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UNIVERSIDADE DE AVEIRO

DEPARTAMENTO DE ENGENHARIA MECÂNICA

TERMODINÂMICA

APLICADA

Elementos de apoio à disciplina de Termodinâmica Aplicada, da Licenciatura em


Engenharia Mecânica

Vítor A. F. Costa

2006/2007
ÍNDICE i

PREFÁCIO v

PARTE I - FUNDAMENTOS
1. INTRODUÇÃO 1.1
1.1 Relevância da análise termodinâmica de sistemas de engenharia 1.2
1.2 Conceitos e terminologia 1.3
1.3 Propriedades das substâncias operantes 1.9
Propriedades de um Gás Ideal 1.9
Propriedades de um gás real ou de um vapor 1.11
Propriedades de sólidos e de líquidos 1.12
Tabelas de propriedades e diagramas de propriedades 1.13
Propriedades de uma mistura bifásica líquido-vapor 1.12
1.4 Processos realizados por gases ideais 1.15
1.5 Metodologia para análise de problemas em Termodinâmica Aplicada 1.17
1.6 Referências 1.18

2. BALANÇO DE UMA GRANDEZA GENÉRICA 2.1


2.1 Interacções mais importantes dos sistemas termodinâmicos 2.1
2.2 Estabelecimento do balanço de uma grandeza genérica 2.2
2.3 Referências 2.3

3. PRINCÍPIO DE CONSERVAÇÃO DE MASSA 3.1


3.1 Conservação de massa para um sistema fechado 3.2
3.2 Conservação de massa para um sistema aberto 3.3
3.3 Referências 3.4

4. PRINCÍPIO DE CONSERVAÇÃO DE ENERGIA - PRIMEIRA LEI DA


TERMODINÂMICA 4.1
4.1 Formas de energia 4.1
4.2 Trabalho, calor e potência 4.4
4.3 Conservação de energia para um sistema fechado 4.7
4.4 Conservação de energia para um sistema aberto 4.8
4.5 Primeira Lei da Termodinâmica 4.10
4.6 Referências 4.10

5. SEGUNDA LEI DA TERMODINÂMICA - ENTROPIA 5.1


5.1 Segunda lei da termodinâmica - I 5.1
5.2 A propriedade entropia 5.3
5.3 Segunda Lei da Termodinâmica - II 5.3
5.4 Balanço de entropia para um sistema aberto 5.4
5.5 Índices de desempenho das máquinas térmicas 5.5
Máquina térmica de Carnot, refrigerador de Carnot e bomba de calor de Carnot 5.5
Máquina térmica endo-reversível 5.7
Limites dos materiais 5.8
5.6 Referências 5.8
6. EXERGIA E ANÁLISE EXERGÉTICA 6.1
6.1 Introdução 6.1
6.2 Definição e quantificação da exergia 6.2
Ambiente de referência e estado morto 6.2
Quantificação da exergia 6.3
6.3 Balanço de exergia para sistemas fechados 6.6
6.4 Balanço de exergia para sistemas abertos 6.8
6.5 Eficiência exergética de sistemas 6.10
Geração de calor e uso do calor 6.10
Eficiência exergética de turbinas e de compressores ou bombas 6.12
6.6 Referências 6.13

PARTE II - APLICAÇÕES
7. MOTORES ALTERNATIVOS DE COMBUSTÃO INTERNA 7.1
7.1 Introdução 7.2
Aspectos construtivos 7.2
Motores de dois e de quatro tempos 7.5
Nomenclatura usual no estudo dos motores alternativos de combustão interna 7.8
7.2 Ciclos térmicos 7.11
7.3 Balanço energético de um motor 7.15
7.4 Motores para equipar veículos 7.17
7.5 Referências 7.19

8. INSTALAÇÕES COM TURBINAS DE GÁS 8.1


8.1 Introdução 8.2
Funcionamento básico 8.2
Aspectos construtivos 8.3
8.2 Ciclo de Brayton 8.6
Ciclo de Brayton teórico 8.6
Interacções energéticas 8.8
Trabalho associado a uma variação de pressão, num sistema aberto 8.10
Caso de a substância operante ser um gás ideal de calores específicos constantes 8.12
Ciclo de Brayton real: identificação de perdas 8.18
8.3 Técnicas para melhorar o desempenho das instalações com turbinas de gás 8.19
Arrefecimento interno das pás da turbina 8.20
Regeneração 8.20
Compressão em vários estágios, com arrefecimento intermédio 8.22
Expansão em vários estágios, com re-aquecimento intermédio 8.26
Ciclo de Ericsson 8.29
Combinação simultânea das várias técnicas 8.30
8.4 Turbinas de gás usadas para propulsão 8.31
Poder de propulsão e eficiência de propulsão 8.31
Poder de propulsão devido a diferenças de pressão 8.33
Sistemas de propulsão 8.34
8.5 Referências 8.38

9. INSTALAÇÕES COM TURBINAS DE VAPOR 9.1


9.1 Introdução 9.2

- ii -
Funcionamento básico 9.3
Aspectos construtivos 9.3
9.2 Ciclo de Rankine 9.7
Ciclo de Rankine teórico 9.7
Interacções energéticas 9.8
Ciclo de Rankine real: identificação de perdas 9.12
9.3 Técnicas para melhorar o desempenho das instalações com turbinas de vapor 9.14
Sobre-aquecimento e re-aquecimento 9.14
Regeneração 9.16
9.4 Características das substâncias operantes e ciclos combinados 9.21
A água como substância operante 9.21
O mercúrio como substância operante 9.21
Ciclo combinado 9.21
9.5 Co-geração 9.24
9.6 Referências 9.26

10. SISTEMAS DE REFRIGERAÇÃO 10.1


10.1 Introdução 10.2
Funcionamento básico 10.2
Coeficientes de desempenho 10.3
10.2 Refrigeração por compressão de vapor 10.7
Interacções energéticas 10.8
Bombas de calor por compressão de vapor 10.9
Identificação das perdas 10.10
Propriedades dos fluidos refrigerantes, e suas implicações 10.11
Compressão em vários estágios, com arrefecimento intermédio 10.13
Aspectos construtivos 10.15
10.3 Refrigeração por absorção 10.21
Sistema de refrigeração por absorção da Electrolux 10.23
10.4 Refrigeração a gás 10.24
Ciclo de Brayton invertido 10.24
Modificações ao ciclo de Brayton invertido 10.26
Liquefacção de gases 10.27
10.5 Referências 10.29

11. COMBUSTÍVEIS E COMBUSTÃO 11.1


11.1 Introdução 11.2
O ar atmosférico 11.2
Combustíveis líquidos e gasosos 11.3
11.2 Conservação de massa na combustão 11.4
O processo de combustão 11.4
Combustão estequiométrica 11.5
Combustão com excesso de ar 11.6
Relação ar-combustível 11.7
11.3 Conservação de energia na combustão 11.8
Entalpia de formação 11.8
Entalpia de uma substância em quaisquer condições 11.10
Calor de reacção 11.11
Poder calorífico do combustível 11.15

- iii -
Estado físico do combustível 11.17
Influência do excesso de ar 11.18
Combustão a volume constante 11.19
11.4 Temperatura de chama 11.21
11.5 Dissociação e formação de NOx 11.22
Dissociação 11.22
Formação de NOx 11.22
11.6 Análise exergética de sistemas reactivos 11.23
Exergia química de um hidrocarboneto puro Cm H n 11.23
Exergia química do monóxido de carbono puro CO 11.26
Exergia química da água pura H 2 O 11.26
Exergia química do azoto puro N 2 , e de qualquer componente gasoso puro que
exista no ambiente 11.27
Exergia química de uma mistura de Gases Ideais que existem no ambiente 11.28
Valores tabelados da exergia química específica molar 11.28
Contabilização da exergia total 11.29
11.7 Referências 11.29

Apêndice A. TABELAS A.1


A.1 Calores específicos de alguns sólidos e de alguns líquidos A.1
A.2 Calores específicos de alguns gases, tomados como gases ideais A.2
A.3 Massa molar e propriedades críticas de algumas substâncias comuns A.2
A.4 Propriedades do ar, tomado como gás ideal A.3
A.5 Propriedades do Nitrogénio N2, tomado como um gás ideal A.4
A.6 Propriedades do Oxigénio O2, tomado como um gás ideal A.6
A.7 Propriedades do vapor de água H2O, tomado como um gás ideal A.8
A.8 Propriedades do Monóxido de Carbono CO, tomado como um gás ideal A.10
A.9 Propriedades do Dióxido de Carbono CO2, tomado como um gás ideal A.12
A.10 Propriedades do Hidrogénio H2, tomado como um gás ideal A.14
A.11 Entalpia sensível, acima das condições padrão, para alguns gases tomados como
gases ideais A.15
A.12 Entalpia de formação, energia de Gibbs de formação, e entropia absoluta de várias
substâncias nas condições padrão (1 atm e 25ºC) A.16
A.13 Propriedades de alguns combustíveis comuns A.16
A.14 Propriedades da água saturada (líquido-vapor): Tabela de temperatura A.17
A.15 Propriedades da água saturada (líquido-vapor): Tabela de pressão A.19
A.16 Propriedades do vapor de água sobre-aquecido A.20
A.17 Propriedades da água como líquido sub-arrefecido (ou comprimido) A.24
A.18 Propriedades da água saturada (sólido-vapor): Tabela de temperatura A.25
A.19 Propriedades de saturação (líquido-vapor) do R12: Tabela de temperatura A.26
A.20 Propriedades de saturação (líquido-vapor) do R12: Tabela de pressão A.27
A.21 Propriedades do R12 como vapor sobre-aquecido A.28
A.22 Propriedades de saturação (líquido-vapor) do R134a: Tabela de temperatura A.31
A.23 Propriedades de saturação (líquido-vapor) do R134a: Tabela de pressão A.32
A.24 Propriedades do Refrigerante 134a como vapor sobre-aquecido A.33

- iv -
PREFÁCIO
O presente texto pretende ser um guia no estudo da disciplina de Termodinâmica Aplicada.
Ele não substitui a consulta de outras fontes, nomeadamente as referências indicadas no fim
de cada capítulo. Aí, sim, podem ser encontradas descrições detalhadas sobre os vários
aspectos relacionados com a Termodinâmica Aplicada, o que não era possível de aglutinar
num texto intencionalmente contido e de objectivos muito específicos.
Um estudo sólido de Termodinâmica Aplicada pressupõe alguma formação prévia em
Termodinâmica. No presente caso, as matérias são expostas pressupondo que, por parte dos
alunos, houve a frequência e aprovação prévia na disciplina Termodinâmica Macroscópica
(disciplina do 2º ano da Licenciatura em Engenharia Mecânica).
As matérias encontram-se divididas em duas partes: Fundamentos e Aplicações. Na
primeira parte são trabalhados, aprofundados e alargados os conceitos introduzidos em
Termodinâmica Macroscópica, de modo a preparar o aluno para proceder às aplicações da
termodinâmica a sistemas do universo da engenharia, objecto da segunda parte. Ainda que os
fundamentos visem as aplicações, a sua validade e aplicabilidade não se esgota de modo
nenhum aí, pretendendo-se sim formar os alunos para proceder à análise termodinâmica de
sistemas qualquer que seja o seu âmbito, complexidade e natureza. Na parte das aplicações a
ênfase é colocada na análise dos sistemas com os quais, com maior probabilidade, o
Engenheiro Mecânico virá a tomar contacto. Todavia, tal em nada restringe a aplicação dos
fundamentos a problemas e/ou sistemas de natureza diferente.
No que concerne as aplicações abordadas, apenas os aspectos termodinâmicos dos
sistemas são analisados, sem que seja dada ênfase aos detalhes relacionados com os aspectos
construtivos dos elementos e sistemas em causa. Tal implica (e requer) geralmente formação
e conhecimento complementar, que sai fora do âmbito da disciplina e, consequentemente, do
presente texto.
É dada especial relevância ao modo como as diversas variáveis condicionam o
desempenho termodinâmico dos sistemas em análise, e quais as medidas a tomar com o
objectivo de perseguir melhores performances e identificar os principais constrangimentos.
Os aspectos positivos e negativos das várias vias alternativas a seguir são explorados, para
assim ser apreendido um mais completo quadro da interdependência existente entre as
variáveis que condicionam a performance termodinâmica dos sistemas. A análise feita incide
sobre modelos simplificados dos sistemas reais, em que as hipóteses adoptadas são
fundamentais para simplificar a análise, conduzindo, ainda assim, a resultados
qualitativamente correctos. Outro aspecto especialmente importante é que a análise
simplificada, regra geral, permite antever como, e em que sentido, a variação de uma ou
várias variáveis afecta a performance termodinâmica dos sistemas analisados. Resultados
quantitativamente correctos necessitam da consideração de modelos mais completos, mais
conhecimento especializado e envolvem uma maior quantidade de informação.
Muitas das figuras presentes no texto foram obtidas por recurso ao ‘scanning’ de
figuras disponíveis em textos relacionados com as matérias tratadas. Como a generalidade
dessas obras está em língua inglesa, o texto que faz parte das próprias figuras encontra-se,
muitas das vezes, também ele, em língua inglesa.
As tabelas de propriedades incluídas no fim do texto pretendem ser apenas um
auxiliar para a resolução de problemas simples, devendo ser consultadas tabelas mais
completas, contemplando outras substâncias e outras propriedades, quando a complexidade
dos problemas assim o exigir. Também aqui houve recurso ao ‘scanning’, havendo algum
texto das tabelas que se encontra em língua inglesa.
Anteriormente, no plano curricular do Curso de Licenciatura em Engenharia
Mecânica da Universidade de Aveiro, existia a disciplina Máquinas Térmicas sem que esta
fosse precedida de uma disciplina de Termodinâmica Aplicada. O entendimento dos
princípios básicos de funcionamento das Máquinas Térmicas encontra-se na Termodinâmica
Aplicada, pelo que, nessa altura, muito do conteúdo da disciplina Máquinas Térmicas versava
sobre matérias que, de facto, são do âmbito da Termodinâmica Aplicada. Por esse facto,
muito do conteúdo do presente texto fazia parte do texto de apoio então elaborado, pelo
mesmo autor, para a disciplina de Máquinas Térmicas.

- ii -
PARTE I – FUNDAMENTOS
1. INTRODUÇÃO

O termo Termodinâmica deriva da junção das palavras gregas thermé (calor) e dynamikos
(força), as quais constituem as interacções básicas das máquinas térmicas com o exterior
(receber calor e fornecer potência mecânica). A Termodinâmica, como ramo do
conhecimento, encontra as bases do seu desenvolvimento na análise das máquinas térmicas
iniciais sendo, no entanto, de aplicabilidade muito mais geral. Aplicar os conhecimentos de
Termodinâmica ao estudo das máquinas térmicas é, um pouco, refazer a história ao
contrário. A Termodinâmica é, na essência, o estudo da energia. Este estudo é alargado às
formas e transformações de energia, bem como às interacções da energia com as
propriedades da matéria. Uma porção de matéria possui um número elevadíssimo de
partículas elementares, não sendo possível descrever com exactidão o estado dessa porção
de matéria pelo conhecimento do estado de cada uma das partículas elementares que a
constituem. Recorrendo à Termodinâmica, o número de propriedades macroscópicas que
caracterizam essa porção de matéria é muito reduzido, sendo assim possível descrever o
seu estado através de uma quantidade diminuta de informação, que são as suas
propriedades macroscópicas. O termo macroscópico deve ser retido, já que a
Termodinâmica clássica é uma ciência do macroscópico. As suas leis fundamentais são
estabelecidas em termos das propriedades macroscópicas dos sistemas analisados. Convém
no entanto referir que uma análise estatística do que se passa em termos microscópicos é
possível, levando a conclusões que não se afastam das simples observações efectuadas
sobre as propriedades macroscópicas. Neste capítulo apenas serão abordados os tópicos de
Termodinâmica relevantes para o estudo das máquinas térmicas.
1.1. RELEVÂNCIA DA ANÁLISE TERMODINÂMICA DE
SISTEMAS DE ENGENHARIA
As actividades que envolvem e servem as populações dos países industrializados estão
fortemente dependentes da utilização de energia. As actividades de tais países baseiam-se
fortemente na indústria transformadora e nos transportes, sectores que são dois dos grandes
utilizadores dos recursos energéticos. Por sua vez, as actividades domésticas e o sector dos
serviços são fortemente dependentes da energia eléctrica. No entanto, a Natureza, de um
modo geral, não fornece a energia numa forma tal que permita a sua utilização imediata,
havendo pois a necessidade de a converter nas formas desejadas. A partir dos recursos
disponíveis na Natureza é relativamente imediata a obtenção de energia calorífica, não
sendo esta forma de energia directamente aplicável nos sectores de actividade
mencionados, excepção feita apenas aos processos de aquecimento. Surge pois a
necessidade de converter a energia calorífica em energia mecânica, conversão essa que é
realizada recorrendo às máquinas térmicas. As máquinas térmicas surgem assim como
dispositivos conversores de energia calorífica em energia mecânica. Convém ainda referir
que uma parcela significativa da energia eléctrica actualmente utilizada é obtida a partir de
dispositivos movimentados mecanicamente por máquinas térmicas. Outras necessidades
como a preservação e conservação de alimentos, bem como a criação de condições de
conforto térmico em habitáculos, requerem a utilização de um tipo especial de máquinas
térmicas, as máquinas frigoríficas. Por acção da energia mecânica que recebem, efectuam
essencialmente a remoção de calor de uma zona a temperatura mais baixa para uma zona a
temperatura mais alta.
O entendimento do funcionamento dos sistemas referidos, e logo da capacidade de
intervenção sobre eles, independentemente da sua complexidade, requer usualmente
conhecimentos específicos do domínio da Termodinâmica Aplicada. Todavia, muitas das
matérias objecto de estudo em Termodinâmica Aplicada não esgotam a sua aplicabilidade
nos sistemas acima mencionados, de que apenas se destacaram alguns de maior relevância,
e são igualmente de extrema importância para o entendimento e análise de sistemas da
mais variada natureza e nível de complexidade. Tal como a aplicabilidade da Mecânica se
estende à generalidade dos sistemas, também a aplicabilidade da Termodinâmica Aplicada
se estende à generalidade dos sistemas.
Muitos dos sistemas mencionados acima envolvem manipulação e transformação de
matéria e de energia, bem como a necessidade de quantificação das parcelas mássicas e
energéticas envolvidas. Ora este é o âmbito do tratamento termodinâmico dos sistemas. A
Mecânica estabelece balanços de forças e de momentos, e conduz à quantificação de forças
e de binários, ao passo que a Termodinâmica Aplicada estabelece balanços de massa e de
energia, e conduz à quantificação de massa e de energia. Daqui resulta que a análise
mássica e energética de sistemas se apoia em conhecimentos de Termodinâmica Aplicada.

- 1.2 -
O entendimento do modo como se relacionam as variáveis que condicionam o
funcionamento ou operação de um sistema permite actuar sobre esse sistema, seja em fase
de projecto ou mesmo quando este já se encontra em funcionamento, permite efectuar uma
actuação sustentada rumo a uma melhoria da performance desse sistema. Igualmente
importante é o facto de a Termodinâmica permitir estabelecer limites para os índices de
performance dos sistemas, os quais não são possíveis de obtenção apenas por métodos
intuitivos , e assim contribuir para uma análise mais completa e realista da performance
termodinâmica dos sistemas reais.
Os tempos actuais são de grande complexidade e incerteza no que concerne aos
recursos energéticos, aos custos da energia e à repercussão destes custos sobre o custo final
de bens e serviços. A análise energética dos sistemas, com vista ao aumento da sua
performance e a uma utilização mais racional da energia, e consequentemente a uma
redução de custos e a um aumento de competitividade, bem como a análise do recurso a
sistemas alternativos de fornecimento de energia, apenas pode ser conduzida de modo
sustentado por detentores de competências na análise tais sistemas. O objectivo
fundamental alargado da disciplina de Termodinâmica Aplicada é conferir competências
aos alunos para que estes, de um modo sustentado e com espírito simultaneamente
analítico, inovador e crítico, procedam analisem e conduzam intervenções sobre sistemas
envolvendo transferência e transformação de massa e de energia.

1.2. CONCEITOS E TERMINOLOGIA


Tal como muitos ramos do conhecimento, a Termodinâmica possui os seus próprios
conceitos e terminologia, os quais devem ser apreendidos de forma precisa.

Sistema termodinâmico
A análise termodinâmica é efectuada sobre um sistema, o qual necessita de ser definido de
forma inequívoca. Tal constitui o primeiro passo fundamental do processo de análise,
ficando assim estabelecido com precisão o que está a ser analisado. O sistema fica contido
no interior de uma fronteira, a qual marca a separação entre o sistema e as suas
vizinhanças, aqui entendidas como tudo o que é exterior à fronteira que encerra o sistema
no seu interior. As interacções existentes entre o sistema e as suas vizinhanças têm lugar
através da fronteira que delimita o sistema. Há aqui uma perfeita analogia com o que é
usualmente feito em mecânica: para estudar o movimento de um corpo (sistema): isola-se
esse corpo dos corpos restantes, sendo a acção dos corpos não considerados sobre o sistema
levada em consideração através de forças e momentos que são, neste caso, as interacções
sentidas pelo corpo em análise (sistema). Uma vez definido o sistema e identificadas as

- 1.3 -
suas interacções relevantes com as vizinhanças, uma ou mais leis físicas são aplicadas com
o objectivo de avaliar o comportamento do sistema sob a acção dessas interacções.
No que respeita à fronteira delimitadora do sistema, ela diz-se impermeável se não é
atravessada pela massa (no caso contrário diz-se permeável), e adiabática se não permite
trocas de calor entre o sistema e as suas vizinhanças (no caso contrário diz-se diatérmica).

Tipos de sistemas
O modo como o sistema interage com as suas vizinhanças, através da fronteira, permite
distinguir vários tipos de sistemas termodinâmicos. Se a fronteira é impermeável, isto é,
não atravessada pela massa, estamos perante um sistema fechado. Se, pelo contrário, a
massa flui de modo a atravessar a fronteira do sistema, trata-se de um sistema aberto. Neste
caso, o sistema termodinâmico é usualmente referido como volume de controlo, delimitado
externamente pela superfície de controlo. As porções da superfície de controlo através das
quais flui a massa são designadas portos de entrada ou portos de saída. Quando se trata de
sistemas abertos, a análise é feita sobre a porção particular de massa contida, em cada
instante, no interior da superfície de controlo.
Se o sistema é fechado, ele é também por vezes referido como massa de controlo.
Se, para além de a fronteira ser impermeável, o sistema fechado não tem qualquer outra
interacção energética com as suas vizinhanças diz-se ser um sistema isolado.

Propriedades termodinâmicas
As grandezas que descrevem o estado e o comportamento macroscópico de um sistema
termodinâmico recebem o nome de propriedades termodinâmicas. O estado do sistema é a
condição especificada pelos valores das suas propriedades termodinâmicas.
As propriedades termodinâmicas são as características macroscópicas do sistema,
tais como o seu volume, pressão e temperatura, cujos valores numéricos num dado instante
não dependem da história (passado) do sistema. Qualquer uma das propriedades citadas é,
num dado instante, quantificada pelo valor que resulta da sua medição nesse mesmo
instante. O número de propriedades termodinâmicas é considerável, sendo os valores de
algumas delas obtidos por medição directa e os de outras obtidos a partir destes mediante
expressões que os relacionam.
Se o valor associado a uma propriedade termodinâmica do sistema pode ser obtido
como a soma dos valores dessa mesma propriedade associados a partes do sistema, trata-se
de uma propriedade aditiva, cujo valor numérico depende do tamanho (massa) do sistema.
Tal propriedade é, por isso, uma propriedade extensiva. Como exemplos temos o volume e
a energia. Se, pelo contrário, o valor de uma propriedade é independente do tamanho
(massa) do sistema, trata-se de uma propriedade intensiva. Como exemplos temos a
pressão e a temperatura.
Um aspecto especialmente relevante no que concerne as propriedades
termodinâmicas é que elas se encontram relacionadas, e não podem tomar valores

- 1.4 -
quaisquer. Assim, uma vez fixados os valores de algumas propriedades termodinâmicas, os
valores das restantes variáveis termodinâmicas vêm condicionados pelos valores tomados
pelas primeiras. Muito em particular, um sistema termodinâmico constituído por uma
substância pura possui apenas dois graus de liberdade, isto é, apenas há a liberdade de
estabelecer duas condições para os valores das suas propriedades termodinâmicas. Se for
imposta uma condição às propriedades desse sistema ele passa a ter apenas um grau de
liberdade, isto é, apenas pode ser imposta uma condição às propriedades termodinâmicas
restantes. Se forem impostas duas condições às propriedades termodinâmicas do sistema
ele fica sem qualquer grau de liberdade, e todas as propriedades termodinâmicas vêm
estabelecidas e perfeitamente determinadas em função das duas condições impostas. O que
foi referido é conceptualmente verdadeiro apara qualquer substância pura, qualquer que
seja o seu estado físico.
Como se verá mais adiante, uma coisa é saber que o valor de uma ou mais variáveis
termodinâmicas está condicionado à partida pelas condições impostas ao sistema, e outra
coisa é encontrar o valor numérico dessa ou dessas variáveis termodinâmicas. Tomemos o
exemplo dos Gases Ideais, cujo comportamento é descrito por uma equação de estado
muito simples

PV = mRT (1.1)

a qual estabelece uma relação entre volume, pressão e temperatura do sistema. Facilmente
se constata que se, por exemplo, se atribuir um valor à pressão, o valor do volume passa a
depender apenas da temperatura (passa a haver apenas um grau de liberdade). Se se
fixarem, por exemplo, os valores da pressão e do volume (imposição de duas condições
sobre os valores das propriedades) o valor da temperatura vem imposto, e deixa de haver
qualquer liberdade para o atribuir. O que se analisou diz respeito a um Gás Ideal, mas vale,
conceptualmente, para qualquer substância. Podemos considerar que, para qualquer
substância, há uma equação de estado que impõe relações entre as suas propriedades, e que
apenas são deixados dois graus de liberdade ao sistema, com a particularidade de que, para
a generalidade das substância de interesse não é conhecida a equação de estado sob a forma
de uma relação matemática e , geralmente, apenas dispomos dessa informação na forma de
gráficos, de diagramas ou de tabelas.

Fase e substância pura


Fase é a porção de matéria que é homogénea no que respeita à sua estrutura física e
composição química. Se há homogeneidade na estrutura física da totalidade da porção de
matéria considerada, essa matéria está, toda ela, no estado sólido, líquido ou gasoso. Um
sistema termodinâmico pode compreender várias fases, podendo por isso ser monofásico,
bifásico ou trifásico. No entanto, se coexistirem duas ou mais fases há necessariamente

- 1.5 -
interfaces delimitadoras dos agrupamentos de matéria que se encontram em diferentes
fases.
Substância pura é aquela cuja composição química é uniforme e invariável. Do que
se disse anteriormente sobre fases, uma substância pura pode existir em mais que uma fase
já que as diferentes fases se caracterizam por uma mesma composição química mas
diferentes estruturas físicas.

Processo
Processo é a evolução sofrida por um sistema termodinâmico, durante a qual há a variação
de uma ou mais propriedades termodinâmicas. Um processo fica identificado pelos estados
inicial e final do sistema que o sofre, em conjunto com o conhecimento das interacções
existentes entre o sistema e as suas vizinhanças durante essa evolução. O percurso
associado ao processo é identificado como a sucessão de estados por que passa o sistema,
do estado inicial ao estado final. O caso especial do processo em que os estados inicial e
final são coincidentes recebe o nome de processo cíclico ou, simplesmente, ciclo
termodinâmico.
A manutenção do valor de uma propriedade termodinâmica durante um processo
constitui um dos critérios usuais para classificar os processos. Um processo a temperatura
constante é dito ser isotérmico, um processo a volume constante é dito ser isocórico ou
isométrico, um processo a pressão constante é dito ser um processo isobárico, e assim
sucessivamente. O tipo de interacções existentes entre o sistema e as suas vizinhanças
constitui um outro critério para a classificação dos processos termodinâmicos. No caso de
ser um processo em que não há trocas de calor com as vizinhanças diz-se um processo
adiabático.

Volume específico, pressão e temperatura


Três das propriedades termodinâmicas primárias especialmente importantes em
termodinâmica são o volume específico, a pressão e a temperatura. Assumindo que uma
dada massa (sistema) se encontra continuamente distribuída sobre uma região (hipótese de
continuum), é possível falar das suas propriedades intensivas num ponto. Convém aqui
referir que não se trata de um ponto no sentido matemático, mas sim de uma região
suficientemente pequena para poder ser associada a um único valor da propriedade em
causa, mas que contém um número suficientemente grande de partículas elementares para
tornar qualquer resultado estatístico significativo. É o menor volume que pode ser
considerado sobre o qual a matéria pode ser tomada como estando distribuída de modo
contínuo e uniforme, designada por V’.

Volume específico. Assumindo a hipótese de continuum, define-se a massa específica


volúmica (por vezes também referida como densidade) num ponto como

- 1.6 -
m
ρ = lim (1.2)
V →V ' V

grandeza que pode variar no espaço e no tempo, e tem as unidades kg/m3. É, pontualmente,
a massa contida na unidade de volume. Dada esta eventual variação, a massa contida num
volume V é calculada como

m= ρdV (1.3)
V

O inverso da massa específica volúmica recebe o nome de volume específico,


v = 1 ρ , e tem as unidades de m3/kg. É, pontualmente, o volume ocupado pela unidade de
massa. Trata-se de uma grandeza específica (intensiva), que pode variar no espaço e no
tempo.

Pressão. Continuando a tomar como válida a hipótese de continuum, para um fluido


estagnado define-se a pressão (propriedade intensiva) num ponto como

Fnormal
p = lim (1.4)
A → A' A

em que Fnormal é a força actuando perpendicularmente à área A, e A’ é a área pontual


definida de forma análoga ao que foi feito para V’. Se o fluido está estagnado, a pressão é a
mesma qualquer que seja a orientação dada à área A, isto é, a pressão é isotrópica. Tal não
é no entanto aplicável a um fluido em escoamento, no seio do qual se podem desenvolver
tensões normais não isotrópicas, ainda que com uma componente anisotrópica de pequena
intensidade. No âmbito deste estudo, toma-se como pressão termodinâmica a pressão do
fluido, esteja ele em repouso ou em escoamento. Se tal hipótese é aceitável neste contexto,
tal não acontece no estudo da mecânica dos fluidos, situação em que a pressão deixa de ter
significado termodinâmico devido às tensões normais não isotrópicas.
A pressão expressa-se em N/m2, unidade que recebe também a designação de pascal
(Pa), isto é, 1 pascal = 1 N/m2. A pressão na superfície terrestre varia essencialmente com a
localização e com o instante considerados, sendo-lhe no entanto atribuído o valor de
referência patm = 1.01325 × 10 5 Pa . Um múltiplo da pressão frequentemente usado é o bar,
sendo que 1 bar = 105 Pa. A pressão é um valor sempre positivo (pressão absoluta), se bem
que usualmente se usem também valores de pressão relativa, em que a referência é a
pressão atmosférica, podendo assim a pressão relativa ser positiva, negativa ou nula, tal
como se encontra ilustrado na Fig. 2.1. O dispositivo usado para efectuar a medição de
pressão recebe o nome de manómetro, existindo muitas formas através das quais se
consegue efectuar essa medição.

- 1.7 -
Fig. 1.1. Escalas de pressão [4].

Temperatura. O conceito de temperatura (propriedade termodinâmica intensiva) está


intimamente associado às noções de quente e de frio. Tomando dois corpos para
comparação, está mais frio o corpo a temperatura mais baixa e mais quente o corpo a
temperatura mais alta. Do ponto de vista microscópico, a temperatura está associada à
energia cinética com que se movimentam as partículas elementares de um corpo. Sob este
ponto de vista, a temperatura (absoluta) é expressa por um valor positivo cujas unidades
são o kelvin (K). No entanto, há também a escala Celsius que está amplamente difundida, e
que se relaciona com a escala Kelvin através das relações emergentes da Fig. 2.2. Para
efectuar a conversão de temperaturas de uma escala para a outra usam-se as relações

T (º C) = T (K ) − 273.15 (1.5a)

T (K ) = T (º C) + 273.15 (1.5b)

Fig. 1.2. Escalas de temperatura [4].

O dispositivo empregue para medir a temperatura recebe o nome de termómetro, havendo


diversos modos de converter a propriedade temperatura numa grandeza numérica. Um dos

- 1.8 -
métodos mais simples e mais populares consiste em usar a propriedade de certos corpos se
expandirem quando sujeitos a aquecimento, isto é, a um aumento de temperatura,
propriedade que recebe o nome de dilatabilidade. Tal é o caso dos termómetros de
mercúrio ou de álcool.
A propriedade termodinâmica temperatura possui um significado e implicações
muito profundas em termodinâmica, sendo a existência de diferenças de temperatura a
causa das transferências de calor. Por isso, a explanação feita constitui apenas um breve
resumo que se pretende suficiente para o fim em vista.

1.3. PROPRIEDADES DAS SUBSTÂNCIAS OPERANTES


A substância operante nos sistemas em análise pode ser um gás, um vapor, um líquido ou
um sólido. O gás não sofre qualquer mudança de fase quando sujeito a um processo. Por
sua vez, se a substância operante é um líquido tal pode apenas se verificar em determinada
etapa do processo, pois noutras etapas a substância operante pode sofrer uma mudança de
fase líquido-vapor, e, eventualmente, voltar ao estado líquido. Um caso particular que
interessa analisar em pormenor é o de a substância operante ser tomada como um gás ideal.

Propriedades de um Gás Ideal


O modelo de Gás Ideal é especialmente importante pois permite um tratamento
relativamente simples e conduz à obtenção de conclusões muito válidas do ponto de vista
qualitativo. Do ponto de vista quantitativo, uma vez que se trata de um modelo simples, os
resultados afastam-se do que efectivamente se verifica com os gases reais.
Uma substância pura monofásica apenas possui dois graus de liberdade, isto é, uma
vez estabelecidos os valores de duas quaisquer das suas propriedades termodinâmicas o
valor de qualquer outra propriedade vem condicionado por esses valores especificados. No
caso de se tratar de um Gás Ideal, a relação entre pressão, volume e temperatura é muito
simples, conhecida como equação dos gases perfeitos, estabelecendo que

PV = nR T (1.6)

Nesta expressão, n é o número de moles do sistema e R é a constante Universal dos gases,


R = 8.314 × 10 3 J/(kmol.K), e T é a temperatura absoluta. Qualquer que seja o estado em
que se encontra, ou qualquer que seja a transformação que está a sofrer, se se trata de um
Gás Ideal permanece sempre válida a Eq. (1.6). Outra forma da equação dos gases ideais é

Pv = R T (1.7)

- 1.9 -
em que v [m3/kmol] é o volume específico molar, isto é, o volume ocupado por uma
kilomol do gás.
Muitas vezes interessa referir os valores das propriedades numa base mássica e não
numa base molar, pelo que a equação dos gases perfeitos é manipulada para dar

R R
PV = (nM ) T =m T = mRT (1.8)
M M

em que m [kg] é a massa do gás e R = R M é a constante particular do gás. Uma forma


análoga à Eq. (1.7), envolvendo agora o volume específico mássico (o volume ocupado
pela unidade de massa do gás) v [m3/kg] vem então

Pv = RT (1.9)

O modelo de Gás Ideal estabelece ainda que a energia interna específica de um Gás
Ideal é função apenas da temperatura, isto é, u = u (T ) . A energia interna não é definida em
termos absolutos, mas qualquer diferença de energia interna específica verificada num
qualquer processo 1-2 é calculada como

2
u 2 − u1 = c v dT (1.10)
1

em que c v [J/(kg.K)]é o calor específico mássico a volume constante

δq
cv = (1.11)
dT v

O seu significado físico é o da relação entre a quantidade de calor recebida ou cedida pela
unidade de massa da substância e a variação de temperatura induzida por essa troca de
calor, ocorrendo este processo a volume constante.
Como a energia interna específica de um Gás Ideal é função apenas da temperatura,
como h = u (T ) + Pv = u (T ) + RT vem que a entalpia específica de um Gás Ideal é também
função apenas da temperatura, isto é, h = h(T ) . A diferença de entalpia específica
verificada num qualquer processo 1-2 é calculada como

2
h2 − h1 = c P dT (1.12)
1

em que c P [J/(kg.K)]é o calor específico mássico a pressão constante

- 1.10 -
δq
cP = (1.13)
dT P

O seu significado físico é idêntico ao de c v , só que agora estamos perante um processo a


pressão constante.
Para um Gás Ideal verifica-se ainda a seguinte relação entre os calores específicos a
pressão constante e a volume constante

c P − cv = R (1.14)

Como R > 0 , tem-se sempre que c P > c v .


Os calores específicos podem ser tomados como sendo constantes ou então
variando com a temperatura. Quando se tomam os calores específicos c P e c v como
constantes diz-se que estamos perante uma análise fria, ao passo que quando se leva em
consideração a variação dos calores específicos com a temperatura se diz que estamos
perante uma análise quente. Nas situações em que se esteja perante uma análise fria obtém-
se das Eq. (1.10) e (1.12) que

u 2 − u1 = c v (T2 − T1 ) (1.15)

h2 − h1 = c P (T2 − T1 ) (1.16)

Se os calores específicos não são constantes, é necessário conhecer a sua dependência face
à temperatura para assim poder efectuar as integrações anteriores.
Apesar da simplicidade do modelo de gás ideal, os melhores valores da energia
interna específica e da entalpia específica, entre outras, podem ser obtidos de tabelas, como
função apenas da temperatura.

Propriedades de um gás real ou de um vapor


O comportamento de um gás real é mais complexo que o de um Gás Ideal, e o modelo que
o descreve não é assim tão simples. No entanto, um princípio básico enunciado
anteriormente permanece válido: tratando-se de uma substância pura monofásica, uma vez
estabelecidos os valores de duas quaisquer das suas propriedades termodinâmicas o valor
de qualquer outra propriedade vem condicionado por esses valores especificados. Só que
agora a relação entre as propriedades não é tão simples quanto a equação dos gases ideais,
apesar de se continuar a manter o carácter compressível da substância. Para estabelecer a
relação entre as propriedades existem tentativas de ajuste do modelo de Van der Walls e o
uso de factores de compressibilidade, entre outros. Ainda assim, os melhores valores para
as propriedades de tais substâncias são obtidos de tabelas elaboradas para cada substância

- 1.11 -
particular. Convém referir que, neste caso, a dependência das propriedades face à
temperatura continua a ser extremamente forte, se bem que não única: variáveis como a
pressão também influenciam o valor das propriedades.

Propriedades de sólidos e de líquidos


Os sólidos e os líquidos têm um comportamento bastante distinto do dos gases, sendo de
salientar a sua quase incompressibilidade. As variações de volume induzidas por variações
de pressão são muito pouco notórias, ao contrário do que acontece com os gases.
Uma vez mais, tratando-se de uma substância pura monofásica, uma vez
estabelecidos os valores de duas quaisquer das suas propriedades termodinâmicas o valor
de qualquer outra propriedade vem condicionado por esses valores especificados. Este
princípio é válido do ponto de vista conceptual, pois pouco partido prático pode ser
extraído dele para obter os valores das propriedades de tais substâncias. Aqui, torna-se
forçoso o recurso a tabelas elaboradas para cada substância particular.
De referir que, para substâncias incompressíveis, os valores dos calores específicos
a pressão constante e a volume constante coincidem, e esse valor passa a ser conhecido
apenas como calor específico

c P = cv = c (1.17)

Tabelas de propriedades e diagramas de propriedades


O valores das propriedades podem ser obtidos de tabelas para qualquer substância,
bastando para isso possuir a tabela adequada. Para lá de se possuírem as tabelas adequadas,
é da maior importância conhecer como variam qualitativamente as variáveis umas com as
outras. Para tal, recorre-se aos diagramas de propriedades. Tal assume especial importância
quando se trata se sistemas em que uma dada substância pode aparecer no estado líquido ou
no estado de vapor. Nas Fig. 1.3, e para fins qualitativos apenas, são indicados os modos de
variação das propriedades nos diagramas Pv e Ts. Se necessário, outros diagramas podem
ser juntos a estes.

- 1.12 -
Fig. 1.3. Diagramas Pv e Ts das propriedades das substâncias [2].

Os diagramas apresentam uma curva em forma de campânula. À esquerda dessa


campânula, a substância é um líquido comprimido, isto é, se se lhe adicionar calor ela não
passa imediatamente ao estado de vapor mas sim começa por sofrer um aquecimento
sensível (com variação de temperatura). O troço esquerdo da campânula é a linha de
líquido saturado, isto é, qualquer adição de calor à substância nessas condições leva à
mudança de fase líquido-vapor. À direita da campânula, a substância é um vapor
sobreaquecido, isto é, se se lhe retirar calor ela não passa imediatamente ao estado líquido
mas sim começa por sofrer um arrefecimento sensível (com variação de temperatura). O
troço direito da campânula é a linha de vapor saturado, isto é, qualquer remoção de calor à
substância nessas condições leva à mudança de fase vapor-líquido. Sob a campânula existe
uma mistura bifásica líquido+vapor, ambos no estado de saturação e em equilíbrio, sendo
que a porção de líquido aumenta à medida que nos aproximamos do troço esquerdo da
campânula, e que a porção de vapor aumenta à medida que nos aproximamos do troço
direito da campânula. O ponto mais alto da campânula é o ponto crítico, ponto esse em que
os estados de líquido saturado e de vapor saturado se tornam coincidentes.

Propriedades de uma mistura bifásica líquido-vapor


Quando estamos perante um sistema que é uma mistura bifásica líquido-vapor de uma
única substância, interessa determinar o valor das propriedades termodinâmicas de tal
sistema.
No que respeita às propriedades intensivas tais como a temperatura e a pressão,
num ponto, elas têm o mesmo valor em ambas as fases e esse valor é o mesmo que
corresponde ao sistema agregado líquido+vapor.
No que respeita às propriedades extensivas, o seu valor depende, entre outros, da
proporção de cada uma das fases na mistura. Para esse efeito define-se a fracção, em
termos mássicos, de vapor na mistura, valor esse que recebe o nome de título ou qualidade
da mistura.

- 1.13 -
mv mv
x= = (1.18)
mtotal mv + ml

O valor de x está compreendido no intervalo [0; 1], sendo que se x = 1 temos vapor
saturado, se 0 < x < 1 temos uma mistura saturada líquido+vapor, e se x = 0 temos líquido
saturado.
O valor de qualquer propriedade extensiva (volume, energia interna, entalpia,
entropia, etc.) do sistema é obtido como a soma das contribuições de cada uma das partes
que o constituem. Tomando, como exemplo, o caso do volume, temos que

V = V v + Vl (1.19)

O volume do sistema total pode ser expresso como o produto da massa total do sistema
pelo volume específico do sistema, v, o mesmo se passando com cada uma das porções de
líquido e de vapor tomadas individualmente. Assim a Eq. (1.19) vem

(mv + ml )v = mv vv + ml vl (1.20)

isto é

mv ml
v= vv + vl (1.21)
m v + ml m v + ml

ou seja

v = xv v + (1 − x )vl (1.22)

Assim, o volume específico do sistema como um todo é obtido como a média


ponderada dos volumes específicos de cada uma das fases, em que o título da mistura
funciona como factor de ponderação. Este resultado, derivado para o volume, é aplicável a
qualquer outra propriedade extensiva.
Outro modo de expressar o resultado obtido é

v = v l + x(v v − v l ) = v l + xvlv (1.23)

em que vlv = (v v − vl ) é a variação de volume específico associada à mudança de fase


líquido-vapor.
Uma vez conhecido o título da mistura, usa-se a Eq. (1.23) para encontrar o valor da
propriedade associado ao sistema como um todo. Por sua vez, se se conhece o valor da
propriedade do sistema como um todo e se quer calcular o título da mistura reescreve-se a
Eq. (1.23) como

- 1.14 -
v − vl
x= (1.24)
vv − vl

Também esta expressão, derivada para o volume, é aplicável a qualquer outra propriedade
extensiva.

1.4. PROCESSOS REALIZADOS POR GASES IDEAIS


Dada a simplicidade do modelo de Gás Ideal, e o valor qualitativo dos resultados
fornecidos por este modelo quando aplicado ao caso das máquinas térmicas, reveste-se de
especial importância a análise das evoluções sofridas por um Gás Ideal.
Para efeitos de sistematização, consideram-se os processos sofridos pelo gás ideal
como casos particulares da seguinte expressão, conhecida como politrópica,

PV n = C te (1.25)

As diversas concretizações particulares de n, que correspondem aos diversos processos


sofridos pelo gás ideal, encontram-se resumidas na Tabela 1.1 e apresentadas de forma
gráfica na Fig. 1.4.

Fig. 1.4. Representação dos processos politrópicos no diagrama Pv e no diagrama Ts [4].

Tabela 1.1. Processos politrópicos sofridos por um gás ideal de calores específicos constantes.

n Transformação W12 Q12 S 2 − S1


0 Isobárica − P(V2 − V1 ) mc P (T2 − T1 ) mc P ln (T2 T1 )
1 Isotérmica − mRT ln (V2 V1 ) mRT ln (V2 V1 ) mR ln (V 2 V1 )
γ Isentrópica − (P2V2 − P1V1 ) (1 − γ ) 0 0
∞ Isocórica 0 mc v (T2 − T1 ) mc v ln (T2 T1 )

- 1.15 -
O cálculo trabalho W12 é obtido como

2
P V − P1V1
W12 = − PdV = 2 2 (n ≠ 1) (1.26)
1− n
1

Para o caso de ser n = 1 , o que corresponde a um processo isotérmico, dU = 0 , e o


trabalho calcula-se como

2 2
dV V P
W12 = − PdV = − mRT = − mRT ln 2 = −mRT ln 1 (1.27)
1 1
V V1 P2

O calor envolvido no processo isobárico é calculado como

2 2
Q12 = δQ = m c P dT = mc P (T2 − T1 ) (1.28)
1 1

um resultado idêntico sendo obtido para o caso da transformação isocórica. Para o caso da
transformação isotérmica, dU = 0 e δQ = −δW , isto é, Q12 = −W12 .
Para os processos isobárico a variação de entropia é calculada como

2 2
δQ mc P dT T
S 2 − S1 = = = mc P ln 2 (1.29)
1
T 1
T T1

um resultado idêntico, mas agora envolvendo c v , correspondendo à transformação


isocórica.
De referir que todos os resultados anteriores foram obtidos tomando os calores
específicos a pressão constante e a volume constante como constantes, e assumindo
também que todas as evoluções são reversíveis, isto é, com uma geração de entropia
associada nula.
Um outro aspecto que importa explorar é a representação de evoluções isobáricas e
isocóricas num diagrama TS. Para um processo isobárico tem-se que δQ = mc P dT , pelo
que

dT dT T
dS = mc P = (1.30)
T dS P mc P

Por sua vez, para um processo isocórico tem-se que δQ = mcv dT , e obtém-se

dT dT T
dS = mc v = (1.31)
T dS V mc v

- 1.16 -
A derivada dT dS representa o declive correspondente a uma transformação num
diagrama TS e, como c P > cv temos que a curva correspondente a uma transformação
isobárica é aí representada com uma inclinação menor que a da curva correspondente a
uma transformação isocórica. Tal encontra-se ilustrado no diagrama TS da Fig. 1.4.
Os resultados anteriores são válidos se se estiver perante calores específicos
constantes. No caso de os calores específicos não serem constantes, mas variarem com a
temperatura, o coeficiente da isentrópica não é constante e deixamos de poder usar a
expressão PV γ = C te (γ = c P cv ) para relacionar quaisquer dois pontos sobre uma
isentrópica. Quando se está perante um processo isentrópico e é para efectuar uma
evolução isentrópica entre os pontos 1 e 2 usa-se uma das expressões

v2 v P2 P
= r2 ou = r2 (1.32)
v1 S v r1 P1 S Pr1

Nesta expressão, os valores de v r e de Pr são o volume reduzido e a pressão reduzida,


cujos valores são obtidos de tabelas como função apenas da temperatura.

1.5. METODOLOGIA PARA ANÁLISE DE PROBLEMAS EM


TERMODINÂMICA APLICADA
Os problemas a analisar em Termodinâmica Aplicada podem ser muito diversos. Para que
a sua análise possa ser conduzida com menor probabilidade de falhas, assim como poupar
tempo e melhorar a qualidade dos resultados obtidos, encontra-se estabelecida uma
metodologia para conduzir a análise desses problemas. Esta metodologia de análise
encontra-se estruturada em passos/fases, em que cada passo/fase ode assumir uma maior ou
menor importância para cada problema particular. Tal como se pode constatar, trata-se de
uma estrutura útil não apenas para análise dos problemas de Termodinâmica Aplicada, mas
para a análise de problemas de muitas outras áreas. Todavia, por uma questão de
sistematização, convém ter presente essa estrutura de análise a qual se pode resumir,
essencialmente, nos seguintes passos/fases:

1) Estabelecer, com clareza, o que é conhecido sobre o problema em análise;

2) Estabelecer, com clareza, o que se pretende obter com a análise a conduzir;

3) Estabelecer um esquema gráfico (desenho) da situação em estudo. De igual modo, é


da maior utilidade elaborar um esquema que, num ou mais diagramas de
propriedades, ilustre os processos ou transformações que têm lugar. Pretende-se que
seja um esquema o mais simples possível, mas que ilustre a situação em estudo e

- 1.17 -
que leve em consideração os componentes/elementos ou interacções relevantes para
o problema em análise;

4) Recolher os dados disponíveis para conduzir a análise;

5) Estabelecer, com clareza, as hipóteses a considerar na análise. Para esta tarefa será
importante ter alguma experiência na análise de problemas do mesmo tipo, alguma
da qual pode ser adquirida com as aulas práticas de Termodinâmica Aplicada;

6) Estabelecer relações entre o que se conhece e o que se pretende conhecer. Para tal
usam-se princípios físicos, usualmente sob a forma de equações, devendo ter
sempre presente o que se conhece e o que se pretende conhecer, de modo a chegar
ao resultado pretendido com o menor esforço, e com menores probabilidades de
erro. Trabalhar/manipular essas equações ou relações, de modo a obter expressões
de onde seja possível obter o resultado pretendido;

7) Se houver lugar a substituições numéricas estas devem ser efectuadas nesta etapa, e
o que houver a calcular deve ser calculado nesta etapa/fase. É necessário prestar
especial atenção aos valores numéricos usados e às unidades em que se encontram
as várias variáveis que são substituídas nas equações ou expressões obtidas;

8) Efectuar uma análise crítica dos valores numéricos obtidos, e avaliar a sua
coerência. Ter especial atenção à ordem de grandeza dos valores obtidos e os seus
sinais. Daqui se podem obter indicadores importantes de que algo pode estar errado
nos passos anteriores;

9) Se não houver lugar a substituições numéricas, deve-se ‘ler nas


equações/expressões’, e extrair a maior quantidade de informação possível acerca
do modo como as variáveis envolvidas se encontram ligadas através das expressões
encontradas. Também neste caso deve ser efectuada uma análise crítica, tendo
especial atenção aos sinais das variáveis envolvidas e dos resultados obtidos.

1.6. REFERÊNCIAS
1. Cengel, Y. A. & Boles, M. A., Thermodynamics: An Engineering Approach, 2nd Ed.,
McGraw-Hill, NY, 1994.
2. Bejan, A., Advanced Engineering Thermodynamics, Wiley, NY, 1988.
3. Moran, M. J. & Shapiro, H. N., Fundamentals of Engineering Thermodynamics, 2nd Ed,
Wiley, NY, 1993.
4. Wark, K. Jr, Thermodynamics, 5th Ed., McGraw-Hill, NY, 1989.

- 1.18 -
2. BALANÇO DE UMA GRANDEZA
GENÉRICA

O estabelecimento de equações sob a forma de balanços, envolvendo grandezas e


propriedades termodinâmicas, constitui uma das etapas fundamentais do processo de
análise e resolução de problemas em Termodinâmica Aplicada. Uma vez definido o
sistema termodinâmico, o estabelecimento dos princípios de conservação de massa, energia
e entropia (balanços) conduz às equações que relacionam as diversas grandezas e variáveis
envolvidas, fornecendo assim as relações existentes entre elas. É o conhecimento dessas
relações, em conjunto com a informação acerca do modo como variam determinadas
propriedades termodinâmicas em função de outras (informação esta disponível na forma de
equações de estado ou de forma gráfica e tabular), que conduz à obtenção da solução dos
problemas.

2.1. INTERACÇÕES MAIS IMPORTANTES DOS SISTEMAS


TERMODINÂMICOS

Ao definir sistema termodinâmico estamos a separar, através da fronteira do sistema, a


porção do Universo que vamos analisar do restante Universo que não vamos analisar. Na
verdade, trata-se de uma separação artificial já que a parte do sistema a analisar deve estar,
de algum modo, relacionada com a parte do Universo que não vamos analisar.
Esta relação é levada em linha de conta sob a forma de interacções. Assim, apesar
de se efectuar uma separação entre as partes a analisar e anão analisar, a ligação entre elas
mantêm-se só que assume a forma de interacções. Trata-se, neste caso, de interacções
através da fronteira do sistema, já que a pare a analisar contacta com a aparte a não
analisar através da fronteira do sistema.
Um outro tipo de interacções são aquelas que têm lugar no interior do próprio
sistema, e que por isso não têm alugar através da fronteira mas no seu interior. Neste caso
não se trata de interacções entre a parte analisada e a parte não analisada, mas de
manifestações relevantes para a análise termodinâmica do sistema, as quais ocorrem no
interior do próprio sistema.

2.2. ESTABELECIMENTO DO BALANÇO DE UMA


GRANDEZA GENÉRICA
Em Termodinâmica Aplicada interessa usualmente estabelecer os princípios de
conservação sob a forma de taxas (valor por unidade de tempo) de entrada e de saída
(interacções através das fronteiras), e geração e acumulação (interacções interiores ao
sistema) da grandeza em causa.

Fig. 2.1. Estabelecimento de um princípio de conservação.

Para o sistema termodinâmico ilustrado na Fig. 2.1 pode escrever-se a conservação da


grandeza genérica (extensiva) Φ como

Φ in + Φ gen − Φ out = Φ sto , (2.1)

em que os subscritos pretendem significar o seguinte: in entrada, gen geração, out saída e
sto acumulação. O ponto sobre a grandeza Φ pretende significar que cada termo representa
uma razão temporal (uma taxa), isto é, Φ sto = ∂Φ ∂t .
Como exemplo elucidativo considere-se o princípio de conservação expresso pela
Eq. (2.1) aplicado a uma conta bancária: a razão temporal à qual lá é depositado dinheiro
(termo in) adicionada à razão temporal à qual o dinheiro é gerado na própria conta (termo
gen, resultado da remuneração devida, por exemplo, à aplicação de uma taxa de juro),

- 2.2 -
subtraída da razão temporal à qual é retirado dinheiro da conta (termo out) é igual à razão
temporal à qual o dinheiro está a ser acumulado nessa conta (termo sto). Se o termo de
acumulação é positivo, a conta possui cada vez mais dinheiro à medida que o tempo passa,
acontecendo o inverso se o termo de acumulação for negativo.
Um outro exemplo elucidativo pode ser dado pela análise energética do corpo
humano. O corpo humano recebe energia através dos alimentos ingeridos, Φin , e liberta
energia Φ out sob a forma de feses, urina, sudação, humidade associada ao sistema
respiratório, calor para o ambiente (o corpo humano só se mantém sem problema, por
longos períodos, se a temperatura corporal for superior à temperatura ambiente) e
realização de trabalho sob a forma de actividade física. No interior do corpo não há geração
nem destruição de energia, Φ gen = 0 ,mas apenas transformações que levam a que a
energia mude o estado em que se apresenta. No interior do corpo humano há acumulação
de energia, Φsto , nos tecidos adiposos, os quais aumentam ou diminuem em volume e em
massa consoante a quantidade de energia acumulada. A Eq. (2.1) estabelece, por isso, que
se a taxa de entrada de energia ultrapassa a taxa de saída de energia há uma acumulação
positiva de energia, acompanhada de um aumento da massa (e volume) das gorduras do
corpo. Se, pelo contrário, a taxa de saída de energia ultrapassar a taxa de entrada de
energia, há uma acumulação negativa de energia no corpo, acompanhada de uma
diminuição da massa (e volume) das gorduras do corpo. O que foi referido para o corpo
humano aplica-se ao corpo dos animais em geral, e o balanço de energia enunciado pode
ser usado de diferentes modos e com diferentes fins, de que se destacam os tratamentos de
emagrecimento (usuais em pessoas) e tratamentos de engorda (usuais em animais). Um
tratamento detalhado destes aspectos pode ser encontrado em [1].
Os exemplos anteriores foram introduzidos devido à familiaridade de todos nós
com balanços desse género. Em Termodinâmica Aplicada, os balanços de conservação são
estabelecidos para grandezas tais como a massa, a energia e a entropia, que são grandezas
que obedecem a princípios de conservação. Para o balanço poder ser estabelecido, é
necessário conhecer as taxas de entrada e de saída da grandeza em causa, bem como a
relação que estabelece a geração dessa grandeza no interior do sistema. Para tal, é
necessária uma análise criteriosa do problema em causa e o correcto estabelecimento das
interacções do sistema em análise com as suas vizinhanças.

2.3. REFERÊNCIAS
1. Cengel, Y. A. & Boles, M. A., Thermodynamics: An Engineering Approach, 2nd Ed.,
McGraw-Hill, NY, 1994.
2. Bejan, A., Advanced Engineering Thermodynamics, Wiley, NY, 1988.

- 2.3 -
3. Moran, M. J. & Shapiro, H. N., Fundamentals of Engineering Thermodynamics, 2nd Ed,
Wiley, NY, 1993.
4. Wark, K. Jr, Thermodynamics, 5th Ed., McGraw-Hill, NY, 1989.

- 2.4 -
3. PRINCÍPIO DE CONSERVAÇÃO DE
MASSA

O conceito de massa é, eventualmente, aquele que é mais facilmente apreendido dada a


consciência de que é a massa que confere a existência e o ser aos sistemas em análise.
Antes de proceder ao estabelecimento do seu princípio de conservação, convém ter
presente que uma reacção química não altera o número nem o tipo de átomos presentes no
sistema, daí resultando que uma reacção química é incapaz de afectar a massa global de
um sistema. Essa reacção altera apenas o modo como os átomos se encontram ligados,
resultando libertação ou absorção de energia da mudança das ligações. Uma reacção
química pode alterar a massa de cada uma das diferentes espécies químicas presentes, a que
correspondem diferentes arranjos atómicos, mas não o somatório das massas das diferentes
espécies químicas. Por sua vez, uma reacção nuclear afecta a massa do sistema, já que
nesse tipo de reacção ocorre uma modificação do tipo de átomos presentes e uma
conversão massa-energia. Todavia, este tipo de reacções sai fora do âmbito do presente
tratamento, pelo que quando houver referência a uma reacção, está implícito tratar-se de
uma reacção química, para a qual há uma conservação da massa global do sistema.
3.1. CONSERVAÇÃO DE MASSA PARA UM SISTEMA
FECHADO
Um sistema fechado é, por definição, aquele cujas fronteiras são impermeáveis. Como tal,
trata-se de um sistema cuja massa permanece constante com o tempo, sendo por vezes
também referido como massa de controlo.
O princípio de conservação de massa resume-se então a mcm = (constante) , ou
então, sob a forma de uma razão de variação temporal,

∂mcm
=0 (3.1)
∂t

que não é mais que a tradução matemática do facto de a massa global do sistema fechado
permanecer constante.
Se o sistema fechado é composto por N espécies químicas diferentes, o princípio de
conservação de massa para a espécie química particular i estabelece que

∂mi
mi , gen = (3.2)
∂t

isto é, a taxa de acumulação de massa da espécie química particular i no sistema iguala


(com não podia deixar de ser) a taxa de geração de massa dessa espécie química no interior
do sistema. Neste caso, e devido ao facto de haver a geração de uma espécie química ter
que corresponder, necessariamente, à destruição de outra ou de outras espécies químicas,
verificam-se as duas relações seguintes

N
mi , gen = 0 (3.3a)
i =1

N
∂mi
=0 (3.3b)
i =1 ∂t

isto é, não há geração nem destruição da massa global do sistema, apesar de no seu interior
poderem ocorrer reacções químicas.

- 3.2 -
3.2. CONSERVAÇÃO DE MASSA PARA UM SISTEMA
ABERTO
Contrariamente a um sistema fechado, um sistema aberto troca massa com as suas
vizinhanças através da fronteira que o delimita, a qual é neste caso permeável. A aplicação
do princípio de conservação expresso pela Eq. (2.1) a um volume de controlo conduz a

min + mgen − mout = msto (3.4)

No interior do volume de controlo não há geração global de massa, pelo que mgen = 0 . Por
sua vez, a taxa de acumulação de massa no interior do volume de controlo pode ser
expressa sob a forma de uma razão temporal como ∂mcv ∂t . No que respeita às entradas e
saídas de massa do volume de controlo, estas têm lugar através dos portos de entrada e de
saída, sendo a entrada global de massa o somatório das diversas entradas parciais, o mesmo
se passando com a saída global de massa. A Eq. (3.4) é por isso reescrita como

∂mcv
= m− m (3.5)
∂t in out

Quando se está em presença de um escoamento unidimensional, o caudal mássico é


facilmente calculado como m = ρ V A , ou então m = V A v , em que V é o módulo do
vector velocidade, A é a área da superfície atravessada perpendicularmente pelo
escoamento e v o volume específico.
Se se estiver em presença de um sistema aberto em que a substância operante é
constituída por várias espécies químicas, as quais podem eventualmente reagir
quimicamente, o equivalente da Eq. (3.4) para a espécie química particular i vem

mi,in + mi,gen − mi,out = mi,sto (3.6)

De notar que devido à eventualidade da ocorrência de reacções químicas no interior do


sistema mi,gen não é necessariamente nulo. Somando as equações análogas à Eq. (3.6) para
todas as N espécies químicas presentes obtém-se

N N N N
mi,in + mi,gen − mi,out = mi,sto (3.7)
i =1 i =1 i =1 i =1

em que cada um dos termos dentro de parêntesis se identifica com cada um dos termos da
Eq. (3.4) e, pelas razões apontadas anteriormente,

N
mi,gen = 0 (3.8)
i =1

- 3.3 -
ou seja, globalmente não há geração nem destruição de massa.
Neste ponto convém ainda notar que, no que concerne ao estabelecimento da
conservação de massa, o caso de um sistema fechado pode ser visto como um caso
particular de um sistema aberto, em que são nulas as interacções mássicas através das
fronteiras do sistema.

3.3. REFERÊNCIAS
1. Cengel, Y. A. & Boles, M. A., Thermodynamics: An Engineering Approach, 2nd Ed.,
McGraw-Hill, NY, 1994.
2. Bejan, A., Advanced Engineering Thermodynamics, Wiley, NY, 1988.
3. Moran, M. J. & Shapiro, H. N., Fundamentals of Engineering Thermodynamics, 2nd Ed,
Wiley, NY, 1993.
4. Wark, K. Jr, Thermodynamics, 5th Ed., McGraw-Hill, NY, 1989.

- 3.4 -
4. PRINCÍPIO DE CONSERVAÇÃO DE
ENERGIA
PRIMEIRA LEI DA TERMODINÂMICA

O conceito de energia é relativamente bem apreendido se bem que seja mais complexo que
o conceito de massa. Tal deve-se em grande parte às diferentes formas sob as quais a
entidade energia se pode apresentar, bem como às conversões que podem ocorrer entre as
diferentes formas de energia.

4.1. FORMAS DE ENERGIA


As formas de energia associadas a um sistema termodinâmico podem ser classificadas
como macroscópicas ou como microscópicas. Por sua vez, cada uma destas formas de
energia pode ser decomposta em formas de energia mais elementares, cujo significado
físico deve estar presente para uma correcta análise termodinâmica.

Formas macroscópicas e formas microscópicas de energia


Do ponto de vista termodinâmico, as formas de energia associadas a um sistema podem ser
classificadas como macroscópicas ou como microscópicas. As formas macroscópicas de
energia são aquelas que o sistema possui na sua globalidade, como um todo, relativamente
a algum sistema de referência externo ao sistema termodinâmico em análise. Por seu turno,
as formas microscópicas de energia são aquelas que estão relacionadas com a estrutura
molecular do sistema, com o grau de actividade molecular, e com o tipo de ligações
existentes (dentro e fora do núcleo atómico) entre as partículas mais elementares que
constituem o sistema. Tais formas de energia são, dada a sua natureza, independentes do
sistema de referência seleccionado.
A energia total do sistema, E, será, dado o carácter aditivo da propriedade energia, o
somatório das diversas formas de energia associadas ao sistema. Dada a natureza das
formas microscópicas de energia, logo se antevê que o estabelecimento da energia total de
um sistema não seja possível. Tal não constitui qualquer obstáculo uma vez que, do ponto
de vista termodinâmico, é importante avaliar as variações de energia ∆E sofridas por um
sistema ao sofrer uma dada evolução, e não o estabelecimento do nível energético do
sistema por atribuição de um valor numérico à sua energia total, E.

Energia interna
A energia interna U de um sistema termodinâmico é definida como o somatório de todas as
formas de energia microscópicas associadas a esse sistema. Tais formas microscópicas de
energia podem ainda ser isoladas como energia sensível, energia latente, energia química e
energia nuclear.

Energia sensível. É a forma de energia associada à energia cinética dos movimentos de


translação, vibração e rotação das moléculas que constituem o sistema termodinâmico.
Como a intensidade de tais movimentos depende, essencialmente, da temperatura e da
pressão a que se encontra sujeito o sistema, a energia sensível será, ela também,
dependente essencialmente dessas duas variáveis termodinâmicas. Tendo ainda em
consideração os estados físicos da matéria, o grau de actividade das moléculas decresce
quando se evolui de vapor para líquido ou de líquido para sólido, reflectindo a energia
sensível essa variação.

Energia latente. É a forma de energia associada às forças intermoleculares existentes entre


as moléculas que constituem o sistema. Tais forças sofrem variações consideráveis quando
a matéria que constitui o sistema sofre uma mudança de fase, sendo que decrescem quando
se dá a mudança de fase sólido-líquido ou líquido-vapor. Nas mudanças de fase inversas,
ocorre um aumento na intensidade dessas forças. Como exemplo, considere-se a mudança
de fase líquido-vapor. Para vencer as forças entre as moléculas existentes no estado líquido
é necessário fornecer energia, resultando que as mesmas moléculas, agora no estado de
vapor, possuirão uma energia latente superior num montante igual à energia adicionada
para provocar a mudança de fase descrita.
Energia química. É a forma de energia associada às forças de ligação interatómicas
existentes entre os átomos de uma molécula. Sempre que ocorre uma mudança na
composição química de um sistema termodinâmico, há ligações atómicas que se desfazem

- 4.2 -
e novas ligações atómicas que se estabelecem, com a consequente alteração da energia
química associada a cada molécula e, por conseguinte, ao sistema.

Energia nuclear. É a forma de energia associada às forças de ligação existentes entre as


partículas que constituem o núcleo atómico. Sempre que ocorre uma reacção nuclear, há
ligações nucleares que se desfazem, com a consequente alteração da energia nuclear
associada a cada átomo e, por conseguinte, ao sistema.

Uma vez introduzidas todas as formas microscópicas de energia numa propriedade global,
a energia interna, falta agora considerar as formas macroscópicas de energia.

Energia cinética (de translação)


A energia cinética, KE, de um sistema resulta do seu movimento relativamente a um
sistema de referência. Esta energia cinética está associada aos movimentos de translação e
de rotação, sendo que nos sistemas termodinâmicos mais usuais apenas interessa considerar
a energia cinética de translação. Admitindo que todos os pontos do sistema se movem com
igual velocidade , obtém-se que

1
KE = mV 2 (4.1)
2

em que V é o módulo da velocidade do sistema (como um todo) relativamente a um sistema


de referência fixo. Se a componente de rotação for importante, a relação análoga que se
tem, apenas para essa componente e admitindo que se trata de uma rotação em torno de um
eixo fixo, é KE = Iω 2 2 , em que I é o momento de inércia do sistema relativamente ao
eixo de rotação e ω a sua velocidade angular.

Energia potencial (gravítica)


A energia potencial gravítica, PE, de um sistema resulta da sua existência sob a acção de
um campo gravítico, e é dada por

PE = mgz , (4.2)

em que z é a elevação do sistema relativamente a algum nível de referência.

Outras formas macroscópicas de energia


Há ainda outras formas macroscópicas de energia, tais como energia eléctrica, magnética,
elástica, etc., que podem ser relevantes para analisar determinados sistemas
termodinâmicos sob determinadas acções particulares, mas que não são relevantes para os
sistemas termodinâmicos a analisar no actual contexto.

Energia total
Do que foi referido anteriormente, a energia total de um sistema é obtida como

- 4.3 -
1
E = U + mV 2 + mgz + m(...) , (4.3a)
2

ou então, referida à unidade de massa,

1
e = u + ke + pe = u + V 2 + gz + (...) , (4.3b)
2

em que o termo (...) pretende significar a eventual existência de outras formas


macroscópicas de energia (por unidade de massa) para além da energia cinética de
translação e a energia potencial gravítica.
A energia total, bem como cada uma das parcelas que a constituem, está contida ou
armazenada no sistema termodinâmico em análise, sendo por isso uma sua propriedade
termodinâmica. A energia total de um sistema é função apenas do estado do sistema, sendo
por consequência a sua variação entre dois estados apenas função desses dois estados,
independentemente do topo de evolução sofrida para progredir de um estado para o outro.
Uma propriedade termodinâmica possui, assim, o comportamento de uma diferencial
exacta, cujo integral depende apenas dos extremos e não da trajectória de integração.
A variação na energia total, que é a grandeza efectivamente importante em
termodinâmica, na evolução iniciada no estado 1 e terminada no estado 2 é obtida como

(E2 − E1 ) = (U 2 − U1 ) + 1 m(V22 − V12 )+ mg (z2 − z1 ) + m[(...)2 − (...)1 ] , (4.4a)


2

ou então, referida à unidade de massa,

(e2 − e1 ) = (u2 − u1 ) + 1 (V22 − V12 )+ g (z2 − z1 ) + [(...)2 − (...)1 ] . (4.4b)


2

Doravante, neste texto, admitir-se-á que apenas estão presentes a energia cinética de
translação e a energia potencial gravítica como formas macroscópicas de energia.

4.2. TRABALHO, CALOR E POTÊNCIA


Contrariamente à energia total ou às diversas formas de energia que a constituem, a qual
está contida ou armazenada no sistema termodinâmico em análise, existem contribuições
energéticas que não estão intimamente associadas ao sistema termodinâmico, constituindo
tão só energia em trânsito. Tais contribuições energéticas representam as interacções
energéticas existentes entre o sistema e as suas vizinhanças, não constituindo por isso
qualquer propriedade termodinâmica do sistema.

- 4.4 -
A fronteira de um sistema fechado foi introduzida como sendo aquela que é
impermeável, isto é, não atravessada pela massa, nada tendo sido dito no que respeita a ser
atravessada pela energia. Refere-se agora que tal fronteira pode ser atravessada pela
energia, desde que se trate das interacções energéticas calor ou trabalho.

Trabalho
A transferência energética entre um sistema e as suas vizinhanças sob a forma de trabalho
ocorre através da fronteira do sistema, sendo trabalho entendido em Termodinâmica como
toda a interacção energética que pode ser directamente utilizada para elevar um peso. Tal
definição não é mais que uma adaptação da definição usual de trabalho, o qual está
associado a uma força que actua ao longo de uma trajectória, sendo o trabalho posto em
jogo na trajectória infinitesimal ds dado por δW = F.ds . Aplicando esta expressão entre os
estados 1 e 2 resulta que

2
W12 = F.ds (4.5)
1

sendo este trabalho dependente do modo como F varia ao longo da trajectória, isto é, o
trabalho depende da trajectória de integração, não sendo opor isso uma variável
termodinâmica. Esta é uma das características apresentadas pelas diferenciais inexactas,
por oposição ao que se passa com as diferenciais exactas, e daí a utilização do símbolo δ
para a diferencial e não d. Adicionalmente, escreve-se W12 e não ∆W = W2 − W1 .
Uma situação comum em Termodinâmica encontra-se ilustrada na Fig. 4.1, em que
o sistema termodinâmico é o fluido à pressão P contido na câmara cilíndrica delimitada por
uma tampa rígida num dos extremos e por um êmbolo com um área de secção transversal A
que se desloca sem atrito no outro extremo.

Fig. 4.1. Trabalho associado a uma variação de volume [4].

A força exercida sobre o êmbolo móvel é dada por F = − PAi , em que i é a normal interior
à fronteira do sistema, neste caso o êmbolo móvel. Admitindo que o processo de expansão
sofrido pelo fluido é suficientemente lento, de modo a haver uma uniformidade da pressão
em todos os pontos da câmara, trata-se de um processo quasi-estático, constituído por uma

- 4.5 -
sucessão de estados de equilíbrio do fluido. O trabalho posto em jogo na deslocação
infinitesimal +dxi do êmbolo é obtido como δW = − PAdx = − PdV , sendo por isso o
trabalho posto em jogo na evolução 1-2 dado por

2
W12 = − PdV (4.6)
1

cuja integração requer o conhecimento da variação de P com V.


O resultado anterior foi obtido admitindo que o trabalho fornecido pelo sistema às
suas vizinhanças (expansão do sistema) é negativo, e que o trabalho recebido pelo sistema
(compressão) é positivo. Esta é a convenção de sinais adoptada para o trabalho, sendo de
salientar que há livros recentes de Termodinâmica que consideram esta mesma convenção,
e livros que adoptam a convenção simétrica, sendo tomado como positivo o trabalho
fornecido pelo sistema às suas vizinhanças. Várias outras formas de trabalho podem ser
consideradas, sendo no entanto de salientar que, nos sistemas termodinâmicos de interesse
neste contexto, apenas interessa considerar o trabalho associado a variações de volume,
usualmente também referido como trabalho PdV.

Calor
Uma transferência energética entre o sistema e as suas vizinhanças sob a forma de calor
ocorre através da fronteira do sistema sempre que existir uma diferença de temperatura
entre eles, sendo que o calor se transfere da zona a temperatura mais elevada para a zona a
temperatura mais baixa, e a fronteira possa ser atravessada pelo calor. Tal fronteira é dita
ser diatérmica; na situação oposta, em que não é atravessada pelo calor, a fronteira é dita
ser adiabática. Assim, as interacções energéticas entre um sistema e as suas vizinhanças
são classificadas como calor ou como trabalho, podendo ser tomadas como trabalho todas
as interacções energéticas que não sejam o resultado da existência de uma diferença de
temperatura entre o sistema e as suas vizinhanças.
Tal como o trabalho, o calor não é uma propriedade termodinâmica do sistema mas
apenas energia em trânsito a atravessar a sua fronteira, pelo que se trata também de uma
diferencial inexacta. De modo análogo ao que se fez para o trabalho, o calor posto em jogo
na evolução 1-2 dado por

2
Q12 = δQ (4.7)
1

sendo necessário conhecer a distribuição de δQ ao longo da trajectória de integração.


Notar que, como o calor não é uma diferencial exacta, não se pode escrever
2
δQ = Q2 − Q1 . A convenção de sinais usada para o calor é a mesma em todos os
1
tratamentos conhecidos, sendo tomado como positivo o calor recebido pelo sistema e como
negativo o calor cedido pelo sistema.

- 4.6 -
A transferência de calor que tem lugar é função da diferença de temperatura e de
determinados coeficientes de transferência, os quais têm a ver com os mecanismos através
dos quais o calor é transferido. Existem dois mecanismos básicos de transferência de calor,
que são a condução e a radiação. O modo de transferência de calor por convecção não
constitui um modo básico de transferência, resultando sim de uma combinação dos
mecanismos de condução e radiação num fluido em escoamento

Potência
As instalações usuais são concebidas para funcionar de um modo contínuo, sendo por isso
comum as referências a potências e não a trabalho ou a calor. Em tais instalações, o que é
usualmente importante é o calor absorvido por unidade de tempo (a potência calorífica
absorvida) e o trabalho fornecido por unidade de tempo (a potência mecânica fornecida), e
não propriamente os valores absolutos do trabalho ou do calor envolvidos.
Uma vez definidas a interacções energéticas infinitesimais δQ e δW ocorrendo no
intervalo de tempo ∆t , as potências calorífica e mecânica instantâneas são obtidas,
respectivamente, como

δQ
Q = lim (4.8a)
∆t → 0 ∆t

δW
W = lim (4.8b)
∆t → 0 ∆t

Os valores médios destas potências são obtidos de modo análogo, sendo que, neste caso,
numerador e denominador são valores finitos bem definidos.

4.3. CONSERVAÇÃO DE ENERGIA PARA UM SISTEMA


FECHADO
O princípio de conservação de energia para um sistema fechado é obtido na forma
diferencial por aplicação da Eq. (2.1) como

∂Ecm
∂t
= (
Q +W − Q +W ) ( ) (4.9)
in out

ou então, fazendo Q = Q− Q eW = W− W,
in out in out

∂ECM
= Q +W (4.10)
∂t

- 4.7 -
Se a relação anterior for aplicada a um ciclo, como a energia total E é uma propriedade
termodinâmica cujo integral cíclico é nulo, obtém-se

Wciclo = −Qciclo (4.11)

isto é, uma máquina térmica que opera ciclicamente liberta, por ciclo, uma quantidade de
trabalho igual ao calor total absorvido nesse mesmo ciclo.
Para um sistema fechado que apenas sofra variações na sua energia interna, a
equação de conservação de energia pode ser escrita na forma diferencial como

dU = δQ + δW (4.12)

relação familiar dos livros de Termodinâmica elementar.

4.4. CONSERVAÇÃO DE ENERGIA PARA UM SISTEMA


ABERTO
Para além de calor e trabalho, um sistema aberto troca massa com as suas vizinhanças,
massa essa que tem associada a si uma determinada energia total resultado da soma das
diversas formas de energia abordadas anteriormente. Massa que entra traz consigo energia,
e massa que sai leva consigo energia.

Estabelecimento do princípio de conservação I


Por aplicação da Eq. (2.1), tendo presente muito do que foi referido aquando do
estabelecimento do princípio de conservação de energia para um sistema fechado, obtém-se

∂E cv
= Q + W + me − me (4.13)
∂t in out

em que e é a energia total por unidade de massa nos portos de entrada e de saída.
Explicitando as diversas formas de e obtém-se

∂E cv 1 1
= Q + W + m u + V 2 + gz − m u + V 2 + gz (4.14)
∂t in
2 out
2

A massa que entra no volume de controlo tende a comprimi-lo, ao passo que a


massa que o abandona tende a expandi-lo. Processos de compressão e de expansão têm
interacções energéticas associadas que é necessário levar em consideração, as quais
recebem o nome de trabalho de fluxo.

- 4.8 -
Trabalho de fluxo para um volume de controlo
Tome-se como referência a Fig. 4.2, em que, durante o intervalo de tempo infinitesimal ∆t
no volume de controlo vc entra a massa δmin e sai a massa δmout através dos seus portos
de entrada e de saída. Por uma questão de simplicidade de análise, considera-se apenas um
porto de entrada e um porto de saída.

Fig. 4.2. Trabalho de fluxo para um volume de controlo [4].

No instante t a massa δmin está prestes a entrar no volume de controlo, ao passo


que a massa δmout está prestes a sair do volume de controlo. Decorrido o intervalo de
tempo ∆t , isto é, no instante t + ∆t a massa δmin entrou no volume de controlo,
comprimindo-o, e a massa δmout saíu do volume de controlo, expandindo-o. Assumindo a
uniformidade nos valores das propriedades nos portos de entrada e de saída, tudo se passa
como se aí existissem dois êmbolos, um comprimindo o sistema e o outro expandindo o
sistema. No porto de entrada o trabalho infinitesimal envolvido na compressão
é δWin = − Pin dVin , ou então, como δWin ∆t = Win = − Pin dVin ∆t = Pin vin min , obtém-se

Winfluxo = Pin vin min (> 0) (4.15a)

podendo ser obtido um resultado análogo para a saída como

fluxo
Wout = − Pout vout mout (< 0 ) (4.15b)

notando que dV é negativo na compressão e positivo na expansão e v é o volume


específico. Estendendo agora os resultados obtidos à totalidade dos portos de entrada e de
saída obtém-se

W fluxo = mPv − mPv (4.16)


in out

Estabelecimento do princípio de conservação II


Tomando o trabalho envolvido no volume de controlo como a soma do trabalho
efectivamente trocado com o exterior e do trabalho de fluxo, isto é, W = Wcv + W fluxo , em
que Wcv é o trabalho efectivamente trocado entre o sistema e as suas vizinhanças, a Eq.
(4.14) vem

- 4.9 -
∂Ecv 1 1
= Q + Wcv + m u + Pv + V 2 + gz − m u + Pv + V 2 + gz (4.17)
∂t in
2 out
2

Reconhecendo a propriedade entalpia h = u + Pv , a equação anterior é escrita como

∂Ecv 1 1
= Q + Wcv + m h + V 2 + gz − m h + V 2 + gz (4.18)
∂t in
2 out
2

que é a forma usual da equação que estabelece o princípio de conservação de energia para
um sistema aberto.

4.5. PRIMEIRA LEI DA TERMODINÂMICA


A Primeira Lei da Termodinâmica, a qual estabelece o princípio de conservação de energia,
é expressa pelos princípios de conservação derivados anteriormente. Esta lei, ao estabelecer
o princípio de conservação da energia total, obtida como a soma das diversas formas de
energia, estabelece igualmente as relações existentes entre as várias formas de energia e as
interacções energéticas experimentadas por um sistema termodinâmico. Tal como será
visto ao longo deste texto, trata-se de uma lei invocada com extrema frequência ao analisar
e resolver problemas relacionados com máquinas térmicas.

4.6. REFERÊNCIAS
1. Cengel, Y. A. & Boles, M. A., Thermodynamics: An Engineering Approach, 2nd Ed.,
McGraw-Hill, NY, 1994.
2. Bejan, A., Advanced Engineering Thermodynamics, Wiley, NY, 1988.
3. Moran, M. J. & Shapiro, H. N., Fundamentals of Engineering Thermodynamics, 2nd Ed,
Wiley, NY, 1993.
4. Wark, K. Jr, Thermodynamics, 5th Ed., McGraw-Hill, NY, 1989.

- 4.10 -
5. SEGUNDA LEI DA TERMODINÂMICA
ENTROPIA

5.1. SEGUNDA LEI DA TERMODINÂMICA - I


Ao analisar, e pretender desenvolver, as primeiras máquinas térmicas, concluiu-se que não
era possível obter, de modo contínuo, trabalho de uma máquina térmica se esta opera
estando em contacto apenas com uma fonte térmica. Convém salientar que, se tal fosse
possível, bastaria dispôr da atmosfera e dos oceanos para obter quantidades infindáveis de
energia mecânica. A observação de tal impossibilidade esteve na origem do enunciado de
Kelvin-Planck da Segunda Lei da Termodinâmica, estabelecendo que:

É impossível um sistema operar ciclicamente e fornecer trabalho mecânico ao exterior se


opera em contacto apenas com uma fonte térmica.
Em termos de expressão, tal resulta em

δW ≥ 0 , (5.1)
1T

isto é, já que é impossível uma tal máquina fornecer trabalho mecânico, dá-se a
eventualidade de necessitar que se lhe forneça trabalho mecânico. Se o sistema operar
reversivelmente, sem qualquer tipo de perdas, a desigualdade da expressão anterior dá
lugar à igualdade. Em termos de calor, atendendo a que δW = − δQ , obtém-se que

1T
δQ ≤ 0 . (5.2)

Sendo a temperatura absoluta sempre positiva, a expressão anterior pode ser reescrita como

δQ
≤ 0. (5.3)
1T T

É através de desigualdades do tipo das anteriores que a Segunda Lei da Termodinâmica


estabelece quais os processos possíveis e impossíveis de ocorrer.
Com a introdução do ciclo de Carnot, o qual é efectuado estando o sistema
alternadamente em contacto com duas fontes térmicas, o resultado extraído é análogo,
vindo que

QH QL
+ ≤ 0, (5.4)
T H TL

em que Q H e Q L são as interacções energéticas na forma de calor que, ao efectuar um


ciclo, o sistema sofre com as fontes térmicas quente e fria, T H e T L , respectivamente. A
parcela Q H (>0) é o calor recebido pelo sistema quando, ao efectuar um ciclo, este está em
contacto com a fonte térmica T H . Por sua vez, Q L (<0) é a parcela de calor cedido
quando, ao efectuar um ciclo, o sistema está em contacto com a fonte térmica T L .
Qualquer ciclo termodinâmico pode ser considerado como composto por uma
infinidade de ciclos de Carnot, em que, em cada um, há uma interacção energética na forma
de calor δQ quando a temperatura é T. A soma das infinitas parcelas δQ T , tomadas ao
longo do ciclo arbitrário considerado, vem então, atendendo à Eq. (5.4), derivada para um
ciclo de Carnot,

δQ
≤0, (5.5)
T

expressão usualmente designada como desigualdade de Clausius.


Tal como referido anteriormente, a desigualdade faz sentido quando temos ciclos
com perdas associadas (irreversibilidade). Quando a transformação é perfeita é efectuada
sem perdas de qualquer tipo, e o processo é dito ser reversível, prevalecendo nessa situação
o sinal de igual na expressão (5.6). Constata-se assim que

δQ rev
= 0. (5.6)
T

- 5.2 -
5.2. A PROPRIEDADE ENTROPIA
O conceito de entropia é mais difícil de apreender que os conceitos de massa ou de energia,
se bem que usualmente se associe a entropia a noção de desordem. Etimologicamente,
deriva de ener (energia) e tropos (transformação). No presente contexto, a propriedade
entropia será introduzida como uma propriedade derivada, resultado da análise energética
de ciclos térmicos.
Em termos matemáticos, se o integral cíclico é nulo é porque a função integranda é
uma diferencial total exacta. Em termos termodinâmicos, tal significa que δQ rev T é o
diferencial de uma propriedade termodinâmica, a qual recebeu de Clausius o nome de
entropia, a qual é designada pela letra S. A partir da Eq. (5.6) pode assim escrever-se que

δQrev
dS = (5.7)
T

e que

2 2
δQ rev
= dS = S 2 − S1 (5.8)
1
T 1

De notar que δQ e δQrev não são diferenciais exactas, actuando 1 T como um


factor integrante para δQ rev , de modo que δQ rev T uma diferencial exacta.
A propriedade extensiva entropia, tal como qualquer outra das propriedades
termodinâmicas, encontra-se tabelada para cada uma das substâncias de interesse. No
decurso a disciplina notar-se-á que se trata de uma propriedade de extrema importância na
análise termodinâmica de sistemas.

5.3. SEGUNDA LEI DA TERMODINÂMICA - II


Actualmente já dispomos de todo o material para estabelecer, na forma de uma expressão,
a Segunda Lei da Termodinâmica para um processo. Para tal, consideremos um processo
cíclico 1-2-1, em que a parte 1-2 é arbitrária em termos de reversibilidade, e a parte 2-1 é
tomada, por conveniência, como sendo reversível. Aplicando a Eq. (5.5) a um tal ciclo
obtém-se

2 1
δQ δQ δQ
= + ≤ 0, (5.9)
T 1
T 2
T

- 5.3 -
Como o processo de retorno 2-1 é reversível,

2
δQ
− ( S 2 − S1 ) ≤ 0 , (5.10)
1
T

isto é

2
δQ
(S 2 − S1 ) − ≥ 0. (5.11)
1
T

As expressões (5.10) ou (5.11) são a formalização de observações experimentais


efectuadas sobre as primeiras máquinas térmicas, e constituem a Segunda Lei da
Termodinâmica.
A extensão da desigualdade da expressão (5.11) é designada como geração de
entropia, a qual está associada a imperfeições (perdas, irreversibilidade) no ciclo
considerado. Assim

2
δQ
S g = ( S 2 − S1 ) − ≥ 0. (5.12)
1
T

Como o integral presente nesta equação depende da trajectória de integração, o


mesmo acontece com o termo de geração de entropia. Este termo é sempre positivo, sendo
que é estritamente positivo quando há irreversibilidades no processo considerado, e é nulo
na situação limite (ideal) de um processo reversível.

5.4. BALANÇO DE ENTROPIA PARA UM SISTEMA


ABERTO
Usando argumentos análogos aos invocados aquando do estabelecimento do princípio de
conservação de energia para um sistema aberto, se a entropia é uma propriedade ela está
intimamente associada à massa que entra e sai de um volume de controlo sob análise. Para
lá da entropia que entra ou sai do volume de controlo por esta via (escoamento), pode
também haver entrada ou saída de entropia associada às trocas de calor entre o sistema em
análise e as suas vizinhanças, troca de calor esta originada por diferenças de temperatura.
A aplicação do princípio geral de conservação [Eq.(2.1)], quando a grandeza em
causa é a entropia, resulta em

Q Q ∂S
ms + + Sg − ms + = , (5.13)
in i T out j T ∂t

- 5.4 -
em que se assumiu que nas porções de fronteira i há entrada de calor no sistema e que nas
porções j há saída de calor do sistema. Esta equação é reescrita como

∂S Q
Sg = − + ms − ms ≥ 0 . (5.14)
∂t sc T out in

Se, usualmente, pretendemos um sistema que satisfaça as nossas necessidades,


devemos ter em especial atenção a Eq. (5.14), pois um objectivo a ter sempre em mente é a
minimização do termo de geração de entropia, ou seja, a concepção e criação de sistemas
que, do ponto de vista termodinâmico, sejam os mais perfeitos possível. Como um limite,
ainda que apenas ideal, temos sistemas em que S g = 0 .
A equação de balanço de entropia para um sistema fechado pode facilmente ser
obtida da Eq. (5.14) tomando como nulos os termos de entrada e de saída associados à
nmassa que atravessa as fronteiras do sistema, e vem

∂S Q
Sg = − ≥ 0. (5.15)
∂t sc T

5.5. ÍNDICES DE DESEMPENHO DAS MÁQUINAS


TÉRMICAS
Especial cuidado deve ser posto na análise do valor dos índices de desempenho das
máquinas térmicas. Usualmente é um valor, em forma de percentagem, que expressa a
relação benefício/custo para uma dada máquina térmica. Idealmente, esperaríamos uma
relação unitária. No entanto, sabemos que nem a melhor das máquinas em termos de
performance, que é a máquina reversível (onde as gerações de entropia são nulas),
consegue uma tal relação unitária. As máquinas térmicas e os sistemas reais terão sempre
piores desempenhos que os sistemas reversíveis ideais, pois os sistemas reais terão sempre
associado algum nível de irreversibilidade.

Máquina térmica de Carnot, refrigerador de Carnot e bomba de


calor de Carnot
A eficiência de uma máquina térmica de Carnot, representada na Fig. 5.1, operando entre
as temperaturas TH e T L é dada por

− W QH + QL T
η= = = 1− L (5.16)
QH QH TH

- 5.5 -
Fig. 5.1. Máquina térmica de Carnot [4].

Esta é a maior eficiência possível para uma máquina que opere entre estas temperaturas, e
que é um valor bem abaixo dos 100%. Para o caso das máquinas reais, as quais estão longe
de operar reversivelmente, devemos pois julgar a sua eficiência relativamente à eficiência
da máquina de Carnot e não relativamente ao valor 100%.
Quando se trata de uma máquina frigorífica tal como a representada na Fig. 5.2,
podem ser perseguidos dois objectivos distintos com uma tal máquina: remover o calor Q L
da fonte fria à temperatura T L (acção refrigeração com máquina frigorífica), ou ceder o
calor Q H na fonte quente à temperatura T H (acção de aquecimento com bomba de calor).

Fig. 5.2. Refrigerador de Carnot [4].

Neste caso, não se fala propriamente de eficiência térmica, termo este reservado
para as máquinas térmicas libertadoras de potência mecânica, usando-se sim o coeficiente
de desempenho, COP. Para a função refrigeração o coeficiente de desempenho do
refrigerador de Carnot vem

QL QL TL
COP = = = (5.17)
W − Q H + Q L T H − TL

- 5.6 -
valor este que pode ser bem superior à unidade. Para a função aquecimento o coeficiente de
desempenho da bomba de calor de Carnot vem

− QH − QH TH
COP = = = (5.18)
W − Q H + Q L TH − T L

valor que é ainda superior ao do coeficiente de desempenho do refrigerados de Carnot.


Parece enigmático mas é efectivamente assim: os sistemas de refrigeração funcionam
muito bem para aquecimento, funcionando melhor para aquecimento que para refrigeração.

Máquina térmica endo-reversível


É sabido que as máquinas térmicas reais não operam reversivelmente, e que nelas podem
estar presentes as mais diversas irreversibilidades. Uma máquina térmica endo-reversível é
aquela que opera reversivelmente no seu interior, mas em que há a considerar as
irreversibilidades associadas às transferências de calor que ocorrem na fonte quente e na
fonte fria. Uma tal máquina térmica encontra-se esquematicamente representada na Fig.
5.3.

Fig. 5.3. Máquina térmica endo-reversível [2].

A máquina de Carnot reversível opera entre as temperaturas THC e TLC , e não entre as
temperaturas das fontes quente e fria, T H e T L . Quando tal máquina opera de modo a
maximizar o trabalho mecânico fornecido ao exterior, obtém-se que a sua eficiência é dada
por

12
TH
η erp = 1 − (5.19)
TL

- 5.7 -
em que erp significa Endo-Reversible engine for maximum Power.
O valor da eficiência assim obtido é menor que o de uma máqina de Carnot e,
curiosamente, está bastante próximo do valor da eficiência encontrada nas grandes e muito
eficientes máquinas térmicas associadas a instalações de produção de energia eléctrica.

Limites dos materiais


Um modo de aumentar a eficiência das máquinas térmicas é aumentar a temperatura da
fonte quente, ou diminuir a temperatura da fonte fria. Como a fonte fria é usualmente a
atmosfera ou qualquer massa de fluido à temperatura atmosférica, não faz sentido decrescer
essa temperatura. Aumentar a temperatura da fonte quente conduz a aumentos de
eficiência, mas há que atender aos limites impostos pelos materiais que dão corpo às
máquinas térmicas. A partir de determinados valores de temperatura as suas propriedades
mecânicas vêm degradadas, e deixam de apresentar um bom desempenho mecânico. Uma
tentativa de levar ao limite o aumento da temperatura da fonte quente consiste em permitir
que a substância operante atinja elevados valores de temperatura, mas promovendo o
arrefecimento dos componentes mecânicos que estão sujeitos e essas temperaturas elevadas
e assim permitir que estes não falhem do ponto de vista mecânico.

5.6. REFERÊNCIAS
1. Cengel, Y. A. & Boles, M. A., Thermodynamics: An Engineering Approach, 2nd Ed.,
McGraw-Hill, NY, 1994.
2. Bejan, A., Advanced Engineering Thermodynamics, Wiley, NY, 1988.
3. Moran, M. J. & Shapiro, H. N., Fundamentals of Engineering Thermodynamics, 2nd Ed,
Wiley, NY, 1993.
4. Wark, K. Jr, Thermodynamics, 5th Ed., McGraw-Hill, NY, 1989.

- 5.8 -
6. EXERGIA E ANÁLISE EXERGÉTICA

6.1. INTRODUÇÃO
Quando um sistema termodinâmico não está em equilíbrio com outros sistemas com os
quais pode trocar massa e/ou energia existe a possibilidade de ocorrerem processos
espontâneos, a partir dos quais se pode extrair trabalho mecânico útil para satisfazer os
nossos propósitos. Devido a essa ausência de equilíbrio, existe a oportunidade de extrair
trabalho mecânico útil do sistema quando se permite que este evolua para o equilíbrio com
os outros sistemas com os quais pode interagir, sendo que essa oportunidade pode ser
aproveitada ou não. Isto é, o sistema pode evoluir para o equilíbrio com os sistemas com os
quais pode interagir, sem que nenhum aproveitamento tenha sido feito do potencial
existente para a obtenção de trabalho útil ou, pelo contrário, pode ser feito o
aproveitamento do trabalho útil que é possível extrair das transformações espontâneos
sofridas pelo sistema quando este evolui rumo ao equilíbrio.
A exergia, ou disponibilidade, indica-nos o trabalho máximo que é possível extrair
de um sistema quando este evolui rumo ao equilíbrio. Trata-se, pois, de um conceito da
maior importância quando se pretende avaliar o potencial de aproveitamento de um sistema
no que concerne à obtenção de trabalho útil, que é um dos maiores objectivos quando se
trata de avaliar o valor energético de um bem, sistema ou processo.
Devido a imperfeições, os processos reais são irreversíveis, e a irreversibilidade
aparece claramente como correspondendo a uma destruição de exergia, isto é, a uma
destruição do potencial de obtenção de trabalho útil quando os sistemas evoluem rumo ao
equilíbrio. Um dos objectivos do analista de sistemas energéticos é, pois, identificar os
pontos de maior destruição de exergia e procurar melhorar os sistemas no sentido de não
desperdiçar o potencial de aproveitamento de trabalho mecânico útil existente.
A exergia pode ser vista como o trabalho útil máximo possível de ser extraído de
um sistema quando este evolui até ao equilíbrio, mas pode também ser encarada como o
trabalho mecânico mínimo que é necessário fornecer a um sistema quando é para este
evoluir no sentido de ficar numa situação de não equilíbrio com os sistemas com os quais
pode interagir. No entanto, e por ser mais apelativo, neste texto enfatizaremos a exergia, ou
disponibilidade, como o trabalho útil máximo possível de ser extraído de um sistema
quando este evolui para o equilíbrio com o ambiente em que se encontra.

6.2. DEFINIÇÃO E QUANTIFICAÇÃO DA EXERGIA

Ambiente de referência e estado morto


Para se poder quantificar a exergia de um sistema é fundamental definir qual a evolução
que esse sistema pode sofrer até ficar em equilíbrio com os sistemas com os quais pode
interagir. Para tal considera-se que o sistema em análise pode evoluir, quando interage com
o ambiente, até ficar em equilíbrio com o ambiente. À medida que o sistema evolui para o
equilíbrio a possibilidade de obtenção de trabalho mecânico vai diminuindo, e deixa de
existir quando o sistema fica em equilíbrio com o ambiente. Para a quantificação do
trabalho mecânico que pode ser obtido importa pois definir, em termos de propriedades
termodinâmicas, o ambiente.
Para efeitos de análise exergética de sistemas considera-se o ambiente como
correspondendo ao ambiente padrão à temperatura uniforme de 25 ºC e à pressão uniforme
de 1 atm (muito aproximadamente 1 bar). É suposto o ambiente ser de tal maneira grande,
quando comparado com os sistema em análise, que as interacções energéticas sofridas pelo
ambiente não resultam em qualquer alteração nas suas condições de temperatura e de
pressão. Admite-se também que não há irreversibilidades no ambiente, e que todas as
irreversibilidades presentes são irreversibilidades internas ao sistema em análise. É também
assumido que o ambiente se encontra perfeitamente parado e, portanto, com velocidade
nula. Dito de outro modo, o ambiente de referência possui energia cinética nula, e não sofre
variações da sua energia cinética quando interage com o sistema em análise. No que

- 6.2 -
concerne à energia potencial do ambiente, esta não sofre variações uma vez que a sua
posição relativamente à vertical não se altera.
O sistema em análise pode evoluir, interagindo com o ambiente, até ficar em
equilíbrio com o ambiente. À medida que o sistema evolui a possibilidade de obtenção de
trabalho mecânico vai diminuindo, e deixa de existir quando o sistema fica em equilíbrio
com o ambiente. Nestas condições diz-se que o sistema ficou no estado morto, isto é, em
equilíbrio com o ambiente, e não é possível experimentar mais evoluções espontâneas. Para
o retirar do estado morto será necessário fornecer-lhe energia. A exergia corresponde, pois,
ao máximo trabalho útil que é possível extrair do sistema quando este evolui entre um dado
estado inicial e o estado morto.
No que se segue apenas será considerada a exergia associada a transformações
acompanhadas de variações de pressão, volume e temperatura. A quantificação da exergia e
a análise exergética de sistemas cujas transformações incluem, também, variações na
composição química será tema abordado no Capítulo 11.

Quantificação da exergia
Para quantificar a exergia considere-se o sistema representado na Fig. 6.1. O sistema
fechado em análise, com energia total E, volume V e entropia S interage com o ambiente à
temperatura T0 e pressão P0 . A fronteira do sistema pode variar, e acomodar as variações
de volume sofridas pelo sistema. O sistema e o ambiente constituem um sistema
combinado, o qual está encerrado por uma fronteira fechada e rígida, através da qual
apenas podem existir interacções energéticas com o Universo exterior sob a forma de
trabalho mecânico, Wc .

Fig. 6.1. Sistema fechado em interacção com o ambiente [3].

O balanço de energia ara o sistema combinado sistema + ambiente conduz a

- 6.3 -
∆Ec = Qc + Wc (6.1)

onde, de acordo com os pressupostos enunciados acima para o sistema combinado, Qc = 0 .


Por sua vez, a variação da energia total do sistema combinado pode ser obtida como a soma
das variações de energia do sistema e do ambiente, e pode ser expressa como

1
( )
∆Ec = ∆Es + ∆Ee = (U 0 − U ) + m V02 − V 2 + mg ( z0 − z ) +
2 s
(6.2)
1
( )
(U 0 − U ) + m V02 − V 2 + mg ( z0 − z )
2 e

Como V0 = 0 e z0 = 0 , e como o ambiente se encontra em repouso e ao nível z0 , a Eq.


(6.2) vem

1 2
∆Ec = ∆Es + ∆Ee = (U 0 − U ) + ∆U e − m V + gz (6.3)
2

A primeira Lei da Termodinâmica para o ambiente pode ser escrita como


dU e = δ Qe + δ We , ou então, notando que a temperatura e a pressão do ambiente são
constantes

∆U e = T0 ∆Se − P0 ∆Ve (6.4)

Este resultado pode ser substituído na Eq. (6.3), a qual vem

1 2
∆Ec = (U 0 − U ) + (T0 ∆Se − P0 ∆Ve ) − m V + gz (6.5)
2

Este resultado para a variação da energia total do sistema combinado pode ser substituído
na Eq (1), e esta equação vem, explicitando para −Wc

1 2
−Wc = (U − U 0 ) − (T0 ∆Se − P0 ∆Ve ) + m V + gz (6.6)
2

A fronteira do sistema combinado á rígida, pelo que a variação de volume sofrida pelo
ambiente iguala, a menos do sinal, a variação de volume sofrida pelo sistema em análise,
pelo que se pode escrever que

∆Ve = −∆Vs = − (V0 − V ) (6.7)

e a Eq. (6.6) vem

- 6.4 -
1 2
−Wc = (U − U 0 ) + P0 (V − V0 ) − T0 ∆Se + m V + gz (6.8)
2

O balanço de entropia para o sistema combinado pode ser expresso como

∆Sc = ∆S s + ∆Se = ( S0 − S ) + 0 (6.9)

já que não há variações nas condições do ambiente, bem como não há irreversibilidades no
ambiente. Por seu turno, como não há transferência de calor através da fronteira do sistema
combinado, o balanço de entropia para o sistema combinado fornece que

∆S c = S g (6.10)

onde, de acordo com os pressupostos enunciados acima, as irreversibilidades existentes são


interiores ao sistema em análise, e a geração de entropia do sistema combinado tem lugar
no interior do sistema em análise. Juntando as Eqs. (6.9) e (6.10) extrai-se que

∆S e = ( S − S 0 ) + S g (6.11)

Substituindo este resultado na Eq. (6.8) obtém-se que

1 2
−Wc = (U − U 0 ) + P0 (V − V0 ) − T0 ( S − S0 ) + m V + gz − T0 S g (6.12)
2

Nesta altura convém notar que o trabalho que é possível extrair de um sistema,
quando este evolui entre um estado inicial e um estado final, é máximo quando o processo
sofrido pelo sistema é reversível, isto é, isento de geração de entropia. Por isso, o trabalho
máximo que pode ser obtido quando o sistema em análise evolui entre um dado estado
inicial e o estado morto é dado pela parte encaixilhada da Eq. (6.12). A exergia é, por
definição, esse trabalho máximo, isto é, define-se uma propriedade, exergia, através da
expressão

1 2
A = ( −Wc )max = (U − U 0 ) + P0 (V − V0 ) − T0 ( S − S0 ) + m V + gz (6.13)
2

( )
É também importante notar que o termo T0 S g S g ≥ 0 representa o decréscimo,

face ao máximo possível, no trabalho que é possível obter pelo facto de o sistema sofrer
uma evolução com algum nível de irreversibilidade. Deste modo, a irreversibilidade
aparece associada à perda de oportunidade de obtenção de trabalho útil dos sistemas
quando estes sofrem processos espontâneos. Na realidade não há processos isentos de

- 6.5 -
irreversibilidade, pelo que o termo T0 S g assume sempre alguma importância, ainda que se
deva procurar reduzi-lo ao mínimo possível.
A expressão de definição de exergia encontra-se na Eq. (6.13). No entanto, é muitas
vezes conveniente expressar a exergia numa base mássica, pelo que se define a exergia
específica como

A W 1
a= = − c = ( u − u0 ) + P0 ( v − v0 ) − T0 ( s − s0 ) + V 2 + gz (6.14)
m m max 2

Por sua vez, uma variação de exergia entre os estados 1 e 2 pode ser calculada como

1 2
∆A12 = A2 − A1 = (U 2 − U1 ) + P0 (V2 − V1 ) − T0 ( S 2 − S1 ) + m
2
( )
V2 − V12 + g ( z2 − z1 ) (6.15)

ao passo que a correspondente variação da exergia específica pode ser calculada como

1 2
∆a12 = a2 − a1 = ( u2 − u1 ) + P0 ( v2 − v1 ) − T0 ( s2 − s1 ) +
2
( )
V2 − V12 + g ( z2 − z1 ) (6.16)

6.3. BALANÇO DE EXERGIA PARA SISTEMAS FECHADOS

Analogamente ao que foi feito para a massa, para a energia e para a entropia, também pode
ser estabelecido o balanço de entropia para sistemas fechados. Para tal considere-se o
princípio de conservação de energia para um sistema fechado que evolui entre os estados 1
e 2 expresso como

2
E2 − E1 = δ Q + W (6.17)
1

ou então

2
1 2
(U 2 − U1 ) + m
2
( )
V2 − V12 + g ( z2 − z1 ) = δ Q + W (6.18)
1

e o balanço de entropia para este mesmo sistema expresso como

2
δQ
S2 − S1 = + Sg (6.18)
1
T b

- 6.6 -
notando que, na Eq. (6.18), o quociente δ Q T é calculado sobre a fronteira do sistema.
Multiplica-se a Eq. (6.18) por T0 e subtrai-se esse resultado à Eq. (6.17), resultando

2
1 2 T
(U 2 − U1 ) + m
2
( )
V2 − V12 + g ( z2 − z1 ) − T0 ( S 2 − S1 ) = 1 − 0 δ Q + W − T0 S g (6.19)
Tb
1

Adicionando P0 (V2 − V1 ) a cada um dos lados desta equação, e tendo presente a Eq. (6.15),
obtém-se

2
T
( A2 − A1 ) = 1 − 0 δ Q − −W − P0 (V2 − V1 ) − T0 S g (6.20)
1
Tb

Admitindo que a variação entre os estados 1 e 2 acontece durante o intervalo de tempo


infinitesimal dt a equação anterior pode expressar-se como

∂A T dV
= 1 − 0 Q j − −W − P0 − T0 S g (6.21)
∂t j Tj dt

As Eq. (6.20) e (6.21) são formas diferentes da equação de balanço de exergia para
um sistema fechado. O primeiro termo do lado direito expressa a transferência de exergia
associada à transferência de calor, o segundo termo expressa a transferência de exergia
associada à transferência de trabalho, e o último termo representa a destruição de exergia,
associada à irreversibilidade da transformação sofrida pelo sistema em análise. A análise e
intervenção nos sistemas deve sempre ter em vista a minimização do termo de destruição
de de exergia (ou de geração de entropia), o que corresponde a maximizar a extracção de
trabalho útil do potencial existente para essa extracção de trabalho útil. O termo relativo à
transferência de exergia associada à transferência de trabalho inclui dois termos: o primeiro
tem a ver com o trabalho mecânico efectivamente trocado entre o sistema e as suas
vizinhanças, e ou outro termo tem a ver com o facto de as variações de volume do sistema,
se existirem, estarem associadas a uma compressão ou expansão do ambiente, o qual se
encontra à pressão P0 .
É também possível observar que o termo de transferência de exergia associado à
transferência de calor corresponde ao trabalho associado a uma máquina de Carnot a operar
entre a temperatura da fronteira do sistema, Tb , e a temperatura do ambiente, T0 .

6.4. BALANÇO DE EXERGIA PARA SISTEMAS ABERTOS

- 6.7 -
Quando se trata de um sistema aberto, é necessário ter presente que há o trabalho de
escoamento a levar em conta na contabilização da exergia. De facto, massa a entrar no
sistema comprime-o, e realiza trabalho sobre o sistema, ao passo que massa a sair do
sistema expande o sistema, e extrai-lhe trabalho mecânico.

Fig. 6.2. Sistema em que ocorre uma saída de massa [3].

Considere-se o sistema representado na Fig. 6.2. O facto de haver massa a


abandonar o sistema leva a que o sistema esteja a ser expandido e o ambiente a ser
comprimido. Este aspecto já foi abordado anteriormente, aquando do estabelecimento da
equação de conservação de energia para sistemas abertos. Para uma transformação
infinitesimal o trabalho fornecido pelo sistema é calculado como

δ W = PdV (6.22)

ao passo que o trabalho recebido (do sistema) pelo ambiente, notando que dVe = −dV , é
calculado como

δ We = P0 dV (6.23)

Convém ter presente a convenção de sinais adoptada para o trabalho: trabalho recebido
pelo sistema é positivo e trabalho cedido pelo sistema é negativo. Deste modo, o trabalho
líquido recebido pelo sistema, associado ao escoamento de saída considerado, é

δ W f = − ( P − P0 ) dV (6.24)

Expressando a variação de volume sofrida pelo sistema como dV = vdm , a expressão


anterior em

δ W f = −dm ( Pv − P0v ) (6.25)

Admitindo que a massa infinitesimal dm abandona o sistema no intervalo de tempo


infinitesimal dt obtém-se que

- 6.8 -
δW f
dt
= Wf ( )out = − dm
dt
( Pv − P0v ) = −m ( Pv − P0v ) (6.26a)
out

Se se tratar de uma entrada de massa em vez de uma saída de massa, a expressão análoga à
anterior vem

δW f
dt
( )in = dm
= Wf
dt
( Pv − P0v ) = m ( Pv − P0v ) (6.26b)
in

Uma vez mais, analogamente ao que foi feito aquando do estabelecimento da


equação de conservação de energia para sistemas abertos, expressa-se o trabalho trocado
pelo sistema como a soma do trabalho efectivamente trocado com o exterior e do trabalho
de fluxo, isto é, W = Wcv + W f , em que Wcv é o trabalho efectivamente trocado entre o
sistema e as suas vizinhanças. Assim sendo, pode escrever-se que

W = Wcv + W f = Wcv + m ( Pv − P0v ) − m ( Pv − P0v ) (6.27)


in out

Massa a atravessar as fronteiras do sistema corresponde a exergia a atravessar as


fronteiras do sistema. Assim, se a fronteira do sistema é, localmente, atravessada pelo
caudal mássico m , a exergia que atravessa essa fronteira, associada à massa, é

1 2
ma = m ( u − u0 ) + P0 ( v − v0 ) − T0 ( s − s0 ) + V + gz (6.28)
2

Deste modo, o balanço de exergia para um sistema aberto vem, a partir da Eq. (6.21), como

∂A T dV
= 1 − 0 Q j − − Wcv + m ( Pv − P0 v ) − m ( Pv − P0 v ) − P0 +
∂t j T j in out dt
1 2
m ( u − u0 ) + P0 ( v − v0 ) − T0 ( s − s0 ) + V + gz −
in 2 (6.29)
1 2
m ( u − u0 ) + P0 ( v − v0 ) − T0 ( s − s0 ) + V + gz −
out 2
T0 S g

Esta equação pode ser re-escrita juntando os termos relativos às entradas e às saídas, e vem

- 6.9 -
∂A T dV
= 1 − 0 Q j − −Wcv − P0 +
∂t j T j dt
1 2
m ( u − u0 ) + ( Pv − P0 v0 ) − T0 ( s − s0 ) + V + gz −
in 2 (6.30)
1 2
m ( u − u0 ) + ( Pv − P0 v0 ) − T0 ( s − s0 ) + V + gz −
out 2
T0 S g

ou então, de uma forma compacta

∂A T dV
= 1 − 0 Q j − −Wcv − P0 + ma f − ma f − T0 S g (6.31)
∂t j T j dt in out

em que

a f = a + ( Pv − P0v ) =
1 2
= ( u − u0 ) + ( Pv − P0 v0 ) − T0 ( s − s0 ) + V + gz =
2
1 2 (6.32)
= ( u + Pv ) − ( u0 + P0v0 ) − T0 ( s − s0 ) + V + gz =
2
1 2
= ( h − h0 ) − T0 ( s − s0 ) + V + gz
2

é a exergia específica de escoamento


As equações de balanço de exergia podem ser usadas para variados fins. Uma
possibilidade é usá-las para avaliar o termo de geração de exergia, T0 S g , e assim avaliar o
nível de imperfeição (irreversibilidade) do sistema ou do processo, e avaliar em que
medida alterações a propor se reflectirão num efectivo aperfeiçoamento do sistema ou não.

6.5. EFICIÊNCIA EXERGÉTICA DE SISTEMAS

Geração de calor e uso do calor


Considere-se o sistema representado na Fig. 6.3, em que um combustível é queimado,
dando origem a uma chama à temperatura Ts . Devido a esse processo de queima à
temperatura Ts é fornecida a potência calorífica Qs ao sistema, potência calorífica essa

- 6.10 -
( )
que pode ser perdida Q1 pelo sistema através de parte da sua fronteira à temperatura T1 ,e
( )
o remanescente Qu pode ser usado, de forma útil, à temperatura Tu .

Fig. 6.3. Sistema para análise exergética da geração de calor e do uso do calor [3].

Admitindo que o sistema opera em condições de regime permanente, e que são


desprezáveis as variações na energia cinética e potencial, o estabelecimento do balanço de
energia para o sistema (fechado) conduz a

0 = Qs + Q1 + Qu (6.33)

notando que, de acordo com a convenção de sinais, Qs > 0 , e que Q1 < 0 e Qu < 0 . O
balanço de exergia conduz a

T T T
0 = 1 − 0 Qs + 1 − 0 Q1 + 1 − 0 Qu (6.34)
Ts T1 Tu

Numa base custo-benefício, a eficiência do aproveitamento do calor gerado no


processo de combustão pode ser calculada como

−Qu
η= (6.35)
Qs

Melhorando o isolamento do sistema reduz-se o calor perdido e, numa base custo-


benefício, η → 1 .
Todavia, em termos exergéticos, a eficiência exergética pode ser expressa como a
exergia saída do sistema acompanhando a transferência de calor Qu e a exergia entrada no
sistema acompanhando a potência calorífica Qs , isto é

T T T
− 1 − 0 Qu 1− 0 1− 0
Tu −Qu Tu Tu
ε= = =η (6.36)
T Qs T T
1 − 0 Qs 1− 0 1− 0
Ts Ts Ts

- 6.11 -
Desta equação pode ser visto que a eficiência exergética apenas se aproxima de 1 se
a temperatura de utilização do calor Tu se aproximar de Ts , o que não é manifestamente o
caso na generalidade das situações de interesse. Tal significa que usar directamente o calor
obtido da queima de um combustível, a uma temperatura alta, para efeitos de aquecimento
a temperatura baixa corresponde a uma deficiente utilização do calor, e a uma considerável
destruição de exergia. O calor a temperatura elevada tem um grande potencial para
produzir trabalho mecânico em máquinas térmicas, e o calor por estas rejeitado, a uma
temperatura consideravelmente mais baixa, esse sim pode ser usado para efeitos de
aquecimento sem que tal corresponda a uma destruição de exergia apreciável. Assim
sendo, a análise da eficiência exergética aconselha, ela mesma, a combinação de sistemas
de extracção de potência mecânica e de aquecimento, ou seja, a utilização de sistemas
energéticos combinados, e de técnicas como a co-geração.

Eficiência exergética de turbinas e de compressores ou bombas


Uma turbina deve fazer o melhor aproveitamento possível da exergia disponível na
corrente de fluido que nela entra. Para uma turbina isolada que opera em regime
permanente o balanço exergético conduz a

(
0 = Wcv + m a f ,in − a f ,out − T0 S g ) (6.37)

Esta equação pode reescrever-se como

( )
m a f ,in − a f ,out = −Wcv + T0 S g (6.38)

ou seja, a exergia (máximo trabalho útil disponível) libertada pela corrente fluida ao
atravessar a turbina aparecerá sob dois efeitos: o desenvolvimento de trabalho mecânico na
turbina, −Wcv , e a o remanescente sob a forma de exergia destruída, T0 S g .
A eficiência exergética da turbina pode ser definida como

ε=
−Wcv
=
( )
m a f ,in − a f ,out − T0 S g
= 1−
T0 S g
(6.39)
(
m a f ,in − a f ,out ) (
m a f ,in − a f , out ) (
m a f ,in − a f , out )
onde é notório que as perdas por irreversibilidade resultam num descréscimo da eficiência
exergética da turbina. Apenas se S g = 0 seria ε = 1 .
No caso de um compressor ou de uma bomba operando em regime permanente, o
balanço exergético é o mesmo que o expresso pela Eq. (6.37). Todavia, neste caso a Eq.
(6.37) reescreve-se como

- 6.12 -
( )
Wcv = m a f ,out − a f ,in + T0 S g (6.40)

cuja mensagem é a seguinte: a potência mecânica fornecida ao compresso ou bomba resulta


num acréscimo da exergia da corrente de fluido que o/a a travessa, e o remanescente é
exergia destruída, por irreversibilidade. Neste caso, a eficiência exergética do compressor
ou da bomba define-se como

ε=
(
m a f ,out − a f ,in ) = Wcv − T0 S g = 1 − T0 S g (6.41)
Wcv Wcv Wcv

Também neste caso é notório que as perdas por irreversibilidade resultam num descréscimo
da eficiência exergética do compressor ou da bomba. Apenas se S g = 0 seria ε = 1 .
No que concerne a sistemas de outra natureza, podem extrair-se conclusões
igualmente importantes acerca do seu desempenho e da sua eficiência exergética. Uma vez
munidos das ferramentas que permitem efectuar a análise exergética dos sistemas, através
da sua aplicação criteriosa é possível avaliar, e melhorar, o desempenho dos sistemas. Essa
análise criteriosa permitirá também identificar onde estão, e quais são, as maiores
debilidades dos sistemas, e que vias podem ser adoptadas com vista a melhorar o seu
desempenho.

6.6. REFERÊNCIAS
1. Cengel, Y. A. & Boles, M. A., Thermodynamics: An Engineering Approach, 2nd Ed.,
McGraw-Hill, NY, 1994.
2. Bejan, A., Advanced Engineering Thermodynamics, Wiley, NY, 1988.
3. Moran, M. J. & Shapiro, H. N., Fundamentals of Engineering Thermodynamics, 2nd Ed,
Wiley, NY, 1993.
4. Wark, K. Jr, Thermodynamics, 5th Ed., McGraw-Hill, NY, 1989.

- 6.13 -
PARTE II – APLICAÇÕES
7. MOTORES ALTERNATIVOS DE
COMBUSTÃO INTERNA

Os motores alternativos de combustão interna são, em número e variedade, as máquinas


térmicas mais usadas. O processo de combustão para geração de calor ocorre no interior do
próprio motor, e daí serem ditos motores de combustão interna. O seu funcionamento
baseia-se numa ou mais câmaras de volume alternadamente variável, sendo que o aumento
de volume da câmara é conseguido por expansão dos gases no seu interior, por acção do
aumento de temperatura provocado pela queima do combustível, e a redução de volume da
câmara coincide com a rejeição de calor para a fonte fria da máquina, que é, em geral, a
atmosfera. Trata-se geralmente de uma câmara cilíndrica provida de um êmbolo (pistão),
cujo movimento alternativo é transmitido a um veio, de modo a fazê-lo rodar. Esta solução
tecnológica tem mais de 100 anos e encontra-se actualmente perfeitamente amadurecida. O
sector dos transportes surge como um dos grandes utilizadores deste tipo de motores, seja
no transporte terrestre (automóveis, camiões, autocarros, motos, comboios, etc.), no
transporte marítimo (navios, iates, barcos de recreio, motos de água, etc.), e no transporte
aéreo (aviões ligeiros de hélice, ultra-leves, aeromodelos, etc.). Também muita maquinaria
industrial, quer fixa quer móvel, recorre a este tipo de motores como fonte básica de
energia mecânica. Quando se pretendem máquinas móveis, onde a alimentação por energia
eléctrica se torna difícil, recorre-se forçosamente aos motores alternativos de combustão
interna. Um exemplo importante de equipamento fixo que recorre a este tipo de motores
são os geradores eléctricos. Os combustíveis podem ser variados, ainda que usualmente
sejam combustíveis líquidos ou gasosos, tais como gasolina, gasóleo, gás natural, petróleo,
álcool, etc. Questões como o ruído, emissão de poluentes e forte dependência de
combustíveis fósseis são alguns dos problemas actualmente postos por este tipo de
motores.
7.1. INTRODUÇÃO
Aspectos construtivos
Em termos mecânicos, os motores alternativos de combustão internam adoptam, na sua
quase totalidade, a solução construtiva ilustrada na Fig. 7.1. Existe uma (ou mais) câmara
cilíndrica, no interior da qual se desloca longitudinalmente um êmbolo.

Fig. 7.1. Representação esquemática da forma construtiva dos motores alternativos


de combustão interna [1].

Na zona encerrada entre a parte superior do êmbolo e a parte superior da câmara


cilíndrica ocorrem os fenómenos e processos mais importantes do motor. É aí, nessa
câmara, que recebe o nome de câmara de combustão, que ocorre a queima do combustível,
com a consequente libertação de calor e expansão violenta dos gases, empurrando o
êmbolo para baixo. O êmbolo encontra-se ligado, na sua parte inferior, e por meio de uma
articulação, a um elemento estrutural, que recebe o nome de biela, que termina numa outra
articulação que o liga, de forma excêntrica, ao veio do motor. O veio do motor com tais
ligações (articulações) excêntricas recebe o nome de cambota.
A entrada do ar para a combustão (e eventualmente o combustível) e a saída dos
gases queimados (gases de escape) ocorrem através de aberturas, que são criadas em
instantes bem definidos e têm durações bem determinadas. Estas aberturas são
providenciadas pelas válvulas, as quais, usualmente, são accionadas mecanicamente, e em
perfeita sincronia com o movimento alternativo do êmbolo a que dizem respeito. As

- 7.2 -
válvulas permanecem normalmente fechadas, por meio de molas, e o seu accionamento é
feito por meio de excêntricos montados num veio (conhecido como árvore de cames),
sendo que a válvula é actuada no sentido da abertura quando a sua base é actuada pelo
ressalto do excêntrico. A sincronização do movimento de abertura e fecho das válvulas
com o movimento alternativo do êmbolo é conseguida por meio de transmissões de
engrenagens ou de ligações sem escorregamento, estabelecidas entre o veio motor e a
árvore de cames. Na Fig. 7.2 pode ser analisado, em corte, um motor alternativo de
combustão interna.

Fig. 7.2. Um motor alternativo de combustão interna, em corte [1].

Uma forma construtiva alternativa é a proposta por Wankel, também conhecida


como motor Wankel, ilustrada na Fig. 7.3.

- 7.3 -
Fig. 7.3. Motor Wankel e o seu funcionamento básico [1].

Neste motor, não há elementos com movimento alternativo, pelo que as velocidades de
rotação que podem ser atingidas são muito maiores. Existe um rotor de forma
(aproximadamente) triangular, cujo movimento de rotação é induzido pela acção de
expansão dos gases de combustão, e que contacta com o veio de saída do motor através de
uma engrenagem de dentado interior. Ao rodar o rotor, roda também o veio do motor. De
notar a particularidade de este motor não necessitar de válvulas: à medida que o rotor
evolui, nas posições adequadas estabelecem-se as ligações adequadas com as condutas de
entrada do ar e de saída dos gases por meio de janelas rasgadas no estator. A vedação na
zona de contacto rotor-estator é um dos grandes problemas postos por esta forma
construtiva.
À partida, qualquer forma construtiva que permita ter câmaras de volume
alternadamente variável pode ser usada como forma construtiva de base para um motor de
combustão interna. No entanto, a forma construtiva que mais é usada, e a que se encontra
mais desenvolvida do ponto de vista tecnológico, é a forma êmbolo-cilindro atrás referida,
e representada na Fig. 7.1. Por esse facto, apenas vai ser esta a forma abordada neste
tratamento.
Durante a fase de queima do combustível desenvolvem-se temperaturas
consideravelmente elevadas. Se tal é favorável do ponto de vista do desempenho
termodinâmico dos motores, não é tão favorável assim do ponto de vista dos materiais que
dão corpo aos componentes que estão sujeitos a essas temperaturas elevadas. Vamos ter
materiais sujeitos a solicitações mecânicas (pressões) elevadas, vindo as suas propriedades
de resistência mecânica degradadas pelas temperaturas elevadas. Daí que interesse manter
os níveis térmicos a que se encontram os materiais dentro de limites aceitáveis, o que leva

- 7.4 -
a providenciar o arrefecimento da parte exterior da câmara onde ocorre a combustão. Esse
arrefecimento pode ar feito por um escoamento forçado de ar, ou então, em motores mais
potentes, por um sistema de arrefecimento a água. A água de arrefecimento extrai calor do
motor, e cede-o ao ar ambiente através de um permutador de calor, usualmente referido
como radiador.

Motores de dois e de quatro tempos


A sequência de operações que têm lugar num motor alternativo, bem como o número de
fases distintas que nele ocorrem, permite estabelecer o número de tempos de um motor.

Motores de quatro tempos


Neste tipo de motores são identificadas quatro fases distintas, ou quatro tempos.

Fig. 7.4. Sequência de operações num motor de 4 tempos [1].

Tomando a Fig. 7.4 como referência, temos:


1. Tempo de admissão. O êmbolo inicia o seu movimento descendente após passar
pela posição extrema superior (ponto morto superior, PMS), a válvula de admissão
abre, e a acção de depressão criada pelo aumento de volume da câmara cilíndrica dá
origem à entrada de ar (ou, eventualmente, de uma mistura ar-combustível) para o
seu interior;
2. Tempo de compressão. O êmbolo chega à sua posição extrema inferior (ponto
morto inferior, PMI), a válvula de admissão fecha e o êmbolo começa o movimento
ascendente. Como não há qualquer abertura, a pressão no interior da câmara
aumenta;

- 7.5 -
3. Tempo de expansão. O êmbolo chega ao PMS, o combustível (que entrou misturado
com o ar, ou que é injectado para o interior da câmara nesse instante) é inflamado,
dá-se a libertação de calor, e a acção de expansão dos gases de combustão força o
êmbolo no movimento descendente. É este o tempo de efectiva produção de
trabalho do motor; é esta a fase em que o êmbolo, no seu movimento forçado no
sentido descendente, força o veio motor a rodar;
4. Tempo de escape. O êmbolo atinge o PMI, a acção de expansão terminou, e a
válvula de escape abre. O êmbolo, no seu movimento ascendente, força os gases de
combustão para fora da câmara. Quando o êmbolo atinge o PMS, a válvula de
escape fecha, e dá-se início a um novo ciclo.

Importa notar que um ciclo compreende quatro tempos, quatro movimentos de


subida-descida do êmbolo, e duas voltas do veio do motor. Nos quatro movimentos do
êmbolo, apenas há um (o do tempo de expansão) que fornece trabalho ao veio do motor. Os
restantes três movimentos são obtidos à custa do movimento do motor, pelo que há
necessidade de armazenar alguma da energia produzida no tempo de expansão para
alimentar o movimento do êmbolo nos restantes tempos. Tal é feito por recurso a um
volante de inércia (uma massa devidamente afastada do centro de rotação) solidário com o
veio do motor. Para além disso, o motor tem que vencer cargas externas que lhe são
impostas. Daqui se compreende que um motor alternativo necessite de um impulso inicial
(manual, pedal, eléctrico, etc.) para entrar em funcionamento, e apenas se mantém em
funcionamento para velocidades de rotação superiores a um valor mínimo crítico.

Motores de dois tempos


Neste tipo de motores são identificadas duas fases distintas, ou dois tempos.

Fig. 7.5. Sequência de operações num motor de 2 tempos [1].

- 7.6 -
Tomando a Fig. 7.5 como referência, temos:
1. Tempo de compressão. O êmbolo, no seu movimento ascendente, fecha as janelas
de admissão e de escape, e efectua a compressão ao ar (ou, eventualmente, da
mistura ar-combustível) na câmara. Entretanto, simultaneamente com a subida do
êmbolo, ocorre uma acção de depressão na câmara existente na sua parte inferior,
com a correspondente entrada de ar (ou, eventualmente, de uma mistura ar-
combustível) para aí.;
2. Tempo de expansão. O êmbolo chega ao PMS, o combustível (que entrou misturado
com o ar, ou que é injectado para o interior da câmara nesse instante) é inflamado,
dá-se a libertação de calor, e a acção de expansão dos gases de combustão força o
êmbolo no movimento descendente. É este o tempo de efectiva produção de
trabalho do motor; é esta a fase em que o êmbolo, no seu movimento forçado no
sentido descendente, força o veio motor a rodar, tal como acontece no caso dos
motores de quatro tempos. Simultaneamente, na câmara localizada sob o êmbolo,
dá-se a compressão do ar (ou da mistura ar-combustível) aí residente. Quando o
êmbolo se aproxima do PMI ficam a descoberto as janelas de admissão e de escape.
O ar (ou mistura ar-combustível) comprimido na câmara inferior é forçada a entrar
na câmara superior, através do canal de transferência e, no seu movimento de
entrada, força os gases de combustão a sair através da janela de escape. O êmbolo
inicia o seu movimento de subida, e dá-se início a um novo ciclo.

Neste caso, um ciclo compreende dois tempos, um movimento de subida e um


movimento de descida do êmbolo, e uma volta do veio do motor. Tudo se passa de modo
análogo ao que foi referido para o caso do motor a quatro tempos, só que agora com a
supressão do tempo de escape, o qual é simultâneo com a fase de admissão, e a admissão
ocorre de modo praticamente instantâneo dada a pré-compressão efectuada na câmara
inferior, abaixo do êmbolo. Temos assim, à partida, uma potência que será o dobro daquela
conseguida com um motor de 4 tempos. Há no entanto, entre outros, que referir a grande
possibilidade de expulsão de parte do combustível durante a fase de admissão e escape, em
que ambas as janelas se encontram simultaneamente abertas.
Na Fig. 7.5 pode constatar-se a existência de articulações, as quais não podem à
partida ser lubrificadas dado essa ser uma zona sujeita a alguma pressão e ao ar (ou a uma
mistura ar-combustível). Um modo de aí fazer chegar óleo lubrificante consiste em o
misturar com o próprio combustível, e daí ser usual o combustível de mistura
(combustível+óleo, nas proporções adequadas) para os motores a dois tempos. A ausência
de uma cárter, com óleo para lubrificação, localizado na parte de baixo do êmbolo, na zona
das articulações mencionadas, leva a que este tipo de motores possa, em princípio,
trabalhar em qualquer posição, situação que nem sempre acontece quando se trata de
motores a 4 tempos.

- 7.7 -
O motor Wankel apresentado na Fig. 7.3 pode ser considerado um motor de 4
tempos, já que, numa rotação do rotor de forma triangular, são identificadas as fases de
admissão, compressão, expansão e escape.

Nomenclatura usual no estudo dos motores alternativos de combustão


interna
Quando se estudam, ou referem, motores alternativos de combustão interna, é comum o
recurso a todo um conjunto de terminologia e conceitos, os quais são aqui abordados ainda
que de uma forma muito resumida.

Elementos mecânicos mais importantes

Fig. 7.6. Designação dos elementos mais importantes de um motor [3].

Tomando como referência a Fig. 7.6, temos:


1. Êmbolo (ou pistão). Componente animado de movimento alternativo, ora animado
pela acção da expansão dos gases quentes, produto da combustão (tempo útil), ora
por acção da própria inércia adquirida pelo motor em funcionamento (tempos não
úteis);
2. Cilindro. Câmara cilíndrica, no interior da qual se desloca, longitudinalmente, o
êmbolo;

- 7.8 -
3. Segmentos. Elementos em forma de anel, que se encontram alojados no êmbolo,
cujo objectivo é tornar mais eficaz a vedação na zona de contacto entre o êmbolo e
a parede interna do cilindro;
4. Cambota, ou veio de manivelas. Trata-se do veio motor, ao qual se encontram
ligados, por meio de articulações excêntricas, os êmbolos. Por questões de
equilíbrio, e dadas as montagens excêntricas referidas, pode conter massas de
equilíbrio;
5. Biela. É o componente que estabelece a ligação entre o êmbolo e a cambota;
6. Válvulas. São compostas por um tronco cilíndrico, ocorrendo a transição gradual
para a forma de disco na sua extremidade inferior. Existem, em princípio, duas por
cada cilindro, uma para a admissão e uma para o escape. Devido à acção das molas,
as válvulas estão normalmente fechadas, isto é, encontram-se fechadas na ausência
de qualquer ordem de comando. Quando se lhe imprime movimento no sentido
longitudinal, dá-se a sua abertura;
7. Árvore de cames, ou eixo de distribuição. Trata-se de um veio, no qual estão
montados excêntricos, e que roda sincronizado com o veio do motor (para um
motor usual a quatro tempos, roda a uma velocidade de rotação que é metade da
velocidade de rotação do motor). Quando o ressalto de um excêntrico toca o tronco
da sua respectiva válvula, ou dispositivos mecânicos que aí fazem chegar essa
acção, dá-se a abertura da válvula contra a compressão da mola. Quando, na
rotação, o ressalto deixa de exercer a sua acção, a válvula fecha por acção da
respectiva mola. Se a acção dos ressaltos se efectua directamente sobre o tronco
cilíndrico das válvulas, a árvore de cames tem que estar localizada de modo a
permitir essa acção directa e, neste caso, diz-se que se tem uma árvore de cames à
cabeça. Há ainda motores que recorrem a mais que uma árvore de cames para
comando das válvulas;
8. Conduta de admissão. Conduta através da qual ocorre a chegada de ar fresco ou,
eventualmente, de uma mistura ar-combustível, ao cilindro, dando-se essa entrada
no cilindro se a respectiva válvula se encontrar aberta;
9. Conduta de escape. Conduta através da qual ocorre a saída dos gases queimados no
interior do cilindro, dando-se essa saída do cilindro se a respectiva válvula se
encontrar aberta;
10. Vela de ignição. No caso de motores a gasolina, é o componente responsável pela
emissão de uma faísca capaz de provocar a inflamação da mistura ar-combustível,
no instante pretendido;
11. Injector. No caso de motores Diesel, é o componente responsável pela injecção do
combustível, sob a forma de uma pulverização fina, no instante pretendido, durante
o tempo pretendido, em cada ciclo;

- 7.9 -
12. Circuito de refrigeração. Para manter a temperatura dos materiais sujeitos a
solicitações térmicas intensas, e a solicitações mecânicas exigentes, dentro de
limites aceitáveis, promove-se o seu arrefecimento. Tal acontece sobretudo
promovendo o arrefecimento do cilindro, por meio de ar ou de água, que circula na
sua parte exterior;
13. Bloco de cilindros, ou bloco do motor. É o bloco mecânico em que se encontram
alojados os cilindros e, eventualmente, outros componentes e acessórios;
14. Cárter. É a parte mais inferior do motor, e que actua como tampa inferior do bloco
do motor. Devido à sua posição, é aí que se recolhe o óleo usado para a lubrificação
do motor, e é daí que uma bomba o aspira e força a circular por todo um conjunto
de canais, de modo a efectuar a lubrificação adequada dos diversos componentes
que a requerem;
15. Culassa. É o bloco onde se encontram montadas as válvulas, as velas de ignição ou
os injectores de combustível e, eventualmente, a árvore de cames, bem como outros
componentes e acessórios. Para efeitos de protecção, é usualmente coberta por uma
chapa na sua parte superior. Do ponto de vista do bloco do motor, actua como a sua
tampa superior.

Algumas definições importantes

Fig. 7.7. Definições geométricas mais importantes num motor [1].

- 7.10 -
Tomando como referência a Fig. 7.7, há que reter algumas definições usuais, introduzidas a
partir do movimento alternativo executado pelo êmbolo:
1. Ponto Morto Superior (PMS). É a posição extrema, mais acima, assumida pelo
êmbolo no seu movimento alternativo;
2. Ponto Morto Inferior (PMI). É a posição extrema, mais abaixo, assumida pelo
êmbolo no seu movimento alternativo;
3. Volume do cilindro. É o maior volume definido pelo conjunto êmbolo-cilindro, isto
é, é o volume da câmara cilíndrica quando o êmbolo se encontra no PMI;
4. Volume da câmara de combustão. É o menor volume definido pelo conjunto
êmbolo-cilindro, isto é, é o volume da câmara cilíndrica quando o êmbolo se
encontra no PMS;
5. Curso. É a distância percorrida, longitudinalmente, pelo êmbolo, entre o PMS e o
PMI;
6. Taxa de compressão. É a relação entre o volume do cilindro e o volume da câmara
de combustão. De outro modo, é a relação entre o volume máximo e o volume
mínimo ditado pelo conjunto êmbolo-cilindro;
7. Cilindrada. É o volume varrido pelo êmbolo numa viagem entre o PMS e o PMI, e
que é obtido como o produto da curso com a área da secção transversal da câmara
cilíndrica.

7.2. CICLOS TÉRMICOS


São de salientar dois ciclos térmicos de especial relevo, que são o ciclo Otto e o ciclo
Diesel.

Ciclo Otto
No ciclo Otto (ciclo teórico dos motores a gasolina) o processo de combustão é tomado
como ocorrendo instantaneamente e, por isso, a volume constante. Uma combustão a
volume constante toma o nome de explosão, e tais motores são usualmente referidos como
motores de explosão. Além disso, assume-se também que o alívio de pressão associado à
fase de escape ocorre instantaneamente, isto é, ocorre a volume constante. As fases de
compressão e expansão são assumidas como muito rápidas, sem que haja tempo para a
ocorrência de trocas de calor significativas nesse curto intervalo de tempo, e são por isso
tomadas como adiabáticas, ou isentrópicas.

- 7.11 -
Fig. 7.8. Ciclo Otto teórico, no diagrama PV e no diagrama TS [2].

O ciclo teórico Otto encontra-se representado na Fig. 7.8, nos diagramas PV e TS. O
tempo de admissão e de escape são coincidentes e encontram-se representados através da
linha a1 na figura.
A aplicação da Primeira Lei da Termodinâmica, aplicada a um ciclo, resulta em

Qciclo = −Wciclo . (7.1)

Como o ciclo Otto é assumido ser efectuado reversivelmente, o calor trocado durante o
ciclo, Qciclo , é dado pela área encerrada pelo ciclo no diagrama TS, visto que

Qciclo = TdS . (7.2)

Por sua vez, o trabalho posto em jogo no ciclo é calculado como

Wciclo = − PdV , (7.3)

ou seja, é dado pela área encerrada pelo ciclo no diagrama PV. Assim sendo, são iguais as
áreas encerradas pelo ciclo Otto no diagrama PV e no diagrama TS.
Assumindo que a substância operante é um gás ideal de calores específicos
constantes (análise fria), e tendo presente que, para um sistema fechado,
U b − U a = Qab + Wab , e que U b − U a = mcv (Tb − Ta ) para um gás ideal, as interacções
energéticas experimentadas durante um ciclo Otto podem ser facilmente calculadas. Os
correspondentes resultados encontram-se resumidos na Tabela 7.1.

Tabela 7.1. Interacções energéticas experimentadas durante um ciclo Otto.

Q W
1-2 0 mcv (T2 − T1 )
2-3 mcv (T3 − T2 ) 0
3-4 0 mcv (T4 − T3 )
4-1 mcv (T1 − T4 ) 0
Σ Qciclo Wciclo

- 7.12 -
A eficiência térmica do ciclo, definida como

Wciclo − Wciclo
η= = . (7.4)
Q23 Q23

vem

T4 − T1 1
η = 1− = 1− , (7.5)
T3 − T2 r −1)

em que r = Vmax Vmin = V1 V2 é a taxa de compressão. O valor da eficiência térmica do


ciclo Otto, para vários valores da taxa de compressão e para vários valores do coeficiente
da adiabática, γ , encontra-se representado na Fig. 7.9. De reter que a eficiência térmica
aumenta com o aumento da taxa de compressão Os valores usuais da taxa de compressão
encontram-se compreendidos entre 6 e 10.

Fig. 7.9. Variação da eficiência térmica do ciclo Otto com a taxa de compressão [2].

Se a substância operante não for um gás ideal, ou se for um gás ideal de calores
específicos variáveis com a temperatura (análise quente), procede-se do mesmo modo, mas
os resultados não podem ser encontrados e expressos de forma tão simples.

Ciclo Diesel
No ciclo Diesel (ciclo teórico dos motores a gasóleo) o processo de combustão é tomado
como ocorrendo durante a fase de expansão, de modo a manter-se constante a pressão. Tais
motores são usualmente referidos como motores de combustão. Uma vez mais, assume-se
também que o alívio de pressão associado à fase de escape ocorre instantaneamente, isto é,
ocorre a volume constante. As fases de compressão e expansão são assumidas como muito
rápidas, sem que haja tempo para a ocorrência de trocas de calor significativas nesse curto
intervalo de tempo, e são por isso tomadas como adiabáticas, ou isentrópicas.

- 7.13 -
Fig. 7.10. Ciclo teórico Diesel, no diagrama PV e no diagrama TS [2].

O ciclo teórico Otto encontra-se representado na Fig. 7.10, nos diagramas PV e TS.
Os tempos de admissão e de escape são coincidentes nos diagramas e não se encontram
representados na figura.
De igual modo ao que foi exposto para o ciclo Otto, continua válida a Eq. (7.1).
Como o ciclo Diesel é assumido ser efectuado reversivelmente, o calor trocado durante o
ciclo é dado pela área encerrada pelo ciclo no diagrama TS, e são iguais as áreas encerradas
pelo ciclo Diesel no diagrama PV e no diagrama TS.
Assumindo que a substância operante é um gás ideal de calores específicos
constantes (análise fria), e as considerações feitas aquando de idêntica análise para o ciclo
Otto, as interacções energéticas experimentadas durante um ciclo podem ser facilmente
calculadas. Os correspondentes resultados encontram-se resumidos na Tabela 7.2.

Tabela 7.2. Interacções energéticas experimentadas durante um ciclo Diesel.

Q W
1-2 0 mcv (T2 − T1 )
2-3 mc P (T3 − T2 ) − P3 (V3 − V2 )
3-4 0 mcv (T4 − T3 )
4-1 mcv (T1 − T4 ) 0
Σ Qciclo Wciclo

A eficiência térmica do ciclo, definida como expresso pela Eq. (7.4), vem

1 rcγ − 1
η = 1− , (7.6)
r (γ −1) γ (rc − 1)

em que r = Vmax Vmin = V1 V2 é a taxa de compressão e

V
rc = 3 (7.7)
V2

- 7.14 -
é usualmente referida como relação de corte.
O termo dentro do parêntesis recto da Eq. (7.6) é sempre superior ou, no limite,
igual à unidade, pelo que, comparando com a Eq. (7.5), se conclui que, para a mesma taxa
de compressão, a eficiência do ciclo Diesel é menor que a eficiência do ciclo Otto. Na
realidade, tal não se passa assim por os motores Diesel operarem com muito maiores taxas
de compressão que os motores Otto. Valores típicos da taxa de compressão andam
próximos de 20. De reter que a eficiência térmica aumenta com o aumento da taxa de
compressão e diminui com o aumento da relação de corte.
Aumentando a relação de corte obtém-se um maior trabalho por ciclo, mas com
uma menor eficiência. Por isso, não é usualmente possível procurar, em simultâneo, o
trabalho máximo e a eficiência máxima. O aumento de um é usualmente obtido com o
sacrifício do outro.
Se a substância operante não for um gás ideal, ou se for um gás ideal de calores
específicos variáveis com a temperatura (análise quente) procede-se do mesmo modo, mas
os resultados não podem ser encontrados e expressos de forma tão simples.

7.3. BALANÇO ENERGÉTICO DE UM MOTOR


Para que se possa fazer uma ideia de quão ineficientes são os motores alternativos de
combustão interna, e se possa ter uma ideia de onde estão localizadas as suas maiores
perdas, que contribuem para uma tão baixa eficiência global, é da maior importância
estabelecer o balanço energético do motor. Um tal balaço energético encontra-se
esquematizado na Fig. 7.11.
Analisando esta figura, concluímos que face a uma dada entrada energética, que é o
produto do caudal mássico de combustível pelo seu poder calorífico inferior, só é possível
obter disponível, no veio do motor, a potência mecânica Pb .Interessa agora procurar
avaliar onde estão as perdas que levam a que este valor energético seja apenas uma
pequena fracção do valor energético de entrada.
Como perdas que podem ser encontradas, sobre o ciclo indicado há a referir:
1. Potência calorífica perdida por transferência de calor entre os gases de combustão e
as paredes da câmara de combustão, Qw ;
2. Potência perdida associada aos gases de escape, H e . Esta potência pode ser
decomposta nas suas várias componentes como: (i) Potência não aproveitada
(perdida) associada a combustível não totalmente queimado, rejeitado nos gases de
escape, H e, ic ; (ii) Potência associada à energia cinética de saída dos gases de
escape, Ee, k ; (iii) Potência calorífica perdida pelos gases de combustão, por
radiação térmica, Qe, r ; (iv) Potência calorífica perdida pelos gases de escape para o

- 7.15 -
fluido de arrefecimento do motor, Qc, e ; e (v) Potência calorífica associada à
entalpia dos gases de escape, expulsos para a atmosfera a uma temperatura elevada,
H e, s , a .

Fig. 7.11. Balanço energético de um motor [1].

Se à prestação do ciclo indicado subtrairmos agora a totalidade das perdas por


atrito, Ptf , encontramos as prestações do motor na sua globalidade, isto é, Pb = Pi − Ptf .
De entre as várias perdas por atrito podemos isolar as perdas por atrito mecânico êmbolo-
cilindro, Ppf , restando as remanescentes para considerar toda e qualquer perda por atrito
diferente desta, incluindo o trabalho de lavagem.
Por fim, podemos agrupar as diferentes perdas de modo a encontrar 4 tipos de
perdas principais, a saber:
1. Potência perdida através do sistema de arrefecimento do motor,
Qcool = Qw + Qc, e + Ppf ;
2. Potência perdida, associada à entalpia (elevada temperatura) de saída dos gases de
escape, H e, s, a ;
3. Potência perdida associada a combustível não totalmente queimado, rejeitado nos
gases de escape, H e, ic ;
4. Potência perdida associada a outras contribuições, Qmisc = Ee, k + Qe, r + ... .

Um aspecto fundamental a reter deste balanço energético é que tudo o que for
pedido ao motor, para auxiliar ao seu próprio funcionamento (trabalho de retorno), resulta
invariavelmente numa diminuição da potência mecânica disponibilizada no veio do motor.
Se pensarmos, por exemplo, no motor de um automóvel, como meio para a sua
auto-locomoção, todos os sistemas de lubrificação, direcção assistida, ar condicionado,
iluminação, limpa-vidros, ventilação do habitáculo, etc., resultam, invariavelmente, numa

- 7.16 -
diminuição da potência disponibilizada pelo motor para a locomoção do veículo. Do ponto
de vista do presente contexto podem ser entendido como perdas, já que actuam
negativamente face ao fim em vista: a locomoção do veículo.

7.4. MOTORES PARA EQUIPAR VEÍCULOS


Os motores alternativos de combustão interna encontram, entre outras, uma vasta aplicação
na locomoção de veículos. Será feita a seguir uma análise resumida das exigências do
motor que equipa um dado veículo quando, para o veículo como um todo, se exigem
determinadas performances.
Considere-se um veículo de massa m, que se desloca com velocidade V ao subir
uma rampa de inclinação α . O veículo desloca-se com atrito de rolamento sobre a rampa,
sendo a força de atrito resultante dada por µ R mg cosα (0.012 ≤ µ R ≤ 0.015) , em que
mg cos α é a força normal exercida pelo veículo sobre a rampa. Há ainda que contar com a
acção viscosa do ar sobre o veículo em movimento, sob a forma de uma força de arrasto
sobre o veículo, dada por (1 2 )C D ρ a A f V 2 , em que ρ a é a massa específica volúmica do
ar, C D é o coeficiente de arrasto do veículo e a A f é a sua área frontal.
A aplicação do princípio de conservação de energia ao veículo fornece que

d 1
m u + V 2 + gy = Wm − Watrito , (7.8)
dt 2

em que Wm é a potência efectivamente disponibilizada para o motor para a locomoção, e


W atrito é a potência dissipada por atrito. De notar que apenas se está a levar em
consideração a energia potencial associada ao movimento de translação do veículo, e não a
energia cinética associada ao movimento de rotação dos seus componentes. Se for para
levar em consideração também esta energia cinética, há que considerar o somatório de
todos os termos do tipo (1 2 )Iϖ 2 , em que I é o momento de inércia de cada um dos
componentes em relação ao seu eixo de rotação, ϖ é a velocidade angular de rotação desse
componente (geralmente relacionada com V através de uma relação linear), e o somatório
se estende a todos os componentes com movimento de rotação.
Admite-se que a massa do veículo não varia (como ele transporta o seu próprio
combustível, a sua massa efectivamente varia, ainda que muito pouco), a sua energia
interna não varia (não interessa, no presente contexto, a energia interna do combustível que
se vai queimando), e calcula-se dy dt = Vsenα . Por seu turno, a potência dissipada por
atrito é calculada como o produto da força de atrito pela velocidade com que é deslocado o
[ ]
seu ponto de aplicação, isto é, Watrito = µ R mg cos α + (1 2 )C D ρ a A f V 2 V .

- 7.17 -
A Eq. (7.8) vem agora

2 dt
( )
1 d 2 W
V + Vgsenα = m − µ R g cos α +
m
1
2m
ρaC D A f V 2 V , (7.9)

ou então

d 2
dt
( ) W 1
V = 2 m − 2 gsenα + 2 µ R g cos α + ρ a C D A f V 2 V .
m m
(7.10)

Fazendo Y = V 2 , esta equação é reescrita como,

dY W 1
= 2 m − 2 gsenα + 2 µ R g cos α + ρ a C D A f Y Y . (7.11)
dt m m

Conhecido o modo de variação de Y com o tempo t, facilmente se determina a variação de


V = Y com t.
Uma vez conhecidos todos os parâmetros desta equação, é possível fazer a sua
integração (por via numérica ou analítica)e daí determinar a curva de aceleração do
veículo, isto é, o modo como a sua velocidade V varia com o tempo t. Especial importância
deve ser dada ao parâmetro Wm m , que é um indicador da relação entre a potência
disponibilizada para a locomoção do veículo e a sua massa. De notar ainda que o facto de a
rampa ser a subir α > 0 e de as forças de atrito se oporem ao movimento leva a que o modo
de variação da velocidade em ordem ao tempo seja menor. De notar também que quanto
maiores forem o coeficiente de arrasto C D e o coeficiente de atrito de rolamento µ R ,
menor é o poder de resposta do veículo em aceleração. De notar ainda que quanto maior for
a massa do veículo menor é a relação Wm m , para uma dada potência W m , e mais lenta
vai ser a variação da velocidade do veículo, isto é, mais se faz notar a acção da inércia do
próprio veículo sobre a sua variação de velocidade, em aceleração.
Numa situação em o veículo se move com velocidade uniforme d V 2 dt = 0[( ) ]
sobre uma estrada plana senα = 0 , cos α = 0 , e a Eq. (7.11) vem

Wm 1
= µR g + ρ aCD A f V 2 V . (7.12)
m 2m

Neste caso, a potência disponibilizada para o motor necessita apenas de alimentar as perdas
por dissipação devidas ao atrito de rolamento com a estrada e ao atrito viscoso de
escoamento através do ar.
De reter que as perdas de potência por atrito viscoso, devido à interacção veículo-ar,
são proporcionais ao cubo da velocidade, e que assumem uma importância tanto maior
quanto maior for o valor da velocidade do veículo. Para que estas perdas sejam baixas, ou o

- 7.18 -
veículo se desloca a baixa velocidade, ou então trata-se de um veículo com uma boa
aerodinâmica, o que se traduz através de um baixo coeficiente de arrasto C D .
É usual referir a potência de um dado motor em cavalos. Neste caso, deve ter-se
presente a seguinte conversão: 1cv⇔735.5W.

7.5. REFERÊNCIAS
1. Heywood, J. B., Internal Combustion Engine Fundamentals, McGraw-Hill, NY, 1988.
2. Wark, K. Jr, Thermodynamics, 5th Ed., McGraw-Hill, NY, 1989.
3. Cunha, C., Máquinas Térmicas, Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto.
4. Grimson, J., Mechanics and Thermodynamics of Fluids, McGraw-Hill, London, 1970.

- 7.19 -
8. INSTALAÇÕES COM TURBINAS DE
GÁS

As instalações com turbinas de gás são consideravelmente diferentes dos motores


alternativos de combustão interna abordados anteriormente, se bem que o objectivo final
básico seja geralmente o mesmo: obtenção de potência mecânica, num veio em rotação. De
salientar, no entanto, uma aplicação de grande importância deste tipo de instalações, que é
a locomoção de veículos, em que assumem especial relevo as suas aplicações em
aeronáutica, podendo ser neste caso de especial importância a elevada energia cinética dos
gases à saída. A substância operante neste tipo de instalações é invariavelmente um gás, ou
uma mistura de gases. Se a substância operante participa no processo de combustão gerador
de calor da instalação, temos uma máquina de combustão interna, ao passo que se a
substância operante não participa no processo de combustão temos uma máquina de
combustão externa. Quanto aos combustíveis, qualquer combustível pode, em princípio,
ser usado. No entanto, em instalações móveis são requeridos combustíveis com elevada
densidade energética, de que são exemplo os combustíveis líquidos e, de entre estes, os
derivados do petróleo. Comparativamente com os motores alternativos de combustão
interna, as pressões atingidas são consideravelmente menores, as velocidades de rotação
são consideravelmente maiores, os caudais envolvidos são também consideravelmente
maiores e o consumo específico de combustível é maior. Não existem, neste tipo de
instalações, câmaras em que haja uma vedação efectiva e a substância operante seja aí
encerrada. A substância operante flui, de modo contínuo, ao longo da instalação, havendo
interacção do fluido com os dispositivos mecânicos aquando da sua passagem através de
pás, de um modo em tudo análogo ao que acontece com o vento a passar através das velas
de um moinho ou das pás de uma turbina eólica.
8.1. INTRODUÇÃO
Funcionamento básico
Basicamente, neste tipo de instalações, e tal como ilustrado na Fig. 8.1, o gás (substância
operante) sofre um processo de compressão (aumento de pressão), num compressor
accionado à custa da potência mecânica disponibilizada pela turbina, após o que é
aquecido, seja por combustão em que participa (combustão interna), seja por recebimento
de calor de qualquer outra fonte (combustão externa). Devido a este aquecimento, o gás
sofre uma forte acção de expansão e é forçado, por isso, para a saída. Neste percurso para a
saída é forçado a atravessar uma turbina de gás, a qual vai extrair grande parte do conteúdo
energético dos gases quentes, que sofrem uma despressurização ao atravessar a turbina.
A potência mecânica disponibilizada pela turbina serve para alimentar o compressor
(e outros elementos essenciais ao funcionamento da instalação tais como, por exemplo, o
sistema de alimentação de combustível), ficando disponível a restante potência para
qualquer utilização pretendida.

Fig. 8.1. Instalação com turbina de gás, aberta para a atmosfera ou então fechada [4].

Se a máquina é de combustão interna, os gases expulsos não podem servir para


participar em nova combustão, pelo que têm que ser rejeitados para a atmosfera. Neste
caso, diz-se que estamos perante uma instalação em circuito aberto. O gás em causa é
invariavelmente o ar antes da câmara de combustão, e uma mistura de produtos de
combustão e ar após a câmara de combustão. O ar é aspirado directamente da atmosfera, e
os gases de combustão são rejeitados para a atmosfera.
Se a máquina é de combustão externa, o gás (substância operante) não altera a sua
composição química no processo de adição de calor, e pode circular um sem-número de
vezes na máquina térmica. Neste caso, diz-se que estamos perante uma instalação em
circuito fechado, e o gás usado não é necessariamente o ar. Nesta situação é, contudo,
necessário ter, interposto na instalação, um sistema para promover o arrefecimento da
substância operante após a saída da turbina, antes de a re-introduzir no compressor.

- 8.2 -
Tal como se pode constatar da Fig. 8.1, os componentes principais de uma
instalação deste tipo são componentes abertos, através dos quais flui a substância operante,
sem que esta esteja, em qualquer instante, aprisionada em qualquer câmara.
Para que a instalação funcione é necessário garantir que esta está a ser atravessada
pela substância operante, o que obriga a que, para arranque da instalação, tenha que ser
fornecido um impulso rotacional inicial.

Aspectos construtivos
As instalações com turbinas de gás podem apresentar diferentes configurações, consoante o
fim a que se destinam. Ainda assim, no núcleo de uma instalação com turbinas de gás é
sempre possível identificar uma zona em que se dá a compressão da substância operante,
seguida do seu aquecimento (usualmente na câmara de combustão), seguida da expansão
da substância operante, geralmente numa turbina. Sempre que a compressão é feita por
recurso a um compressor, a potência para o seu accionamento é garantida pela potência
desenvolvida na turbina.
Quanto ao modo como o escoamento ocorre na turbina, podemos ter turbinas
radiais, em que a substância operante flui essencialmente segundo a direcção radial, isto é,
perpendicularmente ao eixo da turbina, que tem as suas pás com a configuração adequada,
ou então turbinas axiais, em que o fluido escoa essencialmente segundo uma direcção
paralela ao eixo da turbina, tendo as suas pás uma configuração adequada a este tipo de
escoamento. O mesmo se passa para o escoamento através do compressor. Em qualquer
dos casos, as turbinas são geralmente constituídas por fiadas de pás móveis (alojadas no
rotor) seguidas de fiadas de pás fixas (alojadas no estator), servindo as pás fixas para
direccionar o escoamento antes deste dar entrada na próxima fiada de pás móveis.
Quanto ao modo como se dá a transferência de energia dos gases para as pás da
turbina, podemos ter essencialmente dois tipos: turbinas de impulso e turbinas de reacção.
Ainda assim, existe sempre uma componente de reacção nas turbinas, usualmente definida
como grau de reacção.

Turbinas de impulso. Neste caso, o fluido escoa ao longo de uma tubeira, de modo a ser
atirado contra as pás da turbina, resultando a acção de movimento das pás da turbina da
troca de quantidade de movimento que ocorre entre os gases e as pás. O princípio de
funcionamento deste tipo de turbinas pode ser analisado na Fig. 8.2.

Turbinas de reacção. Neste caso, o gás escoa numa tubeira que termina num convergente,
de modo a que o gás seja expulso com uma velocidade consideravelmente elevada. A acção
de expansão assim experimentada resulta numa componente de reacção que é aproveitada
para fazer movimentar as pás da turbina. O princípio de funcionamento deste tipo de
turbinas encontra-se ilustrado na Fig. 8.3 através de um esquema muito simples.

- 8.3 -
Fig. 8.2. Ilustração do princípio de funcionamento das turbinas de impulso [7].

Fig. 8.3. Ilustração do princípio de funcionamento das turbinas de reacção [7].

Uma vez entendidos os princípios de funcionamento destes dois tipos de turbinas,


encontra-se na Fig. 8.4 a representação do escoamento através de conjuntos sucessivos de
fiadas de pás, alojadas alternadamente no rotor e no estator, para estes dois tipos de
turbinas.

- 8.4 -
Fig. 8.4. Ilustração do conjunto de pás de turbina, fixas e moveis, para: (a) Turbina
de impulso; e (b) Turbina de reacção [6].

Quanto à forma geral das instalações envolvendo turbinas de gás, esta pode ser
muito variada, dependendo do fim específico a que se destina a instalação. Na Fig. 8.5
encontra-se representada uma instalação de pequenas dimensões, cujo objectivo é a
disponibilização de potência mecânica para um fim não especificado.

Fig. 8.5. Exemplo de turbina de gás para uma instalação fixa.

Uma situação de uso frequente deste tipo de instalações pode ser encontrada na propulsão
de veículos, dada a relação vantajosa existente entre a potência desenvolvida e o peso da

- 8.5 -
instalação e, em especial, em aeronaves. Na Fig. 8.6 encontra-se representado um motor de
avião, que mais não é que uma instalação com turbina de gás, ainda que com um fim muito
específico.

Fig. 8.6. Exemplo de uma instalação com turbina de gás para propulsão de
aeronaves.

8.2. CICLO DE BRAYTON

Ciclo de Brayton teórico


O ciclo térmico teórico associado a este tipo de máquinas é o ciclo de Brayton.

Fig. 8.7. Ciclo de Brayton teórico [4].

- 8.6 -
Tomando a Fig. 8.7 como referência, temos a seguinte sequência de processos
sofridos pela substância operante: (i) Compressão isentrópica (ou adiabática) 1-2, no
compressor, até ser atingido o máximo valor de pressão no ciclo; (ii) Aquecimento
isobárico 2-3, por participação (câmara de combustão), ou não (permutador de calor), da
substância operante no processo gerador de calor; (iii) Expansão isentrópica 3-4, na
turbina; e (iv) Arrefecimento isobárico 4-1 (se se tratar de uma máquina de combustão
interna, tal corresponde à rejeição dos produtos de combustão para a atmosfera e sua
substituição por ar fresco vindo da atmosfera).

Fig. 8.8. Ciclo de Brayton teórico no diagrama Pv e no diagrama Ts [4].

A aplicação da Primeira Lei da Termodinâmica, aplicada a um ciclo, resulta em


Qciclo = −Wciclo . Como o ciclo de Brayton é assumido ser efectuado reversivelmente, o
calor trocado durante o ciclo, Qciclo , é dado pela área encerrada pelo ciclo no diagrama TS,
visto que Qciclo = TdS . Por sua vez, o trabalho posto em jogo no ciclo é calculado como
Wciclo = − PdV , ou seja, é dado pela área encerrada pelo ciclo no diagrama PV. Assim
sendo, são iguais as áreas encerradas pelo ciclo de Brayton no diagrama Pv e no diagrama
Ts, tal como ilustrado na Fig. 8.8.
As fases de compressão e expansão são assumidas como muito rápidas, sem que
haja tempo para a ocorrência de trocas de calor significativas nesse curto intervalo de
tempo, e são por isso tomadas como adiabáticas, ou isentrópicas. As evoluções da
substância operante durante os processos de aquecimento e de arrefecimento são sempre
acompanhadas de algum decréscimo de pressão (os fluidos escoam espontaneamente no
sentido das pressões decrescentes, sofrendo sempre algum abaixamento de pressão nesse
processo), se bem que a energia associada a estes decréscimos de pressão seja desprezável
face às outras interacções energéticas em presença, no compressor e na turbina.
Os valores máximo e mínimo de pressão são da maior importância para a
caracterização do ciclo de Brayton, sendo a relação entre estes valores conhecida como
relação de pressão,

- 8.7 -
P P P
rP = max = 2 = 3 . (8.1)
Pmin P1 P4

Apesar de se tratar de um ciclo teórico, as conclusões que dele se extraem são


válidas de um ponto de vista qualitativo, sendo por isso uma ferramenta de extrema
utilidade para analisar a influência dos vários parâmetros e condições de operação das
instalações envolvendo turbinas de gás.

Interacções energéticas
É comum, neste tipo de instalações, assumir como desprezáveis as variações na energia
cinética e potencial gravítica da substância operante, pelo que um balanço energético (aos
sistemas abertos que são os seus componentes individuais) se resume a um balanço
entálpico. Nas situações em que esta hipótese não seja válida, tais como, por exemplo,
aplicações das turbinas de gás a sistemas de propulsão, será feita especial referência a esse
facto.
As principais interacções energéticas ocorrem:
1. No compressor, em que não há qualquer interacção energética sob a forma de calor
com o exterior (compressor adiabático),

Wc W12
= = h2 − h1 . (8.2)
m m

2. Na câmara de combustão (ou no permutador de calor), em que não há qualquer


interacção energética com o exterior sob a forma de trabalho mecânico,

Qin Q23
= = h3 − h2 . (8.3)
m m

3. Na turbina, em que não há qualquer interacção energética soba forma de calor com
o exterior (turbina adiabática),

Wt W34
= = h4 − h3 . (8.4)
m m

4. Na rejeição dos produtos de combustão para a atmosfera e sua substituição por ar


fresco, ou no permutador de calor que actua como fonte fria da instalação, em que
não há qualquer interacção energética com o exterior sob a forma de trabalho
mecânico,

Qout Q41
= = h1 − h4 . (8.5)
m m

- 8.8 -
De notar que a utilização, pelo compressor, de parte da potência mecânica
desenvolvida na turbina é uma interacção energética interior à própria instalação, e que não
é observável do exterior. Do exterior apenas são observáveis as interacções energéticas sob
a forma de calor nas fontes quente e fria, Qin e Qout , bem como a potência efectivamente
disponibilizada para o exterior, dada por

Wciclo = Wt + Wc . (8.6)
<0 <0 >0

Recorrendo às Eq. (8.2) e (8.4) obtém-se que

Wciclo Wt Wc
= + = (h4 − h3 ) + (h2 − h1 ) . (8.7)
m m m

A fracção da potência mecânica desenvolvida na turbina que é absorvida pelo


compressor é usualmente conhecida como fracção de trabalho de retorno, definida como

Wc m h −h
f tr = = 2 1 (8.8)
Wt m h3 − h4

tomando esta fracção valores tipicamente próximos de 0.3, ou seja, o compressor absorve
tipicamente para o seu funcionamento 30% da potência mecânica desenvolvida na turbina.
A eficiência térmica do ciclo de Brayton, definida como a relação entre o que a
instalação dá e o que a instalação requer, em termos energéticos, é dada por

Wt + Wc W + Wc (h3 − h4 ) − (h2 − h1 ) h −h
η= =− t = = 1− 4 1 . (8.9)
Qin Qin h3 − h2 h3 − h2

Os termos entálpicos presentes nas equações anteriores podem ser calculados por
recurso a valores disponíveis em tabelas, no caso geral.
Se a substância operante puder ser considerada um gás ideal de calores específicos
constantes, esse cálculo vem simplificado e os resultados são expressáveis através de
relações simples. Se se trata de um gás ideal de calores específicos variáveis com a
temperatura (análise quente), os pontos 1 e 2 localizados sobre uma adiabática estão
relacionados através de equações do tipo da Eq. (2.67), ou seja,

v2 v P2 P
= r2 ou = r2 (8.10)
v1 S v r1 P1 S Pr1

em que v r e Pr são o volume reduzido e a pressão reduzida, cujos valores são obtidos de
tabelas como função apenas da temperatura.

- 8.9 -
Trabalho associado a uma variação de pressão, num sistema aberto
Estamos habituados a calcular o trabalho posto em jogo em processos em que ocorre uma
variação de volume, estando a substância operante encerrada na câmara cujo volume varia
(sistema fechado), como

2 2
W12 = − PdV = −m Pdv (8.11)
1 1

em que v é volume específico mássico, v = V m , sendo m a massa cujo volume varia.


Todavia, no presente caso, estamos perante uma situação em que não é identificável
uma variação de volume (sistema aberto), sendo sim identificável uma variação de pressão.
Logo, será desejável encontrar uma expressão análoga à Eq. (8.11), mas em que a variável
de integração seja a pressão e não o volume.
Se, no dispositivo onde ocorre a variação de pressão (compressor ou turbina), não
há variações significativas na energia cinética nem na energia potencial gravítica, e este
opera em condições de regime permanente, a Primeira Lei da Termodinâmica para um tal
sistema aberto fornece que

0 = Q + Wcv + mh − mh . (8.12)
in out

Dividindo pelo caudal mássico m , o qual é assumido ser o mesmo à entrada e à saída (uma
única entrada e uma única saída), obtém-se

0 = q + wcv − (hout − hin ) . (8.13)

Aplicando agora esta equação a um processo infinitesimal, é possível extrair que, num tal
processo

0 = δq + δwcv − dh . (8.14)

Se o processo for internamente reversível, é possível expressar o termo de calor δq como

δq = Tds = du + Pdv . (8.15)

Por sua vez, como h = u + Pv , dh = du + Pdv + vdP , e a Eq. (8.14) vem

0 = du + Pdv + δwcv − du − Pdv − vdP = δwcv − vdP (8.16)

isto é

- 8.10 -
δwcv = vdP (8.17)

ou então

2
Wcv
(wcv )s = = vdP (8.18)
m s 1

em que o subscrito s pretende reter que se trata de um processo reversível. O resultado da


Eq. (8.18) encontra-se expresso de forma gráfica na Fig. 8.9.

Fig. 8.9. Ilustração gráfica do trabalho posto em jogo numa variação de pressão [4].

Este resultado é de importância fundamental para um melhor entendimento do


funcionamento básico das máquinas térmicas. A Eq. (8.18) estabelece que o trabalho será
tanto maior quanto maior for o volume específico da substância operante, e será também
tanto maior quanto maior for a variação de pressão sofrida. Assim, interessa ter um elevado
volume específico da substância operante quando se trata de porções do ciclo que cedem
trabalho (substância operante a elevada temperatura), e interessa ter um baixo volume
específico da substância operante quando se trata de porções do ciclo que pedem trabalho
(substância operante a baixa temperatura). Logo, procura-se ter um elevado volume
específico nas fases de expansão (substância operante a elevada temperatura ,conseguida
por aquecimento, na expansão), e um baixo volume específico nas fases de compressão
(substância operante a baixa temperatura, conseguida por arrefecimento, na compressão).

- 8.11 -
Caso de a substância operante ser um gás ideal de calores específicos
constantes

Interacções energéticas
Neste caso, e como a entalpia de um gás ideal é função apenas da temperatura, as
interacções energéticas dadas pelas Eqs. (8.2)-(8.5) vêm, respectivamente,

Wc
= c P (T2 − T1 ) . (8.19)
m
Qin
= c P (T3 − T2 ) . (8.20)
m
Wt
= c P (T4 − T3 ) . (8.21)
m
Qout
= c P (T1 − T4 ) . (8.22)
m

De referir ainda que, para um gás ideal c P − cv = R , e, para o caso de serem os


calores específicos constantes, γ = c P cv , pelo que

γ
cP = R. (8.23)
γ −1

As interacções energéticas sob a forma de trabalho mecânico podem ser calculadas


em função da temperatura, tal como dado pelas Eq. (8.19) e (8.21), ou então em função dos
valores de pressão envolvidos.
Notando que, sobre uma adiabática executada por um gás ideal é válida a relação
TP (γ −1) γ , em que γ = c P cv é o coeficiente da adiabática, conclui-se que

(γ − 1) γ
(1 − γ ) γ = T P (1 − γ ) γ P2
T1 P1 2 2 T 2 = T1 (8.24)
P1

(γ −1) γ
(1− γ ) γ = T P (1− γ ) γ P2
T3 P3 4 4 T3 = T4 . (8.25)
P1

Introduzindo os resultados das Eq. (8.24) e (8.25) nas Eq. (8.19) e (8.21), respectivamente,
conclui-se que

(γ −1) γ
Wc
m
P
= c P T1 2
P1
− T1 =
γ −1
γ
[(
RT1 rP
γ −1) γ
−1 ] (8.26)

- 8.12 -
(γ −1) γ
Wt
m
P
= c P T4 − T4 2
P1
=−
γ
γ −1
[(
RT4 rP
γ −1) γ
]
−1 . (8.27)

Outro modo de obter o valor destas interacções energéticas é proceder como


indicado pela Eq. (8.18). Para o compressor vem

2 2
Wc
m
= vdP =C P −1 γ dP =
C
1
[P (
2
γ −1) γ
− P1 ]
γ −1
1 p [
(γ −1) γ = γ RT r (γ −1) γ − 1 (8.28) ]
1 1 − +1
γ

resultado igual ao expresso pela Eq. (8.26). Pela mesma via, só que agora integrando entre
os pontos 3 e 4, se pode obter o trabalho desenvolvido na turbina, chegando-se ao mesmo
resultado expresso pela Eq. (8.27).
As interacções energéticas experimentadas durante o ciclo de Brayton, realizado por
um gás ideal de calores específicos constantes, encontram-se resumidas na Tabela 8.1.

Tabela 8.1. Interacções energéticas experimentadas durante um ciclo de Brayton.

Q m W m
1-2 0
γ −1
γ
RT1 rP [( γ −1) γ
]
−1

2-3 c P (T3 − T2 ) 0
3-4 0 −
γ
γ −1
[(
RT4 rP
γ −1) γ
−1 ]
4-1 c P (T1 − T4 ) 0
Σ (Q m)ciclo ( )
W m ciclo

De reter que, nas expressões anteriores, R é a constante particular do gás, obtida


dividindo a constante Universal dos gases pela massa molar do gás em questão.

Eficiência térmica do ciclo


A eficiência térmica dada pela Eq. (8.9) é calculada como

c P (T3 − T4 ) − c P (T2 − T1 ) T −T
η= = 1− 4 1 (8.29)
c P (T3 − T2 ) T3 − T2

expressão que não é mais que

Wt + Wc Qin + Qout Qin + Qout Q Qout


η= = = = 1 + out = 1 − . (8.30)
Qin Qin Qin Qin Qin

- 8.13 -
Dividindo os resultados das Eq. (8.24) e (8.25) chega-se a que

T3 T4
= . (8.31)
T2 T1

A expressão da eficiência térmica do ciclo, Eq. (8.29), pode ser re-arranjada tendo presente
o resultado da Eq. (8.31), como

T4 − T1 T T T −1 T
η = 1− = 1− 1 4 1 = 1− 1 . (8.32)
T3 − T2 T2 T3 T2 − 1 T2

Usualmente, o parâmetro mais significativo de um ciclo de Brayton é a relação de


pressão, rP , pelo que há todo o interesse em expressar a eficiência térmica do ciclo em
função deste parâmetro. Para tal, basta recorrer à Eq. (8.24) e re-escrever a Eq. (8.32) como

T1 − (γ −1) γ
η = 1− = 1 − rP (8.33)
T2

resultado cuja expressão gráfica se encontra na Fig. 8.10 para o caso de γ = 1.4 . Daí se
conclui que quanto maior a relação de pressão maior a eficiência térmica do ciclo, pelo que
são desejáveis elevados valores deste parâmetro para assim obter ciclos mais eficientes.

Fig. 8.10. Eficiência térmica do ciclo de Brayton realizado por um gás ideal de
calores específicos constantes, em função da relação de pressão [4].

No entanto, há que ter presente que maiores relações de pressão implicam maiores relações
de temperatura, sendo especialmente importante a temperatura máxima atingida no ciclo,
T3 , à qual vai estar sujeita a zona da entrada da turbina. Devido ao limite metalúrgico
imposto pelos materiais de que é construída, o limite máximo para esta temperatura anda
actualmente pelos 1700K (≈1400ºC), e assim surge um limite para a relação de pressões
máxima actualmente praticável sem pôr em risco a integridade mecânica da turbina.

- 8.14 -
Máxima eficiência e máxima potência mecânica para uma dada temperatura máxima
à entrada da turbina

Fig. 8.11. Influência de diferentes relações de pressão, para uma mesma temperatura
à entrada da turbina [4].

Uma vez estabelecida, por limitações metalúrgicas, a temperatura máxima admissível na


turbina, podem pôr-se as seguintes questões: (i) Qual a relação de pressão a usar, de modo
a maximizar a eficiência térmica do ciclo? (ii) Qual a relação de pressão a usar, de modo a
maximizar a potência mecânica disponibilizada pelo ciclo?
Tal como se pode constatar da Fig. 8.11, estes objectivos são antagónicos, isto é,
uma vez ditada a temperatura máxima admissível para a turbina, T3 , a tentativa de obter
um ciclo de elevada eficiência térmica (maior relação de pressão) é acompanhada de uma
menor potência desenvolvida, por unidade de caudal mássico, ao passo que a procura de
uma elevada potência desenvolvida, por unidade de caudal mássico (maior área num
diagrama Pv ou num diagrama Ts), é acompanhada de uma menor eficiência térmica do
ciclo. O ciclo mais eficiente pode desenvolver a mesma potência, em absoluto, que o ciclo
menos eficiente, só que, para o poder fazer é necessário aumentar o caudal mássico da
substância operante envolvida e, consequentemente, ter uma instalação mais corpulenta.
Instalações que se pretendem pequenas e leves são permitidas operar com mais
baixas eficiências térmicas, sendo aí o objectivo primordial a sua operação de modo a
maximizar o trabalho mecânico desenvolvido por ciclo, com menores caudais mássicos
envolvidos. Por outro lado, nas instalações fixas em que a corpulência da instalação não é
um problema, procura-se operar nas condições conducentes à máxima eficiência térmica do
ciclo (melhor conversão da potência calorífica em potência mecânica).

- 8.15 -
Maximização do trabalho desenvolvido por ciclo, por unidade de massa
Assumindo uma substância operante de calores específicos constantes, a potência
desenvolvida, por unidade de caudal mássico, é dada por

W
= (h4 − h3 ) + (h2 − h1 ) = c P [(T4 − T3 ) + (T2 − T1 )] < 0 (8.34)
m
<0 >0

ou então, em termos apenas do módulo do valor da potência desenvolvida, por unidade de


caudal mássico,

W
= c P [(T3 − T4 ) − (T2 − T1 )] . (8.35)
m

Esta equação pode ser re-escrita como

W T T T T
= c P T1 3 − 4 3 − 2 + 1 (8.36)
m T1 T3 T1 T1

ou então, fazendo uso das Eq. (8.24) e (8.25),

(γ −1) γ (γ −1) γ
W T T P P
= c P T1 3 − 3 1 − 2 +1 . (8.37)
m T1 T1 P2 P1

O valor da relação de pressão, P2 P1 , que maximiza este valor é obtido através da


expressão

∂W m (2γ −1) γ −1 γ
γ − 1 T3 P1 P
= c P T1 − 2 =0 (8.38)
∂ (P2 P1 ) γ T1 P2 P1

de onde se obtém que W m é máximo quando a relação de pressão é

γ [2(γ −1)]
P2 T
= 3 . (8.39)
P1 T1

Se se obtiver o valor da segunda derivada de W m em ordem a P2 P1 facilmente se


constata que se trata de um valor negativo, isto é, o a relação de pressão dada pela Eq.
(8.39) conduz efectivamente a um máximo de W m .
A substituição deste resultado na Eq. (8.37) conduz a que, uma vez imposta a
temperatura máxima, T3 ,

- 8.16 -
2
W T3
= c PT1 −1 . (8.40)
m máx T1

A eficiência do ciclo correspondente a esta máxima potência desenvolvida, por unidade de


caudal mássico, é obtida como sendo

12
T1
(η ) W m = 1− . (8.41)
máx T3

Maximização da eficiência térmica do ciclo


Atendendo à expressão a partir da qual se obtém a eficiência térmica do ciclo, Eq. (8.33),
facilmente se conclui que essa eficiência é máxima quando P2 P1 → ∞ , não havendo, no
entanto, componentes mecânicos que suportem uma tal relação de pressão.
Todavia, há que reter que estamos perante uma situação em que a temperatura
máxima é imposta, pelo que a corrente gasosa não pode ser comprimida a uma pressão que
induza um aumento de temperatura que corresponda a uma temperatura maior que essa
temperatura máxima. Os postos 1 e 2 localizam-se sobre uma adiabática, pelo que

T1P1
(1−γ ) γ = T P (1−γ ) γ (8.42)
2 2

em que, no limite, T2 = T3 , isto é

γ (γ −1)
P2 T
= 3 . (8.43)
P1 máx T1

Nesta situação,

T1
η = η máx = 1 − (8.44)
T3

um valor manifestamente superior ao dado pela Eq. (8.41).


Introduzindo agora o valor de relação de pressão dado pela Eq. (8.43) na Eq. (8.37),
para assim se obter a correspondente potência desenvolvida, por unidade de caudal
mássico, chega-se a que

W
=0 (8.45)
m

ou seja, estamos perante um ciclo extremamente eficiente mas que não fornece nenhum
trabalho útil, o que é, manifestamente, uma situação limite indesejável.

- 8.17 -
Assim, numa situação prática, há a necessidade de compatibilizar os valores da
eficiência térmica do ciclo com a potência desenvolvida, por unidade de caudal mássico,
não se podendo pretender, em simultâneo, elevados valores para ambos.
As conclusões extraídas permanecem válidas também para a situação em que os
calores específicos do gás não são constantes, não podendo no entanto o cálculo ser
efectuado de uma forma tão simples pois é necessário levar em consideração o modo como
a temperatura afecta os calores específicos.

Ciclo de Brayton real: identificação de perdas


Na realidade, os fluidos são viscosos, manifestando-se uma perda energética traduzida num
abaixamento de pressão quando estes fluem em qualquer componente da instalação.
Verifica-se também que o compressor e a turbina não são máquinas perfeitas, isto é, neles
não acontece uma igualdade estrita entre a variação de entalpia sofrida pelo fluido e a
potência mecânica recebida ou fornecida, respectivamente. Estas perdas significam, em
termos termodinâmicos, irreversibilidades presentes no sistema, a que estão associados
termos de geração de entropia.

Fig. 8.12. Irreversibilidades presentes no ciclo de Brayton real: (a) No compressor,


na turbina, na câmara de combustão e na fonte fria; e (b) Principais
irreversibilidades, no compressor e na turbina [4].

Em termos reais, passa-se algo parecido com o que se encontra ilustrado na Fig.
8.12, havendo uma abaixamento de pressão quando a substância operante evolui em
contacto com a fonte quente e em contacto com a fonte fria, acompanhada de um aumento
de entropia do fluido face à situação de reversibilidade. De igual modo, a compressão, no
compressor, bem como a expansão, na turbina, ocorrem acompanhadas por um aumento de
entropia. As evoluções acompanhadas de irreversibilidade são representadas a traço
interrompido nos diagramas devido ao facto de, em rigor, aí a penas se poderem representar
sucessões de estados de equilíbrio, o que não acontece quando há irreversibilidades
presentes.

- 8.18 -
Interessa no entanto reter que as maiores irreversibilidades, em termos relativos,
acontecem no compressor e na turbina pelo que, na generalidade dos casos, os cálculos
apenas contemplam estas irreversibilidades e tomam como desprezáveis as
irreversibilidades presentes na fonte quente e na fonte fria.
A existência de irreversibilidades leva a que todos os dispositivos sejam menos
performantes que no caso de não existirem irreversibilidades, isto é, um compressor real
(irreversível) necessita de uma maior potência para o seu accionamento que um compressor
ideal (reversível), ao passo que uma turbina real (irreversível) cede ao exterior uma menor
potência mecânica que no caso de se tratar de uma turbina ideal (reversível). Para avaliar o
quanto se afasta o desempenho de um componente real do seu equivalente ideal define-se a
eficiência isentrópica desse componente. Neste caso, o modo de quantificar a eficiência
isentrópica depende do facto de se tratar de um dispositivo que absorve energia mecânica
ou de um dispositivo que cede energia mecânica.
Para um dispositivo que recebe energia mecânica, tal como um compressor, define-
se a eficiência isentrópica como

(Wc m)s h −h
ηc = = 2s 1 ≤ 1 (8.46)
(Wc m) h2 − h1

ao passo que para um dispositivo que cede energia mecânica, tal como uma turbina, esta
eficiência é definida como

ηt =
(Wt m) =
h4 − h3
≤1 (8.47)
(Wt m)s h4 s − h3

em que se faz uso do índice s para identificar as evoluções isentrópicas bem como os
pontos atingidos por evoluções isentrópicas.

8.3. TÉCNICAS PARA MELHORAR O DESEMPENHO DAS


INSTALAÇÕES COM TURBINAS DE GÁS
O ciclo de Brayton surge como a base para o funcionamento das instalações com turbinas
de gás, se bem que haja um conjunto de técnicas que lhe podem ser adicionadas com o
objectivo de melhorar a performance global das instalações. A implementação destas
destas técnicas resulta numa maior complexidade da instalação, e tal é viável sobretudo em
instalações fixas de dimensão considerável, em que não há, à partida, limitações de espaço
e de peso, e o período de retorno dos investimentos é manifestamente menor devido às
melhores performances conseguidas.

- 8.19 -
Arrefecimento interno das pás da turbina
A eficiência térmica de uma instalação será tanto mais elevada quanto mais elevada for a
temperatura a que se encontra sujeita a corrente gasosa à entrada da turbina (temperatura da
fonte quente) a qual é, no entanto, limitada por razões metalúrgicas. Com o objectivo de ter
a maior temperatura possível na turbina, mas sem a fazer perigar do ponto de vista da sua
integridade mecânica, é comum o recurso a turbinas com pás arrefecidas internamente,
sendo os processos de arrefecimento usados de vários tipos. Conseguem-se deste modo
instalações bastante eficientes e íntegras do ponto de vista mecânico, se bem que à custa de
uma complexidade acrescida da turbina e, em particular, das suas pás.

Regeneração
A temperatura dos gases à saída da turbina é ainda, na generalidade dos casos, bem
superior à temperatura que se verifica à saída do compressor, pelo que o aproveitamento de
parte do calor presente nos gases à saída da turbina para aquecer os gases antes de estes
entrarem em contacto com a fonte quente resulta numa menor potência calorífica requerida
à fonte quente. Com este procedimento consegue-se assim melhorar a eficiência global da
instalação. Este procedimento encontra-se ilustrado na Fig. 8.13.

Fig. 8.13. Implementação da regeneração num ciclo de Brayton [4].

A temperatura dos gases à saída da turbina é T4 , ao passo que a temperatura dos


gases à saída do compressor é T2 . Existe pois, em princípio, a possibilidade de os gases à
saída do compressor sofrerem um aumento de temperatura de T2 a T4 , e só depois
entrarem na câmara de combustão. Como os gases aí entram mais quentes, menos energia
necessita ser fornecida para ser atingida a temperatura T3 .
No entanto, para que se consiga este máximo aquecimento possível dos gases, T2 a
T4 , é necessário um regenerador de dimensões infinitas e, por isso, não compatível com o
equipamento real que se tem. Logo, do máximo aquecimento possível apenas é possível

- 8.20 -
efectuar uma parte, pelo que a variação de entalpia experimentada pela corrente gasosa à
saída do compressor não é a maior possível, (h4 − h2 ) , mas apenas uma fracção deste
valor, (h x − h2 ) . A relação

∆hreal hx − h2
η reg = = . (8.48)
∆hmáx h4 − h2

recebe por isso o nome de efectividade do regenerador.

Fig. 8.14. Perfil de temperatura num regenerador: (a) (Real); e (b) Ideal [4].

Obviamente, se a corrente gasosa à saída do compressor sofreu um aumento de entalpia


(hx − h2 ) > 0 , a corrente gasosa à saída da turbina sofreu como consequência dessa troca
( )
uma perda de entalpia h y − h4 < 0 .
A potência calorífica cedida pela fonte quente, por unidade de caudal mássico
envolvido, é agora menor, sendo obtida como

QH
= h3 − h x . (8.49)
m

Por seu turno, a eficiência térmica do ciclo é obtida como

(h4 − h3 ) + (h2 − h1 )
η=− (8.50)
h3 − hx

equação que pode ser re-escrita como

(h4 − h3 ) + (h2 − h1 ) .
η=− (8.51)
h3 − h2 − η reg (h4 − h2 )
>0

- 8.21 -
Assim, face à situação em que não há regeneração, há uma diminuição no
denominador da expressão da eficiência térmica e, por isso, a eficiência térmica vem
melhorada, sendo tanto maior quanto maior for a efectividade do regenerador. Na situação
hipotética de um regerador de efectividade unitária a eficiência térmica viria

(h − h3 ) + (h2 − h1 ) h −h
(η )η reg =1 =− 4 = 1− 2 1 . (8.52)
h3 − h2 − (h4 − h2 ) h3 − h4

Compressão em vários estágios, com arrefecimento intermédio


Durante o processo de compressão os gases sofrem um aumento acentuado de temperatura,
sendo que esse aumento de temperatura leva a uma expansão dos gases, o que contraria o
processo de compressão que se pretende efectuar. Um modo de diminuir o trabalho
necessário para efectuar o processo de compressão, e assim melhorar a eficiência térmica
da instalação, consiste em efectuar a compressão em vários estágios, com um arrefecimento
da substância operante entre cada dois estágios de compressão consecutivos. A situação em
que se usam dois estágios de compressão, com um arrefecimento intermédio da substância
operante, pode ser encontrada na Fig. 8.15.

Fig. 8.15. Compressão em dois estágios, com um arrefecimento intermédio [4].

- 8.22 -
Desta figura resulta evidente o aumento da área encerrada pelo ciclo, ou seja, da
potência desenvolvida, por unidade de caudal mássico. No diagrama Pv resulta evidente a
diminuição do trabalho gasto no processo de compressão, representando a área tracejada a
redução conseguida com o arrefecimento intermédio entre dois estágios de compressão
consecutivos. A máxima redução conseguida é aquela que corresponde a uma compressão
isotérmica, ao longo da isotérmica correspondente a T = T1 . Será visto mais adiante que a
isotérmica é, efectivamente, o limite a que corresponde o menor trabalho de compressão.
De reter que a temperatura mínima que se pode obter no arrefecimento é à partida
igual à temperatura de entrada dos gases na instalação, isto é, igual a T1 . A obtenção de
temperaturas inferiores a T1 , a temperatura ambiente, requer o uso de sistemas de
refrigeração, com os seus próprios custos de operação.
Do ponto de vista energético, importa ter presente que há um abaixamento entálpico
da corrente gasosa quando esta atravessa o arrefecedor intermédio, abaixamento este que
corresponde a uma interacção energética com o exterior sob a forma de calor cedido, sendo
a potência de compressão, por unidade de caudal mássico, calculada como
Wc m = (hc − h1 ) + (h2 − hd ) .
Para a situação geral em que há N estágios de compressão, com N − 1 estágios de
arrefecimento intermédio, em que à saída de cada estágio de arrefecimento a temperatura é
sempre a mesma e igual a T1 , e à saída de cada estágio de compressão é sempre a mesma e
igual a T2 , é possível encontrar a relação entre as pressões de cada dois estágios de
compressão consecutivos de modo a minimizar o trabalho dispendido na compressão, no
caso de se estar perante uma substância operante que se comporta como um gás ideal de
calores específicos constantes. Como a temperatura conseguida em cada arrefecimento
intermédio é T1 , sendo esta temperatura a temperatura atmosférica (a menor possível de
obter na instalação), tal corresponde a estarmos perante um permutador de calor com uma
efectividade unitária, isto é, no qual ocorre a maior permuta de calor que é possível ocorrer,
acompanhada da maior variação de temperatura dos gases que é possível ocorrer.
Na situação enunciada, se a temperatura à entrada de um estágio de compressão é
T1 e à saída desse estágio de compressão é T2 , atendendo que o processo de compressão é
isentrópico, pode escrever-se que

T1γ Pi1−γ = T2γ Pi1+−1γ (8.53)

em que i e i + 1 são dois patamares de pressão consecutivos, neste processo de compressão


em estágios. Como T1 e T2 são os mesmos para quaisquer dois patamares de pressão
consecutivos, temos que

γ (γ −1)
Pi +1 T
= 2 = C te (8.54)
Pi T1

- 8.23 -
ou seja

Pi P
= i +1 = C te (8.55)
Pi −1 Pi

de onde se extrai que

Pi = Pi −1 Pi +1 (8.56)

isto é, a pressão intermédia entre cada dois valores de pressão Pi −1 e Pi +1 é a média


geométrica desses valores de pressão.
Se se considerar agora o que se passa em termos da energia dispendida neste
processo de compressão entre Pi −1 e Pi +1 , por unidade de caudal mássico, tomando a Fig.
8.15 como referência, e assumindo que a eficiência isentrópica de todos os estágios de
compressão é a mesma e igual a η c , temos que

Wc (hc − h1 ) (h2 − hd )
= + (8.57)
m ηc ηc

ou então, expressando as entalpias em função da temperatura (gás ideal)

Wc c P
= [(Tc − T1 ) + (T2 − T1 )] = c P T1 Tc + T2 − 2 (8.58)
m ηc ηc T1 T1

notando que Td = T1 . No entanto, como os pontos 1 e c estão na mesma adiabática, e os


pontos d e 2 estão sobre uma outra adiabática, facilmente se conclui que

(γ −1) γ (γ −1) γ
Tc P T2 P2
= int = (8.59)
T1 P1 Td Pint

pelo que a Eq. (8.58) vem

(γ −1) γ (γ −1) γ
Wc c P Pint P2
= T1 + −2 . (8.60)
m ηc P1 Pint

O valor da pressão intermédia que minimiza a potência dispendida na compressão, por


unidade de caudal mássico, é o valor que anula a primeira derivada da expressão presente
na Eq. (8.60), isto é, é encontrado de

(γ −1) γ (γ −1) γ
∂ cP Pint P2
T1 + −2 =0 (8.61)
∂Pint η c P1 Pint

- 8.24 -
de onde se obtém que

Pint = P1P2 . (8.62)

Assim, constata-se que a pressão intermédia dada pela Eq. (8.56) é aquela que minimiza o
trabalho de compressão.
Em geral, para N estágios de compressão, com N − 1 estágios de arrefecimento
intermédio, mantendo-se constante a relação de pressão entre cada dois estágios
consecutivos, temos que

PN +1 P P3 P2
= N = ... = = =r (8.63)
PN PN −1 P2 P1

ou seja

P2 = rP1
P3 = rP2 = r 2 P1
(8.64)
...
PN +1 = r N P1

tendo presente que, para N estágios de compressão existem N + 1 níveis de pressão. Da


última destas equações extrai-se que a relação de pressão, entre cada dois estágios de
compressão consecutivos, que minimiza o trabalho de compressão é

1N 1N
P P
r = N +1 = max . (8.65)
P1 Pmin

O trabalho de compressão associado a N estágios de compressão intermédia, cada


um deles com uma eficiência isentrópica η c , vem, atendendo aos resultados expressos na
Tabela 8.1,

N
Pf
N (γ −1) γ
RT1 N
Wc
=
m N i =1
vdP =
γ RT1
γ − 1 ηc
Pf
Pi
−1 =
γ
γ − 1 ηc
[r (γ −1) γ
]
− 1 .(8.66)
Pi i =1 i =1

ou seja

Wc
m N
=N
γ RT1 (γ −1) γ
γ − 1 ηc
r −1 [ ] (8.67)

ou ainda, atendendo à expressão de r dada pela Eq. (8.65)

- 8.25 -
(γ −1) (γN )
Wc γ RT1 Pmax
=N −1 . (8.68)
m N γ − 1 ηc Pmin

Por aplicação da regra de L´Hospital facilmente se constata que, na situação em que


se tem um número infinito de estágios de compressão, com um arrefecimento intermédio
tal como o descrito entre cada dois estágios de compressão consecutivos, facilmente se
constata da Eq. (8.68) que

(γ −1) (γN )
γ RT1 Pmax RT1 Pmax
lim N −1 = ln . (8.69)
N → +∞ γ − 1 ηc Pmin ηc Pmin

Esta situação limite de um muito grande número de estágios de compressão com


arrefecimento intermédio, em que, em cada arrefecimento intermédio se atinge a
temperatura T1 , é equivalente a ter uma compressão isotérmica à temperatura T1 .
De notar que este valor não é mais que a potência posta em jogo numa compressão
isotérmica num só estágio, entre Pmin e Pmax , por unidade de caudal mássico, em que o
compressor tem uma eficiência isentrópica η c , o qual pode também ser calculado como

máx P máx P
Wc 1 1 RT P
= vdP = vdP = 1 ln max . (8.70)
m T ηc ηc ηc Pmin
Pmin Pmin

O facto de a compressão em vários estágios, com um arrefecimento intermédio


entre cada dois estágios de compressão consecutivos, conduzir a uma redução efectiva do
trabalho necessário para o processo de compressão, leva a que seja um processo muito
usado quando há processos de compressão envolvidos, sendo frequente a designação de
intercooler para o arrefecedor intermédio. Na prática, no entanto, o número de estágios de
compressão é um número muito pequeno.

Expansão em vários estágios, com re-aquecimento intermédio


Durante o processo de expansão os gases sofrem um abaixamento acentuado de
temperatura, sendo que esse abaixamento de temperatura leva a que diminua o potencial
para deles se extrair acção mecânica sobre as pás da turbina por acção da expansão.
Acontece aqui o contrário do que acontece no compressor, só que na turbina pretendemos
maximizar o trabalho por ela fornecido, ao passo que no compressor queremos minimizar o
trabalho por ele requerido. Um modo de melhorar a eficiência térmica da instalação
consiste em efectuar a expansão em vários estágios, com um re-aquecimento da substância
operante entre cada dois estágios consecutivos. A situação em que se usam dois estágios de

- 8.26 -
expansão, com um re-aquecimento intermédio da substância operante, pode ser encontrada
na Fig. 8.16. Desta figura resulta evidente o aumento da área encerrada pelo ciclo, ou seja,
da potência desenvolvida, por unidade de caudal mássico.
De reter que, no máximo, e devido à temperatura máxima admissível na turbina, a
temperatura máxima que se pode obter no re-aquecimento é, à partida, T3 .
Do ponto de vista energético, importa ter presente que há um aumento entálpico da
corrente gasosa quando esta atravessa o re-aquecedor intermédio, aumento este que
corresponde a uma interacção energética com o exterior sob a forma de calor recebido,
sendo a potência de expansão, por unidade de caudal mássico, calculada como
Wt m = (ha − h3 ) + (h4 − hb ) .

Fig. 8.16. Expansão em dois estágios, com um re-aquecimento intermédio [4].

Para a situação geral em que há N estágios de expansão, com N − 1 estágios de re-


aquecimento intermédio, em que à saída de cada estágio de re-aquecimento a temperatura é
sempre a mesma e igual a T3 , e à saída de cada estágio de expansão é sempre a mesma e
igual a T4 , é agora possível encontrar a relação entre as pressões de cada dois estágios de
expansão consecutivos de modo a maximizar o trabalho obtido na expansão, no caso de se
estar perante uma substância operante que se comporta como um gás ideal de calores
específicos constantes. Os resultados que se obtêm são em tudo idênticos aos obtidos para
o caso de uma compressão em vários estágios com arrefecimento intermédio, com a
diferença de agora estarmos a maximizar o trabalho mecânico obtido no processo de
expansão.
Na situação enunciada, se a temperatura à entrada de um estágio de expansão é T3 e
à saída desse estágio de compressão é T4 , atendendo que o processo de expassão é
isentrópico, pode escrever-se que

T3γ Pi1−γ = T4γ Pi1+−1γ (8.71)

- 8.27 -
em que i e i + 1 são dois patamares de pressão consecutivos, neste processo de expansão
em estágios. Como T3 e T4 são os mesmos para quaisquer dois patamares de pressão
consecutivos, temos que

γ (γ −1)
Pi +1 T
= 4 = C te (8.72)
Pi T3

ou seja

Pi P
= i +1 = C te (8.73)
Pi −1 Pi

de onde se extrai que

Pi = Pi −1 Pi +1 (8.74)

isto é, a pressão intermédia entre cada dois valores de pressão Pi −1 e Pi +1 é a média


geométrica desses valores de pressão, tal como para o caso da compressão em estágios com
arrefecimento intermédio.
De um modo análogo ao que foi feito para o caso da compressão em estágios com
arrefecimento intermédio, facilmente se encontra que pressão intermédia dada pela Eq.
(8.74) é aquela que maximiza o trabalho de expansão.
De um modo análogo se encontra também que, no caso de haver N estágios de
expansão, com N − 1 estágios de re-aquecimento intermédio, mantendo-se constante a
relação de pressão entre cada dois estágios consecutivos, temos resultados idênticos aos
expressos pelas Eq. (8.63) a (8.65).
O trabalho de expansão associado a N estágios de expansão intermédia, cada um
deles com uma eficiência isentrópica ηt , vem, atendendo aos resultados expressos na
Tabela 8.1,

Wt
m N
= −η t N
γ
γ −1
[
RT3 r (γ −1) γ − 1 ] (8.75)

ou então, atendendo à expressão da relação entre pressões,

(γ −1) (γN )
Wt γ Pmax
= −η t N RT3 −1 . (8.76)
m N γ −1 Pmin

Por aplicação da regra de L´Hospital facilmente se constata que, na situação em que


se tem um número infinito de estágios de expansão, com um re-aquecimento intermédio tal

- 8.28 -
como o descrito entre cada dois estágios de expansão consecutivos, facilmente se constata
da Eq. (8.76) que

(γ −1) (γN )
γ Pmax Pmax
lim − ηt N RT3 −1 = −ηt RT3 ln . (8.77)
N → +∞ γ −1 Pmin Pmin

Esta situação limite de um muito grande número de estágios de expansão com re-
aquecimento intermédio, em que, em cada re-aquecimento intermédio se atinge a
temperatura T3 , é equivalente a ter uma expansão isotérmica à temperatura T3 .
De notar que este valor não é mais que o trabalho posto em jogo numa expansão
isotérmica num só estágio, entre Pmax e Pmin , em que a turbina tem uma eficiência
isentrópica η t , o qual pode também ser calculado como

minP
Wt P
= η t vdP = −η t RT3 ln max . (8.78)
m T Pmin
Pmax

De notar o paralelismo existente entre as situações de compressão em vários


estágios com arrefecimento intermédio e a situação da expansão em vários estágios, com
re-aquecimento intermédio.

Ciclo de Ericsson
As situações extremas anteriormente analisadas de uma compressão isotérmica e de uma
expansão isotérmica correspondem a um ciclo térmico teórico bem conhecido, denominado
como ciclo de Ericsson. Este ciclo é caracterizado por possuir duas evoluções isentrópicas
(na turbina e no compressor) e duas evoluções isotérmicas (nas fontes quente e fria).

Fig. 8.17. O ciclo de Ericsson como uma situação limite ideal [4].

- 8.29 -
Neste ciclo é facilmente identificada a temperatura constante da fonte quente, TH , e a
temperatura constante da fonte fria, TH . A eficiência térmica deste ciclo é facilmente
calculada como

Wt + Wc QH + QL Q T
η=− = = 1+ L = 1− L . (8.79)
QH QH QH TH

A expressão encontrada para a eficiência térmica do ciclo de Ericsson é em tudo


semelhante à encontrada para a eficiência térmica do ciclo de Carnot. Efectivamente,
ambos são ciclos reversíveis, a que corresponde a máxima eficiência possível. É mesmo
possível estabelecer que o ciclo de Carnot está para os sistemas fechados do mesmo modo
que o ciclo de Ericsson está para os sistemas abertos.

Combinação simultânea das várias técnicas


As técnicas anteriormente mencionadas podem ser implementadas isoladamente ou então
combinadas, encontrando-se na Fig. 8.18 representada uma situação, bem como o
correspondente diagrama Ts, em que se faz uso simultâneo de todas as técnicas referidas
para melhorar a performance da instalação. Apesar de estarem reunidas todas as técnicas,
de referir que apenas aí estão representados dois estágios de compressão com um
arrefecimento parcial intermédio, bem como apenas dois estágios de expansão com um re-
aquecimento parcial intermédio.

Fig. 8.18. Combinação de regeneração, compressão em estágios com arrefecimento


intermédio, e expansão em estágios com re-aquecimento intermédio, numa mesma
instalação [4].

- 8.30 -
8.4. TURBINAS DE GÁS USADAS PARA PROPULSÃO
Uma das utilizações comuns das turbinas de gás pode ser encontrada na propulsão de
veículos, de que assumem especial importância as aeronaves. No entanto, existem também
turbinas de gás para propulsionar veículos terrestres e aquáticos.
Exemplos de sistemas de propulsão de aeronaves podem ser encontradas na Fig.
8.6, em que são identificáveis, em série e por esta ordem, o compressor, a câmara de
combustão, a turbina e a exaustão dos gases para a atmosfera, a grande velocidade. Neste
tipo de máquinas não é desprezável a variação de energia cinética experimentada pela
substância operante entre a entrada e a saída da instalação.

Poder de propulsão e eficiência de propulsão

Fig. 8.19. Figura auxiliar para determinação do poder de propulsão e da eficiência


de propulsão [7].

Para o sistema de propulsão ilustrado, admitindo que opera em condições de regime


permanente, a equação de conservação de energia para um sistema aberto estabelece que

Q Wcv 1 1 2
0= + + hin + Vin2 − hout + Vout . (8.80)
m m 2 2

Nesta equação está a assumir-se que são desprezáveis as variações de energia potencial
gravítica, e que o caudal mássico é constante ao longo de toda a instalação. Na realidade,
há a adição do caudal mássico de combustível na câmara de combustão. Há também a
consideração do termo de calor, que corresponde ao aquecimento da substância operante,
bem como do termo de trabalho que corresponde ao vencer das forças de atrito do veículo
propulsionado, de modo a que este se possa deslocar relativamente ao ar (assumido estar
em repouso).
Assumindo que o observador deste dispositivo está no solo, ele vê o fluido à
entrada do sistema com velocidade nula, Vin = 0 , e vê o fluido sair do sistema com uma
velocidade que é Vout = (V2 − Vv ) , em que Vv é a velocidade com que o veículo
propulsionado se desloca. A Eq. (8.80) vem, por isso,

- 8.31 -
Q Wcv 1
0= + + (h1 + 0) − h2 + (V2 − Vv )2 . (8.81)
m m 2

Idêntico balanço pode ser estabelecido, mas agora com o observador solidário com
o propulsor, sendo que neste caso ele vê o fluido à entrada do sistema com velocidade
Vin = Vv , e vê o fluido sair do sistema com uma velocidade que é Vout = V2 , não vendo
nenhuma interacção energética sob a forma de trabalho mecânico, já que esta troca ocorre
entre o veículo propulsionado e o ar e não propriamente entre o propulsor e o ar. A Eq.
(8.80) vem, por isso, para esta situação

Q 1 1
0= + 0 + h1 + Vv2 − h2 + V22 . (8.82)
m 2 2

Das duas últimas equações se obtém facilmente que

W
− cv = Vv (V2 − Vv ) (8.83)
m

que não é mais que a potência desenvolvida, por unidade de caudal mássico, com o
objectivo de vencer as forças de atrito e garantir que o veículo se move relativamente ao ar
sob a acção do propulsor.
A potência de propulsão pode ser obtida como o produto da força de propulsão pela
velocidade a que o veículo se movimenta, sendo, por isso,

− W prop = mVv (V2 − Vv ) = F propVv (8.84)

de onde se extrai que a força de propulsão é

F prop = m(V2 − Vv ) . (8.85)

A eficiência de propulsão é definida como a relação entre a potência de propulsão e


a soma da potência de propulsão com a variação de energia cinética sofrida pela corrente
gasosa, isto é,

− W prop 1 2
η prop = = = . (8.86)
2 2 V2
− W prop + m(V2 − Vv ) (V − Vv ) 1+
1+ 2 Vv
Vv (V2 − Vv )

Das Eq. (8.85) e (8.86) conclui-se que, quando a velocidade do veículo é nula, é
nula também a eficiência de propulsão, sendo máxima a força de propulsão, isto para um
dado caudal mássico e para uma dada velocidade à saída. Pelo contrário, se a velocidade do

- 8.32 -
veículo igualar a velocidade de saída, é máxima e igual à unidade a eficiência de propulsão,
sendo nula a força de propulsão.
Um resultado interessante pode ser obtido se se procurar obter a velocidade do
veículo Vv que, para uma dada velocidade de saída V2 , maximizar a potência de
propulsão. Tal é obtido fazendo

∂ W ∂
− cv = [Vv (V2 − Vv )] = 0 (8.87)
∂Vv m ∂Vv

de onde se obtém que

V
Vv = 2 (8.88)
2

isto é, a potência de propulsão, para um dado caudal mássico, é máxima quando a


velocidade a que desloca o veículo é metade da velocidade com que se dá a saída dos gases
do sistema de propulsão. Nestas condições

W 2
− cv = Vv2 η prop = (8.89)
m máx 3

o que não é uma situação muito favorável do ponto de vista da eficiência de propulsão.

Poder de propulsão devido a diferenças de pressão


O cálculo anteriormente efectuado apenas considerou como contribuição para a força de
propulsão as acções provenientes do impacto e da reacção correspondentes à entrada e à
saída da substância operante no sistema propulsor. Uma análise mais completa deve
contemplar, adicionalmente, as forças de pressão que se exercem sobre o propulsor.
A adicionar à força de propulsão anteriormente calculada, que se exerce no sentido
em que se move o veículo, há que considerar ainda a força (P2 − Pa ) A2 − (P1 − Pa )A1 , em
que P1 e A1 são a pressão e a área de entrada no sistema de propulsão, respectivamente,
P2 e A2 são a pressão e a área de saída do sistema de propulsão, respectivamente, e Pa é a
pressão atmosférica. Assim, a força total efectiva de propulsão, considerando todos os
efeitos, vem

F prop = m(V2 − Vv ) + A2 (P2 − Pa ) − A1 (P1 − Pa ) . (8.90)


impacto / reacção pressão, na saída pressão, na entrada

- 8.33 -
De reter, no entanto, que, no caso geral, os termos de pressão são consideravelmente
menores que aqueles de vidos ao impacto e reacção da corrente gasosa através do sistema
propulsor.
Na situação em que o veículo se movimenta em regime subsónico, a pressão à
entrada iguala a pressão atmosférica pelo que a força de propulsão vem simplesmente

F prop = m(V2 − Vv ) + A2 (P2 − Pa ) . (8.91)

Sistemas de propulsão
Para efeitos de propulsão, as turbinas de gás apresentam a vantagem de ter uma relação
muito favorável entre a potência de propulsão que permitem desenvolver e o seu peso, e
daí o seu largo uso em aplicações tais como a aeronáutica. Ainda assim, podem apresentar-
se sob várias formas, de que se resumem a seguir as mais importantes.

Turbojet
É o modelo base deste tipo de sistemas, e que apresenta três secções fundamentais: o
difusor, à entrada, a parte geradora de gás quente (compreendendo o compressor, a câmara
de combustão e a turbina), e o convergente à saída (para promover a saída dos gases com
elevada velocidade e, assim, um elevado poder de propulsão).

Fig. 8.20. (a) Diagrama esquemático de um turbojet; e (b) Evolução da substância


operante no diagrama Ts [4].

No difusor, devido ao aumento de área, há uma desaceleração da corrente gasosa


com o consequente aumento de pressão do ar entrante, ou seja, há como que uma pré-
compressão antes de se atingir o compressor propriamente dito. A parte composta pelo
compressor, pela câmara de combustão e pela turbina é típica das instalações com turbinas
de gás, mesmo daquelas que são para funcionar em instalações fixas. Neste caso, a potência

- 8.34 -
desenvolvida pela turbina apenas tem que ser suficiente para alimentar o compressor e
outros órgãos auxiliares, tais como o sistema de alimentação de combustível, sistemas
geradores de electricidade, etc. À saída da turbina os gases têm uma pressão
consideravelmente superior à pressão atmosférica, pelo que se dá a sua expansão através do
convergente, daí resultando elevados valores de velocidade à saída e, consequentemente,
um elevado poder de propulsão.
De notar, no diagrama Ts, elaborado para uma situação ideal, sem
irreversibilidades, que a compressão se faz em dois estágios distintos, ocorrendo uma
primeira compressão no difusor e uma segunda compressão no compressor propriamente
dito. Numa situação real ocorrem os correspondentes processos, só que acompanhados do
aumento da entropia específica devido à presença de irreversibilidades, bem como o
abaixamento de pressão ao longo da câmara de combustão. Por sua vez, a expansão ocorre
também em dois estágios distintos, sendo que um primeiro estágio de expansão tem lugar
na turbina, seguido de uma segunda expansão através do convergente de saída até ser
atingida a pressão atmosférica.
Numa tentativa de aumentar o poder de propulsão, há situações em que se adiciona
um pós-queimador à instalação, cuja função é re-aquecer os gases que saem da turbina e
aumentar o seu poder de expansão rumo à saída, assim se conseguindo um maior poder de
propulsão.

Fig. 8.21. Diagrama esquemático de um turbojet com pós-queimador [4].

Turbo-fan
Neste caso, o essencial passa-se como descrito anteriormente para o turbojet, havendo duas
diferenças a registar: À entrada, antes do compressor, existe um grande ventilador,
accionado à custa da potência desenvolvida na turbina, que força um escoamento de ar, de
elevado caudal, através de uma tubeira que envolve perifericamente o motor propriamente
dito.

- 8.35 -
Fig. 8.22. Diagrama esquemático de um turb-fan [4].

A saída, a uma velocidade elevada, do ar forçado pelo ventilador, aumenta o poder


de propulsão do conjunto. Este poder de propulsão acrescido é de especial importância nas
situações de descolagem. Adicionalmente, na saída, os gases de combustão a muito elevada
velocidade são envolvidos perifericamente pelo escoamento de ar provocado pelo
ventilador, que escoa a uma velocidade menor, daí resultando uma atenuação de ruído que
é fundamental quando se trata de aviação comercial. O funcionamento do turbofan baseia-
se no facto de, para um dado poder de propulsão, ser mais vantajoso ter um elevado caudal
de gases que se movem mais lentamente que ter um pequeno caudal de gases que se
movem a uma velocidade consideravelmente maior. Este tipo de motores são geralmente
usados quando se pretende propulsionar veículos com velocidades de até
(aproximadamente) 1000km/h, e equipam a generalidade das aeronaves actuais.
A relação entre o caudal que atravessa o motor pela sua periferia e o caudal que
atravessa o núcleo do motor é conhecido como o by-pass ratio, sendo comuns valores
próximos de 5 para esta relação.

Turbo-hélice
Uma situação limite do turbofan é o turbo-hélice, em que o ventilador é substituído por
uma hélice, e não há qualquer limitação exterior ao fluxo de ar envolvente. Neste caso, o
by-pass ratio assume valores bem mais elevados, podendo mesmo aproximar-se de 100.

Fig. 8.23. Diagrama esquemático de um turb-hélice [4].

- 8.36 -
Em geral, os sistemas de turbo-hélice são mais eficientes que os sistemas de
turbofan, mas o seu uso encontra-se limitado a velocidades inferiores a (aproximadamente)
600km/h e a altitudes inferiores a (aproximadamente) 9000m. No entanto, estão em
desenvolvimento e teste soluções que são uma combinação dos turbofans e dos turbo-
hélice, as quais se espera melhorarem significativamente o desempenho deste tipo de
sistemas de propulsão.

Ramjet
Trata-se de um sistema extremamente simples, sem partes móveis, em que não há
compressor nem turbina, e que é usado em situações que exigem propulsão a muito
elevadas velocidades, tais como mísseis.

Fig. 8.24. Diagrama esquemático de um ramjet [4].

Neste caso, a compressão tem lugar apenas no difusor de entrada (o que exige que
este tipo de propulsor inicie o seu funcionamento quando já se desloca a uma velocidade
elevada), e a queima do combustível provoca o aumento de temperatura dos gases e,
consequentemente, a sua expansão rumo à saída de modo a obter o efeito de propulsão
desejado. De referir ainda que o ramjet usado para velocidades supersónicas recebe
usualmente o nome de scramjet.

Propulsão para aplicações espaciais


Nesta situação, não há ar e, consequentemente, não há o oxigénio do ar para oxidar o
combustível. Neste caso, usam-se rockets, em que o veículo a propulsionar tem que
transportar consigo o combustível e o agente oxidante (usualmente oxigénio líquido). Os
gases quentes provenientes da combustão precipitam-se para a saída, devido às altas
pressões desenvolvidas pelo aquecimento consequência da combustão, daí resultando o
efeito de propulsão desejado.

8.5. REFERÊNCIAS

- 8.37 -
1. Wark, K. Jr, Thermodynamics, 5th Ed., McGraw-Hill, NY, 1989.
2. Cengel, Y. A. & Boles, M. A., Thermodynamics: An Engineering Approach, 2nd Ed.,
McGraw-Hill, NY, 1994.
3. Bejan, A., Advanced Engineering Thermodynamics, Wiley, NY, 1988.
4. Moran, M. J. & Shapiro, H. N., Fundamentals of Engineering Thermodynamics, 2nd Ed,
Wiley, NY, 1993.
5. Boyce, M. P., Gas Turbine Engineering Handbook, Gulf Publishing Company, Houston,
TX, 1982.
6. Mattingly, J. D., Elements of Gas Turbine Propulsion, McGraw-Hill, NY, 1996.
7. Eastop, T. D., McConkey, A., Applied Thermodynamics for Engineering Thechnologists,
5th Ed., Addison Wesley Longman, Essex, 1993.

- 8.38 -
9. INSTALAÇÕES COM TURBINAS DE
VAPOR

As instalações com turbinas de vapor assumem um papel especialmente importante em


unidades dedicadas à obtenção de potência mecânica, encontrando-se frequentemente
associadas a instalações de produção de energia eléctrica dos mais variados tipos e
tamanhos, desde centrais nucleares até pequenas unidades. Muitas vezes, este processo de
produção de electricidade por recurso a uma instalação de vapor encontra-se associado a
um ou vários processos industriais que necessitam de calor, em regime de co-geração,
técnica que resulta numa optimização do aproveitamento do poder calorífico do
combustível. Este tipo de instalações apresenta um vasto conjunto de semelhanças, em
termos de análise, com as instalações com turbinas de gás analisadas anteriormente.
Apresenta, no entanto, algumas diferenças notórias, sendo de salientar a substância
operante que é, neste caso, um líquido ou o seu vapor, ocorrendo a mudança de fase
líquido-vapor no interior da própria instalação, bem como a mudança de fase inversa,
vapor-líquido. Assim, a substância operante não é um gás, e muito menos um gás ideal. Tal
acarreta que as propriedades dessa substância tenham que ser obtidas a partir de tabelas de
propriedades. O facto de a substância operante não participar no processo de reacção de
onde se obtém o calor que alimenta a máquina térmica leva a que estas máquinas sejam
sempre máquinas de combustão externa. Uma instalação com turbinas de vapor apresenta,
de um modo geral, uma eficiência térmica superior à das instalações envolvendo turbinas
de gás, ainda que operando a temperaturas consideravelmente menores. Todavia, estas
instalações apresentam, de um modo geral, uma maior complexidade, volume e peso que as
instalações com turbinas de gás.
9.1. INTRODUÇÃO
Funcionamento básico
Na situação mais simples, neste tipo de instalações, e tal como ilustrado na Fig. 9.1, a
substância operante (na forma de vapor) entra na turbina, onde sofre um processo de
expansão. A substância expandida é arrefecida no condensador, onde ocorre a mudança de
fase vapor-líquido. Posteriormente, o líquido é bombeado de modo a ser atingida a pressão
da caldeira, dispositivo em que entra e, por adição de calor, sofre a mudança de fase
líquido-vapor. Uma instalação simples deste tipo encontra-se representada na Fig. 1.

Fig. 9.1. Representação esquemática de uma instalação com turbina de vapor [4].

A substância operante é usualmente água, a qual necessita sofrer um pré-tratamento


antes de ser introduzida na instalação. Uma vez a água tratada introduzida na instalação, e
como o tratamento envolve custos, apresenta-se como uma boa prática proceder à
recirculação da água através da instalação, a qual efectua assim um circuito fechado. Tal
implica que seja criado um sistema de remoção de calor do consensador, ou seja, um meio
de manter a temperatura da fonte fria. Tal exige, de um modo geral, o recurso a grandes
caudais de água fria, razão que leva a que unidades deste tipo, e de tamanho considerável,
se encontrem instaladas na proximidade de cursos de água. Uma outra possibilidade é o
recurso a torres de arrefecimento, tal como a ilustrada na Fig. 9.2, de modo a não aumentar
a temperatura sos cursos de água (de modo a não poluir termicamente os cursos de água).
Quando se está interessado na produção de energia eléctrica, por exemplo, por
recurso a uma instalação de vapor, a totalidade do sistema pode ser encontrada na Fig. 9.2.
Nesta figura é identificável a parte que irá estar em análise neste Capítulo, representada na
Fig. 9.1, composta essencialmente pela turbina, pela caldeira, pelo condensador e pela
bomba.

- 9.2 -
Fig. 9.2. Componentes principais de uma instalação com turbina de vapor para a
produção de electricidade [4].

Dado tratar-se de máquinas de combustão externa, existe uma grande versatilidade


no uso dos mais variados combustíveis, visto que a substância operante nunca contacta
directamente com os reagentes ou com os produtos de combustão. O único contacto
(térmico) existente é feito através de superfícies separadoras, que permitem e promovem a
transferência de calor entre a fonte quente e a substância operante. Combustíveis sólidos
(carvão, madeira, lixos, desperdícios, etc.), líquidos (nafta, gasóleo, etc.) ou gasosos (gás
natural, etc.) podem ser usados sem problemas para, com a sua queima, alimentar a fonte
quente deste tipo de instalações.

Aspectos construtivos
As turbinas usadas nas instalações de vapor podem ser turbinas de impulso ou de reacção,
resultando geralmente duma associação de ambos os efeitos, isto é, possuem sempre algum
grau de reacção. As turbinas de impulso e de reacção foram já abordadas aquando do
estudo das instalações com turbinas de gás. As turbinas de vapor são usualmente turbinas
de tipo axial.
O componente mais importante da turbina de vapor é o rotor, podendo haver
componentes destes capazes de gerar potências de algumas centenas de MW. O rotor
encontra-se montado num estator, também ele com pás, o qual pode ser aberto em dois
meios-corpos para efectuar a manutenção, quer do rotor quer do estator. A estrada do vapor
(a alta pressão) possui uma pequena área de secção transversal, ao passo que a saída do
vapor (já expandido e ocupando, por isso, um volume consideravelmente maior) possui

- 9.3 -
uma área de secção transversal consideravelmente maior que a entrada. Especial
importância assumem os rolamentos em que se apoia o rotor, bem como as vibrações a que
este se encontra sujeito, as quais, acima de um determinado nível, podem levar à ruína do
sistema. Especial importância assume também a vedação na zona de entrada do vapor na
turbina, a pressão elevada, o que é usualmente conseguido através de um sistema de anéis
que formam um labirinto.
Alguns exemplos de rotors de turbinas de vapor podem ser observados na Fig. 9.3,
e na fig. 9.4 podem ser observadas associações rotor-estator de duas turbinas de vapor. Na
Fig. 9.5 pode ser observada uma turbina de vapor, em corte, e na Fig. 9.6 pode ser
observado o aspecto geral de uma instalação envolvendo uma turbina de vapor.

Fig. 9.3. Exemplos de rotors de turbinas de vapor.

Fig. 9.4. Exemplos de associação rotor-estator de turbinas de vapor.

- 9.4 -
Fig. 9.5. Exemplo de turbina de vapor, em corte.

Fig. 9.6. Vista total de uma instalação com turbina de vapor.

A caldeira deste tipo de instalações pode ser de tipo muito variado, e apresenta um
sério e vasto conjunto de requisitos relacionados com a segurança, manipulação de
combustível, sistemas de queima e remoção de resíduos de combustão (no caso de
combustíveis sólidos), tratamento dos gases de combustão, etc. Trata-se de sistemas em
que há um fluido pressurizado sujeito à acção do calor, ocorrendo a sua vaporização no
interior da caldeira. Como, no interior da caldeira propriamente dito, o vapor está em
contacto com o líquido, ambos coexistem em equilíbrio, isto é, no interior da caldeira
obtém-se vapor saturado. Se se pretende obter vapor sobre-aquecido tal é feito fazendo
passar o vapor saturado no sobre-aquecedor, que mais não é que uma zona quente,
geralmente colocada na zona de saída dos gases queimados para a atmosfera. Na tentativa
de arrefecer os gases de combustão, de modo a extrair deles o máximo calor, isto sem fazer
baixar a temperatura a ponto de poder haver a formação de ácidos que vão corroer a
instalação, muitas caldeiras possuem um economizador, que mais não é que um

- 9.5 -
permutador de calor colocado imediatamente antes da saída dos gases de combustão para a
atmosfera.
Alguns exemplos de caldeiras podem ser observados nas Figs. 9.7, 9.8 e 9.9.

Fig. 9.7. Componentes essenciais de uma caldeira [6].

Fig. 9.8. Exemplo de caldeira económica típica de pequenas unidades de produção


de vapor [6].

- 9.6 -
Fig. 9.9. Pormenor do interior de uma caldeira [5].

9.2. CICLO DE RANKINE

Ciclo de Rankine teórico


O ciclo térmico teórico associado a este tipo de máquinas é o ciclo de Rankine.

Fig. 9.10. Componentes essenciais de uma instalação de vapor, e ciclo de Rankine


teórico [4].

Tomando a Fig. 9.10 como referência, temos a seguinte sequência de processos sofridos
pela substância operante: (i) Elevação de pressão da substância no estado líquido, de modo
isentrópico, entre os estados 3-4, na bomba, até ser atingido o máximo valor de pressão no

- 9.7 -
ciclo (no fim deste processo, a substância operante é, usualmente, líquido sub-arrefecido);
(ii) Aquecimento isobárico 4-1, acompanhado de mudança de fase líquido-vapor, quando a
substância operante contacta termicamente com a fonte quente (este processo compreende,
tipicamente, o aquecimento sensível 4-a do líquido, a mudança de fase líquido-vapor a-1, e
pode ainda compreender o sobreaquecimento do vapor entre os pontos 1 e 1’); (iii)
Expansão isentrópica 1-2 (ou 1’-2’, no caso de haver, à entrada da turbina, vapor sobrea-
aquecido) em que, à saída da turbina é usual existir uma mistura bifásica líquido-vapor; e
(iv) Arrefecimento isobárico 2-3, quando a substância operante contacta termicamente com
a fonte fria, acompanhado da mudança de fase vapor-líquido da proporção de substância
operante que ainda existe no estado de vapor à saída da turbina (daí que a fonte fria deste
tipo de instalações receba o nome de condensador).
A turbina está preparada para trabalhar essencialmente com vapor, podendo, no
entanto, admitir a presença de alguma da substância operante na fase líquida. É comum, à
saída da turbina, ser admissível um título da mistura bifásica líquido-vapor mínimo de
aproximadamente 0.9.
De igual modo ao que foi analisado aquando do estudo das instalações com turbinas
de gás, a aplicação da Primeira Lei da Termodinâmica, aplicada a um ciclo, resulta em
Qciclo = −Wciclo . Como o ciclo de Rankine é assumido ser efectuado reversivelmente, o
calor trocado durante o ciclo, Qciclo , é dado pela área encerrada pelo ciclo no diagrama TS,
visto que Qciclo = TdS . Por sua vez, o trabalho posto em jogo no ciclo é calculado como
Wciclo = − PdV , ou seja, é dado pela área encerrada pelo ciclo no diagrama PV. Assim
sendo, são iguais as áreas encerradas pelo ciclo de Rankine no diagrama PV e no diagrama
TS.

Interacções energéticas
É comum, neste tipo de instalações, assumir como desprezáveis as variações na energia
cinética e potencial gravítica da substância operante, pelo que um balanço energético (aos
sistemas abertos que são os seus componentes individuais) se resume a um balanço
entálpico.
As principais interacções energéticas ocorrem:
1. Na bomba, em que não há qualquer interacção energética soba forma de calor com
o exterior (bomba adiabática),

Wb W34
= = h4 − h3 >0 (9.1)
m m

Nesta situação, de acordo com a Eq. (5.18), o trabalho posto em jogo no


accionamento da bomba opde ser calculado como

- 9.8 -
4
Wb
= vdP ≈ v3 (P4 − P3 ) (9.2)
m
3

dada a (quase) incompressibilidade do líquido e se poder, com boa aproximação,


tomar vlíq ≈ C te = v3 nesta transformação.
2. No contacto térmico com a fonte quente, em que não há qualquer interacção
energética com o exterior sob a forma de trabalho mecânico,

Qin Q41
= = h1 − h4 > 0 (9.3)
m m

que se pode decompôr como

Qin
= h1 − h4 = (ha − h4 ) + (h1 − ha ) + (h1' − h1 ) (9.4)
m
aquecimento mudança de eventual
do líquido fase sobreaquecimento
sub − arrefecido líquido − vapor do vapor

3. Na turbina, em que não há qualquer interacção energética soba forma de calor com
o exterior (turbina adiabática),

Wt W12
= = h2 − h1 < 0 (9.5)
m m

4. No contacto térmico com a fonte fria, em que não há qualquer interacção energética
com o exterior sob a forma de trabalho mecânico,

Qout Q23
= = h3 − h2 < 0 (9.6)
m m

Similarmente ao que acontece nas instalações com turbinas de gás, a utilização, pela
bomba, de parte da potência mecânica desenvolvida na turbina é uma interacção energética
interior à própria instalação, e que não é observável do exterior. Do exterior apenas são
observáveis as interacções energéticas sob a forma de calor nas fontes quente e fria, Qin e
Qout , bem como a potência efectivamente disponibilizada para o exterior, dada por

Wciclo = Wt + Wb (9.7)
<0 <0 >0

Recorrendo às Eq. (9.1) e (9.3) obtém-se que

Wciclo Wt Wb
= + = (h2 − h1 ) + (h4 − h3 ) (9.8)
m m m

- 9.9 -
A fracção da potência mecânica desenvolvida na turbina que é absorvida pela
bomba é também usualmente referida como fracção de trabalho de retorno, definida, neste
caso, como

Wb m h − h3
f tr = = 4 (9.9)
Wt m h1 − h2

tomando esta fracção valores tipicamente próximos de 0.01, ou seja, a bomba absorve
tipicamente para o seu funcionamento 1% da potência mecânica desenvolvida na turbina.
Este valor tão baixo deve-se essencialmente ao muito baixo valor do volume específico do
líquido presente na bomba, o qual é muitas vezes menor que o volume específico do vapor
que se expande na turbina [convém aqui recordar a Eq. (5.18)]. Daí que, deste ponto de
vista, as instalações de vapor devam ser, em princípio, mais eficientes que as instalações a
gás. Se, deste ponto de vista tal é verdade, também é verdade que os níveis térmicos que
podem ser atingidos nas instalações envolvendo turbinas de gás são consideravelmente
superiores aos que são permitidos nas instalações de vapor, o que afecta negativamente a
eficiência das instalações de vapor.
Os termos entálpicos presentes nas equações anteriores necessitam ser calculados
por recurso a valores disponíveis em tabelas, no caso geral. Neste caso, a substância
operante não poder ser modelada como um gás, e muito menos como um gás ideal. Daí que
não haja expressões compactas para os resultados da análise ao ciclo de Rankine, situação
que acontece na análise do ciclo de Brayton.

Eficiência térmica do ciclo, e factores que a influenciam


A eficiência térmica do ciclo de Rankine, definida como a relação entre o que a instalação
dá e o que a instalação requer, em termos energéticos, é dada por

Wt + Wb W + Wb (h1 − h2 ) − (h4 − h3 ) h − h3
η= =− t = = 1− 2 (9.10)
Qin Qin h1 − h4 h1 − h4

expressão que não é mais que

Wt + Wb Qin + Qout Qin + Qout Q Qout


η= = = = 1 + out = 1 − (9.11)
Qin Qin Qin Qin Qin

São analisados a seguir a influência da pressão na caldeira e no condensador sobre a


eficiência térmica do ciclo de Rankine, sendo o objectivo principal o de operar com o
maior valor possível desta eficiência.

- 9.10 -
Influência da pressão na caldeira e da pressão no condensador
Sendo o ciclo de Rankine ideal um ciclo reversível, é possível obter uma expressão para a
sua eficiência térmica em termos de temperaturas médias. Tomando a Fig. 9.10 como
referência, a fase de adição de calor (por unidade de caudal mássico) que tem lugar na
caldeira, entre os pontos 4 e 1, como é reversível, pode ser expressa como

1
Qin
= Tds = T in (s1 − s 4 ) (9.12)
m rev
4

em que a temperatura média correspondente à fase de adição de calor é definida como

1
1
T in = Tds (9.13)
(s1 − s4 ) 4

O valor do integral dado pela Eq. (9.12) não é mais que a área 1-b-c-4-a-1 na Fig. 9.10.
Por sua vez, no condensador, como a fase de condensação tem lugar a uma
temperatura constante, pode escrever-se de modo análogo que

3
Qout
= − Tds = Tout (s 2 − s3 ) = Tout (s1 − s 4 ) (9.14)
m rev
2

sendo o valor desse integral igual à área 2-b-c-3-2 na Fig. 9.10.


De acordo com a Eq. (9.11), a eficiência térmica do ciclo de Rankine pode agora ser
expressa como

Qout m T
η = 1− = 1 − out (9.15)
Qin m T in

expressão em tudo similar à obtida para a eficiência térmica do ciclo (reversível) de Carnot.

Fig. 9.11. Efeito da pressão na eficiência térmica do ciclo de Rankine: (a) Variação
da pressão na caldeira; e (b) Variação da pressão no condensador [4].

- 9.11 -
O valor da eficiência térmica cresce por isso à medida que se aumenta a temperatura
(média) correspondente à fase de adição de calor, ou então se diminui a temperatura à qual
ocorre a mudança de fase vapor-líquido no condensador.
Uma maior valor da temperatura média da fase de adição de calor corresponde a
uma isobárica correspondente a uma maior pressão, tal como ilustrado na Fig. 9.11a, em
que se manteve constante a pressão no condensador. Assim, a maiores valores da pressão
na caldeira estão associados maiores valores da eficiência térmica do ciclo de Rankine,
como é o caso do ciclo 1´-2´-3-4´-1’.
Um menor valor da temperatura da fase de condensação corresponde a uma
isobárica correspondente a uma menor pressão, tal como ilustrado na Fig. 9.11b, em que se
manteve constante a pressão na caldeira. Assim, a menores valores da pressão no
condensador estão associados maiores valores da eficiência térmica do ciclo de Rankine,
como é o caso do ciclo 1-2´’-3’’-4’´-1. No entanto, a menor temperatura disponível para
promover a mudança de fase vapor-líquido é, usualmente, a temperatura atmosférica, pelo
que é usual ter, no condensador, pressões inferiores à pressão atmosférica (à qual o vapor
de água condensa à temperatura de 100ºC). A substituição do condensador por um circuito
aberto leva a um aumento da pressão e, por isso, a uma menor eficiência térmica do ciclo.
Ainda assim, seria difícil e de custos extremamente elevados conseguir o caudal de água,
devidamente tratada, para circular continuamente através da instalação. Com o circuito
fechado consegue-se uma maior eficiência térmica e usa-se apenas água devidamente
tratada no interior da instalação, a qual fica assim sujeita a uma muito menor acção da
corrosão.

Ciclo de Rankine real: identificação de perdas


Na realidade, os fluidos são viscosos, manifestando-se uma perda energética traduzida num
abaixamento de pressão quando estes fluem em qualquer componente da instalação,
verificando-se também que a bomba e a turbina não são máquinas perfeitas, isto é, neles
não acontece uma igualdade estrita entre a variação de entalpia sofrida pelo fluido e a
potência mecânica recebida ou fornecida, respectivamente. Estas perdas significam, em
termos termodinâmicos, irreversibilidades presentes no sistema, a que estão associados
termos de geração de entropia, de um modo em tudo análogo ao analisado aquando do
estudo das instalações com turbinas de gás.
De entre as várias perdas convém reter as que têm lugar na bomba e na turbina, tal
como se encontra ilustrado na Fig. 9.12, havendo um aumento de entropia do fluido face à
situação de reversibilidade.
Definem-se as eficiências isentrópicas da bomba e da turbina, respectivamente,
como

- 9.12 -
(Wb m)s h − h3
ηb = = 4s <1 (9.16)
(Wb m) h4 − h3

ηt =
(Wt m) =
h2 − h1
<1 (9.17)
(Wt m)s h2 s − h1

Fig. 9.12. Perdas na bomba e na turbina de uma instalação de vapor [4].

No entanto, como a parcela energética associada à bomba é apenas à volta de 1% da


parcela energética associada à turbina, a perda existente na turbina é consideravelmente
maior que a perda existente na bomba, sendo esta última usualmente desprezada face à
primeira.
As perdas referidas, são, neste contexto, facilmente levadas em consideração para
efeitos de cálculo. Há, no entanto, outras perdas que estão presentes numa instalação real,
mas cuja contabilização carece de um vasto conjunto de informação dependente da
instalação particular em análise. De entre estes há que salientar: (i) Perdas por abaixamento
de pressão do fluido, na caldeira; (ii) Perdas por abaixamento de pressão, nas tubagens; (iii)
Perdas por abaixamento de pressão, no condensador; e (iv) Perdas por troca de calor com o
exterior, assim resultando numa menos eficiente conversão do calor em trabalho mecânico.

9.3. TÉCNICAS PARA MELHORAR O DESEMPENHO DAS


INSTALAÇÕES COM TURBINAS DE VAPOR
O ciclo de Rankine surge como a base para o funcionamento das instalações com turbinas
de vapor, havendo no entanto um conjunto de técnicas que lhe podem ser
adicionadas/implementadas com o objectivo de melhorar a performance global das
instalações. A implementação destas destas técnicas resulta numa maior complexidade da

- 9.13 -
instalação, o que é perfeitamente compatível com o facto de este tipo de instalações ser,
geralmente, fixo.

Sobre-aquecimento e re-aquecimento
Da análise da Fig. 9.10 facilmente se constata que aumentando a pressão na caldeira ou
diminuindo a pressão no condensador, numa tentativa de aumentar a eficiência da
instalação, tal resulta numa diminuição da qualidade da mistura bifásica líquido-vapor à
saída da turbina. Valores baixos da qualidade da mistura (tipicamente inferiores a 0.9)
levam a que haja a acção de impacto das gotículas de líquido sobre as pás da turbina, daí
resultando erosão e uma menor eficiência da turbina. Para que se consiga um melhor
desempenho global das instalações reais, tendo elevadas pressões na caldeira e baixas
pressões no condensador, sem que a qualidade da mistura não desça abaixo de 0.9, estas
incluem, geralmente, sobre-aquecimento e reaquecimento da substância operante.
À entrada da turbina é necessário ter vapor, na condição de saturação ou então na
condição de sobre-aquecido, isto é, para lá do estado de saturação. O sobre-aquecimento do
vapor é efectuado num permutador de calor separado, usualmente colocado de modo a
extrair calor dos gases de combustão que saem da caldeira. Com o sobre-aquecimento, tal
como facilmente se conclui da análise à Fig. 9.10, consegue-se ter a substância operante no
estado 2’ à saída da turbina, a que corresponde uma qualidade da mistura manifestamente
superior à que corresponde ao estado 2 (em que à entrada da turbina o vapor se encontrava
apenas no estado de saturação). Além disso, a temperatura correspondente à fase de
aquecimento aumentou, ou seja, aumentou a temperatura T in presente na Eq. (9.15), daí
resultando então uma maior eficiência térmica para o ciclo. Para além disso, aumentou a
área encerrada pelo ciclo no diagrama Ts, ou seja, com o sobre-aquecimento aumentou-se
também o trabalho desenvolvido pelo ciclo. De reter que, ao calcular as interacções
energéticas associadas ao ciclo, há que contabilizar também o termo de entrada de calor
correspondente à fase de sobre-aquecimento do vapor.
Um outro modo de aumentar o desempenho da instalação, sem que a qualidade da
mistura à saída da turbina desça abaixo de 0.9, consiste em efectuar a expansão em
estágios, intercalados de re-aquecimento da substância operante. Tal encontra-se ilustrado
na Fig. 9.13. Esta prática resulta num aumento da temperatura média da fase de adição de
calor, T in , resultando por isso num aumento da eficiência térmica do ciclo.
Adicionalmente, resulta também num acréscimo da qualidade da mistura à saída (de cada
um dos estágios de expansão) da turbina, bem como num maior trabalho desenvolvido por
ciclo. De reter que, ao calcular as interacções energéticas associadas ao ciclo, há que
contabilizar um termo adicional de entrada de calor, correspondente à fase de re-
aquecimento da substância operante, sendo o calor total adicionado calculado como

- 9.14 -
Qin = m[(h1 − h6 ) + (h3 − h2 )] (9.18)

Fig. 9.13. Instalação de vapor com sobre-aquecimento e com re-aquecimento [4].

A temperatura máxima admissível à entrada da turbina está limitada por razões


metalúrgicas (associadas aos materiais que constituem a turbina, o sobre-aquecedor e o re-
aquecedor), sendo que elevadas temperaturas acarretam grandes pressões, cuja acção tem
que ser suportada mecanicamente pelo componentes em cujo interior escoa a substância
operante. O estado actual da tecnologia permite operar com temperaturas à entrada da
turbina de até 600ºC, e operar com pressões acima da pressão crítica da água (22.1 MPa), o
que leva a que, por vezes, se possam ter ciclos supercríticos, tal como o representado na
Fig. 9.4. São comuns valores de pressão até 3.25 Mpa. Um tal ciclo caracteriza-se
essencialmente por não haver lugar a qualquer mudança de fase da substância operante
durante a fase de adição de calor, havendo sim um aumento contínuo de temperatura
durante este processo, acompanhada de um aumento de volume específico mas sem a
ocorrência do borbulhar típico da mudança de fase líquido-vapor (convém recordar aqui
que a temperatura do ponto crítico é a máxima temperatura à qual as fases líquida e de
vapor podem coexistir em equilíbrio).

Fig. 9.14. Ciclo supercítico de vapor, com re-aquecimento [4].

- 9.15 -
Regeneração
O objectivo da regeneração consiste, de modo idêntico ao que foi analisado aquando do
estudo das instalações com turbinas de gás, em conferir um ganho entálpico à substância
operante antes desta dar entrada na caldeira, sendo por isso necessário dispôr de uma
menor potência de aquecimento na caldeira. O modo de efectuar a regeneração apresenta-se
essencialmente segundo duas formas distintas, consoante o tipo de permutador de calor
usado para fazer a troca de calor entre o fluido que sai da turbina e o fluido que vai entrar
na caldeira.

Regeneração com permutador de contacto directo


Neste caso, e tal como ilustrado na Fig. 9.15, a totalidade do caudal envolvido sofre uma
primeira expansão na turbina, após o que se efectua a extracção de parte do caudal
envolvido. Sendo my o caudal extraído, em que y é a fracção de caudal extraído, o caudal
m(1 − y ) sofre uma posterior expansão através de um segundo estágio de expansão, e é
apenas este caudal que passa através do condensador. Como apenas há o caudal m(1 − y ) a
sofrer a segunda expansão, há um menor trabalho desenvolvido na turbina mas, como
apenas há o caudal m(1 − y ) a passar no condensador, há aí uma menor libertação de calor,
devendo a instalação operar de modo a que desta conjugação resulte uma melhoria da
performance global da instalação.
Após ser arrefecido no condensador, o caudal não extraído, m(1 − y ) , sofre um
primeiro aumento de pressão numa bomba, para igualar a pressão de extracção, após o que
é directamente misturado com o caudal my extraído. Daí resulta uma mistura no estado 6,
a qual é bombeada, numa outra bomba, para a pressão máxima do ciclo que é a pressão a
que a substância operante fica sujeita na caldeira.

Fig. 9.15. Regeneração com um permutador de calor de contacto directo [4].

- 9.16 -
Continuando a ter a Fig. 9.15 como referência, as interacções energéticas presentes no ciclo
são:
Na caldeira

Qin = m(h1 − h7 ) (9.19)

Na turbina

Wt = m(h2 − h1 ) + (1 − y )m(h3 − h2 ) (9.20)

No condensador

Qout = (1 − y )m(h4 − h3 ) (9.21)

Na bomba 1

Wb1 = (1 − y )m(h5 − h4 ) (9.22)

Na bomba 2

Wb 2 = m(h7 − h6 ) (9.23)

O balanço energético para o permutador de contacto directo, assumindo que este não troca
calor com o exterior através das suas paredes, vem

(1 − y )mh5 + ymh2 = mh6 (9.24)

de onde se obtém

h − h5
y= 6 (9.25)
h2 − h5

Para a situação ilustrada, a eficiência térmica da instalação é determinada pela


expressão

η=−
W
=−
[m(h2 − h1 ) + (1 − y )m(h3 − h2 )] + [(1 − y )m(h5 − h4 ) + my (h7 − h6 )]
(9.26)
Qin m(h1 − h7 )

ou seja

η=−
[(h2 − h1 ) + (1 − y )(h3 − h2 )] + [(1 − y )(h5 − h4 ) + y(h7 − h6 )]
(9.27)
(h1 − h7 )

- 9.17 -
Regeneração com permutador de correntes separadas
Neste caso, a troca de calor entre as correntes extraída e não extraída não tem lugar com o
contacto directo entre essas correntes, mas sim num permutador de calor em que essas
correntes não contactam directamente uma com a outra. Como as correntes não se
misturam, pode-se assim ter a situação de as correntes que trocam calor se encontrarem a
pressões diferentes.

Fig. 9.16. Exemplos de permutadores de calor de correntes separadas [4].

Na Fig. 9.16 podem ser analisados dois modos distintos de proceder à remoção do
condensado que se forma em tais permutadores de calor, em que o condensado ou é
bombeado para a pressão da caldeira (caso a) ou então sofre um abaixamento de pressão
numa válvula, de modo a que permanece constante a entalpia (um processo acompanha do
de irrreversibilidade, mas com h7 − h8 ), até ser atingida a pressão do condensador (caso b).

Fig. 9.17. Regeneração com recurso a um permutador de calor de correntes


separadas [4].

A implementação do processo de regeneração, em que o condensado formado no


permutador sofre um abaixamento de pressão até à pressão do condensador, encontra-se
representada na Fig. 9.17. Neste caso, as interacções energéticas presentes são:
Na caldeira

- 9.18 -
Qin = m(h1 − h6 ) (9.28)

Na turbina

Wt = m(h2 − h1 ) + (1 − y )m(h3 − h2 ) (9.29)

No condensador

Qout = −(1 − y )mh3 − ymh8 + mh4 = m(h4 − h3 ) + ym(h3 − h8 ) (9.30)

Na bomba

Wb = m(h5 − h4 ) (9.31)

O balanço energético para o permutador de correntes separadas, assumindo que este não
troca calor com o exterior através das suas paredes, vem

mh5 + ymh2 = mh6 + ymh7 (9.32)

de onde se obtém

h − h5
y= 6 (9.33)
h2 − h7

Para a situação ilustrada, a eficiência da instalação é determinada pela expressão

η=−
W
=−
[m(h2 − h1 ) + (1 − y )m(h3 − h2 )] + [m(h5 − h4 )] (9.34)
Qin m(h1 − h6 )

ou seja

η=−
[(h2 − h1 ) + (1 − y )(h3 − h2 )] + [(h5 − h4 )] (9.35)
(h1 − h6 )

Regeneração usando múltiplos permutadores


Com o objectivo de melhorar a performance global das instalações, pode recorrer-se ao uso
de múltiplas extracções, com as pressões de extracção e caudais extraídos devidamente
seleccionados, e com o recurso a múltiplos permutadores. Uma tal instalação pode, se
operar nas devidas condições, apresentar melhores performances, sendo no entanto mais
complexa, cara, e com custos acrescidos de manutenção e funcionamento.

- 9.19 -
Fig. 9.18. Instalação com regeneração com recurso a múltiplas extracções e
múltiplos permutadores de calor [4].

Na Fig. 9.18 encontra-se representada uma tal instalação, em que se usam


permutadores de correntes separadas para efectuar o processo de regeneração. Ainda assim,
deve sempre usar-se pelo menos um permutador de contacto directo para permitir a
separação de ar ou outros gases dissolvidos na substância operante. É que, do ponto de
vista do aumento da eficiência térmica é vantajoso operar com baixas pressões no
condensador, pressões essas que podem estar abaixo da pressão atmosférica. Tal cria
condições para que as fugas, a existirem, se dêem do exterior para o interior da instalação e
que são por isso de detecção extremamente difícil.

9.4. CARACTERÍSTICAS DAS SUBSTÂNCIAS OPERANTES


E CICLOS COMBINADOS

A água como substância operante


A água é, sem dúvida, a substância operante mais usada em instalações envolvendo
turbinas de vapor. A seu favor jogam a abundância (baixo custo), estabilidade química,
não-toxicidade e baixo poder corrosivo, e um elevado calor latente de evaporação, factor
que permite a utilização de menores caudais mássicos nas instalações. Além disso, a
relação entre os volumes específicos das fases líquida e de vapor é de tal maneira grande
que se conseguem taxas de trabalho de retorno de (apenas) à volta de 1%.
No entanto, a água apresenta algumas características menos vantajosas para ser
usada nas instalações com turbinas de vapor. Talvez a sua maior desvantagem seja o facto
de a sua temperatura crítica ser de 374ºC, temperatura esta que está consideravelmente
abaixo (225ºC) da temperatura máxima permitida pelas turbinas actuais (600ºC). Assim,

- 9.20 -
para se ter uma instalação com uma elevada eficiência térmica, o que se consegue com uma
elevada temperatura da fase de adição de calor, torna-se necessário operar a temperaturas
acima da temperatura crítica. Se bem que tal seja possível, implica a utilização de
equipamentos sujeitos a pressões muito altas, com consequências associadas em termos de
custos e de segurança.
Uma outra característica menos vantajosa da água é que, às temperaturas normais
de troca de calor no condensador, apresenta pressões de condensação inferiores à pressão
atmosférica, com o risco de haver fugas de ar para o interior do condensador, as quais são
difíceis de detectar.

O mercúrio como substância operante


Com o objectivo de tirar partido das elevadas temperaturas actualmente permitidas nas
turbinas de vapor, é possível o recurso a outras substâncias operantes que não a água, sendo
o mercúrio uma eventual escolha. Isto porque a região da mistura bifásica do mercúrio se
estende para temperaturas bem acima das apresentadas pela água. Consegue-se assim
operar com um ciclo de vapor, em que a substância operante é o mercúrio, com uma
elevada eficiência dada a elevada temperatura atingida durante a fase de adição de calor, a
qual pode ir até ao máximo permitido actualmente para as turbinas.

Ciclo combinado
Como a temperatura de condensação do mercúrio é compatível com a temperatura de
vaporização da água, uma opção óbvia é o recurso a um ciclo binário. Há assim um ciclo
global que é constituído por dois ciclos componentes, um com elevadas temperaturas na
fase de adição de calor em que a substância operante é o mercúrio, e o outro, operando a
uma temperatura mais baixa durante a fase de adição de calor em que a substância operante
é a água.

Fig. 9.19. Ciclo de vapor combinado mercúrio-água [4].

- 9.21 -
O que liga estes dois ciclos é um permutador de calor, de modo a que a fonte fria do
ciclo de mercúrio é a fonte quente do ciclo de vapor de água. A caldeira onde o mercúrio
entra em ebulição pode ainda servir para levar o vapor ao estado de sobre-aquecido.
Consegue-se assim uma instalação que é globalmente mais eficiente, apesar de apresentar
maiores custos de investimento e uma maior complexidade.
Tomando a Fig. 9.19 como referência, a eficiência de um tal ciclo é obtida como

(Wt , m + Wt , a ) + (Wb, m + Wb, a )


η=− (9.36)
Qin, m + Qin, a

isto é

mm [(h2 − h1 ) + (h4 − h3 )] + ma [(hb − ha ) + (hd − hc )]


η=− (9.37)
mm (h1 − h4 ) + ma (ha − he )

O balanço energético ao permutador de calor que liga os dois ciclos, admitindo que este
não troca calor com o exterior, fornece

mm (h3 − h2 ) = ma (hd − he ) (9.38)

ou seja, a relação entre os caudais mássicos de mercúrio e de água deve ser tal que

mm hd − he
= (9.39)
ma h3 − h2

Uma outra possibilidade de implementar um ciclo combinado consiste em recorrer


a um ciclo de gás às temperaturas mais elevadas (dadas as maiores temperaturas a que
podem operar as turbinas de gás), e um ciclo de vapor a temperaturas mais baixas. A
combinação dos ciclos é feita através de um permutador de calor, o qual actua como a fonte
fria para o ciclo de gás e como fonte quente para o ciclo de vapor. Neste caso, a câmara de
combustão para aquecimento do gás pode ainda servir para levar o vapor ao estado de
sobre-aquecido.
Tomando a Fig. 9.20 como referência, a eficiência térmica de um tal ciclo é obtida
como

(Wt , g + Wt , v ) + (Wc + Wb )
η=− (9.40)
Qin

isto é

m g [(h4 − h3 ) + (h2 − h1 )] + mv [(h8 − h7 ) + (h6 − h9 )]


η=− (9.41)
m g (h3 − h2 )

- 9.22 -
Fig. 9.20. Ciclo combinado gás-vapor [4].

O balanço energético ao permutador de calor que liga os dois ciclos fornece

m g (h5 − h4 ) = mv (h6 − h7 ) (9.42)

ou seja, a relação entre os caudais mássicos de gás e de água deve ser tal que

mg h − h7
= 6 (9.43)
mv h5 − h4

As instalações térmicas actuais de produção de electricidade que apresentam


maiores eficiências térmicas operam em ciclo combinado.

9.5. CO-GERAÇÃO
É comum encarar a inevitabilidade da existência de uma fonte fria para as máquinas
térmicas como algo de extremamente indesejável e, inevitavelmente, prejudicial, já que não
permite tirar partido de todo o poder calorífico do combustível. Uma técnica que permite
aproveitar integralmente, ou quase integralmente, o poder calorífico do combustível, é a
co-geração, a qual resulta na utilização conjugada do calor para efeitos de produção de
potência mecânica e de potência calorífica de aquecimento.
Do processo de queima de um combustível obtêm-se temperaturas extremamente
elevadas, as quais são excelentes para actuarem como fontes quentes das máquinas

- 9.23 -
térmicas, pois uma máquina térmica será tanto mais eficiente quanto maior a temperatura
da sua fonte quente. Esta temperatura é de tal maneira elevada que é, em muitos casos,
incompatível com os níveis térmicos (mais baixos) desejáveis em processos industriais de
aquecimento ou outros. Assim, aproveita-se o calor a elevada temperatura para alimentar as
máquinas térmicas, geradoras de potência mecânica, e usa-se o calor rejeitado na fonte fria
dessas máquinas térmicas para alimentar, em termos de potência calorífica, um qualquer
processo que necessite de calor. Se, eventualmente, for necessário um nível térmico
elevado no processo de aquecimento, pode efectuar-se o desvio de parte da substância
operante a alta temperatura e misturá-la com a substância operante a uma menor
temperatura.

Fig. 9.21. Exemplo de um sistema de co-geração [4].

Com esta técnica, o calor libertado na combustão de um qualquer combustível e


recebido pela substância operante é Qin . Deste calor, a parte

ηQin = −W (9.44)

é convertida em potência mecânica, sendo que η é tanto maior quanto maior é a


temperatura da fonte quente. A parte complementar

(1 − η )Qin = −Qout (9.45)

representa calor que é rejeitado na fonte fria. Este calor é usualmente libertado na fonte fria
a uma temperatura tal que é demasiado baixa para que consiga alimentar, de modo
eficiente, uma qualquer máquina térmica. Assim, usa-se este calor não para alimentar
nenhuma máquina térmica mas sim para alimentar um qualquer processo que necessite de

- 9.24 -
calor (para aquecer, secar, cozer, etc.), podendo ser usado na totalidade para um tal fim ou
apenas uma sua fracção f.
Um coeficiente de aproveitamento do calor obtido no processo de combustão pode
ser definido como

Trabalho + Calor ηQin + f (1 − η )Qin


Cac = = = η + f (1 − η ) (9.46)
Calor da combustão Qin

Assim se conclui que, com o processo de co-geração se consegue um aproveitamento


(quase) integral do poder calorífico do combustível consumido.
A co-geração é uma técnica actualmente muito usada, havendo, conjugada com a
obtenção de potência mecânica (a qual serve usualmente para accionar geradores de
corrente eléctrica), a libertação de calor para processos de: indústria do papel, indústria
têxtil, indústria cerâmica, aquecimento urbano distribuído, etc.. É mesmo comum tais
unidades gerarem corrente eléctrica em excesso face à que necessita ser consumida na
própria unidade industrial onde é gerada, sendo o excesso injectado (vendido) na rede
pública de distribuição de electricidade. É necessário ter, no entanto, dispositivos de
monitorização e controlo, pois pode haver situações em que se está a fornecer energia
eléctrica à rede, e situações em que é necessário ir buscar energia eléctrica à rede.

9.6. REFERÊNCIAS
1. Wark, K. Jr, Thermodynamics, 5th Ed., McGraw-Hill, NY, 1989.
2. Cengel, Y. A. & Boles, M. A., Thermodynamics: An Engineering Approach, 2nd Ed.,
McGraw-Hill, NY, 1994.
3. Bejan, A., Advanced Engineering Thermodynamics, Wiley, NY, 1988.
4. Moran, M. J. & Shapiro, H. N., Fundamentals of Engineering Thermodynamics, 2nd Ed.,
Wiley, NY, 1993.
5. Woodruff, E. B., Lammers, H. B. & Lammers, T. F., Steam Plant Operation, 7th Ed.,
McGraw-Hill, NY, 1998.
6. Joel, R., Basic Engineering Thermodynamics, 5th Ed., Addison Wesley Longman, Essex,
1996.

- 9.25 -
10. SISTEMAS DE REFRIGERAÇÃO

As máquinas associadas aos sistemas de refrigeração não são máquinas térmicas em


sentido restrito, uma vez que o seu objectivo não é efectuar a conversão de calor em
trabalho. No entanto, o seu estudo é análogo ao das máquinas térmicas dado poderem ser
encaradas como máquinas térmicas com o funcionamento invertido. Assim, ao invés de
cederem trabalho mecânico ao exterior recebem trabalho mecânico do exterior,
conseguindo desse modo forçar o calor a fluir no sentido contrário àquele em que flui
espontaneamente, isto é, de uma zona onde a temperatura é menor para uma zona onde a
temperatura é maior. Há, actualmente, inúmeros exemplos de utilização de sistemas de
refrigeração, tais como: (i) Conservação de alimentos e produtos perecíveis em armazém,
por congelação e durante os períodos de transporte; (ii) Manutenção da temperatura de
ambientes gasosos ou líquidos; (iii) Unidades de produção e de armazenamento de gelo,
etc. É comum as unidades de refrigeração fixas receberem energia eléctrica para o seu
funcionamento, ao passo que as unidades móveis têm geralmente como fonte de energia
primária a potência debitada por uma máquina térmica das anteriormente descritas. Apesar
de os sistemas de refrigeração serem, em princípio, usados para promover uma acção de
arrefecimento, verifica-se que eles são consideravelmente mais eficazes quando usados
para promover uma acção de aquecimento. Neste caso, diz-se que se está perante uma
bomba de calor, que é uma máquina capaz de ceder mais calor que a energia (paga)
dispendida para o seu funcionamento. Podem mesmo existir sistemas de refrigeração que
apenas necessitam de receber calor como energia de entrada, permitindo do calor fazer
frio.
10.1. INTRODUÇÃO
Funcionamento básico
As máquinas usadas nos sistemas de refrigeração podem ser entendidas, em primeira
análise, como máquinas térmicas com as interacções energéticas invertidas. Assim, onde
havia calor a ser recebido da fonte quente há calor a ser cedido na fonte quente, e onde
havia calor a ser cedido na fonte fria passa a haver calor a ser recebido da fonte fria. Por
sua vez, enquanto que globalmente as máquinas térmicas libertam potência mecânica para
o exterior, as máquinas associadas aos sistemas de refrigeração absorvem potência
mecânica para o seu funcionamento.

Fig. 10.1. Uma máquina de refrigeração como uma máquina térmica de


funcionamento invertido [4].

Na Fig. 10.1 podem ser observadas as principais semelhanças e as diferenças entre


uma máquina térmica propriamente dita e uma máquina associada a um sistema de
refrigeração. Uma máquina térmica tira proveito do desnível térmico entre as suas fontes
quente e fria, fluindo o calor espontaneamente das temperaturas maiores para as
temperaturas menores, para assim fornecer trabalho ao exterior. Por seu turno, uma
máquina de refrigeração recebe trabalho do exterior e força o calor a fluir no sentido
contrário àquele em que fluiria espontaneamente, isto é, força o calor a fluir das
temperaturas menores para as temperaturas maiores, assim conseguindo vencer o desnível
térmico existente entre as fontes fria e quente de uma tal máquina. O calor é transportado
da zona a temperatura mais baixa para a zona a temperatura mais alta por uma substância
operante, usualmente referida como fluido refrigerante, a qual sofre usualmente mudanças
de fase líquido-vapor e vapor-líquido ao circular na instalação. Como os fluidos
refrigerantes usuais não existem disponíveis na natureza, estas máquinas operam
geralmente em circuito fechado.

- 10.2 -
Fig. 10.2. Ciclo de refrigeração de Carnot [4].

Para melhor entender o funcionamento deste tipo de máquinas, considere-se a Fig.


10.2, a qual representa um ciclo de refrigeração de Carnot (ciclo reversível). Repare-se que
se trata de um ciclo percorrido no sentido contrário ao sentido dos ponteiros do relógio, ou
seja, trata-se de um ciclo absorvedor de potência mecânica. A substância operante entra no
compressor como uma mistura bifásica líquido-vapor, com uma alta qualidade de mistura,
e abandona o compressor (neste caso) como vapor saturado. Após isso, passa num
permutador de calor (condensador) que perde calor para o exterior, encontrando-se a
substância operante como líquido saturado à saída do condensador. Posteriormente, dá-se a
expansão da substância operante sendo, na saída, líquido saturado ou então uma mistura
bifásica líquido-vapor de muito baixa qualidade. Segue-se o recebimento de calor por parte
da substância operante, acompanhado de uma mudança de fase líquido-vapor (da
substância operante que aí entra no estado líquido), num permutador de calor conhecido
como evaporador. Neste caso, a fase de aquecimento da substância operante ocorre quando
esta contacta com a fonte fria, e a fase de cedência de calor ao exterior tem lugar quando a
substância operante contacta termicamente com a fonte quente.

Coeficientes de desempenho
Quando se está perante máquinas de refrigeração, o seu coeficiente de desempenho não é
referido como uma eficiência, mas efectivamente como coeficiente de desempenho,
referenciado como COP (Coefficient Of Performance). É que é possível ter, neste tipo de
máquinas, coeficientes de desempenho superiores à unidade, contrariamente ao que
acontece com as máquinas térmicas propriamente ditas, as quais nunca conseguem
converter integralmente o calor que recebem em trabalho mecânico.

Máquina frigorífica
O ciclo de refrigeração representado na Fig. 10.2, devido ao facto de ser reversível,
apresenta o maior índice de desempenho possível para uma máquina de refrigeração

- 10.3 -
operando entre as mesmas temperaturas TC e TH , o qual pode ser quantificado, como a
relação entre o que a máquina dá e o que a máquina pede, pela expressão

Qin m TC (s a − sb ) TC
COP = = = (10.1)
Wc m + Wt m (TH − TC )(s a − sb ) TH − TC

já que Wc m + Wt m = δW m = − δQ m , ou seja, Wc m + Wt m é dado pela área


encerrada pelo ciclo no diagrama Ts.
Convém notar que o que a máquina dá deve ser entendido como o efeito desejado, que não
é mais que a remoção da potência calorífica Qin da zona a temperatura mais baixa, TC .

Bomba de calor
Convém notar que uma máquina de refrigeração pode ser usada para refrigeração
propriamente dita, por remoção de calor de uma zona a mais baixa temperatura, ou então
para aquecimento, em que o efeito pretendido é, neste caso, o calor libertado na fonte
quente. Neste caso diz-se que a máquina de refrigeração opera como uma bomba de calor,
bombeando calor do nível térmico mais baixo para o nível térmico mais elevado. O
coeficiente de desempenho da máquina de refrigeração representada na Fig. 10.2, quando
opera como bomba de calor, é então

Qout m T H (s a − s b ) TH
COP = − = = (10.2)
Wc m + Wt m (TH − TC )(s a − sb ) TH − TC

equação que pode ser re-escrita como

TH T − TC + TC TC
COP = = H = 1+ >1 (10.3)
TH − TC TH − TC TH − TC

Uma vez mais, como estamos perante a bomba de calor de Carnot, estamos perante a
bomba de calor que apresenta o máximo coeficiente de desempenho possível quando opera
entre as temperaturas TC e TH .
Este resultado é deveras interessante. De facto, constata-se que o coeficiente de
desempenho da máquina de refrigeração quando opera como bomba de calor, é uma
unidade mais elevado que o coeficiente de desempenho da máquina de refrigeração quando
opera com o objectivo de refrigeração propriamente dito (e ambas as máquinas operam
entre as mesmas temperaturas). Ou seja, as máquinas de refrigeração são mais eficazes
como máquinas de aquecimento que como máquinas de arrefecimento.
O resultado da Eq. (10.3) pode ser entendido de outro modo, por aplicação da
Primeira Lei da Termodinâmica à máquina de refrigeração. Um balanço energético,

- 10.4 -
contabilizando apenas as únicas interacções energéticas existentes, na forma de calor e de
trabalho, fornece

0 = Q + W = Qin + Qout + Wc + Wt (10.4)


>0 <0 >0 <0

ou então, em termos dos valores absolutos das parcelas energéticas envolvidas

− Qout = Qout = Qin + Wc − Wt (10.5)

vindo o coeficiente de desempenho dado pela expressão

Qout Qin
COP = = 1+ (10.6)
Wc − Wt Wc − Wt

Em termos físicos, na fonte quente é libertada a potência calorífica Qout que


resulta da soma da potência mecânica Wc − Wt e da potência calorífica Qin . A única
potência paga é a potência mecânica envolvida, Wc − Wt , sendo a potência calorífica
fornecida pela fonte fria, Qin , não paga (é cedida gratuitamente pela fonte fria), pelo que
a potência calorífica fornecida à fonte quente excede a potência mecânica paga pela parcela
Qin . Contrariamente, num dispositivo de aquecimento convencional, a potência calorífica
libertada iguala a potência paga. As bombas de calor são efectivamente muito eficazes para
promover aquecimento, e são amplamente usadas para esse fim. Uma limitação, face aos
dispositivos de aquecimento mais usuais, é o seu custo muito mais elevado.

Máquinas de refrigeração reais


As máquinas de refrigeração reais apresentam algumas diferenças face à máquina de
refrigeração de Carnot, de que são de salientar:
1. Ausência de turbina. Devido ao facto de a qualidade da mistura bifásica líquido-
vapor na turbina ser muito baixa, a potência mecânica aí obtida é muito baixa
quando comparada com a potência fornecida para o accionamento do compressor.
Assim, esta turbina é usualmente substituída por uma válvula de expansão, na qual
se dá a expansão isentálpica (irreversível) da substância operante, a qual não
apresenta custos de investimento e de manutenção tão altos quanto a turbina. Tal
leva a que o coeficiente de desempenho de uma instalação real seja menor, e essa
instalação assemelha-se à que se encontra representada na Fig. 10.3

- 10.5 -
Fig. 10.3. Componentes principais de uma instalação de refrigeração (por
compressão de vapor) [4].

2. A transferência de calor implica a existência de diferenças de temperatura. Para


que ocorra a transferência de calor do condensador para o ambiente, à temperatura
TH , a temperatura no condensador necessita ser superior a esse valor, sendo TH' .
Por sua vez, para que ocorra a transferência de calor da fonte fria, à temperatura
TC , para o evaporador, a temperatura no evaporador necessita ser inferior a esse
valor, sendo TC' , tal como ilustrado na Fig. 10.4.

Fig. 10.4. As temperaturas do evaporador e do condensador face às temperaturas da


fonte quente e da fonte fria [4].

De notar que o coeficiente de desempenho da máquina de refrigeração operando


entre as temperaturas TH' = TH + ∆TH (∆TH > 0 ) e TC' = TC − ∆TC (∆TC > 0 ) ,
para efeitos de refrigeração propriamente ditos, é

TC' TC − ∆TC
COP = = (10.7)
TH' − TC' TH + ∆TH − (TC − ∆TC )

- 10.6 -
ou seja

TC ∆TC TC
COP = − < (10.8)
TH − TC + (∆TH + ∆TC ) TH − TC + (∆TH + ∆TC ) TH − TC

Por sua vez, o coeficiente de desempenho da máquina de refrigeração operando


entre as temperaturas TH' = TH + ∆TH (∆TH > 0 ) e TC' = TC − ∆TC (∆TC > 0 ) ,
como bomba de calor, é

TH' T ' − TC' + TC' TC'


COP = = H = 1+ (10.9)
TH' − TC' TH' − TC' TH' − TC'

ou seja

TC ∆TC TC
COP = 1 + − < 1+ (10.10)
TH − TC + (∆TH + ∆TC ) TH − TC + (∆TH + ∆TC ) TH − TC

Assim se conclui que, devido às diferenças de temperatura ∆TH e ∆TC , os


coeficientes de desempenho das máquinas de refrigeração vêm degradados, operem
elas com objectivos de refrigeração ou de aquecimento.
3. Compressão seca. O processo de compressão representado na Fig. 10.2 tem lugar
com a substância operante sob a forma de uma mistura bifásica líquido-vapor de
qualidade não muito elevada, o que contribui de sobremaneira para a danificação de
qualquer compressor que opere nestas condições. Esta compressão é usualmente
referida como compressão húmida. Assim, para proteger o compressor de uma
instalação de refrigeração, é comum criar condições para que a substância operante,
à entrada do compressor, seja apenas vapor, o que leva à existência, à saída do
compressor, de vapor sobre-aquecido. Tal compressão recebe o nome de
compressão seca.
4. Perdas na instalação. A adicionar aos aspectos anteriormente mencionados, há
ainda, essencialmente: perdas de carga no evaporador, perdas de carga no
condensador, e perdas no compressor pelo facto de este não ter uma eficiência
isentrópica unitária.

10.2. REFRIGERAÇÃO POR COMPRESSÃO DE VAPOR


A análise feita anteriormente refere-se essencialmente aos sistemas de refrigeração por
compressão de vapor, sistemas que são, sem dúvida, os sistemas de refrigeração mais
usuais.

- 10.7 -
Interacções energéticas
Tendo como referência a Fig. 10.3, as principais interacções energéticas que têm lugar são:
1. No compressor, em que não há qualquer interacção energética com o exterior sob a
forma de calor (compressor adiabático),

Wc
= h2 − h1 (10.11)
m

2. No condensador, em que não há qualquer interacção energética com o exterior sob a


forma de trabalho mecânico,

Qout
= h3 − h2 (10.12)
m

3. No evaporador, em que não há qualquer interacção energética com o exterior sob a


forma de trabalho mecânico,

Qin
= h1 − h4 (10.13)
m

Convém ter presente que na válvula de expansão não há qualquer interacção


energética com o exterior sob a forma de calor ou de trabalho mecânico, não havendo
também variações significativas da energia cinética ou da energia potencial da substância
operante. Um balanço energético à válvula reduz-se assim a

0 = mh3 − mh4 = m(h3 − h4 ) (10.14)

pelo que, na válvula de expansão,

h3 = h4 (10.15)

Assim, a expansão que ocorre na válvula de expansão tem lugar a entalpia constante,
recebendo um tal processo o nome de laminagem.
O coeficiente de desempenho de um ciclo de refrigeração por compressão de vapor
vem então

Qin h1 − h4
COP = = (10.16)
Wc h2 − h1

se este opera com o objectivo de refrigeração propriamente dita.

- 10.8 -
Bombas de calor por compressão de vapor
O mesmo sistema de refrigeração analisado anteriormente pode ser usado para fins de
aquecimento, recebendo então o nome de bomba de calor. As interacções energéticas que
têm lugar são calculadas exactamente do mesmo modo, sendo apenas o seu coeficiente de
desempenho calculado de modo diferente. Neste caso, o que se obtém de útil é − Qout ,
pelo que o coeficiente de desempenho da bomba de calor é calculado como

− Qout h − h2
COP = =− 3 (10.17)
Wc h2 − h1

A situação em que se necessita de proceder a aquecimento ou a arrefecimento,


essencialmente com o objectivo de promover a climatização de um dado espaço, depende
muito da estação do ano em que nos encontramos, sendo que necessitamos de aquecimento
no Inverno e de arrefecimento no Verão.
Para a situação de Inverno interessa que o condensador esteja no interior do espaço
a aquecer, e o evaporador no exterior, a uma temperatura mais baixa. Tal situação
encontra-se representada na Fig. 10.5.

Fig. 10.5. Sistema de refrigeração por compressão de vapor a operar como bomba de
calor, para aquecer o interior de um compartimento [4].

Põe-se agora a questão de inverter a posição do evaporador e do condensador, para que a


mesma instalação possa operar no Verão, agora com o objectivo de arrefecer um
determinado espaço. Tal é possível de ser feito, bastando para tal ter uma válvula que altera
o encaminhamento tomado pela substância operante, de modo a que o que era evaporador
passe a ser condensador, e o que era condensador passe a ser evaporador. A representação
esquemática de uma tal sistema ‘inverter’ encontra-se ilustrado na Fig. 10.6.

- 10.9 -
Fig. 10.6. Representação esquemática de uma bomba de calor com sistema ‘inverter’
[4].

Identificação das perdas


Para lá da perda (irreversibilidade) associada à utilização de uma válvula de expansão em
vez de uma turbina, há ainda a considerar: (i) Perdas de carga no condensador; (ii) Perdas
de carga no evaporador; (iii) Perdas de carga nas condutas; (iv) Trocas de calor com o
exterior, sejam ganhos ou perdas caloríficas, mas que sempre degradam o desempenho da
instalação; e (v) Perdas no compressor. De todas as perdas, as perdas no compressor são
das mais importantes e das mais fáceis de contabilizar, uma vez sabida a eficiência
isentrópica do compressor.

Fig. 10.7. Ciclo de refrigeração por compressão de vapor, com perdas na válvula de
expansão e no compressor [4].

A representação de um ciclo de refrigeração por compressão de vapor num


diagrama Ts, em que estão identificadas as perdas associadas ao uso de uma válvula de
expansão e ao facto de o compressor não ter uma eficiência isentrópica unitária, encontra-
se na Fig. 10.7.

- 10.10 -
Assim, e à semelhança do que já foi feito para os compressores das instalações com
turbinas de gás, a eficiência isentrópica do compressor vem

ηc =
(Wc m)s h − h1
= 2s (10.18)
(Wc m) h2 − h1

Propriedades dos fluidos refrigerantes, e suas implicações

Relação pressão-temperatura
O que se pretende, essencialmente, de um fluido refrigerante é que ele opere de tal modo
que a temperatura no condensador ande um pouco acima da temperatura onde é para ser
descarregado o calor − Qout , e que a temperatura no evaporador ande um pouco abaixo da
temperatura do meio de onde é recebido o calor Qin . São estas temperaturas que,
conjugadas com as propriedades do fluido refrigerante usado, determinam as pressões a
que o fluido se deve encontrar no evaporador e no condensador.
Para acompanhar as evoluções sofridas pela substância operante à medida que esta
progride numa instalação de refrigeração, é comum o recurso ao diagrama Ph do fluido
refrigerante em causa. Um tal diagrama encontra-se representado, de forma genérica, na
Fig. 10.8.

Fig. 10.8. Representação genérica do diagrama Ph para o fluido refrigerante usado


numa instalação de refrigeração por compressão de vapor [4].

Fluidos refrigerantes
O fluido refrigerante mais usado até há bem pouco tempo, em instalações de refrigeração
por compressão de vapor, foi (e ainda é, em muitas instalações) o diclorodifluorometano
(CCl2F2), conhecido como Refrigerante 12, R12, ou então com o nome comercial de Freon-
12 ou Genatron-12. Outro fluido refrigerante também de vasta aplicação é o Refrigerante
11 (triclorofluorometano, CCl3F). Tais substâncias são por vezes referidas como
hidrocarbonetos halogenados, ou clorofluorocarbonados (CFC’s).

- 10.11 -
Descobriu-se, recentemente, que a libertação de tais substâncias para a atmosfera
leva a uma degradação da camada de ozono, protectora da entrada da radiação ultra-violeta
na Terra, o que ditou o abandono de tais fluidos refrigerantes, pelo menos em termos de
instalações novas (Conferência de Montréal, Canadá, em 1987). Como substitutos dos
clorofluorocarbonados surgiram os hidrofluorocarbonados. Como grande substituto do
Refrigerante 12 apareceu o tetrafluoroetano (CF3CFH2), conhecido como Refrigerante
R134a, o clorodifluorometano (R22, CHClF2) e o diclorotrifluoroetano (R123, CHCl2F3),
os quais são actualmente aceitáveis do ponto de vista ambiental.
Um outro fluido refrigerante, especialmente importante para as unidades de
refrigeração por absorção, é a amónia, NH3, conhecida como o Refrigerante 717 ou,
simplesmente, como R117.

Ciclos combinados em refrigeração (ciclos em cascata)


Similarmente ao que foi analisado aquando do estudo das instalações com turbinas de
vapor, também a performance global de um sistema de refrigeração pode, em princípio, ser
melhorada através de uma combinação de ciclos de refrigeração, em série, cada um
operando com uma substância operante diferente da dos outros. Consegue-se assim tirar
partido do facto de uma determinada substância operante apresentar melhores propriedades
para operar dentro de uma determinada gama de temperaturas a pressões mais favoráveis
para os componentes da instalação. Um exemplo de uma tal combinação com dois ciclos
pode ser vista na Fig. 10.9.

Fig. 10.9. Cascata com dois ciclos de refrigeração por compressão de vapor [4].

- 10.12 -
Para a situação representada há dois ciclos de refrigeração por compressão de
vapor, cada um com o seu próprio compressor, e um permutador de calor estabelecendo a
ligação entre esses dois ciclos. Essencialmente, o que se pretende do ciclo combinado é que
o fluido refrigerante do ciclo A apresente uma relação pressão-temperatura na saturação tal
que permite efectuar o efeito de refrigeração a uma temperatura baixa sem que tenha que se
encontrar a uma pressão muito baixa no evaporador, e que o fluido refrigerante do ciclo B
apresente uma relação pressão-temperatura na saturação tal que permite efectuar a rejeição
de calor no condensador sem que tenha que se encontrar a uma pressão muito elevada.
Um balanço energético ao permutador que liga ambos os ciclos, admitindo que este
não troca calor com o exterior através da sua superfície, fornece que

0 = m B hB,8 + m A h A,2 − m A h A,3 − m B hB,5 (10.19)

ou seja, a relação entre os caudais mássicos envolvidos é

m A hB,5 − hB,8
= (10.20)
m B h A,2 − h A,3

O coeficiente de desempenho da instalação é calculado como

Qin (
m A h A,1 − h A,4 )
COP = = (10.21)
( ) (
Wc, A + Wc, B m A h A,2 − h A,1 + m B hB,6 − hB,5 )
se esta opera com o objectivo de refrigeração, ou como

Qout (
m B h B ,7 − h B ,6 )
COP = =− (10.22)
Wc, A + Wc, B ( ) (
m A h A,2 − h A,1 + m B hB,6 − hB ,5 )
se esta opera como bomba de calor.

Compressão em vários estágios, com arrefecimento intermédio


Tal como analisado aquando do estudo das instalações com turbinas de gás, também nos
sistemas de refrigeração, e pelas mesmas razões, se torna vantajoso efectuar a compressão
do vapor em vários estágios, com arrefecimento intermédio entre cada dois estágios de
compressão consecutivos. No entanto, há uma diferença fundamental: enquanto nos
sistemas com turbinas de gás a rejeição de calor correspondente ao arrefecimento
intermédio pode ter lugar para o ambiente, já que as temperaturas desenvolvidas no
processo de compressão ultrapassam a temperatura ambiente, nas instalações de
refrigeração a temperatura desenvolvida durante o processo de compressão é, em muitos

- 10.13 -
casos, inferior à temperatura ambiente. Uma solução para ultrapassar esta questão
encontra-se ilustrada na Fig. 10.10.

Fig. 10.10. Compressão de vapor em dois estágios com arrefecimento intermédio,


com recurso a uma câmara de flsah [4].

Nesta situação, o arrefecimento intermédio é efectuado por recurso a um


permutador de calor de contacto directo. O vapor saturado a uma temperatura relativamente
baixa, correspondente ao estado 9, entra em contacto directo, no permutador de calor, com
o vapor a uma temperatura consideravelmente maior que sai do primeiro estágio de
compressão, no estado 2. A mistura resultante, à temperatura intermédia correspondente ao
estado 3, entra no segundo estágio de compressão e é comprimida até ao estado 4. Com
este sistema consegue-se que a soma dos trabalhos requeridos pelos dois estágios de
compressão seja menor que o trabalho requerido se a compressão tivesse lugar num único
estágio de compressão.
Dado o modo como é feita a ligação entre os dois estágios de compressão, torna-se
necessária a existência de dois estágios de expansão, o que acontece em duas válvulas de
expansão distintas. O líquido saturado, no estado 5, que atravessa a válvula de expansão dá
origem a uma mistura bifásica líquido-vapor no estado 6. Esta mistura bifásica entra num
separador de vapor, conhecido como câmara de flash. Aí se dá a separação entre o vapor
formado na expansão, o qual segue para o permutador de calor de contacto directo. Ora, se
a qualidade da mistura no estado 6 é x, a fracção de caudal separado na câmara de

- 10.14 -
separação é também x (todo o vapor é separado). A parte do caudal não desviado, m(1 − x ) ,
segue pela outra válvula de expansão onde é expandida até à pressão do evaporador.
Um balanço energético à câmara de flash, admitindo que esta não troca calor com o
exterior através da sua superfície, fornece

0 = mh6 − xmh9 − (1 − x )mh7 (10.23)

isto é, a qualidade da mistura no estado 6, que iguala a fracção de caudal desviado sob a
forma de vapor na câmara de flash, é calculada como

h − h6
x= 7 (10.24)
h7 − h9

Por sua vez, o balanço energético ao permutador de calor de contacto directo, admitindo
que este não troca calor com o exterior através da sua superfície, fornece que

0 = (1 − x )mh2 + xmh9 − mh3 (10.25)

ou seja, a entalpia da corrente que abandona o permutador é calculada como

h3 = (1 − x )h2 + xh9 (10.26)

Para a situação representada, o coeficiente de desempenho é calculado como

Qin (1 − x )m(h1 − h8 ) (1 − x )(h1 − h8 )


COP = = = (10.27)
Wc,1 + Wc, 2 (1 − x )m(h2 − h1 ) + m(h4 − h3 ) (1 − x )(h2 − h1 ) + (h4 − h3 )

se a instalação opera com o objectivo de refrigeração, ou como

− Qout − m(h5 − h4 ) − (h5 − h4 )


COP = = = (10.28)
Wc,1 + Wc,2 (1 − x )m(h2 − h1 ) + m(h4 − h3 ) (1 − x )(h2 − h1 ) + (h4 − h3 )

se a instalação opera como bomba de calor.

Aspectos construtivos
Os sistemas de refrigeração por compressão de vapor são dos mais usados, pelo que
assume especial importância referir alguns dos aspectos construtivos relacionados com
eles. No entanto, este sistemas podem assumir formas muito variadas, e incorporar
dispositivos de comando e controlo também muito variados, sendo apenas aqui indicados
os aspectos construtivos mais essenciais.
Na Fig. 10.11 encontra-se representado esquematicamente o sistema de refrigeração
associado a um frigorífico de uso doméstico.

- 10.15 -
Fig. 10.11. Representação esquemática de um frigorífico de uso doméstico [5].

O compressor existe num pequeno compartimento, o evaporador (a parte fria) está


incrustado na superfície interior das paredes da parte mais fria do interior do frigorífico, e o
condensador (a parte quente) está usualmente localizado na parte traseira do frigorífico. O
compartimento a refrigerar encontra-se (parcialmente) isolado do ambiente exterior através
do material isolante térmico constituinte das suas paredes.
As instalações de carácter industrial e comercial podem ter fins muito distintos,
encontrado-se representado na Fig. 10.12 um vitrina frigorífica (fins comerciais), e na Fig.
10.13 um sistema de refrigeração industrial.

Fig. 10.12. Vitrina frigorífica, em corte [5].

- 10.16 -
Fig. 10.13. Sistema de refrigeração industrial [5].

Compressores
Os compressores usados nestas instalações são, muitas vezes, compressores alternativos de
êmbolo.

Fig. 10.14. Compressor hermético [5].

Na Fig. 10.14 encontra-se representado um destes compressores, quando se trata de


uma unidade hermética, encerrada num invólucro em chapa metálica. Este compressores
são típicos das instalações de pequena capacidade, e não permitem que lhes seja efectuada
manutenção. As válvulas destes compressores são válvulas auto-accionadas. Trata-se de
duas lâminas metálicas, uma (a da admissão) colocada do lado de dentro da câmara de
compressão e ligada à conduta de admissão, e a outra (a de descarga) colocada no exterior
da câmara de admissão e ligada à conduta de descarga. O próprio fluido refrigerante, nos
seus movimentos de entrada e de saída, deixa essas lâminas metálicas sujeitas a forças que
se encarregam de abrir e fechar a admissão e a descarga nos instantes adequados, e durante
os intervalos de tempo adequados. Não há, por isso, qualquer dispositivo adicional,
mecânico ou outro, para comandar a abertura e o fecho das válvulas. O modo de operar das
válvulas encontra-se ilustrado na Fig. 10.15.

- 10.17 -
Fig. 10.15. Representação esquemática do funcionamento de um compressor de
êmbolos, com válvulas auto-accionadas (b) Admissão; (d) Descarga [5].

Em instalações industriais são comuns os compressores não herméticos, bem como


é comum também o recurso a outras formas construtivas para os compressores que não os
compressores alternativos de êmbolo, tais como compressores de parafuso, compressores
de palhetas, etc. Na Fig. 10.16 encontra-se representado, com detalhe, um compressor
alternativo de êmbolos, com dois cilindros.

Fig. 10.16. Detalhe de um compressor bi-cilíndrico usado num sistema de


refrigeração por compressão de vapor [5].

- 10.18 -
Evaporadores
Os evaporadores podem assumir formas muito diferentes consoante a situação particular a
que se destinam, encontrando-se representados na Fig. 10.17 dois tipos de evaporadores
comuns em instalações de refrigeração de pequena/média dimensão.

Fig. 10.17. Exemplos de evaporadores usados em sistemas de refrigeração [5].

Condensadores
Também os condensadores podem assumir formas muito diferentes consoante a situação
particular a que se destinam, encontrando-se representados na Fig. 10.18 dois tipos de
condensadores comuns em instalações de refrigeração.

Fig. 10.18. Exemplos de condensadores usados em sistemas de refrigeração [5].

Válvula de expansão
A válvula de expansão pode apresentar-se sob diversas formas, sendo no entanto comum
que apareça sob a forma de uma válvula de expansão termostática ou de um simples tubo
capilar nas instalações de pequena dimensão. No entanto, muitas e variadas formas de
comando e controlo podem ser adoptadas para o dispositivo de expansão em causa, cuja
descrição detalhada pode ser encontrada na Ref. 5.

- 10.19 -
O objectivo primordial da válvula de expansão é manter um determinado nível de
sobre-aquecimento à saída do evaporador, não permitindo que haja a entrada de líquido
para o compressor. Para comandar a válvula é usado um bolbo, montado à saída do
evaporador, o qual contém um fluido com um elevado coeficiente de dilatação, fazendo-se
sentir a acção deste fluido (por meio de um diafragma) sobre o órgão móvel da válvula.
Uma temperatura mais elevada provoca uma maior abertura da válvula, e uma temperatura
mais baixa provoca um maior fecho da válvula. Na Fig. 10.19 encontra-se representado o
princípio de funcionamento de uma válvula de expansão termostática.

Fig. 10.19. Ilustração do princípio de funcionamento de uma válvula de expansão


termostática [5].

O tubo capilar consiste apenas num dado comprimento de um tubo de pequeno


diâmetro, ligando o condensador ao evaporador. Devido ao seu pequeno diâmetro, o tubo
capilar impõe o abaixamento de pressão necessário para que, à sua saída, haja uma mistura
bifásica líquido-vapor. Uma instalação de refrigeração com tubo capilar deve ter um
acumulador à saída do evaporador, cuja função é reter o líquido que aí ainda esteja
presente, e assim evitar que este chegue à entrada do compressor e o possa danificar. Na
Fig. 10.20 encontra-se representado um sistema de refrigeração com um tubo capilar.

Fig. 10.20. Sistema de refrigeração com um tubo capilar [5].

- 10.20 -
10.3. REFRIGERAÇÃO POR ABSORÇÃO
Estes sistemas de refrigeração têm algumas características comuns aos sistemas de
refrigeração por compressão de vapor. Uma diferença está em que aqui não se recorre à
compressão de um vapor mas sim à pressurização de um líquido. Ora, como o líquido tem
um muito menor volume específico que o vapor, o trabalho associado à fase de compressão
é, por isso, muito menor nos sistemas de refrigeração por absorção. No entanto, uma vez
bombeado o líquido, interessa agora fazê-lo passar ao estado de vapor para que possa de
seguida passar no condensador. Tal é feito por adição de calor, no chamado gerador da
instalação, o que deve acontecer a uma temperatura elevada.
A substância operante usada é uma solução composta por um fluido refrigerante e
de um absorvente, sendo comum o uso da amónia como refrigerante e da água como
absorvente. Outra possibilidade frequente é o uso do brometo de lítio como refrigerante e
da água como absorvente.
Um instalação de refrigeração por absorção encontra-se representada na Fig. 10.21,
em que é visível, na parte esquerda dessa figura, que este sistema apenas difere do sistema
de refrigeração por compressão de vapor pelo modo como o processo (global) de
compressão tem lugar.

Fig. 10.21. Sistema de refrigeração por absorção amónia-água [4].

Para a situação ilustrada na Fig. 10.21, em que se usa a amónia como refrigerante e
a água como absorvente, a amónia (o refrigerante) circula através do condensador, da

- 10.21 -
válvula de expansão e do evaporador. O absorvente (a água) apenas é chamado a intervir na
fase de compressão.
O compressor é substituído pelo conjunto representado na parte da direita da Fig.
10.21. No absorvedor, a amónia, no estado de vapor, que sai do evaporador no estado 1, é
absorvida pela água líquida. Este processo de absorção é exotérmico e, como a quantidade
de amónia que pode ser absorvida pela água é tanto maior quanto menor for a temperatura,
torna-se necessário promover um meio de remover o calor gerado no absorvedor. A
solução forte amónia-água formada no absorvedor é bombeada para a pressão mais alta da
instalação, que é a pressão do gerador. No gerador, a adição de calor a uma temperatura
relativamente elevada leva a que a amónia abandone a solução, evapore e se solte da água,
havendo assim a separação numa parte de amónia apenas (no estado de vapor) e numa
outra parte que é uma solução fraca (líquida) de amónia em água. A amónia assim separada
progride através do condensador, da válvula de expansão e do evaporador tal como
qualquer outro fluido refrigerante. Por sua vez, a solução fraca de amónia em água sofre
um abaixamento de pressão numa válvula de expansão e retorna ao absorvedor. Neste
processo, o trabalho mecânico fornecido à bomba é consideravelmente inferior ao que seria
necessário fornecer a um compressor de uma instalação de refrigeração por compressão de
vapor que lhe seja equivalente em termos de poder de refrigeração. No entanto, há que
contar também com a parcela de energia necessária para alimentar o gerador.
Se o sistema analisado é para efectuar refrigeração propriamente dita, o seu
coeficiente de desempenho pode ser calculado como

Qin
COP = (10.29)
Wb + QG

Os sistemas de refrigeração por absorção que usam a solução amónia-água podem


incorporar algumas modificações face ao sistema analisado anteriormente, situação
ilustrada na Fig. 10.22.
Neste sistema modificado há a destacar: (i) A inclusão de um permutador de calor,
de modo a permitir que a solução fraca de amónia em água ceda parte da sua energia à
solução forte que foi bombeada e vai entrar no gerador. Com esta medida, menos calor QG
necessita ser adicionado no gerador; e (ii) Um rectificador, colocado entre o gerador e o
condensador, cuja função é promover a separação de alguma água que, eventualmente,
ainda acompanhe a amónia separada no gerador. De salientar que a presença de água pode
ser prejudicial ao funcionamento deste tipo de instalações, pois à saída da válvula de
expansão, como a temperatura é aí muito baixa, pode haver o congelamento da água e a
obturação da passagem do fluido refrigerante por parte do gelo formado.

- 10.22 -
Fig. 10.22. Sistema de refrigeração por absorção amónia-água, modificado [5].

Sistema de refrigeração por absorção da Electrolux


Um sistema de refrigeração por absorção deveras interessante, que não necessita receber
qualquer energia na forma de energia mecânica para o seu funcionamento, é o sistema de
refrigeração por absorção da Electrolux. Um tal sistema encontra-se ilustrado na Fig. 10.23.

Fig. 10.23. Sistema de refrigeração por absorção da Electrolux [6,7].

- 10.23 -
Neste sistema existem três fluidos envolvidos: água, amónia e hidrogénio. O
sistema não tem partes móveis, e a pressão total, a menos das perdas, é constante através de
todo o sistema. Tomando a pressão total como a soma das pressões parciais, o que só é
estritamente correcto para gases ideais, verifica-se então que a soma das pressões parciais
dos vários fluidos em presença iguala, sempre, a pressão total reinante na instalação. O
fluido refrigerante é a amónia, o absorvente é a água, e o hidrogénio está presente para,
devido a diferenças de densidade, permitir a circulação natural da substância operante.
Tomando o lado direito da Fig. 10.23 com referência, temos que a amómia líquida
deixa o condensador e entra no evaporador, dando-se então a evaporação no seio do
hidrogénio a baixa temperatura, a que corresponde uma baixa pressão parcial do
hidrogénio. A mistura gasosa amónia-hidrogénio entra então no absorvedor, no qual dá
entrada também uma solução fraca de amónia-água vinda do separador, ocorrendo a
absorção do vapor de amónia por parte da água, formando-se assim uma solução forte
amónia-água, e o hidrogénio volta para o evaporador. A solução forte amónia-água passa
então no gerador, onde recebe calor de uma fonte de calor a temperatura elevada,
formando-se aí vapor que flui rumo ao separador. No separador há a formação de uma
solução fraca amónia-água, a qual flui para o absorvedor. A amónia, no estado de vapor,
que deixa o separador, segue para o condensador, onde é condensada, prosseguindo depois
para o evaporador. Tal como se encontra representado, a entrada energética para um tal
sistema de refrigeração é apenas o calor de entrada no gerador, o qual pode provir de uma
combustão de um qualquer combustível, ou mesmo da captação de energia solar. Tal torna-
o especialmente apto para ser usado em situações em que não é fácil ter disponível outra
energia que não o simples calor para o seu funcionamento, o que acontece em pequenas
unidades de refrigeração para fins domésticos, ou outros.
Este tipo de instalação apresenta um baixo coeficiente de desempenho, o qual pode
ser melhorado forçando a circulação por recurso a uma bomba, o que acontece em
instalações industriais que funcionam segundo este princípio.

10.4. REFRIGERAÇÃO A GÁS


Ciclo de Brayton invertido
Um outro modo de obter a acção de refrigeração pretendida pode ser o recurso a um ciclo
de Brayton invertido. A substância operante é um gás, podendo ser mesmo o ar (seco), não
havendo lugar a qualquer mudança de fase da substância operante. Nesta situação, o
trabalho desenvolvido na turbina não é de todo desprezável (dado o ainda elevado volume
específico do gás). A utilização do ciclo de Brayton invertido para efeitos de refrigeração
encontra-se ilustrada na Fig. 10.24. De notar que, neste caso, não se pode falar de
evaporador e de condensador, pois essas mudanças de fase não têm lugar, sendo tais

- 10.24 -
componentes substituídos por meros permutadores de calor em que a substância operante é,
invariavelmente, um gás. Devido ao facto de a substância operante ser sempre um gás, a
temperatura aumenta à medida que a fase de adição de calor (na fonte fria) tem lugar, e a
temperatura diminui à medida que a fase de rejeição de calor (na fonte quente) tem lugar.

Fig. 10.24. Ciclo de Brayton com funcionamento invertido, para refrigeração [4].

Na Fig. 10.24 encontram-se indicadas as principais perdas por irreversibilidade que


têm lugar no compressor e na turbina.
As interacções energéticas deste ciclo são:
1. Na turbina, admitindo que esta não troca calor com o exterior,

Wt
= h4 − h3 (10.30)
m

2. No permutador de calor, que actua como fonte fria,

Qin
= h1 − h4 (10.31)
m

3. No compressor, admitindo que este não troca calor com o exterior,

Wc
= h2 − h1 (10.32)
m

4. No permutador de calor, que actua como fonte quente,

- 10.25 -
Qout
= h3 − h2 (10.33)
m

As eficiências isentrópicas do compressor e da turbina são calculadas tal como


aquando do estudo das instalações com turbinas de gás, isto é,

ηc =
(Wc m)s h − h1
= 2s <1 (10.34)
(Wc m) h2 − h1

ηt =
(Wt m) =
h4 − h3
<1 (10.35)
(Wt m)s h4 s − h3

Por sua vez, o coeficiente de desempenho da instalação de refrigeração analisada é


calculado como

Qin m h1 − h4
COP = = (10.36)
Wt m + Wc m (h4 − h3 ) + (h2 − h1 )

se a instalação opera com o objectivo de refrigeração, ou como

− Qout m h3 − h2
COP = =− (10.37)
Wc,1 m + Wc,2 m (h4 − h3 ) + (h2 − h1 )

se a instalação opera como bomba de calor.

Modificações ao ciclo de Brayton invertido


Com o ciclo de Brayton invertido, tal como apresentado, é necessário recorrer a elevadas
pressões e a elevados caudais mássicos para obter um efeito de refrigeração capaz de
satisfazer as necessidades. Tal deve-se essencialmente ao facto de, com o ciclo de Brayton
invertido, se terem coeficientes de desempenho substancialmente inferiores aos que se
conseguem com instalações de refrigeração por compressão de vapor, mesmo de dimensões
muito mais reduzidas. No entanto, com algumas modificações, é possível melhorar o
coeficiente de desempenho deste tipo de instalações, e conseguir temperaturas
consideravelmente baixas, podendo mesmo ir até aos –150ºC, temperatura esta que está
abaixo das que podem ser obtidas com sistemas de refrigeração por compressão de vapor.
Uma das principais modificações pode ser observada na Fig. 10.25, e consiste
essencialmente no recurso a um permutador de calor de correntes separadas para promover
a regeneração. Com este permutador de calor é possível fazer com que o gás que entra na
turbina se encontre a uma temperatura inferior à temperatura ambiente, TH , assim
permitindo que, durante a expansão na turbina, sejam atingidas temperaturas T4

- 10.26 -
consideravelmente menores que as que podem ser atingidas sem o recurso ao permutador
de calor de regeneração. Como a temperatura T4 é consideravelmente mais baixa,
consegue-se assim que a fase de adição de calor (efeito de refrigeração) ocorra a níveis
térmicos consideravelmente mais baixos.

Fig. 10.25. Representação esquemática de uma instalação com turbina de vapor [4].

O coeficiente de desempenho da instalação de refrigeração analisada é calculado


como

Qin m hb − h4
COP = = (10.38)
Wt m + Wc m (h4 − h3 ) + (h2 − h1 )

se a instalação opera com o objectivo de refrigeração, ou como

− Qout m ha − h2
COP = =− (10.39)
Wc,1 m + Wc, 2 m (h4 − h3 ) + (h2 − h1 )

se a instalação opera como bomba de calor.

Liquefacção de gases
Na indústria ocorre com frequência a necessidade de proceder à liquefacção de gases, de
que são exemplos a separação do oxigénio e do nitrogénio do ar atmosférico, e a
preparação de alguns combustíveis líquidos.
Convém ter presente que acima da temperatura crítica uma substância existe apenas
na fase gasosa. Ora, os gases que são mais comumente liquefeitos apresentam temperaturas
críticas muito baixas (hélio: -268ºC; hidrogénio: -240ºC; nitrogénio: -147ºC), pelo que
nenhuma destas substância existe no estado líquido às condições atmosféricas.
Adicionalmente, com os sistemas de refrigeração analisados não se conseguem obter
temperaturas assim tão baixas para proceder à liquefacção dos gases. Este processo requer,

- 10.27 -
por isso, o recurso a ciclos muito especiais, sendo apresentado aqui o ciclo de Linde-
Hampson para a liquefacção de gases, o qual se encontra representado na Fig. 10.26.

Fig. 10.26. Sistema de Linde-Hampson para liquefacção de gases [2].

O gás ‘fresco’ é misturado com gás não condensado, oriundo do ciclo anterior, e
essa mistura, no estado 2, é comprimida num compressor de múltiplos estágios de
compressão com arrefecimento intermédio entre cada dois estágios de compressão
consecutivos. Devido ao grande número de estágios de compressão e de arrefecimentos
intermédios, o processo de compressão aproxima-se de um processo de compressão
isotérmico. O gás comprimido a alta pressão, e a elevada temperatura, no estado 3, é
arrefecido por um agente externo de arrefecimento, passando para o estado 4.
Posteriormente, o gás comprimido sofre um outro arrefecimento, num permutador de calor
em que cede calor à corrente de gás ainda não comprimida, abandonando o permutador de
calor no estado 5. Posteriormente, o gás sofre uma laminagem numa válvula de expansão,
passando ao estado 6, em que já é uma mistura bifásica líquido-vapor. Num separador, a
porção de líquido assim formada, no estado 7, é removida como gás liquefeito, e a parte do
gás não liquefeito, no estdo 8, vai passar no permutador de calor da instalação, onde
promove o segundo arrefecimento da corrente gasosa a alta pressão, após o que se mistura
com o gás ‘fresco’ a ser processado, seguindo essa mitura para o compressor.

- 10.28 -
10.5. REFERÊNCIAS
1. Wark, K. Jr, Thermodynamics, 5th Ed., McGraw-Hill, NY, 1989.
2. Cengel, Y. A. & Boles, M. A., Thermodynamics: An Engineering Approach, 2nd Ed.,
McGraw-Hill, NY, 1994.
3. Bejan, A., Advanced Engineering Thermodynamics, Wiley, NY, 1988.
4. Moran, M. J. & Shapiro, H. N., Fundamentals of Engineering Thermodynamics, 2nd Ed.,
Wiley, NY, 1993.
5. Dossat, R. J., Principles of Refrigeration, 4th Ed., Prentice-Hall, Englewood Cliffs, NJ,
1997.
6. Joel, R., Basic Engineering Thermodynamics, 5th Ed., Addison Wesley Longman, Essex,
1996.
7. Eastop, T. D., McConkey, A., Applied Thermodynamics for Engineering Technologists,
5th Ed., Addison Wesley Longman, Essex, 1993.

- 10.29 -
11. COMBUSTÍVEIS E COMBUSTÃO

Funcionando usualmente a atmosfera como a fonte fria das máquinas térmicas, interessa
encontrar fontes quentes que permitam obter elevadas temperaturas e, assim, máquinas
térmicas de elevada eficiência térmica. As fontes térmicas podem ser muito variadas, indo
desde fontes térmicas naturais (energia solar ou energia geotérmica) até sistemas tão
sofisticados como reactores nucleares. A solução mais comum consiste em proceder à
queima de um combustível, qualquer que ele seja. Podem ser combustíveis sólidos (carvão
mineral ou vegetal, lenha, resíduos florestais, resíduos domésticos e industriais, etc.),
combustíveis líquidos (óleos minerais ou vegetais, álcoois, gasolina, gasóleo, petróleo,
nafta, etc.) ou gasosos (gás butano, gás propano, gás natural, etc.). Em princípio, tudo o que
possa ser queimado e produzir calor pode ser usado para abastecer de calor a fonte quente
de uma máquina térmica. Os combustíveis sólidos apresentam problemas de acentuada não
uniformidade nas suas propriedades, poder calorífico dependente de variados factores,
soluções de transporte e armazenagem, dispositivos especiais de queima e formação de
cinzas, os quais nem sempre são fáceis de resolver. Os combustíveis líquidos e gasosos são
os mais fáceis de armazenar e queimar, e não produzem resíduos que levantem problemas
adicionais. Apresentam uma muito elevada densidade energética: possibilidade de obter
grandes quantidades de calor de cada unidade de massa ou de volume de combustível. As
soluções tecnológicas para o seu transporte, armazenamento e queima estão perfeitamente
amadurecidas, e o risco envolvido na sua manipulação é mínimo. Questões cada vez mais
preocupantes são as emissões de poluentes associadas e o seu carácter não renovável e,
portanto, finito. O presente tratamento é especialmente dedicado a este tipo de
combustíveis, se bem que muitos dos aspectos elementares de combustão que vão ser
abordados sejam válidos para qualquer outro tipo de combustível.

11.1. INTRODUÇÃO
O processo de queima de um combustível consiste na oxidação de alguns dos seus
constituintes elementares. Usualmente, trata-se sobretudo da oxidação do carbono e do
hidrogénio presente nos combustíveis. Quando determinadas questões de segurança
relacionadas com a manipulação do hidrogénio estiverem resolvidas, teremos a obtenção
de calor por oxidação do hidrogénio (gasoso), resultando como produto água. Numa
reacção química ocorre essencialmente a variação da energia interna do combustível, na
sua componente de energia química (alteração do modo como os átomos se encontram
ligados)

∆U = ∆U sensível + ∆U latente + ∆U química + ∆U nuclear . (11.1)


∆T , ∆P mudança de fase reacções químicas reacções nucleares
(combustão)

Ainda assim, nos casos a analisar no presente contexto, pode haver variações das
componentes sensível e latente da energia interna do combustível as quais são, no entanto,
muito pequenas quando comparadas com a variação na componente química da energia
interna.
Como combustível temos qualquer material, ou conjunto de materiais, que, quando
queimados, libertam energia calorífica. Assim, estamos especialmente interessados em
reacções exotérmicas. A queima do combustível consiste na oxidação de alguns dos seus
componentes, podendo para tal ser usado oxigénio puro produzido para o efeito, ou usar o
oxigénio do ar atmosférico. Esta última é a situação mais comum, e também considerada
no presente contexto.

O ar atmosférico
O ar atmosférico é uma mistura de gases, cuja composição em percentagem volúmica, ou
molar é, aproximadamente,

20.9% O2; 78.1% N2; 0.9% Ar; CO2; He; Ne, H, ...

A presença de oxigénio e de azoto é muito superior à dos outros constituintes, os


quais aparecem apenas de um modo residual e, para efeitos de cálculo em combustão,
assume-se que a composição molar do ar é

- 11.2 -
21% O2; 79% N2

As massas molares do oxigénio e do azoto (diatómicos) são

M O 2 = 32.00 kg/kmol; M N 2 = 28.01 kg/kmol .

Tendo presente que, numa dada massa de ar, existem 79 21 = 3.76 moles de azoto para
uma mole de oxigénio, a massa molar aparente do ar pode ser calculada como

1 × 32.00 + 3.76 × 28.01


M ar = = 28.97 kg/kmol . (11.2)
1 + 3.76

Em termos mássicos, numa dada massa de ar existem 3.76 × 28.01 = 105.32 kg de


azoto para cada 1 × 32.00 = 32.00 kg de oxigénio, ou seja, existem 3.29 kg de azoto para
1 kg de oxigénio.
O ar atmosférico contém sempre uma percentagem, ainda que baixa, de vapor de
água. No entanto, na análise a efectuar no presente contexto, adimitir-se-à que o ar
atmosférico é recolhido da atmosfera perfeitamente seco. Se for importante levar em
consideração a presença de água (na forma de vapor) no ar atmosférico, ela deve entrar
com a sua contribuição relativa na composição do ar a usar na combustão.

Combustíveis líquidos e gasosos


Os combustíveis líquidos e gasosos mais usuais são misturas de hidrocarbonetos, cuja
fórmula química genérica simplificada é

CmHn.

Para o tratamento simplificado a efectuar no presente contexto, assumem-se os vários


combustíveis como tendo as formulações químicas sumariadas na Tabela 11.1. Convém no
entanto reter que se trata apenas de um tratamento muito simplificado, já que os
combustíveis reais têm composições variáveis, e não expressáveis por fórmulas químicas
tão simples. Por exemplo, quando se refere o gás natural, tal não significa que seja metano
puro mas sim uma mistura de gases, em que a percentagem de metano é preponderante,
mas não total.
De referir que, quando se trata de combustíveis de composição muito variável e
eventualmente mais complexa que a expressa como CmHn, é comum a composição do
combustível ser dada, numa base mássica ou molar, em termos da contribuição relativa de
cada um dos seus componentes. Mesmo a gasolina e o gasóleo usados no dia-a-dia têm
composições variáveis e não exactamente iguais às que constam da Tabela 11.1.

Tabela 11.1. Combustíveis líquidos e gasosos mais usuais (simplificado).

- 11.3 -
Nome usual Fórmula química Designação técnica Estado físico
Gasolina C8H18 Octano Líquido
Gasóleo C12H26 Dodecano Líquido
Gás natural CH4 Metano Gasoso
Gás doméstico C3H8 Propano Gasoso
Metanol CH3OH Álcool metílico Líquido

Os combustíveis, enquanto substâncias, podem conter na sua composição, entre


outros, água e enxofre, sendo este último comum nos combustíveis fósseis. A água é
usualmente indesejável (ela representa, do ponto de vista de oxidação, óxido de
hidrogénio), ao passo que o enxofre pode ser oxidado e contribuir para a libertação de
calor. Se, do ponto de vista energético isso é vantajoso, os óxidos de enxofre podem
combinar-se com a água e dar origem a ácido sulfúrico, com os problemas de corrosão
inerentes.

11.2. CONSERVAÇÃO DE MASSA NA COMBUSTÃO

O processo de combustão
O processo de combustão pode ser expresso como

Combustível + oxidante → produtos de reacção.

Neste processo, os componentes do combustível podem ter sido mais ou menos


oxidados, dizendo-se que há uma queima completa do combustível, referida também como
combustão completa, se: todo o carbono foi oxidado de modo a daí resultar dióxido de
carbono; todo o hidrogénio foi oxidado de modo a daí resultar água; todo o enxofre foi
oxidado de modo a daí resultar dióxido de enxofre, etc. Se, por exemplo, o processo de
oxidação do carbono resulta em algum monóxido de carbono, tal significa que a reacção
química não foi tão longe quanto poderia ter à partida ido, para dar origem apenas a
dióxido de carbono. De reter o facto de da queima de combustíveis com hidrogénio na sua
composição resultar água (óxido de hidrogénio).
Nas situações de interesse no presente contexto, o oxidante a usar é o oxigénio
presente no ar atmosférico. É suposto também o azoto ser inerte, isto é, não participar na
reacção química que tem lugar. Assim, vamos contar com azoto puro nos reagentes e o
mesmo azoto puro nos produtos de combustão. Tal não é, todavia, a realidade, ainda que
em muito pequenas proporções. De facto, se o nível térmico atingido durante a combustão
for muito elevado, dá-se a formação de monóxido ou dióxido de azoto, os quais são

- 11.4 -
extremamente tóxicos. Tais substâncias constituem actualmente uma preocupação do ponto
de vista ambiental, e são compactamente designadas como NOx.

Combustão estequiométrica
Para a situação em que ocorre a combustão completa do combustível CmHn em presença do
ar atmosférico (O2+3.76N2), pode expressar-se essa reacção como

1C m H n + a (1O 2 + 3.76 N 2 ) → bCO 2 + cH 2 O + dN 2 + eO 2 . (11.3)

Convém notar que esta equação está escrita considerando uma mole de combustível, sendo
usual tal prática na análise dos processos de combustão.
Uma vez conhecidos os valores dos coeficientes m e n, por conhecimento da
composição do combustível, restam para determinar os coeficentes a, b, c, d e e. Tal é
conseguido através de um balanço molar efectuado às espécies elementares presentes na
equação. Assim obtém-se

C: m=b
H: n = 2c
. (11.4)
O: 2a = 2b + c + 2e
N : 2 × 3.76a = 2d

Deste sistema de equações ressalta que temos 5 incógnitas e apenas 4 equações, daí
resultando um sistema possível mas indeterminado. Para progredir, interessa introduzir
uma condição (equação) adicional.
Diz-se que estamos em presença de uma combustão estequiométrica se a
quantidade de ar usada é tal que o oxigénio presente é exactamente o necessário para
oxidar os componentes do combustível. Assim, não há oxigénio livre nos produtos de
combustão, isto é,

e =0. (11.5)

A resolução do sistema de equações (11.4) conduz a

n
a = m+
4
b=m
n
c= . (11.6)
2
n
d = 3.76 m +
4
e=0

- 11.5 -
e Eq. (11.3) é re-escrita comno

n n n
1Cm H n + m + (1O2 + 3.76N 2 ) → mCO2 + H 2 O + 3.76 m + N 2 + 0O 2 . (11.7)
4 2 4

Se, conceptualmente, o processo de combustão ocorre na totalidade (combustão


completa) quando o oxigénio usado é exactamente o necessário para a combustão
estequiométrica, tal não acontece na realidade. O processo de combustão é bastante rápido,
e pode acontecer não haver, na vizinhança de cada átomo de carbono ou de hidrogénio, o
oxigénio necessário para os oxidar na extensão pretendida. Pode mesmo ocorrer a presença
de hidrocarbonetos (não queimados) nos produtos de combustão. Daí que os processos de
combustão reais ocorram em presença de excesso de ar (e logo com excesso de oxigénio),
isto é, é usado mais ar que o estritamente necessário para a combustão, para aumentar a
probabilidade de ocorrência das reacções de oxidação na sua plenitude.

Combustão com excesso de ar


Quando se usa um excesso de ar na combustão, não se usam a(O2+3.76N2)= 4.76a moles
de ar por cada mole de combustível, mas sim

ea ea n
4.76 1 + a = 4.76 1 + m+ (11.8)
100 100 4

moles de ar por cada cada mole de combustível. Nesta expressão, ea é o excesso de ar,
definido numa base molar percentual. Se ea = 0 tem-se um excesso de ar nulo (combustão
estequiométrica), se ea > 0 tem-se um excesso de ar positivo (ar a mais, face ao
combustível que se tem, tomando a situação estequiométrica como referência) e diz-se que
temos uma mistura pobre, e se ea < 0 tem-se um excesso de ar negativo, ou seja, um
déficit de ar (ar a menos face ao combustível que se tem, tomando a situação
estequiométrica como referência) e diz-se que se tem uma mistura rica. No caso dos
motores alternativos de combustão interna que equipam os automóveis, são comuns
excessos de ar da ordem de 20 a 30%.
Quando se tem uma combustão com excesso de ar, esse ar usado a mais vai
aparecer como ar nos produtos de combustão, sem que participe no processo de combustão.
Ele apenas aumenta a probabilidade de que a combustão ocorra em toda a sua extensão.
Havendo ar nos produtos de combustão, há oxigénio livre nos produtos de combustão. A
Eq. (11.7) vem, neste caso,

- 11.6 -
n ea
1C m H n + m + 1+ (1O 2 + 3.76 N 2 ) →
4 100
. (11.9)
n n ea
→ mCO 2 + H 2 O + m + 3.76 N 2 + (1O 2 + 3.76 N 2 )
2 4 100

ou então

n
1C m H n + m + (1O 2 + 3.76 N 2 ) + m + n ea
(1O 2 + 3.76 N 2 ) →
4 4 100
estequiométrica excesso de ar
. (11.10)
n n n ea
→ mCO 2 + H 2 O + 3.76 m + N 2 + m + (1O 2 + 3.76 N 2 )
2 4 4 100
estequiométrica excesso de ar

Numa eventual situação em que seja usado oxigénio puro como substância
oxidante, basta anular os termos onde aparece o coeficiente 3.76 referente ao azoto.
Se, do ponto de vista da queima mais completa do combustível, o recurso a um
excesso de ar é vantajoso, do ponto de vista energético ele não é assim tão vantajoso, tal
como será analisado adiante. Ainda assim, verifica-se ser globalmente vantajosa a
utilização de um excesso de ar.

Relação ar-combustível
Uma grandeza que importa conhecer é a relação existente entre a massa de ar usada na
combustão face à massa de combustível queimada. Esta relação pode ser estabelecida numa
base molar ou numa base mássica.
Pelo que foi estabelecido anteriormente, o número de moles de ar envolvidas no
processo de combustão de uma mole do combustível CmHn é

n ea
AC = 4.76 m + 1+ , (11.11)
4 100

a qual é conhecida como relação ar-combustível, numa base molar.


Esta mesma relação, só que agora numa base mássica, pode ser reescrita como

M ar n ea M ar
AC = AC = 4.76 m + 1+ . (11.12)
M comb 4 100 M comb

Um outro modo de expressar o excesso de ar é através da chamada relação de


equivalência combustível-ar, definida como

- 11.7 -
n M ar
4.76 m +
( AC )est 4 M comb 1
φ= = = . (11.13)
( AC )real n ea M ar 1+
ea
4.76 m + 1+
4 100 M comb 100

Se ea = 0 , φ = 1 e temos uma mistura estequiométrica; se ea > 0 , φ < 1 e temos uma


mistura pobre, e se ea < 0 , φ > 1 e temos uma mistura rica.

11.3. CONSERVAÇÃO DE ENERGIA NA COMBUSTÃO

Entalpia de formação
Comecemos por considerar a situação ilustrada na Fig. 11.1, em que oxigénio e carbono
(como exemplo de substância a oxidar) entram na câmara de combustão à pressão de 1
atmosfera e à temperatura de 25ºC, dá-se a combustão no interior da câmara, e os produtos
de combustão abandonam a câmara igualmente à pressão atmosférica e à temperatura de
25ºC. Estas condições de pressão e de temperatura são conhecidas como condições padrão,
ou condições de referência ( P0 , T0 ) .

Fig. 11.1. Ilustração para expor o conceito de entalpia de formação [2].

Usualmente, associam-se elevadas temperaturas aos processos de combustão, pelo


que parece algo forçado estar a admitir que os produtos de combustão abandonam a câmara
de combustão a apenas 25ºC. Na verdade, para que tal possa acontecer numa reacção
exotérmica, tem que haver calor libertado da câmara de combustão para o exterior, isto é,
tem que haver arrefecimento dos gases de combustão, no interior da câmara, após a
combustão propriamente dita ocorrer. Se a combustão ocorrer nas condições padrão, o
calor cedido pela câmara de combustão ao exterior é igual à entalpia de formação do
produto de reacção.
A reacção em causa é

C + O 2 → CO 2 . (11.14)

- 11.8 -
A aplicação do princípio de conservação de energia à câmara de combustão (operando em
regime permanente, sem trocas de energia com o exterior na forma de trabalho mecânico, e
com variações desprezáveis na energia cinética e na energia potencial gravítica) conduz a

(
0 = Qcv )( P0,T0 ) + ( mChC + mO2 hO2 )( P0,T0 ) - ( mCO2 hCO2 )( P0,T0 ) , (11.15)

ou então,

0= Q ( )( P0,T0 ) + ( nC hC + nO2 hO2 )( P0,T0 ) - ( nCO2 hCO2 )( P0,T0 ) , (11.16)

em que n é o caudal molar de cada uma das substâncias envolvidas e h é a entalpia


específica molar dessa substância. Os caudais molares são iguais para todas as substâncias
envolvidas (na situação em análise), e pode obter-se da Eq. (11.16) que

( Q )( P0,T0 ) nC nO2
( hCO2 )( P0,T0 ) =
nCO2
+
nCO2
hC +
nCO2
hO2 =
( P0,T0 ) . (11.17)
( Q )( P0,T0 )
nCO2
(
+ hC + hO2 )( P0,T0 )

Os dados da entalpia das substâncias são construídos assumindo como nulas as


entalpias dos elementos (elementos quimicamente estáveis, de que são exemplos
C, O 2 , H 2 , N 2 , …) nas condições padrão. Para passar dos elementos aos compostos, há
uma entalpia de formação associada, que estamos a pretender avaliar. Sendo as nulas as
entalpias dos elementos nas condições padrão, hC = hO2 =0 e ( )( P0,T0 )
(Q )( P0,T0 )
( hCO2 )( P0,T0 ) =
nCO2
. (11.18)

Assim sendo, a entalpia específica do composto que abandona a câmara de


combustão mais não é que o calor cedido pela câmara de combustão ao exterior, por mole
de combustível queimado, nas condições mencionadas. Esta entalpia, ou este calor,
recebem o nome de entalpia molar de formação padrão, ou calor molar de reacção padrão, e
º
é referida como h f . O termo padrão refere-se a que as condições de entrada e de saída da
câmara de combustão considerada são pressão P0 de 1 atmosfera e temperatura T0 de
25ºC, isto é, as condições padrão, estando os valores de entalpia tabelados referidos a estas

- 11.9 -
condições. O correspondente valor mássico da entalpia de formação pode ser obtido
dividindo a entalpia de formação molar pela massa molar da substância em causa, isto é

( Q )( P0,T0 ) (Q )( P0,T0 ) nCO2


º
h f ,CO2
h ºf ,CO2 = = = . (11.19)
mCO2 nCO2 mCO2 M CO2

Deve notar-se que os valores tabelados das entalpias de formação padrão são
negativos quando se trata de reacções exotérmicas. Tal é apenas uma consequência de se
ter assumido como negativo o calor cedido por um sistema ao exterior. Os valores de
entalpias de formação para algumas das substâncias mais usuais nos processos de
combustão de interesse no presente âmbito encontram-se na Tabela 11.2.

Tabela 11.2. Entalpia de formação para algumas substâncias usuais [4].

Entalpia de uma substância em quaisquer condições


A entalpia é uma propriedade cujo valor absoluto não é possível de ser atribuído,
interessando sim calcular diferenças de entalpia experimentadas pelos sistemas. Já foi visto
que, tomando (convencionalmente) as entalpias dos elementos estáveis como nulas nas
condições padrão, a entalpia de um qualquer composto nessas condições é igual à
respectiva entalpia de formação padrão. Mas, e se estivermos noutras condições que não as
condições padrão? Concerteza que, nos processos reais de combustão, as temperaturas dos
reagentes e dos produtos de combustão não são necessariamente iguais e iguais a 25ºC, e a
pressão não é necessariamente a pressão atmosférica.
Para efeitos de cálculo, tomam-se as condições padrão como referência e, para
qualquer substância, em quaisquer condições (T , P ) ,

- 11.10 -
º
h (T , P ) = h f + ∆ h (T0 , P0 )→ (T , P ) , (11.20a)

ou então, numa base mássica,

h(T , P ) = h ºf + ∆h(T0 , P0 )→ (T , P ) . (11.20b)

Deste modo, a entalpia de uma substância é igual à sua entalpia de formação padrão mais a
variação de entalpia quando a substância evolui entre as condições padrão e as condições
reais a que está sujeita. Usualmente, os valores da entalpia de formação padrão são obtidos
de tabelas, ao passo que o valor da variação de entalpia ∆ h (T0 , P0 )→ (T , P ) é também obtido
das tabelas de propriedades, esta como função da temperatura e da pressão. Para os
elementos, a entalpia de formação padrão é nula, e apenas há que contabilizar o termo de
variação de entalpia. Para os compostos, há que contabilizar ambos os termos entálpicos.

Calor de reacção
Consideremos agora a situação ilustrada na Fig. 11.2 em que temos ar nas condições
(Ta , Pa ) e o combustível nas condições (Tc , Pc ) , entrando ambos numa câmara de
combustão, que pode trocar calor e trabalho com o exterior, e os produtos de combustão
(
abandonam a câmara nas condições T p , Pp . )

Fig. 11.2. Ilustração para a determinação do calor de reacção [2].

A reacção química envolvida é aquela expressa, em termos mássicos, pela Eq. (11.9),

n ea
1C m H n + m + 1+ (1O 2 + 3.76 N 2 ) →
4 100
. (11.9)
n n ea
→ mCO 2 + H 2 O + m + 3.76 N 2 + (1O 2 + 3.76 N 2 )
2 4 100

A aplicação do princípio de conservação de energia à câmara de combustão, que


opera em condições de regime permanente, fornece

- 11.11 -
(
− Q + Wcv = −) nh + nh . (11.21)
p r

Numa situação prática, importa maximizar o termo − Q + Wcv , isto é, extrair da( )
combustão o maior valor possível de calor e de trabalho. Como calor e trabalho cedidos são
negativos, o seu simétrico é positivo. Usualmente, do processo de combustão pretendemos
extrair calor, se bem que também possa haver trabalho a ser extraído desse processo. Se o
processo de combustão ocorre a volume constante (explosão), o termo de trabalho,
calculado como W = − PdV é nulo.
Convém, neste ponto, reter que o processo de combustão está associado a variações
na energia interna das substâncias envolvidas, apesar de usualmente o balanço energético
do processo de combustão ser estabelecido em termos de entalpias e contém assim, ainda
que de modo implícito, as variações de energia interna.
Especificando agora, na Eq. (11.21), para os produtos de reacção e para os
reagentes, levando em consideração o facto de se estar a efectuar o cálculo para um caudal
molar de combustível nc ,

Q Wcv n n ea

nc
+
nc
= − m h CO 2 + h H 2 O + m +
2 4
3.76h N 2 +
100
1h O 2 + 3.76h N 2 ( ) +
p
.
n ea
1h C m H n + m +
4
1+
100
(
1h O 2 + 3.76h N 2 )
r

(11.22)
O termo correspondente aos produtos pode ser calculado como

n n ea
m h CO 2 +
2
hH 2O + m +
4
3.76h N 2 +
100
(
1h O 2 + 3.76h N 2 ) =
p
º n º
m h f + ∆h + h f + ∆h + . (11.23)
CO 2 2 H2O

n º ea º º
m+ 3.76 h f + ∆ h + 1 h f + ∆h + 3.76 h f + ∆ h
4 N2 100 O2 N2

As variações de entalpia ∆ h presentes nas equações devem ser entendidas como


∆ h (T0 , P0 )→ (T p , Pp ) quando se trata dos produtos de combustão, como ∆ h (T0 , P0 )→ (Ta , Pa )
quando se trata do ar de entrada e como ∆ h (T0 , P0 )→ (Tc , Pc ) quando se trata do
combustível. Como as entalpias de formação dos elementos são nulas, a equação anterior
simplifica-se para dar

- 11.12 -
n n ea
m h CO 2 +
2
h H 2O + m +
4
3.76h N 2 +
100
(
1h O 2 + 3.76h N 2 ) =
p
º n º
m h f + ∆h + h f + ∆h + . (11.24)
CO 2 2 H 2O
n ea
m+
4
3.76∆ h N 2 +
100
(
1∆ h O 2 + 3.76∆ h N 2 )
O termo correspondente aos reagentes pode ser calculado como

n ea
1h C m H n + m +
4
1+
100
1h O 2 + 3.76h N 2( = )
r
. (11.25)
n ea
º
1 h f + ∆h + m+
4
1+
100
(
1∆ h O 2 + 3.76∆ h N 2 )
CmHn

A Eq. (11.22) vem agora

Q Wcv
− + =
nc nc
n º n ea
º
− m h f + ∆h +
2
h f + ∆h + m+
4
3.76∆ h N 2 +
100
1∆ h O 2 + 3.76∆ h N 2 ( )
CO 2 H2O p

n ea
º
+ 1 h f + ∆h + m+
4
1+
100
(
1∆ h O 2 + 3.76∆ h N 2 )
CmHn r
. (11.26)

Os termos de variação de entalpia para o azoto podem ser agrupados para dar

[(∆h)p − (∆h)r ]N 2
( )0 0 p p
( )
= ∆ h (T , P )→ (T , P ) − ∆ h (T , P )→ (T , P )
0 0 a a N2
=
, (11.27)
(∆h)(Ta , Pa )→ (T0 , P0 ) + (∆h )(T0 , P0 )→ (T p , Pp )
N2

isto é, pode interpretar-se como sendo a variação de entalpia envolvendo primeiro o


(
processo (Ta , Pa ) → (T0 , P0 ) , seguido do processo (T0 , P0 ) → T p , Pp . Como a variação )
de entalpia depende apenas dos extremos, trata-se tão só da diferença de entalpia num
( )
qualquer processo (Ta , Pa ) → T p , Pp , isto é, como se de uma passagem directa das
condições de temperatura e de pressão dos reagentes para as condições de pressão e de
temperatura dos produtos de reacção se tratasse. Uma análise à Eq. (11.25) permite

- 11.13 -
constatar que o mesmo se passa com o excesso de oxigénio não interveniente no processo
de combustão.
A Eq. (11.26) é agora reescrita como

Q Wcv º n º
− + = − m h f + ∆h + h f + ∆h +
nc nc (< 0 ) 2 (< 0 )
CO 2 H 2O p

º n
1 h f + ∆h + m+ ∆h O 2 − . (11.28)
(< 0) 4
CmH n r

m+
n
4
( )
3.76 ∆ h r → p N +
2
ea
100
[( ) (
1 ∆ h r → p O + 3.76 ∆ h r → p N
2 2
) ]
Os maiores termos nesta equação são as entalpias de formação, pelo que são
sobretudo essas que condicionam o valor do calor a extrair da combustão. Ainda assim,
convém avaliar a influência dos restantes termos da equação.
Analisemos a primeira linha da equação. Como as entalpias de formação do dióxido
de carbono e da água são ambas negativas, elas contribuem para um maior valor de
( )
− Q nc + Wcv nc , isto é, para o calor e trabalho a extrair da câmara de combustão.
Adicionalmente, como a entalpia é uma função forte da temperatura e uma função fraca da
pressão, quanto menor for a temperatura de saída dos produtos de combustão menor será o
valor de ∆ h associado ao dióxido de carbono e à água, e maior será o valor de
( )
− Q nc + Wcv nc . Daí que os produtos de combustão devam ser arrefecidos o mais
possível para deles se extrair a maior quantidade de calor possível. Por sua vez, quanto
maior for essa temperatura, maior será o valor de ∆ h , o qual poderá ser francamente
(
positivo ( T p > T0 ), e menor vem o valor de − Q nc + Wcv nc . Da Tabela 11.2 )
facilmente se constata que h ºf > h ºf , pelo que tudo deve ser feito para que a
CO 2 CO
combustão seja o mais completa possível.
Da análise à segunda linha concluímos que quanto maior for a temperatura dos
reagentes maior é o valor dos termos ∆ h nessa linha, e maior é a sua contribuição para o
( )
valor de − Q nc + Wcv nc . Tal corresponde, na prática, a pré-aquecer o oxigénio (ar) e o
combustível antes de os introduzir na câmara de combustão. Se a temperatura deles for
baixa, os termos ∆ h presentes nesta linha são também baixos, e contribuem pouco para o
(
valor de − Q nc + Wcv nc . )
A terceira linha da Eq. (11.28) contém substâncias que apenas acompanharam
aquelas que sofreram reacções químicas, tendo-se mantido a sua composição química
inalterada durante o processo de combustão. O primeiro termo desta linha diz respeito ao
azoto que perdeu o oxigénio que o acompanhava, dado este último ter reagido com o

- 11.14 -
carbono e o hidrogénio. Quanto maior for a temperatura do ar de entrada e menor a
temperatura dos produtos de combustão, menor será este termo, e maior será o valor de
( )
− Q nc + Wcv nc . Numa situação em que o ar de entrada estiver a uma temperatura
maior que a temperatura de saída dos produtos de combustão, pode mesmo acontecer ser
(
positivo, e contribuir assim para um maior valor de − Q nc + Wcv nc . )

Fig. 11.3. Ilustração gráfica do resultado expresso pela Eq. (11.28).

As conclusões enunciadas, extraídas da Eq. (11.28), encontram-se representadas


graficamente na Fig. 11.3.

Poder calorífico do combustível


Analisemos agora o termo relativo à presença de água nos produtos de combustão. Se a
água estiver presente nos produtos de combustão na forma líquida temos que

º º
h f + ∆h = h f + ∆h , (11.29)
H 2O (H 2 O )l

º
em que hf = −285.84 MJ/kmol . Todavia, se a temperatura dos produtos de
(H 2 O )l
combustão é suficientemente elevada de tal modo que a água presente nos produtos de
combustão está na forma de vapor, o termo relativo à presença de água nos produtos de
combustão vem

º º
h f + ∆h = h f + ∆h , (11.30)
H 2O (H 2 O )v

- 11.15 -
º
em que hf = −241.83 MJ/kmol . Verifica-se assim que se a água estiver sob a
(H 2 O )v
forma de vapor nos produtos de combustão temos uma redução de (n 2) × 44.01 MJ/kmol, c
no calor extraído da reacção, quando apenas estamos a considerar o termo de entalpia de
formação. Usualmente a temperatura dos produtos de combustão à saída da câmara é
( )
suficientemente alta para que a água aí esteja sob a forma de vapor e o termo ∆ h (H O ) é
2 v
francamente positivo. Deste modo, o valor de − Q nc + Wcv nc( ) vem francamente
reduzido. Por esta razão, retira-se menos calor da queima do combustível e diz-se que o
calor extraído, por unidade molar de combustível, quando toda a água presente nos
produtos de combustão está na forma de vapor é o poder calorífico inferior do combustível,
a pressão constante. De modo análogo, o calor extraído, por unidade molar de combustível,
quando toda a água presente nos produtos de combustão está na forma líquida é o poder
calorífico superior do combustível, a pressão constante.
Se as condições de entrada dos reagentes e de saída dos produtos de combustão são
as mesmas, quer na situação em que a água está presente nos produtos de combustão na
forma de vapor quer na situação em que está na forma líquida, é possível extrair da Eq.
(11.28) que

Q Q n º º n
= + hf − hf = × 44.01 MJ/kmol, c . (11.31)
nc sup nc inf 2 H 2 O, l H 2 O, v 2

Esta diferença não é mais que o calor latente de evaporação correspondente à massa de
água formada, por cada mole de combustível queimada. Usualmente, refere-se o poder
calorífico inferior do combustível como PCI, e o seu poder calorífico superior como PCS,
ambos numa base mássica. Este resultado encontra-se representado de forma gráfica na
Fig. 11.4.

- 11.16 -
Fig. 11.4. Poder calorífico inferior e poder calorífico superior do combustível.

Uma vez avaliada a influência do estado físico em que se encontra presente a água
nos produtos de combustão, importa referir o que se passa com combustíveis que contêm
níveis apreciáveis de água no estado líquido. Tal é o caso, por exemplo, de madeiras verdes
ou muito húmidas. Como os produtos de combustão são expelidos a temperaturas
consideravelmente elevadas, para as quais a água se encontra no estado de vapor, é
necessário dispender da energia necessária para provocar a mudança de fase líquido-vapor
dessa água. Essa importante parcela energética é obtida à custa do calor desenvolvido na
combustão, restando assim uma muito menor quantidade de calor disponível para alimentar
qualquer processo que necessite de calor.

Estado físico do combustível


Os combustíveis de maior interesse são hidrocarbonetos, e podem apresentar-se no estado
líquido ou no estado gasoso. Daí que, se o combustível se encontrar, enquanto reagente, no
estado líquido temos

º º
h f + ∆h = h f + ∆h , (11.32)
CmHn (C m H n )l

ao passo que se se encontrar no estado gasoso temos

º º
h f + ∆h = h f + ∆h . (11.33)
CmHn (C m H n ) g

Para as mesmas condições de entrada dos reagentes e para as mesmas condições de saída
dos produtos de combustão, excepto que num caso o combustível está no estado gasoso e
no outro está no estado líquido, a Eq. (2.28) fornece-nos que

- 11.17 -
Q Q º º
− =− hf − hf . (11.34)
nc C H , l nc C H , g C m H m ,l CmHm , g
m m m m

A entalpia de formação do combustível no estado líquido é maior (em valor absoluto) que a
entalpia de formação do combustível no estado gasoso, sendo a diferença entre os dois o
calor latente de evaporação do combustível. Deste modo, o lado direito da equação é uma
quantidade positiva, ou seja, nas condições enunciadas, notando que Q nc é um valor
negativo,

Q Q º º
= + hf − hf . (11.35)
nc C H , g nc C H , l C m H m ,l CmHm , g
m m m m

isto é, da combustão consegue extrair-se a mais o calor latente de evaporação do


combustível se este for introduzido na câmara de combustão no estado gasoso. Se
porventura ele for aí introduzido no estado líquido, é parte do calor desenvolvido na
combustão que vai ser consumido para promover a sua evaporação ainda enquanto
combustível. Logo, do ponto de vista energético do processo de combustão, devemos usar,
sempre que possível. o combustível no estado gasoso. Este facto encontra-se ilustrado na
Fig. 11.5.

Fig. 11.5. Influência do estado físico do combustível no seu poder calorífico.

Influência do excesso de ar
Analisemos agora as implicações energéticas do uso do excesso de ar sobre o valor do
calor extraído da câmara de combustão. O termo de excesso de ar encontra-se na terceira
linha da Eq. (11.28), como

- 11.18 -
m+
n ea
4 100
[ ( ) (
3.76 ∆ h r → p N + 1 ∆ h r → p O .
2 2
) ] (11.36)

Usualmente, como a temperatura do ar à entrada é consideravelmente menor que a


temperatura dos produtos de combustão à saída, os termos entálpicos presentes nesta
equação são ambos positivos, e tanto maiores quanto maior a diferença entre as
temperaturas de entrada e de saída na câmara de combustão. No fundo, este termo
representa a energia consumida no aquecimento do ar em excesso entre as condições de
(
entrada e as condições de saída. Tal resulta num menor valor de − Q nc + Wcv nc , o que )
é um indicador de que o excesso de ar pode ser nefasto do ponto de vista energético.
Geralmente estabelece-se o excesso de ar a usar como o melhor compromisso entre
uma queima mais completa do combustível e um consumo energético aceitável para
aquecer o ar em excesso. O grande objectivo é que do processo de combustão, como
função de muitas variáveis, se consiga extrair a máxima quantidade de calor por mole (ou
unidade de massa) de combustível consumida.

Combustão a volume constante


Em determinadas situações, tais como em algumas máquinas térmicas pode acontecer a
combustão ocorrer a volume constante e não a pressão constante. Neste caso diz-se que se
trata de uma explosão (combustão a volume constante). Nesta situação, o balanço
energético à câmara de combustão, de volume constante, vem

− ( Q + Wcv ) = − nu + nu , (11.37)
p r

em que u é a energia interna específica molar.


Especificando agora, na Eq. (11.37), para os produtos de reacção e para os
reagentes, levando em consideração o facto de se estar a efectuar o cálculo para nc moles
de combustível, e analogamente ao que foi feito paraa Eq. (11.22)

Q Wcv n n ea
− +
nc nc
= − mu CO2 + u H 2O + m +
2 4
3.76u N 2 +
100
(
1u O2 + 3.76u N 2 ) +
p
.(11.38)
n ea
1u C m H n + m +
4
1+
100
(
1u O2 + 3.76u N 2 )
r

A entalpia específica molar é, por definição, h = u + Pv , de onde se obtém que

u = h − Pv . (11.39)

Recordando agora o valor dado pela Eq. (11.20a) para a entalpia, obtém-se

- 11.19 -
º
u (T , P ) = h (T , P ) − Pv = h f + ∆ h (T0 , P0 )→ (T , P ) − Pv (T , P ) . (11.40)

Por sua vez, o termo ∆ h (T0 , P0 )→ (T , P ) pode ser expresso como

[ ]
∆ h (T0 , P0 )→ (T , P ) = ∆u (T0 , P0 )→ (T , P ) + Pv (T , P ) − P0 v (T0 , P0 ) , (11.41)

cuja substituição na Eq. (11.40) conduz a

º
u (T , P ) = h f + ∆u (T0 , P0 )→ (T , P ) − P0 v (T0 , P0 ) . (11.42)

Como o volume específico de sólidos e de líquidos é muito pequeno quando comparado


com o volume específico de gases, usualmente apenas é importante considerar os termos
P0 v relativos aos componentes gasosos.
Substituindo agora a energia interna assim obtida na Eq. (11.38) obtém-se

Q Wcv º n º
− + = − m h f + ∆u + h f + ∆u +
nc nc CO 2 2 H2O p

º n
1 h f + ∆u + m+ ∆u O 2 −
Cm H n 4
r .(11.43)
n ea
m+
4
(
3.76 ∆u r → p )N2 + 100 1( ∆u r → p ) + 3.76 ( ∆u r → p )
O2 N2
+

n n
P0 mv CO2 + v H 2O − 1v Cm H n − m + vO2
2 4 (T0 , P0 )

De notar a existência de uma linha adicional nesta equação, face à Eq. (11.28), termo esse
que engloba os termos do tipo P0 v .
Como o volume específico dos gases é consideravelmente maior que o volume
específico dos líquidos e sólidos, apenas interessa levar em consideração, na última linha
da Eq. (11.43), os volumes específicos dos componentes gasosos. Se, adicionalmente, esses
componentes gasosos puderem ser considerados gases ideais, incluindo o próprio
combustível, cada um dos produtos P0 v 0 pode ser tomado como sendo P0 v 0 = RT0 , e a
última linha desta equação vem − RT0 (1 − n 4) .

- 11.20 -
11.4. TEMPERATURA DE CHAMA

Os efeitos térmicos do processo de combustão podem manifestar-se através de uma perda


de calor da câmara de combustão para as suas vizinhanças, ou numa elevada temperatura
de saída dos produtos de combustão. Para uma câmara de combustão tal como a
representada na Fig. 11.2, facilmente se infere que quanto maiores forem as perdas de calor
para o exterior menor será a temperatura de saída dos produtos de combustão.
A partir do balanço energético estabelecido pela Eq. (11.21), para um processo e
combustão a pressão constante,

Q n n
− =− h+ h, (11.44)
nc p nc r nc

podemos obter que

Q n º n º
− = − hf + hf +
nc p
nc r
nc
valor independente das condições . (11.45)
de entrada e de saída

n n
− ∆ h(T0 , P0 )→(T p , Pp ) + ∆ h(T0 , P0 )→(Tr , Pr )
p nc r nc

Quanto maior for a temperatura de saída dos produtos maior a sua entalpia, e menor será o
( )
valor de − Q nc . O inverso também é verdadeiro, isto é, se pretendermos os produtos de
combustão a elevada temperatura na saída, não pode haver perdas de calor consideráveis
entre a câmara de combustão e o exterior.
Para um dado calor perdido, por unidade molar de combustível, a temperatura a que
se têm os produtos e combustão, também referida como temperatura de chama, é aquela a
que correspondem valores de variação de entalpia que obedecem à Eq. (11.45). Para efeitos
de cálculo é, à partida, necessário operar iterativamente, com recurso a tabelas ou
expressões que nos forneçam os valores de entalpia envolvidos. Arbitra-se um valor da
temperatura à saída, após o que se testa a Eq. (11.45). Como a entalpia cresce com a
temperatura, é fácil avaliar se temos um excesso ou um déficit de entalpia à saída e,
consequentemente, se o valor arbitrado para a temperatura é demasiado alto ou demasiado
baixo, respectivamente.
Na situação limite de a câmara não perder qualquer calor para o exterior, isto é, se a
câmara for adiabática, obtém-se o maior valor possível para a temperatura dos produtos de
combustão à saída da câmara, a qual recebe o nome de temperatura adiabática de chama.
Da Eq. (11.44) vem

- 11.21 -
n n
h= h, (11.46)
p nc r nc

e, uma vez mais, iterando é possível obter a temperatura adiabática de chama.


De referir ainda que, para estabelecer as condições em que uma combustão se
mantém, em condições de regime permanente, são necessárias considerações relacionadas
com equilíbrio químico, o que não vai ser considerado no presente contexto.

11.5. DISSOCIAÇÃO E FORMAÇÃO DE NOx

Dissociação
Quando o nível térmico desenvolvido num processo de combustão é consideravelmente
elevado, podem ocorrer reacções de dissociação. Usualmente, levamos os elementos a
reagir para obter compostos e, desse modo, calor (reacções exotérmicas). Nas reacções de
dissociação ocorre o contrário, isto é, temos os compostos a dissociarem-se para dar
elementos, e a respectiva reacção química é endotérmica. Do ponto de vista dos processos
que necessitam de calor para operar, o fenómeno da dissociação é manifestamente
indesejável. Um exemplo de uma tal reacção química é

1
CO + O 2 ↔ CO 2 , (11.47)
2

a qual pode ocorrer para níveis térmicos acima de (aproximadamente) 2200K (≈1900ºC).

Formação de NOx
Um outro aspecto a considerar, quando os níveis térmicos são elevados, é a formação de
óxidos de azoto (NO e NO2), usualmente referidos como NOx. Tais substâncias são
extremamente nocivas para a vida, e apenas são toleradas emissões muito baixas de NOx.
Há três factores que podem ser identificados como principais responsáveis pelo
aparecimento da formação de NOx: elevados níveis térmicos, elevadas concentrações de
azoto nos combustíveis, e elevada concentração de oxigénio disponível na reacção. O uso
de um excesso de ar, e logo de um excesso de oxigénio face ao estritamente necessário,
funciona assim como um promotor do aparecimento de NOx; no entanto, o uso do excesso
de ar baixa os níveis térmicos atingidos, pelo que o seu resulta numa situação de
compromisso, também no que respeita à formação de NOx.
Elevadas concentrações de azoto no combustível, tal como, por exemplo, quando se
trata da queima de lixos orgânicos, são também promotoras da formação de NOx. Quando o

- 11.22 -
teor em oxigénio é elevado e o teor em azoto é elevado e, adicionalmente, o nível térmico é
elevado, criam-se condições propícias à formação de NOx.
Uma descrição detalhada da formação de NOx nos processos de combustão que
ocorrem nos motores de combustão interna pode ser encontrada na Ref. 4.

11.6. ANÁLISE EXERGÉTICA DE SISTEMAS REACTIVOS


A definição de exergia e a análise exergética conduzida no Capítulo 6 apenas consideram a
componente termomecânica da exergia, e não a sua componente química. O objectivo desta
secção é proceder à consideração da exergia química para a contabilização da exergia total
de um sistema.

Exergia química de um hidrocarboneto puro Cm H n

Fig. 11.6. Introdução do conceito de exergia química de um hidrocarboneto puro [2].

Considere-se o sistema representado na Fig. 11.6. Um hidrocarboneto puro Cm H n


entra no reactor nas condições do ambiente, à pressão P0 e à temperatura T0 , e oxigénio do
e
ambiente entra no sistema nas condições do ambiente, à pressão yO P0 e à temperatura
2
T0 . De notar que a pressão total do ambiente é P0 , mas que a pressão parcial do oxigénio
e e
no ambiente é yO P0 , em que yO é a fracção molar do oxigénio na mistura gasosa que
2 2
constitui o ambiente. No ambiente podem encontrar-se outras espécies químicas, aqui
tomadas como o dióxido de carbono, CO2 , e o vapor de água, H 2O , cada um com a
e e
respectiva fracção molar, yCO e yH , respectivamente, sendo o ambiente tomado como
2 2O

- 11.23 -
uma mistura de Gases Ideais, que não reagem entre si. As condições de saída do dióxido de
carbono e do vapor de água resultantes da reacção química que ocorre no interior do reactor
mostrado na Fig. 11.6 são as mesmas que as existentes no ambiente.
De acordo com a abordagem feita no Capítulo 6, a exergia termomecânica deste
combustível é nula uma vez que ele se encontra em equilíbrio mecânico e térmico com o
ambiente. Todavia, se houver condições para que este reaja com o oxigénio presente no ar
do ambiente, ver-se-á que o valor da sua exergia não é nulo. Esta exergia ‘adicional’ é a
exergia química que, somada com a componente termomecânica da exergia dá a exergia
total do hidrocarboneto.
Relembrando a Eq. (11.7), e levando em conta apenas as substâncias que entram
efectivamente na reacção, a reacção química que ocorre é

n n
1Cm H n + m + O 2 → mCO 2 + H 2 O (11.48)
4 2

Admitindo que a reacção tem lugar em condições de regime permanente a equação de


conservação de energia para o reactor estabelece que

Q Wcv n n
− + = 1hCm H n + m + hO2 − mhCO2 + h H 2 O (11.49)
nc nc 4 r 2 p

A transferência de calor entre o reactor e o ambiente ocorre apenas à temperatura T0 , e o


balanço de entropia conduz a

1 Q n n S gen
0= + 1s Cm H n + m + s O2 − ms CO2 + s H 2 O − T0 (11.50)
T0 nc 4 r 2 p nc

Eliminando o valor de Q nc entre as Eqs. (11.49) e (11.50) resulta que

W n n
− cv = 1hCm H n + m + hO2 − mhCO2 + h H 2 O −
nc 4 r 2 p
(11.51)
n n S gen
T0 1s C m H n + m + s O2 − ms CO2 + s H 2 O − T0
4 r 2 p nc

A entalpia específica do combustível depende apenas das condições (T0 , P0 ) , e as entalpias


específicas do oxigénio, do dióxido de carbono e do vapor de água podem ser calculadas
conhecendo apenas a temperatura T0 . Por seu turno, as entropias específicas do oxigénio,
do dióxido de carbono e do vapor de água podem ser calculadas conhecendo (T0 , P0 ) e a
( )
composição do ambiente. Apenas o termo −T0 S gen nc depende da natureza do processo

- 11.24 -
em causa, e representa o grau de irreversibilidade desse processo. No caso de o processo
(
ser reversível vem −T0 S gen nc = 0 e é )
Wcv n n
− = 1hCm H n + m + hO2 − mhCO2 + h H 2 O −
nc max 4 r 2 p
(11.52)
n n
T0 1s Cm H n + m + s O2 − ms CO2 + s H 2 O
4 r 2 p

valor limite que recebe o nome de exergia química específica molar do combustível Cm H n
em causa,

ch n n
a Cm H n = 1hCm H n + m + hO2 − mhCO2 + h H 2 O −
4 r 2 p
(11.53)
n n
T0 1s Cm H n + m + s O2 − ms CO2 + s H 2 O
4 r 2 p

Obviamente que a exergia química específica mássica do combustível Cm H n é obtida


ch
como aCch H = a Cm H n M Cm H n .
m n
Tendo em atenção que a entropia específica molar das espécies gasosas presentes se
pode expressar como

( ) ( )
si T0 , yie P0 = si (T0 , P0 ) − R ln yie (11.54)

em que si (T0 , P0 ) é a entropia específica molar absoluta nas condições (T0 , P0 ) , a Eq.
(11.53) pode reescrever-se como

ch n n
a Cm H n = 1hCm H n + m + hO2 − mhCO2 + h H 2 O( g ) −
4 2
( P0 , P0 )
n n
T0 1s Cm H n + m + s O2 − ms CO2 + s H 2O( g ) + (11.55)
4 2
( P0 , P0 )
e (
m+ n 4)

RT0 ln
(y ) O2
m n2
(y ) (y )
e
CO 2
e
H2O

- 11.25 -
Exergia química do monóxido de carbono puro CO
Admitindo que a reacção química em causa, envolvendo monóxido de carbono puro, é
agora

1
1CO + O 2 → 1CO 2 (11.56)
2

a equação que se obtém, similar à Eq. (11.55), é

ch 1
a CO = 1hCO + hO2 − 1hCO2 −
2 ( P0 , P0 )
1
T0 1s CO + s O2 − 1s CO2 + (11.57)
2 ( P0 , P0 )
12

RT0 ln
( )
e
yO
2
1
(y )
e
CO 2

Se, pelo contrário, o monóxido de carbono não é puro mas faz parte de uma mistura
gasosa de Gases Ideais, onde participa com a fracção molar yCO , e cuja pressão parcial na
mistura é assim yCO P0 , é esta a pressão parcial que corresponde à sua entrada no reactor e
não a pressão P0 . Neste caso, a contribuição do monóxido de carbono para a exergia
química da mistura, por mole de CO, é aquela dada pela Eq. (11.57), mas com a fracção
molar de CO entrando no termo logarítmico, o qual assume a forma
12
ln ( yCO ) (y ) (y ) .
e
O2
e
CO 2

Exergia química da água pura H 2O


A água está presente no ambiente na forma de vapor, mas geralmente encontra-se no estado
líquido nas condições (T0 , P0 ) .

Fig. 11.7. Cálculo da exergia química da água pura [2].

- 11.26 -
Neste caso, e tal como ilustrado na Fig. 11.7, a água entra no reactor no estado líquido nas
e
condições (T0 , P0 ) , e abandona o reactor como vapor nas condições T0 , yH
2O
P0 , sem ( )
que tenha ocorrido qualquer reacção no reactor. A exergia química específica molar da
água pura vem nestas condições, e tendo presente a Eq (11.55), como

ch
{
a H 2 O = 1h H 2 O( l ) − 1h H 2 O( g ) }( P0 , P0 )
{
− T0 1s H 2 O( l ) − 1s H 2 O( g ) }( P0 , P0 )
+

(11.58)
1
RT0 ln
e
yH
2O

Exergia química do azoto puro N 2 , e de qualquer componente gasoso puro que exista
no ambiente
Neste caso, e tal como ilustrado na Fig. 11.8, o azoto entra no reactor no estado gasoso nas
e
condições (T0 , P0 ) , e abandona o reactor como gás nas condições T0 , yN P0 , sem que ( 2
)
tenha ocorrido qualquer reacção no reactor.

Fig. 11.8. Cálculo da exergia química do azoto puro [2].

A exergia química específica molar do azoto puro vem, nestas condições, e tendo presente
a Eq (11.55), como

ch
{
a N 2 = 1h N 2 − 1h N 2 }( P , P ) − T0 { 1s N
0 0
2 − 1s N 2 }( P , P ) +
0 0
(11.59)
1
RT0 ln
e
yN
2

ou seja

- 11.27 -
ch 1
a N 2 = RT0 ln (11.60)
e
yN
2

De modo análogo, para qualquer componente gasoso puro i, que exista no ambiente
com uma fracção molar yie e cuja pressão parcial no ambiente é, por isso, yie P0 , a sua
exergia química específica molar é

ch 1
ai = RT0 ln (11.61)
yie

Exergia química de uma mistura de Gases Ideais que existem no ambiente


Neste caso, cada componente contribui para a mistura gasosa com a fracção molar yi ,
sendo a sua pressão parcial yi P0 , ao passo que a fracção molar desse componente no
ambiente é yie , onde a sua pressão parcial é yie P0 . A exergia química de cada componente
individual i da mistura, por mole do componente particular i, é

ch yi
ai = RT0 ln (11.62)
yie

A exergia química total da mistura vem por isso dada por

ch yi
A = RT0 ni ln (11.63)
i yie

e a exergia química específica da mistura, por mole de mistura gasosa, vem

ch yi
a mistura = RT0 yi ln (11.64)
i yie

Esta última equação pode reescrever-se como

ch 1
a mistura = RT0 yi ln + RT0 yi ln ( yi ) (11.65)
i yie i

ou então, tendo presente a Eq. (11.61),

ch ch
a mistura = RT0 yi ai + RT0 yi ln ( yi ) (11.66)
i i

- 11.28 -
Valores tabelados da exergia química específica molar
O ambiente sob o qual operam os diferentes sistemas pode ser variado, não só em termos
de pressão e de temperatura, mas também no que concerne à sua composição química. Para
procurar dar resposta a estes casos há valores tabelados da exergia, não havendo no entanto
unanimidade acerca do modelo usado nem quanto á contabilização da exergia química.
Neste caso é necessário levar em consideração outros parâmetros, e consultar literatura
mais especializada [1,2,5].

Contabilização da exergia total


A exergia total de um sistema contempla as suas componentes termomecânica e química,
pelo que a exergia específica total de um sistema, tendo presente a Eq. (6.14), é calculada
como

At 1
at = = ( u − u0 ) + P0 ( v − v0 ) − T0 ( s − s0 ) + V 2 + gz + a ch (11.67)
m 2

Por seu turno, a exergia específica total de escoamento, tendo presente a Eq. (6.32),
é calculada como

Atf 1 2
atf = = ( h − h0 ) − T0 ( s − s0 ) + V + gz + a ch (11.68)
m 2

11.7. REFERÊNCIAS
1. Bejan, A., Advanced Engineering Thermodynamics, Wiley, NY, 1988.
2. Moran, M. J. & Shapiro, H. N., Fundamentals of Engineering Thermodynamics, 2nd Ed.,
Wiley, NY, 1993.
3. Wark, K. Jr, Thermodynamics, 5th Ed., McGraw-Hill, NY, 1989.
4. Heywood, J. B., Internal Combustion Engine Fundamentals, McGraw-Hill, NY, 1988.
5. Moran, M. J., Availability Analysis: A Guide to Efficient Energy Use, ASME Press, New
York, 1989.

- 11.29 -
Apêndice A: TABELAS

Tabela A.1. Calores específicos de alguns sólidos e de alguns líquidos [1].


Tabela A.2. Calores específicos de alguns gases, tomados como gases ideais [1].

Tabela A.3. Massa molar e propriedades críticas de algumas substâncias comuns [1].

- A.2 -
Tabela A.4. Propriedades do ar, tomado como gás ideal [1].

- A.3 -
Tabela A.5. Propriedades do Nitrogénio N2, tomado como um gás ideal [1].

- A.4 -
Tabela A.5 (cont.). Propriedades do Nitrogénio N2, tomado como um gás ideal [1].

- A.5 -
Tabela A.6. Propriedades do Oxigénio O2, tomado como um gás ideal [1].

- A.6 -
Tabela A.6 (cont.). Propriedades do Oxigénio O2, tomado como um gás ideal [1].

- A.7 -
Tabela A.7. Propriedades do vapor de água H2O, tomado como um gás ideal [1].

- A.8 -
Tabela A.7 (cont.). Propriedades do vapor de água H2O, tomado como um gás ideal [1].

- A.9 -
Tabela A.8. Propriedades do Monóxido de Carbono CO, tomado como um gás ideal [1].

- A.10 -
Tabela A.8 (cont.). Propriedades do Monóxido de Carbono CO, tomado como um gás
ideal [1].

- A.11 -
Tabela A.9. Propriedades do Dióxido de Carbono CO2, tomado como um gás ideal [1].

- A.12 -
Tabela A.9 (cont.). Propriedades do Dióxido de Carbono CO2, tomado como um gás ideal
[1].

- A.13 -
Tabela A.10. Propriedades do Hidrogénio H2, tomado como um gás ideal [1].

- A.14 -
Tabela A.11. Entalpia sensível, acima das condições padrão, para alguns gases tomados
como gases ideais [2].

- A.15 -
Tabela A.12. Entalpia de formação, energia de Gibbs de formação, e entropia absoluta de
várias substâncias nas condições padrão (1 atm e 25ºC) [1].

Tabela A.13. Propriedades de alguns combustíveis comuns [2].

- A.16 -
Tabela A.14. Propriedades da água saturada (líquido-vapor): Tabela de temperatura [1].

- A.17 -
Tabela A.14 (cont.). Propriedades da água saturada (líquido-vapor): Tabela de temperatura
[1].

- A.18 -
Tabela A.15. Propriedades da água saturada (líquido-vapor): Tabela de pressão [1].

- A.19 -
Tabela A.16. Propriedades do vapor de água sobre-aquecido [1].

- A.20 -
Tabela A.16 (cont.). Propriedades do vapor de água sobre-aquecido [1].

- A.21 -
Tabela A.16 (cont.). Propriedades do vapor de água sobre-aquecido [1].

- A.22 -
Tabela A.16 (cont.). Propriedades do vapor de água sobre-aquecido [1].

- A.23 -
Tabela A.17. Propriedades da água como líquido sub-arrefecido (ou comprimido) [1].

- A.24 -
Tabela A.18. Propriedades da água saturada (sólido-vapor): Tabela de temperatura [1].

- A.25 -
Tabela A.19. Propriedades de saturação (líquido-vapor) do Refrigerante 12: Tabela de
temperatura [1].

- A.26 -
Tabela A.20. Propriedades de saturação (líquido-vapor) do Refrigerante 12: Tabela de
pressão [1].

- A.27 -
Tabela A.21. Propriedades do Refrigerante 12 como vapor sobre-aquecido [1].

- A.28 -
Tabela A.21 (cont.). Propriedades do Refrigerante 12 como vapor sobre-aquecido [1].

- A.29 -
Tabela A.21 (cont.). Propriedades do Refrigerante 12 como vapor sobre-aquecido [1].

- A.30 -
Tabela A.22. Propriedades de saturação (líquido-vapor) do Refrigerante 134a: Tabela de
temperatura [1].

- A.31 -
Tabela A.23. Propriedades de saturação (líquido-vapor) do Refrigerante 134a: Tabela de
pressão [1].

- A.32 -
Tabela A.24. Propriedades do Refrigerante 134a como vapor sobre-aquecido [1].

- A.33 -
Tabela A.24 (cont.). Propriedades do Refrigerante 134a como vapor sobre-aquecido [1].

- A.34 -
Tabela A.24 (cont.). Propriedades do Refrigerante 134a como vapor sobre-aquecido [1].

- A.35 -
Tabela A.24 (cont.). Propriedades do Refrigerante 134a como vapor sobre-aquecido [1].

REFERÊNCIAS
1. Moran, M. J. & Shapiro, H. N., Fundamentals of Engineering Thermodynamics, 2nd Ed.,
Wiley, NY, 1993.
2. Heywood, J. B., Internal Combustion Engine Fundamentals, McGraw-Hill, NY, 1988.

- A.36 -

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