Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Características Fonológicas Decrianças Com Transtorno Fonologico Com e Sem Historico de Otite Media
Características Fonológicas Decrianças Com Transtorno Fonologico Com e Sem Historico de Otite Media
Artigo Original
com e sem histórico de otite média
1 2 3
Haydée Fiszbein Wertzner , Luciana de Oliveira Pagan , Daniela Evaristo dos Santos Galea , Ana Carolina
4
Camargo Salvatti Papp
RESUMO
Objetivo: Verificar o número de tipos, a ocorrência total e a média de processos fonológicos em crianças com transtorno fonológico
com e sem o histórico de otite média. Métodos: A casuística foi composta de 44 crianças diagnosticadas com transtorno fonológico,
metade com histórico de otite média e metade sem esse histórico do Laboratório de Investigação Fonoaudiológica em Fonologia
do Curso de Fonoaudiologia da Faculdade de Medicina da USP-SP. Foram aplicadas as provas de nomeação e imitação (Wertzner,
2000) para a análise dos processos fonológicos. Resultados: No grupo com otite, o processo fonológico mais ocorrente na prova
de nomeação foi o ensurdecimento de fricativas e, na imitação, a simplificação de líquidas. No grupo sem otite, a simplificação do
encontro consonantal foi mais empregada na nomeação e, o ensurdecimento de fricativas na imitação. Somente a simplificação do
encontro consonantal na prova de nomeação apresentou diferença entre os grupos. Não houve diferença estatística em relação à
média de tipos de processos fonológicos. Conclusão: Apesar de a otite média estar presente em parte das crianças com o transtorno
fonológico, a análise realizada não permitiu a identificação de marcadores lingüísticos que separassem os grupos estudados.
DESCRITORES: Transtornos do desenvolvimento de linguagem; Otite média; Desenvolvimento infantil; Linguagem infantil
nomeação e imitação, foi aplicado o Teste t de Student para sente pesquisa procurou verificar fatores que indicassem um
Dados Pareados (n sig 0.05). marcador fonológico que diferenciasse o grupo de crianças
Para o grupo de sujeitos com otite, não houve diferença com transtorno fonológico apresentando o histórico de otite
estatisticamente significante ao se comparar cada um dos média das crianças do grupo sem esse histórico.
processos fonológicos nas duas provas. Porém, no grupo de Observou-se que, na maioria dos casos, os processos
sujeitos sem otite, houve diferença entre a prova de imitação fonológicos apresentados pelos dois grupos de crianças es-
e nomeação quanto ao processo de simplificação da conso- tudados foram semelhantes. Entretanto, pode-se observar que
ante final (p=0.032), sendo que os sujeitos tiveram ocorrên- esses foram também os mais notados em sujeitos com trans-
cia maior deste processo na prova de nomeação. torno fonológico independentemente de terem, ou não, epi-
Foi realizada comparação de cada um dos processos sódios de otite média em seu histórico de vida.
fonológicos entre os grupos em cada uma das provas, apli- Nas crianças desse estudo, os processos fonológicos mais
cando-se o Teste t de Student controlado pelo Teste de Levene comumente apresentados foram: Simplificação do Encontro
para Igualdade de Variâncias. Consonantal (SEC), Simplificação da Consoante Final (SCF),
Na prova de nomeação, houve diferença estatisticamente Simplificação de Líquida (SL), Ensurdecimento de Plosiva
significante somente para o processo de simplificação do (EP), Ensurdecimento de Fricativa (EF) e Frontalização da
encontro consonantal (p=0.034), sendo que o grupo de cri- Palatal (FP). Estes achados corroboram os resultados encon-
anças sem otite obteve média de ocorrência maior que o gru- trados em pesquisas realizadas com crianças falantes do por-
po com otite. tuguês apresentando transtorno fonológico(29-30).
Na prova de imitação, todas as médias de ocorrência dos Embora não se tenha encontrado diferença significante
processos fonológicos foram estatisticamente iguais entre os entre as ocorrências dos processos fonológicos nos dois gru-
dois grupos. pos estudados, nota-se que o grupo de crianças com otite
Outra análise realizada refere-se à média de tipos de pro- teve maior ocorrência na prova de nomeação de ensurde-
cessos fonológicos intragrupos e intergrupos para as provas cimento de fricativas, seguido do ensurdecimento de plosivas
de nomeação e imitação. O grupo de crianças com otite apre- e de simplificação de líquidas. Já na imitação, apresentaram
sentou menor número de tipos diferentes de processos o processo de simplificação de líquidas seguido de
fonológicos que as crianças sem otite (Figura 3). Observa-se ensurdecimento de fricativas, ensurdecimento de plosivas e
também que ambos os grupos apresentaram maior número simplificação do encontro consonantal. Isso poderia ser um
de tipos diferentes de processos na prova de nomeação. indicativo de que com o auxilio da produção a criança per-
ceba auditivamente a diferença dos sons sonoros e, na medi-
da em que não tem dificuldades de produzir a sonoridade,
consegue uma emissão correta do som.
Em relação ao grupo de crianças sem otite, a maior ocor-
rência na prova de nomeação foi a simplificação do encontro
consonantal, seguida de ensurdecimento de fricativas,
ensurdecimento de plosivas e simplificação de líquidas. Na
imitação o processo mais usado foi o ensurdecimento de
fricativas, seguido de simplificação do encontro consonantal,
simplificação de líquidas e ensurdecimento de plosivas. Da
Figura 3. Comparação entre a média de tipo de processos fonológicos mesma maneira que no outro grupo, a criança sem otite pa-
nos grupos e em cada prova rece se beneficiar da estimulação para a produção do encon-
tro consonantal, mas não para a emissão da sonoridade o que
O Teste t de Student, controlado pelo Teste de Levene pode indicar maior dificuldade para essa produção.
para Igualdade de Variâncias (n sig. 0.05), indicou que não De forma geral, em ambos os grupos participantes desse
há diferença estatisticamente significante entre os grupos, estudo, os processos produzidos pelo maior número de su-
tanto na nomeação (p=0.655) como na imitação (p=0.579). jeitos foram os de ensurdecimento de plosivas e de fricativas,
O Teste t de Student para dados Pareados (n sig 0.05) mas cabe ressaltar que estes processos fonológicos são dos
mostrou que não há diferença em relação à média de tipo de mais ocorrentes na população com transtorno fonológico(30).
processos fonológicos entre as provas no grupo de crianças Esses achados mostram que para o Português Brasileiro a
com otite (p=0.701) e sem otite (p=0.771). classe de sons que estaria mais susceptível a ser produzida
de maneira errada, é diferente da apresentada para os falan-
DISCUSSÃO tes do inglês norte-americano. Estudos apontam que o pro-
cesso fonológico mais observado em crianças que apresen-
Como foi apontado, o transtorno fonológico não tem causa taram em seu histórico de vida episódios de otite média é o
definida e, por isso, sua etiologia é bastante discutida. Estu- de posteriorização das obstruintes, ou seja, articular plosivas
dos recentes apontam que o transtorno fonológico pode ser e fricativas, posicionando a língua de um modo mais poste-
classificado em vários subtipos. Um dos subtipos tem como rior(8,10-11).
uma de suas possíveis causas, o histórico de otite média du- Em ambos os grupos do estudo, a média de diferentes
rante a primeira infância. Apoiando-se nesta hipótese, a pre- tipos de processos apresentados pelos sujeitos foi de três. Os
estudos indicaram que a maior parte de crianças analisadas sistema fonológico da língua, isto é, na população estudada
em seu estudo usou três processos fonológicos diferentes parece haver uma característica predominante de sujeitos com
mostrando que, em geral, as crianças com transtorno dificuldade em compreender e usar as regras fonológicas, do
fonológico tendem a apresentar poucos tipos de processos, que em produzir os sons(32).
mas com grande ocorrência(30). Portanto, no que se refere aos Portanto, os resultados desse estudo, assim como os ob-
tipos de processos fonológicos usados, o grupo com históri- servados por outros autores(17,23-25) não demonstraram dife-
co de otite média não apresentou diferenças do grupo sem renças fonológicas que pudessem corroborar com a hipótese
este histórico e apresentou resultados similares às crianças da existência de marcadores lingüísticos que diferenciem o
com transtorno fonológico, independentemente de apresen- desempenho das crianças com histórico de otite média.
tar ou não queixa de otite. A réplica desse tipo de estudo é importante, pois os
Os processos determinantes para caracterizar o transtor- marcadores fonológicos poderiam auxiliar o fonoaudiólogo
no fonológico são: ensurdecimento de plosivas, ensurde- clínico tanto no momento do diagnóstico como no planeja-
cimento de fricativas, frontalização da palatal, simplificação mento da intervenção terapêutica. Destaca-se, portanto, que
do encontro consonantal e simplificação de líquidas(31). Os a possibilidade de identificação do fator causal correlacionado
resultados do presente estudo mostram que esses foram os ao transtorno fonológico facilitaria a intervenção.
processos mais ocorrentes, também, em ambos os grupos, e
que são estatisticamente iguais, não diferenciando, portanto, CONCLUSÃO
quanto às características fonológicas o grupo com histórico
de otite média. Os resultados desta pesquisa mostram que, apesar da otite
O fato das crianças de ambos os grupos apresentarem média ter uma relação com o transtorno fonológico, a análi-
maior número de tipos diferentes de processos na prova de se fonológica realizada não permitiu a identificação de
nomeação, evidencia que a sua grande dificuldade esteja lo- marcadores lingüísticos que separassem os dois grupos estu-
calizada na organização lingüística-cognitiva das regras do dados.
ABSTRACT
Purpose: To verify the number of types, the total occurrence and the mean of phonological processes in phonologically disordered
children with and without otitis background. Methods: The subjects were 44 children diagnosed with phonological disorder, half
of them with otitis background and half without any history of otitis, from the Laboratory of Phonology of the Speech and Language
Pathology Course of the Medical School USP-SP. The imitation and picture naming tests (Wertzner, 2000) were carried out in order
to analyze the phonological processes. Results: In the otitis group, the most occurring phonological process in the imitation test
was the fricative devoicing and in the picture naming, the liquid simplification. In the group of children with no otitis background,
the cluster reduction and the fricative devoicing were the most used processes in the picture naming and in the imitation tests,
respectively. Only the cluster reduction in the picture naming test had differences between both groups. There was no statistical
difference regarding the mean of phonological processes types. Conclusion: Although some children with phonological disorder
might present otitis media, the analysis did not allow the identification of a linguistic marker that can differentiate children with
and without otitis background.
KEYWORDS: Language development disorders; Otitis media; Child development; Child language
REFERÊNCIAS
1. Ingram D. Phonological disability in children. London: Edward Arold; 7. Galea DES. Análise do sistema fonológico em crianças de 2;1 a 3;0 anos
1976. de idade [tese]. São Paulo: Faculdade de Filosofia Letras e Ciências
2. American Psychiatric Association.diagnostic and statistical manual of Humanas da Universidade de São Paulo; 2003.
mental disorders DSM-IV. 4th ed. Washington DC: APA; 1994. 8. Shriberg LD. Diagnostic classification of five subtypes of childhood
3. Fey ME. Articulation and phonology: inextricable constructs in speech speech sound disorders (SSD) of currently unknown origin. Paper
pathology. Lang Speech Hear Serv Sch. 1992;23:225-32. presented at the International Association of Logopedics and Phoniatrics
4. Stoel-Gammon C, Dunn C. Normal and disordered phonology in Congress, Brisbane, Australia; 2004
children. Austin: Pro-Ed; 1985. 9. Shriberg LD. Epidemiologic and Diagnostic Profiles for Five
5. Edwards ML. Clinical forum: Phonological assessment and treatment Developmental Phonological Disorders. Seminar presented at the
in support of phonological processes. Lang Speech Hear Serv Sch. Annual Convention or the American Speech-Language-Hearing
1992;23:233-40. Association. San Francisco; 1999 .
6. Wertzner HF. Estudo da aquisição do sistema fonológico: o uso de 10. Shriberg LD. Classification and misclassification of child speech sound
processos fonológicos em crianças de três a sete anos. Pró- disorders. Paper presented at the America Speech-Language-Hearing
Fono.1995;7(1):21-6. Association Convention, Atlanta, GA, November 2002.
11. Shriberg LD, Kent RD, Karlsson HB, McSweeny JL, Nadler CJ, Brown 23. Roberts JE, Burchinal MR, Davis BP, Collier AM, Henderson FW. Otitis
RL. A diagnostic marker for speech delay associated with otitis media media in early childhood and later language. J Speech Hear Res.
with effusion: backing of obstruents. Clin Linguist Phon. 1991;34(5):1158-68.
2003;17(7):529-47. 24. Harsten G, Nettelbladt U, Schalen L, Kalm O, Prellner K. Language
12. Shriberg LD, Flipsen P Jr, Kwiatkowski J, McSweeny JL. A diagnostic development in children with recurrent acute otitis media during the
marker for speech delay associated with otitis media with effusion: the first three years of life. Follow-up study from birth to seven years of
intelligibility-speech gap. Clin Linguist Phon. 2003;17(7):507-28. age. J Laryngol Otol. 1993;107(5):407-12.
13. Teele DW, Klein JO, Chase C, Menyuk P, Rosner BA. Otitis media in 25. Wertzner HF, Rosal CAR, Pagan LO. Ocorrência de otite média e
infancy and intellectual ability, school achievement, speech, and infecções de vias aéreas superiores em crianças com distúrbio
language at age 7 years. Greater Boston Otitis Media Study Group. J fonológico. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2002;7(1):31-7.
Infect Dis. 1990;162(3):685-94. 26. Paden EP, Novak MA, Beiter AL. Predictors of phonologic inadequacy
14. Paradise JL. Otitis media and child development: should we worry? in young children prone to otitis media. J Speech Hear Disord.
Pediatr Infect Dis J. 1998;17(11):1076-83; discussion 1099-100. 1987;52(3):232-42.
15. American Speech and Hearing Association. Otitis media, hearing and 27. Shriberg LD, Friel-Patti S, Flipsen P Jr, Brown RL. Otitis media,
language development [text on the Internet] [cited 2006 Jul 23]. fluctuant hearing loss, and speech-language outcomes: a preliminary
Available from http://www.asha.org/consumers/brochures/ structural equation model. J Speech Lang Hear Res. 2000;43(1):100-
otitis_media.htm ; 2000. 20.
16. Schochat E, organizador. Processamento auditivo: atualidades em 28. Wertzner HF. Fonologia. In: Andrade CRF, Befi-Lopes DM, Fernandes
Fonoaudiologia. São Paulo: Lovise; 1996. FDM, Wertzner HF. ABFW: Teste de linguagem infantil nas áreas de
17. Casby MW. Otitis media and language development: a meta-analysis. Fonologia, Vocabulário, Fluência e Pragmática. São Paulo: Pró-Fono;
Am J Speech Lang Pathol. 2001;10(1):65-80. 2000.
18. Shriberg LD, Smith AJ. Phonological correlates of middle-ear 29. Oliveira MMF, Wertzner HF. Estudo do distúrbio fonológico em
involvement in speech-delayed children: a methodological note. J crianças. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2000;7:68-75.
Speech Hear Res. 1983;26(2):293-7. 30. Wertzner HF, Oliveira MMF. Semelhanças entre os sujeitos com
19. Abraham SS, Wallace IF, Gravel JS. Early otitis media and phonological distúrbio fonológico. Pró-Fono. 2002;14(2):143-52.
development at age 2 years. Laryngoscope. 1996;106(6):727-32. 31. Wertzner HF, Herrero SF, Ideriha PN, Pires SCF. Classificação do
20. Mody M, Schwartz RG, Gravel JS, Ruben RJ. Speech perception and distúrbio fonológico por meio de duas medidas de análise: porcentagem
verbal memory in children with and without histories of otitis media. J de consoantes corretas (PCC) e índice de ocorrências dos processos
Speech Lang Hear Res. 1999;42(5):1069-79. (PDI). Pró-Fono. 2001;13(1):90-7.
21. Shriberg LD, Flipsen P Jr, Thielke H, Kwiatkowski J, Kertoy MK, 32. Wertzner HF, Papp ACCS, Galea DES. Provas de nomeação e imitação
Katcher ML, et al. Risk for speech disorder associated with early como instrumentos de diagnóstico do transtorno fonológico. Pró-Fono.
recurrent otitis media with effusion: two retrospective studies. J Speech 2006;18(3):303-12.
Lang Hear Res. 2000;43(1):79-99.
22. Gravel JS, Wallace IF. Listening and language at 4 years of age: effects
of early otitis media. J Speech Hear Res. 1992;35(3):588-95.