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Prof. Dr.

Reinaldo Santos Andrade


CIS 387 - Estado, Governo e Sociedade
I

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA


DEPARTAMENTO DE CIENCIAS SOCIAIS APLICADAS
COLEGIADO DO CURSO DE BACHARELADO EM ADMINISTRAÇÃO

REINALDO SANTOS ANDRADE1

NOTAS DE AULA-
“ESTADO, GOVERNO E SOCIEDADE”

Feira de Santana-BA
12 de outubro, 2023

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Professor Adjunto na Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS) junto ao Departamento de
Ciências Sociais Aplicadas (DCIS)

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Prof. Dr. Reinaldo Santos Andrade
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Sumário

I – INTRODUÇÃO
II - POLÍTICA: CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO
III - SOCIEDADE ABERTA x ESTADO
1 – Sociedades fechadas e sociedades abertas
2 - Estado e direito
2.1 – Do Estado antigo ao Estado moderno
2.2 Contrato social: o Leviatã, o Estado liberal burguês, a superestrutura
2.3 Estado e revolução: Estado versus ditadura do proletariado
2.4 Sociedade civil e hegemonia
IV - SEPARAÇÃO DE PODERES E REPRESENTAÇÃO POLITICA
1 - Separação De Poderes
2 - Representação Política
2.1 - Sistema Representativo
2.2 - Bicameralismo
2.3 - Partidos Políticos

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I – INTRODUÇÃO
As sistemáticas ameaças à democracia representativa podem colapsá-la e matá-la,
como apontam Steven Levitsky e Daniel Ziblatt2. Feitas por líderes populistas e seus
seguidores, elas procuram erodir as estruturas centrais dos governos democráticos
tratando a mídia e a imprensa como “inimigas do povo”, favorecendo manifestações
neonazifascistas contra as instituições constitucionalmente consolidadas, disseminando
fake news, facilitando a aquisição de armamentos pela população, municiando milícias
paramilitares, alertam Tom Ginsburg e Aziz Huq 3.
Regras constitucionais, sistema de “freios e contrapesos”, federalismo, sociedade
civil organizada, mídia e imprensa atuantes e os direitos individuais consolidados nem
sempre são capazes de obstar o retrocesso democrático e o declínio das instituições
democráticas.
A flexibilidade estrutural da Constituição Americana, por exemplo, que autoriza a
Suprema Corte a preencher as lacunas com doutrinas que facilitam a violação de direitos,
pode ocasionar a erosão democrática que, conforme Lucas Azevedo Paulino4, se refere
ao “processo incremental, mas em última instância ainda substancial, de decadência dos
três predicados básicos da democracia: eleições competitivas, direitos constitucionais de
liberdade de expressão e associação, e o Estado de direito” – se alguns pontos
constitucionais forem usados por um comunicador hábil que, mediante discursos de ódio,
degrada a esfera pública. Entretanto, leis e desenhos constitucionais devidamente
elaborados minimizam os riscos de sua ocorrência.
O Brasil republicano contemporâneo vivencia um contexto político e institucional
sensível, resultante da crise econômica iniciada em 2008, das marchas de junho de 2013,
da pretensa luta anticorrupção promovida pela Operação Lava jato que fortaleceu a
polarização política. A conjunção de tais fatores resultaram na “tempestade perfeita”
caracterizada pela degradação econômica, enfraquecimento do apoio popular e
parlamentar que ensejaram o impeachment de legitimidade questionável da presidente da
República, Dilma Rousseff, e a ascensão, em 2019, de um governo cujas ações e

2
LEVITSKY, S. e ZIBLATT, D. Como as democracias morrem. Rio de Janeiro: Zahar, 2018.
3
GINSBURG, T. e HUQ A. How to Save a Constitutional Democracy. Chicago; London: The University of
Chicago Press, 2018.
4
PAULINO, L.A. Democracias constitucionais em crise: mapeando as estratégias institucionais que levam
à erosão democrática. Direito, Estado e Sociedade. Revista Direito, Estado e Sociedade, 2020.

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declarações antidemocráticas e retrógradas foram agravadas pela sindemia covídica que
ceifou as vidas de 700 mil brasileiros e brasileiras.
Evidenciando a ocorrência de um “momento constitucional”, tal cenário legitima
as indagações acerca dos mecanismos institucionais para solucionar a narrativa de que o
atual sistema de governo, o presidencialismo de coalizão, é uma “usina de crises” que
dificulta a governabilidade, paralisando o processo decisório no Brasil. Trata-se, escreve
Sergio Henrique Hudson Abranches5 de uma forma de condução da administração
pública pela qual o Poder Executivo celebra acordos e alianças com os partidos
políticos a fim de formar uma base de apoio parlamentar que assegure a sustentação
política do governo (execução de emendas parlamentares) visando-se viabilizar a
agenda governamental em troca da distribuição de cargos/postos administrativos
(nomeações em Ministérios e cargos comissionados).
Em 2021, em meio à maior crise econômica, política e sanitária conhecida pela
República brasileira, voltou-se a debater o Projeto de Emenda à Constituição (PEC)
visando a implantação do semipresidencialismo no Brasil, o que afetará, conforme Paulo
Sérgio Novais de Macedo6, o princípio constitucional da “separação de poderes” (cláusula
pétrea) e o conceito de democracia participativa, conjunção dos três primeiros artigos da
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB1988).
José Joaquim Calmon de Passos7 aponta que: “Quando se pede reflexão sobre a reforma
de alguma coisa, implicitamente se coloca a natureza insatisfatória do que existe. Reformar é dar
nova forma ou organização a algo existente. Refletir-se sobre a reforma do Estado implica o
pressuposto da inadequação do Estado existente”.
O democrata (e republicano) Maquiavel explica que “Todos os Estados, todos os
domínios que tiveram e têm poder sobre os homens foram e são repúblicas ou principados.
[...] Assim são ordenados tais domínios, uns habituados a viver sob um príncipe, outros
acostumados a serem livres” 8. Logo, Estados não dominados por poder autocrático são
repúblicas, Estados democráticos.
Entretanto, os Estados e suas estruturas governativas transformam-se ao longo do
tempo sob o influxo de forças históricas, políticas e sociais que configuram diferentes

5
ABRANCHES, S. H. H. Presidencialismo de Coalizão. São Paulo: Companhia das Letras, 2018.
6
MACEDO, P. S. Novais. Democracia participativa na Constituição Brasileira. pp. 181-193. Brasília a. 45,
n.178, abr/jun, 2008., p. 187. Disponível:
https://www12.senado.leg.br/ril/edicoes/45/178/ril_v45_n178_p181.pdf Consulta: 12/11/2020.
7
PASSOS, J. J. C. Ensaios e discursos. Juspodivm, 2016, p.303)
8
MAQUIAVEL, N. O Príncipe. Penguin/ Companhia das Letras, 2012, p.32

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“períodos”, “pedaços de tempo” definidos por características que interagem e asseguram
o movimento do “todo”, devido ao controle que assegura a reprodução ordenada das
características gerais, segundo uma organização, escrevem Milton Santos e Maria Laura
Silveira9, [...] “açoitada por uma evolução mais brutal de um ou de diversos fatores, que
desmantela a harmonia do conjunto, determina a ruptura e permite dizer que se entrou em
um novo período [...].
Assim, no Brasil republicano, identificam-se três períodos republicano-
democráticos10. A Primeira República (1889-1930), pautada pela concentração do poder
político nos governadores, foi esfacelada pela Revolução de 1930 e substituída pela
ditadura de Junta Governativa Provisória (1930-1945) comandada por Getúlio Vargas. A
Segunda República que, consolidada com a Constituição dos Estados Unidos do Brasil
(1946) ensejando uma nova maneira de se governar (o presidencialismo de coalizão), foi
“degolada” pelo Golpe civil-militar e pelos Anos de Chumbo da Ditadura militar (1964-
1985). Finalmente, a Terceira República que, consubstanciada pela Constituição Federal
de 1988, configura o Estado democrático de direito, consolidando uma nova dinâmica na
relação entre o chefe do Poder Executivo (Presidente da República) e o Poder Legislativo
(Câmara dos Deputados e Senado Federal) no contexto pluripartidário.
Esta investigação bibliográfico-qualitativa11 examina das implicações da
implantação do semipresidencialismo sobre a separação de poderes e a democracia
participativa, e o pressuposto de que a mesmo mitigaria os problemas decorrentes do
presidencialismo de coalizão durante a Terceira República brasileira. Para isso,
caracteriza-se o hiperpresidencialismo latino-americano, o presidencialismo de coalizão
e o semipresidencialismo, além de refletir acerca das implicações deste último nos
referidos princípios constitucionais.
A temática é transdisciplinar, pois abrange o Direito Constitucional, a
Administração Pública e a Ciência Política, enfatizando a Engenharia Institucional que,
como aponta Luiz Gustavo Farias Guimarães12, organiza, distribui e sistematiza as
relações políticas e jurídicas dos Estados, refletindo as escolhas políticas que, sob

9
SANTOS, M. e SILVEIRA, M.L. O Brasil: território e sociedade no início do século XXI. Rio de Janeiro:
Record, 2013, p.24
10
ABRANCHES, S.H.H. Op.cit., 2018.
11
MINAYO, Maria Cecilia de Souza. O desafio da pesquisa social. In: DESLANDES, Suely Ferreira; GOMES,
Romeu; MINAYO, Maria Cecilia de Souza (orgs.) Pesquisa social: teoria, método e criatividade. Petrópolis,
RJ: Vozes, 2009, p.26.
12
GUIMARÃES, L.G.F. Presidencialismo de Coalizão no Brasil. Dissertação de Mestrado em Direito. São
Paulo: Universidade de São Paulo, 2019.

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influência multifatorial, configuram o processo histórico quanto à forma de organização,
arranjo e distribuição do poder político entre as instituições estatais e as regras do
ordenamento constitucional para a interação dos agentes políticos no processo decisório.
Fundamenta-se no institucionalismo histórico que focaliza a relevância das interações
entre os fatores endógenos (coalescência, tamanho e heterogeneidade) e exógenos
(popularidade) de uma dada coalizão considerando o dinamismo na atuação das
instituições e dos atores, os quais apresentam diferentes leituras acerca da realidade, as
regras e seus efeitos.
James Mahoney e Kathleen Thellen13 ressaltam as mudanças lentas, graduais (e
imperceptíveis) nas relações interinstitucionais e no padrão comportamental dos atores
(players) institucionais cujas ações dependem do contexto político e da discricionariedade
na interpenetração e aplicação entre os players políticos e as instituições, mediante quatro
diferentes estratégias. O deslocamento é aquela em que os “subversivos” (players que
respeitam as "regras do jogo" e evitam o confronto direto com os conservadores que
pugnam pela manutenção do status quo) induzem mudanças substituindo as regras antigas
por novas sem alterar substancialmente o quadro normativo. Na derivação os
“simbiontes” (comprometidos com as regras vigentes que lhes asseguram a
sobrevivência) induzem mudanças mediante intervenções deliberadas nas regras pré-
existentes. Contextos de elevada possibilidade de veto favorecem os “insurgentes” que,
menosprezando as normas vigentes, aplicam o “enxerto” incluindo novas regras no topo
do rol daquelas pré-existentes. Finalmente, os “oportunistas” (que adotam o "ver para
agir") usam a “conversão” visando a modificação efetiva dos rumos na instituição.
A “constelação” de conceitos que, escrevem Gilles Deleuze e Félix Guattari14,
procuram focalizar os “problemas sem os quais não teria sentido, e que só podem ser
isolados ou compreendidos na medida de sua solução”. Por sua vez, Minayo15 ressalta
que os conceitos são os elementos mais relevantes do discurso científico, pois concentram
as teorias, as representações da realidade, os posicionamentos e história focalizando e
delimitando o objeto de estudo, explicitando as correntes teóricas aos quais estão
vinculados. São operacionalizáveis para a descrição e interpretação da realidade, e
dotados de clareza, precisão, abrangência e especificidade para que sejam entendidos

13
MAHONEY, James; THELEN, Kathleen. Explaining institutional change: ambiguity, agency, and power.
New York: Cambridge Univ. Press, 2010.
14
DELEUZE, G. e GUATTARI, F. O que é a Filosofia? São Paulo: Editora 34, 1992, p.25.
15
MINAYO, M.C.S. Op.cit, 2009.

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pelos interlocutores da pesquisa. Por outras palavras, são valorativos, pragmáticos e
comunicativos.
Esperando contribuir para o aperfeiçoamento da democracia, as reflexões aqui
elencadas destinam-se àqueles e àquelas que têm, como apontou Ulysses Guimarães16,
“ódio e nojo à ditadura”, que amaldiçoam “a tirania onde quer que ela desgrace homens
e nações, principalmente na América Latina” e, a despeito de todas as dificuldades e
percalços, seguem acreditando que liberdade é um bem da vida que merece ser
preservado.

16
GUIMARAES, U. Discurso proferido na sessão de 5 de outubro de 1988, publicado no DANC de 5 de
outubro de 1988, p. 14380-14382.

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II - POLÍTICA: CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO

A Política é, aponta Norberto Bobbio17, a “arte do possível” e da realidade


concreta que pode ser efetivada considerando as coisas (a realidade política e social) como
realmente são, “o que se vive”, a verdade efetiva. Cabe a ela considerar a mutabilidade
dos homens e da técnica, fundamentando-se na moral do cidadão, o sujeito que constrói
o Estado, “como se deveria viver”, imanente, mundana, inerente ao relacionamento entre
os homens.
Segundo Gerard Lebrun18, a política é a “atividade social que se propõe a garantir
pela força, fundada geralmente no direito, a segurança externa e a concórdia interna de
uma unidade política particular”. É, portanto, a arte de unificar e organizar ações humanas
a fim de orientá-las, escreve Ernest Cassirer19, para um fim comum. Trata-se da "ciência
do possível e a arte de tornar o possível uma realidade em função do bem comum", aduz
Miguel Reale20.
Carlos Vainer21 aponta que a “arte da política reside em insistir em uma
determinada demanda que embora completamente realista, perturba o cerne da ideologia
hegemônica e implica em mudança muito mais radical, ou seja, que embora
definitivamente viável e legítima, é de fato impossível.” Ibrahima Silla22 entende a
política como espaço social de regulação do poder, como meio de neutralização da
violência, ou como garante da ordem política e da pacificação dos costumes.
A Política, ressalta Luís Roberto Barroso, é feita de vontades livres, ao passo que o
Direito é feito de razão, de decisões pautadas por valores estabelecidos pela Constituição,
pois:
Em teoria, interpretar a Constituição é bem diferente de tomar decisão política, na prática, porém,
a interpretação não é uma atividade técnica e mecânica, na qual as convicções e a vontade do agente
não fazem qualquer diferença. A valoração do fato e a atribuição do sentido às palavras da lei
sempre terão uma dose de subjetividade, sempre haverá, ainda que residualmente, um traço político

17
BOBBIO, N. Estado, Governo, Sociedade: para uma teoria geral da política. São Paulo: Paz e Terra.2007,
p. 60.
18
LEBRUN, Gerard. O que é o poder? São Paulo: Brasiliense, 1981.
19
CASSIRER, E. O Mito do Estado. São Paulo: Códex, 2003.
20
REALE, M. Semipresidencialismo e semiparlamentarismo. Liberdade e democracia. São Paulo: Saraiva,
1987 p.137.
21
VAINER, C. Quando a cidade vai às ruas. Cidades Rebeldes, Boitempo/Tinta Vermelha, 2013.
22
SILLA, I. Introduction à la Science Politique. Senegal: L'Harmattan-Senegal, 2020.

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do tribunal constitucional. Por estas razões, a linha divisória entre o direito e a política nem sempre
é nítida e certamente não é fixa. 23

Segundo Roberto Lyra Filho24, a atividade política define as opções sociais visando
a conquista e a organização do poder político para, coercitiva e legitimamente, assegurar
a efetividade das mesmas. Por outro lado, socialmente construído, historicamente
formulado, segundo a contingência e conjuntura do espaço-tempo do poder político e da
correlação de forças efetivamente contrapostas na sociedade que o institucionalizou, o
direito é indissociável da atividade política conferindo-lhe forma, previsibilidade e
segurança, definindo as “regras do jogo” na luta pela obtenção (e exercício) do poder
político.
Para Max Weber25, a política é o conjunto de esforços visando-se a "participação
no poder ou a luta para influir na distribuição do poder" entre Estados ou no âmbito do
Estado, a associação política é pautada pelo uso legítimo da violência, "a comunidade
humana que pretende, com êxito, o monopólio legitimo da força física, dentro de um
determinado território". A existência do Estado e das instituições políticas que o
constituem depende do domínio exercido, mediante a violência legítima, por homens
sobre homens
Lênio Luiz Streck aduz que o direito confere legitimidade à política (o poder
administrativo) que, em retribuição, garante-lhe a coercitividade. O direito é parte da
política (Polity), compreendida como comunidade. Entretanto, o exercício da política
(Politics) leva à interação entre política e direito na constituição do político. Do ponto de
vista partidário, o direito limita a política em prol dos direitos da minoria.26 Enquanto
empreendimento público, o direito é essencialmente político (da polis), ou melhor,
público (da res publica)27.

A constitucionalização do Direito é, escreve Barroso28, o efeito expansivo das


normas constitucionais, cujo conteúdo material e axiológico se irradia, com força
normativa, como explicitado por Konrad Hesse29, por todo o sistema jurídico. Desta

23
BARROSO, L. R. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a
construção do novo modelo. São Paulo: Saraiva Educação, 2020, p.197.
24
LYRA FILHO, R. O que é direito. São Paulo: Brasiliense, 1982, p.52.
25
WEBER, Max. Ciência e política: duas vocações. São Paulo: Cultrix, 1992.
26
STRECK, L. L. Democracia, Jurisdição Constitucional e Presidencialismo de Coalizão. Observatório da
Jurisdição Constitucional. Ano 6, vol. 1, mai./2013., p.215
27
STRECK, L. L. Democracia…, 2013, p.216.
28
BARROSO, L.R. Curso de Direito Constitucional..., 2020.
29
HESSE, K. A força normativa da constituição. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1991.

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maneira, os valores e os fins públicos e os comportamentos contemplados nos princípios
e regras da Constituição condicionam a validade e o sentido de todas as normas do direito
infraconstitucional. Exemplo disso, é o Direito Penal brasileiro que, a despeito de seletivo
fundamenta-se nos princípios garantistas assegurados pela Constituição Federal de 1988
nos direitos: conhecimento da acusação, plena defesa, produção de provas e julgamento
por juiz natural e imparcial.
A constitucionalização repercute sobre a atuação dos três Poderes e nas suas
relações com os particulares e nas relações entre particulares. Limita a discricionariedade
do Legislativo ou a liberdade de conformação na elaboração das leis; impõem-lhe
determinados deveres de atuação para realização de direitos e programas constitucionais;
limita a discricionariedade do Executivo impondo-lhe deveres de atuação e, fornecendo
fundamento de validade para a prática de atos de aplicação direta e imediata da
Constituição; parametriza o controle de constitucionalidade desempenhado pelo
Judiciário, condicionando a interpretação de todas as normas do sistema. Por outro lado,
limita a autonomia da vontade dos particulares quanto à liberdade de contratar ou do uso
da propriedade privada, subordinando-a a valores constitucionais e ao respeito a direitos
fundamentais.
Marcelo Leonardo Tavares30 ressalta que para gerir a Sociedade exercendo a
dominação, o Estado exercita o poder separando-o em funções (Legislativa, Executiva e
Judiciária) organizando suas estruturas de diferentes formas, os sistemas de governo que,
no Estado Democrático de Direito, deve: assegurar democraticamente o governo da
maioria; prevenir e solucionar, sem traumas, crises políticas; balancear as relações entre
os poderes Executivo e Legislativo; controlar efetivamente, por meio da oposição, as
ações de governo; respeitar e promover os direitos fundamentais; alternar o acesso das
diferentes correntes ideológicas ao poder; e promover relações democráticas pautadas
pela transparência.
Denomina-se constitucionalismo ao esforço político-jurídico da sociedade para
regrar a atuação dos governantes, impondo-lhes limites e deveres, a separação de Poderes,
reconhecendo os direitos básicos do homem em face do Estado, fixando tais regras numa
constituição escrita. Trata-se, diz J.J. Gomes Canotilho31, da teoria (ou ideologia) que
emerge do princípio do governo limitado indispensável à garantia dos direitos em

30
TAVARES, M. L. Regime Semi-Presidentiel ao Bresil: Porquoi Pas? Revista Publicum. Rio de Janeiro,
v.4, n.1., 2018, p. 34-53.
31
CANOTILHO, J. J. G. Direito Constitucional e teoria da Constituição. Almedina, 2003, p. 51.

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dimensão estruturante da organização político-social de uma comunidade.
Contemporaneamente é uma técnica específica de limitação do poder com fins
garantísticos.
Apontando que a juristocracia, o governo dos juízes, é um perigo cujo
enfrentamento depende da consistência na teoria do direito e de agentes jurídicos capazes
de construir bons argumentos e desconstruir argumentos ruins, Streck 32 ressalta que o
constitucionalismo é um processo essencialmente histórico enraizado no século XI e
permeado de lutas sociais e teóricas que resultaram na independência do Parlamento, nas
limitações ao poder do soberano, e na definição de Estado de Direito a partir da afirmação
de um Estado Constitucional focalizado na independência do Poder Judiciário, conquista
democrática resultante de oito séculos de movimentos constitucionais que visavam a
construção de mecanismos para limitar o poder dos governantes e a assegurar os direitos
fundamentais dos indivíduos.
O constitucionalismo medieval inglês resultou na elaboração da Charta Magna
(1215), esforço que seguido pela construção de outros pactos33 que, baseados no acordo
de vontades entre o monarca e súditos, convencionavam a forma de governo e as garantias
individuais. O mesmo ocorreu com o constitucionalismo estadunidense engendrado pelos
contratos de colonização como Fundamental Orders of Connecticut, nas colônias
britânicas no Novo Mundo. Finalmente, o constitucionalismo francês que resultou nas
leis fundamentais do Reino, no Ancien Regime absolutista.

Visando enfraquecer e limitar o poder do governante e do Estado moderno e


reconhecer os direitos humanos como fundamentais, o constitucionalismo liberal adotou
como princípio a separação de poderes, conforme destacado pela Constitution of State of
Virginia (1776) de "que os poderes executivo e legislativo do Estado deverão ser
separados e distintos do judiciário"34 .Caracterizando o Estado liberal, declarava a não
intervenção estatal nas leis do mercado, a limitação constitucional dos governantes e os
direitos fundamentais dos indivíduos, os direitos de primeira dimensão: liberdade,
propriedade privada, manifestação de pensamento e voto.

32
STRECK, L.L. Op. cit., 2013. p.222.
33
Exemplo: Petition of Rights (1628), Habeas Corpus Act (1679), Bill of Rights (1689), Act of Settlement
(1701).
34
Original: “That the legislative and executive powers of the state should be separate and distinct from the
judiciary”. The Constitution of Virginia. Bill of Rights. 29 June 1776, Section 5. Disponível: Constitution
of Virginia, 1776 (nhinet.org). Consultado: 04/04/2021.

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A Constituição Americana (de 1787)35 estabeleceu nos artigos I, II, e III o princípio da
repartição da competência soberana, preocupação veiculada por James Madison 36 ao afirmar
que:

A acumulação de todos os poderes, legislativos, executivos e judiciais, nas mesmas mãos,


sejam estas de um, de poucos ou de muitos, hereditárias, autonomeadas ou eletivas, pode-
se dizer com exatidão que constitui a própria definição da tirania.37

Na Franca, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão38 (1789) reforçaria,


no seu artigo 16º, que "Toda sociedade na qual a garantia dos direitos não está assegurada,
nem a separação dos poderes determinada, não tem Constituição"39. A Constituição
Francesa (1791) assumiu como princípios "a garantia dos Direitos do Homem" e a "separação de
poderes".
O constitucionalismo fez emergir o Estado Social de Direito (Welfare State),
responsável por assegurar as condições mínimas para a existência dos indivíduos
firmando os direitos de “segunda dimensão”, os direitos sociais (trabalho, saúde,
educação, associação etc.) e culturais, e admitindo a intervenção estatal nas leis de
mercado, bem na elaboração e execução de políticas públicas.
Tais propostas definiram as constituições dirigentes e programáticas, de cunho
nominalista-semântico – a Mexicana (1917), a de Weimar (1919) e a Brasileira (1934) –
que, destituídas de força normativa para realizar seus programas, devido à irrelevância do
Judiciário na concretização dos direitos fundamentais. Entretanto, tais constituições
dependiam da discricionaridade dos detentores do poder e, muitas vezes, legitimavam
formalmente a sua atuação, como se viu nos regimes totalitários nazifascista e stalinista.

35
ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. Constituição Americana (1779). Disponível:
http://www.uel.br/pessoal/jneto/gradua/historia/recdida/ConstituicaoEUARecDidaPESSOALJNETO.pdf
Consulta: 05/05/2021.
36
MADISON, J. The Influence of the State and Federal Governments Compared. Federalist 46. New
York Packet, Tuesday, January 29, 1788. Disponível: Federalist Nos. 41-50 - Federalist Papers: Primary
Documents in American History - Research Guides at Library of Congress (loc.gov) Consultado:
04/04/2021.
37
Original: “The accumulation of all powers, legislative, executive, and judiciary, in the same hands,
whether of one, a few, or many, and whether hereditary, self-appointed, or elective, may justly be
pronounced the very definition of tyranny”.
38
REPUBLIQUE FRANÇAISE. Déclaration du 26 août 1789 des droits de l'homme et du citoyen.Version
en vigueur au 13 janvier 2021. Disponível:
www.legifrance.gouv.fr/loda/id/JORFTEXT000000697056/2021-01-13/ Consultado: 04/04/2021.
39
Original: Toute société dans laquelle la garantie des droits n'est pas assurée, ni la séparation des
pouvoirs déterminée, n'a point de constitution.

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Segundo Streck40, a juridicidade, na perspectiva do constitucionalismo
contemporâneo, reside na interpretação e aplicação, enquanto atividades incindíveis, e na
superação da distinção estrutural easy-hard cases, uma vez que não pode haver decisão
judicial que não esteja devidamente fundamentada e justificada nos princípios que
lastreiam o Estado Democrático de Direito.
Aponta Barroso41 que o constitucionalismo democrático contemporâneo é
evidenciado pela expansão institucional do Poder Judiciário em relação aos demais
poderes. Tal expansão se manifesta pela amplitude da jurisdição constitucional, ou seja,
o poder dos juízes e tribunais na aplicação direta da Constituição, no controle de
constitucionalidade das leis e dos atos do Poder Público e na interpretação conforme a
Constituição do ordenamento infraconstitucional

40
STRECK, L. L. Contra o Neoconstitucionalismo, 2011. Constituição, Economia e Desenvolvimento:
Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional. Curitiba, 2011, n.4, Jan-Jun, p.9-27
41
BARROSO, L. R. Constituição, Democracia e Supremacia Judicial: Direito e Política no Brasil
Contemporâneo. Revista Jurídica da Presidência. Brasília, Vol. 12, n°96 | Fev/Mai 2010, p.8.

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III - SOCIEDADE ABERTA x ESTADO


1 – Sociedades fechadas e sociedades abertas. 2 - Estado e direito. 2.1 – Do
Estado antigo ao Estado moderno. 2.2 Contrato social: o Leviatã, o Estado
liberal burguês, a superestrutura. 2.3 Estado e revolução: Estado versus
ditadura do proletariado. 2.4 Sociedade civil e hegemonia

1 – Sociedades fechadas e sociedades abertas

A sociedade é definida como o grupo autônomo de indivíduos, comunidades e


organizações que, vinculados por uma rede de relacionamentos, interagem organizada e
reciprocamente visando-se alcançar e manter objetivos compartilhados, o bem comum.
Considerando a provisoriedade e falibilidade do conhecimento humano, Karl
Popper42 aponta para a necessidade de abertura aos diferentes pontos de vista, da
substituição/sucessão pacífica dos líderes, da responsabilização dos indivíduos por suas
escolhas e decisões pessoais e da possibilidade para que os cidadãos, formando sua
opinião acerca da realidade, expressem com liberdade os seus pensamentos e opiniões, a
despeito do paradoxo segundo o qual a "tolerância ilimitada leva ao desaparecimento da
tolerância”, pois ideias pautadas pela intolerância devem ser combatidas com argumentos
racionais43” e movimentos que incitem a intolerância ou a perseguição devem ser
marginalizados e criminalizados. Com base nisso, distingue as sociedades fechadas e a
sociedade aberta.
Nas sociedades fechadas, "mágicas, tribais ou coletivistas", a estrutura autoritária
e hierárquica restringe a liberdade de expressão, limita os direitos individuais, reduz a
tolerância quanto às diferenças, fazendo com que a sucessão das lideranças ocorra
mediante revoluções violentas ou golpes de Estado, são portadoras de um suposto
domínio de uma “verdade final”, de uma única versão da realidade fundamentada nas
ideologias totalitárias.
Em contraposição, a sociedade aberta é aquela que conta com instituições legais
e culturais que, respeitando os diferentes pontos de vista, asseguram a pluralidade e a
multiculturalidade. Caracterizam-se pela democracia liberal, valorização da participação
popular, proteção aos direitos individuais e das minorias, e tem o Estado como árbitro

42
POPPER, K. A sociedade aberta e seus inimigos. São Paulo: Itatiaia/EDUSP, 1974, p. 88-106.
43
POPPER, K., op.cit, p.249-250

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imparcial e “garante”, isto é, fiador da livre expressão de ideias e da liberdade de escolha
dos indivíduos, do pluralismo político e tolerância às diferenças e da busca pelo equilíbrio
entre os diferentes interesses.

2 - Estado e direito

O filósofo Paul Ricoeur44 aponta que a ação é um processo dotado de propósito e


no qual um agente, mudando alguma coisa, muda a si mesmo. Quando, através do
trabalho, o homem exerce ação sobre a natureza (o meio) e muda a si mesmo, a ação
humana se aparta do seu agente, ganha autonomia e produz suas próprias consequências.
Assim, a dimensão social da ação é um fenômeno social, pois é obra de vários agentes
cujos papeis são indistinguíveis, e porque os atos escapam produzindo e efeitos
inesperados.45
O Estado é uma das forças capazes de produzir eventos e incidentes, num mesmo
momento, sobre áreas extensas
pelo seu “uso legítimo da força”, encarnado ou não no direito. A lei, ou o que
toma seu nome, é, por natureza, geral. Assim, uma norma pública age sobre a
totalidade das pessoas, das empresas, das instituições e do território. Essa é a
superioridade da ação do Estado sobre outras macro-organizações. Nem as
instituições supranacionais, nem as empresas multinacionais têm esse poder 46

Para atingir o bem comum, a sociedade necessita do gerenciamento propiciada


pelo Estado, a instituição social dotada de poder advindo da parcela da liberdade abdicada
pelos indivíduos que celebram entre si um Contrato Social, ou do processo histórico que
configura uma superestrutura sustentada pelo modo de produção, reflexo da luta de
classes.
Com efeito, nascido da sociedade constituída por classes, o Estado expressa a luta
de classes e a dominação de uma delas e, concomitantemente, se aparta dela, constituindo-
se em um aparato dotado de leis e lógicas internas, burocracia e estrutura própria que
diferenciando-se das da sociedade torna-se incompreensível para esta, mas que expressa
um tipo de poder e serve indiretamente à sociedade.
Segundo a abordagem jurídica, o Estado é a expressão do direito e vice-versa.
Apontando para a coexistência de diferentes ordens jurídicas (estatal, infraestatal,
supraestatal e paraestatal), Santi Romano47 considera que o direito é um fenômeno

44
RICOEUR, P. Du texte à l'action. Essais d'hermenéutique. Paris, Seuil, 1986. p.193.
45
GRUPPI, L. Op.cit, 1986, p.31.
46
SANTOS, M. Op. Cit., p. 96
47
ROMANO, S. O ordenamento jurídico. Editora Boiteux, 2008.

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verificável em todas as organizações sociais, centros de produção de normas. Afinal, a
existência de uma sociedade implica a existência do direito, pois toda e qualquer
organização social estável e individualizada conta com o seu próprio ordenamento
jurídico. Desta maneira, o Estado surge para manter o Direito e, em contraposição, o
Direito limita o Estado ao atribuir-lhe o poder de império.
Para Hans Kelsen (2000)48 direito e Estado se confundem, pois enquanto sistema
normativo, ordem coercitiva de normas, o Estado personifica a ordem jurídica positiva,
isto é, imposta. O Estado moderno caracteriza-se pelas formas claras, distintas e acabadas
do direito cuja elaboração obedece a procedimentos por ele criados e reconhecidos. A
atuação coercitiva do direito depende do Estado. Assim, sem Estado não há Direito, pois
as normas que regulam a organização e o funcionamento de qualquer sociedade se tornam
jurídicas ao serem reconhecidas pelo Estado.
O direito estatal é o referencial para a classificação das diferentes ordens normativas
(jurídicas, ajurídicas ou antijurídicas). Ao longo de seu desenvolvimento, o Estado
conseguiu se impor como detentor do poder soberano, da soberania, internamente
incontrastável, assegurando hegemonicamente o monopólio para a criação de normas
jurídicas e da violência para exercê-las.
A reflexão crítica acerca do Estado, segundo Dalmo de Abreu Dallari49, implica no
questionamento acerca da necessidade de sua existência e na busca por um "melhor
Estado". Afinal, o Estado é o conjunto de situações, relações, comportamentos,
justificativas e objetivos que, entrelaçados, compreendem aspectos jurídicos
indissociáveis de conteúdo político. Daí a impossibilidade de apartar a dimensão jurídica
da dimensão política nos estudos críticos acerca do Estado e da sua dinâmica, pois a
fixação de regras e comportamentos está vinculada aos fundamentos e finalidade,
enquanto que os meios estão inseridos nas normas jurídicas.
Miguel Reale50 ressalta que o Estado é caracterizado pela unidade integrante e
concreta do processo histórico-social constituída pela interação dialética entre o Poder, o
fim da convivência e o ordenamento jurídico. A interação entre o fato da coexistência de
uma relação permanente de poder, com a discriminação entre governantes e governados;
de um valor ou complexo de valores, pelo qual o Poder é exercido; e, finalmente, de um

48
KELSEN, H. Teoria geral do direito e do estado. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
49
DALLARI, D. A. Elementos de Teoria do Estado. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 127.
50
REALE, M. Teoria do direito e do Estado. São Paulo: Saraiva, 2000, pp. 374-375

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complexo de normas que expressa a mediação do Poder na atualização dos valores de
convivência.
Segundo a interpretação sistêmica do Estado proposta por Norberto Bobbio51, a
função das instituições políticas é responder adequadamente, "sob a forma de decisões
coletivas vinculatórias para toda a sociedade" aos seus estímulos.
Segundo Antonio Carlos Wolkmer52 o Estado é a “instância politicamente
organizada, munida de coerção e de poder, que, pela legitimidade da maioria, administra
os múltiplos interesses antagônicos e os objetivos do todo social, sendo sua área de
atuação delimitada a um determinado espaço físico”. Assim, o Estado moderno é o
fenômeno de dominação historicamente determinado pela reorganização social, política
e econômica decorrente das transformações ocasionadas pela emergência de condições
estruturais inerentes ao modo de produção capitalista burguês europeu. Nascido
absolutista, o Estado moderno acabou se tornando liberal capitalista53.
Por outro lado, Anthony Giddens54 aponta que o Estado é o

mecanismo político de governo (instituições como um parlamento ou congresso, além de


servidores públicos) controlando determinado território, cuja autoridade conta com o
amparo de um sistema legal e da capacidade de utilizar a força militar para implementar
suas políticas. Todas as sociedades modernas são Estados-nações, ou seja, Estados nos
quais a grande massa da população é composta por cidadãos que se consideram parte de
uma única nação.

Gladstone Mamede55 aponta que o Estado é a estrutura de organização social que,


dotada de mecanismos (e instrumentos) que a asseguram, é revestida de uma significação
específica: uma organização de indivíduos (o aparelho de Estado) que controla essa
estrutura social, correspondendo-lhe um poder de Estado, uma capacidade institucional
de ação reguladora sobre a estrutura social, a partir do manejo e do emprego de
instrumentos repressivos-coercitivos, de Estado. Cabe ao Direito manter a estabilidade da
estrutura de Estado e garantir a perpetuação de um modelo de vida e organização social
(modelo econômico), pautando-se pelos interesses dos detentores do “poder necessário
para validá-los e efetivá-los”.

51
BOBBIO, N. Op. cit., 2007, p. 60.
52
WOLKMER, A.C. Elementos para uma crítica do Estado. Porto Alegre: Sergio Fabris Editores, 1990, p.9.
53
WOLKMER, A.C. Op.cit. , 1990 pp. 21-22.
54
GIDDENS, A. Sociologia. Porto Alegre: ArtMed, 2005, p.343.
55
MAMEDE, G. Semiologia e Direito: tópicos para um debate referenciado pela animalidade e pela
cultura. Belo Horizonte: Editora 786, 1995, p.87.

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CIS 387 - Estado, Governo e Sociedade
Segundo Paulo Bonavides56, o Estado é o ordenamento jurídico-político cuja
existência depende de quatro elementos: o povo, a nação, o território e o poder estatal. O
povo é o quadro sufragante e politizado, dotado de capacidade decisória no âmbito do
sistema que varia no espaço-tempo. Trata-se do conjunto de cidadãos, pessoas
institucionalmente vinculadas a um Estado por meio da cidadania relação que define os
direitos e deveres para ambos.
Personificada juridicamente pelo Estado, a nação é o grupo humano constituído por
indivíduos unidos mediante laços de pertencimento, e cônscios da distinção quanto aos
indivíduos vinculados a outros grupos nacionais territorialmente localizados.
O território é espaço geográfico que delimita a competência, a validez das normas
jurídicas evidenciando a relevância da soberania nacional, aduz Hans Kelsen57.
O poder estatal, a faculdade que o Estado tem de decidir em nome da coletividade,
manifesta a sua organização e disciplina a sua força (a capacidade material de comandar)
pautando-se na competência legítima e na autoridade fundada no consentimento que
define a sua auto-organização, autodeterminação e autonomia constitucional.

2.1 – Do Estado antigo ao Estado moderno

Na “polis” grega e na “civis” romana, escreve Fustel de Coulange58, a “esfera


pública” limitava o espaço de atuação do Estado e se caracterizava pela relativa igualdade
entre os homens livres que através da participação política definiam os rumos da cidade,
enquanto que o exercício do poder se restringia à vida privada.
Aponta Luciano Gruppi que ao superar o Estado antigo, o Estado moderno
confundiu a esfera pública e a esfera individual privada a fim de coordenar e unificar os
indivíduos, despolitizando o homem e transformando a “multidão”, os indivíduos ou
grupos dispersos em determinado espaço geográfico, em um “corpo político” único, a
“comunidade”, a congregação de homens cujos próprios afazeres e interesses os impedem
de dedicar aos interesses da coletividade, razão pela qual “devem ser protegidos pela
instância política, em vez de participarem dela”59. No âmbito da comunidade, os

56
BONAVIDES, P. Ciência Política, 2011
57
KELSEN, H. Teoria geral do direito e do estado. Tradução: Luís Carlos Borges. 3ª ed. São Paulo: Martins
Fontes, 2000.
58
COULANGE, F. A cidade antiga. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
59
GRUPPI, L. Tudo começou com Maquiavel. As conceções de Estado em Marx, Engels, Lênin e Gramsci.
Porto Alegre: LP&M, 1986, p.10.

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indivíduos abdicam de seus direitos naturais em favor do Estado absolutista que
assumindo o poder soberano passou a se considerar “acima” das leis por ele ditadas.
Fundamentado no terror, o Estado unitário absolutista presume que a solução das
crises institucionais depende do Príncipe que, a despeito de não ser tão sábio quanto o
povo, exerce sua dominação absoluta sobre os homens para liderar a reconstrução do
Estado e a renovação da sociedade.
Na Itália renascentista fragmentada em cidades-Estados, devido ao fracasso das
comunas e na iminência de perder sua independência nacional, Nicolau Maquiavel
apontou que a crise das antigas instituições dependeria do poder absoluto do príncipe
capaz de liderar o movimento de reconstrução do Estado e renovação da sociedade60 e ao
afirmar que a conveniência de se acompanhar a “realidade efetiva” e escrever “coisa útil”,
enunciou o pensamento crítico, científico, experimental e observacional, que
fundamentou a Ciência Política imanente, mundana, inerente ao relacionamento humano,
ou seja, enunciar as coisas como elas são, a realidade política e social, a verdade efetiva,
fazendo uma clara distinção entre a maneira que se vive e maneira que se deveria viver.
Afirmando que seria ruinoso deixar de fazer o costumeiro e tentar realizar o que
deveria ser feito, Maquiavel construiu uma teoria crítica acerca da formação do Estado
moderno, apartada da moral e da religião. Afinal, cabe ao Estado fazer Política conforme
técnicas e leis fundadas na moral do cidadão, o homem que constrói o Estado.
A assertiva de que “Todos os Estados, todas as dominações que tiveram e tem
império sobre os homens são repúblicas ou principados”61 é a síntese de que o Estado
consiste na dominação, no poder, sobre os homens, pois o domínio sobre os homens é
mais relevante que o domínio sobre o território. Ao mesmo tempo, afirmava que a
sabedoria do povo é superior à sabedoria do príncipe; e que no Estado antigo o poder se
fundamentava na democracia, no consentimento do povo (a burguesia)62 , ao passo que,
no Estado moderno unitário-absolutista o poder estaria fundamentado na violência, na
força, enfim, no terror.
Posteriormente, Max Weber63 ressaltaria que a força é o conjunto dos meios pelos
quais um sujeito (ou um grupo) influencia o comportamento de outros. Por outro lado, a
dominação é “a probabilidade de que uma ordem com um determinado conteúdo

60
MAQUIAVEL, N. O príncipe. 2010.
61
MAQUIAVEL, N. Op.cit. 2010, P. 32.
62
MAQUIAVEL, N. Discorsi sopra la prima deca di Tito Livio. AMI Books, 2003. [recurso eletrônico].
63
WEBER, M. Op. cit., 1992.

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específico seja seguida por um dado grupo de pessoas”. O exercício da dominação resulta
na “obediência política” que pode ser alavancada pela possibilidade de coação mesmo
para aqueles que jamais contestariam a sua legitimidade.
Para Weber, o exercício do poder implica na legitimidade, ou seja, a manifestação
da autoridade da qual identifica os “tipos ideais”: carismática, pautada na lealdade dos
subalternos e na existência de um líder imbuído de uma missão; tradicional,
fundamentada nos ordenamentos pré-existentes e nos privilégios e dignidade pessoal do
líder; a legal, pautada no racionalismo, na regulamentação da autoridade burocrática, na
obediência voluntária dos subordinados às regras formais e competentes.
Enquanto observância dos princípios jurídicos visando conciliar poder e opinião
pública, a legitimidade representa a hegemonia, respaldada pela aquiescência e adesão
dos governados, de uma teoria do poder em uma dada sociedade. A legitimidade do
governo repousaria, aponta Weber64, na observância dos procedimentos para transmissão
do poder, sediado legitimamente na lei, na autoridade e na competência, sendo os
governantes meros depositários65. Necessário e finalístico, o poder político depende da
legitimidade que assegura a obediência consentida, devido à associação de vontades, de
um "contrato social", ou da imposição às vontades individuais.

2.2 Contrato social: o Leviatã, o Estado liberal burguês, a superestrutura


A existência e a formação do Estado foram efetivadas por um grupo de teorias,
denominadas contratualistas, que advogam a existência de um suposto contrato social que
delimita os deveres e as obrigações do Estado e dos cidadãos. Construções metafisicas,
especulações ideológicas, tais teorias não podem ser consideradas científicas, pois não
focalizam a realidade concreta66.
O Estado visa assegurar o respeito aos valores fundamentais da pessoa humana,
pautando-se pela juridicidade, pois a ordem jurídica soberana busca, ressalta Dallari67, o
“bem comum de um povo situado em determinado território”. Daí a relevância da
personalidade jurídica do Estado e do poder jurídico que restringe o arbítrio e a
discricionariedade da ação estatal. Partícipe da interação entre a natureza política e
natureza jurídica, o Estado exerce o poder político, o poder social nele focalizado

64
WEBER, M. Op. cit., 1992.
65
BONAVIDES. P. Ciência Política. São Paulo: Malheiros, 2011.
66
GRUPPI, Luciano. Op. cit., 1986.
67
DALLARI, D. A. Op. cit., 2011, p.122.

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controlando o comportamento dos homens por meio da violência, para assegurar a
obediência e eficácia dos seus comandos. Sua limitação depende da participação do povo
no exercício do poder político68.
No contexto absolutista inglês, Thomas Hobbes69 descreveu o Estado-Leviatã,
detentor do poder absoluto para controlar a sociedade, cujos membros abdicaram da sua
liberdade e soberania e assumiram o papel de “súditos voluntários” a fim de evitar a
“guerra de todos contra todos”, inerente ao “estado da natureza” e garantir a segurança, a
possibilidade de agir racionalmente e a propriedade. Isso evidencia a relativa
cumplicidade entre súdito submisso e o soberano, cujo comportamento é influenciado
pelas expectativas daqueles acerca de uma vida “boa e cômoda”.
Visando assegurar a paz para todos e conciliar eventuais conflitos interpessoais, o
Estado-Leviatã fundamenta-se na soberania interna repressiva, pautado em leis que,
emanadas da vontade única do soberano e orientadas para os seus interesses (tirania) ou
para o bem comum (despotismo), são logicamente obedecidas pelos cidadãos sob a
ameaça de penalização. Enquanto “núcleo político do social” que fundamenta a
intervenção do soberano na propriedade, o poder afeta a liberdade nas esferas política
(pública) e econômica (privada), conforme aduz Lebrun70.
Por outro lado, Jean Jacques Rousseau71 adverte que o poder soberano emana do
povo que controla o Estado mediante um legítimo governo republicano e da atenta
vigilância para coibir a tendência de o poder Executivo agir contra o povo. Tal controle é
possibilitado pela obediência da lei, pela separação dos poderes e pelo respeito ao direito
de propriedade.
Segundo John Locke 72
, cabe ao Estado proteger os direitos naturais – vida,
liberdade e propriedade – do “povo”, os proprietários que controlam o poder civil,
cabendo ao poder Legislativo defender e garantir a propriedade limitando a soberania
estatal, pois se o poder é uma “instância que exerce uma função social determinada” é
inadmissível o abuso de poder do soberano. Portanto, os cidadãos – indivíduos políticos,
determinados e produzidos pelo poder – devem obedecer às leis instituídas pelo Estado e
usar sua liberdade natural nos âmbitos ainda não regulados por ele.

68
DALLARI, D. A. Op. cit., p.129
69
HOBBES, T. Leviatã. São Paulo: Abril Cultural, 1983 [original: 1651]. (Os Pensadores)
70
LEBRUN, G. Op. cit., 1980.
71
ROUSSEAU, J.J. Do contrato social: ensaios sobre a origem das línguas. Nova Cultural, 1987. v.1. (Os
Pensadores).
72
LOCKE, J. Ensaio sobre o governo civil. São Paulo: Abril Cultural, 1978 [original: 1690]. (Os Pensadores).

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Segundo Giorgio Agamben73, instados pelo contexto da competição global, os
Estados ao assegurarem os direitos à propriedade e à liberdade contratual comportam-se
como agentes do livre mercado e, portanto, responsáveis pela preservação e organização
da sociedade. Daí, a legitimação do Estado liberal e a consolidação do capitalismo,
visando-se a proteção dos indivíduos contra o cometimento de eventuais abusos por parte
de seus congêneres ou do Estado, a fim de atender os interesses privados e os interesses
das classes dominantes.
Priorizando a liberdade econômica e desprezando o poder político, o liberalismo
aperfeiçoou a soberania do Estado absolutista (hobbesiano) e a soberania popular
(rousseauniana) focalizando instituições pelas quais o povo fosse o mandante do poder
político, de tal maneira que a sua ausência não resulte em anarquia ou anomia, devido à
“sociabilidade fora da esfera política” vinculada à preservação da esfera privada do
indivíduo contra as eventuais ingerências do poder, a “independência da sociedade civil”.
O Estado-mínimo é uma ameaça potencial e, ao mesmo tempo, uma instância protetora.
No entanto, a liberdade apregoada pelo liberalismo oculta o poder do Estado no âmbito
privado e justifica sua atuação alegando a sua responsabilidade por garantir a segurança
dos indivíduos na dimensão privada.
Manipulador, o Estado moderno procura evitar a desobediência, controlando e
intervindo na vida privada do cidadão. A liberdade econômica exige que o Estado
minimize o exercício de suas funcionalidades e amplie a regulação e o controle das
“situações da vida”.
Analisando a democracia estadunidense, Alexis de Tocqueville74 ressaltou que a
maioria dos governados considera que o governo age mal, mas pensam que o governo
deve agir sem parar e interferir em tudo, forçando o Estado a comportar-se como uma
instância tutelar, “providencial”, onipotente e onisciente. Um sistema democrático
eleitoral constituiria uma “tirania democrática”, devido à omissão dos cidadãos quanto ao
exercício do poder político e à negligência quanto ao bem comum (res publica). Daí a
necessidade: da transformação da sociedade em uma comunidade orgânica, da mitigação
da liberdade econômica, e da secundarização da liberdade política do cidadão. O exercício
do poder político pelo povo evitaria o controle de alguns poderosos sobre toda a

73
AGAMBEN, G. Estado de Exceção. São Paulo: Boitempo Editorial. 2004.
74
TOCQUEVILLE, A. A democracia na América. Trad. Julia da Rosa Simões 1ª ed. [Recurso Eletrônico]. São
Paulo: Edipro, 2019.

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sociedade. Afinal, os indivíduos não podem ser privados de desejar (ou tomar) a iniciativa
política.
Ao perceber que as estratégias pelas quais ascendera ao poder e as instituições
progressistas (liberdade política e democracia) que criara seriam uma ameaça se
assumidas pela classe operária, a burguesia se volto contra a democracia burguesa e
implantou a ditadura bonapartista inaugurando a contínua centralização burocrática,
militar e policial do Estado que, apartando-se da sociedade passou a oprimi-la e a
expressar o poder da classe dominante. Tal contexto evidenciou a transformação do poder
estatal em “mecanismo de opressão” e a instauração da ditadura da burguesia (o Estado
burguês), cuja contraposição depende da ditadura do proletariado.
A despeito da inexistente teoria marxista orgânica de Estado, remanesce a tese de
que a construção de uma sociedade sem Estado exige um poder não estatal, mas que ainda
é Estado, para a derrubada do Estado burguês. Afirmando que o Estado é classista, uma
máquina de opressão para o exercício do poder, Marx ressalta que: a) a existência de
classes é inerente a determinadas fases do desenvolvimento histórico de produção; b) a
luta de classe conduz a ditadura do proletariado; c) a despeito de ser transitória, a ditadura
do proletariado75 é imprescindível para a supressão de todas as classes, para a emergência
de uma sociedade sem classes, a sociedade enquanto conjunto de trabalhadores.

2.3 Estado e revolução: Estado versus ditadura do proletariado

Distinta da reforma, o conjunto de mudanças políticas e sociais gradativas, a


revolução se refere a uma mudança abrupta e duradoura nas relações de poder político ou
na estrutura de uma sociedade, implicando na renovação ou instauração de um regime ou
governo político. Juridicamente, trata-se da substituição pela instauração, por meios
ilegais, da ordem jurídica vigente por uma nova ordem jurídica. Sua legitimidade decorre
da desconformidade entre a ordem vigente e a realidade social. No contexto de oposição
ao absolutismo destacaram-se as revoluções Gloriosa (1688 a 1689), Americana (1765 a
1791) e Francesa (1789-1799), no contexto dos movimentos socialistas do século XX,
destacaram-se as revoluções russa (1917), chinesa (1940) e cubana (1959), e
contemporaneamente, bem como aquela que, em 1979, que substituiu o Estado Imperial
iraniano por uma república islâmica teocrática.

75
Ou seja, um Estado burguês sem burguesia no qual a lei é igual para todos: “cada um contribui de
acordo com as suas capacidades e recebe de acordo com as suas necessidades”

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CIS 387 - Estado, Governo e Sociedade
A tomada revolucionária do poder político pelo proletariado e a substituição dos
burgueses no comando do Estado ocasionaria a emergência de uma tecnocracia, uma
“nova elite” assumiria o governo. Daí a necessidade de “um controle efetivo mínimo dos
governados sobre o poder”76. Afinal, o Estado depende do poder político, pois “não há
comunidade sem soberania” nem “poder soberano sem uma elite que domine”.
Segundo Friedrich Hegel77, a incapacidade da moralidade individual, a beneficência
particular e o assistencialismo público em impedir a multiplicação da plebe implicam na
necessidade de um Estado abrangente, pautado pela eticidade e focado na supressão dos
conflitos com a sociedade civil e no funcionamento da totalidade.
Dentre as teorias que focalizam a formação, a subsistência e a superação do Estado
destaca-se aquela proposta de Karl Marx78 que, focada no desenvolvimento da sociedade
e no funcionamento do modo de produção capitalista, ressalta que na sociedade feudal,
que identificava sociedade civil e sociedade política (o Estado), a posição socioeconômica
dos homens correspondia à sua posição política (poder político). As leis protegiam os
privilégios79 aristocráticos, distintos dos direitos dos burgueses-artesãos, negligenciando
os servos da gleba, destituídos de direitos.
O Estado liberal capitalista é uma superestrutura, dispositivo que possibilita à classe
dominante “controlar” o conjunto da sociedade a fim de defender os seus próprios
interesses e assegurar o consenso em torno da aceitação do status quo estabelecido pelo
capital para a sua reprodução80. Cabe, pois ao Estado intervir nos conflitos sociais,
implementar políticas visando-se a manutenção da ordem estabelecida, difundir a
ideologia dominante, interferir no cotidiano dos indivíduos a fim de que, mediante a
legitimação social, os mesmos internalizem normas e comportamentos desejáveis81.
Empregando o materialismo histórico-dialético, Friedrich Engels82 aponta que o
Estado é uma máquina de opressão voltada para o exercício do poder da classe dominante,
e que a transição do Estado burguês para uma sociedade sem Estado depende de um poder
estatal que não é mais Estado.

76
LEBRUN, Gerard. O que é poder. São Paulo: Brasiliense, 1981.
77
HEGEL, G. W. F. A ideia e o Ideal. In: Estética. São Paulo: Abril Cultural, 1974. (Os Pensadores).
78
MARX, K. Sobre a questão judaica. [Recurso eletrônico]. São Paulo: Boitempo, 2010.
79
Tais como: a participação de assembleias, o aconselhamento de monarcas, a presidência de tribunais,
o julgamento por seus pares etc.
80
MARX, K. O Capital. Vol.1. São Paulo: Nova Cultural, 1985.
81
IAMAMOTO, M.V. e CARVALHO, R. Relações Sociais e Serviço Social no Brasil: esboço de uma
interpretação histórico- -metodológica. 6ª ed. São Paulo: Cortez/Celats, 1988, p. 108-109.
82
ENGELS, Friedrich. A origem da família, da propriedade e do Estado. Tradução Leandro Konder. 9ª ed.
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1984.

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Expressando as relações de produção e de trocas bem determinadas de uma certa
estrutura econômica constituída por um aparelho administrativo vinculado aos bancos e
às estruturas monopolistas cuja coesão e garantia são por ele asseguradas, o Estado
burguês nasceu, ressalta Engels, do embate entre as diferentes classes. Sua funcionalidade
é, portanto, assegurar a coesão daquela estrutura econômica, dominando e mediando o
equilíbrio jurídico que é contraditório, transitório e instável.
Segundo Vladmir Ilitch Lênin83, o Estado é uma ditadura da minoritária classe
burguesa capitalista, os proprietários dos meios de produção, que sobrepõe o seu poder
econômico à maioria (o povo, os trabalhadores). Daí a necessidade de uma ditadura do
proletariado que, enquanto democracia, ampliaria e realizaria as liberdades burguesas (de
reunião, de imprensa e de associação).
Afirmando que a polarização da riqueza, inerente à sociedade capitalista,
empobrece as classes dominadas em relação à situação histórica e às condições sociais,
Marx aponta que a classe dominante difunde suas ideias, ideologias e cultura por toda a
sociedade e as relações de produção (modo de produção) determinando as instituições
(políticas e estatais), a maneira de pensar e a consciência de toda a sociedade.
Marx e Lênin propõem a instalação, por meio da violência, de um Estado proletário
até a derrubada e extinção84 do Estado burguês constituído por um aparelho (exército,
polícia, burocracia) a ser quebrado e um aparelho administrativo (bancos e trustes) a ser
libertado do domínio imposto pelos capitalistas e administrado de maneira diferente, pois
a revolução marxista precisa dos bancos e da estrutura inerente ao capitalismo
monopolista.
A ideologia política e a cultura fundamentam o “bloco histórico”, o conjunto de
forças políticas e sociais que relacionam estratégia econômica, Estado e classe dominante.
No âmbito desse bloco o consenso entre operários e camponeses é modulado por
influência política e ideológica que, mantendo a coesão, funde os diferentes elementos
unificando classes sociais e interesses antagônicos. A coesão deste “bloco” é assegurada
pelos intelectuais, os quais elaboram a ideologia da classe dominante que deles depende
para manter a supremacia hegemônica que é proporcional à sua capacidade de “direção”
e ao “poder”.
Incorporando acriticamente a cultura das classes dominantes, as classes subalternas
são incapazes de traduzir suas rebeliões em ações políticas. A conquista do poder é

83
LENIN, V.I. Estado e Revolução. Campinas: FE/Unicamp, 2011.
84
GRUPPI, L. Op.cit, 1986, p.31.

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CIS 387 - Estado, Governo e Sociedade
precedida pela autonomia, processo que, vinculando pensamento e ação, fornece a
perspectiva (a visão de conjunto) propiciada pelo partido da classe operária, responsável
pela definição da linha de ação política e da concepção cultural.
Resultando da separação entre o poder e a direção e abrangendo toda a sociedade,
a revolução é, segundo Gramsci85, a crise da hegemonia no âmbito de uma crise
moral/cultural, devido à incapacidade dos dirigentes quanto à solução dos problemas.
Para Marx, a deflagração da revolução depende da contradição entre as forças produtivas
e as relações de produção, quando a classe dirigente perderia o controle e não
conseguissem dominar e quando as classes oprimidas se recusassem a ser dirigidas e
subjugadas. Daí a proposta leninista86 da revolução das massas.
Rosa Luxemburgo aponta que a consciência depuraria, nos movimentos de massa,
a espontaneidade revolucionária, inerente às contradições das quais emergem os
questionamentos concernentes às relações econômicas, às relações sociais, à política e
atraso dos reacionários. Tais questionamentos seriam elevados ao patamar de “ciência
moderna”, isto é, ao marxismo, um instrumento analítico que conduziria à compreensão
da realidade concreta, à práxis da transformação revolucionária, à unidade entre o sujeito
e o objeto, à intervenção do sujeito na realidade.
Consciente do seu antagonismo com o sistema capitalista, o proletariado (classe
operária e campesinato) emancipar-se-ia da capacidade diretiva político-ideológica
imposta pela classe dominante, conquistar o apoio dos intelectuais e lutar para, tornando-
se hegemônico, conquistar o poder.
Segundo José Ortega y Gasset87, as elites são responsáveis por controlar, por meio
da educação, as massas a fim de se evitar o nivelamento social resultante de uma greve
geral, proposta por Georges Eugène Sorel88, que permitiria ao sindicalismo
revolucionário controlar a sociedade e implantar o socialismo.
A repressão contra a classe operária (1848) evidenciou a perversidade inerente ao
Estado burguês capitalista e o mecanismo pelo qual a burguesia exerce o poder político
no Estado representativo: a formação de um comitê que administra os seus negócios
comuns.

85
GRAMSCI, A. Op.cit., 2017.
86
LENIN, V.I. Estado e Revolução. Campinas: FE/Unicamp, 2011.
87
ORTEGA y GASSET, J. A rebelião das massas. São Paulo: Martins Fontes, 1987.
88
SOREL, G.E. Reflexions sur la Violence. Paris: Seuil, 1990, p.186.

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Lênin89 assevera que todo Estado, “produto do antagonismo inconciliável de
classes”, é uma ditadura de classe. Nas repúblicas democráticas parlamentares burguesas
o poder é exercido por uma minoria, os proprietários dos meios de produção, sobre a
maioria, os trabalhadores. São, portanto, o invólucro político para o capital, a forma pela
qual o capitalismo exerce a sua dominação.
A ditadura é “poder absoluto de um indivíduo ou de um grupo exercido fora de todo
o controle e fora de quaisquer limitações estabelecidas por leis”, a ditadura é o poder
exercido por leis, pois ditador é o que dita as leis, o que manda.
Se “todo Estado, quaisquer que sejam suas formas, é uma ditadura”, então a
democracia burguesa é uma “ditadura da minoria”, uma forma de opressão, pois exerce o
seu domínio sobre e para a maioria (o povo). Em contraposição, a ditadura do proletariado
é a democracia da maioria e para a maioria, que deve suplantar e extirpar a ditadura da
minoria capitalista. Daí a inversão dialética da democracia burguesa à democracia
proletária (ditadura do proletariado), o poder da maioria sobre a minoria.
Considerando o Estado burguês (centralizador, militar, policialesco, burocratizado)
como uma máquina de opressão constituída por elementos (exército permanente,
separado do povo e profissionalizado; a burocracia e a polícia), a serem quebrados, Lênin
constrói uma teoria que focaliza a revolução proletária mediante a insurreição armada, a
violência, levando a ascensão da ditadura do proletariado que ocasionará a queda e a
extinção do Estado com a emergência de formas orgânicas de autogoverno.
Durante o período de descentralização, o Estado transferirá para a sociedade as suas
funções típicas, o que viabilizará e efetivará a “democracia plena”, a ditadura do
proletariado, a superação dos corpos apartados da democracia, do controle popular
exercido pelos cidadãos, expressão do poder estatal.
A ditadura do proletariado é uma mudança da estrutura econômica e política e, ao
mesmo tempo, uma revolução cultural, a transformação do pensamento dos homens, da
humanidade, pois a filosofia de cada pessoa está na sua maneira de agir. Trata-se da forma
política pela qual a sociedade civil conquista o terreno do Estado (sociedade política).
Na sociedade civil, as alianças e coalizões são imprescindíveis para a conquista da
hegemonia, processo de unificação do pensamento e da ação diretiva, da capacidade
dirigente daqueles que detém o poder. Entretanto, as alianças não solucionam os
problemas referentes à manutenção, pela ideologia, da coesão.

89
LENIN, V.I. Estado e Revolução. Campinas: FE/Unicamp, 2011, p. 35.

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A classe dominante impõe à sociedade suas ideias, ideologias, cultura (Marx), pois
as relações de produção determinam as instituições (políticas e estatais), a própria maneira
de pensar e a consciência. As contradições inerentes ao modo de produção levam ao
questionamento da política econômica, das relações sindicais, da política e da cultura da
classe dominante.
Ao conscientizar-se do seu antagonismo com o sistema capitalista, o proletariado
desencadeia lutas sindicais imediatas e elabora uma linha política e uma concepção de
mundo que se contraponha aos valores e à moral da sociedade dominante buscando
libertar, da hegemonia da classe dominante, uma parcela da classe operária e seus aliados,
os camponeses, para, finalmente, conquistar os intelectuais.
Segundo Gruppi90, as classes subalternas contam com uma filosofia real (práticas,
ações, políticas e comportamentos) que contradiz a sua filosofia declarada (consciência,
teoria) e que podem ser unificadas pela educação crítica visando-se construção de uma
cultura nova, revolucionária, de reforço intelectual e cultural, conforme Sorel.

2.4 Sociedade civil e hegemonia

A libertação do proletariado depende, diz Gramsci91, da análise da situação


concreta, no âmbito do processo histórico, considerando-se a originalidade dos processos
sociais, políticos e culturais, a fim de que os subalternos ascendam e ocupem as posições
estratégicas e diretivas da sociedade.
Constituído pela magistratura, administração, exército e política, o aparelho
capitalista deve ser “quebrado” e submetido aos interesses da classe operária, por meio
de uma revolução seguida pela tomada do poder e por processo de reorganização que
resultará na implantação do Estado proletário socialista, descentralizado e autônomo, na
qual a sociedade assimilará as funções desempenhadas pelo Estado, até a sua completa
extinção92.
Daí estratégia revolucionária da “guerra de posição” pela qual todos os cidadãos
(proletariado) participam democraticamente, mediante sindicatos, partidos políticos,
cooperativas, conselhos municipais, no sentido de equilibrar os processos sociais e

90
GRUPPI, L. Op.cit, 1986, p.83.
91
GRAMSCI, A. Cadernos do cárcere, volume 3: Maquiavel, notas sobre Estado e política. [recurso
eletrônico]. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2017.
92
GRUPPI, L Op.cit., p.62.

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políticos, identificar os nódulos da vida social e da vida estatal e implantar uma política
que articule a sociedade na sua totalidade.
Segundo Gramsci93, a relevância do momento cultural, moral e ideal decorre de o
mesmo resultar na separação entre o poder e a direção abrangendo a sociedade em sua
totalidade. A crise de hegemonia coincide com a crise cultural e a crise moral. Isso ressalta
o momento do sujeito, da consciência, das ideias no processo revolucionário. Se a
emergência de uma nova civilização depende da inserção das massas organizadas e da
conscientização histórica da realidade e da ação política, a emergência da sociedade civil
é obstada pela economia programática e por teorias economicistas que, rejeitando
mudanças nas relações sociais entre as classes, contribuem para a formação do homem
massificado, despolitizado e atomizado94.
Superando sua condição de massa – o “aglutinado amorfo de seres humanos sem
rosto e sem vontade”, conforme Marilena Chauí95 – os “de baixo” devem participar
ativamente na administração democrática, exercitar a autodeterminação e a cidadania a
fim de definir seu destino histórico-político. Daí a necessidade de se fortalecer, a partir
de suas aspirações, a criatividade dos grupos organizados da sociedade civil.
Julgando estarem construindo suas próprias trajetórias históricas, os “de baixo”,
ressalta Giovanni Semeraro96 submetem-se a uma história que é pensada por outros,
evidenciando a diferenciação entre “agentes”, os verdadeiros sujeitos da ação, e os
“atores”, que apenas cumprem os scripts definidos, dirigidos, controlados pelos
primeiros, conforme aponta Milton Santos97. Entretanto, estes últimos podem,
eventualmente, se transformar em agentes.
Constituindo uma classe homogênea e sedimentada, os “subalternos” se
diferenciam dos “de baixo”, aqueles que não possuem terra-propriedade e cuja
reprodução social decorre da mobilidade socioespacial e da marginalização incrementada
pela ausência de finanças industrializantes internas, inércia tecnológica, diminuta
estrutura científica, heteronomia quanto à capacidade inovativa e de investimentos, e,

93
GRAMSCI, A. Op.cit., 2017.
94
GRAMSCI, A. Op.cit., 2017, p.258.
95
CHAUÍ, M. Cultura e Democracia: o discurso competente e outras falas. 2ª. São Paulo: Moderna, 1981,
p.8.
96
SEMERARO, G. Da sociedade de massa à sociedade civil: A concepção da subjetividade em Gramsci.
Educação & Sociedade, ano XX, nº 66, abril/1999, p. 77.
97
SANTOS, M. A Natureza do Espaço: Técnica e Tempo, Razão e Emoção. São Paulo: Edusp, 2012.

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finalmente, paralisia e/ou regressão econômica no âmbito de um mercado crescentemente
desregrado98.
Os estremecimentos da sociedade política (o Estado) são contrabalançados pela
solidez da estrutura da sociedade civil que depende das instituições capitalistas, da coesão
cultural e das alianças imprescindíveis para a exploração da realidade nacional99, a
conquista do poder mediante o conhecimento das especificidades de uma sociedade100, a
consecução de um novo nível cultural e o exercício da sua hegemonia, a dominação que
ressalta a função dirigente-condutora e a conquista do consenso que possibilita a
implantação, no âmbito do Estado, da ditadura do proletariado que prioriza os princípios
democráticos burgueses em relação aos objetivos socialistas: a guerra camponesa e a
nacionalização dos bancos.

98
SANTOS, M. Op. cit.
99
GRAMSCI, A. Cadernos do cárcere, volume 3: Maquiavel, notas sobre Estado e política. [recurso
eletrônico]. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2017.
100
GRUPPI, L. Op.cit, p.81.

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IV - SEPARAÇÃO DE PODERES E REPRESENTAÇÃO POLITICA

1 - Separação de poderes; 2 - Representação política; 2.1 - Sistema


representativo; 2.2 - Bicameralismo; 2.3 - Partidos políticos

1 - Separação de poderes

Aponta Bonavides101 que um dos critérios usados para classificar as formas de


governo, a doutrina separação de poderes, emergiu na transição do Estado medieval para
o Estado Moderno e do confronto entre a burguesia (industrial e mercantil) ascendente,
que buscava privilégios econômicos, e a monarquia absolutista e intervencionista,
fundada no poder político impessoal, centralizado no soberano.
A separação de poderes focaliza o formalismo constitucional, consequência lógica
da doutrina proposta por Montesquieu102, devido à necessidade de limitar o poder estatal
mediante formas de contenção da autoridade que assegurassem garantias jurídicas e o
favorecimento da iniciativa econômica, inerente ao liberalismo.
Segundo Dallari103 o princípio da separação de poderes, visa assegurar a liberdade
dos indivíduos, atenuar o risco de governo ditatorial e aumentar a eficiência do Estado
organizando-o adequadamente para o desempenho de suas atribuições e funções. Tal
conceito já era apontado por Aristóteles que prescrevia a existência, na Cidade Antiga, de
um corpo de magistrados e um corpo judiciário, e por Marsilius de Pádua 104 que, durante
o Medievo, identificava a existência de distintas funções estatais: a legislativa exercida
pelo povo, o "primeiro legislador", e a função executiva, realizada pelo príncipe.
Posteriormente, Maquiavel105 ressaltou a existência, no reino francês, de três
poderes distintos - o legislativo, realizado pelo Parlamento, o executivo, viabilizado pelo
rei, e o judiciário independente – o que blindava, aumentando a liberdade, o rei, poupado
da necessidade de interferir nos conflitos e enfrentar o desagrado daqueles que
eventualmente se sentissem prejudicados.

101
BONAVIDES, P. Op. cit. 2011.
102
MONTESQUIEU. Charles de Secondat, Baron de. O Espírito das Leis. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
103
DALLARI, D.A. Op.cit., 2011, p.216.
104
PADUA, M. of. The defender of the peace. Cambridge: Cambridge University Press, 2005.
105
MAQUIAVEL, N. Op. cit., 2010, p.81.

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A sistematização da separação de poderes iniciou-se com Locke106 que, apontando
o conflito entre direitos individuais e os Estados identificava quatro funções: a legislativa,
incumbência do Parlamento, e a executiva que, desempenhada pelo soberano, se
desdobrava em função federativa (questões de guerra e paz, ligas e alianças fora do
Estado) e, finalmente, a prerrogativa, "fazer o bem público sem se subordinar a regras",
reservando ao governante uma esfera de poder discricionário.
Entretanto, a doutrina foi melhor desenvolvida por Montesquieu107 ao afirmar que
a definição dos poderes visa proteger e garantir, para os indivíduos, a liberdade, o direito
de fazer tudo o que for permitido pelas leis. Apontou para o fato de que existência do
temor recíproco entre cidadãos e Estado fomenta a necessidade de segurança, a garantia
e certeza de que o ordenamento jurídico assegure e regule as relações entre os indivíduos
e entre os indivíduos e as autoridades governativas.
Daí a existência de um sistema tripartite constituído por poderes harmônicos,
diversos, inconfundíveis e independentes: o Legislativo, dotado de função legiferante,
isto é, elaborar, aperfeiçoar ou ab-rogar as leis; o Executivo que, focado no "direito das
gentes", se constitui no "poder executivo do Estado" que, exercendo sua
discricionariedade, declara paz e guerra, envia ou recebe embaixadores, cuida da
segurança, previne invasões de inimigos externos; e, finalmente, o Judiciário, um outro
poder executivo voltado para o "direito civil", responsável por punir "os crimes" ou julgar
os dissídios civis, as querelas dos indivíduos, ou seja, o "poder de julgar", a função
judiciária.
Com efeito, no âmbito do liberalismo neonato, caberia ao Estado apenas julgar e
punir aqueles que descumprissem as ordens elaboradas pelo Legislativo. Alertando para
o risco do despotismo, da cumulatividade do exercício de tais funções em um único
titular, Montesquieu recomentada que cada função fosse cuidada por órgãos próprios a
fim de evitar consequências funestas, tais como: leis tirânicas, abolição da liberdade
política, arbitrariedades e opressão.
Segundo Dallari108, o princípio da separação de poderes vinculou-se ao conceito de
Estado democrático e o sistema de freios e contrapesos que possibilita a um poder
interferir na competência de outros poderes. Tal sistema prevê os “atos gerais” do Poder
Legislativo que, elaborando normas gerais e abstratas que sujeitam a todos, não pode

106
LOCKE, John. Segundo Tratado sobre governo, XII, XIII XIV
107
MONTESQUIEU, C.S. O espírito das leis. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p.167
108
DALLARI, D.A. Op.cit., 2011, p.216.

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atuar concretamente na vida das pessoas e da sociedade, nem cometer abusos ou
prejudicar alguém em particular.
Entretanto, o Legislativo pode avançar nas atribuições reservadas ao Executivo, por
exemplo, rejeitando o veto executivo, processando o impeachment do chefe do Executivo,
ratificando tratados assinados pelo Executivo e apreciando as indicações deste para a
ocupação de alguns cargos. Por outro lado, o Legislativo interfere no Judiciário
determinando a sua organização e a quantidade de membros, limitando a jurisdição,
fixando despesas nos tribunais, decidindo acerca dos vencimentos, julgando
politicamente o Executivo nos processos de impeachment.
Dispondo de meios concretos para agir, caberia ao Poder Executivo, praticar os
“atos especiais” discricionários nos limites estabelecidos pelos “atos gerais, podendo
assim interferir nos atos do Legislativo, vetando suas resoluções, enviando mensagens
pelas quais recomenda, propõe ou inicia o processo legislativo, dispondo de iniciativas
legislativas nas questões orçamentárias e financeiras e, delegando poderes.
Além disso, pode o Executivo nomear membros dos tribunais superiores, editar
indultos e perdão interferindo, portanto, na seara do Poder Judiciário, responsável por
fiscalizar e controlar os atos dos demais poderes no limite de suas competências. Em
contraposição, o Judiciário exerce atividades executivas estatuindo regras de
funcionamento interno, organizando quadro de servidores, e avaliando a
inconstitucionalidade de medidas administrativas. Além disso, interfere no Legislativo ao
apreciar e julgar (ou seja, controlar) a constitucionalidade dos seus atos.
Inerente ao constitucionalismo liberal, a separação de poderes visa assegurar as
liberdades individuais e os direitos políticos da burguesia emergente, formatando o
Estado de direito liberal, limitando o poder absoluto e onipotente do Executivo pessoal.
Focado na liberdade individual, a separação de poderes pode ser atenuada, como se
vê no parlamentarismo monárquico constitucional, aquele legitimado hereditariamente,
com competências constitucionalmente limitadas e um Parlamento com mandato
representativo legitimado e de cunho democrático.
Por outro lado, a separação de poderes pode ser verticalizada e rígida, como nas
repúblicas que adotam o presidencialismo federalista.
Principal doutrina do Estado liberal para conter a progressiva democratização do
poder, a teoria da separação de poderes proposta por Montesquieu resultou da
flexibilização do poder estatal inerente ao governante dotado de prerrogativas absolutas
e pessoais, a fim de que o povo pudesse, a partir dos seus representantes no Parlamento,

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ampliar sua esfera de influência e participar dos negócios públicos e garantir suas
liberdades individuais. Disso resultou a emergência do Estado constitucional. Assim, as
constituições orientadas para o indivíduo foram suplantadas por constituições focalizadas
nos cidadãos, visando-se a contenção do poder estatal.
Contemporaneamente, a reavaliação crítica da teoria da separação dos poderes
evidencia a sua tendencial obsoletização e superação, devido à sua incompatibilidade com
o processo democrático. A despeito da previsão constitucional, a separação de poderes
nunca foi totalmente aplicada e praticada, devido à interpenetração dos órgãos estatais,
às ingerências ou às influências de fatores extralegais, levando ao predomínio de um
poder sobre os demais.
Adicionalmente, o referido princípio da separação de poderes não assegura a
liberdade aos indivíduos e nem o caráter democrático do Estado liberal que, acirrando as
injustiças e desigualdades, preservou a liberdade para alguns privilegiados. Além disso,
executivos antidemocráticos transacionam com o Legislativo, nos limites estabelecidos
pelas normas constitucionais. Finalmente, a representatividade do Legislativo, quando
ilegítima, é antidemocrática, e seus atos gerais obedecem às determinações e
conveniências do Executivo 109.
A crescente complexidade da sociedade e ampliação das demandas sociais
dilataram a esfera de ação estatal, impondo uma legislação numerosa, detalhada e técnica,
incompatível, portanto, com a separação dos poderes. Para fixar normas gerais, o
Legislativo deve conhecer os meios disponíveis e o que foi realizado pelo Executivo que,
por sua vez, depende da celeridade legislativa para atender demandas sociais graves e
urgentes.
Segundo Dallari110, a adequação da organização estatal com a manutenção do
princípio da separação de poderes depende de dois fatores. Primeiramente, ao fato de que
a delegação do poder Legislativo deve ser delimitada temporalmente e restringir-se ao
objetivo, excetuando-se nas competências indelegáveis.
Em segundo lugar, depende da transferência constitucional (original ou derivada)
de competências. Tal transferência é realizada mitigando-se a atenção aos freios e
contrapesos, incrementando-se as competências do poder Executivo, mantendo-se intacta
a estrutura dos órgãos legislativos, mas reduzindo a sua participação na vontade do

109
DALLARI, D.A. Op.cit., 2011, p.219
110
DALLARI, D.A. Op.cit., p.220

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Estado. Tal fato evidenciaria, conforme Mahoney e Thelen111, a estratégia do
deslocamento (displacement) caracterizada pela substituição de regras antigas por regras
inovadoras sem mudança substancial do quadro normativo.
Para que os Estados atendam adequadamente as necessidades das sociedades neles
abrigadas, o neoconstitucionalismo112 demoliberal remodelou diversas formas e sistemas
de governo apartando poderes parcialmente inseparáveis a fim de propiciar o controle
mútuo que, funcionando continuamente, podem ser classificados em quatro grupos,
conforme Manuel de Lucena113.

O primeiro deles compreende: a) os regimes convencionais, aqueles constituídos


por assembleias que assumem todas as funções estatais; e b) os governos despóticos que,
inerentes às autocracias e ditaduras, concentram o poder em uma única pessoa.

2 - Representação política
114
Representação política é, conforme Norberto Bobbio et al. , um "mecanismo
político particular para a realização de uma relação de controle (regular) entre governados
e governantes".
A representação pode ser definida segundo três modelos interpretativos. O
primeiro, inaceitável nas constituições modernas que vedam explicitamente o “mandato
imperativo”, considera a representação política enquanto delegação, pela qual o
representante é um executor privado de iniciativa e de autonomia, das instituições que os
representandos lhe atribuem. O segundo modelo, considera que a representação é uma
relação de confiança, pela qual se atribui ao representante uma posição de autonomia
supondo que a única orientação para sua ação seja o interesse dos representados como por
ele percebido. Finalmente, o modelo da representatividade sociológica focaliza o efeito
de conjunto concebendo o organismo representativo como um microcosmos, reprodução
fiel do corpo político.

111
MAHONEY, J.; THELEN, K. Op. cit., 2010.
112
Disseminado pela literatura norte-americana, termo new constitucionalism se refere aos processos de
redemocratização ocorridos na modernidade periférica, especialmente na América Latina e na África.
113
LUCENA, M. Semipresidencialismo: teoria geral e práticas portuguesas. Análise Social, Instituto
Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, Vol. 31 (138), 1996 (4ª), pp. 831-892. Disponível:
https://www.jstor.org/stable/41011214
114
BOBBIO, N.; MATEUCCI, N.; PASQUINO, G. Dicionário de Política. Brasília: Editora UnB, 1998, p.1112.

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Devido à complexidade conceitual, alguns autores substituem o conceito
representação por outros mais simples e de interpretação unívoca, tais como: seleção das
lideranças, de delegação, de soberania popular, de legitimação, de controle político, de
participação indireta e de transmissão de questionamento político115. A despeito disso, a
representação política continua sendo um conceito multidimensional e sintético de um
fenômeno político complexo nos seus elementos constitutivos.

2.1 - Sistema representativo

Caracterizado pelo monopólio das decisões políticas nas mãos de representantes


eleitos pelo povo, o sistema representativo se fundamenta: na seleção dos governantes
por meio de eleições regulares, na autonomia relativa dos representantes em relação a
seus representados, no direito à livre manifestação dos representados, e na realização de
um debate aberto prévio à tomada da decisão.
Os sistemas políticos representativos são aqueles caracterizados pela representação,
fenômeno real e complexo da vida política cujo núcleo consiste num processo de escolha
dos governantes e de controle sobre suas ações através de eleições competitivas.
Do constitucionalismo liberal emergiu o sistema representativo fundamentado na
separação de poderes e na atuação moderada do governo com o consentimento dos
governados que, mediante partidos políticos e sufrágio censitário, assegurava total
independência aos representantes dotados de mandato representativo.
Segundo Montesquieu116, devido à incapacidade para debater os projetos de lei ou
gerir a coisa pública, o povo elege representantes qualificados que quando eleitos
adquirem autonomia volitiva e independência política em relação aos eleitores.
Representando a totalidade do reino, os representantes examinam as questões e decidem
conforme sua razão, agindo sem representação, cuidando, em termos práticos dos
interesses, mas sem se sujeitar às diretrizes, dos seus representados, cuja vontade,
supérflua e irrelevante, restringe-se ao momento da eleição.
Segundo Bonavides117,a pressuposição da identidade entre as vontades dos
governantes e a dos governados emergiu com o declínio da soberania nacional, do
enfraquecimento do poder político da burguesia, do descrédito das instituições
parlamentares e do sistema representativo liberal em contraposição ao fortalecimento da

115
BOBBIO, N. et. Op. cit.,1998, p.1116.
116
MONTESQUIEU. O espírito das leis. Martins Fontes, 2000.
117
BONAVIDES, P. Ciência Política. Malheiros, 2000.

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classe trabalhadora, do igualitarismo democrático e da pressão das massas operárias
fundamentadas na ideologia socialista. Esta doutrina, a da identidade, resultou: dos
princípios democráticos que procuravam conciliar as vontades do povo e o governo; da
soberania popular única e monolítica que amalgamava a titularidade e o exercício; e o uso
de instrumentos plebiscitários para controlar o mandato representativo.
Na sociedade democrática, caracterizada pelo pluralismo das classes e de interesses
predominam a vontade, os interesses e as reivindicações dos grupos. Na sociedade de
massa, caracterizada pelos interesses parcelados de grupos e classes conflitantes, pelo
predomínio das categorias intermediárias e pela usurpação dos grupos de pressão, a
representação identitária é ilusória, devido à inexistência de vontade popular.
No sistema representativo, os representantes são agentes comissionados dos grupos
governantes negando, na verdade, a vocação democrática, pois os problemas de
representação decorrem do crescimento dos grupos de pressão.
Escreve Hegel que a representação política é um conceito relacionado às esferas
sociais da sociedade e aos seus interesses, conciliando autonomia dos representantes e
causas partidárias e vinculando o representante ao partido. Do referido conceito emergiu
a democracia semidireta, caracterizada pela dialética democracia versus representação, e
das relações entre o eleito (representante) e o representado (o eleitor coletivo) mediada
pelo mandato imperativo e pelo sufrágio universal.
A decomposição da vontade popular em vontade dos grupos ocorreu,
primeiramente, com a técnica de representação política proporcional (repartição territorial
geográfica do eleitorado) representando fidedignamente o mosaico de tendências
políticas. Ela foi suplantada pela representação profissional, que reconhecia a presença
de interesses e grupos divergentes. Entretanto, caiu em descrédito, quando vinculou-se
vinculação à ideologia e doutrina fascistas que resultou nas câmaras corporativas e no
fortalecimento de organizações patronais e sindicais. Finalmente, uma terceira fase, ainda
em curso, é caracterizada pela prevalência dos grupos de interesse que lutam
diuturnamente buscando a sua institucionalização e hegemonia
Enfim, a representação política liberal malogrou, devido à sua insuficiência quanto
à determinação das relações entre governantes e governados e à conciliação de decisões
políticas entre a elite governante e a opinião pública no âmbito da sociedade.
Duverger e Burdeau focalizam o conceito “representação política”, a
correspondência entre a opinião pública e a política, a fim de determinar as relações
formais (Ex: eleições, referenda, plebiscitos, petições, comícios, notas oficiais, declarações dos

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governantes ) e relações instrumentais (Ex: meios de comunicação, partidos políticos e grupos
de interesse), entre governantes e governados. Trata-se do processo organizado, explicita
Bonavides118, que visa a assimilação, acomodação e adaptação contínua entre as decisões
da política e das opiniões e pareceres dos grupos interessados e aos pontos de vista da
classe dominante visando-se a mútua aproximação. Por outras palavras, a interação
recíproca entre as opiniões dos governados e as opiniões dos governantes e,
concomitantemente, das relações entre os cidadãos e as organizações intermediárias.
Aplicadas aos processos de governo e limitada pelas relações de poder, as
representações políticas são incapazes de modificá-las e de substituir a classe dominante.

2.2 - Bicameralismo

O sistema bicameral é influenciado pela heterogeneidade da população e pela


consolidação democrática, a qual depende da divisão de poderes, da proteção das
minorias, do federalismo, e da função revisora constitucional. As primeiras câmaras, que
representam o povo, são maiores e mais poderosas que as segundas câmaras,
representantes dos estados, e tem como mecanismos de seleção o pertencimento de
direito, a indicação, a eleição indireta e a eleição direta pautada por critérios (etarismo,
rentismo, mandatos prolongados e eleições escalonadas) que a distanciam da vontade da
maioria.
No Brasil, o bicameralismo é simétrico quanto aos poderes de suas Casas
legislativas (Senado e Câmara dos Deputados), mas é incongruente por contar com regras
eleitorais diferenciadas para o preenchimento dos cargos.
Além de apresentar propostas legislativas e emendar aquelas oriundas da Câmara,
o Senado brasileiro desempenha funções legislativas e de controle. A lentidão do processo
legiferante e a aversão às mudanças radicais protegem-no dos ímpetos (momentâneos ou
radicais) de mudança.
As casas legislativas brasileiras são organizadas em comissões temáticas que,
filtrando a atividade legislativa, propicia o aprofundamento do debate das matérias
polêmicas focalizadas no Plenário.
O princípio da proporcionalidade partidária é, no Brasil, fundamental para a
divisão de poderes, por assegurar a participação das minorias.

118
BONAVIDES, P. Op. cit., 2011.

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2.3 - Partidos políticos

Segundo Maurice Duverger119, a eleição dos representantes do povo no


parlamento originou o partido de quadros (notáveis), ao passo que a ampliação do direito
de voto engendrou os partidos de massa.
A pesquisa científica acerca dos partidos políticos abrange cinco dimensões: a)
Estrutura partidária que possibilita a identificação das unidades elementares do partido, o
relacionamento das referidas unidades elementares com os grupos sociais organizados e
as relações estabelecidas entre as unidades elementares e as diversas instâncias dirigentes;
b) Filiação: abrange as condições da adesão dos filiados, deveres dos filiados e percepções
dos filiados quanto à pertença no partido; c) Direção, que se refere ao processo seletivo,
à tendencial oligarquização e às relações entre a direção do partido e a sua bancada
parlamentar, foco de poder autônomo; e finalmente, e) Relações entre sistemas eleitorais
e quantidade de partidos, dentre os quais: i) entre o voto distrital majoritário em turno
único e o bipartidarismo; ii) entre voto distrital majoritário em dois turnos; iii) sistema
com mais de dois partidos; e iv) entre voto proporcional e a crescente quantidade de
partidos.
No Brasil, os partidos políticos pouco se diferenciavam durante o período
Imperial, mas passaram a se concentrar regionalmente nos estados de Minas Gerais e São
Paulo, durante a Primeira República (1989-1930), mas foram proibidos, durante a a
ditadura Vargas (1930-1945).
Durante a primeira redemocratização (1946-1964), a Segunda República, os
partidos políticos passaram a se organizar nacionalmente e, sob a tutela estatal, não
gozavam de autonomia, achando-se desvinculados da sociedade civil. No entanto, sua
crescente diferenciação e polarização resultou no multipartidarismo que ensejou o golpe
militar de 1964 que inaugurou a Ditadura militar que implantou um sistema bipartidário,
com apenas dois partidos – a Aliança Renovadora Nacional (ARENA) e o Movimento
Democrático Brasileiro (MDB), restringiu as eleições, a participação política e as
atividades político-partidárias, cassando mandatos eleitorais e limitando as liberdades de
associação e de expressão.
Respaldada pela Constituição Federal de 1988, a Segunda Redemocratização que
ensejou a Terceira República fundamentado no sistema multipartidário (33 partidos

119
DUVERGER, M. Os Partidos Políticos. São Paulo: Zahar Editores/Editora da Universidade de Brasília,
1980.

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políticos com assentos no Congresso Nacional) e a excessiva diversidade partidária que,
a despeito de dificultar a governabilidade (a ação do poder executivo). assegura
participação das minorias, sem impedir as decisões políticas influenciadas pela estrutura
e a organização da Câmara dos Deputados e do Senado Federal brasileiro.

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