que me dominava sem saber.
— O que foi? — Olhei para trás, procurando por seu rosto em uma tentativa de
entender por que ele baixou as alças do meu macacão. — Blake?
Ele olhava para as minhas costas. Tremi quando ele agarrou a barra da minha
blusa, erguendo-a.
— Levante os braços. — Obedeci, curiosa para saber o que ele queria. — Isso
mesmo.
Ofeguei quando ele deslizou um dedo por minha coluna, trilhando minha
tatuagem. Agarrei a borda da pia quando ele mexeu no fecho do meu soutien. Comecei
a tremer. Agora era diferente. Ele já me viu apenas de calcinha, mas eu não estava
envolvida como agora. Todas as minhas emoções foram amplificadas para responder a
ele. Já estou arfando, pulsando. Blake removeu minha lingerie.
— Incline. — Choraminguei baixinho. Sua voz arrastada e rouca exercia um
feitiço em mim. Tonta de desejo, obedeci quando ele colocou a mão em minhas costas,
fazendo-me inclinar como queria. — Assim mesmo.
Deus!
— Eu sonhei com isso. — Senti o fôlego quente dele em minha pele, porém,
quando sua língua lambeu minha coluna, eu quase desfaleci. Gemi arqueando as costas.
Meus mamilos apertando ao ponto da dor. — Quis lamber sua tatuagem desde a
primeira vez que a vi. Diga-me o que significa enquanto decoro cada contorno com
minha língua.
— Blake... — Puxei o ar com força. Ele estava lambendo como se eu fosse um
delicioso pote de creme. — A força do ser humano vem... — Ofeguei quando me
mordeu.
— Continue.
— ... de sua habilidade em controlar seu próprio medo. — Engoli em seco.
Senti-me pegar fogo.
Blake percorreu a língua desde a base da minha coluna até a nuca. Meu corpo
apertou de forma dolorosa.
— Quero poder te acordar assim, lambendo sua pele, entre suas pernas. —
Mordi o lábio com força. Meu clitóris doía por alívio. — Farei isso quando cumprir o
que prometi, mas agora — Ele me puxou. Minhas costas bateram em seu peito nu,
causando choques por cada terminação nervosa. —, sinta-me te tocar. — Suas mãos
lentamente subiram por minha barriga. Eu respirava forte, ansiosa por seu toque.
— Blake. — Minha voz soou partida, tamanho o desejo.
Sua boca beijava meu ombro, me distraindo de suas mãos até que senti meus
mamilos sendo massageados. Quase caí de fraqueza. Eu não era capaz de suportar meu
peso.
— Tão deliciosa — murmurou em meu ouvido. — Tão minha!
Minha voz não encontrava o caminho para que pudesse pronunciar palavras.
Cada parte do meu corpo nem parecia meu. Não havia controle. Na verdade, eu nem
sabia o que era controle. Estava tão sensível que seria capaz de encontrar alívio apenas
com a perícia de suas mãos em meus seios. De olhos fechados, experimentei sua
exploração com desejo e prazer. A boca dele acariciava minha pele, adorando-a da
forma que toda mulher devia ser adorada.
— Ah, meu amor, olhe como seus seios encaixam em minhas mãos! Percebe
como você é perfeita para mim? — Concordei, arfando. — Você foi feita
especialmente para mim. Cada polegada de sua deliciosa pele feita para me viciar.
Era o mesmo para mim: o único com o poder de marretar minhas defesas e, por
fim, me encontrar sorrindo feliz por ter feito exatamente isso. Não importava o lugar, se
era certo ou errado, eu me perdia com ele, perdendo o controle das minhas ações
racionais.
— Experimente um pouco do que posso te dar. — Abraçou-me apertado. —
Compartilhe da dor que sinto todos os dias. Saboreia da paixão que me instiga a te
possuir.
O que ele está fazendo comigo? Sacudi a cabeça, tentando expulsar a névoa de
prazer que ele construiu. Não era lugar, mas agora mesmo eu não me importava com
isso.
— Em breve, meu amor. — Esfregou sua barba, lendo minha aflição silenciosa
Meu corpo tremia. Mais beijos ou toques não me fariam mais que uma poça.
Sentia-me desconfortável; a pele eletrizada; a calcinha molhada; os seios pesados; e um
constante latejar entre as pernas.
— Sinto-me assim também.
— Lendo meus pensamentos? — Procurei seu olhar escuro de desejo.
— Não, meu amor. Sentindo você.
Tentei entender como ele conseguia me deixar dessa forma e depois querer que
eu me controlasse. Era impossível! Tudo pulsava. E a cada instante que passava, eu
desejava que Barbara aparecesse para que tudo se resolvesse.
— Você diz que sou malvada. — Mordi o lábio. — Mas você não fica atrás.
— Estou apenas te preparando para mim. — Estreitou os olhos de forma muito
sexy. — Não quero que se assuste com a minha demanda. Eu sofro por você. Temo que
não serei suave.
Seus olhos me disseram a verdade. E eu o queria. A dor viria quando a hora
chegasse, mas depois seria perfeito. Eu o escolhi para ser o meu primeiro homem.
— Faça ser especial, Blake. — Acariciei seu rosto. — Faça ser inesquecível.
Em meu coração eu soube que seria único; que, neste dia, quando ele me fizesse
sua no mais básico sentindo, nossas vidas seriam mudadas para sempre. Eu esperava
ansiosamente por isso: que Blake, o homem que me conquistou, me tornasse mulher. A
sua mulher.
Neste dia, eu nunca mais estaria sozinha!
***
— Viviam, por que está me olhando com essa cara? — Apontei meu garfo para
ela. — Você anda cheia de sorrisinhos para o meu lado.
Longe de responder, ela soltou uma risada divertida, me deixando roendo de
curiosidade. Ultimamente andava rolando um mistério aqui em casa. Meu pai, às vezes,
ficava de cara feia, mas minha mãe cochichava alguma coisa e ele aceitava a
contragosto. Algo me dizia que era relacionado ao meu aniversário. Não que eu me
importasse com festas, na verdade, eu nunca parei um dia de trabalho quando este
coincidia com o meu dia de soprar as velinhas.
— Amanhã será um dia especial — minha irmã comentou. — Então estou feliz
porque será o primeiro ano que você traz um namorado para casa.
— Ah, isso — estranhei. Ela parecia mentir. — Não quero festas. Ally não está
aqui e parece que algo falta, sabe?
Pensar na minha amiga me deixava melancólica. Ninguém controlava a saudade.
Por telefone eu podia fingir o quanto eu quisesse, mas a verdade era que a sensação de
estar faltando algo nunca me deixava. Blake me perguntou o que eu queria; brinquei
dizendo que queria poder dar um abraço na minha amiga; ele balançou a cabeça e
disse: sem ser isso? Respondi que não queria mais nada por agora, até que lembrei do
nosso impasse:
— Gostaria que você pudesse encontrar logo Barbara e se resolver com ela. —
Mordi o lábio. — Adoro nossos jogos, mas gostaria de não ter que sentir como se ela
estivesse entre nós.
Após esse momento, ele me abraçou por muito tempo, murmurando que tudo se
resolveria, desde que ficássemos juntos. Nisso eu concordava.
— Valentina, acorda. — Ouvi um estalo diante dos meus olhos. — Sonhando
acordada? É o amor!
— Para! Quero ver quando chegar sua vez! — Apontei o dedo. — Um homem
que seja homem e você, Viviam, nem vai saber o que golpeou sua linda cara.
— Eu estou ótima sozinha.
— Eu também achava isso. Caí do cavalo e estou muito feliz.
— Já chega. Não vou ficar ouvindo bobagem.
Observei, em silêncio, ela sair da sala. Minha mãe parecia triste, e eu confiante,
porque, no mundo, existia o homem certo para a minha irmã.
— Certas coisas são inevitáveis... — Me retirei também, subindo para meu
quarto, mas antes passei no do meu irmão. Às vezes gostava de observá-lo dormindo.
Havia prazer nisso; era como uma grande satisfação vitoriosa, apesar do medo que
senti no dia de seu nascimento. O pequeno príncipe realizou um sonho familiar.
Cheia de amor por aquele bebê, eu acariciei sua barriguinha, os cabelos
loirinhos e, por uns instantes, ele segurou meu dedo. Emoção me engoliu. Ele era
perfeito!
— Eu te amo, meu bebezinho. — Soprei um beijo e saí do quarto.
Só faltava Ally em casa para minha felicidade atingir o nível de 100%.
Entretanto, não nego minha alegria por ela. Minha amiga estava crescendo, trabalhando
para realizar seus sonhos. Eu sabia – sentia – que cada degrau conquistado custava
muito esforço.
Antes de deitar, mandei uma mensagem para Blake. Apesar de ele ter passando
o dia na reforma e a noite ainda ter vindo aqui, tínhamos uma necessidade de contato.
Não escrevi muito, pois queria deixá-lo curioso:
_____________________________________________
Se você estivesse em uma casa em chamas e houvesse apenas sessenta
segundos, o que salvaria?
Boa noite querida múmia.
... Da sua petit.
_____________________________________________

Apertei enviar e coloquei o celular no silencioso. Durante algum tempo encarei


o teto do meu quarto, a mente em branco por qualquer razão que fosse. De alguma
forma, eu me sentia e paz comigo mesma e com o ano que passou. Então, de repente, em
meio ao silêncio dos meus próprios pensamentos, uma pergunta surgiu:
O que este ano me trará?
***
Estou esperando aquele raio de sol, garoto...
Acho eu preciso disso de volta!
Me faça sua garota, a noite toda, me faça sua...
Cantei baixinho, trabalhando na parede do corredor leste. Os quartos estavam
prontos; Viviam já estava projetando os móveis e, junto com minha mãe, mobiliava os
ambientes já prontos. A reforma estava a pleno vapor e talvez conseguíssemos entregar
antes do prazo. Sentia-me tão orgulhosa por fazer parte de tudo isso! Era a minha casa
dos sonhos; eu trabalhava nela com amor, porque ela não seria minha, mas seria de
alguém muito especial e importante para mim.
Senti meu rosto contorcer. Eu estava toda emocional hoje. Não sei se é porque é
meu aniversário ou porque ninguém me parabenizou ainda. Parece que eles se
esqueceram de mim e, por mais surpreendente que fosse, me senti magoada. Já era fim
de tarde, e nada; nem mesmo Ally me ligou.
— Não vá chorar. — Funguei, querendo me bater. — Cadê a garota forte e
durona? Não se envergonhe, por favor.
Esfreguei os olhos com o antebraço, me concentrei na música que ouvia e
pronto. Tinha um trabalho a fazer; não ia ficar choramingando porque ninguém me
desejou os parabéns. Inclusive meu namorado!
— Não quero nem saber. — Sacudi os ombros. — Nem ligo. Tanto faz.
— Tanto faz o que, amor?
Meu estômago deu um tombo. Um formigamento me fez tremer um pouco. Pura
felicidade me deixava quase eufórica. Ele não esqueceu! Larguei o rolo e pulei em seus
braços, beijando seu rosto sem parar.
— Você está aqui e não esqueceu! — Minha respiração acelerou. — Você não
esqueceu, não é?
— Esqueci de quê? — Quase caí dura quando vi confusão em sua expressão.
Não era possível!
— Uhn, de nada. — Improvisei um sorriso. — Eu estou meio louca hoje. Mas
me diga: por que sumiu o dia todo?
— Estava preparando alguns detalhes para a corrida do milhão. Tenho mais um
mês de liberdade antes de começar a preparação.
— Você tem certeza que foi por isso mesmo?
Blake sorriu, me mantendo em seus braços, então balançou a cabeça.
— Tenho sim. O comitê decidiu adiantar os exames, assim terei um tempo nas
férias de verão. Vamos para algum lugar. Eu e você.
Você esqueceu meu aniversário. Não vou nem até a esquina! Pensei, mantendo
o sorriso. Queria parecer indiferente, mas estava cada vez mais difícil.
— Me coloque no chão.
— Gosto de onde está.
— No chão, Blake!
— Não. Você está chateada. Por quê?
Ohhh, por nada!
— Não estou.
— Está sim.
Respirei fundo. Vou esmurrá-lo! Quem mandou me fazer esperar por coisas
que nunca fizeram falta? Droga!
— Não me olhe assim. Coloque-me no chão.
— Você pulou em meus braços. — Sorriu. — Agora que sair? Não vai.
— Tudo bem. Depois não reclame.
Ele tentou me beijar, mas não deixei.
— Birrenta?
— Sempre.
Blake soltou uma risada alta, mas não me largou. Começou a andar comigo. Eu
estava cansada de tentar entender o que raios de dia era aquele, e também de entender
por que, quando notei que fui esquecida, intensifiquei o trabalho. Deitei a cabeça em
seu ombro, cruzei minhas pernas em sua cintura e me deixei levar. Não peguei minhas
coisas. Quem se importa? Amanhã estaria de volta.
— Bem melhor, ma petit... — Fechei os olhos. Decepção era o meu segundo
nome. — Amor?
— Uhn?
— Olha...
Ergui a cabeça e não acreditei. Na área da piscina, todos estavam reunidos;
havia um pequeno bolo e alguns balões. Solucei sem querer. Eu estava, de repente,
feliz.
— Acha mesmo que eu iria esquecer? — Blake murmurou antes de me colocar
no chão.
Foi uma alegria só! Minha família me deu um abraço coletivo, Court também. Já
Erik e os outros rapazes apertaram minha mão, pois meu namorado estava como um cão
guardião que rosnava e mordia. A pequena recepção foi linda. Fiquei muito
emocionada.
— Obrigado a todos! Por um momento pensei que tivessem esquecido.
— Culpa da sua irmã — alguém gritou. Fiz cara feia e todo mundo riu.
— Não resisti. — Viviam abriu os braços, toda contente. — Você tinha que ver
sua cara. Juro que teve lágrimas!
— Eu não choro. — Fiz careta. — Nunca!
Não tinha como ficar séria; começamos a rir e minha irmã me abraçou de novo.
— A surpresa continua — murmurou em meu ouvido.
— O quê?
— Hora de irmos. — Blake pegou minha mão e me puxou.
Sem entender nada, eu o acompanhei.
— Para onde estamos indo?
— Apenas confie em mim. — Estranhei quando notei um motorista uniformizado
esperando. Na hora eu travei. Eu estava com macacão de trabalho e botas, além de ter
tinta me sujando aqui e ali.
— Não vou entrar aí. — Tentei me soltar. — Estou suja e ridícula. Preciso ir
em casa.
— Você está perfeita. — Parou e me beijou. — Agora vem.
Sem saber para onde ele me levaria, eu fui. No meio do caminho percebi que
estávamos a caminho do aeroporto.
— Sem perguntas. — Concordei. — Só confie em mim.
Concordei, não fazendo questionamentos nem quando entramos na área do
aeroporto reservada para os jatinhos privados, tampouco quando Blake mostrou meu
passaporte e tirou minha mala do carro. Já sentia coceira ansiosa de tanta curiosidade.
— Vem, amor. — Ele estendeu uma mão e eu aceitei. Me senti estranha quando
fui subindo as escadas do jatinho; eu mordia meu lábio sem parar. Pior foi quando vi a
comissária, toda arrumada; eu parecia uma refugiada. Não era vergonha, mas cara!, eu
não devia estar cheirosa.
— Não morda o lábio — Blake sussurrou.— Deixe-me fazê-lo por você.
— Sempre que quiser — aceitei na hora, fazendo-o soltar uma risadinha.
Sentamos lado a lado, presos em nosso mundinho particular. Não prestei
atenção ao interior do avião, pois só tinha olhos para o pedaço de homem do meu lado.
— Vamos decolar em breve. — Abri a boca. — Não pergunte. Para sanar
algumas questões que tenho certeza estarem remoendo nessa cabecinha linda, direi que
tive ajuda da sua irmã.
— Minha mala?
— Sim. E outras coisas. — Inclinou-se para dar-me um selinho. — Descanse
um pouco. Quando for autorizado, você poderá tomar um banho na suíte.
— Obrigada.
— Não me agradeça agora. — Sorriu todo misterioso.
Meu coração deu um salto.
O que Blake estaria aprontando?
Capítulo 21

Valentina
Quando o alerta para o cinto de segurança foi desligado, Blake me levou até um
quarto localizado nos fundos do jato. Mostrou-me como funcionavam as coisas e saiu.
Nunca me senti tão curiosa; eu estava louca para saber onde ele me levava, mas faria
como pediu: confiaria. O pior é que passei o dia pensando que fui esquecida, então nem
saí para almoçar, apenas lanchei e trabalhei pesado. Frustrada, tentei descontar nas
paredes.
Sentia o cansaço do dia. Meu corpo protestava quando levantei os braços para
remover minhas roupas, contudo, ao sentir a água morna deslizando por minha pele, fui
relaxando o suficiente para curtir cada momento daquele restinho do meu dia.
Renovada, escolhi roupas confortáveis: uma calça jeans gasta, uma blusa e meus tênis
all star.
— Nossa, maninha! Você lembrou de tudo — murmurei, pegando uma bolsa
menor. Dentro havia todos os itens de toalete pessoal, inclusive coisas que eu não
estava pensando em usar: camisinhas. Segurei um pacotinho na mão, meus pensamentos
vagando sobre os meus desejos. Eu queria muito que Blake fosse o meu primeiro, mas
ele precisa resolver uma pendência que atrapalhava nossas vida.
Sacudi a cabeça para espantar aquele fantasma em particular. Guardei minhas
coisas de volta na mala e saí do quarto. Queria estar perto de Blake, me enrolar em
seus braços e pronto.
— Oi. — Toquei em seu ombro e ele sorriu, estendendo os braços.
— No meu colo. — Puxou-me. — Aqui está muito mais confortável. — Ri
enquanto ele respirava em minha pele. — Cheirosa.
— Tomei banho. — Enlacei seu pescoço, esfregando meu nariz no seu. — Você
também está muito cheiroso. Adoro o seu perfume, Blake.
— Bom saber. Lembre-me de vestir apenas ele para dormir esta noite.
Eu te amo. Olhei em seus olhos, a frase presa em minha garganta. Até parecia
que aquele não era o momento de confessar. Ainda resta, em partes, o medo de me
tornar vulnerável. Em partes, era a própria segurança que eu tinha ao não dizer.
— Você está cansada?
— Não. — Acomodei-me em seus braços. — Estou aliviada, isso sim.
— Aliviada por quê? — questionou. — Aconteceu algo?
Olhei para ele e me dividi em conflitos: queria morder ou bater. Ao fim,
poderia fazer os dois.
— Pensei que haviam esquecido meu aniversário. Minha mãe sempre me acorda
com café da manhã na cama enquanto canta os parabéns. Hoje não teve nada. Na obra,
todos estavam agindo normalmente. — Fiz um bico. — Fiquei triste, admito. Eu nunca
me esqueço de ninguém, então me senti abandonada.
— Era para parecer um dia normal, mesmo. Planejei durante a semana toda com
este propósito. — Blake acariciou meus cabelos. Eu não me cansava de olhá-lo. Ele era
perfeito. — Acha mesmo que eu me esqueceria da minha mulher?
Neguei. Eu ansiava por beijá-lo. Agora, este seria o meu presente.
— Me beija. — Puxei sua nuca enquanto me inclinava em sua direção. A meros
centímetros de nossos lábios se tocarem, Blake parou. Olhos dentro dos olhos. Emoção
puxando emoção.
— Eu te amo, Valentina. — Seus olhos brilharam. Engoli o caroço em minha
garganta. — Eu vivi minha vida esperando por você, para sentir todas as emoções que
só você desperta em meu interior. Não me importo com a diferença de idade. Só quero
que saiba que eu prometo estar a seu lado. Não importam as circunstâncias, pode se
apoiar em mim para te sustentar. — Engoli um soluço. Eu nem sabia que estava
chorando. Choque misturado a emoção me dominava. — Assim como estou te
segurando agora. — Cheio de carinho, ele trilhou meu rosto com beijos. — Quero fazer
isso enquanto eu viver. Quero estar com você para sempre.
Estava difícil respirar. Eu o abracei, querendo chorar. Não sei por que estou tão
sentimental; não sei por que ele me deixa bamba; não sei de nada, e não me importa.
Quero que isso nunca acabe.
— A primeira vez que te vi, eu soube que minha vida nunca mais seria a mesma.
— Tremi um pouco. Ele apertou os braços à minha volta. — Valeu tanto a pena lutar
para te ter. A cada vez que você era arredia, ou má, eu só queria te puxar e te beijar até
a próxima vida.
Delicado além das palavras, ele procurou meu olhar. O semblante de Blake era
emocionado. Ele parecia carregar a vitalidade de mil homens: forte, alto, maior que a
vida. Eu o amava muito.
— Estou te entregando todo o meu amor. — Respirei difícil com as suas
palavras. — Estou me dando a você. Não me deixe, ma petit. Por nada. É só o que peço
em troca.
— Eu não poderia te deixar, Blake. — Acariciei seu rosto, tendo prazer ao vê-
lo suspirar. — Eu simplesmente não posso.
Engoli um suspiro quando sua boca desceu sobre a minha. Sua mão em meu
cabelo apertou com força, me fazendo soltar um gemido. As carícias de sua língua
sobre a minha, os suaves barulhos de prazer que ele fazia, tudo me drogava ao ponto de
me ter girando ao seu redor, em plena queda livre.
— Eu te amo — murmurou e mordeu meu lábio. Abri os olhos e o encarei. —
Eu te amo.
Voltamos a nos beijar, desta vez com mais ardor. Era puro fogo sendo
despejado em minhas veias. Nossas respirações misturadas; as línguas dançavam
sexualmente ao mesmo tempo que nossos corpos ansiavam por mais contato. Dominada
pelo desejo, angulei nossas cabeças, aprofundando o beijo. Chupei a língua dele com
fervor. Meu clitóris pulsava; suas mãos me apertavam; e o desejo só aumentava.
— Oh! Perdoe-me, senhor!
Uma voz assustada nos fez separar. Escondi o rosto no pescoço de Blake, não
por vergonha, mas porque não queria perder o contato mais íntimo. Minha língua saiu
para explorar e, quando fiz contato com sua pele, senti seu aperto aumentar sobre o meu
corpo.
— Não faça isso — rosnou baixinho.
— Como evitar? — Passei meu nariz por sua pele. — Você é tão apelativo,
Blake. Esse teu sorriso me deixa louca. Seu rosto de macho quente e o corpo
pecaminoso me fazem molhar a calcinha só em imaginar.
— Ahh, caralho! — engasgou.
— Não vejo a hora de você ter aquela conversa com a outra. — Ondulei em seu
colo, pura provocação. — Quero sentir o quanto pode me deixar preenchida; o quanto
pode me fazer ofegar por mais, ou implorar para que vá mais rápido, pois estou tão
pronta que não restará dúvidas do quanto posso aceitar tudo o que pode me dar.
Blake me olhou com uma expressão de fome: era crua, intensa, desesperada.
Mordi meu lábio. Ele pareceu sofrer por eu estar em seu colo senti-o duro e palpitante.
— Você me tortura por prazer — lamentou, tentando melhorar a posição. — Um
dia morrerei por isso.
— Não, Blake. Eu torturo você para que resolva tudo o quanto antes. —
Esbocei um sorriso safado. — Um maratonista, quando está próximo à linha de
chegada, acelera, mesmo estando cansado. Agora... — Cutuquei seu enorme peitoral. —
Vou descansar um pouco. Quero estar bem desperta para aproveitar tudo o que
preparou para mim. Aliás, para onde vamos?
— Depois de me mostrar um cenário perfeito onde fazemos amor, você
simplesmente age como se nada te afetasse. — Balançou a cabeça negativamente. — Se
não reparou, estou a ponto de perder o meu pau.
Engoli a risada. Eu não ia provocá-lo ainda mais.
— Na verdade... — Mordisquei sua orelha. — Minha calcinha está alagada.
Isso incomoda, já te falei, lembra? — Encolhi-me em seus braços. Blake pareceu
entender e, mesmo gemendo baixinho por estar excitado, ele ajustou nossa posição.
— Deus, você é enorme! — Explorei seu tórax por cima da camisa preta. —
Adoro isso.
Ele riu baixinho, beijando minha testa.
— Isso porque perdi peso. — Franzi o cenho, confusa, pois não tinha notado. —
Você precisava me ver na alta temporada. Estava um monstro.
— Você perdeu peso? — questionei, atenta a isso. — Você ficou doente? Não
soube disso.
— Foi quando sofri o acidente. Passei uns dias internado. — Toquei sua
cicatriz na testa. — Perdi peso, mas depois recuperei, então tornei a perder. Creio que
devo isso ao estresse. Agora me sinto bem melhor.
— Como assim agora? — Incorporei-me para poder segurar seu rosto com
ambas as mãos. — O que está acontecendo aqui?
Aflição era o que eu sentia. Meu estômago afundou de medo porque Blake era
um titã. Não podia ficar doente.
— Boba, eu estava sofrendo por você. — Fiz uma careta. — Ma petit, estou
brincando. Eu peguei alguma virose que me fez sentir péssimo por algum tempo, depois,
quando te encontrei, fiquei ótimo.
— Seu escroto. — Bati em seu ombro. — Por que não foi ao médico?
— Porque não foi preciso. Agora descanse.
— Você está bem mesmo?
— Em plena forma — respondeu, sorrindo.
Lindo...
— Dorme um pouco. Temos algumas horas de voo pela frente.
— Não vou dormir. — Fechei os olhos para ouvir as firmes batidas do coração
dele. — Não estou cansada nem nada.
— Pense de olhos fechado então.
— Uhun...
***
— Meu amor...
A voz de Blake atravessou meu subconsciente, despertando-me. Seus dedos
escovavam meus cabelos para trás. A seguir, eu sentia seus lábios em meu rosto.
— Chegamos. Desperte.
— Ainda estou pensando. — Sorri. — Devo me concentrar mais um pouco.
A sensação que eu tinha é a de que acabei de fechar os olhos. Não sentia como
se houvesse dormido nem dez minutos, quanto mais uma viagem inteira.
— Blake, onde estamos? — Abri os olhos para encarar sua expressão divertida.
— Pode contar. Já chegamos.
— Eu te pedi para confiar, e tecnicamente ainda estamos nos Estados Unidos.
Vamos pousar
— Tudo bem. — Sentei, esfregando o rosto.
— A propósito: você ronca e baba.
— O quê? — Eu estava pasma por ele dizer isso. — Você está louco, e, se
assim for, vou logo avisando que também faço outras coisas que são nojentas. Vou
exemplificar para você.
— Ok, estou brincando! — Ele tampou de minha boca. — Eu sei. Você é um
garoto em determinadas horas.
— Em todas elas, meu amor. — Revirei os olhos.
— Posso tranquilamente provar o contrário. — O sorriso cínico e safado que
ele deu ajudou a espantar o resto do sono.
— Sei que pode, e só não vai fazê-lo porque tem rabo preso por aí —
cantarolei alegre. Ato seguido, Blake me mordeu com força. — Isso dói!
— Não me provoque, sua megera do mal.
— Criatura pré-histórica. — Rimos juntos. — Blake, como você se aquecia
antes do fogo?
— Eu dormia com você em cima de mim, assim, a única bunda a congelar era a
sua.
Gargalhei alto. O atrevido captou meu senso de humor distorcido. Blake, mais
uma vez, roubou um pedaço do meu coração.
— Quero que confie em mim.
Estranhei o pedido, mas aceitei, então não me surpreendi quando pousamos e
Blake pediu para me vendar. Curiosa além do que já estive na minha vida, permiti que
ele o fizesse.
— Cuidado com os degraus.
— Não se preocupe. Não sou uma donzela frágil.
— Mesmo assim, cuidado.
Desci a escadinha do avião com a ajuda de Blake; não teve jeito dele me deixar
ir sem seu auxilio.
— E agora? — perguntei, levando as mãos até a venda.
— Calma. Assim vai estragar a surpresa.
Comecei a trocar o peso de uma perna para, outra na tentativa de controlar a
ansiedade.
— Falta pouco, meu amor. — Senti seus braços à minha volta.
Um barulho de carro se fez ouvir; portas bateram; passos se aproximaram. Senti
meus pelinhos da nuca arrepiando quando Blake beijou meu pescoço. Suas mãos
trabalharam na venda, mas antes de retirá-la completamente, sussurrou em meu ouvido:
— Feliz aniversário meu amor...
Ele me permitiu enxergar.
— Oh, meu Deus! — gritei, sem acreditar que Blake fez isso.
— Val! — Meus olhos arderam quando ouvi aquela voz. Era tanta saudade
acumulada!
— Ally!
Não sei quem deu o primeiro passo, mas tão rápido quanto possível eu estava
apertando minha amiga num abraço cheio de risadas e choro.
— Não acredito nisso! Este é o melhor presente que eu poderia ganhar!
— Quase caí dura quando Viviam avisou que o seu namorado... — Ally me
beliscou. — ... Entraria em contato comigo. Agora me diz: por que eu não sei de
namorado nenhum?
— Você sumiu por quase um mês! O que andou fazendo que se esqueceu de
mim? — reclamei, mas na hora as bochechas de Ally brilharam em um tom vermelho.
— Coisa minha. — Parecia sonhadora. — Agora me conte: que história é essa
de namorar o Blake Walker?
— Tudo culpa minha. — Fui puxada para trás e abraçada pelo meu namorado.
— Eu insisti até vencê-la.
Eu ainda não acreditava no que Blake fez. Ele me deu o melhor presente do
mundo: a oportunidade de matar a saudade da minha melhor amiga. Nunca pensei que
ele faria algo assim. É tão incrível, mas tão incrível, que quero guardá-lo para mim. Eu
não parava de rir. Durante o trajeto para o lugar que eles reservaram, eu só conseguia
reprimir a vontade de pular em seu pescoço e beijá-lo até desmaiar.
— Val, eu tenho tanta coisa para te contar — Ally chamou minha atenção. — O
meu professor é incrível. As técnicas que ele ensina são de outro mundo! Ontem tive
aula de gastronomia molecular, você não tem noção. Manipulei nitrogênio!
— Porra, fico tão feliz por você! — Estiquei a mão e ela bateu. — Nossa
doceria vai ser foda.
— Com certeza!
— Esperem aí! — Blake franziu o cenho. — Vocês planejam abrir uma
doceria?
— Nosso sonho em comum. — Encostei-me em seu ombro. — Ally será a chef
pâtisserie e eu irei ajudar.
— Blake, você precisa ver como Valentina consegue descobrir os ingredientes
de qualquer prato. Ela é demais, e outra: cozinha muito, também.
— Isso é verdade, amor?
— Sim. E por falar nisso, eu descobri os ingredientes daquele famoso cookie da
Le France. — Sacudi os ombros. — Mais um para o meu magnífico caderno.
— Eu já estou em outro.
— Ah, cara! Meu amor por esses cadernos é incondicional.
— O meu também.
Blake balançou a cabeça, reclamando do fato de nós, mulheres, nos apegarmos a
coisas sem lógica. Discutimos acaloradamente sobre as coisas que nós consideramos
importante; ele discordou da maioria delas. Foi muito divertido. A noite não poderia
ser melhor. Jantamos em um restaurante maravilhoso e meu namorado me surpreendia a
cada instante, o tempo todo sendo atencioso com Ally, participando da conversa mesmo
quando ela girou em torno da Le Cordon Bleur. Suas opiniões eram tão inteligentes que
me vi suspirando. Ele conversava sobre tudo. Era tão inteligente!
— Vocês não estão interessadas em um terceiro sócio?
Engasguei com a bebida e foi preciso Blake me socorrer. Por esta eu não
esperava.
— Calma, amor. — Sua voz denotava preocupação. — Respira devagar.
Minha garganta estava queimando e dos meus olhos saltavam lágrimas.
— Isso e sério? — Apesar da voz arranhada, eu tinha que perguntar. Se Blake
estava mesmo falando sério, talvez não demorasse muito para ver o sonho acontecer.
— Claro. Eu te dou o dinheiro.
— Não. — Neguei na mesma hora. — Se você for entrar nessa, será como
sócio, participando dos lucros e de tudo mais. Não tem essa de “Eu te dou o
dinheiro”! — imitei sua voz e ele riu, acompanhado por Ally. — Amigos, amigos,
negócios à parte.
— Tudo bem, então. — Estendeu a mão para mim. — Sócios?
— Assim tão fácil?
Uma sobrancelha arqueada foi a única resposta que recebi. Revirei os olhos,
pedindo a Deus para eu não estar metendo os pés pelas mãos. Ainda olhei para Ally,
que acenou em plena expectativa.
— Sócios. — Apertei sua mão, sentindo o choque deslizar por meu braço.
— Vamos comemorar! — Ally ergueu os braços e a noite nunca foi tão
divertida.
Bebemos com moderação – pelo menos era isso que eu esperava. Depois da
quarta rodada de tequila, Blake parecia bom o suficiente para eu comer. Ele parecia
mais bonito, alto, musculoso, gostoso...
— Mal posso estar a sós com você —Mordi sua orelha. —, porque eu quero
esfregar em você como se não houvesse amanhã. Creio que poderemos criar fogo, meu
amor.
Sua risada viajou por meu corpo como se fosse uma corrente elétrica. Não sei
que horas eram, tampouco importava. Eu queria Blake para mim, e queria agora.
— Hora de irmos.
Concordei, satisfeita. Passei uma noite incrível com duas pessoas que amo; o
lugar foi maravilhoso; tudo foi muito foda. Agora eu queria um momento em particular
para comemorar os meus dezenove anos.
— Vamos deixar Ally primeiro e depois seguimos para o hotel.
— Você é quem manda.
Não prestei atenção ao caminho, afinal não conhecia nada. Rápido demais o
carro parou e me despedi da minha amiga com abraços apertados e a promessa de nos
vermos em breve. Infelizmente amanhã eu teria que voltar e Ally teria aula o dia inteiro.
— Agradeça a Blake por mim — murmurou antes de me afastar. — Eu sempre
soube que ele mexeu com você mais do que qualquer outro.
— Eu ainda nem acredito. — Olhei em seus olhos. — Ele me ama!
Olhamos para Blake recostado no carro.
— E você a ele.
— Sim.
Não existiam motivos para negar.
***
Fomos agarradinhos até o hotel. Blake não parava de falar sacanagens no meu
ouvido. Engoli todos os meus gemidos, caso contrário, o motorista ficaria por dentro
das nossas safadezas.
— Calma aí, Sr. Delícia. — Mordi seu lábio. — Precisamos estar sozinhos,
primeiro.
— Não tenho controle das minhas mãos. — Beijou meu pescoço. — Foda-se!
Vamos fazer amor a noite toda, comemorar seu aniversário de uma boa maneira.
— Vamos brincar, mas a calcinha fica.
Chegamos ao hotel e Blake parecia muito ansioso. Acariciei seu peito,
beijando-o ali onde seu coração batia. Estar apaixonada era muito bom, o melhor de
tudo se resumia ao fato de eu ser correspondida e muito amada por ele. Quando eu o
olhava, parecia que algumas batidas do meu coração se perdiam. Era uma sensação de
queda e plenitude.
— Fecha os olhos? — Neguei cruzando os braços. Blake suspirou. — Segunda
parte da surpresa, colabore.
— Não! — Ri tirando a blusa. Chutei meus tênis e desabotoei a calça. — Há
exatamente um ano estávamos dando uns amassos na casa do Alec. Super quero repetir.
— Caralho! — Blake arrancou a camisa. — Sexo quente a noite toda? —
rosnou, segurando o volume entre as pernas e mexendo devagar, em pura safadeza.
— Não, senhor. Vamos brincar, mas já disse que a minha calcinha fica onde
está.
Ele começou a andar em minha direção, e eu, muito bem no papel de donzela,
comecei a fugir, dando passos para trás. O olhar dele era de crua necessidade;
primitivo e bruto. Minha barriga dava cambalhotas e, por mais que quisesse ter a minha
primeira vez, não seria hoje.
— Acha que pode fugir?
Arrepiei inteira, esfregando minhas pernas juntas para aliviar o latejar
incessante.
— Está excitada, não é? — A voz dele, se possível, estava mais grossa, os
músculos tensos. — Estou doido para provar seu sabor. Quero beber do seu prazer e
sentir o quão doce pode ser.
Tropecei e Blake riu baixo, provocando, atiçando meu corpo só com palavras e
gestos.
— Corre! — ordenou parando de andar. — Quando te pegar. Vou te saborear.
Agora mesmo não estou pensando com clareza, pois minha mente está preenchida com
imagem da minha cabeça entre as suas pernas e os seus gritos de prazer.
A brincadeira se tornou tão erótica que eu não me importei dele fazer isso. Meu
corpo estava formigando, eu queria e necessitava ter um orgasmo. Há muito tempo a
pressão apenas se construía e hoje ela iria se acalmar. Mordi o lábio quando o vi
retirar o sapato e a calça. Um grande volume marcava a sua cueca boxer.
— É todo seu. — O sorriso safado que ganhei me fez ofegar. Blake enfiou a
mão dentro da cueca e ajustou o pau, deixando-o alinhado.
Pela primeira vez tive medo. A cabeça se sobressaia pelo elástico, deixando-
me ver que ele era bem grande. Tive vontade de correr. E foi o que fiz. Provoquei
demais e não devia tê-lo feito. Empurrei a primeira porta que vi e era o quarto. Antes
de poder pensar em algo, Blake me agarrou, me jogando na cama. Gritei tentando fugir.
Ele agarrou minha perna e me puxou, dando um forte tapa em minha bunda. Oh, já
fizemos isso!
— Você só me atiça — disse isso beijando minhas costas. — Meu pau está
babando por você. Deixe-me te provar. Dê-se para mim.
Ele se deitou em minhas costas, cuidando para manter a maior parte de seu
peso. Eu sentia como estava duro, esfregando em minha bunda de forma lasciva e
safada.
— Estou doido para me enterrar dentro de você. — Lambeu minha orelha. —
Estaremos tão conectados... Diga sim!
— Blake, não estou pronta ainda. Por favor.
Experimentei a sensação dele tremendo. A respiração pesada tornava a
atmosfera escaldante.
— Não me negue. — Pressionou sua dureza contra mim. — Preciso de você.
Fechei os olhos. Medo, prazer, desejo... Tudo fazia com que a minha resolução
enfraquecesse. Eu o queria, mas não desistiria desse limite. Ele tinha que terminar com
Barbara. Aqui não era só uma transa; era a minha primeira vez, mesmo que ele não
saiba disso ainda.
— Você quer jogar, não é, ma petit? — Concordei. — Mas a droga da calcinha
fica? — Balancei a cabeça ainda mais rápido. Blake suspirou, jogando-se para o lado.
Logo notei que ele se arrastava até estar deitado, o pau se mostrando desavergonhado.
— Venha, meu amor. — Abriu os braços. — Serei seu brinquedo hoje, apesar de não
saber como você nos dará prazer.
Surpresa por estar aliviada, engatinhei em sua direção. Com cuidado sentei em
seu colo, alinhando nossos sexos, gemendo de puro deleite.
— Posso fazer isso gostoso para nós dois. — Levei minhas mãos até minhas
costas. Livrando-me do soutien, gemi em êxtase ao sentir meus seios livres.
— Deliciosa! — Arqueei quando Blake me tocou. — Cabem perfeitamente em
minhas mãos. Suculentos o suficiente para devorá-los. — Seus polegares faziam
maldade em meus mamilos.
— Blake. — Fechei os olhos, jogando a cabeça para trás. Seu nome saiu em um
lamento perdido por entre meus lábios. A sensação de tê-lo brincando com meus seios
era decadente e, ao mesmo tempo, divina. Perfeito seria se os tomasse em sua boca.
O oxigênio não parecia suficiente para mim. Sentia-me tonta, desestabilizada
demais para sequer pensar com clareza.
— Tome-os em sua boca. — Respirei forte.
Blake sentou, seus olhos fixos nos meu. Em seu rosto, a expressão de um homem
ansiando tomar o prazer de uma mulher para si. Áspero, segurou meus cabelos,
forçando minha cabeça para trás. A língua habilidosa trabalhava lentamente em meu
pescoço. Às vezes me mordia ou soprava, arrepiando-me ainda mais, fazendo-me doer
e minha excitação escorrer, encharcando minha calcinha.
— Você é minha, entendeu? — Todo bruto, mordeu meu queixo, me arranhando
com sua barba. — Responda!
— Sim.
— “Sim”, o quê?
— Sou sua.
— Abra os olhos. — Obedeci, só para tremer quando sua mão segurou meu
seio, empurrando-o em direção à sua boca. Quase desmaiei quando ele lambeu meu
mamilo, depois pensei que, de fato, morri quando, me olhando, sugou o pequeno broto
em sua boca.
Minha boceta piscou e meus quadris ondularam, me fazendo montá-lo sem
pressa. Mordi o lábio enquanto segurava sua cabeça. Cada sugada que Blake dava era
como fosse meu clitóris. Um frio na barriga me deixava com a sensação de moleza.
Sentia-me tão sensível.
— Gosta assim? — Lambeu, tremendo, a língua no bico durinho e vermelho. —
Ou assim? — Sugou, mordendo levemente e soprando depois. — Talvez goste mais
deste modo. — Prendeu meu mamilo entre os dentes, me fazendo segurar a respiração,
então ele mamou. Duro e sem parar.
— Oh, Blake, assim mesmo — gemi, rebolando em seu colo. O pênis duro
machucava meu clitóris pulsante. Aquilo era bom e a dor era melhor ainda, porque
sabia que estávamos construindo algo. Blake fazia sons de prazer, um barulho delirante
de homem gostoso e querendo foder. Ele estava perdendo o controle, mas sabia que não
iria além da linha e isso me fez amá-lo ainda mais.
Enquanto mamava em meus seios, uma mão desceu por minha barriga,
acariciando minhas costelas, brincando com meu umbigo. Choraminguei quando parou
na borda da minha calcinha. Apertei os olhos quando seus dedos buscaram dentro dela,
tocando meu clitóris duro.
— Quão bom seria minha boca aqui! —Esfregou o dedo com carinho. — Eu
chuparia tão gostoso e me lambuzaria nessa boceta lisinha.
— Oh, Deus! — ofeguei, e ele voltou a chupar meus seios. Agora seu dedo
trabalhava em meu ponto de prazer e eu estava quase lá. Rebolei mais forte, querendo
gozar, precisando disso.
— Meus dedos estão molhados do seu mel. Quero provar. — Sua voz enviava
calafrios por meu corpo em febre. — Quer gozar, ma petit?
Concordei, já em desespero. Então, antes que pudesse pensar, ele nos virou.
Senti minhas costas no colchão e sua boca na minha. Enquanto seus dedos trabalhavam
em meu prazer, eu me senti vazia. Ele não me penetrou, mas não parava de esfregar.
Abri ainda mais minhas pernas, em busca de alívio. No momento em que Blake chupou
minha língua, meu cérebro derreteu.
— Ahhh, isso! Assim. — Eu rebolava sem parar, querendo que meu orgasmo
durasse para sempre, mas já sentindo como se fosse desmaiar. Meus seios doíam
pesados; meu corpo todo esticado como uma corda. Era demais. Demais. — Calma.
Segurei seu pulso, mas ele continuou a trabalhar em meu prazer que beirava a
dor. Estava muito sensível, como nunca estive. Abri meus olhos. Minha vista parecia
embaçada. Eu estava em estado de embriaguês pela enormidade do prazer que senti.
Blake me encarava com aquele olhar predador, tão próximo que sentia sua respiração
acariciar meu rosto. Vi quando levou os dedos brilhantes até a boca e os chupou.
— Porra — murmurei pela visão daquilo. Em minha coxa seu pênis pulsou.
Desprovida de qualquer vergonha que, sinceramente, nunca tive, estiquei minha
mão até poder segurá-lo.
— Caralho. — Blake esticou-se em toda a sua beleza masculina e primitiva. —
Retribua! Faça-me gozar.
Minha mão não fechava completamente, mas eu sabia o que deveria fazer; já
assisti milhões de vezes. Duro e rápido. Manter o ritmo. Estes eram o segredo.
— Espere. Deixe-me ajudar. — Tive que soltá-lo para que pudesse ajustar a
posição. Blake ficou erguido em cima de mim, as pernas abertas, um joelho de cada
lado do meu corpo. — Vamos com calma — murmurou com a voz apertada. Devagar eu
o vi abaixar a cueca. Engoli em seco quando, de fato, vi o seu tamanho. — Use a mão,
amor. Estou bem perto.
Oh, minha nossa! Minhas mãos tremiam quando o peguei. Meu polegar
acariciou a pérola de umidade que vazou da ponta. Com prazer, eu o vi gemer, fechando
os olhos. Envolvida pelo momento e pela aura de erotismo, ergui minha cabeça e passei
a língua na ponta, provando do seu sabor salgado.
— Faça de novo — implorou, o grande corpo tremendo.
— Assim? — Olhei em seus olhos e o lambi. Blake sorriu extasiado.
— Assim mesmo, feiticeira — gemeu arqueando o corpo. — Assim mesmo.
Capítulo 22

Valentina
Acordei com Blake beijando minhas costas, sua barba deslizando por minha
coluna, a língua indo e voltando, causando arrepios prazerosos em meio à sonolência.
Abracei o travesseiro, sorrindo.
— Bela forma de acordar. — Suspirei baixinho. — Bom dia.
Não obtive resposta. Meu namorado estava com a boca ocupada, lambendo
minha tatuagem. Ficamos assim um bom tempo. Eu só aproveitei entre suspiros e sonhos
quase reais. Aos poucos, seus beijos foram subindo até o meu ombro.
— Agora sim é bom dia. — Sorri sem abrir os olhos. — Não poderia deixar de
adorar o corpo da minha mulher.
— Fique à vontade. Por acaso me vê reclamando?
Esperei por alguma reposta esperta e nada. Franzi o cenho, virando o suficiente
para olhá-lo. Blake estava sentando no meio da cama, todo lindo só de cueca.
— O que foi?
Ele negou, esfregou o rosto e o cabelo. Parecia em conflito com algo.
— Blake? — Virei-me completamente. — O que aconteceu?
— Agora que dormi com você em meus braços e acordei com você enrolada em
mim, não quero mais viver sem isso. — Abriu os braços, aflito. — Não posso mais.
Quero você todos os dias.
— Blake...
— Não. Eu sei o que digo. Faz um ano, Valentina. Um ano inteiro que eu espero
para ter você.
Ele se aproximou, segurando meu rosto com ambas as mãos.
— Vem morar comigo!?
— Não posso. — Encolhi diante de sua expressão. — Sinto muito, mas é tudo
recente e não dá para avançar tão rápido assim. Nós estamos namorando há pouco
tempo.
— Você quer tempo para decidir? — disse isso buscando meus olhos.
Eu o encarei.
— Sim. Precisamos nos conhecer melhor.
— Quando a reforma terminar, você me dará uma reposta. Podemos nos
conhecer morando juntos.
— Blake, eu acho que...
— Sem mais. — Beijou meus lábios rapidamente. — Ao término da reforma,
uma reposta. Pronto. Agora fique aqui. Tenho algo para você.
Não parei para analisar essa demanda de Blake. Ele estava voando no
relacionamento, numa velocidade alarmante. Quero viver, sim, tudo o que eu puder ao
lado dele, mas sem pular etapas. Passei a mão no cabelo, observando ele sair do
quarto. Não sei o que ele tinha, mas, em matéria de surpresa, ele se supera, com
certeza.
— Feche os olhos, amor — gritou da porta.
— Você e sua mania de me mandar fechar os olhos — reclamei, mas obedeci.
— Pode entrar.
O colchão afundou quando Blake subiu. Franzi o cenho quando senti um
pacotinho ser colocado em cima de mim.
— Olhe.
Abri os olhos e eles quase saltaram. Meu coração na hora morreu de amores
pelo meu presente.
— Ohh, que fofa! — Com cuidado, eu peguei a filhote de dobermann que tremia
choramingando.
— Eu achei que você deveria ter. Eu prometi a Cyborg uma companheira. Foi
difícil encontrar essa cor, mas aqui está ela.
— Blake, você não existe! — Puxei sua nuca dando-lhe um beijo na bochecha.
— Eu te adoro!
— Eu sei que sim. Mas então, que nome você vai colocar nela?
Olhei para a filhote, encantada com a sua pelagem branca, olhos azuis e focinho
rosa. Ela era tão linda!
— Albina. — Olhei para Blake e ele concordou, sorrindo. — Minha filhotinha
fofa.
Emoção era algo fácil de descrever nesse momento. Blake estava me saindo
mais perfeito do que a encomenda.
Droga!
Porque eu disse não?
***

Blake
Encostado na parede da sala da minha nova casa, observo minha mulher
trabalhar. É uma coisa linda de se ver: ela toda concentrada em sua atividade. Uma
coisa que descobri sobre Valentina é que ela não gosta das coisas malfeitas, aliás,
ninguém dessa família gosta. A reforma está nos retoques finais, o piso superior estar
pronto e, confesso, ficou digno de um rei. Tudo perfeito, bem estruturado, cada coisa
em seu lugar de um jeito foda que compõe o ambiente dando um toque de personalidade
e íntimo.
One Love, one heart, let's get together and feel all right.
Ri ao ouvir o canto. Minha garota gostava de ouvir música enquanto fazia sua
arte. Suspirei, dando uma boa olhada na parede com aparência de mármore. Ela estava
sendo a mais demorada, pois compunha a parte da lareira que também teria a mesma
textura. Já pensava nas inúmeras vezes que poderíamos fazer amor ali. O fogo
emprestaria calor enquanto nos saciávamos um no outro. Caminhei em sua direção,
como sempre, e a abracei por trás.
— Bom dia. — Beijei seu ombro.
— Bom dia, Sr. Delícia — respondeu, largando a máquina de polimento para
poder me abraçar. — Você demorou a chegar, hoje.
— São nove horas. — Limpei um pouco de tinta que estava em seu rosto. —
Não demorei nada.
— Se levar em consideração que estou aqui desde as cinco, chegou tarde, sim.
Franzi o cenho. Há cerca de uma semana, todos os funcionários estavam
chegando mais cedo e saindo mais tarde. Por vezes Valentina estava tão cansada que
dormia aqui mesmo e eu, obviamente, com ela, visto que já estou com boa parte das
minhas coisas aqui.
— Vamos sair hoje. — Mexi as sobrancelhas. — Poderíamos passar o dia na
praia.
A risada dela me fez calar. Até parece que havia chance de eu conseguir afastá-
la de suas funções. A minha mordomia de começo de namoro acabou. Ressaltando que
eu nunca estive mais feliz, mesmo que tivesse que vê-la desmaiando de sono. O
importante, acima de tudo, era que a minha vida, desde que ela disse “sim”, mudou.
Nunca me senti tão bem, revigorado, cheio de planos de uma vida juntos, de um futuro
próspero.
Depois que um paparazzi nos flagrou, já estampamos várias capas de revistas,
não com fotos de estúdio, mas sim daquelas que nos pegam desprevenido. O mundo
soube, então, a quem meu coração pertencia.
— Eu não posso sair — ela disse isso acariciando meus cabelos. — Meu pai
cronometrou o tempo de serviço. Para que uma parte seja concluída totalmente, todos
precisam entregar no prazo. As férias de verão estão chegando. Meu pai quer te
entregar a casa um dia antes. — Ela ficou na ponta dos pés e me beijou de leve. —
Estamos a pleno vapor para finalizar, assim sendo, fazemos hora extra.
— Você é minha namorada — reclamei de sua ausência, só que não me sentia
abandonado de forma alguma. Desde que voltamos do Canadá, não nos desgrudamos.
Ainda não dormi na casa dela, mas, como eu disse: ela dorme na nossa.
— Sou, sim, a sua namorada. — Sorriu. — Mas ainda sou uma das funcionárias
contratadas para trabalhar aqui, sendo assim, eu não tenho escapatória. Você está
pagando uma fortuna. Valorize o seu dinheiro.
Revirei os olhos e me afastei, retirando a jaqueta. Arregacei as mangas da
minha camisa e estendi a mão.
— Vou ajudar. Diga-me o que preciso fazer.
— Não comece com isso, Blake. Estamos um mês adiantados. Falta muito
pouco. Apenas aguente.
— Diga-me o que preciso fazer — reforcei o meu pedido. — Eu posso te
ajudar, assim ficamos juntos.
— Vamos ficar juntos do mesmo jeito. — Ela riu. — Você adora me ver
trabalhar.
— Sim. Amo, na verdade. Fico duro te vendo toda concentrada.
— Pervertido!
— Com certeza. Agora me diz como te ajudar — insisti, vendo-a ceder,
derrotada.
— Por que eu sempre te deixo ganhar? — resmungou, indo até a mesa com os
equipamentos. — Essas tintas custam uma fortuna. A cor que escolhi teve que mandar
fazer, então se der merda, a culpa será sua.
— Me dê um pincel — pedi contente, mesmo que a carinha dela fosse de
desagrado.
— Não se usa pincel para fazer marmorato, meu amor. — Sua voz soou aflita.
— Você viu que uso espátula? Por favor, cuidado. — Estendeu um aparelho para mim.
— Tudo bem, assumo a responsabilidade. — Peguei o que parecia um polidor.
— E agora?
— Meu Deus! Vai estragar a minha linda parede — gemeu, esfregando a testa
— Não vou, amor. Explica-me que faço direitinho.
— Tudo bem — assentiu. — Vamos lá. A parede já está quase pronta. Agora
precisamos dar o polimento para surgir o efeito marmorizado. Eu já passei o verniz em
toda essa área. — Apontou. — Agora vem o trabalho minucioso. Ligue o aparelho e
faça movimentos circulares e curtos. O brilho vai surgir, aí quando você ver a
mármore, saberá que está pronto.
— Mas se passou verniz não já dá o brilho?
— Trabalhe e não questione — rosnou, colocando os fones. — Quem diz como
fazer sou eu.
— Sim, chefe.
Uma hora depois eu me sentia meio tonto, o braço doía e eu estava agoniado.
Não queria parar, mas estava calor, sufocante, na verdade, e o barulho que fazia ao
polir estava fazendo minha cabeça bater como um tambor.
— Blake?
Franzi o cenho, mas continuei. Sentir-me-ia ridículo se, depois de tão pouco
tempo, eu pedisse para sair, visto que Valentina passava quase doze horas fazendo isso.
Recusei-me a desistir.
— Querido, pare. — Fui parado pelas suas mãos. Ela segurou o aparelho e o
desligou. — Você está pálido e suado. Não se sente bem?
Neguei, afinal não existia segredos entre nós.
— Não estou sabendo lidar com esse cheiro.
— Mesmo com a máscara?
Acenei concordando. De repente a minha vista escureceu. Sacudi a cabeça,
cambaleando. Minha mulher me apoiou.
— Ei, calma aí, querido. — Ela ajudou-me a sentar. — Blake, você precisa ir
ao médico.
— Eu estou bem. — Respirei fundo. — Só foi o cheiro da tinta e o calor.
— Você diz isso, mas e aquela mancha que apareceu no seu corpo?
— Eu bati em alguma coisa.
Comecei o dia me sentindo ótimo. Nunca pensei que acabaria sem força nem
para ficar em pé.
— Estou bem, meu amor. — Acariciei seu rosto preocupado. — Foi apenas um
mal-estar.
Não iria dizer que meu nariz sangrou, ontem à noite.
— Espero mesmo. Você não pode ficar doente.
Ela me olhava com aqueles imensos olhos azuis, permitindo-me afogar em sua
profundeza. Deus, como eu a amo!
— O que está acontecendo aqui? — Sinclair chegou junto com a esposa e,
vendo meu estado, correram em minha direção. — Filho, o que você tem?
— Ele se sentiu tonto, pai.
— Por acaso cheirou o verniz do marmorato?
Acenei e Sinclair olhou feio para Valentina.
— Você fica sozinha quando faz esse trabalho por algum motivo! — ralhou,
fazendo minha garota encolher.
— Tem razão, pai. Eu não deveria ter permitido.
— Eu quis ficar. — Levantei, tentando me manter ereto. — Se precisa
repreender alguém, repreenda a mim.
— Não. Valentina sabe muito bem como funciona o nosso sistema. Ela tem os
equipamentos de proteção.
— Eu estava de máscara!
— Não importa. Agora venha comigo que irei te levar para casa. — A mão em
meu ombro evitou que eu revidasse. — Você está a ponto de cair. Vamos.
— Um minuto. — Puxei Valentina para um abraço. Em seu ouvido murmurei um
pedido de desculpas.
— Eu não devia ter deixado você ficar. Desculpe-me, por favor. Você passou
mal por causa do cheiro.
— Nada me manteria afastado de você. — Acariciei suas costas. — Eu te amo.
— Segurei seu rosto. — Mais tarde nos vemos, tudo bem?
— Sim.
Beijei seus lábios, saboreando a doçura que tanto me cativou desde o primeiro
toque.
— Blake? — A expressão dela doeu algo dentro de mim. — Você está bem
mesmo?
— Claro que sim. Por que não estaria?
— Não sei, é só que... — A abracei apertado, enterrando meu rosto em seu
ombro, aspirando seu cheiro amado.
— Não se preocupe comigo. Apenas se concentre em terminar isso, pois assim
ficará cada dia mais próximo de sua reposta.
Dei-lhe um beijo gostoso. Eu não queria ouvir mais uma recusa dentre tantas.
Nas vezes que dormimos juntos, eu sempre a acordei da mesma forma que em nossa
viagem, acariciando suas costas, adorando-a, ao fim, eu perguntava se não queria morar
comigo. Queria reforçar nossa ligação de forma emocional, pois ainda não a fiz minha
mulher, de fato.
— Até mais tarde. — Esfreguei meus lábios em sua testa. — Não fique muito
cansada, sim?
— Ok.
— Tudo bem. — Ri de sua mentira. Ela nunca deixava algo para o dia seguinte.
Eu tinha a plena certeza de que, quando terminasse hoje, estaria acabada, levando em
consideração o tamanho da parede.
Caminhei em direção a saída, mas antes de ir embora, me virei para olhá-la.
Valentina permanecia parada, encarando-me, o amor que ela ainda não confessou me
acariciando a distância. Eu sabia como ela se sentia, estava escrito em seus olhos, e,
naquele momento, meu peito apertou com uma aflição totalmente desconhecida. Era um
medo estranho, que me fazia tremer sem motivo algum.
Não se preocupe, meu amor. Tudo vai ficar bem.
Aquela sensação estranha voltou a me assolar.
Saí da minha casa, admirando os jardins. Estava magnífico e já não haviam
máquinas; agora restaram pouco equipamentos, pois estavam na fase de acabamento.
Sinclair me entregaria a casa antes do prazo. O cara era realmente foda, porque a
qualidade do trabalho estava inquestionável.
Um vento frio acariciou meu rosto, e fechei os olhos por um momento,
esperando que, em pouco tempo, minha Valentina dissesse sim.
— Blake, vamos?
Permiti que Sinclair me levasse para casa. Fomos em silêncio. Eu ainda estava
enjoado e tonto. Queria apenas chegar em casa e deitar um pouco. Fiz exatamente isso.
Tomei um remédio para dor de cabeça e deitei.
Dormi o dia e a tarde inteira. Acordei sentindo dor no estômago, morto de fome.
Grogue, desci as escadas até a cozinha. Não pedi ajuda à governanta; eu mesmo fiz
alguns sanduíches e comi ali mesmo. Tão logo matei a fome, me senti melhor,
revigorado. Não gostava da sensação de mal estar, de fraqueza. Subi para o meu quarto
e troquei de roupa. Coloquei uma sunga e fui para piscina. Nadei com braçadas fortes,
tentando me sentir melhor por simplesmente conseguir fazer aquilo.
Às sete horas da noite cheguei na casa de Valentina. Optamos por uma noite
tranquila, no quintal, mesmo. Forramos uma manta e ficamos abraçados, olhando as
estrelas. Albina estava encolhida ao redor de Cyborg. O grande dobermann não só
aceitou a filhote, como era feroz no que se dizia respeito a ela.
— Blake, você já reparou como aquela vista que tem na sua casa é perfeita?
Virei de lado, apoiando a cabeça na mão; assim podia olhá-la à vontade. Nunca
vi mulher tão linda. Ela me roubava o juízo, me fazia ter aquela sensação de
pertencimento.
— Não reparei. Geralmente quando estou lá, tenho você, então fico ocupado
olhando ou tentando ver outras coisas.
— Seu tarado! — Bateu no meu ombro. — Você tem que ver! O nascer do sol é
incomum, e, à noite as estrelas parecem maiores.
Aproximei-me o máximo que pude de seu corpo, transferindo e buscando calor.
— Só será tão bonito assim se você estiver comigo. — Deslizei o polegar em
sua bochecha. — Fica comigo lá, meu amor.
— Uma semana — suspirou de olhos fechados. — Meu pai fechou o cálculo. A
casa vai ficar pronta um dia antes do início das férias, assim todo mundo vai poder
viajar.
— Sua família planeja algo?
Fiquei excitado com o mero pensamento. A ideia de que ela estava propensa a
aceitar meu insistente pedido fazia meu coração acelerara suas batidas.
— Quanto a isso, meu pai quer que a família vá visitar nosso avô na Escócia.
Na verdade, ele já comprou as passagens.
Sentei apressado, não acreditando no que ela me disse. Então minha Valentina
vai viajar, passando pelo menos um mês fora e sem mim?
— Eu não vou, Blake. — Seus braços se fecharam ao meu redor. — Eu vou
ficar com você.
Será que ela vai aceitar? Deus, que seja verdade!
— O que está dizendo é o que eu acho que está? — Puxei-a para meus braços.
Eu queria encarar seus olhos quando me dissesse.
— Você vai ter que enfrentar meu pai, e acho que será uma barra.
— Só me fala as palavras. Eu preciso ouvir.
— Eu vou ficar com você quando a casa for entregue — murmurou, encarando-
me.
— Puta que pariu. Isso mesmo!
Espalhei beijos por seu rosto, fazendo-a rir por causa da minha barba. Valentina
gargalhava sem parar. Ao fim, engolimos nossos gemidos em meio a um beijo de prazer
e entrega. Graças a Deus ficaríamos juntos. Para sempre.
Uma semana demoraria uma vida para passar.
***
Na semana seguinte, mal havia levantando da cama quando meu telefone tocou.
— O que foi? — perguntei, penteando os cabelos com os dedos.
— Que voz é essa? Bom dia para você também. — A voz do meu agente soava
divertida. — Tenho boas notícias: os exames para a corrida do milhão foram
adiantados. Hoje você precisar estar lá na clínica, às oito.
— Por que tão cedo? Um mês de adiantamento é muita coisa!
— Já sabíamos que seria antes, mas combinamos que seria melhor, assim
teríamos as férias de verão para curtir. Os treinos começam ao término desse prazo.
— Tudo bem, estarei lá. E Brad, alguma notícia de Nikkos?
— Ele está indo bem, mas talvez não corra na próxima temporada.
— Espero que dê tudo certo para ele. Agora preciso ir, caso contrário, irei me
atrasar.
Tomei um banho rápido. Quando fui me vestir, tive que trocar a calça que
escolhi, que estava um pouco folgada. Confuso, pois não notei que perdi peso, procurei
por outra que não ficou melhor que a primeira. Não me importei com isso. Minha vida
estava uma correria sem fim, então perder peso deve ser uma consequência disto, mas,
por via das dúvidas, tomei um café da manhã bem reforçado. Na realidade, eu sempre
me alimentei muito bem. Ao fim, atribuí meu emagrecimento ao estresse e ansiedade.
Fiz meus exames, mas, dois dias depois a minha médica mandou que eu
voltasse. Quando a questionei, ela disse que a amostra foi insuficiente e teria que
recolher mais. Não pude ir no dia marcado, pois estava com Valentina em uma das
raras ocasiões em que ela pôde. O término da reforma estava quase aí, a parte dela já
estava a um passo de acabar. Voltei à clínica no dia seguinte ao que a médica solicitou;
desta vez, a quantidade de amostras foi bem maior, mas não questionei. Sempre
começávamos com os exames de sangue e depois, quando os resultados saíam,
passávamos pela bateria de testes, digo: os de resistência física e cardíaca.
No dia anterior – exatamente uma semana depois do combinado – à noite, na
casa de Valentina, eu estava recebendo a chave da casa em uma espécie de pequena
solenidade divertida. Agradeci a todos pelo empenho e trabalho árduo e ininterrupto.
Sei disso porque fui a ela todos os dias; praticamente morei nessa obra. O motivo era
não querer me afastar da minha megera adorada.
O sorriso lindo marcando seu rosto era incrível. Agora começávamos nossa
vida juntos. Eu não acreditava que estava pronta a nossa casa, e ainda não imagino o
que Valentina vai dizer quando lhe presentear. Quando todos foram embora, eu quis
ficar a sós, com ela, curtir um momento para nó dois. A essas alturas eu já estava
totalmente instalado na casa nova. Agora era a vez de trazer as coisas suas coisas para
cá.
— Quando vai se mudar? — Funguei em seu pescoço. — Dorme comigo hoje?
— Eu vou vir amanhã com uma mochila. — provocou. — Mas hoje vou dormir
em casa. Meus pais partirão amanhã, ao meio dia. Quero ficar com eles.
— Vai me deixar sozinho? — Esfreguei-me em sua bunda, de forma muito sutil.
Só queria que ela sentisse como me deixava.
Desde aquele dia, na nossa viagem, eu não forcei, porém, cada dia que passava
eu me sentia mais e mais necessitado e a ponto de explodir. Precisava fazê-la minha.
Isso era algo tão importante quanto o meu próximo fôlego.
— Não quero te deixar, mas preciso desse momento com minha a família. —
Sua voz estava muito baixa. Com cuidado eu a virei. — Eu sei que, quando sair da
minha casa amanhã, não voltarei. Estou te aceitando, Blake. Não vou colocar barreiras,
amanhã...
— Você será minha? — Olhei em seus olhos. — Sabe que no momento que te
tomar não terá volta, não é?
Um suspiro trêmulo escapou. Tive que abraçá-la, transferir confiança de que
aquilo era o certo.
— Filha, vamos? — Miranda chamou. Antes de permiti-la se afastar, eu dei-lhe
um beijo apaixonado. Não muito intenso, e sim daqueles que eram reservados, já que
sempre nos levava a outro patamar.
— Vai, meu amor. — Acariciei seus cabelos. — Amanhã será o primeiro dia do
resto de nossas vidas juntos. A primeira terça-feira do resto das nossas vidas juntas.
Seus olhos brilharam. Observei-a se juntar a sua família e ir embora. Sozinho
em minha casa, notei que cada lugar parecia existir a essência e Valentina. Ela
impregnou sua personalidade ali de tal forma que, se me concentrasse, poderia respirá-
la.
Ansiei pelo dia seguinte e, quando este chegou, eu fui chamado à clínica para
receber meus exames.
— Bom dia, doutora — cumprimentei, me sentando na cadeira. Já a conhecia de
anos. — Tudo em ordem com os meus exames?
O olhar da Doutora Annalyn era fixo. Ela me analisava e isso me deixou
desconfortável.
— Blake, eu vou te fazer algumas perguntas e quero que seja sincero, tudo bem?
Concordei, me sentando ereto. O tom dela me deixou em alerta.
— Você andou sentindo enjoo e tontura?
— Bom, sim, mas nada demais. — Pigarreei. — Quero dizer, eu peguei um
vírus quando passei pelo Texas, e aqui o clima estava...
— Você perdeu peso? — interrompeu meu discurso que me auto declarava livre
de qualquer mal.
— Sim, mas foi uma bobagem, nada que faça diferença.
Ela acenou, folheando alguns papéis. Aquilo me deixou agitado, para não dizer
nervoso. Precisava sair urgente daquele consultório.
— Eu preciso ir. Ainda tenho os testes físicos para fazer, além de começar a
mudança da minha namorada. Vamos morar juntos. — Sorri, feliz por um momento.
— Sinto muito, Blake, mas você precisa prestar atenção ao que vou te dizer,
porque, agora, o que importa, é você. O resto pode esperar.
— O que quer dizer?
O breve silêncio que se seguiu me fez ter a sensação de um dedo gelado
descendo pela minha espinha.
— Eu não queria te dar essa notícia, mas meus desejos não importam; sua
saúde, sim.
— Eu estou ótimo. — Levantei-me pronto para ir embora. — Preciso ir. Tenho
compromissos que requerem minha atenção pessoal.
— Blake, seu compromisso agora é consigo mesmo. — Indicou a cadeira e me
sentei, mesmo sem querer. — Ouça com atenção.
— Não vejo outra escolha, então fale o que tanto preciso ouvir.
— Seus exames de sangue deram uma grande alteração nas plaquetas e nos
leucócitos, por isso eu solicitei que você voltasse. Precisava fazer mais testes para
confirmar a origem da causa desse distúrbio.
— E...?
— Você está com anemia e isso revelou...
— Ah, bobagem! — Abanei a mão, aliviado. — Uma boa suplementação e curo
isso rapidinho. Receite-me um bom remédio e tudo estará resolvido.
— Blake, o que você tem é muito mais grave que isso. Anemia é apenas um dos
primeiros sinais, o que, no seu caso, já está aí há algum tempo.
Perdi a paciência. A cada volta que este diagnóstico dava, eu me sentia pior.
Parecia que a minha médica não sabia como dar a notícia, e eu preferia que fosse de
uma vez.
— Por favor, Doutora Annalyn, apenas diga de uma vez. — Inclinei-me para
frente. — O que eu tenho?
Uma pausa se seguiu e ela também se inclinou, então, cruzou os dedos de forma
profissional, me olhando com cara piedosa. Instantes depois uma bomba explodiu na
minha cara, abalando todo o meu mundo:
— Você está com leucemia.
Capítulo 23

"O medo é uma força imprevisível, como furacões, terremotos e tsunamis. Ele pode destruir tudo. Um homem que não
consegue lidar com isso, ao fim de sua jornada pode estar vivo, mas despedaçado. Depois, a única coisa que importa é
manter todas as metades juntas, e tentar sobreviver, o tempo que for preciso."
Blake Walker – O início de tudo.

Blake
Meu cérebro se recusava a acreditar no que acabei de ouvir. Eu me recusava a
formular o pensamento, pois, de alguma forma, quando isso acontecesse, a realidade se
concretizaria. Ao meu redor, tudo parecia ruir como um castelo de cartas, e, ainda
assim, uma parte de mim sustentava a mentira de que tudo não passava de um engano.
Um lamentável e esperançoso engano.
Você tem leucemia...
Um frio congelante aos poucos ia se infiltrando em meu corpo. Senti-me tremer
e reforcei mentalmente que estava bem. Tudo tinha que estar bem, porque... Fechei
meus olhos, doendo por dentro. De forma alguma era justo que, logo que encontrei a
felicidade, a plena e desinteressada felicidade, isso acontecesse.
― Deve haver algum engano. ― Minha voz saiu baixa, meio aterrorizada. ―
Eu estou bem. Olhe para mim! ― Ri sem humor. ― Eu pareço doente? ― Levantei da
cadeira, esfregando meu cabelo. Notei que minha mão estava ainda mais trêmula.
Doutora Annalyn me olhava com pesar, a típica expressão de médico quando
está dando uma notícia catastrófica a um paciente. Calma, Blake. Você não tem nada!
― Blake, eu sou sua médica há quanto tempo?
― Muito. ― Sentei-me novamente. Um pânico mudo me fazia engolir duro. ―
Muito tempo.
Ela acenou concordando. A calma parecia uma segunda camada sobre ela.
Enquanto isso eu parecia a ponto de estourar.
― Você sabe que eu jamais daria um diagnóstico dessa magnitude sem ter a
plena certeza. ― A voz dela ainda estava tranquila, para o meu desespero. Parecia que,
quanto mais suave e metódica ela estivesse, pior era o resultado para mim.
― Explique-me ― murmurei sob o fôlego. ― Por favor, eu preciso saber de
tudo.
E aquilo se tornou real. Fechei os olhos novamente. O primeiro estágio do meu
terror começou: o diagnóstico. Lá no fundo da minha mente uma frase ecoou,
concretizando tudo, transformando minha negação em realidade:
Eu estou com câncer... Oh Deus...
Respirei fundo, sentindo-me tonto, sufocando aos poucos.
― Respire, querido. ― A voz da doutora me acalmava. ― Só respire. Você
precisa fazer isso sozinho. Vamos.
Obedeci. De cabeça baixa, consegui forçar o medo a recuar. A sensação era de
milhares de insetos rastejando em minha pele, real ou não. Terrível e apavorante.
Parecia uma eternidade até que pude tentar ser mais racional e duro.
― Blake, me ouça com atenção. ― Acenei. Eu não tinha escolha. Ela me foi
tirada. ― Quando os resultados dos seus exames saíram, uma informação me chamou
atenção.
― O quê? Há cerca de três meses eu fiz o teste antidoping e estava tudo certo.
Não houve nada que...
― Não é assim que funciona ― interrompeu mais uma tentativa falha de
arrumar uma saída, uma explicação para negar o que ela me dizia. ― O seu exame de
sangue mostrou um grave distúrbio nas plaquetas e em outros elementos que compõem o
seu organismo de defesa. Eu te falei sobre isso agora há pouco, porém vou explicar
melhor para que entenda. Começando pelos leucócitos, que fazem parte da série branca
e...
― Espera! ― Ergui uma mão. ― Explique de forma mais clara para mim.
Agora mesmo, se me disser que o céu é azul, terei que olhar para ter certeza. Não estou
pensando direito.
― Tudo bem, me desculpe. ― Suspirou, mexendo nos papéis à sua frente. ―
Quando pedi que voltasse aqui para refazer os exames, eu queria investigar
profundamente o real estado da sua saúde, devido ao resultado das plaquetas. ― Abri a
boca, mas ela adiantou-se: ― As plaquetas mostram se tem algo errado com o sangue,
por exemplo: a anemia. Se as plaquetas estão baixas, então é sinal de anemia.
― Então eu tenho isso! ― Um falso sorriso foi arrancando dos meus lábios. ―
Está vendo? É anemia. somente anemia. Você errou, doutora.
― Blake, vamos com calma. Só me ouça, tudo bem?
Franzi o cenho, aflito. Tive que fechar as mãos em punho para poder controlar
os tremores.
― Quando comecei a investigação, precisei testar para ver qual tipo de anemia
era a sua. Algumas são extremamente graves e podem gerar o distúrbio nas plaquetas,
porém, na análise sanguínea, os resultados apontaram a existência de células
leucêmicas, assim, eu precisei descobrir qual tipo de leucemia você tinha e em que
estágio ela se encontrava.
Cada palavra era como um golpe certeiro. Nesse momento eu não tinha que ser
forte e aceitar meu destino. Na verdade, eu não era obrigado a aceitar porra nenhuma.
― Qual o meu tipo de leu... ― Respirei fundo. ― Dessa doença que eu tenho?
― Você foi diagnosticado com Leucemia Promielocítica Aguda.
Silêncio? Não. Eu ouvia meus ouvidos explodindo com cada palavra.
― Adiante! Explique melhor. ― Minha boca torceu numa careta triste.
― Inicialmente é assim: as células leucêmicas atuam como um bloqueador da
medula óssea. Elas não permitem a produção de células saudáveis, sendo assim, a
reprodução é apenas de células doentes, causando insuficiência medular. ― Eu ouvia a
tudo atentamente, mesmo que apenas umas poucas palavras marcassem meu cérebro; eu
estava enumerando-as para os próximos pesadelos da minha vida. ― Sabendo que há
caso confirmado de leucemia, testamos o sangue até encontrar o tipo específico e criar,
a partir daí, um mapa de tratamento. Vamos começar com...
― Fale mais sobre o meu tipo especifico. Quero saber!
Só me diga que tudo não passou de uma brincadeira, doutora. Juro que
agradeceria por toda a minha vida e nem ficaria chateado.
Dei um riso fraco. Mentir para mim mesmo era uma especialidade que eu
possuía, porém, até hoje funcionou, pois acreditei que Valentina me amava, mas ela não
queria nada comigo. Agora estamos juntos e ela iria morar comigo hoje. Seria minha,
sem reservas. Tudo acabou agora!
― ... Está associada à translocação... Blake está me ouvindo?
Balancei a cabeça, empurrando para o fundo da mente o que me causava mais
dor do que saber do câncer.
― Desculpe. Pode repetir? ― Minha voz a cada instante perdia força.
― Olha, você não precisa saber as causas.
― Não me tome por um tolo, doutora ― rosnei, sentindo a primeira centelha de
revolta. ― Eu quero saber o que está me destruindo de dentro para fora.
Ela acenou, respirando fundo e pausando. Parecia escolher as palavras.
― Que assim seja. Não vou esconder nada. Serei bem clara, deste modo você
saberá com o que estamos lidando. ― Sua voz firme, de algum jeito, me passou
segurança, mesmo que não significasse nada, agora. ― O seu tipo de leucemia é
responsável por cerca de dez a quinze por centro das Leucemias Mielocíticas Agudas
(LMA). Ela apresenta morfologia de promielócitos anormais, com alguns dados
diferentes associados e específicos que geram granulações no citoplasma, mais de 80%
dos casos, fatores morfológicos, que resultam na fusão de alguns genes.
― E...? ― Não entendi absolutamente nada, na verdade, tudo o que eu ouvi até
agora só me deixou mais assustado e confuso.
― Blake, os pacientes da LPA apresentam um quadro clínico com alterações
laboratoriais compatíveis com a coagulação intravascular disseminada. ― Doutora
Annalyn me olhou muito séria, agora, ainda mais do que esteve o tempo todo. ―
Infelizmente este é o motivo para a evolução tão rápida da doença...
― E a morte? Essa é a palavra que falta para completar a sentença? ― Levantei
da cadeira, me sentindo enjaulado, preso e louco para fugir. ― Não me diga que eu fui
premiado com a loteria do câncer? Pela quantidade de casos, fica meio óbvio que eu
estou mais fodido do que outra coisa.
― Seria, se a LPA não fosse a leucemia com melhor prognóstico.
Um fio de esperança. Respirei fundo, sentindo como se uma gota fosse retirada
do rio que me afogava.
― Blake, sente-se ― Annalyn pediu com gentileza. ― Vamos conversar sobre
o tratamento.
― Em que estágio? ― murmurei desabando na cadeira. Nem me importei com
sua frase anterior. ― Quero saber.
Ela me olhou durante o que pareceu uma eternidade. Na verdade, não durou
nada, mas agora, até um piscar de olhos parecia demorado, porque o tempo, para mim,
se tornou algo a ser encarado sob uma nova perspectiva.
― As leucemias são diferentes porque cada paciente se apresenta de uma
forma.
― Um número, doutora.
Agora foi a vez de ela suspirar. Notei que havia fadiga em sua expressão, assim
parecia que ela odiava estar lidando com isso, contudo, nada se comparava a como eu
me sentia.
― Colocaremos assim ― Cruzou os dedos ―: De um a cinco, você está no
estágio dois.
― Não me ferra! ― Sacudi a cabeça, uma risada histérica escapando. ― Passei
o último ano apodrecendo por dentro e só pensando em conquistar minha namorada!
Evolução rápida, ela falou. Incrível como minha leucemia – sim, ela é minha –
gosta de velocidade, assim como eu.
― Blake, só fique comigo, certo? ― Analyn chamou minha atenção. ― Vamos
falar do tratamento?
Dei de ombros. Havia outra opção? Não! Com certeza, não.
― Vamos iniciar o tratamento com o Trióxido de Arsênio. Vamos fazer quatro
ciclos com seis sessões cada uma. Toda sexta-feira, tudo bem?
― Assim terei o final de semana para me sentir péssimo? ― O zumbido no meu
ouvido pareceu aumentar. ― Para mim está ótimo!
― A primeira etapa completa do tratamento durará o tempo total de cinco
meses. Essa será a indução ― continuou como se eu não houvesse dito nada. ― Se tudo
der certo, já avançaremos para a consolidação com mais um conjunto de ciclos, e, por
fim, passaremos à manutenção.
― E eu estarei curado? ― Ri, mesmo sem querer. ― Está me dizendo que
possivelmente estarei perdendo um ano da minha vida?
― Não, Blake! ― Minha médica respirou fundo, impaciente. ― Estou dizendo
que você vai lutar para ganhar muitos anos. Não se trata de perda, e sim de ganhos.
Você tem câncer. ― Encolhi com a dureza das palavras ― Fugir disso não vai mudar
nada. Você precisa aceitar e começar a se fortalecer para poder passar por tudo. Não
esqueça que tem uma família que, ou pouco ou muito, vai precisar que você seja forte.
Meus olhos queimaram, mas me contive. Não combinava comigo encolher e
chorar, mesmo que o pior estivesse acontecendo. Aguentaria firme e forte.
― Começamos quando? ― perguntei friamente, querendo mostrar força. Grande
mentira. ― Nesta sexta?
― Não. Estamos no meio da semana ― Falou e eu fiquei cheio de dúvidas, mas
sem querer perguntar mais nada.
Balancei um pouco na cadeira, olhando para os lados, minhas mãos frenéticas
torcendo-se com força.
― Fale, Blake. Não esconda nada.
― Como vai ser? ― Dei de ombros. ― Onde vou me tratar? Quem vai cuidar
disso? Será você?
― Não, na verdade eu estou apenas conversando com você por ser sua médica,
mas não sou especialista em oncologia. ― Um longo suspiro se seguiu. ― Eu conversei
com um amigo meu e juntos estudamos seus resultados e discutimos os tratamentos. Vou
te passar para ele, mas quero que saiba que sempre estarei por perto.
Ela estendeu as mãos. Relutante, eu ofereci as minhas, assim notei que estava
gelado.
― Eu sou sua amiga, Blake ― Confortou-me com um aperto leve. ― Vai dar
tudo certo. Vamos seguir cada passo do caminho acreditando no sucesso. Você é forte.
Vai superar.
Concordei, mas no fundo eu ainda nem aceitava a doença. Como poderia
começar a acreditar que sairia vitorioso disso tudo? A força de vontade é muito
diferente da realidade, pois muitas vezes você trabalha a vida toda para conseguir algo
e mesmo assim não dá certo. No meu caso, não conseguir significaria a minha morte.
― Enquanto houver chances, vamos lutar. ― Doutora Annalyn me olhou
fixamente e quase pude ver pena em sua expressão. ― Não poderemos sequer pensar
em desistir.
― Sim. A única diferença é que eu estarei lutando comigo mesmo. ― Puxei
minhas mãos. Não queria pena de ninguém. ― Meu corpo resolveu fazer uma roleta
russa. Vou seguir tentando, doutora, mas saiba que estar com prazo de validade muda
muito a forma de enxergar as coisas.
Assentindo, ela começou a escrever em um papel, que logo me entregou.
― Procure o Doutor Richard Marchese no City of Hope. Ele está aguardando.
Vá direto para lá ao sair daqui, por favor.
Levantei, meio trôpego e, sem pensamentos coerentes, caminhei para a porta,
mas parei quando uma pergunta surgiu em minha cabeça.
― Por que não descobriram que eu estava com câncer... ― Respirei fundo,
tentando me blindar daquilo. ― Quando sofri o acidente?
― A doença estava muito recente. Não se mostraria nos exames normais, a não
ser que fosse feito algum teste especifico genético, morfológico. Precisaríamos ter
alguma suspeita, e não havia nenhuma.
Concordei contra a minha vontade. Tudo ali era contrário ao que eu queria.
― De fato, a minha leucemia é tão veloz quanto eu.
Saí sem esperar resposta. Aquele pequeno fio de esperança morrendo tão
rápido quanto nasceu.
O trajeto até o hospital foi feito em meio a uma bruma desconcertante. Ora a
imagem do rosto da doutora surgia em minha mente, um replay maldoso do meu
diagnóstico se seguia com entristecedora precisão. Você tem leucemia; você está com
câncer. É grave e evolui rápido!
Sim, eu estava mesmo, sem querer, criando meu inferno pessoal. Nunca pensei
que um conjunto de palavras fosse tão significativo na vida de uma pessoa. Como um
homem, no auge da sua vida, da sua saúde, pode receber uma notícia dessas? Era
injusto; muito injusto. Na verdade, era inaceitável.
Estacionei minha moto em frente ao hospital, internamente guerreando contra o
que estava acontecendo. Uma dor quase física me machucava. Se eu parasse para
analisar, não era dor, realmente, mas uma sensação, um frio na barriga que antevem uma
dura realidade, como um mal presságio, uma consequência de mau funcionamento
interno.
A realidade da minha vida é que alguma parte otimista diz que tudo vai dar
certo, mas logo outra parte maior e mais forte joga na minha cara que eu vou morrer.
EU NÃO QUERO MORRER, mas eu não sei como me obrigar a pensar
diferente. Infelizmente não treinei para este momento. Na recepção do hospital eu fui
reconhecido,. A pobre garota pensava que eu estava nas típicas visitas dos famosos.
Ah, se ela soubesse que passaria a ser um visitante regular, mas não por
motivos altruístas...
― As nossas crianças ficarão muito felizes com sua visita, Sr. Walker. Irá
alegrá-las muito.
― Eu preciso falar com o Doutor Richard Marchese.
― Ah, claro. ― Sorriu feliz. ― Venha comigo.
Caminhamos por um corredor cheio de portas. Mais adiante havia uma placa
central com algumas informações que me fizeram gelar. UTI, Isolamento, Oncologia
pediátrica, reabilitação.
Cada palavra era terrível demais. Se eu, um homem adulto, não estava sabendo
lidar com toda essa merda, que dirá uma criança? De repente uma enfermeira passou
correndo. Ela falava apressada ao telefone, repetindo sem parar: Código vermelho a
caminho.
― Sr. Walker, o consultório do doutor Marchese fica no fim do corredor,
primeira porta à direita. Preciso voltar à recepção. Temos uma emergência chegando.
― Olhei de um lado para o outro, acuado. Ouso dizer que podia sentir o cheiro de
doença.Aquilo me deixou ainda mais enjoado.
Assenti, já apressando os passos até o consultório. Eu não queria estar perto
quando o código vermelho chegasse. Na verdade, ali tudo parecia ser tarjado de
vermelho.
Uma batida na porta depois eu estava rumando para minha nova realidade.
― Blake Walker é um prazer recebê-lo. ― Um home alto, com aparência de
cinquenta anos, me saudou.
― Não se ofenda se eu disser que para mim não é prazer nenhum. ― Aceitei
sua mão estendida. ― Eu não gostaria de estar aqui pelos motivos que estou.
― Suponho que a doutora Malkom já te explicou boa parte do que vem a seguir,
não é? ― Indicou a cadeira à sua frente
― Sim. ― Sentei-me com um longo suspiro. ― Não existe nenhuma chance de
vocês estarem errados?
Ah, esperança! Por que insiste em seguir adiante?
― Você está em negação. ― Folheou alguns papéis. ― Esta é a primeira fase
psicológica dos pacientes com câncer.
― Talvez eu nunca saia desta fase ― murmurei só para mim, mas ele ouviu.
― Você precisa, Blake. Posso te chamar assim? ― Concordei. Não fazia muita
diferença, já que iríamos conviver por um bom tempo.
Para que formalidade, afinal de contas?
― Como se sente?
Ri sem humor.
― Sinceramente? Não faço ideia! ― Sacudi os ombros, demonstrando
nervosismo. ― Primeiro quero acordar e ver que isso tudo é um pesadelo; depois eu
trato da minha condição como algo real; aí eu nego; então volto para o início.
― Ainda é negação ― falou tranquilo, com cara de quem faz isso todo dia, e
sim, ele faz. ― O que a doutora falou sobre o seu tratamento?
Suspirei. Não dava para avançar nas questões? Eu não queria pensar muito
nisso, agora. Negar era tão fácil quanto respirar. Preferia pensar em termos práticos,
assim posso agir como se não fosse comigo. Por enquanto.
― Tudo bem. Discutimos muito sobre a melhor forma de iniciarmos seu
tratamento. Montamos um plano de curso que você já deve saber. ― Acenei. ― Bom,
eu estou assumindo todos os aspectos de seu tratamento. A doutora Annalyn, por ser
mais próxima, preferiu te dar o diagnóstico, ao invés de te encaminhar para mim. Agora
seguiremos daqui.
Trinquei o maxilar, concordando com tudo. Observei, meio ausente, enquanto,
metodicamente, o doutor arrumava os papéis em duas pilhas. O barulho que fazia estava
me deixando nervoso, quero dizer, ainda mais do que estava.
― Acordamos que suas sessões de quimioterapia seriam às sextas. ― Dei de
ombros. ― Mas, antes disso, precisamente quarenta e oito horas antes, você terá que
vir para receber a primeira dose do soro Ringer Lactato.
― Para que é isso? ― Cruzei os braços. Não estava fazendo questão de ser
educado, ou amigável. Não me sentia obrigado e nem um pouco civil.
― Para evitar a síndrome lise tumoral ― explicou, mas a minha cara de
interrogação era muito óbvia. Até parece que vivo citando esses nomes por aí. ―
Resumindo: vamos evitar que o câncer se desloque para outros lugares.
Grande! Isso poderia ficar pior?
― Você vai tomar dois frascos em vinte e quatro horas, dois dias antes da
quimioterapia.
Ah, sim, pode!
― E se eu não quiser fazer o tratamento? ― A pergunta escapou antes mesmo
de eu pensar direito.
O homem olhou para mim com uma expressão que poderia ser classificada
como a de uma diretora. Em seus olhos, a recriminação era tão óbvia que chegava a ser
engraçado. De todos os modos, essa era uma decisão minha.
― Você, hoje, tem cerca de 80% de chance de sucesso. ― Sua voz era
contrária à sua expressão. ― Se você não quiser o tratamento agora, tudo bem, mas não
garanto que depois vá conseguir.
Fizemos silêncio. Hoje, por mais que em meu interior eu esteja uma merda
caótica, por fora eu nunca estive mais silencioso.
― Posso ir embora?
― Não, Blake. Você não pode ir. Precisamos conversar. Este momento é
importante. Você precisa me fazer perguntas, questionar cada aspecto de sua doença, do
tratamento. De tudo.
― Eu não quero agora. ― Eu me ergui. ― Vou para casa, pensar no que fazer,
decidir. Depois... ― Suspirei passando a mão no cabelo. ― Vou dar um jeito nisso
tudo.
Caminhei até a porta e abri, mas a voz do doutor Marchese me fez parar:
― Você precisa arrumar suas coisas, Blake. ― Fechei os olhos absorvendo em
meu corpo as palavras proferidas. ― Sua primeira seção de quimioterapia está
marcada para a próxima sexta, mas sabe que tem que vir passar o dia aqui na quarta,
não é? ― Não respondi. Guardei minha voz. ― Descanse esses dias e se prepare. Não
estou pronto para ver alguém com ótimas chances desistir sem antes começar.
― Terminou? ― perguntei sem me virar.
― Arrume suas coisas, Blake.
Saí dali meio estranho, com certeza pior do que cheguei. Não sei colocar em
palavras o que eu sentia, exatamente. Tudo o que falei e pensei, até agora, não era um
1% de como eu me sentia. Queria poder explicar a sensação de impotência que me
engolia; queria poder colocar para fora a sensação de sufocamento que parecia me
matar aos poucos, além do fato de não acreditar que, logo agora, que estava no auge da
minha fodida vida, eu ganhava um soco do destino. Era uma irrealidade tão incrível que
chegava a ser doentia. Sem rumo, caminhei pelo longo corredor, pensando em tudo e em
nada, sem focar em algo especifico.
A distração que a surpresa e pavor causavam me fizeram bater em alguém.
― Desculpe. ― Ergui a cabeça e um homem de boné, com aparência de
extremo cansaço, sorriu, mas era um sorriso zombeteiro.
― Pós diagnosticado, não é?
Franzi o cenho, dando um passo atrás.
― Como sabe? ― O homem abanou a mão, soltando uma risada seguida de uma
tosse longa e ruidosa.
― Você tem um grande alvo nas costas, amigo. ― Riu. ― Você tem cara de
que o câncer beijou sua bunda.
Rosnei baixo, apertado as mãos em punhos. Não estava no humor para merda de
doente.
― Não fique com raiva. Eu já vi muita gente recebendo diagnóstico, morrendo,
se curando, indo embora e voltando pior... Sou um veterano nesse lugar de merda.
Conheço os leprosos como eu só de olhar para um.
Eu não sabia o que dizer. Nunca tive aquele tipo de conversa na minha vida.
Resposta alguma se formava em meu cérebro que, aliás, entrou em modo espera.
― Preciso ir. ― Tentei passar, mas o homem insistiu.
― Qual é o seu tipo de câncer?
Oh, Deus! Eu não quero ter esse tipo de conversa. Não estou pronto para isso,
ainda.
― Não é da sua conta! ― Mais uma vez eu tentei passar. O outro insistiu.
― Eu tenho leucemia. ― Riu tirando o boné, permitindo-me ver sua aparência
cadavérica e assustadora. ― Sangue podre, caro amigo. Mas veja: eu tinha quase 90%
de chance de cura, comecei no estágio um. Era quase como se, ao momento que a
leucemia espirrou, eu surgi com um lenço, porém, o que eu ganhei?
Meu corpo todo tremeu de forma ainda mais violenta desde que ouvi a palavra
leucemia pela primeira vez.
Ele começou melhor do que eu, e agora está assim? Morrendo? Cada pessoa
é diferente, Blake. Siga seu caminho! Convenci-me. E se eu não for?
― Não quer saber o que ganhei? ― Cutucou sorrindo, os lábios já ressecados
rachando diante dos meus olhos.
― O que ganhou? ― Arqueei uma sobrancelha, demonstrando irritação
,quando, na verdade, eu queria fugir. Sentia-me enjoado a cada instante que passava.
Aquele cheiro de hospital nunca me pareceu tão ofensivo.
― Bom, eu ganhei muitas coisas ― grasnou tossindo. ― Uma esposa que
passou a me odiar quando descobriu que casar comigo foi um péssimo negócio; a
seguir, anos e mais anos de esperança que não valeram de nada, porque a minha vida
virou um lixo. ― Apontou para mim. ― As minhas chances eram as melhores
possíveis, mas, ao fim, eu fui mais um caso de insucesso da medicina. Fiquei quatro
meses em remissão, achando que estava tudo ok, só para depois voltar e descobrir que
meus pulmões não valiam nem um dólar no mercado negro. Tudo estava consumido
pelo câncer. Ah, não esqueça das ressacas pós-químio! Era uma loucura viver com a
cara dentro de um vaso sanitário, berrando de dores absurdas. Adicione à pilha o frio
sobrenatural e outras coisas a mais, como diarreia e a feliz certeza de que você é um
bosta que não consegue fazer porra nenhuma sozinho por se sentir fraco demais.
A bílis subiu queimando minha garganta; tive que engolir a muito custo. Aquilo
era um pesadelo. Um fodido pesadelo onde acordar não funcionaria.
― Se eu soubesse que passaria mais tempo num hospital e sozinho, eu juro que
teria aproveitado e vivido plenamente até morrer satisfeito. Ao fim de tudo, não vivi e
tampouco me curei, e as pessoas que eu achei que eram minhas amigas foram as
primeiras a fugir. Engraçado como a doença também serve como um ótimo teste para
ver quem realmente se importa de você.
― Sinto muito.
E era verdade. Eu estava entrando naquela realidade e já me sentia amargurado.
Não o condenava por falar aquilo tudo. Estou aqui há pouco tempo e já odeio cada
cerâmica do chão. Não conseguia sequer encará-lo, pois era triste demais. Mantive meu
olhar longe de seu rosto e acho que ele percebeu, pois ficou calado, e eu pude passar,
na tentativa descarada de fugir.
― Ah, antes que eu me esqueça: bem-vindo ao time de mortos vivos! E não se
preocupe com as aparências, meu jovem. Num futuro próximo você estará tão belo
quanto eu, então talvez consiga encarar seu próprio rosto, já que, aparentemente, não
consegue encarar o meu. ― Ressentimento era como um veneno em cada palavra. ―
Até breve.
Praticamente corri em direção à saída. Assim que me vi na rua, ergui minha
cabeça para o céu, permitindo que o sol esquentasse o frio que me congelava. Pânico
mudo e desesperador arranhava minhas entradas como uma coisa viva. O desejo de que
tudo fosse mentira era substituído pelo desejo de acreditar que nada daquilo era real.
Será que é mentira? Ou algum tipo de confusão com meus exames?
Subi em minha moto, acelerando sem rumo. Desanimado com aquela realidade,
percorri as ruas da cidade durante muito tempo, ao fim, me vi na praia, um lugar que me
trazia boas lembranças. Sentado na areia, pensei no que precisava fazer. Agora eu teria
que abrir mão de muita coisa, e uma delas era da mulher que eu amava.
― Meu Deus, por que eu? ― Coloquei minha cabeça nas mãos e chorei,
sozinho.
A resposta nunca veio, apenas a decisão de que eu não poderia e nem queria
Valentina fazendo parte daquilo. Seria egoísta demais querer que ela vivesse a pior
fase da minha vida ou, talvez, a última fase.
― Eu te amo demais para isso, ma petit ― murmurei ouvindo meu celular
tocar. Peguei de dentro da minha jaqueta e sorri, triste, ao ver sua foto na tela. Ela
estava rindo de algo que eu dizia, na foto que era uma selfie nossa. Acariciei seu rosto,
permitindo que a chamada fosse para a caixa postal. Tão logo recomeçou a tocar.
Preferi desligar. Àquela hora os pais de Valentina já deveriam ter ido e ela estava
preparando sua mudança para a nossa casa.
― Sua casa, amor. ― Encarei o mar diante de mim. ― Apenas sua casa. Não
teremos uma vida juntos.
A decisão matou algo dentro de mim, e, ainda assim parecia certo.
Naquele momento eu vivia em plena fase de negação e o pior era a perda que
vinha junto com ela.
***
Cheguei em casa e a primeira coisa que ouvi foi o som de música. Balancei a
cabeça, sorrindo. Minha garota estava aqui. Andei apressado para encontrá-la. Eu
queria poder apertar seu corpo junto ao meu e sentir seu cheiro, mas então meus passos
travaram quando me lembrei da minha decisão. Eu precisava afastá-la de mim; não
queria ver seu carinho virar pena. Isso eu jamais suportaria. Balancei a cabeça,
revoltado com tudo o que estava acontecendo, mas, de um jeito ou de outro, nada
mudaria a minha situação.
― Valentina? ― gritei assim que cheguei na sala.
O barulho vinha da área da piscina. Fiz menção de ir para lá, mas, para minha
total surpresa e horror, Barbara apareceu de biquíni. Sua aparência era a de alguém que
passou o dia curtindo com os amigos.
― Blake, querido! ― Se jogou nos meus braços, ou melhor, no meu pescoço,
porque meus braços se mantinham flácidos ao lado do meu corpo. Era como se o
esforço e energia empregados parar levantá-los não valessem a pena. ― Até que fim
você chegou!
― O que faz aqui na minha casa? ― As palavras saíram baixas; ameaçadoras;
cheias de raiva. Dela, da doença, da minha maldita vida.
Creio que algo em meu tom a alertou, pois logo retirou os braços do meu
pescoço.
― Como assim, o que eu faço aqui? ― Sorriu afetada. ― Estou comemorando a
inauguração da nossa casa. Para isso chamei nossos amigos para celebrar este
momento. Estava apenas esperando ela ficar pronta para voltar e revelar ao mundo que
estamos juntos. Aliás, adorei a escolha da casa. Não vejo a hora do nosso casamento
acontecer.
Abri a boca para falar, mas uma voz muito irritada rosnou atrás de mim.
― Nunca vi alguém se casar sem a cabeça! ― Ofeguei diante do prazer e
bálsamo que aquela voz trazia para o meu tormento. ― No mínimo vou retalhar sua
cara em partes iguais se não se afastar dele agora.
Virei-me aos poucos, bebendo da visão da minha mulher de braços cruzados e a
cara de poucos amigos. Oh, Deus querido, como eu a amo...
Senti a mão de Barbara em meu ombro. Os olhos de Valentina se estreitaram e
naquele instante decidi que a única forma dela me deixar seria magoando-a. Endureci
diante da dor que minhas ações causariam.
Olhei nos olhos que mais amava, memorizando o rosto que seria a minha âncora
pelos meses vindouros. Sem palavras, arranquei meu coração entregando-lhe, e, por
isso, preferi que me odiasse para que pudesse viver. Para que ela pudesse seguir em
frente sem mim. A dor da minha decisão era lancinante. Sentia-me partindo ao meio.
― Blake, essa sua amiga não sabe que vamos nos casar? ― Enojado, permiti
que Barbara abraçasse meu pescoço, beijasse minha bochecha e encostasse a cabeça
em meu ombro.
Com muita angústia, ressentido comigo mesmo, vi como minha amada garota
ficou pálida.
― Viu, querida? Aqui não tem nada para você. Eu avisei que não adiantava
insistir. Ficar e esperar Blake chegar não te ajudou em nada.
Mudo. Era como eu estava. Não só de palavras, mas de pensamentos. Tudo
estava em branco, em silêncio, neste exato momento.
― Acho que você está sobrando, amorzinho ― Barbara provocou. Mordi minha
bochecha até sentir o gosto do sangue. Meu sangue podre. ― Aceite de uma vez que eu
e Blake vamos nos casar.
O primeiro sinal da antiga Valentina apareceu quando ela sorriu. Meu estômago
afundou. Aquele foi o primeiro alerta da minha iminente queda.
― Vá embora. Nossos amigos estão aqui para comemorar conosco a casa nova.
Minha linda menina não se abalou, ela apena arqueou uma sobrancelha, depois
soltou uma risadinha, recorrendo à zombaria.
― O casal de estranhos. ― Coçou o queixo. A seguir apontou para Barbara: ―
Boneca plastificada. ― Depois apontou para mim: ― Criatura pré-histórica.
A mulher agarrada a mim tensionou, chocada com a afronta direta. E ela ainda
não viu nada. Eu bem sabia.
― Só tenho a dizer que Barbara, sua coisa, você precisa procurar um cirurgião
e operar o nariz. Faça como Michael Jackson e use um osso de galinha, porque não tem
homem que consiga te beijar sem ter a cara espetada por esse bico que você tem na
cara.
― O quê?
Eu não sentia a mínima vontade de rir, apesar de que estava adorando ver
Valentina sair por cima. Essa era ela: não recuava; batia e apanhava até o fim.
― Continuando ― minha megera linda disse rindo, sem se abalar: ― Academia
para arrumar esse corpo. Você até que seria bonitinha, não fosse o formato entranho.
Melhore isso aí.
O sorriso de Valentina aumentou, depois ela virou as costas.
― Ah, sim, antes que me esqueça: tire as lentes de contato. Olhos azuis naturais,
aqui, só os meus, baby. ― Piscou um olho e, por um momento, me encarou, os olhos
alternando de entre mim e Barbara.
Meu coração doía tanto!
― Mais uma coisa... ― Sorrindo cheia de malícia, ela caminhou até onde eu
estava. Barbara pulou para as minhas costas, se encolhendo de medo. ― Não me
surpreende que terminasse assim. ― Valentina olhava para cima enquanto eu a encara,
olhando para baixo. ― Você não tem suporte para uma mulher como eu, Blake.
Conclusão: vocês se merecem. São realmente perfeitos. A doida manipuladora e o
babaca sonhador. Quero meus DVDs de volta, pois assistir Manolo é melhor do que
qualquer coisa que já tenha feito.
Ela me encarou durante um longo tempo, Barbara escondida atrás de mim. Não
sei se deixei transparecer algo, mas Valentina franziu o cenho. Suspeita brilhou em suas
profundezas azuis, logo, ela espantou para longe e ficou na ponta dos pés, seus lábios a
meros centímetros dos meus, fechei os olhos esperando aquele último toque, o alento
que me manteria vivo daqui para frente. Só mais um beijo.
― Sério que pensou que iria te beijar? ― Mordeu minha orelha, cravando as
unhas em meus braços; Barbara ainda muda e esquecida atrás de mim. ― Vou embora,
mas quero que saiba que hoje é dia de foder tudo que anda. Obrigada, querida múmia.
Você me mostrou que eu sempre estive certa. ― Mordi um gemido de volta quando ela
lambeu minha orelha lentamente. Meu corpo tenso e excitado, já chorava de saudade.
Eu estava morto por suas palavras e arrependido pela forma que foi.
― Vá embora da minha casa! ― Barbara gritou, a voz abafada. ― Blake,
mande ela embora.
― Ele está mudo, Annabelle.
― Meu nome é...
― Tudo é a mesma merda! Se eu te encontrar de novo e esse nariz ainda for
horrendo, eu vou dar um jeito nele ― Valentina rosnou, afastando-se. Na porta, ela
parou e fez uma reverência exagerada. ― Adeus, majestades. Sejam felizes no palácio
de vocês.
Durante muito tempo fiquei parado, apenas observando o espaço vazio onde a
minha Valentina esteve. Minha decisão, minha escolha, e agora eu me perguntava por
que doía tanto. A sensação era ainda mais abrasadora e chocante do que saber que eu
estava com câncer. Meu coração acelerou de repente; minhas mãos tremiam de um jeito
terrível.
Cristo, ela se foi para sempre!
Faltou o ar. Eu sentia-me sufocar. Só em pensar... Apertei os olhos, aflito e
angustiado.
― Blake, meu amor.
A voz de Barbara me trouxe à realidade e, como uma avalanche descontrolada,
todo o desgosto, revolta, fúria que foi acumulando durante o dia atingiu o ápice nesse
exato momento. Com ódio, me virei. Ela deu um passo atrás.
― Hora de saber como minha querida noiva reage às más notícias do dia! ―
Saí puxando-a pelo braço.
― Eu sabia que você estava confuso, Blake, quando deu aquela declaração, por
isso me afastei. ― Caminhei a passos largos, rebocando-a sem gentileza, obrigando que
corresse para acompanhar. ― Eu sabia que quando...
Chegamos à área da piscina e havia bastante gente. Empurrei Barbara e cruzei
os braços, cheio de rancor por sua atitude mesquinha ao se esconder e ainda mais por
ignorar meus desejos, mesmo que eles não significassem nada agora.
― Conte a eles ― incentivei e ela riu, acenando. ― Vamos parar de esconder.
Ela parecia realizada e muito feliz.
― Pessoal, eu chamei todos vocês aqui para comemorar a minha nova casa e a
de Blake. ― Mais uma vez ela me olhou, esperando confirmação, e eu dei. ― Nós
vamos nos casar.
Muita gente nem parecia surpresa; outras, sim. Barbara foi abraçada e estava
radiante. Agora era a minha vez de incrementar o discurso, devolvendo um pouco de
egoísmo. Pela primeira na minha vida, iria cuspir veneno e ser escroto:
― Gostaria de dizer que hoje é um dia particularmente especial para mim. ―
Sorri falso. Nunca fiz isso antes, mas não queria sorrir e me obriguei.
― Porque finalmente anunciamos nosso casamento, amor?
― Também, mas principalmente porque sei que, na pior fase da minha vida, eu
não estarei sozinho. ― Puxei Barbara, colando-a a mim. ― Hoje, como falei. não é um
dia qualquer, pois descobri que estou com câncer. ― Todo mundo estancou e Barbara
gritou apavorada. Olhei para os rostos chocados enquanto eu sorria friamente. ― Mas o
lado positivo é que tenho essa mulher incrível. ― Apertei-a de maneira brusca. ― Para
limpar meu vômito após as sessões de quimioterapia, além, é claro, de ficar ao meu
lado no hospital durante os meses de tratamento. Ela me ama e não vai se importar em
ficar enclausurada comigo, já que não poderei sair, pois estarei muito fraco. E, ah! Não
esquecendo que ela mesma pode raspar meu cabelo quando ele começar a cair.
― Solte-me, Blake!
― Não, querida. Não vou soltar. ― Mostrei os dentes. ― Você me ama. Vai
ficar comigo de agora em diante, pois já começo o tratamento na quarta que vem, então
temos alguns dias para arrumar suas coisas aqui.
― Solte-me! ― gritou, lutando contra o meu agarre.
― Já disse que não vou soltar! ― Ri alto. ― Não se importem, meus amigos.
Adorarei tê-los aqui, me animando enquanto estiver mais morto do que vivo.
Algumas pessoas tossiram nervosas, pois Barbara já estava ficando histérica.
Coloquei-a de frente para mim, sacudi seus ombros, olhando dentro dos seus olhos
azuis e falsos.
― Não era isso o que você queria? ― grunhi, fazendo-a arregalar os olhos. ―
Pegue o pacote completo. Você vai ficar comigo e vai cuidar de mim, inclusive limpar
minha merda, se for preciso!
― Não... Não, eu não quero isso! ― lamentou, tentando se soltar. ― Eu achei
que queria casar, mas pensei melhor e eu não quero. Não saberia lidar com essa coisa
que você tem. Eu sou jovem. Não posso perder minha vida com você. Sinto muito, mas
acabou. Sei que me ama, Blake, e por isso vai me perdoar por terminar agora.
Era aquilo que passei quase um ano desejando, mas ainda assim. Não pude
evitar me sentir magoado por suas palavras. Ela nem disfarçou o asco que estava
estampado em seu rosto.
― Eu fiquei do seu lado durante todo... ― me interrompi e respirei fundo,
balançando a cabeça para evitar concluir a frase. ― Vá embora, Barbara. Suma da
minha casa, da minha vida de merda, e nunca mais volte. Você não é digna de porra
nenhuma, e eu não te queria. Até agradeço à minha doença por finalmente enxotá-la
daqui.
No instante que a soltei ela correu o mais rápido que pôde. Gostaria de pode
fugir assim tão fácil. Olhei ao redor, um silêncio sepulcral preenchia o ambiente. Todo
mundo estava constrangido com a cena, mas pareciam com medo de se mover.
― Só fique aqui quem for estar do meu lado nessa jornada.
Amigos de verdade ficariam, mas, de forma envergonhada, cada um começou a
sair. Ao fim, não restou ninguém. Aqueles eram meus amigos de balada, os que batiam
em minhas costas e se diziam importantes. E todos eles foram embora. Não restou
ninguém para me dizer que tudo ficaria bem.
Ri sem humor.
― Abrace a sua nova vida, Blake ― murmurei entrando. ― Você está sozinho.
Não era deles que eu sentia falta agora. Meu mundo ficou adormecido e a única
coisa que me sentia era incompleto.
Valentina...
O nome ecoou em meus pensamentos. Caí de joelhos no meio da minha sala fria.
O primeiro grito rasgou minha garganta.
O segundo dilacerou o que restava do meu coração.
Capítulo 24

Blake
Sozinho na casa onde planejei viver os dias mais felizes da minha vida, eu
chorei por tudo o que perdi. Pelas amizades que pensei serem verdadeiras e ainda mais
pelo que terei que enfrentar de agora em diante.
Não me importava em parecer frágil neste momento. Não ligo por demonstrar
fraqueza. Eu me sinto assim. Não era como se lutar contra esse profundo desgosto
fizesse alguma diferença. Não fazia. Por isso permito que meus olhos libertem um
pouco da minha angústia.
Quando eu era um garoto e me machucava, meus pais não me impediam de
chorar, muito pelo contrário, a frase que sempre ouvia era: “Chorar nos faz humanos,
assim, não conseguimos esconder quem somos realmente.”. Cresci acreditando que
não precisávamos esconder o que havia em nosso interior, e agora faço exatamente
isso. Não engulo a minha tristeza. Ela resplandece em minhas mãos trêmulas, em meu
medo da doença, por estar sozinho porque quis. Ou talvez não...
― Não suportaria se Valentina me repudiasse. ― Abracei meus joelhos,
encostando meu queixo nele, os pensamentos frenéticos acerca de tudo que se passou
naquele dia horrível.
Para mim seria mil vezes pior ver pena em seus belos olhos. Preferia que eles
dardejassem sua raiva em minha direção, um sentimento forte, muito superior a
qualquer outra aceitação obrigatória que a minha condição possa trazer. Isso doeria
muito mais.
Por um momento fechei os olhos, tremendo de frio mesmo estando de frente para
a lareira da minha sala. Imagino como tudo deveria ser diferente, como a noite deveria
acabar e o amanhã recomeçar cheio das surpresas de uma nova vida. As novidades
estão aí e não poderiam ser piores. No auge da minha carreira, pela primeira vez
apaixonado, me desespero ao saber que não depende mais de mim para ter tudo pelo
que lutei tanto para conquistar. Eu sou vítima de um conjunto de fatores que, de agora
em diante, ditaram meu destino.
― Quão inesperado pode ser o dia de amanhã? ― murmurei, olhando a dança
das chamas. Meu coração se sentia apertado, comprimido por um punho de ferro que
vez ou outra me causava um sufocamento psicológico.
O caos. Estou mergulhado nele, agora. E sozinho. Ainda sozinho.
― Não vim atrapalhar sua noite. ― Sorri fechando os olhos de novo. A voz do
meu amor parecia acariciar meu corpo, saindo da minha consciência. ― Só vim pegar
meu celular que esqueci e já estou saindo.
Ergui-me assustado e sem acreditar. Limpei meus olhos para esconder que
estive chorando. Sorte a minha que estava tudo escuro, apesar do fogo que iluminava
até certo ponto.
― Você está aqui? ― Minha voz saiu rouca, machucada por meus gritos de
mais cedo. Parecia irreal. ― Você está aqui?
― Não, é uma miragem ― Valentina bufou agressiva. ― Idiota!
Sem saber o que fazer, apenas observei quando ela puxou uma almofada e tirou
o celular de baixo. Valentina sorriu, mexendo no visor. Enquanto isso eu bebia de sua
visão. Tão linda...
― Por acaso está economizando na conta de energia? ― resmungou. ― Ou a
luz prejudica seu estado avançado de decomposição?
Sorri, mesmo sem querer. Meu peito inchou de amor por ela.
― Não prejudica em nada. Eu continuo apodrecendo do mesmo jeito.
O quão verdadeiro aquela frase era? Por Deus! Eu só queria poder puxá-la para
meus braços e dizer que precisava que ficasse ao meu lado, mas depois do que fiz, e
por minha decisão de poupá-la, não fiz nada. Minhas mãos ansiavam por aproximar e
sentir sua textura, por isso, as escondi nos bolsos da minha calça.
― Já acabou a festa? ― Ela olhou ao redor. Só havia silêncio. Ela trocava de
um pé para o outro, impaciente, esperando por algo. ― Bom, não é da minha conta.
Mordi a língua quando ela virou-se para ir embora. Como se puxado, minhas
pernas a seguiram, mantendo apenas uma pequena distância, o suficiente para evitar que
eu fosse egoísta e mandasse tudo à merda.
― Cadê a sua noiva? ― perguntou, parando de andar, mas sem se virar.
Continuei andando, até quase colar em suas costas. Não pude evitar inclinar em
sua direção e cheirar seu pescoço ruidosamente.
― Não há noiva ― murmurei. ― Não há mais ninguém. Estou sozinho para tudo
o que importa.
O tremor de seu corpo traiu sua postura rígida. Notei a força com que apertava
o celular na mão, e eu ainda ali, tão próximo e tão distante, seguindo-a com meu
coração e amor, permitindo que meu corpo mantenha-se reservado.
― Isso é... ― Pigarreou para clarear a voz. ― Isso é problema seu! Uma pena.
Não me importei com o que disse. A única tristeza a ser lamentada era o fato
dos meus braços não estarem à sua volta; a dor do meu coração sendo mais uma vez
despedaçado.
― Sim, meu amor. ― Passei meu nariz por seu pescoço e afaguei seus cabelos
sedosos. ― É uma pena.
Valentina se virou. Na escuridão da casa e do meu futuro, não consegui
esconder o meu tormento. Em silêncio, implorei com meus olhos para que ela me
perdoasse, que me entendesse, mas que, acima de tudo, soubesse o quanto a amava. Sua
expressão concentrou-se em meu rosto, sua cabeça pendeu para o lado e ela parecia
muito concentrada.
Olhe. Veja-me bater na porta, implorando perdão. Só entenda em seu
coração, meu amor, o quanto eu me odeio por te fazer sofrer.
― Preciso ir ― suspirou, estendendo a mão com a chave da casa. Neguei
aceitar e ela fez um bico ao coçar os olhos e virou-se para evitar que eu visse seu rosto.
― Adeus, Blake.
Recostei-me na porta, observando-a partir pela segunda vez naquele mesmo dia,
só que agora eu sabia que seria para sempre. Um vento frio fez minha pele arrepiar,
mas me recusei a sair dali. Permaneci olhando para o caminho por onde minha
Valentina passou, ainda tentando, de alguma forma, amenizar a dor que eu sentia.
Mesmo sabendo que foi o melhor a se fazer, machucava como uma ferida aberta e
sagrando.
― Que a vida te dê tudo o que desejar, meu amor. ― Abaixei a cabeça.
Um longo e pesaroso suspiro escapou dos meus lábios.
Por um momento um sorriso surgiu. Aquilo que doía e acalentava meu coração
era o mesmo amor que me fez lutar por ela e agora deixá-la ir. Sabia que, se me
aproximasse de novo, não poderia resistir.
― Puro amor, Pequena. Daqueles que estão acima de tudo, inclusive dos
desejos mais profundos e arrebatadores.
Sim, eu vivi bons momentos em minha vida. Quase pude tocar a plenitude e ela
precisa viver. Ela tem uma vida inteira pela frente. Minha garota linda. Minha vida,
meu tudo.
Uma sensação de ligamento me fez erguer a cabeça. Distante, Valentina refazia
seu caminho de volta, mas agora carregava uma mochila enorme nas costas. Congelei
sem acreditar em meus olhos, e ela, de cabeça erguida e em passos firmes, continuava a
vir em minha direção.
Trôpego, dei alguns passos. O destino escolhia por mim. Ela me salvava,
mesmo que agora não soubesse, ainda. Emocionado, vi quando parou de caminhar aos
poucos. Quando meu coração compreendeu, eu não pude continuar com o meu plano.
Eu abri meus braços e ela correu para mim.
Não havia mais distância. Ela estava em meus braços e nunca mais sairia deles.
Só rezava para que Deus olhasse por mim e me curasse, pois o meu motivo de viver
estava aqui, me esquentando com o seu calor.
― Eu te amo ― murmurei, beijando seus lábios. A emoção me fazia tremer
inteiro. ― Nunca mais ficarei longe. ― A ergui e ela enlaçou minha cintura
Com força, Valentina segurou meus cabelos, me fazendo gemer de dor e prazer.
― Sem noiva? ― rosnou em minha boca.
― A única mulher que tenho está em meus braços. ― Lambi seus lábios,
apaixonado, e ela puxou meu cabelo com mais força. ― Porra, está me deixando tonto.
― De tesão? De prazer, seu safado? ― ronronou com cara de perversa ― Cadê
a outra?
― Não existe. Acabou. Para sempre sou seu, todo seu ― grunhi em seu rosto.
Ela mordeu meu lábio com força, fazendo meu pau sacudir nas calças.
― Por que fez aquilo?
Sentia-me cambaleando de prazer. Ela acalmava minhas feridas, e agora eu
morria de medo de ela me deixar, quando soubesse. Eu não suportaria. Não suportaria o
abandono por nojo da doença que tenho.
― Amanhã... ― Olhei em seus olhos, pedindo – implorando – para que
aceitasse.
Os segundos se passaram e Valentina me encarava fixamente, como se
procurasse algo e, quando finalmente encontrou, me beijou, desta vez tomando, exigindo
e marcando.
Naquele momento, Valentina me fez dela. Em breve eu a faria minha, também.
***

Valentina
Em meu coração, eu juro que pude ouvir Blake gritar. Ele parecia pedir
socorro, clamando por mim, para que eu entendesse. Toda a cena de hoje mais cedo
pareceu, de alguma forma, forçada. Ele estava agindo diferente; parecia perdido;
congelado em uma pose assustada, mas que, quando me olhava, exalava amor.
Por um momento eu duvidei, pois era perfeito demais, então voltei e o encontrei
encolhido, parecia ferido e precisando de alguém. Eu sou humana, tenho sentimentos e
ele estava, por algum motivo, angustiado. Desisti de viajar com meus amigos, peguei
minha mochila no carro e voltei. Por ele. Ainda doía em meu coração a cena com
Barbara, sei que ele iria explicar, mas agora existia outra necessidade. Algo que doía
ainda mais.
― Eu nunca mais vou te magoar, meu amor ― murmurou quando afastamos
nossas bocas. ― Eu juro.
Os olhos dele brilhavam com lágrimas não derramadas. Engoli um caroço
porque havia um profundo tormento sombreando seu rosto. Ele era lindo – sempre foi –,
mas agora parecia como se uma nuvem negra pairasse sobre sua cabeça.
― Não faça promessas que não pode cumprir. ― Acariciei seu rosto ― Sei que
precisa de mim, mas agora eu também preciso de você!
Por um instante seus olhos brilharam. Era como se a vida voltasse para eles.
― Faça-me sua, Blake.
Voltei a beijá-lo com todo o meu amor. Amanhã seria um novo dia. Eu o escolhi
para ser meu primeiro homem porque ele foi meu primeiro amor, e ainda era.
Entre beijos apaixonados e gemidos de prazer, fui carregada até a sala. Com
todo o cuidado, Blake me permitiu deslizar por seu corpo. Estávamos onde ele estava
antes: em frente à lareira.
Uma atmosfera completamente diferente das outras nos rodeou. Blake me olhava
com o coração nos olhos. O sofrimento dele pulsava como se estivesse vivo.
― O que foi? ― Toquei em seu rosto angustiado. Havia silêncio, quebrado
apenas pelo crepitar da lareira. ― Compartilhe comigo.
Ele negou, abaixando a cabeça, fechando os olhos e tremendo.
― Eu te amo, Valentina. ― A sua voz embargada trouxe lágrimas aos meus
olhos. ― Eu te amo mais que a mim mesmo e abriria mão de você para não te ver
sofrer. Eu não quero que sofra.
― Shh... ― Toquei seus lábios, silenciando-o quando a primeira lágrima
escorreu. Meu coração parecia prestes a ser arrancando do meu peito.
Eu o amo... Eu o amo tanto!
― Blake. ― Seu nome deslizou dos meus lábios como uma prece. Fiquei na
ponta dos pés, nossas bocas a meros centímetros de se tocarem. ― Faça-me sua.
Seu grande corpo tremeu. Eu o beijei com todo o meu amor, sem pressa, apenas
degustando o seu sabor, o doce de seus lábios e o sal de suas lágrimas, explorando seu
peito desnudo com as minhas mãos, de forma suave, demonstrando que ele não estava
sozinho, que tinha a mim para ficar ao seu lado.
Suspirando como em um sonho, ele desceu seus beijos por meu pescoço,
arrepiando minha pele com sua forma de me adorar. De joelhos diante de mim, Blake
me olhou com um sorriso sincero que o deixava irresistível.
― Você foi minha quando te vi pela primeira vez. ― Ele ergueu minha blusa,
beijando minha barriga. ― Sonhava com uma família nossa... ― Seu rosto esfregava
em minha pele, fazendo-me gemer baixinho. ― Agora só preciso de tempo ao seu lado.
― Levantei meus braços, permitindo minha blusa sair.
― Blake...
― Minha língua implora por viajar por seu doce corpo, meu amor ― murmurou
lambendo meu pescoço, me fazendo curvar os dedos de prazer. ― Terei o maior de
todos os presentes quando ouvi-la gritar o meu nome e sentir-te pulsar ao meu redor.
Arqueei quando uma de suas mãos segurou meu seio, massageando-o. Seus
dedos eram suaves, mas ao mesmo tempo firmes, brincando com meus mamilos,
fazendo-os doerem por tê-los chupado.
― Olhe como é bonito.
Abri meus olhos e vi Blake segurando meus seios como se estivesse pesando-
os. Gemi só de olhar. Mas nada se comparava ao prazer de ver sua língua saindo para
provar. Primeiro ele apenas os lambeu devagar, depois sugou o mamilo para dentro a
boca, me olhando e mamando em meu seio. Minhas pernas tremeram. Senti minha
calcinha encharcar de tesão. Eu estava doida para ter tudo o que ele pudesse me dar.
― Imagine quando estiver chupando entre suas pernas ― murmurou, esfregado
o rosto entre meus seios, tremendo a língua em meu mamilo, mordendo de leve e
chupando depois. Cada sugada sentia meu ventre contrair com espasmos de ansiedade.
― Oh Deus... ― Segurei sua cabeça, jogando a minha para trás. Agora suas
mãos desciam meu short, livrando-me dele.
Seus dedos viajavam pelas minhas pernas, espalhando eletricidade a cada
deslizar sutil e firme. Eu estava tremendo, sem forças para seguir em pé, mas ainda me
mantinha erguida, esperando e morrendo, quando ele enterrou o rosto entre minhas
pernas e cheirou meu sexo por cima da calcinha.
― Como uma mulher deve estar para seu homem.
Ofeguei necessitando de tudo, Blake pareceu entender, pois, como se eu fosse
algum cristal raro, ele me deitou no tapete felpudo. Olhos nos olhos, a um sopro de
nossas bocas se amarem, ele me deu aquele prazer. Seu beijo me fazia pulsar de
necessidade. A cada vez que chupava minha língua, seus gemidos se mesclavam com os
meus. Mais uma vez ele deixou uma trilha de fogo por meu corpo, com a língua e com
beijos, suas mãos nunca deixando de me acariciar.
Trêmula de expectativa, eu mal me contive quando suas mãos pararam no
elástico da minha calcinha. Meu peito subia e descia com a minha respiração acelerada.
Desta vez só havia o sim.
― Eu vejo o quanto está molhada, ma petit. ― Sua voz viajou pelo meu corpo.
Gemi alto quando seu polegar esfregou em minha umidade. ― Tão perfeita...
Sentia-me a ponto de desfalecer. Como se estivesse saboreando o momento,
Blake nos torturou, deslizando minha calcinha devagar demais pelas minhas pernas.
― Minha... ― Sua brusca exalação me fez encará-lo. Ele olhava meu sexo com
os olhos esfomeados. ― Abra-se para mim.
Sem vergonha, me sentindo queimar, obedeci.
― Por favor.
Blake sorriu. Tremi inteira, plena de expectativa, quando ele colocou minhas
pernas em seus ombros, ajeitando seu grande corpo de forma que eu sabia. Ele era um
homem prestes a se alimentar.
― Um homem pode morrer quando descobre um paraíso como este. ― Cada
palavra enviou seu fôlego direto em meu clitóris exposto. Mordi o lábio quando seus
dedos me deixaram ainda mais exposta, porém saí de meu corpo quando ele enterrou o
rosto entre minhas pernas e gemeu alto. ― Sonhei com seu cheiro por noites sem fim, e
agora eu posso fazer isso. ― Mais uma vez ele me cheirou de forma profunda. ― Mas,
acima de tudo, eu posso fazer isso.
Prendi a respiração em expectativa. Busquei seus olhos e ele encontrou os
meus. Um sorriso foi tudo o que precisou. Ele piscou um olho e me lambeu.
― Oh meu Deus, Blake! ― gemi. Ele riu, me fazendo sofrer com as vibrações
que sua risada provocou.
Nuca pensei que seria daquela forma. Imaginei que fosse muito gostoso, mas
não ao ponto de me fazer querer agarrar seus cabelos e me esfregar em seu rosto.
― Isso, me chupe com força ― gritei, abrindo ainda mais as pernas. Ele fez uns
sons de prazer, de homem perverso e primitivo. ― Se continuar assim, eu vou gozar.
Oh, meu Deus! Que delícia!
Sua língua golpeava meu clitóris sem piedade; sua boca chupava com gosto; o
rosto barbudo se esfregava em mim sem parar, aumentando as sensações já intensas.
Perigoso demais para a minha sanidade, Blake parecia especialista em sexo oral.
Insaciável e sem pressa, ele estava me degustando, beijando meu sexo como me beijava
a boca.
― Você vai gozar assim. Não vou te penetrar. Apenas minha língua aqui, agora.
― Sua voz estava grossa, permeada de prazer. ― Vem para mim. Quero beber tudo o
que me der.
Ele me mordeu. Ou melhor: mordeu o meu clitóris sensível e inchado de prazer.
―Blake... Blake! ― gritei gozando, agarrando seus cabelos e esfregando-me
em seu rosto já pirada de tesão, surtando de prazer.
Aturdida, choraminguei quando soltou o clitóris, fazendo um barulho. Logo a
sua boca desceu sobre a minha, me obrigando a sentir meu próprio gosto.
Frenética, sensível e ansiosa, eu não sabia qual dominava agora. Eu o queria me
preenchendo, mas também queria provar...
― Depois. ― Respirou, ofegante, empurrando as calças. ― Preciso estar
dentro de você agora!
― Leu os meus pensamentos? ― Ajudei-o a ficar nu.
― Você gemeu que queria me chupar. ― Rimos baixinho. ― Foda-se! Teremos
tempo. Ainda vou gozar na sua boca atrevida, mas agora meu pau está doido para
invadir sua boceta quente. Preciso disso como preciso do ar para respirar.
Senti sua ereção em minhas coxas. Obriguei-me a relaxar. Seria apenas uma
dorzinha e logo eu seria a mulher dele.
― Não sabe como sonhei com esse momento ― gemeu levando uma das mãos
até o seu pênis. ― Prometo que depois vou te fazer gozar muito com uma boa chupada,
mas agora eu preciso...
― Eu também...
Mordi o lábio quando o senti em minha entrada. Obriguei-me a não ficar rígida.
― Oh, não acredito! ― Pincelou o pau em minhas dobras, molhando-o com meu
desejo. ― Caralho, mulher, tenho que me controlar. Ainda nem entrei em você e já
estou a ponto de explodir.
― Só me tome...
― Eu o faço, meu amor. ― Pressionou a minha entrada. ― Eu te tomo para
mim.
Blake empurrou para frente com força, me fazendo gritar e chorar de dor.
― Meu Deus! ― Choque era fácil de definir em sua voz. Ele congelou em cima
de mim. ― Eu... não sabia, eu... amor? Você é? Não pode ser!
Respirei fundo, tentando aceitar sua invasão brusca. Carinhoso, seus dedos
acariciavam meu rosto. Abri os olhos e os de Blake brilhavam com muitos sentimentos.
― Não chore, meu amor ― murmuro. Eu não consegui controlar. Ele parecia
atormentado e sentindo dor, o que me deixava atormentada e, vulnerável como eu
estava agora, era impossível ser durona. ― Mata-me saber que te machuquei.
Sorri em meio à lágrimas. Eu o amava tanto! E não era só isso; era o momento
em si. Eu não esperava que fosse ficar tão emotiva por estar virando uma mulher. A
mulher dele.
― Só me dê um minuto para me acostumar.
Ele apoiou-se nos antebraços e começo a me beijar. Agora poderia sentir o que
nossos beijos lhe causavam. Blake pulsava de leve, mas ainda doía muito para haver
prazer.
― Ficaremos assim. ― Mordiscou meus lábios. ― Não acredito que era
virgem, meu amor. Sinto-me tão honrado! Não tenho palavras, não...
― O escolhi para me transformar, Blake. ― Fiz um carinho em seu rosto. ― Eu
te escolhi para ser meu homem. ― Beijei seus lábios devagar. ― Se mova dentro de
mim, meu amor ― sussurrei olhando dentro dos seus olhos. ― Apenas tenha cuidado
comigo.
O momento pareceu definir em câmera lenta. A cada polegada que ele retirava
minha vagina eu queria puxá-lo de volta, e, antes de preencher de novo, eu vi o amor
brilhar como uma chama ardente.
― Eu sou seu, Valentina. ― Chorei baixinho, sentindo-o empurrar devagar.
Mais uma vez ele estava completamente dentro, me esticando além do limite. ― Eu juro
lutar contra tudo para estar com você.
Não entendi suas palavras, mas elas concretizaram algo muito importante. O
Blake que me tornava mulher não era o homem pecaminoso de poucos dias atrás, aquele
homem sedento por me ter. Este Blake aqui estava diferente. Ele se movia dentro de
mim tão devagar que fez a dor deixar de ser importante. Ele estava dizendo com o seu
corpo que eu era especial; que aquele momento era único para nós dois.
― Eu te amo, Valentina. ― Suas palavras ecoavam na sala, misturando-se aos
nossos gemidos sofridos. ― Você é minha e só te peço que não me deixe, porque assim
minha morte estará concretizada.
Confusa pela intensidade de suas palavras, eu me deixei levar, a dor
mesclando-se ao prazer de tê-lo ali.
― Mais rápido, por favor ― implorei, abrindo ainda mais as pernas, querendo
tudo.
Blake ergueu-se, segurando minha cintura. Ele olhava para onde nossos corpos
se uniam. Seu corpo grande e musculoso brilhava à luz alaranjada do fogo
― A visão mais linda que já vi. ― Ele parecia hipnotizado enquanto, bem
devagar, puxava o pênis. Vi-o prender a respiração e bater tudo de volta. Seu rugido de
prazer ecoou pela sala e logo ele se movia em uma sincronia perfeita. Forte, incessante
e com golpes precisos. Chegava a ser cruel. ― Foda-se, Valentina, você me suga tão
profundo... Me sinto estrangulado. Oh merda, isso é perfeito!
Acariciei meus seios e ele pirou. Estocou com mais força, me fazendo gritar de
prazer e dor, uma mescla alucinante de sensações arrebatadoras. A pressão construiu e
meu delicioso carrasco me torturou ainda mais quando, combinado a seus golpes,
massageou meu clitóris.
― Blake! ― Arquejei tremendo. ― Mais forte...
Fechei os olhos prestes a explodir. O momento que antecede, o segundo onde
tudo se acalma e em seguida desencadeia uma das melhores sensações do mundo.
Luzes piscaram dentro dos meus olhos. Eu não conseguia respirar; esqueci-me
de como fazê-lo. Ao longe eu ouvi o grunhido puramente masculino quando Blake
atingiu o ápice de seu prazer. Sentia-o pulsar dentro de mim, enchendo-me com seu
calor.
― Toma tudo o que te dou ― murmurou, movendo-se devagar. Sorri
abraçando-o, seu rosto enterrado em meu pescoço. ― Toma tudo de mim!
Em silêncio, esperamos nossas respirações se acalmarem, até que notei que ele
tremia demais.
― Blake? ― Tentei puxá-lo para olhar em seu rosto. ― Olha para mim.
Ele negou.
― Eu fiz algo de errado? ― Eu quis chorar. Agora eu estava frágil e não havia
como negar. Eu o tinha ainda dentro de mim e me sentia vulnerável ― Por favor, olha
para mim...
Aos poucos ele ergueu o suficiente para que eu pudesse ver o seu rosto. Quando
o vi, eu soube que Blake estava além do sofrimento. Ele chorava.
― Por que chora? ― Limpei suas lágrimas.
Ele sorriu, me beijou de leve, então encostou nossas testas.
― Eu choro... ― Suas lágrimas pingavam em meu rosto. ― Porque você
acabou de salvar a minha vida.
***

Blake
― Tudo ficará bem. ― Minha voz quebrava o silêncio da casa, enquanto me
convencia do que acabei de dizer.
Valentina dormia e eu a acariciava pensando que agora teria que contar sobre a
minha doença. Não foi fácil convencê-la a ficar quietinha depois de fazermos amor. Eu
só queria puxá-la para os meus braços, enquanto ela queria respostas sobre o meu
descontrole. Eu disse que tudo ficaria bem, que amanhã seria um novo dia e que tudo
seria explicado, mas não queria perder o que tive hoje.
Sei que ela iria mudar comigo no instante em que soubesse. Sei que teria que
libertá-la, mas eu precisava desses poucos dias que ainda me restavam para reunir
forças, antes de começar o meu calvário. Eu quero conhecer o verdadeiro amor.
Beijei seu ombro nu, deliciado com a sua textura suave e o perfume único. Era
incrível como um grande sentimento de possessividade me dominou por inteiro no
momento em que rompi a barreira de sua virgindade. Era uma força demolidora e
primitiva que por um instante me assustou. Nunca pensei que ela fosse virgem.
Valentina era espertinha demais, desbocada e safada. Nunca poderia imaginar...
― Espero que não esteja rindo de mim.
Ao som de sua voz, minha respiração acelerou. Eu temia que ela quisesse saber
de tudo agora. Precisava de mais tempo com ela. Até quarta-feira, eu teria reunido
coragem para contar.
― Vem. Eu quero te dar um banho. Você deve estar dolorida.
― Não estou com disposição para levantar daqui ― ronronou jogando uma
perna em cima de mim. ― Muita preguiça. Não dormi nada durante o dia e depois a
merda foi jogada no ventilador.
Fiz uma careta. O assunto insistia em voltar à tona.
― Eu sempre posso te carregar, ma petit. ― Beijei seus lábios com paixão e
uma dose de doçura. Ela se derreteu, e quando senti onde estava sua mão, eu tremi
inteiro. ― Calma aí, meu amor. Não quero te machucar de novo.
― Vai machucar se não estiver dentro de mim agora.
Mais uma vez fizemos amor, lento e gostoso, de forma que nos desesperamos
por alcançar o clímax que parecia tão perto e tão longe. Em meu interior, era como se
tudo se esticasse para alcançá-la, sabendo que ela era a fonte de vida para aliviar a
minha dor.
Deus! Que ela me ame o suficiente para não me rejeitar quando souber.
Ficamos nos braços um do outro a madrugada inteira. Tomamos banho juntos,
onde eu pude me ajoelhar diante dela e, enquanto a água nos molhava, eu a adorava com
minha boca e ela fez o mesmo para mim. Valentina era uma mente pervertida, puramente
safada e cheia de fantasias escrotas. Ela me completava da forma mais básica.
― Você mexeu comigo de um jeito que nem sei explicar. ― Apertei meus
braços à sua volta. Estávamos encolhidos no sofá, tomando um vinho que ela trouxe
dentro de sua mochila imensa.
― E você? ― Ela riu, arrumando sua posição para poder me encarar. ― Você
me fez te querer tanto, mas tanto, que te entreguei a minha virgindade. Não vou nem
dizer pureza, porque isso eu nunca tive.
Gargalhei alto, livre das algemas da tristeza, pelo menos por aquele momento.
Ela aprisionou minhas lágrimas, mandando a dor embora.
― Concordo. Você nunca foi pura, e aquela sua coleção de DVDs... ― Estalei
a língua, balançando a cabeça.
― Não reclame! Foi Manolito quem me ajudou a ser uma virgem experiente.
― Safada. ― Empurrei-a no sofá para poder me deitar em cima dela. ― Conte
logo a verdade por trás do motivo de ter me escolhido.
― Ah, Blake, você parece uma imensa sobremesa deliciosa. ― Deslizou as
mãos por meus braços e peito. ― Todo músculos e ossos grandes... Eu olho para o seu
rosto e quero lamber os lábios. Você é meu bocado gostoso.
Franzi o cenho. O medo rastejou através do meu corpo. Ela gostava da minha
aparência... e quando eu ficasse...? Deus...
Senti que respirar estava se tornando difícil. Pânico. Eu estava entrando em
pânico.
― Ei, Blake, o que está acontecendo? ― Valentina me empurrou, obrigando-me
a sentar. ― Você ficou pálido. O que foi?
Neguei de olhos fechados, apertando sua cintura quando ela se sentou no meu
colo. Eu estava só de cueca, e ela com uma camisa minha. Apenas isso.
― Blake Walker, o que está acontecendo? ― exigiu saber. Encostei minha
cabeça no sofá e mantive meus olhos fechados. Não queria conversar sobre isso agora.
― Depois, amor. Vamos conversar depois.
― Já é amanhã, Blake. ― Tremi pela intensidade e certeza de suas palavras.
Meu tempo esgotava-se. ― Comece a falar.
Neguei de novo. Eu nem conseguia olhar para o seu rosto.
― Ótimo. Você mentiu de novo, não foi? Não terminou com Barbara! ― Suas
palavras estavam repletas de lágrimas. Nem precisei olhar em seu rosto para saber. ―
E eu nem posso te culpar, porque eu quis voltar. Eu escolhi e no fim eu me fodi. Vou
embora.
Ela pulou de cima de mim e, sem se importar por estar seminua, marchou em
direção à porta.
― Espera! Não vá embora. ― Corri atrás e ela parou de andar. Esfreguei meus
cabelos, vendo como ela cruzava os braços, não me dando escapatória. ― Vamos fazer
assim. ― Acabei com a distância que nos separava e segurei seu rosto com as minhas
duas mãos. ― Eu quero te amar esses dias sem nada nos atrapalhar. Vamos curtir o
final de semana, a segunda e a terça-feira. Essas seriam nossas férias e depois eu te
conto o que...
― Não! Quero que conte agora. Tudo! Por que você está diferente? Por que
deixou eu pensar que ficaria com Barbara? Por que está parecendo que tem um caco de
vidro no pé?
― Confie em mim, por favor! Dê-me esses dias que te pedi? ― implorei
desesperado, mesmo que tentasse controlar um pouco minha voz para que ela não
percebesse.
― Você está escondendo as coisas de mim ― murmurou magoada. ― Pede que
eu confie em você mas não faz o mesmo. Não vou ficar, Blake. Eu já provei tudo o que
precisava. Estou aqui e me entreguei a você. Confiei em você! Já chega. Não serei feita
de idiota duas vezes.
Eu não sabia o que fazer. Eu não queria contar. Ela iria mudar comigo e pior:
poderia ir embora como todos os outros.
Perderia, assim, esses poucos dias ao seu lado, vivendo um amor que não
poderia ter para sempre.
Quando Valentina soltou minhas mãos de seu rosto e virou-se para ir embora,
meu desespero não mediu barreiras. Ele tirou a decisão das minhas mãos.
― Eu estou doente, porra! ― gritei, fazendo-a congelar, mas não se virar para
me encarar. ― Eu estou com câncer.
Capítulo 25

Blake
Em pé. Consegui me manter em pé quando pensei que não conseguiria dar um
passo.
Valentina estava silenciosa. Ergui uma mão trêmula para tocá-la, mas não
consegui. Meu corpo estava tenso, preparado para ver sua partida, o pedido de
desculpas e o outro para que não a procurasse.
Uma parte de mim aceitava que ela tinha o direito de ir embora. O meu coração,
que amava, não queria que ela vivesse o que eu mesmo viveria, mas o homem
implorava que ela ficasse e passasse por tudo comigo.
― Por favor. ― Minha voz embargou. Aproximei-me mais. Seu corpo ainda
paralisado. Nenhuma palavra proferida. ― Não me abandone como os outros.
Aos poucos Valentina se virou, os olhos dela brilhavam, mas não haviam
lágrimas. Sua expressão era tão controlada que não dava para ler nada.
― Foi por isso que você deixou Barbara grudar em você e me fazer pensar que
estavam juntos? ― Concordei ansioso. Sua expressão não mudou ― Você queria me
afastar, não é?
― Sim...
― Você me ama, Blake?
― Mais que a mim mesmo. Por isso não poderia permitir que você vivesse tudo
o que eu vou ter que enfrentar.
― Tem mais alguma coisa para me contar?
― Eu... ― Engoli em seco. ― Pensei que você poderia me deixar como... ―
Fiz uma careta, mas teria que contar tudo. ― Barbara mal pôde correr rápido o
suficiente, quando soube. Eu usei a doença para fazê-la desistir de mim, mas a forma
como tudo aconteceu...
Uma sombra de dor passou por seus olhos, mas logo ela disfarçou, então
concordou, continuando em silêncio. Morri de medo do que ela poderia estar pensando,
por isso me adiantei logo:
― Barbara continuaria voltando. Agora, não. Era o que eu queria, mas isso só
aconteceria se ela tomasse a decisão. Eu te amo, e só quis te afastar para não te ver
sofrer, só que, depois de ficar com você aqui, eu não quero voltar a ficar sozinho. Eu
não suportaria se...
Ela ergueu uma mão e eu calei. Logo Valentina deu um passo ficando mais
próxima de mim, então ela sorriu e deu um sonoro tapa na minha cara. Vi estrelas
enquanto, atordoado, voltava a lhe encarar.
― Isso é para você nunca mais mentir para mim! ― Apontou o dedo. ― A
nunca mais tomar decisões por mim, e principalmente, a não me comparar com aquela
filha da puta da sua ex noiva.
Chocado e ainda mais apaixonado, eu a encarava pasmo e sem acreditar. Eu
contei que estava com câncer? Sim, eu contei. E ela... Ainda não acredito.
― Preste atenção em mim ― ladrou, me fazendo piscar os olhos como um
idiota. ― Por que raios você pensou que eu te deixaria?
― Eu... ― Respirei fundo. Agora eu não tinha uma boa resposta. ― Bom, estou
com câncer e as pessoas tendem a fugir quando sabem.
Valentina estreitou os olhos, colocando as mãos na cintura. Seu corpo tremia de
raiva. Ela estava puta e eu fodido. Mas feliz por ainda estar aqui comigo.
― E você acha que sou todo mundo, seu paspalho? ― Seu rosto estava
contorcido de raiva, mas a cada instante eu ficava mais e mais excitado e encantado.
Ela não correu.
― Não, amor. Eu não acho, mas ainda não sei por que ficaria.
Valentina ergueu a mão de novo e eu me preparei para levar outro tapa, mas, ao
invés disso, ela acariciou onde bateu.
― Pergunte. ―Ela parecia misteriosa.
― Por que você ficaria ao meu lado, Valentina?
― Pensei que soubesse, mas creio que a culpa seja minha. Os homens têm uma
tendência a não pensar. Portanto preste bem atenção.
Ela segurou meu rosto aproximando o suficiente para estar quase me beijando.
― Eu vou ficar porque eu te amo.
Deus...
― Então me abraça bem forte. ― Com meus olhos ardendo, eu implorei. ―
Diga que está aqui comigo e que vamos ficar juntos para sempre.
Puxei seu corpo para mim, abraçando-a o mais apertado que eu pude, tremendo
de alívio por ouvir aquilo. Ela me apertou também.
― Esse seu medo foi totalmente bobo e ridículo ― murmurou, acariciando
minhas costas. ― E Blake?
Busquei seus olhos e não vi pena, tampouco medo. Só confiança e amor.
― Saiba que eu nunca abandono os meus.
Eu amo essa mulher!
***
Contei para Valentina tudo o que eu sabia sobre minha doença e o tratamento.
Ela me ouvia atentamente e de vez em quando fazia perguntas que eu não sabia
responder, porque, ao invés de ficar e entender o que eu tinha, eu fugi.
― Então você precisa ir dois dias antes e receber o soro de nome estranho para
controlar a leucemia?
― Sim. O Doutor disse que isso evita que o câncer “corra para outro lugar”. ―
Fiz aspas e ela concordou. ― Na sexta é minha primeira sessão de quimioterapia. ―
Desviei o olhar. ― Eu não sei como vai ser depois. Dizem que tem umas reações e
tal...
Valentina sentou no meu colo, suas mãos brincando com os cabelos da minha
nuca.
― Olha, meu amor, ter medo é super normal, mas não tenha vergonha, entendeu?
― Beijou a ponta do meu nariz. ― Eu não tenho problema em ouvir a palavra câncer,
leucemia, ou tudo que vem junto. Estou aqui do seu lado e não vou sair de jeito nenhum.
Abri a boca para falar, mas ela adiantou-se:
― Se você por um instante duvidar dos meus motivos para ficar ao seu lado, eu
vou dar um murro na sua cara, porque tapa seria pouco demais.
― Eu te amo, sua malvada. ― Mordi seu lábio e ela riu, se esfregando no meu
colo.
― Eu também te amo. Você é a minha múmia preferida.
Empurrei Valentina e ela gritou. Logo eu a joguei no ombro e subi as escadas
com ela batendo nas minhas costas. Tinha que aproveitar enquanto havia força em meu
corpo. Depois eu não sabia como seria.
― Seu troglodita me solta!
Joguei-a em nossa cama e subi em cima, me encaixando entre suas pernas.
― Se você me deixar, eu te busco de volta! ― Mordisquei seu pescoço, a
fazendo gemer e esfregar os mamilos duros em meu peito.
― Isso mesmo. Pegue-me de volta se eu fizer charme e fugir. Faça isso, porque
você pode, seu gostoso ― disse isso esfregando-se em mim.
Pequena safadinha!
― Sabe que não serei assim por muito, não é? ― Olhei em seus olhos. ― Vou
mudar por causa do tratamento.
― Vai continuar sendo meu gostoso. Eu te amo e nada vai mudar isso. ― Ela
sorriu, lambendo os lábios. ― Acostume-se a me ter por perto. Agora quero sexo.
Nunca pensei que a reação dela seria tranquila. Estávamos, aqui na maior
safadeza, tratando uma leucemia como se não fosse nada. É possível que eu possa amá-
la mais? Sim. Com toda certeza era muito possível.
Por culpa de Valentina, o dia variou entre confissões e perversões. Ela não me
deixava abater. Quando notava que eu estava começando a dar sinais de tristeza,
soltava alguma gracinha e esfregava o corpo gostoso na minha cara.
― Vou te comer agora, sua safada provocadora. ― Esfreguei meu pau duro
entre suas pernas.
― Promete foder como coelhos até a terça? ― perguntou sorridente, me
fazendo rir de sua safadeza explícita. ― Gosto tanto de ter seu pau dentro de mim.
Virei seu corpo bruscamente, empinei sua bunda e dei-lhe um sonoro tapa.
Valentina gritou, rebolando.
― Quieta! ― ordenei, esfregando o polegar em sua boceta já brilhante. ― Você
me fez esquecer, Pequena. Obrigado por isso. Prometo que teremos esses dias só para
matar a vontade que temos um pelo outro. O assunto doença está vetado até quarta.
― Foda-me, Blake...
― Impaciente. ― Ri, esfregando seu clitóris, cheio de tesão e durinho, pronto
para a minha boca. Assim eu tinha uma visão do caralho. ― Amo a sua tatuagem. Vou
fazer uma igual. Quero essa frase.
― Se você me foder agora, posso pensar em tatuar seu nome em alguma parte.
Tentadora! E chantagista.
― O que você quer, hein? ― Esfreguei meu pau em sua entrada.
― Quero esse pau gostoso dentro de mim agora.
― Não está dolorida? ― Forcei sua entrada, gemendo baixinho quando apenas
a cabeça gorda do meu pênis a violou.
― Estou é cheia de tesão. Fazer sexo é bom; você é bom. Eu quero ser boa
também ― lamentou quando eu tirei e voltei a pincelar, pressionando seu clitóris
― Vai tatuar meu nome onde? ― Ri baixinho de seu choramingo. ― Eu posso
fazer isso a noite toda.
― Blake! Não me faça implorar! ― gemeu por meus pequenos golpes em seu
ponto de prazer. ― Oh! Eu te quero dentro de mim. Sinto sua falta.
― Você está muito safada. Precisa de paciência. Sua bocetinha está muito
vermelha e inchada. Preciso ir com calma. Já que você claramente não quer, talvez...
― FODA-ME LOGO! ― gritou, me fazendo gargalhar. Devagar empurrei cada
centímetro do meu pau dentro de sua boceta.
― É isso o que quer? ― gemi sentindo-me abraçado por seu calor. ― Uhn, é
isso o que quer? ― Puxei tudo e soquei de volta, delirando com o prazer daquele dia.
― Sim! Ohh, sim...
― Vou te foder duro e forte ― rosnei enrolando seu cabelo em meu punho,
obrigando-a a se curvar para trás. ― Assim, empalada pelo meu pau, controlada por
minha mão e dominada pelo seu homem ― falei em seu ouvido, sentindo-a contrair ao
meu redor.
― Oh, Blake ― gemeu querendo rebolar, mas meu aperto era muito firme. ―
Me fode gostoso, amor. Faz isso, vai.
Meu corpo inteiro arrepiava com suas palavras safadas. Com ela eu poderia ser
eu mesmo e não temos segredos. Aquele momento era nosso e teríamos tudo o que
quiséssemos. Segurei seu quadril com força e comecei a fodê-la gostoso, meus quadris
bombeando sem parar, causando arrepios de puro prazer.
Sentir meu pau entrando e saindo era muito bom, o aperto que ela me dava era o
céu, me enlouquecia.
― Porra de boceta gostosa ― ladrei alto, socando com força. ― Minha,
entendeu?
Valentina gemia, falando coisas incoerentes, me deixando mais louco ainda.
― Responda! ― comandei, socando com força, fazendo-a gritar
― Sou sua!
Soltei seu cabelo para usar as duas mãos em seus quadris, assim, eu tinha o
perfeito controle para uma foda bruta, do jeito que descobri ser o gosto da minha
mulher.
― Vou gozar, Blake ― gemeu. Eu sabia que estava se masturbando, a safada.
― Mais rápido! ― Ela abriu ainda mais as pernas e eu fui à loucura; meus quadris
como dois pistões cavando o nosso prazer. ― Isso, oh isso, vou gozar, Blake...
Ela tremeu toda, sacudindo e gritando alto, eu, meio louco, não parei de
bombear. Quando Valentina desabou, eu me retirei e a virei, voltando a penetrá-la com
uma única estocada. Ela gritou pela invasão.
― Quero gozar olhando nos seus olhos. ― Segurei sua cintura e a fodi com
força. Ela gritava, chorava de prazer e eu não parava. Usava a força que ainda tinha
para proporcionar o máximo de prazer a nós dois. ― Brinque com seus seios.
Ela obedeceu e eu senti meu pau inchar. Minhas bolas doeram e logo um arrepio
do caralho me fez dar uma poderosa e profunda estocada, liberando meu prazer.
― Oh, porra! Que boceta gostosa. Minha mulher gostosa, porra! ― berrei,
gozando feito um animal no cio.
Sem forças, desabei. Valentina acariciava minhas costas devagar. Eu ainda me
sentia pulsar levemente dentro dela.
― Preciso comer. ― Seu suspiro me fez erguer um pouco. ― Sem energia para
mais sexo.
Ri baixo, saindo de seu interior. Admirado, não desgrudei os olhos do seu sexo
brilhante.
― O que foi? Algo errado?
― Não...
― Que cara de safado é essa, Blake?
― A cara de um homem que finalmente tem sua mulher do jeito certo.
― E qual seria esse jeito? ― perguntou toda manhosa.
― Uhn... ― Cocei o queixo. ― Deitada na cama e saciada de prazer, os lábios
inchados pelos beijos, o corpo marcado pelas mãos e entre as pernas a evidencia da
posse do seu homem escorrendo.
― Oh, caralho!
Sim, pequena atrevida. Contemple a forma que uma mulher deve estar para
seu homem.
***
Estávamos em pleno verão, mas na quarta-feira o dia amanheceu chuvoso e
nublado. Acordei cedo, mas Valentina já estava de pé e com um café da manhã
reforçado me esperando.
― Eu não sabia o que seria mais indicado para hoje, então temos frutas, pão
fresquinho, suco, chá gelado e panquecas para você escolher o sabor. Tem café
também, então se você quiser eu posso te servir e depois...
Puxei-a para meus braços e lhe dei um beijo suave. Ela parecia frenética
demais.
― Você pode me esperar em casa. Eu posso fazer isso sozinho.
― Pare com isso! Eu vou também. Pelo que eu entendi, você vai ter que passar
o dia lá. Esse soro tem que ser aplicado duas bolsas em vinte e quatro horas.
― Onde você viu isso? ― Beijei seu nariz arrebitado
― Internet. Fiz minhas pesquisas ― respondeu, muito satisfeita consigo mesma.
― Agora você irá sentar essa sua bunda na cadeira e comer.
Obedeci e não choquei com o fato da comida estar fantástica. Tudo ali parecia
ter sido feito em casa.
― Saí cedo e comprei tudo. Tem um mercado vinte e quatro horas dentro do
condomínio. Eu fiz tudo para você.
― Você não dormiu? ― Parei o copo de suco a meio caminho da boca
― Bom, eu estava sem ter o que fazer, já que você me deixou meio ligada...
― Valentina, não minta para mim ― interrompi. ― Você não conseguiu dormir,
foi isso?
― Que nada. ― Sentou-se ao meu lado. ― Eu estou tranquila, não tem nada
demais. Só não dormi porque estava sem sono e resolvi arrumar minhas coisas. Cyborg
estava agitado durante a noite e Albina chorou um pouco, o que o deixou pior.
― Foi isso mesmo?
― Claro que sim! ― exclamou, enfiando um pedaço de pão na boca.
Ela parecia muito tranquila para quem estava mentindo, e eu sabia quando ela
mentia. Aliás, não foi mentira sobre ter que arrumar seus objetos pessoais, já que
fizemos sua mudança no domingo e era muita coisa, pois não quis deixar nada para trás.
Sem margem para fugas, inclusive compramos uma imensa casa de cachorro que chegou
na segunda. Cyborg e sua companheira iriam morar conosco.
O caminho até o hospital foi feito entre provocações. Valentina cismou que
queria ver meu pau duro e marcando a calça, então começou a me acariciar enquanto eu
dirigia. Ela era doida, atrevida e, para a minha felicidade, muito safada.
― Blake, só não te chupo agora mesmo porque está de dia.
Engasguei, me acomodando melhor no banco. Eu estava muito desconfortável.
― “Porque é dia”? ― inquiri dolorido. ― Você me chupou ontem com o sol
batendo na sua cara, lembra?
Ela fez mesmo. Devido a estar me sentindo bastante cansado, eu dormi um
pouco a tarde e, quando acordei, quase surtei de pânico quando não a encontrei. Saí
correndo do quarto, enlouquecido e berrando por ela. Encontrei minha safada nadando
nua. Ela me enfeitiçou quando saiu da piscina e veio toda molhada caminhando em
minha direção. Sem dizer uma palavra, se ajoelhou diante de mim e me deu um dos
melhores orgasmos da minha vida. Gozei muito em sua boca e ela bebeu tudo,
lambendo os lábios como uma gata satisfeita.
― Blake, acorde. ― Um cutucão me fez despertar da memória classificada
como uma das melhores da minha vida. ― O sinal abriu.
Sua risadinha pervertida me fez ficar anda mais duro. Olhei para ela, que estava
muito satisfeita encarando a rua.
― Dirija, moço. Não vou fazer um oral em você, na rua. Quem sabe à noite? Aí
nós poderíamos transar... ― De repente ela bateu palmas. ― Quero a Lamborghini,
aquela exclusiva. Vamos transar nela.
Safada! Distraindo-me do que me espera.
― Eu te amo ― murmurei, apertando sua coxa. ― Agradeço por estar comigo.
― Você vai abusar de mim, gatinho, pode apostar.
Quando descemos do carro, encarei a fachada do hospital de câncer. Suspirei e
não me surpreendi quando Valentina segurou minha mão, enlaçando nossos dedos.
― Tudo bem. ― Olhou nos meus olhos. ― Estamos juntos, vamos passar por
tudo junto e vamos vencer juntos. Confia em mim?
― Sim, meu amor. Eu confio.
― Muito bem... Agora cadê o meu beijo? Preciso de algo para me acalmar.
Terei que me controlar para não sair socando a cara das vadias assanhadas assim que te
virem!
― Só você, meu amor... ― Demos um beijo lento e molhado, do jeito que eu
gostava tanto.
― Pronto?
― Sim, estou pronto.
Sem nunca soltar a minha mão, Valentina permaneceu ao meu lado em cada
momento. Quando me sentei na cadeira destinada a mim, ela observou atentamente
quando o próprio doutor Marchese puncionou minha veia e ajustou a bolsa com a
primeira dose do soro Ringer Lactato.
― Doutor, Blake precisa de alguma dieta especial? ― Balancei a cabeça
quando minha pequena safada puxou um caderninho do casaco. ― Empresta aí a sua
caneta.
Ri da cara do pobre homem.
― Muito líquido, mas é bom evitar frutas frescas e coisas cruas; precisamos
evitar germes. Aliás, não fomos apresentados, que eu saiba.
― Valentina MacKerrick. Sou mulher dele. ― Apontou para mim e, assim, do
nada, vi meu peito estufar enquanto observava ela metralhando o médico de perguntas.
― Esse soro tem algum efeito colateral para os quais eu deva estar preparada?
― Não há índices de reações, mas febre pode ocorrer, assim ele precisa de
doses controladas de relaxante térmico.
― A quimioterapia começa na sexta. Precisa de algum preparo antes?
― Dormir bem na noite anterior e alimentar-se duas horas antes. Sobre a
alimentação especifica: você vai experimentar e vai montando a dieta de Blake. Vou
encaminhá-lo para um nutricionista, mas por agora peço que evite gorduras,
condimentos, comidas pesadas, quentes ou muito doces. Comidas integrais são bem-
vindas.
Valentina anotava tudo, concordando ou questionando de vez em quando.
― Sobre sexo, doutor. ― Engasguei, sem acreditar. ― Ele pode?
Cobri o rosto com o braço mas não pude evitar soltar uma risada. Mas era
safada mesmo... Minha safada. Não cansava de repetir.
― Liberado, desde que ele se sinta bem para fazer. Só pegue leve, tudo bem?
Nada de coisa extravagantes. ― Notei o doutor constrangido. Eu ri ainda mais.
― O que seria extravagante em sua concepção?
O doutor esfregou o cabelo, nervoso. Eu queria lhe dizer que ela era assim
mesmo, desbocada e sem filtro, mas gostei de vê-lo saindo da zona de conforto.
― Ah, eu creio que Blake vai saber o limite dele. Agora preciso ir.
E assim o doutor Richard Marchese fugiu.
― Vem aqui, meu amor. ― Estendi o braço livre e ela veio, me deu um beijo
suave e sentou na cadeira ao lado da minha.
Algum tempo depois notei que ela estava sonolenta. Sei que não dormiu nada,
por isso não puxei assunto. Fechei os olhos também, tranquilo e mais forte por estar
com ela ali. Assustei quando minha perna foi puxada.
― Mas que merda! ― Abri os olhos e o mesmo cara do outro dia estava lá.
― Olha quem voltou! Começando o processo de morte lenta? ― Sua voz
debochada me fez ficar tenso. Ele estava se segurando em um suporte para soro, sua
aparência ainda pior que antes.
Deus, como essa doença destrói rápido! Senti um terror começando a rastejar
por meu corpo.
― Estou começando o meu tratamento. Agora, por favor, vá embora. Minha
mulher está cansada.
― Não se importe com ela, amigo. Será a primeira a te dar um pé quando toda a
sua beleza virar nada.
Abri a boca para revidar, mas não precisei. Valentina ergueu a cabeça. Com
carinho, tirou minha mão dos seus cabelos e ficou em pé.
― Vou te dar três segundos para dar o fora, caso contrário, vou chutar sua
bunda e não estou nem aí para o fato de estar doente!
― Uhn, esquentadinha?! ― Riu tossindo. ― Querida, falo por experiência
própria: deixe esse coitado. Você não vai aguentar toda a merda que vem por aí.
― Sua mulher te deixou porque você é um porre, está na cara! Ninguém aguenta
gente idiota. Agora sai, se não vou acertar o punho na sua cara.
― Mulher doida! Depois não diga que eu não avisei.
― Vá avisar a um coveiro para abrir o seu buraco, idiota!
As pessoas olhavam para Valentina sem acreditar, mas quando o homem saiu,
várias delas bateram palmas.
― Ele tem esse costume. Gosta de ajudar a incrementar o sofrimento dos outros
― uma mulher falou, aproximando-se. ― Estou com um segundo filho aqui. Iniciamos
hoje o tratamento. O primeiro está curado e tenho certeza de que o Leo vai ficar
também.
― Claro que sim. Isso aqui é apenas uma pausa nos planos, não é, senhora? ―
Valentina estendeu a mão e a mulher aceitou.
Voltamos para casa no fim da tarde. Eu me sentia cansado, mas estava bem.
Pensei que ficaria pior, mas então lembrei que ainda não era a sessão de quimioterapia.
Essa sim iria acabar comigo.
― Amor, descansa um pouco. ― Meus travesseiros foram afofados e eu fiquei
meio sentado. ― Vou preparar seu jantar e já, já, eu volto.
― Valentina, tem certeza de que quer ficar? Isso não vai ser bonito.
Ela inclinou a cabeça de lado, então se sentou na cama.
― Devo supor que se fosse o contrário você iria embora, me deixando?
― Não, por Deus! ― Eu me senti ultrajado. ― Não suporto a ideia de te deixar
e ainda mais se você... ― neguei. ― Entendi o que quis dizer, ma petit.
― Você quer que eu vá embora?
― Não. Eu te amo e não quero pensar em ficar um segundo sem você.
― Então não se preocupe com nada. Estamos nessa juntos, a cada passo do
caminho. Cuide só de ficar forte para superar tudo. Quanto a mim, estarei sempre aqui,
não importa o quão difícil for.
Meus olhos arderam e eu só me dei conta que chorava quando ela me abraçou,
me acalmando.
― Eu não queria parecer tão fraco, amor ― murmurei enterrando o rosto em
seu pescoço. ― Mas não consigo evitar o que sinto. Esse misto de medo, apreensão e
temor é eclipsado pelo seu amor por mim. É tão bom saber que me ama a este ponto.
― Como não te amar? ― Afastou um pouco para me olhar. Seus olhos
brilhavam demais. Não haviam lágrimas; ela estava forte para mim. ― Você tem uma
Lamborghini Veneno!
Ri baixinho e ela me beijou.
― Por que eu nunca te deixaria, Blake? ― perguntou me encarando. ― Vamos!
Responda para mim.
Meu peito encheu de ar e aos poucos o soltei. Ainda mais emocionado que
antes, pude responder à sua pergunta, pois não haviam dúvidas.
― Porque você me ama!
― Incondicionalmente.
A pressão crescente em meu peito aliviou, porém eu sabia que este amor seria
por muitas vezes testado.
Aquela noite eu tive muita febre, agonia durante a noite e parte do dia seguinte,
e, ainda assim, juntos, passamos por aquela primeira etapa. A mais suave de todas.
A sexta-feira chegou e a recomendação de ter uma boa noite de sono foi
ignorada. Não preguei o olho. De vez em quando sentia vontade de vomitar e depois só
tremia de nervoso.
Notando meu estado de nervos, Valentina pegou um computador e levou para
sala. Escolhemos o lugar onde nos amamos pela primeira vez e assistimos uma
maratona de séries com Cyborg e Albina do nosso lado.
Sempre ao seu lado.
Foi isso o que ela suspirou quando perguntei por que não ia dormir.
Agora eu estava sendo preparado para iniciar o tratamento contra a leucemia,
com ela ali do meu lado. Sempre sorrindo, brincando, levantando meu estado de ânimo
decadente.
Meu humor estava péssimo. A primeira confusão foi quando o doutor Marchese
quis que eu recebesse o soro deitado. Eu queria sentado e começamos assim. Sabia que
o que dissesse eu seria do contra, apenas para brigar. Valentina me acalmou, mas fiquei
sentando.
― Se por acaso notar que o braço do soro está diferente, Blake, mande me
chamar logo, entendeu?
― Sim.
Durante uma parte da indução do medicamento não senti nada. Inclusive me
diverti um pouco com Valentina e suas palhaçadas. Enquanto eu tinha que ficar parado,
ela ficava com o celular do meu lado fazendo caretas ou deformando nossos rostos com
um aplicativo. Ora eu tinha olhos de gato e orelhas, ora eu trocava de rosto com ela, e
assim seguimos por alguns minutos até que senti tontura.
― O que foi, meu amor? ― Sorri de olho fechados.
― Tontura. E não sei... Acho que me sinto bêbado.
― Vou chamar o médico.
― Fique. Deve ser normal.
― É sim. ― A mesma senhora do outro dia falou deixando-me aliviado.
Antes que me esqueça, Valentina e eu decidimos ficar na sala comum. Ela achou
que eu me sentiria melhor vendo que não era o único a passar por isso. Existia, ali, algo
sobre uma corrente de energia e pensamentos positivos que ela acreditava funcionar.
― Tudo bem. ― Testei um sorriso, mas gemi quando tudo rodou.
― Fica quietinho. Já, já, terminamos com isso.
Agora Valentina não brincava com o celular. Ela resolveu que ficar no meu
ouvido dizendo o quando eu era amado e importante para ela seria muito melhor. Ela
me fazia pensar em uma família grande e amorosa. Esqueci, por um momento, que
aquilo escorrendo por minhas veias era um veneno; que eu lutava contra mim mesmo.
― Blake, tudo vai dar certo. Eu lhe digo para confiar em mim porque eu nunca
erro. Podemos passar por uma fase de merda, mas depois estaremos bem e
recuperados, eu garanto isso. Só confie.
Assenti. Engraçado como ela falava em nós. Eu estava doente, mas todo o
processo seria enfrentado por nós dois. Juntos! Ela me fez crer que sempre seria assim.
Passei três horas recebendo a quimioterapia. Aquela foi minha primeira sessão
e agora eu estava indo para casa. Era estranho como, assim que o soro foi cortado, a
sensação de bebedeira passou.
― Já estamos quase chegando em casa e eu nem vou devagar por estar dirigindo
uma Ferrari. ― Valentina me fez rir quando piscou um olho e depois ficou zarolha. ―
Olha para mim! Sou a fodona da Ferrari.
― Boba.
Chegamos em casa e, antes mesmo de abrir a porta, uma náusea muito forte me
fez cambalear. Prendi o fôlego para ver se passava, agarrando meu estômago revoltado.
Me curvei na porta, arquejando, já sentindo o sabor ruim da saliva que antecede o
vômito. Valentina me amparou para dar dois passos de lado, e ali mesmo, na porta de
casa, vomitei com violência.
Senti-me morto de vergonha por ter minha garota me vendo daquele jeito, mas
ela acariciava minhas costas, me tranquilizando, dizendo que aquilo ia passar e para eu
não me importar com ela. Quando passou, me sentia muito fraco, tonto, trêmulo. Foi
com muito esforço que consegui subir para o quarto. Não tomei banho porque não
aguentei ficar em pé. Valentina saiu por uns instantes e voltou com um balde,
colocando-o ao lado da cama.
Logo ela se deitou e eu rolei, apoiando minha cabeça em seus seios. Ficamos
assim até a próxima náusea me atacar com força. Vomitei muito, ficando ainda mais
cansado. Meu corpo tremia tanto que não consegui segurar o copo de água que ma petit
trouxe para mim.
― Pequenos goles, amor ― ela me incentivou despejando o líquido refrescante
em minha boca. ― Assim mesmo.
À noite não consegui comer, mesmo sabendo que o caldo estava perfeito para a
minha condição. Não havia cheiro forte, nem sabor que manifestasse meu enjoo, porém
me sentia de estômago cheio. Não sei nem se dormi, mas lembro que todas as vezes que
precisei, não estive sozinho. Valentina esteve ali, antes mesmo que eu dissesse uma
palavra, ela antecipou minha necessidade.
E assim foi o meu primeiro dia de tratamento contra o câncer.
Capítulo 26

“A subida de uma montanha russa é encarada como um suspense, mas a decida te faz morrer de medo. Descobri que
estou subindo alto, e não me importo com a queda. O amor faz valer a pena.”
Valentina MacKerrick – Namorada, companheira
e melhor amiga de um homem com câncer.

Valentina
Desde que me entendo por gente, eu nunca fui do tipo que desiste de algo. Posso
cair, me machucar, sofrer o que for, mas nunca desisto. Faz parte de mim, de quem eu
sou, lutar até o fim, empurrar além do limite e continuar caminhando mesmo quando a
vontade é de encolher e chorar.
Ah, como eu chorei, escondida e em silêncio!
No momento em que Blake me disse estar doente eu acho que meu coração
falhou algumas batidas, mas quando ele disse ter câncer, creio que ele parou
completamente. Tive que engolir o choro porque no mesmo instante eu senti a
vulnerabilidade e a incerteza em sua voz, mas o pior foi a carência. Blake estava muito
carente e com medo, o olhar dele me disse, seus gestos, tudo contava uma história que
eu consegui entender. Então recorri à mentira. Sim, isso mesmo: eu menti. Quando
coloquei a doença em segundo lugar e dei-lhe um belo tapa na cara, eu menti para
assustá-lo, e depois continuei na pose de mulher forte. Eu tinha que ser, para ele, pois
Blake estava arrasado, temeroso demais com tudo o que estava acontecendo. Ele
parecia desacreditar em sua vitória. Um campeão que já iniciava sua corrida
acreditando que perderia.
Não! Nunca iria perdê-lo para o seu medo. Eu acreditava que ele sairia dessa.
Eu ficaria aqui e nunca iria deixá-lo e, mesmo que ele me expulsasse, eu não iria
embora. Não agora, porque sabia que era a doença falando por ele.
― Não aguento mais isso!
― Shh. ― Mantive minha voz firme. Mesmo que meus olhos teimassem em
arder, controlei as lágrimas, e sorri.
― Quero que vá embora! ― Blake me abraçou.
Seu corpo tremia muito. Ele estava com febre e tendo espasmos secos. Aquela
era mais uma madrugada acordados, como tantas outras desde que começou a
quimioterapia.
― Sério? E te privar da minha beleza todos os dias? ― Acariciei seus cabelos
e um monte veio por entre meus dedos.
Por um momento fechei meus olhos, meu queixo tremendo. Tossi para evitar
soluçar. Fiz uma promessa de nunca chorar na frente dele. Para Blake apenas meu
sorriso e minha alegria.
― Olhe para tudo isso! ― lamentou me olhando. Seus olhos, antes brilhantes,
estavam opacos; a pele em uma palidez doentia
― Estou olhando, e...? ― Sorri, roubando-lhe um beijo rápido.
Isso era o amor. Eu sabia.
― Você não pode querer ficar aqui ― murmurou encolhido e logo gemeu,
agarrando o estômago.
Só tive tempo de esticar o braço e pegar o balde para ele vomitar. A todo
instante eu acariciava suas costas. Era a única coisa que eu podia fazer: ficar ao seu
lado, lutando e resistindo enquanto houvesse forças para mim, e depois, quando elas
acabassem, eu ainda continuaria, porque ele precisava e eu também.
― Blake, eu te amo. ― Acariciei seus cabelos, colocando o balde de lado. A
seguir limpei sua boca com cuidado. ― Não vou embora, ok? Então desista. Sou sua
mulher e não aceito ordens.
― Eu também te amo. ― Acariciou meu rosto com os dedos trêmulos. ― Mas
estamos na terceira sessão, amor, e eu já me sinto acabado para o mundo. Não consigo
dormir uma noite inteira em paz. ― Cada palavra dita era como uma faca em meu peito.
Ele estava ficando deprimido e isso me aterrorizava. ― Me sinto meio homem por me
sentir tão cansado e sem forças para fazer amor. Eu...
― Pare com isso. Temos prioridades e vamos trabalhar com elas. Você vai
ficar bom, então vai me aleijar com esse pau gigante aí.
Ele soltou uma risada baixa, então ficou cansado e deitou, me observando ir
esvaziar o balde no banheiro. Não demorei muito porque ele sempre ficava ansioso e
começava a gritar por mim.
Blake era recorrente de pesadelos terríveis. Perguntei ao Doutor Marchese e ele
me disse que era comum, porque agora ele tinha muita febre e delirava; quando não as
tinha, ele estava muito assustado com tudo e ainda assim sonhava.
Voltei para o quarto e ele me encarava de forma fixa. Eu me obrigava a relaxar,
a sempre manter a compostura. Não precisava que ele colocasse mais problema na
cabeça.
― Vamos dormir, Senhor Delícia? ― Engatinhei na cama e ele concordou,
esperando eu me ajeitar. ― Vem, meu amor ― chamei e ele suspirou, deitando a
cabeça entre meus seios e me abraçando da forma que podia.
― Sinto-me seguro aqui ― murmurou carinhoso. ― Perdoe-me por tudo, amor.
Não era assim que eu imaginava...
Fechei os olhos por um instante, absorvendo seu amor e tristeza. Filtrava o bom,
me regozijando nele, e expulsava o ruim para poder continuar forte.
― Amanhã será a quarta sessão.
― Eu sei, meu amor. ― Beijei sua cabeça. ― Eu sei.
Massageei seus ombros com suavidade. Já sabia que essa seria uma noite que
eu não conseguiria dormir.
Como foi da primeira vez, eu chorei muito enquanto ele dormia e depois
preparei sua comida, uma variedade de coisas específicas de acordo a dieta
recomendada e mesmo assim ele mal comia. Vomitava tudo; às vezes sentia o estômago
cheio e mal havia tocado no alimento; depois havia, também, outras coisas que não me
importava em saber, mas que, para ele, era o fim do mundo. Blake estava com
problemas para usar o banheiro, então tive que brigar para poder ajudar e ele ficou sem
falar comigo durante o dia inteiro por causa disso. Enfim, para mostrar que não era
problema, enquanto ele desfrutava de um banho morno na banheira, eu fiz minhas
necessidades fedorentas. Estamos tranquilos quanto a isso, agora.
Apesar de sentir muito cansaço físico, eu me mantinha de prontidão. Meu tempo
era curto para limpar tudo e estar disponível para quando Blake precisasse de mim.
Assim, aproveitava as poucas horas que conseguia dormir e cuidava da casa. O que
dava para fazer, já que em comum acordo, por enquanto, estávamos enfiados e
anônimos dentro da mansão.
Por sorte a notícia da doença ainda não tinha vazado na mídia, e não me foi
permitido contar para a minha família e ele tampouco contaria à dele. Estávamos
sozinhos, pois, na cabeça do meu amado, todos ficariam com pena, e ele não queria isso
de ninguém.
O dia amanheceu e tudo já estava pronto para Blake. Fui acordá-lo e senti
desgosto de fazer isso porque, eram raras as vezes em que ele dormia tranquilo, como
agora. Parei um momento para observar seu sono. Ele sempre ficava encolhido; parecia
um garoto desprotegido e isso só fazia meu amor aumentar, pois eu o considerava
invencível. Ainda acho.
― Isso é só uma pausa nos planos. — Esfreguei o rosto. ― Você é forte, meu
amor. Vai superar. Eu tenho fé nessa certeza. Vamos superar!
Eu não podia fraquejar nessa questão. Jamais.
Acordei meu amor com um beijo suave. Seus olhos abriram e estavam sem
brilho, avermelhados, cansados demais.
― Bom dia, minha querida múmia. ― Fiz um carinho em sua bochecha,
ganhando um sorriso fraco.
― Bom dia, minha amada megera.
Sorri, beijando-o. Era assim que eu o acordava todos os dias.
― Temos mesmo que ir? ― ele perguntou enquanto jogava no chão uma camisa
e outra, achando tudo folgado demais. ― Vinte e um dias e eu não sou nem a sombra
daquele homem que fui. Imagine depois?
― Para mim continua lindo e a cada dia eu te amo mais. ― Passei meus braços
ao seu redor, beijei suas costas. ― Não importa o exterior, Blake, e sim o que tem por
dentro.
― Câncer ― rosnou baixo. ― É isso o que eu tenho.
― Amor, já falamos sobre isso, tudo bem? Você vai ficar bom. Precisa
acreditar.
― Odeio tudo isso! ― Seu lamento partiu meu coração. Não o soltei, apenas
me ajeitei quando ele curvou para frente, se apoiando na parede do closet. Observei
quando ele puxou o cabelo e um gesto nervoso, e só me preparei. ― Mas que caralho...
Blake me empurrou. Meio cambaleante ele foi até um espelho e fez algo que
detestava desde que começaram as mudanças físicas: ele se olhou, analisando seu
corpo muito mais magro, a palidez e a secura da pele.
― Deus! ― Balançou a cabeça. Logo passou a mão no cabelo, outra vez, e mais
fios voltaram por entre seus dedos. ― Isso só fica cada vez pior.
― Blake. ― Entrei em sua frente. ― Amor, isso é só cabelo.
― Não! Isso é essa droga de doença acabando comigo! ― Ele queria gritar,
mas não o fazia. Eu sentia essa necessidade nele. ― Por favor, me deixe sozinho. Eu
preciso ficar sozinho.
― Não precisa, não! ― Retirei os cabelos de sua mão. ― Você precisa parar
de se importar com a sua aparência. Preocupe-se com o seu tratamento e mais nada. E
seu cabelo está caindo porque você está se cuidando. Faz parte. Depois cresce de novo.
Fomos para o hospital em silêncio. Blake não falou comigo durante o caminho
inteiro, nem quando começou a receber a quimioterapia. Ele guardou suas palavras. Em
contrapartida eu não guardei meu amor. Enquanto ele se mantinha de olhos fechados, eu
sussurrava em seu ouvido o quanto o amava, o quanto precisava dele, e o quanto queria
vê-lo lutando junto comigo.
― Entenda, meu amor, que eu nunca vou sair do seu lado. A Valentina, aqui, é
mulher de um amor só. Aceite! Não mandei você me conquistar. Eu te amo, eu te amo,
te amo para sempre. Então preciso que fique forte, tudo bem?
Ele acenou, mas não abriu os olhos. Eu sabia que se controlava, mas uma
lágrima escapou. Limpei com um beijo.
― Falta só mais uma sessão e o ciclo acaba. Lembra que seus exames
mostraram uma melhora?
― Insignificante.
― Mas ainda assim foi uma melhora! Vamos nos apegar a isso!
A rotina no hospital era simples. Antes das sessões, nós vínhamos dois dias
antes para tomar o soro Ringer Lactato, então na sexta era a quimioterapia. Aí sempre
conversava com o médico de Blake sobre como estavam sendo os dias, então ele era
avaliado – testado, como gosta de dizer – e a sessão começava. Uma das coisas
engraçadas era que o velho ranzinza e briguento sempre aparecia quando chegávamos,
rolava uma briga minha e dele que na maioria das vezes os faziam rir, digo, o velho e
Blake. Porém hoje ele ainda não chegou.
― Onde está aquele chato moribundo? ― Blake falou pela primeira vez desde
que chegamos. ― Ele já deveria ter aparecido e dito que você já pode começar a
encomendar meu terno da eternidade.
Blake terminou sua quimioterapia e o velho não apareceu. Quando o doutor
chegou para liberar a saída, recebemos a notícia:
― Timothy faleceu ontem à noite.
Senti-me golpeada pelo inesperado. Quero dizer, sabíamos que ele estava em
estágio terminal mas... Deus!
Notei Blake crispar as mãos. Estava todo tenso, respirando forte.
― Ele descansou de toda essa merda. ― O doutor Marchese riu baixo, sem
humor. ― Gostava de dizer isso, sempre que eu aparecia em sua frente.
A volta para casa foi feita em silêncio, também. Blake olhava para a janela, as
mãos repousadas no colo. Parecia distante, inclusive de mim. Sentia-o inalcançável
demais.
― Amor, que tal se, quando chegarmos em casa, você mudar o visual? Vamos
brincar com uma máquina de cortar?
Silêncio.
― Blake, eu acho que o Cyborg pegou carrapato. Será que isso é coisa dos
vizinhos ou é o tempo? ― Engoli o caroço em minha garganta. Era mentir. Meu filhote
não tinha isso, mas Blake o adorava e talvez...
Minha visão embaçou quando me respondeu com silêncio.
Nessas horas meu coração doía mais que tudo.
― Amor. ― Sorri. Eu era uma mentirosa profissional. ― Estava aqui
pensando...
Improvisei uma risadinha falsa. Queria mesmo era chorar por vê-lo afundando
na depressão e tristeza, porém não havia chance de eu fazer isso. Então aticei sua
curiosidade.
― Nossa... ― Ri mais um pouquinho e não falei nada. O suspiro rendido foi o
único sinal de que ele me ouvia.
― O que você está pensando, Valentina?
Frieza. Era isso o que a frase poderia gritar na minha cara. Sacudi os ombros.
Aquilo não me afetava.
― Faz tempo que eu sou uma garota boazinha e já está mais do que na hora de
eu ser malvada!
Ganhei sua atenção quando paramos em um sinal. O olhei.
― Que tal uma sessão de fotos nossa?
― Não, obrigado! ―Voltou a olhar para a janela
― Tudo bem. Vou pedir ao vizinho para tirar minhas fotos, então.
― Fique à vontade.
Magoada por ele não se importar, fiquei calada. Ainda na garagem, Blake
passou mal e vomitou tudo a sua frente, só que desta vez ele não quis minha ajuda.
Mesmo assim eu fiquei ao seu lado e cuidei dele com todo o meu amor.
― Se seu plano é ser um idiota e me afastar você, não está conseguindo ― falei
enquanto entravamos no banheiro. ― Eu tenho doutorado em ser grossa, idiota,
petulante e o que mais você tentar ser. Desista dessa merda, ou mude a sua tática.
Antes que pudesse deixá-lo pensando, ele me abraçou. Chorou baixinho com o
rosto enterrado em meu ombro. Acariciei suas costas, permitindo que ele aliviasse sua
dor.
― Ele foi o primeiro a me atormentar, mas de alguma forma eu gostava dele,
porque... ― Blake me apertou ainda mais. ― Ele estava lá, dizendo o quanto tudo era
uma merda, e que você me deixaria para ficar com ele a qualquer hora.
― Shh. ― Mordi o lábio, controlando a respiração. ― Eu sei...
― É tudo tão injusto! Por que tem que ser assim? Não me sinto melhor. Pelo
contrário! A cada dia sinto-me morrer um pouco.
Ficamos muito tempo abraçados. Eu não tinha como rebater aquilo, pois me
sentia péssima. Apesar de um começo conturbado, Timothy, de alguma forma, se tornou
especial. O humor mórbido dele me fazia ser atrevida. Depois do terceiro retorno ao
hospital, ele esperava pelas nossas trocas de farpas. Agora, de repente, acabou.
― Meu amor, olha só... ― Segurei seu rosto, obrigando-o a me olhar. ―
Ninguém está preparado para lidar com a morte, mas de alguma forma temos que
aceitá-la quando é inevitável. Timothy descansou. Agora ele está bem.
― Não aceito isso.Convivo com pessoas que podem ir embora a qualquer
momento, eu inclusive. ― Suas lágrimas foram mais grossas. ― Só não aceito.
― Olha para mim, amor. Sente-se aqui. ― Sorri, engolindo o choro. Coloquei
suas mãos em meu rosto. ― Por favor, não me deixa acreditar sozinha que você vai
ficar bom. Luta comigo, não me afaste, eu... ― Balancei a cabeça, respirando fundo
várias vezes. ― Fica comigo, tudo bem?
― Vá embora, ma petit. ― Ele encostou nossas testas. ― Eu te amo demais
para te ver afundar comigo. Não vê que isso não vai adiantar?
― Eu nunca te deixaria, Blake. ― Meus olhos alagaram de lágrimas, mas não
podia chorar. ― Eu te amo demais para isso.
― Eu não te mereço.
― Você me disse uma vez que eu seria sua, completamente. ― Olhei em seus
olhos. ― Eu sou.
Naquela noite Blake passou muito mal. Precisamos voltar para o hospital na
madrugada para que ele ficasse em observação. Apesar dos meus cuidados não houve
como evitar uma desidratação. Blake estava tendo uma emergência azul. Isso significa
que, de zero a dez, ele expirava cuidados nível quatro.
Aquela foi uma das piores noites da minha vida. Encarei o monitor cardíaco
como se ele fosse meu melhor amigo. Morta de medo, eu mal conseguia respirar. Algo
apertava meu peito de forma dura e consistente. O dia amanheceu que eu nem vi, só
quando uma das enfermeiras veio trocar o soro eu consegui sair do meu transe.
― Querida, vem aqui. ― Ela me chamou. Era uma mulher jovem, de semblante
carinhoso. A contragosto eu a segui até o corredor.
― O que deseja comigo? ― Minha voz parecia arranhada. Pigarreei para
melhorar um pouco ― Posso te ajudar em algo?
Ela só me olhava, um sorriso suave e bondoso marcando seus traços.
― Eu desejo te abraçar. ― Sacudida por suas palavras, dei um passo atrás,
balançando a cabeça, respirando acelerado, torcendo o rosto para não chorar. ― Vem,
minha menina.
O primeiro soluço saiu antes mesmo que eu estivesse em seus braços. Eu me
sentia fraca para ser forte. Precisava chorar, desabafar, porque esta era a minha
realidade. Não dava para jogar em cima de Blake meus temores. Só não dava.
― Eu estou morrendo de medo. ― O abraço apertou. ― Mas não posso
demonstrar, porque se ele desistir...
― Ele não vai, querida. Nunca vi um homem com melhores chances. ― Aquela
voz suave deveria me acalmar, mas eu só chorei mais forte. Era como se o pranto
escondido estivesse sendo melhor expulso daquela forma. ― Continue fazendo desse
jeito. Percebo como você brinca, muda de conversa... Alguns pacientes aguardam que
você chegue. Suas bagunças são importantes para eles.
― Blake quer que eu vá embora. ― Solucei tremendo. ― Ele não me quer por
perto e eu não me imagino longe dele. Eu o amo demais, entende? Muito mesmo.
― Eu sei que sim, mas entenda que ele não quer que você o veja em seu pior.
Ele quer preservar a imagem de antes.
Abraçada àquela desconhecia eu chorei sem parar pelo que pareceu muito
tempo. De forma estranha, cada lágrima derramada só me fortalecia e, ao fim daquele
momento, eu me senti mais eu mesma. A antiga Valentina, a mentirosa profissional e
forte pra caramba.
― Agora vá lavar esse rosto lindo e coma algo. Já, já o efeito do calmante do
senhor Walker vai passar.
― Obrigada por me ajudar. ― Limpei os olhos. ― Eu sou muito grata por isso.
― Não agradeça. Um abraço não é nada.
― Senhora, há momentos em que um abraço é suficiente.
― Me chame de Lysa, e sim, tem razão, é que às vezes esquecemos a
importância das coisas simples. Agora vá.
Antes de ir embora, beijei sua bochecha. Corri para o banheiro que ficava no
fim do corredor. Lavei o rosto, chorei mais um pouco e depois esperei alguns minutos
até meu rosto parecer melhor, só os olhos que permaneciam inchados, então dei um
doloroso jeito neles e voltei.
Quando estava perto, pude ouvir os berros de Blake. Meu coração quase saltou
pela boca. Corri e levei uma portada de alguém que saía do quarto.
― Desculpe, Valentina. ― Esfreguei a testa. Era o médico de Blake. ― Eu já
estava indo te procurar. Ele acordou e você não estava.
― Vão embora! Vão embora, porra!
Entrei no quarto com o coração na boca. Blake estava sentado, berrando com
um casal que tentava se aproximar.
― Meu filho, por que não me avisou que estava doente? ― Arregalei os olhos,
dando uns passos para trás. ― Eu sou sua mãe! Imagina como me senti ao saber por um
jornal que meu único filho está com câncer?
― Vão embora! Vão embora daqui agora!
― Como pode nos mandar embora? ― Aquele falando deveria ser o pai.
Deus... Que terrível!
― Posso e mando. Quero ficar sozinho.
― Blake. ― Meio estrangulado, seu nome escapou dos meus lábios. O casal
mais velho virou para me olhar e me senti mortificada. O olhar de repreensão que
ambos me deram foi triste.
― Por que não nos avisou, mocinha?
Não sabia o que falar. Senti-me acuada, pega desprevenida. Encostei na porta e
a abri sem querer.
― Não faça isso. ― Blake estendeu a mão. ― Não preciso deles, mas de você
sim.
A mãe dele ofegou e foi amparada pelo homem tão parecido com o meu
namorado.
― Venha, Valentina ― ele me chamou e parecia até mais forte.
Trêmula, caminhei até parar ao seu lado. Peguei sua mão, beijando seus dedos,
e Blake sorriu para mim. Aquele sorriso lindo, cheio de dentes e duas covinhas.
― Entrei em pânico quando acordei e não te vi. ― Acariciou meu rosto. ―
Quando eu disser para ir embora, me chute.
Concordei, abaixando a cabeça. Cheio de cuidado, ele segurou meu queixo e me
olhou com atenção.
― Você esteve chorando?
― Não... ― Engoli saliva. ― Eu fui lavar o rosto e uma garota esbarrou em
mim, caiu sabão no meu olho e ardeu muito.
― Vem aqui, meu amor. ― Inclinei-me para que ele pudesse beijar meus olhos.
― Está melhor?
― Sim. ― Sorri e ele me deu um beijo rápido. ― Agora sim. Como se sente?
Blake deu de ombros, prestando atenção em mim.
― Dolorido, cansado, com um pouco de fome... ― Meu sorriso aumentou. ―
Querendo ir para casa.
― Você vai ficar conosco a partir de agora. Viemos do aeroporto direto para
cá, e seguiremos para casa daqui. ― O pai falou e eu me senti afundar ao ouvir isso.
Talvez não pudesse mais ficar com ele.
― Eu já tenho casa. ― Meu namorado olhou para o seu pai. ― Estou morando
lá, com a minha mulher. ― Eu me encolhi ainda mais. Nunca estive em uma situação
dessas. ― A propósito, mãe e pai, esta é a minha futura esposa, Valentina.
A partir daquele instante tudo ficou estranho. Os pais de Blake ficaram me
encarando e um silêncio constrangedor preencheu o ambiente. Quase podia imaginar o
que eles estavam pensando: como uma garota que nunca viram, de repente vira futura
esposa? Vejo a palavra golpe brilhando por aí...
― Blake, em nossa casa você terá total assistência. Deixe-me cuidar de você,
filho?
― Não, e por favor, respeitem isso. Se quiserem me visitar de vez em quando,
fiquem à vontade, mas prefiro que avisem antes.
Pude sentir a dor daquela mulher. Ela estava vendo o filho doente rejeitando-a.
Teria que conversar com ele sobre isso.
― Mas meu filho...
― Mãe, acredite em mim: a novidade passa. Isso aqui não acaba com uma
semana ou duas. Perdoe-me por dizer isso. Você sabe que a amo muito e ao pai
também, mas já é difícil estar com Valentina sabendo que não sou o mesmo. Não vou
suportar ver a senhora chorando dia e noite porque eu estou morrendo.
― Blake! ― rosnei, olhando para ele. ― Você não está morrendo! Já disse que
isso é uma pausa nos planos. Agora chega de reclamar. Seus pais podem ir na sua casa
quando quiserem e ai de você se fizer cara feia.
― Nossa casa, ma petit!
― Tanto faz.
Voltamos para casa em uma limusine. Coisa mais estranha do mundo.
Blake estava com a cabeça descansando em meu ombro. Ele disse que se sentia
muito fraco para qualquer coisa, mas juntou energia para berrar na hora que o doutor
Marchese ofereceu uma cadeira de rodas.
― Por que você está tão debilitado, meu filho?
― Ele está sofrendo os efeitos colaterais da quimioterapia. ― Acariciei seus
cabelos com cuidado para que não viesse tufos em meus dedos. Já haviam muitas falhas
no couro cabeludo; eu não queria aumentá-las. ― A quimioterapia está indo bem.
Temos ótimas chances ao final do ciclo completo.
― E quantas seriam? ― Sabia que eles haviam conversado com o médico, mas
entendia aquela necessidade de informação.
― Ele vai passar por quatro ciclos de seis sessões, cada uma. Estamos na
quarta sessão do primeiro ciclo.
Fizemos silêncio. Notei que estavam magoados. Na minha opinião, era com
razão.
― Tudo bem. Podemos ficar por hoje em sua casa meu filho. Depois arrumamos
as coisas.
― Mãe, me desculpe ― Blake se pronunciou pela primeira vez desde que
estamos dento do carro. ― Eu já estou no meu limite. Por favor, só vá para casa.
A mãe de Blake chorava muito quando se despediu. Eles se abraçaram
apertado. O pai, de olhos marejados, apertou o filho nos braços. Eu sabia, que se
pudessem, trocariam de lugar, tinha certeza disso, na verdade.
― Desculpe-me a forma como nos conhecemos. ― Fui abraçada também. ―
Por favor, cuide dele para mim, já que ele não me aceita.
― Senhora Walker, não pense que Blake tampouco faz festa por eu estar aqui.
― Sorri, tentando tranquilizá-la. ― Ele me manda embora todo santo dia, mas eu sou
do tipo contrário e só faço o que quero.
― Por isso ele te ama.
― Por isso ele é obrigado a me aturar. ― Pisquei um olho, tentando animá-la,
mesmo sendo impossível. ― Ele só não quer ver sofrer as pessoas que ama. Vou cuidar
para que a senhora venha aqui com frequência. Pode confiar.
― Obrigada.
― Não me agradeça. Blake é seu filho então eu que devo agradecê-la por ele
ser do jeito que é e por estar aqui.
Eles partiram com a promessa de voltar em breve.
Blake estava muito cansado. Foi um esforço tremendo ajudá-lo a subir as
escadas. Ao final de tudo, eu mal aguentava de dor nas costas.
― Tudo bem, você vai dormir agora e eu vou preparar algo para quando
acordar.
― Valentina, deita aqui comigo ― ele me chamou e eu fui. ― Encosta a cabeça
aqui no meu peito, ma petit, e me deixe cuidar de você um pouco.
Um pouco, apenas.
― Você parece tão cansada, meu amor ― murmurou acariciando meu couro
cabeludo. ― E hoje não estou enjoado. Vou cuidar de você.
― Porque você me ama? ― suspirei de olhos fechados.
― Mais que tudo, meu amor. ― Sua voz me acalentou. ― Mais que tudo...
***
O grito estridente me fez pular acordada. O susto me deixou trêmula, mas logo
soube que era Blake quem gritava com a mão na cabeça.
― Abaixa esse som! ― berrou, virando de um lado para o outro. Desorientada,
eu corri para as portas da varanda. O vento que passava pelas frestas fazia um ruído
alto, tipo um som de fantasma que, para ele, era insuportável. Voltei para a cama e
minhas mãos tremiam. Respirei fundo várias vezes.
― Amor, o doutor falou que você está sofrendo de danos colaterais severos. ―
Ele nem me olhava, só apertava a cabeça, meio esverdeado, já. ― Classifique a dor
para mim, por favor. Preciso saber para te medicar.
― Insuportável. ― Engasgou arquejando. Só tive tempo de pegar o balde antes
de ele virar o rosto e vomitar.
Peguei o remédio e fiz como o doutor me ensinou, preparei a dose e o ajudei a
tomar. Dependendo da dor, o medicamento seria com extrato de morfina. Eu morria por
vê-lo assim. Estava tão cedo no tratamento e ele já parecia sofrer como se estivesse no
fim. Algo não estava bem.
Aquela noite foi longa. Blake ficou drogado com o medicamento. Às vezes ele
resmungava que precisava treinar, depois ele dizia que estava magro demais e
precisava ficar bonito para a megera dele.
O cansaço em mim começava a dar sinais fortes. Minha visão, às vezes,
escurecia do nada.
Após tomar um longo banho, pois a higiene pessoal dele precisava ser
impecável, me preparei para abordar o assunto do cabelo.
― Amor. ― Ensaiei um sorriso. ― Sabe que está na moda os carecas?
― Não vou raspar meu cabelo ― disse, abaixando a cabeça. Já notava-se o
aumento nas falhas. ― Não vou colaborar com essa feiura toda.
― Blake, vai ser melhor. ― Toquei seu queixo. ― Veja o The rock, ele é um
gato. E o Vin Diesel? Henry Cavill também raspou a cabeça. Tudo homem lindo igual a
você.
― Não vou raspar meu cabelo! ― ladrou agressivo. Eu sabia das mudanças de
humor, e estava preparada para isso. ― Olha para mim! Estou com a pele vermelha,
ardida, cheia de manchas, coçando. Olha as minhas unhas. ― Estendeu as mãos. ―
Estão escuras e rachando, acha que darei mais motivo para parecer um monstro? Não
posso nem te beijar porque minha boca está cheia de feridas.
― O tratamento é assim mesmo. ― Esfreguei seu rosto. ― É assim mesmo.
Blake balançou a cabeça, mas cambaleou e eu o sentei no vaso sanitário para
que não caísse e machucasse.
― Deixa eu te abraçar ― murmurou me puxando e eu fui, beijando o topo de
sua cabeça, envolvendo meus braços ao seu redor. ― Eu não deveria estar tão ruim.
Não era para ser assim, amor. Eu sempre fui tão forte que não estou sabendo lidar com
tudo isso.
― Cada pessoa reage de uma maneira, mas isso não significa que estamos
perdendo a luta. Estamos só no começo. Ainda faltam duas sessões para o fim do
primeiro ciclo, e depois mais três ciclos para completar a etapa. Vamos devagar, tudo
bem? Um dia de cada vez.
Ele esfregou o rosto em meus seios, manhoso como um gatinho.
― Eu te amo cada dia mais. ― Ri de sua careta. ― Fazer o quê? Eu adoro os
dengosos.
― Mentirosa. Você não é fã dos fracos.
― Não mesmo. Por isso sou louca por você. Meu macho é forte.
Blake soltou uma risada alta e aproveitei para distribuir beijinhos em seu rosto.
― Vamos lá... me deixa raspar seu cabelo, meu amor?
Esperei sua resposta e ele apenas negou. Devagar ficou em pé e caminhou
fazendo algumas caretas suaves. Sabia que seus pés doíam. Junto com o formigamento,
a dor sempre estava presente.
― Eu acho que você corre se eu raspar o cabelo ― murmurou, olhando de lado.
― Não quero isso, amor. Apesar de te mandar embora, às vezes, você sabe que eu não
sobrevivo sem você aqui comigo.
― É só cabelo, Blake. ― Minha voz quebrou. ― Nem mais nem menos.
Ele continuou caminhando. Ao passar pela cama, arrastou uma manta e foi para
a varanda do quarto. Observei-o se sentar em uma poltrona confortável e se enrolar.
Perdida em pensamentos, decidi que poderia mostrar que cabelo não é
importante. Fechei a porta do banheiro, tirei minhas roupas e peguei a máquina que
havia deixado ali. Por um instante fechei os olhos quando a aproximei do meu cabelo,
depois notei que meu cabelo não significava muito para mim. Respirei fundo, tremendo,
e passei a máquina na frente da cabeça. Ri querendo chorar. Aquilo não era uma prova
de amor, e sim de companheirismo.
É só cabelo, meu amor...
Meus olhos encheram de lágrimas enquanto meus fios loiros caíam.
É só cabelo...
***

Blake
Ao longe os pássaros revoam sobre a copa das árvores. De onde estou posso
ver uma grande extensão de floresta preservada, uma faixa de mar e céu azul. Faz
exatamente trinta e cinco dias que eu descobri que tenho câncer, e, neste tempo, ganhei
um presente: o amor da minha Valentina.
Ainda lembro das suas doces palavras, a singela declaração de amor, tão
simples e tão forte. Ela abalou meu mundo ao ficar comigo. Não sei até quando ela vai
ficar. Eu mesmo quero fugir, ainda nego. Sim: eu ainda nego. Mesmo enxergando a
realidade, não quero acreditar em tudo isso. Talvez assim uma parte de mim ainda
queixa vê-la longe, escapando de tudo isso, desse lixo que me tornei.
― Metade de um homem. ― Observei minhas mãos trêmulas, de unhas
horrendas e pele seca. ― Como ela pode ficar comigo? Como pode, de bom grado,
viver desta forma?
É muito injusto. Não posso fazer muita coisa. Na verdade, nada. É muita fadiga
me engolindo a cada instante. Nesses momentos eu agradeço por tê-la e depois
amaldiçoo meu destino. Se não fosse pela força de Valentina, eu não faço ideia do que
teria me acontecido. Ela é tudo para mim, desde amorosa companheira a atrevida
briguenta. Confio na confiança dela, pois sei que acredita que ficarei bom. Ela nunca
chorou, nunca demonstrou um minuto de fraqueza e isso me dá esperanças de que o meu
estado psicológico piora minha visão das coisas, deixando-as distorcidas.
Minha barriga doeu um pouco; coloquei uma mão para aliviar a dor. Hoje ela
amanheceu distendida, como se estivesse cheia, mesmo eu sabendo que não. Confesso
que no início eu não sabia o que esperar, porém não demorou muito para que a própria
doença e tratamento me mostrassem a verdade nua e crua.
― Amor? ― Empurrei minha voz o mais alto que pude. ― Onde está?
Ma petit sempre estava ao alcance da minha voz. Ela conhecia cada detalhe dos
efeitos colaterais e sabia como tratar minhas dores, principalmente aquelas que eu não
sentia.
― Chamando por mim?
Sua voz era como um bálsamo em minha pele. Meu coração acelerava sempre
que ela se aproximava. Virei-me para olhá-la.
― Eu sempre vou chamar por... ― As palavras congelaram em minha garganta.
Não acreditei no que estava diante dos meus olhos.
Sorrindo e me enfeitiçando, Valentina começou a caminhar em minha direção.
Não desviei o olhar; não poderia nem se quisesse. Estupefato, permiti que ela sentasse
no meu colo, de frente para mim, ou melhor: ela apoiou-se nos joelhos para não colocar
o peso em cima de mim.
― É só cabelo, meu homem lindo. ― Ela me beijou de leve, com amor. ―
Cresce de novo, está vendo?
Sorri concordando, minha visão embaçada, mais emocionado do que poderia
descrever.
― Eu te amo, Blake Walker ― ela murmurou aproximando o rosto do meu. Pela
primeira vez vi seus lindos olhos azuis enchendo de lágrimas. ― Estou do seu lado. Eu
não sinto a doença, meu amor, eu só sinto a sua vida, vivo por você e para você, porque
não existe só eu. E sim nós.
― Deus!
― Esteja comigo aqui. ― Acariciou meu rosto. ― Não desista porque sua
aparência te desgosta, ou porque se sente muito fraco. Lute por mim, por nós e por um
futuro juntos.
― Eu te amo tanto, Valentina. ― Eu ri emocionado, lágrimas toldando nossos
olhos. ― Eu sei que nada é feito para durar para sempre, mas sinto que nosso amor é
maior do que esta vida. Ninguém entenderia, mas eu sinto: fomos feitos um para o outro.
― Com treze anos de diferença. ― Ela piscou um olho e eu ri mais.
― Sim, minha menina. ― Passei minha mão em sua cabeça raspada. ― Com
anos de espera por minha parte e crescimento da sua. Agora... ― Respirei fundo. ―
Vamos lutar para superar essa pausa nos nossos planos. Pegue a máquina. Temos um
cabelo para raspar.
Ganhei um abraço delicado e caloroso. Estava na hora de sair da negação.
***
― Blake, será que se esfregarmos nossas cabeças vai parecer uma lixa?
Balancei a cabeça. Estávamos deitados na cama, rindo das piadas de Valentina.
Dois carecas juntos. Ri um pouco. Ela era louca.
― Poderíamos colocar na porta assim: aqui é a casa dos gêmeos Blatina.
― Blatina? ― questionei, brincando com seus dedos
― Claro. Blake e Valentina, oras.
Tentei controlar o riso porque rir demais sempre doía algum lugar, então o
melhor que eu poderia fazer era subir em cima dela enquanto aguentava.
― Eu te amo, Valentina MacKerrick. Para sempre, ouviu?
― Sim, meu gostoso. ― Ela abriu as pernas eu me esfreguei um pouco. ― Eu
também te amo.
― Queria poder te levar para os lugares que planejei, te mostrar ao mundo
como era meu sonho. Fazer amor em praias desertas, com as estrelas de testemunha,
adoraria ver sua pele nua brilhando à luz da lua.
― Podemos fazer tudo isso, amor. ― Ela acariciou meu rosto. ― Quando a
hora chegar, faremos isso e muito mais. Não esqueça que quero sexo na Lamburghini.
― Vou te comer com força no capô ― murmurei beijando seu pescoço. ― Vou
fazer tudo o que não posso agora.
― Claro que vai. Anseio por isso. Adoro te sentir me preenchendo, me sinto tão
no limite, Blake. Você parece grande demais para mim, no entanto se encaixa
perfeitamente. ― Suspirou corando.
― Você é minha, por isso, ma petit, meu tamanho é perfeito para te fazer sentir
plena.
Não nos beijamos como eu adorava porque não me sentia confortável para fazê-
lo. Eu estava machucado e não queria exagerar os limites.
― Saiba que vou estar aqui o tempo que for, passando por tudo, entendeu?
― Sim, amor. ― Esfreguei nossos narizes. ― Você me mostrou isso.
A partir daquele dia eu mudei. Passei a aceitar que tinha câncer e isso me
fortaleceu. Não lamentei mais, só lutei e lutei. Não me importei com a mídia
explorando minha doença, não me importei com as fotos horríveis que estavam
circulando na internet nem com as matérias constantes sobre a minha queda do topo.
Tudo o que eu precisava estava em casa.
Compreendi que meus pais precisavam de mim e eu permiti que viessem quase
todos os dias. Os pais de Valentina também. Miranda, quando viu a nós dois, chorou,
mas depois sorriu.
― Vocês são perfeitos um para o outro!
― Sim, nós somos.
E minha família, agora extensa, fazia parte da minha vida. Eu me sentia melhor
mesmo com tudo o que a quimioterapia causava. Eu me sentia mais forte. Eu ia ficar
curado.
Faltava pouco, agora. Um ciclo e a primeira etapa estaria concluída. Nem
parece que comecei a quimioterapia há tanto tempo
― Nem acredito que estamos tão perto, meu amor. ― Valentina deitou, abrindo
os braços. Deitei a cabeça em seus seios, assim podia descansar ouvindo as batidas do
coração dela, o melhor som de todos.
Ainda continuava com os mesmos problemas, alguns mais acentuados do que
outros, porém os sorrisos que ganhava quando eu mesmo fazia piada disso valia muito a
pena.
A vida vale a pena.
***
Valentina
Algo me deixou em alerta.
Abri os olhos em meio à escuridão do quarto. Blake estava aninhado em meu
corpo e dormia tranquilo, mas minha roupa parecia molhada.
― Que porra é isso? ― Estiquei o braço para o abajur e com muito esforço
consegui acender. Quando olhei para o rosto de Blake encostado em meus seios, um
medo como nunca senti antes me engoliu por inteira.
Eu estava ensanguentada. Ou melhor: Blake estava.
― Amor, acorda! Precisamos ir para o hospital. ― Sacudi seu corpo e ele não
respondeu. ― Pelo amor de Deus, acorda, Blake! ― Empurrei com força seus ombros
e ele rolou de lado, mas não acordou.
Por um momento o pânico que senti me deixou paralisada. Eu não sabia o que
fazer: se chorava, gritava, corria em busca de ajuda... Chorar ganhou e procurar ajuda
ficou em segundo lugar.
Tremendo feito louca, morrendo de medo, eu fiz como o doutor me avisou:
Coloquei Blake de lado. Soluçando feito doida, deixei que o sangue que fluía de seu
nariz e boca tivesse passagem e ele não engasgasse. Busquei sua respiração e ela
estava lá, contudo sua pele estava cinzenta, de uma palidez mortal.
― Fica comigo, Blake, por favor. ― Peguei o telefone e liguei para a
emergência do hospital. Expliquei o que estava acontecendo e eles ficaram na linha o
tempo todo até chegarem aqui. Na entrada do condomínio eles já estavam autorizados e
a muito custo tive que deixar Blake sozinho para ir abrir a porta.
― Por favor, senhora, precisamos de espaço...
Os paramédicos começaram a trabalhar, checando os sinais vitais de Blake,
colocando intravenosa e, enquanto um falava, outro anotava. Nunca pensei que meu
coração pudesse se reduzir ao tamanho de um grão de areia.
― Ele tem leucemia promielocítica aguda, com alto índice de derrames
vasculares. Ele está tendo uma hemorragia severa. Precisamos correr.
Peguei a bolsa com os documentos – eu sempre deixava tudo pronto – e corri
pulando dentro da ambulância. Blake estava tendo uma emergência vermelha. Não
desgrudei meus olhos de seu rosto nem do monitor cardíaco. O pesadelo do meu lindo
amor estava se tornando realidade. Ele nunca queria ter uma emergência dessas. Ficou
em pânico quando estava lá pela primeira vez e viu uma situação parecida.
Por favor, Blake, fica comigo. Fica comigo! Engoli cada um dos meus soluços,
uma mão abafando meu choro convulsivo e aterrorizado. Nunca senti tanto medo em
toda a minha vida. Por um momento eu quis trocar de lugar com ele só para não vê-lo
ali, tão frágil, abatido, tão... Destruído.
A chegada no hospital foi rápida. Lá já esperavam por Blake e eu não sabia o
que fazer. Em meio ao meu desespero, eu só consegui desabar em um canto – olhando
para mim mesma cheia com seu sangue – e chorar. Minhas mãos sujas não sabiam se
agarravam minha cabeça ou meu corpo.
― Por favor, Deus, não o tire de mim. ― Balancei para frente e para trás. ―
Não o tire de mim.
Em um momento tão finito quanto foi o acumulo da minha tortura, enterrei as
unhas em minha cabeça e gritei um rosnado de dor tão grande quanto meus pulmões me
permitiram.
― Filha. ― Ergui a cabeça e minha mãe estava ali, ajoelhada diante de mim.
Encolhi-me longe dela. Eu não queria ninguém por perto; não sabia o que fazer,
nem o que pensar. Eu queria sair de mim, fugir daquele medo paralisante.
― Ele não pode me deixar, mãe... ― Balancei a cabeça, totalmente louca,
morrendo também. ― O que eu vou fazer sem ele? O quê? ― Num sussurro abatido eu
completei: ― Como vou ficar sem olhar aqueles olhos tão lindos?
Sem se importar com o sangue, minha mãe me puxou e eu chorei muito, tendo
meu clamor abafado pelo seu ombro. Nada, absolutamente nada do que ela me dissesse
iria amenizar o que eu sentia. Só quem já passou pode imaginar o que eu sentia.
Recusei um calmante quando me foi oferecido; recusei me limpar quando isso
também me foi ofertado. Não me importava. Eu só precisava saber como ele estava, e o
principal: saber que estava bem.
Muitas horas depois, o doutor Marchese apareceu. Seu semblante carregado já
me dizia tudo o que eu não queria ouvir.
Nos exames feitos, as notícias não foram boas: o ciclo de Blake seria
interrompido. O tratamento não estava fazendo efeito e o câncer... Avançou. Por um
momento eu só podia encarar o doutor, sem acreditar.
― Mas você me disse que ele teve uma melhora! ― acusei apontando o dedo.
Levantei da minha cadeira, em um salto, voando em cima dele, descontrolada. ― Você
disse, doutor! ― Minha voz embargou. ― Você disse que Blake estava melhor. ―
Minhas lágrimas escorriam. ― Você disse que ele estava respondendo bem!
Levei minhas mãos à cabeça. Ao redor todos estavam em silêncio, digo, a
senhora Walker chorava no ombro do marido, que só limpava as lágrimas, calado.
― Blake fez tudo direito, mas o organismo dele não reagiu. O câncer estava
estacionado e isso não é mal sinal, porém agora, com essa hemorragia, os exames
mudaram radicalmente. Ele não está respondendo. Precisamos trocar o tratamento agora
e iniciar a radioterapia o quando antes. ― Pela cara do doutor, isso ainda não era o
fim. ― Blake está com um câncer agressivo e essa hemorragia foi causada por ele. O
estômago dele foi irrigado com sangue, o pulmão está limpo. Um milagre.
― Mas...? ― Sempre havia um.
― O câncer de Blake, especificamente, causa intenso sangramento
desproporcional à quantidade de plaquetas, assim fiz um aspirado mais biópsia medular
para contagem dos blastos. ― O doutor Marchese suspirou. ― Blake precisa de uma
transfusão de plasma e plaquetas. Mantendo bons níveis, podemos tentar controlar as
hemorragias. A boa notícia é que ele foi atendido muito rápido, evitando o agravamento
do seu estado para uma trombose microvascular.
― E o novo tratamento? ― Limpei o rosto com as costas das mãos, evitando
desabar ao ouvir aquilo. ― Fale tudo. Como vai ser? Efeitos colaterais? Tudo! Não me
esconda nada!
― A quimioterapia será administrada com o Ácido Transretinóico, o ATRA.
Os efeitos colaterais deste são os mesmos do anterior, porém existem agravantes sérios
que aspiram mais cuidados, pois o ATRA afeta também o pericárdio, pulmão e os rins.
É um tratamento compatível ao câncer de Blake, e agressivo, também.
― Você quer dizer que ele pode piorar as condições de vida? ― gritei. Logo
respirei fundo e olhei para minha mãe. ― Logo agora que Blake acreditava que estava
ficando bom? Isso é tão injusto.
― Sinto muito, mas o estado de Blake é surpreendente. Nunca esperei que ele
não respondesse ao primeiro tratamento, e por isso não faremos pausas. Ele já começa
a primeira sessão de quimioterapia com o ATRA assim que estiver estabilizado.
― O que foi feito para ele? ― perguntei sentindo que estava a ponto de
explodir.
― Fizemos um concentrado de inibidores de coagulação. A intenção é fazer a
restauração das vias naturais anticoaguladoras. ― Um silêncio permeado por medo se
fez presente. Eu só queria ver Blake, tocar nele, beijar, segurar a mão. Qualquer coisa.
― O que tem mais doutor?
― Blake está com princípio de infecção urinária.
― E o que faremos agora?
― Já tomei as providências. Eu vou interná-lo.
Capítulo 27

Quando tudo parece melhor, a realidade se mostra desesperadora.


Morrer? Sinceramente? Isso não seria nenhuma surpresa.
Blake Walker – Um homem sem fé.

Outono

Blake
Quando acordei, os primeiros sons que escutei foram o bip de um monitor
cardíaco e um murmúrio de ar sendo inflado por algo mecânico. Abri meus olhos,
confuso, e me sentindo grogue. Não sentia meu corpo. Parecia dormente ou formigando
de um jeito sutil. Era estranho demais.
Fechei os olhos, de novo. Testei meu paladar. Senti como se um caminhão de
areia houvesse sido descarregado em minha boca.
— Água. — A palavra arranhou a minha garganta. — Por favor.
Tentei me mexer, mas a tarefa se mostrou impossível. Meu corpo não respondia
como deveria.
— Amor, não se mova, tudo bem? — Sorri ao ouvir a voz da minha pequena. —
Vou pegar água para você.
Recebi um beijo na testa. Logo seu nariz esfregou o meu e eu queria sorrir.
Talvez nem precise, ontem cuidei de Valentina, permiti que ela dormisse em meu peito,
estava forte para ela, pelo menos uma vez.
— Aqui, amor. Abra a boca. — Obedeci e logo sorvia pequenos goles de água
fria através de um canudo. — Devagar, Senhor Delícia. Abra os olhos para mim, Blake.
Franzi o cenho para o pedido. Abri os olhos, confuso por pensar que estava em
casa, mas estando, na verdade, em um quarto de hospital. Um desespero silencioso
rastejou por mim. Não lembrava como fui parar ali, nem sequer conseguia imaginar
como foi. Eu só dormi. Apenas isso.
— Como se sente?
Valentina acariciou minha cabeça. Eu a encarava. Nunca vi criatura mais linda.
Ela estava diante de mim tão forte quanto os pilares da Grécia. Tão graciosa quanto a
própria Afrodite.
Tentei erguer o braço para tocá-la, mas não consegui. Procurei o que me
impedia e haviam duas IVs conectadas a mim. Em uma havia soro, na outra, sangue.
— Que caralho é isso? — rosnei, olhando para Valentina.
Ela sorriu tranquila e, como sempre, muito forte. Deus, como ela consegue?
— Essa é sua vitamina X. — Piscou um olho, aproximando-se para cochichar.
— Você é um experimento ultra secreto do governo dos Estados Unidos da América.
— É mesmo? — Balancei a cabeça — E como eu vim parar aqui?
— Invadiram nossa casa e disseram que você estava apto para fazer parte de
uma elite de super soldados. Os itens gostosura e safadeza foram preenchidos com
sucesso.
Ri baixinho. Minha menina linda, sempre superava minhas mais altas
expectativas.
— Então me diga, por favor, exatamente tudo o que aconteceu. — Ergui o braço
livre para poder acariciá-la. — Desta vez a verdade, tudo bem?
Valentina respirou fundo, nunca deixando de sorrir. Por vários instantes ela me
encarou, os olhos brilhantes de amor.
— Antes de eu te falar, gostaria de saber há quanto tempo estamos juntos?
— Seis meses e dois dias — respondi na hora, orgulhoso por não me esquecer o
dia que ela me disse sim, naquela praia — Ainda me lembro da forma que te segurei em
meus braços quando dormimos na areia. Apesar do frio, meu corpo era banhado por um
doce calor. O seu, meu amor.
— Eu te amo tanto, Blake. — Encostou nossos lábios num beijo suave. — Tanto
que queria te guardar em uma caixinha.
— Teria que ser uma caixa muito grande, meu amor, de cerca de um e noventa e
dois de altura; a largura, no entanto, não ouso dizer.
— Mamãe e papai Walker capricharam no meu homem. — Valentina suspirou.
— Só essas informações básicas já me deixam toda cheia de fogo. Homem gostoso da
porra. E o melhor? É todo meu.
— Se você gosta de osso... — Brinquei, fazendo-a perder o riso. — Ei, amor,
estou brincando. Agora me conte a verdade e pare de me enrolar. Vou saber de todo
jeito.
— Primeiro... — Ela me beijou de novo. — Saiba que agora é a hora da
verdade. Você me disse que iria lutar. Quero que continue disposto a isto.
— Tudo bem. Continue — respondi firme. — Eu já passei da negação. Vamos
para a luta.
— Isso mesmo! — Ma petit bateu palminhas, toda contente, e depois ficou
séria. — Você teve uma hemorragia. — Arregalei os olhos, sem acreditar. — Mas já
está tudo bem, nem se preocupe. — Valentina apressou-se a dizer. — Agora, amor,
preste atenção: infelizmente o antigo tratamento não surtiu efeito, mas...
— Não!
Foi o lamento que meu coração vocalizou. Não conseguia acreditar que, depois
de tanta agonia, sofrimento e vergonha, tudo foi em vão. O desespero que comecei a
sentir foi refletido no monitor cardíaco, assim, justo como Timothy falou, eu estava
sofrendo com a esperança frustrada e a piora do meu estado. Não precisava que
Valentina me dissesse tudo o que aconteceu, eu tive uma hemorragia quase no final do
ciclo completo. Isso não era bom sinal.
Eu não estava melhor.
— Amor, você precisa ficar calmo. Seu coração está muito acelerado.
Fechei minhas mãos o mais forte que pude, humilhado por não ser forte o
bastante para ficar curado.
— Olhe para mim, por favor. — Valentina colocou a mão em mim, forçando
carinhosamente meu rosto em sua direção. — Nada vai mudar a minha certeza de que
você vai ficar curado. Eu acredito com todas as minhas forças nisso! Acredite também,
meu amor. É só mais uma etapa.
— Eu sinto tanta raiva por tudo isso — rosnei baixo. — Tanta raiva por não me
curar, por continuar nessa meia vida. Tenho ódio por cada situação humilhante na qual
te coloquei. Pensa que algum dia irei superar isso? Pensa que vou conseguir conviver
com a verdade de que você não vive uma boa vida?
— Blake...
— Não, Valentina, está tudo errado. Você é muito jovem para viver uma vida
tão medíocre ao lado de um homem doente que nem consegue transar. E você sabe por
quê?
Ela negou em silêncio, sua pele ficando pálida conforme eu explodia.
— Eu tenho medo de não aguentar ir até o final. Tenho medo de parecer menos
homem do que sou. Isso mata o meu desejo! — quase gritei. Eu me sentia frustrado
demais. — Nem consigo te segurar em meus braços eu consigo! É você quem me apoia,
é você que cuida de mim. Porra, você me ajudou a fazer minhas necessidades básicas!
Não suporto mais isso.
Virei o rosto de lado. Valentina ficou em silêncio. Meu peito queimava de ódio
e revolta por tudo isso. Do que adiantava ter tudo o que o dinheiro podia comprar e não
ter saúde para usufruir? Detesto o que me tornei, o que me minha vida virou.
Ouvi o barulho da porta abrindo e não me importei com quem entrava. Importar
era perda de tempo.
— Você quer que eu vá embora?
Tremi de pavor, mas ainda assim era melhor. Não queria Valentina perto de
mim, não queria que ela tivesse que viver mais tempo disso tudo. Depois, talvez, ela me
odiasse. Será mesmo verdade? Não havia plena certeza e inclusive isso irritava.
— Quero que vá e me deixe morrer em paz. Tomei uma decisão. — Respirei
fundo. — Não vou continuar o tratamento.
Um pesado silêncio se abateu. Apenas os sons das máquinas se faziam
presentes. Era como se a minha boca falasse antes que meu cérebro pudesse processar.
Talvez fosse aquilo mesmo. Acho que agarrar uma chance de viver plenamente e acabar
como Timothy: sozinho, acabado, morto.
— Uma pena, Blake — Valentina murmurou, se levantando. — Nossa família
veio aqui para a surpresa que eu preparei. Tudo bem. Desta vez você conseguiu. Eu vou
embora.
Ela não iria. Ela nunca ia. Sempre insistia e insistia, me fazendo depender de
sua presença nos dias menos suportáveis. A porta abriu e fechou. Um medo estranho se
fechou em minha garganta e virei meu rosto, buscando-a, mas o que encontrei foi a
minha família e a dela. Eles me olhavam com um misto de tristeza e decepção.
— Uma coisa que você deve aprender sobre a minha filha, Blake... — Sinclair
desencostou-se da parede. — Quando ela diz que vai fazer uma coisa, ela faz.
Terror, puro e simples, foi o que senti. A verdade bateu tão forte que eu me vi
arrancando o que estava em meu braço. O sangue pingou quando puxei o soro e me
preparava para puxar o outro quando uma mão apertou a minha.
— Você vai começar o novo tratamento e provavelmente vai piorar as reações.
— Valentina falou bem alto. — Vai ficar debilitado e muito fodido. Não estou me
importando uma merda para o que você quer, mas serei maldita se você parar o caralho
deste tratamento. Não vai ser o câncer que vai te matar, e sim eu. Quer morrer? Pois
que morra, mas vai tentar até o fim. Não me faça sentir vergonha por entregar meu
coração a você. — Seus olhos brilhavam como fogo e ela se aproximou grunhindo em
meu rosto. — Para de me mandar embora, porque no dia que eu for, não volto nunca
mais. Acostume-se com a merda da minha cara até o dia que eu esfregar na sua o
atestado de cura.
Duas reações malucas me pegaram de surpresa. A primeira foi admiração e a
segunda excitação. Valentina balançava meu mundo como uma tempestade. O câncer,
comparado a ela, não era nada. Aquela mulher, sim, era uma arma de destruição em
massa.
— Estamos entendidos, Blake? — ladrou, vermelha de raiva. — Ou eu vou ter
que socar na sua cara cada maldita palavra?
Olhei para os homens presentes e eles estavam rindo, inclusive, o meu pai e o
dela bateram as mãos em sinal de camaradagem.
— Até o fim? — questionei, olhando dentro dos olhos que eu tanto amava.
— Todo o maldito caminho. — Ela sorriu. — Agora você entendeu?
Respirei fundo.
— Pode apostar que sim!
***
— Blake, você vai ficar mais essa semana aqui. — Doutor Marchese sorriu,
parecia otimista. — Vou te monitorar, porque esses dias serão puxados para você.
— Já estou internado mesmo. — Dei de ombros. — Vou apenas continuar.
— Muito bem. Como expliquei, agora a quimioterapia será pesada. Vamos fazer
um ciclo com oito sessões e depois voltar para quatro por ciclo. A radioterapia será
intercalada.
— Eu vou ter que vir aqui todo santo dia? — Ri sem humor. — Grande!
Olhei para Valentina e sorri. Ela não devolveu. Desde que a mandei embora, há
dois dias, ela não sorria para mim. Continuava doce como o mel, mas não sorria, o que
me fazia sentir um filho da puta egoísta.
— Você terá sábado e domingo, mas o que quero dizer é... — A expressão séria
que recebi me fez sentar mais ereto na cama. — O ATRA pode ser cruel, Blake,
portanto não lute contra ele. Não se esforce, porque preciso de você inteiro até o fim.
— Ele não vai dar trabalho, doutor. — Valentina cruzou os braços. — Deixe
isso por minha conta.
Senti o gelo de sua voz arrepiando minha pele. Queria ma petit do jeito de antes
e me arrependo amargamente por ter sido tão idiota.
— Tudo bem. — Olhei para ela, esperando algo. — Vamos em frente!
— Descanse por hoje. Amanhã será um novo dia.
— Aproveitando que me sinto bem... — Pigarreei. — Posso levantar da cama?
Não me sinto enjoado ou tonto.
— O resultado do procedimento para subir suas plaquetas foi um sucesso. Você
está se sentindo melhor porque está fortalecido. Vou retirar o soro por hoje. — O
doutor olhou para Valentina enquanto removia o soro.
Por um instante ele avaliou meu braço. A veia estava escura e inchada. Depois
de tantas sessões, ela deve estar parecendo uma mangueira furada.
— Boa noite, Blake e Valentina.
Ficamos sozinhos no quarto e observei minha mulher virar as costas e encarar a
janela. Ela estava internada comigo, desde que acordei há vários dias. Testei a firmeza
dos meus pés e, só quando percebi que não ia cair de fraqueza, caminhei em direção a
ela.
— Você não deveria sair da cama. — Sua voz arrastada me fez sorrir. — A
palavra descanso significa o que para você?
Parei quase colado a suas costas, assim me inclinei para cheirar seu pescoço.
Meu olfato e paladar sofreram alterações depois da metade do tratamento. Já não sentia
sabores ou sentia cheiros, a não ser que estes fossem muito fortes, o que agitava meu
estômago e me fazia vomitar.
— Quero sentir seu cheiro — murmurei esfregando meu nariz em sua pele. — E
eu sinto, meu amor. — Não era mentira. O cheiro dela estava impregnando em meu
cérebro. Agora a sutil fragrância captada por mim apagou o cheiro fétido do hospital.
— Vai descansar, Blake.
Passei meus braços a sua volta e apoiei meu queixo em seu ombro. Eu a sentia
tremer.
— Me perdoa, meu amor — murmurei baixinho. — Eu falei da boca para fora,
sabe disso. Nunca vou permitir que me deixe, nem agora, nem nunca. Eu iria atrás de
você. Sabe disso, não é?
Ela não respondeu, apenas abaixou a cabeça. O mexer nos ombros foi minha
resposta.
— Eu encarei a minha piora com dignidade. Você me viu e ouviu. Não surtei
quando o doutor me contou tudo.
— Você já tinha surtado. Não teria lógica surtar outra vez.
Ok, eu mereço. Apertei meus braços ainda mais. Hoje eu me sentia bem. Para
quem estava no mesmo patamar que eu, estar em pé, caminhando quase sem dor e não
enjoando da própria cara, é muita coisa.
— Amor, volta a ficar como antes. — Beijei seu pescoço. Ela inclinou, me
dando acesso. — Sinto falta.
— Você não está merecendo.
Ri, mordiscando sua orelha. Fiquei duro quando ela ofegou baixinho.
— O que eu poderia fazer para merecer? — murmurei. Queria minha barba
aqui. Sabia o efeito que causava nela. Assim usei minha língua para acariciar sua pele.
— Eu faço qualquer coisa.
— Não quero nada. — Suspirou, se esfregando de leve em mim
— Tem certeza?
Não respondeu. Eu continuei a abraçá-la, beijando seu pescoço e ombro.
— Você poderia pedir aquele carro que tanto gosta. — Uma sugestão de sorriso
dançou em seus lábios, mas logo morreu quando ela pareceu se lembrar de algo. —
Amor, me conta o que preciso fazer...
— Nada, Blake. — Ela me empurrou de leve, foi até uma poltrona e se sentou,
ficando de cabeça baixa. — Eu tinha uma surpresa e você estragou. Estou magoada, só
isso. Daqui a pouco passa.
Ah, merda! A surpresa! Por isso ela estava sem sorrir para mim. Eu a magoei
além das palavras. Cauteloso, me aproximei. Precisava remediar o que fiz. Doía
demais vê-la assim, decepcionada.
— Amor. — Sentei ao seu lado, pegando suas mãos. — Conta-me qual era a
surpresa.
Valentina negou, esfregou o cabelo e não falou mais nada.
— Não era a hora. Deixa que depois eu conto, ou talvez eu refaça, ou não. Sei
lá.
Porra!
— Conta para mim, ma petit. — Incentivei, acariciando sua cabeça careca. Ela
estava mantendo o corte assim. Essa mulher era foda. — O que era?
Finalmente ela ergueu a cabeça. Os olhos brilhavam demais, de um jeito
misterioso que me deixou quase ofegando.
— Eu havia embarcado em uma viajem astral no dia que viemos para cá,
descobri coisas, e por elas fiz outras. — Valentina voltou a abaixar a cabeça. — Eu
queria equilibrar a balança, uma notícia boa para outra ruim, só que não se trata de uma
notícia literalmente, entende? Mas sim de outra coisa muito importante. — Ela negou
rindo baixinho — Não era a hora.
— Oh, puta que pariu! Você precisa me contar! — Segurei seu rosto, obrigando-
a a me olhar. — Você tem que me contar!
— Não agora. No futuro, quem sabe.
Por mais que eu insistisse, Valentina não me falou sobre o que se tratava. No
dia seguinte minha família veio, isso incluía meus sogros, pais e cunhada. O bebê não,
pois combinamos que seria melhor ele não estar por aqui. A primeira sessão de
quimioterapia com o ATRA foi divertida. Enquanto eu me sentia bêbado e péssimo,
pude fazer minha Valentina voltar a sorrir.
— No estado que me encontro, ma petit, eu passo a Lamburghini para o seu
nome sem fazer nenhuma barganha — gracejei dando beijinhos em seu rosto. — Isso
escorrendo pela minha veia é bebida com alto teor alcoólico.
Ela riu enterrando o rosto em meu pescoço. Antes era ela quem me animava,
hoje eu precisei fazer o contrário. Se estraguei tudo, tinha que concertar.
— Ganhei seu sorriso de volta, meu amor? — perguntei baixinho.
— Sim, Senhor Delícia — murmurou beijando meu pescoço — Você ganhou
tudo de volta.
— Eu te amo, minha malvadinha safada — falei bem baixo, afinal não queria
nossa família ouvindo coisa que não devia.
— Eu também te amo, meu macho pausudo e delicioso.
Gargalhei alto chamando atenção de todos. Ainda bem que estava em um quarto
privado.
***
Quando comecei a quimioterapia, no primeiro dia mal pude encontrar um lugar
para vomitar, então a cada dia uma nova e terrível sensação começava dar sinal de
surgimento. Estou aqui para dizer que o ATRA é mil vezes pior.
Em uma semana de tratamento, eu me sentia destruído. Todos os antigos
sintomas adversos voltaram com força total, porém, novos e desconhecidos agravantes
me fizeram descer ainda mais no fundo do poço. Vômito com mais frequência, sinto
dores terríveis, minha pele mudou de cor, estou meio escuro e manchado, minha boca
está uma imensa ferida e eu não quero pensar no que ainda pode vir por aí.
— Cuidado com o degrau. — Valentina segurava em minha cintura, eu, com a
mão livre, segurava no corrimão. — Cada passo devagar, tudo bem?
— Sim, meu amor — murmurei concentrado. Subir uma escada nunca foi tão
difícil
Respirava com dificuldade, mas continuava a subir. Tremia pelo esforço, mas
continuava a subir. Doía por continuar, mas ainda assim, colocava um pé na frente do
outro.
— Amor, eu estava pensando em arrumar um quarto para a gente aqui embaixo.
— Valentina sorriu quando a olhei, por um instante. Toquei seu rosto, me inclinando
para depositar um selinho em seus lábios macios.
— Não abro mão de nossa cama. Vamos lá, não falta muito, não é? — Olhamos
para cima juntos. Sim. Faltava pelo menos uns dez degraus.
Respirei fundo, improvisando um sorriso. Às vezes eu mesmo dificultava as
coisas, como agora, já que eu não permiti nossa família vir conosco, então não tinha
ajuda masculina. Aqui era nosso lugar, o refúgio privado a nós dois.
— Vamos continuar. — Valentina aumentou o seu agarre em minha cintura. —
Continue a nadar, ou melhor, a subir.
— Olá, meu nome é Blake.
— Você já disse isso. — Minha garota soltou uma risadinha.
— Olá, meu nome é Blake. — Fiz uma careta para a dor nos meus pés. Eles
estavam inchados e pareciam estranhos.
— Vou bater em você se repetir isso de novo.
Abri a boca para soltar uma gracinha, mas uma repentina dor aguda na cabeça
me fez curvar para frente e perder o agarre no corrimão.
— O que foi? Blake? — A voz de Valentina parecia distante. Minha visão
embaçou e eu me vi caindo. — Blake?
De alguma forma ela me segurou, mas não aguentaria por muito tempo. Eu ainda
era muito maior e, mesmo estando pele e osso, ainda pesava bastante.
— Não vou te deixar cair. — Batemos em algum lugar. Travei minhas pernas,
mas estava perdendo o controle. — Não vou te deixar cair.
— Solte-me — proferi baixo. Não podia imaginar a ideia dela caindo comigo.
— Isso não vai acontecer — rosnou ofegando, segurando na minha cintura. Eu
sentia seu corpo tremer enquanto eu queria gritar de revolta por aquilo estar
acontecendo. Eu estava totalmente apoiado nela. — Classifique a dor para mim.
— Oito.
Gemi segurando a cabeça. O enjoo voltou com tudo. Eu ia vomitar em cima da
minha mulher. Deus, isso não!
— Solte-me! — arquejei tentando controlar. — Vou vomitar, me solte!
— À vontade. Sempre quis saber como é depois de assistir O Pestinha!
Fechei os olhos, tentando controlar a bílis que subia queimando minha garganta.
Abracei Valentina para apoiar; ela estava usando a parede para nos manter erguidos. O
enjoo ficou mais forte. Eu sentia minha cabeça rodar e minhas pernas ficarem bambas.
— Solte-me, por favor. Se você cair comigo, vai se machucar.
— Não vou soltar!
Um zumbido em meu ouvido me fez perder as forças nas pernas. Ouvi o
grunhido da minha garota. Senti a força que ela usava para me manter em pé. A
qualquer momento iríamos cair. O agarre dela em mim se manteve forte, e aos poucos
começávamos a inclinar rumo a uma queda feia.
— Solte! — tentei uma última vez.
— Nunca...
Íamos cair. Senti-me aterrorizado por saber que Valentina iria se machucar. Em
pânico, agradeci a Deus quando algo me segurou com força.
— Irmão... — Ao ouvir a aquela voz, fiquei assustado e perdi o controle,
vomitei em cima de Valentina. Tudo o que eu não queria.
Fui carregado até meu quarto, cego pela dor de cabeça, com nojo por estar sujo,
e mais ódio ainda por ter sujado minha garota. Aquilo me deixou arrasado e por isso
não me importei com a ajuda.
— Valentina? — Estendi a mão sem conseguir abrir os olhos. A claridade
parecia furar meu crânio. — Amor...
— Aqui. — Ela levou minha mão até seu rosto. — Aqui, meu querido. Agora
tome. — Um braço forte me ergueu um pouco. Bebi o remédio e logo era deitado com
gentileza.
— Blake, meu amigo...
— Vá embora! Você precisa sair daqui — respondi. — Eu não tenho amigos.
Todos correram. Não desejo pena. Vá embora!
— Eu não vou a lugar algum, e você sabe a diferença entre mim e aqueles
fanfarrões de uma figa. Odeie-me se quiser, mas estou ficando aqui. Você precisa de
mim.
— Quem é você? — Valentina questionou, senti cansaço em sua voz.
— Eu me chamo Javier. Sou o chefe de equipe desse estúpido!
— Se você chamar Blake disso outra vez, eu vou quebrar seus dentes! — Ma
petit revidou, dura, fazendo Javier rir.
— Vejo que você tem sua mulher, Blake. Agora me diga onde posso guardar
minhas coisas.
— Na rua! — Abri os olhos. A dor latejante em minhas têmporas não evitou que
eu o visse parado, de braços cruzados, ao lado da minha cama.
— Estou tão puto com você! Eu soube através dos jornais que você estava
doente. Quando falou que não ia participar da corrida do milhão por motivos pessoais,
eu não questionei; quando pediu afastamento da temporada alegando a mesma coisa, eu
continuei aceitando, mas Blake, eu sou o seu amigo para qualquer momento e você me
deixou de fora. Agora vai ter que me engolir. Eu vim te ver, mas você precisa de mim e
eu vou ficar. Bata em mim depois, se quiser. Já esperei demais.
— Javier, cara...
— Uma ova! — gritou apontando o dedo para mim. gemi de dor pelo barulho.
— Desculpa, porra. — Notei como ele estava abatido e preocupado. — Como pôde me
deixar de fora. Justo eu? Blake, irmão. — Os olhos do meu amigo se encheram de
lágrimas, porém ele se ajoelhou ao lado da minha cama e ofereceu a mão, que eu
aceitei. — Eu me culpo por não ter percebido antes. Porra! Eu estou aqui, agora, não
poderá me afastar nem com um guindaste. Farei um escândalo na sua porta.
Valentina riu e eu também. Aquele cara era muito foda, mesmo.
— Quem é doido de se meter com esse bombado? — Ela se aproximou. — Sou
Valentina, a gentil mulher do Blake. Agora as regras da boa convivência: faça alguma
merda e terá que lidar com três feras. Dois Dobermanns, para que saiba.
— Sim, senhora. E a outra fera? É de qual raça?
Valentina arqueou uma sobrancelha e Javier arregalou os olhos. Naquele
momento ele entendeu que se tratava da pequena mulher e, se brincar, ela era pior do
que os animais.
Minha delicada e malvada futura esposa.
O pensamento me deixou feliz. Eu só precisava ficar curado primeiro
***
Descobri que ter Javier ao meu lado aliviava a carga de Valentina. Agora, para
subir as escadas, me levar ao banheiro ou qualquer outra coisa que exigisse força, era
com meu amigo. Convivíamos os três carecas muito bem, inclusive Cyborg e Albina
estavam gostando de ter Javier ali, já que agora eles tinham alguém para brincar.
No hospital, a família se reunia no quarto enquanto eu recebia minha
quimioterapia, contudo, ninguém era permitido, salvo Valentina, quando o assunto era a
radioterapia. Eu ficava sozinho na sala, depois ela ficava comigo na observação.
— Hoje é o último dia do primeiro ciclo do ATRA. — Valentina sorriu e eu
retribui.
Há uma semana eu aceitei usar bengala. Eu não consigo mais andar sem ajuda.
Meu equilíbrio e resistência estão desligados.
— Eu te amo. — Obriguei minha voz a sair, então ergui a mão para puxar a
minha máscara. Eu queria beijá-la.
— Ei, não pode remover a máscara fora de casa. Está esfriando. Não quero que
adoeça, viu. — Ela arrumou minhas roupas, e eu só olhava.
A sensação, para quem não sabe, é a mesma de ter uma mente que raciocina
perfeitamente presa a um corpo frágil demais e descontrolado. Perdi a habilidade de
urinar. O doutor Marchese disse que eu estava sofrendo com uma insuficiência renal.
Espere, não é bem assim, eu faço sim, mas não antes de estar mal para isso, resultado:
ganhei uma bolsa pendurada na cintura. Ridículo, não? Sim, muito.
A boa notícia é que o ATRA, apesar de ser um filho da puta cruel para meu
corpo, também é para o câncer, e não é que o bastardo retrocedeu?! Sim, estou menos
canceroso, e mais debilitado e feio.
— Valentina — chamei baixinho, respirando devagar. Meus pulmões também
foram afetados. Venho tendo dificuldade para respirar há três dias.
— Sim, amor?
— O que você vê quando me olha?
Ela sorriu, um sorriso lindo daqueles verdadeiros e cheios de felicidade.
— Bom, eu vejo um safado pegador, depois um delicioso beijador, então
avance para o senhor orgasmo delirante e por fim meu companheiro lindo. Por quê? —
Olhei em seus olhos e ela falava a verdade
— Nada.
Eu me olhei no espelho hoje. Meu rosto estava esquelético, os olhos cansados,
meus lábios escuros e rachados. Em meus ombros os ossos se sobressaíam, meu
esqueleto parecia apenas pintado de pele. Não havia músculo, não havia nada do que
fui, só restou a aparência de alguém que vem lutando contra uma doença grave e
demolidora. Quando questionei o porquê de eu estar assim, o meu médico, muito
tranquilo, falou que, por ter o tipo de leucemia que tenho, sou mais suscetível a sofrer
com efeitos colaterais severos. Ele estava certo em cada palavra.
— Por que está tão pensativo, meu amor? — Valentina tocou meu rosto no lugar
onde deveriam estar minhas sobrancelhas.
— Pensar não me deixa cansado. — Pisquei um olho e ela sorriu para mim.
Sempre tão linda, tão sorridente.
Na minha última sessão do primeiro ciclo com o ATRA, eu saí do hospital em
uma cadeira de rodas. O tempo que passei sentado – por escolha minha – recebendo a
quimioterapia fez minhas pernas incharem. Pisar no chão era uma história
completamente nova e muito dolorosa. Era impensável, mas parecia que eu caminhava
sobre pregos. Muita dor.
Javier me colocou dentro do carro, e me tirou quando chegamos em casa.
Enquanto eu sumia dentro das roupas, meu amigo ficava mais forte. Éramos opostos
perfeitos, ele me amava, já eu, quase podia odiá-lo. Conversando com uma psicóloga
que descobriu o câncer há poucos dias, soube que eu perambulei entre a negação e a
revolta. Não deixava minha família vir na minha casa, tinha meus surtos de raiva por
achar, ainda, injusto demais. O costumeiro “por que eu?” mordeu minha consciência
dia e noite.
A nostalgia de comparar as diferenças entre este ano e o passado me fizeram
enxergar que agora eu estou na barganha. Meu aniversário se aproxima, e meu pedido é
ficar curado, então eu acho que, para um pedido grande como este, um simples
aniversário não serviria, porque eu já tive muitos.
As dúvidas começavam a consumir. Poderia prometer mudar a minha vida, mas
então eu não gostaria disso. Improviso uma troca justa: poderia, neste ponto, prometer
ajudar outras pessoas com projetos, organizações, ONGs e qualquer outro tipo de
benfeitoria. Não adianta. Acho que as duas primeiras fases demoram mais. Barganhar
não se mostra muito interessante quando você vai notando que, por mais que prometa,
você continua a adoecer, a passar mal, a debilitar-se.
É estranho como a depressão rasteja de modo silencioso até estar devidamente
instalada dentro de si. Quando se para de encarar tudo e dá preferência a fixar-se em
algo e a mente apaga, aí a vontade de fazer qualquer coisa morre também.
— Amor, não quer descer um pouco para a área da piscina? — Valentina me
abraçou
Estava eu, sentado em minha querida cadeira, observando tudo a minha frente,
próximo da minha cama, longe do mundo.
— Estou bem aqui. — Não a olhei. A cada dia estava mais difícil para mim
fazê-lo.
O silêncio se tornou meu melhor amigo.
— Fiz uma receita nova — ela falou baixo, ajeitando a touca que passei a usar
todos os dias. — Ally desenvolveu especialmente para você. Ela me garantiu que você
vai gostar. Quer testar?
— Obrigado, meu amor. — Peguei sua mão e beijei seus dedos frios. — Estou
bem.
Valentina ficou em silêncio comigo. Admirando a vista? Aproveitando esses
momentos? Eu não sei, mas a presença dela, de alguma forma, me deixava triste. Acho
que voltei a querer que ela fosse embora, só que eu era covarde demais para falar isso
em voz alta.
— Dizer “Eu te amo” é a coisa mais fácil do mundo, sabia? — Ela beijou
minha bochecha. Continuei olhando para frente, mas minha vista tremulou. — Dizer que
me orgulho por ser sua é ainda mais fácil. — Uma lágrima escorreu. — Para o amor
não existe aparência ou riquezas. Não é isso que ele enxerga e sabe por quê? —
Continuei imóvel, mas um soluço escapou. — Porque quando descobrimos que ele está
dentro do nosso peito, uma mudança natural acontece. A gente não se preocupa com o
nosso próprio bem estar. Nossos olhos, por incrível que pareça, só enxergam beleza
porque não vemos o exterior, e sim o que está dentro, Blake.
Valentina se ajoelhou diante de mim
— Eu só enxergo o homem que me fez sentir o que era o amor. Dentro do meu
coração eu vivo este amor porque ele me faz feliz. Estar ao seu lado me faz feliz.
Quando eu digo que te amo, eu digo isso com minha boca, meus pensamentos, meu
coração. — Acariciou o meu rosto. — Eu te digo com o toque das minhas mãos e, por
fim, com meu o corpo. Sua bondade brilha à sua volta, meu amor. Eu sei que se fosse o
contrário você brigaria para ficar ao meu lado, ao de Javier, e ouso dizer que ao lado
daquelas pessoas que te abandonaram. Não se desespere. Só confie em mim e acredite.
Você vai ficar bom.
— Eu te amo — murmurei e ela me beijou. — Obrigado, ma petit. Você me faz
mais forte.
Um mês depois eu estava chegando em casa depois de mais uma sessão e havia
uma festa de aniversário. Primeiro eu berrei mandando todos embora e fugi. Depois eu
voltei envergonhado e pedi desculpas. Valentina me olhou magoada, e eu senti meu
coração partindo. Ela vivia para mim e por mim, e na maioria das vezes eu era um
homem egoísta. Ter minha família por perto foi uma experiência maravilhosa. Apesar
de algo segurar a minha alegria, foi incrível.
Uma pena que nem esses momentos especiais o câncer respeitava...
Pela segunda vez, em pouco tempo, eu era uma emergência vermelha.
Capítulo 28

Inverno

Blake
Através da janela do meu quarto no hospital eu observava a neve caindo.
Aquele era o meu primeiro natal com câncer, talvez o definitivo. Nesses últimos meses
passei boa parte dos meus dias aqui. Um espirro e eu era internado; uma infecção –
como foi o último caso – e eu passava a morar dentro do hospital.
Fazia quase um ano que descobri que eu estava com leucemia promielocítica
aguda. Se me perguntassem, eu seria capaz de soletrar cada palavra de trás para frente,
em mais de um idioma, se fosse o caso.
Eu não conseguia lembrar quem fui no passado, não lembrava do meu rosto, nem
da minha forma. Sempre que fechava os olhos, eu só via o agora e ele me machucava
muito. Doía demais e era terrível. Sem querer, ou melhor, para falar a verdade, às
vezes eu preferia fingir estar dormindo a encarar o rosto dos meus pais. Eu ouvia o
grande questionamento que todos se faziam: “Por que não tentar um transplante de
medula óssea?”.
É duro ver alguém que lamenta, com um sorriso nos lábios. Eles desistiriam de
acreditar que sairia daqui. Eu, inclusive, desisti disso, também, menos Valentina. Ela
era um caso à parte e não tinha comparação. Confuso, meus pensamentos estão
dispersos e, por vezes, eu me perdia dentro de mim mesmo. Não que fosse algo bom.
Não tenho nada a oferecer, então do nada volto a questionar: por que eu? A reposta
para isso era: por que não eu?
Não posso receber um transplante porque estou saudável o suficiente para estar
dentro dessa categoria; o câncer estava parado, nem vai nem volta, desde que
retrocedeu, é claro. Sabia o que vinha a seguir, não havia surpresas aqui. Eu estaria
pior, e continuaria lutando e sabem por quê? Eu não queria deixar Valentina. O egoísmo
era algo que eu sentia o sabor. Diferente de quase tudo o que tinha sabor de ferro em
minha boca, o egoísmo eu sentia doce e suave.
― Blake, amanhã é véspera de Natal. Nossos pais irão passar juntos, e o doutor
Marchese te deu alta especialmente para este dia.
Sorri para a minha linda existência. Durante um tempo eu me vi diante de um
dilema. Valentina era tão fundamental na minha vida que de alguma forma eu precisava
encontrar uma palavra que pudesse definir tudo o que ela representava para mim.
Amor? Parecia muito singelo. Vida? Não havia sentido. Mulher? Era pouco. Eu
precisava de algo para suprir o real significado do que ela representava, e lá estava:
Existência.
Ela me dava sentido, me mantinha vivo, com forças e de todas as maneiras era
por ela que eu aceitava todas as dores intoleráveis, tudo de desprezível e degradante.
Só por ela que eu ainda respirava.
― Vamos sim, meu amor. Nosso Natal será onde você quiser que seja.
Aos olhos de quem visse, Blake Walker era um homem sem sorte. De fato,
poderia ser, afinal, consegui ganhar na loteria do câncer e ter uma leucemia difícil e
com evolução rápida. O combate era algo bonito de se ver. Enquanto por fora eu não
valia nada, por dentro valia menos ainda. Entretanto, de alguma forma, eu não consigo
mais sentir tristeza por mim, particularmente. Eu sinto por saber que nada do que
planejei será realizado.
Eu aceitei, sim. Por incrível que pareça, eu aceitei e espero o dia que não irei
conseguir respirar direito. E juro: este não é o maior dos meus problemas.
― Blake, meu pai vem nos buscar. Javier ficou encarregado de levar Viviam e
minha mãe. Tudo bem para você?
― Claro que sim, amor. — Ri baixinho. — Depois da perseguição acirrada de
Javier à sua irmã, acha que justo eu vou empatar o meu amigo?
― Quem disse que ele parou de correr? — Valentina fez aquela cara que tanto
amava: a de malvada para caralho. — Possivelmente a minha irmã está tendo aulas por
aí...
Balancei a cabeça. Ela era má e eu a amava mais que a mim mesmo.
Quando cheguei à casa que vivi durante tantos anos, um misto de felicidade e
tristeza me fizeram baixar a cabeça e chorar. Ver minha família toda reunida era o ápice
do meu prazer; aquele novo e desconhecido prazer que eclipsava a sensação de todas
as minhas vitórias juntas. Fui abraçado, beijado e amado como se aquela fosse uma
despedida.
Na mesa havia o meu lugar e o lugar da minha cadeira de rodas, porque ela era
inseparável, agora. Eles não me olhavam com pena, mas sim com alegria. Todos me
amavam e se dedicavam a fazer daquele natal algo inesquecível.
― Quando soube que Blake estava apaixonado, eu pensei: “Oh meu Deus, que
mulher sortuda! Meu filho é lindo!” — Minha mãe fez todos rirem, então ela me olhou.
— Eu agradeço a Deus por ele ter me dado a chance de viver trinta e dois anos ao seu
lado, meu menino. Quando te vi pela primeira vez, eu agradeci ao seu pai por ter me
roubado do primo dele.
― Por nada, meu amor. — Meu pai beijou minha mãe. — Ela ainda me
agradece de vez em quando. — Ele me olhou — Meu filho, não posso começar a
descrever o orgulho que sempre me fez ter. Eu sou um pai que ama seu menino com
loucura, mas antes de tudo, eu tive a sorte de ser seu pai, e filho, este foi o maior
desafio da minha vida!
Limpei umas lágrimas tolas. Eu sentia um sabor de despedida. Ainda agradecia
a oportunidade. Aquela era a minha aceitação.
― Eu que agradeço. Não poderia ter pedido por duas pessoas melhores para me
ensinarem tudo. — Pigarreei. — Mãe, todas as vezes que eu esperava que a senhora
cantasse para eu dormir era porque eu sabia que todas as suas músicas eram dedicadas
a mim. E pai, eu sempre soube que nunca houve monstros no meu quarto, porém,
gostava de saber que tinha meu próprio herói, e isso você sempre foi. Sinto-me grato
por poder dizer que sou seu filho.
Entre sorrisos e lágrimas, cada um fez uma pequena declaração desapegada.
Valentina, quando chegou sua vez, levantou-se da cadeira e trabalhou para girar a
minha, assim ela se ajoelhou diante de mim, pegando minhas duas mãos.
― Quando você me beijou pela primeira vez eu prometi que seriam apenas dois
beijos o que eu te daria. — Ela sorriu e eu também. — Depois do terceiro me convenci
de que você era um profissional beijoqueiro e que eu não tinha chance. Depois, ao me
abraçar, eu senti um abalo em meus muros. A partir daí os tijolos começaram a cair.
Você estava por perto e eu juro que te sentia de alguma forma.
― Eu também, amor.
― Sim, bom, eu te chamava de múmia, pai do tempo e outras coisas igualmente
carinhosas porque queria te manter na linha. — Valentina balançou a cabeça. — Ah,
Blake, quem imaginaria que eu, a garota mais ignorante, briguenta e controversa da
história, cairia de amores assim, tão depressa?
― Você demorou. — Tossi, sentindo um pouco de falta de ar. — Continue, por
favor.
Ela me olhou por um momento e acenou.
― Quando você sofreu o acidente, eu quase surtei. Desejei todas as desgraças
do mundo para Nikkos e para as futuras gerações dele. Se eu pusesse minhas mãos no
bastardo, o matava! — Segurei o riso. Logo fechei os olhos quando ela tocou minha
pequena cicatriz. — Eu te visitei e fiquei do seu lado por quanto tempo eu pude. Te
prometi que ficaria bom, pedi para ver esses olhos que não são tão perfeitos. — Sorri
emocionado.
— Eles têm uma mescla de verde e azul. — Completamos juntos.
— Então eu beijei seus lábios assim. — Suspirei sentindo-a me tocar. — Eu te
acariciei com minha boca para que se sentisse amado.
― Eu senti. — Limpei uma lágrima. — Ainda sinto agora, meu amor. Eu te pedi
para não me deixar... — murmurei inclinando em sua direção
― E eu que você voltasse a sonhar, porque nos sonhos estaríamos juntos e não
haveria...
― Saudade. — Nossas vozes se misturaram, emocionando-me ainda mais.
― Te prometi que sempre estaria por perto. — Valentina levou uma mão ao
meu rosto. Fechei os olhos para senti-la me tocar. — A cada dia que passa, eu te amo
mais e mais.
― Em meu pior? — Um soluço me fez tremer.
― Meu amor aumentou. — Suas lágrimas escorriam, molhando o rosto mais
lindo que já vi. — Por este amor, Blake, e por tudo o que já vivemos, aquela surpresa
que eu te disse que não era surpresa, na verdade tratava-se de um pedido.
Aturdido e chocado, observei-a tirar uma corrente de dentro da blusa. Haviam
duas alianças juntinhas. Sem acreditar, meus olhos iam das alianças para o rosto dela.
O ar tornava-se ainda mais difícil de respirar.
― Blake, estou de joelhos diante de você porque eu preciso saber. — Ela me
olhou dentro dos olhos. — Você aceita se casar comigo?
Existem momentos que uma simples palavra resolve tudo, porém, existem outros
que seu cérebro não consegue formar essa pequena palavra, assim, não há como falar.
Eu encarava Valentina emudecido e muito apaixonado. Ela continuava de
joelhos, sorrindo e, como se esperasse me acordar do transe, balançou as alianças,
fazendo-as tilintar.
― Sim? Não? — Piscou um olho. — Talvez? Mas precisa responder algo.
Abri a boca, fechei. Eu deveria estar fazendo o pedido, mas na minha vida as
coisas estavam acontecendo de forma surpreendente. Valentina não era como as outras
mulheres; ela era decidida, raivosa e protetora. Ela sempre pegava o que queria, e ela
me queria.
― Sim! — Balancei a cabeça. — Eu aceito me casar com você. — Respirei
fundo. — Sonho com isso todos os dias.
Mas estava esperando ficar bom...
Estendi os braços e ela veio, me surpreendendo ao sentar em meu colo. Abraçou
meu pescoço e me beijou com ardor. Graças a Deus eu podia fazer aquilo: tomar seus
lábios com os meus, suspirar de felicidade por sentir seu calor ao meu redor, a vida
dentro de mim.
― Não acredito nisso — murmurei encostando nossas testas — Você sempre
me surpreendente.
― Não, Blake. Até hoje, foi você quem sempre surpreendeu.
Nos beijamos outra vez e nossa família bateu palmas. Naquele jantar, eu ganhei
uma noiva, a mulher que nunca pensei que me aceitaria, mas que me amou do jeito que
sou. Votos de felicidade, longa vida e filhos partiram meu coração, mas era isso que as
pessoas desejavam ao novo casal. Era isso que eu queria. Mas não era isso o que eu
daria a ela.
Minha aceitação foi duramente golpeada. Enquanto olhava para Valentina
sorrindo e abrindo seus presentes, notei que queria muitos anos disso, e não pude evitar
que meu coração partido chorasse ao vê-la com seu irmãozinho nos braços. Eu queria
um filho nosso, juro que o amaria com a mesma ferocidade que minha Valentina. Juntos
ensinaríamos nosso pequeno a ser um homem digno; ele saberia que seu alicerce era
baseado no amor de seus pais, na vida que construíram todos os dias.
Meus desejos mais profundos e sinceros, ignorados pela guerra em meu interior.
Dizer sim foi difícil, porque eu a deixaria. Sentia isso perto de acontecer. Eu ia perder
a luta.
― Pensamentos negativos, meu amigo? — Javier apertou meu ombro, se
abaixando ao meu lado — Vê como elas são lindas?
― Sim, elas são.
― As irmãs MacKerrick são o melhor combustível. — Ri de sua analogia —
Elas mexem com tudo em um homem e ainda nos fazem correr muito. Não pense em
desistir. Pense que agora você tem algo ainda mais importante para cuidar. Já pensou
em deixar essa linda garota viúva?
Estreitei meus olhos para onde Valentina estava com seu irmão e minha mãe.
Não. Aquilo era impensável.
― Pela sua cara eu vejo que compreende! — Meu amigo sorriu. — Você está
apenas dois carros atrás, meu amigo. Acelere, faça a sua mágica e vença. Sabe que essa
é a sua especialidade: ser um campeão. Eu mesmo, desde que vi Viviam pela primeira
vez, estou numa batalha sem fim. Ela me expulsa, mas eu volto. Agora me diga: tem
como eu deixá-la sozinha?
― Não. — Anuí. — Agradeça aos céus. Você está tendo uma dose suave, meu
amigo. Valentina foi muito malvada comigo.
― Essa garota é forte como nunca vi. Ela jamais te deixou um minuto sequer.
Retribua, Blake. Não a deixe sozinha! — Javier apertou meu ombro.
― Não vou deixá-la! — rosnei baixinho.
E a aceitação foi devidamente derrubada.
***
O meu casamento estava sendo organizado por toda a minha família. Minha casa
se tornou o quartel general daquele momento e eu não me importava mais com isso.
Participei de tudo o que pude, ansioso, temeroso da minha saúde estragar os planos.
Briguei muito feio com o meu médico para parar o tratamento duas semanas antes; eu
queria estar bem para aquele dia, só que não consegui. Valentina não aceitou parar o
tratamento, então eu aceitei o que ela queria.
Passava uma saudade condenada quando ela saía para ajeitar detalhes dos quais
eu não poderia participar. Assim foram os nossos dias. A loucura das sessões de
quimioterapia, os preparativos para o casamento e a neve. Casar no inverno era
loucura. O frio rachava, mas eu não queria esperar a próxima estação que seria a
perfeita para casar, mas eu quero agora e assim seria.
― Blake, estamos perto da primavera. Não quer esperar? — Valentina
acariciava minha cabeça enquanto eu estava muito satisfeito com o rosto entre seus
seios.
― Não quero esperar — murmurei suspirando. — Quero casar logo. Quero que
carregue o meu nome.
Não contei a ela, mas ontem, quando tossi, saiu um pouco de sangue. Meus
pulmões estavam queimando e o cansaço piorou muito. Agora mal levanto da cama, e
vou para o hospital em uma ambulância. Não poderia falar sobre isso, pois nosso
casamento estava muito próximo. Eu só tinha que aguentar.
― Tudo bem. — Ela beijou minha cabeça. — Vamos casar, caramba!
Rimos juntos e eu me aninhei melhor em seu corpo, roubando um pouco de seu
calor para mim.
Quando mandei reformar a minha casa, nunca pensei que me casaria nela.
Poucas pessoas foram convidadas. Eu e Valentina nos divertimos muito fazendo a lista:
eu riscava alguém da dela, ela fazia o mesmo com a minha. No fim, não tinha cinquenta
pessoas. Queríamos, para aquele dia, pessoas especiais, que gostassem de nós dois,
que compartilhassem da nossa felicidade. Não era uma festa para a sociedade, e sim
para nossa família e amigos queridos.
― Tio, obrigado por vir.
― Eu não perderia o casamento do meu sobrinho preferido por nada —
respondeu sentando no sofá para ficar na altura dos meus olhos. — Não vim te ver
porque seu pai me disse que você não queria nem ele aqui. Eu me preocupei, muito
garoto.
― Pare de me chamar de garoto. Temos quase a mesma idade — reclamei e ele
riu.
― Mas ainda sou mais velho! — debochou cínico.
― Quatro anos?! Grande merda.
― Você que pensa. — Ele inclinou, como se fosse dizer algo confidencial. —
Estou no auge, e a idade só melhorou a mercadoria.
― Ainda um libertino inveterado?
― Tenho sangue português e italiano. Ser um libertino faz parte do meu DNA.
— Piscou um olho. — Não pretendo me casar nunca.
― Um banqueiro sem herdeiro? — Ri balançando a cabeça. — Melhor parar de
trabalhar e ir curtir a vida. Vai ganhar mais dinheiro para quê?
― Eu tenho dois herdeiros: você e seu pai.
― Mal negócio. — Esfreguei meu cabelo. — Risque meu nome do testamento.
― Desde quando você dá ordens a mim? — Levantou cruzando os braços. —
Ainda sou seu tio. Eu dou ordens e não as recebo. Agora vamos. Está na hora.
― Oh, caralho! — Balancei os ombros. Meu tio foi emburrando minha cadeira.
— Não acredito que vou me casar com a mulher que eu amo. Sorte da porra.
― Quer desistir? — Havia riso na voz do pervertido. — Eu tenho uma rota de
fuga infalível e ela se chama Buggati Veyron.
― Lorenzo Garcês Walker — Minha mãe rosnou. — Se você colocar besteira
na cabeça do meu filho, eu vou te dar uma surra.
― Calma, cunhada. — O desgraçado era puro deboche. — Eu estou apenas
dizendo ao meu sobrinho que ele sempre tem uma segunda opção. Não me conformo.
Nem despedida de solteiro o idiota fez!
― Vou te deixar dois minutos numa sala com Valentina e vou dizer o que está
falando. — Ri da cara de pavor do meu tio. — Ela vai estragar seu rosto bonito, confie
em mim.
― Ela é baixinha — gabou-se e minha mãe riu.
― A altura perfeita para vasectomia manual.
― Ok. Levando Blake para o altar! — resmungou, mas o bastardo sorria.
Não sei se o problema, agora, era minha doença ou o nervosismo que me
impedia de respirar direito. Ao meu lado estavam Javier e Lorenzo. Ao de Valentina,
Viviam e Ally, que veio exclusivamente para o casamento. Sentia-me sufocar de
ansiedade, tremendo como nunca o fiz em toda a minha vida.
Uma música suave começou a tocar, não era a típica marcha nupcial era outra
música, uma doce melodia de amor. Os convidados ficaram de pé e meus olhos foram
atraídos para o fim do tapete azul.
Oh, meu Deus...Um anjo de branco e olhos azuis, sorrindo para mim com amor
e entrega. Levantei-me, tendo ajuda do meu tio.
― Isso, meu garoto. Receba a sua noiva em pé — incentivou, levando a cadeira
de rodas embora.
Valentina sorriu e eu chorei quando ela caminhou em minha direção. Ver minha
noiva marretou meu emocional. Eu sorria, mas também derramava lágrimas de emoção,
pois a música que ela escolheu era perfeita para nós.
"Alguma coisa em seus olhos, faz com que eu
queira me perder em seus braços...
Tem alguma coisa em sua voz, que faz meu coração disparar.
Espero que este sentimento dure pelo resto
da minha vida!"
De todas as vezes que chorei, nada se comparava com agora, ao ver minha
noiva caminhando para mim. Demorou tanto para ser seu namorado, tão logo eu fui seu
noivo e hoje eu seria seu marido.
― Cuide bem dela, meu filho — Sinclair falou no meu ouvido, colocando a
delicada mão de sua filha na minha.
― Com tudo de mim — murmurei e Valentina limpou minhas lágrimas, depois
ela me abraçou. — Eu te amo. Obrigado por ficar comigo.
― Obrigado por mudar minha vida, Blake — sussurrou de volta. — Só com
você eu me sinto em casa.
Olhei em seus olhos, emocionados. Minha melhor amiga, companheira, noiva...
Em breve esposa.
Sorri me sentindo pleno. O que me levou até aquele momento não importava
mais. Só o fato de que estava realizando um sonho importava.
― Meus filhos — o padre chamou baixinho.
Sorrindo como nunca o fiz, segurei a mão de Valentina e nos viramos juntos.
Devido a minha condição, aquela parte da cerimônia seria mais curta. Graças a Deus
por isso.
― Estamos todos aqui reunidos para celebrar a união em matrimônio de Blake
Walker e Valentina MacKerrick. — Olhei para ela, sorrindo, minha maior felicidade.
— Deus fez o homem sua imagem e semelhança, seu amor por nós foi tão grande que
ele deu a vida de seu filho por nós e assim a chance de viver momentos como este.
Celebramos aqui o amor de um homem e uma mulher que juntos caminham de mãos
dadas sobre os desígnios da vida...
Meus ombros tremiam pelo meu choro. Aquele momento, para mim, era único,
importante demais, e eu não tinha vergonha por chorar. Uma mão tocou no meu ombro e
meu tio me entregou um lenço. Muito rápido ele já estava ensopado das minhas
lágrimas.
― Façam seus votos. — O padre havia dito mais coisa, porém eu só conseguia
me concentrar em Valentina. Não conseguia parar de olhá-la. Estávamos de frente um
para o outro. Um microfone veio para ela. Não havia papel. Não precisava.
― Um grande amor. — Sua voz embargada preencheu o ambiente. — É o que
sinto em meu coração. Nas vezes que te disse não, eu sorria e pensava: ele vai desistir.
E você sempre voltava. Ao longo de todo esse tempo, Blake, eu aprendi que era
inevitável estarmos juntos. Estava destinado a acontecer porque foi escrito assim. Por
tanto tempo tentei entender o que se passava em meu coração, mas é muito difícil e eu
vivi plena por isso.
Ela sorriu estendendo um braço para limpar meus olhos.
― Os beijos que me deu, seus carinhos que se tornaram meu sonho.Você era
real e estava aqui. O melhor sonho que eu poderia ter. Eu vivi amor, o respirei por cada
um dos dias que estive do seu lado, e como nunca desistiu de mim, eu também não
poderia desistir de você, porque uma parte de mim sempre te pertenceu. — Ela sorriu e
desta vez eu limpei suas lágrimas. — Todas as minhas partes são suas. Cada vez que te
vi chorar por medo de tudo o que vivíamos, eu queria poder tirar seu sofrimento para
mim, tomar seu lugar, porque eu te amo demais e faria qualquer coisa para te ver sorrir,
assim, como está sorrindo agora. — Meu sorriso aumentou por entre as lágrimas e um
suspiro escapou. Eu vivia o momento mais feliz da minha vida. ― Blake eu prometo te
amar hoje, amanhã e por todos os dias da minha vida.
Ela colocou a aliança em meu dedo e beijou minha mão. Peguei o microfone,
tentando me controlar para falar o que precisava.
― O meu sonho em forma de uma menina mulher, tão cheia de força e
ferocidade que me deixou bambo desde o primeiro instante. — Respirei fundo, ouvindo
muitas fungadas ao redor. ― Um toque foi o que bastou para eu me perder. Sem notar,
eu entreguei meu coração e foi com alívio que recebi o seu. Então eu sentia aquela
necessidade louca de estar junto, de poder sentir seu cheiro, e isso aconteceu no
momento mais difícil da minha vida. Os seus carinhos fizeram a dor ir embora, mas
sempre deixaram um friozinho na barriga porque era real e de fato você estava ali para
mim, em meu pior. Quando eu chorei, você limpou minhas lágrimas; quando tremi, você
me segurou bem forte em seus braços; quando caí, você me levantou. Não há palavras
para descrever o tamanho do amor que eu sinto por você, ma petit. — Pausei para
acariciar seu rosto. ― Você me faz sentir uma leveza que não era para estar aqui, e
sempre que te olho com meus olhos molhados é porque me sinto pequeno demais,
tamanho é este amor. Nada na vida é por acaso. Eu encontrei a minha felicidade ao seu
lado. Meu amor, mesmo que a dúvida apareça e mesmo que ela cresça, nada vai ser
mais forte do que o amor que sinto por você. — Dei um passo, me aproximando dela,
fazendo-a erguer a cabeça para me olhar, assim afastei o microfone para que apenas ela
me escutasse. — Que os ventos soprem o frio, eu vou te aquecer; se eles forem quentes,
eu esfriarei sua pele. Que os dias se estendam infinitamente para que eu possa
demonstrar tudo o que desejo, porque metade de mim é o amor que sinto por você, e a
outra também.
Coloquei a aliança em seu dedo e a beijei, emocionado por finalmente ela me
pertencer.
― Eu te amo — murmurei puxando para mim, a um passo de beijá-la.
― Para sempre?
― Por todos os dias da minha vida.
E a doçura de seus lábios foi minha perdição. Tão suave e delicada, ao mesmo
tempo, uma explosão de amor. Aquele era sem dúvidas o dia mais feliz da minha
destroçada vida.
― Meus filhos, o beijo já pode acabar! — O padre tossiu baixinho e as
gargalhadas foram ouvidas.
Eu tinha os piores padrinhos do mundo.
Quando sonhei em me casar com Valentina, tempos atrás, eu nunca imaginei que
eu estaria tão doente, e muito menos que ficaria em uma cadeira de rodas.
Depois de trocarmos nossos votos, que levaram lágrimas aos olhos de todo
mundo, inclusive do libertino do meu tio, eu não aguentei ficar em pé, nem com a ajuda
da bengala. Minhas pernas queimavam como se estivem pegando fogo. Não dava para
aproveitar nada sentindo aquele grau de dor, então estava eu, confortável na minha
cadeira motorizada, ao lado da minha esposa.
Por um momento pausei para saborear a curta frase “minha esposa” e sorri
porque aconteceu de verdade. Não era um sonho.
― Peço a atenção de todos, por favor. — Viviam levantou erguendo a taça. Ela
não abriu mão de ser a organizadora principal do casamento. — Quando eu tinha dez
anos, meus pais trouxeram para casa minha tão sonhada irmã. Esperar foi a coisa mais
difícil da minha vida, porque não via a hora de ter alguém para brincar.
― Minha irmã — Valentina sorriu ao lado. Levei sua mão aos meus lábios.
― Ainda lembro a sensação de segurar aquele pequeno pacote em meus braços.
Não conseguia respirar direito, me sentia com um tesouro e a responsabilidade que
senti foi tão grande que jurei nunca permitir que nada a magoasse. Te fiz de minha
boneca, Val. Você era meu bebê, minha pequenina Barbie real e eu te amava tanto!
Sentia tanto orgulho que não precisava de mais nada. Minha vida estava completa. Mas
ao contrário do que eu pensei, não era só eu quem estava ali para ensinar, você também
tinha muita coisa para me mostrar e assim foi. Com sua personalidade forte,
independente e apaixonada, você me mostrou que nós somos perfeitos como somos e
hoje eu só posso dizer que bato palmas para a mulher que se tornou. Meu orgulho em
poder te chamar de irmã não tem precedentes. É imensurável.
Todos bateram palmas e Sinclair se levantou. Notei que ele tremia, mas
segurava um papel nas mãos.
― Eu estou nervoso, então escrevi uma mensagem porque achei que iria
gaguejar. — Todos deram risadas. — Escolhi uma oração apache, mas eu também
coloquei algumas palavras minhas. — A voz do meu sogro ressoou alta em meio ao
silêncio dos convidados:
Que o sol possa lhes trazer uma nova energia a cada dia
Que a lua suavemente lhes restaure durante a noite
Que a chuva lave suas preocupações
Que uma brisa sempre sopre uma nova força dentro de vocês
Que possam caminhar juntos através do mundo e reconhecer sua beleza todos os dias
de suas vidas.
Que o amor seja uma fonte de alimento nos dias difíceis porque agora não estão
sozinhos, hoje, se tornaram um só e que um possa aquecer o outro, mantendo
guardado aquilo que é mais precioso.
Sinclair olhou para mim e para Valentina, tão emocionado que nem notava suas
lágrimas não derramadas.
― Hoje eu não perco uma filha, mas ganho um filho. Um homem que admiro
muito. — Minha esposa fungou do meu lado. Eu beijei seus dedos trêmulos. — Não
poderia entregar minha filha para alguém melhor. — Então ele pegou a taça e ergueu.
— Bem vindo à família, Blake.
Brindamos à nossa alegria, e ao amor que permeava cada canto daquele lugar.
***
― Valentina, está na hora da dança do pai e da noiva. — Viviam chamou
baixinho. ― Depois será você e o Blake.
― Tudo bem, estou indo. — Valentina sorriu para mim e me beijou. Cada vez
que ela o fazia era como se fosse a primeira vez. — Venha me tomar do meu pai, viu?
― Com certeza! — Pisquei um olho e ela me beijou de novo.
Silencioso, observei minha esposa e seu pai dançado uma música especial para
eles. Minha Valentina sorria ouvindo o que Sinclair lhe sussurrava ao pé do ouvido.
― Devo admitir: sua esposa é linda!
― Claro que ela é! — Bufei olhando para o meu tio. Ele encarava o casal na
pista de dança com olhos enigmáticos.
― Cuide dela, meu garoto. Boas mulheres estão em falta no mercado.
― Sei disso.
― Ótimo, agora vá. Está na hora de pegá-la do pai.
Observei meu tio afastando-se e senti pena de sua solidão. Não era por ser meu
parente, mas Lorenzo Garcês Walker tinha o melhor de dois mundos. A mistura de
sangue por parte de mãe lhe deu uma aparência que ele usava para ser o destruidor de
coração que desde sempre conheci, porém, depois de um tempo, até o mais perfeito dos
canalhas tende a sofrer com o isolamento auto imposto.
― Blake, está na hora. — Viviam me trouxe à realidade e eu me preparei para
ir. Guiei minha cadeira até o limite da pista de dança e, com um esforço tremendo,
fiquei em pé. Ereto, caminhei até a minha esposa, sorrindo mesmo quando a dor estava
insuportável.
― Posso pegar minha esposa?
Sinclair sorriu entregando-me as mãos dela.
― Dance comigo a música que escolhi, ma petit. — Encostei nossas testas. —
Saiba que cada palavra é como me sinto.
Valentina colocou os braços em meu pescoço. Eu enlacei sua cintura. Em nosso
mundinho, nós apenas balançávamos de forma suave. Fechei meus olhos, cantando para
ela:
Eu desistiria da eternidade para te tocar
Pois eu sei que você me sente de alguma maneira
Você é mais próximo do paraíso que jamais estarei.
Eu não posso te deixar agora, pois tudo que desejo
é sentir esse momento.
Abri meus olhos, e ela, como se sentisse, fez o mesmo. Daquela forma eu pude
enxergar que não havia nenhuma mancha no azul, e que os olhos da minha esposa eram
os mais lindos que já vi em toda minha vida. Naquele instante eu sonhei com uma
menininha gorducha com aqueles olhos.
― Blake...
― Eu não quero que o mundo me veja. — Cantei baixinho. — Porque acho que
eles não entenderiam que quando tudo é feito para não durar, eu só quero que você
saiba quem eu sou e me ame assim mesmo.
― Eu sei quem você é. — Valentina sorriu. Estávamos parados, nos olhando.
— E eu amo cada parte disso.
― Faça amor comigo essa noite — implorei em seus lábios. — Seja minha de
novo.
― Torne-me sua de novo, Blake.
E eu a fiz minha como há muito tempo não conseguia. Não houve explosões de
necessidade; era algo mais profundo o que nos envolvia; éramos um só, uma mente, um
corpo e um coração. Enquanto me movia em seu interior, ela suspirava o quando me
amava. O sexo deixou de ser um ato carnal e para mim e minha esposa foi uma fusão de
almas, onde eu me dei para ela, e ela se entregou a mim.
― Eu te amo, Blake — Valentina suspirou arqueando o corpo.
― Eu te amo mais.
E pela primeira vez eu soube que estava voando tão alto nos braços de um anjo.
Felicidade, entrega e o prazer misturavam-se tornando um só, me fazendo sentir inteiro
de novo. Completo para ela, só para ela. A mulher que me deu esperança, que estava ao
meu lado. Que nunca desistiu de mim.
Ao fim de tudo, o que restou não foi a dor, e sim a liberdade. Eu estava em casa.
Capítulo 29

Primavera

Blake
O sol voltou trazendo com ele as cores da nova estação. As flores começavam a
desabrochar trazendo vida para todos. Estar casado era o que eu considerava o ponto
alto de um relacionamento, mas se apaixonar a cada dia mais por sua esposa era uma
sorte para poucos.
O Inverno foi o tempo mais difícil da minha doença, mas eu o amava, pois me
casei com a mulher que amo. As dores não foram nada comparadas a tudo que vivi. A
felicidade eclipsou tudo ao redor.
Dali, da minha especial cadeira, eu observava o verde voltando a crescer. Ao
longe estava à praia, o mar. Ainda restara a saudade da noite que vivi ali. A primeira
noite do resto da minha vida ao lado de Valentina.
― Pensativo?
Sorri sendo abraçado e beijado.
― Gostaria de ir à praia.
― Agora? — A surpresa em sua voz me deixou satisfeito.
― Sim, agora.
Sentir o calor em minha pele, ouvir o barulho das ondas e saber que sou amado
era como um presente. Ao longo dessa jornada eu aprendi que existem pequenas coisas
que têm valor incalculável, como, por exemplo: toda a minha família estava aqui. Eles
pararam o que faziam para estar comigo em meu primeiro passeio de verdade.
Por um momento fechei os olhos e ergui a cabeça. Sorri emocionado. Eu sentia
em meu interior que não poderia desperdiçar as chances de me despedir da minha
família. Não eram mais pensamentos negativos, eu só sabia que não estaria aqui para
viver a próxima primavera.
― Obrigado por me dar a chance de viver com tantas pessoas maravilhosas —
sussurrei para o vento. — Eu sei por que eu fui escolhido. Eu agora sei o porquê de
viver tudo isso.
E eu sabia. Foi através do câncer que eu descobri o quão amado eu sou pelas
pessoas que realmente importam. Eu vi que o dinheiro compra aquilo que não
precisamos, também, e a decepção é uma delas. Foi minha fortuna que me trouxe
amigos falsos, mas foi a pessoa que eu sou que permitiu apenas aos realmente
importantes ficarem.
― Não importa as dificuldades ou a própria vida, porque tudo que o fizermos
com amor deixamos aqui. — Sorri. — Não importa...
― O que, amor? — Valentina sentou atrás de mim abrindo as pernas, assim
pude deitar. Juntos, nós olhamos o mar e nossa família se divertindo.
― Quando um homem ama uma mulher, ele não se importa quando ela é má. —
Rimos juntos. — Ainda ficaríamos na chuva fria, se ela assim quisesse. Quando um
homem ama uma mulher, ele sabe que seu coração jamais lhe pertencerá outra vez,
porque ela o tomou para si.
Valentina me abraçou, falando em meu ouvido:
― E quando uma mulher ama um homem, ela sempre estará ao seu lado,
vivendo sua vida, lutando suas batalhas, sofrendo suas dores, porque é apenas assim
que ela saber viver.
― Eu te amo, Valentina Walker.
― Eu te amo, Blake, minha múmia preferida.
Encarando o mar tranquilo, eu soube que, independente de tudo, eu era
abençoado.
― Segure minha mão, ma petit — pedi sentindo-me muito cansado, mas muito
feliz.— Só segure-me, por favor.
― Sempre. — Foi a resposta que ouvi.
Fechei meus olhos com um sorriso nos lábios.
A escuridão pareceu muito fria.
***

Valentina
Eu poderia fechar meus olhos e achar que tudo era um sonho. Sim, porque
haviam tantos momentos de amor e cumplicidade que os medos se mantinham afastados.
A praia, Blake... Ah, Blake, meu marido amado e adorado. Em toda a minha
vida, eu nunca esperei que pudesse amar dessa forma, viver assim respirando o mesmo
ar que ele. Sua vida é a minha, e o nosso amor desnudo é a minha realidade.
― Blake, amor. — Beijei seu ombro. Há alguns minutos ele dormiu e estava na
hora de voltarmos para casa. Aquele passeio foi um pequeno mimo que o doutor
Richard liberou. Eu não queria exagerar. — Marido, acorde, deixe de preguiça
Ele não me respondeu. Durante alguns instantes eu só respirei fundo,
controlando as lágrimas porque aquela era a minha vida. As surpresas assustadoras, os
medos profundos e enraizados que estavam muito acima do meu poder para evitar.
― Blake. — Um soluço baixinho escapou. — Por favor, acorda.
A cada dia se tornava mais difícil não chorar em sua frente. Fugir também era
muito difícil e às vezes descarregava minha dor enquanto ele dormia, presa a um choro
infinito enquanto o mantinha em meu peito, cuidando-lhe em seu sono.
Notei sua mudança: ele não mais se revoltava com as coisas a sua volta, ele
apenas vivia as oportunidades que tinha e aquilo, de algum jeito, era pior para mim,
porque ele parecia se despedir.
― Pai! — gritei e todos vieram correndo.
Blake estava desacordado, eu sabia. Aquela não era a primeira vez.
A caminho do hospital e enquanto segurava a mão flácida do meu marido, eu
pensava em todas as vezes que isso aconteceu e na mesma sensação paralisante que me
deixava desorientada por alguns segundos. Sempre me mantive firme porque eu tinha
certeza de que Blake ia sair dessa, nós iríamos, na verdade, só que encarar a realidade
não estava sendo nada fácil.
A primeira vez que entrei em choque foi no dia após meu casamento. Fizemos
amor, ele me fez a mulher mais feliz do mundo e eu queria acordá-lo dizendo isso, mas
não pude. Blake estava inconsciente devido a uma patologia pulmonar, além disso, ele
retinha muito líquido, nas pernas, principalmente. Os rins estavam sobrecarregados.
Tantas coisas, e todas complicadas, e ele não reclamava, aguentava tudo da mesma
forma que escondeu no dia do nosso casamento que sentia muita dor. Ele estava com
pneumonia na época.
Ficamos tanto tempo no hospital que eu não sabia mais a sensação de estar em
casa. Agora estávamos voltando à minha nova vida: de casa para o hospital do hospital
para casa. Já sabia todos os procedimentos: ele seria levado para longe de mim, então
eu esperaria com o coração na mão enquanto girava a aliança no dedo – eu não aceitei
um anel de noivado porque ele não significava nada para mim; eu só queria a minha
aliança e pronto. A única coisa que eu jamais tirava do corpo enquanto tomava banho e
chorava para aliviar meu coração –; uma hora ou duas, talvez mais, eu esperaria para
receber notícias e, quando chegassem, eu entraria em conflito comigo mesma, brigando
feio com a parte que acreditava que ele estaria indo embora, e com a outra que tinha
certeza de que ele iria ficar bom. A última sempre ganhava, mesmo que a cada instante
recebesse um duro golpe.
De cabeça baixa eu vi os sapatos brilhantes do Doutor Richard. Por uns
instantes eu me perguntei o porquê de serem tão lustrosos assim. Divaguei sem querer
olhar em seu rosto.
Não quero receber más notícias, não quero saber que Blake piorou, não
quero...
― Valentina, olhe para mim.
Balancei a cabeça, negando. Nunca fui covarde, mas acho que agora poderia ser
um pouco.
― Querida, por favor, olhe para mim.
Minhas lágrimas pingavam no chão. Sem lutar, eu permiti ser erguida e
abraçada pelo doutor. Ao longo do ano ficamos amigos.
― Estamos no caminho certo. O tratamento é difícil, Blake sofreu muito, mas
estamos indo bem. O câncer retrocedeu. Vamos continuar, acredite, apesar dos pesares,
as chances do seu marido são as melhores.
Assenti. Ele já disse isso outras tantas vezes. Infelizmente a leucemia demorava
muito para ir embora, e Blake estava sem força para continuar a brigar. O tratamento
era muito duro, as drogas muito fortes. Meu amor estava sumindo diante dos meus
olhos. Aquilo não era para ele.
― Onde está? — Limpei os olhos. — Posso ir ficar com ele agora?
― Não, querida. Blake está em isolamento. A imunidade está muito baixa e
tenho medo de outra pneumonia agora. Vou mantê-lo isolado, em baixa temperatura.
― Não posso ficar sem meu marido, doutor Richard. — Respirei, sentindo o
queixo tremer, eram as lágrimas voltando. — Deixe-me junto dele. Não podemos ficar
separados, entende? Eu preciso dele, muito mais do que ele precisa de mim.
― Valentina, se eu permitir que fique no isolamento, não vai poder sair. Terá
que ficar lá com ele até a alta. Está disposta a isso?
― Eu trocaria de lugar com Blake, doutor, se eu pudesse, então sim. Ficaremos
juntos quanto tempo for preciso. Só me coloque ao seu lado e estarei feliz.
Enquanto tomava um banho químico para limpar impurezas, eu pensava no
quanto Blake mudou. Primeiro era seu ódio do mundo, depois seu desgosto e, por fim, a
sua aceitação. Vi cada fase sendo marcada por outra. Enquanto odiava o mundo, ele
perdeu os cabelos e os músculos; depois, quando a tristeza chegou, foi demolidora,
trouxe depressão e muitas viagens ao hospital e a cadeira de rodas; quando chegou a
aceitação, ele sorriu.
Os espelhos aos poucos foram sendo removidos. Javier, em silêncio, foi
retirando-os. Quando compreendi a ideia, aceitei. Era melhor pois, a cada vez que
Blake se olhava, um pouco do brilho de seus olhos se apagava. Aquilo, de alguma
forma, diminuía a sua fé. O que seus olhos viam, desacreditava sua convicção.
Minha pele coçava, pinicava e estava muito irritada devido ao banho, porém
não reclamei. Eu só queria ficar ao lado dele para que, quando acordasse, me visse ali.
Coloquei a roupa apropriada e, se possível, a minha pele coçou mais.
― Essa é a área de isolamento. — Uma enfermeira muito gentil me guiou até um
lugar que, ao abrir a porta, me fez tremer de frio.
― Fique dentro da proteção, converse com seu marido e o aqueça com as suas
palavras.
― Obrigado, senhora. — Sorri e entrei no quarto.
Não chorei por ver tantos fios conectados a Blake; aquilo era a garantia que ele
vivia. Entrei na parte que ficava a cama e sentei na cadeira que foi colocada ali para
mim. Não podia beijá-lo, pois eu estava de máscara e ele no oxigênio, mas podia tocar
minha pele com sua mão, mostrar que estava aqui.
― Vê, meu amor? — murmurei. — Não fui a alugar algum. ― Usei sua mão fria
para acariciar meu próprio rosto, afirmando a mim mesma que tudo estava bem.
Blake não acordou pelos dias seguintes. Mais um procedimento de transfusão de
plaquetas e plasma foi feito, só que desta vez foi com um composto concentrado.
Não existia cor em sua pele; os lábios descascavam. Aquela semana foi a mais
longa da minha vida. No silêncio do quarto escuro, eu senti que estava sozinha,
desamparada e precisando fazer algo que não fiz em muito tempo: eu fechei meus olhos
e rezei.
A oração que Deus ensinou era assim. No momento de mais dor, solidão e
desespero era a ele que as pessoas recorriam. Eu fiz isso quando chegou a minha vez.
― Como começar a explicar? — murmurei baixinho, conversando e ignorando
a dor em meu corpo e coração. Eu me sentia, de certa forma, anestesiada pelo excesso
de desespero. ― Seria vergonhoso apenas pedir sem agradecer, mas eu não tenho
vergonha. Não posso dizer que agradeci todos os dias, porque estaria mentindo, mas eu
sempre fui muito feliz com minha vida e agradeço por isso, agora.
Um longo e cansado suspiro escapou e encostei minha testa na beirada da cama
de Blake. Falar aliviava algo da minha angústia.
― Por que eu deveria me sentir aquecida se estou sentindo frio? Isso é você
dizendo para que eu continue tendo fé? — Entreguei-me ao choro daquele dia. — Não
sei por onde começar... Não tem como mentir, tem? Será que eu não poderia trocar de
lugar com Blake? Acho que sou mais forte do que ele, então não poderíamos fazer isso?
Eu só queria que ele ficasse bom, voltasse a ter o poder de escolher o que fazer,
controlar sua vida e suas coisas. Por favor, Deus, só devolva-lhe a saúde. Permita que
Blake se sinta pleno de novo, porque ele é uma boa pessoa, o senhor sabe disso, não é?
Ele é bom e precisa de ajuda agora, só dê um tempinho para olhar por ele. Blake já
sofreu demais.
A noite deu passagem ao dia e assim se seguiu. Blake estava sendo mantido
sedado porque, com certeza, no momento que acordasse e visse onde estava, sua
condição pioraria. Havia um desespero mudo quando ele se deparava com novas
situações, e o isolamento era novo para ele. Ouvi o barulho da porta abrindo e ergui a
cabeça. Meu pescoço doía, mas tudo bem. Nove dias sem dormir direito fazem isso
com as pessoas.
― Valentina, venha até aqui.
Era o doutor Richard me chamando para a atualização de prontuário.
― O que temos para hoje?
Algo em minha voz fez com que o doutor Richard me encarasse.
― Você precisa deixar Blake por um momento. — Neguei. — Você vai ficar
doente assim.
― Não se preocupe comigo, por favor. Como o meu marido está?
― A imunidade deu um bom salto depois da transfusão. — Sorri cambaleando.
Sacudi a cabeça e me firmei. — Vamos com calma, minha filha. Você não está bem.
― Estou ótima, só cansada, mas logo iremos para casa e é disso que preciso.
― Estou de olho e se notar que não anda bem falarei com Blake.
Suspirei. Eu não tinha disposição para brigas ou ameaças. Não agora.
― Vamos lá, só me conte como foram os resultados.
Doutor Richard balançou a cabeça, demonstrando sua frustração, mas me tirar
daqui só se fosse amarrada e inconsciente.
― Os resultados foram ótimos. Ainda hoje Blake vai sair da sedação e creio
que acorde na madrugada ou pela manhã. Contudo, ainda irei deixá-lo aqui por mais
alguns dias. Quero garantir que ele esteja bastante forte para não contrair infecções.
― Ok, obrigada.
― Valentina, me ouça: os resultados são bons. Blake não piorou. É só que a
quimioterapia com ATRA é destruidora, e você precisa entender isso.
― Sério? — Cruzei os braços, meus olhos embaçando. — Eu vi Blake
descendo cada vez mais, doutor. Vi seus cabelos caindo, deprimido; estive lá quando
ele chorou porque suas roupas não cabiam mais; sofri quando ele aceitou uma cadeira
de rodas, mas o pior foi ver ele acreditando que iria morrer. Ele não sente a melhora
mesmo que ela exista. Ele só se sente cada vez mais doente. O psicológico dele virou
nada, e enquanto não houver mudança vista, Blake ainda não vai acreditar. Quanto a
mim, não se preocupe. Por mais que eu o veja frágil, não me permito pensar o pior.
Nunca me permitiria pensar!
Meu corpo pesava uma tonelada. Inclinada sobre a cama de Blake, eu nem
conseguia pensar. Nunca imaginei que fosse entrar em um nível tão profundo de
cansaço.
― Ma petit?
Senti o coração acelerado. Respirar foi um esforço. Oh, Deus, tão cansada...
― Valentina? Amor?
Ensaiei um sorriso e ergui a cabeça. Minha visão estava embaçada, o corpo
tremendo.
― Oi, amor. — Toquei seu rosto. Ele sorriu aceitado o carinho — Como se
sente?
― Não sei. Estranho, talvez.
Esperei que Blake olhasse ao redor. Primeiro sua testa enrugou, depois a
compreensão o fez fechar os olhos de novo.
― Eu piorei, não foi? — Sua voz doía em mim.
― Não. Você melhorou.
― E por que estou no isolamento?
― Imunidade baixa, mas já está quase bom.
― Quanto tempo?
― Doze dias.
Um pesado silêncio se abateu sobre nós. Isso nunca era bom sinal. Então
ignorando tudo o que eu sentia, tomei seu rosto entre as minhas mãos.
― Você não está pior, ok? — Falava olhando em seus olhos. — Você só está
aqui por precaução e nada mais. Se não confia no doutor, confie em mim.
Ele confiou. Por três dias Blake acreditou em minhas palavras, mas depois o
pânico venceu pelo fato de não receber alta.
― Existe algo que não estão me contando! ― Ofegava nervoso. — Porque não
recebi alta ainda? Quinze dias aqui, ma petit. É demais.
― Amor, tecnicamente, você está aqui há três dias, porque os primeiros você
estava dormindo, então só sossegue.
Blake me olhou e negou. Sua expressão demonstrava profundo medo,
comparada à minha, talvez, só que a dele era inúmeras vezes maior. Enquanto a minha
aflição era um reflexo do que eu via, a dele era pura e infinita. No corpo e na mente.
― Suba aqui nessa cama agora! — Afastou o lençol indicando o seu lado.
― Não posso ficar aí. Tenho a minha cadeira. — Desviei o olhar.
― Preciso te abraçar. Por Deus! Você está com círculos roxos ao redor dos
olhos, pálida e trêmula.
A voz de Blake soava aflita. Ele estava desgostoso por me ver parecendo que
fui atropelada. Preocupação faz isso com as pessoas, então acrescente incontáveis
noites sem dormir, e terá alguém acabado, assim como eu.
― Se você não subir aqui, eu vou sair da cama.
Rendendo-me a ele, eu subi na cama. Logo, Blake deitou a cabeça em meu peito.
― Deus, que saudade! — murmurou quando o abracei. — Não consigo dormir
de outra forma. Anseio por estar assim, ouvindo seu coração, sussurrando que tudo
ficará bem.
Fechei meus olhos aceitando suas palavras. Às vezes não sabia de onde
encontrava forças para seguir sendo firme.
Sorrir, brincar, ter ideias malucas, alegrá-lo com o que eu tinha... Estava difícil
demais, porém eu me orgulhava de nunca ter chorado em sua frente, digo, chorei sim,
mas por outros motivos, não porque achasse que ele morreria. Não gosto de pensar
assim. Esse choro específico eu mantive longe de seus olhos.
― Ma petit?
― Uhn — respondi, mantendo os olhos fechados, acariciando sua cabeça lisa.
― Não vou sobreviver a isso.
Quando suas palavras assentaram em meu cérebro eu tive que obrigar meu
coração a manter a calma. Blake nunca havia verbalizado seus pensamentos. Eu tinha
tanto medo disso acontecer. Eu lutava dia e noite para que ele acreditasse que tudo
ficaria bem. Eu não poderia desistir, não queria, mesmo que o medo às vezes fosse
muito para mim, eu me mantinha firme, por ele, porque não quero vê-lo sofrer ainda
mais. Rasgava-me ouvir seu pranto quando se entregava ao desespero; quebrava-me
saber que eu não posso fazer nada, tal qual eu o amo com cada célula do meu corpo, eu
sabia que ele me amava, e por isso não suportava a ideia dele desistindo. Eu não podia
deixar. Eu não queria ter que deixar. Mas sinto que estou perdendo.
Oh, Deus! Apertei meus olhos. Eu o estou perdendo...
― Blake, por favor, não fala assim. — Abraçando-o como podia, beijei sua
cabeça. Eu simplesmente o amava no pior. Hoje queria chorar pelo nosso amor
desesperançado.
Por Deus! Nós não merecemos isso.
― Querido, você vai ficar bom. — Beijei-o com amor.
― O Blake não existe mais. Eu sou apenas uma casca cansada, mas que te ama
acima de tudo. — Mordi o lábio, a dor evitando que eu chorasse.
― Eu prometo, Blake — Sentia-me abatida. — Eu prometo que você vai ficar
bom. Vai voltar a ser como antes. Juro isso.
Suas lágrimas não se reprimiram. Ele nunca se continha e isso era bom. Em seu
interior, só Blake sabia o que estava sentindo.
― Não chore, meu amor. — Acariciei seu rosto. — Amanhã tudo estará bem.
— Sorri amorosa. — Eu sempre estarei aqui. Nunca vou te deixar. Prometo que juntos
lutaremos contra seus medos, até que meu coração pare de bater. Eu prometo sempre
estar aqui.
Como eu queria poder lhe dar confiança para acreditar... mas os meses de luta
árdua, cada recaída, cada internação só me mostraram o quão pequena eu era frente
tudo isso. Minha força não parecia boa o bastante. Quanto mais eu lutava, quanto mais
eu me esforçava, mais eu sentia Blake desistindo.
― Confia em mim, meu amor? — Deslizei minhas mãos por seus ombros. — Eu
te amo. Você me ama. Ficaremos juntos porque é assim que deve ser. Você não vai e
nem pode me deixar. — Sorri confiante. — Você vai ficar bom, eu tenho certeza.
― Não acredito nisso, ma petit. — Passou os dedos em meu rosto. — Veja-me?
Olhe onde estou? — Neguei lentamente. ― Eu não sairei daqui...
― Blake, por favor, não seja pessimista, ok? — implorei. ― Para com isso.
Você vai ficar bom e vai me infernizar muito com as suas safadezas. Por favor... por
favor, acredite nisso. Acredite, porque eu não posso perder a fé que eu tenho. Não
desiste de mim. — Beijei seus lábios suavemente. — Só não me deixe sozinha. Luta
junto comigo por nós.
― Estou muito cansado, enjoado e dolorido — confessou baixinho. ― De tudo
o que tenho, meu bem mais precioso está aqui, em minha cama, embalando-me em um
abraço carinhoso. Eu sinto o seu amor, pequena. Você me trouxe até aqui.
― Então não desista, não se deixe desanimar. Por mim. Lute por mim!
― Ma petit, você terá uma vida tão bonita — proferiu começando a tremer de
frio. Puxei a colcha sobre os nossos corpos e o abracei com mais força, protegendo-o
do inimigo que havia dentro dele.
― Calma, meu amor. — Impregnei tranquilidade em minha voz — Vai passar.
Sente o meu calor? Eu estou te esquentando. Vai ficar tudo bem.
Enquanto os espasmos não passavam, eu não o soltava e nem afrouxava meu
aperto. O rosto de Blake estava pressionando contra os meus seios, e seus braços ao
meu redor. Ele não tinha controle sobre isso; seu corpo não correspondia a suas
demandas.
― Não era isso que sonhei! — Balançou a cabeça. ― Queria tanto te levar para
os lugares, conhecer as pessoas...
― Seu stalker safado. — Tentei brincar. — Eu te amo e não vou te deixar.
Quando você ficar bom e se tornar aquele gostoso pervertido e mulherengo, aí sim eu
darei um pé nessa sua bunda linda. E esses seus amigos não fazem falta. Obrigada pela
boa intenção, mas não me leve para conhecê-los. Sou capaz de te fazer passar vergonha.
Sou intolerante a idiotices e puxa-saquismo. Nunca fui com a cara dos riquinhos
mimados. Nunca.
Um sorriso se desenhou em seus lábios. Era uma mistura de alegria e tristeza.
― Não terei tempo o suficiente para poder receber o pé na bunda. Eu só queria
tempo, amor. Só isso.
Por um momento Blake parou de falar e ficou pensativo. Encarei sua expressão
concentrada. Os olhos estreitos e a respiração acelerada demonstravam que ele estava
decidindo algo.
― Ma petit...
― O que foi, amor? — inclinei a cabeça de lado, aguardando o que ele
pretendia.
― O quanto você me ama?
― Blake, você sabe que eu te amo mais que tudo no mundo.
― Adoro quando diz isso, aquece meu coração... Mas então você me ama mais
do que aos seus cadernos de receitas?
― Muito mais do que aos meus cadernos — respondi acariciando meu rosto.
Ele olhou dentro dos meus olhos, misterioso demais para a minha paz de
espírito.
― O que você quer com essas perguntas, Blake?
Estreitei meus olhos quando ele respirou fundo.
― Eu quero um filho.
Capítulo 30

Valentina
Encarando meu reflexo diante do espelho, eu me deparo com a certeza de que
não quero um filho agora. Não estou preparada para ser mãe ainda... Eu só não estou.
Adoro crianças, mas me enterrei tanto na vida de Blake que não consigo desviar disso
agora.
Desde que voltamos para casa, todos os dias ele traz o assunto à tona. Quer que
eu lhe dê um filho, quer que eu o faça feliz dessa forma, que prove o meu amor.
— Assim não. — Segurando na pia do banheiro, não encontro palavras para
dizer ao meu marido que ainda não está na hora. Sei que ele talvez não entenda meus
motivos, e isso me preocupa.
Durante alguns dias eu pensei que Blake havia pedido o filho no calor do
momento, mas depois eu vi que não e por isso eu não o respondi e escondida dele.
Procurei uma médica e comecei o anticoncepcional. Todos os dias me previno e,
quando meu marido está forte o suficiente para fazer amor, ele me toma com carinho,
olhando-me nos olhos, gemendo meu nome e por fim me abraça, sonhando com como o
nosso bebê seria. No fundo sinto que estou enganando-o. Meu prazer não é completo,
todavia, não é algo que irei mudar.
Não posso ficar grávida agora, meu Deus! Apertei os olhos, balançando a
cabeça. Blake precisa de mim e eu me dedico vinte e quatro horas por dia a ele. Uma
criança agora seria... Não! Ainda não é o momento!
— Não posso fazer isso! — murmurei atormentada, apertando a cartela de
comprimidos na mão.
— O que você não pode fazer, amor?
Assustada com a presença repentina de Blake, deixei meu anticoncepcional cair.
O tempo pareceu congelar junto com meu fôlego. Vi quando ele olhou para o chão e
franziu o cenho, então a compreensão o atingiu.
— Você mentiu para mim? — Sua voz me cortou como uma navalha. — Todo
esse tempo eu pensando que você... — Riu sem humor. — Você estava tomando
remédio?
Acenei em silêncio.
— Desde quando?
Engoli diversas vezes; minhas mãos tremiam de nervoso. Ultimamente Blake
parecia mais disposto, apesar de ainda estar na cadeira de rodas, um pouco de cor
voltou ao seu rosto.
— Desde quando, Valentina? — gritou me fazendo pular de susto. Em outros
tempos eu revidaria, mas agora me sinto tão acuada com tudo o que aconteceu no último
ano, que só sinto vontade de chorar.
— Eu... — Respirei fundo. — Desde que você disse que queria um filho.
O silêncio pesou sobre nós, gritante em seu significado.
— Durante todo esse tempo eu pensei... — Blake riu de novo, virou a cadeira e
foi embora.
— Escuta-me! — Corri até me portar diante dele. — Amor, não estou pronta
para ter um filho agora. — Comecei a respirar mais rápido. — Eu não posso ter a
responsabilidade de uma criança. Não me sinto preparada.
— Claro que não, porque o inválido aqui ocupa muito do seu tempo.
— Não, eu não disse isso. — Esfreguei o rosto. — Ter um filho não é uma
decisão para ser tomada no calor do momento, Blake, porque nós dois precisamos estar
prontos para isso.
— Eu não tenho tempo! — gritou descontrolado. — Eu não posso te deixar
sozinha. Será que não percebe? Um filho é a única forma que encontrei de ficar com
você!
— Não é! — gritei de volta. — Você fica aí acreditando que vai morrer e não
se importa em como me sinto sobre isso.
— Eu não te pedi para ficar aqui!
— Você está sendo egoísta, Blake — acusei tremendo. — Por que não usa a fé
que tem na sua própria morte e começa a acreditar que vai ficar curado?
Ele arregalou os olhos, pálido com minhas palavras.
— Desde que começamos a lutar contra o câncer eu venho te pedindo para
acreditar que você vai ficar bom. Quantas vezes você simplesmente me ignorou?
Quantas, Blake? — Comprimi os lábios. — Parece que eu luto por nós dois, tenho fé
por nós dois sempre. Se eu te peço para acreditar em mim é porque eu tenho certeza de
que você vai ficar curado, mas, não satisfeito com seu sentimento de derrota, você quer
minar o meu. Porra, eu não vou ter o seu bebê! Eu quero um pai vivo para o meu filho!
Assim que falei me arrependi. Não pelo sentido, mas pela forma como as
palavras foram colocadas. A expressão de Blake era de puro desgosto e decepção.
— Me desculpe, por favor. — Tentei me aproximar e tocá-lo, mas ele me
empurrou. — Eu não deveria...
— Você tem razão, Valentina. — Sua voz estava gelada. — Você tem todo o
direito de não querer ter o filho de um homem doente, porque, ao contrário de cuidar de
alguém com prazo de validade vencendo, uma criança seria para o resto da vida e você
é muito jovem e tem muito o que viver.
Cada palavra machucou como uma chicotada. Nunca pensei dessa forma. Eu só
não estou pronta ainda. Agora creio que nunca estarei.
— Você não está sendo justo comigo.
Saí correndo do quarto sem me importar com seus berros me chamando. Passei
por Javier e ele não me interrompeu. Corri para a garagem e peguei as chaves da minha
moto. Cega de raiva e decepção, arranquei em alta velocidade.
O vento levava minhas lágrimas enquanto avançava cada vez mais pelas ruas de
Los Angeles. Não tinha um rumo certo, mas, quando notei, estava indo para a casa dos
meus pais. De alguma forma antes mesmo de eu parar minha moto, já vi meu pai saindo
de casa e abrindo os braços. Corri para ele, me agasalhando em seu calor.
— Não dá, pai. — Chorei em seu peito. — Não posso lutar sozinha. Estou
cansada demais. Exausta.
— Shh, meu amor... — Ele acariciava minha cabeça. — Desabafe. Você vem
guardando tudo para você. Quase não consigo dizer as vezes que te vi desabando. Nem
sempre precisamos estar forte o tempo todo, querida.
Nos braços do meu pai eu chorei à vontade, porque, no fim de tudo, a barra era
muito pesada e eu, um mero ser humano. Nem sempre sou tão forte quando queria.
— Prometi nunca chorar na frente de Blake. — Solucei baixinho. — Prometi
sempre estar forte para ele. Eu lutei, pai, desde o primeiro dia, a cada instante, e hoje
Blake me acusou de não querer um filho porque ele está doente. Isso é tão injusto. Não
estou sabendo lidar.
— Como você, Blake também está sentindo o esgotamento de tudo, filha. Foi um
ano de muito sofrimento, de idas e vindas para vocês dois por causa da leucemia. Dê
um tempo a ele, se dê um tempo, também. As coisas se acertam.
— Posso dormir aqui hoje? — Ergui a cabeça olhando para ele.
— Claro! Aqui sempre será a sua casa.
Uma vez li em algum lugar que não há nada melhor do que o colo e o carinho
dos pais. Olhando para trás, eu vejo que tudo o que fiz foi por amor, sem subterfúgios
ou qualquer outra coisa. Ficar ao lado de Blake foi natural para mim porque é assim
que sou. Não abandono os meus, não importa o quão difícil possa ser a batalha. Melhor
cair lutando e saber que tentei, do que manter distância e depois pensar que talvez
pudesse ter feito algo.
Remorso? Creio que nunca irei sofrer disso, mas agora mesmo, olhando para o
meu irmão caminhando em minha direção, eu só consigo chorar. Não fui para sua
festinha de um ano porque estava no hospital, com Blake; não estive ali para ver ele
falar as primeiras palavrinhas; não participei de seu primeiro ano completo. Briguei
com a minha família para não deixar o dia do meu principezinho passar em branco, e
depois, tão perto de completar meus 21 anos, só penso no quão triste e desanimada eu
me sinto. De algum modo, Blake me afetou com a sua negatividade e talvez me afastar
agora tenha sido o melhor.
— Filha, que tal se assistirmos a um filme em família? — minha mãe sugeriu e
eu só concordei, de cabeça baixa e com lágrima nos olhos. — Minha menina, se anime!
Tudo vai dar certo.
— Eu prometi que estaria aqui para ajudar a senhora com meu irmão e não
estive — falei com a voz embargada. — Prometi que nunca deixaria Blake e não
cumpri, tampouco. Sinto-me estranha, mãe. É como se eu não pudesse mais continuar,
sabe?
Ouvi os passos da minha mãe e logo ela se ajoelhou à minha frente.
— Olhe para mim. — Ergui a cabeça, sem controlar as minhas lágrimas —
Você é uma das pessoas mais fortes que conheço. Pensa que não me preocupei quando
voltei de viagem e te vi morando com Blake e sem sair de casa? Eu desconfiei de
muitas coisas, mas nunca duvidei de sua capacidade, nem questionei suas decisões.
Minha filha, você nem era para estar aqui agora, porque, ainda grávida, eu temi te
perder duas vezes e, em uma destas vezes, você nasceu. Era um bebê pequeno, fraco, e
com poucas chances. Valentina, desde sempre você lutou, demonstrando sua força,
então não duvide dela agora. Isso me surpreenderia e me deixaria desapontada.
Abracei minha mãe e ela me acolheu nos braços. Ficamos uma eternidade assim
até que senti um peso saindo das minhas costas.
— Acha que fiz mal em dizer que não estou pronta para ter um filho agora?
— Valentina MacKerrick...
— Walker… — completei rindo baixinho.
— Sim, isso. — Abanou uma mão, rindo também. Logo ela ficou séria. — Uma
mulher jamais deve ter um filho por exigência do marido. Uma criança exige muito da
gente. Não se trata apenas de dar coisas, e sim ser o suporte que ela vai precisar. Isso
durará anos e, dependendo, a vida inteira. Uma vez que você se tornar mãe, nunca
deixará de ser, então, resumindo, um filho deve ser uma realização do casal e não uma
carga ou satisfação de desejos. Não se deve brincar com tamanha responsabilidade,
pois não é só colocar no mundo, meu amor; tem que estar pronta para assumir tudo o
que vem pela frente e se você ainda não se sente pronta, não deve se sentir mal por
isso. Ser mãe, minha querida, é doar uma parte substancial de si mesma. Tenha calma.
— Eu te amo, mãe. — Mais uma vez a abracei.
Jantamos em família. Não comi direito porque me preocupei com Blake. Minha
mãe garantiu que ele estaria bem passando uma noite sem mim. Aceitei que era
verdade, pois, como disse, Blake parecia melhor. Desde a transfusão de plaquetas eu o
senti mais forte, inclusive para brigar, o que me faz voltar ao assunto gravidez e, por
consequência, às lágrimas.
Nunca pensei que estaria vivendo uma fragilidade emocional deste nível.
Também nunca pensei que viveria tudo o que vivi até agora.
— Vamos assistir a um filme de comédia — minha mãe avisou. Eu concordei
continuando a lavar a louça.
Eu sentia o corpo pesado. Queria me encostar em qualquer canto e dormir pelos
próximos dias.
— Vamos assistir “Vovozona 3” — meu pai falou enquanto eu me sentava no
sofá. — Deita a cabeça no meu colo, filha. Vou te fazer cafuné.
Mal deu tempo do filme começar e meus olhos já pesavam toneladas. Decidi
que dormiria por uns minutinhos e depois iria para casa.
Só uns minutinhos, nada mais.
***
Lábios macios deslizavam por minha boca. Suspirei sentindo um delicioso
gosto de menta fresca. Desorientada, eu abri os olhos e Blake estava ali.
— Perdoa-me, amor? — murmurou suave, deslizando os dedos por meu rosto.
— Vim te buscar. Não posso dormir sem você ao meu lado.
— Eu ia para casa... — Cocei os olhos. — Que horas são? — Olhei ao redor da
sala. Meu pai estava assistindo a um jogo e minha mãe não estava à vista.
— São dez da noite. — Blake segurou meu queixo, me dando um selinho. —
Vamos para casa? Quatro horas longe de você é mais do que posso suportar.
Levantei e me despedi da minha família. No carro, Blake me puxou para seus
braços. Tentei me afastar, mas ele não deixou.
— Sinto-me forte, hoje! Posso segurar minha mulher.
Concordei, deitando a cabeça em seu ombro. Dormi assim que Javier colocou o
carro em movimento.
— Cara, não tem nada demais eu levar Valentina. — Tentei abrir os olhos
quando ouvi meu nome, mas eles estavam pregando de sono. — Você prefere acordá-
la? Ela está desmaiada.
— Prefiro eu levar a minha mulher! — Blake rosnou. — Sinto-me forte. Eu
mesmo cuido disso.
— O que um susto não faz... — Javier gargalhou. — Você estava às portas da
morte, aí faz merda e Valentina corre, então você se sente forte o bastante para carregá-
la escada acima. Sério, Blake? Tenho vontade de te esmurrar, às vezes. Você é tão
idiota!
— Quando Viviam te aceitar e te der um susto como eu tive hoje, volte e
conversaremos.
— Para a sua informação, ela já me aceitou, só não sabe disso ainda.
— Continue falando assim, Javier. — Levantei, minha cabeça rodando. —
Viviam precisa de uma boa briga. — Apontei para Blake. — Eu mesma me levo para a
cama. Boa noite, tios.
Fui cambaleando, parecendo uma bêbada, até chegar em meu quarto. Ignorei
cada um dos protestos de Blake para me ajudar. Assim, só chutei meus sapatos antes de
me jogar na cama. Estava sofrendo um blackout total.
***
— Javier, ela não acorda, cara! — Ouvi a voz preocupada de Blake. — São
duas da tarde e ela não acorda! Vou ligar para o médico.
— A sua mulher só está exausta. — Escutei uma risada. — Deixe que ela durma
mais um pouco. Depois você pode acordá-la. Hoje saem os resultados dos seus exames.
— Não faz diferença. Sempre é a mesma coisa. — Blake suspirou
profundamente.
— Para com isso. Não estou com paciência para lamentações. — Sentei na
cama, grogue. Blake e Javier riram. — E parem de rir de mim.
— Você parece uma fugitiva. Está toda amassada!
— Amassada vai ficar a tua cara, Javier, no momento que eu bater meu punho
nela. — Levantei da cama e caí. Minhas pernas estavam moles. — Merda de sono do
cacete.
Fui para o banheiro e me tranquei lá. Um mal humor daqueles. A pior coisa da
vida é acordar com dor de cabeça. Olhei-me no espelho e me senti péssima; eu parecia
estar de ressaca. Uma pena não ter bebido. Tomei um banho demorado e frio; depois
optei por um vestido longo e só então criei coragem para enfrentar Blake.
Ele estava sentado na cama. Olhei ao redor e não vi a cadeira de rodas.
— Não dói tanto agora. — Pigarreou. — Minhas pernas desincharam bastante e
posso suportar ficar com a bengala.
— Bom.
Caminhei em direção a saída, mas Blake me puxou, obrigando-me a sentar ao
seu lado na cama.
— Perdoa-me, amor? — Tocou minha bochecha. — Eu falei merda, e não tem
desculpa. Por favor... Eu não suporto te ver distante de mim.
Olhei em seus olhos, fazendo-o engolir nervoso com o que viu em minha
expressão.
— Nunca mais coloque em dúvida o meu amor por você. Se eu falei que não
estou pronta para ser mãe, é porque não estou. Se por acaso, Blake, você aparecer com
outra merda daquelas de dizer que não quero um filho seu porque está doente, eu
desisto de tudo.
— Eu te magoei muito, não foi, amor?
— O suficiente. ― Balancei a cabeça. — Mas isso é burrice da idade. — Sorri
de lado. — Coisa de gente velha.
— Ah, sua peste! — Gritei quando ele se jogou em cima de mim. — Eu te amo.
Seus lábios tomaram os meus num beijo gostoso e lento. Blake explorava minha
boca sem pressa. Entre minhas pernas eu senti que ele estava duro e gemi porque sentia
saudade de tê-lo assim. Em meio ao beijo, ele capturou minha língua e começou a
chupar, imitando o movimento do sexo, assim com seus quadris se moviam entre minhas
pernas. Gemi, abrindo as pernas para ele. Eu o queria dentro de mim.
— Opa, casal! Desculpa atrapalhar, mas está na hora de irmos.
Choraminguei quando o beijo foi interrompido. Blake encostou nossas testas.
— Será que a sua irmã vai ficar chateada se eu matar o Javier?
— Eu enterro. — Mordisquei seu lábio inferior.
— Fechado!
Rindo, demos mais um beijo. Dentro de mim, uma chama completamente
diferente começou a queimar.
***
Blake apertava minha mão com uma força surpreendente. Estávamos sentados
em frente ao doutor Richard e ele folheava inúmeros papéis, no mais completo silêncio.
A vontade que eu tinha era de arrancar das mãos dele e procurar eu mesma os
resultados, mas, infelizmente, quando as palavras têm mais de dez letras seguidas de
termos alienígenas, eu sei que seria pura perda de tempo tentar algo agressivo.
— Conte-me, Blake: como anda se sentindo?
— Do mesmo jeito. — Deu de ombros. — Minhas pernas desincharam, e a dor
diminuiu, mas continuo vomitando como sempre. As dores de cabeça continuam
intensas cinco vezes por semana e tenho febre a noite toda.
— E a respiração?
— Bom, eu confesso que melhorou bastante.
— Depois que removi sua sonda está urinando normal?
— Não me lembre disso. — Blake se mexeu, desconfortável. — Mas sim, estou
indo ao banheiro normalmente.
A primeira vez que Blake se livrou da sonda foi para o nosso casamento, então
ele insistiu em ficar sem, mas começou a sentir dores demais e voltou a usar. Quando
ele saiu do isolamento, a sonda foi retirada. Acho que ele se empolgou com o filho,
porque fazer amor se tornou algo possível.
— Nada mais de novidade, Blake? — o doutor inquiriu. — Vamos, pense!
— Ele disse que estava se sentindo mais forte. Acho que ele parou de pensar
que vai morrer. — Encarei o médico. — Blake estava até mais coradinho...
— Vamos logo para o que interessa. — Ele me interrompeu. Notei que
começava a se chatear. — Quando começarei a próxima etapa?
— Você já está nela, Blake.
— Vou iniciar o próximo ciclo da quimioterapia hoje?
— Não. Você vai iniciar a segunda fase do tratamento. — O sorriso que o
doutor Marchese deu me fez sentir um frio na barriga.
Olhei para Blake e ele ainda tinha cara de idiota.
— Você quer dizer que vou descansar para recomeçar? — Blake parecia, de
fato, confuso. — Mas eu sempre fiz isso. Quimioterapia, descanso, quimioterapia,
descanso. Se você considerar alguns dias de descanso, para mim não fez diferença
nenhuma.
— Eu fico muito triste quando um paciente se torna fraco porque quer! Não
estamos falando do seu físico, isso é incontestável, mas psicologicamente a sua guerra
foi perdida desde o início.
Blake se remexeu, desconfortável em sua cadeira, porém as palavras do doutor
não eram mentirosas.
— Diga-me: alguma vez acreditou na sua cura?
— Estaria mentindo se dissesse que sim.
— Você é um paciente perigoso, Blake e sabe por quê? — Ele negou. —
Porque você é tendencioso; só acredita no que enxerga e ponto final. Pacientes
depressivos têm uma tendência absurda a perder porque a causa da destruição
emocional é completamente ligada a eles mesmos. Saiba que todos os pacientes com
quadro depressivo pioram.
— Você já disse isso.
— E fez diferença?
— Eu tenho espelho em casa, agora. — Revirei os olhos para a alfinetada. —
Eu me senti, e ainda me sinto, uma casca quebrada, sem conserto. Não vou brigar por
um fio ilusório de esperança; só não vou desistir, então... Quando começamos o novo
ciclo?
— Não começamos, Blake.
Naquele exato instante eu soube.
Meu coração me contou e eu sorri porque agora Blake estaria levando um tapa
na cara para a sua crença errônea de que morreria.
— Por que você está rindo, amor?
Eu nem olhei para ele. Meus olhos estavam pregados no doutor Marchese.
— O que está acontecendo?
— Levante-se, Blake. — Meu marido se levantou ainda olhado para mim e para
o seu médico. — O último ciclo foi mais brando. Seu corpo estava muito fraco, mas
havia suportado uma grande batalha. Os resultados não poderiam ser melhores.
— O que está me dizendo? — Notei que ele se inclinou para frente. as mãos
tremiam
— Parabéns, filho. Não há sinais da leucemia em seu sangue.
Houve um grande silêncio.
Blake não esboçava nenhuma reação.
— O quê? — Sua voz foi apenas um sussurro. — Você está dizendo o que eu
estou pensando que está dizendo?
— De forma redundante, sim.
Blake levou as duas mãos à cabeça, negando de olhos arregalados, um sorriso
começando a marcar seus traços.
— Parabéns, Blake. Você está em remissão.
No instante seguinte eu estava sendo puxada e espremida em um abraço
apertado.
— Conseguimos, amor! — Sua voz embargada foi abafada por meu ombro.
— Eu sempre soube disso — murmurei acariciando suas costas.
Eu sempre soube.
Capítulo 31

“Porque a sua ira dura só um momento; no seu favor está a vida.


O choro pode durar uma noite, mas a alegria vem pela manhã!”
Valentina M. Walker – Esposa de um homem, que
vive seu recomeço.

Verão

Valentina
Desde o dia que escutou a palavra remissão, Blake se tornou outro homem. A
alegria voltou para sua vida, e o choro agora era de felicidade.
Quando saímos do hospital, ele quis ir direto para a praia e fomos. Lá, ele
mergulhou no mar, no rasinho, mesmo. Ele só queria poder extravasar o que sentia, e eu
me juntei a ele naquele momento. Jogamos água um no outro, ele me agarrou nos
derrubando e, no meio de tudo aquilo, o brilho outrora extinto de seus olhos voltou com
força total.
A mudança ocorreu dentro dele, em seu coração e mente
― Eu te amo, Valentina Walker ― murmurou em meus lábios. Suspirando, eu
enlacei seu pescoço. ― Vou voltar a ser o homem que você conheceu. Vou trabalhar
todos os dias para isso e juro te recompensar até fim dos meus dias. Ter você ao meu
lado foi a coisa mais importante. Você nunca fraquejou e isso foi o que me salvou.
― Eu também te amo, Blake, e tenho a plena certeza deque todos os exames que
virão só vai confirmar que você está curado.
― Eu sei! ― Mordiscou meu lábio. ― Acredito nisso. Agora eu posso sentir.
Nós nos beijamos naquele cenário maravilhoso, o sol se pondo no mar, pessoas
caminhando de mãos dadas e o calor aquecendo muito mais do que a pele.
― Voltarei a ser o homem que você conheceu. ― Riu me enchendo de beijos.
― Vamos ter nossa lua de mel, vamos fazer tudo o que desejarmos. Oh, Deus! Meu
amor, eu estou curado!
― Em remissão, não esqueça.
― É a mesma coisa! ― Mordeu meu ombro. ― Estou curado e pronto.
A família entrou em completo estado de loucura quando os chamamos. Blake
deu a notícia depois de quase levar seu pai a um enfarto por causa do suspense. Foram
tantos abraços, choro e agradecimentos, que a minha casa virou uma imensa bolha de
alegria. Inclusive meu irmão estava num pico de felicidade que encantou a todos com
suas risadas altas.
Minha sogra, com lágrimas nos olhos, me deu um abraço apertado que eu me vi
retribuindo de forma emocionada, também.
― Obrigada por estar aqui com ele. ― Falou em meu ouvido. ― Você é a filha
que não tive. Agradeço a Deus todos os dias por Blake ter te encontrado.
― Eu o amo muito e jamais o abandonaria. Agora temos uma vida pela frente.
Eu sabia de quem Blake herdou aqueles olhos tão lindos. Encarando a minha
sogra pude notar que antes não vi o brilho de agora, mas eu a entendia. Seu único filho
estava de volta.
Minha vida estava sendo reajustada para começar a seguir em linha reta. Eu
tinha Blake, o marido os sonhos, e a minha família reunida. Todos felizes.
O que mais eu poderia querer?
***
― Blake, você precisa ir com calma. ― Sorri quando o guloso do meu marido
comemorava sua remissão comendo a terceira panqueca de banana e aveia.
― Não sinto enjoo. ― Seus olhos brilhavam. ― Não vomito há quase um mês.
― Adorava quando ele sorria com os olhos daquele jeito especial. ― Quero meu
corpo de volta.
― Você vai ter tudo de volta, mas lembre-se do que o Doutor Marchese disse.
Paciência e cuidado são ótimos aliados.
― Sim, mas também lembro da parte que dizia para testar os limites. ― Piscou
um olho enfiando outra garfada na boca. ― Adoro sua comida. Quero outra. ―
Estendeu o prato, fazendo aquela carinha desejosa.
― Você não vai me ganhar fazendo essa cara! ― Cruzei os braços. ― Tome o
suco e coma as frutas que estão na sua frente.
― Panqueca. ― Fez um bico manhoso. ― Por favor.
― Só mais essa. ― Ele assentiu, desta vez o sabor era maçã e canela.
Observei Blake comendo. Sua cabeça ainda estava sem cabelo, o rosto também,
mas a sua cor era outra. Cada dia ele ia ficando com a aparência saudável, os lábios
adquiriam o tom rosado que me fazia querer morder, de tão lindo que era. Todo dia ele
passava algum tempo na piscina fazendo exercício – com um profissional especializado
–; a ideia de voltar a ser como antes se tornando quase uma obsessão.
Enquanto as drogas da quimioterapia estavam fortes em seu sistema, eu não
permiti que ele exagerasse, mas da mesma forma que ele aos poucos foi perdendo tudo,
agora acontecia o processo reverso: ele começava a ganhar.
― Os equipamentos para a minha academia chegam hoje.
Não cansava de olhar para ele, tão lindo que tirava meu fôlego, mesmo que
Blake não considerasse. Em nenhum momento – como ele gosta de dizer: “em meu
pior” – eu o achei feio. Ele era meu perfeito príncipe quebrado, que estava sendo
consertado aos poucos e com muito amor.
― Eu sei. Lembra que ficamos horas escolhendo as máquinas? ― falei dando a
volta na mesa. Quando cheguei perto, Blake girou na cadeira, puxando-me pela cintura.
― Eu terei meu próprio espaço de treino. Quero voltar a dar uns socos por aí.
― Adoro sua agressividade ― murmurou beijando meu pescoço. ― A melhor
parte de estar bom é poder fazer isso.
Num gesto rápido, Blake me sentou na mesa. Abri minhas pernas para acomodá-
lo.
― Sabe o que pensei na primeira vez que fizemos amor depois da minha alta?
― Falou lambendo minha orelha. Na hora meus mamilos ficaram duros. ― Quando te
penetrei com força e você gemeu, eu agradeci a Deus por me dar a chance de ser inteiro
de novo. Eu estava pronto para ser seu homem, te cuidar, te amar. Os papéis voltaram a
ser definidos meu amor.
― Oh, Blake. Somos companheiros! ― Engoli um gemido quando ele mordeu
meu mamilo sobre o tecido da minha blusa. ― Cuidamos um do outro, sempre.
― Eu te amo, minha esposa! ― Suspirei quando puxou as alças da minha blusa,
expondo meus seios. ― Tão lindos, implorando para serem chupados, desejosos por
minha boca.
Arqueei implorando em silêncio para que ele fizesse exatamente aquilo. Um
convite silencioso que eu sabia e ele também. Primeiro Blake esfregou o rosto em meus
seios, esfregando os mamilos sem chupar.
― Amor...
― O que você quer? ― Sua voz me arrepiou inteira.
Olhei para baixo. Blake sorria, a cara de safado cheio de sacanagens prontas
para serem executadas.
― Quero sua boca em meu corpo. Quero que chupe meus seios, que os morda
levemente e depois mame com força.
― Caralho! Eu amo minha mulher boca suja ― rosnou fazendo do jeito que
pedi.
Sua boca irritou um mamilo enquanto o outro sofria por atenção. Minha barriga
tremia antecipando o que viria, meu clitóris doía por ele. Esfreguei-me sem pudor
algum; eu o queria dentro de mim, mas Blake, desde que ficou bom, desistiu da pressa.
Ele adorava me torturar.
― Delícia. ― Abri a boca num grito mudo. ― Minha esposa safada gosta
assim?
Ganhei uma chupada dura que alagou minha calcinha. Gritei sendo devorada na
mesa da cozinha por meu marido. O prazer da liberdade de poder fazer amor ali
incrementava tanto o prazer quanto ter meu homem gemendo em meus seios, enquanto
esfrega sua dureza em mim.
― Te quero nua! ― ladrou puxando minha blusa, ajudei da forma que pude,
meio tonta de prazer. Eu estava à mercê de sua vontade. Não me importava por estar na
cozinha, prestes a foder feito doida.
Seus beijos em minha barriga só me deixaram mais ansiosa. Como se notasse
meu desespero, Blake puxou meu short, levando a calcinha junto. De olhos fechados,
pronta para o que ele quisesse fazer, eu não me importei com o barulho de coisas
caindo no chão.
― Deita na mesa. Vou te comer com a minha boca.
― Sim.
Deitei na mesa e abri as minhas pernas. Blake me olhava lambendo os lábios.
Estendi os braços, chamando por ele.
― Vem... ― Fechei os olhos, desfrutando da sensação de sua respiração
acariciando minha intimidade. ― Por favor, preciso de você.
― Tão molhada para mim ― falou absorto, um dedo deslizando sem pressa por
minha fenda. ― Sempre tão pronta.
O primeiro toque de sua língua me fez vibrar. Blake não era gentil quando me
chupava. Ele não brincava. Aqui, não. Ele ia direto no meu ponto, me olhando. Às
vezes só lambia meu clitóris e o sugava sem parar. Doía, de tão bom. Intenso, bruto,
gostoso, e eu queria fugir, porque às vezes era demais.
― Grita para mim. ― Ofeguei tremendo. ― Grita para o seu homem.
Gritei alto, sim, delirando de prazer. Nunca pensei que consideraria a dor do
prazer algo delicioso. Um dedo me penetrou, logo um segundo e Blake me fodia sem
pressa. Às vezes tirava os dedos e me penetrava com a língua. Ele parecia um homem
primitivo, fazendo barulhos selvagens enquanto comia.
As sensações que eu já conhecia tão bem foram crescendo como uma onda,
meus lábios curvados em um sorriso de entrega, porque eu sabia que estava indo para
me desfazer em meio ao prazer que meu marido me proporcionava.
― Goza, minha safada ― exigiu tremendo a língua no ponto exato. ― Quero
beber tudo!
Antes de explodir, eu prendi a respiração. Foram dois segundos de expectativas
e o meu grito ecoando logo depois.
― Blake... ― Segurei sua cabeça, apertando-o contra mim. Sem pudor algum,
eu esfregava minha boceta em seu rosto, tentando prolongar o prazer. ― Isso... Isso...
Delirante era a sensação. Ele me levava à loucura. De olhos fechados, mole em
cima da mesa, sua boca tomou a minha, me fazendo provar meu próprio sabor, do qual
eu não desgostava. Nossas línguas duelavam em frenesi; gememos na boca um do outro.
Agora meu anseio era por tê-lo dentro de mim.
― Vem aqui, gostosa. ― Blake me puxou, tirando-me da mesa. Minhas pernas
bambas não o impediram de me virar, curvando meu corpo. ― Preciso estar dentro de
você ou explodirei em minhas calças. Foda-se! Estou tão duro.
Olhei para trás e o vi se masturbando devagar. Balancei o bumbum em um
convite. Blake riu baixo, esfregando o pau em minha boceta.
― Oh, que tesão do caralho!
Prendi o fôlego quando ele me penetrou. Ao contrário do que eu queria, ele só
estava brincando; não enfiava tudo.
― Que delícia ver essa bocetinha se abrindo para engolir o meu pau. ― Gemi
alto. ― Quer mais, quer?
― Sim... Por favor! ― Choraminguei. ― Dê-me mais.
― Então toma.
Gritei com a invasão repentina. Blake era grande e parecia que ia me partir ao
meio.
― Ahh, porra! Sinto-te me apertando ― rosnou. ― Tão quente. Tão perfeito.
Abri um pouco mais as pernas e Blake puxou meu cabelo, obrigando-me a
arquear para trás.
― Vou te comer com força! ― Mordeu minha orelha e eu mal pude me preparar
antes de ele começar a me golpear com força, gemendo alto, bruto e sem vergonha.
― Blake, que delícia, isso, mais forte... ― gritei louca de prazer, minha boceta
piscando com cada investida poderosa.
― Geme no meu pau. ― Puxou meu cabelo mais forte. ― Grita enquanto eu te
fodo gostoso.
Minhas pernas não estavam muito boas. Eu adorava ouvir uma safadeza
enquanto fazíamos sexo suado e pervertido. Blake era perfeito para mim.
― Goza no meu pau. Quero sentir essa boceta bebendo minha porra.
Um orgasmo me trouxe lágrimas aos olhos. Eu sentia um frio na barriga e tudo
tremeu, me fazendo gritar e Blake me foder mais forte. Meu corpo formigava. Senti
como se estivesse fazendo xixi. Meu gozo escorreu por minhas pernas, me fazendo
sentir como se fosse desmaiar.
― Vou encher essa boceta com a minha porra agora!
Senti seu pau endurecer e Blake grunhiu alto, então ele deu duas estocadas
fortes demais e ficou enterrado, pulsando dentro de mim, gemendo fora de controle.
Meu homem safado estava de volta. Eu só imaginava o que me esperava quando
ele estivesse em plena forma.
Oh, Deus! Sorri de olhos fechados, sentindo sua respiração em minhas costas.
Mal posso esperar para ver o que Blake vai aprontar.
***
Quando a academia ficou pronta, Blake não queria sair de lá, por isso às vezes
precisava que eu fosse chamá-lo. Isso me irritava porque ele estava, sim, obcecado
com o corpo; necessitava voltar ao antigo molde. Nesse desejo insano, ele não se
importava de dar tempo às coisas. Eu morria de medo de que, por vaidade, a sua saúde
fosse afetada.
Por não sentir nada, Blake testava o limite diariamente. O personal parecia
fazer parte do time que apoiava meu marido nessa loucura. Acho que Javier era um dos
que concordavam comigo. Ele também temia exageros.
― Ganhei sete quilos no último mês! ― gabou-se orgulhoso. ― Preciso de
mais quinze e estarei menos ansioso
― Você está lindo ― adulei, esfregando seus ombros, agora mais fortes. ―
Seus cabelos estão crescendo, a barba também e as sobrancelhas já estão no lugar, mas
Blake, dois meses, só. Vamos maneirar, ok?
Ele suspirou, apoiando os braços nos joelhos.
― Quando eu fizer os exames, o resultado será o mesmo: sem câncer! ― Ele
olhou de lado, me presenteando com seu belo perfil. ― Você sempre acreditou que eu
ficaria bom, enquanto eu não. Agora você não quer que eu volte ao que era antes, por
quê?
― Adoro quando você se faz de idiota! ― Saí da cama. Eu vivia nervosa, e
isso me deixava em ponto explosivo. ― Você está ficando doido! Você ficou muito
debilitado, Blake, e precisa voltar com calma. Mas, ao contrário, você fica forçando a
barra todo santo dia.
― Porque eu me sinto bem! ― gritou se levantando. ― Acha que quero voltar a
passar por aquilo de novo? Não foi um dia, foi um ano e seis meses de luta entre
quimioterapias e pausas.
― Não precisa me lembrar. Eu estava lá, esqueceu? ― Dei as costas, saindo do
quarto. Fui para varanda respirar um pouco de ar puro.
― Amor. ― Encolhi dentro de seu abraço ― Eu estou bem. A cada dia me
sinto mais forte e justamente por isso não quero ir devagar; isso é demonstrar medo e eu
já o tive demais. ― Beijou meu ombro, esfregando a barba que despontava.
― Eu não consigo deixar de me preocupar ― falei baixinho. ― Eu só queria
que você tivesse mais cuidado, não forçasse tanto. Só isso.
― Vamos fazer assim. ― Virei em seu abraço, assim podia olhar seu rosto. ―
Se eu sentir qualquer coisa, paro o que estiver fazendo e corro no médico.
― Promete?
― Juro, se quiser. ― Beijou meus lábios. ― E outra: quero melhorar meu
físico para poder fazer tudo que quero em nossa lua de mel.
― Por que não podemos viajar logo? ― Fiz um bico manhoso, como ele fazia
sempre que queria algo. ― Sabe que não me importo com aparência. Vamos curtir um
pouco, amor. Longe de tudo e todos.
― Não quero ter essa aparência de ex doente. Preciso estar em plena forma.
Aliás, não podemos viajar agora. Este mês tenho alguns testes na Racers.
Javier nos avisou que a equipe não vê a hora de ter Blake de volta. A Nascar,
pelo que parece, não é a mesma sem ele.
Aos poucos eu estava vendo ele retomar sua vida, adquirindo poder sobre ela.
Alegrava-me muito por isso, pois a felicidade dele era a minha.
― Amor, acha que quando começar os treinos vai conseguir parar para viajar?
― Tentei sorrir. Em meio às novidades necessárias, nossos planos estavam indo
sempre para o final da fila.
― Claro que sim. Viajaremos o país inteiro.
Isso não é lua de mel, amor. Escondi minha decepção. Isso é sua esposa te
acompanhando em seu trabalho.
Tirei aquilo da cabeça porque eu deveria estar feliz por ele ter opções do que
fazer, porém, não podia evitar a sensação que as coisas ainda iriam piorar.
Só não sabia o quão certa eu estava.
***
No dia que voltamos ao hospital para receber os resultados dos exames, Blake
não tinha nada do homem doente. Apenas três meses depois, e exatamente no final do
verão, meu marido parecia um homem que nunca teve câncer. Seu cabelo estilo militar
estava lindo, a barba rala moldurava um rosto perfeito. Doía olhá-lo. Blake estava
ainda mais bonito. Não sei se eram meus olhos apaixonados que o viam daquela forma,
só sei que era assim que o enxergava, contudo, ainda me preocupava.
Ao contrário de mim, Blake estava inabalável. Suas primeiras entrevistas foram
um sucesso; seus fãs o adoravam ainda mais; seu nome – ri, balançando a cabeça –
agora era associado a vitória; inúmeras marcas famosas o queriam. O mundo passou a
considerar Blake um ícone, e, se antes ele tinha prestígio, agora tinha dez vezes mais.
O único momento que ele apertou minha mão mais forte e uma sombra de medo
cruzou seus olhos, foi no momento que o doutor Richard falou:
― O câncer por ser reincidente dentro de um prazo de tempo.
Ou seja, Blake não estava em remissão total, ele ainda tinha um longo caminho
pela frente.
― Eu sempre estarei aqui com você para receber cada um desses exames, meu
amor. ― Acariciei seu rosto piscando um olho.
― Eu te amo.
― Eu te amo mais ― respondi beijando-o de leve.
Os resultados foram maravilhosos, nada de câncer. Agora voltaríamos em seis
meses.
Ao saber de seu estado de saúde, Blake intensificou os trabalhos físicos.
Começou a passar oito horas seguidas na academia, intercalando seus dias com a volta
às pistas. As manhãs eram dedicadas a sua carreira, mas as noites eram minhas.
Suave, bruto, com palavras doces ou pervertidas, Blake me amava com
ferocidade. No meu aniversário de vinte anos, nós estávamos no auge da doença e não
pudemos fazer nada, nem eu queria. Então, no de vinte e um, ele me prometeu tantos
orgasmos quanto eu pudesse aguentar. Acredito que tenha desmaiado depois do quinto e
só acordei no dia seguinte, com uma chupada cruel e lenta. Quando abri meus olhos em
meio a um gemido ofegante, ele disse:
― Bom dia! ― Piscando um olho e voltando a lamber entre as minhas pernas, o
olhar fixo em mim.
Era assim que ele me acordava todos os dias e, antes de sairmos da cama,
sempre fazíamos amor. Porém, não vou mentir e dizer que não sentia falta dele. Mesmo
tendo as noites e o início de seus dias, acostumei em estar junto o dia todo, e agora não
ter isso me faz questionar se não me tornei egoísta, ou dependente de Blake. Senti-me
assustada, mas não era algo que pudesse arrancar do meu coração só porque queria. Era
complicado demais e eu nunca fui uma pessoa complicada, sempre me orgulhei de ter
uma vida emocionalmente fácil de lidar.
Precisava encontrar meu equilíbrio de novo. Eu estava começando a deixar de
me reconhecer.
***
― Não é nada demais, Viviam! ― Ignorei minha irmã quando ela disse que me
tornei uma pessoa melosa. ― Estou apenas oferecendo um jantar para comemorar a
remissão de Blake e nosso casamento. Qual é o problema nisso?
― Nada demais, irmãzinha. ― Riu arqueando uma sobrancelha. ― Mas é muito
bom te ver assim, tão apaixonada.
― Onde está a novidade? ― Suspirei encarando-a. ― Todo mundo sabe,
inclusive o nosso avô isolado lá na Escócia sabe que eu sou louca pelo meu marido. ―
Coloquei a última travessa na mesa e me virei para a minha irmã. ― Agora me diz se
esse vestido está bom? Será que Blake vai gostar da cor?
Viviam gargalhou alto.
― Valentina, eu preciso falar isso, mas lembra que você me disse que jamais
iria se vestir para agradar ninguém? Você que deveria gostar e o resto...
― Que se foda? ― completei e ela anuiu. ― Sim, lembro! Mas eu não era uma
tola apaixonada antes. Agora, mesmo que eu tente, quando visto uma roupa o primeiro
pensamento é: será que Blake vai gostar?
― Em contrapartida, eu estou fazendo jogo difícil com Javier, apesar de estar
apaixonada e de já ter provado dos dotes dele... ― Viviam revirou os olhos sonhadora
― Muita informação, mas avisei que você precisava mesmo era de um homem
com jeito de homem, porque aqueles engomadinhos... ― Balancei a cabeça ― Deus é
mais...
― Javier tem algumas preferências, sabe? ― Minha irmã tremeu. ― Mas quero
ver o limite dele.
― Todos têm limite, minha querida. ― Pisquei um olho e acabamos rindo, pois.
de alguma forma, trocamos os papéis.
Aos poucos a família foi chegando. Meus sogros e o tio de Blake – um homem
lindo de morrer, podre de rico e arrogante demais para o próprio bem – se juntaram a
mim para esperar Blake chegar.
Minha mãe veio cedo para me ajudar com a comida; Viviam também ajudou, ela
arrumou a mesa daquele jeito chique, mil talheres à direita, outros tantos à esquerda e
uns três pratos no meio. Conhecia a regra dos serviços de restaurante. Entrada, prato
principal e sobremesa, porém não tinha saco para arrumar mesa e hoje eu queria tudo
perfeito. Se não me engano, este seria o primeiro jantar em família depois da remissão.
Houve momentos de reunião, sim, mas nada como aquele.
― Onde está Blake? ― Lorenzo perguntou quando notou o atraso de quinze
minutos do meu marido.
― Ele me ligou. Está testando um carro novo com Javier ― falei apontando
para o relógio. ― E não é muito atraso, sossegue.
― Eu odeio atrasos. ― Riu bebericando sua bebida. ― Nunca me atraso.
― E de quem é o problema? ― Arqueei uma sobrancelha mostrando
indiferença.
Uma hora depois e eu já estava com ódio mortal de Blake.
Javier chegou e enrolou um pouco na desculpa.
Alguma coisa estava muito errada.
― Vamos comer ― convidei ― A comida está uma delícia.
― E Blake? ― Lorenzo chato Walker perguntou, sentando-se à mesa. ― Não
deveríamos esperar? Afinal, estamos comemorando o casamento e a remissão dele, não
é?
― Sim, e ele vai comer a comida fria! ― Sorri falsa, já tremendo de ódio. ―
Quem mandou atrasar? Estou com fome.
― Adoro esse prato, querida. ― Meu pai quebrou o silêncio constrangedor ao
pegar a falsa torta de berinjela.
― Receita da vovó. ― Pisquei um olho tentando demonstrar tranquilidade.
Eu sabia que tudo estava uma delícia. Modéstia à parte, eu sei fazer minha
mágica na cozinha, porém, para mim, o gosto poderia se comparar à sola de sapato. A
comida descia rasgando, junto com a raiva que eu estava engolindo.
Sorrisos e risadas calculadas foram minha armadura durante a noite toda, afinal,
minha família não poderia saber que eu planejava ficar viúva.
― Querida, por favor, quando quiser me convide para comer aqui. ― Minha
sogra me abraçou. ― Você tem mãos de fada! Obrigada. A noite foi maravilhosa.
― A senhora sabe que não precisa de convite. Só me ligue e diga: Valentina
estou chegando! Assim farei algo especial. ― Rimos, depois um silêncio estranho
pesou.
― Tenha paciência! Deve ter acontecido algo. Blake nunca faria nada para te
magoar, meu filho te adora. Sabe disso, não é?
Nem precisei responder. Meu sogro chegou avisando que precisavam ir, pois
Lorenzo ainda iria voltar para Nova York. Eu me despedi de todos e tive que insistir
para meus pais irem também. Javier nem me encarava.
― Se precisar de mim é só ligar ― Viviam sussurrou em meu ouvido. ― Vou
dormir no apartamento de Javier. Tentarei arrancar algo.
― Não precisa ― disse abraçando-a. ― O próprio Blake vai me contar.
― Te amo. ― Ela me beijou.
― Eu também.
Quando estava sozinha, eu olhei ao redor. Na mesa ainda havia um lugar
intocado. Respirei fundo, evitando me afogar na raiva que estava sentindo. Agora que
não precisava reprimir, ela vinha em ondas.
Ao invés de guardar a comida para Blake, eu fiz algo que não gostava fazer.
Preferia alimentar meus cachorros com ração, mas aquela era uma exceção e com
prazer eu vi ambos devorando a carne que passou o dia para ficar no ponto. Não limpei
nada, queria que tudo estivesse no lugar para o meu marido idiota ver o que perdeu.
Subi para meu o quarto ansiando a chegada dele. Tomei um banho para tentar
relaxar, passei um óleo de maracujá, mas a cada instante eu só sentia mais e mais raiva.
Provavelmente engasgaria a qualquer momento.
Limpei algumas lágrimas, garantindo que eram de raiva e me deitei. Durou uma
vida até sentir vontade de dormir, mas antes de me entregar ao sono vi a hora.
Duas da manhã.
E nada de Blake.
***
Senti um frio condenado antes de afastar quem me beijava. Abri os olhos e vi
Blake me encarando. A raiva voltou quente, me fazendo empurrá-lo com brutalidade.
― Nunca mais faça outra merda dessas! ― rosnei apontando dedo. ― Não sou
tolerante a esse tipo e coisa.
Saí da cama sem dar chance para que ele dissesse algo. Fui para o banheiro. Eu
já tremia de ódio, uma dor de cabeça começando a dar as caras.
― Amor, eu...
Virei-me respirando fundo. Minha expressão o fez calar qualquer desculpa que
fosse dar.
― Pense bem antes de falar. ― Estreitei meus olhos. ― Sou igual meu pai,
tenho memória fotográfica e se você mentir para mim, Blake, e eu descobrir daqui a dez
anos, você ainda vai pagar caro.
― Tudo bem!
O bastardo ainda sorria. Matando-me de ódio.
― Então comece a falar onde diabos você esteve.
Capítulo 32

Valentina
― Amor, cuidado com o batente ― Blake falou todo suave. ― Só mais um
pouco.
Ao contrário do que pensei, não houveram explicações desesperadas ou
mentiras. Blake resolveu me mostrar o motivo de sua ausência e agora eu estava
vendada indo não sei para onde.
― Espero que seja muito boa, a desculpa ― bufei ainda com raiva. ― Você
tem que ter algo muito bom, vou logo avisando.
― Pode apostar. ― Riu beijando meu ombro.
― Onde estamos, Blake? Não estou com paciência para charadas.
― Calma, já estamos chegando.
Ouvi o latido dos cachorros e respirei fundo. Curiosidade e mais um sem fim de
sentimentos – em sua grande maioria desagradáveis – ameaçou meu autocontrole. Só
aceitei fazer o que ele queria porque desejava saber até onde Blake planejava me
enrolar.
― Pronto, meu amor.
Abri os olhos e eles quase saltaram. Diante de mim estava a Lamburghini
veneno cinza chumbo pela qual eu era doida. Nela, havia um laço imenso vermelho,
indicando que era presente.
― Perdoa-me por não ter vindo, mas só tive a ideia de te dar o carro de
presente à noite. Corri no meu advogado e o obriguei a arrumar os documentos. ―
Blake apareceu na minha frente. Por um momento eu quis empurrá-lo só para admirar
aquela obra de arte metálica. ― O laço também não foi fácil. Precisei bater em muita
porta.
― Não acredito! ― Cocei os olhos, porque era demais.
― Feliz aniversário de casamento, amor. ― Blake me estendeu uma caixinha.
― Adiantei um dos presentes. ― Sorriu de uma forma linda, me fazendo vibrar. Minhas
mãos tremiam quando peguei a caixinha e abri, dentro estavam as chaves. Engoli em
seco, querendo chorar mesmo.
― Se eu te der um pé na bunda o carro vai comigo, entendeu? Não vou
devolver!
― Nunca permitiria que você me desse um pé na bunda, amor. ― Ele me
abraçou por trás, beijando meu pescoço. ― Mas está aí o motivo do meu atraso.
Minha cabeça embaralhou. Eu ainda estava com raiva, mas surpresa é surpresa,
não é? E ainda existem imprevistos. Então...
― Estou perdoado?
― Não sei... ― Sorri sem tirar os olhos do meu carro.
Ah, porra! Meu carro! Que meu marido me deu!
Balancei a cabeça, ainda sem acreditar.
― Se quiser falar com meu advogado, ele pode confirmar. Depois ainda te levo
onde arrumei o laço...
Virei-me em seus braços e o beijei. Por um instante pude jurar que o suspiro
que ele deu era de alivio, contudo havia algo mais que não dei importância, no
momento eu só queria sentir seu sabor. Ao notar minha entrega, Blake dominou beijo,
me erguendo e gemendo enquanto me deitava no capô do carro maravilhoso.
― Lembro-me da conversa sobre fazer amor nesse carro ― ele falou lambendo
minha orelha. ― Mal me aguentei de ansiedade.
Abri minhas pernas dando-lhe acesso. Blake se esfregava em mim, só de calça
de moletom, uma delícia para meus olhos e mãos. O cabelo ainda estava molhado do
banho que tomou, o cheiro de seu sabonete inebriando-me.
― O que está esperando? ― Arqueei num convite. ― Só estou com duas peças
de roupa.
Blake riu erguendo-se um pouco, então rasgou a camisa que eu vestia.
― Vou te foder com força em cima do seu carro, minha esposa safada.
Sua voz enviou uma corrente de eletricidade por meu corpo. Ele me beijou
daquele jeito possessivo e apaixonado. Meus gemidos se perdiam na madrugada
enquanto sua língua percorria meus seios lambendo e chupando meus mamilos
arrepiados. Eu me sentia louca. Blake sabia como aumentar meu tesão com palavras ou
atitudes.
― Quero que me chupe. ― Ofeguei olhando como distribuía beijos por minha
barriga. ― Ohh, por favor, quero sua boca em mim.
Ele me olhou. Por um momento uma sombra de culpa passou por seus olhos,
mas logo seus dentes arrancavam minha calcinha. Quando sua língua lambeu onde mais
necessitava, eu gemi de alívio.
― Tão molhada para mim ― murmurou tremendo a língua em meu clitóris. ―
Tão perfeita.
Sem aviso, ele abocanhou minha boceta e chupou com força.
― Blake...
Meu grito atravessou a madrugada, como um lamento de luxúria e entrega.
***
Passamos o dia quase todo na cama. Blake não saía de perto de mim. Quando
fui tomar banho, ele entrou no box e fizemos amor no chuveiro; era nisso que sempre
acabava todas as vezes que ele pegava um sabonete e resolvia limpar meu corpo.
Na cozinha, enquanto eu fazia suas panquecas, ele me beijava e roubava partes
do recheio; na hora do almoço ele me obrigou – nem tanto – a cozinhar nua, assim, em
meio ao preparo da comida, nós fizemos um sexo gostoso, em pé, mesmo.
À noite, nós deitamos agarradinhos em frente à lareira. Eu desfrutava de um
vinho e meu marido lindo bebia uma cerveja sem álcool.
― Não acredito que finalmente estamos vivendo nosso amor sem que a morte
esteja pairando sobre a minha cabeça. ― Blake prendeu o fôlego por um instante,
depois soltou devagar, seus braços me apertando ainda mais.
Sorri beijando seu peito, a fim de passar tranquilidade. No fundo eu ainda sentia
medo e não conseguia me desprender disso, mas em vista de tudo o que passamos, eu
acreditava de forma segura que ele estava curado.
― Temos a vida inteira, meu amor. ― Sorri fazendo círculos em sua barriga
com a minha unha crescida. ― Poderemos viajar. Anseio conhecer tudo o que você
queira me mostrar, inclusive podemos começar a planejar nossa família, Blake.
Ele prendeu o fôlego e, quando notei, estava em cima de mim, encarando-me
cheio de expectativa.
― Você está cadê vez mais rápido. ― Acariciei seu rosto. ― E mais forte.
― Por favor, o que quis dizer com planejar nossa família?
Seu rosto iluminado pela luz do fogo pareceu ainda mais belo, a barba cerrada
emprestando-lhe uma aparência de beleza quase cruel.
― Você entendeu. ― Ri baixinho, mas logo fiquei séria pois seus olhos
alagaram de lágrimas. ― Ei, eu reconheço esse olhar. ― Beijei seus lábios. ― Você
me pediu um filho e eu não estava pronta naquela época por muitos motivos. A verdade
é que eu queria você aqui, e lutar por sua vida era mais importante para mim.
Uma lágrima pingou em meu rosto, escorrendo por minha bochecha. O olhar de
amor que eu recebia era tão grande e intenso que me roubava o fôlego.
― Estou pronta agora ― sussurrei colando meus lábios aos dele. ― Dê-me um
filho, Blake...
Nos entregamos como na primeira vez. Sem subterfúgios ou reservas. Fui amada
de corpo e alma pelo homem da minha vida, ao fim, eu soube que ele estava certo:
fomos feitos um para o outro.
Acordei sozinha em minha cama. No travesseiro ao lado havia uma flor e um
bilhete.
Assim, os sonhos acalentam meu coração apaixonado,
minhas metades unidas porque tenho você ao meu lado.
Eu te amo para sempre, cada pedaço seu.
Com amor, Blake.
Sorri apertando o papel contra o peito. A forma como ele me tomou noite
adentro acabou com as minhas energias, nem sequer notei quando me trouxe para o
quarto.
Nunca me senti tão feliz e realizada como mulher. Aqueles momentos com Blake
me fizeram esquecer da lua de mel que adiamos, do atraso, de tudo.
Se me perguntassem por que vivo sorrindo até para as paredes, a resposta é
simples: estou irrevogavelmente apaixonada. Não dava mais a mínima para as
borboletas em meu estômago, gostava quando elas voavam me dando a sensação de
leveza e ansiedade.
Às vezes era difícil esperar ele chegar. No meio do dia eu queria poder abraçá-
lo, sentir seu cheiro, ao menos tocar sua pele, apenas olhar para ele. Eu me segurava ao
máximo para não ligar, porém a necessidade falava mais alto. Esperava quase sem
respirar que ele atendesse, haviam momentos que ele não atendia, mas sempre
retornava e me explicava que estava tendo um treino pesado. Novos carros, testes,
corridas de desempenho e mais um sem fim de coisas.
― Ok! ― Olhei ao redor, colocando as mãos nos bolsos traseiros do meu short.
― O que eu vou fazer para passar o tempo?
A equipe de limpeza que contratamos garantia que nada estivesse fora do lugar.
Não havia o que fazer dentro de casa e, pelo horário, nem dava para correr com os
meus bebês, por fim decidi assistir um filme com eles. Chamei Cyborg e Albina, fiz
pipoca com água, saudável para todos. Separei em dois baldes e juntos assistimos ao
filme 101 dálmatas. Fiz minha pequena festa particular com meus amores, dependendo
da cena eles latiam ou rosnavam baixinho. O único problema na minha diversão era que
não conseguia evitar conferir o celular vez ou outra. Geralmente, Blake chegava às
cinco. Naquele momento o relógio do celular marcou sete e meia.
― Hora extra! ― me convenci e o próximo filme foi O Exorcismo de Emily
Rose. E depois os Bad Boys.
E nada de Blake.
Dormi em algum ponto do quarto filme e acordei com uma sensação de saudade.
Olhei no celular.
― Três horas da manhã.
Nem a parte da minha consciência responsável pelas justificativas se
pronunciou. Foi um silêncio completo. Levantei do sofá e vi Cyborg e Albina dormindo
juntinhos. Ele era tão protetor com ela, achava lindo.
Como se notasse a minha confusão dolorosa, meu fiel companheiro ergueu a
cabeça.
― Fique quietinho, meu amor ― murmurei. ― Não acorde a sua garota.
Desliguei a televisão e saí da sala de vídeo. No silêncio da casa escura eu nem
sequer conseguia pensar. No meu celular não haviam chamadas, tampouco mensagens.
Não havia nada. Como se estivesse em automático, caminhei até a área da piscina, onde
ficava a melhor vista da casa.
Sentei em um dos sofás daquela área e olhei para a imensidão escura. Só então
o primeiro pensamento surgiu: O que Blake estava fazendo até às três horas da manhã
na rua?
Um frio se instalou em meu corpo; senti como se pedras congeladas pesassem
em meu estômago. Todas as borboletas estavam mortas, agora. Nesse instante, algo
aconteceu internamente. Aquele foi como um ponto de ignição para algo diferente que
surgia.
― O que ele vai me dar de presente agora? ― balancei a cabeça, sentindo
muito frio.
Pensando bem, talvez... Fechei os olhos, negando. Não haviam motivos para
mentiras.
Eu sabia que a saúde de Blake estava perfeita, fazia questão de me manter
informada. Agora, as dúvidas começaram a minar minha confiança em mim mesma.
― Pode parar! ― Limpei os olhos. Não notei que chorava ― A culpa não é
sua. Você não fez nada. Ele que parece não gostar de casa!
Respirei fundo em busca e controle. Pela segunda vez Blake não dava as caras,
e pela primeira vez, decidi deixá-lo à vontade e ver até onde iria.
― Vamos ver o que tem para mim, querido.
***
Só prenda a respiração quando achar que vai explodir, controle-se, não
trema. Ao fim do teste, sorria. E finja.
― Amor, os treinos estão me matando. ― Observei em silêncio, Blake tomando
seu café da manhã.
Ele chegou às cinco e meia. Estava nervoso quando me viu na cozinha, então eu
o tranquilizei, não questionando, deixando-o achar que eu era uma desentendida.
Só estendi a corda esperando para ele se enforcar com ela. Eu era assim, quente
e explosiva, mas também fria e calculista quando necessário. Aprendi a mascarar minha
do. Isso sempre me ajudou.
― Você está bem mais forte. Faz mais ou menos o quê? ― sorri. ― Um mês
que voltou aos treinos?
Aos treinos da Racers, como piloto, pois aqui em casa começou bem antes.
Agora a academia está abandonada, pois Blake faz tudo no centro de treinamento de sua
equipe.
― Sim, acho que mais um mês e terei meu corpo e volta! ― Os olhos dele
brilhavam enquanto falava.
― Bom.
― Amor, tudo bem?
Eu o encarei por um momento, fechando as mãos em punhos para evitar rosnar;
senti a picada da minha unha grande e pude sorrir. A dor me distraindo.
― O que você acha?
Blake engoliu em seco, então sorriu sem graça e acenou.
― Claro que está tudo bem! ― Ele respirava um tanto ofegante. ― Por que não
estaria?
― Sim, por que não estaria? ― Arqueei uma sobrancelha irônica.
Dei-lhe as costas e fechei os olhos. Não sei se funciono diferente das outras
mulheres, mas não quero questioná-lo dos seus atrasos e sumiços. Durante a semana,
Blake sumiu por três dias, então, quando chegava passava o dia comigo, quase como se
estivesse me recompensando de algo. Igual no dia do jantar que ele não veio.
Eu não era nenhuma experiente em relacionamentos, mas que aqui tinha coisa
errada, isso tinha. De qualquer modo, como falei antes, não vou questioná-lo. Não
preciso dizer o que é certo ou errado para ele, pois o conhecimento tem que ser
pessoal. Enquanto eu considero isso ou aquilo errado, para ele pode ser certo, então
que seja. Não sou a mãe para dizer-lhe o que fazer.
O telefone de Blake tocou. Aquele era o dia que ele deveria ficar comigo, de
acordo a rotina autoimposta. Ele não falava nada, apena ouvia.
― Espere-me, estou indo...
Não disse nada quando ele veio me abraçar, beijando meu pescoço e dizendo
que me amava.
― Amor, Javier quer testar um melhoramento em um dos motores ― murmurou
baixinho, parecia culpado. ― Volto cedo. Vamos fazer algo juntos, ok?
― Tudo bem.
Ele me virou, assim poderia olhar em meus olhos.
― Sabe que te amo, não é?
Sei?
― Claro. ― Sorri e ele pareceu aliviado.
Demos um beijo que, naquele momento, não fez nada comigo e ele partiu
prometendo voltar mais cedo. Mentira.
Passei outra noite sozinha, e só não estive de fato só, porque Cyborg e Albina
estavam ao meu lado.
Por dentro eu me corroia, psicologicamente eu me torturava com milhares de
dúvidas e sem provas, sem nada como confrontar. Desculpas podem ser inventadas e
até fabricadas, mas a verdade é só uma e sempre aparece. Sempre.
Tudo foi virando uma bola de neve até que ele parou de chegar tarde. Cada
gesto era um pedido silencioso de desculpas que eu, estupidamente apaixonada, aceitei.
As coisas voltaram ao normal. Os dias caíram numa rotina gostosa onde eu era a
perfeita esposa disposta e Blake o marido dedicado e apaixonado.
― Amor, amanhã terá uma festa em minha homenagem. ― Estávamos na
banheira, nossas mãos tocando-se, a atmosfera suave e tranquila. ― Eu terei alguns
testes, e parece que Nikkos vai voltar, assim tenho que estar em plena forma.
― Aquele idiota.
Blake riu baixinho, mordiscando meu ombro e arrastando a língua por meu
pescoço.
― Eu venho te buscar às oito. Fique linda para mim.
Fizemos amor na banheira, sem jeito, devagar, carinhoso. Não importavam as
formas, Blake sempre me levava ao limiar do prazer e depois me permitia cair,
mantendo sempre segura em seus braços.
No dia seguinte acordei numa ansiedade medonha. Apesar de estarmos na mídia
como um casal modelo em carisma, aquela era a nossa primeira festa oficial,
exibicionista mesmo. Lógico que chamei minha irmã, não tinha como eu ficar linda sem
a ajuda dela.
― Azul, Valentina. ― Revirei os olhos, mas aceitei o vestido esvoaçante na
altura dos joelhos. ― Seu cabelo está do tamanho perfeito, vou cachear e prender de
um lado só.
― Eu não poderia ir de calça? ― Perguntei para ver a reação dela.
― Só por cima do meu cadáver! Graças a Deus aquela sua fase popstar passou.
― Ainda gosto de me vestir como elas. Só lembrando que calças são um direito
adquirido.
― Que você não vai precisar hoje!
― Sim, senhor...
Passamos o dia assim. Viviam também iria para a mesma festa com Javier.
Tivemos um dia de garotas com direito a tudo. À noite eu estava parecendo uma dessas
socialites chiques, mas admito: eu estava linda que só o caralho. O vestido realçava
meus olhos e a pele.
― Você parece uma modelo. Que rosto lindo, minha irmã.
― Uma modelo de um metro e cinquenta e sete e...
― Meio! ― completamos as duas juntas, dando risadas da brincadeira que faço
desde sempre com a minha altura. De repente, Viviam ficou séria e pegou minhas mãos.
― Você está linda. Estou muito orgulhosa de você. ― Nos abraçamos apertado.
― Nunca te vi mais forte. Você é um exemplo para mim.
― Pare com isso, vai me fazer borrar a maquiagem.
― Tudo bem. ― Respirou fundo. ― Vamos descer. Já atrasamos dez minutos e
os rapazes já devem estar esperando.
― Será que Blake já chegou? ― perguntei meio envergonhada.
― Claro! O horário marcado era oito da noite e já passou.
Juntas, saímos do meu quarto e fomos para a sala. Conversamos sobre minhas
bodas de papel. Nem parecia que já ia completar um ano! Faltava pouco mais de um
mês para este dia, e eu queria fazer algo especial. Enquanto descíamos as escadas,
planejávamos o que eu poderia fazer.
― Você só pode estar de sacanagem!
Eu e Viviam travamos quando ouvimos um Javier furioso quase berrar ao
telefone.
― Não! Já chega, isso já está indo longe demais...
Olhei para minha irmã e ela estava pálida, encarando o noivo – ela finalmente
aceitou um dos milhares de pedidos que Javier fez.
Ele estava de costas para nós.
― Não aceito mais isso... Não, porra! Resolva essa merda.
― Resolver o quê? ― Viviam perguntou, a cena seria hilária se não fosse
trágica. Javier virou tão assustado que derrubou o celular no chão. Na tela, o nome de
Blake brilhava.
― Blake está com um problema. ― Cruzei os braços também, no meu caso, uma
postura protetora. ― O novo carro, o que seria apresentado, está com falhas.
― Mas a festa é para Blake ou para o carro? ― Queria beijar minha irmã por
conseguir falar enquanto eu estava muda.
― Sim, não... ― Javier esfregou os cabelos. ― Blake e o novo carro seriam
apresentados juntos. É isso.
― Javier... ― O tom de Viviam deixou o noivo meio roxo.
― Blake está chegando. Vai atrasar. ― Javier fez uma careta. ― Um pouco.
― Podem ir. ― Consegui falar, e me surpreendi por minha voz parecer normal,
para não dizer enfadada.
― Não vou te deixar aqui sozinha! ― Minha irmã emparelhou comigo.
Irmãs MacKerrick. Tão foda.
― Podem ir, eu espero Blake, estou tranquila. ― Abanei uma mão, mostrando
indiferença. ― Logo ele chega.
Mentira. Eu estava com ódio puro e simples.
― Tem certeza?
― Absoluta.
Minha irmã saiu da minha casa sem querer pegar na mão de Javier. Viviam
pisava duro, notei que sua postura era a de uma mulher muito puta. Cerca de duas horas
depois ela me ligou e disse que Blake nem apareceu na festa. E eu ainda estava
arrumada.
― Ridícula, Valentina. ― Balancei a cabeça. ― Você está simplesmente
ridícula.
Nunca pensei que voltaria a ter tanta raiva de alguém na minha vida. Meu
marido estava me saindo um bandido sorrateiro. A antiga Valentina estava escavando o
túmulo, querendo voltar à vida, pois essa criatura apaixonada que a substituiu não passa
de uma idiota.
― Que se foda essa merda! ― Arranquei o vestido na sala mesmo, joguei tudo
no chão, inclusive as joias.
Corri para o meu quarto e vesti uma calça jeans e um camisão. Joguei uma muda
de roupa dentro da minha mochila e nem me importei por ser fora de hora. Subi na
minha moto e voei até o único lugar que poderia me ajudar agora.
A academia estava escura, mas meu professor morava nela, então, meio
desesperada, comecei a chutar a porta.
― Dorian, abra essa merda! ― Meu corpo tremendo de ódio parecia prestes a
explodir. ― Dorian!
Um rangido de metal me fez afastar, logo a porta era aberta e meu professor
colocou o rosto para fora.
― Hoje é o dia que a academia está fechada, e se for fazer Krav Maga, desista.
Encerramos essa especialidade. ― Resmungou ― Eu acho que...
Ele me olhou atento, e não disse mais nada, apenas abriu um espaço me
deixando entrar.
― Venha, sentimos saudades.
Minha respiração estava acelerada, minha cabeça tonta. Eu precisava
descarregar de alguma forma, ou faria uma merda grande.
― Minha sobrinha chegou ontem da Inglaterra e está aqui.
― Aquela sobrinha?
― Sim.
― Coloque-me em uma luta com ela!
― Você está pedindo para ser surrada, isso sim! ― Dorian negou. ― Cams está
em plena forma e você não. Se fosse antes, eu até pensaria, mas agora eu não seria tão
idiota. Vamos fazer um treino leve. ― Apontou o vestiário. ― Vá se trocar e vou te
ajudar a descarregar essa raiva que brilha em seus olhos.
Foda! Era justamente aquilo que eu precisava. Alguém disposto a aguentar
minha fúria e não ter pena de bater em troca. Troquei de roupa, fiz um pequeno coque
no topo da cabeça e voltei quase correndo. Dorian e Cams estavam juntos me
esperando.
― Vamos começar com alongamento.
Era muito difícil fazer movimentos calmos quando o corpo estava explodindo
de adrenalina, no meu caso era raiva, ódio e decepção.
― Ok, estou alongada. Vamos começar? ― Sacudia meus braços como se
estivesse agoniada.
Minha pele formigava e não era por um bom motivo.
― Circuito simples. ― Apontou os aparelhos. ― Soco, chute, joelhada em
mim. ― Apontou para o saco no chão. ― Montem nele e sequência de socos.
Começamos e eu fui como uma louca. Apesar de estar há séculos sem vir aqui,
meu corpo reconhecia os movimentos e eu batia com força. Dorian incentivava. O
rodízio entre mim e Cams fazia bem para o ritmo que o professor imprimiu.
― Está melhor? ― Depois de duas horas de treino, Dorian perguntou e eu
neguei. Meu peito ainda estava apertado e a raiva ainda era amarga em minha boca.
― Longe disso! ― Apoiei as mãos nos joelhos. ― Está fraco demais, esse
treino.
Cams riu e retirou as luvas. Então ela cruzou os braços e olhou para o tio.
― Prometo pegar leve, mas Valentina precisa bater em alguém e receber umas
porradas. Ela quer brigar, não é?
― Isso mesmo.
― Não! ― Dorian negou e naquele momento sua esposa apareceu com um bebê
nos braços.
― Amor, preciso de você. Ela está com febre.
― Nada de lutas. Treinem no saco de pancadas.
Observei o grande homem ex lutador de MMA correr e pegar a sua filhinha nos
braços.
― Vamos, amor. Cams, você fecha?
― Sim, tio.
Quando ele sumiu de vista, um sorriso marcou o rosto da garota diante de mim.
― Você grita muito alto?
― Eu nunca grito.
***
Com um esforço sobre humano, eu consegui estacionar minha moto. Gemendo de
dor, desci temendo machucar o lado esquerdo, o mais surrado.
― Caralho. ― Ri cuspindo um pouco de sangue.
Eu fui literalmente atropelada por um trator inglês. Cams me deu uma surra,
mas, em contrapartida, levou outra.
A cada golpe nos tornávamos mais e mais frenéticas, só que não era uma luta
feia, era algo bonito e digno. Ambas golpeando, defendendo, extravasando. Bastou uma
hora com ela para o meu corpo esquecer a raiva e só lembrar da existência da cama.
― Sua louca ― murmurei baixinho, ajustando o braço ao redor da minha
cintura. ― Vamos lá! ― Respirei devagar. Minha cabeça latejava, minha boca também,
mas a sensação de voltar ao controle não tinha preço. Sentia-me mais eu mesma. Aos
poucos eu parecia recuperar algo perdido.
Estranhei a porta estar aberta. Dei de ombros. Meio bêbada pelo cansaço e pela
dor, nem me importei com a visão de Blake correndo em minha direção assim que pus
os pés na sala.
― Pelo amor de Deus, o que aconteceu? ― perguntou aflito, pálido e nervoso.
Tentei passar, mas ele não deixou. ― O que aconteceu?
― Não te interessa! ― grunhi empurrando-o.
Meio curvada, caminhei alguns passos antes dele me interromper.
― Como não me interessa? ― Seu tom de voz gritava preocupação.
― Pois é: não interessa. Agora saia da frente. Preciso da minha cama.
― Onde você estava? ― Blake me segurou. Olhei em seu rosto e ele
empalideceu quando me deu uma boa olhada. ― Você está toda machucada. ― Ergueu
uma mão trêmula para tocar meu rosto. ― Onde estava, meu amor?
― No mesmo lugar que você está quase todos os dias. Agora sai!
Sem palavras, ele cambaleou, mas não saiu da frente.
― Eu não...
― Por acaso eu te perguntei alguma coisa? ― Minha risada virou um gemido de
dor. ― Eu não te perguntei nada. Você é adulto e faz o que achar melhor, eu também,
então... ― Dei um passo ao lado e fui para as escadas.
Subi dois degraus, minhas pernas tremendas pelo esforço, tudo doía, nada que já
não houvesse passado em treinos anteriores, agora era só falta de costume, mas logo
voltaria à plena forma.
― Amor...
― Amor? Você fere meus ouvidos. ― Minha voz pingava sarcasmo.
― Valentina, o que está dizendo?
Quase acreditei em sua pergunta chocada. Se eu não soubesse que ele pouco se
importava, eu até cairia em sua falsa voz.
― Não faça perguntas difíceis, Blake! ― Subi mais alguns degraus. ― Só vim
aqui porque lembrei que não tenho roupas. Sério que nem passou pela minha cabeça te
encontrar, afinal você nem mora aqui.
Continuei subindo e ele atrás de mim. Sentia seu pânico surdo. Ele estava com
medo. Claro, ele que passou a viver mais tempo fora do que em casa. Ele que marcava
as coisas e me deixava esperando feito uma completa imbecil. Era para ter medo,
mesmo.
― Foda-se, dor do caralho!
― Eu te carrego, ma petit. ― Sua voz ofegante soou muito próxima, e eu nem
me dei ao trabalho de responder. Só ignorei.
Cheguei em meu quarto e fui direto ao banheiro. Blake parecia uma sombra
atrás de mim. Olhei-me no espelho e nem estava tão mal; a boca era o único lugar que
estava feio, com um corte aberto e um filete de sangue que escorria. Aqui foi sorte, um
golpe que me pegou desprevenida.
Liguei a torneira e quando a água bateu, ardeu demais. Meu corpo tensionou,
mas não emiti nenhum som. Tirei minha camisa e escutei o ofego de choque que Blake
deu. Ele estava vendo os hematomas, com certeza.
― Saia e feche a porta. Não preciso de plateia.
Fui para tirar minha calça e ele se adiantou. Tentei empurrá-lo, mas Blake
parecia uma montanha, muito fácil de ser removida.
― Disse para sair! ― Minha voz parecia ácido, mas ele continuava sem se
importar.
― Nunca vou te deixar!
― Não faça promessas que não pode cumprir. ― Respirei fundo quando uma
tontura me varreu. Ele me abraçou apertado. Meus braços não retribuíram o gesto. Eu
nem sentia-o, anestesiada por outras coisas.
― Por Deus! Eu quase morri de preocupação! ― murmurou tremendo. ― Eu te
espero há horas. Não sabia por onde começar a procurar e te ver chegando assim me
fez quase entrar em pânico. Meu coração quase parou...
― Porra nenhuma! ― Empurrei-o de novo. ― Você adora falar bonito, mas age
de forma contrária. Eu poderia chegar assim quantos dias quisesse e você nem saberia,
e sabe por que, Blake? Você não está aqui para ver.
Livrei-me de seu abraço. A raiva que eu pensei ter ido embora voltou com
força, me fazendo esquecer que eu deveria sentir dor. Tirei minha calcinha e o top.
Liguei o chuveiro colocando a água o mais gelada possível, entrei debaixo, apoiando
minhas mãos na parede. Minha cabeça curvou e deixei a água escorrer por minhas
costas.
― Acha que é possível que eu te deixe? ― Seus braços me rodearam. Fiquei
tensa na hora. ― Relaxa, amor...
― Acho muito possível. Você vem fazendo isso regularmente.
Onde estava a ideia de deixar ver até onde isso ia dar? Cadê, Valentina, a
resolução? Não tem como. Em minha garganta queima um monte de coisas que quero
falar, mas não vou bater boca. Ele não é idiota para fazer tudo o que fez e ainda achar
que está certo.
― Não vou ficar aqui! ― Agora ele que ficou tenso. ― Não me casei para
viver sozinha. Quanto a você, se quer ter uma vida de solteiro saindo sem ter hora para
voltar, então meu conselho é: seja solteiro.
Desliguei o chuveiro e ele ainda não me soltava. Parecia estar mudo, porém o
corpo duro me prendia com força.
― Solte-me. Preciso ir.
― Você não vai me deixar― rosnou, me virando com cuidado. ― Você é
minha mulher. Não vou permitir que vá embora nunca.
Encarei seu rosto aflito. A última vez que o vi tão pálido foi quando estava
doente.
― Pois bem, seja um marido de verdade e não deixe sua mulher abandonada.
No geral, mulheres carentes buscam fora o que não encontram em casa.
Se possível, sua palidez aumentou ainda mais.
Capítulo 33

Valentina
Quanto tempo a raiva pode durar? Seria possível perdoar e esquecer? Mas
então, onde o medo fica?
Eu era segura do amor de Blake, agora eu não sei mais, pois quem ama não
mente. Talvez sim, eu esteja só enganada. Menti muito, admito, mas ali, no começo, não
havia amor e, quando houve, eu me entreguei.
Não consigo entender como, para Blake, é fácil me deixar sozinha. Eu sinto-me
morrer por ficar algumas horas sem ele. Será que eu amo mais? Será?
Segurei as lágrimas. Apesar da dor em meu corpo, eu não consegui dormir, só
permiti que Blake deitasse ao lado e me abraçasse. Encolhi em seus braços; de forma
tão perfeita nos encaixávamos que por um instante pensei como pessoas tão diferentes
podiam se completar.
O sol despontava no mar, e eu ainda chorava em silêncio porque minha força
simplesmente foi embora. Lutei por muito tempo ao lado dele, fui firme por ele e, na
primeira chance, eu termino sozinha. Apenas a margem de sua vida, compartilhando de
suas noites.
― Eu preciso de mais ― murmurei esfregando meus olhos.
Blake dormia. Em nenhum momento me soltou. Eu sentia sua respiração em meu
pescoço, seu calor me rodeando e me fazendo sentir protegida. Ainda estava muito
magoada por suas atitudes, mas o amava demais para desistir agora, não depois de tudo
o que passamos. Merecemos viver uma boa vida.
― Só mais essa, Blake... ― Sofrendo, consegui me virar em seu abraço.
Olhei seu rosto adormecido. Ele não estava relaxado. Dormiu preocupado.
Toquei a ruga em sua testa, deslizando o dedo pela cicatriz pequenina. Aos
poucos sua expressão relaxou.
― Não vou facilitar para você, meu amor! ― Beijei seus lábios. ― Você
precisa lembrar quem eu sou.
Abraçando-o, me permiti deslizar para os sonhos.
***
Não fazia a mínima ideia de que horas poderiam ser. Meu lábio latejava sem
parar, parecia vivo. Meu corpo estava melhor, apesar do incômodo pelo exercício
físico.
― Cacete! ― Respirei fundo levantando. Não pude evitar reclamar baixinho,
nem alongar eu conseguiria porque estou com um lado do corpo fodido.
Saí da minha cama e, apesar de querer correr para o banheiro, tive que ir
andando devagar. O alívio que senti quando a água morna deslizou por meu corpo foi
maravilhoso. Enquanto a água aliviava meus músculos, eu pensava que a essas horas
Blake já devia ter ido para o centro de treinamento, e eu vou fazer o mesmo: vou para a
academia.
― Chega de ficar em casa. Hora de retomar a minha vida.
Voltar a trabalhar, a treinar, a viver. Não venho fazendo muito isso. Os últimos
meses foram entre altos e baixos. Vivia mais sozinha e desocupada, e ociosidade era
um veneno para mim. Eu surtaria se continuasse tendo a vida de esposa abandonada.
Sequei-me e vesti com cuidado, penteei meus cabelos para trás, deixando meu
rosto bem visível.
― Cams, a trituradora de ossos. ― Passei o polegar por meu lábio inchado.
Virei o rosto de lado e estava um pouco colorido na têmpora.
Durante alguns segundos encarei meu reflexo. Por fora eu era quase a mesma
garota do dia que completou dezoito anos: cabelos curtos, unhas grandes, olhar feroz. A
diferença havia ocorrido por dentro, onde algumas brechas foram abertas, assim, boa
parte de alguns ideais foram enterrados. Assim, é como se houvesse saído da casca e
me tornado outra pessoa.
Vestindo uma camisa velha que eu adorava, desci as escadas em direção à
cozinha. A visão que me saudou me deixou feliz e ao mesmo tempo confusa.
― O que está fazendo aí, Blake? ― questionei caminhando em sua direção. ―
Aparentemente queimando algo.
Cruzei os braços recostando na ilha da cozinha. Deslizei meus olhos pelo meu
marido só de calça. Respirei fundo. Seu corpo estava pecaminoso, de novo.
― Eu estou tentando seguir a receita das panquecas, mas não funciona. ―
Coçou a cabeça sorrindo. ― Eu queria levar a comida na cama para você.
Arqueei uma sobrancelha. Não falei nada, só esperei que ele viesse até onde eu
estava.
― Bom dia, ou melhor, tarde. ― Seus olhos percorreram meu rosto, um toque
de ansiedade brilhando em suas íris. ― Como está se sentindo? ― Acariciou minha
bochecha. Apenas dei de ombros.
Não estava disposta a facilitar. Blake queimou a primeira chance, vamos ver
agora.
― Estou ótima. E você não deveria estar trabalhando? ― Não sorri, apesar de
querer. Ele estava respirando forte, nervoso.
Eu queria ver como homem que tem culpa no cartório pode se tornar
especialista em agradar a mulher.
― Eu resolvi ficar com você. ― Puxou-me para seus braços, mas não o abracei
como ele certamente esperava. ― Amor, relaxa, vamos aproveitar o dia?
― Esse é seu pedido de desculpas? Ou está apenas tentando tampar o sol com a
peneira? ― Eu me soltei. ― Se você estiver pensando em fazer como antes e me
"recompensar" por sua ausência, eu diria que hoje não é um bom dia.
Blake passou a mão no cabelo, um gesto de pura tensão e ansiedade.
― Eu não vou mais te deixar sozinha.
Lutei para não demonstrar o quão alegre aquelas palavras me faziam. Agora não
era o momento para me mostrar radiante. Isso só iria acontecer quando, de fato, ele
passasse a cumprir com sua palavra.
― Eu acho que você já disse isso. ― Cruzei os braços. Ele precisava ver que
as coisas eram sérias ― Não sou idiota, Blake. Se diz que vai fazer uma coisa, apenas
faça. Odeio quando mentem para mim e por isso não vou perguntar de novo o que
esteve fazendo.
Mais uma vez ele me puxou. Nós nos olhamos por um momento e ele assentiu.
― O que preciso fazer para que acredite em mim?
― Atitudes! ― respondi colocando minhas mãos em seu pescoço. ― Se mentir
de novo, você vai fazer um pit stop definitivo, entendeu?
― Perfeitamente. ― Sorriu daquele jeito lindo, fazendo meu coração dolorido
esquecer a dor e bater mais forte por ele.
― Maravilha. Agora me beija. ― Fiquei na ponta dos pés, próxima o suficiente
para que sentisse sua respiração me fazer cócegas.
― Sua boca...
― Blake, eu sou dura na queda. ― Mordi seu lábio. ― A não ser que você não
queria sentir gosto de sangue.
Arqueei uma sobrancelha, desafiando-o. Ele sorriu de um jeito safado, deve ter
lembrado da outra vez que me beijou quando caí do skateboard.
Sua boca tomou a minha num suspiro exigente. A fisgada de dor foi apenas
notada, o que me importava era que estávamos nos entendendo.
Graças a Deus.
O clima de paz se instalou em minha casa. Nunca me senti tão bem cuidada em
minha vida, inclusive Blake resolveu que eu deveria acompanhá-lo nos treinos essa
semana. Tenho certeza que é porque eu voltei para a academia. Ele ia para a Racers e
eu saía logo depois. Outra questão para que ele queira me manter colada nele é que
resolvi voltar a trabalhar. Eu estava pronta para falar com meu pai, apenas havia
comentado com Blake e isso foi suficiente para vê-lo enlouquecido.
Esperei paciente sua explosão passar, depois, muito calma, falei: “Eu não
tenho DNA para ser dondoca, neste caso, vou trabalhar, porque não serei uma
esposa troféu”.
Acho que tenho uma parcela de culpa em certos assuntos, como os amigos que
não quis conhecer. Recusei fazer política de boa vizinhança para as pessoas que o
abandonaram. Não fui a nenhuma festa cheia de gente falsa e que não me interessam e,
por bem, Blake ficou ao meu lado.
Ele tinha uma coisa com devolver o mal com bondade, algo como: “Se
precisarem de mim, faço questão de ajudar, porque isso me deixa em paz”.
Palavras dele, bom, até acho bonito, mas no meu caso é mais: “Faça um mal a
mim, e se mantenha longe”. Já disse há muito tempo que eu não sou do tipo caridosa.
Ao fim, não precisava estar desfilando por aí com meu marido para fazer a alegria dos
fofoqueiros. Eu tinha tudo o que precisava dentro de casa.
― Não dê atenção a ninguém, ouviu? ― Blake arrumou a gola da minha jaqueta.
― Não fale com esses bastardos ou não vou conseguir me concentrar em porra
nenhuma.
Revirei os olhos.
― Pai tempo está com ciuminhos? ― provoquei deslizando minha unha por sua
camisa. ― Oh, não fique! Prometo ficar quietinha
― Você adora me deixar de pau duro e cheio de tesão ― rosnou me apertando,
fazendo-me sentir sua ereção. ― Não me chame de pai tempo.
― Ramsés III é melhor? ― Mordi o lábio roçando devagar nele ― Ou...
― Ah, sua megera! Em casa você me paga! ― Respirou fundo. ― Como vou
me concentrar, meu Deus? Saiba que preciso diminuir meu tempo nas curvas.
― Você consegue.
― Está difícil! ― resmungou chateado. ― Estou mais enferrujado do que
pensei.
De repente tive uma ideia para incentivá-lo.
― Que sorriso malicioso é esse?
Fiquei na ponta dos pés, e ali em frente à sede da sua equipe lambi sua orelha
mordendo-o de leve. Blake respirou fundo apertando minha cintura com força.
― Ouça com atenção. ― Soprei em seu ouvido, gemendo baixinho. Queria
deixá-lo louco. ― Se você acertar o tempo, eu vou me ajoelhar diante de você e
implorar que foda minha boca até que eu chore ao redor do seu pau.
― Caralho, não fale assim! ― rosnou me apertando tanto que doeu.
― Oh, sim! Ainda vou deixar que faça o que quiser comigo...
Blake encostou a testa em meu ombro, sua respiração ofegante. Podia jurar que
seu pau deu algumas sacudidas.
― Tudo que eu quiser? ― Seus olhos brilharam com promessas perversas em
noites quentes.
― Absolutamente tudo, sem reservas sobre nenhuma parte do meu corpo que
queira.
Nós nos encaramos por um momento e ele sorriu me beijando com dureza, sem
importar com as pessoas ao redor.
― Guarde sua promessa, pois eu vou cobrar.
Sorri em resposta e ele pegou minha mão. Juntos caminhamos em direção às
portas. Estranho, mas havia uma sensação de estar sendo observada. Olhei ao redor e vi
um homem lindíssimo recostado em uma Maserati preta fosca. Ele sorriu para mim e
depois piscou um olho.
― Blake, quem é aquele? ― Apontei quando o estranho da Maserati entrou na
área mecânica onde estávamos.
― Aquele idiota é o Nikkos Mandelev, meu maior rival.
― E o que ele está fazendo aqui na Racers? ― Olhei confusa para o meu
marido. Não reconheci o seu adversário.
― Ele agora é meu companheiro de equipe.
Fodeu! Eu sabia da raiva que um sentia um pelo outro. Não sei o que o dono da
equipe está pensando, mas colocar Blake e Nikkos juntos? Que loucura!
― A sorte dele é que ambos somos dois fodidos que precisam correr para
recuperar o tempo perdido. Eu, por causa da doença, e ele, por ter tido as duas pernas
quebradas.
Fiz uma careta. A disputa dos dois ia além da profissional, um parecia
acompanhar a tragédia do outro. De formas distintas, ambos estão recomeçando em
direção ao mesmo objetivo. Ser o campeão da Racers e o número um da Nascar.
― Tudo bem. ― Passei minhas duas mãos pelo peito de Blake. ― Você sabe o
que precisa fazer, não é? ― Ele me encarava sério. ― Faça esse idiota comer poeira,
me deixe orgulhosa e pegue seu prêmio quando chegarmos em casa.
Sorrindo. ele me deu um beijo rápido.
― Deixa comigo. Farei o que minha mulher quer.
Cruzei os braços apenas observando Blake caminhar em direção ao seu carro.
Quando chegou, ele me olhou, puxou uma corrente que eu não sabia que ele usava e a
beijou.
― Você é a esposa do Blake, não é? ― Uma voz arrastada soou do meu lado
― E você deve ser o idiota!
― Ousada... ― Riu baixo ― Adorei! Confesso que as fotos não dizem muito.
Eu estava louco para te conhecer, mas agora sei por que Blake te esconde. Ele teme
concorrência.
Não respondi, apenas ergui o braço e estirei o dedo, meus olhos fixos no meu
marido de costas.
― Quente! ― ronronou ― Gosto disso.
― Vai gostar mais do punho do meu marido na sua cara. Se manda, babaca.
Gargalhando, Nikkos se afastou. Ele foi para o carro que ficava atrás do de
Blake, lá ele virou, me olhou e soprou um beijo.
― Filho da puta! ― Javier rosnou parando próximo. ― Ele adora provocar.
Não era problema meu. Mantive o foco em Blake e comecei a torcer. Cada
curva que ele fazia meu coração encolhia de medo, mas meu marido era bom, muito, na
verdade, e Nikkos não conseguiu alcançá-lo em nenhum momento. Quando o treino
acabou, mal pude esperar para agarrar meu marido. Era tão sexy!
― Vem aqui, ma petit ― ele me chamou com o dedo, parando o carro bem
perto de mim. ― Quero um beijo para me consolar. Não consegui bater o tempo.
Segurei na porta do carro e me inclinei para poder beijá-lo. Não tive pressa,
degustei com prazer daquela boca deliciosa.
― Eu te amo e quero que venha comigo todos os dias. ― Acariciou meu rosto.
― Gostei de te ter aqui.
― Adoraria. ― Eu sorri feliz. ― Você fica sexy com esse macacão. E não se
preocupe, o prêmio ainda está valendo. Consiga o tempo certo.
Blake sorriu de lado, uma cara de safado que me deixava doida para entrar num
quarto e fazer sexo pervertido.
― Vou levar o carro para a garagem, me espera aqui?
Acenei me afastando. Blake partiu e dobrou na primeira esquina do pit stop.
Segundos depois o carro de Nikkos chegou. Sorri debochada quando ele saiu.
― Quem tem medo de concorrência agora? ― Ri de sua cara de ódio. ― Oh,
parece que o segundo colocado está com raivinha? Que pena.
― Você deve saber mais do que eu sobre segundos lugares, não é?
Não entendi o que ele falou, mas fiquei com uma sensação ruim na boca do
estômago.
― Procure-me se quiser saber mais. ― Assustei com o sussurro muito próximo.
― Aqui está o meu cartão. Guarde para emergências.
Cruzei os braços demonstrando indiferença. Até ri para disfarçar, afinal eu
ainda era uma mentirosa profissional.
― Por que está rindo?
― Bom, isso é normal quando vejo um palhaço. Tchauzinho, vice.
Saí de perto dele com a pulga atrás da orelha, mas injusta eu seria se desse
corda.
― Confiança! ― Olhei o cartão e o joguei no lixo ― Fiz minha parte, Blake.
Agora faça a sua.
***

Alguns dias depois...


― Amor, que tal um jantar só nós dois para comemorar o nosso casamento? ―
perguntei e Blake apertou minha coxa enquanto continuava dirigindo. ― Poderíamos
passar o dia juntos, e depois vamos começar a organizar nossa viagem. O que acha?
― Eu acho perfeito! ― Sorriu pegando minha mão para cruzar os nossos dedos,
logo levou aos lábios e beijou. ― Não vejo como poderia ser melhor.
― Você pensou em algo? ― questionei olhando seu perfil ― Se quiser algo
diferente...
― Não, quero dizer, eu pensei que talvez você quisesse fazer uma festa.
― Para a nossa família?
― Sim, mas para os amigos, também ― Por um instante ele me olhou e algo
brilhou em seus olhos lindos.
― Você sente falta deles, não é?
Blake ficou em silêncio por um momento, em seguida deu de ombros.
― Sim e não. ― Suspirou sorrindo. ― Eu fui largado por eles quando fiquei
doente. Eu ainda me sinto magoado por isso.
― Amor, vou te perguntar uma coisa: sabe por que não me importo de ficar em
casa? Ou não faço questão de ir a festas?
― Você não gosta das pessoas do nosso ciclo social porque são falsas e
mesquinhas.
― Isso mesmo. ― Soltei minha mão para acariciar seu cabelo. ― Eu fico muito
feliz por estar com as pessoas que me amam. Eu tenho poucos amigos, mas estes são
verdadeiros. A Ally, por exemplo, me sinto muito feliz por ela estar conseguindo
realizar os seus sonhos, então ainda me resta aquele pequeno grupo. Infelizmente não há
muito tempo para nós, entretanto sei que o carinho não diminui, mesmo que demoremos
a nos ver.
― Eu sei e admiro muito isso. Gostaria de ter amigos assim.
― Javier é um grande amigo.
Blake comprimiu os lábios, afetado de alguma forma.
― Sim, ele é.
― Então, jantar romântico ou festa?
Paramos em um sinal e ele virou ara me olhar.
― Jantar romântico, com certeza.
Inclinei-me para beijá-lo. Eu adorava quando concordávamos com as coisas.
Já tinha tudo planejado, inclusive a lingerie que iria usar.
― Eu te amo muito! ― Mordisquei seu lábio inferior, fazendo-o suspirar de
prazer.
― Eu te amo mais.
Chegamos em casa e mal deu tempo de sair do carro quando o celular de Blake
tocou. Ouvi o xingamento baixo. Voltei para olhá-lo, pois parecia preocupado e ao
mesmo tempo relutante.
― Tudo bem?
― Sim...
Fechei a porta do carro e dei a volta para esperar eu ele saísse. Estranhei que
ele só ouvia e não falava nada. Os dentes trincados e a expressão endurecida me
deixaram em alerta. Aguardei paciente ele desligar o telefone. Franzi o cenho quando
ele bateu a cabeça no volante algumas vezes, como se buscasse controle.
― Blake?
― Só me dê um minuto. Preciso pensar...
― Uhn, tudo bem!
Recostei no carro, um clima muito estranho começando a me deixar arrepiada.
Não poderia ser nada demais, porque estava tudo bem com os carros. Javier me falou
que os motores não poderiam estar melhores, então o que poderia ter deixado Blake tão
estranho assim, de repente?
― Eu preciso ir, amor. ― Sua voz penetrou meus pensamentos. Procurei seu
rosto, mas ele não me olhava. ― Minha mãe... ― Fechou os olhos. ― Ela não está se
sentindo bem.
― Oh meu Deus, Blake! Você quer que eu vá com você? ― Já me preparava
para voltar para dento do carro quando ele negou.
― Eu vou sozinho. Vou saber o que está acontecendo. Você me espera para
jantar?
― Claro, amor! ― Abaixei-me para olhá-lo. ― Vai ficar tudo bem. Se precisar
de mim é só chamar, que eu vou correndo.
― Valentina, eu não sei o que faria sem você! ― Havia uma ferocidade culta
em sua voz. ― Minha vida não teria sentido.
― Claro que não, eu sou o volante e você a carroceria. ― Pisquei um olho e
ele riu. ― Agora vai e me dê notícias. Estou preocupada.
Ele me olhou durante alguns instantes. Eu só enxerguei amor em seu rosto e
fiquei muito feliz por isso.
― Vem aqui. ― Ele me puxou para um beijo que, ao invés de ser suave, foi
desesperado e cheio de significado.
Blake partiu deixando minha boca formigando e minhas mãos trêmulas, além da
inesquecível sensação de medo e preocupação.
O que será que aconteceu com a minha sogra?
Meia noite foi o ponto final da minha agonia. Blake estava fora de casa há
horas, e ainda não me ligou para dizer como a mãe estava. Andei pela casa, fui para a
piscina, nadei até sentir cansaço e por fim desisti de esperar uma ligação que não
chegava nunca, então eu tomei a iniciativa.
Telefone desligado ou fora da área de cobertura! Essa era a única resposta.
Tentei o número da minha sogra, do meu sogro e todos estavam iguais.
― Meu Deus! ― Mordi as cutículas, me causando pequenas feridas nos dedos
― E agora? O que eu faço?
Preparei um chá calmante e tomei tremendo porque eu estava com medo, sabia
do amor e adoração que Blake tinha pela mãe, compatível a mim pela Dona Miranda.
Não conseguia imaginar algo acontecendo a elas.
Devo ter dormido no sofá porque o barulho da chave na porta me fez pular em
pé. Blake caminhava em direção as escadas. Olhei no relógio da sala e ele marcava
seis horas da manhã.
― Meu amor! ― Não o deixei nem falar, apenas o abracei apertado ― Como
ela está? Tentei ligar em busca de notícias, mas não consegui falar com ninguém. Fiquei
tão preocupada!
― Tudo bem, agora. ― Sua voz era apenas um murmúrio. Blake parecia doído
de alguma forma.
― Ei, olha para mim. ― Segurei seu rosto. ― Vai ficar tudo bem. Sua mãe é
muito forte. Seja lá o que ela tem, vai ficar boa.
Blake me abraçou tão apertado que quase não consegui respirar. Seu corpo
tremia e ele rosnava coisas incoerentes, agora parecia ter raiva de alguma coisa.
― Tudo bem. ― Acariciei suas costas deixando-o extravasar.
Não podia deixar de dar apoio nessa hora.
― Estou aqui e sempre vou estar.
― Prometa-me isso, ma petit! ― rosnou ainda mais feroz, segurando meu rosto
com força. ― Prometa que nunca vai me deixar.
Nem precisei pensar.
― Eu prometo!
Capítulo 34

Valentina
Depois que a mãe de Blake passou mal, um medo que eu não conseguia expulsar
cravou as garras em mim. Descobri que não podemos nos sentir imbatíveis porque não
é só por nós que vivemos. Tive que aceitar que estamos vulneráveis às incertezas do
destino e que nada podemos fazer sobre isso.
A remissão de Blake poderia ser revogada hoje. Ontem, há dois dias do meu
aniversário de um ano de casamento, recebemos uma ligação do doutor Marchese. De
forma instantânea meu sangue gelou nas veias. Eu nem consegui respirar direito, pois
me sentia aterrorizada que o câncer pudesse ter voltado. Depois de meses lutando para
recuperar tudo o que perdeu, seria um baque muito grande.
― Blake está atrasado. ― Acenei sem ter palavras para responder. Eu estava
meio paralisada.
― Ele vem, foi só buscar alguns documentos na Racers. ― Engoli em seco. ―
Vem direto para cá.
O médico que acompanhou nossa luta assentiu.
― Você notou algo estranho em Blake?
― Não, absolutamente nada. ― Agarrei minha bolsa, minhas mãos tremiam
muito. ― Ele está perfeito, forte, treinando pesado. Eu sei porque vi.
― Valentina você parece a ponto de desmaiar, por favor, respire.
― Você deu seis meses para o retorno, doutor. ― Meu estômago pesou e senti
vontade de vomitar. ― Não está nem perto disso.
― Minha filha, acalma-se! ― Ele levantou apressado. ― Valentina, você
precisa respirar!
― E se Blake estava sumindo porque começou a se sentir mal? ― murmurei
entrando em pânico, minha cabeça rodando. ― E se ele está sabendo de algo e não me
contou? ― Olhei para o rosto preocupado do doutor Richard. ― O que estão me
escondendo?
Levantei apressada, mas minhas pernas cederam. Pontos pretos dançaram diante
dos meus olhos. Nunca havia sentido isso.
― Estou bem... ― Fechei os olhos quando fui amparada e levada para o sofá do
consultório, onde fui deitada.
― Você se alimentou hoje?
― Quem consegue comer quando está morrendo de preocupação? ― Tentei
sentar, mas a tontura voltou.
― Não estou conseguindo falar com Blake. ― O suspiro decepcionado do
doutor piorou meu estado, porque, além de tudo, a vergonha entrou no meio. ― O
laboratório não vai conseguir entregar os resultados hoje, então deixarei para amanhã.
― Desculpa, por favor. ― Por um instante fechei os olhos para controlar a
sensação de tudo girando. ― Amanhã eu prometo que estaremos aqui.
― Tudo bem, imprevistos acontecem. Agora vou chamar uma enfermeira para te
levar a um quarto. Você vai tomar um soro e fazer um lanche. Você não me parece bem.
― Quando os resultados desses exames saírem eu estarei bem ou vou morrer de
vez.
― Minha querida, fique calma. Eu já te falei que Blake não é o único paciente
que precisa refazer os exames. Precisamos estudar o que está acontecendo.
― Tudo bem, mas eu prefiro ir para casa.
Levantei do sofá e respirei fundo. Minhas mãos temiam como nunca vi antes.
― Você está dirigindo?
― Não ― menti. ― Meu pai me trouxe. Ele está perto! ― Não aguentaria ficar
nem mais um segundo naquele lugar. ― Posso ir?
― Claro, mas descanse por hoje.
Assenti e praticamente corri até o carro que peguei para vir. Só tive tempo de
fechar a porta antes de desabar num choro intenso. Eu tremia de medo de ter notícias
ruins. Nem sei como consegui dirigir, parecia ter uma cortina de lágrima e já estava
escurecendo.
Uma buzina me fez sacudir a cabeça. Puxei o carro para uma estrada de terra à
margem da rodovia e dirigi um pouco até parar e desligar o motor. Respirar estava
difícil, meu corpo sacudia com um frio tremendo, a sensação de sufocar me
desesperando. Libertei-me do cinto de segurança para ver se melhorava. Não adiantou.
Senti-me cair e antes da minha vista escurecer, vislumbrei pingos de chuva.
O barulho estridente do meu celular me despertou. Tentei erguer minha cabeça,
mas ela pesava toneladas e meu corpo não parecia meu. Gemi tentando me levantar ao
mesmo tempo que o toque parou, logo recomeçou.
Sentia-me desorientada. Lá fora caia uma chuva torrencial, estava muito escuro.
Procurei minha bolsa e peguei o celular, na tela a foto de Blake. Quando fui atender, a
chamada caiu. Tonta e trêmula, vi que tinham trinta chamadas não atendidas e que já
eram oito da noite.
Passei três horas fora do ar? Arregalei os olhos, assustada. Que merda está
acontecendo comigo? O celular voltou a tocar e atendi.
― Valentina, pelo amor de Deus, onde você está? ― Blake gritou do outro
lado da linha. Sua voz falhava, como se houvesse má conexão.
Comecei a chorar como se o mundo estivesse acabando.
― Jesus Cristo! Onde você está?
― Não me sinto bem Blake. ― Ofeguei sentindo outra vez falta de ar. ―
Preciso de você...
O telefone escorregou da minha mão e tudo ficou escuro de novo.
***
Pessoas gritavam meu nome. Abri os olhos e vi Blake e meu pai batendo no
vidro do carro, ambos estavam frenéticos no mais básico sentido do desespero. Os
punhos de ambos se chocavam contra o vidro, sem parar.
― Amor, desative o modo de segurança do carro. ― Blake berrou.
Minha cabeça parecia a ponto cair do pescoço. Se isso fosse possível.
Ergui-me e apertei o destravamento eletrônico. Minha cabeça pendeu para
frente, acertando a buzina do carro.
― Amor. ― Tremi de frio quando a porta do carro foi aberta. ― Eu te peguei.
Blake me carregou nos braços até outro carro e minha mãe me recebeu. Tentei
falar, mas eu estava muda, cansada, estranha.
― Minha filha, o que aconteceu? ― Ela escovou meu cabelo para trás. Suspirei
fechando os olhos.
― Mãe...
― Estou aqui, meu amor, não vou a lugar algum...
***
― Crise de ansiedade associada a uma hipoglicemia intensa!
Da minha cama eu olhava para o médico que Blake mandou chamar. Foi graças
à minha mãe que não fui para um hospital. Ela deve ter entendido minha situação,
porque acho que surtaria se sentisse ao menos o cheiro daquele lugar.
Guardei silêncio. O que poderia dizer além do fato de ter perdido o controle do
meu próprio corpo? Por um instante senti saudade da minha antiga vida, onde eu jamais
deixava de comer por qualquer motivo que fosse, nunca passava mal, tampouco engolia
o medo. Eu o enfrentava.
Entreguei-me ao amor, apostei em viver tudo o que ele me traria. Se me
arrependo? A resposta é não.
― Descanse. Você é jovem e forte.
Revirei os olhos, como se eu fosse ter outra agonia dessa. Uma já basta para a
vida toda. Assim, não contestei quando minha mãe trouxe uma deliciosa sopa e avisou
que iria ficar para dormir.
― A senhora está em casa, sabe disso, não é?
― Sim, meu amor. ― Ela sorriu e ajustou meu travesseiro. ― Você me deu um
susto, viu?
― Prometo nunca mais fazer isso, e outra: já estou me sentindo bem melhor.
Amanhã já estarei solta no mundo.
― Você pode tentar! ― Blake sentou do meu lado. ― Você vai ficar na cama e
não tem discussão.
Minha mãe riu e nos deixou a sós.
― Blake? ― Toquei seu rosto e ele me olhou. Arrependimento e remorso eram
duas emoções muito legíveis. ― Onde você estava?
Ele negou, depois respirou fundo ajustado à posição para que pudesse me
abraçar.
― Tive problemas com Nikkos. A convivência está impossível. Nós nos
odiamos.
― Amor, era um exame. Você não pode simplesmente deixar de ir!
― Eu sei. ― Beijou meu ombro. ― Mas foi inevitável e não sabe como me
arrependo. Quando o doutor Richard ligou, eu quase enlouqueci. ― Seus braços me
apertaram. ― Deus, ma petit, quando ele me falou do seu estado eu fiquei louco. Tentei
rastrear o telefone mas o sinal era irrelevante. Se algo tivesse acontecido, não sei o que
faria!
― Mas não aconteceu nada. Culpe-me por isso. ― Virei-me para olhá-lo. ―
Eu que não comi e você sabe que isso para mim é sagrado.
Nunca vi Blake com a expressão que ele tinha agora. Parecia que havia tomado
uma decisão e não sabia conviver com ela.
― Eu te amo demais! ― Ele me beijou cheio de cuidado ― Você é a minha
vida.
Sorri tocando seu rosto, puxando-o para outro beijo.
Como prometido, passei o dia na cama. Desnecessário mas, ainda assim, para
manter a paz em casa, eu obedeci. Blake não saiu do meu lado, quero dizer, ele só saiu
quando foi ao hospital fazer os exames. Os resultados foram excelentes. O problema era
na máquina que estava mostrando os resultados das análises de forma incompatível,
assim, pacientes em pleno tratamento e com baixo índice de plaquetas se mostraram
curados. Isso gerou dúvidas e por isso o retorno antes da hora.
Comemoramos com uma sessão de cinema, inclusive meu irmão estava junto,
para o terror de Cyborg e Albina e a pura diversão do meu marido.
― Não vejo a hora de ter o nosso pequenino aqui para judiar de Cyborg! ―
Blake riu indo socorrer Albina que estava tendo as orelhas puxadas. ― Você não pode
fazer isso. Olhe como eles são bem maiores do que você.
― Pato.
― Cachorro! ― Corrigi e o pequeno MacKerrick riu alto.
― Ele é mau igual a você! ― Blake voltou a sentar ao meu lado, agora com
meu irmão no meio da gente. ― Fico pensando que talvez nosso bebê seja assim,
loirinho e com grandes olhos azuis. Estou louco para te ver grávida.
― Seria lindo, com certeza! ― Minha mãe pegou o bebê e o levou embora. ―
Preciso ir. Estamos fechando um novo contrato e já quero dar uma olhada na casa.
― Obrigada por tudo, mãe. ― Dei-lhe um beijo e depois fiz cócegas no meu
irmão. ― E você, seu danadinho, se comporte.
Observei ela indo embora e meu marido a acompanhou. Fiquei com meus
cachorros e logo Blake se jogava ao meu lado no sofá.
― Enfim sós! ― Puxou-me para o seu colo e começou a me beijar
Fizemos amor ali mesmo, daquele jeito gostoso e forte que eu adorava.
Ele ainda se mantinha preocupado, mas quando eu pulei na piscina mesmo
estando um frio da porra, ele viu que eu estava bem. Meu mal estar foi só o susto,
passado isso, não havia nada para se preocupar. Claro que eu não iria reclamar de seus
mimos, eu não era doida.
― Fazemos um ano de casados amanhã! ― Eu sorri.
Estávamos em nossa cama, os lábios quase tocando-se para falar.
― Sim, aquele foi um dos dias mais felizes da minha vida ― respondeu
esfregando nossos narizes. ― Obrigado por me amar em meu pior, por não sair do meu
lado. Você me fez acreditar que nada pode nos separar.
Assenti. Nossa vida estava maravilhosa. Em breve, comemoraremos em grande
estilo o primeiro ano de casados.
Mal continha a ansiedade!
***

Bodas de papel – Primeiro ano de casados.


Olhei para a mesa arrumada e para o relógio. Tudo estava pronto para a nossa
noite. Ao fundo uma música romântica tocava, as velas acessas já começavam a
derreter, a comida a esfriar.
Olhei para o celular em minha mão e desisti de ligar.
Só. Desisti.
Meu vestido acariciava minhas pernas enquanto eu andava pela minha casa.
― Esperei tão ansiosa por esse dia, Blake. Por que fez isso? ― Baixei a
cabeça começando a subir as escadas.
Eu não tinha ânimo. Minha energia foi sendo drenada do meu corpo com cada
passo que eu dava.
― Não quero viver assim tão cheia de expectativas só para ser iludida na
última hora.
Minha avó uma vez me falou que o casamento era uma montanha russa
emocional, mas ela pontuou que o casal precisa embarcar junto, caso contrário, o que
fosse sentiria tudo sozinho.
Como eu sinto agora.
Cheguei em meu quarto e fui direto para a cama. Não quis ser forte e segurar as
lágrimas, eu só deixei que elas banhassem meu rosto prometendo para mim mesma que
seria a última vez. Eu soube que Blake não vinha quando o atraso de uma hora se
converteu em duas e depois três.
Liguei e ele não atendeu. Assim, jurei que nunca mais ligaria para ele.
NUNCA. MAIS!
― Chega de desculpas. Chega de atrasos sem explicação.
Estava tão anestesiada que nem sentia raiva, mas sabia que ela viria e, quando
chegasse, seria uma coisa bonita de se ver. Em algum ponto adormeci e sonhei com
beijos molhados e carícias, sussurros de amor, pedidos de perdão e muita paixão.
Entreguei-me ao Blake dos sonhos porque aquele não me fazia chorar, apenas de
prazer.
Acordei me sentindo fria. Olhei a cama e lá estava ele, dormindo. Esperei a
raiva vir, mas não veio. Agora só existia decepção.
Comemorei meu primeiro ano de casada sozinha. Grande!
Não conseguia ficar no mesmo lugar que Blake, por isso saí da cama e corri
para o banheiro. Senti um liquido escorrer entre as minhas pernas, mas eu estava tão
doida para fugir que só escovei os dentes e me enfiei dentro da primeira roupa que
encontrei, peguei meu celular, a carteira e as chaves, desci para a garagem e fui embora
com a minha moto nova. Eu ainda mantinha meu antigo bebê guardado, mas esta foi um
luxo que me dei.
Cinza chumbo reluzente, com aros em formato de estrela e um motor super
poderoso. Aquela belezinha era capaz de me fazer voar e eu o fiz. Segui a rodovia em
busca de uma linha reta e quando a encontrei acelerei a quase duzentos por hora. O
coração bombeando adrenalina, o corpo preso a um grito que não havia soltado e que
agora se libertava. Tão longe quanto pude, parei em um acostamento qualquer. Meu
celular não parava de tocar.
Tirei do bolso e vi a foto de Blake, rejeitei. Ele ligou de novo, rejeitei. Então
minha sogra ligou. Atendi, pigarreando para demonstrar tranquilidade.
― Valentina, minha querida, me perdoe por não ter ido te visitar quando esteve
doente.
Respirei fundo e sorri, como se ela pudesse me ver. Tentei esquecer o que
sentia e me preocupei em perguntar como ela estava.
― Não se preocupe comigo, antes de tudo, a senhora precisa se cuidar, sua
saúde é mais importante. Eu estou ótima.
― Oh, minha querida, eu estou saudável, forte como um cavalo! Faz muito
tempo que nem sequer tenho uma gripe. ― Fechei os olhos. ― Liguei porque estou com
tanta saudade de você e do meu filho. Faz tempo que Blake não aparece.
Uma marretada se chocou contra o meu cérebro neste exato momento. Era como
se um quebra cabeça confuso começasse a organizar as peças.
― Quando foi exatamente a última vez que a senhora viu Blake? ― Controlei a
voz, não poderia demonstrar nada.
― Sabe que nem lembro? Quem teve sorte foi meu marido, pois esses dias
Blake apareceu aqui, mas foi estranho...
― Por quê?
― Ele pediu para deixar os celulares desligados até o dia seguinte. Acho que
meu filho está louco. ― A risada da mãe de Blake ecoou pelos meus ouvidos mas eu só
conseguia prestar atenção ao que ela tinha me dito, ou melhor, revelado.
― Blake está preparando uma surpresa. ― Olhei para o céu, um ódio cru me
dominando. ― Em breve ele vai dizer o que é.
― Adoro surpresas, minha filha, e espero que seja algo envolvendo
mamadeiras e fraldas...
― A senhora vai ter que esperar para saber, e, por favor, não diga que falou
comigo, assim vai estragar o que vem por aí.
― Pode confiar, filha, não direi nada.
Desligamos o telefone e ele tocou. Blake sorria para mim na tela. Recostei em
minha moto e observei as chamadas caindo uma após a outra na caixa postal. Dentro de
mim ainda sentia algumas pancadas da minha antiga eu. Sabia que estava muito próximo
de ligar o foda-se e mandar tudo à merda.
Só precisava esperar mais um pouco.
― Ainda não é a hora.
Subi em minha moto e voltei para Los Angeles. Fui direito para a empresa do
meu pai, consegui pegar a reunião dos chefes das equipes, assim, pude reclamar meu
lugar de volta.
― Vou pegar este trabalho, pai. ― Larguei-me no sofá. ― De quem é a casa?
― Nikkos Mandelev. Sua irmã vai com Javier para a recepção que ele vai
fazer, algo parecido com o que Alecsander fez. Quer mostrar a casa antes para depois
chocar as pessoas com o resultado.
― Viviam ― chamei minha irmã e ela me olhou. Parecia cautelosa. ― Vou
junto.
Ela acenou e eu saí da sala.
― Ei, ei... Espere. ― Minha irmã me puxou pelo braço. ― O que houve?
― Não aconteceu nada, tudo está de volta ao lugar, querida irmã.
Viviam deu dois passos para trás, assustada com alguma coisa que ela viu em
meu rosto.
― Valentina, eu não vejo mais o brilho em seus olhos ― murmurou e eu dei de
ombros.
― Talvez não haja motivos para eles brilharem. Agora eu vou. Onde te
encontro? Na casa dos nossos pais ou no apartamento de Javier?
― Eu vou te buscar...
― Não precisa, eu vou de moto! ― interrompi trocando o peso de uma perna
para outra.
― Minha irmã...
Naquele momento meu celular tocou. Olhei a tela e rejeitei.
― Não vai atender seu marido?
― Oh não! ― Estreitei os olhos. ― Agora deixe as perguntas, apenas me diga
onde te encontro.
― Nossa casa, irmã. ― Suspirou ― Estarei te esperando lá.
― Ah, por favor, não avise a Javier.
Rodei pela cidade o dia inteiro, parando em alguns lugares para caminhar. Para
me distrair de pensamentos homicidas, entrei em algumas lojinhas, em uma delas,
encontrei plaquinhas militares e anéis articulados. Comprei algumas coisas e depois
não tive mais vontade de fingir que estava tudo bem e normal, então voltei para casa.
Não foi surpresa encontrá-la vazia. Assim, não me importei em sofrer por isso.
Subi para o meu quarto, tomei banho e me vesti como sempre gostei: calças, camisa e
salto. Adicionei as plaquinhas militares e os anéis novos. Retirei a minha aliança, pois
dava raiva olhar para ela. Não fiz maquiagem porque não sabia, por fim peguei minha
jaqueta de couro, e saí de casa.
Quando cheguei na casa dos meus pais, eles não estavam. Assim que me viu,
Viviam balançou a cabeça.
― Faz tempo que não te vejo assim ― murmurou me dando um abraço que não
retribui. ― Deixe-me te maquiar, pode ser?
― Ajuda na armadura.
Minha irmã fez uma maquiagem escura. Meus olhos pareciam resplandecer de
alguma forma. Me olhando no espelho, só agora reparei que estava toda de preto.
Parecia uma motoqueira. De alguma forma eu gostava do que via, assim, não parecia a
ponto de romper.
― Você está exatamente igual ao seu aniversário de dezoito anos.
― Estou sim, exatamente igual.
― Não, Valentina, antes você tinha uma felicidade ao seu redor que não vejo
agora. Não vai me contar o que houve?
― Vamos, Viviam?
― Vou esperar Javier...
― Onde fica a casa do Nikkos? ― Peguei meu capacete esperando a resposta.
― No mesmo condomínio de Alec.
Saí da casa dos meus pais em alta velocidade. O vento gelado não fazia
diferença em minha pele, pois estávamos com a mesma temperatura. Não me importei
com o velocímetro, nem com as buzinas ou xingamentos, corri por entre os carros,
fazendo a minha moto rugir.
Cheguei ao condomínio e me identifiquei; minha entrada foi autorizada mediante
confirmação de identidade. Entrei no condomínio e, antes de chegar na casa de Nikkos,
avistei a casa de Alecsander.
― Juntaram os escrotos, só pode! ― murmurei seguindo meu caminho.
Estacionei minha moto em frente à casa de Nikkos e nem me ocupei em olhar o estado
dela. Iria dar uma olhada por dentro e depois esperar Viviam. Um senhor uniformizado
me recebeu, indicando que a festa era no jardim. Caminhei para lá e meu telefone tocou.
Era Blake, de novo. Rejeitei aquela também. Antes de entrar na festa, olhei através das
imensas janelas francesas e a cena que vi do outro lado do jardim foi o que ajudou a
Valentina enterrada ressurgir e reassumir seu lugar.
Blake estava sentado em um sofá exatamente como o vi da primeira vez, a
diferença era que agora não estava rodeado de vadias descerebradas e sim da única
pessoa que fechava o nosso ciclo completo.
― Barbara...
Aliás, onde estava o ódio por Nikkos? Seria uma mentira, também? Deus, me
casei com uma fraude!
Uma pancada atrás da outra começou a me golpear, mas só para comprovar,
peguei o celular e mandei uma mensagem.
"Oi..."
Esperei alguns segundos ele visualizar e logo digitar uma resposta.
"Amor, você sumiu o dia todo! Onde está? Precisamos conversar."
Estreitei os olhos, agora é a hora da verdade.
"Estou em casa faz muito tempo. Onde você está? Passou o dia fora?"
Barbara abraçou o pescoço de Blake e ele a empurrou. Apertei o celular com
muita força, alguns sentimentos começando a ferver. Ainda não entendia por que estava
aqui parada e meio dura. Apesar de que nunca me encontrei numa situação dessas.
"Tive problemas com outro motor, estou esperando Javier consertar para
testar. Vou para casa daqui a pouco!"
"Você está com Javier agora?"
Ele não poderia ser tão nojento ao ponto de mentir dessa forma! Não é possível,
meu Deus. Que ódio!
" Sim, estou com ele. Está mandando um abraço para você!"
Respirei fundo. As mentiras de Blake atropelavam-se umas nas outras. Naquele
instante o último golpe foi desferido no meu coração quando minha irmã chegou ao meu
lado e soltou um pequeno grito horrorizado. Barbara estava tentando sentar no colo de
Blake.
― Nunca mais ouse me dirigir a palavra. ― Apontei o dedo para Javier ―
Você, de fato, é um bom amigo, seu cretino. Você o acobertou enquanto Blake me traía.
Você me viu sofrendo e ajudou mesmo assim.
― Espera, Valentina... ― O noivo da minha irmã estava pálido. ― Eu não
podia fazer nada. Ela ligava e ele corria. Eu não queria...
― Acabou tudo entre nós!― Minha irmã o empurrou. Viviam tremia de raiva,
os olhos alagados de lágrimas. ― Dê o fora, seu filho da puta mentiroso.
― Viviam, eu posso explicar, eu não queria mais fazer parte disso. Amor...
― Não me toque! ― Ela o estapeou quando tentou se aproximar. ― Você não
me engana mais. É um falso igual ao seu querido amigo. Não quero olhar na tua cara,
Javier. Vá embora!
― Espere, não vá, ainda. ― Sorri fria. ― Talvez precise levar seu amigo para
o inferno com você.
Respirei fundo algumas vezes.
― Estou do seu lado! ― Minha irmã apertou meu ombro. Eu a olhei.
― Desculpe pela vergonha que te farei passar, mas eu fiz uma promessa a
Barbara e você sabe que sempre cumpro com minhas promessas. Não serei uma dama,
minha irmã.
― Nem eu. Se precisar eu posso puxar uns cabelos por aí.
Saímos de dentro da casa e as pessoas me olharam. Eu sabia o que elas estavam
vendo e não dava a mínima. Todas lindas garotas de vestido e casacos, sandálias
delicadas, enquanto eu era pura brutalidade de jeans e jaqueta de couro.
Blake não havia me visto, Barbara sim e ela sorriu, pisquei um olho e ela
franziu o cenho. Meu telefone tocou, olhei e era Blake, observei sua figura concentrada
de cabeça baixa.
Atendi ao telefone.
― Amor... ― Vi como respirava fundo. Parecia ansioso, pois não parava de
passar as mãos no cabelo. ― Precisamos conversar. Quando eu chegar em casa...
― Não precisa. ― Sorri, mas como uma exibição de dentes. Finalmente
Barbara conseguiu sentar no colo dele. ― Erga a cabeça, querido. Não espere para
chegar em casa.
O celular escorregou de sua mão e ele ergueu a cabeça. Pânico, ou melhor,
terror foi o que desfigurou seu rosto. Ergui uma mão dando um olá. Ao redor, fazia um
silêncio sepulcral. Blake correu em minha direção com Barbara atrás dele.
― Amor, não é nada disso que você está...
― Pensando? — Ri debochada. — Não fale nada mais. ― Ergui um dedo sem
olhá-lo, minha voz calma demais, baixa, até. ― Silêncio... ― Minha atenção em
Barbara. Só nela. ― Como vai? ― cumprimentei a loira e ela deu um passo à frente.
― Vou muito bem, feliz, satisfeita com minha companhia de quase todos os
dias.
― Cala a boca! O que está fazendo, Barbara? ― Blake empalideceu quando sua
acompanhante falou aquelas palavras. Eu o ignorei, nem olhava para ele.
Cuidaria de um por vez. E Barbara tinha a senha número um.
― Barbara, lembra o que eu te disse na última vez que nos vimos? ― Ela negou
confusa, estranhando minha reação fria e distante. ― Interessante. Por acaso gostaria de
lembrar?
― Uhn, sim...
Olhei para Viviam e ela sorria. Fechei a mão num punho apertado e, com a
primeira explosão de raiva sobre tudo que vinha sentindo, eu dei-lhe um murro perfeito
bem no nariz. O som da cartilagem rompendo fez Barbara soltar um grito esganiçado. O
sangue escorreu na hora por seu rosto, pingando no vestido curto e rosa.
― Eu te falei que se você aparecesse na minha frente com esse fodido nariz
imenso, eu mesma iria consertá-lo ― rosnei chutando-a no estômago ― Você me
provocou mais vezes do que uma pessoa que teme a própria saúde o fez!
Ela caiu de joelho e eu olhei para Blake. Ele me olhava em estado de choque.
Barbara ofegava engasgada, gemendo de dor. Naquele ponto eu me sentia muito
agressiva e sem piedade, assim acertei uma joelhada em seu rosto, terminando o
serviço, derrubando-a.
― Fique com ele! ― Cuspi no chão ― Casal de estranhos!
Dei as costas e a primeira pessoa que vi foi Nikkos. Ele me olhava com cobiça
e luxúria. Estirei o dedo para ele, que só lambeu os lábios mudando de posição,
aparentemente desconfortável.
― Valentina, amor...
― Amor é o caralho. Vá se foder, Blake! ― Virei, já soltando o braço e
esmurrando sua cara também. ― Você fez uma escolha. Conviva com ela.
― Ela está doente. Precisava de mim.
― Ela precisa de você agora! ― Apontei para o chão onde Barbara gemia com
as mãos no rosto. ― Vai cuidar dela, vai. Seu idiota!
― Por favor, Valentina, não precisa ser assim, me deixa explicar.
Estreitei meus olhos e caminhei até ele. Queria sair dali porque todo esse
combustível estava queimando rápido demais. A qualquer momento a realidade iria
bater e o chão seria o lugar mais próximo que eu estaria.
Coloquei minhas mãos em seus ombros. Ele se baixou para ouvir o que eu
queria dizer. Ainda tinha um presente para lhe entregar.
― Eu fui fiel de todas as maneiras e você me traiu em prol de uma pessoa que
não se importa com você. ― Ele apertou minha cintura. ― Eu posso conviver com sua
escolha, Blake, e espero que você também consiga porque eu não quero mais olhar na
sua cara. O seu coração é um maldito vagabundo.
Meu joelho subiu bem no meio de suas pernas. Ele nem gritou, só me olhou
congelado, meio roxo e a ponto de cair. Javier correu e o segurou para evitar sua
queda.
― Obrigada, Blake, por comprovar que eu sempre estive certa! A novidade
passou e eu virei o brinquedo abandonado. Odeio você, mas obrigado pelo pagamento.
A Lamburghini é realmente uma ótima desculpa para despistar uma traição.
Olhei ao redor e bati palmas fazendo um reverência.
― O show acabou!
Corri para fora e subi na minha moto. Na entrada da casa, Blake era arrastado
por Javier. Coloquei o capacete. Ligando a moto, fiz cascalho voar quando o motor foi
a pico. Ainda não tinha saído do lugar, mas aquilo era como um grito, que fazia minha
ira ser demonstrada de alguma forma.
― VALENTINA!
Blake gritou por mim enquanto era ajudado a descer as escadas. Não quis nem
saber, saí cantando pneu cega de ódio e pelas lágrimas que começavam a escorrer.
Minha cabeça era um turbilhão de imagens, conversas e as muitas mentiras. Durante
todo esse tempo eu estava sendo enganada, sendo a esposa idiota e burra.
Gritei alto, queimando de dor e decepção. Uma buzina soou próxima. Olhei de
lado e Javier estava com Blake numa moto, também, só que a deles não era tão boa
quanto a minha e eu acelerei. Doente de amor e com o coração ferido, eu acelerei para
fugir dele e do que eu sentia.
Minhas lágrimas e a respiração pesada embaçaram meu capacete, só vi que o
sinal estava vermelho quando uma traseira de pick-up surgiu na minha frente. Freei
rápido, os pneus cantaram, mas não deu tempo. Eu mesma joguei minha moto no carro.
Em minha loucura para fugir da dor, eu desrespeitei minha própria vida.
Senti uma forte pancada e uma dor infernal explodiu na minha mão, mas ainda
não tinha parado no meu destino. Acabei por encontrar o para-brisa de alguém. Senti o
gosto de sangue invadindo minha boca e o silêncio.
Capítulo 35

Valentina
Tentei mover meu corpo, mas ele pesava uma tonelada. Um zumbindo alto em
meus ouvidos me impedia de entender o que estava acontecendo ao redor.
Esforcei-me para abrir meus olhos e a primeira coisa que enxerguei foi a
imensa rachadura diante de mim. Eu não entendia o que aconteceu.
― Não tente movê-la, Blake!
Uma dor intensa e aguda reverberava por meu braço. Tentei erguê-lo e a dor
quase me fez desmaiar.
Alguém tocava meu corpo. Através do barulho agonizante em meu cérebro, eu
pude sentir o desespero de outras pessoas. Minhas costas doíam, meu corpo inteiro, na
verdade. Mas ainda não conseguia me mexer. Apenas sentia a dor viajando como ondas
através dos meus membros.
― Não pode mexer nela, caralho! ― alguém gritou e eu gemi de dor.
O som chamou atenção, porque alguém levantou a viseira do meu capacete. Era
ela que estava quebrada.
Pisquei os olhos, a visão embaçada de um jeito estranho. Não conseguia manter
o pensamento em algo, minha mente curiosamente em branco, apenas concentrando-se
em absorver a dor que eu sentia.
― Ma petit, o que você fez? ― Blake me encarava pálido. Seus dedos tremiam
quando me tocou.
Não consegui falar, apenas o encarei de volta, entendendo a angústia gravada
em seus traços.
Minha irmã gritou e apareceu no meu campo de visão. Eu só podia olhá-los.
― Fale alguma coisa... ― Viviam chorava. Eu queria tranquilizá-la e dizer que
estava bem, mas a dor começava a passar e uma letargia abençoava toda aquela
sensação torturante em meu corpo.
O último rosto que vi foi o de Blake.
A última emoção que registrei foi a desolação.
***
Bip. Bip. Bip
O familiar som de um monitor cardíaco me despertou.
Bip. Bip. Bip
Junto a isso uma voz suave e rouca declarava seu amor.
― O amor pode doer. ― Meu coração acelerou. ― Mas é como se eu estivesse
em casa quando olho em seus olhos. Eu sei que quebrei algo importante, mas juro, meu
amor, que eu vou consertar. Só volte para que eu possa fazer isso.
Um doce beijo, apenas um roçar, revoou em meus lábios, o pequeno gesto
suficiente para me dar força e abrir os olhos.
― Oi...
Pisquei confusa, dormente e com muita sede.
― Água... ― Tentei levantar, mas meu corpo não respondia. Eu não sentia
nada.
Muito estranho...
― Vou chamar a enfermeira ― Blake correu até a porta e gritou. Logo ele
estava ao meu lado ― Você esteve fora por dois dias, ma petit.
Mantive minha atenção em seu rosto aflito. Notava o desespero latente,
queimando muito próximo da superfície. Uma sensação de fatalidade fez um peso se
instalar em meu estômago. Aquela foi a primeira sensação que consegui detectar em
meu corpo morto.
― Valentina, você se lembra de algo?
Fechei os olhos, virando a cabeça de lado. Os sentimentos voltando, clareando
dentro da névoa que permeava minha mente. No espaço entre uma respiração e outra fui
golpeada por tudo o que aconteceu, e ao mesmo tempo, não senti a raiva que deveria, o
desgosto...
Eu não senti nada. Anestesiada para o homem diante de mim. Era como se ele
não tivesse a importância que já teve um dia.
― Sim ― respondi seca. Agora a única coisa que eu queria era que ele fosse
embora.
Virei meu rosto para olhá-lo. Ele estava cansado, com a barba crescida. De
alguma forma, Blake parecia amassado, e ver aquilo não mudava em nada. Não me
comovia.
― Saia.
Sua testa franziu e ele negou frenético. Pegou minha mão, engessada até quase o
antebraço.
― Não posso te deixar. Eu só não posso...
Respirei fundo. Queria puxar meu braço de volta, mas não consegui. Apesar das
emoções estarem começando a bombear dentro de mim, meu corpo não parecia ligado.
Um médico e uma enfermeira entraram no quarto e Blake foi afastado. Naquele
ponto, qualquer coisa era melhor do que tê-lo perto de mim.
― Você sente alguma dor? ― Neguei ― Sente alguma coisa? ― Neguei de
novo.
Fiz alguns exames e, apesar de alguns ossos quebrados, tudo parecia no lugar. O
fato de eu não sentir meu corpo era só o efeito dos sedativos. Ao que parece, eu não
deveria ter acordado tão cedo.
Gostaria de dizer que eu nunca fui do tipo que encolhe. Em meio à desordem
que era meu emocional, sentir um pouco de dor física não poderia ser grande coisa.
Blake não saiu do quarto. Ele ficou ao meu redor enquanto fazia as avaliações
idiotas e cognitivas.
― Deve ter alguém no céu olhando por você, querida. ― A enfermeira bondosa
me ajudou a levantar, ou melhor, ela me ajudou a ficar meio sentada e meio deitada, o
que eu odiava, se tinha algo a dizer sobre isso.
― Se sentir muita dor ou dificuldade em respirar, chame imediatamente.
Acenei. De alguma forma estava poupando minha voz. Ou talvez não quisesse
falar mesmo. Olhei para o lado oposto ao que Blake estava. Esperei alguém da minha
família aparecer para que ele saísse. O quarto era pequeno demais para dividir.
― Você vai me ignorar? ― Sua voz soou próxima demais. ― Eu vou esperar o
tempo que for, até que você me ouça. Vou explicar tudo.
O que eu não queria sentir começava a dar sinais de vida. Mágoa e raiva. Não
sabia dizer qual das duas era mais forte.
― Saia.
Blake respirou fundo, então se abaixou para olhar-me nos olhos. Tanta tristeza
marcava seu rosto; seus olhos nem brilhavam mais, pareciam escurecidos para além do
conserto.
― Não vou sair ― murmurou travando o maxilar. ― Nunca te deixaria.
Ri engasgada, minhas costelas enfaixadas queimando, a dor física realmente
começando a mostrar-se.
― Promessas, promessas... ― ironizei ficando séria. ― Saia Blake!
― Não!
Nós nos encaramos e, por tudo o que passei ao lado dele, um inoportuno
sentimento misturou-se as demais. Aquela era a perda, roubando algo das minhas
forças.
― Só vá embora de uma vez. ― Fechei os olhos. ― Apenas continue no papel
que interpretou tão bem. O homem ocupado com o trabalho e que nunca pôde chegar em
casa para fazer porra nenhuma. Aproveite que agora não tem ninguém a quem dar
satisfações.
― Valentina, você precisa me ouvir e entender. ― Sua voz desesperou-se,
aumentando o volume. ― Eu nunca te traí.
O tempo acabou. A explosão ocorreu nesse exato momento.
― Sim! ― Meu monitor disparou, contradizendo a minha voz calma. ― Você
traiu minha confiança quando mentiu tão descaradamente. Não quero saber o que você
vai dizer, porque não importa mais. Eu não acredito em você, portanto não perca o seu
tempo e nem o meu.
― Amor...
― Eu sempre estive ao seu lado! ― Ergui a mão engessada apontando para ele.
― Respirei a sua vida, me entreguei todos os dias porque eu te amei com tudo de mim.
E eu sentia esse sentimento aumentar a cada dia. Em seu pior, Blake, eu te tomei para
mim porque é assim que eu sou. Não estou aqui só para o melhor momento, estou aqui
para todos eles. ― Senti meus olhos enchendo de lágrimas. ― E você, quando deveria
ficar comigo, escolheu me deixar sozinha em prol de cuidar das mesmas pessoas que te
viraram as costas. ― Uma lágrima escorreu e ele cambaleou. ― No seu melhor, você
me entregou à solidão, e ao segundo lugar.
― Amor, brigue comigo, grite, mas não chore. Você nunca chorou! ― Ele
parecia assustado.
De todas as vezes que me escondi, dessa vez ele merecia ver o que me tornou.
― Eu chorei todos os dias, Blake. ― Minha voz embargou, as lágrimas
escorrendo como um fluxo infinito. ― Eu chorei enquanto tomava banho para que você
não me ouvisse. Chorei escondida de todas as formas, meus gritos presos em minha
garganta ou descarregados com meu rosto enterrado em um travesseiro e por fim,
quando esteve tão fraco para que eu tivesse coragem de te deixar, eu chorei em
silêncio, enquanto te abraçava em seu sono. Eu queria espantar o frio que te fazia
tremer.
― Eu não sabia, ma petit. Sinto tanto por isso.
― Você nunca me viu chorar antes porque não tinha culpa das minhas lágrimas.
Hoje você tem e merece senti-las como eu as sinto!
Baixei a cabeça. Não queria brigar mais, acho que atingi um novo nível de
esgotamento. Só que eu sabia que essa conversa era importante para ser o ponto final da
nossa história.
― Você me prometeu uma linda história de amor. Eu acho que acreditei, porque
eu te amei tanto que as vezes que você implorava por mais tempo ao meu lado eu
implorava por trocar de lugar com você, queria sua dor para mim. ― Meus ombros
sacudiram com meus soluços. ― Você não cumpriu com nenhuma das suas promessas.
Tornou Barbara a prioridade de sua vida, enquanto você sempre foi a minha.
― Ela está doente. Entenda que eu não queria fazer o mesmo que fizeram
comigo. ― Sua voz tremeu. ― Eu ajudei...
― Sim, Blake, você ajudou porque isso te faz bem. ― Sorri chorando ainda
mais. ― Mas saiba que o motivo da minha crise de ansiedade foi porque eu pensei que
estava com o câncer voltando e você não queria me dizer. Você me fez uma completa
idiota, mas não te darei a chance de fazer de novo. Você pode até ser uma boa pessoa,
só não é bom para mim.
― Você não pode me dizer uma coisa dessas, meu amor. Eu te adoro! ― Sua
voz gritava medo, pavor, as mãos estendidas como se quisesse me tocar.
― Eu nunca quis ser adorada, Blake. ― Respirei fechando os olhos, cansada e
tudo isso. ― Eu só queria que você me amasse como eu te amava. Uma troca, apenas.
Só isso.
― Eu te amo! ― Correu em minha direção.
― Não chegue perto. ― Ele parou, esfregando o rosto
― Confesso que no começo eu sentia sufocado. Era como se a nossa casa
trouxesse todo aquele sofrimento de volta, por isso precisava sair, mas tão logo passou.
Agora eu prometo que não vou a lugar nenhum.
― Sabe o que é pior? ― Minha voz baixou. ― Aquela era a casa dos meus
sonhos. Mesmo em meio a toda a doença, eu nunca associei nosso lar com tristeza; eu
enxerguei nossa luta e superação; eu vi como o amor se fortaleceu e nada mais. Depois,
a solidão e a decepção foram encarregando-se de marcar cada momento, depois que
você ficou bom.
Olhei minhas mãos enquanto experimentava a derrota como mulher. Depois
talvez aquela sensação passasse, mas agora não conseguia evitar.
― Valentina, eu sei que te decepcionei, mas posso consertar, eu juro que posso.
― Olha para mim, Blake. ― Balancei a cabeça. ― Eu preciso ser consertada?
Não. E mesmo se precisasse, não confiaria em você para fazer isso. Nunca mais vou
confiar em você!
― Meu amor, escuta. ― Ignorando minha negativa, ele segurou meu rosto. ―
Se eu soubesse que tudo acabaria assim, eu nunca teria ajudado Barbara, nunca teria te
deixado, mas você esteve do meu lado o tempo todo! Eu nunca pensei que pudesse
querer me deixar agora que estou saudável.
― O amor verdadeiro é assim, Blake, e na sua doença você era perfeito para
mim. Agora, eu mal posso suportar que me toque porque lembro de cada vez que
esperei ansiosa e preocupada, cada mentira, atraso seu. Por Deus! Você usou a sua mãe
para acobertar suas mentiras! Isso é baixo demais.
Minhas lágrimas voltaram com força, contorcendo meu rosto de dor crua.
― Eu passei meu primeiro aniversário de casamento sozinha! ― Empurrei seu
peito, quase sem forças, mas ele sentia meu sofrimento porque se afastou. ― Você me
deixou sozinha! Eu fiz tudo com tanto carinho; sonhei com esse dia. E foi horrível. O
pior, em quesito decepção. Não entra na minha cabeça que você nunca imaginou que eu
fosse descobrir. Acho que você nunca se importou, na verdade.
― Como não? Eu mal posso evitar que meu coração encolha com cada palavra
dita, suas lágrimas me cortam como navalhas. Eu te amo, e jamais faria de propósito
algo para te magoar. Fizemos amor quando cheguei, você me aceitou...
Blake começou a caminhar pelo quarto, passando os dedos nos cabelos
rosnando em fúria.
― Não lembro disso, mas não importa. Você finalmente me libertou do medo
que tinha em relação a sua saúde, Blake, e eu te agradeço por isso. ― Ele parou de
andar e me olhou, confuso. ― Agora vou poder viver com a certeza de que fiz tudo o
que pude, aceitando as consequências de nossas decisões. Só espero que você faça o
mesmo por mim.
― O que você está dizendo? ― murmurou meio ofegante. ― O que está
dizendo, Ma petit?
― Estou dizendo que entendo sua necessidade de fugir das lembranças. ―
Limpei minhas lágrimas. ― Sempre soube que tem um coração enorme, Blake, mas as
consequências de nossas ações devem ser respeitadas. Por pior que seja, temos que
arcar com elas e você terá que fazer isso. Desde o início eu fui autêntica e você sabe
como eu sou. Chegamos num ponto sem volta.
Por um instante, os sentimentos ruins me deixaram. O que restou foi só o amor
que ainda sentia por ele.
― Não diga isso, por favor, não diga!
― Se você tivesse me dito que Barbara precisava de ajuda, eu teria ficado do
seu lado, só porque era importante para você. Mas você escolheu guardar para si uma
história que não era sua para contar. Eu não entendia, mas agora aceito isso também.
Respirei fundo, a imagem dele embaçada.
― Se você prestasse atenção, veria que Barbara não passa de uma ótima atriz.
― Blake empalideceu quando falei, a parede servindo de apoio para ele. ― Já se
perguntou por que ela nunca apareceu enquanto você estava doente? Bastou você ficar
bom e a doença dela chegou e só você poderia ajudar. Pense: você caiu, Blake; Barbara
usou seu bom coração contra você mesmo.
― Amor...
― Agora ― continuei como se ele não houvesse soltado aquele lamento
engasgado. ― Eu tomo o meu coração de volta, pego os meus sonhos e os guardo.
Protejo-me da forma que posso, porque preciso disso para seguir em frente, e feliz,
Blake, por ter te ajudado quando pude. Te deixo livre para ir, também. Faça as suas
escolhas a partir de agora, sem temer magoar ninguém.
Olhei para a porta.
― Vá embora. ― Minha voz pesou no silêncio. ― Olhar para você me
machuca, porque só confirma que nada da minha certeza mudou. Homem nenhum presta
quando se trata de seus próprios interesses.
De cabeça baixa, eu não me importava em chorar. Precisava fazer isso para
poder me levantar. Ouvi a porta abrindo e esperei que ele fosse embora.
― Eu preciso que você me perdoe...
Não ergui a cabeça. Acenei engolindo meus soluços.
― Eu te oferto isso, Blake. ― Meu peito doía. ― Eu te oferto meu perdão e a
sua liberdade, porque o meu amor colocou uma venda em meus olhos, isso foi bom para
seus propósitos, agora, ela não existe mais e eu enxergo tudo o que está diante de mim.
― Sabe que eu nunca poderia desistir de você, não é? ― Havia uma profunda
tristeza em sua voz, e determinação também.
Não respondi.
― Vou te dar esse momento, meu amor. ― Com a voz rouca e embargada ele
não permitia meu coração voltar a ser livre. ― Estarei aqui todos os dias, não sairei do
seu lado. E mesmo que não queira falar comigo, eu vou estar aqui para o que precisar
de mim, porque, apesar dos meus erros, a única certeza que tenho na minha vida é o
quanto eu te amo.
A porta fechou e eu desabei em um choro desesperado, o pior da minha vida,
um que nunca experimentei. Escondi meu rosto numa tentativa de fugir daquilo tudo. A
porta abriu de novo e eu temi ser Blake. Antes que pudesse mandá-lo embora, fui
abraçada.
― Filha...
― Pai. ― Retribui o gesto reconfortante. ― Por que parece que meu coração
está sendo arrancando do peito? Tudo está fora do lugar. Eu me sinto confusa e tão
profundamente magoada que tenho vergonha.
― Vai ficar tudo bem — murmurou esfregando minhas costas. — No fim, tudo
termina bem.
Enquanto eu chorava, meu pai me manteve acolhida em seus braços. Por um
momento me senti forte tendo-o ali comigo, só que, lá no fundo, eu só conseguia pensar
na mulher que eu havia me tornado.
O que você fez comigo, Blake?
***
Se fechasse meus olhos, eu não conseguiria encontrar o suficiente de confiança
para pensar em dar a Blake uma oportunidade. Não sei se por deixá-lo tão confiante
dos meus sentimentos tudo desenrolou da forma que foi, mas uma coisa era certa: eu
quebrei quase todas as minhas regras quando o aceitei em minha vida. Agora, a única
coisa que quero é fugir e esquecer.
Quão difícil foi para mim chegar a este ponto? Ninguém pode imaginar. Sinto-
me frustrada, querendo correr, porque não sei o fazer. As lembranças boas e ruins
mesclando-se com amor e ódio é triste demais, não há beleza nisso, nunca poderia
haver. E, mesmo assim, eu queria acreditar que tudo poderia ficar bem, mas como fazer
isso se não quero Blake perto de mim? O amor que ele diz ter me machucou, não
consigo nem esconder dele, tampouco de mim mesma.
Dia após dia me sentia cada vez pior, um desespero doentio me deixava com
uma sensação permanente de mal estar. Isso me deixou fraca e um dia entreguei-me ao
choro convulsivo de novo.
Meu pai me abraçou como sempre fez desde que eu era pequena. Em silêncio,
ele me permitiu chorar até eu cair exausta e dormir. Aquela parecia ser a única forma
que encontrei para me sentir um pouco melhor, menos aflita.
O meu herói sempre estendendo a mão para mim. Acreditava que, se não fosse
por meu pai, eu estaria apenas uma casca. Ele não me deixava ir muito fundo no poço,
tampouco minha mãe, que, apesar de estar muito mal devido ao susto, não me deixava
encolher como eu queria.
― Eu não sinto nenhuma obrigação com Blake, pai. ― Respirei fundo. ―
Preciso sair daqui, fugir de tudo isso porque senão vou enlouquecer. A mamãe e
Viviam me entendem e concordam. Sabe que nunca pensei que diria isso, mas ir embora
pode ser a única solução.
― Minha filha, preciso te dizer que fugir não resolve nada?
― Não precisa, mas eu quero resgatar algo, antes que eu perca para sempre. ―
Olhei ao redor do quarto de hospital. ― Eu preciso que o senhor me ajude, também. Só
falta o seu apoio.
Meu pai acenou. Ele sabia o que aconteceu porque, dois dias depois, explodiu
na mídia da pior forma possível. Barbara deu entrevista na clínica onde operou o nariz.
Ela disse que Blake nunca a abandou pois eles se amavam, neste caso, a suposta doença
nem foi mencionada. De todos os modos, os detalhes que ela deu só me causaram mais
raiva de Blake.
O amor se foi. Por vezes uma faísca acendia, mas logo uma pesada chuva
apagava a pequena chama, enlameando tudo o que restava.
Neste dia, quando Blake chegou parecia ter envelhecido anos. O abatimento em
seu semblante era gritante, o medo também. Ele temia que suas chances minguassem.
Impossível. Nada do que poderia acontecer, daqui para frente, seria pior do que o dia
da descoberta.
― Minha filha, por que não espera? ― Meu pai acariciou meu cabelo. ― Volte
para a nossa casa, vamos devagar e talvez, com o tempo, a mágoa passe...
― Pai, não dá para confiar em Blake, mesmo que agora ele diga que nunca mais
vai me magoar. Ele disse isso inúmeras vezes e não fez diferença. Acha que posso
viver desconfiando de qualquer atraso ou das palavras que saem da boca dele? Isso não
é vida! ― Balancei a cabeça enfática. ― Quero seguir em frente, respirar um novo
lugar, uma nova vida. Eu dei para Blake o melhor de mim, agora quero minha vida de
volta. Não confio nele para voltar a fechar os olhos ao seu redor.
― Eu quero te convencer a ficar sob qualquer pretexto.
― Não, o senhor vai me ajudar. – Acariciei seu rosto. – Nunca te pedi nada,
sempre fui uma filha suave e obediente.
― Isso é a maior mentira que você já contou!
Rimos juntos, em um dos raros momentos que eu me sentia feliz.
***
Como prometeu, todos os dias Blake vinha depois das sete da manhã e queria
ficar o tempo todo. Engraçado como os treinos importantíssimos foram deixados de
lado. Eu não o queria ali, e fiz o mesmo que ele costumava fazer quando se sentia
particularmente ruim: o mandei ir embora, mas ele nem se importava.
― Se você me ver todo dia, vai começar a me perdoar.
― Você deve acreditar no que quiser, não faz diferença para mim.
Ele só me olhava, querendo se aproximar, mas a cara do meu pai o deixava na
linha. Minha mãe era ainda pior, porque ela nem permitia que Blake entrasse no quarto,
não enquanto ela estivesse lá, e Viviam está sofrendo porque terminou com Javier e não
quer vê-lo. Pelo menos é o que ela diz quando vem me visitar. Não autorizei a entrada
de Javier, que queria me pedir desculpas, mas não me importam suas intenções, eu o
queria longe, junto com Blake.
― Você não tem coisas para fazer? ― Aquele era meu cumprimento diário. ―
Não me sentirei triste se resolver ir e não voltar mais.
― Não sairei, ma petit, eu sou o seu marido! ― Enfatizou sem se deixar abalar
por minhas palavras. ― Tenho o direito de ficar ao seu lado. Você precisa de mim.
Cheguei a um ponto que nem me importava em responder, porque Blake só
absorvia aquilo que o interessava. Não adiantava discutir, então recorri a subterfúgios
e fingi. Sim, fingi que estar em sua presença não me deixava com ganas de assassiná-lo.
Ao contrário do que ele pensava, não me acostumei com a sua presença e nem iria fazê-
lo. Por isso pedi a meu pai para ser meu acompanhante e dormir comigo, assim Blake
precisava ir para casa.
No dia que os pais dele vieram me visitar, tentei tranquilizá-los pois estavam
revoltados com Barbara e com o filho por ter mentido por tanto tempo. A verdade é que
eu seria injusta se os destratasse por causa de Blake. Eles nunca me fizeram mal, pelo
contrário, sempre foram carinhosos tratando-me como uma filha. Foi uma pena ver as
lágrimas nos olhos da senhora Walker, mas ela iria se acostumar com as mudanças
inesperadas.
Depois, para a minha alegria, meus amigos vieram me ver também, e brincamos
como sempre fizemos, debochando uns dos outros, contando fatos da época da escola e
as confusões. Blake só ouvia, sentado num canto, mudo. Minha breve felicidade
aumentou quando falei com a Ally. Nunca vi minha amiga tão apavorada, tanto que
estava a ponto de largar a extensão que conseguiu para vir ficar comigo.
Enfim, apesar de ter um respaldo em minhas costas, a alegria não passava da
primeira camada, depois, o meu desejo de sair dessa caixa de lembranças me tornou
uma criatura ansiosa.
Ao final de quase duas semanas internada, eu estava bem perto de receber alta,
só precisaria ter bastante cuidado com as costelas e com a mão quebrada, o resto era só
ir seguindo. O tempo curaria todas as feridas. As emocionais e as físicas.
― Adoro ver as minhas meninas juntas ― meu pai falou, logo seu semblante se
tornou carregado, sinal de que ele estava realmente me ajudando.
― Bom, eu já vou. ― Viviam me beijou e depois ao nosso pai. ― A mamãe
disse que vem dormir hoje. Eu amo vocês.
Observamos em silêncio minha irmã indo embora, a tristeza deixando-a
cabisbaixa.
― Os papéis estão aqui. Eu peguei com o advogado no caminho para cá.
― Pai... ― Apertei sua mão. ― Obrigado por tudo o que está fazendo. Eu sei
que é contrária à sua vontade pois não quer ver suas filhas longe, e me sinto orgulhosa
do senhor por mesmo assim me ajudar. Agora diga: já falou com o vovô?
O silêncio por si só me ofereceu a resposta que eu precisava.
― Ele mal aguenta esperar ― meu pai murmurou tristonho. ― Ainda está
sentido por não poder ter vindo o ano passado e disse que está morrendo de saudade.
― Pai, não fique triste. Eu só estou indo em busca de um pouco de
tranquilidade. O senhor sabe que não é para sempre.
Talvez...
― Mas vocês não me dizem quanto tempo ficarão longe, e eu não sei se vou
aguentar de saudade.
― Oh, vem aqui. ― Estendi os braços e ele me abraçou apertado. ― Eu te amo
e não importa onde eu esteja, o senhor sempre estará comigo.
Ficamos abraçados por um bom tempo e desfrutei de estar nos braços do meu
herói. Ele me passava a segurança que eu precisava, assim notei que a cada dia só
estive mais e mais consciente de que não dava para continuar fingindo aceitar Blake
aqui. Enquanto ele acreditava que meu silêncio era um bom sinal, na verdade era a dica
de que a minha introspecção atingiu o cume, e as decisões se tornaram duras, porém
mais fáceis de serem tomadas. Naquela noite, eu dormi consciente de que no dia
seguinte teria que conversar com Blake.
Definitivamente.
No mesmo horário de todos os dias, a porta abriu e ele chegou. Eu já estava de
banho tomado e sentada próxima à janela. Minha mãe havia saído para não ter que
encará-lo. Assim, paciente, esperei. Blake havia desenvolvido alguma fobia com
pontualidade.
― Por favor, Blake, sente aqui. ― Apontei para a cadeira em minha frente.
Desconfiado ele veio. Esta era a primeira vez que eu iniciava uma conversa
amigável, livre de sarcasmos, desde que tudo aconteceu.
― Bom dia, meu amor. Como se sente hoje? ― Ele sorriu sem jeito, mas estava
feliz. ― Fiz um vídeo de Cyborg e Albina. Eles estão com saudades de ter você em
casa. Confesso que não nos aguentamos de ansiedade para te ter de volta, você quer
ver? Digo, o vídeo.
― Tome. ― Entreguei os papéis que meu pai trouxe. Não me importei com seu
monólogo. ― Leia e assine.
Seu sorriso morreu quando ele começou a ler, ao fim Blake me olhou. Nenhuma
palavra saindo de seus lábios.
― Se reparou, eu não quero nada, só que assine. ― Estendi a caneta. ― Por
favor.
― O que significa isso, amor? ― Sua voz quebrou por um momento.
― Eu estou pedindo minha liberdade de volta. ― Encarei seu rosto. ― Eu
quero o divórcio.
Sustentei o olhar que ele me dava e minha certeza nem fraquejou.
― Assine os papéis, Blake. ― Empurrei a caneta em sua direção.
Num rompante ele se levantou, sacudindo as folhas para mim, pura raiva
brilhando em seus olhos.
― Não vou assinar merda nenhuma! ― Rasgou os papéis ao meio. — Não vou
assinar!
Não me alterei, apenas puxei um segundo maço de papéis.
― Assine! ― Estendi as novas folhas e ele rasgou-as também.
Olhei para a janela e só encarei o jardim do hospital. Nem me assustei quando
Blake esmurrou a parede. Quando o olhei, seu corpo tremia de fúria mal contida, sua
testa encostada batendo de leve na mesma parede, palavrões sendo cuspidos por seus
lábios.
― Amanhã meu pai trará outra cópia do pedido de divórcio. Só assine, Blake.
Facilite ― murmurei e ele negou. Então, me pegando completamente desprevenida, ele
veio até onde eu estava e segurou meu queixo com força, obrigando-me a olhá-lo.
― Sabe quantas vezes eu vou te dar o divórcio? Nenhuma! ― rosnou na minha
cara. ― Eu vou arrastar isso por anos e anos num maldito processo litigioso onde
sabotarei cada umas das suas tentativas de me deixar. Farei isso até você desistir. Você
é minha esposa, minha mulher, porra, e não vou deixar você cometer esse erro.
Não revidei, pois vi fogo em seus olhos. Blake estava transtornado, ofegante e a
ponto de surtar de vez. Se ao menos eu me sentisse como antes...
Gentil, tirei suas mãos do meu rosto. Minhas ações eram as de uma pessoa
distante. Não o tocava com carinho.
― Amanhã os novos papéis estarão aqui. ― Olhei em seus olhos. ― Só assine.
― Nunca!
Era certo: eu precisava ir embora o mais rápido possível. E assim fiz sem olhar
para trás, longe dos olhos de Blake e sua ilusão de que tudo poderia ser consertado.
Tudo estava preparado, assim, no dia que recebi alta, fui do hospital direto para o
aeroporto, meus cachorros junto comigo.
O que deixei para ele? A casa vazia, uma carta, os papéis do divórcio e a
chance de escrever um recomeço, assim como eu.
Capítulo 36

Blake
Se por um segundo eu imaginasse que ajudar Barbara em sua doença fosse
trazer para minha vida tais consequências, eu nunca teria assumido essa
responsabilidade. Não usaria a minha crença de que se o câncer não me separou de
Valentina nada mais o faria para garantir que eu estava fazendo o certo. Mudaria muitas
coisas.
Encontraria outra forma de apoiar Barbara, pois jamais faria o que ela fez
comigo; eu não poderia abandonar alguém que precisava, mas, infelizmente, eu acabei
por fazer isso, mas com a pessoa errada. A que, de todas as formas, merecia a minha
total dedicação.
Como me arrependendo!
Por Deus! Como eu pude demorar tanto para tomar uma atitude? Ainda não
acredito que menti para a minha esposa apenas porque achei que fosse mais fácil. É
inacreditável como só agora, depois de toda essa tragédia que se abateu sobre a minha
vida, que pude perceber que a omissão foi minha maior traição à minha mulher e ao
meu casamento que está por um fio. A mera menção da palavra divórcio me deixa com
um gosto amargo na boca; meus dias se transformaram em um puro inferno.
Antes de Valentina me encontrar no que seria a última tentativa de ajudar
Barbara nos termos dela, eu já havia decidido contar tudo. Seria complicado porque sei
como minha esposa era violenta, ignorante e atrevida, mas pelo menos seria eu a
contar. Não deveria ter deixado as coisas chegarem até onde chegaram; eu deveria ter
aberto o jogo desde a primeira vez que cheguei em casa e encontrei Valentina dormindo
toda encolhida, o rosto marcado de lágrimas. Nunca vi minha mulher daquele jeito, e
nunca mais quero ver. Desejava poder voltar no tempo e trocar meus atrasos, mentiras e
enganos, mas assumi a responsabilidade, sem imaginar o que aconteceria.
Aquele acidente, para mim, foi como ter minha vida suspensa por milésimos de
segundos. Quando vi a minha esposa, a mulher que mais amo na vida, se chocar contra
o carro e voar, eu jurei que poderia morrer. Seu corpo tombado em cima de um carro, a
mão virada em um ângulo estranho, deixando o osso à mostra, doeram mais em mim do
que cada espetada que levei durante as quimioterapias. Meu pesadelo intensificava sua
forma, e depois, o que se seguiu foi mais do que o merecido para mim. Foi o perfeito
castigo.
Quando fecho os olhos, o medo que senti do acidente mistura-se ao pânico de
saber que ela não está aqui comigo. Mesmo em meio a pior angústia da minha
existência, tenho que lidar com tudo o que causei. Ainda tremo quando relembro de
suas lágrimas em meio ao desabafo. Valentina sempre me poupou;, foi forte por mim
mesmo que, por dentro, estivesse quebrada como eu estava.
― Meu Deus, eu não posso aceitar que ela me deixe! ― Sentado na beirada da
minha cama, eu refletia sobre tudo.
Todo santo dia fazia parte da minha rotina sentir o sabor da solidão em que
deixei minha mulher. Não serei hipócrita de me esconder atrás do imenso amor que
tenho por ela, assumo meu erro, eu a deixei sozinha sim, dei prioridade a outras coisas
porque estava confortável de que nunca iríamos nos separar.
Pensava em tudo o que fiz, e as mesmas coisas insistiam em voltar e me fazer
remoer tudo que poderia ter sido feito diferente.
No início, quando estava tentando conquistar Valentina, eu sabia quando
avançar e recuar em cada momento; passei a conhecer seus truques para me afastar,
inclusive suas mentiras debochadas e cínicas que em muitas vezes me divertiam, mesmo
quando não deveria. Agora, não sei como agir. Essa Valentina silenciosa, que não
briga, introspectiva, não me deixa entrar, na verdade, eu sinto-a se afastar mais e mais.
Isso me aterroriza a níveis primários.
O ponto de ruptura foi nosso aniversário de casamento. Eu não planejava fazer o
que fiz, mas corri em socorro de alguém que mentia para mim. Barbara parecia em
plena crise e no dia seguinte ela aparentava estar ótima, depois surtou de novo e fui
correndo para a festa do maldito Nikkos.
Só agora percebi a sutileza que foi a forma como meu casamento foi descendo
uma ladeira. Cada ausência foi acumulando decepção, mas a última foi a pior, tanto
que, quando cheguei em casa, eu estava tão desesperado para reafirmar a mim mesmo
que tudo estava bem que dediquei horas de carinho e cuidado a minha mulher. Mesmo
que ela estivesse dormindo, eu não parei de dizer o quanto a amava, assim fizemos
amor. Meu peito apertava de medo porque não havia mais desculpas e, no dia seguinte,
eu teria que ter muita sorte. E nem sequer deu tempo.
Quando Valentina me viu na festa, eu soube que seria muito árduo fazê-la mudar
de ideia e me perdoar. Separar nunca foi uma opção para mim, porém na primeira vez
que ela me pediu o divórcio, pensei que não conseguiria nem falar. Aquela mulher
distante e fria não era conhecida por mim, e o pior é que não posso culpar a ninguém.
Todos os dias eu chegava cedinho e ia embora durante a noite, mesmo a contragosto,
minha tentativa inútil de dizer que estaria sempre ao lado dela.
Nas vezes que ficávamos sozinhos eu tentei me aproximar; sentia tanta saudade
de abraçá-la, de poder desfrutar do calor do seu corpo pequeno junto meu, e, por
último, sentir o cheiro que tanto adoro e morro por não ter mais.
― É sua responsabilidade, Blake, consertar as coisas! ― Balancei a cabeça e
Cyborg choramingou deitado ao lado da minha cama. Ele estava encolhido junto de
Albina.
Toda a situação afetou a eles também. Nenhum dos dois estava se alimentando
direito, todos os dias jogava fora metade da comida de suas vasilhas, e isso também me
matava, porque era culpa minha o fato da minha família estar perdida.
Por um tempo pensei que me ver todos os dias, ouvir minha voz e sentir que
nunca mais iria decepcioná-la ajudasse Valentina a me dar mais uma chance, mas não
fez diferença. O que ganhei quando cheguei foram os papéis do divórcio para assinar.
Já rasguei muitos deles. E ela sempre trouxe mais.
― Droga! ― Afundei minha cabeça entre as mãos. A sensação de sufocamento
e apreensão me deixava à beira da loucura.
O tipo de medo que sinto de perder minha esposa equipara-se ao que tive de
perder minha vida para o câncer. Por instantes fico incrédulo em tamanha idiotice.
Como pude deixar de lado tudo o que tinha por uma pessoa que não dava a mínima para
mim?
Ainda não confrontei Barbara porque meu foco era só em Valentina, mas agora
existe uma dúvida que precisa ser sanada. Não quero ir por esse caminho, não sou
violento, mas não sei do que seria capaz caso descobrisse que Barbara era uma fraude.
Não quero pensar na possibilidade, porque desta vez não deixaria barato.
― Calma, meu garoto. ― Bati em minhas coxas chamando Cyborg. Ele chorava
todo dia, uivava sem parar noite adentro. Eu sabia que ele estava morrendo de saudade
de sua dona. ― Ela logo vem para casa. Prometo que tudo será como antes ― falei
enquanto fazia carinho em sua cabeça. Por um momento jurei ter visto lágrimas
escorrendo de seus olhos marrons, mas depois achei absurdo demais. Ele não
precisaria chorar.
Não vou dizer que dormi porque não o fiz. Eu só perambulei pela casa até o dia
clarear, meus dias eram assim, ou melhor, as noites, já que não podia dormir com
Valentina no hospital. No começo fiquei no corredor, esperando, depois vi que não
adiantava, porque eu seria expulso e ela já me odiava o suficiente.
Mesmo com o coração doente de saudade da minha antiga vida com ela, atendi
aos seus desejos, o único que não faria seria dar-lhe o divórcio. Isso jamais.
― Nunca poderia permitir um absurdo desses! ― Eu me convenci enquanto me
vestia. ― Você me ama, Valentina, só está com raiva.
Pela primeira vez eu mudaria minha rotina. Não iria para o hospital, e sim ao
meu advogado tentar descobrir formas de evitar que minha esposa me deixasse de
maneira definitiva. Brigaria, se fosse preciso, mentiria, subornaria, também. Nada seria
pouco para manter minha mulher comigo.
***
― Blake, processos de divórcio geralmente são muito fáceis. ― Comprimi os
lábios ouvindo o discurso ― De acordo ao que me contou, sua esposa não quer nada
dos seus bens, correto?
― Sim.
― Em vista de serem casados com comunhão total, isso é muito bom.
― Qual a parte do não quero me divorciar que você não entendeu? ― Bati as
mãos na mesa, inclinando para frente ― Vim para encontrar um meio de evitar. Não
quero conselhos para benefício. Dinheiro não é o meu problema.
― Tudo bem. ― Em meio a uma longa exalação surpresa, finalmente meu
advogado parecia entender minhas pretensões ― Você pode, por enquanto, recusar o
acordo. Isso te dá mais tempo para tentar fazer sua esposa mudar de ideia. Será
estranho para o juiz quando ele se deparar com esse caso, já que é você que não está
aceitando um acordo que só te beneficia.
― Foda-se o acordo! Não quero me divorciar. ― Passei a mão no cabelo, em
pleno estado nervoso ― Preciso da minha esposa. Não posso pensar na possibilidade
dela me deixando, entende? Você é um advogado muito bom e caro. Arrume uma
solução para mim!
― Você precisa entender que apenas a sua vontade não faz muita diferença. Se
sua esposa não quiser de jeito nenhum voltar, ela entrará com um processo litigioso e
isso será péssimo porque terão que brigar um contra o outro.
― Eu brigo. Não quero me divorciar.
― Senhor Walker, se insistir nisso, durante o processo você tem chance de sair
sem metade dos seus bens e com uma ordem de restrição.
Oh, caralho! Levantei da cadeira e comecei a andar de um lado para o outro,
meu estado de nervos muito pior.
― Quero soluções! ― vociferei desesperado. ― Não aceito essa merda de
divórcio e ponto final.
Meu advogado estava ficando exasperado com o meu descontrole. Eu não me
importava com nada, só com o fato de não desistir da minha mulher sob hipótese
alguma.
― Sua esposa vai precisar alegar um motivo para querer se divorciar, já que
você está tão contra isso. Mas para a sua falta de sorte, é de conhecimento público seu
envolvimento com a senhorita Barbara Richmore, então basta uma alegação de
adultério e acabou.
― Eu não traí a minha esposa! Mas que merda, eu nunca poderia traí-la, sou
completamente apaixonado por ela.
― Já tratei de inúmeros casos onde o marido diz amar a esposa, mas tem filho
fora do casamento. Os chamados deslizes ― falou cético.
Senti meu rosto esquentando de raiva. Nem o meu próprio advogado confiava
em mim.
― Eu não estou mentindo. Não traí a minha mulher! ― Travei o maxilar com
tanta força que meus dentes doeram. Isso não estava melhorando.
― Tem como provar que fala a verdade?
― E se eu tiver? ― perguntei curioso. Agora sim parecia que as coisas estavam
caminhando para onde eu queria.
― Você pode alegar que o período de convalescência causou danos emocionais
ao relacionamento, mas que não quer se separar porque preza a família e ama sua
esposa. A maioria dos juízes estão do lado da instituição do casamento, e vendo um
marido tão dedicado, será provável que a sentença seja um período de teste.
― Como assim? ― Senti meu coração acelerando em expectativa.
― Simples: pode ocorrer uma sentença provisória. ― O advogado deu um
sorrisinho cúmplice. ― Sua esposa pode ser obrigada a voltar para casa por um
período de tempo, teriam que conviver e depois voltar para decidirem se ainda querem
se divorciar.
Pela primeira vez em vários dias recebi uma boa notícia. Demonstrar que sou
um homem loucamente apaixonado será fácil, porque eu sou. Não quero nem saber o
ódio de Valentina quando tiver que voltar para casa. A parte boa nisso tudo é que vou
pronto para derrubar qualquer barreira que ela impuser.
― Só mais uma coisa. ― Olhei para o meu advogado e ele me encarava sério.
― Existe a possibilidade da sua mulher estar grávida?
Não respondi. Dei as costas e caminhei até a janela. Observei o tráfego de
carros nas ruas muitos metros abaixo de onde estava. Por um instante meu coração
queria acreditar na possibilidade, mas infelizmente não deu tempo da minha Valentina
engravidar, agora, talvez isso demore muito mais a acontecer.
― Pelo seu silêncio acredito que a resposta seja não.
Comprimi os lábios. Falar não era necessário.
― Vou entrar em contato com o advogado da sua esposa e recusar o acordo de
divórcio. Preciso de uma cópia do documento para criar uma base argumentativa.
― Faça o que for preciso. ― Enfiei as mãos nos bolsos da minha calça. ― Não
me importam os métodos, mas saiba que perder minha esposa não é uma opção.
― Prepare-se para brigar.
― Eu já estou pronto há muito tempo ― respondi olhando o céu azul e sem
nuvens.
O dia prometia calor, uma pena que eu não sentisse me aquecer além da camada
exterior. Tenho a plena certeza de que só irei me sentir quente por dentro quando
recuperar a minha antiga vida, digo, quando eu recuperar a minha esposa de volta.
Saí do escritório de advocacia e caminhei um pouco. Já sentia saudade de
encontrar Valentina, mas precisava de um pouco de força para saber lidar com sua
indiferença. Para um homem de 32 anos é muito ruim se sentir perdido, mas é assim que
me sinto. Tudo ol que fiz não foi com a intenção de fazer minha mulher sofrer, muito
pelo contrário, eu preciso dela para complementar cada aspecto da minha vida. Agora,
meu corpo e emoções estão entrando em algum tipo de colapso porque não suporto mais
o abismo de aparência intransponível que se abriu entre nós.
O que me consola é ter a oportunidade de olhá-la e ouvir sua voz, mesmo que
não seja direcionada a mim. Estar em sua presença me faz tão bem que não resisto. Só
com ela me sinto relaxado e até, ouso dizer, descansado, pois em casa não consigo
dormir. Parece que falta algo em minha cama.
Em algum momento voltei para pegar meu carro, partindo para a Racers. Eu
precisava dar apoio a Javier que estava tão na merda quanto eu. Não bastasse foder
meu relacionamento, de quebra eu acabei com o do meu amigo. Ao perder Viviam, ele
perdeu algo essencial, pois nem parecia mais o mesmo. Longe de ser o cara
extrovertido de sempre, Javier agora se dedicava a tentar trazer sua mulher de volta e
ao seu trabalho. O silêncio era como um suporte para aguentar o que se passava em seu
interior.
Ao chegar na sede de treinamento, eu me dirigi para a área mecânica. Como
esperava, encontrei Javier mexendo em um motor.
― Como andam as coisas? ― perguntei apoiando o quadril na lataria.
― Se manda.
Essa foi a única resposta que obtive. Às vezes ele falava comigo, outras não.
Dependendo do seu humor, creio que hoje é um mau dia.
― Javier, vamos lá, precisamos conversar direito ― insisti notando que
travava o maxilar. ― Você tem que me ouvir.
― Ouvir? ― Ergui as mãos em sinal de paz quando ele virou bruscamente,
apontando uma chave inglesa para o meu rosto. ― Você me ouviu quando falei para
parar de mentir para Valentina? Você por acaso me ouviu quando te alertei que Barbara
não vale nada?
― Vamos conversar, okay? ― Usei um tom apaziguador, na tentativa de fazê-lo
pensar como eu e não desistir.
― Vá se foder, Blake, e me deixe em paz. Não quero falar com você agora.
― Tudo bem, eu aceito minha culpa, sem querer acabei te arrastando para o
buraco comigo.
― Sem querer? ― Riu debochado. ― Um caralho! Ninguém mente para a
mulher por mais de dois meses seguidos sem querer. Você fez uma escolha, mas eu
estou pagando por ela.
― E eu não? ― Cruzei os braços, começando a me alterar também. ― Eu tive
que ver a minha mulher se arrebentar em um maldito acidente porque estava fugindo de
mim. Todos os dias tenho que conviver com o seu silêncio porque ela nem suporta
minha presença. Javier, assim que chego para ficar com ela tenho que ver sua expressão
congelada na indiferença, além da parte que mais me dói, que é quando recebo os
papéis do divórcio e a única vez que fala comigo é para pedir que eu assine.
― De quem é a culpa Blake? ― grunhiu cheio de desgosto. ― Eu te pedi tanto
para não deixar Valentina de lado. Você deixou de viajar para curtir sua lua de mel
porque Barbara te pediu isso. Você deixou sua mulher sozinha no primeiro aniversário
de casamento, além de tantas noites que você estava ocupado demais se dedicando a
uma vadia fútil e mentirosa. Não acredito nem por um momento nesse caralho de
doença, e se ela estiver doente mesmo, nunca vi uma cronologia tão perfeita. Cada uma
das crises de Barbara ocorreram em dias especiais para você e sua esposa.
― Vou descobrir tudo isso. ― Esfreguei o cabelo porque não conseguia evitar
o tique nervoso. ― Mas agora meu foco está em trazer Valentina de volta.
― Você demorou demais a destinar sua total atenção a ela. ― Assenti pois era
a mais pura verdade. ― Barbara montou o plano perfeito. Ela te fez ser um homem
omisso e irresponsável. Talvez se Valentina tivesse encontrado você com outra mulher
não fosse tão ruim, o problema é que você a deixou pela pessoa que te virou as costas.
― Eu sei. E estou pagando caro. Não consigo dormir, Javier. Passo o tempo
todo angustiado e preocupado pois sei que minha situação está muito difícil, inclusive
meus pais estão putos comigo.
― Você escolheu assim, talvez agora seja a vez de Barbara ficar do seu lado.
― Riu sem humor. ― Seria justo, afinal. Agora se manda. Preciso voltar ao trabalho.
― Eu não vou desistir de Valentina. Você deveria fazer o mesmo com Viviam.
― Acha que existe chance de eu desistir dela? ― Brusco, jogou a chave na
caixa de ferramentas. ― Eu não sou idiota de fazer isso, só estou dando uma folga para
ela, depois voltarei a lutar por nós dois. Depois de tanto tempo tentando conquistá-la,
vou recomeçar tudo de novo, e sabe por quê?
― Você a ama.
― Isso é obvio, mas agora está difícil porque confiança quebrada é pior do que
motor batido. Viviam não confia em mim porque eu menti quando te acobertei e, se não
reparou, as irmãs MacKerrick são uma equipe, uma sempre irá ser o suporte para a
outra, nós apenas nos jogamos fora do círculo, e não sei o que será preciso para
voltarmos.
― Sim, mas nada nos impede de continuar tentando ― proferi tentando passar
confiança ao meu amigo.
― Ainda bem que sou resistente, caso contrário estaria encolhido e lambendo
as feridas. Seria fácil buscar um corpo para saciar minha raiva, mas não quero outra
mulher, eu só quero Viviam, porque eu a amo demais e me imaginar sem ela é a pior
coisa do mundo.
― Estamos na mesma, meu amigo, mas talvez juntos possamos encontrar formas
de reconquistá-las.
Javier me olhou desconfiado, depois voltou ao trabalho.
― Você está por conta. Não quero me envolver, porque você se sabota demais,
Blake, e agora não quero que suas atitudes respinguem em mim.
― Foda-se! Não precisa se preocupar, eu já aprendi muito bem a minha lição.
Estou aqui porque quero consertar as coisas. Somos uma equipe, temos que nos manter
unidos.
Um longo silêncio se seguiu até que Javier suspirou apoiando as duas mãos no
carro. De cabeça baixa murmurava seu descontentamento com a situação que vivíamos.
― Blake, eu sou seu amigo, mas se resolver foder com sua vida, faça isso
sozinho ― avisou estendendo a mão.
― Não haverá erros ― eu disse, selando nosso acordo. ― Vamos pegar nossas
garotas de volta.
― Não vejo a hora. ― Sorriu pela primeira vez desde o fatídico dia.
Um pouco do peso saiu das minhas costas. Ter Javier de volta ao meu lado era
um grande passo pois juntos formávamos uma equipe do caralho no aspecto
profissional e agora nos planos para reconquistar nossas mulheres.
Não pretendia demorar muito tempo na sede, mas quando estava prestes a sair,
o presidente da equipe apareceu e queria ver como andava o desempenho dos seus
pilotos. Passei mais de duas horas testando o carro que seria usado na próxima
temporada. Apesar de ser uma máquina perfeita, eu não estava concentrado, por isso,
pela primeira vez, Nikkos conseguiu um tempo melhor do que o meu.
― Espero que se acostume a perder para mim, Blake!
Respirei fundo, suportando o sorrisinho idiota e presunçoso daquele filho da
puta detestável.
― Aproveite, Nikkos. Não será por muito tempo. ― Sorri dissimulado. ―
Quando estiver correndo para valer, terei o prazer de te ver contemplando a traseira do
meu carro.
― Estamos começando, Blake, e o primeiro lugar não é a única coisa que vai
perder para mim.
Não respondi porque não estava no clima para as provocações do bastardo. Fui
para o vestiário tomar um banho para ir ao hospital. Antes de sair, encontrei com Javier
arrumado, almoçamos juntos e, enquanto íamos para o hospital, fazíamos planos de
cortejar nossas mulheres como se fazia antigamente. Flores, mensagens, bombons e
ursinhos de pelúcia com frases bobas e clichês.
― Todo dia dou um jeito de espionar Viviam ― meu amigo revelou enquanto
seguíamos para o hospital. ― Vou no trabalho dela, às vezes fico na frente do hospital
esperando ela aparecer. Caralho, Blake! Estou morto de saudade de senti-la em meus
braços.
Não falei nada porque nossas necessidades eram as mesmas.
― Apenas ignore os chutes que receber, Javier ― aconselhei enquanto
estacionava o carro. ― Ficar longe não adianta. Insista até ela perceber que você não
vai a lugar algum.
― Tudo bem. Eu só estava dando espaço para ela, mas já chega. ― Soprou
decidido. ― Agora Viviam terá que se acostumar comigo.
― Vou te perguntar a mesma coisa que meu advogado. Está pronto para brigar?
― Com toda a certeza do mundo! ― exclamou sorrindo de lado. ― Quero
minha mulher de volta.
― É assim que fala!
De olhos fechados eu poderia percorrer o caminho até o quarto de Valentina.
Enquanto caminhava pelos longos corredores, fui criando uma barreira de proteção
contra a dor que viria assim que eu entrasse no quarto e ela me desse aquele olhar
indiferente enquanto estendia os papéis do divórcio.
Quando cheguei ao quarto estranhei a porta estar aberta. Confuso, vi que a cama
estava arrumada e o quarto sendo limpo.
― Onde está a paciente deste quarto? ― perguntei à mulher que limpava
― Não sei, senhor. Ela recebeu alta e eu fui chamada para deixar o quarto
pronto para um novo paciente.
― Que horas foi isso? Digo, que horas ela recebeu alta?
Minha voz aflita assustou a mulher pois ela agarrou o pano que usava para
limpar. Não era como se eu pudesse evitar. Saber que Valentina recebeu alta justo no
dia que eu não estava aqui pareceu decepcionante demais. Queria estar aqui, carregá-la
nos braços para onde quer que fosse.
― Senhor, procure o médico responsável, eu não sei informar o que me pede.
Corri à procura do médico de Valentina e a demora em encontrá-lo me deixou
ainda mais tenso.
― Melhor ir embora. Valentina foi para casa, vamos até lá! ― Javier chamou e
eu achei melhor fazer como ele disse.
Dirigi feito louco até sua casa, mas eu não estava autorizado a entrar no
condomínio. Liguei para Sinclair e ele não atendeu. Os seguranças da portaria ligaram
para a casa e ninguém atendeu também.
― Vou tentar! ― Javier adiantou-se e ele foi autorizado.
― Fale com Sinclair, ele vai liberar minha entrada. ― Javier dirigiu meu carro
enquanto eu fiquei esperando do lado de fora.
Não demorou muito para ele voltar. O semblante contraído demonstrava raiva.
― Não estão aqui.
― Então Valentina foi para a nossa casa!
Meu coração acelerou por causa da emoção. Eu sabia que minha esposa mais
dia menos dia me perdoaria. Ela me ama e compreendeu que ficarmos separados só
faria mal a nós dois.
― Corre, Javier.
Apesar de ser um excelente motorista e de estar correndo bastante, eu ainda
achava que poderíamos ir mais rápido. Não via a hora de chegar em casa e encontrá-la.
Esperar estava sendo uma merda, assim, imaginei vários cenário: Valentina de cara feia
me mandando arrumar outro quarto; arrumando as coisas para ir embora; brincando com
os cachorros ou até mesmo arranhando meus carros, salvo a Lamburghini dela. Esperei
por tudo isso, mas nunca encontrar uma casa vazia e ainda mais silenciosa. Nem os
cachorros estavam aqui. Olhei de um lado para o outro, sentindo como se um aríete me
golpeasse.
― Talvez ela esteja no quarto? ― Javier apontou as escadas e eu corri.
Invadi meu quarto. Talvez no fundo do meu coração eu soubesse que ela não
estava lá, mas não me preparei para ver, em cima da cama, coisas que não estavam
quando saí. O maior sinal de que Valentina veio.
Em piloto automático peguei os papéis do divórcio deixando-os escorrer por
entre meus dedos, em seguida peguei outro papel, este com meu nome escrito com letra
rebuscada.
― Amor, não faz isso ― lamentei sentindo meus dedos tremerem enquanto
desdobrava a folha.

Blake,
Não importa o quanto eu tentei, você continuou me pondo de lado. E eu não
consegui pôr um fim nisso.
Não houve conversa com você. Agora estou partindo, e levará tempo para eu
acreditar nisso. Mas depois de tudo o que foi dito e feito, é você quem ficará sozinho.
Você acredita em vida após o amor, Blake? Eu não te acho forte o suficiente
para isso. Agora eu não preciso mais de você. Não, eu não preciso mais de você!
Então, você acredita em vida após o amor?

PS: usei a música porque ela diz exatamente como me sinto, e respondendo à
pergunta acima, a resposta é sim, eu acredito, porque eu estou vivendo e não
pretendo fazer diferente. Desejo que você siga em frente. Agora não precisa voltar
para casa porque não terá ninguém te esperando. Faça das suas noites como sua
vontade assim desejar.
Por favor, assine os papéis. Dê-me a minha liberdade de volta, é o mínimo
que pode fazer por mim. Cyborg e Albina estão comigo pelo simples fato de serem
meus. Outra coisa, estou te devolvendo o carro; os motivos pelos quais eu o ganhei
me envergonham.
Agora vou te dar um conselho: viva um dia de cada vez. O mundo é seu para
ser conquistado. E por favor, não me procure, pois não quero ser encontrada.
Respeite ao menos isso.
Adeus,
Valentina MacKerrick.
Capítulo 37

Dois meses depois...


Blake
― Você precisa fechar a curva! ― A voz furiosa de Javier preencheu meus
ouvidos. ― Blake, você está três segundos atrás de Nikkos. Precisa recuperar ou não
nunca vai classificar para Pole Position este ano.
Comprimi os lábios virando bruscamente e tentando fechar a curva, mas o que
consegui foi perder o controle do carro e sair da pista.
― Era para fechar a curva, caralho!
O motor ainda cantava enquanto eu apertava o volante com força. Nos últimos
meses eu me tornei um verdadeiro fiasco. Não consegui me classificar para nenhuma
pole, e ainda tive que ver meu arquirrival debochando dia após dia.
Sabia muito bem o que estava acontecendo comigo. Todos os fracassos no meu
trabalho se deviam a uma série de fatores que não me impressionam porque, se eu for
ser sincero, não me importam.
Uso as corridas como uma forma de escapar da tristeza que minha vida se
tornou. Há dois meses me tornei um merda. Sinto na pele como é bom ser deixado para
trás em uma casa imensa e silenciosa. A raiva que sinto de mim é ainda maior porque
eu fiz isso a Valentina.
― Acorda, porra! ― O berro em meu ouvido me faz tremer com a dor aguda. A
vontade que eu tinha era de arrancar os comunicadores e sumir. ― Venha para o boxe
agora!
Aquela era uma corrida de treino para testar a pista, mas basicamente era nesse
momento que as posições do Grid de largada eram definidas. É muito difícil recuperar
o tempo e posições depois que o piloto sabe como trabalhar na pista, que já se torna
conhecida.
Assim que manobrei meu carro na vaga e antes mesmo de descer, avistei Javier
de braços cruzados e expressão séria. Respirei fundo, me preparando para mais uma
conversa que não levaria a lugar algum.
― Que merda foi aquilo? ― disparou assim que estive fora do carro. ― Se
continuar assim, não vai conseguir muita coisa no campeonato.
― Foda-se o campeonato!
Tentei passar por ele, mas não consegui. Agora eu não estava lidando com o
meu amigo e sim com o um chefe de equipe, o tipo que adorava chutar meu rabo em
momentos como esse, que estava acontecendo com bastante frequência.
― Você pode parar de ser um idiota e virar um profissional?
Cruzei os braços o encarando.
― Você dormiu ou ficou bebendo como um imprestável? Não, não precisa
responder, pela sua cara já vejo que passou mais uma noite se lamentando e mandando
mensagens para Valentina que nunca serão respondidas.
― Se você veio me passar um sermão, está perdendo seu tempo! ― Esfreguei o
rosto, impaciente. ― Preciso de um banho.
― Você precisa melhorar a porra do seu tempo! ― Javier explodiu ficando
quase nariz com nariz comigo. ― Você sabe quantas pessoas dependem de você? Sim,
você sabe, então pare de ser um filho da puta egoísta e trabalhe direito. Pensa que não
sei das suas noites acordado bebendo e sem comer? Você está em remissão e se não se
importa, tudo bem! Mas não vai tratar isso aqui como se não importasse.
― Eu não me importo!
Empurrei-o com força fazendo-o cambalear para trás. Eu me dirigi para os
vestiários com Javier em meu encalço.
― Das duas uma: ou você se dedica ao campeonato ou se afasta. Eu me recuso
a trabalhar com alguém que se entope de autopiedade. Isso é medíocre demais, Blake, e
vergonhoso também. ― Fiz uma careta, me sentindo quase agredido. ― Valentina te
deixou e você não consegue encontrá-la, isso foi sua culpa. Já eu, perdi minha mulher
também, por minha responsabilidade, óbvio, mas principalmente por sua incapacidade
de ouvir. Assuma a merda dos seus erros e pare de fazer os outros pagarem por eles.
Nunca vi minha equipe trabalhando tão nervosa.
Aguardei em silêncio enquanto Javier falava sobre a minha irresponsabilidade
com o trabalho. Em três corridas oficiais bati três carros, um ficou destruído e até agora
não subi no pódio nenhuma vez. Nikkos é o líder do campeonato e eu nem em quarto
lugar estou ficando.
― Olha para mim, Blake. ― O tom apaziguador me fez prestar atenção. ― Eu
entendo o que você sente, também estou sozinho, também sinto saudade e quero muito
encontrar as duas, mas executar bem o meu trabalho me faz orgulhoso porque sobre isso
eu tenho controle.
― Não consigo me concentrar ― revelei, minha voz baixa e envergonhada. ―
Não consigo, Javier. É como se eu não soubesse o que estou fazendo. Está muito difícil
não ser pior. Na verdade estou correndo para não piorar.
Eu me sentia sufocado. De algum jeito meu macacão protetor parecia uma
camisa de força. Agoniado, eu abri o zíper até a cintura, removendo meus braços.
Assim pude respirar melhor, infelizmente existia um peso comprimindo meus pulmões.
Sentei no banco do vestiário minha cabeça desabando sobre minhas mãos.
― Eu sinto uma saudade do caralho. Me corrói cada segundo do dia não ter
notícias dela. É como se eu não existisse e não pudesse fazer nada.
― Mas você está fazendo! ― Javier sentou do meu lado. ― Você está brigando
contra Barbara na justiça. Está mostrando a quem deve sua lealdade.
Balancei a cabeça. Eu não estava fazendo nada mais que justo. Valentina é
minha esposa, é meu dever cuidar dos interesses dela. Mesmo estando em choque e
profunda descrença com o fato dela ter ido embora da cidade, consegui direcionar
minha raiva para a pessoa certa. Investiguei Barbara e o médico dela, o mesmo cretino
filho da puta que deu o diagnóstico de transtorno de personalidade bipolar associado a
histórico suicida. Barbara tentou se matar há seis anos, em mais um de seus ataques de
agressividade onde sua mãe saiu com duas costelas quebradas e uma concussão devido
à violência que sofreu. Pouco tempo depois, ela sofreu uma overdose de calmantes e
mais uma vez sua mãe foi parar num hospital, desta vez por infarto. Nesse ponto entrei
na história dando minha palavra de que cuidaria de tudo. Procurei entender o que estava
acontecendo e por isso conversei com seu médico e ele me disse que Barbara precisava
de estabilidade e conforto emocional, então surgiu o noivado. Minha promessa foi
simples: quando ela estivesse controlando suas emoções e agindo normalmente, nos
casaríamos.
Não pretendia deixar chegar até onde foi, mas nossas famílias eram amigas e,
mesmo mantendo o noivado em sigilo entre mim e ela, Barbara se mostrou normal, mas
então bastava ser contrariada para que surtasse, pondo sua vida em risco. Vida esta que
nunca esteve em perigo, porque Barbara era uma ótima atriz e fingiu. Sim, eu descobri
tudo quando o médico dela, acuado por minha investigação, revelou todo o mistério.
Ódio misturado a sede de vingança foi o que senti quando Sinclair me procurou para
mostrar que Valentina estava sendo processada por agressão física e tentativa de
homicídio. Barbara queria minha mulher na cadeia.
Não me envergonho de dizer que usei a influência do meu pai para comprar a
autorização para representar minha mulher no processo conciliatório. Fiz isso e me
preparei, resumindo: agora de fato o médico de Barbara atestou que ela sofria de
transtornos mentais com tendências agressivas e psicopatas. Reuni os laudos médicos
da mãe dela, e agora eu a estou processando. O dinheiro sempre falando mais alto. E
com certeza a maldita irá passar uma ótima temporada em algum manicômio judiciário.
― Como eu pude cair no teatro de Barbara? ― Ri sem humor. ― Cada vez que
ela me ligava e dizia que a vida não tinha sentido e a morte parecia doce, eu ia
correndo feito um perfeito idiota.
― Blake, você não tinha como saber que ela mentia. Você sabe que ela se
preparou para fazer tudo direitinho.
― Sei, mas isso não muda nada. Ainda estou sozinho, ainda continuo recebendo
papéis de divórcio. Acredita que Valentina nunca respondeu a nenhuma das minhas
mensagens? ― Neguei cabisbaixo. ― Não sei mais o que fazer.
― Conversei com Sinclair e ele disse que suas filhas estão ótimas. Disse que
não precisávamos nos preocupar.
― Onde estão? Porque não saíram do país, eu investiguei todas as Valentinas e
Viviams que embarcaram a partir de Los Angeles. Os cachorros também não foram.
Esse tipo de coisa não tem como esconder. Cyborg e Albina não são chihuahuas.
― Continue mantendo contanto se acha que deve, mas ela não responde porque
simplesmente pode ter trocado o número.
― Ela fala com a minha mãe, mas não consigo rastrear o número. Meu
investigador falou que deve ser pelo computador que ela liga; a chamada desvia e a
localização se mostra inconclusiva.
Javier não respondeu. Ele sofreu como eu, mas pelo menos Viviam teve a
bondade de mandar ele se ferrar em um áudio de dois segundos antes de cortar a
comunicação definitivamente. Ele fica ouvindo quando pensa que não estou
observando. Se eu tivesse algo assim, estaria no céu.
― Vamos jantar fora hoje? ― propôs. ― Eu e você, um bom restaurante,
comida legal e tranquilidade. Bons amigos jogando conversa fora.
― Poderia ser um bar? ― sugeri e ele negou. ― Okay, um restaurante então.
Eles também servem uísque.
― Boa comida e boa conversa...
― Boa bebida soa ótimo para mim. ― interrompi procurando meu celular no
meio das minhas coisas.
Nenhuma mensagem nova. Abri o aplicativo e fui no nome da minha mulher. Em
seu contato não tinha foto, nem última hora disponível, tampouco mostrava se ela
visualizou ou não. Parecia um fantasma que não dava brecha alguma. Olhei para o meu
celular por um bom tempo que nem reparei Javier indo embora.
― Esteja pronto às oito. Irei te enviar o nome do restaurante e nos encontramos
lá.
O que eu poderia escrever para chamar sua atenção? Escrevi apelos
desesperados e de saudade; implorei que me respondesse; que desse algum sinal.
Nunca obtive nada. Sem muito ânimo, passei uns vinte minutos enviando uma mensagem
após a outra, já sabendo que não obteria resposta alguma. Triste, decepcionado e
desmotivado com o rumo da minha vida, enviei a última mensagem daquele turno. Eu
sabia que antes de dormir faria de novo.
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Valentina,
Espero que o medo da solidão se afaste e que o convívio comigo mesmo se
torne ao menos suportável; que o espelho reflita em meu rosto, um doce sorriso que
me lembro ter dado na infância; porque metade de mim é a lembrança do que fui, a
outra metade eu não sei. Perdoe-me.
Com amor...
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De alguma forma eu remontava minha esperança, pronto para continuar e
continuar até o dia que ela me respondesse ou eu não tivesse mais dedos para continuar
insistindo. O desejo da minha vida era ver a frase: “Meu Amor está digitando...” Foi
assim que salvei seu contato.
― Ela está digitando! Oh Deus santo, Valentina está me respondendo! ― Meus
olhos pareciam não acreditar. Por um instante quis abraçar meu celular, mas não
conseguia parar de olhar. Quase sem respiração, a euforia tomava conta de cada célula
de meu corpo.
Esperei ansioso para ler. Minhas mãos tremiam e o frio na barriga me deixava
enjoado. Quando a resposta veio foi dolorosa, mas ainda estava feliz porque minha
amada esposa havia me respondido depois de tanto tempo em silêncio.
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"Entregar minha vida e inocência em suas mãos não foi um ato inteligente e
sim de amor. Eu apenas me arrependo.Viva um dia de cada vez, Blake, e continue
vivendo..."
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Lambi os lábios me concentrando, tinha que controlar meu tremor para


aproveitar que ela estava conversando.
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Sinto tanto a sua falta, meu amor, e dos nossos bebês. Como eles estão? Por
favor, me diz onde está que vou te ver. Gostaria de poder conversar com você.
EU TE AMO!
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Esperei uma eternidade até mostrar que ela visualizou. De repente os sinais de
mensagens lidas ficaram azuis e eu sorri esperançoso, mas ela não respondeu. Só me
deixou saber que visualizou e mais nada.
Saí da Auto Club Speedway localizada em Fontana e segui em direção a Los
Angeles. Tinha cerca de 60 quilômetros para pensar em formas de fazer Valentina me
responder. Apesar de sua mensagem curta e grossa, eu senti um imenso alívio e,
enquanto dirigia, um sorriso marcava meus lábios.
Eu quase podia sentir como se estivéssemos próximos.
Cheguei em minha casa e fiz de tudo para não permitir que a tristeza por ser
recebido pelo silêncio me causasse mais dano. Quando Valentina estava no hospital,
assim que eu chegava Cyborg e Albina corriam para me receber. O carinho que eles me
davam era um alento para o meu coração magoado. Hoje não tenho mais nada.
Indiferente, joguei minhas chaves na mesinha de centro e desabei no sofá, minha
cabeça caindo para trás enquanto mantinha os olhos fechados, relembrando os melhores
momentos que tive aqui, neste mesmo lugar.
Tanto tempo atrás me vi sem esperança, derrotado pelo medo e despreparado
para enfrentar um câncer, me sentia sozinho. até que Valentina apareceu e me deu o
maior presente que jamais pensei ser possível. Ela entregou-se a mim sem reserva,
preencheu minha vida de todas as formas, agora sinto um tipo diferente de desolação ao
contemplar todo esse silêncio.
― Hoje você não vira, não é, meu amor?
Apenas o murmúrio do vento ao atravessar as janelas me respondeu que não, ela
não viria hoje. Nenhuma das minhas buscas por ela deram resultados. Valentina sumiu
com Viviam e só iria encontrá-la quando ela mesma o quisesse.
Em algum ponto de toda solidão, minha mente começou a reproduzir os
melhores momentos que eu tive, como um filme descontrolado que se repetia e repetia
sem que eu pudesse evitar. Meu corpo sempre arrepiava com as lembranças da vez que
ela me tomou em seus lábios. Fechei meus olhos, livrando meu pau duro das calças.
Daquele jeito, largado no sofá, minha mente voltou no tempo, para o exato dia de seu
aniversário de dezenove anos
― Assim? ― ela perguntou e me lambeu devagar.
Meus olhos se fecharam com o prazer imenso e quase doloroso, o êxtase
viajando por meu corpo como uma caricia deliciosa.
― Assim mesmo, feiticeira. ― Gemi arqueando o corpo, em busca de mais
contato de sua língua perversa ― Assim mesmo.
Sua mão pequena agarrou meu pênis e me acariciou com movimentos de vai e
vem, tão devagar que doía. Todo o meu corpo estava tenso e relaxado, ao mesmo
tempo, pronto para aproveitar o que ela quisesse fazer.
― Toma-me em sua boca. ― Minha voz meio ofegante soou desesperada até
para mim, mas não me importava. Eu queria muito isso.
Valentina fechou os olhos esfregando meu pau em sua boca, quase delirei
observando a maneira lasciva como ela me tomava devagar, sem a menor pressa ou
pena por meu estado. Da forma que eu estava, me erguendo sobre ela, imponente e
poderoso, parecia que eu dominava, mas não. Era a mulher deitada que detinha todo
o poder.
― Você é bonito até aqui, Blake. ― Ri em meio a um gemido quando ela me
colocou na boca e chupou firme. Sem qualquer aviso, meu corpo sacudiu com o
choque de prazer intenso.
Apoiei minhas mãos na cabeceira da cama em busca de controle. Eu olhava
para baixo e mal acreditava naquilo. Valentina gemia enquanto me chupava com
gosto.
― Leve-me mais fundo ― implorei sem me importar, e ela me atendeu.
Mudamos a posição, agora eu estava em pé fora da cama, tão duro que doía, pois a
mera visão da mulher dos meus sonhos engatinhando em minha direção enquanto
lambia os lábios era surreal demais. Quase delirante.
A primeira coisa que ela fez quando se aproximou foi segurar meu membro e
lamber todo o comprimento, gemidos baixinhos saindo de seus lábios, e pequenos
grunhidos dos meus.
― Tesão, Blake... ― Lasciva, receptiva e cruel, ela fazia carinho com seu
rosto e me chupava, não me levando tão fundo quanto eu precisava. ― Tão gostoso.
― Oh, caralho! ― Acariciei seu rosto levando minha mão até sua nuca onde
agarrei seus cabelos com força e a conduzi para mim.
― Quer foder minha boca, não é?
Seus olhos brilhavam de prazer, o rosto corado, os lábios deliciosos
molhados e suculentos me deixando babando de vontade de fazê-la minha.
― Abre a boca, ma petit. ― Respirei fundo, minha outra mão segurando meu
pênis próximo de sua boca. Controlar-me era uma árdua tarefa.
Valentina sorriu e sua língua fez um carinho absorvendo a pérola de umidade
que vazou da ponta. A forma como ela me degustava demonstrava o quanto gostava
do meu sabor.
― Vem, Blake. Quero que me dê tudo o que tem.
Deus! Eu quase gozei naquele momento, ansioso por me sentir apertado em
seus lábios e umidade.
― Tão gostoso, o meu homem.
Meus dedos curvaram de prazer quando ela me tomou, chupando sério, sem
brincadeira ou provocações. Nossos gemidos altos demais, misturando-se a onda de
prazer inacreditável.
Nenhuma mulher jamais havia me feito sentir do jeito que Valentina fazia.
Mais fundo ela me tomava, eu sentia o calor de sua garganta me apertando,
causando arrepios de êxtase.
― Goza para mim. ― Sua ordem não pôde ser negada. Tentei me afastar mas
ela não deixou e me mordeu, fazendo-me gritar.
― Oh, porraaa! ― Meu rosto contorceu numa careta de dor e prazer
enquanto eu gozava e ela tomava tudo de mim...
De volta à realidade, vejo que estou todo melado com meu prazer ilusório. Meu
pênis ainda em minha mão, pulsando levemente com os resquícios do que senti. Nada
comparado à realidade.
Cambaleante, levantei do sofá e na sala mesmo fui descartando minhas roupas.
Subi as escadas nu e de pernas bambas. No banheiro permiti que água escorresse por
meu rosto, e não evitei que lágrimas de raiva se perdessem. Sentir ódio de mim era
fácil demais.
Todos os dias olho ao redor e o vazio deixado por Valentina tornou-se buracos
em minha existência. Quando estou acordado, revivo a minha vida de forma que só
consigo me sentir mais e mais incompleto.
― Preciso de você, amor ― suspirei baixando a cabeça. Olhei para o chão,
encarando a água escorrendo por meus pés. ― Volta para mim, por favor, porque só o
que sinto em meio peito é dor. Nada tem sentido.
A minha vida parecia em pausa, sem destino e esperando que alguém apertasse
o play para que ela voltasse a funcionar normalmente. Sabia que sem Valentina ao meu
lado eu nunca poderia encontrar descanso. Temia que alguma coisa pudesse acontecer a
ela e eu não estar por perto para fazer algo.
Deus, o que faço com esse amor que machuca o meu peito? Perguntei-me sem
obter resposta. Doía demais que às vezes precisava esfregar o lugar onde meu coração
batia para tentar aliviar um pouco.
― Aonde eu vou sem você, pequena? ― Mais uma vez o silêncio foi minha
única companhia.
Saí do banheiro com uma toalha enrolada na cintura, sentei em minha cama
pensando que, por mais que eu tentasse continuar a minha vida como se nada houvesse
acontecido depois de viver um amor tão verdadeiro, a vida não parece lógica sem ele.
Rezo para que meu coração encontre paz na espera; imploro para que a minha
consciência não se rebele de saudade. Quero não sentir mais dor, só que, sem ela, isso
é impossível. Sempre estarei incompleto.
― Meu amor, volta para mim.
Era só o que eu queria. Nada mais. Neste ponto, a vontade de sair se tornou
nula. Por um instante desejei poder juntar minhas lembranças e me afogar nelas, mas
não. Já desapontei tantas pessoas que se tornou uma questão de honra não fazer mais
isso, sendo assim, me vesti e desci para a sala em busca do celular. Abri as mensagens
e apenas o nome de Javier destacava-se.
― Providence. ― Murmurei o nome do restaurante que ele escolheu.
Era um bom lugar, conceituado e com um chefe revolucionário. O mais
badalado da cidade.
Peguei minha carteira e, na hora de sair, a vontade de ir de carro sobrepujou
meu desejo por sentir a liberdade que a moto me dava. Não neguei o impulso. Na minha
garagem ignorei o carro coberto por uma capa preta; eu não queria nem olhar para ele.
Escolhi meu Audi e saí sem olhar para trás.
Em cada sinal que eu parava, conferia o celular para ver se Valentina havia
respondido a minha pergunta. Se ela só me dissesse onde estava, talvez pudéssemos
resolver as coisas.
― Cadê você, amor? ― Suspirei esfregando o rosto.
Cheguei ao restaurante e só precisei dizer meu nome, Javier já me aguardava.
Graças a Deus ele escolheu uma mesa mais afastada e com uma visão privilegiada,
assim não teria que tratar com nenhum inconveniente sobre o meu casamento, o
processo contra Barbara e meu fiasco na Nascar. Sem pessoas espertinhas querendo
escavar minha vida.
― Pensei que não vinha. Está atrasado.
― Conte uma novidade. ― Puxei a cadeira sentando. A primeira coisa que fiz
foi pegar o cardápio e olhar as opções de bebidas. ― Acho que vou pedir um uísque
duplo ou a garrafa inteira.
― Você está dirigindo. Peça outra coisa.
― Você vai ficar me controlando agora? ― Arqueei uma sobrancelha
― Óbvio. Sou seu chefe de equipe.
― Aqui você é meu amigo, não estamos trabalhando. ― Voltei a olhar o
cardápio. ― Fica na sua.
― Amigo e chefe de equipe. A não ser que queira ir de táxi e deixar seu carro
por aí.
― Você me leva.
― Não sou sua babá.
― Você é meu chefe de equipe.
Nós nos encaramos por um instante e rimos. Javier me perdoou por envolvê-lo
nas minhas confusões, pelo menos agora eu não estou tão sozinho, pois inclusive a
minha mãe saiu da cidade revoltada comigo. Ela estava em algum ponto da Europa com
meu pai e a última coisa que ela gritou na minha cara antes de irem embora foi: “Traga
Valentina de volta! Quero a minha nora de volta, Blake, e você se vire para
conseguir isso. Ela é a filha que não tive, quero-a de volta já!”.
― Já pedi um vinho. Estava esperando você chegar, se contente. É somente um
jantar, não uma oportunidade para encher a cara.
― Óbvio. Faço isso quando chegar em casa.
― Você sabe que não pode, Blake.
Sacudi os ombros indiferente. Não era como se eu quisesse ter aquela doença
de novo.
― Livre do câncer, não se preocupe. Refiz os exames, tudo certo.
― Estou de olho em você. ― Javier baixou a cabeça. ― Pelo menos você não
perdeu peso. Eu emagreci quatro quilos. Curtir fossa é a pior coisa o mundo.
― Sim, é a pior coisa o mundo.
Concordamos com isso. As nossas mulheres faziam uma falta da porra.
― Não vamos pensar nisso por agora, caso contrário perco o apetite. Vamos
conversar sobre o campeonato e traçar estratégias, ainda dá tempo de brigar pelo
primeiro lugar.
O maître chegou e conversamos um pouco sobre as opções. Estar aqui me fazia
lembrar da minha esposa. Ela adorava cozinhar e eu sabia o quanto sentia falta das
panquecas que ela fazia todos os dias para mim.
― Tem panqueca? ― perguntei fazendo os dois homens me olharem surpresos.
― Senhor, eu posso ver com o nosso chefe.
― Faça isso. ― Empurrei o cardápio ― Agora, se não se importa...
Um curto silêncio se seguiu, e eu podia sentir o olhar de Javier em cima de mim.
― O que foi? ― inquiri sem olhá-lo
― Panqueca, Blake? Você veio aqui para comer panqueca?
― Sinto falta.
Javier não respondeu, mas seu suspiro nostálgico talvez fosse indício de alguma
coisa.
― Eu sinto falta de ver minhas cervejas alinhadas com o nome para frente; sinto
falta de chegar em casa cansado e ter Viviam para massagear meus ombros; sinto falta
do cheiro dela; de poder abraçá-la à noite; de ouvir sua voz... ― Meu amigo soltou um
riso triste. ― Morro de saudade do sorriso dela.
―Um brinde à saudade. ― Ergui o copo vazio.
― Dá azar brindar com um copo vazio.
― Minha vida não pode piorar. Brinde comigo.
Javier ergueu o copo dele, mas congelou. Seus olhos fixaram-se em algo atrás
de mim e ele empalideceu de um jeito que sua pele parecia cera líquida.
― O que foi? ― questionei virando para olhar.
Não acreditei nos meus olhos. Por um momento não pude nem respirar direito.
Parecia um pesadelo vestido de sonho. Larguei minha taça sem me importar com o
barulho que ela fez ao cair na mesa.
― Valentina...
O nome pareceu uma prece perdida. Depois de tanto tempo eu finalmente estava
vendo minha esposa, só que ela não estava sozinha. O maldito Nikkos a guiava para a
mesa deles, com a porra da mão na base de suas costas. Viviam também estava e um
homem fazia o mesmo com ela.
― Vou matá-lo! ― rosnei pronto para levantar.
“O primeiro lugar não é a única coisa que vai perder para mim!”.
Lembrei-me de suas palavras e me senti quase insano de ódio.
Levantei da cadeira de forma tão violenta que ela caiu no chão. Revoltado e
meio louco, marchei até a mesa deles.
― Vamos, princesa, uma chance e prometo que te farei imensamente feliz. ―
Ouvi Nikkos falar para Valentina e pronto. Vi tudo vermelho. ― Não serei tolo como
Blake, te prometo. Deixe-me te provar isso.
― Feliz eu vou te fazer quando amassar tua cara, filho da puta! ― Minha voz
parecia um trovão. ― Agora você vai provar meu punho!
Valentina levantou assustada. Acho que ela não me reconhecia agora, pois eu
parecia mais bicho do que gente com a minha barba que estava enorme e a cara que não
era das melhores. Ainda assim, consumido de raiva, quase não resisti à vontade e puxá-
la para meus braços.
Saudade do caralho!
― Blake, o que está fazendo? ― Sua voz viajou por meu corpo como uma
carícia, quase sorri e, por um momento, me esqueci de Nikkos.
― Amor...
Dei um passo em sua direção e ela deu um para trás. Notei que cambaleou um
pouco e, prestando bem atenção, vi o quão pálida estava, seus lábios não tinham cor.
Inclusive parecia mais magra.
― Blake, se você não reparou, estamos prestes a jantar, nos dê licença. ―
Nikkos colocou a mão no meu ombro e aquilo foi meu limite. Já me virei soltando o
punho na cara dele.
Com satisfação eu o vi cair em cima da mesa, seu amigo tendo o mesmo destino
logo depois. Javier estava louco, também.
― Fique aí, bastardo, e não ouse chegar perto da minha mulher ou você vai se
arrepender. ― Cuspi as palavras de forma violenta, logo me virei para encarar
Valentina. Ela já ia longe em direção a saída.
Corri atrás dela, algo que faria com prazer de novo. A encontrei parada do lado
de fora, assim, não resisti, a girei bruscamente e a abracei enterrando meu rosto em seu
pescoço.
― Oh, Deus! Que saudade... ― Apertei seu corpo pequeno contra o meu. Puxei
uma longa respiração, levando seu cheiro para dentro de mim ― Por que está tremendo,
meu amor?
Afastei um pouco para olhá-la e agora um medo tremendo cravou as garras em
mim.
― Você está doente? ― Minha voz soou esganiçada. Ela estava com roupas
pesadas e não estávamos no clima para isso ― Pelo amor de Deus, o que está
acontecendo?
― Me deixa em paz. ― Ignorei sua suplica. Sim, minha mulher estava muito
frágil.
― Como pode me pedir isso, amor? ― Coloquei minhas mãos em seu rosto. ―
Você é minha esposa.
― Só porque você insiste em não assinar os papéis do divórcio ― ela falou
encolhendo os ombros, a expressão cansada demais para a minha paz de espírito. ― Se
mantenha longe, Blake, e pare de recusar os acordos.
― Não vou assinar nada, ma petit ― murmurei esfregando sua bochecha com o
polegar ― E você é minha esposa, sempre será.
Valentina guardou silêncio quando eu estava preparado para vê-la brigar.
Alguma coisa estava muito errada e o frio na barriga me trouxe uma sensação de mal
presságio.
― Eu te procurei tanto, minha pequena. ― Busquei seus olhos tristes. ― Não
consegui te achar em lugar algum.
― Eu não queria ser encontrada, mas se vale saber, você nunca conseguiria me
encontrar porque, além de não estar nos Estados Unidos, eu viajei em um avião fretado
usando o sobrenome de solteira da minha avó.
Comprimi os lábios. Já ia perguntar como ela conseguiu quando a vi gemer
baixinho, mal tive tempo de segurar seu corpo quando ela virou e vomitou no vaso de
planta que tinha ali. Assustado como nunca estive, segurei seu corpo trêmulo e fraco,
seu rosto assumindo uma palidez doentia, ainda pior do que antes.
― Preciso ir. ― Ofegante, tentou passar por mim.
― Hei, vem aqui. ― Mais uma vez a abracei. Valentina parecia a ponto de
quebrar ao meio. ― O que está acontecendo, amor? Por favor, me conte.
― Eu...
― Valentina, você está bem? ― Viviam chegou já tentando puxar sua irmã.
Permiti e quando ela viu seu rosto, foi tomada por urgência. ― Vamos, precisamos ir
para casa. Já falei com papai e ele está esperando por nós.
― Leve-me, Viviam, por favor.
― Vou chamar um táxi para nós.
― Nem morto vou deixar que ela saia das minhas vistas. ― Não me importei
com protestos, coloquei Valentina em meus braços indo direto para o meu carro. Ela
não reclamou, nem Viviam. ― Javier, você dirige, eu vou aqui atrás com a minha
mulher.
O fato de Valentina estar tão passiva me aterrorizava, porque ela não era assim.
Sentada ao meu lado e com a cabeça apoiada em meu ombro, ela tremia de uma maneira
fragilizada. Beijei o topo de sua cabeça sem querer pensar o que ela poderia ter.
Qualquer coisa me assustava muito, pois a garota em meus braços nunca ficava
encolhida como estava agora.
― Vai ficar tudo bem. ― Acariciei seu rosto ― Você me prometeu muito isso
quando eu precisei acreditar, agora é a minha vez de prometer.
Ela acenou logo depois, gemendo em agonia, o que aumentou de forma gritante o
meu medo. Olhei para frente, agradecido por Javier dirigir com cuidado. Infelizmente
para ele as coisas também não pareciam boas, pois todas as vezes que ele tentou tocar o
cabelo de sua mulher, ela deu-lhe um tapa para afastá-lo.
― Viviam... ― Ao meu lado Valentina começou a arquejar, os olhos enchendo
de lágrimas ― Pare o carro, por favor, pare o carro.
Javier puxou para o acostamento e Valentina, de um jeito desajeitado, abriu a
porta e vomitou forte de novo. Se eu não estivesse segurando-a, com certeza teria caído
no chão e se machucado feio.
― O que está acontecendo aqui? ― Minha voz berrava pavor.
― Só precisamos chegar em casa, por favor, Javier, seja rápido! ― Viviam
exclamou alarmada.
Com cuidado puxei Valentina para meu colo e ela nem protestou. Sim, eu tinha
muitos motivos para estar morto de medo.
― O que você tem? ― perguntei baixinho e ela encolheu em meus braços,
agarrada a minha camisa. ― Não me deixe de fora. Não posso ficar de fora.
― Você não tem obrigação comigo, Blake. ― Quase não consegui escutar sua
voz, mas pude sentir claramente sua tristeza. ― Eu só preciso de paz e da minha casa.
Quero ficar ao lado das pessoas que me amam. Preciso deles agora, da minha família.
― Eu te amo mais do que possa imaginar. ― Ela negou e eu a apertei mais
forte. Seu corpo tremia muito. ― Sim, eu te amo.
No trajeto de poucos quilômetros, Valentina vomitou mais duas vezes, na última
ela só desfaleceu em meus braços.
― Vamos para um hospital! ― ladrei a ordem para Javier, mas minha esposa
negou freneticamente. Em suas tentativas de sair dos meus braços, ela ficou ainda mais
cansada e eu não insisti porque não queria aborrecê-la.
― Quero minha casa, só isso.
Quando chegamos, Sinclair e Miranda estavam na porta, com cuidado desci do
carro e a carreguei até o seu antigo quarto. Ainda haviam malas fechadas, o que
significava que ela chegou de viagem há pouco tempo
― Preciso tomar um banho, me ajuda, mãe.
Aflito demais e totalmente em pânico, vi quando Miranda colocou as mãos nos
ombros de Valentina e a ajudou a caminhar para o banheiro.
― Sinclair, o que ela tem? ― Esfreguei o cabelo num gesto de puro
nervosismo. ― Minha esposa está doente, não é?
Minhas pernas pareciam feitas de borracha quente. Uma sensação de fraqueza
atravessava meu corpo como uma avalanche demolidora.
― Só cabe a ela te dizer. ― Sinclair parecia cansado também. ― Mas se quer
um conselho, essa não é a hora de desistir. Minha filha precisa do marido dela, e Blake,
ela precisa muito.
― Não existe nenhuma chance de eu desistir da minha mulher. ― Anuí e me
sentei na cama dela, respirando rápido de preocupação. ― Nunca sequer pensei nisso.
― Ótimo. Ela só estava magoada. Seja gentil e dê-lhe muito carinho.
― É só o que quero.
Pouco tempo depois Valentina voltou para o quarto e eu pulei em pé indo em
sua direção. Sem as roupas pesadas que vestia, pude ver como ela emagreceu, os ossos
de seus ombros e clavícula se destacavam.
― Ficarei com você aqui, tudo bem? ― Ela negou e me pediu para sair; queria
trocar de roupa.
Contrariado obedeci, pois não queria piorar seu estado. Não demorei muito
para voltar, e a encontrei deitada, toda encolhida, e Miranda arrumava uma colcha
sobre o seu corpo.
― Viviam vai dormir aqui com você, tudo bem?
― Sim, mãe. Obrigada.
Meu rosto torceu de desgosto, aflito demais com o que eu estava vendo e
ouvindo. Queria, mais do que tudo, ficar com ela, cuidar de qualquer necessidade que
venha a surgir. A mera ideia de ir embora é pior do que qualquer coisa que eu possa
imaginar.
― Vamos sair, ela precisa descansar ― Miranda nos chamou ― Deixei a babá
eletrônica ligada, se ela precisar vamos ouvir.
Não queria sair daquele quarto nem morto, por mim ficaria na porta ou sentado
em uma cadeira velando seu sono como tantas vezes ela fez comigo. E só não fiz isso
porque não me foi permitido. Sinclair cruzou os braços, indicando a porta. Brigar não
ajudaria em nada, mesmo que minha vontade fosse essa.
― Vamos, Blake, vou preparar um café para nós ― minha sogra chamou e eu
fui quase arrastado.
Cada degrau que eu descia era como se uma força me puxasse de volta. Tudo o
que eu queria era tê-la ao meu alcance e agora, vendo-a nesse estado delicado, minha
necessidade de estar perto gritava alto em meus ouvidos.
― Eu não deveria ter insistido para sair! ― Viviam andava de um lado para o
outro. ― Logo um restaurante? Onde eu estava com a cabeça? Droga!
― Calma, amor. ― Javier tentou chegar perto.
― Nem vem. Só porque você está aqui não significa que pode tomar liberdades.
― Nunca vi minha cunhada tão fora de controle. ― Vou ficar com a minha irmã. Ela
precisa de mim.
Sinclair balançou a cabeça. Ele estava preocupado, assim como Miranda. O
semblante de ambos carregava a certeza de que eu precisava descobrir tudo o quanto
antes.
― Alguém pode me dizer o que diabos está acontecendo com a minha esposa?
Capítulo 38

Blake
O sol batia no meu rosto enquanto eu dirigia para a casa de Sinclair.
Ontem foi um inferno. Eu queria dormir por lá, descobrir tudo o que anda
acontecendo, mas o que consegui foi um pedido de desculpa e outro para que eu fosse
embora. Minha recusa foi imediata, porém, uma frase me fez aceitar a pequena derrota.
“Valentina precisa de calma e muita paz nessa fase da vida dela”.
Como eu poderia apenas ir embora como se nada houvesse acontecido? Como
eu deixaria a minha mulher doente e precisando de mim?
Saí com o proverbial rabo entre as pernas, morto de preocupação e medo, com
a cabeça fervilhando de suposições, cada uma pior que a outra. Por fim, desisti de me
automartirizar pois precisava juntar forças agora que poderia ficar inteiro de novo.
Bastava conseguir mostrar à Valentina que somos perfeitos juntos. Não me importa o
que seria preciso fazer, eu faria.
Ansioso para chegar, dei graças a Deus quando a minha entrada foi autorizada,
assim, acelerei mais do que era permitido dentro do condomínio, a cada metro que eu
me sentia mais próximo da minha mulher meu coração parecia bater mais forte.
― Não vejo a hora de poder te ter em meus braços de novo, amor. ― Respirei
fundo, estacionando meu carro ao lado de uma Maserati preta fosca. Eu reconhecia
aquele carro de algum lugar, mas não me importei de fato.
Subi os poucos degraus que me levariam à porta e bati. Suando de ansiedade,
esperei que alguém atendesse.
― Blake, entre, por favor. ― Miranda me recebeu com um sorriso. Estranhei
muito o fato de ela sorrir para mim. Até pouco tempo atrás a mãe da minha esposa me
odiava.
― Oi, bom dia. ― Cocei a cabeça. ― Preciso ver Valentina.
O olhar que Miranda destinou a mim foi cheio de significado. O alerta implícito
na forma como ela me encarava.
― Vamos deixar algo muito claro aqui, ok? ― Assenti. ― Não me importa as
diferenças de vocês, minha filha precisa de calma. Então, se eu sonhar que alguma
confusão está prestes a acontecer, colocarei os dois para fora. Seja civilizado. Agora
vá, Valentina está tomando sol na piscina.
Não entendi muito bem. Parece que se eu e minha mulher brigarmos sairemos
nós dois, é isso? Não me importo em absoluto, desde que Valentina vá comigo, tudo
ficará bem. Atravessei o jardim pela lateral, desta forma seria mais rápido.
― Aí, calma, a minha boca está dolorida. ― Congelei quando ouvi a voz do
maior bastardo da história. ― Um beijo seria ótimo para melhorar.
Vou matar esse filho da puta! Ontem no restaurante foi um aviso, hoje eu farei
com que Nikkos engula todos os malditos dentes. Não vou aceitar que ele se intrometa
nos meus assuntos. Entrei na área da piscina tremendo de ódio, mas o ciúmes que senti
ao ver minha mulher em um biquíni pequeno, muito próxima do meu inimigo foi
suficiente para me ter desejando ver sangue jorrando. O dele, claro.
― Fique quieto e me deixe colocar o remédio! ― Valentina estava de costas
para mim e Nikkos repousava uma mão em sua cintura.
― Arde ― reclamou e ela bateu-lhe no ombro.
― Deixa de ser frouxo. Olha, está sangrando de novo. Idiota!
― Seja mais carinhosa comigo que tudo ficará bem.
― Carinhosa serei se arrebentar o outro lado da sua boca, Dick vigarista.
Nikkos gargalhou e um medo descomunal apertou meu coração. Ela o estava
apelidando e aquilo era um sinal de que Valentina se importava o suficiente para pensar
em algo. Todos os meus apelidos eram uma forma de ela me chatear, mas apesar do
absurdo eu gostava.
― Você é tão carinhosa.
― E você é ridículo e intrometido.
Meu coração parecia a ponto de ser arrancado do peito, aquela cena era
dolorosa demais. Ao passo que Valentina estava concentrada no ferimento que eu
coloquei no bastardo, ele aproveitava para colocar as mãos nela. Ali mesmo pude
sentir a mesma dor que ela sentiu quando me viu com Barbara. Por um instante senti-me
doente, mas depois já estava pronto para brigar. Para tudo o que interessa, eu era mais
importante do que Nikkos – O usurpador.
Respirei fundo, mascarando a minha raiva para me aproximar.
― Bom dia.
Quando ouviu minha voz, Valentina apressou-se em puxar uma toalha,
enrolando-a no corpo, como se quisesse escondê-lo de mim.
― Bom dia, Blake ― Nikkos respondeu, mas eu não olhava para ele. Meus
olhos se mantinham fixos na minha mulher. ― Depois da bagunça que foi o jantar,
ontem, achei que devia um pedido de desculpas à Valentina e aproveitei para convidá-
la para outro jantar.
― Vá embora, Nikkos. ― Aparentando calma, dei a ordem, porque, se a minha
esposa precisava de tranquilidade, então eu seria a encarnação da própria paz.
― Não acho que...
― Vá, Nikkos, depois nos falamos ― Valentina proferiu e me olhou. ― Eu e
Blake precisamos conversar a sós.
Engoli minha ira quando o bastardo beijou a bochecha dela, prometendo ligar.
Quando ele estava saindo, fiz questão de chocar nossos ombros, numa amostra
silenciosa de que ele poderia ter tudo o que quisesse, menos aquela mulher que nos
olhava.
― Acostume-se! ― murmurou.
― Eu te mato antes! ― Sorri frio. ― Marque minhas palavras.
O silêncio foi o que restou. Finalmente eu estava sozinho com a única pessoa
que conseguia me deixar em paz e atormentado, tudo ao mesmo tempo. Caminhei em sua
direção, e ela recostou em uma mesa. Sem protestos, me aproximei o suficiente para
invadir seu espaço, parando apenas porque nossos corpos se tocaram. Respirei seu
cheiro. De olhos fechados, meu corpo absorveu o calor que desprendia do dela.
― Amor... ― Mergulhei meu rosto em seu cabelo, saboreando o pequeno gesto
que tanto senti falta. Arrisquei colocar uma mão em sua cintura, notei seu
estremecimento e aproveitei para puxá-la para mim.
― Blake. ― O murmúrio deixou meu coração leve, pois ainda havia amor no
mero pronunciar do meu nome. Pude sentir em meu coração, não estava enganado.
― Sentiu minha falta, não foi, Ma petit? ― Baixei a cabeça deslizando meu
nariz por seu pescoço. Dei um beijinho suave, soprando de leve só para ter o prazer de
ver sua pele arrepiando. ― Eu senti muito a sua falta. ― Busquei seus olhos e ela,
relutante, me olhou. ― Sabe o que nunca vou esquecer, meu amor?
― O quê? ― Ela me olhava como se buscasse respostas para perguntas que eu
não fazia ideia, mas que me esforçaria para responder.
― Jamais me esquecerei de todas as vezes que me permitiu dormir ouvindo as
batidas do seu coração. Dessa forma meus pesadelos e medo eram afugentados, minha
mente ficava livre para que eu pudesse sonhar com uma família só nossa.
Seus olhos foram enchendo de lágrimas. Eu sofri, mas sorri, pois ela precisaria
da minha força.
― Eu preciso de você, Blake! ― Ela me abraçou, chorando. Tremi apertando-a
o máximo que conseguia sem machucá-la.
― E eu estou aqui. ― Minha voz soou feroz e determinada. ― Estarei do seu
lado a cada instante. Não importa o que seja, passaremos juntos. ― Afastei um pouco
para poder olhá-la. ― Confia em mim?
Mais lágrimas deslizaram por seus olhos e ela negou, soluçando como tinha
visto apenas uma vez. Valentina sempre foi muito forte e resistente a tudo. Vê-la
daquele jeito era assustador demais.
― Você mentiu tanto para mim, não posso confiar em você de novo. Não posso.
― Eu estou aqui agora. Não vou a lugar algum.
― Não é só isso, Blake, agora eu realmente não posso ficar sozinha. Você
prometeu não me deixar e sempre descumpriu com suas promessas. Não posso confiar
em você.
Ela fez uma careta engolindo diversas vezes, logo me empurrou de leve,
tentando afastar-se de mim, mas não pôde dar três passos antes de começar a vomitar.
Amedrontado, segurei seu corpo curvado, muito chocado com a intensidade forte com
que ela despejava o café da manhã.
― Oh, Meu Deus! ― Esfregou a boca, sua mão tremendo muito ― Não aguento
mais isso. É a pior parte.
Pior parte de quê? Questionei a mim mesmo preso ao pânico que a falta de
informação me causava. Que Valentina estava muito mudada, isso ela estava, outra
coisa que me assustava muito, só que agora não podia perder tempo com minhas
dúvidas. Coloquei minha mulher em meus braços, correndo para dentro de casa.
― Miranda!
Valentina gemeu virando o rosto para vomitar de novo. Cada vez mais intenso
que das vezes anteriores, esse "mal estar" ficava cada vez pior.
― Isso não é normal! Precisamos de um médico. ― Miranda acenou, me
pedindo para levar Valentina até o seu quarto.
― Blake, aguarde lá fora. Vou ajudá-la a se recompor e depois você volta.
― Não vou sair. ― Cruzei os braços, já pronto para brigar, contudo a voz
arranhada e baixa da minha mulher transformou minha resolução em pó.
― Por favor, saia. Eu não quero problemas, Blake, só preciso descansar um
momento.
Travei o maxilar engolindo meu protesto. Se não fosse a aparência frágil dela,
eu realmente teria brigado.
― Vou esperar do lado de fora.
Ao lado de sua porta compassei ansioso, lutando contra a vontade de invadir o
quarto e cuidar dela eu mesmo. Aqui, dentro do meu peito havia uma imensidão de
conflito de emoções. Meu desejo por ter Valentina de volta agora mesclava-se ao medo
que sentia por sua saúde debilitada.
― O que você tem, amor? ― Sentei no chão, a cabeça pesando uma tonelada
entre minhas mãos.
Lembro muito bem como minha saúde decaiu nas primeiras sessões de
quimioterapia, meu corpo forte não foi nada comparado à doença e tratamento. Agora,
apenas dois meses depois, Valentina volta de onde quer que tenha estado, tão mudada
que me assusta. Frágil, doente, emotiva.
Sacudi a cabeça. Nada estava bem. Nem me repelindo ela estava e eu esperava
por isso. Não sei como proceder diante de tantas surpresas. O barulho da porta abrindo
me fez pular em pé.
― Ela tomou um remédio para enjoo e está sonolenta. ― Miranda tocou meu
ombro. ― Pode entrar.
― Obrigado. ― Sequei o suor das minhas mãos na calça. ― Eu ficarei com ela,
não me afastarei mais.
― Faz bem. Mas olhe, não pressione. Valentina sente sua falta, mas não confia
em você. O bom de tudo é que minha filha é decidida, então só fique por perto, que tudo
se resolverá.
Assenti concordando. Já era sorte ela estar me aceitando, não abusaria da
benção de jeito nenhum.
Entrei no quarto e a primeira coisa que vi foi Valentina deitada em posição
fetal. Fui em sua direção e ela me olhou. Não disse nada quando tirei os sapatos e a
camisa. Fiquei parado ao lado da cama, esperando, e, quando ela afastou um pouco
para que eu deitasse, meu coração quase explodiu de felicidade.
― Vem para os meus braços, amor ― murmurei e ela fungou baixinho, mas veio
e se aconchegou buscando meu calor.― Procure em seu coração a verdade, pequena,
você não pode me odiar.
Fechei os olhos e um longo silêncio se seguiu. Valentina devia ter dormido, já
que não se moveu em nenhum momento e sua respiração estava uniforme. Sendo assim,
todo o cansaço de semanas insones estava cobrando seu preço, pois senti que deslizava
para o sono.
― Como posso te odiar, Blake? ― Sua voz deslizou por meu corpo como uma
carícia suave. ― Como posso te odiar se... — Ela balançou a cabeça como se negasse
algo, a frase perdendo-se.
― “Se” o que, ma petit? ― Eu me mexi para poder olhá-la. Mesmo estando
parcialmente escuro, eu consegui enxergar seu rosto lindo e abatido. ― Fala para mim,
você não pode me odiar por quê?
Seu queixo tremeu e eu acariciei seus olhos brilhantes.
― Porque... ― Ela fechou os olhos por um momento ― Eu ainda te amo.
Não falei nada, apesar de querer berrar minha euforia. Há muito tempo queria
ouvir ela dizendo que me ama. Julguei que talvez demorasse muito para conseguir fazê-
la entregar-se de novo. A realidade? Ainda nem acredito.
― Eu te amo mais. ― Beijei sua testa permitindo que ela enterrasse o rosto em
meu peito.
Aos poucos sua respiração se tornou uniforme e eu me permiti relaxar. Pela
primeira vez em mais de dois meses eu conseguia dormir em paz.
Acordei com a sensação de vazio. Ainda de olhos fechados, tateei a cama e
quando não encontrei nada, sentei procurando Valentina e temendo que tudo não
passasse de um sonho. Esfreguei os olhos me sentindo aliviado quando notei que estava
no quarto dela. Olhei ao redor procurando minha camisa e não encontrei, então resolvi
sair do jeito que estava. Desci as escadas de dois em dois degraus. Na sala avistei
Sinclair com o filho no colo, Miranda estava mexendo em alguma coisa no computador.
― Ela está no caramanchão.
― Obrigado.
Enquanto ia a seu encontro, esfreguei meu cabelo que eu estava mantendo rente
à cabeça, quase raspado, porque eu mesmo cortava. Só minha barba que deixei crescer,
de forma que a minha aparência ficava condizente com o meu estado de espírito. Fora
de casa, algumas gotas de chuva começavam a cair. Não me importei com isso enquanto
caminhava em direção a figura solitária que abraçava os próprios joelhos enquanto
olhava para o nada. Quando estava próximo o suficiente, Valentina virou o rosto para
me olhar, logo sua mão acariciou o estofado ao seu lado.
― Sente aqui e converse comigo, Blake.
Sorri um tanto nervoso, pois ela estava com minha camisa. Aquele deveria ser
mais um sinal positivo, não era?
Ficamos alguns minutos apenas observando as gotas de chuva que começaram a
aumentar de intensidade. Por um momento quis pressionar sobre sua declaração de
pouco tempo atrás, porém me controlei. Deixaria que ela tomasse a iniciativa da
conversa.
― Chove muito na Escócia. ― Ela sorriu e me olhou. ― Eu fugi para as Terras
Altas, Blake. Fui me esconder na casa do meu avô porque eu precisava fazer algo ou
ficaria louca.
― Meus detetives não encontraram nada ― reclamei e ela riu ― Você quase
me matou, ma petit.
― Eles não teriam por que encontrar, pois eu tive tempo para organizar minha
viagem, mas isso não vem ao caso agora.
― O que vem ao caso, então?
― Ouça, quando eu fui embora tive a plena certeza de que nunca poderia te
perdoar. Eu estava muito magoada por tudo, mas principalmente por ter passado nosso
aniversário de casamento sozinha.
― Não me lembre. Isso me mata. ― Esfreguei o peito para aliviar a mágoa que
nunca ia embora. Isso era porque eu fiz a mulher que eu amava sofrer.
― Ouvi alguém dizer que eu estou na idade de cometer erros e consertá-los,
afinal ainda estou bem no início da minha segunda década. ― Concordei receoso. Não
dava para entender o que Valentina estava pensando, nenhuma das vezes que julguei
saber o que ela faria eu acertei.
― Onde quer chegar, amor? ― Passei uma mão pelo rosto, tentando manter a
calma. ― Não me peça para assinar o divórcio. Não posso fazer isso. Simplesmente,
não posso.
― Eu senti tanta raiva de você, Blake, que não me importei com mais nada. Boa
parte do meu orgulho estava esmigalhado e o que restava era pretensão minha preservar
― ela continuou como se meu desespero não significasse nada. ― Eu li todas as
mensagens que me enviou e não me importei com elas, na verdade eu tinha certeza de
que era tudo mentira.
― Não era!
― Sei, fique calmo. Estamos conversando, ok? ― Assenti tentando acalmar a
respiração.
― Você está tranquila demais. Tenho pânico dessa calmaria toda. Você é
explosiva, briguenta e aterroriza seus desafetos. Sua calma é a pior forma de saber que
a situação é pior do que imagino.
― O que passamos quando você esteve doente me mudou, Blake. Não tem como
viver tudo o que vivemos e continuar da mesma maneira. O que quero te dizer é que eu
tinha, sim, certeza de tudo o que eu te disse naquela carta quando fui embora. Saiba que
deixei meu advogado responsável por aceitar qualquer acordo que você propusesse,
desde que assinasse os papéis.
― Não assinarei nem morto. Não existe acordo quanto a isso.
― Sei. ― Riu balançando a cabeça. ― Ficar distante me deixou tranquila, só
que depois de um tempo eu comecei a sentir sua falta e eu te odiei por isso, mas
também compreendi que não sou tão clichê a ponto de criar uma armadura orgulhosa e
negar meus desejos. Não sou uma mocinha de romance que precisa ser salva, na
verdade eu acho que salvei meu príncipe, e redescobrir que ainda te amava me deixou
arrasada porque eu acreditava que você não me merecia. Para ser sincera, eu ainda
acredito.
― Eu nunca mais vou te magoar, amor, confia em mim. É desolador voltar todo
dia para aquela casa enorme e só encontrar silêncio. É normal os homens deixarem as
mulheres putas de vez em quando, mas vou me esforçar para ser um marido perfeito.
― Acredito nisso. Você me parece cansado, Blake.
― Não consigo dormir, amor. ― Lambi os lábios. ― Não consigo descansar
porque sinto tanto a sua falta. A sensação de que está tudo errado me atormenta. Estou
uma droga, inclusive no campeonato.
― Eu não sei como andam as coisas por aqui. Cheguei ontem de manhã e à noite
já tinha Viviam insistindo em sair. Sobre eu estar com Nikkos... ― Fiz uma careta. Eu
não queria saber daquele filho da puta. ― Meus pais que estavam com o jantar
marcado, mas meu irmão estava febril e eu e Viviam substituímos. Era de negócios, não
prazer.
Não escondi o alívio que senti. Meia tonelada acabava de sair das minhas
costas.
― Você foi seu único concorrente, Blake, mas confesso que te ver foi o
suficiente para acabar com qualquer defesa minha. Eu te pedi que assinasse o divórcio
porque de todos os modos te ver me fazia lembrar das coisas, e agora eu só quero uma
vida que deslize entre suavidade e calma.
Chegou o assunto que eu temia. Agora iria saber o que ela tinha.
― Me conte que doença é essa, meu amor. Juro que ficarei do seu lado, não
importa o que seja. ― Ergui uma mão trêmula para acariciar seu rosto. Ela aceitou meu
carinho, inclinando o rosto para recebê-lo. ― Eu vou largar tudo para cuidar de você,
basta me dizer o que tem e juntos lutaremos para que fique boa.
― Eu tenho hiperêmese gravídica. ― Seus olhos brilharam e eu, com a
expressão mais idiota do mundo, senti meu sangue escorrendo para os pés.
― É muito grave? ― Minha voz parecia fraca demais, contradizendo a
expressão de Valentina.
― Blake...
Ela mudou de posição para poder ficar sentada de frente para mim. Há muito
tempo ela não me presenteava com o sorriso que me dava agora. O momento parecia
mais importante do que eu poderia supor. Senti-me confuso quando ela pegou minha
mão e a virou, depositando um beijo em minha palma. Algumas lágrima pingaram.
― Eu tenho algo para te dizer, por isso voltei.
Com carinho, ela depositou minha mão sobre sua barriga.
― Minha doença não é grave, ela é comum em mulheres no meu estado.
Olhei para onde minha mão repousava e de volta para seu rosto. Por um instante
meu coração parou e depois voltou a bater com tanta força que me senti meio tonto.
― Nosso aniversário de casamento não foi o pior dia da minha vida. ― Ela
sorriu entre lágrimas. ― Eu ganhei o maior presente. Aqui está o maior motivo por eu
estar tão chorona e nauseada. Além de vomitar até os pensamentos.
― Calma, espere aí. ― Eu me aproximei e, bem devagar, como se corresse o
risco dela sumir diante de mim, comecei a erguer a camisa. Quando sua barriga surgiu,
senti lágrimas quentes deslizarem por meu rosto ― Por isso você estava escondendo
seu corpo de mim!
― Você tinha que saber do jeito certo.
Minha visão estava congelada no pequeno monte endurecido. Era bem pequeno
e discreto, mas eu conhecia o corpo dela, cada polegada, e saberia assim que meus
olhos pudessem vê-la.
― Eu perdi peso e estou muito cansada. No meu caso específico, altera o
humor, também.
Ergui a cabeça e não acreditei ainda. Valentina não poderia estar dizendo o que
ela estava dizendo.
― Diga alguma coisa, Blake.
Meu cérebro deu curto, não conseguia forma palavras tampouco frases
completas. Em meio àquela sensação de arrebatamento, eu só pude puxá-la para meus
braços e jurar por tudo que é mais sagrado protegê-la com minha vida, se fosse preciso.
― Eu te amo, eu te amo! Oh, meu Deus! eu não acredito que você está dizendo
isso! Não acredito!
Enquanto pensava que a estava perdendo para sempre, Valentina voltava para
mim trazendo um filho meu protegido em seu vente.
― Você me deu tudo, pequena, absolutamente tudo! ― Minha voz saiu abafada
por seu pescoço. Ela ria enquanto eu chorava feito um garotinho e nem me
envergonhava, pois ninguém conhecia tanto as minhas lágrimas quanto Valentina, além
do mais eu não me importava, porque eu tinha o direito de extravasar. Quantos homens
podem dizer que têm uma mulher tão fodona quanto a minha? E ela é tão jovem. Cristo!
― Eu te amo, Blake, mas vou avisar: me magoe outra vez e será a última. Estou
te dando uma chance para reconquistar minha confiança. Saiba que, apesar dos pesares,
você estava tentando ajudar alguém, mesmo que essa pessoa seja uma vadia
profissional.
Apertei ainda mais meus braços à sua volta e ela correspondeu. Dei rédeas a
emoção, agarrado à mulher da minha vida.
― Eu descobri que, apesar de toda a mágoa que senti, minha essência era amor,
e foi este amor que me fez te perdoar e decidir voltar, antes mesmo de descobrir sobre
a gravidez.
― Obrigado!
Comecei a beijá-la com desespero. Valentina ria querendo fugir da minha
barba.
― Faz cócegas. Calma aí! ― Reclamou em meio as risadas
― Deus, eu vou ser pai! Eu vou ter um filho!
― Uhn, Blake, eu ainda não te contei tudo.
― O que foi? O bebê está bem? Tem algum problema? Precisamos procurar
algum especialista nessa doença e ver tratamentos adequados que possam amenizar...
― Calma, respira. ― Ela acariciou meu rosto. ― Além do risco de
desidratação que pode levar a desmaios, eu estou bem, falta pouco para essa fase
passar. Meu médico disse que o estresse pode ser o meu maior inimigo. Graças a Deus
eu fui muito bem cuidada, então entre os casos do gênero eu estou bem saudável, até.
― Tem certeza? Eu acho que seria melhor procurar um especialista. ― Tentei
frear a onda crescente de apreensão ― Meu Deus, eu vou ter um filho! ― Balancei a
cabeça sem acreditar em tamanha felicidade.
― Dois.
Em espaço de pouco menos de cinco minutos meu cérebro sofreu outro apagão.
Só conseguia piscar os olhos feito um completo idiota enquanto minhas emoções se
batiam umas nas outras.
― O quê?
― Dois filhos, Blake. Eu estou grávida de gêmeos.
O único pensamento que tive em meio aos constantes curtos circuitos foi:
Preciso de duas cadeirinhas para carro.
Capítulo 39

Blake
― Isso, cara, só mais um pouco e você ganha a corrida! ― Sorri ao fazer uma
perfeita curva, fechando a passagem e não permitindo que o segundo colocado – neste
caso, Nikkos – conseguisse me ultrapassar. Duas voltas depois e eu encerrava os
treinos em primeiro lugar, com um tempo recorde e os patrocinadores estourando
champanhe de contentamento.
― É disso que estou falando, caramba! ― Javier gritou comemorando com a
equipe. Mais que satisfeito, guiei meu carro até o boxe.
Há pouco mais de uma semana estou vivendo na mais perfeita felicidade.
Valentina me aceitou de volta, mesmo ainda não querendo voltar para a nossa casa; sem
problemas, eu me mudei para a casa dos pais dela e todo dia tenho uma família
barulhenta e meio maluca dividindo as refeições.
Agora, um dos maiores prazeres da minha vida é dormir de conchinha com a
mão na barriga dela. É como se, de alguma forma, eu estivesse protegendo meus
pequeninos das maldades do mundo. Minha paz foi restaurada, digo, uma parte dela,
pois ainda me sinto agoniado quando Valentina vomita de instante em instante. Cuido
dela e confesso que por mim teria abandonado o campeonato para me dedicar à minha
família, mas minha mulher me colocou para correr, dizendo que não queria um
desocupado em casa. Feliz em obedecer, a intimidade que estava sendo restaurada me
fazia ser um prisioneiro da felicidade.
Antes de sair do meu carro, abri um pouco o macacão, puxando de dentro a
corrente que sempre usava antes das corridas. Meu amuleto da sorte desde que
Valentina a perdeu na casa de Alecsander tanto tempo atrás. Esfreguei a pequena chave
de metal por entre meus dedos, sorrindo de pura alegria.
Minha vida não poderia estar melhor!
Dormir era maravilhoso, acordar também era, tudo isso porque ganhei uma
segunda chance para ser feliz ao lado da mulher da minha vida. Desci do carro e
praticamente corri para o vestiário. Fugi de algumas pessoas, pois não queria perder
tempo. Eu já queria voltar para casa e tomar Valentina nos braços; adorava sentir seu
corpo pequeno apertado ao meu.
A primeira coisa que fiz quando cheguei no vestiário foi pegar meu celular. Não
tinha nenhuma chamada, por isso resolvi ligar. No quarto toque minha esposa atendeu.
― Amor, tudo bem? ― Sentei num banco ansiando ouvir sua voz risonha.
― Blake, você não vai acreditar! Cyborg e Albina chegaram e estão aqui
fazendo a maior festa. ― Ao fundo pude ouvir os latidos das minhas queridas feras. ―
Não me aguentava de saudade deles. Ah! Corre para casa, hoje teremos Stovies e
churrasco na piscina e traga Javier. Vocês precisam conhecer alguém.
― Ele e Viviam ainda estão em pé de guerra ― comentei dando uma risadinha
nervosa. Eu já sabia de quem se tratava. Para Cyborg e Albina estarem aqui, significava
que o chefe do Clã MacKerrick também estava.
― Sorte sua já sermos casados, caso contrário, eu estaria tentada a fazer o
mesmo. Você por acaso notou o tamanho do buquê que ele deu à Viviam?
― Ah, então alguém gosta de rosas?
― Não são apenas rosas, meu amor, são rosas gigantes. Entendeu a
diferença?
― Isso é alguma indireta? ― Ri de felicidade, podia até senti-la como uma
segunda pele.
― Eu não, nem gosto de rosas. ― Ouvi o tom de riso em sua voz. Minha
pequena malvada.
― Do que você gosta então? ― Perguntei em tom confidencial, simplesmente
adorava cada aspecto daquela vida ao lado dela. ― Chocolates? Ursinhos de pelúcia?
Joias?
― Carros caros e raros, me mime com carros e quem sabe você não sobe de
patamar.
Gargalhei alto fazendo algumas pessoas me olharem. Desde que fui aceito de
volta por Valentina, eu vivia sorrindo. Na verdade, eu e Javier, pois mesmo tendo
Viviam sendo durona, de vez enquanto encontrava os dois agarrados. Hoje mesmo,
antes de começar a corrida, encontrei meu amigo falando baixinho ao telefone, a maior
cara de cafajeste degenerado.
― Tenho que ir e não demore! Estou ansiosa aqui! Até breve.
― Ei. Ei, calma, não está esquecendo nada?
― Ah, sim, traga sorvete de morango e a calda compre de chocolate.
Obrigada, de nada.
― Sua malvada, vamos, se despeça direito do seu marido.
― Tchau, marido!
― Valentina... ― avisei e ela riu, a safada.
― Blakezito, deu para ficar meloso agora? Deixa de coisa, homem, vem
embora para casa, beijos.
― Não levarei o sorvete se você não se despedir direito. ― Provoquei
segurando o riso, podia sentir o frio na barriga de prazer.
― Chantagista barato. ― Ouvi o barulho de alguém gritando e Valentina
respondeu com outro grito. ― Preciso ir, venha logo, por favor, uhn... Vamos comer
daqui a pouco, então se você não chegar, acho que...
― Amor, vou tomar um banho correndo e passar no supermercado para comprar
seu sorvete. Chego rapidinho, pode esperar.
Ouvi o suspiro do outro lado da linha e por um instante meu coração apertou.
Ela ainda tinha medo, eu sabia que não se esqueceu do que fiz.
― Tudo bem, estou te esperando. ― Valentina fez um breve silêncio ― Eu te
amo.
― Eu te amo mais.
Desligamos e eu corri para o banho. O macacão de corrida me deixava suado e
pegajoso; eu nunca me arriscaria a chegar perto da minha mulher com o meu cheiro
forte, inclusive, nem perfume eu estava usando, apenas um desodorante sem aroma
porque essa tal de Hiperêmese Gravídica é cruel. Além de sofrer com enjoos e vômitos
severos, Valentina sentia muita tontura, o que me deixava em pânico a cada cinco
minutos.
― Que pressa é essa? ― Javier perguntou enquanto eu calçava meus sapatos.
― Vá devagar, homem. Aconteceu alguma coisa?
― Sim, Doug MacKerrick chegou. Estão nos esperando para o almoço e
Valentina quer sorvete.
― E você só me conta isso agora? ― Ri da forma como Javier correu para o
chuveiro. ― Amigo traidor!
― Pois se apresse. Estou saindo em dez minutos.
― Droga! ― Ouvi o barulho de algo caindo e ri feito bobo, às vezes eu ainda
nem acreditava que quase coloquei tudo a perder. Adoro essa coisa de voltar para casa
porque tenho a minha mulher grávida me esperando. Era uma sensação de
pertencimento tão filho a puta que mal conseguia aguentar. Era plenitude em sua forma
mais básica.
Terminei de me arrumar e só estava esperando Javier quando Nikkos entrou.
Não me importei em hostilizar. Eu estava muito feliz para arrumar confusão com aquele
infeliz. Ao fim, era pura perda de tempo.
― Saiba que nunca pensei nem por um momento que ela fosse me dar uma
chance, mesmo que eu quisesse. Infelizmente você chegou primeiro, como sempre.
Estranhei a voz comedida, baixa e até, ouso dizer, triste. Nunca tinha visto ele
assim.
― Você não entende, Nikkos... O que sinto por minha esposa vai muito além do
amor, é algo fundamental, primitivo demais. É a essência do que me mantêm.
― Não a magoe de novo, Blake. ― Ele esfregou o rosto ― É ruim demais ver
alguém tão forte quanto Valentina sendo derrubada.
Naquele momento eu soube que meu maior inimigo nas pistas sentia mais do que
afeto por minha mulher. Queria socar a cara dele, mas isso não é algo que se possa
controlar. Com o tempo ele encontraria alguém para entregar sua atenção.
― Cuide dela. E parabéns pela volta por cima.
― Obrigado.
Não fiz questão de um aperto de mãos, não tínhamos intimidade para isso. Aqui
era mais rivalidade do que cordialidade. Mesmo que sejamos companheiros de equipe,
não era por vontade minha que eu olhava para a cara desse bastardo todos os dias.
― Javier! ― Olhei a hora no celular e já fiquei nervoso. ― Ainda vamos fazer
compras. Pare de querer impressionar Viviam e ande logo.
― Não é a ela que eu quero impressionar! ― resmungou alisando a roupa. ―
Eu ouvi coisas maravilhosas sobre o avô delas. Sabia que o velho se mantém isolado e
que não veio para o seu casamento porque não queria se misturar com muitas pessoas?
― Meu Deus! Você está com medo? ― Ignorei meu próprio medo dando foco
apenas ao do meu amigo. Não vou dar o braço a torcer. ― Ele não veio porque estava
no período de estocagem do uísque.
― Isso é o que você diz. Se tivesse escutado metade das histórias que Viviam
me contou, estaria querendo correr para longe.
― Para com isso, ela só queria te assustar, agora vamos.
Javier deixou sua moto no centro de treinamento e fomos juntos no meu carro.
Antes de entrar no supermercado, eu peguei uns óculos escuros e um boné para me
esconder e fui quase correndo com meu amigo na cola. Meio perdido, andei por vários
corredores até encontrar o que eu queria.
― E se a minha mulher quiser também mais de outro sabor?
Ficamos uns dois segundos olhando para os inúmeros rótulos e potes, e
resolvemos, por consenso, levar um de cada. Não queríamos que nossas garotas
passarem vontade, além do mais, Cyborg e Albina adoravam sorvete. Que Valentina
não me ouça.
― Cara, olha essa fila? ― Javier batia o pé impaciente, então resolvi apelar.
Tirei o boné e os óculos e poucos instantes depois as pessoas na fila me olhavam
reconhecendo e eu, na cara de pau, pedi para passar na frente, já que minha esposa
estava com desejo e eu precisava correr. Ser famoso às vezes era bom.
Tirei umas três fotos e distribui sorrisos. Eu ainda não estava atrasado, mas não
arriscaria de jeito nenhum, tampouco recusaria a boa vontade em me deixar tomar a
frente. Praticamente voei para casa e, quando chegamos, quase enfartei quando vi o
vovô da minha esposa.
― Ele é maior do que a gente ― Javier murmurou no meu ouvido enquanto,
meio duro, estendia as sacolas com os potes de sorvete para Miranda e Viviam, que
riam de alguma piada particular.
― Estou vendo ― respondi baixinho testando um sorriso, mas o velho não
esboçou nenhuma reação.
― Vovô, me deixe te apresentar ao meu marido, Blake. ― Valentina segurou
minha mão e eu senti a calma me invadir, além de tudo, ela estava linda com uma roupa
xadrez de cor verde, amarela e azul. Na realidade, todos estavam usando o mesmo
padrão de linhas e cor.
Meu sogro vestia apenas uma saia. Nada comparado ao impactante Kilt
completo que o avô da minha mulher usava.
― Não vai falar nada? ― Valentina perguntou e eu sorri estendendo a mão.
― É um prazer poder conhecê-lo, senhor.
O aperto foi bem firme e eu encarei numa boa, pronto para qualquer coisa.
― Trabalhe para que permaneça sendo um prazer. Se por acaso a minha neta
aparecer ao menos com um por cento da tristeza que vi, terei sua pele decorando minha
lareira.
― Não se preocupe, senhor ― disse confiante. ― Eu mesmo lhe darei a faca se
magoá-la de novo.
― Ótimo, agora. ― Ele se virou e pegou um pacote grande ― Bem-vindo ao
meu clã.
Senti um imenso alívio me tomar, sem mais turbulências. O velho MacKerrick
foi moleza de encarar, mesmo que ele pareça uma montanha assustadora.
― Valentina, leve seu marido e o ajude a colocar. Viviam, me apresente ao seu
pretendente.
Saí da sala querendo rir da cara ultrajada de Javier. Ao que parecia, a minha
cunhada estava em modo megera.
― Você está tão linda ― falei assim que nos trancamos no quarto. ― Não vejo
a hora de podermos fazer amor. ― Tentei tocar sua barriga, mas não consegui
― Tire as calças e a camisa, Blake. Você vai colocar o Kilt. ― Valentina riu,
não demonstrando a mínima preocupação por minha vontade em tê-la. Se não fosse pelo
fato de ela estar proibida de fazer atividade física, já teríamos fodido feito dois
animais. ― Pare de me olhar com cara de tarado e tire a roupa. O kilt não vai se
colocar sozinho.
― Ficarei horrível. Jesus, isso é mesmo necessário?
― Vai ficar lindo e com certeza é muito necessário, porque ganhar um Kilt do
chefe quer dizer que ele está te acolhendo na família. Você deve usar as nossas cores; o
padrão do xadrez é como uma assinatura, sabe?
Assenti tirando as roupas. Fiquei só de cueca boxer, esperando. Flexionei um
pouco meu abdome trincado, me exibindo mesmo, ansiando, desejando um toque com
segundas intenções. E ele veio. Valentina espalmou as mãos em meu peito e eu fechei
os olhos engolindo um gemido necessitado, meu pau endurecendo, deixando-me
desconfortável, louco para fazer amor, por uma prova, sequer.
― Não parece que esteve tão doente. Você está todo musculoso de novo.
― Para você, meu amor. ― Sentia seu desejo por mim, mas não queríamos
arriscar; nossa consulta com um obstetra era para daqui uma semana, então estávamos
seguindo as ordens do médico Escocês e ele disse: nada de sexo enquanto a hiperêmese
não passar. O corpo de Valentina ainda estava recuperando-se de suas muitas crises
intensas.
― Sim, tudo para mim. ― Ela me olhou demonstrando fragilidade. ― Você
promete isso, Blake? Promete que não vai mentir para mim? Nem me enganar?
― Amor... ― Permiti que ela enxergasse a verdade absoluta. Um sorriso
delicado marcou seus delicados traços quando encontrou a resposta para a sua
pergunta.
Suspirando satisfeita, deslizou as mãos por meu peito e abdome, as pontas dos
dedos brincando com minha pele, fazendo meus músculos contraírem de prazer.
― Sabe qual é uma das facilidades para as mulheres que usam Plaid?
― O que é Plaid? ― Com ela tão perto, eu não conseguia me concentrar em
porra nenhuma.
― É isso que estou vestindo. ― Sorriu. ― Contém dobras específicas que se
você souber onde está...
Valentina colocou a mão por baixo de uma das dobras e puxou, o tecido
começou a deslizar por seu corpo, deixando-a só de calcinha na minha frente.
― Oh, Cristo! Eu amo Plaid.
Puxei sua boca para a minha, roubando um beijo gostoso e do jeito que eu gosto.
Faminto demais, nunca me contentava com pouco, pelo menos de beijos não fomos
privados e aquele era um dos nossos prazeres. Tão desejoso por seu sabor como eu
estava, qualquer migalha seria o paraíso.
― Blake, senti tanta falta de você.
― Não tanto quanto eu. Sou viciado em você.
― Te desejo tanto. ― Agarrou meu pênis, apertando, fazendo-me gemer alto
demais para uma casa cheia. ― Eu te quero, Blake.
Minha mão deslizou por sua calcinha e a encontrei molhadinha, o clitóris já
inchado e palpitante.
― Que delícia! Já está pronta mim.
Massageei devagar e firme. Valentina se segurava em mim, gemendo baixinho,
rebolando e tremendo.
― Blake, amor... ― Mordeu o lábio, esfregando os mamilos duros em meu
peito. ― Preciso gozar... quero tanto!
Desejei, excitado, ansioso e muito fogoso por tê-la, mas ainda não então fiz o
que podia. Entre beijos e carícias, eu a deitei na cama, puxando sua calcinha, ofegando
com a mera visão.
― Vai gozar bem gostoso na minha boca.
Abri suas pernas, me deliciando com a umidade que a deixava brilhando.
Esfreguei o polegar pelos seus lábios vaginais e ela arqueou, gemendo baixinho.
Explorei suas dobras suaves, enterrando meu rosto para cheirá-la. Meu pau pulsou,
doeu, mas o prazer que senti foi imensurável.
― Blake...
― Morda o lençol ― avisei. Antes de abocanhar sua boceta deliciosa, dei um
beijo de boca aberta, usando língua e lábios para provar e torturar, brinquei com o
clitóris duro, expondo com meus dedos para poder chupá-lo com força.
― Assim... Ah, saudade!
Meu corte de cabelo não lhe permitia enredar os dedos e puxá-los, mas então
suas mãos pressionavam minha cabeça entre suas pernas sem pudor algum. Em minha
língua ela palpitava, a boceta quente, escaldante e pronta para me queimar. Tremendo e
ondulando, arquejando por ar, ela ditou o ritmo e foi um intenso, do jeito que nos
amávamos.
― Vou gozar. Oh, que delícia...
Senti seus tremores intensificando. Malvado, prendi seu clitóris, mordendo de
leve, mas o suficiente para fazê-la saltar e gozar, derretendo em minha boca, me dando
tudo o que eu queria há muito tempo. Prolonguei seu orgasmo da forma que podia, cheio
de orgulho por ouvir seu grito abafado pelo travesseiro e pelos pequenos tremores que
a deixavam arrepiada.
Beijei seu ventre, fazendo carinhos nos meus bebês. Esfreguei minha barba por
ali, murmurando meu amor incondicional para minha pequena família.
― O papai ama vocês.
Meus beijos subiram até seus seios. Brinquei com eles e Valentina quase
chorou, na verdade, lágrimas pularam de seus olhos enquanto gemia baixinho, o corpo
muito sensível. Mordi seu corpo, aspirei seu cheiro, doido para me enterrar em seu
calor, o pau babando de desejo insano.
― Você está inacreditavelmente linda. Como é possível? ― perguntei em cima
dela, escovando seus cabelos para trás, para que eu pudesse me deslumbrar com seu
rosto corado e os olhos brilhantes de saciedade.
― Beija-me.
“Com prazer!”, eu gostaria de dizer, mas não perdi tempo e já estava dando e
recebendo de forma lânguida e suave. Nosso beijo me permitia adorá-la sem pressa,
como poderia fazer o resto da minha vida. Como faria.
― Precisamos descer ― resmungou mordendo meu queixo, algo que ela sempre
adorou fazer.
― Poderia ficar na cama com você, mas isso me deixaria ainda mais ansioso.
Será que não fizemos nada de errado? ― Busquei seus olhos e ela riu, negando.
― Eu me sinto bem. As tonturas diminuíram um pouquinho; não estou me
sentindo tão fraca.
― Você me disse que estava bem. ― Franzi o cenho que ela acariciou de um
jeito suave.
― Eu perdi muito peso, amor, você notou. Ainda estou na fase ruim, mas de
acordo com o que o médico na Escócia disse, em pouco mais de vinte semanas estarei
fora da zona critica. Vamos ver se o obstetra daqui concorda.
Eu estaria pronto para me certificar de que sim, tudo daria certo.
― Precisamos descer, mas não quero. ― Fez um biquinho manhoso e meu pau
vibrou na hora. Não dava para ficar mais tempo; quanto mais excitado eu estivesse,
mais armada estaria a saia do Kilt.
― Vem, amor. Ajude-me a vestir esse saiote.
Ela riu levantando e me ajudou a me vestir de maneira correta, inclusive tinha
umas botas e uma meia escura para completar a vestimenta.
― Este estilo é muito mais sexy do que a roupa de piloto. Você está uma
delícia. Poderia ficar sem a camisa. ― Mordeu o lábio, o pior era que ela estava nua e
nem ligava. ― Super apoio te vestir de highlander gostosão e tirar umas fotos ousadas.
― Faço o que quiser mas vista-se, caso contrário não conseguirei sair daqui
andando. ― Coloquei uma camisa branca simples e estava pronto. Dei umas ajeitadas
no meu pau dolorido.
― Bobo. ― Riu baixinho.
Encantado, apaixonado e arrebatado assisti a ela trabalhar nas dobras de sua
roupa. Fiquei deslumbrado quando, por fim, suas vestes estavam perfeitas.
― Vamos? ― Estendeu a mão
― Para qualquer lugar.
De mãos dadas fomos para junto de nossa família.
***
― Meu Deus do céu! Meu estômago vai desintegrar! ― Javier soluçou, me
passando o cantil feito de pele. ― Isso é uma bomba!
― Não seja um frouxo. ― Bati em seu ombro e bebi do líquido doce.
― Aprendi a fazer com meu pai ― Doug falou encarando a nós dois ― Que
aprendeu com pai dele e assim sucessivamente. Este hidromel é o que tem de mais
artesanal na minha produção particular. Fiz este especialmente para vocês dois. Bebam
tudo. É uma afronta rejeitar.
Viviam tossiu uma risada e Valentina também. Deus é testemunha de como isso
tem sabor estranho. Apesar de doce, ele desce rasgando a garganta de um jeito que
parece fogo líquido.
― Coloquei especiarias, como hortelã e pimenta, tudo cultivado nas minhas
terras. ― Sorri lamentando, minha barriga dando nós. ― Não está ótimo?
― Oh, sim, uma delícia. ― Improvisei um sorriso amarelo.
O almoço foi misturado: o nosso churrasco tipicamente americano e o guisado
de carne Escocês, chamado de Stovies. Tudo estava uma delícia, salvo aquela bebida
doce e ao mesmo tempo apimentada demais.
― É um teste e você está se saindo bem. Meu avô adorou você de kilt, disse
que dará filhos fortes. ― Valentina sentou ao meu lado, encostando a cabeça no meu
braço, nossos dedos entrelaçando-se.
― Quanto mais terei que beber? ― Solucei cobrindo a boca. ― Estou em
remissão, não posso exagerar.
― Safado! ― Javier bateu em meu ombro. ― Está em remissão agora, né?
Ri me sentindo tonto, ainda que estivesse gostando muito.
Passada a primeira impressão Doug MacKerrick se mostrou um homem
divertido e jovial, apesar dos setenta e poucos anos.
O almoço se transformou em uma agradável roda de discussões. Enquanto eu e
Javier defendíamos os carros, Doug lutava pela supremacia dos cavalos. Cada um na
sua, mas que eram foda os argumentos, ah, isso eram.
― Vou sair um momento, volto já. ― Valentina levantou e correu para dentro
de casa.
Eu me levantei, tonto, e fui atrás dela. Já sabia onde ela estava: no banheiro,
vomitando tudo o que comeu e bebeu na última meia hora.
― Calma. ― Passei um braço à sua volta, apoiando-a. Tirei seu cabelo da
frente, esperando que despejasse tudo. Quando terminou, tremia muito. ― Vem, meu
amor, senta aqui um minutinho.
Fechei a tampa do vaso e me sentei, puxando-a para o meu colo, o corpo dela
muito fraco. Aquela era a sexta crise só hoje.
― Vai passar. ― Esfreguei suas costas, dando-lhe amor e carinho. ― Falta
pouco, hum? Essa fase está quase no fim.
Ela acenou deitando a cabeça em meu peito.
― Amo meus bebês, mas a cada vez que estou passando por momentos como
este eu penso que poderia dar um salto para a parte onde só curtimos a gravidez.
Vomito tudo o que como e Blake, não vou mentir, estou me sentindo cada vez pior. O
mal-estar não passa. Às vezes nem levantar da cama dá vontade. Ainda bem que não
faço corpo mole.
― Vamos chegar lá. Estou aqui com você a cada instante. E não é corpo mole,
eu sei bem como é se sentir péssimo.
― Eu sei, amor, estou confiando que vou passar por isso logo. Sabia que
existem mulheres que têm que aguentar a hiperêmese até o parto? Tudo tem que dar
certo e você não pode me deixar.
― Sim, mas temos que confiar que vai ficar boa e nem pense que estou indo a
algum lugar, afinal estou usando até saia para agradar à sua família.
Ela riu e me olhou.
― Confesse que o kilt é muito mais confortável. Duvido que as suas partes
baixas reclamem. É quase como estar sem nada. Isso levando em consideração que
alguns escoceses realmente não usam nada por baixo.
― Não me diga que seu avô... ― Deixei a frase no ar, horrorizado, pois o velho
a todo momento estava sentado com as pernas abertas.
― Ah, não! ― Riu da minha cara. ― Meu pai apresentou o advento das cuecas
boxe. E outra: se não reparou, o meu avô é um gigante; apesar da idade, ele está em
plena forma. Ele adorou como as cuecas ficaram bonitas, palavras dele.
― Por isso seu pai é esse ser delicado. ― Brinquei e ela riu. ― Filho de uma
montanha.
Valentina nem brincou, só gemeu querendo vomitar de novo, esperamos, depois
ela ficou ainda mais fraca, assim eu a ajudei a limpar sua boca e a levei para o jardim,
onde todos estavam. Lá já havia bolachas de sal e chá de gengibre esperando, que ela
também não conseguiu manter no estômago.
À noite, Miranda preparou para a minha esposa um caldo rico, feito com
legumes e verduras e fiz com que ela tomasse tudo e depois nos deitamos. Antes de
dormir ela vomitou de novo e depois só pediu para descansar. Agora era ela quem
sonhava ouvindo as batidas do meu coração.
De madrugada senti uma intensa vontade de usar o banheiro. Valentina não
havia se movido nenhum centímetro do lugar. Tentei movê-la, mas reparei que algo não
estava normal. Estiquei o braço e acendi a luz. A pele dela estava com um leve tom
acinzentado e os lábios secos.
― Valentina? ― Alisei seus cabelos e ela continuava dormindo. ― Amor?
Acorde, por favor ― continuei chamando e nada.
Começando a sentir pânico, pois não respondeu, consegui com cuidado tirá-la
de cima de mim. Apressado, eu vesti uma calça e corri até a porta gritando por Sinclair.
― Vamos, amor, acorde para mim. ― Acariciei seu rosto com os dedos
trêmulos, pânico, apreensão e medo brigando para ver quem ganhava.
― O que foi? ― Sinclair entrou no quarto e correu para onde eu estava.
― Ela não acorda. ― Minha voz aflita e apavorada o fez entrar em ação.
― Vamos correr para o hospital. Vou pegar as chaves do carro.
Enrolei Valentina no lençol, apertando meus braços à sua volta. Mantive um
controle ferrenho sobre o meu corpo que não queria parar de tremer, mas agora não era
hora de paralisar e sim de agir. Desci as escadas com cuidado, o carro já ligado,
esperando.
― Vamos atrás. ― Javier vestia uma camisa e Doug já preparava-se para
partir.
Entrei no carro e Sinclair correu para o hospital. No caminho, eu liguei para o
médico que iria acompanhar a gravidez e ele estava indo para lá.
Toda a apreensão medo não foram infundados. Valentina estava com
desidratação aguda e por isso ficaria internada para fazer a restauração do equilíbrio
hídrico do corpo, além de repor alguns minerais.
― Ela vai ficar bem. Sabíamos que isso poderia acontecer! ― Sinclair apertou
meu ombro enquanto eu não parava de beijar a mão flácida e morna da minha esposa.
― Isso não diminui a sensação de pânico. ― Fechei os olhos, achando uma
ironia desgraçada que agora seja eu a estar com ela em uma cama de hospital.
― Calma, filho. Não se altere, fique firme. ― Mais uma vez Sinclair me
tranquilizou.
― Não posso evitar. Se algo acontecer com ela... Deus! Eu não sobrevivo,
entende? Não sobrevivo.
― Blake, entendo seu desespero, mas você sabia que isso era suscetível a
acontecer. Esses dois bebezinhos estão brincando de bagunçar a mamãe deles. Fique
calmo, tudo isso vai passar. Foi só um susto, Valentina não corre risco. Minha filha é
um bloco de concreto.
― Você viu? Ela não acordava. ― Respirei fundo, meu medo era justamente
nisso: o fato de ela não ter acordado foi o suficiente para me ter às portas do inferno.
― Vou buscar um café. Meu pai está lá fora pronto para derrubar o hospital.
Por isso ele não gosta da civilidade: tem pouca paciência, igual à esquentadinha aí.
Ri mesmo sem querer e mais uma vez meu ombro foi apertado.
― Bem vindo aos sustos da paternidade. ― E saiu.
Respirei fundo tentando fortalecer meu coração. Se os sustos da paternidade já
começavam naquele nível difícil, não quero nem saber o nível insano.
― Deus me livre de tamanho desespero.
Poucas horas depois, o pior aconteceu.
Capítulo Final

Valentina
Acordei olhando ao redor. Tudo estava silencioso e calmo. Das janelas, uma
suave brisa soprava, mas eu sabia que algo estava errado.
Nunca me senti tão cansada. Meus olhos doíam muito, minha garganta também.
Parecia que eu havia gritado a noite inteira. Confusa, levantei da cama, meu braço
estava machucado, logo a realidade do que aconteceu na minha vida me golpeou de um
jeito tão duro que comecei a chorar de novo. Ainda sem me importar, saí do quarto e
procurei por Blake. Sabia onde encontrá-lo e não demorou muito.
Parado, frio, inalcançável. Meu marido estava assim para mim e para todos os
outros. No meio da nossa sala, onde nos entregamos a noites de amor, estava o pesado
caixão preto e lustroso. Coroas de flores ao redor com as frases: Amado marido e pai...
Eternas saudades... Descanse em paz... Filho querido... Companheiro e amigo.
― Blake, você nem viu nossos filhos nascerem. ― Lamentei engolindo o choro.
Segurei sua mão gelada, seu rosto tão lindo e sereno. ― Você prometeu que não ia me
deixar.
Acariciei seu rosto e agora lembrei porque minha garganta doía: foram os gritos
de quando eu soube que ele havia falecido e meus olhos ardiam devido ao choro que
não me abandonou. Agora eu entendia o verdadeiro significado da palavra perda; eu a
entendia na própria essência.
― Porque me deixou, Blake? ― Encostei nossas testas, minhas lágrimas
molhando seu rosto congelado para sempre. ― Eu te amei tanto, tanto. Por que me
deixou, meu amor? Blake... ― chamava por ele, desesperada, mesmo sabendo que
nunca obteria resposta. Ele estava silenciado para sempre. ― Você me deixou! Por
quê?
Por quê?
― Valentina, acorda! — Um berro e uma sacudida me fizeram abrir os olhos.
Diante de mim estava Blake. Lindo, forte, imponente e saudável. ― Foi um pesadelo,
amor. ― Ele me abraçou e eu me agarrei a ele, abalada com mais aquele sonho terrível.
A primeira vez que eu o tive acordei gritando no meio da noite e meu avô que
veio em meu socorro, e Viviam também me ajudou muito na pior fase. O medo real e
vívido colocou em xeque minha raiva intensa, que notei que não era tão grande assim
quando a possibilidade e sensação de perda foram muito maiores. Excluí a humilhação
que senti ao ser deixada de lado e avaliei as ações de Blake. Ele me traiu de alguma
maneira, mas não da forma como eu pensei que fosse.
Mais uma chance. Eu decidi que talvez valesse a pena e trabalhei meu orgulho e
descobri que ele não valia a pena; meu casamento, sim. Decidi voltar e foi quando
descobri que estava grávida, então aconteceram os problemas.
Não sei por que uma mulher grávida se torna tão emotiva; juro que não me
reconheci. Foram tantos altos e baixos e eu ainda estava no primeiro trimestre. Acho
que não estava em meu poder ser aquela mulher durona; o controle de mim estava nas
mãos de duas criaturinhas do tamanho de peras. Mesmo descontrolada, eu não mudaria
nada, nem mesmo uma vírgula de tudo o que aconteceu. Ouvi em algum lugar que não é
bom chamarem as mulheres grávidas de mães pois elas só serão quando os bebês
estiverem em seus braços. Quão ridículo isso soa? Eu sou mãe, sim, me sinto mãe e
estou passando horrores para ter meus filhos, então quero mais é ostentar o título de
mãe do ano.
― Meu Deus! Eu vou chamar o médico, você não para de tremer.
― Fica quieto. Só me abrace, por favor.
Quando o médico disse para mim que mulheres que sofrem de Hiperêmese têm
que lutar contra os fatores psicossomáticos de sua doença, eu fiquei atenta. Rejeitar a
gravidez, não aceitar a maternidade, rejeitar o pai da criança, e o mais grave: a auto
punição. Eram o que sempre acontecia.
Eu já chorei, sim, enquanto vomitava, pedindo a Deus que passasse logo, mas
tenho orgulho de dizer que nunca rejeitei meus filhos. Quanto a Blake, eu só precisava
saber se ele ainda me queria tanto quanto eu o queria de volta, e apenas se ele me
quisesse em igual medida. Não responder suas mensagens foi difícil e na única que
respondi fui honesta com o momento, mesmo nunca tendo me arrependido.
― Valentina, eu não gosto desse silêncio. ― Fechei os olhos em busca de
controle. Eu esperava que tudo se resolvesse. ― Eu morri do coração quando você
começou a gritar. Um segundo e milhões de coisas passaram pela minha cabeça. Cristo!
Eu estou me sentindo trinta anos mais velho.
― Eu tenho pesadelo, às vezes, mas depois que você começou a dormir me
abraçando eles não voltaram.
― Porra! Eu nem conseguia dormir, mas isso passou. ― Ele acariciou meu
rosto. ― Nunca mais dormiremos separados.
Blake se tornou um ótimo cumpridor de promessas.
Algum tempo depois...
— Só mais um pouco ― meu marido lindo sussurrou em minha orelha enquanto
me guiava com cuidado.
O barulho de carros, buzinas e pedestres era tão alto que chegava a dar agonia.
Nunca me incomodou; o urbanismo era uma parte de mim que às vezes poderia jurar
ouvir música.
Hoje, grávida de gêmeos e vivendo tão tranquila, sinto que o barulho exagerado
passou a incomodar. É como o meu avô disse: “Depois de uma temporada nas terras
altas, a cidade perde o sentido”. Não é para tanto, mas também não posso deixar de
afirmar a veracidade de suas palavras.
― Fique aqui e não abra os olhos, por favor. ― Sorri esperando.
A vida estava tranquila demais. Como o médico responsável por meu
acompanhamento falou, minha fragilidade era só por causa da hiperêmese severa. Não
fiquei 100% nas primeiras dezesseis semanas, mas quando entrei na vigésima primeira,
os sintomas começaram a diminuir, até sumirem de vez. Agora me sinto uma lutadora de
MMA fazendo a dieta de engorda.
Blake ainda não sabia que eu estava livre dos vômitos porque estava viajando a
trabalho. As tonturas eu ainda tinha porque perdi muito peso, mas agora a tendência era
só melhorar e, para que isso acontecesse, não existiam desejos difíceis e o pior de
todos era o meu marido. Blake era louco, desenrolado e completamente perfeito no
quesito mimo, e nos outros também, não vou mentir.
― Amor, curiosidade pode aumentar a pressão. ― Bati o pé para chamar
atenção.
Estava tudo muito bem com minha saúde, mas gravidez gemelar é de risco,
então todo cuidado era pouco; pelo menos era isso o que o médico sempre falava nas
consultas. Para garantir que as coisas ficassem dentro do melhor possível, eu estava
fazendo atividades como: hidroginástica, yoga e meditação.
Dava vontade de rir, imaginem eu meditado ou praticando Yoga? Risível, mas
uma realidade. Para a saúde dos meus bebês, tudo era praticável. Eu até poderia voltar
ao boxe, tem grávidas que se sentem ótimas, o problema é o estado de saúde mental do
meu marido, o tadinho surtou de um jeito muito engraçado.
― Blake? Você me trouxe aqui para ficar em pé de olhos fechados no meio da
rua por quanto tempo?
― Calma! Fique tranquila e continue pensando. Já está quase pronto. Falta só
um pequeno detalhe que estou arrumando.
Sim, notava-se o passa-passa de pessoas e os sussurros, mas não dava para
reconhecer ninguém e eu já me sentia ridícula.
― Amor, vamos aproveitar sua folga? ― Sorri estendendo os polegares ―
Vaaaamos?
Uma das grandes discussões que eu e Blake tivemos foi porque ele queria
abandonar o campeonato da Nascar para ficar comigo. Primeiro, adorei a dedicação
dele, depois notei que não poderia permitir isso. Ele amava o que fazia, e nossa!, era
bom demais. Barganhamos por horas e, no final, eu não faria boxe e ele não desistiria
de correr. A primeira viagem de Blake ocorreu uma semana depois que deixei o
hospital por causa da desidratação. Despedir foi horrível, meus hormônios duplicados
estavam loucos e, por mais durona que tentasse ser, duas linhas de lágrimas marcaram
meu rosto. Uma pena que eu não pudesse viajar com ele. Agora eu podia, e o melhor?
Blake ainda não sabia.
― Vou olhar ― cantarolei rindo
― Não comece! ― ralhou, mas pude escutar o riso em sua voz.
Assenti e esperei. Desta vez não demorou muito para que eu o sentisse em
minhas costas, suas mãos deslizaram por minha barriga para me abraçar apertado.
― Uma surpresa só e boa quando tem impacto ― murmurou e me deu um beijo
no ombro. ― Abra os olhos, meu amor.
Respirei fundo e obedeci.
― Blake? ― Olhei para o charmoso prédio de dois andares e por um instante
palavras não puderam ser ditas. Não conseguia pensar em nada para dizer.
― Eu vi que estava à venda, e achei que seria perfeito para ser a sua doceria.
Pedi ajuda dos meus sogros e eles me garantiram que era perfeito.
― Blake... ― Já queria chorar de emoção. Segurar as lágrimas a cada dia
parecia mais e mais difícil. Como ele conseguia sempre se superar?
Uma mulher grávida – de gêmeos – não tinha obrigação de ser durona, também,
olha o nível da surpresa? E não parava por aí. De um jeito bem interessante, havia uma
faixa pendurada. Ela estava meio torta, mas era tão linda, e dizia:
Le Pâtisserie.
― A confeitaria. – Cobri a boca e engoli um soluço quando traduzi o
significado do nome que eu e Ally, anos atrás, passamos horas escolhendo. Nosso
sonho era uma doceria que pudesse oferecer, além de excelentes produtos, um ambiente
para convivência social.
― O primeiro andar pode ser um espaço para café, algo mais íntimo e casual,
com sofás e som ambiente. As pessoas podem vir conversar e relaxar, também.
― Oh, meu Deus! ― Pisquei os olhos de um jeito bobo. Parecia tão surreal.
― Suponho que tenha gostado? ― pude ouvir o riso em sua voz e quase me
desfiz de tanta emoção.
― É perfeito!
Olhei o redor e haviam muitas pessoas paradas e sorrindo para mim e eu soube
imediatamente que se travava de uma nova equipe de reforma e construção. Abalada,
me virei nos braços dele e chorei de alegria.
― Você só faz surpresas chocantes. ― Beijei seus lábios deliciosos, os olhos
que eu tanto amava brilhando de felicidade ― Obrigada! Eu nunca esperei.
― Pois é, ma petit, você nunca espera nada e por isso vivo querendo te
surpreender. Você gostou e isso me deixa feliz.
― Eu amei, muito, na verdade. Blake, você é perfeito!
Apertei meus braços a sua volta. Eu queria me enrolar em um abraço e não sair
mais de perto dele. O calor que desprendia de seu corpo, cada vez mais forte devido
aos treinos me deixava com vontade de me manter sempre colada a ele, sendo cuidada e
amada, pois a cada dia Blake conseguia me fazer sentir esse sentimento. Hoje posso
vivê-lo.
― Sou perfeito ao ponto de você aceitar voltar para a nossa casa?
Nós nos olhamos, a intensidade por trás de suas íris esverdeadas me causando
frio na barriga. Minhas tímidas borboletas voltaram a testar suas asas e só por isso
queria gritar de felicidade.
― E agora? ― Ele sorriu, arqueando uma sobrancelha.
― Pague para ver. ― Fiz minha melhor cara de safada e ele jogou a cabeça
para trás em meio a uma sonora gargalhada
― Minha megera malvada. ― Mordiscou meu lábio
― Minha múmia preferida.
Sua boca desceu sobre a minha, carinhoso, lento, explorando e saboreando. Era
assim que ele me beijava na rua, em meio a uma salva de palmas e assovios estridentes.
― Você me faz um homem completo. ― Encostou nossas testas. ― E eu só
posso retribuir te dando meu amor e realizando seus sonhos.
Acariciei seu rosto, com a ponta dos dedos. A barba bem feita e os lábios
carnudos completavam um rosto perfeito. O admirava na maioria das vezes entre
suspiros bobos e apaixonados, pois na vida existiam homens bonitos, então tinha os
lindos e depois vinha o Blake. O meu marido era um Deus grego, não dava sequer para
descrever.
― Realize meus sonhos. Aceito sem modéstia, marido.
Na ponta dos pés, mordi seu queixo.
― Inclusive os sonhos mais, digamos, secretos e pervertidos. Lembra dos meus
DVDs confiscados?
Acenou, pura safadeza brilhando em seus olhos.
― Vamos conhecer as instalações, ma petit, porque você esquece que estamos
na rua, perto de um monte de gente. Não é hora para curvar e andar torto. Lembre-se
que tenho algo muito digno entre as pernas.
― O que foi que eu fiz? ― Bati os cílios toda inocente. Ele apertou minha
cintura, me instigando a entrar o prédio. Ri de sua expressão ultrajada e reclamação
sobre sua mulher ser realmente uma megera provocadora.
Mal havia entrado no prédio quando minha família toda gritou:
― Surpresaaa!
Todos estavam ali, inclusive minha sogra que, na época que soube da minha
gravidez, largou o marido na Tailândia e veio correndo. Sou paparicada demais e
adoro, nem pareço a antiga Valentina, mas também, aquela outra garota não passou por
tudo o que eu passei e nem esperava dois bebês.
― Gente, vocês são demais, muito obrigada!
Fui abraçando todo mundo. O pai de Blake quase me sufocou, ele estava meio
choroso – acho que ser avô de gêmeos o deixou mole e por causa disso, ele sempre me
olhava e queria chorar de emoção.
Por tudo o que vivemos e enfrentamos juntos, essa vida que temos é uma benção
tão grande que parece um mistério.
Meus pais estavam no meio da turma, Viviam e Javier também.
― Gente, obrigada por tudo. Eu nunca poderia esperar... ― Fui interrompida
por uma voz linda e angelical:
― Ainda falta o meu abraço.
Olhei ao redor e vi minha amiga parada ao lado da porta. Corri em sua direção
sob os fortes protestos de Blake por eu correr. Mal pude chegar perto antes dela
começar a chorar, e eu também.
― Como é bom estar em casa. ― Sua voz demonstrava alegria, mas também
havia tristeza. Muita, por sinal. ― Eu finalmente estou de volta ao meu lar.
― Ally, o que houve? ― Afastei um pouco para olhá-la e ela tocou minha
barriga, depois a dela.
― Eu passei muito tempo longe, não fiquei do seu lado quando mais precisou
de mim. Só me arrependo disso. É como um sabor amargo em minha boca.
― Ei, você estava estudando, e isso é algo maravilhoso, você não poderia ter
feito nada. Não se culpe. Não há por que pensar assim.
― Eu estava vivendo um conto de fadas! Vivi um amor tão forte, Val, e agora
ele se desfez diante de mim. ― Suas lágrimas pingavam por seu queixo ― Carrego em
meu ventre a essência deste amor, mas meu coração não passa de cacos de vidro
pisoteados.
― Oh, Ally! ― Nos abraçamos outra vez, de alguma forma tentei passar
segurança e conforto. ― Tudo vai dar certo. Você está com a sua família agora e sabe
que te amamos muito. Pense que não é você quem está perdendo. Levante a cabeça e
sorria, pois temos uma nova jornada pela frente.
― Sim. ― Ela sorriu ― Eu me formei com honra, tenho uma pomposa carta de
recomendação de Mario Batali, ele foi um dos chefes para os quais precisei cozinhar,
minha extensão foi um sufoco, mas Val, estou pronta para ser um sucesso ao seu lado.
Perfeito. Apesar de não querer falar sobre o responsável por sua decepção,
Ally sorria cada vez mais e, enquanto a tarde foi seguindo, muitos planos estavam
sendo traçados. Depois de muito planejar, deixamos a construção e fomos para a casa
dos pais de Blake.
― Acho que está na hora de irmos para casa, não acha? ― Meu marido beijou
minha nuca, retirando o bolo de creme das minhas mãos. ― Já chega. Esse é o terceiro
pedaço; não te quero passando mal.
― Não vou. ― Sorri e ele inclinou a cabeça de lado. ― Passou a fase. Estou
ótima.
― Cristo! Ouvir isso é fantástico. Vou poder encostar a cabeça no travesseiro
sabendo que você está bem.
Blake me abraçou apertado, sua felicidade tão notável que me sentia uma boba
apaixonada.
― Vou preparar a banheira e uma enorme taça com morangos e creme. ― Ele
me beijou rápido. ― Vamos comemorar. Estou tão feliz! Amor, por que não me contou?
― Não contei porque você estava viajando. Queria falar pessoalmente e poder
saborear sua reação. Não poderia perder isso.
― Você é má!
― Claro que sou. Faz parte do meu charme. ― Pisquei um olho e ganhei um
beijo molhado e lento, daqueles exploratórios que te deixam cheia de ideias de como
usar a língua em outras zonas, também.
Saímos quase escondidos, como um casal de adolescentes que tenta fugir dos
pais. Ansiosa. Era assim que eu me sentia quando compreendi que a casa à qual Blake
se referia era a nossa. Minha e dele.
Não falei nada, mas ele, conectado a mim como estava, pegou minha mão
levando-a aos lábios. O aperto leve era um breve indício de que ele sabia como eu me
sentia e queria me confortar.
― Meu Deus! Faz tanto tempo.
Levei uma mão ao peito quando a fachada da casa surgiu. Blake estacionou o
carro na entrada e o desligou. Um misto conflituoso de felicidade e tristeza golpeava
direto no meu coração. Tudo o que vivi ali; o ano de mais descobertas que uma pessoa
poderia sonhar em ter; descobri-me mulher; amei com loucura o homem que temi perder
para uma doença perversa. A redenção veio como uma bola demolidora, pois inclusive
o perdão dói, só que ele liberta, fecha os ciclos, permitindo recomeços que, por mais
improváveis que possam parecer, são tão reais e sólidos quanto as rochas que existem
por milhares de anos.
Críticas que na verdade são julgamentos baseados ou não em experiências de
vidas aos poucos perdem o sentido porque mudanças podem acontecer, paradigmas
podem ser quebrados e um homem pode encontrar o amor verdadeiro em uma garota
treze anos mais nova.
Uma lágrima escorreu por meu rosto quando a porta do meu lado abriu e a mão
do meu amor apareceu. Olhei para Blake, tão gigante quanto a própria vida, e confiei a
minha própria a ele. Estendendo a minha mão, aceitando aquela nova chance na casa
nos nossos sonhos, da nossa família.
A cada degrau que subi, uma parte de dor revivida foi ficando para trás. Em
silêncio, Blake abriu a porta e entrou primeiro. Depois se virou para me olhar.
Eu permanecia do lado de fora, esperando o que eu não sabia, desejosa de algo.
― Eu não deveria estar chorando agora. ― Sorriu, estendendo ambos os braços
para mim. ― Porque o amor nos uniu. ― Dei um passo e a sombra da minha casa
pairou sobre a minha cabeça. ― Porque o meu amor é incondicional. ― Nossas mãos
se tocaram, os dedos acariciando-se levemente. ― Porque os dias em que estou contigo
são os dias que estou mais forte.
Ele me abraçou tão apertado que por um momento pensei que fazia parte de seu
corpo. O final de nossa trajetória sendo marcado por amor e total entrega.
― Seja o que for dos nossos destinos, daqui para frente não me importo com o
que precise enfrentar. Sinto-me forte o suficiente para ser fraco quando necessário,
nunca mais esconderei o que sinto, o que faço ou meus desejos, porque, quando te vi, eu
soube que era com você que eu compartilharia minha vida inteira.
Blake segurou meu rosto com as duas mãos, seus olhos brilhando de emoção e
alegria.
― Você é meu espelho, o reflexo de mim mesmo. Você conhece minhas
lágrimas, medos, anseios e sonhos. ― Acariciou minha barriga. ― Esperei minha vida
inteira por você, por isso te prometo um amor tão grande que até você poderá tocá-lo
quando eu não estiver por perto. Te juro isso, meu amor, aqui mesmo, na porta da casa
que abrigou nossas perdas e glórias
Respirei fundo, tremendo de felicidade. Blake às vezes acabava comigo apenas
enquanto falava.
― Eu esperei por você, briguei quando te encontrei, e depois me entreguei
porque não pude resistir. Eu te amo, Blake.
― Eu te amo mais, Senhora Walker. ― Ri emocionada.
― Até quando? ― Fiquei na ponta dos pés, a um fôlego de distância e pronta
para ouvir a frase que mais amava. ― Até quando, meu amor? ― Ele sorriu,
acariciando meu rosto com dedos adoradores.
― Por todos os dias da minha vida.
E eu pude tocar o amor que ele prometeu. Flutuava a nossa volta com uma
energia pura e redentora. O ponto final, sendo o início da nossa vida, a única que
poderia querer e desejar e, às vezes, não posso acreditar que tudo aconteceu do jeito
que foi. E por nada me arrependo, porque a força que guardo dentro de mim me mostrou
o caminho, e lá, naquele altar, quando tudo não passava de um sonho, eu prometi amor.
E eu vivi para o amor.
Por todos os dias das nossas vidas.
Epílogo

Meses depois...
Circuito NASCAR: Daytona Internacional Speedway – Taça Daytona 500

Os motores roncam, cada piloto preparado para acelerar assim que o sinal
verde surgir. Durante alguns instantes, os mais de 150 mil expectadores prendem a
respiração. O momento decisivo se aproxima. Posso ouvir meu coração batendo cada
vez mais acelerado, como se antevisse os instantes que a adrenalina seria bombeada
por meu sistema em milésimos de segundos.
Aproveito o curto e determinante espaço de tempo para beijar meu amuleto da
sorte, a corrente de Valentina, aquela que carrega a chave do coração que agora
pertence a mim. Ao meu lado, Nikkos faz uma aceleração de força, como se me
avisasse que hoje eu não tomaria o primeiro lugar de suas mãos.
Respirei fundo, a calma me invadindo, o controle do carro em minhas mãos para
que pudesse quebrar meu próprio limite diminuindo meu tempo e, assim, voltando ao
topo, ao lugar que galgava desde que tive minha mulher de volta. Tudo voltou para
minha vida, agora só faltava o campeonato ser meu também.
O semáforo especial acendeu a luz vermelha, dois segundos depois a amarela.
Dois milésimos de segundos antes da luz verde acender, eu acelerei. Neste pequeno
detalhe estava o segredo da minha arrancada perfeita. Os espectadores ovacionaram e
eu voei rumo à minha vitória. Imbatível nas curvas, nas retas e nos pit stop. Eu queria
dar um show, mas não para as milhares de pessoas que começaram a chegar desde
ontem para prestigiar este dia, não era para eles que eu corria, era para a mulher
grávida que estava me esperando no boxe, a mesma que me fazia feliz todos os dias.
Concentrei-me em cada quilômetro de pista, bloqueando as tentativas de
ultrapassagem de Nikkos, e o deixando para trás. Mantive um ritmo forte. O segredo?
As curvas. Elas eram minha especialidade.
― Blake, você está liderando a corrida por um segundo de diferença. Feche a
curva. Precisa alcançar dez graus de inclinação e terá seu recorde batido, além de se
tornar a curva mais rápida da Daytona. ― A voz de Javier preencheu meus ouvidos.
― O motor está respondendo muito bem à aceleração de força. Farei o próximo
pit stop em três voltas.
― Mantenha o ritmo.
― Ok!
Usei minha experiência para entender o limite, tanto o meu próprio quanto o do
meu carro. Trabalhar nos motores ajudava, pois isso me dava mais intimidade com a
minha máquina. Ao fim, todo o trabalho árduo de treinamentos e dores físicas, além da
distância da minha adorada esposa foram recompensados.
Eu ganhei e me tornei líder no circuito mais difícil de todo o campeonato.
Aquele era o momento certo. A felicidade me preenchia e agora eu só queria poder ver
o orgulho nos olhos azuis mais lindos do mundo. Dei uma volta de comemoração. Eu
quase podia sentir o chão tremer com os gritos e euforia que vinham das arquibancadas.
Na imensa tela a minha imagem era refletida.
― Venha para o boxe ― Javier gritou em meio a uma risada. Ao fundo podia
ouvir a alegria da minha equipe. Devia muito a eles.
― Estou indo. E Valentina?
― Está gritando feito louca ao lado da sua mãe.
Ri em pleno estado de felicidade, satisfeito por assumir a liderança na última
viagem que minha esposa faria comigo. Não queria mais arriscar, apesar de ser
maravilhoso tê-la nas viagens me tirando o juízo, morro de medo dela entrar em
trabalho de parto. “Gêmeos nunca completam os nove meses de gestação”. Palavras
do médico, agora, como negar à Valentina o que ela queria?
Cheguei no boxe e a minha equipe me recebeu com berros e já estourando
champanhe. Fui empurrado, abraçado, batidas foram dadas em minhas costas.
― Foda-se, grande bastardo! Quando pensei que este campeonato seria uma
merda, você me surpreende. ― Javier bateu em meu ombro, me sacudindo. ―
Parabéns, porra!
― Obrigado. ― Ri de sua cara de idiota. ― Onde elas estão?
Senti uma cutucada nas minhas costas e já me virei puxando o pequeno e
gorducho corpo em meus braços.
― Não me agarre! Você está suado. ― Valentina tirou meu boné colocando
nela mesma. A carinha de anjo escondia o ser cruel e perverso que ela era.
Deus, como eu a amava.
― Você me adora com esta roupa, me acha sexy.
― De kilt fica melhor. ― Mordeu o lábio e eu a beijei, a pequena safada.
Todos os presentes começaram a gritar. Eu ri em meio ao beijo e Valentina
cravou a unhas na minha nuca, me deixando duro de tesão. Ela era malvada, a pequena
megera. Sempre me provocando, atiçando, enlouquecendo.
― Gosta quando chupo sua língua, não é? ― Mordiquei sua orelha, falando
baixinho para ninguém ouvir. ― Queria poder chupar outra coisa. Ah, ma petit... Não
me canso de você.
― Claro que não ― provocou acariciando minha nuca. ― Você é meu, me
adora, não vive sem mim, porque iria se cansar da minha humilde presença?
― Você não presta ― provoquei esfregando meu nariz em sua pele cheirosa e
linda.
― Claro que presto. Olha como sou boa, querida múmia? ― Ela me empurrou
afastando-se um pouco. ― Pareço um delicioso pêssego.
― Meu pêssego, ma petit, só meu.
Puxei-a para mim e nos beijamos de novo, pude desfrutar de sua delicadeza e
amor. Cada toque parecia ser diferente, porque eu sabia que sempre vinham recheados
de sentimentos e mais amor que o anterior.
― Vamos, campeão, o pódio nos aguarda! ― o presidente da Racers me
chamou.
Dei um último beijo em minha esposa. Não suportava me afastar, a saudade já
batia com força.
― Panqueca para o jantar? ― Sorri e ela acenou. Abracei seu corpo redondo e
senti uma pancadinha sutil; me ajoelhei para beijar sua barriga. ― Que papai mais
irresponsável, não falou com os bebês dele. ― Passei minha mão pela protuberância e
os chutes foram firmes. Distribuí beijos, prometendo voltar logo. ― Vocês ouviram?
Teremos panqueca hoje. O papai vai comprar sorvete e faremos a festa. ― Levantei. ―
Volto logo, amor.
Valentina soprou um beijo enquanto me afastava. Nunca vi criatura tão linda.
Ela era muito perfeita e grávida parecia ainda mais. Era como se uma aura de
luminosidade a beijasse todos os dias. Ela resplandecia na gravidez de um jeito que me
fazia suspirar como um adolescente.
Subi no pódio emocionado por conseguir aquele momento e, enquanto recebia
meu prêmio, eu olhava para a minha família reunida e sorridente. Eles acenavam para
mim, soltando beijos.
― Eu te amo. ― Pisquei um olho e Valentina sorriu batendo palmas. Ao meu
lado Nikkos recebia o prêmio pelo segundo lugar, assim como o terceiro colocado
recebia o dele. Juntos, erguemos os troféus, meus olhos nunca deixando minha esposa.
Ela me encarava de volta, a expressão feliz e sorridente, de repente sendo
substituída por outra de concentração. Desci do pódio prestando atenção, estava em
uma estrutura alta, e por isso precisei me inclinar para olhar o que estava acontecendo.
― Olha para mim, amor...
E ela olhou. Como se me ouvisse, ela ergueu a cabeça e eu pude ver pânico em
sua expressão. Mais uma vez ela baixou, dando a atenção a algo. Não entendi de
imediato, porém a cara do meu pai quando me devolveu o olhar foi suficiente para me
ter correndo.
***

Valentina
No exato momento que senti uma pressão em minha pélvis eu soube que algo
estava errado. Era como se um peso empurrasse para baixo, fazendo uma dor aguda e
incomoda atingir minha vagina. Senti muitas alfinetadas parecidas quando completei
cinco meses, porém a quantidade de água que escorreu por minhas pernas foi o indício
de que meus filhos resolveram nascer.
Em um segundo eu estava pulando feliz, me sentindo uma mulher que não
carregava duas crianças na barriga, no outro uma dor milhões de vezes mais forte do
que uma cólica menstrual parecia querer me esmagar. Se não fosse meu sogro, eu acho
que teria caído. A intensidade da dor foi muito grande e roubou meu ar e as minhas
forças.
― Minha filha, não acredito que você está dando à luz.
― O que eu posso fazer? ― Olhei para minha sogra. ― As contrações não
deveriam começar devagar? Porque... ― Eu me encolhi e as pessoas ao redor
começaram a abrir caminho. Meu sogro me colocou nos braços e correu de volta para o
boxe. ― Dói demais! Devagar, por favor.
Fui depositada em um sofá que a meu ver era tão desconfortável quanto uma
pedra. Ficar ereta doía, curvar doía, respirar doía, até pensar doía, e não era pouco.
Para eu reclamar é porque o negócio era muito sério.
― Onde ela está? ― Escutei um grito e as pessoas foram sendo empurradas
sem o mínimo de cuidado.
― Blake! ― chamei trincando os dentes. Outra forte contração assolou meu
corpo. ― Amor, me leva, precisamos correr para o hospital.
― Eu disse. ― Ele veio acariciar minha barriga e eu berrei para ele nem
chegar perto. ― Tudo bem, calma, já vai passar, respire, lembra o que aprendemos nas
aulas, respire e expire...
― Não funciona! Parece que estou sendo puxada em direções opostas. Ohh, meu
Deus! ― Fechei os olhos, prendendo o fôlego. Tentei me concentrar, mas a dor me
fazia sentir desorientada.
― Preciso de uma ambulância agora!
― Senhor, a ambulância está do outro lado da pista. Tem muita gente entre os
boxes, creio que demore.
― Merda!
― Blake! ― gritei perdendo o agarre que mantinha no meu controle. ― Preciso
chegar no hospital. Os bebês estão nascendo.
― Tudo bem, tudo bem. ― Ele me colocou nos braços ― Javier?
― Ele está com a segurança, controlando a invasão de repórteres. Estão
tentando entrar.
― Porra! Preciso de alguém que dirija rápido.
― Eu posso ajudar. ― Nikkos se pronunciou, aproximando-se. ― Vamos. Não
podemos perder tempo.
Blake travou o maxilar, mas aceitou. Não sei como eles se resolveram, minha
única preocupação era com o fato dos meus bebês não estarem nascendo do jeitinho que
havia planejado.
― Aguenta só mais um pouco. ― Meu marido beijou minha testa enquanto
Nikkos dirigia feito louco pelas ruas da cidade.
― Não é como se eu pudesse fazer alguma coisa. ― Tentei me acomodar
melhor, mas não havia posição correta; qualquer tentativa terminava em frustração. ―
Os bebês vão nascer aqui. Ah, meu Deus! Nikkos, corre!
― Não invente de ter meus pequenos dentro de um carro! ― Blake parecia
horrorizado.
― Vou partir a sua cara se falar outra merda dessas. E les querem nascer! O que
eu posso fazer? ― Eu me contorci espremendo a mão do meu companheiro sem
piedade.
― Vai quebrar a minha mão. Respire, ma petit, você não está fazendo isso.
― Estou sim, caso contrário estaria morta! Cala a boca, Blake. Não quero
conversar.
Pela primeira vez gritei de dor. Lágrimas pularam dos meus olhos, porque eu
estava com medo de alguma coisa sair errado e eu não estar preparada.
― Conversa comigo, amor! ― pedi fazendo um bico. Nikkos riu nervoso e
Blake me beijou, tentando passar calma.
― Você me mandou ficar calado ― brincou e eu queria esmurrá-lo para parar a
piada. ― Você sabe que eu sempre te dou o que você quer.
― Você me paga, está ouvindo?
― Olha aí, estamos conversando.
A chegada ao hospital foi conturbada, mas o atendimento foi bem rápido. A
loucura mesmo foi ter dois pilotos famosos e ainda vestidos com os macacões da
corrida amparando uma mulher em trabalho de parto.
― Fica comigo, amor. ― Blake beijava minha mão enquanto eu era levada. ―
Não me deixa, por favor.
― Acha isso possível? ― Ele estava pálido e o sorriso era fraco demais. Blake
tinha aversão a hospitais.
A dor se tornou maçante, mas eu sabia que era por uma boa causa. Eu já estava
em um local seguro e poderia aguentar que tudo daria certo. Por um momento tive que
me separar de Blake e, quando dei por mim, estava em uma sala com uma equipe
médica ao meu redor.
― Você está com oito centímetros de dilatação. Não falta quase nada para os
bebês começarem a nascer ― o médico que me examinou avisou. ― Se você quiser eu
posso aplicar um remédio para as contrações e fazer uma cesariana.
― Meu parto seria em casa, na banheira, com o meu marido! ― Chorei e Blake
me beijou.
― Calma, estamos juntos.
E estávamos. Meu parto seria normal porque preferi assim. Não via a hora de
ver o rostinho dos meus filhos e saber o sexo pois preferi surpresa, para a total
insatisfação da minha família.
― Força, Senhora Walker. Já estou vendo a cabeça do primeiro bebê ― o
médico pediu e eu obedeci. Sem saber de onde conseguia tanta força, empurrei.
― Isso amor, continue. ― Blake beijava a minha cabeça e mantinha uma mão
firme na minha. ― Vamos, pequena, já, já, teremos nossos filhos aqui. Não desista
agora.
― Não irei. ― Respirei fundo, sorrindo para ele. ― Eu te amo.
― Eu te amo mais. ― Escovou os lábios na minha testa.
A cada contração eu empurrava, era preciso muito controle para saber usar a
energia e acumular força, porque a dor não parava, mas devo dizer que ansiedade em
segurar o filho nos braços supera qualquer obstáculo. Respirei fundo e empurrei com
todas as minhas forças. Senti uma imensa pressão em minha vagina e depois um alívio
momentâneo.
― Mais força! Só faltam os ombros.
Assenti. Fechando os olhos, eu mandei ver. O berro do meu filho foi alto, ele
me parecia bem forte. Nunca me senti tão emocionada.
― É um menino! ― O médico o colocou em cima de mim. Sorri olhando para
Blake, que aparentava estar a ponto de desmaiar.
― Se você desmaiar eu vou te matar, Senhor Walker! ― Ele sorriu inclinando
para me beijar na boca.
― Nosso Matthew, amor. ― Fechei os olhos, aproveitando aqueles minutinhos.
― Obrigado, ma petit, você me honra.
― Corte o cordão umbilical. ― Blake tremia muito, mas fez direitinho. Logo
uma enfermeira coletou o cordão, pois decidimos congelar os dos nossos filhos para o
futuro.
O tempo de curtir nosso menininho foi curto, cerca de cinco minutos depois, as
dores voltaram e eu trabalhei para trazer minha menina ao mundo.
― Maya. ― Blake chorava como uma criança, os olhos mais lindos que já vi
iluminados pelas lágrimas. ― Ma petit, meu coração parece que vai explodir.
Meus bebês eram lindos e saudáveis, choravam alto e pareciam impacientes,
não sei por que, já que a mãe deles era tão suave e o pai também. Naquele ponto eu
poderia dizer que sabia o real significado da palavra felicidade, e quando a dor se
transformou em profundo cansaço, eu sabia que o mundo – pelo menos o meu – era
perfeito.
― Cuide deles, Blake. Estarei off-line por um tempinho.
Ele me beijou, prometendo que tudo estaria bem quando eu acordasse.
***
Uma suave melodia embalava meu sono. A voz rouca e baixa cantava de tal
forma que as letras pareciam declarações de amor. Abri os olhos e vi meu marido em
pé segurando um pacotinho rosa.
A cena era tão linda que me trouxe lágrimas aos olhos. O contraste era o que
fazia minha alma encher de amor, pois ver um homem tão grande segurando um
bebezinho daquele jeito tão protetor poderia fazer com que o coração de qualquer
mulher, até das mais duras, cantar emocionado. Blake parecia destilar amor para sua
filha. De vez em quando ele esfregava o nariz na cabecinha enfeitada de cabelos
fininhos e loiros como se de algum jeito não pudesse evitar o contato.
Não quis atrapalhar o momento pai e filha, mas ao meu lado um chorinho
chamou atenção fazendo Blake erguer a cabeça e me olhar. Nunca o tinha visto sorrir
daquela forma.
― Meu amor, como se sente?
― Morta de cansaço e feliz como nunca pensei ser possível. ― O choro se
tornou irritado e Blake sorriu fazendo uma careta linda
― Ele é impaciente demais. Consegui manter nossa menina tranquila, mas ele
não quer papo.
Ajeitei-me para pegar meu filho. Ao contrário de sua irmã, Matthew tinha
cabelos pretos, ao que tudo indicava, ele puxou aos avós maternos e isso com certeza
vai deixar meus pais surtados.
A primeira vez que dei de mamar foi estranho, mas aos poucos fui pegando o
jeito. Blake, que estava meio abismado, não parava de me olhar com um sorriso bobo
nos lábios. O pior foi quando coloquei um bebê de cada lado, ele só faltou morrer de
felicidade, dizendo que nunca tinha visto cena tão linda em todos os anos de vida.
Minha família chegou durante a madrugada e foi o maior alvoroço. Viviam não queria
largar Matthew e brigava com Ally pelo posto de melhor tia. Minha mãe chorou durante
um século e depois babou nos netos. Meu pai, então? Esse nem vou contar. Javier quase
saiu correndo quando Blake colocou Maya em seus braços. Tive que rir vendo um
homem todo fortão e tatuado tremendo nas bases por causa de uma recém nascida de um
dia.
Os pais de Blake também foram outra história. O casal inclusive pediu para
tirar uma foto, cada um beijando um lado da minha bochecha enquanto eu segurava os
gêmeos. Do meu jeito louco, acabei por fazer muita gente feliz. Assim não poderia
querer mais nada.
― Val, você tem visita. ― Ally avisou enquanto abria a porta; ela estava
carregando sua linda barriga de quatro meses, esperava uma menina e estávamos muito
felizes com isso, mesmo que as circunstâncias a fizessem chorar em muitas vezes. O pai
da sua filha era um completo miserável.
― Não demore, tudo bem? ― Precisávamos manter um olho firme. Temíamos
que algo acontecesse caso seus momentos de tristeza sobrepujassem os de alegria.
― Vou tomar um suco e já volto.
― Certo ― concordei sorrindo quando vi quem veio me visitar. ― Nikkos,
pensei que não viria.
― Como se isso fosse possível ― brincou aproximando-se dos bercinhos. ―
São tão pequenos ― murmurou passando o dedo no tecido da manta azul, em seguida
acariciou o gorro rosa na cabeça de Maya.
― Quer segurar?
― Eu posso? ― Ele parecia emocionado e surpreso. Concordei.
― Sente na cadeira enquanto os pego.
Os olhos verdes brilhavam de emoção enquanto sentia o peso dos bebês irem
sendo depositado em seus braços.
― Onde está Blake?
― Providenciando minha alta e o retorno para casa.
― Ahh. ― Sua voz se perdeu. Ele olhava para meus filhos suspirando de vez
em quando. ― Por que ele sempre tem que chegar primeiro? ― Parecia ter falado
consigo mesmo. Eu não disse nada. Deixei que ele segurasse meus filhos por um
tempinho, depois os coloquei de volta em seus berços.
― Preciso ir. A próxima corrida será em Indianápolis.
― Obrigado pela visita.
Antes de sair, Nikkos me deu um abraço apertado e notei que tremia um pouco
respirando forte em meu pescoço. Retribuí o abraço, desejando do fundo do meu
coração que ele fosse feliz com a pessoa certa.
***
A volta para casa foi tranquila. Meus bebês estavam ótimos, seus exames não
poderiam estar melhores, e Blake em sua paranoia, contratou um médico e uma
enfermeira para irem conosco. Sobre isso, devo admitir que estamos no mesmo nível:
quanto mais cuidado com minhas duas preciosidades, melhor.
― Ma petit, agora ficaremos quarenta dias sem fazer amor, não é? ― Blake
perguntou baixinho. Assenti.
― Sim. Estou toda revirada, você viu o que aconteceu. Vamos deixar as coisas
voltarem ao lugar antes de você querer brincar com seu taco.
― Massagem eu posso? ― Olhei pra ele sem acreditar.
― Tarado! Fica quieto. Teremos muito trabalho com as duas crianças.
― Claro que sim. Saiba que eu marquei no calendário o dia que poderei te
comer...
Abri a boca e fechei. O único homem na face da terra com o poder de me deixar
sem palavras era o meu marido e me olhava com a cara mais safada que existe.
― Eu tive minha vagina esticada, cortada e costurada. Se não reparou, os bebês
deram um pouco de trabalho para nascer. Tinha o quê? ― Joguei as mãos para cima. ―
Umas seis pessoas ao redor? Claro que sim, todos olhando para mim. Estamos tímidas.
Deixe-me em paz.
Blake gargalhou, chamando atenção dos nossos pais. Não mencionei que nossa
conversa era ao pé do ouvido.
― Não reparem em nós. ― Abanou a mão para eles. ― Mãe, eu acho que
Matthew quer atenção, e sogra, minha filha deseja mais mimos.
Eu acho que devo estar com a minha cara pegando fogo. Ele também era o único
homem com o poder de me fazer corar. Ridículo.
― Vou te matar! ― Belisquei seu braço.
― Vai me matar de felicidade. Eu te amo. ― Ele me puxou com cuidado, me
sentei em seu colo e ele pousou a mão em minha barriga molenga.
― Adoro te provocar.
― Sua missão de vida, Ramsés III.
― Claro que sim, adorável megera.
― Intratável! A idade está corroendo seu bom julgamento. Eu sou um doce.
De repente ele ficou sério. Seus olhos esquadrinhando meu rosto daquele jeito
sutil, desta forma, de alguma maneira eu compreendia que ele tentava ler meus
pensamentos e, às vezes, eu juro por minha vida que ele conseguia.
― Eu te amo, Blake. ― Acariciei seu rosto, meus dedos detendo-se em sua
barba bem feita. ― Cada uma das suas faces, inclusive quando é homem o suficiente
para chorar.
Ele sorriu e me beijou. No fundo da minha mente, sem mais aquelas incertezas,
o que eu poderia dizer é que a esperança acaba quando se deixa de amar.
Agora, naquela casa no topo de Mountain Park, era como estar mergulhando
num sonho; nada mais poderia me machucar. Eu estava na minha fortaleza.
― Feche os olhos, amor. Tenho uma surpresa. ― Obedeci. Blake e suas
surpresas arrasadoras. Minha mãe riu, com certeza era uma cúmplice.
Desci do carro com ajuda. Eu caminhava devagar ainda e ele teve paciência.
― Tudo bem, agora pode olhar.
Meu queixo caiu no chão. Em frente à nossa casa estavam todos os carros de
Blake e as motos também, cada um carregava um laço, como se fosse presente.
― Meu presente para você, amor, por me fazer o homem mais feliz do mundo.
― Mas são todos os seus carros e motos.
Acho que nem piscava. Parecia catatônica em pleno estado de choque.
― E não é só isso. ― Estendeu um documento. ― Lembra que eu falei que essa
casa era para a minha noiva?
Assenti, muda e sem reação.
― Quando voltávamos do hospital, depois de você ter caído naquela ladeira...
― Culpa sua ― sussurrei, a única coisa que consegui pensar em falar
― Sim, culpa minha, mas lembra que você olhou para essa casa e desejou que
fosse sua? ― Ele sorriu de um jeito lindo. ― No outro dia eu comprei porque sabia
que você seria minha mulher. Agora olha o papel, ma petit.
Era verdade, cada palavra dita. Blake comprou a casa para mim. Estava em meu
nome na escritura.
― Não precisava. Eu... Não precisava.
― Tudo que é meu é seu, e você, pequena megera, nunca escondeu a cobiça nos
meus carros.
Meus olhos encheram de lágrimas e eu o abracei apertado. Não me importava
com isso e Blake sabia.
― Obrigada! E por favor compre um carro novo. Você não vai dirigir os meus.
― Por quê? ― Ri de sua curiosidade genuína.
― Você é um barbeiro.
Todos começaram a rir e Blake me beijou para fazer calar. Aquele homem era
louco e eu o amava por ser exatamente assim.
Estar em casa era maravilhoso, cada dia uma surpresa nova me ensinava algo.
Ter dois filhos não era com uma caminhada no parque, era mais como descer uma
ladeira em uma bicicleta sem freio. Não estou falando de modo pejorativo, mas não sei
se com todo mundo é assim. No meu caso, os bebês gemem, eu corro com o coração a
ponto de explodir. Na maioria das vezes estão apenas fazendo cocô ou se espremendo –
eles fazem muito isso.
Blake não era diferente, tanto que optamos por colocar os gêmeos ao lado da
nossa cama em um desses berços desmontáveis. Assim, quando o vicio de tocá-los era
demais para suportar, bastava esticar o braço.
― Adoro esse corpo pós gravidez. Você está com umas curvas...
― Deliciosas ― completei e ele riu, me abraçando por trás, colocando as mãos
em meus seios enormes. ― Olha esses peitos, Blake! Posso te bater com eles.
― Eu adoraria. Aproveito para deixar a língua de fora, assim posso dar umas
lambidas sem querer.
Olhei para a minha barriga e um sorriso marcou meus traços. Eu tinha algumas
estrias por ali, e no quadril também. As marcas da minha gravidez. Não me
incomodava. Eu era feliz com meu novo e melhorado corpo, porque ele foi resultado da
gestação dos meus dois bebês.
― Por que você teve que ficar ainda mais linda? ― Ri balançando os ombros.
― Isso foi de propósito para me matar de ciúmes?
― Com certeza ficar gostosa fazia parte do plano, minha querida múmia. ― Ele
me olhou com uma cara de safado. Meus seios até doeram e não estava na hora de dar
de mamar.
― Amor, quando vou poder te comer?
― Daqui a dez dias meu resguardo acaba e você vai poder me comer do jeito
que quiser.
A carinha de feliz que ganhei foi muito fofa. Blake às vezes conseguia me fazer
tremer nas bases. Fechei os olhos por um momento, permitindo que ele aproveitasse
para percorrer meu corpo com suas mãos grandes e quentes. Inclinei o pescoço para ele
poder beijar. Meu roupão deslizou, expondo minha nudez. Senti um calor onde não
devia.
― Odeio ficar viajando. Quero ficar em casa. ― Lambeu meu pescoço. ―
Quero poder curtir nossos filhos. Reparou nas diferenças deles? Matthew tem olhos e
cabelos pretos, Maya tem olhos azuis e é loira. Não quero ficar longe deles.
― Amor, você sempre vem, e já, já, eles estarão crescidos para viajar. Vamos
te acompanhar.
― Mais cedo ou mais tarde terei que assumir os negócios da família. Você sabe
que eu sou formado em administração, então...
― Vai continuar correndo até seu pai começar a pensar na aposentaria. Eu me
casei com um prodígio da Nascar e não com um CEO.
― Quero vocês comigo, mesmo sendo poucos dias não estou aguentando ficar
longe.
Virando-me em seus braços, comecei a beijá-lo porque estava morrendo de
saudade. Eu entendia muito bem o que ele queria dizer, mas viajar fazia parte de sua
profissão, e logo eu e meus pequenos estaríamos ao seu lado.
― Será que se eu colocar só a cabecinha vai doer?
― Blake! ― Dei-lhe um tapa e ele riu fazendo uma cara de menino desabrigado
e com fome.
― Dez centímetros e você nem vai sentir. Na verdade, isso nem vai contar
como uma transa. Seu resguardo vai ficar intacto.
Saí do banheiro rindo de sua ousadia. Eu acreditava que meu marido não
poderia ser mais doido que eu. Às vezes eu me enganava.
― Tome um banho para esfriar, querido. ― Soprei um beijo, olhando como sua
calça estava armada. ― Vou descer um momento. Nossas mães estão com as crianças
no jardim. Vou aproveitar para assistir a um filme.
― Espera-me! Não comece sem mim.
― Tudo bem. Farei a pipoca e Cyborg e Albina ficarão conosco.
Antes de sair do quarto eu pude admirar as costas musculosas e a bunda linda
que ele tinha. Homem gostoso, com pegada dura e que adora uma safadeza.
― Eu me casei com uma delícia.
Quando cheguei na sala, uma voz me fez congelar. Na mesma hora meu copo
arrepiou. Raiva, pura e simples.
― Preciso falar com Valentina, sua imprestável, vá chamá-la!
Barbara tentava empurrar Miriam, minha governanta baixinha e muito querida.
― Eu vou quebrar a sua cara se chamá-la assim de novo. Creio que ainda
lembra o peso do meu soco.
― Senhora, essa mulher invadiu a casa.
― Claro que sim, querida, fique tranquila. No geral as pragas entram dentro da
casa das pessoas sem que elas queiram. Agora pode ir. Vá avisar a minha mãe e sogra
para não entrarem agora. Diga que Cyborg molhou o piso.
― Sim, senhora.
Em silêncio esperei Miriam sair. Cruzei os braços, inclinando a cabeça.
Barbara parecia ansiosa.
― Você não deveria estar em um manicômio ou cadeia por ser um perigo para a
sociedade?
― Meu pai conseguiu uma liminar. Temos muito dinheiro. ― Arqueei uma
sobrancelha e ela respirou fundo. ― Preciso que você converse com Blake e o
convença a retirar as acusações contra mim. Entenda que a minha mãe não quer nada do
que está acontecendo. Ela não quer me acusar, mas para o processo ser arquivado,
Blake precisa desistir também.
― Por que eu faria isso? ― desdenhei. ― Você é uma safada que maltratou a
mãe fingindo uma doença que nunca existiu. Se foi esperta para fazer uma merda dessas,
seja para aguentar as consequências.
― Você não percebe que eu não tenho como ficar em um lugar desses? Sou
normal, não tenho distúrbio nenhum.
― Não é o que seu médico atesta. Aliás, como entrou aqui?
― Não posso dizer.
― Dá o fora. ― Apontei para a porta e ela deu alguns passos em minha
direção.
― Fale com Blake, ele vai te ouvir. Peça para desistir do processo contra mim.
― Não falei nada e ela continuou. ― Vamos lá, você está feliz, tem tudo o que
qualquer mulher desejaria. Seja boazinha e me perdoe.
― Eu não gosto de você, e não vou perdoar porra nenhuma. Se manda da minha
casa antes que eu mesma te chute. Não gosto de você, não sou obrigada a te ajudar. Fez
merda? Pague. E outra coisa: não sou boazinha.
Já falei há muito tempo que não sou do tipo caridosa, e não sou mesmo. Só
porque minha vida se ajeitou, não vou sair por aí sorrindo e cantando Happy a torto e à
direita. Eu odiava a Barbara e isso nunca iria mudar.
― Saia da minha casa!
Não respondeu, pelo contrário, ela veio para cima de mim, mas antes de chegar
perto o suficiente, Blake surgiu e a pegou. Ela começou a gritar esperneando.
― Você não deveria estar aqui, sua desequilibrada. Vou chamar a polícia.
Eu me encolhi. A voz do meu marido estava gelada e dura. A expressão dele era
terrível, assustadora mesmo.
― Não precisa, meu pai está aí fora.
Blake saiu puxando Barbara sem nenhum pingo de cuidado. Quando avistamos o
pai dela, meu marido a empurrou.
― Se a sua filha chegar a um quilômetro de distância da minha casa ou da
minha família, não respondo por mim. Agora suma da minha frente.
― Você não era assim, Blake!
― Não, antes eu era idiota. Agora fora daqui.
Aquele foi um momento complicado, porque meu marido estava mostrando um
lado vingativo que, por incrível que pareça, rivalizava com o meu. Acho que ao longo
da minha vida, a única pessoa que conseguiu ser perdoada por mim foi Blake, e ainda
assim, ele teve bastante com o que lidar antes disso acontecer.
― O que ela queria? ― perguntou assim que entramos.
― Ela queria que eu te convencesse a parar o processo.
― E você?
― Não vou mover uma palha.
Não voltamos a tratar sobre isso, o nome de Barbara nem era citado, não porque
houvesse problemas, não era isso, era só porque se tornou algo insignificante que não
tinha porque fazer parte do nosso dia a dia.
Aproveitamos nosso tempo juntos até que Blake viajou para poder correr no
circuito Texas Motor Speedway. Mais uma vez ele saiu de casa sem aquela animação,
apesar de ser o líder do campeonato, eu sabia que ele só estaria cem por cento feliz
quando estivéssemos todos juntos. Minha vida seria viajando ao seu lado, deixando a
doceria para Ally cuidar quando estivesse pronta. Não me arrependia dessa decisão,
pois sabia que minha família seria um grande suporte, estando eu longe ou perto.
No dia que meu resguardo chegou ao fim, meu marido chegou de viagem e
parecia sedento. A forma como me olhava causava arrepios de prazer.
― Arrumou as malas como te pedi?
Assenti sem saber o que ele pretendia, só tinha certeza que seria surpresa das
boas, já que ele sempre era o mestre delas.
― Não percamos tempo, temos um voo para pegar. Vamos nos encontrar com
Viviam e Javier no aeroporto.
― Amor, nossos filhos não podem viajar por aí assim, do nada.
― Um pediatra e duas enfermeiras irão conosco, não se preocupe. Vamos.
Confiei no meu marido e fui, sem saber o destino, ou os planos, embarquei sem
olhar para trás. Ele nem sequer trocou de roupa, só veio nos buscar e pronto, por isso,
no avião, Blake foi até a suíte tomar um banho. Quando ele voltou eu estava dando de
mamar a Matthew e quase assustei meu filho com a risada que dei ao ler o que estava
escrito em sua camisa.
― Cuidado! Tenho uma esposa muito doida e não tenho medo de usá-la. ―
Ele me olhou, e o pior? Estava sorrindo. ― É sério, Blake?
― Claro, e você precisa ver a sua. ― Ele esticou uma camisa preta e pequena,
enquanto ele ia lendo seu sorriso só aumentava ― Sou uma esposa orgulhosa de um
marido incrivelmente fantástico.
― Não acredito nisso! ― Ri de sua carinha feliz.
― Não é perfeito, ma petit? ― Concordei.
Achei graça de sua diversão, ele sempre ficava feliz e leve ao nosso lado.
Ademais, a viagem foi tranquila, a única coisa complicando era meu excesso de
curiosidade.
― Amor, onde estamos? ― perguntei quando pousamos.
Blake sorriu e me beijou, roubando meu fôlego e minha sanidade. Parecia me
provocar avisando que a noite faríamos loucuras na cama, e claro que, para isso, os
gêmeos precisariam deixar.
― Não vai responder? ― Procurei seus olhos e ele sorriu.
― Bem-vinda ao caribe, amor. Estamos em lua de mel.
***
A casa de Blake era algo saído de uma página de viagens. A estrutura era
incrível e quase à beira mar; o nascer do sol deveria ser algo deslumbrante. Por
incrível que pareça, meu marido tinha tudo planejado, pois foi preciso que eu tirasse
leite para congelar.
Com cada hora que passava, eu ficava mais e mais ansiosa para descobrir o que
ele estava aprontando. Eu o conhecia demais para não desconfiar.
― Amor, as crianças ficarão três horas com sua irmã e Javier. Agora venha
comigo. ― Blake chegou no quarto já me chamando, tinha acabo de me refrescar na
banheira, aproveitando que meus filhos dormiam. ― Vem, não percamos tempo. Estou
ansioso para te ter só para mim.
― Amor, não sei... Deixar as crianças? Não me deixa feliz.
― Foi por isso que Javier e Vivam nos acompanharam. Não se preocupe, eles
estarão bem assistidos. Vamos.
Mordi o lábio e Blake me abraçou, beijando meu ombro.
― Não vamos demorar, mas aqui você não vai poder gritar.
― Por que eu gritaria?
― Quer mesmo que eu diga? ― Minha barriga deu uma cambalhota e senti
minhas pernas fraquejando. ― Acho que não precisa. Vamos logo, Matthew e Maya já
comeram e estão dormindo. Vamos aproveitar os minutos a mais.
― Amor...
― Vem.
Antes de sair, eu deixei mil recomendações à minha irmã e às enfermeiras e
prometi não demorar. Depois saímos, mesmo ainda me sentindo estranha por estar a
mais de dez metros de distância dos meus pequenos.
― Não se preocupe. Acha que eu deixaria nossas crianças desprotegidas?
― Não, amor. É só que parece estranho. É a primeira vez. Parece doer de
alguma forma.
― Tudo bem, eu sei como é, mas garanto que eles estarão do mesmo jeito que
deixamos. Agora vamos.
Corremos em direção ao píer, onde uma lancha nos aguardava. Não desconfiei
nem por um segundo de que Blake pilotasse, afinal ele era muito foda nesses quesitos.
― Vou te levar para o meu lugar especial; descobri um ano depois que meu pai
comprou essa casa.
Durante o trajeto foi escurecendo, pelo que entendi Blake deu uma volta na ilha
e, quando ele parou a lancha em uma pequena praia, eu fiquei temerosa. Boa parte da
minha coragem sumiu quando tive meus filhos. Quero dizer, não tinha coragem de me
arriscar sozinha, em contrapartida, por eles eu enfrentaria um leão desarmada.
Estranho, mas quem é mãe compreende o que eu digo.
Blake me ajudou a descer; havia um pequenino píer mal acabado, mas que dava
para caminhar sem problemas. Por ele seguimos até poder pisar na areia. Segui cada
passo de Blake e ele me guiou por entre algumas árvores e arbustos.
― Amor da minha vida, bem-vinda ao nosso paraíso particular.
Quando saí do meio das árvores, quase não pude respirar. Era igual aquela
primeira vez juntos, na praia. A água estava brilhando, as ondas pareciam
incandescentes.
― É maravilhoso!
Ele me puxou até um lugar onde havia uma manta no chão e, ao lado, uma cesta
com comida e vinho.
― Não tivemos uma lua de mel, por isso planejei algo especial só para nós
dois.
Não disse nada. Diante de uma imensa lua e do mar brilhoso, eu me entreguei ao
meu marido. A forma como ele me tocava deixava tão nítida a sua adoração que
lágrimas vieram aos meus olhos. Seus beijos delicados, lentos e molhados,
transportaram meus gemidos pela noite como notas de uma canção só nossa.
Fazíamos amor, matando a saudade que tínhamos daquele contato íntimo e tão
prazeroso, com o som das ondas embalando nosso próprio ritmo lento e apaixonado.
― Eu te amo, Valentina! ― Blake me fez tocar as estrelas, enquanto elas
brilhavam no céu, e houve um momento que pude tocá-las.
O amor tão grande que sentia em meu peito aumentou.
― Eu te amo, Blake.
Ainda o sentia dentro de mim, tão unidos como uma só carne e corpo. Diante de
tanto amor, eu pude contemplar o brilho dos seus olhos. Apesar do seu sorriso, a
emoção estava à flor da pele, também. Aquele homem, tão experiente, tão mais velho
que eu, não tinha vergonha de chorar, e isso o tornava ainda mais forte. Para mim, ele
era indestrutível.
― A um fôlego de distância, te tomo para sempre, minha adorada megera.
Sorri acariciando seu rosto. Uma lágrima escorria dos meus olhos.
― Tão profundo dentro de mim, eu te tomo para sempre, minha querida múmia.
Sob a luz da lua e das estrelas, naquele nosso lugar especial, sem mistérios ou
truques, Blake Walker me mostrou como um homem pode amar uma mulher.

"O amor é sofredor, é benigno...


Tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta."
1 Coríntios 13:4-7
Fim...
Agradecimentos

Primeiro de tudo, gostaria de agradecer a duas pessoas que fizeram esse projeto
possível: à Géssica Fernanda. Quando você veio à minha cidade natal, sentamos no
banco da Igreja de São João e eu te contei como seria Blake. Vi seus olhos brilhando e
esperei muito ansiosa sua opinião. Não sabe como fiquei feliz, e me lembro de suas
palavras: “Wid, esse vai ser melhor que Rocco”. Por um momento não acreditei, mas
hoje eu vejo que tinha razão. Apesar dos meus medos, você me manteve em linha reta, e
sendo sempre sincera. Pensa que me esqueço do: “Wid, eu pulei páginas. OMG eu
nunca fiz isso!” E eu reescrevi até você me dizer: “Eu quase chorei com esse!” Cada
vez que me incentivou você estava me dando força porque às vezes tudo se torna muito
cansativo. É muito bom saber que posso contar com você e saber que hoje tenho uma
grande amiga é o presente mais valioso.
À Jas Silva, cujo carinho e dedicação fizeram toda a diferença. Obrigada por
me aconselhar nesse caminho, suas palavras sempre foram muito importantes para mim.
Quero um dia poder te retribuir de alguma forma. Você é, sem sombra de dúvidas, uma
das melhores pessoas que a literatura me trouxe. Sua doçura faz bem a quem pode te ter
por perto. Sou sua fã e desejo do fundo do meu coração todo o sucesso do mundo.
À Doutora Analine Medeiros, por todas as horas de conversa, explicação e
sugestão. Sem você nada disso teria sido possível. É muito difícil para um leigo
entender como um médico atua e você, com toda a gentileza do mundo, me abriu os
olhos. Não posso deixar de dizer que a minha confiança em escrever esse tema foi
acentuada por suas orientações. Ainda guardo aquele papel rabiscado, pois foi através
daquela poucas palavras que encontrei o equilíbrio para criar uma história única. Meu
muito obrigada, ainda vou te aperriar, inclusive à Doutora Ana Emília, aquela diva
maravilhosa.
À Roberta pela ajuda incrível. Você sabe como me ajudou. Muitíssimo obrigada
pelo carinho, nem tenho palavras para dizer como foi importante seu “sim” naquela
hora.
Agradeço a todas as minhas queridas amigas: Vick Sousa, Biamira, Tânia
Welchem, Lizz e Larissa Schanuel, Lindgleice, Leila Bosso, Fabrícia, Maria de Nazaré
Cesar, Letícia, Ana Maria, Carla Santiago, Marielle, Elaine, Auxiliadora, Carol, Cris
Araujo, Daiane Hellen, Dynara, Gislaine, Joice, Laís luz, Nataliane Ferreira, Lilian,
Neyme, Querem, Ana Kamila, Cristiane Mouta, Cacau, Eugrena Barros, Kelly,
Marielle, Nady, Raylene Paulino, Rosana, Adryelle, por cada mensagem de incentivo.
É importante demais para mim. Não poderia existir história sem alguém para lê-las e
vocês estão comigo nessa, algumas desde o inicio e outras por não desistirem.
Às minhas leitoras: o meu muito obrigado! Tudo só é possível por causa de
vocês. As histórias só têm vida porque existe alguém para destiná-las.
Próximo lançamento

Na alegria e na tristeza – Duologia perdidos – 02

Alice Schanuel
No momento que o vi ali, eu senti meu coração acelerar, pude sentir a
lembrança de seus lábios em nosso último beijo de amor, e por fim não esperei que me
enxergasse. A dor de tudo o que vivíamos era demais para mim. A fatalidade definiu
nossos destinos, agora, carrego em meu ventre a prova da nossa vida juntos, mesmo que
ele não me reconheça.
Aos pouco o vi erguer a cabeça e me olhar. Desejei ver que o brilho do amor
estava ali, quase pude acreditar, mas não havia esperança. Infelizmente, meu amor
sofredor não me permitia escolher ao homem que me faria feliz, e sim, eu ainda ansiava
por aquele que hoje me odiava.
De todos os modos, eu só poderia esperar que ele algum dia se lembrasse de
tudo o que vivemos, assim, jurei nunca mais permitir que notasse minha fraqueza. Meu
futuro era dedicado à filha que carregava em meu ventre, deixando no passado o homem
que um dia jurou me amar.
Notas

[←1]
Meu coração!
Table of Contents
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Capítulo 26
Capítulo 27
Capítulo 28
Capítulo 29
Capítulo 30
Capítulo 31
Capítulo 32
Capítulo 33
Capítulo 34
Capítulo 35
Capítulo 36
Capítulo 37
Capítulo 38
Capítulo 39
Capítulo Final
Epílogo
Agradecimentos
Próximo lançamento

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