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a mae, 45, A Esquizofrenia e o Estadio do Espelho Suzana ‘Suzana & uma adolescente de 17 anos, que chega ao Pronto-atendimento acompanhada pelo ai, procedente de um interior distante. Ela estudou até a 4a. série e, hd cerca'de um ano, comecou a apresentar mudanca de comportamento:“pegavaum espelho, falava com ele, falava coisas sem sentido". Ha 4 ou 5 meses passou a xingar e brigar com os familiares, a no se alimentar direito, Fugia de casa ‘Sem rumo, passava noites sem dormir, ora rindo, ora chorando. Foi intemada em um Hospital Geral por cerca de 2 semanas, porque estava muito fraca, "quase morta’, e foi tratada com neurolépticos. No entanto, apés a alta, passou a ficar muito agitada, | sem alimentar-se, querendo fugir de casa, falando coisas sem sentido, rindo e chorando. ( pai de Suzana tem 66 anos e é aposentado; 2, no lugar da profisséo, podemos ler: ‘“doente mental”. Os pais sao separados ha 12 anos e, dos 9 filhos do casal, apenas a paciente vive aiualmente com o pai. Este relata que, hd 8 meses, eda foi espancada pela mae. Suzana tem 5 inmaos e 3 inns e 6 a sétima fha do casal. ‘Ao exame, Suzana apresenta-se calma. E _uma adolescentie bonita, de cabelos castanhos, mui- $b isos. Risos imotivades altemam-se com mucitags- ‘es © eshoco de chor. ‘0 plantonista descreve um ‘olhar“ameagador”, enquanto ela fala baixinho:"pinto, perereca, peru”. “Quero a vida do pai, eu amo since- Tamente meu pai”. Toda hora quer trar a roupa, ‘queixa fraqueéza nas pemas. Nao resiste & intema- ao. ‘Suzana fica agitada e insone durante varios das, com a fala desconexa e 0 pensamento desor- denado. Apresenta risos imotivades, mucitagSes,e 0 andar robotizado. Muito “pegajosa”, cola-se 2s pes- soas que entram na enfermaria, chegande a toca las Elisa Alvarenga* ‘com seu rosto. Nos primeiras dias, tira a roupa indi- eras vezes, mostra os seios e aborda pacientes do ‘sexo masculino, querendo bejélos e abracd-tos. Chega a ser apelidada por um deles: “estupradora de homens”, No inicio, recusa-se a conversar nos atendi- mentos, desculpando-se por nao saber fazéo e ‘querendo “sair para fora”. Diz que est no hospital porque errau: “Pus a cabeca do Miguelinho na minha Perereca e o pinto do Augusto no meu cu”. Afirma que Nao esta doente, mas parece indiferente a sua esta- dia na instituigao. Um més depois, pediré com insis- téncia para ir embora, ver a familia, ser solta desta “cadeia’. Tenta mesmo fugir algumas vezes, desor- denadamente. Durante toda a intemago, tem a atengdo mui- to voltada para © corpo: pede para ver os seios e a banga, pede, varias vezes, um espolho. Apresonta intensa vulvovaginite e quer ver e pegar no creme vaginal usado para o tratamento, “Identifica-se” com Ciara, personagem da novela “Barriga de aluguer. “Vou tomar conta daquela crianga até crescer vida. Amenina sou eu, a menina-moga sou eu. Eu quero ser solta. Eu quero ver no espelho senio eu morrerei. Quero clarido, claridao, claridao. Eu amo larinha, tia, eu amo a senhora sinceramenie. Posso abrir seu olho para ver o que tem dentro? Me cobre coma cabeleira senso eu morrerel. Pée claro ni mim, ‘eu te amo, vou te dar um beijo na boca’. Interrogada ‘sobre os motivos da intemacao, passa a mao norosto e diz: "Eu me destrui, eu me molhei com agua. Eu quero um bebé na minha bartiga, quero que saia dela. Quero um espetho. Lua cheia vai flor. Asenho- ra 6 doida, no 6 doida no, 6 doida sim. O pai no tem culpa (chora). Quero ir para fora, quero ficar Viajando pra lé e pra.cé (se balanca). Eu quero viver, viver, no quero morrer. Meu pai me deu um remédio marrom, um comprimido marrom para suspender eu ~ Peiquiatra, poicanalista, preceptora da Residéncia do GPP, no periodo de outubro de 91 a junho de 94, Digitalizado com CamScanner dos pés & cabega. Eu era outra, tinha as pemas curtas, mais grossas”. Diz que o pai a trouxe para intemar por causa das verdades que disse: “Boba- ‘gem que eu fiz, coisa errada. Nada nao”. ‘Vernes que em Suzana predominam a desor- ganizago do pensamento e as vivéncias corporais.. E 0 que vai nos levar a pensar num diagnéstico de esquizofrenia. Aesquizofrenia Como sabemos, 0 conceito de esquizofrenia {oi proposto por Bleuler, e é uma reformulagao do conceito de deméncia precoce, sob a influéncia da Psicandlise... Os psicanalistas, no inicio do século, adotaram esta definig&o de Bleuler e deixaram um ppouco de lado a parandia. No entanto, Freud consi-

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