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NOTAS DE AULAS

Termodinâmica

Prof.: Dr. Sebastião Mendanha

Goiânia 14 de agosto de 2021


Sumário

1 Equilíbrio e quantidades de estado 1


1.1 Equilíbrio e temperatura - a Lei Zero . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3
1.2 Variáveis de estado . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7

2 Leis da Termodinâmica 13
2.1 A energia interna e sua medição . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13
2.2 Calor - a Primeira Lei . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 14
2.3 Medição da quantidade de calor . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17
2.4 Diferenciais exatos, inexatos e a Primeira Lei . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 18
2.5 Funções resposta . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25
2.5.1 Funções de resposta térmica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25
2.5.2 Funções de resposta mecânica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 26
2.5.3 Sistemas pVT . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 27
2.6 Gases . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 29
2.6.1 Gás ideal . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 29
2.6.2 Gás real . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 33
2.6.3 Lei dos Estados Correspondentes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 36
2.6.4 Representação gráfica dos processos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 38
2.7 Máquinas Térmicas I . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39
2.7.1 Ciclo de Carnot . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 40
2.7.2 Ciclo de Otto . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 42
2.7.3 Ciclo de Diesel . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 43
2.7.4 A escala de temperatura termodinâmica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 45
2.8 Entropia - a Segunda Lei . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 46
2.8.1 Desigualdade de Clausius . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 48
2.8.2 Máquinas Térmicas II . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 49
2.8.3 Parâmetros intensivos entrópicos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 52
2.9 Limite de T → 0 - a Terceira Lei . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 53
2.10 Equação de Euler e a relação de Gibbs-Duhem . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 54

A Descrição matemática da Lei Zero 57

i
Capítulo 1

Equilíbrio e quantidades de estado

O objetivo da termodinâmica é definir quantida- Em geral, distingue duas classes de quantidades


des físicas apropriadas (quantidades de estado), de estado:
as quais caracterizam propriedades macroscópicas
(a) Quantidades de estado extensivas (aditivas):
da matéria1 e relacioná-las por meio de equações
Estas quantidades são proporcionais à quan-
universais (equações de estado ou Leis da Ter-
tidade de matéria num sistema, por exemplo,
modinâmica). É possível escolher um número
ao número ou massa das partículas. Exemplos
de quantidades de estado (variáveis de estado) de
característicos de propriedades extensivas são
modo que todas as outras quantidades de estado as-
o volume e a energia.
sumam valores os quais dependem dessas variáveis
de estado escolhidas. Entretanto, a termodinâmica (b) Quantidades de estado intensivas (não aditi-
não fornece explicações sobre o porque determi- vas): Essas quantidades são independentes da
nada equação de estado descreve um dado sistema, quantidade de matéria. Tipicamente, quanti-
uma vez que as equações de estado devem ser espe- dades de estado intensivas podem ser defini-
cificadas por meios empíricos. Desta forma, a ter- das localmente; isto é, eles podem variar es-
modinâmica limita-se a fazer algumas afirmações pacialmente. Considere, por exemplo, a den-
acerca das quantidades de estado se a equação de sidade da atmosfera, que é maior na superfície
estado é dada. da terra e diminui continuamente com a altura,
ou a pressão da água em um oceano, que au-
Uma vez que a termodinâmica não pode fazer
menta com o aumento da profundidade.
qualquer afirmação sobre o sistema em seu nível
microscópico, o conceito de calor relacionado ao No momento, porém, nos limitaremos a propri-
movimento térmico estatístico das partículas não edades intensivas espacialmente constantes. Para
é um assunto da termodinâmica. No entanto, só determinar as dependências espaciais de variáveis
vamos entender alguns conceitos se anteciparmos de estado intensivas necessitaríamos de equações
ideias relativas ao regime microscópico. Além adicionais (por exemplo, da hidrodinâmica), ou te-
disso, neste texto estamos preocupados com a ter- ríamos que usar outras equações de estado (sem co-
modinâmica de estados de equilíbrio e por isso não nhecimento exato sobre sua origem). Muitas vezes,
seremos capazes de descrever a evolução temporal nos deparamos com quantidades de estado extensi-
dos processos. vas e quantidades de estado intensivas que essenci-
almente descrevem propriedades físicas muito se-
1
Em nossas descrições, somente no equilíbrio. melhantes. Por exemplo, a energia, o volume e o

1
número de partículas são quantidades extensivas, tura do sistema ou do ambiente. Pode-se usar
enquanto a energia por unidade de volume (densi- a temperatura T , além de N e V, para caracte-
dade de energia) ou a energia por partícula, bem rizar o macro-estado.
como o volume por partícula, são quantidades de
estado intensivas. Variáveis extensivas mudam pro- (c) Sistemas abertos - Esses sistemas podem tro-
porcionalmente ao tamanho de um sistema (se as car energia e matéria com o ambiente que os
propriedades intensivas não mudarem e se negli- cerca. Portanto, nem a energia nem o número
genciarmos os efeitos de superfície), mas isso não de partículas são quantidades conservadas. Se
produz nenhuma nova informação sobre as propri- o sistema aberto está em equilíbrio com o seu
edades térmicas do sistema. entorno, assumem-se valores médios da ener-
gia e do número de partículas que estão rela-
O conceito de um sistema termodinâmico requer
cionados com a temperatura e o potencial quí-
mais especificações. Nós o definimos como uma
mico (definido posteriormente). Pode-se usar
quantidade arbitrária de matéria, cujas proprieda-
a temperatura T e o potencial químico µ para
des podem ser exclusiva e completamente descri-
caracterizar um macro-estado.
tas, especificando certos parâmetros macroscópi-
cos. A matéria em consideração é confinada por
É óbvio que pelo menos o sistema isolado é uma
paredes físicas em relação a vizinhança. Se fizer-
idealização, já que na realidade uma troca de ener-
mos considerações adicionais sobre estas paredes
gia com o ambiente não pode ser evitada no sentido
(isto é, o recipiente), devemos então distinguir cada
estrito. Contudo, por meio de recipientes muito
sistema em:
bem isolados (dewars) os sistemas isolados se tor-

(a) Sistemas isolados - Estes sistemas não intera- nam experimentalmente factíveis com boa aproxi-
gem de forma alguma com o ambiente. O reci- mação. Além disso, se as propriedades de um sis-
piente deve ser impermeável a qualquer forma tema são as mesmas para qualquer parte dele, tal
de energia ou matéria. Especialmente, a ener- sistema é denominado homogêneo. No entanto, se
gia total E (mecânica, elétrica, etc.) é uma as propriedades mudarem descontinuadamente em
quantidade conservada para tal sistema e pode, determinadas superfícies marginais, o sistema é de-
portanto, ser usada para caracterizar o macro- nominado heterogêneo. As partes homogêneas de
estado. O mesmo vale para o número de partí- um sistema heterogêneo são ditas suas fases, en-
culas N e o volume V. quanto as superfícies de separação são ditas limites
de fase. Um exemplo típico para tal sistema é um
(b) Sistemas fechados - Estes sistemas só permi- pote fechado contendo água, vapor e ar. O limite
tem a troca de energia com o ambiente, mas de fase neste caso é a superfície da água. Fala-se de
não há troca de matéria. Assim, a energia não uma fase gasosa (vapor e ar) e de uma fase líquida
é mais uma quantidade conservada. Em vez (água). Em alguns casos, as propriedades macros-
disso, a energia real do sistema irá flutuar de- cópicas de um sistema dependem do tamanho (e
vido à troca de energia com o ambiente. No forma) dos limites de fase. Em nosso exemplo, te-
entanto, se o sistema fechado estiver em equi- remos propriedades macroscópicas diferentes se a
líbrio com seu entorno, a energia assumirá um água cobrir o fundo do vaso ou se for distribuída na
valor médio que está relacionado à tempera- forma de pequenas gotas (névoa).

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1.1. Equilíbrio e temperatura - a Lei Zero

Os sistemas abertos são particularmente interes- que não permitam a troca de energia em nenhuma
santes porque neles vemos uma auto-organização forma com a vizinhança, e também que a posição
espontânea. O exemplo mais espetacular de auto- do pistão esteja firmemente fixa. Cada um dos sis-
organização em sistemas abertos é a vida. Cada temas está fechado. Se agora liberarmos o pistão,
célula viva é um sistema aberto que troca matéria e ele procurará, em geral, uma nova posição. Da
energia com o seu exterior. As células de uma folha mesma forma, se o revestimento isolante for reti-
absorvem energia do sol e trocam matéria absor- rado do pistão fixo, para que energia (calor) possa
vendo CO2 , H2 O e outros nutrientes e liberando O2 fluir entre os dois sistemas, haverá uma redistribui-
na atmosfera. Um sistema biológico aberto pode ção de energia entre os dois sistemas. Novamente,
ser definido de forma mais geral: pode ser uma se furos forem feitos no pistão, haverá uma redis-
única célula, um órgão, um organismo ou um ecos- tribuição de matéria (e também de energia) entre os
sistema. Outros exemplos de sistemas abertos po- dois sistemas. A remoção de uma restrição em cada
dem ser encontrados na indústria; em reatores quí- caso resulta no aparecimento de algum processo es-
micos, por exemplo, as matérias-primas e a energia pontâneo e quando os sistemas finalmente se esta-
são as entradas e os produtos desejados e os resí- belecem em novos estados de equilíbrio e o fazem
duos são as saídas. com novos valores dos parâmetros U (1) , V (1) N (1) · · ·
(2) (2) (2)
Além da energia E, do volume V, do número de e U , V N · · · .O problema básico da termodi-
partículas N, da entropia S , da temperatura T , da nâmica é o cálculo dos valores de equilíbrio desses
pressão p e do potencial químico µ, tais quantida- parâmetros.
des incluem também a carga, o momento de dipolo,
o índice de refração, a viscosidade, a composição
química e o tamanho dos limites de fase. Por outro 1.1 Equilíbrio e temperatura - a
lado, as propriedades microscópicas, tais como as
Lei Zero
posições ou momento das partículas constituintes,
não se enquadram na definição de quantidades de
Sabemos que, se um sistema físico é isolado, seu
estado2 .
estado - especificado por variáveis macroscópicas
De maneira mais formal, o único e abrangente como pressão, temperatura e composição química -
problema da termodinâmica é a determinação do evolui irreversivelmente para um estado invariante
estado de equilíbrio que resulta eventualmente após no tempo no qual não vemos nenhuma mudança fí-
a remoção de restrições internas em um sistema sica ou química adicional. Este é o estado de equi-
composto fechado. Suponhamos que dois siste- líbrio termodinâmico. Tal estado é caracterizado
mas simples estejam contidos dentro de um cilin- por uma temperatura uniforme em todo o sistema.
dro fechado, separados um do outro por um pis- O estado de equilíbrio também é caracterizado por
tão interno. Suponha que as paredes do cilindro e várias outras características físicas que descrevere-
o pistão sejam rígidas, impermeáveis à matéria e mos posteriormente. A evolução de um sistema em

2
direção ao estado de equilíbrio se deve a proces-
Pode ser demonstrado (cf. a regra de fase de Gibbs) que
sos irreversíveis, assim, um estado de não equilí-
o número de grandezas de estado necessárias para uma deter-
minação única de um estado termodinâmico está intimamente brio pode ser caracterizado como aquele em que
relacionado ao número de fases de um sistema. processos irreversíveis estão ocorrendo, levando o

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1.1. Equilíbrio e temperatura - a Lei Zero

sistema ao estado de equilíbrio. estão em equilíbrio térmico entre si possuem uma


Um dos aspectos mais notáveis dos sistemas de propriedade intensiva comum, a qual denotaremos
não-equilíbrio que surgiram no século XX é o fenô- como temperatura. Consequentemente, sistemas
meno da auto-organização. Sob certas condições que não estão em equilíbrio térmico entre si pos-
3
de não equilíbrio, os sistemas podem passar es- suem temperaturas diferentes .
pontaneamente por transições para estados orga- Isso pode ser ilustrado facilmente já que a ex-
nizados, que, em geral, são estados com entro- periência nos mostra que quando três corpos, A, B
pia mais baixa. Por exemplo, sistemas químicos e C, com temperaturas T A , T B e TC , para as quais
de não equilíbrio podem fazer uma transição para T A > T B > TC são colocados em contato, o fluxo de
um estado no qual as concentrações de compos- calor obedece a direção das setas indicadas na Fi-
tos reagentes variam periodicamente, tornando-se gura 1.1. A medida que os corpos A e B entram
assim um ’relógio químico’. Os produtos quími-
cos reagentes também podem se organizar espa-
cialmente em padrões com grande simetria. Na
verdade, pode-se argumentar que a maior parte do
comportamento "organizado"que vemos na Natu-
reza é criado por processos irreversíveis que dissi-
pam energia e geram entropia. Por esses motivos,
Figura 1.1: Representação da Lei Zero.
essas estruturas são chamadas de estruturas dissi-
pativas. Em um sistema aberto, esses estados or-
ganizados poderiam ser mantidos indefinidamente, em equilíbrio, T A = T B > TC e portanto não a
mas apenas às custas da troca de energia e matéria mais fluxo de calor entre os corpos A e B. Con-
e do aumento da entropia fora do sistema. tudo, quando B e C entram em equilíbrio, o fluxo
A temperatura é uma quantidade de estado des- de calor entre eles também é interrompido, e con-
conhecida para a mecânica e para a eletrodinâmica. sequentemente T B = TC . Note que isso implica em
Ela é especialmente introduzida pela termodinâ- T A = T B = TC . Ou seja, não deve haver fluxo de
mica e sua definição está intimamente ligada com calor entre A e C. Isso significa dizer que, se A e B
o conceito de equilíbrio (térmico). A igualdade entram em equilíbrio térmico, e B e C também o fa-
da temperatura de dois corpos é a condição para çam, A e C obrigatoriamente estarão em equilíbrio
o equilíbrio térmico entre esses corpos. Quanti- térmico.
dades de estado termodinâmicas são definidas (e Podemos agora definir precisamente a noção de
mensuráveis) apenas no equilíbrio. Como a experi- temperatura através da especificação de como e em
ência mostra, todos os sistemas que estão em equi- que unidades a temperatura deve ser medida. A
líbrio térmico com outro dado sistema, também es- medição é realizada da seguinte maneira: um sis-
tão em equilíbrio térmico entre si. Esse é um fato tema cujo estado de equilíbrio térmico está unica-
empírico, o qual usaremos como fundamentação mente ligado com uma quantidade de estado facil-
de nossa definição de temperatura. O enunciado mente observável (isto é, um termômetro), é posto
anterior também é conhecido como Lei Zero da 3
Para uma descrição matemática da Lei Zero, ver Apên-
Termodinâmica. Desta maneira, sistemas os quais dice A.

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1.1. Equilíbrio e temperatura - a Lei Zero

em equilíbrio térmico com o sistema no qual a tem- numa marca fixa N, definindo um volume V cons-
peratura deve ser medida. A quantidade de estado tante ocupado pelo gás.
a ser observada pode ser, por exemplo, o volume
de um fluido (termômetro de fluido) ou de um gás
(termômetro de gás).
Como podemos observar, o processo de medi-
ção da temperatura está ligado com uma equação
de estado, ou seja, a relação entre a quantidade de
estado observada (no caso, volume) e a tempera-
tura. Se explorarmos o fato de que muitos tipos de
gases se comportam de forma semelhante quando
estão diluídos, podemos definir a temperatura ter- Figura 1.2: Termômetro de gás a volume constante.
modinâmica T com o auxílio do volume de um gás
diluído conforme
O bulbo é colocado em contato térmico com o
V sistema cuja temperatura se quer medir, e a seguir
T = T0 (1.1)
V0 é medida a pressão p do gás, dada por
para pressão e número de partículas constantes p = p0 + ρgh (1.2)
(este é um resultado experimental conhecido como
Lei de Charles e será explorado com mais detalhes onde p0 é a pressão atmosférica, suposta conhe-
posteriormente). Desta maneira, podemos cons- cida, ρ é a densidade do mercúrio, e h é o desnível
truir escalas na qual a temperatura termodinâmica entre o mercúrio contido no ramo da direita e no
de um dado sistema pode ser expressa. As esca- da esquerda.
las mais famosas são a Celsius (◦ C), a Fahrenheit Sejam p0v e p0g os valores de p no ponto de va-
(◦ F) e a Kelvin (K). Historicamente, a unidade de por e no ponto de gelo, respectivamente, quando
temperatura foi fixada definindo a temperatura do M0 é a massa de gás que ocupa o volume V. Su-
ponto de derretimento do gelo como sendo 0 ◦ C e ponhamos que se repitam as medidas reduzindo a
o ponto de vaporização da água como sendo 100 massa de gás para M1 < M0 (o volume V sempre

C (à pressão atmosférica), dando origem então a permanece constante). As pressões medidas nos
escala Celsius. A conversão para a escala Kelvin é pontos de vapor e de gelo serão agora p1v < p0v
ilustrada no exemplo a seguir. e p1g < p0g . Para uma massa de gás M2 < M1 , os
valores caem para p2v < p1v e p2g < p1g .
Se fizermos um gráfico da razão (pv /pg )V (onde
Exemplo 1. O termômetro de gás a volume cons- o índice V significa que o volume V do gás é
tante está esquematizado na Figura 1.2. O gás, ge- mantido constante) como função da massa M de
ralmente hidrogênio, enche um bulbo e um tubo ca- gás, verificaremos experimentalmente que, à me-
pilar ligado a um manômetro de mercúrio de tubo dida que pg vai baixando, os pontos experimentais
aberto. O tubo flexível permite suspender ou abai- tendem a cair sobre uma reta (Figura 1.3). Para
xar o nível de mercúrio no ramo da direita de tal gases diferentes, as retas são diferentes, mas, se as
forma que o nível do ramo da esquerda permaneça extrapolarmos ao limite pg → 0 (o que equivale

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1.1. Equilíbrio e temperatura - a Lei Zero

o que, com T g dado4 pela (1.5), determina T .

Uma outra forma de se estabelecer a escala ab-


soluta de temperatura pode ser derivada a partir da
Lei de Boyle (Veja o exemplo a seguir). Esta lei
também foi obtida a partir de resultados experimen-
tais e diz que o produto do volume molar pela pres-
são de qualquer gás (ideal) é uma constante que é
Figura 1.3: Comparação com gases diferentes.
função da temperatura. Ou seja,

pv = constante = f (T ) (1.7)
a M → 0 e não pode obviamente ser atingido ex-
perimentalmente), o resultado experimental é que
todas as retas interceptam o eixo das ordenadas no
mesmo ponto, correspondente ao valor ≈ 1, 3661. Exemplo 2. Novamente vamos usar um termôme-
Logo, ! tro de gás e os pontos de vapor e congelamento da
pv Tv
lim = ≈ 1, 3661. (1.3) água como referência. Portanto, ao variarmos a
p0 →0 pg Tg pressão p do sistema, o volume molar v também
Este limite define a razão T v /T g das temperatu- irá variar desde que a temperatura seja mantida
ras absolutas T v e T g correspondentes ao ponto de constante. Com isso, podemos introduzir o valores
vapor e ao ponto de gelo, respectivamente. Para de pv = f (t) para as temperaturas T e T em um
v g
completar a definição da escala de temperatura ab- gráfico como mostrado na figura a seguir.
soluta, também chamada de escala Kelvin, impo-
mos a condição de que a diferença T v − T g , corres-
ponde a 100 graus na escala Kelvin:

T v − T g ≈ 100K. (1.4)

As (1.3) e (1.4) podem agora ser resolvidas para


dar T v e T g como
100 + T g
≈ 1, 3661 → T g = 273, 15 K, (1.5)
Tg
o que dá T v ≈ 373, 15 K. Desta maneira, para me-
dir a temperatura na escala Kelvin com o auxílio Figura 1.4: Derivação da escala Kelvin a partir da Lei
de Boyle.
do termômetro de gás a volume constante, medi-
mos a pressão p correspondente, extrapolada para
4
o limite pg → 0, como o caso da (1.3). A tempera- Em lugar do ponto de gelo, é adotado atualmente como
ponto fixo padrão o ponto triplo da água, em que vapor de
tura absoluta T correspondente é dada então por
água coexiste em equilíbrio com água líquida e gelo. Isto
!
p ocorre para uma pressão e temperatura bem definidas e então
T = T g lim (1.6)
p0 →0 pg se usar no lugar de T g , T tr = 273, 16 K.
V

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1.2. Variáveis de estado

Como ilustrado na Figura 1.4, existem várias de equilíbrio. Por exemplo, vamos considerar uma
formas (interpolações) de se conectar os dois pon- placa elétrica, que pode ser encontrada em muitos
tos apresentados no gráfico. Contudo, ao escolher- lares. Se alguém colocar uma panela com uma re-
mos a interpolação linear, encontramos uma infor- feição em cima dela, depois de algum tempo, um
mação muito importante. Note que a interpolação estado estacionário será atingido quando a tempe-
linear nos mostra que existe um ponto no eixo das ratura da refeição não for mais alterada. Isso, no
temperaturas para o qual f (t) = 0. Contudo, como entanto, não é um estado de equilíbrio térmico,
f (t) = pv essa função nunca pode assumir valores desde que os arredores tenham uma temperatura di-
menores do que zero, já que pressão e volumes ne- ferente. É preciso fornecer continuamente ao sis-
gativos não tem sentido físico. Desta maneira, aca- tema energia (elétrica) para evitar o resfriamento
bamos de encontrar o menor valor assumido por do prato, que continuamente irradia energia (calor)
f (t), ou seja seu mínimo absoluto. Este valor é co- para o ambiente. Este sistema não é isolado, pois a
nhecido como zero absoluto e pode ser encontrado energia é fornecida e emitida.
como sendo −273, 15 ◦C = 0 K desde que sejamos
capazes de obter os valores numéricos de f (T v ) e
1.2 Variáveis de estado
f (T g ) e de fazer uma simples regressão linear.
Na última seção, tratamos explicitamente da no-
ção central de temperatura. Agora queremos discu-
Já a conversão para a escala Fahrenheit é dada
tir várias outras quantidades de estados. Quantida-
por
des de estado adicionais serão definidas nas seções
5
y[ C] = (x[◦ F] − 32) .

(1.8) a seguir. Em geral, mediremos quantidades de ma-
9
téria em termos do número de partículas N. Como
Do ponto de vista estatístico, entretanto, essa no-
N assume valores muito grandes para sistemas ma-
ção de temperatura produz relações muito simples
croscópicos, muitas vezes usamos múltiplos do nú-
na teoria cinética dos gases. Por exemplo, nossa
mero de Avogadro NA = 6, 0221367 × 1023 . A uni-
temperatura absoluta é diretamente proporcional à
dade de massa atômica u é especialmente conveni-
energia cinética média das partículas de gás e, as-
ente para medir massas de partículas únicas (áto-
sim, alcança um significado microscópico simples
mos e moléculas); e é definida por
e ilustrativo. Em particular, podemos observar que
1 12
não há temperaturas absolutas negativas no equilí- 1u= m C (1.9)
12
brio termodinâmico, pois se todas as partículas es-
isto é, através da massa de um átomo do isótopo de
tão em repouso (energia cinética zero), a energia
carbono 12 C. Esta unidade é muito útil, pois hoje
média é zero e, portanto, também a temperatura.
em dia as massas atômicas são medidas com muita
Energias cinéticas negativas, no entanto, são im-
precisão em espectrômetros de massa que são par-
possíveis. É de grande importância separar a no-
ticularmente facilmente calibrados com compostos
ção de equilíbrio da de estado estacionário. Em
de carbono. O número de Avogadro é apenas o nú-
um estado estacionário, as grandezas de estado ma-
mero de partículas com massa 1 u. que no total
croscópico também são independentes do tempo,
possuem 1 g de massa,
mas esses estados estão sempre conectados com um
1g
fluxo de energia, o que não é o caso dos estados NA = = 6, 0221367 × 1023 (1.10)
1u

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1.2. Variáveis de estado

A quantidade de partículas NA também é chamada nica, bem como com a energia elétrica ou magné-
de 1 mol de partículas. Se um sistema consiste em tica da eletrodinâmica e com a energia química, que
vários tipos de partículas, por exemplo partículas também é de origem elétrica. Na termodinâmica,
N1 , N2 , ..., Nn de n espécies, a chamada fração mo- apenas a energia total de um sistema, que é uma
lar X ′ é uma quantidade conveniente para medir a quantidade macroscópica, desempenha um pa-
constituição química, pel: a energia de uma única partícula não tem
Nj significado, mas a energia média por partícula
X ′j = (1.11) E/N é muito importante. A termodinâmica não
N1 + N2 + · · · + Nn
Como se pode ver na definição, j X ′j = 1. A fra- nos diz como a energia total é distribuída sobre as
P

ção molar, portanto, denota a constituição fracioná- partículas individuais. Como exemplo das formas
ria de um sistema. É uma variável intensiva e pode de energia mencionadas acima, usaremos o con-
assumir valores diferentes em diferentes fases. ceito de trabalho da mecânica em problemas ter-
Por outro lado, a pressão pode ser entendida em modinâmicos. Temos então que
termos puramente mecânicos como uma força que δW = −Fi · ds (1.14)
age perpendicularmente a uma área conhecida A. se Fi é a força exercida pelo sistema ds é um pe-
F⊥
p= (1.12) queno elemento de linha. O sinal de menos na
A Equação (1.14) é puramente convencional em ter-
Portanto, temos [p] = N · m−2 = Pa como unidades modinâmica: contamos a energia que é adicionada
de pressão. Curiosamente, a pressão tem a mesma a um sistema como positiva e a energia que é sub-
dimensão que a densidade de energia, pois traída de um sistema como negativa. Como exem-
plo para o trabalho realizado em um sistema, consi-
1 N · m−2 = 1 kg · m · s−2 · m−2 = 1 J · m−3 (1.13)
deramos a compreensão de um gás contra sua pres-
Para sistemas específicos, frequentemente des- são interna (Figura 1.5). Em equilíbrio, a força ex-
cobriremos que a pressão está relacionada à den-
sidade de energia principalmente de uma maneira
muito simples. Além disso, a pressão também pode
ser definida localmente, isto é, em um pequeno sis-
tema parcial. Para medir a pressão, coloca-se uma
pequena área de teste (área da unidade) no sistema
e mede-se a força que o sistema exerce em um lado
da área. O outro lado da área de teste deve ser me- Figura 1.5: Trabalho compressional.
canicamente isolado do sistema. Nesse lado, pode
haver uma pressão de referência conhecida p0 . A
diferença de pressão p − p0 entre a pressão externa terna Fa é igual à força Fi = pA, que é exercida
e a pressão interna do barômetro causam uma força pela pressão p em um pistão com a área A. Se al-
efetiva que atua na área de teste. guém empurra o pistão uma distância ds ainda mais
Uma quantidade central da termodinâmica (e fí- no volume contra o a força exercida pelo sistema, a
sica em geral) é a energia. Estamos bem familiari- quantidade de trabalho necessária é dada por
zados com a energia cinética e potencial da mecâ- δW = pAds > 0 (1.15)

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1.2. Variáveis de estado

desde que ds e Fi apontam em direções opostas. pode ser escrito como A(T ) = A0 + A1 T , onde A0 e
Contudo, Ads = −dV é o decréscimo no volume A são constantes. A constante, A1 , é negativa para a
do gás dV < 0 no recipiente, e portanto, temos maioria das substâncias, mas pode ser positiva para
algumas substâncias (incluindo a borracha). Com
δW = −pdV (1.16)
isso, o trabalho necessário para se esticar ou com-
Como se percebe prontamente, essa equação tam- primir o sistema pode ser escrito como
bém vale para uma expansão. Observe que po- δW = JdL (1.19)
demos considerar apenas uma quantidade infini-
Além disso, líquidos puros em equilíbrio com
tesimal de trabalho, pois a pressão muda durante
sua fase de vapor têm uma camada superficial bem
a compressão. Para calcular o trabalho compres-
definida na interface entre as fases líquida e de va-
sional total, é necessário uma equação de estado
por. As propriedades mecânicas da camada super-
p(V). É uma propriedade geral da energia adicio-
ficial podem ser descritas por variáveis de estado
nada ou subtraída de um sistema que é o produto
termodinâmicas. A origem da camada superficial
de uma quantidade intensiva de estado (pressão) e
é a distribuição desigual de forças intermoleculares
a mudança de uma quantidade de estado extensiva
agindo sobre as moléculas na superfície. Molécu-
(volume). Podemos ilustrar isso com mais exem-
las no interior do líquido são cercadas e interagem
plos. Se o sistema, por exemplo, contém uma carga
com moléculas de todos os lados. Moléculas na
elétrica e, essa carga gera um potencial elétrico
superfície interagem principalmente com molécu-
φ. Se alguém quiser adicionar outra carga de com
las no líquido, uma vez que a fase de vapor (longe
o mesmo sinal ao sistema, precisará realizar uma
do ponto crítico) é muito menos densa que o lí-
quantidade de trabalho dada por
quido. Como resultado, existe uma forte tendência
δW = φde (1.17) para as moléculas na superfície serem puxadas de
volta para o líquido e para a superfície do líquido
O potencial elétrico definido localmente é a quan-
se contrair. As forças moleculares envolvidas são
tidade intensiva que descreve a resistência do sis-
enormes. Devido a essa tendência de a superfície
tema contra a adição de outra carga, assim como a
se contrair, é necessário trabalhar para aumentar a
pressão é a resistência contra a compressão. O si-
superfície livre do líquido. Quando a área da super-
nal na Equação (1.17) é causado pelo fato de que
fície é aumentada, as moléculas do interior devem
adicionar uma carga positiva enquanto o potencial
ser trazidas para a superfície e, portanto, o trabalho
é positivo corresponde ao trabalho realizado em um
deve ser feito contra as forças moleculares do inte-
sistema.
rior. O trabalho por unidade de área necessário para
Já para um fio ou haste esticada no limite elás-
estender a área de superfície é chamado de tensão
tico, a Lei de Hooke se aplica e podemos escrever
superficial do líquido. Para a maioria dos líquidos
J = A(T )(L − L0 ) (1.18) puros, a tensão superficial não depende da área e a
equação de estado tem a forma
onde J é a tensão medida em [N/m], A(T ) é um  t n
σ = σ0 1 − ′ , (1.20)
coeficiente dependente da temperatura, L é o com- t
primento do fio ou haste esticada e L0 é o compri- onde t é a temperatura em graus Celsius, σ0 é a ten-
mento do fio quando J = 0. O coeficiente A(T ) são superficial em t = 0◦ C, t′ é temperatura expe-

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1.2. Variáveis de estado

rimentalmente determinada a alguns graus da tem- é aplicado, os spins se alinham para produzir uma
peratura crítica e n é uma constante experimental magnetização M (momento magnético por unidade
que tem um valor entre um e dois. Neste o trabalho de volume). O campo de indução magnética, B
necessário para modificar o sistema é dado por (medido em unidades de teslas, 1T = IWeber/m2 ),
o campo magnético auxiliar, H (medido em unida-
δW = σdA. (1.21)
des de [A/m]) e a magnetização estão relacionadas
Quando um campo elétrico E é aplicado a nosso através da equação
sistema termodinâmico (material dielétrico), as
B = µ0 H + M (1.25)
partículas que compõem o dielétrico serão distor-
cidas e um campo de polarização elétrica, P (P é o onde µ0 é a permeabilidade magnética do vácuo
 
momento do dipolo elétrico induzido por unidade µ0 = 4π × 10−7 T · m/A . A equação de estado
de volume), será configurado pelo material. A po- para tal sistema a temperatura ambiente é bem des-
larização está relacionada ao campo elétrico, E, e crita pela Lei de Curie:
ao deslocamento elétrico, D, pela equação
ND
M= H (1.26)
T
D = ǫ0 E + P (1.22)
ond N é o número de mols, D é uma constante ex-
onde ǫ0 é a permissividade elétrica, ǫ0 = 8, 854 × perimental que depende do tipo de material e T é a
10−12 C 2 /N · m2 . O campo elétrico E tem unidade temperatura medida em graus Kelvin. Assim como
de [N/C] e o deslocamento elétrico e a polarização anteriormente, o trabalho necessário para adicio-
elétrica tem unidade de [C/m2 ]. E resulta de cargas narmos outro dipolo ao sistema é dado por
externas e de superfície. A magnitude do campo
de polarização, P, dependerá da temperatura. Uma δW = H · dM. (1.27)
equação de estado típica para um dielétrico homo-
Para completar nossa lista de possíveis realiza-
gêneo é dada por
! ções de trabalho, consideramos o trabalho necessá-
b
P= a+ E (1.23) rio para adicionar outra partícula a um sistema ter-
T modinâmico. Pode-se pensar que isso não requer
para temperaturas não muito baixas. Aqui a e b nenhum trabalho, mas esse não é o caso. Nosso
são constantes experimentais e T é a temperatura sistema deve manter o equilíbrio após adicionar a
em graus Kelvin. Portanto, neste caso, o trabalho partícula; portanto, não podemos simplesmente co-
necessário para adicionar outro dipolo ao sistema locar a partícula em repouso no sistema. Em vez
pode ser escrito como disso, ele precisa ter uma certa energia que seja
comparável à energia média de todas as outras par-
δW = E · dP. (1.24) tículas. Nós definimos

Se considerarmos um sólido paramagnético a δW = µdN (1.28)


pressão constante, o volume muda muito pouco em
função da temperatura. Podemos então especificar como o trabalho necessário para alterar o número
o estado em termos de campo magnético aplicado de partículas por uma quantidade dN. A quanti-
e magnetização induzida. Quando o campo externo dade intensiva de campo é chamada de potencial

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1.2. Variáveis de estado

químico e representa a resistência do sistema con-


tra a adição de partículas. É óbvio que se pode de-
finir e medir o potencial químico com a ajuda da
Equação (1.28), bem como se pode medir o poten-
cial elétrico com a Equação (1.17). Se o sistema
consiste em várias espécies de partículas, cada es-
pécie tem seu próprio potencial químico µ j , e dN j
é a mudança no número de partículas das espécies
i. Isso é válido desde que as espécies de partículas
não interajam. Todos os tipos diferentes de trabalho
têm a propriedade genérica de que podem ser con-
vertidos um no outro sem restrições. Por exemplo,
podemos levantar um peso com energia elétrica ou
obter energia elétrica do trabalho mecânico com a
ajuda de um gerador. Não há objeção de princípio
de que essas conversões não prossigam completa-
mente, ou seja, com uma taxa de 100%, embora os
conversores de energia reais sempre tenham perdas.

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1.2. Variáveis de estado

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Capítulo 2

Leis da Termodinâmica

pio da conservação da energia em reações nuclea-


res. Do ponto de vista mais moderno, o princípio da
conservação da energia é entendido como uma in-
2.1 A energia interna e sua me- variância das leis da física sob transformações tem-
porais.
dição
Visualizando um sistema macroscópico como
O desenvolvimento do princípio de conservação um aglomerado de um enorme número de elétrons
de energia tem sido uma das conquistas mais sig- e núcleos, interagindo via forças às quais o princí-
nificativas na evolução da física. A forma atual pio de conservação de energia se aplica, concluí-
do princípio não foi descoberta em um golpe mag- mos sistemas macroscópicos possuem energias de-
nífico de insight, mas foi lenta e laboriosamente finidas e precisas, sujeitas a um princípio de con-
desenvolvida ao longo de dois séculos e meio. O servação definitivo. Ou seja, passamos a aceitar
primeiro reconhecimento de um princípio de con- que um sistema termodinâmico possui uma energia
servação, por Leibniz em 1693, refere-se apenas à bem definida e que essa energia é uma manifesta-
soma da energia cinética e da energia potencial de ção macroscópica do princípio da conservação.
uma massa pontual sob ação do campo gravitacio- A justificativa anterior da existência de uma fun-
nal terrestre. À medida que novos sistemas foram ção de energia termodinâmica é bem diferente do
considerados a forma previamente estabelecida do método termodinâmico histórico. Como a termodi-
princípio de conservação de energia falhou repeti- nâmica foi desenvolvida amplamente antes da acei-
damente, mas em cada caso, foi possível revivê-lo tação da hipótese atômica, a existência de uma fun-
com a adição de um novo termo matemático - um ção de conservação de energia macroscópica teve
"novo tipo de energia". Como exemplo, a consi- que ser demonstrada por meios puramente macros-
deração de sistemas carregados exigiu a adição da cópicos. Somente diferenças de energia, em vez
interação de Coulomb e, eventualmente, da energia de valores absolutos da energia, têm significado fí-
do campo eletromagnético. Em 1905, Einstein es- sico, seja no nível atômico ou em sistemas macros-
tendeu o princípio à região relativística, acrescen- cópicos. É convencional, portanto, adotar algum
tando termos como a energia relativística da massa estado particular de um sistema como estado pa-
em repouso. Nos anos 30, Enrico Fermi postulou drão, cuja energia é arbitrariamente tomada como
a existência de uma nova partícula (chamada neu- zero. A energia de um sistema em qualquer outro
trino) com o único propósito de preservar o princí- estado, relativa à energia do sistema padrão, é en-

13
2.2. Calor - a Primeira Lei

tão chamada de energia termodinâmica interna (ou aram a teoria calórica do calor. Até mesmo Sadi
simplesmente energia interna) do sistema nesse es- Carnot (1796-1832), em cujos insights a Segunda
tado e é denotada pelo símbolo U. Além disso, para Lei se originou, inicialmente usou o conceito de ca-
que essa função energética seja significativa em um lórico, embora mais tarde o tenha rejeitado.
sentido prático, devemos nos convencer de que ela A verdadeira natureza do calor como uma forma
é macroscopicamente controlável e mensurável. de energia que pode se interconverter em outras for-
Contudo, toda a questão da controlabilidade e mas de energia foi estabelecida após muito debate.
mensurabilidade da energia pode ser declarada su- Uma das demonstrações mais dramáticas da con-
cintamente da seguinte forma: Existem paredes, versão de energia mecânica em calor foi realizada
chamadas adiabáticas, com a propriedade de que o por Rumford, quando ele mergulhou cilindros de
trabalho realizado para levar um sistema fechado metal em água e fez furos neles. O calor produzido
adiabaticamente entre dois estados específicos é devido ao atrito mecânico pode levar a água a fer-
determinado inteiramente pelos estados, indepen- ver! Ele chegou a estimar que a produção de 1 cal
dentemente de todas as condições externas. O tra- de calor requer cerca de 5,5 J de trabalho mecânico.
balho realizado é a diferença na energia interna dos
Foram os resultados dos cuidadosos experimen-
dois estados. Ou seja, empregando paredes adia- tos de James Prescott Joule, relatados em 1847, que
báticas e medindo apenas trabalhos mecânicos, a estabeleceram sem sombra de dúvida que o calor
energia de qualquer sistema termodinâmico em re- não era uma substância indestrutível, que, de fato,
lação a um estado de referência apropriado pode ser pode ser transformado em energia mecânica e vice-
medida. versa. Além disso, Joule mostrou que existe uma
equivalência entre calor e energia mecânica no se-
guinte sentido: uma certa quantidade de energia
2.2 Calor - a Primeira Lei
mecânica, independentemente do meio particular
Embora a distinção entre temperatura e calor te- de conversão, sempre produz a mesma quantidade
nha sido reconhecida no século XVIII como resul- de calor (4.184 J produz 1 cal de calor) . Isso signi-
tado do trabalho de Joseph Black e outros, a natu- fica que o calor e a energia mecânica podem ser
reza do calor não foi claramente compreendida até considerados diferentes manifestações da mesma
meados do século XIX. Robert Boyle, Isaac New- quantidade física, a energia.
ton e outros acreditavam que o calor era o movi- Mas ainda assim, o que é calor? Pode-se dizer
mento caótico microscópico das partículas. Uma que os processos físicos e químicos têm uma ten-
visão oposta, que prevalecia na França, era que dência natural de converter todas as outras formas
o calor era uma substância semelhante a um lí- de energia em calor. Na imagem clássica do movi-
quido indestrutível, sem massa, que era trocada en- mento das partículas, é a energia cinética associada
tre corpos materiais. Esta substância indestrutível ao movimento caótico. Moléculas em movimento
foi chamada de calórico e foi medida em calo- incessante colidem e randomizam sua energia ci-
rias. Na verdade, figuras como Antoine-Laurent nética e a distribuição de velocidade de Maxwell-
Lavoisier (1743-1794), Jean Baptiste Joseph Fou- Boltzmann é rapidamente estabelecida; a energia
3kT
rier (1768-1830), Pierre-Simon de Leplace (1749- cinética média, que é igual a , geralmente au-
2
1827) e Siméon-Denis Poisson (1781-1840) apoi- menta com a absorção de calor. No entanto, o calor

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2.2. Calor - a Primeira Lei

não altera a temperatura do corpo durante as trans- cula, elas podem se aniquilar mutuamente, conver-
formações de fase, mas transforma a fase. tendo sua energia em outras formas, como os fó-
Isso não é tudo que podemos dizer sobre o ca- tons. Tudo isso expandiu nosso conhecimento dos
lor. Além das partículas, também temos campos. possíveis estados da matéria. Conforme mencio-
A interação entre as partículas é descrita por cam- nado acima, a energia cinética média das partícu-
pos, como campos eletromagnéticos. A física clás- las é proporcional à temperatura. Nas temperatu-
sica estabeleceu que a radiação eletromagnética era ras que normalmente experimentamos, as colisões
uma quantidade física que pode transportar energia entre as moléculas resultam na emissão de fótons,
e momentum. Portanto, quando as partículas ga- mas não de outras partículas. Em temperaturas su-
nham ou perdem energia, parte dela pode se trans- ficientemente altas (maiores que 1010 K), outras
formar na energia do campo. A energia associada partículas também podem ser criadas de forma se-
à radiação eletromagnética é um exemplo. A inte- melhante como resultado de colisões. A criação
ração entre matéria e radiação também leva a um de partículas geralmente ocorre na forma de pares
estado de equilíbrio térmico em que uma tempera- partícula-antipartícula. Assim, existem estados da
tura pode ser associada à radiação. A radiação em matéria em que há criação e aniquilação incessan-
equilíbrio térmico com a matéria é chamada de ra- tes de pares partícula-antipartícula, um estado em
diação de calor ou radiação térmica. Portanto, o que o número de partículas não permanece cons-
calor também pode estar na forma de radiação. tante. Este estado da matéria é um estado de campo
altamente excitado. A noção de equilíbrio termodi-
Durante o século XX, nossa visão de partículas e
nâmico e temperatura deve ser aplicada também a
campos foi unificada pela teoria de campos quân-
tal estado.
ticos. De acordo com a teoria de campos quân-
ticos, todas as partículas são excitações de cam- Os campos em equilíbrio térmico podem ser
pos quânticos. Agora sabemos, por exemplo, que mais geralmente referidos como radiação térmica.
o campo eletromagnético está associado a partícu- Uma das propriedades características da radiação
las que chamamos de fótons, embora também tenha térmica é que sua densidade de energia é apenas
uma natureza de onda. Da mesma forma, outros uma função da temperatura; ao contrário do gás
campos, como aqueles associados às forças nucle- ideal, o número de partículas de cada tipo depende
ares, têm partículas correspondentes. Assim como da temperatura. A radiação do corpo negro, cujo
os fótons são emitidos ou absorvidos por molécu- estudo levou Max Planck (1858–1947) à hipótese
las que passam por uma transição de um estado quântica, é a radiação térmica associada ao campo
para outro - que na imagem clássica correspondia eletromagnético. Em temperaturas altas o sufici-
à emissão ou absorção de radiação - outras partícu- ente, todas as partículas (elétrons e pósitrons, pró-
las, como os mésons, podem ser absorvidas e emi- tons e antiprótons) podem existir na forma de ra-
tidas pelo sistema nuclear partículas em processos diação térmica. Imediatamente após o big bang,
de alta energia. A densidade de energia da radiação quando a temperatura do universo estava inimagi-
térmica depende apenas da temperatura. navelmente alta, o estado da matéria no universo
Uma das descobertas mais notáveis da física mo- estava na forma de radiação térmica. À medida
derna é que cada partícula possui uma antipartí- que o universo se expandia e esfriava, os fótons
cula. Quando uma partícula encontra sua antipartí- permaneceram no estado de radiação térmica, que

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2.2. Calor - a Primeira Lei

pode estar associada a uma temperatura, mas os pendem do caminho tomado (da maneira com que
prótons, elétrons e nêutrons não estão mais nesse o calor é adicionado ao sistema ou com que o tra-
estado. Em seu estado atual, a radiação eletromag- balho é realizado). Podemos pensar em p, J, σ,
nética que atinge o universo está em um estado de E, H, φ e µ como forças generalizadas, e conse-
equilíbrio de temperatura em torno de 2,7 K, mas quentemente, pensar em dV, dL, dA, dP, dM, de e
a abundância observada de elementos no universo dN j como deslocamentos generalizados. É útil in-
não é a esperada em um estado de equilíbrio termo- troduzir uma força mecânica generalizada, Y, que
dinâmico. denota quantidades como, p, J, σ, E, H e φ e um
Uma vez que R. J. Mayer (1842) percebeu que o deslocamento generalizado, X, que denota os des-
calor nada mais é que uma forma especial de ener- locamentos correspondentes, V, L, A, P, M e e, res-
gia, quando desejarmos estudar o balanço energé- pectivamente. Então a Primeira Lei pode ser escrita
tico de um sistema devemos considerar não só o na forma
as várias possibilidades de trabalho realizado pelo X
dU = δQ − YdX + µ j dN j . (2.3)
(ou por o) sistema mas também suas trocas de ca- j
lor com o meio. Desta maneira, podemos associar
Observe que µ j é uma força química e dN j é um
uma energia interna U a cada sistema macroscó-
deslocamento químico.
pico. Para um sistema isolado o qual não troca tra-
Existem muitas formulações para a Primeira Lei
balho ou calor com o meio, a energia interna U é
da Termodinâmica, todas com o mesmo signifi-
idêntica a energia total E do sistema conhecida da
cado, ou seja, que existe uma energia armazenada
mecânica ou da eletrodinâmica. Entretanto, se o
no sistema, chamada de energia interna, U, que
sistema for capaz de trocar trabalho ou calor com o
pode ser alterada fazendo com que o sistema realize
meio, a variação na energia interna para uma mu-
trabalho δW, ou adicionando calor, δQ ao sistema.
dança de estado arbitrária (reversível ou irreversí-
Aqui vamos apresentar pelo menos três dessas for-
vel) é dada pela soma das várias formas de traba-
mulações para a Primeira Lei. São elas
lho δW possíveis e do calor δQ conhecida como
Primeira Lei da Termodinâmica que pode ser re- 1. A energia interna U de um sistema é uma fun-
sumida na equação ção de estado. Isto significa que a energia total
do sistema é sempre a mesma para um dado
dU = δW + δQ (2.1)
estado macroscópico.
Como discutido anteriormente, o trabalho, δW
2. Não há um moto-contínuo de primeira espé-
pode ser devido a variações em qualquer uma das
cie. Um moto-contínuo de primeira espécie é
variáveis extensivas relevantes, sejam elas mecâni-
um motor que gera energia de forma perma-
cas ou químicas. Em geral, teremos
nente, mas não troca essa energia com o meio.
δW = −pdV + JdL + σdA + E · dP
X 3. A variação da energia interna para uma varia-
+H · dM + φde + µ j dN j
j ção infinitesimal arbitrária de estado é um di-
(2.2) ferencial total.

onde dU, dV, dL, dA, dP, dM, de e dN j são dife- Note que as afirmações 1 e 3 são equivalentes
renciais exatos, mas δQ e δW não o são porque de- uma vez que se dU for uma diferencial total, existe

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2.3. Medição da quantidade de calor

uma função de estado U e vice-versa. A afirma- Se a diferença de temperatura ∆T = (T h − T c ) au-


ção 2 também é equivalente a afirmação 3 já que a menta, chega-se a um ponto em que emerge um pa-
existência de um moto-contínuo de primeira espé- drão bem organizado de linhas de convecção. O
cie iria contradizer a independência do caminho de valor limite de ∆T depende das propriedades do
integração ao se integrar um diferencial total. fluido, como o coeficiente de expansão térmica e a
Na natureza, o papel da energia é muito mais do viscosidade. O que é notável sobre esse padrão de
que apenas uma quantidade conservada, os fluxos convecção familiar é que ele emerge inteiramente
de energia são cruciais para a vida. Pode-se dizer do movimento caótico associado ao calor. Além
que os fluxos de energia têm um papel criativo, pois disso, o padrão de convecção organizado do fluido
desses fluxos emergem processos complexos que agora tem uma "função": aumenta a taxa de ca-
vão desde os ciclos biogeoquímicos globais até as lor para baixo. Este é um exemplo em que o fluxo
bactérias fotossintéticas. de energia leva um sistema a um estado organizado
que, por sua vez, aumenta o fluxo energia.
Devemos notar que o que nos interessa em um
O padrão de convecção existe enquanto houver
sistema termodinâmico não é apenas o seu estado,
fluxo de calor; se o fluxo de calor for interrompido,
mas também os processos que ocorrem nele e a
o sistema evolui para o equilíbrio e o padrão desa-
maneira como o sistema interage com o seu exte-
parece. Esses padrões em sistemas de não equilí-
rior. O estado de equilíbrio termodinâmico é es-
brio devem ser diferenciados dos padrões que po-
tático, desprovido de processos; neste estado, não
demos ver em um sistema em equilíbrio, como ca-
há baixo nível de energia ou matéria de um ponto a
madas de fluidos imiscíveis separados por diferen-
outro e nenhuma mudança química ocorre. Quando
ças de densidade. Os estados organizados em siste-
um sistema é desequilibrado por fluxos de energia
mas de não-equilíbrio são mantidos pelo baixo ní-
e matéria, entretanto, processos irreversíveis come-
vel de energia e matéria e, como pode ser demons-
çam a surgir dentro do sistema. Esses processos
trado, pela produção de entropia.
são irreversíveis na medida em que as transforma-
Na formulação da termodinâmica moderna, flu-
ções que eles causam têm uma direção definida. A
xos de matéria e energia são fluxos termodinâmi-
condução de calor é um exemplo de processo ir-
cos. As leis que os regem podem ser formuladas
reversível: o calor sempre flui em direção a uma
em termos termodinâmicos e essas leis empíricas
região com temperatura mais baixa, nunca na dire-
que regem o baixo calor e o resfriamento por radi-
ção oposta. O conceito de entropia, que será poste-
ação são conhecidas há séculos1 .
riormente, torna a noção de irreversibilidade mais
precisa; mas mesmo sem o conceito de entropia,
pode-se ver por meio de exemplos simples como 2.3 Medição da quantidade de
processos irreversíveis podem criar estrutura e or-
ganização em um sistema. calor
Por exemplo, consiste em um líquido colocado Na prática, as quantidades de calor são medidas
entre duas placas de metal. A placa inferior é man- pela quantidade de uma certa substância padrão as-
tida a uma temperatura T h , que é mais alta do que 1
Ver Apêndice ?? para apresentação de algumas leis co-
a temperatura da placa superior T c . A diferença de mumente usadas. Essas leis podem ser usadas para analisar
temperatura causará um fluxo de calor no líquido. os fluxos de calor em vários sistemas.

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2.4. Diferenciais exatos, inexatos e a Primeira Lei

sumida, à qual elas confeririam uma certa mudança mudanças idealizadas, infinitamente lentas. Nessa
de temperatura assumida e definida. A unidade de formulação, δQ não pode ser definido em termos de
calor comumente adotada é conhecida pelo nome um intervalo de tempo dt porque a transformação
de caloria. A caloria é a quantidade de calor ne- não ocorre no tempo finito; na verdade, a Termo-
cessária para elevar a temperatura de um grama de dinâmica Clássica não contém tempo algum. Este
água através de um intervalo de 1 ◦ C em uma de- ponto é claramente afirmado no conhecido texto de
terminada parte da escala termométrica. físico-química de Alberty e Silbey: "... A Ter-
De maneira simplificada, quando falamos em modinâmica está preocupada com os estados de
aquecer um corpo, estamos geralmente nos refe- equilíbrio da matéria e não tem nada a ver com
rindo a o tempo ...". É uma teoria baseada exclusivamente
em estados sem inclusão explícita de processos ir-
(a) que a temperatura do corpo está sendo ele-
reversíveis, como a condução de calor. Isso repre-
vada;
senta um problema: como Q não é uma função de
(b) que certa quantidade de calor está sendo trans- estado, a troca de calor δQ não pode ser especifi-
mitida ao corpo; cada exclusivamente pelos estados inicial e final.
Para superar essa dificuldade, um diferencial ine-
Essa ambiguidade geralmente não causa confusão xato δQ é definido para representar o calor trocado
no dia a dia, porque na maioria dos casos, as duas em uma transformação, uma quantidade que de-
operações (a) e (b) ocorrem simultaneamente. Mas pende dos estados inicial e final e do caminho de
se uma massa de gás é rapidamente comprimida, transformação. Processos reversíveis idealizados
sua temperatura pode estar aumentando enquanto, e infinitamente lentos ainda permanecem úteis por
ao mesmo tempo, cedendo calor aos corpos circun- algumas razões conceituais e nós os usaremos oca-
dantes; o gás seria então aquecido de acordo com a sionalmente, mas não restringiremos nossa apre-
definição (a) e resfriado de acordo com a definição sentação a processos reversíveis como muitos tex-
(b). Na termodinâmica, é desejável evitar o uso de tos fazem.
termos como aquecer ou resfriar um corpo, sempre
que qualquer ambiguidade puder surgir. Ao con- Considere a expansão de um gás a temperatura
trário, quando se fala de um corpo que está ficando constante (expansão isotérmica, veja a Figura 2.1).
mais quente ou mais frio, um aumento de tem- A temperatura constante é mantida por um reser-
peratura está sempre implícito, pois corpo quente vatório térmico, por exemplo, por um recipiente
e corpo frio são termos qualitativos que podem grande com água a uma temperatura T , que está
referir-se apenas à temperatura. ligada ao sistema e que está em equilíbrio térmico
com o mesmo. Podemos realizar a expansão iso-
térmica do gás do volume V1 para o volume V2
2.4 Diferenciais exatos, inexa- removendo a força externa Fa que atua no pistão
tos e a Primeira Lei e mantém o equilíbrio. Assim, o gás se expan-
dirá rapidamente até o volume V2 , enquanto du-
A maioria dos textos introdutórios sobre Termo- rante esse processo ocorrerão diferenças de pres-
dinâmica não inclui processos irreversíveis; eles são locais, turbulência e gradientes de temperatura
descrevem todas as transformações de estado como e densidade. Portanto, o sistema não pode ser des-

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2.4. Diferenciais exatos, inexatos e a Primeira Lei

crito pelas mesmas variáveis de estado, já que suas do sistema como,


várias partes podem assumir diferentes valores para Z 2 Z V2
suas variáveis. Ou seja, durante essa expansão não dW = − pdV
1 V1
podemos atribuir valores às quantidades de esta- Z V2
dV
dos macroscópicas. Só podemos fazer isso após o = −NkT
V1 V
restabelecimento de um estado de equilíbrio. Esse V2
!
processo acontece por si só e nunca se reverteria. = −NkT ln (2.4)
V1
Portanto, é irreversível.
Ao contrário da expansão irreversível, nosso sis-
tema realizou trabalho contra a força externa Fa .
Observamos que esse trabalho reversível do sis-
tema é o trabalho máximo que pode ser extraído
do sistema: não há como obter mais trabalho
de um sistema do que o trabalho reversível.
As expansões reais, é claro, estão entre os casos
extremos da expansão completamente irreversível
Figura 2.1: Sistema isotérmico. (∆W = 0) e a expansão completamente reversível
(∆W = −NkT ln [V2 /V1 ]). Os processos reversíveis
e irreversíveis de nosso exemplo são ilustrados na
Note ainda que o trabalho realizado pela expan- Figura 2.2.
são do sistema é zero, desde que se use um pistão
sem massa (ideal), e que a energia armazenada no irreversível quase-reversível
sistema foi então convertida em outro tipo energia,
essa forma de energia é justamente o calor.
Contudo, também podemos realizar essa expan-
são isotérmica de forma reversível, ou pelo me-
reversível
nos quase reversível, se diminuirmos a força em
cada etapa apenas em uma quantidade infinitesimal
e aguardarmos o estabelecimento de equilíbrio na
nova situação. A duração deste período de espera
Figura 2.2: Diferentes maneiras de se executar um pro-
depende do tempo de relaxação do sistema. As
cesso.
principais diferenças com a expansão irreversível
(isotérmica) são que, neste caso, as variáveis ter-
modinâmicas possuem valores definidos para cada No caso irreversível, podemos determinar ape-
etapa intermediária e que, por exemplo, a equação nas os estados inicial e final, enquanto todos os
de estado é aplicável. Se considerarmos um gás pontos da isoterma p − V são atingidos durante o
ideal2 , temos p = NkT/V e podemos calcular a processo reversível. Embora os estados inicial e
quantidade total de trabalho realizado na expansão final sejam idênticos para o processo reversível e
2
Esse sistema é amplamente discutido ao longo deste ma- irreversível, o trabalho realizado (balanço de ener-
terial. gia) é completamente diferente. Obviamente, o

Prof. Dr. Sebastião Mendanha 19


2.4. Diferenciais exatos, inexatos e a Primeira Lei

processo irreversível desperdiça trabalho. A pro- pende dos tipos possíveis de energia que o sistema
pósito, esse também é o caso se considerarmos a pode absorver ou emitir. Para muitos sistemas, es-
compressão isotérmica. Para um processo reversí- tes são, por exemplo, o calor δQ e trabalho mecâ-
vel, temos nico δWmec , além de energia química δWchem . Para
1 V1 qualquer um desses tipos de energia existe uma va-
Z Z
dW = − pdV
2 V2 riável de estado associada (por exemplo, T , V ou
Z V1
dV N), e é suficiente determinar essas três quantidades
= −NkT
V2 V para fixar todas as outras quantidades de estado.
!
V1 Iremos agora investigar algumas propriedades
= −NkT ln
V2 genéricas das funções de estado, e nos restringi-
!
V2
= −NkT ln >0 (2.5) remos a funções de duas variáveis de estado, por
V1
exemplo,
Aqui supõe-se que em cada passo a força exer-
z = f (x, y) (2.6)
cida no pistão seja apenas aumentada infinitesimal-
mente. Se, em vez disso, empurrarmos o pistão es- Muitas vezes, é impossível resolver uma equação
pontaneamente com grande esforço, teremos que de estado para uma certa quantidade, e é preciso se
gastar mais trabalho, que é consumido em turbu- contentar com uma equação implícita:
lências e finalmente transferido para o reservatório f (x, y, z) = 0 (2.7)
térmico na forma de calor.
Como podemos ver neste exemplo, o trabalho É característico das funções de estado, que elas de-
realizado na expansão isotérmica depende da ma- pendem apenas dos valores das variáveis de estado,
neira como o processo é finalizado, embora os es- mas não do caminho (isto é, da forma com que o
tados inicial e final sejam os mesmos nos dois ca- sistema atinge o equilíbrio termodinâmico) em que
sos. Este é um caso especial da experiência diária esses valores são assumidos. Se as variáveis de es-
de que o trabalho realizado em um processo e tam- tado sofrem uma variação dx e dy em relação aos
bém o calor transferido dependem não apenas do valores iniciais x e y, como é feito nas mudanças de
3
estado inicial e final do sistema, mas também da estado reversíveis, temos
! !
maneira de executar o processo. Isso, no entanto, ∂ f (x, y) ∂ f (x, y)
dz = dx + dy (2.8)
significa que trabalho e calor não são adequados ∂x y ∂y x

para descrever um estado macroscópico de uma Vamos introduzir agora uma notação mais geral
maneira única. Eles não são quantidades de es- e matematicamente conveniente. A Equação (2.8)
tado! Matematicamente, isso significa que traba- também pode ser interpretada como um produto es-
lho e calor não são diferenciais exatos (ou seja, to- calar do gradiente de f com o vetor (dxi + dyj) =
tais). dx ser escrita na forma
Se considerarmos uma quantidade de estado
d f (x) = ∇ f (x) · dx (2.9)
como uma função de certas outras variáveis de es-
3
É prática comum em termodinâmica denotar variáveis fi-
tado (por exemplo, T , p, etc.), estaremos tratando
xas na diferenciação parcial na forma ) x ou )y . Deve-se sem-
de uma função de estado. Como mostra a expe-
pre fazer isso com cuidado, pois y e x geralmente não são
riência, o número de variáveis de estado necessá- independentes um do outro, mas estão relacionados pelas leis
rias para caracterizar completamente um estado de- da termodinâmica.

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2.4. Diferenciais exatos, inexatos e a Primeira Lei

Uma propriedade desses diferenciais totais, que cial. É necessário e suficiente que
tem enorme importância para a termodinâmica, é
que a função original correspondente (função de ∇×F=0 (2.12)
estado) pode ser obtida, a menos de uma constante
ou
aditiva, através da integração de linha ao longo de ∂Fz ∂Fy
− =0 (2.13)
uma curva arbitrária. ∂y ∂z
Z ∂F x ∂Fz
− =0 (2.14)
f (x) − f0 (x) = ∇ f (x) · dx (2.10) ∂z ∂x
C
∂Fy ∂F x
− =0 (2.15)
A curva C vai de x0 = (x0 i + y0 j) a x = (xi + yj). ∂x ∂y
Se x(t) com t ∈ [0, 1] é a representação paramétrica Se F = ∇ f é válido, as Equações (2.13)-(2.15) se
desta curva, o cálculo explícito pode ser realizado reduzem a
fazendo ∂2 f ∂2 f
− =0 (2.16)
∂y∂z ∂z∂y
Z 1 !
dx(t)
f (x) − f0 (x) = ∇ f (x(t)) · dt (2.11) ∂2 f ∂2 f
0 dt − =0 (2.17)
∂z∂x ∂x∂z
Aqui o integrando é apenas uma função do pa- ∂2 f ∂2 f
− =0 (2.18)
râmetro t. Agora, a questão é quando um determi- ∂x∂y ∂y∂x
nado diferencial é total, ou equivalentemente, sob Isso, no entanto, significa apenas que temos o di-
quais condições a integração nas Equações (2.10) reito de trocar a sequência de diferenciação, que
ou (2.11) não depende do contorno da integração. certamente vale para uma função f (x, y, z) que é
Isso não é trivial, é claro, como já vimos ao consi- totalmente diferenciável. Assim, se um diferencial
derar o trabalho δW, que não é um diferencial total. F · dx é dado (com um número arbitrário de va-
A propósito, o problema relacionado às Equações riáveis), precisamos apenas provar a validade das
(2.10) e (2.11) já é conhecido da mecânica clássica, Equações (2.13)-(2.15) para saber se o diferencial
onde usamos o mesmo formalismo para calcular o é exato.
trabalho! Entretanto, no caso da mecânica clássica,
Exemplo 3. Considere o diferencial
o trabalho é um diferencial total, em contraste com
a termodinâmica, desde que a força possa ser de- F · dx = xydx + x2 dy (2.19)
duzida de um potencial via F = −∇V(r). A exis-
tência de um potencial é, no sentido matemático, ele não é exato já que
necessária e suficiente para que a Equação (2.10) ∂F x ∂Fy ∂(xy) ∂x2
seja independente do contorno de integração. Se − = − = −x 6= 0 (2.20)
∂y ∂x ∂y ∂x
um diferencial arbitrário F(x) · dx é dado, esse dife-
Por outro lado,
rencial é completo (ou total), se F(x) = ∇ f (x) para
um potencial f (x). A existência de um potencial F · dx = ydx + xdy (2.21)
ainda não é um critério muito prático para decidir
se um determinado diferencial é exato. No entanto, é exato já que
da mecânica clássica, conhecemos uma condição ∂F x ∂Fy ∂y ∂x
simples para decidir se uma força possui um poten- − = − =0 (2.22)
∂y ∂x ∂y ∂x

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2.4. Diferenciais exatos, inexatos e a Primeira Lei

Neste caso podemos calcular a função a qual o


diferencial é dado pela Eq. (2.21). Para isto, inte-
gramos ao longo do contorno
   
 x(t)   x0 + t(x − x0 ) 
C1 =   =   t ∈ [0, 1]
y(t) y0 + t(y − y0 )
(2.23)
e temos, de acordo com a Eq. (2.11)

f (x, y) − f0 (x0 , y0 )
Z 1 Figura 2.3: Representação dos contornos de integração.
 
= y0 + t(y − y0 ) (x − x0 )
0
+ [x0 + t(x − x0 )] (y − y0 )} dt
1 na parte 1 e
= y0 (x − x0 ) + (y − y0 )(x − x0 )
2 dx(t) dy(t)
1 =0 e =1 (2.29)
+x0 (y − y0 ) + (x − x0 )(y − y0 ) dt dt
2
= xy − x0 y0 (2.24) na parte 2.
Como pode ser visto, o resultado é idêntico à
Diferenciando, confirmamos que
! ! Equação (2.24). Para muitos casos práticos, a
∂f ∂f
=y e =x (2.25) curva C2 é muito conveniente. É possível construir
∂x y ∂y x um diferencial exato a partir de um diferencial não
Agora, vamos mostrar que o mesmo resultado é exato F(x) · dx pela multiplicação com uma fun-
obtido via uma outra curva C2 (Veja Fig. 2.3). En- ção apropriada g(x). A determinação da função
tão g(x), no entanto, requer a solução de um sistema de




 t 
 equações diferenciais parciais. Seja g(x)F(x) · dx o
   
   t ∈ [x0 , x] diferencial total correspondente. Temos então para
 x(t)   
 y0
C2 = 

  = 
   n variáveis que
y(t) 

  x 


   t ∈ [y0 , y]
t

 ∂   ∂ h i
(2.26) g(x)Fk (x) = g(x)F j (x) (2.30)
∂x j ∂xk
onde temos que adicionar as integrais sobre ambas
com j, k = 1, 2, · · · , n. Para um dado F(x), estas
as partes da curva (o parâmetro t não necessita ser
são as equações determinantes para a função des-
normalizado em (0, 1)):
conhecida g(x). A função g(x) é comumente cha-
Z x
f (x, y) − f0 (x0 , y0 ) = (y0 · 1 + t · 0) dt mada de fator de integração.
Z x0y
Podemos agora utilizar a metodologia de Clau-
+ (t · 0 + x · 1) dt
y0 sius para demonstrar que a energia interna é uma
= y0 (x − x0 ) + x(y − y0 ) função de estado, o que significa dizer que o di-
= xy − x0 y0 (2.27) ferencial4 δQ − δW é um diferencial exato. Em
seu primeiro artigo sobre termodinâmica, Clausius
onde
4
dx(t) dy(t) Vamos adotar o sinal negativo em δW apenas por conve-
=1 e =0 (2.28) niência matemática.
dt dt

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2.4. Diferenciais exatos, inexatos e a Primeira Lei

mostrou que o δQ − δW é um diferencial exato pelo As duas últimas equações, juntamente com a rela-
uso da equivalência entre trabalho térmico e me- ção dV + dV3 = dV2 + dV1 , nos permitem escrever
cânico. Clausius inicia seu raciocínio assumindo
!
que uma pequena quantidade δQ∗ de calor é tro- N2 N
dV1 = dV + − dT. (2.36)
cada quando o volume V e a temperatura T de um M2 M
gás mudam em dV e dT é dada por
As quantidades M1 e M2 estão relacionadas a M
δQ = M(V, T )dV + N(V, T )dT.

(2.31) por

Clausius considera então o calor total trocado em


∂M ∂M
um ciclo (pequeno) no sentido horário e argumenta M1 = M + dV2 − dT, (2.37)
∂V ∂T
que o calor trocado é dado por
! com
∂M ∂N
δQtotal = − dVdT, (2.32) ∂M
∂T ∂V M2 = M + dV. (2.38)
∂V
o que ele identifica como um diferencial de se-
gunda ordem. Para encontrar tal resultado, Clau- Note que ao assumirmos que o ciclo é infinitesimal,
sius argumenta que ao longo das isotermas do ciclo tanto M1 como M2 podem ser expressas como uma
mostrado na Figura 2.4, temos expansão de M. Sendo assim, para obter a Equação
(2.37) basta seguirmos ao longo das linhas adiaba-
tas (já que o que separa as linhas isotermas M e
M1 são as adiabatas, ou seja, quanto menores fo-
rem as adiabatas, mais próximas estarão as isoter-
mas), o que nos leva a variações tanto em V quanto
em T . Por outro lado, para obter a Equação (2.38)
basta seguirmos ao longo das linhas isotermas, o
que nos leva apenas em variações em V (ou seja,
quanto menores forem as isotermas, mais próximas
Figura 2.4: Ciclo de Carnot representado no diagrama
estarão as adiabatas) uma vez que a temperatura se
pressão-volume. As linhas ab e dc são isotérmicas, en-
mantém constante.
quanto as linhas ad e bc são adiabatas, e e f = dV ,
f g = dV3 , eh = dV2 e hg = dV1 . Já N2 está relacionado com N via

∂N
N2 = N + dV. (2.39)
∂V
δQ = MdV e δQ1 = M1 dV1 , (2.33)
Aqui usamos o mesmo raciocínio usado para ex-
e ao longo das linhas adiabatas
pandir M1 e M2 como função de M.
δQ2 = MdV2 − NdT = 0 (2.34) Destas relações encontramos

e ∂M N ∂M
!
δQ3 = M2 dV3 − N2 dT = 0. (2.35) M1 = M + − dT (2.40)
∂V M ∂T

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2.4. Diferenciais exatos, inexatos e a Primeira Lei

onde usamos a Equação (2.34), e No caso específico em que Xdx + Ydy é um dife-
"
N2 N
# rencial exato, Cauchy lembra que ∂Y/∂x = ∂X/∂y
dV1 = dV + − dT
M2 M e a integral se anula.
 
 N + ∂N
∂V
dV N  Em seguida, Clausius usa a Lei de Mayer e Joule,
= dV +  −  dT
M + ∂M dV M segundo a qual o trabalho é sempre transformado
 ∂N ∂V
na mesma quantidade de calor. Se uma certa quan-

 M dV − N ∂M dV 
= dV +  ∂V ∂V
  tidade de trabalho W é dissipada, a quantidade de
M M + ∂V dV
∂M
" # calor gerado q = AW onde A expressa o equiva-
1 ∂N ∂M N
= dV + − dVdT lente ao calor em termos de trabalho mecânico. O
M ∂V ∂V M
(2.41) recíproco de A é o equivalente mecânico do calor.
∂M Aqui, usamos uma prática que se tornou comum na
onde o termo M dV no denominador foi despre- termodinâmica, que é expressar calor em termos de
∂V
zado por se tratar de uma correção muito pequena unidade mecânica, o que equivale a dizer que uma
em M. quantidade se o calor Q está relacionado a q por
Estes dois resultados nos dão Q = q/A. Usando esse procedimento, a Lei de
!
∂N ∂M Mayer e Joule se torna Q = W, o que resulta na
δQ1 = M1 dV1 = MdV + − dVdT.
∂V ∂T igualdade de expressões (2.32) e (2.43),
(2.42)
e a subtração de δQ1 = M1 dV1 de δQ = MdV nos ∂M ∂N ∂p
− = . (2.45)
devolve o resultado (2.32). ∂T ∂V ∂T
Um resultado análogo para o trabalho líquido foi Como ∂p/∂T é diferente de zero, o lado esquerdo
obtido por Clausius. Começando pela expressão de (2.45) é diferente de zero e o δQ dado por
δW = pdV, onde p é a pressão do gás, ele encontra (2.31) não pode ser um diferencial exato, conclui
∂p
! Clausius. No entanto, se definirmos a quantidade
δWtotal = dVdT, (2.43)
∂T c = M − p, segue-se de (2.45) que ∂c/∂T = ∂N/∂V,
para trabalho líquido realizado pelo gás em um pe- que é a condição para cdV + NdT ser um diferen-
queno ciclo. Observamos que, em seu artigo de cial exato. Clausius chama esse diferencial de dU
1850, encontramos RdVdT/V em vez de (2.43) e escreve
porque ele usou a equação de gás ideal p = RT/V.
dU = (M − p) dV + NdT. (2.46)
No entanto, em um comentário a este artigo, ele
escreve a expressão geral (2.43). Assim, a equação (2.46) não pode ser integrada
Clausius realizou uma derivação original dos re- a menos que se conheça M, N e p como uma fun-
sultados (2.32) e (2.43), mas eles podem ser enten- ção de V e T . Isso foi realizado por Clausius para
didos como uma aplicação direta de um teorema um gás ideal. Além da equação de estado, Clausius
formulado por Cauchy em 1846. De acordo com usa outra lei que, segundo ele, é válida tanto quanto
esse teorema de Cauchy, a integral de contorno de a equação de estado. Quando um gás ideal se ex-
uma região em um plano está relacionada a uma pande isotermicamente, o calor absorvido é total-
integral sobre essa região, como segue mente transformado em trabalho, a partir do qual
I Z
∂Y ∂X
! δQ = δW = pdV ou dU = 0 ao longo de uma iso-
(Xdx + Ydy) = − dxdy. (2.44) terma. Numa forma equivalente (∂U/∂V) = 0, ou
∂x ∂y T

Prof. Dr. Sebastião Mendanha 24


2.5. Funções resposta

seja, a função U é independente de V, dependendo modinâmicas mais acessíveis do ponto de vista ex-
apenas de T . perimental. Elas nos fornecem informações sobre
A maneira como o calor é transformado no tra- como uma variável de estado específica muda à me-
balho mecânico foi o principal assunto de pesqui- dida que outras variáveis de estado independentes
sas sobre calor realizadas por Carnot. Suas inves- são alteradas sob condições controladas5 . Como
tigações o levam ao seguinte princípio fundamen- veremos nos próximos capítulos, elas também for-
tal. Quando um sistema passa por um processo necem uma medida do tamanho das flutuações em
cíclico composto por dois processos isotérmicos e um sistema termodinâmico. As funções de resposta
dois adiabáticos, a proporção do trabalho produ- podem ser divididas em (a) funções de resposta tér-
zido e o calor depende apenas das duas tempera- mica, tais como as capacidades térmicas, (b) fun-
turas. Neste princípio de Carnot, o calor era enten- ções de resposta mecânica, tais como a compressi-
dido como uma quantidade conservada que, neste bilidade e suscetibilidade, e (c) funções de resposta
caso, desce de uma temperatura alta para uma tem- química. Introduziremos algumas funções de res-
peratura baixa. Clausius modificou esse princípio posta térmica e mecânica nesta seção.
substituindo o calor pelo calor absorvido. Além
disso, ele usa a Lei de Mayer e Joule para afirmar
2.5.1 Funções de resposta térmica
que o trabalho W é o calor Q1 absorvido pelo sis-
tema em alta temperatura menos o calor Q2 libe-
rado pelo sistema em baixa temperatura ou, mais A capacidade térmica, C, é uma medida da quan-
precisamente, Q = Q1 − Q2 . tidade de calor necessária para elevar a tempera-
O princípio modificado de Carnot foi escrito por tura de um sistema em uma determinada quanti-
Clausius na forma Q1 /T 1 = Q2 /T 2 , em que T 1 e dade. Em geral, é definido como a derivada C =
T 2 são as temperaturas absolutas correspondentes (δQ/dT ). Quando medimos a capacidade térmica,
às duas isotermas. A generalização dessa expres- tentamos fixar todas as variáveis independentes,
são para qualquer ciclo leva Clausius ao resultado exceto a temperatura. Portanto, existem tantas ca-
de que δQ/T é um diferencial exato. Mais tarde, pacidades térmicas diferentes quanto combinações
ele escreveu dS = δQ/T e chamou S de entro- de variáveis independentes, e cada uma delas con-
pia. O calor infinitesimal absorvido por um sistema tém informações diferentes sobre o sistema. A se-
em equilíbrio torna-se relacionado ao diferencial de guir, derivaremos a capacidade térmica mantendo
entropia por δQ = T dS e constantes X e N j , C X,N j e em seguida, a capacidade
térmica mantendo constantes Y e N j , CY,N j .
dU = T dS − pdV (2.47)
Para obter uma expressão de C X , devemos assu-
que é a conservação de energia de forma diferen- mir que X, T e N j são variáveis independentes. Le-
cial, onde todos os diferenciais envolvidos são di- vando isto em consideração, a Primeira Lei pode
ferenciais exatos. 5
Ao longo deste texto ficará claro que as funções resposta
podem ser obtidas como primeiras derivadas de grandezas ob-
serváveis, ou como segundas derivadas de grandezas não ob-
2.5 Funções resposta serváveis, tais como os potenciais termodinâmicos, os quais
não podemos observar sua resposta em relação a uma varia-
As funções de resposta são as quantidades ter- ção de alguma quantidade de estado.

Prof. Dr. Sebastião Mendanha 25


2.5. Funções resposta

ser escrita como como expressão para a capacidade térmica.


X Para n mols de uma substância monatômica, es-
δQ = dU − YdX − µ j dN j
j sas equações simplificam. Vamos escrevê-las em
 
termos de quantidades molares. Podemos escrever
! !
∂U  ∂U 
= dT +  − Y  dX
∂T X,{N j } ∂X T,{N j } a capacidade térmica na forma
 
X  ∂U !  ∂U
!
∂u
!
+ 
 ∂N − µ j
 dN j C X,n = =n , (2.53)
j j T,X,{Ni6= j } ∂T X,n ∂T x
(2.48)
onde u = U/n é a energia interna molar e x = X/n é
Para X e {N j } constantes, temos que [δQ]X,{N j } = a densidade molar da variável extensiva mecânica.
C X,{N j } dT e encontramos A capacidade térmica molar6 é dada então por
! !
∂U ∂u
C X,{N j } = (2.49) cx = (2.54)
∂T X,{N j } ∂T x
como expressão para a capacidade térmica. de modo que
Para obter uma expressão para CY , devemos as- C X,n = nc x . (2.55)
sumir que Y, T e {N j } são variáveis independentes.
Da mesma forma, notemos que
Desta maneira, podemos escrever
! !
∂X
!
∂X
! ∂X ∂x
dX = dT + dY =n (2.56)
∂T Y,{N j } ∂Y T,{N j } ∂T Y,n ∂T Y
X ∂X ! e ! !
dN j . ∂U ∂u
j
∂N j T,Y,{Ni6= j } = . (2.57)
∂X T,n ∂x T
(2.50)
Portanto, a capacidade térmica molar para Y cons-
Se substituirmos a expressão para dX em (2.48), tante fica escrita como
vamos obter "
∂u
! #
∂x
!
  !  !  cY = c x −Y . (2.58)

  ∂U  ∂X 
 ∂x T ∂T Y
C X,{N j } +  ∂X − Y   dT
 
δQ =   
 T,{N j } ∂T Y,{N j } 

 ∂U
! 
 ∂X
! 2.5.2 Funções de resposta mecânica
+  − Y  dY
∂X T,{N j } ∂Y Y,{N j } Existem três funções de resposta mecânica que
 
são comumente usadas. Elas são a suscetibilidade
! !
X  ∂U
  ∂X
+  − Y 

j T,Y,{Ni6= j } isotérmica,

 ∂X T,{N }
  ∂N
j j !
 ∂X
∂U
! 
 χT,{N j } = (2.59)
+

− µ j dN j . ∂Y T,{N j }
∂N j T,X,{N } i6= j


6
Note que existem duas quantidades derivadas que especi-
(2.51)
ficam a capacidade de térmica como uma propriedade inten-
Para Y e {N j } constantes, temos que [δQ]Y,{N j } = siva, ou seja, independente do tamanho do sistema. Enquanto
CY,{N j } dT e encontramos a capacidade térmica molar é definida em termos do número
J
 !  ! de mols do sistema e tem unidade K·mol , a capacidade térmica
 ∂U  ∂X específica, frequentemente denominada simplesmente de ca-
CY,{N j } = C X,{N j } +  − Y 
∂X T,{N j } ∂T Y,{N j } lor específico, é definida em termos da quantidade de massa
(2.52) do sistema (puro) e tem unidade J
g·K .

Prof. Dr. Sebastião Mendanha 26


2.5. Funções resposta

a suscetibilidade adiabática Se escolhermos T e V como nossas variáveis inde-


! pendentes, U se tornará uma função dessas variá-
∂X
χS ,{N j } = (2.60) veis, de modo que:
∂Y S ,{N j }
! !
∂U ∂U
e a expansividade térmica dU = dT + dV (2.67)
∂T V ∂V T

∂X
! e (2.66) se torna
αY,{N j } = . (2.61) ! " ! #
∂T Y,{N j } ∂U ∂U
dT + + p dV = δQ. (2.68)
∂T V ∂V T
Usando as identidades do Apêndice ??, pode ser
Da mesma forma, tomando T e p como variáveis
mostrado que as funções resposta térmicas e mecâ-
independentes, temos:
nicas satisfazem as relações  ! ! 
 ∂U ∂V 
   2  +p  dT
χT,{N j } CY,{N j } − C X,{N j } = T αY,{N j } (2.62) ∂T p ∂T p
" ! ! #
∂U ∂V
2 + +p d p = δQ.
   ∂p T ∂p T
CY,{N j } χT,{N j } − χS ,{N j } = T αY,{N j } (2.63)
(2.69)
e
CY,{N j } χT,{N j } Finalmente, tomando V e p como variáveis inde-
= . (2.64) pendentes, obtemos:
C X,{N j } χS ,{N j }
!  ! 
∂U  ∂U 
d p +  + p dV = δQ. (2.70)
2.5.3 Sistemas pVT ∂p V ∂V p
Como visto anteriormente, a capacidade térmica
Vamos agora usar a metodologia desenvolvida
de um corpo é, por definição, a razão, δQ/dT , da
na seção 2.5.1 e aplicar a Primeira Lei a um sis-
quantidade infinitesimal de calor δQ absorvida pelo
tema, como um fluido homogêneo, cujo estado
corpo para o aumento infinitesimal na temperatura
pode ser definido em termos de duas das três va-
dT produzido por esse calor. Em geral, a capaci-
riáveis V, p e T . Qualquer função do estado do
dade térmica de um corpo será diferente conforme
sistema, como , por exemplo, sua energia, U, será
o corpo seja aquecido a volume constante ou a pres-
uma função das duas variáveis que foram escolhi-
são constante. Seja CV e C p as capacidades tér-
das para representar o estado.
micas a volume constante e a pressão constante,
Consideramos agora uma transformação infini-
respectivamente. Uma expressão simples para CV
tesimal do nosso sistema, ou seja, uma transforma-
pode ser obtida em (2.68). Para uma transformação
ção para a qual as variáveis independentes mudam
infinitesimal em volume constante, dV = 0; conse-
apenas em quantidades infinitesimais. Aplicamos
quentemente,
a essa transformação a Primeira Lei, expressa na !
 δQ  ∂U
forma CV = = . (2.71)
dT V ∂T V
dU + δW = δQ (2.65)
Da mesma maneira, usando (2.69) obtemos a se-
Como para o nosso sistema, δW é dado por pdV, guinte expressão
temos:  δQ  ∂U
!
∂V
!
Cp = = +p . (2.72)
dU + pdV = δQ. (2.66) dT p ∂T p ∂T p

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2.5. Funções resposta

O segundo termo, no lado direito, representa o térmica, a alteração de tamanho de um corpo pro-
efeito na capacidade térmica do trabalho realizado duzida por uma variação de temperatura.
durante a expansão. Um termo análogo não está A expansão corresponde a um aumento do espa-
presente em (2.71), porque nesse caso o volume é çamento interatômico médio. Assim, num corpo
mantido constante para que não ocorra expansão. sólido, se dois de seus pontos estão inicialmente à
Para os sólidos em geral, obtêm-se resultados pró- distância l0 , a variação ∆l dessa distância é propor-
ximos a 6 cal/mol◦ C. Este fato foi primeiro obser- cional a l0 . Para uma variação de temperatura ∆T
vado por Dulong e Petit. A Lei de Dulong e Petit suficientemente pequena, é também proporcional a
diz que a capacidade térmica molar (a volume cons- ∆T . Logo,
tante) de todos os sólidos, a temperatura suficiente- ∆l = α′ l0 ∆T (2.76)
mente elevada, aproxima-se de 6 cal/mol C. “ Su- onde a constante de proporcionalidade αY,{N } des-

j
ficientemente elevada”, significa uma temperatura crita anteriormente é comumente identificada como
≫ T D , onde T D é uma temperatura característica de coeficiente de dilatação linear, α′ .
cada substância, chamada temperatura de Debye.
∆l
l
Vemos que α′ = ∆T0 representa a variação per-
A temperatura de Debye é um parâmetro não estru- centual de comprimento por unidade de variação
tural que está relacionado com as vibrações da rede de temperatura. Embora α varie em geral com a
p
cristalina que compõe o sólido. Na verdade, este temperatura, podemos, para fins práticos, despre-
parâmetro nos fornece informações de quão rígida zar essa variação (enquanto não nos aproximamos
é a rede, ou seja, quanto maior for a temperatura de demasiado do ponto de fusão do sólido). Assim, se
Debye mais fortemente os átomos estão ligados e, l é o comprimento à temperatura T e l o compri-
T 0
consequentemente, menor é a vibração térmica dos mento à temperatura T , a (2.76) dá
0
mesmos. A explicação destes resultados foi forne-  
lT = l0 1 + α′ (T − T 0 ) . (2.77)
cida pela teoria quântica.
Nos sistemas pVT , as funções de resposta me- Para sólidos anisotrópicos, ou seja, aqueles cu-
cânica têm nomes especiais. Quantidades intima- jas propriedades variam com a direção como acon-
mente relacionadas às suscetibilidades isotérmicas tece com cristais, o coeficiente de dilatação linear
e adiabáticas são a compressibilidade isotérmica, assume valores diferentes em direções diferentes.
Para um corpo isotrópico, α′ é independente da di-
!
1 ∂V
κT,{N j } = − (2.73)
V ∂p T,{N j } reção. Se tivermos uma lâmina delgada de um só-
e compressibilidade adiabática lido isotrópico de lados l1 e l2 a variação percentual
! de sua área A devida a uma variação de temperatura
1 ∂V
κS ,{N j } = − , (2.74) T será
V ∂p S ,{N j }
∆A ∆(l1 l2 )
respectivamente. Por outro lado, a expansividade =
A l1 l2
térmica para um sistema pVT é definida ligeira- ∼ l1 2 + l2 ∆l1
∆l
=
mente diferente. Isto é l1 l2
1 ∂V
! ∆l 1 ∆l2
α p,{N j } = . (2.75) = + (2.78)
V ∂T p,{N j } l1 l2
o que nos leva a
Note que a ascensão da coluna de mercúrio num
∆A
termômetro exemplifica o fenômeno da expansão = 2α′ ∆T (2.79)
A

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2.6. Gases

e significa que o coeficiente de expansão superfi- qualquer corpo que obedeça à equação de estado7 ,
cial é 2α′ . pV = RT , de um gás ideal deve ser independente
Analogamente, a variação de volume de um pa- do volume V. Nesse ponto, no entanto, fornecere-
ralelepípedo de arestas l1 , l2 e l3 será mos uma prova experimental dessa proposição para
um gás; o experimento foi realizado por Joule. Em
∆V ∆l1 ∆l2 ∆l3
= + + = 3α′ ∆T. (2.80) um calorímetro, Joule colocou um recipiente com
V l1 l2 l3
duas câmaras, A e B, conectadas por um tubo (Fi-
e portanto que o coeficiente de expansão volumé- gura 2.5).
trica é 3α′ = α p .
Essas funções resposta se tornam ainda mais
simples se escritas em termos das densidades. As
compressibilidades isotérmica e adiabática ficam
!
1 ∂v
κT = − (2.81)
v ∂p T
e !
1 ∂v
κS = − (2.82)
v ∂p S

respectivamente, onde v = V/n é o volume molar.


Já a expansividade térmica assume a forma Figura 2.5: Calorímetro utilizado por Joule.
!
1 ∂v
αp = . (2.83)
v ∂T p
Ele encheu a câmara A com um gás e evacuou
B. As duas câmaras foram fechadas uma pela ou-
2.6 Gases tra por uma válvula no tubo de conexão. Após o
equilíbrio térmico, como indicado por um termô-
No caso de um gás, podemos expressar a depen- metro colocado dentro do calorímetro, Joule abriu
dência da energia com as variáveis de estado expli- a torneira, permitindo que o gás fluísse de A para
citamente e encontrar expressões para as funções B até que a pressão em todos os lugares do contêi-
resposta. Escolhemos T e V como variáveis inde- ner fosse a mesma. Ele então observou que havia
pendentes e provamos primeiro que a energia é uma apenas uma pequena alteração na leitura do termô-
função apenas da temperatura T e não depende do metro. Isso significava que praticamente nenhuma
volume V. Isso, como muitas outras propriedades transferência de calor do calorímetro para a câ-
dos gases, é aproximadamente verdadeiro para ga- mara foi realizada, ou vice-versa. Supõe-se que, se
ses reais e presume-se que represente exatamente
7
De fato, tal equação de estado pode ser escrita como
os gases ideais.
pV = NkT , onde k é a constante de Boltzmann. Na maioria
dos casos, N = NA partículas, isto é, um mol de partículas.
Nestes casos,
2.6.1 Gás ideal
J
NA k = R = 8, 31451 . (2.84)
Mais adiante deduziremos da Segunda Lei da K · mol
Termodinâmica o resultado de que a energia de A constante NA k = R é denotada como constante de gás.

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2.6. Gases

esse experimento puder ser realizado com um gás T , não é necessário especificar que o volume seja
ideal, não haveria mudança de temperatura. Agora mantido constante na derivada em (2.71); ou seja,
aplicamos a Primeira Lei à transformação acima. para um gás ideal, podemos escrever:
Desde que Q = 0, temos da equação dU +δW = δQ
dU
para o sistema composto pelas duas câmaras e pelo cV = (2.87)
dT.
gás que
dU + δW = 0 (2.85) Desde que cV é assumido como sendo constante,
podemos integrar uma vez para obter
onde δW é o trabalho realizado pelo sistema e dU é
a variação de energia do sistema. Como os volumes U = cV T + W (2.88)
das duas câmaras A e B que compõem nosso sis-
tema não mudam durante o experimento, nosso sis- onde W é a constante de integração8 a qual repre-
tema não pode executar nenhum trabalho externo, senta a energia restante no gás na temperatura do
ou seja, W = 0. Portanto, a energia do sistema e, zero absoluto.
portanto, a energia de o gás, não muda. Para um gás ideal, a Equação (2.66), que ex-
Vamos agora considerar o processo como um pressa a Primeira Lei da Termodinâmica para trans-
todo. Inicialmente, o gás ocupava o volume A e, formações infinitesimais, assume a forma:
ao final do processo, preenchia as duas câmaras A
e B; isto é, a transformação resultou em uma mu- cV dT + pdV = δQ (2.89)
dança no volume do gás. O experimento mostrou,
Diferenciando a equação de estado pV = RT para
no entanto, que não houve mudança resultante na
um mol de um gás ideal, obtemos:
temperatura do gás. Como não houve variação na
energia durante o processo, devemos concluir que
pdV + Vd p = RdT (2.90)
uma variação no volume a temperatura constante
não produz variação na energia. Em outras pala- Substituindo isso em (2.89), encontramos:
vras, a energia de um gás ideal é uma função ape-
nas da temperatura e não do volume. Portanto, po- (cV + R) dT − Vd p = δQ. (2.91)
demos escrever para a energia de um gás ideal:
Como d p = 0 para uma transformação a pressão
U = U(T ). (2.86) constante, esta equação nos dá:

Para determinar a forma dessa função, utiliza-


 δQ 
cp = = cV + R. (2.92)
mos o resultado experimental de que o calor especí- dT p

fico em volume constante de um gás depende ape- Ou seja, a diferença entre as capacidades térmicas
nas levemente da temperatura; assumiremos que, molares de um gás a pressão constante e a volume
para um gás ideal, o calor específico é exatamente constante é igual à constante de gás R.
constante. Nos próximos passos, sempre nos re-
8
Essa constante aditiva afeta os resultados finais dos cál-
feriremos a um mol de gás; cV e c p , portanto, as-
culos somente quando estão envolvidas transformações quí-
sim como anteriormente, denotam as capacidades
micas ou alterações dos estados de agregação das substâncias.
térmicas molares em volume e pressão constan- Em todos os outros casos, pode-se colocar a constante aditiva
tes, respectivamente. Como U depende apenas de igual a zero.

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2.6. Gases

O mesmo resultado também pode ser obtido a cilindro com paredes e pistão não condutores de ca-
partir de (2.72) e (2.88) e pV = RT . De fato, para lor e deslocando o pistão para fora ou para dentro
um gás ideal, temos de (2.88) e pV = RT que muito lentamente. Se permitirmos que um gás se
! ! ! expanda adiabaticamente, ele realiza um trabalho
∂U dU ∂V ∂ RT R
= = cV ; = = . externo, de modo que δW na Eq. (2.65) é posi-
∂T p dT ∂T p ∂T p T
(2.93) tivo. Como o gás é isolado termicamente, δQ = 0
Substituindo essas expressões em (2.72), obtemos e, portanto, dU deve ser negativo. Ou seja, a ener-
novamente (2.92). Pode ser demonstrado por uma gia de um gás diminui durante uma expansão adi-
aplicação da teoria cinética que: abática. Como a energia está relacionada à tempe-

3 ratura pela Eq. (2.88), uma diminuição na energia


cV = R para um gás monoatômico; significa também uma diminuição na temperatura
2
5 do gás. Para obter uma relação quantitativa entre
cV = R para um gás diatômico.
2 a mudança de temperatura e a variação de volume
(2.94)
resultante de uma expansão adiabática de um gás,
Assumindo esses valores, que estão de acordo com observamos que, como δQ = 0, a Eq. (2.89) se
os dados experimentais, deduzimos de (2.92) que: torna:
cV dT + pdV = 0. (2.98)
5
cp = R para um gás monoatômico;
2 Usando a equação de estado, pV = RT , podemos
7 eliminar p da equação acima e obter:
cp = R para um gás diatômico.
2
(2.95) RT
cV dT + dV = 0, (2.99)
V
Se definirmos ou
dT R dV
c p cV + R R + =0 (2.100)
γ= = =1+ , (2.96) T cV V
cV cV cV A integração da equação acima nos dá:
como sendo o coeficiente adiabático do gás, obte- R
ln T + ln V = constante. (2.101)
mos ainda cV
5 Invertendo as funções, obtemos:
γ = R para um gás monoatômico;
3 R

7 T V cV = constante. (2.102)
γ = R para um gás diatômico.
5
(2.97) Usando (2.96), podemos escrever a equação ante-
rior na forma:
Podemos ainda, utilizar a Primeira Lei para estu-
T V γ−1 = constante. (2.103)
dar as transformações adiabáticas de um gás. Diz-
se que uma transformação de um sistema termodi- Esta equação nos diz quantitativamente como uma
nâmico é adiabática se for reversível e se o sistema variação adiabática no volume de um gás ideal de-
for isolado termicamente, de modo que nenhum ca- termina a mudança em sua temperatura. Se, por
lor possa ser trocado entre ele e seu ambiente du- exemplo, expandirmos um gás diatômico adiabati-
rante a transformação. Podemos expandir ou com- camente para o dobro de seu volume inicial, des-
primir um gás adiabaticamente, fechando-o em um cobrimos de (2.103) (assumindo, de acordo com

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2.6. Gases

7
(2.97), que γ = ) que a temperatura é reduzida na convecção na troposfera que transportam continu-
5
proporção 1 : 20,4 = 1 : 1, 32. Usando a equação de amente o ar das regiões mais baixas para as mais
estado, pV = RT , podemos colocar a Eq. (2.103) altas e das regiões mais altas para as mais bai-
de uma transformação adiabática nas seguintes for- xas. Quando o ar do nível do mar sobe para as
mas: regiões basculantes de menor pressão, ele se ex-
pV γ = constante. (2.104) pande. Como o ar é um mau condutor de calor,
muito pouco calor é transferido do (ou para) ar em
T
 γ−1  = constante. (2.105) expansão, portanto, podemos considerar a expan-
p γ
são como sendo adiabática. Consequentemente, a
A Eq. (2.103) deve ser comparada com a equa- temperatura do ar ascendente diminui. Por outro
ção, lado, o ar das regiões superiores da atmosfera so-
pV = constante. (2.106) fre uma compressão adiabática e, portanto, um au-

de uma transformação isotérmica. No diagrama mento de temperatura quando vai para regiões bai-
(V, p), as isotermas são uma família de hipérbo- xas.
les equilaterais; as linhas adiabáticas representadas Para calcular a mudança de temperatura, vamos
pela Eq. (2.104), são qualitativamente semelhan- considerar uma coluna de ar de seção transversal
tes às hipérboles, mas são mais inclinadas porque unitária e concentrar nossa atenção em uma placa,
γ > 1. As curvas isotermas e adiabáticas estão re- de altura dh, com a face inferior a uma distância h
presentadas na Figura 2.6, a primeira pelas linhas acima do nível do mar. Se p for a pressão na face
contínuas e a segunda pelas linhas pontilhadas. inferior, a pressão na face superior será p + d p,
em que d p é a variação na pressão devido ao peso
do ar contido na placa. Se g é a aceleração da
gravidade e ρ é a densidade do ar, então o peso do
ar na placa é dado por ρgdh. Como um aumento na
altura é seguido por uma diminuição na pressão,
temos:
d p = −ρgdh; (2.107)
M Mp
ou, combinando pV = RT e ρ = = :
V RT
Figura 2.6: Diagrama pV mostrando isotermas (linhas gM p
contínuas) e adiabáticas (linhas pontilhadas). dp = − dh (2.108)
R T

onde M é a massa molecular média do ar; M =


28, 88. A derivada logarítmica de (2.105) nos for-
Exemplo 4. Uma aplicação interessante e simples nece:
da expansão adiabática de um gás é o cálculo da dT γ − 1 dp
= . (2.109)
dependência da temperatura da atmosfera na al- T γ p
tura acima do nível do mar. A principal razão Isto, junto com as equações anteriores nos dá
para essa variação de temperatura com a altura dT γ − 1 gM
acima do nível do mar é que existem correntes de =− . (2.110)
dh γ R

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2.6. Gases

Assumindo A Figura 2.7 mostra que alguns gases são descri-


7 tos pelo mesmo coeficiente virial, o que também é
γ= ; g = 980, 665;
5 verdade para as principais quantidades característi-
7
M = 28, 88; R = 8, 214 × 10 cas do potencial de interação U0 entre as partícu-
las. Essas quantidades características são o raio de
obtemos
dT
= −9, 8 × 10−5 graus/cm.
dh
= −9, 8 graus/km. (2.111)

Este valor é realmente um pouco maior que a


diminuição média observada de temperatura com
a altitude. A diferença se deve principalmente ao
fato de termos negligenciado o efeito da condensa-
ção do vapor de água nas massas de ar em expan-
são.

2.6.2 Gás real Figura 2.7: Coeficientes viriais para o gás de Argônio
É uma prática comum no estudo da Termodinâ- e Nitrogênio.
mica assumir que as equações de estado podem ser
expressas como polinômios de uma variável. Por interação r0 e a profundidade do potencial. Duas
exemplo, se a equação pV = NkT for adequada formas possíveis do potencial de interação entre os
para situações de baixa pressão (p ≈ 0), o ansatz átomos, por exemplo, de gases nobres estão ilustra-
das na Figura 2.8. Note que nos dois casos o poten-
2
pV = NkT + B(T )p + C(T )p + · · · (2.112) cial se anula para longas distâncias interpartículas;
o que faz com que esses gases possam ser apro-
deve ser uma equação de estado mais sofisticada
ximados a gases ideais desde que possuam baixa
para pressões mais elevadas. A Equação (2.112)
densidade (distância média entre as partículas su-
é conhecida como expansão virial, foi proposta
ficientemente longa). Para distâncias intermediá-
por Kamerlingh Onnes (1853-1926) e o termo B(T )
rias (≃ r0 ) o potencial tem uma região atrativa, en-
pode ser determinado experimentalmente. A quan-
quanto é fortemente repulsivo para distâncias muito
tidade B(T ) é denominada primeiro coeficiente vi-
curtas. Essa repulsão é causada por uma super-
rial.
posição das nuvens eletrônicas, já que as ligações
Se, por outro lado decidirmos expandir a equa-
químicas entre esses átomos não é permitida (não
ção de estado não em termos de baixas pressões,
existem orbitais moleculares mútuos). Desta ma-
mas em termos de baixas densidades, vamos obter
neira, podemos assumir que os átomos se compor-
uma equação análoga dada por
tam aproximadamente como esferas rígidas com
N  N 2
um certo volume próprio, o qual é dado pelo raio
pV = NkT + B′ (T ) + C ′ (T ) + · · · (2.113)
V V (médio) de suas nuvens eletrônicas. Além dessa re-
que também é conhecida como expansão virial. gião, entretanto, os átomos sentem uma força atra-

Prof. Dr. Sebastião Mendanha 33


2.6. Gases

tiva (interação de van der Waals). Portanto, os as- a interação entre as partículas, a qual é principal-
sim chamados gases simples (como por exemplo, mente atrativa (note que a princípio não existe res-
Ar, N2 , etc.) apresentam um comportamento simi- trição a liquefação de nenhum gás). Considere en-
lar. tão um volume contendo um gás de densidade de
N
partículas dada por . Dentro desse volume, as
V
forças entre as partículas serão zero na média. Por
outro lado, as partículas na superfície desse volume
irão sentir uma força efetiva na direção do interior
do volume. Isso significa que a pressão de um gás
real deve ser menor do que a de um gás ideal (Veja
a Figura 2.9). Podemos incluir essa correção na
equação de estado dos gases ideais se substituirmos
a pressa pressão dos gases ideais pid por preal + p0 ,
onde p0 é denominada pressão interna.

Figura 2.8: Representação dos potenciais de Sutherland


(linha pontilhada) e de Lennard-Jones (linha contínua).

As diferenças são devidas ao tamanho diferente


dos átomos (medido em termos de r0 ) e as diferen-
tes intensidades da interação (medidas em termos
de U0 ). Desde que o primeiro coeficiente virial tem
dimensão de volume, obteremos curvas similares
para todos os gases, se plotarmos B(T ) em unidades Figura 2.9: Ilustração da pressão interna em um gás
de volume atômico (ou molecular) próprio, ∼ r03 , e real.
a temperatura, a qual é intimamente relacionada a
energia cinética das partículas, em unidades da pro-
fundidade de U0 . Note que a Figura 2.7 mostra que
essas considerações são, de fato, corretas. Com pid = preal +p0 , é óbvio que a pressão do gás
Outra equação de estado aplicada a gases reais real é menor por um fator p0 do que a pressão de
é a equação de van der Waals (1873), a qual se um gás ideal. A pressão interna p0 , entretanto, não
torna plausível pela seguinte consideração: A equa- é apenas uma constante, mas depende da distância
ção pV = NkT negligencia o volume próprio das média entre as partículas e de como as várias partí-
partículas, o que leva V → 0 quando T → 0. Po- culas estão distribuídas na superfície do volume de
demos contornar esse problema substituindo V por controle. Ambas dependências são em uma aproxi-
uma quantidade V − Nb, onde b é uma medida para mação crua proporcionaisa densidade
2
de partículas
N N 
o volume próprio da partícula. , desta maneira, p0 = a , onde a é uma cons-
V V
Além disso, para um gás ideal desconsideramos tante. Desta maneira, a equação de van der Waals

Prof. Dr. Sebastião Mendanha 34


2.6. Gases

fica escrita como pode se imaginar a primeira vista, se adicionarmos


"  N 2 #
considerações sobre a transição de fase gás-líquido.
p+ a (V − Nb) = NkT. (2.114)
V Portanto, nos outros capítulos iremos discutir com
Aqui a e b são constantes que dependem do gás, mais detalhes os eventos na temperatura crítica.
e que são geralmente expressas por mol e não por Podemos notar ainda que obviamente, existe um
partícula. Note que as equações de estado não re- erro: para temperaturas muito pequenas e certos
querem nenhuma justificativa em termodinâmica! volumes a pressão se torna negativa. Isso signi-
Apenas devemos observar quando e em qual re- fica que a pressão interna é muito grande nessas
gião as quantidades de estado e a equação de estado regiões. Além disso, para pressões positivas exis-
fornecem uma descrição apropriada do comporta-
mento do sistema.
A uma temperatura fixa, a equação de Van der
Waals, (2.114), descreve a dependência p(V). No
plano p − V esta dependência é representada como
uma família de isotermas, cada uma das quais cor-
responde a uma determinada temperatura (Figura
2.10). Para investigar essa dependência em mais
detalhes, transformamos a equação de Van der Wa-
als da seguinte forma:
"  N 2 #
2
V p+ a (V − Nb) = NkT V 2
V
  Figura 2.10: Isotermas de van der Waals representadas
pV 2 + N 2 a (V − Nb) = NkT V 2 em um diagrama pV . Os melhores parâmetros a e b para
pV 3 − (pNb + NkT ) V 2 + aN 2 V − abN 3 = 0 a água foram adotados.
! 2 3
NkT 2 aN abN
V 3 − Nb + V + V− =0
p p p
(2.115) tem ainda regiões em que a pressão decresce com
a diminuição do volume, i. e., onde o sistema não
Para um valor fixo de p, a equação resultante é
pode ser estável, mas tende a se comprimir espon-
uma equação de terceiro grau em relação à variá-
taneamente para um volume menor. Mais uma vez,
vel V. Sabe-se que uma equação cúbica pode ter 1
essas inconsistências se tornam ilustrativas quando
ou 3 raízes reais. O primeiro caso ocorre para altas
estudarmos sobre a transição de fase gás-líquido.
temperaturas T (500 ◦ C e 600 ◦ C na Figura 2.10).
Para temperaturas suficientemente altas, a equa-
Com a redução da temperatura, uma região ondu-
ção de van der Waals se torna a equação dos gases
lada aparece na isoterma. Nesse caso, existem três
ideais. Além disso, uma aproximação muito uti-
raízes (200 ◦ C e 300 ◦ C na Figura 2.10). A tran-
lizada para a Equação de van der Waals pode ser
sição entre os dois tipos de isotermas (374 ◦ C na
obtida fixando a pressão interna como a pressão do
Figura 2.10) ocorre em uma determinada tempera- N p
gás ideal, ou seja, ≈ . Desta maneira, temos
tura T c , que é chamada de temperatura crítica. V kT
Como iremos ver nos próximos capítulos, a "
p2
#
Equação (2.114) é muito mais interessante do que p+ a (V − Nb) = NkT (2.116)
(kT )2

Prof. Dr. Sebastião Mendanha 35


2.6. Gases

ou Esta é uma equação notável porque implica que os


NkT
pV = + pNb. (2.117) gases têm estados correspondentes: a um determi-
1 + (kTpa)2
nado valor de volume reduzido e temperatura re-
Para baixas pressões e altas temperaturas temos duzida, todos os gases têm a mesma pressão re-
pa
que ≪ 1 e podemos expandir o denominador duzida. Essa declaração é chamada de Lei dos
(kT )2
para obter Estados Correspondentes ou Princípio dos Esta-
 a  dos Correspondentes, enunciada por van der Wa-
pV = NkT + N b − p + ···. (2.118)
kT als em uma publicação de 1880. Notando que as
Como podemos observar, a Equação de van der variáveis reduzidas são definidas inteiramente em
Waals também pode ser expressa pela expansão vi- termos das constantes críticas medidas experimen-
b−a
rial, com B(T ) = N . Se compararmos o pri- talmente, pc , Vc e T c , ele conjecturou que o prin-
kT
meiro coeficiente virial com as medições da Figura cípio tem uma validade geral, independente de sua
2.10, vamos encontrar uma concordância satisfató- equação de estado. De acordo com o Princípio dos
ria. Para altas temperaturas o coeficiente virial de- Estados Correspondentes, para um dado T r e Vr , as
terminado a partir da Equação de van der Waals se pressões reduzidas pr de todos os gases devem ser
aproxima do valor da constante b, a qual determina as mesmas (o que não é necessariamente o valor
a
o volume próprio das partículas. Para kT = , dado pela Equação (2.120)).
b
B(T ) = 0, e para baixas temperaturas kT → 0, O desvio do comportamento em relação ao do
e B(T ) se torna fortemente negativo. Note que a gás ideal é geralmente expresso pela definição de
Equação de van der Waals fornece ainda os coe- um fator de compressibilidade:
ficientes de mais alta ordem (C(T ) 6= 0, etc.) na V pV
Z= = (2.121)
expansão virial para baixas pressões. Videal RT
que é a razão entre o volume de um gás real e o do
2.6.3 Lei dos Estados Corresponden- gás ideal em uma dada T e p. O comportamento
tes do gás ideal corresponde a Z = 1. Para gases reais,
em baixas pressões e temperaturas, verifica-se que
Todo gás tem uma temperatura característica T c ,
Z < 1, mas para pressões e temperaturas mais altas,
pressão pc e volume Vc , que dependem do tama-
Z > 1. Verifica-se também que existe uma deter-
nho molecular e das forças intermoleculares. Em
minada temperatura, denominada a temperatura de
vista disso, pode-se introduzir variáveis adimensi-
Boyle, na qual Z é quase 1 e a relação entre p e V
onais reduzidas definidas por
é próxima à de um gás ideal. Uma maneira de veri-
T V p
Tr = , Vr = , (2.119) ficar experimentalmente a Lei dos Estados Corres-
pr =
Tc Vc pc pondentes é representar graficamente Z como uma
Van der Waals mostrou que, se sua equação for função da pressão reduzida pr para uma dada tem-
reescrita em termos dessas variáveis reduzidas, peratura reduzida T r . O fator de compressibilidade
obtém-se a seguinte equação universal, que é in- Z pode ser escrito em termos das variáveis reduzi-
dependente das constantes a e b: das:
!
8T r 3 pc Vc pr Vr pr Vr
pr = − 2. (2.120) Z= = Zc . (2.122)
3Vr − 1 Vr RT c T r Tr

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2.6. Gases

O valor de Zc pode não variar muito de um gás A equação de van der Waals e a lei dos estados
para outro. Por exemplo, para o gás de van der correspondentes, no entanto, têm suas limitações,
3
Waals, Zc = . Se assumirmos que Zc é constante, que o próprio van der Waals observou em sua Con-
8
então Z é uma função das variáveis reduzidas. ferência do Nobel de 1910:
Experimentalmente, para um dado pr e T r , o va- "... Mas um exame mais atento me mostrou que
lor de Vr e, portanto, de Z, pode ser obtido. Os as coisas não eram tão simples. Para minha sur-
valores experimentais de Z para diferentes gases presa, percebi que a quantidade pela qual o volume
podem ser representados graficamente como uma deve ser reduzido é variável, que em estado extre-
função de pr para um T r fixo. Se a Lei dos Es- mamente diluído essa quantidade, que observei b, é
9
tados Correspondentes for válida, para um deter- quatro vezes maior que o volume molecular - mas
minado valor de T r e pr , o valor de Z deve ser o que essa quantidade diminui com a diminuição do
mesmo para todos os gases. O gráfico mostrado na volume externo e cai gradualmente para cerca de
Figura 2.11 indica que a validade da Lei dos Es- metade. Mas a lei que rege essa redução ainda não
tados Correspondentes é bastante geral. Observe foi encontrada. ..."
que esta verificação experimental da Lei dos Esta- Van der Waals também notou que o valor expe-
pc Vc
dos Correspondentes não é baseada na validade de rimental de Zc = para a maioria dos gases
RT c
uma equação de estado particular. 3
não era = 0, 375, como previsto por sua equa-
8
ção, mas estava em torno de 0,25 (0,23 para água e
0,29 para Ar). Além disso, tornou-se evidente que
a constante de van der Waals a dependia da tempe-
ratura - Rudolf Clausius chegou a sugerir que a era
inversamente proporcional a T . Assim, os parâme-
tros a e b podem ser funções da densidade do gás
e da temperatura. Como resultado, uma série de
equações alternativas foram propostas para a des-
crição de gases reais. Por exemplo, engenheiros e
geólogos costumam usar a seguinte equação, co-
nhecida como equação de Redlich-Kwong:
RT a 1
p= − √ (2.123)
(V − b) T V (V + b)
Existem ainda outras equações tais quais a equação
de Dieterici
 a 
Figura 2.11: Isotermas do fator de compressibilidade Z p (V − b) = RT exp − (2.124)
RT V
(eixo y) em função da pressão reduzida pr (eixo x) para
e a equação de Berthelot
vários gases mostrando a validade da Lei dos Estados
Correspondentes. Em pressões muito baixas, o fator de
RT a
p= − (2.125)
(V − b) T V 2
compressibilidade se aproxima do valor do gás ideal Z =
1. 9 NA 4πr3
Volume molecular é o volume de moléculas para
3
um mol de moléculas esféricas de raio r.

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2.6. Gases

Note que as constantes a e b nesta equação diferem


daquelas na equação de van der Waals; elas podem
ser relacionados às constantes críticas e são tabula-
das da mesma forma que as obtidas para a equação
de van der Waals a e b. A limitação das equações
do tipo van der Waals e o princípio dos estados cor-
respondentes reside no fato de que as forças mole-
culares e o volume são quantificados com apenas
dois parâmetros, a e b. Conforme explicado ante-
Figura 2.12: Diagrama indicador.
riormente, dois parâmetros podem caracterizar as
forças entre moléculas pequenas muito bem, mas
moléculas maiores requerem mais parâmetros. processo reversível é dado por
Z Vf Z Vf
W0→ f = δW = pdV, (2.126)
V0 V0
2.6.4 Representação gráfica dos pro- cuja interpretação gráfica é imediata: é a área com-
cessos preendida entre a curva p = p(V) e o eixo dos V,
entre V0 e V f . Como p = p(V, T ), a curva fica defi-
Uma vez que um estado de equilíbrio termodi- nida por T = T (V), ou seja, por um caminho entre
nâmico de um gás homogêneo fica definido por 0 e f . Assim, na Figura 2.12, a área sombreada
um par de variáveis, por exemplo, (p, V), podemos representa W c , ou seja, o trabalho realizado ao
0→
−f
representá-lo por um ponto no plano p, V. Uma longo do caminho 0c f . Evidentemente, o trabalho
transformação termodinâmica reversível faz o sis- realizado ao longo de outros caminhos, tais como
tema passar por uma sucessão de estados de equi- 0a f o 0b f , seria diferente.
líbrio, o que corresponde a descrever uma curva Logo, o trabalho W0→ f depende do caminho pelo
nesse plano. Essa curva chama-se o diagrama in- qual se vai de 0 a f , ao contrário da variação de
dicador da transformação. Esta representação foi energia interna, U f − U f , que não depende do ca-
introduzida por James Watt, o inventor da máquina minho, mas tão somente dos estados inicial e final.
a vapor. É por isto que não existe uma função de estado W,
Como a temperatura T desse gás fica definida que representaria o trabalho contido num sistema
para (p, V), cada curva ou caminho para ir de um num dado estado, da mesma forma que U é a ener-
ponto 0 para um ponto f do plano define como va- gia interna do sistema nesse estado.
ria a temperatura ao longo do processo. Por exem- Como um dado caminho corresponde a um pro-
plo, na Figura 2.12, o caminho 0c f pode represen- cesso reversível, temos
tar uma porção de isoterma, ao longo da qual T =
W c = −W c (2.127)
constante. Os caminhos 0a f e 0b f são compostos 0→
−f f→
−0
de porções isóbaras, ao longo das quais p = cons- ou seja, se percorrermos o caminho em sentido in-
tante (p = p0 ou p = p f ), e de isócoras, ao longo verso, o trabalho associado troca de sinal. Um ca-
das quais V = constante (V = V0 ou V = V f ). minho em que o sistema volta ao seu estado inicial
O trabalho W0→ f realizado pelo sistema num chama-se um caminho fechado ou ciclo. Conforme

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2.7. Máquinas Térmicas I

ilustrado na Figura 2.13, o trabalho realizado pelo integração. No entanto, se esse ciclo realiza um tra-
sistema num ciclo corresponde à área contida den- balho utilizável, obviamente, uma quantidade cor-
tro da curva fechada. respondente de calor (extraída do meio) foi conver-
tida em trabalho (W = Q).
Vários ciclos termodinâmicos são possíveis, e
muitos deles descrevem de forma idealizada o fun-
cionamento de vários motores térmicos que encon-
tramos a nossa volta. Por exemplo, motores fun-
Figura 2.13: Ciclo. cionando segundo um ciclo conhecido como ciclo
Otto equipam a maioria dos automóveis de passeio
atualmente.
Com efeito, temos Motores de combustão interna são máquinas tér-
micas nas quais o calor recebido pelo ciclo tem ori-
W=W c +W d =W c −W d (2.128)
0→
−f f→
−0 0→
−f 0→
−f gem em uma reação química de combustão, que
ocorre dentro do motor . Eles utilizam os próprios
o que corresponde à área sombreada na figura da
gases resultantes da combustão como fluido de tra-
direita. Escrevemos então
I balho. Nos motores de combustão externa , ao con-
W= pdV (2.129) trário, o processo de combustão ocorre fora do mo-
tor, esquentando um outro fluido que realiza o ci-
e vemos que W > 0 quando o ciclo é descrito no clo. Uma locomotiva a vapor ou a turbina a gás
sentido horário; se o descrevermos no sentido anti- de uma usina termoelétrica operam com ciclos de
horário teremos W < 0. combustão externa. Uma usina nuclear também é
uma máquina térmica, mas não um motor a com-
bustão, uma vez que o calor vem de uma reação
2.7 Máquinas Térmicas I nuclear de fissão, na qual massa se transforma em
energia.
Os motores térmicos cíclicos desempenham um
Máquina a vapor é o nome genérico dado a um
papel extraordinariamente grande no desenvolvi-
motor que funciona pela transformação de energia
mento socioeconômico da humanidade. Neste con-
térmica em mecânica, através da expansão do vapor
texto, de um ponto de vista prático, os processos
de água . O primeiro motor a vapor foi proposto
termodinâmicos cíclicos são de especial interesse.
no final do século XVII, e estes foram aperfeiçoa-
Podemos dizer por exemplo (com o auxílio da Pri-
dos durante o século XVIII, e utilizavam-se do fato
meira Lei) que para um ciclo em que o sistema re-
que que um gás se contrai quando condensa e se
cupera o seu estado inicial depois de uma série de
expande quando evapora para realizar trabalho me-
mudanças de estado, a equação
cânico. Em seu ciclo, portanto, há uma transição
I
dU = 0 (2.130) de fase. O ciclo idealizado que descreve esse pro-
cesso (com uma condensação e uma evaporação) é
deve ser satisfeita, uma vez que dU é um diferen- chamado as vezes ciclo Rankine .
cial total e portanto, independente do caminho de No ciclo de Otto, que descreve de forma ideali-

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2.7. Máquinas Térmicas I

zada o funcionamento de um tipo de motor a com- Analisando o ciclo percebemos que os passos
bustão interna, a ignição do combustível é causada são caracterizados por
por uma faísca. No chamado ciclo de Diesel (que Passo 1 - Expansão isotérmica (sem variação na
também opera motores de combustão interna) é o temperatura) do volume Va para Vb com tempera-
próprio processo de compressão que inicia a rea- tura constante T 1 . Ou seja,
ção de combustão (não há faísca). Nenhum desses Vb pa
= . (2.131)
ciclos é tão eficiente quanto o ciclo de Carnot, e sua Va pb
eficiência (ao contrário do que ocorre com o ciclo Sabendo que a energia de um gás ideal não pode ser
de Carnot) depende de propriedades do fluido que alterada à temperatura constante, podemos escrever
realiza o ciclo (como por exemplo o calor latente que
de evaporação). ∆U1 = ∆W1 + ∆Q1 = 0. (2.132)
A seguir vamos descrever brevemente alguns ci-
Por outro lado, se utilizarmos a equação de estado
clos mais conhecidos e calcular a sua eficiência,
para o gás ideal
supondo sempre que o material de trabalho que o
execute seja um gás ideal com coeficiente adiabá- pV = NRT, (2.133)
tico γ.
encontramos

∆Q1 = −∆W1
2.7.1 Ciclo de Carnot
= pdV
Um processo cíclico utilizando um gás ideal Z
dV Vb
= NRT 1
como sistema foi primeiramente apresentado por Va V
!
Carnot (1824). A importância desse ciclo está re- Vb
= NRT 1 ln . (2.134)
lacionada com o fato de que ele pode ser ideali- Va
zado como caso limite de ciclos reais e além disso, Desde que Vb > Va , ∆Q1 > 0, ou seja, o calor ∆Q1
torna algumas ideias fundamentais claras. O ciclo foi retirado do meio e adicionado ao sistema.
de Carnot é composto por quatro passos reversíveis Passo 2 - Expansão adiabática (sem troca de ca-
sucessivos que podem ser ilustrados em um dia- lor) do volume Vb para Vc onde a temperatura muda
grama pV como o da Figura 2.14. de T 1 para T 2 . Ou seja,
!3/2
Vc T1
= . (2.135)
Vb T2
Desta maneira, a energia interna do sistema fica

∆U2 = ∆W2 = CV (T 2 − T 1 ), (2.136)

onde para o gás ideal CV = 23 Nk, com k represen-


tando a constante de Boltzmann.
Passo 3 - Compressão isotérmica do volume Vc
para Vd com temperatura constante T 2 . Ou seja,
Figura 2.14: Ciclo de Carnot em um diagrama pV . Vd pc
= . (2.137)
Vc pd

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2.7. Máquinas Térmicas I

Desta maneira, a energia interna do sistema fica Se reduzirmos o ciclo de Carnot em partes infi-
nitesimais teremos
∆U3 = ∆W3 + ∆Q3 = 0, (2.138) I
δQrev
= 0. (2.145)
e T
A experiência nos mostra que a quantidade δQrev /T
∆Q3 = −∆W3
é um diferencial exato e que a equação acima é vá-
= pdV lida para todos os processos cíclicos reversíveis e
Z Vd
dV não somente para o ciclo de Carnot. Em outras
= NRT 2
Vc V
! palavras, deve existir uma função de estado que é
Vd
= NRT 2 ln (2.139) igual a δQ/T . De fato, essa função de estado ex-
.
Vc
tensiva é a entropia S , a qual é definida via
Desde que Vd < Vc , ∆Q3 < 0, ou seja, o calor ∆Q3
δQrev
foi retirado do sistema e adicionado ao meio. dS =
T
Passo 4 - Compressão adiabática do volume Vd Z 1
δQrev
S1 − S0 = . (2.146)
para o Va onde a temperatura muda de T 2 para T 1 . 0 T
Ou seja, Verificamos também que o ciclo de Carnot rea-
!3/2
Va T2
= . (2.140) liza um trabalho ∆W efetivo uma vez que o traba-
Vd T1
lho realizado nos passos 3 e 4 é menor do que o
Desta maneira, a energia interna do sistema fica
realizado nos passos 1 e 2. Ou seja,
∆U4 = ∆W4 = CV (T 1 − T 2 ). (2.141)
∆W = ∆W1 + ∆W2 + ∆W3 + ∆W4
! !
Desta maneira, o balanço energético do ciclo fica Vb Vd
= −NRT 1 ln − NRT 2 ln
Va Vc
!
∆Utotal = ∆W1 + ∆Q1 + |{z}
∆W2 + Vb
| {z } = −NR(T 1 − T 2 ) ln
1 2 Va
+ ∆W3 + ∆Q3 + |{z}
∆W4 = −(∆Q1 + ∆Q3 ). (2.147)
| {z }
3 4
Uma vez que T 1 > T 2 e Vb > Va , essa é uma quan-
0 + CV (T 2 − T 1 ) +
= |{z}
| {z } tidade negativa. Ou seja, ∆W é realizado pelo gás.
1 2
Obviamente, a máquina de Carnot é uma máquina
0 + CV (T 1 − T 2 )
+ |{z}
3
| {z } que transforma calor em trabalho. Desta maneira,
4
a eficiência da máquina pode ser calculada como
= 0. (2.142)
|∆W|
Além disso, verificamos que η =
∆Q1
!−1 ∆Q1 + ∆Q3
Vb Vd =
= . (2.143) ∆Q1
Va Vc ∆Q3
= 1+ . (2.148)
Desta forma, com a ajuda das Equações (2.134) e ∆Q1
(2.139) obtemos que Se usarmos a Equação (2.144), obteremos
∆Q1 ∆Q3 T2 T1 − T2
+ = 0. (2.144) η=1− = . (2.149)
T1 T2 T1 T1

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2.7. Máquinas Térmicas I

Note que mesmo a máquina ideal de Carnot não quatro tempos é mais eficiente. A Figura 2.15 re-
transforma o calor ∆Q1 completamente em traba- presenta um ciclo de Otto, que descreve o funcio-
lho exceto para caso onde T 2 = 0 ou T 1 → ∞. De namento de um motor a gasolina de quatro tempos.
fato nenhuma máquina possui uma eficiência maior AB representa a compressão rápida (adiabática) da
do que a da máquina de Carnot e a impossibilidade mistura de ar com vapor de gasolina. Nessa etapa o
de se construir tal máquina nos leva a formulação
da Segunda Lei da Termodinâmica. Com isso te-
mos
Teorema de Carnot: Nenhuma máquina ope-
rando entre dois reservatórios (em temperaturas Th
e Tc ) é mais eficiente do que uma máquina de Car-
not operando entre eles.
Prova: como a máquina de Carnot é reversível,
ela pode funcionar ao contrário como um refrige-
rador. Use uma máquina não-Carnot para rodar a
máquina de Carnot para trás. Vamos denotar as tro-
cas de calor das máquinas não-Carnot e Carnot por
Qh , Qc e Q′h , Q′c , respectivamente. O efeito líquido Figura 2.15: Ciclo de Otto: formado por duas adiabáti-
das duas máquinas é a transferência de calor igual cas (Q = 0) e duas isocóricas (V = constante).
a Qh − Q′h = Qc − Q′c de T h para T c . De acordo
com o enunciado de Clausius para a Segunda Lei
V0
(será visto a seguir), a quantidade de calor transfe- gás passa de um volume V0 o para um volume r ,
rido não pode ser negativa, ou seja, Qh ≥ Q′ . Uma onde r é a chamada taxa de compressão. BC re-
h
vez que a mesma quantidade de trabalho W, está presenta um aquecimento a volume constante, e é
envolvida neste processo, concluímos que causado pela ignição e queima da mistura combus-
tível; CD é a expansão adiabática dos gases aque-
W W
≤ ′ , ⇒ ηCarnot ≥ ηnao−Carnot . (2.150) cidos, movendo o pistão e realizando trabalho; DA
Qh Qh
representa a queda de pressão associada à exaustão
Corolário: Todos as máquinas reversíveis (Car- dos gases da combustão.
not) têm a mesma eficiência universal η (T h , T c ), No ciclo Otto, as trocas de calor ocorrem nas
pois cada um pode ser usado para girar o outro para transformações isocóricas, a volume constante,
trás. onde não há trabalho realizado/recebido e nas
quais, portanto, a variação de energia interna é toda
2.7.2 Ciclo de Otto devida ao calor, ou seja

Foi implementado pela primeira vez pelo enge- ∆U = Q − W = Q (2.151)


nheiro alemão Nikolaus Otto, em 1876, e repre-
já que
senta de forma idealizada o que ocorre no motor da
W = p∆V = 0. (2.152)
maioria dos carros movidos a gasolina. Pode fun-
cionar em dois tempos ou quatro tempos. O motor Contudo, como visto anteriormente, para um gás

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2.7. Máquinas Térmicas I

ideal em um processo a volume constante, V0


Note que r = . Para rescrever esse resultado
VB
em função de r lembramos que, em uma adiabática,
Q = CV ∆T. (2.153)
pV γ = constante
Lembrando ainda que para um gás ideal com coe-
T V γ−1 = constante
ficiente adiabático γ,
T
= constante.
R p γ−1
CV = , (2.154) γ
γ−1
Portanto,
temos
TC VCγ−1 = T D VDγ−1
R
Q1 = QBC = (TC − T B ) . (2.155)
γ−1 T B VBγ−1 = T A VAγ−1 (2.161)

O trabalho total realizado pelo ciclo é Ou seja,


!γ−1
TD VC
W = WAB + WCD . (2.156) = (2.162)
TC VD
e !γ−1
Em uma adiabática, Q = 0 e portanto ∆U = −W. TA VB
= . (2.163)
Como a energia interna é uma função de estado, TB VA
∆U = U B − U A não depende do caminho escolhido Como VA = VD e VB = VC , temos TD
= TA
ou
TC TB
para ir de A a B, portanto, TD
= TC . Portanto,
TA TB

R (T D − T A )
WCD = −∆UCD = (TC − T D ) (2.157) η = 1−
γ−1 (TC − T B )
 
e T A TTA −1
D

= 1−  
R T B TTBC−1
WAB = −∆U AB = (T A − T B ) . (2.158)
γ−1 TA
= 1−
TB
Dessa maneira, encontramos !γ−1
1
= 1− . (2.164)
r
W = WCD + WAB
R
= (TC − T D + T A − T B ) 2.7.3 Ciclo de Diesel
γ−1
R
= [(TC − T B ) − (T D − T A )] , Representa de forma também idealizada o fun-
γ−1
(2.159) cionamento de um outro tipo de motor a combus-
tão interna, que opera os motores a diesel de ca-
logo minhões e utilitários. Nele a ignição do combustí-
vel é feita pelo próprio aquecimento causado pela
W
η = compressão. Foi inventado pelo engenheiro ale-
Q1
R
[(TC − T B ) − (T D − T A )] mão Rudolf Diesel em 1897, e permite taxas de
γ−1
= R compressão maiores que as dos motores que fun-
(TC − T B )
γ−1
(T D − T A ) cionam com o ciclo Otto. Na Figura 2.16 temos a
= 1− . (2.160) representação de um ciclo Diesel de quatro tempos.
(TC − T B )

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2.7. Máquinas Térmicas I

gia interna é uma função de estado, ∆U AB e ∆UCD


não depende do caminho escolhido, então
R
WAB = −∆UCD = − (T B − T A ) (2.169)
γ−1
e
R
WCD = −∆U AB = − (T D − TC ) . (2.170)
γ−1
Já o processo isobárico BC é Já o processo isobá-
rico BC é

Figura 2.16: Ciclo de Diesel: formado por duas adia- WBC = QBC − ∆U BC
báticas (Q = 0), uma isobárica ( p = constante) e uma = C p (TC − T B ) − CV (TC − T B )
isocórica (V = constante).
= R (TC − T B ) .
(2.171)
AB e CD são adiabáticas; a ignição ocorre a pres-
Portanto, o trabalho total no ciclo é
são constante (etapa BC), sem necessidade de uma
V0
faísca. a razão rc = entre os volumes máximo e W = WAB + WBC + WCD
V1
mínimo é chamada taxa de compressão. A taxa de R
= − (T B − T A ) + R (TC − T B )
V0 γ−1
expansão adiabática é definida como re = .
V2 R
Novamente, a eficiência de o ciclo é definida − (T D − TC )
W γ−1
como η = , onde W representa o trabalho reali- R γR
Q1 = (T A − T D ) + (TC − T B ) .
zado no ciclo e Q1 representa o calor absorvido da γ−1 γ−1
fonte quente. No ciclo de Diesel, o calor absorvido (2.172)
pela fonte quente ocorre no processo isobárico, a Podemos então calcular o rendimento como
pressão constante, então R γR
γ−1
(T A − T D ) + γ−1 (TC − T B )
Q1 = QBC = C p (TC − T B ) . (2.165) η = γR
(T − T )
γ−1 C B

Usando um gás ideal com coeficiente adiabático γ, 1 (T D − T A )


= 1− . (2.173)
γ (TC − T B )
temos

Cp = , (2.166) Como vimos anteriormente
(γ − 1)
portanto pV γ = constante
γR T V γ−1 = constante
Q1 = (TC − T B ) . (2.167)
γ−1 T
= constante.
O trabalho total realizado pelo ciclo é p γ−1
γ

W = WAB + WBC + WCD . (2.168) Desta maneira, usando a segunda igualdade nos
processos CD e AB teremos
Os processos AB e CD são realizados adiabatica-
mente (Q = 0) e portanto ∆U = −W. Como a ener- TC VCγ−1 = T D VDγ−1 (2.174)

Prof. Dr. Sebastião Mendanha 44


2.7. Máquinas Térmicas I

e 2.7.4 A escala de temperatura termo-


T A VAγ−1 = T B VBγ−1 . (2.175) dinâmica
Combinando essas equações com (2.173) temos
Como mostrado anteriormente, é pelo menos te-
  γ−1   
VC
− T B VVAB
γ−1
oricamente possível construir uma máquina de Car-
1 T C VD
η=1− . (2.176) not usando um gás ideal (ou qualquer outro sis-
γ (TC − T B )
tema de dois parâmetros) como substância de traba-
Mas, como VA = VD = V0 , VC = V2 e VB = V1 lho. Agora descobrimos que, independentemente
  γ−1
V2
 V γ−1  do material usado, design e construção, todos es-
1 T C V0 − T B V0
1

η = 1− . ses motores de Carnot cíclicos e reversíveis têm a


γ (TC − T B ) mesma eficiência teórica máxima. Como essa efi-
 V γ−1 T  V γ−1
2 B 1
1 V0 − TC V0 ciência máxima depende apenas das duas tempera-
= 1−  T
 . (2.177)
γ 1− B TC
turas, ela pode ser usada para construir uma escala
de temperatura. Essa escala de temperatura tem a
Como VA = VD , da relação no processo DA, temos
propriedade atrativa de ser independente das pro-
T B T A VC
!γ−1 priedades de qualquer material (por exemplo, o gás
= , (2.178)
TC T D VB ideal). Para construir tal escala, primeiro descobri-
mos como η (T 1 , T 2 ) depende das duas temperatu-
e como pB = pC no processo BC, temos também
ras da fonte quente T 1 e da fonte fria T 2 . Considere
!γ !1−γ
TA TB VA duas máquinas de Carnot funcionando em série, um
= . (2.179)
TD TC VD entre as temperaturas T 1 e T 2 e a outra entre T 2 e T 3
(T 1 > T 2 > T 3 ). Denote as trocas de calor e saídas
Sabendo que VA = VD = V0 , VC = V2 e VB = V1 ,
de trabalho das duas máquinas por Q1 , Q2 , W12 e
encontramos
!γ !1−γ Q2 , Q3 , W23, respectivamente. Observe que o ca-
TB TB V2 lor gerado pela primeira máquina é absorvido pela
=
TC TC V1 segunda, de modo que o efeito combinado é outro
V1
= . (2.180) máquina de Carnot (uma vez que cada componente
V2
é reversível) com trocas de calor Q1 , Q3 e saída de
Substituindo a Equação (2.180) em (2.177) temos trabalho W13 = W12 + W23 . Por sua vez, os calores
 V γ−1
2 V1
 V γ−1
1
estão relacionadas por
1 V0
− V2 V0
η=1−  V1
 . (2.181)
γ 1−  
V2 Q2 = Q1 − W12 = Q1 1 − η (T 1 , T 2 ) (2.183)
Multiplicando o numerador e o denominador por
V2
V0
, encontramos  
Q3 = Q2 − W23 = Q2 1 − η (T 2 , T 3 )
 V γ  V γ
2 1   
1 V0 V0
− = Q1 1 − η (T 1 , T 2 ) 1 − η (T 2 , T 3 )
η = 1− V V

γ 2
− V10 (2.184)
V0
 γ  γ
1 1
1 re − rc
= 1−   . (2.182)  
1
γ − 1 re rc
Q3 = Q1 − W13 = Q2 1 − η (T 1 , T 3 ) (2.185)

Prof. Dr. Sebastião Mendanha 45


2.8. Entropia - a Segunda Lei

A comparação das duas expressões finais produz é definida via Equação (2.146) como sendo a quan-
     tidade de calor reversivelmente trocada com o meio
1 − η (T 1 , T 3 ) = 1 − η (T 1 , T 2 ) 1 − η (T 2 , T 3 ) .
para uma temperatura T . Desde que a quantidade
(2.186)
de calor δQirr trocada em um processo irreversível
Esta propriedade implica que 1−η (T 1 , T 2 ) pode ser
f (T 2 ) é sempre menor do que a trocada em um processo
escrito como uma razão da forma , que por reversível, δQ , temos que
f (T 1 ) rev
T2
convenção é definida como , ou seja,
T1 δQirr < δQrev = T dS . (2.189)
Q2 T 2
1 − η (T 1 , T 2 ) = = (2.187) Em especial, para sistemas isolados temos que
Q1 T 1
δQrev = 0. Desta forma, em um sistema isolado
que pode ser reescrita como
a entropia é constante no equilíbrio termodinâmico
Th − Tc
η (T h , T c ) = (2.188) (reversibilidade), e tem um extremo já que dS = 0.
Th
A experiência nos diz que esse extremo é um má-
com T h e T c representando as temperaturas das fon- ximo. Por outro lado, todos os processos irreversí-
tes quente e fria, respectivamente. veis em sistemas isolados os quais levam ao equilí-
A Equação (2.188) define a temperatura a me- brio, são conectados por um aumento da entropia.
nos de uma constante de proporcionalidade, que é Está é a formulação da Segunda Lei, que pode ser
novamente definida escolhendo o ponto triplo da abreviada pela fórmula
água, gelo e vapor como sendo 273,160 K. Na ver- Segunda Lei da Termodinâmica: Para siste-
dade, executando um ciclo de Carnot para um gás mas isolados em equilíbrio temos
perfeito, pode-se provar que o gás ideal e as es-
calas de temperatura termodinâmica são equivalen- dS = 0, S = S max (2.190)
tes. Claramente, a escala termodinâmica não é útil
do ponto de vista prático; sua vantagem é concei- e para processos irreversíveis temos
tual, na medida em que independe das proprieda-
dS > 0. (2.191)
des de qualquer substância. Todas as temperaturas
termodinâmicas são positivas, pois de acordo com Em processos irreversíveis o sistema tende para um
a (2.188) o calor extraído de uma temperatura T é novo estado de equilíbrio. Durante este processo, a
proporcional a ela. Se existisse uma temperatura entropia do sistema aumenta, até atingir seu má-
negativa, uma máquina operando entre ela e uma ximo no equilíbrio. Note que a entropia de um
temperatura positiva extrairia calor de ambos os re- sistema também pode diminuir, se o sistema troca
servatórios e converteria a soma total em trabalho, calor com o meio. A entropia é obviamente uma
violando a declaração de Kelvin da Segunda Lei, a quantidade extensiva (que depende da quantidade
qual será vista logo a seguir. de matéria), uma vez que a energia interna, bem
como a quantidade de calor são quantidades ex-
2.8 Entropia - a Segunda Lei tensivas. Portanto, quando calor é trocado a uma
temperatura T , a entropia é uma quantidade aná-
A quantidade de estado entropia foi introduzida loga ao volume, quando o trabalho de compressão
por R. Clausius e por Thomson (Lord Kelvin). Ela é realizado contra uma pressão p. Para especificar

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2.8. Entropia - a Segunda Lei

isso, podemos denotar a Primeira Lei (para varia- Enunciado de Clausius: Nenhum processo é
ções de estado reversíveis) em uma forma explícita possível cujo único resultado é a transferência de
dada por calor de um corpo mais frio para um mais quente.

dU = δQrev + δWrev = T dS − pdV + µdN + · · · .


Note que o enunciado de Clausius da Segunda
(2.192)
Lei nega a possibilidade de um ciclo que transfere
Na equação acima estamos levando em considera-
calor de um reservatório de baixa temperatura para
ção todas as possíveis formas de energia que o sis-
um reservatório de alta temperatura sem realizar
tema pode trocar com o meio. Percebemos então
trabalho sobre o sistema. Ou seja, o fluxo de ca-
que a entropia faz parte de um conjunto de quan-
lor proveniente do reservatório de alta temperatura
tidades de estado extensivas (S , V, N, · · ·) as quais
para o reservatório de baixa temperatura pode ser
descrevem a mudança na energia interna sobre a
usado para realizar trabalho. Em contrapartida, o
influência de quantidades intensivas (T, p, µ, · · ·).
fluxo de calor só pode ser estabelecido do reser-
Na Equação (2.192), a energia interna é função das
vatório de baixa temperatura para o reservatório de
chamadas variáveis naturais S , V, N, · · ·. Desta ma-
alta temperatura se algum trabalho for realizado so-
neira, se a função U(S , V, N, · · ·) for dada, podemos
bre o sistema. O resultado é, por exemplo, um re-
determinar T, p, µ, · · · via
frigerador no qual o trabalho é realizado pelo com-

∂U ∂U ∂U pressor. Por outro lado, o enunciado de Kelvin da
T= , −p = µ= , .
∂S V,N,··· ∂V S ,N,··· ∂N S ,V,··· Segunda Lei nega a possibilidade de um ciclo que
(2.193)
converta todo o calor transferido para ele em traba-
Deste ponto de vista, a função U(S , V, N, · · ·) nos
lho. Contudo, o enunciado de Kelvin da Segunda
fornece então toda a informação sobre o sistema e
Lei não impede que o trabalho realizado pelo ci-
é chamada de relação fundamental. As Equações
clo seja nulo. Ou seja, o calor flui naturalmente do
(2.193) são as equações de estado correspondentes.
reservatório de alta temperatura para o reservatório
Portanto, as quantidades de estado intensivas são
de baixa temperatura sem realizar trabalho. Por-
derivadas a partir da relação fundamental com res-
tanto, como deveríamos esperar, os dois enunci-
peito as quantidades de estado extensivas corres-
ados são equivalentes!11
pondentes10 . A relação fundamental ilustra ainda
Note ainda que não há nada no enunciado ge-
que a entropia é uma nova noção em termodinâ-
ral da Primeira Lei que exija que o processo seja
mica e que o estado de equilíbrio é definido como
11
o estado de máxima entropia (dS = 0). De fato, as ideias que levaram à formulação da Segunda
Lei são de Carnot. Então, podemos apresentar formalmente a
Historicamente, temos dois enunciados para a
entropia S e a temperatura termodinâmica T por meio do que
Segunda Lei, são eles:
é comumente conhecido como teorema de Carnot.
Teorema de Carnot: Existem duas funções de estado, S e
Enunciado de Kelvin: Nenhum processo é pos- T , onde T é uma função positiva da temperatura empírica,
sível cujo único resultado é a conversão completa de modo que em qualquer mudança quase-estática infinite-
simal de estado em um sistema a transferência de calor é
de calor em trabalho.
δQrev = T dS .
Para completar essa definição de entropia, devemos acrescen-
10
Para uma derivação da função resposta térmica em ter- tar a afirmação de que a entropia aumenta em qualquer pro-
mos da entropia, veja o apêndice ?? cesso irreversível.

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2.8. Entropia - a Segunda Lei

executado em uma direção ou outra. A energia é Como o processo espontâneo original produziu
conservada quer optemos por obter trabalho a par- uma mudança de entropia positiva, sabemos que
tir do fluxo de calor ou por produzir fluxo de calor S 1 > S 0 . Portanto
a partir do trabalho realizado. A Segunda Lei, no Z 0
δQrev
entanto, impõe uma direcionalidade. O fluxo natu- < 0. (2.195)
1 T
ral de calor, quando nenhum trabalho é realizado, é
da alta para baixa temperatura. Consideramos agora que o processo espontâ-
A Segunda Lei também impõe limitações sobre o neo que resulta na mudança de estado inicial de
que podemos fazer. Se uma máquina térmica perde (0)→(1) torna-se infinitesimal, mas não desapa-
energia na forma de calor para um reservatório de rece. No limite, os estados (0) e (1) se tornarão
baixa temperatura, em certo sentido, essa energia é indistinguíveis e a integral em (2.195) se tornará
degradada. Só podemos usá-la em outro ciclo para uma integral em torno de um ciclo. E por isso, te-
obter trabalho se tivermos uma temperatura ainda mos I
mais baixa para a qual possamos exaurir o calor. δQirr
<0 (2.196)
ciclo T
Perdemos a possibilidade de usar essa energia de
baixa temperatura da mesma forma que usamos a se um processo irreversível ocorre em qualquer
energia armazenada no reservatório em alta tempe- parte do ciclo. Como a integral em torno do ciclo
ratura. Se permitirmos um fluxo natural de calor agora incorpora um processo irreversível infinite-
de alta para baixa temperatura sem produzir traba- simal, designamos a transferência de calor infini-
lho útil, perdemos uma oportunidade. Essa opor- tesimal como δQirr em vez de δQrev . Se nenhum
tunidade perdida é irreversível. Neste contexto, a processo irreversível ocorre, a integral desaparece
δQrev
entropia é uma medida de irreversibilidade. porque é um diferencial exato. Em geral, en-
T
tão, a Segunda Lei exige que
I
2.8.1 Desigualdade de Clausius δQirr
≤ 0. (2.197)
T
Podemos usar o fato de que a entropia deve au-
mentar em um processo espontâneo que ocorre em Essa é a desigualdade de Clausius. É um enunci-
um sistema isolado para obter uma desigualdade ado matemático completo da Segunda Lei, desde
integral que expresse elegantemente essa proprie- que acrescentemos o enunciado de que a igualdade
dade. Consideramos que um sistema isolado está só se mantém na ausência de qualquer processo ir-
em um estado termodinâmico (0) e que um pro- reversível no ciclo. Nesse caso δQirr → δQrev e a
cesso espontâneo ocorre dentro do sistema após o definição da entropia como
qual o sistema está no estado (1). Em seguida, ela- δQrev
dS = (2.198)
boramos um conjunto de processos reversíveis que T
trarão o sistema de volta ao estado (0). A mudança
emerge do fato de que a integral de dS em torno de
na entropia do sistema durante os processos rever-
um ciclo é nula.
síveis trazendo-o de (1) de volta para (0) é
Z 0
δQrev Exemplo 5. Para determinar a entropia de um gás
S0 − S1 = . (2.194) ideal, podemos usar a Relação Fundamental e a
1 T

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2.8. Entropia - a Segunda Lei

equação de estado dos gases ideais para escrever trabalho reversível para comprimir o gás. No en-
tanto, se o gás for irreversivelmente comprimido,
dU p
dS = + dV por exemplo, se de repente empurrarmos um pis-
T T
3 dT dV tão para dentro de um cilindro contendo o gás, uma
= Nk + Nk
2 T V parte do trabalho é gasta para criar turbulência e,
3 T V
S − S0 = Nk ln + Nk ln portanto, calor. Para comprimir um gás irreversi-
2 T V
 0 !3 !  0 velmente, precisamos, portanto, mais trabalho do
 T 2 V 
= Nk ln   que no caso reversível. Novamente, é o caso que
T0 V0 
  Wirr > Wrev = −pdV, (dV < 0). Portanto, na ex-
 T ! 52 p0 !
= Nk ln   pansão irreversível o sistema executa menos traba-
T0 p 
  lho do que no caso reversível, e para a compressão
!5 !
  T 2 p0 

  irreversível requer-se mais trabalho do que no caso
S (N, T, p) = S 0 + Nk  ln


  T0  .
p 
 
  reversível.
(2.199)
De forma bastante análoga, entende-se a segunda
desigualdade (2.200). Para efeitos de simplicidade,
2.8.2 Máquinas Térmicas II assumimos que um gás ideal tem (em equilíbrio)
a mesma temperatura após uma expansão reversí-
Agora somos capazes, contando apenas com a
vel ou irreversível. Já que a energia interna de
Primeira e a Segunda Leis da Termodinâmica, de
um gás ideal depende apenas da temperatura, se-
tirar conclusões de longo alcance sobre a transfor-
gue que dU = 0 e devido à Primeira Lei que
mação do calor em trabalho. A experiência resu-
dU = δQ + δW = 0. Portanto, o trabalho reali-
mida na Segunda Lei afirma que o trabalho execu-
zado pelo sistema na expansão, δW ≤ 0, é retirado
tado em processos reversíveis é o menor e o calor
do reservatório térmico tanto no processo reversí-
maior, ou seja
vel como no irreversível.
δWirr > δWrev = −pdV No entanto, para a expansão irreversível δWirr =
δQirr < δQrev = T dS 0 e, portanto, também δQirr = 0. Já na
(2.200) expansão reversível o sistema executa trabalho
δWrev = −pdV < 0, retirado do reservatório
Para a expansão reversível ou irreversível (com- térmico que fornece uma temperatura constante
pressão) de um gás ideal, fomos capazes de veri- (δQrev = −δWrev > 0). Portanto, δQirr < δQrev . Por
ficar a primeira desigualdade explicitamente. Se outro lado, para a compressão isotérmica, também
o gás ideal se expande para o vácuo sem realizar é válido que δWirr > δWrev > 0. No caso irre-
trabalho, temos Wirr = 0. No entanto, se o gás versível, o excedente de trabalho (em relação ao
se expande reversivelmente (sempre estando em caso reversível) é irradiado para o reservatório tér-
equilíbrio com uma força externa), realiza o tra- mico na forma de uma quantidade maior (em re-
balho Wrev = −pdV. Com dV > 0 segue-se as- lação ao caso reversível) de calor, e ainda temos
sim que Wirr = 0 > Wrev = −pdV. Se, por ou- que δQirr < δQrev < 0. Se agora temos um mo-
tro lado, o gás é reversavelmente comprimido, te- tor cíclico que leva o material de trabalho de volta
mos Wrev = −pdV > 0. É necessário um certo ao estado inicial após um ciclo, é válido de acordo

Prof. Dr. Sebastião Mendanha 49


2.8. Entropia - a Segunda Lei

com a Primeira Lei que do qual pode extrair energia térmica e um segundo
I reservatório (T = T c ) para absorver o calor residual
dU = 0 (2.201) do processo, ou seja, para resfriar o motor. Um mo-
tor que funciona com apenas um reservatório não
e que então
pode realizar trabalho utilizável em um processo
0 = ∆Wrev + ∆Qrev = ∆Wirr + ∆Qirr (2.202) cíclico. De acordo com a Primeira Lei, temos

Portanto, de todos os processos possíveis, os pro- 0 = ∆W + ∆Qh + ∆Qc . (2.203)


cessos reversíveis produzem a maior quantidade de
Já definimos a eficiência η como a fração
trabalho (este trabalho é executado pelo sistema e, |∆W|
(ver ciclo de Camot), que nos diz quanta
portanto, é contado como negativo) e requer a me- ∆Qh
energia térmica ∆Qh é transformada em trabalho
nor quantidade de trabalho (este trabalho é reali-
(∆W < 0, ∆Qh > 0, ∆Qc < 0):
zado no sistema e, portanto, é contado como posi-
tivo) para uma determinada troca de calor. A me- ∆W ∆Qh + ∆Qc
ηirr ≤ ηrev = − = (2.204)
lhor eficiência de transformar calor em trabalho é ∆Qh ∆Qh
alcançada por um motor trabalhando de forma re- Uma vez que o motor deve funcionar reversivel-
versível. Como já mencionado, processos reversí- mente, segue que
veis são uma idealização que não pode ser atingida
δQh = T h dS , δQc = −T c dS (2.205)
na realidade já que tais processos deveriam ocorrer
infinitamente devagar. Aqui dS é a mudança bem definida na entropia
Dito isto, queremos calcular a eficiência de um (função de estado) em uma pequena etapa parcial
processo cíclico reversível geral. Para isso con- do ciclo. Observe que aqui dS 6= 0, embora ocor-
sidere o esquema mostrado na Figura 2.17. Cada ram apenas estados de equilíbrio. A razão disso é
que o motor (material de trabalho) não é um sis-
tema isolado! Os sinais na Equação (2.205) corres-
ponde as direções ilustradas na Figura 2.17. Desde
que ∆W < 0 (trabalho realizado) temos
|∆W| T h − T c
η= = . (2.206)
∆Qh Th
Como visto anteriormente, para a eficiência, sem-
pre teremos η ≤ 1. A transformação do calor em
trabalho só estaria completa se pudéssemos evitar
a perda de calor (calor residual). Esta, no entanto,
só é possível se o reservatório de menor tempera-
tura tiver a temperatura (T c = 0). Por outro lado, a
Figura 2.17: Representação geral de uma máquina tér- partir da Equação (2.206) é óbvio que não apenas a
mica. temperatura do reservatório quente (por exemplo, a
temperatura da chama de um fogão) é importante,
motor precisa de um reservatório térmico (T = T h ) mas também a temperatura na qual o calor residual

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2.8. Entropia - a Segunda Lei

é irradiado (a temperatura de gases de exaustão). sinais de acordo com a figura, temos


Para obter uma alta eficiência, a última tempera-
tura deve ser tão pequena quanto possível. Um WA = ηA QhA
ponto importante de nossa consideração é que a WB = ηB QhB
Equação (2.206) sempre é válida, independente do QcA = QhA − WA
material de trabalho e das características técnicas QcB = QhB − WB .
da máquina térmica, pois se houvesse dois ciclos
(2.207)
reversíveis com diferentes eficiências, poderíamos
construir um moto perpétuo de segunda espécie. Se agora ajustarmos a máquina de tal forma que
QhA = QhB = Qh , então não haverá mudança no
Seria possível conectar os dois processos, con-
reservatório quente em uma escala de tempo longa,
forme mostrado na Figura 2.18.
uma vez que a mesma quantidade de calor é reti-
rada e bombeada de volta. Então

QcA = (1 − ηA ) Qh > QcB = (1 − ηB ) Qh (2.208)

já que ηB > ηA . Dessa maneira, o calor

∆Qc = QcA − QcB = (ηB − ηA ) Qh (2.209)

é efetivamente retirado do reservatório frio. Por-


tanto, o motor realiza o trabalho

WB − WA = (ηB − ηA ) Qh (2.210)

enquanto resfria o reservatório frio. Este é exa-


Figura 2.18: Representação de um moto perpétuo de tamente um moto perpétuo de segunda espécie,
segunda espécie. que realiza trabalho permanentemente e apenas res-
fria um reservatório de calor. Os vãos esforços
que duraram séculos para construir tal motor, que
não contradiz a Primeira Lei (energia) mas sim a
Segunda Lei (entropia), resultaram no reconheci-
A máquina térmica A funciona aqui no sentido
mento de que ∆Qc = WB − WA = 0, ou
inverso, ou seja, como uma bomba de calor que
expele a energia WA e o calor QcA do reservató- Th − Tc
ηA = η B = (2.211)
rio frio assim como calor QhA para o reservatório Th
quente. A energia WA é aqui gerada pela máquina para todos os processos reversíveis a temperaturas
B, que iremos supor que trabalhe com maior efici- T h e T c .
ência, de modo que resta uma quantidade de traba- Vamos agora considerar os diagramas de traba-
lho WB − WA . Se ηA e ηB denotam as eficiências lho de máquinas térmicas operando de acordo com
dos motores (com ηB > ηA ), então, se considerar- alguns ciclos que estudamos anteriormente. Na Fi-
mos apenas os valores absolutos e escolhermos os gura 2.19, o diagrama p − V e o diagrama T − S

Prof. Dr. Sebastião Mendanha 51


2.8. Entropia - a Segunda Lei

2.8.3 Parâmetros intensivos entrópi-


cos
Se, em vez de considerar a equação fundamental na
forma U(S , V, N, · · ·) com U como variável depen-
dente, escolhermos S como a dependente, podemos
executar um formalismo de forma invertida. Ado-
tando a notação X para as variáveis independentes,
escrevemos

S = S (X0 , X1 , · · · , Xt ) (2.213)

Tomando uma variação infinitesimal para obter


Figura 2.19: Diagramas de trabalho para motores ope- t
rando de acordo com os ciclos de Otto e Carnot, respec-
X ∂S
dS = dXk . (2.214)
tivamente. k=0
∂Xk

∂S
As quantidades são denotadas por F − k, com
∂Xk
são representados para o ciclo de Camot e de Otto.
O trabalho executado por cada ciclo corresponde à ∂S
FK = . (2.215)
∂Xk
área hachurada
Observando cuidadosamente que variáveis são
mantidas constantes nas várias derivadas parciais
I I
∆W = − pdV = T dS . (2.212)
podemos demonstrar que
1 Pk
F0 = , Fk = − (k = 1, 2, 3, · · ·) (2.216)
e é exatamente tão grande quanto a diferença dos T T
calores ∆Qh = T h ∆S e ∆Qc = T c ∆S (veja as áreas A despeito da íntima relação entre os Fk e os Pk ,
marcadas na figura). existe uma diferença muito importante em princí-
Processos reais, como por exemplo em um motor pio. A saber, os Pk são obtidos diferenciando uma
de ciclo Otto, se desviam mais ou menos deste dia- função de U, · · · , X j , · · · e são considerados como
grama. Os materiais de trabalho não se comportam funções destas últimas variáveis. Isto é, em um
de maneira ideal e os processos são, na maioria dos caso a entropia é um membro do conjunto de pa-
casos, fortemente irreversíveis. Além disso, em tais râmetros independentes, e no segundo caso a ener-
motores, o material de trabalho é trocado após um gia interna é um tal membro. Ao executar manipu-
ciclo. Por causa da irreversibilidade, o equilíbrio lações formais em termodinâmica é extremamente
termodinâmico não é alcançado em motores reais, importante fazer um acordo definitivo com uma ou
mas os processos estão ligados a fortes turbulên- outra destas escolhas e aderir rigorosamente a esta
cias e gradientes de pressão (especialmente na fase escolha. Grande parte das confusões resulta de
de combustão), de modo que os diagramas descre- uma vacilação entre estas duas alternativas dentro
vem apenas propriedades médias (temperatura mé- de um único problema. Se a entropia é conside-
dia, pressão, etc.). rada dependente e a energia independente, como

Prof. Dr. Sebastião Mendanha 52


2.9. Limite de T → 0 - a Terceira Lei

em S = S (U, V, N, · · · .), nós nos referiremos a aná- mais baixo. Uma declaração alternativa da Ter-
lise como estando na representação da entropia. Se ceira Lei, e uma consequência direta da afirma-
a energia é dependente e a entropia é independente, ção acima, é impossível chegar a zero absoluto
como em U = U(S , V, N, · · ·), nos referiremos a em um número finito de etapas se um processo
análise como estando na representação da energia. reversível for usado. Esta declaração alternativa é
O desenvolvimento formal da termodinâmica facilmente demonstrada por meio de um gráfico no
pode ser executado ou na representação da ener- plano S −T . Na Figura 2.20, traçamos as curvas em
gia ou na representação da entropia somente, mas função de S e T para dois estados Y = 0 e Y = Y1
para a solução de um problema particular ou uma para um sistema arbitrário. Podemos resfriar o sis-
ou outra representação pode mostrar ser de longe
a mais conveniente. Assim, desenvolveremos as
duas representações em paralelo, embora a discus-
são apresentada em uma representação geralmente
exige apenas um breve passada de olhos na repre-
sentação alternativa.
A relação S = S (U, · · · , X j , · · ·) é dita ser a re-
lação fundamental entrópica, o conjunto de variá-
veis X0 , · · · , X j , · · · é chamado o conjunto de parâ-
metros extensivos entrópicos, e o conjunto de va-
riáveis F0 , · · · , F j , · · · é chamado o conjunto de va-
riáveis intensivas entrópicas. Similarmente, a re- Figura 2.20: Diagrama S − T . O fato de que as curvas
lação U = U(S , · · · , X j , · · ·) é dita ser a relação Y = 0 e Y = Y1 devem se aproximar do mesmo ponto
fundamental energética; o conjunto de variáveis (a Terceira Lei) torna impossível chegar a zero absoluto
S , · · · , X j , · · · é chamado de conjunto de parâmetros por um número finito de etapas reversíveis.
extensivos energéticos; e o conjunto de variáveis
T, · · · , P j , · · · é chamado de conjunto de variáveis tema alternando entre os dois estados, adiabatica-
intensivas energéticas. mente e isotermicamente. Relembrando que
! ! !
∂T ∂T ∂S
=− (2.217)
∂Y S ,N ∂S Y,N ∂Y T,N
2.9 Limite de T → 0 - a Terceira
e sabendo que na a estabilidade térmica12 requer
Lei !
∂S
≥ 0, (2.218)
∂T Y
A Terceira Lei foi proposta pela primeira em
1906 e é uma consequência da mecânica quântica. a Equação (2.217) nos diz que se T diminui à me-
A grosso modo, um sistema em temperatura zero dida que Y aumenta isentropicamente, então S deve
cai em seu estado quântico mais baixo e, neste sen- diminuir à medida que Y diminui isotermicamente,
tido torna-se completamente ordenado. Se a entro- como mostrado na Figura 2.20. Para o processo
pia pode ser pensada como uma medida de desor- 1 → 2 mudamos do estado Y = Y1 para o estado
dem, então em T = 0 K ela deve assumir seu valor 12
Ver próximo capítulo.

Prof. Dr. Sebastião Mendanha 53


2.10. Equação de Euler e a relação de Gibbs-Duhem

Y = 0 isotermicamente, comprimindo assim calor, disciplina de físico-química. Entretanto, como a


e a entropia diminui. Para o processo 2 → 3, au- Alemanha era particularmente dependente da in-
mentamos Y adiabaticamente de Y = 0 para Y = Y1 dústria química, o próximo grande passo da termo-
e assim diminuímos a temperatura. Podemos repe- dinâmica veio da Alemanha, com raízes em proble-
tir esses processos quantas vezes desejarmos. No mas associados à indústria química. A Terceira Lei
entanto, conforme nos aproximamos T = 0 K, sa- foi proposta por Walther Nernst enquanto ele ten-
bemos pela Terceira Lei que as duas curvas devem tava resolver o problema de cálculo das constantes
se aproximar do mesmo ponto e devem, portanto, de equilíbrio para as reações. Note que a Terceira
começar a se aproximar, tornando-se assim impos- Lei não introduz um novo conceito na teoria termo-
sível alcançar T = 0 K em um número finito de dinâmica, mas é uma lei que descreve o comporta-
passos. Outra consequência da Terceira Lei é que mento da entropia para sistemas à baixas tempera-
certas derivadas da entropia devem se aproximar de turas. Em outras palavras, a Terceira Lei pode ser
zero quando T → 0 K. Vamos considerar um pro- entendida como a impossibilidade por qualquer sé-
cesso em T = 0 K de modo que Y → Y + dY e rie finita de processos atingir a temperatura do zero
X → X + dX. Então, a mudança na entropia se Y, T absoluto (T = 0 K). Logo, percebemos que é im-
e N são escolhidas como as variáveis independen- possível, mesmo em princípio, existir uma máquina
tes é (suponha que dN = 0) térmica que possua uma eficiência de 100% (vide
!
∂S ciclo de Carnot). Um valor de referência específico
dS = dY, (2.219) foi necessário para a entropia, a fim de que Nernst
∂Y N,T =0
fosse capaz de calcular as constantes de equilíbrio
ou se X, T e N são escolhidas como independentes,
para reações de gases de alta temperatura e a Ter-
obtemos !
∂S ceira Lei resolve esse problema. Além disso, em
dS = dX. (2.220)
∂X N,T =0 termos práticos, a Terceira Lei não tem efeito so-
Assim, se os estados (Y, T = 0 K) e (Y + dY, T = bre a formulação de Gibbs. No entanto, ela tem
0 K) ou os estados (X, T = 0 K) e (X + dX, T = sido indispensável para estudos de equilíbrio quí-
0 K) são conectados por um processo reversível, mico e motivado estudos criogênicos (estudos de
devemos ter dS = 0 (Terceira Lei) e, portanto, baixa temperatura).
!
∂S
=0 (2.221)
∂Y N,T =0
e !
∂S
= 0. (2.222)
2.10 Equação de Euler e a rela-
∂X N,T =0
As equações acima são geralmente satisfeitas para ção de Gibbs-Duhem
substâncias reais.
A Primeira e a Segunda Leis da Termodinâmica Considere a Primeira Lei aplicada para mudan-
são consideradas dois grandes princípios da ciên- ças de estado reversíveis de um sistema que é o
cia. Estes foram cuidadosamente amarrados por J. mais geral possível. Estamos considerando tam-
W. Gibbs no final do século XIX. Então, possuía- bém que o sistema possui K espécies de partícu-
mos o que era aparentemente uma ciência completa las (componentes químicos), cada um dos quais
do calor e do movimento. Com isso, veio a nova tem seu respectivo número de partículas e poten-

Prof. Dr. Sebastião Mendanha 54


2.10. Equação de Euler e a relação de Gibbs-Duhem

cial químico. Assim temos que O que significa que a equação de Euler dada por
K
X
dU = T dS − pdV + µi dNi . (2.223)
i=1

Assim, a energia interna extensiva U deve ser inter-


X
U = T S − pV + µi Ni , (2.229)
pretada como uma função das variáveis de estado i

extensivas S , V, N, · · · , NK . De maneira geral, uma


variável de estado extensiva é proporcional ao ta-
manho absoluto do sistema. Especialmente para a
é válida. Em outras palavras isto significa que a
energia isto significa que
Equação (2.223) pode ser trivialmente integrada.
U(αS , αV, αN1 , · · · , αNK ) = αU(S , V, N1 , · · · , NK ), Se calcularmos o diferencial total da equação de
(2.224) Euler iremos encontrar que
onde α representa um fator de ampliação. Ou seja,
a energia é uma função homogênea de primeira or-
dem. Por outro lado, as variáveis intensivas são X X
funções de ordem zero das variáveis extensivas dU = T dS −pdV+ µi dNi +S dT −Vd p+ Ni dµi .
i i
T (αS , αV, αN1 , · · · , αNK ) = T (S , V, N1 , · · · , NK ). (2.230)
(2.225) Se compararmos a equação acima com a Equação
Isto é, elas não mudam se o sistema for dividido ou (2.223), encontramos que
duplicado.
Agora, se considerarmos um aumento infinitesi-
mal do sistema (α = 1 + ǫ com ǫ ≪ 1), podemos X
S dT − Vd p + Ni dµi = 0 (2.231)
expandir o lado esquerdo da Equação (2.224) na
i
forma

U((1 + ǫ)S , · · ·) = U + ǫU
∂U ∂U
=U+ ǫS + ǫV+ deve ser sempre satisfeita. A Equação (2.231) é
∂S ∂V
∂U chamada de relação de Gibbs-Duhem e significa
+ ··· + ǫNK . que as variáveis intensivas T , p, µ1 , · · · , µK as quais
∂NK
(2.226) estão conjugadas com as variáveis extensivas S , V,
Como de acordo com (2.223) (equações de estado) N1 , · · · , NK não são todas independentes umas das
outras.
∂U ∂U ∂U
= T, = −p, · · · , = µK
∂S ∂V ∂NK
(2.227)
segue que

U((1 + ǫ)S , · · ·) = U + ǫT S − ǫ pV + · · · + ǫµk Nk


 
 X  Exemplo 6. Por sua vez, o potencial químico de
= U + ǫ T S − pV + µi Ni  .
i
um gás ideal pode ser calculado com o auxílio da
(2.228) equação de Gibbs-Duhem na forma

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2.10. Equação de Euler e a relação de Gibbs-Duhem

0 = S dT − Vd p + Ndµ
S V
dµ(p, T ) = − dT + d p
N N
 ! 25 !

 
 T p 0 

 dp
s ln dT kT
  
= −k  0 +  T0 +
p  p

  

Z T   ! 5 ! 
  T 2 p0  
s ln dT +
 
µ − µ0 = − 0 + 
 T0 
p 


  


T0
Z p
dp
+ kT
p0 p
5 T
µ(p, T ) = µ0 (p0 , T 0 ) − s0 k(T − T 0 ) − kT ln +
2 T0
5 p
+ k(T − T 0 ) + kT ln
2 p0
 ! 5 ! 
 T 2 p0 

 
= µ0 (p0 , T 0 ) − kT ln 

+
 T0
 p 


!
5
+ − s0 k(T − T 0 ),
2
(2.232)

onde usamos p = p0 na integração da entropia e o


R
resultado ln xdx = x ln x − x.

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Apêndice A

Descrição matemática da Lei Zero

para C1 para fornecer


Como descrito no texto principal, a Lei Zero da
C1 = F AC (A1 , A2 , · · · ; C2 , · · ·)
Termodinâmica descreve a natureza transitiva do
C1 = F BC (B1 , B2 , · · · ; C2 , · · ·)
equilíbrio térmico. Ela afirma que: se dois sis-
temas, A e B, estão separadamente em equilí- (A.3)
brio com um terceiro sistema C, então eles tam-
Assim, se C está separadamente em equilíbrio com
bém estão em equilíbrio um com o outro. Ape-
A e B, devemos ter
sar de sua aparente simplicidade, a Lei Zero tem
como consequência implicar a existência de uma F AC (A1 , A2 , · · · ; C2 , · · ·) = F BC (B1 , B2 , · · · ; C2 , · · ·)
importante função de estado, a temperatura empí- (A.4)
rica T , de forma que os sistemas em equilíbrio es- No entanto, de acordo com a Lei Zero, também há
tão à mesma temperatura. equilíbrio entre A e B, implicando a restrição
Prova: Seja o estado de equilíbrio dos sistemas
fAB (A1 , A2 , · · · ; B1 , B2 , · · ·) = 0. (A.5)
A, B e C descrito pelas coordenadas {A1 , A2 , · · ·},
{B1 , B2 , · · ·}, e {C1 , C2 , · · ·}, respectivamente. A su- Portanto, deve ser possível simplificar a Equação
posição de que A e C estão em equilíbrio implica (A.4) cancelando as variáveis de C. Portanto, a
uma restrição entre as variáveis de A e C, ou seja, condição (A.5) para o equilíbrio de A e B deve ser
uma variação em A1 deve ser acompanhada por al- expressa como
guma variação em {A2 , · · · , C1 , C2 , · · ·} para manter
o equilíbrio de A e C. Denote esta restrição por T A (A1 , A2 , · · ·) = T B (B1 , B2 , · · ·) (A.6)

isto é, o equilíbrio é caracterizado por uma função


fAC (A1 , A2 , · · · ; C1 , C2 , · · ·) = 0. (A.1)
T de coordenadas termodinâmicas. Esta função es-
pecifica a equação de estado, e as isotermas de A
O equilíbrio de B e C implica em uma restrição se- são descritas pela condição T A (A1 , A2 , · · ·) = T .
melhante

fBC (B1 , B2 , · · · ; C1 , C2 , · · ·) = 0. (A.2)

Cada uma das equações acima pode ser resolvida

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