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Capitulo V As vertentes do sintoma Descobri aos 13 anos que o que me dava prazer nas leituras néo era a beleza das frases, mas a doenga delas, Eu pensava que fosse um sujcito escaleno. — Gostar de fazer defeitos na frase & muito saudd- vel, 0 Padre me disse, Ele fez. um limpamento em meus receios. O Padre falou ainda: Manoel, iso néo é doenca, pode muito que vocé carregue para o resto da vida um certo gosto por nadas, Ha que apenas saber errar bem o seu idioma MB. Nos capitulos precedentes foram evocados, descritos ¢ analisados diversos Sintomas evidenciando sobretudo seu aspecto de formagio do inconsciente « de realizagio do descjo, pois a descoberta do inconsciente passa pelo Sitoma. Afinal, essa descoberta visa em primeiro lugar 0 tratamento do Sstoma ¢, portanto, do softimento do humano pelo discurso do analista, % medida em que a psicandlise como praxis do inconsciente no é um 40 exercicio epistemolégico. A descoberta do inconsciente ¢ a descoberta da origem sexual ¢ da 1, tminaszo significante do sintoma que estio inscritas no inconsciente. ‘sud até hoje, se 0 “invélucro formal do sintoma"! tem variado segundo Scompanhando os desenvolvimentos da ciéncia — as histéricas de seri? aPtesentam os mesmos sintomas que as histéricas de Charcot —, jutura €a mesma. E por mais que se tente encobri-la, com os manuais inna Sstico (DSM e CID) € com os intimeros medicamentos que hoje “et dann © Mercado, a descoberta psicanalitica do sintoma nio pode mais nsiderada, a Sue coe ohtt4MOs no ensino de Lacan um deslocamento da teoria doaneey "Porta mudancas bastante acentuadas em sua abordagem. Nao que 7 Digitalizado com CamScanner 18 ‘A descoberta do inconsciente ule a outra, Como se trata de um ensino, assim como g de ser considerado um work in progress em que as teorizagées sucessivas nao se excluem (como a eee “Spica de Freud No ivalida a primeira) — elas sfo, antes, TP langas ie pectiva. Asim, yemos a mudanga de abordagem do sintoma-verdade a vati(e)dade do sintoma, do sintoma metéfora ao real do gozo do sintoma, do sintoma parasita ao sintoma como quarto né (como a arte em James Joyce) que Parasia Me és repstros RSI, até Finalmente considerar sintoma como o trodo como cada um goza de seu inconsciente, além do que jé foi evocado até aqui, Neste capitulo, estudaremos, , : algumas dessas vertentes do sintoma, sem pretender esgoté-las, partindo de sua concepgao da medicina & psicandlise. uma teorizacao ant obra de Freud, ele po 0 sintoma e 0 pathos Michel Foucault, em O nascimento da clinica, descreve 0 nascimento da medicina, da qual a clinica psicanalitica é, de certa forma, derivada, ou melhor, 2 psicandlise tanto deriva quanto rompe com a clinica médica, sobretudo no que diz respeito a0 sintoma. A abordagem do sintoma por Foucault é uma abordagem estrucura- lisea, o que significa que sua referencia é a linguagem, a qual para 0s estruturalistas corresponde & prépria estrutura.? Ele parte de uma andlise lingiistica do sintoma, definindo-o de inicio como um significante cu significado é a doenga. “O sintoma — dai seu lugar de destaque — €# forma como se apresenta a doenca: de tudo que é visivel, ele € 0 que estd mais préximo do essencial; ele é a transcricdo primeira da inacessivel naturera da doenga. Tosse, febre, dor lateral, dificuldade para respttt no sio a propria pleutisia, mas permitem um estado patolégico. Os sintomas deixam transparecer a figura invaridvel, um pouco em recs! visivel e invisivel, da doenca,”3 aa sae arly iia do ne & ae ene Fea on noma diam raneprecer lg nape 2 te um estado patoldgico determinado. O sintom4 portanto um fendmeno que, por definica Fi “lo de said? Na clinica médica, o significado do sintoma cove vinifcante € 00 sintoma como significance € sem? patoldgico. — s Patologia rs 4 Digitalizado com CamScanner rF As vertentes do sintoma 19 Por outro lado o sintoma médico se vincula sempre a outros si ajo eajunto define a doenea. Na sua arculgio sient aetna ctu ele “fa” a doenca. A rosse(S) se aticula com febre(S) dlr lateral Ms fculdade de respirar (S”), e essa cadeiasignificane de sintomas 6”) (o) tem necessariamente um significado: a doenca pleurisia. En doenca Para que haja essa selagéo entre o sintoma € a doensa, ow sja, 0 esabelecimento de relagio do significante com o significado, € necessiria a ineervencao de um ato que serd efetuado pelo olhar médico. Este transforma sintoma em um significance que significa imediatamente a doenga como sua verdade, fazendo assim do sintoma um sinal, um signo mérbido. Bis @ operacao clinica fundamental. © sincoma em medicina € um signo (ou sinal) no sentido de Pierce para quem o signo (signe) & aquilo que representa alguma coisa para alguém. Seu exemplo mais tipico € a fumaca, pois onde ha fumaga hé fogo. Uma famaca no horizonte é um sinal (signo) de que ha fogo, mas para que assim scja, € necessdrio alguém que esteja presente para estabelecer essa relacio. O sintoma é signo na medida em que representa a doensa pala ¢ médico. Aapuragéo do sintoma em medicina se vincula portant 30 método clinico hitorcsmente datado constituido pela emergéncia do olhar do médico nesse campo dos sintomas. A operagio médica significante ¢ que significa, do sintoma”, Fazer do sintoma um medicina: “Para um médico cujos conhe grau de perfeicéo, todos os sintomas po ~ Como para a medicina, também part ® Pr Significance, porém nao com significado patolégico. E tam! mas ndo 0 cinal de uma doenga. © sintoma cone signifiante pas & | Psicandlise tem um significado sexual, ¢ com? sinal, 0 sincoma € um sinal | do sujeito. O sintoma é a fumaga ¢ 0 fogo € 0 sujelto. | da composicio © ato médico constitui o saber através do har clinio, da com nposiio lo quadro clinico em sua minuciosa descri¢a0, fazendo eerared c a doenca, Ele aproxima assim 0, Vet-69: abe, ov | tendo como resultado a produgao. da ve i bg produgie ca ere jenada pela anatomi2 patoldgica Sede pouco a pouco o lugar a uma clinics ere Bichae, “um funda- a 5 fe ’ cra de Bichat. Encontrou-se ent» “ sintoma em elemento precisamente, a doenga como verdade imediata ‘inal da verdade romou-se um ideal da imentos sejam levados a0 mais alto ‘deriam se tornar signos.” psicandlise 0 sintoma é um também um sinal, consiste em transformar Digitalizado com CamScanner 120 ‘A descoberta do inconsciente eal eindubitével de uma descrigio das doenes: ung mento enfim objetivo, F 1 en nosoprafia fundada na afeegéo dos Srgios seré necessariamente invari Para a psicandlise, 0 sintoma, Gao Yemete a uma doenga que tenha algun substrato anatomopatolégico, ou seja, 40) remete a um significado gener. Tizdvel nem a um significado patolégico. Assim, 0 significado do sintomg cosse de um sujeito, por exemplo, é diferente do que € a tosse para out sujeto. © sintoma para psicandlise #0} revela a verdade de uma doenga orginica, 0 que nao quer dizer que nao revele uma verdade: trata-se da verdade do sujeito-do inconsciente. O que Freud descobre na andlise dis histéricas € que o sintoma se forma como os processos, ditos normais, do sonho, do chiste e dos lapsos, porque tém exatamente a mesma estrutura. O que faz com que se rompa af a barreira entre. o normal.e.o patolégico Assim, o significado de um sintoma para a psicandlise nao é a patologia O sintoma, para a psicandlise, sé pode ser considerado patolégico por ser referir ao pathos, a paixéo do sujeito que ¢ paixao sintomatizada pelo sexo, pois o sentido de todo sintoma é sexual. Por outro lado, ha um pathos como padecimento do sujeito, j4 que ele padece da estructura da linguagem. O sujeito padece da linguagem ¢ do sexo, ¢ o sintoma revela esse duplo padecimento, pois é tecido de linguagem e.¢ a forma de satisfagio sexual do neurético. E surpreendente Freud afirmar que um sintoma como uma tosse, uma paralisia, ou uma idéia parasitéria obsessiva, é uma maneira de Gorar do neurético. O sintoma, por remeter em tiltima instancia a uma modalidade de gozo, € um destino pulsional que a andlise, como decifracéo © do inconsciente, desvela. Daf a paixio pelo sintoma. O sintoma da afonia de Dora mostra uma satisfagao oral ao fantasiat ceene de relacéo sexual com sua amante, a Sra. K, em quem ee Tale cpproPrie enigma de ser mulher, Essa fantasia, que ¢o significado Ove umoms € propriamente falando patalégico, na medida em 4 wjeito estd padecendo do sexo e tenta, com essa resposta sinromdtics responder 3 intetrogacdo do desejo que se Po veecjo do ost presenta como desejo i O sintoma n rics a medicina tem relaca ‘ an ni Aga0 is constitu! de sua clinica. Toda vez ici com a estatistica desde a consti Digitalizado com CamScanner rF As vertentes do sintoma 121 a veracidade ¢ eficécia da atuagio do psicanalista?” Ora, a psicandlise demonstra que o significado de cada sintoma é sempre particular, sendo necessdrio construir um saber novo para dar conta daquele sintoma — 0 - ue € efetuado a cada vez em uma anilise. - Serd posstvel encontrar 0 mesmo sintoma neurético em varias pessoas? Sé.a partir da identificacdo histérica. E 0 que Freud descreve na Psicologia das massas n6 caso da jovem que, morando num pensionato, recebe uma carta de rompimento do namorado ¢ tem um ataque histérico. Daf a pouco virias jovens pensionistas apresentam também um ataque. Ocorre uma espécie de contégio do.sintoma a partir da identificagao, pelo desejo das jovens que também querem ter um namorado que Ihes enviem cartas. O sintoma histérico mostra 0 desejo de deseja, desvela o que é desejar um desejo pela via da identificacao. Ao fazerem o mesmo tipo de sintoma da colega, que efetivamente recebeu a carta, é como se elas também tivessem uma relacéo com um homem, mesmo sendo uma relacao epistolar. Qual a ‘0 é a doenga; trata-se da verdade do sujeito como ; verdade desse sintoma? Na um ser sexuado, como veremos adiante. O que dé autoridade & medicina para se fazer passar como uma ciéncia — e isso cada vez mais hoje em dia — séo as provas, em particular, as cas ¢ neuronais. Encontra-se cada vez mais lacao do sintoma com a doenca e, cada vez, horménios para os sintomas subjetivos provas anatomopatolégicas, quimi aparelhos para comprovar essa rel: mais, se véem pilulas para a poténcia, do climatério, remédios contra a depresséo etc. que tentam fazer passar aquilo que € do ambito psiquico para o protétipo médico de relagto do sintoma com a doenga. A cognominada doenga depressiva passou a designar, hesses iiltimos anos, 0 estado isteza, de desinimo, ou até mesmo de j= au humor como um efeito do aumento ou diminuicio de neurorménios. Por outro lado, a medicina, aliando a ciéncia ao capitalismo, cria também lo deste capitulo. hovos sintomas, como descrevemos no adend Assistimos 0 desenvolvimento da medicina tentando encontrar cada Yex mais provas cientificas para estabelecer essa relagéo na qual o sintoma Temete a um significado tinico, generalizével, universal do qual se teria sua férmula — sue formula do real. Eo que confere cientificidade & medicina, onde vamos encontrar 0 real da ciéncia do lado do sintoma: desde a prova le anatomia patolégica até a fSrmula matemética. Mas, na prop’ medicina, Sabemos que isto nem sempre é encontrado, muito menos na psiquiatria. ~-Lialgo no corpo que resiste a ser totalmente apreendido pela céncia, pos © cGipSs no cack degvinculado do inconsciente e da pulséo ¢ seu rea! nso “rtesponde ao real da ciéncia. Digitalizado com CamScanner / 122 A descoberta do inconsciente Freud, de certa forma, tentou ir atrds do real derradeiro que comprovasse a veracidade do sintoma, inicialmente dentro do ideal de ciéncia. Sua Prova, porém, nao era a autdpsia, e sim a prova do trauma que se encontra na origem causal dos sintomas. No caso do “Homem dos Lobos”, Freud chegou até a encontrar o dia e a hora exata em que 0 sujeito teria se confrontado com a castracio e com a diferenga dos sexos. Buscava, portanto, encontrar © ponto traumatico do sujeito em uma cena que ele realmente tivesse vivido, a qual seria a base real do sintoma. Ora, 0 trauma, como um real vivido, {oi na psicandlise 0 equivalente analégico da autpsia na medicina, em que era desvelado o real. da doenga. Mas enquanto a ciéncia foraclui o sujeito, a psicanilise faz. valer 0 sujeito no sintoma, considerando ele mesmo como uma manifestacao subjetiva. Freud veio a concluir que $6 era possfvel inferir ou supor esse trauma, © que o fez passar da teoria universal do trauma a teoria da fantasia particular que se encontra na base do sintoma, Essas cenas, por serem da ordem da fantasia, nem por isso deixam de ser traumiéticas, pois fazem parte da tealidade psiquica do sujeito. Freud abandonou.a busca de um real hist6rico que pudesse realmente mostrar a origem do sintoma sem, no entanto, recuar diante de um outro real, sempre traumitico, que é a castrago para ambos os sexos. Por outro lado, dentro do ideal cientificista da sua época, ele manteve a esperanga de que, quem sabe um dia, as ciéncias iriam deseebrir uma base, um substrato anatomofisiolégico de um real orginico para as teorias que estava desenvolvendo. Para além dessa esperanca, Freud de fato abandonou seu projeto cientificista, conservando para a psicanilise tanto a cxigencia de transmissibilidade propria da ciéncia quanto a seferénela 20 real dentro da sua teoria do sintoma, 0 sintoma-verdade Seo sintoma para a psicanilise 0% a verdade da do nem por isso ele deixa de falar 3 vétdade: Eis uma grande diferenga da interpretaga faz softer, cle € como uma barreira ‘n consegue ultrapassar; € 0 que faz co sintoma € o lugar do softimento que Proporciona satisfacao sexual para 0 ree se te cleo saiba, E um lugar que contém cone neulads past 0 suite: dependendo da interpretagio que ele Ihe ge ocurard um médico ou um analista, ou ainda um padve ou cr ae ‘enga, como na medicina, © sintoma fala a verdade do sujeito. (© da verdade do sintoma. O sintoma @ estrada, que vocé esbarra ¢ nao 7M qUe as coisas fi%0)funcionem. O Digitalizado com CamScanner As vertentes do sintoma 123 Ao eee enético, wae como algo da ordem orgiinica, ele tende a rocurar u » mas caso interprete como algo de uma verdade desconhecida que © questiona ¢ da qual cle gostaria de saber, ele pode vir 4 procurar um analista. Nesse caso, seu sintoma tem algo da verdade que ai psicandlise pode resgatar. O sintoma aparece, entdo, como um monumento da verdade que o sujeito deve decifrar. Vimos no caso de Jean-Louis a yerificagao na clinica do sintoma (no caso, um ato sintomdtico) como “etorno da verdade em uma falha de um saber”, no qual a verdade do sujeito dividido em relagdo ao outro sexo retornava nas situagées em que cortia risco de vida, evidenciando assim a falha do saber médico. ‘A abordagem do sintoma pela via da verdade do sujeito, tal como a psicandlise propde, se op6e a uma clinica da ciéncia que objetiva o sintoma para produzir mais uma férmula que receba o V da verdade e da vitéria no processo de colonizagio do real pelo simbélico. A.ciéncia foraclui.averdade do sujeito por se interessar apenas em formalizar objetos. Ela transformou averdade em uma letra (V) que nao sé permite a constituigéo de “tabelas deverdade” dos conectores Iégicos, como também a multiplicagéo de objetos fabricados, como objetos de verdade, ‘{atusas’s} que se apresentam a nés como candidatos a objetos do desejo. Na ciéncia, a verdade nao é sé objetividade; trata-se da verdade formalizada. Mas esquece-se, como lembra Heidegger em “Alétheia”, que a subjetividade faz parte de toda a objetivi- dade.> E no registro da verdade do sujeito ¢ da subjetivacaio da verdade que sesitua a ética que se vincula & clinica psicanalitica na abordagem do sintoma. “& 0 significante de um significado recalcado arcia da carne > O “sintoma”, diz Lacan, da consciéncia do sujeito. Simbolo_escrito_na Maia, ele participa da linguagem pela ambigi sem’ { subli nhamos em sua constituicao”.© O sintoma-simbolo indica sua constituicao inetaforica como, por exemplo, a balanca ¢ 0 simbolo da justica desde os antigos egipcios. O sintoma é um simbolo da verdade do sujeito aue no € indelével, pois esta escrito na “arei da éarne”, sendo portanto movedico. Para lé-lo é, no entanto, necessario saber ler na areia, pois ele esta a vista ¢ ob, mas sobre 0 véu de Maia. io enterrado, Assim como também nao esté s . - is hindu Maia Essa expresso é utilizada por Schopenhauer i —_ Se aparéncias ue es ignar o mundo fenome: pet que representa a ilusdo) para designal s6fica iniciada - ico filos © das percepgdes que, para ele, seguindo uma edit an erdadcv, Por Platdo, se situa em oposicao a0 mundo escondido que . ‘ i na cara, mas a sua © mundo em si. O sintoma escrito no véu de Maia a o utiliza a pro- Verdade é escamoteada na medida em que Sua constituiga Priedade de equivocidade do significance. Digitalizado com CamScanner oN m4 A dexcoierta do incomarente Mas de que verdade se trata? Em aa ; esséncia da verdad Heidegget comega ctiticanda a definigio da verdad como ums adequ da coins a0 conhecimento, Sera que a verdade € conhecermos ums ¢. E, a0 conhecer essa coisa, vamos depreender sua rae A verdade de ta propouigio sobre a coita éfundada na verdade da coisa? Heidegger ques. a telagdo entre a proposigao sobre a coisa ¢ a propria coisa. O que perme afirmar que essa telagao é verdadeira ¢ sem ambigi idade? A formulacio qe afirma que a proposigio corresponde exatamente 3 coisa decorre ds fé ces ¢ da idéia teoligica segundo as quais as coisas em sta esséncia ¢ existéncs cottespondem a uma idéia previamente concebida. Mas concebida por g Pelo intellectus divinus, isto é, pelo espirito de Deus. “Assim, elas (ss con como criaturas singulares) concordam com a idéia e com ela se conformae sendo nesse sentido ‘verdadciras’.” Deus seria entao o garante da relacio & conhecimento com a coisa. Trata-se, portanto, de uma verdade garanti por um Outro que estabeleceria esta relagio. Mas sabemos com Lacan gv: “o verdadciro s6 depende de minha enunciagao, nao é interno 4 proposicio"! € tampouco existe esse Outro que daria garantias de qualquer coisa que « A concepgio da verdade que refletiria a correlagao entre a proposigs> ¢ a coisa, Heidegger opde uma definigéo da verdade a partir da props ctimologia da palavra alétheia (verdade) que é composta do “a” privativo ¢ “Teieia” que vem de Iée, velamento, ocultagao. A tradugio da verdade com nio-velamento ou desvelamento mostra que a verdade contém tanto © desvelamento quanto o velamento. Em outros termos, a verdade ¢ velament® © sua negagio. Em seu texto “Alétheia’, Heidegger a traduz por ecultamento, que é “traco fundamental do que jé apareceu ¢ dix de si 0 ocultamento”. Partindo do comentério de fragmentos de Hers cle se detém no fragmento 123 — que assim traduz: “O emergit (for esconder-se) favorece 0 esconder-se”, para acentuat que 0 esconderse 3 a0 dewelar-se ¢ que a emergéncia como desvelamento de si mesmo © 0 eiconder-se: € 0 esconder-se que garante seu scr ao desvelar-se. Heil chega & condlusio, nesse texto, que 0 “desvelamenta no somente 159 jamais o velamento, mas necessita deste Para mostrar (déployer) seve como é, ou scja, como des-velamento”? atris pelo desvelamento ¢ oente € pela primei vetificamos na dini em anilise — Ho emte © se pergunta o que é o ente, Nessa pores 12 ver expetimentado como desvelamento”. Com goa due 4 petgunta “O que sou”, a que chega 0 verdade can ane 2MesM0 a9 iniciar uma anilise — se di na dimenS® © " seu jogo de desvelamento/ocultamento, “A verdade € ° Digitalizado com CamScanner 1 AS vertentes do sintoma 125 jamento do ente gragas a0 qual se realiza uma abertura.” Mas o desvelamento total é da ordem do inconcebjvel, do indisponivel, pois o “velamento recusa “Fdesvelamento 8 alétheia’. E, através do velamento como nfo desvelamento, Hredegger aptoxima a verdade da nio-verdade, ou soja, da mentira, que pereence portanto 2 esséncia da verdade. E 0 que se encontra na origem nfo € verdade, mas o velamento do ente em sua totlidae, “nio-verdade original” que é “mais antiga do que toda revelacio de tal ou tal ente”. Essa néo-verdade original €correlata do proton pseudos (primeira mentira), evocada por Freud no “Projeto” ao descrevera psicopatologia como a base do sintoma histérico € que assinala a incompatibilidade do sexo com a linguagem. O velamento é dissimulado. A dissimulagio do que est4 velado constitui, segundo Heidegger, o mistério que nao sé faz parte da verdade, mas domina 6 ser-at (Dasein) do homem. Esse mistério, porém, € passivel de esqueci- mento, apesar de no ser eliminado por ele. Esquece-se que hé algo velado, pois o velamento esti dissimulado. Na clinica, a emergéncia desse mistério, to qual Heidegger se refere, corresponde & suspensio de seu esquecimento, que propicia a abertura a interrogagao ¢ ao enigma do desejo que leva a0 deciframento do inconsciente. ~ Heidegger encontra essas caracteristcas da Alétheia no Logos, que ele acaba identificando & propria verdade como des-velamento. Eis 0 que podemos ler em seu artigo “Logos”: “O desvelamento é a Alétheia. Esta € Legein (0 dizer) deixa 0 nfo-escondido © Logos sio a mesma coisa. O estender-se diante, como nio-escondido. Todo desvelamento extrai a coisa ita o ocultamento. A presente do ocultamento. O desvelamento neces Aletheia repousa na Lethé (velamento), nela bebe, coloca adiante 0 que por tla é mantido retraido, O Logos é nele mesmo simultaneamente desvelamento e velamento, Ele é Alétheia?® Podemos aqui justapor no dizer de Lacan de sua mentira, é atravessado que a “linguagem do homem, esse instrumento inteiramente pelo. problema de sua verdade’. A concepeio heideggeriana de Lacan faz a verdade falar pela boca de Freud cm “Av ceige frencliana’. “Sou para vés 0 enigma daquela qué se esquiva tio logo aparece, homens que tanto consentis em dissimula sob 05 ouropéis de vossas conveniéncias.”!* A verdade do inconsciente é tributéria 4a linguagem, pois a descoberta do inconsciente (sutrado como una linguagers) ¢ ar descoberta da verdade que estd em jogo pos 100. Nit ee ato, de continuar apsos: nos chistes ¢ nos sintomas ¢ que nao deixa, no enraneey ites € no due ae mes do encobrimento escrutural encoberta. Q_umbigo do sonho é um dos n o est da verdade’ que eefevido em tltima inscincia 2 recalque origindrio. A Verdade € nao-toda. Digitalizado com CamScanner 2 N tothaeatennsnen ttt sey mcsenn, ser devvelads, © que NO Entanto ete ne ae nlc bi» brs de umm sabe past apenndlda SO nino de werdade, que se desvela no inconecrente ¢ ag swmatonmia, onage dlo suber sane Siscipline inflesivel para seguit sew contorna, pow ewe Comoro wa no sentido iver ao de rtusgder muito chmodse pate site sqguranga "? Diforentemente do conbecimento, que se situa no plano do amaginésio ¢ impiice o desconhecimento ¢ nio-reconhecimento Kdaws acepgaes do tormo méronnenancr), 0 aber da prrcandlic se sites no simbdhion ¢ amplice concentas ¢ matemas, daboracso ¢ conseracio, © que caté hem distante do conheomento mtuilivo, percept, imaginério, ‘Nio “Semindno sabre A carta roubada” Lacan opde dois métodot para ae reaclver © enagtne policial do lugar em que se encontra a carta-letra que wou, devaparcees, s furtou (let veld). Um deles é 0 dos policiais — 0 snttodo de eandée —. que consiste em um esquadrinhamento do espaco, © qual ¢ transformado em seu objeto de busca. Eles no deixam escapar nenhum aco, nenhuma fresta dos méveis, do assoalho, das encadernagées dos livros, Situando-se no ambito da parte extra parte, do espago cartesiano (a 90 extrma complementat 4 rr cogitans), cles procuram por toda parte ¢ fo a enconttam em parte alpuma E, no entanto, ld estd a carta pendurads entre outtas, na borda da lareira do gabinete do ministro; 4 vista de todos, porém disimulads, maquiada, travestida. Os policiais a véem, mas nao 2 apreendem devido 3 sua “umbecibdade realista”, como Lacan qualifica 4 subjetiadade que conesponde a exe método.'* Oposo 4 cxstidio, Dupon se mtua po registro da verdade ¢, sem nade vasculhat, aproonde 2 carts © 2 toms do ministro. Ele a depreende ao exnadat as cireunsthneis do furto ¢ + subyetiadade do ministro, que se encontese? tocado pot um ttage de fominzacho que trantparece no sobresctito sod Sendo de carte om questho. A carts com ader di femina, corm utto siete © outro lacre, extave ne cara, potém excondida nko aor olhor de Dupin. ¢ sem aoe cilhios dos policiss cegos pelo realismo di exatidio. Trata-se dls mocussst carta que to € mais 4 mesma, mas nao dena de sé-lo Bla estd auremte oe sto dewa de ester presente O que the confere seu set de preieng’ ausbncis que 4 propriedade do significante com 3 qual a verdade comunge Lago ¢ Altthia ext no regis do velamento, desvelament. Mae pare aprocndcr o omgms da wesdude ¢ necessisio tomar o que se dis 40 pt At dowra ¢ wegeis 2 duscipline do significanre dervdls @ que emeva vilado (onde ve a ° ene me ate de ae ee esse indicagto pars o wetome, podemos dises que o sintoma manifesta uma verdsde que esti a carn, specu de velads, mas ao act deovelada jamais € Digitalizado com CamScanner 126 A descoberta do inconsciente Mas a verdade, ela mesma, pode ser desvelada, © que no entanto-ng é nem espontaneo, nem intuitivo,-sendo-necesséria a laboracio de um saber pai apreendé-la. “O efeito de verdade, que.se desvela no inconsciente e no sintoma, exige do saber uma disciplina inflexivel para seguir seu contorno, pois esse contorno vai no sentido inverso ao de intuigées muito cémodas pata sua seguranga.”!> Diferentemente do conhecimento, que se situa no plano do-imagindrio e implica 9 desconhecimento ¢ 0 ndo-reconhecimento (duas acepgdes do termo méconnaissance), 0 saber-da-psicanilise.se-situa no registro simbélico ¢ implica conceitos ¢ matemas, elaboracao e construgio, O que esta bem distante do conhecimento intuitivo, perceptivo, imaginétio, No “Seminario sobre A carta roubada” Lacan opde dois métodos para se resolver 0 enigma policial do lugar em que se encontra a carta-letra que voou, desapareceu, se furtou (lettre volée). Um deles & 0 dos policiais — o método da exatidio —, que consiste em um esquadrinhamento do espaco, © qual é transformado em seu objeto de busca. Eles nao deixam escapar nenhum oco, nenhuma fresta dos méveis, do assoalho, das encadernacées dos livros. Situando-se no Ambito da parte extra partes, do espaco cattesiano (@ res extensa complementar & res cogitans), eles procuram por toda parte ¢ no a encontram em parte alguma. E, no entanto, Id esté a carta pendurada entre outras, na borda da lareira do gabinete do ministro; a vista de todos, porém dissimulada, maquiada, travestida. Os policiais a véem, mas nio a apreendem devido a sua “imbecilidade realista’, como Lacan qualifica a subjetividade que corresponde a esse método,"4 Oposto a exatidao, Dupin se situa no registro.da-verdade e, sem nada vasculhar, apreende a carta e a toma do ministro. Ele a depreende ao estudar as circunstincias do furto ¢ a subjetividade do ministro, que se encontrava tocado por um traco de feminizacio que transparece no sobrescrito modi- ficado da carta em questo. A carta com odor di femina, com outro sinete € outro lacte, estava na cara, porém escondida nao aos olhos de Dupin, € sim aos olhos dos policias cegos pelo realismo da exatidao. Trata-se da mesma carta que nao é mais a mesma, mas nfo deixa de sé-lo, Ela esté ausente mas no deixa de estar presente. O que lhe confere seu ser de presenga na auséncia que é a propriedade do significante com a qual a verdade comungs: Logos ¢ Alétheia estéo no registro do velamento, desvelamento. Mas pata apreender o enigma da verdade € necessério tomar 0 que se diz ao pé da lesra e seguit a disciplina do significante. Dupin desvela o que estava velado ( contetido da carta continua velado, a carta nao se diz toda. Ao tomarmos essa indicagao para o sintoma, podemos dizer que o sintorns recaifesea ut verdade que esté na cara, apesar de-velada, mas ao set desvelada jamais € ‘onde se encontra a carta), mas 0 Digitalizado com CamScanner > As vertentes do sintoma 127 inteiramente apreendida. Alids, ¢ isso que proporciona uma das grandes frustragoes-da andlise: quando a verdade passa de seu status do semi dizer gos ditos que a contornam, ela continua sem ser totalmente apreendida. A “sicandlise diverge assim de qualquer método inicidtico ou religioso que se pretenda a uma revelacao final. ‘Aradicalidade da nao-resposta & demanda — dat a frustrago — implica no fato de que, no fim das contas, nao se tem acesso inteiramente a verdade. O analista nao desvela inteiramente a verdade do sintoma nfo porque esta esteja recalcada, mas por.ser impossivel dizer toda a verdade. A impoténcia do sujeito em conhecer sua verdade e, por conseguinte, a verdade do sintoma Gozar do pensamento ¢ a satisfagdo que estd presente no sintoma da ruminagio: gozo escépico que situa o sujeito em um dar-a-ver. O sujeito dé a ver para 0 Outro seu desempenho sexual sob a forma de cogitago. A copulagao de significantes substitui 0 ato sexual colocando & distancia 0 parceiro, que no é assim tocado mas pode ocupar o lugar do espectador de seu desempenho intelectual, performance que ¢ fonte freqiiente de angtistia. Em 1913, Freud afirma que a organizacio sexual sddico-anal € a disposigio a neurose obsessiva e, em 1917, descobre que é 0 erotismo anal que estabelece a equivaléncia entre pénis-bebé ¢ presente-dinheiro devido a “transposigio” dessa pulsio, que dé o titulo ao texto. Essa série de objetos entra em jogo como objetos da demanda do Outro ao sujeito — A qual est suspenso 0 absessivo. Nesse plano da demanda, temos a oblatividade: 0 sujeito dé presentes 20 Outro ou se recusa a dar qualquer coisa, refugiando-se na avarice ou na divida. No plano do gozo anal, 0 sujeito é levado & obscenidade, 20 escatolégico, & sujeita propria desse objeto nada limpo, que melhor 0 figura como dejeto do simbélico. O sujeito tenta recobrir com os significantes da demanda todo vestigio de prazer excedente que ele experimentou no sexo. Esse prazer excessive, modelado pelo registro anal da pulsio, coma o cardter de goz0 sérdido, “porco”, “cagado”, elevado & categoria de impossivel de ser suportado. © Zwang do proprio sintoma é portador da satisfagzo do Trieb que ele anula, daf a associagéo entre 0 sagrado ¢ 0 profano, 0 puro ¢ © impuro, o Pai ¢ o pior, Deus e a merda. Se Lacan nos advertiu a nao acreditar na oblatividade do obsessive porque o sujeito tenta recobrir com os significantes da demanda, sob a mdscara da generosidade, 0 6dio pelo Outro do amor, cujo cardter pulsional Freud atribuiu ao registro anal. Nos anos 20, a articulagéo entre 0 isso, reservatério das pulsées, ¢ o mandamento do supereu permite melhor cingir a conjungao entre a pulsio € a representacdo obsedante, entre 0 objeto e o significante mestre. Em “Inibigao, sintoma ¢ angtstia”, Freud situa a constituicéo da obsessfo a partir do complexo de Edipo ¢ da anguistia de castragfo. O gozo em jogo €0 da masturbagao castigada por um “supereu supersevero”: a obsessio € seu compromisso. Esse gozo auto-erético, que faz a economia do Outro sexo, vem & pauta gragas & caraterfstica do sintoma obsessivo de “deixar cada vex mais espago para a satisfagao substitutiva”, e 0 resultado, que vai em ditesé0 20 “fracasso completo da luta inicial”, ¢ “um eu extremamente Digitalizado com CamScanner 138 A descoberta do inconsciente limitado, reduzido a buscar suas satisfagGes nos sintomas”. Nesse registro do gozo, a pulsio sddico-anal exige do sujeito ao de crucldade que o supereu condena. “Todo excesso traz em sl 0 germe de sua pr ria supres- so”.24 A obsessio comporta portanto esse trago do paradoxo lo supereu que Lacan resume com o imperativo do gozo ¢ cuja formula podemos Si escrever | — |. a Freud ressalta, nesse texto, 0 que ele considera o mais importante Nos sintomas obsessivos: o “valor de satisfacao de mogées pulsionais masoquistas”. Trata-se da resisténcia do sintoma a curar, pois ele satisfaz a pulsio de morte. O supereu do obsessivo adquire o aspecto de um Outro gozador, como o capitéo cruel ou o Pai da horda primitiva de Totem e tabu, que trata sadicamente 0 sujeito que s6 pode tomar a posiczo masoquista em seu sintoma mortificando-se. Podemos desdobrar a pulsio masoquista que se satisfaz no sintoma obsessivo segundo a declinacio das pulsées em oral, anal, escdpica ¢ invocante, cada uma apontando para um aspecto diferente ¢ para uma face particular do supereu. No nivel oral o sujeito é presa da gulodice do supercu, como transparece nos ditos de um paciente — “Deixo sempre os outros me devorarem cruamente” — que sustentam seu sintoma de impoténcia diante do Outro da autoridade. No nfvel anal 0 sujeito se faz expulsar como um objeto, condenado por suas recriminagées, reduzido a esse dejeto sérdido cujo gozo da sujcira cle tenta limpar com os significantes de suas repre- sentacoes obsedantes. Para além do registro da demanda, tanto oral quanto anal, 0 sujeito se encontra confrontado com o desejo para o Outro da pulsao escépica e 0 desejo do Outro da pulsio invocante. © olhar e a vor so 0s objetos que condensam o gozo do supereu, cujas fungGes de vigilancia e de critica foram depreendidas por Freud a partir da clinica dos parandicos desde 1914 em “Introdugio ao narcisismo”. A angistia ligada aos desempenhos é 0 indicio da presenga do olhat mortifero que mede scm tréguas 0 sujeito com o ideal. Que ideal? O de limpar 0 simbélico de todo e qualquer vestigio de gozo, “Eu fico sempre me observando para avaliar meu desempenho” — dizia-me um outto paciente, A{ entra em jogo a “voz da consciéncia”, presentificando a Drang da pulsio invocante por meio da qual 0 sujeito se faz. escutar as auto-recti- Po se eda os Sia 20 magus d jt Be mandamentos ritualizados See amar et eae com ee a que condensam, simultaneamente, a lei ¢ sua anulagao, 0 gozo ¢ sua impossibilidade. A obsessio é a via sintomatica da satisfagao pulsional da voz. de um supereu que vé 25 Digitalizado com CamScanner As vertentes do sintoma 139 O conceito de pulsao de morte obriga Freud a generalizar 0 Zwang ao que se repete no inconsciente. Zwang é o sinal da pulsdo de morte que forca os significantes a se Tepetirem no pensamento ¢ por conseguinte no sintoma. Como diz Lacan no Seminétio 11, “Zwang, a coacio, que Freud definiu ela Wiederholung, comanda os préprios rodeios do processo primério” 26 Wiederholungszwang, obsessao, compulsao ou automatismo de repeticao, nao € outra coisa senao a insisténcia da cadeia significante correlativa 4 ex-sisténcia do sujeito. A obsessio € como The purloined letter, uma letra colocada de lado, uma carta nao retirada (en souffrance) mas que volta sempre a0 mesmo lugas, pois vem no lugar do real — daf sua caracteristica de dejeto do simbélico: a letter, a liter. A repeticio no inconsciente é obsessiva — 0 funcionamento do pensamento exige que o significante se desloque, que ele “deixe seu lugar, nem que seja para retornar a este circularmente” 2” A obsessao € articulada por Lacan ao signo que “produz gozo pela cifra que os significantes permitem ...”. A obsessio que cede faz obceceio (escrita com 4) “ao gozo que decide de uma pritica’.2® Lacan, portanto, faz da obsessio a propria caracteristica do signo como cifra de um gozo no inconsciente. A obsessio como sintoma é a maneira de gozar para um sujeito cuja duivida e a falta de certeza impedem seu ato, que é assim sempre adiado para mais tarde (procrastinacao). Daf a obsessio, como pensamento, se encontrar em oposi¢ao ao ato, onde o sujeito nao pensa, tornando-o portanto impraticdvel. Para que uma pratica se torne possivel é preciso 0 ato, que na neurose é impedido pela falta de deciséo do sujeito, pois seu gozo est condensado no pensamento que o obseda. Eis por que é preciso que a obsessio faca cessio, ceda 0 gozo ao ato que serd decisive para uma pratica. Em outros termos, é preciso que 0 gozo passe do pensamento para 0 ato, invertendo assim o préprio movimento de formagio da obsessio (0 ato substituido pelo pensamento). © Zwang como sintoma permite cingir 0 trabalho de ciframento do inconsciente pelo deslocamento que o caracteriza (tarito a obsessao-sintoma quanto o inconsciente). A “metonimia é justamente o que determina como operagio de crédito (Verschiebung quer dizer: transporte, transferéncia, traspasse, depésito) o préprio mecanismo inconsciente em que € no caixa- le-gozo, no entanto, que se aperta o botio”.” E Lacan acrescenta, no mesmo trecho, em seguida: “Fazer passat 0 gozo a0 inconsciente, isto é, & contabi- lidade é, com efeito, um deslocamento danado.” O deslocamento do significante nao se d4 portanto sem o ciframento do gozo. Essa operagao evoca a propria formagio do sintoma obsessivo, na base do qual se encontra © verter do real no simbélico, o depdsito de gozo na rede de significantes ~o que leva o sujeito & contagem, & numeragao dos lances dos dados de Digitalizado com CamScanner ON 140 A descoberta do inconsciente gov0. O Zwang & a “carta forgada” que nos mostra 0 pouco de liberdade do jogo de associacao livre. : . ‘A obsesséo como sintoma pode advir em todos os tipos clinicos da neurose — as obsessbes histéricas sfo também cifras de goz0. Mas 0 pensar é propriamente falando 0 que define 0 obsessivo, que é diz Lacan, “muito essencialmente alguém que pensa. Ele ¢ pensa avaramente, Ele € pensa em circuito fechado. Ele € pensa pata ele sozinho”.*” O obsessivo em seu pensamento faz um curto-circuito para anular © Outro do desejo, ¢ 0 que cle pensa se fecha no circuito pulsional no qual ele mesmo € 0 objeto, Trata-se do gozo onanista como Freud o pontuara. Enquanto o sujeio histético é o inconsciente em exercicio, 0 obsessivo é 0 inconsciente em cogitacao; 0 Zwang do inconsciente de um cisalha 0 corpo ¢ 0 do outro cisalha a alma." Se o histérico com seu agir faz 0 Outro pensar, é gracas ao obsessivo que sabemos o que pensar quer dizer: ele dé-a-ver 0 modo de funcionamento do préprio inconsciente. Bem dizer o sintoma No inicio de uma andlise, 0 sintoma é um dizer que ainda no encontrou seu dito. A passagem do dizer do sintoma a seu dito é o que constitui propriamente falando © processo analitico, que se alinha na ética do bem dizer. A ética da psicandlise € a ética de bem dizer o sintoma. Para que o sintoma do sujeito se transforme, no in{cio do processo analitico, num sintoma analitico?? é preciso que ele se) sujeito como um parceiro de verdade, Por um lado, ele falso; por outro a considerado pelo nos dois sentidos da expressio. precisa considerar que o sintoma seja verdadeiro e nao lado, é preciso que 0 sujeito considere seu sintoma dentio de uma parceria com a verdade, isto é que considere que o sintoma detenha algo de sua verdade. Para que uma anilise se inicie & necessiio Que 0 sujeito considere seu sintoma estruturado como a verdade, isto cemo um enigma cm que algo est velado e que, ao mesmo tempos desvela algo da verdade. O sintoma é um “velar iluminado”, como diz Heidegger em relagio 4 verdade. O sintoma é alethos, ele vela ¢ desvela algo que © sujeito considera como uma mensagem enderegada a ele fizendo parte de sua verdade. O sintoma é um semi-dizer porque partis do eni j é igma da verdade, ou seja, mesmo quando deciftado contém 4150 que continua velado ao sujeito, Na anilise, 0 sujeito espera uma S 5 . inde revelago de sua verdade ma ao decifrar seus sintomas a verdade sol ne oe ae a. bre seu ser nao ¢ totalmente desvelad: Digitalizado com CamScanner

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