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Capa

Adalgisa Nolêto Perna

O tempo da memória:
estas palavras eu guardei para ti

Goiânia
2020
Copyright © by Adalgisa Nolêto Perna

Organização: Madel Nolêto Perna


Revisão: Francisco Perna Filho
Foto da capa: Francisco Perna Filho
Programação visual: Flow Propaganda
Impressão: Kelps

CIP – Brasil – Catalogação na fonte

— Página 4 —
DEDICATÓRIAS

Dedico estas palavras aos meus Filhos, Netos, Irmãos,


Noras, Genros, Cunhados, Cunhadas, sobrinhos e amigos.
Em especial, ao meu Esposo, Francisco Nolêto Perna (In
Memoriam).

— Página 7 —
Sumário

— Página 9 —
— Página 10 —
PREFÁCIO

A minha vida tem sido plena, e, como parte dessa plen-


itude, tive um companheiro a quem muito amei e sei que
também fui muito amada. Um marido presente, apesar das
ausências, por força do trabalho. Ele era fiscal de rendas, e,
muitas vezes, passava semanas longe de casa, sem perder,
claro, a conexão de alma, de amor e solidariedade. O Chico,
como eu o chamava, Francisco Nolêto Perna, foi um homem
dedicado à Família, não só ao nosso núcleo familiar, mas à
grande Família, tanto a dele:mãe, irmãos e irmãs, cunhados
e sobrinhos, quanto à minha, meus Pais, minhas irmãs e
irmãos, sobrinhos.
Homem inteligente, criativo, realizador. Adorava as
artes: era um artista. Lembro-me bem dos presépios que
fazia; das máscaras de carnaval, de papel Machê. Lem-
bro-me bem da engenhoca espiritual que ele criou (risos).
Um homem bom! Cuidou da saúde de muita gente. Como
era criativo, desenhava, planejava, acompanhava as con-
struções, um homem dotado de muitos talentos. Como
amava os filhos, os oito que tivemos, os nossos amores, e
os nossos netos. Muita luta empreendida, dificuldades su-
peradas, muito trabalho, mas hoje são motivo de orgulho:
homens e mulheres preocupados com o próximo, pessoas
de bem. Esta é a nossa bela Família, que o bom Deus nos
confiou.

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I

A escuridão tomou forma de um pássaro


de asas abertas. Fui tateando por entre as pe-
nas pretas e cheguei até seus olhos de vidro:
ali estava o sótão frouxamente iluminado pelo
espelho lá no alto e do qual baixava um estra-
nho palor.

Verão no Aquário
Lygia Fagundes Telles
Sonhos Concretizados

Menina-moça bonita e sonhadora como toda adoles-


cente de qualquer parte do mundo. Morava em uma vila
aonde todos os habitantes se conheciam e aos 15 anos teve
que tomar a responsabilidade de uma dona de casa pois
sua mãe morreu e seu pai deixou o trabalho de competente
marceneiro para se entregar ao álcool.
Euzébia costurava e alfabetizava as crianças da comu-
nidade, tinha sempre alguém para ajudá-la nos trabalhos
domésticos, era querida por todos e a vida daquela moça
e daquela comunidade transcorriam sem qualquer novi-
dade.
Euzébia já completara vinte e seis anos e a rotina era
a mesma, não mudava em nada. A vida continuava sem
qualquer novidade, naquela comunidade. Não acontecia
nada de novo.
Piabanha como era chamada o povoado foi acorda-
da um certo dia com uma novidade que passava de boca
em boca e chegava a todos os habitantes da vila trazendo
alegria e esperança. Os diálogos eram constantes: - Você já
viu o novo habitante de nossa comunidade? É um rapaz e
parece ser boa pessoa.
-Não, ainda não tive a oportunidade de encontrá-lo.
-Por que tanta alegria?
- Porque não recebemos visitas há muito tempo e quan-
do aparece alguma é motivo de alegria...
Antônio deixou Carolina maranhão para morar em Pia-
banha. Trazia mercadoria para vender se os compradores
não tinham dinheiro ele recebia couro de bois e penas de

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aves silvestres.Antônio era viúvo, pois sua esposa tinha
morrido de eclampsia no primeiro parto morrendo ela e
a criança. Ele era jovem e estimulado pelos novos amigos,
procurou conhecer Euzébia e logo se apaixonou, o mesmo
aconteceu com ela. o casamento foi marcado e depois de
6 meses, era a hora de sua realização.
Todos os amigos que não eram poucos queriam ajudar.
Cada amigo ou amiga se oferecia para fazer alguma coisa,
queriam que o casamento fosse lembrado pela noiva como
um conto de fadas.
Antônio já estava morando em Bela Vista uma vila do
outro lado do Rio Tocantins. Depois do casamento, o casal
foi morar em Bela Vista e começava para a jovem senhora
uma vida que ela não conhecia. Apesar do marido ser um
bom homem tudo era diferente da que ela estava acostu-
mada.
Quando Euzébia cheia de sonhos chegou à sua casa, o
noivo não escondia seu contentamento e resolveu mostrá-
lo para sua esposa, ofereceu um fogão a lenha e uma lenha
verdinha tudo isso para mostrar simpatia e consideração.
A fumaça cobria toda a casa, os olhos lacrimejavam e ela
chorava sem parar e pensava; se soubesse que os homens
eram tão indelicados eu não teria me casado...
Depois de rir muito, abraçando a esposa pediu descul-
pas, dizendo que estava fazendo uma brincadeira.A esposa
aceitou as desculpas e continuaram felizes.
Era tempo dos gerais brutos, quem quisesse poderia
escolher um pedaço de terra e foi assim que aquele casal
depois de alguns anos deixou a vila para ir morar por al-
gum tempo em um lugar batizado de Pequizeiro.O marido
prometeu à esposa que quando os filhos precisassem estu-

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dar mudariam para uma cidade que atendesse os anseios
daquele casal: o estudo dos filhos.
No Pequizeiro o casal era incansável, Antônio trabalha-
va para o sustento da família, cuidava da criação de ani-
mais, procurava formar a fazenda que aos poucos ia cre-
scendo. Euzébia trabalhava em casa, cuidava das crianças,
ajudava o marido na loja, costurava para as pessoas de casa
e para ajudar o marido nas despesas da fazenda.
Foram dias de muito trabalho e de muito cansaço, falta-
va tudo, não se encontrava nada para comprar e a desculpa
dos moradores era de que a “Terra” não prestava e tudo
que se plantava ou não nascia ou nascia e morria logo.
Antônio não acreditou muito e fez uma grande roça,
qual não foi a Surpresa de todos quando tudo que foi plan-
tado foi colhido com sucesso. Daquela época em diante, os
moradores deixaram a preguiça de lado, plantaram, col-
heram e espantaram a fome daquele lugar.
Tonho, como era chamado por Euzébia, trouxe para
aquela comunidade um exemplo de esforço e trabalho. O
casal prosperou, o patrimônio cresceu e era hora de cum-
prir o acordo. Muitas pessoas diziam: “formiga quando
quer se perder cria asa. ” Mudaram para Porto Nacional.
A viagem para aquela cidade foi muito difícil pois
naquele tempo chovia muito, era mês de março e qualquer
córrego transbordava e virava um rio. Várias pessoas
acompanhavam a família composta do pai, mãe e sete fil-
hos, todos pequenos.
Os homens procuravam as cabeceiras dos córregos e
mesmo assim era preciso acampar e fazer pontes. As cri-
anças eram atravessadas por aqueles que nadavam bem.
Foi uma viagem de 12 dias e até um dos cavalos que levava

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a bagagem morreu ao atravessar um córrego cheio. Valeu a
pena porque em Porto Nacional as crianças tiveram grande
progresso nos estudos.
Naquele tempo sugiram grandes garimpos, principal-
mente de Cristal. A família resolveu aumentar o patrimô-
nio e passar algum tempo no maior e mais concorrido de-
les: ‘Piaus” o patrimônio foi aumentado mas as doenças
começavam a chegar para Euzébia: pneumonia, angina e
outras.
Era hora de retornar à Miracema, chegando lá foi traça-
do um plano para continuação dos estudos dos filhos. Vol-
tariam a Porto Nacional não com a sua família, mas duran-
te as aulas ficariam em casa de famílias conhecidas e nas
férias passariam em Miracema. Concluído o curso ginasial
alguns filhos foram para Brasília, outros para Goiânia e
Belém, Os pais ficaram aqui trabalhando dia e noite para
que o plano desse certo e os filhos cursassem uma facul-
dade.
Em 1979, Antônio teve problema de visão e foi à
Brasília fazer uma cirurgia, como fumou muito e tinha en-
fisema pulmonar não resistiu ficar vários dias deitado e
faleceu. Euzébia ficou muito triste e depois de oito meses
também faleceu deixando a família cheia de saudades.
Findaram-se assim as vidas de 2 pessoas, dois baluar-
tes que enfrentaram todas as dificuldades e tudo fizeram
pensando na família.

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Maranhense trabalhador

Antonio Pinheiro Nolêto, o filho mais velho de 7 irmãos,


sua mãe era viúva e ele teve que trabalhar para ajudar a
mãe no sustento da família. Casou muito cedo e não teve o
prazer de ter uma família porque a esposa morreu de ec-
lampsias com menos de um ano de casado e com ela e seu
1º filho.
Antônio ficou muito triste, mas pediu forças a Deus e
ajudada pelo trabalho conseguiu diminuir a tristeza. Tra-
balhou muito e até se embrenhou nos castanhais do Pará,
foi vendedor ambulante e depois de 2 anos de viúves de
muito refletir resolveu viajar pensando na sua melhoria de
vida, dirigiu a um povoado em Goiás chamado Piabanha
hoje (Tocantínia) mas encantou-se com o lugar à margem
esquerda do Rio Tocantins que tinha apenas 5 casinhas, um
engenho de fabricação de aguardente e uma loja do senhor
Temístocles Sardinha e desistiu do plano de morar em Pi-
abanha e fixou residência no povoado chamado Bela Vista
(hoje Miracema do Tocantins).
Trazia mercadorias para vender como: “fazenda” (corte
de tecidos) de várias cores como: algodãozinho, murinho,
chiffon, tricoline, chita e outros. Os compradores que não
tinham o dinheiro para pagar a mercadoria, trocavam por
couro de boi, ou penas de animais silvestres, (como ema).
Aconteceu no ano de 1929.
Tinha conterrâneos em Piabanha (Tocantínia) e sempre
estava lá e conheceu aquela que seria a sua esposa Euzébia
apelidada de Euzebinha. Conversando com seus amigos eles
deram as melhores informações dela. Ele se aproximou, com
poucos meses estavam noivos e menos de um ano casados.

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Antes do casamento construiu uma casa e ao lado dela
uma menor para a brigar as pessoas que viam do maran-
hão, principalmente de Carolina, para que eles pudessem
construir com calma suas casas, a casinha do senhor Antô-
nio abrigou entre eles a família do Sr. Américo Vasconcelos,
Sr. Pedro Teixeira e outras.
A família crescia e Antônio com sua inteligência desco-
briu que para ele seria a solução da família e dialogou com
sua esposa:
- Eusébinha se nós fôssemos para o “sertão bruto”
(tudo era mata e quem quisesse poderia ficar com o pedaço
da terra). Escolheríamos um lugar trabalharíamos muito,
poderíamos até ficar ricos.
- Tonho eu tenho muito medo de ficarmos na roça e
depois nossos filhos não estudarem assim que atingirem a
idade escolar.
- Sendo assim irei para onde for necessário.
Os filhos forma chegando, 1º o Raimundo, a primeira
criança que nasceu em Miracema, Adalgisa, Luzia, Ruzuli-
na, Antônio Nolêto Filho, Isabel e João.
Em 1993 quando a Luzia nasceu o Antônio falou: Minha
velha, quando você terminar o resguardo (naquele tempo
era de 40 dias) iremos cumprir o nosso acordo e mudare-
mos para o “Sertão Bruto”. Quando passaram alguns meses
minha mãe já estava novamente grávida. Euzebinha deu a
luz, se recuperou, tinha chegado a vez da mudança.
Quando chegaram naquela nova morada que recebeu
o nome de Pequizeiro e estava a 10 léguas de Bela vista,
quanta tristeza! Venderam tudo o que tínhamos para com-
er, pois diziam para o papai que para onde nós irmos não
faltava nada. Meu pai coitado para quem a responsabili-

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dade de estarmos lá era muito grande fez o que podia, mas
muitas vezes a minha mãe chorando comia sem arroz, sem
farinha porque não se encontrava nada para comprar e os
habitantes dali eram movidos pelo desânimo diziam: que
nada nada que se plantava era colhido porque ou não na-
scia ou não prestava para colher.
Todos os dias depois de tomar o minguado café, meu
pai colocava os jacas no lombo do burro, montava na garu-
pa e percorria léguas e léguas na esperança de encontrar
alimentos para comprar, o que não acontecia. No outro dia
ia para outro lado sem sucesso.
Antônio resolveu parar com as andanças e auxiliado
por vários homens escolheu um terreno, derrubou o mato,
queimou, e encoivarou e depois de vários dias plantou.
Qual não foi a surpresa de todos quando o arroz nasceu
com toda força, quando o feijão era de fazer inveja para
aqueles que nunca tinham tentado plantar. Daquela época
em diante ninguém mais podia falar mal das terras daquela
região porque elas eram de 1ª qualidade para a agricultura.
Depois de construir a casa da futura fazenda era hora
de ir comprando o gado para iniciar a criação na fazenda.
Foram construída a residência e 3 salas para a loja de teci-
dos, secos e molhados. Era necessário construir também a
casa de rancho como era chamada uma casa para receber
pessoas do sertão, principalmente fregueses que vinham
fazer compras e que chegavam de todos os lados para com-
prar na loja do seu Antônio.
Euzebinha se desdobrava: cuidava da casa, cozinhava,
vendia na loja, cuidava dos filhos e ainda costurava para
as pessoas de casa, para os trabalhadores da fazenda em
troca de serviços. O comércio era intenso, nos fins de sema-
na minha mãe ficava cansada, pois eram muitas as pessoas

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que se arranchavam em nossa casa para fazer compras.
Minha mãe tinha sempre pessoas que ajudavam, mas
quando faltavam sofria muito e se cansava mais ainda. O
trabalho foi duro, muitas dificuldades que foram supera-
das com a coragem e o espírito de fé e a esperança do jo-
vem casal de dias melhores. A família prosperava, tudo já
era mais fácil, havia fartura, não faltava nada na casa, as cri-
anças eram saudáveis e eram alfabetizadas pela mãe que
valorizava muito o estudo.
A medida que os filhos cresciam a mãe se inquietava e
temia pelo futuro dos filhos, para ela tudo estava acabado
se os filhos não estudassem e começou a vivar a memória
do marido, acordando-o altas horas da noite lembrando-o
do trato, pois os filhos estavam crescendo e era hora do
cumprimento do trato que fizeram de procurar a cidade
para os filhos estudarem.
Foram meses de conversas e planos e organização.
Finalmente, no dia 6 de março de 1940 a família Teixeira
Nolêto deu adeus ao Pequizeiro e dirigiu-se a Porto Nacio-
nal cidade que primava pela cultura, educação e formação
dos jovens de várias cidades. Meu pai matriculou-nos no
Colégio Sagrado Coração de Jesus, escola muito boa que
tinha internato e externato e que era das irmãs Dominica-
nas oriundas da França e que exigia muito dos alunos, fun-
cionários em período integral.
Ao chegarem a Porto Nacional, meus pais escolheram
para morar Trizidela (vila ou povoado do lado esquerdo do
Tocantins, do outro lado do rio era a cidade de Porto Na-
cional, era uma ótima região para o comércio, tanto para
vender como para comprar.
Tudo o que queríamos comprar aparecia na porta, além

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de tudo isso, comprava e vendia ouro, abundante naque-
la região. Foi um tempo de prosperidade, empanado pela
malária que acometeu toda a família, tirando a alegria de
adultos e crianças.
Já se passaram muitos anos e eu nunca me esqueci
daquela época em que nenhum cobertor era capaz de di-
minuir aquele frio, os ossos doíam, a febre era muito alta
e os remédios difíceis de tomar. O quinino estava pre-
sente em todos. Tomamos maleitosam, maleisim, saches
de quirino e por fim atebrina . Meus pais verificaram que
era impossível permanecer naquele lugar e perderam os
seus filhos para a malária (naquele tempo era chamada de
impaludismo).
Papai, Sr. Antônio, ao chegarmos na Trizidela, comprou
uma canoa e contratou uma pessoa de confiança para to-
dos os dias nos levar para escola e depois nos trazia, era
muito cansativo e as crianças ficavam poucas horas em
casa. Depois de conversarem meus pais resolveram morar
em Porto Nacional, alugaram uma casa e tudo ficou mais
fácil. Quando surgiu o garimpo dos Piaus (garimpo de cris-
tal) diziam que lá era muito bom para o comércio e meus
pais resolveram aventurar passaram algum tempo em Pi-
aus. Muitas pessoas ficaram ricas e outras gastaram o que
tinham e o que não tinham e ficaram mais pobres.
Para o comércio era muito bom aquele garimpo. Os
garimpeiros compravam o dia todo e muitas vezes era
eles que davam o preço nas mercadorias, batiam nas por-
tas dos comerciantes a qualquer hora do dia ou da noite.
O dinheiro era tanto que notas caiam atrás dos móveis e
ninguém sentia falta, apesar da prosperidade minha mãe
não se deu com o clima e adoeceu: problema de vesícula,
pneumonia e teve que se tratar em Anápolis.

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Quando a mamãe chegou de Anápolis o casal verifi-
cou que não podia ficar mais em Piaus porque a mamãe
tinha naquele tempo saúde frágil e o clima de Piaus não era
propício para ela e resolve voltar à Miracema e aqui fez pla-
nos para continuar os estudo dos filhos em Porto Nacional,
era difícil porque o papai dizia: minhas filhas não ficam em
pensão. Eu fiquei na casa de uma colega e amiga e os out-
ros irmãos foram também, mas ficaram em casa de amigos
pagando a estada.
Naquele tempo tinha o exame de admissão para pod-
er ingressar no Curso Ginasial com provas escritas e orais,
os alunos eram interrogados por pessoas desconhecidas e
só o nervosismo causado pela presença dos desconhecidos
fazia com que se apagassem da memória o que sabíamos.
Mesmo com todas as dificuldades passando o susto dos de-
sconhecidos não nos tirou o prazer de sermos aprovados.
O papai dizia: tratem de passar nos exames porque se
não passarem os homens irão para roça, as mulheres para
cozinha e adeus estudos. Todos nós fomos aprovados pelo
conhecimento aliado ao medo do cumprimento da promes-
sa do Sr. Antônio Noleto.
Assim era o meu pai, quando fazíamos o curso primário
em Piaus, terminávamos a 4ª série eu e minha irmã Luzia.
Naquele tempo eram feitas festas no termino da 4ª série
primária, preparamos a festa, ajudados pela nossa família,
organizamos a recepção para os parentes e amigos, com-
pramos roupas novas, vestidos brancos com bolinhas pre-
tas, calçados novos e depois de recebermos o certificado
haveria um grande baile em nossa homenagem. A Luzia e
eu estávamos na maior felicidade porque pela 1ª vez iria-
mos ver como era um baile.
Seu Antônio Nolêto (meu pai) no anoitecer mais ou

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menos às 20 horas, testemunhou a nossa alegria, alegrou-
se conosco e disse: É hora de nos recolhermos, tivemos
um dia cheio, e cansativo e temos que descansar, não o en-
tendemos e perguntamos: papai, o senhor está brincando?
Temos que participar da nossa festa e ele com aquele sor-
riso irônico falou: minhas filhas não discutamos, é hora de
nos recolhermos e pronto, eu sei que vocês vão fazer falta
na festa e que muitas pessoas virão ver o que aconteceu,
baterão nas portas e chamarão por vocês, finjam que estão
dormindo que eu farei o mesmo, amanhã teremos notícias
se a festa foi boa.
Um nó apoderou-se da minha garganta as lágrimas
teimavam em cair, queimando os meus olhos e eu queria
desaparecer para sempre e não ter que encontrar com
meus colegas. Depois de chamarem, bateram nas portas
tiveram a impressão de que a casa estava deserta. O meu
pai saiu-se com essa, as meninas estavam muito cansadas
e adormeceram o sono era tão profundo que por mais que
a chamassem não acordaram.
Muito eu podia falar do meu querido pai que é um ex-
emplo de homem, de filho, de pai e de esposo. Desempen-
hou em Miracema muitos trabalhos importantes: foi fis-
cal, foi juiz de paz, delegado, comerciante, fazendeiro e um
leitor assíduo.
Em 1979 meu pai que estava quase cego foi à Brasília
para submeter-se a uma cirurgia, estava acompanhado da
mamãe de minhas irmãs Ruzulina e Isabel, foi uma cirurgia
que deixou todos contentes, mas por ele ter fumado duran-
te muitos anos contraiu enfisema pulmonar, em razão da
cirurgia precisou ficar deitado por 3 dias e ao sentar foi
acometido por uma insuficiência respiratória que o levou
a morte e assim terminava a vida terrena do maranhense

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trabalhador com 80 anos e deixou muitas saudades.
Euzébia a esposa, depois de 8 meses que o Tonho fale-
ceu ela também nos deixou. Ficando só o seu exemplo de
mulher autêntica e trabalhadora.
São seus oito filhos :
Raimundo (Mundico) 1º advogado nascido aqui em
Miracema
Adalgisa professora trabalhou na educação por 48
anos.
Maria : Nasceu de 8 meses, óbito fetal.
Luzia: morreu aos 16 anos.
Ruzulina professora dedicada trabalhou em Miracema
e na Capital do pais
Antonio Nolêto Filho ingressou no exército passou por
várias progressões e hoje é um aposentado
Isabel professora foi delegada de ensino, por 3 vezes,
coordenadora da menores mirim, coordenadora da mer-
enda escolar estadual, secretaria municipal de educação e
presidente de partido político.
João que até os 18 anos parecia normal, tinha um tran-
storno mental e morreu aos 22 anos.

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O talento de um faisqueiro

Antônio e Euzébia casaram no dia 8 de dezembro de


1929 e Raimundo Teixeira Nolêto nasceu no dia 20 de
dezembro de 1930, para alegria dos pais. Foi a 1ª criança
nascida aqui na cidade de Miracema do Tocantins, Quando
era Bela Vista.
Raimundo cresceu em graça e sabedoria, caminhou
com 9 (nove) meses, falou com 10 (dez) e, aos 5(cinco)
anos, o pai tinha o prazer de chamar as pessoas para ver
o seu primogênito ler fluentemente. Cada dia que passava,
Mundico como era chamado pelos familiares se desenvol-
via e mostrava sua inteligência diferente das crianças de
sua idade.
Os pais agradeciam a Deus pela graça e pediam que
o filho sempre tivesse a vontade de crescer tanto profis-
sionalmente como no amor ao próximo, pois essas quali-
dades já nasceram com ele. Mundico fez o curso primário
ao ginasial em Porto Nacional, no Colégio Sagrado Coração
de Jesus das irmãs Dominicanas.Em Porto Nacional o meni-
no era conhecido pela sua inteligência e sinceridade no que
fazia.
Surgiram no norte goiano os garimpos de cristal e foi
para um deles “Piaus” que os pais de Raimundo se diri-
giram na ânsia de ganhar mais para o conforto da família.
Mundico quando ouviu falar no garimpo ficou tão animado
que queria que seus pais fossem logo. Ele dizia: é lá que
vou fazer o meu pé de meia.” Todos riam da confiança e
do encantamento daquele garoto, tão novinho e com ideias
tão grandes.
Uma das suas maiores alegrias foi quando chegou o dia

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da viagem. A família chegou ao garimpo, lugar de muito
dinheiro mas de muita violência e como algumas pessoas
diziam: lá matavam só para ver a queda. A mãe de Mundico
tinha muito medo, pois o filho não se contentava em ficar
quieto em casa. O garoto pensou vários dias para resolver
qual seria o seu trabalho, daquela época em diante pediu
a Nossa Senhora que desse uma luz e foi aí que optou para
ser um pequeno faisqueiro.
Depois de pesquisar quais as ferramentas necessárias
para o seu trabalho, começou a trabalhar acreditando no
êxito daquela profissão. Pela manhã, depois de tomar o
café colocava no ombro o seu embornal branco e dirigia-se
para o manchão área ao lado das catas (grandes buracos de
onde era tirado o cristal pelos garimpeiros).
Todo cristal refugado pelos faisqueiros e capangueiros:
pirâmides, pedras e pedaços, eram recolhidos e colocados
no embornal do pequeno faisqueiro, os grandes compra-
dores de cristal se encantavam com aquele empreendedor
tão novinho, mas que dava exemplo de trabalho e perse-
verança a muitos adultos. Depois de um dia de trabalho,
o cristal recolhido era beneficiado por ele e vendido para
aqueles compradores que o tinham jogado no manchão
sem dó nem piedade.
Depois de um ano, quando a família resolveu sair do
garimpo o faisquerinho já tinha feito o seu pé de meia e
juntado muitos cruzeiros (moeda da época) antes de sair
grandes capangueiros como o Sr. Rodolfo sempre estavam
atrás do seu pai, pedindo para que ele deixasse o seu fil-
ho ir com eles para o Rio de Janeiro para fazerem dele um
homem com muito estudo e rico, o pai não deixou.
De volta a sua cidade era hora de pensar na continu-
ação dos seus estudos, o pai resolveu manda-lo para Belém

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interno no Colégio Salesiano. No 1º ano de internato,
Mundico usou o dinheiro que ganhou no garimpo (o pé de
meia) para ajudar o pai nas despesas do colégio e mesmo
nas despesas pessoais. A felicidade estava estampada no
seu rosto por poder contribuir para sua formação.
Lá ele teve muito progresso nos estudos. Era tempo das
medalhas e do quadro de honra, todos os dias o seu nome
estava no quadro de honra e a blusa do uniforme era pesa-
da de tantas medalhas, seu nome era dado como exemplo
para os alunos do colégio.
Raimundo fez ao mesmo tempo os cursos: contabili-
dade e cientifico e depois faculdade de direito. O Sr. Pedro
Alvares que era responsável por ele em Belém, mandou
uma carta para seus pais pedindo-lhes ordem para tirá-lo
do internato e levá-lo para sua casa, ele alegava que tinha
dois filhos e o Mundico com sua responsabilidade e vonta-
de de crescer serviria de exemplo para eles.
Os pais de Mundico consentiram, e ele foi morar na casa
do Sr. Pedro. Daí em diante as coisas ficaram mais fáceis e
ele era tratado como filho. Terminado o 2º grau enfrentou
o vestibular para Direito passou e estudou com afinco até
se formar e começar a vida de um profissional competente
e entusiasta.
Foi a 1ª criança nascida em Miracema do Tocantins, 1º
advogado filho da cidade e quis a providência divina que
fosse o 1º em tudo o que enfrentava. O Sr. Pedro viu no Rai-
mundo a figura de um político responsável que seria apoia-
do por ele.O jovem entrou na politica de corpo e alma, não
encontrando muita dificuldade para se eleger.Foi vereador
2 vezes e deputado uma, deixou a política pelos apelos do
seu pai que dizia: filho, você não tem necessidade de políti-
ca porque tem sua profissão.

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Era no tempo da revolução, Mundico era deputado,
muito dos seus colegas foram presos e ele apesar de ser
vigiado, não encontraram nada que desabonasse a sua
conduta. Era hora de pensar em um escritório de advocacia
onde ele trabalharia muito com a competência que lhe foi
dada por Deus e pelo seu esforço.
Deixou a política e se concentrou em desempenhar
bem a sua profissão. Era muito querido por todos. O seu
escritório de advocacia era renomado, muito conhecido
e procurado para resolver muitas causas, até mesmo dos
Miracemenses.
Casou, só teve uma filha que foi educada com muito
carinho e participando do trabalho do pai desde os 8 anos.
Quando tinha 15 anos, já resolvia problemas do escritório,
cuidava do dinheiro e dos funcionários, foi uma assessora
perfeita.
Raimundo conquistou um patrimônio razoável, com
conforto e bem estar. Ele era religioso e sempre ajudava as
instituições de caridade como: a Santa Casa de Misericór-
dia e outras. Era muito carinhoso com seus familiares,
quando sabia que os pais e também sua tia que ajudou na
sua criação estavam doentes ou precisando dele para re-
solver algum problema era aí que se desdobrava, mandava
passagens, ou ele mesmo vinha e levava os que estavam
precisando.
Foi um filho, um esposo, um pai, um sobrinho, um
irmão e um amigo maravilhoso e não media esforços para
satisfazer as necessidades dos mesmos. Quando chegava
alguém da sua família em Belém o Mundico tinha grande
alegria de mostrar as partes mais importantes da cidade,
os pontos turísticos e explicar a importância de cada um.
Naquele tempo muitos jovens de Miracema iam para Belém

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estudar e o Mundico sentia-se feliz oferecendo o seu apoio
e a sua amizade.
Em sua cidade natal (Miracema do Norte) recebeu uma
homenagem de filho ilustre e seu nome foi dado ao fórum
da cidade. Tudo isso aconteceu na gestão do Prefeito Boan-
erges Moreira de Paula, que sempre valorizou os aconteci-
mentos históricos de Miracema.
Depois de vários anos de trabalho adoeceu gravemente
e morreu aos 45 anos vítima de um coma diabético.
Era muito triste quando nas ruas de Belém os jorna-
leiros vendendo o seu jornal gritavam; morreu o Dr. Nolêto,
(como era conhecido em Belém) morreu o pai dos pobres
. Enquanto isso o cachorrinho Rex procurava o dono pela
casa inteira.
Mundico foi enterrado em Belém e assim desapareceu
aquele ser que nasceu para ajudar o próximo. Sua doença
foi rápida e ele não teve tempo de fazer muita coisa que
ainda queria...

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Febrona

Soluços abafados modificavam o ambiente da fazenda.


A menina aproximou-se, pé-ante-pé, intrigada. Ouviu uma
voz “comadre, comadre... eu gosto daqui e não quero ir em-
bora”. A menina teve pena, mas verificou que era a melhor
solução. Febrona, uma jovem alegre e muito simpática,
morena, alta, olhos grandes, aparentando uns 16 anos, era
dona dos soluços. Trabalhava como auxiliar nos serviços
domésticos.
Tudo começou quando um louco fugiu de uma vila,
perto da fazenda do Sr. Jeremias. Caboclo era o seu nome.
Vivia acorrentado e trancado em um quarto na sua própria
casa. Ao ouvir falar do louco fujão. Febrona, com suas fan-
tasias de menina-moça, criou um personagem e começou a
amedrontar as crianças e adultos. Na sua mente doentia, o
Caboclo estava na fonte, no pátio, nos currais, atrás da casa,
nas árvores, sempre demonstrando muito medo. “olha o
caboclo” “aonde?” “Em uma daquelas árvores” e todos fala-
vam ao mesmo tempo: “não estamos vendo” e ela “desceu
agora mesmo, está correndo.”
E Febrona prosseguia amedrontando a todos, princi-
palmente a filha dos padrões, que era conhecida por Co-
madre, menina de 8 anos de idade, esta sim, tinha que es-
tar presente nas aventuras da garota louca. Comadre já não
dava de andar sozinha, tamanho era o medo que sentia.
“Comadre, tenho que lavar roupa” e lá ia a pobre menina
levar mais uma pedrada. A comadre falava pela Febrona ,
confirmava tudo o que ela dizia, era a sua testemunha oc-
ular. “Tia, a comadre vai comigo”. “ Tia, estou com medo de
dormir sozinha” e a menina era conduzida para a terceira
pedrada do dia.

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O acontecido já se espalhara por toda a redondeza, o
medo estava estampado em cada rosto, ninguém conse-
guiu entender o que estava acontecendo. Os vizinhos não
paravam de comentar:
“Você já ouviu falar da assombração na casa do Jeremi-
as?”
“Deus me livre!, cruz credo!, não quero nem passar por
aquelas bandas!, os espíritos maus estão soltos.”
“Eu queria adivinhar o que o casal fez de tão ruim para
está sendo perseguido pelos fantasmas.”
A família tinha que se mudar para cidade distante, os
preparativos da viagem já estavam prontos, mas, antes da
mudança, precisava desvendar aquele mistério. Homens e
mais homens eram contratados para encontrarem o louco
ou desvendar o mistério. Fora criado uma espécie de reve-
zamento de trabalhadores, pois alguns já queriam cair fora.
Meio dia, sol a pino, todos tresnoitados. Adultos cochil-
am, crianças procuram entender... Era dia de lavar roupa no
córrego. Febrona chorava e tremia com medo do encontro
com o Caboclo.
“Tia, eu quero lhe pedir uma coisa... “Peça” “Eu quero
que a comadre me faça companhia, tenho que lavar roupa”
A patroa chora de pena da filha alheia. “Mariinha pode ir
com você, mas tenha cuidado com a minha filha” As pedra-
das comiam e os roxos aumentavam no corpinho da meni-
na.
Antevéspera da viagem, roupa suja, medo, patroa que
chora: É injustiça deixar Febrona ir lavar roupa sozinha,
mas minha filha já está doente e muito nervosa... vou deix-
ar a Mariinha lhe fazer companhia, mas todo cuidado é
pouco!.”

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No córrego, roupas são pisadas e rasgadas. O Caboclo
está furioso e só não danifica as roupas da amiga. O chefe
da família já não aguenta mais. Sua cabeça é só confusão:
muito medo pela família, cuidado redobrado com os filhos.
Manhã de Domingo, Sr. Jeremias não sabe mais o que
fazer, está desesperado. Ô de casa! Tem alguém aí? O dono
da casa reconhece aquela voz e responde: “ entre estamos
na sala.” Abraços, palavras de conforto. Seu Chiquinho era
um grande amigo, viera à fazenda para ajudar a solucionar
o problema que afligia aquela família . “Jeremias, só sairei
daqui quando for resolvido este caso.” E assim passou a
trabalhar, vigiando os passos da garota louca. Ela, por sua
vez, preocupava-se com o visitante, mas fingia ignorá-lo.
Seu Chiquinho, homem muito astuto, logo se aproxima de
Mariinha, com ela faz amizade, conversa muito e descobre
que a menina está sugestionada, nunca tendo visto o tal
Caboclo.
Noite enluarada, família reunida. De repente, alguém
grita “Ele me acertou!” O detetive aproximou-se, examina
a pedra e constata que, apesar da chuva forte, a pedra está
enxuta e conclui: “ Esta garota está nos colocando no bol-
so...”
A vida continua. Chiquinho e Jeremias já descobriram.
A patroa não acredita. É preciso uma prova a qualquer
preço.
Mais uma vez Febrona precisa de companhia e mais
uma vez a patroa é ludibriada. Chegaram ao córrego, Febro-
na fala alto, briga com o Caboclo, deixa a roupa na tábua e
volta para casa aos prantos. “ Mamãe, mamãe... o Caboclo
desta vez quase quebra minha costela.” A mãe revoltada ex-
clama: Esse louco quer matar a minha filha.”

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É hora de tornar pública a descoberta. Em uma reunião
familiar a dona da casa se convence. Seu Chiquinho não
estava feliz: “É preciso dar um castigo para essa garota .
Com o corpo encarvoado e atrás das árvores, que margeiam
o córrego, aplicarei na mentirosa um grande surra e tudo
ficará por conta do Caboclo. Os fazendeiros não consenti-
ram tal castigo, chamaram Febrona, disseram-lhe tudo o
que descobriram e pediram a seu pai que viesse buscá-la.
Muito choro. Tratamento para a criança, sossego para
todos. A fazenda volta ao normal, acabaram-se as visagens.
Ao longe, o trote de um cavalo, Febrona volta para casa.

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Efeitos da cobiça

Década de 40, tempo conturbado pela Segunda guer-


ra mundial. Coisas inéditas aconteciam no mundo inteiro.
O Brasil também ressentia-se dos efeitos daquela guerra e
chegou a mandar jovens para lutarem ao lado das forças
aliadas. No meio de tudo isso, surgem no norte de Goiás,
hoje Tocantins, garimpos de cristal, revolucionando o Bra-
sil de norte a sul.
De todas as partes do nosso país dirigiam-se pessoas
para os garimpos, pensando na facilidade de ganhar din-
heiro, o que muitas vezes não acontecia. O cristal estava
valorizado naquele tempo, e muitos chefes de família deix-
aram seus parentes queridos e chegaram ao garimpo para
ficarem ricos ou mais pobres do que eram.
Piaus era o maior dos garimpos e foi lá que o Sr. Deocle-
ciano decepcionado chorou e arrependeu-se enquanto era
tempo. Homem bom, moreno, de estatura média cabelos e
olhos castanhos, tipo do brasileiro nato. Era comerciante
em uma cidade do Piaui.
Depois de combinar com sua família, dirigiu-se a Piaus
pensando em triplicar seu capital. ..Trazia um bom din-
heiro para investir no comércio. Ao chegar a Piaus mudou
de ideia e entrou de corpo e alma no garimpo, esquecen-
do-se do seu objetivo, mandou cavar catas, (grandes bura-
cos de onde eram tirados o cristal) na esperança de ficar
rico, o que não aconteceu.
O seu Dedé como era chamado o Sr. Deocleciano abriu
os olhos na hora certa mas metade do seu dinheiro já tinha
sido engolido por aquele garimpo que não tinha dó e nem
piedade de garimpeiro como ele. Depois de muito pensar,

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resolveu deixar o garimpo para morar em uma cidade tran-
quila, chamada de “Berço da Cultura.” Lá, apesar de muito
só e de perder de vez a sua família, sentiu-se em paz.
Não quis mais se casar nem colocou em casa nenhuma
mulher, Chegou a se lembrar muito pouco da sua verda-
deira família pela distância, pelo passar do tempo e pela
falta de notícias. Não voltou para o Piauí para não ter que
enfrentar os seus e dizer que esteva mais pobre...
Ao chegar fez amizade com muita gente, pois nas ci-
dades pequenas todas as pessoas se conhecem. O Sr. Deo-
cleciano destacou uma família pela solidariedade e deli-
cadeza. Fez dela a sua própria família. Seu Lupercino, D.
Nancy e seus dois filhos passaram a fazer parte da vida do
novo habitante daquela cidade.
Era no tempo em que existia o curso ginasial. O prédio
onde funcionava o ginásio ficava bem perto de um bar que
por sinal era o bar do Sr. Deocleciano que fez amizade com
alunos, professores e funcionários. Os fregueses eram ao
mesmo tempo amigos e reuniam-se para o bate papo de
fim de tarde. Como era bom o suco de limão feito pelo Sr.
Deocleciano... Além do suco, vendia salgadinhos, analgési-
cos, vitaminas e às vezes uma caipirinha.
Passaram-se os anos e aquela rotina só era quebrada
quando a família amiga fazia um passeio e o Sr. Dedé era
convidado especial. Nessas ocasiões, o bar era fechado por
uma tarde ou um dia.
Convidado para jantar com os amigos o Sr. Deocleciano
ficou à vontade para conversar e falar de sua prosperidade
no comércio. O Sr. Lupercino perguntou-lhe quais eram as
suas pretensões daquela data em diante:
- Dedé, como você está prosperando o que pretende

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fazer de agora em diante?
O Sr. Deocleciano, com a alegria que lhe era peculiar,
disse ao amigo:
- Pretendo trabalhar mais alguns anos e depois quero
me aposentar.
O amigo concordou, deu forças e disse:
- Dedé, você do jeito que vai são necessários apenas
uns dois anos para alcançar o seu objetivo.
Conversaram muito, a par de toda pequena fortuna que
o amigo conquistara, despediram-se. Já era tarde, todos
dormiam, apenas o Sr.Lupercino fumava um cigarro após
outro e naquela cabeça de homem sem Deus, começaram a
se formar confusas ideias.
A sexta-feira amanheceu triste, nublada, muito cal-
or, trovões ao longe. Era o anúncio do final das águas. O
Sr. Deocleciano estava confuso e com o coração apertado.
Tivera sonhos conturbados e um deles era prenúncio de
maus acontecimentos.
Procurou a amiga dona Nancy e falou do seu medo e da
sua ansiedade. Dona Nancy acalmando-o disse-lhe:
- Coragem meu amigo, sonho é bobagem e não quer
dizer nada.
Algo de muito estranho tomava conta daquele homem
aparentemente tranquilo.
Dentre os amigos do dono do bar havia um menino de
uns dez anos, o Valdemar que todos os dias chegava bem
cedinho para vender limões para fazer o suco: marca regis-
trada daquele bar.
Era mês de março, chovia muito. O Bar amanheceu

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fechado e os vizinhos e amigos intrigados perguntaram:
Será que o Sr. Deocleciano amanheceu doente? Enquanto
isso, na soleira da porta como em todos os dias, estava o
Valdemar com seu balde de limões amarelinhos. Cansado
pela espera deixou que o seu relógio marcasse 9 horas. Co-
locou o ouvido e os olhos na fechadura da porta, não ouviu
nenhum ruído nem ressonar e deu o alarme.
Em altos gritos clamava Socorro! O meu amigo morreu!
Mataram o meu amigo. Dentro da casa não há nenhum sinal
de vida. A polícia foi chamada e depois do arrombamento
da porta, todos ficaram estarrecidos com o que viram. O Sr.
Deocleciano de cueca, com a cabeça esmagada estava caído
no corredor em uma poça de sangue. Foram levados o seu
dinheiro e objetos de valor.
O medo se estampou em cada fisionomia e aquela ci-
dade passou a trancar suas portas às 18h para só abri-las
no outro dia às 7 horas da manhã. Ninguém estava em paz
e uns diziam que o criminoso tinha se escondido no quarto,
outros que ele estava atrás da porta. Cada pessoa manifes-
tava o seu pensamento aumentando a insegurança daquele
povo...
A cidade transformou-se em inferno de lamentos e in-
seguranças.
A família mais amiga tomou conta de tudo do funeral,
das roupas, das despesas e chorar muito o amigo perdido.
Muitas foram as flores e as coroas que mandaram para o
morto. No meio delas, destacava-se a maior e mais bonita,
com os seguintes dizeres. Saudades da família Lupercino
que chora o amigo que se foi...
Os murmúrios continuavam cada um queria adivinhar
o esconderijo do assassino. Nancy tinha saudades do ami-

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go, inquietava-se com o grande mistério, a crueldade do ser
humano mexeu com a sua sensibilidade. Recorreu às auto-
ridades, mandou vir detetives e saiu à rua para ir à igreja
pedir ajuda de S. Judas Tadeu.
Depois de três meses, o crime continuava sem solução.
Da Capital chegou àquela cidade o coronel Barbosa e sua
equipe de detetives. No coronel Barbosa a população da
cidade depositou toda a esperança da solução daquele
caso tão complicado. Barbosa fez da cidade a sua casa e
começou a visitar residências, casas de comércio, escolas,
bares e hotéis. Procurou adquirir a confiança da sociedade
para facilitar o seu trabalho.
Era hora de chamar as pessoas para deporem. Começou
pelos vizinhos do bar e familiares do grande amigo. As
peças foram se encaixando e era a vez de D. Nancy que at-
ravés de suas pesquisas descobriu tudo e colaborou com a
polícia contando o que tinha descoberto.
O Sr. Lupercino foi chamado para depor e apesar de se
esquivar não teve como fugir. O coronel já sabia de tudo
pelas suas pesquisas mas queria arrancar daquele homem
frio a sua própria confissão. O Sr. Lupercino contou para
Barbosa que há muito vinha planejando tirar a vida do ami-
go, para ficar com seu dinheiro.
O coronel com a autoridade que lhe foi confiada e com
a revolta por tanta maldade, perguntou ao Sr. Luperciono –
Você era tão amigo do Sr. Deocleciano como teve coragem
de tirar lhe a vida? Ele respondeu:
- No homem há sentimentos bons e sentimentos maus,
cabe a ele saber cultivar os bons.
O coronel Barbosa irritou-se e disse – Você não respon-
deu a minha pergunta e eu vou fazê-la novamente – Por

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que você matou o seu amigo?
- Por pura inveja. Saltei o muro que dava da minha casa
para o bar, bati na porta do quarto e ele acordou assustado,
sem querer falar. Ao ouvir minha voz, abriu a porta com
alegria. Perguntou se tudo estava bem comigo, respon-
di que sim mas a minha esposa estava com forte dor de
cabeça e queria um calmante.
Seu Dedé guardava os remédios em cima da geladeira e
ao virar as costas, foi agredido com uma travanca (pedaço
de pau), a mesma que servia de ferrolho para a porta de
quarto.
A cabeça do amigo ficou esfacelada, não tendo nem
tempo para pedir socorro. Caiu agonizante e permaneceu
por várias horas em poça de sangue. Roubei os objetos de
valor e o dinheiro, em seguida, pulei o muro de volta ao
meu quintal e acreditei que meu desejo tinha se concret-
izado.
Depois do depoimento o Sr. Lupercino foi declarado
culpado e algemado seguiu para a penitenciária da Capital.
A paz foi restabelecida, a cidade voltou ao normal, livrou-se
do medo que foi substituído pela confiança. O coronel Bar-
bosa estava contente por ter desvendado aquele mistério,
mas o seu coração batia descompensadamente e ele mur-
murava:
- ao longo da minha vida profissional, já descobri mui-
tos crimes mas este foi o mais triste...

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Iracema Club

Iracema Club (Sociedade Lítero Recreativo Esportivo)


de muitas histórias e de muitas alegrias.
Depois do nosso casamento, quando conversávamos,
principalmente à noite, pois durante o dia estávamos tra-
balhando, o Chico nas nossas conversas me dizia: Adalgisa,
é necessário que lutemos para a construção de um clube
no qual os jovens de Miracema, não só os de agora como os
das gerações futuras possam ter uma diversão sadia aonde
se reunirão com os adultos para se divertirem porque até
agora não tivemos pessoas interessadas nesse assunto...
A ideia amadurecida, era preciso partir para ação, mas
as dificuldades eram imensas, a falta de dinheiro era muito
grande e poucas pessoas acreditavam naquele feito arro-
jado de um homem idealizador. Como não podemos fazer
nada sem a colaboração de outras pessoas, reuniu-se em
nossa casa por inúmeras vezes um grupinho de boa von-
tade do qual fizeram parte: a Nélia Nolêto, a Isabel Nolêto,
a Zélia Bandeira, a Teté Vasconcelos, a Ruzu Nolêto, o Her-
nani Mota, o Luso Cunha e eu. O Luso passou a ser o braço
direito do Chico Perna ajudando-o a alcançar um objetivo
que seria para o bem da comunidade Miracemense.
Em nossa casa foi discutido tudo sobre o Iracema Club,
inclusive o nome sugerido por mim e aceito pela equipe
sonhadora. Foi marcado o dia do lançamento da pedra
fundamental, 12 de setembro de 1958, um dia inesquec-
ível para a equipe trabalhadora, Lembrando que a criação
da associação foi publicada no Dário Oficial do Estado de
Goiás.
O grupinho trabalhador arregaçou as mangas e

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começou o trabalho incansável de angariar fundos para a
construção. Foram feitos bingos, rifas, jantares, festas en-
quanto isso, o jovem idealizador procurava sensibilizar os
comerciantes para a viabilidade daquela construção. Al-
guns diziam: Isto não tem sentido. Outros diziam: por que
você não aluga uma sala e faz as festas? O Chico esperanço-
so explicava que nada disso resolveria e partia para o diálo-
go com outros segmentos da nossa sociedade. Muitos diz-
iam: você é doido, não tem sentido essa história.
Outras pessoas foram se juntando a equipe como: Arias
Gomes, Trajano Coelho, Lourival Costa, Adelmam Porto,
Delfino Araújo e outras. As paredes já se erguiam e um belo
dia o Mustafá Bucar amanheceu acreditando no empreen-
dimento e prometeu vender fiado o que tivesse na sua loja,
passando a ser sócio e muito contribuindo.
O trabalho para adquirir fundos continuava e o Hernani
Mota que viajava para Anápolis levava o dinheiro e com-
prava o material de construção, pois aqui não tinha quase
nada. As madeiras para o teto foram trazidas de Belém do
Pará pelo Senhor Antônio Evangelista que fazia viagens
para Belém e também era sócio. O Chico foi eleito pela
equipe fundadora como o primeiro Presidente do Iracema
Club. E depois vieram muitos outros presidentes.
Quantas vezes com poucos dias que tinha dado luz, fi-
cava até quase de manhã ajudando-o na realização das fes-
tas e eventos; As festas não eram como as de hoje, a renda
era pouca e precisávamos trabalhar e trabalhar muito... de-
pois de uma festa, toda equipe era reunida para prestação
de conta do dinheiro arrecadado e o direcionamento para
compras dos materiais necessários para terminar a con-
strução.
As paredes já estavam altas e algumas pessoas come-

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çaram a acreditar, era hora de partir para venda de um
determinado número de ações. Foi elaborado o Estatuto
do Club, seus fins, duração e representações. Sempre bem
organizado, o Chico mandou imprimir ações, carteirinhas,
contrato social. Era um trabalhador incansável, sempre or-
ganizando a escrita e fazendo tudo direitinho, para que o
Iracema Club fosse um exemplo de associação, tudo tinha
que ser bem feito: pasta para cada documento, nada fora
do lugar, prestações de contas e balancetes mensais.
O Iracema Club foi palco de grandes carnavais, réveillon,
festas de debutantes, reuniões politicas, festas de format-
uras, apuração de votos das eleições, festa de aniversários,
casamentos e outras. Com o passar do tempo, acreditando
na realização do projeto, outras pessoas foram se juntan-
do a equipe.
Hoje, o Iracema Club não tem mais condições de diver-
tir as pessoas, ficaram as boas lembranças e o bailar dos
ratos incomodando os vizinhos.

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Irmãs da Assunção (Colégio Tocantins)

Em 1962, as Irmãs da Assunção chegaram à Miracema


e começaram o seu grandioso trabalho que beneficiou não
só Miracema, mas a todas as cidades da região. Desde o ano
da chegada, começaram o seu trabalho e se preocuparam
não só com a cultura e a educação, mas com a formação
integral do aluno.
A princípio, as irmãs enfrentaram muitas dificul-
dades pela falta do conforto que elas tinham nas cidades
de origem. Nem ao menos um supermercado existia e era
necessário que elas trouxessem de outros lugares os suple-
mentos alimentares. Não tinha energia elétrica, nem água
encanada, as ruas não tinham calçamento e nem eram as-
faltadas. Existia apenas uma escola oficial de 1ª a 4ª série.
Não tínhamos estradas pavimentadas e era muito difícil
para ir de uma cidade a outra. Todos os problemas tinham
que ser resolvidos em Goiânia, há quase mil quilômetros
daqui. A preocupação era muito grande para que a nossa
juventude fosse uma juventude sadia.
No início, faltava um prédio para as aulas e as Irmãs
com todo esforço e boa vontade iniciaram o seu trabalho
em uma escola improvisada, com apenas três salas. As
irmãs abraçaram a nossa causa e se tornaram miracemen-
ses de coração, ajudando não só aos alunos, mas também
as suas famílias. Integraram-se à comunidade de corpo e
alma.
Foi escolhido um lindo lugar, rodeado de palmeiras
para a construção do Prédio do “Colégio Tocantins” às
margens do Rio Tocantins e com o privilégio de uma brisa
constante. Os materiais de construção eram comprados em

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Goiânia e o Sr. Oscar Sardinha Filho se encarregou da ad-
ministração da construção o que resultou em um belo pré-
dio com muitas salas de aula e dependências necessárias
para um funcionamento de uma unidade escolar.
Cuidaram da formação integral, da catequese, de diver-
sos cursos, do apoio às famílias, eram confidentes e muitas
vezes ofereciam aos alunos aquilo que suas famílias não
podiam oferecer. Através do teatro, nossos jovens eram in-
seridos no mundo das artes, trabalhando as emoções, seus
talentos, e desenvolvendo a leitura e visão de mundo, le-
vando-os a busca de novos horizontes.
Muitos alunos do Colégio Tocantins se destacaram na
escolha de suas profissões, contribuindo para grandeza de
nossa Pátria e de outros países.
A 1ª Delegada de Ensino foi a Irmã Lourdes Irene, sub-
stituída pela Irmã Regina. A Irmã Doracina foi a 1ª Diretora
da Escola Estadual Santa Terezinha. A princípio, tínhamos
só uma comunidade de Irmãs no Colégio Tocantins. Com a
instalação da Diocese, mais uma comunidade foi formada
no Centro de Treinamento. Aquelas religiosas desempen-
haram um trabalho de fazer inveja a qualquer comunidade.
Ajudadas pelo D. Jaime e alguns padres, promoveram en-
contros, cursos, assembleias, cursilhos e tudo o que de-
pendesse da sua ajuda.
Aos domingos, quando íamos à missa não encontráva-
mos lugares para nos sentarmos, e aí nos lembrávamos do
tempo em que nove ou dez pessoas compareciam à igreja.
À medida que as famílias foram sendo conscientizadas da
necessidade de uma religião, elas foram se transformando
e vimos o incansável trabalho ser coroado de êxito.
Muitas Irmãs já passaram por Miracema. Algumas já

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moraram aqui, mais de uma vez como: Irmã Geralda, Irmã
Angélica, Irmã Elvira, Irmã Odília Irmã Emma, Irmã Severi-
ana, Irmã Eugênia, e outras.
Foram diretoras do Colégio Tocantins: Madre Redemp-
ta (Nilza) Madre Gertrudes, Irmã Maria Rita, Irmã Lourdes
Irene, Irmã Beatriz, Irmã Joana Pedro, Irmã Márcia, Irmã
Terezinha, Irmã Naila e Irmã Diná.
Fiz parte com muita alegria da família Assunção, pois
além de estudar, lecionei e desempenhei outros cargos
neste Colégio que tanto amo. Muitos professores con-
tribuíram e ainda contribuem para o grande sucesso do
Colégio Tocantins. Acompanhei esse maravilhoso trabalho
desde o 1º dia e acho que o Colégio Tocantins e as Irmãs
da Assunção merecem de todos nós e das autoridades o
reconhecimento pelo muito que fizeram em prol da nossa
comunidade.
No dia 31 de maio de 1998, tivemos o privilégio de
uma jovem miracemense, Maria Luísa, se tornar freira, um
acontecimento que fez parte das comemorações dos 100
anos da fundadora das Irmãs da Assunção.
As irmãs retornaram aos seus lugares de origem e deix-
aram conosco o resultado de um trabalho feito com muito
amor e dedicação. Hoje, o Colégio Tocantins que tanto bem
fez a Miracema e região foi entregue a um grupo de profes-
sores que muito tem feito pela comunidade.

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Maternidade Dona Domingas

Recebi com tristeza a notícia da paralisação da mater-


nidade Dona Domingas. Foram anos de ajuda a nossa co-
munidade. Médicos que se dedicaram muitos anos para ver
funcionando a maternidade Dona Domingas concretizaram
o seu sonho, mas de repente, como acontece sempre com
as coisas boas de Miracema, elas nos são tiradas, arranca-
das do nosso seio de uma hora para outra.
Assim aconteceu com a capital, está acontecendo com
a maternidade e escutamos rumores de nos tirarem out-
ras instituições importantes. A Sônia dedicou-se de corpo e
alma e muita vez esqueceu-se de si própria para trabalhar
pela saúde do povo da sua terra e de repente, como em um
sonho, viu todos os seus esforços serem em vão.
Só quem acompanhou de perto a luta pela fundação e
manutenção dessa benéfica instituição é que pode avaliar
a falta que nos faz. E o trabalho de D. Jaime, do Dr. Franklin,
do Dr. Francimar, e de todos que trabalharam, onde fica? E
da comunidade? Será que ele não vale? Será que ainda va-
mos receber outras notícias de perda das coisas amadas?
Não sei.
A imprensa falada, escrita e televisionada tem muita
força, porque vocês não nos ajudam? Por que não falaram
muito? Para lutarmos não é preciso magoar ninguém e nem
tão pouco passarmos por cima das pessoas. A propaganda
é a alma do negócio! Um só não pode fazer nada, mas mui-
tas vozes gritando a mesma coisa serão ouvidas pela terra
e pelos céus. Quem sabe se as autoridades responsáveis
não se sensibilizam e nos dão o crédito que precisamos?
Estamos pedindo: Em vez de fechar porque não ajudam a

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maternidade em suas carências?
Depois que a maternidade Dona Domingas fechou ver-
ificamos a tristeza das mães que já tinham àquele porto se-
guro. As autoridades podiam criar órgãos e não retirar o
que está instalado e servindo a nós e outras comunidades.
Talvez nunca mais tenhamos uma maternidade. Resta-nos
chorar e pedir a Deus que nos ajude a suportar tanta falta
de amor.
O nome da Maternidade Dona “Domingas” foi para
homenagear uma grande mulher que ajudou muito as
famílias miracemenses como excelente parteira.

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Vítima do Destino

Perdido em seus pensamentos, Rafael monologava o


passado de sua família contado por alguém que conhecera.
Queria que ninguém passasse momentos difíceis como os
vividos em outras épocas por seus familiares, que foram
vítimas ou testemunhas de uma sociedade machista, sem
leis, que não valorizava a mulher, a qual não era dado o di-
reito de escolher o próprio esposo, nem ao menos de ad-
ministrar seus sentimentos. Tempos cruéis à mulher, espo-
sa e mãe, que apenas tinha deveres e não direitos.
Os esposos eram escolhidos pelos pais ou familiares
mais próximos a fim de satisfazer vaidades, negócios, tran-
sações ou vinganças. Foi assim no final do século XIX, em
certo lugar onde viveram os antepassados de Rafael.
Naquela noite de insônia, os seus familiares, que não
conheceu e dos quais guardava fotografias, foram passan-
do um a um como em um filme, demorando-se em Josefa
sua tetravó, resolveu contar um pouco da vida dela para
que outras pessoas pudessem avaliar o caráter e a garra
daquela grande mulher presa nas malhas do destino.
Era outono, Dona Cândida terminara de arrumar a
mesa para o jantar. Suas filhas Ana e Josefa, ao lado da mãe,
estavam tristes sem saber o motivo. No rosto de Josefa as
marcas de uma noite mal dormida. De repente, irrompe na
sala o pai, Sr. Lafaiete, parecendo estar muito feliz. Com en-
tusiasmo chamava a filha mais nova.
- Josefa! Josefa! Descobri o genro que pedi a Deus. Jose-
fa ficou ainda mais triste e não se conteve disse: - Papai, pa-
pai, por favor! Não quero me casar agora, sou muito jovem,
tenho apenas 16 anos!

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O Pai com toda arrogância de um chefe de família
mal-educado, respondeu: - Não quero saber, quem manda
nesta casa a nesta família sou eu, sou o chefe e pronto. Já es-
colhi o seu marido e não adianta chorar nem pedir. Aman-
hã, o rapaz virá aqui para marcarmos a data de casamento.
No dia marcado para o pedido, o Sr. Lafaiete mandou
que Josefa vestisse o melhor vestido, penteasse os sedo-
sos cabelos e aguardasse a chegada do futuro noivo. Josefa
tinha de obedecer ao pai e ao futuro marido... eram as leis
daquele tempo.
O pai aguardava com ansiedade quando na porta da
frente, soaram palmas. Era ele, o pretendente, Sr. Venâncio,
com seu terno de linho branco, cabelos bem penteados e
muita vontade de conhecer a noiva.
Mesmo aborrecido com o atraso do futuro genro e fa-
zendo ver a ele que a palavra do homem valia tudo, aceitou
suas desculpas e chamou a mulher e a filha para as apre-
sentações. Josefa teve de fingir-se de alegre para que o pai
não tivesse um acesso de raiva.
Foi acertado o casamento para dali a um mês. A moça,
debulhando-se em lágrimas, conversou com sua grande
amiga e pediu-lhe que avisasse ao namoradinho do tem-
po da escola primária, Zezinho, o acontecido. Este, após a
notícia, passou a perambular pelas ruas do povoado can-
tarolando o nome de Josefa. Nunca mais comeu... definhou
até morrer.
Tudo transcorreu naturalmente, os dias longos e si-
lenciosos, as noites turvas e profundas. Até que chegou o
dia do casamento. Josefa foi para o altar com um pesar de
morte. Ferida em seus sentimentos, era como boi conduzi-
do ao matadouro... o seu coração sangrava de angústia.

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Enquanto lá fora os sinos anunciavam o casamento, do
lado de dentro, à beira do altar, Josefa implorava aos céus a
proteção divina.
- Minha Nossa Senhora, interceda por mim, faça com
que esse casamento não se realize Por favor, Minha Santa
Mãe!
De nada adiantou, o seu destino estava traçado e foi
feita a vontade do Pai. Muito choro, abraços e lamentos.
Depois do casamento, da festa para os convidados, mu-
daram-se para uma casa emprestada e, daquela data em
diante, as más qualidades do marido foram aparecendo.
Era um dormir que não acabava nunca. Não tinha profis-
são, os trabalhos que apareciam não eram realizados, e as-
sim, nenhum dinheiro entrava naquela casa pelas mãos do
marido. A família não passava fome porque o sogro ajudava
e Dona Josefa trabalhava por ela e pelo marido, procurava
convencer o marido da necessidade de fazer alguma coi-
sa e de refletir na grande responsabilidade de um chefe de
família, mas ele era irredutível e estava sempre falando:
- Quando a gente tem que ser rico, não precisa fazer
força.
Os filhos foram chegando: um, dois, três, já eram sete.
Mesmo sem gostar de trabalhar queria a casa cheia.
- Como é bom ter muitos filhos e ficar atrapalhado com
os seus nomes, dizia.
Dona Josefa entrou de corpo e alma no trabalho para
poder criar os filhos. Não queria sempre estar pedindo
ajuda ao pai, que acompanhava de perto a vida inútil do
genro. A Cada ano chegava mais um filho e nada de mu-
danças, nada de procurar um trabalho que o dignificasse.
O sogro resolveu abrir o jogo, conversou com o genro, fez

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indagações, ofereceu ajuda e falando nos filhos ouviu dele.
- Deus dá, Deus cria...
Não havia mais o que fazer. O Sr. Lafaiete pediu à filha
que acabasse com o casamento, pois eram muitas as suas
preocupações em relação ao futuro dos seus netos e prom-
eteu auxiliá-la com a educação e criação das crianças. Jose-
fa, com toda mágoa que lhe ia na alma, fez ver ao pai que
ele era o culpado, pois quis assim, escolhendo o seu marido
sem conhece-lo, apenas por aparências. O pai indignou-se
com a resposta da filha.
- De agora em diante lavarei as minhas mãos, não que-
ro nem saber dos acontecimentos de sua casa, porque você
é o balaio e ele a tampa. A pobre filha, chocada com o que
ouvia, chorou e pensou: - meu pai foi que escolheu a tampa.
As cobranças eram muitas e a coragem pouca, o marido
não queria mudar e resolveu abandonar, sem aviso prévio,
os seus familiares, viajando para os garimpos de Mato
Grosso. Nunca deu notícias. A mulher estava grávida do 8º
filho, o caçula. Depois do abandono desdobrou-se para ten-
tar fazer às vezes de pai e mãe, cuidando da cozinha e dos
filhos, costurando e tecendo grandes redes. Trabalhava de
segunda a domingo, sem descanso, dormia poucas horas
na noite e trabalhava enquanto os filhos dormiam. Esforça-
va-se para satisfazer a curiosidade deles em relação à via-
gem do Pai. Os vizinhos intrigados diziam:
- Você não respeita nem os domingos, trabalha dia e
noite.
- É melhor trabalhar no Domingos do que pedir na Se-
gunda.
E assim ela tampava a boca dos murmuradores.

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A princípio, mãe e filhos preocupavam-se com a falta
de notícias. Á medida que os anos foram passando a família
foi se acostumando com a ausência do Sr. Venâncio e, as-
sim, a vida continuava com dificuldade. Os meninos faziam
mandados e trabalhos leves para os vizinhos e conhecidos.
As meninas bordavam e vendiam colchas, toalhas, guar-
danapos e assim ganhavam algum dinheiro para completar
o minguado orçamento familiar.
Em Mato Grosso o Sr. Venâncio vivia mal, não tinha
notícias dos seus familiares e há muito se arrependera,
mas era tarde. A vida muito difícil, era preciso medir as pa-
lavras para conversar, não passar para frente o que ouvia
dos outros garimpeiros porque as mortes aconteciam em
todos os lugares: nos barracões, nos quartos, no trabalho e
nas ruas. Era difícil passar um dia sem corpos estendidos
nas ruas daquele garimpo inumano.
Dias e dias o Sr. Vicente ficou deitado, doente, sem
remédios, mal alimentado, sem ter quem cuidasse dele
e esperando a qualquer hora, a morte que não vinha. As
dores eram muito fortes, dores físicas e dores morais. Nos
momentos de reflexão, pensava em sua família e como a
tinha deixado tão covardemente. Na Bíblia, encontrou abri-
go e fortalecido pela palavra desejou a cura, só pensava em
voltar e reparar o seu erro.
Num Domingo, recebeu a visita de uma irmã de cari-
dade que depois de alimentá-lo quis saber quem ele era, de
onde vinha, se tinha família, quantos filhos e por que não
se esforçava para voltar ao lugar de origem. O Sr. Venâncio,
muito emocionado, contou a sua história, elogiou sua espo-
sa, manifestou a vontade que tinha de rever os filhos e de
conhecer o caçula que, naquele ano, completaria 11 anos.
Irmã Amália ouviu atentamente o relato do infortúnio

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daquele arrependido homem e depois de abraçar o de-
sconhecido, aconselhou-o a escrever para a família pedin-
do perdão e para que os filhos fossem buscá-lo. Ele disse
que tinha muita vergonha e receava não ser atendido pela
mulher e filhos, porque já os tinha maltratado muito. A
irmã falou-lhe da humildade e pediu-lhe que tentasse.
Depois de muito refletir, ele resolveu escrever com mui-
to esforço, uma longa carta. Depois de saudar seus antes
queridos, desfazia-se em lamentos. Contava toda sua vida
após a saída de casa. Pedia perdão pela falta de coragem e
pela ingratidão. Contou das doenças, da falta de solidarie-
dade naquele garimpo, dos assassinatos que amedronta-
vam, da malária que matava centenas de pessoas todos os
anos e afirmava não ter adquirido nada pela falta de sorte.
No final da carta, falava do seu estado de saúde o pior pos-
sível. Pedia perdão e implorava a caridade da esposa e dos
filhos, porque estava doente, cego e morrendo à mingua.
Josefa recebeu a carta e depois de muito pensar, cha-
mou os filhos e pediu-lhes que empreendessem viagem a
Mato Grosso e trouxessem o pai deles para que ela o tra-
tasse, não como esposo, mas como um ser humano que
precisava dos seus cuidados.
- Mas um trabalho extra, mais uma preocupação. Pen-
sou.
Apesar de todos os cuidados dos familiares, o Sr. Venân-
cio morreu depois de seis meses de sua volta. Não sobre-
viveu porque o organismo já não correspondia a nenhum
tratamento. Morreu pedindo perdão. Mãe e filhos senti-
ram-se aliviados por terem praticado uma boa ação, embo-
ra o Sr. Venâncio já fosse quase um estranho.
Passaram-se algumas décadas, D. Josefa já não precis-

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ava trabalhar para viver, na sua velhice fora contemplada
com certo conforto vindo dos filhos que ela soubera edu-
car. Era muito querida, e todos os familiares disputavam
a sua companhia. Escolheu a casa do filho mais velho para
morar, pois era muito amiga da nora e esta a compreendia
em todos os momentos.
Muitas luas vieram e foram embora e, aos oitenta anos,
com muitos netos e bisnetos, vitimada por um acidente, a
mulher guerreira despediu-se dos seus e partiu para não
mais voltar, transformando-se apenas em um exemplo,
uma doce lembrança. Aliviado das suas recordações e ao
som do primeiro galo na madrugada, Rafael olhou mais
uma vez a fotografia de Josefa e sobre ela, adormeceu.

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Vida conturbada

Demorados suspiros quebravam o silencio daquela


mansão. A família composta de pai, mãe e dois filhos não era
feliz. Vivia sufocada na inquietude e devaneios da dona da
casa. Tinha conforto, era bela e ao seu lado tinha um mari-
do carinhoso e compreensivo. Os filhos eram saudáveis e
podia estar ao seu alcance tudo que não se pode comprar
ou vender, a felicidade. O marido já não sorria como antes,
pois ao seu lado estava uma mulher nervosa e assustada.
Os anos se passaram, as crianças cresceram e o casal,
um dos mais prósperos da cidade, não era feliz. Marjory
muito simpática encontrava amigos com facilidade, mas as
amizades eram descartadas em pouco tempo porque exist-
ia nela desânimo para conservar amigos.
Alguém disse: “essa mulher é amargurada de corpo,
alma e coração. Pode ser que eu me engane, mas há um
grande segredo que a envolve, alguma coisa que seus
amigos e familiares ainda não tiveram a capacidade de des-
vendar.”
A monotonia e a rotina tornavam fácil o distanciamen-
to. Já não sonhava e nem tinha esperanças. Era o que se
chamava de desligada do mundo em que vivia. O marido
pensava: ela já não é mais aquela com quem me casei, tími-
da, mas ainda se comunicando com seus familiares e pes-
soas com as quais convivia. Pensava na impossibilidade da
convivência com aquela mulher cada dia mais estranha.
Desde o início do casamento, Marjory dormia mal,
atordoada por pesadelos: esmurrava a cama, debatia-se,
tremia, encolhia-se a um cantinho, dava gritos, pedia so-
corro e depois de longos minutos acordava aliviada.

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O marido sentia-se intrigado com o sofrimento da mul-
her e perguntava-lhe se queria ir ao médico, consultar um
psicólogo, fazer análise e tirar do coração o que tanto lhe
amargurava. Ela respondia que não necessitava de médico
e que era apenas o modo de ser de cada pessoa. Tinha af-
inidade com todos os filhos, mas a caçula, a Regina era sua
companheira predileta.
Conversavam muito e a filha pediu à mãe que lhe con-
tasse como foi a sua infância pois adorava ouvir história de
vida, principalmente dos seus familiares e em especial de
sua mãe. Marjory desconversava e dizia: filha, minha infân-
cia foi igual à qualquer menina do interior e completava: na
minha infância não tem nada digno de se notar. Regininha
encorajava a mãe para falar do que a atormentava. Mãe, es-
tou preparada para ouvi-la pode ter confiança, esvazie-se
do que a aflige e só assim terá vida normal. O
medo era muito grande, a coragem como que a abandona-
va quando pensava na possibilidade de ter de dividir com
os outros o seu segredo...
Cansada de sofrer, chamou a filha e depois de abraçá-
la, perguntou-lhe: Filha, se eu lhe contasse algo terrível que
me aconteceu no passado você ainda gostaria de mim? A
filha com todo amor e carinho respondeu: minha mãe fique
tranquila, pois nada no mundo fará diminuir o amor e ad-
miração que eu tenho por você, e não será por um erro do
passado que irei desprezá-la.
Encorajada pela filha e estudando o que lhe ia na alma,
resolveu acabar de vez com o que não lhe deixava ser fe-
liz. Chamando a filha de lado, pediu que ela se preparasse
para ouvir o que pensava nunca conseguir coragem de con-
tar para ninguém, o seu terrível segredo, guardado a sete
chaves, no fundo do coração.

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Filha, foi há muito tempo, eu era penas uma garotinha
de oito anos. Vivíamos alegres, brincávamos juntos eu e
meus irmãos. Meus pais viviam em paz, apenas trabalha-
vam muito. Tinham fazendas e para desenvolvê-las e au-
mentá-las viviam com a casa cheia de peões, homens que
vinham de todas as partes a procura de trabalho. No meio
dos trabalhadores existia um homem alto, lábios grossos,
pés grandes e sem nenhuma instrução. Era daqueles que
fazem medo às crianças apenas pela sua presença.
O homem, com toda a brutalidade que lhe era peculiar
começou a me molestar. Menina inocente tremia de medo
quando via ao menos a sombra daquele brutamontes que
eu pensava ir me matar. À medida que me molestava estava
sempre a me ameaçar: “você tem que ter cuidado até com
os sonhos e não pode contar pra ninguém o que aconteceu.
Tem que ficar caladinha... se contar, será o seu fim, seu pai
vai lhe matar de pancadas, você vai ser expulsas de casa,
não terá pra onde ir e eu apodrecerei na cadeia se não me
matarem antes.”
Tremendo, eu prometia não contar e o medo aumenta-
va no meu coração de menininha quase bebê. Foi assim que
fui vítima da crueldade de uma pessoa rude e inescrupulo-
sa que não arruinou apenas a minha vida porque os seus
pais nunca souberam daquele acontecimento nefasto que
abalou para sempre a vida de uma pessoa que começava a
viver.
No meu tempo de criança uma situação como a que
eu vivi era muito difícil, pois os pais distanciavam-se dos
filhos, não havia comprometimento nem intimidade entre
eles. Nem por sombra atrevia contar para minha mãe o que
eu pensava ser um grande pecado, julgando-me suja para
o resto da vida.

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Ao se abrir com a filha, aquela mulher tão sofrida de-
itou e pela primeira vez depois de muito dormiu em paz.
Marjory estava aliviada, mas ainda faltava completar sua
tranquilidade. Com a ajuda da filha, resolveu consultar um
analista que a ajudou com sua orientação. Cada dia, os fan-
tasmas que atormentavam aquela jovem senhora iam se
distanciando mais.
O analista explicou para ela que o sofrimento das cri-
anças que foram vítimas de abuso sexual, é não conse-
guirem contar o que se passou com elas, porque se julgam
culpadas e diferentes das outras. É preciso contar para
que os culpados sejam punidos e impedidos de abusarem
de outras crianças. Ele falou ainda que são muitas Marjo-
rys espalhadas por todo país, divergindo apenas no modo
como foram molestadas e como encararam o problema, re-
voltando-se, ficando de mal com a vida, pedindo apoio aos
familiares e às autoridades, ou fazendo os seus corações
transformarem-se em pedras de gelo.
Foram duas as fases da vida de Marjory, uma antes e
outra depois da análise. Após tudo isso, ela foi se trans-
formando e aos poucos os fantasmas que a atormentavam
deixaram-na para sempre. Em uma reunião familiar, todos
contribuíram para fundarem uma instituição de apoio a
criança vítimas de abuso sexual, estendendo a ajuda a seus
familiares. Marjory muito alegre, abraçando o marido e
os filhos, deu os primeiros passos para que a obra se real-
izasse com êxito e em tempo hábil. A instituição recebeu o
nome de “Passo a passo com amor.”

— Página 74 —
Zico

O Zico era só um papagaio que foi criado desde novin-


ho na minha casa, atendia os chamados das pessoas e fazia
a minha segurança, pois andava sempre atrás de mim, dan-
do a impressão de guarda-costas.
Zico vem comer e ele dizia: me dá o pé minha rosa, la-
tia como cachorro, miava como gato, chorava como criança,
assim era a vida daquele papagaio, muito bonito com suas
penas verdes, vermelhas e amarelas. Era um cartão de vis-
itas. As pessoas se encantavam com a beleza e por que não
dizer com as suas repetições ao falar. Até hoje guardamos
fotos daquela ave que dava a impressão de um ser humano.
Um dia, tive que fazer uma viagem e deixei o Zico aos
cuidados de pessoas que mereciam minha confiança, quan-
do cheguei, para minha tristeza, não encontrei mais o Zico.
Segundo suas cuidadoras ele bateu asas e voou e nunca
mais deu notícias.
Ficou a lembrança e a saudade daquele serzinho tão in-
teressante que deixa para nós, os seres humanos, uma lição
de amor, companheirismo e a certeza de que na vida tudo é
passageiro e devemos estar preparados para enfrentarmos
com sabedoria as separações que a vida nos impõe.

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Romãozinho

Vovó, conte uma história, daquelas que a senhora sabe


e que gostamos tanto, assim pediu o neto de D. Almerinda.
Vou contar uma, mas peço que prestem muita atenção e
não se impressionem com o que vou contar: a história pas-
sou-se em um povoado chamado Boa Sorte.
Em uma tarde ensolarada, apareceu um animalzinho
esquisito, cheio de mistérios, pois uma hora parecia com
macaco, outra com um quati e, às vezes, com um animal de-
sconhecido. Era estranho, pois aparecia e desaparecia sem
deixar rastros, era misterioso e fazia a festa da criançada.
Assim que o animalzinho começou a aparecer recebeu
o nome de Romãozinho não se deixava apanhar mesmo
tendo a aparência de inofensivo. Coisas estranhas aconte-
ciam naquele povoado. Algumas famílias sentiram de per-
to os efeitos daquela temporada sinistra. Pessoas daquela
família já não dormiam, não se alimentavam e eram acom-
etidas de doenças desconhecidas. Não se alimentavam
porque as panelas mesmo cobertas e no fogão estavam
sempre cheias de terra. Quando alguém fazia farinha não
era aproveitada porque já saia do forno cheia de sujeiras.
Muitos habitantes de Boa Sorte deitavam bons e aman-
heciam doentes, sem ao menos condições de saírem das
camas, os corpos dessas pessoas doíam tanto e elas fala-
vam que tinham sonhado servindo de cavalos para outras
pessoas e que tinham nos corpos sinais das esporas dos
cavaleiros, apanhavam para galoparem que os pés estavam
feridos e muito doloridos.
Aquelas pessoas simples sofreram tanto que resolvem
ir a uma cidade distante pedir ao Bispo que mandasse al-
guém para exorcizar as pessoas que eram vitimas daquele
grande sofrimento. O Bispo mandou um padre com pode-
res para ajudar aquele povo sofrido. Depois que o padre
chegou e que a população foi convocada para rezar todos
os dias pedindo a Deus a resolução daquele problema, os
acontecimentos foram diminuído até pararem por com-
pleto e todos puderam viver em paz. Romãozinho desapa-
receu como tinha vindo, como por encanto.

— Página 79 —
II

...nesse ínterim o tempo ia passando, confuso,


vasto, entrecortado, e o coração do tempo era o
sobressalto e havia aquele ódio contra o mundo....

A Mensagem
Clarice Lispector
Mulheres

Há muito tempo, em séculos passados a mulher era


maltratada, humilhada e considerada por muitos um zero à
esquerda e ainda diziam que a mulher não tinha voz porque
era uma parte fraca e que não podia tomar decisões. Nesse
tempo, a mulher era subjugada pelo pai, pelo marido e pela
sociedade, mulheres foram queimadas vivas, mortas por
matadores de aluguel, internadas nos manicômios até o
final da vida, sem serem loucas. As mulheres escravas en-
gravidavam dos patrões, eram vendidas sem o direito de
levarem os seus próprios filhos.
Hoje, melhorou muito a vida das mulheres, estão mais
empoderadas. Temos as feministas que são mulheres que
vivem em constante transformação, contribuindo na trans-
formação do mundo e apoiam as outras mulheres nas lu-
tas sociais pela igualdade de direito, e a conscientização de
poder ser o que quiserem.
Temos as médicas que do lado dos enfermeiros lu-
tam para curar ou prolongar a vida dos seus pacientes, as
bombeiras que estão prontas para atender os chamados,
as empregadas domésticas que mantêm todo o serviço da
casa na qual presta serviço, as engenheiras e arquitetas
projetam , organizam e executam as obras da construção,
as advogadas que além da defesa elas nos ajudam a com-
preender as leis, as professoras que são a base da socie-
dade porque ajudam a todas as pessoas adquirem conheci-
mentos na profissão que escolherem, as assistentes sociais
que asseguram os direitos sociais e o acesso à cidadania,
as militares que estão nas ruas para trabalharem pela
nossa defesa, as psicólogas para cuidarem da saúde men-
tal, as biólogas para cuidarem da nossa biodiversidade, as

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enfermeiras cuidando da saúde física, as administradoras
administrando as pequenas e grandes empresas, fisioter-
apeutas atua no tratamento e prevenção de doenças e
lesões, as repórteres que muitas vezes para trazer a notí-
cia ariscam a própria vida, as garis que cuidam da limpeza
das vias públicas, muitas vezes além do seu serviço diário
ainda são obrigadas a limpar a sujeira das pessoas mal-ed-
ucadas.
Essas profissionais fazem o seu trabalho fora e ainda
dirigem a sua casa sendo o suporte da família. Não podería-
mos esquecer de falar nas donas de casa que trabalham
o dia inteiro sem receberem nenhum salário e ainda tem
que responder a pergunta: Está cansada de quê? Enfim são
muitas as profissões todas elas de grande importância para
o desenvolvimento global.
Depois da “Lei Maria da Penha” muitas coisas melhor-
aram. As mulheres podem ser o que quiserem, vestir o que
gostarem, casar com quem escolherem, ficarem solteiras,
ter filhos se quiserem sem obrigação de seguir padrões.
A mulher é dona da sua vida e das suas escolhas. Há pou-
cos dias vi a entrevista de uma astronauta que dizia gostar
muito de sua profissão, mas que só estaria realizada quan-
do pisasse na lua.
Temos muitas mulheres que vão atrás dos seus son-
hos por mais difíceis que sejam e os realizam, mulheres
que não estão satisfeitas com os seus corpos procuram um
profissional (cirurgião plástico) e depois de modelá-los fi-
cando conforme o seu desejo.
Mulheres são convocadas para fazerem parte nas
pesquisas da vacina contra o coronavírus. Por que elas
são convocadas? Pela importância e competência. Mesmo
naquele tempo de desvalorização da mulher, algumas não

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se conformavam com a vida que levavam: ouvi a história
de uma mulher que o marido foi escolhido pelo seu pai e
que ela só teve conhecimento do casamento, uma semana
antes da sua realização, fez que concordava, participou das
comemorações e demonstrou que estava feliz.
Na véspera do casamento comprou um canivete e es-
perou hora de usá-lo, na noite de núpcias, o marido muito
contente se aproximou da esposa e levou uma cutucada de
canivete nas costelas e assim aconteceu todos os dias. O
casamento não deu certo.
Na epidemia, mulheres solidárias formam grupos e
procuram ajudar as pessoas que estão necessitando de
alimentos, material de limpeza, material de higiene cor-
poral. A princípio não parece grande coisa, pois não há
divulgação, mas a grandeza dessas mulheres deve ficar gra-
vada em nossas mentes par que possamos nos aliar a esses
grupos.Vamos ficar atentos à evolução da mulher para que
possamos parabenizá–las e incentivá-las a trabalhar para o
seu crescimento e o desenvolvimento do nosso país.
As mulheres da nossa família foram e são guerreiras
e batalhadoras. Vamos começar pela minha avó materna,
Maria que teve 6 filhos e 2 dos seus filhos morreram nos
garimpos: 3 mulheres, Joaninha que foi costureira e com o
marido visitaram todos os garimpos de Goiás e Mato Gros-
so na esperança de ficarem ricos. Leodora criou com ded-
icação a sua família.
Minha mãe (Euzébia) mulher incrível, além do seu
tempo, empreendedora, esposa, mãe, comprometida com
o progresso valorizava o estudo e fazendo o possível para
que seus filhos estudassem e fossem alguém no futuro. Ela
era tão especial que a sua sogra tendo vários filhos morou
conosco 25 (vinte e cinco) anos, até sua morte.

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Do lado paterno temos a vovó Luzia que teve três filhas,
todas mulheres com “M” maiúsculo e que as famílias se
orgulhavam dela.
Mamãe teve cinco filhas, sendo que as que viveram até
a vida adulta, foram três mulheres batalhadoras e consci-
entes do seu papel na sociedade.
Eu tive cinco filhas: todas mulheres guerreiras e deter-
minadas, que não se contentam com as injustiças e com as
desigualdades sociais. Tenho sete netas que têm os mes-
mos pensamentos. São três as noras que também são tra-
balhadoras, amigas e conscientes das causas sociais. Mui-
tas sobrinhas que comungam com mesmos pensamentos.
No século 21 as mulheres não são mais consideradas
parte fraca, porque a fortaleza está com elas e todos os dias
a mulher é notícia e se destaca pelos sesu feitos. No mundo
verificamos a força da mulher que assume o papel de mãe
e de pai ao mesmo tempo, cuida da família porque o pai
morreu, está doente ou se ausentou por vontade própria.
Por tudo isso podemos afirmar que a mulher é uma
mola propulsora que move esse mundo. Ainda temos mui-
to o que fazer mas já temos meio caminho andado. E a luta
continua...

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Uma visão diferente sobre o olhar

Alguém disse “que os olhos são o espelho da alma.”


Os nosso olhos são tão perfeitos que não há no mundo
máquinas feitas pelo homem que se igualem ao poder
deles.
Creio que temos dois olhos para que se acontecer al-
guma coisa com um, o outro se encarrega de tomar para si
uma parte da responsabilidade do seu companheiro.
Todos os nossos sentidos são belos e têm um papel
importante no bom funcionamento do nosso corpo, mas a
visão é que nos faz ver todas as coisas para podermos apre-
ciá-las e aprová-las.
O olhar nos conduz a um mundo do real ou de incer-
teza.
Temos o olhar de soslaio que é aquele olhar que usa-
mos só o canto do olho para atingir o que queremos;
Temos ainda olhares de raiva que nos amedrontam,
pois os olhos ficam diferentes;
Temos o olhar de inveja é aquele que sempre está
mostrando que o do outro é melhor do que o seu;
Temos o olhar de alegria é contagiante e atinge quem é
flechado por ele;
Temos o olhar de cumplicidade que chega até os cúm-
plices e por eles é entendido;
Temos o olhar de consentimento atinge aquele que o
compreende e aceita;
Temos o olhar de ternura é encantador e todos que são

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atingidos por ele sonham uma paz e uma felicidade sem
limites e não podemos deixar de vê-los, pode acontecer em
todos os dias da nossa vida.
Há também, os olhares que fogem a nossa vontade pois
são involuntários como aqueles que depois de uma inter-
venção cirúrgica somos surpreendidos pela visão dupla e
para tudo que olhamos há uma cópia que nos atormenta o
dia inteiro.
Os olhos na Pandemia são de tanto valor que as más-
caras que resguardam o rosto, deixam os olhos descober-
tos para que eles identifiquem as coisas e as pessoas, de-
sempenhando o papel de fiscal e possam orientar aqueles
que usam.
É de se pensar se o olhar cigana e dissimulado de “Ca-
pitu” passaria despercebido aos olhos de alguém.

— Página 90 —
Quarentena

2020 começou trazendo acontecimentos desconhe-


cidos por nós brasileiros, desfazendo sonhos, trazendo
aflições, choros e desolações. A correria foi tanta, brasile-
iros que estão no exterior não puderam voltar e passam
privações de várias formas: poucos voltaram, e como as
fronteiras estão fechados e os voos interrompidos alguns
não puderam voltar.
O mundo todo se movimentou e quis aplacar o re-
demoinho que se aproximava de todas as pessoas, não res-
peitando condições financeiras, credo religioso ou aparên-
cia física. Era o coronavírus que com suas garras e rapidez
se aproximava de todo o mundo mostrando que somos
iguais e que na dor só Deus, representado pelos médicos
(a), enfermeiros (a) e toda a equipe médica com seus con-
hecimentos, cuidados e aparelhagem podem dar um pouco
de alívio para aqueles que foram escolhidos por esse vírus
tão cruel.
Na adversidade reconhecemos que somos tão
pequenos, tão frágeis e da noite para um dia nações poder-
osas ficaram pequenas e se igualaram aos países pobres na
dor e na incerteza. A princípio, as mortes se concentravam
só nos idosos, naqueles cuja imunidade é muito pequena
comparada com a força e a vitalidade dos mais jovens.
Os idosos continuam sendo os que adoecem e mor-
rem mais, mas jovens e até crianças também sofrem com
a doença desconhecida. No meio de tudo isso, contamos
com a solidariedade de irmãos que se desdobram para dar
um pouco de alivio aos que sofrem. A solidariedade vem de
todo lado e de todo jeito. Uma velhinha passando muito

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mal, na UTI de um hospital recusou o respirador e pediu
que ele fosse usado por uma pessoa mais jovem que tinha
tudo pela frente, no outro dia, a velhinha morreu.
As normas estabelecidas pela Organização Mundial de
Saúde (OMS) são muitas e algumas difíceis, mas necessárias,
entre essas normas está a “quarentena”, é necessário que
pessoas obedeçam que fiquem em casa, pois a quarentena
é um dos meios mais eficientes para que o coronavírus se
distancie de nós, muitas pessoas compreendem direitinho
a quarentena, outras desobedecem.
Temos a vida toda pela frente, por que não sair de casa
por 30 dias? Algumas pessoas dizem: que só a ajuda de
Deus basta para nos livrarmos do vírus que assola o mun-
do. A quarentena é uma norma fácil de ser obedecida, ela
faz com que a família fique reunida que os filhos conheçam
os pais, e os pais conheçam seus filhos, a família se alimen-
ta, faz orações, desenvolve jogos e brincadeiras, deixa o
papo em dia, exclui o que não é útil, cultiva bons hábitos e
orienta aqueles que precisam de orientação. Enfim, a quar-
entena foi Deus que nos mandou para que pudéssemos cul-
tivar a união e a paz.

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O medo que corrói a todos

- Vovó, vovó estou com medo de ir para a escola. Será


que vão matar os alunos em todas as escolas? Assim se
expressava o netinho.
- Não meu netinho, as escolas são a segunda casa dos
alunos e estão para ajudar.
- Vá tranquilo, reze e nada acontecerá, pois Deus está
conosco.
As ponderações do netinho fizeram com que a avó se
transportasse para aquele dia em que professores, fun-
cionários e alunos foram vítimas do ódio de dois jovens
cheios de vida e que poderiam dar a sua contribuição para
o melhoramento da escola Raul Brasil.
A pergunta que ficou no ar é: por que dois jovens
passaram mais de um ano planejando um ataque a uma
escola? Enquanto eles planejavam, ninguém da escola foi
avisado, fizeram tudo na surdina. Se eles se aconselhassem
com pessoas adultas de boa índole, se dialogassem com
familiares, nada disso teria acontecido e a escola deles e
os familiares estariam com aquelas crianças queridas que
perderam a vida.
Ouvimos o desabafo de alguns pais que apesar do sof-
rimento de perderem os filhos ainda tiveram força para ex-
ternar seus pensamentos. Um deles agradeceu a Deus pela
graça do filho ter passado 16 anos em sua companhia, o
outro dizia: nós somos os culpados por tudo isso porque
fomos educados de maneira diferente e hoje, deixamos os
nossos filhos fazerem o que eles querem, e o que eles en-
tenderem, uma mãe disse: o meu filho tinha tudo em casa

— Página 97 —
até TV a Cabo, mas não conversava e nem dialogava comi-
go.
Os especialistas dizem que os jovens podem ter tudo,
mas se não tiverem amor, nada disso valerá.
Os atiradores tinham um verdadeiro arsenal: armas de
fogo, entre elas, uma besta, arma medieval , arco, flecha,
machadinha e a vontade de matar.
Antes de adentrarem a escola os atiradores mataram
um empresário, tio de um deles.
O resultado do tiroteio foi: 10 pessoas mortas e outras
feridas. Depois de uma semana quatro alunos ainda per-
manecem hospitalizados.
No meio de tudo isso existe as pessoas que nasceram
para ajudar: a coordenadora pedagógica, a inspetora de
alunos, a vice-diretora que se trancou com alunos em uma
sala para tentar avisar e pedir ajuda à polícia, a meren-
deira, que conseguiu salvar da morte mais de 50 crianças,
trancando-as na cozinha, os vizinhos que abriram suas
portas e portões para que alunos em fuga entrassem e se
protegessem.
A aluna que lutou com um dos rapazes e conseguiu fu-
gir abrindo a porta para os outros saírem, ela contou que
alguns alunos ficaram travados sem poderem sair dos lu-
gares em que estavam e foram mortos com a maior cruel-
dade. Ela contou que quando abriu a porta e os atiradores
viram os alunos fugindo ficaram desnorteados por algum
tempo.
E por que não falar dos policiais que evitaram tragédia
maior? Eles enfrentaram tudo, entraram na escola sem sa-
ber o que iriam encontrar com um único objetivo, ajudar,
deixaram também seus familiares e seus filhinhos sujeitos

— Página 98 —
a todo tipo de maldade, pois hoje não estamos seguros nem
em nossas casas.
No dia 18 de março, as portas da escola “Raul Bra-
sil” foram abertas para professores, funcionários e pais
que foram recebidos por psicólogos, assistentes-sociais,
psiquiatras e foram surpreendidos com muitas homena-
gens: inscrições nos muros da escola, camisetas com frases
significativas, cartazes vindos de várias escolas e alguns
com afirmação de que a educação está de luto.
Nessa reunião traçaram estratégias para a visita dos
alunos à escola porque ainda não sabem quando as aulas
recomeçarão.
Os alunos estão amedrontados, as cabeças cheias de
pensamentos confusos e com uma concentração muito
difícil.
Por muito tempo eles viverão com a insegurança e a
lembrança dos acontecimentos daquele dia.

— Página 99 —
Mulher De Mente Cansada

Mulher de mente cansada,


Mulher de mente cansada.
Faz tudo e dizem que é nada
Mulher de mente cansada.

Ás vezes tem que buscar força.


Na sua própria força,
Mulher de mente cansada,
Mulher de mente cansada.

Os problemas da família,
Afetam seu pobre coração,
Mulher de mente cansada,
Mulher de mente cansada.

Ela tem que administrar


Casa, família e pensamentos,
Mulher de mente cansada,
Mulher de mente cansada.

A injustiça e a ingratidão
Vão chegando de mansinho,

— Página 101 —
Mulher de mente cansada,
Mulher de mente cansada.

Um dia Ela descansará


E não terá mais sua mente cansada,
Sua mente cansada,
Sua mente cansada.

— Página 102 —
Miracema – 50 anos (Bodas de Ouro)

Miracema, o que eu podia lhe falar nos seus cinquenta


anos? Dizer-lhe que acompanhei o seu desenvolvimento,
alegrei-me com suas alegrias, chorei com suas tristezas e
fiquei revoltada quando sofria injustiças?. Você, que era
uma criança, cresceu, foi menina, moça, adulta e agora
está atingido sua maturidade. Presenciei com entusiasmo,
quando você ficou independente, quando foi capital e a vin-
da de muitas pessoas de outras cidades e de outros estados
para somarem conosco.
De uma hora pra outra o progresso se instalou em suas
ruas, praças e avenidas, sanando por alguns meses muitas
das carências que nos afligiam. Você Miracema, amada por
seus filhos e por quem chega aqui, ficou toda dengosa, mas
os mimos não eram dirigidos a você e sim a 1ª capital do
Tocantins.
Quando cheia de vida e de sonhos de uma noite para um
dia transformou-se novamente em uma pequena cidade do
interior com muitos habitantes e problemas, alguns sem
solução. Como boa amiga e confidente, chorou no meu om-
bro e deixou transparecer as suas mágoas e sofrimentos.
Eu, sem poder solucionar seus problemas, chorei ao
seu lado, abracei-a como faço todos os dias em meus pens-
amentos e orações. Estaria mentindo se dissesse que você
não progrediu. Em você há progresso e há vida, mas não
é o bastante, pois você merece mais. O seu povo quer que
cresça e orgulha-se de você, mesmo pequena. Quando lhe
acontece uma coisa boa, quando é valorizada, correndo
vem me contar. Fico feliz por você, por mim e por seu povo.

— Página 105 —
Quando lhe acontece qualquer coisa triste é aí que enx-
ugo suas lágrimas. É difícil, porque apesar de querer con-
solá-la, nós duas choramos abraçadas uma a outra. Mirace-
ma, não deixe que retirem de você o que foi conquistado ao
longo dos anos. Converse ao pé do ouvido com as pessoas
que não conhecem a sua história e talvez a solução virá
como você espera. As vezes quando desconhecemos uma
pessoa, uma cidade ou uma história pensamos diferente
mas, quando achamos quem nos conte, quem nos ajude a
entender passamos a pensar de outra maneira.
Não se acomode querida amiga, o mundo é dos fortes;
vá a luta, chore, grite, dialogue, peça e quem sabe sairá vi-
toriosa nessa luta que apenas está começando. Parabéns
Miracema pelos seus 50 anos. São felizes todos aqueles que
atingem essa idade e você teve essa graça. Todas as festas
do mundo inteiro seriam poucas para as homenagens que
você merece.

— Página 106 —
Miracema ontem e hoje

Miracema apesar de pequena já foi rica, pois tinha to-


dos os órgãos necessários à vida de uma comunidade. Com
sua pacatez deixou que lhe arrancassem tudo e quem não
sabia da história, transformou-a em história sem agá. Mui-
tas pessoas não se importam, podem levar tudo e o que so-
bra é lucro.
A cidade dormiu e devagarinho tudo foi levado: le-
varam a Capital, a Maternidade, o IBGE, a Receita Federal e
para consolo dos miracemenses foi instalado um postinho
da Receita Federal. Miracema estava dormindo seu sono
era tão profundo, que não se importou de ficar mais pobre.
Quanta dificuldade, quanto suor derramado pelas pes-
soas que se sacrificaram para o bem de sua cidade. O que
diremos para os nossos descendentes quando nos per-
guntarem o que fizeram para impedir a saída dos órgãos
necessários à vida de um município?
É muito fácil comer a comida que foi preparada pelo
outro. Levaremos para o túmulo a culpa que na verdade
não é nossa porque, não nos consultaram. Miracema tem
que abrir os olhos e seu sono deve ser mais leve para que
não levem o restinho que sobrou.

— Página 109 —
Medo da Morte?

Por que o medo da morte se temos certeza que ela vem


sem marcar o dia nem a hora. Conheci pessoas que diziam
estarem preparadas para morrer, puro engano, quando
chegou a hora da partida (morte) os pedidos chegaram
para que a vida terrena fosse aumentada.
Creio que poucas pessoas, só aquelas predestinadas,
estão preparadas para morrer. Quando pensamos em deix-
ar nossos entes queridos aí que é a choradeira, pois temos
a consciência que não podemos mais estar no meio delas,
participando dos acontecimentos, ajudando-as nas horas
difíceis, e nos alegrando com suas alegrias.
Temos vários tipos de morte: quando adoecemos em
casa, recebendo o carinho dos familiares, assassinados,
tirando a própria vida, aí que vem o alerta não podemos
criticar as pessoas que se suicidam porque não sabemos o
que se passa com elas. Temos que prestar atenção nos ido-
sos e crianças porque os idosos podem estar depressivas
e as crianças porque podem ser influenciadas por jogos e
por pessoas que se alegram com o sofrimento do outro...
Por mais que tenhamos fé, ela é pouca e há momentos
que temos dúvidas, que nos atrapalhamos e que pedimos
pela continuação da vida, mesmo que saibamos ser impos-
sível mudar o tempo que foi previsto.
Quando morremos é porque a nossa missão aqui na
Terra terminou, o que podemos fazer é agradecer por ter-
mos vivido o tempo necessário e olharmos ao nosso re-
dor verificando como tantos jovens e crianças morreram,
enquanto nós que tínhamos o dobro, até o triplo da idade
delas vivemos até agora.

— Página 111 —
Com relação à morte, não podemos nos esquecer do
descaso que algumas pessoas têm com os velórios, a até
fazem promessas para que eles aconteçam dizendo: esta-
mos com saudades daqueles lanches, daqueles encontros e
das negociatas e conchavos políticos.
Conheci um homem que perguntava, quando vai ter
um velório, estou com saudades, quando será o primeiro?
No mesmo dia aconteceu o velório do seu filho e ele deses-
perado, aos gritos pedia desculpas àquelas famílias que ele
ofendeu com suas piadas e descaso. Estejamos atentos à lei
do retorno, pois ela é implacável.

— Página 112 —
Por quê?

Por que tanto ódio entre as pessoas?


Por que elas se matam, quando podiam se abraçar?
Por que pais e filhos não se entendem?
Por que há desarmonia nos lares?
Por que o preconceito racial, se somos filhos do mes-
mo pai,
E só vale o que bem fazemos aqui?
Crianças abandonadas, pessoas sem terra, sem teto e
com fome?
E os assaltos, roubos estupros?
Por que os crimes e as drogas rolam soltas sem
qualquer providência?
São inúmeras as chacinas nas grandes cidades.
Por que não valorizar a vida do outro?
Por que não dar graças a Deus pelo que temos e pelo
que somos?
Por que não repartir e diminuir o sofrimento do nosso
semelhante?
Somos qualidades e defeitos, depende de nós para
onde vamos.

— Página 115 —
Festival Gastronômico

Às vezes os finais de semana são monótonos e mesmo


sem graça, o que não aconteceu com o final de semana de
11,12 e 13 de outubro de 2019, quando Miracema foi palco
de um grande acontecimento, um evento que mexeu com
as estruturas da nossa cidade e de cidades vizinhas como:
Palmas e Miranorte.
Entre as comunidade que faziam parte do evento es-
tava Taquaruçu que há alguns anos realiza o mesmo festi-
val. Trata-se de um festival de gastronomia que não teria
acontecido se outras cidades, a prefeitura e o Sebrae-TO
não se unissem para realização do mesmo.
Foi grande a movimentação de pessoas de boa vonta-
de. O ambiente (Ponto de Apoio) cartão de visita da nossa
cidade estava lindo. Em todos os lugares estavam presentes
a beleza natural e a beleza construída pela inteligência e
competência das pessoas encarregadas de fazerem brilhar
o ambiente e torná-lo festivo e cheio de graça. A organi-
zação foi nota 1000.
A população de Miracema e de outras cidades esquec-
eu o cansaço do dia a dia e prestigiou o grande evento que
contou com a presença de jovens, crianças, adultos e ido-
sos. Pessoas que há muito tempo não saiam de casa es-
tavam lá prestigiando.
Foi muito bonito a disponibilidade dos chefs tocantin-
enses que além do trabalho intenso, conseguiram valorizar
o que é nosso, usando nas comidas os produtos da terra.
Houve a valorização do Rio Tocantins quando muitas co-
midas foram feitas usando a matéria prima: peixes como
Pirarucu e outros, o cerrado foi lembrado pelo pequi que

— Página 117 —
fazia parte de vários pratos, o babaçu emprestou-nos suas
amêndoas para que os peixes ficassem mais saborosos, o
abacaxi também estava presente na gostosura das tortas
e doces oferecidas pela gastromira, os músicos, compos-
itores e cantores do Tocantins se apresentaram e mostr-
aram os seus talentos.
O público presente foi avaliado em 10.000 pessoas. O
esmero das pessoas no vestir, na maquiagem e na alegria
marcou a importância dada a gastronomia. Segundo a
opinião dos organizadores a gastromira foi um sucesso e
ficou a saudade e a vontade de repetir a dose).
A inscrição dos pratos foi feita com antecedência para
que os expositores tivessem tempo de testarem suas co-
midas para quando fossem apresentadas agradassem aos
consumidores. 80% dos leitos de pensões, hotéis e dor-
mitórios foram ocupados, os carros, moto-taxi tiveram o
seu período de gloria transportado os expositores e pes-
soas de outras cidades, o comércio foi aquecido. Pela vinda
de produtos necessários naquela ocasião, laços de amizade
foram construídos, reconhecimento de chefs e auxiliares, o
gosto pela cozinha foi despertado em muitas pessoas que
ficaram conhecendo o valor de uma cozinha bem organiza-
da, com pratos simples e gostosos.
Foram escolhidos 23 pratos, dos quais nove seriam
escolhidos pelo júri e seriam premiados os que tirassem
1º, 2º e 3º lugares de cada categoria (em nº 3). O público
presente foi avaliado em 10.000 pessoas. O esmero das
pessoas no vestir, na maquiagem e na alegria marcou a im-
portância dada à gastronomia.
Segundo a opinião dos organizadores a gastromira foi
um sucesso (e ficou a saudade e a vontade de repetir a
dose). As comidas escolhidas foram:

— Página 118 —
Lanches salgados:
1º lugar: Cuscuz do Recanto
2º lugar: Costela Burgger
3º lugar Pastel Caipira do Cerrado
Pratos doces:
1º lugar: Torta Alemã com sabor da Amazônia
2º lugar: Bolo de Castanha de Cajú com Cupuaçu
3º lugar: Doce mel caipira do Cerrado
Comida Salgada:
1º Lugar: Moqueca Cremosa de Pirarucu com babaçu.
2º lugar: Chambarice
3º lugar: Baião Cremoso do Cerrado.
Quando falamos em ambiente não podemos deixar
de parabenizar o grande arquiteto miracemense: Mustafá
Bucar Filho (o Fafilho) que como arquiteto nos proporcio-
nou o Ponto de Apoio que por sua beleza e utilidade é um
cartão de visita da nossa cidade.

— Página 119 —
Mágoas

Você já foi atingido pela mágoa?


Inúmeras pessoas já sentiram o gosto amargo desse
sentimento que é capaz de fazer estragos de destruir lar-
es e famílias, de tornar infelizes pessoas, de transformar
vidas. A mágoa é responsável pelos maiores crimes, pelas
maiores injustiças.
A pessoa que se vale da mágoa para cometer erros não
vê, não ouve e se vê ou ouve é tudo distorcido e a injustiça
toma conta de todos os passos daquele que se sente ma-
goado. A mágoa serve de desculpa para tudo ruim que o
magoado faz. Ela aliada ao egoísmo é capaz de ofuscar o
brilho do seu semelhante, de esconder os seus talentos
para que ele não vença nos seus empreendimentos, é mal-
dade pura...
A mágoa não é mais do que o orgulho ferido...
Por que não esquecer? Por que não fazer esforço para
viver e deixar os outros viverem?
Enfim, porque não ser gente...

— Página 121 —
Coronavírus

Ele está em toda parte, em todos os países. Atinge ricos


e pobres e não pede licença para adentrar os lares e fazer
estragos, perturbando organismos e as vezes levando as
pessoas à morte.
É tempo de preocupação e de medo: medo do
desconhecido. Mas também é tempo de reflexão e de
perguntarmos o por que? Nessa grande aflição chegamos
a um ponto chave, o de que é necessária a união de todos
os povos, que somos todos iguais e que, afinal, ninguém é
melhor do que o outro.
Pensemos em todas aquelas pessoas envolvidas pelo
amor e que esquecem delas próprias para pensar no outro,
pensar nos irmãos. Todos aqueles profissionais da saúde,
do cuidado, que trabalham em hospitais e que buscam dar
conforto e amenizar o sofrimento daqueles que estão pas-
sando por situações de dolorosa desesperança. Os policiais
que estão a postos para com sua contribuição ajudar na se-
gurança, manter as determinações das autoridades e aos
pesquisadores que procuram todos os meios de nos livrar
desse vírus tão cruel.
Pensemos também na tristeza de não podermos en-
terrar os nossos mortos por medo de expor os que ainda
estão com saúde. É apenas na morte que somos separados
dos nossos entes queridos, pelas circunstâncias as quais a
vida pré-estabeleceu que deveremos passar.
Vamos seguir as normas ditadas pelas autoridades
responsáveis, vamos nos ajudar. Nos resguardando dessa
pandemia, ficar longe desse vírus que mesmo sendo in-
visível aos olhos é capaz de desestabilizar tudo e todos.

— Página 123 —
A máscara

O que é a máscara? Um pedacinho de pano, com elásti-


co nas duas extremidades que esconde a boca e o nariz e
faz com que o vírus do coronavírus não atinja o rosto de
quem a usa protegendo tanto quem usa, como os outros
que estão ao seu redor.
Houve um tempo em que as pessoas se escondiam
atrás das máscaras para que elas não fossem reconheci-
das. Quando alguém mentia ou usava de falsidade e fosse
descoberto, era aí que ouvíamos: caiu a máscara, nas fa-
zendas quando passava a folia de Reis, as crianças ficavam
amedrontadas porque algumas pessoas da equipe estavam
com máscara, e eram chamadas de mascaradas ou caretas.
As máscaras podem ser de várias cores, de vários for-
matos e muitas vezes escondiam malandros, mentirosos,
malfeitores e até maridos ou esposas infiéis, também servi-
ram para brincadeiras onde pessoas descobriam qual ros-
to estava escondido atrás da máscara,
Hoje, ninguém mais tem medo dos mascarados porque
as máscaras se tornaram objetos conhecidos e de grande
ajuda para o mundo infectado.
Na Pandemia vinda do corona vírus a máscara tornou-
se indispensável para fugirmos do vírus que nos atormenta.
Temos as máscaras de pano que podemos lavar e passar e
usá-la novamente e temos aquelas que são descartáveis.
É muito triste sabermos que uma parte da população
não obedece as normas e é preciso ser ameaçada com
multa e outras sanções para poder usar utensílios que nos
livram de perder nossos entes queridos.

— Página 125 —
Em todos os países, no mundo inteiro, nas grandes e
pequenas cidades é necessário que as pessoas obedeçam
as normas sem serem obrigadas e sim por um ato de soli-
dariedade consigo e com os outros.
É obrigado o uso da máscara nas repartições, nos
ônibus, taxi-uber, nos lugares públicos e no ambiente de
trabalho. Os garis catadores que fazem parte da linha de
frente, além do trabalho tem que pegar do chão ou das lix-
eiras máscaras usadas.
Vamos colocar as máscaras usadas em sacolinhas e de-
positá-las nas lixeiras e assim vamos mostrar ao mundo
que somos educados. Quando acabar tudo isso, o mundo
está mais pobre e menos habitado, resta-nos a lembrança
de dias tão sofridos.

— Página 126 —
Uma história que jamais será esquecida

Ontem conversando com meu filho ele me dizia: mãe,


depois dessa pandemia se resistirmos ao vírus letal, procu-
raremos pelos nossos amigos e teremos notícias de pou-
cas pessoas porque as outras foram arrebatados por essa
doença que não sabemos de onde vem e como tratá-la, pois
é desconhecida.
Os médicos esforçam-se para darem o melhor e com
eles todas as pessoas envolvidas. Os efeitos dessa Pan-
demia serão notados na população, na economia e em
todos os aspectos da vida futura. Talvez os que sobrarem
terão suas vidas modificadas por essa experiência tão de-
sastrosa e contarão para seus filhos e netos o que viveram
em dias tão sofridos.
Quando nos lembrarmos de que nossos familiares em
UTIs de hospitais não poderão ter o conforto da nossa visi-
ta e que aqueles que morrem não poderão ser velados e en-
terrados pelos seus familiares todo o nosso ser chora por
tanta tristeza causada por doença tão cruel. Vivenciamos
como é doloroso perdermos um ente querido que há pou-
cas horas estava conosco, no seio da sua família. Perdemos
amigos queridos que nunca imaginávamos ficar sem a sua
companhia tão cedo...
Foi triste e só Deus que nos ampara e nos protege. Fez
com que os seus familiares, seus filhos resistissem à ta-
manha dor. Um casal amigo (Eda e Chico) que ainda tinha
muito o que viver não resistiu as consequências deixadas
pelo Coronavírus. O casal tão querido, tão simpático foi re-
tirado pela covid19.
O marido já estava na UTI há alguns dias e morreu, sen-

— Página 129 —
do enterrado em um dia muito triste às 10h30min da man-
hã. A esposa que fazia pouco tempo na UTI morreu e foi
sepultada às 17h30min do mesmo dia.Na UTI eles estavam
um no leito sete e o outro no leito oito. Ficaram unidos até
na morte, o que é muito difícil de ver. Resta nos confortar
os filhos e familiares daquele casal que nos deixou um ex-
emplo de vida mostrando o amor e o companheirismo de
pessoas que há 56 anos viviam uma para outra...

— Página 130 —
A Emoção de uma Viagem

Na nossa cidade temos um grupo que se reúne uma vez


por mês para discutir coisas importantes e que de uma ma-
neira ou de outra beneficiem as pessoas da nossa comuni-
dade.
No mês passado nos reunimos e traçamos um plano
para realizarmos um concurso, funcionava assim: as pes-
soas que quisessem participar tinham que descrever uma
viagem feita por elas, dez trabalhos foram escolhidos.
Depois de encontrar o local, convidar as pessoas para
fazerem parte do júri e saber qual seria o prêmio ofereci-
do pelos promotores, era hora da realização do evento. Os
trabalhos foram sorteados. O trabalho que ganhou estava
maravilhoso e ganhou o prêmio e a aprovação de todos.
Resolvi descrever a minha viagem porque ela foi emo-
cionante. Treze pessoas faziam parte da viagem, 10 viaja-
ram em carros e eu, minha filha Madel e meu neto João Gil-
berto fomos de avião.
As passagens foram compradas em setembro para via-
jarmos em janeiro. Enquanto esperávamos chegar o mês
da viagem, a companhia de aviação trocou o horário do voo
que era para chegarmos às 9h , foi trocada para chegarmos
às 16h30min do dia quatro de janeiro.
Chegamos ao aeroporto (Lísias Rodrigues, em Palmas),
com uma hora de antecedência, viajamos sem qualquer
contratempo até chegarmos a São Paulo quando faríamos
uma conexão. O tempo estava ruim e o avião não pôde de-
scer, quando autorizaram a descida, alguns passageiros
resolveram ir ao banheiro e a descida foi interrompida, fi-
cando o avião voando por quase uma hora, os passageiros
— Página 133 —
estavam aflitos e o comandante avisou que não podendo
pousar em “Congonhas” tentaria em Guarulhos, também
não deu certo e novamente o comandante avisou: vamos
tentar no aeroporto de outra cidade “Campinas”, graças
a Deus depois de grandes turbulências o avião aterrissou
de forma segura. O comandante foi aplaudido por todos os
passageiros.
Ao chegarmos ao Aeroporto de Campinas foi uma cor-
reria para retirarmos as malas, minha filha Madel se diri-
giu ao balcão da companhia e nos informaram que a “Azul”
parceira da “Gol”, disponibilizara três passagens, mas que o
avião decolaria em 10 minutos e era preciso correr.
Corremos para não perdermos o voo, cheios de
bagagens e eu em uma cadeira de roda (sendo os aeroportos
muito grandes e a distância para chegar até o embarque
é longa, solicitei o auxilio de uma cadeira de rodas, assim
facilitaria a minha locomoção). Meu neto que empurrava
a cadeira de rodas falou: - vó se segura porque é preciso
corremos e assim chegamos a tempo.
Chegamos ao Rio com grande atraso, pois já era
17h30min e o motorista do táxi nos aguardava para irmos
a “Cabo Frio”. Daí em diante, ficamos calmos e chegamos,
encontrando nossos familiares que nos esperavam com
muito carinho.
Em Cabo Frio era só alegria ficamos todos juntos e eu
me senti muito feliz ao ver as irmãs (4): nas praias, nas
compras, nas conversas, lembrando a época da infância e
da adolescência.
Como tudo na vida é passageiro depois de 15 dias de
férias ao lado dos nossos familiares é hora de voltarmos
para nossas cidades e nossas casas, meu coração está aper-

— Página 134 —
tado, pois novamente vou deixar minha filha, mas agrade-
cida por Deus nos ter dado a graça de passarmos dias tão
inesquecíveis ao lado de pessoas tão queridas.
O motorista contratado foi nos buscar em casa (Cabo
frio) para nos levar ao aeroporto no Rio de Janeiro, depois
de duas horas de viagem chegamos. O voo atrasou meia
hora e só chegamos ao aeroporto de Congonhas (SP) de-
pois de uma hora de voo. chegamos a tempo de fazermos a
conexão, mas como as pessoas que usavam cadeira de ro-
das como eu, desembarcavam por último e a demora para
chegar o carro de apoio para o desembarque, perdemos a
conexão.
Novamente tivemos que retirar a bagagem, uma grande
espera, e desta vez só eram eu e minha filha, solicitamos
ajuda de um funcionário da companhia aérea, depois de
retirar a bagagem, fomos conduzidas ao balcão para fazer-
mos um novo check-in, nos encaminharam para um novo
voo e nós pensamos que seria no mesmo aeroporto e nossa
surpresa foi quando nos disseram que teríamos que em-
barcar em outro aeroporto, não sabíamos a distância e só
depois de estarmos no táxi e termos andado um tempo, o
motorista quis saber o horário do nosso voo e nos disse
a distância que iríamos percorrer 45 km, imagina ... São
Paulo, uma sexta-feira, final de tarde. Saímos às 15h35min
e o voo seria às 17h10min , o motorista riu e disse: estão
tirando sarro com a cara de vocês, pois estou fazendo o
possível, mas com certeza não chegaremos no horário.
Chegamos a Guarulhos, fiquei no táxi e minha filha foi
direto ao balcão da companhia, LATAM, agora outra com-
panhia parceira e como não era surpresa, o avião já tinha
decolado. Ela voltou com uma cadeira de roda, depois de
“brigar” com os atendentes, pois os mesmo falaram que a

— Página 135 —
empresa que tínhamos comprado a passagem teria que re-
solver o problema, disponibilizaram uma cadeira de roda
e um auxiliar para empurrar a cadeira, e ela levar a baga-
gem até o balcão da companhia onde tínhamos comprado
nossas passagens.
Já era quase noite e a única refeição que tínhamos feito
foi no Rio de Janeiro às 8h da manhã e no avião aquelas
conhecidas sementes que quando estamos com fome dá
vontade de chorar.
No aeroporto nem água podíamos tomar, porque senão
minha filha que estava na fila perderia o lugar. Só ai fomos
avisadas que não tinha mais voo naquele dia. Aproveita-
mos para fazermos um “jejum”.
Depois de muita luta, e um descaso pelos atendentes,
encontramos uma alma caridosa que se sensibilizou com a
nossa saga, fomos conduzidas a um hotel há 45 km de onde
estávamos, sendo que já tínhamos vindo de lá.
No hotel Jantamos, porque estávamos famintas, toma-
mos banho, dormimos e ficamos até às 10h30min, resolve-
mos chegar ao aeroporto mais cedo para não acontecer
nenhum imprevisto, pedimos um “UBER” , pois no hotel só
tinha uma van que transportava as pessoas ao aeroporto,
fomos para o aeroporto e viajamos às 14h30min.
Depois de um voo de 2 horas chegamos ao destino final
da nossa viagem, cansadas, mas aliviadas e pensando: na
vida tudo é passageiro... Voltamos e apesar do meu coração
ficar apertado, temos que dar graças a Deus de passarmos
dias tão inesquecíveis ao lado de pessoas amadas e assim
terminou aquela viagem, cheia de surpresas e que apesar
das dificuldades nos deu muita alegria...

— Página 136 —
III

Este livro foi escrito


por uma mulher
que no tarde da vida
recria e poetiza sua própria
vida.

este livro
foi escrito por uma mulher
que fez a escalada da
montanha da vida
removendo pedras
e plantando flores.

Versos... não
Poesias... não
um modo diferente de contar velhas estórias.

Ressalva
Cora Coralian
Janelas

Estou perdendo a visão, já não enxergo de longe e de


perto tenho dificuldades. Não sei o que está acontecendo
comigo. Preciso procurar tratamento, é impossível viver
sem enxergar.
Chego a um grande centro oftalmológico e encontro o
médico para o qual fui recomendada. Minha cabeça está
confusa e ele será minha tábua de salvação. Dá o diagnósti-
co: Catarata! Está na hora de operar. E explica o que acon-
teceu com o cristalino do meu olho, que tem de ser sub-
stituído por uma lente. Quase não ouço, estou perdida em
pensamentos e perguntas. Será que dará resultado? Volta-
rei a enxergar?
A cirurgia foi feita, estou em fase de recuperação. No
entanto, há algo diferente de todas as pessoas que fizeram
a mesma cirurgia e com as quais converso. Tenho de fazer
alguma coisa, entre elas, falar com o médico. Ele me diz:
tudo certo, enxergar é questão de pouco tempo. Estou es-
perançosa. Os livros que comprei já estão na estante aguar-
dando a minha volta. Ao contrário do que esperava, minha
visão está acabando. Enfio o pé em um buraco na rua e sou
amparada para não cair. O desespero toma conta de mim,
vejo apenas enormes manchas escuras. Maldigo-me, choro,
esperneio. Já não tenho confiança no meu médico, mas é
necessário procurá-lo. Problema na retina! Submeto-me a
outra cirurgia.
Volto ao consultório para uma revisão, o médico está
apavorado. Algo que eu não sei deu errado, mas ele se cala.
Depois do susto, diz estar tudo certo. Decepciono-me e
penso: às vezes é melhor a gente não entender o que se

— Página 141 —
passa. Tenho visão dupla que me incomoda seriamente.
Para tudo que olho há uma cópia, deixando-me atormenta-
da. O médico acalma-me e diz:
- Isso é normal, acaba com o tempo.
O choro passou a fazer parte da minha vida, a insônia
é constante.
Com toda a frieza das pessoas que já se acostumaram
com a dor alheia, o médico volta a falar:
- De cem pessoas que se submetem a essa cirurgia, só
em uma não desaparece a visão dupla, e a senhora foi uma
delas.
O choro embarga a minha voz e eu permaneço calada.
Volto para casa, procuro adaptar-me à situação. Não dou
conta. É preciso esquecer e é impossível, pois não posso
andar com os olhos fechados. Meus familiares não se con-
formam, meus filhos convidam-me a ir a jornais e revistas
denunciar o cirurgião. Consigo demovê-los da ideia, mas
fica a revolta.
Dois anos depois as manchas reaparecem, já não enx-
ergo. Tenho de mudar de médico. Perdi a confiança. Na
mesma cidade, em outra clínica, um médico faz os exames
e esclarece-me o que está acontecendo. A retina além de
descolada está rasgada.
Nova cirurgia, implante de silicone. Volto à clinica to-
dos os meses de carro, de avião e de ônibus. Muita esper-
ança. O tempo passa e com ele a desilusão. Depois de dois
anos, o médico explica: Tudo o que eu tinha de fazer, já fiz.
Vou recomendar-lhe a um especialista em córnea.
O médico muito simpático diz: a córnea está muito in-
flamada, vou receitar-lhe alguns colírios, a senhora deverá

— Página 142 —
usá-los durante oito dias. É um teste para ver se escapo da
cirurgia. Não houve melhora. Submeto-me à quinta ciru-
rgia: transplante de córnea! Aguardo ansiosa mais um re-
sultado. Depois de muitos meses, a notícias de que houve
uma rejeição e é preciso um novo transplante. Descrente,
pergunto ao médico quando poderei fazer a cirurgia, e ele;
Pode ser logo ou daqui a seis meses. E ainda me disse: A
senhora vai escolher: ou se acomodar ou revestir-se de
coragem e fazer a cirurgia. Todo o meu ser está chorando,
embora as lágrimas não apareçam. Digo que vou pensar e
depois resolver. Sinto-me sem forças para continuar a luta.
O meu poder de decisão está diminuindo, diminuindo...
Já vou! Meu marido me chama. Uma história comoven-
te, mas infelizmente, já é noite e eu preciso fechar as janelas.

— Página 143 —
Sonho

Às vezes tenho uma vontade louca de dormir, dormir


para nunca mais acordar.
Quando isso acontecer, testemunharei familiares
abraçados e como em um passe de mágica tentarão domi-
nar o medo: o medo daqueles que são obrigados a enfren-
tar o desconhecido.
Aos poucos, a calma chegará e eu vou ser vista como
em um sonho, lembranças de alguém que foi amada, mas
que já não está aqui.
Espero esse sonho, talvez esteja perto ou esteja longe,
não importa o dia, a hora e o lugar. Quando não temos o
poder da escolha, só nos resta esperar.
Então, a esperança substituirá o medo, o choro se
transformará em riso, e os lamentos se perderão no ar.

— Página 145 —
Uma Vida

Quarenta e nove anos


Uma vida de alegrias e tristezas,
De ausências e mais ausências.
Saúde e doenças,
Viagens e viagens,
Esperanças e incertezas,
Coração apertado.
Apelos e agradecimentos.
De prole numerosa
Diálogos e carências,
Alguns sonhos não concretizados.

Almas irmanadas,
Á vida é mesmo assim
Difícil de ser vivida,
Mas valeu a pena.
Momentos de alegria,
Trabalhos e sacrifícios.

Meios de sobrevivência,
Filhos criados,
um certo conforto.

— Página 147 —
Cabeças que pensam,
Família aumentada
Genros, noras e netos.
Novos sonhos, novas esperanças
E assim vivemos.
Em uma ciranda de idas e voltas,
Fizemos o possível
E esperamos a felicidades que não passa...
Porque será eterna

— Página 148 —
Essa vida é uma mentira

Mentira de amor, mentira de felicidade


Mentira de respeito ao outro
Às vezes mentira na nossa própria mentira.
O homem insatisfeito sempre quer mais...
Nunca está de bem com a vida
Vida boa, vida amiga,
Vida de encontros e desencontros...
Vida mal interpretada, de orgulho, egoísmo e do Eu.
“Eu” que atrapalha e que não nos faz enxergar
Orgulho que nos faz ter vergonha
De agradecer, elogiar e pedir desculpas
Egoísmo que nos torna incapazes
De ver além dos nossos próprios olhos
Pessoas insones, cansadas e sem tempo,
Muitas lutando contra a própria sorte,
Outras tendo muito e achando que não tem nada.
Os homens querem mais e mais...
Algumas pessoas na sua rebeldia,
Maltratam e matam os outros,
Muitos sem chance de mostrarem os seus talentos,
Caminham vida a fora
E ficam nas encruzilhadas.

— Página 151 —
É necessário olhar de frente a vida
Sem medo de quebrar a cara.
O que nos dá coragem é a capacidade de seguir em
frente,
Vencer obstáculos,
Aproveitar experiências, valorizar o outro,
Cair e saber levantar, sabendo que Deus está para todos
Que não é feio pedir ajuda
E que mais bonito é ajudar.
Só assim estaremos capacitados para dizer que nos en-
ganamos
Pois apesar das mentiras, a vida vale a pena ser vivida
Porque os homens fazem parte dela.

— Página 152 —
Se os Gatos falassem

Pensei que já tinha visto tudo nos meus 82 anos bem


vividos. Mas verifiquei que estava enganada, pois nessa
vida cheia de encontros e desencontros acontecem coisas
boas e ruins.
Há um ano mais ou menos, estávamos em uma reunião
familiar, quando apareceu uma gatinha linda, preta com
manchas brancas, foi um alvoroço, já que cada netinho
queria fazer um carinho. Diante da surpresa, Maria Júlia
uma de minhas netinhas cuidou logo de alimentar a visi-
tante dando leite para matar sua fome.
Passaram-se os dias, a gatinha desapareceu e ninguém
teve mais notícias. Para surpresa de todos, há um mês mais
ou menos, ela reapareceu acompanhada de cinco gatinhos
bonitos e gulosos, não dando descanso para mamãe quer-
endo mamar de hora em hora. Os gatinhos eram admirados
por todos, andavam por toda a casa, deitavam em nossos
pés.
Ontem à noite, depois de uma chuva fina a gata entrou,
miou parecendo estar pedindo socorro, infelizmente não
sabemos interpretar o que os gatos dizem. E qual não foi o
espanto da minha filha Magaly, que ao ir ao quintal cedo se
deparou com todos os gatinhos mortos afogados, boiando
na piscina, e o mais triste de tudo é saber que mamãe gata
com seu instinto materno havia tirado um dos filhotes com
a boca, mas já era tarde, ele também tinha morrido.
No desespero da perda e de não poder fazer mais nada,
mamãe gata chorando (miando) muito, subiu em uma ar-
vore, pulou para o telhado e desapareceu.

— Página 155 —
As mães são tão importantes...

As mães são tão importantes que uma delas foi mãe de


Jesus. Para destacar a sua importância foi criado um dia
dedicado a elas, mas não é o bastante, pois a mãe devia ser
homenageada todos os dias do ano para ajudá-la ter cora-
gem de enfrentar tudo aquilo que a vida lhe oferece.
Mãe nós encontramos em toda parte: nos lares, no
trabalho e até nas ruas. Existem mães casadas, solteiras,
viúvas e de coração, não importa o que elas sejam: pobres,
ricas, novas, idosas, são ignoradas suas condições sociais
ou financeiras.
No Brasil são inúmeras as mães provedoras das famílias
que trabalham dia e noite para poder dar conta de supri-
rem as necessidades daquelas pessoas sob sua respons-
abilidade. Existem no Brasil inteiro mães que são chefs,
doceiras, confeiteira professoras,arquitetas,pilotos,vend-
edoras,farmacêuticas,médicas,enfermeiras,Garis,advo-
gadas,engenheiras,fisioterapeutas, economistas e muitas
outras profissões.
Depois que a mulher é mãe, sempre está pensando
nos filhos, nunca atrapalha suas vidas e está pronta para
atender o chamado deles. Conheço uma mãe que depois de
criar os seus filhos, prontificou-se a criar os netos, pois a
mãe deles tinha morrido.
Antigamente era comum mães morrerem de parto
porque não tinham médicos e as parturientes eram aten-
didas por parteiras que, apesar da boa vontade, não eram
preparadas para resolverem os casos mais complicados.
Inúmeras mães morrem hoje em dia assassinadas pe-

— Página 157 —
los esposos, namorados e ex-companheiros, eles são movi-
dos pelo ciúme, ódio, ignorância e a ilusão de serem donos
das companheiras.Umas são vítimas daqueles homens
“galanteadores” de mães solitárias, se aproximam, fazem
amizades e terminam ganhando a confiança daquelas
mães e de repente estão em suas casas e em seus corações.
Enganam tomam a frente dos negócios, dos depósitos
bancários e por algum tempo ficam ao lado daquelas mães
até quando se cansam e sorrateiramente apoderam-se de
tudo que elas têm e somem...
A mãe desempenha o papel de médico, psicólogo para
que os filhos fiquem bem. Mãe, 3 letrinhas mágicas que
tem o poder de acalmar, de aliviar dores que diminuem
angustias e tornam os filhos felizes...
Mães, uma no palacete e outra na casinha simples são
iguais no seu amor e no seu instinto maternal. Muitas mães
são valorizadas pelos seus esposos, filhos e familiares dan-
do a elas o respeito e o amor que merecem.
Conheci uma mãe na fazenda, que quando algum dos
seus filhos tinha febre alta, ela fazia sanapismos de casca de
laranja ou de angu de farinha, colocava nos pulsos daque-
les que estavam com febre alta e a febre passava como por
encanto.
Temos as mães que sempre estão criando o que é bom
para seus filhos, aproveitando os seus talentos para ad-
mirá-los e incentivá-los.
Este ano o Corona vírus chegou de repente e com ele
a mudança dos hábitos que eram de abraçar e beijar, o dia
das mães vai ser de olhares e demonstração de carinho,
nem por isso deixará de ser especial.
Em muitos lares a mãe é querida e respeitada não só

— Página 158 —
por seus filhos, mas pelo esposo e todos os familiares. Que
essas famílias sirvam de exemplo e que outras famílias
amem e respeitem as suas mães é o que todos esperam dos
brasileiros.
Aniversário - 88 anos

Sempre gostei de casa cheia e neste final de semana ela


estava repleta de pessoas e de amor. No meu aniversário de
88 anos fui homenageada com a presença de filhos, netos,
sobrinhos, genros, noras, irmã e amigos, foi muita alegria
e muita felicidade. Os que não puderam estar presentes,
ligaram para mostrar que apesar de não estarem aqui não
se esqueceram do aniversário.
Muitos ex-alunos falaram da minha influência nas suas
vidas e em suas escolhas profissionais; amigos que não
vejo há muito tempo manifestaram o seu carinho através
de telefonemas e mensagens. Surpresas que me deixaram
alegre e emocionada: uma filha e um neto vieram de Cabo
Frio para almoçarem comigo, minha filha que mora em
Guaraí se esforçou e veio me homenagear, irmã que apesar
de não estar bem de saúde quis surpreender-me com sua
presença, acompanhada de sua filha e netos, filha, genro
e netos que moram comigo se desdobraram mesmo sem
tempo disponível para que tudo estivesse perfeito.
Filhos, netos nora e genro que moram em Palmas tam-
bém fizeram o possível e aqui estavam. Gê, que trabalha
aqui em casa, mesmo grávida se esforçou para preparar
um almoço de excelência. Todos os envolvidos mostraram
o quanto me amavam...Ganhei de um sobrinho radialista
uma manhã dedicada a mim, apresentada com palavras
carinhosas.
Eu gosto muito de rosas e ganhei dois vasos lindos e
parece que minhas filhas já sabiam de minha preferência. A
ornamentação, a mesa de doces e salgados, o bolo, tudo era
para ninguém botar defeito. Quanto amor envolvido, quan-

— Página 161 —
ta consideração. Não me deixaram comprar nada, mesmo
eu me oferecendo. Tudo conspirou para o brilho da minha
festa, até os meus pés que doem sempre deram uma trégua
e não doeram naquele dia.
Meu coração está cheio de amor e gratidão...Tudo isso
me deixou alegre, feliz e com vontade de viver mais um
pouquinho. Pensei: enquanto tantos idosos estão nos asi-
los ou nos quartinhos no fundo das belas mansões, eu re-
cebo o carinho dos meus familiares.
Durante a festa meu coração pulsava agradecido e os
meus lábios teimavam em sorrir. Quanta bondade, quanta
generosidade. Cada pessoa mostrava sua alegria, sua sim-
patia e a demonstração que estava ali para somar, para val-
orizar uma aniversariante de 88 anos que ao lado de todos
festejava a vida e dizia que não tem idade para a gente ser
feliz.
Cada ano que passa é Deus na sua bondade infinita que
nos presenteia para que possamos ajudá-lo na construção
de um mundo melhor, de um mundo mais humano e cheio
de paz.

— Página 162 —
Abandono familiar

D. Amélia nasceu em uma família de classe média alta,


era querida pelos familiares e amigos, encontrou um bom
marido, teve vários filhos, dedicou-se aos familiares e tinha
a esperança de uma velhice cheia de carinho, com o passar
do tempo foi envelhecendo e verificando que era necessário
atender ao pedido dos filhos: ir para um asilo de idosos.
Chegou ali triste pela saudade mas acreditando ter
visitas pelo menos todos os meses, o que não aconteceu.
Passaram-se dez anos e as visitas que no começo eram con-
stantes, foram tornando-se raras até que não aconteceram
mais.
Eram horas e horas de insônia, de angústia e de deses-
pero até que um dia a campainha tocou insistentemente e
ela que sempre estava à espera de uma visita, levantou-se
da cama, vestiu robe e atendeu a porta. Puro engano, não
era nem um dos seus filhos e sim uma das companheiras
que não conseguia dormir e queria o ombro amigo para
chorar.
Reunindo todas as forças e buscando alento em sua
fé, consolou aquela amiga que teve a mesma sorte que ela,
disse que os familiares da amiga deviam ter os seus mo-
tivos para não realizarem as visitas. Falou tudo isso para
consolar a amiga.
Deus sabia como estava o seu coração vitimado pelo
abandono. Fez sua oração, pediu pela família sempre dese-
jando que seus filhos não fossem abandonados na velhice.
Às vezes nos seus pensamentos queria entender a vida
de certas pessoas idosas que apesar de terem batalhado
muito para criar os filhos, eram abandonados quando mais

— Página 165 —
precisavam da família.
Qual não foi a sua surpresa quando em certo dia al-
guém veio lhe visitar, dizendo que um dos seus filhos es-
tava à porta da morte e insistia para que chamasse a sua
mãe, pois não podia morrer sem abraçá-la e pedir perdão
pelo filho ingrato que foi ele dizia: “por favor não me deixe
morrer sem falar com a minha mãe”. D. Amélia concordou
em ir com a neta e depois de abraçar e pedir perdão a mãe,
aquele filho ingrato morreu em paz.
D. Amália viveu alguns anos ao lado dos seus familiares
e um dia depois de uma reunião familiar, agradeceu a to-
dos pelo carinho, disse não ter mágoas do passado e que
desejava a todos muita sorte e pedia aos netos que valo-
rizassem os seus pais para que eles tivessem a felicidade
sonhada. Já era a hora de se recolher ao quarto, abraçou a
cada um e a agradeceu, falou da sua felicidade e sorrindo
desejou-lhes uma boa noite.
Às nove horas da manhã ainda não tinha levantado
e causou admiração a todos que chamaram, bateram na
porta e foi preciso usar os serviços de um chaveiro para
abri-la. E qual não foi o espanto de todos quando ao chamá-
la não encontraram os sinais vitais. A vovó estava como
que dormindo, sorrindo ela deixou a família para receber o
prêmio daqueles que souberam viver aqui na terra.
Ao lado da sua cama encontraram um bilhete que dizia;
quando eu partir, por favor, cante no velório a música do rei
Roberto Carlos; é Preciso Saber Viver... E assim D. Amélia
partiu para a outra dimensão.

— Página 166 —
A perda nos leva ao crescimento

Como nós seres humanos somos inconstantes. É como


se diz, tanto temos como tanto valemos.
Foi impressionante aquela vibração dos torcedores do
Brasil, muitas vezes dá vontade de chorar quando o Está-
dio inteiro canta o hino nacional, quando a torcida vibra
com o gol.
Devemos pensar nos nossos ganhos e perdas. Quem de
nós não se decepcionou com um amigo? E quem de nós não
errou e depois procurou acertar com o erro? Será que só
valemos no tempo de glória? Deixamos de ser brasileiros
só porque perdemos para os Alemães?
O lugar não estava reservado para nós, não é porque
perdemos que acabamos o nosso trabalho. A vida é feita de
acertos e erros.
Levantemos a cabeça e com toda a esperança vamos
jogar e torcer para que o Brasil fique com 3º lugar.
Nós brasileiros devemos valorizar o trabalho do técni-
co, da equipe, dos jogadores e dos brasileiros que formam
uma torcida simpática e abençoada.
Não abandonemos o barco, todos precisam de nosso
apoio para que futuramente tenhamos a alegria que não foi
possível agora.

— Página 169 —
A força de uma caçula I

Naquele Tempo as festas juninas tinham as mesmas


atrações de hoje, a atração maior era grandes fogueiras
que crepitavam espalhando suas fagulhas e assando man-
diocas, batatas, abóboras e ao redor daquelas fogueiras as
pessoas saboreavam quitutes próprios para a ocasião.
Os afazeres da minha mãe eram muitos e os filhos
também, todos pequenos, ela estava esperando o oitavo e
usou sua inteligência para traçar uma estratégia e diminuir
um pouco o seu cansaço, entregar a criança que ia nascer
à filhinha mais velha sob sua supervisão, Eu, ainda não
completara 7 anos. Como fiquei alegre com o presente,
presente esse que me custou muitas palmadas, eu queria
brincar e esquecia da menina que levou várias quedas.
Na véspera de São João, (23 de junho de 1938) nascia
uma menina que foi batizada com o nome de Isabel. No fu-
turo a Isabel trabalharia muito, ajudando na educação dos
nossos jovens, ela era a filha mais nova da família Teixeira
Nolêto. Cresceu, estudou começou a trabalhar. Foi Profes-
sora por muitos anos, Delegada de ensino por três vezes,
coordenadora da merenda escolar estadual, presidente de
partido político, amiga de chefes e funcionários. Quando
criança criou para a irmã mais velha um apelido “Nem Ma-
ria”. Cresceu saudável mostrando que veio para alegria da
família.
Ajudou o Estado de Goiás e também do Tocantins na
educação e formação dos jovens desses dois estados. Tem
uma filha e dois netos. É engraçado como a netinha mais
velha controla os gastos da vó quando está gastando mais
do limite ela diz: vovó, vovó está gastando muito.

— Página 171 —
Quando pequena, a Isabel era muito engraçada e
gostava de ver as pessoas rindo das suas graças. Uma épo-
ca faltou uma pessoa em casa para ajudar nos trabalhos
domésticos e a mamãe dividiu as tarefas entre nós, para
a Isabel que era a mais novinha ficou lavar a louça. De-
pois do almoço, cada um tratou de fazer a sua tarefa. De
repente ouvi um choro ao lado de soluços sofridos corri
para ver o que era, qual não foi a minha surpresa vendo a
caçula (tinha 12 anos) chorando sem parar e interrogada
respondeu mostrando as mãos: minhas mãos estão cheias
de calos de lavar louça.... Assim era a nossa caçula.
Quando Delegada de ensino pela 1ª vez, enfrentou
muitas dificuldades porque tudo tinha que ser resolvido
em Goiânia, até a folha de pagamento dos funcionários era
preciso que ela fosse buscar. Percorreu por muitas vezes
todos aqueles municípios que faziam parte da Delegacia de
Ensino de Miracema, as estradas eram péssimas, o carro
não obedecia aos anseios daquela Delegada que eram aju-
dar e ajudar.
Quando foi instalada em Miracema a 1ª capital do
Tocantins, a Isabel era Delegada pela 3ª vez e apesar de
demitida foi convocada pela autoridade responsável pela
Educação do Tocantins para orientar a nova delegada. A Is-
abel que gosta de piadas, com toda sua capacidade e qual-
idades naturais fez o que pediram e assim viveu em paz.
Muitos anos se passaram e ela sempre saudável, alegre
e com muita capacidade para fazer e conservar amizades.
Depois de trabalhar muito, chegou a hora da aposentadoria
e o convívio total, ao lado de sua bela família.
Em 2018, logo no início do ano, foi acometida de
fortes cólicas e os médicos constataram ser diverticulite.
Ao procurar fazer uma consulta só saiu do hospital depois

— Página 172 —
de operada. Foi uma cirurgia de risco e tanto os familiares
como os médicos temeram pela sua vida. A recuperação foi
um sucesso e depois de vários meses chegou a hora de uma
nova cirurgia reversão da bolsa de colostomia.
Hoje 3 de dezembro estamos por várias horas esperan-
do notícias da nova cirurgia, resultado que demorou muito.
Os médicos pensavam que ela sairia da UTI com três dias o
que não aconteceu, houve complicações, mas se Deus quis-
er no dia 6 (sexta-feira) ela irá para o quarto. Aguardamos
ansiosos a sua alta e uma ótima recuperação. Os médicos
e a equipe que cuidam dela são maravilhosos e merecem a
nossa gratidão e respeito.

— Página 173 —
A força de uma caçula parte II

...O resultado da cirurgia foi satisfatório, saiu da sala


sem o tubo respiratório, foi conduzida a UTI (Unidade de
terapia Intensiva), no dia seguinte andou, foi ao banheiro,
viu televisão e conversou bastante com sua filha e netos.
Três dias depois, com o não funcionamento do intestino,
ela ao se alimentar vomitou e alguns fragmentos do ali-
mento caíram no pulmão, resultando o comprometimento
do mesmo, precisando sedá-la e entubá-la.
Ela melhorou, tiraram a intubação e a sedação, os médi-
cos sentiram a necessidade de fazerem uma nova cirurg-
ia, dessa vez investigativa, onde foi verificado aderências
em alguns órgãos. A princípio a cirurgia foi um sucesso,
o intestino voltou a funcionar, mas o pulmão nunca mais
funcionou, segundo os médicos ela teve uma pneumonia
aspirativa, com presença de bactérias cuja resistência não
foi controlada pelos antibióticos cada vez mais fortes, e os
órgãos foram enfraquecendo, muita febre, pressão arterial
oscilando, (baixa e alta), os rins comprometidos sendo pre-
ciso fazer hemodiálise.
A Isabel que estava muito debilitada não conseguiu
sair daquela UTI. Foram 53 dias em coma, faleceu e não
teve tempo de abraçar seus familiares porque foi vítima da
inconsciência e do sofrimento.
A visita no hospital era às 16h e todas as tardes os seus
entes queridos estavam lá para verem uma guerreira, nem
um dia ela ficou sem a visita de seus familiares, que saiam
daquela UTI chorando porque o quadro era muito triste.
Nós somos leigos no assunto, não somos médicos, mas
sabíamos que nunca mais teríamos a companhia daquela

— Página 175 —
pessoa muito querida. Ela que amava tanto a sua casinha
foi velada lá e muitas pessoas nos ajudaram a diminuir a
dor da perda de um ser muito amado.
O que nos resta é fazer as nossas orações para que ela
esteja nos braços do pai e vivermos com a falta e a saudade
que nos acompanharão para sempre. Temos que agradecer
a equipe médica, enfermeiros, técnicos, fisioterapeutas e
todos os colaboradores que cuidaram dela com profission-
alismo e competência.

— Página 176 —
Velhice

Alguém disse:
Velhice não dói,
Saúde que é preciso.

Devemos dar graças a Deus,


Por ter chegado até aqui...
Com o apoio da família
E o respeito de todos,
Sejamos alegres,

O amor é preciso
A experiência conta em nossas vidas,
Quem viveu tem muito que oferecer,
As rugas e os cabelos brancos mostram o entardecer.
A Vida e Eu

A vida foi uma professora que me ensinou tanto, mais


tanto que é impossível descrever todos os ensinamentos.
Aprendi com ela que só somos felizes se queremos,
pois a felicidade está dentro de nós, e muitas vezes o silên-
cio vale mais do que as palavras.
Aprendi que nós não somos capazes de mudar as pes-
soas, porque elas só mudam quando querem.
Aprendi que não podemos obrigar as pessoas a gosta-
rem de nós.
Aprendi a pensar antes da resolução de qualquer situ-
ação.
Aprendi que assim como eu, as outras pessoas têm
seus problemas.
Cada filho que chegava, (em nº de 8) era motivo de re-
flexão e de pensar que os filhos vieram para me ensinar
muitas coisas como: ser tolerante e paciente e que chega-
ram para cooperar com a vida.
Devemos fazer um esforço para aplicarmos o que
aprendemos e sempre pensarmos que estamos aqui na ter-
ra de passagem e que um dia teremos que partir para uma
vida que não é passageira porque é eterna.
Quando nós não nos submetemos aos ensinamentos e
não queremos apreender, tudo fica mais difícil, pois ao pas-
sar do tempo não temos ao nosso lado, a força da juventude
para nos ajudar a tornar a vida mais leve...
Publicar este livro, enredar histórias, resgatar a
memória, para mim é motivo de muito orgulho e agradeci-
mento, por isso, jamais deixaria de, neste momento, dividir
tamanha alegria com quem fez parte, e ainda faz, desta bela
trajetória, o meu esposo, Francisco Nolêto Perna. Como
forma de homenageá-lo, publico, abaixo, uma música que
ele compôs e que gostava muito de cantar:

— Página 182 —
Se Deus me ajuda

Se Deus me ajuda, me dando força e saúde.


Tenho oito filhos para criar.
uns inocentes, que não pensam igual à gente,
na hora certa querem saber de se alimentar.
De manhã muito cedinho,
Eles tomam o cafezinho e vão para a escola estudar.
E eu, que me despeço da patroa, que para mim é muito boa,
Saio à rua, vou trabalhar.

— Página 183 —

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