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Termodinâmica

Bernhard Lesche
2010

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dU

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Índice
1. Introdução
1.1 O objetivo da termodinâmica 1
1.2 Estados de equilíbrio termodinâmico 4
1.3 A História da Termodinâmica 6

2. Ferramentas Matemáticas da Termodinâmica


2.1 Coordenadas 37
2.2 Vetores 41
2.3 O espaço dual 45
2.4 Diferenciais e formas diferenciais 47
2.5 Fórmulas úteis para derivadas parciais 52

3. A primeira lei da termodinâmica


3.1 Trabalho 55
3.2 Energia interna e calor 58

4. A segunda lei da termodinâmica


4.1 A temperatura empírica 63
4.2 Processos reversíveis 65
4.3 A forma diferencial do trabalho reversível 69
4.4 Enunciados de Clausius e Kelvin da segunda lei da termodinâmica 74
4.5 Ciclo de Carnot e escala de temperatura absoluta 77
4.6 O teorema de Clausius e a entropia 83
4.7 Interpretação microscópica da entropia 88
4.8 Apêndice do capítulo 4: A forma diferencial de trabalho de magnetização 91

5. Conseqüências da existência da entropia


5.1 A relação fundamental e as equações de estado 95
5.2 Exemplos de relações fundamentais e das equações de estado 99
5.3 Capacidades térmicas, compressibilidades, coeficiente de
dilatação e coeficiente de tensão 106

6. Aplicações técnicas
6.1 Termômetros 113
6.2 Máquinas Térmicas 126

7. Condições de equilíbrio e potenciais termodinâmicos


7.1 Sistemas adiabaticamente isolados 141
7.2 Grandezas positivas 146
7.3 A energia livre 149
7.4 A entalpia e o efeito Joule-Thomson 155
7.5 A entalpia livre 158
7.6) Os potencias termodinâmicos e as relações de Maxwell 159
8. Métodos e aplicações simples
8.1 O método dos potenciais 161
8.1.1 Cálculo de ( ∂H / ∂p) T para um fluido 161
8.1.2 Cálculo de CP − CV 162
8.1.3 A célula eletro-química 163
8.1.4 A mola e a borracha 167
8.1.5 Resumo 168
8.2) O método dos ciclos 168
8.2.1 Cálculo de ( ∂U / ∂V ) T com o método dos ciclos 169
8.2.2 Transição de fase líquido–vapor e a equação de
Clausius-Clapeyron 170
8.2.3 Pressão de vapor de pequenas gotículas 178
8.3 Apêndice Propriedades da água saturada 182

9 Sistemas com troca de matéria


9.1 Definições básicas da termodinâmica de sistemas abertos 185
9.2 Condições de equilíbrio em relação à troca de partículas
dentro de um sistema. 188
9.3 Sistemas homogêneos 189
9.4 Aplicações em equilíbrios de fases homogêneas 192
9.5 Misturas ideais 195
9.6 Reações químicas em misturas ideais. 200
9.7 Equilíbrio entre mistura ideal líquida e mistura gasosa 205
9.8 Soluções diluídas não iônicas 207
9.9 Misturas não ideais 211
9.10 Eletrólitos 217

10 A terceira lei da termodinâmica em construção


11 Transições de fase planejado
12 Termodinâmica fora do equilíbrio em construção
1. Introdução
1.1 O objetivo da termodinâmica
A termodinâmica acrescenta novas grandezas na descrição macroscópica de corpos
compostos de distribuições contínuas de matéria. Para podermos apreciar o que isto
significa, lembremos primeiramente da mecânica de Newton. A segunda lei de Newton
estabelece o seguinte conjunto de equações para um sistema de N partículas:

( ) ( ) (
m1rɺɺ1 = F12 r1 , rɺ1 , r2 , rɺ2 + F13 r1 , rɺ1 , r3 , rɺ3 + . . . + F1N r1 , rɺ1 , rN , rɺN )
r = F ( r , rɺ , r , rɺ ) + F ( r , rɺ , r , rɺ ) + . . .
m ɺɺ
2 2 21 2 2 1 1 23 2 2 3 3 (
+ F2 N r2 , rɺ2 , rN , rɺN )
. (1.1.1)
.
.
( ) ( ) (
mN rɺɺN = FN 1 rN , rɺN , r1 , rɺ1 + FN 2 rN , rɺN , r2 , rɺ2 + . . . + FN N −1 rN , rɺN , rN −1 , rɺN −1 )
onde mk , rk , rɺk , ɺɺ
rk são massa, vetor posição, velocidade e aceleração da k-ésima partícula
respectivamente e Fkl é a força que a l-ésima partícula exerce sobre a partícula k. Estas
equações constituem um sistema de equações diferenciais que determinam a dinâmica do
sistema de partículas, desde que as forças Fkl sejam conhecidas funções das variáveis
r , rɺ , r , rɺ . Sem o conhecimento destas funções, as equações não teriam grande utilidade.
k k l l

Quando utilizamos a mecânica de Newton para descrever os movimentos de corpos


macroscópicos, imaginamos a distribuição contínua de matéria decomposta em pequenos
elementos de volume que entram na descrição mecânica como as massas puntiformes do
sistema de equações (1.1.1). Mas, para que estas equações formem realmente uma descrição
da dinâmica do corpo, são necessárias expressões para as forças que atuam sobre estes
elementos de massa. Investigando as forças que um elemento de massa exerce sobre seus
vizinhos percebemos que a descrição mecânica macroscópica é incompleta. Podemos
descrever estas forças de curto alcance como tensões. Mesmo no caso mais simples de
tensões isotrópicas, podemos ver que a descrição mecânica macroscópica é incompleta. Por
exemplo, se investigarmos a relação entre pressão e densidade de um fluido
experimentalmente, percebemos que não existe uma relação bem definida entre estas
grandezas. Imagine um cilindro metálico fechado que contenha um determinado fluido de
massa m , volume V e pressão P. Se expusermos este cilindro por algum tempo à ação de
uma chama de gás, a massa do fluido não mudará e o volume ficará também
aproximadamente constante, mas a pressão aumentará notavelmente. Percebemos que a
descrição das forças associadas à pressão precisa de mais grandezas. O mero saber onde há
quanta matéria não é o suficiente para se avaliarem as forças. O objetivo da termodinâmica
é introduzir estas grandezas adicionais.
As posições, velocidades e massas dos elementos que separamos do corpo macroscópico
não são suficientes para descrever a dinâmica do corpo. Se olharmos para um dos pequenos
elementos de massa, que separamos para tratá-lo como massa puntiforme, percebemos qual
é o problema. Ser puntiforme pode ter dois significados diferentes: o primeiro é puramente

1
geométrico e significa que a extensão do elemento é muito menor que o tamanho do corpo
que queremos descrever. O segundo significado é que este ponto de massa seria um objeto
elementar sem estrutura interna. Se os elementos de massa fossem elementares, deveria ser
possível descrever a dinâmica do corpo em termos das posições e velocidades destes
elementos de massa. O fato de que isto não é possível significa que a matéria dentro dos
pequenos volumes tem estrutura interna. As novas grandezas que a termodinâmica
acrescenta descrevem aspectos internos da matéria. Isto significa aspectos que vão além da
informação de posição, velocidade e massa.
O que se julga assombroso ou notável depende do grau de instrução de cada um. Uma
pessoa sem instrução não vai considerar nada de especial no fato de que os objetos soltos da
mão caem no chão. Já um físico considera este movimento algo digno de estudo. Também
uma pessoa sem instrução não acha surpreendente que um determinado corpo pode numa
vez causar a sensação de calor na nossa mão e numa outra ocasião pode provocar a
sensação de frio. Para o físico esta propriedade de corpos poderem provocar sensações
térmicas diferentes é algo surpreendente. Pensando bem, este fato é extremamente notável,
pois, na descrição mecânica macroscópica, não temos nenhuma grandeza que poderia ser
associada a estas sensações térmicas: Quando separarmos mentalmente um volume
relativamente grande de um fluido em escoamento, encontraremos em geral dentro deste
volume variações de densidade e velocidade. Na medida em que reduzirmos o tamanho do
volume escolhido, as condições físicas tendem a ser mais uniformes. Então deveríamos
esperar que, no limite, quando o tamanho do volume vá para zero, não resta nenhuma
heterogeneidade e consequentemente posição, velocidade e densidade deveriam ser tudo
que poderia ser dito sobre a matéria dentro do volume. Então não há lugar para grandezas
que poderiam ser associadas ao quente e frio. Mas, isto não é o fato! Algo deve estar
errado com este processo de limite. A tendência de crescente homogeneidade na redução do
volume não deve persistir até o ponto do volume zero. Hoje se sabe que a matéria é
composta de átomos e moléculas. Então, quando o volume escolhido atinge um tamanho
comparável ao tamanho de moléculas, a uniformidade e simplicidade terminam e isto
explica a existência da estrutura interna da matéria. Mas quando a termodinâmica foi
criada, este fato não era conhecido. A beleza da teoria termodinâmica reside justamente no
fato de que ela consegue introduzir as grandezas que faltam para formular a dinâmica da
matéria contínua sem depender do conhecimento dos detalhes microscópicos. Este método
é chamado método fenomenológico.
As grandezas novas que a termodinâmica acrescenta são essencialmente duas:
1) A energia interna: Na mecânica, observa-se frequentemente que a energia mecânica não
é conservada. Na termodinâmica, explica-se esta não conservação como uma conversão de
energia mecânica em energia dos graus microscópicos de liberdade. Esta explicação leva à
introdução da energia interna.
2) A entropia: Enquanto a energia é uma grandeza com uma lei de conservação, a entropia
pode ser imaginada como se fosse uma substância que não pode ser destruída, mas que
pode ser criada. A criação de entropia é associada a processos irreversíveis.
A termodinâmica introduz, além da energia interna e da entropia, também outras grandezas
fundamentais como a temperatura, e os potenciais químico; mas estas grandezas podem ser

2
consideradas secundárias no sentido de serem deriváveis da energia interna e da entropia.
Além destas mais fundamentais, definem-se também grandezas como compressibilidades,
capacidades térmicas, etc..
As afirmações da termodinâmica, em sua forma geral, consistem na existência da energia
interna, da entropia e na descrição de certas propriedades gerais destas grandezas e em
consequentes relações entre grandezas secundárias. Mas a termodinâmica não diz qual é a
energia interna e a entropia para um dado sistema. Para aplicarmos a teoria a um sistema
concreto, temos que medir estas grandezas ou calculá-las com modelos da mecânica
estatística.
A mecânica estatística é a teoria que explica os fenômenos térmicos aplicando a mecânica
no nível microscópico. O fato de que a termodinâmica fenomenológica não utiliza
conhecimentos do mundo microscópico é uma fraqueza e uma virtude ao mesmo tempo. É
uma fraqueza, ou um ponto negativo, porque as grandezas novas (energia interna, entropia e
temperatura) não recebem uma interpretação. Dos fenômenos observados, extraí-se
meramente a conclusão de que estas grandezas existem e de que elas têm certas
propriedades gerais. Isto torna a termodinâmica uma teoria um tanto formal e abstrata. Por
outro lado, esta ausência de interpretação em termos de movimentos de moléculas e átomos
torna a termodinâmica uma teoria muito robusta e universal porque o que esta teoria diz não
depende dos detalhes microscópicos.
A termodinâmica tem duas partes: 1) a termodinâmica do equilíbrio e 2) a termodinâmica
fora do equilíbrio. Na termodinâmica fora do equilíbrio temos que introduzir ainda mais
grandezas como condutividade térmica, viscosidade, coeficientes eletro-térmicos, etc. . Na
maior parte deste curso trataremos do caso de equilíbrio.
Iniciamos esta introdução com a frase: “A termodinâmica acrescenta novas grandezas na
descrição macroscópica de corpos compostos de distribuições contínuas de matéria”. Mais
tarde neste curso, veremos que a noção de matéria pode ser às vezes estendida a objetos
estranhos como, por exemplo, campos de radiação eletromagnética. Também a condição de
se tratar de corpos macroscópicos pode às vezes receber uma interpretação um tanto
relativa. A termodinâmica criada pelos fundadores Julius Robert Mayer, James Prescott
Joule, Hermann von Helmholtz, William Thomson (Lord Kelvin), Sadi Carnot e Rudolf
Clausius tratava realmente de corpos macroscópicos. Mas hoje existem generalizações em
que o método é aplicado em sistemas microscópicos. Por exemplo, pode-se aplicar a
termodinâmica para descrever núcleos de átomos. Embora o núcleo seja muito pequeno, as
partículas dentro dele são menores ainda. Para núcleos de grandes números atômicos (A >>
1) é bastante razoável descrever o núcleo como uma gota de um líquido contínuo. Com isto
ignora-se toda a complexa estrutura dentro do núcleo. Mas em compensação há que se
introduzirem grandezas internas como temperatura e entropia. Então o que podemos notar
como características comuns nos sistemas térmicos são os seguintes fatos: 1) Trata-se de
sistemas que descrevemos com poucas grandezas primárias. Mas na verdade precisar-se-ia
de muitas grandezas microscópicas para uma descrição completa em termos de uma teoria
elementar. 2) No lugar da descrição completa elementar, a termodinâmica oferece poucas
grandezas adicionais para se descreverem os efeitos das inúmeras complicações
microscópicas. Uma terceira propriedade é fundamental e condição para uma descrição
termodinâmica: o sistema tem a tendência de se mover para um estado de equilíbrio.

3
1.2 Estados de equilíbrio termodinâmico
Se mantivermos um sistema macroscópico sob condições externas constantes no tempo,
observaremos para a grande maioria dos sistemas que eles atingem um estado no qual não
podemos notar qualquer movimento ou qualquer mudança macroscópica. Este tipo de
estado é chamado de estado de equilíbrio termodinâmico.
É importante notar que na definição do estado de equilíbrio termodinâmico entra não
apenas o comportamento do sistema estudado, mas também o ambiente do sistema. Estados
sem movimentos ou qualquer mudança macroscópica do sistema que são mantidos com
ajuda de mudanças no ambiente não são considerados estados de equilíbrio, mas são
chamados estados estacionários. Um exemplo de um estado estacionário é o estado de uma
resistência elétrica ligada a uma bateria. Após certo tempo de ligação, o estado da
resistência não mostra qualquer mudança. Mas, a bateria tem que mudar seu estado para
manter o estado estacionário do resistor. No resistor ter-se-ia um fluxo de carga elétrica que
é mantido constante com a ajuda das mudanças que ocorrem na bateria. Nestes estados
temos fluxos macroscópicos no sistema. O aparecimento de fluxos macroscópicos não é, no
entanto, um critério para se distinguirem estados de equilíbrio dos estados estacionários:
existem estados de equilíbrio com fluxos macroscópicos não nulos. Exemplos são fluxos
elétricos em supercondutores, fluxos de matéria em superfluidos e fluxos de energia
eletromagnética em configurações estáticas de campos elétricos e magnéticos. A própria
pressão hidrostática constitui um fluxo de momento linear que é diferente de zero mesmo
em sistemas em equilíbrio.
Usamos a palavra “estado”. Temos que dar algumas explicações a respeito do uso desta
palavra: embora não exista uma definição geral e obrigatória do conceito de estado na
física, podemos observar que estado é geralmente usado no sentido de que o
comportamento futuro ( t > t 0 ) de um sistema é determinado de maneira única pelo estado
do sistema num dado instante t 0 e pelas condições externas que impomos sobre o sistema a
partir deste instante. Com isso queremos indicar que o futuro comportamento do sistema
não depende da história anterior ao instante t 0 . A termodinâmica de equilíbrio trata
exclusivamente de sistemas que atingem este tipo de estado de equilíbrio sem memória.
Com isso temos que excluir infelizmente um grande número de sistemas interessantes: por
exemplo, uma amostra de aço de uma dada composição química com um dado volume e
uma dada temperatura (antecipando este conceito que vamos definir só mais adiante) terá
propriedades bem diferentes se ela foi aquecida anteriormente e esfriada abruptamente ou se
ela simplesmente esfriou lentamente depois da sua formação a partir de uma mistura líquida
de materiais. Há livros que nestes casos citam a desculpa de que estes sistemas na verdade
também tenderiam a um verdadeiro estado de equilíbrio termodinâmico sem memória do
passado se se esperasse um tempo suficiente. Mas este argumento não nos consola se o
tempo de espera necessário for da ordem de 10 9 anos. Há ainda uma outra saída deste
problema: poderíamos tentar aumentar a dimensão do espaço que descreve os estados de
equilíbrio. No caso do aço poderíamos introduzir, além das grandezas citadas (composição
química, volume e temperatura), uma concentração de certos tipos de defeitos cristalinos. É

4
naturalmente questionável se isso é possível a um nível puramente macroscópico. Mas
vamos supor que conseguimos introduzir esta concentração fenomenologicamente. Com
isso podemos talvez eliminar a dependência da história passada do sistema. Mas pode ser
que a concentração destes defeitos cristalinos ainda não seja suficiente para esta finalidade e
que teríamos que introduzir parâmetros que descrevem o material ainda mais
detalhadamente. Pode ser que cheguemos neste processo de procurar descrições cada vez
mais detalhadas a um fim autoconsistente. Pode ser também que o detalhamento cresça
tanto que sairíamos do nível macroscópico da descrição.
O conceito de estado de equilíbrio termodinâmico inclui então as seguintes propriedades,
além da ausência de mudanças macroscópicas:
1) O estado pode ser caracterizado por um número pequeno de grandezas macroscópicas
(muito pequeno em comparação com o número de graus de liberdade microscópicos).
2) O sistema não tem memória do passado.

Além dos estados de equilíbrio termodinâmico existem outros estados que são estudados na
termodinâmica fora do equilíbrio. Estes estados fora do equilíbrio requerem geralmente um
número bem maior de parâmetros para sua caracterização. Mesmo os estados de equilíbrio
podem tornar-se estados fora do equilíbrio se mudarmos as condições externas do sistema.
Pensemos, por exemplo, num cilindro fechado cujo interior é dividido em duas partes por
um pistão parafusado firmemente na parede do cilindro. As partes contêm, cada uma, uma
certa quantia de gás. Com o pistão fixo podemos ter estados de equilíbrio termodinâmico
que são caracterizados pelos volumes e pressões dos gases. No momento em que soltarmos
o pistão, o estado em geral não será mais de equilíbrio. O sistema iria então procurar um
novo estado de equilíbrio no qual as pressões dos gases seriam iguais. A termodinâmica
trata da determinação dos novos estados de equilíbrio que resultam depois de uma remoção
de vínculos externos que seguravam o sistema num equilíbrio condicionado a este vínculo.

O que pode ser considerado um estado de equilíbrio depende também da escala de tempo
adotado. No exemplo de um cilindro que é separado em dois compartimentos por meio de
um pistão parafusado na parede falamos acima que um estado com dois gases com pressões
diferentes seria um estado de equilíbrio enquanto o pistão estiver parafusado. De fato,
medindo as pressões diversas vezes com intervalos de algumas horas não notaríamos
alterações nos valores. Mas, se deixássemos este cilindro algumas dezenas de anos, as
pressões nos dois compartimentos iriam se igualar. Mesmo com um pistão bem vedado,
teria uma pequena troca de matéria através de minúsculas fendas. Então quando falarmos de
um estado de equilíbrio, temos que pensar num certo tempo característico τ Laboratório das
nossas experiências no laboratório. No sistema devem existir somente processos com
tempos característicos, ou muito menores, ou muito maiores que τ Laboratório . Os processos
rápidos têm tempos muito menores e os processos lentos têm tempos muito maiores;
τrápido << τ Laboratório e τlento >> τ Laboratório . Num estado de equilíbrio todos os processos
rápidos já ocorreram e os processos lentos ainda não ocorreram.

5
1.3 A História da Termodinâmica
Fenômenos térmicos são conhecidos de longa data. A palavra θαλπος do grego antigo
significa calor. Mas a situação é parecida com a da óptica. Luz era conhecida de longa data,
mas não se tinha uma idéia clara da natureza da luz. Para os fenômenos térmicos também
não existia uma teoria consistente na antiguidade. Mas máquinas térmicas já existiam.
Ktesibios (Κτησίβιος) (285–222 antes de Cristo) inventou uma máquina a vapor que foi
também construída por Heron de Alexandria ( Ἥρων ὁ Ἀλεξανδρεύς) (10–70). Esta
máquina usava propulsão de foguete com dois jatos de vapor como mostra a figura 1.1.

Fig. 1.1 Máquina a vapor inventada uns 200 anos antes de Cristo
Os filósofos ou cientistas gregos poderiam ter desenvolvido a
física e especialmente a termodinâmica. Faltavam apenas
alguns ingredientes, especialmente a álgebra. Antes que estes
ingredientes pudessem ser acrescentados, o mundo grego
desapareceu e foi substituído pelo Império Romano. Os
romanos não tinham interesses desta natureza. Legislação e
organização estatal eram os pilares do poder romano.
Rapidamente o Império Romano degradou moralmente, a
vida tornou-se insuportável. A salvação era uma nova
religião. O mundo antigo mergulhou numa loucura religiosa.
Em 529 o Imperador Justiniano mandou fechar as escolas de filosofia em Atenas1. Intensos
movimentos migratórios de populações e formações de grupos étnicos envolvendo
Cimbros, Teutões, Anglos, Saxões, Godos, Vândalos, Hunos, Árabes e Longobardos
reestruturavam o mundo. Não havia condições para um desenvolvimento de ciências.
Na idade média os árabes conservaram ainda os antigos conhecimentos e, pelo contato com
a Índia, acrescentaram a álgebra e o sistema numérico que usamos hoje. Dois gigantes da
ciência se destacaram no mundo árabe: Alhacen 2 e Avicenna3 . Ambos desenvolveram o
método científico e deram grandes contribuições para a física; inclusive formularam o
princípio de inércia uns 600 anos antes de Galileo Galilei. Avicenna deu importantes
contribuições para a termodinâmica: ele inventou um termômetro a gás, a destilação de
água e trocadores de calor. No entanto, não foi possível gerar uma tradição científica
duradoura. Venceram as opiniões fanáticas que viam no Alcorão a verdade absoluta
dispensando a necessidade de filosofia. O filósofo importante Averroes4 , que conseguiu
trabalhar graças à proteção de nobres liberais para os quais prestava serviços médicos, teve
que ser exilado por pressão da oposição fanática.
Poder-se-ia dizer que entre Avicenna e Averroes houve uns 150 anos que teriam sido
suficientes para desenvolver o cálculo diferencial, a mecânica e a termodinâmica. Por que

1
Bertrand Russell História da Filosofia Ocidental.
2
Alhacen Abū Alī al-Ḥasan ibn al-Ḥasan ibn al-Haytham* 965 em Basra, † 1039 em Cairo.
3
Avicenna Abū Alī Sīnā (‫ * )ان س لعوبا‬980 em Afshana (Persia) † 1037
4
Ibn Rushd (‫*)دشر نبا‬1126 Cordoba †1198 Marrakech, um nos mais influentes filósofos na Europa

6
isto não aconteceu? Havia fatores que tornavam o progresso das ciências mais lento. A
motivação estimuladora por aplicações práticas era relativamente pequena em tempos de
trabalho escravo5 e numa sociedade feudal. Especialmente não havia muita motivação para
o desenvolvimento de máquinas térmicas. Mas existe ainda outro fator, pois não se deve
subestimar a capacidade do ser humano de se entusiasmar pela pura questão de entender o
mundo sem nenhuma perspectiva de lucro. O segundo fator, que tornou o andar das ciências
lento, era a falta de comunicação. Não havia ainda a reprodução mecânica de textos com
tipos que pudessem ser trocados. Cópias de publicações eram feitas à mão. Com isto o
conjunto de pesquisadores não se multiplicava com tanta facilidade e a evolução das ideias
era mais lenta. A invenção de Gutenberg (1436) foi um elemento essencial para o
desenvolvimento rápido das ciências a partir da época do renascimento (Renaissance).
Na termodinâmica têm-se as primeiras descobertas na era moderna, no século 17.
Evangelista Torricelli e Otto von Guericke investigaram pressão. As pesquisas de Torricelli
(1643) eram motivadas por fabricantes de bombas de água. Eles não conseguiam entender
por que as bombas de sucção conseguiam levantar a água apenas 10 m. As bombas de água
eram na época instrumentos extremamente importantes. Elas eram empregadas na
mineração para eliminar água das minas. Por sua vez, a mineração era uma atividade
importante na época da Guerra dos Trinta Anos (1618-1648). A matéria-prima dos canhões
e do dinheiro6 dependia disso. Esta guerra quase erradicou a população nas regiões que
constituem a atual Alemanha e deixou a Europa num estado de miséria com epidemias de
febre tifóide, disenteria, tifo e peste. Pode-se atribuir a morte precoce de Torricelli (febre
tifóide) a esta situação lamentável. É surpreendente que a construção da bomba de vácuo de
von Guericke na Alemanha foi feita apenas um ano após o fim desta guerra devastadora.
Mas há uma explicação para este fato. Em 1640 Friedrich Wilhelm von Hohenzollern (“der
Große Kurfürst”) assumiu o governo na Prússia7. Ele logo montou um exército do Estado8 e
conseguiu manter as tropas mercenárias combatentes na Guerra dos Trinta Anos fora da
Prússia. A Prússia rapidamente criou uma ordem interna com boa infraestrutura7.
Em 1662 Huygens9 descobriu pressão negativa em líquidos em estados metaestáveis. Na
Inglaterra Boyle e Hooke, estimulados pelos resultados de Guericke, investigaram gases
sistematicamente. Entre 1676 e 1679 Denis Papin trabalhou com Robert Boyle em Londres
e nesta época inventou a panela de pressão. Os movimentos da alavanca da válvula de
segurança desta panela levavam Papin à invenção de uma máquina a vapor (em 1690
enquanto vivia como Huguenot refugiado em Magdeburg – Prussia). Seguiu um intervalo
de várias invenções práticas relacionadas a máquinas a vapor e de turbinas, mas há pouco
avanço nos fundamentos da termodinâmica. O que faltava para um maior avanço eram
desenvolvimentos na mecânica. As noções de energia e trabalho tinham que ser criadas e

5
Avicenna possuía escravos.
6
Na Europa as primeiras cédulas monetárias de papel apareceram na Suécia em 1661. Na China e no mundo
árabe já existiam cédulas anteriormente.
7
Thomas Carlyle: Frederick the Great Vol I Chapman and Hall (London) 1872.
8
As tropas combatendo na Guerra dos Trinta Anos eram, na linguagem moderna, “terceirizadas” e se auto-
sustentavam com saques. Isto era uma das razões por que esta guerra era tão devastadora para a população.
9
C. Huygens, Extrait d´une lettre de M. Hugens de l´Académie Royale des Sciences à l´auteur de ce journal,
touchant les phénomènes de l´eau purgée dáir. J. des Sçavants, 25 juillet 1672. Tradução para o inglês: Phil.
Trans. 7 (1672) 5027-5030.

7
estabelecidas firmemente para se poder criar um arsenal consistente de noções básicas da
termodinâmica. Os pesquisadores usavam palavras sugestivas associando a estas palavras
ideias intuitivas, mas não se tinha um sistema de noções bem definidas. Por exemplo, existe
uma publicação sem assinatura de autor publicada em 1701 nas “Philosophical Transactions
of the Royal Society of London”10 na qual a palavra calor era nitidamente usada como
sinônimo de temperatura. A confusão de noções e palavras continuou até o início do século
19. Ao calor era frequentemente associada a ideia de uma substância indestrutível o
“calórico”.
Um passo importante na formação das noções adequadas foi a introdução do conceito de
“vis viva” por Gottfried Wilhelm Leibniz. Leibniz percebeu que num sistema de N massas
puntiformes sem interação a soma
N

∑ m (v )
2
k k
k =1

é uma grandeza conservada. Ele deu o nome de vis viva a esta grandeza. Somente no século
19 acrescentou-se o fator ½ nesta soma para formar aquilo que chamamos hoje de energia
cinética11. Leibniz expressou a opinião que calor seria fruto do movimento randômico dos
constituintes da matéria.
Uma idéia semelhante foi formulada por Daniel Bernoulli em 1738 na sua famosa teoria da
hidrodinâmica. Daniel Bernoulli desenvolveu uma primeira tentativa de uma teoria cinética
dos gases e descreveu o que chamamos hoje de energia interna, mas chamando esta
grandeza de calor.
Um militar, Sir Benjamin Thompson (Count Rumford), uma personalidade interessante12 ,
fez uma observação que ajudou enormemente na criação dos conceitos adequados na
termodinâmica (1798). Na fabricação de canhões, ele percebeu que os tarugos de metal
esquentavam na hora de abrir o furo central do canhão. Rumford não se contentou com uma
simples observação. Ele logo começou uma investigação sistemática do fenômeno. De fato,
Rumford se tornou cientista profissional. No caso dos canhões, ele mergulhou os tarugos
em água e usou propositadamente brocas cegas. O calor gerado pela rotação das brocas era
tanto que a água entrava em ebulição. Rumford percebeu que se podia acrescentar água e
fervê-la indefinidamente. Isto não parecia compatível com a idéia do calórico, pois o
calórico (uma substância conservada) deveria acabar num momento. Ficou evidente que o
atrito das brocas cegas transformava trabalho mecânico em calor.
A formulação da primeira lei da termodinâmica, que expressa conservação de energia e
define calor, demorou ainda uns 40 a 50 anos. Foram vários cientistas que contribuíram,
muitas vezes independentemente depois de Rumford: William Hyde Wollaston (1805),
Peter Ewart (1813), Benoit Paul Émile Clapeyron (1834-43), Germain Henri Hess (1840),
Julius Robert von Mayer (1842), James Prescott Joule (1843), Ludwig August Colding
(1843), Sir William Robert Grove (1846), Hermann Ludwig Ferdinand von Helmholtz

10
Acredita-se que o autor era Sir Isaac Newton. Compare Eugene F. Adiutori “Origins of the Heat Transfer
Coefficient” Mechanical Engineering August 1990 p.46 – 50.
11
Gaspard-Gustave de Coriolis (1829)
12
Quem bebe cerveja num Biergarten no Englischer Garten em Munique deve agradecer ao Count Rumford,
pois foi ele que fundou este belo parque.

8
(1847), Rudolf Julius Emanuel Clausius (1850). A primeira determinação do equivalente
mecânico da caloria foi feita pelo médico Julius Robert von Mayer em 1842. A ideia da
conservação de energia que levou Mayer a fazer estas medidas nasceu da observação, feita
numa viagem, de que nas regiões tropicais o sangue arterial das pessoas era mais claro. Ele
concluiu que no clima quente o metabolismo precisava ser menos intenso para poder
manter a temperatura corporal. Na época este trabalho de Mayer não foi devidamente
reconhecido. É um mérito de John Tyndall fazer justiça pouco antes da morte de Mayer. A
fama de ter medido o equivalente mecânico da caloria ficou com James Prescott Joule. Fora
da questão de prioridade, esta fama não é injusta, pois Joule dedicou a sua vida a esta
questão investindo esforços para aumentar a precisão das medidas. Hoje parece
surpreendente que na época os trabalhos de Mayer e Joule foram recebidos de forma
céptica.
Na formulação da primeira lei dada por Helmholtz, a energia figurava como uma entidade
universal que pertencia tanto à mecânica como ao eletromagnetismo e à termodinâmica.
Hoje a palavra energia é frequentemente usada por pessoas que não fazem ideia do que ela
significa13 e nem das dificuldades vencidas para a formação desta noção. A palavra
ἐνέργεια (ação, eficácia, força, atividade, atuação) aparece nos textos de Aristóteles. Parece
que Alhacen usou a palavra no sentido de uma grandeza física que seria a única propriedade
perceptível das partículas que compõem a luz14 . Isto mostra uma intuição admirável de
Alhacen. Mas, faltavam definições desta grandeza em termos de prescrições de processos
de medida. A situação no século 19 já era outra. Nesta época existiam expressões definidas
da energia. Em 1833 William Rowan Hamilton criou sua formulação da dinâmica e esta
revelou uma ligação entre energia e evolução temporal de um sistema. Hoje, com a
Mecânica Quântica, temos de fato condições de entender a verdadeira natureza de energia:
valores de energia são, na verdade, frequências angulares e todo desenvolvimento temporal
de sistemas é fruto de interferências de estados com diferentes valores de energia.
O nascimento da segunda lei da termodinâmica ficou bem no meio do desenvolvimento da
primeira lei. Em 1824 Nicolas Léonard Sadi Carnot publicou seu tratado “Réflexions sur
la puissance motrice du feu et sur les machines propres à développer cette puissance”. O
importante desta obra foi a introdução dos conceitos de processo reversível e a percepção
que irreversibilidade era acompanhada por perdas de eficiência de máquinas. Perdas nas
máquinas, isto significa perdas de energia. Esta constatação causou tremenda confusão na
formação dos conceitos. Como pode haver perda de energia se esta é conservada?
Clapeyron notou que, no aquecimento de uma panela com água com uma chama de gás com
mais de mil graus, havia perda de vis viva. Mas, com o tempo ficou claro que estas perdas
não correspondiam a uma destruição de energia, mas uma transformação para uma forma
não aproveitável. Em 1850 Rudolf Julius Emanuel Clausius formulou finalmente a primeira
e a segunda lei da termodinâmica juntas deixando a situação clara.

13
Por exemplo é bastante comum encontrar pessoas, até com um nível de formação elevado, que confundem
energia com carga elétrica.
14
Rashed, Roshdi (2007), "The Celestial Kinematics of Ibn al-Haytham", Arabic Sciences and Philosophy
(Cambridge University Press) 17: 7–55, doi:10.1017/S0957423907000355 ("In his optics ‘‘the smallest parts
of light’’, as he calls them, retain only properties that can be treated by geometry and verified by experiment;
they lack all sensible qualities except energy.")

9
As peças do quebra-cabeça começaram de se juntar. Nesta época já era claro que as escalas
de temperatura baseadas na dilatação de diferentes substâncias não mantinham
uniformidade relativa. Pierre Louis Dulong tinha feito comparações de termômetros com
precisão. Em 1848 William Thomson (Lord Kelvin) percebeu que a segunda lei da
termodinâmica permitia definir uma escala de temperatura independente de propriedades de
materiais. A termodinâmica clássica chegou finalmente ao seu ponto de perfeição com a
invenção da entropia por Clausius. Este passo dependia fortemente do desenvolvimento do
cálculo diferencial. Depois da descoberta do cálculo diferencial por Newton e Leibniz,
houve uma explosão de trabalhos na matemática. O século 18, que na física mostra ainda
um crescimento lento, contribuiu bastante com os trabalhos de Leonhard Paul Euler (1707
– 1783) e o início do século 19, com Joseph-Louis Lagrange (1736 – 1813), Johann
Friedrich Pfaff (1765 – 1825), Johann Carl Friedrich Gauss (1777 – 1855). Com os
trabalhos destes e outros matemáticos, o cálculo já era uma ferramenta cotidiana quando
Clausius inventou a entropia. Posteriormente houve ainda uma outra contribuição de um
matemático. Em 1909 Constantin Carathéodory formulou a termodinâmica de forma
elegante introduzindo o conceito de acessibilidade adiabática.
Paralelamente à conquista das leis básicas I e II da termodinâmica apareceram tentativas de
explicar os fenômenos térmicos microscopicamente em termos de átomos e moléculas. Os
pesquisadores John Dalton, Lorenzo Romano Amedeo Carlo Avogadro di Quaregna e di
Cerreto, John Herapath, John James Waterston, Johann Josef Loschmidt, Rudolf Julius
Emanuel Clausius, August Karl Krönig, James Clerk Maxwell, Josiah Willard Gibbs,
Ludwig Eduard Boltzmann, Jean Baptiste Perrin, Max Planck e Albert Einstein
contribuíram para este desenvolvimento. Especialmente Ludwig Eduard Boltzmann e
Josiah Willard Gibbs deram contribuições valiosas. Boltzmann deu, entre outras coisas,
uma interpretação microscópica da entropia e Gibbs criou uma nova área da Física: a
Mecânica Estatística.
As contribuições de Gibbs para a Física Térmica são enormes. Ele não só criou a Mecânica
Estatística, mas também introduziu os potenciais termodinâmicos e estendeu a
termodinâmica a sistemas com troca de partículas. Este último passo transformou a
termodinâmica numa das principais ferramentas da Química.
A termodinâmica tem desempenhado um papel importante no desenvolvimento da Física. A
investigação das propriedades da radiação térmica levou ao descobrimento da Mecânica
Quântica15. A tentativa de gerar temperaturas cada vez mais baixas levou à descoberta da
supercondutividade16 e da superfluidez17. Efeitos de suma importância na Física de padrões
e medidas, como o efeito Hall Quântico, só podem ser observados com baixas temperaturas.
Modernos relógios atômicos (fountain clocks) usam átomos ultrafrios.
A Física Térmica se diversificou em vários ramos. A teoria das transições de fase ocupou
muitos pesquisadores e deu até interessantes contribuições para a teoria quântica de campos
(Leo P. Kadanoff e Kenneth Geddes Wilson). Sistemas fora do equilíbrio são de interesse e
15
Planck, Max. (1900). “Entropy and Temperature of Radiant Heat.” Annalen der Physik, vol. 1. no 4.
April, pg. 719-37.
16
Kamerlingh Onnes, H., "The Superconductivity of Mercury." Comm. Phys. Lab. Univ. Leiden; Nos. 122
and 124, 1911.
17
Pyotr Kapitsa , John F. Allen, and Don Misener (1937)

10
permitem concluir sobre questões como a origem da vida (Lars Onsager, Ilya Prigogine).
Outra pesquisa, que é no momento ativa, trata da possibilidade de se determinarem valores
de diferenças de potenciais como a energia livre, com ajuda de médias tomadas de muitas
experiências com processos irreversíveis (Trabalhos de Denis Evans e Christopher
Jarzynski). Neste curso de Introdução à Termodinâmica aprenderemos como tais diferenças
podem ser determinadas com processos reversíveis. Mas processos irreversíveis também
podem ser usados. Finalmente a Termodinâmica entrou também no tema da Cosmologia e
da Teoria da Gravitação (Theodore A. Jacobson, Jacob David Bekenstein).
A seguinte tabela de pesquisadores fornece uma visão desde as invenções da Grécia antiga
até os tempos modernos.
Ano de Pesquisador Contribuição para a Outras contribuições e itens
nascimento termodinâmica do currículo
e morte
-285 -222 Ktesibios Κτησίβιος Primeira máquina a Um barbeiro, que começou sua
vapor, carreira de engenheiro com a
bombas e pesquisa sobre invenção de um espelho ajustável,
ar comprimido. inventou o sifão, um órgão e até
um canhão. Construiu um relógio
hidráulico bastante preciso, .
+10 +70 Heron de Alexandria Construiu a máquina a Fez diversas invenções práticas.
vapor de Ktesibios
(Ἥρων ὁ
Ἀλεξανδρεύς)
+980 +1037 Avicenna (Abū Alī Inventou o termômetro a Pai da medicina moderna, ele
Sīnā‫) ان س لعوبا‬ gás e a destilação assim introduziu métodos experimentais
como trocadores de sistemáticos na medicina. Inventou
calor. a extração de óleos essenciais de
plantas e usou estes óleos como
medicamentos. Criou a psicanálise
e a geologia; tem contribuições
importantes na lógica e filosofia.
Na mecânica, formulou o princípio
de inércia.

1572 1633 Cornelis Jacobszoon Inventou um termostato. Construiu telescópios e


Drebbel microscópios e vários submarinos
e levou o rei James I da Inglaterra
a um passeio subaquático no rio
Tâmisa.

11
1602 1686 Otto von Construiu uma bomba de Foi Prefeito de Magdeburg, fez o
Guericke vácuo (1649), enterrou a primeiro uso do barômetro para
hipótese do “horror previsão de tempo, inventou o
vacui” com a famosa primeiro gerador eletrostático.
experiência dos
hemisférios de
Magdeburg.

1608 1647 Evangelista Torricelli Em 1643 inventou o Determinou a área de uma


barômetro de mercúrio. ciclóide, fez estudos de hidro-
dinâmica, construiu lentes,
telescópios e microscópios.
Explicou as causas do vento.

1627 1691 Robert Boyle Fez melhoramentos da Investigações de química.


bomba de v. Guericke.
Lei de Boyle PV=const.
para gases com T =const.
1623 1668 Henry Power Formulou a lei de Boyle
1629 1695 Christiaan Huygens Descobriu pressão Importantes contribuições para a
negativa em mercúrio mecânica: força centrífuga,
num estado metaestável. colisões elásticas, pêndulos.
Inventou o relógio de pêndulo.
Formulou uma teoria ondulatória
da luz, investigou birrefringência e
explicou o fenômeno com
polarização. Fez várias
descobertas astronômicas.
Escreveu o primeiro livro de
probabilidade.
1635 1703 Robert Hooke Colaborou com Boyle, Formulou a lei da inércia com a
investigou a pressão forma das trajetórias de partículas
atmosférica em livres, hipótese da gravitação que
dependência com a cai com a distância, lei de Hooke
altitude geográfica. (elasticidade), descobriu uma
estrela dupla. Contribuiu para a
biologia, criou a noção de célula.
1644 1710 Olé Christensen Inventou uma das Concluiu com medidas
Rømer primeiras escalas de astronômicas que a luz tem uma
temperatura (usada para velocidade finita.
a escala de Farenheit).

12
1647 1712 Denis Papin Inventou a panela de Construiu o primeiro navio
pressão e uma máquina a movido por uma máquina a vapor.
vapor. Colaborou com Boyle, Huygens e
G. Leibniz.

1648 1716 Gottfried Wilhelm Introduziu a “vis viva” e Foi diplomata e filósofo com
Leibniz colaborou com Papin na importantes contribuições para a
construção de uma matemática: sistema binário,
máquina a vapor. cálculo diferencial e integral (com
Newton), contribuições para
geometria.

1650 1715 Thomas Savery Patenteou uma máquina a Inventou uma máquina para
vapor que bombeava polimento. O parlamento inglês
água. estendeu a validade da patente da
máquina a vapor de Savery (Fire
Enguine Act). Isto atrapalhou os
progressos nesta área.
1663 1705 Guillaume Amontons Encontrou a lei dos gases Pesquisou sobre atrito entre
perfeitos de forma semi- sólidos.
quantitativa, construiu
termômetros, barômetros
e higrômetros e
especulou sobre um zero
absoluto de temperatura.
1664 1729 Thomas Newcomen Inventou uma máquina a
vapor muito superior à
máquina de Savery, mas,
por causa do Fire
Enguine Act, foi forçado
a colaborar com Savery.
1686 1736 Daniel Gabriel Em 1724 define uma
Fahrenheit escala de temperatura.
1700 1782 Daniel Bernoulli Primeira tentativa de uma Importantes contribuições na
teoria cinética dos gases hidrodinâmica, mecânica e
(1738) matemática. Daniel teve um
desentendimento muito sério com
o seu pai Johann Bernoulli. O pai
chegou a publicar os resultados da
hidrodinâmica de Daniel como
plágio.

13
1701 1740 Anders Investigou a dependência Astrônomo.
Celsius do ponto de fusão do gelo
e o ponto de ebulição da
água em dependência da
altitude e introduziu a
escala Celsius.

1710 1790 William Cullen Em 1756 conseguiu a Foi médico, químico e professor
primeira geração artificial querido pelos alunos.
de baixas temperaturas.
1728 1799 Joseph Black Em 1761 Black descobriu Professor de medicina, descobriu
calor latente de transições CO2 e construiu uma balança
de fase. Investigou calor analítica extremamente precisa.
específico de várias
substâncias. Influenciou
James Watt. Black foi o
primeiro de falar de
equilíbrio termodinâmico.
1732 1796 Johan Carl Wilcke Desenvolveu calorimetria, Trabalhou em eletricidade.
determinou o calor latente
da transição gelo-água.
1734 1801 John Barber Inventou uma turbina a
gás.
1736 1819 James Watt Inventou o condensador Foi engenheiro ativo, envolvido
para aumento do em inúmeras brigas por patentes
rendimento de máquinas a inclusive com os seus
vapor. empregados.

1742 1786 Carl Wilhelm Em 1777 ele distinguiu Descobriu o oxigênio (“ar de
Scheele troca de calor por radiação, fogo”) antes de J. Priestley e
por condução e por descobriu molibdênio, tungstênio,
convecção. bário e cloro. Desenvolveu um
método de produzir fósforo em
larga escala.

1743 Antoine-Laurent de Em 1782 inventou o Importantes contribuições para a


Lavoisier calorímetro de gelo. química. Participação na
elaboração do sistema métrico.
Conservação de massa.
1746 1818 Gaspard Monge Em 1784 fez a primeira Foi matemático e inventor da
liquefação de um gás (SO2) geometria descritiva.

14
1746 1823 Jacques Alexandre Investigou gases (lei de Construiu balões e dirigíveis com
César Charles Charles V~T). hidrogênio.
1749 1827 Pierre-Simon, Em 1782 inventou o Contribuiu em diversos campos:
marquis de Laplace calorímetro de gelo. mecânica celeste, teoria de
Mediu calores específicos. potencial, harmônicos esféricos,
Explicou por que o cálculo transformação de Laplaçe, teoria
da velocidade do som de de probabilidade. Laplace
Newton estava errado. respondeu à pergunta de
Investigou tensão Napoleão: “M. Laplace, on me dit
superficial. que vous avez écrit ce volumineux
ouvrage sur le système de
l’Univers sans faire une seule fois
mention de son Créateur” com
“Sire, je n’ai pas eu besoin de
cette hypothèse.”
1753 1814 Sir Benjamin Em 1798 matou a teoria Lutou no lado real na revolução
Thompson, Count calórica literalmente com americana. Reorganizou o exército
canhões e preparou o da Bavária, criou casas de
Rumford caminho para a formulação trabalho e uma sopa nutritiva para
da primeira lei. Investigou pobres. Fundou o Englischer
troca de calor por Garten em Munique. Estabeleceu
condução e convecção. um padrão para intensidade
luminosa e inventou objetos
práticos.

1755 1819 Oliver Evans Em 1805 inventou um Fez várias invenções na indústria
refrigerador. Criou uma têxtil.
máquina a vapor de alta
pressão.
1766 1844 John Dalton Formulo a lei de Dalton de
soluções de gases.
Defendeu a teoria atômica
e determinou massas
moleculares em 1803.

1766 1832 Sir John Leslie Estudou capilaridade. Em


1802 ele congelou água
com ajuda de uma bomba
de ar . Em 1804 estudou
radiação térmica.
1766 1828 William Hyde Em 1805 defende a teoria Descobriu dois elementos
Wollaston da conservação da vis viva químicos e contribuiu na pesquisa
sobre eletricidade e óptica.
1766 1849 Jacob Perkins Em 1809 registrou patente Foi engenheiro de alta
de refrigerador com criatividade. Na física contribuiu
processo de compressão de com a invenção de um medidor
vapores. piezoelétrico de pressão e medidas
da compressibilidade da água.

15
1767 1842 Peter Ewart Em 1813 publicou um Trabalhou sobre turbinas
trabalho no qual ele defendia
a idéia da conservação de
energia.
1768 1830 Jean Baptiste Joseph Introduziu os conceitos de Antes de produzir resultados
Fourier fluxo e densidade de fluxo importantes na ciência, Fourier
de calor e encontrou a lei de foi governador no Egito e
condução térmica (lei de prefeito numa cidade da França.
Fourier). Considerou o Sua maior contribuição foi a
balanço de radiação térmica análise de Fourier.
entre sol, espaço e superfície
terrestre (efeito estufa).

1770 1831 Thomas Johann Descobriu o Efeito Descobriu o amalgama de


Seebeck termoelétrico potássio, observou propriedades
magnéticas de níquel e cobalto e
descobriu atividade óptica de
soluções de açúcar.

1773 1858 Robert Brown Em 1827 descobriu o Foi o botânico que descobriu o
movimento Brauniano. núcleo celular, o movimento do
citoplasma, observou
polinização e criou a
Palinologia.

1774 1862 Jean-Baptiste Biot Criou o critério de Biot na Analisou meteoros caídos perto
avaliação de sistemas com de l’Aigle (França) em 1803.
diferenças de temperatura. Em 1804 construiu um balão
junto com Gay-Lussac e
investigou a atmosfera até a uma
altura de 6,4km
Em 1820 elaborou a lei de Biot-
Savart.

16
1776 1856 Lorenzo Romano Em 1811 formulou a Professor de física da
Amedeo Carlo hipótese de Avogadro: A universidade de Turin, foi ativo
razão de massas de gases do também em movimentos
Avogadro di mesmo V, Pe T é igual à revolucionários contra o rei da
Quaregna e di razão das massas Sardenha.
Cerreto moleculares.

1777 1859 Charles Cagniard de Em 1822 descobriu o ponto Fez pesquisas sobre acústica e
la Tour crítico de fluidos. inventou a sirene.
1778 1850 Joseph Louis Gay- Formulou a lei dos gases Em 1804 construiu um balão
Lussac perfeitos em 1802. junto com Biot e investigou a
atmosfera até a uma altura de
6,4km. Descobriu o boro e
mostrou que o iodo é um
elemento. Desenvolveu técnicas
químicas.

1784 1835 Leopoldo Nobili Em 1831 mostrou junto com


Melloni que radiação
térmica pode ser polarizada,
refletida e refratada como a
luz.
1785 1845 Jean Charles Descobriu o efeito
Athanase Peltier termoelétrico
1785 1838 Pierre Louis Dulong Estudou o calor molar de Fez importantes descobertas na
elementos metálicos e química: HNO2 , óxidos de
descobriu a lei de Dulong- fósforo, óxidos de nitrogênio,
Petit. catálise com metais.
Comparou o termômetro de
gás com termômetro de
mercúrio.

1790 1878 Robert Stirling Em 1816 criou o Foi Ministro da Igreja da


recuperador de calor e a Escócia. Construiu instrumentos
máquina de Stirling. ópticos.
1790 1868 John Herapath Deu uma primeira, ainda que
errônea, versão da teoria
cinética dos gases em 1820.
1791 1820 Alexis Thérèse Petit Descobriu a Lei de Dulong-
Petit, estimulou Carnot com
trabalhos sobre rendimento
de máquinas.

17
1791 1867 Michael Faraday Estudou difusão. Liquefez Introduziu o conceito de campo
vários gases. Investigou elétrico e magnético, linhas de
eletrólise. Em 1833 ele força, descobriu a lei de
descobriu o primeiro indução, inventou o
termistor NTC (Sulfito de transformador, gaiola de
prata). Faraday, descobriu o efeito
Faraday. Descobriu inúmeras
substâncias químicas, por
exemplo o benzeno.

17961832 Nicolas Léonard Escreveu um trabalho


Sadi Carnot fundamental sobre eficiência
de máquinas térmicas.
Introduziu o conceito de
processo reversível.

1798 1854 Macedonio Melloni Em 1831 mostrou junto com


Leopoldo Nobili que
radiação térmica pode ser
polarizada, refletida e
refratada como a luz.
1799 1864 Benoit Paul Émile Reformulou os resultados de Trabalhou sobre estática de
Clapeyron Carnot sem usar a linguagem sólidos
de “calórico”. Em 1834
encontrou uma relação entre
calor latente de transição de
fase e inclinação da curva de
vapor saturado. Formulou o
problema de Stefan
(determinação do avanço da
fronteira de congelamento).
1802 1850 Germain Henri Hess Deu em 1840 uma Contribuiu em química.
(Герман Иванович formulação química da
primeira lei da
Гесс) termodinâmica.
1803 1855 John Gorrie Inventou o ar condicionado
(para curar doentes) em
1851.
1805 1869 Thomas Graham Estudou a difusão de gases Criou a química dos colóides e
(lei de Graham; a taxa de estabeleceu as bases para as
difusão ~ 1/raiz da massa máquinas modernas de
molar). hemodiálise.
1808 1887 Felice Matteucci Inventou uma máquina de
combustão interna,
precursora do motor Otto.

18
1810 1878 Henri Victor Fez inúmeras medidas Trabalhou em química orgânica.
Regnault termodinâmicas. Descobriu Deu contribuições para a
que os gases nem sempre fotografia.
obedecem à lei dos gases
perfeitos.
1811 1883 Em 1843 ele desenvolveu
John James toda a teoria cinética dos
Waterston gases corretamente, mas foi
ridicularizado e esquecido.
1811 1896 Sir William Robert Em 1839 criou uma nova Originalmente jurista,
Grove célula eletroquímica (célula contribuiu também para a
de Grove). Em 1842 fotografia.
inventou a primeira célula de
combustível e observou a
dissociação térmica de vapor
de água. Em 1846 formulou
a conservação de energia.

1814 1878 Julius Robert von Fez a primeira determinação Explicou a produção de energia
Mayer do equivalente mecânico da térmica pelos animais com
caloria em 1842. Foi um dos sangue quente com a oxidação
pais da primeira lei da de nutrientes.
termodinâmica. Formulou a hipótese da
fotossíntese.

1815 1888 Ludwig August Contribuiu par a descoberta Investigou a compressibilidade


Colding da primeira lei da da água.
termodinâmica.
1818 1889 James Prescott Joule Em 1840 formulou a lei de
Joule, em
1843 determinou o
equivalente mecânico da
caloria. Foi um dos pais da
primeira lei da
termodinâmica.

1820 1893 John Tyndall Fez estudos importantes Fez trabalhos experimentais sobre
sobre absorção de radiação acústica. Desenvolveu um método
térmica por gases. de esterilização. Pesquisou o
Consolidou a teoria do Efeito Tyndall (espalhamento por
efeito estufa. Criou a partículas). Estudou movimentos
Termoforesis. de geleiras.

19
1820 1872 William John Macquorn Em 1849 cálculou a Trabalhou sobre ondas de choque
Rankine pressão de vapor saturado. e estática de solos. Criou a
Fez medidas de vapor. engenharia naval e estudou fatiga
Trabalhou sobre calor de materiais.
específico de vapor
saturado. Escreveu a
relação entre calor,
trabalho e variação da
energia interna. Introduziu
a escala Rankine de
temperatura.
1821 1894 Hermann Ludwig Em 1874 formulou a Deu contribuições fundamentais
Ferdinand von Helmholtz primeira lei da na acústica e oftalmologia.
termodinâmica. Trabalhou sobre
eletromagnetismo. Helmholtz
formou vários alunos famosos,
entre eles Heinrich Hertz e Max
Planck.

1821 1864 Eugenio Barsanti Inventou uma máquina de


combustão interna
precursora do motor Otto.
1821 1895 Johann Josef Loschmidt Determinou tamanhos de Trabalhou sobre
moléculas. Discutiu com eletromagnetismo, óptica e
Boltzmann o conceito de química. Ele introduziu
entropia. Estas discussões representações bidimensionais
levaram Boltzmann à para moléculas. Ele representou o
interpretação estatística da benzeno por um anel antes de
entropia. Kekulé.

1822 1888 Rudolf Julius Emanuel Em 1850 formulou a


Clausius primeira e a segunda lei da
termodinâmica claramente.
Em 1854 formulou o
teorema de Clausius. Em
1857 estendeu a teoria
cinética de Krönig e
introduziu o caminho livre
médio.
Deduziu a equação de
Clausius-Clapeyron. Em
1865 introduziu a
entropia.
1822 1879 August Karl Krönig Em 1856 publicou um
tratado sobre teoria
cinética dos gases
(provavelmente depois ter
lido John James
Waterston).

20
1823 1883 Carl Wilhelm Inventou o processo de Deu contribuições para a
Siemens Siemens-Martin engenharia elétrica e de
(recuperação de calor na telecomunicações.
fabricação de aço).
Inventou um condensador
com recuperação de calor.
Em 1857 desenvolve o
ciclo de refrigeração de
Siemens.
1824 1887 Gustav Robert Em 1859 mostrou que a Formulou as Leis de Kirchhoff de
Kirchhoff densidade de energia da circuitos elétricos.
radiação do corpo negro Espectroscopia.
depende somente da Dinâmica de um sólido dentro de
temperatura. um fluido.
Teoria da elasticidade.
Teoria de grafos.

1824 1907 William Thomson, Em 1848 define a escala Contribuiu para a engenharia em
(Lord Kelvin) termodinâmica de cabos submarinos e padrões
temperatura. Em elétricos. Estimou da idade da
1851 deu uma formulação Terra (de forma errada). Previu
alternativa da segunda lei. problemas com a física clássica.
Em 1852 encontra o efeito
Joule-Tomson.

1824 1894 Ferdinand Carré Em 1859 inventou um


sistema de refrigeração
com solução de amônia em
água.
1830 1901 François-Marie Trabalhos sobre soluções
Raoult (elevação do ponto de
ebulição, alterações da
pressão de vapor etc.)
1831 1879 James Clerk (1866) Distribuição de Elaborou a Teoria
Maxwell Maxwell-Boltzmann. eletromagnética.
Discutiu a segunda lei Contribuiu para a Fotografia a
com o “Demônio de cores e formulou uma teoria de
Maxwell”. Em 1871 controle.
formula as relações de
Maxwell.

21
1832 1913 Louis-Paul Cailletet Em 1877 liquefez O2 Fez diversas invenções: máquina
usando o efeito Joule- fotográfica automática, respirador
Thomson (Raoul-Pierre para grandes altitudes, altímetro,
Pictet usou um processo etc..
diferente)
1832 1891 Nicolaus Otto Patenteou o Ciclo de Otto
1837 1923 Johannes Diderik Criou a Equação de van Estudou forcas intermoleculares.
van der Waals der Waals

1839 1903 Josiah Willard Gibbs Nos anos 1876-1878 Formulou geometria vetorial com
escreveu o livro “On the quaternions e álgebra externa de
Equilibrium of Grassmann . Contribuiu para
Heterogeneous cristalografia. Gibbs viveu
Substances” que constituiu totalmente dedicado à ciência.
o início da físico-química.
Ele introduziu os
potenciais termodinâmicos
e a energia livre. Criou a
mecânica estatística.
Encontrou a regra de fases
de Gibbs.
1839 1917 James Mason Crafts Inventou um termômetro Inventou junto com Friedel
com hidrogênio e criou importante método de síntese
pontos fixos de orgânica baseada num catalisador
temperatura. de cloreto de alumínio.
1842 1923 James Dewar Liquefez oxigênio e outros Pesquisou física de altas
gases, gerou hidrogênio temperaturas e arcos voltaicos.
sólido, mediu calores
específicos e
condutividades a baixas
temperaturas. Inventou o
recipiente Dewar (garrafa
térmica).
1842 1934 Carl Paul Gottfried Desenvolveu várias
von Linde técnicas de gerar baixas
temperaturas e liquefazer
ar e separar O2 e N2 por
destilação.

22
1844 1906 Ludwig Eduard Trabalhou sobre a teoria Fundou a Sociedade Austríaca de
Boltzmann cinética dos gases. Matemática. Boltzmann sofreu de
Formulou a distribuição de distúrbio bipolar e se suicidou
Maxwell-Boltzmann, a numa fase de depressão.
Equação de Boltzmann e o
teorema H. Deu uma
interpretação estatística da
entropia.

1845 1913 Gustaf de Laval Em 1882 inventou uma Fez diversas invenções:
turbina de vapor que usa engrenagens de alta rotação,
momento linear de um jato separador de óleo e água por
de vapor. Em 1890 ele centrifugação, separador de nata
desenvolveu o bocal de de leite por centrifugação.
Laval que permite gerar Construiu a primeira máquina de
jatos supersônicos. ordenha e fundou uma fábrica de
lacticínios.
1845 1888 Zygmunt Florenty Em 1883 desenvolveu Wróblewski morreu em
Wróblewski nova técnica de liquefazer consequência de um acidente no
ar. laboratório.
Em 1885 mediu os dados
do ponto crítico de H2.
1846 1929 Raoul-Pierre Pictet Em 1877 liquefez O2.
Desenvolveu técnicas para
geração de baixas
temperaturas.
1850 1936 Henri Louis Le Formulou o princípio de Exerceu atividades industriais.
Chatelier Chatelier - Braun.
1850 1918 Karl Ferdinand Formulou o princípio de Em 1874 descobriu que um
Braun Chatelier - Braun que contato de ponto retifica corrente
descreve como constantes alternada. Em 1897 construiu um
de equilíbrio químico tubo de raios catódicos e inventou
dependem de temperatura o osciloscópio. Em 1998 inventou
e pressão. o diodo de cristal. Ele contribuiu
com patentes para
telecomunicação.
1852 1911 Jacobus Henricus Aplicou termodinâmica no Trabalhos sobre atividade óptica e
van ‚t Hoff equilíbrio químico. Em esterio-química.
1886 mostrou analogia
entre soluções diluídas e
mistura de gases ideais.
Encontrou a fórmula da
pressão osmótica . Fez
trabalhos sobre dissociação
e teoria de Arrhenius.

23
1853 1932 Friedrich Wilhelm Formulou a lei de diluição Inventou um processo de
Ostwald de Ostwald fabricação de ácido nítrico. Ele
introduziu a palavra “mol” na
química. Pintor, defendeu uma
língua internacional. Promoveu
eugenia e eutanásia.
1853 1926 Em 1901 criou a expansão
Heike Kamerlingh virial
Onnes Em 1908 liquefez hélio.
Em 1911 descobriu a
supercondutividade.
1853 1923 Inventou termômetro Trabalhos em química. Rearranjo
Ernst Otto diferencial e determinou de Beckmann.
Beckmann massas molares medindo
temperaturas de ebulição e
congelamento de soluções.
1856 1920 Equação de Duhem- Contribuições importantes para a
Max Margules Margules. meteorologia. Margules recebeu
um premio científico, aceitou a
honra, mas recusou a
remuneração, morreu de fome.
1858 1947 Trabalho experimental Na vida pessoal Planck foi repleto
Max Planck sobre difusão de H2 em Pt. de sofrimentos: sua primeira
Trabalhos teóricos sobe mulher morreu de tuberculose,
termodinâmica parecidos Planck perdeu um filho na
mas independentes com primeira guerra mundial, outro foi
trabalhos de Gibbs. A executado pelos Nazistas e ele
aplicação da perdeu duas filhas nos partos das
termodinâmica à radiação netas.
levou Plack à descoberta
que é considerada o
nascimento da teoria
quântica.
1858 1913 Motor Diesel Empresário com fortes interesses
Rudolf Christian sociais.
Karl Diesel
1859 1906 Descobriu a equação Contribuições importantes na
Pierre térmica de estado de cristalografia, trabalhos sobre
Curie substâncias magnetismo e piezoeletricidade.
paramagnéticas. Ele introduziu a teoria de grupos
na física e criou o conceito de
speudovetor. Trabalhou junto
com Marie Curie sobre
radioatividade. Pierre morreu
atropelado por uma carroça.

24
1859 1927 Svante August Hipótese da dissociação de
Arrhenius íons de um sal na água.
Equação de arrhenius que
relaciona taxas de reação
com energias de ativação.
Criou um conceito de
ácido.

1861 1916 Equação de Gibbs-Duhem, Filosofia da Ciência (holismo),


Pierre Maurice equação de Duhem- História da Ciência, destacando as
Marie Duhem Margules contribuições dos escolásticos
medievais.
1864 1941 (1905) Terceira lei da Desenvolveu um piano elétrico.
Walther Nernst termodinâmica. Trabalhou também em astrofísica.
Equação de Nernst que
relaciona a força
eletromotriz de uma célula
eletroquímica com as
atividades das espécies.

1865 1940 Descobriu a equação Pesquisas sobre propriedades


Pierre-Ernest térmica de estado de magnéticas da matéria. Descobriu
Weiss substâncias os domínios magnéticos em
paramagnéticas. materiais ferromagnéticos.
1870 1942 Verificou as previsões 1895 ele mostrou que os raios
Jean Baptiste teóricas de Einstein sobre catódicos são constituídos de
Perrin movimento Brauniano partículas elétricas negativas.
experimentalmente e Explicou a geração de energia no
sustentou a hipótese da sol com reação nuclear do
existência dos átomos. hidrogênio.
Calculou o número de
Avogadro de várias
maneiras.

1872 1917 Marian Desenvolveu uma teoria do Smoluchowski era Professor de


Smoluchowski movimento Brauniano, Física Experimental, uma pessoa
uma equação de diffusão e radiante de alegria e bondade.
uma equação que descreve Fora dos interesses profissionais
coagulação. Suas ele se dedicava ao alpinismo, a
contribuições continuam a pintura e ao piano.
linha de trabalho de
Boltzmann e deram
impulsos para a teoria dos
processos estocásticos.

25
1873 1950 Constantin 1909 Formulação Engenharia na barragem de Assiut
Carathéodory axiomática da (Egito). Escreveu um livro sobre o
termodinâmica. Egito. Contribuições para a
(Κωνσταντίνος matemática: medidas exteriores,
Καραθεοδωρή) prime endes (método de
compactar discos topológicos),
Conjetura de Carathéodory (cada
superfície convexa fechada tem
pelo menos dois pontos com
vizinhança localmente
esférica).Contribuições par a
teoria da relatividade geral (em
cartas para Einstein)
Carathéodory falava grego,
francês, alemão, inglês, italiano,
turco e línguas antigas.
1876 1956 Willem Hendrik Em 1926 congelou hélio
Keesom líquido. Em 1930
descobriu o ponto λ do
calor específico da
transição He I –HeII.
1879 1955 Albert Einstein 1905 Trabalho sobre Relatividade especial e geral,
movimento Brauniano, cálculo sobre o avanço de periélio
teorema de flutuação e de mercúrio, cosmologia, desvio
dissipação. Explicação gravitacional de luz, interpretação
quântica do calor do efeito fotoelétrico, discussões
específico de sólidos, críticas da mecânica quântica.
teoria quântica de gás Efeito Einstein-de Haas.
monoatômicos:
condensação de Bose –
Einstein. Explicação da
opalescência crítica.
1880 Paul Ehrenfest Modelo de Ehrenfest que Trabalhos sobre Mecânica
ilustra o significado Quântica.
estatístico da segunda lei
da termodinâmica.
Classificação das
transições de fase.
1882 1961 Percy Williams Termodinâmica de alta Estudos do método científico.
Bridgman pressão. Criou a noção de definição
operacional.
1882 -1974 Fritz Walther Em 1933 descobriu o
Meißner efeito Meißner-Ochsenfeld
(expulsão de campo
magnético de um
supercondutor).
1885 1965 Max Volmer Teoria da nucleação com Trabalhos na eletroquímica:
A. Weber (Z.Physik. equação de Butler-Volmer.
Chem. 119 p. 289 1926)
1887 1970 John Bertrand Em 1928 descobriu ruído Construiu o primeiro transistor
“Bert” Johnson térmico em resistores. efeito campo.
(Ruído de Johnson-
Nyquist)

26
1887 1955 Richard Becker Teoria de nucleação com Becker se formou e doutorou
W. Doering (Ann.Physik como Zoólogo e trabalhou como
24 p.719 1935) Físico Teórico. O livro Theorie
Autor de um dos melhores der Elektrizität de Becker e
livros de termodinâmica. Sauter é sem dúvida o melhor
livro do eletromagnetismo escrito
até hoje.
1888 1957 Wilhelm Lenz Deu um problema ao seu Lenz criou um centro
estudante de Doutorado internacional de física nuclear em
Ernst Ising que ocupa Hamburgo. E. Ising, J.H.D.
pesquisadores na área de Jensen, W.Pauli, A. Unsöld e O.
mecânica estatística até Stern trabalharam neste centro.
hoje.
1889 1944 Sir Ralph Howard Formulou a lei zero da Explicou a emissão de elétrons
Fowler termodinâmica e aplicou por campo. Fowler apresentou a
termodinâmica e mecânica mecânica quântica a P. Dirac. Ele
estatística em astrofísica. orientou 64 teses de
doutoramento.
1889 1976 Harry Nyquist Teoria do ruído de Teoria de amplificadores com
Johnson-Nyquist retro-alimentação. Critério de
estabilidade de Nyquist. Relação
de densidade de dados e largura
de banda (Sampling Theorem).
Desenvolviento de sistemas FAX.
1893 1956 Meghnad Saha Lei zero da termodinâmica. Foi quinto filho de uma família
(Bangla: ) Aplicou termodinâmica e pobre em Bangladesh que estudou
mecânica estatística em contra a vontade do pai e se
astrofísica. tornou um dos astrofísicos mais
importantes do século 20.
1894 1984 Pyotr Leonidovich Desenvolveu métodos de
Kapitsa (Пётр gerar hélio líquido e
descobriu superfluidez em
Леони6дович 4
He (1937).
Капи6ца)
1895 1982 William Francis Para investigar a terceira
Giauque lei da termodinâmica ele
inventou refrigeração por
desmagnetização e gerou T
< 1K.
1897 1989 Carl Georg Em 1922 inventou junto Construiu desumidificadores de
Munters com B. von Platen um ar.
sistema de refrigeração
com três fluidos que é
movido a calor sem partes
móveis.
1898 1984 Baltzar von Platen Em 1922 inventou junto
com C. Munters um
sistema de refrigeração
com três fluidos que é
movido à calor sem partes
móveis.

27
1898 1964 Em 1926 inventou junto Físico nuclear, inventou reação
Leó Szilárd com A. Einstein um nuclear em cadeia. Participou
sistema de refrigeração decisivamente no projeto
parecido com o sistema de Manhattam.
Munters e von Platen.
1898 1984 Desenvolveu máquina para
Samuel Cornette produção de He líquido em
Collins grandes quantidades.
1901 1993 Em 1933 descobriu o
Robert Ochsenfeld efeito Meißner-Ochsenfeld
(expulsão de campo
magnético de um
supercondutor).
1902 1988 Criou o Motor Wankel nos Membro convicto da ala esquerda
Felix Heinrich anos 50. da NSDAP.
Wankel
1903 1976 Em 1944 solveu o modelo
Lars Onsager Ising em duas dimensões
sem campo. Teoria da
superfluidez (1949),
relações de reciprocidade
de Onsager. Teoria da
condutividade iônica.
1904 1983 Cálculo de coeficiente da
Joseph Edward expansão virial.
Mayer
1907 -1970 Elaborou (junto com seu
Heinz London irmão Fritz) as equações
de London que descrevem
o efeito Meißner-
Ochsenfeld. Inventou a
refrigeração de diluição
3
He-4He.
1908 1968 Teoria de Ginzburg– Trabalhos sobre magnetismo.
Lev Davidovich Landau da Trabalhos em teoria quântica de
Landau ( Ле6в supercondutividade campos. Landau formou uma
Дави6дович (1950), teoria de transições famosa escola de física teórica no
Ланда6у) de fase de sugunda ordem, Kharkiv Polytechnical Institute.
teoria da superfluidez.
1908 2001 Descobriu superfluidez
John Frank Allen junto com Don Misener e
Pyotr Kapitsa em 4He em
1937.
1908 1991 John Bardeen 1957 Teoria BCS da Invenção do transistor com
supercondutividade William Shockley e Walter
Brattain.

28
1912 1997 Edward Mills Realizou temperaturas Desenvolvou a técnica de
Purcell absolutas negativas. ressonância magnética. Contribuiu
Purcell e R.V. Pound: para a radio- astronomia. Autor de
Phys. Rev. 81 p. 279 livro texto de eletromagnetismo.
(1951) Questionou com Ramsey a
simetria PC dos partículas
elementares e apresentou o
“teorema vieira” (Scallop-
theorem) numa palestra famosa
("Life at Low Reynolds
Number").
1913 1966 Isaak Yakovlevich Sugeriu um método de Efeito Landau–Pomeranchuk–
Pomeranchuk resfriamento baseado no Migdal (redução da
fato que o calor latente da Bremsstrahlung para altas energias
transição líquido sólido do ou altas densidades)
3
He é negativo. (efeito
Pomeranchuk)
1915 1995 George Stanley Pesquisou fenômenos
Rushbrooke críticos e formulou uma
desigualdade de expoentes
críticos que leva o seu
nome.
1915 2007 David Turnbull Estudos de nucleação com Ciências de materiais
J. C .Fisher J Chem. Phys.
17 71 1949
1915 Norman Foster Temperaturas absolutas Contribuições importantes para
Ramsey, Jr. negativas. relógios atômicos.
1916 2009 Vitaly Lazarevich Teoria de Ginzburg– Ondas eletromagnéticas em
Ginzburg ( Landau da plasmas, pesquisas sobre a origem
supercondutividade da radiação cósmica de fundo.
Вита6лий (1950). Luta política conte o anti-
Ла6заревич semitismo.
Ги6нзбург)
1917 2003 Ilya Prigogine Trabalhos sobre
termodinâmica fora do
(Илья6 Рома6нович
equilíbrio e estruturas
Приго6жин) dissipatiavas.
1918 1988 Richard Phillips Trabalhos teóricos sobre Eletrodinâmica quântica, gráficos
Feynman superfluidez. de Feynman, formulação de
integrais de caminho da teoria
quântica.
1919 2010 Robert Vivian Realizou temperaturas Desenvolveu a técnica de
Pound absolutas negativas. ressonância magnética. Mostrou
Purcell e R.V. Pound: efeito Doppler gravitacional
Phys. Ver. 81 p. 279 usando o efeito Mösbauer
(1951) (experiência de Pound e Rebka)
1920 1995 Ryogo Kubo ( 1950 relações de Green– Autor de famosos livros de
Kubo, que permitem mecânica estatística.
久保 亮五 Kubo calcular coeficientes
Ryōgo) lineares de transporte a
partir da autocorrelação
das correntes.

29
1921 1999 Arthur Leonard Em 1975 propôs junto Espectroscopia a laser, trabalhos
Schawlow Theodor Wolfgang Hänsch sobre supercondutividade e
o método do resfriamento ressonância magnética. Ele
por efeito Doppler para advogou o método de “Facilitated
obter temperaturas na communication” para tratamento
ordem de 0,15 mK. de autismo.

1922 Hans Georg Em 1975 propôs junto com Desenvolveu com Wolfgang Paul
Dehmelt David J. Wineland o armadilhas de íons.
método do resfriamento
por efeito Doppler para
obter temperaturas na
ordem de 0,15 mK.
1927 John Werner Cahn Termodinâmica da
separação de fases.
Elaborou junto com John
E. Hilliard a equação de
Cahn-Hilliard que descreve
a dinâmica de separação de
fases.

1927 Karl Alexander Em 1986 descobriu


Müller supercondutividade num
óxido de lanthanum-
barium-cobre com TC de
35 K
? Benjamin Widom Estudou tensão superficial
e formulou uma hipótese
de escalonamento para
descrever fenômenos
críticos.
1930 Leon N Cooper 1957 Teoria BCS da
supercondutividade
1931 John Robert 1957 Teoria BCS da
Schrieffer supercondutividade
1931 David Morris Lee Em 1972 descobriu
superfluidez em 3He

30
1933 Claude Cohen- Desenvolveu métodos de Pesquisas em óptica quântica.
Tannoudji resfriamento de átomos Criou o conceito de átomo
com laser. vestido.

1936 Kenneth Geddes Tratamento de transições Tratamento do efeito Kondo.


Wilson de fase de segunda ordem
com grupo de
renormalização.
1937 Robert B. Griffiths Formulou uma Trabalhou sobre fundamentos da
desigualdade para Mecânica Quântica.
expoentes críticos.
1937 Leo P. Kadanoff Usou leis de escala para
descrever fenômenos
críticos.
1937 Robert Coleman 1972 descobriu Usou ressonância magnética para
Richardson superfluidez em 3He. estudar materiais em baixa
temperatura.
1941 Paul Chu (Ching- Em 1987 descobriu
supercondutividade com
Wu Chu; 朱經武) temperatura crítida de 77
K em YBCO.
1941 Theodor Wolfgang Em 1975 propôs junto com Desenvolveu espectroscopia de
Hänsch Arthur Leonard Schawlow altíssima resolução e inventou o
o método do resfriamento pente de freqüência que permite
por efeito Doppler para comparar frequências ópticas com
obter temperaturas na frequências de relógios atômicos.
ordem de 0,15 mK.

1944 David J. Wineland Em 1978 realizou primeiro Usou armadilhas de Paul na


resfriamento com o efeito computação quântica.
Doppler (com Drullinger e
Walls).

1945 Douglas Dean 1972 descobriu


Osheroff superfluidez em 3He.

31
1947 Jacob David Termodinâmica de buracos Trabalhos em cosmologia.
Bekenstein (‫בקעי‬ negros.
‫ייטשנקב‬O)

1948 Steven Chu Desenvolveu métodos de Trabalhos sobre aprisionamento


resfriamento a laser e de átomos em armadilhas
estudou transições de fase magneto-ópticas. Trabalhos de
em macromoléculas. biologia ao nível molecular.
Defensor de energias renováveis.
Atual secretário de energia dos
Estados Unidos da América.

Erich Meyer Teoria da nucleação


adiabática com Vitorvani
Soares e Elon M. De Sá
1948 William Daniel Desenvolveu métodos de
Phillips resfriamento a laser.
1950 Johannes Georg Em 1986 descobriu
Bednorz supercondutividade num
óxido de lanthanum barium
cobre copper com TC de 35
K
1951 Denis Evans Trabalhos sobre
termodinâmica fora do
equilíbrio. Teorema de
flutuação.
1954 Theodore A. (Ted) Combinou a relatividade
Jacobson geral com termodinâmica.
1965 Christopher Em 1997 encontrou a
Jarzynski equação de Jarzynski que
permite determinar
diferenças de energia livre
com médias tomadas em
processos não reversíveis.
1957 Wolfgang Ketterle Em 1995 mostrou Realizou um “atom laser”.
condensação de Bose-
Einstein. Gerou
temperaturas de
4,5 ×10−10 K .

32
2. Ferramentas matemáticas da termodinâmica

Na termodinâmica trabalharemos frequentemente com diferenciais de funções de estado,


como, por exemplo, a diferencial da energia interna dU ou a diferencial da temperatura
dT . Além disso, usaremos também uma generalização do conceito de diferencial que é
chamado forma diferencial. Para se aprender termodinâmica será extremamente útil
entender estes conceitos matemáticos claramente. Portanto investiremos algum tempo para
aprendermos conceitos básicos e simples de geometria diferencial. Usaremos
frequentemente o gás ideal com sua equação de estado PV = N RT como exemplo, mesmo
não tendo ainda introduzido o conceito de temperatura.

2.1) Coordenadas
Primeiramente podemos notar que o espaço de estados de equilíbrio de um sistema
termodinâmico não possui a geometria euclidiana do espaço comum nem nada parecido.
Por exemplo, não existe uma noção de ortogonalidade para vetores neste espaço. Mas
podemos, como no espaço comum, descrever os pontos com coordenadas x1 , x2 , x3 , .... xn .
Um sistema de n coordenadas num espaço é um conjunto de n funções x1 , x2 , x3 , .... xn que
mapeiam uma região do dito espaço nos números reais1 de tal forma que uma n-upla de
valores a1 , a2 , ...., an define um ponto P na dita região de forma única pelas equações
a1 = x1 ( P ) , a2 = x2 ( P ) , ......., an = xn ( P ) .2 No caso de um gás simples com um número
de mols N fixo n seria 2 e poderíamos usar como coordenadas, por exemplo, x1 = P e
x2 = T . Frequentemente queremos mudar o sistema de coordenadas. No exemplo do gás
poderíamos usar T e V ou V e P no lugar de P e T . Podemos então escrever as novas
coordenadas ~ x k como funções das antigas coordenadas xɶk = xɶk ( x1 , x2 ,..., xn ) . No exemplo
do gás ideal, teríamos com xɶ1 = V e xɶ2 = T a lei de transformação de coordenadas
xɶ1 = NRx2 / x1 e xɶ2 = x2 . Vamos limitar a classe de coordenadas permissíveis de tal forma
que uma mudança de coordenadas sempre resulte em funções diferenciáveis ;
xɶk = xɶk ( x1 , x2 ,..., xn ) diferenciáveis. Também temos que exigir que a transformação possa
ser invertida. Isto significa que as coordenadas antigas podem ser escritas como funções das
novas: xk = xk ( ~x1 , ~ xn ) . Consequentemente podemos concluir que a matriz jacobiana
x2 ,..., ~
tem inversa:

 ∂xɶ 
det  k
 ∂x  ≠ 0 (2.1.1)
 j 

1
Podemos também usar valores dimensionais, ou seja, os valores das coordeadas podem ter unidade.
2
Podem existir n-uplas sem ponto correspondente no espaço, pois os mapeamentos xk não precisam ser
sobrejetivos.

33
Ocasionalmente podemos ter um sistema de coordenadas que não é bem definido em todo o
espaço de estados. Por exemplo, sabemos que a densidade da água possui um máximo
numa temperatura de 4 o C (a uma pressão de uma atmosfera). Podemos então concluir que
existem estados com uma pressão de uma atmosfera e temperaturas ligeiramente acima e
abaixo de 4 o C que resultam no mesmo volume V. Desta forma existe uma região do
espaço de estados da água onde o sistema de coordenadas (P, V) não funciona, já que dois
estados diferentes resultam nos mesmos valores de P e V. Este tipo de falha de um sistema
de coordenadas não é grave. Simplesmente temos que usar outro sistema de coordenadas
para a região com problemas. Podemos imaginar que cobrimos o espaço com vários
sistemas de coordenadas, como as cartas de um atlas cobrem todo o globo terrestre. O tipo
de espaço que acabamos de descrever chama-se variedade diferenciável.

Freqüentemente usamos funções de estado. Uma função de estado U tem um valor que
depende do estado E. Deveríamos então escrever U ( E ) . Mas esta notação não é empregada
na prática; usando um sistema de coordenadas x1 , .....xn podemos descrever o estado E
pelos valores das coordenadas e escrever U ( x1 ,...., xn ) no lugar de U ( E ) . O problema com
esta notação aparece quando mudarmos de coordenadas. Descrevendo o mesmo ponto E por
coordenadas xɶ1 , .....xɶn , a mesma função de estado U ( E ) resulta agora numa outra função
numérica U ( ~ x ) . Por exemplo, a energia interna de um mol de um gás ideal
~
x ,...., ~
1 n
3
monoatômico nas coordenadas T e V é U ( T ,V ) = RT , mas nas coordenadas P e V
2
3
obtemos outra função Uɶ ( P,V ) = PV . No entanto, em todos os textos de termodinâmica
2
~
é costume escrever novamente o símbolo U e não U . Isto significa que estamos no fundo
escrevendo U ( E ) . No nosso curso adotaremos este costume também. Então quando se vê
uma função U ( T ,V ) não podemos interpretá-la como função dos valores T e V, mas
temos que interpretá-la como U no ponto E que tem os valores de coordenadas T e V.
Esta notação é prática, mas ela tem um inconveniente: nas derivadas parciais de uma função
de estado, temos que anotar qual é o sistema de coordenadas usado, pois (como veremos
logo em seguida) um ∂ / ∂T num sistema de coordenadas T e V tem outro significado que
um ∂ / ∂T num sistema de coordenadas T e P.

Variando o valor de uma determinada coordenada xm (m = fixo) e mantendo os valores de


todas as outras coordenadas xk (k ≠ m) constantes, percorremos no espaço uma curva
chamada de linha de coordenada m.

34
x2

x1

Fig. 2.1 Linhas de coordenadas

Veremos o que acontece com as linhas de coordenadas numa mudança de coordenadas:


suponha que a figura 2.2 mostre as linhas das coordenadas x1 , x2 num espaço
bidimensional.

x2

x1

Fig. 2.2

Agora vamos introduzir as novas coordenadas

xɶ1 = x1

1
xɶ2 = ( x1 + x2 )
2

Como são as linhas destas novas coordenadas? Poder-se-ia pensar que as linhas da
coordenada 1 ficam inalteradas já que a coordenada 1 não muda. Mas isto não é o caso! As
linhas da coordenada 1 no novo sistema de coordenadas são determinadas pelas equações
xɶ2 = const. . Isto significa

35
1
const. = ( x1 + x2 )
2

Fig. 2.3 Linhas das novas coordenadas x2

Estas equações determinam linhas inclinadas. Por


outro lado as linhas da coordenada 2 são determinadas
pelas equações xɶ1 = const. que são idênticas as
equações x1 = const. e, portanto as linhas da
coordenada 2 não mudarão. O novo sistema de
coordenadas tem então o seguinte aspecto: -

Esta observação simples sobre o comportamento das


x 1
linhas de coordenadas tem consequências
importantes: a derivada parcial de uma função F com respeito à coordenada x1 = xɶ2
depende de quem é a coordenada 2. A derivada parcial de uma função F com respeito à
coordenada x1 mede a taxa de variação de F quando andarmos na direção da linha de
coordenada 1. Como vimos, a direção desta linha de coordenada 1 depende também das
outras coordenadas xk , ( k ≠ 1) . Consequentemente, a derivada parcial com respeito à x1
vai depender da escolha das outras coordenadas também. Veremos um exemplo: a função

 x +x 
F ( xɶ1 , xɶ2 ) = xɶ1 exp {axɶ2 } = x1 exp a 1 2 
 2 

tem as derivadas parciais

 ∂F 
  = exp {axɶ2 }
 ∂xɶ1  xɶ2

 ∂F  a
  = exp {axɶ2 } + x1 exp {axɶ2 }
 ∂x1  x2 2

 ∂F   ∂F   ∂F 
Então as derivadas parciais   e   =  diferem pelo termo adicional
 ∂x1  x2  ∂x1  xɶ2  ∂xɶ1  xɶ2
a
x1 exp {axɶ2 } .
2

Se escrevermos, por exemplo, na eletrostática a componente x do campo elétrico como o


∂φ
negativo da derivada parcial do potencial elétrico E x = − , é mais ou menos óbvio que
∂x
 ∂φ 
as outras coordenadas do sistema usado são y e z. Por isso ninguém escreve   . Mas
 ∂x  y ,z

36
na termodinâmica não é a priori claro quais as coordenadas empregadas. Portanto na
termodinâmica é indispensável anotar sempre nas derivadas parciais quais as grandezas que
∂F  ∂F 
se mantêm constantes. Por exemplo, não é bem definida; poder-se-ia tratar de  
∂T  ∂T V
 ∂F 
ou de   e estas grandezas são diferentes.
 ∂T  p

2.2) Vetores
No espaço comum podemos definir vetores como pares ordenados de pontos sendo que um

par ( A, B) representa o mesmo vetor ( A, B ) que um par ( A′, B′) que difere do ( A, B)
apenas por um transporte paralelo.

Fig. 2.4 Identificação de vetores.

Esta identificação de pares que diferem


por um transporte paralelo é
importante para poder somar vetores.
Se queremos, por exemplo, somar os
vetores a e b da figura 2.5a temos
que transportar o vetor a até a ponta
do vetor b para formar o vetor
resultante c = a + b .

Mas infelizmente no espaço dos estados da termodinâmica a noção de transporte paralelo


não é definida. Poderíamos tentar usar as coordenadas para definir o transporte paralelo: por
exemplo, com a seguinte tentativa:

37
 → → 
( A, B ) = ( A′, B′ )  ⇔ {( x ) − ( x ) = ( x ) − ( x )
k A k B k A′ k B′
para k = 1,..., n} (2.2.1)
 

onde ( xk ) A , ( xk ) B , ( xk ) A′ , ( xk ) B′ são as coordenadas dos pontos A, B, A' , B' . Mas


infelizmente esta definição mudaria seu sentido cada vez que mudássemos o sistema de
coordenadas. A afirmação (2.2.1) ficaria invariante apenas sob mudanças de coordenadas
do tipo inhomogêneo linear:
n
xɶk = ck + ∑ M k j x j (2.2.2)
j =1

com constantes ck e M k j sendo M k j uma matriz que possui inversa. Para transformações
não lineares (como por exemplo V , P → V , T ), a afirmação (2.2.1) muda de significado.

A invariância de (2.2.1) sob transformações do tipo inhomogêneo linear (2.2.2) sugere, no


entanto, uma bela saída da dificuldade de definir vetores: se limitarmos os pontos A, B, A',
B' a uma vizinhança infinitesimal de um ponto N , toda transformação diferenciável de
coordenadas tem a forma (2.2.2). Veremos o que isto significa: sejam N k e Nɶ k as
coordenadas do ponto N no sistema antigo ( xk ) e novo ( xɶk ) respectivamente. Para
quaisquer números fixos a1 , a2 , a3 , ...an e para ε ∈ ℝ (variável) temos um ponto A ( ε )
cujas coordenadas no sistema antigo ( xk ) são

Ak = N k + εak (2.2.3)
Este mesmo ponto A teria no sistema novo ( xɶk ) as coordenadas

n  
∂xɶ
Aɶ k = Nɶ k + ∑  k  ⋅ ε a j + ∆k (ε) (2.2.4)3
j =1  ∂x j 
 N  x¬j

onde o termo de erro ∆ k ( ε ) vai para 0 mais rapidamente que o termo linear em ε quando
ε → 0 . Isto é,

∆k (ε )
→0 para ε→0 (2.2.5)
ε

Costumamos expressar o fato de que

3
O índice x¬j significa que os xm com m ≠ j são mantidos constantes.

38
   ∂xɶ  
ɶ  ɶ n

lim ε  A −−1
N + ∑  k  ⋅ ε a j  = 0
  ∂x j   
k k
ε→0  j =1
 N  x¬j
  

de maneira mais simples dizendo: para ε infinitesimal vale a equação

n  
∂xɶ
Aɶ k = Nɶ k + ∑  k  ⋅εaj (2.2.6)
j =1  ∂x j 
 N  x¬j

 ∂xɶ  n
Repare agora que com xk = N k + εak e Mk j =  k
 ∂x  e com ck = Nɶ k − ∑ M k j N j a
 N  x¬j j =1

equação (2.2.6) tem exatamente a forma da equação (2.2.2). O que expressamos aqui com
fórmulas é no fundo uma observação bem intuitiva: numa vizinhança suficientemente
pequena de um ponto fixo N , qualquer sistema de coordenadas é aproximadamente
retilíneo em relação a qualquer outro sistema de coordenadas (compare a figura 2.6).
x1 Fig. 2.6 Dois pares de pontos numa pequena
visinhança de um ponto N. O julgamento se
x2
estes pares definem o mesmo vetor, ou não,
difere apenas por erros de ordem superior do
tamanho da vizinhança, quando se julga com
x2 B os dois sistemas de coordenadas.
x1
A Com pares ordenados de pontos numa
B vizinhança infinitesimal de um ponto
N fixo N podemos então definir vetores
A da forma usual usando o critério
(2.2.1) para decidir se dois pares
definem o mesmo vetor. A única diferença entre a construção de vetores no nosso espaço
comum e nos espaços da termodinâmica é que podemos associar ao espaço Euclidiano um
único espaço vetorial, enquanto no espaço da termodinâmica temos um espaço vetorial
diferente para cada ponto N . Este espaço é chamado espaço tangente no ponto N. 4 Dentro
do espaço tangente N de um ponto N podemos somar vetores como em qualquer espaço
vetorial, mas não podemos somar um vetor do espaço tangente N do ponto N com um
vetor no espaço tangente M de um outro ponto M.

Como em qualquer espaço vetorial, os vetores nos espaços tangentes são caraterizáveis pela
sua direção, sua orientação e seu tamanho (não usaremos a palavra módulo porque o

4
Os matemáticos definem os espaços tangentes sem o uso de parâmetros infinitesimais. Usamos aqui uma
definição com vetores infinitesimais que é intuitiva e é mais próxima dos procedimentos em todos os livros
texto sobre termodinâmica. Os matemáticos definem os vetores como classes de equivalência de curvas
diferenciáveis. Isto é mais prático para demonstrações matemáticas.

39
módulo de um vetor requer uma definição adicional5). Veremos um exemplo: um gás ideal
encontra-se num estado com coordenadas P e T. A partir deste ponto submetemos o gás a
um processo isocórico (volume=const.) que leva o sistema a um estado infinitesimalmente
próximo. Este processo descreve um vetor no espaço tangente do ponto com pressão P e
temperatura T . A direção deste vetor é caracterizada pela condição V = const . . Podemos
descrever a orientação e o tamanho pela variação de algum outro parâmetro que se altera no
processo. Por exemplo, podemos dizer que a temperatura muda de T para o novo valor
T + ε . Vamos escrever este vetor da seguinte forma:

tamanho e orientação \ direção = δT = ε \ V (2.2.7)


Dizendo em palavras, este vetor descreve um processo infinitesimal que mantém V
constante e altera T pelo valor ε . Poderíamos escrever o mesmo vetor na forma
δP = η \ V com η = NR ε / V .

Vamos escolher agora um sistema fixo de coordenadas. Por exemplo P e T . Em relação a


este sistema de coordenadas, podemos definir os vetores δP = κ \ T e δT = ε \ P . As
direções destes vetores são determinadas pela escolha do sistema de coordenadas. As
orientações e os tamanhos ainda dependem da escolha dos parâmetros infinitesimais ε e
κ . Para fixar estes também podemos normalizar estes vetores da seguinte forma, definindo
vetores

1 1
e1 = δP = κ \ T e e2 = δT = ε \ P (2.2.8)
κ ε

Note, no entanto, que dividindo por grandezas infinitesimais obtemos vetores tão grandes
que eles não terão mais a interpretação de pares de pontos numa vizinhança infinitesimal do
ponto P, T . Os vetores e1 e e2 são objetos um tanto formais, mas eles servem
formalmente como vetores básicos. Podemos escrever os vetores que possuem uma
interpretação como pares ordenados de pontos na vizinhança infinitesimal do ponto ( P, T )
como combinações lineares de e1 e e2 . a = δP e1 + δT e2 . Por exemplo, podemos escrever
NR
o vetor (2.2.7) na forma δT = ε \ V = ε e1 + ε e2 .
V

5
O módulo permite comparar tamanhos de vetores que apontam para diferentes direções. Na termodinâmica,
podemos comparar somente tamanhos de vetores que apontam na mesma direção.

40
2.3) O espaço dual
Seja um espaço vetorial. Dentro de temos os vetores que costumamos representar
por setas. Agora podemos definir dentro de ainda
outros objetos geométricos que chamaremos de vetores
duais. Um vetor dual Q é dado por um (hiper) plano
em que não contem o vetor zero. Um hiperplano
Q num caso de um espaço bidimensional seria uma reta,
num caso de um espaço tridimensional seria um plano
0 comum e num espaço de n dimensões seria de n-1
dimensões. A figura 2.7 mostra um vetor dual para um
espaço bidimensional. A cruz representa o vetor
zero.

Fig. 2.7 Vetor dual num espaço bidimensional. Os vetores comuns são setas que partem da cruz (vetor
zero). Q é a coleção de vetores comuns cujas pontas estão em cima de uma reta (hiperplano em duas
dimensões).

Podemos definir a soma de vetores duais da seguinte forma: sejam Q e W vetores


duais6. Para somá-los, construímos o plano Q que é paralelo ao plano Q e que contém o
vetor zero e construímos o plano W que é paralelo ao plano W e que contém o vetor
zero. O vetor dual Z = Q + W é o plano que passa pela intersecção de Q com W e pela
intersecção de W com Q .

Q
Fig. 2.8 Soma de
vetores duais.

W W
0

Q Z=Q+W

6
Esta definição apresenta dificuldades no caso em que os dois vetores sejam paralelos. Este caso pode ser
resolvido escrevendo um dos vetores duais primeiramente como soma de dois outros e usar a associatividade
da soma.

41
A multiplicação de um vetor dual por um número é definida da seguinte maneira: seja Q
um vetor dual e λ ∈ ℝ um número. Para construir o vetor λQ constrói-se uma reta R
qualquer que passe pelo vetor zero e que intercepte o plano Q . Nesta reta R define-se
uma escala linear que tenha o valor zero no ponto do vetor zero e o valor um no ponto da
intersecção de R com Q . Nesta escala procura-se o ponto 1/ λ . O vetor dual λQ é
então o plano paralelo ao plano Q e que passa pelo ponto 1/ λ na escala em R.

Fig. 2.9 Multiplicação de vetor dual


Q com números. A figura
1
mostra os exemplos 2Q e Q.
4 4
3
2
1 0,25Q
0
-1
Q
2Q

Com λ = 0 obtém-se o vetor dual zero que seria um plano escondido no infinito. Pode-se
mostrar que, com estas regras de soma e produto com números, o conjunto de vetores duais
forma uma espaço linear que é chamado o espaço dual do espaço e é costume escrevê-lo

como .
A propriedade mais importante dos vetores duais é a possibilidade de se definir a ação deles
sobre vetores comuns: seja Q um vetor dual e a um vetor comum. Para formar a
aplicação de Q sobre a , traça-se uma reta R na direção do vetor a que passe pelo
vetor zero. Depois define-se nesta reta uma escala linear da mesma forma como se fez para
definir a multiplicação de um vetor dual por um número. Encostando a base do vetor a no
vetor zero, pode-se ler o valor de escala da ponta do vetor a . Este número é a aplicação de
Q sobre a . Escreveremos este número como Q [ a ] . No caso em que o vetor a for
paralelo ao plano Q , a reta R não interceptaria o plano Q em nenhum ponto. Ou
poderíamos dizer ela intercepta Q no infinito. Desta forma a unidade de escala na reta R
seria infinitamente grande e frente a esta
4 unidade o vetor a mediria zero. Neste
3 caso temos então Q [ a ] = 0 .
a
2
1 Q[a] = 3
0
Fig. 2.10 Aplicação de um vetor dual num vetor.
-1
Q

42
A aplicação de Q sobre vetores é uma operação linear, isto é
Q αa + βb  = αQ [ a ] + β Q b  . Pode-se mostrar que o conjunto de todos os mapeamentos
lineares de em ℝ é idêntico ao espaço dual ∗ . Podemos ainda definir vetores duais
dimensionais. Isto significa que o valor da aplicação do vetor dual num vetor não resulta
num número, mas num valor com unidade. Por exemplo, para vetores a que terminam no
hiperplano Q , a aplicação Q [ a ] pode valer 1 Joul .
Você deve-se perguntar: por que não aprendemos de vetores duais antes do curso de
termodinâmica? Isto tem uma explicação simples: No espaço euclidiano pode-se evitar o
uso de vetores duais porque nestes espaços podemos descrever os mapeamentos lineares
que mapeiam vetores em números com ajuda do produto escalar. Se existir um produto
escalar no espaço podemos encontrar para cada vetor dual Q de ∗ um vetor comum
q tal que para tudos a∈ vale Q [ a ] = q ⋅ a . (Exercício: construa o vetor
correspondente). O produto escalar é intimamente relacionado com a norma dos vetores.
Tendo uma norma no espaço que obedece a identidade de paralelograma
2 2 2
( ∀a , b ∈ : a + b + a − b = 2 a + 2 b ), pode-se mostrar (Exercício: mostre-lo) que
2

1
a + b − a − b  tem todas as propriedades de um produto escalar. Mas, na
2 2
a ⋅b =
def . 4  
termodinâmica não existe a norma de vetores. A norma permite comparar comprimentos de
vetores que apontam em direções diferentes. Na termodinâmica não podemos dizer se
fizemos uma mudança de estado maior ou menor quando aumentamos a temperatura um
tanto ou quando aumentamos o volume um outro tanto. Por esta razão não existe o produto
escalar nos espaços tangentes dos espaços da termodinâmica e a introdução dos vetores
duais se faz necessária.

2.4) Diferenciais e formas diferenciais


Da eletrostática conhecemos campos vetoriais, por exemplo, o campo elétrico E . Este
campo atribui a cada ponto ( x, y, z ) no espaço um vetor E ( x, y, z ) . Da mesma forma
poderíamos pensar em campos vetoriais definidos no espaço dos estados de um sistema
termodinâmico. Um campo a associaria a cada estado E um vetor a ( E ) que seria um
elemento do espaço tangente deste ponto E. Mas resulta que campos vetoriais não são de
grande utilidade na termodinâmica. Por outro lado, veremos que campos de vetores duais
realmente são usados na termodinâmica. Este tipo de campo associaria a cada estado E um
vetor dual Q ( E ) que seria um elemento do espaço dual do espaço tangente de E. Isto é
Q(E)∈ E

.

Um campo de vetores duais é chamado uma forma diferencial.7 Um caso particular de


forma diferencial são as diferenciais de funções.

7
Na verdade a definição de forma diferencial inclui ainda exigências de diferenciabilidade.

43
Seja F alguma função de estado de um sistema termodinâmico. Podemos, por exemplo,
pensar no volume ou na energia interna de um gás ideal. O gás está num estado com
pressão P e temperatura T. Agora submetemos o gás a um processo que o leva ao estado
infinitesimalmente próximo com pressão P + δP e temperatura T + δT . Conhecemos o
valor de F no ponto ( P, T ) e queremos saber o valor de F no ponto ( P + δP, T + δT ) .
Temos

 ∂F   ∂F 
F ( P + δP, T + δT ) − F ( P, T ) =   δP +   δT + erro de ordem superior
 ∂P T  ∂T  P
Como δP e δT são infinitesimais, podemos escrever

 ∂F   ∂F 
F ( P + δP, T + δT ) − F ( P, T ) =   δP +   δT (2.4.1)
 ∂P T  ∂T  P
Como você pode ver, esta variação infinitesimal do valor da função depende linearmente do
vetor a = δP e1 + δT e2 . Então com uma função F podemos definir um vetor dual em
cada ponto que descreve este mapeamento linear. Este vetor dual definido em cada ponto é
chamado a diferencial da função F e é escrito dF. Com esta notação temos

δF = F ( P + δP, T + δT ) − F ( P, T ) = dF ( P, T ) [ a ] (2.4.2)

onde dF ( P, T ) [ a ] é a aplicação do vetor dual dF ( P, T ) sobre o vetor a .

Note que dF ( P, T ) não é uma grandeza infinitesimal nem é um número e nem depende
do processo usado. dF ( P, T ) é um vetor dual definido em cada ponto ( P, T ) do espaço de
estados que depende unicamente da função F . Por outro lado dF ( P, T ) [ a ] é um valor
infinitesimal que depende do processo usado através do vetor a . A associação de pontos
( P, T ) e vetores duais dF ( P, T ) define um campo de vetores duas dF que é chamado
de diferencial da função F.
Como exemplo de diferencial vermos duas funções bem simples: a primeira é a função P e
a segunda é a função T. Temos com a = δP e1 + δT e2

dP [ a ] = δP
(2.4.3)
dT [ a ] = δT
Com isso podemos combinar as equações (2.4.1), (2.4.2) e (2.4.3) e expressar dF como
combinação linear de dP e dT .

 ∂F   ∂F 
dF =   dP +   dT (2.4.4)
 ∂P T  ∂T  P

Portanto, dP e dT têm as propriedades de uma base. Para visualizar esta base


graficamente notamos que as equações (2.4.3) podem ser escritas também na forma

44
dP [ e1 ] = 1, dT [ e2 ] = 1, dP [ e2 ] = 0, dT [ e1 ] = 0 (2.4.5)

T Fig. 2.11 As diferenciais dP e dT. As linhas de


coordenadas P e T são propositadamente
mostradas não ortogonais. No espaço de estados
termodinâmicos não existe a noção de
ortogonalidade.

dT

e2 dP

0 e1 P

No caso geral de um espaço de n dimensões, podemos escolher n coordenadas


x1 , x2 ,....., xn e definir os vetores básicos dos espaços tangentes

1
e1 = δx1 = ε \ x2 , x3 ,....., xn
ε
1
e2 = δx2 = ε \ x1 , x3 ,....., xn
ε
⋅ (2.4.6)

1
en = δxn = ε \ x1 , x3 ,....., xn −1
ε
O vetor ek tem a direção da linha de coordenada k que é caracterizada pela constância de
todas as outras coordenadas xi ( i ≠ k ) . As diferenciais dxk formam uma base do espaço
dual do espaço tangente e temos em analogia com a equação (2.4.5)

1 para j = k
dx j [ ek ] = δ jk =  (2.4.7)
0 para j ≠ k
Note certa assimetria entre a base ( ek ) do espaço tangente e a base ( dxk ) do espaço
dual: um dxk é bem definido se conhecermos apenas a coordenada xk , mas para saber o
que é ek temos que conhecer todas as coordenadas x1 , x2 ,....., xn .
A diferencial de uma função F seria

45
n
 ∂F 
dF = ∑  ∂x
k =1 
 dxk (2.4.8)
k  x j ( j ≠k )

e com a equação (2.4.7) temos

 ∂F 
dF [ ek ] =   (2.4.9)
 ∂xk  x j ( j ≠ k )

Podemos escrever uma forma diferencial geral (isto é um campo de vetores duais) como
uma combinação linear dos vetores duais básicos dxk

n
Q = ∑q
j =1
j dx j (2.4.10)

onde os coeficientes q j são funções de estado. Os matemáticos exigem ainda que estas
funções sejam diferenciáveis par chamar o campo Q uma forma diferencial. Nem toda
forma diferencial é uma diferencial de uma função de estado. Pois sabemos (teorema de
Clairaut e Schwarz8),que as derivadas parciais segundas (se elas foram funções contínuas)
obedecem às relações

∂2 F ∂2 F
= para todo k , j = 1, 2,..., n (2.4.11)
∂x j ∂xk ∂xk ∂x j
Então para que uma forma diferencial (2.4.10) possa ser a diferencial de uma função é
necessário que

∂qk ∂q j
= para todo k , j = 1, 2,..., n (2.4.12)
∂x j ∂xk
A diferença mais notável entre diferencial e forma diferencial que não é diferencial de uma
função aparece quando integramos uma forma diferencial sobre um caminho. Podemos
descrever um caminho C no espaço de estados como um ponto variável C ( λ ) que
depende de um parâmetro real entre 0 e 1. C ( 0 ) seria o ponto inicial do caminho e C (1)
o ponto final. Vamos exigir que C seja diferenciável, isto é, as funções das coordenadas do
ponto C ( λ ) são funções diferenciáveis de λ . Se aumentarmos a partir do ponto C ( λ ) o
valor de λ por um acréscimo infinitesimal δλ , nos movemos para o ponto
infinitesimalmente próximo C ( λ + δλ ) . O par de pontos C ( λ ) e C ( λ + δλ ) define um

8
Alexis Clairaut (1713-1765) e Hermann Schwarz (1843- 1021)

46
vetor ( C ( λ ) , C ( λ + δλ ) ) no espaço tangente do ponto C ( λ ) . Se temos uma forma
diferencial Q definida no espaço dos estados, podemos aplicar Q no ponto C ( λ ) sobre
o vetor ( C ( λ ) , C ( λ + δλ ) ) . O resultado é um valor infinitesimal
Q ( C ( λ ) ) ( C ( λ ) , C ( λ + δλ ) )  . Se repetirmos esta operação um número infinito de vezes
 
até percorrer toda a curva C com avanços infinitesimais δλ e se somarmos os valores
infinitesimais resultantes Q ( C ( λ ) ) ( C ( λ ) , C ( λ + δλ ) )  , obtemos a integral de Q sobre
 
o caminho C.
Esta descrição da integral ∫Q
C
é intuitiva, mas ela não serve para calcular uma integral.

Para escrever uma definição mais prática, vamos definir o vetor tangente da curva como

t (λ) = lim
( C ( λ ) , C ( λ + δλ ) ) (2.4.13)
def . δλ→ 0 δλ
Com este vetor podemos definir a integral de Q sobre o caminho C da seguinte forma:

∫Q
C
=
def . ∫ Q ( C ( λ ) ) t ( λ ) d λ
0
(2.4.14)

Em termos das coordenadas xk ( λ ) ≡ xk C ( λ ) e com a representação de Q na forma


(2.4.10), esta definição da integral significa

1
 n dx j ( λ ) 
∫Q =  ∑
∫0  j =1 d λ  d λ
q j (2.4.15)
C

A integral pode ser definida também para caminhos que são constituídos por pedaços
diferenciáveis. Neste caso o valor da integral é a soma dos valores dos pedaços
diferenciáveis.
Se Q for uma diferencial de uma função F , isto é, Q = dF , sabemos que o valor da
integral depende apenas dos pontos inicial e final do caminho

∫ dF = F ( C (1) ) − F ( C ( 0 ) )
C

Mas se Q não for a diferencial de uma função, a integral ∫Q


C
dependerá dos detalhes do

caminho.

47
Veremos um exemplo: a forma diferencial do trabalho reversível9 num gás é W = − PdV .
Escrevendo W na forma (2.4.10) temos

W = − PdV + 0 ⋅ dT
 ∂ ( −P )   ∂ ( 0) 
Então a condição (2.4.12) não é satisfeita, pois   ≠ 0 , mas   =0.
 ∂T V  ∂V T
Consequentemente W não é a diferencial de uma função de estado. A integral de W é o
trabalho reversível fornecido para um sistema e este depende dos detalhes do processo.
Mais tarde veremos que as máquinas térmicas de Carnot dependem desta propriedade do
trabalho.

2.5) Fórmulas úteis para derivadas parciais

Sejam xi (com i = 1,...., n) e xɶi (i = 1,...., n) dois sistemas de coordenadas. Com a


equação (2.4.8) podemos escrever a diferencial de uma função F nas coordenadas xɶ

n
 ∂F 
dF = ∑  ∂xɶ
k =1 
 dxɶk (2.4.16)
k  x j ( j ≠k )

Usando a (2.4.9) e aplicando amos os lados da equação (2.4.16) nos vetores básicos
1
ek = δxk = ε \ xm ; m ≠ k , obtemos a regra de cadeia para derivadas parciais:
ε

 ∂F  n  ∂F   ∂xɶ j 
  = ∑  ∂xɶ    (2.4.17)
 ∂xi  xk ( k ≠ i ) j =1  j  x ( j ≠ k )  ∂xi  xk ( k ≠ i )
k

Imaginamos agora um espaço de duas dimensões. Sejam x, y e z funções neste espaço tal
que cada um dos três pares de funções ( x, y ) , ( x, z ) e ( y, z ) serve como coordenadas.

9
A definição deste conceito será explicada no capítulo 4.

48
Mudando as coordenadas ( y , z ) → ( x, z ) , podemos escrever com a regra da cadeia para
qualquer função F

 ∂F   ∂F   ∂y   ∂F   ∂z 
(2.4.19)   =    +    (2.4.18)
 ∂x  z  ∂y  z  ∂x  z  ∂z  y  ∂x  z
=0
Especialmente obtemos para F = x

 ∂x   ∂y 
1=     (2.4.19)
 ∂y  z  ∂x  z

Mudando as coordenadas ( x, z ) → ( x, y ) , podemos escrever com a regra de cadeia:

 ∂F   ∂F   ∂x   ∂F   ∂z 
  =    +    (2.4.20)
 ∂x  y  ∂x  z  ∂x  y  ∂z  x  ∂x  y
`=1

Especialmente obtemos para F = y

 ∂y   ∂y   ∂z 
0 =   +    (2.4.21)
 ∂x  z  ∂z  x  ∂x  y
Combinando a (2.4.21) com a (2.4.19) , obtemos

 ∂x   ∂z   ∂y 
      = −1 (2.4.22)
 ∂y  z  ∂x  y  ∂z  x

Agora vamos supor que tenhamos ainda uma quarta função u tal que o par ( z, u ) sirva
também como um sistema de coordenadas. Mudando as coordenadas ( x, y ) → ( y , z ) ,
podemos escrever com a regra de cadeia:

 ∂u   ∂u   ∂x   ∂u   ∂y 
  =     +    (2.4.23)
 ∂y  z  ∂x  y  ∂y  z  ∂y  x  ∂y  z
=1

49
 ∂x 
Agora vamos botar   em evidência:
 ∂y  z

  ∂u  
   
 ∂u   ∂u   ∂y  x   ∂x 
    +
=   (2.4.24)
 ∂y  z  ∂x  y  ∂x    ∂y  z
  ∂y  
  z 
Usando a equação (2.4.19) , podemos reescrever isso como

 ∂u    ∂u   ∂u   ∂y    ∂x 
  =   +        (2.4.25)
 ∂y  z  ∂x  y  ∂y  x  ∂x  z   ∂y  z
Usando novamente a regra de cadeia, podemos transformar a expressão em colchete numa
derivada parcial de u:

 ∂u   ∂u   ∂y    ∂u   ∂x   ∂u   ∂y   ∂u 
  +      =     +     =   (2.4.26)
 ∂x  y  ∂y  x  ∂x  z   ∂x  y  ∂x  z  ∂y  x  ∂x  z  ∂x  z
Com isto a (2.4.25) toma a seguinte forma:

 ∂u 
 ∂y 
 z  ∂x 
=   (2.4.27)
 ∂u   ∂y  z
 
 ∂x  z
Utilizando finalmente a (2.4.19), obtemos:

 ∂x 
 ∂x   
∂u
  =  z (2.4.28)
 ∂y  z  ∂y 
 
 ∂u  z

50
3. A primeira lei da termodinâmica

3.1 Trabalho
Trabalho é energia transferida para um sistema de forma controlada por parâmetros
macroscópicos da mecânica, eletrodinâmica ou da gravitação. A transferência acontece
durante um processo. Neste curso vamos adotar a convenção de que o trabalho W é
contado como positivo quando se trata de uma transferência de energia para o sistema.
Somente ocasionalmente usaremos uma orientação de fluxo diferente. Neste caso,
acompanharemos a definição de trabalho sempre com desenhos de fluxogramas que
determinam o sentido do fluxo de energia.
Trabalhos mecânicos são relacionados com deslocamentos de objetos macroscópicos e têm
a forma
t fin

W= ∫ F ( t ) qɺ ( t ) dt
tin
(3.1.1)

onde q é uma coordenada que descreve a posição ou em geral a configuração do objeto


deslocado, F ( t ) é uma força generalizada e a integral é tomada desde o início do processo
até o final. Na equação (3.1.1) não interessa se a força generalizada pode ou não ser escrita,
no sentido de uma descrição dinâmica, como função de q, qɺ e t . Na termodinâmica
partimos da hipótese de que a forma explícita de W é conhecida para cada processo
concreto. Este conhecimento pode ser baseado numa teoria ou pode ter sua origem
simplesmente em medidas feitas durante o processo.
Veremos alguns exemplos:
1) O sistema é um fluido viscoso dentro de um recipiente. Introduzimos um eixo com
paletas no fluido e durante o processo de trabalho rodamos o eixo. A coordenada q neste
caso pode ser um ângulo que descreve o quanto as paletas rodaram no fluido. A força
generalizada seria um torque. O importante é que podemos (em princípio) medir o torque e
o ângulo em cada instante do processo e com isso podemos determinar W
experimentalmente.

Fig. 3.1 Trabalho mecânico feito girando uma manivela para mexer um líquido.
ϕ A coordenada de trabalho é um ângulo de rotação q = ϕ

51
Fig. 3.2 Trabalho de compressão.
2) O sistema é um fluido dentro de um recipiente com pistão
móvel. Neste caso q pode ser simplesmente a posição do
pistão e F seria a força comum que o pistão exerce sobre o
q fluido.
A origem das forças generalizadas em (3.1.1) pode ser de
forças de curto alcance como forças de pressão, forças de cisalhamento e forças de tensão
superficial, ou forças de longo alcance como a força Coulombiana, forças magnéticas, ou
forças gravitacionais.
Trabalhos eletromagnéticos não envolvem deslocamentos mecânicos de objetos
macroscópicos. Há essencialmente três tipos de trabalho eletromagnético:
1) Trabalho de Joule: um sistema contido num volume V0 recebe o trabalho de Joule:
t fin

WJ = ∫ ∫ E ( t , r ) ⋅ j ( t , r ) dt dV
V0 tin
(3.1.2)

onde E ( t ,r ) é o campo elétrico e j ( t ,r ) é a densidade de corrente elétrica no material. Se


o sistema for um resistor ao qual aplicamos uma força eletromotriz ( t ) , a equação (3.2)
t fin

resulta em WJ = ∫ ( t ) I ( t ) dt onde I ( t ) é a corrente elétrica. No caso do resistor o


tin

trabalho de Joule é sempre positivo, ou seja, o resistor ganha energia. Mas existem também
sistemas para os quais WJ é negativo. Isto é o caso das células eletroquímicas.
2) Trabalho magnético: um sistema contido num volume V0 recebe o trabalho magnético
t fin
 1  ∂B ( t , r )
WM = ∫ ∫  µ B ( t , r ) − M ( t , r )  ⋅ ∂t dt dV
V0 tin . 0
(3.1.3)

Nesta equação B( t , r ) é a densidade de fluxo magnético e M ( t , r ) , a magnetização do


material.
3) Trabalho elétrico: um sistema contido num volume V0 recebe o trabalho elétrico:

(
∂ ε0 E ( t , r ) + P ( t , r ) ) dt dV
t fin

WE = ∫∫ E (t, r ) ⋅ (3.1.4)
V0 tin .
∂t

onde P é a polarização do material.


A soma dos três tipos de trabalho eletromagnético, isto é, a soma das equações (3.2) (3.3) e
(2.4), pode ser escrita como uma integral de superfície

52
t fin
  1 
WJ + WM + WE = − ∫∫ ∫  E ( t , r ) ×  B ( t , r ) − M ( t , r )   ⋅ dS dt (3.1.5)
tin   µ0 
sobre a superfície do volume V0 . O importante é que os campos que aparecem nestas
equações são campos macroscopicamente bem definidos. Não são considerados campos
aleatórios que provêm, por exemplo, da radiação térmica de um corpo. Se aquecermos um
corpo na luz solar, o trabalho eletromagnético é nulo. Mas se aquecermos um corpo num
forno de microondas, o trabalho eletromagnético é positivo.
Durante o processo de trabalho o sistema termodinâmico geralmente não ocupará estados
de equilíbrio termodinâmico. Mas para a termodinâmica do equilíbrio estaremos
interessados em processos que começam e terminam num estado de equilíbrio. Os estados
do inicio e fim podem ser representados por pontos no espaço de estados de equilíbrio. Os
estados intermediários em geral não podem ser representados no espaço de estados de
equilíbrio, já que o sistema sai deste espaço entrando em outras dimensões que são
necessárias para descrever os estados fora de equilíbrio. Mas, mesmo assim, para
representar os processos graficamente, vamos juntar os pontos inicial e final por uma linha
pontilhada e uma seta indicando o sentido do processo. Esta representação é mais
facilmente visível que uma representação por apenas dois pontos. Podemos imaginar que a
linha pontilhada seja algum tipo de projeção da trajetória do sistema no espaço dos estados
fora do equilíbrio para o subespaço dos estados de equilíbrio.

E2 Fig. 3.1 Representação gráfica de um processo que leva o


sistema do estado de equilíbrio E1 . até o estado de equilíbrio
E1 E2 sem passar por estados de equilíbrio

Futuramente usaremos frequentemente processos que são executados de forma tão lenta que
o sistema ocupa praticamente sempre estados de equilíbrio durante o processo. Estes
processos são chamados processos quase-estáticos. Podemos representar estes processos
por uma curva no espaço dos estados de equilíbrio.

E2 Fig. 3.2 Representação gráfica de um processo quasistático.


E1

53
3.2 Energia interna e calor

Dois processos que começam no mesmo estado inicial e terminam no mesmo estado final
(de equilíbrio termodinâmico) geralmente resultam em quantidades de trabalho diferentes.
Por exemplo: se comprimirmos devagar um gás contido num cilindro metálico que está
mergulhado dentro de água fervendo reduzindo o volume do gás à metade teremos certo
trabalho W1 . Num outro processo que parte da mesma condição inicial, primeiramente
retiramos o cilindro da água fervendo e introduzimos o mesmo em uma mistura de água
com gelo. Depois comprimimos o gás lentamente até reduzir novamente seu volume à
metade do valor inicial. Finalmente colocamos o cilindro de volta na água fervendo para
chegar ao mesmo estado final do primeiro processo. Neste segundo processo o trabalho é
menor que no primeiro: W2 < W1 .
Temos duas interpretações possíveis desta experiência: podemos simplesmente constatar
que a energia não é conservada ou podemos admitir que houve transferências de energia
durante os processos, as quais não foram registradas pela contabilidade dos trabalhos. A
segunda interpretação introduz uma outra forma de energia transferida durante um processo.
Esta forma de energia é o calor. No entanto, a introdução do calor para consertar a lei de
conservação de energia seria uma mera formalidade sem conteúdo físico, se não existissem
fatos experimentais que permitem medir o calor. O fato experimental que dá conteúdo
físico ao conceito de calor é a primeira lei da termodinâmica. Podemos notar
experimentalmente que a aparente não-conservação de energia depende da rapidez dos
processos e das propriedades das paredes que isolam o sistema.
Um sistema termodinâmico é de alguma forma separado do resto do mundo por uma
superfície. Esta superfície pode ser materializada em forma de uma parede. Temos vários
tipos de paredes que se diferenciam pelas suas permeabilidades: podemos ter 1) paredes
fixas que não permitem deformações do sistema, 2) paredes móveis que permitem
mudanças do volume do sistema, 3) paredes impermeáveis para matéria e 4) paredes que
deixam passar certas substâncias. Por enquanto vamos excluir paredes que permitem a
passagem de substâncias. As paredes restantes podem ter estruturas e composições
variadas: paredes metálicas, paredes de isopor, paredes duplas com vácuo no entre - espaço,
etc. .
Podemos constatar os seguintes fatos experimentais:
1) Se compararmos processos feitos com um sistema dentro de paredes de um dado tipo
(sempre excluindo paredes permeáveis a matéria), vemos que a não conservação da energia
W2 − W1 é tanto menor quanto mais rápidos forem os processos 1 e 2 envolvidos.
2) Podemos encontrar paredes que mantêm a não conservação da energia W2 − W1 pequena
se compararmos processos que levam um tempo menor que um dado tempo t max .

54
Podemos aprimorar estas condições de tal forma que a diferença W2 − W1 fique menor que o
erro experimental. Idealizando esta situação podemos dizer:
Primeira lei da termodinâmica: Existe uma seleção de processos determinada pela
rapidez dos processos e pelo tipo das paredes, tal que o trabalho dos processos depende
apenas do ponto inicial e final do processo.
Definição: Os processos cuja existência é afirmada na primeira lei são chamados processos
adiabáticos. Paredes ideais dentro das quais qualquer processo seria adiabático são
chamadas paredes adiabáticas. Paredes não adiabáticas são chamadas paredes diatérmicas.

Com a primeira lei podemos agora definir uma função de estado que podemos interpretar
como conteúdo total de energia do sistema. Porém, para isso temos que supor que para
qualquer par de estados de equilíbrio termodinâmico E1 , E 2 existam processos adiabáticos
que liguem estes estados na forma E1 = estado inicial, E 2 = estado final ou vice-versa .
A energia total U total ( E ) do sistema é então definida da seguinte forma:

1) Escolhe-se um estado de referência R e atribui-se um valor arbitrário à energia total


neste ponto; U total ( R ) = fixo por uma escolha arbitrária.

2) Para determinar o valor de U total num estado E escolhemos um processo adiabático que
ligue E a R.. No caso de R ser o estado inicial do processo, definimos:
U total ( E ) = U total ( R ) + Wtotal R → E (3.2.1)

e no caso de E ser o estado inicial:


U total ( E ) = U total ( R ) − Wtotal E →R (3.2.2)

onde Wtotal designa o trabalho total considerando todos os tipos envolvidos no processo. O
fato de que o trabalho dos processos adiabáticos depende apenas dos pontos inicial e final
garante que esta definição fixa a energia total U total de maneira única até uma constante
arbitrária, que reside na escolha arbitrária do valor de U total ( R ) .

É costume separar a energia total em duas partes: a energia mecânica e a energia interna do
sistema. Imagine que elevamos um recipiente de gás carregando-o do térreo de um prédio
para o décimo andar. O trabalho feito neste processo aumenta a energia potencial do gás no
campo gravitacional da Terra. Vamos classificar este aumento de energia como aumento da
energia mecânica do sistema. Neste caso vamos dizer que a energia interna do gás não se
alterou. Por outro lado, se comprimimos o gás com a ajuda de um êmbolo que se move
numa direção horizontal temos somente um aumento da energia interna sem alteração da
energia mecânica. Podemos também ter as duas formas de alteração de energia num
processo. Imagine que comprimimos o gás com um êmbolo que se move na vertical. Neste
caso a compressão é acompanhada por uma alteração da altura do centro de massa do gás e
podemos separar da alteração total de energia uma parcela de energia interna e uma da
energia mecânica. Correspondentemente vamos fazer a mesma separação nos trabalhos. A
parte que altera meramente a energia mecânica é em geral desconsiderada na

55
termodinâmica e se usa o símbolo W para a parte que altera a energia interna. Desta forma
podemos escrever as equações (3.2.1) e (3.2.2) somente para a energia interna U:
U ( E ) = U ( R ) + W R →E (3.2.3)

U ( E ) = U ( R) −W E →R (3.2.4)

Para o caso de trabalho eletromagnético faz-se também uma separação análoga como
veremos no capítulo 4.
Não é surpreendente que neste tratamento não podemos fixar o valor da energia interna de
maneira absoluta. Sabemos da mecânica Newtoniana que o valor da energia é determinado
apenas até uma constante arbitrária. Apenas diferenças de energias são observáveis na
mecânica de Newton. Esta situação muda na mecânica relativística. Lá, a energia é a quarta
componente de um vetor quadridimensional. O vetor zero é um vetor único e inconfundível
e o valor zero de energia relativística pode ser determinado experimentalmente. Mais do
que isso: relativisticamente podemos medir a energia interna de um sistema de forma direta
sem ter que recorrer à primeira lei da termodinâmica. Infelizmente este fato não ajuda na
grande maioria das aplicações da termodinâmica. Veremos um exemplo: Um kilograma de
uma substância qualquer, cujo centro de massa está em repouso no referencial usado, tem
energia interna (absoluta) U = m c 2 = 89875517873681764 J. Se aumentarmos a energia
interna desta substância com um trabalho W = 1 J (um valor típico para experiências de
química), U passa a valer 89875517873681765 J e a massa da substância aumenta para m
= 1,00000000000000001 kg. Obviamente, ninguém consegue medir com tanta precisão.
Isto significa que, na medida direta da energia interna, todas as energias relevantes em
experiências de laboratório iriam simplesmente desaparecer no erro experimental. Na Física
de laboratório temos que usar a primeira lei da termodinámica para determinar U. Mas em
estrelas ou outros objetos celestes, as trocas de energia podem ser tão grandes que a fórmula
relativistica deve ser usada. Em todo caso, podemos agora usar a energia interna para
definir calor.
Definição: O calor Q de um dado processo (qualquer, não necessariamente adiabático) que
começa num estado de equilíbrio termodinâmico E in e termina num estado de equilíbrio
termodinâmico E fim é dado por

Q = U ( E fim ) − U ( Ein ) − W (3.2.5)

onde W é o trabalho realizado no processo.


É importante notar que o calor, por definição, pode ser medido por medidas mecânicas ou
elétricas; não há necessidade de termômetros para medir Q !
Cabe ainda um comentário sobre o nome “calor”. Nas ciências enfrentamos frequentemente
o problema de ter que batizar alguma grandeza nova. É comum usar palavras da linguagem
cotidiana como nomes de grandezas ou de outros objetos. Por exemplo, os matemáticos
falam de “grupos” e esta palavra na linguagem matemática denomina certa estrutura dentro
de um conjunto. Mas esta estrutura não tem nada em comum com um grupo de pessoas ou
com um grupo empresarial ou com outros grupos que encontramos na vida cotidiana. Este
hábito dos cientistas de empregar nomes da linguagem cotidiana para termos técnicos é

56
péssimo porque pode provocar confusão. Pior ainda é quando os cientistas depois de
usurparem uma palavra, quererem proibir as pessoas de usá-la da forma como elas a sempre
usaram. Na linguagem cotidiana o termo “calor” é usado com um significado que é mais
perto dos conceitos de energia interna e de temperatura. Não devemos corrigir pessoas que
usam calor neste sentido na linguagem não científica. Esta linguagem é perfeitamente
legítima. Os cientistas deveriam usar outra palavra! Mas mudar o nome da grandeza
definida pela equação (3.2.5) seria impraticável. O uso deste termo técnico é difundido
demais para trocar o nome. A partir deste momento, vamos utilizar a palavra “calor” dentro
deste texto sempre no sentido da definição (3.2.5).

57
58
4. A segunda lei da termodinâmica

A segunda lei da termodinâmica distingue o futuro do passado de um sistema


termodinâmico. Ela declara que certos processos são irreversíveis. Colocando dois corpos
em contato térmico feito por uma parede diatérmica, o fluxo de calor é sempre direcionado
num certo sentido, que aproxima o sistema composto de um novo estado de equilíbrio
termodinâmico. O sistema nunca se afasta deste estado sem ajuda externa. Neste capítulo
introduziremos os conceitos de reversibilidade e irreversibilidade e formularemos a
segunda lei. Começamos caracterizando o estado de equilíbrio de um sistema composto
cujas partes são separadas por paredes diatérmicas.

4.1 A temperatura empírica


Sejam Σ1 e Σ 2 dois sistemas que não contêm paredes adiabáticas internas, mas que são
isolados do exterior por paredes adiabáticas e cada um está num estado de equilíbrio
termodinâmico E1 e E 2 respectivamente. Ao juntar os sistemas Σ1 e Σ 2 substituindo a
parede que os separa por uma parede diatérmica e rígida, podemos observar dois possíveis
comportamentos do sistema composto: 1) o sistema Σ1 + Σ 2 começa mudar seu estado ou
2) o sistema Σ1 + Σ 2 está num estado de equilíbrio termodinâmico e não mostra nenhuma
mudança. Se a possibilidade 2) for observada, dizemos " E1 de Σ 1 e E 2 de Σ 2 têm a
mesma temperatura" . A relação "ter a mesma temperatura" é obviamente uma relação
simétrica:

“ E1 de Σ 1 e E 2 de Σ 2 têm a mesma temperatura”



“ E 2 de Σ 2 e E1 de Σ 1 têm a mesma temperatura”
Fato experimental 1:
Experimentalmente podemos observar que a relação "ter a mesma temperatura" é também
transitiva, isto é, se “ E1 de Σ 1 e E 2 de Σ 2 têm a mesma temperatura” e “ E 2 de Σ 2 e E 3
de Σ 3 têm a mesma temperatura”, então vale sempre “ E1 de Σ 1 e E 3 de Σ 3 têm a mesma
temperatura”. Este fato é às vezes chamado de lei número zero da termodinâmica.1

A lei número zero da termodinâmica garante que se pode usar um sistema como um
instrumento de medida para avaliar se dois outros corpos têm a mesma temperatura. Este
instrumento de medida é chamado termômetro. Ao invés de escrever " E1 de Σ 1 e E 2
de Σ 2 tem a mesma temperatura", vamos escrever θ( E1 ) = θ( E 2 ) onde θ , por enquanto,
não é um número, mas simplesmente um símbolo para expressar a relação "ter a mesma

1A. Sommerfeld: Thermodynamis and Statistical Mechanics Lectures on Theoretical Physics Vol V Academis
Press

59
temperatura". Podemos dizer que θ é uma característica da classe de estados que tem a
mesma temperatura.
Por enquanto temos um conceito de temperatura que permite avaliar apenas uma igualdade.
Gostaríamos de poder comparar também temperaturas desiguais. Para isso vamos agora
estudar os casos em que dois sistemas Σ1 e Σ 2 com estados E1 e E 2 , respectivamente,
ao serem juntados com uma parede diatérmica não permanecem em equilíbrio. Faremos a
junção sempre de uma forma que não envolva trabalho, mas apenas troca de calor.
Experimentalmente podemos constatar o seguinte fato:
Fato experimental 2:
~
Se E1 de Σ 1 e E 2 de Σ 2 não têm a mesma temperatura, observamos que para todo E 1
~ ~ ~
de Σ 1 que tem a mesma temperatura que E1 de Σ 1 e para todo E 2 de Σ 2 que tem a
~ ~
mesma temperatura que E 2 de Σ 2 existe um fluxo de calor ao juntar Σ 1 com Σ 2 e este
fluxo é sempre na mesma direção. Ou seja, ao juntarmos dois sistemas com temperaturas
diferentes, observamos um fluxo de calor não nulo e a direção do fluxo de calor depende
apenas das temperaturas dos sistemas nos seus estados. Este fato permite definir uma outra
relação entre as temperaturas: escrevemos θ1 ≺ θ2 se o fluxo de calor for do sistema 2
para o sistema 1. O fato de que para temperaturas desiguais sempre se observa um fluxo de
calor ao juntar os sistemas implica que para quaisquer duas temperaturas θ1 e θ2 vale
exatamente uma das três relações: ou θ1 ≺ θ2 , ou θ2 ≺ θ1 , ou θ1 = θ2 .
Podemos observar ainda o:
Fato experimental 3: A relação ≺ é transitiva, isto é, se vale θ1 ≺ θ2 e θ2 ≺ θ3
sempre vale também θ1 ≺ θ3 , ou seja, Σ1 e Σ 3 não podem ter as mesmas temperaturas
e o fluxo de calor ao juntar Σ1 com Σ 3 é necessariamente na direção 3 para 1.
A relação ≺ ordena os estados no sentido menor ou maior. Os fatos experimentais 1, 2 e 3
juntos são quase uma formulação completa da segunda lei da termodinâmica.
Completaremos a formulação da segunda lei em outra seção. Nesta seção vamos ainda
substituir a temperatura abstrata θ por alguma característica quantitativa dos estados.
Estamos então procurando alguma função de estado τ tal que:
θ1 ≺ θ2 ⇔ τ1 < τ2
(4.1.1)
θ1 = θ2 ⇔ τ1 = τ2
É fácil encontrar este tipo de grandeza. Pode-se, por exemplo, tomar τ como a pressão de
um certo fluido a volume constante ou o volume a pressão constante. Na maioria dos
fluidos, obtém-se desta maneira uma função de estado τ que cumpre a condição (4.1.1).
A resistividade elétrica de condutores também é usada frequentemente para se obterem
escalas de temperatura. As características espectrais da radiação térmica de um corpo
podem também ser usadas para definir uma escala de temperatura. As escalas de
temperatura definidas de maneira arbitrária com a única condição de que satisfaçam a
relação (4.1.1), são chamadas temperaturas empíricas. Naturalmente estes métodos não

60
fornecem uma escala única e a relação entre duas escalas empíricas é geralmente
complicada e não linear. Mais tarde mostraremos como a segunda lei da termodinâmica
pode ser usada para definir uma escala única e privilegiada de temperatura.
Tendo escalas empíricas de temperatura, podemos comparar temperaturas de forma
quantitativa. Isto significa que, para uma dada escala e um dado procedimento de medida,
podemos julgar se duas temperaturas são muito ou pouco diferentes, comparando a
diferença das temperaturas com a incerteza experimental. Neste sentido podemos agora
falar em processos que mantêm a temperatura aproximadamente constante. Estamos em
condições de definir a noção de reservatório térmico. Um reservatório térmico é um corpo
que mantém sua temperatura aproximadamente constante mesmo se trocarmos calor com
ele. É necessário que a distribuição da energia dentro do reservatório térmico aconteça
muito mais rapidamente que a entrada ou saída de calor, de tal forma que possamos tratar o
reservatório sempre como um sistema num estado de equilíbrio termodinâmico.
Vale ressaltar que temperatura é definida somente para sistemas em equilíbrio
termodinâmico! No entanto, veremos na parte de termodinâmica fora de equilíbrio que
muitas vezes é possível definir temperatura localmente dentro de um corpo que não se
encontra em equilíbrio. Mas isto requer definições especiais.
4.2 Processos reversíveis
Chamaremos um processo de reversível se ele puder ser invertido de tal forma que o
sistema e o ambiente do sistema percorram na inversão do processo todos os estados em
ordem inversa como se fosse um filme que foi exibido de traz para frente. Para poder julgar
se um processo é reversível, temos que definir qual parte do resto do universo é "o ambiente
do sistema". Escolhendo como ambiente uma região grande demais, eliminaremos
obviamente toda possibilidade de realizar processos reversíveis. Entende-se o conceito de
reversibilidade da termodinâmica de maneira macroscopicamente quantitativa. Isto significa
que tem-se que julgar se um processo é reversível, ou não, comparando os valores das
coordenadas que descrevem os estados macroscópicos do sistema e do ambiente na ida e na
volta do processo. Esta comparação quantitativa ocorre naturalmente com certo erro
experimental. Se todas as características quantitativas da ida coincidem dentro da incerteza
experimental com as da volta em ordem inversa podemos dizer que o processo era
reversível dentro do erro experimental. Em termodinâmica não se usa reversibilidade de
forma microscópica. Com reversibilidade microscópica queremos dizer um conceito de
reversibilidade que exclui qualquer rastro de um processo no universo. Por exemplo, para
que uma compressão de um gás seja microscopicamente reversível, teríamos que exigir que
a tinta da caneta, que anotou no livro de laboratório que o gás sofreu uma compressão, volte
para a caneta na hora da expansão, e que o fato de a compressão ter ocorrido deve-se apagar
da nossa memória na hora da expansão. Este tipo de reversibilidade é importante para a
discussão do processo de medida na mecânica quântica. Processos microscopicamente
reversíveis são na prática realizáveis apenas com sistemas microscópicos. Pode-se
quantificar a exatidão da reversibilidade deste gênero também de forma quantitativa usando
os "operadores de densidade" da mecânica quântica. O conceito de reversibilidade usada em
termodinâmica é muito menos exigente e permite registros permanentes do processo
ocorrido.

61
Veremos agora com dois exemplos quais as condições necessárias para poder realizar
processos reversíveis.
Consideremos uma compressão de um gás dentro de um cilindro com paredes adiabáticas.
Neste processo tem que existir algum agente externo no ambiente do sistema que forneça o
trabalho de compressão
l2

Wcom = ∫ F dl (4.2.1)
l1

Fig. 4.1 Ilustração para a equação (4.2.1)


F
Para que este processo seja reversível, seria necessário que, numa
subsequente expansão que levasse o pistão à posição original, o
trabalho fosse Wexp = − Wcom . Mas se registrarmos a força F durante
estes processos como função da posição l do pistão, teremos
geralmente Fexp < Fcom e consequentemente

l1 l2 l2

−Wexp = − ∫ Fexp dl = ∫ Fexp dl < ∫F com dl = Wcom (4.2.2)


l2 l1 l1

Então o processo geralmente será irreversível. A desigualdade Fexp < Fcom tem duas
origens:
1) Se o êmbolo estivesse parado e o gás estivesse num estado de equilíbrio termodinâmico,
atuaria a força AP sobre o êmbolo onde A é a área do êmbolo e P é a pressão de
equilíbrio do gás. Esta força é provocada pelas inúmeras colisões das moléculas do gás com
o êmbolo. Se se mover o êmbolo com uma velocidade lɺ > 0 para dentro do cilindro, as
colisões terão velocidades relativas molécula-êmbolo aumentadas e também o número de
colisões aumentará. Na expansão tem-se lɺ < 0 e as velocidades relativas de colisão
diminuem e o número de colisões diminuirá em comparação com o caso do equilíbrio.
2) A força F tem que superar não apenas as forças que o gás exerce sobre o êmbolo, mas
também forças de atrito entre êmbolo e cilindro. Esta força de atrito está sempre orientada
contrariamente à velocidade e dará uma contribuição para a desigualdade Fexp < Fcom .
Veremos agora como estas fontes de irreversibilidades podem ser eliminadas. A primeira
fonte contribui com um ∆ F ( 1) = Fcon ( 1) ( 1)
− Fexp que é uma função da velocidade lɺ tal que
∆ F ( 1) ( lɺ = 0) = 0 já que tanto F 1 como F 1 coincidem com o valor de equilíbrio AP
( ) ( )
con exp
( )
quando lɺ = 0. Podemos, portanto, esperar que ∆ F 1 tenha uma expansão em potências de

62
lɺ da forma ∆ F 1 = a lɺ + b lɺ2 + c lɺ3 +..... A segunda fonte de irreversibilidade devido às
( )

~
forças de atrito pode ser escrita com uma expansão análoga ∆ F 2 = a~ lɺ + b lɺ2 + ~ c lɺ3 +....
( )

deste que se evitem atritos entre sólidos. Pode-se evitar atrito entre sólidos colocando um
fluido lubrificante entre pistão e cilindro. Somando as duas contribuições
∆ F = ∆ F 1 + ∆ F 2 = A lɺ + B lɺ2 + C lɺ3 + .... obtemos
( ) ( )

t fim

Wexp + Wcom = ∫ ( Alɺ + Blɺ )


+ Clɺ3 + ... lɺ dt
2
(4.2.3)
tin

Esta integral vai obviamente para zero se mandarmos t fim − t in para infinito e a velocidade
lɺ para zero na mesma proporção. Por exemplo, se escolhermos uma velocidade constante
2 1 ( fim in )
lɺ = ( l − l ) / t − t e se supormos que os coeficiente A , B, ... sejam aproximadamente
constantes obtemos

(l − l1 )
2
(l − l1 )
3
(l − l1 )
4

Wexp + Wcom = A
2
+B
2
+C
2
+ .... → 0 (t )
− tin → ∞
(t )
para
( ) ( )
2 3 fim
fim − tin t fim − tin t fim − tin

Neste limite temos então um processo que pode2 ser reversível.


Como um segundo exemplo, consideremos o aquecimento de um corpo. Suponhamos que o
corpo Σ , que é o sistema, estivesse inicialmente em equilíbrio com um reservatório térmico
frio de temperatura τ f . Para elevar a temperatura de Σ até uma temperatura alta τ q ,
separamos Σ do primeiro reservatório térmico e encostamos Σ num segundo reservatório
de temperatura τ q .

Fig. 4.2 Troca de calor irreversível

Este processo é irreversível mesmo se ele for feito lentamente3. Se invertermos o


procedimento colocando Σ de volta em contato com o reservatório térmico frio, o sistema
volta para seu estado inicial seguindo o caminho inverso. Mas o ambiente do sistema, que
participou do processo, não volta a ser como antes: o reservatório térmico quente
definitivamente perdeu uma quantidade de calor Q e o reservatório frio ganha a mesma
quantidade de calor Q na inversão do processo.

2tomando todas os cuidados restantes no ambiente do sistema e escolhendo um ambiente não grande demais.
3usando paredes diatérmicas entre Σ e o reservatório com baixa condutividade térmica

63
Veremos agora como podemos aquecer Σ reversivelmente. Podemos acrescentar a
quantidade de calor Q de forma parcelada em N parcelas iguais Q/N , usando
reservatórios térmicos com temperaturas intermediárias τ f < τ 1 < τ 2 <..... τ N −1 < τ q . O
aquecimento seria feito separando Σ do primeiro reservatório térmico e encostando-o no
reservatório 1 e depois no 2, no 3 etc. até chegar no reservatório de temperatura τ q .
Fig. 4.3
Troca de calor quase-reversível

Se invertermos agora este procedimento, percorrendo todos os reservatórios em ordem


inversa, os reservatórios 1,2, ... N-1 receberão de volta o calor Q/N que cederam na ida.
Apenas o último reservatório com temperatura τ q , perderia o calor Q/N de forma
definitiva e o reservatório frio ( τ f ) ganharia esta mesma quantidade de forma definitiva.
Como a noção de reversibilidade em termodinâmica é macroscopicamente quantitativa,
podemos tornar o processo reversível escolhendo N tão grande que Q/N desaparece
dentro do erro experimental. Idealizando, isto é, considerando o limite de erro experimental
nulo, podemos dizer que o processo se torna reversível no limite de N → ∞. Neste limite as
temperaturas dos reservatórios intermediários que colocamos em contato térmico com o
sistema têm sempre a mesma temperatura que o sistema.
Vejamos agora quais as características em comum dos dois exemplos: em ambos os
exemplos os processos têm que ser executados de forma tão lenta que o sistema siga uma
seqüência contínua de estados de equilíbrio termodinâmico e que tenha que ficar
permanentemente em equilíbrio com seu ambiente.
Se o sistema está em equilíbrio com seu ambiente poder-se-ia perguntar: por que o processo
avança? A resposta é: o processo na verdade não avança, pois um processo reversível é um
caso limite que leva um tempo infinito. Pessoas com interesses práticos poderiam neste
ponto perder o interesse pela termodinâmica. Para que interessam processos que levam um
tempo infinito? Mas podemos consolar estas pessoas pragmáticas com dois argumentos: 1)
os processos reversíveis darão limitações importantes para os processos reais e 2) processos
reais que acontecem em frações de segundos podem chegar surpreendentemente perto do
caso limite reversível. Por exemplo, as compressões do ar numa onda sonora que levam
tipicamente uma milésima parte de um segundo são tão reversíveis que é extremamente
difícil detectar sua irreversibilidade experimentalmente. Vamos ainda descrever, para os
pragmáticos, como o processo de aquecimento reversível pode ser feito na prática sem ter
que manipular milhares de reservatórios térmicos. Trata-se de um procedimento de extrema
importância na indústria. O procedimento é conhecido com o nome de troca de calor
contra corrente. A tarefa é aquecer um fluido frio de temperatura τ f até uma temperatura
próxima de τ q e ao mesmo tempo esfriar um fluido quente de temperatura τ q até uma

64
temperatura próxima de τ f . Queremos realizar esta tarefa com um trabalho
desprezivelmente pequeno. A solução é deixar fluir os fluidos lentamente em sentidos
opostos num sistema de tubos coaxiais que têm uma parede diatérmica no tubo interior e
uma parede adiabática como casca externa. O que o fluido que era originalmente frio sofre
no percurso da tubulação é o processo da figura (4.3).
Fig. 4.4 Troca de calor quase-
reversível efetuado num
τf τq processo contracorrente.

τf τq

4.3 A forma diferencial do trabalho reversível


Deixando as preocupações dos pragmáticos de lado, voltaremos para o desenvolvimento da
teoria. Consideremos agora um processo que além de ser reversível é infinitesimal. Isto
significa que o estado inicial E e o estado final diferem apenas por um vetor de
deslocamento infinitesimal a . Como o processo é reversível, ele é necessariamente quase-
estático e tem uma representação de curva no espaço dos estados de equilíbrio. Para definir
o processo completamente, temos que especificar este caminho. Vamos exigir que esta
curva seja uma reta no espaço tangente de E. O trabalho infinitesimal realizado neste
processo depende do vetor a . Como a era infinitesimal, podemos (e devemos) desprezar
toda parte não linear nesta dependência. Então o trabalho reversível depende linearmente de
a . Esta dependência define um vetor dual W ( E ) para cada ponto E que descreve os
trabalhos realizados em processos reversíveis e infinitesimais que começam em E.
W ( E ) [ a ] = trabalho infinitesimal realizado num processo reversível que
começa no estado E e prossegue numa reta ao longo do (4.3.1)
vetor infinitesimal a
W é um campo de vetores duais, ou seja, uma forma diferencial. Chamá-la-emos de forma
diferencial do trabalho reversível. Para um processo reversível finito com caminho C,
obtemos o trabalho W realizado no processo integrando a forma diferencial do trabalho
reversível sobre o caminho C
W = ∫W (4.3.2)
C

Com a equação (4.3.1), podemos agora definir também a forma diferencial do calor
reversível

65
Q = dU − W (4.3.3)
de tal forma que o calor transmitido para o sistema durante um processo reversível com
caminho C seja dado por
Q = ∫Q (4.3.4)
C

Para tratar da termodinâmica de um dado sistema é fundamental conhecer a forma


diferencial do trabalho reversível para este sistema. Trataremos aqui de algumas classes de
sistemas.
1) Fluidos simples
Chamaremos um fluido de simples se ele não participa de reações químicas e não se separa
(dentro da região do espaço de estados considerado) em fases diferentes. Por definição, um
fluido não suporta forças de cisalhamento numa situação de equilíbrio estático. Como um
processo reversível é necessariamente quase-estático e as forças atuantes têm que ser iguais
às forças de equilíbrio do fluido, podemos nos restringir às forças de pressão de equilíbrio,
às forças de tensão superficial de equilíbrio e às forças de longo alcance. Para começar com
exemplos simples vamos primeiramente excluir também forças de longo alcance. Neste
caso, a pressão é espacialmente constante tendo um único valor P no fluido. Se a matéria
adjacente do sistema for uniforme, a tensão superficial terá um único valor γ também.
Neste caso, a forma diferencial do trabalho reversível é
W = − P dV + γ dA (4.3.5)
onde V é o volume do fluido e A é a área da superfície do fluido. No caso em que a
superfície total do fluido é dividida em k superficies com substâncias adjacentes
diferentes, podemos determinar uma tensão superficial diferente γ i para cada superfície i
e a forma diferencial do trabalho reversível é
k
W = − P dV + ∑ γ i dAi (4.3.6)
i =1

Se o volume V for muito maior que o produto da área A de superfície pelo diâmetro das
moléculas do fluido, a parcela causada pelas tensões superficiais é desprezível em
comparação com o trabalho volumétrico. Neste caso W se reduz a
W = − P dV (4.3.7)
Na presença de forças de longo alcance, temos que adotar uma descrição de teoria de
campos para o fluido. Sabemos, por exemplo, que a pressão no fundo de uma piscina é
maior que na superfície. Temos que descrever a pressão e outras grandezas como funções
da posição; P = P ( r ) . Com isso o número de parâmetros macroscópicos será grande (a
todo rigor infinitamente grande). Porém a resolução espacial necessária, em geral, será tão
baixa que o número de parâmetros macroscópicos é ainda muitíssimo menor que o número
de graus microscópicos de liberdade. Por exemplo, obtemos uma descrição bem satisfatória
da água numa piscina atribuindo valores de pressão e densidade de centímetro em

66
centímetro. Isto daria para uma piscina de 30m x 20m x 10 m uns 6 ×109 valores de
densidade e pressão. Este é ainda um número minúsculo se comparado com os 2 × 1032
moléculas de água nesta piscina. Para descrevermos a configuração do fluido, podemos
imaginar que marquemos os elementos de massa do fluido pelas suas posições r numa
dada configuração de referência. Podemos descrever uma configuração genérica por um
campo de deslocamentos ξ( r ) de tal forma que a posição do elemento de massa que estava
em r na referência agora está em r + ξ( r ) . Podemos descrever as forças de longo alcance
por um campo de densidade de força f = f ( r ) . No equilíbrio vale f = grad P . As forças
de curto alcance exercidas pela matéria adjacente ao sistema no equilíbrio têm a forma
− P dS onde dS é o elemento de superfície orientado para fora do sistema. Desprezando
trabalhos de tensão superficial, teríamos então a forma diferencial do trabalho reversível

( )
Wtotal = ∫∫∫ f r + ξ ( r ) ⋅ d ξ ( r ) dV − ∫∫ P ( r + ξ ( r ) ) d ξ ( r ) ⋅ dS (4.3.8)
V [ξ] S [ ξ]

onde as integrais são tomadas sobre o volume e a superfície do sistema na configuração ξ .


Mas a primeira parcela, que envolve a densidade de força de longo alcance, é apenas
trabalho que contribui para alterações da energia mecânica do sistema. Para a contabilidade
da energia interna interessa apenas a segunda parte e utilizaremos somente esta como forma
diferencial de trabalho reversível:

( )
W = − ∫∫ P r + ξ ( r ) d ξ ( r ) ⋅ dS (4.3.9)
S [ ξ]

Em experiências de laboratório a pressão é tipicamente da ordem de uma pressão


atmosférica e para sistemas não muito grandes a variação da pressão causada pelo campo
gravitacional (da parte mais baixa do sistema até a parte mais alta) é normalmente muito
pequena em comparação com a pressão total. Desta forma podemos muitas vezes usar a
equação simples (4.3.7).

2) Sólidos
Em sólidos podem existir forças de cisalhamento mesmo numa situação de equilíbrio
estático. No lugar da pressão temos que usar o negativo do tensor de tensões. O análogo da
eq. (4.3.8) seria

( )
Wtotal = ∫∫∫ f r + ξ ( r ) ⋅ d ξ ( r ) dV + ∫∫ d ξ ( r ) ⋅ σ ( r + ξ ( r ) ) ⋅ dS (4.3.10)
V [ξ] S [ξ]

e a equação análoga da (4.3.9) seria

(
W = + ∫∫ d ξ ( r ) ⋅ σ r + ξ ( r ) ⋅ dS) (4.3.11)
S [ξ]
3
Nestas equações o produto escalar duplo a ⋅ σ ⋅ b significa ∑a
k , j =1
k σkj b j .

67
3) Trabalho de magnetização
Para tornar o processo de magnetização de uma amostra reversível, é também necessário
executar este processo infinitamente lento. Uma magnetização rápida levaria à indução de
correntes elétricas e à emissão de ondas eletromagnéticas e ambos os fenômenos teriam
componentes irreversíveis. Mesmo mudando o campo externo que magnetiza a amostra
lentamente, temos que excluir amostras ferromagnéticas. Para estas amostras o processo de
magnetização é geralmente irreversível como podemos notar pelo aparecimento de uma
histerese. A principal origem da irreversibilidade nas substâncias ferromagnéticas é o
avanço rápido e repentino das paredes de Bloch (saltos de Barkhausen) que separam os
domínios de Weiss. Mesmo com cristais ferromagnéticos tão pequenos que não existam
separações em vários domínios, a mudança da magnetização é irreversível porque ela é
geralmente rápida e acompanhada de emissão de ondas eletromagnéticas. Vamos então
excluir aqui substâncias ferromagnéticas. Voltaremos à termodinâmica de ferromagnéticos
só depois de ter visto a terceira lei da termodinâmica.
Na sessão 3 escrevemos o trabalho magnético como
t fin
 1  ∂B ( t , r )
WM total = ∫∫∫
V0
∫  µ B ( t , r ) − M ( t , r )  ⋅ ∂t dt dV
tin . 0
(4.3.12)

Nesta fórmula temos que escolher o volume de integração V0 um tanto maior que o
volume V A da amostra, pois a amostra magnetizada cria um campo ao redor dela que
contém energia também. Temos que escolher V0 tão grande que o campo da amostra fique
desprezível fora de V0 . Para criar a magnetização, aplicamos um campo externo B0 . A
contribuição ao trabalho que serve apenas para modificar a energia do campo externo
dentro do volume V0 é geralmente desconsiderada na contabilidade dos trabalhos. Em
lugar da equação (4.3.12), usamos então
t fin t fin
 1  ∂B ( t , r ) 1 ∂B ( t , r )
WM = ∫∫∫ ∫  B ( t , r ) − M ( t , r )  ⋅ dt dV − ∫∫∫ ∫ B0 ( t , r ) ⋅ 0 dt dV (4.3.13)
µ
V0 tin .  0  ∂t V0 tin .
µ0 ∂t

A subtração da energia do campo externo é parecida com a subtração das parcelas de


trabalho que modificam apenas a energia mecânica de um fluido ou sólido. Mostraremos no
( )
apêndice do capítulo 4 que WM para uma mudança infinitesimal B0 t fim = B0 ( tin ) + δB0 ,
( )
M t fim = M ( tin ) + δM e executada de forma quase estática se reduz a

WM = ∫∫∫ B0 ( tin , r ) ⋅ δM ( r ) dV (4.3.14)


VA

Nesta fórmula integra-se apenas sobre o volume da amostra e não mais sobre o espaço onde
o campo magnético sofre alterações pela amostra. Esta é a grande vantagem da subtração da
parcela do campo externo, ou seja, o termo que diferencia as equações (4.3.13) e (4.3.12).
Somente com esta subtração podemos reduzir a integral a um volume em que tudo é bem
mais fácil de conhecer. Poder-se-ia questionar esta liberdade de subtrair isto e aquilo do

68
trabalho. Mas devemos considerar que a energia interna sofre uma subtração
correspondente e não há estrutura interna ligada ao campo externo B0 . Não existe,
portanto, uma termodinâmica associada à energia do campo externo.
Da equação (4.3.14) concluímos que a forma diferencial do trabalho reversível de
magnetização é
WM = ∫∫∫ B0 ( tin , r ) ⋅ dM ( r ) dV (4.3.15)
VA

Se B0 e M forem homogêneos, esta forma diferencial se reduz a


W = B0 ⋅ d (4.3.16)
onde é o momento magnético total da amostra. Podemos simplificar esta forma ainda
mais escolhendo uma geometria tal que B0 e sempre serão colineares. Neste caso
podemos descrever ambas as grandezas em termos de uma componente na direção do
campo.
W = B0 ⋅ d (4.3.17)
4) Trabalho de polarização
Para aplicar um campo elétrico a uma amostra sem causar processos irreversíveis, é
necessário evitar correntes elétricas dissipativas. Em dielétricos esta condição é válida. De
forma análoga ao caso da magnetização pode-se mostrar que a forma diferencial do trabalho
reversível de polarização é
W = − ∫∫∫ P ( tin , r ) ⋅ dE0 dV (4.3.18)
VA

onde E 0 é o campo elétrico externamente aplicado e a integral é tomada sobre o volume


da amostra.
5) Trabalho de Joule numa célula eletroquímica
Para que um processo que envolve transporte de carga elétrica seja reversível, temos que
transportar a carga tão lentamente que a corrente elétrica correspondente seja praticamente
nula. A lei de Ohm na presença de uma força eletromotriz é I = (V + ) / R onde V é a
voltagem (integral do campo elétrico) e é a força eletromotriz presente na amostra. A
condição necessária para reversibilidade é V = − . O trabalho reversível numa
transferência de uma carga infinitesimal δC é então W = − δC onde é o valor de
equilíbrio da força eletromotriz. Na célula eletroquímica esta transferência é acompanhada
de uma reação química que avançaria correspondentemente por um δN onde N é um
parâmetro descrevendo o avanço da reação. Este parâmetro é definido de tal forma que a
variação dos números de mol das espécies químicas Ak da reação ∑k
νk Ak ↔ 0 com
coeficientes estoichiometricos νk é dado por δN k = v k δN . A carga transferida δC é
proporcional ao δN com uma constante típica da reação química. Usualmente esta
constante é escrita como z F onde F é a constante de Faraday ( F = NA e

69
= ( 9 ,64953 ± 0,00016) ⋅ 10 4 As / mol ) e z é uma constante característica da reação. Com
isso temos a forma diferencial do trabalho reversível
W = − zF dN (4.3.19)

Num sistema real a forma diferencial do trabalho reversível pode ser uma soma de uma
parte mecânica (fórmulas (4.3.5)-(4.3.11)) com uma parte eletromagnética (fórmulas
(4.3.14)-(4.3.19)). Generalizando podemos escrever a forma diferencial do trabalho
reversível como
W = ∑ wk dX k (4.3.20)
k

com coordenadas X k dadas pela mecânica e eletrodinâmica do sistema. As X k são


chamadas variáveis de trabalho. Mais tarde veremos que todas variáveis de trabalho não
formam ainda um sistema completo de coordenadas termodinâmicas para um sistema.

4.4 Enunciados de Clausius e Kelvin da segunda lei da termodinâmica


Na secção 4.1 vimos que a direção do fluxo de calor em experiências que põem corpos em
contato térmico define uma ordem total das temperaturas. Nestas experiências permitimos
apenas troca de calor e excluímos qualquer tipo de trabalho. O enunciado de Clausius da
segunda lei generaliza a situação permitindo experiências que envolvam trabalho
intermediário. Com trabalho intermediário queremos dizer que o trabalho líquido do
processo tem que ser zero. O resultado líquido do processo é novamente uma pura
transferência de calor. O enunciado de Clausius diz que, mesmo permitindo trabalho
intermediário, o fluxo de calor nunca pode ser do corpo mais frio para o corpo mais quente.
Enunciado de Clausius:
Não existe processo cujo único efeito líquido seja transferir calor de um corpo mais
frio para um corpo mais quente.

Nesta frase usamos as expressões "mais quente" e "mais frio". Isto significa que implícitas
no enunciado de Clausius estão as três observações experimentais, Fato experimental 1-3 da
secção 4.1. Elas fazem parte substancial da segunda lei4. É também importante notar a
condição de se ter a transferência de calor como único efeito líquido. Existem naturalmente
processos que transferem calor de um corpo frio para um corpo quente, mas estes efetuam
outras mudanças. Por exemplo, uma geladeira executa este tipo de processo. Mas a
geladeira consome energia e não tem apenas o efeito líquido da retirada de calor do interior
dela. Uma forma simplificada do enunciado de Clausius é: "não existe geladeira milagrosa".

4 Por esta razão o termo “lei zero da termodinâmica” não é muito apropriado.

70
A segunda lei da termodinâmica declara que certos processos são irreversíveis. Da
formulação de Clausius, podemos concluir logo que uma transferência de calor num contato
térmico entre dois corpos de temperaturas diferentes é irreversível; a inversão deste
processo é proibida pelo enunciado de Clausius. Para outros tipos de processos irreversíveis
é mais fácil provar sua irreversibilidade com formas diferentes, mas equivalentes, da
segunda lei. Uma outra forma que historicamente teve sua origem no estudo de máquinas
térmicas é o
Enunciado de Kelvin:
Não existe processo cujo único efeito líquido é remover calor de um corpo e produzir
uma quantidade equivalente de trabalho.

A condição “cujo único efeito” é importante. A segunda lei não proíbe, por exemplo, de
transformar calor inteiramente em trabalho numa expansão de um gás. Este processo
realmente existe, mas o gás fica com um volume maior no estado final de tal forma que a
condição de efeito único não é satisfeita. Com este enunciado é, por exemplo, fácil mostrar
que uma expansão livre (sem trabalho) de um gás é irreversível. (Deixamos esta
demonstração como exercício). Preocupar-nos-emos agora com a demonstração da
equivalência dos dois enunciados. Faremos isso apenas para o caso mais simples em que os
corpos mencionados nos enunciados sejam reservatórios térmicos. Instrumento essencial da
demonstração da equivalência dos enunciados serão máquinas térmicas cíclicas e bombas
de calor cíclicas. Estas máquinas cíclicas são sistemas termodinâmicos que executam um
processo cíclico. Isto quer dizer que o estado final da máquina é idêntico ao estado inicial.
O processo envolve trocas de calor com reservatórios térmicos e trocas de trabalho com
algum agente. Na análise destes processos não é a priori claro qual objeto é o sistema e
qual é o ambiente. Podemos considerar tanto a máquina quanto algum reservatório térmico
como o sistema. Por este motivo adotaremos para a análise das máquinas cíclicas a seguinte
convenção de sinais para calor e trabalho: cada análise de máquina cíclica será
acompanhada por um fluxograma de energias e um fluxo de energia indicado no
fluxograma é considerado maior que zero se a energia fluir na direção da seta do
fluxograma. Para poder distinguir as quantidades de calor e trabalho que obedecem a esta
~ ~
convenção de sinal, escreveremos calor e trabalho nestas análises como Q e W . Nos
fluxogramas representaremos a máquina por uma elipse e reservatórios térmicos por
retângulos com uma indicação de temperatura onde τ f e τ q serão usados para
temperaturas fria e quente respectivamente. O enunciado de Clausius afirma que uma
bomba do tipo da Figura 4.5
τq

Q>0 τq

Q>0
Q>0
τf W=Q

Fig. 4.5 "Bomba de calor milagrosa" Fig. 4.6 "Máquina térmica milagrosa"

71
não existe, e o enunciado de Kelvin afirma que uma máquina térmica do tipo da Figura 4.6
não existe. Note, no entanto, que ambas estas máquinas existem com Qɶ < 0 . Também,
sabemos que máquinas e bombas do seguinte tipo existem:

Fig. 4.7 Máquina térmica e bomba de calor real.

Notamos também que é fácil adaptar os tamanhos dos ciclos das máquinas ( ou das
~ ~ ~
bombas) para ter um W ou um Qq ou um Q f de um dado tamanho. Isto pode ser feito
deixando várias máquinas trabalharem paralelamente e considerando o conjunto todo como
uma única máquina. Com estas ferramentas podemos agora demonstrar a equivalência dos
enunciados de Clausius (C) e de Kelvin (K).
Primeiramente mostramos C ⇒ K . Se K não fosse válido, poder-se-ia construir uma
máquina M como aquela da figura 4.6 . Combinando esta máqina com uma bomba de calor
B cujo tamanho de ciclo é adaptado de forma que o trabalho necessário num ciclo de B
seja igual ao trabalho fornecido num ciclo de M, obtém-se uma nova bomba B' de calor que
é indicada com a elipse grande na figura 4.8. Mas esta bomba não pode existir se o
enunciado de Clausius for válido. Então vale C ⇒ K .

72
Fig. 4.8 "Bomba de calor milagrosa" feita com
uma "máquina de calor milagrosa" e uma bomba
de calor real.

Agora mostramos K ⇒ C . Se C não fosse válido, poder-se-ia construir uma bomba de


calor do tipo da figura 4.5. Pode-se combinar esta bomba de calor B com uma máquina
térmica comum M , de tal forma que o calor Q f liberado por M num ciclo seria igual ao
calor bombeado por B num ciclo. Mas com isso ter-se-ia construído uma máquina proibida
pelo enunciado de Kelvin. Então vale K ⇒ C . Na figura 4.9 esta máquina corresponde à
elipse grande.
Fig. 4.9 "Máquina térmica
milagrosa" feita com uma
"bomba de calor milagrosa" e
uma máquina térmica real.

4.5 Ciclo de Carnot e temperatura termodinâmica


Na secção anterior vimos que não existe uma máquina térmica que trabalhe ciclicamente e
que remova calor de um corpo e produza uma quantidade equivalente de trabalho. Qualquer
máquina cíclica que usa um reservatório térmico como fonte de energia necessariamente

73
devolve calor para outros reservatórios. Portanto, o rendimento de qualquer motor térmico
definido como quociente do trabalho fornecido e o calor absorvido da fonte de energia é
necessariamente menor que um. Então é uma pergunta natural de se fazer: qual é o melhor
rendimento possível de uma máquina? Carnot respondeu esta pergunta para o caso mais
simples e mais importante de uma máquina que interage com apenas dois reservatórios
térmicos. Sejam dois reservatórios térmicos dados com temperaturas τ q e τ f sendo
τ q > τ f . A figura 4.10 mostra uma máquina cíclica trabalhando entre estes reservatórios. O
rendimento η da máquina é definido como


η= (4.5.1)

q

onde Qɶ q , Qɶ f e Wɶ são definidos na figura 4.10.

Fig. 4.10 Definição de fluxos de


energia para a equação (4.5.1).

Fenômenos como atrito prejudicam obviamente o bom rendimento de uma máquina. Por
outro lado, atrito é uma fonte de irreversibilidade. A ideia de Carnot era, então, que se podia
esperar o melhor rendimento possível de uma máquina que trabalhasse reversivelmente.
Isto é de fato verdade.
Teorema de Carnot:
O rendimento de qualquer máquina cíclica que trabalha entre as temperaturas
τ q e τ f é menor ou igual ao rendimento de uma máquina cíclica que trabalha
reversivelmente entre as temperaturas τ q e τ f .

Demonstração:
Seja M uma máquina que trabalhe entre as temperaturas τ q e τ f e que absorva o calor
~ ~
QqM da fonte quente e forneça o trabalho W . Vamos comparar esta máquina com uma
máquina reversível C (máquina de Carnot) e vamos ajustar os tamanhos dos ciclos de tal

74
~
forma que C forneça o trabalho W também. A figura 4.11 mostra a "competição" das duas
máquinas.
Fig. 4.11 Competição das máquinas M e C
A questão é qual das duas máquinas
~
consegue fornecer W com menos calor
~
absorvido pela fonte quente. Seja QqC o calor
absorvido pela máquina de Carnot. Temos
~ ~
que mostrar que QqM ≥ QqC . A única
informação que temos a nossa disposição
para esta demonstração é que a máquina C é
reversível. Então vamos inverter o ciclo de
C. Invertendo o ciclo de C, tornamos a
máquina C numa bomba de calor C' .
Podemos agora acoplar a máquina M à
máquina C'.
Como podemos ver pela figura 4.12, o
processo resultante é uma pura transferência de calor entre os reservatórios térmicos.
Segundo o enunciado de Clausius esta transferência só pode ter o sentido da fonte quente
~ ~ ~ ~
para a fonte fria. Então concluímos QqM − QqC ≥ 0 e então QqM ≥ QqC .
Fig. 4.12 Demonstração do teorema de Carnot

É notável que não precisamos saber nenhum


detalhe do funcionamento da máquina C para esta
demonstração. (No entanto, é muito recomendável
elaborar os detalhes de um ciclo de Carnot como
exercício). De fato podemos concluir do teorema
que o rendimento de uma máquina de Carnot não
pode depender dos detalhes de seu funcionamento.
Temos a seguinte consequência do teorema:

Corolário de Carnot:
Quaisquer máquinas cíclicas e reversíveis que trabalham entre o mesmo par de
temperaturas τ q e τ f têm o mesmo rendimento.
Demonstração:
Sejam C1 e C2 duas máquinas cíclicas e reversíveis que trabalham entre as temperaturas
τ q e τ f . Como C1 é uma máquina de Carnot, temos, com o teorema de Carnot, ηC2 ≤ ηC1 .

75
Mas como C2 é também uma máquina de Carnot, temos, com o teorema de Carnot,
ηC2 ≥ ηC1 . Então segue ηC2 = ηC1 .
Esta consequência do teorema de Carnot é de suma importância. Ela significa que o
rendimento ηC de uma máquina de Carnot pode ser só uma função das temperaturas τ q e
τ f . Temos

Wɶ C Qɶ q − Qɶ f Qɶ Cf
C C

η = C =
C
= 1− C (4.5.2).
Qɶ q Qɶ Cq Qɶ q

Então o quociente Qɶ q C / Qɶ f C depende somente das duas temperaturas τ q e τ f . Podemos


usar este fato para definir finalmente a grandeza “temperatura termodinâmica” ou
“temperatura absoluta”. As escalas das temperaturas empíricas dependiam das substâncias
termométricas usadas. A temperatura termodinâmica T não depende de substancias
arbitrárias.
Para definir uma grandeza física precisamos especificar o domínio da grandeza, ou seja, o
conjunto de objetos para os quais esta grandeza pode ser aplicada, precisamos definir
igualdade de valores da grandeza e precisamos definir a soma de valores. O domínio da
grandeza temperatura consiste dos sistemas termodinâmicos em estado de equilíbrio. A
igualdade de valores é definida pela lei zero da termodinâmica. Resta definir a soma de
valores. No caso de grandezas unidimensionais, como é o caso da temperatura, a definição
de soma de valores pode ser substituída por uma definição de quociente. Então temos que
dizer qual é o significado físico de uma afirmação do tipo “a temperatura TA é 5 vezes a
temperatura TB ”. Faremos a seguinte tentativa de definição: para comparar duas
temperaturas constrói-se uma máquina de Carnot que trabalhe entre estas temperaturas,
medem-se as respectivas quantidades de calor e define-se então

Tq Qɶ q C
= (4.5.3).
Tf def . Qɶ C
f

Mas, temos que verificar se esta definição cumpre certas condições de auto-consistência.
Imagine um reservatório térmico com alguma terceira temperatura Tm . A definição (4.5.3)
atribui certos números A , B e C aos quocientes Tq / Tm , Tm / T f e Tq / T f
respectivamente. Mas estes números só podemos ser quocientes da grandeza temperatura,
se eles cumprirem a condição A × B = C .
Para verificar esta condição de auto-consistência, vamos combinar uma máquina de Carnot
que trabalha entre as temperaturas τ q e τ m com uma, igualmente reversível, que trabalha
~ ~
entre τ m e τ f . Ajustamos os tamanhos dos ciclos tal que Qm1 = Qm2 (compare a figura
4.13).

76
Fig. 4.13

Desta forma o reservatório de temperatura τ m volta


ao seu estado inicial após um ciclo de trabalho das
máquinas. Com isso, tudo que está dentro da elipse
grande da figura 4.13 é novamente uma máquina
cíclica. Além disso, esta máquina é também
reversível. Então vale a equação (4.5.3). para as três
máquinas da figura 4.13.

Temos então

Qɶ q Qɶ m Qɶ q
A= B= C= (4.5.4).
Qɶm Qɶ f Qɶ f

Multiplicando a primeira pela segunda equação obtemos a desejada relação:

A× B = C (4.5.5).
Além desta condição precisa-se verificar se a grandeza T definida pela equação (4.5.3)
pode ser adequadamente ordenada. Valores de grandezas físicas unidimensionais podem ser
comparados no sentido menor ou maior. No caso da temperatura já temos um ordenamento
das temperaturas definido pelo sentido de fluxo de calor num contato térmico. Temos que
verificar se a grandeza T pode ser ordenada no mesmo sentido. Repare que os valores de T
não são números, e um ordenamento dos valores precisa ser definido! Para temperaturas de
objetos do nosso ambiente cotidiano5 podemos usar a seguinte definição de ordem: Ta > Tb
se e somente se Ta / Tb > 1 . Com este ordenamento a temperatura termodinâmica é uma
função monotonicamente crescente da temperatura empírica.
Como com qualquer grandeza unidimensional, podemos escolher algum valor da grandeza
como unidade e expressar outros valores como múltiplos deste valor escolhido. Geralmente
estas escolhas de valores base são feitas com objetos experimentais que permitem boa
reprodutibilidade. No caso da temperatura usa-se o ponto triplo da água como temperatura

5 Futuramente veremos que existem sistemas exóticos, com temperaturas absolutas negativas, e para estes
sistemas temos que rever a questão de ordenamento.

77
padrão. Como veremos num capítulo futuro, existe somente uma única temperatura na qual
gelo puro, água pura e vapor puro de água podem estar em equilíbrio. Define-se a unidade
Kelvin [K] de tal maneira que a temperatura termodinâmica do ponto triplo da água tenha o
valor de 273,16 K. O fator numérico foi escolhido de tal forma que a unidade fique com um
tamanho adequado para termos exatamente 100 unidades entre ponto de congelamento da
água e ponto de ebulição numa pressão de uma atmosfera.
Para fins práticos uma outra grandeza, a “temperatura Celsius”, é também usada para
descrever temperaturas:
θ = T − 273,15 K (4.5.6)
def .

Como esta temperatura Celsius é uma diferença de duas temperaturas termodinâmicas, seus
valores podem ser expressos também com a mesma unidade Kelvin. Mas, para indicar ao
leitor logo que se trata de uma temperatura Celsius, esta unidade é normalmente escrita
como oC. O uso da unidade oC, é apenas um aviso que indica o uso da grandeza (4.5.6). Em
fórmulas onde oC e K aparecem encima e embaixo de uma fração estas unidades podem ser
cortadas. Por exemplo:
W 10m 2
2,5 × × 20 o C = 5 ×104 W (4.5.7)
K m 0, 01m
Com a temperatura absoluta T, podemos escrever o rendimento de uma máquina de Carnot
na forma simples
Tq − T f
η (Tq , T f ) = (4.5.8).
Tq
Para os futuros desenvolvimentos da teoria será útil escrever a equação (4.5.3) na seguinte
forma:

Qɶ q C Qɶ f C
= (4.5.9).
Tq Tf

4.6 O teorema de Clausius e a entropia


Na secção anterior introduzimos a temperatura absoluta e vimos que para uma máquina de
Carnot vale a equação (4.5.9). Considerando a máquina como o sistema termodinâmico e
voltando à convenção de sinais relativa ao sistema ( Qɶ q C = Qq C , Qɶ f C = −Q f C ) podemos
escrever esta equação na seguinte forma:
Qq C Qf C
+ =0 (4.6.1).
Tq Tf
A equação (4.6.1) vale para processos cíclicos, reversíveis e que interagem com dois
reservatórios térmicos. Vamos agora generalizar esta equação para qualquer tipo de
processo cíclico.

78
Seja Σ um sistema termodinâmico. Com Σ executamos um processo cíclico que começa
num estado de equilíbrio E e termina neste mesmo estado. Durante o processo, Σ pode
percorrer estados fora do equilíbrio. Especialmente Σ não precisa ter temperaturas bem
definidas durante o processo. No processo haverá trocas de calor com certos corpos que
geralmente também não terão temperaturas bem definidas. Mas vamos supor que é possível
determinar temperaturas de finas camadas de superfície adjacentes a Σ durante a troca de
calor. Para o sistema Σ nada mudará se substituirmos os corpos de troca de calor por
reservatórios térmicos com temperaturas bem definidas se suas temperaturas forem iguais
às temperaturas das superfícies mencionadas. Podemos, então, imaginar que durante o
processo um grande número de reservatórios térmicos R1 , R2 , ...... R N é colocado em
contato com o sistema. Estes contatos térmicos podem formar uma sequência rápida e
também podem encostar vários reservatórios com temperaturas diferentes ao mesmo tempo
e em partes diferentes da superfície de Σ . Para podermos avaliar as quantidades de calor
trocadas de alguma forma, vamos envolver todos estes reservatórios térmicos num grande
processo cíclico. Para isso vamos repor exatamente cada quantidade de calor trocado com
cada Rk através de máquinas cíclicas reversíveis C1 , C2 , ......, C N . A máquina Ck
trabalha entre o reservatório Rk e um reservatório R0 que é comum a todas as máquinas
C1 , C2 , ......, C N . A figura 4.14 mostra este arranjo. Pelo enunciado de Kelvin da segunda lei
sabemos que o trabalho fornecido pelo ciclo total, que é indicado com a elipse grande, não
pode ser positivo:
 N ɶ  N

∑ k W − WΣ = ∑ Qɶ k0 ≤ 0 (4.6.2).
 k =1  k =1

Por outro lado podemos aplicar a equação (4.5.9) para cada uma das máquinas
C1 , C2 , ......, C N .

Fig. 4.14

79
Obtemos então
N N
Qk
∑ Qɶ k0 =
k =1
∑T
k =1
0
Tk
(4.6.3).

A grandeza energia/temperatura é unidimensional e pode ser ordenada. Para os sistemas


termodinâmicos comuns, podemos definir que um valor desta grandeza é positivo se e
somente se o valor da energia for positivo. Com esta definição podemos combinar a
equação (4.6.3) com a desigualdade (4.6.2) e chegar à conclusão
N
Qk
∑T
k =1
≤0 (4.6.4).
k

Este resultado é o teorema de Clausius.


Devemos notar que as temperaturas que aparecem não são temperaturas do sistema, mas
temperaturas dos reservatórios térmicos usados durante o processo. A situação é diferente
se o processo for um processo reversível. Uma troca de calor reversível é entre corpos de
temperaturas iguais e neste caso as temperaturas envolvidas serão do sistema.
Primeiramente trataremos de um sistema sem paredes adiabáticas internas. Neste caso
existe apenas uma grandeza-temperatura do sistema em estados de equilíbrio. Se o sistema
fosse subdividido em partes separadas por paredes adiabáticas, teríamos uma temperatura
para cada parte. Devemos lembrar que um processo reversível é o caso-limite de uma
seqüência de processos reais. Temos neste limite
N
Qk Q
lim
reversível
∑T k =1
= ∫T (4.6.5),
k C

onde a integral é tomada sobre o caminho descrito pelo o processo. Para processos
reversíveis C, a desigualdade(4.6.4) implica então em
Q
∫T
c
≤0 (4.6.6).

Nesta desigualdade T descreve as temperaturas do sistema durante o processo C. Como o


processo C era reversível, existe também o processo inverso -C . Para o processo inverso
tem que valer também
Q
∫T
−c
≤0 (4.6.7)

Por outro lado temos


Q Q
∫T
−c
= −∫
c
T
(4.6.8).

80
Então vale para processos reversíveis e cíclicos

Q
∫T
c
=0 (4.6.9).

Desta igualdade podemos imediatamente concluir que, para qualquer processo reversível
(não cíclico), a integral sobre o caminho A que descreve o processo
Q
T
depende apenas ∫
A
dos pontos inicial e final do caminho, mas não dos detalhes do caminho. Já que um segundo
caminho B com os mesmos pontos iniciais e finais que A poderia ser combinado com A
para formar um caminho fechado C = A − B para o qual vale a equação (4.6.9). Temos
então como conseqüência do teorema de Clausius:


Com a integral de caminho Q / T podemos definir uma função de estado S tal que

S ( E ) = S ( Eref ) +
Q

E ref T
(4.6.10).

Esta equação define S até uma constante aditiva que corresponde à escolha do valor
( )
S E ref . A função S é chamada de entropia6. Podemos formular esta consequência também
em forma diferencial: dividindo a forma diferencial do calor reversível entre a temperatura
absoluta, obtemos a diferencial de uma função

Q
dS = (4.6.11).
T

Se o sistema tivesse k partições separadas por paredes adiabáticas, as partições poderiam


ter temperaturas T1 , T2 , ...., Tk diferentes. Neste caso teríamos no lugar das equações (4.6.9),
(4.6.10) e (4.6.11)
E

S ( E ) = S ( Eref ) +
k k k
Ql Ql Ql
∫c ∑
l =1 Tl
=0, ∫ ∑T
E ref l =1 l
, dS = ∑
l =1 Tl
(4.6.12),

onde Ql é a forma diferencial de calor reversível da partição número l. Aplicando a


definição de entropia (4.6.10) para cada partição e chamado o valor da entropia da l-ésima
partição de Sl , obtemos da (4.6.12) que a entropia do sistema composto é

6 Nome inventado por Clausius. Este nome tem a raiz grega εντροπία (εν= em, τροπή = mudança). A palavra
foi formada de tal forma que se pareça com energia. É difícil entender o que Clausius tinha na mente quando
escolheu “em mudança” como nome para esta grandeza.

81
k
S = ∑ Sl (4.6.13).
l =1

Agora vamos deduzir uma outra consequência da desigualdade de Clausius que envolve a
entropia. Faremos algum processo que leve o sistema de um estado inicial E in até um
estado final E fim . Para podermos aplicar o teorema de Clausius, temos que voltar para o
estado inicial. Faremos esta volta de forma reversível. O teorema de Clausius implica então
Ei n
Q Q
∑ Tk + ∫ T ≤ 0 (4.6.14),
k E fim

onde o somatório é tomado sobre o primeiro processo E in → E fim . Com a definição da


entropia obtemos então
Qk
∑T ≤ S fim − Sin (4.6.15).
k

Especialmente obtemos para o caso que o processo E in → E fim for adiabático, Sin ≤ S fim .
Num processo adiabático a entropia não pode diminuir.

S fim ≥ Sin para processos adiabáticos (4.6.16)

Esta lei expressa novamente a irreversibilidade de certos processos. Neste caso a classe de
processos é dada pelos processos adiabáticos. Se a entropia num processo adiabático
aumentou, ele é necessariamente irreversível.
Imaginamos agora uma caixa de paredes adiabáticas e rígidas longe de toda influência de
forças externas. Toda mudança de funções de estado de um sistema termodinâmico dentro
desta caixa seria então gerada pelo próprio sistema sem ajuda externa. Podemos dizer que
nestas condições a energia interna do sistema tem que ficar constante. Temos uma lei de
conservação de energia. Mas a entropia do sistema pode crescer. Não vale uma lei de
conservação de entropia, mas uma lei que proíbe a destruição da entropia. Apenas para
processos reversíveis podemos ter a certeza que a entropia é conservada. Imaginamos agora
dentro da caixa rígida e adiabática um sistema composto de um subsistema Σ e um outro
subsistema chamado ambiente de Σ . Σ e o ambiente de Σ são separados por uma parede
diatérmica que não deixa passar matéria. Um processo reversível que transfere calor do
ambiente de Σ para Σ conserva a entropia do sistema composto e transfere entropia do
ambiente de Σ para o sistema Σ segundo a equação (4.6.10).
Frequentemente estudaremos sistemas compostos de subsistemas. Imaginamos agora dois
sistemas Σ1 e Σ 2 e vamos supor primeiramente que eles estão espacialmente separados
sem nenhuma interação entre eles. Neste caso temos, pela definição (4.6.12) da entropia,
que a entropia do sistema composto Σ1 e Σ 2 é a soma das entropias de Σ1 e Σ 2 desde
que escolhemos o valor da entropia do estado de referência como a soma dos valores de
( ) ( ) ( )
referência dos subsistemas; S E1,ref , E 2 ,ref = S E1,ref + S E 2 ,ref :

82
S ( E1 , E2 ) = S ( E1 ) + S ( E2 ) (para sistemas separados) (4.6.17)

Agora estudaremos o caso de dois sistemas Σ1 e Σ 2 em interação. Podemos geralmente


fazer a descrição macroscópica dos estados de equilíbrio termodinâmico do sistema
composto Σ1 ⊗ Σ 2 descrevendo os estados de equilíbrio termodinâmico E1 e E 2 dos
subsistemas Σ1 e Σ 2 . Muitos sistemas compostos têm a seguinte propriedade: os
subsistemas Σ1 e Σ 2 podem ser separados cuidadosamente de tal forma que os estados E1
e E 2 não mudem e este processo de separação seja reversível e não envolva transferências
de calor. Vamos chamar este tipo de sistema “sistema separável”. Da definição de entropia
e a equação (4.6.17) segue então
S ( E1 , E2 ) = S ( E1 ) + S ( E2 ) (para sistemas separáveis) (4.6.18).

4.7 Interpretação microscópica da entropia


O presente livro de termodinâmica se destina somente à parte fenomenológica. Mas a
entropia e sua interpretação microscópica são tão importantes que faremos aqui uma
pequena exceção. Isto se justifica também porque a definição fenomenológica não fornece
uma idéia intuitiva da entropia.
A interpretação microscópica da entropia foi desenvolvida pelo Físico Ludwig Boltzmann.
Boltzmann defendeu a visão atomística da matéria. Quando se adota a hipótese de que a
matéria é composta de um enorme número de pequenas partículas, é claro que um dado
estado macroscópico de um objeto pode ter muitas configurações microscópicas diferentes
que darão o mesmo aspecto macroscópico. Por exemplo, um mol de certo gás dentro de um
cilindro num estado de equilíbrio termodinâmico que se caracteriza por um volume V e
uma pressão P corresponde a = 6 × 1023 minúsculas partículas voando no espaço de
volume V de forma desordenada. É claro que estas partículas podem voar de muitas
maneiras diferentes sem alterar o aspecto de equilíbrio com volume V e pressão P. As
3 = 3 × 6 × 1023 coordenadas e as 3 componentes de velocidades das partículas
descrevem um estado do sistema do ponto de vista microscópico. Vamos chamar este
conceito de estado de microestado. Por outro lado a informação que o sistema está em
equilíbrio térmico e possui volume V e pressão P constitui um macroestado.
Seja W ( E ) o número de microestados para um dado macroestado E. A palavra “número”
não seria adequada, do ponto de vista da mecânica clássica. Pois, na mecânica clássica os
estados podem variar continuamente e não há como contá-los. Classicamente teríamos que
falar de um volume W ( E ) no espaço de 6 2 × 3 × 6 × 1023 dimensões. Hoje sabemos
que devemos utilizar a mecânica quântica para descrever os átomos e neste caso a palavra
“número” é bastante adequada porque de fato se trata de estados discretos. Podemos pensar
nestes estados quânticos como células de tamanho ℏ3 ( ℏ = h / 2π , h = constante de
Planck = 6, 6 ×10−34 J s ) no espaço de momenta e posições das partículas. Os números
W ( E ) são enormes, tipicamente algo da ordem de

83
(10 )
W ( E ) ≈ (1023 )
23

(4.7.1).

Estes números não são somente enormes; suas variações também são enormes. Quando
compararmos dois macroestados E1 e E2 ligeiramente diferentes, tipicamente os
volumes (ou números) W ( E1 ) e W ( E2 ) são tão diferentes que valem

(10 ) ( )
W ( E1 ) / W ( E2 ) ≈ (1023 ) W ( E1 ) / W ( E2 ) ≈ (1023 )
23
− 10 23
ou (4.7.2).
Este fato, que é uma mera consequência matemática da geometria em espaços de alta
dimensionalidade, dá uma bela explicação da irreversibilidade de certos processos
termodinâmicos. Todo motorista de carro sabe que é muito mais difícil entrar numa
pequena vaga de estacionamento do que sair dela. Partindo de um volume pequeno é fácil
acertar num volume grande. O inverso é difícil. Esta assimetria resulta na irreversibilidade.
(10 )
Uma vez que um sistema entrou num volume W ( E2 ) que é (1023 )
23

vezes maior que o


volume W ( E1 ) de um estado original E1 , a chance de voltar para o volume W ( E1 ) é
desprezivelmente pequena. Estas ideias sugerem que há uma relação entre entropia e
W ( E ) . É fácil adivinhar qual deve ser a relação. Para sistemas compostos de várias partes
separadas, a entropia do sistema total é a soma das entropias das partes
k
S = ∑ Sl (4.7.3)
l =1

Por outro lado os números de microestados têm um comportamento multiplicativo:


W = W1 ⋅W2 ⋅... ⋅ Wk (4.7.4)
Então deve valer a seguinte relação entre número de microestados e entropia:
S ( E ) ∼ ln W ( E ) (4.7.5)

S ( E ) é um valor de uma grandeza física definida por determinados procedimentos


experimentais que permitem medir diferenças de entropias macroscopicamente. Por outro
lado, ln W ( E ) é um número puro que resulta de uma descrição microscópica de um
sistema termodinâmico. De acordo com a afirmação (4.7.5), deve existir uma constante
fundamental que relacione estes valores:
S ( E ) = k B ln W ( E ) (4.7.6).
A constante fundamental kB é a constante de Boltzmann

k B = 1,380658 × 10−23 J K -1 (4.7.7)


___

que é relacionada com a constante dos gases perfeitos R = 8,314510 J mol-1K -1 :


J partícula J 1
k B = R × (1partícula) = 8,314510 = 8,314510 (4.7.8)
K mol K 6, 0221367 ×1023

84
e com o número de Avogadro
mol
NA = = 6, 0221367 ×1023 (4.7.9).
partícula
Num processo adiabático irreversível, o sistema sai de um pequeno volume W ( Einicial ) e
entra num volume muito maior W ( E final ) . Isto corresponde à produção de entropia.
Quando o processo não for adiabático, pode haver, além de produção de entropia, fluxos de
entropia entre ambiente Α e sistema Σ . Para entender bem estes fluxos de entropia, vamos
estudar especialmente os processos reversíveis. Nestes não há produção de entropia e toda
mudança de entropia é causada pelo transporte entre ambiente e sistema.
Para esta análise vamos imaginar que o ambiente do sistema esteja encapsulado em paredes
adiabáticas. Então sabemos que com processos reversíveis a entropia do sistema total, isto
é, sistema Σ mais ambiente Α , se conserva. Toda mudança da entropia de Σ tem uma
contrapartida de sinal oposto no ambiente Α . Se o processo reversível não envolver troca
de calor entre Σ e Α a entropia de Σ fica constante. Somente quando o processo
reversível envolve troca de calor há mudança de entropia de Σ . De fato da equação (4.6.11)
podemos concluir que a entropia transportada e o calor transportado reversivelmente são
proporcionais. A constante de proporcionalidade é o inverso da temperatura.
1 rev.
δS = Q (4.7.10),
T
ou inversamente
Q rev. = T δS (4.7.11)
Com (4.7.6) podemos escrever a (4.7.11) em termos de aumento relativo do numero de
microestados:
δW
Q rev. = k BT (4.7.12).
W
Esta equação combina com uma interpretação do calor como energia transportada por graus
microscópicos de liberdade. Como não temos meios de acompanhar estes processos
microscópicos, é evidente que tal fluxo de energia é acompanhado por um fluxo de falta de
informação sobre o verdadeiro microestado. Isto resulta numa variação do número W ( E ) .

85
4.8 Apêndice do capítulo 4: A forma diferencial de trabalho de magnetização
1
Para facilitar os cálculos é conveniente introduzir os campos auxiliares H = B−M e
µ0
D = ε0 E + P . Com estes campos as equações de Maxwell têm a forma

∂D
rot H = j + (4.8.1)
∂t
div D = ρ (4.8.2)

∂B
rot E + =0 (4.8.3)
∂t
div B = 0 (4.8.4)
onde j e ρ são a densidade de corrente livre e a densidade de carga livre (livre = não
ligada em moléculas). A equação (4.3.13) toma a forma
∂B ( r , t ) ∂B0 ( r , t ) 
t fim

WM = ∫∫∫
V0
∫  H ( r , t ) ⋅
tin
∂t
− H0 ( r ,t ) ⋅
∂t
 dt dV

t fim
(4.8.5)
≡ ∫∫∫ ∫ G dt dV
V0 tin

com
 ∂B ( r , t ) ∂B ( r , t ) 
G ( r , t ) = H ( r , t ) ⋅ − H0 (r , t ) ⋅ 0  (4.8.6).
 ∂t ∂t 

Somando e subtraindo nesta expressão um H 0 ⋅ ∂B / ∂t , obtemos

∂B ∂ H − H0( ) ∂M
(
G = H − H0 ⋅ ) ∂t
+ B0 ⋅
∂t
+ B0 ⋅
∂t
(4.8.7)
∂M
≡ K + B0 ⋅
∂t
com

(
∂ H − H0 )
K = ( H − H ) ⋅ ∂∂Bt + B ⋅
0 0
∂t
(4.8.8).

Para chegarmos na (4.8.7) usamos B0 = µ0 H 0 .


Vamos mostrar que a integral do termo K é zero desde que o processo seja feito de forma
infinitamente lenta obedecendo a certas condições. Cada um dos dois termos na expressão

86
K tem um fator cuja divergência é zero. Vamos analisar o rotacional do outro fator. Com a
equação de Maxwell (4.8.1) temos

(
∂ D − D0 )
( )
rot H − H 0 = j − j0 +
∂t
(4.8.9).
Evidentemente temos que evitar correntes elétricas para tornar o processo reversível. Então
não podemos admitir campos elétricos permanentes durante o processo a não ser que exista
uma força eletromotriz que anule a densidade de corrente ou que a amostra seja um isolante
perfeito. Vamos excluir o caso da força eletromotriz da nossa consideração, pois as
amostras magnéticas geralmente não são fontes elétricas. Geralmente podemos supor a lei
de Ohm j = σE para amostras deste tipo. Se a condutividade σ do material for zero a
contribuição das densidades de corrente na equação (4.8.9) não causa nenhum problema. Se
σ ≠ 0 teremos correntes mesmo sem campos elétricos estáticos. Pois, durante o processo,
temos ∂B / ∂t ≠ 0 e com isto aparecem correntes induzidas. Estas correntes certamente vão
para zero pelo menos como ( t fim − tin )
−1
já que a origem delas reside na derivada temporal

( )
do campo magnético. O outro termo ∂ D − D0 / ∂t evidentemente tem também esta
propriedade. Mostramos então que o rotacional de H − H 0 é pequeno da ordem de
(t − tin ) .
−1
fim

Com o teorema de Helmholtz, sabemos que todo campo vetorial F duas vezes
diferenciável que decai no infinito pelo menos como 1/r pode ser decomposto num campo
sem rotação e outro sem divergência:
F = ∇Φ + ∇ × A (4.8.10)
onde ∇Φ é determinado pela divergência de F e ∇ × A é determinado pelo rotacional
de F :
1 div F ( r ′ ) 3
Φ (r ) = ∫∫∫ d r′ (4.8.11)
4π r − r′
e
1 rot F ( r ′ ) 3
A(r ) = ∫∫∫ d r′ (4.8.12)
4π r − r′
Podemos aplicar este teorema para o campo H − H 0 :

H − H 0 = ∇Φ + ∇ × A (4.8.13)
(t − tin )
−1
Como o rotacional de H − H 0 é pequeno da ordem fim , podemos afirmar que

(t − tin ) . Podemos agora inserir a representação (4.8.13) na


−1
∇ × A é pequeno da ordem fim

expressão de K (equação (4.8.8)):

87
(
∂ −∇Φ + ∇ × A )
K = ( ∇Φ + ∇ × A) ⋅ ∂∂Bt + B ⋅ 0
∂t
=

(4.8.14).

∂B ∂Φ (
∂ ∇× A )
= ( ∇Φ ) ⋅
∂t
+ B0 ⋅∇
∂t
+ ( ∇ × A) ⋅ ∂∂Bt + B0 ⋅
∂t
d) c) b) a)

−2
Os termos a) e b) são claramente pequenos da ordem (t fim − tin ) e a integral temporal
destas contribuições vai para zero no limite ( t fim − tin ) → ∞ . Para a análise dos termos c) e
d) podemos usar o fato que div B = div B0 = 0 . Temos

∂Φ 3  ∂Φ  3
∫∫∫ B
V0
0 ⋅∇
∂t
d r = ∫∫∫ div  B
V0
0 d r
∂t 
=
(4.8.15).
∂Φ
= ∫∫
∂V0
∂t
B0 ⋅ dS

Supostamente o volume V0 foi escolhido tão grande que na superfície ∂V0 não haja mais
influência apreciável dos campos gerados pela amostra magnética. Então nesta superfície
temos H − H 0 = 0 . Com a equação (4.8.13) segue então que nesta superfície as derivadas
espaciais de Φ são pequenas da ordem ( t fim − tin ) . Termos espacialmente constantes em
−1

Φ podemos excluir deste campo. Como na (4.8.15) entra uma derivada temporal de Φ ,
concluímos que a contribuição do termo c), quando integrado no tempo, vai para zero no
limite ( t fim − tin ) → ∞ . Com o termo d) podemos argumentar de forma análoga:

∂B 3  ∂B  3
∫∫∫ ( ∇Φ ) ⋅
V0 ∂t
d r = ∫∫∫
V0
div Φ d r
 ∂t 
=

(4.8.16)
∂B
= ∫∫ Φ ∂t ⋅ dS
∂V0

A integral temporal disso obviamente vai também para zero no limite ( t fim − tin ) → ∞ . Pois

Φ é da ordem ( t fim − tin ) na superfície ∂V0 e o outro termo ∂B / ∂t também.


−1

Outros tipos de trabalho como o trabalho de Joule são zero no limite ( t fim − tin ) → ∞ , pois
tanto o campo elétrico induzido como as correntes induzidas são da ordem ( t fim − tin ) .
−1

Para um processo de magnetização quase estático, temos então

88
t fin
∂M
WM = ∫∫∫ ∫ B
V0 tin
0 ⋅
∂t
dt d 3 r (4.8.17).

Num processo infinitesimal podemos substituir o campo B0 ( t ) na integração temporal pelo


campo B0 ( tin ) e podemos efetuar a integração temporal:

= ∫∫∫ B ( r , t ) ⋅ δM ( r ) d r
3
WM 0 in (4.8.18),
V0

onde δM ( r ) = M ( r , t fim ) − M ( r , tin ) . Obviamente δM ( r ) é diferente de zero somente


no volume da amostra. Por esta razão não muda nada se integrarmos apenas sobre o volume
da amostra:
= ∫∫∫ B ( r , t ) ⋅ δM ( r ) d r
3
WM 0 in (4.8.19).
VA
տ !
Esta valiosa redução do volume de integração V0 → VA só foi possível por causa da
subtração da energia do campo externo.

89
90
5. Consequências da existência da entropia
5.1 A relação fundamental e as equações de estado
A primeira lei da termodinâmica permitiu definir a energia interna e consequentemente o
calor. Usamos a primeira lei para definir a forma diferencial do calor reversível
Q = dU − W (5.1.1)
Esta forma diferencial entra na definição da entropia. Temos para sistemas sem paredes
adiabáticas internas
Q 1 1
dS = = dU − W (5.1.2)
T T T
Com as variáveis de trabalho X k , podemos escrever a forma diferencial do trabalho
reversível como
W = ∑ wk dX k (5.1.3)
k

onde os wk são funções de estado. Inserindo (5.1.3) em (5.1.2), obtemos


1 w
dS = dU − ∑ k dX k (5.1.4)
T k T

Existem processos que alteram U sem alterar as variáveis de trabalho. Se um sistema tem
n − 1 variáveis de trabalho X 1 , X 2 , ..., X n−1 independentes, as n variáveis
U , X 1 , X 2 , ..., X n−1 são independentes. No capítulo de introdução, afirmamos que a
termodinâmica introduz apenas duas grandezas novas: a energia interna U e a entropia S .
Por enquanto trabalhamos apenas com sistemas que não podem trocar matéria com o
ambiente. Chamaremos este tipo de sistema de fechados. Da equação (5.1.4) podemos então
concluir que para a descrição termodinâmica de um sistema fechado com n-1 variáveis de
trabalho X 1 , X 2 , ..., X n−1 independentes, as n variáveis U , X 1 , X 2 , ..., X n−1 formam um
sistema de coordenadas amplo suficiente para a descrição termodinâmica do sistema. Esta
conclusão usa o seguinte argumento: se tivesse mais coordenadas Y1 , Y2 , ......, YM os
coeficientes das diferenciais dY1 , dY2 , ......, dYM na expressão da diferencial dS seriam
zero:
1 w
dS = dU − ∑ k dX k + 0 ⋅ dY1 + 0 ⋅ dY2 + ........ + 0 ⋅ dYM (5.1.5)
T k T
Com o teorema de Clairaut e Schwarz, podemos então concluir que todos os outros
coeficientes 1/ T , w1 / T , ......, wn−1 / T são independentes das coordenadas Y1 , Y2 , ......, YM .
Estas coordenadas podem até existir, mas com as grandezas
S , T , U , X 1 , X 2 , ..., X n −1 , w1 , ..., wn −1 teremos um conjunto autosuficiente e dentro dele
podemos trabalhar sem o uso das coordenadas Y1 , Y2 , ......, YM . Estas podem ser excluídas da

91
descrição termodinâmica. Podemos então expressar a entropia de um dado sistema como
função das variáveis U , X 1 , X 2 , ..., X n −1 :

S = S (U , X 1 , X 2 , ..., X n−1 ) (5.1.6)

A teoria geral não pode dizer qual é a forma explícita desta função. Para um dado sistema
concreto temos que determinar S = S (U , X 1 , ..., X n −1 ) experimentalmente ou através de
um cálculo de mecânica estatística. A forma explícita de S = S (U , X 1 , ..., X n −1 ) contém
toda informação sobre a termodinâmica de equilíbrio do sistema. Ela é chamada de relação
fundamental do sistema na representação de entropia. Tendo a relação fundamental
1 w1 wn −1
S = S (U , X 1 , ..., X n −1 ) , podemos especialmente calcular as grandezas , , ........,
T T T
como funções de U , X 1 , X 2 , ..., X n −1 simplesmente calculando as derivadas parciais de S.
As formas explícitas das relações
1  ∂S 
= 
T  ∂U  X1 , X 2 ,....., X n−1
w1  ∂S 
= 
T  ∂X 1 U , X ,....., X
2 n −1

⋅ (5.1.7)

wn −1  ∂S 
= 
T  ∂X n −1 U , X1 , X 2 ,....., X n−2
são chamadas de equações de estado na representação de entropia.
Ao invés de expressar a entropia em função de U , X 1 , X 2 , ..., X n −1 , poderíamos ter escrito
também U em função das variáveis S , X 1 , X 2 , ..., X n −1 . Voltando à equação (5.1.4)
podemos escrever
dU = TdS + ∑ wk dX k (5.1.8)
k

e a relação fundamental do sistema na representação de energia é a forma explícita de


U = U ( S , X 1 , X 2 , ..., X n −1 ) (5.1.9)

As equações de estado na representação de energia são as formas explícitas das relações

92
T = T ( S , X 1 , X 2 , ..., X n−1 )
w1 = w1 ( S , X 1 , X 2 , ..., X n −1 )
⋅ (5.1.10)

wn −1 = wn −1 ( S , X 1 , X 2 , ..., X n−1 )

As equações de estado contêm exatamente a mesma informação sobre o sistema como a


relação fundamental, já que se podem obter as equações de estado da relação fundamental
via diferenciação e a relação fundamental a partir das equações de estado, via integração.
Geralmente as equações de estado são mais acessíveis ao físico experimental. O físico
experimental vai considerar, por exemplo, a temperatura uma grandeza mais fundamental
que a entropia já que a temperatura pode ser medida por métodos mais diretos que a
entropia. A relação fundamental pode ser considerada uma compactação da informação.
Uma forma compacta de informação pode ser elegante, mas muitas vezes uma forma
extensa da mesma informação pode ser mais útil. A descrição de um sistema via equações
de estado é na verdade redundante. Com o teorema de Clairaut e Schwarz podemos concluir
que

 ∂wk   ∂T 
  = 
 ∂S  X  ∂X k  S , X
¬k
(5.1.11)
 ∂w   ∂w j 
 k  = 
 ∂X j  S , X ¬ j  ∂X k  S , X ¬k

onde o índice X ¬k significa que os X com índices diferentes de k são constantes. Estas
são relações entre as equações de estado mostrando que elas não são completamente
independentes. Relações do tipo (5.1.11) são uns dos principais resultados da
termodinâmica de equilíbrio. Elas relacionam grandezas que aparentam ser completamente
independentes.
Mais tarde veremos ainda outras representações além da representação da entropia e da
energia. Para um fluido simples, obtemos na representação da entropia T e P em função de
U e V.
T = T (U ,V ) e P = P (U , V ) (5.1.12)

Mas normalmente são usadas no lugar das equações (5.1.12) uma relação entre T, P e V e
uma que expressa U como função de T e V.
f ( T , P, V ) = 0 (5.1.13)

U = U (T ,V ) (5.1.14)

A equação de estado (5.1.13) é chamado equação térmica e a equação (5.1.14) é chamada


equação calórica. Como vimos acima, esta segunda equação de estado não pode ser
completamente independente da primeira. Temos para um fluido simples

93
1 P
dS = dU + dV (5.1.15)
T T
Tendo o objetivo de relacionar as equações (5.1.13) e (5.1.14), é obviamente útil expressar
dS nas coordenadas T e V , que são as coordenadas usadas na equação (5.1.14):
1   ∂U   ∂U   P
dS =   dT +   dV  + dV =
T   ∂T V  ∂V T  T
(5.1.16)
1  ∂U  1   ∂U  
=   dT +    + P  dV
T  ∂T V T   ∂V T 
Agora podemos aplicar o teorema de Clairaut e Schwarz e obtemos
1  ∂ 2U  1   ∂U   1  ∂ 2U  1  ∂P 
  = −   + P +  +   (5.1.17)
T  ∂V ∂T  T 2   ∂V T  T  ∂T ∂V  T  ∂T V
Novamente com o teorema de Clairaut e Schwarz podemos cancelar o lado esquerdo contra
 ∂U 
o segundo termo do lado direito. Do resto obtemos uma expressão para   que envolve
 ∂V T
apenas grandezas da equação térmica:

 ∂U   ∂P 
  =T   −P (5.1.18)
 ∂V T  ∂T V
Esta relação entre equação térmica e calórica é o primeiro resultado surpreendente que
 ∂U 
conseguimos deduzir da segunda lei da termodinâmica. Historicamente   foi medido
 ∂V T
por Gay-Lussac para gases em condições de gás ideal. O resultado experimental poderia ter
sido previsto com a segunda lei da termodinâmica. Ou interpretando o resultado
inversamente, a experiência de Gay-Lussac é um teste da segunda lei da termodinâmica. Na
experiência de Gay-Lussac um gás dentro de um recipiente A é deixado escapar livremente
dentro de um recipiente B que continha o recipiente A e vácuo. O recipiente B é isolado
adiabaticamente do ambiente do sistema. O gás não troca nem trabalho nem calor com o
ambiente nesta experiência. Por tanto U é constante no processo. Observou-se que a
temperatura que se estabelece depois do processo é igual à temperatura inicial do gás. Daí
 ∂U 
concluímos   = 0 para os gases usados na experiência.
 ∂V T

94
Fig. 5.1 Experiência de Gay-Lussac

5.2 Exemplos de relações fundamentais e das equações de estado


a) O gás ideal
Em estados de baixa densidade e alta temperatura, todos os gases obedecem à equação de
estado (térmico)
PV = N RT (5.2.1)
onde N é a quantidade de gás e R é a constante universal dos gases
( R = 8,314 Joule/ ( mol×Kelvin ) ). A quantidade N é uma grandeza dimensional cuja
unidade pode ser a partícula ou o mol. Para uma descrição termodinâmica completa,
precisamos de mais uma equação de estado que envolva a energia interna. Mas como vimos
na secção anterior esta equação de estado não é completamente independente da equação
(5.2.1). Vale a equação (5.1.18):

 ∂U   ∂P 
  =T   −P (5.1.18)
 ∂V T  ∂T V

Com a equação (5.2.1) obtemos:

 ∂U   NR 
  =T  −P = P−P = 0 (5.2.2)
 ∂V T  V 

95
Este valor coincide com o resultado da experiência de Gay-Lussac. Para determinar U ,
 ∂U 
basta então conhecer   . Com o teorema de Clairaut e Schwarz e com (5.2.2), temos
 ∂T V

 ∂  ∂U    ∂  ∂U  
    =    =0 (5.2.3)
 ∂V  ∂T V T  ∂T  ∂V T V
 ∂U   ∂U 
Então para um gás ideal   só pode ser uma função da temperatura:   = CV ( T ) .
 ∂T V  ∂T V
Mais tarde veremos detalhadamente qual o significado físico desta função. CV ( T ) pode ser
determinado experimentalmente ou pode ser calculado com a mecânica estatística. Por
exemplo, para os gases nobres, CV ( T ) é constante e tem o valor de 3RN / 2 . Para gases
moleculares, há uma dependência com a temperatura. A figura 5.2 mostra um gráfico de
CV (T ) / N de oxigênio ( O 2 ) e hélio (He). Como CV / N tem a mesma dimensão da
constante dos gases, é prático usar R como unidade e mostrar o quociente adimensional
CV / NR . Os dados foram obtidos com experimentos feitos à pressão atmosférica. Este
detalhe seria irrelevante se os gases fossem realmente ideais. Pois neste caso CV
dependeria somente da temperatura1. Na realidade o comportamento de oxigênio ( O 2 ) e
hélio (He) no intervalo de temperatura mostrado no gráfico e com pressões na ordem de
uma atmosfera não difere muito do comportamento de gás ideal. (Os desvios relativos da
densidade ficam na ordem de 1% a 2%

3,5 Fig. 5.2 Exemplo de CV para


os gases O2 e He .
3,0

2,5
Oxigenio
2,0 Helio
CV / NR

1,5

1,0

0,5

0,0
0 200 400 600 800 1000 1200 1400
T [K]

1 A mesma situação seria válida no caso do gás de van der Waals.

96
Obtemos U integrando CV ( T ) a partir de uma temperatura de referência Tr :
T
U ( T ) = U 0 + ∫ CV (T ′ ) dT ′ (5.2.4).
Tr

Para calcular a relação fundamental do gás, vamos calcular a entropia primeiramente em


função de T e V. A diferencial dS é:
 

1  ∂U   P
1 P  ∂U 
dS = dU + dV =    dT +   dV  + dV =
T T T   ∂T V  ∂V T  T
  (5.2.5).
 =0 
C NR
= V dT + dV
T V

O coeficiente de dT depende apenas de T e o coeficiente de dV depende apenas de V.


Então podemos integrar (5.2.5) sem ter que escolher um caminho de integração e obtemos
para a entropia:
T
CV (T ′ ) V
S (T ,V ) = S0 + ∫ dT ′ + NR ln (5.2.6).
Tr
T′ Vr

Para a construção da relação fundamental na representação de entropia, teríamos que


resolver a equação (5.2.4) para a temperatura T = T (U ) e substituir este resultado na
equação (5.2.6) para obtermos S em função de U e V. Faremos isto aqui para o caso de um
gás nobre. Para um gás nobre, as equações (5.2.4) e (5.2.6) tomam a forma:
3
U (T ) = U 0 + NR ( T − Tr ) (5.2.7)
2
e
3 T V
S (T , V ) = S0 + NR ln + NR ln (5.2.8)
2 Tr Vr
Solvendo (5.2.7) para T e substituindo o resultado na equação (5.2.8), obtemos a relação
fundamental na representação de entropia para um gás nobre
2 (U − U 0 )
Tr +
3 V
S (U , V ) = S0 + NR ln 3 NR + NR ln (5.2.9)
2 Tr Vr
Exercício: Obtenha as equações de estado a partir da equação (5.2.9).
Exercício: Desenhe as isotermas ( T = const. ) e as adiabáticas (curvas que descrevem
processos reversíveis e adiabáticas) no diagrama P-V.
Exercício: Calcule a relação fundamental na representação de energia a partir da equação
(5.2.9).

97
Exercício: CV para o gás O2 na faixa 100K ≤ T ≤ 1300K pode ser aproximadamente
descrito com a seguinte fórmula:
   
2
 Ω
CV (T ) ≈ NR × 2,5 +  
 T exp {Ω / 2T } − exp {−Ω / 2T }  
(5.2.10)
     
com Ω = 2785 K .
O ajuste dos dados com esta curva é mostrado na figura 5.3
Fig. 5.3 CV para o gás O 2
4
na faixa 100K ≤ T ≤ 1300K
Oxigenio com ajuste analítico.
Ajuste
3 Supondo que este gás
possa ser tratado como gás
ideal, calcule a entropia do
-1

2 gás. (Use métodos


CV R

numéricos).

0
0 200 400 600 800 1000 1200 1400
T [K]

b) O gás de van der Waals


Uma descrição de gases além do regime ideal que é pelo menos qualitativamente correta é
dada pela equação de estado de van der Waals:

 N 2a 
 P +  (V − Nb ) = NRT (5.2.11)
 V2 
onde a e b são constantes características do gás. Esta equação pode ser motivada por
modelos microscópicos. A constante b é proporcional ao volume ocupado pelas
moléculas. Na aproximação de gás ideal a ausência desta constante corresponde a uma
descrição do gás como um conjunto de moléculas puntiformes. Para baixas densidades
(V / N → ∞ ) a constante b é obviamente desprezível. O termo proporcional à a tem sua
origem na interação de van der Waals entre as moléculas.
Com o resultado (5.1.18), podemos agora determinar a forma geral da energia interna do
gás de van der Waals. Aplicando ( ∂ / ∂T ) V em ambos os lados da equação (5.2.11) obtemos

98
 ∂P  NR
  = (5.2.12).
 ∂T V V − Nb
Substituindo (5.2.12) em (5.1.18), obtemos
 ∂U  N 2a
  = 2 (5.2.13).
 ∂V T V
 ∂U   ∂C 
Chamaremos de novo   de CV e calculamos  V  com o teorema de Clairaut e
 ∂T V  ∂V T
Schwarz e com a equação (5.2.13)

 ∂CV   ∂  ∂U    ∂ N a 
2

 =
   =
   2 
=0 (5.2.14).
 ∂V T  ∂T  ∂V T   ∂T V V
Então CV só pode ser uma função da temperatura. Juntando este resultado com a equação
(5.2.13), podemos escrever a diferencial da energia interna do gás de van der Waals
N 2a
dU = CV (T ) dT + dV (5.2.15).
V2
Exercício: Determine U e S para o caso CV = const ..
c) Gases reais descritos com a expansão virial.
Em 1901 Heike Kamerlingh Onnes propôs uma generalização da lei dos gases perfeitos
para se descreverem gases não ideais usando uma expansão em série de potências da
densidade:

N  N
2
N
3

P = RT × + RT ×  B2 (T )   + B3 ( T )   + ....... (5.2.16)
V  V  V  
Os coeficientes B são chamados de coeficientes viriais e a fórmula é chamada de expansão
virial. O nome virial vem do latim: vis pl. vires substantivo feminino = força. Esta fórmula
permite descrever gases também para baixas temperaturas e altas densidades. Mais tarde
Joseph Edward Mayer mostrou que esta expansão resulta da mecânica estatística
naturalmente. A figura 5.4 mostra um exemplo do coeficiente B2 no gás H2 .
Fig. 5.4 B2 para H2 (dados tomados de R.D.
B2 [m /mol]

0,0 McCarty, L.A. Weber Nat. Bur. Sand. USA


3

Technical Note 617 (1972)

-4
Exercício: use os raciocínios
-1,0x10
desenvolvidos para as outras equações de
estado para avaliar como CV varia com a
-4
-2,0x10 densidade. Determine também a
discrepância percentual de N/V do H2 em
-3,0x10
-4 relação à previsão com PV = NRT para
100 150 200 250 300
temperatura ambiente e uma atmosfera de
T [K]
pressão.

99
d) O gás de fótons
Se mantermos as paredes de uma cavidade a uma temperatura T, o interior da cavidade
ficará preenchido com radiação eletromagnética em equilíbrio com as paredes. Esta
radiação é isotrópica e todas as características espectrais são determinadas pela temperatura
da cavidade. Este gás de fótons difere dos gases de moléculas porque o número de fótons
não é conservado. Fótons são emitidos e absorvidos nas paredes e o número de fótons é
determinado pelo volume e pela temperatura da cavidade.
Da eletrodinâmica sabemos que uma radiação isotrópica exerce uma pressão de radiação
U
P= (5.2.17)
3V
A energia interna do gás de fótons é obviamente proporcional ao volume da cavidade e o
fator de proporcionalidade só pode ser uma função da temperatura:
U = V ⋅ u (T ) (5.2.18)

Com a equação (5.1.18), podemos concluir:


 ∂U   ∂P  u′ u
u=  =T   −P =T −
 ∂V T  ∂T V 3 3
ou (5.2.19).
4u = Tu ′
Esta é uma equação diferencial para u que obviamente tem a solução geral

u =bT4 (5.2.20)

Resulta que a constante b não depende das propriedades da cavidade, mas ela é uma
constante universal ( b = 7,56591⋅10−16 J m -3 K −4 ). A formula (5.2.20) é a famosa lei de
Stefan-Boltzmann.
Exercício (não de termodinâmica): Mostre que b é relacionado com a constante de Stefan-
Boltzmann da seguinte forma: b = 4σ / c . Depois verifique os valores.
Exercício: Determine a entropia do gás de fótons como função de U e V .

e) Uma amostra ferromagnética acima da temperatura de Curie


Recordamos a equação (4.3.17) que da a forma diferencial do trabalho reversível de
magnetização
W = B0 ⋅ d (5.2.21)

100
Acima da temperatura de Curie, podemos aplicar esta formula também a substâncias
ferromagnéticas. Para estas temperaturas o processo de magnetização não tem os saltos de
Barkhausen que tornam a magnetização um processo irreversível. Com a equação (5.1.2)
obtemos
1
dS = ( dU − B0 ⋅ d ) (5.2.22).
T
Escrevendo esta diferencial nas coordenadas e T, obtemos
1  ∂U  1   ∂U  
dS =   dT +    − B0  d (5.2.23)
T  ∂T  T   ∂ T 
Podemos aplicar o teorema de Clairaut e SchwarzNos nos coeficientes das diferenciais d
e dT :
1  ∂ 2U  1   ∂U   1  ∂ 2U  1  ∂B0 
  = −   − B0+  −   (5.2.24)
T  ∂ ∂T  T 2   ∂ T  T  ∂T ∂  T  ∂T 
Aplicando novamente o teorema de Clairaut e Schwarz, podemos cancelar as derivadas
segundas e obtemos um resultado análogo à equação (5.1.18):
 ∂U   ∂B0 
  = B0 − T   (5.2.25)
 ∂ T  ∂T 
Poder-se-ia dizer: Naturalmente o campo B0 que aplicamos externamente na amostra não
depende da temperatura. Então a derivada no lado direito da equação (5.2.25) é zero. Mas
cuidado! Trata-se de uma derivada parcial mantendo o momento magnético da amostra
constante. Isto significa que a regra manda ajustar o campo B0 cada vez que a temperatura
da amostra muda de tal forma que não se altere. Com esta regra, B0 depende da
temperatura!
A equação térmica de estado do material ferromagnético acima da temperatura de Curie é a
lei de Curie-Weiss:
C
= B0 (5.2.26),
T −θ
onde C e θ são constantes características do material. θ é a temperatura de Curie. De
(5.2.25) calculamos
 ∂B0 
  = (5.2.27).
 ∂T  C
Podemos inserir esta derivada na equação (5.2.25) e podemos usar a equação de estado
(5.2.26) para calcular:
 ∂U  θ
  =− (5.2.28).
 ∂ T C

101
Estamos prontos para escrever a diferencial da energia interna:
θ  ∂U 
dU = − d +  dT (5.2.29)
C  ∂T 
∂2U  ∂U 
Com o teorema de Clairaut e Schwarz, concluímos que = 0 e que   é
∂ ∂T  ∂T 
apenas uma função de T . Com isso podemos integrar a diferencial (5.2.29) para obter a
forma geral da energia interna de uma substância ferromagnética acima da temperatura de
Curie:
θ
U =− 2
+ f (T ) (5.2.30)
2C
A função f ( T ) tem que ser determinada experimentalmente ou ser calculada com modelos
microscópicos.
Exercício: Calcule S para funções f ( T ) simples.

5.3 Capacidades térmicas, compressibilidades, coeficiente de dilatação e coeficiente de


tensão
Num processo que altera a temperatura de um sistema por um valor infinitesimal δT
define-se a capacidade térmica do sistema relativo ao processo como
Q
C processo = (5.3.1)
δT
onde Q é o calor recebido durante o processo. Especialmente interessam processos
reversíveis que prosseguem ao longo de um vetor infinitesimal a = δT = ε \ direção . Neste
caso a capacidade térmica do sistema relativo ao processo é determinada de maneira única
pelo sistema e pela direção do vetor a . Temos
1 
Cdireção = Q  δT = ε \ direção  (5.3.2)
 ε 
Dependendo da direção do vetor a , podemos ter capacidades térmicas positivas ou
negativas. A fig. 5.5 mostra as formas diferencias Q e dT e os setores de direções que
correspondem a capacidades térmicas positivas e negativas. Nas direções positivas Q e δT
têm o mesmo sinal e nas direções negativas eles têm sinais opostos.

102
Fig. 5.5 As direções de
capacidade térmica positiva e
negativa são determinadas pelas
formas diferenciais Q e dT.

Como Q = T dS e T > 0 ,
poderíamos ter usado dS no
lugar de Q na figura 5.4. Então
podemos caracterizar as
direções de C positivo e
negativo pelas isotermas (
T=const.) e as subvariedades de
S=const.. As subvariedades que
são caracterizadas pela
constância da entropia são
chamadas adiabáticas. Na figura 5.6 temos as direções de C positivo e negativo junto
com isotermas e adiabáticas de um
fluido.
Fig. 5.6 As direções de capacidade térmica
positiva e negativa são determinadas pelas
isotermas e adiabáticas.

Para um fluido as capacidades térmicas a volume constante e a pressão constante são de


especial interesse:
1 
CV = Q  δT = ε \ V  (5.3.3)
ε 
1 
CP = Q  δT = ε \ P  (5.3.4)
 ε 
CV é geralmente mais difícil de se medir que C P (para se manter um volume constante
precisa-se de paredes rígidas). Por outro lado CV é geralmente mais fácil de se calcular a

103
partir da mecânica estatística. Cálculos de mecânica estatística são geralmente feitos com
um volume V bem definido, e CV é diretamente relacionado com a energia do sistema:
temos com W = − P dV (para um fluido simples desprezando a tensão superficial)

Q = dU + PdV (5.3.5).

Aplicando ambos os lados de (5.3.5) no vetor ε −1 δT = ε \ V , obtemos usando a 2.4.10

 ∂U 
CV =   (5.3.6).
 ∂T V
Como CV é mais acessível para o teórico e C P é mais fácil de se medir, é então
interessante relacionar CV com C P . Primeiramente podemos observar que a forma
diferencial do calor reversível pode ser escrita com CV e C P . Escrevendo Q de forma
genérica como
Q = qP dP + qV dV (5.3.7)

e aplicando ambos os lados de (5.3.7) no vetor ε −1 δT = ε \ V , obtemos com 2.4.10

 ∂P 
CV = q p   (5.3.8).
 ∂T V

Da mesma forma podemos aplicar (5.3.7) no vetor ε −1 δT = ε \ P e obtemos

 ∂V 
CP = qV   (5.3.9).
 ∂T  P
Podemos resolver (5.3.8) e (5.3.9) para q p e qV e substituir os resultados na equação
(5.3.7) utilizando ainda 2.5.4:
 ∂T   ∂T 
Q = CV   dP + CP   dV (5.3.10)
 ∂P V  ∂V  P
Esta é a forma diferencial do calor reversível de um fluido nas coordenadas P e V . Vamos
ainda transformar esta forma diferencial nas coordenadas T e V . Com
 ∂T   ∂T 
dT =   dP +   dV (5.3.11)
 ∂P V  ∂V  P
obtemos

 ∂T 
Q = CV dT + ( CP − CV )   dV (5.3.12).
 ∂V  P
Por outro lado temos com W = − P dV e com a definição de Q

 ∂U   ∂U  
Q = dU − W =   dT +   + P  dV (5.3.13)
 ∂T V  ∂V T 

104
 ∂U 
Com a segunda lei da termodinâmica, podemos agora expressar   em termos de
 ∂V  T
grandezas da equação de estado térmico, utilizando a equação (5.1.18):

 ∂U    ∂P 
  + P = T   (5.1.18)
 ∂V T   ∂T V

e obtemos
 ∂U   ∂P 
Q=  dT + T   dV (5.3.14).
 ∂T V  ∂T V
Comparando a equação (5.3.14) com a (5.3.12) e utilizando o fato de que os vetores duais
dT e dV são linearmente independentes, podemos concluir que
 ∂U 
CV =   (5.3.15)
 ∂T V
e

 ∂T   ∂P 
(C p − CV )   =T 
 ∂V  p

 ∂T V
(5.3.16).

A equação (5.3.15) é simplesmente o resultado (5.3.6) que obtivemos acima aplicando a


forma diferencial do calor reversível diretamente no vetor ε −1 δT = ε \ V . A equação
(5.3.16) é uma consequência da existência da entropia. Ela relaciona, como a equação
(5.1.18), grandezas calóricas ( C p e CV ) com grandezas térmicas. Convém juntar as
grandezas térmicas num lado da equação:

 ∂P   ∂V 
( CP − CV ) = T     (5.3.17)
 ∂T V  ∂T  P

A derivada ( ∂P / ∂T )V é relacionada com uma grandeza chamada coeficiente de tensão


isocórico
1  ∂P 
β=   (5.3.18)
P  ∂T V

Esta grandeza é de difícil acesso experimental porque teríamos que medir o aumento da
pressão a volume constante. Para líquidos a constância do volume pode significar uma
exigência limitante sobre a rigidez das paredes do recipiente que contém o líquido. Por este
motivo, vamos eliminar a derivada ( ∂P / ∂T )V da equação (5.3.17). Com a equação 2.5.7
temos:

105
 ∂P   ∂V   ∂T 
      = −1 (5.3.19)
 ∂T V  ∂P T  ∂V  P
Com isso a equação (5.3.17) toma a forma
2
 ∂V  
  
  ∂T  p 
C p − CV = T (5.3.20).
 ∂V 
− 
 ∂P T
Podemos escrever esta equação com a compressibilidade isotérmica
1  ∂V 
κT = −   (5.3.21)
V  ∂P T
e com o coeficiente de expansão
1  ∂V 
α=   (5.3.22)
V  ∂T  P
na forma
V α2
C p − CV = T (5.3.23).
κT

Mais tarde mostraremos que κT é sempre positivo. Então podemos concluir que C p ≥ CV
sempre.
Exercício: Mostre que para a capacidade térmica Cdireç ão da equação (5.3.2) vale
CP − CV
Cdireção − CV = (5.3.24)
 ∂V   ∂P 
1−    
 ∂P T  ∂V  direção
Das propriedades das capacidades térmicas C p e CV podemos concluir propriedades
importantes das isotermas e adiabáticas de um fluido:

Teorema:
Se CV > 0 e C p − CV > 0 , então as isotermas e adiabáticas no diagrama P-V
têm inclinação negativa e as adiabáticas são mais íngremes.
 ∂P   ∂P 
(Isto é   <  <0 )
 ∂V  S  ∂V T

Demonstração: Com a equação (5.3.20), temos

106
2
 ∂V    ∂P 
CP − CV = −T      (5.3.25).
 ∂T  P   ∂V T
 ∂P 
Então com a hipótese CP − CV > 0 segue   < 0 . Com CV > 0 e CP − CV > 0
 ∂V T
temos CP / CV > 1 . Temos

 ∂S 
CP TdS ε δT = ε \ P   ∂T  P  ∂S 
 
−1
 ∂T 
= = =    (5.3.26).
CV TdS ε −1 δT = ε \ V   ∂S   ∂T  P  ∂S V
   
 ∂T V
 ∂P   ∂P   ∂P   ∂T 
Multiplicando esta equação com   e usando   = −    (eq. 2.5.7 e
 ∂V T  ∂V T  ∂T V  ∂V  P
2.5.4), obtemos
CP  ∂P   ∂S   ∂T   ∂P   ∂T 
  = −        (5.3.27).
CV  ∂V T  ∂T  P  ∂S V  ∂T V  ∂V  P
a

Aplicando duas vezes a equação 2.5.4, obtemos


CP  ∂P   ∂S   ∂P 
  = −    (5.3.28),
CV  ∂V T  ∂V  P  ∂S V
a

e mais uma vez a equação 2.5.7

CP  ∂P   ∂P 
  =   (5.3.29).
CV  ∂V T  ∂V  S

 ∂P   ∂P 
Com CP / CV > 1 obtemos finalmente   >   .
 ∂V T  ∂V  S

Com esta demonstração obtivemos mais uma relação importante: a equação (5.3.29).
Podemos escrevê-la também com a compressibilidade isentrópica
1  ∂V 
κS = −   (5.3.30)
V  ∂P  S
e com a compressibilidade isotérmica na forma
CV
κS = κT (5.3.31).
CP

107
Exercício: mostre a seguinte equação:
TV α 2
κT = κ S + (5.3.32).
CP

Exercício. Calcule CP − CV para o gás ideal e para o gás de van der Waals.
Exercício: construa isotermas para o gás de van der Waals e faça gráficos num
computador.
Exercício. Calcule as adiabáticas de um gás ideal numa região onde CV ≈ const . .

108
6. Aplicações técnicas
Com os conceitos elaborados nos capítulos 3- 5, podemos discutir algumas aplicações
técnicas. Discutiremos primeiramente termômetros.
6.1 Termômetros
A grande maioria dos termômetros usados nos laboratórios, fábricas e casas não fornece
internamente valores de temperaturas termodinâmicas, mas temperaturas empíricas.
Para poder interpretar estes valores como temperaturas termodinâmicas, é preciso
calibrar os termômetros, ou seja, comparar o termômetro empírico com termômetros
que medem a temperatura termodinâmica e assim estabelecer uma relação entre valores
da escala empírica e valores da escala termodinâmica . Estes últimos são chamados de
termômetros primários enquanto os termômetros que precisam de uma calibração são
chamados de termômetros secundários. Quando compramos um termômetro,
geralmente esta calibração já foi feita pelo fabricante. Desta forma o usuário já lê
temperaturas da escala termodinâmica. Mas o físico deveria saber que o valor indicado
envolve uma conversão entre escalas e é baseado numa calibração e ele deveria saber
como esta pode ser feita.
Na calibração o termômetro a ser calibrado é posto em contato térmico com um corpo
junto com um termômetro primário. O sistema todo é isolado termicamente e tem que
atingir um estado de equilíbrio térmico. Em seguida as duas medidas são registradas. É
fundamental que se espere que o sistema composto entre em equilíbrio. É um erro
frequente fazerem-se estes processos de calibração com pressa. Isto pode provocar erros
consideráveis na calibração. É aconselhável fazerem-se cálculos quantitativos para
avaliar o tempo necessário de espera para garantir um equilíbrio compatível com a
exigência da precisão da calibração. Aprenderemos como se fazem estes cálculos na
parte da termodinâmica fora de equilíbrio. Este tipo de registro é repetido para diversos
valores de temperatura para estabelecer uma correlação entre valores dos dois
termômetros. A figura 6.1 mostra um exemplo de uma correlação de dados de
calibração de um termistor NTC. Um termistor é um resistor elétrico cuja resistência
depende fortemente da temperatura. No caso dos termistores NTC (Negative
Temperature Coefficient) a dependência entre resistência e temperatura é
monotonicamente decrescente (então a condutância (1/R) pode ser considerada uma
escala empírica de temperatura). Os termistores NTC são constituídos de materiais
semicondutores e a queda da resistividade com aumento de temperatura é devido a um
aumento de portadores (elétrons na banda de condução ou buracos na banda de
valência) provocado por excitação térmica. Existem também termistores PTC. Para eles
esta dependência é monotonicamente crescente.

120
Fig. 6.1 Dados de calibração de um termistor NTC
(LTDT103F3435). No caso a temperatura é
100 especificada em oC. O valor absoluto é obtido somando
273,15 K. A correlação pode ser ajustada com a
80
seguinte função:
R ( T ) = A exp { B / T }
R [kΩ]

60

40
com:
A = 2, 21552 × 10 −4 kΩ e B = 3195, 82 K
20

0
-20 0 20 40 60 80 100
o
θ [ C]
O que se nota no gráfico é que o termistor não
fornece um meio de medir temperatura para qualquer valor. Para temperaturas acima de

113
100 oC a variação da resistência com a temperatura é pequena. Além disso, existe uma
temperatura máxima à qual se pode expor este elemento sem danificá-lo. Isto é uma
característica geral dos termômetros; cada método de medir temperatura funciona
apenas dentro de certo intervalo.
Como podemos ver, o termistor da figura 6.1 possui alta sensibilidade para temperaturas
baixas, e nesta faixa ele é um elemento muito útil para medidas com elevada precisão.
Mas alta sensibilidade não é o único critério na escolha de um termômetro. A
reprodutibilidade também pode ser um fator importante. Os materiais envolvidos num
termômetro podem sofrer alterações com o tempo e desta forma alterar as características
do termômetro.
Um termômetro que usa resistividade como escala empírica que possui alta
reprodutibilidade é um de resistor de platina. Este tem duas outras vantagens: a relação
entre mudança de temperatura e mudança de resistência é altamente linear e a faixa de
operação é grande. Podemos utilizar termômetros resistivos de platina até 660 oC.
Acima deste valor há perigo de contaminar a platina com difusão de materiais dentro
dela. Infelizmente a relação entre resistividade e temperatura da platina depende um
pouco do seu grau de pureza. Para a maioria dos sensores de temperatura de platina,
valem as seguintes relações:
a) para 273 K ≤ T ≤ 1123K :
{
R (T ) = R0 × 1 + A × (T − T0 ) + B × (T − T0 )
2
} (6.1.1)
e b) para 73K ≤ T ≤ 273K
{
R (T ) = R0 × 1 + A × (T − T0 ) + B × (T − T0 ) + C × (T − T0 ) × (T − T1 )
2 3
} (6.1.2)
onde
A = 3, 9083 × 10−3 K −1 (6.1.3)
−7 −2
B = −5, 775 × 10 K (6.1.4)
−12 −4
C = −4,183 × 10 K (6.1.5)
T0 = 273,15 K e T1 = 373,15 K (6.1.6)
Como os coeficientes B e C são bem pequenos, temos um comportamento
razoavelmente linear. Para poder avaliar isto intuitivamente, colocamos um gráfico da
relação (6.1.1) (expressando T
em oC) para o intervalo de
2,2 temperaturas 0oC até 330oC.
Com muito cuidado pode-se ver
2,0
uma curvatura.
1,8
R/R0

1,6 Fig. 6.1 Resistência de Pt em função


da temperatura.
1,4

1,2
Infelizmente o coeficiente A
1,0 não é grande. Um grau de
0 50 100 150 200 250 300 elevação da temperatura altera o
o
θ [ C] valor do resistor por menos de
1%. Geralmente os termômetros
de platina são usados para
medidas de alta precisão. Então tipicamente quer-se medir a temperatura com precisão

114
de 0,01K ou até com 0,001K. Uma variação da temperatura tão pequena provocaria uma
variação da resistência de δR / R ≈ 3,9 ×10 −5 ou, no caso de δT = 0, 001K , teremos
δR / R ≈ 3,9 ×10 −6 . Isto significa que o ohmímetro empregado deve ser de extrema
qualidade. Mesmo a resistência dos fios que ligam o resistor de platina ao ohmímetro
poderia prejudicar a medida. Existe uma maneira elegante de se livrar da influência
destes fios com o método de quatro fios: ligam-se dois fios em cada perna do resistor de
platina. Um é usado para injetar uma corrente conhecida e o outro é usado para medir a
diferença de potencial no resistor, como indicado na figura 6.3 . Como o voltímetro tem
resistência interna alta não há praticamente queda alguma de potencial nos fios que
levam ao voltímetro, mesmo com uma pequena resistência dos fios. Há uma queda de
potencial nos fios de corrente, mas esta queda de potencial não entra na determinação
do valor da resistência da platina.

Fig. 6.3 Medida de resistência com o


método de 4 fios.
I
Pt V

Há ainda uma outra possível fonte de


imprecisão. Filmes de umidade
podem criar condutividades parasitas
em paralelo ao resistor de platina.
Para se evitar este erro o resistor de
platina deve ser encapsulado num estado seco e os isolamentos dos quatro fios ligados
no resistor devem terminar dentro da cápsula como mostrado na figura 6.4.

Fig. 6.4 Uma cápsula evita condutividades parasitas formadas por filmes de água e sujeira na superfície
do resistor de platina.

resistor

Cápsula

cola impermeável

Existe ainda uma outra classe de termômetros elétricos que não usam condutividade: os
termopares. A base da medição é o efeito termoelétrico ou efeito Seebeck1 . Quando se

1
Thomas Johann Seebeck (1770 (Reval Estonia) – 1831 (Berlin) descobriu o efeito eletrotérmico em
1821. Ele também descobriu amálgama de potássio, estudou as propriedades magnéticas de cobalto e
níquel e descobriu atividade óptica de soluções de açúcar.

115
monta um circuito de uma malha feito de dois arames de materiais diferentes e um
voltímetro, aparece uma voltagem no medidor quando as duas junções dos metais
tiverem temperaturas diferentes (compare a Figura 6.5). A diferença de potencial é em
boa aproximação, proporcional à diferença de temperatura das junções. A constante de
proporcionalidade depende da combinação dos metais e pode ser obtida como
diferenças de coeficientes características dos dois metais. A tabela 6.1 fornece valores
destes coeficientes.

Fig. 6.5 Efeito Seebeck


metal B

Tquente V Tfrio
metal A metal A

Tabela 6.1 Coeficientes termoelétricos

Material Coeficiente [mV/100 K]


Constantan -3,2
Níquel -1,9
Platino 0,00 (por definição)
Tungstênio 0,7
Cobre 0,7
Ferro 1,9
Níquel-Cromo 2,2
Silício 45

Então se construirmos, por exemplo, um termopar com um arame de cobre e um arame


de ferro para cada 100 K de diferença de temperatura apareceria no voltímetro uma
voltagem de 1, 2 × 10−3 V=1,9 mV-0,7 mV . Como podemos ver, as voltagens são
pequenas. Então é difícil medir com boa precisão. Mas estes termopares têm duas
vantagens em comparação com os termômetros baseados em resistividades. Eles podem
ser usados numa faixa muito ampla de temperatura e estes termômetros possuem uma
capacidade térmica muito pequena. Na parte da termodinâmica fora de equilíbrio,
veremos que isto significa que estes termômetros possuem um tempo de resposta curto,
ou seja, eles medem rapidamente.
Uma desvantagem dos termopares é a necessidade de uma temperatura de referência.
Pois o termopar mede apenas diferenças de temperatura. Muitos multímetros são
vendidos com termopar. Eles têm internamente um termistor para medir a temperatura
de uma das junções, e com a medida da voltagem do termopar, o aparato calcula a
temperatura da ponta de prova, que fica na extremidade de uma vareta flexível. A
precisão é geralmente baixa, em torno de 1 K.
A grande vantagem de todos os termômetros elétricos é a facilidade de aquisição de
dados de forma automática. Os velhos termômetros de mercúrio, que usam medidas de
volume de uma dada quantidade de mercúrio dentro de um recipiente de vidro, atingem
boa precisão (tipicamente 0,05K). Mas a aquisição de dados é geralmente feita pelo ser
humano e estes termômetros também são muito lentos. Uma boa medida de temperatura
com um termômetro de mercúrio pode levar 15 minutos ou mais.

116
Há certas situações que não permitem o uso de termômetros elétricos. Imagine, por
exemplo, que queiramos medir a temperatura de um objeto dentro de um forno de
microondas. Naturalmente este objeto não estaria em equilíbrio termodinâmico
enquanto o forno estiver ligado. Temos aqui um exemplo de como na prática o conceito
de temperatura é estendido para situações fora de equilíbrio. Neste caso deveríamos
perguntar pela definição de temperatura!. Bem, uma saída seria definir temperatura
nesta situação simplesmente pelos valores que o termômetro indica. Mas isto pode
depender do tipo de termômetro. Um termômetro que contém partes metálicas daria
dentro de um forno de microonda leituras tão pouco sistemáticas que não parece
prudente definir uma temperatura com estes termômetros. Um tipo de termômetro ideal
para esta situação seriam termômetros de fibra óptica com redes de Bragg2.
Uma fibra óptica é um guia de onda para luz. Geralmente é um fio de vidro de sílica
(SiO2) de 120 µm de diâmetro que possui no centro uma região de tipicamente 4 µm
de diâmetro com um vidro de índice de refração ligeiramente maior. Luz pode ser
guiada por este núcleo. Este tipo de guia de onda é frequentemente usado em sistemas
de telecomunicação. Pode-se transformar uma fibra destas num termômetro gravando
dentro do núcleo da fibra uma estrutura periódica com ajuda de luz ultravioleta, que
altera as propriedades do vidro de forma permanente.

Fig. 6.6 Um pedaço pequeno de uma fibra óptica com rede de Bragg.

luz incidente
núcleo luz refletida

rede de Bragg

A figura 6.6 mostra uma fibra com este tipo de estrutura periódica. O que é mostrado da
figura como região escura é na verdade uma região com um índice de refração alterado.

2
Sir William Lawrence Bragg (* 1890 North Adelaide Austrália, † 1971) Filho de Sir William Henry
Bragg (* 1862, † 1942). Em 1915 os dois ganharam juntos o premio Nobel de Física pelos trabalhos sobre
espalhamento de raio-X em redes cristalinas. Os raios podem ser refletidos em planos cristalinos
equidistantes e paralelos. As redes de Bragg em fibras ópticas foram descobertas muito depois em 1978
por K.O. Hill e são apenas uma analogia na faixa óptica da reflexão de Bragg. Hill, K.O. (1978).
"Photosensitivity in optical fiber waveguides: application to reflection fiber fabrication". Appl. Phys. Lett.
32: 647. doi:10.1063/1.89881 Meltz, G.; et al. (1989). "Formation of Bragg gratings in optical fibers by a
transverse holographic method". Opt. Lett. 14: 823. doi:10.1364/OL.14.000823

117
Estas regiões têm um espaçamento regular formando, então, uma rede. Quando uma
onda luminosa propaga dentro do núcleo da fibra, cada uma das regiões reflete uma
fração minúscula da luz incidente. Esta parcela refletida é tão pequena que seria
praticamente imperceptível. Somente quando o comprimento da onda dentro da fibra
casa com as distâncias entre estas regiões de tal forma que todas as reflexões se somem
construtivamente há uma onda refletida apreciável. Se acoplarmos luz branca na fibra,
um só comprimento de onda será refletido. O comprimento de onda refletido depende
da temperatura da fibra. Pois o índice de refração, que influencia os comprimentos de
onda, depende da temperatura. O espaçamento das estruturas periódicas também muda
um pouco com a temperatura. Analisando o comprimento de onda da luz refletida,
pode-se determinar a temperatura da fibra. Infelizmente a variação do comprimento de
onda com a temperatura é muito pequena:
δλ
= 6, 67 × 10 −6 K −1 (6.1.7)
λ δT
Se pretendermos medir a temperatura com precisão de 0,1 K, teríamos que analisar os
comprimentos de onda com uma precisão relativa melhor que 10−6 . Isto é possível, mas
requer aparelhagem cara. As vantagens que estes termômetros de rede de Bragg têm
são: extremamente pequena capacidade térmica, portanto medidas muito rápidas,
temperaturas em diferentes pontos espaciais podem ser medidas simultaneamente com
uma única fibra e este termômetro pode operar dentro de campos eletromagnéticos
como, por exemplo, dentro de um forno de microonda ou em ambientes com ruídos
eletromagnéticos.
Fig. 6.7 Sir Chandrasekhara Venkata Raman
Os termômetros apresentados até agora requerem um contato
físico com o corpo cuja temperatura deve ser medida. Existem
termômetros que permitem medir à distância. O mais comum
utiliza a radiação térmica emitida pelos corpos. As
características espectrais desta radiação permitem determinar a
temperatura do objeto que emite a radiação. Este método é
muito elegante e funciona também para temperaturas
extremamente altas como, por exemplo, a temperatura do Sol
ou a temperatura dentro de um alto forno. O método pode levar
a erros por que depende de hipóteses sobre a emissividade do
corpo a ser medido. Há ainda outra medida de temperatura à distância usando radiação,
mas não a radiação térmica emitida pelo corpo. Trata-se de luz espalhada
inelasticamente em moléculas. Este fenômeno do espalhamento inelástico de luz é
conhecido como efeito Raman3

3
Sir Chandrasekhara Venkata Raman (* 1888-Tiruchirapalli ,
Tamil Nadu India, † 1970) Efeito Rama 1928 Premio Nobel em 1930. O espalhamento inelástico de luz
foi descoberto independentemente por Leonid Isaakovich Mandelshtam Леанід Ісаакавіч Мандэльштам
(* 1879 Belarússia, † 1944) e Grigory Samuilovich Landsberg (Григорий Самуилович Ландсберг
(* 1890, † 1957) com quartzo e Kariamanickam Srinivasa Krishnan e C. V. Raman em líquidos. G.S.
Landsherg, L.I. Mandelstam, "New phenomenon in scattering of light (preliminary report)", Journal of
the Russian Physico-Chemical Society, Physics Section. 1928. V. 60. p. 335. G. Landsberg,
L.Mandelstam, "Eine neue Erscheinung bei der Lichtzertreuung", Naturwissenschaften. 1928. В. 16. S.
557. G.S. Landsherg, L.I. Mandelstam, "Uber die Lichtzerstrenung in Kristallen", Zeitschrift fur Physik.
1928. В. 50. S. 769. Raman C.V., "A new radiation", Ind. J. Phys. 1928. V. 2. P. 387.

118
Os fótons incidentes são espalhados com uma frequência (energia) diferente da
frequência (energia) incidente. A diferença de energia fica com a molécula que espalhou
a luz. Esta diferença pode ser positiva ou negativa. Ou seja, a molécula pode ganhar
energia ou perder energia. O primeiro caso (linhas Stokes) é muito mais frequente que o
segundo (linhas anti-Stokes). Para que um espalhamento de um fóton gere um fóton da
linha anti-Stokes é necessário que a molécula esteja num estado excitado quando ocorre
o espalhamento. A quantidade de moléculas presentes num estado excitado depende da
temperatura. Desta forma a medida das intensidades relativas de uma linha anti-Stokes
em relação à linha Stokes correspondente permite a determinação da temperatura de um
gás molecular. Esta medida pode ser feita à distância. Como fonte de luz incidente usa-
se geralmente um laser potente e muito monocromático.
Este termômetro, que utiliza o efeito Raman, é um termômetro primário. Infelizmente
precisamos da mecânica estatística para entender a maioria dos termômetros primários.
Muitos deles, inclusive o termômetro Raman, usam o fato de que a probabilidade de
encontrar um pequeno sistema num estado i com energia Ei quando o sistema está em
contato com um reservatório térmico de temperatura T é dada por
 E 
exp − i 
pi =  k BT  (6.1.8)
 En 
∑n exp − k T 
 B 
−23 −1
onde k B = R × partícula = 1, 38066 × 10 J K é a constante de Boltzmann. Somente na
mecânica estatística, teremos condições de entender este resultado. Por exemplo, no
caso do termômetro do efeito Raman, sabemos que a intensidade de uma linha anti-
Stokes é proporcional ao número de moléculas no estado excitado que dá origem à
linha. Este número é proporcional à probabilidade do estado. Por outro lado a
probabilidade de um espalhamento Stokes é proporcional ao número de moléculas no
estado fundamental. As duas constantes de proporcionalidade são iguais, tratando-se do
mesmo par de níveis energéticos. A figura 6.8 mostra esquematicamente a relação entre
transições e linhas espectrais
da luz espalhada.
Fig. 6.8 Relação entre
intensidade

probabilidades de estados
IS excitados e intensidades de luz das
linhas anti-Stokes e Stokes.
I aS  ∆E 
= exp  − 
IS  kT 

IaS

νS ν0 νaS ν Há outros termômetros


primários que usam a
νS νaS fórmula (6.1.8). A faixa de
ν0 ν0
temperatura do termômetro

119
depende dos valores de energia Ei dos estados i envolvidos. Este tipo de termômetro
é apropriado para temperaturas da ordem de ∆E / k B onde ∆E é um valor típico de
diferenças de energia entre estado vibracional excitado e estado fundamental.
Exercício: O crescimento da capacidade térmica CV (T ) do oxigênio que conhecemos
no capítulo 5 (Figuras 5.2 e 5.3 e equação 5.2.10) se deve ao fato de que as vibrações da
molécula não participam do armazenamento de energia térmica quando k BT for muito
menor que as quantas de energia da oscilação; e quando k BT for da mesma ordem de
grandeza ou maior, as vibrações da molécula contribuem para a capacidade térmica. Por
outro lado, são exatamente os níveis energéticos vibracionais das moléculas que causam
o efeito Raman. Use a figura 5.3 ou a fórmula 5.2.10 para estimar a faixa de temperatura
que pode ser medida com o efeito Raman.
Podem-se construir termômetros primários que usam a fórmula (6.1.8) e que são
apropriados para temperaturas bem perto do zero absoluto, na faixa de mili-Kelvin. Para
estes termômetros precisa-se de sistemas com energias na faixa de 10-26 J. Energias tão
pequenas podem ser estabelecidas com muita precisão colocando núcleos atômicos num
campo magnético externo. Os momentos magnéticos dos núcleos podem-se orientar no
campo e cada orientação tem um valor de energia associado. Medindo a distribuição de
orientações, usando decaimentos radioativos que emitem radiação gama, pode-se inferir
a temperatura.
Outro termômetro primário que precisa de teoria sofisticada da mecânica estatística usa
ruídos elétricos de um resistor. Nos terminais de um resistor de temperatura T
aparecem pequenas voltagens que flutuam de forma irregular. Este fenômeno é
conhecido como Ruído de Johnson-Nyquist4. A média destas voltagens é zero, mas a
média dos quadrados, não. A densidade espectral destas flutuações quadráticas, que é
definida como
∞ T
1
f ( v ) = ∫ lim V ( t ) V ( t + τ ) dt exp {i 2πντ} d τ
T →∞ 2T ∫
(6.1.9),
−∞ −T
é uma função conhecida da temperatura do resistor:
2 Rhν
f (ν) = (6.1.10).
exp {hν / k BT } − 1
Nesta equação R é o valor da resistência, k B é a constante de Boltzmann e h a
constante de Planck. Para baixas frequências esta fórmula descreve um “ruído branco”,
isto é, um ruído que é independente da freqüência:
f ( ν ) = 2 Rk BT (6.1.11).
A medida precisa destas flutuações é difícil e geralmente é feita somente em
laboratórios altamente especializadas.
Os únicos termômetros primários que podemos entender com a termodinâmica
fenomenológica são as máquinas de Carnot (compare capitulo 4.5) e termômetros que
usam gases muito rarefeitos de tal forma que possam ser descritos pela lei dos gases
perfeitos. Nestes podemos medir diretamente o produto de pressão e volume, ou
podemos usar a velocidade do som no gás para medir a temperatura.

4
Bert Johnson (* 1887, † 1970), Herry Nyquist (* 1889, † 1976) Ambos americanos oriundos da Suécia.

120
Imagine gás dentro de um tubo cilíndrico como mostrado da figura 6.9

u(x) u(x+ε) Fig. 6.9


Deslocamentos
de gás dentro
de um tubo com
onda sonora.

x x+ε

Para poder entender a dinâmica de uma onda sonora precisamos da força que atua sobre
um volume de gás contido entre as posições x e x + ε . Esta força é obviamente dada
por
F = A × {P ( x ) − P ( x + ε )} (6.1.12),
onde A é a área de sessão transversal do tubo. As pressões devem variar pouco em
torno da pressão média P :
P ( x ) = P + δP ( x ) (6.1.13).
Podemos relacionar a variação da pressão com a compressibilidade κ e com a
variação relativa de volume
1 δV
δP = − (6.1.14).
κ V
Se definimos deslocamentos u ( x ) do gás em cada ponto x , obtemos da figura 6.9:
δV A × ( u ( x + ε ) − u ( x ) ) ∂u
= = (6.1.15).
V A× ε ε infinitesimal ∂x
Inserindo isto na (6.1.12), podemos escrever a segunda lei de Newton para o volume de
gás entre x e x + ε :
∂ 2u A ∂ 2 u
ρ Aε 2 = ε 2 (6.1.16),
∂t κ ∂x
onde ρ é a densidade média do gás. Isto é uma equação de onda
∂ 2u ∂ 2 u
κρ 2 = 2 , (6.1.17),
∂t ∂x
com uma velocidade de propagação de
1
c= (6.1.18).
ρκ
Ingenuamente poder-se-ia usar para κ a compressibilidade isotérmica κT = 1/ P . Mas
isto leva a um resultado errado5. As oscilações sonoras ocorrem tão rapidamente que
não há tempo para troca de calor. Uma descrição da onda sonora mais adequada usa
para κ a compressibilidade adiabática (compare equação (5.3.31)).

5
Sir Isaac Newton calculou a velocidade do som com a compressibilidade isotérmica e os resultados
coincidiam com os valores experimentais apenas na ordem de grandeza. A discrepância era maior que a
imprecisão experimental. Pierre-Simon marquês de Laplace percebeu que a velocidade do som dependia
do fator γ.

121
κT C
κS = com γ = P (6.1.19)
γ CV
Deduzimos esta relação para processos reversíveis. Para amplitudes de som de u ≈ 1µm
e freqüência de 1kHz , temos ∂u / ∂t ≈ 10−3 m/s . Por outro lado as velocidades das
moléculas no gás são da ordem de 10 +3 m/s . Com as considerações sobre reversibilidade
expostas no capitulo 4.2, podemos concluir que as compressões na onda sonora são bem
próximas do caso reversível. Juntando tudo, obtemos para a velocidade de som num
gás ideal:
γRT
c= (6.1.20),
M mol

onde M mol é a massa molar do gás. Esta fórmula oferece também um método para
medir a temperatura termodinâmica. De preferência deve se usar um gás nobre para o
qual γ tem um valor conhecido; γ = 5 / 3 .
O ponto essencial dos termômetros primários é o fato de que existe alguma fórmula
teórica que permite relacionar uma grandeza medida com um valor da temperatura
termodinâmica. Desta forma o termômetro primário não precisa de outro termômetro de
comparação. Mas mesmo assim precisa ainda de uma calibração por causa da escolha da
unidade da temperatura. Se usássemos alguma unidade de energia para a escala de
temperatura uma fórmula como a (6.1.8) ou (6.1.11) poderia resolver tudo declarando
a constante de Boltzmann k B = 1 . Mas, infelizmente a norma internacional é outra. A
unidade de temperatura K é fixada pela condição de que o ponto triplo da água tem o
valor de 273,16 K. Desta forma a constante de Boltzmann tem que ser medida e esta
medida é necessariamente relacionada direta ou indiretamente com a realização do
ponto triplo da água. Para um físico experimental, é importante ter uma noção como o
ponto triplo é realizado no laboratório.
O ponto triplo da água é realizado com uma célula de ponto triplo. Isto é um recipiente
totalmente fechado, de preferência de vidro de sílica pura, que contém somente água de
altíssima pureza na composição isotópica da água do mar. A água é purificada por
muitos processos de destilação e no final é condensada diretamente dentro do recipiente
que formará a futura célula. Este recipiente foi, naturalmente, antes lavado inúmeras
vezes com água destilada. A figura 6.10 mostra o recipiente na hora de enchê-lo.
tubo para termômetro Fig. 6.10 Recipiente que formará uma
célula de ponto triplo da água.

entrada da água
Uma vez que o recipiente está
cheio de água o tubo, que antes
servia para encher, será agora
ligado a uma bomba de vácuo.
Com a ação da bomba a água
entra em ebulição e o vapor que
sai pelo tubo arrasta moléculas de
HO
2
outros gases que por ventura
possam ainda existir no
recipiente. Desta forma, cria-se um espaço que contém somente H2O. Uma vez feito

122
isto, derrete-se o vidro do tubo de entrada com um maçarico e a célula fechada é
formada como na figura 6.11.

Fig. 6.11 Fechamento da célula.


tubo para termômetro
Como podemos ver nas figuras 6.10 e
6.11, o recipiente é equipado com um
tubo que penetra para dentro da célula
sem causar uma abertura da mesma,
pois este tubo é fechado do lado que
para a bomba fica dentro da célula. Este tubo terá no
de vácuo
uso da célula a função de acomodar
um termômetro. Mas antes ele terá
ainda outra funções. Este tubo é
HO
2
enchido várias vezes com nitrogênio
o
líquido (temperatura 77 K ou -196 C) até formar dentro da água uma grossa calota de
gelo em torno do tubo. Depois o tubo é enxaguado com uma mistura de álcool e água,
que fornece uma mistura morna, até derreter um pouco da calota de tal forma que ela
não grude mais no tubo, mas possa girar livremente. Em seguida os restos de água e
álcool são eliminados do tubo e um termômetro é colocado nele. Agora todo o sistema é
acomodado num recipiente com paredes de pouca condutividade térmica e o recipiente é
mantido num ambiente cuja temperatura fique o mais próximo possível da temperatura
do ponto triplo. Desta forma fluxos de calor entre célula e ambiente são minimizados e
o sistema pode chegar a um equilíbrio. Este estado de equilíbrio tem uma temperatura
bem determinada. A marcação do termômetro é então registrada e este termômetro pode
futuramente ser usado para se compararem calibrações. A figura 6.12 mostra a célula
em uso.

Fig. 6.12 Célula de ponto triplo pronta.

gás
H2O
H2O
sólido
líquido

H2O

O uso dos termômetros primários é em geral muito complicado. Por esta razão criaram-
se certos pontos de referência que foram medidos com muito cuidado e que podem
servir para calibrações de termômetros secundários sem a necessidade de presença de
um termômetro primário. A tabela 6.2 fornece uma lista destes pontos de referência.

123
Tabela 6.2 de pontos de referência
Ponto fixo Temperatura em K
Ponto triplo de Hidrogênio 13,8033
Ponto triplo de Neônio 24,5561
Ponto triplo de Oxigênio 54,3584
Ponto triplo de Argônio 83,8058
Ponto triplo de Mercúrio 234,3156
Ponto triplo de Água 273,16
Ponto de fusão de Gálio 302,9146
Ponto de congelamento de Índio 429,7485
Ponto de congelamento de Estanho 505,078
Ponto de congelamento de Zinco 692,677
Ponto de congelamento de Alumínio 933,473
Ponto de congelamento de Prata 1234,93
Ponto de congelamento de Ouro 1337,33
Ponto de congelamento de Cobre 1357,77
Para terminar esta sessão, vamos estudar uma calibração de um termômetro que usa um
pouco as fórmulas que desenvolvemos no último capítulo. Trata-se de um método usado
para baixas temperaturas (entre 0,005K e 1 K) atingíveis com desmagnetização de
substâncias paramagnéticas como, por exemplo, Nitrato de Cério - Magnésio.
Vamos supor que acima de uma temperatura limite Tl , a escala absoluta é conhecida.
Abaixo de Tl , temos alguma escala empírica τ , por exemplo, uma escala definida
com a resistência elétrica de um arame. Queremos estender a temperatura absoluta para
valores menores que Tl , ou seja, queremos determinar a função T = T ( τ ) na região
T < Tl . Usaremos como substância de trabalho um material paramagnético.
Precisaremos da derivada da entropia do material com o campo magnético externo a
temperatura constante. Novamente, o teorema de Clairaut e Schwarz junto com a
segunda lei permite relacionar esta derivada de difícil acesso experimental com uma
derivada experimentalmente acessível. Temos
dU = T dS + B0 d (6.1.21).

Para determinar a derivada ( ∂S / ∂B0 ) T usaremos agora uma técnica que será mais
explorada no capítulo seguinte: ao invés de usar a diferencial dU ou a diferencial dS
para aplicar o teorema de Clairaut e Schwarz, formamos primeiramente uma outra
função de estado:
G = U − TS − B0 (6.1.22).
Com (6.1.21) e com a regra de produto obtemos para a diferencial dG
dG = − S dT − dB0 (6.1.23).

124
Agora obtemos a informação sobre a derivada ( ∂S / ∂B0 ) T diretamente com o teorema
de Clairaut e Schwarz:
 ∂S   ∂ 
  =  (6.1.24).
∂B
 0 T  ∂T  B 0

∂ 
Conhecendo as temperaturas absolutas para T ≥ Tl podemos medir   para
 ∂T  B 0
estados na linha limite L dada pela equação T = Tl (compare figura 6.13)
Fig. 6.13 Ao lado direito da linha L a escala de
temperatura absoluta é conhecida. As curvas são
adiabatas indicando o caminho de
desmagnetizações adiabáticas e reversíveis. As
curvas permitem relacionar as entropias da linha L
com as no eixo T.

Com a equação (6.1.24), obtemos então


 ∂S 
  para pontos na linha L (isto é
 ∂B0 T
para T = Tl ). Para pontos nesta linha,
podemos então calcular a entropia:
B0
∂ 
S ( Tl , B0 ) = ∫   dB0 + S0
ɶ (6.1.25)
0  ∂T  Bɶ 0
Começando em pontos da linha L (com entropia conhecida), podemos agora
desmagnetizar a amostra reversivelmente e adiabaticamente até B0 = 0 encontrando
assim na linha B0 = 0 pontos com a mesma entropia do estado inicial na linha L. Os
pontos atingidos nestes processos estarão sempre ao lado esquerdo do ponto
( Tl , B0 = 0) , isto é, com temperaturas mais baixas. Depois destas experiências de
desmagnetização reversível e adiabática conhecemos a entropia para estados com
B0 = 0 e para temperaturas abaixo de Tl . Mas S estaria ainda dada como função da
temperatura empírica S ( τ,0) .
Aumentando a temperatura τ infinitesimalmente por um ε para estados com B0 = 0
podemos medir a capacidade térmica com B0 = const . na escala empírica:

( τ, 0 ) = Q  δτ = ε \ B0 = 0 
1
CBemp (6.1.26).
0
ε 
Com as equações 4.6.11 e 2.4.10, temos
∂S
( τ, 0 ) = T dS  δτ = ε \ B0 = 0  = T  
1
CBemp (6.1.27).
0
ε   ∂τ  B0 =0
Podemos finalmente calcular a temperatura absoluta:
CBemp ( τ, 0 )
T= 0 (6.1.28)
 ∂S 
 
 ∂τ  B0 =0

125
6.2 Máquinas térmicas
No capítulo 4, estudamos os conceitos gerais das máquinas térmicas sem entrar em
detalhes técnicos. A ênfase era entender o melhor rendimento teoricamente possível.
Vimos que o caso limite da máquina com melhor rendimento corresponde ao caso
reversível. Portanto, uma máquina que se aproxima deste caso ideal trabalha
necessariamente de forma lenta. Mas nas aplicações, lentidão, isto é, baixo fluxo de
energia pode ser uma desvantagem inaceitável.
Na presente sessão, veremos um pouco mais do lado prático das máquinas térmicas e
consideremos também o aspecto do fluxo de energia. Tomamos como ponto de partida a
máquina de Carnot. Lembramos que qualquer máquina térmica reversível que usa
somente dois reservatórios térmicos fora da máquina é uma máquina de Carnot
independente da estrutura ou das substâncias que ela use internamente.
Consideremos primeiramente uma máquina de Carnot que usa apenas um fluido como
substancia de trabalho, um êmbolo para transferência de trabalho e paredes adiabáticas e
diatérmicas com capacidades térmicas desprezíveis e alguns artifícios para trocar estas
paredes na hora certa. Como as transferências de calor com os reservatórios térmicos
têm que ser idealmente sem diferença de temperatura, o ciclo deve ter duas isotermas
com as temperaturas Tq e T f dos reservatórios térmicos. Nestes processos
isotérmicos, temos que conectar o fluido aos reservatórios com paredes isotérmicas.
Como não há outros processos de troca de calor previstos e como todo ciclo deve ser
reversível, temos que conectar estas isotermas com processos adiabáticos reversíveis.
Desta forma as características do ciclo são determinadas como indicado na figura 6.14.
Fig. 6.14 Ciclo de Carnot com uma máquina mínima usando um fluido de trabalho.

3.0
a

2.5
P [unid. arbitr.]

2.0

1.5
Tq
1.0
d
0.5
b
TF c
0.0
0.5 1.0 1.5 2.0 2.5 3.0 3.5 4.0 4.5 5.0 5.5 6.0 6.5
V [unid. arbitr.]
Percorrendo este ciclo no sentido horário, a máquina funcionaria como máquina térmica
e no sentido anti-horário como bomba térmica.
Na prática seria difícil construir uma máquina que se aproximasse do ciclo da figura
6.14. As figuras 6.15aa – 6.15a mostram estados de uma máquina que poderia em
princípio chegar perto do ideal. Ao invés de encostar ora o reservatório quente ora o

126
reservatório frio no cilindro do fluido, na proposta das figuras 6.15, o fluido é
transferido de um cilindro para outro. Temos três cilindros: um permanentemente em
contato com o reservatório quente, um sempre em contato com o frio e um cilindro com
paredes adiabáticas. As letras “a” – ”d” correspondem aos quatro estados de encontro de
isoterma com adiabática da figura 6.14. Entre uma configuração de uma letra e a
configuração da mesma letra duplicada, o fluido não mudou de estado, mas foi
simplesmente transferido para outro cilindro.

Fig. 6.15
quente

quente
aa b
adiabático adiabático
frio

frio
quente

quente

bb c
adiabático adiabático
frio

frio
quente
quente

cc d
adiabático adiabático
frio
frio

127
quente

quente
dd a
adiabático adiabático
frio

frio
Embora o esquema das figuras resolva o problema da troca repentina de uma parede
diatérmica por uma adiabática, uma realização prática seria ainda complicada. Para
começar, paredes de um cilindro com êmbolo geralmente não têm condutividade
térmica desprezivelmente pequena. Para tornar os processos de mudanças de
temperatura adiabáticos, seria necessário executar estes processos relativamente
rapidamente. Mas a grande dificuldade do esquema da figura 6.15 reside no fato de que
temos oito processos com dependências entre força e movimento bastante diversas. As
velocidades dos êmbolos são parâmetros importantes que determinam até que ponto o
ciclo se aproxima do caso ideal de Carnot e com que rapidez as energias fluem nesta
máquina. As velocidades dos êmbolos são determinadas pelas integrais temporais das
acelerações. Então é preciso controlar as acelerações. Estas são determinadas pelas
somas das forças que atuam sobre os êmbolos. Há (fora de forças de atrito) duas forças:
as forças exercidas pelo fluido e as forças da mecânica que recebe e fornece trabalho.
Desta forma fica claro que uma variabilidade grande das relações entre força e
deslocamento causa problemas para a construção da mecânica. Por exemplo, a
compressão adiabática d a traz uma variação enorme da força de pressão com um
deslocamento de êmbolo muito pequeno. Por outro lado, a expansão adiabática b c
envolve uma força de pressão pequena com um deslocamento enorme do êmbolo.
Esta dificuldade mecânica é menor com uma outra realização da máquina de Carnot. É
uma máquina térmica conhecida como motor de Stirling6 . Este motor não envolve
apenas um fluido, no caso um gás ideal, mas uma grande coleção de reservatórios
térmicos também faz parte da máquina. No caso limite de Carnot, esta coleção seria
infinita. O princípio da máquina de Stirling é simples: os dois processos adiabáticos do
ciclo da figura 6.14 são substituídos por dois processos reversíveis de troca de calor
com o banco de reservatórios térmicos. Estes recebem calor na hora de esfriar o fluido e
devolveriam tudo para o fluido na hora do aquecimento (supondo um gás ideal). A
figura 6.16 mostra o ciclo e a figura 6.17, uma possível realização do motor.

6
Robert Stirling (1790 Methven Escócia – 1878 Galston Escócia) Curiosamente Stirling não era
engenheiro, mas Padre da Igreja da Escócia.

128
Fig. 6.16 Ciclo de Stirling
1,6
a
1,4

1,2
P [unid. arbitr.]

1,0
d Tq
0,8

0,6

TF b
0,4

0,2
c
0,0
0,0 0,5 1,0 1,5 2,0 2,5 3,0 3,5

V [unid. arbitr.]

Fig. 6.17 Realização de uma máquina de Stirling

frio quente a

frio quente b

frio quente c

frio quente d

Nos trechos (c c) e (d a), o fluido é transferido de um cilindro para outro e neste


movimento passa por discos de cobre que exercem a função dos reservatórios térmicos
na troca quase reversível de calor conforme discutido do capítulo 4.2 (compare com a
figura 4.3). Idealmente os reservatórios voltariam ao estado original depois de duas
passagens do fluido. Se não houver outros processos irreversíveis envolvidos, o ciclo
seria uma realização do ciclo de Carnot, desde que os discos de cobre sejam
considerados parte da máquina. Este motor foi desenvolvido pelos laboratórios da
Philips e alcança bons rendimentos. Mas sua mais importante aplicação não é como
motor, mas como bomba térmica. A companhia Philips produziu uma máquina de
liquefazer ar usando o processo Stirling com He ou H2 como gás de trabalho.

129
Naturalmente qualquer máquina de Sterling real possui processos irreversíveis e não
alcança exatamente o rendimento ideal. Temos os seguintes processos irreversíveis num
motor de Stirling real:
1) Passagem direta de calor da fonte quente para a fria.
2) Atritos dos êmbolos.
3) Atrito viscoso do fluido.
4) Passagem de calor entre os discos de cobre.
5) Para garantir uma taxa de fluxo de energia razoável, as trocas de calor não
podem ser entre corpos de temperaturas exatamente iguais.
O item 5) é diretamente ligado à rapidez do ciclo. O engenheiro que planeja a
construção vai ter que encontrar um meio-termo entre a meta de obter um bom
rendimento e uma taxa aceitável de passagem de energia. Vejamos o exemplo do fluxo
de calor da fonte quente para dentro do cilindro quente. A todo rigor, o fluido não
estaria num estado de equilíbrio durante o funcionamento da máquina e não teria,
portanto, uma temperatura bem definida. Mas podemos associar ao fluido um valor de
temperatura aproximado TFluido quente . Em primeira aproximação a taxa de passagem de
calor será proporcional à diferença da temperatura do reservatório térmico e da
temperatura do fluido:
Qɺ = const. × Tq − TFluido quente  (6.2.1)

onde denotamos a taxa de fluxo de calor com um ponto, como se fosse uma derivada
temporal. Uma fórmula análoga vale para o lado frio. Para termos uma taxa Qɺ
tecnicamente aceitável, precisamos trabalhar com uma diferença suficientemente grande
das temperaturas;
Tq > TFluido quente (6.2.2)
Analogamente precisamos temperaturas do lado frio com.
TF < TFluido frio (6.2.3)
Então as verdadeiras temperaturas do ciclo não serão as temperaturas dos reservatórios
externos, mas as temperaturas do fluido. Das desigualdades (6.2.2) e (6.2.3) segue
TFluido quente − TFluido frio Tq − TF
< (6.2.4)
TFluido quente Tq

e com a desigualdade de Carnot concluímos que o rendimento da máquina é reduzido


pelo aparecimentos das diferenças de temperatura Tq − TFluido quente e TFluido frio − TF . Se
quisermos alto rendimento temos que manter estas diferenças pequenas e isto implica
em baixo fluxo de calor como consequência da equação (6.2.1). Ou se exigirmos alto
fluxo de energia, temos que abrir mão do alto rendimento.
Da tentativa de escapar deste conflito, nasceu um outro conceito de máquina térmica:
Até agora “alimentamos” as máquinas térmicas com uma diferença de temperatura entre
dois reservatórios térmicos. As energias que saem da fonte quente são simplesmente
tiradas de um estoque muito grande. Numa analogia elétrica esta situação significaria
que alimentássemos um radio com um grande capacitor carregado. No caso do rádio,
sabemos que esta não é uma boa forma de fornecer energia para um circuito. Pois é
difícil armazenar grandes quantidades de energia num capacitor. Na maioria das
aplicações térmicas, a situação não é muito diferente. Geralmente vamos repor o calor

130
retirado do reservatório quente com ajuda da queima de algum combustível. Se a
passagem de calor do reservatório quente para o interior do cilindro apresenta um
problema, (como tínhamos visto na discussão do ponto 5), então seria muito melhor
fazermos a queima do combustível diretamente dentro do cilindro. Naturalmente isto
implica em que o fluido tem que ser renovado depois de cada ciclo. Vários conceitos
básicos das máquinas térmicas que discutimos até agora não se aplicam mais neste caso
das máquinas com combustão interna. Não somente a troca do fluido de trabalho é uma
alteração nos conceitos, mas também o calor do lado quente é eliminado do processo. O
combustível faz parte do sistema e, a todo rigor, não há mais calor envolvido no lado
quente do ciclo. Na verdade esta máquina não é mais alimentada por uma diferença de
temperatura. Percebemos que a diferença de temperatura é apenas uma possível fonte
para a realização de trabalho. O que toda máquina térmica realmente precisa para poder
produzir trabalho é algum desequilíbrio termodinâmico. Quando prepararmos uma
mistura de gasolina ou álcool com ar, temos um sistema fora do equilíbrio químico. Na
situação de equilíbrio, teríamos CO2 e H2O e N2. Apesar desta mudança conceitual, é
costume discutir as máquinas com combustão interna como se fossem máquinas
térmicas comuns. A energia liberada na combustão é contada como se fosse calor
transferido de um reservatório externo para dentro do cilindro. Também a renovação do
fluido de trabalho é tratada como se fosse uma volta ao ponto inicial de um único fluido
de trabalho. Embora esta prática não seja conceitualmente correta, ela ajuda na
determinação das características de uma máquina. Veremos aqui o motor de Barsanti-
Matteucci-Otto7 como exemplo de uma máquina de combustão interna. A figura 6.18
mostra os passos de funcionamento deste motor.

a aa aaa b

c d e ee

Fig. 6.18 Etapas do ciclo de Barsanti-Matteucci-Otto

7
Nicolaus Otto (* 1832 Holtzhausen an der Haide Alemanha, † 1891 Köln Alemanha ) Inventou o motor
Otto. De fato os engenheiros Italianos Eugenio Barsanti (* 1821, † 1864) e Felice Matteucci (* 1808,
† 1887) inventaram uma máquina muito semelhante antes de Otto.

131
Fig. 6.19 Diagrama V-P do ciclo de Barsanti-Matteucci-Otto

100 c No intervalo de a até aa uma


mistura de ar e combustível é
80 aspirada para dentro do
cilindro através de uma
P [unid. arbitr.]

60 válvula aberta durante este


intervalo. No fim do
40 intervalo a válvula é fechada
S=const´. (imagem aaa). Nestes
20 b processos a mistura de ar
d com combustível sofre
0 S=const. apenas um deslocamento e
a um confinamento.
0 2 4 6 8 10
Essencialmente não há ainda
V [unid. arbitr.] uma mudança do estado
termodinâmico. Por esta
razão todas as etapas a até
aaa são representadas por um único ponto a no diagrama V-P da figura 6.19. A partir
do confinamento aaa, começa um processo de compressão adiabática que leva ao
estado b. Neste momento a mistura de combustível e ar é incendiada com ajuda de uma
faísca elétrica. Em motores mais modernos, usa-se um pulso de luz-laser guiado para
dentro do cilindro por via de uma fibra óptica para dar início à combustão da mistura. A
queima da mistura eleva a temperatura do gás e uma subsequente expansão adiabática
(c d) fornece mais trabalho do que aquele que se gastou na compressão (aaa b).
Finalmente uma válvula de escape é aberta (ponto e) e o gás é expulso na etapa (e
ee).
Nesta sequência de processos o fluido de trabalho não faz um ciclo e o conceito de calor
não é aplicável. Mas, para a análise do rendimento, podemos substituir a troca da
mistura queimada por uma mistura nova por uma volta que leva o fluido de trabalho do
estado d para o estado inicial a. Podemos substituir a energia liberada na queima por
uma entrada de calor Qq a partir de algum reservatório quente cuja temperatura não
interessa. O valor desta quantidade de calor seria determinado pelas temperaturas dos
estados b e c (antes e depois da queima) e pela capacidade térmica a volume constante
do gás queimado:
Tc

Qq = ∫ CV (T ) dT (6.2.5).
Tb

De forma semelhante, podemos associar à substituição da mistura queimada pela


mistura nova uma quantidade de calor Q f dada por
Td

Q f = ∫ CV (T ) dT (6.2.6).
Ta

Para fins de uma análise não muito rigorosa, vamos supor um valor constante para a
capacidade térmica:
Qq = (Tc − Tb ) CV (6.2.7)
Q f = ( Td − Ta ) CV (6.2.8)

132
Com isto, obtemos para o rendimento da máquina:
Qq − Q f Qf T −T
η= = 1− = 1− d a (6.2.9)
Qq Qq Tc − Tb
Se assumirmos que os processos adiabáticos a bec d são aproximadamente
reversíveis, temos S = const. e supondo que podemos tratar o gás aproximadamente
como gás ideal e CV ≈ const. , temos
T
CV ( T ′ ) V T V
const = S (T , V ) = S0 + ∫ dT ′ + NR ln ≈ CV ln + NR ln =
Tr
T′ Vr Tr Vr
(6.2.10)
 T C − CV V  TV γ−1
= CV  ln + P ln  = CV ln
 Tr CV Vr  TrVr γ−1
com γ = CP / CV . Então podemos relacionar as temperaturas com os volumes:
Va γ−1Ta = Vb γ−1Tb (6.2.11),
Va γ−1Td = Vb γ−1Tc (6.2.12).
Onde usamos que Va = Vd e Vb = Vc . Subtraindo a (6.2.11) da (6.2.12), obtemos
Va γ−1 (Td − Ta ) = Vb γ−1 (Tc − Tb ) (6.2.13).
Com este resultado, podemos expressar o rendimento (6.2.9) pelo quociente dos
volumes:
γ−1
V 
η = 1−  b  (6.2.14)
 Va 
Como γ > 1 , percebemos que o rendimento é uma função monotonicamente crescente
de Va / Vb . Então o construtor vai escolher uma razão de volumes grande. Mas existe
uma limitação técnica nesta escolha que depende do tipo de combustível usado no
motor. Quando Va / Vb for muito grande, a temperatura da mistura se eleva na
compressão adiabática tanto que a queima começa espontaneamente antes de alcançar o
estado b. A correspondente elevação da pressão na posição inadequada do êmbolo pode
danificar as partes mecânicas do motor. A máxima razão Va / Vb tecnicamente possível
é aproximadamente 10. Com um γ ≈ 1, 4 , obtemos η ≈ 0, 6 , ou seja, 60%. Naturalmente
existem muitas perdas que não consideramos. Por
exemplo, a expansão não é realmente adiabática e o
êmbolo se move com atrito. Na prática os motores deste
tipo alcançam rendimentos em torno de 30%, o que não
é nada mal.
Fig. 6.20 Rudolf Diesel
O engenheiro Rudolf Diesel8 percebeu que a limitação
do quociente Va / Vb podia ser evitada introduzindo o
combustível somente no fim da fase de compressão por
meio de uma bomba de injeção. No motor de Diesel a
temperatura no fim da compressão é tão alta que não há

8
Rudolf Christian Karl Diesel (1858 Paris – 1913 Mar do Norte. Diesel morreu afogado numa viagem de
Antuérpia para Londres. Não se sabe se era um acidente, suicídio ou assassinado.)

133
necessidade de uma faísca para ignição. Diesel, além de ser um excelente engenheiro,
tinha muito interesse em questões sociais e ambientais. A invenção do seu motor era
motivada pela intenção de providenciar energia mecânica para pequenos empresários
que não tinham meios de adquirir as grandes máquinas a vapor usadas na época para
mover as máquinas nas fábricas.
Fig. 6.21 Primeiro motor Diesel

Enquanto os quocientes Va / Vb em motores do tipo


Barsanti-Matteucci-Otto são menores que 10, em máquinas
Diesel este quociente fica na faixa de 18 a 25. O
rendimento dos motores Diesel fica tipicamente na ordem
de 45%. A alta compressão no motor Diesel traz também
problemas. A mistura de gás, que contém N2 e O2 , chega
a temperaturas tão altas que ocorre uma reação química
entre estas espécies formando NO2. Este gás forma ácido
nítrico no sistema respiratório das pessoas e provoca sérios
problemas respiratórios.

Outro ciclo importante de máquinas de combustão interna é o ciclo de Brayton9 que na


verdade dever-se-ia chamar ciclo de Barber10 , pois foi inventado e patenteado por John
Barber antes de Brayton ter nascido. Este ciclo difere do ciclo do motor de Barsanti-
Matteucci-Otto pela substituição dos dois trechos isocóricos por dois isobáricos como
mostra a figura 6.22.

Fig. 6.22 Ciclo de Barber


3,0
b c
Este ciclo é usado para
2,5 modelar o funcionamento
de turbinas a gás. A figura
P [unid. arbitr.]

2,0
S = const´.
6.23 mostra uma fotografia
1,5 S = const.
de uma turbina aberta
(modelo didático de um
1,0 d
museu de tecnologia). Ar é
a aspirado num canal de
0,5 entrada (1) e jogado por
fileiras de palhetas girantes
0,0 contra palhetas fixas. Neste
4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14
processo o ar é comprimido
V [Unid. arbitr.]
de forma aproximadamente
isentrópica. Na fotografia o
conjunto de palhetas que formam o compressor é indicado com o número (3). O
processo de compressão corresponde ao trecho (a b) no diagrama V-P. Nesta
compressão a temperatura do ar se eleva tipicamente a valores entre 300oC a 450oC. Na
câmera de combustão (4) a queima do combustível injetado eleva a temperatura do gás
acima de 1200oC, isto corresponde ao trecho (b c). Finalmente o gás expande
adiabaticamente na turbina (5) e move o eixo comum. Repare que as duas rodas de
turbina (5) giram em sentidos contrários. O eixo é duplo (coaxial) e as duas rotações são
9
George Brayton (* 1830, † 1892)
10
John Barber (* 1734, † 1801)

134
acopladas na caixa de engrenagem (2). Aproximadamente a metade do trabalho que o
gás entrega aos eixos coaxiais é utilizada na compressão e o restante é retirado numa
engrenagem (2) para aproveitamento útil. Geralmente o gás na saída tem ainda uma
temperatura elevada, em torno de 600oC. Em turbinas dedicadas à geração de energia
elétrica, esta energia térmica é ainda aproveitada para gerar jatos de vapor que movem
outra turbina. Este sistema conjunto chega a eficiências energéticas de 60%.
Fig. 6.23 Turbina a gás aberta

As turbinas de vapor envolvem também conceitos interessantes de termodinâmica e de


mecânica de fluidos. A ideia básica é transformar energia térmica em energia cinética de
um jato de vapor e depois transferir
esta energia cinética para uma roda. O
primeiro passo da conversão de baixa pressão
energia térmica em energia cinética de
alta pressão

um jato parece simples: temos um


recipiente com um gás (vapor
superaquecido) com altíssima pressão x
e um furo ou bocal por onde sai um
jato de gás. Mas os detalhes da
dinâmica do gás dentro do bocal não
são simples e a forma do bocal é
crucial para um funcionamento
adequado. Fig. 6.24 Bocal para formação de um jato de gás.
A camada limite é indicada com linhas finas.
A figura 6.24 mostra um bocal com uma definição de coordenada x. Sabe-se na
dinâmica de fluidos que o escoamento em torno de um obstáculo pode ser dividido
aproximadamente em duas regiões: uma, chamada de camada limite, perto do obstáculo
onde a viscosidade do fluido é importante e onde o rotacional do campo de velocidades
é apreciável; e outra, longe do obstáculo, onde o rotacional do campo de velocidade e a
viscosidade do fluido podem ser desprezados. Na entrada do bocal a camada limite é
fina e, se o bocal for suficientemente curto, ela ocupa somente uma pequena região
superficial nas paredes do bocal como indicado na figura com duas linhas finas. Para a
análise do escoamento, podemos nos restringir à região que exclui a camada limite,

135
tratando a superfície da camada limite como parede do bocal e considerar dentro desta
parede todo escoamento sem viscosidade. Com isto a equação de Navier-Stokes
(segunda lei de Newton para fluidos) se reduz à equação de Euler:
∂ 
ρ  + v ⋅ ∇  v = − grad P (6.2.15)
 ∂t 
Vamos considerar um escoamento estacionário, de tal forma que a derivada temporal
não contribui, e escrever somente a componente grande (componente x) da equação
(com v ≡ vx e tratando P como função somente de x):
dv dP
ρv =− (6.2.16)
dx dx
Não podemos tratar o gás como incompressível, pois nesta aplicação existem grandes
diferenças de pressão. Se a densidade não é constante, temos aqui um exemplo da
situação descrita na introdução (capítulo 1.1) de uma descrição incompleta da dinâmica
macroscópica. A equação (6.2.16) tem um número excessivo de variáveis. É a
termodinâmica que pode completar a equação com uma relação entre densidade e
pressão. Uma análise de balanço de energia fornece esta relação: a passagem do gás de
uma região de dada temperatura até outra com temperatura diferente é tão rápida que
podemos desprezar a condução de calor. Isto significa que um pequeno volume de gás
ao longo de sua trajetória sofre um processo adiabático. Agora precisamos ainda de uma
avaliação se este processo é razoavelmente reversível. Como a viscosidade de
cisalhamento é desprezível fora da camada limite, não há transformação apreciável de
energia cinética macroscópica em energia térmica por forças de cisalhamento. Resta
investigar se compressões ou expansões poderiam transferir energia irreversivelmente.
As velocidades de expansão ou compressão de um pequeno volume V de gás são,
supondo expansões ou compressões isotrópicas,
d 1
ℓɺ ≈ V 3 (6.2.17)
dt
O tamanho do volume é determinado pela escala de heterogeneidades nas condições
físicas. Seja L um comprimento característico do problema, por exemplo, o
comprimento do bocal. As dimensões lineares do volume da equação (6.2.17) devem ser
alguma fração pequena do comprimento L para garantir homogeneidade dentro do
volume V:
1 L
ℓ =V 3 = com G >> 1 (6.2.18)
G
L
O gás atravessa a distância L num tempo característico τ ≈ onde vtípico é um
vtípico
valor típico da velocidade de escoamento do gás. Então podemos estimar que os valores
típicos de expansão sejam da ordem
d 1 ℓ vtípico
ℓɺ ≈ V 3 ≈ ≈ (6.2.19)
dt τ G
Como veremos logo, as velocidades que conseguiremos nos jatos de gás podem
ultrapassar a velocidade do som por um fator 1,5 ou 2 . Mas com o fator G −1 as
velocidades típicas de expansão são então ainda pequenas comparadas com a velocidade
do som e consequentemente também pequenas comparadas com as velocidades
microscópicas das moléculas. Consequentemente podemos ainda desprezar os efeitos
dissipativos oriundos da viscosidade volumétrica. Resumindo, podemos supor que o gás

136
ao longo da trajetória sofre processos adiabáticos reversíveis. Isto determina a relação
entre densidade e pressão.
P ρ− γ = const. (6.2.20)
As variações destas grandezas devem obedecer às mesmas relações como no caso das
ondas sonoras que discutimos anteriormente. Para a discussão dos jatos, será
conveniente aproveitar esta relação com o som. Com a equação (6.1.18) temos

1 ρ  ∂V 
= ρκ S = −  2
 = −ρ 
∂ 1 
ρ 

 ∂ρ 
= + 
( ) (6.2.21)
c 2
V  ∂P  S  ∂P   ∂P  S
 S
onde c é a velocidade do som no gás (que depende da temperatura).
Queremos entender até que ponto podemos transformar energia térmica em energia
cinética do jato com uma expansão adiabática reversível. Além das equações (6.2.16) e
(6.2.20), temos ainda a conservação de massa. Numa situação estacionária o fluxo de
massa tem que ser o mesmo em todos os pontos x ao longo do bocal. Se A ( x ) é a
área de secção transversal no ponto x, deve valer ρ ( x ) v ( x ) A ( x ) = const.
(independente de x). Isto escrito em forma diferencial significa:
dρ dv dA
v A + ρ A + ρv = 0 (6.2.22)
dx dx dx
No primeiro termo, vamos usar a (6.2.21):
dρ  ∂ρ  dP 1 dP
=   = (6.2.23)
dx  ∂P  S dx c 2 dx
No segundo termo da (6.2.22), vamos utilizar a equação de Euler (6.2.16):
1 dP 1 dP dA
2
vA − A + ρv = 0 (6.2.24)
c dx v dx dx

Multiplicando tudo por v / A e isolando dP / dx , obtemos:


dP ρv 2 dA
= (6.2.25)
dx A 1 − v  dx
( )
2
 c 
 

Fig. 6.25 Bocal com alargamento para produzir jatos


supersônicos.
Esta equação é a chave para a análise dos jatos
baixa pressão
alta pressão

em bocais. A transformação da energia térmica


em energia cinética do jato tem sua origem na
x
expansão do gás. Então queremos que dP / dx
seja negativo. Enquanto a velocidade do jato
estiver menor que a velocidade do som,
conseguimos isto com dA / dx < 0 , ou seja, com
um estreitamento do canal. Mas se quiséssemos
atingir velocidades supersônicas? Com v = c o denominador na equação (6.2.25) seria
zero! Será que isto significa que um jato nunca poderá alcançar a velocidade do som?
Não! Existe esta possibilidade. Mas, v = c pode ocorrer somente no ponto onde

137
dA / dx = 0 , ou seja, no ponto de diâmetro mínimo. Uma vez que ultrapassamos este
ponto, o fator na frente do dA / dx na equação (6.2.25) se torna negativo e uma
expansão adicional do gás só é possível com um aumento do diâmetro do bocal. O
engenheiro Sueco, Karl Gustaf Patrik de Laval (1845 -1913), percebeu isto e construiu
bocais que se alargam depois de um estreitamento (compare a figura 6.25). Com estes
bocais Laval conseguiu jatos supersônicos. Este tipo de bocal, chamado bocal de Laval,
é usado não apenas em turbinas, mas também em foguetes (compare figura 6.26)

Fig. 6.26 Bocal de Laval num foguete


da NASA.

Uma vez gerado um jato, temos,


no caso da turbina, a tarefa de
transferir a energia cinética do
jato para uma roda. Laval
resolveu esta tarefa com rodas
equipadas com palhetas que
desviam o jato por
o
aproximadamente 90 e que
recebem momento linear do jato
como mostra a figura 6.27. Este
tipo de turbina alcança
velocidades angulares
extremamente altas e isto implica
numa série de problemas técnicos,
como, por exemplo, a lubrificação
e necessidades de engrenagens
para altas rotações. Laval resolveu
estes problemas e as soluções estimularam outras invenções11 . Existe outra solução,
inventada por Charles Gordon Curtis12, que evita as altas velocidades de rotação usando
duas ou mais rodas que recebem o momento linear do jato em parcelas como mostra a
figura 6.28. Porém as peças adicionais como as palhetas de desvio entre as rodas
provocam perdas e diminuem a
eficiência.

movimento
das paletas

paletas Fig. 6.27 Desvio de um jato de gás nas


paletas de uma turbina de momento linear.
bocal

jato desviado

11
Laval foi levado a construir centrifugas para separar água oriunda do vapor da turbina do óleo
lubrificante. Esta invenção levou à centrífugas para separar nata do leite e pensando em leite Laval
inventou a primeira máquina de ordenha e fundou uma fabrica de laticínios.
12
* 1860 - † 1953

138
Fig. 6.28 Turbina de momento linear com

com palhetas
transferência de momento do jato para duas

roda estática
movimento movimento
rodas. (Turbina de Curtis)

de desvio
das paletas das paletas

bocal

Nas máquinas discutidas até agora o trabalho era sempre trabalho mecânico. Existem
também processos que usam trabalho elétrico. O efeito Seebeck, que conhecemos na
sessão sobre termômetros, é
um exemplo. Em princípio
podemos usar este efeito para
material A gerar energia elétrica a partir
Q q Q Seebeck
T q material B T
F

de uma
F
diferença de
temperatura.
motor elétrico Fig. 6.29 Efeito Seekeck e efeito
Peltier

material A O efeito pode ser invertido


Q Q Peltier também. Neste caso ele é
T q
q
material B T
F
F
conhecido como efeito
Peltier13. Infelizmente o
efeito Peltier-Seebeck não é
muito eficiente. Existem dois
fenômenos que estragam a eficiência destes processos. Um é a geração irreversível de
energia térmica pelo efeito Joule e o outro é a passagem de calor da fonte quente para a
fonte fira pelos fios elétricos. Seria bom se pudéssemos usar materiais de ótima
condutividade elétrica e péssima condutividade térmica. Mas infelizmente há uma
relação entre estas grandezas. A lei de Wiedemann e Franz diz que o quociente destas
condutividades é aproximadamente igual para todos os metais:
σTérmico
≈ aT (6.2.26)
σElétrico
com
k 2
a = 3 B2 (6.2.27)
qe
onde σTérmico e σElétrica são as condutividade térmica e elétrica, k B é a constante de
Boltzmann, qe a carga elétrica elementar e T a temperatura absoluta. Mas existem
exceções da lei de Wiedemann-Franz. Esta lei não se aplica para semicondutores. De
fato existem semicondutores de boa condutividade elétrica e de moderada condutividade

13
Jean Charles Athanase Peltier (1785 Ham França – 1845 Paris)

139
térmica. Usando estes para a formação de termopares pode-se obter um rendimento que
é tecnicamente interessante. Usados como máquina térmica consegue se um rendimento
em torno de 3% ate 8%. O uso como bomba de calor é mais comum. Resfriamento de
circuitos integrados, de instrumentos de medidas como fotomultiplicadoras e até o
resfriamento de latas de cerveja já são feitos comercialmente usando o efeito Peltier.
Existem também máquinas térmicas usando trabalho magnético. A forma de trabalho
reversível de um sal paramagnético é inteiramente análogo da forma diferencial do
trabalho reversível de um fluido:
WMag . = B0 ⋅ d WFluido = − P ⋅ dV (6.2.28)
Podemos fazer a analogia
↔V e B0 ↔ − P (6.2.29)
Já tínhamos visto na discussão da calibração de um termômetro para baixas
temperaturas que uma desmagnetização adiabática diminui a temperatura de uma
amostra. Com a analogia (6.2.29) pode-se fazer todo o ciclo de Carnot do fluido da
figura 6.14 magneticamente. Durante décadas esta técnica foi usada nos laboratórios de
baixas temperaturas para bombear calor. Usando spins de elétrons podem-se gerar desta
forma temperaturas em torno de Milikelvin e com spins de núcleos pode-se gerar µK .
Recentemente foram descobertas certas ligas de Gd5(SixGe1 − x)4, La(FexSi1 − x)13Hx e
MnFeP1 − xAsx que permitem bombear calor em temperatura ambiente com eficiência
suficiente para poder construir geladeiras domésticas com este principio. O uso para
gerar trabalho a partir de uma diferença de temperatura também já foi considerado com
estas substâncias magnéticas.14

14
K A GschneidnerJr, V K Pecharsky and A O Tsokol “Recent developments in magnetocaloric
materials” 2005 Rep. Prog. Phys. 68 1479 doi:10.1088/0034-4885/68/6/R04

140
7. Condições de equilíbrio e potenciais termodinâmicos

7.1 Sistemas adiabaticamente isolados


No capítulo 5, exploramos a parte do teorema de Clausius que é formulada como equação, a
saber a equação 4.6.9. Aqui utilizaremos também a desigualdade de Clausius.
Começaremos com a forma de desigualdade mais simples, que é a
S fim ≥ Sin para processos adiabáticos (7.1.1).

Imaginamos então um sistema adiabaticamente isolado. Os estados de equilíbrio deste


sistema são definidos com certos vínculos externos impostos sobre o sistema. Podemos, por
exemplo, impor externamente que o volume V1 de uma subdivisão num cilindro tenha um
determinado valor V1 como mostra a figura 7.1. parafuso fixador

Fig. 7.1 Sistema adiabaticamente isolado dividido em


dois volumes. O valor do volume 1 é mantido fixo com um
parafuso que prende o êmbolo que separa os volumes.
V1=V1
Os vínculos dependem de parâmetros (no nosso
exemplo o volume 1 seria um parâmetro) que
entram na descrição do estado do sistema e
podem ser usados como coordenadas no espaço de estados. Para todos estados de equilíbrio
podemos determinar a função de estado S . Agora vamos relaxar alguns dos vínculos
impostos. Por exemplo, podemos soltar o parafuso e permitir que o êmbolo possa se
deslocar dentro do cilindro da figura 7.1. Em relação ao novo sistema de vínculos nem
todos os pontos do antigo espaço de estados de equilíbrio serão estados de equilíbrio. Em
geral ao relaxar os vínculos o sistema executará algum processo até encontrar um estado
que será um estado de equilíbrio em relação ao novo conjunto de vínculos. Os novos
estados de equilíbrio formam algum subconjunto do antigo espaço de estados. A
desigualdade (7.1.1) pode ser usada para caracterizar este subconjunto.
Antes de resolver este problema com a desigualdade (7.1.1), vamos visualizar a situação
geométrica no espaço de estados. Os antigos vínculos são capazes de fixar o estado do
sistema de maneira única. Com um espaço de estados de n dimensões, temos n
parâmetros caracterizando os vínculos. O novo conjunto de vínculos é mais fraco e é
caracterizado com apenas k < n parâmetros. Vamos escolher as coordenadas do espaço de
estados de tal forma que as primeiras k coordenadas caracterizem o conjunto novo de
vínculos. Para cada escolha concreta de vínculos do novo sistema, fixamos então os valores
das coordenadas x1 ,.....xk enquanto os valores das coordenadas xk +1 ,.....xn ficam
indeterminados. Com os valores de x1 ,.....xk fixos, x1 = x1 ,.....xk = x k , o sistema pode
mover-se numa sub-variedade [ x1 ,..., x k ] de n − k dimensões. Escrevemos aqui as
coordenadas (que são funções) com letras cursivas x1 ,.....xk e determinados valores destas
coordenadas com letras comuns x1 ,.....x k .

141
[ x1 ,..., x k ] = {( ξ1 ,..., ξn )coor x | ξ1 = x1 ,...., ξk = x k } (7.1.2)

Com a notação ( ξ1 ,..., ξ n )coor x , queremos dizer: o estado que, no sistema de coordenadas x,
tem os valores de coordenadas ξ1 ,..., ξ n .
O estado se moverá nesta subvariedade até encontrar um ponto de equilíbrio em relação ao
novo conjunto de vínculos. Para cada k-upla de valores x1 ,.....x k obtemos assim um estado
selecionado. Estes estados selecionados formam uma subvariedade de k dimensões.
seria o novo espaço de estados de equilíbrio em relação ao conjunto fraco de vínculos.
A figura 7.2 ilustra esta situação para n=2 e k=1. O leitor deve tentar imaginar ou
desenhar situações parecidas com n=3 e k=1 e com n=3 e k=2.
Fig. 7.2 Subvariedades [ x1 ] que correspondem a um valor
x2 de x1 = const . . Exemplos x1 = 1, 5 e x1 = 2, 0 . Um certo
ponto de [ x1 ] seria o novo estado de equilíbrio sob o vínculo
fraco x1 = const . . Este ponto é a intersecção de [ x1 ] com a
subvariedade .
5]
1,
x1=

0]
S[

2,
x1=

Agora vamos ver como o sistema se move "dentro"


S[

E
das subvariedades [ x1 ,..., x k ] de n − k dimensões.
x1
Botamos a palavra dentro entre aspas. Na verdade o
sistema não precisa ficar dentro de [ x1 ,..., xk ] durante o processo que leva o sistema ao
novo equilíbrio. Os novos vínculos impõem os valores de x1 ,..., xk , mas o sistema pode
sair do antigo espaço de n dimensões. Então com "dentro" queremos dizer que os estados
inicial e final são elementos de [ x1 ,..., x k ] . A segunda lei da termodinâmica pede que os
estados inicial e final do movimento satisfaçam a desigualdade (7.1.1). Então podemos
concluir que o sistema não pode mais sair do seu estado quando este for um que maximize a
entropia dentro da subvariedade [ x1 ,..., x k ] . Temos então a condição:

Se o estado e = ( x1 ,..., x k , x ek +1 ,..., x en ) ∈ [ x1 ,..., x k ] tiver uma entropia maior


coor x

que todos os estados de [ x1 ,..., x k ] , ele é um estado de equilíbrio em relação


ao novo sistema de vínculos.
Na tarefa de procurar o máximo de entropia na subvariedade [ x1 ,..., x k ] , ajuda o seguinte
critério que funciona para vínculos que não envolvam desigualdades:
Se o estado e = ( x1 ,..., x k , x ek +1 ,..., x en ) [ x1 ,..., x k ] tiver uma entropia maior

coor x

que todos os estados de [ x1 ,..., x k ] , a variação infinitesimal δS = dS ( e ) [ a ]


para qualquer vetor infinitesimal a ∈ que é tangente à sub-
( x ,...,x
1 k ,x ek +1 ,...,x en ) coor x

variedade [ x1 ,..., x k ] é necessariamente nula. Isto é

142
dS ( e ) [ a ] = 0 para todo a do tipo a = .... \ x1 , x2 ,....xk (7.1.3).

A figura 7.3 ilustra esta situação.

y2 Fig. 7.3 Curvas de nível de uma função


x2
S e uma subvariedade [ x1 ] . Nesta
S[x1] x1 subvariedade são marcados dois pontos
eMAX e e e dS é indicado nestes
pontos. No ponto eMAX que maximiza S
S=2 J/K
S=3 J/K dentro de [ x1 ] o dS é alinhado com
eMAX
e o espaço tangente de [ x1 ] .
S=5 J/K

S=4 J/K

y1

dS ( e ) [ a ] = 0 para todo a do tipo a = .... \ x1 , x2 ,....xk quer dizer que o vetor dual dS ( e )
está alinhado com o espaço tangente de [ x1 ,..., x k ] no ponto ( x1 ,..., x k , x ek +1 ,..., x en ) .
coor x

Os vetores duais alinhados com o espaço tangente de [ x1 ,..., x k ] no ponto


( x ,..., x , x
1 k
e
k +1 ,..., x en )
coor x
formam um subespaço vetorial com k dimensões e os vetores
duais dx1 ( e ) ,....dxk ( e ) formam uma base neste espaço. A figura 7.4 mostra um exemplo
com n=3 e k=2.
Fig. 7.4 Vetores duais alindados com o espaço tangente de uma
x3 subvariedade unidimensional num espaço de três dimensões. O
x2 ponto e com entropia máxima na subvariedade [ x1 , x 2 ] é
S[x1,x2]

dx2 marcado como bola preta e os vetores duais dx1 ( e ) , dx2 ( e ) e


dS ( e ) são mostrados.
dS dx1

x1

143
Então podemos escrever dS no ponto ( x1 ,..., x k , x ek +1 ,..., x en ) como uma combinação
coor x
k
linear das diferencias dx1 ,....dxk ; dS ( e ) = ∑ λ i dxi ( e ) . Podemos então formular o
i =1
critério (7.1.3) também da seguinte forma:
Se o estado e = ( x1 ,..., x k , x ek +1 ,..., x en ) ∈ [ x1 ,..., x k ] tiver uma entropia maior
coor x

que todos os estados de [ x1 ,..., x k ] , então existem k números λ1 ,....,λ k tal


k
que dS ( e ) − ∑ λ i dxi ( e ) = 0 .
i =1

Os números λ1 ,....,λ k são chamados multiplicadores de Lagrange.


Veremos um exemplo: imagine um cilindro finito de paredes adiabáticas cujo interior é
dividido em duas partes por um êmbolo como indicado na figura 7.5. As duas partes
contêm fluidos. O êmbolo é adiabático e podemos impor sua
posição externamente. O espaço de estados deste sistema tem êmbolo fixo e adiabático
quatro dimensões. Podemos usar como coordenadas, por V U V U 1 1 2 2

exemplo, as energias internas U 1 , U 2 e os volumes V1 , V2


dos dois subsistemas. Agora vamos relaxar os vínculos que
determinavam os estados: vamos soltar o êmbolo e vamos V U V U 1 1 2 2

também torná-lo permeável ao calor. Permanecem então como


vinculados apenas a energia interna total U = U1 + U 2 e o
êmbolo móvel e diatérmico
volume total V = V1 + V2 . Um sistema de coordenadas adequadas
Fig. 7.5 Redução de
para tratar este relaxamento de vínculos seria
vínculos.
x1 = U = U1 + U 2
x2 = V = V1 + V2
(7.1.4)
x3 = U1
x4 = V1

Um vetor infinitesimal tangente à subvariedade [ x1 , x 2 ] tem a forma geral

a = δx3 = ε \ x1 , x2 , x4 + δx4 = η \ x1 , x2 , x3 = ε e3 + η e4 (7.1.5),


onde ε e η são parâmetros infinitesimais independentes. A variação da entropia seria
então
 ∂S   ∂S 
δS = dS [ a ] = ε   + η  (7.1.6).
 ∂x3  x1 , x2 , x4  ∂x4  x1 , x2 , x3
O nosso sistema é seguramente separável e temos S = S1 + S2 e então
1 P 1 P
dS = dU1 + 1 dV1 + dU 2 + 2 dV2 (7.1.7).
T1 T1 T2 T2
Notamos que

144
dU1 [ e3 ] = 1 , dU1 [ e4 ] = 0 , dV1 [ e4 ] = 1 , dV1 [ e3 ] = 0 ,
(7.1.8).
dU 2 [ e3 ] = −1, dU 2 [ e4 ] = 0 , dV2 [ e4 ] = −1, dV2 [ e3 ] = 0.

Inserindo isto em (7.1.7) e (7.1.6) , obtemos


 1 1  P P 
δS =  −  ε +  1 − 2  η (7.1.9).
 T1 T2   T1 T2 
Como ε e η podem ser variados independentemente podemos concluir de δS = 0 que

1 1
 − =0
 T1 T2 
(7.1.10),
 P1 P2 
 − =0
 T1 T2 
ou T1 = T2 e P1 = P2 . Esta condição de equilíbrio é o que esperamos intuitivamente.
Vamos ainda repetir a dedução deste resultado com o método dos multiplicadores de
Lagrange. Buscamos um estado tal que existam números λ1 e λ 2 tais que
dS ( e ) − λ1dU ( e ) − λ 2 dV ( e ) = 0 (7.1.11).

Com a equação (7.1.7) e com dU = dU 1 + dU 2 , dV = dV1 + dV2 , obtemos

1   P1  1   P2 
 − λ1  dU1 ( e ) +  − λ 2  dV1 ( e ) +  − λ1  dU 2 ( e ) +  − λ 2  dV2 ( e ) = 0
 T1   T1   T2   T2 
(7.1.12).
Como os vetores duais dU1 ( e ) , dV1 ( e ) , dU 2 ( e ) , dV2 ( e ) são linearmente independentes
segue
1   P1  1   P2 
 − λ1  = 0 ,  − λ2  = 0 ,  − λ1  = 0 ,  − λ2  = 0 (7.1.13)
 T1   T1   T2   T2 
e comparando a primeira com a terceira equação podemos concluir novamente T1 = T2 e
em seguida obtemos também P1 = P2 comparando a segunda com a quarta equação.
Relaxando apenas a adiabaticidade do êmbolo mas mantendo-o fixo no espaço, teríamos
obtido a condição de equilíbrio T1 = T2 . Podemos dizer que a temperatura é um parâmetro
cuja uniformidade dentro de um sistema é um critério de equilíbrio em relação às
transferências de calor. Analogamente P1 = P2 expressa uma condição de equilíbrio no que
diz respeito à troca de volume.

145
7.2 Grandezas positivas
Vimos na secção anterior que δS = 0 é um critério de equilíbrio para sistemas
adiabaticamente fechados. Mas na verdade não estabelecemos nenhuma conexão lógica
entre equilíbrio e δS = 0 . As conexões lógicas que foram encontradas eram
( δS = 0 ) ⇐ ( S máximo ) ⇒ ( equilíbrio ) (7.2.1)

De certa maneira, podemos inverter a implicação ( S máximo ) ⇒ ( equilíbrio ) . Se um


estado fosse um equilíbrio de um sistema adiabaticamente isolado sem ser um máximo de
entropia, poderíamos dizer que não definimos os vínculos adequadamente, pois neste caso
um vínculo não considerado seguraria o sistema no seu estado. Vamos então supor que os
vínculos sejam formulados de tal forma que valha ( S máximo ) ⇔ ( equilíbrio ) .

A outra implicação ( δS = 0 ) ⇐ ( S máximo ) é realmente apenas uma implicação e não


uma equivalência. Este fato é bem conhecido dos cursos de cálculo. Um ponto com δS = 0
pode também ser um mínimo, um ponto sela, ou um máximo relativo sem ser o máximo
absoluto. Podemos, no entanto, melhorar a condição δS = 0 acrescentando outros critérios.
O primeiro passo seria um critério para selecionar os máximos relativos comparando o
valor de S no ponto considerado com os valores de uma pequena vizinhança. Isto podemos
fazer com ajuda da expansão de S numa serie de Taylor em torno do ponto com δS = 0 .
Para isso é conveniente escrever S na subvariedade [ x1 ,..., x k ] como função de
variáveis ξk +1 ,.....,ξn definidas da seguinte maneira:
x j = x ej + ξ j j = k + 1,...., n (7.2.2)

onde x ej são os valores das coordenadas do ponto com δS = 0. A serie de Taylor tem a
seguinte forma:
S ( x1e ,.., x ek , x ek +1 + ξ k +1 ,...., x en + ξ n ) =
 ∂2S  (7.2.3)
S ( x1e ,.., x ek , x ek +1 ,...., x en ) +
n
1
2
∑   ξ j ξ m + ......
j , m = k +1  ∂x j ∂xm 
|e

O termo de primeira ordem falta porque o ponto e = ( x1 ,..., x k , x ek +1 ,..., x en ) foi


coor x

justamente escolhido de tal forma que anule as contribuições de primeira ordem (δS = 0 ).
Se a matriz de derivadas segundas na equação 6.15 não tiver autovalores nulos basta
analisar a equação 6.15 até a segunda ordem para descobrir se o ponto e corresponde
realmente a um máximo relativo. Podemos então fortalecer a condição δS = 0 com o
seguinte critério:

146
Se o ponto e = ( x1 ,..., x k , x ek +1 ,..., x en ) for um máximo de S na subvariedade
coor x
n  ∂2S 
[ x1 ,..., x k ] , então a forma quadrática ∑   ξ j ξ m é negativamente
j , m = k +1  ∂x j ∂xm |e
semidefinida.
Analisaremos esta condição agora para o exemplo de um fluido dentro de um cilindro
adiabático e separado por um embolo em duas partes contendo cada uma a mesma
quantidade de fluido. O espaço original de estados é definido com um êmbolo adiabático
com posições fixas. Como no exemplo da secção anterior, consideramos as sub-variedades
[ x1 , x 2 ] que resultam se liberarmos a posição do êmbolo e o tornarmos diatérmico.
Suponhamos que encontramos um ponto dentro de [ x1 , x 2 ] com δS = 0 . Vimos na
secção anterior que este ponto é caracterizado pelas condições T1 = T2 e P1 = P2 . Agora
 ∂2S 
4
veremos se a forma quadrática ∑   ξ j ξ m neste ponto é negativamente definida.
j , m = 3  ∂x j ∂xm 
|e

Temos que calcular as derivadas segundas, todas calculadas mantendo U 1 + U 2 e V1 + V2


constantes:
 ∂  ∂S    ∂  1 1 
 =
 ∂x  T − T   =
  
 ∂x3  ∂x3  x   3  1 2  x
 ¬3  x
¬3
¬3
(7.2.4).
 ∂  1   ∂  1  1 1 1 1
=     −   −   = − −
 ∂U1  T1  V1  ∂U 2  T2  V2 (T1 ) CV 1 (T2 ) CV 2
2 2

No ponto com T1 = T2 ≡ T , temos então


 ∂  ∂S   1 2
    =− 2 ≡a (7.2.5),
 ∂x3  ∂x3  x  T CV
 ¬3  x
¬3

onde usamos que as duas partes do cilindro contêm a mesma quantidade do mesmo fluido e
que num estado com T1 = T2 e P1 = P2 temos CV 1 = CV 2 ≡ CV . Semelhantemente
calculamos:
 ∂  ∂S    ∂ 1  ∂ 1 1   ∂T1   ∂T2  
  = + = −  +   (7.2.6).
 ∂x4  ∂x3  x  

  
∂V1 T1 U  ∂V2 T2 U
  
T 2   ∂V1 U  ∂V2 U 
 3¬  x
¬4
1 2  1 2 

Com as equações 2.4.23 e 5.1.18 temos


 ∂U   ∂P 
  T  −P
 ∂T   ∂V T  ∂T V
  =− =− (7.2.7).
 ∂V U  ∂U  CV
 
 ∂T V

147
Inserindo isto em (7.2.6) e usando T1 = T2 e P1 = P2 obtemos

 ∂  ∂S   1  ∂P   2
    = − 2  P − T    ≡c (7.2.8).
 ∂x4  ∂x3  x  T   ∂T V  CV
 3 ¬  x¬ 4
Falta a última derivada segunda:
 P1   P2 
∂ ∂T
 ∂  ∂S    ∂  P1 P2    T1  
  =   −   =   + 2 
 ∂x4  ∂x4  x 
(7.2.9).
 ∂x  T1 T2    ∂V1   ∂V2 
 4¬ x
¬4
4
   
 U1  U 2
Temos
 P
∂T  1  ∂P  P  ∂T 
  =   − 2  =
 ∂V  T  ∂V U T  ∂V U
(7.2.10).
 U
1  ∂P   1  ∂P  P   ∂T 
=   +   − 2  
T  ∂V T  T  ∂T V T   ∂V U
E, com a equação (7.2.7), a última expressão pode ser escrita como
2
 P   ∂P  
∂  T  − P
 T  1  ∂P    ∂T V 
  =   − (7.2.11).
 ∂V  T  ∂V T 2
T CV
 U
Inserindo este resultado na equação (7.2.9) e usando T1 = T2 e P1 = P2 , obtemos

2  ∂P  ( P − T ( ∂P / ∂T )V ) 2
2
 ∂  ∂S  
    =   − ≡b (7.2.12).
 ∂V1  ∂V1 U  T  ∂V T T2 CV
 1 U
1

A forma quadrática
 a c   ξ3 
( ξ3 ξ4 )    (7.2.13)
 c b  ξ4 
é negativamente semidefinida1 se e só se a ≤ 0 e ab − c 2 ≥ 0. Com a equação (7.2.5),
podemos ver que a condição a ≤ 0 é equivalente a CV ≥ 0 . Juntando os resultados (7.2.5),
(7.2.8) e (7.2.12), obtemos para o determinante
4  ∂P  1
ab − c 2 = −   (7.2.14)
T 3  ∂V T CV

1
Exercício: mostre que esta condição é necessária e suficiente!

148
Supondo que CV > 0, a condição ab − c 2 ≥ 0 significa que ( ∂P / ∂V )T ≤ 0 , ou seja, a
compressibilidade isotérmica não pode ser negativa. Esta é uma consequência
surpreendente da segunda lei da termodinâmica: o simples fato que uma substância é capaz
de estar em equilíbrio com sigo mesma em relação à troca de calor e volume requer que a
capacidade térmica a volume constante e a compressibilidade isotérmica sejam não
negativas.

7.3 A energia livre


Vamos relembrar a situação estudada nas seções 7.1 e 7.2. Consideramos um sistema cujos
estados de equilíbrio eram mantidos com vínculos externos de n parâmetros. Relaxamos
estes vínculos externos de n parâmetros fixando apenas os valores de k coordenadas
x1 , x2 , ....xk , com k < n , e deixando as coordenadas xk +1 , ....xn livres. Frente a estes
vínculos fracos, um ponto genérico da sub-variedade
[ x1 ,..., x k ] = {( ξ1 ,..., ξn )coor x | ξ1 = x1 ,...., ξk = x k }
não seria mais um ponto de equilíbrio do sistema. Partindo de
( x1 ,..., x k , x k +1 ,..., x n ) ∈
coor x
[ x1 ,..., x k ] , o estado do sistema deslocar-se-ia num processo
e terminaria num outro ponto e = ( x1 ,..., x k , x ek +1 ,..., x en ) ∈ [ x1 ,..., x k ] . Afirmamos que
coor x

se os vínculos que permanecem fossem tais que o sistema pudesse executar apenas
processos adiabáticos, a entropia do sistema não poderia diminuir neste processo. Esta
observação levou à caracterização do novo ponto de equilíbrio e como um ponto que
maximize a entropia dentro de [ x1 ,..., x k ] .

Agora vamos estudar um relaxamento de vínculos tal que o novo sistema de vínculos
permita apenas processos "isotérmicos". Temos que explicar melhor o que queremos dizer
com "isotérmico". Na verdade o sistema executará um processo saindo dos estados de
equilíbrio e com isso não há nem sequer temperaturas bem definidas durante o processo. O
que queremos dizer com isotérmico é que os estados inicial e final têm a mesma
temperatura T e que o sistema está sempre em contato térmico com um reservatório
térmico ideal com a temperatura T. Lembramos que a distribuição de calor dentro de um
reservatório térmico ideal é supostamente tão rápida que a superfície do reservatório
térmico que encosta no sistema mantém sempre a mesma temperatura T do reservatório.
Estamos então discutindo um caso idealizado; e uma situação experimental real pode ser
descrita por este caso ideal apenas de maneira aproximativa. Para que uma situação
experimental seja bem descrita pela idealização isotérmica precisamos que todos os
processos do sistema ocorram muito lentamente em comparação com a escala de tempo
característica pela distribuição de calor no reservatório térmico real. Da mesma forma,
discutimos um caso idealizado nas seções 7.1 e 7.2 . Na verdade não existe um
isolamento adiabático ideal. No caso dos vínculos adiabáticos os processos têm que ser
rápidos em comparação com tempos característicos de troca de calor.

149
Relaxando então os vínculos mantendo um conjunto de vínculos isotérmicos, vamos, em
geral, provocar um processo que leva o estado do sistema de um estado inicial
ein ∈ [ x1 ,..., x k ] a um estado final e fim ∈ [ x1 ,..., x k ] . Para este processo, vale a
desigualdade (4.6.15). Como há só um único reservatório térmico envolvido no processo,
podemos reescrever a desigualdade (4.6.15) na seguinte forma:
Q
≤ S fim − Sin (7.3.1).
T
Substituindo a definição de Q (equação 3.2.5) e multiplicando com T , obtemos
U fim − U in − W ≤ T S fim − T Sin (7.3.2).

As temperaturas dos estados ein e e fim coincidem com a temperatura T do reservatório.


Então podemos escrever Tfim S fim − Tin Sin no lado direito de (7.3.2). Podemos juntar agora
todos os termos da forma A fim − Ain introduzindo a seguinte função de estado:

F = U − TS (7.3.3)
chamada energia livre. Com F a desigualdade (7.3.2) toma a forma
−W ≤ − ( Ffim − Fin ) (7.3.4)
~
W = −W é o trabalho fornecido pelo sistema durante o processo. Então podemos interpretar
a desigualdade (7.3.4) da seguinte forma: a diminuição da energia livre é o limite superior
de trabalho que um sistema pode fornecer durante um processo isotérmico entre dois
estados dados. Este fato justifica o nome de energia livre, pois − F fim − Fin mede a ( )
energia disponível (ou livre) para trabalho isotérmico entre dois pontos ein e e fim ..

Uma vez que um sistema está num estado emin ∈ [ x1 ,..., x k ] que minimiza F dentro da
subvariedade [ x1 ,..., x k ] , não podemos mais ganhar trabalho do sistema. O sistema
pode sair do estado emin apenas com processos que transferem energia em forma de
trabalho para o sistema, pois neste caso a desigualdade (7.3.4) pode ser escrita na forma:
W ≥ (F fim − Fmínimo ) ≥ 0 (7.3.5)
Esta observação leva agora a um novo critério de equilíbrio:
Se o conjunto de vínculos fracos for isotérmico e além disso não permitir qualquer
tipo de trabalho, então pontos que minimizam F dentro da subvariedade
[ x1 ,..., x k ] são pontos de equilíbrio.
A exploração matemática deste critério de equilíbrio com métodos de multiplicadores de
Lagrange, de expansão em série de Taylor etc. é inteiramente análoga àquela que estudamos
no caso do máximo da entropia; não vamos entrar novamente nos detalhes deste tipo de
análise. Mas vamos discutir uns exemplos físicos que ilustram o uso da energia livre.

150
Já nos primeiros cursos de mecânica, procuramos pontos de equilíbrio de sistemas, como
pêndulos, carrinhos em montanhas russas etc. . Sabemos que os pontos de equilíbrio
estáveis correspondem aos mínimos de energia potencial. Se tratarmos estes exemplos
como sistemas termodinâmicos e se incluirmos a energia potencial na sua energia interna,
esta condição de equilíbrio é perfeitamente compatível com o critério de equilíbrio que
acabamos de formular com a energia livre. A entropia destes sistemas mecânicos é
praticamente constante e a parcela –TS não influencia no critério de equilíbrio. Agora
veremos um exemplo em que a contribuição entrópica não é desprezível. Considere um
cristal iônico como, por exemplo, NaCl. Se cada íon estivesse isolado no mundo, o campo
elétrico em torno do íon teria um conteúdo energético enorme. Uma configuração com
muito menos energia eletrostática é formada quando os íons se agrupam num cristal em que
cada íon positivo é compensado por um vizinho negativo. Desta forma a configuração
estável é o cristal. Mas, por outro lado, lembrando da interpretação da entropia como
medida de desordem, devemos esperar que o cristal tenha uma entropia menor que uma
“sopa” desordenada de íons. Mas, se a temperatura não está muito elevada o termo
entrópico −TS ainda não é o dominante e a configuração de equilíbrio é o cristal. Se
elevamos a temperatura acima de 1674K (801oC), a parcela −TS é mais importante e o sal
derrete. Pode-se alterar a competição entre os termos U e −TS também de outra forma
sem ter que se elevar a temperatura tanto. Se jogamos o cristal de NaCl na água, a parcela
de energia eletrostática é reduzida pelo fator da constante dielétrica da água ( ≈ 80 ). Sendo a
parcela de U agora 80 vezes menor, a parcela −TS ganha mesmo numa temperatura
moderada e a rede cristalina é desfeita – o sal se dissolve na água.
O critério de equilíbrio da minimização da energia livre pode ser entendido também do
ponto de vista da maximização da entropia. Basta envolver o sistema σ junto com o
reservatório térmico Θ num invólucro adiabático. Então o sistema conjunto Σ = σ ⊗ Θ
ficaria num equilíbrio determinado pela maximização da entropia do sistema total Σ .
Quando o sistema σ vai de um estado energético para um estado de menor energia, o
reservatório térmico Θ fica com a diferença de energia U in − U fim e aumenta sua entropia
por (U in − U fim ) / T . Mas o sistema σ diminui sua entropia nesta transição. O equilíbrio é
determinado pelo máximo da entropia total. Maximizar (S fim − Sin ) + (U in − U fim ) / T é
obviamente equivalente a minimizar (U fim − TS fim ) − (U in − TSin ) . Então quando o sal fica
na forma cristalina é porque o reservatório térmico fica com esta opção muito entrópica.
Mas quando o sal derrete ou se dissolve, a entropia do próprio sal é mais importante do que
a entropia do reservatório.
Vamos agora estudar a introdução da energia livre de um ponto de vista formal. Para um
sistema com n − 1 variáveis de trabalho x1 , .... x n−1 , temos
n −1
W = ∑ wl dxl (7.3.6),
l =1

cujos coeficientes wl são um ingrediente essencial para a termodinâmica de um sistema.


Sempre supomos que a forma diferencial (7.3.6) seja conhecida para um dado sistema.

151
Com a segunda lei da termodinâmica e com a definição da forma diferencial do calor
reversível, podemos escrever dU da seguinte forma:
n −1
dU = TdS + ∑ wl dxl (7.3.7).
l =1

Naturalmente podemos escrever dU em qualquer outro sistema de coordenadas y1 ,... y n .


n 
  ∂S  n −1
 ∂xl  
dU = ∑ T   + ∑ wl    dyr (7.3.8).
r =1   ∂yr  y¬r  ∂yr  y¬r 
 l =1

Mas a formula (7.3.8) requer além da expressão básica (7.3.6) e da equação da segunda lei
também o conhecimento das derivadas ( ∂S / ∂yr ) y¬ r e ( ∂xl / ∂yr ) y¬ r . Portanto podemos
considerar a representação (7.3.7) de dU como mais fundamental que a representação
(7.3.8). Vamos definir as variáveis S , x1 , ..... x n−1 como coordenadas naturais para a
função U.
Vamos escrever a diferencial da energia livre dF = d ( U − TS ) = dU − ( dT ) S − TdS . Com
(7.3.7) obtemos
n −1
dF = − S dT + ∑ wl dxl (7.3.9)
l =1

Esta representação é a consequência direta da relação básica (7.3.6) e da equação da


segunda lei e não envolve nenhum conhecimento extra de derivadas do tipo ( ∂S / ∂yr ) y¬ r e
( ∂x l / ∂yr ) y¬ r . Podemos então chamar T , x1 , ..... xn −1 as coordenadas naturais de F. A
substituição de U por F é então acompanhada por uma mudança de coordenadas naturais
S , x1 , ..... xn −1 → T , x1 , ..... xn −1 . Este tipo de transformação de coordenadas é conhecido
como transformação de Legendre. Esta segue o seguinte esquema. Seja A uma função
num espaço de n dimensões. Suponhamos que certas coordenadas x1 , ... x n sejam
especialmente apropriadas para a representação de A. Então x1 , ... x n são as coordenadas
naturais de A. Em termos destas coordenadas, temos
n
dA = ∑ al dxl (7.3.10).
l =1

Se formamos agora uma função B = A − a n x n temos


n −1
dB = ∑ al dxl − xn dan (7.3.11),
l =1

e as coordenadas privilegiadas de B são x1 , .... xn−1 , an . Naturalmente podemos fazer


transformações de Legendre com mais de uma variável. Formando uma função
C = A − xn an − xn−1 an−1 −.... x k a k temos
n −1 n
dC = ∑ al dxl − ∑ xl dal (7.3.12),
l =1 l =k

152
e as coordenadas naturais de C são x1 , .... x k −1 , a k , .... a n .
Qual é a vantagem de se terem coordenadas naturais? A ideia é que se um dado problema
for formulado em certas coordenadas, será vantajoso usar uma representação da
termodinâmica que use justamente estas coordenadas como coordenadas naturais. Vejamos
um exemplo. Na seção 5.1 calculamos a derivada ( ∂U / ∂V ) T em termos de grandezas da
equação de estado térmica. As coordenadas do problema são V e T (pois trata-se de uma
derivada do tipo ( ∂ / ∂V ) T ). Então deve ser vantajoso partir da energia livre que usa
justamente estas variáveis como coordenadas naturais. Temos
dF = − S dT − P dV (7.3.13).
Aplicando o teorema de Clairaut e Schwarz nesta equação obtemos
 ∂S   ∂P 
  =  (7.3.14).
 ∂V T  ∂T V
Por outro lado temos
1 P
dS = dU + dV (7.3.15)
T T
e então
 ∂S  1  ∂U  P  ∂V  1  ∂U  P
  =   +   =   + (7.3.16)
 ∂V T T  ∂V T T  ∂V T T  ∂V T T
Inserindo (7.3.16) em (7.3.14) já fornece o resultado desejado:
1  ∂U  P  ∂P 
  + =  (7.3.17)
T  ∂V T T  ∂T V
ou
 ∂U   ∂p 
  =T   −p (7.3.18)
 ∂V T  ∂T V
que é a equação (5.1.18), desta vez deduzida sem os termos um tanto complicados das
equações (5.1.16) e (5.1.17).

7.4 A entalpia e o efeito Joule-Thomson


Para um sistema que contém o volume como uma das variáveis de trabalho, temos
n−2
dU = T dS − P dV + ∑ ul dxl (7.3.19)
l =1

Para um fluido simples isto se reduz simplesmente a

153
dU = T dS − P dV (7.3.20).
n− 2
Podemos incluir o termo extra ∑u l dxl para permitir casos mais gerais sem nos preocupar
l =1
por enquanto com qual seria o significado físico deste termo. Na seção anterior,
conhecemos a transformação de Legendre associada a introdução da energia livre. De forma
análoga, podemos agora fazer uma transformação de Legendre que troque o papel de P e
V. A função de estado que induz esta transformação é
H = U + pV (7.3.21)
H é chamada de entalpia. Com (7.3.19) obtemos para dH
n−2
dH = T dS + V dP + ∑ ul dxl (7.3.22)
l =1

e as coordenadas naturais de H são S , P, x1 , ....xn − 2 .


Numa aplicação de dH num vetor que mantém P e os x l constantes, contribui apenas o
primeiro termo T dS = Q . Portanto temos
 ∂H  1  1 
  = dH  δT = ε \ P, x  = Q  δT = ε \ P, x  = C p (7.3.23)
 ∂T  p , x ε  ε 

 ∂H 
  = Cp (7.3.24)
 ∂T  p , x

Este resultado significa que podemos medir variações da entalpia ∆H = H fim − Hin para
estados E fim e Ein com a mesma pressão com processos reversíveis isobáricos facilmente.
Mesmo com processos irreversíveis isobáricos, podemos medir variações de H. Para isso
introduzimos o sistema num reservatório de pressão ideal. Um reservatório de pressão
ideal é algo análogo ao reservatório térmico ideal. O reservatório de pressão ideal mantém
uma pressão constante. Uma boa aproximação de um reservatório de pressão ideal é a
atmosfera no laboratório. É claro que qualquer reservatório de pressão real pode apenas
aproximar a idealização e a qualidade da aproximação depende novamente de escalas de
tempo. Para se ter uma aproximação boa, tem-se que se limitar a processos que envolvam
mudanças lentas de volume. Explosões, por exemplo, não se encaixam nesta categoria de
processos. Para um processo suficientemente lento de um sistema dentro de um reservatório
de pressão P , tem-se o trabalho de volume WV = − P (V fim − Vin ) mesmo que o processo
contenha elementos irreversíveis. Se não houver outros tipos de trabalho vale então
H fim − H in = U fim − U in + P (V fim − Vin ) = Q (7.3.25)
Percebemos certa analogia com a energia interna:
Sabemos que trabalho não é uma função de estado. Trabalho é associado a um
processo e em geral o valor depende não apenas dos estados inicial e final do
processo. Mas existe uma classe de processo, os processos rápidos entre paredes

154
duplas com vácuo e espelhados, que permite associar uma função de estado ao
trabalho U fim − U in = Win → fim .
Analogamente temos agora:
Sabemos que calor não é uma função de estado. Calor é associado a um
processo e em geral o valor depende não apenas dos estados inicial e final do
processo. Mas existe uma classe de processo, os processos com P=const. e
somente usando trabalho de volume, que permite associar uma função de estado
ao calor H fim − H in = Qin→ fim .
Este fato justifica o nome entalpia ( το θαλπος = o calor ) .
Então podemos determinar ∆ H = H fim − Hin calorimetricamente. É claro que este tipo de
experiência é limitada a pares de estados E fim e Ein com a mesma pressão. Mas na seção
7.6 mostraremos como a dependência de H com P pode ser determinada. Para um fluido
simples, podemos determinar ( ∂H / ∂P )T com dados da equação térmica de estado. Por
causa da facilidade de experiências isobáricas, encontramos, por exemplo, na literatura
química, mais frequentemente dados de H do que de U.
Uma aplicação importante da entalpia é o efeito Joule2-Thomson3. O processo de Joule-
Thomson é uma expansão irreversível e adiabática de um gás tal que os valores da entalpia
dos estados inicial e final são iguais. Neste processo um gás sai de um cilindro 1 com uma
pressão Pin através de um tampão poroso e entra num cilindro 2 com pressão Pfim < Pin
(compare a figura 7.5).

Fig. 7.5 Processo de Joule-


Thomson
Êmbolos nos cilindros
são ajustados para manter
as pressões Pin e Pfim
constantes durante todo o
processo. Se toda massa
do gás estava
inicialmente no cilindro 1
e no fim do processo está
no cilindro 2, temos o
trabalho total
W = Vin Pin − V fim Pfim .
Todo equipamento tem
paredes adiabáticas assim que Q do processo é zero. Desta forma temos

2
James Prescott Joule (1818-1889) Contribuições importantes na física: primeira lei da termodinâmica, efeito
Joule, magnetostricção, elaborou com Kelvin a escala absoluta de temperatura.
3
William Thomson, Lord Kelvin (1824–1907) Contribuições importantes na termodinâmica e engenharia.

155
U fim − U in = W (7.3.26)

ou
U in + Vin pin = U fim + V fim p fim (7.3.27).

Isto significa que o processo conserva a entalpia.


Notamos que durante o processo as parcelas do gás dos cilindros 1 e 2 não estão em
equilíbrio uma com a outra. Então o processo de Joule-Thomson não é reversível mesmo
executando-o lentamente com um tampão de poros finos. Temos Hin = H fim , então o
processo de Joule-Thomson liga dois pontos na mesma curva de H = const . . Mas o
processo não segue continuamente uma curva H = const . , pois durante o processo o
estado sai do espaço com coordenadas P e T e entra num espaço com duas pressões e
duas temperaturas.
Originalmente a experiência de Joule-Thomson foi usada para verificar o resultado da
experiência de Joule da expansão livre de gases. A experiência de Joule-Thomson pode
essencialmente fornecer a mesma informação. Por exemplo, para um gás ideal temos
U = U ( T ) e o produto PV também é apenas uma função da temperatura. Então, para um
gás ideal, temos H = H ( T ) ; e num diagrama P-T as curvas H = const . são idênticas
com as curvas T = const .. Isto significa que a temperatura de um gás ideal não muda num
processo de Joule-Thomson. A situação é diferente com gases reais. A figura 7.6 mostra um
esboço de curvas de H = const . para um gás real. Conectando dois pontos de uma curva de
entalpia constante, podemos mudar a temperatura.
Fig. 7.6 Curvas de H = const . . Numa
curva são marcados dois pontos que
podem ser estados inicial e final de um
processo Joule-Thomson que leva a um
esfriamento do gás. Note-se que não em
todo espaço de estados o processo de
Joule-Thomson leva a um esfriamento.

De fato o processo de Joule-


Thomson é usado na criogenia
para se liquefazerem gases. Usa-se
um método desenvolvido por W.
Siemens4 que combina o efeito
Joule-Thoms222on com uma troca
de calor por um processo contracorrente. Para se chegar, por exemplo, ao ponto de se
liquefazer ar, há que se aplicar o processo de Joule-Thomson várias vezes reconduzindo o
ar do cilindro 2 através de uma bomba de volta para o cilindro 1. A ideia é naturalmente
de fazer esta transferência à temperatura atingida no cilindro 2 de tal modo que várias
repetições deste processo levariam a uma sequência de pontos indicada na figura 7.7.

4
Ernst Werner von Siemens (1816 – 1892)

156
Fig. 7.7 Uma sequência de processos de Joule-
Thomson alternados com compressões
isotérmicas. Na verdade as compressões
isotérmicas requerem alguma bomba de calor para
remover a energia de compressão. Poder-se-ia
também fazer o passo número n+1 apenas com
uma fração pequena do gás do passo número n
usando o resto como reservatório térmico na
compressão.
Mas na prática seria impossível
comprimir o gás a uma temperatura
atingida no passo anterior. Usa-se então
uma bomba a temperatura ambiente e a
temperatura baixa é transferida para o gás
que entra no processo de Joule-Thomson pelo gás que sai do processo através de um
trocador de calor contracorrente como mostra a figura 7.8. Desta forma a seqüência discreta
da figura 7.7 é substituída por um esquema contínuo.
Na seção 7.6, veremos como se constroem as curvas H = const . a partir dos dados de C p
e da equação térmica de estado.

bomba processo
Joule-Thomson

trocador de calor
saída
do ar líquido
pré-esfriamento

Fig. 7.8 Esquema de uma máquina de liquefazer ar com o processo de Siemens

7.5) A entalpia livre


Na seção 7.3 fizemos a transformação de Legendre trocando o papel de S e T e na seção
7.4 a transformação trocando p com V. Podemos agora juntar as duas transformações
introduzindo a entalpia livre
G = U − TS + PV (7.4.1)
A diferencial de G é

157
n−2
dG = − S dT + V dP + ∑ ul dxl (7.4.2)
l =1

com as coordenadas naturais T , P, x1 , ....xn− 2 .


Novamente podemos motivar esta transformação fisicamente com um relaxamento de
vínculos. Desta vez os vínculos restantes seriam isotérmicos e isobáricos. Isto significa que
o sistema está mergulhado dentro de um reservatório térmico ideal e o reservatório de
pressão ideal. Lembramos novamente que a aplicação a casos concretos requer uma análise
se estas idealizações são uma descrição razoável para os processos estudados. Suponhamos
que o sistema execute um processo E in → E fim sob vínculos isotérmicos e isobáricos.
Vale a desigualdade
Q
≤ S fim − Sin (7.4.3)
T
O trabalho volumétrico dentro do reservatório de pressão ideal é WV = − P (V fim − Vin )
= − Pfim V fim + Pin Vin . Além do trabalho volumétrico pode haver outros tipos de trabalho
W ′ . Temos então
1
T
(U fim − U in + Pfim V fim − Pin Vin − W ′) ≤ S fim − Sin (7.4.4)
e com T = T fim = Tin

−W ′ ≤ − ( G fim − Gin ) (7.4.5)

Esta desigualdade tem a seguinte interpretação:


O trabalho não volumétrico fornecido pelo sistema num processo isotérmico e
isobárico entre estados E in e E fim dados é limitado pela diminuição da entalpia
livre.
Especialmente podemos concluir:
Com vínculos isotérmicos e isobáricos que não permitem nenhum trabalho não
volumétrico, pontos que minimizam G na subvariedade [ x1 ,..., x k ] são
pontos de equilíbrio.
No capítulo 8, usaremos este critério freqüentemente.

7.6) Os potencias termodinâmicos e as relações de Maxwell


Na seção 5.1 afirmamos que a forma explícita da função
U = U ( S , x1 , .....xn−1 ) (7.5.1)

contém toda informação da termodinâmica de equilíbrio de um sistema cujas variáveis de


trabalho são x1 , .... x n−1. Podemos afirmar o mesmo para as funções

158
F = F (T , x1 , ....xn −1 ) (7.5.2)

H = H ( S , P, x1 , ....xn − 2 ) (7.5.3)

G = G (T , P, x1 , ....xn− 2 ) (7.5.4)

As funções U, F, H, e G consideradas não como funções no espaço dos estados, mas


como funções das suas variáveis naturais, são chamadas potenciais termodinâmicos.
Analogamente podemos ainda fazer transformações de Legendre com as outras variáveis
x1 , .... xn− 2 e podemos formar mais potenciais termodinâmicos, cada um sendo função das
suas variáveis naturais. A tabela seguinte contém os principais potenciais, suas diferenciais
e coordenadas naturais:

Nome Definição Diferencial Variáveis nat.


Energia interna U Primeira Lei dU = T dS − P dV + ∑ ul dxl S, V , x

Energia livre F F = U − TS dF = − S dT − P dV + ∑ ul dxl T, V , x

Entalpia H H = U + PV dH = T dS + V dP + ∑ ul dxl S , P, x

Entalpia livre G G = U + PV − TS dG = − S dT + V dP + ∑ ul dxl T , P, x

Às vezes obtemos uma das funções U, F, H, G a partir de um modelo microscópico em


termos de variáveis que não são as coordenadas naturais. Um caso frequente é, por
exemplo, que o modelo microscópico fornece U em função de T e V . Então ainda não
teríamos um potencial termodinâmico. Nestes casos é útil poder relacionar os potenciais
entre si. Veremos um exemplo: temos F = U − TS mas com dF = − S dT − P dV + ∑ ul dxl
podemos identificar − S com a derivada ( ∂F / ∂T ) V x . Então obtemos

 ∂F 
U = F −T   (7.5.5)
 ∂T V x
De forma análoga podemos escrever
 ∂G   ∂G 
U = G −T   − P  (7.5.6)
 ∂T  p x  ∂P T x
e
 ∂G 
H = G −T   (7.5.7)
 ∂T  p x

159
As relações (7.5.5), (7.5.6) e (7.5.7) são chamadas relações de Gibbs-Helmholtz. Podemos
ainda escrever (7.5.5) na seguinte forma
U F 1  ∂F   ∂ (F /T ) 
= 2−   = −  (7.5.8)
T 2
T T  ∂T V x  ∂T V x
Integrando (7.5.8) sobre um caminho com V = const . , obtemos
F U
= − ∫ dT + A (V ) (7.5.9)
T V = const .
T2
ou
U
F = −T ∫ dT + TA (V ) (7.5.10)
V = const .
T2
A equação (7.5.7) pode ser integrada em forma análoga.

160
08 Métodos e aplicações simples
8.1 O método dos potenciais
Os potenciais termodinâmicos fornecem um método para resolver problemas da
termodinâmica. Podemos aplicar o teorema de Clairaut e Schwarz nos coeficientes das
diferenciais dos potenciais termodinâmicos e obtemos assim um grande número de relações
termodinâmicas. Estas relações são chamadas relações de Maxwell. Por exemplo, da
diferencial dH obtemos
 ∂T   ∂V 
  =  (8.1.1)
 ∂P  S  ∂S  p
ou da diferencial dF
 ∂S   ∂P 
  =  (8.1.2)
 ∂V T  ∂T V
etc. O método dos potenciais termodinâmicos aproveita estas relações para resolver
problemas de forma sistemática. A estratégia de solução é partir do potencial cujas
variáveis naturais são especialmente adaptadas ao problema.

8.1.1 Cálculo de ( ∂H / ∂p) T para um fluido

Já vimos um exemplo da técnica dos potenciais na seção 7.3 em que usamos o teorema de
Clairaut e Schwarz com a diferencial dF para calcular ( ∂U / ∂V ) T . Também usamos esta
técnica já na seção 5.4, mas sem mencionar que usamos um potencial termodinâmico. Para
apresentar mais um exemplo, vamos agora calcular a derivada ( ∂H / ∂P )T que interessa
para a determinação da entalpia e para o efeito Joule-Thomson.
As coordenadas do problema são P e T (pois queremos calcular uma derivada do tipo
( ∂ / ∂P )T ) . Então o ponto de partida deve ser o potencial G . Temos
dG = − S dT + V dP (8.1.3)
O teorema de Clairaut e Schwarz fornece a relação de Maxwell
 ∂S   ∂V 
−  =  (8.1.4)
 ∂P T  ∂T  P
Por outro lado temos
1 P
dS = dU + dV (8.1.5)
T T
e então

161
 ∂S  1  ∂U  P  ∂V 
  =   +   =
 ∂P T T  ∂P T T  ∂P T
(8.1.6)
1  ∂U   ∂ (VP )   V 1  ∂H  V
=   +  − =   −
T  ∂P T  ∂P T  T T  ∂P T T

Inserindo isto em (8.1.4), obtemos

 ∂H   ∂V 
  =V −T   (8.1.7)
 ∂P T  ∂T  P
O lado direito pode ser calculado a partir da equação térmica de estado e a equação (8.1.7)
é o resultado desejado. Repare a semelhança com a equação (5.1.18) !
Podemos ainda usar este resultado e a equação (7.4.4) para determinar uma equação para as
curvas H = const . (as quais são de interesse para o efeito Joule-Thomson). Temos com
(7.4.4) e (7.4.6).
  ∂V  
dH = CP dT + V − T    dP (8.1.8)
  ∂T  P 
1
Aplicando esta diferencial num vetor a= δT = ε \ H , que é tangencial à curva
ε
H = const . , obtemos
  ∂V    ∂P 
0 = CP + V − T     (8.1.9)
  ∂T  P   ∂T  H
ou
 ∂P  CP
  = (8.1.10)
 ∂T  H T  ∂V  − V
 
 ∂T  P
As grandezas do lado direito são de fácil acesso experimental e as curvas H = const .
obtemos então integrando a equação diferencial (8.1.10).

8.1.2 Cálculo de CP − CV

Outro exemplo do método pode ser explorado no seguinte exercício que obtém o antigo
resultado (5.3.17) de outra forma.
A capacidade térmica a volume constante é definida como
1
CV = Q  δT = ε \ V 
def . ε 

162
onde δT = ε \ V é o vetor de deslocamento na direção V=const. que
resulta na variação infinitesimal da temperatura δT = ε e Q é a forma
diferencial do calor reversível. Analogamente a capacidade térmica à
pressão constante é definida como
1
CP = Q δT = ε \ P 
def . ε 
a) Use a definição da entropia (a diferencial da entropia) para escrever
CV e CP em termos de derivadas da entropia e em seguida escreva
CP − CV em termos destas derivadas.
b) Transforme para o sistema de coordenadas T, V.
c) Escolha uma relação de Maxwell de um potencial termodinâmico
adequado que permita transformar CP − CV numa expressão que contenha
apenas grandezas oriundas da equação de estado térmica (aquela que
relaciona V, P e T).

8.1.3 A célula eletroquímica


Para praticar mais o método dos potenciais, analisaremos uma célula eletroquímica. Um
bom exemplo deste tipo de sistema é a célula de Daniel. Ela consiste de duas partes
chamadas semi-células. Uma é um recipiente com uma solução aquosa de sulfato de cobre
e uma barra de cobre mergulhada dentro dela. A outra é uma solução de sulfato de zinco e
uma barra de zinco mergulhada nela. Ambos os metais podem passar em forma de íon para
a solução e inversamente os íons podem perder sua carga e se depositar no metal. As
equações (8.1.11) e (8.1.12) descrevem estas reações:
Cu Cu 2+ + 2e− (8.1.11)

Zn Zn 2+ + 2e− (8.1.12).
Como ambas as reações envolvem transporte de carga elétrica a condição de equilíbrio
envolve campo elétrico nas interfaces metal – solução. Para poder medir a diferença de
potencial associada a estes campos, precisamos estabelecer alguma ligação elétrica entre as
duas soluções. Os fios de um voltímetro podem ser ligados sem problemas nas barras de
cobre e de zinco. Enfiar os fios do voltímetro direto em uma das soluções seria um tanto
problemático porque os metais dos fios iriam também fazer alguma reação química. Uma
maneira de ligar as soluções eletricamente sem permitir que as soluções se misturem é com
ajuda de uma ponte salina. Uma ponte salina é uma solução, geralmente de KCl ou KNO3 ,
contida num tubo de vidro junto com uma substância gelatinosa. O KNO3 não altera as
reações (8.1.11) e (8.1.12) apreciavelmente. A figura 8.1 mostra uma célula de Daniel. Os
cristais mostrados no fundo dos recipientes não são obrigatórios. Eles podem ser usados
para garantir certas concentrações das soluções independentes do estado de carregamento
da célula.

163
Fig. 8.1 Célula de Daniel.

KNO3 Zn
Cu

soluções
CuSO4 ZnSO4
cristais

Com um voltímetro ideal, cuja resistência interna seria infinita e que não deixa passar carga
elétrica, mediríamos a força eletromotriz da célula. Lembramos que a força eletromotriz
é definida pela lei de Ohm generalizada que envolve um termo de ordem zero na expressão
da corrente:
V V
I = I0 + ≡ + (8.1.13),
Rint Rint Rint
onde Rint é a resistência interna da célula. No caso da célula de Daniel, vamos contar
correntes como positivas se elas correspondem a um transporte de uma carga positiva do
bastão de Zinco para dentro da solução sem passar pelo circuito externo. Bombeando uma
carga elétrica infinitesimal δqel contra o campo elétrico (fora da célula ou a favor do campo
dentro da célula) com a ajuda de alguma fonte de voltagem V , faríamos o trabalho elétrico
V δqel . No limite de um processo reversível, a corrente seria zero e a voltagem da fonte
externa seria igual ao negativo da força eletromotriz da célula de Daniel (compare com a
equação (8.1.13)). Desta forma a diferencial da energia interna da célula fica
dU = TdS − PdV − dqel (8.1.14).
Em experiências quantitativas, vamos naturalmente controlar a temperatura e normalmente
será tudo feito num ambiente com pressão atmosférica. Nestas condições passa calor entre
reservatório térmico e célula. Seria difícil medir a quantidade de calor trocado. Nesta
situação as relações termodinâmicas podem ajudar substancialmente. Com a célula
mergulhada num reservatório térmico e num ambiente com P=const. seria adequado
considerar a entalpia livre no lugar da energia interna pois ela usa as variáveis T e P:
dG = − SdT + VdP − dqel (8.1.15).
Desta diferencial, obtemos com o teorema de Clairaut e Schwarz

164
 ∂S  ∂ 
  =  (8.1.16).
 ∂qel T , P  ∂T qel , P
Para finalidades práticas este é um resultado muito importante. Para apreciá-lo
devidamente, devemos interpretar as grandezas. Vamos ainda multiplicar a equação
(8.1.16) pela temperatura. A grandeza
 ∂S 
T  (8.1.17)
 ∂qel T , P
Pode ser interpretada da seguinte forma: esta grandeza resulta da aplicação do vetor dual
Q = TdS no vetor infinitesimal
1
a= δqel = ε \ T , P (8.1.18)
ε
Temos
TdS δqel = ε \ T , P   ∂S 
Q [a ] = = T  (8.1.19)
ε  ∂qel T , P
Então para medirmos esta grandeza, teríamos que passar carga reversivelmente pela célula
tendo ela imersa num banho-maria de temperatura T e medir a quantidade de calor trocada
entre o banho e a célula. Depois teríamos que dividir o calor observado pela carga que
passou. Esta grandeza é importante; ela entra na determinação da entalpia da reação –
grandeza que os químicos utilizam para caracterizar uma reação. Mas como poderíamos
medir a quantidade de calor trocada com o reservatório com razoável precisão? Geralmente
medidas calorimétricas são muito imprecisas. A relação termodinâmica (8.1.16) fornece
agora um método extremamente preciso e fácil para se determinar esta grandeza:
∂ 
Q [a ] = T   (8.1.20)
 ∂T qel , P
Basta observar com um bom voltímetro como a força eletromotriz da célula muda quando
se altera a temperatura um pouco, mantendo a pressão constante e sem deixar passar carga.
Veremos ainda como este resultado entra na determinação da entalpia de reação. Temos
dH = TdS + VdP − dqel =

 ∂S    ∂S     ∂S  
=T   dT + T   + V  dP + T   −  dqel (8.1.21)
 ∂T  qel , P   ∂P qel ,T    ∂qel T , P 
 ∂S    ∂S     ∂  
=T   dT + T   + V  dP + T   −  dqel
 ∂T  qel , P   ∂P qel ,T    ∂T  qel , P 
Se deixarmos a reação
Zn+Cu 2+ → Zn 2+ +Cu (8.1.22)

165
correr até depositar um mol de cobre (ou equivalentemente até dissolver um mol de zinco)
passa uma carga elétrica de qel = qe 2 N A = 1,9297 × 105 As . Com T = const. = 273K e
P = const. e com os dados experimentais da célula de Daniel

Daniel (T = 273K, P = 1atm.) = 1, 0934 V (8.1.23)

 ∂ Daniel 
  = −0, 453 × 10−3 VK -1 (8.1.24)
 ∂T T = 273K, P =1atm.
obtemos para a entalpia da reação

( )
∆H = ( −0, 453 ×10−3 VK -1 ) × 273K −1, 0934 V × 1,9297 ×105 As/mol =
(8.1.25)
= − 2,35 × 105 J/mol
A parcela do calor (8.1.19) neste resultado, que seria difícil de se medir calorimetricamente,
contribui com aproximadamente 11%. Então trata-se de uma parcela apreciável que pode
ser determinada com muita facilidade pela relação termodinâmica (8.1.16). A tabela 8.1
fornece dados de outras células eletroquímicas reversíveis:

Tabela 8.1
Reação T/K /V (∂ / ∂T ) × K/ mV ∆H × mol/kJ
Zn+Cu 2+ → Zn 2+ +Cu 273 1,0934 -0,453 -235
Zn+2 ( Ag + Cl − ) → Zn 2+ Cl 2− +2Ag 273 1,0171 -0,210 -207

Cd+2 ( Ag + Cl − ) → Cd 2+ Cl2− +2Ag 298 0,6753 -0,650 -168

Pb+2 ( Ag + Cl − ) → Pb 2+ Cl 2− +2Ag 298 0,4900 -0,186 -105

Pb+2 ( Hg + Cl− ) → Pb 2+ Cl 2− +2Hg 298 0,5356 +0,145 -96,0

Pb+2 ( Ag + I − ) → Pb 2+ I 2− +2Ag 298 0,2135 -0,173 -51,1

Ag+Hg + Cl − → Ag + Cl− +Hg 298 0,0455 +0,338 +5,45

A célula eletroquímica é um bom exemplo da afirmação sobre escalas de tempo que


fizemos na introdução no início deste livro. Se olharmos para a célula de Daniel durante
alguns minutos, não percebemos nenhuma mudança enquanto não permitirmos passagem
de corrente no circuito externo. Numa escala de tempo de alguns minutos ou até mesmo
alguns dias, podemos julgar a célula como um sistema em equilíbrio. Mas se deixarmos a
célula guardada sem corrente no circuito externo durante 10 ou 20 anos, teremos uma
surpresa desagradável. O sulfato de cobre iria difundir através da ponte de sal para o
recipiente com zinco e lá o cobre iria se depositar no eletrodo de zinco. O eletrodo de zinco
por sua vez se dissolveria. Tudo isto seria acompanhado por uma corrente elétrica. Mas
desta vez a corrente não passaria por um circuito externo podendo ser aproveitado para
realização de trabalho. A corrente passaria diretamente do cobre para o zinco. Percebemos
que é essencial para o funcionamento da célula que um processo que levaria o sistema para
um equilíbrio final ocorresse tão devagar que durante o tempo de utilização da célula este
processo pudesse ser ignorado.

166
8.1.4 A mola e a borracha

Com o exemplo da célula eletroquímica em mente o seguinte exercício deve ser agora
muito fácil.
Uma mola está pendurada verticalmente com uma massa pendurada na
extremidade. No equilíbrio a mola exerce uma força F = f iˆ sobre a
massa (f<0; usamos um eixo x apontando verticalmente para baixo e iˆ é o
vetor unitário apontando nesta direção). A posição do fim da mola é
descrita por uma coordenada espacial x. Quando aumentarmos o valor da
massa um pouquinho o fim da mola desce um δx . Na Física Básica I e
II falamos que neste processo a energia elástica da mola aumenta por
− f δx . Mas temos que considerar também a possibilidade de haver
transferências de calor para a mola. Então, o balanço total de energia da
mola pode ser escrito como
dU = TdS − f dx .
A velha equação da Física I e II
f = −k × ( x − x )
é a equação térmica de estado da mola, onde x é a posição natural do fim
da mola e k é a constante da mola. k é constante em relação ao x , mas
pode depender da temperatura. Vamos supor que vale
k ( T ) = k0 + k1 × (T − T0 )
−1
com k0 = 10 N m4
e k1 = 1, 0 N K −1m −1 e T0 = 300K . Calcule quanto
calor absorve a mola de um banho térmico de
temperatura T0 = 300K quando esticamos a mola
reversível e isotermicamente por δx = 1cm a
partir da posição original x = x + 5cm .
(considere 1cm como infinitesimal).
Fig. 8.2 Mola pendurada com definição de coordenada x.

O leitor deve ter percebido que a solução deste último exercício usa a relação de Maxwell
correspondente à energia livre da mola: ( ∂S / ∂x )T = ( ∂f / ∂T ) x . É interessante expressar a
derivada ( ∂f / ∂T ) x ainda em termos de outras derivadas envolvendo x. Com a (2.5.7)
temos:
 ∂f   ∂x   ∂f   ∂x 
  = −    =  k (8.1.26).
 ∂T  x  ∂T  f  ∂x T  ∂T  f

Para a maioria das substâncias elásticas, temos ( ∂x / ∂T ) f > 0 (dilatação térmica) e desta
forma resulta ( ∂S / ∂x )T >0. Mas existem exceções: para borracha podemos ter
( ∂x / ∂T ) f < 0 ! Se pendurarmos uma massa num barbante de borracha, a massa se eleva

167
quando aquecermos o barbante. Então para a borracha a entropia diminui quando a
esticarmos isotermicamente. Este comportamento da borracha tem uma explicação em
termos da interpretação estatística da entropia. A borracha consiste de pequenas bolhinhas,
sendo cada bolhinha uma macromolécula em forma de um fio comprido caoticamente
enovelado como mostra a figura 8.3 . Quando se
estica a borracha a bolinha é deformada adquirindo
um formato alongado. É bastante intuitivo que
neste formato alongado o fio possa adquirir menos
formas do que no formato original redondo. Desta
maneira o número de microestados diminui na
deformação da borracha.
Fig. 8.3 Molécula de borracha (formato original e
esticado).
Sugestão: Calcule o que deve acontecer com a temperatura de uma fita de borracha numa
deformação adiabática (fita esticada no ar rapidamente). Compre fitas de borracha em lojas
de materiais esportivos ou bexigas de borracha e experimente! Uma boa forma de
evidenciar mudanças de temperatura da fita qualitativamente é pressionando-la contra a
pele entre nariz e boca. Esta parte do nosso corpo tem muita sensibilidade térmica.

8.1.5 Resumo
Quando olharmos os exemplos discutidos nesta sessão, percebemos os seguintes traços
comuns: Em todos, troca-se uma grandeza do “reino calórico” ou “energético” por
grandezas do “reino da equação de estado térmico” Com o reino calórico nos referimos às
grandezas U, Q, H, S, CV , CP . No reino da equação de estado térmico, temos a temperatura
e grandezas ligadas ao trabalho como força e deslocamento, pressão e volume, força
eletromotriz e carga deslocada. Geralmente as grandezas do reino da equação de estado são
mais fáceis de medir e a possibilidade de substituir grandezas do reio energético por
grandezas do outro é de grade valor prático.

8.2) O método dos ciclos


Na seção anterior, vimos o método dos potenciais que foi desenvolvido por Gibbs. Não
poderíamos deixar de descrever também um método mais antigo para a resolução de
problemas da termodinâmica: o método dos ciclos.
No método dos ciclos, constrói-se um ciclo reversível que contém as grandezas desejadas
de alguma forma e usa-se a segunda lei ∫ Q / T = 0 . Para um ciclo de Carnot isto significa
que o rendimento do ciclo é η = ∆T / T e especialmente para ciclos isotérmicos podemos
concluir que o trabalho fornecido pelo ciclo tem que ser zero. Desta informação pode-se
obter a informação sobre a grandeza desejada se o ciclo foi bem escolhido. O método
requer uma boa intuição física para a escolha apropriada do ciclo. Neste ponto reside a

168
beleza deste método. Nos exemplos que seguem, usaremos trabalho Wɶ sempre com a
convenção de sinal da figura 4.10.

8.2.1 Cálculo de ( ∂U / ∂V ) T com o método dos ciclos

Veremos um exemplo. Já calculamos ( ∂U / ∂V ) T duas vezes: numa vez a partir da


diferencial dS transformando coordenadas com a regra de cadeia para as variáveis V e T
e noutra vez, com dF. Agora vamos ilustrar o método dos ciclos calculando ( ∂U / ∂V ) T
novamente. Para isso imaginamos um ciclo de Carnot infinitesimal como é indicado na
figura 8.4.

Fig. 8.4 Ciclo de Carnot infinitesimal


1 → 2 isotérmico reversível
2 → 3 adiabático reversível
3 → 4 isotérmico reversível
4 → 1 adiabático reversível

O trabalho fornecido pela máquina é


Wɶ = ∫ P dV (8.2.1).

Cometemos apenas um erro de ordem superior em grandezas infinitesimais se substituirmos


na integral (8.2.1) o caminho 2 → 3 → 3′ pelo caminho isocórico 2 → 3′ e
simultaneamente o caminho 4 → 1 pelo caminho 4 → 4′ → 1 . Pois ambas as áreas quase-
triangulares hachuradas são da ordem ( δT ) e para δV = 0 elas seriam idênticas e se
2

cancelariam exatamente. Para δV ≠ 0 resulta então um erro da ordem δV ( δT ) fazendo a


2

~
substituição de caminhos. Calculando W em ordem δV δT , podemos usar P do ponto
um ( P (1) ) como pressão no caminho 1 → 2 e P (1) − δT ( ∂P / ∂T )V como pressão no
caminho 3' → 4' . Desta forma, obtemos em ordem δV δT
 ∂P 
Wɶ =   δV δT (8.2.2).
 ∂T V
O calor recebido é

169
 ∂U   ∂U  
2 2
Q = ∫  dV + ∫ P dV =   + P  δV (8.2.3).
1
∂V T 1  ∂V T 
Com o rendimento de Carnot, temos
 ∂P 
δT δT   δV δT
 ∂T V
= + O ( δT ) =
2
(8.2.4).
T + δT T  ∂U  
 ∂V  + P  δV
 T 
Com isso segue o resultado
 ∂U   ∂P 
  =T   −P (8.2.5).
 ∂V T  ∂T V
8.2.2 Transição de fase líquido–vapor e a equação de Clausius-Clapeyron
Veremos agora um outro exemplo do método dos ciclos que fornece um dos resultados
mais importantes da termodinâmica. Trata-se de uma característica da transição de fase
líquido-vapor. Mais tarde teremos que falar sobre transições de fase de forma mais
abrangente. Mas podemos já aqui dar uma pequena introdução a este assunto. Toda dona de
casa sabe que água ferve a 100 oC . Mas, que significa ferver? Olhando para o fenômeno,
que pela dona de casa recebe o nome de fervura, percebemos que dentro do líquido
formam-se bolhas de gás. Se queremos saber de que gás se trata, precisamos de um estudo
mais apurado. Primeiro podemos observar formação de pequenas bolhas de gás já bem
antes de chegar em 100 oC. Uma análise química destas bolhas revelaria que grande parte
do gás dentro delas consiste simplesmente de ar. A situação é diferente na fervura
propriamente dita. As bolhas de gás que saem da água vigorosamente na fervura consistem
de água em forma gasosa. Obviamente o sistema dentro da panela com água em ebulição
não está em equilíbrio termodinâmico. Para uma análise que revele a termodinâmica do
fenômeno, é necessário criar condições de equilíbrio.
Vamos imaginar que a nossa panela da fervura tenha o formato de um cilindro de alta
precisão no qual se encaixaria um êmbolo. O êmbolo tem uma válvula inicialmente aberta
para permitir a saída de gases. No início do processo sairia ainda uma mistura de ar e água
em forma gasosa. Após de algum tempo sairia água gasosa pura (vapor). Neste momento
vamos fechar a válvula e interromper o fluxo de calor que entra no cilindro. Isto significa
que tiramos o cilindro da chama de gás que o aquecia. Mas, para evitar que apareça um
fluxo de calor inverso, vamos mergulhar o nosso cilindro num banho térmico exatamente
com a temperatura do cilindro. Podemos, por exemplo, colocar o cilindro dentro de um
banho-maria de água em ebulição, como mostra a figura 8.4. Feito isto esperamos um
tempo até que o conteúdo do cilindro atinha um estado de equilíbrio. O ideal seria se toda
esta experiência pudesse ser feita com um cilindro de vidro para se poder ver seu interior.
O que veríamos neste experimento seria o volume interno do cilindro dividido em dois
volumes: um cheio de água líquida e o outro preenchido com gás de água. As propriedades
da água nestes dois volumes são muito diferentes. A diferença mais óbvia é a densidade.
No gás a densidade é aproximadamente mil vezes menor que a densidade do líquido.
Estamos vendo duas formas de apresentação da substância água e as amostras destas duas

170
formas estão em equilíbrio uma em contato com a outra dento do cilindro. Em vez de se
falar de duas formas de apresentação, costuma-se falar de duas fases. Dentro do cilindro na
nossa experiência imaginada coexistem duas fases da água: a fase líquida e a fase gasosa.
Fig. 8.5 Um cilindro com água líquida e gasosa com pressão
atmosférica dentro de um banho-maria com água fervendo.
Para conhecer mais sobre as propriedades deste sistema
composto de duas fases da mesma substância, vamos
agora abaixar o êmbolo um pouco. Extrapolando os
comportamentos dos gases e líquidos, esperaríamos que
neste processo de redução do volume, a pressão
aumentasse. Mas isto não acontece! A pressão fica
inalterada! O sistema consegue manter a mesma pressão
durante a redução de volume simplesmente transferindo
gás matéria da fase gasosa para a fase líquida. Como o
líquido tem uma densidade maior que o gás, a
líquido transferência da matéria corresponde a uma variação do
volume. Poderíamos reduzir o volume até que todo gás
T=100oC se tenha transformado em líquido. Só então a pressão
iria aumentar. Podemos também fazer o inverso. Ao
invés de empurrar o êmbolo para baixo, podemos levantá-lo até o ponto em que todo
líquido tenha virado vapor (precisaria de um cilindro muito comprido). Somente a partir
deste ponto a pressão ia diminuir. Entre estes dois pontos, a pressão se mantém constante
num valor característico PLG . Botamos o índice LG neste valor para indicar que é uma
pressão característica do equilíbrio ente Líquido e Gás.
Fig. 8.6 Curva de pressão de vapor
250 de água
A verificação experimental que
200 PLG não depende do volume
Pressão de vapor de H2O
requer naturalmente a presença
150
de um medidor de pressão
acoplado ao cilindro. Vamos
PLG [bar]

5 -2
1bar = 10 Nm
supor que nosso equipamento
100 tenha tal medidor. Com ele
podemos agora verificar outros
50 líquido detalhes interessantes.
Podemos, por exemplo, tirar o
gás cilindro do reservatório
0 térmico e colocá-lo num outro
250 300 350 400 450 500 550 600 650
reservatório de temperatura
T [K] diferente. Após ter chegado a
um novo equilíbrio, notaríamos
que a pressão de equilíbrio entre fase líquida e gasosa teria outro valor. Então, PLG
depende da temperatura; PLG (T ) . Quando a pressão de um sistema é uma função da
temperatura e não depende do volume, o par de variáveis P, T não serve como um sistema

171
de coordenadas. Mas o espaço de estados não perdeu uma dimensão. Na região onde a fase
líquida está em equilíbrio com a fase gasosa, o par de variáveis V e T continua um bom
sistema de coordenadas1.
Com exceção dos pontos da curva, cada ponto do retângulo do gráfico 8.6 representa um
estado do sistema dentro do cilindro. Os pontos abaixo da curva são estados de puro gás e
os pontos acima da curva são estados de puro líquido. Cada ponto T , PLG (T ) da curva
representa não somente um estado, mas muitos estados de coexistência das duas fases, pois
o volume pode variar de um valor mínimo VL até um valor máximo VG sem sair do ponto
T , PLG (T ) da curva. O valor mínimo de volume VL seria o volume do sistema quando
todo gás foi transformado em
líquido e o volume máximo
1,2
VG seria o volume quando
1 atm.
1,0 todo líquido virou vapor. Para
outros fluidos as curvas de
0,8 pressão de equilíbrio de
líquido-gás têm
Pressão de vapor de H2O
PLG [bar]

0,6 qualitativamente o mesmo


5 -2
1bar = 10 Nm aspecto, mas podem diferir
0,4 nos valores da curva da água.

0,2 líquido
gás Fig. 8.7 Ampliação da parte de
baixas temperaturas do gráfico 8.5
0,0 com indicação da pressão
280 300 320 340 360 380 atmosférica.
T [K] No gráfico 8.7 percebemos
que a curva de pressão de
vapor atinge o valor da pressão atmosférica em 373,15 K, isto é, em 100 oC. Nessa
temperatura podem-se formar bolhas de vapor dentro do líquido numa panela no fogo numa
pressão de uma atmosfera, o que leva ao fenômeno da ebulição, conhecido por todo mundo.
A curva da figura 8.6 termina numa temperatura de 647,3 K e numa pressão de 221,2 bar.
Neste ponto, chamado ponto crítico da água, as diferenças entre fase líquida e gasosa
simplesmente desaparecem. Na medida em que nos aproximamos deste ponto, a diferença
de densidade das duas fases tende a zero. Com isto todo fenômeno de transição de fase
termina neste ponto.
Podemos imaginar ainda outra experiência com a transição de fase líquido-gás. Imagine
que instalemos uma resistência elétrica dentro do cilindro. Podemos injetar trabalho elétrico
no resistor. O fio do resistor transmite esta energia praticamente toda para a água em forma
de calor. Desta maneira podemos injetar uma quantidade de calor bem conhecida no
sistema. Para evitar ouros fluxos de calor vamos desta vez tirar o cilindro do banho-maria e
isola-lo adiabaticamente como indicado na figura 8.8. Ligando o circuito durante um tempo
controlado e com voltagem e corrente monitoradas podemos injetar uma quantidade de

1
Mais tarde veremos que mudanças da dimensão do espaço de estados podem realmente ocorrer em
transições de fase. Mas, na transição líquido-gás, isto não acontece.

172
calor conhecida no sistema. A posição do êmbolo é mantida livre. A pressão externa junto
com o peso do êmbolo garante uma pressão constante dentro do cilindro. Com a injeção de
calor no sistema, observamos que determinada quantidade de água líquida se transforma em
gás.

P=const.

gás

cronômetro
líquido

I
V

Fig. 8.8 Medida de calor latente da transição de fase líquido-gás.

Experimentalmente encontramos que a quantidade de calor injetada Q é proporcional à


quantidade de substância N que passou da fase líquida para a fase gasosa.
Q = ℓ× N (8.2.6)
Esta quantidade de substância pode ser especificada de diferentes formas; podemos medir a
massa ou medir o número de moles. Depende das aplicações, qual especificação é a mais
prática. Dados encontrados na literatura que se referem à massa podem ser convertidos
facilmente para dados que se referem a moles. Basta conhecer a massa molar da substância.
A constante de proporcionalidade ℓ se chama calor latente da transição de fase. ℓ
depende da temperatura e da substância envolvida. Para água na temperatura de 100 oC
(373,15 K) o calor latente vale
ℓ H 2O ( 373,15 K ) = 4, 06 × 104 J mol−1 (8.2.7)

ou, na convenção de medir a quantidade de matéria em kg, ℓ seria 2, 26 ×106 J kg −1 .


Com os experimentos imaginados descrevemos dois aspectos da transição de fase líquido-
gás. Um é a curva de PLG , o outro é o calor latente ℓ . A equação de Clausius-Clapeyron
relaciona estes dois aspectos. Para poder deduzir esta relação com o método dos ciclos,
temos que relatar mais um detalhe curioso das transições de fase:
Na primeira experiência, partimos de uma situação com a presença das duas fases no
cilindro. O que teria acontecido se tivéssemos começado com um estado com puro líquido
com uma pressão maior que PLG ( T ) ? A partir da pressão inicial Pinic. > PLG (T ) , iríamos
abaixar a pressão levantando o êmbolo cuidadosamente. Se fizermos tudo com muito

173
cuidado, com recipientes muito limpos e lisos e evitando vibrações, encontraríamos um
comportamento surpreendente. Poderíamos abaixar a pressão do líquido abaixo do valor de
PLG (T ) sem aparecimento da fase gasosa. Se depois de ultrapassar a curva PLG ( ) ,
déssemos um peteleco no recipiente apareceria a fase gasosa de repente e a pressão subiria
subitamente ao valor PLG ( T ) . A figura 8.9 mostra o trajeto dos estados. De certa forma,
poderíamos dizer que “invadimos” o reino do gás com o líquido.
Fig. 8.9 Retardo da transição de
fase.
2,5
Pode-se fazer também uma
“invasão” inversa. Podemos
2,0 estado inicial
começar com puro gás no
líquido cilindro com uma pressão
abaixo da pressão PLG (T ) .
P [bar]

1,5
Podemos levantar a pressão
gás cuidadosamente até valores
1,0
acima da pressão PLG ( T )
0,5 sem aparecimento da fase
líquida. Depois, uma
350 360 370 380 390 400 pequena perturbação leva o
T [K] líquido sistema repentinamente ao
estado de coexistência das
duas fases. O gás num
estado abaixo da curva PLG ( ) é também chamado de vapor insaturado. O gás em
equilíbrio com o líquido num ponto da curva é chamado de vapor saturado e quando se trata
de gás que “invadiu” o terreno do líquido chama-se vapor supersaturado.

Agora temos todos os elementos para poder montar o ciclo que deve revelar uma ligação
entre uma característica da função PLG ( ) e o calor latente. Para ver como é o mundo real,
usaremos dados concretos da água com uma variação de temperatura δT = 0, 01K . Depois
usaremos um argumento limite mandando δT → 0 . Começamos com uma quantidade N
de água líquida numa temperatura T = 373,15 K e pressão P = PLG ( 373,15 K ) = 1, 033bar .
Este estado está representado na figura 8.10 pelo ponto a. A linha grossa é a curva de vapor
saturado PLG ( ) . Na fig. 8.10, estamos vendo apenas uma fração mínima da curva da
figura 8.7. Com o cilindro da nossa primeira experiência imaginada dentro do banho-maria
a 100 oC, vamos expandir o sistema até evaporar toda a água. Neste processo entra o calor
Nℓ no sistema. O estado b do fim desta expansão aparece na figura representado pelo
mesmo ponto do estado inicial a . Mas, num diagrama de pressão e volume, estes dois
estados são representados por pontos diferentes (compare a figura 8.11). Em seguida
retiramos o cilindro do banho-maria e numa isolação térmica esfriamos o gás com ajuda de
uma expansão adiabática até atingir uma temperatura T − δT = 373,14 K . Fazendo esta
expansão cuidadosamente, podemos evitar a condensação da água. Então temos aqui o

174
exemplo da invasão do terreno do líquido pelo gás. No fim temos vapor supersaturado no
estado c . Agora vamos introduzir o cilindro num outro banho térmico de temperatura
T − δT e expandir o gás isotermicamente até chegar à curva de vapor saturado. Neste
processo entra mais uma quantidade de calor Qcd . Neste momento vamos permitir a
condensação do gás e vamos reduzir o volume até à condensação de quase toda substância
na fase líquida (estado e). Neste processo o sistema cede calor ao reservatório. No ponto e
isolamos o sistema adiabaticamente e comprimimos o minúsculo resto de gás. Neste
processo a temperatura sobe. Escolhendo o ponto e adequadamente, voltamos com isto ao
estado inicial. Percebemos que o ciclo no diagrama PV tem quase uma forma retangular.
As contribuições de trabalho e calor ( Qcd ) das pontas triangulares complicadas são
pequenas da ordem δP × δT ∼ ( δT ) . O rendimento do ciclo é da ordem δT . Se
2

dividirmos o resultado final por δT e tomarmos o limite δT → 0 , as contribuições dos


extremos complicados cancelam. Podemos então calcular diretamente com o ciclo
simplificado retangular.
Fig. 8.10 Ciclo usado para deduzir a equação de Clausius-Clapeyron
P [bar]

líquido

1,0135
a
S=const. b
c
gás
1,0130
e
d

δT gás
1,0125
T [K]
373,14 373,15

175
Fig. 8.11 Ciclo representado num diagrama PV. Repare que o eixo V é interrompido para poder ver os dois
extremos do ciclo sem perder a resolução nos extremos.
P [bar]

1,0135 T

a b S=const.
c
S=const.

δP
1,0130
e d T-δT

T-δT
1,0125
0,001
0,002

1,679
1,680

0 V [L]

Com esta aproximação, obtemos para o trabalho que se ganha num ciclo:
Wɶ = δP × N × ( vG − vL ) + O ( δT 2 ) (8.2.8),

onde vG e vL são os volumes específicos do gás e do líquido respectivamente. O calor que


entrou no ciclo do reservatório de temperatura T era Q = ℓ × N . Com o rendimento do
ciclo de Carnot, obtemos então
δT Wɶ δP × N × ( vG − vL )
η= = = + O ( δT 2 ) (8.2.9).
T Qɶ ℓ× N

E no limite
1 η dPLG ( vG − vL )
= lim = (8.2.10).
T δT →0 δT dT ℓ
Esta é uma relação entre calor latente e inclinação da curva PLG ( ):

176
dPLG ℓ
= (8.2.11).
dT T ( vG − vL )

Esta equação é a equação de Clausius-Clapeyron. Ela foi testada experimentalmente com


muito cuidado e confirma a segunda lei da termodinâmica. Muitas vezes pode-se fazer uma
aproximação com esta equação: o volume específico do líquido é geralmente muito menor
que o volume específico do gás (enquanto estivermos longe do ponto crítico) e o vapor
pode ser descrito aproximadamente como gás ideal vG ≈ RT / PLG . Com esta aproximação,
obtemos:

dPLG ℓPLG
≈ (8.2.12)
dT RT 2
ou

d ( ln PLG / P0 ) ℓ
≈ (8.2.13).
dT RT 2

Com valores conhecidos do calor latente para todas as temperaturas, pode-se integrar esta
equação a partir de algum valor inicial que deve ser determinado experimentalmente. Isto
permite calcular toda curva de vapor saturado. Para conhecer o calor latente como função
da temperatura, podemos ainda usar a primeira lei da termodinâmica para deduzir uma
relação entre d / dT e capacidades térmicas do vapor e do líquido (faça isto como
exercício!). Inversamente podemos também determinar o calor latente a partir de dados
experimentais da curva PLG ( ) .
Exercício: No apêndice encontra-se uma tabela de dados da água. Verifique a
equação de Clausius-Clapeyron numericamente.

A equação de Clausius-Clapeyron pode ser aplicada também na transição de fase sólido-


líquido. A todo rigor esta transição de fase requer um tratamento mais sofisticado porque
no sólido podemos ter também tensões de cisalhamento. Mas enquanto estas tensões são
mantidas zero a equação de Clausius-Clapeyron é aplicável. Use-a para resolver o seguinte
exercício:
Calcule o que acontece com o ponto de fusão do gelo quando o gelo for
submetido a uma pressão de 130 ×105 N m −2 . Dados: calor latente: 80 cal/g, um
grama de água líquida numa temperatura de 0 oC ocupa 1,0002 cm3 e um grama
de gelo nesta mesma temperatura um volume de 1,0907 cm3.

Uma alça de arame fino de aço é colocada em volta de uma barra horizontal de
gelo que se encontra, apoiada nos dois extremos, num ambiente de -0,1 oC. Um
peso é pendurado na parte inferior da alça. Com o tempo o arame da alça
atravessa toda a barra de gelo e ela junto com o peso cai. Mas a barra de gelo
fica intacta; o arame não a cortou. Explique este fenômeno!

177
Fig. 8.12 Arame atravessando um bloco de gelo.

8.2.3 Pressão de vapor de pequenas gotículas

Na sessão anterior, estudamos a coexistência de um líquido com seu vapor. Partimos da


hipótese de que a superfície no cilindro que separa as duas fases é plana. Mas, se a fase
líquida estiver na forma de uma pequena gotícula, a condição de equilíbrio muda por causa
da tensão superficial. A alteração que a pressão de vapor sofre por causa da tenção
superficial pode ser calculada com o método dos ciclos.
Primeiramente vamos determinar a relação da pressão dentro e fora de uma gotícula.
Imagine uma gotícula esférica pairando no vapor. (Vamos desprezas a gravitação nesta
discussão). A figura 8.13 mostra uma gotícula de raio r junto com uma indicação
qualitativa das forças que atuam sobre o hemisfério superior.
8.13 Representação qualitativa das forças
que atuam sobre o hemisfério superior de
PG uma gota no vapor.

r No equilíbrio a soma das forças que


atuam sobre o hemisfério devem ser
zero. Especialmente a componente
vertical z deve ser zero. Temos as
seguintes contribuições para esta
componente vertical:

P 1) Pressão P no interior da gota:


Fz( P ) = πr 2 P
2) Pressão PG do gás

Fz( G ) = −πr 2 PG
P

3) Tensão superficial:
forças devido à tensão superficial
Fz( γ ) = −2π r γ
Igualando a soma destas contribuições a zero obtemos

P = PG + (8.2.14).
r
Então a pressão dentro da gota é maior que a pressão no vapor. Com este dado podemos
montar o ciclo. Desta vez, utilizaremos um ciclo totalmente isotérmico. Desta forma o

178
rendimento total do ciclo deve ser zero. A figura 8.14 mostra as etapas do ciclo. Todos os
equipamentos mostrados estão em contato térmico com o mesmo reservatório térmico.

PG(r)
PG(oo) PG(oo)

P PG(r)

A B C D E
Fig. 8.14 Etapas do processo para determinação da pressão de vapor de uma gota de raio r.

Inicialmente temos uma caixa com o vapor do líquido e uma gota do líquido de raio r
pairando no vapor. Injetamos as agulhas de duas seringas na caixa, uma penetrando no
interior da gota, a outra terminando no gás. A seringa que acessa a gota contém o líquido na
pressão P. Injetamos lentamente uma quantidade N na gota e ao mesmo tempo retiramos
gás com a outra seringa. Executamos estes dois fluxos de matéria tomando o cuidado para
que a gota fique sempre com o raio r em equilíbrio com o gás. Nesta etapa A ganhamos o
trabalho
 2γ 
WɶA= NRT − NvL P = NRT − NvL  PG ( r ) +  (8.2.15).
 r 
Nesta equação tratamos o vapor como um gás ideal. vL é o volume específico do líquido.
Na etapa B, expandimos o gás da segunda seringa até a pressão de equilíbrio entre vapor e
líquido com superfície plana (raio de curvatura ∞ ). Nesta fase ganhamos o trabalho
 P (r ) 
WɶB = NRT ln  G  (8.2.16).
 PG ( ∞ ) 
Em seguida, na etapa C, injetamos o gás numa caixa com gás e líquido plano em equilíbrio.
Este processo rende o trabalho
WɶC = − NRT (8.2.17).
Na etapa D, retiramos a quantidade N do líquido plano. Isto rende o trabalho
WɶD = NvL PG ( ∞ ) (8.2.18).

No último passo, comprimimos o líquido até a pressão PG ( r ) para poder injetar-lo


novamente na gota para fechar o ciclo. Podemos tranquilamente desprezar o trabalho desta

179
última operação (a compressibilidade do líquido é muito pequena). Como o ciclo é
isotérmico, o rendimento tem que ser zero. Então a soma dos trabalhos deve ser zero:
0 =
 2γ   P (r )  (8.2.19)
NRT − NvL  PG ( r ) +  + NRT ln  G  − NRT + NvL PG ( ∞ )
 r   PG ( ∞ ) 
Ordenando os termos, obtemos

RT  PG ( r )  2γ
ln   +  PG ( r ) − PG ( ∞ )  = (8.2.20)
vL  PG ( ∞ )  r
Esta equação pode ser resolvida numericamente para encontrar a pressão de vapor em
função do raio. Mas podemos também resolver-la analiticamente com uma aproximação:
RT / vL PG ( r ) é o quociente do volume específico do gás e do líquido. Este quociente é algo
na ordem de 103. Consequnetemente PG ( r ) − PG ( ∞ ) é muito menor que 2γ / r e pode ser
desprezado:
 v 2γ 
PG ( r ) ≈ PG ( ∞ ) × exp  L  (8.2.21)
 RTr 
A figura 8.15 mostra a dependência da pressão de vapor de uma gotícula de água em
função do raio para uma
temperatura de 300 K. Fig.
0,30

0,25
8.15 Pressão de vapor de uma
gotícula de água.
0,20 H2O
PG [bar]

0,15
T = 300 K

0,10

0,05

0,00
0 20 40 60 80 100 120 140 160
r [Å]

O fato de que a pressão de vapor de uma gotícula é maior que a pressão de vapor de um
líquido plano explica por que podemos invadir os terrenos da outra fase. Imagine que
esfriemos um gás a tal ponto que cheguemos à curva PLG ( ) ou até atravessamos esta
curva. Deveria começar, então, a formação da fase líquida. Mas, como a densidade do
líquido é muito maior que a fase do gás, este processo é necessariamente acompanhado por
um transporte de material para um determinado lugar. A transição não pode ser uma

180
transição que acontece em todos os lugares ao mesmo tempo. Ela tem que começar num
lugar. O início passa então por uma etapa na qual o líquido existe na forma de um pequeno
aglomerado de moléculas. Mas para este pequeno aglomerado a pressão de equilíbrio é
maior. Então para um pequeno aglomerado de moléculas o ponto para a transição de fase
ainda não chegou. Pequenas perturbações como ondas acústicas ou impurezas podem
mudar a condição de equilíbrio local e momentaneamente e com estas perturbações pode-se
formar uma gotícula suficientemente grande para iniciar o processo da transição de fase. A
impureza forma uma gotícula que serve como “germe” de uma gota que crescera.
Argumentos semelhantes podem ser usados para as invasões inversas. No lugar da gotícula
teria que se discutir uma pequena bolha de gás. Retardos de transição de fase análogos
existem também nas transições que envolvem sólidos. Em todos estes casos, a tensão
superficial é a causa do retardo da transição.
O fenômeno de retardo de transição de fase tem aplicações. Por exemplo, a câmera de
bolhas usa o retardo da transição líquido vapor para tornar trajetórias de partículas
eletricamente carregadas visíveis. A partícula, oriunda de um choque de altas energias,
ioniza moléculas do líquido e estes íons ajudam na geração de germes de bolhas. A
trajetória da partícula fica marcada por um traço de pequenas bolhas.
Outro exemplo de retardo da transição líquido vapor é fornecido pelas árvores gigantes
Sequóia, que atingem mais de 100m de altura. Esta altura é tão grande que a subida da
seiva é difícil de se explicar. Acredita-se que na parte superior da árvore a seiva fique com
uma pressão negativa!2 Um valor P < 0 está muito além da fronteira líquido-vapor. Uma
vez que acontece a transição de fase, a pressão ficaria positiva. Em gases não existem
pressões negativas. A pressão negativa nestas árvores só é possível com um retardo da
transição de fase. O impressionante neste caso é que este estado de retardo é mantido
durante centenas de anos.

2
Sustained and significant negative water pressure in xylem 715 . William T. Pockman, John
S. Sperry & James W. O'Leary Nature 378 p715-716 (1995) doi:10.1038/378715a0

181
8.3 Apêndice Propriedades da água saturada

T PLG Volume Calor Calor específico a Tensão 1  ∂V 


específico latente Pressão constante superficial  
(**) V  ∂T  P
ℓ LG
[K] [bar] vL × 10
3
vG [kJ/kg] cP , L cP ,G γ LG ×103 β L ×106
(*) [m3/kg]
3
[m /kg] -1
[K-1]
[kJ kg K ] [kJ kg K ] [N m ]
−1 −1 −1 −1

273,15 0,00611 1,000 206,3 2502 4,217 1,854 75,5 -68,05


275 0,00697 1,000 181,7 2497 4,211 1,855 75,3 -32,74
280 0,00990 1,000 130,4 2485 4,198 1,858 74,8 46,04
285 0,01387 1,000 99,4 2473 4,189 1,861 74,3 114,1
290 0,01917 1,001 69,7 2461 4,184 1,864 73,7 174,0
295 0,02617 1,002 51,94 2449 4,181 1,868 72,7 227,5
300 0,03531 1,003 39,13 2438 4,179 1,872 71,7 276,1
305 0,04712 1,005 29,74 2426 4,178 1,877 70,9 320,6
310 0,06221 1,007 22,93 2414 4,178 1,882 70,0 361,9
315 0,08132 1,009 17,82 2402 4,179 1,888 69,2 400,4
320 0,1053 1,011 13,98 2390 4,180 1,895 68,3 436,7
325 0,1351 1,013 11,06 2378 4,182 1,903 67,5 471,2
330 0,1719 1,016 8,82 2366 4,184 1,911 66,6 504,0
335 0,2167 1,018 7,09 2354 4,186 1,920 65,8 535,5
340 0,2713 1,021 5,74 2347 4,188 1,930 64,9 566,0
345 0,3372 1,024 4,683 2329 4,191 1,941 64,1 595,4
350 0,4163 1,027 3,846 2317 4,195 1,954 63,2 624,2
355 0,5100 1,030 3,180 2304 4,199 1,968 62,3 652,3
360 0,6209 1,034 2,645 2291 4,203 1,983 61,4 697,9
365 0,7514 1,038 2,212 2278 4,209 1,999 60,5 707,1
370 0,9040 1,041 1,861 2265 4,214 2,017 59,5 728,7
373,15 1,01325 1,044 1,679 2257 4,217 2,029 58,9 750,1
375 1,0815 1,045 1,574 2252 4,220 2,036 58,6 761
380 1,2869 1,049 1,337 2239 4,226 2,057 57,6 788
385 1,5233 1,053 1,142 2225 4,232 2,080 56,6 914

(*) 1bar = 105 N m −2


(**) da interface água líquida – vapor.

182
T [K] PLG vL × 10 vG × 10
3 3 [kJ/kg] cP , L cP ,G γ LG ×103 β L ×106
[bar] [m3/kg] [m3/kg] −1
[kJ kg K ]
−1 −1
[kJ kg K ]
−1
[N m-1] [K-1]
(!!!)
390 1,794 1,058 980 2212 4,239 2,104 55,6 841
400 2,455 1,067 731 2183 4,256 2,158 53,6 896
410 3,302 1,077 553 2153 4,302 2,291 49,4 1010
420 4,370 1,088 425 2123 4,302 2,291 49,4 1010
430 5,699 1,099 331 2091 4,331 2,369 47,2
440 7,333 1,110 261 2059 4,36 2,46 45,1
450 9,319 1,123 208 2024 4,40 2,56 42,9
460 11,71 1,137 167 1989 4,44 2,68 40,7
470 14,55 1,152 136 1951 4,48 2,79 38,5
480 17,90 1,167 111 1912 4,53 2,94 36,2
490 21,83 1,184 92,2 1870 4,59 3,10 33,9
500 26,40 1,203 76,6 1825 4,66 3,27 31,6
510 31,66 1,222 63,1 1779 4,74 3,47 29,3
520 37,70 1,244 52,5 1730 4,84 3,70 26,9
530 44,58 1,268 44,5 1679 4,95 3,96 24,5
540 52,38 1,294 37,5 1622 5.08 4,27 22,1
550 61,19 1,323 31,7 1564 5,24 4,64 19,7
560 71,08 1,355 26,9 1499 5,43 5,09 17,3
570 82,16 1,392 22,8 1429 5,68 5,67 15,0
580 94,51 1,433 19,3 1353 6,00 6,40 12,8
590 108,3 1,482 16,3 1274 6,41 7,35 10,5
600 123,5 1541 13,7 1176 7,00 8,75 8,4
610 137,3 1,612 11,5 1068 7,85 11,1 6,3
620 159,1 1,705 9,4 941 9,35 15,4 4,5
625 169,1 1,778 8,5 858 10,6 18,3 3,5
630 179,7 1,856 7,5 781 12,6 22,1 2,6
635 190.9 1,935 6,6 683 16,4 27,6 1,5
640 202,7 2,075 5,7 560 26 42 0,8
645 215,2 2,351 4,5 361 90 - 0,1
647,3C 221,2 3,170 3,170 0 ∞ ∞ 0

183
184
9 Sistemas com troca de matéria

9.1 Definições básicas da termodinâmica de sistemas abertos


Até agora consideramos exclusivamente sistemas termodinâmicos que não podiam
trocar matéria com o ambiente. Esta limitação facilita a introdução dos conceitos
básicos. Agora vamos estender a termodinâmica a sistemas abertos que podem receber
ou perder matéria. Primeiramente veremos os problemas que esta nova liberdade
representa.
Toda termodinâmica de equilíbrio é baseada nas noções de energia interna e entropia. A
definição destas duas grandezas é comprometida quando se permite troca de matéria. A
energia interna era definida através de processos adiabáticos. Mas dois estados de um
sistema aberto que diferem no conteúdo de matéria certamente não podem ser
conectados por um processo adiabático. No momento em que matéria entra ou sai do
sistema não se tem mais controle sobre fluxos de energia fora dos fluxos de trabalho.
Este mesmo argumento prejudica a definição da entropia. Sem energia interna não se
tem a noção de calor e sem a forma diferencial de calor reversível, a nossa definição de
entropia não pode ser formulada. Temos que definir U e S.
Num sistema aberto para entrada e saída de matéria, podemos usar números de
partículas das espécies químicas envolvidas como coordenas. Claro que não são todas as
coordenadas; mas os números de partículas formam um subconjunto das coordenadas.
Por exemplo, poderíamos usar P, T e certos números de partículas N H 2O , N O2 , N N2 ,
N CO2 etc. . É no espírito das descrições macroscópicas que trataremos os números de
partículas como variáveis contínuas. Quando variamos as demais coordenas, por
exemplo, P e T mantendo todos os números de partículas constantes, formamos sub-
variedades [ N1 , N 2 ,....N k ] . Num sistema com k espécies químicas, cada k-upla de
números de partículas N1 , N 2 ,....N k define uma destas subvariedades. Enquanto o
estado do sistema fica dentro de uma destas subvariedades podemos tratar o sistema
como um sistema fechado e dentro de cada uma destas subvariedades as funções U , S,
F, H e G são definidas. Mas como estas definições envolvem sempre uma constante
arbitrária, não temos, por enquanto, como comparar valores entre diferentes sub-
variedades. Então, se a k-upla de valores N1 , N 2 ,....N k for diferente da k-upla
Nɶ , Nɶ ,....Nɶ , não sabemos como determinar a diferença de entropia S ( E ) − S Eɶ ou
1 2 k ( )
a diferença de energia interna U ( E ) − U Eɶ ( ) de dois estados E ∈ [ N1 , N 2 ,....N k ] e
Eɶ ∈  Nɶ 1 , Nɶ 2 ,....Nɶ k  . Mas para estados E , E ′ na mesma subvariedade
E ∈ [ N1 , N 2 ,....N k ] , E ′ ∈ [ N1 , N 2 ,....N k ] sabemos como se medem S ( E ) − S ( E ′ )
( )
e U ( E ) − U ( E ′ ) . Temos que dar uma prescrição como S ( E ) − S Eɶ e U ( E ) − U Eɶ ( )
devem ser medidos no caso E ∈ [ N1 , N 2 ,....N k ] e Eɶ ∈  Nɶ 1 , Nɶ 2 ,....Nɶ k  . Esta
prescrição será baseada nas seguintes definições:
Sejam σ A e σ B dois sistemas termodinâmicos separados por uma
distância grande. Os estados E A , EB destes sistemas sejam tais que as
energias e entropias tenham valores U A ( E A ) , U B ( EB ) e S A ( EA ) ,

185
S B ( EB ) respectivamente. Chamaremos o estado do sistema Σ = σ A ⊗ σ B
que consiste na junção dos dois sistemas de E A ⊗ EB , enquanto os
sistemas σ A e σ B se encontram nos estados E A , EB e um bem afastado
do outro. Nesta situação definimos: a energia interna e a entropia do sistema
Σ = σ A ⊗ σ B no estado E A ⊗ EB valem U ( E A ⊗ EB ) = U A ( E A ) + U B ( EB ) ,
def .

S ( E A ⊗ EB ) = S A ( E A ) + S B ( EB ) ..
def .

O sistema Σ = σ A ⊗ σ B tem uma composição química diferente de cada um dos


sistemas σ A e σ B . Por exemplo, se σ A continha 1,0 mol de H 2 O e σ B 3,5 mol
de H 2 O , o sistema Σ teria 4,5 mol de H 2 O . Então a definição dada acima relaciona
energias internas e entropias de sistemas de números de partículas diferentes. Por
enquanto temos U e S somente para o estado muito especial E A ⊗ EB que
corresponde a dois sistemas afastados. Mas uma vez que consideramos σ A e σ B
juntos como um novo sistema, podemos em princípio explorar os valores de U e S
deste sistema com os métodos que aprendemos no curso até agora. Pois Σ = σ A ⊗ σ B é
agora um sistema no qual não entra nem sai matéria. Então sabemos como medir U e
S. Podemos especialmente medir estas grandezas para estados nos quais os dois
sistemas não estão mais afastados um do outro. Inclusive podemos permitir que as
substâncias dos sistemas se misturem. Para medidas de S estas misturas devem ser
efetuadas de forma reversível.
Poder-se-ia dizer que esta maneira de definir diferenças de energia interna e entropia
entre estados com diferentes números de partículas não resolve nada porque cada um
dos sistemas σ A e σ B tem suas próprias constantes arbitrárias de valores de
referência, o que mantém o resultado final bastante arbitrário. Mas existe um argumento
para reduzir esta arbitrariedade. Imagine que σ A seja um sistema com espécies
químicas a, b, c, ...........h. Queremos comparar os valores de energia interna e entropia
de dois estados que diferem, por exemplo, no número de partículas de uma das espécies
e que têm os mesmos valores das demais espécies e da pressão e da temperatura. Por
exemplo, queremos aumentar o número de partículas da espécie a por um ∆N a .
Podemos usar como sistema σ B um que contenha apenas a espécie a e contenha
exatamente ∆N a partículas. Claro que o sistema σ B tem as suas constantes arbitrárias
U 0 , S0 nas definições da energia interna e entropia. Mas podemos evitar que para
cada valor diferente de ∆N a apareçam outras constantes arbitrárias. Podemos escrever
todos os possíveis valores de ∆N a como múltiplos inteiros de uma quantidade mínima
ε a , que pode corresponder à resolução dos aparatos experimentais que medem
quantidades de matéria.
∆N a = n ε a com n ∈ ℕ (9.1.1)

Podemos agora usar como sistema σ B a junção σ B = σεa ⊗ σεa ⊗ σεa ⊗ ......... ⊗ σεa de
n fatores

n sistemas idênticos σεa , todos contendo ε a partículas da espécie a e todos no


mesmo estado. A energia interna e a entropia do sistema σ B são consequentemente n

186
vezes a energia interna e a entropia do sistema ε a . Continuamos com constantes
arbitrárias de U e S do sistema ε a . Mas não temos mais constantes arbitrárias
independentes para cada diferente valor de ∆N a . Com isto teríamos uma constante
arbitrária para U e uma para S para cada espécie química. Podemos reduzir o número
de constantes arbitrárias mais ainda considerando a possibilidade de transformar
espécies químicas com reações químicas dentro de sistemas que não trocam matéria
com o ambiente. Com isto precisamos constantes arbitrárias apenas para os elementos
químicos. Enquanto excluímos a possibilidade de transformar elementos com reações
nucleares, não podemos reduzir o número de constantes arbitrários mais ainda.
Tendo definições para U e S , podemos escrever a diferencial da energia interna nas
coordenadas naturais. Além da entropia e do volume, aparecem agora também os
números de partículas. Não consideraremos aqui outras grandezas como magnetização,
campo elétrico etc. , mas elas poderiam aparecer também. Temos então para um
sistema com K espécies
K
 ∂U 
dU = TdS − PdV + ∑   dN l (9.1.2).
l =1  ∂N l  S ,V , N
¬l

As derivadas novas, que aparecem nesta diferencial são chamadas de potenciais


químicos e estes costumam ser representados pela letra µ :

 ∂U 
µl =   (9.1.3)
def .
 ∂N l  S ,V , N¬l

A existência de constantes arbitrárias na definição da energia interna para sistemas


abertos para troca de matéria implica que os potenciais químicos são também definidos
somente módulo uma constante arbitrária. Somente diferenças de potenciais químicos
interessam na prática. Isto justifica o nome potencial químico. As mesmas
transformações de Legendre, que nos levaram à energia livre e à entalpia livre, podem
ser feitas aqui. Especialmente a entalpia livre é muito usada no tratamento de sistemas
com troca de partículas.
K
dG = − S dT + V dP + ∑ µl dN l (9.1.4)
l =1

Os potenciais químicos podem correspondentemente ser escritos também como


derivadas da entalpia livre:

 ∂G 
µl =   (9.1.5)
 ∂N l T , P , N¬l

Ocasionalmente podemos usar também a energia livre. Temos


K
dF = − SdT − PdV + ∑ µl dN l (9.1.6)
l =1
e

187
 ∂F 
µl =   (9.1.7).
 ∂N l T ,V , N¬l

9.2 Condições de equilíbrio em relação à troca de partículas dentro de um sistema.


Consideremos um sistema Σ composto de F partes σ1 , σ2 , ... σF , que podem trocar
matéria. O sistema todo não pode trocar matéria com o ambiente. Então podemos
aplicar as desigualdades da termodinâmica de sistemas sem troca de matéria no sistema
todo. Se Σ está em contato com um reservatório térmico e é mantido com pressão
constante, sabemos que a entalpia livre de Σ deve ser mínima no equilíbrio. Se as
interfaces foram desprezíveis, a entalpia livre de Σ é a soma das entalpias dos
subsistemas.
F
G Σ = ∑ G σj (9.2.1)
j =1

No equilíbrio a variação de primeira ordem da entalpia livre deve ser zero. Imaginando
transferências infinitesimais das espécies entre os subsistemas, temos a condição
necessária de equilíbrio
K F
 ∂G σi  K F
0 = δG = ∑∑  σi  δN li = ∑∑ µ σeli δN eσli (9.2.2),
l =1 i =1  ∂N el  l =1 i =1

onde µ σeli é o potencial químico da espécie el no subsistema σi e δN eσli a variação


do número de partículas da espécie el no subsistema σi . Mas nem todos os δN eσli são
independentes. O número de partículas de cada espécie deve ser conservado (vamos
supor que não haja reações químicas). Então temos K vínculos:
F

∑ δNe
i =1
σi
l = 0 para l = 1, 2,..., K (9.2.3).

Podemos introduzir um multiplicador de Lagrange µ el para cada um dos K vínculos e


escrever a condição de equilíbrio na forma
K F K F

∑∑ µe
l =1 i =1
σi
l δN eσli − ∑∑ µ el δN eσli
l =1 i =1
= 0 (9.2.4).

Com a presença dos multiplicadores de Lagrange, podemos tratar os δN eσli como


independentes. Então seguem K condições de equilíbrio:
µ σeli = µel (9.2.5)
Em palavras estas equações dizem: cada uma das K espécies tem um só valor de
potencial químico em todo o sistema Σ . A transferência de uma espécie el de um
subsistema σi para outro σj pára somente quando o potencial químico desta espécie
tiver o mesmo valor nos dois subsistemas.

188
Isto fornece uma interpretação do potencial químico comparável com interpretações
análogas da temperatura e da pressão. T: a temperatura é um parâmetro que permite
julgar equilíbrio em relação à troca de calor; a troca de calor entre dois sistemas pára
quando estes sistemas tiverem a mesma temperatura. P: a pressão é um parâmetro que
permite julgar equilíbrio em relação à troca de volume; a troca de volume (movimento
de um êmbolo) entre dois sistemas pára quando estes sistemas tiverem a mesma
pressão. µ : o potencial químico de uma espécie é um parâmetro que permite julgar
equilíbrio em relação à troca de partículas desta espécie - a troca de partículas entre dois
sistemas pára quando estes sistemas tiverem o mesmo potencial químico desta espécie.
A condição de a variação de primeira ordem da entalpia livre ser zero é apenas uma
condição necessária para o equilíbrio. Ela não distingue máximos de mínimos. O
equilíbrio corresponde a um mínimo. Veremos com um sistema relativamente simples
as consequências desta exigência. Consideramos um sistema Σ composto de apenas
dois subsistemas σ1 e σ2 que contenham apenas uma única espécie. Neste caso,
simples a condição de manter a pressão constante não daria um resultado interessante.
Vamos supor que os volumes de Σ e de σ1 estejam constantes. Neste caso devemos
formular a condição de equilíbrio com a energia livre. Se transferirmos uma pequena
quantidade δN de partículas do sistema σ1 para o sistema σ2 obtemos uma
alteração da energia livre em segunda ordem em δN :

1  ∂µ σ1   ∂µ σ 2  
δ( 2) F = µ σ1 δN + µ σ 2 ( − δN ) +  ( δN ) +   ( −δN ) 
2 2

2  ∂N V ,T  ∂N V ,T 
=0
(9.2.6)
O primeiro termo linear em δN é zero pela hipótese de que estejamos trabalhando num
ponto que já satisfaz a condição necessária δ(1) F = 0 . Para selecionar um mínimo da
energia livre, precisamos ter δ( 2) F ≥ 0 . O subsistema σ2 é arbitrário. Ele pode ser
muito grande. Para um sistema muito grande o potencial químico praticamente não
muda quando entra um pouco de matéria. Isto é análogo ao reservatório térmico. Se o
sistema for muito grande, um pouco de calor não mudaria a temperatura
apreciavelmente. Então ( ∂µ σ 2 / ∂N ) pode ser arbitrariamente perto de zero.
V ,T

Concluímos daí que necessariamente


 ∂µ 
  ≥0 (9.2.7).
 ∂N V ,T
Um acréscimo de partículas num volume fixo só pode aumentar o potencial químico da
espécie acrescentada.

9.3 Sistemas homogêneos


O trabalho com potenciais químicos se torna especialmente simples para sistemas de
composição espacialmente homogênea. Temos que descrever mais detalhadamente o
que significa esta homogeneidade. Em qualquer sistema finito, existe sempre uma
heterogeneidade espacial na superfície. Mas a parcela de matéria que pertence às
camadas superficiais de moléculas constitui uma porção muito pequena de toda matéria

189
do corpo se este for de grande volume e de forma geométrica compacta1. Desta maneira
os efeitos superficiais se tornam desprezíveis para objetos grandes. Na discussão do
vapor de gotículas, vimos um exemplo disso. É bom lembrar que as propriedades da
gotícula se aproximam das do líquido plano já para raios de algumas dezenas de Å.
Podemos caracterizar as propriedades de sistemas homogêneos da seguinte forma:
imagine dois sistemas grandes e internamente uniformes σ1 e σ2 do mesmo tamanho,
da mesma composição e com a mesma temperatura T e pressão P. Enquanto estes dois
sistemas estiverem espacialmente afastados, temos, pela própria definição dada na
sessão 9.1, que o sistema composto dos dois tem o dobro da energia interna e o dobro da
entropia de cada um dos subsistemas.
U Σ = 2 U σ1 , S Σ = 2 S σ1 (9.3.1)
Agora podemos ver o que acontece se aproximarmos os sistemas idênticos até formar
um único corpo grande. O comportamento das grandezas V, U, S, T e P neste processo
de juntar os subsistemas depende naturalmente da maneira como o processo é
executado. Vamos junta-los sem fazer trabalho e sem permitir troca de calor com o
ambiente. Esta condição garante que U no estado final continua sendo a soma das
energias internas iniciais. Mas não é nada claro o que acontecerá com todas as outras
grandezas. Vamos chamar os sistemas Σ , σ1 e σ2 de homogêneos se a junção sem
trabalho e sem troca de calor resulte nos seguintes valores:
U Σ = 2 U σ1 (automático numa junção sem trabalho e sem calor)
Σ σ1
S = 2S
V Σ = 2 V σ1 (9.3.2)
Σ σ1
T =T
P Σ = P σ1
Como vimos, a condição P Σ = P σ1 , por exemplo , não seria satisfeita para minúsculas
gotículas. A pressão dentro da gota grande seria um pouco menor que a pressão nas
gotículas devido ao acréscimo de pressão 2 γ / r provocado pela tensão superficial. Mas,
para sistemas grandes de composição uniforme, as equações (9.3.2) valem em boa
aproximação. Neste caso vamos chamar as grandezas V, U, e S de extensivas e as
grandezas P e T de intensivas. Outras grandezas que se comportam na junção
isoenergética de sistemas como U são também chamadas de extensivas e grandezas
que se comportam como T são chamadas intensivas. É importante notar que V, U, e S
não são sempre extensivas nem P e T sempre de intensivas. Caso elas sejam, podemos
concluir que a entalpia livre é extensiva e é uma função homogênea de grau 1 dos
números de partículas. Isto significa:
∀λ > 0 : G ( P, T , λN1 , λN 2 ,....., λN K ) = λ G ( P, T , N1 , N 2 ,....., N K ) (9.3.3)
Desta propriedade da entalpia livre de sistemas homogêneos, segue uma relação muito
importante (conhecida como teorema de Euler de funções homogêneas): Vamos derivar
a equação em relação à λ e depois botar λ = 1 . Disso resulta
K
 ∂G 
∑  ∂N
l =1 
 Nl = G (9.3.4).
l  P ,T , N ¬l

1
Usamos aqui a palavra “compacta” no sentido coloquial, não no sentido matemático.

190
Podemos escrever esta relação com os potencias químicos:
K

∑µ N
l =1
l l = G (9.3.5)

Para um sistema homogêneo de uma única espécie, segue especialmente


G
µ= (9.3.6)
N
Da equação (9.3.5) segue imediatamente que os potenciais químicos num sistema
homogêneo são grandezas intensivas. Desta forma deve ser possível escrever µl como
função de P e T e das frações molares
Nr
xr = K
(9.3.7)
∑N
def .
s
s =1
das espécies. Então temos que
µl depende somente de P, T , x1 , x2 ,........., xK (9.3.8).
Para um sistema homogêneo de uma única espécie, o potencial químico desta espécie
depende somente de P e T.
No caso de uma única espécie podemos interpretar o potencial químico como entalpia
livre específica. Podemos definir outras grandezas específicas a partir de grandezas
extensivas de um sistema homogêneo de uma única espécie:
U
energia livre específica : u= (9.3.9)
N
S
entropia específica : s= (9.3.10)
N
V
volume específico : v= (9.3.11)
N
Estas grandezas específicas são intensivas.
Da relação (9.3.5) segue para a diferencial de G
K K
dG = ∑ N l d µl + ∑ µl dN l (9.3.12).
l =1 l =1

Comparando esta expressão de dG com a (9.1.4), obtemos

∑ N dµ
l =1
l l = − S dT + V dP (9.3.13).

Especialmente para vetores infinitesimais com T = const. e P = const. segue;


K

∑ N dµ
l =1
l l
.... \ P, T  = 0
  (9.3.14)

Esta relação é conhecida como relação de Gibbs-Duhem.

191
9.4 Aplicações em equilíbrios de fases homogêneas
Estudamos a transição de fase líquido-gás com o método dos ciclos. A termodinâmica
de sistemas abertos à entrada e a saída de matéria permite estudar o equilíbrio entre
fases de forma mais elegante.
Para começar com um sistema simples, usaremos uma única espécie química contida
num recipiente que é mantido numa temperatura constante. A pressão dentro do
recipiente seja a pressão de equilíbrio da fase líquida com a fase gasosa e ambas as fases
estejam presentes no recipiente com uma superfície de separação plana. Neste caso
podemos tratar cada uma das fases como um sistema homogêneo. Cada uma das fases
(Líquido, Gás) tem a sua entalpia livre ( G L , G G ) , tem a sua entropia ( S L S G ), ocupa o
seu volume etc ( V L , V G ). A condição de equilíbrio do sistema todo é a igualdade do
potencial químico da espécie nas duas fases:
µ L ( P, T ) = µ G ( P , T ) (9.4.1)

Esta condição deve valer ao longo de toda curva de equilíbrio líquido – gás PLG ( ).
Consequentemente a aplicação dos vetores duais d µ L ( PLG (T ) , T ) e d µG ( PLG (T ) , T )
num vetor infinitesimal tangente à curva de equilíbrio gás – líquido deve resultar nos
mesmos valores. Seja
a = δT = ε \ eqilíbrio Líquido-Gás (9.4.2)
um vetor tangente à curva de vapor saturado. Temos então
d µ L ( PLG (T ) , T ) [ a ] = d µG ( PLG ( T ) , T ) [ a ] (9.4.3)

Geometricamente esta condição significa que os dois hiperplanos d µ L ( PLG (T ) , T ) e


d µG ( PLG (T ) , T ) interceptam a tangente da curva de vapor saturado no mesmo ponto.
Com a equação (9.3.13) temos
N LdµL = − S L dT + V L dP (9.4.4)

N G d µG = − S G dT + V G dP (9.4.5).
Dividindo pelos números de partículas, obtemos as diferenciais do potencial químico
nas respectivas fases em termos da entropia específica e volume específico da espécie
nas fases:
d µ L = − s L dT + v L dP (9.4.6)

d µG = − s G dT + v G dP (9.4.7)
Inserindo estas diferenciais na condição (9.4.3), obtemos:
− s L dT [ a ] + v L dP [ a ] = − s G dT [ a ] + vG dP [ a ] (9.4.8).
Isto fornece informação sobre a tangente da curva de vapor saturado:
dPLG dP [ a ] sG − s L
= = (9.4.9)
dT dT [ a ] vG − v L

192
Se evaporarmos um mol de líquido reversivelmente numa temperatura T , temos uma
mudança de entropia de
1mol × ℓ
1mol × ( s G − s L ) = (9.4.10)
T
onde ℓ é o calor latente da transição. Percebemos então que a (9.4.9) é nada mais do
que a equação de Clausius-Clapeyron (8.2.11).
dPLG ℓ
= (9.4.11)
dT T (v − vL )
G

Exercício:
As figuras 9.1 a) –9.1 d) mostram uma vizinhança infinitesimal de um estado (marcado
com um * ) que se encontra na curva de coexistência de líquido-gás. Como a vizinhança
é infinitesimal, a curva PLG ( ) aparece como reta (linha grossa). As figuras mostram
também dois vetores duais cada uma. Supostamente seriam as diferenciais d µ L e d µG
do potencial químico das fases líquida e gasosa no ponto *. (No desenho d µ L e d µG
aparecem ainda divididos por algum parâmetro infinitesimal ε . Sem esta divisão por
um parâmetro infinitesimal, os hiperplanos não apareceriam no pedaço infinitesimal do
plano TP mostrado). Como sabemos, na curva PLG ( ) temos µ L = µG . Portanto a
aplicação de d µ L e d µG num vetor infinitesimal na direção tangente da curva PLG ( )
deve dar os mesmos valores. Por esta razão os hiperplanos se cruzam exatamente em
cima da curva PLG ( ) . Mas nem todos os desenhos são qualitativamente corretos.
Somente um poderia realmente descrever as diferenciais d µ L e d µG de algum fluido.
Determine qual é o desenho correto.

Fig. 9.1 Qual é a representação qualitativamente correta?


−1
líquido ε−1dµG ε dµG
P ε−1dµL P líquido
−1
ε dµL

gás gás

a) T b) T

−1
ε dµG −1
−1
ε dµL ε dµL
P líquido P líquido

gás −1
gás
ε dµG
c) T d) T

193
O equilíbrio entre duas fases A e B de uma única substância é determinada pela
equação µ A ( P, T ) = µ B ( P, T ) . Nesta equação temos as duas variáveis P e T . A
equação impõe uma condição e consequentemente sobra uma variável independente.
Isto significa que a pressão passa a ser uma função da temperatura PLG ( ) . É praxe falar
que restou um grau de liberdade. Esta afirmação tem que ser vista com certo cuidado. É
verdade que no problema matemático µ A ( P, T ) = µ B ( P, T ) que dependia de duas
variáveis sobra somente uma independente. Mas o sistema físico continua com dois
graus de liberdade. Podemos variar a temperatura e a distribuição de matéria entre as
fases A e B. O que acontece é que na transição de fase o plano P-T não representa
mais o espaço dos estados do sistema; a cada ponto da curva PLG ( ) correspondem
vários estados.
O que acontece se buscarmos um equilíbrio entre três fases, por exemplo, gás, líquido e
sólido? Temos mais uma equação.
µ L ( P, T ) = µ G ( P, T ) e µ L ( P , T ) = µ S ( P, T ) (9.4.12)
Consequentemente não restará grau de liberdade algum. Somente uma temperatura e
uma pressão são capazes de ter as três fases em equilíbrio. As regiões das fases gás,
líquido e sólido se encontram num único ponto no plano P-T. Este ponto é chamado
ponto triplo da substância. Obviamente pontos triplos são ótimas referências para
padrões de temperatura. Novamente há que se ter cuidado com a parte conceitual.
Temos um único ponto do plano P-T , mas este ponto representa muitos estados por que
podemos distribuir a matéria de diferentes formas nas três fases. Continuam dois graus
de liberdade. Podemos usar o número de partículas na fase gasosa e na fase líquida
como coordenadas. Se o número total de partículas estiver fixo, o número de partículas
na fase sólida estaria determinado. Na verdade a situação é ainda mais complicada. Na
hora do aparecimento da fase sólida, entram novos graus de liberdade no palco.
Podemos deformar o sólido e criar, além da pressão, tensões de cisalhamento.
A contagem de variáveis nas equações de equilíbrio pode ser estendida a situações mais
complexas que envolvem várias substâncias. Imagine que tenhamos F fases σ1 , σ2 ,
... σF com K substâncias em equilíbrio. As condições de equilíbrio são
substância i = 1: µ1σ1 = µ1σ 2 , µ1σ1 = µ1σ 3 , ....., µ1σ1 = µ1σF
substância i = 2 : µ 2σ1 = µ σ2 2 , µ 2σ1 = µ σ2 3 , ....., µ 2σ1 = µ σ2 F
.
(9.4.13)
.
.
substância i = K : µ σK1 = µ σK2 , µ σK1 = µ σK3 , ....., µ σK1 = µ σKF

Estes potenciais químicos dependem das variáveis P, T e das frações molares xiσn .
Isto são F × K + 2 variáveis. Mas não todos os xiσn são independentes. Em cada fase
temos as condições
K

∑x
i =1
σn
i =1 (9.4.14)

194
O sistema (9.4.13) contém K × ( F − 1) equações e os (9.4.14) constituem F equações.
Sobram então F × K + 2 −  K × ( F − 1) + F  = 2 + F − K graus de liberdade. Este
resultado é conhecido como regra de fases de Gibbs:
# de graus de liberdade = 2 + # de espécies − # de fases (9.4.15)
onde # significa “número”. Novamente contamos apenas graus de liberdade que
aparecem nas equações de equilíbrio. A distribuição da matéria entre as fases não é
considerada nesta conta.

9.5 Misturas ideais


Para uma substância pura, conseguimos aproveitar o formalismo dos potenciais
químicos para mostrar a equação de Clausius-Clapeyron de forma mais elegante. Mas as
aplicações mais interessantes dos potenciais químicos são com misturas de várias
substâncias. Para estes casos, precisamos saber como os potenciais químicos dependem
dos números das partículas. Começamos com o caso mais simples da mistura de gases
ideais.
Imagine um cilindro com uma mistura de dois gases ideais A e B . Estas espécies estão
presentes com os respectivos números de partículas N A e N B contadas em alguma
unidade, que pode ser o mol ou pode ser uma partícula. A unidade mol seria a mais
apropriada numa descrição macroscópica. A grandeza do nosso interesse é a entalpia
livre do sistema. Para o cálculo da mesma, precisamos saber como o valor da entropia
deste sistema se relaciona com a entropia do sistema
∆S composto dos dois gases separados.
A B A, B Fig. 9.2 Entropia de mistura.
Esta diferença, chamada de entropia de mistura pode
ser calculada com a mecânica estatística. Mas, podemos também determiná-la com uma
experiência imaginada cujo resultado pode ser adivinhado com os nossos
conhecimentos sobre gases perfeitos. Esta experiência foi inventada por Jacobus
Henricus van 't Hoff. Uma medida de diferença de entropia requer um processo
reversível. A simples difusão de um gás para dentro do outro seria irreversível. Temos
que misturar os gases de forma reversível. Já que o processo tem que ser reversível,
podemos logo discutir o processo inverso.
Fig. 9.3 Separação de uma
A, B mistura de gases com êmbolos
semitransparentes.
T= const.
Começamos com o
A A, B B cilindro de volume V0
com a mistura. Nos dois
T= const. extremos do cilindro
A B imaginamos êmbolos
especiais construídos de
materiais semipermeáveis.
O êmbolo da esquerda é
permeável para o gás A e o êmbolo da direita é permeável para o gás B . Podemos
imaginar que existam nos êmbolos furos microscópicos com formas específicas que

195
permitam a passagem das moléculas de uma só espécie. Como indicado na figura 9.3
podemos separa os gases empurrando os êmbolos até o encontro dos dois êmbolos.
Durante o processo, vamos manter a temperatura constante e vamos medir as
quantidades de calor que entram no sistema. Tudo deve ser feito de tal forma que o
sistema esteja sempre muito perto do equilíbrio para garantir que o processo seja
reversível. Como o estado final da separação corresponde ao estado inicial da figura 9.2,
temos:
g . separados g . separados
Q 1
∆S = − ∫ = − ∫ Q (9.5.1)
mistura
T T mistura
O nosso interesse é, na verdade, a entalpia livre do sistema. Por esta razão, vamos
escolher os estados iniciais e finais do processo de separação de tal forma que a pressão
tenha o mesmo valor Pinicial mistura = Pfinal A = Pfinal B ≡ P0 , já que a pressão é uma das
coordenadas naturais da entalpia livre. Durante o processo, as pressões dos gases podem
diferir do valor P0 . Os valores das pressões PA ( t ) e PB ( t ) durante o processo são
determinados pela condição da reversibilidade do processo. A pressão que a mistura no
compartimento central exerce sobre as paredes laterais do cilindro é fruto das colisões
das moléculas com a parede. Mentalmente podemos separar estas colisões em colisões
das moléculas A e moléculas B e correspondentemente associar uma fração da
pressão ao gás A e outra fração ao gás B. Estas parcelas de pressão vamos chamar
pressões parciais e vamos escrevê-las como A (t ) e B ( t ) . A pressão na parte

central, onde há ainda uma mistura, é a soma destas pressões parciais:


PAB ( t ) = A ( t ) + B ( t ) (9.5.2)
Fluxos líquidos dos gases através dos êmbolos seriam processos irreversíveis. Os
movimentos dos êmbolos devem ser feitos de tal forma que não haja fluxos dos gases. É
bastante plausível supor que a ausência de fluxo da espécie A através do êmbolo
transparente à espécie A é garantida pela igualdade da pressão de A no compartimento
esquerdo com a pressão parcial de A no comportamento central e analogamente para a
espécie B devemos ter igualdade da pressão e pressão parcial:
condição de equilíbrio : PA ( t ) = A (t ) e PB ( t ) = B (t ) (9.5.3).
Com esta condição, podemos avaliar o trabalho envolvido no processo:
fim fim
dVA dVB
W= + ∫ PB ( t ) dt + ∫ PA ( t ) dt (9.5.4),
início
dt início
dt

onde VA ( t ) e VB ( t ) são os volumes nos compartimentos de gases puros A e B


respectivamente. Como os gases envolvidos são ideais, sabemos que a energia interna
do sistema não muda neste processo isotérmico. Consequentemente vale para o calor
que entra no sistema Q = −W . Com a equação (9.5.1) obtemos então:
fim fim
1 dV 1 dV
∆S = ∫ PB ( t ) A dt + ∫ PA ( t ) B dt (9.5.5).
T início dt T início dt

196
No instante t os N A partículas da espécie A ocupam o volume V0 − VB ( t ) , e neste
volume exercem uma pressão ou pressão parcial de PA ( t ) . Com a lei dos gases
perfeitos, temos
PA ( t ) ⋅ V0 − VB ( t )  = N A R T (9.5.6).
Analogamente temos
PB ( t ) ⋅ V0 − VA ( t )  = N B R T (9.5.7).

Então podemos resolver as integrais da equação (9.5.5):


VA fim VB fim
dVA dVB
∆S = NB R ∫0
V0 − VA
+ NA R ∫0
V0 − VB
=

V0 − VA fim V0 − VB fim
= − N B R ⋅ ln − N A R ⋅ ln = (9.5.8)
V0 V0
VB fim VA fim
= − N B R ⋅ ln − N A R ⋅ ln
VA fim + VB fim VA fim + VB fim

Como escolhemos o ponto final tal que Pinicial mistura = Pfinal A = Pfinal B ≡ P0 e todo tem a
mesma temperatura, sabemos que VA fim ∼ N A e VB fim ∼ N B . Desta forma podemos
escrever o resultado em termos das frações molares (definição (9.3.7):
∆S = − N B R ⋅ ln xB − N A R ⋅ ln x A (9.5.9)

A figura 9.4 mostra a entropia de mistura como função de xA ou de xB (escala


horizontal superior).
xB
1,0 0,8 0,6 0,4 0,2 0,0

0,7

0,6

0,5

0,4
∆S/RN

0,3

0,2

0,1

0,0
0,0 0,2 0,4 0,6 0,8 1,0
xA

Fig. 9.4 Entropia de mistura para dois gases ideais com número total de partículas N.
Na época, quando esta fórmula foi deduzida pela primeira vez, surgiu uma controvérsia
sobre este resultado. Naquela época a hipótese dos átomos não era geralmente aceita. O

197
mundo parecia ser composto de coisas cujas propriedades todas eram grandezas
continuamente variáveis. Então poderíamos imaginar duas espécies químicas A e B que
se distinguem pelo valor de alguma grandeza contínua λ . Para a espécie A este
parâmetro teria algum valor λ A e para a espécie B o valor λ B . No caso λ A = λ B as
espécies seriam idênticas. É de se esperar que a entropia de uma mistura das espécies A
e B fosse uma função contínua de λ B . Mas para λ A ≠ λ B teríamos uma parcela de
entropia dada pela equação (9.5.10) que é independente de λ B e para λ A = λ B a
entropia de mistura ∆S seria zero. Desta forma a entropia seria descontinua. Poder-se-ia
argumentar que para λ A − λ B suficientemente pequeno não teríamos mais condições de
medir o valor de ∆S . Mas isto também não seria um bom consolo. Isto significaria que
neste caso o erro ou a limitação experimental causaria um desvio arbitrariamente grande
entre o observado e o “mundo real” (onde “mundo real” seria algo associado àquela
idealização dos valores das grandezas que fazemos quando separamos um valor medido
em “valor verdadeiro” e “erro experimental”). Hoje em dia a controvérsia desapareceu
porque sabemos que as espécies químicas não podem ser transformadas continuamente
uma na outra. Poder-se-ia tomar o resultado da entropia de mistura (9.5.10) como um
primeiro indício da existência de grandezas quantizadas.
Analogamente pode-se mostrar que a entropia de mistura de K gases ideais diferentes
vale
K
∆S = − R ∑ N r ln xr (9.5.10)
r =1

Se definirmos o número total de partículas como


K
N =
def .
∑N
j =1
j (9.5.11)

podemos escrever este resultado na forma


K
∆S = − RN ∑ xr ln xr (9.5.12)
r =1

Nesta equação aparece a função


f ( x ) = − x ln x (9.5.13)
que tem um papel importante na mecânica estatística e na teoria da informação. A figura
9.5 mostra o gráfico desta função no intervalo [0,1].

0,40

0,35

0,30

0,25
-xln(x)

0,20

0,15

0,10

0,05
Fig. 9.5 Gráfico da função (9.5.13).
0,00
0,0 0,2 0,4 0,6 0,8 1,0
x

198
A figura 9.4 ilustrava a dependência da entropia de mistura das frações molares. É útil
conhecer uma visualização desta função também para o caso de três espécies. Podemos
representar cada trinca de valores xA , xB , xC das frações molares de três espécies A, B
e C por um ponto num espaço tridimensional. Como as frações molares não podem ser
negativas, estes pontos representativos ficam todos no primeiro octante. Além disso,
temos a restrição xA + xB + xC = 1 . Esta condição limita os pontos representantes para o
plano que contém os pontos 1, 0, 0 , 0,1, 0 e 0, 0,1 . A intersecção deste plano com
o primeiro octante é um triângulo
equilátero. Desta forma podemos C
representar a composição de uma 1
mistura de três espécies num
C
triângulo equilátero. Esta B
representação é muito usada em
1
ciências de materiais. A figura 9.6
mostra esta construção. É um bom 1
exercício localizar pontos neste A
“papel milimetrado triangular”
(localize por exemplo
xA = 0, 6 ; xB = 0,3 ; xC = 0,1 ). A B

Fig. 9.6 Coordenadas triangulares para representar


composições de misturas de três espécies.
Num triângulo deste tipo, podemos visualizar a entropia de mistura com a ajuda de
curvas de nível. A figura 9.7 mostra um exemplo de uma curva de nível da entropia de
C mistura. No centro do triângulo a entropia de
mistura é máxima e tem o valor de R N ln 3 e nos
vértices a entropia de mistura é zero.
Fig. 9.7 Curva de nível da entropia de mistura para
misturas de três espécies. A figura mostra também as linhas
de simetria do triângulo de da função ∆S .

A B

Com o resultado (9.5.10) podemos calcular uma das parcelas da entalpia livre, a saber, o
termo –TS. No caso de uma mistura de gases ideais, as outras parcelas U e PV se somam
na junção de subsistemas simplesmente. Desta forma obtemos:
K K
G ( P, T , N1 ,..., N K ) = ∑ (u l + vl − Tsl ) N l + TR ∑ N l ln xl =
l =1 l =1
K K
(9.5.14)
= ∑g
l =1
l N l + TR ∑ N l ln xl
l =1

onde ul , vl , sl e gl são energia específica, volume específico, entropia específica e


entalpia livre específica do gás l puro na pressão P e temperatura T , e xl é a fração
molar da espécie l na mistura. Da expressão da entalpia livre (9.5.14), podemos

199
calcular o potencial químico da espécie l. Para facilitar a conta calculamos antes a
derivada ∂xl / ∂N k :

  Nl  
 ∂xl   ∂  N   δ N K

  =   = lk − l2 com N =∑ N j (9.5.15)
 ∂N k  PT N¬k  ∂N k  N N j =1
  PT N¬k
Com isto obtemos
 ∂G   K
N l  δlk N l  
µk =   = g + RT  k ∑ 
ln x + − 2  (9.5.16).
 ∂N k  PT N¬k
k
 l =1 xl  N N 

O somatório nesta equação é zero:


K
N l  δlk N l  K N l N  δlk N l  K  δlk N l 
∑ 
l =1 xl  N
− 2=∑ − =∑N −
N  l =1 N l  N N 2  l =1  N N 2 
=0 (9.5.17)

Então obtemos o resultado


µ k = g k + RT ln xk (9.5.18).
Lembramos que a entalpia livre específica da espécie k é o potencial químico da
espécie k pura. Vamos escrever o potencial químico da espécie pura como µ ○k . Com
esta notação o resultado fica na seguinte forma:

µ k ( P, T , xk ) = µ k○ ( P, T ) + RT ln xk (9.5.19)

Este resultado vale para misturas de gases de baixa densidade. Mas com a mecânica
estatística ou com dados experimentais pode-se mostrar que este resultado também pode
ser usado para misturas de espécies cujas interações mútuas são todas iguais. Se houver
duas espécies A e B tais que as interações A-A, B-B e A-B sejam aproximadamente
iguais, pode-se usar a fórmula (9.5.19) como boa aproximação mesmo com altas
densidades ou até na fase líquida. Todas as misturas que podem ser tratadas com esta
fórmula chamam-se misturas ideais. Por exemplo, misturas de isótopos podem muito
bem ser descritas desta forma.

9.6 Reações químicas em misturas ideais.


Como uma primeira aplicação do resultado (9.5.19), vamos estudar uma reação química
na fase gasosa ou num líquido que possa ser descrito razoavelmente como mistura ideal.
A todo rigor não poderia haver reação química alguma numa mistura de gases ideais.
Supostamente as moléculas num gás ideal não interagem. Mas, num gás real com
equação de estado térmica extremamente próxima da equação dos gases perfeitos, temos
colisões entre as moléculas e nestas colisões podem ocorrer reações. O que garante a
validade da equação de estado de gás ideal é o fato de que o número de moléculas com
vizinhos próximos é sempre muito menor que o número de moléculas muito afastadas
das demais moléculas. Vamos considerar uma reação que transforme certos reagentes
R1 , R2 , ... Ra em certos produtos P1 , P2 ,... Pb . A reação pode envolver mais de uma
molécula de uma dada espécie. Desta forma a reação é

200
r1 R1 + r2 R2 + .... + ra Ra ⇌ p1 P1 + p2 P2 + ... + pb Pb (9.6.1)
Vamos contar como sentido positivo da reação a seta da esquerda para a direita, isto é,
as espécies R são consideradas como matéria prima e as espécies P como produtos
desejados. Veremos um exemplo: a queima de hidrogênio 2H 2 + O2 → 2H 2 O . Neste
caso teríamos: a=2, b=1, R1 = H 2 , r1 = 2 , R2 = O 2 , r2 = 1 , P1 = H 2 O , p1 = 2 .
Para a discussão do equilíbrio, vamos lembrar o equilíbrio entre fluidos em dois
compartimentos num cilindro separados por um êmbolo que pode ser parafusado nas
paredes do cilindro, como vimos na sessão 7.1. Enquanto o parafuso estiver preso,
qualquer distribuição de volumes é um estado de equilíbrio. No momento em que
liberarmos o parafuso, somente uma configuração é um equilíbrio. Da mesma forma
podemos imaginar que a reação química esteja inicialmente inibida. Com a queima de
hidrogênio, temos um excelente exemplo. Numa temperatura de 300K, podemos estocar
uma mistura de hidrogênio e oxigênio tranquilamente sem observar nenhuma reação
química. Mas, com a ajuda de um catalisador, podemos permitir a reação. A introdução
do catalisador seria o análogo da retirada do parafuso que fixava o êmbolo no exemplo
da sessão 7.1.
Para se poder descrever o avanço da reação, é útil introduzir uma coordenada específica
Z. Os valores desta coordenada são definidos de tal forma que as alterações dos
números de partículas sejam relacionadas com variações dos valores de Z da seguinte
forma:
∆N R j = − rj ∆Z para todo j de 1 até a
(9.6.2).
∆N Pi = + pi ∆Z para todo i de 1 até b

Se mantivermos o recipiente da mistura em condição isotérmica e com pressão


constante, sabemos que a condição de equilíbrio é G → mínimo . Condição necessária
para o mínimo é ∂G / ∂Z = 0 . Desta forma obtemos para o equilíbrio

 ∂G  a 
∂G   ∂N R j  b  ∂G   ∂N Pi 
0=  = ∑ 
 ∂Z  PT j =1  ∂N R j

  ∂Z
 + ∑     =
  i =1  ∂N Pi   ∂Z  (9.6.3).
a b
= −∑ µ R j rj + ∑ µ Pi pi
j =1 i =1

Inserindo nesta condição o resultado (9.5.19), obtemos


a b xPp11 ⋅ xPp22 ⋅ .... ⋅ xRrbb
0 = − ∑ µ r + ∑ µ pi + RT ln
○ ○
(9.6.4)
xRr11 ⋅ xRr22 ⋅ .... ⋅ xRraa
Rj j Pi
j =1 i =1

ou
b a

x ⋅ x ⋅ .... ⋅ x
p1 p2 rb ∑ µ ( P, T ) p − ∑ µ ( P , T ) r
i =1

Pi i
j =1

Rj j

= −
P1 P2 Rb
ln (9.6.5).
x ⋅ x ⋅ .... ⋅ x
r1
R1
r2
R2
ra
Ra RT
Isto é um resultado sumamente importante na química. Observe que o lado direito da
equação (9.6.5) depende somente da pressão e temperatura, mas não depende das
frações molares das espécies. Os químicos costumam expressar este fato dizendo que

201
xPp11 ⋅ xPp22 ⋅ .... ⋅ xRrbb
= Kx (9.6.6)
xRr11 ⋅ xRr22 ⋅ .... ⋅ xRraa

é uma constante. K x depende de P e T , mas é constante em relação às variáveis x. A


situação é parecida com aquela da lei de Ohm. A lei de Ohm afirma que a resistência
R = V / I é constante; o que na verdade significa independente de V. Mas R pode
depender da temperatura e isto não invalida a lei de Ohm.
Veremos como o resultado (9.6.5) é utilizado: imagine o químico tenha uma mistura das
espécies R1 , R2 , ... Ra , P1 , P2 ,... Pb em equilíbrio (com a reação química desbloqueada
com algum catalisador). Ele mede os números de partículas e com isto determina o
valor da constante K x . Agora imagine que se acrescentam partículas de uma ou de mais
de uma das espécies, mantendo P e T constantes. Este acréscimo tira o sistema fora do
equilíbrio. O sistema logo busca um novo estado de equilíbrio e a equação (9.6.6)
permite calcular os valores das frações molares na nova situação de equilíbrio.
Veremos um exemplo, a reação de Haber em fase gasosa:
N2 + 3 H2 ⇌ 2 NH 3 (9.6.7).
Numa temperatura de T = 623K , encontramos equilíbrio das espécies envolvidas com
as seguintes quantidades:
N N 2 = 1, 770 mol
N H2 = 1, 310 mol (9.6.8).
N NH3 = 2, 460 mol
Destes dados obtemos que
K x ( P = 14,35kPa, T = 623K ) = 45,92 (9.6.9).

Agora vamos imaginar que se acrescenta 1 mol de hidrogênio na mistura sem alterar
temperatura e pressão. Quais serão os novos valores Nɶ N 2 , Nɶ H2 , Nɶ NH3 de equilíbrio das
espécies? Temos a equação
xNH3 2
= 45,92 (9.6.10)
xN2 xH2 3

Isto é apenas uma equação e temos três incógnitas. As equações que faltam obtemos a
partir da conservação das espécies atômicas. Durante a reação, valem as seguintes leis
de conservação (enquanto não há retirada nem acréscimo de matéria):
2 Nɶ H 2 + 3 Nɶ NH3 = A = const. = # de H (9.6.11)

2 Nɶ N2 + Nɶ NH3 = B = const. = # de N (9.6.12)


No caso do nosso exemplo, temos
A = 2, 620mol + 2, 000 mol + 7,380 mol = 12 mol (9.6.13)
acrescimo de 1 mol H 2

B = 3,540 mol + 2, 460 mol = 6 mol (9.6.14)


Das equações(9.6.11), (9.6.12), obtemos:

202
1 1 1
Nɶ N 2 = Nɶ H 2 + B − A (9.6.15)
3 2 6
e
1 2
Nɶ NH3 = A − Nɶ H2 (9.6.16).
3 3
Inserindo isto na equação de equilíbrio (9.6.6), obtemos uma equação algébrica de
quarta ordem para a incógnita Nɶ H2 :
2 2
1 2  1 2 1 1 1 
ɶ 2 ɶ2  A − Nɶ H 2   A − Nɶ H2 + Nɶ H 2 + B − A + Nɶ H2 
N NH3 N
=  3  =
3 3 3 3 2 6
Kx =
ɶ ɶ
N N2 N H2 3
 ɶ
1 1 1  ɶ 3
 N H2 + B − A  N H2
 3 2 6 

2 2
A 2 ɶ  A B 2 ɶ 
 − N H2   + + N H2 
=  6 2 3  ≡ κ
3 3
x
1 ɶ 1 1  ɶ 3
 N H + B − A N
 H
3 2 2 6  2
(9.6.17)
A ordem da equação depende dos coeficiente pl e rl da reação química. Se a ordem
for maior que dois, uma solução fechada fica desconfortável. Se ela for maior ou igual a
5 ela não existe em forma fechada (teorema de Abel–Ruffini na teoria de Galois). De
toda forma, fica mais adequada uma solução numérica com graus acima de dois. A
figura 9.8 mostra a solução gráfica da equação (9.6.17) com os valores de A e B do
nosso caso.

70
Fig. 9.8 A curva mostra o
65
gráfico da função que está do lado
60 direito da equação (9.6.17). A
intercessão com a horizontal na
55 altura 45,92 determina a solução
da equação.
Kx , κx

50 45,92
45
40
35
30
25
1,5 1,6 1,7 1,8 1,9 2,0
1,6404 NH2 [mol]

A solução é 1,6404 mol.


Com as equações (9.6.15), (9.6.16), obtemos finalmente todos os novos números de
partículas de equilíbrio:

203
Nɶ N 2 = 1, 640 mol
Nɶ H2 = 1, 547 mol (9.6.18)
Nɶ NH3 = 2, 906 mol

Podemos ainda explorar a dependência da constante de equilíbrio com a temperatura e


com a pressão. Derivando a equação (9.6.5), obtemos

b a b a

 ∂ ln K x 
∑ µ ( P , T ) p − ∑ µ ( P, T ) r
i =1

Pi i
j =1

Rj j ∑ s ( P , T ) p − ∑ s ( P, T ) r
i =1

Pi i
j =1

Rj j

  = + =
 ∂T  P
2
RT RT

b a

∑ hP○i ( P, T ) pi − ∑ hR○j ( P, T ) rj
i =1 j =1 ∆H ○
= 2
=
RT RT 2
(9.6.19),
onde
 ∂H 
∆H ○ =   (9.6.20).
 ∂Z  PT
é a entalpia da reação. Este resultado, que foi deduzido por van 't Hoff, significa que
numa reação exoterma ( ∆H ○ < 0 ) o equilíbrio se afasta dos produtos quando
aumentarmos a temperatura.
Derivando a (9.6.5) em relação à pressão, obtemos
b a

 ∂ ln K x 
∑ v ( P, T ) p − ∑ v ( P, T ) r
i =1

Pi i
j =1

Rj j
∆V ○
  = − = − (9.6.21),
 ∂P T RT RT
onde
 ∂V 
∆V ○ =   (9.6.22).
 ∂Z  PT
Isto significa que, numa reação que aumenta o volume do gás, a elevação da pressão
afasta o equilíbrio dos produtos. Estas duas tendências de deslocamento do equilíbrio
foram observadas independentemente por Henri Louis Le Chatelier e Karl Ferdinand
Braun e este resultado é conhecido como o princípio de Le Chatelier-Braun.
Vale mencionar um exemplo importante do deslocamento de equilíbrio. Trata-se de uma
invenção que permite usar lâmpadas incandescentes de altíssima temperatura. Lâmpadas
incandescentes cujos filamentos atingem temperaturas de apenas 2000 K emitem grande
parte da energia térmica no infravermelho e contribuem apenas com uma fração mínima
para a iluminação. Para melhorar o rendimento, pode-se tentar operar o filamento numa
temperatura mais elevada. Mas neste caso o filamento de tungstênio começa a evaporar.
O vapor do metal condensa-se no vidro da lâmpada e torna-o opaco. Para evitar este

204
fenômeno acrescenta-se uma pequena quantidade de algum alógeno, por exemplo, Br
(bromo) no bulbo. Na fase gasosa, pode ocorrer a seguinte reação:
W + 3Br2 W Br6 (9.6.23).
Esta reação é exoterma. Então, perto do filamento quente, o equilíbrio está do lado dos
reagentes. As moléculas de brometo de tungstênio decaem e tungstênio metálico é
depositado no filamento. Nas regiões mais frias do bulbo, perto do vidro e na interface
vidro-gás, o equilíbrio está no lado do produto. Então a reação retira tungstênio destas
regiões frias e converte-o em moléculas. Estas se difundem no bulbo até chegar perto do
filamento onde o tungstênio é novamente liberado. Desta forma a reação química junto
com o gradiente de temperatura funciona como uma bomba ou uma transportadora de
tungstênio que limpa o vidro e restabelece o filamento.
Usamos frações molares para a formulação do critério de equilíbrio químico. Os
químicos usam também concentrações para esta finalidade. A concentração de uma
espécie l é definida como
Nl
cl = (9.6.24)
V
As concentrações são grandezas dimensionais. A constante de equilíbrio formulada com
concentrações
cPp11 ⋅ cPp22 ⋅ .... ⋅ cRrbb
Kc = (9.6.25)
def . cRr11 ⋅ cRr22 ⋅ .... ⋅ cRraa

em geral é também uma grandeza dimensional. Os químicos têm o péssimo hábito de


escrever um número para K c . Eles usam a unidade mol/litro para as concentrações e
igualam grandezas dimensionais a números. Eles também escrevem logaritmos de
grandezas dimensionais.
Exercício:
a) Mostre que K c também depende somente de P e T.

b) Sejam P∗ e T∗ valores fixos de P e T e seja K c ∗ = K c ( P∗ , T∗ ) . Deduza uma


fórmula análoga da equação (9.6.19) para a derivada
 ∂ ln ( K c / K c ∗ ) 
 
 ∂T 
 P

9.7 Equilíbrio entre mistura ideal líquida e mistura gasosa


Estudaremos agora o equilíbrio entre uma mistura líquida e uma gasosa de K espécies.
Vamos supor que as condições de pressão e temperatura sejam tais que o gás possa ser
descrito como gás ideal. Também vamos supor que todas as espécies envolvidas estejam
longe do seu ponto crítico. E finalmente vamos supor que o líquido possa ser descrito
aproximadamente como uma mistura ideal.
Para uma dada temperatura, temos K equações de equilíbrio:
µGk = µ kL k = 1,....K (9.7.1),

205
onde os sobrescritos indicam fase gasosa e fase líquida. Com a suposição de misturas
ideais, podemos usar a equação (9.5.19) para µGk e µ kL :

µ ○k G ( Pmis , T ) + RT ln xk G = µ ○k L ( Pmis , T ) + RT ln xk L (9.7.2)

Nesta equação, Pmis é a pressão de equilíbrio das duas fases. Pmis é uma função da
temperatura e das frações molares. Podemos obter informação interessante a respeito
deste equilíbrio expressando estas equações em termos das condições de equilíbrio das
duas fases das espécies puras. Se tivéssemos gás e líquido da espécie k pura em
equilíbrio, teríamos
µ ○k G ( PLG k (T ) , T ) = µ ○k L ( PLG k (T ) , T ) (9.7.3).

Nesta equação, PLG k ( ⋅) é a curva de equilíbrio de líquido – gás da espécie pura k.


Vamos expressar µ ○k G ( Pmis , T ) e µ ○k L ( Pmis , T ) em termos de µ ○k G ( PLG i (T ) , T ) e
µ ○k L ( PLG k (T ) , T ) :

 ∂µ ○k G 
Pmis

µ ○k G ( Pmis , T ) = µ ○k G ( PLG k ( T ) , T ) + ∫   dP =
PLG i (T ) 
∂P T
Pmis
(9.7.4)
= µ ○k G ( PLG k (T ) , T ) + ∫ vk○ G dP
PLG i (T )

e analogamente
Pmis

µ ○L
k ( Pmis , T ) = µ ○L
k ( P (T ) , T ) + ∫ v
LG k
○L
k dP (9.7.5)
( ) PLG i T

Inserindo (9.7.4) e (9.7.5) na (9.7.2) e usando a (9.7.3), obtemos


Pmis
xk L
∫ (v − vk○ L ) dP
1
ln G = ○G
k (9.7.6).
xk RT PLG i (T )

Vamos desprezar o volume específico do líquido e descrever o volume específico do


gás com a lei dos gases perfeitos
Pmis
xk L 1 RT dP Pmis
ln G
xk

RT ∫
PLG i (T )
P
= ln
PLG k (T )
(9.7.7)

Temos então
xk L Pmis
≈ (9.7.8)
xk G PLG k (T )
ou
xk L PLG k (T ) ≈ xk G Pmis (9.7.9)

Somando sobre as espécies optemos uma expressão da função Pmis :

Pmis (T , x1L , x2 L ,...xK L ) ≈


K

∑x k
L
PLG k ( T ) (9.7.10)
k =1

206
Em palavras: a curva de equilíbrio da mistura é a média ponderada das curvas de
equilíbrio das espécies com pesos dados pelas frações molares na fase líquida.
Podemos determinar as frações molares na fase gasosa em termos da temperatura e das
frações molares no líquido:
xk L PLG k (T )
xk G (T , x1L ,..., xKL ) ≈ (9.7.11)
Pmis
Este resultado pode ser usado para avaliar o quanto alguma substância pode ser
concentrada num processo de destilação. Mas geralmente não se usa a expressão da
fração molar xk G na forma dada na equação (9.7.11) para esta finalidade. É mais
prático usar uma fórmula que envolve as temperaturas de ebulição Tk das espécies.
Estas temperaturas são dadas pelas soluções das equações
PLG k (Tk ) = Pmis k = 1, ...., K (9.7.12)
Geralmente as pressões PLG k (T ) não diferem muito da pressão da destilação Pmis de
tal forma que a diferença Pmis − PLG k (T ) = PLG k (Tk ) − PLG k ( T ) pode ser estimada com
uma linearização da equação de Clausius-Clapeyron
Com esta aproximação, obtemos
ℓk ℓ P
PLG k (T ) ≈ Pmis + (T − Tk ) ≈ Pmis + k 2 mis (T − Tk ) (9.7.13).
Tk ( vk − vk )
G L
Tk R

Inserindo isto na (9.7.11), obtemos as frações molares na fase gasosa:


 ℓ 
xkG ≈ xkL 1 + 2k (T − Tk )  (9.7.14)
 Tk R 
As espécies com mais alta temperatura de ebulição aparecem menos na fase gasosa e as
espécies que fervem em temperaturas mais baixas se concentram mais no vapor. Este é
o princípio básico usado na destilação. Geralmente tem-se ℓ k (T − Tk ) / T 2 R << 1 e o
processo de destilação precisa ser repetido muitas vezes para uma separação razoável
das espécies.

9.8 Soluções diluídas não iônicas


Muitas vezes trabalha-se em laboratórios químicos com soluções que têm uma espécie
dominante, que vamos chamar de solvente e as demais espécies com frações molares
muito pequenos. Vamos chamar estas últimas de solutos. Caso não haja espécies
dissociadas, ou seja, espécies iônicas, pode-se adotar um tratamento simples para estas
soluções diluídas mesmo que elas não sejam misturas ideais.
Primeiramente vamos escolher uma nomenclatura adequada. Vamos numerar as
espécies de tal forma que o solvente receba o número zero e os solutos recebam então os
números 1,..., s. A idéia da descrição termodinâmica de soluções diluídas é de separar
da entalpia livre uma parte ideal e expandir a parte não ideal numa série de Taylor nas
frações molares dos solutos:

207
G ( P, T , N 0 , N1 ,....., N s ) = G ideal ( P, T , N 0 , N1 ,....., N s ) + f ( P, T , N , x1 ,....., xs )

(9.8.1).
Nesta equação N é naturalmente o número total de partículas incluindo o solvente:
s
N = ∑ Ni (9.8.2).
i =0

Numa fase homogênea a entalpia deve ser extensiva e portanto deve valer
f ( P, T , λN , x1 ,....., xs ) = λ f ( P, T , N , x1 ,....., xs ) (9.8.3)
Além disso, tudo deve se reduzir ao caso ideal na ausência dos solutos:
f ( P, T , N , 0,....., 0 ) = 0 (9.8.4)
Vamos supor que uma aproximação linear de f, ou seja, uma série de Taylor até a
primeira ordem forneça uma boa aproximação:
s
 ∂f 
f ( P, T , N , x1 ,....., xs ) ≈ ∑   xi (9.8.5)
i =1  ∂xi |( 0,0,..0 )

Com as equações (9.8.1) e (9.8.3), obtemos


f s
 ∂f   ∂xi 
µ k ( P, T , x1 ,..., xs ) = µ k ideal + + ∑    (9.8.6)
N i =1  ∂xi |( x ,..., x )  ∂N k 
1 s

Vale
∂xi 1
= ( δik − xi ) (9.8.7).
∂N k N
Então obtemos
f s
 ∂f  1
µ k ( P, T , x1 ,..., xs ) = µ k ideal + + ∑  ( δik − xi ) (9.8.8)
N i =1  ∂xi |( x ,..., x ) N
1 s

Com a (9.8.5) segue


1 s
 ∂f 
µ k ( P, T , x1 ,..., xs ) ≈ µ k ideal + ∑  ∂x  δik =
N i =1  i |( x1 ,..., xs )
(9.8.9)
µ k ideal para k = 0

=  ideal 1  ∂f 
µ k +  
N  ∂xi |( 0,0,...0 )
para k ≠ 0

Isto significa que o potencial químico do solvente pode ser tratado aproximadamente
como se a solução fosse ideal.
Como aplicação, estudaremos a pressão osmótica. Imagine um tubo em posição vertical
que é fechado no lado inferior por uma membrana. Dentro do tubo há uma solução
diluída e a parte inferior do tubo é mergulhada num recipiente que contem apenas o

208
solvente puro. A membrana é de um material especial que permite a penetração das
moléculas do solvente, mas impede a penetração das moléculas dos solutos. Por
exemplo, a pele que fica grudada na casca de ovos de galinha funciona como
membrana, se usarmos água como solvente e açúcar como soluto. A figura 9.9 mostra a
experiência.

Fig. 9.9 Pressão osmótica.

Com o tempo estabelece-se um equilíbrio entre os


solução fluidos e neste equilíbrio a pressão da mistura Pmis
será diferente da pressão do solvente puro P0 .
A condição de equilíbrio para o solvente é
µ ○0 ( Pmis , T ) + RT ln x0 = µ 0○ ( P0 , T ) (9.8.10).
Pmis Podemos aplicar o mesmo procedimento que
usamos no estudo do equilíbrio entre misturas ideais
Po líquidas e gasosas (equação (9.7.4))
solvente − RT ln x0 = µ 0○ ( Pmis , T ) − µ 0○ ( P0 , T ) =
 ∂µ ○0 ( P, T ) 
Pmis Pmis

= ∫P  ∂P  = ∫P v0 dP ≈ ( Pmis − P0 ) v0
○ ○
dP
0 T 0

(9.8.11)
No último passo, usamos o fato de que o solvente líquido tem baixa compressibilidade
de tal forma que o volume específico é praticamente constante. Podemos escrever a
fração molar do solvente no tubo em termos da soma das frações molares dos solutos e
podemos aproveitar que a solução é diluída:
 s
 s
ln x0 = ln 1 − ∑ xl  ≈ −∑ xl (9.8.12)
 l =1  l =1

Inserindo isto na (9.8.11), obtemos o resultado final


s
( Pmis − P0 ) v0○ ≈ ∑ xl RT (9.8.13)
l =1

A diferença de pressões é chamada de pressão osmótica. Este resultado foi deduzido por
van 't Hoff. Ele permite uma interpretação curiosa: se multiplicarmos esta equação pelo
número total de moléculas, obtemos no lado direito o número total de moléculas
dissolvidas multiplicado por RT. No lado esquerdo, podemos igualar v0○ N
aproximadamente com o volume total da solução. Desta maneira o resultado adquire a
forma de uma lei dos gases perfeitos:
PosmóticoV ≈ N solutos RT (9.8.14)
Então a pressão osmótica se comporta como se fosse causado por um gás ideal dos
solutos que ocupa o volume da solução. Mas temos que ter em mente que a equação

209
(9.8.14) envolve várias aproximações. É melhor tomar esta interpretação apenas como
uma bela história que ajuda na memorização da fórmula.
A pressão osmótica tem aplicações importantes. A medida da pressão osmótica pode ser
usada para determinar a massa molar de um soluto. Ao fazer a solução com um soluto
de natureza química ainda desconhecida, determina-se quanta massa do soluto entrou na
solução. A medida da pressão osmótica fornece o número de mols do soluto na solução.
Consequentemente pode-se calcular a massa molar.
A pressão osmótica tem também um papel importante na biologia. A pressão osmótica
pode romper uma célula quando esta for posta na água destilada.
O resultado (9.8.9) que estabelece que o potencial químico do solvente de uma solução
diluída não iônica pode ser tratado como se fosse uma solução ideal permite estudar a
mudança da temperatura de ebulição provocada por solutos.
Vamos imaginar uma solução diluída em ebulição e vamos supor que os solutos sejam
pouco voláteis. Isto significa que a concentração dos solutos no vapor pode ser
considerada pequena. Consideramos uma bolha de vapor em equilíbrio com a solução.
Se desprezarmos os solutos no vapor completamente, temos x0G ≈ 1 e a condição de
equilíbrio é
µ ○0 L ( Pmis , T ) + RT ln x0L = µ 0○G ( Pmis , T ) (9.8.15).
Com o mesmo procedimento da integração sobre a pressão, obtemos
− RT ln x0L = µ 0○ L ( Pmis , T ) − µ 0○ G ( Pmis , T ) =
  
( P (T ) , T ) − µ ( P (T ) , T ) + ∫  ∂µ∂P
  ∂µ ○0 G
Pmis
 ○L
=µ ○L ○G 0
−  dP =
  ∂P
0 LG 0 0 LG 0

( ) PLG 0 T  
=0
Pmis

∫ {v − v0○ G }dP ≈ − RT ln
Pmis
= ○L

PLG 0 (T )
0
PLG 0 (T )

(9.8.16)
Então temos
Pmis
≈ x0 L (9.8.17)
PLG 0 (T )
ou
 s

Pmis ≈ 1 − ∑ xi  PLG 0 ( T ) (9.8.18).
 i =1 

Esta fórmula foi deduzida por François-Marie Raoult em (1888) e é conhecida como lei
de Raoult. A pressão de equilíbrio Líquido – vapor da solução é então reduzida em
comparação com a curva do solvente puro pelo fator x0 L = 1 − ∑ i =1 xi . Normalmente não
s

se controla a temperatura na observação da ebulição. Nos experimentos a pressão é


controlada naturalmente pela pressão atmosférica. Então o efeito dos solutos é
percebido numa alteração da temperatura de ebulição. A figura 9.10 mostra a relação
entre estas condições de T=const. ou P=const.

210
Fig. 9.10 Elevação do ponto
de ebulição. O gráfico mostra o
exemplo de uma solução
1,04 aquosa com fração molar dos
solvente puro solutos de 0,01.
[bar]

mistura
1,02
Patmosférico
PLG o, Pmis

∆T
1,00

99%

0,98
372,0 372,5 373,0 373,5 374,0 374,5 375,0

T [K] Exercício: Use a lei de


Raoult e a equação de
Clausius-Clapeyron para deduzir uma fórmula para a elevação do ponto de ebulição.
A elevação do ponto de ebulição pode ser usada também para medir massas molares.
Um cálculo parecido pode ser feito para avaliar o abaixamento do ponto de
congelamento devido a solutos na água.

9.9 Misturas não ideais

Há três fatores que podem tornar uma mistura não ideal: na junção de duas substâncias
puras podem aparecer diferenças energéticas que contribuem no termo da energia
interna para a entalpia livre, o volume da mistura pode ser diferente da somas dos
volumes separados e a contribuição entrópica pode não ser aquela da entropia de
mistura de gases ideais. A parcela entrópica é relacionada com o grau de ordenamento
das moléculas. Muitas vezes não há correlação entre as posições das moléculas numa
mistura e nestes casos a fórmula da entropia de mistura dos gases perfeitos continua
valendo. Vamos investigar este tipo de mistura. Vamos supor também que os volumes
sejam aproximadamente aditivos. Neste caso precisamos avaliar somente as alterações
energéticas devido à junção das substâncias. Esta alteração é devida ás contribuições de
energia potencial da interação molécula – molécula. Primeiramente vamos investigar a
energia de interação de uma molécula dentro de uma substancia líquida pura A. Vamos
supor que as forças de interação sejam de curto alcance. Neste caso precisamos
considerar apenas os vizinhos próximos da molécula. De forma aproximada podemos
considerar uma energia média constante u AA de vizinhos próximos. Se chamarmos o

número médio de vizinhos próximos na pura substância A de nAA , obtemos uma
energia potencial de interação de
1 ○
N A nAA u AA U ○A = (9.9.1).
2
O fator ½ garante que não contemos cada par de moléculas que interagem duas vezes.
Para um outro líquido puro B, teríamos analogamente

211
1
U B○ = ○
N B nBB u BB (9.9.2).
2
Numa mistura das duas substâncias, uma molécula A estaria rodeada na média de certo
número de moléculas A. É de se esperar que este número seja
nAA = n ○AA x A (9.9.3).
Por outro lado, o número médio de vizinhos do tipo B da molécula A seria
proporcional à fração molar de B :
nAB = c AB xB (9.9.4),

onde cAB é alguma constante de proporcionalidade que depende da geometria das


moléculas. Analogamente podemos escrever os números de vizinhos das moléculas B :
nBB = nBB

xB (9.9.5)

e
nBA = cBA xA (9.9.6).

Se escrevermos u AB para a energia média de interação entre moléculas diferentes,


obtemos para a energia potencial de interação da mistura
1 1
interação
U mis = ○
N A n AA x Au AA + N B nBB

xB u BB + N Ac AB xB u AB + N B cBA x Au AB =
2 2
 n○ u n○ u 
= N  AA AA x A 2 + BB BB (1 − x A ) + ( c AB + cBA ) u AB x A (1 − xA )  =
2

 2 2 
  n ○ u + n ○ u 
= N   AA AA BB BB − ( cAB + cBA ) u AB  x A 2 + ( cAB + cBA ) u AB − nBB

u BB  x A +
  2 

nBB u BB 
+ 
2 
(9.9.7).
Isto é um polinômio de grau 2 da variável xA . Enquanto os dois líquidos estavam
separados, a energia potencial de interação das moléculas era um polinômio de grau 1:
1 ○ 1 ○ 
. separados = N  n AA u AA x A +
U linteração nBBu BB (1 − xA )  (9.9.8)
2 2 
A parábola descrita pela equação (9.9.7) pode estar aberta para baixo ou para cima,
dependendo do sinal do coeficiente do termo quadrático. Geralmente todas as energias
de interação são negativas, se contarmos o zero na situação de moléculas infinitamente
afastadas. Se o termo “hetero” ( c AB + cBA ) u AB estiver em módulo menor que o módulo
da média das interações “homo” a parábola se abra para baixo. Vamos investigar esta
situação um pouco mais, pois ela apresenta um fenômeno interessante. A figura 9.11
mostra as contribuições para a entalpia livre da mistura para um sistema hipotético
típico. Mostramos a contribuição da entropia de mistura −T ∆S , a contribuição dos dois

212
líquidos separados N Aµ ○A + N B µ ○B , a diferença de energia potencial de interação ∆U ,
isto é, a diferença das equações (9.9.7) e (9.9.8), e finalmente a Entalpia resultante G.

O O
NAµA +NBµB
-T∆S, NAµA +NBµB , ∆U, G

∆U
G
O
O

-T∆S

0,0 0,1 0,2 0,3 0,4 0,5 0,6 0,7 0,8 0,9 1,0
x
β xA x
α
A A

Fig. 9.11 Entalpia livre de uma mistura não ideal.


Nota-se que a competição dos termos ∆U e −T ∆S provoca mudanças de sinal na
segunda derivada da entalpia livre. Esta alteração da segunda derivada tem uma
consequência curiosa. Imagine que temos num recipiente uma mistura de A e B com
uma fração molar xA = 0,55 . O valor da entalpia livre que lemos no gráfico na posição
xA = 0,55 não é o menor valor possível que o sistema pode alcançar nas dadas
condições de T, P e xA . A maneira de conseguir um valor menor de G é dividir o
volume em duas partes α e β e encher estas partes com misturas com frações
molares x αA ≈ 0,929 e xβA ≈ 0, 071 . Isto significa que o sistema deixa de ser
homogêneo e se separa em duas fases homogêneas, uma fase α rica em A e outra β
rica em B. As frações molares x α e xβ de cada uma destas fases deve ser tal que a
fração molar da espécie A tenha no recipiente todo o antigo valor xA = 0,55 . Isto é

x A = x α x αA + xβ xβA (9.9.9)

213
Nesta equação x α é o número total de moléculas na fase α dividido pelo número total
de moléculas no sistema. A equação (9.9.9) afirma que xA é uma média ponderada das
frações molares xAα e xβA . Como as duas fases são separadas, podemos (desprezando
efeitos de superfície) concluir que a entalpia livre do sistema é também uma média
ponderada dos valores G ( x αA ) e G ( xβA ) com exatamente os mesmos pesos:

G duas fases = x α G ( x Aα ) + xβG ( xβA ) (9.9.10)

Na figura 9.11 este valor é indicado com um discinho cinza. Percebemos que este disco
cinza está abaixo do valor G ( x A ) e que a escolha dos valores de xAα e xβA que levam a
um mínimo da entalpia livre do sistema é dada pela condição

 ∂G   ∂G 
  =  (9.9.11)
 ∂xA  PT N x A = xαA
 ∂x A  PT N x A = xβA

Notamos que
 ∂G   ∂G   ∂N A   ∂G   ∂N B 
  =    +    =
 ∂xA  N  ∂N A  N B  ∂x A  N  ∂N B  N A  ∂xA  N
(9.9.12)
 ∂G   ∂G  
=   −   N
 ∂N   ∂N 
 A NB B NA 

Desta forma a condição (9.9.11) que tiramos da geometria da figura 9.11 é equivalente à
condição de equilíbrio
µ αA − µ αB = µβA − µβB (9.9.13).

Esta condição é naturalmente satisfeita, porque no equilíbrio valem µ αA = µβA e


µ αB = µβB .
A separação de uma mistura em dois líquidos é bem conhecida na vida cotidiana. Basta
misturar óleo e água para poder observar este fenômeno. Fala-se que óleo e água não se
misturam. De fato isto não é totalmente verdadeiro. Repare que as frações molares nas
duas fases não são 0 e 1. Então numa gota de óleo que se encontra junto com água
temos uma pequena parcela de água. Inversamente existem moléculas de óleo naquele
líquido que chamaríamos ingenuamente de água.
O fenômeno da separação de fases que mostramos com a figura 9.11 ocorre com todas
as frações molares xA entre os valores xβA e xAα :

xβA < x A < xAα ⇒ separação em 2 fases (9.9.14)

Somente para x A < xβA ou x αA < x A , encontramos o sistema espacialmente homogêneo.


Podemos marcar a região de duas fases  xβA , xAα  no eixo xA . Mas, pela figura 9.11,
fica claro que esta região depende da temperatura. Na medida em que a temperatura T
aumenta o termo −T ∆S puxa a curva de G para baixo e os dois valores xβA e xAα se

214
aproximam. A partir de uma temperatura crítica não há mais separação de fases. Com a
condição (9.9.11), podemos determinar a região num plano xA ⊕ T que corresponde ao
aparecimento de duas fases. A figura 9.12 mostra esta região para o nosso exemplo.
Exercício: deduza a equação da curva que separa a região de duas fases da região de
uma única fase.

uma mistura homogênea única

duas fases
T

0,0 0,1 0,2 0,3 0,4 0,5 0,6 0,7 0,8 0,9 1,0
xA

Fig. 9.12 Diagrama de fases de uma mistura de dois componentes líquidos.


Este tipo de diagrama de fases pode-se elaborar também para misturas binárias que
podem ter uma ou várias fases sólidas. No caso de uma única fase sólida, temos uma
curva de G para o sólido e uma para o
líquido. A figura 9.13 ilustra a construção de
T=T1
GS um diagrama de fase para este caso.
GL GL
Fig. 9.13 Construção de um diagrama de fase para
uma mistura de duas espécies com fase líquida e fase
GS sólida.

Quando 0 < xA < 1 não há mais uma única


0 1
temperatura de coexistência da fase líquida e
da sólida, mas um intervalo de temperaturas
T Líquido
que permitem a coexistência. Somente nos
Líquido extremos 0 = xA e xA = 1 , temos
ólido temperaturas de coexistência únicas. No
T1 uido+S
Líq caso de misturas que podem cristalizar em
Sólido
redes cristalinas diferentes e permitem mais
de um tipo de fase sólida os diagramas de
0 xA 1 fase podem ser bastante complicados.

Uma aplicação importante da separação de

215
fase de misturas binárias de líquidos é o método de gerar baixas temperaturas com
misturas de 3He e 4He. O isótopo comum 4He possui dois prótons e dois nêutrons. 3He é
um isótopo estável com apenas um nêutron. Em 1956 Walters e Fairbank2 descobriram
que misturas de 3He e 4He se separam em duas fases, uma rica em 3He e a outra pobre
em 3He. A figura 9.14 mostra o diagrama de fase das misturas.

Fig. 9.14 Diagrama de fase de misturas de


3
2,0 He e 4He.
líquido comum

1,6
Além de uma divisão da área numa
região de duas fases e uma de fase
única, existe neste diagrama uma
1,2 divisão numa região de líquido comum
T [K]

e superfluido. O estado superfluido do


0,8 hélio é um estado sumamente estranho:
super fluido o líquido neste estado não possui
viscosidade e sua condutividade
0,4
duas fases térmica é mais de 100 vezes maior que
a condutividade térmica do cobre. De
0 fato a condução de calor no He
0 0,2 0,4 0,6 0,8 1,0
superfluido funciona de maneira
x3He completamente diferente. O calor se
propaga da mesma forma como ondas
sonoras, inclusive com a mesma
velocidade.
Voltemos nossa atenção para a separação em dois líquidos. H. London percebeu que o
3
He na fase pobre em 3He se comporta dentro do líquido como um gás ideal. Isto lembra
o caso da osmose. Vimos que açúcar dissolvido na água pode ter manifestações de
pressão semelhantes a um gás ideal que ocuparia o volume da solução. Aqui a
semelhança com um gás é até maior. Os átomos de 3He se movem de forma
essencialmente livre dentro do 4He superfluido. A passagem de 3He da fase rica em 3He
para a fase pobre pode ser comparada com um processo de evaporação de um líquido.
Este processo é acompanhado por uma queda de temperatura. As máquinas criogênicas
de diluição de 3He aproveitam este efeito. H. London, G. R. Clarke e E. Mendoza
propuseram este mecanismo como método de refrigeração3. Máquinas de refrigeração
deste tipo são atualmente disponíveis comercialmente. A figura 9.15 mostra o esquema
destas máquinas.
Uma mistura de 3He e 4He fica num recipiente chamado câmera de diluição ou câmera
de mistura. A mistura se encontra separada em duas fases. A fase rica em 3He flutua em
cima da fase pobre devido à menor densidade. Um tubo capilar que entra na câmera
termina numa altura para poder retirar somente líquido pobre em 3He. Este líquido, que
contem apenas 6% de 3He, é levado para uma câmera de evaporação onde uma
resistência eleva a temperatura até 0,6 K para evaporar 3He. Nesta temperatura a pressão
de vapor do 4He é tão pequena que é praticamente só o 3He que evapora. Desta forma
faz-se efetivamente uma retirada só de 3He da câmera de diluição. O vapor de 3He numa
pressão de apenas 0,02 Torr é bombeado por uma bomba difusora e é comprimido até

2
Phase Separation in 3He 4He Solutions, G. K. Walters, W. M. Fairbank Pys Rev. 103 p. 263 (1956)
3
Osmotic Pressure of He3 in Liquid He4, with Proposals for Refrigerator to Work below 1K . H. London,
G. R. Clarke e E. Mendoza Phys. Rev. 128 (1962)

216
uma pressão de 30 Torr. A tubulação que transporta este gás passa por um banho de 4He
numa temperatura de 1,3 K para retirar energia que o gás de 3He ganhou na compressão.
Depois o 3He é injetado na fase rica em 3He. Desta forma mantêm-se um fluxo
permanente de 3He através da superfície de separação das duas fases, ou seja, um “fluxo
de evaporação”. Para isolar a câmera de mistura termicamente das partes “quentes”
(0,6K – 1,3 K), as trocas de matéria são feitas através de um trocador de calor
contracorrente com uma área superficial de troca enorme.
Com este tipo de refrigerador pode-se manter temperaturas de poucos mK durante
horas. A potência de bombeamento cai naturalmente com a temperatura. Tipicamente
estes equipamentos conseguem bombear uma potência térmica de algumas centenas de
µW numa temperatura de 100 mK da câmera de mistura, o que pode ser considerada
uma potência grande em comparação com outros refrigeradores para esta temperatura.

Fig. 915
Esquema de um
bomba refrigerador de
diluição de 3He
em 4He.

4
He
1,3K

gás de 3He gás de 3He

0,02 Torr 30 Torr 5mK


rico em 3He

pobre em 3He
0,6K

tubo capilar
aquecedor

trocador de calor

9.10 Eletrólitos
Soluções com solutos ionizadas são de suma importância na química. O tratamento que
usamos para soluções diluídas não funciona quando as espécies dissolvidas são
ionizadas. Os dados experimentais mostram que a entalpia de excesso (a parte não ideal)
não pode ser desenvolvida como série de Taylor nas frações dos solutos em torno do
ponto zero. A função começa como uma raiz quadrada. O tratamento teórico de
soluções iônicas é difícil. As primeiras tentativas desenvolvidas por Milner eram
complicadas4. Depois Debye e Hückel desenvolveram uma descrição teórica dos

4
S.R. Milner, Phil Mag. 23, 551 (1912)

217
eletrólitos mais simples que funciona razoavelmente para soluções muito diluídas5.
Apesar de envolver argumentos microscópicos, que fogem da descrição
fenomenológica, vamos explicar a teoria de Debye-Hückel pelo menos
superficialmente:
Imagine um volume V com um eletrólito com um solvente e espécies iônicas de carga
q j . Os números de partículas satisfazem a relação de neutralidade da solução:
s

∑q N
j =1
j j =0 (9.10.1)

Queremos avaliar como os potenciais químicos das espécies dependem das frações
molares. Para esta finalidade, imaginamos primeiramente um estado não real no qual
todos os íons estão aleatoriamente distribuídas no volume da solução, independente das
forças elétricas. Imagine que fixemos nossa atenção num determinado íon I k da espécie
k e vamos imaginar um volume variável VIk que contenha o íon I k . Se VIk for tão
pequeno que somente o íon I k esteja contido nele ( VI k ≈ 0 numa escala macroscópica),
a carga contida neste volume seria qk , ou seja, a carga do próprio íon I k . Quando
aumentarmos VIk , a média temporal da carga contida neste volume se aproxima de zero
na medida em que VIk se aproxima do volume total V , pois o volume total é
supostamente eletricamente neutro. Numa distribuição uniforme dos íons, a carga média
dentro do volume imaginado seguiria a seguinte lei:
 VI 
( )
q VIk = qk ⋅ 1 − k 
V 
para solução randómica (9.10.2)

A equação (9.10.2) significa que, na solução randômica imaginada, o espaço em volta
do íon I k estaria na média com uma densidade de carga elétrica uniforme com valor
− qk / V . Se o volume for muito grande, esta densidade de carga seria muito pequena.
Cada íon estaria rodeado por matéria essencialmente neutra. Nesta situação, podemos
supor que os nossos resultados sobre soluções diluídas possam ser aplicados. Para a
solução randômica teríamos então
µ ○k ( P, T ) + RT ln xk para k = 0


µ k s.randôm. ( P, T , x1 ,..., xs ) =  ○ 1  ∂f 
µ ( P , T ) + RT ln x +   para k ≠ 0

k k
 N x
 i |( 0,0,...0)
(9.10.3).
Temos que fazer uma ressalva: podemos interpretar µ ○k ( P, T ) como potencial químico
da espécie pura somente para o solvente (k=0). Para os íons isto não faria sentido. Não é
possível juntar numa caixa apenas um mol de íons positivos ou negativos. Para os íons,
podemos juntar os termos µ ○k ( P, T ) e N −1∂f / ∂xk formando alguma função de P e T :

µ ○k ( P, T ) + RT ln xk para k = 0
µk s.randôm.
( P, T , x1 ,..., xs ) =  • (9.10.4)
µ k ( P, T ) + RT ln xk para k ≠ 0

5
P. Debye and E. Hückel (1923). "The theory of electrolytes. I. Lowering of freezing point and related
phenomena". Physikalische Zeitschrift 24: 185–206.

218
O fato de que as funções µ•k ( P, T ) não são conhecidas, não importa no momento. O
que importa é que este termo não depende das frações molares.
Queremos avaliar o quanto a solução verdadeira difere da solução randômica. Na
solução verdadeira a carga média no volume VIk se aproxima do zero muito mais
rapidamente. Para termos uma idéia de ordem de grandeza consideramos aqui um
exemplo numérico: com um litro de solução randômica teríamos para VI k = 0,5 litros na
média temporal ainda a metade da carga qk dentro do volume VIk . Numa solução real
de 10-3 mol /litro de NaCl em água com T ≈ 300 K teríamos um volume VIk de apenas
10-18 litros em torno de um íon quase perfeitamente neutro. Para um eletrólito real,
temos, na vizinhança de um íon positivo, probabilidades mais elevadas de encontrar
íons negativos e na vizinhança de íons negativos a probabilidade de íons positivos é
mais elevada. Ou seja, em volta de um íon I k da espécie k , temos algo como uma
“atmosfera” de outros íons principalmente de íons com sinal oposto daquele íon I k .
Isto significa que existe certa ordem na distribuição dos íons. Este ordenamento não é
tão perfeito como num cristal por causa da agitação térmica. Esta ordem tem
consequências energéticas e entrópicas.
A figura 9.16 mostra uma distribuição aleatória de íons positivos e negativos num
espaço bidimensional e uma distribuição com ordenamento de curto alcance parecida
com aquela que existe num eletrólito real.

a b
Fig. 9.16 a) Distribuição aleatória de íons positivos e negativos, b) Distribuição com ordenamento de
curto alcance.

O fato de que a distribuição de íons em torno de algum íon I k não tem o ordenamento
perfeito de um cristal, mas sofre flutuações térmicas, sugere que a verdadeira
distribuição de íons possa ser substituída num modelo teórico simplificado por uma
distribuição contínua de carga elétrica
ρ(r ) (9.10.5)
que representaria uma média temporal da verdadeira distribuição. Resta saber que
distribuição ρ seria adequada. No capítulo 6, mencionamos o fator de Boltzmann que
descreve a probabilidade de encontrar um pequeno subsistema de um sistema
termodinâmico num determinado estado energético. Debye e Hückel usaram esta

219
probabilidade para estimar a densidade média de cada espécie de íon e com isto a
densidade de carga elétrica. Para a densidade (partícula / volume) da espécie j na
posição r obtém-se desta forma

 q j φ ( r ) 
n j ( r ) = n 0j ⋅ exp −  (9.10.6),
 kT 
onde φ ( r ) é o valor do potencial elétrico na posição r e n0j é uma constante. Vamos
supor o íon I k , cuja “atmosfera iônica” estamos estudando, na origem de coordenadas
( rI = 0 ). Na escala atômica o volume V do sistema é extremamente grande e podemos
formular uma condição de contorno dentro dele. Uma distância de um milímetro pode
ser considerada como um infinito. Vamos escolher a constante arbitrária do potencial
elétrico tal que lim r →∞ φ ( r ) = 0 . Então podemos concluir que a constante n0j é dada
pela concentração da espécie j no volume V:
N j − δ jk ⋅ ( um íon ) Nj
n 0j = ≈ = cj (9.10.7)
V V
A densidade de carga elétrica em volta do íon I k é então dada por
s
 q j φ ( r ) 
ρ ( r ) = ∑ q j cˆ j exp −  (fora do íon) (9.10.8)
j =1  kT 
onde
cj
cˆ j = (9.10.9)
partícula
é a densidade numérica da espécie j (número/ volume no lugar de partícula / volume).
Temos que somar ainda a carga do próprio íon I k . Vamos modelar esta contribuição
como uma casca esférica uniformemente carregada de raio bk . Em torno desta esfera,
temos ainda uma ou várias camadas de moléculas de solvente grudadas firmemente no
íon que impedem que a “atmosfera iônica” se aproxime mais do que certo raio ak .
Desta forma, temos
s
 q j φ ( r ) 
 ⋅ θ ( r − ak ) + δ ( r − bk )
qk
ρ ( r ) = ∑ q j cˆ j exp − (9.10.10),
j =1  k BT  4πb 2

onde k B = R × partícula = 1, 38066 × 10−23 J K −1 é


a constante de Boltzmann, δ é a função δ de
H H
Dirac e θ a função de Heaviside
( θ ( x ) = 0 para x < 0
H

O
H

e
O
O

θ ( x ) = 1 para x > 0 ). A figura 9.17 ilustra


H H
H H

2a
O

O esta situação.
H
H

H H

Fig. 9.16 Íon positivo com camada de solvatação e


atmosfera iônica negativa.

2b

220
A densidade de carga e o potencial elétrico devem obedecer às equações da eletrostática
( )
( E = − grad φ e div ε 0 ε r E = ρ ):

s
 q j φ ( r ) 
 ⋅ θ ( r − ak ) + δ ( r − bk )
qk
−ε 0 ε r ∇ 2 φ = ∑ q j c j exp − (9.10.11)
j =1  k BT  4πb 2

onde ε0 é a permeabilidade elétrica do vácuo e ε r a constante dielétrica relativa do


solvente. Este uso da constante macroscópica da constante dielétrica é uma aproximação
duvidosa. Mas ela é consistente e combina com a idéia de substituir a verdadeira
distribuição dos íons por uma distribuição contínua de carga. A equação (9.10.11) é
uma equação diferencial parcial para a incógnita φ . Podemos reduzir o problema
supondo simetria esférica da “atmosfera iônica”:
1 d  2 d 
−ε 0 ε r 2 r φ(r ) =
r dr  dr 
(9.10.12)
s
 q φ ( r )  qk
= ∑ q j cˆ j exp − j  ⋅ θ ( r − ak ) + δ ( r − ak )
j =1  k BT  4πa 2
Esta equação diferencial é não-linear e seria difícil de resolvê-la. Se os raios dos íons
forem grandes, as energias q j φ ( r ) podem ser consideradas pequenas em comparação
com a energia térmica kT. Então podemos desenvolver a exponencial numa série de
Taylor até o termo linear:
1 d  2 d 
−ε 0 ε r 2 r φ(r ) ≈
r dr  dr 
s
φ(r ) s 2 q (9.10.13)
≈ ∑ q ˆ
c − ∑ q j cˆ j ⋅ θ ( r − ak ) + k 2 δ ( r − ak )
4πa
j j
j =1 k BT j =1
= 0 ( neutralidade )

É relativamente fácil encontrar a solução da (9.10.13) compatível com a condição de


contorno lim r →∞ φ ( r ) = 0 . A solução é (verifique!):

 e− r / D
A para ak < r
 r
 qk 1
φ(r ) =  +B para bk < r ≤ ak (9.10.14),
 4πε 0 ε r r
 qk 1
 +B para r ≤ bk
 4πε 0 ε r bk
onde
k BT ε 0 ε r
D = (9.10.15)

s
q 2 cˆ j
j =1 j

é uma constante chamada “raio de Debye” que caracteriza a espessura da atmosfera


iônica. A figura 9.17 mostra o raio de Debye em função da concentração de íons de uma

221
espécie para uma solução aquosa em 25oC de um eletrólito com uma espécie positiva e
uma negativa, ambas com uma carga elementar.

Fig. 9.17 Raio de Debye


em função da concentração
100 de um sal como NaCl
dissolvido da água à 25oC.
80

60
D [nm]

40

20 Na equação (9.10.14) A
e B são constantes que
0 temos que determinar a
-5 -4 -3 -2
10 10 10 10 partir da continuidade
c1 [mol/litro] de φ e φ′ em r = ak .
(Note que φ′ não é
contínuo em r = bk
devido à singularidade da distribuição de carga na casca carregada.) As condições de
continuidade são:
e − ak / D qk 1
A = +B (9.10.16).
ak 4πε 0 ε r ak

 1 1  − ak / D qk 1
− A 2 + e =− (9.10.17)
 ak ak D  4πε 0 ε r ak 2
Da (9.10.17) obtemos A:
qk D
A= e + ak / D (9.10.18).
4πε 0 ε r ( D + ak )
E inserindo isto na (9.10.16) obtemos B:
qk 1
B = − (9.10.19).
4πε 0 ε r D + ak
Com este valor da constante B , obtemos da equação (9.10.14) uma expressão da
energia potencial da casca de carga elétrica do íon I k :

qk 2 1 qk 2 1
EP , I k = − (9.10.20)
4πε 0 ε r bk 4πε 0 ε r D + ak
No limite V → ∞ a energia potencial deste íon na solução randômica seria
qk 2 1
EP , Ik s.randôm. = (9.10.21)
4πε 0 ε r bk

222
A diferença de (9.10.20) e (9.10.21) contribui para a diferença de energia interna entre o
estado da verdadeira solução e da solução randômica. Obtemos esta diferença de
energia interna somando sobre todos os íons e dividindo por 2 para evitar contagem
dupla, pois cada íon aparece uma vez como íon central e também nas atmosferas
iônicas:
s
qk 2 Nk s
q 2 RN k
U el = −∑ ≈ −∑ k (9.10.22)
k =1 8πε 0 ε r ( D + ak ) partícula k =1 8πε 0 ε r D k B

onde usamos no último passo ak << D . O índice “el” se refere à interação elétrica dos
íons. U el é a correção da energia interna devido à interação íon –íon:
U = U s. randômica + U el .
Como o cálculo foi todo feito com o volume fixo, usaremos a energia livre F = U − TS
para calcular o potencial químico. A equação (9.10.22) fornece a correção da energia
interna provocada pela interação dos íons. Precisamos ainda da correção da entropia;
S = S s.randômica + S el . O ordenamento parcial dos íons certamente provoca uma
diminuição da entropia.
A teoria de Debye-Hückel calcula tudo a partir do estado hipotético, que chamamos de
solução randômica. Infelizmente este estado não é real e teremos que inventar manobras
imaginárias duvidosas para alcançar este estado imaginado. A manobra duvidosa e tão
irreal quanto o próprio estado randômico consiste em desligar a interação entre os íons.
Vamos imaginar que tenhamos o poder de desligar a interação entre íons com
parâmetros de controle λ k para cada espécie de íon.. A energia de interação entre dois
íons a e b em posições ra e rb seria então
λ a qa λ b qb
(9.10.23)
4πε 0 ε r ra − rb

Para λ k = 1, ∀k , recuperamos a verdadeira energia de interação e para λ = 0, ∀k


podemos realizar a solução randômica. Estes parâmetros de controle não existem no
mundo real. Já que eles são puramente imaginados, vamos ainda supor que eles não
afetem a energia de interação de íons e solvente, pois esta interação é bem-vinda na
solução randômica; ela está contida nas expressões (9.10.4). Isto significa que podemos
imaginar dentro do nosso sistema um outro sistema termodinâmica Σ el independente
com energia interna U el e entropia S el com variáveis de trabalho λ k . Da expressão
(9.10.23), vemos que a energia interna deste subsistema, U el , é uma função
homogênea de grau 2 das variáveis λ k se mantermos a configuração geométrica dos
íons constantes. Como a energia interna U el do sistema hipotético Σ el não tem
parcelas de energia cinética das partículas, a entropia S el é dada somente pela
desordem geométrica, ou seja, pelo número de configurações geométricas das partículas
no volume V sem nenhuma contribuição de configurações no espaço de momenta
linear. Desta forma, podemos supor que U el seja uma função homogênea de grau 2 dos
λ k também quando mantermos S el constante. Com o teorema de Euler de funções
homogêneas, temos então:
s
 ∂U el 
∑ λk   = 2U el (9.10.24).
k =1  ∂λ k  S el V N λ¬k

223
Agora vale
 ∂U el   ∂F el 
  =  (9.10.25).
 ∂λ k  S el V N λ¬k  ∂λ k T V N λ¬k
Então temos
s
 ∂F el 
∑ λk   = 2U el (9.10.26).
k =1  ∂λ k T V N λ¬k

Agora mantendo T constante, a energia U el é uma função homogênea de grau 3 nas


variáveis λ k , pois


s
RN k λ k 2 qk 2
s
j =1
λ j 2 q j 2 cˆ j
U el = −∑ (9.10.27)
k =1 k B 8πε 0 ε r k BT ε 0 ε r
O teorema de Euler fornece então
s
 ∂U el 
∑ λ k   = 3U el (9.10.28).
k =1  ∂λ k T V N λ¬k
Comparando a (9.10.26) com a (9.10.28), concluímos que
2
F el = U el (9.10.29).
3
Temos tudo para calcular a correção dos potenciais químicos. Mas antes, podemos ainda
determinar a alteração da entropia causada pela interação elétrica dos óions:
U el − S el 1 U el
S el = = (9.10.30)
T 3 T
Para o cálculo dos potenciais químicos, consideramos a energia livre da solução como
soma da energia livre da solução randômica e da correção F el .
 ∂  F s.randôm + F el  
µ k ( P, T , x1 ,..., xs ) =    =
 ∂N k 
 T V N¬k
µ ○k ( P s.randôm , T ) + RT ln xk + 0 para k = 0


=

s
qk 2 R q j 2 cˆ j
µ•k ( P s.randôm , T ) + RT ln xk − j =1
para k ≠ 0
 8πε 0 ε r k B k BT ε 0 ε r

(9.10.31)

Nesta equação aparece, no argumento das funções µ ○k e µ•k , um valor de pressão


P s.randôm diferente da pressão P da solução. Temos que explicar que valor é este.
Sabemos que o potencial químico pode ser escrito como função das variáveis intensivas
P, T , x1 ,..., xs , e é certamente o mais adequado de usar estas variáveis para cálculos com
potenciais químico. Mas a energia livre do outro lado direito da equação depende das

224
suas variáveis naturais V , T , x1 ,..., xs . Para dados valores de P, T , x1 ,..., xs , podemos
calcular o valor de V da solução. Mas esta função V ( P, T , x1 ,..., xs ) é uma para a
solução verdadeira e seria outra V s.randôm ( P, T , x1 ,..., xs ) para a solução randômica. Ou
inversamente, podemos escrever para um dado valor de V um valor da pressão da
solução randômica: P s.randôm (V , T , x1 ,..., xs ) e outro P (V , T , x1 ,..., xs ) para a solução
verdadeira. A diferença, a alteração de pressão causada pela interação dos íons podemos
facilmente calcular:
 ∂F el 
P el ≡ P − P s.randôm = −  (9.10.32).
 ∂V T N
Com


s
2 s N q 2R j =1
q j 2 N j R / kB
F el = − ∑ k k (9.10.33)
3 k =1 8πε 0 ε r k B Vk BT ε 0 ε r
obtemos


s
1 s N k qk 2 R j =1
q j 2 N j R / kB
P el
= − ∑ =
3 k =1 8πε0 ε r k BV Vk BT ε 0 ε r
(9.10.34).
∑ j =1 q j cˆ j
s 2
s 2 el
1 cˆk qk U
= − ∑
3 k =1 8πε 0 ε r k BT ε 0 ε r
=
3V

Este é um resultado curioso: a pressão P el obedece à mesma relação da pressão de


radiação, mas desta vez ela é negativa porque U el < 0 . Isto é um detalhe que deve
interessar aos cosmólogos.
Com o resultado (9.10.34), podemos expressar tudo em termos da pressão P :
P − P el
 ∂µ k○ ( •) 
µ
○ (•)
(P s .randôm
) = µ ( P) + ∫
○ (•)
  dP′ =
 ∂P′ T N
k k
P

P − P el
 ∂V s.randôm 
=µ ○ (•)
(P) + ∫   dP′ ≈ (9.10.35)

k
P  N k P s . randôm
T N ¬k

 ∂V s.randôm 
≈ µ ○k (
•)
(P) − P el ⋅  
 ∂N k  Ps .randômT N¬k
A alteração do volume da solução provocada pelo acréscimo de íons é geralmente
pequena. Para a imaginada solução randômica, podemos supor o mesmo. Desta forma
podemos desprezar o termo adicional para k ≠ 0 e igualar µ•k ( P s.randôm ) e µ•k ( P ) no
resultado (9.10.31). Para o solvente ( k = 0 ), podemos aproximar a derivada
∂V s.randôm / ∂N 0 pelo volume molar do solvente puro:

225
µ k ( P, T , x1 ,..., xs ) =

( )
3

∑ j =1 q j 2cˆ j
s 2
 ○ v0 ○ R
µ k ( P, T ) + RT ln xk + para k = 0
 24π ε 0 ε r k B k BT ε 0 ε r
=


s
q 2
R q j 2 cˆ j
µ ( P, T ) + RT ln x −
• k j =1
para k ≠ 0
 k k
8 π ε 0ε r kB k BT ε 0 ε r

(9.10.36)
Com este resultado pode-se calcular a depressão do ponto de congelamento ou a
elevação do ponto de ebulição ou se pode descrever o equilíbrio de reações químicas
que envolvem as espécies iônicas. Apesar dos argumentos bastante duvidosos usados na
dedução deste resultado, a fórmula (9.10.36) descreve muito bem os resultados
experimentais para baixas concentrações. Enquanto
1
( )
−1

s
j =1
q j
2
ˆ
c j < 0, 07 litro 2
com qel = carga elementar (9.10.37)
qel
pode-se usar o resultado (9.10.36) como uma boa descrição dos eletrólitos. A teoria de
eletrólitos para altas concentrações é ainda um desafio da física teórica.

226
1)
P A figura mostra linhas de coordenadas de volume e pressão de
um gás ideal (PV=NRT). Desenhe, dentro do diagrama, as linhas
de coordenadas de um sistema que usa as grandezas V e T como
coordenadas.

2) A Figura mostra linhas de coordenadas S (entropia específica medida em kcal/kg K)


e T (temperatura medida em K). Estão representadas ainda curvas de nível de duas
grandezas de um gás (ar). Uma grandeza h ( entalpia específica medida em kcal/kg) e a
outra p (pressão medida em atm). Podemos usar h e p como coordenadas. A) Indique as
linhas da coordenada p marcando uma seta na direção de crescimento de p. B)
Determine os valores das coordenadas S e T do estado que tem os valores
h = 92 kcal/kg e p = 15atm no sistema de coordenadas h e p .
Exercício 2 Entregar 22/08/2011

A figura mostra os eixos de coordenadas T e V (temperatura e volume) do espaço de


estados de um sistema termodinâmico. Dois estados E1 = (T1 ,V1 ) e E2 = ( T2 ,V2 ) estão
marcados e dois caminhos a e b que levam do estado E1 até o estado E2 . O
caminho a é caracterizado pela condição
Va
= const.
Ta
e o caminho b pela condição
 1  T − T 2 
Vb = 1 +  b 1   × V1
 3  T1  
 
a) Descreva os dois caminhos na forma paramétrica, isto é, determine funções
Ta ( λ ) e Va ( λ ) com 0 ≤ λ ≤ 1 tal que o ponto (Ta ( λ ) ,Va ( λ ) ) percorra o
caminho a e funções Tb ( λ ) e Vb ( λ ) com 0 ≤ λ ≤ 1 tal que o ponto
(T ( λ ) , V ( λ ) )
b b percorra o caminho b quando λ varrer o intervalo [0,1].
b) Calcule as integrais de linha sobre os caminhos a e b das seguintes formas
diferenciais:
T
Q = A dT + B dV e
V
1
R = Q
T
Na fórmula da forma diferencial Q os coeficientes A e B são constantes.
Compare o valor de ∫Q
a
com o valor de ∫Q
b
e o valor de ∫R
a
como ∫R.
b

V2=4V1 E2

a
b
V1
E1

T1 T2=4T1 T
Um fluido está num cilindro com um êmbolo. Inicialmente o êmbolo dista 20 cm do
fundo do cilindro. O fluido é rapidamente comprimido reduzindo a distância do êmbolo
do fundo até 10 cm. Este processo leva apenas 10 milisegundos e podemos supor que
não haja troca de calor durante este processo. Medições foram feitas durante este
processo e resultou que a força exercida pelo êmbolo é bem descrita pela seguinte
função:
5
 20cm  3
Fcompress ( x ) = Fcompress ( 20cm ) ⋅  
 x 
onde x é a distância do êmbolo do fundo do cilindro, como
indicado na figura. A força inicial vale Fcompress ( 20cm ) = 1000N .
Logo em seguida o fluido é novamente expandido de tal maneira
que a relação entre força e posição do êmbolo é dada pela seguinte
relação:
Fexpan ( x ) = Fcompress (10cm ) ⋅ exp {−λ ⋅ ( x − 10cm )} .

x Nesta expressão λ tem um valor tal que o processo de expansão


termina exatamente no ponto inicial de compressão;
Fexpan ( 20cm ) = Fcompress ( 20cm ) . O gráfico mostra os dois processos.
Calcule o calor que o fluido recebe durante a expansão.

3500

compr
3000
expan

2500
F [N]

2000

1500

1000

10 12 14 16 18 20

x [cm]
ϕ

biela

N mol de um gás ideal ( PV = NRT ) estão dentro de um cilindro cujo volume pode ser
variado entre os valores VMIN = 2 Ar e VMAX = 4 Ar com ajuda de um êmbolo preso
numa haste articulada (biela) cujo extremo percorre a circunferência de um círculo de
raio r (manivela) como mostra a figura. A constante A é a área do cilindro. Os
volumes VMIN = 2 Ar e VMAX = 4 Ar correspondem aos valores de ângulo ϕ da manivela
ϕ = π e ϕ = 0 respectivamente. Submete-se este gás a um processo cíclico dando uma
volta completa na manivela ( ϕ = 0 → ϕ = 2π ). Neste caso é prático descrever a curva de
estados não com um parâmetro que percorre o intervalo [0,1], mas é natural que usemos
o ângulo ϕ como parâmetro da curva.
a) Descreva o volume do gás como função do ângulo ϕ .
b) Durante o processo o cilindro é posto em contato com reservatórios térmicos para
controlar a temperatura do gás de tal forma que a temperatura possa ser descrita
aproximadamente pela seguinte função do ângulo:
 2  π 1 
T ( ϕ ) = 1 + cos  ϕ −  + sen ( 2ϕ )  T0
 3  4  18 
onde T0 é uma constante. Calcule o trabalho que o gás recebe durante o processo. (isto
é calcule a integral da forma diferencial W = − PdV ).
Exercício 05
No inverno em Juiz de Fora, especialmente na parte alta da cidade, temos
freqüentemente períodos de vários dias com temperaturas em torno de 15 oC. Dentro de
casa estas temperaturas não são agradáveis e o dono de uma casa decide instalar uma
calefação elétrica. Estimou-se que seria necessário depositar 5 kW na casa para manter
o interior numa temperatura de 20oC. Gerando esta potência diretamente com uma
resistência elétrica resultaria num gasto elevado de energia elétrica.
Vamos considerar uma segunda opção: Uma bomba de calor (movida à energia elétrica)
bombeia calor do exterior da casa para dentro de casa. Vamos supor que esta bomba
térmica funcione como uma maquina de Carnot inversa (vamos chamar isto uma
bomba térmica de Carnot) que opere entre as temperaturas 2oC e 42oC . . Calcule
quanta potência elétrica seria necessária para fornecer os 5 kW de calor para a casa (use
0 o C ≈ 273 K ). Calcule também quanta potência precisaria se a bomba de Carnot
pudesse trabalhar entre as temperaturas 15oC e 20oC. Discuta por que esta terceira opção
é tecnicamente inviável.
Entregar até 10:00 30/04/2010
Um determinado fluido obedece a equação de estado
 N 2a 
 P +  (V − Nb ) = NRT
 V2 
e a capacidade térmica a volume constante tem um valor constante CV . Calcule a entropia do
fluido como função do volume e da temperatura.
1) Um motor de Stirling deve ser construído para produzir 1 kW de potência mecânica usando
reservatórios térmicos de 600 K e 300 K. Vamos supor que esta máquina possa ser descrita
razoavelmente como máquina de Carnot. Por razões da mecânica, a expansão isotérmica do gás de
trabalho deve ser mantida tão pequena que a pressão do gás varie durante a expansão não mais do que
10% da pressão máxima. ( Pquente,min ≥ 0,9 × Pquente ,max ). A máquina deve executar 10 ciclos por segundo.
Calcule quantos mol de gás precisa como substância de trabalho. Supondo que a pressão máxima seja
de aproximadamente 1 atm estime o volume dos cilindros necessário par esta máquina.
2) Escreva uma lista de pelo menos 20 itens dos pontos mais importantes vistos nos capítulos 1 -5 das
notas (conceitos, definições, leis e resultados). Para cada item escreva uma descrição bem sucinta
(estilo telegráfico).
- - - - - - - - - - - -
1) Um motor de Stirling deve ser construído para produzir 1 kW de potência mecânica usando
reservatórios térmicos de 600 K e 300 K. Vamos supor que esta máquina possa ser descrita
razoavelmente como máquina de Carnot. Por razões da mecânica, a expansão isotérmica do gás de
trabalho deve ser mantida tão pequena que a pressão do gás varie durante a expansão não mais do que
10% da pressão máxima. ( Pquente,min ≥ 0,9 × Pquente ,max ). A máquina deve executar 10 ciclos por segundo.
Calcule quantos mol de gás precisa como substância de trabalho. Supondo que a pressão máxima seja
de aproximadamente 1 atm estime o volume dos cilindros necessário par esta máquina.
2) Escreva uma lista de pelo menos 20 itens dos pontos mais importantes vistos nos capítulos 1 -5 das
notas (conceitos, definições, leis e resultados). Para cada item escreva uma descrição bem sucinta
(estilo telegráfico).
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1) Um motor de Stirling deve ser construído para produzir 1 kW de potência mecânica usando
reservatórios térmicos de 600 K e 300 K. Vamos supor que esta máquina possa ser descrita
razoavelmente como máquina de Carnot. Por razões da mecânica, a expansão isotérmica do gás de
trabalho deve ser mantida tão pequena que a pressão do gás varie durante a expansão não mais do que
10% da pressão máxima. ( Pquente,min ≥ 0,9 × Pquente ,max ). A máquina deve executar 10 ciclos por segundo.
Calcule quantos mol de gás precisa como substância de trabalho. Supondo que a pressão máxima seja
de aproximadamente 1 atm estime o volume dos cilindros necessário par esta máquina.
2) Escreva uma lista de pelo menos 20 itens dos pontos mais importantes vistos nos capítulos 1 -5 das
notas (conceitos, definições, leis e resultados). Para cada item escreva uma descrição bem sucinta
(estilo telegráfico).
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1) Um motor de Stirling deve ser construído para produzir 1 kW de potência mecânica usando
reservatórios térmicos de 600 K e 300 K. Vamos supor que esta máquina possa ser descrita
razoavelmente como máquina de Carnot. Por razões da mecânica, a expansão isotérmica do gás de
trabalho deve ser mantida tão pequena que a pressão do gás varie durante a expansão não mais do que
10% da pressão máxima. ( Pquente,min ≥ 0,9 × Pquente ,max ). A máquina deve executar 10 ciclos por segundo.
Calcule quantos mol de gás precisa como substância de trabalho. Supondo que a pressão máxima seja
de aproximadamente 1 atm estime o volume dos cilindros necessário par esta máquina.
2) Escreva uma lista de pelo menos 20 itens dos pontos mais importantes vistos nos capítulos 1 -5 das
notas (conceitos, definições, leis e resultados). Para cada item escreva uma descrição bem sucinta
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1) Um motor de Stirling deve ser construído para produzir 1 kW de potência mecânica usando
reservatórios térmicos de 600 K e 300 K. Vamos supor que esta máquina possa ser descrita
razoavelmente como máquina de Carnot. Por razões da mecânica, a expansão isotérmica do gás de
trabalho deve ser mantida tão pequena que a pressão do gás varie durante a expansão não mais do que
10% da pressão máxima. ( Pquente,min ≥ 0,9 × Pquente ,max ). A máquina deve executar 10 ciclos por segundo.
Calcule quantos mol de gás precisa como substância de trabalho. Supondo que a pressão máxima seja
de aproximadamente 1 atm estime o volume dos cilindros necessário par esta máquina.
2) Escreva uma lista de pelo menos 20 itens dos pontos mais importantes vistos nos capítulos 1 -5 das
notas (conceitos, definições, leis e resultados). Para cada item escreva uma descrição bem sucinta..
 ∂P 
Mostramos que um fluido só pode estar em equilíbrio consigo mesmo quando   ≤0.
 ∂V T
Mas será que isto é sempre o caso? Investigue o gás de van der Waals, que tem a equação
de estado
 N 2a 
 P +  (V − Nb ) = NRT .
 V2 
 ∂P 
Determine uma região no plano P-V onde a condição   ≤ 0 é violada. Descreva esta
 ∂V T
 ∂P 
região pela curva Plimite (V ) que separa a região estável (   ≤ 0 ) da região instável
 ∂V T
 ∂P 
(  > 0 ).
 ∂V T

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 ∂P 
Mostramos que um fluido só pode estar em equilíbrio consigo mesmo quando   ≤0.
 ∂V T
Mas será que isto é sempre o caso? Investigue o gás de van der Waals, que tem a equação
de estado
 N 2a 
 P +  (V − Nb ) = NRT .
 V2 
 ∂P 
Determine uma região no plano P-V onde a condição   ≤ 0 é violada. Descreva esta
 ∂V T
 ∂P 
região pela curva Plimite (V ) que separa a região estável (   ≤ 0 ) da região instável
 ∂V T
 ∂P 
(  > 0 ).
 ∂V T

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 ∂P 
Mostramos que um fluido só pode estar em equilíbrio consigo mesmo quando   ≤0.
 ∂V T
Mas será que isto é sempre o caso? Investigue o gás de van der Waals, que tem a equação
de estado
 N 2a 
 P +  (V − Nb ) = NRT .
 V2 
 ∂P 
Determine uma região no plano P-V onde a condição   ≤ 0 é violada. Descreva esta
 ∂V T
 ∂P 
região pela curva Plimite (V ) que separa a região estável (   ≤ 0 ) da região instável
 ∂V T
 ∂P 
(  > 0 ).
 ∂V T
Exercício 9
Considere algum fluido e seja X alguma grandeza definida para este fluido que não seja
função da temperatura (X pode ser pressão, volume, entropia, energia interna (se não for gás
ideal). Podemos definir uma capacidade térmica à X constante como a taxa (taxa em relação à
temperatura) de absorção de calor num processo reversível que eleva a temperatura mantendo
X constante. Deduza uma fórmula que expresse C X − CV em termos de T , ( ∂P / ∂T )V e
( ∂V / ∂T ) X .
- - - - - - - - - - - -
Exercício 9
Considere algum fluido e seja X alguma grandeza definida para este fluido que não seja
função da temperatura (X pode ser pressão, volume, entropia, energia interna (se não for gás
ideal). Podemos definir uma capacidade térmica à X constante como a taxa (taxa em relação à
temperatura) de absorção de calor num processo reversível que eleva a temperatura mantendo
X constante. Deduza uma fórmula que expresse C X − CV em termos de T , ( ∂P / ∂T )V e
( ∂V / ∂T ) X .
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Exercício 9
Considere algum fluido e seja X alguma grandeza definida para este fluido que não seja
função da temperatura (X pode ser pressão, volume, entropia, energia interna (se não for gás
ideal). Podemos definir uma capacidade térmica à X constante como a taxa (taxa em relação à
temperatura) de absorção de calor num processo reversível que eleva a temperatura mantendo
X constante. Deduza uma fórmula que expresse C X − CV em termos de T , ( ∂P / ∂T )V e
( ∂V / ∂T ) X .
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Exercício 9
Considere algum fluido e seja X alguma grandeza definida para este fluido que não seja
função da temperatura (X pode ser pressão, volume, entropia, energia interna (se não for gás
ideal). Podemos definir uma capacidade térmica à X constante como a taxa (taxa em relação à
temperatura) de absorção de calor num processo reversível que eleva a temperatura mantendo
X constante. Deduza uma fórmula que expresse C X − CV em termos de T , ( ∂P / ∂T )V e
( ∂V / ∂T ) X .
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Exercício 9
Considere algum fluido e seja X alguma grandeza definida para este fluido que não seja
função da temperatura (X pode ser pressão, volume, entropia, energia interna (se não for gás
ideal). Podemos definir uma capacidade térmica à X constante como a taxa (taxa em relação à
temperatura) de absorção de calor num processo reversível que eleva a temperatura mantendo
X constante. Deduza uma fórmula que expresse C X − CV em termos de T , ( ∂P / ∂T )V e
( ∂V / ∂T ) X .
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Exercício 9
Considere algum fluido e seja X alguma grandeza definida para este fluido que não seja
função da temperatura (X pode ser pressão, volume, entropia, energia interna (se não for gás
ideal). Podemos definir uma capacidade térmica à X constante como a taxa (taxa em relação à
temperatura) de absorção de calor num processo reversível que eleva a temperatura mantendo
X constante. Deduza uma fórmula que expresse C X − CV em termos de T , ( ∂P / ∂T )V e
( ∂V / ∂T ) X .
Calcule o que acontece com o ponto de fusão do gelo quando o gelo for submetido a
uma pressão de 130 ×105 N m −2 . Dados: calor latente: 80 cal/g, um grama de água
líquida numa temperatura de 0 oC ocupa 1,0002 cm3 e um grama de gelo nesta mesma
temperatura um volume de 1,0907 cm3.

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Calcule o que acontece com o ponto de fusão do gelo quando o gelo for submetido a
uma pressão de 130 ×105 N m −2 . Dados: calor latente: 80 cal/g, um grama de água
líquida numa temperatura de 0 oC ocupa 1,0002 cm3 e um grama de gelo nesta mesma
temperatura um volume de 1,0907 cm3.

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Calcule o que acontece com o ponto de fusão do gelo quando o gelo for submetido a
uma pressão de 130 ×105 N m −2 . Dados: calor latente: 80 cal/g, um grama de água
líquida numa temperatura de 0 oC ocupa 1,0002 cm3 e um grama de gelo nesta mesma
temperatura um volume de 1,0907 cm3.

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Calcule o que acontece com o ponto de fusão do gelo quando o gelo for submetido a
uma pressão de 130 ×105 N m −2 . Dados: calor latente: 80 cal/g, um grama de água
líquida numa temperatura de 0 oC ocupa 1,0002 cm3 e um grama de gelo nesta mesma
temperatura um volume de 1,0907 cm3.

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Calcule o que acontece com o ponto de fusão do gelo quando o gelo for submetido a
uma pressão de 130 ×105 N m −2 . Dados: calor latente: 80 cal/g, um grama de água
líquida numa temperatura de 0 oC ocupa 1,0002 cm3 e um grama de gelo nesta mesma
temperatura um volume de 1,0907 cm3.

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Calcule o que acontece com o ponto de fusão do gelo quando o gelo for submetido a
uma pressão de 130 ×105 N m −2 . Dados: calor latente: 80 cal/g, um grama de água
líquida numa temperatura de 0 oC ocupa 1,0002 cm3 e um grama de gelo nesta mesma
temperatura um volume de 1,0907 cm3.

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Calcule o que acontece com o ponto de fusão do gelo quando o gelo for submetido a
uma pressão de 130 ×105 N m −2 . Dados: calor latente: 80 cal/g, um grama de água
líquida numa temperatura de 0 oC ocupa 1,0002 cm3 e um grama de gelo nesta mesma
temperatura um volume de 1,0907 cm3.
Exercício 12
A entalpia livre de certa mistura de duas substâncias A e B tem a seguinte
dependência da composição da mistura e da temperatura e pressão:
G ( P, T , N , x A ) = N { g 0 ( P, T ) + g1 ( P, T ) ⋅ x A + g 2 ⋅ xA 2 } − T ∆S
onde xA é a fração molar da espécie A ( xA = N A / N ), g 2 é uma constante
(independente de T) e
∆S = − RN { x A ln xA + (1 − xA ) ln (1 − xA )}
Para g 2 < 0 a mistura pode decair em duas fases α (rica em A) e β (rica em B) de
composições xAα e xβA . Para uma dada pressão podemos marcar no plano xA ⊕ T a
região de duas fases. A figura dá um exemplo

uma mistura homogênea única

duas fases
T

0,0 0,1 0,2 0,3 0,4 0,5 0,6 0,7 0,8 0,9 1,0
xA

Deduza a fórmula da curva que separa a região de uma e de duas fases. Dica use uma
coordenada simétrica: ξ = x A − 1/ 2 .

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