Você está na página 1de 277

Nunca Mais Coari

A Fuga dos Jurimáguas

Archipo Góes
Archipo Góes

Nunca Mais Coari: A fuga dos Jurimáguas

2ª Edição - Revisada e Ampliada

Coari - 2022
Capa: Paulo César Silva de Moura.
Revisão: Daniel Almeida
Fotos: Coleção pessoal e de domínio público

G598 Góes, Archipo Wilson Cavalcante

Nunca Mais Coari: A fuga dos Jurimáguas / Archipo


Wilson Cavalcante Góes. - 2. ed. - Edição, Coari-Am:
Coari.com editora, 2022.

ISBN 978-85-921995-0-0
200 f.: il. ; 29 cm.

1. Coari – História do Brasil I. Título


CDU - 94(811.32)
CDD - 981.13
Prólogo

O livro “Nunca Mais Coari: A fuga dos Jurimáguas” é uma obra cujo objetivo
é ser uma fonte de pesquisa e reflexão permanente para os alunos e professores de Coari,
bem como para toda a população. A obra está dividida em duas partes: a história da
cidade de Coari começando no século XVII e segue até o ano de 1992 e as fotos da Coari
antiga.
Vamos poder verificar nos primeiros capítulos, uma ampla discussão em torno
da origem do nome de Coari e a sua fundação que são contestadas de maneira
enriquecedora e com argumentos articulados através de um embasamento histórico
profundo e crítico.
No segundo momento, podemos notar haver uma intenção de mostrar a visão
dos vários viajantes que passaram pelas terras de Alvelos e Tauá-mirim narrando
detalhes dessas povoações, e assim, esclarecem sobre o modo de viver dos coarienses.
Na sequência, poderemos observar haver uma mudança na forma de escrever.
Há a apresentação de sua pesquisa de maneira ampla, e as notícias dos jornais da época
são transformadas em um romance histórico que levam o leitor a deixar de fazer uma
leitura técnica para uma narrativa articulada e uma leveza no repasse dos fatos
históricos.
A pesquisa realizada já ultrapassou 30 anos. As fontes históricas se
estenderam por uma expressiva quantidade de obras analisada na Biblioteca Nacional,
Hemeroteca Nacional, IHGB, Biblioteca do Amazonas, Museu Amazônico, IHGA,
vários sebos literários, assim como, o testemunho de algumas pessoas que vivenciaram
esses fatos históricos.
“A História de Coari” vai expor a expulsão dos indígenas Jurimáguas, a
história de Samuel Fritz e a fundação de Coari, a evolução política-administrativa de
Coari, a morte do Prefeito Herbert Lessa de Azevedo, a chegada de Alexandre Montoril e
a morte do tenente Holanda, as transformações da cidade nas décadas de 50, 60, 70, 80 e
90 através do apontamento das obras dos últimos prefeitos de Coari.
Na segunda parte da obra, poderemos observar fotos da “Coari Antiga”, que
vão fazer o leitor mergulhar em uma viagem através das fotografias de Coari desde o
século XIX até o XX.

Faça uma boa viagem pela história e cultura de Coari!

“E dizei a Archipo: Cuida do ministério que recebestes no Senhor, para cumprires”. –


Colossenses 4:17
À minha mãe, Elionete Cavalcante Góes, que desde os
meus 18 anos sempre me motivou a acreditar no meu
sonho de escrever um livro sobre história da nossa linda
cidade de Coari.

A Benedito Góes Neto, meu pai, aquele que sempre foi


meu porto seguro e que sempre lutou para me ensinar
princípios e valores que me conduziram e conduzirão por
toda minha vida.
Apresentação
Exímio conhecedor da Em suma, em “Nunca Mais
importância da história como Coari: A fuga dos Jurimáguas”, Archipo
instrumento de conscientização do Góes expõe os fatos históricos que mais
homem para a tarefa de construir um marcaram a vida dos primeiros habitantes
mundo melhor e uma sociedade mais da atual área do município de Coari,
justa, Archipo Góes nos presenteia com o desde os índios Jurimáguas, “valente
livro: “Nunca Mais Coari: A fuga dos tribo de índios do Solimões (Amazônia
Jurimáguas”. A obra é resultado de mais brasileira) e os verdadeiros fundadores da
de 30 anos de pesquisa, através da qual, o Freguesia de Coari” que, com a chegada
autor apresenta um riquíssimo registro da dos invasores europeus, foram expulsos,
história da Coari do século XVII até o ano ou seja, forçados a abandonar as suas
de 1992, revelada por meio das crônicas terras, até a chegada do “carro de boi” e da
dos viajantes, de anais dos poderes luz elétrica, à época (décadas de 1940 e
executivo e legislativo e das publicações 1950) os maiores símbolos do “surto de
de jornais da época, além da análise de progresso, paz e prosperidade” que os
várias obras literárias e da coleta de moradores da cidade usufruíam.
depoimentos de pessoas que Ao permear a narrativa com
presenciaram os acontecimentos descrições de como ocorreu a evolução
históricos mais recentes, narrados aqui religiosa e política do município, através
neste livro. do processo de catequização, com a
Esta é uma obra de leitura chegada dos Missionários Redentoristas
instigante para aqueles que se interessam e das Irmãs Adoradoras do Sangue de
pela história da construção da sociedade Cristo, e da emancipação política da
coariense, indispensável para os sociedade coariense, a qual é marcada,
historiadores, e emocionante para os desde o início, por conflitos sanguinários,
saudosistas. É uma amostra autêntica e como nos casos do prefeito Herbert Lessa
detalhada de como se deu a formação do de Azevedo e do Tenente Holanda, o
município de Coari. História feita por nosso pesquisador, historiador, escritor e
homens, mulheres, indígenas, não poeta corrobora significativamente para a
indígenas, nordestinos, ricos e pobres; conservação da nossa memória histórica.
por dominantes e dominados, E por fim, Archipo faz uma
governantes e governados, pelos análise sobre a evolução política-
conflitos e pela paz, por intelectuais e administrativa de Coari através das obras
principalmente pelas pessoas comuns. dos prefeitos no decorrer dos seus
A Coari do período histórico a mandatos e uma análise crítica atenuada
que o livro se refere foi marcada por uma aos acontecimentos ou fatos históricos
forte presença dos missionários católicos que permeiam a evolução integral da
das ordens dos carmelitas e dos jesuítas, cidade de Coari.
que tinham a incumbência de “catequizar Parabéns, Archipo, as nossas
os indígenas” que habitavam às margens atuais e futuras gerações saberão ser
dos rios Solimões, Japurá e Negro, gratas aos seus mais de 30 anos de
propagando-se, dessa forma, que teria dedicação a esse trabalho!
sido Samuel Fritz o fundador de Coari.
Entretanto, Góes constatou que Fritz, que
tudo registrava em seu diário e em seu Daniel Almeida
mapa, não citou que fora ele o fundador
de Coari, o que reforça a tese de que os
fundadores de Coari foram os índios
Jurimáguas, e que seus primeiros
catequizadores foram os carmelitas.
Sumário
A Origem do nome Coari . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11
Estudo da origem do nome Coari segundo Octavianno Mello . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11
Síntese da teoria de Octaviano Mello . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 12
O significado segundo Stradelli . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13
A Origem de Coari na Língua Quéchua. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13
Considerações finais sobre a origem do nome Coari . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 14
Os Jurimáguas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 16
A Cidade dos Jurimáguas (Peru) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 18
Constatações da destruição das aldeias Jurimáguas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 18
Análise da Teoria de Penafort . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 20
A Fundação de Coari . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 24
Padre Samuel Fritz - Uma Saga no Solimões . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 24
Quem Foi Samuel Fritz?. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25
Fritz em meio aos Omáguas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 27
Frei Vitoriano Pimentel . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 29
O Final da Grande Missão. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 30
Coari é elevada à categoria de lugar . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31
Resumo sobre a Fundação de Coari . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 32
Samuel Fritz Fundou Coari?. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 32
Os Muras e as notícias de Mello e Póvoas sobre Alvelos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 36
Coari dos Viajantes – (Relatos). . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 38
Descrição de Coari reproduzida pelo Pe José Monteiro em 1768 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 38
Descrição de Francisco Xavier Ribeiro de Sampaio (1775) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 38
Relato de Southey em 1788 sobre a formação do povo coariense . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39
Descrição de Alvelos pelo Fr Caetano Brandão – 1789 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 40
Narração de Manuel Ayres de Casal e Pero Vaz de Caminha . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 41
Relato sobre Coari em 1819 – Spix, J.B. e Martius, C.F.P.V. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 41
Descrição de Alvellos por James Henderson em 1821. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 42
Narrativa da passagem do Pacífico ao Atlântico – 1828. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 42
Elevação à categoria de Freguesia de Alvelos – 1833 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 43
Viagem de Lima ao Pará em 1834 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 43
Passagem por Tauámirim pelo francês Francis de Castelnau. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 44
Paul Marcoy em Coari – 1848. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 44
Fragmento de viagem realizada nas duas Américas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 46
Um Naturalista no Rio Amazonas - Henry Walter Bates . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 47
Diário da primeira viagem do vapor – 1853. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 48
João Wilkens de Mattos – Roteiro de Viagem . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 49
A mudança da Freguesia de Alvellos para Coari . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 50
No Rio Amazonas (1859) – Robert Avé-Lallemant . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 50
Gonçalves Dias em Coari . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 51
Viagem ao Brasil – Luiz Agassiz, Elizabeth Cary Agassiz . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 51
"Coari Novo" . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 52
Descrição de “Coari Novo” por James Orton em 1870 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 55
Coari no livro “Pará e Amazonas”: Francisco Bernardino de Souza . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 55
De Freguesia à Vila de Coary . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 56
Quinze mil milhas no Amazonas e seus afluentes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 56
Carta XXXVIII - Alto-Amazonas, Solimões, 2 de agosto de 1883 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 57
Escravidão em Coari . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 57
As Regiões Amazônicas: estudos corográficos Amazonas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 58
Coari Dividida – 1891 – Courtenay De Kalb . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 58
Dados descritivos do município de Coary – 1900 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 59
Criação da Brigada de Infantaria de Coari. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 61
Professor Góes - 50 Anos de dedicação a Coary . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 62
Silvério Nery . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 64
Coari comemora a pose de Silvério Nery . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 66
Através do Amazonas: de Manaus ao Javari – Coari – 1908 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 67
Relatório sobre as condições medico-sanitárias - 1913 – Coary . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 68
Através do Amazonas (Impressões de viagens) – 1921 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 71
O Trágico Naufrágio Acontecido em Coari – 1926 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 73
Visita do Poeta Mário de Andrade à Vila de Coari – 1927 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 76
O Assassinato de Herbert de Azevedo – 1927 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 77
Nunca Mais Coari 8 Archipo Góes
Sumário
Os Seus Últimos Momentos Depoimento de Abguar Bastos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 80
Notícias de Coari . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 81
A Banda Municipal. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 82
Ecos do governo Efigênio Sales . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 84
Emancipação Política de Coari . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 84
Alexandre Montoril – Personalidade Histórica. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 85
O Progresso da Cidade da Coary. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 87
Deolindo Dantas. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 91
A Chegada dos Padres Redentoristas a Coari . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 92
A Chegada das Irmãs Adoradoras do Sangue de Cristo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 93
Tenente Holanda . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 95
Inauguração da Usina Elétrica - Governo de Edgard da Gama . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 100
Carro de Boi — 1950 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 101
Os Anos 50 em Coari . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 102
Tiroteio na Assembleia Legislativa do Amazonas. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 103
Morte de Dandi Dantas. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 104
Os Fabulosos Anos 60 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 104
Liga para construção da Ponte . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 105
O Acidente com o Avião PT-BUK. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 105
O Fim da Era Alexandre Montoril. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 106
Dom Mário. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 108
Radio Educacional Rural de Coari . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 109
Coari na década de 60 na visão de um fazendeiro norte-americano . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 110
Primeira Igreja Batista de Coari . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 112
A Origem da Igreja Assembleia de Deus em Coari . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 113
Clemente Vieira . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 115
Fátima Acris, nossa primeira Miss Amazonas. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 115
Anos 70 em Coari . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 119
Inauguração do Hospital de Coari. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 119
Rainha do Solimões . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 119
Avião mergulhou no lago de Coari matando o piloto . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 120
Catedral de Santana e São Sebastião . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 123
Como aconteceu o primeiro Festival Folclórico de Coari? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 127
Criação do 1º núcleo da UFAM. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 129
Enedino Monteiro consegue eleger-se prefeito de Coari . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 129
Bispo de Coari faleceu no porto de Manaus. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 130
Clemente Vieira – 1977 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 132
I Campeonato Infantil de Handebol . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 134
Sutura do Miocárdio. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 135
A TABA em Coari. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 135
Aeroporto de Coari. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 138
Anos 80 em Coari . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 139
Inauguração da Embratel em Coari. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 140
Telefone residencial chega a Coari . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 141
O Supermercado da COBAL . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 141
3º Festival da Música Coariense . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 142
Jorra Petróleo Coariense. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 143
Governo Evandro Aquino. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 143
I Festa da Banana . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 144
Anos 90 em Coari . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 145
Universidade do Amazonas forma primeira turma no interior. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 145
A Folha de Coari. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 146
Miss Coari 1990 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 146
II Festa da Banana . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 148
Banco do Brasil abre agência em Coari. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 149
Expedição Amazônia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 149
Cleomara vence o Miss Amazonas 1992. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 151
Cólera em Coari . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 152
Fotos da Coari Antiga . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 158
Bibliografia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 215
O Autor. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 217
Literatura Coariense - contos, poemas e crônicas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 218
Nunca Mais Coari 9 Archipo Góes
A Origem do Nome Coari
Introdução
A etimologia da cidade de Coari Penafort, no seu precioso livro “Brasil
vem através dos tempos sendo Pré-histórico”. Diz este escritor, que a
reproduzida, de obras antigas, e palavra Coari ou Huari, significa “Rio de
principalmente através da transmissão Ouro” e que “o nome deste rio pode
oral, sem que haja um método científico originar-se do quíchua - Coya, Cory - rio
sistemático que explique a verdadeira de ouro ou de Huary-yu, rio dos deuses”.
origem do nome dessa importante cidade O ilustre Cônego também dá ao rio o
amazonense. Nessa obra apresentaremos nome de Coréua, como sendo o mesmo
duas teorias antagônicas para tentar Cory, Coya; mas não quis afirmar
elucidar a etimologia da palavra Coari, as peremptoriamente, que a origem da
quais têm se propagado até os dias atuais palavra era essa.
de forma bastante positivista, tornando- Entretanto, justifica o seu modo
se verdades incontestáveis, até mesmo no de pensar, lembrando que o rio Coari
meio acadêmico. possui um afluente de nome Uaruá, que
Gaspar de Guimarães e significa “rio brilhante, da água que
Octaviano Mello acreditavam que a espelha”. Efetivamente a significação do
origem do vocábulo Coari vem do nome deste rio, em Nheengatu, é espelho,
Nheengatu. Porém, Ulisses Penafort podendo ser traduzido como ali está.
defendia a tese de que o nome Coari tem Contudo, na língua existe forma
origem Quéchua (língua do povo Inca). exprimindo toda aquela significação
Portanto, para dirimir a origem dada: Paraná Uaruá, rio espelho,
mais correta ao nome da cidade de Coari, permitindo contrair-se em Parauaruá,
esta obra de pesquisa histórica irá Pararuá e por corruptela Bararuá, nome
analisar as duas teorias quanto ao transmitido à antiga “Corte dos Manaus”,
significado do vocábulo Coari e a sua no rio Negro, e desta ao caudilho
procedência (tronco indígena). Ambrósio Aires. A denominação da
Cidade em apreço, Coari, não descende
do quíchua, é puramente Nheengatu e
Estudo da origem do nome Coari quer dizer: Pequeno buraco, buraquinho.
segundo Octavianno Mello
Vem de Cuara, o verdadeiro
nome dado ao rio, como cita-o Berredo e
A primeira hipótese procede que significa, buraco, abertura, furo; e de
inicialmente de Gaspar de Guimarães in miri, que se contrai em “ri” e também em
“Dados Descritivos do Município de “I”, que é a forma do diminutivo do
Coary - Impressa Oficial do Estado do Nheengatu, como exemplificaremos: -
Amazonas, 1900”. E mais tarde Pirá, peixe; pirá-miri, peixinho; naná,
reproduzida por Octaviano Mello através ananás; naná-miri ou nanai, ananásinho;
de seu livro “Topônimos Amazonenses”, tamanduá, da família dos desdentados,
uma obra na qual o autor tentar explicar Ta m a n d u á - m i r i o u t a m a n d u a í ,
as origens dos nomes das cidades tamanduazinho; uaimi, velha; uaimi-miri
amazonenses: ou uaimiri, velhinha. Assim também
“Passemos à etimologia da cuara, buraco; cuara-míri, cuaraí, cuari e
denominação da Cidade de Coari. Por Coari, buraquinho, furozinho. Esta
uma questão de honra ao mérito palavra tem tido as grafias seguintes: -
iniciaremos este pequeno estudo com a Quari, Cuary, Coary e Coari.
opinião do ilustre Cônego Ulisses

Nunca Mais Coari 10 Archipo Góes


Pintura em óleo retratando a origem da Freguesia de Alvelos, no lago de Coari. Teve o
seu esboço num desenho elaborado por Paul Marcoy na sua viagem pelo rio Amazonas
no ano de 1848. Mais tarde, foi transformado em quadro pelo pintor francês Édouard
Riou (1833 – 1900), seguindo os originais de Marcoy.

Aldeia de Tauá-mirim - 1848 - Paul Marcoy

Nunca Mais Coari 11 Archipo Góes


A Origem do Nome Coari

Tomassau, pequeno acesso ao lago de Coari, que Octaviano Melo atribuiu à origem do nome Coari
A cidade de Coari está situada à buraquinho, e se refere à boca pequena de
margem direita do lago de mesmo nome, um lago imenso”. (MELLO,1967)
cuja vastidão é assombrosa. Outrora a
embocadura deste lago ou bacia, como Síntese da Teoria de Octaviano Mello
tem sido chamado, fora a montante da
atual, que veio substituir aquela em
virtude do intrépido movimento de terras Segundo Octaviano Mello, a
1
operando nas margens do rio Solimões. A palavra Coari tem origem no Nheengatu
boca primitiva, se era estreita em relação e descende da palavra Cuara (que
à suntuosidade do lago, cada vez mais significa Buraco) + I (contração de miri,
diminuía com as terras novas aí um diminutivo do Nheengatu) formando
depositadas pelas águas deste Cuarai, e com o tempo passou Cuari,
prolongamento do Rio Mar. Era um Cuary, Quary, Coary e finalmente
pequeno e estreito furo, canal ou buraco; Coari significando Buraquinho.
era ainda um buraquinho golpeando a A justificativa dessa teoria seria
restinga e ligando o rio ao lago. Todos os que o vocábulo “Buraquinho” se referiria
canais desta natureza, entre nós, são ao primitivo canal que dar acesso ao lago
chamados de furos, sinônimo perfeito de de Coari, furo do Tomassau, localizado
buraco, e, nesta acepção o nativo, com a posteriormente à comunidade “Costa da
sua inteligência, denominou de Coari, a Santa Rosa”, sendo um canal estreito em
pequena embocadura agora interceptada relação à vastidão do lago ou baía.
e coberta pela vegetação. O nome do lago A justificativa dessa teoria seria
e da Cidade de Coari, portanto se que o vocábulo “Buraquinho” se referiria
originou da primitiva foz, que de ao primitivo canal que dar acesso ao lago
momento em momento, maiores razões de Coari, furo do Tomassau, localizado
ofereciam à sua denominação, até que posteriormente à comunidade “Costa da
desapareça. A boca atual do lago é larga e Santa Rosa”, sendo um canal estreito em
relativamente nova. Coari, palavra relação à vastidão do lago ou baia.
Nheengatu, significa, pequeno buraco,
1. Língua indígena da família tupi-guarani modificada por influências europeias, foi durante algum tempo e até o século
XIX a mais utilizada no Brasil, tanto pelos portugueses como pelos nativos.

Nunca Mais Coari 12 Archipo Góes


A Origem do Nome Coari
E Gaspar Guimarães A Origem de Coari na Língua
acrescenta: “Coary, que em língua geral Quéchua
significa buraco. Toma esse pouco
risonho nome em virtude de sua outra A outra corrente fundamenta-se
boca, já soterrada. Um tanto a oeste da na apreciação na teoria do Cônego
única que hoje existe e que, outrora, Ulisses Penafort3, que em seu celebre
lembrava uma verdadeira furna pelo livro “Brasil - Pré-histórico” relata que a
emaranhado da vegetação, cujos cimos, palavra Coari ou Huary tem origem no
se entrelaçando, davam-lhe um aspecto Quéchua (língua do povo Inca). Na
sombrio”. página 175, no parágrafo 2º encontramos:
“Vejamos o grande País das
O significado Segundo Stradelli Palmeiras, a nova Pátria dos Pouna
(Punici), a famosa e mística Fênix
O Conde Ermano Stradelli, de Amazônica. Lá está na terra do Fayanarú
nacionalidade Italiana, viveu por muitos — O Coari ou Huari (Rio de Ouro); corre
anos no extremo norte do Brasil. Chegou do sul ao norte, tem 2 léguas de largura e
ao Amazonas para trabalhar na comissão sua foz um mês de viagem, entra majesto-
que organizou os limites entre o Brasil e a samente no Rio dos Fenícios ou Solimon,
Venezuela, onde passou mais de 50 anos. na altura astral de 4 graus; no lado do
Em suas viagens fez levantamento nos ocidente viveram grandes nações brasile-
rios Branco, Negro, Solimões, Purus e iras dos índios: Sorimon, Juma, Puna,
desenvolveu um grande estudo identifi- Uayupy, Cataubais e Pascé!
cando a vida e os costumes do povo De todas estas tribos a mais
Amazônida no princípio do século XX. importante sob o nosso ponto de vista
Stradelli se interessou por etnológico é a Pascé, que denuncia da
diversos dialetos indígenas e principal- maneira mais admirável a sua procedên-
mente o Nheengatu e a origem de diver- cia fenícia. Ela foi numerosíssima, inteli-
sos nomes da região. E começou a reco- gente, ativa, muito dada à agricultura e ao
lher material muito cedo para fundamen- trabalho.
tar a sua obra sobre a linguagem das O nome d'este rio pode originar-
tribos com que procurava viver e ter se do quíchua: Coya, Cory – Rio de Ouro,
contato. ou Huary-yu – Rio dos deuses; o que é
Em 1929, ao publicar seu livro2, certo é que este rio tem de parte do
Stradelli atribui a palavra “Cuari - Coary: ocidente um afluente de nome Uaruá, que
Pequeno Buraco. Nome de uma povoa- significa Rio Brilhante, de águas que
ção do Solimões”. espelham. Uruá em Tupy é espelho”.
Outros vocábulos que merecem Em outra parte do livro ele
menção na obra de Stradelli seria a tradu- afirma que Huari quer dizer “Senhor
ção de “Itapéua: pedra chata ou pedra Deus”, Cocha é “Lago”, e Huari-Cocha
achatada” e “Tauá-mirim: Aldeia seria “Lago dos deuses” ou “lago dos
Pequena ou Aldeiazinha”. brancos”.

2. Vocabulários da língua geral portuguez-nheêngatú e nheêngatú-portuguez. Revista do Instituto Histórico e Geográfico


Brasileiro. Rio de Janeiro, 1929 p.423.
3. Raymundo Ulysses Pennafort, nasceu em Jardim – Ceará, no dia 25 de novembro de 1855, religioso, considerado figura
das mais cultas do clero brasileiro, jornalista, romancista, cronista, poeta, indianista, sociólogo e filólogo. Publicou:
“Mandú”, “Ecos d'Alma”, “Os Retirantes”, "Orações Patrióticas", “Cenontologia”, “Quadro Sinótico dos Nomes Indo-
Brasileiros”, "A Igreja Católica e a Abolição", “Brasil Pré-Histórico” (sua principal obra). Patrono da cadeira nº 32 da ACL
(Academia Cearense de Letras). Faleceu no dia 25 de Abril de 1921, em Belém do Pará.

Nunca Mais Coari 13 Archipo Góes


A Origem do Nome Coari
Também ele esclarece que Aquela preferência é perfilhada pelo
“Ouro” em quíchua é Cori. Ouro em pó é emérito Professor Mário Ypiranga
Chichi Cory; filão de ouro, Cori Coya. No Monteiro que, em Roteiro do Folclore
Tupy, ouro é também Curi - temos um Amazônico – I Tomo (Editora Sérgio
“Rio de Ouro” denominado Curi, na Cardoso – Manaus 1964), de tal modo
localização de Caeté no estado do Pará. grafa a palavra, bem assim o gentílico
. correspondente (quariense). Era essa,
Considerações finais sobre a Origem também, a opinião do conhecido filólogo
do Nome Coari. Padre Nonato Pinheiro que, em artigo
publicado sobre meu o livro Regime das
Águas, na coluna Nótulas e registros, do
Após a apresentação das duas Jornal ACrítica, de Manaus, ao referir-se
correntes, iremos tecer considerações e ao autor, identificou-o como “amazonen-
demonstrar falhas que merecem ser se de Quarí”, dizendo insistir nessa
destacas devido a sua importância para a grafia, que, a seu entender, deveria ser a
equalização dessa imprecisão, por isso preferida”. (Vasconcelos, 2002)
propomos uma ruptura, pelo qual inicia- Considero ainda, que a linha de
remos uma nova forma de pesquisa, raciocínio da qual a associação do vocá-
ultrapassando a maneira reprodutiva e bulo “Buraquinho” ao antigo canal que
positivista. dar entrada ao lago de Coari é muito
Para podermos definir a origem perspicaz, contudo, perigosa e sem base,
do nome da Cidade de Coari teremos que dado que não temos nenhum documento
analisar a definição da palavra e sua histórico ou geográfico que demonstre tal
procedência, ou seja, o tronco indígena. fato.
Vamos nesse primeiro momento analisar- Existem a princípio, três entra-
mos a hipótese de Octaviano Mello das convencionais pelo Rio Solimões
através de seu livro “Topônimos para o lago de Coari: a sua atual foz, larga,
Amazonenses”. profunda e com um grande fluxo de água,
Podemos citar, por exemplo, a onde existe um grande canal sob as águas
tentativa de associação do vocábulo que vai do Solimões até próximo à ponta
Coari a Cuarai. O desenvolvimento dessa do Jurupary; a entrada para o igarapé do
especulação de Octaviano Mello não tem Pera; e por último, na Costa da Santa
um embasamento histórico, teórico e Rosa, o furo denominado Tomassau,
lógico, pois quando fazemos compara- estreito e raso.
ções entre sua a fonética, nota-se uma Visto que não há dados que
grande discrepância, pois a palavra Coari comprovem a existência de somente um
tem sua a pronúncia usual de |Qua|-|ry| canal apenas como entrada ao lago ou
para os nativos e não |Co|-|a|-|ri|. baía de Coari pela estrutura e
Ponderando este fato, concordo com o profundidade do canal que dar acesso às
escritor coariense Antônio Vasconcelos águas do Solimões ao lago de Coari, seria
quando propõe que a grafia mais adequa- muita imaginação negar a existência da
da para o nome da cidade seria “Quari”: sua atual foz há cerca de algumas
“Quanto à grafia da palavra, centenas de anos.
entretanto, não é pacífico o entendimen- O que percebemos foi à criação
to. Há, assim, os que a preferem grafada de uma lenda ou história fictícia para
com “q” (Quarí), em vez de “c” (Coari), o justificar a semelhança fonética.
que não me parece fora de propósito.

Nunca Mais Coari 14 Archipo Góes


A Origem do Nome Coari

Encontro das Águas em Coari


São concepções bem diferentes teoria de que a atual foz do lago de Coari
os conceitos internalizados nas palavras era fechada por terras e floresta. Dessa
buraco e canal, assim como não há maneira, colabora com as descrições dos
coerência nessa analogia. Dessa forma, viajantes do século XVII e XIX, não
toda generalização pode levar para longe fazendo sentido a denominação de
do eixo da investigação, causando erros, buraquinho como explicação para a
pois tal associação não tem embasamento tradução da origem do nome Coari.
nas literaturas dos viajantes e locais.
Outro ponto que deve ser
destacado é que na antiga “Província de
Machipharo” , onde Coari estava
localizada, não apenas existiam tribos do
tronco Tupi, como também, Karib,
Tukano, Jê, Pano, Aruaque, etc. E
algumas dessas migraram das regiões
Andinas, dessa forma, poderiam ter
outras influências, como o Quéchua ou
Aimará.
Através da pesquisa,
gentilmente compartilhada pelo geografo
George Pereira Reis (IFAM-COARI)
sintetizado no mapa acima, podemos
observar que o lago de Coari tem a
mesma profundidade do rio Solimões,
diferente dos demais canais (Pera,
Tomassau, etc) que ligam o lago de Coari
ao rio Solimões, fazendo parte de um
consórcio integrado milenar. Dessa
forma, desmontando e invalidando a
4. Província que se estendia pela margem direita do Amazonas, desde a foz do rio Tefé até a do rio Coari, e pela margem
esquerda, a extensão era indeterminada. Local onde habitava grandes povoações que reunia 50 mil homens. Os Aisuaris
seriam seus habitantes.

Nunca Mais Coari 15 Archipo Góes


Os Jurimáguas
Os Jurimáguas “A primeira aldeia, de oeste
para leste, situava-se na foz do Coari”;
A tribo dos Jurimáguas, vinte e duas léguas abaixo, num ponto da
conhecida também pelo nome de margem direita próxima à ilha de Jurupari
Solimões pelos portugueses, centralizava estava “a maior aldeia que em todo o rio
suas aldeias entre Coari e a foz do rio encontramos, ocupando as suas casas
Purus. Na colonização da Amazônia, o mais de uma légua de extensão”. Daí para
nosso grande rio Solimões era o principal baixo e “topando muito amiúde com
meio de interligação entre a cordilheira aldeias dessa mesma nação” (Acuña,
dos Andes à foz do Amazonas, ou melhor, 1874: 118-119).
era a conexão entre as colônias Maurício de Heriarte escreveu
espanholas e as colônias portuguesas. A em 1662, mas conhecia o alto Amazonas
grande motivação para as expedições no desde 1638, quando participara da
médio Solimões foi à procura da cidade expedição de Pedro Teixeira. Sobre o
de ouro (El Dourado), também a lenda Solimões limita-se a dizer que “nesta
das Amazonas, que alguns historiadores província dos Sorimões haverá 30 léguas.
acreditam serem as mulheres do Todas são terras baixas e de muitos lagos.
Jurimáguas. Contudo, segundo É esta província mui povoada de gentios
Hemming, o Solimões sempre foi visto com muitas aldeias” (Heriarte, 1975).
pelos colonizadores “como um curral de Dez anos após a viagem de
mão-de-obra indígena”. Acuña, os Jurimáguas já se encontravam
Em 1542 ocorre a primeira em total extermínio, com a redução de
expedição até o litoral atlântico, suas populações por conta das
comandada pelo Cap. Francisco de expedições portuguesas, e
Orellana e descrita pelo Frei Gaspar de principalmente, pelas doenças em que os
Carvajal. Um importante relato do frei mesmos não tinham “defesa
diz respeito à região dos atuais imunológica”. Dessa forma, migraram
municípios de Coari e Codajás, onde ele rio acima conforme os relatos de
relata sobre uma aldeia nomeada de Laureano de La Cruz em 1653.
Aldeia da Louça, que possuía uma Já no ano de 1641, a região entre
cerâmica de “melhor que viu no mundo, a foz do lago de Coari até a foz do rio
porque a de Málaga não se lhe iguala, por Purus é nomeada de Província de
ser toda vidrada e esmaltada de todas as Yo r i m a n , i s s o d e v i d o à g r a n d e
cores” (PAPAVERO et al 2002). quantidade de indígenas dessa nação que
Em 1639, Acuña define o povoaram toda essa região. Em outras
território de Yoriman (Solimões) com expedições essa nação recebeu outros
uma faixa de 250 km pela margem direita nomes como: Joriman (de La Cruz 1653),
do Amazonas, desde logo acima da foz do Sorimões (Heriarte 1662), Jurimáguas
Coari até uns dez quilômetros acima da (Fritz 1686-1700) e Sorimão (Sampaio
do Purus. Acuña refere-se que foi 1775). E por fim, a própria origem do
encontrado ao longo dessa faixa uma área nome do rio Solimões advém dessa tribo.
densamente povoada com sua população De acordo com relatos dos
vivendo nas ilhas, várzeas e terra firme, séculos XVI ao XVIII, a Província
formando a província dos Yoriman: “é Yoriman seria uma região densamente
terra tão sobrada de gente que em parte povoada, com mais de 250 km, e “terra
alguma vimos reunidos mais bárbaros do tão sobrada de gente que em parte alguma
que nela”. vimos reunidos mais bárbaros do que
nela” (ACUÑA, 1994).
Nunca Mais Coari 16 Archipo Góes
Os Jurimáguas
Dez anos após a viagem de Em sua Obra “Dicionário Etno-
Acuña, os Jurimáguas já se encontravam Histórico da Amazônia Colonial”
em total extermínio, com a redução de Antônio Porro caracteriza a tribo dos
suas populações por conta das Jurimáguas:
expedições portuguesas, e “O primeiro informe sobre esta
principalmente, pelas doenças em que os tribo é o de Carvajal (1542), que, porém,
mesmos não tinham “defesa o chama senhorio de Omágua, fato que
imunológica”. Dessa forma, migraram levou autores modernos a associá-los aos
rio acima conforme os relatos de Omáguas históricos que no século
Laureano de La Cruz em 1653. seguinte seriam encontrados muitos mais
No ano de 1641 eles foram a oeste, acima do Juruá. Os Omáguas de
alcançados pelas expedições portuguesas Carvajal, verossimilmente Jurimáguas,
de Bartolomeu Bueno Ataíde. No final do ocupavam a margem direita do Solimões,
século XVII, já não havia as grandes desde acima do Coari até quase o Purus.
aldeias Jurimáguas e os poucos sobrevi- Na região de Codajás, um de seus muitos
ventes estavam disseminados em missões e mui grandes povoados, a chamada
jesuíticas espanholas no rio Huallaga ou aldeia da Louça (v. Em II), despertou a
portuguesas nos municípios de Coari e admiração dos viajantes pela cerâmica
Tefé. policrômica vitrificada de excelente
Os relatos também mostram que qualidade. A língua falada era
esse povo mantinha um constante diferentemente do idioma Omágua (de
comércio com povos do Rio Negro, pois tronco Tupi) do qual Orellana teria
segundo descrições, eles utilizavam aprendido rudimentos ainda no Equador
alguns adornos de ouro que vinham do (Carvajal). No século XIX integravam,
Rio do Ouro trazido pelos Manaós. entre outras, as populações de Coari e
Acuña e Fritz também relatam que alguns Tefé”.
deles possuíam artefatos europeus e que Em suma, o primeiro núcleo da
estes eram trazidos do Norte, por outros formação de Coari foi observado pelos
povos que tinham contato com os viajantes do século XVII na foz do lago
holandeses nas Guianas (PORRO 1996). de Coari, o local onde hoje é a cidade de
Segundo Nimuendajú (1981), Coari. Era uma aldeia da tribo
os Jurimáguas estariam filiados ao tronco Jurimáguas de tamanho médio, que a
Tupi (devido à associação que Carvajal partir da chegada de Samuel Fritz, foi
fez com os Omáguas), porém as duas descida para o alto Solimões, fundando a
fontes de cronistas o contradizem: missão de Nossa Senhora das Neves.
Alejandro Rojas diz que Pedro Teixeira e Esse processo de descimento, não era
seus companheiros, que falavam a língua apenas uma mudança no local, mas o
geral, não conseguiram comunicar-se e início do processo de recrutamento
Samuel Fritz afirma que a língua dos indígena, em que a tribo era convencida
Jurimáguas é muito diferente dos pelos religiosos, por promessas de
Omáguas, sendo esse último do tronco melhorias nas condições de vida dos
Tupi (PORRO 1992, 1996). Fritz e indígenas, caso fossem viver nos
Betendorf descrevem alguns rituais aldeamentos. Quando isso não acontecia,
religiosos entre os Jurimáguas e que usavam a coação, obrigando-os, através
Porro (1996) conclui que seriam do medo, a aceitarem a convivência
festividades relacionadas ao culto de indesejada nos aldeamentos, sendo a
J u r u p a r i ( K o c h - G r ü n b e rg , 2 0 0 5 ; tribo aculturada e obrigada a trabalhar na
VIDAL, 2002). agricultura para dar lucro para a missão.

Nunca Mais Coari 17 Archipo Góes


Os Jurimáguas

Igreja de Nuestra Señora de las Nieves de Yurimaguas


A Cidade dos Jurimáguas (Peru) identidade cultural disse:
“A partir da confluência dos rios
A partir desse momento disser- Napo e Negro (Brasil), ambas as margens
taremos sobre a cidade de Jurimáguas por do Amazonas, disse Pe. Villarejo foram
um rico texto de uma monografia em de domínio Omáguas, Jurimáguas (não
espanhol em que iremos analisar o resul- Yu r i s e O m á g u a s c o m o d i z e m
tado da migração da tribo dos Jurimáguas comumente), Aysuares etc”.
de Coari, no Amazonas até o Peru. http://www.monografias.com/trabajos55/cultura-
yurimaguas/cultura-yurimaguas2.shtml – Acessado em
27.05.2014
Fundação da cidade segundo o
testemunho dos evangelizadores
Constatações da destruição das aldeias
A versão com mais sustentação Jurimáguas pelo Padre Samuel Fritz
histórica nestes tempos é a que se em sua volta da cidade de Belém
referindo ao nome da cidade de
Jurimáguas não resultar da fusão de duas Após uma viagem a Belém para
tribos diferentes – Yuri e Omáguas, mas protestar contra a invasão portuguesa na
os resultados de uma única tribo, e isso é o Amazônia Espanhola, onde permaneceu
que diz Canon Bernardino de Souza: preso por 2 anos, abriu-se a questão do
Seu nome vem do vocábulo domínio do Solimões. Na sua volta, o Pe.
Jurimáguas “Valente tribo de índios do Samuel Fritz, do rio Negro em diante,
Solimões (Amazônia brasileira) e os começou a observar que as aldeias
verdadeiros fundadores da Freguesia de estavam sendo abandonadas, estando
Coari”. Essa tribo foi evangelizada pelos muitas queimadas. Assim encontrou
Carmelitas, após ser arrancada pelos aldeias dos Cuchivaras, dos Ibanomas,
jesuítas espanhóis com uma parte dessas dos Aisuares e dos Jurimáguas. Parte da
pessoas fundaram uma aldeia no rio Razão do abandono das aldeias pelo
Huallaga. caminho era a notícia de que os
Padre Carlos Murayari portugueses estavam subindo o rio. A
Amasifuen, reconhecido pároco e viagem de volta de Belém terminou em
pesquisador das nossas raízes e 13 de outubro de 1691.

Nunca Mais Coari 18 Archipo Góes


Os Jurimáguas

Cidade de Jurimáguas

As Ruínas da Civilização Huari

As Ruínas da Civilização Huari Cultura Huari

Nunca Mais Coari 19 Archipo Góes


A Origem do Nome Coari (Cont.)
Análise da Teoria de Penafort “Nombre genérico que se da a los
aborígenes de Jujuy de ascendencia quichua,
Até o momento a teoria que aimará, o de alguna otra parcialidad indígena
apresenta menor contradição é a de del Altiplano. También llaman así a los
Ulisses Penafort. Contudo, essa teoria bolivianos pertenecientes a las etnias
precisa de algumas correções e mencionadas radicados en las ciudades (Los
desdobramentos conforme estudos gringos)”.
realizados na história do povo Inca. http://www.rumbojujuy.com.ar/voca
Para o autor a origem do blos.htm acessado em 14.01.2004
vocábulo Coari vem do quéchua, também
grafado quechua e quíchua, sendo uma
importante língua indígena da América Segundo a fascinante história
do Sul, hoje ainda falada por cerca de do povo Inca a jovem Coya5, a princesa
treze milhões de pessoas no Peru, estrangeira, era oriunda do povo Coya
Bolívia, Equador e Argentina, posto que (boliviano) e depois de uma grande
foi a língua do antigo Império Inca. odisseia se tornou rainha do Império inca.
Quéchua também designa indivíduo Para a Civilização Inca e
desta etnia ou falante desta língua. também para muitas outras, os seus
No Peru e na Bolívia o idioma soberanos eram considerados e tratados
quéchua é considerado língua oficial como seres de outra casta e adorados
junto com a língua Aimará. Estas línguas como verdadeiros deuses. O Soberano
jamais tiveram escrita correspondente até Inca era considerado filho do deus sol, e o
a introdução do alfabeto latino pelos povo o cultivava com grande veneração e
espanhóis, que usaram estas línguas para devoção.
pregação religiosa e conversão dos Portanto, “o aspecto masculino,
indígenas americanos. Havia sim, simbolizado pelo sol, era completado
registros, provavelmente numéricos que pelo culto feminino da deusa Mama-
eram feitos por sequências de nós em fios Quilla ou Coya, a lua. A seus templos, que
de lã, possivelmente associados a cores. eram totalmente de prata, os fiéis
A língua quéchua é muito concorriam à noite, em longas filas, para
regular possuindo um grande número de rendê-lhe culto e para reverenciá-la”.
prefixos e sufixos que mudam a
significação dos vocábulos produzindo
grande expressividade, incluindo
conjugação bi pessoal e conjugação
vinculada ao estado mental, veracidade,
relação espaço-temporal e outros fatores
culturais.
Vários vocábulos incomuns da
língua portuguesa entraram no português
moderno através do espanhol, tais como
coca, condor, guano, gaúcho, inca,
lhama, pampa, batata, puma, vicunha etc.
Começaremos a analisar a partir de Coya
que é um vocábulo usado para
representar a esposa principal do
Sapainca (único Inca, o chefe de todos os
Incas) ou o povo Coya: Imagem Ilustrativa de Mama Coya
5. COYA. Do quechua, 'soberana ou princesa', 'natural do altiplano'. // Coya. f. Mulher do imperador, senhora soberana ou
princesa, entre os antigos peruanos.

Nunca Mais Coari 20 Archipo Góes


A Origem do Nome Coari (Cont.)
Quanto ao Vocábulo Cory ou Hoje Huari é uma província do
Cori, foi uma grata surpresa que ao Peru localizada no departamento Ancash.
pesquisarmos em vários dicionários Sua capital é a cidade de Huari e possui
quéchuas na grande rede mundial, uma população de 68.332 habitantes e
encontramos na sua tradução para o uma área de 2.771,90 km2, perfazendo
português, que o seu significado é: uma densidade demográfica de 24,7
2
“Nome Masculino de origem quéchua hab./km .
que significa Ouro”. Dessa forma Consequentemente observamos
também, notamos que a associação de que a denominação dada a Coari de “Rio
procedência ou proveniência da tradução dos deuses” por Ulisses Penafort parece
de “Rio de Ouro” ao vocábulo Cory tem ter justificativa histórica, mas a fonética e
fundamento etimológico. ortografia são levemente diferenciadas.
Em um segundo momento, Podemos nos indagar como o dialeto dos
observamos que Penafort também propôs Incas (quéchua) que viviam nos Andes
a palavra Huari como originária do poderia influenciar na denominação de
vocábulo Coari. A palavra Huari advém um rio no centro do Amazonas? Um
de uma civilização pré-Inca e tem origem típico exemplo dessa influência na
no Aymará, tendo o significado de: nomeação de locais brasileiros seriam as
“protegido dos deuses”, selvagem, praias mais famosas do Brasil,
indomado, rápido, implacável, nativo Copacabana que significa “mirante do
como vicunha, ou mesmo a própria azul” e Ipanema “Água ruim” ou “água
vicunha (Vicuña) . Assim também os que não presta” advêm da língua
chamados cidadãos guerreiros da antiga Quéchua.
cultura Huari conquistado com A cidade de Coari, no
dificuldade pela cultura Inca. Amazonas, não é a única localidade com
O Império de Huari ou Wari foi essa designação, existem quatro lugares
uma civilização sofisticada e estava que também receberam essa nomeação:
estabelecida nos Andes centrais do Peru um pequeno lugarejo no Estado do Pará, a
durante cerca de 400 anos (600 a 1000 nossa Coari no centro do Amazonas, uma
d.C). As estruturas das cidades Wari eram outra Coari localizada no Peru e
cercos retangulares tipicamente grandes. finalmente na Província de Cochabamba,
Os povos de Huari (Wari) foram os na Bolívia.
primeiros povos pré-Inca a usarem a Na teoria que tem como origem
força militar para conquistar os estados a língua Nheengatu, observamos uma
circunvizinhos. significante ruptura quanto ao significado
Após ter conquistado muitos dado pelos dois autores. Gaspar
povos, como a maioria de Guimarães Atribui ao vocábulo Coari o
conquistadores, o povo Wari submeteu às sentido de “Buraco” e Octaviano Melo
culturas de seus inimigos em usa no diminutivo “Buraquinho”, com o
favorecimento da sua, dessa forma, conceito de furo ou canal, em que durante
reforçou sua própria maneira de vida e nossas pesquisas encontramos nos
proibiu toda a prática da cultura anterior. dicionários de nheengatu o vocábulo
Há uma evidência que muito da cultura “pu'ka”7 que me pareceu ter o significado
dos Incas veio das ideias e costumes dos mais adequado para o conceito que eles
povos de Huari. necessitavam para a sua frágil teoria.

6. Ruminante mamífero parecido com a lhama, porém, mais esbelto e ágil, penugem mais curta, mais fina e bronzeada; vive
em estado selvagem nos Andes, formando rebanhos.
7. Dicionário da língua geral do Brasil, que se fala em todas as vilas, lugares e aldeias deste vastíssimo Estado, escrito na
cidade do Pará, ano de 1771 [manuscrito].

Nunca Mais Coari 21 Archipo Góes


A Origem do Nome Coari (Cont.)
Com um aprofundamento sobre Departamento de Loreto, pertencente à
a linguagem de origem, os autores teriam Região de Lima e assim caracterizando a
percebido que o Nheengatu, uma língua origem quéchua.
derivada do tronco Tupi-Guarani foi Com base em todo o exposto,
criada pelos padres jesuítas para ser uma verificamos que na teoria da origem da
língua geral. Ela surgiu no século XIX, palavra Coari advinda do Nheengatu
como uma evolução natural da língua existe uma desconexão na parte fonética,
8
geral setentrional . Quando os coloniza- em que apesar da junção da palavra Cuara
dores portugueses chegaram ao Brasil + I sugerir uma justaposição primorosa, a
encontraram diversas línguas ou dialetos pronúncia difere daquela que os nativos
da família Tupi-Guarani usados ao longo até hoje utilizam: “Quari”.
do litoral do Brasil, ou seja, havia uma E ainda acrescentamos que os
língua brasileira da qual os colonizadores Jurimáguas, principal tribo que habitava
podiam se servir como língua de contato as várzeas de Coari, não tinham
ou de relação para se comunicar com os descendência Tupi-guarani9, de tal modo
indígenas ao longo de todo país. Todavia, não podendo servir-se do Nheengatu.
o vocábulo Coari já era conhecido na
cultura milenar Inca, tanto na Bolívia Portanto, também ressaltamos
como no Peru, descritas pelos navegado- que a fundamentação de Octaviano Mello
res através do Rio Amazonas e dos missi- em que haveria apenas uma entrada para
onários que estabeleceram seus núcleos o lago de Coari (Tomassau) foi falha, pois
religiosos. Assim, seria uma discrepância há três acessos como ilustramos
um vocábulo ser criado antes do surgi- anteriormente.
mento da língua geradora. Em 1848 quando Paul Marcoy
Octaviano Melo publicou um em sua viagem pela América do Sul,
l i v r o d e n o m i n a d o “ To p ô n i m o s esteve em Coari, descreveu a entrada no
Amazonense”, em que elaborou uma lago de Coari:
teoria da origem dos nomes das
localidades do Estado do Amazonas. “A extremidade do lago de
Contudo, nem todas as hipóteses ou Coari fica perto do curso do Amazonas,
teorias possuíam um trabalho de pesquisa uma vantagem ou desvantagem que o
aprofundado e sistemático. Desse modo, distingue dos outros lagos que só se
Melo teve que desenvolver pessoalmente comunicam com o grande rio através de
uma teoria para atender a proposta de canais de cumprimento às vezes conside-
relacionar os inúmeros significados dos rável. A primeira coisa que se observa ao
nomes das localidades Amazonenses. entrar no Coari é um pequeno povoado
A principal tribo que fundou e de seis casas cobertas de palha no topo
habitava a região que hoje é a Cidade de de uma elevação. O lugar chama-se
Coari foram os Jurimáguas, que após o Tahua-mirim. Ao pé da elevação, doze
início de seu extermínio por parte das casas menores agrupam-se em pitoresca
tropas portuguesas retornou para a sua desordem; mas elas, ao invés de serem
origem no Peru e fundaram a cidade de construídas em terra firme como as
Jurimáguas, que é a capital da Província outras, apoiam-se sobre jangadas ou
de Alto Amazonas, situada no balsas”. (Marcoy, 2006).

8. A língua geral setentrional, também chamada língua geral do norte e língua geral amazônica, era o ramo nortista da língua
geral, falada na Região norte do Brasil. Formou-se a partir da evolução histórica da língua tupi no final do século XVII. No
século XIX, pelo mesmo processo de evolução histórica, deu origem ao nheengatu. Hoje, é considerada uma língua extinta.
9. Carvajal observou que a língua falada entre os Omáguas (tupi) era diferente da qual Orellana havia aprendido noções no
Equador. (PORRO, Dicionário Etno-Histórico da Amazônia Colonial, 2007)

Nunca Mais Coari 22 Archipo Góes


A Origem do Nome Coari (Cont.)

Praia da Freguesia – Foto: Beto Tristão


Dessa forma ficou claro que estrutura e idade do rio Solimões.
10
Marcoy , no ano de 1848, ao entrar no 3. A principal tribo indígena
lago de Coari, o fez pela mesma ampla que vivia na região de Coari, os
entrada que existe ainda hoje, e pronta- Jurimáguas, não tinha descendência e
mente encontrou uma pequena aldeia cultura Tupi-guarani, e isso invalida a
(Tauá-mirim), local em que hoje está teoria.
situada a sede do município de Coari. 4. Não existe apenas um local
E por fim, observamos que na chamado Coari. Existe também na
teoria da origem do nome Coari que Bolívia, no Peru, no estado do Pará, e até
advém do nheengatu, Cuara-ri, devido a outro no estado do Amazonas, o Rio
entrada para o lago de Coari ser no canal Coari, ramo do Ituí, no município de
pequeno denominado de Tomassau. Atalaia do Norte.
Podemos enumerar alguns pontos que Contudo, com as palavras Huari
negam essa teoria: e Cory, a teoria que advém do Quéchua
1. A pronúncia do vocábulo (língua dos povos Incas), por fazer a
Coari feita pelo nativo é |Qua|-|ri|, total- associação com ouro e/ou os seus gover-
mente diferente de |Cu|-|a|-|ra|-|ri|. nantes, que eram considerados deuses,
2. Todos os navegadores que depois dessa abrangente análise, conclui-
passaram nessa área do Solimões, descre- se que a palavra Coari tem sua origem
veram que a foz do lago de Coari tem a mais adequada no quéchua e significa
mesma medida desde o século XVII até “Rio de Ouro” e “Rio dos Deuses”
os dias atuais, fazendo parte da mesma
10. Célebre viajante francês. Seu verdadeiro nome era Laurent Saint-Cricq, contudo ficou mais conhecido pelo pseudônimo
de Paul Marcoy. Nasceu em 1815, em Bordeaux, onde também morreu, em 1888.

Nunca Mais Coari 23 Archipo Góes


A Fundação de Coari
A Colonização da Amazônia Samuel Fritz - Uma saga no Solimões

A questão de fixação dos limites A presença do Missionário


na Amazônia causou grandes confrontos Samuel Fritz na Amazônia durante o final
entre Espanha e Portugal, conflitos do século XVII e início do XVIII (40 anos
intensos, prolongados e cheio de de sua vida entre as tribos indígenas ao
violência. Durante o século XVI e longo do Amazonas) foi o início da
princípio do século XVII a região ocupação europeia na Amazônia
amazônica estava sobre domínio dos reis Ocidental. Através de seu diário de
de Castela, isso devido ao Tratado de viagem podemos ter conhecimento de
Tordesilhas que dividiu as terras como era a vida das diversas nações
descobertas e as que poderiam vir a ser, indígenas e o início de sua extinção. Ele
entre os reinos da Península Ibérica. Esse foi um padre missionário da Companhia
acordo estabelecia uma linha imaginária de Jesus e cartógrafo a serviço da
que percorreria de um polo ao outro Espanha, sendo o principal agente na
(norte ao sul), passando a 370 léguas das aculturação de vários povos indígenas
ilhas de Cabo Verde. das várzeas do rio Solimões.
Assim o Brasil ficou dividido na No Novo Mundo era altamente
sua porção oeste sob o domínio da valorizado e apontado pelo historiador
Espanha e na porção leste sobre a equatoriano Octavio Latorre como
administração expansiva de Portugal. “gigante entre gigantes”, já em sua terra
Mas, com a União Ibérica , aconteceu natal, Boêmia - República Tcheca, ele é
que as colônias ibero-americanas ficaram quase desconhecido.
sob o mando ou administração do mesmo O Pe. Samuel Fritz elaborou o
soberano (espanhol) no período de 1580 a grande trabalho cartográfico, aliás, foi o
1640. E assim, os limites ou fronteiras primeiro mapa do Rio Amazonas e da
ficaram relativos. própria Amazônia. Determinou como a
Mas, o que parecia ser a sua nascente o lago Lauricocha, nos
efetivação do domínio espanhol nas Andes. Interessantemente, estes dados
terras amazônicas com a perda da foram considerados válidos até meados
soberania portuguesa, ocorreu o do século XX. O documento cartográfico
contrário, para legitimar a posse das de Fritz não pode ser definido apenas
terras e evitar o avanço dos holandeses, como um mapa, pois é um registro
ingleses e franceses; Portugal começou a histórico dos indígenas na Amazônia,
tomar posse paulatinamente das terras da visto que, foi ilustrado zelosamente, com
bacia dos rios amazônicos. Por esse uma minuciosa legenda, em que
motivo, o Capitão Pedro Teixeira, identifica as nações que habitavam a
navegante português, organizou e calha dos rios no momento inicial do
operacionalizou uma expedição que impacto da colonização ou ocupação.
partiu de Belém e navegou até Quito, no Em fim, a grande importância
Equador. Durante essa viagem (1637 a da vida e obra do Padre Samuel Fritz para
1638), Pedro Teixeira teria edificado um a história do Amazonas, é que o mesmo
marco e tomado posse dos territórios do foi o fundador de vários aldeamentos nas
litoral até a fronteira da Província dos várzeas do Solimões, e Coari foi retratado
Indígenas Omáguas, porém ficou por muitos anos na história factual e
vigorando por poucos anos esse marco positivista do Amazonas como uma
limite. delas, fato que aprofundaremos nos
próximos tópicos.
11. União Ibérica foi a unidade política que regeu a Península Ibérica de 1580 a 1640, em decorrência da união entre as
monarquias de Portugal e de Espanha após a Guerra da Sucessão Portuguesa. Dessa maneira, foi compartilhado também, os
seus respetivos domínios coloniais.

Nunca Mais Coari 24 Archipo Góes


A Fundação de Coari
Quem foi Samuel Fritz? latim.
Em 1679 ele tornou-se reitor do
De família aristocrática e pais colégio jesuíta em Brno (principal centro
de nacionalidade alemã, Samuel da Morávia). Mas sua carreira docente foi
Fernandes Fritz nasceu no dia 9 de abril passageira, pois logo voltaria aos seus
de 1654, na vila de Trutnov, na Boêmia, estudos em uma universidade.
que na época era parte da Áustria (hoje Em 1680, Fritz vai para a
República Tcheca). Universidade de Olomouc instruir-se
A Boêmia é uma região em Teologia, e ainda aproveitou para
histórica da Europa Central, ocupando os completar seus estudos em filosofia,
terços ocidental e médio da atual estudos humanísticos e apreendeu
República Checa. Seus habitantes têm cartografia, que mais tarde foi muito útil
descendência ou origem no povo Celta. nas suas viagens pela Amazônia.
Em 1526, o domínio do reino passou para No último ano de seus estudos,
as mãos dos reis Habsburgo, e dessa decidiu ser missionário de além-mar . E
forma, a Boêmia foi parte integrante da para concretizar essa vocação, em 3 de
Áustria, em que nesse período, foi junho de 1683 solicitou ao seu superior na
reintroduzida a religião Católica na ordem dos Jesuítas o pedido formal para
Boêmia. A sua independência somente ser enviado ao Chile, na América do Sul.
aconteceu a partir de 1918, após o Mas não foi aceito, e assim, ele
término da I guerra mundial, com a direcionou uma nova solicitação, desta
derrota do império Austro-húngaro. Foi vez, para o Vaticano, a sede da Igreja
constituída a República da Católica.
Tchecoslováquia, que figurou entre os Em 14 de novembro de 1683,
dez países mais desenvolvidos do mundo. chegou a resposta aceitando o pedido de
Em primeiro de janeiro de 1993, o Estado envio de vários missionários para
Checoslovaco foi dividido pacificamente catequizar os indígenas no continente
e foram fundadas as Repúblicas Checa americano. Seu amigo inseparável, Pe.
(Tcheca) e a Eslováquia. Enrique Richter também foi aceito na
Em 1672, aos 18 anos, Samuel fileira missionária e teve a sua viagem
Fritz mudou-se para Praga para estudar antecipada em duas semanas, e dessa
na Faculdade de Filosofia da forma, partiu na frente de Samuel Fritz.
Universidade de Carlos e Fernando, A viagem levou os futuros
sendo matriculado pelo próprio como missionários primeiro ao porto de
‘ t c h e c o d e T r u t n o v ’ . Génova (Itália). Fritz chegou em 10 de
Concomitantemente, Fritz foi aluno do dezembro de 1683 e teve que esperar
seminário de São Venceslau. alguns dias por um navio britânico que
Ingressou na ordem Jesuíta em faria o translado para Sevilha. Já na
1673, implantada em Praga em 1556 e Espanha, o missionário teve que esperar
instalou-se no edifício do antigo vários meses. Ele passou por inúmeras
convento dominicano de São Clemente, programações para a viagem, organizou
onde mais tarde Fritz estudou. Após a assuntos administrativos e se aprofundou
formatura, Samuel Fritz mudou-se de nos estudos sobre o Novo Mundo.
Praga para Morávia , onde ensinou
12. A Companhia de Jesus (Os Jesuítas) é uma ordem religiosa fundada em 1534 por um grupo de estudantes da
Universidade de Paris, liderados pelo basco Inácio de Loyola.
13. A Morávia é uma região da Europa Central que constitui atualmente a parte oriental da República Checa. Suas principais
cidades são Brno, Olomouc e Ostrava. Seu nome vem do rio Morava, às margens do qual um grupo de eslavos se estabeleceu
por volta de 500 d.C.
14. Olomouc é uma cidade da Morávia, no leste da República Tcheca.
15. As terras situadas além do mar.

Nunca Mais Coari 25 Archipo Góes


A Fundação de Coari

Trutnov na Boêmia

Finalmente, em 24 de setembro Fritz partiu de Quito em outubro


de 1684, às onze horas da noite, a de 1685 com os demais missionários, foi
expedição naval espanhola levantou uma viagem longa e cansativa através da
âncora e deixou o porto de Cádiz. Samuel Cordilheira dos Andes até chegar ao
Fritz nunca mais voltaria a ver a Europa. povoado de Lagunas, base que abrigava
As viagens marítimas nesse os superiores da ordem dos jesuítas na
período eram extremamente difíceis e província dos Maynas , vale do
desastrosas. Além do alto custo da Marañón.
viagem, havia condições extremas de Quando os Jesuítas alcançaram
desconforto: barcos lotados e com muita seus destinos, se confrontaram com um
carga, falta de água e alimentos, além de problema restritivo em relação à
sempre acontecer epidemias e muitos linguagem. Pois, alguns dialetos
viajantes não sobreviviam às viagens que indígenas eram difíceis de dominar. O
geralmente duravam dois meses. Um ano Padre Fernandez, no Rio Beni disse:
mais tarde da partida do seu país, no dia Nos cinco meses que tenho
28 de novembro de 1684, Fritz chegou a estado aqui, escassamente aprendi cinco
Cartagena , na Colômbia, com os demais conjugações, tendo trabalhado e suado
padres enviados ao Marañón . dia e noite. Era difícil de pregar o
A o c h e g a r, o g r u p o d e cristianismo em uma língua que não
missionários teve um breve descanso na tinha nenhuma equivalente para
cidade de Cartagena, e logo partiram para palavras abstratas tais como “crer” e
uma longa e cansativa viagem de 2.000 “fé”. Explicar a Santíssima Trindade
Km percorrendo a cadeia dos Andes. para um indígena Yameo devem ter sido
Chegaram a Quito (atualmente no quase impossível. A palavra equivalente
Equador), em 27 de agosto de 1685. Onde p a r a ' t r ê s ' e m Ya m e o e r a
passaram dois meses se recuperando da 'Poettarrarorincouroac'.
tortuosa viagem. Em seguida,
aproveitaram para recolher tudo o que
iriam precisar para trabalhar nas suas
específicas missões.

16. É uma cidade da Colômbia margeada pelo Mar das Caraíbas. O lugar tem uma localização estratégica, por isso foi sede
de um importante porto durante o período colonial.
17. Rio que nasce no Peru à cerca de 5.800m de altitude nos Andes, percorre cerca de 1600 km, se junta ao rio Ucayali
(Amazonas), que flui até à fronteira Brasil-Peru, onde passa a ser chamado Solimões.
18. Maynas é uma província do Peru localizada na região de Loreto.

Nunca Mais Coari 26 Archipo Góes


A Fundação de Coari

Imagem de Samuel Fritz elaborada pelos missionários


jesuítas, com base nas descrições de seus traços físicos.
Fritz em meio aos Omáguas despertou o interesse onde quer que ele
aparecesse. Conforme as descrições da
Em 18 de novembro de 1686, época, Samuel Fritz era magro, corado,
Fritz, Richter e os demais missionários muito alto, algumas fontes indicam que
chegaram a Laguna. Eles foram recebi- possuía a medida de um metro e noventa,
dos pelo seu superior, Padre Juan envelhecido na aparência, tinha cabelos
Lorenzo Lucero, que lhes deu boas- ruivos e com uma barba muito ondulada.
vindas e explicou os procedimentos Ele era um homem de extraordinária
específicos daquelas missões. habilidade e caráter tenaz. Fritz era
descrito como “um homem digno de
Richter recebeu a missão de
veneração”, foi o responsável pela expan-
evangelizar à tribo dos Conibos, que
são das missões através do Rio
naquele tempo viviam no rio Ucayali.
Amazonas, entre a desembocadura do
Fritz foi encarregado de uma tarefa bem
Rio Napo à foz do Rio Negro. — Alguns
maior por seu superior, padre Lorenzo
me chamam de santo ou filho de Deus,
Lucero, a incumbência de incorporar o
outros me consideravam um diabo.
território desde o rio Napo até o rio Negro
Alguns, devido à cruz que eu levava,
à Missão de Maynas. O território que
diziam viram um patriarca ou um
Fritz foi encarregado de ocupar era
Messias, outros afirmavam que eu era um
habitado pela nação Omáguas, descrito
embaixador da Pérsia. Os Negros do Pará
pelos europeus do século XVI e XVII
pensavam que eu seria seu libertador —
como a maior e mais importante das
escreveu Fritz em seu diário.
nações das várzeas que habitavam esses
rios. Seguindo as práticas de seus
companheiros, Fritz cita no seu diário que
Mas, Samuel Fritz não queria
fundou 30 aldeias de redução nos rios
apenas se contentar com o trabalho
Solimões, Japurá e Negro. Contudo, no
missionário entre Omáguas. No início de
seu mapa podemos observar apenas
1689, além de ter toda a nação Omáguas
quatro, sendo: San Joaquín de Omáguas
sob sua tutela, começou o mesmo traba-
(no Peru), Nuestra Señora de Guadalupe
lho na cercania. Ele se ocupou também da
(Fonte Boa), San Pablo de Omáguas (São
tribo dos Jurimáguas, tribo dos Ibanomas
Paulo de Olivença) e Nuestra Señora de
e tribo Aisuares. Ele seguia o princípio
las Nieves de Yurimaguas, a partir das
Cujus regio, eius religio (De quem é a
quais realizava missões volantes às áreas
região, dele se siga a religião).
circunvizinhas.
O aspecto carismático do padre
19. Reduzir nesse contexto significa ganhar almas indígenas para Deus.

Nunca Mais Coari 27 Archipo Góes


A Fundação de Coari
A Grande Viagem cidade de Silves, onde foi tratado com
grande esmero, contudo não houve
Em 1689, o Padre Fritz se progresso em seu estado de saúde, pois já
encontrava muito doente, provavelmente há muito estava comprometido. Os
estaria acometido de malária. Mas Mercedários enviaram Fritz
mesmo assim não descansava e realizava acompanhado de uma tropa de soldados
várias medições cartográficas em suas portugueses até Belém, onde foi recebido
viagens através do Amazonas. Para isso, e tratado pelos jesuítas no Colégio de
além de um relógio de sol, dispunha Santo Alexandre, e assim, recuperou a
apenas de uma bússola e um pequeno sua saúde.
astrolábio de madeira. Mas a doença era Em 1691, O Pe. Samuel Fritz
cada vez mais agonizante e, finalmente, tentou voltar para as suas missões no
Samuel Fritz não conseguia nem andar. Solimões, contudo as autoridades
Para voltar à missão central dos Maynas portuguesas o retiveram como
não tinha tempo nem forças, então teve prisioneiro em uma residência dos
que procurar ajuda para obter a sua cura. jesuítas, na cidade de Belém, até que
Fritz se encontrava numa aldeia chegasse instrução de Lisboa. Na
da nação dos indígenas Jurimáguas. Aos tentativa de se libertar, Fritz escreve ao
35 anos, era um homem robusto, mas um Rei de Portugal, Dom Pedro II, e pede
surto de malária, agravado por inchaço conta da sua vida e da injustiça que estava
nos pés e problemas de verminose sofrendo.
obrigaram o missionário a ficar prostrado Passou 22 meses até receberem
numa rede. Durante 3 meses ele penou, instruções do Rei de Portugal para
sem nenhum atendimento. Quando o sol libertar Fritz e acompanhá-lo de volta às
nascia, Samuel Fritz conseguia levantar- suas missões. Três anos havia se passado
se; a febre passava e ele podia alimentar- desde o início de sua empreitada e
se, mas era durante a noite que a moléstia finalmente, Fritz foi recompensado com a
lhe atormentava. A febre queimavá-lhe o viagem de retorno, embora tenha
corpo, a sede secavá-lhe a boca, e ele não significado nenhuma vitória, ele deixou
conseguia dormir porque os jacarés um relato importantíssimo para o
saíam do rio e perambulavam pela aldeia. conhecimento da região e de seus
Certa noite um jacaré chegou a subir habitantes.
numa canoa, cuja proa estava dentro de Na sua volta, do rio Negro em
sua barraca para tentar ataca o padre que diante, Samuel Fritz começou a observar
estava na rede imobilizado pela febre. que as aldeias estavam sendo
Como Fritz estava fraco demais abandonadas, estando a grande maioria
para enfrentar uma viagem de dois meses queimadas. E dessa forma, também
subindo o rio até seus irmãos de ordem no encontrou aldeias dos Cuchivaras, dos
Peru, decidiu então, descer o rio Ibanomas, do Aizuares e dos Jurimáguas.
Amazonas e encontrar os portugueses, Parte da Razão do abandono das aldeias
que segundo os indígenas, estavam pelo caminho era a notícia de que os
colhendo salsaparrilha na foz do rio portugueses estavam subindo o rio em
Purus. busca de escravos. A viagem de volta de
Depois de quinze dias, Samuel Belém terminou em 13 de outubro de
Fritz foi escoltado pelos indígenas para a 1691.
Missão dos Mercedários , atualmente a

20. Religiosos Mercedários pertencentes à ordem das Mercês (Nossa Senhora das Mercês), fundada por São Pedro Nolasco
(80-256), religioso francês.

Nunca Mais Coari 28 Archipo Góes


A Fundação de Coari
“Quando Fritz chegou aos da destruição das missões, prisão dos
Jurimáguas, seu cacique disse-lhe que jesuítas que ainda se encontravam no
uma expedição portuguesa tinha acabado Solimões, houve quase que a extinção
de partir, levando cacau e alguns dos Omáguas.
escravos. “Eles se foram muito Após a expulsão dos Jesuítas e
aborrecidos, ameaçaram (os Jurimáguas)
e os Aysuares, afirmando que voltariam o vendo seu trabalho não se desenvolver no
mais breve possível para levar a todos rio Solimões, Fritz parte para a sua estratégia
abaixo como prisioneiros - porque eles se final:
recusaram a dar-lhes seus filhos para Samuel Fritz vai capitanear uma
serem levados para o Pará ou a dar-lhes grandiosa devastação de Tabatinga até a
cativos como resgate”. Boca do Rio Negro incendiando todas as
Em 1693, o rei de Portugal, aldeias que encontra pelo seu caminho.
Dom Pedro II decretou que as terras do Diga-se de passagem, todas elas já esta-
rio Amazonas fossem divididas entre as vam abandonadas. O Amazonas era um
diversas ordens religiosas, rescindindo a deserto.
exclusividade com a Companhia de Este vazio demográfico ora
Jesus. registrado significava que a área então
Os indígenas do Solimões conflituosa disputada pelas duas
tinham grande respeito e afeição por potências Ibéricas se tornou como
Fritz, contudo esse sentimento não impe- consequência dos conflitos uma área
diu que os portugueses persistissem em deserta, pois os índios não aceitaram ser
manter essas terras sobre o domínio escravizados e encararam os
português. Em 1697, quando Samuel colonizadores portugueses como
Fritz estava numa pequena povoação inimigos, chegando a matar alguns
próximo a Tefé, uma tropa de soldados missionários que tentavam arrebanhá-los
lusos chegou ao local. Com eles, o pro- como é o caso dos Jurimáguas, cujo chefe
vincial dos carmelitas, frei Manoel da teria fugido para o mato depois de ter,
Esperança, o qual forçou Fritz a abando- com seu pessoal, assassinado o Frei
nar suas missões e voltar para o Peru. Francisco de Santo Anastácio. Esse
Durante o princípio do século incidente seria usado como pretexto por
XVIII, Fritz continuou exercendo Samuel Fritz, para que abandonassem o
influências entre suas antigas missões, a local, evitando a implacável retaliação
tal ponto, que o então recente rei de por parte dos portugueses.
Portugal, Dom João V, decretou a expul-
são dos jesuítas que trabalhavam para a Frei Vitoriano Pimentel
Espanha nas aldeias dos Omáguas e a
prisão de Samuel Fritz.
O Frei Vitoriano Pimentel foi o
Em 1704, Fritz foi nomeado grande cronista das atividades dos carme-
superior das Missões da Província de litas (Ordem do Carmo), em favor da
Quito, atual Equador. E mais tarde, no coroa portuguesa, no Solimões e Rio
ano de 1707, ele teve a oportunidade de Negro, durante o século XVIII. Ele
publicar seu mapa do rio Amazonas. recebeu o cargo de Vigário Provincial do
No dia 24 de dezembro de 1709, Carmo em 1702 e a missão através da
uma tropa de 150 soldados foi enviada ordem do Rei de Portugal para providen-
para acabar definitivamente com as ciar mais missionários para o rio
missões dos jesuítas. Dessa forma, além Solimões.

21. “Relação do Frei Vitoriano Pimentel sobre as missões do rio Negro e Solimões”, in Anais do Arquivo e da Biblioteca
Pública do Pará , vol XII, p 404.

Nunca Mais Coari 29 Archipo Góes


A Fundação de Coari
E no mesmo momento chegou seria o verdadeiro mandatário das terras
ao seu conhecimento o manifesto do do Solimões. Seu argumento em favor do
Padre Samuel Fritz que contestava a pleito de Portugal foi rebater o contexto e
posse carmelita daqueles distritos, os cálculos de Fritz, principalmente,
acrescentando que “os portugueses são colocando o marco assentado pela
intrusos possuidores daqueles sertões” . expedição de Pedro Teixeira no Solimões
O padre Samuel Fritz defendia a como fato que validava na esfera judicial
legitimidade da posse espanhola a nova fronteira pretendida pelos
recorrendo a cálculos embasados no lusitanos: E complementou:
Tratado de Tordesilhas:
“Aqui então lhe mostrei quão
“Constava primeiro que da ilha fúteis eram os fundamentos com que
de Santo Antão até o Cabo de Santo pretendia ampliar os domínios da
Agostinho há três graus de longitude, Espanha; porque assim no número dos
como querem os mesmos portugueses; e graus, como nos rumos das demarcações
do Cabo de Santo Agostinho até o rio das tinham os Sumos Pontífices em suas
Amazonas graus e dois terços que Bullas favorecidos muito mais do que ele
importam léguas, que hão de contar dizia no seu manifesto aos Sereníssimos
deste rio para o poente, por correr sempre Reis de Portugal; mostrei-lhe também
com igualdade equinocial com pouca como nós, os Portugueses tomamos posse
declinação já ao norte, já ao sul; e sendo daqueles Sertões no ano de 1639 metendo
isto assim, dizia ele, como é possível que o marco que divide às duas coroas junto
as Missões que os religiosos do Carmo ao Ancavilhado, que é muito mais acima
têm no Solimões que distam do Pará mais donde o Padre agora missiona”.
de léguas, estejam dentro dos limites
Frei Vitoriano Pimentel, no
de Portugal; se Portugal não tem mais que
final, avisou ainda ao Padre Samuel Fritz,
léguas de comprimento pelo rio acima,
isto é: ressalvava ele, admitindo tudo para de maneira alguma propagar suas
quanto os autores portugueses querem, atividades missionárias, caso contrário, o
porque os Castelhanos, e ainda alguns mesmo seria preso e remetido para
portugueses dizem que o meridiano da Portugal. E ainda acrescentou: “o fim que
demarcação de Portugal passa pela um missionário devia ter no seu
cidade de Belém do Grão-Pará”. ministério era reduzir almas para Deus, e
Frei Vitoriano decidiu-se então, não pregar os graus e terços das
ir ao encontro de Samuel Fritz para demarcações”.
atemorizá-lo e, se fosse o caso, prendê-lo.
Em 20 de outubro de 1702, recebeu o aval O Final da Grande Missão
da Junta das Missões Carmelitas e no dia
23 partiu em direção ao Solimões. Em 1717, o Padre Samuel Fritz
No dia 21 de fevereiro de 1703, renúncia de seu posto das missões,
Frei Pimentel adentrou na aldeia de Santa mudando-se para o vilarejo de Jeberos,
Maria Maior, onde foi recebido por onde serviu como padre junto aos
Samuel Fritz, que mesmo cortês, ficou indígenas do local. Fritz se estabeleceu
assustado, segundo Frei Pimentel. não só como um especialista nas línguas
Pimentel teve que usar de muita indígenas e cartógrafo, mas também
esperteza e artimanha no embate contra o como médico, carpinteiro, escultor,
boêmio Samuel Fritz em relação quem pintor, bem como agricultor.
22. “Relação do Frei Vitoriano Pimentel sobre as missões do rio Negro e Solimões”, in Anais do Arquivo e da
Biblioteca Pública do Pará , vol XII, p 405
23. “Relação do Frei Vitoriano Pimentel sobre as missões do rio Negro e Solimões”, in Anais do Arquivo e da
Biblioteca Pública do Pará , vol XII, p 412

Nunca Mais Coari 30 Archipo Góes


A Fundação de Coari

Placa comemorativa ao trabalho de Samuel Fritz.


Lago Lauricocha, nascente de Marañón (Peru)
Fez a sua própria casa em Jeberos e lá Amazonas.
viveu até falecer no dia 20 de março de No Regime Pombalino (1750 –
1725 1777) , em que a administração das
A disputa final em relação à colônias portuguesas foi realizada pelo
fronteira da Amazônia ocidental foi Marquês de Pombal, ficou estabelecido o
efetivamente implantada somente com a Regimento Geral das Missões, em que
assinatura do Tratado de Madrid (1750) e determinava em seu artigo 2º que deveria
de Santo Ildefonso (1777), que dessa ser transformado em Lugar às aldeias
forma, sacramentaram a posse com mais de 150 moradores.
portuguesa até a confluência do rio Em 1759, o Governador da
Javari. Capitania de São José do Rio Negro,
Nos anos seguintes, chegou a Joaquim de Mello e Póvoas , elevou a
uma solução do embate com o estabeleci- aldeia de Coari à categoria de Lugar,
mento do Tratado de Madri que, a partir substituindo o nome para Alvelos, pois
de 1750, reorganizou as fronteiras da havia a determinação do seu tio Marquês
Amazônia com base no princípio do uti de Pombal para trocar os nomes de ori-
possidetis (reconhecimento da posse da gens indígenas para nomes com ascen-
terra na forma que se encontrava). dência portuguesa.
Nesse mesmo ano, sobre as
ordens do Marquês de Pombal, os jesuítas
Coari é elevada à categoria de lugar
foram retirados à força das suas missões,
sequestrados seus bens e finalmente,
Em 3 de março de 1755, foi expulsos do Brasil. Deixando, em
criada a Capitania de São José do Rio maioria, suas missões e missionados
Negro, pretendia-se com o ato a abandonados.
consolidação do domínio português no
24. Refere-se ao período em que Sebastião José de Carvalho e Melo, o Marquês de Pombal exerceu o cargo de primeiro-
ministro português, sob nomeação de Dom José I. Política e economicamente as medidas do regime Pombalino passaram
pela diminuição das amplas regalias de que desfrutavam determinados setores da nobreza e da Igreja Católica, em particular
os jesuítas; pela busca da implementação de uma política de liberalização, ou redução, da dependência portuguesa em
relação à Inglaterra. Contraditoriamente, no campo econômico permaneceu a predominância da política mercantilista do
antigo regime.
25. Militar de carreira, Melo e Póvoas era, na verdade, um pragmático a quem importava apenas cumprir a missão recebida e
zelar pelos interesses de seu Rei. Foi também, mais tarde, Governador e Capitão-general do Maranhão.

Nunca Mais Coari 31 Archipo Góes


A Fundação de Coari

Mapa Elaborado por Samuel Fritz


Resumo sobre a Fundação de Coari hoje faz parte da República Tcheca,
apesar de que na época do seu
“Coari foi fundada no princípio nascimento, a Boêmia estava sobre o
do XVIII pelo Padre alemão Samuel domínio da Áustria e alguns autores o
Fritz” - É assim que se resume o início da definirem de nacionalidade austríaca.
história de Coari nas mais diversas Contudo, ele ao se matricular na
literaturas que circulam na internet e nos Faculdade de Filosofia da Universidade
prospectos com o “histórico” que são de Carlos e Fernando, em Praga, se
retransmitidos pela cidade de Coari com autodenominou ‘tcheco de Trutnov’, uma
graves imprecisões que ao longo da nossa vila da Boêmia.
exposição e revisão bibliográfica Samuel Fritz Fundou Coari?
esclareceremos e ilustraremos que em
apenas uma pequena frase, há erros Durante nossos estudos sobre a
cruciais e decisivos que levam aos história de Coari tivemos a oportunidade
leitores entrarem em conflito quando se de examinar três obras literárias com
aprofundam na temática. traduções do diário de Samuel Fritz, a
primeira obra foi de Rodolfo Garcia
A história de Coari vem sendo (IHGA) organizada pelo Professor Renan
desenvolvida de uma maneira factual e Freitas Pinto, fragmentos em
sem pesquisa sistemática ou radical (em monografias peruanas de “Noticias
busca da raiz do fato histórico). E dessa auténticas del famoso rio Marañon
forma, faz com que estejamos sujeitos a (1738)” do padre Pablo Maroni,
contrassenso históricos e descuidos na missionário da Província de Quito entre
construção do conhecimento sobre a 1729 e 1742, e por último “Journal of the
origem e fundação de Coari. travels and labours of father Samuel Fritz
Fritz apesar de ter os seus pais in the river of the Amazons between 1686
com nacionalidade alemã, não era and 1723” de Rev Dr George
alemão, como chegamos a expor, ele Edmundson.
nasceu no Reino da Boêmia, que ainda
Nunca Mais Coari 32 Archipo Góes
A Fundação de Coari

Corte Ampliado do Mapa de Samuel Fritz publicado em 1707.

Se considerarmos que o “Diário margem direita, Copéa na margem e


de Samuel Fritz” é o principal documento esquerda, e muito depois, o Rio Cachuara
histórico sobre a região do Solimões, é (conhecido hoje como Purus). Dessa
estranho não se observar nessa maneira, podemos constatar que Fritz
importante fonte histórica qualquer desconhecia Coari e não fundou
citação sobre a fundação de Coari ou nenhuma aldeia ou fez quaisquer
visita de Samuel Fritz ao lago de Coari, da descimentos de indígenas no lago de
qual diversos autores atribuem a ele. Coari.
Afirmando inclusive que o missionário Acreditamos que, tal equívoco
boêmio seria o responsável pelo foi gerado devido à disputa pelas terras
descimento de várias tribos ao local da das missões expandida de Maynas no
antiga Freguesia de Alvelos. Solimões entre Samuel Fritz e o Frei
E acrescentamos ainda que português Vitoriano Pimentel, que
existe um fato que caracteriza segundo seu relato de viagem entre 1702-
efetivamente essa constatação: em seu 1703 passou por essa região do rio Coari
celebre mapa do Rio Amazonas, iniciado e atribuiu as localizações destruídas pelas
a elaboração em 1689 e publicado em tropas portuguesas como missões de
1707, em Iquito: Não há nenhuma Fritz, como uma forma de encobrir a
referência da localização do rio ou lago grande matança indígena e a fuga da
de Coari com seus afluentes (Urucu, Aruã nação dos Jurimáguas para o Peru.
(Aroan), Coari Grande, Itanhauã e Juma) La Condamine (1701 - 1774)
no referido mapa desenhado com em sua grande viagem pelo rio Amazonas
bastantes detalhes. encerra a imprecisão desses dados com
Podemos observar a sequência seu depoimento:
dos Rios: Tefé e Catoá (Catuá) na

26. Parecer do frei carmelita Victoriano Pimentel, membro da Junta das Missões. Carmo do Grão-Pará, 4 de outubro de
1738 (In: CEDEAM, 1986, doc. 7).

Nunca Mais Coari 33 Archipo Góes


A Fundação de Coari
“Coari (1744) é a derradeira das mesmos atribuem aos missionários
seis povoações dos missionários Carmelitas que trabalhavam a serviço da
carmelitas portugueses; as cinco coroa portuguesa.
primeiras são formadas dos restos da As análises profundas em torno
antiga missão do Pe. Samuel Fritz, e do Diário de Samuel Fritz verificando
composta de um grande número de suas viagens, descimentos de aldeias fez
diversas nações, a maior parte com que os professores Humberto Lisboa
transplantadas. As seis acham-se na e Antonio Porro defendessem a teoria de
margem austral do rio, onde as terras são que a última aldeia fundada por Fritz foi a
mais altas, e há abrigo de inundações”. Missão de Nossa Senhora de Guadalupe,
Para enriquecer nossas atual Fonte Boa. Conforme mapa de
argumentações e apontar outros viajantes Porro na página seguinte.
que discordam que Fritz tenha fundado Concluímos também que a
Coari, passamos a reportar a descrição de fundação de Coari precisa ser contada
Alvelos no Livro “Viagem pelo Brasil”, não só pela versão dominante do invasor
escrito pelos médicos J. B. von Spix e C. europeu, mas também pela ótica dos
F. P. von Martius, alemães que viajaram povos da floresta, que há muitos anos
pelo Brasil nos anos 1817 à 1820: viviam nessa região e já desenvolviam
“Alvelos, chamado Coari pelos uma rica cultura, antes da chegada do
índios, foi uma das missões fundadas conquistador. Sendo assim, concordamos
pelos carmelitas e abrigava com o Cônego Francisco Bernardino de
primitivamente selvícolas das tribos dos Souza em atribuir a fundação de Coari
Solimões, Jumas, Juris, Pacés, Uaiupís, aos Indígenas Jurimáguas :
Irijús, Purús e Catauixís. Os atuais Jurimaua's: Valente tribo de índios
habitantes, na recíproca mistura e do Solimões e verdadeiros fundadores da
convívio com os brancos, renunciaram à Freguesia de Coary.
sua língua e a outras particularidades da Missionada esta tribo pelos
tribo”. Carmelitas, foi depois perfidamente arrancada
Partindo do princípio que em a eles por jesuítas espanhóis, que com parte dela
seu diário, Fritz não fez nenhuma menção fundaram uma povoação no Guallaga ou
a fundação ou descimento de indígenas Nuallaga.
na região de Coari, fato este confirmado Foram os Jurimáguas, que no
com a não ilustração do rio Coari no seu Coary prestaram hospitaleiro
mapa descritivo do Rio Amazonas, acolhimento ao capitão Pedro Teixeira na
chegamos à conclusão que os autores que volta de sua viagem a Quito.
transcreveram sobre a história da
fundação de Coari, o fizeram sempre de Apesar de as primeiras missões
forma positivista, ou seja, fatos sendo com descimentos de aldeias indígenas
analisados isoladamente, sem nenhum serem obras dos padres Carmelitas, os
embasamento histórico que considerasse Jurimáguas foram os legítimos
os relatos do Padre Samuel Fritz em seu fundadores de Coari. Aqui viveram e
trabalho missionário no rio Solimões. desenvolveram sua cultura milenar e
conforme o “regime das águas”
Outro fato que efetivamente habitavam as ilhas dessa região, fazendo
demonstra que Fritz não fundou Coari seus rituais ao deus sol na Praia de
são os relatos dos viajantes e cronistas do Jurupari, próximo a atual sede do
século XVIII (La Condamine, Spix e município de Coari.
Martius) transcritos acima. Em que, os
27. Primeiro mapa descritivo do rio Amazonas que foi muito reproduzido e estudado em toda a Europa durante os séculos
XVIII e XIX
28. Também grafada Jurimáuas ou Yurimáguas e de Solimões pelos portugueses.

Nunca Mais Coari 34 Archipo Góes


Nunca Mais Coari
35
A Fundação de Coari

Mapa de Antônio Porro cientificando que Fonte Boa foi a última missão organizada por Samuel Fritz.

Archipo Góes
Os Muras e Mello e Póvoas
Os Muras e as notícias de Melo e 4. Quanto à produção agrícola,
Póvoas sobre Alvelos diversos relatos dão conta de que essa
atividade era quase inexistente, entre os
Um dos grandes problemas no índios aldeados da Capitania do rio
século XVIII para desenvolver a região Negro. Por exemplo, o governador Mello
do médio Solimões, além da distância dos e Póvoas, no final do seu mandato (1760),
grandes centros urbanos, foram os se referindo aos habitantes do Lugar de
ataques dos ferozes Muras às povoações Alvelos, afirmou que teria achado aquele
e embarcações que transitavam nessa Lugar na maior miséria que se poderia
r e g i ã o . Ve r e m o s a s e g u i r f a t o s considerar, “basta dizer que não havia em
envolvendo Melo e Póvoas e os Muras: todo aquele distrito um pé de maniva” .
1. Desde as primeiras décadas 5. 1765 - Outras discórdias
do século XVIII, os índios Muras se também ocorreram entre os diretores e os
constituíram em um grande problema vigários em diversas povoações por
para a colonização dos Confins invasão de competências, por exemplo, o
Ocidentais da Amazônia, devido aos seus diretor de Alvelos, capitão Simão Coelho
repúdios ao convívio com os adventícios entrou em conflito com o padre Manuel
portugueses. Nos anos 30 daquele século, das Neves .
o governador do Estado, os agentes
régios e os moradores acreditavam que
seria imperativo se fazer uma guerra
justa a tais indígenas. No entanto, outros
interesses políticos não permitiram que a
tal guerra acontecesse. Contudo, a guerra
aos Muras nunca saiu da agenda política
dos colonizadores, mesmo, sob a luz do
Diretório dos Índios.
2. Conforme a carta de Melo e
Póvoas, em 1759, o governador informa
que iria remover o destacamento militar
do lugar Alvelos pelo fato de entender
que os seus moradores já formavam um
“corpo suficiente para poder evitar todo o
insulto que lhes quisessem fazer os
Muras”.
3. Sobre a agricultura, também
recomendou que o diretor dessa
povoação incentivasse a cultura do café e
do anil, fazendo com que os índios os
plantassem nos seus sítios. No Lugar de Indígena Mura inalando Paricá
Alvelos, cuidarem os diretores para que
façam arrozais pelo comum da
população, para ser vendido na capital da
Capitania, onde seria fácil a venda.
29. Carta de Joaquim de Mello e Póvoas para Francisco Xavier de Mendonca Furtado. Barcelos, 15 de janeiro de 1760 (In:
CEDEAM, 1983, doc. 10).
30. (Cf. SAMPAIO, 1985, pp. 136-145).
31. Carta de Joaquim de Mello e Póvoas para Francisco Xavier de Mendonça Furtado. Barcelos, 16 de janeiro de 1760 (In:
CEDEAM, 1983, doc. 13)
32. (Carta de Joaquim de Mello e Póvoas para Francisco Xavier de Mendonça Furtado. Barcelos, 16 de janeiro de 1760. In:
CEDEAM, 1983, doc. 13).

Nunca Mais Coari 36 Archipo Góes


Os Muras e Mello e Póvoas
6. Nesses tempos era comum ali estabelecer”36.
que as escoltas militares efetuassem as 9. No sistema fluvial Solimões -
chamadas “varreduras” pelos confins da Japurá e no rio Negro, os Muras,
Capitania do Rio Negro para combater os inicialmente, também atropelaram a
Muras, ou pelo menos afugentá-los para colonização, mas sem alterar o desenho
bem longe das povoações. Por exemplo, colonial. Mais tarde, porém, também
em 1759, uma escolta comandada pelo forçaram as autoridades régias coloniais
capitão Aniceto Francisco executou uma a criarem novos núcleos coloniais para
que saiu do Lugar de Alvelos, no abrigá-los. Não mais pela beligerância,
Solimões, onde convocou a tropa que mas pelo surpreendente pedido de paz
precisava para entrar no mato e realizar a aos agentes da Coroa portuguesa. Assim
varredura; percorreu todas as margens e sendo, surgiram as povoações de
lagos do Rio Coari, por onde Manacapuru; São João Batista de Amaná;
costumavam andar os Muras. Mas, “não São João Batista do Japurá; São Pedro de
topou com pessoa alguma sendo o motivo Mamiá, e Piorini. Além, do aumento
desse mau sucesso, o estar o rio muito demográfico indígena de Serpa, Borba,
cheio, e ter-se recolhido todo o gentio Coari, Airão, Autazes etc. Porém, essas
p a r a o c e n t ro d o m a t o a o n d e povoações luso-amazônicas tiveram
costumavam passar o inverno” . como um dos componentes decisivos
7. Outra frente de índios em para as suas edificações, as atitudes
descimento ocorreu no lago de Mamiá . políticas beligerantes ou pacíficas dos
Em março de 1786, o diretor Vila de índios Muras, ao longo do século XVIII.
Alvelos deu notícias daquele
estabelecimento ao tenente-coronel João
Batista Mardel. Disse que ficava a meio-
dia de viagem da Vila; já existiam quatro
casas, das quais três eram bastante
grandes; tinha bastante milho e estavam
fazendo roça de mandioca. Disse,
também, que estava socorrendo com
farinha de mandioca na forma ordinária, e
que os indígenas estavam contentes, ao
que lhe parecia. “Deus os conserve: a
gente já anda mais descansada” .
8. No estabelecimento de
Mamiá, João Batista Mardel dizia que os
índios que estavam chegando da região
do Madeira trazendo a “notícia de que os
Mundurucus fizeram entre os parentes
daquele domicílio horrível carnagem e Indígena Mura
que também por essa causa se queriam vir
33. Carta de Joaquim de Mello e Póvoas para Francisco Xavier de Mendonca Furtado. Barcelos, 15 de janeiro de 1760 (In:
CEDEAM, 1983, doc. 9)
34. O lago de Mamiá está situado na margem direita do Solimões, na região de Alvelos (atual Coari, sede do município do
mesmo nome). Nessa localidade se desenvolveu uma povoação que recebeu a denominação de Lugar de São Pedro do
Mamiá.
35. Carta de Domingos Macedo Ferreira para Joao Batista Mardel. Alvelos, 27 de marco de 1786 (In: BPCEDEAM, n.o 5,
1984, p. 64).
36. Carta de João Batista Mardel para João Pereira Caldas. Ega, 6 de abril de 1786; Carta de Domingos de Macedo Ferreira.
Alvelos, 27 de março de 1786; Carta de João Pereira para Caldas João Batista Mardel. Barcelos, 24 abril de 1786; Relatório
de João Batista Mardel para João Pereira Caldas. [Ega], (In: FERREIRA, 1974, pp. 138-143).

Nunca Mais Coari 37 Archipo Góes


Coari dos Viajantes – (Relatos)
Descrição de Coari reproduzida pelo recebeu Francisco Xavier Ribeiro de
Pe. José Monteiro em 1768 Sampaio que ocupou o cargo de Ouvidor
e Intendente Geral. E ao chegar
“O rio Coari desce de sul para o encontrou com diretor do “lugar” o
norte; - e fica a sua barra principal em 4 senhor Domingos de Macedo Ferreira,
grãos de latitude austral. Chamo a esta em que, atribuiu-lhe os seguintes
barra principal, porque tem outra pouco adjetivos: “homem desinteressado e
mais superior, e bastante estreita. A zeloso”. E fez a seguinte descrição de
largura deste rio é de duas léguas; posto Alvelos em seu diário de viagem:
que ele se diminua muito em poucos dias “A povoação tinha tido
de navegação. É inavegável um mês, ou aumento em vários descimentos; mas
pouco menos. E segundo as informações naquele ano tinha padecido grave
de alguns índios da nação Catauixi, que diminuição por causa do contágio das
descerão dele, para Alvelos, tem a sua b e x i g a s , m o r re n d o d e l e m u i t o s
origem, e fonte em uma campina larga, e indivíduos, e desertando outros para o
dilatada. Não achei, todavia, a notícia que mato, como costumavam nessas
dá Mr. La Condamine, me parece mui ocasiões. A igreja, a casa do diretor e a
provável, de que na dita campina fora do vigário achavam-se em estado
visto gado vacum. Dobrada a ponta, em ordinário e, em geral as casas dos índios.
que está o lugar de Alvelos, se vem três Não havia plantação alguma, porque os
rios diferentes, que fazem barra na moradores não podiam cultivar os seus
mesma baia, ou tronco. O primeiro, e o terrenos centrais devido aos índios
mais oriental é o Coari continuado. O Muras, e serem os mais próximos
segundo é o rio chamado Urucuparanã. O inundados de saúvas”.
terceiro, e o mais ocidental é o rio Urauã, Antônio Ladislau Monteiro
ou Cuanü, cujas navegações também não Baena em sua obra “Ensaio corográfico
são dilatadas. sobre a província do Pará” faz uma
No rio Coari habitaram em descrição de Alvelos (1780):
outro tempo os índios da Nação Catauixi, “Alvelos: lugar dentro do termo
e Juma, dos quais se “descerão” alguns, da Vila de Ega (Tefé) fundado em terreno
para o lugar, que hoje é Alvelos. Porém, plano e alto na margem direita do rio
após introduzidos os Muras no referido Coari obra de quatro léguas acima da sua
rio, passou o resto daqueles índios, para o foz sobre uma ampla baía formada pelos
lago Tabauão, que deságua na margem rios Urucu e Arauá, que se lhe unem pelo
ocidental do Purus, e para o rio Juma. As ocidente. Este lugar, distante 145 léguas
águas do rio Coari são negras. As suas da foz do rio Nhamundá, confim oriental
margens e praias são mui vistosas. É da comarca no Amazonas, teve o
abundante de tartarugas e peixe. Tem óleo primeiro assento no canal de Paratari
de eupayba e alguma salsas. sobre a margem esquerda oito léguas
Quatro léguas acima da barra do acima da sua entrada inferior: deste ponto
Coari está situada na margem oriental transmigrou para a margem direita do
dele o lugar de Alvelos...” . riacho Uanamá meia légua acima da
boca; dali transferiu-se para a paragem de
Descrição de Francisco Xavier Ribeiro Guajaratiba doze léguas acima do rio
de Sampaio (1775) Manacapuru, e daqui passou para o rio
Coari, onde permanece, e teve primeiramente
No ano de 1775, Alvelos o título de Aldeia de Coari.
37. Foz de rio ou de riacho
38. Roteiro da Viagem da Cidade do Para até as últimas Colônias do Sertão da Província - Escrito na Villa de Barcelos Pelo
Vigário Geral do Rio Negro, O Padre José Monteiro no ano de 1768

Nunca Mais Coari 38 Archipo Góes


Coari dos Viajantes – (Relatos)
Numera-se na sua população 41 Suas habitações eram casebres
homens brancos, 38 mulheres brancas, 88 miseráveis feitos de estacas e palha; e
mamelucos, 75 mamelucas, 51 índios, 61 qualquer disposição que pudessem ter
índias, 5 escravos e 3 escravas: tudo em para cultivar a terra foi impedida pela
uma só rua, que corre entre umas devastação de uma espécie de formiga
barreiras medianas e um igarapé, cujas chamada saúva, que era tão numerosa e
águas são louvadas de boas. tão destrutiva que nada sofreu que eles
Já teve 300 fogos (casas), hoje plantassem para crescer. Em outros
só tem 168. A Igreja é consagrada a aspectos, a situação é agradável e
Senhora Santa Anna, tem cobertura de saudável, e está totalmente livre daquela
telha, e os domicílios são cobertos de praga de insetos alados com a qual o
ramagem. Orellana está tão terrivelmente infestado.
As multiplicadas formigas, que Entre seus colonizadores
infestam as terras, acanham muito a estavam os principais remanescentes do
abundância que poderia gozar este lugar: Solimões, outrora tão numerosos,
também o molestam com frequência segundo uma derivação, que deram nome
desabridas trovoadas: e a distância de 4 ao rio, da foz do Madeira para cima. Aqui
léguas, que o separa do Amazonas, não também estavam alguns Catauixis, um
lhe permite a comunidade de utilizar-se povo notável por ter manchas brancas em
das suas ilhas, que são muito aptas para várias partes do corpo, com as quais não
várias plantas. Há ali ananases singulares nasceram, mas que aparecem à medida
na doçura e na variedade das espécies. que vão crescendo até os vinte anos de
Ainda no ano de 1780 existiam idade, e que parecem ser infecciosas. A
n e s t e l u g a r, a l g u n s i n d í g e n a s doença não é considerada dolorosa ou
descendentes dos guerreiros Jurimáguas, prejudicial, e alguns membros da tribo
que benignamente hospedaram o estão livres dela.
Capitão-Mor Pedro Teixeira na tornada Não havia falta de atividade
da sua memorável viagem a Quito entre os habitantes desta pequena cidade;
começada em outubro de 1637: nesse eles trouxeram gado para lá, um grande
tempo aqueles silvícolas ocupavam meio de civilização, onde eles não se
magna extensão de terreno, e as ilhas multiplicam tão rápido e tão facilmente a
adjacentes pouco acima da enseada do ponto de tornar-se o povo meramente
Camará. Em 1709 eles formavam uma carnívoro. Eles tecem algodão, fabricam
povoação, que jazia defronte do rio Juruá esteiras e cerâmica, coletam produtos
em paragem nominada Tayaçutiba”. silvestres e extraem de ovos de tartaruga,
aquele óleo espesso que é tão procurado
em todo o Pará.
Relato de Southey em 1788 sobre a
formação do povo coariense. Os Muras mantêm relações
amistosas com eles e trazem tartarugas e
salsaparrilha em troca de facas e
Alvellos fica no próximo grande machados; mas esses selvagens não serão
rio, o Coary, ou Coara, a quatro léguas de persuadidos a abandonar seu próprio
sua foz e, como Ega, na margem arenosa modo de vida, e agora não há pessoas
de uma bela baía. Em 1788, sua zelosas o suficiente para aprender sua
população não chegava a trezentos, língua com o objetivo de tentar recuperá-
muitos dos quais eram soldados los. Esta cidade, que como todas as outras
portugueses casados com índias; os acima do Madeira, era originalmente uma
outros, uma reunião heterogênea de aldeia carmelita, foi várias vezes
muitas tribos (Solimões, Jumas, Passes, removida, antes de ser estabelecida em
Uayupes, Irijus, Purus, Catauixis, seu local atual pelo Frei Mauricio
Uamanis, and Cuchivaras). Moreira.
Nunca Mais Coari 39 Archipo Góes
Coari dos Viajantes – (Relatos)
Descrição de Alvelos pelo Fr Caetano quer cuidar na sua salvação com toda a
Brandão - 1789 eficácia. Depois de jantar crismei os
adultos, que não eram muitos pela razão,
“Dia 11: Pelas 9 da manhã que fica apontada a pag. 329; e por estar
chegamos à boca do rio Coary, por onde algum tanto cerrado do peito pouco falei
subimos a demandar uma povoação ao Povo. Enfim, dadas as providencias
nossa em distância de quatro léguas. Este necessárias, nos recolhemos às canoas, e
rio corre do Sul ao Norte, baixando das nessa mesma noite saímos daquele porto.
serranias do Cusco; navega-se agora Alvelos é Povoação pequena;
acima por espaço de alguns meses. Logo não chega a contar trezentas pessoas entre
que entramos nele, sentimos todos um índios e moradores; está situada, sobre
alivio muito considerável; dissipou-se um belíssimo areal ao longo da grande
quase inteiramente a praga; ar fresco e baia, que ali forma o rio com vista mui
sadio; águas cristalinas inclinando um desafogada e alegre.
pouco para a cor do alambre; praias de Que gosto não era ver aos
areia muito alva e limpa. Parece que o pobres índios da esquipação depois de
Senhor compadecido da nossa fadiga três semanas de trabalho violentíssimo, e
tinha aparelhado de propósito aquele não menos incomodo dos impertinentes
lugar tão ameno para o nosso refrigério. insetos (que neles fazem maior estrago
Era noite cerrada quando chegamos ao pelos acharem nus, como vão remando
porto de Alvelos, que é o nome da comumente) que gosto, digo, não era vê-
povoação. los estendidos por aquela praia à sombra
Dia 12: Pela manhã visitada a de viçosos arbustos, já se banhando na
Igreja, e feito ornais, que é do costume, cristalina água, já folgando com os
procurei instruir o povo com uma longa Jacarés, e outros peixes! Consolei-me
Prática. De tarde crismei os meninos; e muito de que tivessem este alivio; e todos
como era Domingo fomos em procissão o sentimos. Mas tornando a descrição do
pelas ruas cantar o Terço de nossa Lugar, as casas são de palha, e muito
Senhora; concluiu-se o ato com instrução danificadas; a Igreja, ainda que também
ao povo. coberta de palha, não fora má; mas
Dia 13: Celebrado o incruento presentemente inclinada toda para uma
Sacrifício, houveram algumas banda ameaça grande perigo: trabalha-se
confissões. Examinei os meninos da em aprontar outra, e já está em boa figura;
Doutrina Cristã, que achei algum tanto é muito pobre de ornamentos e alfaias. Os
atrasados por desmazelo dos pais; porque moradores, que ordinariamente foram
o Vigário constou-me não faltava à sua Soldados vindos do Reino e casados com
obrigação; depois instruí o Povo índias, vivem pobremente por falta de
largamente, e com assaz força invectivei braços para cultivarem à terra; além de
contra um escândalo público, e de ser esta muito infestada da formiga
consequência, que havia no Lugar. chamada saúva, inseto, que segundo me
Graças a Deus, não foi sem fruto; quando afirmaram, não deixa vingar alguma casta
menos esperava, vem ter comigo o de plantação. Tem suas cabeças de gado
culpado; expõe-me a sua miséria com vacum; porém o seu sustento ordinário
demonstrações de arrependimento; pede são tartarugas, de que há abundância. É
que o ajude a arrancar do atoleiro; Lugar frequentado pelos Gentio Mura;
dispenso com ele sobre alguns trazem tartarugas, frechas, e salsa, e os
embaraços, que o retardavam, e não eram moradores lhe recompensam com facas,
alheios da minha jurisdição? Fica machados, mas não há como puxá-los a
saltando de alegria; e assevera por quanto vida social, e menos ao grêmio da Igreja;
há de mais sagrado, que dali em diante sendo o maior obstáculo a ignorância do
idioma.

Nunca Mais Coari 40 Archipo Góes


Coari dos Viajantes – (Relatos)
Dia 14: era 7 horas da manhã foz do rio Paratary, donde o Padre Frey
quando chegamos à boca do Coary, e logo José da Magdalena a mudou para a
fomos prosseguindo a subida pelo rio mesma do riacho Guanamá, que deságua
Solimões, procurando a Vila de Ega. É na setentrional do Amazonas abaixo do
para admirar quanto a praga infesta as braço oriental do Hyapurá: daqui a
margens deste rio: apenas chegamos a mudou o Padre Frey Antônio de Miranda
ele, repentinamente nos vimos cercados para o sítio de Guarayatyba, que fica mais
da mesma nuvem de pium, que antes nos a Leste sobre a margem do Solimões,
incomodava”. (Amaral, 1818) duas léguas abaixo do grande canal do
Purus; donde finalmente a mudou Frey
Narração de Manuel Ayres de Casal e Maurício Moreira para a paragem, onde
Pero Vaz de Caminha em Corografia existe.
Brasílica em 1817 – Coary. As ilhas de que o Amazonas
“Este Distrito fica entre o rio do nesta extensão é cheio, foram por algum
seu nome e o principal braço do Purus tempo habitadas pelos índios Omáguas,
com 34 léguas de largura na frente, ou nomes que significam cabeças chatas por
parte setentrional. Os Muras são vizinhos costumarem as mães aperta-las aos filhos
do Solimões, os Purupurús, Catauixís, e o enquanto pequenos com duas tabuinhas;
centro do país em outras nações o que os fazia bem conhecidos entre as
selvagem. outras nações. Acabou o abuso,
desconhecem-se hoje as suas
Três canais do Purus regam uma descendências.
porção da parte oriental desta comarca na
proximidade do Solimões: o Cochiuara, O Rio Coary deságua numa
que está oito léguas acima do principal; o enseada do Amazonas de quase duas
Coyupanna seis léguas acima do léguas de largura; e junto dele o
precedente, e o Arupanná, que é o mais Urucuparaná e o Urauhá, aliás Cuanú,
ocidental. O Primeiro dá também o nome ambos de curta navegação. Doze léguas
a esta porção do distrito. Por todos se tira acima sai ao Solimões o rio Catuá, e seis
cacau, salsaparrilha, e óleo de copaíba. mais ao poente o Cayamá abundante de
Alvelos, vila pequena, situada salsaparrilha; e mais adiante a ribeira
sobre uma grande enseada num vistoso Giticaparana, que significa rio das
areal, 4 léguas acima da boca do Coary, batatas, e sai 5 léguas abaixo do Tefé”.
do qual teve noutro tempo o nome. Seus
habitantes, pela maior parte descendem Relato sobre Coari em 1819 – Spix,
dos Uamanys, Solimões, Catauixis, J.B. e Martius, C.F.P.V.
Jumas, Irijús, Cuchiuaras e Uayupés,
colhiam cravo, cacau, copaíba e Na obra “Viagem pelo Brasil”,
salsaparrilha; e fazem muita manteiga de escrito pelos médicos J. B. von Spix e C.
ovos das tartarugas, que são
F. P. Von Martius, alemães que viajaram
numerosíssimas, e bebem do rio, cujas
pelo Brasil no século XVIII, eles
margens são de areia alva, e vistosas, e as
narraram com encantamento dois trechos
águas um pouco alambreadas, e
que falam de Coari.
excelentes. A Matriz, que a orna é
dedicada a Santana. A indústria consiste “Alvelos, chamado Coari pelos
em olarias, tecidos de algodão e esteiras. índios, tinha sido uma das missões
As formigas fazem grande estrago nas fundadas pelos carmelitas e abrigava
lavouras. primitivamente silvícolas das tribos dos
Esta vila principiou sobre a Sorimões, Jumas, Júris, Pacés, Uaiupís,
margem oriental, e oito léguas acima da Irijús, Purus e Cautaunixís.
39. Segundos os autores: “Os Carmelitas calçados foram os fundadores de todas as paróquias do Solimões”.

Nunca Mais Coari 41 Archipo Góes


Coari dos Viajantes – (Relatos)
Os atuais habitantes, na possível recolher o cacau, a salsaparrilha
recíproca mistura e convívio com os e o óleo de Copaíba.
brancos, renunciaram à sua língua e a Alvellos, uma pequena
outras particularidades da tribo. localidade, está situada sobre uma grande
Achamos, nessa ocasião, apenas poucos baía, quinze milhas acima da foz do
moradores presentes, pois a maioria dos Coary, da qual anteriormente tinha o
homens estava longe, nas caçadas ou no nome. Os seus habitantes, na sua maioria
preparo da manteiga de tartaruga. De descendentes dos Uamanys, Solimões,
fato, já desde tempo minguava Catauixis, Jumas, Irijus, Cuchiuaras e
continuamente a população do lugarejo. Uaupés, recolhem cravinho, cacau,
As bexigas, e muito recentemente febres copaíba, e salsaparrilha, e fazem
intermitentes malignas, causadas pelo manteiga a partir dos ovos da tartaruga,
transbordamento do lago, dizimavam de que são muito numerosos; e são também
quando em quando a população, que, sem empregados na confecção de louça de
o socorro médico, ainda mais depressa barro, tapetes, e na tecelagem de pano de
sucumbe. Infelizmente, em toda a algodão. As formigas são aqui
província do Rio Negro não há um particularmente destrutivas.
médico diplomado. As ilhas com as quais o rio
Entre os índios presentes, Solimões nesta parte está cravejada,
conhecemos dois, mostrados pelo padre, foram durante algum tempo habitadas
ambos de mais de 100 anos de idade, e, pelos índios Omáguas, nome que
apesar disso, eram ainda de incrível significam cabeças planas, do costume
robustez e vivacidade. Na tradicional que as mães tinham de comprimir as
impassibilidade e indolência dessa raça cabeças dos seus filhos entre 2 tábuas,
de homens baseia-se a propriedade de só distinguindo-as assim de outras nações.
tarde envelhecer e perder os dentes. Este costume cessou e os seus
Dois dias antes da chegada descendentes são desconhecidos hoje em
desses pesquisadores em Coari tinha dia.
acontecido uma tragédia. Assim eles nos
relataram: “Dois dias antes, um enorme Narrativa da passagem do Pacífico ao
jacaré, que vivia na vizinhança, e Atlântico através dos Andes nas
conhecido de todos desde muito tempo, províncias do norte do Peru descendo
havia virado a igara (canoa) de um índio pelo rio Amazonas até o Pará -
que regressava, e o devorara. Vindo ainda Henrique Lister Maw - 1828
como a terrível fera e a sua geração
brincavam com a cabeça do desgraçado, e
toda a povoação estava tão aterrada “Ao sol-posto, uma distância na
diante do horrível espetáculo, que direção do Oeste, um pouco norte,
renunciamos ao projeto de percorrer de estendia-se até ao horizonte, tendo duas
canoa as margens circundantes do lago”. pequenas ilhas no meio da corrente.
(Spix, 1938, pág. 252 - 254) A largura ali seria de 1 légua e
meia a duas léguas, mas ignoro se ambas
Descrição de Alvellos por James as margens que vimos eram da terra
Henderson em 1821 firme, ou de alguma ilha. Como o vento
era forte, arribamos no rio Coary, o qual
deságua no Amazonas, vindo do sul. Os
Este distrito estende-se entre o Índios deram-nos a entender que havia
rio do qual toma o seu nome e o braço uma chácara na margem direita do Coary,
principal do Purus, com cento e vinte pouco acima donde nos achávamos, e
milhas de largura na parte norte. O Rio uma povoação chamada Alvelos, situada
Coary dá também o seu nome a esta num lago, distante dois dias de jornada.
porção do distrito. Nas margens do lago é
Nunca Mais Coari 42 Archipo Góes
Coari dos Viajantes – (Relatos)
Enquanto paramos para protegendo o primeiro, se intrometerá
cozinhar na sexta-feira, fomos ao mato nos negócios da igreja, chamando para si
apanhar alguns bocados de pão para o o direito de cobrança e administração
fogo, e achamos algumas castanhas, da dos dízimos eclesiásticos ente outras
qualidade das que se exportam do Brasil. coisas concernentes a Igreja. Cabia aos
A árvore de que havia caído igualava um monarcas a apresentação dos nomes dos
elmo grande em circunferência, mas era escolhidos para ocupar o cargo das
duas vezes mais alta, e direita, e só tinha Dioceses, das Paróquias e outros
ramos na extremidade em cima. benefícios eclesiásticos”.
Encontramos também algum cacau Em 1832, nossa região passou
bravo, mas o fruto não estava maduro; as por um estado de espírito bastante
árvores crescem como as aveleiras, tendo agitado, com vários conflito e tensões,
o tamanho de uma pereira. O fruto é isso devido ao Movimento Autonomista
produzido logo do talo, e da parte mais do Rio Negro (levantes pré-
grossa dos ramos: quando não está cabanagem ). Por esses motivos, em
maduro é duma cor verde, mas quando 1833, o Império Brasileiro em um
maduro é amarelo carregado, e processo de abrandamento fez as
assemelha-se a um pequeno melão oval, seguintes alterações nas leis vigentes:
ou um grande pepino grosso. Cada · A Província do Grão-Pará foi
amêndoa é coberta com uma substância dividida em três comarcas: Grão-
carnuda doce e branca, e tem camadas de Pará, Baixo Amazonas e Alto
bagos, havendo cinco destes em cada Amazonas (1833-1850). Esta última
uma. À meia-noite abrandou o vento, e era aproximadamente o território da
outra vez fomos com a corrente pelo antiga Província do Rio Negro
Amazonas abaixo”. (1824-1833). A Comarca do Alto
Amazonas foi governada
Elevação à categoria de Freguesia de primeiramente pelo interventor
Alvelos - 1833 militar Gaspar Valente Cordeiro.
Nesse mesmo ano (1833),
Para se entender a organização Alvelos passou a categoria de Freguesia
administrativa colonial é preciso a e na denominação religiosa foi intitulada
compreensão que a estrutura de Paróquia de Nossa Senhora da
administrativa de Portugal era realizada Conceição de Alvelos.
por categoria, em que temos em ordem
crescente: aldeia, lugar, freguesia Narrativa de uma viagem de Lima ao
(paróquia), vila e cidade. Segundo o Pará por William Smyth e Frederick
professor Humberto Lisboa: Lowe em 1834.
“A organização de uma
paróquia ou freguesia se referia a um No dia 27 de abril de 1834
termo que se sobrepunha ao conceito de entramos no lago de Coari, cuja foz está
povoação, já que esta tinha uma vinte e uma milhas abaixo de nosso
conotação simplesmente de um último local de descanso, tendo tido
aglomerado de gente à beira do rio, sem tempestades incessantes de trovões e
nenhuma organização política ou chuva durante os três dias anteriores de
judiciária. A criação da Paróquia também viagem de Egas, que, como o vento
estava na importância espiritual que os estava sempre contra o riacho, produzia
moradores atribuíam na organização de tal ondulação nessa vasta extensão de
uma comunidade. água que frequentemente éramos
O padroado era uma aliança obrigados a correr entre os juncos para
entre igreja e governo, o segundo nos abrigar.

40. A categoria de vila nas colônias significava que havia os três poderes na localidade: Executivo, Legislativo e Judiciário.
41. Não há relatos que houve adesão à Cabanagem em Alvelos.
42. Freguesia é o nome que tem, em Portugal e no antigo Império Português, a uma divisão administrativa correspondente à
paróquia civil de outros países. No Brasil, durante o tempo da colônia, a freguesia era exatamente o mesmo que em Portugal,
não havendo distinção entre freguesia e paróquia.

Nunca Mais Coari 43 Archipo Góes


Coari dos Viajantes – (Relatos)
A foz do Coari não tem mais de Passagem por Tauá-mirim pelo
um quarto de milha de largura, mas na francês Francis de Castelnau
distância de meia milha nip, ela se
expande em um lago que tem quatro Devido à força do vento só
milhas de diâmetro; na entrada dela, à conseguimos avançar com muita
esquerda, fica um pequeno povoado dificuldade; talvez por isso a ilha de
chamado Coari, mas a cidade com esse Camará-Coari nos pareceu muito maior
nome fica doze milhas mais acima e do do que aparece no mapa de Smyth.
mesmo lado do lago. Às dez da noite, sem ter comido,
Quando chegamos ao meio do adentramos o lago de Coari e nos
lago, uma forte rajada veio e nos obrigou aproximamos de umas casas situadas na
a correr com o vento em um pequeno sua margem oriental, a um terço de légua
riacho parcialmente protegido por da entrada. Só com muito trabalho
árvores, mas que, devido à altura do lago, conseguimos acordar os moradores, mas
ficava no fundo da água, e um mar eles se recusaram a nos ceder qualquer
considerável passava por eles, de modo mantimento.
que em nosso porto não estávamos Como eles asseguraram que a
totalmente isentos de medo de sermos nossa outra embarcação ainda não havia
inundados. Passada a tempestade, passado, dei somente algumas horas de
saltamos de novo e remamos até a cidade, descanso aos remadores e continuamos a
onde chegamos entre três e quatro horas viagem.
da manhã do dia 28.
Expedição nas regiões centrais
Coari parece muito bonita da da América do Sul, do Rio de Janeiro a
água: fica em um pedaço de terreno limpo Lima e de Lima ao Pará realizada por
coberto de grama, e ao fundo é abrigado ordem do Governo francês durante os
pela mata: as casas estão espalhadas sem anos 1843 a 1847 sob a direção de Francis
qualquer ordem ou regularidade; os de Castelnau (traduzidas e anotadas por
habitantes são principalmente da tribo Antônio Porro).
Catauxis, e são cerca de trezentos e
cinquentas em número. Essa tribo ocupa
toda a parte baixa do rio Coari, cujas Paul Marcoy em Coari - 1848
partes altas estão em posse de várias
tribos guerreiras, que não admitem No mesmo dia, com o sol a pino,
comunicação com estranhos. Seus chegamos à entrada do lago de Coari.
produtos são salsaparrilha, manteiga e Esse lago, em forma de elipse, tem 6
cera preta; um pouco de arroz e milho léguas de comprimento e 2 de largura.
indiano também são cultivados. Três rios pequenos que saem das
Conseguimos novos homens profundezas da floresta vindos do Sul, do
para nos levar até a Barra no Rio Negro, e Sudoeste e do Oeste, o Coari, o Urucu e o
descemos até a foz do Coari, onde Arauá, concorrem para formá-lo. Dois
fizemos jejum para passar a noite entre as furos ou canais, o Isidoro e o Bauá,
árvores. formaram uma via de comunicação a
leste com o lago Mamiá e o rio Purus; na
mesma margem, o riacho Pera concorre
com suas águas e, ao norte, um canal
chamado Coraci-Mirim o liga ao
Amazonas.

Nunca Mais Coari 44 Archipo Góes


Coari dos Viajantes – (Relatos)
A foz do lago de Coari fica perto guitarras. Foi-me imediatamente
do curso do Amazonas, uma vantagem ou estendido o convite para participar do
desvantagem que o distingue de outros divertimento geral, mas eu recusei
lagos que só se comunicam com o grande prontamente alegando uma dor de
rio através de canais de comprimento às cabeça. Conduziram-me então a um
vezes considerável. A primeira coisa que quarto contíguo ao salão de baile e me
se observa ao entrar no Coari é um deixaram sozinho até a manhã seguinte.
povoado de seis casas cobertas de palha Como a festa durou a noite toda
no topo de uma elevação. O lugar chama- e os gritos dos presentes, o som dos
se Tauá-mirim. Ao pé da elevação, doze tamborins e das guitarras e,
casas menores agrupam-se em pitoresca principalmente, as terríveis pancadas que
desordem; mas elas, ao invés de serem de quando atingiam a parede que me
construídas em terra firme como as separava dos festeiros me impediram de
outras, apoiam-se sobre jangadas ou pregar olhos, eu naturalmente cheguei à
balsas, singularidade que merece uma conclusão de que a hospitalidade que me
explicação. Nas grandes enchentes do proporcionaram era uma forma Tapuia e
Amazonas a água, depois de cobrir as algo selvagem de me punir por ter-me
praias, extravasa para o lago cobrindo a recusado a assistir ao casamento.
colina que serve de suporte ao povoado Ao raiar do sol deixei a minha
de Tauá-mirim e deixando-o totalmente rede e com os olhos inchados pela falta de
inundado. Surpreendidos pela água, os sono saí para conhecer a Vila de Coari,
moradores correriam o risco de se afogar pois na noite anterior só lhe dera uma
em seus próprios lares se as casas olhadela. Fiquei chocado com a feiura e a
flutuantes não estivessem à mão para melancolia do lugar. Imagine-se, na
servir de refúgio. Com a ajuda dessas margem de um amplo lençol de água,
arcas da salvação eles deixam o povoado preta como tinta de escrever, imóvel e
submerso e vão ancorar numa enseada densa, um pedaço de terra coberta de
próxima onde ficam até que o recuo das capim rasteiro e amarelado; sobre esse
águas lhes permite voltar às suas casas. chão, onze casas cobertas com folhas de
Quando passamos por Tauá- palmeira num espaço de cento e
Mirim a água estava baixa e todo o pontal cinquenta metros e, algo recuada, uma
era visível com seus veios de argila igreja que mais parecia um miserável
azulada e ocre vermelho. A solidão e o celeiro com o reboco caído e o telhado
silêncio reinavam; os únicos seres vivos à afundado em vários pontos.
vista eram alguns pombos empoleirados Aqui e lá, completando o
num dos telhados limpando as penas ao quadro, havia algumas, cuieiras e
sol. Esse povoado da margem esquerda laranjeiras plantadas pelos carmelitas
de quem adentra o lago é somente um portugueses que no século XVII
posto avançado sem interesse. O lugar fundaram no lugar uma missão chamada
principal, assinalado nos mapas Alvelos. As cuieiras, nuas, dobradas e
brasileiros como a Freguesia de Coari, quebradas pela idade; as laranjeiras, ao
fica 4 léguas adiante na mesma margem. invés de folhas e frutos, carregadas de
Chegamos a ela pelas seis da longos pendões de um musgo-branco
tarde, quando estava sendo celebrado o chamado salvagina que dava a aparência
casamento de um soldado com uma de velhos alquebrados cobertos de trapos.
mulher Tapuia. As autoridades civis, Acrescente-se a isso, a título de
militares e eclesiásticas do lugar haviam animação, cinco ou seis vacas magras
se unido à população nativa para conferir andando de porta em porta, como a pedir
maior pompa e circunstância ao evento. A aos seus donos um pasto melhor do que o
cachaça, que corria livremente desde a capim-amarelo, e ter-se-á um quadro
manhã, havia enrubescido as faces e preciso da matriz de Coari.
elevado acima do normal o tom das
Nunca Mais Coari 45 Archipo Góes
Coari dos Viajantes – (Relatos)
Se a aparência dessa cidade Mamiá. Tendo construído as casas
fantasma é lúgubre e deprimente, a do necessárias ele sugeriu, como me disse,
lago, por outra parte, é mais animada, empregar os conversos no plantio de dez
especialmente quando sopra um vento do mil mudas de café que, no devido tempo
sul, o que ocorre nos meses de setembro e se tornariam uma notável fonte de receita.
outubro. Grandes ondas batem então na Uma vez que, o homem de Deus
margem derrubando lhe trechos inteiros nos havia pedido sigilo não pudemos,
e, ao se quebrarem, cobrem as casas de qualquer que tivesse sido a nossa
um fino chuvisco. Quando agitado pelo intenção, informar os Muras através do
vento, o imenso lençol de água torna-se piloto sobre o futuro risonho que o padre
turvo; o acre e argila do fundo vêm à tona lhes estava preparando.
dando-lhe uma tonalidade verde-
acinzentada que só pode ser comparada à
palidez de um negro morto. Durante sete Exploração das regiões equatoriais ao
a oito meses ao ano, o lago de Coari pode longo dos rios Napo e Amazonas
receber embarcações de cinco a seis de Fragmento de viagem realizada nas
calado; mas com a chegada do verão, o duas Américas nos anos 1846-1848
seu nível baixa dia a dia que, no clímax do Gaetano Osculati e Emilio Cornalia
calor, se reduz a um estreito canal de
comunicação com o Amazonas. O lodo No dia 26 chegamos de
exposto causa sezões que moradores madrugada à foz do Rio Coary, para onde
evitam retirando-se para os seus sítios, nos reunimos com os vigilantes até a
pequenas roças de mandioca ou café no feitoria d'Aquari, propriedade de um
meio da floresta; cada um é provido de certo David, judeu de Gibraltar, onde
uma ajupa, ou pequeno abrigo feito com lançamos âncora. O rio tem a aparência
folhas de palmeiras. de um grande lago. No tempo que
Embora eu tivesse ficado só obrigatoriamente tínhamos que ficar lá
quarenta e oito horas em Coari, o tempo para carregar 100 alqueires de castanhas
foi mais que suficiente para transformar do Maranhão por conta de Neil-Bradly,
em melancolia o meu bom humor. Uma aproveitei imediatamente para nos
visita que o padre me fez, seguida de um reagrupar em uma pequena canoa com
naco de carne de carneiro acompanhado cinco índios e ir para Freguesia de
de uma nota gentil, não foi suficiente para Alvellos, que era distante apenas três
dissipar a tristeza que me possuía. Só léguas, onde cheguei depois de cinco
recuperei o meu humor habitual quando horas de viagem.
deixei a vila atrás de mim e avistei de Encontramos a localidade na
novo o Amazonas. margem esquerda e foi eminente observar
O lago Mamiá, que desviamos a situação pitoresca do lugar: o clima é
para examinar quando passamos defronte ruim e os habitantes estão sujeitos a
à sua embocadura, é um lençol de água febres terciarias e tifoides. A aldeia é um
preta de cinco a seis léguas de aglomerado de casebres formando um
circunferência alimentado por um rio que único bairro com uma igrejinha dirigida
vem do interior. Comunica-se com o lago por um missionário de nome padre
de Coari através do canal Isidoro de que Pereira, a residência de um comandante e
já falamos. Algumas famílias de Muras de um delegado civil.
viviam nas suas margens, aparentemente O R i o C o a r y, s e g u n d o
ignaras dos projetos que o cura de Coari informações recebidas do próprio Padre
acalentava para o seu futuro. O bom Pereira, divide-se posteriormente em três
padre conseguira do comandante da grandes braços, formando assim três rios
Barra do Rio Negro autorização para distintos denominados Coary, Urucu-
fundar uma missão entre os Muras do paraná e Guani.
Nunca Mais Coari 46 Archipo Góes
Coari dos Viajantes – (Relatos)
Esses afluentes descem do alto montaria dois ou três moradores, cujas
Peru, irrigam as regiões agrestes da vasta casas são construídas em situação
região do Rio Negro e são navegáveis pitoresca nas praias do lago inferior, não
com canoas até suas nascentes. muito para dentro.
Em Alvellos há um lucrativo Vários pequenos igarapés
comércio de castanhas de Maranhão, navegáveis deságuam aí no pé uma nesga
bálsamo de copaíba, goma elástica e terra entre dois ribeiros, atravessando
estopa de pele de onça. A ricota dessas extensas plantações de café, feitas a esmo
nozes, do tamanho de um coco, muitas entre as árvores da mata. Um dos
vezes é fatal para os pobres índios que moradores era certo judeu de Gibraltar, aí
vasculham as matas, pois as árvores que estabelecido há muitos anos, e
dão esse fruto são muito altas, quando completamente adaptado com os modos
atingem a maturidade perfeita, se de vida dos habitantes semicivilizados.
desprendem ao menor sinal pelo vento e Encontramo-lo de pés no chão, calças
ele cai, quebrando a cabeça daqueles arregaçadas até acima do joelho, muito
infelizes com seu peso e com sua dureza. ocupado com certo número de índios -
homens, mulheres e crianças - a
Um Naturalista no Rio Amazonas - descascar e secar cacau, que cresce
Henry Walter Bates espontâneo e em imensa profusão nos
arredores. Parecia pessoa viva e sensível;
No dia 18 de abril de 1850 era grande admirador da terra, do clima,
passamos pela Boca do Mamiá, rio de do povo, e não tinha desejo de voltar para
águas pretas, e 19 chegamos na entrada a Europa. Foi o único judeu que encontrei
do lado de Quarí. Não é propriamente um no Alto Amazonas; há vários
lago, mas a expansão dos leitos unidos de estabelecidos em Santarém, Cametá e
vários afluentes do Solimões, formada Pará, onde, como são muito mais
pelo movimento lento das águas dos honestos em suas transações do que os
tributários que se espalham sobre o portugueses, fazem muito comércio e
grande vale aluvial plano, para o qual vivem em termos amigáveis com os
descem das regiões mais altas, em vez de brasileiros.
diretamente despejar-se na corrente Nosso objetivo aqui era
rápida do Solimões. Daí para diante comprar sortimento de farinha fresca e
quase todos os afluentes apresentam estas qualquer coisa mais que pudéssemos
expansões de seus leitos formando uns encontrar provisões, pois nossa farinha já
como lagos. O mesmo fenômeno toma estava mofada, e imprópria para comer e
grande variedade de formas e é já estávamos em pequenas rações há
igualmente encontrado no Tapajós e alguns dias. Conseguimos tudo que
outros tributários do baixo Amazonas. necessitamos, excerto açúcar. Não se
A boca do Quarí, o canal que encontrou nenhuma libra deste artigo de
une o lago ao Solimões, tem apenas 200 a luxo, e fomos obrigados d'ai por diante
300 jardas de largura (274,32 m), e de adoçar o café com melado, como é
correnteza muito fraca. Tem meia milha costume generalizado nessa região.
de comprimento, e abre-se numa larga Deixamos Quarí antes do nascer
superfície de água sem imponente do sol do dia vinte. Vinte e dois
magnitude, pois é apenas parte do lago penetramos no paraná-mirim do
que forma um cotovelo agudo em sua Arauanai, um dos numerosos furos que
parte inferior de modo que não pode ser oferecem passagem para as embarcações,
todo visto de uma vez. Há uma pequena longe do rio, e não raro poupam longa
aldeia nas praias da parte inferior, há doze volta em volta de uma ilha ou
horas de viagem por bote da embocadura. promontório . (Bates, 1944).
Fundeamos dentro da boca e visitamos na
43 - Viagem originalmente redigida em inglês numa viagem com destino a vila de Ega num vapor com 4 pessoas: 2
passageiros e 2 tripulantes.

Nunca Mais Coari 47 Archipo Góes


Coari dos Viajantes – (Relatos)
Diário da primeira viagem do vapor maior que seja, nunca chegará, e muito
“Marajó” de Belém à Nauta pelo abundante de peixe; convidamos o Sr.
Amazonas, em setembro de 1853, por conde a que se responsabilizasse por
Anacleto Eliziario da Silva escrito, e então seguiríamos; ele não
anuiu ao convite, e o comandante foi da
Às 4 horas e meia da tarde do dia nossa opinião.
21 de setembro de 1853 fudemos na boca Às 11h seguimos viagem,
do Coary; a entrada é bastante estreita, e depois de fazer entrega da mala e o ofício
dentro forma-se um lago ou grande bacia, da presidência ao Sr. Ten. Simões, pai do
mas com pouco fundo. A povoação de inspetor do quarteirão, única autoridade
Alvelos fica distante 5 léguas deste lugar, do lugar, e se encontrava ausente.
e consta-me que tem 32 fogos, sendo pela Na mesma ocasião oficiamos ao
maior parte pequenas casas cobertas de subdelegado e comandante policial (as
palha. cópias dos ofícios existentes),
Na boca do Coary há 26 fogos requisitando-lhes 5.000 achas de lenha,
muito disseminados, e tornando-se mais duas embarcações e 6 pessoas para no dia
notáveis duas casas grandes, uma de um 8 de outubro estarem no Coary
ex-tenente chamado Simões Sourem, aguardando o regresso do vapor.
homem de bastante idade, e a outra A costa do Coary toda ela é
pertencente a um negociante David elevada, e é de uma terra que parece
Abdarham, de nação Israelita. barro... Chegamos ao Coary no dia 24 do
Tão depressa ancoramos, fomos outubro, às 13h30min, encontramos
à terra na casa do judeu e tivemos a lenha (cerca de 4 mil achas); e estando a
certeza que não havia uma só acha de testa o comandante de polícia Antônio
lenha, nem neste local, nem tão pouco na José Pereira Guimarães, logo que
povoação do Alvelos. Fomos então, à amanheceu começou-se o embarque da
casa do Simões, e tivemos a mesma lenha, com embarcações e gente de terra.
notícia. Nesta colisão consultamos o Sr. Recebemos 2.802 achas de ótima
comandante e o conde Florestan, qualidade, que pagamos a 40R$;
comissário do governo, e observamos- contratamos com este senhor o
lhe o que devíamos fazer, era dar direção fornecimento futuro da lenha a 40R$
a mala do correio e aos ofícios, e seguir cada acha, o solicitamos-lhe que fizesse
viagem. Opinei que não subíssemos o rio uma barraca de palha para abrigá-la.
e m p r i m e i r o l u g a r, p e l a p o u c a Não sofre questão que a
profundidade que existe no canal estreito freguesia de Alvelos deve ser na boca do
que segue para a povoação, e estando o Coary; e consta-nos que Alvelos tem 7
rio na sua vazante, sujeitava a fogos e 38 habitantes, sem contar com os
embarcação a ficar encalhada por muitos índios muras, que vivem alguns nas
meses. imediações; e em todo o distrito consta
Em segundo, por termos exata haver 150 fogos e 800 almas, sendo a
informação de que há muito os habitantes extensão do distrito mais de quatro
de Alvelos tencionavam mudar a léguas, excetuando o centro dos lagos.
povoação para a boca do Coary, prova de Os gêneros que exporta são:
que a povoação é insignificante, e que o 3.000 alqueires de castanha; setecentas
ponto importante será sempre a boca do arrobas do cacau, 40 canadas do óleo de
Coary. Além disto a boca do Coary é um copaíba, 2.000 à 3.000 arrobas do peixe
ótimo lugar para fundação de uma grande seco, 500 potes de manteiga de tartaruga
povoação, sendo muito fértil, com belos e peixe-boi, 40 arrobas de salsa, e 300
terrenos elevados, onde a cheia, por arrobas de café.

Nunca Mais Coari 48 Archipo Góes


Coari dos Viajantes – (Relatos)
Há ali madeiras, sendo as mais Em 1854, João Wilkens de Matos
notáveis o pau rosa, itaúba, itaúba-de- trouxe informações sobre a freguesia
igapó, jaracutáca, tanimbuan, guariuba, de Alvelos em seu Roteiro de Viagem
anaxy-maracá o angelim; estas não são
em abundância: na margem do Solimões “Já não havia mais índios
nestes arredores há muito cedro, e de fácil bravos. Atualmente não habita horda
extração. Para marcenaria encontram-se alguma gentílica nos rios Coary, Urucu e
marapá-oba, sabuarana, cedro, Aruã, segundo informações de pessoas
mirapiranga. A saboarana não é acostumadas a navegá-los para colherem
abundante. castanhas de que muito abundam as suas
Há 4 malocas de índios muras, margens. A freguesia de Alvelos incluía
sendo uma no lago Acará, outra no lago em seus domínios doze casas de palha, e
Codajás, outra no lago Puirimis, e outra uma população de 1.100 habitantes, dos
no lago Mamiá; é gente de maus quais, mais de dois terços habitavam em
costumes e mandriona. Não consta que sítios longe da sede.
haja minas de carvão. Toda a costa de Além da mandioca, plantão
Coary, e dentro do lago que se forma na algodão, milho, tabaco, pescam pirarucu,
sua boca há muita abundância de barro e peixe-boi, manipulam manteiga de ovos
vermelho e branco. Novamente de tartaruga, extraem salsa, óleo de
repetimos ser muito vantajosa a mudança copaíba, colhem cacau-silvestre, e algum
da freguesia de Alvelos para a boca do cravo.
Coary, sendo esta a vontade da maior
parte dos habitantes. A posição em que está este
Povoado não oferece proporções para o
Na boca de Coary oferece um seu desenvolvimento; é açoitada de
lindo local, muito abundante de peixe ventanias fortes, o solo é árido e a
(mais que na freguesia), e próprio para distância em que está da foz do rio
uma grande povoação: já tem muitas dificulta o acesso, principalmente no
casas, e dizem todos ser muito fácil a tempo da seca, por haver uma cachoeira
mudança. Da boca do Coary à freguesia (queda d'água) na parte mais estreita da
do Alvelos há 9 léguas, e é muito cheia de baia, que só permite passagem a
baixas; seis meses não é possível os montarias.
vapores subirem.
Desejosos os habitantes de criar
Saímos do Coary à 1h30min do outro povoado junto da foz do rio, onde
dia 25. Às 7h30min desse dia fundeamos oferece outras proporções a sua
devido a uma grande trovoada e a noite prosperidade que não a atual situação.
estar muito escura; às 9h30min do Em virtude de representação dos próprios
mesmo dia seguimos viagem. moradores, foi a Presidência da Província
autorizado por uma Lei Provincial
Rio de Janeiro: Correio Mercantil – Nº 34 promulgada de 30 de setembro de 1854 a
– 3 de fevereiro de 1854 transferir a Matriz da Freguesia para o
lugar designado pela mesma Presidência,
Segundo Jobim: A criação da junto a foz do rio Coary, justamente
paróquia de N. S. Sant'Ana data do ano de aquele que se assenta hoje a cidade.
1774, segundo um mapa organizado pela Tendo a chuva continuado até a
“Secretaria de governo do Amazonas, em manhã do dia seguinte, ficamos privados
30 de setembro de 1860. Ao ser de saltar, e visitar esta povoação; mas
inaugurada a província, pertencia à pelo que vimos de bordo, fizemos ideia
paróquia de Coary ao terceiro distrito do seu estado.
eclesiástico, sendo vigário da vara o Rev.
padre Luís Gonçalves de Azevedo.
Nunca Mais Coari 49 Archipo Góes
Coari dos Viajantes – (Relatos)
A mudança da Freguesia de Alvellos com mantimentos e em qualquer época
para Coari do ano.

O precursor da mudança foi o No Rio Amazonas (1859) - Robert Avé-


italiano Gregório José Maria de Bene, Lallemant
religioso italiano da ordem dos
Capuchinhos. Ele nasceu em 4 de junho “Na tarde do dia 17 de julho
de 1798, e chegou à América em 1844. (1859), passamos através duma entrada
Quando chegou ao Brasil, trouxe consigo estreita, donde saía água escura,
o título de Frei, sendo mais tarde, perto de descendo com o Solimões, sem se
sua aposentadoria, promovido para misturar com ele, para um calmo e vasto
padre. lago, formado pelo Coari, pouco antes de
No primeiro momento, o frei sua embocadura.
Gregório participou da revolta em São O Coari é um rio muito
José do Queimado, no Espírito Santos, semelhante ao Purus, que se estende do
sendo o principal causador daquela mesmo modo do Solimões, na direção do
insurreição. Depois veio para a província Sudoeste, até cerca de 10º de latitude sul.
do Grão-Pará, atuando com os povos Mas ainda nada se conhece sobre seu
indígenas no Rio Negro. curso. Um homem, que veio ver-nos a
No ano de 1854, o agora Padre bordo, subiu-o durante 15 dias, sem ter
Gregório estava com 56 anos e ao pedir encontrado seu fim. Uma selva
sua exoneração, foi transferido para a ininterrupta cobria suas margens.
freguesia de Alvellos, no rio Solimões. Logo na margem oeste do lago,
No dia 1º de agosto de 1854, o presidente encontramos algumas casas, diante das
da província nomeia o Frei Gregório José quais flanava um público domingueiro
Maria Bene a exercer as funções de misturado. A lenha para o vapor estava
Vigário na Freguesia de Alvellos no empilhada na praia, e assim que
município de Coary, que foi separado de chegamos, o pessoal na margem
Tefé (Ega) em 1848. começou a embarcar lentamente o
O vigário, Gregório José Maria combustível, e a levá-lo ainda mais
Bene foi o primeiro a mudar-se de lentamente para bordo, de maneira que a
Alvellos para “Coari Novo”. Trouxe cena se transformou em verdadeira
consigo os sinos da igreja, que logo caiu e vadiagem, roubando-nos muito tempo.
destruiu-se. Trouxe também as poucas Toda a Natureza partilhava
ornamentações religiosas (antipêndio e dessa preguiça. O lago de Coari
púlpito), tudo muito simples, mas rico em semelhava um espelho diante de nós. O
significado simbólico. sol inclinava-se cada vez mais para a
Ele idealizou e construiu a nova margem oeste do lago. Toda a região
capela, que continuou a ter a invocação flutuava num mar de cores e emanações
da avó de Jesus. O local onde foi da floresta. Números golfinhos (botos)
construída a primeira igreja em “Coari brincavam na superfície da água. Os
Novo” seria hoje a praça Santana, no lombos prateados vinham à tona, fazendo
bairro Tauá-mirim. pequenos remoinhos cintilantes.
O Vi g á r i o G r e g ó r i o v e i o Nas margens, bando de urubus
acompanhado de alguns de seus gozavam a sesta nas árvores. Mas, depois
paroquianos, que não tinham interesses do sol se pôr, tudo mergulhou em
enraizados na antiga povoação de verdadeiro sono. A luz zodiacal flamejava
Alvellos, ou logo perceberam as no horizonte longínquo, muito alta no
vantagens da mudança projetada. Uma céu, rivalizando com o suave brilho da
vez que, naquele novo local não haveria Via-Láctea, sob a bela constelação do
problemas com as grandes ventanias, Escorpião. A Estrela Polar luzia no céu ao
inundações, saúvas e isolamento, pois os norte, na sua marcha lenta, rodeada pelos
barcos vapores poderiam chegar fácil Setentriões.
Nunca Mais Coari 50 Archipo Góes
Coari dos Viajantes – (Relatos)
Mas todas se retraíram, Não me seria possível tentar
perdendo o brilho na amplidão do céu, uma viagem à povoação de dentro;
quando a lua nasceu, e com os seus claros porque o vapor não me daria tempo para
raios despertaram os milhares de vozes isso. Era também inútil porque a escola
de animais para o mais singular dos não funcionava; mas felizmente o
concertos, de sorte que ficamos professor veio a bordo, onde tive ocasião
acordados quase toda a noite”. de o ver e de conversar com ele.
Nesse momento, Coari estava Disse-me que a escola do Coary
com a sua sede em mudança de Alvelos, não funcionava desde o começo do ano, o
dentro do lago de Coari e próximo á foz que era devido no seu entender, em parte
do rio Coari Grande para a à notícia de sua aposentadoria, em parte a
desembocadura do lago de Coari. mudança da freguesia: de que resulta que
de fato ali não há escola primaria. Dá-se,
Gonçalves Dias em Coari além disso, uma circunstância digna de
atenção. O professor me informou que a
Antônio Gonçalves Dias estava sua escola teve no último ano letivo
na Europa no ano de 1858, quando foi somente dez alunos, em quanto a lei
nomeado, pelo governo imperial para provincial fixa o número de doze, como o
chefiar a seção etnográfica da Comissão mínimo para que a escola mereça sua
encarregada de estudar as riquezas subvencionada pelos cofres da província.
naturais do norte do Brasil. Em fevereiro Com a mudança da matriz da
de 1861, o prestigiado poeta chegou a freguesia, o lugar Alvelos desapareceu
Manaus, capital da Província do por completo, tendo desabado a sua
Amazonas, sendo logo nomeado pelo última casa em 1899. Passou a ser
presidente da Província, visitador das conhecida também pelo nome de
escolas públicas do Rio Solimões e suas Freguesia Velha.
freguesias. Na viagem, o poeta e
etnógrafo maranhense alcançou o Peru, e A lei n° 132, de 29 de junho de
na volta entregou ao governo um 1865, que marcou os limites das
relatório de sua viagem, descrevendo a freguesias da antiga província,
situação das escolas visitadas, dos alunos determinou que os limites da freguesia de
e das famílias. Sobre Coary ele narrou: Coary seguissem a foz do lago Miuá,
princípio da comarca do Solimões, até a
A primeira escola que me ponta das barreiras de Camaraguary,
caberia visitar subindo o Solimões, seria onde entrava a freguesia de Tefé.
a do Coary. Esta freguesia tem a sua sede
dentro do lago do mesmo nome, e
distante do lugar a que aporta o vapor Viagem ao Brasil, 1865-1866 - Luiz
umas seis horas de viagem em montaria. Agassiz, Elizabeth Cary Agassiz – O
Uma lei provincial determinou a Coari — Processo de tomar lenha
mudança da freguesia para o lugar da
estação do vapor, mas parece que a “13 de setembro — O navio fundeou esta
medida tem encontrado pequenos manhã junto da pequena vila de Coari, no
interesses, de forma que ainda não foi Rio Coari, um dos afluentes de águas
realizada no todo. O vigário mudou-se negras. Demoramos aí algumas horas
com os sinos da igreja, que se tomando lenha para a máquina. Essa
desmantelou, trouxe os seus poucos operação se executa com tanta lentidão
paramentos, engenhou uma capela na que um norte-americano, habituado em
nova localidade, e veio acompanhado de seu país com os processos expeditos, não
alguns de seus fregueses, que ou não acredita no que vê. Uma pequenina canoa
tinham interesses enraizados na antiga em mau estado, trazendo um
povoação, ou compreenderam melhor as carregamento de lenha, se afasta da
vantagens da mudança projetada e só em margem, arrastando-se no rio com
parte realizada. No entanto, o professor e lentidão ainda acentuada pelo fato de que,
alguns outros moradores permanecem no dos dois canoeiros, um se serve de uma pá
antigo local. quebrada e o outro de uma vara comprida.
Nunca Mais Coari 51 Archipo Góes
Coari dos Viajantes – (Relatos)

Coari em 1867 pela lente de Albert N. ° 65. Coari novo - O Lago Coari, na
Frisch. Podemos observar o igarapé de divisa com o Amazonas com 100
São Pedro e a rua Rui Barbosa no bairro habitantes, fundada há 10 anos. A antiga
de Tauá-mirim. Coari, fundada pelos Carmelitas, em
1709, fica em uma península no meio do
lago.

Nunca Mais Coari 52 Archipo Góes


Coari dos Viajantes – (Relatos)

Tauá-mirim 1867 - Hoje seria a rua Rui Barbosa - Albert Frisch

Uma senhora com um caldeirão - Tauá-mirim 1867 - Albert Frisch

Coari Novo - Tauá-mirim 1867 - Albert Frisch

Nunca Mais Coari 53 Archipo Góes


Coari dos Viajantes – (Relatos)

Canoa no rio Japurá leva produtos ao mercado de Coari - Frisch, Albert 1867

Nunca assisti a tamanha


apologia dos remos! Quando a frágil
embarcação acaba enfim de encostar
ao navio, oito ou dez homens formam
fila, e a lenha passa de mão em mão,
acha por acha, contada na ocasião.
Agassiz tirou o seu relógio do bolso e
verificou que, em média, entram a
bordo sete achas por minuto. Com
semelhante processo, compreende-se
que, tomar lenha não é negócio para
cinco minutos. Acabamos afinal por
deixar Coari, e, daí em diante, vamos
tocando quase as margens não de uma
ilha, mas as margens continentais; com
efeito, são tão numerosas e vastas as
ilhas do Amazonas, que é frequente
supormos que nos achamos entre a
margem esquerda e direita do rio
quando, na verdade, estamos num
largo canal compreendido entre duas
ilhas. (Agassiz & Agassiz, 1938)”.

Palmeira Caranã em Coari - 1867 - Albert Frisch

Nunca Mais Coari 54 Archipo Góes


Coari dos Viajantes – (Relatos)
Descrição de “Coari Novo” por James mui considerável, só passam igarités na
Orton em 1870 parte superior. O seu curso não é longo;
segundo o testemunho dos práticos, pode
“O Amazonas começou a se ser estimado em 83 a 90 léguas.
parecer mais com um lago do que com um Alguns índios, diz o Exmo. Sr.
rio, tendo uma largura de quatro ou cinco Dr. Adolpho de Barros, tem passado do
milhas. Gaivotas flutuantes e botos Purus para o Coary, e dão notícia de
rolantes lembram o mar. Coary é um existirem campos de grande extensão nas
amontoado de quinze casas, seis delas cabeceiras deste rio, os quais vão confinar
rebocadas, caiadas e ladrilhadas. Situa-se na margem esquerda.
junto a um lago com o mesmo nome — a O Coary não tem cachoeiras; as
foz expandida de um pequeno rio cujas suas águas são pretas, bem como as dos
águas são castanho-escuras e cujas outros dois rios, que com ele corre para o
margens são baixas e cobertas de lago. Há um só canal que comunica o lago
arbustos. Aqui pegamos tartarugas e óleo com o Solimões; fica do lado oriental e
de tartaruga, castanhas e cocos, borracha, tem 2 milhas de extensão. Só nas
peixe salgado e madeira”. vazantes extraordinárias é que não
permite a passagem de navios que calem
Em 1873, num senso realizado, de 8 a 10 palmos.
apresentou-se um total de 2.078 Diz Baena que acima da foz do
habitantes livres e 05 escravos, sendo Coary acham-se as ilhas Jurupari e
1.006 homens e 1.072 mulheres, 2.023 Juçaras, onde constantemente as
brasileiros e 55 estrangeiros. tartarugas fazem o seu desovamento.
A vila de Alvelos (antiga
Coari no livro “Pará e Amazonas: pelo freguesia do Coary) fica à margem
encarregado dos trabalhos oriental da baia do Coary, quatro léguas
etnográficos Cônego Francisco acima, foi sua primeira situação no rio
Bernardino de Souza” – 1874 Paratary, oito léguas acima da foz, donde
trasladou-se para o desaguadouro do lago
Anamã, e dali para a ilha Guajaratiba,
aonde depois passou-se para a atual
Ainda não é bem conhecida a situação. Em 1768 foi elevada à categoria
nascente do Coary. Deságua no lago do de lugar com a denominação de Alvelos;
mesmo nome, que dista 132 milhas em 1833 foi qualificada simples
(212,43 km) da foz do Purus. Tem o lago freguesia, com a primitiva denominação
12 milhas de comprimento e 5 de largura. de Coary, e por lei provincial do 1º de
A antiga freguesia de Alvelos, criada em maio de 1874 acaba de ser elevada à
1738, esteve assentada no extremo sul, na categoria de vila, com o nome de Alvelos.
confluência dos 03 rios Coary, Urucu-
Segundo o último
parauá e Ourané. O Coary é o maior e fica
recenseamento, é de 2.078 almas a
do lado leste. Conhecendo-o somente as
população do seu termo. O rio Coary que
pessoas que se empregam na colheita e
forma a baia em que está assentada a vila,
extração de drogas. Tem-se chegado a
é um afluente do Solimões, em que se
caminhar por ele 33 a 40 dias. No
lança, à margem direita, por duas bocas,
inverno, de março a julho, navegam
entre os rios Purus e Tefé, ou mais perto,
grandes canoas de 8 a 10 palmos de
entre o rio Mamiá e o riacho Uariaú.
calado. No verão, como o abaixamento é

Nunca Mais Coari 55 Archipo Góes


Coari dos Viajantes – (Relatos)
A Vila de Coary Manaus ao Pará, nós agora fizemos uma
visita a esse cavalheiro enquanto nosso
Segundo o Almanak vapor estava navegando. O Sr. Valente
Administrativo, Mercantil e Industrial do recebeu-nos cordialmente, fez as honras e
Rio de Janeiro de 1921, seus primeiros mostrou-nos o local.
habitantes foram os irmãos Thomaz e Com ele fomos à casa de um
Antônio José Pereira Guimarães, ou seja, comerciante, homem alto e de
depois da transferência da matriz da compleição forte, onde vimos pela
freguesia para a próximo á foz do lago de primeira vez alguns índios Miranha, entre
Coari, os irmãos Guimarães foram os os quais três moças corpulentas sentadas
seus primeiros habitantes. no chão perto da dona da casa,
A partir de 1854, a população, costurando.
extraoficialmente, começou a chamar a Esses Miranhas provinham
Alvelos de “freguesia velha” e a sua nova originalmente de aldeias acima das
matriz voltou a ser chamada outra vez de cataratas do Japurá, um imenso afluente
“Freguesia de Coari”, seu nome com do lado norte do Amazonas, tendo suas
origem indígena. nascentes nas montanhas de Nova
No dia 1 de maio de 1874, Coari Granada. Eles não eram bonitos, tinham
sofre uma significativa transformação na testas baixas e um semblante de tipo
sua estrutura político-administrativa- bastante inferior. Eles não eram tatuados,
institucional, pois pela Lei Provincial nº mas tinham pequenos orifícios nas
287 a freguesia foi elevada à vila de Coari laterais do nariz.
e pelo mesmo ato foi criado o município Enquanto conversávamos com
de Coari, desmembrando de Tefé. o Sr. Valente, vimos de sua porta aberta
uma pequena ravina, do lado oposto da
qual ficava a escola, uma velha casa de
Quinze mil milhas no Amazonas e seus
colmo em péssimas condições. Tendo
afluentes
suas paredes de barro caído de seus postes
Por Charles Barrington Brown e William verticais por todos os lados, toda a
Lidstone em 1873 economia interna do estabelecimento
estava exposta à nossa visão. Os meninos
No dia seguinte àquele em que pareciam mais animais selvagens em
entramos novamente no Solimões, uma jaula do que frequentadores de uma
passamos por um vilarejo de aparência tranquila escola de aldeia. Na época, os
bem cuidada chamado Codajás, situado estudiosos estavam empenhados em
em uma faixa de terreno ligeiramente gritar suas lições todos juntos no topo de
elevada acima da linha de inundação; e no suas vozes estridentes, e levantaram um
seguinte entramos na foz do rio Coary, barulho que ressoou por todo o lugar, mas
onde ancoramos na cidade de mesmo acima do qual as ordens do mestre
nome. Este rio é estreito em sua entrada, podiam ser distinguidas às vezes.
mas se expande em uma grande baía um A maior parte dos habitantes da
pouco acima, no lado leste da qual, em cidade, como de todas as outras cidades
um terreno alto que se inclina do Solimões, são essencialmente
gradualmente para uma bela praia, está a pescadores, que vivem da captura de
cidade de Coary, um lugar disperso pirarucu e também da coleta de ovos de
contendo cerca de seiscentos habitantes. tartarugas nas praias do Solimões durante
Tendo o Chefe conhecido o Sr. a época de postura desses répteis, de qual
Valente - Capitão da Guarda Nacional fabricam um óleo chamado óleo de
deste distrito - durante sua viagem de Tartaruga.
Nunca Mais Coari 56 Archipo Góes
Coari dos Viajantes – (Relatos)
A quando da nossa visita, mandou vir de Manaus um padre a quem
estando as praias vazias e o rio a baixar, deu 300$000 réis, afora a passagem no
muitas das pessoas encontravam-se vapor, alimentação, etc. De resto, todos
ocupadas nessas ocupações, mas um bom por aqui pensam, em geral, mais nas
número permaneceu, que vimos a pescar coisas mundanas que nas divinas; sendo
na foz de duas pequenas baías perto da certo que no país onde existe a escravidão
entrada do rio. de fato e de direito, não pode haver nem
Ao deixarmos a extensão de moralidade, nem vida social.
água negra semelhante a uma baía fora da Esta vila, que conta atualmente
cidade, ficamos muito impressionados 911 habitantes, foi fundada pelos índios
com sua semelhança com uma baía de da tribo Jurimáguas, uma das mais bravas
maré, algumas planícies de areia do Solimões, as quais prestaram
recentemente expostas sugerindo essa acolhimento cordial ao cap. Pedro
ideia. Logo passamos pelo estreito onde Teixeira, na volta da sua viagem a Iquitos.
por uma curta distância as margens de Depois de missionada pelos
ambos os lados do rio se erguem em altas carmelitas, foi perfidamente arrancada a
falésias vermelhas do depósito mais estes por jesuítas espanhóis, que com
antigo. Acima disso, eles recuam, e parte dela fundaram uma povoação no
nenhuma terra alta é vista novamente em Huallaga!
ambos os lados ao mesmo tempo. Estes campeões do cristianismo
não tinham, por certo, a educação cristã,
Carta XXXVIII - Alto-Amazonas, que comprime o desejo excessivo das
Solimões, 2 de agosto de 1883 riquezas e a sede dos prazeres: esses dois
flagelos que frequentes vezes lançam a
Aproximando-nos da ilha do amargura e o desgosto no seio mesmo da
Ariá, avistamos a boca do rio e lago opulência.
Coary, em cuja foz, na margem direita, Boletim da Sociedade de
está situada a vila do mesmo nome. geographia de Lisboa. Portugal: Vol. 15.
Coary, que tem amplas e
vistosas casas de habitação, abarracadas e Escravidão em Coari
algumas de sobrado ou primeiro andar,
oferecendo risonha perspectiva, vista do Em 17 de junho de 1884,
rio, divide-se em dois bairros, num dos segundo o Jornal Carioca “Gazeta da
quais vivem os conservadores, e no outro Tarde”, Coari (Província do Amazonas)
os liberais. Os indivíduos que formam foi declarada livre de escravos conforme
estes dois partidos, não convivem uns foi declarado pelos movimentos
com os outros, a ponto de nem assistirem abolicionistas:
à missa na mesma igreja. Além d'esta
grande desarmonia, estão quase todos “Os senhores de escravos, que
com febres palustres. deviam ser os interessados em reagir
contra o movimento emancipador,
O pároco de Tefé, único que nenhuma resistência opuseram e antes
existe em todo o Solimões, é quem vem a concorreram para acelerar a resolução
Coary ministrar os sacramentos, quando dessa importante questão. Eles
algum arrependido de seus pecados o concordaram em receber as indenizações
manda chamar, custando-lhe boa soma de oferecida pela Lei Áurea e seu
dinheiro. O Sr. Fortunato Antônio de Regulamento e até esta data nenhum
Assunção, que há treze anos reside em protesto apareceu que denotasse o menor
Coary, e foi nosso companheiro de descontentamento”.
viagem, quando quis desposar-se

Nunca Mais Coari 57 Archipo Góes


Dados descritivos do município de Coary (1900)
As Regiões Amazônicas: estudos Através da lei Nº 729 de 15 de
corográficos dos estados do Grão-Pará maio de 1886, o presidente da província
e Amazonas - José Coelho da Gama e do Amazonas, o juiz de direito Ernesto
Abreu Marajó - 1896 Adolpho de Vasconcelos Chaves,
autorizou a liberação da quantia 20.000$
Coary – É um dos rios reputados para o começo da edificação de uma
mais abundantes do Alto Amazonas, sua igreja matriz de alvenaria na villa de
foz é situada a 4° 3' latitude sul e na Coary.
longitude 314º 18'; corre de sul ao norte; O decreto Nº 95-A, de 10 de
além da foz, cuja posição indiquei, tem abril de 1891, no mandato do governador
uma outra um pouco mais acima e de Eduardo Ribeiro, criou-se a Comarca de
menor largura. Logo próximo da boca é Coary, com o termo anexo de Codajás,
bastante largo, pois lhe dão perto de duas conservando os limites anteriores. O
léguas; estreita, porém rapidamente é termo instalou-se em 15 de novembro de
navegável em canoas por mais de um 1890, e a instalação da comarca em 30 de
mês; é neste rio em uma planura elevada junho de 1891.
da sua margem direita, quatro léguas
acima da foz, que está situado o povoado Coari Dividida – 1891
de Alvelos; junto a este lugar o rio forma Courtenay De Kalb
uma bela baia em que deságuam três rios.
Destes, o mais oriental é a continuação do
Coary, o segundo é o Urucuparaná, e o Há dificuldades de navegação
terceiro é o Urauá ou Arauá ou Cuamé, que afligem o piloto (prático) no
pois pelos três nomes é conhecido; suas Solimões. O canal está claro o suficiente
terras abundam em salsa, óleo de até Coary. Esta cidade, no entanto, é de
copaíba, as suas águas são piscosas e suas difícil acesso, sendo construída dentro da
praias das mais abundantes em foz do Rio Coary.
tartarugas. Muitas cidades ao longo do
Foi habitado pelos índios Amazonas são assim isoladas, uma
Catauixis e Jumas, hoje, os índios que medida de precaução, como afirmam
mais abundam são os Muras e os alguns, contra as desagradáveis visitas de
Miranhas; muitos dos últimos se antigos governantes tirânicos, mas é bem
empregam em serviços diversos. provável que a maior abundância de
A sua extensão ainda não é bem peixes menores e a maior segurança das
conhecida, nem as suas nascentes; tem margens dos afluentes, tiveram algo a ver
alguns regatões em canoas por 40 dias e com isso.
calculam a extensão percorrida, até Outra peculiaridade de Coary é
àquele ponto ao qual podem chegar a sua divisão muito perceptível em duas
igarités, em cerca de 90 léguas. partes tão distintas como duas vilas
Até o ponto a que tem chegado, separadas. Um cavalheiro digno afirmou
é livre de cachoeiras, e dizem os índios gravemente que este era o produto da
que em suas cabeceiras há belas campinas hostilidade política, uma parte sendo os
na margem direita; parece provável que coarienses republicanos e a outra os
estas campinas sejam aquelas que os coarienses conservadores. Eu não
exploradores do Purus noticiam existir poderia dizer se seu olho brilhou ou não
muito no interior a 63 léguas, mais ou quando ele disse isso, mas outras cidades
menos da foz. podem ter uma dica disso.

* * * * * *

Nunca Mais Coari 58 Archipo Góes


Dados descritivos do município de Coary (1900)
Dados descritivos do município de elevando-se este número ao dobro
Coary (1900) durante a estação calmosa de agosto a
março.
No novo dicionário da língua portuguesa Provém, em sua origem
de Eduardo Faria, encontra-se: primitiva, das tribos Catuixys, Irijús,
Alvellos, paroquia do Brasil, na Jumas, Jurimáuas, Passés, Purús.
província do Amazonas, comarca do Sorimões, Uaiupis, Uamanis e Uaupés.
Solimões, município da vila de Coary, Essas raças acham-se hoje
diocese do Pará, na margem meridional fundidas com os elementos étnicos que
do Amazonas, a 20 quilômetros acima da hão trazê-lo o seu concurso ao rápido
embocadura do Coary. É a antiga aldeia desenvolvimento da Amazônia.
deste nome fundada pelo padre Samuel Os Catauxis, habitantes dos rios
Fritz, nos fins do século XVI: 2.202 Capará, Purús, Coary, Tefé e Jurua, eram
habitantes e 12 escravos. de natural foveiros, defeito este que lhes
Este povoado, que teve outrora aparecia aos vinte e um anos e que se
300 fogos, conhecido vulgarmente por comunicava por contágio.
Freguesia Velha, berço de Silvério Nery, Os Irijús desceram do rio
já desapareceu totalmente. A sua Branco, Os Jumas, aborígenes, até hoje
derradeira casa foi demolida em 1899. conservam-se arredios da civilização, os
Hoje, a antiga freguesia de Sant' Jurimáuas habitavam a região que vai do
Anna de Coary, ereta em vila pela lei n. Purus ao Juruá.
287 de lº de maio de 1874 por ato do Os Passês, a melhor
presidente da então província, Dr. ascendência dos Coarienses, foram de
Domingos Monteiro Peixoto, e todos os índios de que estes se originam,
definitivamente transferida para a foz do os mais avançados intelectualmente.
rio Coary, à boca do lago do mesmo Reconheciam um Deus supremo e a
nome, possui uma importante imortalidade da alma. Eram agricultores.
intendência municipal, quartel, matriz Os Purús e os Sorimões
em acabamento e oitenta fogos, entre os habitavam as margens dos grandes cursos
quais vinte e quatro estabelecimentos fluviais a que deram o nome.
comerciais. Os Uaiupis e os Uamaras
Está prestes a montar-se uma vieram do Solimões, cujas margens
farmácia sob a direção do hábil povoavam.
farmacêutico Joaquim Batalha. Os dóceis e tratáveis Uaupés,
É dividida cm dois bairros. São originários do rio de sua denominação,
Sebastião ao norte e Sant'Anna ao sul, distinguiam-se pelas orelhas e lábio
separados polo pequeno igarapé de São interior furados.
Pedro, seco no verão, e atravessado por Os principais traziam uma
uma bela ponte de madeira de lei de cem pedra polida cilíndrica, de cor branca,
melros de extensão, mandada construir e pendente ao pescoço por um cordão. Os
inaugurada em 1896 pelo pranteado mais considerados usavam-na com
superintendente municipal Celso do quatro polegadas de comprimento.
Menezes. Uma escada lateral dá acesso
aos passageiros que desembarcam ali Eram artistas e comerciantes.
durante a enchente, ocasião em que Foram indígenas trasladados
podem atracar quaisquer vapores. desta região que repovoaram os lugares,
A população da vila durante o hoje extintos, de São Felipe e Santa
fabrico da borracha e extração da Barbara, no rio Branco, quando estes
castanha é de cerra de 4OO habitantes, ficaram destruídos pela insurreição da
Praia do Sangue, naquele rio.
Nunca Mais Coari 59 Archipo Góes
Dados descritivos do município de Coary (1900)
Merece um sério estudo o realizada de modo bárbaro e anti-
desenvolvimento, ou antes, o civilizador como se ver em todas as praias
renascimento da vida agrícola, da do grande rio e seus afluentes.
indústria pastoril e do comércio da vila de Durante o período da
Coary. procriação, o seu perseguidor, para que
Antigamente fazia-se a cultura elas não fujam, vira-as de costas em
do tabaco e algodão, havia a indústria de número superior ao que pode transportar,
tecidos e redes e também de esteiras de abandonando depois as que não chega a
palha, exercia-se a pesca do pirarucu e a conduzir as intempéries do sol que as
manipulação do óleo de tartaruga e peixe- asfixia e mata inexoravelmente.
boi, e das florestas extraia-se salsa, Por outras vezes, os currais
copaíba, cravo e cacau. enchem-se de tal quantidade desses
Agora nada disto existe, a anfíbios que eles se amontoam,
borracha mais lucrativa avassalou tudo. A perecendo os que não conseguem vir
lavoura a própria horticultura caseira é respirar o carbono vivificador a flor das
um mito. águas.
Entretanto, conta-se no Contra esse abuso deve operar o
perímetro urbano uma pequena plantação governo do município e insurgir-se o do
de coqueiros, arvores, aliás raríssimas no Estado, tomando medidas prontas e
Amazonas. enérgicas e criando uma lei protetora, a
O seu cultivo protegido em exemplo do que se faz na Europa onde na
início pelos poderes locais. Tornar-se-ia primavera e vedado o direito de caça.
uma fonte de riqueza para o município e O comércio de Coary é grande.
para todo o Estado. Na vila há estabelecimentos comerciais,
Um milhar de pés deles daria muitos dos quais exercem o tráfico de
anualmente na praça de Manaus o bonito regatões. Contribuem pela última coleta
resultado líquido de 75:000$000. 1:900$ para o fisco municipal com
A indústria pastoril limita-se a 5:970$000 de imposto de indústria e
algumas cabeças do gado vacum, cabrum profissão.
e suíno esparsas, e uma florescente A coleta geral do município
fazendola no rio Ipixuna, de propriedade sobre esse imposto deve atingir a 33:000$
do súbdito italiano Camillo Vergani, a o que revela a pujança do seu movimento
qual já conta mais de cem cabeças comercial.
bovinas. A cobrança é feita por uma
Há campos apropriados no quota igual para todos, O que não é de
município, onde, com o auxílio dos certo equitativo e proporcional,
poderes públicos, poder-se-ia ir iniciando porquanto pagam o mesmo ônus grandes
essa futurosa indústria. e pequenos comerciantes.
Auxílios pecuniários, Lembramos o alvitre de
proporcionais ao número de rezes a r b i t r a r- s e u m a q u a n t i a c e r t a e
importadas, pagos somente no ato da determinada para o referido imposto e
inauguração das fazendas, bem assim encarregar-se a uma comissão de
prêmios conferidos por um júri especial comerciantes a distribuição das
àqueles criadores que apresentassem importâncias com que cada um deve
maior número de exemplares, ou os mais contribuir conforme o capital com que
belos, eis o que devem terem mira os gira, apresentando dentro de um prazo o
administradores do município. resultado dos sons trabalhos ao juízo do
A apanha da tartaruga é poder executivo municipal, a exemplo do
que se pratica no sul do país.

Nunca Mais Coari 60 Archipo Góes


Dados descritivos do município de Coary (1900)
Considerando que os alguma dessas célebres romarias, pelas
comerciantes de menor escala pagam quais é idólatra o nosso povo.
sem reclamar, por não ser excessiva a Existe ali algum gado.
contribuição existente, é claro que ela No Solimões, abaixo do
deve ser insuficiente e parca para os de desaguadouro de Coary, notam-se os
maior escala que lesam assim o povoados de Camará com grande número
município, cujas rendas ficam de almas e escola pública, Barro Alto,
prejudicadas. Copeá, no canal do mesmo nome e Caioé,
Apesar da malévola campanha no rio Pioriny.
de descredito contra a vila de Coari, Acima daquela embocadura, há
podemos afirmar sem rebuço que de o sítio Coanarú.
quatro anos a esta parte, é ela um dos Finalizamos aqui a nossa
povoados mais salubres do Amazonas. exposição acerca do município e vila do
Atualmente é admirável o seu Coary, tendo sido nosso único fite
estado sanitário. Durante o primeiro concorrer para a sua reabilitação perante
trimestre deste ano tiveram lugar na vila e a opinião pública, presentemente tão mal
seus arredores apenas 3 óbitos dos quais orientada sobre esta futurosa e
um de um indivíduo vindo de fora importante facção da pátria amazonense.
gravemente enfermo.
É de 38, portanto, a soma dos Criação da Brigada de Infantaria de Coari
óbitos sucedidos durante o ano de 1899
na vila e seus arredores, inclusive dois
indigentes desembarcados para sepultar
vindos do Piorini no mês de maio.
Não houve falecimentos por Senado Federal
moléstia contagiosa, beribéri, nem assim Secretaria de Informação Legislativa
natimortos.
As crianças são robustas e DECRETO Nº 3.989 de 13 de abril de 1901
sadias. O computo dos nascimentos pelo
registro civil é deficiente, como em toda a
parte, pela falta de instrução cívica do Cria uma brigada de infantaria de
nosso povo. Guardas Nacionais na comarca de
Desde a lei do casamento civil Coary, no Estado do Amazonas.
tem sido realizado na vila 138 consórcios
sendo 14 em 1899. O Presidente da República dos Estados Unidos
A terra é abundante de caça e do Brasil, para execução do decreto n. 431, de 14
pesca. de dezembro de 1896, decreta:
Na tapera da Freguesia Velha à
pouca distância da sede deste município, Artigo único. Fica criada a Guarda Nacional da
abunda o veado, a anta e a paca. comarca de Coary, no Estado do Amazonas, uma
O lago é pingue de toda a sorte brigada de infantaria, com a designação de 14ª, a
de peixe, aparecendo em outubro a qual se constituirá de três batalhões do serviço
piracema de camarões. ativo, ns. 40, 41 e 42, e um do da reserva, sob n.
Há cinco praias de tartarugas 14, os quais se organizarão com os guardas
que abastecem à população. qualificados nos distritos da referida comarca;
Além da sede, possui o revogadas as disposições em contrário.
município um certo número de povoados Capital Federal, 13 de abril de 1901, 13º da
nascentes. República.
No lago de Coari cita-se o lugar
Isidoro com uma dezena de fogos M. Ferraz de Campos Salles.
esparsos onde se festeja anualmente o Epitácio Pessoa.
orago (padroeiro) S. José, início talvez de

Nunca Mais Coari 61 Archipo Góes


Professor Góes - 50 Anos de dedicação a Coary

Benedicto Edelberto de Góes - Professor Góes


Dissertaremos sobre uma das de Arthur de Oliveira Almeida.
principais personalidade de Coari no Em 11 de maio de 1887, o
âmbito da educação, saúde, judiciário e professor Góes viveu um dia que mudou
história. Benedicto Edelberto de Góes, totalmente suas perspectivas de vida.
nasceu em São Luís no Maranhão em data Faleceu sua genitora, Maria Bemvinda da
desconhecida, na segunda metade do Glória Góes, e a partir dessa perda, ele
século XIX. resolveu deixar o Maranhão e tentar uma
Para ingressar nas instituições nova vida no Amazonas, que estava em
de ensino superior na segunda metade do pleno desenvolvimento no primeiro ciclo
século XIX era necessária a aprovação da borracha.
dos estudantes nos Exames Gerais de No dia 19 de janeiro de 1989, o
Preparatórios, e o professor Góes fez seus professor Góes dá início à sua jornada na
exames em 2 de outubro de 1873. província do Amazonas quando foi
No dia 23 de maio de 1884, nomeado Promotor Público da Comarca
Benedicto Edelberto de Góes deixou o de Itacoatiara.
c a rg o d e p r o c u r a d o r d a C â m a r a Ele fez o concurso público para
Municipal de São Luís e foi nomeado professor do estado do Amazonas e
Despachante Geral da Alfândega, na vaga tomou posse no dia 9 de janeiro de 1891.
deixada pelo Sr. João Nepomuceno Veio ainda em 1891 para Coari e exerceu
Hermes de Araújo, que se retira para a a função. Trabalhando apenas com o
província do Amazonas público masculino. Tornou-se intendente
Deu entrada na guarda da municipal (vereador) e no ano de 1895
primeira companhia da Guarda renunciou ao cargo. Contudo, durante
Nacional44 do Maranhão, e em 3 de junho toda sua vida em Coari, foi reeleito
de 1885 foi promovido de guarda a intendente por várias vezes e chegou a ser
A l f e r e s ( A n t i g o p o s t o m i l i t a r, Superintendente Municipal Interino
equivalente a segundo-tenente) na vaga (Prefeito).
44. O império não poderia confiar inteiramente no Exército que tinha suas próprias ideias políticas. Optou-se por criar uma
força armada formada pela elite, a Guarda Nacional. Seus membros eram todos os cidadãos com direito a voto e assim
obteriam a dispensa de servir ao Exército. No entanto, não recebiam pagamento e eram responsáveis pelo próprio uniforme.
O governo tinha a incumbência de fornecer armas e instrução. A maior patente que um civil poderia alcançar era a de
Coronel e o título ficou reservado aos grandes proprietários de cada região. Desta maneira, gerou o fenômeno do
“coronelismo” que tanto marcou a política brasileira.

Nunca Mais Coari 62 Archipo Góes


Professor Góes - 50 Anos de dedicação a Coary
No ano de 1895, o professor Na falta de produtos
Góes exerceu o cargo de Juiz Municipal farmacêuticos, o professor Edelberto
interinamente por vacância do cargo, e recorre aos remédios homeopáticos e até
estando ocupando o cargo de mesmo as dosagens caseiras, aplicando
superintendente, poderia exercer a continuamente cozimentos de ogervão
função. Em seguida, voltou a ser como soporífico pronto e seguro no
intendente (vereador) em 1896. tratamento de defluxos e cozimento de
Em 1906 tomou posse no alfavaca como paliativo as bronquites e
governo municipal de Coary o coronel febres catarrais.
Ricardo Vicente Cluny. Durante sua
administração, por várias vezes, foi Em 1926, Oswaldo Cruz visita à
substituído pelo professor Benedito Vila de Coary e conversou com o
Edelberto Góes. Ele permaneceu como Professor Góes sobre a realidade do local
intendente e professor até o ano de 1907, e da região da calha do Solimões para
e a partir de 1908 até 1923, exerceu subsidiar o seu famoso relatório sobre a
transitoriamente apenas o cargo de região, a malária e a imigração japonesa,
professor. em que Benedicto se mostrou contrário a
Em 11 de dezembro de 1917, imigração.
Benedicto Edelberto Góes ficou A partir de 1924 até 1929, além
encarregado da estação meteorológica de de professor, ele foi nomeado para Juiz
Coary e requereu da Delegacia Fiscal a Adjunto de Coari. Foi casado com
entrega da verba, que foi disposta pelo Estephânia de Góes e geraram a seguinte
diretor da despesa pública para fazer prole: Guiomar, Adylles, Antônia, Ruth,
grande melhoria na estação da cidade. Flávio, Eliezer, Elisabeth, Judith e
J. F. FERRAZ em 1921 na sua Archipo. Eliezer Edelberto de Góes foi
obra “Através do Amazonas”, descreveu eleito intendente (vereador) em 1930.
a atuação do Professor Góes na área de Em 21 junho de 1931, foi
Saúde em Coari: fundada e instalada a Loja Fraternidade
Os principais males, que afetam Maçônica Coariense e o Professor Góes
a saúde da população, são as feridas fez parte da assembleia de inauguração.
bravas, a verminose, o paludismo e as No funcionamento de uma loja há
febres catarrais. No entanto, não existe encarregados para diversos fins, dessa
ali nenhum médico, tampouco farmácia. forna, aconteceu uma eleição, e ele foi
Nos transes mais dolorosos, os doentes escolhido para o cargo de Orador.
são amparados pelo farmacêutico O Professor Góes foi casado
Benedito Edelberto de Góes, que, Com Estephânia de Senna Marinho Góes,
v a l e n d o - s e d e s e u s p re p a r a d o s nascida na cidade de Tefé, no dia 30 de
medicinais e de outros remédios abril de 1872. Durante a vida que
adquiridos com grandes sacrifícios, não compartilharam e tiveram 9 filhos. Ela
tem poupado esforços em combater as faleceu em Coari com 51 anos, no dia 24
enfermidades, livrando muitos infelizes de novembro de 1923.
das garras da fatalidade. Há registro no Diário Oficial do
Ultimamente, esse abnegado Estado do Amazonas que até 1939, o
descobriu um unguento de grande professor Góes ainda estava trabalhando
eficácia no combate as feridas bravas, como professor em Coari.
assim como um colírio de efeitos
positivos no tratamento de moléstias dos
olhos. * * *

Nunca Mais Coari 63 Archipo Góes


Silvério Nery
SILVÉRIO NERY Direito, advogado, ex-deputado estadual,
Dicionário Amazonense de Biografias Agnello Bittencourt ex interventor federal no Amazonas,
funcionário aposentado; Lydia Nery
Cabral, casada com o Dr. Luiz Caetano
Cabral; Silvério José, casado,
funcionário aposentado do tesouro do
Amazonas; Paulo José, casado, bacharel
em direito e inspetor da alfândega de
Santos, quando recentemente faleceu.
Silvério Nery começou a ser
atraído pelos interesses da política —
política, então, mais idealista e menos
destemperada, Raul de Azevedo, um dos
seus melhores biógrafos, disse a seu
respeito: “A sua larga carreira política
O Dr. Silvério José Nery, natural não teve solução de continuidade. A sua
de Coari, nasceu no dia 8 de outubro de ascensão foi feita normalmente.
1858, falecendo, em Manaus, a 23 de Primeiro, vereador municipal da
junho de 1934. monarquia; depois, deputado estadual
Filho do Major reformado do por várias vezes, na república; deputado
Exército e de igual nome e de D. Maria federal, reeleito; governador do estado,
Antony Nery, também amazonense. chefe de partido, de grande prestígio e
Batizou-se a 9 de janeiro de 1859, na respeitado pelos próprios adversários;
Capela de N. S. Remédios, na cidade de senador federal, em várias legislaturas.
Manaus. Foram seus padrinhos o Coronel Eleito e sempre reeleito l.° secretário do
José Vicente de Amorim Bezerra e o senado. Presidiu várias vezes o senado
Tenente Joaquim Fabrício de Matos, que federal. (“Terras e Homens”, pág. 129 –
o tocou com a coroa de N. S. dos Rio – 1948).
Remédios. Tanto quanto permite uma
Era de esperar que seguisse a súmula de sua biografia, eu passo a
carreira das armas. O seu destino, porém, considerar suas atuações no governo do
estava na política. Estudou as primeiras Amazonas. Convém lembrar, antes de
letras do curso de preparatórios na capital tudo, que os quatriênios governamentais
de sua província, seguindo logo para o no estado, conforme letra expressa da sua
Rio de Janeiro onde se matriculou na constituição, tinham começo a 23 de
escola militar, fazendo apenas o curso de julho, terminando em igual dia, após
agrimensura, regressando ao Amazonas, quatro anos. Concluindo o período
iniciou ali sua atividade na demarcação anterior para o qual havia sido eleito, o
de terras, abandonando assim aquela capitão Fileto Pires Ferreira, então
Escola, como outros rapazes seus colegas renunciante, do resto do seu tempo,
o fizeram, por não vislumbrarem futuro achava-se no governo o coronel José
na vida militar. Sabe-se até que, ao Cardoso Ramalho Júnior, na sua
tempo, oficiais e graduados no posto de qualidade de vice e na ausência daquele
capitão trocaram de atividade titular, foi eleito para o substituir, o Dr.
profissional, ficando mais em liberdade Silvério José Nery, que foi empossado a
no plano econômico. 23 de julho de 1900. Sua investidura iria
Silvério Nery casou-se com D. até 23 de julho de 1904, quando, a 2 de
Maria Maquiné da Silva cujo casal teve dezembro de 1903, para
os seguintes filhos: Mário José da Silva desincompatibilizar-se, solicitou licença.
Nery, casado, bacharel em Direito, Assim, o vice-governador Monsenhor
advogado, deputado estadual, falecido Francisco Benedito da Fonseca Coutinho
em 1922; Antônio José, falecido; Júlio tomou posse do cargo.
José da Silva Nery, casado, bacharel em

Nunca Mais Coari 64 Archipo Góes


Silvério Nery
Quando Silvério José Nery 1.930.000 (contos) anuais. Adquire-se o
assumiu o governo, a Administração Aviso cidade de Manaus, para fazer o
Pública estava dividida em quatro serviço de polícia e fiscalização das
Departamentos. O novo detentor do rendas do Estado. Data desta ocasião a
poder acreditou que sua ação, para obrigatoriedade do beneficiamento
melhor eficiência de controle, sobretudo (corte) da borracha, medida de grande
no setor fiscalização, deveria ser alcance econômico. O comércio
centralizada, até por motivos de exportador de Belém, como
economia. Para realizar esse consequência, a fluiu para Manaus, a fim
empreendimento, carecia de um correto de atender à providência do fisco
burocrata. É convidado para levar a bom estadual.
termo a urgente tarefa, o Coronel Antônio Para consolidar a enorme dívida
Clemente Ribeiro Bittencourt, flutuante, o governo faz emissão de
funcionário já aposentado na qualidade apólices-papel ao portador, no valor de
de Diretor da antiga Secretaria Geral do 25.000$ (contos de réis) a juros de 7%,
Estado. Dentro de uma semana, o esboço resgatáveis em dez anos.
da reforma estava pronto e entregue. Para livrar o Estado dos
Nenhuma ordem de pagamento encargos das empresas “Manaus Railway
ia para o Tesouro sem que fosse & Comp.” e “Eletric Light Plant” que
controlada na Seção de Finanças daquela exploravam desde 1899, os serviços de
Secretaria. viação urbana, bombeamento d’água,
Lá se vão mais de quarenta anos iluminação pública e particular, pesando
que, em livro publicado em 1925 no orçamento anual com cerca de 800
(Corografia do Estado do Amazonas), contos, o governo compra os direitos
tratei da Administração do Dr, Silvério materiais e rescinde os respectivos
José Nery. Hoje, resumindo aquele contratos, para o que contrai um
trabalho, apenas atualizando a ortografia, empréstimo em Nova York, no valor de
repito minhas palavras referentes ao seu 1.500.00 libras. Pela forma que se
governo: “Começou Silvério Nery por fizeram esses contratos o estado ficava
anular vários contratos firmados na preso à obrigação de, no caso de querer
vigência do seu antecessor considerados rescindi-los, pagar aos contratantes o seu
lesivos ao Estado, no valor de 13.796,200 valor em dólar cotado a 7 mil réis
(contos de réis), bem assim fez declarar qualquer que fosse o câmbio.
insubsistentes várias nomeações de Grande celeuma levantou, no
magistrados julgadas contrárias à lei. meio da oposição, pelo jornal “Quo
Mandou apurar as responsabilidades Vadis?”, o pedido de autorização para
financeiras do Erário, achando um acervo “cobrar em espécie”, obrigatoriamente, o
no valor de 42.104,820, (contos de réis). imposto sobre borracha que fosse
Fez reorganizar a administração, exportada. Foi julgado improcedente
extinguindo os Departamentos e esse meio que vinha derruir a função
restabelecendo o serviço público pelo crematística da moeda legal e pôr o
sistema das antigas Repartições. Estado nas contingências das
Inauguram-se, em 1901 (20 de maio): a especulações comerciais. Protestos
Seção de Numismática, a mais bela e judiciários provocaram o ato do governo,
valiosa coleção do Brasil; o Laboratório reduzindo pela conversão a ouro, de 7%
de Análises Químicas, Bromatológicas e para 5% os juros e aumentando de 10 para
Toxicológicas, além de novas linhas de 30 anos o resgate de apólices que havia
navegação para muitos pontos do antes emitido.
interior, auxiliadas com a quantia de

Nunca Mais Coari 65 Archipo Góes


Silvério Nery
O governo, por falta de de 17 de novembro de 1903, que o
pagamento, procurou depreciar os seus território do Acre se desmembrou do
títulos, no intuito que, em parte, Amazonas, com grandes prejuízos para
conseguiu, de entrar no mercado, as suas rendas e em exclusivo benefício
comprando-os e resgatando-os por da união, que ali quase nada tem
menos do seu valor oficial. Muitos dos realizado até hoje, em troca de milhões de
portadores, porém, não cederam e vieram cruzeiros cobrados de impostos, além de
receber, mediante protesto judiciário, o haver deixado uma população de cerca de
valor real das suas apólices (vide 95,000 habitantes privados das regalias
Discurso do Senador Jonathas Pedrosa, politicas asseguradas pela constituição
Anais do Senado Federal de 1913, vol. 1, federal a todos os brasileiros”.
pág. 61). O governo Silvério Nery foi
Agita-se, em 1903, a questão de encerrado no dia 2 de dezembro de 1903,
limites entre o Pará e o Amazonas, que, com a inauguração de um prédio escolar
para dirimir, é nomeada uma comissão de (por traz da Igreja dos Remédios) para
técnicos a fim de estudar a hidrografia da substituir o antigo da Escola “Públio
verdadeira foz de Nhamundá. O Estado Bitencourt”, pois tudo nela foi mudado
fez compra de instrumentos, que foram dos alicerces ao telhado, todo o
depois restituídos. mobiliário e demais utensílios, tendo sido
Ainda nesse ano instala-se, em por mim recebida.
Manaus, um gabinete antropométrico e O antigo chefe político foi
reparam-se os edifícios públicos. A renda combatido por mais de 15 anos, desde
foi orçada para este ano em 14.465 contos que se afastara do governo do Coronel
e a arrecadação atingiu 18.290.066,50. Bittencourt até 1925, quando na
Um grande acontecimento foi Interventoria do Estado o Dr. Alfredo Sá.
festejado, no Amazonas, no decorrer do Este grande filho de Minas, chegado a
governo de Silvério Nery: a instalação do Manaus, reuniu os antigos contendores,
porto da cidade, pela empresa Manaus que aceitaram formar uma Coligação.
Harbour Ltda, a 24 de junho de 1903. Dentro em pouco, inclusive Nery e
Nessa extraordinária obra de engenharia, Bittencourt estavam de mãos dadas, por
não se sabe o que mais admirar: se a uma nova luta pelo Amazonas.
utilidade comercial, com reflexos no O Dr. Silvério José Nery faleceu
progresso do estado, a perfeição e em Manaus a 23 de junho de 1934, sendo
segurança. Lá se vão mais de 60 anos que sepultado no Cemitério S. João Batista. À
suporta os baques de atracação de beira do túmulo proferiu a última
transatlânticos, como as correntes do rio despedida o saudoso Dr. Aristides Rocha.
Negro, e ainda não deslizou uma
polegada! Coari comemora a pose de Silvério
Durante o governo do Dr. Nery
Silvério Nery, os funcionários públicos
tiveram sempre os seus vencimentos Na noite do dia 12 de julho de
pagos em dia, bem assim grande parte de 1900, a convite do coronel Francisco de
outros compromissos do Estado. Assis Pereira Guimarães, reuniu-se em
Ao findar seu quadriênio, a sua casa de residência um grande número
dívida pública, com o favor do aumento de amigos da melhor elite coariense.
das rendas, e com os cortes nos contratos Depois de agradável palestra,
leoninos teve sensível redução. subiram ao ar grandes girandolas de
“Foi, na administração do Dr. foguetes, anunciando o reconhecimento
Silvério Nery, pelo tratado de Petrópolis de Silvério Nery, no cargo de governador
do Estado.
Nunca Mais Coari 66 Archipo Góes
Através do Amazonas: de Manaus ao Javari
Em seguida o coronel Moisés Magalhães, tabelião.
Guimarães, usando da palavra, em um Dirigimo-nos em seguida a casa
eloquente discurso, declarou o fim do do Dr. Ângelo Batista, juiz de direito da
convite por achar-se regozijado do comarca e cavalheiro muito estimado
reconhecimento de um dileto filho de pela integridade do caráter e espírito
Coary, seu conterrâneo, para o cargo de justiceiro.
governador do seu estado natal, erguendo O Dr. Ângelo reside em um
vivas em conclusão do seu discurso ao pequeno chalé, situado num dos extremos
coronel Silvério Nery, Sr. Lima Bacuri e da vila. Conversou por alguns momentos
ao povo coariense, sendo aplaudido por com o Sr. coronel Antônio Bittencourt,
todos. que há muitos anos o conhece.
Terminou a festa às dez horas da Em Coari, deixamos o vigário,
noite com a melhor ordem, retirando-se reverendo Victor Merino, que embarcara
os convidados satisfeitíssimos pelo em Codajás, espanhol, franzino e
acolhimento que receberam do simpático nervoso, olhar adunco, fisionomia vulgar
chefe deste município, coronel de toureiro de Sevilha. O Sr. vigário, a
Guimarães e de sua excelentíssimo convite de alguns passageiros, fizera-se
consorte. ouvir em algumas malagueñas,
acompanhado ao piano por um praticante
Através do Amazonas: de Manaus ao de bordo, que martela regularmente esse
Javari - Viagem do governador eleito, instrumento.
Antônio Bittencourt, a Coari - 1908 Até o nosso companheiro
Porfírio Varela exibiu o seu repertório, ˗
Coari: Ao romper do dia uma série de cançonetas alegres com que
principiou a avistar-se a vila, situada na se fechou o improvisado concerto
terra firme, uma fila de casas de regular musical.
aspecto, algumas alegres e novas. Padre Victor, que nos disseram
Pelas 6 horas da manhã veio a ser dominicano, não nos deixou vir para
bordo o Dr. Ângelo Batista, juiz de bordo sem visitarmos a sua capela, que
direito, acompanhado do professor Sr. ele trata de transformar num grande
Edelberto Góes. Não foram recebidos templo, a avaliar pelas grossas paredes
pelo Sr. coronel Antônio Bittencourt, que se lhe antepõem, destinadas á nova
porque se achava ainda recolhido. frontaria da futura igreja.
Às 7 horas, tendo vindo a bordo Levou-nos até a sacristia, onde,
do “Virgínia” o superintendente sobre uma velha mesa, chamou a nossa
municipal, coronel Lucas Pinheiro, atenção de incrédulos uma mal cavacada
acompanhado de várias pessoas gradas, imagem de S. Fidelis, barbudo e feio,
realizou-se o desembarque. demasiado horrendo para ser adorado.
A filarmônica de terra O Varela lá encontrou também e
aguardava os viajantes e acompanhou-os meteu no bolso um certo instrumento
através da vila. Foguetes e bombas aviltante, tosco e usado, semelhantes
estouravam no ar, e foram soltos alguns aqueles que o Sr. inspetor da alfândega se
vivas aos chefes da política situacionista. recusou, não há muito, a despachar como
No edifício da Intendência foi puxadores para gavetas. Talvez padre
servido champanhe, sendo saudado o Victor sinta a falta de tal instrumento para
Exmo. Sr. coronel Antônio Bittencourt ensinar a doutrina!
pelo Sr. superintendente, e pelo major

Nunca Mais Coari 67 Archipo Góes


Relatório sobre as condições medico-sanitárias do Vale do Amazonas 1913
Coari necessita com urgência de luxuriante e ubérrimo, onde as laranjeiras
um edifício escolar apropriado e salubre. de contínuo florescem, o açaí retempera o
O local destinado à escola do sexo sangue, e a canarana alimenta o gado
masculino, um quarto lúgubre e sujo, sem anêmico de bordo.
ar nem luz, no velho edifício onde E como que desafiando o tímido
funciona a intendência e juntamente a despertar desse fantástico e profundo
cadeia, em todos produziu a pior das sono da Natureza, o rio-mar, monstro
impressões. gigantesco e indomável, semelhante a um
Alguns minutos antes de grande molusco, distende em todas as
fundearmos em Coari, passou pelo direções seus enormes tentáculos, os
“Virgínia” o aviso “Cidade de Manaus”, quais por sua vez se ramificam em um
que encontramos neste porto. sem número de paranás, furos e igapós,
Transportava do Piorini nove presos sob a completando o aparelho circulatório que
guarda do inspetor de polícia Sr. Moreira, dá vida e seiva a este monstro titânico que
e tomou rumo de Manaus pouco depois é o Amazonas, como outro não há tão
da nossa saída, que se efetuou às oito e estranhamente, admirável e opulento.
meia da manhã, terça-feira.
Relatório sobre as condições medico-
De Coari a Tefé tocamos nos sanitárias do Vale do Amazonas 1913 -
seguintes portos, para tomar lenha, largar Coary
ou receber passageiros, malas do correio
e carga: - Boca do Copeá, Laranjal, Oswaldo Gonçalves Cruz
Bairro Alto, Catuá, Caiambé e Boca do
Tefé. Nesta localidade, situada a três
No primeiro desses portos ficou dias de viagem de Manaus, paramos
o coronel Lucas Pinheiro que tomara o algumas horas. Coary é uma cidade de
“Virgínia” em Coari. Possui aqui vastos 600 habitantes que na ocasião das cheias
seringais. O barracão, sólido e espaçoso, recebe grande número de seringueiros, os
quase é atingido pela enchente, e já as quais para ali vêm depois da colheita da
águas lhe banham, em torno, a resistente borracha, elevando-se então a população,
estacaria de Massaranduba. segundo nos informaram, a duas ou três
As canoas transportam a carga, mil pessoas. A população de borracha no
enquanto a família e o pessoal do fábrico Município de Coary é bastante elevada,
aguardam o patrão, debruçados sobre a havendo alguns rios bastante ricos. O
extensa varanda de madeira, a refletir-se povoado fica situado numa enseada do
na superfície plana e amarelenta das Solimões, num alto barranco e não é
águas. atingida pelas enchentes. Atravessa a
cidade um igarapé de margens baixas,
De Coari para cima, a paisagem parecendo ser a fonte de anofelinas.
alegra-se um pouco, aqui e ali animada
por alguns pequenos povoados ou Em torno da cidade há matas,
barraquinhas isoladas de caboclos não tendo havido o cuidado de abrir aí um
felizes, sem ambições. espaço maior, de modo a colocar as casas
numa clareira de suficiente largura.
A silhueta das árvores, em cada
margem, ainda há pouco desenhando-se Não nos foi possível encontrar,
branda, indecisa, no céu nublado, recorta- devido à época pouco favorável, os
se agora nítida, em grandes curvas depósitos de larvas de eulicideos. Eles,
irregulares. O verde sombrio e monótono porém, ficam sem dúvida nas margens do
da floresta dissolve-se em cambiantes igarapé e nas épocas das cheias serão
diversas, principalmente nos pequenos encontrados em qualquer ponto da
oásis cultivados deste imenso deserto cidade.

Nunca Mais Coari 68 Archipo Góes


Relatório sobre as condições medico-sanitárias do Vale do Amazonas 1913

Expedição do Instituto Oswaldo Cruz ao Amazonas e Acre


Carlos Chagas e Pacheco Leão na Amazônia 1913

Examinando grande parte da Não encontramos em Coary


p o p u l a ç ã o d e C o a r y, fi c a m o s espécie alguma de anofelinas, talvez pela
surpreendidos diante do elevadíssimo época pouco propícia à proliferação
índice endêmico, relativamente ao desses eulicideos. Em diversos
i m p a l u d i s m o . To d a s a s c r i a n ç a s domicílios verificamos a presença do St.
examinadas, em número de 80 a 100, Calopus. Das informações colhidas nada
apresentavam considerável nos foi possível deduzir relativamente a
esplenomegalia e mostravam-se outras entidades mórbidas.
definhadas, a maioria delas em franca Encontramos também em
cachexia palustre. Nenhuma criança Coary um caso de purú-purú, sob o
encontramos sem aumento considerável aspecto de manchas negras, extensivas à
do baço. Em adultos tivemos também mucosa bucal e de manchas brancas mais
oportunidade de verificar infecções abundantes nas mãos.
crônicas e outras agudas pelo A alimentação da população de
impaludismo, causando-nos grande Coary é a comum no Norte,
admiração alguns casos de considerável predominando o peixe e a tartaruga. Há aí
esplenomegalia, entre eles, numa mulher, pequena cultura de cereais, nas
cujo baço caíra no hypogastrio, onde se proximidades da cidade, limitada a um
encontrava com dimensões consideráveis mínimo quase desprezível, como
e num homem, cujo baço tomava todo o atividade agrícola.
abdômen.
As residências de Coary são
Observamos ainda uma criança regulares e comparáveis as dos pequenos
com infantilismo, provavelmente devido povoados do Sul. As casas são cobertas
ao impaludismo. Coary deve merecer de telhas, sendo as melhores rebocadas e
como centro de produção de borracha a caiadas.
atenção do Governo nas medidas de
profilaxia antimalárica.

Nunca Mais Coari 69 Archipo Góes


Através do Amazonas (Impressões de viagens) - 1921

Barracão do Seringal Socó, no Rio Copeá de É, pois, um aspecto bizarro do sertão do extremo norte
propriedade do Cap. José Ribeiro da Silva, do Brasil, de cujas entranhas sai grande parte da
Intendente Municipal de Coary. receita geral da República.
Acham-se presentes: Por outro lado, à vista da pasmosa porcentagem de
1) O proprietário, tendo a sua esquerda a sua crianças, também se pode concluir que a indústria
extremosa filha, Guiomar; extrativa da goma elástica favorece notavelmente o
2) O gerente da casa, o Sr. F. Brazão, sua irmã D. povoamento do solo.
Raymunda Brazão e parte do pessoal extrator, num dia Fonte: Reino da Borracha no Copeá – Revista “O
de recebimento de borracha. malho” - 16-10-1909

Era meado do ano de 1903. E no final da tarde em Coari eram acesos os velhos lampiões de querosene,
iluminando aqui na foto, a rua XV de Novembro, conhecida como “Rua da Frente“

Nunca Mais Coari 70 Archipo Góes


Através do Amazonas (Impressões de viagens) - 1921
Através do Amazonas (Impressões de O comércio local compõe-se do
viagens) — 1921 elemento sírio, contando-se as casas
“Nova Síria”, de Moraes e Addad; “Novo
Mundo”, de Miguel e Irmão, e as
A impressão de uma visita a mercearias de David Antônio, Miguel
Coari em nada sugestiona o espírito do Jorge, Antônio Litaiff, Camilo José e
observador. Situada em terreno pouco Abrahim Azulay. Os preços dos gêneros
elevado, à margem direita do Solimões, a de primeira necessidade são os seguintes:
vila é cortada, na frente, por um pequeno ¼ de tartaruga, 1$500; 1 quilo de pirarucu
braço fluvial, que, avançado alguns fresco, 1$000; uma cambada de peixe, de
metros, tenta dividi-la em dois bairros. $500; a 1$000; 1 quilo de farinha, $500; 1
Torna-se desolador o aspecto quilo de feijão, $600; uma mão de milho,
geral da localidade, vendo-se as ruas $700; ovos, a $100. Os artigos de moda
invadidas pelo matagal viçoso e o solo são vendidos por preços razoáveis.
crivado de enormes poças, onde as Possui a vila uma delegacia de
enxurradas se chocam, por falta de polícia, de que é delegado o tenente Pedro
escoadouros. O terreno da vila é
acidentado, e as edificações, na sua Ferreira de Souza; uma agência postal,
maioria, nada mais são que velhos bem organizada e dirigida pelo coronel
casebres de taipa a evidenciar a miséria e Francisco Carvalho e uma coletoria
o abandono. estadual, a cargo do Sr. João Batista de
O pouco número de habitações Carvalho, notando-se nesta completa
recomendáveis, algumas assoalhadas e falta de selos e de papel selado.
outras com o chão cimentado, demora nas A instrução local tem tomado
ruas Silvério Nery, Quinze de Novembro algum incremento com o funcionamento
e Independência e na praça coronel de uma escola particular, mantida e
Gaudêncio. Mas, os edifícios notáveis, regida pelo professor Benedito Edelberto
são o da Intendência Municipal, de Góes; da escola mista estadual,
reformado ultimamente, e a igreja de São dirigida pela normalista Cesarina Ponce
Sebastião, no centro da praça do mesmo de Leão e da escola mista municipal,
nome. Esse templo, de estilo pouco regida pela professora dona Maria
elegante, foi construído a tijolo e cimento Guimarães Pinheiro. As aulas do
e oferece magnífica impressão nas suas
dependências internas, sendo o ladrilho professor Edelberto funcionam com doze
todo de mosaico. Do recinto principal alunos, e mais ele não recebe, porque a
parte uma bela escada de caracol, pondo- sala da casa em que mora não comporta
o em comunicação com o coro e, daí, por maior número.
meio de outra escada, com a única torre O chefe político da localidade é
existente no frontispício da nave. o coronel Lucas Pinheiro, que, a contento
As obras do templo ainda não da população, exerce as funções de
foram concluídas, achando-se a frente superintendente municipal e acompanha
desse empreendimento uma comissão a política dominante, sendo a oposição
zeladora chefiada pelo coronel Francisco chefiada pelo major Deolindo Dantas.
José Pereira de Carvalho. Trabalhando Outros políticos situacionistas,
pela conservação da igreja, o sacristão divergentes, seguem a orientação política
tem o cuidado de fazer repicar o sino do Dr. Virgílio de Barros, que prestou
todas as manhãs de domingo ou dias relevantes serviços à localidade, tendo
feriados, chamando os romeiros ao
serviço de capinação e asseio da praça, até mantido, quando superintendente, um
onde o matagal prolifera continuamente, bom serviço de iluminação pública, que
transformando-a em campo de pastagem hoje não existe.
dos animais que vivem à solta.

Nunca Mais Coari 71 Archipo Góes


Através do Amazonas (Impressões de viagens) - 1921
O clima do município, como o quando antigamente ascendia a um
de todo o vale do Amazonas, é quente e número considerável, acontecendo que
úmido, sendo de trinta e seis graus a sua muitos habitantes em certas épocas do
maior temperatura. Chove ali de modo ano, moravam em canoas fundeadas no
irregular e com abundância, exceto nos porto.
meses de julho e agosto. As únicas embarcações que
Os principais males, que afetam trafegam normalmente, no município,
a saúde da população, são as feridas são as lanchas “Fausto”, do coronel
bravas, a verminose, o paludismo e as Lucas Pinheiro; “Alvorada”, do major
febres catarrais. No entanto, não existe ali Deolindo Dantas; “Carlos Alberto”, de
nenhum médico, tampouco farmácia. José Joaquim de Souza e “Macambira”,
Nos transes mais dolorosos, os doentes de Pedro Nolasco de Melo. Percorrem
são amparados pelo farmacêutico continuamente os lugares ribeirinhos,
Benedito Edelberto de Góes, que, onde os seus proprietários fazem o
valendo-se de seus preparados comércio de regatão, comprando
medicinais e de outros remédios castanha, pirarucu, tartarugas e frutas em
adquiridos com grandes sacrifícios, não troca de outros gêneros.
tem poupado esforços em combater as As principais produções do
enfermidades, livrando muitos infelizes município são a castanha e a borracha, as
das garras da fatalidade. quais têm minorado, de algum modo, a
Ultimamente, esse abnegado sorte dos seus habitantes.
descobriu um unguento de grande Numa viagem que fiz da vila ao
eficácia no combate as feridas bravas, lago Cajuiri, onde existe a antiga aldeia
assim como um colírio de efeitos dos índios Miranhas pude contar as
positivos no tratamento de moléstias dos seguintes propriedades ribeirinhas:
olhos. “Travessia do Coari”, de Emílio Nunes;
Na falta de produtos “Esperança”, de Samuel Gonçalves da
farmacêuticos, o professor Edelberto Silva; “Paraíso”, dos herdeiros de José
recorre aos remédios homeopáticos e até Marques; “Cantagalo”, de José Azulay;
mesmo as dosagens caseiras, aplicando “Santa Rosa”, de José Ignácio;
continuamente cozimentos de ogervão “Cassiporé”, de Tomás Montenegro;
como soporífico pronto e seguro no “São Paulo”, do Dr. Anísio Jobim; “Porto
tratamento de defluxos e cozimento de Alegre”, de Cândido de Lima; “Casa
alfavaca como paliativo as bronquites e Branca”, de José Cohen; “Engenho”, de
febres catarrais. Francisco Costa e Teófilo Monteiro de
Não exige nenhum recurso Aguiar; “Floresta”, de Anastácio
pecuniário dos seus clientes e contenta-se Marques.
em viver naquela vila com sua família No lago de Coari entre outras
quase à míngua, envergonhado da sua contam-se “Bom-an”, de Isidoro do
pobreza, mas sempre orgulhosos do seu Carmo; “Patauá”, e “Alvelos”, (antiga
caráter de homem honesto e laborioso. freguesia de Coari), do major Deolindo
Vem a pelo salientar que a vila Dantas.
de Coari é farta de peixes e tartarugas, Na propriedade do Dr. Jobim
mas não possui mercado. Os gêneros são (Anísio Jobim) vi alguns espécimes de
vendidos no porto ou nas ruas pelos gado bovino, aves domésticas e um bem
caboclos que chegam dos lugares cuidado jardim onde há flores e
adjacentes. A população da vila não passa trepadeiras de várias matizes. (Gondim,
atualmente de cento e vinte habitantes, 2001)

Nunca Mais Coari 72 Archipo Góes


O Trágico Naufrágio Acontecido em Coari – 1926

A Vila de Coary foi construída a princípio com dois O igarapé de São Pedro separava os bairros de Tauá-
bairros: o primeiro foi Santana (Tauá-mirim), onde foi mirim e o Centro, sendo ligados por uma grande ponte de
localizado o primeiro núcleo de “Coari Novo” e construído madeira de lei, assentada sobre arcadas de alvenaria. Ela
as primeiras habitações. Segundo Stradelli, Tauá-mirim media 120m de comprimentos e 3m de largura. Era um
significa “aldeia pequena ou aldeiazinha”. ponto mais frequentado pelos coarienses no início do século
O segundo bairro foi denominado São Sebastião XX – (Foto de 1924).
(Centro), local construído para ser a região comercial da vila

O Trágico Naufrágio Acontecido em muitos. Não restava outra saída, a não ser
Coari – 1926 pular nas águas do Solimões! Foi o que
Eros Divino Maia Alfaia muitos a bordo do navio fizeram. Ou pelo
menos, os que conseguiram, pois, muitos
O Naufrágio do Vapor Paes de findaram carbonizados. Homens,
Carvalho no ano de 1926 mulheres e crianças… Muitos índios,
caboclos e nordestinos, muitos
Os pacatos moradores do nordestinos. Mas na primeira classe havia
Distrito do Camará, o primeiro da Vila de gente graúda, rica, de boa família do
Coari, no rio Solimões, não acreditavam Estado.
no que viam durante aquela fria Os conhecidos moradores da
madrugada de inverno amazônico… Era Vila de Coari, Sebastião Salignac e o
22 de março de 1926. Capitão da Guarda, José Ribeiro da Silva,
Numa distância de cerca de cem viajavam na primeira classe também. Dos
metros da margem, o navio à vapor, Paes dois, só o primeiro conseguiu, a nado,
de Carvalho, vindo de uma longa viagem, chegar à terra. O Capitão Silva deixou
iniciada há semanas atrás, na cidade de viúva e filhos à ocasião, infelizmente.
Belém do Pará, é consumido pelas Aquela gente do Camará, pegou
chamas famintas de um incêndio suas canoas e batelões, foram ao
infernal! Inimaginável. confronto, do rio e do naufrágio terrível e
Mas aquele povo do Camará infernal, ao desafio de salvar vidas! Havia
teve que agir rápido, pois havia muita vários tipos de vidas a bordo, pois, além
gente viva, ou lutando para sobreviver, dos humanos que viajavam, cargas vivas
nas águas agitadas do rio. eram transportadas também! Equinos,
O desespero tomou conta de bovinos, suínos e aves.
Nunca Mais Coari 73 Archipo Góes
O Trágico Naufrágio Acontecido em Coari – 1926

Vapor Paes de Carvalho


Todos misturados aos pobres e guloseimas pra seguir viagem. Bastava
desassistidos passageiros de terceira atravessar a ponte do igarapé de São
classe! Em geral, índios e nordestinos. Pedro. Mas jamais chegariam a Vila
Aquela gente do Camará, pegou naquela madrugada.
suas canoas e batelões, foram ao A viagem, a muitos, havia
confronto, do rio e do naufrágio terrível e iniciado em Belém, porém só findaria em
infernal, ao desafio de salvar vidas! Havia Cruzeiro do Sul, no Acre. Eram muitos
vários tipos de vidas a bordo, pois, além nordestinos sem rumo, em busca de ficar
dos humanos que viajavam, cargas vivas rico com a ilusão do fatídico final do
eram transportadas também! Equinos, período áureo da borracha, que já dera o
bovinos, suínos e aves. Todos misturados que tinha que dá. Foi um acidente
aos pobres e desassistidos passageiros de fatídico, sem medidas, apesar de que o
terceira classe! Em geral, índios e vapor vinha abarrotado de combustível:
nordestinos. líquido e pólvora! Uma verdadeira
Às três horas e quarenta e cinco bomba relógio!
minutos, aquele inferno todo havia Disseram haver 150 almas a
começado, com uma explosão na popa do bordo, mas naquele tempo, assim como
Vapor! Por ser madrugada, a grande hoje, já havia negligência! E o lucro
maioria dos passageiros dormia e também.
sonhava com a chegada a uma nova Enquanto o Paes de Carvalho
oportunidade, ou a sua Vila de destino. subia, o Índio do Brasil baixava, estavam
Logo estariam no porto do sobrado dos há apenas uma hora de se cruzarem, logo
Dantas, na velha Vila! Ainda daria tempo após a ilha da Botija… Ambos, os
de ir até à Praça Péricles de Moraes para vapores, eram de uma mesma firma de
comprar algumas castanhas e outras navegação, uma firma inglesa.

Nunca Mais Coari 74 Archipo Góes


O Trágico Naufrágio Acontecido em Coari – 1926

O professor Rubem Dário Lisboa Lima, ajudou a salvar 03 O Capitão José Ribeiro da Silva era uma personalidade no
pessoas que ficaram à deriva no rio. Foi uma das cenário político da Vila de Coari na época, estava a bordo do Paes
testemunhas do acidente. Lecionava no Camará na época. de Carvalho, mas não conseguiu sobreviver.

Mas quando o Índio do Brasil se moradores repassaram o ocorrido a seus


aproximava da beira, no lugar do filhos, netos e bisnetos. Foi um fato que
Camará, viu um movimento mais do que uniu gerações, por décadas, através da
fora de ordem àquela hora da manhã. Dia história oral. Se tornou o maior “causo” já
clareando, cheiro de fumaça no ar, mais ocorrido com aquela gente que ali vivia.
gente do que o normal pela beira. Gritos, Mas, após mais de noventa anos
choros, angústia, muitos agasalhados decorridos, o fato foi sendo esquecido,
com lençóis do povo da comunidade. A outros acidentes fluviais foram tomando
população do Camará explicou que o a memória das novas gerações, da
Paes de Carvalho explodiu, próximo à modernidade…
ilha da Botija, baixou e afundou Porém, os que buscarem no
exatamente em frente a comunidade. hoje, informações precisas sobre tal
Te n t a r a m s a l v a r o s q u e acontecimento, vão se deparar com um
puderam, mas, muita gente de Coari, desfecho apresentado pela mídia daquela
Tefé, Belém, Manaus e do Acre, tiveram época, no mínimo, injusto, e até certo
seu fim ali mesmo. Até mesmo os arigós, ponto pretensioso.
naquelas águas, ou no fogo medonho da Os jornais deram notícias de que
madrugada. o incêndio começou com as cinzas do
O Índio não encontrou mais o fumo de uma passageira idosa, da terceira
Paes, muito menos João de Deus, o classe. Acordou de madrugada, com
comandante do Vapor, que deixou uma vontade de fumar seu cachimbo, e assim,
viúva e nove filhos em Belém. Assim uma fagulha chegou até os barris de
como tantos outros também deixaram. O pólvora!
povo do Camará nunca esqueceu dessa Quer dizer, a corda arrebentou
história. Através dela, a comunidade para uma mulher, cabocla, pobre, idosa,
ficou famosa, em jornais e revistas, de tabagista, culpada por entupirem o vapor
toda a região amazônica, e até do país! com combustível, e por terem
Tão cedo não seria esquecida. ultrapassado a lotação máxima da
Por muitas e muitas gerações, os embarcação. Sempre foi assim.
Nunca Mais Coari 75 Archipo Góes
Visita de Mário de Andrade à Vila de Coari

Mário de Andrade - Ponte em Coari - 11 de junho de 1927

Visita do Poeta Mário de Andrade à a ponte gentil.


Vila de Coari — 1927 Compramos castanhas,
comemos castanhas em quantidade.
11 de junho — De madrugada Calor. Partimos rebocando um canoão e o
nos envolveu uma névoa tamanha que o tal vendedor de fruta, negro, que faz parar
Vaticano45 parou. Só andou já de manhã, os navios da Amazon River com um
enveredando para a boca do Mamiá, onde canhãozinho. Hoje conversamos bastante
tinha uma fazenda simpática, bem com o gênio de bordo. A princípio
pitoresca, grande apuro de arrumação. O imaginamos que era maluco, mas não era
dono nem aparecia mais, leproso. não, era gênio, todos afirmam. Parece
A mulher, também leprosa, também que é vigarista, mas não terei a
vinha conosco a bordo, só agora experiência. É assombroso que um
sabemos. Os filhos também leprosos. vaticano destamanho pare num lugarejo
Deu um aspecto absolutamente tétrico na chamado São Luís só para entregar uma
paisagem, nem se pensou em descer, está carta. Não fiz trocadilho não: é o tamanho
claro. No entanto, não tem pouso em que do navio, mesmo.
não desçamos. E depois são os banhos de 1º de julho — Manhã de chuva.
cachaça para derrubar a carrapatagem Parada pra lenha em São Sebastião.
mucuim. Ali pelo meio-dia descemos na Passou uma lancha com soldadesca, indo
bonitinha vila de Coari, uma vontade de para Coari, onde mataram o prefeito.
desafogar. Tudo era bonito, tudo era são,

45. O barco Vaticano São Salvador, da empresa de navegação Amazon River que fazia linha para Iquitos, no Peru.

Nunca Mais Coari 76 Archipo Góes


O Assassinato de Herbert de Azevedo

Coari, 11 de junho de 1927/ Manacá Trombeta e Balança apelidos das viajantes: Olívia Guedes
Penteado, Dulce do Amaral Pinto e Margarida Guedes Nogueira. (Notação no verso).

O Assassinato de Herbert de um contingente de 40 praças, 2 sargentos,


4 cabos e 2 metralhadoras. A fim de
Azevedo apurar a responsabilidade dos fatos
desenrolados ali ultimamente, foi
O Jornal Acreano “A Reforma” publicou nomeado em comissão o Dr. Raymundo
na seção “Informações Telegráficas” as Vidal Pessoa.
seguintes notícias em 3 de julho de 1927: A expedição, que se destina a
Um bando de castanheiros, vila de Coary, vai sob o comando do
superior a 20, assaltou a vila de Coary, Tenente Alexandre Montoril, e como
assassinando o prefeito municipal Dr. médico o Capitão Dr. Tariano Meira,
Herbert Azevedo e mais quatro pessoas. conduzindo ambulância. No “Alegria”
O Dr. Herbert Azevedo, era filho viaja também o tenente Gualter Marques
idolatrado do coronel, jornalista e escritor Batista, nomeado promotor para servir na
Raul de Azevedo, deputado amazonense apuração da responsabilidade dos
e administrador dos Correios do culpados da tragédia de Coary. Logo após
Amazonas e Acre. a luta sanguinária da Vila de Coary, os
Acabam de chegar a Manaus, os desordeiros foram ao lugar “Apaurá”, sob
Drs. Anísio Jobim e Rocha Barros, juiz de a chefia de João Barreto Cruz, que ficou
Direito e Promotor da vila de Coary, gravemente ferido. O tenente Zany Reis,
respectivamente. que exercia o cargo de delegado da Vila
Em demanda da Vila de Coary, de Coary, escapou dos sangrentos
segue amanhã, o vapor “Alegria”, com acontecimentos daquela localidade.

Nunca Mais Coari 77 Archipo Góes


O Assassinato de Herbert de Azevedo
sabido, pelo fato delituoso que passa a
expor:
— Em meados do mês de junho
último o delegado de polícia, tenente
Antônio Zany dos Reis, tendo
conhecimento de que Manoel da Cruz
Barreto e Isaac Cohen insuflavam
constantemente a Pedro Flores Pereira e
Victor Flores Pereira para fazer as
Herbert Azevedo sucessivas ameaças de morte de que se
diziam vítimas João Ferreira de Araújo e
Relatório Final do Inquérito Francisco Assis Ferreira de Araújo, no
referido lugar “Apaurá”, onde também
Passamos hoje para as nossas
residem, mandou intimar, por intermédio
colunas, a jurídica e bem fundamentada
do respectivo agente de polícia distrital,
denúncia apresentada pelo nosso
cidadão Antônio Mendes, os mesmos
prestimoso e querido companheiro
Manoel na Cruz Barreto e Isaac Cohen
Gualter Marques Baptista, no caso dos
para virem à delegacia dar explicações a
assassinatos desenrolados no Município
respeito desse procedimento reprovável e
de Coary, Estado do Amazonas.
prejudicial à tranquilidade do lugar.
“Excelentíssimo senhor doutor Aguardava, pois, o tenente Zany, a vinda
juiz de direito designado para servir em de Manoel da Cruz Barreto e Isaac Cohen
comissão especial nesta comarca de para, então, com a presença de ambos,
Coary — O promotor público ad'hoc no solucionar o caso do “Apaurá”, quando,
exercício de atribuição que lhe é às primeiras horas da noite de vinte e dois
conferida por lei e baseado nos autos que de junho, chegaram a esta vila, em duas
esta acompanha, vem perante v. exe. embarcações — um batelão e uma canoa
denunciar de Pedro Flores Ferreira, possante, — não somente Manoel da
Victor Flores Pereira, Argemiro Garcia, Cruz Barreto e Isaac Cohen, como
Raymundo Gomes da Silva, vulgo Pica- também os demais denunciados,
pau; Inocêncio Lopes Pereira, Antônio habitantes da zona do “Apaurá”, quase
Lopes Pereira, Manoel Domingos da todos armados de rifle e revólver, com o
Costa, Silvarino Serra, Ludgero Pereira, fim preconcebido de suplantar pela força,
Manoel Pereira, vulgo "Três Quartilhos"; de que dispunham, o delegado de polícia,
Vicente Bartolomeu, Antônio Monteiro, tenente Zany e o promotor público da
vulgo "Porquinho"; Manoel Pereira, comarca, Dr. Manoel da Rocha Barros, a
vulgo "Veado"; Manoel Paulada Silva, quem votavam ódio satânico e mortal.
Ignacio Souto dos Santos, João Nazareth
Atracaram suas embarcações ao
da Cruz, Raymundo Nonato da Cruz,
porto, mais ou menos às dezenove horas,
Isaac Cohen, José Carvalho, vulgo
e aí ficaram na quietude intencional de
"Pipira"; Manoel Lage e Antônio Zany
criminosos verdadeiros que esperavam
dos Reis, este, tenente da Força Policial
apenas o momento propício de
do Estado e aqui comissionado, aqueles
estabelecerem a luta, da qual
moradores no lugar denominado
diabolicamente tinham a certeza que lhes
"Apaurá", deste município e comarca,
caberia a vitória, porque contavam com a
atualmente reclusos à cadeia pública
surpresa do ataque premeditado, a
local, com exceção da Isaac Cohen,
superioridade numérica dos
Antônio Lopes Pereira e José Carvalho,
componentes de seu grupo, armados e
vulgo “Pipira”, que andam foragidos e se
municiados convenientemente que
acham, portanto, em lugar incerto e não
estavam para aquela sinistra empreitada.
Nunca Mais Coari 78 Archipo Góes
O Assassinato de Herbert de Azevedo
Na manhã do dia seguinte, isto bando malfeitor.
é, do dia vinte e três de junho, logo cedo, Amedrontado, talvez, por essa
pelas oito horas, compareceram Manoel possibilidade perigosa, o tenente Zany
da Cruz Barreto e lsaac Cohen, disparou seu revólver contra o fugitivo,
acompanhados de Silvarino Serra e pondo-o por terra, gravemente ferido,
Manoel Domingos da Costa, ao edifício desse ferimento vindo hoje a falecer.
da Prefeitura Municipal, onde dava o Enquanto isso se passava à porta da
expediente, num dos seus Prefeitura, o doutor Herbert impedia, a
compartimentos, o respectivo delegado tiros de revólver, que a horda de celerados
de polícia, tenente Zany. Atendendo-os, a penetrasse o edifício. Todavia, a
autoridade policial logo notara a atitude disparidade de forças e de meios
francamente hostil dos indivíduos que se ressaltava aos olhos de toda a gente!
achavam em sua presença para dirimir Pedro Flores Pereira fez pontaria certeira
uma acusação cujos fundamentos se com o seu rifle e alvejou, em pleno ventre,
estavam averiguando regularmente. Em a queima-roupa, o doutor Herbert, que
meio às indagações que fazia o tenente ainda assim, profundamente atingido,
Zany teve de mandar recolher ao xadrez feriu-o no braço homicida com a bala do
Pedro Flores Pereira e Victor Flores revólver que detonara na luta em que se
Pereira, que, chamados, ali se portaram viu envolvido estupidamente.
desatenciosamente e com visível
desrespeito à pessoa do delegado. O pânico estabelecido foi
horroroso, não é possível descrevê-lo.
Quando seguiam os dois para a Refugiado no sótão que há nos altos do
prisão correcional, escoltados por um edifício da Prefeitura, o doutor Herbert, o
praça da força policial, o único que doutor Barros, o tenente Zany, Francisco
compunha o destacamento local, Fraga e José Dantas da Silveira, dali se
correram em direção ao porto, lugar em puderam evadir o doutor Barros e o
que se encontravam suas embarcações tenente Zany que escaparam
atracadas, a bordo das quais se achavam miraculosamente, por este meio, à sanha
os companheiros de insurreição. A dos criminosos terríveis. José Dantas da
combinação estava feita e, ao primeiro Silveira, porém, na ocasião em que, do
grito de Pedro e Victor Flores Pereira, telhado da Prefeitura, procurava passar
todos, de arma em punho, partiram em para o teto de uma casa contígua, foi
demanda da Prefeitura e, alvejado pela bala do rifle que disparou,
inopinadamente, atacaram a quantos ali sucessivas vezes, Victor Flores Pereira,
se encontravam, num verdadeiro demorando a pontaria, cujo projétil,
bombardeamento. seguro, alcançara-lhe o rosto, deixando-o
Contra esta investida brutal e em estado melindrosíssimo.
insidiosa vieram o Dr. Herbert Lessa de Cessada a fúria que reinava
Azevedo, prefeito municipal; o Dr. entre os facínoras, puderam algumas
Manoel da Rocha Barros, promotor da pessoas retirar do sótão da prefeitura o
comarca e os funcionários municipais Dr. Herbert de Azevedo, que sucumbia
que por essa ocasião se achavam no horas depois, em consequência do
desempenho de suas obrigações ferimento recebido. Assim procedendo,
quotidianas. Ante a estupidez da Pedro Flores Pereira incorreu na sanção
agressão, o doutor Herbert e o tenente do artigo duzentos e noventa e quatro do
Zany lançaram mão de suas armas, Código Penal da República, Victor Flores
revólver que conduziam no bolso e não Pereira na do Art. 294, combinado com o
trepidaram, estoicamente, tentaram Art. 13 do mesmo Código e todos os
repelir os bandidos atacantes. Em dado outros denunciados no mesmo Art. 294
momento, Manoel da Cruz Barreto, de combinação com o art. 21 e parágrafo
aproveitando-se da confusão, ia se 1º, menos o tenente Antônio Zane dos
escapulindo, saltando uma das janelas, Reis, que está incurso no artigo duzentos
naturalmente para ir se reunir ao seu e noventa e quatro do citado código.
Nunca Mais Coari 79 Archipo Góes
O Assassinato de Herbert de Azevedo
a Promotoria e notificadas as
testemunhas. Em nove de julho de mil
novecentos e vinte e sete. (Rubrica): —
Raymundo Pessoa".

Os Seus Últimos Momentos


Depoimento de Abguar Bastos

Ainda sob a impressão


acabrunhadora dos últimos
Herbert Azevedo acontecimentos, de que esta vila foi
E, para que sejam punidos teatro, escrevo-lhe para,
devidamente, se oferece a presente minuciosamente, relatar-lhe o que vi e o
denúncia a fim de que, recebida, tenha que ouvi a respeito.
lugar o processo da formação de culpa, Na manhã de 23 de junho, saiu
em dia e hora previamente designados, de casa, em direção ao edifício da
notificando se as testemunhas abaixo Prefeitura para atender ao expediente
arroladas para depor em presença dos diário, o Dr. Herbert de Azevedo, o qual,
acusados que já estão à prisão, feitas as muito alegre, me perguntara se eu nada
diligências necessárias, inclusive a queria de fora; dizendo-lhe eu que mais
citação por edital, com o prazo de trinta tarde iria até à Prefeitura. Mais tarde, fui
dias dos acusados Isaac Cohen, Antônio até a porta da rua, e vi que alguns
Lopes Pereira e José Carvalho, vulgo indivíduos saiam da Prefeitura
“Pipira”, que se encontram em lugar acompanhados de uma praça em direção
incerto e não sabido. a ponte.
Rol de testemunhas: – Primeira, Ao aproximarem-se da mesma,
major Deolindo Alfredo Dantas; todos, quase a um tempo, correram para o
segunda, Benevenuto Lima; terceira, lado do rio, penetrando no batelão que os
Landolpho Euclydes de Oliveira; quarta, transportara à vila, saindo logo, armados
Manoel Nogueira da Silva; quinta, de rifle, aos disparos, que calculei serem
Aristotelina Gonzaga de Oliveira. para a praça que os conduzia, o que
Informantes: — José Dantas da efetivamente era, pois, a praça correra
Silveira, Francisco Fraga, Antônio para o interior do prédio de residência do
Mendes, João Ferreira de Araújo, delegado, nas imediações da Prefeitura.
Francisco de Assis Ferreira de Araújo, Imediatamente os atacantes cercaram a
Luiz Abreu de Queiroz, — todos Prefeitura enquanto várias detonações
residentes nesta comarca. Coary, nove de estrondavam. Estabeleceu-se o pânico.
julho de mil novecentos e vinte e sete. Ao ver que a Prefeitura era atacada, corri
à sala, dali retirando um rifle, com ele
(Assinado) Gualter Marques saindo em direção a ponte. Ao verificá-lo,
Baptista, promotor público “ad hoc”. notei que o mesmo estava desarmado,
Na denúncia acima transcrita perguntando ao empregado que me
proferiu o Juiz o seguinte despacho: — seguia se não havia balas em casa.
"Recebo a denúncia constante da Recebendo resposta negativa, voltei, ao
presente, para fins legais, cite-se os mesmo tempo que o dito empregado me
acusados na forma requerida, para dizia: — Não vá porque são muitos. Olhei
assistirem à formação da culpa que será em direção ao local do conflito e vi mais
iniciada no dia dez de agosto próximo, às de quinze homens, desorganizados, a
nove horas da manhã, no edifício da dispararem para o recinto da Prefeitura as
Prefeitura e na sala das audiências. Ciente suas armas.

Nunca Mais Coari 80 Archipo Góes


Notícias de Coari
Diante disso, imponente, fiquei Local: Manaus - Editora: Palácio Real
encostado à porta, sofrendo uma das Data: 1930 - Coleção: Amazoniana
maiores angústias da minha vida, e que
era de ver um amigo dedicadíssimo
exposto à sanha duma facção
embriagada. Notícias de Coari
Alguém lhe meteu uma vela nas
mãos. Ficou-lhe segurando o Sr. José No dia 13 de julho de 1891, o
Joaquim Pereira. Apenas um termo jornal alagoano “O Horizonte” publicou:
breve, de vez em quando. Estava
comatoso. Antes um desejo de dizer Onze Empregos
alguma coisa. Chegou a dizer-me:
— Eu quero falar-te depois. É uma
conversa de muito interesse. Segundo refere o “Diário de
Manaós” existe na vila de Coary um
Mais tarde: — Fez o que eu te disse? rapaz lá de 18 a 19 anos, de nome Moysés
Pensava que já tinha falado. Para não João Guimarães, o qual, graças à
o impressionar, assenti. incontrastável influência política do seu
Tomei-lhe o pulso. Escutei-lhe o protetor, é uma verdadeira maravilha
coração. Cessava o movimento vital. Era empregomania, uma criança que promete
o momento em que a lancha se muito:
aproximava. Não era mais preciso. Este esperançoso menino é filho
Eis os fatos de que fui presente, reais, unigênito do senhor Jesuíno Marinho,
sob a minha palavra de honra. capitão da guarda nacional e 1º suplente
Várias testemunhas dizem que ele se do juiz municipal. Acha-se atualmente
portou com incrível heroísmo. em exercido dos seguintes empregos,
Afrontou a morte como um que, ao que parece, pelas leis que vigoram
verdadeiro herói. As causas o meu amigo cm Coary não são incompatíveis:
já sabe. Não fez referência a ninguém. 1* Escrivão de delegacia de polícia.
Calmo e forte não verteu uma 2* Escrivão do juiz de paz.
lágrima. Profetizou a morte logo após o 3* Escrivão do júri.
ferimento. 4* Escrivão de órfãos.
A uma visitante em Coari, professora 5* Escrivão das hipotecas.
pública, disse: 6* Escrivão do registro civil.
— Vim morrer em Coari..., disse com 7* Oficial privativo dos casamentos.
ironia pungente.
8* Tabelião público.
Vesti-lhe um seu fato azul-marinho.
Logo que se espalhou a notícia da sua 9* 2º suplente da delegacia de polícia.
morte, mesmo afrontando as balas 10* Agente de fazenda do Estado
miseráveis que ainda estavam na vila, 11* Agente do correio
quase toda a população veio à casa
mortuária. Este precocíssimo menino é
Era muito querido. Noutro dia, de ainda tenente da guarda nacional.
manhã, uma velhinha veio a minha Membro do diretório do partido
residência e na porta da rua chorou como democrata, ex-amanuense da Intendência
uma criança... Municipal e ex-protegido do Coronel
Diário Oficial, Manaus, 23 de junho de 1928 Gaudêncio.Que raio de menino! É o que
In Memorian de Herbert de Azevedo na gíria se chama uma “turuna”.

Nunca Mais Coari 81 Archipo Góes


Notícias de Coari
O MENINO VADIO quem vive há algum tempo e tem filhos. »
* Em março de 1881, o jornal
Quis um menino vadio “Correio Paulistano” Noticiou:
Algum bom prêmio ganhar “No dia 17 de março, pelas 9
Mas queria ele o tal prêmio horas da manhã, sentiu-se na vila de
Sem as lições estudar. Coary, província do Amazonas, um
tremor de terra que durou alguns
segundos. Foi percebido claramente o
O que fez o meu garoto? estremecimento que produziu nas casas e
Com um colega falou nos móveis. Felizmente, não causou
estragos e a população não se tomou de
E dentre muitos projetos grande susto”.
Este enfim apresentou:
- As bananas do jantar
Eu te darei se quiseres,
* Em 17 de fevereiro de 1883, o
Mas tu me darás em troco jornal maranhense “PACOTILHA”
Todo o prêmio que obtiveres. noticiou: foi criada uma coletoria na vila
de Coary.
(O menino é como macaco!) * Em maio de 1885, no jornal
E o meu vadio brincando; Carioca “A Imigração” noticiou:
Viu-se no teto paterno Coary - O Sr. Jesuíno Felix
Cheio de prêmios brilhando. Marinho, agente do correio na vila de
Coary, comunica-nos que existe naquela
Não se admirem do fedelho localidade grande quantidade de bons
Se mostrou ser grande arteiro, terrenos devolutos. A Câmara Municipal
Que entre nós crianças trocam não tem patrimônio. O clima é saudável e
existe ali água em abundância.
As comendas por dinheiro.

Eugênio Jorges. * O Jornal mato-grossense “O


Pharol” noticiou em 17 de julho de 1909:
* No dia 17 de fevereiro de 1880, o jornal
maranhense Pacotilha noticiou: A BANDA MUNICIPAL

«Converteu-se a fé católica
apostólica romana tendo abjurado a lei de O Malho nº 349 de 22 de maio
Moysés, o hebraico David Abdarham, transato, estampou na página 12, como
que há muitos anos reside nesta província amostra do progresso no município de
e vivia na vila de Coary, onde passou há Coary no estado do Amazonas, um
algum tempo para esta capital. O novo quadrozinho da Filarmônica Municipal
convertido, achando-se doente procurou Coariense.
o pastor católico da freguesia, o Revd. “Fotografia tirada a 15 de
padre Dr. José Manoel dos Santos janeiro último, depois da alvorada pelas
Pereira, para em suas mãos fazer a sua festas daquele dia em comemoração da
abjuração, sendo antes instruído por este, posse do governo municipal e
nos principais dogmas da religião inauguração da banda, que teve o seu
católica. início em junho do ano próximo findo,
Depois de haver o converso sob a regência do hábil professor
recebido a água do batismo, casou-se Hermógenes Saraiva da Silva”.
com a Sra. Lucinda Maria do Carmo, com

Nunca Mais Coari 82 Archipo Góes


Notícias de Coari

Criação da Banda Municipal de Coari em 1909

Revista “O Malho” - Ed. 349 ano VIII – 22 de maio de 1909

Nunca Mais Coari 83 Archipo Góes


Emancipação Política de Coari
Ecos do governo Efigênio Sales (coariense), e seu sucessor político,
Álvaro Botelho Maia, fizeram as
negociações necessárias para
* No dia 15 de fevereiro de 1930, o Jornal
comprovação de como era imperativo
“Correio Paulistano” Noticiou:
essa emancipação para Coari.
Então, no dia 2 de agosto de
Radiograma do general 1932 a Vila de Coari é elevada à categoria
Rondon, de Coary, felicitando o antigo de Cidade, pelo Ato Estadual n° 1.665
governador pela obra radiotelegráfica assinado pelo interventor interino, que
realizada no estado. substituía Álvaro Maia, o senhor
MANAUS, 14 (A.) — O Waldemar Pedrosa, que veio a Coari para
general Rondon, em viagens para a celebrar a elevação da condição de vila
fronteira com o Peru, radiografou de para cidade, no dia 7 de agosto.
Coary ao Sr. Efigênio Sales, felicitando- Acontecendo no salão nobre da
o, mais uma vez, em termos elevados, Prefeitura de Coari uma celebração,
pela grande obra realizada durante seu conforme descreve Anísio Jobim:
governo, instalando estações, “Reunidos no salão nobre da
radiotelegráfica no interior do Estado. O Prefeitura as autoridades e grande
general Rondon acentua nesse despacho número de senhoras e cavalheiros,
que só esse serviço bastaria para a industriais, comerciantes,
benemerência do governo do Sr. Efigênio proprietários e artistas, às vinte
Sales. horas, o Prefeito Municipal capitão
Alexandre Montoril, abrindo a
Emancipação Política de Coari sessão, concedeu a palavra, por
ordem, aos oradores inscritos Drs.
Coari no início da década de Raymundo Santos, promotor
trinta era uma das cidades mais próspera público, e Enoch de Siqueira
do interior do Amazonas, tendo a maior Cavalcante, advogado, e cidadão
produção agrícola do estado e sua Dolabela Balbi, que discorreram
infraestrutura já era bem organizada, com com eloquência sobre os motivos da
vários serviços disponíveis aos seus reunião”.
munícipes. Coari já possuía edifícios,
ruas, praças, estação de radiotelegrafia e
iluminação elétrica.
A então Vila de Coari se
destacava num elevado progresso, em
que se constatava um aumento
expressivo de sua população, assim como
seu promissor comércio através da
exploração de suas riquezas naturais. É
notório também que já havia escolas e o
ensino primário já era satisfatoriamente
propagado.
E pelo lado político, o então
prefeito Alexandre Montoril, fazia parte
do grupo político do “Clã dos Nerys”, na
qual seu líder, Senador Silvério Nery
Alexandre Montoril
Militar, político, dentista e poeta
46 - O Serviço de radiotelégrafo começou a funcionar em Coari em 26 de setembro de 1929. – Jornal “O Paiz” de –
27/09/1929.

Nunca Mais Coari 84 Archipo Góes


Alexandre Montoril
No dia 2 de agosto de 1932 época, Alexandre Montoril, fez uma
através do Ato nº 1.665, o Interventor reunião no salão nobre da prefeitura
interino do estado do Amazonas, celebrando a oficialização do ato. Houve
Waldemar Pedrosa, elevou a Vila de alguns discursos de autoridades locais e
Coary a categoria de cidade. participação de industriais, comerciantes
A instalação ocorreu às 20h do e o povo em geral.
dia 7 de agosto, em que o prefeito da

Alexandre Montoril – Personalidade primos e bebeu na fonte da cultura


Histórica paraense; e Maria Pereira Montoril
(1881).
O nome Montoril deriva de Seu irmão, Antônio Montoril,
"Montorio", monte existente na Itália de cedo começou a trabalhar no comércio e
onde os primeiros membros da família logo foi reconhecido por seu trabalho e
saíram no sentido de Portugal e tinha uma boa remuneração. Dessa
posteriormente migraram para o Ceará a forma, ele pagava toda a despesa da casa,
fim de desenvolverem atividades chegando a pagar um professor para
agrícolas. ensinar os irmãos.
Alexandre Pereira Montoril, No ano de 1898, seu pai,
nasceu no dia 31 de janeiro de 1893, na Joaquim Montoril, mudou-se de Assaré
cidade de Assaré, distrito do Crato, no para o Pará com o intuito de prosperar em
estado do Ceará. terras da Amazônia e se estabeleceu no
Seus pais foram Joaquim Rio Tapajós cortando seringa. Após cerca
Montoril e Luzia Pereira Montoril. Filho de 02 anos, ele retornou a Assaré e
caçula numa família com três irmãos: conduziu os filhos Antônio e José
Antônio Pereira Montoril (nasceu em 31 (Cazuzinha) para Macapá, ficando
de janeiro de 1880), o irmão mais velho; Alexandre, Maria e a mãe Luzia no
J os é P ereira M ontoril (1 8 9 1 ) , o Nordeste. Sua irmã, Maria Montoril, que
“Cazuzinha”, que ficou famoso ao levar estava noiva, casou-se com João
seu primo Patativa do Assaré, com 20 Lourenço.
anos ao Pará, onde passou 5 meses com os
Nunca Mais Coari 85 Archipo Góes
Alexandre Montoril

Chegada do Governador Álvaro Maya em Coari - Década de 40

Sua infância foi pobre, e logo praça da Força Policial do Estado. Depois
cedo, para ajudar no sustento da família, de seis meses de instrução, no dia 7 de
Alexandre Montoril trabalhou como fevereiro de 1914 foi promovido a cabo
ferreiro e mais tarde como ourives. Mas da esquadra da CIA de Bombeiros.
logo em seguida mudou-se da cidade de Em 7 de fevereiro de 1914 foi
Crato-CE, junto com sua mãe. Em pouco promovido a cabo de Esquadra da CIA de
tempo se tornou funcionário público da Bombeiros. Em junho foi promovido a 3º
Prefeitura com a função de Fiscal e sargento intendente, e logo em seguida no
Cobrador de Impostos na feira da cidade. dia 1º de outubro foi promovido a
Em 1907, faleceu sua mãe sargento-ajudante.
Luzia, sendo então acolhido pelo primo Em 1916, foi admitido na
José Montoril. Longe da família que Faculdade de Odontologia de Manaus,
estava no estado do Pará: no rio Tapajós diplomando-se em 1920. Logo em
estava seu pai trabalhando e seus irmãos seguida, foi nomeado Delegado de
em Macapá. Em junho de 1909 Polícia em Tefé (1920/22), em Maués e
Alexandre Montoril foi ao encontro de em Eirunepé.
sua família no Norte. Em 1923, contraiu núpcias com
Depois de chegar na cidade de Elisa Oliveira e, nesse mesmo ano, foi
Macapá, passou a morar com os dois nomeado Interventor em Itacoatiara, no
irmãos. E depois de 08 meses seu pai veio rápido governo revolucionário de Ribeiro
buscá-los e foram viver no Tapajós, Júnior, expressão maior, no Amazonas,
contudo em junho de 1910, seu pai do movimento tenentista que dominou o
adoeceu e foi se tratar em Belém, onde Brasil na década de 1920.
veio a falecer, ficando órfão Alexandre Em 13 de janeiro de 1928, após
Montoril com 17 anos. o assassinato do Prefeito Herbeth Lessa
Sendo acometido de Beribéri de Azevedo foi nomeado Prefeito Militar
aguardou o fim do fábrico e voltou ao de Coari, sendo, então, efetivado no posto
Ceará, logo se restabelecendo. Mas a de capitão da antiga Guarda Nacional,
saudade do Norte o fez voltar e em passando para a reserva remunerada.
dezembro de 1912 chegou em Manaus. Casou-se com uma jovem
Em janeiro de 1913, tornou-se tefeense chamada Elisa Montoril.

Nunca Mais Coari 86 Archipo Góes


Alexandre Montoril
O Progresso da Cidade da Coary.
Trapiche
Por um rádio recebido pelo Dr.
Álvaro Maia, interventor federal,
estampado ontem no “Diário Oficial” e
transmitido de Coary pelo respectivo
prefeito Alexandre Montoril, sabe-se que
foi ali inaugurado um trapiche com
duzentos e sessenta metros de extensão,
facilitando a atracação de dois vapores ao
mesmo tempo. Esse serviço, que atesta o
progresso da cidade ribeirinha e a
atividade do atual prefeito, custou a
municipalidade cinquenta e oito contos,
duzentos e oitenta e nove mil e vinte oito
reis .
Em 5 de novembro de 1933, o
j o r n a l d o Te r r i t ó r i o d o A c r e “ A
REFORMA” noticiou que foi inaugurada
na vila de Coary no Amazonas, um
Alexandre Montoril engenho a vapor com turbinas para
fabricação de açúcar.

Prefeito de Coari Biblioteca Municipal de Coari

O governo de Montoril foi No dia 22 de novembro de 1940,


marcado pelo dinamismo e seu espírito o Jornal do Comércio noticiou: do senhor
construtor. Seu primeiro passo foi Alexandre Montoril, prefeito municipal
construir uma olaria que foi a base para de Coary, recebemos uma circular
todos os seus empreendimentos, que comunicando-nos haver sido inaugurada
mudaram a aparência da cidade. naquela cidade, no dia 10 do corrente ,
“Há quem diga ter sido ele o uma biblioteca popular denominada
mais dinâmico de todos os prefeitos, “Álvaro Maia”.
erguendo prédios públicos aqui e ali,
inclusive o grupo escolar, onde estudei; A Praça Getúlio Vargas.
abrindo ruas, construindo pontes (como A Praça Presidente Vargas,
esquecer a ponte Álvaro Maia, como era denominada na época, foi o
exatamente a ponte pintada de verde, que símbolo da administração de Montoril,
ficava quase atrás de minha casa e que onde foram construídos alguns marcos da
tinha, bem na frente, um pé de arquitetura coariense: o obelisco , o
muçambê?).” - (Francisco Vasconcelos) coreto municipal e o monumento do
marco zero.

47. Anno XXXIV Nº 11.349 - 7 de dezembro de 1937 - Jornal do Comércio.


48.10 de novembro de 1940.
49. O obelisco é um monumento comemorativo, típico elemento da arquitetura do Antigo Egito. A palavra obelisco vem do
grego obeliskos, que significa “pilar” ou “espeto”. Era um termo que foi sinônimo de “proteção” ou “defesa”. A agulha de
pedra tinha a função de perfurar as nuvens e dispersar as forças negativas que sempre ameaçavam acumular-se sobre a
cidade, na forma de tempestades visíveis ou invisíveis, ou demais eventos catastróficos de origem da natureza. Os obeliscos
têm forma quadrangular e ligeiramente afunilada na parte mais alta, formando uma pequena pirâmide na ponta.

Nunca Mais Coari 87 Archipo Góes


Alexandre Montoril

Trapiche do Porto – 1939

Biblioteca Pública de Coari

50. No Jornal “A Tarde”, edição de 1942, por Alexandre Montoril.

Nunca Mais Coari 88 Archipo Góes


Alexandre Montoril

Escola Francisco Lopes Braga

Pç Getúlio Vargas - Retratação do Artista Coariense Paulo César Silva de Moura

Nunca Mais Coari 89 Archipo Góes


Alexandre Montoril
Escola Francisco Lopes Braga de 1927, fato esse que foi determinante
para a vinda de Montoril a Coari como
Em 30 de janeiro de 1935 a interventor.
escola foi oficialmente criada pelo Após a revolução de 30, houve
Decreto Lei n 4.508 e publicada no Diário uma intervenção geral, Montoril foi
Oficial nesta mesma data. Passando a ter nomeado prefeito para o período de 1932
seus estudos regularizados e a 1936 (seu primeiro mandato), depois foi
sistematizados. Assim, passou a chamar- eleito novamente para o ciclo de 1936 a
se “Grupo Escolar Francisco Lopes 1939 (segundo mandato). Houve ainda,
Braga”, seu nome atribuiu-se a uma um período de prefeito nomeado, na
homenagem engenheiro manauara ocasião da intervenção da ditadura, o
Francisco Lopes Braga. Estado Novo, chefiado por Getúlio
Vargas (1939 a 1947), ficando as eleições
livres suspensas e os partidos políticos
Sua Vida Política são abolidos. Dessa forma, Alexandre
Montoril permaneceu 15 anos no poder
No princípio do século XX, o como prefeito de Coari.
líder político da cidade era o coronel Com o período pós Estado
Lucas Pinheiro, chegando ao ápice Novo, exatamente no dia 27 de abril de
quando foi Superintendente Municipal 1947, Montoril é eleito deputado estadual
(prefeito) biônico da cidade entre os anos representado Coari na Assembleia
de 1920 a 1926, quando perdeu a Legislativa do Amazonas. E ainda em
liderança para Deolindo Dantas (que Coari, elegeu seu sucessor a prefeito, o
teremos um capítulo para descrever sobre Senhor Edgar da Gama Rodrigues,
sua vida). através de eleições diretas, sobressaindo
Após a reforma Constitucional seu grupo político.
de 14 de fevereiro de 1926, foi nomeado A Câmara Municipal ficou
Prefeito Constitucional, em 13 de abril de composta de: Teófilo Marques Vera,
1926, o avultado escritor Péricles Antenor Albuquerque Leitão (Presidente
Moraes , contudo, devido ao grande 1947/1948), Dulce Cruz de Moraes
agastamento da capital, Manaus, e das (Primeira Vereadora do Município de
poucas condições da cidade, o mesmo Coari), Enedino Monteiro da Silva e
apenas ficou um ano. Raimundo Monteiro Júnior (Presidente
Em 12 de janeiro de 1927, 1949/1951).
assumiu o Governo Municipal, Dr.
Herbert Lessa de Azevedo, natural de
Manaus, filho do grande escritor Raul de
Azevedo. Foi assassinado em 23 de junho

51. Francisco Lopes Braga (08.07.1857 A 192?) nasceu em Manaus, onde realizou seus estudos Primários e de
Preparatórios. Viajou então para a Europa e graduou-se em Engenharia pela Universidade de Coimbra, em Portugal. De
volta à capital amazonense, tornou-se professor de Matemática. Apesar de ter sempre se esquivado do mundo político, na
administração do governador Antônio Clemente Ribeiro Bittencourt, entre 1908 e 1912, assumiu a Diretoria de Obras
Públicas e Concessão de Terras do Estado. Foi na sua gestão à frente dessa repartição pública que se construiu, na rua José
Clemente, o prédio do antigo Grupo Escolar Marechal Hermes. Ainda na década de 10, foi professor e diretor substituto da
então Faculdade de Engenharia da Universidade de Manáos.
52. Péricles Moraes (1852-1956). Ensaísta, crítico, professor de língua francesa, funcionário público, prefeito de Coari – foi
talvez o intelectual mais influente do Amazonas, na primeira metade do século XX. Está entre os fundadores da Academia
Amazonense de Letras, tendo sido seu primeiro presidente.

Nunca Mais Coari 90 Archipo Góes


Deolindo Dantas
árabe, que primeiro foi traduzida em
outro documento em francês, para depois
ser traduzido para o português
finalmente. Deolindo Dantas foi um dos
empresários mais próspero de nossa
cidade na primeira metade do século XX,
chegando a possuir um famoso barco, que
era um bem muito valioso naquele
período, com o nome de Alvorada.
Foi casado três vezes. No
primeiro, desposou Adelaide Correia
Dácia, e desse matrimônio nasceu:
Antônio Correa Dantas, a filha conhecida
como Senhorita, Lamartine Correa
Dantas, Nair Correa Dantas e Américo
Dantas (Jacó).
Passamos agora a descrever a
biografia de um importante líder político O Segundo Casamento foi com
e comercial coariense. Foi o principal Francisca de Freitas Gintirana, e dessa
opositor político de Alexandre Montoril e núpcias nasceu Alvelos (Raimundo de
um personagem lendário e polêmico na Freitas Dantas) e Dandi (Deolindo de
história de nossa cidade. Freitas Dantas). E da terceira união
Nasceu Nelson Dantas, que hoje mora em
Deolindo Alfredo Dantas, Brasília.
major da guarda nacional, natural de
Teixeira -PB, descendente da expressiva Na segunda metade da década
família Dantas da Paraíba, sobrinho de de vinte, Deolindo, tornou-se um grande
João Dantas . Deolindo Dantas ainda líder político devido ao seu sucesso como
criança e sua família chegaram em comerciante desbancando o famoso
Manaus-AM no ano de 1895, período Coronel Lucas de Oliveira Pinheiro, até
“pré época áurea da borracha”. Por um então líder da cidade. Contudo, o então
tempo, moraram no Camará (distrito de Coronel de Barranco Lucas Pinheiro
Coari) e logo depois na vila de Coari, entrou em falência, vendendo a maior
vindo morar na rua XV de novembro, a parte de seus seringais e castanhais para
rua da frente. Deolindo Dantas, assim encerrando suas
atividades políticas e econômicas na
Na sua juventude começou seus cidade de Coari.
empreendimentos em diversas áreas,
comprou alguns seringais e castanhais. O major Deolindo Dantas, foi o
Foi o primeiro a implantar uma usina de principal chefe político da UDN (União
energia, em que ela supria e provia seus democrática Nacional), situava-se na ala
outros negócios, como: uma serraria, conservadora dos ruralistas, partido que
fábrica de sabão, padaria, indústria de fazia oposição ao Presidente Vargas, de
beneficiamento de pau rosa e uma quem Montoril era fiel partidário. Possuía
sorveteria. Comprou as terras da antiga muitos bens, principalmente imensos
Freguesia e um Sobradinho no Tauá- seringais e castanhais, onde se
mirim, pertencente a um turco que já desenvolvia fortemente um comércio
vivia distante, no Oriente Médio. O extrativista marcado pelo sistema de
Antigo dono do Sobradinho passou uma aviamento que caracterizava a economia
procuração autorizando a venda em amazônica na época.
53. Teixeira é um município brasileiro no estado da Paraíba, localizado na microrregião da Serra do Teixeira e integrante da
Região Metropolitana de Patos.
54. No dia 26 de julho de 1930, em Recife, João Dantas assassinou João Pessoa, então governador da Paraíba. Sua morte
serviu como estopim para a Revolução de 30, que trouxe Getúlio Vargas ao poder.

Nunca Mais Coari 91 Archipo Góes


A Chegada dos Padres Redentoristas a Coari
Nas eleições suplementares continuidade.
realizadas em 11 de março de 1951, o A Diocese do Amazonas
Major Deolindo chegou a eleger enfrentava grandes dificuldades para
deputado estadual seu filho Deolindo de evangelizar nosso estado, e o principal
Freitas Dantas, conhecido por Dandi, que motivo era a falta de padres para atender
recebeu 481 votos representando a UDN. sobretudo as paróquias das cidades do
E na mesma eleição Alexandre Montoril interior. Em razão disso, no dia primeiro
foi reeleito pelo PSD (Partido Social de outubro de 1943, o Bispo do
Democrático) com 549 votos. Dessa Amazonas, Dom João da Mata de
forma, no princípio dos anos dourados Andrade e Amaral solicitou ao superior
Coari tinha dois deputados estaduais que da Ordem Redentorista da província de
travavam vários embates políticos que Sant´ Louis (EUA), o envio de
influenciaram diretamente a vida da missionários daquela localidade para
cidade. evangelizar no Estado do Amazonas.
A solicitação foi aceita. As
primeiras paróquias em que começaram o
seu trabalho de evangelização foram as
de Coari e Codajás. Mais tarde se
estendendo para Manacapuru, Anori e a
vila de Anamã etc.
Os primeiros missionários a
chegarem a Manaus, em 22 de julho de
1943, eram os Padres José Elworthy ,
João McComick, André Joerger, José
Maria Buhler, Jaime Martin e o Irmão
Cornélio Ryan.
Ainda no ano de 1943, a
comitiva dos recém-chegados padres
norte-americanos viajou à Coari, e ao
chegarem foram recebidos pela
população no lago de Coari, próximo ao
sobrado da Família Dantas com muita
festa e curiosidade. Os sinos da igreja
soaram dando boas-vindas e todos
queriam receber as bênçãos que eram
Em 1940, Emilia Abinader foi eleita a primeira Miss distribuídas em inglês e as missas
Coari, no concurso promovido pelos periódicos “O celebradas em latim, como era tradição
Jornal” e “Diário da Tarde” de Manaus-AM.
naquela época.
A Chegada dos Padres Redentoristas Destacamos que, além da
grande mudança no modo de viver do
coariense com amparo espiritual,
Até o ano de 1942 só aparecia assistência social e de saúde, houve o
padre em Coari em atividade religiosa início da mudança na arquitetura
por um ou dois dias e em condição paisagista da cidade, com a construção
especial de “Desobriga”. A viagem era coordenada pelo Irmão Cornélio Ryan e
feita solitariamente para visitar o seu do Padre José Elworthy, da casa
rebanho e “desobrigá-los” em relação aos paroquial, um pequeno hospital e o
Sacramentos do Batismo, Eucaristia, seminário, que mais tarde se transformou
Penitência, Crisma e Matrimônio sem na escola Nossa Senhora do Perpétuo
todos os preparativos apropriados e sem Socorro.
55. Em 04 de fevereiro de 1944, foi nomeado o primeiro pároco da paróquia de Coari, que em 13/06/1963 tornou-
se sede da prelazia de Coari (Codajás, Anori, Anamã, Beruri, Caapiranga, Manacapuru e Coari) desmembrada da
Diocese de Manaus.

Nunca Mais Coari 92 Archipo Góes


A Chegada das Irmãs Adoradoras do Sangue de Cristo

A bordo do “Industrial” (à frente) Ir. Georgiana, Madre Julitta, Irmã Franciscana, Ir. Marciana e Ir. Jane Frances

Em meados do século XX, a chegaram à Manaus pelas asas da Panair


Amazônia era isolada dos grandes do Brasil quatro Irmãs Adoradoras do
centros urbanos e a crise pós ciclo da Preciosíssimo Sangue de Cristo que
Borracha impedia que as cidades do foram pioneiras na evangelização desta
interior do estado possuíssem o mínimo congregação no estado do Amazonas.
de condições básicas para o Eram elas: Maria Julitta Elsen (Irmã
desenvolvimento e sobrevivência do Julita), Maria Georgeana Heimermann
povo da floresta. Na região do Solimões (Irmã Georgiana), Maria Marciana
não era diferente. Porém, os Heimermann (Irmã Marciana) e Mary
Redentoristas foram os principais Jane Frances (Irmã Joana Francisca).
personagens que lutaram para equalizar O Bispo do Amazonas, Dom
esses déficits, e ainda ter um “olhar” João da Mata de Andrade e Amaral, fez
sobre as necessidades dos ribeirinhos. uma festiva recepção, em que na ocasião,
Constatando a necessidade de fez um discurso vibrante, e disse aos
criação de escolas do ensino fundamental convidados que ali estavam realmente
(primário e ginásio) e ensino médio algumas virtuosas e destemidas Irmãs: “E
(secundário), algumas clínicas médicas e que duas delas podem até mesmo dirigir
que havia uma falta de profissionais um automóvel! ”. O fato de que uma era
destas áreas. Em 1946, o Padre João uma professora de música e a outra uma
McComick fez uma viagem de retorno à enfermeira registrada era excelente para
província dos Redentoristas (EUA) para atender as necessidades da população de
tentar sensibilizar algumas congregações Coari. Portanto, o fato de que duas delas
para angariar religiosas para servir na podiam dirigir um carro, era a parte mais
Região Amazônica. Recebeu resposta apreciada da notícia que se divulgou por
positiva do convento das Irmãs semanas. Ele disse isto ao governador do
Adoradoras do Sangue de Cristo de estado. Ele o disse ao prefeito da cidade.
Wichita, no estado do Kansas, aquelas Anunciou-o na Igreja Catedral. De fato,
que, seriam suas colaboradoras disse a cada pessoa que encontrou.
incansáveis ao longo dos anos. Pensem nisso: “Irmãs que podem dirigir
No dia 27 de novembro de 1947, um carro”.

Nunca Mais Coari 93 Archipo Góes


A Chegada das Irmãs Adoradoras do Sangue de Cristo

Catedral de Santana e São Sebastião


No dia 21 de dezembro de 1947, missionário que a elas foi destinado no
o Pároco José Elworthy e as quatro Irmãs Amazonas, às 16 horas do dia 25 de
embarcaram no Barco de nome dezembro. A cidade fez uma recepção
"Industrial", às 23:00 horas, enquanto calorosa para as missionárias. Padre João
caía uma chuva torrencial. O “Industrial” Maria Kreuzer estava ali para saudá-las.
foi abastecido e carregado com cargas As Irmãs foram levadas para sua casa, o
para abastecer o mercado coariense. Hospital da cidade, onde encontraram
Partiram de Manaus, à meia-noite, em tudo preparado, até mesmo os sinos de
movimento de velocidade lenta. Elas Natal. Foi um grande dia para Coari.
realizaram a viagem num pequeno A concretização do início do
camarote. Todas estavam contemplando projeto educacional sistematizado e
a estadia no barco, bem como a paisagem institucionalizado em Coari aconteceu
amazônica. com a chegada na cidade da primeira
Naquele tempo, uma viagem de brasileira a ingressar na congregação das
barco demoraria cerca de quatro dias. Adoradoras do Preciosíssimo Sangre, a
Portanto, as irmãs e o padre tiveram de Irmã Serafina Cinque , que chega de
passar o Natal a bordo do barco. avião a Coari, em 25 de março de 1949,
Na Véspera do Natal ainda se onde se tornou a diretora do Ginásio de
encontravam em pleno rio Solimões. À Coari e da Escola Normal Rural, em que
meia-noite, o Padre Elworthy celebrou a ficou para história como primeira escola
Missa de Natal sobre o rio e em um belo mista em todo o estado do Amazonas.
cenário Natalino. O altar não foi um dos Hoje Irmã Serafina Cinque ASC
mais bonitos, mas o bebê de Belém veio está em processo de beatificação e
para cada passageiro durante a santificação. É conhecida como o “Anjo
celebração. da Transamazônica”. A organização do
Quando as Irmãs finalmente processo de investigação e defesa está
chegaram a Coari, o primeiro núcleo sob a coordenação da Irmã Marília
Menezes ASC.
Nunca Mais Coari 94 Archipo Góes
Tenente Holanda
Tenente Holanda incidente prontamente encerrado com a
intervenção das pessoas presentes, sem
Os Ânimos Exaltados em Coari que houvesse qualquer exaltação de
ânimos.
No dia 6 de janeiro de 1948, o Quanto à referência “haverá
senhor Alvelos Dantas fez sérias brevemente uma chacina neste
denúncias sobre os fatos recentes na município”, isto revela a existência de um
Câmara Municipal de Coari ao Jornal do plano sinistro de perturbação da ordem,
Comércio. Ele ressaltou que os premeditada pelos nossos adversários
vereadores da UDN foram hostilizados políticos, ao qual talvez não seja estranho
pelo presidente Antenor Leitão e pelo o delegado de polícia, tenente Holanda,
vereador Enedino Monteiro. Citou ainda, que continua publicamente destratando e
que o cidadão Tertuliano Rebelo teve hostilizando a administração municipal,
acesso ao púlpito e fez agressivos ataques afirmando não merecer meu governo
ao Presidente da República, General apoio ou garantia de qualquer espécie,
Dutra. E o mais grave foi a denúncia que a por parte de sua autoridade policial,
vereadora Dulce Morais, UDN, “foi atitude essa que já levei ao conhecimento
agredida barbaramente, ao sair da do Exmo. Sr. Governador do Estado.
Prefeitura por dois capangas do Prefeito e
do ex-ditador Montoril. No caso do Sr.
Governador do Estado não tomar sérias A Volta do Gatuno Peruano
providências, brevemente haverá uma
chacina neste município”. Em 23 de junho de 1948,
Três dias depois, 9 de janeiro de Deolindo Dantas faz uma denúncia no
1948, podemos verificar que houve uma Jornal do Comércio:
resposta também no Jornal do Comércio, “Soubemos haver voltado à
em que pode se verificar que o deputado cidade de Coari, o perigoso gatuno
Alexandre Montoril publicou um Tomaz Peres, que, processado e
telegrama do Prefeito Edgard da Gama, pronunciado, por vários furtos que
enviado de Coari (07/01/1948), praticou naquela cidade dali fugiu
explicando os fatos que ali ocorreram, amparado por um salvo-conduto, que lhe
diferente da comunicação que foi feita. forneceu o então delegado de Polícia,
Os trabalhos da Câmara foram Américo Leitão, na noite do dia em que
encerrados com uma sessão especial fora, pela Promotoria Pública, requerida
noturna, no dia 4, tendo comparecido os a sua prisão preventiva. Devo frisar que
coletores Raimundo Barreto e Manoel naquela época — da Ditadura — era
Morais, o padre José, Vigário da Prefeito o deputado Montoril e nada se
paróquia, o tabelião Dimas Rodrigues e a fazia ali sem a sua ordem. A volta desse
grande massa popular. Os discursos larápio àquela cidade põe em sobressalto
pronunciados pelo presidente da Câmara seus habitantes, além de ser desrespeito
e pelo vereador Enedino Monteiro às autoridades, especialmente àquelas
fizeram constar da resenha dos trabalhos perante quem correu o processo”.
do legislativo, exaltando os beneméritos
governos do general Dutra e do Sr. Ameaça de Morte ao Deputado
Leopoldo Neves , aos quais Montoril
endereçaram moções de apoio e
solidariedade. Terminada a sessão, à
saída do edifício da Prefeitura, a No dia 27 de julho de 1948, o Jovem
vereadora Dulce Morais, provocou uma Dandi (Deolindo de Freitas Dantas)
discussão, trocando insultos com o proferiu as seguintes ameaças:
trabalhador Modesto Ramos, sendo o
56. Foi governador do Amazonas, de 8 de maio de 1947 a 31 de janeiro de 1951.

Nunca Mais Coari 95 Archipo Góes


Tenente Holanda
“Encontra-se preso, na cidade “Depois de aprovada a ata da
de Coari, o peruano TOMAZ PERES, por sessão anterior e relatado o expediente,
haver praticado inúmeros roubos, e ante o usou da palavra o Sr. Alexandre Montoril,
clamor que se levantou contra a presença para ler um ineditorial publicado, ontem,
daquele gatuno. Cumpre adiantar, que a em nosso matutino, e assinado pelo
maior vítima daqueles furtos, foi a firma estudante Deolindo de Freitas Dantas,
comercial de meu pai e, em 1940. após o que fez comentário em torno do
Agora com a volta de Tomaz mesmo, dizendo ser aquilo uma ameaça
Peres, correm ali, insistentes boatos, que pública, e que, não sendo apático, podia
estão sendo averiguados, de que o Dep. mostrar aos três irmãos Dantas que não
Alexandre Montoril, havia oferecido a era covarde. Depois de dizer que tudo era
aquele larápio, a importância de dez mentira, bastando para tanto observar a
contos de réis, para que o mesmo linguagem, que bem podia definir a
assassinasse o meu velho pai. família, acabou por chamar os Dantas de
“loucos”. Para sanar, de vez por todas, a
Infelizmente ainda não
questão, informava à Casa que já havia
podemos concretizar estas denúncias.
solicitado ao Dr. chefe de Polícia, em
Todavia, verdadeiros ou não aqueles
petição, abertura de inquérito a respeito”.
boatos, fica o Sr. Alexandre Montoril
advertido, de que qualquer violência ou Foi Pedido a Substituição do Delegado
traição que venha a sofrer o meu velho pai de Polícia de Coari
ou qualquer outro membro de nossa
família, as represálias não se farão
No dia 3 de setembro de 1948 o
esperar. Sabe que em caso de qualquer
Jornal do Comércio publicou:
ofensa, quer seja moral ou física, nós,
DANTAS, saberemos reagir à altura. O orador seguinte foi o Sr.
Portanto, faça com que os membros de Alexandre Montoril, que manifestou o
nossa família não sejam alvo da sanha dos seu desejo de fazer um apelo em favor do
seus capangas e apaniguados, pois eu e município de Coari. Vinha o orador
meus dois irmãos estamos de atalaia, para “prevenir acontecimentos lamentáveis,
revidar as ofensas que por ventura talvez de consequências imprevisíveis,
venhamos a sofrer. no que diz respeito a ordem, ao bem-estar,
à segurança pública, à garantia das
Está o Sr. Alexandre Montoril
autoridades daquele município”, e fazia
acobertado pelas imunidades
essas declarações em vista “do que se
parlamentares, que lhe oferta a cadeira de
planeja de maquiavélico e tenebroso, à
Deputado, meu pai, infelizmente, não
sombra do amparo da autoridade policial,
está a salvo de uma traição. Todavia, fica
Sr. Tenente João Holanda Cavalcante,
o Sr. Montoril sabendo que, juntamente
recentemente nomeado para delegado de
com os seus, arcará com as
Polícia dali. Depois de dizer ser esse
responsabilidades do que nos venha a
cidadão seu inimigo pessoal, do prefeito e
a c o n t e c e r. N e s t e c a s o , a s s u a s
do povo em geral de Coari, e que o
imunidades serão meras formalidades.
mesmo se encontra fazendo a política do
Meu pai, meus irmãos e eu Sr. Deolindo Dantas, formulou uma
somos homens de brio, a quem a indicação a Casa, no sentido de que o Sr.
sepultura ou o cárcere não nos governador do Estado, Dr. Leopoldo
amedrontam, ao ponto de impedir a Neves, tomando em consideração as suas
salvaguarda da nossa honra”. alegações, nomeie um delegado
insuspeito, podendo escolher uma
A Resposta de Montoril autoridade da sua inteira confiança,
contanto que para ali não vá fazer
No dia 28 de julho de 1948 o política, desejando perturbar a boa ordem
Jornal do Comércio publicou: administrativa reinante em Coari.

Nunca Mais Coari 96 Archipo Góes


Tenente Holanda
Outro fato que determinava a Holanda por Coari, no início de 1948,
atitude do deputado Montoril, era que o deixou claro que a volta das eleições
Dr. Sebastião Salignac de Souza, juiz de diretas municipais e a vitória do grupo de
direito da comarca, se encontrava Alexandre Montoril (PSD) através da
ameaçado pela própria autoridade eleição de Edgard da Gama, incomodou
policial, nomeada recentemente”, profundamente a ala udenista coariense.
conforme dissemos, e sim: “A presença Na mesma época foi
do Sr. tenente Holanda em Coari, como Governador do Estado, Leopoldo
delegado, importará também numa Amorim da Silva Neves, que apesar de
ofensa ao judiciário, pois, ligado como ser filiado ao PTB (Partido Trabalhista
está aos meus inimigos, e inimigo das Brasileiro) de Getúlio Vargas, foi eleito
autoridades, a sua ação como delegado entre uma coligação, fora do comum no
nesta conjuntura, ou melhor, nesta fase Brasil, com a UDN (União Democrática
efervescente de ansiedade e tristes Nacional), arqui-inimiga do ex-ditador.
expectativas, coloca em perigo a vida do Dessa forma a UDN Coariense tinha
juiz de direito, o Dr. Sebastião Salignac influência no governo estadual e assim
de Souza, íntegro e enérgico magistrado, garantindo a escolha do aparelho de
pertencente a uma família tradicional repressão policial, representado pelo
desta terra, o qual também se encontra tenente Holanda, que desafiava,
ameaçado na sua vida pelo próprio desrespeitava e atacava a autoridade do
cunhado, Sr. Américo Dantas, que peitou então Prefeito Edgard da Gama,
o Sr. Manoel Felix para assassiná-lo a vereadores do PSD e do Juiz de Direito da
faca, conforme declarou este na polícia, Comarca, Senhor Sebastião Salignac.
em inquérito que está correndo na Depois de muitas tentativas, por
delegacia daquela cidade. parte do deputado Alexandre Montoril,
Na sessão posterior houve a
houve a remoção do Tenente Holanda da
votação da indicação do Deputado
cidade de Coari, e a paz voltou a ser
Alexandre Montoril, em que o seu autor
vivenciada por pouco tempo. Contudo,
fazia um apelo ao governador do Estado,
no início de setembro de 1948, a notícia
para que substituísse o Tenente José
da volta do militar udenista encheu de
Holanda Cavalcante, nas funções de
preocupação os ânimos da população
delegado geral de Coari, para onde fora
prevendo uma possível tragédia.
nomeado recentemente. Contudo, foi
recusada por 12 votos contra 9. O Retorno do Tenente Holanda a Coari
A Morte do Tenente Holanda Te n e n t e H o l a n d a a o
desembarcar do vapor em Coari, a “Terra
Observamos que a longa e épica dos Jurimáguas”, foi recebido de forma
disputa entre Deolindo Dantas e áspera e provocativa. Quando já em terra,
Alexandre Montoril pelo poder em Coari foi abordado pelo senhor Doca Monteiro,
causou inúmeras intempéries e escrivão de Polícia, dizendo-lhe este, que
desavenças graves entre a década de ele não poderia assumir o exercício do
trinta e cinquenta. Um fato marcante cargo, porque o Delegado de Polícia,
entre essa disputa entre UDN X PSD Antônio Araújo (partidário de Edgard da
trouxe a Coari o tenente João de Holanda Gama), havia recebido um telegrama do
Cavalcante, com uma personalidade chefe de polícia do estado, dizendo-lhe
forte, rude, grosseira e que usava do que não entregasse a Delegacia nem
autoritarismo para manter a ordem na desse posse ao mesmo, sob pena de crime
pequena e pacata Coari. de responsabilidade. A essa intimação
Depois da longa noite da respondeu o tenente Holanda ao escrivão:
ditadura getulista e o retorno à prática da “Não vim assumir, vim ver minha
Democracia, a primeira passagem de mulher, que se encontra doente”.
Nunca Mais Coari 97 Archipo Góes
Tenente Holanda
A Saída do Prefeito da Cidade passar em frente à Prefeitura (Pç Getúlio
Vargas), observou um grupo de homens
conduzindo cartazes com dizeres
Foram feitas algumas
ofensivos à sua pessoa, em que um destes
intimações e convites em nome do
representava um homem com as mãos
delegado Antônio Araújo, para uma festa
cruzadas sobre o peito e a cabeça caída
e passeata, por ocasião da chegada do
para um lado, como se estivesse morto,
Tenente Holanda. As ruas estavam cheias
evidenciando as intenções de o matarem.
de cartazes, com dizeres ofensivos a esse
Oficial, que acabava de ser nomeado Recolheu-se então o tenente
Delegado de Polícia de Coari. Quando Holanda a sua residência, sem ser, de
tudo estava preparado, no momento exato outra forma, importunado. A partir das
de seu desembarque, uma multidão dezessete horas, os manifestantes
enchia a prefeitura, a delegacia, as casas voltaram à delegacia de polícia, de onde
do prefeito Edgar da Gama e do haviam saído. Sendo ali servido um farto
presidente da Câmara Municipal, senhor jantar, fornecido pelo prefeito em
Antenor Leitão. exercício, senhor Antenor Leitão, regado
a guaraná e cachaça.
O Prefeito então, resolveu
viajar, e passou o exercício do cargo ao A Morte
seu cunhado Antenor Leitão e partiu para
Manaus, sob o pretexto de ir procurar
garantias para aquela cidade. Antenor Era 20 horas do dia 8 de
Leitão, menos experiente, aceitou a tarefa setembro de 1948, quando um grande
desagradável, com seu irmão Raimundo grupo de pessoas, os comensais da morte
Leitão. armados de rifles, facas, cacetes e até de
uma metralhadora portátil, chefiados por
Chegado o prefeito Edgar a Raimundo Leitão e Doca Monteiro, se
Manaus, no dia seguinte, vai ao telégrafo, dirigiram para a casa do Tenente
na hora das comunicações telegráficas Holanda, que fica na outra extremidade
com Coari (13 horas), prostrando-se na da cidade, passando pela praça São
estação telegráfica e dali retirando-se, Pedro, Ponte do Igarapé de São Pedro,
após haver recebido o despacho Prefeitura Municipal, rua XV de
esperado, anunciando a morte do Tenente Novembro e rua Independência, onde
Holanda Cavalcante. morava o Tenente Holanda (Hoje seria a
A visita às casas e a manifestação pelas casa da tradicional família Barreto).
ruas Ali chegados, após fazerem a
intimação, por intermédio de Raimundo
O tenente Holanda foi a sua Leitão, irmão do Senhor Antenor Leitão,
residência rever a família e, às 16 horas, presidente da Câmara de Vereadores e do
saiu para fazer visita aos seus Senhor Astrogildo Monteiro Maia, vulgo
correligionários. Foi primeiro a casa do Doca Monteiro, escrivão de Polícia, para
senhor Deolindo Dantas, contudo, onde que naquele exato momento Holanda
somente se encontrava seu filho Américo deixasse a cidade e nunca mais voltasse a
Dantas (Jacó), em que soube que o senhor Coari.
Raimundo Dantas (Alvelos) se Porém, mesmo tendo o tenente
encontravam em Manaus com seu pai, Holanda dito que se ia retirar, mas às
dessa maneira, como era costume, não primeiras horas da manhã, por não ter
poderia visitar sua família. Depois da embarcação de saída e por estar sua
visita, saindo, esteve nas Casas dos esposa doente. Foi dado o ultimato,
Senhores Dorval Melo, Benjamim Mussa mandando-o sair incontinente, alegando
e “Cabeça Branca”. Todavia, quando na os líderes que havia uma embarcação à
volta ao seu lar (Rua Independência), ao sua inteira disposição e pronta para a
viagem de retorno a Manaus.
Nunca Mais Coari 98 Archipo Góes
Tenente Holanda
O Julgamento acusação pífia, cortada de apartes pelos
advogados da defesa e deixou a causa
Mais de um ano se passou, entregue à Promotoria, no que lhe
quando chegou o dia do julgamento dos concerne, não podia aparar todo o peso
réus da tragédia. Iniciou no dia 16 de dos advogados de defesa.
outubro de 1949 e só terminou no dia 17, O Prefeito “trabalhista”' de
após 33 horas consecutivas de debates em Coari, Sr. Edgard da Gama Rodrigues,
torno da ocorrência. viajou três dias antes do julgamento, em
Quando tinha se como certo, a motor especialmente fretado, para
condenação dos culpados — esfaqueador assistir o mesmo e levar de volta a Coari
e seus corréus — resultou em suas os implicados. Os habitantes de Coari,
absolvições pelo reconhecimento da estavam preparados com festivas
preliminar de Legítima Defesa, manifestações, que não houve
apresentada pelos seus advogados efetividade, pela criteriosa atitude do
reconhecida pelo Conselho de Sentença. Cap. Adalberto Cavalcante, Delegado de
Polícia, que não consentira, fazendo-os
Um depoimento de Deolindo Dantas seguir imediatamente, para suas
sobre o julgamento: residências, após os seus desembarques.
“Nunca se viu ato tão absurdo, O Atentado contra Edgard da Gama
do que esse reconhecimento de legítima
defesa, num crime cometido à noite no Decorrido o julgamento e com o
interior do domicílio da vítima, onde pronunciamento final, que foi o da soltura
penetrara um grupo de bandidos, superior dos 26 réus, os membros da família
a trinta, armados de rifles e facas, cacetes, enlutada não ficaram satisfeitos, de vez
quebrando cadeiras, mesas e outros que, os homens por eles considerados
móveis conforme ficou esclarecido nos responsáveis pela morte de seu chefe,
autos. Na sala de jantar, ficaram aos gritos haviam sido julgados e declarados
de socorro sua mulher e dois filhos de 5 e impunes.
7 anos. Atos como o desse julgamento são
que fazem desacreditar na instituição do Precisamente às 18 horas e 30
júri, criado em tempo, em que os homens minutos, do dia 17 de outubro de 1949,
tinham outra mentalidade, a política, Manaus foi abalada com a notícia de que
ainda não havia invadido os sentimentos o Sr. Edgard da Gama Rodrigues subia a
humanos como agora, e julgavam pela rua Lima Bacuri, em direção a sua
gravidade do fato e não pelos interesses residência, que ficava naquela rua, no nº
partidários como aconteceu! E o 356, quando em dado momento, estando
julgamento, além de representar uma mais ou menos na metade do trecho
afronta a sociedade, um acinte a família daquela artéria compreendido entre a
do morto, e insegurança para os Joaquim Nabuco e a Dr. Alminio, na
habitantes de Coari, pela volta desses calçada esquerda de quem sobe, foi
bandidos aquela cidade, nos fez parecer subitamente agredido, pelas costas, por
mais um ring de partidos, do que um dos filhos do tenente João de Holanda
propriamente um julgamento”. Cavalcante, que tem 23 anos, com o nome
de José de Holanda Cavalcante, com
Os advogados dos quem, muito embora houvesse travado
U D E N I S TA S , d a a c u s a ç ã o , n ã o luta corporal, para se desvencilhar, o que
compareceram, não sabemos se receosos não conseguiu de vez que o primeiro dos
de enfrentarem seus adversos ferimentos que o atingiu, a altura da 5ª
PESSEDISTAS da defesa, ou pelo costela direita, o deixou quase sem
nenhum interesse pela causa. forças, ensejando isso ao agressor,
Compareceu à sessão apenas, o Dr. Sá possibilidade para que disparasse outras
Peixoto, dos três advogados inscritos facadas, as quais chegaram a atingir o
para acusação. Esse mesmo, fez uma número de sete.
Nunca Mais Coari 99 Archipo Góes
Tenente Holanda
A hora da agressão sofrida pelo Radiomotor Ltda, de Manaus, fez entrega
Sr. Edgard Rodrigues, à rua Lima Bacuri do primeiro grupo eletrogêneo montado,
estava quase às escuras e, sem quase bem como da rede geral de iluminação
transeuntes. Da luta, conforme narramos, pública. Logo após usou da palavra o Dr.
saiu ferido por 7 vezes o Sr. Gama Tertuliano Rebelo, que disse da
Rodrigues. O ferido, com esforço satisfação do povo pela inauguração do
inaudito levantou-se e, com a mão direita novo Serviço de Luz, no Município,
no peito, conseguiu atingir sua graças aos esforços do Governo
residência, banhado, completamente, em Municipal. Seguiu-se com a palavra o Sr.
sangue, de onde foi logo transportado ao Deputado Alexandre Montoril, que
Serviço de Socorro de Urgência. manifestou o seu imenso júbilo em ver
No S.S.U. vários dos filhos do continuada a sua obra de realização no
Sr. Edgard da Gama Rodrigues, os quais, Município, congratulando-se com o povo
indignados com a atitude do filho do e as autoridades coarienses pelo surto de
tenente Holanda Cavalcante, diziam que progresso, paz e prosperidade que
há dias, ou melhor, desde a chegada de atualmente vem usufruindo o Município.
seu pai, vinham acompanhando-o, tantas Também usou da palavra o Sr. Manuel
vezes fosse necessário o mesmo sair à Soares Fonseca, mecânico chefe da
rua, sendo que o mesmo se armava, antes Usina, que manifestou a sua alegria por
de qualquer iniciativa para a obrigação. ter a seu cargo o modelar serviço
Ontem, porém, desde que, passado o inaugurado. Finalmente, o Sr. Prefeito
julgamento, os filhos da vítima Municipal proferiu uma curta oração,
resolveram deixar de acompanhá-lo, e declarando inaugurado o novo serviço de
este, ao sair de casa, deixou a arma. Luz do Município e agradecendo a
Acreditavam os filhos do Sr. Edgard da presença de todos. Foram servidos
Gama e ainda as próprias pessoas que o “gelados” a todos os presentes. Os
viram levantar-se após ser ferido, que oradores foram entusiasticamente
mesmo se estivesse armado naquele aclamados, bem como os nomes do Sr.
momento, teria morto seu agressor. Presidente da República, Governador do
Estado e Prefeito Municipal”.
Inauguração da Usina Elétrica
Governo de Edgard da Gama
Em 06/03/1949, o Jornal do Comércio:

“Amplamente divulgado pelo


serviço de alto-falante municipal, teve Usina Elétrica de Coari
início às 17 horas do dia 19 de fevereiro
de 1949, a inauguração oficial do novo
Serviço de Luz e Força da cidade de
Coari.
Àquela hora, no prédio da
Usina, à praça São Pedro, perante as
autoridades do município e grande massa
popular, começou a cerimônia, com a
bênção ao primeiro grupo eletrogêneo da
cidade, pelo Vigário da Paróquia, Pe. José
Elwerthy. Em seguida, usou da palavra o
Sr. Carlos Reis, técnico montador que, Usina Elétrica de Coari
em nome da firma contratante,

Nunca Mais Coari 100 Archipo Góes


Carro de Boi — 1950
Carro de Boi — 1950 (Cr$ 5.000,00) sem os animais. A única
Mário Ipiranga Monteiro existente na sede do município não chia
(“Canta”). O unto empregado nos eixos é
a graxa comum. Não existe nenhuma
postura municipal vigente que proíba o
“canto do carro”.
Na cidade de Quari, os bois
utilizados na tração, e que morreram de
velhos, chamavam-se respectivamente
Chamurro, Pretinho, Lavanderia e
Canário. Atualmente os bois que prestam
serviços: Fortaleza e Moleque.
O regime de trabalho, apesar do
clima opressivo do Amazonas (agosto,
setembro e outubro), parece não afetar
muito ao homem, não acontecendo o
mesmo aos animais, que se esgotam
facilmente. O homem trabalha no seu
mister das oito e meia às dez e meia, e
recomeça às quinze para terminar às
dezoito horas. Creio, portanto, que o
calor amolecedor da tarde deve
Carroça de boi em frente à Catedral de Coari prejudicar muitos aos animais,
principalmente naqueles três meses de
verão grande, salvo se esse horário não é
cumprido à risca e os bois podem suportá-
O carro de bois existente na sede lo sem perigo de estafamento.
do Município de Quari, único aliás, A carroça de bois existente na
evoluiu na forma e na nomenclatura. cidade de Quari é de propriedade da
Enquanto que em outras regiões do prefeitura municipal, que a utiliza
Brasil, e mesmo no Amazonas, é diariamente no transporte de materiais de
vulgarmente conhecido pela construção, cargas do porto, mercadorias,
denominação de carro de bois, naquela é madeira, etc. O peso desse material oscila
chamado carroça de bois. Isto porque entre duzentos a quinhentos quilos.
evoluiu na forma, sendo o boi adaptado a O uso da carroça de bois foi
um tipo de carro muito comum em introduzido no município de Quari em
Manaus, as carroças tiradas a burro, 1930, por iniciativa do então prefeito
empregadas em vários mis teres : municipal, capitão Alexandre Montoril,
mudanças, transportes de mercadorias, em substituição às carroças puxadas a
de lenha a domicilio, madeiras, tijolos, burro. Essa medida foi posta em prática
areia, cereais, etc. em virtude da dificuldade cada vez maior
Esse tipo de carroça, mais leve e de aquisição de muares, já pelo seu alto
menor que os verdadeiros carros de bois custo, já pela faculdade menor de
do norte e do sul (conhecidos pela resistência, pois que o boi suporta melhor
simplicidade dos seus itens). portanto o carro e os martírios todos que lhe
inferior em tonelagem àqueles, são costuma oferecer o homem em troca do
construídos em Quari por um operário trabalho.
português. Uma carroça custa,
atualmente (1950) cinco mil cruzeiros

Nunca Mais Coari 101 Archipo Góes


Anos 50 em Coari

Os Anos 50 em Coari investimento no setor energético, a


entrada de capitais estrangeiros no país, a
A partir de 1950, o mundo vivia implantação das indústrias
grandes transformações em sua história. automobilística.
Os anos 50 ou anos dourados foram No primeiro período, a política
conhecidos como um período de foi caracterizada pela disputa entre dois
transição. A mudança na sociedade grupos: os Liberais e os Nacionalistas. Os
deveu-se ao crescimento econômico que Liberais defendiam a abertura econômica
os EUA e a Europa experimentaram após e o alinhamento com o bloco capitalista.
o fim da 2ª Guerra Mundial, o que deu a Esse grupo dos liberais era muito bem
todos uma sensação de otimismo e representado pelo partido da União
prosperidade. Democrática Nacional, a UDN.
Esse tempo foi marcado por Enquanto isso, aos nacionalistas do PTB,
importantes conflitos políticos, como o chamavam eles de entreguistas, diziam
início da “Guerra Fria”, e muitos avanços que queriam entregar o brasil para o
tecnológicos, principalmente nas capital multinacional. Os nacionalistas
comunicações e no crescimento no tinham um projeto próprio e interno de
conhecimento científico. Foi na década nacional de desenvolvimento.
de 50 que se deu início a corrida espacial O liberalismo nada mais era do
entre os Estados Unidos e a União que a defesa da propriedade privada e dos
Soviética. ideais de liberdade econômica, política
A primeira metade dos anos religiosa e intelectual. O Nacionalismo
dourados no Brasil, foi marcada pelo favoreceria o desenvolvimento
último governo de Getúlio Vargas (já não econômico interno e a concorrência no
mais com regime ditatorial), findando exterior.
com seu suicídio em 24 de agosto de Em Coari, como vimos nos
1954. capítulos anteriores, possuía dois grupos
Na segunda metade, podemos políticos antagônicos, representados
observar que foi um período marcado pelos seus grandes líderes: Deolindo
pelo governo de Juscelino Kubitschek, Dantas (UDN) X Alexandre Montoril
que aplicou o seu plano de metas (PTB). A partir desse momento,
desenvolvimentista. Acontecendo a continuaremos a relatar a fase final de
criação das indústrias de base, o grande suas epopeias nas terras coarienses.

Nunca Mais Coari 102 Archipo Góes


Anos 50 em Coari
Houve um considerável 51, começava um período tumultuado e
desenvolvimento demográfico no cheio de incidentes. Na Assembleia, a
município de Coari entre os anos de 1940 nova legislatura prenunciava problemas
e 1950. Em 1940, Coari possuía 1.400 sérios com a presença de dois deputados,
habitantes, contudo, após o censo de um veterano, Alexandre Montoril,
1950, passou ao número de 3.140 reeleito, e um estreante, Deolindo de
habitantes, gerando o aumento do índice Freitas Dantas, eleito para um primeiro
decenal de expansão em 124%. mandato. Ambos representavam o
Era o ano de 1951, nesse município de Coari, onde se digladiavam,
primeiro momento, estava ocupando o como adversários irreconciliáveis e
cargo prefeito de Coari, o senhor rancorosos inimigos pessoais, o velho
Francisco Areal Souto (1951 – 1956). O Deolindo Dantas, pai, chefe da UDN e o
governador do Amazonas era Álvaro próprio Alexandre Montoril, líder do
Maia, eleito 01 ano antes. PSD. Poucos anos antes, essa pendência
Nesse período, houve uma havia provocado um episódio sangrento.
eleição suplementar para a escolha dos 30 Servia como delegado de
deputados da Assembleia do Estado do Polícia em Coari o tenente Holanda, da
Amazonas, que aconteceu no dia 11 de Polícia Militar, um homem corajoso, mas
março de 1951. Nesse dia, 12 cadeiras violento, a quem conheci pessoalmente,
ficaram com PSD (Novo partido de nas duas ou três vezes em que esteve em
Alexandre Montoril); 09 cadeiras com a minha casa, em visita a meu pai, com
UDN (partido de Deolindo Dantas); 04 quem tinha um bom relacionamento,
cadeiras com o PTB; 03 cadeiras com o desde Codajás, onde estivera, também
PDC e 02 cadeiras com PSP. como delegado, e o velho, como juiz. Em
Coari elegia pela primeira vez, Coari, o tenente, ligado à UDN e hostil
dois deputados estaduais. Foi reeleito o aos pessedistas, gerou um clima de
ex-prefeito Alexandre Montoril pelo PSD animosidade crescente. Um dia, acuado
com 549 votos. Foi eleito o filho do Major em sua residência por um grupo de
Deolindo Dantas (Major da Guarda homens armados, partidários de
Nacional), o jovem Bacharel em Direito e Montoril, reagiu à bala, ferindo dois
líder estudantil, Deolindo de Freitas deles, sendo assassinado, em seguida, a
Dantas, também conhecido por Dandi, golpes de faca.
com 481 votos. Anos mais tarde, aliás, um dos
filhos de Holanda, aqui em Manaus, na
Rua Lima Bacuri, apunhalou um dos
Tiroteio na Assembleia Legislativa do supostos mandantes do crime, o ex-
Amazonas prefeito Edgar da Gama Rodrigues, que
sobreviveu ao atentado. Era de esperar,
Em 13 de agosto de 1952, na assim, que não fosse pacífica a
sessão da Assembleia Legislativa do convivência de Deolindo e Montoril no
Estado do Amazonas, aconteceu um fato Legislativo. O primeiro, inteligente,
noticiado nos jornais de todo Brasil. combativo, desde o início fustigou o
Depois de anos de embate e denúncias, os governo pessedista com denúncias feitas
ânimos se acirraram e acontecem insultos na tribuna. Montoril, calmo, de poucas
e uma tentativa de assassinato. palavras, raramente discursava. Apesar
Transcreveremos o sucinto de ser um homem de reconhecida
depoimento de Jefferson Peres em seu coragem, e que andava habitualmente
livro denominado “Evocação de Manaus, armado, por algum tempo evitou o
Como Eu a Vi ou Sonhei”: confronto com o adversário.
“Com a sua posse, no início de
Nunca Mais Coari 103 Archipo Góes
Anos 50 em Coari
Até que um dia solicitou um dado momento, de calção e camisa,
aparte, os dois discutiram, foram aos rumou para a proa dessa pequena
insultos, e, de repente, Deolindo partiu embarcação, dizendo aos seus
em direção ao inimigo, sacou o revólver, companheiros que iria remar.
a dois metros de distância, e disparou, Dandi, no entanto, não chegou a
errando o alvo. Surpreendido, Montoril fazer o que pretendia, pois, segundo os
levou a mão à cintura, sendo contido por relatos de quem com ele iam, deu de-
outros deputados, enquanto seu monstrações de que estava sentindo
adversário corria para se abrigar atrás da alguma dor desumana e, sem que os
mesa da presidência. outros pudessem impedi-lo, atirou-se
Ignorava Deolindo que n'água, de cabeça.
Montoril naquele dia estava desarmado, Os pescadores imaginaram que
pois, deixava seu revólver num armeiro ele tivesse caído n'água apenas para
para consertar um defeito no cabo. Seu aliviar a dor que estava sentindo, de modo
gesto de levar a mão à cintura fora que esperaram que ele ‘boiasse’ para
puramente reflexo. Felizmente, a partir recolhê-lo. Como verificaram que ele não
daí os dois adversários firmaram, voltava à tona, iniciaram imediatamente
tacitamente, um pacto de não-agressão e as buscas, que, lamentavelmente, foram
não houve mais incidentes.” em vão. Mais tarde fizeram buscas ao
corpo com anzóis (espinhel) no lago,
Morte de Dandi Dantas sendo um local em que as águas são
paradas, e mesmo com a colaboração dos
Na eleição de 1954, Montoril bombeiros voluntários, não conseguiram
disputou a Assembleia Legislativa do encontrar o corpo.
Amazonas pelo PSD e obteve 616 votos,
ficando como suplente. Dandi disputou Durante seus mandatos de
para deputado federal pelo PSP e obteve Deputado Estadual, Alexandre Montoril
319 votos, ficando na suplência. fundou os bairros de Petrópolis e de São
Francisco, na zona Sul de Manaus.
Em 31 de janeiro de 1956, toma
posse como prefeito de Coari, Dorval
Santos Melo (PTB). E nesse mesmo ano, Os Fabulosos Anos 60
dia 16 de junho de 1956, aconteceu a
morte de Deolindo de Freitas Dantas, o No dia 1 de janeiro de 1960,
Dandi, que narrarei a seguir: Alexandre Montoril (PSD) iniciou o seu
Roubada pelas águas, a vida do 3º mandato na prefeitura de Coari. Novos
jovem advogado, que pereceu afogado no tempos eram esperados para a linda e
lago do Rei no Paraná de Terra Nova, o pacata cidade de Coari. O seu grande
Dr. Deolindo de Freitas Dantas, pessoa líder político voltava a governar e era
muito conhecida e estimada em Coari e aguardado um grande plano de obras,
na capital Manaus. como foi em seus mandatos anteriores.
Segundo informações de Nesse período o Amazonas era
pessoas que presenciaram o fato, a triste governado por Gilberto Mestrinho, em
ocorrência verificou-se por volta das 7 seu primeiro mandato (de 1959 a 1963).
horas, quando ele viajava em canoa em Na posse de Alexandre
companhia de alguns pescadores, caiu Montoril houve uma grande participação
n'água, não mais voltando à tona. O corpo da população que foi ao evento aplaudir o
do saudoso jovem, apesar das inúmeras seu antigo líder. Por parte da Câmara
buscas, não foi encontrado, dada a grande Municipal discursou o vereador
profundidade do local onde se deu a Raimundo de Freitas Dantas
tragédia. manifestando o integral apoio da
De acordo com alguns instituição ao prefeito empossado
esclarecimentos que nos foram prestados Alexandre Montoril, desde que seu
pelos pescadores, Deolindo de Freitas trabalho se dirija no sentido de
Dantas, pelo fato de estar chovendo, proporcionar o bem coletivo e o
viajava sob a tolda da canoa, mas, em progresso do município.

Nunca Mais Coari 104 Archipo Góes


Anos 60 em Coari
Liga para construção da Ponte praia da frente da cidade estava
totalmente exposta. A tripulação do avião
Em 31 de janeiro de 1960, foi jogou dezenas de papéis com mensagens
criada uma liga para construção da “Liga na praia e no campo de futebol. Algumas
Pró-Ponte Espírito Santo”, cujo fim é pessoas pegaram os papéis para ler, e nos
mandar construir uma ponte sobre o bilhetes a tripulação solicitava
igarapé daquele nome e que circunda a desesperadamente que pelo amor de
mesma cidade. Foi aclamada a sua Deus, saíssem do campo, pois estavam
diretoria que ficou composta das com problema na aeronave e precisavam
seguintes pessoas. Presidente, Dr. pousar. As pessoas que se encontravam
Cândido Honório Soares Ferreira; Vice, no local foram conscientes e saíram da
Luiz Pereira; secretário, tesoureiro e área central do campo, aguardando o que
gerente, prefeito Alexandre Montoril; poderia acontecer.
Diretores: Alvelos Dantas, Elias Sadala, O avião fez várias voltas para
Manuel Barreto, Raimundo Mota, acabar o querosene do tanque. E depois
Enedino Monteiro, Jorge Abílio, D. de um tempo ele começou a descida para
Maria Hígina. Conselho Fiscal: Teófilo o pouso definido. O público ficou
Marques Veras, D. Lindalva Dantas. assistindo à cena em um silêncio
A seguir, foi feita a lista de temeroso. O avião desceu na ponta da
contribuintes de donativos, que praia da frente da cidade, bateu com as
arrecadou cento e trinta e oito mil rodas pela primeira vez. E logo adiante,
cruzeiros (Cr$ 138.000,00). À noite, na surge uma vaca andando vagarosamente
Prefeitura, houve um grande baile, on-de na trajetória de pouso do avião, e assim,
se reuniu a sociedade coariense. fazendo o avião levantar um pouco e
Foi muito divulgado nos jornais desviar da mesma.
de Manaus, o grande número de obras No final da praia, o piloto fez
realizadas na administração de Alexandre uma curva fora do comum e virou em
Montoril, como o porto da cidade, a ponte sentido perpendicular em direção ao
ligando a cidade ao bairro de Chagas campo de futebol, fez outra pequena
Aguiar, a restauração dos limites do subida com o avião para não bater na
município, que formaria os municípios de primeira trave do campo. Na sequência, a
Piorini e Camará, e conseguintemente a aeronave percorreu todo o campo freando
volta do recebimento dos impostos. os pneus, rasgando a grama de fundo a
fundo, e foi nesse momento que um
O Acidente com o Avião PT-BUK tripulante se jogou no meio do campo,
enquanto o avião seguia até a segunda
trave.
O fato que vamos começar a Na sequência, a aeronave deu
relatar aconteceu no dia 25 de novembro uma pequena guinada para a direita para
de 1962. Era domingo as 16h e havia uma desviar da segunda trave. Porém, com
partida de futebol sendo disputada no isso, bateu em 02 vigas de madeiras
pequeno campo de futebol em frente da gigantes, que o Pe. Marcos e o Chico
cidade (hoje seria o mercado municipal Doido estavam guardando para ajudar a
Clemente Vieira). compor a ponte que atravessaria o igarapé
Um pequeno avião com prefixo do Espírito Santo (ligaria o Centro ao
PT-BUK, começou a fazer voos rasantes bairro de Chagas Aguiar). Com isso, o
pela cidade, chamando atenção de grande avião PT-BUK acelerou para frente,
parte da população, pois era bem atingindo a casa (de alvenaria) do Sr.
diferente dos aviões Catalinas da Panair Miguel Simão, na parte de trás e na cerca
que, por anos, costumavam fazer pouso do quintal, libertando algumas galinhas
no lago de Coari aquatizando até parar na que foram em direção à região da
frente do sobradinho dos Dantas. Matinha.
Era no período da estiagem e a
Nunca Mais Coari 105 Archipo Góes
Anos 60 em Coari

O Acidente do Avião PT-BUK

Quando o avião bateu na casa e O Fim da Era Alexandre Montoril


finalmente parou, subitamente começou
a lançar muita fumaça. O tripulante, que No final do seu mandato (1963),
havia pulado no meio do campo, gritava Alexandre Montoril indica e apoia o
apavoradamente: — pelo amor de Deus, então tesoureiro da prefeitura, o senhor
onde estamos? Estamos no Brasil? José Alves Maciel (PDC) que disputou
A aeronave continuava com Clemente Vieira Soares a Prefeitura
fumaçando e foi quando a população de Coari, causando a primeira derrota em
começou a se aproximar. Alguém Coari de Montoril, que deixou a cidade e
começou a gritar: — Vai explodir! — e nunca mais voltou. Em Manaus fez esse
todos começaram a correr se afastando da poema:
região do acidente.
E foi nesse momento que surge Coari, Terra Mártir...
alguém com grande atitude heroica, o
saudoso Pe. Marcos, que enrola a sua Alexandre Montoril
batina, adentra na aeronave e sai com três
tripulantes e com o piloto desmaiado. Punge-me o triste estado,
Com o fato, a população vibra e aplaude a Do teu solo sem destino,
cena teatral. A partir daquele momento, Espoletado e ao desatino,
foi só festa. O avião PT-BUK passou a ser De um plano infernal,
ponto turístico, local para misses e os
jovens tirarem fotos, até ser embarcado e Eras tu o meu orgulho.
levado por balsa para Manaus. A razão da minha vida,
Dias mais tarde, a tripulação do Da minha constante lida
avião PT-BUK foi entrevistada pela “A No setor Municipal.
Voz Coariense”, um serviço de alto-
falante da cidade. Na oportunidade
explicaram que, por problemas na Agora tão desmembrado,
bússola, perderam a rota. Como estavam Em seis pedaços partidos,
com pouco combustível, já haviam Não ouvem os teus gemidos
decidido pousar na selva, mas quando E os brados de Montoril
avistaram longe, no meio do grande Nessa luta desigual...
verde, uma área avermelhada, foram Ninguém te presta a atenção,
naquela direção. Eles haviam avistado as
nossas Barreiras. Foram averiguar e Por isso na eleição,
chegaram a Coari. A tripulação agradeceu Despreza quem te fez mal.
ao Pe. Marcos e ao povo de Coari.

Nunca Mais Coari 106 Archipo Góes


Anos 60 em Coari
Um teu favor terra amiga, Que apareça um novo Hércules
Uso a rima mais cadente, Num Plínio sensato e justo.
O labéu mais contundente, Que no leito de procusto
Profligando o ato insano. Atire os teus inimigos;
De inconsciente algoz, E quando chegar a eleição
Que a pretexto de progresso Máxime para Prefeito.
Encobre o intuito perverso, Não esqueças o mal feito
E te envolve em ledo engano. E neles... não votes não!...

Manaus, 4 de junho de 1963


Já foste espoliada
Sem a consulta do povo; Após a sua mudança de Coari
E para alcançar de novo para Manaus, passou a morar atrás do
Colégio Estadual Pedro II, aonde voltou a
A tua antiga grandeza atender em seu consultório de dentista e
Que o passado te deu. também recebia seus preventos de
Passarás tempos amargos coronel reformado da Polícia Militar. A
Presa a duros encargos, sua casa era um reduto dos coarienses,
Semelhante a Prometeu. que Montoril sempre os recebia com
alegria e entusiasmo. Faleceu em 1975,
(com 82 anos) em sua casa, na rua
Henrique Martins, no Centro, vítima de
uma úlcera na perna.

Os irmãos Montoril: Alexandre é o primeiro à esquerda, Antônio Montoril é o do meio, em pé, Rivadávia
Montoril (Filho de Antônio), à direita está José Pereira Montoril (Cazuzinha).

Nunca Mais Coari 107 Archipo Góes


Anos 60 em Coari
Dom Mário Amazonas. De lá, foi transferido para
Coari, onde foi vigário da Paróquia
Sant'Ana e São Sebastião, até janeiro de
1962, quando foi nomeado superior vice-
provincial dos redentoristas da
Amazônia.
Em 25 de abril de 1964, o Papa
Paulo VI o escolheu prelado da recém-
criada Prelazia de Coari.
Dom Mário atendeu às terceira e
quarta sessões do Concílio Vaticano II e
foi responsável por iniciar as reformas do
concílio na prelazia.
Em 2 de maio de 1970, foi
nomeado administrador apostólico da
Prelazia de Lábrea, vaga com a morte de
Dom José del Perpetuo Socorro Alvarez
Mácua, OAR. Permaneceu nesta função
por um pouco mais de um ano, até 7 de
junho de 1971, com a chegada de seu
sucessor.
Durante os sete anos que serviu
Nasceu Robert Emmett Anglim como prelado, D. Mário trabalhou para
em Lombard, uma vila localizada na área trazer melhorias para sua prelazia.
metropolitana de Chicago, Illinois, EUA, Sempre que viajava ao interior, levava
quinto dos nove filhos de Rosanna consigo, além de catequistas, um grupo
Purcell e Francis Michael Anglim. de enfermeiros e de assistentes sociais.
Foi educado no Seminário Construiu centros de treinamento para
Menor dos Redentoristas, St. Joseph's educação de adultos do meio rural. Foi
College, em Kirkwood, Missouri. Fez o membro da Associação de Crédito e
noviciado em De Soto, naquele mesmo Assistência Rural do Amazonas
estado, onde professou na dita ordem, em (ACAR/AM) e do Movimento de
2 de agosto de 1942. Educação de Base.
Completou os estudos de Faleceu vítima de um ataque
filosofia e teologia no Seminário da cardíaco, ao chegar no porto de Manaus
Imaculada Conceição em Oconomowoc, proveniente do rio Solimões. Seu corpo
Wisconsin, sendo ordenado sacerdote em foi velado no mesmo dia ao de sua morte,
6 de janeiro de 1948, pelas mãos do na igreja de Aparecida, onde fora vigário
arcebispo Moses Elias Kiley, da e, após a missa de corpo presente, levado
Arquidiocese de Milwaukee. para Coari, onde foi sepultado no piso da
Em fevereiro de 1949, viajou Catedral Prelatícia de Sant'Ana.
para o Brasil. De junho de 1953 a janeiro
de 1949, foi vigário da Paróquia Nossa
Senhora Aparecida, em Manaus,

Nunca Mais Coari 108 Archipo Góes


Anos 60 em Coari
Rádio Educacional Rural de Coari continuasse sendo um importante
instrumento de evangelização, apesar das
dificuldades, desafios e problemas que
ainda existem. Ainda na administração de
padre Martin Laumann (1980 a 1989),
houve várias mudanças na frequência e
potência da Rádio Educação Rural de
Coari.
O transmissor de 2500
quilowatt de potência passou para 5.000
quilowatt e a frequência também foi
Rádio Educacional Rural de Coari
alterada de 2.040 kHz na faixa de 120
metros, para 5.035 na faixa de 62m,
Os estúdios da rádio foram sempre atuando em Ondas Tropicais.
montados, no primeiro momento, no Todas essas mudanças foram lentas e
refeitório do antigo seminário em Coari. graduais, pois a legislação do nosso país é
A torre de transmissão foi erguida nas muito complexa em relação à
terras do outro lado do igarapé do Espírito Radiodifusão. Para a RERC chegar onde
Santo. No dia 30 de junho de 1964, o chegou na atualidade, com esta potência e
primeiro programa experimental foi frequência, foi preciso passar mais ou
transmitido das 12h às 15h. E no mesmo menos 60 anos de existência e
dia das 18h às 21h. investimentos.
A Rádio Educação Rural de A importância da RERC
Coari (RERC) foi inaugurada cresceu muito durante seus 57 anos de
oficialmente e entrou no ar no dia 26 de existência, não só técnica e profissional
julho de 1964. Foi um dia grande e como também humanamente, pois seu
glorioso para o povo de Coari, não sendo compromisso é a “Promoção do homem
somente a festa de sua padroeira, amazonense”. Ela é a “Voz e a Vez” do
Santana, mãe de Maria, mas também o povo brasileiro desta porção territorial
dia em que o recém-ordenado Bispo, esquecida.
Dom Mário Anglim, tomou posse na A Rádio Educação Rural de
prelazia de Coari. Coari apesar de pertencer à Diocese de
Desde o início e até hoje a Coari, também é a vez e a voz de 7
emissora chama-se “Rádio Educação municípios: Codajás, Anori, Anamã,
Rural de Coari”, sendo que o seu Beruri, Caapiranga, Manacapuru e Coari.
principal objetivo é a educação das áreas São mais de 500 comunidades eclesiais
rurais. Padre Mateus George foi nomeado de base espalhadas na diocese e outras
diretor em junho de 1964. Ele teve como centenas que formam outros tipos de
seu ajudante um recém-ordenado comunidades. A RERC tem um papel
Redentorista brasileiro, padre Francisco fundamental para essas comunidades.
Martins. No início, a emissora transmitia A recepção da mensagem da
programas todas as noites durante a RERC cruza oceanos e continentes e
semana, entrando no ar com o “Ângelus” acontece em grandes países, como:
às 18h e continuando a transmissão até às Austrália, Itália, Estados Unidos, Índia,
21h. Suíça, e vários estados da Finlândia. Os
Padre Martin Laumann assumiu elogios à programação e à contribuição
a direção da RERC em nome da Vice social do trabalho da emissora vêm de
Província de Manaus. A dedicação, todos os lados, mas são poucos os que
abnegação e o afinco desse missionário contribuem para este sucesso.
foram determinantes para que a RERC
Nunca Mais Coari 109 Archipo Góes
Anos 60 em Coari
Coari na década de 60 na visão de um são comuns. Na verdade, durante este
fazendeiro norte-americano voo, pegamos uma tempestade e o
telhado começou a vazar. De repente,
Em minhas pesquisas sobre Coari nas apareceu os lenços de mão dos
bibliotecas do mundo, encontrei a obra do passageiros para limpar a água”.
fazendeiro norte-americano Marvin Nesse livro, podemos extrair através dos
Schuttloffel, que foi voluntário papal em relatos do autor, como era viver em Coari
nossa cidade, entre os anos de 1964 e na década de 1960. Nessa época, os
1966. Nessa obra ele descreve como motores de energia eram desligados todas
realizou seus projetos de plantação de as noites a partir das 21h e dessa forma, a
arroz e criação de coelhos e galinhas população passava a noite na escuridão.
híbridas em plena floresta amazônica. Em seguida, vamos observar a narração
O primeiro depoimento que sobre o acidente da corveta da Marinha na
selecionamos é sobre o hidroavião da praia em frente de Coari:
Panair que fazia voo para Coari e ao “Por volta do final de maio (1966), um
chegar aquatizava nas águas do lago de barco da marinha brasileira conhecido
Coari: como Corveta entrou no Lago Coari com
“O avião que pousou na água estava alguns materiais de construção para os
bastante velho. Este estilo de avião era da padres. O capitão da enorme embarcação
Segunda Guerra Mundial, e estes aviões aproximou-se demasiado, bateu num
avariavam-se cada vez mais durante esse banco de areia oculto, e ficou pendurado.
longo tempo, uma vez que as suas peças O próprio barco devia ter pelo menos 250
eram muito escassas. Fontes disseram- pés de comprimento, e eu nem sequer
me que a empresa que operava esta linha arriscaria um palpite quanto ao seu peso.
para Coari apenas assinou um contrato de Para tirá-lo do banco de areia, vários
um ano, e que este contrato seria barcos menores saíram e descarregaram a
cancelado dentro de mais alguns meses. carga da Corveta que se destinava a
O plano de longo prazo incluía a limpeza Coari. Isto por si só não foi suficiente para
de um campo de desembarque onde o o ajudar a recuar do banco de areia,
meu arroz estava atualmente a crescer, mesmo depois da Corveta ter corrido com
pelo que eu sabia que o projeto do arroz os seus poderosos motores, a toda a
era de curta duração. Mas também sabia velocidade, em marcha ré. Muitos mais
que, se os planos de construção do barcos foram convocados, e com todos
aeroporto fossem anunciados no dia eles a puxar, ainda não conseguiam
seguinte, eu ainda teria várias colheitas movê-lo. Finalmente, após várias
porque “isto era o Brasil”. tentativas, que levaram o dia todo, a
Em 18 de maio de 1966, ao escrever para Corveta largou a sua âncora de duas
os seus pais, Marvin volta a descrever toneladas da parte de trás do navio, e com
como era viajar no Avião Catalina no ações repetidas, conseguiram guinar o
trecho Manaus–Coari: navio para fora do banco de areia. Uma
enorme multidão tinha-se reunido para
“Acabei de voltar de uma viagem a observar todo o processo, e era consenso
Manaus no avião Catalina que pousou na geral que o capitão do navio não sabia o
água. A velha moça está ficando bastante que estava fazendo. Aparentemente,
velha, e às vezes me pergunto como isso todos tinham razão porque uma enorme
continua. Meu assento estava perto da barcaça petrolífera do Peru atingiu o
água e, quando o avião pousou, me Corveta na foz do lago de Coari quatro
molhei com um fino jato de água que horas depois de este ter deixado o banco
entrou na cabine por algumas rachaduras de areia.
na fuselagem. Rachaduras na fuselagem

Nunca Mais Coari 110 Archipo Góes


Anos 60 em Coari
De acordo com alguns dos muitos Muitas pessoas ficaram aliviadas porque
rumores, a Corveta estava a navegar fora essa menina era a última da família.
da foz e à volta de uma curva, não viu a Talvez seja um concurso mais justo no
barcaça carregada de petróleo, e ano que vem. Depois que a candidata foi
colidiram. Ambos os barcos estavam a coroada, houve uma dança muito
cerca de 40 pés da costa, e a barcaça, divertida e aprendi uma nova dança
viajando a cerca de doze milhas por hora, chamada bolero, a primeira dança latina
n ã o c o n s e g u i a p a r a r. A C o r v e t a que dancei. Várias das jovens brasileiras
alegadamente virou-se para o lado largo fizeram fila para dançar com o americano
para tentar sair do caminho, e a barcaça de olhos azuis”.
bateu na Corveta mesmo à saída dos dois Um olhar sobre o bairro de Chagas
compartimentos da frente, mesmo abaixo Aguiar:
da linha de água. A Corveta não afundou “Padre Jaime ficou atrás da conclusão da
devido às rápidas ações da tripulação que ponte sobre o igarapé que separava Coari
fechou os dois compartimentos antes de da área chamada Chagas, onde ficavam
poder tomar mais água. Infelizmente, meus galinheiros e onde eu viajava todos
dois homens da marinha morreram, e os dias de canoa. Vários políticos
apenas um corpo foi recuperado. O outro chegaram ao cargo prometendo à
corpo de marinheiro não pôde ser população de aproximadamente mil
encontrado e aparentemente foi para o pessoas do lado de Chagas a conclusão da
rio. Este fato suspendeu todas as formas ponte. Depois de iniciarem uma pequena
de pesca em torno daquela zona durante construção, logo parou as obras quando
pelo menos uma semana. Nenhum dos assumiu o cargo. A área era um remanso
nativos queria arriscar e consumir um que enchia e dividia a cidade enquanto o
peixe que pudesse ter consumido carne rio Amazonas estava em sua crista
humana. O corpo recuperado do outro durante oito meses do ano. Como
marinheiro foi transportado para Belém resultado, Chagas não tinha mercado,
para um grande funeral. O acidente igreja, escolas ou acesso a um centro
aconteceu mesmo perto da foz do rio na médico. Táxis aquáticos (canoas
saída de Coari”. improvisadas) transportavam as crianças
Podemos ver um lado mais hilário de até as escolas. Em muitas ocasiões, as
Marvin, na escolha da Rainha da canoas atolavam e as crianças tinham que
Primavera ou Miss Primavera, evento nadar até a margem. Apenas algumas
com tradições norte-americana que foi mortes ocorreram ao longo dos anos, mas
trazido para Coari pelas Irmãs A.S.C.: inúmeros sapatos e livros foram perdidos.
“Na mesma época, a escola de Coari Cansado disso, Padre Jaime entrou em
(E.N.S.P.S.) sediou a “Coroação da contato com o governo brasileiro e, com a
Rainha da Primavera” e resolvi ir. O ajuda de um engenheiro, elaborou um
julgamento da rainha foi claramente plano. Uma ponte de cimento estava fora
embaraçosamente manipulado. A garota de cogitação devido ao custo, mas o padre
que ganhou o concurso de beleza era feia Jaime procurou Chico Corrêa, que tinha
como uma velha cerca de barro e não apenas oito anos de escola, mas se provou
tinha nenhuma pose teatral. No entanto, estabelecendo um parque industrial em
essa garotinha atarracada era filha do Coari e administrando seu próprio
homem mais rico da cidade. Ficou claro negócio. Os ricos deram dinheiro em
para mim e para muitos outros que muito arrecadações de fundos, os trabalhadores
mais talentos estavam no palco naquela concordaram em trabalhar com uma taxa
noite e os melhores nem foram reduzida e apenas os pedreiros se
considerados. E ainda por cima, sua irmã recusaram a aceitar a uma taxa mais baixa
ganhou o mesmo título no ano passado. em pagamento.”

Nunca Mais Coari 111 Archipo Góes


Anos 60 em Coari
inaugurado na data de 24 de novembro de
A Primeira Igreja Batista de Coari 1960. Está localizado na rua Gonçalves
Ledo, n. 199, no centro da cidade de
Coari.
Segundo Raimundo Parente:
“A Primeira Igreja Batista de
Coari é uma igreja tradicional, histórica e
conservadora. É filiada à Convenção
Batista Brasileira, Convenção Batista do
Amazonas e Associação das Igrejas
Batistas do Médio Solimões. Tem a
Bíblia como única regra de fé, conduta e a
Declaração Doutrinária da Convenção
Batista Brasileira”.
Atualmente a Primeira Igreja
Batista de Coari tem como Pastor o Pr.
A Primeira Igreja Batista de Jorge Marins de Lira e tem como pastores
Coari começou a ser concebida no final auxiliares o Pr. Cláudio Ricardo de
da década de 20 do século XX por Oliveira Lima e o Pr. Natalino Pereira de
reuniões com intuito de preparar os Souza Filho, todos eles nascidos em
grupos para fundamentar a sua criação. Coari. Foi recentemente criada mais 3
C o n t u d o , e l a s ó f o i o rg a n i z a d a igrejas Batistas em Coari: Igreja Batista
efetivamente como igreja em 24 de Água Viva, no bairro de Santa Efigênia,
novembro de 1932 pelos membros Igreja Batista Monte Horebe, no bairro do
vindos da Igreja Batista que existia na Urucu e Igreja Batista Príncipe da Paz, no
comunidade da Boa Fé, no Rio Copeá e bairro do Pera I. Existe ainda, mais três
outros. congregações na cidade, situadas nos
U m m a r c o p a r a o bairros de Grande Vitória, Ciganópolis e
desenvolvimento da Primeira Igreja Vila Lourenço; e na zona rural do
Batista de Coari foi a chegada de Codajás município existem seis congregações.
de seu primeiro dirigente, o Pastor Júlio
Martins Braga.
Em 1945, sob organização dos Líderes históricos
membros da Primeira Igreja Batista de
Coari, e na liderança do Pastor Alberico O senhor Enedino Monteiro da
Antunes de Oliveira foi fundado o Silva, 1º Prefeito de denominação
Instituto Bereano de Coari, localizado na evangélica de Coari (1973), foi enviado
rua Ruy Barbosa, em plena ocorrência da pela Primeira Igreja Batista de Manaus
2ª Guerra Mundial. para ser evangelista aqui em nossa
A Primeira Igreja Batista de cidade, com sua esposa Alda Bráule Pinto
Coari acompanha diretamente a trajetória Monteiro e Maria Elizabeth Silva Bastos
histórica do município de Coari desde Rodrigues, esposa do senhor Dimas Teles
1932 e foi a primeira Igreja Evangélica Rodrigues. Eles ajudaram na fundação do
fundada no município de Coari. Bereano. Dimas Teles Rodrigues atuou
O templo da Primeira Igreja na Primeira Igreja Batista de Coari por
Batista de Coari, tem arquitetura mais de 50 anos com sua esposa, sempre
inspirada nos templos Batistas dos como diácono e presidente.
Estados Unidos. Foi construído sob a
liderança do Pr Miguel Horvath e
Nunca Mais Coari 112 Archipo Góes
Anos 60 em Coari
A Origem da Igreja Assembleia de Deus em Coari
Após algumas tentativas Palavra de Deus, em Romanos 1.16,
frustradas de iniciar o trabalho falando da salvação pela fé em Jesus
pentecostal na sede do município, em Cristo, mediante o sacrifício do calvário,
virtude das perseguições religiosas, o dissertou pela doutrina esposada pela
primeiro núcleo de irmãos da Assembleia doutrina desposada pela Assembleia de
de Deus se estabeleceu na comunidade Deus e, em todos os presentes havia
Novo Horizonte no ano de 1947. Foram grande esperança e notável alegria, que
anos sucessivos de pregação da traz o evangelho de Jesus Cristo. E ainda
mensagem pentecostal, evangelização e sob o cântico de número 25, da mesma
exposição da palavra de Deus na região harpa, foram recebidas as ofertas cristãs,
do município de Coari, até que no dia 17 para o trabalho do Senhor Jesus Cristo.
de junho de 1965 é oficialmente aberto o Ficando assim constituída a
trabalho com a presença do evangelista diretoria da igreja:
Walmiro Candido Sena, em uma casa Presidente: Walmiro Candido Sena;
alugada no Bairro de Tauá-mirim, na Rua 1º Secretário: Antônio Pereira da Silva;
2 de Dezembro, número 623. 2º Secretário: Eduardo Cruz;
Segundo o irmão Alfredo Tesoureiro: Antônio Frazão;
Rodrigues da Silva, membro pioneiro do 2º Tesoureiro: Amália Amâncio da Silva.
trabalho na cidade de Coari, o evangelista To d o s e s t e s i r m ã o s , j á
Wa l m i r o p r e g a v a o e v a n g e l h o mencionados, foram ao momento aceitos
constantemente na Pç Getúlio Vargas, no por aclamação (unânimes), tendo sido em
centro da cidade e através destas seguida encerrada a sessão (o culto).
pregações ele ganhou as primeiras Templo da Assembleia de Deus
pessoas que passaram a se congregar na em Coari, 17 de junho de 1965”.
referida casa de oração que funcionava na Nesta casa de oração os cultos
rua 2 de dezembro. Foi grande o empenho foram realizados por cerca de um ano, até
do evangelista, até que no memorável dia que os cultos passaram a ser realizados
17 de junho de 1965 o trabalho foi em outro lugar, na Rua Rui Barbosa nº
fundado oficialmente, com a redação de 582 já sob a liderança do pastor Fernando
uma ata para documentar a reunião de Granjeiro, enviado ao município para dar
fundação. Assim foi narrado, em ata continuidade ao trabalho iniciado pelo
oficial da igreja o início de tudo: evangelista Walmiro Candido Sena.
“Precisamente às 19h30 do dia Cerca de quinze pessoas se congregavam
17 de junho do ano de 1965, em salão no local. Em menos de um ano depois, os
alugado, sito à rua 2 de dezembro cultos voltam a ser realizados novamente
reuniram-se os seguintes irmãos no primeiro endereço, na rua 2 de
(crentes), sobre direção do evangelista dezembro, ainda em local alugado.
autorizado pelo ministério da Assembleia A pequena igreja, que crescia
de Deus, Manaus, Estado do Amazonas, lentamente sob a pregação da Palavra de
Walmiro Candido Sena e os pioneiros: Deus e a unção do Espírito Santo
Antônio Frazão e esposa Beatriz Frazão, enfrentava várias dificuldades, a maior
Eduardo Cruz e esposa Raimunda Cruz, delas a resistência à aceitação da Palavra
Antônio Pereira da Silva e sua esposa de Deus por parte de religiosos ligados à
Amália Amâncio da Silva e outras religião tradicional, há muito tempo
pessoas que se faziam presentes na existente no município e até mesmo a
oportunidade. Com uma oração a Deus hostilidade de pessoas que por total
foram abertos os trabalhos e entoados os desconhecimento da Palavra de Deus
hinos de número 15, 2 e 40 da Harpa promoviam badernas, apelidos e até
Cristã. mesmo jogavam pedras sobre o telhado
Sendo logo feito depois pelo da humilde casa de oração enquanto os
referido evangelista Walmiro Candido irmãos buscavam ao Senhor orando em
Sena o convite a todos para a leitura da voz alta.

Nunca Mais Coari 113 Archipo Góes


Anos 60 em Coari
A Origem da Igreja Assembleia de Deus em Coari

2º batismo em águas realizado na história da igreja em Fachada do primeiro templo da IEADAM em Coari, com
Coari, no dia 31 de março de 1968. os membros da igreja posicionados na frente do mesmo.

O 1º batismo em águas foi construído o primeiro templo da Igreja


realizado no dia 25 de abril de 1966, Assembleia de Deus em Coari. O pedido
durante o ministério do pastor Fernando foi aceito, a terra ao lado da antiga casa de
Granjeiro de Menezes, em que foi oração foi doada pelas autoridades do
ministrado pelo pastor José Reis, neste município para a construção da igreja,
dia desceram às águas os primeiros que foi iniciada no mesmo ano.
membros da igreja a serem batizados: Envolvidos na construção, os
Maria Suzana Rodrigues, Justa Rocha irmãos trabalharam lado a lado com o
Simeão e Raimundo Rocha Simeão. pastor Osvaldo Elói, sendo responsáveis
O 2º batismo aconteceu no dia diretos pela construção os irmãos Alfredo
31 de março de 1968 e foram batizados os Rodrigues e Antônio Pereira, auxiliares
seguintes irmãos: Sebastião Pereira da obra. Ajudaram vários irmãos, dentre
Martins, Sebastião Leão Oziel, Alfredo eles José Gomes Pereira. Almir Elói, filho
Rodrigues da Silva, Aldenora Amâncio do pastor Osvaldo Elói, deu o seguinte
da Silva, Pedro Simão da Silva, Gláucia testemunho falando sobre a construção
da Silva, Quelita Elói da Silva, Raimunda do primeiro templo: “Meu pai disse que
Maciel (Raimundinha), Aldebaram muitas vezes ele molhou cimento com
Amâncio da Silva e irmã Maria de Nazaré lágrimas”.
Maciel Gomes. As cerimônias de batismo Tal empenho na pregação da
eram realizadas nas águas nas margens do palavra de Deus, na união pela obra e na
Lago de Coari em frente onde atualmente dedicação no serviço resultou na
ficam as instalações da meteorologia. inauguração do templo no mês de junho
No dia 14 de abril de 1968, o de 1969, com a presença do Pastor
pastor Osvaldo de Freitas Elói assumiu a Presidente da Assembleia de Deus no
Igreja em Coari. Neste período a igreja Amazonas e caravana vinda de Manaus,
ainda funcionava em uma casa alugada na que vieram a bordo do Barco Avante, para
Rua 2 de Dezembro. Surgia no coração do celebrar a vitória do povo de Deus em
pastor e dos primeiros membros a Coari, trouxeram de capital uma
necessidade de a igreja possuir um orquestra e chegaram com salvas de
templo de sua propriedade. Ao lado da fogos de artifício, chamando a atenção da
casa de oração havia um terreno baldio, cidade para a grande obra que se iniciava
uma saída de rua que estava sem utilidade em Coari. Portanto, o templo central
alguma, cheia de entulho e tomada pelo ficou definitivamente estabelecido na rua
matagal. Observando tal fato, o irmão 2 de Dezembro nº 623.
Alfredo Rodrigues procurou as
autoridades do município para ser feita a Excerto do livro “A História da Assembleia de
doação daquela área de terra, onde seria Deus em Coari” — Daniel Maciel Gomes”.

Nunca Mais Coari 114 Archipo Góes


Anos 60 em Coari
Clemente Vieira Fátima Acris, nossa primeira Miss
Amazonas

O Miss Coari é um concurso de


beleza mais tradicional do estado do
Amazonas. Teve seu início no ano de
1940 e foi organizado nos anos iniciais
pela pelos periódicos “O Jornal” e
“Diário da Tarde” de Manaus, mais tarde
pela associação Tijuca Esporte Club e
depois de alguns anos, passou a ser
organizado pela prefeitura de Coari, que
no decorrer do tempo, mudou o local do
concurso para a Praça da Matriz, quadra
de Esporte São José, Refúgio Dois
Pinguins, quadra da escola Dom Mário e
atualmente no centro cultural.
A nossa primeira Miss Coari foi
a senhora Emília Abinader Ribeiro em
1940, esposa do senhor Messias Ribeiro,
expressivo comerciante de nossa cidade.
E no decorrer do tempo, o povo coariense
foi entendendo, aprendendo e se
O mandato de Clemente Vieira envolvendo no seu concurso mais
(1963 a 1969) apontou um novo marco na expressivo de beleza feminina.
forma de governar Coari. Uma Todos os anos a população já
característica forte foi a manifestação do espera chegar o mês de agosto,
populismo e o assistencialismo, especificamente no dia 02, aniversário de
paralelamente a criação de grandes obras nossa cidade, para torcer por sua
por toda a cidade. candidata preferida ao Miss Coari, título
Em 1967 houve a inauguração muito concorrido na Cidade da Beleza ou
de algumas obras na visita do governador Terra de Mulheres bonitas. Designação
do estado Danilo Areosa: muito pertinente, visto que, na história de
• O grupo escolar Inês de Nazaré nossa cidade há uma exaltação à beleza
Vieira. das indígenas da região, registrado
• Inauguração e revitalização das sobretudo pelo Padre João Daniel, no seu
ruas Independência, Travessa Livro “Tesouro descoberto no máximo
Mota e XV de Novembro. Rio Amazonas”. Ele as descreveu assim:
• Apoio a instalação da “Algumas fêmeas a que além de
Celetramazon (Companhia de suas feições lindíssimas, têm os olhos
energia). verdes e outras azuis, com uma esperteza
e viveza tão engraçadas que podem
• Doação da praça Silvério Nery ombrear com as mais escolhidas
para a instalação da CAMTEL brancas”.
(Companhia Amazonense de
Telecomunicações). O livro foi escrito entre 1741 e
1757, dessa forma, podemos concluir
dedutivamente, que a maneira em que se
formou o povo coariense, advém da
miscigenação entre os viajantes europeus
que por essas terras passaram e os povos
indígenas.
Nunca Mais Coari 115 Archipo Góes
Anos 60 em Coari
A constatação da beleza
coariense ficou muito evidente em 31 de
maio de 1968, no concurso de Miss Coari
realizado no Tijuca Esporte Clube, no
período que se realizava a festa da
primavera e a escolha também da Miss
Primavera. A vencedora do concurso de
Miss Coari 1968 foi a linda coariense,
Maria de Fátima de Souza Acris.
No ano de 1968, era então, o
último ano do primeiro mandato do
prefeito Clemente Vieira Soares, e o
mesmo conduziu com sua esposa, Fátima
Acris, para participar do Miss Amazonas
1968 com todos os cuidados e muitas
notas nos jornais manauaras.
O concurso aconteceu na noite
de 8 de junho de 1968 e foi promovido
pelo Jornal do Comércio e a Rádio Baré.
O baile de “Miss Amazonas
1968” foi iniciado às 22h40min, em que
logo, o mestre de cerimônia, Dr. Jayme
Rebello, deu início ao desfile em traje de
noite encantando todos os presentes. Na
passarela, que estava estendida de uma
extremidade a outra do salão de danças do
Fátima Acris – Desfile de Maiô – Salão dos Rio Negro, desfilaram: Maria das Graças
Espelhos do Rio Negro Club Garcia (Clube Municipal), Evan Neves
(Bancrévea), Helen Rita Guimarães
(Princesa Isabel), Maria de Fátima de
Souza Acris (Cidade de Coari),
As indígenas coarienses são Theolinda Franco Duarte (Diretório
descendentes diretamente dos Acadêmico da Faculdade de Filosofia da
Jurimáguas que nas passagens das belas UA) e Greice Marques (União Esportiva
Icamiabas, nessa terra, se relacionavam e Portuguesa).
as meninas nascidas dessas uniões
permaneciam junto às amazonas, e os Em seguida, aconteceu o desfile
meninos eram entregues aos pais da tribo em traje banho (Maiô), assim sendo
dos Jurimáguas, juntamente com um possível tirar todas as dúvidas sobre os
amuleto da sorte denominado de critérios avaliativos das medidas e a
muiraquitã. beleza de cada participante. Logo após, as
candidatas se retiraram para os camarins
Com essa miscigenação e mais do clube, esperando a decisão da
tarde, com a chegada dos imigrantes Comissão Julgadora. Enquanto os juízes
turcos, libaneses, árabes, judeus e a se reuniram para eleger a mais bela
migração dos nordestinos nos dois ciclos amazonense daquele ano, Zeina Chama,
da borracha, formou-se um povo com Miss Amazonas 1967, desfilou para
características físicas típicas de várias encerrar seu reinado, sendo
“raças” com uma rica e belíssima vibrantemente aplaudida pelo imenso
mistura. Surgindo assim, as coarienses, público.
as mais belas mulheres da Amazônia.

Nunca Mais Coari 116 Archipo Góes


Anos 60 em Coari

Fátima Acris usando seu Traje Típico no Miss Brasil - Revista Cruzeiro – 1968
Traje de Noite – Salão dos Espelhos do Rio Negro Club
No momento final, houve o resultado pelo rádio. O desfile tinha
anúncio da vencedora do concurso, a transmissão ao vivo pela rádio Baré.
coariense Fátima Acris, que foi Lembro que saímos pulando e parecia a
ovacionada pela verdadeiramente vitória do Brasil no futebol”.
multidão que se comprimia no “Salão dos O Miss Brasil de 1968 foi um
Espelhos” do Atlético Rio Negro e na concurso inesquecível na lembrança das
área fronteiriça ao clube. pessoas que são apaixonadas pelo mundo
O concurso de Miss Amazonas da missologia. 1968 ficou na história
1968 premiou Fátima Acris com produtos como o ano da escolha da nossa segunda
da Sanyo e Mundial Magazine, passagem Miss Universo, a baiana Martha
ida e volta para Miami pela Avianca e Vasconcellos. Martha e Fátima Acris se
uma viagem a Salvador, onde a mesma destacaram na sua preparação do
prestigiou no Ginásio Antônio Balbino, a concurso e na expressiva divulgação de
eleição de Martha Vasconcellos como suas fotos nas revistas e jornais de grande
Miss Bahia 1968. circulação em todo o país.
Coari viveu na madrugada O concurso de âmbito nacional
daquele domingo, momentos de intensa aconteceu no dia 29 de junho de 1968, no
euforia. Pelas ondas da Rádio Baré, os Ginásio do Maracanãzinho, Rio de
conterrâneos da Miss Amazonas 1968 Janeiro. Foi promovido pelos “Diários e
acompanharam com ansiedade o Emissoras Associados” e foi transmitido
concurso. Quando foi conhecido o p e l a s a u d o s a T V Tu p i . H o u v e a
resultado, o povo saiu à rua cantando em participação de 25 candidatas,
meio a um foguetório. representando os Estados e Territórios
Inez Batista disse: brasileiros. A grande festa nacional da
beleza começou com a apresentação em
“Coari fez festa. Ficamos todos traje de gala, seguida em trajes típicos e
no canto do Mengo Bar esperando o finalizou com traje banho (maiô).

Nunca Mais Coari 117 Archipo Góes


Anos 60 em Coari

Retorno de Fátima Acris a Coari Retorno de Fátima Acris a Coari

Desde a década de 60, em Coari


há uma tradição de revelar grandes
talentos para os concursos de beleza ao
nível estadual e até nacional. Fato que
vem influenciando diretamente nesses 50
anos a paixão dos coarienses pelo
concurso de Miss Coari e ajudaram nossa
cidade a ser chamada de “Terra da Mulher
Bonita”.
Fica aqui minha homenagem à
Fátima Acris, que neste ano de 2018,
completou 50 anos de seu eterno reinado.
Dona de uma beleza suave, angelical e
sobretudo, que irradiou sempre simpatia.
Essa mulher que saiu de sua cidade, onde
trabalhava nas Casas Pernambucanas e,
no período de um mês, partiu para o
mundo, deixando em sua Coari um
legado de dignidade e uma história que
influenciou sempre o empoderamento da
Mulher Coariense.

Nunca Mais Coari 118 Archipo Góes


Anos 70 em Coari

Unidade Mista de Coari


Inauguração do Hospital de Coari construiu maternidades, em lugares onde
o índice de crianças nascidas nos
Era sábado, dia 6 de março de hospitais é nulo, porque para o caboclo
1971, às 9h de um dia ensolarado, chega a menino nasce mesmo é, em casa, pelas
Coari a comitiva do governador Danilo mãos da ‘‘comadre’’, pois difícil não é
Areosa para inaugurar o hospital de Coari nascer, é viver.
da Superintendência dos Serviços Coari, centro de uma extensa
Médicos do Interior — SUSEMI. O área do Solimões tem agora, um hospital
prefeito Mussa Abrahim Neto (1969 a com H maiúsculo, que ao lado de outras
1973) fez a recepção da comitiva e foi um iniciativas governamentais de fundo
dia de muitas festividades. infraestrutural, não expulsa o homem
O hospital foi pré-fabricado na interiorano para as periferias
Inglaterra, o hospital dispunha de marginalizadas de Manaus em busca de
secretaria, laboratório, banco de sangue, saúde. Agora tem um hospital moderno,
sala de reuniões, centro cirúrgico, com equipado, completo, servido por jovens
sala de recuperação, maternidade, salas médicos saídos do Projeto Rondon para
de pré-parto, enfermarias, berçário, dar-lhe a assistência.
inclusive para prematuros, ambulatórios,
apartamentos para médicos e parteira, Jornal do Comércio — 04/03/1971
cozinha e refeitório, necrotério, sala de
vacinação, gabinete de raios-X, gabinete Rainha do Solimões
odontológico e as demais dependências
necessárias, e tudo o que um hospital No dia 9 de novembro de 1971,
deve ter e que muitos não têm. o vice-presidente da República,
Um dos objetivos secundários Almirante Augusto Rademaker, subiu o
do hospital de Coari foi para servir de Amazonas no navio Lobo D’almada da
centro de apoio às lanchas da secretaria Empresa de Navegação da Amazônia –
de saúde e cidades próximas. ENASA inspecionando a calha do
Solimões. Nessa viagem, ele parou em
Isso tudo em uma cidade em que Coari e visitou o hospital de Coari, fez um
até pouco tempo, o que tinha de discurso na praça Getúlio Vargas, em que
assistência médica era de iniciativa de disse que a partir daquele momento,
abnegados Padres Redentoristas, Coari seria conhecida como “Rainha do
funcionando precariamente. Em alguns Solimões”, devido a sua grande pujança e
municípios do interior do Amazonas se desenvolvimento.

Nunca Mais Coari 119 Archipo Góes


Anos 70 em Coari

O avião monomotor de prefixo PT-DKC, pertencia aos padres redentoristas da Prelazia de Coari

Avião mergulhou no lago de O Voo


Coari matando o piloto
O monomotor de prefixo PT-
No dia 12 de abril de 1971, o DKC saiu às 9h do dia 12 de abril de
avião monomotor de prefixo PT-DKC, 1971, de Manaus às 9 30 horas de ontem,
pertencente aos padres redentoristas da levando em seu bojo além do piloto José
Prelazia de Coari, mergulhou pela manhã Edno Rios Gomes, o gerente da agência
nas águas do Lago de Coari, provocando do Banco do Estado do Amazonas
a morte do seu piloto José Edno Rios (BEA), em Coari, que passou o fim de
Gomes e deixando gravemente ferido o semana na capital. No exato momento em
passageiro José Arnaud Sales, gerente do que tentava pousar o hidroavião, surgiu
Banco do Estado do Amazonas, agência segundo as primeiras notícias chegadas a
local. Manaus, uma canoa. O piloto José Edno
As primeiras notícias dão conta Rios Gomes ao tentar desviar da pequena
de que o piloto, na tentativa de desviar de embarcação, provocou o desequilíbrio do
uma canoa que surgiu no momento de monomotor, tendo este adernado,
aquatizar, provocou descontrole da mergulhando posteriormente sob as
aeronave, que adernou mergulhando águas do Lago de Coari. José Edno Rios
posteriormente nas águas do Lago de Gomes, engatado no cinto de segurança e
Coari. José Edno Rios Gomes, ficou em virtude do esforço que despendeu na
engatado no cinto de segurança, tentativa de corrigir a posição do avião,
acompanhando toda a trajetória do não teve tempo de fugir, enquanto o seu
monomotor, enquanto José Arnaud Sales, companheiro de viagem, José Arnaud
conseguindo se soltar foi retirado das Sales, em virtude do violento impacto,
águas em estado de coma, sendo era depois socorrido por populares, em
internado no Hospital da SUSEMI estado de coma, gravemente ferido.
existente na cidade de Coari.
57. Jornal do Comércio - Em 17 de julho de 1972

Nunca Mais Coari 120 Archipo Góes


Anos 70 em Coari
“Há outra versão, não oficial, de passou a trabalhar para a Prelazia de
que os dois haviam saído do avião, porém Coari, dos padres Redentoristas,
o gerente do BEA, José Sales havia realizando diariamente voos a aquele
esquecido a sua pasta com documentos município em desobriga profissional.
do banco. O piloto Rios em um ato José Edno Rios Gomes, no dia 2
impensável, voltou para pegar a pasta e já de março último, realizara mais um sonho
dentro da cabine, o avião tombou mais de sua vida. Contraiu matrimônio com a
ainda, batendo a porta. Dessa forma, ele jovem universitária, estudante de 29 anos
ficou preso dentro do avião enquanto o da Faculdade de Odontologia, Vera Lúcia
avião afundava.” Abugoste Gomes, a quem conhecera há
dois anos e nove meses, período em que
Socorro faziam planos para unirem-se pelo
matrimônio que se realizou no mês
Pessoas que se encontravam nas passado. Na manhã de ontem, José Edno
proximidades do local onde o pequeno Rios Gomes acordara bem cedo, dizendo
avião costumava fazer pouso, avistaram que iria transportar duas pessoas que
com espanto quando o monomotor de pretendiam ir a Coari, o gerente do BEA,
prefixo PT-DKC perdia o controle do José Arnaud Sales e o comerciante
rumo de voo, para depois mergulhar nas Galdino B. Guedes residente na rua
águas do lago de Coari. Imediatamente, Belém, 407 que desistiu da viagem
várias pessoas, com o auxílio de canoas, minutos antes de ela se realizar. Antes de
rumavam para o local, retirando o gerente se dirigir ao Aeroporto, José Edno, como
do Banco do Estado do Amazonas, de costume, levou a esposa Vera Luzia
agência de Coari, que foi imediatamente para a escola, dizendo que voltaria ainda
içado e, quarenta minutos após o piloto ontem, pois teria de resolver uma série de
José Edno Rios Gomes era retirado do problema... em que se incluía a reserva de
interior do seu avião com ferimentos e já passagens em uma agência de viagens
sem vida. para sua irmã Rosa Maria Gomes, que
O corpo do jovem piloto foi deverá chegar a Manaus nos últimos dias
transportado para a sua residência em deste mês procedente de São Paulo.
Manaus, na rua 31 de janeiro, no morro da Iriam, segundo ficou acertado, fazer
Liberdade. Assim como o gerente do compras no mercado. As primeiras horas
BEA, José Arnaud Sales, foi transportado da tarde de ontem, entretanto, Vera Lúcia
para tratamento em Manaus, visto que recebia a triste notícia: o avião pilotado
permanecia em coma. por seu marido mergulhava no lago de
Coari, provocando-lhe a morte.
O Piloto Vera Lúcia Gomes dizia que
sempre que José Edno Rios Gomes
José Edno Rios Gomes, nascido realizava uma viagem, ela lhe dizia:
em Manacapuru, tinha 29 anos, 4 dos “amor toda vez que fazes uma viagem, eu
quais trabalhando para a Prelazia de tenho a sensação de que você vai morrer,
Coari como piloto, profissão que sempre pelo que ele acalentava: “você não
sonhara em se realizar. Era filho de Maria entende de aviação”.
Reis Gomes e Raimundo Gomes da Silva,
funcionário do Ministério da Agricultura. José Edno Rios Gomes, no ano
Concluiu o curso técnico na Escola de 1968 esteve na Califórnia. Estados
Técnica Federal do Amazonas, para Unidos, onde fez um curso de
depois empenhar-se na carreira dos seus aperfeiçoamento de aviação e conduziu o
sonhos: ser piloto. Em 1965 viajou a São avião de prefixo PT-DKC que fora
Paulo onde foi licenciado por uma Escola adquirido nos Estados Unidos pelos
de Aviação, retornando a Manaus onde padres redentoristas, no interior do qual
ele morreu.

Nunca Mais Coari 121 Archipo Góes


Anos 70 em Coari

Depoimento in loco de Seresta fez o avião tombar para ao lado,


(Francisco Oliveira e Silva) sobre o justamente onde a mesma estava baixada,
acidente do avião do bispo Dom Mário ficando de cabeça para baixo, com uma
no lago de Coari. parte da aeronave imersa sob as águas.
Seresta chamou o seu
— Eu estava no flutuante funcionário, pegaram uma canoa e foram
Texaco, que é até hoje, o comércio de rapidamente ao encontro do avião. Os
venda de combustíveis de nossa família. dois remaram velozmente e ao chegarem
Junto comigo, estava um funcionário que no local, Seresta conseguiu abrir a porta
chamávamos de Cabo Rural, pois ele era do avião e o gerente do BEA (Banco do
parecido com o famoso militar que vivia Estado do Amazonas) conseguiu sair e
em Coari. passar para a canoa.
— Quando o avião chegava, Seresta perguntou pelo piloto
tradicionalmente dava uma primeira Rios, e José respondeu que ele estava
volta para verificar se não havia nenhum pegando a sua pasta de documento do
obstáculo (canoa, barco, tronco). Quando banco. Mas, Seresta observou que o
eu ouvi o barulho do avião, saí para piloto Rios não estava consciente. E neste
assistir, pois naquele tempo tudo era exato momento o avião se movimentou,
novidade, a gente quase não avistava batendo a porta e descendo mais fundo no
avião em Coari. Mas, ao vê-lo, percebi lago.
algo diferente. Uma roda do trem de Seresta mergulhou e tentou
pouso estava baixada. Era comum que abrir a porta do avião para salvar Rios,
quando o avião chegava, às 02 rodas mas não conseguiu. Foi quando veio um
estavam recolhidas. pensamento em sua mente: — E se o
— Infelizmente, naquele dia avião explodir? — Então resolveu subir e
uma roda estava recolhida e a outra estava voltar para a canoa.
baixada. Ao perceber isso, achei muito Foi quando chegaram mais
estranho, pois, ao sair do aeroporto, este pessoas em outras embarcações para
hidroavião usava o trem de pouso para a ajudar. Seresta relatou também que mais
decolagem, mas para aquatizar tarde quando o avião foi arrastado para
terra, e os primeiros socorros começaram
(amerissar) não há necessidade do uso a ser prestados, viu uma grande marca
das rodas e sim dos flutuadores. roxa no peito do piloto Rios
— Na segunda volta, o provavelmente causada pelo manche do
hidroavião veio para fazer o pouso avião e poderia ser o motivo dele estar
aquatizando (amerissagem), porém, ao inconsciente na hora do acidente.
tocar nas águas do lago de Coari, a roda

Nunca Mais Coari 122 Archipo Góes


Anos 70 em Coari

Catedral de Santana e São Sebastião


Catedral de Santana e São Sebastião atuavam nessa região e também em
Codajás e Manacapuru. O primeiro bispo
Em 1910, o município de Coary prelatício foi o americano, Dom Mário
possui uma Comarca58 e os seus 05 Robert Emmet Anglim, que foi escolhido
distritos: A vila de Coary, o distrito do no dia 25 de abril de 1964 também pelo
Barro Alto, distrito de Camará, distrito de Papa Paulo VI.
Itapéua e distrito de Piorini. A população Início da obra de ampliação da igreja
no final da primeira década do século XX matriz de Coari
era de 11.000 mil habitantes e 295
59
eleitores . A Superintendência
O Pe. Alyrio Lima dos Santos
Municipal (Prefeitura) era presidida pelo
(Padre Lima – 19/12/1931 - 12/07/1913)
Coronel Lucas de Oliveira Pinheiro.
missionou o evangelho em Coari entre
A atual igreja matriz de Coari 1958 e 1962, após isso, viajou para fazer
foi inaugurada em 1910 pelo Padre Víctor um curso de direito canônico e alguns
Merino, que trabalhou em Coari entre os pequenos cursos de arquitetura em
anos de 1906 a 1910. Ela possui estilo viagem a Roma entre os anos de 1962 a
arquitetônico espanhol e na época 1964. Ao voltar ao Amazonas em 1964,
possuía apenas a nave central. foi designado pelo bispo Dom Mário para
Em 13 de julho de 1963, foi ser seu vigário geral e diretor da Rádio
erigida a Prelazia de Coari pelo Papa Educação Rural de Coari. Contudo, sua
Paulo VI através da Bula Ad Christi. mais difícil e ousada missão foi projetar e
Contudo, a prelazia só foi instalada em 11 coordenar a ampliação da igreja matriz da
de março de 1964 numa celebração feita Paróquia de Coari, sede da prelazia,
pelo bispo de Manaus, Dom João de sendo construída 02 naves laterais e
Souza Lima, que entregou a prelazia aos dando esse aspecto suntuoso e imponente
missionários Redentoristas que já a edificação.

58. Corresponde ao território em que o juiz de primeiro grau irá exercer sua jurisdição e pode abranger um ou mais
municípios.
59. Nessa época só votavam homens alfabetizados com mais de 21 anos e que comprovassem posse, os religiosos e os
militares.

Nunca Mais Coari 123 Archipo Góes


Anos 70 em Coari
Pe. Lima explicava aos assunto para registrar um augúrio de
paroquianos que independentemente de caráter cultural religioso. É este: oxalá os
onde você estivesse, na nave central, nave católicos da Prelazia de Coari honrem
direita ou esquerda, poderiam assistir à imediatamente a sua cultura religiosa
celebração do padre sem empecilhos. habituando se a designar a sua principal
Deu-se início às obras e a partir daquele igreja com o título que ela merece, de
momento, as missas, batizados, Catedral! Catedral Prelatícia, pois lá
casamentos etc foram realizados no estará a CÁTEDRA de onde o Bispo
prédio da paróquia, que mais tarde seria ensinará a doutrina cristã contida na
conhecido como Centro Dom Mário. Escritura Sagrada e sobretudo nos
Evangelhos. E não adquiram o costume
sem qualificativo do povo de Manaus,
quase na sua maioria que teima em
diminuir a sua Catedral Metropolitana
chamando de matriz simplesmente.
A Catedral de Coari foi assim
revitalizada na gestão de Dom Mario
Robert Emmet Anglin, bispo da prelazia
de Coari e destaca-se por possuir a torre
mais alta das igrejas do Solimões.
Moção de Júbilo
Em Coari, sede da Prelazia do
mesmo nome, o povo vive, hoje, um dos
maiores dias do seu calendário religioso.
A antiga matriz paroquial de Santana e
São Sebastião, hoje será sagrada Catedral
Pe. Alyrio Lima dos Santos em 2012 Prelatícia, durante as festividades da
Sagração da Catedral de Coari gloriosa Padroeira. Do Cônego Walter
Gonçalves Nogueira, um dos poucos
sacerdotes coarienses, ao Exmo. Sr. Dom
Era uma segunda-feira, dia 26 Mário Roberto Emett Anglin, Prelado de
de julho de 1971, data essa, que também Coari, recebeu a Moção de Júbilo que ora
iniciaram os festejos de Sant'Ana, transcrevemos.
gloriosa padroeira de Coari e cujas
solenidades foi ponto alto a grandiosa “Excelentíssimo Senhor Bispo
cerimônia de sagração da Catedral
Prelatícia de Coari. A antiga sede Por ocasião da festa de Santana,
paroquial, dedicada a São Sebastião e a gloriosa Padroeira de Coari, e quando se
Sant´Ana conjuntamente, foi consagra a sua Catedral Prelatícia, o
inteiramente remodelada e ampliada, último dos filhos dessa terra em
tornando-se um belo e grandioso templo importância e o primeiro em ufania,
que é uma afirmação de fé do povo felicita jubilosamente Vossa Excelência
coariense, tanto como clássica dedicação e, na sua pessoa, todo o Revmo. Clero e
e zelo dos padres Redentoristas. Religiosas da Prelazia de Coari, assim
A convite do Primeiro Bispo como o povo generoso e bom ao qual se
Prelado de Coari, Dom Mário, o associa com honra e alegria, nesta hora
arcebispo metropolitano Dom João de refulgente.
Sousa Lima chegou à cidade de Coari no
avião particular da prelazia para
participar da grandiosa cerimônia e fez Queira abençoar-me, em Cristo Jesus.
uma recomendação ao povo de Coari: Mui respeitosamente,
E falando de Igreja Catedral,
não resistimos ao estímulo do próprio Cônego Walter G. Nogueira.”
Nunca Mais Coari 124 Archipo Góes
Anos 70 em Coari

Catedral de Santana e São Sebastião em Reforma

Catedral de Santana e São Sebastião em Reforma

Nunca Mais Coari 125 Archipo Góes


Anos 70 em Coari

Projeto de Ampliação da Catedral de Coari

Nunca Mais Coari 126 Archipo Góes


Anos 70 em Coari
Como aconteceu o primeiro Festival da Vovó”, do Ginásio N. S. do Perpétuo
Folclórico de Coari? Socorro; “Bereana”, do Ginásio Bereano,
e “Coronel Maionés”, do Grupo Jovem
Coari em nova dimensão - 1972 de Coari. Bumbás; “Estrelinha”, do
Grupo Infantil da rua XV de Novembro;
Coari está despertando! Uma “Prata Fina”, de tradicional renome no
equipe de representantes de classe do Município, dirigido pelo seu Yoyô. Tribo:
Colégio N. S. do Perpétuo Socorro, dessa “índios Guaranis”, do G. E. Iraci Leitão.
cidade do Solimões. Está esse ano Os brincantes, vestidos a
sacudindo o povo, procurando, através de caráter, na maior animação, dançaram
várias atividades, fazê-lo viver uma ante grande multidão e a Comissão
verdadeira vida comunitária. julgadora, constituída pelas seguintes
O Colégio faz parte da Unidade autoridades: Sr. Prefeito Municipal em
Educacional de Coari, que tem exercício, Sr. Presidente da Câmara de
movimentado todos os estudantes, em um Vereadores, Vereador Adelino Lima
plano de ação que corresponda aos Viana, Sr. Michiles, Gerente do BEA, Sr.
interesses do povo e sobretudo da Aylz, Gerente do BASA, Dr. Nunes,
juventude, demonstrando também às titular da ACAR em Coari, Tenente Sales.
autoridades que os alunos e mestres não Delegado de Segurança Pública e
atuam apenas na sala de aula, mas em Professor Lúcio Porto Lima, gerente da
toda a sociedade. Celetramazon.
A primeira atividade se realizou Foi a seguinte a classificação: 1°
nas festas Juninas. Foi o Primeiro lugar: Quadrilha Bereana; 2º lugar:
Festival Folclórico de Coari, cujo Quadrilha do Coronel Maionés; 3° lugar:
objetivo foi mostrar ao povo a Brotinhos na Roça e 4° lugar: índios
importância desses folguedos Guaranis.
antiquíssimos de nossa gente. As atividades desportivas não
Os dias escolhidos foram 29 e ficaram atrás das culturais. Aconteceu um
30 de junho e 10 de julho, numa festa torneio inter-classe com a participação de
animadíssima, que contou com o apoio 20 equipes de alunos de salas, séries e
integral do Prefeito Mussa Abrahim sexos diferentes, entre o 1º e 2º graus, que
Neto, ardoroso amigo da Juventude, o movimentou efusivamente a escola e
qual contribuiu com uma taça para o 1º houve um grande número de
colocado, mandou construir um palanque espectadores na improvisada
de 18x20 metros para a exibição dos arquibancada.
grupos folclóricos e preparou o local, que Aconteceu outro torneio que foi
foi a grande esplanada em frente à denominado afetuosamente de
Catedral. “Copinha”, em que reuniu 5 equipes
O Sr. Alexandre Jorge Morais, provenientes dos diversos municípios, já
Presidente da Câmara Municipal, radicados em Coari; Belém, Manaus,
ofereceu a taça ao segundo colocado e a Codajás e Tefé, além da equipe de Coari.
Unidade Educacional deu a 3ª taça. Um Essa Copinha foi ideia exclusiva do
vereador, empolgado com o desenrolar Professor Lúcio Porto Lima, que leciona
do Festival, ofereceu, na última noite, um português no colégio N. S. do Perpétuo
prêmio ao 4° colocado. Socorro.
Os nove grupos brincantes E assim, na noite de 8 de julho,
foram: Quadrilhas: “O Lampião”, do defrontaram-se os times para vibrantes
Grupo Escolar Francisco Lopes Braga; partidas de futebol de salão (Futsal),
“Brotinhos na Roça”, do Grupo E. N. S. tendo saído vencedores os seguintes:
Perpétuo Socorro; Quadrilha “Junina” do Campeão: Equipe de Coari; vice-
G. E. Inês de Nazaré Vieira; “Os Netinhos campeã: Equipe de Belém.
60. Jornal do Comércio - Em 17 de julho de 1972

Nunca Mais Coari 127 Archipo Góes


Anos 70 em Coari

♫Lá vai o Prata Fina fazendo a


♫Lá vai, lá vai, lá vai boi pra
quem quer ver♫

terra tremer♫

Boi Bumbá Prata Fina

Diante do êxito desses dois dia 2 de agosto, aniversário de


movimentos, planeja-se um torneio emancipação da cidade, haverá
esportivo entre todas as escolas do promoções diversas que estão
município, em data a ser marcada. empolgando o Sr. Prefeito, e que se farão
É justo nomear aqui os sob a coordenação do dinâmico Tenente
esforçados representantes de classe do Sales. Movimentos esses que farão parte
colégio N. S. do Perpétuo Socorro: das comemorações do Sesquicentenário
Antônio Valério, Maria de Fátima, Rosa da Independência (150º).
Esmeralda, Manuel Brasil, Raimundo
Martins, Valdex Moraes, Sebastião
Oliveira, Augusto Martins, Fábio e
Francisco Monteiro.
O esforço desses jovens é
orientado por um grupo de professores
entusiastas: tenente Sales, professor do
Colégio e Delegado de Segurança
Municipal; Raimundo Oliveira Lúcio
Porto Lima e Ivan Souto Conde. O
Tenente Sales dá cobertura policial a
todas as atividades. Duas professoras.
Irmã Ivanete Azevedo e Cosma Marques
de Abreu são também dedicadíssimas.
A Diretora da Unidade e do
Colégio N. S. do P. Socorro. Irmã Maria
Clemens Oliveira, entusiasmada com o
espírito de liderança da turma jovem da
Unidade, anunciou à reportagem do
Jornal do Comércio que essa turma
participará ativamente em outros
movimentos no segundo semestre. E no Benedito de Lima Nogueira – Seo Ioiô
Nunca Mais Coari 128 Archipo Góes
Anos 70 em Coari
Obras do Governador Danilo Areosa Criação do 1º núcleo da UFAM
em Coari
O primeiro momento, foi a
• Grupo Escolar Lopes, recuperação criação por ato legal do CRUTAC,
total 1969; Centro Rural Universitário de
• Exatoria de Rendas com duas Treinamento e Ação Comunitária nas
residências anexas para universidades do Brasil a partir da
funcionários, 1969 – 185m ; Resolução nº 259 de 28/09/1972.
• Fórum de Justiça, 1969 – 225m ; Decorridos dois anos de sua
• Residências para o Juiz e o Promotor criação, aconteceu efetivamente a
de Justiça, 1969 – 183,60 m ; instalação operacional do CRUTAC em
• Agência do Banco do Estado do Coari no dia 28 de outubro em 1974,
Amazonas (BEA), 1969 - 332m ; sendo que essa ação teve o objetivo de
• Quartel e Delegacia de Polícia, 1970 integrar a UA (Universidade do
– 263m Amazonas) com a comunidade do
• Hospital de Coari – 1971 interior do Amazonas. E também um
esforço de participar do projeto de
aceleração de mudanças das condições
Danilo o Pagador de Promessas humanas e sociais das populações
Jornal do Comércio 13/03/1971 interioranas, compartilhado entre
diversas universidades brasileiras.
A Associação Comercial de
Coari, pelo seu presidente Sr José Ohana, Após 7 tentativas, Enedino Monteiro
endereçou ao governador Danilo Areosa consegue eleger-se Prefeito de Coari
ontem, a mensagem seguinte:
“Ao término de sua profícua
Nas eleições de 1972, o MDB
administração, que veio trazer ao interior
(Movimento Democrático Brasileiro)
do Amazonas a certeza de que não era
saiu vitorioso em Coari, elegendo o seu
mais esquecido, não poderia deixar esta
candidato, o Sr. Enedino Monteiro da
A s s o c i a ç ã o d e a g r a d e c e r- l h e a s
Silva, que conseguiu 2.236 votos,
realizações de tão real alcance
seguido pelo sr. Clemente Vieira Soares,
implantadas pelo seu governo.
da ARENA 1, com 1504 votos. Os outros,
— Nossos agradecimentos pela pela ordem, foram os seguintes: Antenor
Celetramazon, Camtel, Susemi, Banco Leitão, da ARENA 2, com 209 votos,
do Estado, assistência educacional e Francisco de Carvalho, do MDB 3, com
demais obras que são marcos reais de 46 votos, Salomão Jorge de Melo, com 38
uma administração patriótica e votos e Manuel Rodrigues Caxeixa com
compatível com os princípios 33 votos. O vice-prefeito foi o Sr. Manoel
progressistas da Revolução de março de Soares da Fonseca Filho.
1964. Nossos agradecimentos pelo
Após a posse dos dois prefeitos,
sentido humano que deu ao seu governo e
em 1º de fevereiro de 1973, o deputado
pela lição de bem governar que nem
Natanael Rodrigues também do MDB,
sempre se encontra neste Brasil afora. E,
acompanhava os prefeitos de Coari e
finalmente, nossos agradecimentos por
Codajás na capital do estado para juntos
ter sido o pagador de promessas daqueles
conseguirem programas e obras para
que tanto prometeram e não cumpriram.
Coari. Contudo, os resultados não eram
Nossos cumprimentos, Senhor
tão positivos e na maioria das vezes eram
Governador, pelo cumprimento do
protelados. E o pior, a prefeitura de Coari
dever".
estava cheia de dívidas e os fornecedores
com os pagamentos atrasados.
Nunca Mais Coari 129 Archipo Góes
Anos 70 em Coari
Bispo de Coari faleceu no porto de
Manaus

O bispo Dom Mário Roberto


Anglim, prelado de Coari, faleceu no dia
13 de abril de 1973 em Manaus, vítima de
um ataque cardíaco.
Ele faleceu às 7h30min, no
porto de Manaus, onde acabara de chegar
do rio Solimões. Seu corpo foi velado
durante toda a tarde do mesmo dia, na
igreja de Aparecida, onde foi vigário
durante algum tempo, e onde recebeu
visitas do povo e das autoridades do
Estado. Depois da missa de corpo
presente, realizada às 19h30min, o corpo
foi levado para Coari, onde foi sepultado
no piso do altar da Catedral Prelatícia de
Santana e São Sebastião.
A Lápide de Dom Mário
Satisfeito Insatisfeito

O prefeito Enedino Monteiro,


de Coari, está satisfeito com a maneira
cortês e o interesse demonstrado pelo
governo Henoch Reis com referência aos
problemas de seu município no Alto
Solimões. No dia 25 de abril de 1975, ele
teve um encontro com o governador do
estado. Mas se confessa totalmente
insatisfeito com seus companheiros da
oposição que não lhe tem dado qualquer
ajuda. Está até pensando que para dar
solução aos problemas do povo da cidade
que abraçou há 31 anos será melhor A Posse do Prefeito Enedino Monteiro
passar para o lado dos que o ajudam e
ajudam Coari.
Devido o apoio do governador
Henoch da Silva Reis as causas de Coari,
o prefeito Enedino Monteiro saiu da
legenda do MDB e passou para a ARENA
(Aliança Renovadora Nacional). Dessa
forma, a partir de 29 de abril de 1975,
houve um expressivo apoio para incluir a
cidade de Coari no projeto Polamazônia
da Sudam, que financiou a construção do
porto de Coari; do aeroporto e sua estrada
de acesso pela COMARA (Comissão de
Aeroportos da Região Amazônica). Essas
obras iniciaram no governo de Enedino
Monteiro e foram inauguradas no A Posse do Prefeito Enedino Monteiro
governo seguinte.
Nunca Mais Coari 130 Archipo Góes
Anos 70 em Coari

opções para a implantação de módulos


O Centro de Coari e o bairro de Chagas habitacionais para os ribeirinhos, e
Aguiar foram ligados por uma ponte evitando a montagem de favelas, como
acontecia nos anos anteriores.
No dia 19 de junho de 1976, Com recursos da Sudam, na
com a presença de mais de mil pessoas e ordem de Cr$ 1.600.000,00, a Secretaria
todos os carros da cidade, lambretas e de Transportes, se preocupou, como
bicicletas marcaram a inauguração da executora da obra, também no sistema
ponte sob o igarapé do Espírito Santo, viário de acesso à ponte com a construção
ligando às duas partes mais importantes e abertura de estradas paralelas,
da cidade, que estavam separadas pelo devidamente pavimentadas.
volumoso caudal das águas barrentas do No entanto, a entrega da ponte
Igarapé, impedindo a movimentação ao uso dos habitantes de Coari, foi apenas
normal dos habitantes entre o Centro e o primeiro passo, no sistema de
Chagas Aguiar. benefícios que o Governo do Estado
O Governador Henoch Reis realizou no município e cujo trabalho
esteve presente à inauguração e o mais importante, além do sistema viário
armador Waldemiro Lustosa desatou a da cidade, num total de quatorze
fita simbólica, numa solenidade que quilômetros, e da estrada de acesso ao
durou o tempo suficiente para que o aeroporto é a construção do bairro
Secretário de Transportes José Fernandes Chagas Aguiar, já quase concluído com
explicasse o valor da obra e o mecanismo ruas abertas e quadras dimensionadas e
para a sua construção. lotadas para distribuição entre a
população. Debaixo das castanheiras,
A ponte de 160 metros de num imenso parque, onde foram erguidos
comprimento por seis de largura, dividida prédios para recreação, o Governador
para veículos, lambretas e pedestres tem a Henoch Reis foi homenageado pelo povo
finalidade de unir os dois bairros criando de Coari.
Nunca Mais Coari 131 Archipo Góes
Anos 70 em Coari

Calçamento da rua 02 de Agosto

Enedino Monteiro fez a Escola deixando a população esperançosa de


Presidente Kennedy, a pavimentação e o novos tempos com prosperidade e muitos
calçamento das principais vias de Coari. empregos.
Esse serviço de pavimentação foi
realizado com tijolos, cimento e areia. Governador faz inaugurações
Em 1976, o bairro Duque de
Caxias foi iniciado no governo do
prefeito Enedino Monteiro com serviços No dia 1 de março de 1977, o
de desmatamento e terraplanagem. Governador do Estado do Amazonas, o
Sr. Henoch Reis veio a Coari para fazer
Foram poucas obras, mas inaugurações de obras do seu mandato.
Enedino Monteiro conseguiu pagar todas Em seu discurso falou rapidamente, mas
as contas da prefeitura e deixou dinheiro com muita emoção, como sempre fez
em caixa para a próxima administração. todas às vezes que se encontra em
qualquer um dos municípios
Clemente Vieira - 1977 amazonenses:
“Estamos inaugurando uma
Dia 01 de fevereiro de 1977, nova etapa para esta região do Solimões,
assumiu a prefeitura de Coari para o seu tão controvertida como o próprio rio, mas
segundo mandato, Clemente Vieira sempre um caudal de esperanças para o
Soares e o vice Alexandre Moraes. Coari futuro em termos de produção, graças à
havia passado por dois governos sem força, à coragem e ao destemor do seu
muitas obras e a mola financeira sem povo, operários da produção".
circular renda para as várias camadas da Foi inaugurado o retroporto,
população coariense. moldado em dimensões das mais
Clemente assume a cidade modernas e eficientes para prover o
trabalhando com muito dinamismo, movimento de embarcações dessa região.

Nunca Mais Coari 132 Archipo Góes


Anos 70 em Coari

A inauguração do retroporto foi embarcações. O porto construído pela


uma festa para o povo porque marcou Secretaria de Transportes do Estado, tem
uma fase básica de trabalhos no segundo as projeções dos técnicos,
município. Por exemplo: depois das capacidade para operar no fluxo de
obras fixas e das construções, começaram embarcações e de carga e descarga,
a ser implantadas as partes flutuantes do durante os próximos vinte anos, sem que
porto que marcaram maior eficácia para o seja necessário mexer em sua estrutura.
mecanismo geral da recepção de

Nunca Mais Coari 133 Archipo Góes


Anos 70 em Coari

Seleção Infantil de Handebol Coariense


I Campeonato Infantil de Handebol O jogo foi bem equilibrado,
tendo Manacapuru se avantajado no
Na primeira semana de junho de marcador por 7 a 1, mas caiu de produção
1977, a SEDAM (Secretaria de com a entrada do atleta Betinho. O 1º
Desportos do Amazonas) realizou na tempo terminou com 8 a 6 em favor de
cidade de Manacapuru o I Campeonato Manacapuru.
Estudantil de Handebol com participação No segundo tempo, a seleção de
das cidades Itacoatiara, Parintins, Manacapuru foi tomada pelo cansaço e
Manacapuru e Coari. sofreu 10 gols e marcando apenas dois.
Depois da disputa entre as 04 Os gols da seleção de Coari
equipes com partidas memoráveis, Coari foram marcados por: Vicente que foi o
sagra-se o primeiro Campeão de artilheiro com 8 gols, Erivelto (5), Valdir,
H andebol Infantil M as culino do Mariano e Francisco Lopes cada um com
Amazonas sobre os anfitriões 01 gol. Por Manacapuru houve a
Manacapuru. marcação de: Haroldo (4), Ademir (3),
A entrega de medalhas Betinho (2) e Teíde (1).
aconteceu no mês de agosto de 1977 em Dirigiram a partida os árbitros:
Coari. Uma equipe da SEDAM e a Carlos Rodrigues Bentes e Guilherme
seleção de Manacapuru vieram em Assis.
excursão para a Rainha do Solimões no Jogaram pelas duas seleções —
Barco “Dorval Porto”. O objetivo da COARI — Afonso (Daniel), Paulo
vinda da comitiva da SEDAM foi de Gilberto, Valdir, Vicente, Francisco
entregar as medalhas aos campeões e Lopes, Mariano, Erivelto, Josué, Eros e
vices do I Campeonato Estudantil de Antônio Oliveira — MANACAPURU
H a n d e b o l d o i n t e r i o r, r e a l i z a d o — Benedito (Paulo), Ademir, Haroldo,
anteriormente na cidade de Manacapuru. Avalmir, Jaime, Adalberto, Teíde,
Era um sábado à noite, e as Betinho e Francisco.
medalhas foram entregues pelo Tenente O técnico Evandro Morais da
Costa da Cosa, Militar Antônio Prudente equipe de Coari, também recebeu a sua
Costa representante do titular da medalha, ele que juntamente com o
SEDAM; Dra. Valdemarina Silva, de diretor da unidade escolar de Coari teve
Coari, e mais, Carlos Rodrigues Bentes e destacada atuação para com a delegação
Guilherme Assis. ao SEDAM e de Manacapuru. Os dois
Depois da solenidade houve um nada deixaram que faltassem aos
jogo amistoso entre a seleção de Coari e a visitantes, que à noite foram
Seleção de Manacapuru, em que o placar homenageados com um baile na sede do
foi de 16 a 10 em favor de Coari. Tijuca Esporte Clube.

Nunca Mais Coari 134 Archipo Góes


Anos 70 em Coari
“Sutura do Miocárdio” da unidade Mista de Coari, onde vem
realizando excelente trabalho no campo
Roberval Vieira - Jornalista de Itacoatiara da saúde e que às vezes, por força de sua
profissão e sem as condições dos centros
Uma cirurgia difícil, mas que Coari já maiores, é obrigado a fazer verdadeiros
conhece com sucesso. “milagres”, como o da sutura do
miocárdio, comentada inclusive pelo
Mesmo o “Jornal Nacional” "Jornal Nacional” da Rede Globo.
fazendo alusão ao feito extraordinário do
médico Jorge de Almeida Brito, que no A TABA em Coari.
dia 10 de setembro de 1977, realizou uma
sofisticadíssima cirurgia no Sr. Hélio Na segunda quinzena de
Alves de Souza, no Hospital de Coari. dezembro de 1977, a TABA (Transporte
Ninguém em nossas casas Aéreo da Bacia Amazônica) começou
legislativas sequer mencionou o fato seus voos regulares para Coari, Carauari
(posso até estar equivocado) nem de leve. e Barcelos, completando assim a sua 3ª
Conversando com um dos maiores nomes fase de expansão ao tempo em que atende
de nossa medicina, falo do Diretor do a toda uma área que sofria a ausência de
Hospital Getúlio Vargas, Deodato de transporte aéreo desde a paralisação da
Miranda Leão, disse-me aquele Panair.
facultativo: “Realmente foi um grande
feito que aquele colega e amigo realizou
em Coari. Sem os recursos dos grandes
centros cirúrgicos ele conseguiu realizar
com absoluto sucesso a cirurgia”.
Deodato de Miranda Leão, disse
ainda que o médico Jorge de Almeida
Brito é um moço inteligente e um
excelente anatomista: “razão pela qual
não teve grandes dificuldades para a
realização do seu trabalho”.
Jorge de Almeida Brito já foi
Diretor do Hospital de Maués, além de
um cem números de serviços que vem Coari ganha escolas, novas ruas
prestando ao Estado através da SESAU, pavimentadas e mercado
onde milita há alguns anos. Como não Jornal do Comércio em 14/06/1978
podia deixar passar em branco este fato,
liguei para Coari e cumprimentei o O aumento das escolas rurais, o
facultativo que é diretor da Unidade melhoramento do setor de abastecimento
Mista da “Rainha do Solimões". com a construção de uma feira pública e
Em nome do povo de Coari e de um mercado público, o calçamento das
toda população interiorana deixamos vias centrais, o apoio ao esporte, e um
aqui os mais efusivos cumprimentos eficiente sistema de atendimento a
àquele moço dedicado às causas médicas. populações do interior, com equipes
Vá em frente amigo Jorge Brito. médicas e odontológicas são as principais
proposições da Prefeitura de Coari,
Continue salvando vidas preciosas e conforme informou ontem pela manhã,
dedicando-se cada vez mais à profissão numa análise dos 18 meses de sua
que Deus lhe deu. administração, o Prefeito Clemente
Jorge Brito, é o médico-diretor Vieira.

Nunca Mais Coari 135 Archipo Góes


Anos 70 em Coari
Dizendo que atua em comum Pavimentação
acordo com os órgãos estaduais, a fim de
evitar o desperdício de recursos e a Outro trabalho importante da
pulverização de ações. Clemente Vieira, Prefeitura de Coari é a pavimentação das
explicou que “como o setor de educação ruas do centro da cidade, com tijolo
na cidade está muito bem servido pelas rejuntado com cimento, aproveitando o
escolas mantidas pela Secretaria de mão-de-obra do local e a matéria-prima
Educação e rede particular, inclusive com produzida em suas olarias. numa
duas unidades de ensino de segundo grau, saudável maneira de proporcionar
voltou suas atenções para a área rural, já rendimento circulando no próprio
tendo construído três escolas de alvenaria
e quatro de madeira, atingindo o número município.
de sessenta escolas que servem ao Até o momento já foram
município, com oitenta e quatro pavimentadas as ruas Samuel Fritz, 2 de
professoras. Na sede já funcionam, com dezembro, 5 de setembro, facilitando aa
currículo normal de primeiro e segundo movimentação dos veículos, atualmente
grau, as escolas: Nossa Senhora do Coari possui 120 veículos entre
Perpétuo Socorro, Inês de Nazaré Vieira, automóveis, jipes e camionetas
Francisco Lopes Braga, Presidente circulando somente na cidade.
Kennedy e Iracy Leitão, além do colégio Clemente Vieira, costuma dizer
particular Bereano, também com que Coari cresce em ritmo de cidade
segundo grau. grande, quando explica que somente na
— Hoje, em Coari, podemos limpeza pública, mantém uma equipe de
dizer que ninguém fica sem escola por cento e trinta pessoas, o que assegura a
falta de vaga, nem na cidade e nem na continuação de uma cidade limpa e
área rural. Nossa intenção é fornecer os agradável.
instrumentos de apoio à formação dos
jovens, dando condições para que tenham Grandes inaugurações de Clemente
um caminho adequado de Vieira
desenvolvimento integral” explicou
Clemente Vieira. No dia 6 de outubro de 1979, o
prefeito Clemente Vieira recebeu a visita
Abastecimento do governador José Lindoso para
fazerem juntos algumas inaugurações.
Enquanto a população é Nesse momento, Coari possuía 40 mil
atendida no antigo mercado e numa feira habitantes, sendo metade na zona urbana
livre formada num grande piso de e a outra parte na zona rural do município.
alvenaria de 1.200 m com oitenta bancas
distribuídos num sistema higiênico e O Mercado
prático, a prefeitura inicia a construção de
um moderno mercado, em convênio com Denominado “Mercado
o governo do Estado, numa área Municipal 31 de Março”, é uma obra de
construída de 600m , na principal arquitetura muito expressiva e moderna.
avenida da cidade, na entrada do Possui 30 boxes, depósitos para legumes
município, contendo sistema de e cereais, frigorífico para carnes e peixes.
escoamento de detritos, bancos móveis, e E extensa área de circulação para os
espaço para a fácil locomoção dos consumidores. O velho mercado possuía
consumidores. Além disso, situando-se apenas três boxes; o peixe era
na margem do rio, tem facilidade para comercializado no chão e não havia
recepção das mercadorias, evitando estrutura para manutenção do pescado e
despesas extras no transporte. da carne.

Nunca Mais Coari 136 Archipo Góes


Anos 70 em Coari

FEIRA Menor e Família na Comunidade). O


Ao lado do mercado, a feira Plimec, hoje Policlínica Dr. Roque Juan
coberta ou pavilhão Santana possui três Dell'oso, visava ações principalmente
grandes pavilhões, sendo um para educativas, além de ações com as
cereais, outro para legumes, frutas e o famílias, objetivando prevenir o trabalho
terceiro para serviços; inclusive um informal de crianças e adolescentes já
grande restaurante. Situado perto do rio; indicando, portanto, a preocupação com
tanto o mercado como a feira podem ser o trabalho infantil.
abastecidos pelas embarcações através
do porto próprio construído de madeira. LUZ
Ainda em Coari; o governador
PREFEITURA José Lindoso autorizou a Celetramazon a
O prédio da Prefeitura foi estender o sistema de distribuição de
denominado “02 de Agosto”, data em que energia elétrica para uma granja; a Granja
a Vila de Coary foi elevada à categoria de Coari; a única do município, mas com
cidade. Possui dois andares e seis salas; capacidade de atender toda a demanda e
podendo abrigar toda a engrenagem da até a se expandir para a exportação dos
administração municipal; inclusive os excedentes. A granja, que é de
setores educacionais, rodoviários e de propriedade particular, está situada em
saúde; possuindo ainda um amplo terras centrais; na estrada do aeroporto;
auditório com capacidade para quarenta não conta com energia elétrica; apesar da
pessoas. proximidade da rede de alta tensão, e por
O antigo prédio da Prefeitura foi este motivo, não tinha condições de
cedido ao Plimec (Plano de Integração do expandir-se.

Nunca Mais Coari 137 Archipo Góes


Anos 70 em Coari

Inauguração do Pavilhões Sant’ Ana Chegada do Governador José Lindoso

Aeroporto de Coari

Com o objetivo de integração e Foi construída pela COMARA,


desenvolvimento das cidades do interior financiada pela SUDAM e o Ministério
da Amazônia, foi inaugurado o Aeroporto da Defesa através do projeto
de Coari no dia 18 de dezembro de 1979, Polamazônia, em parceria com a
com uma pista asfaltada, com Prefeitura Municipal de Coari. Também
comprimento de 1.600 metros, com foi construída e asfaltada uma estrada de
cabeceira de 10 × 28. acesso com 7 km de comprimento.

Nunca Mais Coari 138 Archipo Góes


Anos 80 em Coari
Anos 80 em Coari

Era 15 de novembro de 1982, um ano especial com copa do mundo de futebol, quando
aconteceu a eleição para o novo mandato de prefeito e vereadores. Ao término da
apuração foi confirmado que o então presidente da Câmara Municipal de Coari, o Sr.
Roberval Rodrigues da Silva (1983 à 1988) seria eleito para um mandato de 6 anos, tendo
como vice-prefeito o jovem Evandro Francisco Aquino de Oliveira.

Ministro lança o primeiro barco produção.


movido à álcool Além do sistema de
atendimento ao público modernizado da
No dia 31 de outubro de 1980 nova embarcação comercial que integra a
foi o lançamento do barco comercial frota da COBAL, registra-se, segundo os
“Coari”, o primeiro do mundo movido à observadores da política econômica
álcool. Aconteceu às 16h, no porto de local, um reduzido gasto de combustível,
Manaus estavam presentes o ministro da o que sustentará um preço mais
Agricultura Ângelo Ameury Stábile, o conveniente nas mercadorias destinadas
governador José Lindoso, o presidente da a atender à população ribeirinha.
COBAL Antônio Sales Leite e demais Esse barco recebeu um
autoridades. No evento, serão assinados carregamento de mercadorias e partiu
os seguintes contratos e convênios: Rede para atendimento nas cidades de Codajás,
Somar, Cesta Básica e lançamento do Coari e Tefé.
programa de compra antecipada da

A escola estadual João Vieira, no bairro


Itamaraty, foi inaugurada em 1981. Iniciou
suas atividades da Alfabetização até o
Ensino Médio (2° grau). O nome é uma
homenagem ao pai do prefeito Clemente
Vieira.

Nunca Mais Coari 139 Archipo Góes


Anos 80 em Coari

Inauguração da Embratel em Coari


A Embratel (Empresa Brasileira Com o funcionamento da
de Telecomunicações) inaugurou no dia 3 unidade, o município de Coari passou a
de junho de 1982, uma estação para receber imagens ao vivo de televisão,
comunicação em satélite no município de inclusive transmissões diretas dos jogos
Coari. da Copa do Mundo de 82 na Espanha,
O ato aconteceu em Manaus e além de serviços de telefonia e telex.
foi presidido pelo ministro das Simultaneamente a Telamazon
Comunicações, Haroldo Corrêa, e contou inaugurou uma série de melhorias no
com a presença do governador Paulo sistema de telecomunicações do Estado.
Pinto Nery, e demais autoridades locais.
Visita do Vice-Governador a Coari
Em 1984, nas festividades do No segundo momento houve a
aniversário de 52 anos de emancipação inauguração do prédio da Secretaria de
política de Coari, recebemos a visita do Educação e Cultura, situada na estrada do
vice-governador Manoel Ribeiro, contorno, ao lado da atual Escola Estadual
momento em que houve uma grande festa, Dom Mário. E em seguida, foi inaugurada
inaugurações e a escolha da Miss Coari uma pista pavimentada em torno da
84. Unidade Mista de Coari.
Após a recepção no aeroporto, Foi inaugurada no bairro de
Manoel Ribeiro e sua comitiva seguiram Santa Helena, a Escola Estadual
para a inauguração do sistema direto de Diamantina Ribeiro. O nome é uma
televisão, ligando Coari ao Brasil e ao homenagem à mãe do então vice-prefeito,
mundo todo através de antenas Evandro Aquino.
rastreadora de satélites (Antena Um grupo de 60 escoteiros de
Parabólica), atualizando a população com Coari liderado por Edmar Torres recebeu
a televisão Ajuricaba e TV Amazonas em a visita de Manoel Ribeiro. Após o
Coari. Manoel Ribeiro recebeu aplausos e almoço no “Telhadão da Maçonaria”, o
homenagens do povo quando acionou um vice-governador assistiu à missa em ação
dispositivo que ligou o município ao de graças pelo 52° aniversário da cidade,
mundo através do sistema direto via celebrada pelo padre Jackson, na Catedral
satélite. de Santana, padroeira do município.
Nunca Mais Coari 140 Archipo Góes
Anos 80 em Coari

Manoel Ribeiro assistiu do O Supermercado da COBAL


começo ao fim o concurso da Miss Coari-
84, que foi realizado em praça pública. Num sábado, 30 de novembro de
Das cinco lindas candidatas ao concurso, 1991, foi inaugurado em Coari um
a comissão julgadora escolheu a jovem supermercado de porte médio da COBAL
Ana Cristina Mota (Miss Coari-84), (A Companhia Brasileira de Alimentos).
Maria José Queiroz de Lima (Garota A implantação desta ação fez parte da
Simpatia) e Eliane Bertoldo e Silva efetivação do plano de abastecimento às
(Garota Sorriso). populações das cidades.
O objetivo chave da implantação
Telefone residencial chega a Coari desse supermercado significou à COBAL,
uma grande realização no que diz respeito
ao abastecimento dos gêneros de primeira
No dia 29 de agosto de 1984 necessidade, ao mesmo tempo, em que
foram entregues 340 terminais regularizou os preços no mercado
telefônicos em Coari com sistema de varejista na cidade.
DDD e DDI. Os telefones possuíam 7 Coari era então, uma cidade
numerais e prefixo 761-2***. Foi uma desassistida pela COBAL na área de
grande revolução na cidade, pois já se supermercado varejista, no entanto, ela já
poderia ligar para os amigos e parentes em operava desde 1980, com os postos de
qualquer parte do país, mas vendas, para o atendimento exclusivo a
principalmente em Manaus. seringueiros e seringalistas através do
Anteriormente, era preciso ir na Convênio COBAL/SUDHAVEA e pelo
CAMTEL e agendar uma ligação, a Navio da Cobal denominado Coari. O
pessoa em Manaus teria que ir em um supermercado de Coari serviu também
posto telefônico na hora agendada para aos municípios vizinhos, ainda
poder haver a ligação na hora marcada. desassistidos pelos serviços da COBAL.

Nunca Mais Coari 141 Archipo Góes


Anos 80 em Coari

LP de Evandro Moraes
3º Festival da Música Coariense para Manaus, fez o curso de Direito e hoje,
com 31 anos, mora em Coari e trabalha no
Com uma música romântica que Centro de Defesa dos Direitos Humanos.
apela para o bom senso das pessoas de Pois é, com todo esse currículo que
verem que a solução está na paz e na Evandro tenta conquistar o público
destruição de fronteiras, Evandro Moraes amazonense. As duas músicas que ele
ganhou o 3º Festival de Música Popular de gravou neste primeiro trabalho comercial
Coari. Filho de Coari, Evandro é revelam a temática que pretende seguir de
advogado, compositor, músico e um agora em diante: a defesa dos direitos
irreverente fã dos Beatles. O primeiro humanos, em versos que falam dos
lugar neste festival com “Tributo a problemas sociais.
Lennon", que vem reforçar sua adoração O Festival da Música Coariense
pelo grupo inglês. Evandro pretende surgiu em 1984 e foi idealizado pela
esperar bons resultados do prêmio que Universidade do Amazonas em parceria
ganhou: um compacto simples com duas com a Prefeitura de Coari, que
músicas. operacionalizou a realização do festival
“Não sei se esse prêmio vai em 3 edições, sempre acontecendo na
modificar minha vida fazendo eu deixar a semana da pátria. O Festival da Música
advocacia e me dedicar somente à música. Coariense é anterior ao FECANI de
Tudo é apenas um começo e vamos deixar Itacoatiara que iniciou um ano depois,
como está para ver como é que fica”. 1985. Nas duas eliminatórias que
Evandro já participou outras vezes de envolveram todo o concurso,
concursos. Quando era estudante do participaram 23 artistas e entre eles
seminário de Belém ganhou o segundo saíram os cinco finalistas. “Sentimos a
lugar de um festival estudantil com a importância deste concurso porque não
música “Bastião”, quando sentiu sua foi apenas uma oportunidade de
tendência para compor temas regionais. descoberta de novos valores, mas a
possibilidade de ampliação da atuação da
Evandro inicia sua carreira com música regional. Com o prêmio de gravar
discos colocando mil cópias do Compacto um compacto que terá mil cópias a venda,
“Tributo a Lennon”, que será vendido a das quais 400 já foram vendidas em Coari,
Cr$ 30 mil. É meio difícil tentar imaginar mais pessoas poderão conhecer o trabalho
um ex-seminarista que foi para o Rio de criação que também acontece no
Grande do Sul e lá cursou Letras, veio interior do Estado”, finalizou Evandro.
Nunca Mais Coari 142 Archipo Góes
Anos 80 em Coari
Aniversário de Coari com “Isto aqui era mata cerrada e
Inaugurações lamaçal. Não era incomum encontrarmos
onças, cobras e todo tipo de animal. Era
Num domingo, dia 3 de agosto aventura pura, estilo Indiana Jones
de 1986, o governador Gilberto mesmo. Todo transporte de material e de
Mestrinho veio a Coari para, entre outras pessoas era feito pelo Rio Urucu. Os
coisas, fazer algumas inaugurações: equipamentos, máquinas, tratores e
• Escola Estadual Gilberto Mestrinho. sondas eram desmontados e carregados
O nome é em homenagem ao pelo meio da mata fechada e enlameada
governador Gilberto Mestrinho. Foi nas costas mesmo. Desmontava-se tudo,
construída no bairro Santa Efigênia. colocavam-se tábuas para reduzir os
• Escola Estadual Dom Mário. O atoleiros e, em meio as clareiras que eram
nome é em homenagem ao primeiro abertas, se montava tudo de novo.”
Bispo da Prelazia de Coari. Foi
construída no bairro Itamarati.
• O prédio da exatoria de rendas.
• A Olaria Municipal
• A quadra de Esporte Edgar da Gama
Rodrigues.
• A quadra de Esporte Edgar Tancredo
Neves
• Uma Usina Elétrica de 120 KVA da
CEAM na comunidade Murituba.
Escola estadual Thomé de
Medeiros Raposo, construída no bairro
Chagas Aguiar, foi inaugurada em 1987.
O nome é em homenagem ao pai do
governador Gilberto Mestrinho. Governo Evandro Aquino
Jorra Petróleo Coariense
Nas eleições que aconteceu em
A Petrobrás e o presidente José 15 de novembro de 1988, houve uma
Sarney anunciaram no dia 12 de outubro lendária disputa entre Evandro Aquino X
de 1986: “Jorra petróleo de boa Clemente Vieira, que teve uma música do
qualidade”, no coração da Amazônia, às Manoel Novinho de campanha
margens do rio Urucu, no município de inesquecível:
Coari. Embora as buscas por petróleo na
Amazônia iniciaram em 1917, é a ♫♪ Povo da cidade e do interior
primeira reserva comercialmente viável Querem o Clemente seja como for
descoberta na região amazônica. O que digo agora não é brincadeira,
O óleo de Urucu, um dos mais leves Quinze de novembro
produzidos no país (quanto mais leve, vote em Clemente Vieira.
melhor a qualidade), facilita o seu É ele sim é não tem jeito
processamento nas refinarias e permite o Em 88 é nosso prefeito.
aproveitamento na produção de gasolina, Vai trabalhar, ele e Jancy,
nafta petroquímica, óleo diesel e Gás Para melhorar a nossa Coari.♪♫
Liquefeito de Petróleo (GLP).
Apenas 62 pessoas presenciaram o A vitória foi de Evandro
momento em que o petróleo jorrou pela Francisco Aquino (PFL), que iniciou o
primeira vez na Amazônia. O engenheiro seu mandato em 01/01/1989 e finalizou
de produção Ivaldo Santos da Silva conta em 31/12/1992.
como foi a experiência no começo dos
trabalhos em Urucu:

Nunca Mais Coari 143 Archipo Góes


Anos 80 em Coari

Candidatas a Rainha da
I Festa da Banana

Primeiras Obras de Evandro Aquino Amazonas. Em 1988, Coari enviou mais


de um milhão de cachos de banana para a
Em 16 de abril de 1989, o capital do estado.
governador Amazonino Mendes visitou Com o objetivo de incentivar
Coari, momento em que recebeu o título ainda mais os produtores de banana, foi
de Cidadão Coariense, e ainda fez criada a Festa da Banana. Sendo uma
algumas inaugurações, como: a atividade realmente muito significativa
penitenciária pública, uma fábrica de gelo para a economia do município de Coari.
e o posto de atendimento do INSS. A sua primeira versão aconteceu
no dia 9 dezembro de 1989, sendo
Justiça do Trabalho em Coari realizada na recém-inaugurada Feira do
Produtor Rural no aterro sobre o igarapé
de São Pedro.
No dia 27 de outubro de 1989, o O ponto alto da festa foi o
Tribunal Regional do Trabalho da 11ª concurso de Rainha da I Festa da Banana.
R e g i ão r e al i zo u a s o l e n i d ad e d e Foram escolhidas 5 candidatas para a
instalação da Junta de Conciliação e difícil disputa: Gerlane Farias, Simoni
Julgamento de Coari. Medeiros, Fernanda Alves, Arione Lima e
Aconteceu um concurso público Eloíza Reis. Depois de um disputadíssimo
anteriormente e três coarienses foram desfile, a vencedora foi Gerlane Farias.
classificados: Ecionete Cavalcante O governador Amazonino
Martins (Coari), João Souza e Souza Mendes e o ex-governador Gilberto
(Lábrea) e Raí Letícia Corrêa Lima e Mestrinho estavam prestigiando a festa e
Souza (Coari). E a primeira Juíza foi a Sra nessa noite fecharam a união dos grupos
Maria das Graças Alecrim Marinho. políticos para as eleições de 1990.
Houve durante toda a festa a
I Festa da Banana apresentação de atrações regionais e
nacionais como: Genival Lacerda; a dupla
Coari desde a década de 70 sertaneja Havaí e Rouxinol; a Banda
vinha se destacando como a cidade com a Embaixadores.
maior produção de banana do estado

Nunca Mais Coari 144 Archipo Góes


Anos 90 em Coari

UFAM forma
primeira turma no interior

Universidade do Amazonas forma professoras Maria Inácia Barreto Offlini e


primeira turma no interior Maria Helena Freire de Souza, e como
paraninfo o prof. Juarez Calheiros, os
No dia 8 de março de 1990, os novos profissionais de Pedagogia
primeiros 48 profissionais formados pelo prestaram homenagens especiais ao ex-
curso de Licenciatura Plena em prefeito de Coari, Roberval Rodrigues da
Pedagogia mantido pela Universidade do Silva, ao prof. Luiz Francelino da Silva e
Amazonas em Coari, colaram grau em ao ex-reitor da UA, Roberto Vieira. Foi
solenidade presidida pela vice reitora da orador da turma, o diplomando Raimundo
UA, Dilma Montezuma, no salão nobre da Nonato Saraiva de Araújo, de Itacoatiara,
escola Nossa Senhora do Perpétuo e juramentista, Maria Áurea Brasil de
Socorro. Araújo, de Codajás.
O programa de formatura dessa Dos 48 novos profissionais de
primeira turma, denominada Professor Coari, a maioria é de Coari, 15
Luiz Carlos Cerquinho de Brito, teve professores ao todo (31,25%): São os
início no dia 1º com uma aula da saudade, seguintes os primeiros professores
às 8:30h, ministrada pelo prof. Carlos formados pela Universidade do
Rubens Costa, no Centro de Treinamento Amazonas, em Coari, dentro do Programa
da Universidade, em Coari, antigo Crutac. de Interiorização do ensino superior:
Adalberto Vieira da Costa, Alexei Chaves
No dia 2, os formandos de M Costa, Ecionete Cavalcante Martins,
assistiram, às 7 horas, a uma missa em Ignês Melo da Cruz, João Oliveira de
ação de graças na Igreja Matriz de Coari, e Souza, José Barbosa da Silva, José
às 20h, a um culto em ação de graças na Raimundo da Silveira, Levi Haoxovell
Igreja Evangélica Assembleia de Deus. Fernandes, Maria Auxiliadora
Após a solenidade de formatura no dia 3, Yamaguchi, Maria Delvanir da Silva,
sábado, realizou-se um coquetel e o baile Maria Dorimar Granjeiro Pinto, Maria
da saudade, às 22 horas, no Refúgio Dois Luiza Caxeixa Alfaia, Maurício Roberto
Pinguins. da Silva, Raimundo Alves Nogueira,
Te n d o c o m o p a t r o n a s a s Walter Costa de Moraes.
Nunca Mais Coari 145 Archipo Góes
Anos 90 em Coari
A Folha de Coari Rodrigues da Silva, numa homenagem
esse extraordinário homem público, que
foi prefeito do município de Coari e que
realizou um excelente trabalho em
benefício de seu povo”, destacou o
presidente da Assembleia Legislativa do
Estado. Átila Lins salientou que Roberval
Rodrigues é um líder político respeitado
em toda a região do Alto Solimões.

Miss Coari 1990


No dia 13 de abril de 1990, foi
inaugurado o tabloide mensal No dia 2 de agosto de 1990,
denominado “Folha de Coari”. Um jornal aniversário de emancipação Política de
da prefeitura de Coari, que foi um Coari, aconteceu um inesquecível
excelente informativo para a sociedade concurso de miss que ficou marcado na
coariense e permaneceu por três anos lembrança de cada coariense que assistiu
sendo publicado através de 25 edições. aquele concurso na quadra de esporte São
José.
Na Folha de Coari havia
principalmente a divulgação das ações e A seleção das candidatas foi
obras do governo municipal, notícias primorosa, pois foram 7 candidatas de alta
policiais, o seu editorial, e a página mais índice de beleza plástica, desenvoltura e
lida, uma coluna social nomeada de simpatia, um verdadeiro time dos sonhos
“Circuito”. de qualquer concurso de misses
coarienses: Mara Alfrânia Batista Batalha
A coluna Circuito foi escrita pela (Miss Coari), Rosemary Gomes Fogassa
professora Erivânia Lima e nela eram (Primeira Princesa), Ângela Sheila Lima
narrados os eventos, festas e os Ribeiro (2ª Princesa), Fabiana Raírima da
acontecimentos sociais da cidade de Conceição Gomes (4º Lugar), Belanice
Coari. Gonçalves Rodrigues (5º lugar), Nalra
Milene da Cruz Gonçalves (6º lugar) e
Ponte Roberval Vieira Elanes Rebolças Rocha (7º lugar).
A premiação da vencedora foi
No dia 12 de maio de 1990, uma passagem Manaus-Fortaleza-
esteve visitando Coari o deputado Átila Manaus com direito a acompanhante.
Lins, presidente da Assembleia Na década de 80, o público
Legislativa do Amazonas, para as coariense era conhecido por ser um pouco
festividades do Dia das Mães e a frio e não aplaudir muito as atrações que
inauguração da ponte Sizeno Sarmento, se apresentavam. Mas naquela noite, o
que liga o centro da cidade ao bairro autor viu em foco, toda arquibancada se
Chagas Aguiar. Os estudos para a levantar e aplaudir com orgulho ainda no
construção da ponte Sizeno Sarmento desfile de apresentação de sua candidata
foram iniciados no segundo governo do preferida. Mara declarou à Folha de Coari
professor Gilberto Mestrinho, mas coube com humildade “que ser vitoriosa é saber
ao ex-governador Amazonino Mendes conviver com um título, sendo a mesma
executar a obra, cuja conclusão se deu no pessoa que sempre foi”.
governo Vivaldo Frota. Mara Alfrânia, no ano seguinte
“Nós tivemos a honra de ser o (1991), foi disputar o Miss Amazonas em
representante do governador Vivaldo Itacoatiara e trouxe o título para Coari,
Frota na inauguração da ponte, que era sendo a segunda Miss Amazonas
denominada Sizeno Sarmento, mas que coariense.
passa a se chamar ponte Roberval

Nunca Mais Coari 146 Archipo Góes


Anos 90 em Coari

Mara no Miss Amazonas 1991


Em Itacoatiara

Mara no Miss Coari 1990

Nunca Mais Coari 147 Archipo Góes


Anos 90 em Coari

Astrid Silva Pinduca Cleomara Araújo

II Festa da Banana Hoje, ela também é aproveitada.”,


afirmou o chefe da Emater-AM de Coari,
Coari realizou a II Festa da Luiz Rebelo. No stand da Emater, além de
Banana no ano de 1990. Nessa edição, o vender comidas típicas, mostrava o que
evento aconteceu em 02 dias, nos dias 6 e era possível produzir da banana, como,
7 de dezembro. Coari é o maior produtor por exemplo: vinagre, licores, mel,
de banana do estado do Amazonas com cocada, etc.
uma produção de 1 milhão e 200 mil Durante a festa foi realizado um
cachos anuais e dessa forma, a realização concurso de calouro, em que o vencedor
da Festa da Banana foi uma forma de foi o jovem Jean Walmor com a música
incentivar o aumento da produção dessa “Era um garoto como eu que amava os
cultura em Coari e o reconhecimento da Beatles e os Rolling Stones”.
sua importância para a economia do O concurso Rainha da II Festa da
município. Banana foi narrado no jornal Folha de
Uma obra muito expressiva que Coari dessa forma:
foi reinaugurada durante as festividades, A primeira a pisar na passarela
foi o estádio de futebol “José foi Ana Creuza, com um vestido todo em
Rosquildes”. O nome do estádio foi verde, destacando-se o desenho da banana
escolhido em homenagem ao filho do ex- em amarelo. Ana Creuza fez um belo
prefeito de Coari “Roberval Rodrigues”, destile. A segunda foi Elane Souza; com
atleta do local, que morreu aos 19 anos, um lindo sorriso no rosto, ela apresentou-
vítima de afogamento. se como sendo a própria fruta e trazia
Na área da festa, feira do sobre a cabeça uma palma de banana. Seu
produtor rural, foram dispostas várias desfile também foi muito bom. Em
barracas vendendo produtos típicos da seguida, a loiríssima Cleomara Costa
banana, como: a torta de banana, a pizza emocionou a plateia, derramando muito
com a cobertura de banana, a salada de charme e simpatia. Cleomara desfilou
banana, a farofa da casca da fruta entre com a fantasia denominada “Chiquita
outros. “Antes, a casca era jogada fora. Banana”.
Nunca Mais Coari 148 Archipo Góes
Anos 90 em Coari
A penúltima candidata foi do prefeito Evandro Aquino, funcionária
Marilene Maciel. Para saudar a grande por muitos anos da Câmara de Coari e
homenageada, Marilene trouxe consigo depois da Biblioteca Pública de Coari.
um pé de bananeira, além de fantasiar-se Hoje, devido à mudança na lei de
com as folhas e os frutos da árvore. Astrid nomeação das obras públicas, a escola
Silva encerrou o desfile. Sua apresentação passou a ser conhecida por Maria Almeida
simples e alegre deixou o público do Nascimento, a saudosa professora e
emocionado. Sua fantasia transparente e vereadora coariense.
sensual talvez fora o suficiente para
conquistar a simpatia dos jurados. Astrid Banco do Brasil abre agência em Coari
Silva, de 16 anos, foi eleita rainha da II
Festa da Banana. Como premiação, ela
ganhou uma passagem aérea Manaus- No dia 15 de março de 1991, às
Fortaleza-Manaus, com direito a 10h, foi inaugurada a agência do Banco do
acompanhante. Brasil em Coari. Foi um evento muito
concorrido, em que vários segmentos
Durante a festa houve
sociais compareceram à rua XV de
apresentações musicais da Banda Play
novembro, onde houve uma solenidade
Pop que preparou a público para a grande
simples, mas muito representativa.
noite; A cantora Sandrinha, a pepita dos
garimpeiros que empolgou a plateia Compareceram à rua XV de
cantando os seus mais famosos sucessos, novembro, onde houve uma solenidade
com muito charme, sensualismo e um simples, mas muito representativa. Na
domínio de palco com muita adrenalina. E ocasião compareceram à cerimônia de
finalizando o tão esperado show de inauguração o prefeito em exercício João
Pinduca, o rei do Carimbó. O cantor Carlos, a presidente da Câmara
paraense contagiou todo o público da feira Auxiliadora Yamaguchi e o ex-prefeito
do produtor rural, brincando com as Roberval Rodrigues.
crianças e cantou os seus principais O senhor Roberval, em seu
sucessos tão conhecidos em Coari. discurso, lembrou e destacou a figura do
ex-superintendente do Banco do Brasil,
Francisco Vasconcelos, filho de Coari,
Inauguração da Escola Raimunda
como um dos responsáveis pelo trabalho
Ribeiro
de implantação da agência em nossa
cidade.
O governador Vivaldo Frota
inaugurou, no dia 17 de fevereiro de 1991,
Expedição Amazônia
a escola Raimunda Ribeiro, com dez salas
de aula, com todas as estruturas mais
modernas conforme a orientação Durante o mês de julho de 1991,
pedagógica e mais ainda com todos os aconteceu um evento muito expressivo
materiais exigidos para o bom em Coari, o início da Expedição
funcionamento, das carteiras aos Amazônia, em que um grupo de canoeiros
ventiladores e bebedouros elétricos. e uma equipe multidisciplinar realizaram
Na construção ela foi chamada uma viagem em caiaques partindo de
de escola de enfermagem, mas na Coari até a capital Manaus pesquisando,
inauguração ela recebeu o nome de escola atendendo e interagindo com a população
Raimunda Ribeiro, em homenagem à tia ribeirinha.

Nunca Mais Coari 149 Archipo Góes


Anos 90 em Coari
O Prefeito Evandro aqui praça São Sebastião, ao lado da catedral
resumiu o projeto: “O principal disso será de Sant'Ana. Domingo, a Orquestra
o resultado das pesquisas que se Sinfônica se apresentou na catedral e o
reverterão em projetos para solucionar público aplaudiu de pé. Em seguida, no
problemas do município como, por palco armado na praça, foi a vez do cantor
exemplo, esgotos. Após os estudos, serão amazonense Paulo Onça balançar o
apresentados relatórios com as sugestões público presente com pagodes, sambas-
para diversas áreas, inclusive saúde. São enredo e toadas dos bumbás de Parintins.
propostas não só para a cura, mas também Na noite seguinte, houve a reapresentação
para a prevenção. Os cientistas da da Orquestra Sinfônica, repetindo o
Expedição Amazônia não vieram apenas mesmo sucesso da noite anterior. Depois,
para ensinar, mas para aprender também. encerrando a programação de shows, o
Nesse processo, eles terão a grupo regional Raízes Caboclas levou à
oportunidade de ter uma outra visão sobre praça as músicas que falavam de temas
a realidade da nossa região, e poderão amazônicos, além de interpretar sucessos
apresentar sugestões para melhorar os de nível nacional. O público gostou.
trabalhos no município. Aqui estiveram O idealizador e um dos
gente de todos os pontos do Brasil e do coordenadores da Expedição Amazônia,
mundo e essa integração é muito Janary Alves de Moraes, disse que o povo
importante. coariense recebeu a expedição de forma
Cientistas, ecologistas, médicos, carinhosa e agradeceu o prefeito Evandro
estudantes universitários e desportistas Aquino pelo apoio dado ao projeto. Ele
invadiram Coari no último dia 14. Eles afirmou ainda que “estamos buscando
faziam parte do projeto Expedição conhecimento, tentando aprender muito
Amazônia, cujo objetivo é o de fazer um mais sobre o meio ambiente”. Janary
levantamento completo da problemática adiantou que, após a expedição, pretende
da região. Saindo de Coari até Manaus, elaborar uma proposta de ação futura e
eles percorreram cerca de 600 km pelo apresentar aos governos municipal,
Solimões e chegaram na capital no dia 27 estadual e federal para que chegue à
de julho. Conferência Mundial de Meio Ambiente e
Durante a permanência em Desenvolvimento, a ECO/92, a ser
Coari, a Expedição Amazônia passou três realizada no Rio de Janeiro.
dias discutindo o meio ambiente.
Enquanto cientistas, ecologistas, médicos No Camará, Expedição é
e sociólogos preparavam as suas recepcionada pela Emater
pesquisas, um grupo de estudantes
universitários faziam apresentações em A primeira parada da Expedição
caiaques no lago de Coari. Amazônia foi na comunidade Nossa
Domingo pela manhã, os Senhora do Perpétuo Socorro do Camará.
canoeiros, em conjunto com as canoas Lá, a Emater e a Prefeitura Municipal de
locais, fizeram um passeio pelo lago, num Coari fizeram a recepção aos canoeiros,
ato de confraternização. A mesma cena se que remaram, desde a sede do município,
repetiu na segunda-feira. Na terça, houve cerca de seis horas — eles chegaram ao
uma surpresa. Músicos da Orquestra Camará às 17 horas.
Sinfônica do Teatro Amazonas fizeram Naquela comunidade, os
uma apresentação especial sobre os expedicionários, principalmente da área
caiaques. Nos três dias, a população de saúde, fizeram atendimento médico
superlotou a orla fluvial da cidade. aos comunitários. Mais de 50 pessoas
Pela parte da noite, a foram ao centro social se consultar.
programação continuava com shows na
Nunca Mais Coari 150 Archipo Góes
Anos 90 em Coari
O técnico da Emater, Antônio divulgado. Cleomara Costa foi eleita a
Carlos, era quem dava as explicações. Miss Amazonas Estudantil/92.
Quando indagado sobre a moradia A coroa e o cetro foram
precária dos habitantes da Amazônia, ele entregues à vitoriosa pelas mãos da,
foi lacônico: “Isso devido à condição de também coariense, Mara Alfrânia
dependência econômica em que o homem Batalha, vencedora do concurso no ano
do campo vive”. Ao mesmo tempo, a passado. Cleomara Costa disse sentir-se
extensionista Maria de Jesus desenvolvia feliz por levar o bicampeonato para Coari.
junto às donas-de-casa o processo de Ela agradeceu o apoio da Prefeitura de seu
produção de sabão caseiro, chocolates, município que patrocinou a sua ida para
licores, doce de cupuaçu, além de Itacoatiara, os trajes de noite e traje típico,
inseticidas caseiros. usados nos desfiles.
À noite, houve um show musical Muitos prefeitos estiveram
com o grupo Raízes Caboclas. Na manhã presentes no concurso e diversos
seguinte, a Expedição Amazônia se municípios levaram caravanas de pessoas
despediu do Camará rumando em direção para torcerem por suas candidatas. A
a Codajás. representação da Prefeitura de Coari em
Manaus alugou um ônibus leito, que foi
Cleomara vence o Miss Amazonas colocado à disposição dos coarienses.
1992
Fonte: A Folha de Coari
A beleza da mulher de Coari
venceu pelo segundo ano consecutivo o
concurso Miss Amazonas, realizado em
Itacoatiara, no dia 1º de maio de 1992, na
casa noturna Amazon Night.
A vencedora do concurso foi
Cleomara de Araújo Costa, 17 anos, com
276 pontos. O segundo lugar ficou com a
representante de Itacoatiara, Wicilene
Brandão, 271 pontos, e a terceira
classificação foi da candidata de Maués,
Rosana Dias Pereira, com 268 pontos.
O prêmio da primeira
classificada foi Cr$ 1 milhão, o da
segunda, Cr$ 500 mil; o da terceira, Cr$
200 mil. Este foi o terceiro ano de
realização do Miss Amazonas Estudantil,
promovido pelo grupo folclórico Dança
do Vinho. O evento tem o apoio da
Prefeitura de Itacoatiara. O seu objetivo,
conforme os realizadores, é o de
promover a integração dos municípios do
Estado.
O concurso iniciou às 22h do dia
1 de maio, e 15 candidatas, representando
vários municípios, inclusive uma de
Manaus, desfilaram para a plateia que
lotou a Amazon Night. Às 4h30min, da
manhã de sábado, após a apresentação de
diversas atrações, o resultado foi

Nunca Mais Coari 151 Archipo Góes


Anos 90 em Coari
A Cólera em Coari – 1991 preventiva para evitar a chegada da
Cólera. Em particular, foi possível
observar que a população da cidade de
Tabatinga estava muito preocupada com a
chegada da doença pela fronteira.
O ministro da saúde, Alcenir
Guerra, descartou uma campanha de
vacinação contra a doença nas cidades
brasileiras que fazem fronteira com o
Peru. Ele disse haver dificuldades
geográficas de contágio por via terrestre.
Por isso, só haveria fiscalização nos
portos e aeroportos de maior
A cólera estava presente desde movimentação de passageiros vindo
os primeiros séculos da humanidade, daquele país.
causando diarreias agudas, vômitos, Contudo, dias depois, tudo
cãibras musculares e a perda de peso mudou. No Peru, a doença já matou mais
intensa. É uma doença altamente de 100 pessoas em menos de duas
contagiosa, ou seja, com grande semanas, mais de 11 mil estavam
facilidade de dissipação. Sua causa é uma contaminadas e quase 3 mil estavam
toxina, a toxina colérica (TC), produzida hospitalizadas só em Lima, estava
pelo seu agente etiológico, a bactéria acontecendo mais de 100 internações por
Vibrio cholerae. hora. Autoridades peruanas acusavam as
O período de incubação é de tripulações dos navios cargueiros
aproximadamente cinco dias. É chineses de terem introduzido a doença no
transmitida pela ingestão da água, país. E foi confirmado que a origem da
alimentos, peixes, animais de água doce doença realmente era de origem asiática.
contaminados por fezes ou vômito de As autoridades de Tabatinga
indivíduo portador da doença, sem o enviaram documento solicitando ao
devido tratamento. Sua ação inicia Ministério da Saúde, o início imediato da
vencendo a acidez estomacal, multiplica- campanha de vacinação contra cólera no
se no intestino delgado de forma bastante município. Além disso, houve a proibição
rápida e, em razão de seus sintomas, pode de comercialização de produtos oriundos
causar desidratação, perda de sais do Peru. No final do dia, o Brasil fechou as
minerais e diminuição acentuada da fronteiras com o Peru.
pressão sanguínea em curto espaço de O deputado federal (AM) Euler
tempo, com possibilidades de causar a Ribeiro, que também é médico expressou
morte das pessoas afetadas. suas preocupações:
A Cólera chegou às Américas — Estou muito preocupado com
em 1991, começando no Peru e depois se a entrada da cólera no Brasil, pelo
espalhando por grande parte da América Amazonas, o que poderia acarretar muitas
do Sul e América Central, em que depois mortes, devido às nossas péssimas
de alguns anos veio a se tornar endêmica. condições de saneamento. O risco da
Em 15 de fevereiro de 1991, o cólera se alastrar no Amazonas é
Peru se encontrava em plena epidemia, gravíssimo, pois a doença pode ter acesso
com 77 pessoas mortas e 11.000 pessoas facilmente ao estado pela região do Alto
contaminadas pela bactéria. Ainda não Solimões, vindo do Peru, onde está
havia casos identificados no Brasil, mas tornando-se um caso da mais alta
também não acontecia nenhuma ação gravidade.

Nunca Mais Coari 152 Archipo Góes


Anos 90 em Coari
No dia 27 de fevereiro, em Lima, Gonçalves Cruz, 23 anos, morador da ilha
um balanço oficial, divulgado pelas de Santa Rosa, Peru, foi identificado em
autoridades sanitárias peruanas, informou Tabatinga. A cidade, que fica a cinco
que 150 pessoas morreram e que havia minutos de barco da ilha peruana e é
mais de 26 mil infectadas, devido à separada da Colômbia por uma rua,
epidemia de cólera que atinge o país. tornou-se rapidamente foco da doença no
Além da Cólera, o Peru se viu às país. Dez dias depois, Alceni Guerra
voltas com campanhas conflitantes: confirmava a existência de mais cinco
enquanto o Ministério da Saúde pedia que casos, um dos quais em Benjamin
ninguém comesse peixe cru, que seria o Constant, Amazonas.
portador do vírus, o próprio Presidente da Em 23 de maio, foram
República, Alberto Fujimori, estimulava detectados pelo Ministério da Saúde, 10
a população a não abandonar um dos casos de Cólera em Tabatinga. E assim,
tradicionais pratos da cozinha nacional, o epidemia chegou ao Amazonas.
Ceviche – peixe cru com limão e outros
temperos. Gilberto: “Cólera está controlada”
No dia 13 de março de 1991, o
Instituto Butantã, de São Paulo, anunciou
Entrevista concedida ao programa
que iria preparar um estoque de 150 mil
“Encontro com a Imprensa” da Rádio JB-AM
vacinas contra a Cólera, a partir das
(Rio de Janeiro) em 14 de junho de 1991.
variedades de bacilos chamadas Ogawa e
Inaba, de origem asiática. As vacinas
seriam para imunizar brasileiros que
viajam para regiões onde há surtos de
Cólera. Uma vez que, até a presente data,
ainda não havia sido detectada a presença
da doença no Brasil.
No dia 20 de março, apareceram
os primeiros casos de pessoas
contaminadas pela Cólera na Colômbia. E
aumentou os números de casos na
fronteira entre o Peru e o Brasil, Governador Gilberto Mestrinho
principalmente na cidade de Iquitos, a 500
km de Tabatinga, interligadas pelo rio
Maranon (Amazonas), que passa também — A ameaça de cólera não é tão
pelo município de Letícia antes de grande quanto está sendo propagada pela
atravessar a fronteira brasileira. O imprensa. No caso do Amazonas não há
Ministro da Saúde do Peru, Carlos Vida motivos para preocupações maiores, uma
Layseca, renunciou ao cargo por vez que a Secretaria Estadual de Saúde,
discordar da política adotada pelo em conjunto com o Ministério, conseguiu
presidente do país, Alberto Fujimori, com estabelecer uma barreira de prevenção à
relação ao combate à Cólera. doença na região de Tabatinga, fronteira
entre Brasil e Colômbia e especificamente
o Peru, que é onde se registra o maior
Primeiro Caso número de casos de cólera — A
explicação foi do governador Gilberto
O primeiro caso de cólera no Mestrinho que se pronunciou ontem sobre
Brasil foi anunciado oficialmente em 18 o assunto para tranquilizar a população
de abril de 1991. O doente, Antenor amazonense.

Nunca Mais Coari 153 Archipo Góes


Anos 90 em Coari
Segundo o governador, a prova pouco a propagação do vibrião através da
de que o trabalho da Sesau de controle da água, mas ele acabou desembarcando no
Cólera está sendo eficaz são os números: corpo de pessoas que viajavam até Coari
nenhum caso até agora comprovado no de barco.
Território Nacional, enquanto o Peru, só Alguns pontos da sede do
na primeira quinzena posterior ao município de Coari foram visitados pelas
aparecimento da doença, mais de mil autoridades epidemiológicas, que se
pessoas já haviam sido contaminadas. Ele encontram envolvidas no município com
ressalta ainda que a cólera é menos o problema cólera. Uma olhada na entrada
maléfica do que a gripe, e uma vez da cidade – O porto de Coari – ou uma
detectada a tempo é facilmente curada, rápida entrada no mercado público
com uma simples medicação e tratamento municipal, até os menos esclarecidos
de reidratação do organismo. Por outro podem perceber a grave situação de
lado, as campanhas de esclarecimento saneamento básico da “capital da
sobre as novas preventivas de higiene, banana”. Mas a fotografia do vibrião
alimentação e saneamento são poderosas colérico pode ser notada bem de perto na
armas contra a doença, e as campanhas rua Professor Góes, por exemplo,
que vêm se realizando estão sendo muito localizada no centro da cidade, onde
efetivas. caminham à solta a malária e a hepatite.
“Na opinião de Gilberto De lá já saíram várias pessoas
Mestrinho, o Brasil terá, mais cedo ou suspeitas de cólera e as autoridades
mais tarde, que se deparar com a cólera, municipais, estaduais e federais, não
como já acontece em outros 105 países. passaram no local para um levantamento
Mas não como epidemia e sim da mesma epidemiológico e sanitário da localidade.
forma como se depara com o sarampo, A maioria dos moradores daquela rua e
com a malária. No caso específico do das diversas que formam um verdadeiro
Estado do Amazonas, o governador aglomerado de doentes, apresentam
ressalta que Manaus fica a dois mil algum tipo de complicação, que pode
quilômetros de Tabatinga, região de risco, iniciar com um simples
o que, portanto, dificulta a comprometimento respiratório.
contaminação”. Dona Maria Ferreira da Silva,
“O bacilo do cólera descendo o por exemplo, está com malária, mãe de 10
Solimões vai morrer de solidão e tédio, filhos, dona Maria garante que ainda não
tamanha a distância.” sabe como trabalha o pessoal da Fundação
Nacional da Saúde, ex-Sucam,
Coari, área de risco responsáveis, inclusive, pelo combate à
malária. Atualmente, 3 de seus filhos
A Cólera, doença altamente estão com malária. José da Silva Azevedo,
contagiosa, chegou ao Brasil. O primeiro foi o mais atingido e já vivencia sua 5ª
caso foi registrado em Tabatinga-AM, em malária, somente este ano. Em frente à
abril de 1991. “O vibrião colérico casa de dona Maria, o pequeno Antônio
morreria de tédio e solidão, se tentasse se Filho, de 1 ano e 6 meses, não escapou do
deslocar de Tabatinga a Manaus”, disse ataque do vibrião colérico. “As crianças
Gilberto Mestrinho, governador do são as mais vulneráveis à doença. Além da
Amazonas, cético quanto à possibilidade água ser captada de um lago poluído, a
de a doença chegar à capital do estado. A água tratada pela Cosama, dificilmente
partir destes casos, alastrou-se pelo estado chega às residências sem serem
do Amazonas e pelo país. contaminadas em função do vazamento
A poluição e a acidez dos rios da da rede”, denuncia a moradora Maria
bacia amazônica podem ter evitado um José.

Nunca Mais Coari 154 Archipo Góes


Anos 90 em Coari
Para completar ainda mais a acabara de morrer por falta de assistência
situação dos moradores da Professor médica, o plantonista limitou-se a que
Góes e ruas vizinhas, quando chove, as fazer frente a uma população de 40 mil
casas ficam praticamente dentro d'água. habitantes era impossível para quatro
Dona Cândida Amaral, que há anos sofre médicos.
de problemas respiratórios, garante que a Às 8 horas da manhã seguinte, o
“catinga é medonha”. Ninguém vem aqui número de pessoas suspeitas já era maior
meu filho, começaram a colocar esses e nenhum médico presente para atendê-
tubos, mas até hoje não fecharam. O cocô los. O menino Raimundo Vilhena, 11, se
escorre toda hora nas ruas e ninguém toma contorcia em dor e só depois de alguns
uma providência”, condena. goles de soro e o carinho de sua mãe
— “Estamos condenados ao Laurentina Vilhena se acalmava.
completo abandono. Depois da malária e A primeira atenção médica aos
da hepatite, só faltava chegar à Cólera. pacientes suspeitos de cólera só acontece
Agora temos de tudo”, critica Maria José, quando a equipe do Piauí, coordenada
que ressaltou que a grande preocupação pela médica Maria Amparo Salmito,
das autoridades não é a Cólera, mas a chega ao hospital. Segundo ela, todas as
Festa da Banana. pessoas com diarreia são mais suspeitas,
embora até o momento só tenham sete
Depoimento sobre a situação do casos comprovados. “Todos os dias
hospital mandamos para Manaus várias coletas.
Estamos certos de que o número de casos
comprovados em laboratório é maior que
Os moradores de Coari, por
sete. Como ainda não dispomos dos
cerca de 15 dias passaram a conviver bem
resultados fica difícil saber a incidência
de perto com o vibrião colérico, contudo
real de cólera no município”, explica.
quando tiveram de depender dos serviços
médicos do hospital, foram obrigados a Se os números de casos
esperar pelo menos o dia amanhecer. As comprovados dependem dos resultados
18 horas, quando vários pacientes dos exames, os números de pacientes
suspeitos de cólera procuraram o hospital, suspeitos atendidos dependem do
encontraram apenas a atendente Maria controle da equipe de coordenação da
Ferreira da Silva que, em função do Unidade de Saúde de Coari. Ninguém
estado clínico do doente, ministrava a eles sabe informar quantas pessoas suspeitas
o soro oral e venoso. de cólera passaram pela Unidade de
Saúde do município.
O médico de plantão ao ser
procurado pela reportagem foi enfático ao
afirmar que no hospital só compareceria Unidade de Tratamento de Cólera sem
se o estado do paciente fosse grave. controle
Segundo declarou, a atendente estava
suficientemente habilitada para saber – se Depois de “lavado” todo
o problema do paciente fosse cólera – a material contaminado pelo vibrião
capacidade hídrica do enfermo era colérico, a funcionária da lavanderia
negativa ou não. prosseguiu na sua missão, agora com o
Próximo às 22 horas, o médico material de cama e outras enfermarias.
compareceu ao hospital, embora tenha Segundo garantiu, o tratamento
permanecido o tempo todo do lado de dispensado de acordo com as orientações
fora. Sem mostrar nenhuma preocupação do hospital ao material de cama é um só.
com a morte de uma recém-nascida, que
Nunca Mais Coari 155 Archipo Góes
Anos 90 em Coari
Na própria UTC pode-se estão fora d'água, mas suas águas servidas
observar que não existem regras quando formam na área da praia, um visível
acompanhantes ou o profissional de saúde corredor até atingir o lago de onde é tirada
está diante do portador do vibrião a água para a população.
colérico. Uma criança suspeita colocava A fiscalização no porto da
tantas vezes fossem necessárias a chupeta cidade, segundo comentou Francisco dos
à boca, que por descuido caía onde se Santos, encarregado pelo bombeamento
encontrava há dias hospitalizada. da Cosama, é uma brincadeira e se existe
Nem mesmo a médica Nauri se “é para inglês ver”. A própria embarcação
importou de pegar um dos baldes que se da prefeitura do município, conforme
encontrava debaixo da cama do paciente observou, atraca bem ao lado do flutuante
Joaquim Sebastião, 51, para mostrar as da Cosama.
características do líquido expelido pelo Devido a esses descuidos, é
portador do vibrião colérico. A médica comum o motor da companhia estar
sequer tinha às mãos luvas de proteção. ligado no momento em que as fezes
Na Unidade de Tratamento à flutuam sobre as macias águas
Cólera não existe nenhum controle esverdeadas do lago de Coari, próximo ao
quanto ao acesso de pessoas que queiram flutuante da Cosama. “Aqui está a pior
visitar um suspeito. A entrada, imundície de Coari. É merda dos esgotos,
praticamente, é franca e o vai vem é dos flutuantes, das embarcações, de todos
constante. os lugares”, assegura.
Outra demonstração de nítido Na sede do município de Coari,
descontrole é quando um paciente é as famílias que não são atendidas pela
transportado com urgência para a UTC. Cosama são servidas na sua maioria por
Mesmo que o leito tenha sido desocupado cacimbas localizadas próximas a um
naquele instante por um portador suspeito braço d'água, como é o caso do igarapé do
nada impede que um outro seja levado a Pêra e do Espírito Santo.
ele. A rotatividade, aliás, é constante e Depois de alguns dias, chega à
pode acontecer durante as 24 horas do dia. cidade de Coari a equipe da Rede Globo
de Televisão, chefiada pelo jornalista
Água captada à beira do lago Caco Barcellos e expõem em rede
nacional para todo Brasil, todas as
mazelas e a situação caótica que Coari se
Coari é uma cidade carente e
encontrava.
com deficiência na estrutura sanitária. A
água potável, por exemplo, é um dos
problemas mais graves. Ela é captada na
beira do lago de Coari, onde vários
flutuantes e embarcações se confundem
com a pequena flutuante da Cosama, de
onde inicia a distribuição para alguns
setores da cidade.
Os principais esgotos da cidade
podem ser notados sobrecarregados entre
o emaranhado de pequenas casas
flutuantes e barcos, que no lago de Coari
formando o principal depósito de dejetos
fecais. Devido à seca, eles, atualmente,

Nunca Mais Coari 156 Archipo Góes


Anos 90 em Coari

Flutuante da Cosama no Lago de Coari


Na época, eu era um jovem águas paradas do lago de Coari, há 500
professor do ensino fundamental, com 19 metros do principal local de liberação do
anos e foi possível acompanhar, in loco, as esgoto da cidade, para o Rio Solimões,
várias fases dessa epidemia em Coari. A que é um rio com uma correnteza muito
cidade estava vivendo cenas de um filme forte, dessa forma, dificultando o
de terror, com pessoas chegando da zona recolhimento de águas poluídas.
rural do município, em total estado de Outra mudança qualitativa em
desnutrição avançada, sem poder se Coari, foi o cuidado com a água de
locomover, se desfiando. Lembro que na consumo. Foram abertos inúmeros poços
fila do Banco do Estado Amazonas artesianos na cidade (particulares e das
(BEA), havia senhoras que caiam e instituições governamentais). A
apresentavam os sintomas mais graves, população começou a ferver água para
ali no chão. beber ou adicionar hipoclorito de sódio.
Elas eram conduzidas a Unidade Os velhos filtros de barros foram
Mista de Coari (antigo Hospital), onde aposentados, sendo trocados pelos
ficavam isoladas, deitadas em uma maca bebedouros de água mineral de 20 litros.
hospitalar que havia um buraco no meio, Em suma, o negacionismo e o
onde as pessoas continuavam fazendo despreparo das autoridades amazonenses
suas necessidades sem interrupção. não acreditando que a bactéria da Cólera
Houve muitas mortes em nossa cidade. chegasse ao Brasil, além das eternas
Após essa epidemia, aconteceu condições sanitárias deficientes, foram os
algumas mudanças na cidade de Coari: principais motivos para que a epidemia de
O flutuante que recolhia água Cólera chegasse a Coari, que foi na época,
para os tanques da Cosama (Companhia o principal local de risco da doença no
de Saneamento do Amazonas) saiu das Brasil.

Nunca Mais Coari 157 Archipo Góes


Fotos da Coari Antiga

Fotos da
Coari Antiga
A História de Coari Através das Fotos

Nunca Mais Coari 158 Archipo Góes


Fotos da Coari Antiga

O Coreto da Pç Getúlio Vargas

Casa Paroquial e o “Colégio” na praça São Sebastião em 1968

Nunca Mais Coari 159 Archipo Góes


Fotos da Coari Antiga

Escola Inês de Vieira - 1968

Rua 02 de Dezembro - Tauá-mirim - Em 1968

Nunca Mais Coari 160 Archipo Góes


Fotos da Coari Antiga

Funcionários da Secretaria de Obras da Prefeitura de Coari - Junho de 1975

Vista Aérea da Rua 02 de Agosto - 1977

Nunca Mais Coari 161 Archipo Góes


Fotos da Coari Antiga

Escola Nossa Senhora do Perpétuo Socorro - 1977

Vista aérea da rua Marechal Deodoro – Centro


Ao fundo a Igreja Batista e o início do bairro Duque de Caxias – 1977

Nunca Mais Coari 162 Archipo Góes


Fotos da Coari Antiga

Ponte Siseno Sarmento (Atual Roberval Rodrigues) - 1977

Foto tirada da janela da escola Nossa Senhora do Perpétuo Socorro. Podemos ver
algumas casas da rua Independência. Na parte superior à direita: a rua Plínio
Coelho no bairro de Chagas Aguiar. Ao fundo, as árvores do bairro do Pêra e a
região conhecida como Matinha.

Nunca Mais Coari 163 Archipo Góes


Fotos da Coari Antiga

Unidade Mista de Coari (Hospital) - 1977

Loja Maçônica de Coari - 1977

Nunca Mais Coari 164 Archipo Góes


Fotos da Coari Antiga

Bairro e Igarapé do Pêra - em 1977

Banco da Amazônia - Basa - 1977

Nunca Mais Coari 165 Archipo Góes


Fotos da Coari Antiga

Carnaval de 1977 - Palanque das Autoridades

Um Bloco Carnavalesco no ano de 1977

Nunca Mais Coari 166 Archipo Góes


Fotos da Coari Antiga

Centro Dom Mário - Novembro de 1968

Cine Alex - Nosso Cinema dos anos 70

Nunca Mais Coari 167 Archipo Góes


Fotos da Coari Antiga

Escola Francisco Lopes Braga - Foto de 1977


O nome é em homenagem ao engenheiro que foi Diretor de Obras Públicas e
Concessão de Terras do Estado do Amazonas.

Podemos ver nessa foto: O final da rua XV de Novembro, o lugar conhecido como
‘‘Alto do Bode’’, a esquerda o bairro de Chagas Aguiar.

Nunca Mais Coari 168 Archipo Góes


Fotos da Coari Antiga

Yara Bar, o point da Juventude em 1968

Igreja de São Francisco - Tauá-mirim - Em 1977

Nunca Mais Coari 169 Archipo Góes


Fotos da Coari Antiga

Igreja de Santo Afonso - Morro - Bairro Espírito Santo - Em 1968

Igarapé do Espírito Santo no período da seca - 1978

Nunca Mais Coari 170 Archipo Góes


Fotos da Coari Antiga

Feira do Produtor Rural - 1994


e o Cristo Redentor ao fundo sendo terminado

Carnaval de Rua - Bloco Carnavalesco “Os Fantásticos”


Em 1977 - Local: Travessa Mota

Nunca Mais Coari 171 Archipo Góes


Fotos da Coari Antiga

Rua Padre José Maria em 1977


Colégio [ENSPS] - Catedral de Santana - Casa Paroquial

Pç Getúlio Vargas - Centro

Nunca Mais Coari 172 Archipo Góes


Fotos da Coari Antiga

Pç Getúlio Vargas - Centro de Coari - Ano de 2000

Pç São Sebastião - Em 1994

Nunca Mais Coari 173 Archipo Góes


Fotos da Coari Antiga

Caixa d'água na praça São Sebastião - Centro - Por trás da Catedral

Praça Getúlio Vargas em 1968

Nunca Mais Coari 174 Archipo Góes


Fotos da Coari Antiga

Ponte do Igarapé de São Pedro

Porto de Coari - 1977

Nunca Mais Coari 175 Archipo Góes


Fotos da Coari Antiga

Posto de Gasolina Texaco - 1978

Porto de Coari - 1977

Praia em Frente da Cidade - 1977

Nunca Mais Coari 176 Archipo Góes


Fotos da Coari Antiga

Prefeitura de Coari em 1968 - Mais tarde virou a escola Progente


Hoje a Policlínica Dr Roque Juan Delloso

Nunca Mais Coari 177 Archipo Góes


Fotos da Coari Antiga

Rua 02 de Agosto - 1968

Rua Gonçalves Lêdo em 1968

Nunca Mais Coari 178 Archipo Góes


Fotos da Coari Antiga

Coreto na Praça Getúlio Vargas

Rua XV de Novembro - Centro

Nunca Mais Coari 179 Archipo Góes


Fotos da Coari Antiga

Travessa Mota - Centro - Década de 70

Vista Aérea de Coari Antiga - 1977


Podemos observar a CAMTEL, o Tijuca, a Coletoria

Nunca Mais Coari 180 Archipo Góes


Fotos da Coari Antiga

Primeira Feira do Produtor Rural - 1979

Praça São Sebastião

Nunca Mais Coari 181 Archipo Góes


Fotos da Coari Antiga

Pc São Sebastião

Esquina da rua 05 de Setembro com a rua Gonçalves Ledo - Década de 70

Nunca Mais Coari 182 Archipo Góes


Fotos da Coari Antiga

Prefeitura Municipal de Coari - Atual Bradesco


Esquina da praça Getúlio Vargas com rua XV de Novembro
Construída pelo Cap José Rodrigues Pessoa (Delegado) em 1923

Autoridades Coarienses

Nunca Mais Coari 183 Archipo Góes


Fotos da Coari Antiga

Praça São Sebastião

Rua XV de Novembro - Setembro de 1986

Nunca Mais Coari 184 Archipo Góes


Fotos da Coari Antiga

Rua Xv de Novembro - Centro

Nunca Mais Coari 185 Archipo Góes


Fotos da Coari Antiga

BEA - Banco do Estado do Amazonas

Tijuca Esporte Clube

Nunca Mais Coari 186 Archipo Góes


Fotos da Coari Antiga

Feira do Produtor Rural na década 90

Rua Gonçalves Ledo

Nunca Mais Coari 187 Archipo Góes


Fotos da Coari Antiga

Feira do Produtor Rural na década 90

Conjunto dos Ribeirinhos - Rua Samuel Fritz

Nunca Mais Coari 188 Archipo Góes


Fotos da Coari Antiga

Dom Mário Roberto Anglim - 1º Bispo Prelado de Coari

Dom Gutemberg Freire Régis - 2º Bispo Prelado de Coari

Nunca Mais Coari 189 Archipo Góes


Fotos da Coari Antiga

Dom Joércio Gonçalves Pereira, CSsR - 3º Bispo Prelado de Coari

Dom Marcos Marian Piatek – 4º Bispo de Coari (Diocesano)

Nunca Mais Coari 190 Archipo Góes


Fotos da Coari Antiga

Dom Jackson Damasceno Rodrigues


1º Bispo Auxiliar da Arquidiocese de Manaus

Sagração do Dom Gutemberg Freire Régis

Nunca Mais Coari 191 Archipo Góes


Fotos da Coari Antiga

Igreja de Santana e São Sebastião

Rua Marechal Deodoro

Nunca Mais Coari 192 Archipo Góes


Fotos da Coari Antiga

Seleção Masculina de Handebol

Grêmio Atlético Indrustrial

Nunca Mais Coari 193 Archipo Góes


Fotos da Coari Antiga

Vista Aérea do Centro de Coari

Praça São Sebastião

Nunca Mais Coari 194 Archipo Góes


Fotos da Coari Antiga

Asfaltamento da Praça São Sebastião

Instituto Bereano de Coari

Nunca Mais Coari 195 Archipo Góes


Fotos da Coari Antiga

Escadaria de Coari

Escadaria de Coari - 1972

Nunca Mais Coari 196 Archipo Góes


Fotos da Coari Antiga

Radio Educacional Rural de Coari

Praça Getúlio Vargas

Nunca Mais Coari 197 Archipo Góes


Fotos da Coari Antiga

Praça Getúlio Vargas

Concentração antes do Desfile Cívico

Nunca Mais Coari 198 Archipo Góes


Fotos da Coari Antiga

Desfile Cívico

Escola de Samba Coariense - 1984

Nunca Mais Coari 199 Archipo Góes


Fotos da Coari Antiga

Usina da Luz e Força de Coari

Rua XV de Novembro

Nunca Mais Coari 200 Archipo Góes


Fotos da Coari Antiga

Cais Velho - 1968

Igarapé de São Pedro

Nunca Mais Coari 201 Archipo Góes


Fotos da Coari Antiga

Avião Catalina partindo de Coari

Avião Catalina partindo de Coari - 1968


Nunca Mais Coari 202 Archipo Góes
Fotos da Coari Antiga

Praça São Sebastião - Centro

Prefeito Clemente Vieira e um grupo de escoteiros coariense - 1980

Nunca Mais Coari 203 Archipo Góes


Fotos da Coari Antiga

Prefeito Roberval Rodrigues, Vice-Prefeito Evandro Aquino e


Dr. Roque Juan Del’oso

Governador Gilberto Mestrinho e o Prefeito Roberval Rodrigues

Nunca Mais Coari 204 Archipo Góes


Fotos da Coari Antiga

Abertura do Jogos Escolares de Coari (Jec’s) no antigo estádio Carecão

Deolindo Dantas
Nunca Mais Coari 205 Archipo Góes
Fotos da Coari Antiga

Escadaria de Coari

Rua Marechal Deodoro - Centro

Nunca Mais Coari 206 Archipo Góes


Fotos da Coari Antiga

Vista Aérea de Coari

Vista aérea de Coari

Nunca Mais Coari 207 Archipo Góes


Fotos da Coari Antiga

Vista Aérea de Coari

Passeata política na praia da cidade

Nunca Mais Coari 208 Archipo Góes


Fotos da Coari Antiga

Posse de Mussa Abrahim Neto

Comício na frente do Grupo Escolar Francisco Lopes Braga


Em destaque: Clemente Vieira (Prefeito) ao microfone, Alexandre Moraes
(Vice-prefeito), candidato a Dep. Estadual Waldemar Vieira em 1978

Nunca Mais Coari 209 Archipo Góes


Fotos da Coari Antiga

Praça Getúlio Vargas - Centro

Delegacia de Polícia do Camará - 1974

Nunca Mais Coari 210 Archipo Góes


Fotos da Coari Antiga

Escola Presidente Kennedy

Escola Presidente Kennedy

Nunca Mais Coari 211 Archipo Góes


Fotos da Coari Antiga

Mercado Municipal

Unidade Mista de Coari

Nunca Mais Coari 212 Archipo Góes


Fotos da Coari Antiga

Estrada do Aeroporto

Vista a partir da ponte sobre o igarapé de São Pedro. Ao fundo podemos observar o
sobradinho dos Dantas e a mangueira que inspirou o Brasão de Coari.

Nunca Mais Coari 213 Archipo Góes


Fotos da Coari Antiga

Navio que primeiro atracou no trapiche em construção, no dia 28 de março de


1937

Ponte sobre o Igarapé São Pedro - Constrída em 1923 pelo então Cap. Pessoa.
Restaurada em 1934.

Nunca Mais Coari 214 Archipo Góes


Bibliografia
Acuña, Christóbal de. Novo Descobrimento do Rio Amazonas. Edição, tradução e
introdução: Antônio R. Esteves. Edição bilíngue. Coedição: Consejería de
Educación de la Embajada de España en Brasil. Asesoría Linguistica. Oltaver S.A.
Buenos Libros Activos. Uruguay, 1994.
Agassiz, L., & Agassiz, E. (1938). Viagem ao Brasil, 1865-1866 (Vol. 95). (E.
Mendonça, Trad.) São Paulo: Companhia Editora Nacional - Brasiliana.
Alfaia, Eros Divino Maia. (19 de julho de 2020). O Naufrágio do Vapor Paes de
C a r v a l h o . F o n t e : A M i s s ã o :
https://amissaosolimesjapura.blogspot.com/2020/07/o-naufragio-do-vapor-paes-
de-carvalho.html
Amaral, J. C. ( 1818). Memórias para a História da Vida do venerável Arcebispo de
Braga, Vol. I, pag. 308. LISBOA: NA IMPRESSÃO REGIA.
Andrade, M. d. (1976). O turista aprendiz. São Paulo: Duas cidades.
Avé-Lallemant, R. (1980). No Rio Amazonas (1859). Belo Horizonte: Editora Itatiaia
Limitada.
Baena, A. L. (2004). Ensaio corográfico sobre a província do Pará. (Vol. 30). Brasília:
Edições do Senado Federal.
Bates, H. W. (1944). Um Naturalista no Rio Amazonas Henry Walter Bates - 1944 – .
Brasiliana V.237a 2V.
Bovisio, S. (s.d.). Dez Grandes Religiões. Acesso em 29 de Maio de 2014, disponível
em Santiago Bovisio: http://www.santiagobovisio.com/por/liv/28livro.htm
Brasileiro-IHGB, I. H. (1917). O Diário do Padre Samuel Fritz. Revista do Instituto
Histórico e Geográfico Brasileiro.
Brown, Charles Barrington, and Lidstone, William. Fifteen Thousand Miles on the
Amazon and Its Tributaries. Reino Unido, E. Stanford, 1878.
Casal, M., & Caminha, P. (1817). Corografia brasílica: Fac-simile da edição de 1817.
(Vol. Volume 1). Imprensa Nacional.
CASTELNAU, F. d. (1850-1851). História da viagem (Volumes I a VI). Paris: P.
Bertrand.
Condamine, C. -M. (2000). Viagem Na América Meridional descendo o Rio das
Amazonas. Brasília: Senado Federal.
FERRAZ, F. J. (1908). Através do Amazonas: Manaus ao Javari. Manaus: Tipografia
do [jornal] Amazonas. (Acervo Biblioteca Pública).
Furneaux, R. (1971). The Amazon - The Story of a great river. London, RU: Readeres
Union.
GONDIM, J. (2001). Através do Amazonas: impressões de viagens realizadas em
1921 (Amazoniana ed.). Manaus: Ediçoẽ s Governo do Estado: Secretaria de Estado
da Cultura, Turismo e Desporto.
Guimarães, G. (1900). Dados Descritivos do Munícipio de Coari. Manaus: Imprensa
Oficial.
HEMMING, J. S. (2007). Ouro Vermelho: A conquista dos índios brasileiros. São
Paulo: EDUSO.

Nunca Mais Coari 215 Archipo Góes


Bibliografia
HENDERSON, James. A History of the Brazil; comprising its geography, commerce,
colonization, aboriginal inhabitants, &c. Reino Unido, n.p, 1821.
HERIARTE, Maurício de. Descrição do Estado do Maranhão, Pará, Corupá e Rio ·das
Amazonas (1662). ln: VARNHAGEN, F.A. de. História Geral do Brasil, /11:171-
190. São Paulo, Melhoramentos/Brasília, INL, 1975, 8.ª ed.
Jobim, A. (1933). Panorama Amazônico - Coari. Manaus: Imprensa Pública.
Lisboa, H. F. (2013). Fonte Boa: Chão de heróis e fanáticos - um novo olhar. Manaus:
Grafiartes.
Kalb, Courtenay De. The Great Amazon: personal investigations on the river, and in its
upper valley. Journal of the American Geographical Society of New York – Volume
23. Editora: American Geographical Society of New York, 1891.
Marajó, J. C. (1896). As regiões amazônicas: estudos chorographicos dos estados do
Gram Pará e Amazonas. Lisboa: Imprensa de Libanio da Silva.
Marcoy, P. (2006). Viagens pelo rio Amazonas. Manaus: EDUA.
Maw, H. L. (1989). Narrativa da passagem do Pacífico ao Atlântico através dos Andes
nas províncias do norte do Peru descendo pelo rio Amazonas até o Pará. Manaus:
Editora ACA.
MELLO, O. (1967). Topônimos amazonenses. Manaus: Governo do Estado.
Menezes, Marília. (s.d.). Irmã Serafina Cinque, ASC - "O Anjo da Transamazônica".
Roma - Itália: Centro Internacional de Estudos da Espiritualidade Adoradoras do
Sangue de Cristo.
Orton, James. The Andes and the Amazon: Or, Across the Continent of South America.
Estados Unidos, Harper & brothers, 1870
PAPAVERO, N. e. (2002). O Novo Éden: a fauna da Amazônia brasileira nos relatos de
viajantes e cronistas desde a descoberta do rio Amazonas por Pizón [1500] até o
Tratado de Santo Idelfonso [1777]. Belém: Museu Paraense Emílio Goeldi.
PORRO, A. (1996). O Povo das Águas. Petrópolis: Vozes.
Porro, A. (2007). Dicionário Etno-Histórico da Amazônia Colonial .
SAMPAIO, F. X. (1985). As Viagens do Ouvidor Sampaio (1774-1775). Manaus:
ACA-Fundo Editorial.
Silva, P. F. (2013). Prelazia de Coari, Jubileu de Ouro 1963-2013. Coari.
Smyth, William, and Lowe, Frederick. Narrative of a journey from Lima to Para, by W.
Smyth and F. Lowe. Reino Unido, n.p, 1836.
Southey, R. History of Brazil. Reino Unido: 1819, Longman.
Souza, F. B. (1874). Pará e Amazonas: pelo encarregado dos trabalhos ethnographicos
conego Francisco Bernardino de Souza. Rio de Janeiro: Typographia nacional.
Souza, F. B. (1988). Lembranças e Curiosidades do Vale do Amazonas. Manaus:
Associação Comercial do Amazonas.
Spix, J. e. (1938). Viagem pelo Brasil (3a ed.). Rio de Janeiro.
Schuttloffel, Marvin J. Teaching a Man to Fish by Raising Chickens. Reino Unido,
iUniverse, 2011.
Vasconcelos, F. (2002). Coari - Um Retorno às Origens. Brasília: Da Anta Casa
Editora.

Nunca Mais Coari 216 Archipo Góes


O Autor

Archipo Wilson Cavalcante Góes é natural de


Coari, nasceu em 2 de abril de 1973. Primogênito numa
família de quatro irmãos, filho de Benedito Góes Neto
(Comerciante) e Elionete Cavalcante Góes (Professora).
Archipo Góes formou-se no magistério no ano de
1990 para o ensino nas séries iniciais. Em 1992 fez o
Adicional em Ciências e Matemática, em que ficou
habilitado a ministrar aulas para o curso ginasial.
Fez o curso de Pedagogia com apostilamento e
habilitação para exercer as disciplinas: Sociologia da
Educação e Psicologia da Educação no Ensino Médio. Por
muitos anos foi professor na Escola Nossa Senhora do
Perpétuo Socorro, nas disciplinas: Educação Física.
Matemática e Psicologia da Educação.
Hoje, com 49 anos, solteiro e com um filho de 23
anos, é escritor e comerciante do ramo de informática e
cosméticos. Desenvolve um trabalho de resgate da história
e da Literatura Coariense. Foi Secretário de Cultura e
Turismo em Coari no período de abril de 2015 a dezembro
de 2016.
Sua primeira obra foi “A Origem do Nome Coari”,
em seguida veio a publicação de “Recomeçar – Poemas”, o
Livro “Uma Literatura Coariense – Antologia” e sua mais
recente livro foi “Nunca Mais Coari: a fuga dos
Jurimáguas”.

Nunca Mais Coari 217 Archipo Góes


Literatura Coariense
Contos, poemas e crônicas

Nunca Mais Coari 218 Archipo Góes


Literatura Coariense
Existe uma Literatura Coariense? A inspiração artístico-cultural
surge em qualquer lugar e em qualquer
É a pergunta que fazemos da tempo. Pode aparecer em tempo de
mesma forma que há alguns anos grande florescimento econômico, como
escritores e estudiosos da literatura do pode surgir em tempo de crise econômica
Clube da Madrugada e da União e social. A literatura é produto da natureza
Brasileira de Escritores do Amazonas humana e suas circunstâncias e, assim,
fizeram com esta pergunta: - Existe uma não depende de mais nada. Quantos em
Literatura Amazonense? Com esta meio à guerra e à miséria escreverem
indagação que é também o título de um livros, como Tolstói em "Guerra e Paz", e
ensaio escrito e reunido em um livro por Dostoiévski, em "Crime e Castigo", por
Jorge Tufic e lançado pela UBE-AM, exemplo, e mesmo o nosso Graciliano
como VII volume da Coleção Norte- Ramos, com "Vidas secas" e "Memórias
Nordeste de Literatura, fruto do I do cárcere", que escreveram, todos eles,
Encontro Norte-Nordeste de Literatura, contando experiências em livros que hoje
onde se discutiu amiúde o tema. estão entre os mais lidos. Também,
Os estudos levantados por Jorge quanto ao tema, e mesmo se destinando a
Tufic concluíram que existe uma um público infanto-juvenil, ou mesmo a
Literatura Amazonense e se há, há leitor mais exigente, que goste de ficção,
também uma literatura regional, mesmo romance, por exemplo, ou apenas poesia,
que ela tenha em alguns aspectos crônica, ensaio, história de caboclo ou
conotações de modo similares a outras conto, não importa o gênero literário,
regiões que nos ligam à Literatura desde que o que escreve seja um texto
Universal. bom, cabível em qualquer lugar e ao
alcance de qualquer leitor.
Eu mesmo cheguei a admitir, aí
mesmo, neste trabalho de Jorge Tufic, a Temos uma literatura coariense,
sua existência, a partir da existência de é só ver nomes que Archipo Góes reuniu
uma literatura latino-americana no neste livro em prosa e verso, enfeixando
contexto das nossas letras, que marcaram nomes de expressão como Francisco
e continuam marcando, mesmo com suas Vasconcelos, Erasmo Linhares, Manoel
particularidades regionais, a literatura Francisco, José Maciel, Waldemar
nacional e, consequentemente, a Fonteles, Chagas Semeão, Alex Alves,
literatura universal. Manuella Dantas e outros. Alguns, como
Francisco Vasconcelos e Erasmo
Muitos escritores amazonenses Linhares, dois ícones de nossa literatura,
são oriundos da hinterlândia amazônica, já transpuseram as fronteiras do Estado
c o m o Á l v a r o M a i a , J o rg e Tu fi c , do Amazonas!
Francisco Vasconcelos, Almir Diniz,
Erasmo Linhares, Elson Farias, Tenreiro Archipo Góes, é escritor e poeta,
Aranha, Aureo Mello, Thiago de Mello, tendo publicado "Recomeçar” (poesia),
Almino Afonso, Anísio Mello, Tenório "A Origem do Nome Coari", 1º volume, e
Telles, Pe. Manuel Albuquerque, Alencar "Samuel Fritz e a Fundação de Coari",
e Silva, Raimundo Colares, entre outros pertencentes à Coleção de História de
que poderíamos enumerar apenas para Coari, publicados em 2014, e "Uma
mostrar que a literatura pode florescer em Literatura Coariense - Poemas", editado
qualquer meio ambiente, tanto no meio em 2014. Archipo Góes, é um estudioso
urbano das grandes metrópoles, como da nossa cultura, dos costumes, do
também nas concentrações urbanas e folclore e da história da nossa terra.
suburbanas das cidades do interior, vilas e Parabéns, portanto, por levantar
lugarejos onde a civilização tenha essa bandeira da cultura em Coari, berço
chegado. de todos nós!
Assim, acontece no mundo
inteiro. Por que aqui não poderia José Coelho Maciel - ( ASSEAM)
acontecer também?
Nunca Mais Coari 219 Archipo Góes
Literatura Coariense
A Freguesia de Alvelos prefeito. Era 1973. Vieira, bancário
Roberval Vieira aposentado do BASA, gostava de uma
caçada, e ao mesmo tempo, de criar
estórias. E naqueles dias ele quase me
convencia que o “Curupira” existia. Ou
será que existe mesmo? Mas de fato é que
quase eu acreditei. Principalmente
quando ele me disse com muita seriedade:
“Se você assobiar de novo ele vem cantar
bem pertinho do barco”. Acreditem ou
não, alguma coisa veio repicando seu
assobio até a beira do lago. Deixando-me
desconcentrado e fazendo toda a turma rir
da minha cara, meio sem jeito.
O assobio rasgou duas vezes a Na manhã seguinte a festa se fez
mata e veio se repetir bem perto de onde sentir por toda ilha e as crianças corriam
nós estávamos. Na cozinha, Maria José pela praia, espantando as gaivotas. Eram
preparava um cozidão daqueles, tantas, que dava gosto olhar toda a praia.
“Capararí” salmourado com bastante Vieira matara duas pacas e estava alegre.
verdura. “Se você oferecer outro cigarro Contudo, não se esquecia de me perguntar
ele vem cantar bem aqui pertinho”. Sorri pelo “Curupira”. Bernardo, funcionário
maroto e passei a garrafa de cachaça para da Prefeitura e companheiro de pescaria,
Manoel Soares, que brincou com Vieira, não tivera muita sorte, apesar dos
enquanto me oferecia uma banda de "tambaquis” e o “pirarucu". Ao levantar a
limão. Tomei uma talagada, acendi um malhadeira uma “piranha” tirara-lhe um
cigarro e fui ver como estavam as coisas pedaço da mão esquerda — era ou é
lá atrás no motor onde estava mamãe, canhoto — e isso fez com que retornasse
Nilda e as crianças que ajudavam Maria mais cedo para cidade. Felizmente não
José no preparo do jantar. Era um sábado tinha sido muito sério o ferimento, mas
calorento, mas a Freguesia de “Alvelos”, foi o suficiente para deixá-lo alguns dias
dos Dantas, estava fresca e o rio Coari sem as suas pescarias.
soprava suavemente uma brisa calma. De repente, estávamos todos a
Aqui, ali, gaivotas esguichavam lamentos bordo do “Rio Coari”, um daya-diesel dos
e a areia branca convidava a um passeio Dantas e que Jacó tinha muito orgulho,
pela praia. Nossos companheiros estavam apesar de precisar de uma reforma
na boca do lago, armando a malhadeira urgente. A caldeirada estava no ponto e
para quando o dia amanhecesse. todos nós comíamos animados.
E todos nós fomos lá espiar três Um verdadeiro banquete
“tambaquis” e o belo exemplar de naquelas terras tão bonitas.
“pirarucu”. Durante o verão era comum Não sei como está tudo aquilo e
nossos passeios a Jurupari ou a fazenda prefiro lembrá-la como um dia a vi. Com
“Alvelos”, primeiro ponto da civilização areias brancas, contrastando com as
que formou o povoado de Coari. “Jacó águas escuras do Coari Grande e onde um
Dantas”, irmão de Raimundo Dantas, o dia quase me fizeram crer que existe o
“Alvelos", estava conosco e eu apreciava “Curupira”, na “Freguesia de Alvelos”.
muitas anedotas, principalmente depois Na minha saudosa Coari.
de já ter tornado alguns goles.
Manoel Soares era o vice-
Coari-AM. 11 de outubro de 1973
Nunca Mais Coari 220 Archipo Góes
Literatura Coariense
Zeca-Dama ao redor, e, por isso, o ar vivia empestado.
Erasmo Linhares Depois de uns dois meses separaram a
gente em lotes e mandaram uns pra cá,
outros pr’ali. A mim me mandaram pro
Não, senhor, desarme essa cara Ipixuna, nas brenhas onde não morava
de malícia. Não é nada do que o senhor quase ninguém. Não reclamei nem
está pensando. Sou macho e muito pechinchei. Quanto mais longe melhor.
macho. Até hoje o cabra que duvidou De perto, um perto muito longe, só
disso, levou o troco certo na hora. Mas lhe Eirunepé de um lado e Cruzeiro do outro.
digo que já fui dama afamada. Melhor do Cheguei num dia e no outro me
que muita mulher de hoje. Quando mandaram pro centro, com o Dorca — um
cheguei nas brenhas do Ipixuna, mulher cabra nascido por aqui mesmo, meio
que é bom não havia. Tudo era homem, só gente, meio índio, mas um camaradão.
homem. A maioria cearense como eu e Duro, meu senhor, duro foi acostumar
como eu vieram na ilusão de enricar com naquele mundão de mato vazio de gente e
a borracha — aquela enganação toda que com a doideira daquele trabalho de
andaram espalhando lá pelo Nordeste. escravo. Acordar antes do sol e sair pelo
Vinham como boi, amontoados no porão mato raspando casca de seringueira,
e no convés dos navios, largando pra trás a pendurando tijelinha, comer só por
terra, lavoura, casa, mulher e filhos. comer, enganando estômago com ipadu, e
Comigo foi um pouco diferente. Não depois voltar pelo mesmo caminho,
escondo que tinha lá meus desejos de recolhendo o leite, correr para a barraca e
encher os bolsos de muitos contos de réis começar a defumação. Os seringueiros
e um dia voltar pro meu sertão e fartar de antigos se riam da gente, da nossa falta de
comida a mulher e a filharada. Desculpe jeito. Conto sem ter vergonha – muitas
se estes olhos depois de velhos deram pra vezes chorei, escondido do Dorca, e
chorar, mas aqui no fundo do peito ainda amaldiçoei o dia que deixei a minha terra.
dói uma querença. Eu conto continuado. Mas tudo no começo é assim mesmo. Não
De veras eu vim mesmo foi fugido. Lá no há nada de tão ruim que a gente não se
sertão onde eu morava, por causa de umas acostume. E eu e os outros – os brabos,
terrinhas mixes, destripei um cabra como a gente era chamado -, acabamos
safado na ponta da peixeira e quando a nos acostumando. A vida no seringal não
polícia deu vau, embarquei no Baependi é sopa, mas também tem os seus
junto com um magote de outros homens, a momentos. Tinha o sábado. O sábado,
maior parte, como eu, com alguma morte meu senhor, era o nosso dia. Quando a
nas costas. Um horror, meu senhor, uma gente voltava do barracão do gerente,
coisa muito triste de ser lembrada. Em tratava logo de descarregar o rancho,
Manaus jogaram a gente numa tal de tomar banho e num instante estava na
Hospedaria de Flores. Todo mundo canoa, vestido de limpo, chapéu, todo
espremido nuns quartinhos. Tinha dez emperiquitado, e toca a remar para casa
onde só podia caber cinco. De tanta gente, de Mestre Felisberto. Era a festa, a festa
nunca faltava uma fila enorme às portas que a gente esperava toda a semana, num
das privadas, principalmente porque a desassossego. Tinha música, sim: a
gente desacostumada do pirarucu e da rabeca de Mestre Felisberto, o banjo do
farinha d’água que se comia todo santo Curica e mais o Zé Preto batendo o
dia, andava quase sempre com compasso com duas colheres
desmancho. Um desespero, pode crer. enganchadas nos dedos. Mas, como eu já
Tinha gente que não aguentava na espera lhe falei, mulher que é bom não havia. Por
e fazia a coisa ali pelas redondezas, atrás isso dançava homem com homem e foi aí
das cercas, nuns matinhos que cresciam que eu ganhei fama.

Nunca Mais Coari 221 Archipo Góes


Literatura Coariense
Experimentei a primeira vez só eu, com uma faca na mão, sou o próprio
pra dar gosto ao Dorca, companheirão capeta. Hoje mora muita gente por essas
que me ensinou a cortar seringa, com beiras e tem muita mulher. Nas festas, às
paciência de santo. E quando começamos vezes, tem mesmo mais mulher do que
a dançar, os outros foram parando homem. Mas nenhuma dança como eu,
abestados, olhando nós dois saracoteando naqueles tempos. Se não fosse o diabo do
pela sala. Desde aquela noite fiz nome e reumatismo que me amolenga as pernas e
renome. Não me lembro mais quem me endureceu as cadeiras, eu era capaz de
inventou a moda, mas os homens que lhe mostrar. Dou-lhe minha palavra.
dançavam como dama amarravam um Pergunte ao Dorca, ele mora ali no
pano na cabeça, para diferençar dos primeiro sítio à esquerda, descendo o rio.
outros. Um dia, um sujeito quizilento O Dorca não me deixa mentir. Boa noite,
chamado Procópio, entendeu que a gente passe bem.
tinha de pintar os beiços com urucu e de
vestir maria mijona. Pra dar mais O Vinho e a Outra Face
sensação, como ele disse. Só não matei o Archipo Góes
filho duma égua na horinha, porque os
outros não deixaram. Mas nunca mais O vinho estimula os desejos
dancei com aquele corno. Depois eu Os Olhos procuram os sentimentos
mesmo inventei de calçar sapatos tênis O vinho entra pela boca
para dar mais leveza nos pés. Sim, lhe O amor entra pelos olhos
digo, havia outros homens que também
dançavam como dama, mas nenhum Devo está com o dobro de sua idade
como eu. Tanto que uma vez houve uma Isso significa que
briga de dois cabras por causa de mim. possivelmente irei sofrer.
Foi preciso eu arriar as calças e mostrar os E mesmo assim
possuídos e gritar que eu era homem e Ao ver seu ar de desafio e timidez
muito do seu macho e não ia permitir que Reconheci que estava diante
dois safados brigassem com ciúme de Da minha outra face
mim, como se eu fosse mulher ou foboca,
que Deus me livre e guarde. Mesmo assim
Naquela noite de encontros e delírios
eu não chegava pra quem queria. Tinha
Percebi que as vozes
noite de gastar quase toda a sola do meu
tênis de tanto arrastar os pés no chão de que cantam o amor
terra. Uma coisa de doido. Só parava pra Não conseguem expressar
tomar uns goles de cachaça e assim os meus sentimentos
mesmo aqueles cabras ficavam todos me De receios, cuidados e desejos.
cercando e de olho vivo pra me pegar Você é a síntese de tudo
primeiro. Não, não ria, homem fazer vez que quero para mim
de dama não é coisa pra qualquer um. E assim, te desejo em silêncio.
Desculpe que eu lhe diga, mas é preciso
muita arte. Tem que ter o corpo leve e os Quando dei por mim
pés ligeiros, molejo na cintura, balanço de Você já tinha se tornado
perna e sentido calculado. Tem de ser uma Minha mais ousada prioridade.
pluma e adivinhar de véspera o Vou te conquistar
movimento do cavalheiro. Ainda hoje, Como quem sai pelo mundo
por todas estas bandas, ainda me Em busca de seus sonhos
conhecem como Zeca-Dama. Já lhe pedi, E assim construiremos
não faça cara de malícia. Agora eu sou um A nossa lenda de amor.
velho, mas ainda sei tirar desforra.
Ninguém nunca duvidou da minha Coari-Am, dezembro de 2013
macheza, porque todo mundo sabe que
Nunca Mais Coari 222 Archipo Góes
Literatura Coariense
As cidades discutem
MANAUS MANAUS
Sou a cidade mais bela Sim: onde é o Instituto
Em toda região do Norte (Por sinal) de Educação;
– E você Coari singela Eu me lembro, botei luto
Me dá pena sua sorte E chorei de compulsão;
Sou única com meu teatro Mas agora, é diferente
E pontes maravilhosas Não existe ‘marmelada’:
Tenho ruas asfaltadas – Os governos são sensatos
E praças ajardinadas! E valem pelos seus atos.

COARI COARI
Você tem pena de mim Parabéns, Manaus augusta.
Manaus, faceira e vaidosa. (Cada um sabe o que sente)
Por me ver tão pobre assim? Você vive à nossa custa
Não seja tão cavilosa Por isso, anda contente
Pois você foi como eu sou Nos devolva o nosso imposto
Ou talvez ainda pior: O da nossa produção;
– Está velha e eu sou menina Pois só assim se redime
– Tenho fé na minha sina. Você de tão grande crime!

MANAUS MANAUS
Sim sou velha – fiz cem anos Tire da mente essa ideia
Foi erguido um monumento Não me faça esse juízo
Mas não sofro os desenganos Acuse sim, à Assembleia
Que fazem o seu tormento Pois ela é responsável
Suas ruas estão no mato Pelos erros do governo!
E não tem nenhum cinema – Derrubaram sem critério.
E um Trapiche que existiu O projeto do Valério!
– Um prefeito o destruiu

COARI COARI
Já que fez esse relato Aceito, só por princípio
Que negar não se admite Que você tenha razão;
Eu pergunto: foi exato, Mas um dia o Município
Destruído a dinamite Terá a sua redenção.
O palácio do governo E as cidades do interior
Lá no alto da Avenida, Deste Amazonas, gigante.
Quando estava em construção. Deixarão de ser o caos
– Em tempos que longe vão?! E serão outras Manaus!

Alexandre Montoril - Manaus –


19/12/1959

Nunca Mais Coari 223 Archipo Góes


Literatura Coariense
A Feira Depois do café, ia para a janela
Manuella Dantas da rua da frente do sobrado. De lá podia
ouvir o seu Dimas testando o som para
começar o culto, olhar melhor o rio, os
O barulho começava cedo. Às barcos e canoas que se arrumavam de um
4h30min da manhã, eu já podia ouvi-los jeito que só quem conhece o Amazonas
embaixo da janela do meu quarto, no consegue imaginar. Descia para a padaria
sobrado. Era assim todos os sábados, na para acompanhar o movimento de perto e
década de 80, quando os feirantes vinham ouvir as histórias de meu avô. Àquela
da zona Rural e começavam a arrumar altura do dia ele já tinha muitas para
suas coisas ao longo da rua em que eu contar. Certa vez ele precisou ajudar uma
morava. A feira se organizava desde a senhora que teve um bebê no banheiro da
escola Bereano, na rua Rui Barbosa, e padaria, em outro momento ajudou uma
seguia por toda a Deolindo Dantas, até a mulher que sofreu um naufrágio e que
frente da casa, onde hoje mora minha nadou algumas horas apenas com um
irmã Raí Letícia. Os feirantes chegavam facão na mão, até chegar em terra. Eu
aos poucos com suas canoas e barcos ficava ouvindo com atenção, enquanto o
abarrotados de itens e organizavam tudo ajudava a embalar alguns pães com um
do jeitinho deles. Para demarcar o espaço, papel de rolo e uma cordinha que ele
alguns colocavam ripas no chão, costumava tirar dos sacos de trigo. Essas
enquanto outros estendiam pedaços de histórias de cumplicidade renderam aos
lona ou simplesmente espalhavam seus meus avós muitos afilhados. Perdi as
produtos acomodando-os em sacos, contas de quantas crianças eles
paneiros ou bacias de alumínio. E assim apadrinharam.
eles iam ocupando cada pedaço da rua
com frutas, verduras, legumes, plantas, Lá por volta das dez era a hora
vida. que as noivas costumavam passar. Elas
vinham de lá do meio dos barcos,
Eu acordava, abria o janelão do equilibrando-se nas rampas estreitas com
meu quarto e me debruçava para ver toda um vestido branco e um sorriso largo. Em
aquela movimentação. Aquele cenário uma das mãos o buquê e o véu; na outra,
despertava um monte de sensações: levantava a beira do vestido para não
enquanto minha visão se encantava com molhar, nem sujar de areia. Às vezes
as cores e formas que se subiam todos juntos: de um lado a família
(des)organizavam naquela rua, meu da noiva, do outro a família do noivo.
olfato buscava (em vão) encontrar meus Assim eles iam caminhando em direção
cheiros favoritos, tudo isso ao som de ao cartório, desfilando entre paneiros e
uma infinidade de vozes e rimas que bacias, tendo um rio de gente como
como um coral entoavam em vários tons: testemunha da sua felicidade. Mal eles
“maracujá, abil, pupunha, taperebá sabiam que aquela felicidade também era
tucumã, cupu, jatobá, limão, tangerina, minha.
ingá, ingá-de-macaco, laranja, cacau,
melancia, araçá, banana prata, nanica, Ao meio-dia já estava tudo
pacovã, ananá, castanha, caju, piquiá; calmo. Na bancada da padaria estavam
farinha branca, amarela, beiju, pé-de- muitas frutas e legumes que meus avós
moleque, goma, tapioca; tucupi, açaí, ganhavam ou que trocavam por outros
buriti, melaço de cana, bacaba; batata produtos com os feirantes. No rio, uma
portuguesa, batata-doce, ariá, macaxeira; procissão de barcos retornava para suas
cebola, cebolinha, coentro, cheiro verde, comunidades. Arrumávamos tudo,
jambu, pimenta-de-cheiro, murupi, fechávamos as portas e subíamos para o
mastruz; macaxeira, tomate, cebola, sobrado. Era hora de todos voltarem para
pimentão...”, tudo junto e misturado, casa.
como se fosse um refrão.
Nunca Mais Coari 224 Archipo Góes
Literatura Coariense
Na Estrada da Pedra Pintada - Archipo Góes
Foi no anoitecer o esperado encontro, Há mudança na sua natureza.
Mas aconteceu inesperadamente. Trocou a essência pela comodidade,
Estavas muito elegante e faceira. Mas, tudo me deu muita certeza,
Porém, vim a perceber de repente da sua improvável estabilidade.
Que o tempo já não era tão generoso Sempre vem valorizando a beleza
Com sua beleza aparentemente. e escolhendo a artificialidade.

Eu te vi de passagem num relance. Depois de algumas horas de incertezas,


Estavas mais velha e sofisticada. Aconteceu um encontro na partida.
Mas, estava perdida num abismo Após de um abraço, ela evidencia
cavado por sua mão derrotada. Toda sua insegurança de vida
Como já se previa há muitos anos Na troca de olhares, eu senti o peso
A saudosa canção lhe dedicada. Do passado deixando-a constrangida.

Embora seja a primeira visão. Foi bom encontrá-la em sua bastilha


Eu passei a noite num alumbramento. E ver que todo aquele sentimento
Com esse fantasma do meu passado Não passava de uma grande armadilha.
Assombrando o meu fugaz pensamento. Amor do passado é sofrimento
Cada minuto era uma busca eterna Só deixa de conter significado,
do porquê daquele alvoroçamento. Quando um dia virar esquecimento.

O sinal do destino foi bem forte. É preciso ter alguma coragem


A questão voltava insistentemente: Para sepultar a grande paixão.
Pra que trazer de volta se Deus já Fugir é permanecer para sempre
havia afastado efetivamente? Com um sentimento no coração.
Aquela obsessão na minha vida, há Ao reencontrá-la novamente
Anos foi enterrada sabiamente. Acabei com essa antiga obsessão.

A minha fuga foi como a ilusão


Da bela ninfeta ruiva e indecisa Itacoatiara-AM, janeiro de 2016
Entre os devaneios da mocidade
E a vida fácil que capitaliza.
Numa grande cidade libertina
Negociando o corpo sem divisa.

Fim de tarde em Itacoatiara.


Eu andava pelas ruas sem destino.
Os olhos te procuravam na noite,
Coração fugia desse fascínio.
Não queria a volta do que vivemos,
Pois, devo fugir desse desatino
Nunca Mais Coari 225 Archipo Góes
Literatura Coariense
Lembro de tudo que tinha na casa da Lembro de tudo que tinha
minha avó na casa da minha avó.
Alex Alves
Eu tenho muita saudade
Uma lamparina acesa da massa de mandioca,
em cima da petisqueira, do bolo de tapioca,
corda velha, baladeira do caldo de caridade,
na gaveta de uma mesa do canto em simplicidade
do lado uma “ponha mesa” do meu galo Carijó.
pousada em um cipó, Mastruz com Leite, forró...
na parede um mocó, Tocavam sempre a noitinha.
camburão cheio de farinha. Lembro de tudo que tinha
Lembro de tudo que tinha na casa da minha avó.
na casa da minha avó.
Descruza os Braços
Balaio tecido à mão Francisco Vasconcelos
pra mode guardar os trecos
no "oitão" três reco-recos Descruza
espantando a solidão – enquanto é tempo –
na panela arroz, feijão teus recolhidos braços.
Sim, descruza-os.
e eu "arrochando o nó"
comia tudo sem dó Libera tuas mãos do preguiçoso
bebia caldo de galinha. aconchego
Lembro de tudo que tinha para que... livres,
na casa da minha avó. possam ensejar-te a vez de também seres
útil,
na necessária semeadura do amanhã.
Toalhinhas de crochés
na cozinha improvisada, Descruza, sim, teus braços preguiçosos
nm balde d'água na escada e de uma vez por todas,
que era pra lavar os pés, rompe os grilhões da inútil
e inconsequente postura.
formas de fazer pastéis
violão afinado em dó Pensa em quantos esperam por ti.
sacola com dominó, Em quantos esperam que lhes estendas a
Jogo da Onça e adivinha. mão amiga,
essa mesma mão que escondes, que
Lembro de tudo que tinha ocultas.
na casa da minha avó.
Quantos serão os que dela dependem?
Um motor-rádio chiando Quantos serão os que esperam de ti?
com um Bombril na antena
Descruza, pois, os braços!
sintonizando a novena Até mesmo para que,
padre Inácio, celebrando, tendo livres as mãos
a liturgia cantando possam elas também receber o quinhão
louvores ao Deus maior; que lhes cabe
caldeirada de bodó na justa partilha do amor há muito
prometido
temperada por Rosinha.
Nunca Mais Coari 226 Archipo Góes
Literatura Coariense
Soneto feito por Alexandre Montoril Saudades de Coari
dedicado ao pintor José Maciel Archipo Góes

Cidade guardada no meio de uma saudade


Oculta na selva, presente sempre na
memória
Apesar dos novos tempos aqui
desfrutados
Raízes ainda mexem com as lembranças
Inconsciente de um tempo que se foi.

Ainda encanta quem visita suas águas


Águas negras, águas vermelhas
Água mãe, água que alimenta seu povo
A tua arte sem favor é muito bela,
sofrido
Na parte da pintura mostras vocação;
Três rios em um só
Também na poesia você se revela,
guardam seus primitivos.
Muita espontaneidade e imaginação.

Ficou na pele a marca de uma branca areia


Deve-se julgar o pintor, diante da tela,
Escadaria – Tardes inesquecíveis
Assim Pedro Américo é uma revelação,
Tardes de Chuvas,
Entender diferente é fazer querela,
corridas pelas ruas
Talvez com a mania de causar sensação!
Beijos molhados,
beijos guardados.
Das artes belas a escultura é sublimada,
Pela qual Miguel Ângelo se imortalizou;
E a noite na pracinha,
Mas foi na velha Grécia onde o cinzel
ou na rampa – um violão
brilhou…
Músicas.
Sonhos - Sonhos conquistados
O olhar para o passado
Das artes belas a música também é
e conceber:
sagrada,
Que sempre fui feliz em minha Coari.
Entre os gregos, Lino, Orfeu e Anfião,
Depois: Beethoven, Carlos Gomes... não
sei não!

Com a dedicatória: “Para o pintor José


Coelho Maciel” Manaus, 2003

Alexandre Montoril
(Manaus, 25 de maio de 1970)

Nunca Mais Coari 227 Archipo Góes


Literatura Coariense
A Praça e a Matriz Poema Coari
Archipo Góes Aldísio Filgueiras
(Ao jovem pintor e amigo J. Maciel)

A velha senhora guarda seus filhos. Então o Solimões


Sua arquitetura americana, moderna. fez uma pausa
Sua essência indígena, cabocla - uma pausa lago
e se chamou Coari
Seu coração inclinado a Coari.

Coari princesa índia


Praça de minha infância, minha mocidade beira-rio
Praça de meus primeiros amores, Coari das manhãs
Dos fervores coloridas de blim-blons
Praça das brincadeiras, da matriz de São Sebastião
do futebol, da inocência Coari do Espírito Santo
fugindo do Inferno
Em cada porta da matriz,
para um longe muito
Uma lembrança, um calor. longe quem sabe onde?

Noite clara, a cidade às escuras Coari que tem cais


A lua motiva os casais ao amor. e Marias no cais,
Noites inesquecíveis… de curumins barrigudos
A praça conduz os caminhos. soltos suados correndo
nas ruas

A praça é arraial, Coari do cura


é carnaval, Coari de COARINA
é a marcha cívica. Coari de JOTA MACIEL
Lá acontece manifestação, de tanta gente importante
Procissão, que eu não conheço ainda
Evangelização Coari meu
A praça é do povo.
coari coari
A praça é dos desejos. de coaris coari

Manaus, 2003 Manaus, 24.09.1964

Nunca Mais Coari 228 Archipo Góes


Literatura Coariense
Natal das Galeras Coari — Suspiro do Solimões
Irmã Marília Menezes Ir. Marília Menezes

Senhor Jesus, Coari, pequena cidade amazônica do


a paz que tu trouxeste à terra médio Solimões!
tornou-se muito clara para mim Teu nome, da língua quéchua,
ao celebrarmos o Natal das gangs ou vem desde os índios Incas, do Peru,
galeras ou da tribo dos Jurimáuas, de origem
na noite de Natal. Tupi...
Antes da Missa, o churrasco – Quanta história a pesquisar...
churrasco pobre, pedacinhos de carne Quem sabe se Coari é “rio do ouro”, ou
com farinha “rio dos deuses” ?
oferecidos pelo candidato Esse ouro seria teu petróleo, cujo fruto o
que venceu com o apoio dos rapazes coariense não vê...
as eleições… que “deuses” o roubariam ? —
O deus é o Deus da tua gente cabocla,
O compromisso de não beberem muito simples e sofredora,
foi cumprido. mas briosa,
– Hoje é noite de paz, disseram eles. com vontade de mudança que é preciso
– Então vai ser só hoje? – um outro fazer acontecer.
indagou.
– Vamos manter a paz! Coari — “buraco” ou “abertura” —,
suspiro do Solimões transformado no
– Pé-de-chumbo, Faquinha, lago
Siri rica, Pantera, em que te banhas,
Ronivon, Bacuzinho, teu lindo lago Coari, de águas bem
Sapão, Sapinho, negras,
Sadam, Andróide… Vamos manter a paz! no encontro-desencontro com o
Solimões barrento...
Certo anjo cantara em certa noite Que paisagem !
e cantava de novo:
– Glória a Deus nas alturas, paz na terra Coari — cólera
a quem Ele quer bem … do vibrião colérico
ou cólera do povo
Era a paz que descia como o rio por ser tão maltratado !
como o rio Amazonas,
como a chuva ou o sol Coari — coração
e descia de novo sobre a terra de missionários que por ti tem dado o
na noite de Natal. seu viver!
Coari,1992
Aqui também vim eu partilhar minha
vida
— e ao evangelizar, sou evangelizada !
...
e através das ondas radiofônicas,
que promovem a educação rural,
varar matas e rios com essa antena
possante,
chegar bem longe
e proclamar sobre os tetos
a mensagem do Rei!
Coari, 1991

Nunca Mais Coari 229 Archipo Góes


Literatura Coariense
A “Festa” da Banana – Chegando na Cidade de Quari
Ir. Marília Menezes ASC. Archipo Góes

— Vamos chamar os Beatles, Chegando em minha Quari, reconheço


chamar a Perla, as “Bananas split” Em cada vão detalhe, minha história.
para fazer a Festa da Banana. Na paisagem vejo um pouco de mim
— Senhor Prefeito, faça sua propaganda ! Transformando-se na minha memória.
Pague conjuntos caros de Manaus Todo reflexo no espelho d’água
ou de Brasília Resplandece seu passado de glória.
para abafar a humilhação e a dor
deste povo esmagado Na janela esquerda vejo chegar
como a banana. Itapéua – nossa “pedra achatada”.
Se você não conhece seus caminhos
Banana de mesa, Na margem, a viagem é findada.
banana de metro Em seu canal há grande profundeza
banana que cabe na palma da mão. Tem armadilha por toda beirada.
Quantas espécies de banana?
Joia verde e amarela Agora que estamos chegando perto
salvação das crianças, Vem uma sensação de ansiedade.
tu precisas morrer amassada no mingau É sempre muito grande a expectativa
antes de ser amassada De logo chegar em minha cidade.
aos pés dos compradores, Agora vejo as barreiras vermelhas
ou jogada no rio, antes de virar lama, Lá, Muras feriam sem piedade.
antes que os bananeiros
deem teu preço como teus senhores Também temos um encontro das águas.
ao mísero agricultor que te plantou. No rio Solimões é bem barrenta,
Mas é água rica, cheia de peixes.
Banana que serás bem embalada E assim, seus muitos filhos alimenta.
e revendida a preço de ouro, No lago, é negra como nanquim,
pelos exploradores, Nesse reencontro, a beleza aumenta.
para os States ou a Europa…
O sorriso aparece no meu rosto,
Vamos fazer a “Festa de banana” ! Assim que dobramos pela matinha.
Escolham uma mulher para Rainha ! Tenho uma linda vista de Quari
Ela vai desfilar com folhas de banana Com os seus flutuantes na prainha.
e com bananas presas E ao longe, em cima do grande morro
no fio dental. Reparo a nossa imponente igrejinha.

Ponham o som mais alto, meus senhores, Chegando feliz no porto de ferro,
para abafar o som dos caminhões Assisto um boto Tucuxi nadando,
que vêm trazendo os cansados Veio da ponta do Jurupari,
produtores, Rápido e faceiro, vem me saudando.
e virão espiar a “Festa” da banana ! A linda Matriz que surgia longe,
Está risonha nos abençoando.

Quari, 12 de outubro de 2017

Nunca Mais Coari 230 Archipo Góes


Literatura Coariense
Um Homem Importante - Conto de Erasmo Linhares
Decalcomania. Muito natural. compromissos inadiáveis, de modo a
Todo homem sério e importante é sobrar para as figurinhas coloridas, o
vulnerável às manias – seja de coelhos, cigarro filter de luxe, o conhaque
rosas, cães de raça, cachimbos ou velhíssimo e, às vezes, para o joguinho de
mulheres, que é mania recomendável cartas. Homem importante fuma cigarros
embora dispendiosa. E não era ele um filter de luxe, bebe conhaque envelhecido
homem importante e sério? Ou melhor, oitenta anos em tonéis de carvalho e joga
não iria sê-lo? cartas.
Aliás, isso foi só no começo. Um Filhos? Graças a Deus só tinham
homem assim, quando menos, deve o Joca, mas isso porque as medidas de
nomear algumas coisas em inglês. Por precaução se multiplicavam. Cuidados
isso a mania passou a ser chamada hobby, especiais, malabarismos inventados com
não sem uma consulta prévia e paciência e resignação, não sem queixas
convenientemente velada a padre Dalton, de dona Marieta, para quem cabia, na
à hora do almoço, quando o pároco, grande maioria das vezes, a tarefa de ficar
sozinho na igreja, consumia suas horas de no meio do caminho.
sesta. Clube. Homem importante tem
– Mania ou hobby a coisa não clube. É membro da diretoria. Pif-paf,
mudou de aspecto – figurinhas e bacará, carteado no sossego, sem os
figurinhas –, homens, camelos, tirolesas, inconvenientes da vigilância policial.
vedetes de biquíni, santos, bailarinas, Festas, danças. As danças. Não foi fácil.
tudo enchendo álbuns e cadernos e, na O Tâmisa-Clube, de gente rica – fica não
falta destes, o volumoso livro de receitas fica, entra não entra. Não ficou nem
de dona Marieta, presente de aniversário entrou. Onde estavam os fundos?
dado por uma caríssima amiga. Coisinha Terceiro Arquivista Padrão “C”, marido
de nada, afinal, já que Acácio seria um de dona Marieta, mulher esquiva às
homem importante. Teria de ser gente, modas elegantes, não fuma nem bebe
como repetia à paciência inesgotável de uísque, não faz regime para emagrecer e
dona Marieta que, se algumas vezes se nunca fez plástica na vida. Como então
lamentava, não deixava outras tantas de ser admitido no Tâmisa?
sentir-se lisonjeada com a ideia de possuir Mas, se não o aceitou o Tâmisa,
um marido importante e respeitado. aceitou-o de bom grado a Soberana
Esforçava-se. Esmerava na lavagem e no Sociedade Recreativa, Cultural e
ferro, para a satisfação quase sensual de Esportiva Unidos do Bom Retiro,
admirar o seu homem, empertigado e entidade de velhas e gloriosas tradições e
brilhante no terno de brim detentora do honroso título de bicampeã
impecavelmente engomado, subir no suburbana de dama e dominó.
estribo do bonde, teso como um poste. Está começando, Acácio, você vai
Acácio jamais sentava – medida longe homem. Já foi secretário da
resultante das variadas experiências para Sociedade. Você vai longe homem. Dona
não amarrotar a roupa até à entrada Marieta torcendo pelo marido, feliz da
triunfal de todos os dias na Coletoria de vida.
Rendas. E ia mesmo. Promessas, algumas
Terceiro Arquivista Padrão “C”, vezes se cumprem. Então o deputado Dr.
era verdade. Vencimento minguado, Fulgêncio do Valle e Silva, líder de
atrasado de dois meses e distribuído bancada e figurão do Governo, não era
criteriosamente entre o padeiro, o primo em terceiro grau?
Joaquim da mercearia e outros
Nunca Mais Coari 231 Archipo Góes
Literatura Coariense
– Acácio, você vai ser Arquivista – Polícia? Que foi que eu fiz?
padrão “L”. “L”, Acácio. – A senhora não fez nada, o seu
Custou um pouco, mas saiu. Num marido é que morreu no desastre de bonde
dia inesperado o Diário Oficial publicou da rua Tamandaré. Quarenta e oito
num cantinho de página que logo passou a pessoas ao todo. O maior desastre da
ocupar o lugar mais destacado do maior e história deste país.
mais novo livro de figurinhas: Quem a socorreu foi o Totonho,
“Nomeando Acácio Leite Busão caixeiro da padaria – afinal a tinha nos
para exercer, efetivamente, de acordo braços.
com o Art 32, da Lei n.° 121, de 29 de No outro dia os jornais
fevereiro de 1944, combinado com o Art. publicavam a fotografia de Acácio e
15, da Lei n.° 437, de 11 de março de contavam coisas que ele nunca fez nem
1948, o cargo de Arquivista padrão “L” pensou.
do quadro permanente do Poder Dona Marieta, chorando ainda,
Executivo, lotado na Coletoria de Rendas recortou o clichê com a tesoura de costura
da capital”. e pregou-o na capa do maior livro de
– Combinado com o artigo 15 – figurinhas. Lia e relia a notícia e
até o Joca já sabia decorado. balançava a cabeça sobre a página.
Naquela noite dona Marieta não – Homem importante, esse
parava. O ferro corria espalhando a goma Acácio
de estearina no terno de brim branco –
para frente, para trás, forcejando para
baixo, assoprando no fundo quando o Soneto Coari
diabo do ferro esfriava. Aldenor G. Nascimento
Meia-noite, lá estava o terno (Para todos os coarienses)
luzindo na cruzeta. Com ele, no outro dia,
Acácio iria à Secretaria do Interior assinar Coari, teu povo é bravo e forte
o termo de posse.
E tu és a mais bela à margem do Rio Mar;
Homem importante, aquele
Acácio. Notava-se pelos ares superiores És menina moça que vive sorrindo,
quando, empertigado, subiu no estribo do És a musa que posso me inspirar!…
bonde e acenou jogando um beijo na
direção da janela onde dona Marieta Vives nua a mostrar os teus encantos
sorria, feliz e sensual.
Que a mãe natureza te doou;
Custava o Acácio. Almoço
pronto, uma hora da tarde. Naturalmente Nunca em minha vida te vi em prantos,
os amigos em algum festejo. Também era Tu és unicamente, querida terra, de amor!
justo. Arquivista padrão “L”. Paciência.
Telefone na padaria: Oh! Se Fritz te visse assim tão linda,
– Dona Marieta, telefone pra Tão próspera, tão verde, tão querida;
senhora. O que não iria pensar! Por ti rezaria…
O coração bateu forte contra o
peito. Um friozinho escorreu da cabeça
Hoje, tu és a rainha do Solimões,
aos pés. Saiu correndo – Meu Deus, quem
será a esta hora? Graças ao nosso poderoso Senhor;
– Alô, é dona Marieta Costa E Santana que é tua padroeira e tua mãe.
Busão?
– É. (Do Clube do Arrebol, 1964).
– Aqui é da polícia.
Nunca Mais Coari 232 Archipo Góes
Literatura Coariense
Crônica de um quase Natal menino que gostava de brincar de ser
Francisco Vasconcelos homem, construindo casas. E amargura-
me pensar que, tornando-se efetivamente
homem, não tenha conseguido fazer uma
Nunca me foi possível esquecer casa sequer, nem mesmo a sua.
o menino, cujo desejo acompanhei de
Lembro-me perfeitamente de
perto naquele Natal que, na verdade, não
todos os companheiros do menino sobre
chegou a existir para ele. E sempre que
quem escrevo. Um deles, impressionado
sinto aproximar-se a grande festa, quando
com a jovial figura de um médico que
os corações se impregnam da suave e
passara alguns dias na cidade, brincava de
divina mensagem de amor e de esperança
imitá-lo, instalando seu consultório num
que o evento, inevitavelmente irradia,
pedaço do quintal onde, com inusitada
lembro-me dele, incontido na sua alegria,
dedicação, atendia à enorme clientela de
a nutrir, ternamente, a certeza do
bonecas doentes. Outro, vestido nas
brinquedo há muito desejado.
roupas da irmã mais velha, prostrava-se
Naquele ano as coisas lhe diante ao altar que improvisava de um
ocorreriam de forma diferente. E certo caixote de madeira e, elevando com
estava o menino de que, ao contrário de litúrgico respeito a hóstia consagrada,
quantos já haviam passado, algo mais nada mais, que recorte de um pedaço
haveria de ficar-lhe, e não apenas as qualquer de papelão, fazia todos se
simples desculpas que lhe davam curvarem genuflexos, após o que
costumeiramente, na tentativa de pronunciava palavras de um estranho
justificar a impossibilidade de torná-lo latim que ele próprio improvisava,
partícipe de um mundo cujas emoções intercalando, a todo instante, o dominus
jamais chegara a experimentar vobiscum, única certeza que havia em
inteiramente. tudo aquilo, além da indesmentível
Custara-lhe, todavia, aquela vocação sacerdotal.
quase convicção, o sacrifício de muita Havia, ainda, além do filho de
renúncia. Mas valia a pena. Valia a alegria um turco que imitava a profissão do pai,
o ser compensado, na sempre esperada sagaz negociante, a figura altiva e
realidade da posse de um brinquedo impetuosa do soldado, na verdade, para
diferente dos que habitualmente possuía, ele, oficial; mais que isso, autoridade,
dentre os quais um carrinho de madeira sempre a querer que todos lhe prestassem
por ele mesmo construído, que rodando continência ou que marchassem ao som
sobre tampas de latas de manteiga, de toques de tambor que fazia sair de uma
constituía seu maior patrimônio, lata de banha vazia. Seu maior
principalmente depois que conseguira contentamento era prender e dar ordens
pintá-lo de azul. Era nele que transportava de comando. Se alguém lhe
o material com que brincava de construir desobedecesse à diretriz traçada pelo seu
casas que a engenharia de um colega gênio militar, ou contrariasse qualquer
projetava. regra por ele estabelecida, reagia com
Que bom engenheiro não seria o violência, empunhando o cassetete que
colega do menino de quem ora recordo. sempre trazia à cintura. Interessavam-lhe
Nada lhe era mais importante do que muito as notícias e história de guerras ou
passar horas inteiras a observar o pai, batalhas, e muito também lhe agradavam
exímio pedreiro, a colocar de um a um os as fotografias coloridas de soldados em
tijolos das casas que edificava, sem que desfile.
para tanto houvesse necessidade de É possível que os três últimos
qualquer cálculo matemático. tenham alcançado a realização de seus
Nunca mais ouvi falar do sonhos. Mas o engenheiro? O médico?
Nunca Mais Coari 233 Archipo Góes
Literatura Coariense
Do menino que ora recordo, Havia Disputa de Futebol entre o
bem viva me ficou a intensidade de seu Comercial e o Ipiranga
anseio naquele natal, ao lado da triste Francisco Vasconcelos
realidade do que lhe seria inevitável. E foi
preciso que o Natal chegasse com a
ausência do sonho acalentado, para que Nas Tardes de Domingo. Havia Disputa
começasse a melhor entender as lições da de Futebol entre o Comercial e o Ipiranga.
vida. É que, em vez do brinquedo Alguns “Craques” daqueles tempos.
desejado, com o qual seu mundo de
criança ganharia dimensões diferentes, a Em meu Coari de outrora,
viva presença da morte de seu pai, sequer faltavam times de futebol para as
trazendo-lhe, em consequência, a partidas de fins de semanas. Valho-me
dolorosa certeza de que a infância, aqui, dentre outras fontes, da incrível
inesperadamente, chegara a seu término. memória de Raimundo Mota, nos seus
Não sei, hoje, sob em que estado mais de 80 anos, para lembrar alguns
de espírito relembra o menino a decepção nomes dos que integravam as aguerridas
por que passou, talvez a primeira de tantas equipes do Comercial e do Ipiranga
experimentadas pela vida afora. Creiam- Futebol Clube, legendas que
me, porém, que não me causará qualquer empolgavam a pequenina cidade.
estranheza se um dia encontrá-lo a brincar A sede do Comercial era na casa
entre os filhos, puxando seu carrinho azul de Teófilo Veras, presidente do clube.
e sendo, ele também, uma criança. Integravam a equipe, da qual Mota era o
(Excerto do livro de crônicas capitão, dentre outros, Periquiteira, Zé
Meus Barcos Papel, lançado em 1999). Guariba, Índio, Sabbá Cama, Dedeu,
Alvelos, Jacó, Munir, Azize, Alexandre
O Lago Misterioso Moraes.
Roberval Vieira O Ipiranga, time pelo qual eu
torcia, empolgado pela força do chute de
Orlando (Orlando Nazaré), famoso
Olhei para a imensidão do lago e pensei: beque, tinha sua sede na casa dos Grim, e
“Como é belo e misterioso!” foi um dia de glória para os torcedores
O sol procurava seu leito noturno, e a aquele em que Hilda, bela loira, fora eleita
noite o esperava chegar tristonho... a Rainha do time. Hilda viria a casar-se
Os pescadores voltavam cansados. com João Maquinista, um dos Soares da
Fonseca e, também, um dos craques da
As águas serenas e tranquilas, como se época. Da equipe do Ipiranga,
fosse a alcova do mundo.
destacavam-se Gonçalo (goleiro), Airton,
Ao longe se ouvia um canto triste, Orlando e Chaga Borracha; Miguelzinho,
trazendo Manoel Pacheco e Mazinho Caiá; Yoyô,
as lembranças de alguém que se foi. Lino, Ávila (Bodinho) Tetéo e João
Chegou a noite, berço dos sonhos e Maquinista.
morada de todas saudades É possível que, ao relembrar os
Apenas as águas tremulavam, e a atletas, tenha cometido algum engano.
solidão dominava todo o lago. Finalmente, da época a que me refiro, já se
Alguns passos serenos se ouve, passaram bem mais que cinco décadas,
razão pela qual me parece justificável que
(um vulto) ou talvez alguma troca de nomes possa ter ocorrido.
Mãe d'água, que conta histórias para os Devo registrar, também, que foi de João
encantados. Maquinista (João Soares da Fonseca),
Coari-AM, 13 de março de 1973 famoso ponta-esquerda do Ipiranga,
Nunca Mais Coari 234 Archipo Góes
Literatura Coariense
que obtive a maior parte das informações Tornou-se conhecido na cidade, pelo
relativas a seu time, cujo presidente era o carinhoso apelido de “Chico
agente da estatística Aretiano Firmino Enfermeiro”, dada a sua luta, coragem,
Boáes e, técnico, ninguém menos que o abnegação, dedicação e o seu amor e zelo
famoso Zequinha da Liberata. pela saúde do povo coariense, que vivia
abalada pelas doenças tropicais, muito
O Último dos Imigrantes comuns na região.
Manoel Francisco
Era uma pessoa excepcional, incansável,
sempre disposta a atender aos que
necessitavam de sua ajuda, a qualquer
hora que era solicitado atendia a todos
sem distinção, enviado por Deus, operava
milagres por onde passava, com sol
causticante, chuvas intermitentes, ou
temporal arrasante.

Previu, amenizou e curou a dor deste


povo tão sofrido e tão distante da grande
metrópole.

Aqui viveu durante 32 anos, casado com


D. Francisca Albertina Alves Baptista,
com a qual teve 11 filhos, criando-os com
dedicação. Abrigou também no seio da
família, várias crianças órfãs.

Um dia, seu organismo sentiu os


primeiros efeitos das horas exaustivas
Quantas lembranças, quantas saudades. que levava.
Saudades do Chico, do Chico
Enfermeiro. Primeiro de setembro de 1971. Manhã
chuvosa, 6h. Em um dos leitos do quarto
Francisco Pereira Batista nasceu em sete, do Hospital da Unidade Mista de
Guimarães, Freguesia de São Sebastião Coari, morria Chico Enfermeiro, rodeado
em Portugal, no dia 5 de maio de 1892. de amigos e familiares.

Chegou a Manaus a 4 de agosto de 1929, A ti, Chico, nossa homenagem.


onde residiu durante 10 anos, na A ti, Portugal, nossa gratidão.
Sociedade Portuguesa Beneficente do De Coari, onde uma vez,
Amazonas.
com lágrimas se fez.
… a história deste Chico . . . Tão linda!
Certo dia chegou à pequena cidade de
Coari, um homem branco, alto, de olhos
claros; não sei se perdido em nossos
rincões, mas veio subindo o rio Solimões.
Era o dia 12 de dezembro de 1939.

Nunca Mais Coari 235 Archipo Góes


Literatura Coariense
Maria do Léu – Um perfil de mulher ou o retrato que gostaria de pintar
acerbas críticas à carestia, ao custo de
vida, à inflação e aos exploradores do
povo. É uma espécie de guardiã do povo.
Se Gregório de Matos Guerra fosse vivo
não hesitaria em aprová-la por sua atitude
corajosa diante dos poderosos em prol
dos humildes e indefesos. Muitos já
sentiram o azorrague de sua pena. Na
greve da água, em Coari, escreveu e
cantou com o povo. Eis algumas estrofes
do seu longo poema:

Prestem atenção meus amigos


Maria Alves Ribeiro é seu nome pra o que vou dizer aqui
de batismo, por cognome Maria do Léu. É que em toda Amazônia
uma mulher de fibra, destemida e muito a água mais cara é a de Coari
querida pelo povo. Filha de nordestinos. e devia ser mais barata
Seu pai chamava-se José Alves Ferreira e pois não temos condições
sua mãe Maria Angélica Alves. Ele era e a daqui de Coari
ferreiro, ela rendeira. é puxada do Solimões
Maria do Léu — que não vive ao
léu — é uma mulher lutadora, intrépida e O que está escrito é verdade
de grande popularidade. Não há ninguém pois mentira não se escreve
em Coari que não conheça essa criatura de como todo mundo sabe
estranha personalidade, marcante, que
que em Coari houve uma greve
promove movimentos populares e já fez
136 gravações de suas cantorias e e o povo está revoltado
modinhas. É compositora, repentista e e sentindo grande mágoa
cantadora nata. Entretanto, só a partir de como todo mundo sabe
1964, com 40 anos de idade, é que que o problema é a falta d'água
começou a escrever e divulgar as suas
produções literárias em verso, cuja O gerente apavorado
temática abrange o cotidiano político, deu um frio chega tremia
econômico, social, histórico, sentimental foi parar no Hospital
e circunstancial. dizendo estou com agonia
Falando e escrevendo a esta é uma verdade
linguagem popular ganhou a admiração e não é o povo que inventa
o respeito dos coarienses e o de quantos a pois a água sem multa
conhecem pelo talento e espontaneidade quatrocentos e quarenta
de sua poética eminentemente popular.
Maria do Léu é autodidata, demonstrando Se Coari tivesse emprego
para a poesia e para a música enorme
a gente dava no ato
sensibilidade, que funciona como radar
receptivo do seu mundo exterior, pois a água com a multa
captando tudo que vê ao seu redor. Nada quinhentos o vinte e quatro
lhe passa que não seja percebido e filtrado aguardamos a Deus
pela sua ótica popular. Critica a e ao Papa João Paulo II
administração pública, tece elogios aos com o documento de Puebla
candidatos e políticos que merecem e faz veio alertar todo mundo
Nunca Mais Coari 236 Archipo Góes
Literatura Coariense
Vou repetir de novo e como diz o ditado
que mentira não se escreve que o povo não tem voz
e se não faltasse água a estiva sobe mais
o povo não faz a greve do que a enchente de 63
o gerente da Cosama
nosso amigo, brasileiro
não dá água para o povo
mas quer receber o dinheiro
A água sobe mais
que a enchente de 63
quanto mais a gente reclama
mais a aumenta para o freguês
o gerente ainda responde
que a subida é comum
esse mês eu Já paguei Atualmente arranjou um
seiscentos e quarenta e um parceiro que lhe acompanha nas suas
Aqui fica o meu abraço pelejas e cantorias. O Jovem e talentoso
aos amigos e companheiros Raimundo de Souza Batista, nascido em
também fica o meu nome Barreirinha, mas que trabalha há 3 anos
que é MARIA ALVES RIBEIRO. em Coari como serventuário da justiça,
levado para lá por dona Iacy, escrivã do
Cartório do 1° Ofício. Desde então
Maria do Léu é aposentada
trabalham juntos e formam uma bonita
como zeladora que era do Grupo Escolar
dupla de cantadores. Precisam apenas de
Inês do Nazaré Vieira, em Coari, mas já
uma viola e um pandeiro para
foi oleira, lavadeira e trabalhou em uma
imprimirem aquela atmosfera
dezena de outras atividades — todas
característica dos cantadores do Sertão.
modestas, porém honestas — e sempre
Nada mais.
ganhou com o suor do seu rosto o pão de
cada dia que sustenta até hoje os seus A cidade do Coari — Princesa
filhos. Dos quinze filhos que trouxe ao do Solimões — sente-se honrada com
mundo, apenas oito sobreviveram às essa figura estranhamente singular que é
intempéries pelas quais tem atravessado. Maria do Léu. A minha querida cidade
natal não seria tanto se não existisse essa
Mesmo assim, sente-se uma
criatura ímpar, de caráter e beleza
mulher feliz. A sua felicidade emana do
espiritual extraordinários.
desejo sempre maior de servir o povo. Ela
mesma é povo. Por isso colocou a sua Maria do Léu — epíteto
inteligência e o dom que Deus lhe deu de estranho para uma mulher extraordinária
compor e musicar as suas criações — simples, humilde, mas extraordinária.
literárias a serviço do povo, sobretudo a Como tantas outras mulheres
favor da grande massa pobre e carente. E extraordinárias que o mundo já conheceu
deste modo, a cantora vai fazendo os suas e ainda conhece — que deram enorme
pequenas sátiras e canções de escárnio, de contribuição à humanidade, cada uma na
bem amar e bem-querer, como nos sua dimensão exata, a figura do Maria
tempos medievais. Alves Ribeiro aparece ao lado de Lady
Godiva, Ana Nery, Anita Garibaldi, Anna
O povo vive massacrado
S u l l i v a n , H e l e n K e l l e r, B á r b a r a
E trabalhando todo dia Heliodora e muitas e muitas outras que, se
e sofrendo necessidade fôssemos relacionar, preencheríamos
por causa da carestia folhas e folhas de papel.

Nunca Mais Coari 237 Archipo Góes


Literatura Coariense
Maria do Léu, se vivesse no Poesia Coari
Nordeste, hoje teria o seu nome no rol dos Celson Tadeu de Lima
trovadores e cantadores populares, e
talvez incluída em antologias e livros
sobre literatura de cordel ou popular,
agora inclusive estudada em Coari que palavras flutuam
universidades de todo o mundo. Na mente de sua gente?
Quem sabe não estivesse Da pacata terra da banana,
figurando ao lado do Cego Aderaldo e Hoje parece só gente cigana.
Patativa do Assaré, hoje estudados na
Sorbonne.
Manaus – 1982 Da inocência acanhada e peculiar,
Suas festas a celebrar.
José Coelho Maciel é filho de Coari – Desde a primeira festa do arraiá,
AM. Estudou o Ensino Fundamental em sua Rainha igual a GERLANE não há!
terra natal, o Secundário em Manaus, formando-
se em Direito pela vetusta Faculdade de Direito
da Universidade Federal Buraco do Médio Solimões,
do Amazonas. É pós- Ouro Negro corrompendo corações.
graduado em Direito do
De suas entranhas a jorrar
T r a b a l h o e
Previdenciário. No estalar dos canos a transportar.
Diplomado em
Psicanálise Clínica pela Povo aguerrido
SPOB – Niterói –RJ.
Lecionou Prática Junte o coração partido,
Forense de 1971 a 1972, Malfeitores a lhe usurpar,
pela Faculdade de É hora de lhes erradicar.
Direito da Universidade do Amazonas em
convênio com a Ordem dos Advogados do
Brasil, Seccional do Amazonas, e Educação Pardieiros e palafitas,
Artística, Organização Social e Política Terra das mulheres bonitas.
Brasileira, Educação Moral e Cívica, Direito e Seu sono sem sonho,
Legislação, Português e Literatura Luso-
Brasileira, em várias escolas estaduais da rede Sua gente em rebanho.
pública e privada. Fez parte do Teatro
Experimental TESC-SESC, em Manaus, e Retome o destino
participou do “Grupo dos Sete”. Como artista
Celerado não é Curupira,
plástico, em 1964 realizou sua 1ª Exposição
Individual de seus desenhos e pinturas; nos anos Descubra pelo tino
seguintes participou de inúmeras exposições Ser caboclo é alça de mira.
coletivas, recebendo vários prêmios, numa delas
(1970) recebeu o Prêmio Governo do Estado,
juntamente com o pintor Moacir Andrade. Tem Hora certa
publicado artigos, poemas e crônicas, em Porta aberta,
jornais, suplementos literários, revistas e livros Demônio extirpado
(antologias) desde 1964. É fundador de algumas
Respire aliviado.
entidades profissionais, artísticas e literárias,
como a AAMAT, SPOB-AM, AMAP, e pertence,
além destas, ao CEA, GEC, CM, UBE-AM, Governador Valadares 09/05/ 2014
ASSEAM, ALCEAR, ALB e ABEPPA. É pintor,
ilustrador, desenhista, escritor e poeta.

Nunca Mais Coari 238 Archipo Góes


Literatura Coariense
O Soldado da Borracha guerra, igualmente um soldado, “soldado
Francisco Vasconcelos da borracha”, como oficialmente eram
chamados quantos demandavam os
distantes seringais para a extração do
O grito do seringueiro Valdemar precioso látex, indispensável ao fabrico
ecoou floresta adentro, fazendo calar os de inúmeros artefatos de guerra. Que mais
ruidosos sons da bicharada noturna. honrado lhe poderia acontecer?
Cearense, acostumado à dureza dos Até carteirinha de identidade
sertões nordestinos, aquele homem era receberia, documento que jamais
um dos que passaram a viver isolados na conhecera, mas de cuja serventia,
misteriosa e, para muitos, fantasmagórica também, nunca necessitara. Ganharia
hiléia, lá no “centro”, como era costume fama e dinheiro, sem correr o risco de
falar das regiões mais centrais e distantes morrer atravessado por uma bala de fuzil
daquele mundo sem fim da Amazônia ou estraçalhado por fragmentos de
Ocidental produtora de borracha. Para ali granada, sem falar no perigo das
fora atraído pela colorida propaganda destruidoras bombas que haveriam de
espalhada Brasil afora, o verde e o cair dos aviões inimigos. Sabia muito
amarelo da bandeira nacional bem que outro não seria o fim de muitos
predominando na policromia de bem que estavam partindo para a guerra. Então
elaborados cartazes; as estradas de não eram essas as notícias que corriam de
seringa, certinhas, limpas de quaisquer boca em boca, ouvidas diariamente no
obstáculos; as seringueiras enfileiradas, rádio da prefeitura?
uma pertinho da outra, em linha reta, era
só cortar. Na verdade, riscar a madeira e Era, assim, definitiva a decisão
logo ver o leite jorrar e seguir o sulco de Valdemar. Extremamente motivado
aberto na casca do ubertoso caule, até pela campanha de aliciamento que então
alcançar a tijelinha de flandres se fazia, chegava a orgulhar-se de ser mais
estrategicamente colocada a alguns um soldado a lutar, participando do
centímetros abaixo. Que poderia haver de grande esforço de guerra que então se
melhor e mais certo? fazia com o propósito de vencer as
diabólicas forças que ameaçavam o
Valdemar lembrava tudo aquilo mundo. Por tudo isso, iria. Sim, iria. Que
com grande indignação e maior tristeza. risco haveria de correr? Mais tarde, na
Por que caíra na esparrela de acreditar em velhice, se necessário, teria até como
tamanha mentira? Fora enganado, sim. provar sua condição de herói daquela
De qualquer modo, aquela escolha o guerra que tanto abalo causava à
livrara de bandear-se para o cangaço que, humanidade. Além do mais, se sorte não
à época, embora já sem força, ainda lhe faltasse, poderia ganhar dinheiro e
constituía atração e alguma esperança voltar rico ou bem remediado aos pagos
para a moçada de seu tempo, ele, um da infância, como sabia ter acontecido a
quase adolescente ainda. Que outro muitos que, alguns anos antes, fugindo do
futuro poderia ter no agreste sertão onde rigor das secas, haviam escolhido a
nascera e onde vivia? Amazônia como suporte maior de um
— Vou, mãe. Vou, sim, pro promissor amanhã. Seus assentamentos
norte, lembrava-se de como respondera constariam de sua emblemática carteira
às advertências maternas, feitas em razão que, além de registrar seus dados
de outras sentidas perdas que já tivera, os pessoais, indicaria o ânimo de luta que
filhos, aos poucos, debandando para tivera, para orgulho de seus conterrâneos
aquelas lonjuras do Sul, lugares tão e de quantos filhos viesse a ter. Poderia,
distantes, de onde sequer notícias lhe até mesmo, como a tantos nordestinos
chegavam. Isso era o pior de tudo. Por acontecera, chegar à condição tão
onde andariam os filhos? Viveriam ainda? desejada de patrão, dono de seringais,
Para Valdemar, todavia, nada de mal senhor de um mundão de terras, mais um
haveria de acontecer-lhe. Tornar-se-ia, coronel, enfim.
como tantos que estavam partindo para a
Nunca Mais Coari 239 Archipo Góes
Literatura Coariense
Fora esse o sonho de Valdemar. folhas colhidas na floresta, receita que
Sua grande saída, não tinha a menor prescrevera o curador, único socorro que
dúvida, era a borracha, produto, aliás, do costumava acudir quem de socorro
qual pouco sabia e que jamais vira de carecesse por aquelas brenhas. Nada,
perto, a não ser o que diziam ser a parte porém, nem reza e nem promessa fora
superior dos lápis com que, na infância, capaz de, pelo menos, mitigar-lhe o
apagava no caderno os erros que a sofrimento.
professora mandava corrigir. Exatamente na noite em que
Ah! Quanta ilusão passeou pela fizera ecoar aquele pavoroso grito,
cabeça de Valdemar a partir das fazendo calar a bicharada noturna da
informações constantes dos coloridos floresta, bem longe dali outros gritos
cartazes, enganosa estratégia que o também se fizeram ouvir mundo afora.
atraíra, definitivamente, ao processo de Esses, entretanto, eram gritos de euforia,
produção do tão desejado látex. Como na tão esperada comemoração da vitória.
admitir fosse mentira o que tanto chegou A partir daquele dia, não mais haveria dor.
a ser oficialmente apregoado? Tampouco a morte amedrontaria os que
Igualmente, jamais chegara a imaginar tanto haviam lutado. Acabara-se a guerra.
que, passado o tempo e terminada a A paz, finalmente, fora alcançada, e o mal,
guerra, cessaria também a atividade a que por fim, vencido. Para tanto, quantas
se dera com tanto entusiasmo. mortes foram necessárias? Mas, entre
Assim, de uma hora para outra, elas, ninguém cogitou de computar a
perdido e isolado naquele mundo verde e, m o r t e d e Va l d e m a r , n ú m e r o
sobretudo, hostil, nem chegara a se dar simplesmente esquecido, que nem sequer
conta de que o tempo passara e que a chegou a constar do rol dos que lutaram,
pouco e pouco aquele estranho mal que o como lutou ele e quantos, iguais a ele, na
atingira fora se agravando, até prostrá-lo condição de seringueiros, soldados da
de vez, tornando-o um ser inútil, sem borracha, perderam a vida nos mais
qualquer serventia. Isso, sem falar na distantes e agrestes seringais. De que lhe
estranha e incômoda fraqueza que lhe valera a caderneta que guardara com tanto
bambeava as pernas em constantes zelo? Valdemar, na verdade, nada mais
tremores, enfermidade que diziam ser fora além de um simples número. Número
beribéri ou coisa parecida. Nem sabia errado, que não chegara a expressar
também quantas vezes a malária o deixara qualquer valor, por isso que apagado pela
sem poder sair pro corte, o corpo moído, enorme borracha da indiferença e do
aquele frio de fazer tremer a própria alma. esquecimento.
E que dizer da conta no barracão, o débito Onde a vida se cumpria sem
crescendo a cada dia, a ponto de lhe qualquer problema, sons de heroicos
negarem até o de comer? Nada pior, dobrados animavam os corações, num
porém, que aquela dor a arrancar lá de tributo aos heróis da guerra que, sobre
dentro, da alma e do corpo, o estranho e aplausos intermináveis, desfilavam
horripilante grito, após incontáveis e garbosos.
incômodos gemidos, um após outro,
gemidos que, de algum modo,
amorteciam um pouco a terrível
impressão de que algo lhe destroçava as
entranhas.
— Sossega, homem! Toma este
chá – muitas vezes lhe dissera a mulher,
ao tempo em que lhe dava a beber morno
cozimento de cascas de pau d’arco e de
folhas de carajuru, além de raízes e outras
Nunca Mais Coari 240 Archipo Góes
Literatura Coariense
De como Stalin apareceu em Coari demorando a voltar cheia de inquietação e
Francisco Vasconcelos dúvida. É que o Padre se recusava a
batizar-lhe o filho. Com aquele nome,
não. Até poderia admitir, desde que
houvesse, antes, o nome de um santo
qualquer.
E foi aí que, tudo indica, o
ardiloso comunista coariense resolveu
aplicar no “reacionário” padre seu maior
xeque-mate. Vale lembrar que o sacerdote
se chamava José, e era um dos três padres
que, com esse nome, tiveram marcante
atuação missionária em Coari, a partir de
1943. Um deles se chamava José Maria,
que passou por aquela distante paróquia,
sacudindo o coração de muita gente.
Certa vez, por exemplo, ao paramentar-se
E porque lembrança atrai para a missa, eu, acólito, pertinho, ouvi de
lembrança, animo-me, pelo pitoresco que conhecida admiradora que, dengosa e
uma delas encerra, a registrar o episódio insinuante, dele se aproximou:
que se passou envolvendo o famoso
Pedro Veras e os Padres Redentoristas, — Padre, que quer dizer… – e
todos norte-americanos, recém-chegados falava, num inglês possivelmente
à cidade. Pedro, vale dizer, era o único estropiado a frase cujo sentido dizia
comunista que Coari conhecia. querer alcançar. O Padre olhou-a, sorriu e,
Comunista e, fazia questão de apregoar, num tom igualmente dengoso,
anticlerical, como chegou certa vez a respondeu:
pintar, em letras bem grandes, nas portas — Oh!… Dá-me um beijo,
de sua casa, o que fizera ao saber que querida!…
procissão da qual participaria o Bispo do Para Pedro Veras, os padres
Amazonas, Dom João da Matta, passaria americanos “bando de urubus”, como a
por sua rua. eles se referia, em razão de usarem, logo
De sua terceira mulher, por sinal que chegaram, batinas pretas não
do mesmo nome que a segunda, Otília, passavam de “inimigos”. Dele e do Brasil
simples e humilde criatura, tinha-lhe “espiões” que, sem dúvida, deveriam ser
nascido, se bem me lembro, o segundo todos eles. Haveria outra razão para se
filho, cujo nome logo escolhera. Chamar- meterem naqueles confins de mundo,
se-ia Stalin. Assim mesmo, no oxítono, longe das benesses da civilização? Ah!
como pronunciava o nome do então todo- Chegara a sua vez. E voltou a pensar no
poderoso e temido senhor das esquerdas, batizado do filho. “Nome de Santo?”
a quem tanto desejava homenagear. Ótimo! E então decidiu: “Põe José na
Instado pela mulher a que permitisse frente!…” E o padre não teve saída.
batizar o recém-nascido, Pedro, Ganhava, assim, Stalin,
estranhamente, não ofereceu resistência. naqueles confins da Amazônia pelo
“Pode batizar”, respondeu, menos, o primeiro e bem possível, seu
acrescentando que o nome haveria de ser único homônimo: JOSÉ STALIN Veras.
o que já escolhera.
Sem atinar para o que poderia Excerto do livro de memórias
ser armação do marido, Otília, feliz e “Coari — um retorno às origens”, lançado
tranquila, dirigiu-se à igreja, não em 2002.

Nunca Mais Coari 241 Archipo Góes


Literatura Coariense
O Concurso – Francisco Vasconcelos
Foi preciso sofrer muito para Onze anos, e a mesma coisa. Mas o
chegar àquela conclusão. Há anos, concurso ele o faria. E no dia em que fosse
quando entrara para a Companhia, a aprovado, cara a cara com o gerente, diria:
cabeça cheia de sonhos, pensara haver seu Walfredo, sua Companhia me roubou
encontrado o caminho definitivo da vida. por onze anos. Mas de hoje em diante a
“Você vencerá, Tiago”, dizia sempre. coisa é outra. E não adianta me olhar
“Você vencerá!…”. Quem duvidaria? assim, seu Walfredo. Passei no concurso.
Lembrava-se, sempre, do primeiro dia de Passei, seu Walfredo… Ah!… Quanta
trabalho, da primeira carta que lhe deram satisfação vai sentir quando puder dizer
para redigir. Fora um momento difícil, isso. É que jamais poderia perdoar- lhe a
aquele. Rabiscara inúmeras folhas de injustiça. Quantas vezes não o preterira
papel e só conseguira escrever o início. em proveito de outros? E como fora tolo!
Encalhara no verbo informar, cheio de “É um bom menino!… Esse vai longe…”.
dúvida quanto à regência. Parecia- lhe O grande conforto de Tiago
que todos o olhavam; que o olhava o estava em aguardar mais uns dias. Não
chefe, impaciente, com ar de insatisfação. sabia por que, mas tinha certeza de que
E jurava que o ouvia dizer: “essa carta é tudo lhe seria diferente. Tentadoras
pra hoje, seu Tiago. Vamos!…”. propostas lhe seriam feitas. “Seu Tiago,
Sofreu muito naquele primeiro isso é loucura! Nós lhe damos um
dia de trabalho. Depois, tudo correu bem. aumento, seu Tiago!…”. E por certo lhe
O chefe não escondia sua preferência. “É falariam dos onze anos que iria perder,
um bom menino”, ouvira-o comentar. como coisa que já não os houvesse
“Esse vai longe!…”. perdido há muito tempo. Mas Tiago é pai,
Aqueles elogios, recebidos seu sacana, Tiago tem fibra. Não haverá
inesperadament acordo nem aumento que o prenda um dia
e, faziam-lo a mais na Companhia ladrona. Nenhum.
sorrir e crescer Então só aí é que irão descobrir-lhe as
em pretensões. qualidades de bom empregado? Depois
Via-se, dentro de de explorá-lo, de roubar-lhe as esperanças
três ou quatro e de humilhá-lo? Não! Bastava. Mandaria
anos, chefiando às favas a Companhia e os onze anos.
uma carteira, Começaria a vida outra vez, com bom
com telefone à ordenado e promoções certas.
mesa e uma Não podia entender como
campainha para tardara tanto a tomar aquela decisão.
c h a m a r o Fora, não tinha dúvida, um burro, um
contínuo. Por idiota. Mas nunca seria tarde, pensava. E
isso rejeitara, até mesmo, função interina mesmo que fosse, sempre haveria tempo
numa repartição pública, embora, nela, para uma atitude. Ficar onde estava é que
fosse ganhar um pouquinho mais. não podia. A menos que corresse o risco
Passados onze anos, Tiago de passar fome, ele e os filhos. Como
concluía que tudo lhe saíra ao contrário. suportara onze anos naquela vida de
Sua situação, na verdade, em nada aperreio?
mudara. A única diferença estava em que Cada fim de mês era um inferno.
já não alimentava nenhuma esperança. E, Os cem cruzeiros que, não sabia quantas
em lugar dos pensamentos de outrora, vezes, havia emprestado, iam, de um a
repetia baixinho, num esforço de um, saindo da carteira, deixando-o
autossugestão: “Você precisa dar o fora, apreensivo, ante maiores e inadiáveis
Tiago! Coragem, homem!…”. Ah! Como compromissos.
fora estúpido. Quanto tempo perdido?
Nunca Mais Coari 242 Archipo Góes
Literatura Coariense
Já quase sofrera ação de breve. O concurso viria, e todos iriam ver
despejo, e o taberneiro, por mais de uma quem, na verdade, era ele. E antes de cair
vez, o ameaçara de cortar o crédito. Para no sono respondeu ao filho:
vestir a mulher e os filhos, abrira – Os velhos também são
crediário. A primeira prestação, pagou homens, meu filho.
com sacrifício. A segunda e a terceira, Aquele domingo terminara
ficaram vencidas: adoecera-lhe um filho. cacete e melancólico. Passara as horas a
Mas o que mais lhe doía era chegar em pensar na vida, no tempo perdido, no
casa e ouvir: “Papai, o meu sapato!…”. concurso. Nenhuma diversão. Nenhuma
“O meu, papai!…”. E sempre a mesma pessoa com quem conversar, senão a
resposta, tapeando os filhos: “Amanhã… mulher que, a todo instante, reclamava
Amanhã papai compra!…”. alguma coisa, e os filhos, confundindo-
lhe a cabeça com barulheira infernal.
Tornara-se, por tudo isso, um Uma lembrança o seguira por todo o dia: o
tipo revoltado. E admitira, por força da concurso. Alguém lhe dissera que, no dia
miséria em que vivia, a existência de uma seguinte, os jornais publicariam o edital,
minoria da qual ele, decididamente, não marcando a data das provas e estipulando
fazia parte. Não tinha mais nenhuma as bases do concurso. E quanto esperara
dúvida em afirmar como válidos alguns por aquele momento. Talvez, sua última
preceitos da chamada “esquerda”, tão oportunidade. Um aumento, não sabia de
temida. Certa vez, ao discutir o assunto quanto, mas um aumento. Por certo, o
com alguns colegas, um deles, muito dobro do que ganhava. Que mais poderia
ligado aos propósitos da Companhia, sem desejar? Estava ainda com trinta e seis
a menor consideração, lhe dissera, anos e, dentro em pouco, teria a vida
agressivamente: Isso é recalque, definida, ganhando bem, sem problemas.
Tiago!… Você é recalcado… Ora
recalque!… E recalcado ele sabia muito Perseguido por tão agradáveis
bem quem era… pensamentos, só conseguiu dormir pela
madrugada. Mas, embora dormindo, o
Fizera já trinta e seis anos. De concurso estava presente. Sonhava.
casado, mais de oito. Filhos, nada menos Como lhe acontecia tamanho infortúnio?
do que seis. E foram estes que um dia lhe Chegara atrasado para as provas. E sentia
notaram os primeiros cabelos brancos: incontida vontade de chorar. Tentava
– Papai, só velho tem cabelo justificar o atraso, como fazia na
branco? Companhia quando chegava fora da hora,
– Por quê? mas de nada adiantavam os argumentos.
– Os seus, papai… Tem é E por incrível que lhe parecesse, era o
muito!… próprio Walfredo, o gerente, quem lhe
dizia com enorme sorriso de sarcasmo e
– Deixa aí, deixa… satisfação: “Perdeu a vez, seu Tiago!…
Quando ia dormindo, um dos Agora é tarde…”. Acordou soluçando.
meninos voltou à carga: Por instantes ficou em dúvida, esfregando
– Pai! os olhos. Chegar atrasado? Jamais! Uma
hora antes da prevista no edital, estaria lá.
– Hum? Quanto à indigesta figura de Walfredo no
– O senhor é homem ou é velho? sonho, talvez lhe servisse: ia jogar no
Tiago sorriu com a curiosidade porco. No porco? Sim, no porco…
infantil do filho. Menino tem cada Tomou café e saiu. Ao saltar do
pergunta!… Mas essa diferença, ônibus, a primeira coisa que fez foi
lembrava-se, alguns grandes, também, comprar um jornal. Tentou folheá-lo, mas
faziam. Certo dia, aquele mesmo colega viu que não dava tempo. Uma curiosidade
que tentara humilhá-lo, não chegara a nunca antes sentida dele se apossara,
dizer-lhe você é velho, Tiago, você não é deixando-o eufórico, ansioso. Teriam
homem? Ah! A resposta ele daria em publicado o edital?
Nunca Mais Coari 243 Archipo Góes
Literatura Coariense

Encontro entre Francisco Vasconcelos e o autor Archipo Góes em 2014


Mal chegou ao trabalho, assinou O Homem e o Fado
o ponto e procurou um lugar reservado J. Maciel
onde, mais à vontade, pudesse ler o jornal.
Nenhuma notícia daquelas que as Caminhando, sempre caminhando
manchetes traziam lhe interessava. o homem vai…
Apenas uma, publicada na segunda pelos meandros da vida.
página, prendeu-lhe um pouco a atenção: Se para é para pensar,
OU AUMENTO, OU GREVE. Mas pois nunca pensa caminhando.
quem iria fazer greve na Companhia? Ele.
Ele, Tiago, faria. Não! Não iria precisar E o homem vai…
de greve para conseguir aumento de silhueta nas noites escuras,
salários. O concurso viria… o concurso. caminhando, sempre caminhando.
Seus pensamentos
E as mãos de Tiago, trêmulas,
- bússola de seu fado,
viram folha por folha do jornal.
indicam-lhe o caminho.
Desespera-se. Seus olhos devoram,
avidamente, página por página. Lembra-
Seu coração
se de que no dia anterior jogara seu time.
- termômetro da vida,
Quem teria vencido? DERROTADO
mostra-lhe tempo e espaço.
MAIS UMA VEZ O… Era muito azar. Só
podia ser azar. E quase desiludido, ao
Seu corpo, cansado e lânguido
virar a última página, encontra,
pede-lhe para repousar.
finalmente, o que tanto procurava: Dasp.
Lê com sofreguidão:
Então, ele repousa
no chão frio que tantas vezes palmilhou.
Edital do Concurso
Somente agora parou de pensar
Estarão abertas, a partir de 10 do o homem que ia…
corrente, as inscrições… Poderão
inscrever-se candidatos de ambos os (02.10.1969)
sexos… O limite mínimo de idade é de 18
anos e o máximo,… de… 35…
Nunca Mais Coari 244 Archipo Góes
Literatura Coariense
Conto: “João Carioca: Mandão e Famão – Juiz de Paz”
Erasmo Linhares Peço que não duvide de mim.
Trabalhei dez anos pra ele e com esse meu
jeitão de cearense, ouvi e vi e anotei muita
coisa aqui dentro da cabeça. Não pense
que são histórias de um velho atazanado
pelo reumatismo. Já lhe disse, não sou
homem de potoca. O homem que mente
perde metade da sua macheza.
João Carioca também não era
homem de mentira. Pra quê, se ele tinha
tudo? Se ele mandava, desmandava e
tresmandava? Era um touro, um homem
capaz de engolir um garrafão de boa pinga
do Ceará e sair andando sem que ninguém
dissesse. Só vermelhão, a barrigona
empinada dentro do paletó de tubarão que
Não, senhor, não sou homem de ele nunca largava, mesmo quando o suor
potoca. Nesta minha velha e cansada empapava a camisa e a banha do pescoço
vida, se menti alguma vez foi só pra fazia uma lista preta no colarinho. Estou
pescar mulher. Minha mãe, quando lembrando que ele deu de usar paletó,
pegava a gente em alguma trampa, dava digo melhor, de não largar mais o paletó,
de palmatória, uma dúzia em cada mão. depois que foi feito Juiz de Paz,
Uma vez peguei duas, porque resolvi ser mandando e desmandando desde
macho e não chorei. A velha queria Eirunepé até quase Cruzeiro. Quase tudo,
lágrima, como toda mãe, pra ver o se me lembro bem. Eirunepé, Envira,
sentimento. Muita gente antiga, por aqui, Ipixuna e esses lugares todos que existem
ainda conhece a história. Era o homem por aí. Casava e se não dava certo
mais rico de todas essas bandas. Em cada descasava e casava de novo. Tudo como
riozinho desses, ele tinha um seringal e ele queria pra que as coisas não
em cada lugar por esse Juruá afora, onde desandassem nos seringais.
morasse mais de três famílias, ele tinha Já lhe contei uma vez, mulher
uma mulher. Uma vaca braba com os por aqui não havia, de começo. Coisa
homens, um vacal com as mulheres. muito rara e por causa disso os homens
Poderoso, meu senhor, muito poderoso. endoidavam. João Carioca sabia disso e
Podre de rico, mandão e famão, até com sabia cuidar muito bem do caso. Mulher
gente da capital. Nos tempos de eleição, era prêmio. Trabalhou, ele arranjava
depois que houve eleição, vinha muita mulher, mas obrigava a casar e quando os
gente por aqui atrás dele. Gente graúda, filhos nasciam, ele trazia o padre de Rio
doutor de anel no dedo. Conversas, Branco, espichando viagem de semanas,
trampices, farronas, e ele dominando, só pra batizar os moleques. E João
mandando em tudo. Com essa gente de Carioca era o padrinho. Ele era compadre
fora ele se abria, com a gente daqui era de todo mundo e ainda hoje existe muito
aquela carona enfezada. safado por estas bandas que é afilhado
Mas era um homem bom, se a dele. Já lhe disse duas vezes, mas repito
gente trabalhava feito doido e dava no fim agora, pro senhor entender bem este caso
do fábrico uns gordos quilos de borracha. que lhe conto. Mulher era coisa rara. Era
Disso, lhe digo sem preconceito, ele prêmio. E Carioca sabia premiar. Todo
cuidava. Cuidava de quem trabalhava e novembro ele viajava pro Ceará,
não amolengava com o diabo da cachaça, Fortaleza, no conforme do que ele dizia. E
que isso é coisa que acaba com um lá arranjava as mulheres. Depois foi que
homem e é até capaz de botar chifre na eu fiquei sabendo. Ele arranjava as
cabeça, se o cabra não for bom de peia. decaídas na zona mesmo.

Nunca Mais Coari 245 Archipo Góes


Literatura Coariense
Contratava, levava no médico, dentes ou com uma dentadura dessas que
dava remédio se elas tinham alguma tem mais gengiva do que dente. Não tinha
engaliqueira. Comprava roupa, comprava do que reclamar. Pra dizer a verdade,
batom, ruge, remédio pra engordar, se a ninguém podia reclamar. Porque antes era
vagabunda era magra. Enfeitava toda a pior.
mulherada e trazia de navio pra Manaus e Carioca levava mulher, feia ou
de lá pra cá, no barco dele mesmo. Já bonita, velha ou moça, mas sempre
perto do Natal ele saia de viagem para mulher. Antes dele, o patrão levava, mas
visitar os seringais, um a um. Um barco era o umbigo de peixe-boi. Depois eu vou
imenso, todo pintado de branco, limpo lhe mostrar uma marca que eu tenho aqui
que era uma beleza. Um magote de nas costas. Desculpe, já vejo pelo fogo
marinheiros, um comandante de carta e dos seus olhos que me desviei. Conto,
tudo, vestido com farda de galões azuis e conto pelo fio da história. João Carioca
dourado com farda de galões azuis e mandava; desmandava e tresmandava.
dourados – um sujeito muito do seu Chegava no segundo porto e na frente do
metido a merda – e mais, pode acreditar, seringueiro do lugar perguntava:
três taifeiros vestidos de branco, Nepomuceno? O escrivão em cima da
engomadinhos e com cara meio pro cá bucha – quinhentos quilos. João Carioca –
meio pro lá, que serviam pinga, cerveja Luzia! Saía do camarote uma tetéia, uma
preta, que eu nunca mais vi na minha vida, coisa de fazer gosto, meu senhor, coisa de
gelada num depósito de gelo, pedronas botar um seringueiro doido, depois de
daquelas da fábrica do Plano Inclinado, e tanto jejum.
chá. Esse seu riso é que me dá gastura. Já
Era assim, primeiro e depois, e
não lhe disse que não sou homem de
quanto mais mulher, mais borracha. Mas
mentiras? É a pura verdade.
não pense que ele deixava as mulheres
Carioca tinha uma frescura de sem socorro. Duvido. Ficou com mulher
tomar chá todo dia, às cinco horas da era pra tratar bem, fosse velha ou fosse
tarde, sempre às cinco horas da tarde, nova, feia ou bonita. E depois, quem era
nunca antes nem depois. Era, pelo que me que não queria fêmea? E depois, quem era
consta, a única fraqueza que ele tinha. O que não queria ser compadre de João
senhor me desviou. O caso era que ele Carioca? Foi assim até que isto aqui se
botava todo o mulherio dentro do barco e encheu de mulher e de filhos de toda essa
parava em cada porto. Parava, mandava gente que ele juntou e, depois, quando foi
chamar o seringueiro da localidade e o nomeado Juiz de Paz, acabou casando
diabo do escrivão do lado, na mesa um pelo sério, com papel, aliança e tudo. A
livrão de capa dura, cheia de desenhos aliança ele dava, como presente de
imitando couro. E aí, meu senhor, era a casamento. Aliança de ouro, não duvide e
agonia do pobre do seringueiro, porque não faça essa cara de malícia. Ele também
não havia astúcia. Estava tudo ali era padrinho. Mas, aí, João Carioca já
anotado. Era a hora do prêmio pelo estava parado na sede dos seringais, já
trabalho que o cabra tinha feito como não andava no fim do ano pro Ceará, já
escravo, o ano todo. O sujeito esticava o não engolia um garrafão de pinga e
olho pra ver quem saia de dentro dos deixou até de tomar chá às cinco horas da
camarotes, mas o negócio era bem tarde. Bebia lá a sua pinguinha, fumava lá
ensaiado, a modo de pastorinha. os seus charutos, passava tardes deitado
Cada uma a sua vez. João na espreguiçadeira lendo os jornais de
Carioca perguntava, olhando dentro do Manaus e os livros, que ele tinha alguns.
olho do sujeito, a cara séria que não dava Não pense que mudou muito. Não, era
pra gente saber o que ele estava pensando sempre o poderoso, mandando e
deveras: Natálio? O escrivão respondia – desmandando, e mais ainda
duzentos quilos. João Carioca: Marlene! tresmandando. Não era mais o vacal, mas
E saiu uma velha batida, com falhas nos ainda era o vaca-braba.

Nunca Mais Coari 246 Archipo Góes


Literatura Coariense
Conto uma desses tempos. Todo trocaram e deu certo. Não pense que
mundo tinha de casar com ele, que era o conto potoca. Já lhe disse que não sou
Juiz de Paz. Os casamentos eram no homem disso. Saia por aí por essas beiras
sábado à tarde e de todo canto chegavam perguntando. Todo mundo sabe da
as canoas enfeitadas com bandeirinhas de história, mas ninguém como eu. Boa
papel de seda colorido, as noivas de noite, passe bem!
vestido branco, grinaldas e luvas, tudo
branco. Os noivos de calva e camisa de Lembranças do Interior
punho, também tudo branco, e
reclamando dos sapatos que apertavam os Alex Alves
dedões de mangarataia. Num sábado
chegaram muitos casais e vinham entre A canoa amarrada em uma vara
eles Daniel que a gente chamava de Um arpão enfiado lá na lama
Amarelinho, porque era um sujeito No porão da canoa água e escama
enfezado, mirrado, um merdinha de nada,
e o Pedrão, um negro do tamanho não sei Pitiú de sardinha e pirarara
do quê. Um homem que além de alto, era Um casquinho dançando no banzeiro
uma anta feito gente, de tanta força. Jerimum, melancia em um paneiro
Quando chegou na vez deles, porque o Carregado por um agricultor
escrivão, o mesmo que trabalhava há anos Um cabôco lotado de esperança
nas contas dos seringais, chamava os
casais dois a dois, pra não dar muito Tudo isso eu guardo na lembrança
trabalho, João Carioca, sentado na De um tempo vivido no interior.
cadeirona de palhinha, atrás de uma mesa
comprida e cheia de papéis, olhou, olhou, Um xibé de farinha em uma cuia
olhou, fez uma carona de raiva, ficou uns Pra enganar a barriga, já roncando
dois minutos caladão e explodiu, como
era do feitio dele. Seo Daniel, disse No anzol as piabas beliscando
bufando, o senhor não está vendo que o Folhas secas, na água, “de bubuia”
senhor não aguenta essa mulher? Num Arrastadas por uma brisa mansa
mês ela lhe mata, seo Daniel. Depois Curumim sapecando que não cansa
olhou pro Pedrão. O negrão, um macho Mergulhando no rio, sim senhor
como poucos eu vi, quase ficou branco de
medo. Seo Pedrão, Carioca falou com - Olha o bicho! Dizia a vizinhança
mais raiva ainda, o senhor não vê que essa Tudo isso eu guardo na lembrança
menina não é prato pro senhor? Na De um tempo vivido no interior.
primeira chibatada o senhor abre essa
menina no meio, Seo Pedrão. Isto já é uma Urubu circulando no terreiro
grande sem-vergonhice, é contra a lei de
Deus. Ficou vermelho, pediu um copo de Peixe seco e escalado no tendal
pinga, bebeu, tossiu, acendeu um charuto, Seis cachorros latindo: Au! Au! Au!
depois olhou pros quatro ali na frente Enxotando o "xengo" carniceiro
dele, todo mundo espiando, abestalhado. Fogareiro aceso na cozinha
Carioca deu uma chupada no charuto, Janta feita por minha avozinha
soprou a fumaça pra cima do escrivão e
olhou os quatro, um a um, bem dentro dos Temperada com o mais puro amor
olhos. Troca, gritou. Ninguém entendeu. Coisas simples eu vi quando criança
Troca, berrou. É como vai dar certo e é pro Tudo isso eu guardo na lembrança
bem de todo mundo. Não quero ver De um tempo vivido no interior.
ninguém morrendo nestas bandas. E

Nunca Mais Coari 247 Archipo Góes


Literatura Coariense
O Tocador de Charamela – Erasmo Linhares
Tem álcool? preferidos pelos Inveterados do Copo e
Tem. do Ritmo, com os quais se reunia no
Me dê um cruzeiro. Chopp de Ouro todas às noites de sábado,
e estas eram de mais agrado dos vizinhos
Trouxe o vidro? ignorantes. Mesmo assim, nem sempre
Não, me dê num copo. podia integrar o regional, porque o som da
O copo não pode levar. charamela não harmonizava, em
Eu não vou levar. determinados números, com os violões e
Como assim? cavaquinhos. E foi numa noite em que
não participou da execução de nenhuma
Vou beber aqui mesmo. peça, que se descobriu. Já meio
Só então o reconheci – Zacarias! embriagado, tanto bebera porque ficou
Era, agora sou o Torto. desocupado como pela chateação, pulou
Os cabelos estavam mais ralos e num ônibus e foi aguardar no Camilo’s,
a barba de muito não fazer estava bem localizado na periferia da zona,
esfarinhada e suja, e os bigodes de assim que era dela e não era, e aí, a
piaçaba usada armavam uma cortina de charamela sob o sovaco, encharcou-se
palco mambembe, dilacerada nas colunas por completo. Quando saiu, sem atinar
dos caninos amarelos. com o motivo que o levara ao centro da
cidade, foi caminhando até os fundos da
E a charamela? Matriz onde se sentou e começou a tocar a
Quebrei na cabeça de um valsa que ensaiara durante toda a semana
safado. e foi quando passaram dois senhores com
Era a única herdade que cara de quem não é daqui e um deles
recebera do pai, que por sua vez a lançou entre suas pernas uma nota de dez
recebera do avô e este do bisavô e este de e mais tarde uma senhora que empurrou
toda uma geração de músicos uma nota no bolso de sua camisa e mais
profissionais, cuja vocação fora outras pessoas que jogaram notas de um e
declinando através de muitos anos até de cinco, além de moedas miúdas, de
Zacarias, que nem ao menos podia ser modo que, quando chegou em casa, lá
considerado amador, embora tocasse por pelas duas da madrugada, conferiu trinta e
música. Possuía uma coleção de velhas sete cruzeiros, com os quais amenizou a
partituras que exercitava nas suas tardes ira da mulher.
de folga de funcionário público de meio Segunda-feira, na repartição,
expediente. Música estranha, com a cabeça desanuviada da ressaca que
desconhecida do comum dos vizinhos o fizera dormir todo o domingo, apesar
que se estorvavam com o som agudo do das brigas constantes da mulher e das
instrumento, tanto que, umas três ou estripulias dos meninos, fez as contas e
quatro vezes, arrebentaram- lhe as concluiu que tocando charamela todas as
vidraças, para espanto e raiva da patroa noites nos fundos da Matriz, ganharia o
que saía ao quintal gritando ferozes dobro de seu vencimento de auxiliar de
ameaças às vizinhas inimigas de ferro e portaria. Levou a semana inteira
fogo, a cujos filhos sempre atribuía a pensando no caso e no sábado passou ao
origem dos petardos, e, arrebatada, largo do Chopp, tomou o ônibus e foi para
respondendo aos berros, quando acaso o Camilo’s, bebeu até às oito e meia e
era contestada, com um vocabulário tão depois dirigiu-se aos fundos da Matriz e
rasteiro que fazia dona Joaninha desta vez conseguiu juntar cinquenta e
persignar-se e fechar todas as portas e oito cruzeiros. De volta ao bairro bebeu
janelas da casa, entupir os ouvidos com no bar do Esmeraldo que estranhou a
mechas de algodão e cobrir com uma visita numa noite de sábado e quando
toalha os antigos santos do oratório. chegou em casa, pelas duas e meia,
Também ensaiava outras músicas, amenizou novamente a ira da mulher.
escolhidas entre as valsas e chorinhos
Nunca Mais Coari 248 Archipo Góes
Literatura Coariense
Durante um mês, todos os rede em rede, o aumento dos aluguéis,
sábados, repetiu o mesmo programa e no com a desculpa de que a caixinha da
segundo resolveu aparecer no ponto polícia, com o novo e faminto delegado,
também às terças e quintas, vestindo estava cada vez mais gulosa, com todo o
roupas velhas e sandálias japonesas. raio da puta que o pariu. Fugiu às quatro e
P a s s o u a b e b e r n o Q u i n t i n o ’s , quarenta e cinco e a única mágoa era
frequentado por estivadores, e no quarto perder o cálido excitante da menina que
mês ia todas às noites, menos aos todas as manhãs vinha, nua, mijar no
domingos, até o dia em que a mulher minúsculo alpendre da casinhola
impôs as condições, ou a farra ou ela, e ele fronteira e exibir, a dois palmos do seu
optou pela primeira, não voltou mais a nariz, a tenra e fresca pérola do tamatiá
casa e abandonou de vez a repartição, repousada nos veludos da vitrine de
onde suas faltas constantes já lhe tinham cristais opacos.
produzido duas repreensões, uma verbal e Em cinco meses de ofício
outra através de portaria afixada na conhecia toda a malandragem da zona, as
parede para que todos pudessem ler a sua manhas e venetas de prostitutas e viados,
vergonha. fez-se amigo de todos os mendigos que
Inaugurando a nova vida, com o agiam num raio de um quilômetro e, por
único remorso de abandonar os filhos, isso, conseguiu abrigo junto ao bando do
mas com o propósito de mandar algum Capitão-Gancho, admirador intermitente
dinheiro por semana, alugou um covil no de suas valsas e chorinhos, que habitava o
vasto cortiço que dominava todo o velho barco abandonado sob a ponte de
quarteirão entre a rua de Frei José ferro, transformado com paredes laterais
Inocentinho e a avenida do Almirante, de tábuas de caixas e folhas de zinco
habitado por prostitutas, gigolôs e roubadas à cidade flutuante, para proteger
cafetinas, cujas iras aplacava, vez e outra, a malta, em suas horas mais íntimas, dos
pagando-lhes umas cervejas, até o dia em olhares curiosos dos canoeiros ou de
que não mais suportou aquela colmeia algum policial bêbado e mais afoito. Ali
fervilhante que não parava noite e dia, dia ferviam o café e coziam o peixe em latas
e noite, com seu cheiro de mofo enegrecidas pela fumaça do fogareiro e
permanente e penetrante; movimentada pela carência de uma lavagem
pelas brigas das putas, entre elas mesmas, meticulosa. E podiam beber à vontade,
delas com os gigolôs, de marinheiros e chupar seus tarugos tranquilamente e, vez
soldados, de marinheiros e meganhas por outra, arrastar uma rameira da
autoritários, delas com os bêbados e Pausada, bêbada o suficiente para
seixeiros; aturdida a qualquer hora, fosse suportá-los em uma proximidade mais
sol ou fosse lua, pelos bichos de cria, estreita.
macacos, cachorros, papagaios, gatos, Foi no velho barco, em noite de
galinhas e a jiboia da negra Belmira cujas farra escandalosa, que partiu a charamela
bostas cosia em saquinhos de pano e os no crânio do Cabeleira, numa disputa por
vendia às raparigas mais antigas que os uns restos de Cocai, e nunca mais perdoou
usavam como bentinhos e com a dupla o desafeto, que além de ladrão, era fresco,
função de afasta-inveja e chama-machos; pois em mais de uma noite o ouvira fungar
e as crianças empambadas, sábias e e gemer sob o peso e o encanto brutal do
malignas, que vagavam pelas vielas Capitão. Batera com tanta violência que o
cloacinas que separavam, coisa de um antiquíssimo instrumento de cana
metro se muito, as casinhas de madeira e provençal espatifou-se instantaneamente
os quartos de taipa espremidos. Além de em doze pedaços, não havendo meio ou
que o Português, dono dessa angustiada modo de consertá-lo, pois o mecanismo
Sodoma escatológica encravada no interno de suas chaves era também de
coração da cidade, que nenhuma força madeira delicada e enfraquecida pelos
conseguira demolir, andava anunciando anos e pela saliva abrasiva de seus muitos
de cama em cama, de catre em catre, de tocadores ancestrais.
Nunca Mais Coari 249 Archipo Góes
Literatura Coariense
Deu-se a partir daí sua Tragédia do Botafogo
preferência pelo álcool puro, mais barato, Francisco Simeão da Silva
e também porque descobriu, no dia
seguinte, que sua féria de mendigo dos
fundos da Matriz provinha muito mais do
som agudo e inquietante da charamela do
que mesmo da caridade das pessoas.
Passou a beber mais ainda e a comer
menos ainda, dormia noites e dias nos
bancos e sob os bancos da praça, sem
ânimo e coragem de voltar ao velho barco
abandonado sob a ponte, as pernas e os Barco Dominique
braços cobertos de escaras que se abriam
em pontos diferentes imitando cores e
caprichos de cravina. Sendo eu um grande artista
No dia em que recebeu alta da Ainda não pude parar
indigência da Santa Casa de Porque este acontecimento
Misericórdia, após receber contrito os Quero ao povo contar
conselhos do médico paizinho dos A tragédia do Botafogo
pobres, já tinha amadurecido o projeto de A um barco a Naufragar
reconquistar o velho posto de funcionário
público e de reconciliar- se com a mulher, O nosso belo Amazonas
mas quando saltou do ônibus pela porta É um Rio grande e temente
da frente a viu entrar pela porta de trás, Temos que andar com cuidado
com uma barriga que calculou de oito Devido às grandes correntes
meses, e compreendeu que o plano Porque se nos descuidarmos
falhara, mas a vida continua e pode ser Elas destrói com a gente
longa e boa, dependendo da gente. No
caminho do bar vislumbrou à distância as Para provar o que digo
largas tábuas das caixas de embalagem da Vou agora confirmar
vizinha loja de eletrodomésticos e teve a Contando uma história
ideia salvadora de construir uma bandurra Para todos acreditar
e voltar às noitadas dos sábados de História de um navio
antigamente, sem mulher para vigiar a Que vi nas águas se acabar
hora, sem choro de criança, sem Capitão,
sem Cabeleira, sem putas e gigolôs, nem Na tarde de um belo dia
barcos velhos abandonados sob a ponte Chegando às dezoito horas
de ferro, nem paizinhos médicos, mas, de O motor se despediu
verdade, um filiado permanente e efetivo Da capital foi embora
dos Inveterados do Copo e do Ritmo, pois Viajando carregado
afinal teria um instrumento de corda e não Por este rio afora
seria posto de lado como antes e porque
foi a porra da falta dessas cordas Isto foi no dia quatorze
maravilhosas que me botou no centro De um janeiro passado
pegajoso e infernal desse tremendo Viajou a primeira noite
pesadelo. E não lhe aconteceu nada
Bota mais um álcool. Mas na segunda noite
Não, toma uma cana decente. É Veio a tristeza dobrada
oferta da casa.

Nunca Mais Coari 250 Archipo Góes


Literatura Coariense
Este motor meu amigo A capitania sabendo
O seu nome ninguém esquece Do que se tinha ocorrido
Dominique era o seu nome Vieram trazer socorro
Muita gente ali fez prece Para os que ficaram feridos
Mas neste grande rio E também conformar ao dono
Se naufragou desaparece Que nem tudo estava perdido

É verdade minha gente Com a caravana seguiu


Tudo isto ocorrido Para mostrar mais valor
E não botando em conta Juntamente com o chefe
O tão grande prejuízo Diversos mergulhador
E até a presente data Para ver se descobririam
O barco vive perdido Onde estava o motor

Este caso aconteceu Mas ao chegar no local


Em uma alta madrugada Que viram o grande horror
Os viajantes do barco Pensaram: – como nós vamos
Não iam esperando nada Ajudar este senhor ?
Porque tudo ia tranquilo No meio de tanta aflição
Antes daquela encontrada E no meio de tanta dor

O motor se deparou Mãe chorando por seus filhos


De encontro com a correnteza Filhos chorando por seus pais
O mesmo virou na hora Porque muitos que ali morreram
Por não encontrar firmeza Seus corpos não viram mais
E daí foi que surgiu Crendo que foram comidos
Para o povo tanta tristeza Pelos grandes animais

Tristeza porque foram muitos E verdade meu amigo


Que ali se acabaram Este rio tudo consome
Uns choravam pelos mortos Aqui desapareceram
Outros pelos que escaparam Tanto mulher como homem
Na certeza que foram muitos E o rio é uma imensidão
corações que se abalaram Pode ver pelo seu nome,

Com esta aflição toda Porque em água é o maior


Sem esperar por cima Não existe outro igual
Este naufrágio aconteceu Tem que se andar prevendo
Bem perto de Codajás Pois, tudo pode ser fatal
E estamos pedindo a Deus Também morrer afogado
Para não acontecer mais Isto não é genial

Tomaram toda providência Certo que com a morte


Logo ao amanhecer do dia Nunca se está conformado
O dono foi a Codajás Uns dizem que o barco virou
Comunicar a capitania Por vim muito carregado
Para virem ajudá-lo E outros já se maldizem
Nesta tão grande agonia Que foi a falta de cuidado

Nunca Mais Coari 251 Archipo Góes


Literatura Coariense
Certo é que foi para o fundo Foi como ali aconteceu
Em um lugar de horror Se acabaram mãe, filhos e pais
Uns chamam de Botafogo Certas pessoas amigas
Outros de ponta do pavor Que os nomes não lembro mais
Foi um naufrágio horrível Foi uma grande tragédia
Que causou tristeza e dor Que ainda não houve igual

E já que este lugar Porque eram duas cidades


E por todos mal visado O povo que ali seguia
Quando se aproxima A primeira era Coari
Fica todo mundo assustado Que sofreu grande agonia
Depois que se passa dele Ao saber desta notícia
O coração fica sossegado Logo ao romper do dia

Sentindo já ter passado Com a notícia chegada


Por este horrível lugar Houve um grande alvoroço
Com o coração tranquilo Tanto mexeu com os velhos
O povo vai descansar Como também com os moços
Pedindo a proteção de Deus Neste dia em muitas casas
Para chegarem em seu lar Não fizeram nem o almoço

Muitos foram neste barco Porque muitos só pensavam


Que em seus lares não chegaram A minha mãe se acabou
Porque antes do destino Porque foi nesta semana
No barco se liquidaram Que para cá viajou
Por ser tarde da noite Quem sabe se ela não veio
Muitos ali se acabaram Neste tão grande motor

Uns saíram nadando Foi grande esta aflição


Para alcançar outro lado De boca em boca falada
Mais isto não realizaram Uns esperavam a reação
Por estarem muito cansados Pra ver o que tinha se dado
Antes de alcançarem à terra Naquele grande naufrágio
Muitos morreram afogados Ocorrido de madrugada

Foi um grande desespero Há uma outra cidade


Naquela escuridão Enfiada nesta aflição
As mães procurando os filhos Que é a cidade de Tefé
Mas sem haver solução A qual ficou de plantão
Porque tudo estava escuro Para prestar socorro
Pela aquela região A qualquer ocasião

Ali muitas mães morreram As que eram mais de perto


Querendo o filho salvar Como Codajás e Coari
Porque a mãe só deixa o filho Prestaram todo socorro
Quando vê-lo se acabar Por serem perto dali
E se possível vai junto Pra não deixar a aflição
Para ser do filho o par Tomarem conta daqui

Nunca Mais Coari 252 Archipo Góes


Literatura Coariense
Diversos motores chegaram A capitania ao chegar
Para ali prestarem socorro Tomou todo conhecimento
Uns dizem se eu não for Para ajudar ao dono
De vergonha sei que morro A ter mais força e talento
Porque um naufrágio desse E também prestar socorro
Entro na parada e não corro Naquele horrível momento

Com esta definição Chegaram e foram saber


Querendo alguém salvar O que ali aconteceu
Mas, foram bem pouco O dono já sem talento
Os que puderam escapar Contou o que ocorreu
Daquela grande tragédia E como se tornou triste
Onde, só Deus podia ajudar Tudo aquilo que se deu

Porque um rio como este Foram muitos os prejuízos


Digo e não peço segredo Assim o homem falou
Para onde nos dirigimos Além das mercadorias
A correnteza faz medo Que a correnteza levou
Temos que nos prevenir Ainda por cima disto
Pra não entrar em atropelo O barco não se encontrou

Nós que somos conhecedor A capitania dirigiu-se


Deste rio sem outro igual E ao homem interrogou
Devemos nos prevenir Querendo assim saber
Fugindo sempre do mal A onde o motor se naufragou
Porque deparar com a correnteza Para saírem a procura
A morte pode ser fatal Diversos mergulhador

Então vamos meus irmãos Os mergulhadores estavam


Procurar nos defender De tudo bem equipado
Porque fazendo assim Para ver se descobriam
Mais vida podemos ter Aonde o barco tinha parado
Porque quem escapa de uma Naquela grande correnteza
Cem anos há de viver Aonde tudo é demasiado

Vamos tomar conhecimento Porque aquele lugar


Enquanto a cabeça esfria Ele nunca está parado
Das providências tomadas Enquanto menos se espera
Por nossa capitania A correnteza é de todo o lado
Que chegou com urgência Pra se passar por ali
Antes do romper do dia Tem que andar com cuidado

Os que ali chegaram Atados de correntes


Para ajudar o cidadão Para poderem voltar
Que o mesmo estava triste Os mergulhadores pularam
Por perder a embarcação Com coragem pra mandar
Porque ali só não sentia Porque lugar como aquele
Se não fosse um cristão Nem todo cabra vai lá

Nunca Mais Coari 253 Archipo Góes


Literatura Coariense
Foram a primeira vez Os que não morreram afogados
Sem pensar o que encontrar Acabaram de completar
Com pouco deram sinal A grande lamentação
Que já queriam voltar Mostrando tudo sem parar
Porque a correnteza Contando assim para o povo
Não deixou no chão chegar Como puderam escapar

A correnteza é demais Uns dizem eu agradeço.


Isto sem ter paradeiro A um pau que ia baixando
Muitos ali morreram Que outros não tiveram sorte
Pra salvar o companheiro Deste pau ia avistando
Coisa que em certos casos Só eu me agarrei nele
Só se me desse dinheiro E foi a vida me salvando

Mas os homens que chegaram Foram diversas famílias


Para em tudo ajudar Pelas águas destruídas
Pediram pra ir mais embaixo Que não posso levar em conta
Pra novamente pular a quantidade de vidas
Para ver o que diziam Que foram neste naufrágio
Deste honroso lugar Pelos os animais comidas

Foram a segunda vez Não querendo acrescentar


Mas sem trazer resultado Mais do que ali aconteceu
Disseram vamos a terceira E que vou pedir sempre
Para dar por encerrado À proteção do bom Deus
Porque se tentarmos mas Que ele é conhecedor
Nós somos prejudicados. De todos os contos meus

A última tentativa Fazendo assim o proveito


De diversos mergulhador De uma história real
Que ao voltarem do fundo Você passa ser um homem
Só tristeza e muita dor Conhecedor de tudo afinal
Fazendo este esforço todo Do acontecimento ocorrido
Para encontrar o motor Em uma tragédia fatal

Foi sem futuro os esforços Por isso peço aos amigos


Que para ali seguiu Para comprarem o primeiro
Porque tudo se acabou Pois, em breve comporei outro
Dentro deste grande rio Conto fatos verdadeiros
Com a imensidão de água Porque não posso mentir
O motor logo sumiu Sou homem brasileiro

Deixemos a capitania Comprando este livro


Voltando para o capitão Vai logo lhe despertar
Para falarmos do povo Mostrando como é bonito
Que ficaram passando mal A gente tranquilo andar
Por ter grande prejuízo Com especialidade nas águas
De tudo seu afinal Onde tudo pode se acabar

Nunca Mais Coari 254 Archipo Góes


Literatura Coariense
Não menti nem exagerei Acróstico ao Irmão Enedino
Contei o que se passou
Pois, as notícias chegadas É belo, é gostoso, reviver a vida,
Foi o que mais me encabulou Não ociosamente, mas dentro da lida,
Em ver tanta tristeza E todos tenha inteligência e tino,
Pertinho de tanta dor Do aniversário do irmão Enedino,
Independentemente nós celebramos,
Vou encerrar o livrinho Neste dia com alegria recordamos,
O natal do querido irmão Enedino.
Pra não ser muito comprido
Pedindo a Deus que abençoe
Maio, dia quatro, belo e angelino,
Pra que seja bem vendido Onde comemoramos com alegria,
Que os amigos façam proveito Não só com palavras, mas com galhardia!
De tudo que foi descrevido Todo aniversário é festa, é natalino,
E este é o dia do irmão Enedino.
Sei que não acreditavam Irmanados com o Grande Arquiteto,
Isto ser fruto daqui Rogamos do Universo neste teto,
Morando neste Amazonas Oração, amor e com sangue purpurino,
Esta cidade é Coari
A esperança não acaba Damos parabéns ao irmão Enedino...
O carinho que recebo aqui. Amor, fraternidade e compreensão...

São gestos, carinho que partem do


coração,
Irmãos que comemoram com grande
ardor,
Levando paz, harmonia, muito amor!
Vamos solenizar estrênuo paladino;
Amando como irmão, o nosso Enedino.

Grande mestre maçônico, conhecedor,


Realizador que tudo faz com fervor;
Adulto, com o espírito de menino,
Ungido do Senhor, este é o irmão
Enedino!

Tem honra, tem caráter, tem alegria,


Risonho, ativo, é todo simpatia,
Igual a um anjo, puro e cristalino;
Não é este, o irmão, o Enedino?
Tenho prazer de saudá-lo nesta data,
Além dos irmãos presentes tenho a ata,
Chagas Semeão Escrita, datada, lida, documentada.

Todo aniversário é uma data festiva;


Rodeados de amigos, irmãos e efusiva,
Enquanto tudo isto tem o seu destino;
Somos gratos com amor, ao irmão
Enedino.
Waldemar Plácido Fonteles
Nunca Mais Coari 255 Archipo Góes
Literatura Coariense
Acróstico ao Irmão Enedino Recordando Coari

É belo, é gostoso, reviver a vida,


Não ociosamente, mas dentro da lida,
E todos tenha inteligência e tino,
Do aniversário do irmão Enedino,
Independentemente nós celebramos,
Neste dia com alegria recordamos,
O natal do querido irmão Enedino.
Maio, dia quatro, belo e angelino,
Onde comemoramos com alegria,
Não só com palavras, mas com galhardia!
Todo aniversário é festa, é natalino,
E este é o dia do irmão Enedino.
Irmanados com o Grande Arquiteto,
Rogamos do Universo neste teto, Quando para esta terra cheguei,
Oração, amor e com sangue purpurino, Nada de progresso encontrei;
Não vou dizer nomes de prefeitos
Damos parabéns ao irmão Enedino... Para eu não declinar defeitos.
Amor, fraternidade e compreensão...
Convivi na lama e nos buracos,
São gestos, carinho que partem do Faltava tudo e fortes braços...
coração, Não havia nada para contar
Irmãos que comemoram com grande Só misérias a lastimar.
ardor,
Levando paz, harmonia, muito amor! É lastimável viver-se assim,
Vamos solenizar estrênuo paladino; Sem perspectiva e sem carmim,
Amando como irmão, o nosso Enedino. Lamentando a triste e iníqua sorte,
Orando para não perder o porte.
Grande mestre maçônico, conhecedor,
Realizador que tudo faz com fervor; Apesar de todos os corruptos,
Adulto, com o espírito de menino, Prefeitos inúteis e abruptos,
Ungido do Senhor, este é o irmão Preocupados só com bolsos seus,
Enedino! O município entregue a Deus.

Tem honra, tem caráter, tem alegria, Graças ao Arquiteto dos mundos,
Risonho, ativo, é todo simpatia, Coari, hoje, tem os seus fundos,
Igual a um anjo, puro e cristalino; Tem o rádio tem a televisão,
Não é este, o irmão, o Enedino? Tem o fax e também o caminhão.
Tenho prazer de saudá-lo nesta data,
Além dos irmãos presentes tenho a ata, Coari tem honra e tem estirpe,
Bravo povo, brava gente rispe,
Escrita, datada, lida, documentada. tu tens honra, tens brios e valor,
Ao povo destemido tens amor.
Todo aniversário é uma data festiva;
Rodeados de amigos, irmãos e efusiva,
Enquanto tudo isto tem o seu destino;
Somos gratos com amor, ao irmão
Enedino.
Waldemar Plácido Fonteles Waldemar Plácido Fonteles.

Nunca Mais Coari 256 Archipo Góes


Literatura Coariense
Mura-Cão-Era expedição, inexperiente, explica, então,
aos moradores do lugar, tratar-se da
Sempre se acreditou, em Coari, bexiga (varíola) que estava grassando no
que o antigo nome de certo povoado, hoje baixo Solimões.
conhecido por Isidoro, fora outrora Com a notícia, as malocas ficam
MIRA-CÃO-ERA, mas, em reboliço. Os índios não mais se
indubitavelmente, há engano nessa sentem à vontade ali. Apavorados,
suposição, como veremos nas linhas a começam a desertar. No seu modo de ver
seguir. os brancos tinham sido portadores da
Entre os primitivos habitantes morte.
dessa região existiu, entre outras, a tribo De fato, poucos dias depois da
dos índios Muras, os quais, apesar de estada dos visitantes entre eles, surgia, no
nômades eram muito trabalhadores, local, o primeiro caso suspeito e dentro de
tendo contribuído, grandemente, para a pouco tempo a varíola campeava no
exploração de várias zonas desse imenso aldeamento. A mortandade foi
Estado, que é o Amazonas, e assustadora.
particularmente de Coari, onde eram Aqueles que ainda não tinham
procurados para prestar os seus serviços, contraído o mal, fugiam do contágio,
ora como auxiliares no desbravamento deixando os doentes à mercê da sua má
das matas, ora como, pescadores e como sorte. Em breve o local ficara ao
serviçais domésticos. abandono, transformado em morada dos
Estavam eles já adaptados aos mortos.
hábitos e costumes dos civilizados, sem As aves de rapina revoluteavam
perderem, entretanto, as suas crenças, por aqueles ermos, cobertos de cadáveres
abusões e temores. insepultos.
Haviam-se instalado em uma Algum tempo depois e quando
das inúmeras enseadas, que bordam o já de volta da excursão ao alto Solimões,
formoso lago de Coari, e à sua margem os brancos da canoa fatídica tornaram à
direita, algumas milhas acima da aldeia aldeia dos Muras, onde encontraram,
Alvelos, onde tinham os espanhóis a sede apenas, os vestígios da outrora próspera
das suas missões, do Rio Solimões. maloca.
Viviam felizes, esses indígenas, Por toda parte iam topando com
em nada desmerecendo o seu aldeamento, as ossadas descarnadas dos infelizes
considerado dos mais populosos e habitantes do local, dando motivo a que,
prósperos, daquelas paragens. ao depararem com esse tristíssimo
Pelos brancos eram procurados espetáculo, exclamassem, cheios de
amiudadas vezes, e com eles mantinham surpresa e pesar: MURA-CÃO-ERA!
permuta dos gêneros de produção local, MURA-CÃO-ÉRA! MURA-CÃO-
com as mercadorias que da capital ERA!
traziam, em embarcações de vela ou a Denominação que ficou sendo
remos. dada, daí por diante, a esse local, mais
De uma feita, subira o Rio tarde conhecido por Isidoro, em
Solimões e entrara no Lago de Coari, uma homenagem a um dos seus maiores
dessas embarcações dos brancos, ocupadores.
trazendo um dos tripulantes com febres. NOTA: Mira-cão-era: Caveira,
Desprevenidos, foram os índios osso de gente, podendo significar
a bordo da pequena embarcação, onde se cemitério. Mura-cão-era: Ossos, ossadas
encontrava o doente. Iam ao comércio do dos Muras.
costume, e ali demoraram algum tempo
em contacto com os visitantes. Fonte: Antônio Cantanhede —
Dias depois da chegada da O Amazonas por dentro, contos, lendas e
canoa um dos índios adoece. O chefe da narrativas do Amazonas.

Nunca Mais Coari 257 Archipo Góes


Literatura Coariense
O Tacho aqueles na guarda dos seus haveres.
Antônio Cantanhede Tinham os depósitos de dinheiro que,
nesses belos tempos, era em ouro
Nos tempos em que a religião cunhado ou em barras, em local distante e
católica romana predominava, era crença acima da povoação. Possuíam, ao que se
geral que as mais vultosas fortunas acreditava, grandes somas, verdadeiros
fossem privilégio dos ministros do Padre tesouros, acumulados por longos anos em
Eterno, entre os mortais, e assim, não raro suas excursões pelo nordeste da terra
criavam-se lendas, em volta de qualquer brasileira, então objeto da cobiça dos
agrupamento dos missionários de holandeses, dali expulsos pelo governo
antanho. de Portugal.
Fala-se, na cidade de Coari, não Mas, por volta de 1710 dava-se a
como lenda, mas como verdade expulsão dos espanhóis, das missões do
incontestável, na existência de um grande baixo Solimões e foi naturalmente, por
tacho cheio de ouro, imerso no lamaçal do essa época que, temendo ver caírem seus
leito de um igarapezinho que deságua no grandes haveres em poder dos
lago de Coari. portugueses, que os podiam colher de
surpresa, utilizaram-se do falado tacho, e
Referem historiadores do cheio este de ouro e bem fechado, fora
Amazonas que, depois do Padre Samuel lançado ao leito desse igarapé, que ficou
Fritz, austríaco de nascimento, outros sendo conhecido por igarapé do Tacho.
missionários espanhóis foram-se
acomodando pelo rio Solimões, com o Os naturais, em muito pequeno
objetivo muito louvável, nesse século de número, que assistiram a essa manobra
conquista, de alargar os já imensos dos jesuítas, não tentaram dali retirar o
domínios de sua Majestade Católica de precioso tesouro porque aqueles padres
Espanha. fizeram-nos crer que tê-lo deixado
entregue à guarda de uma cobra-grande,
Fundaram eles muitas missões, tradicionalmente conhecida dos
com o auxílio do elemento indígena, que aborígenes por GUARIBA. Entretanto,
iam chamando à civilização e incutindo- quando algum audacioso se aproximando
lhes no ânimo seus credos religiosos. do local fazia tentativas para retirar o
Assim, os Catauxis, Muras, Jumas, tacho, tempestuosas ventanias
Jurimáguas e outros, pelo efeito de desabavam na região, intimidando o
adaptação aos costumes dos catequistas, aventureiro, que desistia da empresa. Se
em breve se transformaram em eficientes em época invernosa, acompanhava-se a
elementos de combate, em prol dos tempestade do esturrar do tiri-tirí-manha.
esforçados evangelizadores.
Pelo verão, o leito do igarapé
Com os aldeamentos, fica a descoberto, mas, ao avizinhar do
alargavam-se as já vastas ocupações aventureiro, abrem-se as nascentes das
territoriais dos espanhóis, no Solimões, águas e em pouco tempo o lamaçal se
sendo a sede de suas missões no lago de cobre de água corrente, do que tem
Coari, a aldeia denominada Alvelos, hoje resultado não mais se fazerem tentativas,
conhecida por Freguesia Velha. conforme afirmam os naturais daquelas
Sempre ciumento de suas terras bandas, para a emersão desse tesouro, real
na América, Portugal não vira com bons ou imaginário, que dizem existir no
olhos a intromissão daquela gente em igarapé do Tacho, poucas milhas distante
seus domínios, e assim, a luta, entre lusos da cidade de Coari.
e castelhanos chegara até ali, dando lugar NOTA: Tiri-tirí-manha ou
a que ora Alvelos estivesse em poder dos Dirim-dirim-manha: Mãe do terremoto,
missionários espanhóis, ora sob o da tempestade. Apelido de uma espécie de
domínio das forças armadas de Portugal. jacaré, que tem a cauda bipartida e é
Daí as precauções tomadas por muito barulhento.
Nunca Mais Coari 258 Archipo Góes
Literatura Coariense
BOIÚ-ASSÚ outrora se chamou Boiú-assú, por ter sido
Antônio Cantanhede. aqui morta a maior cobra de que há
notícia, nestas alturas.
Duas horas de chavascal Nesse percurso que fizemos, de
adentro, após termos deixado o Lago de poucos passos, nos explicou que Vila
Coari, o vapor “Macapá” soltara aos Andrade está em um pequeno torrão,
quatro ventos, o seu apitar harmonioso, ligado à mata geral, por uma estreita faixa
dando sinal de atracação, ao porto de Vila de terra, um istmo.
Andrade . Antigamente, neste mesmo
Lançado o pandeiro da retinida, lugar, dizia-nos o nosso informante, os
levando o chicote do grosso cabo de índios reuniam-se para a celebração das
arame à terra, festas. Pela proximidade do rio e devido a
por ordem do ser o melhor porto de desembarque desta
comandante redondeza, fora escolhido para morada do
q u e , d e tuxaua da tribo dos Jumas.
bombordo, na Às dezenas e centenas, vinham
p o n t e d o índios de grandes distâncias passar aqui
comando, temporadas, nos prazeres dos seus festins,
dirigia a regados à caiçuma e ao cacherí,
manobra, atraiu embriagadores.
nossa atenção Durante o correr dos festejos,
u m a era notado, entretanto, o desaparecimento
castanheira de alguns dos convidados, até que um dia,
colossal, quando sopravam o boré, fora observado
derreada, em um grande rebojo no porto. O som desse
volta da qual fora passado o cabo de vai-e- instrumento, ao que se acreditava, tinha a
vem. virtude de atrair as cobras, e com certeza,
Era a primeira vez que víamos eram elas que levavam os desaparecidos.
uma castanheira, sem a devida Fizeram-se armadilhas e
compostura… envenenaram-se as águas do rio, mas tudo
Essa árvore, desde pequena, em vão.
vem ereta, a olhar para o céu; cresce e se Certo dia, um dos moradores do
desenvolve altaneira, entre as outras lugar, por necessidade do momento, ao
árvores; alta, de proporções soberbas, passar pela faixa que ligava o torrão à
com a copa sempre florida é, talvez, a mata geral, observou que grande porção
mais bela das que enfeitam a floresta da terra ia caindo à água, como se
amazônica. arrancada por força viva. Atento, pode
Nossa curiosidade aumentara, ver, com surpresa e cheio de terror, que
logo que pisamos na terra de Vila uma cobra-grande tentava separar as
Andrade, situada à margem esquerda do terras, destruindo o istmo, naturalmente,
Juma, rio de água preta, cujo nome faz para poder devorar de uma só vez, toda
lembrar a tribo de índios, que, em época aquela gente, que ali se encontrava
remota, por ali habitara. Imediatamente comunica o
A história dessa castanheira é ocorrido ao tuxaua e a tribo fica em
longa, dissera-nos o senhor Castelo, rebuliço: flechas, pedras, toras de madeira
pessoa a quem nos dirigimos, a pedir foram lançadas, na direção apontada pelo
informes; e levou-nos a vê-la de perto. índio amedrontado.
Sua história prende-se a deste lugar, que
61. A Vila Andrade fica localizada na margem direita do Rio Coari Grande. O rio Juma é mais distante, sendo afluente do
Itanhauã, que é afluente do Rio Coari Grande.

Nunca Mais Coari 259 Archipo Góes


Literatura Coariense
A última isca fora Japó, rapaz
guapo, hábil caçador, noivo da bela Iací.
Como os que o precederam,
ficara no ventre da serpente traiçoeira.
Desde então, Iací, retirada a um
canto da maloca, quase louca de paixão,
pela perda do bem amado, não mais
tomara parte ativa nos folguedos, que não
se interrompiam.
À boca da noite, descia à beira
do rio a afrontar a voracidade do réptil
devorador.
Cantava as suas trovas de
saudade e adormecia, sorrindo, com a
ideia de ser tragada pela cobra voraz, para
assim juntar-se ao noivo que se fora.
As vítimas sucediam-se. Rara
Reúne-se, então, o conselho dos era a noite em que não desaparecia um dos
anciões para deliberar. festeiros.
Várias e absurdas algumas, Certa vez, reunido o conselho
foram as sugestões apresentadas, sendo dos anciões, perante o qual não era
vitoriosa aquela que assentava na permitida a presença de mulher, surge,
pescaria do feroz inimigo da tribo. Servir- desgrenhada e abatida, a figura minúscula
se-iam, pois, desse meio, e um dos de Iací, que suplica: “Pai, eu quero ser a
presentes fora escolhido para isca. isca da cobra-grande; eu quero ir também
Terminados os preparativos, na panela, e te prometo que matarei a
meteram o infeliz em uma panela de malvada”.
grandes dimensões, adrede preparada Voltaram-se todos, admirados,
que, jogada à água, ficara flutuando. não da coragem da jovem indígena, não
Dentro, sentado, o índio-isca estava do ardente amor dessa intrépida cabocla,
munido de um cacete, preso por forte mas da sua audácia, em vir interromper os
corda de embiras, a qual vinha de terra, trabalhos de tão augusta assembleia.
enquanto que ele estava solto, consistindo Uma mulher a perturbar o
o seu trabalho, em atravessar o cacete no conselho dos anciões! Bradam
ventre da cobra, uma vez engolida a indignados os presentes e preparam-se já
panela. O restante, os de terra fariam… para expulsá-la do recinto, quando Iaci,
Horas de ansiedade precederam rojando-se de bruços no chão da sala,
o momento de operar. Por ordem do chorando a sua grande dor, perde os
tuxaua, tocou-se o boré. sentidos. Os jejuns que passaram, desde a
Dentro de pouco tempo, a morte de Japó, tornaram-na enfraquecida.
panela, movendo-se, desaparecia na O tuxaua ergue-se. O seu olhar
voragem das águas. está faiscante de cólera, e, ao fitar a
Estava preso o ofídio, mas a pequena criatura desmaiada, apenas diz,
corda retesada, com dois ou três como sentença: “Ela irá”.
empuxões, partira-se. Dissolvida a reunião,
Outras panelas e novas vítimas recomeçam os preparativos para a
foram lançadas à água em dias adiante, original pescaria, enquanto as danças, as
sem o mínimo resultado. bebedeiras continuam.

Nunca Mais Coari 260 Archipo Góes


Literatura Coariense
Os índios internam-se na mata, a Homens e mulheres fazem inauditos
procura de cipós e de embiras, para a esforços para colher a corda, porém o
tessitura da nova corda, enquanto Iací animal opõe resistência, tentando arrastá-
vaga, sem norte, pela beira do barranco, a los. Então Iací, como uma leoa, toma da
cantar a sua dor. Está de semblante ponta desse trançado que é parte da sua
abatido, porém não demonstra mais outrora vasta cabeleira e volteia por
aquela tristeza dos outros dias. Sentada, a detrás da castanheira mais próxima.
olhar para o rio quieto, destrança os A árvore vai cedendo, vai-se
cabelos: Ela pensa que brevemente irá inclinando para o solo, porém, resiste, e a
juntar-se a Japó, e sorri. fera, vencida, é puxada para terra.
O conselho reúne, novamente, Apedrejada e furada com o murucú,
para resolver se Iací será a nova isca ou custa, entretanto, morrer, mas, o veneno
deve perdoar-lhe. Ela assiste ao sutil completa a obra.
julgamento. Discute-se, e afinal, a ré é A alegria da vitória é imensa.
absolvida, porque os índios Jumas, Dançam e saltam em volta do monstro
rendendo culto especial à mulher, não abatido. Satisfeitos, cada qual se apodera
devem, mesmo como punição, expô-la a de uma tora de carne do animal: fazem o
ser devorada pela cobra-grande. assado e comem…
Entretanto, é escolhido um homem para Em breve, o festim transforma-
substituí-la. se em alarido de dor. Envenenados, os
Desanimada, Iací implora, mas índios se estorcem, em desespero, e
em vão. Então suplica que lhe cortem os muitos morrem.
cabelos e com eles teçam a corda que tem Este lugar, desde então, passou a
de segurar a panela. Seu coração dará chamar-se BOIÚ-ASSÚ, concluiu o
resistência a esses fios negros que são nosso informante.
brandos como carauá, porém mais fortes
que o pau-d’arco! — E Iací? Indagamos.
O conselho ouve em seus — Iací, a louca, trazendo nas
debates, pela primeira vez, a voz de uma mãos emagrecidas um pedaço de carne a
mulher. sangrar, vem sentar-se junto à castanheira
derreada, e, como vingança, com os seus
Instantes após, todas as outras, dentes afiados, dilacera o coração da
seguindo o exemplo dessa heroica cobra-grande.
criatura, oferecem as vastas cabeleiras, e
a corda é tecida, desta vez, com os cabelos N O TA : B o i ú - a s s ú , n a
negros das índias Jumas, solidárias com o Amazônia, é designativo de cobra-
gesto de Iací. grande. Também o utilizam, para se
referirem a enchentes grandes dos rios.
De cada lado da ribanceira soam
os borés, chamando a cobra. Boré — Instrumento musical
dos índios (Flauta feita de taquara).
A panela, com a isca, flutua ao
sabor das águas ligeiramente ondulantes. Iací ou Yacy — Lua.
Como das outras vezes, o Maloca — Habitação de índios.
escolhido está dentro dela, tendo à mão o Murucú — Espécie de lança, de
cacete. pau vermelho, com uma ponta ervada.
Forte rebojo anuncia a Chavascal — Lugar, nos rios e
aproximação do monstro esfomeado. lagos, onde afloram vegetais, parecendo,
Iací espreita e canta a sua à distância, não haver água.
loucura.
A panela roda e desaparece.

Nunca Mais Coari 261 Archipo Góes


Literatura Coariense
A Lenda do Caripira - Antônio Cantanhede
Entre os indígenas que d e s a fi a r a u m a o n ç a p a r a l u t a r.
habitaram as selváticas regiões do rio Infelizmente, porém, quando o animal dá
Itanhauã, em Coari, destacavam-se, por o salto de investida ele se desequilibra
sua operosidade, os da tribo Tucanos. não podendo utilizar-se do cacete. A fera,
Eram eles hábeis caçadores e valentes enraivecida, crava-lhe no crânio os dentes
guerreiros, dedicando-se, também, ao aguçados, dando-lhe morte instantânea.
trabalho de cultivar a terra. De boa índole, Era um animal forte, belo e ágil,
jamais tomaram parte ativa nas tropelias o adversário do malogrado caçador.
contra os desbravadores da floresta Ao grito, único que soltara este,
virgem, que orlava esse belo e caudaloso acode o irmão que, após cortar a grande
rio, cuja tortuosidade lhe dá aspecto volta do rio, dentro de poucos minutos,
interessante. É tão sinuoso o Itanhauã presenciava o banquete da fera, a
que, ao navegá-lo, ora temos o Sol refestelar-se nas carnes sangrentas e
adiante, ora por de trás, à direita ou à ainda quentes de Pau-darco, seu irmão e
esquerda. companheiro.
Grandes distâncias, transpostas Retesado o arco, a flecha parte e
pelo caminho de suas águas, em dias e enfia-se nas entranhas da onça que
mais dias de viagem, são vencidas por baqueia junto ao corpo daquele que
terra em poucas horas, tirando-se, como é acabara de matar.
de costume dizer em linguagem regional, Louco de dor, Caripira sangra o
as voltas do rio. É frequente ouvir-se, bem inimigo abatido e tira-lhe o coração, que
nitidamente, como se fora próximo, devora. Depois, parte sem rumo, a soltar
ruídos e estrondos, de madeiras caídas a aos quatro ventos o seu grito de guerra.
grandes distâncias. Desde então, ele não para, na caçada as
Foi à margem desse rio de águas onças até que estes rareiam.
esverdeadas que viram a luz da vida os Sua história torna-se conhecida
dois irmãos, Pau-darco e Caripira, da tribo, que o lamenta. Não encontrando
criaturas nômades e destemidas. ele mais com quem lutar na mata virgem,
Criaram-se como dois heróis de lenda, passa o tempo a flechar os incautos
tais as suas aptidões para a caça e para a habitantes das águas do rio Itanhauã.
pesca, por isso, sem pouso certo, Lança a sua flecha para o alto, para vê-la
entretinham-se na exploração da flora e descer, após ter descrito graciosa curva no
da rede hidrográfica de Coari, do que ar e ir cravar-se no casco da tartaruga, que
resultou serem ótimos auxiliares dos boiara, confiante, para tomar respiração.
aventureiros, primitivos exploradores e Passam-se luas e mais luas, e,
ocupantes daquelas paragens. afinal, a tristeza leva o desolado caçador a
De força muscular prodigiosa, entregar sua alma a Tupã, seu Pai, seu
era Pau-darco o escudo do irmão, ágil Criador.
manejador do arco e da flecha certeira. Revoluteando e adejando sobre
Cada qual tinha a sua a sepultura de Caripira, aparecera aos
especialidade, o seu modo de agir: Pau- olhos dos supersticiosos Tucanos, um
d'arco, após irritar o inimigo da selva, gavião de boas proporções, o qual, por
vencia-o a golpes de sua musculatura vezes se elevava nos ares e das alturas
férrea, raramente servindo-se do seu precipitava-se às águas do Itanhauã,
cacete da madeira que lembrava o próprio trazendo ao emergir, preso às suas
nome; o irmão gozava em abater a caça à possantes garras, algum peixe
distância, mortalmente ou não, conforme descuidoso.
seu desejo no momento. E sempre foram Então, como homenagem ao
felizes nas suas pelejas, no seio da floresta valente que se fora, deram os Tucanos ao
inculta. gavião-pescador, cinzento-pedrês, até
De uma feita, quando os dois esse momento conhecido pelo apelido de
irmãos subindo o rio Itanhauã se “Rabo trocado”, o nome do heroico
separaram, Pau-darco, como de costume, “Caripira”.
Nunca Mais Coari 262 Archipo Góes
Literatura Coariense
Minhas Memórias do Festival Folclórico Coariense (1976–1993)
do futuro, que eu sabia que eu estava
fascinado por ver aquela linda
apresentação.
Em 1987, eu estava com 14 anos
e junto com os colegas de aula, assistimos
todas as noites ao Festival Folclórico de
Coari. Agora o palco era outro, a quadra
de esporte São José da escola Nossa
Senhora do Perpétuo Socorro, que era
simplesmente conhecida por “Quadra do
Colégio”.
Eu esperava até mais tarde para
As primeiras manifestações dos ver as apresentações do boi-bumbá Corre
folguedos folclóricos coarienses Campo e do estreante boi-bumbá
aconteceram durante toda a primeira Garantido. O Corre Campo foi fundado
metade do século XX. Durante esse em 1986 e o Garantido em 1987.
período, ocorriam nos terreiros da frente O boi-bumbá Corre Campo
das casas, apresentações do bumba-meu- usava as cores vermelha e branca, e o boi
boi do cearense França, o boi Prata-fina era preto. Ele possuía uma apresentação
do seo Ioiô, e as pastorinhas. Contudo, o muito tradicional com uma vaquejada
primeiro Festival Folclórico de Coari só bem aguerrida, ritual de matança e
foi organizado em 1972, pelos ressuscitação do boi, personagens
representantes de classe da Escola Nossa tradicionais do folguedo como Pai
Senhora do Perpétuo Socorro, sendo um Francisco, Catirina e Cazumbá.
sucesso e com participação de outras O boi-bumbá Garantido em
escolas, pastorais, grupo de jovens etc. Coari era um folguedo que usava as cores
Quando eu era criança, com 4 azul e branco, o boi era branco. A grande
anos, tenho lembrança do primeiro novidade do ano de 1987 foi as toadas
festival que eu assisti. O local onde tudo vindas de Parintins, muito ritmadas e com
acontecia, era a praça São Sebastião, letras que ficavam em nossa mente.
quase em frente de nossa casa. Era um
tablado alto, construído em madeira, onde
se dançava todas as brincadeiras.
Eu fui assistir ao festival com a
moça que cuidava de mim. Ela adorava
ver acontecimentos da cidade e me levava
para todos os lugares movimentados.
Recordo a primeira cena que ficou em
minha mente, a apresentação da Tribo dos
“Ajurimáuas”. Lembro até hoje daquela
cena pujante. Foi muito curioso ver um
grupo de jovens fantasiados com trajes ♫♫ Mas quem é Garantido,
indígenas com muitas penas de pássaros. levanta o braço!
Eles dançavam de maneira coreografada, Eu sou! Eu sou!
batendo um bastão nas tábuas do tablado, É o Boi do Povão e canta comigo
ao som de apitos e gritos indígenas. Oh, oh, oh! E vai ser campeão! ♫♫
Não lembro de sentir medo,
apenas muita curiosidade e fascínio por ♫♪ Oh lê lê oh lê lê oh lá lá
ver pela primeira vez a manifestação de É de boi, é de boi-bumbá
nossa cultura coariense e acredito que não Oh lê lê oh lê lê oh lá lá
tinha noção do que estava acontecendo. Como é o nome do teu boi bumbá
Só é possível perceber a partir desse olhar “Garantido” Olê lê lê oh lá lá ♪♫
Nunca Mais Coari 263 Archipo Góes
Literatura Coariense
No final, o “Balé Indígena” teve
mais pontos do que os dois bois-bumbás e
que as demais danças, sagrando-se o
campeão daquele inesquecível festival
folclórico de 1987.
No ano de 1988, o festival de
Coari teve um tema muito peculiar, pois
foi o centenário da libertação dos
escravizados no Brasil. O Colégio
(ENSPS) trouxe para a quadra São José a
Dança Afro-brasileira sob a produção e
coordenação do professor Antônio
Mariano. Naquele momento, aconteceu
uma grande celebração da cultura afro-
brasileira em terras coarienses.
A grande Senzala com uma
placa escrita “Homeless” (sem-teto) era a
principal alegoria daquele folguedo
Era de certa forma, um bom uso folclórico, era o local onde os
das toadas de Parintins, às vezes onde personagens saíam para suas
estava escrito vermelho, eles trocavam apresentações. Tenho a lembrança que o
por azul, devidos às cores do Garantido de ápice da festa foi as encenações do
Coari. Augusto César Pica-pau, sua irmã Maria e
Nesse festival folclórico de do professor Mariano representando as
1987, ainda não havia disputas por incorporações de entidades das religiões
categorias, todos os folguedos Afro-americanas (Candomblé e
disputavam entre si. Concorriam boi- Umbanda).
bumbá com lendas, danças, quadrilhas, Os homens entravam em fila
etc. E quem tivesse o maior número de indiana fazendo coreografias ritmadas
pontos, seria declarado o campeão. que traziam a representação da cultura
Nesse ano houve uma africana através de movimentos
apresentação que ficou marcada na tradicionais ao som de músicas como
história de nossa cidade, a inesquecível “Madagascar Olodum” da banda
dança da escolha Nossa Senhora do Reflexus:
Perpétuo Socorro: Balé Indígena. Foi
uma intensa movimentação e composição ♫♪ E viva Pelô Pelourinho
coreográfica, uma música contagiante, Patrimônio da humanidade ah
sincronismo nunca percebido em nossas Pelourinho, Pelourinho
danças, e principalmente, a dança clássica
sendo executada por indígenas em um Palco da vida e negras verdades
ritual maravilhoso. E protestos, manifestações
Fiquei boquiaberto Faz o Olodum contra o Apartheid
com aquela Juntamente com Madagáscar
apresentação. Evocando igualdade e
Quem assistiu ao liberdade a reinar ♪♫
“Balé Indígena”
produzido e
coreografado por A indumentária do cordão para
Nivaldo Moura os homens era calças brancas, faixa
guarda até hoje vermelha no peito, fita na cabeça, uma fita
aquele espetáculo larga na cintura, uma ráfia (fibra têxtil de
clássico executado palmeiras) vermelha nas mãos e um
no meio da selva escudo com fundo preto, desenhos afros
amazônica. Nivaldo Moura – Em 1997 em branco.
Nunca Mais Coari 264 Archipo Góes
Literatura Coariense
As mulheres nos deixaram uma Uma típica história de Romeu e
forte lembrança de uma entrada Julieta ou ainda feitiço de Áquila. Pois, no
emocionante e inesquecível. Usavam um enredo eles são um casal indígena que
vestido branco com detalhes na barra, vivenciaram uma história de amor, que
mangas com detalhes em vermelho e ráfia era contra a tradição do Tupi-guarani.
em vermelho. No cabelo elas usavam Eles foram punidos, transformados em
turbantes que expressavam a realeza da astros estelares, e só se encontrariam duas
mulher africana. Contudo, o mais vezes durante o dia, no pôr-do-sol e na
marcante, foi a entrada com a coreografia alvorada. No final a professora Dalva
cadenciada ao som da música “Eu Só entrava com uma fantasia de lua no lado
Peço a Deus” de Beth Carvalho e esquerdo da quadra e o professor Wilson
Mercedes Sosa: entrava com uma fantasia redonda, com
♫ Eu só peço a Deus luzes fortes representando o sol.
Que a dor não me seja indiferente
Que a morte não me encontre um dia
Solitário, sem ter feito o que eu queria ♫

No momento final, entraram três


meninos pintados de óleo queimado,
segurando uma caravela em miniatura nas
mãos, ao som da música “Zumbi” do
Grupo Agreste.
♫ No sacolejo do navio que cheguei aqui
Meio vivo meio morto foi que eu senti
O meu corpo lá jogado na pedra do porto Voltaremos a relembrar os bois-
Meio vivo meio morto mais não desisti♫ bumbás coarienses com algumas
novidades. O Garantido mergulha cada
Agora, podemos nos transportar vez mais na cultura de Parintins, contudo,
para o ano de 1989. Nesse momento, eu com as fantasias e capacetes mais
tinha 16 anos e as lembranças são mais elaborados e com acabamento
vívidas e os personagens muito ligados ao profissional. O Corre-campo começa a
meu convívio escolar. importar alguns trajes típicos e de luxo.
Uma dança regional que ficou Contudo, o grande ápice foi a assessoria
muito marcada nesse festival de 1989 foi do artista plástico parintinense Jair
“O Lampião” da escola João Vieira. Mendes. Pela primeira vez, os dois bois
Havia uma característica muito forte na evolução tiveram um acabamento
naquela dança. Aconteciam combates moderno e com movimentos ilimitados.
faiscantes de terçados, tiros de Neste ano, uma alegoria muito
espingardas, músicas puramente comentada, foi a cachoeira do boi Corre
sertanejas. Campo. Ela tinha movimento de águas
Uma lembrança forte de 1989, que se movimentavam, os peixes
foi a apresentação da lenda do Sol e da pulavam como se fosse uma piracema. As
Lua da escola João Vieira. O texto pedras foram feitas com maestria,
tipicamente amazônico da lenda que parecendo reais. Dentro da cachoeira, a
procura explicar os fenômenos naturais jovem Cleidilene estava fantasiada de
através do imaginário indígena, sereia, com seus longos cabelos negros,
repassado oralmente de geração em uma cauda de sereia bem elaborada, e
geração, foi usado através da dança e do sentada em uma pedra no fundo das águas
teatro para que o público pudesse olhando seu espelho. Uma cena
entender o enredo do folguedo. A inesquecível e um alumbramento na
professora Dalva representou a Lua e o mente dos coarienses que ficaram
professor Wilson Cavalcante interpretou comentando por semanas aquela
o personagem Sol. apresentação.

Nunca Mais Coari 265 Archipo Góes


Literatura Coariense
A Miss Coari 1988, Silvana Um momento que ficou
Soares, foi a miss do Boi-bumbá Corre marcado na apresentação do garantido foi
Campo fazendo sua apresentação com a homenagem a Chico Mendes. Chico foi
traje de miss e faixa. Esse item do Boi- líder no embate contra o desmatamento e
bumbá mais tarde se tornaria a Cunhã- por reivindicar melhores condições de
poranga. trabalho para os seringueiros em Xapuri,
O Garantido também trouxe o no Acre. Foi assassinado em 22 de
seu exército de mulheres bonitas: dezembro de 1988, praticamente 6 meses
• Gerlane Farias, a Miss do Boi antes daquele festival em Coari. O mundo
Garantido. Ela tinha 15 anos e fez uma ficava sensível às causas ecológicas. E na
excelente apresentação. No ano quadra São José se ouvia a música
seguinte, 1989, ela viria a ser a 1ª Argumento de Adelson Santos:
Rainha da Festa da Banana.
• Mara Alfrânia, só de entrar na quadra
já chamou a atenção de todos com seu ♫Em questões de Solimões fundamental
traje branco e transparente É saber que o negro
denominado “deusa da Beleza”. Dois não se mistura com amarelo
anos se passariam e Mara seria Miss É saber que o negro
Coari 1990 e Miss Amazonas 1991. não se mistura com amarelo
• Cleomara Araújo, foi com um traje Não mate a mata
denominado “deusa do Amor”. Em Não mate a mata
1992 ela se tornou Miss Amazonas em A virgem verde bem que merece
concurso realizado em Itacoatiara. consideração mais
A virgem verde bem que merece
consideração. ♫

O grande organizador e
idealizador do Boi-bumbá Corre Campo
foi professor Edvaldo de Souza,
conhecido por todos como Catola, que na
apresentação era o “Amo do Boi”.
Lembro que nesse mesmo ano, fui assistir
uma apresentação na quadra da Igreja
Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, em
Chagas Aguiar e aconteceu o ritual do tira
a língua, que acontecia assim:
O Pai Francisco acabava de dar
o tiro de morte no boi. O povo cantava
animado:

♫♫ Chico tira a língua


Chico tira a língua
Chico tira a língua
Se quer tirar…. ♫♫

E o Pai Francisco respondia:

♫♫ A faca está cega,


A faca está cega,
A faca está cega
Não quer cortar…♫♫
Rainha da Batucada do Boi Estrelinha
Nunca Mais Coari 266 Archipo Góes
Literatura Coariense
Na sequência acontecia a “O corre campo era o verdadeiro
repartição do boi. Houve um tempo em boi coariense! O Pajé Wilsão Cavalcante
que as apresentações dos bois-bumbás arrasava na pajelança! Aratxó
foram restringidas ou proibidas. A caramuru…”
repartição era uma forma de criar um bom Agora vamos para a parte final
relacionamento com a comunidade. No deste texto sobre as minhas memórias do
período da ditadura militar, em Manaus, festival folclórico de Coari. No ano de
os bois ofertavam as partes do boi aos 1993, o prefeito era o Dr. Odair Carlos
poderes constituídos, para não correr o Geraldo. Meu amigo Osney Oliveira era o
risco da censura. chefe do Departamento de Cultura e eu
Durante a repartição acontecia estava na coordenação organizadora do
versos assim: Festival. Então, eu participei mais
♫Oh lé lê oh lá lá – Olha o boi que te dar ativamente de cada parte desta festa
Oh lé lê oh lá lá – Olha o boi que te dar junina.
Eu pego no rabo e Foi um festival muito rico
culturalmente. O cenário mudou para a
dou para o delegado. quadra da escola Dom Mário, uma quadra
Eu pego no coração e grande, com medidas oficiais. Foi
Dou para o Dr. João construído, pela primeira vez, alguns
Eu pego no peito e camarotes para que as pessoas pudessem
Dou para o Prefeito ♫ assistir com um pouco mais de conforto.
Eu ficava na mesa da coordenação
ajudando em tudo, desde o cronômetro,
Na parte final do auto do boi, até o julgamento de recursos e
acontecia a ressuscitação do boi-bumbá impugnações.
pelo pajé da tribo. O professor Wilson O Garantido começou com
Cavalcante comandou o ritual, dançando entradas individuais do apresentador
e repetindo as palavras em tupi-guarani Antônio Paulo Santos (Paulinho Marçal),
“Araxo (aratxó) Caramuru” como um César do Cavaco e José Willacy. Foi
mantra. apresentado o tema e o enredo: “Histórias
de Boi-bumbá”. Em seguida, houve a
♫♫ Araxó Araxó entrada a marujada do Boi-bumbá
Araxó Caramuru Garantido que teve uma apresentação
Araxó Araxó com cadência e precisão. A rainha de
bateria foi a jovem coariense Yomara
Araxó Caramuru ♫♫ Lira. Ela era uma modelo muito badalada
em nossa cidade, estava com um corpo
Araxó significa poderoso e escultural e dançando muito bem. Foi
Caramuru, filho do trovão. O mantra foi uma excelente escolha para a abertura.
repetido em um ritual de pajelança, em O enredo começou pela Grécia e
que foi invocando o “Poderoso Filho do tem como primeiro item, uma comissão
Trovão” fazendo o boi-bumbá Corre de frente composta por um grupo de
Campo voltar a vida. adolescentes vestidas de azul e branco,
No outro dia, na nossa sala de mais o núcleo principal integrado pelas 7
aula do 2º Magistério, repetíamos com moças atenienses, que seriam entregues
alegria o mantra durante todos os em sacrifício ao personagem mitológico
intervalos das aulas. Georgeth Míglio, a Minotauro, em seu labirinto. Lembro de
minha estimada amiga, que fez eu gostar duas amigas que participaram, Manoela
de poesia, comentou atualmente nas redes Dantas e Nalra Mirlene.
sociais:
Nunca Mais Coari 267 Archipo Góes
Literatura Coariense
Tenho algumas lembranças que região de Coari. Com as toadas
vem sempre na mente, de como cada esplêndidas e inéditas, sem cópias ou
amigo se comportava durante a sua plágios, aconteceu uma grande evolução
apresentação. Como amiga Ruth Queiroz do Boi Garantido no Festival de 1993.
que representava com muita beleza a Pela primeira vez, aconteceu o ritual de
Miss do Boi Garantido, e mais tarde, em matança do boi e a sua ressuscitação.
1996 foi a vencedora do concurso Miss O Boi-bumbá Corre Campo
Coari mais concorrido da história dos apresentou o tema e o enredo “Cultura
concursos coarienses. A alegria da colega Indígenas”. Nesse ano de 1993, o boi de
de aula Perpétua que dançava como Chagas Aguiar modificou a maneira de
porta-estandarte expressando um sorriso contar seu enredo, visto que houve uma
cativante deixando todos felizes ao vê-la modernização em quase todos os itens
bailando. apresentados. O primeiro item que logo se
No segundo momento, houve a notou a diferença foi um pajé de ofício,
apresentação do boi Prata Fina que além de ser um excelente bailarino,
demonstrando como começou a ele era um estudioso da cultura dos pajés.
manifestação dessas brincadeiras juninas A batucada do Corre Campo
em Coari antes dos festivais. A filha do possuía muitos instrumentistas e marcava
seo Ioiô, dona Rosa Esmeralda, cantou com potência, ritmo forte, deixando um
algumas toadas do Prata-Fina. compasso mais acelerado. E assim,
Algumas amigas foram deixou mais intenso a apresentação do
destaques no Garantido. Nara Bastos folguedo no Festival daquele ano. As
entrou com um capacete muito lindo figuras engraçadas e tradicionais do boi-
representando o sol. Lembro de passar bumbá Pai Francisco, Catirina e
por diversas vezes na frente de sua casa e Cazumbá continuam sempre presentes
um grupo de artistas trabalhavam na durante toda a apresentação, trazendo
construção daquela indumentária. Ana uma dose de humor para os espectadores.
Célia Oliveira entrou com um capacete
grande e ela estava muito feliz, pois
amava muito participar daquele festival.
Ana Creuza Fernandes realizou
uma apresentação maravilhosa com seu
traje de “Deusa da Beleza”. Era um traje
branco e transparente e foi uma excelente
combinação de fantasia e modelo. Em
1992, Ana Creuza fez uma apresentação
primorosa, sendo destaque no concurso
de Miss Coari.
A apresentação do Boi-bumbá
Garantido em 1993 foi marcante devido à
pesquisa bibliográfica do José Wyllace,
que investigou sobre a história do Boi-
bumbá até e criou base para a composição
de suas toadas. Uma vez, vi ele
pesquisando com nossa professora, Irmã
Marília Menezes, que era filha do poeta e
folclorista Bruno Menezes. Pela primeira
vez o Boi-bumbá Garantido trouxe toadas
inéditas, destacando a toada Jurupari, Batucada do Corre Campo
onde a sua mitologia é muito presente na
Nunca Mais Coari 268 Archipo Góes
Literatura Coariense
Lembro em especial de alguns em dançar era muito cativante. Era dona
itens: Maria José e seu lindo traje com de um corpo que poderia ombrear com
costeira amarelo e preto. Minha Aluna, qualquer Cunhã-poranga parintinense
Patrícia Alves e seu capacete em daquela época. Ao som da toada do
homenagem à lua foi uma grata surpresa. Arlindo Jr. composta especialmente para
Ela, naquela noite, parecia outra pessoa, o Corre Campo, a rainha da beleza deixou
deixando de lado a timidez e mostrando a um espetáculo de presente para a minha
alegria de dançar boi-bumbá. A memória, que mesmo depois de 29 anos,
professora Naraci Bastos, trouxe de não esqueci.
Codajás as três finalistas do concurso ♫♫ Boi Corre Campo
Rainha do Açaí que fizeram uma Uma explosão de amor
demonstração de seus trajes típicos Seu uru forte
confeccionados da palha desidratada da Faz aBarco Dominique
galera vibrar
palmeira do açaí. E finalizando, Eros Campeão da terra…
Alfaia que entrou com seu capacete Do meu boi-bumbá
vermelho e branco fazendo uma Boi Corre Campo
coreografia indígena com vários passos Para sempre eu vou te amar ♫♫
tradicionais e muito efeito de fumaça.
Nesse momento, estou passando
Para a surpresa de todos, entrou entre os brincantes, tirando dúvidas
na quadra uma figura típica amazônica, a quanto ao tempo da apresentação para os
imensa alegoria da Cobra-grande que dirigentes, quando sou puxado pelo
percorreu toda a quadra, circulando entre braço, surpreso olho para ver quem
os brincantes. A lenda da cobra-grande seria… veio a linda imagem da Rainha do
está muito associada à queda de terras nas Açaí. Ela sorriu, me falou algumas coisas
margens do rio Solimões, pois o no ouvido. E após a apresentação do
ribeirinho não tendo como explicar o Corre Campo, saímos para apresentar a
fenômeno natural, atribui ao mito e seus cidade a nossa visitante.
personagens lendários a explicação
através do movimento das cobras em De repente, o leitor pode estar
baixo da terra. pensando — Poxa! Faltou aquela dança,
as quadrilhas, os bois mirins etc… mas
Na sequência começou a essas são as minhas memórias
apresentação dos principais itens do boi particulares, foi a forma como fui
Corre Campo, as tribos indígenas e a impactado pela nossa cultura no festival
Cunhã-poranga. As tribos foram o grande folclórico. Fica o desafio. Faça um texto
investimento do folguedo no festival narrando as suas memórias e como você
daquele ano e foi onde mais existiu foi impactado pela cultura coariense, que
retorno. Foi uma grande quantidade de com muita felicidade publicarei no nosso
tribos terceirizadas do Boi Garanhão de site.
Manaus, e 100 componentes divididos
em 3 tribos, todos eram moradores do Tenho ainda duas cenas fortes
bairro Chagas Aguiar e suas do dia seguinte, dia da apuração. Uma ao
indumentárias confeccionadas em Coari. passar na frente da escola João Vieira e
A quantidade de tribos e a qualidade de observar as pessoas felizes
suas coreografias e trajes fizeram a base comemorando. E a segunda, ao passar na
para a grande evolução do Corre Campo frente da prefeitura e ver alguns
naquele festival. brincantes do Boi Garantido queimando o
Boi Prata Fina em protesto por perderem
Na apresentação final, antes do o primeiro festival. E depois disso, não
ritual, entrou uma alegoria com a tivemos mais um festival dos bois
escultura de uma onça, o pajé e a Cunhã- coarienses. Foi uma parte importante da
poranga montada na onça. Foi o ápice da nossa cultura, que agora se encontra
festa. A Cunhã-poranga fez uma apenas em nossas memórias. Foi um
apresentação que ficou marcada em toda a tempo que o vento levou.
história dos festivais, pois a sua alegria
Archipo Góes
Nunca Mais Coari 269 Archipo Góes
Literatura Coariense
Minhas Memórias da Festa da Banana – 1989 a 1991

Archipo Góes
Na década de 80 foi comum no comissão organizadora composta de
Brasil algumas cidades criarem festivais membros do Departamento de Cultura e
em comemoração à grande produção do do IDAM. No planejamento foi criado
seu principal produto agrícola. Essas prêmios para o agricultor com maior
festas eram incentivadas nacionalmente produção de banana, premiação para o
pelo programa dominical Globo Rural. maior cacho de banana, premiação para o
No Amazonas, o governador era agricultor com maior variedade de
Amazonino Mendes, que através da banana (Prata, Maçã, Pacovan, Nanica,
agência Emamtur (Empresa Amazonense Ponta Fina, Inajá ou Ouro, etc.), concurso
de Turismo), estimulou a criação de de comida típica onde o principal
vários festivais nas cidades da ingrediente seria a banana, concurso de
hinterlândia amazonense. calouro, concurso de dança, e a atração
A Festa do Guaraná foi a mais esperada da noite, a eleição da
precursora no Amazonas. Começou na Rainha da Banana.
década de 60 e permanece sendo O concurso de Rainha da
realizada todos os anos na cidade de Banana tinha sua essencial característica
Maués. Depois tivemos a Festa do Açaí em ser um concurso de beleza em que o
em Codajás, a Festa do Leite em Autazes, traje típico era muito importante na nota
a Festa do Tucunaré em Nhamundá, a final de cada candidata. Não era só a
Festa da Castanha em Tefé, Festival do beleza plástica, mas todo um conjunto da
Peixe Ornamental de Barcelos, a Festa do apresentação. Na comissão organizadora,
Cupuaçu em Presidente Figueiredo, a faço um destaque para a Professora
Festa da Laranja em Anori e muitas outras Simonete Dantas que era a organizadora
espalhadas por todo o Amazonas. de todos os desfiles oficiais promovidos
Tenho em minhas lembranças o pela prefeitura de Coari e ao artista
ano de 1989, Coari era uma cidade pacata, plástico Izocrates Brandão (Dó) que era
tranquila, ordeira e passava por grandes responsável pela construção dos
transformações em sua estrutura. O lendários palcos do aniversário da cidade
prefeito era Evandro Aquino, um técnico e da Festa da Banana.
agrícola de formação e funcionário do A Festa da Banana foi realizada
IDAM. Em seu primeiro ano de mandato na recém-criada Feira do Produtor Rural,
foi criada a lendária Festa da Banana, que no aterro em cima do igarapé de São
seria realizada todos os anos, na primeira Pedro. A Feira do Produtor Rural
quinzena de dezembro. começou no início da década de 80, em
Eu, ao realizar uma pesquisa plena rua da praça São Sebastião, depois
intensa nos jornais do Amazonas, houve uma mudança para o início da rua 5
constatei que desde a década de 60, Coari de Setembro, passando pela frente do
já vinha sendo noticiada como detentora sobradinho dos Dantas e continuando até
da maior produção de banana no estado o Instituto Bereano de Coari na rua Rui
do Amazonas, chegando ao grande ápice Barbosa. Como era uma feira que
no final da década de 70 e por todos os acontecia na rua, não havia organização,
anos 80. Em 1988, Coari enviou mais de higiene e segurança, proteção das chuvas
um milhão de cachos de banana para a etc., era preciso de um local que viesse a
capital do estado. atender os anseios dos produtores rurais e
Evandro Aquino criou uma festejar a grande produção de banana do
município.
Nunca Mais Coari 270 Archipo Góes
Literatura Coariense

Candidatas a Rainha da 1ª Festa da Banana


No dia 23 de novembro de 1999, novo local de eventos em Coari era
aconteceu uma das primeiras ações da inexprimível. Uma pequena passada no
comissão organizadora, a realização de Bar’nanas do Gamal e da Irley para
uma viagem a capital, com o prefeito acabar a sede era um costume de todos os
Evandro Aquino, as Candidatas a Rainha amigos. Um amontoado de pessoas
da Banana, para convidar o Governador assistindo aos espetáculos dos cantores e
Amazonino Mendes e solicitar apoio da bandas que foram contratados pela
Emamtur, a agência de turismo do estado prefeitura de Coari e pela Emamtur.
do Amazonas, para patrocínio das Nessa época a nossa turma
atrações regionais. costumava ouvir A-ha, Pet Shop Boys,
As candidatas selecionadas para Pink Floyd, Madonna, Guns N’ Roses,
concorrer ao título de Rainha da Banana Freddie Mercury, Scorpions, RPM,
foram: Fernanda Alves, que já mostrava Paralamas do Sucesso, Legião Urbana,
muitas técnicas nos desfiles de moda em Cazuza e as músicas traduzidas do F.
Coari; Simoni Medeiros, candidata que Cavalcanti no seu programa For Make
nasceu em Maués e morava com a família Love, que gravamos em fita K7 no
do tio Arnaldo Alves (Sevla); Eloiza Reis, microsystems, às rádios FM de Manaus
irmã da icônica goleira de handebol, no último andar do Coari Palace Hotel.
Karatê; Arione Boaes, a única candidata Por outro lado, na festa da Banana
que ainda reside em Coari; e finalmente, tivemos acesso a ritmos bem nacionais e
Gerlane Farias, que já era 1ª Princesa do populares.
Miss Coari 1988 e Miss do Boi-bumbá Durante toda a Festa aconteciam
Rei Garantido em 1989. apresentações de atrações regionais e
— Ninguém vai conseguir me nacionais no palco principal do evento. A
separar do meu amigo Gilberto Banda Embaixadores de Manaus, trouxe
Mestrinho. uma apresentação dos principais hits de
A 1ª Festa da Banana aconteceu 1989: lambadas, forró, axé music e
no dia 9 de dezembro de 1989 e foi palco pagode. Em seguida, aconteceu uma
da reaproximação e apaziguamento entre apresentação da dupla sertaneja cover
o governador Amazonino Mendes e o ex- Havaí e Rouxinol que cantaram músicas
governador Gilberto Mestrinho que de Leandro e Leonardo, Chitãozinho e
durante a solenidade de abertura da festa Xororó. E para finalizar a festa, houve a
estavam lado a lado no palanque fazendo apresentação de Genival Lacerda, que
seus discursos sobre a volta da eleição cantou seus sucessos: “Radinho de
para presidente da república de 1989 e a Pilha”, cheia de duplos sentidos;
disputa entre Lula e Collor. “Severina Xique Xique”, “Ele tá de olho é
na boutique dela…”; por fim, “Mate o
A sensação de estar naquele Véio, Mate”.
Nunca Mais Coari 271 Archipo Góes
Literatura Coariense

Evandro Aquino e 3 Candidatas à Rainha da Festa da Banana


A atração nacional, que Farias. Hoje nossa primeira rainha reside
encerrou a parte musical da noite, ficou na cidade de Governador Valadares, no
por conta do Rei da Lambada, Betto interior de Minas Gerais.
Douglas, que contagiou a plateia com seu
repertório do ritmo mais quente do início
dos anos 90, a lambada. Ele cantou seus A Segunda Festa da Banana
sucessos como: Lambada do Galo Gago,
Cúmbia Brasileira, Merengue da A 2ª Festa da Banana foi um
Moreninha, Merengue Lambada, Sinto marco na história das festas regionais.
Amor em teu Olhar. Agora seriam 02 dias de festa, as
O concurso Rainha da Festa da candidatas desfilariam com trajes típicos
Banana foi muito concorrido e relacionados ao cultivo da banana,
movimentado. As 5 candidatas dividiram aumentou a quantidade de concursos
a cidade e a torcida de cada uma era muito ligados a produção da banana. Foi uma
efusiva e calorosa. As melhores festa em que a população já entendia o
apresentações na passarela, contando enredo dos acontecimentos.
simpatia, beleza plástica e elegância, A Festa da Banana teve como
foram de Fernanda Alves e Gerlane objetivo incentivar os produtores e
Farias. agricultores a investirem cada vez mais
O fechamento e a principal em seus empreendimentos visando o
atração da 1ª Festa da Banana foi o aumento da oferta de seus produtos à
glamouroso concurso que escolheu a 1ª população coariense e consequentemente
Rainha da Festa da Banana. E a eleita foi a melhoria de suas receitas.
uma jovem morena de 15 anos, Gerlane O evento foi uma forma de
resgatar as manifestações da cultura
coariense, através das atividades
artísticas desenvolvidas no município.
Além de incrementar o mercado através
dos produtores de banana, gerando com
isso divisa para o município. Por fim, foi
uma forma de democratizar o acesso ao
lazer, considerando como direito da
população, fator de desenvolvimento
humano e promoção da qualidade de vida
do coariense.
Gerlane e Eu - Valadares-MG em 2016

Nunca Mais Coari 272 Archipo Góes


Literatura Coariense

Exposição da Maior Produção de Banana


Coari, nessa época, era o maior por exemplo: vinagre, licores, mel,
produtor de bananas do estado do cocada, etc.
Amazonas, com uma produção de 1 Nesse ano de 1991, houve uma
milhão e 200 mil cachos anuais. Mas, não maior participação da Emamtur, que
era só uma festa para a área cultural e ofereceu os prêmios para os vencedores
agrícola, pois foram inauguradas várias dos concursos, contratou atrações para se
obras naquele ano. Sendo a principal, a apresentarem na festa, além de darem
reinauguração do estádio Carecão, antigo todo o apoio necessário para a realização
estádio Alexandre Montoril, que a partir do evento.
daquele ano passou a se chamar “José Durante a festa foi realizado um
Rosquildes” em homenagem a filho do concurso de calouro, em que o vencedor
ex-prefeito Roberval Rodrigues, que era foi o jovem Jean Walmor com a música
atleta de futebol e faleceu com 19 anos, “Era um garoto como eu que amava os
vítima de afogamento, voltando de uma Beatles e os Rolling Stones”.
excursão desportiva de outra cidade.
A programação da 2ª Festa da
A programação da 2° Festa da Banana aconteceu com a presença de
Banana foi bastante variada. Houve cantores e bandas locais e regionais.
apresentações de cantores nacionais, Foram atrações como o cantor coariense
regionais e locais, show de calouros, Piska que cantou sua muito conhecida
carreata, passeio turístico de barco pelas composição Estrela Distante; a Banda
praias principais do município, concurso Playpop que trouxe um pouco das
da maior produção de banana, o maior músicas mais tocadas em todo o país;
cacho de banana, o grandiosíssimo Netinho do Solimões; Edney e Billy
concurso para a escolha da Rainha da 2ª Marcelo; Sandrinha, a pepita dos
Festa da Banana e a tradicional corrida da garimpeiros, que fez um show com
banana. músicas sensuais e um show com muita
Na área da festa, feira do interação e participação do público
produtor rural, foram dispostas 15 presente; e para encerrar a noite, Pinduca,
barracas vendendo produtos típicos da o Rei do Carimbó, que trouxe diretamente
banana, como: a torta de banana, a pizza de Belém do Pará seu repertório muito
com a cobertura de banana, a salada de conhecido na região do Médio Solimões.
banana, a farofa da casca da fruta entre O momento principal da
outros. “Antes, a casca era jogada fora. programação do evento foi o concurso de
Hoje, ela também é aproveitada.”, Rainha da 2ª Festa da Banana. Na
afirmou o chefe da Emater-AM de Coari, abertura, houve a apresentação da Rainha
Luiz Rebelo. No stand da Emater, além de da 1ª Festa da Banana, Gerlane Farias,
vender comidas típicas, mostrava o que que encantou todo o público ao fazer seu
era possível produzir da banana, como, desfile de despedida.
Nunca Mais Coari 273 Archipo Góes
Literatura Coariense

O concurso Rainha da II Festa por Socorro Barreto, que era a mentora da


da Banana foi narrado no jornal Folha de Miss Mara Alfrânia e uma artista plástica
Coari dessa forma: muito atualizada e contextualizada do que
“A primeira a pisar na passarela acontecia nos demais festivais regionais.
foi Ana Creuza, com um vestido todo em Socorro elaborou uma indumentária
verde, destacando-se o desenho da branca com muita transparência, trazendo
banana em amarelo. Ana Creuza fez um uma sensualidade leve e uma saia cheia de
belo desfile. A segunda foi Elane Souza; produtos relacionados ao cultivo da
com um lindo sorriso no rosto, ela banana. Aquele vestido até hoje é
apresentou-se como sendo a própria fruta lembrado pelos amantes de concursos de
e trazia sobre a cabeça uma palma de beleza pelo seu bom gosto e
banana. Seu desfile também foi muito originalidade”.
bom. Em seguida, a loiríssima Cleomara
Costa emocionou a plateia, derramando A 3ª Festa da Banana
muito charme e simpatia. Cleomara
desfilou com a fantasia denominada
“Chiquita Banana”. Os preparativos começaram
com uma visita da comissão organizadora
da Festa da Banana ao o governador em
♫♫ Chiquita Bacana lá da Martinica exercido, Francisco Garcia, sendo
Se veste com uma casca de banana nanica ♫♫ recebida no Palácio Rio Negro. A
comissão, chefiada pelo prefeito Evandro
“Foi uma alusão a marchinha de Aquino, os membros do departamento de
carnaval ‘Chiquita Bacana’ cantada por cultura, e as candidatas à rainha do
Emilinha Borba e composta por evento. O objetivo foi levar pessoalmente
Braguinha, com referência e inspiração o convite para o governador participar da
ao existencialismo francês, no carnaval festa, conseguir patrocínios e
de 1949.” Grifo meu. infraestrutura.
“No concurso de Rainha da 2ª Francisco Garcia enfatizou o
Festa da Banana foi marcado por uma sucesso da festa nos anos anteriores e a
disputa muito intensa entre Cleomara importância como incentivo econômico e
Araújo e Astrid Silva. Cleomara estava na turístico para o município. A dificuldade
melhor fase de sua vida para concursos de de financiamento, também, foi tema da
beleza, graciosidade, charme, uma beleza conversa do governador com o prefeito,
plástica indescritível, elegância na face à situação econômica do País.
passarela usando técnicas modernas, Evandro disse que a produção de banana
contudo, seu traje típico com elementos representa dinheiro em circulação, com
de contemporaneidade e alguns brilhos uma média de 3 milhões de caixa anual,
não eram condizentes com as festas exportada para a capital e demais cidades,
regionais daquela época no Amazonas”. com a produção totalmente natural, sem
nenhum recurso industrial.
“Astrid Silva, foi assessorada
Nunca Mais Coari 274 Archipo Góes
Literatura Coariense

A Festa da Banana, que surgiu Romério e Gerlane de Souza. As


da necessidade de incentivar e principais ruas da cidade ficaram mais
homenagear o produtor rural, recebia a animadas com a Carreata das Candidatas
cada ano mais turistas e foi considerada, a a Rainha, que teve a participação de
segunda maior festa do estado do carros, motos e bicicletas. E na área da
Amazonas. Para a 3ª Festa da Banana, feira do produtor rural, aconteceu
fazia-se uma estimativa de um público de concursos e show musical.
5 mil pessoas dos demais municípios e da
capital. Segundo Evandro Aquino, já O concurso de Rainha da Banana:
existia na época, uma preocupação em
todos os setores do turismo, desde hotel, Foi a primeira festa da banana
alimentação, à informação sobre o cólera, em que podemos constatar uma grande
devido à grande divulgação de casos no evolução nos trajes típicos do concurso de
município no início da década de 1990. Rainha da Festa da Banana. Os artistas
O governador agradeceu o plásticos já estavam atualizados e
convite e desejou sucesso à comissão contextualizados quanto ao padrão das
organizadora e lembrou às rainhas o roupas típicas das festas regionais e neste
espírito de competição, que segundo ele, ano, superaram as expectativas.
é o da participação no evento como Aconteceu um desfile com excelentes
processo de desenvolvimento para o trajes típicos e uma seleção primorosa das
município. candidatas.
As candidatas a Rainha da 3ª
A Festa: Festa da Banana foram: Jan-neves
Ribeiro, Fabiana Gomes, Adriana Vieira,
A 3ª Festa da Banana aconteceu Sanara Marques, Nancy Batista.
nos dias 6 e 7 de dezembro de 1991. Foi O auge do evento foi a escolha
um evento muito concorrido e mais uma da rainha da Festa da Banana. Na minha
vez emocionou o público presente. A área previsão e opinião na época, a grande
da Feira do Produtor Rural foi pequena disputa do concurso Rainha da 3ª Festa da
para comportar uma multidão, calculada Banana seria entre as candidatas Jan-
pelos organizadores, em torno de cinco neves Ribeiro (Miss Coari 1989) e
mil pessoas. Os cantores Nino Gato, Fabiana Gomes (4ª no Miss Coari 1990).
Netinho Solimões e Perla, além da Banda Aconteceu um desfile com muitas
Impacto, animaram os dois dias de festa. técnicas novas, trajes típicos tradicionais,
As barracas típicas também se traduziam naturais e originalidade. Para a confecção
em atração, vendendo comidas feitas com dos trajes, que sempre se referiam a
banana. banana, foram usados frutos e folhas
Durante o dia aconteceram desidratadas, entre outras partes da
atividades desportivas como: a Corrida da bananeira.
Banana, cujos vencedores foram o PM

Nunca Mais Coari 275 Archipo Góes


Literatura Coariense
A estudante Fabiana Raírima da plantando a banana para que Coari a tenha
Conceição Gomes, 17 anos, foi eleita a como forte produto de sua economia.
rainha da 3ª Festa da Banana, na Quero agradecer aos agricultores, porque
madrugada do segundo domingo de foi através do trabalho deles que esta festa
dezembro de 1991. Ela concorreu com pode ser realizada”, finalizou.
mais quatro candidatas; obteve 174 Um fato marcante da 3ª Festa da
pontos do júri formado por empresários, Banana foi a apresentação da cantora
profissionais liberais e artistas que paraguaia de muito no Brasil, Perla. Ela
analisaram a beleza plástica e a cantou os seus sucessos: Índia, Fernando,
criatividade nos trajes das candidatas. A Pequenina, Rios da Babilônias, Pela
segunda colocada, Adriana Vieira da Estrada do Sol, Galopera, etc. Foi
Costa, 17 anos, conseguiu 171 pontos, inesquecível aquele momento, música
seguida de Jan-Neves Ribeiro Nogueira, que cresci ouvindo na eletrola Nivico do
19 anos, que alcançou 170 pontos. meu pai. E o momento cômico do evento
Disputaram ainda as estudantes Sanara foi quando a cantora chamou o prefeito da
Marques de Araújo, 16 anos, e Nancy de cidade para dançarem, foi quando ambos
Souza Batista, 17 anos. caíram durante uma dança. A cena foi
A Rainha da 3ª Festa da Banana, gravada pelas filmadoras Panasonic VHS
Fabiana Raírima da Conceição Gomes, M8, onde as fitas eram exibidas nos
destacou-se muito no item de julgamento aparelhos de videocassete da época, e eu
Beleza Plástica Corporal. Ela já havia acredito que foi o primeiro meme
disputado o Miss Coari em 1990, ano que coariense.
Mara Alfrânia foi eleita Miss Coari, e Esse foi meu primeiro texto
naquele ano de 1991, foi Miss Amazonas sobre as minhas memórias da Festa da
1991, que aconteceu na cidade de Banana. Se você chegou até aqui,
Itacoatiara. obrigado pela leitura sobre uma Coari
Astrid Silva, rainha da 2ª Festa pacata e diferente. Uma Coari de um
da Banana, passou às mãos de Fabiana o tempo, que o vento levou.
cetro, o manto e a coroa. Ela reinou como
rainha durante um ano. “Eu acho que o Archiipo Góes
mais importante para mim, foi o carinho
do público. É importante saber que o povo
coariense gostou da nossa festa, que me
apoiou, inclusive recebi muitas
manifestações de apoio das pessoas
quando andava pelas ruas”, afirmou
Fabiana Gomes na época.
Durante a sua apresentação no
palco da Festa, Fabiana recebeu muitos
aplausos do público, que superlotou a
área da Feira do Produtor Rural.
“Eu acho que tudo isso
contribuiu para que esta festa fosse muito
bonita e, acima de tudo, quero agradecer o
apoio recebido das autoridades e de todo
o povo; também agradeço a comissão
organizadora pela escolha de nossos
nomes para disputar o título e pela
oportunidade que me deram”, falou
emocionada Fabiana.
Mas a sensibilidade de Fabiana
ainda estava por surgir em suas
declarações. Ela lembrou dos
agricultores, os quais são o motivo da
festa. “Espero que eles continuem
Rainha da 3ª Festa da Banana
Nunca Mais Coari 276 Archipo Góes

Você também pode gostar