Você está na página 1de 26

Elementos de Termologia

Temperatura, Calor, Termodinâmica

Caio Bianchi

2021
2
Sumário

1 Calor 5
1.1 Energia térmica, calor, equilı́brio térmico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5
1.2 Quantidade de calor . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5
1.2.1 Calor Sensı́vel . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 6
1.2.2 Calor Latente . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7
1.3 Aplicações . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7
1.4 Sistemas fı́sicos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 8
1.4.1 Trocas de calor em sistemas isolados . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9
1.4.2 Aplicações . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9

2 O gás ideal 13
2.1 Definições . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13
2.2 Estado de um gás . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13

3 1a lei da Termodinâmica 15
3.1 Energia interna . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15
3.2 Transferência de energia: calor e trabalho . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 16
3.3 Primeira lei da Termodinâmica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 16
3.3.1 Convenção de sinais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 16
3.4 Reversibilidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17
3.5 Capacidade térmica molar . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17
3.5.1 Diagramas de estado, capacidades térmicas especı́ficas . . . . . . . . . . . . . 18
3.6 Processos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19
3.6.1 Transformação isovolumétrica, isocórica ou isométrica . . . . . . . . . . . . . 19
3.6.2 Transformação isobárica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 20
3.6.3 Transformação isotérmica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21
3.6.4 Transformação adiabática . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23
3.6.5 Expansão livre . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25

3
4 SUMÁRIO
Capı́tulo 1

Calor

1.1 Energia térmica, calor, equilı́brio térmico


Já sabemos que a energia térmica está associada com a temperatura, que por sua vez está associada
à agitação das partı́culas (átomos, moléculas, etc) que compõe os corpos. A energia térmica de um
corpo pode ser entendida como o somatório das energias de agitação das partı́culas que o compõem.
Quando colocamos em contato1 dois objetos de temperaturas diferentes o corpo mais de maior tem-
peratura vai ceder energia térmica ao corpo de menor temperatura, até que ambos atinjam a mesma
temperatura “intermediária” (nesse estágio, chamado equilı́brio térmico, cessam as transferências de
energia). O mecanismo de transferência de energia é chamado calor. Alguns livros-texto preferem
entender o calor como o trânsito de energia térmica, usaremos as duas definições de acordo com a
conveniência. Na calorimetria, a segunda definição nos é suficiente. Como o calor é, a priori, energia,
sua unidade se comporta como tal. A unidade de energia (e, consequentemente, de calor) no sistema
internacional é o joule (J), no entanto historicamente consagrou-se o uso de uma unidade chamada
caloria (cal), que será muito frequentemente utilizada. Caso necessária a conversão, pode-se fazer
1 cal ≈ 4, 2 J

1.2 Quantidade de calor


Dar ou retirar calor de um sistema pode ter dois efeitos2 : o calor pode servir para variar a sua
temperatura (aquecê-lo ou resfriá-lo) – este é chamado calor sensı́vel – ou para variar o seu estado
de agregação (sólido, lı́quido, vapor) – chamado calor latente. É importante ressaltar que não existe
de fato nenhuma diferença fı́sica entre esses dois “tipos” de calor, esta é uma divisão meramente
didática.

1 Mais tarde veremos que o contato em si não é de fato necessário, mas vamos tomá-lo como exemplo inicial
2 Para sistemas que não realizam trabalho e que não têm trabalho realizado sobre eles, como veremos no capı́tulo
de 1a lei da termodinâmica.

5
6 CAPÍTULO 1. CALOR

1.2.1 Calor Sensı́vel


Empiricamente,
(i) Para levar à fervura (aquecer da temperatura ambiente à temperatura de ebulição) 2 litros de
água é necessário duas vezes mais energia que para levar à fervura apenas 1 litro da mesma
substância.
(ii) Para elevar 1 litro de água de 0 ºC à 50 ºC ou de 50 ºC à 100 ºC é necessária aproximadamente
o mesmo tempo à mesma chama (consequentemente, a mesma energia). No entanto, esses
processos gastam metade da energia necessária para levar à temperatura da mesma quantidade
de água de 0ºC à 100ºC.
Esses experimentos empı́ricos revelam que a quantidade de calor sensı́vel é diretamente proporcional
à variação de temperatura e à massa. Podemos escrever então:

Qs = mc∆θ

Onde Q é a quantidade de calor absorvido/cedido, m é a massa considerada e ∆θ é a variação


de temperatura. Além disso, c é o chamado calor especı́fico e é uma constante que depende da
substância e do estado de agregação da substância. Em geral, é um dado fornecido na questão. Em
unidades usuais:
cal
[c] =
gC
Segue uma tabela do calor especı́fico de algumas substâncias:

Substância c (cal/gºC)
Água 1
Álcool 0,6
Gelo 0,5
Alumı́nio 0,21
Vidro 0,16

Tabela 1.1: Calores especı́ficos de alguns materiais

O calor especı́fico é uma grandeza intensiva, isto significa que ela não depende da extensão do
sistema. Em outras palavras, 1 kg de água ou 1000 kg de água têm o mesmo calor especı́fico (como
já citado, este só depende da substância). Uma quantidade extensiva análoga ao calor especı́fico é a
capacidade térmica, definida como:

C = mc

Esta grandeza é definida não mais para substâncias, mas sim para corpos. Um copo de água e uma
piscina, embora sejam constituı́dos da mesma substância, têm capacidades térmicas diferentes pois
têm massas diferentes. A unidade de capacidade térmicas é cal C . Observe que a expressão do calor
sensı́vel pode ser reescrita em função da capacidade térmica:

Qs = C∆θ

Fisicamente pode-se entendê-la como a quantidade de calor necessária para elevar de 1ºC a tempe-
ratura de um corpo.
1.3. APLICAÇÕES 7

1.2.2 Calor Latente


É o calor responsável por mudar a fase de substâncias. Lembre-se que, durante a mudança de fase,
a temperatura é constante. Sua expressão é dada por:

Ql = mL

Onde m é a massa que mudou de estado de agregação e L é o chamado calor latente especı́fico e
depende da substância e do tipo de transformação (fusão-solidificação, vaporização-liquefação, etc).
Segue uma tabela com os calores latentes especı́ficos de algumas substâncias.

Substância Lf u (cal/g) Lv (cal/g)


Água 80 540
Álcool 25 204
Alumı́nio 95 2500
Mercúrio 2,7 70
Cobre 65 1600

Tabela 1.2: Calores latentes especı́ficos de vaporização e de fusão de alguns materiais

1.3 Aplicações
(a) Qual a quantidade de calor necessária para transformar 100 g de gelo a -20ºC em água fervente?
Use os dados das tabelas.

Para resolver esse tipo de questão, precisamos entender todas as etapas pelas quais nossa substância
vai passar. Inicialmente, o gelo a -20ºC precisa elevar sua temperatura (calor sensı́vel Q1 ) até 0ºC,
para em seguida fundir (calor latente Q2 ) se transformando em água a 0ºC (lembre-se que não há
variação de temperatura em mudanças de fase). A água a 0ºC por sua vez precisa se aquecer (calor
sensı́vel Q3 ) até 100ºC (o enunciado informa que a água deve estar fervente). Temos 3 etapas e,
consequentemente, 3 quantidades de calor envolvidas.

Q = Q1 + Q2 + Q3 = mg cg ∆θg + mg Lf u + ma ca ∆θa

Onde o ı́ndice (g) se refere ao gelo e o ı́ndice (a) se refere à água. Note que ma =mg , pois todo o
gelo derrete e vira água. O gelo vai de -20ºC até 0ºC e a água vai de 0ºC até 100ºC.

∆θg = θf g − θig = 0 − (−20) = 20
∆θa = θf a − θia = 100 − 0 = 100

Substituindo os dados:

Q = 100 · 0, 5 · 20 + 100 · 80 + 100 · 1 · 100 = 19000cal.

(b) Na questão anterior, imagine que o processo foi realizado sob uma chama de fogão de potência
térmica constante 152 cal/s. Em quanto tempo a água estará fervendo?
Pela definição de potência:
∆Q ∆Q
P ≡ ⇒ ∆t =
∆t P
8 CAPÍTULO 1. CALOR

Onde ∆Q é o calor envolvido (calculado no item anterior). Substituindo os valores:

19000
∆t = = 125 s = 2 min 5 s
152
(c) Em meados do século XIX, o cientista amador inglês James Prescott Joule conduziu uma série
de experimentos com o intuito de estabelecer uma conexão entre a caloria e seu equivalente
mecânico, o joule. Seu mecanismo mais conhecido consistia em um recipiente isolante térmico
cheio de água, em contato com um conjunto de pás. Dois corpos presos a fios ligados a um
eixo central podiam mover-se verticalmente, fazendo que as pás girassem. O atrito das pás com
o lı́quido faz com que ele se aqueça de uma certa temperatura, que pode ser medida com um
termômetro. A imagem a seguir mostra a montagem experimental de Joule:

Refazendo a montagem de Joule em nosso laboratório, deixando os corpos caı́rem simultanea-


mente 15 vezes de uma altura h = 2,0 m, verificou-se que a temperatura da água se elevou de
um ∆θ = 1,4 ºC. Seja a massa de água M = 500 g, a massa de cada um dos blocos m = 5
kg e o calor especı́fico da água c = 1 cal/gºC, qual a relação entre o joule e a caloria obtida
experimentalmente? Considere que toda a energia mecânica da queda dos blocos é convertida
em energia térmica para aquecer a água.

Cada queda dos corpos corresponde a uma variação de energia potencial gravitacional dada por
∆E = 2mgh. Como os blocos são postos para cair N = 15 vezes, a variação de energia potencial
gravitacional total é:
∆Etotal = N · 2mgh = 15 · 2 · 5 · 10 · 2 = 3000J
E o calor recebido pela água para variar sua temperatura é dado por:

Qs = M c∆θ = 500 · 1 · 1, 4 = 700cal

Mas a energia potencial perdida pelos blocos é convertida integralmente (por aproximação) em calor,
ou seja:
3000
Qs = ∆Etotal ⇒ 700cal = 3000J ⇒ 1cal = J ∴ 1cal ≈ 4, 29J
700
Que é uma boa aproximação, com menos de 3% de erro.

1.4 Sistemas fı́sicos


Os sistemas fı́sicos podem ser classificados de acordo com sua “permeabilidade” à matéria e à energia.
Sistemas abertos permitem a passagem tanto de matéria quanto de energia (como é o caso de um
copo de água); sistemas ditos fechados permitem o fluxo de energia, mas não de matéria (a exemplo
1.4. SISTEMAS FÍSICOS 9

de uma garrafa de vidro bem vedada); e sistemas isolados bloqueiam tanto o fluxo de energia quanto
de matéria (com boa aproximação podemos considerar uma garrafa térmica um sistema isolado).
Em situações cotidianas, ao deixar um copo de água gelada sobre a mesa, este vai, após determinado
perı́odo, atingir a temperatura ambiente. No entanto, em alguns casos podemos evitar a troca de
calor entre o sistema e o meio externo. Quando isso acontecer, dizemos que o sistema é termicamente
isolado. Podemos construir esse tipo de sistema através de um calorı́metro que é um recipiente de
paredes adiabáticas (que não permite a propagação do calor). Um exemplo de calorı́metro é a ja
citada garrafa térmica.

1.4.1 Trocas de calor em sistemas isolados


Em sistemas isolados, as trocas de calor ocorrem tão somente entre seus próprios integrantes, de tal
forma que toda a energia térmica que sai de alguns corpos é recebida por outros dentro do próprio
sistema. Matematicamente, podemos escrever:
X X
| Qcedido | = | Qrecebido |

Usando a convenção de que o calor recebido é positivo e o calor cedido é negativo:


X X
Qcedido + Qrecebido = 0

1.4.2 Aplicações
(a) Troca de calor sem mudança de fase
Em uma garrafa térmica ideal mistura-se 200 mL de café a 90 ºC com 500 mL de leite à 20 ºC.
Determine a temperatura final da mistura. Considere que o calor especı́fico e a densidade do
café e do leite são iguais a, respectivamente, 1 cal/gºC e 1 g/mL.
Usando a equação das trocas de calor em sistemas isolados:
Qcedido + Qrecebido = 0
O calor vai fluir do café (corpo de maior temperatura) para o leite (corpo de menor temperatura),
e esse fluxo só cessará quando toda a mistura atingir uma temperatura de equilı́brio θeq
mc cc (θeq − θic ) + ml cl (θeq − θil ) = 0
Os ı́ndices (c) e (l) representam, respectivamente, café e leite. Substituindo os valores:
200 · 1 · (θeq − 90) + 500 · 1 · (θeq − 20) = 0 ∴ θeq = 40C
(Exercı́cio para o leitor) Mostre que a temperatura de equilı́brio da mistura de dois lı́quidos A
e B de massas, calores especı́ficos e temperaturas iniciais dados por (mA , cA , θA ) e (mB , cB , θB ) é
dada por:
mA cA θA + mB cB θB
θeq =
mA + mB
(b) Troca de calor com mudança de fase completa
Considere um contato térmico de 200 g de água a 50 o C com 100 g de gelo a –10 o C. Supondo
que as trocas de calor se processem apenas entre a água e o gelo, qual será a temperatura final
de equilı́brio térmico? Dados: ca = 1 cal/gºC, cg = 0,5 cal/gºC e Lfu = 80 cal/g.
10 CAPÍTULO 1. CALOR

Nesse caso, nós sabemos que a água vai ceder calor para o gelo, mas não temos como saber qual é o
estado final do sistema: será que o calor foi suficiente para derreter todo o gelo? Ou será que apenas
uma parte do gelo sofreu fusão? Antes de começar a solucionar o problema, essa é uma preocupação
relevante. Para responder a esta pergunta, vamos ver qual o calor máximo que a água pode fornecer
ao gelo (Qmáx ). Este calor corresponde ao caso em que a água chega a 0 ºC.

Qmáx = ma ca (0 − θ0a ) = −200 · 1 · 50 = −10000cal

Agora calculemos o calor necessário para que todo o gelo se funda (Qfu . Para calcular este calor
precisamos somar duas parcelas: uma referente ao calor sensı́vel necessária para elevar a temperatura
do gelo de -10 ºC ao ponto de fusão (0 ºC) e outra latente responsável por de fato performar a fusão.

Qf u = mg cg ∆ θg + mg Lf u = 100 · 0, 5 · 10 + 100 · 80 = 8500cal

Como |Qmáx | > |Qf u |, sabemos que a água tem energia térmica suficiente para ceder a ponto de
fazer com que todo o gelo derreta e ainda variar a temperatura da água proveniente da fusão do
gelo (θeq > 0). Agora que sabemos o estado final do sistema, podemos usar a lei das trocas de calor,
considerando os seguintes calores:
* Q1 relacionado à variação de temperatura da água lı́quida;
* Q2 relacionado à variação de temperatura do gelo até 0 ºC;
* Q3 relacionado à fusão completa do gelo;
* Q4 relacionado à variação de temperatura da água proveniente da fusão do gelo – lembre-se que a
temperatura inicial desta porção de água é 0 ºC

Q1 + Q2 + Q3 + Q4 = 0 ⇒ ma ca (θeq − θ0a ) + mg cg (0 − θ0g ) + mg Lf u + mg ca (θeq − 0) = 0

Substituindo os valores e performando as operações achamos:

θeq = 5C

(c) Troca de calor com mudança de fase incompleta


Em um calorı́metro ideal misturam-se 200 g de gelo a -40 o C com 100 g de água a 80 o C. Atingido
o equilı́brio térmico, ainda resta gelo no calorı́metro? Qual a temperatura de equilı́brio? Que
porcentagem de gelo derreteu? Dados: ca = 1 cal/gºC, cg = 0,5 cal/gºC e Lfu = 80 cal/g.
Novamente, precisamos realizar o mesmo procedimento performado no item (b). O calor máximo
que a água pode ceder ao gelo é de:

Qmáx = ma ca (0 − θ0a ) = 100 · 1 · (−80) = −8000 cal

O calor necessário para que o gelo inteiro chegasse à temperatura de fusão (0 ºC) é:

Qf u1 = mg cg (0 − θ0g ) = 200 · 0, 5 · 40 = 4000 cal

A água tem energia térmica suficiente para levar o gelo até 0 ºC. Mas será que ela consegue fundi-lo?
Vamos checar:
Qf u2 = mg Lf u = 200 · 80 = 16000 cal
Qf u = Qf u1 + Qf u2 = 16000 + 4000 = 20000 cal
Ou seja, a água consegue levar o gelo até 0 ºC mas não tem energia suficiente para derreter TODA
a massa de gelo. Como no final há gelo e água em equilı́brio, a temperatura de equilı́brio deve ser
1.4. SISTEMAS FÍSICOS 11

0ºC. Os calores considerados devem, então, ser:


* Q1 relacionado à variação de temperatura da água lı́quida;
* Q2 relacionado à variação de temperatura do gelo até 0ºC
* Q3 relacionado à fusão de uma massa m0g de gelo.
Equacionando:

Q1 + Q2 + Q3 = ma ca ∆θa + mg cg ∆θg + m0g Lf u = 100 · 1 · (0 − 80) + 200 · 0, 5 · [0 − (−40)] + m0g · 80 = 0

Resolvendo:
mderreteu m0g 50
m0g = 50g ⇒ %g = = = = 25%
mtotal mg 200
Resposta final: Resta gelo no equilı́brio térmico, apenas 25% dele derreteu e a temperatura de
equilı́brio é 0 ºC.
12 CAPÍTULO 1. CALOR
Capı́tulo 2

O gás ideal

2.1 Definições
Um gás ideal é o modelo teórico segundo o qual considera-se que as partı́culas de um gás não
interagem umas com as outras e que o volume das partı́culas gasosas é desprezı́vel (dessa forma cada
partı́cula de gás tem todo o volume do recipiente disponı́vel para se movimentar). Esse modelo,
embora irreal, é importante pois observa-se experimentalmente que sob certas condições (baixas
pressões e altas temperaturas) todos os gases se aproximam do comportamento de gás ideal - essa
observação foi, inclusive, primordial para a construção inicial da escala Kelvin.

2.2 Estado de um gás


Qualquer sistema termodinâmico formado por um fluido homogêneo (gases também são fluidos) fica
completamente determinado por qualquer par dentre as variáveis pressão, volume e temperatura.
Isto é, sabendo duas das três variáveis, a terceira já tem seu valor definido. A grande vantagem de
se estudar os gases ideias é que sua equação de estado assume uma forma simples. A função que
descreve o estado de um gás ideal foi obtida inicialmente de forma experimental combinando-se as
leis de Boyle e de Charles e é chamada equação de Clapeyron:

pV = nRT

Onde p, V e T são as variáveis de estado citadas anteriormente; n é o número de mols gasosos e


R é uma constante chamada de constante dos gases ideias.1 Para sistemas fechados (conferir 1.4) a
equação de uma transformação gasosa (isto é, partindo de um estado inicial f (p0 , V0 , T0 ) variaremos
algumas das variáveis de estado) assume a forma:

p0 V0 pV
=
T0 T

1R ≈ 8,314 J/(mol·K) ou 0,082 (atm · L)/(mol·K)

13
14 CAPÍTULO 2. O GÁS IDEAL
Capı́tulo 3

1a lei da Termodinâmica

3.1 Energia interna


A análise da unidade da constante universal dos gases R (“[R]” = J.mol-1 .K-1 ) reforça a relação
(que já acreditamos ser verdadeira) entre temperatura e energia. Vamos chamar de energia interna
(U ) a função de estado 1 de um sistema termodinâmico que representa, sugestivamente, sua energia.
Lembre-se que no limite da idealidade, as partı́culas de um gás não interagem umas com as outras,
o que faz com que a energia interna de um gás ideal seja associada unicamente à energia cinética
média de suas partı́culas (uma vez que não há energia potencial que surgiria das interações inter-
moleculares). Podemos então, supor que a energia interna de um gás ideal é uma função da sua
temperatura T e do número de partı́culas (em mols) n.

U = U (n, T )

É possı́vel se demonstrar, através da teoria cinética dos gases, que a energia interna para um gás de
modelo qualquer é dado por:

f
U= nRT
2

Onde f é o número de graus de liberdade das partı́culas. Gases monoatômicos (nobres) têm 3
graus de liberdade (podem transladar ao longo dos 3 eixos x, y e z ); gases diatômicos (hidrogênio,
nitrogênio, etc) têm 5 graus de liberdade (além do movimento de translação ao longo do espaço xyz,
também têm liberdade de rotação ao longo de 2 planos)2 .
3
Umono = nRT
2
5
Udi = nRT
2

1 Diz-se função de estado aquela função que não depende do caminho tomado; indo de um certo estado inicial

f1 = f (P1 , V1 ) à um estado final f2 = f (P2 , V2 ) a variação de energia interna é a mesma independentemente do


caminho (processos usados para mudar o estado) tomado.
2 Estamos usando um modelo de gás diatômico rı́gido – como um haltere – que é um bom modelo para baixas

temperaturas (para o hidrogênio gasoso H2 , T < 500 K).

15
16 CAPÍTULO 3. 1A LEI DA TERMODINÂMICA

3.2 Transferência de energia: calor e trabalho


Há, em linhas gerais, duas formas (mecanismos) de se transferir energia a um sistema termodinâmico.
O primeiro deles chamado calor (Q) se dá mediante a uma diferença de temperaturas. O outro
mecanismo se dá devido a ação de uma força que causa deslocamento e é chamado trabalho (W ).
Sistemas termodinâmicos podem tanto receber calor, como cedê-lo; e da mesma forma para trabalho,
podem tanto realizá-lo (na expansão não-livre, as moléculas de um gás empurram moléculas do ar
atmosférico) ou podem ter trabalho realizado sobre eles (o processo de compressão).

3.3 Primeira lei da Termodinâmica


Vamos considerar um sistema formado por um gás à temperatura T1 aprisionado em um recipiente
com um êmbolo de área A capaz de se movimentar sem atrito. Acima do êmbolo há um bloco
de massa m, inicialmente em equilı́brio (o peso do êmbolo+bloco se iguala, em módulo, à força de
pressão exercida pelo gás).

Transferimos calor ao sistema por meio de uma fonte de calor (uma chama, por exemplo). Ao
receber esta energia (Q) pelo mecanismo calor, ela poderá ter dois destinos: variar sua temperatura
(o sistema, ao final, está a uma temperatura T2 ) e variar seu volume de um certo ∆V = A · x.
A variação de temperatura está relacionada com a variação de energia interna (∆U ) e a variação
de volume pressupõe que a força de pressão do gás deslocou o êmbolo de um certo x, portanto
está relacionada com a realização de trabalho (W ). Como não há dissipação de energia, toda a
energia fornecida ao sistema foi aproveitada das duas formas citadas anteriormente, de tal forma
que podemos escrever:
Q = ∆U + W
Ou, ainda:

∆U = Q − W

É a famosa 1a lei da termodinâmica, que não passa de uma conservação da energia.

3.3.1 Convenção de sinais


Vamos convencionar os sinais para que a expressão anterior seja válida. Consideraremos, inicial-
mente, um processo isocórico (em que não há variação de volume, e, consequentemente, não há
3.4. REVERSIBILIDADE 17

realização de trabalho). Nesse tipo de processo,

0
∆U = Q − 
W
>∴ ∆U = Q


Se o calor entra no sistema, a variação de energia interna é positiva (pois a temperatura aumenta).
Se o calor sai do sistema (na imagem anterior você pode imaginar que afogamos o recipiente em um
balde com água fundente) a temperatura diminui, e consequentemente, a variação de energia interna
é negativa. Baseado nisto, para o calor, usaremos a seguinte convenção:
* Se o calor entra no sistema, Q > 0
* Se o calor sai do sistema, Q < 0
Agora tomemos uma transformação em que não ocorrem trocas de calor (chamamos de adiabática).
Nesse caso:
0
∆U =  Q7− W ∴ ∆U = −W


Se um sistema realiza trabalho (no caso de um gás, se ele se expande contra uma atmosfera) ele
perde energia, portanto, sua energia interna deve diminuir (a variação de energia interna deve ser
negativa). Se o trabalho é realizado sobre o sistema (no caso de um gás, ele é comprimido), este
recebe energia, portanto sua energia interna deve aumentar (variação de energia interna positiva).
Para casar estas interpretações com a expressão mostrada, a convenção usada será a seguinte:
* Se o sistema realiza trabalho (se expande), W > 0
* Se o trabalho é realizado sobre o sistema (compressão), W < 0. Em resumo:

3.4 Reversibilidade
Um processo que leva um sistema termodinâmico de um estado i a um estado f através de um
caminho bem definido é dito reversı́vel quando se é possı́vel realizar o caminho exatamente inverso
e retornar ao estado inicial. Para que o caminho seja bem definido, o processo deve ser realizado de
forma quase-estática, isto é, muito lentamente, de tal forma que o sistema termodinâmico passe por
uma sucessão de estados de equilı́brio bem definidos.1

3.5 Capacidade térmica molar


Definimos anteriormente a capacidade térmica C através do calor sensı́vel como:

Q
C=
∆T
1 Para maior teoria ler o capı́tulo 2 do livro CURSO DE FÍSICA BÁSICA; Moysés Nussenzveig vol. 2, Seção 8.6.
18 CAPÍTULO 3. 1A LEI DA TERMODINÂMICA

No contexto da termodinâmica, seria interessante definir a capacidade térmica molar C como:


C
C≡
n
Assim, podemos escrever o calor da forma:

Q = nC∆T

3.5.1 Diagramas de estado, capacidades térmicas especı́ficas


Introduziremos agora os diagramas de estado ou diagramas de Clapeyron, em que cada ponto repre-
senta um estado do sistema termodinâmico. Lembre-se que, para um gás ideal, o estado do sistema
pode ser representado por quaisquer duas variáveis independentes escolhidas de forma arbitrária
entre P, V e T. O diagrama de Clapeyron mais comum é o P × V, pois a área abaixo da curva de
transformação tem um significado fı́sico relevante, sendo numericamente igual ao trabalho envolvido
no processo.

As linhas Ti e Tf são chamadas isotermas, e qualquer ponto sobre elas possui a mesma temperatura.
Ao ir da isoterma Ti para a Tf , a variação de energia interna é a mesma independente do caminho
tomado (lembre-se que esta é uma função exclusiva da temperatura); no entanto ambos calor e
trabalho mudam de acordo com o caminho, por isso são chamados funções de caminho. O caminho
AB é um processo chamado isocórico, e ocorre a volume constante. O caminho AC representa um
processo chamado isobárico pois ocorre a pressão constante. Naturalmente, se o calor depende do
caminho, a capacidade térmica também depende. Portanto, vamos definir as chamadas capacidades
térmicas especı́ficas.

Capacidade térmica molar a volume constante


Considere a transformação AB, como não há variação de volume, o trabalho é nulo. Escrevendo a
1a lei da termodinâmica:
Qv = ∆U
Substituindo Qv e ∆U por:
Qv = nCv ∆T
f
∆U = nR∆T
2
Chegamos em:
nCv
 ∆T = fnR
∆T

2
O que nos leva a uma expressão importante:
f
Cv = R
2
3.6. PROCESSOS 19

Capacidade térmica molar à pressão constante

A transformação AC é realizada a pressão constante. Escrevendo a 1a lei da termodinâmica:

∆U = Qp − W

O trabalho da isobárica é dado por P ∆V = nR∆T (na imagem da seção 3, que é uma transformação
isobárica, basta fazer W = F.x, com F sendo a força de pressão exercida pelo gás, dada por F =
pA, onde A é a área do êmbolo. Combinando as duas relações, chegamos ao resultado desejado). A
variação de energia interna e o calor são análogos ao caso da seção 5.1.1.

f  −  ⇒ Cp = f R + R
nR
∆T
 =
nCp
∆T nR
∆T
2

2

Mas (f /2)R é a capacidade térmica molar a volume constante (Cv ). Portanto, chegamos à Relação
de Mayer :

C p = Cv + R

Para gases monoatômicos e diatômicos, as capacidades térmicas especı́ficas são dados por:

Atomicidade Cv Cp
Monoatômico (3/2) R (5/2) R
Diatômico rı́gido (5/2) R (7/2) R

Tabela 3.1: Capacidades térmicas molares especı́ficas

3.6 Processos
3.6.1 Transformação isovolumétrica, isocórica ou isométrica
São transformações que acontecem a volume constante. Para performá-las, basta trocar calor com
um sistema formado envolto em um recipiente ou ambiente inexpansı́vel, como uma garrafa ou um
recipiente como o da figura na seção 3 com o êmbolo preso por presilhas, por exemplo (assim ele
não teria liberdade de movimento e o gás não se expandiria). Em um diagrama de Clapeyron, uma
transformação isocórica entre dois pontos A e B é uma linha vertical.
20 CAPÍTULO 3. 1A LEI DA TERMODINÂMICA

Uma vez que não há variação de volume, o trabalho da isocórica é nulo (lembre-se que um gás realiza
trabalho se expandindo).1

Wv = 0

Pela primeira lei da termodinâmica, o calor trocado e a variação de energia interna deverão ser
iguais.
∆U = Qv −  Wv ⇒ ∆Uv = Qv

O calor pode ser dado pelo produto da capacidade térmica a volume constante pela diferença de
temperatura entre os estados inicial e final. De tal forma que chegamos, conforme esperado em2 :

Qv = ∆U = nCv ∆T

Interpretação dos Resultados


O trabalho realizado pelo gás ou sobre o gás é zero, conforme esperado, pois não há variação de
volume. Como consequência direta disto e da primeira lei da termodinâmica, a variação de energia
interna e o calor tem mesmo valor, mas, o que isso significa? Significa que todo o calor fornecido ao
sistema é convertido em energia interna (a temperatura do gás aumenta). De forma análoga, todo
calor retirado do sistema é retirado às custas da energia interna (a temperatura do gás diminui).

3.6.2 Transformação isobárica


Uma transformação é dita isobárica quando ocorre à pressão constante. Um processo desse tipo
pode ser realizado submetendo um gás aprisionado por um êmbolo móvel à uma pressão externa
constante (como na figura da seção 3) e aquecendo-o; em cada estado intermediário, temperatura e
volume do gás se ajustarão de forma a manter o êmbolo em equilı́brio e, consequentemente, a pressão
do gás constante. Em um diagrama de Clapeyron, uma transformação isobárica é uma linha reta
horizontal.

O calor trocado é dado, tipicamente, pelo produto da capacidade térmica a pressão constante pela
diferença de temperatura entre os estados inicial e final:

Qp = nCp ∆T

1 Utilizarei aqui a notação Qk e Wk , onde o ı́ndice k representa a quantidade mantida fixa.


2 Na seção 5.1.1 já havı́amos atingido este resultado
3.6. PROCESSOS 21

Para qualquer transformação, como já mostrado, a variação de energia interna é dada por nCv ∆T .
Usando a primeira lei da Termodinâmica:

∆U = Qp − Wp ⇒ Wp = Qp ∆U ⇒ Wp = nCp ∆T − nCv ∆T = n∆T (Cp − Cv )

Pela relação de Mayer (seção 5.1.2), podemos substituir Cp − Cv por R.

Wp = nR∆T

Mas, para uma transformação isobárica, pela equação de Clapeyron:


pf Vf pi Vi p
∆T = − ⇒ ∆T = ∆V ∴ nR∆T = p∆V
nR nR nR
Finalmente:

Wp = p∆V

Note que podı́amos simplesmente ter partido do resultado de que o trabalho da transformação é a
área abaixo da curva.

Interpretação dos Resultados


Aqui, diferentemente do caso da Isovolumétrica, ao fornecer calor para o sistema esta energia terá
dois destinos: a realização de trabalho (que resulta no aumento do volume) e o aumento da energia
interna (que resulta no aumento da temperatura). Sabendo disso, sem fazer nenhum cálculo extra,
podemos responder à seguinte pergunta:
“Um mesmo sistema é aquecido através de dois processos diferentes, recebendo em ambos a
mesma quantidade de calor. A primeira transformação é isovolumétrica e a segunda é
isobárica. Ao final de qual processo a temperatura do sistema será maior?”
Bem, basta lembrar que no processo isocórico não há a realização de trabalho, ou seja, toda a
energia fornecida na forma de calor será utilizada para variar sua energia interna (proporcional à
temperatura). Já no processo isobárico, a energia fornecida será dividida entre variar a temperatura
e expandir o sistema (realizar trabalho). Dito isto, qual você acha que é a resposta?
Veja que os sinais usados na nossa convenção também são condizentes com o esperado:

Wp = p∆V

∆V > 0 (EXP AN S ÃO) ⇒ Wp > 0 (T rabalho realizado P ELO gás)
∆V < 0 (COM P RESS ÃO) ⇒ Wp < 0 (T rabalho realizado SOBRE o gás)

3.6.3 Transformação isotérmica


Nessa transformação, pressão e volume se ajustam, em cada instante, afim de manter a temperatura
constante. Pela equação dos Gases Perfeitos, a lei que rege este comportamento, para um sistema
fechado, é:
pV = nRT = constante
O diagrama de Clapeyron que representa esse processo é uma hipérbole e a curva formada é chamada
de isoterma 3 :
3A isoterma é a curva em que p e V se ajustam para que todos os seus pontos tenham a mesma temperatura.
22 CAPÍTULO 3. 1A LEI DA TERMODINÂMICA

Dizer que o processo ocorre à temperatura constante equivale a dizer que não há variação de tem-
peratura durante o processo. Portanto, é imediato inferir que, se não há variação de temperatura,
também não há variação de energia interna.

(∆U )isotérmica = 0

Podemos, então, escrever a primeira lei na forma:

QT = WT

À priori esta parece ser a única relação que conseguimos extrair desse processo. E de fato, o é, ao
menos no nı́vel de ensino médio. Há ainda, o fato de que o trabalho pode ser calculada como a área
abaixo da curva; no entanto veja que não é uma tarefa fácil calcular esta área, uma vez que não
nos deparamos com uma figura cuja área é conhecida (como trapézios, losangos ou triângulos, por
exemplo). Para computar esta área, portanto, utilizaremos um instrumento de ensino superior - o
cálculo. A área abaixo de uma curva no diagrama PV entre dois pontos A e B é dada pela integral:4
Z VB
WT = pdV
VA

Como o produto pV é constante, escrevamos:


pA VA
(pV )inicio = (pV )em qualquer instante ⇒ pA VA = pV ∴ p =
V
Substituindo a pressão na equação da integral:
Z VB
pA VA
WT = dV
VA V

Observe que pA e VA são valores fixos (as condições iniciais da transformação), então podem sair
da integral.
Z VB
dV
WT = pA VA
VA V
4 Não se assuste com a matemática aqui utilizada. Caso ainda não esteja familiarizado com ela, apenas memorize

o resultado final.
3.6. PROCESSOS 23

Usando a regra de integração5 e substituindo pA VA por nRT (equação dos gases ideais). Finalmente:
 
VB
WT = nRT `n = QT
VA

Interpretação dos Resultados

Na transformação isotérmica para que o sistema mantenha sua temperatura constante ele não pode
“acumular” energia na forma de energia interna, portanto, todo a energia que “entra” na forma de
calor deve “sair” na forma de trabalho, e vice-versa.

3.6.4 Transformação adiabática


Um processo é dito adiabático quando não há calor trocado; podemos conseguir algo desse tipo
performando um processo muito rápido (rápido ao ponto de que não dá tempo de haver troca de
calor), ou ainda fazendo uma transformação em um recipiente com paredes termicamente isolantes
(não coincidentemente, chamamos de paredes adiabáticas). Um exemplo é quando, afim de esquentar-
nos, nós atritamos nossas mãos uma com a outra: não há troca de calor envolvida, mas a temperatura
de nossas mãos aumenta. Como isso é possı́vel? Bem, lembre-se que calor não é o único processo
de transferência de energia, neste caso a energia interna (aumento da temperatura) veio do trabalho
realizado pela força de atrito. Um processo adiabático obedece a seguinte relação (chamada de
Equação de Poisson):

p0 V0γ = pV γ

Onde o γ é chamado expoente de Poisson ou expoente adiabático e é definido como:6

Cp
γ= >1
Cv

A curva caracterı́stica da transformação adiabática é semelhante à da transformação isotérmica.


Veja o gráfico abaixo:

5A integral de x1 dx é o logaritmo natural de x


6 Demonstração na seção 6.4.1
24 CAPÍTULO 3. 1A LEI DA TERMODINÂMICA

Como não há troca de calor (Q = 0 ), podemos reescrever a primeira lei da Termodinâmica na
forma7 :
∆U = −Wa
Podemos escrever a variação de energia interna da mesma forma que fizemos anteriormente, em
função da capacidade térmica a volume constante e da variação de temperatura.

∆U = nCv ∆T = −Wa

Agora, antes de continuarmos, veja que podemos escrever as capacidades térmicas molares em função
do expoente de Poisson, resolvendo o seguinte sistema de equações:
(
(i) Cp − Cv = R
Cp
(ii) γ = Cv
⇒ Cp = γCv

Substituindo (ii) em (i):


R
γCv − Cv = R ⇒ Cv (γ − 1) = R ∴ Cv =
γ−1

Agora, substituindo Cv em (i):


R R γR
Cp − = R ⇒ Cp = R + ∴ Cp =
γ−1 γ−1 γ−1
Feito isso, vamos retornar à expressão do trabalho da adiabática:

Wa = −nCv ∆T

Pela equação de Clapeyron, veja que podemos substituir n∆T da seguinte forma:
pV pB VB pA VA ∆(pV )
T = ⇒ ∆T = TB − TA = − ⇒ n∆T =
nR nR nR R
Substituindo esse resultado em Wa :
∆(pV )
Wa = −Cv (n∆T ) ⇒ Wa = −Cv
R
1
Mas Cv /R é igual a γ−1 (veja a equação de Cv em função de γ deduzida anteriormente). Sabendo
disso:
1
Wa = − ∆(pV )
γ−1
Finalmente:

∆(pV ) pB VB − pA VA
Wa = =
1−γ 1−γ

Que é o trabalho de um processo adiabático que conduz o sistema de um estado inicial A à um


estado final B.8
7 Aqui fiz uma pequena mudança na nossa notação. Como não há nenhuma variável de estado que se mantém fixa,

utilizarei o ı́ndice a para se referir à adiabática.


8 O mesmo resultado poderia ser atingido fazendo a
R
pdV
3.6. PROCESSOS 25

Demonstração da equação de estado da adiabática


Escrevendo a primeira lei na forma diferencial:
dU = d0
Q − d0 W ⇒ nCv dT = −pdV
Agora, partindo da equação de estado dos gases ideias e tomando as diferenciais de ambos os lados:
pdV + V dp
pV = nRT ⇒ pdV + V dp = nRdT ∴ dT =
nR
Substituindo dT na primeira lei:
pdV + V dp
nCv
 = −pdV ⇒ Cv pdV + Cv V dp = −RpdV ⇒ (Cv + R)pdV + Cv V dp = 0
nR

Mas lembre-se que, pela Relação de Mayer, Cv + R = Cp
Cp Cv
Cp pdV + Cv V dp = 0 ⇒ pdV + V dp = 0 ⇒ γpdV + V dp = 0
Cv Cv
Finalmente chegamos em uma expressão integrável:
Z VB Z pB    
dV dp dV dp VB pB
γ =− ⇒γ =− ⇒ γ`n = −`n
V p VA V pA p VA pA
Utilizando a propriedade dos logaritmos:9
 γ
VBγ
 −1 
VB pB pA
`n γ = `n −1 ⇒ γ =
VA pA VA pB
Finalmente:
pA VAγ = pB VBγ

Ou, ainda:
pV γ = constante

3.6.5 Expansão livre


Chamamos de expansão livre o processo pelo qual uma porção gasosa se expande contra o vácuo
em um sistema adiabático. Esse tipo de processo é um escoamento turbulento e, portanto, não é
reversı́vel (conferir 3.4).

9 βlogx = log(xβ )
26 CAPÍTULO 3. 1A LEI DA TERMODINÂMICA

Nesse tipo de processo, o gás se expande sem realizar trabalho 10 . Além disso, por acontecer em um
sistema adiabático, a quantidade de calor trocada é zero. Pela primeira lei da termodinâmica:
Q W
∆U = 0 − 0 ⇒ ∆U = 0

Se a variação de energia interna é zero então a diferença entre as temperaturas final e inicial também
é; isto é, o gás começa e termina na mesma temperatura. No entanto, não podemos dizer que se
trata de uma transformação isotérmica pois os estados intermediários não são estados de equilı́brio
termodinâmico.

10 O trabalho de expansão de um gás está relacionado com a necessidade que o gás tem de “expulsar” as partı́culas

do gás que inicialmente ocupavam o volume. Isto é, a expansão de um gás só tem um trabalho não-nulo associado
quando ela ocorre contra uma pressão externa.

Você também pode gostar