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Tecnologias e Comunicação

Pedagógica
Claudia Goulart
Gilberto Lacerda Santos
(Organizadores)

EDITORA
Copyright © 2018 by VIVA Editora

Projeto Gráfico e Diagramação


Leonardo Santos

Revisão
Débora Diersmann Silva Pereira

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


(Câmara Brasileira do Livro, São Paulo, Brasil)

Todos os direitos desta edição reservados à VIVA Editora


www.vivaeditora.com.br

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) de Acordo com ISBD

P769 TECNOLOGIA e comunicação pedagógica/ Claudia Goulart,


Gilberto Lacerda Santos (organizadores) -- Brasília: Viva
Editora, 2018.
211 p., il.

ISBN: 978-85-63520-18-0

1. Educação 2. Ensino-Aprendizagem 3. Tecnologia da


Informação 4. Comunicação digital 5. Metodologia do
ensino 6. I. Claudia Goulart II. Gilberto Lacerda Santos

CDU: 37:004

Elaborado por Charlene Cardoso Cruz – CRB -1/2909

Realização: Apoio:
Tecnologias e Comunicação
Pedagógica
Claudia Goulart
Gilberto Lacerda Santos
(Organizadores)

Capitulistas
Bruno Santos Ferreira
Carlos Ferreira
Christiane Moisés
Claudia Goulart
Erikson de Carvalho Martins
Frederico Coelho Krause
Gilberto Lacerda Santos
Isa Sara Rego
Noeli Batista dos Santos
Raquel Alves Amaral
Richard Gagnon
VII Seminário de Pesquisas do Laboratório Ábaco
25 e 26 de outubro de 2018
Universidade de Brasília
SUMÁRIO

Apresentação....................................................................................................... 08
Utilização das Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC) por
professores do Ensino Secundário em Portugal........................................... 12
Carlos Ferreira
Inovações Digitais: Implicações para a Formação de Professores
na Sociedade do Conhecimento........................................................................35
Christiane Moisés
Autorregulação e Motivação no Processo de Estratégia de
Ensino aprendizagem de Kolb...........................................................................57
Claudia Goulart
O ensino de língua materna, as novas práticas digitais no WhatsApp
e o desenvolvimento da argumentação escrita............................................73
Erikson de Carvalho Martins
Criando visualizações em realidade aumentada para o ensino
de ciências...........................................................................................................100
Frederico Coelho Krause
Docência no ambiente virtual.........................................................................115
Gilberto Lacerda Santos
Corpo, dança, educação e cultura: a ótica teórico-metodológica
da Informática aplicada ao ensino da Dança...............................................138
Isa Sara Rego
Estratégias e conteúdos transmídias: novas práticas didático-
pedagógicas para o contexto da cibercultura.............................................158
Noeli Batista dos Santos
Letramento e práticas textuais no aplicativo WhatsApp.............................176
Raquel Alves Amaral
Tecnologia, Educação e o Conhecimento em Ambientes de Formação
on-line....................................................................................................................193
Richard Gagnon
Bruno Santos Ferreira
APRESENTAÇÃO

As Tecnologias Digitais de Informação, Comunicação e Expressão (TICE) têm


se mostrado o grande desafio deste século nos mais diversos campos de atu-
ação onde o ensino e a aprendizagem sejam o eixo norteador de todo o pro-
cesso. Este livro é o resultado do trabalho de onze pesquisadores, teóricos
e professores, das mais diversas áreas e culturas, que têm se dedicado, nos
últimos anos, a pesquisas na área das TICE, os quais têm como objeto de seus
estudos o desenvolvimento da Educação, seja na escola, na empresa, seja na
universidade, no ensino presencial e/ou a distância.

Aplicabilidade do WhatsApp, da Realidade Aumentada (RA), informática e a


dança, estudos sobre a formação do professor no ensino presencial, a distân-
cia, e a utilização do conhecimento, motivações e autorregulação, são alguns
dos temas de cada capítulo deste trabalho.

O primeiro capítulo, elaborado pelo professor Carlos Ferreira, da Universida-


de de Lisboa, Portugal, apresenta-nos estudos e seus resultados de pesquisa,
de professores de 3º ciclo e Ensino Secundário em Portugal, onde também se
realçam aspectos relacionados à formação do professor.

O segundo, escrito pela professora Christiane Moisés, do curso de Línguas Es-


trangeiras e Tradução, da Universidade de Brasília, expõe questões relativas
à formação do professor e sua aplicação de conhecimento digital em sala de
aula.

No seguinte capítulo, são apresentadas questões da relação entre autorregu-


lação, motivação dentro do processo de ensino-aprendizagem, tendo como
norteador, teorias que envolvem as diferenças individuais no contexto de sa-
las de aula, esportes e atividade física.

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No quarto e nono capítulos, professores utilizam recursos da ferramenta
WhatsApp na pesquisa sobre a língua materna e seu letramento. O professor
Erikson Martins, de Língua Portuguesa, do Instituto Federal de Educação, Ci-
ência e Tecnologia da Bahia, aplicou uma atividade aos alunos do 2º ano do
Ensino Médio Técnico Integrado em Informática do Instituto Federal da Bahia,
Campus Barreiras. A atividade teve como eixo norteador a discussão do enig-
ma central do livro de Machado de Assis, Dom Casmurro. O nono capítulo,
da professora Raquel Amaral, apresentou como objetivo esclarecer questões
sobre a aplicabilidade dos letramentos provenientes de práticas textuais no
aplicativo WhatsApp e suas contribuições ao ensino de conteúdos de língua
materna.

No capítulo cinco, o biólogo Frederico Krause, da Universidade de Brasília,


apresenta-nos um estudo referente à utilização da realidade aumentada (RA)
em aulas de biologia de uma escola de periferia do Distrito Federal. Além
disso, sua pesquisa nos mostra a preocupação de recursos escassos quanto à
utilização de teorias de ensino-aprendizagem no processo de desenvolvimen-
to desses modelos de RA.

No sexto capítulo, o professor Gilberto Lacerda Santos, da Faculdade de Edu-


cação da Universidade de Brasília, apresenta-nos um estudo no qual expõe os
novos desafios da migração da sala de aula convencional para a sala de aula
virtual: os novos formatos da sala de aula, estratégias pedagógicas, materiais
didáticos inovadores e o papel do professor dentro desse processo das TICE.

No sétimo capítulo, a professora de dança Isa Rego, do Instituto Federal de


Brasília, apresenta sua pesquisa teórico-metodológica da Informática, aplica-
da ao ensino da Dança. Para isso, teve como fundamentação teórica, concei-
tos de: corpo, dança, educação e cultura.

No oitavo capítulo, a professora Noeli Batista dos Santos, da Faculdade de


Artes Visuais da Universidade Federal de Goiás, destacou as estratégias e os
conteúdos transmídias como tópicos emergentes para a prática docente no
contexto da cibercultura.

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No último capítulo, o professor Richard Gagnon e o estudante de doutorado
Bruno Santos Ferreira, da Universidade de Laval, fazem um longo e aprofun-
dado debate sobre as relações entre informação, tecnologia, conhecimento e
o saber significativo.

O livro Tecnologias e Comunicação Pedagógica tem a intencionalidade de deba-


ter, levantar novas ideias e questionamentos a respeito da prática pedagógica
envolvida com tantos questionamentos neste mundo moderno. Não preten-
demos responder a todos os questionamentos, mas apresentar uma série de
ferramentas tecnológicas e digitais que nortearam as pesquisas e trabalhos
dos autores.

Profa. Dra. Claudia Goulart

Faculdade de Educação Física – Universidade de Brasília

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Utilização das Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC) por
professores do Ensino Secundário em Portugal
Carlos Ferreira
Faculdade de Motricidade Humana, Universidade de Lisboa
UIDEF, Instituto de Educação, Universidade de Lisboa, Portugal

Resumo
O presente capítulo visa proporcionar algum conhecimento sobre o
modo como os professores de 3º ciclo e Ensino Secundário, em Portugal,
utilizam as TIC em sala de aula, identificando e averiguando alguns aspetos
determinantes que estão subjacentes ao uso das TIC em contexto educativo,
de índole pessoal e profissional. Também, realçar os aspetos relacionados
à formação do professor, nomeadamente, os processos e os tipos de
formação frequentados, pretendendo-se verificar se existe uma associação
entre a mesma e o uso das TIC. A importância deste estudo surge aliada à
necessidade de se realizar mudanças de paradigma, que propõe a alteração
de hábitos profissionais, novas formas de organização do trabalho, alterando,
por sua vez, a visão global dos processos de ensino-aprendizagem conhecidos
como tradicionais. No caminho da “expansão tecnológica” é esperado que o
professor seja o responsável pela integração produtiva das TIC em sala de
aula, proporcionando aos alunos novas formas de aprender. Associada a
esta prática deve-se pensar paralelamente no Desenvolvimento Profissional
do Professor. Se é esperado que este seja o “veículo condutor” até ao aluno,
sobre estas novas formas de aprender, deve-se proporcionar planos de
formação adequados às necessidades e expetativas do professor. Sendo um
estudo de natureza mista, descritiva e não experimental, utilizaram-se como
método de recolha de dados o inquérito por inquérito, mediante o qual se
procurou obter resultados que esclarecessem os indicadores em estudo
– Utilização TIC e Formação, procurando-se, posteriormente, encontrar
relações de significância entre as variáveis relativas aos aspetos mencionados.
As conclusões gerais apontadas neste estudo consistem no facto de existir
uma tendência crescente do uso das TIC, verificando-se que os processos
formativos adotados pelos professores se encontram associados ao uso das
TIC. Contudo esses mesmos processos formativos não determinam que tipo
de uso estes fazem.
12
INTRODUÇÃO

A introdução das Tecnologias da Comunicação e Informação (TIC) veio alterar


os paradigmas e espaços de aprendizagem. Essa mudança está a provocar
no corpo docente das escolas uma necessidade de adaptação à realidade,
onde o ensino tradicional é constantemente criticado em detrimento do que
é esperado.

O desenvolvimento exponencial das TIC em contexto escolar provoca


mudanças nos processos de ensino-aprendizagem e, consequentemente, nos
modelos pedagógicos.

A sua utilização em sala de aula pressupõe a existência de ambientes


dinâmicos, interativos, contribuindo de forma significativa para a realização
da pedagogia diferenciada, centrada em modelos que contemplem as
necessidades específicas dos alunos.

Em resposta a esta evolução tecnológica nas escolas portuguesas, foram


implementadas políticas que permitem a integração plena das mesmas.
Para essa concretização, foram elaborados, em Portugal, inúmeros projetos
neste âmbito (projeto MINERVA; Nónio sé. XXI; Iniciativa Escolas Professores e
Computadores Portáteis; o Plano Tecnológico da Educação (PTE); entre outros),
com a finalidade de se apetrechar as escolas de equipamentos informáticos.

Ainda a esse respeito, o PTE traçou nesses anos um objetivo ambicioso:


colocar Portugal entre os cinco países da Europa mais avançados em termos
de modernização tecnológica das escolas (COSTA et al., 2008). Nesse sentido,
é explícita a necessidade de formar professores competentes nessa área,
bem como proporcionar recursos digitais adequados.

Encontramo-nos impreterivelmente numa era tecnológica, em que os alunos


têm acesso à informação de forma bastante rápida e cómoda. Assim dever-
se-á levar para dentro das salas de aula, o representativo da sua realidade
quotidiana, promovendo competências em TIC junto dos alunos, associando-
as simultaneamente às potencialidades que estas possuem nos processos de
ensino-aprendizagem, onde os professores deverão dinamizar as suas aulas

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“[…] tornando-as mais vivas, interessantes, participantes e mais vinculadas
com a nova realidade de estudo, pesquisa e contacto com conhecimentos
produzidos.” (MORAN, 2000).

Jonassen (2000) refere que quando o aluno se encontra perante um


programa educativo, ele vai “direcionando as respostas adequadas, sendo
a aprendizagem definida como uma mudança avaliável em termos de
realização.”

Todavia, o mesmo autor reconhece ainda as limitações da aplicação das


TIC em contexto escolar, referindo a necessidade de existirem professores
competentes nesse domínio.

Vários autores (SILVA; PRATES; RIBEIRO, 2017; LIMA, 2010) referem ser
fundamental a introdução das TIC nesses processos, contemplando, em
primeiro lugar, os conhecimentos que os professores possuem sobre a sua
prática pedagógica diária. Esta é a base que possibilita ao docente “sentir”
novas necessidades de formação, que o conduzirão, por sua vez, à procura da
formação contínua.

Ainda neste sentido, os mesmos autores referem que o pensamento docente


é constituído e assente em experiências profissionais e na troca de informação
e interações com os seus pares. Estes critérios são determinantes quando
pensamos em planos de formação contínua.

Tendo em conta estes pressupostos, verifica-se que a evolução tecnológica de


alguma forma veio provocar alguns comportamentos mais dissonantes, uma
vez que pressupõe a alteração de hábitos e práticas educacionais já muito
integradas e trabalhadas no contexto, provocando resistência e, por vezes,
conflito, junto de alguns professores.

Kenski (2007) refere outro dado importante, refletindo sobre o que se passa,
de alguma forma, no terreno em que “a maioria das tecnologias é utilizada
como auxiliar nos processos educativos.” Nesse sentido, e mencionando a
taxonomia, parece que nos situamos entre o “aprender com o computador
– computer literacy” e a sua utilização como ferramentas de construção de
conhecimentos (mindtools).

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Uma vez detectadas essas lacunas nos planos formativos, encaram-se novas
perspectivas que contemplem o caráter inovador do ensino, proporcionando
ao professor a possibilidade de explorar as potencialidades pedagógicas das
TIC, em detrimento dos aspetos mais tradicionalistas.

A ação docente consiste numa oportunidade e objeto de reflexão,


possibilitando a análise crítica das estratégias e recursos na implicação nas
práticas usuais sem recurso a computadores, retirando os benefícios e os
resultados atingidos aquando a utilização dos mesmos nos processos de
ensino-aprendizagem.

Nessa lógica, a Supervisão Pedagógica poderá fornecer um enorme contributo,


não somente pela sua natureza analítica, orientadora, mas também pela sua
vertente global, que possui uma função reguladora entre a teoria e prática de
processos de ensino-aprendizagem (VIEIRA et al., 2010), sendo imprescindível
o posterior acompanhamento desses professores na utilização dos recursos
tecnológicos no processo de ensino-aprendizagem, para a concretização da
reflexão mencionada anteriormente.

O campo da Supervisão desenvolveu-se significativamente, fazendo-se


acompanhar pelas abordagens educativas e formativas que remetiam para
processos heurísticos – reflexivos. Assim, a supervisão rege-se pela sua
natureza analítica, questionadora, interpretativa, teorizada e reflexiva, que
se desenvolve em permanente discussão sobre a ação e os seus resultados,
sendo estes suportes ao desenvolvimento profissional que é inerente a este
campo.

Em termos de desenvolvimento profissional, a supervisão adquiriu uma


dimensão colaborativa à medida que permite introduzir mecanismos de
autoformação e autorreflexividade, junto de professores que cada vez mais
sentem a necessidade de serem investigadores da sua própria prática. Desse
modo, a supervisão permite incutir, nesses profissionais, a necessidade
de autoquestionarem-se, inserindo processos de autoavaliação e de
responsabilização das práticas.

Após uma breve contextualização em que é delimitado o campo de estudo,


analisando as duas temáticas centrais – Utilização e Formação em TIC – surge
o problema de investigação: “A formação em tecnologia da informação e

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comunicação influencia a utilização de objetos de aprendizagem digitais e
programas educativos pelos professores em contexto educativo?”

Essa questão remete-nos para um conjunto de variáveis que se deve ter


em atenção quando se estuda este tipo de fenómenos, nomeadamente: a
utilização das TIC; formação em TIC; a fase de carreira docente; a idade do
professor. Traçaram-se, assim, os seguintes objetivos específicos de estudo:

a) Identificar o tipo de uso das TIC em sala de aula;

b) Identificar processos de formação em TIC dos professores;

c) Estabelecer se a formação está relacionada com a utilização das TIC;

d) Verificar se a idade de carreira docente se encontra relacionada com a


utilização da TIC e a formação.

Para a concretização deste estudo recorreu-se a uma metodologia


quantitativa, realizando-se um inquérito no qual se realizou o levantamento
de alguns dados relacionados com a Utilização das TIC – onde se tinha como
objetivo perceber e identificar que tipo de uso era frequentemente utilizado
(restringindo aos programas educativos e aos objetos de aprendizagem), bem
como identificar suas funções e motivos de utilização. E, como segunda parte,
realizou-se o levantamento de dados relativos à Formação em TIC – onde
se pretendia conhecer o nível de formação na área das TIC, classificando-se
como certificada e/ou não certificada, os processos de autoformação e de
heteroformação, bem como os motivos e os efeitos que suscitaram essa
formação.

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2 METODOLOGIA

Este estudo organiza-se fundamentalmente em torno de dois eixos: relacionar


a amostra a investigar, professores do 3º Ciclo do Ensino Básico e Ensino Secun-
dário, os seus níveis de formação em TIC e a possível relação com a utilização
das TIC em contexto educativo.

Quanto aos procedimentos, foi aplicado um inquérito aos professores, que foi
preenchido on-line, executado pelo software Lime-Survey, no qual os docentes
podiam responder através de uma hiperligação que foi divulgada por via cor-
reio eletrônico ao Diretor da escola que, por sua vez, passava ao restante dos
professores. Os contactos com a escola foram realizados telefonicamente e por
via correio eletrônico, de modo a obter a autorização superior para o preenchi-
mento do inquérito.

As respostas dadas pelos professores no preenchimento do inquérito eram re-


gistadas somente após a sua submissão, sendo arquivadas na base de dados
do Software Lime-Survey, de forma anónima.

Após a sua recolha, os dados foram exportados para uma folha de cálculo do
Microsoft Excel. Os inquéritos foram tratados quantitativamente, através do
software IBM SPSS, de forma a possibilitar uma visão geral sobre o panorama
de utilização e formação que os professores participantes no inquérito detêm,
tendo em conta os objetivos do estudo.

Nesse âmbito, foi efetuada a análise de frequências, realizando o cruzamento


de algumas variáveis, uma vez que era dada a possibilidade de o professor se-
lecionar diversas opções na mesma questão, este cruzamento possibilita uma
análise mais clara dos dados.

Por outro lado, tendo em conta a finalidade do estudo e as suas questões de


orientação, realizaram-se testes para a verificação de associações, verificando-
-se a análise de relações estabelecidas entre algumas variáveis, nomeadamen-
te: utilização e formação; formação e idade de carreira docente; formação e
tipo de utilização; entre outras, recorrendo ao teste do Qui-quadrado para a in-
dependência; Independent Samples Test; e Wilcoxon-Mann-Whitney e Kruskal-
-Wallis.
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O segundo momento da recolha consistiu na realização de pequenas entrevis-
tas a um número restrito de professores, com a finalidade de aprofundar algu-
mas questões abordadas no inquérito. O critério para a escolha destes profes-
sores passou sempre pela Formação e pela Utilização das TIC em sala de aula
(temáticas centrais do presente estudo).

As entrevistas foram previamente planificadas e estruturadas num guião de en-


trevista semiestruturada, onde foi possível encontrar não somente os objetivos
inerentes a ela, como as questões gerais e orientadoras da entrevista.

2.1 Caraterização da amostra

2.1.1 Demográfico

O presente estudo teve como amostra os professores do 3º Ciclo e do Ensino


Secundário, tendo resultado num total de 369 inquéritos válidos.

Os professores que preencheram este inquérito são maioritariamente do gé-


nero feminino, 64,9%, e do género masculino participaram 35,1%.

Quanto aos locais onde os professores da amostra lecionam, constatou-se que


as zonas com maior enfoque, foram: Lisboa (17%), Faro (18%) e Porto (13%).

A média das idades dos professores é de 44 anos, e o grau académico concen-


tra-se, sobretudo, na Licenciatura, com 65,2%.

Quanto ao tempo de serviço dos professores da amostra, agrupou-se por fases


de carreira docente (GONÇALVES, 2009), onde se constatou: 37,6% dos profes-
sores encontram-se na fase de renovação/desencanto, isto é, igual ou superior
a 23 anos de serviço; fase da serenidade (15 a 22 anos de serviço) com 32,7%;
fase da diversificação (8 a 14 anos) com 15,7%; fase de iniciação (1 a 4 anos)
com 9,6%; e fase de estabilização (5 a 7 anos) com 4,4%.

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2.1.2 Tecnologias e utilização

O número de horas gasto ao computador, indicado pelos docentes, foi: 62,8%


dos professores utilizam o computador “Diariamente mais de 2 horas por dia”;
34,8% utilizam “Diariamente até 2 horas por dia” e apenas 2,4% utilizam “Oca-
sionalmente até 3 horas por semana”.

Quando se analisam os equipamentos informáticos que por norma o professor


tem acesso, verifica-se que a grande maioria possui um computador portátil
(81%) e 53,3% dos professores referem ter acesso a um quadro interativo.

Na questão “Tem acesso à Internet no seu estabelecimento de ensino”, a gran-


de maioria responde afirmativamente, com 98,6%. Quanto à utilização de cor-
reio eletrônico pessoal, 100% dos professores referem que possuem e utilizam.

Abordou-se ainda a questão da utilidade do computador pessoal (nesta ques-


tão os professores poderiam selecionar mais do que uma opção), em que se
verificaram os seguintes resultados: 99,5% dos professores referem que uti-
lizam o computador como “ferramenta de trabalho”; 93,5% realizam “pesqui-
sas na internet”; e 76,6% dos professores referem ainda que utilizam também
como forma de “comunicar com os amigos”. No entanto, registaram-se outras
respostas, tais como: aceder à plataforma Moodle; comunicar com os alunos;
gestão de blogs; programação; utilização de e-manual, entre outras.

19
3 ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DE RESULTADOS

3.1 Análise Descritiva

3.1.1 Formação em Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC)

A segunda parte do inquérito pretendia analisar o processo formativo dos pro-


fessores. A primeira questão identificou logo à partida o número de profes-
sores da população (n=369), que possuíam formação em TIC. Os resultados
obtidos indicam que 88% possuem formação em TIC e apenas 12% negam ter
esse tipo de formação.

Analisando somente os professores com formação em TIC (condição necessária


para prosseguirem no inquérito), iremos trabalhar somente sobre os (n= 324)
professores. Desse modo, quando se pergunta que tipo de formação possui,
verifica-se que 57,1% dos professores possuem formação certificada; 17,3%
dos professores optam por processos de formação não certificada e 25,6% dos
professores realizaram ambos os processos.

Verificando aqueles que têm formação certificada (n=253), constatou-se:

a) “Certificado de Competências Digitais (Nível 1)” – 68,4%;

b) “Certificado de Competências Pedagógicas e Profissionais com TIC (Nível 2) –


28,5%;

c) “Certificado de Competências Avançadas em TIC (Nível 3)” – 3,2%.

Analisando apenas a maioria, que possui o certificado de Nível 1, a modalidade


pela qual obteve esse mesmo nível foi, sobretudo, por meio de Certificação por
validação de competências profissionais (48%), sendo seguida pela Certificação
por reconhecimento de percurso formativo (46,8%).

Em um segundo momento do inquérito na temática formação, pretendia-se


conhecer e identificar os processos formativos não certificados (informais). A

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amostra desse segmento corresponde ao número de professores que sele-
cionou a não certificada, aquando a questão “Que tipo de formação possui?”
(n=139). Desse modo, apresentámos duas vias alternativas para os processos
de formação: “Autoformação” e “Heteroformação”. Os resultados obtidos para
cada uma das vias foram os seguintes:

a) “Heteroformação” – 29%;

b) “Autoformação” – 21%,

c) Ambos os processos – 50%

Em termos de “Heteroformação”, 25% dos professores realizaram por via


formal, onde a maioria selecionou maioritariamente, entre outras vias, os
Workshops (62,7%).

O presente inquérito também questionava se “O tipo de formação que possui,


certificada e/ou não certificada, qual o principal objetivo pela qual foi realiza-
da.” Dada a generalidade da questão, os dados tratados serão trabalhados pela
amostra de professores que respondem logo à partida, que tinham qualquer
tipo de formação em TIC, (n=324).

A resposta mais selecionada pelos professores foi “Adquirir novas capacidades,


saberes e competências”, com 50,3%; “Melhorar a qualidade do ensino e das
aprendizagens dos alunos”, com 24,1%; e “Aperfeiçoar competências já adqui-
ridas”, com 14,8%.

A última questão pretendia perceber qual seria o principal efeito alcançado


com a formação que frequentou. Das opções colocadas, a “Melhoria das práti-
cas profissionais” foi a mais selecionada dentro da amostra, com 71,9%; segui-
da por “Melhoria da aprendizagem dos alunos”, com 16,4%; “Progressão na car-
reira”, com 6,2%; e “Aumento da motivação para a profissão”, com 2,8%. Outras
questões foram apontadas pelos professores, nomeadamente: ir ao encontro
do gosto dos alunos; atualização de conhecimentos.

21
3.1.2 Utilização das Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC)

Relativamente ao uso das TIC, constatou-se que dos 369 professores que res-
ponderam ao inquérito, 92,4% responderam que utilizam as TIC, e apenas 7,6%
dos professores responderam que não fazem uso.

Os que responderam afirmativamente, aquando da questão se utilizavam as


TIC (n=340), prosseguiram o inquérito, sendo que todos os valores a seguir
apresentados irão ser trabalhados sobre essa amostra.

Na questão: “Dos seguintes suportes digitais, qual ou quais, faz uso em sala
de aula”, obtiveram-se os seguintes resultados: 45,9% dos professores utilizam
somente objetos de aprendizagem digitais; 42,6% recorrem a programas edu-
cativos e a objetos de aprendizagem; 11,5% dos professores referem utilizar
somente programas educativos.

Quando se perguntava aos professores que trabalham e utilizam como ferra-


menta de lecionação os objetos de aprendizagem (n=301 professores), “Na pes-
quisa de objetos de aprendizagem recorre a alguma base de dados específica e
especializada, ou opta por pesquisa livre na Internet?”, constata-se que 10% dos
professores recorrem à pesquisa na internet e, simultaneamente, à base de
dados específica para o efeito; 96,3% pesquisam na internet e 17,3% recorrem
apenas à base de dados específica, indicada pelos docentes: casa das ciências;
CIENTIC; materiais de língua portuguesa; editoras; objetos educacionais; Mo-
cho Portugal; entre outras.

Ainda nesse âmbito, tentou-se perceber se o professor construía os seus obje-


tos digitais verificando-se que, na sua maioria, os professores optam por cons-
truir os seus objetos de aprendizagem e adaptam o de outros aos seus (63%);
contudo 22% dos professores afirmam que constroem exclusivamente os seus
objetos e 12% dizem que os objetos que utilizam são construídos por outros,
mas adaptados por si.

Quando analisamos quais ferramentas recorrem para a construção ou adapta-


ção desses objetos, tendo em conta que o professor poderia escolher mais do
que uma ferramenta, nas opções indicadas, constata-se que os mais seleciona-
dos foram:

22
a) Programas para geração de apresentações – 96%;

b) Processamento de texto – 89%;

c) Folha de Excel – 69%;

d) Programas para edição de vídeo – 56%.

Das ferramentas mais utilizadas constata-se que 86% dos professores recor-
rem, simultaneamente, a processamento de texto e a programas para geração
de apresentações.

Dos professores construtores de objetos, sinalizaram-se aqueles que colocam


os seus alunos a construírem também (74%), referindo as ferramentas utiliza-
das pelos alunos: Processamento de texto (90,2%) e programas para geração
de apresentações (96,9%). Dos 224 que utilizam, 88% recorrem a ambos.

A questão “Qual a principal função na qual se baseia para a escola de programas


educativos” tenta identificar a utilidade e a função que os programas educativos
desempenham junto dos alunos. Do total desta amostra que utiliza programas
educativos (n=184), constata-se que as opções mais mencionadas foram: 38,6%
dos professores referem que é para “promover a motivação”; “proporcionar
nova informação aos alunos” 15,8%; e “despertar novos estímulos”, com 14,7%.

Nesse âmbito, é de referir que os programas educativos mencionados pelos


professores foram, em alguns dos casos, ligados à área disciplinar de cada um
(escola virtual; Cabri; Geogebra; Graph; manuais digitais), focando que recor-
rem, muitas vezes, também, ao CD-ROM que vem nos manuais dos alunos e à
plataforma Moodle e Dropbox.

Nas últimas questões já se abordavam perguntas genéricas, relacionadas com


o uso das TIC em sala de aula. Assim, o número de professores consiste nos 340
que responderam afirmativamente.

Na questão seguinte “Utiliza as TIC em sala de aula porque:” foi dada a hipó-
tese de os professores selecionarem no máximo duas opções do conjunto de
respostas fornecidas. As opções mais selecionadas foram: “Revela impacto na
qualidade do ensino praticado e exerce efeitos na aprendizagem dos alunos”,
com 75,6%; “Considera diferentes tipos de ferramentas tecnológicas e meto-

23
dologias”, com 55,6%. As opções menos selecionadas foram: “Comporta e con-
sidera todos os professores”, com 1,8% e “Cobre todo o currículo”, com 8,5%.

3.2 Análise Inferencial

Partindo da hipótese que existe uma relação entre a formação do professor e a


utilização das TIC em contexto educativo, realizaram-se testes estatísticos com
a finalidade de perceber a associação entre algumas variáveis subjacentes a
aspetos profissionais do professor.

Na análise estatística, considerou-se uma probabilidade de erro tipo I (∝) de


0.05 em todas as análises inferenciais.

Analisaram-se, assim, a associação entre as áreas que os professores lecionam


com o tipo de formação:

a) Nas áreas da matemática; físico-química; ciências da natureza; tecnologias


(TIC); biologia e geologia,

b) Nas áreas disciplinares de inglês; francês; língua portuguesa; história; geo


grafia;

c) Na Educação física.

Constatou-se a existência de uma associação entre o tipo de utilização das TIC


com as áreas disciplinares a lecionar: (x^2(4)=34,204; p=0.000; n=306).

Quando analisada a variável uso das TIC pelos professores com formação,
constata-se que de uma forma global e descritiva existem 44% dos professores
a utilizarem programas e objetos; 44% utilizam objetos de aprendizagem e ape-
nas 12% recorrem a programas educativos.

Para avaliar a associação entre as variáveis tipo de formação com o tipo de uti-
lização das TIC em contexto educativo, recorreu-se ao Teste do Qui-quadrado
de independência (MARÔCO, 2018).

24
A análise estatística permite afirmar que o tipo de formação em TIC não está
associado ao tipo de utilização (x^2(4)=9.040; p=0.060; n=304). Desse modo,
parece que a formação não determina o uso das TIC em sala de aula, talvez por
este mesmo uso ainda se encontrar numa fase embrionária, tendo em conta
que os recursos que são proporcionados são de fácil manipulação, e talvez ain-
da não se encontrar definida a complexidade que é necessária existir para uma
sala de aula ser efetivamente tecnológica.

Quando pensamos na fase de Carreira Docente, surge em nível teórico, nome-


adamente no estudo realizado por Piedade (2010), alguns indicadores que esta
consiste numa variável que poderá interferir na utilização das TIC. Analisada
neste estudo primeiramente numa ótica descritiva, verifica-se que a utilização
das TIC vai aumentando conforme as fases de Carreira Docente (tempo de ser-
viço) enunciadas por Gonçalves (2009), como se pode verificar no Gráfico 1.

Gráfico 1 – Carreira docente e uso das TIC – 3º ciclo e Ensino Secundário

50%

40%

30%

20%

10%
Faz uso
0% das TIC

Não faz
uso das
TIC

Tendo em conta que a maioria da população deste estudo abrange profes-


sores com tempo de serviço compreendido entres os 15 e mais de 23 anos,
(tempo de serviço superior a 23 anos – 37,6% e tempo de serviço entre 15 e
22 anos – 32,7%), contata-se que os índices de utilização aumentam, apresen-
tando atitudes favoráveis à implementação deste processo (PIEDADE, 2010).
Contudo, reforça-se a necessidade de definir a utilização da TIC a outro nível.

25
Na análise estatística realizada por meio do teste Wilcoxon-Mann-Whitney,
para se comparar as funções de distribuição entre a idade e o fazer uso, ve-
rifica-se que não é estatisticamente significativa esta distribuição (U=4193.5;
p=0.477).
Quando se analisa a mesma variável (Carreira docente) e o facto de ter ou não
formação em TIC, podemos analisar de forma descritiva, constatando-se que
o facto de o professor ter ou não formação em TIC vai aumentando com o
tempo de serviço (a análise desse dado dever-se-á fazer tendo em conta que
em primeiro lugar os professores deste estudo são, maioritariamente, mais
velhos, e já tiveram mais tempo de frequentar ações de formação aquando
comparado com os professores mais novos).
Quando partimos para a análise inferencial, claramente que se prevê que a
formação em TIC está associada ao tempo de serviço do professor. Para essa
conclusão recorreu-se, à semelhança do teste anterior, ao Wilcoxon-Mann-
-Whitney, retirando-se os seguintes resultados: (U=4804.5; p=0.001). Verifica-
-se, igualmente, uma associação entre a mesma variável e os níveis de certi-
ficação obtidos.
Analisando a componente não certificada, pretendeu-se também verificar
os processos de autoformação e a carreira docente. Constata-se, pelo teste
referido anteriormente, que essas variáveis se encontram associadas entre
si (U=10220;p=0.012). Já os processos de heteroformação não se encontram
associados à variável carreira docente (U=8320;p=0.661).
Na hipótese de que se existiria alguma associação entre o tipo de uso das
TIC e a fase de Carreira Docente, recorreu-se ao teste estatístico de Kruskal-
-Wallis, para se conseguir comparar mais do que duas categorias. Verifica-se
que o tipo de uso não é considerado significativo (p= 0.547; n=337).
Na hipótese de existir associação entre o tipo de formação e a fase de Carrei-
ra Docente, à semelhança da anterior recorre-se ao mesmo teste estatístico,
verificando que existe uma associação entre as variáveis (p=0.000; n=364),
que é significativamente diferente de 0 (21%).
Quanto à situação profissional, apura-se que os utilizadores das TIC se con-
centram, sobretudo, nos professores que pertencem ao quadro, com 60%
dos casos. Seguidamente, surgem os que pertencem à nomeação definitiva
(25%) e os contratados, com 16%.
26
Na hipótese que se pretendia compreender se a construção de objetos de
aprendizagem está associada ao tipo de formação do professor, recorre-se ao
teste do Qui-quadrado da independência, revelando que a construção de ob-
jetos de facto está associada à formação do professor (x^2(2)=7.566; p=0.023;
n=301), mas o nível de significância é relativamente baixo (16%). Quando ana-
lisamos se existe associação entre o tipo de formação do professor e o facto
de este propor aos seus alunos que construam objetos, isto é que manipulem
as tecnologias, verifica-se que essas duas variáveis não se encontram associa-
das (x^2(2)=5.772; p=0.056; n=301).
Outro dado constatado consiste no facto de não existir associação entre os
alunos construírem objetos de aprendizagem e a fase de carreira do docente,
obtendo-se os seguintes resultados pelo teste de Wilcoxon-Mann-Whitney:
(U=7987; p=0.399). Da mesma forma se verificou para o facto de o professor
construir os seus objetos e a fase em que se encontra, apurando-se que não
existe associação também (U=5627.5; p=0.898).

27
4 CONCLUSÕES

Sublinhando os aspetos mais significativos deste estudo, verifica-se que exis-


tem aspetos de natureza pessoal e profissional que devem ser tidos em conta
quando nos resultados alcançados.

Tal como foi avaliado acima, os professores são considerados os principais ato-
res em termos da melhoria do ambiente digital nas escolas. Para este objetivo
é necessária a existência de planos de formação ajustados à realidade, contem-
plando a verdadeira vertente pedagógica das TIC no ensino, provocando, por
sua vez, mudanças nos paradigmas de ensino tradicional para o inovador.

Desse modo, as TIC acarretam consigo uma nova forma de trabalho dos profes-
sores, em que eles elaboram estratégias recorrendo a este meio como forma
de melhorar a qualidade e a eficácia das mesmas.
Projetamos e eles corrigem o trabalhinho em Word e depois temos uma dúvida
qualquer, mostramos uma imagem vamos ao Google por exemplo e vamos
buscar uma imagem, vamos ao email da turma que eu fiz com eles e trabalha-
mos [...]

Eu tenho um conjunto de PowerPoint devidamente organizado, por tema sub-


tema, e eu disponibilizo esse PowerPoint aos alunos previamente.

Contudo como iremos constatar mais à frente, o uso destas é ainda muito ele-
mentar, aspeto esse que é reforçado pelos professores utilizadores. É impor-
tante referir ainda que alguns aspetos organizacionais são, de facto, fatores
condicionantes, e que embora esses professores utilizem, revelam alguma pre-
ocupação:
É a incapacidade que a escola tem, e os entraves que coloca à utilização das
TIC mais eficaz. Eu fiz dois anos de formação em quadros interativos, tive uma
grande classificação na formação que fiz, mas depois deparei-me com salas de
aula onde nem uma tinha o quadro interativo.

Acho que as escolas não estão organizadas de forma a permitir que os profes-
sores utilizem as TIC.

28
Assim, quando falamos do impacto das TIC nas escolas, e o seu potencial, surge
o Projeto IPETCCO, que tem como finalidade compreender o potencial das TIC
ao nível da modernização das práticas com professores de escolas do ensino
básico (PERALTA; COSTA, 2010). Dentro de um conjunto de fatores que poderão
condicionar a utilização das TIC, surgem os contextuais, que podem desenca-
dear duas visões, quer ao nível macro – as políticas regionais e nacionais para
o uso pedagógico das TIC, quer ao nível micro – onde as escolas devem ser
motores facilitadores para a integração das TIC na sala de aula.

Noutro âmbito, e focando as TIC ao nível do currículo, o estudo internacional


Números-chave sobre a aprendizagem e a inovação através das TIC nas escolas
da Europa- 2011 revela que todos os países devem incluir nos seus currículos
objetivos de aprendizagem direcionados para o uso das TIC, no ensino obriga-
tório. No mesmo estudo constata-se que existe uma tendência positiva ao uso
das TIC em contexto escolar, algo que não se pode negar neste estudo, dado o
número elevado de professores utilizadores (92,4% da amostra).

Como se pode constatar, este uso das TIC encontra-se muito direcionado no 3º
ciclo e ensino secundário, para ferramentas do Office, como refere um profes-
sor utilizador: “[...] nós de facto temos muito interiorizada a utilização de tec-
nologias, a um nível elementar como é óbvio o Word o PowerPoint não muito
mais que isso.”

Este facto poderá implicar, ou não, a construção de objetos digitais de apren-


dizagem. Quando analisamos se o tipo de formação se encontra associado ao
facto de os alunos construírem objetos digitais, verifica-se que não existe asso-
ciação. Esse aspeto remete-nos novamente para o uso mais elementar, mesmo
por parte dos alunos, tal como refere um professor: “[...] mas habitualmente
eles recorrem sempre ao PowerPoint.”

Contudo, quando analisamos a mesma variável, se o professor constrói objetos


de aprendizagem, verifica-se que existe uma associação entre a mesma e o tipo
de formação que o professor possui.

O mesmo estudo refere ainda que “utilização de computador” e a “pesquisa de


informação” foram objetivos específicos adotados por todos os países da Euro-
pa. A “utilização de aplicações do Office” também ele foi constituído de objetivo
presente nos currículos, e, quando analisamos neste estudo, as ferramentas

29
que tantos os alunos como os professores utilizadores das TIC e “construtores”
de objetos de aprendizagem, recorrem, encontram-se evidências que o “pro-
cessador de texto” “programas de geração de apresentações” e a “folha do Ex-
cel”, são os mais utilizados.

Ainda nesse âmbito, construção de objetos digitais, constatou-se também no


presente estudo que esta variável não se encontra associada ao tempo de ser-
viço (fase de Carreira Docente) do professor, isto é, não se verificam diferenças
entre a construção ou não construção quando falamos em professores que se
encontram no início, a meio ou no final da carreira.

Nos diversos países da Europa é promovida a utilização de um conjunto de fer-


ramentas de hardware: computadores; projetores; quadros interativos; DVD,
vídeo, camaras fotográficas, entre outras. No presente estudo, dentro das vá-
rias possibilidades que os professores (n=369) poderiam indicar, constata-se
que a maioria tem acesso ao projetor, 78,9%, já 53,4% afirmam possuir acesso
ao quadro interativo.

Quando analisamos a utilização das TIC (nomeadamente o tipo de uso) com


as áreas disciplinares (científicas, não científicas) constata-se que existe uma
associação entre essas variáveis. Afirma-se que é necessário compreender-se
esta utilização, uma vez que existe a necessidade de promover competências
TIC, bem como integrá-las nos currículos das disciplinas específicas, tal como
referido anteriormente.

Constata-se ainda que o tipo de formação do professor na área das TIC en-
contra-se associado às fases de Carreira Docente, verificando-se algum inves-
timento dos professores nos processos de formação certificada e não certifi-
cada (nomeadamente, processos de autoformação e heteroformação), já que
se constata que 88% dos professores afirmaram ter algum tipo de formação.
Relativamente à certificada, 68,4% afirmam já possuir o Certificado de Compe-
tências Digitais (Nível 1).

No âmbito formativo existe ainda algum trabalho a fazer. Tendo em conta os


fatores motivacionais dos professores (COSTA; VISEU, 2008) o facto de as novas
tecnologias estarem em constante mutação implica um enorme empenhamen-
to tanto dos professores como da formação contínua. Contudo deve-se ter em
atenção os planos formativos:

30
[...] se eu tiver vontade, eu consigo chegar lá sozinho e não preciso de formação
nenhuma, tenho colegas aqui na escola que frequentaram mais formações que
eu, e em termos de domínio da coisa a bem ver ficam muito aquém.

[...] a formação foi muito elementar e eu sou mais autodidata.

Dever-se-á ter em atenção as predisposições do professor, bem como seu do-


mínio em TIC.

É evidente que os professores necessitam de apoio para se manterem atuali-


zados, sendo imprescindível um acompanhamento dos mesmos no terreno.
Nesse sentido, volta-se a assumir a importância da supervisão no campo da for-
mação contínua, afirmando-se que esta possui uma função reguladora entre
a teoria e a prática de processos de ensino-aprendizagem (VIEIRA et al., 2010).
Ainda, nesse sentido, será importante referir que a escola e as próprias políti-
cas devem conjugar esforços para proporcionar materiais aos professores para
que estes se mantenham ativos no após formação. Caso contrário, temos pro-
fessores que relatam: “Eu fiz quadros interativos e foi muito interessante, mas
nós aí temos um pouco falta de materiais.”

Assumindo o movimento de dentro para fora que a supervisão na formação


contínua assume, que se constrói com base na reflexão e observação das práti-
cas reais do contexto de trabalho dos professores. Tendo em conta as práticas
docentes dotadas de conhecimentos, com uma metodologia de trabalho defi-
nida, os planos de formação devem trabalhar e conjugar todos esses fatores,
com o objetivo de proporcionar planos congruentes.
[...] na minha opinião, no ato de inscrição um diagnóstico daquilo que as pesso-
as sabem fazer. Eu inscrevo-me na ação que até pode ser muito interessante,
mas se um grupo de professores possui um nível de competências muito baixo
do que o meu, inevitavelmente o formador terá que baixar o nível de exigência.
Como depois a formação tem áreas limitadas, o que acontece depois é que
nunca se chega ao topo, fica-se sempre cá por baixo. Que sensação é que isso
dá a quem já tem algumas competências, é que eu andei ali um bocado a per-
der tempo.

Quando se pretende alterar um paradigma educacional que requer não so-


mente uma alteração do papel do professor na sua própria maneira de estar na
profissão, como também implica uma alteração de práticas que são designadas
tradicionais, para práticas cada vez mais inovadoras, deve-se trabalhar sobre
aspetos reais e de contextos de trabalho. Nesse sentido, e tendo em vista o

31
sucesso da formação, dever-se-á levar primeiramente o professor a compre-
ender o que é que a utilização das TIC pode beneficiar os processos de ensino-
-aprendizagem (COSTA et al., 2008) com o Modelo F@R: Formação-Ação-Refle-
xão, colmatando a lacuna detectada (SAMPAIO; COUTINHO, 2011) de os planos
possuírem excesso de teoria em detrimento da prática. É nesse caminho que
a formação deverá contemplar a existência de acompanhamento desses pro-
fessores para o terreno (supervisão), dada a complexidade daquilo que esse
processo requer, bem como aquilo que ele ambiciona – colocar Portugal entre
os cinco países da Europa mais avançados em termos de modernização tecno-
lógica das escolas e esse esforço de apetrechamento tecnológico nas escolas só
faz sentido se os mesmos forem utilizados com intuito pedagógico.

32
REFERÊNCIAS

COSTA, Fernando Albuquerque et al. Competências TIC. Estudo de Implementação.


report. [S.l.]: GEPE/ME, 2008. Disponível em: <http://repositorio.ul.pt/
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dos professores no uso das TIC. Síntese de um estudo internacional. Sísifo,
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33
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do ensino básico e secundário. 2010. Disponível em: <http://repositorio.ul.pt/
handle/10451/8172>. Acesso em: 23 ago. 2018.

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Formação continua de professores : integração das TIC. Revista da Faculdade de
Educação - FAED, v. 9, n. 15, p. 139-151, ago. 2011.

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Fonseca Silva. As Novas Tecnologias e aprendizagem: desafios enfrentados
pelo professor na sala de aula. Em Debate, n. 15, p. 107, 13 mar. 2017.

VIEIRA, Flávia et al. No caleidoscópio da supervisão imagens da formação e da


pedagogia. Mangualde; Ramada: Edições pedago, 2010.

34
Inovações Digitais: Implicações para a Formação de Professores na So-
ciedade do Conhecimento
Christiane Moisés
Instituto de Letras, Universidade de Brasília

Resumo
Abordar sobre Tecnologias Digitais de Informação, Comunicação e Expressão
é uma tarefa árdua e árida, uma vez que a tecnologia aplicada na sala de aula
geralmente tende a reforçar práticas de ensino oxidadas ou tecnologias de
enxerto em metodologias existentes. É fato que as novas tecnologias digitais,
enquanto mediadoras das relações socioeducativas, constituem-se em
artefatos complexos que demandam ações e relações inovadoras, dinâmicas
e criativas por parte dos educadores, o que muitas vezes é permeado por
conflitos. Por essa razão, este artigo trata de questões relativas à formação de
professores e aos fundamentos necessários ao entendimento da Sociedade
do Conhecimento.

35
INTRODUÇÃO

No cenário brasileiro, a questão da inserção das novas tecnologias carece


tanto de novas políticas mais ajustadas à formação inicial e continuada de
professores quanto da aplicabilidade mais profícua. Ao longo dos tempos,
as políticas que estão se efetivando ainda não produziram mudanças
exitosas nas ações compreendidas e experimentadas pelos professores. O
tema é complexo e o considero um trabalho hercúleo, uma vez que abarca
a formação do educador enquanto concepção de mundo, sociedade e do eu
culturais coadunados às diferentes áreas do conhecimento.

O ritmo célere da cultura multimídia interativa em tempo real impõe e gera


novos desafios às instituições formadoras e à prática educacional: desenvolver
uma abordagem capaz de abraçar todas essas expressões, novas formas
de linguagens e conteúdos que devem ser problematizados nos currículos
escolares e dialogar com o mundo.

Assim, o componente proporcionado pelas TICEs, que muito pode contribuir


para flexibilizar o currículo e a autonomia do professor e aprendiz, ainda é
exíguo. O tradicionalismo e o medo do novo, embalados pelo preconceito,
impedem que alguns cursos mudem de perfil e proporcionem aos alunos
ambientes de construção de conhecimento adequados ao novo milênio
(DIAS-DA-SILVA, 2005; KENSKY, 2015).

Entretanto, a utilização das TICEs passou a despertar o interesse de governos e


de acadêmicos no país (VALENTE; ALMEIDA, 2011) o que, consequentemente,
instaurou um lento trabalho de incorporação de recursos tecnológicos
educacionais por meio de políticas públicas cujos resultados tem se
caracterizado como inócuos; vários estudos (ABRANCHES, 2003; MORAES,
2006; BONILLA; PRETTO, 2015; QUARTIERO, 2010; VIEIRA, 2017; ELEÁ; DUARTE,
2016) apontaram causas factíveis para o insucesso: cursos de formação
focalizados na técnica, sem abordar formas de utilização do computador a
partir dos conteúdos tratados em sala de aula – ou seja, o distanciamento entre
teoria e prática; carga horária insuficiente para cumprimento dos objetivos
propostos; prevalência da lógica linear incompatível com a perspectiva da
36
cultura da convergência falta de tempo e disponibilidade dos professores
para frequentar os cursos; utilização insignificante dos laboratórios de
informática em razão do número insuficiente de computadores e falta de
manutenção dos Núcleos de Tecnologia (NTEs) (RONSANI, 2005; ESTEVÃO;
PASSOS, 2015); a obrigatoriedade de cumprir cargas horárias extenuantes:
uma como professor-multiplicador dos NTEs e outra como professor regente
de sala de aula (ABRANCHES, 2003; MORAES, 2006).

O que constatamos, de forma geral, nas pesquisas acima mencionadas é que


os professores têm grande interesse em utilizar as TICEs, mas a necessidade
de um suporte pedagógico (sem falar do técnico) consistente e a sua aplicação
crítica são fatores não contemplados.

Ora, a partir dessa constatação inicial de problemas na formação do professor


para a integração e inclusão das TICEs – e verdade seja dita, que de uma
forma geral a formação é uma adversidade de enorme envergadura e um
permanente desafio aos que buscam implementar melhorias – assim sendo,
ainda há um acentuado hiato de investigações a ser cumprido.

2 A escola e os conflitos com a Sociedade do Conhecimento

Caracteriza a humanidade processos de transição social, em longo prazo, que


propiciam à sociedade mecanismos e meios de coordenação para enfrentar
grandes desafios. Contudo, a partir do momento em que a WEB 2.0 passou
a nos proporcionar modos de interatividade em tempo real, as inovações
digitais nos dão a sensação que a transição acontece sob a tensão de um
tempo em que tudo muda muito etereamente (BAUMAN, 2007). Assim, não é
de se estranhar que a “inovação”, provocada pela Sociedade da Informação e
do Conhecimento, pressione os muros escolares, uma vez que com as TICEs
tornou-se possível capturar e descrever fenômenos de baixo para cima, onde
novas ideias, abordagens, técnicas e formas organizacionais antecipam novas
capacidades sociais substantivas.

À vista disso, as TICEs, enquanto elementos de inovação educacional tornaram-


se um tópico onipresente nas discussões de políticas educativas e, ainda
assim, permanecem obscuras em conceito e indescritíveis na prática, porque

37
estamos presos a ideias gerais e inovar não passa de uma “maquiagem” de
ações configuradas como mais do mesmo.

O argumento é que nosso sistema educacional como um todo tem encarado o


desafio da inovação digital inadequadamente. A meu ver, há uma ciência que
escapa à arte de inovar bem nas escolas, afinal, inovar não é apenas investir
na mais recente tecnologia ou na construção de novos espaços, como muito
se enfatiza. Pelo menos a conversa não começa por aí, já que o processo de
adoção ou apropriação de dispositivos digitais, em qualquer instância da
sociedade, somente ocorre se estes forem capazes de responder aos grandes
desafios sociais e que, por sua vez, exigem novos tipos de inovações. Portanto,
como afirma Castells e Cardoso (2005, p. 17), “a tecnologia não determina
a sociedade: é a sociedade. A sociedade é que dá forma à tecnologia de
acordo com as necessidades, valores e interesses das pessoas que utilizam
as tecnologias.”

Por conseguinte, a inclusão das TICEs na educação incorre na necessidade


imediata de empoderar os professores, fator humano de mediação máquina/
ensino para que a inovação digital ocorra efetivamente.

O conceito inovação na atualidade aparece, com frequência, associado à


existência ou ao uso de tecnologia digital e dentro dessa perspectiva idealizada
poderíamos inferir que as escolas, mediante a utilização de recursos digitais
são inovadoras. Entretanto, os avanços postos pela cibercultura em nossa
contemporaneidade estão em descompasso em relação às necessidades de
um sistema educacional mais equânime e melhor equipado.

Face aos complexos desafios colocados à escola, devemos preparar o


professor por intermédio de modelos de formações inovadores e partir para
a sua personalização, torná-lo um sistema interdependente, um modelo que
faz emergir uma nova cultura de aprender e ensinar alinhado à cultura da
convergência, na qual ubiquidade e disrupção educacional são conceitos que
estão imbuídos de significados atribuídos não pelos artefatos, ferramentas
e aplicativos, mas pelos sentidos criados que um indivíduo faz sobre si e a
formulação de entendimento no mundo tal qual se apresenta. Creio que
devemos trabalhar com os professores visando às características que definem
a cultura da interface, conforme Johnson, (2001, p. 5):

38
Todo o mundo imáginário de alavancas, canos, caldeiras, insetos e pessoas
conectados – amarrados entre si pelas regras que governam esse pequeno
mundo. Isso para mim, é uma interface em seu modo de arte e elevada.

Todavia, um dos maiores desafios com que as escolas hoje se debatem reside
na tentativa de perpetuar um modelo de ensino centralizado e limitador, um
modelo fabril que teima em se encaixar em um contexto onde o sujeito se torna
autor, aprende e produz consigo ou com outro(s), descobre experenciando a
ubiquidade da Web 2.0, já entremeada à Web 3.0.

Mediante o rápido avanço dessas gerações da web e das funcionalidades


que apresentam, passo a considerar sobre aspectos da Sociedade do
Conhecimento que refletem inerentemente na Educação.

Um dos elementos fortemente postulados às TICEs e suas extensões é a


proposta de assegurar por si só o acesso ao progresso, ao desenvolvimento
e à inclusão socioeconômica (PEREIRA, 2010; MENDES et al., 2011). Assim, os
modelos das ideologias modernistas perpassados para o momento presente
trazem contradições e problemas que precisam ser confrontados. Nesse
contexto de pós-modernidade, Bianchetti (1997) aponta com muita lucidez
a existência de diferentes tipos de professores caracterizados por formas
distintas de reagir à onda da informática que chega à escola:

Há aqueles que só veem virtudes (os apologetas); há os que só veem problemas


(os apocalípticos); há os desligados, que parece ainda não terem se dado
conta da revolução informacional e finalmente, há aqueles que procuram
compreender e colocar esses novos meios a seu serviço. (BIANCHETTI, 1997,
p. 1).

A revolução tecnológica, inicialmente, ocorreu a passos lentos no que


concerne aos períodos do século XIV e meados do século XX, principalmente,
após a Segunda Guerra Mundial, quando testemunhamos certa estabilidade
relacionada ao social e cultural, e a continuidade de um progresso científico
cuidadosamente “controlado” (THOMAS; BROWN, 2011). O espaço entre esses
dois períodos é enorme, mas os avanços tecnológicos durante esse espaço de
tempo não geravam grandes disrupções e impactos na sociedade; somente
após a Revolução Industrial testemunhamos a tecnologia não apenas se
intensificando, mas causando disrupturas e transformações na sociedade, e
39
por isso é mais apropriado falar em inovação tecnológica ao invés de avanço
tecnológico (OKIDO, 2017).

Nesse contexto, as práticas de ensino eram reinventadas favorecendo a


compreensão e apreensão do indivíduo, pois a produção do conhecimento
não estava inclinada a mudanças constantes; contudo, os avanços na área de
computação, no que se refere ao digital, abalaram esta “estabilidade” de fluxo
constante e, digamos, “nostálgico” em nosso sistema educacional (THOMAS;
BROWN, 2011; SELWYN, 2016). A esta nostalgia, acrescenta-se o fato de
que o professor era (ou ainda é) preparado para uma “educação bancária”,
legitimando a manutenção de uma cultura erudita e nacional, também
denominada por Cortesão (2011) de “daltonismo cultural”, cuja prática não
envolve a diversidade do exercício educativo e suas proporções.

Desta feita, é em algum momento pontual desse continuum que a escola se


sedimentou sem se sensibilizar com um mundo que fervilha em inovações,
insistindo na cultura da escrita, do conhecimento fragmentado. Esse é um fato
bastante denso, para nós educadores, ao enfrentar os desafios caracterizados
pela dinâmica interativa do ciberespaço, da polifuncionalidade digital e da
ubiquidade que se diferenciam do modelo industrial de padronização e
reprodução, como afirma Castells (2003, p. 7):

O que caracteriza a revolução tecnológica atual não é o caráter central do


conhecimento e da informação, mas a aplicação deste conhecimento e
informação a aparatos de geração de conhecimento e processamento da
informação/comunicação, em um círculo de retroalimentação acumulativa
entre a inovação e seus usos. A difusão da tecnologia amplifica infinitamente
seu poder ao se apropriar de seus usuários e redefini-los. As novas tecnologias
da informação não são apenas ferramentas para se aplicar, mas processos
para se desenvolver. [...] Pela primeira vez na história, a mente humana é
uma força produtiva direta, não apenas um elemento decisivo do sistema de
produção.

Assim, novos agentes de socialização entraram em cena; os professores devem


agora ter uma capacitação profissional que acompanhe essa modificação, tão
eficiente e tão rapidamente como a tecnologia avança. Assmann (2005) nos
chama atenção para o paradigma da educação midiática que deve englobar
uma gestão consciente do conhecimento em rede – alunos e professores

40
estabelecendo uma parceria cognitiva com e através das TICEs – em outras
palavras, agentes que ressignificam e metamorfoseiam seu processo de
ensinar e aprender.

Todavia, reconhecemos que a incorporação das TICEs aos processos


educacionais pouco minimizou a pedagogia da transmissão, que se
perpetuam, inclusive, nos Ambientes Virtuais de Aprendizagem (AVAs,) o
qual Mattar (2008) denominou como Educação Bancária a Distância (EBAD),
ou seja, a subutilização das novas mídias que não promovem discussões
e que são antidialógicas. Permanece, portanto, a questão conflituosa da
dinâmica comunicacional da cibercultura e das interfaces das TICEs com os
fundamentos e práticas do ensino tradicional.

Sem embargo, a convergência midiática e os modos de avanço da cibercultura


trazem à tona modos de vida e de comportamentos assimilados, transmitidos
e mediados pelas tecnologias informáticas e na cibercultura, por meio dos
quais a lógica comunicacional supõe redes de multiplicidade, interatividade,
imaterialidade, processos síncronos e assíncronos, multissensorialidades
e multidirecionalidades (LEMOS, 2002; LÉVY, 1998, 1999). Nesse cenário, a
bitransitividade do verbo “ensinar o que a quem” – funde-se num mesmo
conceito cujo aprender “pensando e fazendo” se converte em “aprender
aprendendo juntos” – professor e aluno, considerando um mundo onde as
quatro paredes da escola já não confinam mais a relação professor-aluno, o
conhecimento e saber.

Assim compreendida, a aprendizagem, indubitavelmente, passa a ter um


caráter gnosiológico, por meio do qual aluno e professor desenvolvem a
necessidade de aprendizagem através da pesquisa e da informação e a ação
de aprender torna-se crítica, reflexiva e, consequentemente, emancipatória.

Portanto, o desafio está posto e é complexo – como podemos “apressar”


nosso passo e ressignificar o que é ensinar e aprender na era digital? Ora, este
e outros desafios que se apresentam na cibersociedade devem ser encarados
com certa premência, já que “[...] enquanto discutimos sobre os possíveis
usos de uma dada tecnologia, algumas formas de uso já se impuseram [...]”
(LÉVY, 1999, p. 26) e outras se tornaram obsoletas.

41
Behrens (2000, p. 15), há quase duas décadas, já reforçava a urgência de
ações efetivas de qualidade na constituição de uma docência condizente à
modernidade “[...] neste momento de globalização mundial, continuamos
a tratar a formação do professor com discursos vazios de uma prática
apropriada e significativa [...]”

Em princípio, uma ação imediata seria a promoção de uma ação pedagógica


rizomática, em que as respostas a uma pergunta de pesquisa não são lineares,
e obedece a lógica do pensamento, que é relacional e complexa (LÉVY, 1998),
pois novos horizontes axiológicos e epistemológicos passam a demandar
uma formação diferenciada e em linha com a contemporaneidade.

Em nosso dia a dia, nos hibridizamos com tecnologias de fácil manuseio, bem
como aquelas que exigem um conhecimento mais acurado. Kenski (2010, p.
19) define tecnologia como “[...] o conjunto das ferramentas e das técnicas que
correspondem aos usos que lhes destinamos em cada época.” Assim, elucidar
que as tecnologias se restringem apenas ao uso específico de equipamentos
e produtos seria negar a evolução do homem, pois são elas que transformam
sua maneira de pensar, agir e sentir ao longo dos tempos. A geração digital vê
o digital como extensão de seu modo de vida – presente no cotidiano desde
o despertar, quando se conectam, e assim permanecem até o findar do dia.

Se em um passado não muito distante, tratar de “tecnologias” nos remetia


a ideias reducionistas, após a Web 2.0 e o vertiginoso desenvolvimento de
artefatos móveis, abordar sobre tecnologias é considerar a nossa hibridização
com os mesmos, fato tão corriqueiro que, em muitos aspectos, nem as
percebemos como diferentes; desta feita podemos afirmar que passamos
por um processo de ciborguização.

Indubitavelmente, isso é o que vemos hoje nas gerações digitais categorizadas


como Geração Y ‒ início dos anos 1990 e a atual, conhecida como Geração Z,
GenZ, iGeneration, ou Centennials (PRENSKY, 2011; OBLINGER; OBLINGER,
2005; ERSTAD, 2010; VEEN; VRAKKING, 2009), as quais são herdeiras de um
consumismo material e comunicacional gerado pelo poder das imagens, em
que sociedades se intercomunicam e tomam conhecimento de múltiplas
diversidades: é a geração da educação 3Cs – comunicar, colaborar e contribuir
(GERSTEIN, 2014).

42
A geração que nasceu no final da década de 1980 em diante possui muitos
apelidos, tais como “geração da rede”, “geração digital”, “geração instantânea”
e “geração ciber” (VEEN; VRAKKING, 2009). Todas essas denominações se
referem às características específicas de seus ambientes ou comportamentos.
“Geração digital” refere-se ao fato de as crianças atuarem em mundos digitais
on-line com informações digitais. “Geração instantânea” ou GenZ faz referência
ao fato de suas expectativas serem por respostas quase sempre imediatas e é
exatamente nessa geração que nos encaixamos no presente momento.

O leitor pode, então, questionar-se: será que as diferenças para com as


gerações anteriores são caracterizadas por elementos importantes à
compreensão de movimentos educacionais ou se trata somente de outra
geração, posterior à Geração X (anos 1970-1980) e a geração do pós-guerra?

A resposta é simples, a geração da rede difere de qualquer outra do passado


porque cresceu em uma era digital e em se tratando dos primeiros seres
digitais, cresceram em um mundo onde a informação e a comunicação estão
disponíveis a quase todas as pessoas e podem ser usadas de maneira ativa.

Está aí formada a primeira zona de conflito instaurada na educação, que


legitimou a escola como principal atividade formativa do indivíduo; a segunda,
cada vez mais visível, diz respeito às estruturas comunicacionais e de produção
do saber estabelecidas na cibercultura: o “Homo Zappiens” pensa em redes
e de maneira mais colaborativa do que as gerações anteriores (PRENSKY,
2011), revelando outro conflito: a escola permanece analógica, fortemente
enraizada na cultura fabril, mas diante de um público digital. Identifica-se,
assim, o impacto das TICEs e das redes informatizadas que desempenham
um papel mediador sociocultural na contemporaneidade, conforme atesta
Moran (2013, p. 14):
Estamos caminhando para uma nova fase de convergência e integração das
mídias: tudo começa a integrar-se com tudo, a falar com tudo e com todos.
Tudo pode ser divulgado em alguma mídia. Todos podem ser produtores
e consumidores de informação. A digitalização traz a multiplicação de
possibilidades de escolha, de interação. A mobilidade e a virtualização
nos libertam dos espaços e dos tempos rígidos, previsíveis, determinados.
O mundo físico se reproduz em plataformas digitais, e todos os serviços
começam a poder ser realizados, física ou virtualmente.

43
Ora, a geração presente em nossos ambientes educacionais ‒ da mais
tenra idade à universidade ‒ já tem o mundo digital como parte integrante
e dominante de sua rotina cuja característica premente, como mencionado,
é serem multitarefa: se divertem com jogos on-line ao mesmo tempo que
divulgam e conversam sobre os diversos assuntos, relacionam-se através
das redes sociais, manuseiam aplicativos de música e vídeo, complementam
seu conhecimento na Web e em videoaulas no YouTube, além de realizar
pesquisas escolares.

O aspecto cognitivo dessa geração também chama a atenção pela capacidade


de processar inúmeras informações ao mesmo tempo e em um ritmo intenso
e não linear, ainda que de maneira superficial. No entanto, são esses os alunos
que chegam à sala de aula onde a educação ocorre linearmente, cumprindo
com um currículo previsível e focada em um professor que possui um forte
sotaque analógico, esta aí configurada a escola “desconectada”.

Castells (1999) previu com propriedade que a organização do mundo


em redes, através dos sistemas interligados pelas TICEs, caracterizaria o
novo milênio pela transformação multidimensional de todas as esferas da
sociedade devido aos avanços tecnológicos acelerados. Concomitantemente,
Bauman (2008) alertou que essas transformações acionaram a dissolução das
bases erigidas na então era moderna.

O descompasso entre esses dois fatos, em tempos voláteis, intima-nos


a repensar a educação e os processos peculiares da aprendizagem web
midiática (KENSKI, 2015; SANTAELLA, 2013; GERSTEIN, 2014), principalmente,
porque questiona a identidade docente em tempos de ubiquidade. Moran
(2005) já enfatizava que com o surgimento das TICEs e a educação on-line
multiplicar-se-ia os papéis do professor, os quais devem aprender a trabalhar
com diferentes tipos de tecnologias, possuir uma visão mais participativa
do processo educacional e estimular a criação de comunidades, uma vez
que o conhecimento e o ato de ensinar/aprender, na perspectiva das novas
tecnologias digitais, exige uma práxis docente que explore novos tipos de
raciocínio (KENSKI, 2003).

Palloff, Pratt e Stockley (2001) ampliaram o escopo das funções técnicas


do professor virtual apontadas por Collins e Berge (1996), acrescentando e

44
priorizando a habilidade do instrutor de conduzir uma reflexão sobre como
ocorre a aprendizagem na geração de conhecimento on-line, como a tecnologia
contribui para tal e o que se aprende a respeito da própria tecnologia quando
se engaja nesse tipo de aprendizagem. Palloff, Pratt e Stockley (2001, p. 81)
indicavam que:

[...] aprender através do uso da tecnologia envolve mais do que o domínio


de um software ou a familiaridade com o equipamento em uso, envolve
uma conscientização do impacto que esta forma de aprendizagem tem no
processo per si.

Por isso, o que muito se advoga é que o professor do século XXI deve saber
produzir para e com seu aluno, por meio de projetos de aprendizagem e
tarefas colaborativas, levando-os a buscarem processos de investigação e
pesquisa.

Além disso, se este educador exercer atividades na educação superior deve


trabalhar em colaboração com outros professores e também com profissionais
do mercado de trabalho para garantir que os projetos dos alunos sejam bem
direcionados – a isto, segundo Lengel (2013), denomina-se Educação 3.0.

Na concepção do autor (LENGEL, 2013, p. 187), o aspecto não linear de nossa


realidade demanda uma escola cuja educação apresente modelos flexíveis e
adaptáveis, avançando no conceito ao salientar certos princípios orientadores
aos educadores 3.0: professores e alunos devem experimentar trabalhos de
campo para produzir argumentações com diferentes linguagens e tecnologias;
devem produzir conteúdos relacionados às tarefas no uso de ferramentas
digitais apropriadas; a criatividade faz parte do trabalho em grupo para
sanar dúvidas – diferentes mídias e o trabalho devem ser utilizados para
ajudar os colegas; o ensino é feito de professor para aluno, aluno para aluno
e pessoas-tecnologia-pessoas (coconstrutivismo); a escola deve ser vista
como instituição totalmente infundida na sociedade e, finalmente, uma nova
postura epistemológica do professor nas situações pedagógicas que propõe.

Diante disso, questionamos: “Quem educará os educadores?” (MORIN, 2005,


p. 23). A resposta é mais do que imediata: precisamos adequar a nossa
formação efetivamente ao exercício cotidiano do professor. A respeito disso,

45
Nóvoa (2009) insiste que a persistente equidistância entre os discursos,
formações acadêmicas e a práxis docente não são mais toleráveis:

[...] o excesso dos discursos esconde, frequentemente, uma grande pobreza


das práticas. Temos um discurso coerente, e em muitos aspectos consensual,
mas raramente temos conseguido fazer aquilo que dizemos que é preciso
fazer. É preciso passar a formação de professores para dentro da profissão.
(NÓVOA, 2009, p. 17).

Na mesma linha de pensamento, Kenski (2015) evoca a


responsabilidade dos docentes universitários no sentido de renovarem suas
práticas e estratégias de ensino, uma vez que devem possuir maior interação no
processo de formação de novos professores e apresentar atitudes e didáticas
condizentes com as necessidades educativas da contemporaneidade.

Um ponto estratégico e quase não observado está na mudança da ação


do docente universitário que atua nos cursos superiores. Sem mudanças
na formação e ação dos docentes dos cursos superiores — principalmente
dos professores dos cursos que formam novos professores, ou seja,
das licenciaturas — as propostas, em si, não irão responder ao grande
compromisso de adequação aos novos tempos de formação. (KENSKI, 2015,
p. 428).

É evidente o abismo que existe entre o ensino mediado pelas TICEs em muitas
de nossas universidades e a dinâmica que as redes podem oferecer na relação
professor-aluno on-line. Tal abismo ocorre pelo fato de estarmos arraigados a
uma longa estada em modelos de ensino-aprendizagem oxidados e corroídos.

Os estudos de Gatti (2008, 2013, 2017) ao longo do tempo sobre a formação


de professores indicam que o desafio sobre a compreensão de uma legítima
formação continuada permanece, pois muitos dos projetos de formação
desenvolvidos objetivam equacionar a formação debilitada recebida pelos
professores.

A formação continuada no setor educacional adquiriu, então, a feição


de programas compensatórios e não propriamente de atualização e
aprofundamento em avanços do conhecimento, sendo realizados com a
finalidade de suprir aspectos da má-formação anterior, alterando o propósito
inicial dessa educação. (GATTI, 2008, p. 58).

46
A esse respeito, podemos sintetizar que uma formação eficiente de professores
via mediação das TICEs perpassa pela aprendizagem de diferentes estilos de
ensino (mesmo aqueles que nunca as vivenciaram enquanto estudantes),
desenvolvendo parcerias com atores da comunidade e prontos a assumir
riscos, de modo a minimizar o fosso existente entre a escola, a perspectiva
do estudante atual e, acima de tudo, corresponder ao contexto em que o
educador atua. Todavia, deve-se estar atento para não se incorrer a uma
mera estimulação tecnológica em sala de aula sem que ocorram “[...] modos
de se subjetivar, pensar e dialogar nessas condições.” (SIBILIA, 2012, p. 92).

Infelizmente, ao contrário do que se deseja, diversos estudos nacionais


e internacionais (SANTAELLA, 2015; ELEÁ; DUARTE, 2016; KENSKI, 2016;
CHRISTENSEN; JOHNSON; HORN, 2008; RIEL et al., 2005; SÁNCHEZ-PRIETO
OLMOS-MIGUELÁÑEZ; GARCÍA-PEÑALVO, 2016; LUCAS; WRIGHT, 2009; HAO;
LEE, 2015) constatam que muitas das ações que objetivam a incorporação
das TICEs pelos professores ainda insistem no caráter tecnocêntrico e pouco
voltado à integração crítico-pedagógica.

Consequentemente, ao ponderarmos sobre como a cibercultura vem


afetando os diversos campos sociais (economia, política, meio-ambiente,
etc.), certificamo-nos “[...] o quanto a educação ainda está dissociada do
mundo e da vida, o que vem exigindo significativas modificações no ensino,
na aprendizagem e nos papéis até então desempenhados pelas instituições
de ensino [...]” (SANTOS; BLÁZQUEZ, 2005, p. 17).

Em um estudo longitudinal sobre o uso das TICEs em escolas públicas realizado


pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil (2015, p. 97) foi atestado que:

Os formadores dos futuros docentes e as instituições de Ensino Superior que


oferecem formação de professores precisarão de apoio para que preparem
adequadamente os novos educadores das escolas públicas e privadas do
país. (COMITÊ GESTOR DA INTERNET NO BRASIL, 2015, p. 97).

Em pesquisa anterior, realizada sobre o uso das tecnologias da informação e


comunicação nas escolas brasileiras em 2014, o Cetic.br apontava para o fato
da relativa disposição de os educadores encararem as inovações didáticas
promovidas na e pela ação via TICEs:

47
De forma geral, os professores têm uma percepção positiva quanto ao uso
de conteúdos digitais para a prática docente. Vale destacar o fato de que o
estímulo ao uso desses recursos é mais motivado por interesse pessoal (92%)
e pela demanda ou necessidade dos alunos (66%) do que por incentivos
institucionais. (COMITÊ GESTOR DA INTERNET NO BRASIL, 2015, p. 128).

Esses dois indicadores, a princípio, chamam-nos a atenção para o fato de


que os cursos de licenciatura e Pedagogia – apesar da criação de (ainda
poucas) disciplinas relacionadas às novas tecnologias digitais, bem como
ações públicas e institucionais ‒ deixam a desejar apesar de passados pouco
mais de 20 anos da popularização da internet no Brasil. Isso me conduz a
refletir sobre o quê e quais são os conflitos que emergem quando se trata
de os professores transpassarem o ambiente das práticas sociais para o das
práticas educacionais – em outras palavras: se os professores são usuários de
artefatos tecnológicos de base digital, porque não aplicam isso em sua práxis
pedagógica?

Traduzidos por motivos e percalços, esses conflitos vão desde questões de


falta de infraestrutura, suporte financeiro, tempo, sobrecarga de trabalho
(LUCAS; WRIGHT, 2009), à falta de motivação, falta do conhecimento do
potencial pedagógico, constrangimentos e receio de estar sendo superado
(ALMEIDA, 2003; VALENTE; ALMEIDA, 2011).

Ademais, há a questão de que as políticas públicas sobre integração das TICEs


e formação dos professores falham ao não oferecer aos educadores o mesmo
peso de enfatizar competências pedagógicas, funcionais e operacionais que
o digital nos proporciona, ao mesmo tempo que se trabalha a competência
técnica dos artefatos e aplicativos.

Não obstante, a integração do computador como um meio de encorajamento


de ensino-aprendizagem mais centrada no aluno requer um esforço
substancial por parte dos professores em adaptar as TICEs a um curriculum
convencional (ERTMER et al. 2012; SIBILIA, 2012).

48
4 Quase uma conclusão

Enquanto as discussões curriculares das TICEs na Educação mantêm-se


alheias a uma formação inovadora e efetiva de professores, a geração
mais jovem do século 21 está se tornando a mais empreendedora desde a
Revolução Industrial.

Consequentemente, para educar na sociedade da informação e do


conhecimento, é necessário, antes de tudo, repensar a apropriação das
TICEs e considerar os anseios, desejos e a voz do professor, pois este,
enquanto agente catalisador do conhecimento compartilhado, veiculará o
possível alinhamento de um ensino de natureza inovadora, característica da
cibercultura e suas demandas.

Como educadores, formadores e professores temos que, antes de tudo,


explorar e aliar as potencialidades das TICEs aos fundamentos pedagógicos,
sem desconsiderar que crenças construídas a partir do paradigma fabril
exigem/exigirão uma desconstrução permanente e duradoura.

Sem dúvida, não poderemos mais exercer um magistério eremita, solitário


dentro de quatro paredes – se, por um lado, tanto os alunos quanto a
ambiência que circunda a escola (seja ela local ou global) são protagonistas;
por outro, o professor está em processo de transmutação quando se permite
vivenciar modos diferenciados de ensino e correr riscos. Em outras palavras,
a atualidade pressupõe uma sociedade orgânica na, para e dentro da escola.

Desse modo, por meio da interatividade que as TICEs proporcionam ao âmbito


educacional, ambos os professores e alunos deixam de ser depositórios de
informações e passam a ser produtores e autores de conteúdos, alterando,
por conseguinte, suas relações.

Dessa forma, via uma formação criativa, inovadora e que está intrinsecamente
ligada ao contexto educacional, o professor funcionará como um dínamo na
criação e execução de novas ideias e de soluções criativas em parceria; na
disposição de correr riscos calculados (em termos de tempo, equidade ou
carreira); na capacidade e habilidade criativa de reunir recursos necessários
49
para sua práxis pedagógica; e, finalmente, na visão de reconhecer
oportunidades onde e quando os outros veem o caos e a contradição.

Talvez o mais difícil e ainda imperativo seja o questionamento se a educação


de hoje – nossos objetivos de ensino e métodos – ainda são apropriados para
educar a geração digital. À luz do surgimento de tais inovações tecnológicas
e de suas utilizações na educação, o papel dos alunos foi alterado, o que,
indubitavelmente, reinvidica uma nova cultura de ensinar e um professor
remixado.

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56
Autorregulação e Motivação no Processo de Estratégia de Ensino-
aprendizagem de Kolb
Cláudia Goulart
Faculdade de Educação Física, Universidade de Brasília

Resumo
O que ocorre com educandos que se esforçam e permanecem nas aulas
teóricas e/ou práticas e com os que desistem, abandonam o processo de
ensino-aprendizagem? Questionamos suas motivações, desmotivações e
diversos motivos para o abandono das aulas. Normalmente, respondemos
que depende da didática do professor, da estrutura da escola ou da
motivação do aluno. Essa é uma discussão que nos remete a vários caminhos:
metodológicos, teórico-práticos e até políticos. Aos professores, cada vez mais
são exigidos desafios, em estratégias e conhecimento de teorias de ensino
aprendizagem, além disso, maior capacidade de entendimento, dedicação,
esforço de jovens e crianças, seja em sala de aula, seja no ambiente de atividade
física e esportes. Portanto, indagamos: Diferenças individuais influenciam
no aprendizado? Quais os tipos de motivações auxiliam na formação
pedagógica? Que metodologia devemos aplicar para maior aproveitamento
no processo de estratégias de ensino-aprendizagem? Que caminho seguir?
Tecnologias da Informação, Comunicação e Expressão, por intermédio da
aplicação sistemática de conhecimentos científicos, provenientes de teorias
cognitivas, sociocognitivas e neurociências da aprendizagem, vêm contribuir
a estes questionamentos, com o objetivo de resolver problemas concretos
ligados à aplicação de estratégias de ensino-aprendizagem (LACERDA, 1991,
2004, 2010). Este capítulo se propõe discutir essas questões, baseadas nas
relações existentes dos estudos de autorregulação, motivação e estilos de
aprendizagem, por meio de suas diferenças individuais, aplicados tanto no
espaço da sala de aula quanto no esportivo, onde entendemos que, apesar
de terem sua singularidade, há similaridades nas relações professor-aluno e
aluno-aluno.

57
INTRODUÇÃO

Indivíduos se distinguem em suas características individuais, provenientes


de habilidades e percepções adquiridas por meio do ensino, do ambiente
social que interage e, desenvolvidas naturalmente por meio das percepções
do próprio indivíduo. Essas diferenças, muitas vezes, não são consideradas
durante o processo de ensino-aprendizagem. Com isso, o ensino e a
aprendizagem, por meio da comunicação e interação entre professores e
seus pares ocorrem de forma deficitária, dificultando, inúmeras vezes, em
chegar ao objetivo final do que foi planejado. As intervenções pedagógicas
sejam em sala de aula, sejam no ambiente de esporte e atividade física são,
sistematicamente, realizadas de forma global, sem muitas vezes se darem
conta das diferenças entre os indivíduos. A comunicação é realizada de forma
como se todos percebessem os estímulos da mesma forma. Kolb (1976, 1984)
entende que, para o aprendizado, o professor deverá conhecer as diferenças
individuais e aplicar os quatro estilos de aprendizagem em sua metodologia de
ensino, que são: o acomodador, o convergente, o divergente e o assimilador.

Além das diferenças individuais dentro do campo dos Estilos de Aprendizagem,


ocorrem também as diferenças de análises do que acontece com o próprio
indivíduo, com suas percepções de sentimentos e emoções internas,
principalmente, em estímulos que ocasionem desconforto ou desregulação
das emoções. A autorregulação pode ser definida como a capacidade de
controlar as nossas emoções e ações com o objetivo de se obter um resultado
eficiente de uma situação (LANGNER et al., 2018).

Sendo assim, podemos definir que a autorregulação na aprendizagem refere-


se às emoções, sentimentos e tomadas de decisões em situações adversas,
provenientes de exercícios previamente planejados, estruturados, que se
baseiam em suas características individuais. No esporte e atividade física,
a autorregulação segue características de controle interno e/ou externo de
alterações do nível de ativação e concentração, no aumento ou diminuição,
antes, durante ou após uma situação considerada por ele de desregulação de
seus sentimentos e emoções no jogo e/ou exercícios esportivos.

58
Neurocientistas têm aplicado seus estudos nos últimos anos a questões que
desenvolvem autorregulação e adaptações às situações adversas, seja no
ensino, em empresas, na psicoterapia clínica e em atletas de alto rendimento.
Muitas respostas ainda faltam a estas realidades tão amplas dos conceitos e
compreensão dos processos internos e externos do indivíduo. Levine (2010),
criador do método SE™ - Somatic Experiencing® (Experiência Somática),
entende que cada indivíduo tem sua forma de elaborar a sua autorregulação,
baseado em suas percepções pessoais adequando seus níveis de concentração
e ativação ideais em resposta às situações em que ele percebe as suas
emoções com respostas internas confortáveis ou desconfortáveis.

A partir dos anos 1980, observamos que estes estudos têm se ampliado em
pesquisas na área da educação, dos esportes e atividade física, relacionando-
os também aos estudos motivacionais, mas ainda são poucas produções
referentes a esta linha de pesquisa (BEILOCK, 2010; GAUDREAU et al., 2015;
SOKOL; GROUZET; MULLER, 2013; SCAER, 2014; VAN DER KOLK et al., 1985;
VAN DER KOLK et al., 1996).

Portanto, para entender esses processos de autorregulação faz-se necessária


a escolha de uma metodologia de ensino que tenha adequação ao processo
pedagógico, de ensino e aprendizagem. Zull (2002) faz relação entre as
características individuais dos quatro estilos de ensino de Kolb (1984, 2009)
com as quatro áreas do cérebro, do neocórtex. Entendemos os estilos
de ensino de Kolb de forma dinâmica no cérebro do indivíduo, uma vez
que trabalha quatro estilos diferentes na forma de ensino-aprendizagem,
consequentemente, estimulando-o. Para Zull (2002), ativar essas áreas
diferentes do córtex cerebral pode ocasionar maior aprendizagem, pois mais
neurônios são ativados, e, além disso, mais conexões de redes são criadas,
auxiliando nas estratégias e tomadas de decisão do indivíduo.

2 Estilos de Aprendizagem de Kolb

Kolb (1976, 1984) concluiu, em seus estudos de diferenças individuais de


aprendizagem, que existem quatro tipos de aprendizes: o divergente, o
assimilador, o convergente e o adaptador. Estes são consequências, segundo
o autor, da forma como cada um percebe o mundo.

59
De acordo com Kolb, a aprendizagem ideal requer que o professor utilize
métodos de ensino diversificados, a fim de que o ciclo completo seja realizado,
passando por cada etapa, e, com isso, atinja todos os alunos, utilizando
diferentes técnicas de ensino, nas quais teorias, práticas alternativas,
dinâmicas de grupos, jogos individuais e em grupo, leituras e seminários
preencham o seu plano de curso, e plano de atividades. Enfim, cabe ao
professor diversificar e utilizar-se de maior criatividade possível.

Para Kolb (1976, 1984, 2009, 2015), o processo da aprendizagem é decorrente


de diferentes formas do conhecimento e os sintetiza em quatro conceitos: o
divergente, que tem a facilidade em propor alternativas criativas, reconhecer
problemas, onde tende a ouvir e partilhar ideias; o que aprende por meio da
observação e quando absorve o aprendizado o transforma em intenção, que
é denominado de assimilativo; quando ocorre o processo de aprendizagem
por meio da compreensão e o transforma em extensão, é denominado de
convergente; e quando a aprendizagem decorre por meio da compreensão
e esta é transformada por meio da extensão, decorre no conhecimento
adaptativo.

Figura 1 – Estilos de aprendizagem de Kolb

Fonte: Kolb (2012).

60
Gagnon (2015) afirma que dentro de cada aluno há um estilo de ensino mais
em evidência, portanto, em um grupo de alunos todos têm um dos estilos
de aprendizagem, mas cada um se identifica mais com um dos estilos. Por
outro lado, como somos seres em constante transformação e em cada
momento podemos nos manifestar em estilos diferenciados, podemos ousar
em afirmar que temos momentos distintos de aprendizagem, dependendo de
fatores internos e externos da nossa identidade personológica.

Por outro lado, Zull, em suas pesquisas, afirma que para incrementarmos o
aprendizado, auxiliarmos na criatividade e motivação do indivíduo, devemos
desenvolver maneiras de ativar diversas áreas do córtex cerebral (ZULL,
2002). Essa concepção teve como base os estudos de Kolb (1976, 1984),
quando faz a relação entre os quatro estilos com as quatro áreas do cérebro.
Para simplificar, dividiu-a em quatro regiões principais, por exemplo, córtex
sensorial (obtenção de informações); córtex integrativo, próximo ao córtex
sensorial (significado da informação); córtex integrativo, na frente (criando
novas ideias a partir desses significados); e o córtex motor (agindo sobre
essas ideias). Para ele, se os educadores fornecerem experiências que
envolvam estas quatro áreas, poderão obter melhores resultados em nível
de aprendizagem de seus educandos. Consequentemente, ativarão áreas do
cérebro, pouco utilizadas e estimularão as que são preponderantes em cada
indivíduo.

Figura 2 – A arte de mudar o cérebro

Fonte: Zull (2002).

61
Após a compreensão e utilização dos quatro estilos, fica o questionamento
se esta metodologia, aplicada aos educandos, atuará de forma eficaz para
o entendimento de diferentes manifestações da motivação no processo
ensino-aprendizagem e como utilização de ferramenta pedagógica para o
engajamento do aluno em seu ambiente escolar e/ou esportivo.

3 Motivações, intenções e aprendizagem

A motivação é objeto de estudo de pesquisas de diversas áreas em que exista


a intencionalidade de se realizar uma atividade com desempenho suficiente
para atingir resultados satisfatórios. O ponto central do entendimento
dos processos motivacionais consiste em compreender quais os motivos
e intenções que levam um indivíduo a persistir no aprendizado e a tentar
melhorar seu desempenho, mesmo enfrentando dificuldades internas e
externas. O entendimento dos processos motivacionais aplicados ao ensino,
esporte e atividade física, contribui para a compreensão dos motivos e
intenções que levam o aluno: a persistir no aprendizado, a tentar melhorar
seu desempenho, desistir facilmente, retrair-se, desanimar-se frente à prática
proposta e não demonstrar qualquer esforço para executar a tarefa proposta
pelo professor. De acordo com a psicologia motivacional sociocognitiva,
a motivação é utilizada para representar a intensidade e a direcionalidade
de qualquer conduta humana. Ou seja, estudar motivação contribui para
entender como um indivíduo percebe cognitivamente suas emoções,
percepções e como seus comportamentos e emoções influenciam em suas
escolhas.

Dessa forma, para responder questões que envolvam esses processos,


utilizaremos como fundamentação algumas Teorias Motivacionais
sociocognitivas:

A Teoria de Metas de Realização explica o comportamento motivacional


com base nas diferenças individuais e situações socioambientais, que são
combinadas dinamicamente para dirigir os motivos, intenções e ações
do indivíduo. Ela afirma que o indivíduo é um organismo que direciona
suas metas de forma intencional e racional, que guia suas decisões e
comportamentos dentro de um conceito de realização. Essa teoria está

62
relacionada diretamente com a meta de demonstração de competência
(NICHOLLS, 1989; NICHOLLS; PATASHNICK; NOLEN, 1985). Além disso, outras
metas apareceram para operacionalizar a não realização de uma tarefa dentro
de determinado contexto, para quando realizar algo é desejado, quando há
um padrão de excelência a ser atingido e quando a atividade tem valor para
o indivíduo. Pesquisadores têm seguido dois caminhos referentes às metas
para os estudos das Metas de Realização: as metas disposicionais – que se
referem à orientação às metas (NICHOLLS, 1989) e as metas situacionais –
que se referem ao clima motivacional (AMES, 1984a, 1984b). Segundo Duda
(2005), os construtos centrais na Teoria das Metas de Realização que têm sido
examinados consistentemente em pesquisas da psicologia do esporte e do
exercício físico, são: a escolha das orientações às metas e a percepção do clima
motivacional. O construto denominado orientação às metas, que fundamenta
os outros dois, aborda a escolha do indivíduo em orientar-se por meio de
sua autossuperação e/ou por meio da comparação social com outros. Refere-
se às metas disposicionais do indivíduo em relação às suas escolhas. Esse
construto analisa a percepção do aluno e o porquê de suas escolhas e tomadas
de decisão em diversas situações de seu cotidiano. O construto denominado
clima motivacional refere-se à percepção que o indivíduo tem do ambiente
que o cerca: seus pais, o professor, os amigos, entre outros, e qual a influência
motivacional que estes tentam impor sobre ele. A intenção desse construto é
analisar como o indivíduo percebe o ambiente e como ele se deixa influenciar
por ele. Portanto, estudar como uma equipe percebe o nível motivacional de
seu técnico/professor e como interfere no comportamento dos jogadores e
praticantes em relação ao desempenho, manutenção ou desistência da prática
da atividade física ou em relação ao esforço frente à tarefa são exemplos das
contribuições de se avaliar o clima motivacional do grupo para que haja a
discussão quanto à necessidade de promover modificações nesse ambiente.

A Teoria da Autodeterminação, elaborada por Deci e Ryan (1985), distingue


a motivação a partir de diferentes razões ou objetivos que dão origem às
ações (HANCOX et al., 2015). A distinção mais básica está entre a motivação
intrínseca, na qual a atividade é realizada por ser interessante ou agradável
de maneira inata, e a motivação extrínseca, referente à atividade realizada
por conduzir a um resultado separado (HAGGER; CHATZISARANTIS, 2015).
Quanto mais autodeterminada uma pessoa for para realizar certa atividade,
maior será sua motivação intrínseca para a mesma (RYAN; DECI, 2000, 2013).

63
4 Ansiedade e Aprendizagem

Diversas adaptações internas e externas ao indivíduo, decorrentes de


pressões, ansiedades e estresses se modificam e se transformam ao longo da
vida. O que antes era motivo de desconforto e dificuldade nas estratégias de
resolução de problemas, no presente, tornam-se situações de fácil resolução.
Portanto, percepções, adaptações ao meio ambiente e observações se
modificam, dentro de contextos profissional, educacional e social. Apesar
de experts fazerem inúmeras análises, pouco realmente se sabe sobre o
futuro. Portanto, viver o presente, preparar-se para o futuro, fazer ajustes
condizentes com cada necessidade e realidade, não é ensinado aos jovens
e crianças. Pais e professores tentam preparar futuras gerações segundo
seus contextos, o que não tem a ver, muitas vezes, com a realidade do que
ocorre com a infância e juventude. Com o mundo cada vez mais globalizado,
observamos que nem todos estão preparados para viverem e terem empatia
por culturas diferentes da sua, pois vivem confortavelmente em seu nicho,
em sua bolha e não conseguem lidar com situações fora de seu contexto.

Preparamos jovens e crianças para situações de complexidade intelectual,


no entanto, as rotinas simples do dia a dia são deixadas de lado, e o
resultado, muitas vezes, torna-se dificuldade de adaptabilidade em situações
inesperadas.

Por outro lado, há pessoas que não tiveram essa preparação, mas construíram,
por meio de sua personalidade, uma capacidade interna que as prepara às
diversas situações inesperadas, de contexto cultural, emocional e situacional.
Ainda, há crianças com enorme resiliência interna, mas que não tiveram pelo
Estado ou pela família condições de preparo intelectual, essas também ficam
defasadas em situações de contexto intelectual adversas a elas.

Portanto, pais tentam preparar seus filhos intelectualmente, por meio de


escolas de alto nível e padrão, no país ou no exterior, para que estejam aptos
à vida profissional. Obviamente, que esta tentativa é válida, mas nem sempre
os resultados são os esperados.

A questão é: Como adaptá-los? Como prepará-los? De que forma? Quais


estratégias de ensino-aprendizagem?

64
Questões de metodologia de ensino básico de neurociência do estresse
auxiliam no aprendizado. Ou seja, uma série de levantamentos, situações
do mundo moderno que são desafios a pais e educadores do século XXI. O
que era o foco de uma geração ou época, já ocorre nos tempos atuais. Saber
reconhecer essa diversidade, tentar desapegar-se dessas bolhas, será o grande
aprendizado da criança, apresentando maior resiliência e adaptabilidade às
adversidades do porvir.

5 Autorregulação e ensino

Pesquisas sobre como indivíduos regulam seu comportamento e emoções


cresceram nos campos da psicologia educacional e do desenvolvimento. A
consequência disso é que temos uma melhor compreensão das formas
eficazes das crianças se autorregularem, dos desafios que elas enfrentam
ao tentar realizá-lo, além disso, tendem a ter melhores resultados em seu
desenvolvimento (BOEKAERTS; PINTRICH; ZEIDNER, 2000; ZIMMERMAN;
CLEARY, 2009).

A autorregulação na educação trata dos processos de aprendizagem e


desempenho pelos quais os alunos se ativam e se sustentam por meio de
metacognições, afetos e comportamentos, no estabelecimento e execução de
suas metas pessoais (ZIMMERMAN, 2017). No momento em que o professor
estabelece as metas em conjunto com o educando e este se compromete
no engajamento de sua realização, consequentemente, tornam-se mais
proativos, criam capacidade de autocrítica, de autoanálise, de autoeficácia e
avaliação de desempenho autorreferenciado. Ou seja, seu desempenho não
estará referenciado aos seus colegas, mas, principalmente, à capacidade de
percepção de sua habilidade.

Sendo assim, podemos dividir esse processo de autorregulação em três


fases: A primeira fase trata-se do desenvolvimento da capacidade de
planejamento, na qual o aluno planeja suas estratégias de ação para atingir
suas metas e seus objetivos motivacionais são ativados. Em seguida, na sua
aprendizagem, ocorre a monitorização e observação de seu desempenho.
Nessa fase é envolvido o monitoramento do desempenho e da motivação e,
nesse momento, se for necessário, modificam-se as estratégias de execução

65
de tarefas para adaptabilidade de seu desempenho. Nesta segunda fase,
alguns pesquisadores separam em duas: monitoramento e controle da
aprendizagem (PINTRICH; ZUSHO, 2002). Por último, a terceira fase trata-
se de reflexões referentes a seu desempenho, que ocorrem logo após a
conclusão das atividades e tarefas de aprendizagem executadas. Durante
essa fase, o estudante deverá ter o cuidado em obter resultados de processos
de expressão, aprender a administrar suas emoções, seus comportamentos
em relação aos resultados de aprendizagem e suas realizações; além de
envolver-se na autoavaliação e reflexão sobre sua aprendizagem, que
acaba de ser vivenciada. Wigfield et al. (2011) e Pintrich e Zusho (2002) são
alguns pesquisadores que estudam as áreas que devem ser autorreguladas:
cognição, motivação, afeto e emoção.

6 Estratégias de ensino

O ensino em que o professor centra exclusivamente no conteúdo e não há


diversificação de atividades pedagógicas está fadado ao desempenho de um
grupo reduzido de alunos. : Neste item, abordaremos resultados de pesquisas
dos processos e estratégias para o desenvolvimento da autorregulação
aplicados à aprendizagem e a capacidade do aluno para obtê-la.

A autorregulação é um componente resultante da resposta de variadas


manifestações provenientes da motivação. De acordo com Sheldon e Elliot
(1999), os objetivos traçados pelo indivíduo têm o seu engajamento investido
no esforço e motivações intrínsecas que partem internamente do indivíduo
em direção ao ambiente externo. Portanto, a identificação com as estratégias
de enfrentamento, tomada de decisão e resolução de problemas, advindas
do neocórtex, e a respectiva adequação à pressão externa, ou sentimento
de culpa, proveniente de outras pessoas para a realização da atividade a ser
desenvolvida, poderão ser trabalhadas a partir de exercícios de autorregulação.
Segundo neurocientistas, esta autorregulação é ocasionada pela resiliência e
equilíbrio do sistema nervoso autônomo simpático e parassimpático (LEVINE,
2010; PORGES, 2007, 2011; VAN DER KOLK, 1989; VAN DER KOLK et al., 1996,
1985; VAN DER KOLK; VAN DER HART, 1989; SCAER, 2014). A capacidade do
próprio indivíduo em ser flexível e escolher a ação mais adequada (tomada
de decisão), segundo sua percepção da resolução de um problema, perante
66
as diferentes manifestações de motivações, pode ser caracterizado como um
controle autônomo. Neurologicamente, poderíamos afirmar que o indivíduo
conseguiu maior adaptabilidade em virtude da quantidade de sangue na
região do neocórtex. Desse modo, o mecanismo de autorregulação pode
auxiliar e oferecer suporte ao indivíduo na busca de seus objetivos, na
realização do aprendizado e assim não o frustrar perante um esforço com
resultados que poderiam ser negativos em suas estratégias (GRADREAU;
CARRARO; MIRANDA, 2011).

Mas, para isso, os níveis dos desequilíbrios internos provenientes de situações


estressoras deverão estar autorregulados para que alunos de salas de aula,
esportistas e/ou praticantes de atividade física obtenham o seu potencial em
desempenho. Ou seja, adaptáveis internamente com o indivíduo.

Beilock fundamenta seus estudos na capacidade que o cérebro tem para


executar uma atividade com desempenho satisfatório quando se está sob
pressão. Para Beilock (2008, 2010), o cérebro, quando está sob pressão, pode
diminuir seu desempenho, pois pode esgotar uma parte da capacidade de
processamento da memória de curto prazo, local onde se localiza o córtex pré-
frontal, que está envolvido diretamente no processamento e armazenamento
temporário da informação.

Outro fator desenvolvido em suas pesquisas diz respeito às respostas


de pessoas com alto nível de desempenho, as quais, muitas vezes, têm a
memória de curto prazo mais desenvolvida, por outro lado, quando elevam
o nível de preocupação atrapalham a capacidade de obterem o desempenho
esperado, pois o excesso de cognição produz elevado gasto de glicose, onde
pode ocorrer uma depleção para utilizar a memória de trabalho, além disso,
maior utilização de rede de conexões. Portanto, faz-se necessário parar,
pausar, respirar, retirar as informações menos relevantes e, com isto, obtém-
se menor gasto energético, uma vez que pausar e avaliar a situação antes
de começar a resolver o problema é uma forma de assegurar o sucesso,
principalmente, se sua primeira intenção é olhar para uma saída rápida e fácil
e se você está sob pressão. Na realidade, abstrair-se da situação estressora
por uns poucos minutos pode ajudar a encontrar uma solução adequada.

Sendo assim, os estudos de Beilock contribuem no que diz respeito a exercícios


de neurociência e psicologia cognitiva para obtermos o resultado eficaz com

67
educandos que se sentem ameaçados e sob pressão, onde obtêm resultados
aquém de seus desempenhos. Além dessas estratégias, acrescenta-se a
utilização de estilo de aprendizagem, que possa auxiliar os professores na
compreensão de diferentes formas de ensinar e intervir nos alunos, pois
estes têm sua forma diferenciada, individualizada de aprendizado.

7 Discussão

Buscamos neste capítulo discutir a relevância de Tecnologias da Informação,


Comunicação e Expressão, para obtenção de um melhor desempenho de
crianças e jovens na escola, nos esportes e atividade física, por meio de estratégias
pedagógicas provenientes de estudos e pesquisas da autorregulação,
motivação e estilos e ensino de aprendizagem, baseados em diferenças
individuais, os quais, acreditamos, serem fundamentais para os desafios
pedagógicos da atualidade. As tecnologias não se restringem exclusivamente
a ferramentas digitais, mas também a conhecimentos científicos provenientes
de estudos e pesquisas que proporcionem estratégias de desenvolvimento de
ensinoaprendizagem. Portanto, a relação entre estilos de ensino, motivação
e autorregulação têm como objetivo proporcionar a capacidade de o aluno
realizar autoanálise, autocrítica, perceber suas emoções, comportamentos
e, consequentemente, autorregular-se. Além disso, organizar e sistematizar
suas metas, com base em sua característica individualizada e personológica.
Ter suas quatro áreas principais do cérebro ativadas, por meio dos estilos
de aprendizagem de Kolb. Com isso, acreditamos que educandos possam
autoperceber suas capacidades, limitações, reorganizar estratégias para
melhor desempenho e autonomia pessoal e social. Pesquisas e estudos que
relacionem essas três áreas devem ser realizados com o objetivo de obtenção
de melhores resultados e desempenhos na escola, na atividade física e nos
esportes.

68
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72
O ensino de língua materna, as novas práticas digitais no WhatsApp e o
desenvolvimento da argumentação escrita
Erikson de Carvalho Martins
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Bahia
Campus Barreiras

Resumo
Este artigo tem por objetivo discutir sobre o ensino de língua materna
mediado pelas novas Tecnologias Digitais da Informação, Comunicação e
Expressão, a partir da realização de práticas de leitura e escrita no WhatsApp
para o desenvolvimento da argumentação escrita. Buscamos as contribuições
teóricas de Rojo (2008, 2009), Braga (2009), Sousa (2009), Megid (2014) e Barton
e Lee (2015), que discorrem a respeito das novas práticas de leitura e escrita
nos espaços digitais; e de Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005), Koch (2013) e
Leitão (2011), que apresentam estudos sobre a capacidade de argumentação
e a utilização de estratégias argumentativas para defesa de posicionamentos
críticos. Com abordagem qualitativa, de cunho exploratório e com
caraterísticas de uma pesquisa-ação prática (TRIPP, 2005), desenvolvemos
como metodologia de estudo uma proposta de atividade pedagógica do
componente língua portuguesa para 26 estudantes de uma turma do 2º ano
do Ensino Médio Técnico Integrado em Informática, do Instituto Federal da
Bahia, Campus Barreiras. Essa atividade consistiu na discussão do enigma
central do clássico Dom Casmurro de Machado de Assis. Os dados coletados
foram analisados sob a ótica da análise de conteúdo (FRANCO, 2005) para
a compreensão e interpretação das mensagens postadas no grupo do
aplicativo. Finalmente, apontamos que é possível utilizar os espaços de
escrita oferecidos pelos ambientes digitais, como o WhatsApp e todas as
suas potencialidades, para o ensino de língua materna, tendo por objetivo
o aprimoramento das práticas de leitura e escrita, como, por exemplo, a
expressão de posicionamentos críticos e o desenvolvimento da capacidade
de argumentação escrita.

73
INTRODUÇÃO

O acesso às Tecnologias Digitais de Informação, Comunicação e Expressão –


TICE, dentro e fora dos espaços escolares, modificou as relações de ensino
e aprendizagem, especialmente, as relações que os estudantes estabelecem
com a própria língua por meio do exercício das práticas de leitura e escrita
nos ambientes da cibercultura.

Considerando que a maioria das práticas sociais faz uso da linguagem, e que
muitas dessas práticas, hoje, são desenvolvidas em ambientes digitais, donde
se originam uma ampla gama de gêneros textuais digitais, que fazem parte
do cotidiano dos indivíduos, é lamentável observar como os processos de
ensino-aprendizagem de muitas instituições educacionais ainda se encontram
distantes das práticas de leitura e escrita nos espaços da cibercultura,
especialmente, em relação ao ensino de língua materna, cujo foco deveria ser
o trabalho com a linguagem na perspectiva da interação social.

Assim, atividades de leitura e escrita desenvolvidas no âmbito das TICE


podem aproximar os estudantes das práticas cotidianas de uso da linguagem,
bem como auxiliar o desenvolvimento de competências e habilidades
imprescindíveis para uma efetiva aprendizagem e uso social da língua, como,
por exemplo, a argumentação, essencial nas interações linguísticas cotidianas.
A possibilidade de desenvolvimento da argumentação nos ambientes digitais
está associada ao conceito de postura, desenvolvido por Barton e Lee (2015).
Os pesquisadores definem postura como um conceito central que engendra
a forma como as opiniões são expressas na mídia on-line.

As TICE apresentam muitos espaços de escrita em que é possível a expressão


de um posicionamento crítico (postura) e a construção de sentenças
argumentativas para defendê-lo, como os espaços de comentários no
Facebook e no Youtube, a possibilidade de construção de retweets no Twitter e
a promoção de debates em grupos de aplicativos de mensagens instantâneas
(MI), como no WhatsApp, por exemplo, o aplicativo de MI mais popular entre
os brasileiros, principalmente, entre os nossos estudantes.

74
Tendo em vista o exposto, este trabalho busca responder ao seguinte
questionamento: o ensino de língua materna e as práticas digitais de leitura e
escrita desenvolvidas no WhatsApp podem contribuir para o desenvolvimento
da argumentação escrita dos estudantes? Dessa forma, o estudo em torno
dessa questão tem como objetivo discutir sobre o ensino de língua materna
mediado pelas novas tecnologias digitais da informação, comunicação e
expressão a partir da realização de práticas de leitura e escrita no WhatsApp
para o desenvolvimento da argumentação escrita. Como metodologia de
estudo, desenvolvemos uma proposta de atividade pedagógica com 26
estudantes de uma turma do 2º ano do Ensino Médio Técnico Integrado,
do Instituto Federal da Bahia, Campus Barreiras, que consistiu na leitura e
posterior atividade de discussão a respeito do enigma que envolve o clássico
Dom Casmurro de Machado de Assis. A referida atividade foi desenvolvida
em um grupo criado no aplicativo de mensagens instantâneas WhatsApp,
denominado “Capitu no Tribunal”, destinado à apresentação da proposta
pedagógica e à indicação de links para leitura e realização das discussões.

Este artigo está dividido em seis momentos. Primeiramente, discutimos sobre


o histórico do ensino de língua portuguesa no Brasil. Em seguida, discorremos
quanto às práticas digitais de leitura e escrita no ensino de língua materna.
Posteriormente, debatemos sobre a produção de gêneros textuais digitais
em nossas práticas sociais diárias. Depois, abordamos acerca do trabalho
com a argumentação em sala de aula. Logo, apresentamos a metodologia
de trabalho e discutimos os resultados encontrados. Por fim, tecemos as
considerações finais a respeito da possibilidade de uso dos espaços de leitura
e escrita do WhatsApp no ensino de língua materna para o desenvolvimento
da argumentação.

2 Breve histórico do ensino de Língua Portuguesa no Brasil

O ensino de língua portuguesa, no Brasil, foi introduzido de forma oficial


apenas no ano de 1838 para o ensino secundário, sendo trabalhado de

1
O trivium e o quadrivium constituíam as artes liberais, nascidas na Idade Média, cujo objetivo era a formação das elites
intelectuais, com base na educação clássica que possibilitaria o refinamento intelectual para a produção de obras e ideias
que elevassem o espírito humano. O trivium destinava-se aos estudos da linguagem, da palavra, do discurso, composto pelas
disciplinas Gramática, Retórica e Lógica ou Dialética. O quadrivium visava aos estudos da matéria, da natureza e dos números,
constituído pelas disciplinas Aritmética, Astronomia, Geometria e Música.

75
maneira quase instrumental e coexistindo lado a lado com o ensino do trivium1
– gramática, retórica e lógica ou dialética –, ministrado em latim. A primeira
escola a adotar o ensino de língua portuguesa em seu currículo foi o Colégio
Dom Pedro II, no Rio de Janeiro, tendo como objetivo preparar facilmente os
estudantes dos anos iniciais, em língua materna, para o estudo do trivium, em
latim. Até o século XVIII, o ensino de outras línguas era dominante no Brasil,
como a língua geral – conjunto de línguas indígenas – e o latim, portanto,
a língua portuguesa estava relegada a um segundo plano. Foi somente
no século XIX, no final do Império, que as disciplinas gramática, retórica e
poética foram unificadas paulatinamente em uma só disciplina denominada
português (ROJO, 2009).

Segundo Rojo (2009), a Lei de Diretrizes e Bases da Educação 5.692/71


concebeu a língua portuguesa como um instrumento de comunicação
e expressão da cultura brasileira, o que ficou conhecido como “virada
pragmática ou comunicativa”. Por essa razão, a disciplina passou a ser
chamada “Comunicação e Expressão” no antigo primário do 1º grau (1ª a 4ª
série), “Comunicação e Expressão em Língua Portuguesa” no antigo ginásio do
1º grau (5ª a 8ª série) e “Língua Portuguesa e Literatura Brasileira” no antigo
colégio, 2º grau (1ª a 3ª série), hoje Ensino Médio. Dessa forma, o ensino
de língua portuguesa passa a se preocupar com a realidade prática, com
ênfase para a oralidade e para o estudo de gêneros textuais difundidos na
comunicação de massas e nas mídias. Grande parte desses gêneros pertencia
às esferas jornalística e publicitária e às diferentes mídias – impressa, televisiva
e digital. É interessante observar que, a partir desse período, não somente
os textos escritos em linguagem verbal são trabalhados na escola, há uma
abertura para os gêneros que apresentam uma linguagem não verbal ou
mista, como charges, histórias em quadrinhos, propagandas, dentre outros
(ROJO, 2009). É a partir da segunda metade da década de 1980 que o texto
passa a ser concebido como objeto de ensino de língua portuguesa, o que se
convencionou chamar de “virada textual”. De acordo com Rojo (2009), a obra
de Geraldi O texto na sala de aula: leitura e produção, de 1984, já assinalava
a necessidade de o texto não ser utilizado nas aulas de língua materna
como pretexto para o ensino de ortografia e gramática, mas como objeto de
práticas de leitura e produção textual. Assim, entre 1970 e 1990, o ensino
pouco a pouco deixa de ser centralizado nos conteúdos gramaticais e passa
a ser focado em procedimentos de leitura e produção. Entretanto, as velhas

76
práticas de ensino de língua portuguesa tornaram-se resistentes, fazendo,
ainda, o uso do texto pelo viés da gramaticalização, como também como
suporte de análises textuais, silenciando o potencial do texto como produtor
de sentidos.

A datar de 1990, as teorias de tratamento do texto em língua materna


afastaram-se pouco a pouco dos postulados da linguística e da linguística
textual e passaram a se direcionar para a análise do discurso. Novas formas
de estudo do texto passam a ser desenvolvidas com base na análise do
discurso de linha francesa, na análise crítica do discurso, nas teorias da
enunciação e nas teorias dos gêneros textuais/discursivos, promovendo,
dessa forma, a “virada discursiva” (ROJO, 2008). Nesse contexto, com início em
1970 e um maior impulso desenvolvimentista a começar em 1990, as novas
tecnologias da informação e comunicação digitais, associadas ao processo de
globalização, produziram modificações sociopolíticas profundas que afetaram,
de forma significativa, não apenas o ensino de língua portuguesa e a forma de
tratamento do texto em suas aulas, mas todo o processo educacional.

3 As práticas digitais no ensino de Língua Portuguesa

Para Rojo (2009), as tecnologias da informação e comunicação digitais


assinalam uma visão situada de língua em uso, favorecida e possibilitada
pelas diversas teorias de texto e de gênero para as práticas didáticas de leitura
e escrita plurais e multimodais. O mundo conectado possibilita uma grande
profusão de textos, discursos e informações como nunca antes visto, fazendo
emergir novas formas de produção, recepção e circulação de textos/discursos
que devem ser considerados na teoria e na educação. Como características
dessas novas manifestações textuais/discursivas, Rojo (2008) assinala a
multimodalidade, a hipermidialidade e a interatividade.
Comparada às tecnologias da comunicação de massa impressas e
audiovisuais analógicas, as tecnologias digitais tais como se configuram
são mais democráticas, porque são interativas e ainda sem muito controle
social sobre essa interatividade. Se as mídias analógicas são principalmente
unidirecionais, encarregadas de difusão de bens culturais e colocando sua
audiência o papel de espectador ou consumidor, as mídias digitais permitem
por sua interatividade, interferências e diálogos leitor/autor, receptor/
produtor-difusor. Na rede, todos podem ter sua página, blog ou fotoblog,
montar comunidades, interagir de maneira síncrona ou assíncrona (chats,
fóruns, trocas de e-mails, SMS, torpedos), comentar textos de autores, publicar

77
opiniões. Muitos pesquisadores (por exemplo, CHARTIER, 1997, BEAUDOUIN,
2002) já apontavam que essas características do funcionamento dos textos
em ambiente digital determinam alterações nos protocolos de leitura em
ambiente digital, isto é, nas relações leitor-texto-autor em termos de leitura e
escrita. (ROJO, 2008, p. 23-24).

Rojo (2008) salienta que após o grande domínio do livro e toda sua influência
no processo de produção e recepção dos textos, pela primeira vez, com as
novas tecnologias digitais, a leitura e a escrita tornaram-se síncronas e não
intervalares. O texto produzido em meio às redes é lido quase de forma
instantânea, além disso, aproxima-se do contexto de produção dos textos
orais, desfazendo as diferenciações existentes entre a escrita e a oralidade:
descontextualizada/contextualizada, autônoma/dependente do contexto,
planejada/não planejada, completa/fragmentada, precisa/imprecisa,
normatizada/não normatizada.

Ademais, para a autora, as articulações entre os links hipertextuais


disponibilizados por essas novas tecnologias possibilitam uma interatividade
síncrona por meio da escrita, favorecendo uma grande circulação de textos,
arranjados de forma intertextual ou hipertextual, nos variados espaços de
informação e por meio de diferentes ferramentas de comunicação. Fora isso,
a fusão do texto escrito com outras modalidades de linguagens transforma
o texto digital em um produto não somente hipertextual, interativo e
hipertextual, como também multissemiótico (ROJO, 2008).

De acordo com Megid (2014), a leitura e a escrita são sempre os desafios da


educação, todavia, no atual contexto, esse desafio encontra-se ampliado em
se tratando do desenvolvimento das habilidades de leitura e escrita no âmbito
das tecnologias digitais. Para ela, o ensino de língua portuguesa ainda se
norteia nos textos impressos, pouco considerando o contato dos estudantes
com os textos digitais. Megid (2014) apresenta uma pesquisa realizada por
estudantes da pós-graduação da Faculdade de Educação da Unicamp, cujo
objetivo era traçar as características de leitura de estudantes do último
ano do Ensino Fundamental de escolas públicas localizadas nas regiões de
Campinas e São Paulo. Os resultados dessa pesquisa apontaram que de 336
alunos pesquisados, 61,9% possuíam internet em casa, 13,6% afirmaram
possuir assinatura de jornal e 50,8% disseram fazer leituras diárias de textos
da internet. Dados os resultados, a autora sinaliza que a leitura em ambientes
digitais é algo presente na vida dos alunos, portanto, os textos digitais não
podem ser desconsiderados no ensino de língua portuguesa.
78
É pertinente observar que a ausência do trabalho com os textos digitais nas
práticas de ensino de língua materna em muitas escolas brasileiras está
associada a uma falta de investimentos na formação de professores e demais
funcionários. Com informações obtidas pelo Programa Nações Unidas para
o Desenvolvimento (PNUD), Megid (2014) aponta que houve um grande
crescimento do número de escolas com acesso à rede e aos ambientes
digitais, aumentando, também, o número de computadores e de laboratórios
de informática nas instituições educacionais. Por outro lado, não houve o
mesmo investimento em softwares educativos para o trabalho em sala de
aula e pouca preocupação na qualificação profissional de funcionários e
professores para o trabalho com materiais digitais. As referidas aplicações
ocorreram apenas na aquisição de hardwares – computadores, tablets e
outros componentes físicos –, o que não assegura o êxito nas práticas com as
mídias digitais na escola.

É fato que muitos estudantes brasileiros não possuem contato com a tecnologia
dentro das escolas, diferentemente dos contextos social e familiar, no qual
fazem uso constante dos suportes tecnológicos, utilizando as habilidades de
leitura e escrita nas redes sociais e nas mídias sociais digitais. Todavia, somente
esse uso não é capaz de desenvolver nos estudantes a compreensão acerca
das diferentes características dos gêneros textuais digitais que encontram
na rede, possibilitando-lhes conhecer o contexto de produção, o perfil dos
interlocutores, o uso da linguagem, a finalidade e outras peculiaridades
das produções no mundo virtual. Por essa razão, torna-se extremamente
importante que os estudantes tenham contato com esses gêneros dentro da
escola, especialmente, nas aulas de língua materna, para que compreendam
as especificidades de leitura e escrita de cada texto. Como questiona Megid
(2014, p. 68): “se pensarmos em um leitor do presente e na importância das
mídias nas aulas de língua portuguesa, como ignorar a presença dos textos
digitais na vida e na constituição dos alunos em sua formação básica?” É o
que veremos a seguir, com a discussão acerca do trabalho com os gêneros
textuais produzidos nos ambientes digitais.

79
4 Os gêneros textuais digitais nas práticas quotidianas de uso da linguagem

Diante das práticas tradicionais de ensino de leitura e escrita apenas com


o texto impresso, desconsiderando a existência dos textos digitais e suas
inúmeras possibilidades de conexão a tantos outros textos, observamos que:
Poucas vezes o professor está preparado para trabalhar com textos em
suportes virtuais em suas aulas, e muitas vezes passa a tratá-los de modo
semelhante ao trabalho com o texto impresso. Os mesmos procedimentos de
leitura utilizados para o trabalho com o meio impresso são transpostos para
a leitura no meio eletrônico, ignorando-se as diferenças de textualização de
um e de outro [...]. Não são necessários apenas computadores adequados
e conexão à rede mundial para que aconteça efetivamente a formação de
um leitor de textos virtuais [...]. Mais do que isso, é preciso conhecer como
se organiza um texto virtual, como se dá a sua leitura, quais habilidades são
necessárias para que o aluno não só tenha contato com esse tipo de leitura,
mas que seja capaz de explorar as diversas relações que o texto virtual lhe
possibilita. (MEGID, 2014, p. 68).

Segundo Braga (2009), os canais abertos de comunicação a distância e a


informalidade das interações na rede possibilitaram o surgimento de gêneros
digitais escritos bem semelhantes aos gêneros orais da interação face a
face, a exemplo do chat. De acordo com Sousa (2009), a escrita nos gêneros
digitais possui muitas características da oralidade, uma particularidade
que leva muitos estudiosos a pesquisarem acerca dos recursos linguísticos
utilizados na produção dos gêneros digitais, apresentando como uma de
suas características a oralização da escrita. Ainda, segundo Braga (2009),
esses referidos gêneros possibilitam que usuários com um menor grau de
escolarização e que não dominam a norma padrão formal não sejam excluídos
das práticas digitais. Além do que, a multimodalidade desses diferentes
gêneros que circulam na internet propicia a interpretação e a produção de
sentidos de sujeitos menos letrados. As normas de interpretação requeridas
por essas múltiplas semioses precisam ser socialmente aprendidas, todavia, a
forma como os indivíduos menos letrados interagem com textos multimodais
é dissemelhante da interação com os textos escritos, o que ainda precisa ser
bem estudado (BRAGA, 2009).

O ensino de língua materna deficiente nessa abordagem dos gêneros textuais


digitais em sala de aula impossibilita que os estudantes desenvolvam a
capacidade de leitura por meio de entrelaçamentos, compreendendo as
relações intertextuais e sintático-semânticas estabelecidas pelas múltiplas
80
semioses que se interligam na hipermídia. A leitura em ambientes digitais vai
além da leitura de textos impressos, que conservam, em sua maioria, apenas
o código verbal e a linearidade no percurso de leitura. Ademais, é relevante
que os estudantes compreendam como os suportes digitais influenciam na
produção de sentido dos textos, além de conseguirem estabelecer a coerência
entre os textos conectados pelos múltiplos links e os diversos espaços
disponíveis para o exercício da escrita, assimilando “as práticas digitais como
novas práticas de leitura e produção de textos.” (MEGID, 2014, p. 69).

Sousa (2009) destaca que uma notável característica dos gêneros digitais diz
respeito à ampliação da dialogicidade. Para ela, essa é uma realidade que
deve ser transferida para o contexto escolar. Na escola, grande parte das
produções textuais dos alunos possui como único interlocutor o professor,
que é o responsável por atribuir uma nota à atividade avaliativa, enquanto na
internet os sujeitos possuem interlocutores reais diversos, que apresentam
papéis ativos e constituem uma ampla rede de relações sociais. A experiência
que os estudantes possuem com os gêneros digitais deveria resultar em uma
nova perspectiva sobre o ensino e a aprendizagem das práticas discursivas no
âmbito escolar, levando os professores a propiciarem aos alunos uma escrita
tão significativa e agradável tal qual a desenvolvida nos espaços digitais.
Nessa perspectiva, os professores poderiam levar os alunos a produzir e
analisar eventos comunicativos diversos, orais e/ou escritos, identificando
algumas de suas características temáticas, estruturais ou estilísticas e
relacionando-os às esferas de atividade social, à audiência, às condições de
produção, dentre outras relações que podem ser estabelecidas, a fim de que
os discentes possam vivenciar uma pluralidade de discursos. (SOUSA, 2009,
p. 203).

No que corresponde às práticas letradas digitais, Braga (2009) esclarece


que a conjugação de múltiplas linguagens na constituição da multimídia e
da hipermídia apresenta uma repercussão multiplicadora de sentidos, uma
vez que une variadas possibilidades de produção de sentidos e normas
interpretativas que são peculiares dos recursos semióticos utilizados. Os
diferentes tipos de significados são correspondentes a cada modalidade
empregada, que se associam e se complementam para facilitar a interpretação
geral ou de pontos específicos do texto. Quanto à aprendizagem, Braga (2009)
assinala que estudos empíricos apontam que a computação concomitante
de uma informação por variados meios de recepção pode facilitar algumas
situações de aprendizagem. As múltiplas linguagens, o potencial interativo
81
e a estrutura hipertextual dos textos digitais oportunizam aos estudantes a
escolha dos materiais e do melhor trajeto de leitura correspondente às suas
necessidades e à sua forma de aprender.

Uma preocupação presente em grande parte dos professores de língua


materna diz respeito à interferência do estilo on-line da internet na escrita dos
estudantes na escola. Conforme Sousa (2009), ainda não existem respostas
definitivas e muitas pesquisas ainda precisam ser desenvolvidas acerca da
relação entre a escrita digital e a escrita escolar, todavia, é possível assinalar
que alguns usuários utilizam a linguagem na internet como uma forma de
pertencer a determinado grupo e sabem que ao utilizar outros espaços de
prática social devem fazer uso de outra forma de linguagem.

Em relação às variedades distintas utilizadas pelos adolescentes quando


escrevem na escola ou na internet, Pereira e Moura (2005 apud SOUSA, 2009),
ao analisarem a produção escrita de adolescentes em salas de bate-papo,
verificaram que os internautas conhecem a escrita formal, mas a consideram
desapropriada para dar conta da rápida produção de sentidos que a interação
no bate-papo exige, por isso utilizam uma linguagem mais informal, dinâmica
e adequada a um novo suporte. Sousa (2009, p. 202) evidencia que:
Os resultados dessas pesquisas apontam para a necessidade de a escola
explorar a variação linguística e suas respectivas ligações com o gênero,
com as gerações, com os grupos profissionais, com as classes sociais, dentre
outros aspectos que exercem condicionamento sobre a língua. Nesse sentido,
evitar-se-ia o tratamento preconceituoso e antilinguístico que é dado a
algumas variedades, na medida em que fomentássemos a formação de uma
consciência linguística a partir da compreensão de que a língua portuguesa é
uma “unidade” composta de muitas variedades.

Dessa forma, Sousa (2009) considera inoportuno o temor do empobrecimento


da língua portuguesa, visto que as tecnologias digitais não estão impactando na
estrutura da língua, em seus aspectos fonológicos, morfológicos e sintáticos.
Para a autora, as formas de textualização produzidas nos ambientes digitais
devem ser consideradas tendo em vista a produção de sentidos e as relações
interpessoais. Como aponta Marcuschi (2010), a linguagem na internet deve
ser analisada considerando-se a função que os aspectos externos (culturais,
sociais, tecnológicos, históricos) exercem sobre a forma de uso da linguagem,
e não os aspectos internos da língua, referentes à estrutura e à superfície
textual.

82
Portanto, para além do letramento escolar, temos o desafio de incorporar
o trabalho com o texto digital nas aulas de língua portuguesa, favorecendo
o letramento multissemiótico dos estudantes para a leitura e produção
de textos escritos articulados com imagens, sons, animações e outros
signos de forma múltipla e interativa (ROJO, 2008). Além disso, os múltiplos
discursos e vozes que aparecem nos textos que circulam na rede apontam
a necessidade de um letramento crítico dos nossos estudantes para que
sejam capazes de reconhecer o texto como produção de significados e de
ideologias. Diante da abrangência de múltiplas linguagens nas tecnologias
digitais, torna-se imprescindível, enfim, proporcionar aos estudantes um
trabalho interdisciplinar e transdisciplinar com práticas de leitura e escrita
nos ambientes digitais, a fim de que possam desenvolver habilidades e
capacidades mais amplas de uso efetivo da linguagem.

5 A argumentação em sala de aula e as práticas textuais digitais

A argumentação é uma atividade necessária no quotidiano da sociedade. Em


diversas situações, exige-se dos indivíduos posicionamentos, defesa de pontos
de vistas e seleção de argumentos a fim de persuadir seus interlocutores. De
acordo com Koch (2013, p. 19), “constitui um ato linguístico fundamental.” Por
essa razão, o trabalho com a argumentação também se faz necessário nos
espaços escolares, a fim de possibilitar aos estudantes momentos em que
possam desenvolver e aprimorar essa competência.

Ao trabalhar com argumentação, estudantes e professores são motivados


a estabelecer de forma clara um ponto de vista e apresentar razões que
fundamentem seu posicionamento para o convencimento de seus pares.
Segundo Leitão (2011), é esperado dos indivíduos que argumentam, além
da formulação de seus argumentos, disposição para ponderar e responder
dúvidas, além de respeitar os pontos de vista diferentes do seu próprio
posicionamento, ou seja, acatar os contra-argumentos.

[...] movimentos cognitivo-discursivos de fundamentar pontos de vista,


considerar contra-argumentos e a eles responder conferem à argumentação
uma discussão epistêmica – um mecanismo de produção/apropriação
reflexiva do conhecimento, que torna a argumentação um recurso privilegiado
em situação de ensino-aprendizagem. (LEITÃO, 2011, p. 15).

83
Para Leitão (2011), o interesse pelos estudos sobre argumentação e construção
do conhecimento tem despontado um grande número de estudos sobre a
relação que se estabelece entre a argumentação e os processos educativos,
além do interesse sobre como ela deve ser implementada nas atividades
de sala de aula e em outras situações de ensino-aprendizagem, a fim de
potencializar os estudantes para o desenvolvimento de sua capacidade de
argumentar.

Segundo Leitão (2011), esses estudos sobre a relação entre argumentação


e processos de ensino-aprendizagem acontecem sob duas perspectivas de
investigação:

a) Primeiramente, concebe-se a argumentação como atividade cognitivo-


discursiva, que proporciona aos estudantes o domínio de conteúdos
pertencentes a diversas áreas do conhecimento, como História, Matemática,
Literatura e Química, por exemplo. Nessa perspectiva, tem-se como foco o
“argumentar para aprender”, ou seja, de que maneira a argumentação seria
capaz de possibilitar a construção do conhecimento em áreas diversas de
estudo.

b) Em segundo lugar, a argumentação é entendida como uma atividade que


requer competências cognitivo-discursivas particulares que devem ser obtidas
e desenvolvidas por meio de atividades educativas específicas, ou seja, trata-se
do “aprender a argumentar”. Nesse sentido, mesmo que crianças comecem a
argumentar desde muito cedo, por volta dos 2 ou 3 anos de idade, entende-se
que essa competência deve ser aprimorada na escola por meio de atividades
específicas para que se chegue a um nível de argumentação consistente e
articulado, caracterizando, assim, um pensamento crítico-reflexivo sobre o
mundo à sua volta.

As atividades educacionais com foco na argumentação não podem ser


improvisadas, mas sim bem planejadas para que surtam os efeitos desejados
(LEITÃO, 2011). O planejamento ocorre, inicialmente, com a preparação de um
ambiente educacional que possibilite o desenvolvimento das competências
argumentativas para a formação de sujeitos críticos-reflexivos.
Mesmo se considerando que o manejo da argumentação em sala de aula é
tarefa ao alcance de qualquer professor, e perfeitamente articulável aos seus
múltiplos objetivos em classe, o trabalho com argumentação em sala de aula
é algo que demanda do professor disposições e ações específicas. Entre essas,

84
vale ressaltar, antes de tudo, a disposição para fazê-lo, bem como atenção
e empenho no desenvolvimento de suas próprias competências enquanto
argumentador; a atenção contínua a oportunidades de argumentação sem
sala de aula – quer estas oportunidades surjam de forma espontânea, quer
sejam deliberadamente criadas; finalmente, o domínio não só dos conceitos
próprios do seu campo de atuação, mas também de raciocínios (modos de
pensar/argumentar) típicos do mesmo campo. (LEITÃO, 2011, p. 17).

Nas atividades educacionais, o papel da oposição torna-se fundamental para


o trabalho com a argumentação. A argumentação representa uma atividade
social e interativa em que diversos pontos de vista se convergem, fazendo
com que surjam, ao longo do processo, outros pontos de vista alternativos.
Assim, o processo argumentativo tem início a partir da apresentação de mais
de um posicionamento sobre um tópico de discussão e é, nessas situações,
em que se presenciam as divergências de ideias, entre professor e aluno,
entre diferentes alunos ou por um único aluno em diversas situações.

Vargas e Leitão (2011) consideram que em situações de ensino-aprendizagem,


a construção do conhecimento se dá de forma simétrica, nas relações
entre aluno-aluno, como também de forma assimétrica, nas relações entre
professor-aluno. As autoras destacam que os estudos sobre argumentação
nas relações simétricas baseiam-se na teoria socioconstrutivista de Piaget,
que defende que os indivíduos constroem seu próprio conhecimento nas
relações que estabelecem com o mundo. Por outro lado, os estudos sobre
argumentação nas relações assimétricas fundamentam-se na teoria sócio-
histórica de Vygotski, que defende o papel da mediação na produção do
conhecimento.

A inserção de diferentes gêneros textuais digitais (blog, fórum, chat, lista


de discussão, etc.), das redes sociais digitais (Facebook, Twitter, Instagram,
Youtube, entre outras) e de aplicativos de mídias sociais digitais (WhatsApp,
Snapchat e Hangout, por exemplo) nas atividades educacionais dentro e fora
da sala de aula podem possibilitar uma maior interação entre os estudantes,
bem como desenvolver aspectos da argumentação imprescindíveis para o
desenvolvimento de indivíduos com pensamento crítico-reflexivo sobre o
mundo que os cerca.

Nas discussões sobre argumentação on-line, encontramos o conceito de


postura desenvolvido por Barton e Lee (2015, p. 49), que o definem “como
um posicionamento de um falante em relação ao que é dito e a quem o

85
enunciado é dirigido.” A postura se refere à forma como os pontos de vista
são expressos na mídia on-line. A própria estrutura e recursos de algumas
mídias oportunizam o desenvolvimento de postura. Instigando a discussão, a
expressão de opiniões, a produção e compartilhamento de conhecimentos,
como a plataforma do Facebook e do Youtube que possibilitam a postagem
de comentários e a do WhatsApp que permite responder a mensagens
específicas em chats nos grupos de discussão.

Mercado (2004) define o chat como uma ferramenta de comunicação


síncrona, dotada de grande potencial pedagógico. Para ele, o chat possibilita
a comunicação entre pessoas diversas que se encontram conectadas
ao mesmo tempo pela internet, favorecendo a interação, a discussão, o
compartilhamento de conhecimentos, o tira-dúvidas, entre outras vantagens.
Outros chats, produzidos em alguns aplicativos, como WhatsApp ou Hangout,
permitem que as conversas sejam salvas quando algum participante esteja
off-line, possibilitando que o usuário tenha acesso à discussão assim que
se conectar à Internet, possuindo, dessa forma, características também
assíncronas.

Portanto, o desenvolvimento da argumentação pode se fazer presente na


leitura e produção de diversos gêneros textuais, como no chat do WhatsApp,
por exemplo, representando para os professores uma possibilidade
de promover aos estudantes momentos de participação ativa, troca de
informações, produção de conhecimentos de forma colaborativa, além de
possibilitar o estímulo ao desenvolvimento da argumentação por intermédio
da exposição e justificação de ideias e construção e avaliação de argumentos,
contribuindo, assim, para a formação de sujeitos ativos, crítico-reflexivos e
coconstrutores do conhecimento.

6 Capitu traiu Bentinho ou não? – o desenvolvimento da argumentação por


meio do chat em grupo no WhatsApp

Neste trabalho, desenvolvemos um estudo de abordagem qualitativa, com


caráter exploratório, e, quanto aos procedimentos, possui características de
uma pesquisa-ação, pois como aponta Abdalla (2005, p. 386), “a pesquisa-
ação seria um instrumento para compreender a prática, avaliá-la e questioná-

86
la, exigindo, assim, formas de ação e tomada consciente de decisões.” De
forma específica, podemos identificar características de uma pesquisa-ação
prática, visto que, conforme Tripp (2005), o pesquisador escolhe ou projeta as
mudanças a serem efetivadas no grupo pesquisado.

A metodologia de estudo consistiu no planejamento e desenvolvimento de


uma proposta de atividade pedagógica do componente língua portuguesa a
26 estudantes de uma turma do 2º ano do Ensino Médio Técnico Integrado em
Informática, do Instituto Federal da Bahia, Campus Barreiras. Os estudantes
foram convidados pelo professor-pesquisador em sala de aula para a leitura
e posterior atividade de discussão sobre o enigma que envolve o clássico
Dom Casmurro de Machado de Assis. A referida atividade foi desenvolvida
em um grupo criado no aplicativo de mensagens instantâneas WhatsApp,
denominado “Capitu no Tribunal”, destinado à apresentação da proposta
pedagógica e à indicação de links para leitura e realização das discussões.

Os dados coletados a partir da aplicação da atividade pedagógica foram


analisados sob a ótica da análise do conteúdo que, conforme Franco (2005),
refere-se à análise de conteúdo como uma estratégia de pesquisa que tem
como ponto de partida a mensagem e que se situa em uma delimitação mais
ampla da comunicação. Dessa forma, a análise de conteúdo desenvolvida
neste estudo foi realizada a partir das mensagens postadas pelos estudantes
durante as interações no grupo de discussão no WhatsApp.

7 Análise dos resultados

A atividade pedagógica de discussão proposta no WhatsApp sobre a obra


clássica Dom Casmurro foi realizada no dia 24 de janeiro de 2018 (ano
letivo 2017), contando com a participação de 26 estudantes e do professor-
pesquisador. É importante destacar que a leitura do livro havia sido indicada
há mais de um mês, a fim de que os estudantes pudessem realizar uma leitura
atenta e selecionar os argumentos para as discussões no grupo. A atividade
contou com 432 sequências dialogais realizadas na forma de turnos de fala.
Dentre essas sequências, apenas 44 foram do professor-pesquisador, atuando
na orientação e no esclarecimento de dúvidas, bem como na mediação das
discussões e na formulação de questionamentos ao longo do debate.

87
Inicialmente, a proposta de atividade foi apresentada aos estudantes no
grupo do WhatsApp, juntamente com a indicação de alguns links para a leitura
de artigos, visualização de vídeos, apreciação de tirinhas, charges e cartuns, a
fim de disponibilizar outras fontes de conhecimento e instigar os estudantes
para a defesa de um posicionamento crítico e produção de argumentos para
defendê-lo. Em seguida, foi proposta a seguinte questão de debate, conforme
ilustra a Figura 1.

Figura 1 – Questão para discussão no WhatsApp

Fonte: dados da pesquisa do autor.

88
Nesse sentido, analisamos nesta seção as sequências dialogais construídas
pelos estudantes, com ênfase nas participações ativas, pois como elucidam
Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005), a elaboração da argumentação se dá por
meio do debate entre os pares, visando a persuasão por meio do discurso.
Para tanto, realizamos a análise de conteúdo a partir de 03 categorias
distintas: 1) posicionamento crítico dos interlocutores acerca da questão de
debate; 2) presença de textos multissemióticos no processo argumentativo e
3) variedade de tipos de argumentos construídos para a defesa do ponto de
vista, segundo a tipologia para classificação dos argumentos estabelecida por
Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005).

De acordo com a questão proposta “Capitu traiu Bentinho ou não?”,


examinamos a primeira categoria – posicionamento crítico dos interlocutores
acerca da questão de debate. Conforme essa categoria, verificamos que 14
estudantes concordam com a acusação contra Capitu, afirmando que ela traiu
seu marido Bentinho com Escobar. Do outro lado, 12 estudantes afirmam
que não houve traição e Bentinho tecia acusações falsas contra Capitu.
Analisemos, a seguir, alguns momentos das discussões evidenciando os dois
pontos de vista apresentados. É válido ressaltar que os nomes dos estudantes
foram modificados, a fim de manter o anonimato de suas identidades e suas
respectivas privacidades.

Figura 2 – Argumentos da Estudante “Flor”

Fonte: dados da pesquisa do autor.

89
Figura 3 – Argumentos da Estudante “Sol”

Fonte: dados da pesquisa do autor.

As figuras 2 e 3 apresentam argumentos contrários à acusação feita por


Bentinho à sua esposa Capitu. Na Figura 2, a estudante “Flor” traz como
argumento o foco narrativo com que o livro foi escrito – 1ª pessoa –,
evidenciando, assim, a presença de um narrador-personagem, que participa
da história e a narra ao mesmo tempo. Nesse sentido, a estudante alega que
como o próprio Bentinho narra os fatos ocorridos a seu modo, não é possível
conhecer a versão de Capitu, que poderia defender-se da incriminação. Além
disso, a estudante aponta o teor argumentativo do discurso de Bentinho,
que busca convencer o leitor de suas ideias. Para reforçar ainda mais seus
argumentos, a estudante “Flor” apresenta citações retiradas do romance que
foram proferidas pelo próprio Bentinho. Por sua vez, a estudante “Sol” utiliza
o recurso de resposta do WhatsApp, rebatendo o argumento do estudante
“Bicho do mato”, que discorre sobre o momento em que Capitu chora ao
olhar para o corpo inerte de Escobar no caixão. A estudante “Sol” expõe como
argumento os ciúmes exagerados de Bentinho, que deveria estar triste com
a morte do amigo ao invés de se preocupar com as reações de Capitu no
velório. Ademais, aponta a subjetividade presente no olhar de Capitu como
um empecilho para a compreensão de seus reais sentimentos.

90
Vejamos, a seguir, as figuras 4 e 5, que ilustram argumentos favoráveis à
imputação feita a Capitu por Bentinho.

Figura 4 – Argumentos da Estudante “Mimosa”

Fonte: dados da pesquisa do autor.

Figura 5 – Argumentos do Estudante “Bicho do Mato”

Fonte: dados da pesquisa do autor.

A Figura 4 dispõe o argumento formulado pela estudante “Mimosa”, que


ressalta a maturidade e a dissimulação como características que contribuem
para a inculpação de Capitu. A estudante sinaliza que Capitu sempre soube
se comportar diante de situações embaraçosas, dissimulando muito bem sua
conduta. Dessa forma, podemos inferir, a partir do argumento da estudante,
que Capitu também poderia ocultar seus verdadeiros sentimentos por
Escobar, disfarçando sua relação extraconjugal para o marido. Por sua vez,
o estudante “Bicho do mato”, na Figura 5, salienta as semelhanças existentes
entre Ezequiel, filho de Capitu com Bentinho, e Escobar. Segundo o estudante,
a semelhança física entre os dois e a mania de Ezequiel imitar as pessoas,
91
assim como Escobar, além de também imitá-lo, trazia muitas preocupações a
Capitu e despertava os ciúmes e a desconfiança de Bentinho.

Em relação à segunda categoria – presença de textos multissemióticos no


processo argumentativo – verificamos que, para além da argumentação
escrita por meio da produção de variados argumentos nas discussões em
grupo, muitos estudantes utilizaram os recursos hipermídia do WhatsApp
para apresentar outros textos multissemióticos que foram utilizados para
reforçar o processo argumentativo, apresentar críticas, estabeler relações e
até mesmo provocar humor. Analisemos as figuras a seguir:

Figura 6 – Meme utilizado pelo Figura 7 – Meme utilizado


estudante “Mickey” pela estudante “Lalá”

Figura 8 – Meme utilizado pela Figura 09 – Meme utilizado pelo


estudante “Vivi” estudante “Chulé”

Fonte: dados da pesquisa do autor.

92
As figuras acima trazem exemplos de memes utilizados pelos estudantes
durante as discussões em grupo no aplicativo. Os memes são gêneros
textuais digitais que podem associar imagens, vídeos, sons e gifs, com tom
humorístico, capazes de viralizar rapidamente na internet e conseguir
bastante popularidade. A Figura 6, compartilhada pelo estudante “Mickey”,
relembra um momento da participação de Glória Pires como comentarista do
Oscar em 2016, associando a imagem com conflito central de Dom Casmurro.
O estudante teve o objetivo de despertar humor logo no início das discussões,
como também evidenciar a ausência de um ponto de vista específico. Já a
estudante “Lalá” trouxe, na Figura 7, um desenho referente a uma cena da
minissérie Capitu, exibida pela Rede Globo em 2008. O enunciado verbal da
imagem demonstra que existem outras coisas mais fáceis, como falar da
própria estudante, do que conseguir provas acerca da traição de Capitu.

Por sua vez, a estudante “Vivi”, na Figura 8, lança uma crítica aos colegas que
escreveram “textões” no WhatsApp, mostrando-se cansada ao realizar leituras
de textos extensos. A crítica de “Vivi” foi bem aceita pelos demais colegas,
visto que uma boa parcela dos estudantes ainda não havia compreendido
que a dinâmica de um chat com caráter educacional é a mesma de um
chat convencional, com sequências dialogais curtas e rápidas, escrevendo,
dessa forma, verdadeiras dissertações argumentativas no grupo. Assim, é
possível inferir que muitos estudantes ainda não estão habituados a utilizar
determinadas mídias sociais e gêneros textuais digitais de forma pedagógica,
pois acabam trazendo práticas da sala de aula para as redes e mídias sociais. A
Figura 9, do estudante “Chulé”, traz um meme com uma montagem de imagens
da série em desenho animado Phineas e Ferb, relacionando-a à história de
Bentinho e Capitu. Na série, o casal Linda Flynn Fletcher e Lawrence Fletcher
possuem três filhos: Phineas, Ferb e Candece. A relação estabelecida com o
livro Dom Casmurro acontece pelo fato de o filho Ferb ser muito parecido com
o vilão da história, o Dr. Heinz Doofenshmirtz, o que fez com que o estudante
e demais colegas pensassem em uma possível traição por parte da mãe.

93
Na Figura 10, a seguir, a estudante “Flor” traz uma propaganda do carnaval
para reforçar o teor argumentativo do seu discurso.

Figura 10 – Propaganda utilizada pela estudante “Flor”

Fonte: dados da pesquisa do autor.

A estudante “Flor”, na Figura 10, traça uma comparação entre a semelhança


física de sua mãe e a da garota propaganda que aparece ao centro da
imagem, salientando, em seu enunciado verbal, que semelhança física não é
evidência de parentesco. O argumento utilizado pela estudante teve o intuito
de destacar que a semelhança física entre Ezequiel e Escobar não garante
que este seja o pai daquele; assim como também Capitu e a mãe de Sancha
eram parecidas sem possuírem nenhum laço consanguíneo. É importante
ressaltar que durante as discussões não foram encontrados textos com outras
linguagens, como áudio, vídeos e animações, tão comuns no WhatsApp.

Alicerçados na terceira e última categoria – variedade de tipos de argumentos


construídos para a defesa do ponto de vista –, verificamos nas discussões
realizadas que os estudantes fizeram uso de diferentes tipos de argumento,
tendo por objetivo delimitar seu ponto de vista e persuadir os colegas de
suas ideias. De acordo com a tipologia dos argumentos, estabelecida por
Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005), exibimos, no Quadro 1, dez exemplos de
argumentos produzidos pelos estudantes e suas respectivas classificações.

94
Argumentos Construídos Tipologia
01 “Capitu se compadece com a morte e com sua amiga, não Dissociação
significa que tenha algum sentimento por ele.” – Estudante “Flor”
02 “Bentinho não mantinha diálogos com a esposa. Isso pode ter Ligação causal
contribuído para que ele tirasse suas próprias conclusões [...]” –
Estudante “Lalá”.
03 “[...] E no final ele pensa em matar a mulher, assim como Otelo.” – Comparação
Estudante “Mari”
04 “Minha psicóloga diz que é comprovado cientificamente que os Autoridade
ciúmes levam as pessoas a distorcerem as situações.” –
Estudante “Flor”
05 “A amizade entre os casais pode ter despertado algo em Capitu da Probabilidade
mesma forma que despertou em Bentinho, que se sentiu atraído
por Sancha”. – Estudante “Lagarto”.
06 “Dou foco a palavra reminiscência, que no dicionário significa Identidade e
‘lembrança vaga ou indireta’”. – Estudante “Coringa” Definição
07 “Se ela de fato traiu Bentinho, porque raios ela comentaria sobre a Contradição e
semelhança entre Ezequiel e Escobar?” – Estudante “Afrodite”. Incompatibilidade
08 “A persistência dela em continuar mandando cartas, por exemplo, Exemplo
mesmo depois de ter se mudado para a Europa, mostra que ela
ainda o amava”. – Estudante “Sol”
09 “Ela não é adúltera por ficar na janela, ela foi adúltera por ter traído Ato e essência
ele com Escobar”. – Estudante “Bob”
10 “Capitu e Escobar não traíram apenas Bentinho, traíram também Transitividade
Sancha, que era melhor amiga de Capitu e mulher de Escobar”. –
Estudante “Batman”
Fonte: dados da pesquisa do autor.

O argumento 1, escrito pela estudante “Flor”, apresenta uma dissociação


de ideias, com o objetivo de desfazer relações que estão vinculadas por
um processo de ligação. Portanto, a estudante dissocia o sentimento
de compaixão do sentimento de amor/paixão, uma vez que ambos são
associados por leitores que acusam Capitu de traição. A estudante “Lalá”,
argumento 2, expõe uma relação causal: as conclusões tiradas por Bentinho
acerca de Capitu são consequências de sua falta de diálogo com ela. No
argumento 3 temos uma comparação feita pela estudante “Mari”, que
associa os pensamentos e atitudes de Bentinho com os de Otelo. Por sua
vez, a estudante “Flor” traz o argumento de autoridade, item 4, ao fazer uma
citação indireta da fala de um especialista, sua psicóloga, que discorre sobre
os efeitos decorrentes dos ciúmes. O argumento 5, do estudante “Lagarto”,
mostra uma relação de probabilidade, ao identificar a possibilidade dos
sentimentos de Capitu e Bentinho terem uma mesma causa: a amizade entre
os casais. Outro argumento bastante comum é o de identidade e definição,
item 6, utilizado pelo estudante “Coringa” para apresentar o significado da
palavra reminiscências. No argumento 7, a estudante “Afrodite” desenvolve
uma relação de contradição e incompatibilidade, sobre o fato de Capitu ter

95
traído Bentinho e, ao mesmo tempo, comentar com ele sobre as semelhanças
entre Ezequiel e Escobar. A estudante “Sol” formula o argumento 8 com um
exemplo que justifica o amor de Capitu por Bentinho: as constantes cartas
enviadas ao marido após a separação. O argumento de ato e essência, ponto
9, do estudante “Bob”, apresenta os atos de Capitu para comprovar sua
essência de adúltera. Por fim, o estudante “Batman” constrói um argumento
de transitividade, tópico 10, transferindo a relação de traição estabelecida
entre dois elementos (1 – Escobar e Capitu; 2 – Bentinho) para um terceiro
(Sancha).

Dessa forma, verificamos alguns tipos de argumentos produzidos pelos


estudantes na discussão realizada no chat em grupo do WhatsApp, tendo
por objetivo a delimitação de um posicionamento crítico e a construção de
argumentos para defendê-lo. Os fragmentos analisados neste artigo são uma
pequena mostra da tipologia de argumentos encontrada em meio às 432
sequências dialogais que compuseram toda a discussão quanto ao enigma
de Dom Casmurro: Capitu traiu Bentinho ou não? Dúvida que segue!

7 Considerações finais

As práticas cotidianas de uso da linguagem estão sendo modificadas pela


constante interação com os ambientes digitais. O acesso e a interação com
os sites de redes sociais, com os aplicativos de mensagens instantâneas
e com os jogos on-line, por exemplo, além de tantas outras ferramentas
tecnológicas, transformam as práticas de leitura e escrita dos estudantes
e, consequentemente, tornam-lhes produtores de uma variada gama de
gêneros textuais digitais que emergem nesse contexto.

Nesse sentido, o ensino de língua materna deve contemplar o trabalho com


os novos espaços digitais de leitura e escrita, aproveitando as potencialidades
das TICE, como, por exemplo, a interação, o acesso a fontes diversas de
conhecimento por meio dos links hipertextuais, o trabalho com as múltiplas
linguagens que coexistem na hipermídia, dentre outras, para desenvolver nos
estudantes habilidades e competências que os auxiliem a usarem a língua em
diferentes contextos, produzindo gêneros variados com linguagem, estrutura
e finalidade adequadas para cada contexto de comunicação. Dentre essas

96
competências, destacamos a capacidade de argumentação que pode ser
estimulada e desenvolvida nos ambientes digitais, a exemplo dos aplicativos
de mensagens instantâneas, como o WhatsApp, para auxiliar os estudantes na
produção de diferentes gêneros argumentativos orais e escritos necessários
para a realização de práticas quotidianas de uso efetivo da língua.

Considerando-se o questionamento e o objetivo iniciais propostos neste


estudo, a análise dos resultados demonstrou que é possível utilizar os espaços
de leitura e escrita on-line disponíveis em diversas redes e mídias sociais,
como o WhatsApp, no ensino de língua materna para o desenvolvimento
da argumentação escrita dos estudantes, despertando-os para a interação,
discussão, compartilhamento de links de acesso à informação, apresentação
de posicionamentos críticos, construção de argumentos baseados não
apenas na linguagem verbal, como também nas múltiplas linguagens que a
hipermídia oferece.

Isto posto, acreditamos que a proposta de atividade pedagógica aqui


apresentada possa ser desenvolvida por outros docentes de língua portuguesa,
adaptando-a e aprimorando-a em conformidade com o seu público estudantil
e com o contexto de trabalho, além de colaborar para a formulação de outras
propostas que propiciem o ensino e a aprendizagem de língua materna em
contato com as diversas ferramentas das tecnologias digitais de informação,
comunicação e expressão.

97
REFERÊNCIAS

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análise e avaliação da prática docente. Ensaio: aval. Pol. Públ, Educ., Rio de
Janeiro, v. 13, n. 48, p. 383-400, jul./set. 2005. Disponível em: <http://www.scielo.
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Revista da FAEEBA, Salvador: UNEB, v. 13, n. 22, p. 385-400, 2004.

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98
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Argumentação na escola: O conhecimento em construção. Campinas: Pontes
Editores, 2011. p. 153-182.

99
Criando visualizações em realidade aumentada para o ensino de
ciências
Frederico Coelho Krause
Universidade de Brasília

Resumo
Visualizações em ciências são relevantes para fomentar explicações acerca
do mundo físico e comunicá-las a terceiros. Nesse contexto, colocam-se as
representações geradas por computação gráfica, que incluem modelos bi (2D)
e tridimensionais (3D). Tais modelos podem ser apresentados por sistemas
de realidade aumentada (RA), nos quais os objetos virtuais são posicionados
em congruência com o ambiente real. Os trabalhos de revisão de literatura
demonstram, contudo, a ausência de preocupação com a utilização de
teorias de ensino e aprendizagem no processo de desenvolvimento desses
modelos. Essa desconexão dificulta a criação de modelos pedagogicamente
relevantes. Visando encurtar a distância entre educadores e desenvolvedores,
apresentamos aqui um guia para orientar o trabalho de criação de visualizações
em RA no ensino de ciências.

100
INTRODUÇÃO

A prática científica busca criar entendimento por meio da adoção de


procedimentos que permitam gerar consenso acerca da natureza da realidade.
Atingir esse objetivo implica visualizar aquilo que se deseja compreender e
representar externamente esse processo interno, para que terceiros possam
dialogar com essas visualizações, criando suas próprias. Inerentemente
limitadas, tais representações são aproximações incompletas de entidades e
fenômenos, às quais nos referimos como modelos.

Recebem destaque no ensino de ciências dando suporte às explicações do


mundo físico, servindo como estímulo à aprendizagem e simplificando objetos
e conceitos complexos ao permitirem ignorar detalhes menos relevantes e
focar naqueles essenciais ao entendimento de determinado conceito (COLL;
LAJIUM, 2011).

Nesse sentido, a computação gráfica (CG) se coloca como importante


ferramenta de criação de modelos pela geração de imagens bi e
tridimensionais (3D) geradas por computador. Estas últimas, ao incorporar a
percepção de profundidade, levam a cenas realísticas, que tendem a ser mais
imersivas quando comparadas àquelas de multimídia tradicionais. Com isso,
as experiências apresentam maior impacto emocional, senso de presença e
engajamento (KROUPI et al., 2016).

A imersividade sensorial é diretamente proporcional à capacidade dos


sistemas computacionais de apresentar aos sentidos, particularmente à
visão, estímulos que estejam em congruência com aqueles que os indivíduos
vivenciam em sua experiência quotidiana no ambiente real. Exemplo disso é o
que verificamos em sistemas de realidade virtual (RV), nos quais dispositivos,
como telas, óculos e luvas especializadas apresentam ao indivíduo um
conjunto de elementos virtuais que compõem, de seu ponto de vista, um
verdadeiro ambiente mais ou menos dissociado daquele que circunda o
conjunto indivíduo-sistema de RV.

Sistemas de realidade aumentada (RA), por sua vez, apresentam os elementos


virtuais sem fazer a dissociação do conjunto indivíduo-sistema de RA. O

101
ambiente se mantém, por definição – seguindo a classificação de Milgram e
Colquhoun Júnior (1999) – predominantemente formado por elementos reais.
Os elementos virtuais podem variar de textos ou símbolos simples a modelos
3D e animações, sendo apresentados sobrepostos aos elementos reais e
mantendo-se tipicamente os seis graus de liberdade do objeto, sendo três
translacionais e três rotacionais (WANG et al., 2013).

No campo educacional, a RA tem ganhado terreno à medida que seus


dispositivos habilitadores aumentam sua capacidade de processamento e se
tornam mais acessíveis. Merecem destaque os smartphones, que cada vez mais
se tornam onipresentes no quotidiano dos alunos. A presença de sistemas de
RA em sala de aula, contudo, pouco serve à educação sem o desenvolvimento
de aplicativos que possam ser utilizados para o ensino-aprendizagem.

Iniciativas nesse sentido têm sido feitas em contextos e níveis educacionais


variados, que vão desde a educação infantil, passando pelo ensino médio e
superior, até treinamentos profissionais, como é o caso da pesquisa realizada
por Sutherland et al. (2013), na qual projeções de um modelo virtual de coluna
são sobrepostas a um boneco anatômico da região lombar para simular
sua localização subjacente, permitindo a profissionais da saúde treinar
procedimentos de inserção de agulhas.

A amplitude de temas também é variada, concentrando-se,


predominantemente, na área das Ciências, provavelmente em virtude da
efetividade para visualização de conceitos complexos e abstratos, bem como
entidades e fenômenos de difícil visualização no mundo real (BACCA et al.,
2014).

A análise de revisões sobre o estado da arte do uso de RA na educação em


geral (AKÇAYIR; AKÇAYIR, 2017; BACCA et al., 2014; PRIETO et al., 2014; TSAI;
SHEN; FAN, 2014) e na área mais específica da educação em saúde e bem-estar
(ZHU et al., 2014) demonstram a ausência de foco dos estudos na descrição
do ambiente e processos de desenvolvimento, das ferramentas utilizadas
para criar as aplicações, bem como as teorias de ensino e aprendizagem
que as fundamentam. Essa desconexão entre a prática do ensino mediado
por sistemas de RA e o processo de desenvolvimento dos aplicativos que
os utilizam talvez reflita a distância entre os profissionais que normalmente
atuam em cada uma dessas atividades. A primeira área é composta,

102
predominantemente, por educadores e pesquisadores da educação, e a
segunda por profissionais mais orientados à ciência da computação e design
gráfico.

Apresentamos, aqui, em linhas gerais, um guia para a criação de visualizações


em RA para o ensino de ciências como forma de orientar a prática de
desenvolvimento que ocorre na interface entre essas áreas de conhecimento.
Acreditamos que é nesse ponto de encontro que poderemos alterar a prática
de desenvolvimento para que seus produtos possam melhor atender aos
objetivos pedagógicos a que se propõem. Mais do que uma receita fechada,
este guia é um convite a estudantes, educadores e desenvolvedores a
participar mais ativamente da construção desses artefatos.

As etapas descritas não seguem um caminho unívoco, uma vez que durante
o desenvolvimento é frequente sua revisão e reformulação. Levando isso
em consideração, procuramos traçar uma linha mestra que possa conduzir
aqueles com interesse no tema a adotar estratégias de desenvolvimento mais
eficientes.

2 Conhecendo o público-alvo

O primeiro passo a ser observado quando se deseja construir material


educacional é identificar a quem ele se destina, quais as necessidades dos
futuros usuários, grau de instrução, anseios, contexto no qual está localizado,
nível de acesso a dispositivos digitais, grau de familiaridade com as tecnologias
digitais da informação comunicação e expressão (TDICE) e quaisquer outras
características ou particularidades que possam se mostrar relevantes.

Importante salientar que a depender dos objetivos e contexto de aplicação, o


público-alvo não se restringe aos estudantes, podendo abranger os diversos
profissionais da educação (professores, assistentes, coordenadores, diretores,
gestores), familiares e comunidade local. Conhecer o público-alvo é, portanto,
uma atividade complexa que implica transcender a esfera imediata do
indivíduo, expandindo-se para toda uma realidade na qual ele está inserido.
A metodologia de pesquisa em estudos sociais fornece um arcabouço teórico
relevante do qual podemos lançar mão para bem cumprir esta tarefa.

103
A escolha da mais adequada varia conforme a visão de mundo do
desenvolvedor-pesquisador, tempo para execução, grau de envolvimento
e acesso aos usuários finais, recursos disponíveis, dentre outros. Dentre
as principais tradições estão: a pesquisa narrativo-biográfica; os estudos
fenomenológicos; a pesquisa-ação; e os estudos de caso (ESTEBAN, 2010).

3 Delineando o tema

A menos que imposto por algum fator arbitrário, o tema a ser abordado costuma
permitir aos desenvolvedores algum espaço para escolha. Sua eleição decorre,
em grande parte, do resultado do levantamento feito na etapa anterior. Isto
porque, à medida que nos aprofundamos nas necessidades de nosso público-
alvo, passamos a identificar um conjunto de temas potencialmente relevantes,
tanto para os indivíduos, mais diretamente imbrincados no processo de
ensino-aprendizagem, quanto para a transformação do contexto no qual eles
estão inseridos. Aqui são cabíveis perguntas do tipo: O tema é relevante para
a escola? Há particular interesse para a comunidade local? Relaciona-se com
alguma situação premente no contexto regional, nacional ou internacional?

Outro critério de escolha é o domínio ou afinidade das pessoas que


participarão ativamente da elaboração das representações. Embora não seja
fator de exclusão, o conhecimento prévio do tema é altamente desejável.
Antes de se proceder à construção de representações de determinado
assunto, o desenvolvedor deve ser capaz de visualizar internamente todos
os detalhes relevantes para a compreensão de determinado conceito para
que possa externá-los de modo compreensível a terceiros. Nos casos em que
não possuem o conhecimento necessário, devem os desenvolvedores ser
devidamente assessorados para que possam se apropriar deles.

Um terceiro fator a ser considerado diz respeito às vantagens de se apresentar


o conteúdo com RA. A construção de modelos para sistemas dessa natureza
costuma ser laboriosa, devendo passar por uma análise de custo-benefício.
Algumas perguntas a serem levantadas nesta etapa: Apresentar informações
sobre objetos reais específicos pode facilitar a dinâmica da instrução? A
representação em 3D é capaz de evidenciar algum conceito abstrato, de difícil
compreensão, ou impossível de ser visualizado de outras formas? Quais os
profissionais, recursos e processos de construção de modelos 3D que temos
à nossa disposição?
104
4 Definindo conteúdos e objetivos

Escolhido o tema, é necessário definir quais aspectos referentes a ele são


pertinentes e devem ser enfatizados. Também neste estágio é necessário
estar em alinhamento com o público-alvo a que o material se destina, o nível
de aprofundamento em que deve ser trabalhado e como os conceitos se
relacionam entre si.

Dentre os modos de sistematizar os conteúdos dentro de um tema, destacamos


os mapas conceituais, criados por Joseph Novak e colaboradores como uma
ferramenta para organizar o conhecimento e representa-lo para si e para os
outros. Mapas conceituais podem ser organizados de diferentes maneiras,
sendo as mais comuns aquelas em forma de diagramas. Nelas, procura-se
evidenciar significados dados a determinados conceitos e suas relações no
contexto de determinado corpo de conhecimento (GOMES et al., 2011).

Para que sistemas de RA se tornem relevantes para a educação em ciências


é imprescindível que seu desenvolvimento parta do pressuposto de que a
tecnologia não possui um valor agregado em si mesma, devendo ser colocada
no papel de mediadora do processo de aprendizagem. Um princípio valioso
nesse sentido é começar delineando os objetivos do aprendizado e, com base
neles, implementar a tecnologia tendo um claro senso do alvo a ser atingido
pelos aprendizes. Esses são alguns dos achados de Nielsen, Brandt e Swensen
(2016), em estudo conduzido com professores especialistas de ciências,
designers de tecnologia da informação e comunicação, e pesquisadores de
educação em ciências de quatro países.

A definição dos objetivos costuma andar junto com a definição dos conteúdos,
uma vez que norteia a prática. Em um experimento com uso de RA no ensino
do tema eletromagnetismo com alunos do ensino médio na Espanha, por
exemplo, o conteúdo incluía conceitos, como força e campos magnéticos. O
objetivo da instrução era que os estudantes fossem capazes de compreender,
dentre outros, a relação estabelecida entre esses dois conceitos. Para tanto,
montou-se um sistema de RA no qual os estudantes podiam manipular e
visualizar as forças eletromagnéticas no ambiente real (IBÁÑEZ et al., 2014).

De modo mais amplo, os objetivos podem se irradiar para além do domínio


do conteúdo escolar propriamente dito, sobretudo, nos casos em que o tema
105
é escolhido com vistas a gerar transformação de uma dada realidade. Nesses
casos, os objetivos tomam o caminho inverso, direcionando os conteúdos
para que abarquem as problemáticas que se deseja evidenciar e sobre as
quais se objetiva efetuar mudanças.

5 Elegendo uma teoria pedagógica

Para alcançar seus objetivos, as visualizações em RA devem ser utilizadas de


modo a efetivamente alterar as concepções dos sujeitos da aprendizagem
para que sejam condizentes com os modelos científicos. Se é verdade que
toda experiência pode gerar algum tipo de aprendizado, também o é que uma
experiência teoricamente fundamentada e sistematicamente desenvolvida
sobre um alicerce sólido é mais eficiente em orientar esse aprendizado a ser
congruente com os objetivos propostos.

A escolha de uma teoria pedagógica perpassa questões filosóficas e de


ordem prática, como a faixa etária do público-alvo e a natureza do material
a ser explorado. São diversos os referenciais que têm sido adotados no
desenvolvimento de aplicativos em RA, dentre os quais estão: teoria dos
múltiplos recursos (HUNG; CHEN; HUANG, 2017); aprendizagem baseada
em investigação (CHIANG; YANG; HWANG, 2014); aprendizagem situada
(KAMARAINEN et al., 2013); teoria da aprendizagem experiencial de David
Kolb (FURIÓ et al., 2013; HUANG; CHEN; CHOU, 2016); e teoria das múltiplas
inteligências de Gardner (FURIÓ et al., 2013).

Uma vez que se elege uma teoria pedagógica ela passa a balizar toda
a estratégia de desenvolvimento e utilização do aplicativo, visto que a
aplicação não pode acontecer em descompasso com a etapa de criação.
Se partirmos da teoria da aprendizagem experiencial de David Kolb, por
exemplo, que concebe a existência de diferentes estilos de aprendizagem,
seria incongruente desenvolver um aplicativo que não permitisse a utilização
segundo as diferentes estratégias preconizadas por ela.

Com base no público-alvo, tema, conteúdos e objetivos, e teoria pedagógica,


passa-se então à fase de planejamento da utilização do aplicativo. Nessa fase,
deve-se procurar fazer uma primeira aproximação do que se pretende como
resultado final, de como o programa quando pronto será posto em utilização
e quais serão seus alcances e limitações.
106
6 Escolhendo um método de desenvolvimento

O desenvolvimento de aplicações com RA, a despeito de suas particularidades,


obedece ao esquema geral do processo de desenvolvimento de softwares,
definido como “a prática de organizar o design e a construção de software
e sua implantação no contexto.” (THE OPEN UNIVERSITY, 2016, p. 62-63). Há
uma diversidade de abordagens para fazê-lo, no entanto, algumas atividades
fundamentais são comuns à maioria e incluem: análise, que envolve a
compreensão do problema a ser endereçado e os requisitos contextuais;
design, com descrição conceitual da solução do software ao problema;
implementação, ligada à materialização da solução no software; teste, para ter
certeza de que a solução tem certas qualidades intrínsecas que se aplicam ao
problema; e implantação, que é a colocação do software dentro do contexto
para o qual foi desenvolvido (THE OPEN UNIVERSITY, 2016).

Um dos tipos de processo mais antigos de desenvolvimento de software é o


modelo em cascata. Nele, um conjunto de requisitos definidos inicialmente
permanece constante ao longo do processo, o que o torna bastante
linear e com pouca flexibilidade. É ainda utilizado em algumas indústrias,
especialmente, em setores com grande regulamentação. Como reação a esse
modelo, surgiram os processos interativos e incrementais. Mais flexíveis,
permitem maiores trocas entre as fases de desenvolvimento, frequentemente
retomando etapas já parcialmente executadas e efetuando mudanças.
Exemplo dessa abordagem é o modelo em espiral. Independentemente do
modelo escolhido, para que o software atenda a seus propósitos, deve o
desenvolvimento ser norteado pelos seguintes aspectos: tempos, adequação
funcional, usabilidade, flexibilidade, possibilidade de teste e reusabilidade (THE
OPEN UNIVERSITY, 2016). Consideramos o modelo em espiral particularmente
interessante quando os desenvolvedores atuam de modo relativamente
independente dos usuários finais. Nesse contexto, aquilo que é idealizado
não raro é dissonante da forma como é percebida pelos usuários finais. Uma
vez que tal modelo pressupõe um mecanismo cíclico de desenvolvimento,
aplicação e reformulação, os conflitos entre esses dois extremos permitem
reformulações e refinamentos sucessivos até que o resultado final seja
considerado satisfatório.

107
Sendo o desenvolvimento um processo tipicamente longo e laborioso, é
fundamental que se estabeleça um calendário de atividades a ser seguido, o
que permite adequar os tempos de modelagem e prototipagem às janelas de
teste e avaliação.

7 Criando modelos 3D

Antes de iniciar o processo de modelagem, é interessante a sistematização


e análise daquilo que as cenas a serem representadas devem conter. Uma
ferramenta interessante da qual se pode lançar mão são os storyboards,
que consistem em gráficos e textos bidimensionais que procuram mostrar
as composições, ações e posicionamento dos elementos que o aplicativo
final deve conter. Amplamente utilizados em trabalhos artísticos, também
possuem relevância no desenvolvimento de programas, na educação, teatro,
animações, novelas e quadrinhos, dentre outros (BAIK et al., 2015). Criar
storyboards permite identificar falhas conceituais e de desenho instrucional
em um estágio inicial de desenvolvimento, possibilitando sua correção.

Uma vez criado o storyboard, passamos à criação dos modelos 3D virtuais


que podem ser gerados de modo automático (como é o caso das nuvens de
pontos geradas por scanners 3D), semiautomático (que combina elementos
automáticos e autorais), bem como por processos manuais, como a
modelagem de polígonos dentro de programas de computação gráfica (CG).
Derakhshani (2009) descreve as etapas de modelagem por polígonos no
programa Maya, um dos mais difundidos na criação de imagens e animações
3D. Esse tipo de modelagem parte de formas primitivas, como planos, esferas,
quadrados, cones, e cilindros e efetua modificações graduais, adicionando e
modificando vértices até que se atinja o resultado esperado. A finalização
envolve a aplicação de texturas e, conforme o caso, iluminação e animação.

Um método automático que tem ganhado destaque com a difusão de


sistemas de posicionamento global (GPS, na sigla em inglês) é a criação de
modelos a partir do levantamento topográfico de terrenos por veículo aéreo
não tripulado (VANT). As fases incluem: (a) planejamento e configuração do
voo; (b) execução dos voos e obtenção de imagens; (c) ortorretificação e
mosaico; (d) obtenção de modelo digital do terreno; e (e) edição e adequação
do modelo.
108
Embora métodos automáticos forneçam uma boa base para a criação dos
modelos a serem utilizados, os modelos gerados costumam ser muito
complexos não apenas do ponto de vista das informações apresentadas
aos usuários finais, como do ponto de vista do processamento por meio
de RA. Outro ponto relevante é o reduzido controle que se tem sobre o
resultado final quando considerados os conceitos a serem evidenciados e o
contexto pedagógico ao qual se destinam. Por esse motivo, costuma ser dada
preferência a métodos semiautomáticos ou à modelagem tradicional.

8 Integrando os modelos a um sistema de RA

Uma vez criados os modelos, procedemos à sua implementação dentro de um


sistema de RA. Isso pode ser feito em diversos níveis, a seguir apresentados
(WANG et al., 2013): nível 0, no qual a RA serve como um hiperlink simples do
mundo físico para o mundo virtual, sem renderização em tempo real; nível
1, referente à RA com uso de marcadores, consistindo em imagens 2D que
permitem o registro e rastreamento; nível 2, ou RA sem marcadores, que
independem de marcadores para essa função; e, por último, o nível 3, ou
visão aumentada, ainda em desenvolvimento. O maior obstáculo à criação
de sistemas de RA efetivos é o requisito de se ter sensores e marcadores
acurados e de longo alcance para que o registro e o posicionamento dos
objetos virtuais no ambiente real ocorram de modo efetivo.

Outras dificuldades, conforme exposto por Billinghurst et al. (2014), estão


associadas à utilização de head-mounted displays (HMDs) tradicionais com
RA, dentre elas: fator social, peso e conexões de cabos e sistemas adicionais
de rastreamento. Os celulares smartphones mais atuais, por outro lado,
além de maior mobilidade em razão da ausência de cabos e baixo peso, e
de permitirem utilizar a mesma tela para display e input, estão amplamente
disponíveis entre os usuários, possuem boa qualidade de imagem, CPUs e
processadores gráficos rápidos, conexões para rede, câmera integrada, GPS
e sensores diversos. Apesar disso, há ainda pouca orientação para o design
da interface de usuário em aplicações para celulares e sistemas manuseáveis
de RA (SMRA) em geral. Tendo essa situação em conta, os autores fizeram
uma revisão da literatura e propuseram como diretrizes: (1) fornecer uma
visão de RA desobstruída, para que seja possível aos objetos virtuais serem
109
posicionados no mundo real, mostrado preferencialmente em tempo real; (2)
mostrar a acurácia do sensor de entrada, indicando ao usuário o fator de
sua correspondência; (3) combinar os requisitos de interface com ergonomia
do dispositivo e a tarefa em mãos, o que facilita a usabilidade; (4) usar
movimentação natural do dispositivo como um mecanismo de entrada, uma
vez que facilmente manipulável para fornecer vistas alternativas da cena; (5)
combinar a visão em RA e a fora dela de modo apropriado, a exemplo da
colocação de textos 2D nos objetos reais, sem necessidade de marcadores;
(6) utilizar entradas de informação simples, uma vez que o dispositivo
será movimentado; e (7) minimizar atrasos da aplicação, facilitando o
processamento para performance em tempo real.

9 Definindo o modo de interação

As representações geradas podem ser apresentadas de modo acabado, ou


seja, sem que seja possível realizar alterações nos objetos representados
(como é o caso de um modelo estático ou animado com ações predefinidas), ou
podem-se adicionar mecanismos por meio dos quais os objetos apresentem
mudanças de comportamento com base nas ações do indivíduo, permitindo
maior interatividade.

Este último aspecto tem sido apontado como um dos mais relevantes,
conforme levantamento feito com especialistas, para que visualizações em
RA possam alcançar seus objetivos pedagógicos em ciências. É bastante
desejável que seja possível alterar aquilo que se está vendo em oposição à
limitação de controle apenas do ângulo e distância de visão do objeto, como
ocorre no caso das animações simples (NIELSEN; BRANDT; SWENSEN, 2016).

Um exemplo de utilização desse recurso pode ser observado em um estudo


feito por Andújar, Mejías e Antonio (2011), no qual foram utilizados câmeras
e circuitos eletrônicos em um laboratório físico para utilização a distância
em RA com alunos universitários. À medida que componentes virtuais eram
adicionados a uma placa de circuitos real, um modelo virtual de distribuição
de fluidos alterava sua função.

Outro exemplo é o estudo realizado por Ibáñez et al. (2014), que utilizou tablets
e marcadores em objetos de papelão em formato de imãs e baterias que
110
exibiam fenômenos eletromagnéticos diferentes, a depender da configuração
de seus posicionamentos.

10 Considerações finais

Apresentamos aqui, em linhas gerais, um guia para a criação de


visualizações em RA para o ensino de ciências. Descrevemos as seguintes
etapas: conhecimento do público-alvo; delimitação do tema; definição de
conteúdos e objetivos; eleição de uma teoria pedagógica norteadora; escolha
do método de desenvolvimento; criação dos modelos 3D, sua integração a
sistemas de RA e a definição de modos de interação com eles.

Embora cada uma dessas etapas seja relevante e o sucesso do aplicativo


como um todo dependa da apropriada associação entre elas, chamamos
a atenção para a relevância da primeira. É a partir do conhecimento dos
sujeitos e suas realidades que todo o processo se desenrola, não devendo
os desenvolvedores se furtarem a esta análise. Os educadores, por sua vez,
devem estar inseridos no processo de desenvolvimento, se não atuando de
forma direta, participando de modo ativo nas etapas de desenvolvimento, uma
vez que detentores do conhecimento do tema, do quotidiano dos processos
de ensino-aprendizagem, bem como de suas principais dificuldades.

111
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114
Docência no ambiente virtual
Gilberto Lacerda Santos
Professor Titular da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília

Resumo
A migração da sala de aula convencional para a sala de aula virtual constitui
um desafio didático dos mais complexos, sobretudo nesse momento, em que
políticas públicas de grande envergadura veem na educação a distância uma
solução rápida para problemas complexos, como o dos professores leigos,
o da oferta de educação superior para todos, o da ressignificação da escola
frente ao avanço e a popularização das novas tecnologias de informação,
comunicação e expressão (NTICE). Tal migração consiste em uma mudança
significativa de cultura na gestão das relações educativas. Esse tema da
migração da sala de aula convencional para a sala de aula virtual pode ser
abordado sob diferentes óticas. Nesse texto, relatamos os resultados de
uma pesquisa longitudinal, transformada em livro intitulado Virtualizando
a escola: Migrações docentes rumo à sala de aula virtual (LACERDA SANTOS;
ANDRADE, 2010), no contexto da qual procuramos responder às seguintes
questões: Que novos formatos para a sala de aula virtual? Que estratégias
pedagógicas podem nortear o trabalho docente na sala de aula virtual? Que
materiais didáticos inovadores são condizentes com o trabalho docente na
sala de aula virtual? Que novos papéis docentes na sala de aula virtual? Este
texto, essencialmente decorrente dos trabalhos de Lacerda Santos e Andrade
(2010) e com parte já publicada em edição da Universidade Federal de Mato
Grosso do Sul, consiste no relato de uma investigação que contou com o
apoio do CNPq, da Fenadesp e da FAPDF, das instituições de ensino superior
nas quais as investigações foram realizadas (UnB, Unopar) e dos professores
e tutores que foram alvo de nossas inquietações acadêmicas e que nos
forneceram dados para análise (da Faculdade de Educação da Universidade
de Brasília, da Secretaria de Educação do Distrito Federal, do Instituto Federal
Baiano, da Secretaria de Educação do Acre, da Universidade Norte do Paraná).

115
1 Um breve quadro teórico sobre a sala de aula virtual

Pierre Lévy (1995), em seu visionário livro O que é o Virtual, tece as seguintes
considerações acerca do conceito de ciberespaço, definido como o ambiente
da virtualidade:

No limite, só há hoje um único computador, um único suporte para texto,


mas tornou-se impossível traçar seus limites, fixar seu contorno. É um
computador cujo centro está em toda parte e a circunferência em nenhuma,
um computador hipertextual, disperso, vivo, pululante, inacabado, virtual,
um computador de Babel: o próprio ciberespaço. […] No ciberespaço, como
qualquer ponto é diretamente acessável a partir de qualquer outro, será
cada vez maior a tendência a substituir as cópias de documentos por ligações
hipertextuais: no limite, basta que o texto exista fisicamente uma única vez na
memória de um computador conectado à rede para que ele faça parte, graças
a um conjunto de vínculos, de milhares ou mesmo de milhões de percursos
ou de estruturas semânticas diferentes. […] (LÉVY, 1995, p. 26).

No contexto dessas conjecturas, o autor avança a ideia de que o virtual


não é o oposto do real, como se tende a crer. Há, ao contrário, toda uma
realidade concreta nas interações e ações realizadas no ciberespaço,
nesse ambiente imaterial constituído por informações de toda natureza,
interligadas e intercomunicantes, suscetíveis de modificarem a própria
estrutura do pensamento humano. Apesar de sua concretude inquestionável,
o ciberespaço, ou o espaço virtual, é o ambiente imaterial constituído pelos
milhões de pessoas – e não de computadores – de todo o mundo, interligados
em rede por meio da Internet. E é nesse espaço que novas manifestações
societárias acontecem e evoluem. O primeiro pesquisador a utilizar o termo
ciberespaço para designar o meio virtual foi Willian Gibson (1991) que, no
início dos anos 1990, já anunciava que o espaço virtual estava em vias de
globalização e já constituía um espaço social de trânsito inevitável para
milhões de pessoas. Desde então, muitos outros autores têm se dedicado a
desbravar e a entender o meio virtual, como o próprio Lévy (1993, 1995), para
quem o virtual é um meio onde será possível se consolidar a tecnodemocracia,
ou seja, uma nova formação política, na qual a tecnologia da eletrônica
tornará viável o desenvolvimento de comunidades inteligentes capazes de
se autogerir. Lemos (1998), para quem a exploração do ciberespaço é uma
forma de contracultura e a Internet, em breve, será percebida como uma
116
infraestrutura banal, como as redes de água, luz ou telefone; Castells (1999),
que aponta o meio virtual como ferramenta indispensável para a implantação
efetiva dos processos de reestruturação socioeconômica e para a formação
de redes como modo dinâmico e autoexpansível de organização da atividade
humana; Negroponte (1995), que já previa, nos anos 1990, que a comunidade
de usuários da Internet ocuparia o centro da vida cotidiana e que sua
demografia ficaria cada vez mais parecida com a do próprio mundo.

No campo da educação, as repercussões da emergência desse mundo


virtual, proveniente das redes globais de computadores, são bastante óbvias,
sobretudo se considerarmos que o principal papel da educação reside na
preparação do indivíduo para, autonomamente, saber buscar informações e
transformá-las nos conhecimentos de que ele necessita, no momento em que
ele deles necessita, da forma mais criativa possível.

Nessa perspectiva, a escola tradicional, de funcionamento linear, alicerçada


em materiais didáticos estáticos e centrada na ação e no conhecimento do
professor, não subsiste mais incólume. Face ao movimento avassalador que
ocorre na sociedade como um todo, há um amplo mal-estar instaurado no
ambiente escolar, cujas dinâmicas de ensino e aprendizagem não integram
princípios fundamentais da sociedade da informação, tais como a autonomia,
a independência na busca de conhecimentos, a capacidade de autoformação,
o pensamento hipertextual, a criatividade, entre outros, que demandam
um modo de funcionamento rizonômico, alicerçado em materiais didáticos
dinâmicos e centrado na ação e no conhecimento de todos os atores da
relação educativa e, sobretudo, na responsabilização do aluno pelo seu próprio
processo de construção de saberes. Dentre muitos e muitos pesquisadores,
a compreensão dos meandros das relações educativas no mundo virtual é
objeto de pesquisa de autores, como Hillz (1995), que foca sua atenção nas
novas possibilidades de aprendizagem colaborativa em rede; Moore (1993),
que, no campo da educação a não presencial, propõe a teoria da distância
transacional; Harasim et al. (2005), que buscam revelar como as tecnologias
de comunicação, mediadas por computador – correio eletrônico, bulletin
boards, sistemas de conferência e internet – podem ser utilizadas no ensino
fundamental, médio, universitário e em educação de adultos; Peters (2006)
que procura estabelecer as bases de uma didática do ensino virtual; Palloff e
Pratt (2005), que têm como objeto de investigação as relações estabelecidas

117
entre alunos e conhecimentos em dinâmicas de educação mediadas por
tecnologias. No cenário acadêmico brasileiro, podemos citar nomes, como
Kenski (2003), que se dedica a discutir os suportes tecnológicos e as ações
docentes em situação de educação a distância; Silva (2000), que busca situar
o hipertexto e as tecnologias digitais na nova sala de aula; Barreto (2002),
que se preocupa com a formação de professores para atuar na sala de aula
virtual; Oliveira (2003), que discute justamente a mudança paradigmática na
educação decorrente da influência das tecnologias digitais; Belloni (2005), que
introduz e debate o conceito de mídia-educação; Pretto (1996), que discute
o futuro da escola na sociedade da informação; Dias (2007), que aponta as
possibilidades educativas múltiplas e inovadoras do hipertexto; Moraes
(2003), que defende a exploração educativa do ciberespaço por meio de
uma pedagogia libertadora. De nossa parte, também nos associamos a esses
pesquisadores e defendemos a adoção de um novo modo de formação de
professores (F2) em oposição aos modos tradicionais de formação docente
(F1), como caminho crucial de se preparar novas gerações de profissionais da
educação para atuarem adequadamente no contexto da escola da sociedade
digital emergente (LACERDA SANTOS, 2005).

De modo geral, os trabalhos desses pesquisadores, tanto os estrangeiros


quanto os brasileiros, lançam luzes sobre as importantes questões da
mudança de dinâmica da escola no meio digital, dos novos papéis de alunos
e de professores nas relações educativas virtuais, da organização do trabalho
pedagógico em tais situações. Também, enfatizam o surgimento de novos
paradigmas, necessários para que haja uma aproximação maior entre o
que se passa na escola e o que se passa fora dela. Sobretudo, os autores
indicam que há muito mais perguntas do que respostas e que estamos no
meio de um processo de crise paradigmática, como avaliaria Thomas Kuhn
(1970), no qual alunos e professores esbarram na mesma fronteira: a da
exploração pertinente e significativa das NTICE. As pistas de pesquisa que
emergem deste bastante resumido quadro teórico são inquestionavelmente
importantes, sobretudo, quando se têm em mente informações há pouco
divulgadas, decorrentes de investigações acadêmicas, relatando que, ao
longo dos últimos anos, não se tem alcançado resultados significativos com
o uso de tecnologias na escola, que o computador e a Internet na sala de
aula não têm melhorado nem a qualidade do ensino, nem os processos de
aprendizagem, que a informática na educação é mais um problema do que

118
uma solução (CASTRO, W., 2008; DWYER et al., 2007). Tais resultados, ao invés
de apontarem para trás, para um retrocesso, apontam para frente, para a
necessidade do avanço; eles evidenciam a crise paradigmática instaurada
na escola e a necessidade de se inventar uma nova escola, profundamente
articulada com as tecnologias, linguagens, estratégias e possibilidades de
informação, comunicação e expressão que, inelutavelmente, caracterizam
a sociedade que acolhe a escola, que não pode permanecer como se fora
um peixe em um aquário, protegido da água por uma bolha de plástico:
debatendo-se sem possibilidades de renovação do ar.

Considerando o exposto, passamos a detalhar as quatro questões de pesquisa


que delimitaram a investigação realizada.

Questão 1: Que novos formatos para a sala de aula virtual?

Interrogar-se a respeito da formatação da sala de aula virtual corresponde a


uma das dimensões mais contundentes dessa virada paradigmática. Como
professores, necessitamos entender de que modo as NTICE afetam nosso
trabalho e nos oferecem novas possibilidades de intervenção didática, menos
hierarquizadas, com menos foco no professor, baseadas em uma dinâmica
de aprendizagem com ênfase no grupo, na rede de interações que pode ser
estabelecida e na construção coletiva de saberes. Explorando a principal
característica das redes digitais, verifica-se que o formato de comunidades
de aprendizagem em rede, nas quais alunos e professores interagem
“rizonomicamente”, é o que mais tem logrado sucesso nas experiências
de educação on-line. A investigação de Pieroni (2004) examina o modo de
funcionamento de comunidades de aprendizagem em rede corporativa
e revela o quanto a sala de aula virtual pode ser abrangente, inclusiva,
romper fronteiras e, efetivamente, reelaborar conhecimentos e promover
aprendizagens individuais efetivas a partir de processos cognitivos coletivos.
Por outro lado, Fonseca (2005) conseguiu mostrar que a natureza dinâmica
da Internet requer conteúdos dinâmicos e relações educativas igualmente
dinâmicas, que evoluem de acordo com o avanço dos conhecimentos, com o
nível cognitivo dos atores e com as possibilidades tecnológicas disponibilizadas.
Esse formato de comunidade de aprendizagem em rede, com foco na
dinamicidade dos conteúdos e processos, encontra excelente espaço de
119
viabilização nos ambientes virtuais de aprendizagem (AVA). De fato, nos AVAs
a sala de aula virtual é pré-formatada, gira em torno de atividades síncronas
e assíncronas as mais diversas, explora diferentes canais de comunicação
(chats, fóruns, listas, etc.) e permite que todos os intervenientes atuem sobre
o conteúdo. É o que demonstraram Minholi (2007) e Fernandes (2007) em
seus trabalhos de investigação sobre, respectivamente, o uso do AVA Moodle
em educação a distância e o estabelecimento de redes de aprendizagem
colaborativa. Assim sendo, essas quatro dissertações apontam a comunidade
de aprendizagem em rede como um excelente formato a ser explorado na
instauração da sala de aula virtual. Para tanto, é importante considerar sua
capacidade de agregar dinâmica e qualitativamente os atores da relação
educativa, de fornecer continuamente interatividade e retroação, de diminuir
a distância transacional, de permitir acompanhamento avaliativo tanto
formativo quanto somativo, de manter a memória das interações, de agregar
diferentes linguagens tecnológicas e de servir a situações de intermitência
entre ensino presencial e ensino não presencial. É igualmente importante
considerar sua maleabilidade no que se refere ao trabalho docente, o que
permite a adoção de múltiplas estratégias pedagógicas, tema do próximo
conjunto de dissertações.

Questão 2: Que estratégias pedagógicas podem nortear o trabalho docente


na sala de aula virtual?

Há duas dificuldades em se identificar estratégias pedagógicas condizentes


com a natureza do ambiente educativo proporcionado pela sala de aula
virtual. Por um lado, há a maleabilidade do próprio meio virtual, em que
as tecnologias são meras ferramentas inertes cujo desempenho depende
da ação do professor. Por outro lado, há a natureza do próprio trabalho
pedagógico em um ambiente qualitativamente diferente por ser virtual,
interativo, hipertextual e dinâmico. Na busca de estratégias pedagógicas
capazes de superar essas dificuldades e de valorizar o aluno em seu processo
de aprendizagem e o professor em seu processo de ensino, Castro F. (2008)
investiu na pedagogia de projetos como estratégia adequada para nortear
o trabalho docente na sala de aula virtual. A pesquisadora constatou que
esta estratégia proporciona aos sujeitos envolvidos na relação educativa

120
não presencial interações condizentes com as características desse novo
ambiente, que exploram a multiplicidade de linguagens, a horizontalidade
nas interações, a diferença de ritmos de aprendizagem e de estilos cognitivos.
A investigação apontou, também, que a pedagogia de projetos resgata o
interesse dos alunos pela escola, pela aprendizagem e pela construção
de conhecimentos, possibilitando o desenvolvimento da autonomia, da
criticidade e da autoconfiança. Souza (2007) avançou na mesma direção,
enfatizando, todavia, a criatividade. A pesquisadora investigou o uso
pedagógico do computador como vetor das habilidades do comportamento
criativo em crianças que estão no ensino fundamental em situação de
aprendizagem mediada por computadores, por meio da pedagogia de
projetos. Os resultados positivos alcançados reforçaram o potencial didático
da pedagogia de projetos para uso na sala de aula virtual. Sempre na busca
de respostas para a questão de pesquisa em foco, orientamos a dissertação
de Inuzuka (2008), que investigou o uso do Wiki como vetor constitutivo de
relações educativas na sala de aula virtual. Sendo o Wiki um dispositivo que
permite a edição coletiva de documentos em ambientes de desenvolvimento
colaborativo na Internet, a investigação girou em torno de um estudo de caso
em que estudantes de Pedagogia da Faculdade de Educação da Universidade
de Brasília foram envolvidos em uma atividade didática colaborativa em rede.
A sala de aula virtual os tinha como alunos e o pesquisador como professor.
As observações então realizadas reforçaram o poder da colaboração e da
interatividade como fatores educativos incontornáveis no meio virtual. A
partir de tais investigações, não é possível indicar uma estratégia pedagógica,
em particular, para delimitar o trabalho pedagógico na sala de aula virtual,
mas é possível apontar a colaboração, a horizontalização e a interatividade
como premissas básicas de qualquer estratégia que venha a ser empregada.
Efetivamente, a sala de aula virtual, por não contar com seus atores em
situação de presença física e tendo à sua disposição as possibilidades
de uma comunidade de aprendizagem em rede, responsabiliza cada um
por sua própria participação produtiva na relação educativa, o que os faz
colaborar para progredir e atingir plenamente os objetivos de aprendizagem;
compartilhar a tarefa de ensinar o papel docente; e interagir, do modo mais
amplo possível, para construir conhecimentos e usufruir dos materiais
didáticos disponibilizados. Aliás, é importante sinalizar que há uma conexão
cervical entre as estratégias de aprendizagem e os materiais didáticos
empregados em relações educativas virtuais. Foi justamente pensando
121
nessa conexão entre estratégias pedagógicas e materiais didáticos que as
dissertações comentadas a seguir foram desenvolvidas.

Questão 3: Que materiais didáticos inovadores são condizentes com o


trabalho docente na sala de aula virtual?

Tanto quanto as estratégias pedagógicas, os materiais didáticos têm


um papel fundamental na consolidação da sala de aula virtual. É muito
comum vermos situações de ensino-aprendizagem inovadoras, calcadas na
virtualidade, empregando materiais didáticos tradicionais, o que desvirtua,
sem trocadilhos, as relações educativas almejadas – ou alardeadas. O
desenvolvimento de materiais didáticos para a sala de aula virtual – objetos
de aprendizagem, conteúdos digitais, hiperdocumentos, sites educativos,
blogs, etc. –, constitui, portanto, uma necessidade fundamental para subsidiar
o trabalho docente em situações de exploração pedagógica das NTICE.
Apesar de seu amplo reconhecimento, essa necessidade não tem encontrado
respaldo nos cursos de formação de profissionais da educação que,
desprovidos de competências relacionadas com o desenvolvimento desses
materiais didáticos, tornam-se usuários passivos dos meios tecnológicos. De
fato, por falta de formação adequada, os professores distanciam-se de uma
atuação mais empreendedora nesse campo e não se envolvem na concepção
de seus próprios materiais didáticos, deixando essa tarefa para profissionais
de outras áreas que, por sua vez, não têm o conhecimento e a prática
requeridos acerca do fenômeno educativo. Certamente, temos nesse cenário
um dos problemas que mais dificultam a exploração das tecnologias digitais
na escola, que inviabilizam a implantação da sala de aula virtual, tal qual
preconizada pelos teóricos da área, e que produzem resultados negativos ou
pífios quando se avalia a aprendizagem decorrente de situações de ensino
baseadas nessas tecnologias. A área do desenvolvimento de materiais
didáticos para a sala de aula virtual é bastante ampla e plena de possibilidades
não exploradas, permanentemente enriquecida pelos avanços tecnológicos
quase cotidianos. As dissertações de Ramos (2004), que aborda o processo
de transposição de textos em hipertextos; de Amorim (2007), que aborda
o uso da Internet como material didático; e de Lacerda (2007), que propõe
uma abordagem para o desenvolvimento de softwares educativos, apenas

122
percorrem perpendicularmente este campo totalmente em aberto para
profissionais da educação e indicam pistas de pesquisa e de desenvolvimento
que precisam ser consideradas. O trabalho de Ramos (2004) responde a uma
grande demanda da área: como transformar, modificar, adaptar materiais
didáticos e conteúdos tradicionais para uso na sala de aula virtual. A partir de
um texto paradidático de apoio ao ensino da geometria plana, o pesquisador
desenvolve e propõe um método para se construir um hipertexto educativo,
mantendo a mesma matriz didática e a intencionalidade original do autor,
agregando, todavia, diversas possibilidades de interatividade, leitura não linear,
percursos alternativos e links enriquecedores. Ramos (2004) demonstra, por
meio de sua investigação, que há uma distância enorme entre a dinâmica dos
materiais didáticos estáticos e a dos materiais didáticos dinâmicos, requeridos
pela sala de aula virtual. Demonstra também que somente é possível ir em
direção destes últimos a partir de um conhecimento amplo do conceito de
interatividade e da percepção da relação educativa aberta proposta pelo meio
virtual como uma situação de liberdade, de criatividade, de autonomia e de
recriação cognitiva permanente.

Esses mesmos princípios podem ser encontrados nas entrelinhas dos


resultados alcançados por Amorim (2007), em seu trabalho sobre o uso da
Internet como material didático, mais especificamente, como dispositivo de
ensino da Geografia, acolhendo um museu virtual. Esse trabalho corrobora
a ideia de que o formato e a natureza da sala de aula virtual demandam
materiais didáticos autoatualizáveis, que miram na capacidade de o aluno
transitar mais livremente entre sua própria cognição, as trilhas propostas pelo
material didático e a intencionalidade didática do professor. Trata-se de uma
situação de grande complexidade – é necessário enfatizá-lo – que acentua o
papel do docente em sua tarefa de atribuir significados, estabelecer sentidos e,
dentro do espaço rizonômico da sala de aula virtual, promover a realização de
objetivos de aprendizagem. Para tanto, é necessário que esse material didático
digital seja desenvolvido de acordo com princípios, critérios e procedimentos
distintos daqueles empregados no desenvolvimento de materiais didáticos
convencionais. É justamente isto o que preconiza a investigação realizada
por Lacerda (2007), que propõe uma abordagem específica para a análise de
requisitos quando do desenvolvimento de softwares educativos. O modelo
de análise de requisitos proposto pelo pesquisador, denominado helicoidal,
evidencia a necessidade de se considerar não apenas as características do

123
público-alvo do objeto de aprendizagem, mas também o contexto da relação
educativa que o empregará, bem como a natureza do conteúdo pedagógico
a ser proposto aos alunos. Esse conjunto de investigações, a despeito de
indicar princípios e critérios para o desenvolvimento de materiais didáticos
condizentes com o trabalho docente na sala de aula virtual, também enfatiza
o quanto se torna complexa a atuação do professor nesse ambiente. Assim
sendo, apesar da excessiva recorrência desse tema entre os pesquisadores
da área, o que conduz a certa fadiga epistemológica no campo, voltamos a
acolher propostas de investigação em torno dos novos papéis docentes em
situações de ensino alicerçadas em NTICE, objeto da quarta e última questão
de nossa investigação de síntese.

Questão 4: Que novos papéis docentes na sala de aula virtual?

As relações educativas no meio virtual acontecem de modo estruturalmente


similar àquelas que ocorrem na sala de aula tradicional: envolvem interações
epistemológicas formais entre alunos, professores e saberes, são definidas
por objetivos de aprendizagem claramente estabelecidos, pela exploração
de materiais didáticos especialmente escolhidos ou desenvolvidos e pelo
emprego de estratégias pedagógicas que o professor julga adequadas para
promover a construção de conhecimentos junto aos alunos. No entanto, as
relações educativas virtuais são conjunturalmente diferentes, tendo em vista
sua cartografia rizomática, sua ecologia interativa, polifônica e polissêmica e
sua pedagogia da colaboração, promotora de uma inteligência coletiva (LÉVY,
1993). Assim, a dinâmica preconizada para a sala de aula virtual tem como
um de seus princípios básicos uma reconceituação do sujeito em processo
de aprendizagem, decididamente entendido não mais como consumidor
de conteúdos prontos, mas como coautor e coprodutor dos mesmos, o que
implica, necessariamente, a emergência de novos papéis docentes (MACIEL,
2007). Procurando avançar no estudo e na compreensão desses novos
papéis do professor na sala de aula virtual, orientamos o desenvolvimento
de três dissertações sobre duas situações educativas virtuais diferentes: a
videoconferência (SENA, 2004) e o ensino pela Internet (MALVESTITI, 2004;
ANDRADE, 2007). A pesquisa realizada por Sena (2004), que teve outros
objetivos centrais, mostrou que se a atuação do professor já privilegia o diálogo,

124
a flexibilidade, a interação e a motivação constante dos alunos, estamos
diante de um professor com credenciais de sucesso em qualquer ambiente
educativo, incluindo o virtual. Entretanto, se ele privilegia a aula expositiva
onde somente ele fala e os alunos escutam, está fadado a uma situação
insustentável para a sala de aula virtual. Já os trabalhos de Malvestiti (2004) e
de Andrade (2007) foram diretamente focados na mediação pedagógica em
situação de educação não presencial e tiveram como âncora a ação tutorial.
A primeira pesquisadora consultou 35 tutores de um curso virtual acerca
dos requisitos para ser um bom tutor. Ela obteve 22 indicações, dentre as
quais a capacidade de autoaprendizagem, a constância da presença virtual,
a persistência, o conhecimento do conteúdo e das ferramentas digitais e a
sensibilidade para perceber as necessidades dos alunos, o que é fundamental
no combate da distância transacional. Por sua vez, Andrade (2007) constata
que em processos educativos a distância, os instrumentos de comunicação
se transformam em instrumentos simbólicos de mediação, por intermédio
dos quais o sujeito constrói seu raciocínio, dinamiza múltiplas habilidades
e potencializa suas linguagens. O exercício da mediação pedagógica em tal
contexto demanda um tutor ou professor capaz de potencializar a autonomia,
a motivação para aprender e as singularidades de um processo que se
constrói pela interatividade do grupo. Em consequência, os novos papéis
docentes na sala de aula virtual são, sobretudo, aqueles relacionados com
a gestão de situações educativas virtuais, descentralizadas, geograficamente
dispersas, sem a perda dos fios condutores que devem conduzir os alunos
à conclusão das interações e à realização dos objetivos de aprendizagem
previstos, fazendo com que se sintam conectados e em permanente atividade
de trabalho.

Os percursos investigativos realizados por estes treze pesquisadores


apontam elementos de resposta concretos para as questões de pesquisa
formuladas, respostas estas que nos colocam diante de uma última
indagação, que concluiu a abordagem do tema proposto neste texto: que
paradigmas devem ser rompidos para que possamos avançar rumo à sala
de aula virtual? Evidentemente, trata-se de uma questão cujo tratamento
pode ser muito mais amplo do que aquele exposto neste relato. Todavia,
nossa contribuição reside na afirmação, na reafirmação ou na confirmação
de um conjunto de elementos definidores da sala de aula virtual, que podem
fazer dela o cenário de uma experiência didática única, prazerosa, efetiva,

125
eficaz e totalmente condizente com a dinâmica da Sociedade da Informação.
Tais elementos definidores, dada sua natureza revolucionária, indicam
a própria engrenagem do processo de rompimento paradigmático aqui
discutido. São eles: os conceitos de comunidade de aprendizagem em rede;
de trabalho colaborativo virtual; de horizontalização da relação educativa;
de materiais didáticos dinâmicos e de mediação pedagógica fundamentada
na interatividade. A adoção desses conceitos impõe uma nova dinâmica
para a relação educativa virtual, distanciada de procedimentos tradicionais
já inoperantes na educação tradicional e de caminhos de massificação da
formação e de determinismo tecnológico. Afinal, o virtual de que tratamos
aqui não é um espaço de abstração, mas de concretude para amparar o
trabalho docente a partir deste conjunto de elementos definidores. O que
está em jogo é a redefinição do espaço educativo. Para tanto, a sala de aula
virtual deve potencializar trocas entre seus atores, de modo que eles possam
ocupar todos os espaços de cognição propostos pelas NTICE e colocar em
sinergia os elementos definidores citados, na medida em que é claro que
a mera inclusão de tecnologias na educação não poderá gerar e sustentar
processos de inteligência coletiva.

2 Discussão e conclusões

As investigações relatadas nos remetem à problemática da adequação ou


invenção de métodos e técnicas, de abordagens didáticas e de representações
individuais e coletivas acerca da gestão de relações educativas no meio virtual,
total ou parcialmente caracterizadas pela ausência física, no mesmo espaço
físico, de professores, tutores e alunos. Sem absolutamente exaurir o tema,
foram evidenciados diversos aspectos didáticos subjacentes ao fenômeno de
migração da sala de aula presencial para a sala de aula virtual, a partir das
questões de pesquisa que nortearam o trabalho.

Em relação aos novos papéis docentes na sala de aula virtual, a problemática


deve ser situada em torno de um novo ator a ser considerado na relação
educativa: o tutor; e de sua atuação de mediador, de elemento intermediário
entre o professor e o conteúdo, entre os alunos e o conteúdo, entre o professor
e o aluno. Na verdade, o que fica claro é que a migração para o ambiente
virtual, sobretudo, quando se pensa no atendimento a grandes contingentes
126
de alunos, faz com que a função docente fique sob a responsabilidade
compartilhada de dois docentes: o professor, que é responsável pela
formatação da sala de aula virtual, pelo conteúdo a ser disponibilizado e pela
definição dos objetivos de aprendizagem a serem atingidos; e o tutor, que
é responsável pela condução da relação educativa propriamente dita, pela
regência da classe virtual, pelo contato direto com os alunos. É claro que há
três tipos principais de salas de aula virtuais onde esses papéis podem ser
customizados ou modificados, a depender do formato adotado:

1. Salas de aula virtuais predefinidas em ambientes virtuais de prendizagem


não customizáveis ou sob o formato de softwares livres, como o Moodle, nas
quais os papéis de professores e tutores são, de modo geral, padronizados;

2. Salas de aula virtuais modeladas e construídas de acordo com necessidades


específicas, o que normalmente acontece em ambientes virtuais de
aprendizagem encomendados, nas quais os papéis de professores e tutores
podem ser amplamente modelados;

3. Salas de aula virtuais totalmente livres, desconectadas de ambientes


virtuais de aprendizagem e que exploram recursos disponíveis na Internet,
como redes sociais, fóruns de discussão, chats, listas etc., nas quais compete
aos próprios gestores da relação educativa organizar e delimitar os papéis de
professores e tutores.

Qualquer que seja a configuração dos papéis dos tutores – profissionais


docentes ainda sem identidade própria, posto que, no fim das contas,
eles atuam como professores, no sentido comumente entendido desse
conceito –, a mediação é o termo que define sua atuação na sala de aula
virtual. Aí também temos um amplo cenário de possibilidades, como a
exploração de diferentes canais de comunicação, de redes de aprendizagem
colaborativa, de materiais didáticos especialmente concebidos para essa
nova situação didática, de mecanismos e estratégias de otimização de seu
papel, como a Teoria da Modificabilidade Cognitiva Estrutural e a Experiência
de Aprendizagem Mediada e a Teoria do Registro Reflexivo. Sobretudo,
acreditamos que os papéis do tutor podem se resumidos em torno de sua
capacidade de agregar dinâmica e qualitativamente os atores da relação

127
educativa (professores, alunos, tutores, conteúdo), de fornecer continuamente
interatividade e retroação, de diminuir a distância transacional, de permitir
acompanhamento avaliativo tanto formativo quanto somativo, de manter
a memória das interações, de agregar diferentes linguagens tecnológicas e,
quando for o caso, proporcionar, de forma adequada, a intermitência entre
ensino presencial e ensino não presencial. O diagrama a seguir resume os
papéis dos tutores na condução de salas de aula virtuais:

Figura 1 – Papéis de tutores em salas de aula virtuais

Referente aos materiais didáticos inovadores para dar suporte ao


funcionamento da sala de aula virtual, e sem querer incorrer no lugar comum
do “receituário”, é importante considerar a extraordinária possibilidade da
customização, da criação e do emprego de materiais didáticos dinâmicos,
adaptados às necessidades do público-alvo e dos conteúdos pedagógicos
aos quais devem servir de suporte. Este é, certamente, um grande avanço
decorrente da emergência e do consumo das novas tecnologias que nos dão
acesso a formas inéditas de informação, de comunicação e de livre expressão.
A Internet, aqui concebida como uma rede mundial de pessoas manipulando
variados dispositivos de colaboração, de criação de conteúdos e de acesso
a dados e informações, dita o passo dos materiais didáticos para a sala de
aula virtual, que não podem mais ficar aprisionados em conceitos fechados,
estáticos e imutáveis, mas que devem se aproximar mais e mais da natureza
mutável, dinâmica e evolutiva do próprio conhecimento. Decorre daí, como
128
ressaltam as investigações relatadas, a necessidade de se repensar a didática,
de se restabelecer as relações entre conteúdo/forma, intervenção cognitiva
e processo de aprendizagem, a importância estratégica de se considerar
princípios ergonômicos condizentes tanto com a natureza da sala de aula
virtual quanto com a complexidade do processo de aprendizagem no meio
virtual, em que o computador e as novas tecnologias dele derivadas assumem
diferentes facetas:

1. Como meio de informação, tais tecnologias nos aproximam mais e mais


da notícia em tempo real, do conhecimento acontecendo em tempo real,
remetendo-nos a uma dinâmica informacional que afeta, irremediavelmente,
as relações educativas, de forma que a sala de aula tradicional, presencial,
baseada no ritmo da Sociedade Industrial, está exaurida, descolorida, sem
sentido;

2. Como meio de comunicação, as novas tecnologias colocam o outro ao nosso


alcance de forma efervescente, o que torna o mundo mais complexo, mas,
sem dúvida, muito menor. Essas possibilidades podem tornar a sala de aula
um espaço de alto nível de interatividade, com uma geografia estruturalmente
diferente e distribuída em toda parte onde um acesso à rede é possível;

3. Como meio de expressão se descortinam para todos possibilidades


únicas e inéditas na história da humanidade, em que o pensamento e
a criatividade, quaisquer que sejam eles, encontram espaço e suporte para
serem informados e comunicados ao outro, indistintamente. Por exemplo,
nesse momento em que esse texto é lido, centenas de sites, blogs, comentários
em sites e blogs, são publicados no mundo inteiro, o que torna a liberdade de
expressão na escola e a comunicação de conteúdos pedagógicos em grande
escala algo tangível, factível e incontornável.

O diagrama apresentado a seguir resume as três dimensões das tecnologias


decorrentes do computador e da Internet, que influenciam diretamente o
modo de funcionamento da sala de aula virtual:

129
Figura 2 – Dimensões das novas tecnologias derivadas do computador e da Internet

Em seguida, no que diz respeito às estratégias para nortear o trabalho


docente na sala de aula virtual, o que é, sobretudo, uma atividade de
mediação pedagógica, é crucial que sejam adotadas estratégias suscetíveis
de otimizarem o trabalho do tutor e de viabilizarem sua intervenção docente.
Assim, recorrer a softwares educativos e a materiais didáticos digitais, que
implicam idas e vindas entre o mundo virtual e o mundo presencial, requer
uma compreensão nova acerca da relação educativa, segundo a qual o
conhecimento é construído por meio de experiências variadas, por meio de
hipertextos com informações dispersas, porém agregadas por um fio condutor
que é a matriz conceitual dos objetivos de aprendizagem, embora a relação
educativa possa transpô-los, ultrapassá-los. Tudo depende da intensidade
e da qualidade da mediação, bem como da capacidade do alunado, razão
pela qual não se pode abdicar, para a plena inserção de todos na Sociedade
da Informação, de uma educação básica de qualidade. Enfim, podemos
considerar as estratégias norteadoras do trabalho pedagógico na sala de aula
virtual de levar em consideração três dimensões principais, apresentadas no
diagrama seguinte:
Figura 3 – Dimensões principais das estratégias de mediação na sala de aula virtual

130
Por fim, retomando agora a primeira e mais abrangente questão de pesquisa,
acerca dos novos formatos para a sala de aula virtual, é importante lembrar-
se da sua atualidade nesse momento em que políticas públicas vigorosas
recorrem à educação a distância, por meio de iniciativas, como a da
Universidade Aberta do Brasil e a da Escola Técnica Aberta do Brasil, a fim de
se suprir lacunas quantitativas e qualitativas no corpo docente da educação
básica. A sala de aula virtual para a formação de professores constitui um
ponto nevrálgico desse cenário em que se coloca em xeque a possibilidade de
se formar, a distância, com a devida qualidade e responsabilidade, docentes
para todos os níveis de ensino. Avançando na mesma direção, universidades
privadas, com dezenas de milhares de alunos, sobretudo, em cursos de
pedagogia a distância, proliferam por todo o país, bem como instituições
europeias e latino-americanas oferecendo cursos de mestrado e de doutorado
a distância, com encontros presenciais em dois finais de semana por mês,
em polos avançados, distanciados do ambiente acadêmico e dos formatos
tradicionais de formação de pesquisadores. Eis um debate em aberto, cujos
desdobramentos colocam em xeque o próprio desenvolvimento nacional, o
qual depende de novos quadros formados com qualidades, os quais, por sua
vez, dependem de professores formados com qualidade.

É claro que encontramos exemplos isolados de experiências bem-sucedidas


em que a educação virtual é implantada com qualidade e em que a migração
da sala de aula presencial para a sala de aula virtual acontece de forma
consistente, usufruindo positivamente das novas tecnologias de informação,
comunicação e expressão. A investigação realizada pleiteia o estabelecimento
de uma formação e prática educativa apoiadas nas novas tecnologias que
redimensionaram o lugar de ensino para um ambiente virtual que requer
significativas mudanças tanto na forma de expressão quanto nas concepções
de ensino e aprendizagem que transmigram de modelos hierarquizados para
redes colaborativas.

Assim, a ruptura necessária para um fazer educacional em ambientes virtuais


requer uma nova identidade da educação a distância.

A complexidade dessa tarefa não se esgota nas vertentes apresentadas, mas


concatena com a perspectiva de uma educação onde o ser aprendente transite
por meio de múltiplas linguagens e aprenda a gerir seu próprio processo de
aprendizagem.
131
A educação virtualizada requer novas definições dos elementos que a compõe,
como a formação docente, os materiais didáticos com foco na ergonomia
cognitiva, os novos papéis que delineiam a relação educativa a distância
para além do par interativo professor-aluno. Essas discussões perpassam a
concepção de uma educação democrática e inclusiva para que, no bojo da
migração de professores da sala de aula tradicional para a sala de aula virtual,
a sensibilidade social seja a base de sustentação para a criação e implantação
de novas políticas educacionais com suporte tecnológico.

Ao se apresentar estudos que buscam respostas para a questão de quais


paradigmas devem ser rompidos para que possamos avançar rumo à sala
de aula virtual, sintetizamos neste livro a própria definição do que seria uma
sala de aula virtual, da própria configuração do ambiente e seus dispositivos
comunicacionais até a didática empregada, onde o ritmo, as linguagens
são construídas a partir da dinâmica das interações necessárias ao ensino-
aprendizagem.

Com isso, o ambiente virtual se torna ambiente de aprendizagem a partir das


relações que são estabelecidas entre as pessoas, culturas, ideias e valores
individuais que se encontram nesse entre-espaço determinado, mas não
determinista, sob uma estrutura didática que não delimita, mas que medeia
caminhos e construções da rede que se formam a partir das elaborações de
cada participante, cujos contextos e significados demonstram o avanço de
uma aprendizagem socioconstrutivista nesse novo universo cultural.

Não se trata de revolucionar o aprendizado, mas de efetivar práticas


sustentáveis para uma educação virtual que atinja novos patamares de
qualidade. A tecnologia per si não reflete mudanças, nem as possibilita. Antes
requer novas formas de enxergar o seu potencial advindo de novas formas de
expressão presentes em um mundo cada vez mais digital.

132
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137
Corpo, dança, educação e cultura: a ótica teórico-metodológica da
Informática aplicada ao ensino da Dança
Isa Sara Rego
Instituto Federal de Brasília

Resumo
O artigo, resultante de experiências do campo da informática aplicada ao ensino
da Dança, apresenta a concepção teórico-metodológica de uma proposta
metodológica em construção, para orientar o ensino da Dança mediado por
Tecnologias Digitais de Informação, Comunicação e Expressão (TDICE). Uma
proposta metodológica é primordialmente definida por crenças e conceitos
que estão colocados na prática do professor. A proposição de uma proposta
metodológica em Dança exige a compreensão de quatro conceitos, que são
estudados neste artigo, são eles: o corpo, a dança, a educação e a cultura.
De natureza qualitativa, descritiva e exploratória, a metodologia proposta
foi a pesquisa bibliográfica que apresenta a ótica teórico-metodológica da
Informática aplicada ao ensino da Dança. Este estudo parte do pressuposto
que o campo educacional deve acompanhar as mudanças na sociedade,
inovando e criando processos de ensino-aprendizagem contextualizados,
visando à construção de novos conhecimentos, destaca, ainda, o potencial
da colaboração para o desenvolvimento de uma prática docente carregada
de intenção.

138
INTRODUÇÃO

Considerando que as formas de concretização do processo de ensino variam


no tempo e no espaço, diferentes modelos e estruturas caracterizam cada
época da história do ensinar. Em nossos estudos doutorais, ao focarmos
numa proposta metodológica para a Dança Digital, aquelas mediadas pelas
Tecnologias Digitais de Informação, Comunicação e Expressão, como objeto de
estudo, estamos diante do desafio de construir formas de compreender e
dialogar com uma demanda urgente.

Segundo Zabala (1998, p. 27), por trás de qualquer proposta pedagógica


se esconde uma concepção de valor que se atribui ao ensino; o professor
Luckesi (1992) chama essa concepção de ótica teórica do processo de ensino.
Absolutamente tudo o que fizermos em aula influi sobre o processo formativo
da aprendizagem. “Mas será que o que estamos fazendo em nossa prática
docente está em consonância com o pensamento que temos a respeito do
sentido e do papel que temos sobre a educação?” (ZABALA, 1998, p. 28).

Duas possibilidades são colocadas por Zabala (1998, p. 29): o professor pode
ser um mero reprodutor da tradição, desenvolvendo a atividade profissional
sem se colocar no sentido profundo das experiências; ou intervir no
processo de ensino de forma intencional, identificar fatores de crescimento
e engajamento dos estudantes e aceitar o papel que se pode ter sobre esse
crescimento, em avaliação contínua da sua função social enquanto educador.

Tomamos como referência os estudos de Luckesi (1992, p. 148-153), para a


compreensão do método como objeto de reflexão teórica. Segundo o autor,
deve-se definir o método a partir de duas perspectivas: método visto sob a ótica
teórico-metodológica e método visto sob a ótica técnico-metodológica. Sob a
primeira, podemos compreendê-lo como um modo de abordar a realidade,
o que, no nosso caso, define uma postura/visão em relação ao processo
pedagógico. Sob a ótica técnico-metodológica, o método corresponde à
definição dos modos de se atingir resultados desejados, alcançar os objetivos
definidos.

No entanto, tanto na primeira quanto na segunda ótica, ao enfrentarmos


a realidade, assumimos uma forma, uma visão que nos permite tratá-la
139
sobre determinado ponto de vista. Uma metodologia de ensino é definida
pelas crenças, pelos conceitos e pontos de vista do professor (ótica teórico-
metodológica), e são essas crenças que vão conduzir os procedimentos da
ação pedagógica, eles cumprem o método sob ótica técnico-metodológica.
Já os procedimentos pedagógicos são modos específicos com os quais
operacionalizamos o método do ponto de vista teórico. São os recursos
imediatos da ação, fato que nos traz a compreensão de que os procedimentos
de ensino que selecionamos para a nossa prática docente estão comprometidos
com ambas as abordagens: a teórica e a técnica.

Neste artigo, apresentamos a nossa proposta metodológica sob a ótica


teórico-metodológica, ou seja, o modo que compreendemos a realidade, o
que, no nosso caso, define uma postura e uma visão em relação ao processo
pedagógico. De acordo com a professora e pesquisadora na área da dança,
Isabel Marques (2003), o primeiro elemento definidor de uma metodologia
para o ensino da Dança é o conceito de corpo. Uma vez que o corpo é o
espaço da experiência da Dança, a concepção que o docente tem sobre o
corpo define a sua visão sobre a prática docente, sobre seu corpo e sobre
o corpo do aluno. De modo consciente ou inconsciente os professores de
dança assimilam um entendimento a respeito do corpo ao longo da sua vida,
esse entendimento é reproduzido em sua prática pedagógica, a forma como
o professor vê, percebe e compreende o corpo está relacionada com a sua
concepção sobre a educação. Segundo Marques (2003, p. 143), numa aula em
que a metodologia básica seja a cópia calada, por exemplo, a compreensão
do corpo estaria mais próxima de um corpo executador.

O segundo elemento definidor de uma proposta metodológica em dança é


o próprio conceito de Dança, “Dança é execução de uma técnica? Seria um
recurso educacional ou uma linguagem artística? Dança é uma forma de
conhecimento?” (MARQUES, 2003, p. 144). A cada uma dessas questões está
implicado um processo metodológico.

O conceito de educação é o terceiro elemento definidor de uma proposta


metodológica em Dança, pois o entendimento sobre “o que é educação”
também reflete as escolhas procedimentais e gera as bases metodológicas.
De acordo com Alonso (1998, p. 74), os diferentes caminhos que construíram
propostas metodológicas na história dependeram de concepções sobre
educação, ensino e aprendizagem, as quais, por sua vez, apresentam relação
direta com a ideia de conhecimento e de moral proposta pelas diferentes
140
abordagens. Por trás de qualquer procedimento didático, há concepções e
ideias organizadas em relação a processos de ensino-aprendizagem, em seu
contexto histórico-cultural. Por isso que, nesse aspecto, ao discutir educação,
torna-se imprescindível ampliar o conceito cultura, o quarto elemento
definidor, já que a partir da relação corpo-cultura está colocado o maior
grau de atividade: de verbalismo, de recepção, de ação, de experiência ou
colaboração.

2 O corpociborgue revisado

Durante o período do mestrado, tive a oportunidade de me debruçar sob


os estudos do corpo na contemporaneidade, em especial, ao corpo do
artista. Tais estudos culminaram na dissertação de mestrado intitulada
Corpos Virtualizados, Danças potencializadas: atualizações contemporâneas do
corpociborgue (2013), que concebeu o conceito de corpociborgue, enquanto
uma atualização do cyborg da bióloga Donna Haraway (1985).

Apresentarmos o corpociborgue, como parte estruturante da ótica teórico-


metodológica, pois a forma que uma proposta metodológica em Dança
concebe, percebe, trabalha e pensa o corpo, orienta o processo didático e
as demais relações do processo de ensino-aprendizagem. O corpociborgue é
um conceito construído para associar o corpo ao espaço-tempo em que ele
transita, diz da emergência dos novos fenômenos no mundo e da necessidade
de uma posição política: reivindica a existência de corpos pós-humanos,
confrontando as velhas identidades e orientações hierárquicas, patriarcais,
centradas em valores masculinos.

No livro Manifesto Ciborgue: ciência, tecnologia e socialismo-feminista para


o século XX (1985, 2000) Donna Haraway utiliza a imagem do cyborg para
problematizar as relações entre corpo, tecnologias, sociedade e cultura.
Ao afirmar que “um cyborg é um organismo cibernético, um híbrido de
máquina e organismo, uma criatura de realidade social e também de ficção”
(HARAWAY, 2000, p. 36), Haraway sintetiza a proeminência do corpo diante do
amplo entrelaçamento dos corpos humanos com as tecnologias, e o debate
que essa simbiose vem provocando no pensamento atual. Esse manifesto
é uma literatura que oferece um grande espectro de análise das relações
entre o feminismo e as novas tecnologias; uma primeira abordagem sobre o

141
binômio corpo e tecnologia, o principal arcabouço teórico para a proposição
do conceito corpociborgue.

Ao nos depararmos com Haraway encontramos não somente uma escrita


que coloca em evidência seu campo de formação, mas, principalmente,
uma narrativa de ordem emancipatória. Juntamente com Haraway (1985),
questionamos as dicotomias ocidentais existentes entre mente/corpo,
organismo/máquina, natureza/cultura, dualidades que também dão suporte
ao patriarcado. Seu foco sobre as relações de poder busca reparar a ênfase
da ideologia masculina e capitalista na cultura científica. Nos estudos de
Haraway, o conceito de cyborg é retirado do imaginário habitual (uma espécie
de androide, ou um corpo metade corpo e metade robô) para explicar como
contradições na política e na teoria feminista devem ser unidas, em vez de
divididas, similar à fusão do corpo com as máquinas (REGO, 2013, p. 43).

Estamos falando do caráter mutável do corpo em transição perene, o corpo


produtor da cultura. Um sistema auto-organizativo com capacidade de
responder à mudança, por meio de troca de informação, que se adapta a
ambientes novos ao passo que o modifica. Os dualismos, que têm servido de
fundamento ao pensamento ocidental, são reflexos de uma perspectiva linear,
gerados “a partir de uma série de pressupostos subjacentes e desenvolvidos
ao longo de vários séculos desde o Renascimento, passando pela Revolução
Francesa, até a atualidade.” (NAJMANOVICH, 2001, p. 7). Se a Modernidade,
instaurada por René Descartes (1596-1650), fundou a concepção do homem
que compreende e produz a partir da dicotomia corpo e mente, o sujeito
aqui apresentado opera a reintegração do corpo, enraizando-o na condição
biopsicossocial-virtual e política (REGO, 2013, p. 28).

O cyborg de Haraway traz no conceito a construção de um discurso crítico sobre


os poderes hegemônicos, materializando novos significados para a natureza,
corpo humano e as relações de diferença. Na dissertação supracitada,
faço uma análise crítica da forma pela qual a biotecnologia, as tecnologias
comunicacionais e as tecnologias médicas estão construindo os nossos
corpos. De acordo com a taxonomia proposta por Gray, Mentor e Figueroa-
Sarriera (1995, p. 3 apud TADEU, 2000, p. 10), as tecnologias ciborguinianas
podem ser:

142
Quadro 1 – Como as tecnologias transformam os nossos corpos
Restauradoras Normalizadoras Reconfiguradoras Melhoradoras
Permitem restaurar Retornam as Criam criaturas pós- Criam criaturas
funções e substituir criaturas a uma humanas que são melhoradas,
órgãos e membros indiferente iguais aos seres relativamente ao ser
perdidos. normalidade. humanos e, ao humano.
mesmo tempo,
diferentes deles.
Técnicas de correção Psicofármacos, Como as técnicas de Técnicas de
de funções avariadas remédios e vacinas. body building e body conexões permitidas
do corpo (como modification; por serviços
implantes, próteses, incluindo cirurgias informáticos e
obturações, com fins estéticos. telecomunicacionais
aparelhos e (que vão desde o
ortodônticos), além celular até a
de tecnologias de realidade
mutações aumentada).
temporárias (como a
maquiagem, a
tatuagem temporária
e a sobrancelha de
rena).

Fonte: elaborado pela autora, a partir de Haraway (2000).

O quadro ilustra as intervenções das tecnologias sobre o corpo, da simbiose


corpo-tecnologia que nasce esse corpo pós-humano2 , o qual chamamos de
corpociborgue. Celulares, aparatos médicos, psicofármacos ou próteses,
usamos esses artefatos cotidianamente, por isso, somos corposciborgues,
incorporamos desde sempre tecnologias que potencializam as nossas
capacidades corporais: sejam elas sensoriais, musculares ou perceptivas.

Donna Haraway ressalta como os nossos corpos são nutridos diariamente


por produtos industrializados, reorganizados a partir da ingestão de drogas e
alterados por cirurgias e procedimentos médicos: “A verdade é que estamos
construindo a nós próprios, exatamente da mesma forma que construímos
circuitos integrados.” (HARAWAY, 2009, p. 24). A rede que tece o sentido
perceptível, emotivo e móvel também tece o corpo no sentido social e cultural,
mas, é claro que há uma terceira dimensão atravessando tanto o primeiro
quanto o segundo: “a das relações tecnológicas, das simbioses do corpo e as
tecnologias.” (IHDE apud SANTAELLA, 2007, p. 10).

2
O pós-humano representa a construção do corpo como parte de um circuito integrado de informação e matéria, que inclui
componentes humanos e não humanos, tanto de chips de silício quanto tecidos orgânicos, bits de informação e bits de carne
e osso.

143
Acreditamos que a aceleração das descobertas científicas e tecnológicas
vem afetando profundamente nossas habilidades para observar, interpretar,
transformar e manipular as ações corporais. Sob efeito de uma crescente
complexidade tecnológica o corpo, assim como a sociedade, estão
passando por modificações tão intensas que adotar uma perspectiva inter e
transdisciplinar nos processos educacionais, sem menosprezar as Tecnologias
Digitais de Informação, Comunicação e Expressão (TDICE) é uma postura
responsável diante dos fenômenos sociais.

As máquinas de calcular, as telas, os programas não são apenas objetos da


experiência – fornecem modelos teóricos para as tentativas de conceber,
racionalmente, a realidade. Agimos por meio dessas tecnologias e, por
elas é que recebemos retorno à informação sobre o resultado das nossas
ações. Nós produzimos, transformamos e propagamos informações, somos
corposciborgues, a nossa capacidade de dominar operações formalizadas
num ambiente de códigos e mensagens é inquestionável.

3 A Dança Digital e as suas categorias

Pode-se pensar a dança como uma configuração artística formada pelo corpo,
que desenvolve movimentos intencionais no tempo e no espaço. Dança Digital
é um termo que propomos para designar obras artísticas em Dança que são
mediadas pelas Tecnologias Digitais de Informação, Comunicação e Expressão
(TDICE). Esse termo deriva do conceito de Cultura Digital, proposto por Lemos
(2008), conceituado para designar os modos de produção, distribuição e
consumo das relações sociais inseridas na Cibercultura. A Dança Digital estuda
como a tecnologia digital potencializa a criação, execução, manipulação e
apreciação nas cenas de dança.

A possibilidade de artistas desenvolverem obras via Tecnologia Digital tem


desenhado um novo panorama na cena da Dança. São diversas as categorias
da Dança Digital, em nossos estudos apresentamos, ao menos, cinco
categorias, são elas: 1. Videodança; 2. Dança com softwares de Animação; 3.
Dança com softwares interativos; 3. Dança Telemática; 4. Dança criada com
mídias móveis. O quadro a seguir nos orienta conceitualmente.

144
Quadro 1 – Como as tecnologias transformam os nossos corpos
Categorias Conceitos Exemplos

Videodança É o híbrido da Dança com o “Poéticas de composição”, uma


vídeo. Nessa linguagem a dança videodança de autoria própria,
é intencionalmente transformada disponível em:
pela tecnologia do vídeo. Através <https://vimeo.com/43684761>.
da manipulação do tempo, Acesso em: 30 jun. 2018. Editado
espaço e edições da imagem, o no Software Adobe Premiere e
âmbito e a natureza do corpo são capturado em Câmera Canon
virtualizadas. Profissional, lente grande angular
35 mm.

Dança com softwares de É a dança desenvolvida a partir O Software DançeForms 2 é uma


Animação da mediação de softwares de importante tecnologia, que permite
animação, quando essas bailarinos e coreógrafos comporem
tecnologias orientam a pesquisa sua própria dança no ambiente
coreográfica a partir de diversas virtual, através da manipulação de
funções, tais como: notação e corpos digitais. Merce Cunningham
composição coreográfica, criou dezenas de coreografias
pesquisa, análise, criação e estudadas a partir do software, na
captura de movimento. época denominado Life Forms, a
coreografia Oceans (1994), é um
exemplo concebido de como é
possível usar o computador para
aumentar a capacidade criativa.

Dança com softwares interativos É a dança desenvolvida a partir O software Isadora é um ambiente
da mediação de softwares gráfico de programação para
interativos. O corpo ao adentrar Macintosh e Windowns que
em ambientes interativos tem os fornece o controle interativo em
seus sentidos virtualizados: mídia digital, com ênfase na
recebem (input) e transmitem manipulação em tempo real. Em
(output) dados em tempo real. O nossas aulas utilizamos o software
corpo torna-se uma superfície Isadora para explorar poéticas
intermidiática, pois o corpo tecnológicas interativas, tal como
virtualizado corporifica múltiplas no vídeo Experiências criativas
identidades em estado virtual. com o Software Isadora, disponível
em: <encurtador.net/DJNT6>.
Acesso em: 30 jun. 2018.

Dança Telemática É uma das práticas artísticas em A professora Ivani Santana é


dança que se constitui no precursora da Dança Telemática
ciberespaço. Acontece por meio no Brasil. Seu trabalho (In) Toque
de softwares ou aplicativos de é o resultado de um trabalho
videoconferência. Há dois interativo, onde o elenco atuava
princípios operacionais na dança sincronicamente em quatro cidades
telemática: interatividade e do Brasil, com imagens
telepresença. transmitidas on-line, disponível em:
<encurtador.net/dexO4>. Acesso
em: 30 jun. 2018.

Dança criada com/para mídias É a dança mediada por O Musical-ly é um aplicativo (app)
móveis aplicativos móveis e para lançado em 2016, criado para
aplicativos móveis, pois na produção de vídeos, mensagens e
cultura da ubiquidade, o corpo transmissão ao vivo. Em julho de
não precisa estar no mesmo local 2017, esse app chegou à posição
e momento para dançar. Quando número 1 na App Store, tornando-
o corpo conquista o estado de se o app gratuito mais baixado em
ubiquidade, artistas se apropriam 30 países do mundo. Uma das
desse estado do corpo para principais vertentes de consumo e
construir processos artísticos no produção desse app é a dança. Em
ciberespaço. 2017, o aplicativo foi vendido para
a empresa chinesa Bytedance
Technology e em 2018 passou a
chamar-se Tik Tok.

Fonte: elaborado pela autora.

145
O quadro acima apresenta que a capacidade expressiva do corpo na
dança se faz acompanhar pela transformação mútua do corpo no mundo
tecnologizado. Essas tecnologias inferem não apenas nas relações sociais
do corpo, mas também nas formas de produção, consumo e distribuição
artística que o corpo estabelece na contemporaneidade. O artista começou a
utilizar as tecnologias digitais e informacionais no processo criativo da dança,
transferindo a sua função técnica para a função estética.

A etimologia da palavra “estética” deriva do grego “aisthesis” e significa sentir.


Segundo a comunicóloga e professora Santaella (2007), a raiz grega aisth,
no verbo aisthonomai, quer dizer sentir, mas não com o coração, ou com os
sentimentos, mas com os sentidos, redes de percepções físicas. Como “ciência
do modo sensível de conhecimento do objeto” (SODRÉ, 2006, p. 45 apud
SANTAELLA, 2007, p. 254), esse conceito não está reduzido à compreensão das
“belas-artes”, como ficou amplamente conhecido, mas é compreendido pelo
seu criador – Baumgarten, no livro Aesthetica (séc. XVIII) – como conhecimento
da estesia voltada ao estudo da percepção sensível.

A dança digital é uma representação bem-sucedida e privilegiada de uma


estética tecnológica e está voltada para o potencial que os dispositivos
tecnológicos apresentam para a criação de efeitos estéticos, que são
capazes de acionar a rede de percepção sensível do receptor, modificando
as realidades que se apresentam aos sentidos. Estamos discutindo como as
condições propiciadas pelos aparelhos, dispositivos e suportes tecnológicos
de modo cada vez mais vertiginoso, vêm ampliando e transformando as bases
materiais e os potenciais dos modos de produção estéticos.

Falamos então da Dança Digital como uma estética tecnológica e para


melhor discutirmos esse conceito torna-se necessário construirmos um
entendimento a respeito de “técnica” e “tecnologia”. A técnica envolve
conhecimento para a execução de determinada tarefa, esse conceito define
o “saber-fazer” das coisas, referindo-se às habilidades apreendidas: a uma
bateria de procedimentos que se cria, se aprende e se desenvolve.

Sancho (1998, p. 28) nos lembra de que na Grécia, a combinação dos termos
téchne (arte, destreza) e logos (palavra, fala) significava o fio condutor que abria
o discurso sobre o sentido e a finalidade das artes. Naquela época, a distinção
entre técnica e arte era pequena, no entanto, a téchne não era uma habilidade

146
qualquer, mas aquela que seguia certas regras, por meio das quais se chega
a conseguir algo. Daí existir uma téchne da navegação (arte de navegar), uma
técnhe do governo (arte de governar), uma técnhe do ensino (arte de ensinar).

De acordo com Santaella (2007), enquanto a técnica é um saber fazer, a


tecnologia é um conhecimento acerca da própria técnica, que avança além
dela. “Portanto, há tecnologia onde quer que um dispositivo, aparelho ou
máquina seja capaz de encarnar fora do corpo humano, um saber técnico,
um conhecimento científico acerca de habilidades técnicas específicas.”
(SANTAELLA, 2007, p. 258).

Para McLuhan (1964), a tecnologia é a extensão dos órgãos sensoriais e do


corpo humano, ampliando e prolongando as suas capacidades; quando
os meios de comunicação surgem inferindo na vida social do cidadão, eles
inferem também nas sensações humanas. É pelo viés dessas relações que
Santaella (2004, p. 58) estuda os níveis de relação existente entre o corpo e
o prolongamento das suas capacidades. Santaella (1997) propõe ao menos
três níveis relacionais entre corpo e tecnologias, para estudar a estrutura e o
funcionamento das máquinas:

1.O nível muscular motor: Capacidades ampliadas e custos reduzidos, essa


categoria herdou o árduo e grosseiro trabalho de repetir e repetir. Inicialmente
movida a vapor e, posteriormente, por eletricidade, mas máquinas musculares
aumenta a capacidade do corpo em força muscular.

2.O nível sensório: as máquinas sensórias, como chamadas por Santaella


(1997), aumentam as capacidades sensoriais do corpo, como, por exemplo, a
capacidade de registro e reprodução do atual vivido.

3.O nível cerebral: a grande revolução nos sistemas de telecomunicações


aconteceu com o surgimento do computador pessoal e depois com a internet
nas mídias móveis. Os computadores são exemplos de máquinas cerebrais,
poderosas calculadoras dotadas de enorme capacidade de memória,
capazes de processar informações e resolver problemas lógicos de grande
complexidade.

147
O desenvolvimento tecnológico fez surgir não apenas máquinas capazes
de ampliar a força física muscular do homem ou dos animais, quando
utilizam para transportes e trabalhos pesados, mas também, máquinas
sutis e sofisticadas capazes de produzir imagens reprodutíveis e estéticas
tecnológicas. Um exemplo desse tipo de tecnologia é a câmera fotográfica,
que permitiu o registro da realidade do espectador a um simples toque de
botão, sem intermediação da mão do artista. Santaella (2007, p. 258) destaca
que com o avanço das tecnologias uma habilidade individual passa a ser
coletivizada.

Essa capacidade de reprodução do real, iniciada pelas câmeras fotográficas,


trata-se de uma capacidade de produção de linguagem que até o momento
era uma capacidade exclusiva do humano. Outra máquina que revolucionou
o seu momento histórico foi o telégrafo. Antes dele, a informação para ser
transmitida necessitava de transporte físico material, fosse um cavalo ou um
navio. De acordo com Santaella (2007, p. 258), com a chegada do telégrafo, a
informação se emancipou, livrou-se da necessidade de transportador físico,
viajando pelo ar graças à tecnologia de escaneamento da linguagem verbal,
que funcionou como um embrião da cultura telemática que estaria por vir
algum tempo depois.

4 Por uma educação colaborativa

Parte dos filósofos ocidentais concebeu o homem como um ser composto


de duas partes heterogêneas: a alma (a parte consciente e espiritual), e o
corpo (a parte material). Para Platão, quando a alma se une ao corpo, ela
torna-se uma prisioneira sujeita a todo o tipo de degradação e, como defesa,
a alma (que habita o corpo) também é subdividida em duas categorias: a alma
superior, que corresponde à alma do intelecto; e a alma inferior e irracional,
que corresponde à alma do corpo. O “conhecimento verdadeiro” postulado
por Platão é interrompido pelos erros e “pecados” da alma inferior, sendo
o corpo o responsável por toda ocasião de corrupção e decadência moral
(ARANHA; MARTINS, 2009).

No âmbito da escola, muitos professores passam a repercutir algumas dessas


ideias sobre o ensino da dança, fortalecendo visões hegemônicas, dicotômicas

148
e mecanicistas. Alguns, ainda, tal como no período jesuítico, concebem o corpo
como um meio e um instrumento para a modernização de outros setores ou
disciplinas, e não como atividade, com valor em si mesmo. A preocupação não
é somente com o discurso, mas com aquilo que o antecede: a forma de ver o
mundo.

Uma perspectiva dual do ensino da dança tende a privilegiar a repetição


mecânica do movimento, a ausência da reflexão sobre a prática e a
incorporação de movimentos midiáticos. Enquanto professora de dança,
percebo e compreendo o corpo como um sistema complexo, sem partes
antagônicas, um corpo múltiplo, um completo físico, psíquico, biológico social
e cultural – que está inserido num tempo e espaço.

E, como decorrência da própria mudança cultural, o corpo ganha novas


possibilidades de compreensão. Anunciar essas mudanças como resultados
dos processos relacionais do corpo faz parte do meu ofício de professora de
Dança, compreendendo que o corpo e a cultura se instauram em uma relação
coadaptativa: o corpociborgue.

No contexto da Dança Contemporânea, o professor de Dança, ao desempenhar


seu papel pedagógico de escritor/criativo da dança, desdobra, ramifica e
multiplica seu papel com os alunos, para que eles sejam intérpretes-criadores
dos seus próprios processos de dança. Pode-se afirmar que, no universo
do ensino-aprendizado desta proposta metodológica, estabelece-se uma
intrínseca relação de cooperação.

Nem todas as relações sociais favorecem o desenvolvimento, o indivíduo


coagido tem pouca ou nenhuma participação racional na conservação e
divulgação das ideias. No caso da produção das ideias, simplesmente, não
participa, apenas incorpora como verdade tornando-se divulgador dela,
ensinando-a a outros, geralmente, da mesma forma coercitiva como as
recebeu. De acordo com La Taille, Kohl e Dantas (1992), a coação não apenas
leva ao empobrecimento das relações sociais, como também apresenta um
freio ao desenvolvimento da inteligência, pois sendo a razão um processo
ativo de busca e produção da verdade, deter uma única verdade sem poder
prová-la ou demonstrá-la não é uma atitude racional.

149
Já as relações de cooperação representam justamente aquelas que vão
possibilitar o desenvolvimento cognitivo do corpo. Nessa relação não há
hierarquias estabelecidas, antes há discussão, trocas de ideias, controle mútuo
dos argumentos e das provas. Na relação de cooperação está disponível a
coordenação das operações entre dois ou mais sujeitos.

Nesse ponto, devo ressaltar que para Piaget as diferentes relações sociais
implicam assumir um conjunto de organizações cognitivas que influenciam
as interações sociais. A cooperação é o tipo de relação social que representa
o mais alto nível de socialização (LA TAILLE; KOHL; DANTAS, 1992). Para
Piaget, a cooperação não é um sistema de equilíbrio estático, como ocorre
em relações de coação. As relações de cooperação pressupõem um equilíbrio
móvel e, portanto, movido por relações partilháveis. Não estou dizendo
que no processo de ensino-aprendizagem da dança não exista hierarquia.
Porém, a diferença é que o professor de dança troca o estilo rígido da prática
ditatorial por um ensino aberto e livre. Ao aluno é compartilhado não apenas
os processos criativos e laborais, mas também responsabilidades para a
condução da aula.

A escolha de percursos, caminhos e trajetórias de ensino dizem respeito à


atitude moral que o professor irá escolher para lecionar. Compreendo, porém,
que a escolha crítica e consciente de metodologias de ensino para a construção
do conhecimento no campo da dança permeia as relações cooperativas, e,
assim, abrangem as relações que se estabelecem entre universos de criação,
de interpretação, apreciação, pesquisa e crítica da dança.

Abordagens criativas e inovadoras são caracterizadas por um conjunto de


elementos: flexibilização temporária das regras; possibilidades de desenvolver
trabalhos por regras alternativas; experimentação em cenários da vida real;
estímulo à visualização permanente de outras possibilidades, adoção de
abordagens baseada em solução de problemas, via visões mais abrangentes
e menos reducionistas.

Assim, nosso desafio central é desenvolver um pensamento político


pedagógico compatível com o anseio de promover disposições criativas e de
despertar vocações inovadoras. Para isso, propomos que o docente dessa
nova geração não seja um provedor de informações, mas sim um designer
educativo. Nessa abordagem, o docente compartilha com os aprendizes as
intenções de aprendizagem e os critérios de sucesso associados.
150
Estimular que os estudantes descubram mais por si mesmos e menos via
respostas prontas fornecidas previamente, certamente, é uma delas. Outra
forma é engajar o estudante em uma série de processos interrogativos
em relação a textos, pessoas e objetos do ambiente da aprendizagem.
Ao estudante também é demandado fazer uso das suas habilidades de
recuperar informações, realizar síntese e análises, e, dessa forma organizar
o conhecimento.

5 A Sociedade da Informação

Estamos assistindo já há algumas décadas ao surgimento de uma nova


forma de organização econômica, social, política e cultural, identificada na
Sociedade da Informação, que comporta novas maneiras de trabalhar, de
comunicar-se, de relacionar-se, de aprender, de pensar e, consequentemente,
de ensinar. De acordo com Coll e Monereo (2010, p. 17), as tecnologias digitais
em suas diferentes fases têm sido instrumento para pensar, aprender,
conhecer, representar e transmitir para outras pessoas e para outras
gerações os conhecimentos adquiridos. Mas elas se diferem entre si quanto
às possibilidades de representar a informação, assim como no que se refere
à velocidade e transmissão da informação, e essas diferenças refletem as
diferentes estratégias adotadas nos processos educativos.

Entre todas as tecnologias criadas pelos seres humanos, aquelas relacionadas


com a capacidade de produzir linguagens e representações são de especial
importância porque afetam diversos âmbitos de atividades das pessoas, desde
as formas e práticas das organizações sociais até o modo de compreender o
mundo, de organizar essa compreensão e de transmiti-la para outras pessoas
(COLL; MONEREO, 2010, p. 17).

A tecnologia educativa contemporânea, isso é útil para educar, repousa sobre


esse mesmo princípio: a possibilidade de usar sistemas de signos – linguagem
oral, linguagem escrita, imagens estáticas, imagens em movimento, símbolos
matemáticos, notações musicais, etc. – para representar determinada
informação e, assim, complexificar esquemas mentais que conduzam ao
conhecimento.

151
A interligação entre diferentes computadores digitais e a Internet culminou
na “Sociedade da Informação” (SI), que poderíamos definir como um novo
estágio de desenvolvimento das sociedades humanas, caracterizado pela
capacidade de obter e compartilhar qualquer quantidade de informação de
maneira completamente instantânea. Nesse momento, já conseguimos fazer
tudo isso pelo celular, falamos do estado de ubiquidade.

Partimos de Coll e Monereo (2010, p. 21), para comentar brevemente algumas


características da Sociedade da Informação, as quais têm importantes
implicações para os processos de ensino-aprendizagem. Os autores
acrescentam alguns fenômenos, tendências e características que são próprias
da Sociedade da Informação.
Quadro 3 – Uma síntese das características da Sociedade da Informação

O contexto das atividades humanas não é mais o contexto físico imediato, mas um contexto
muito mais amplo, sujeito a uma densa rede de inter-relações, de envolvimento e de influências
mútuas: complexidade, a interdependência e a imprevisibilidade permeiam as atividades e
as relações dos indivíduos, juntamente com a globalização.
A grande quantidade de informação e a facilidade de transmiti-la e acessá-la é um avanço com
enorme potencialidade, no entanto, os autores ponderam que o risco de manipulação de
excesso de informação, diz respeito não apenas à quantidade do fluxo de informação, mas
também ao ruído dela, a “infoxicação”.
A rapidez afeta todos os aspectos e processos envolvidos na Sociedade de informação: na
transmissão da informação, na atualização de softwares e hardwares, nas mudanças de
tendências econômicas em nível mundial, rapidez nas tomadas de decisões forçados pela
necessidade de responder a uma realidade que está submetida a um processo de mudança:
rapidez nos processos e suas consequências.
Essa rapidez da qual falamos anteriormente, juntamente com os fenômenos de excesso têm
conduzido as pessoas à diminuição e a dispersão da atenção, a uma cultura de mosaico,
carente de profundidade. De acordo com Cebrián (1998, p. 181 apud COLL; MONEREO, 2010,
p. 23), “a velocidade é contrária à reflexão, impede a dúvida e dificulta o aprendizado.” São
características da SI a escassez de espaço e de tempo para a abstração e reflexão.
O surgimento de novas classes sociais: os “inforricos” e os “infopobre”. Estamos diante
de uma revolução de alcance mundial que afeta o conjunto da humanidade, mas não afeta a
todos da mesma maneira. A consequência das diferentes formas de produção, distribuição e
consumo da informação, resulta no aumento das diferenças entre países pobres e países
desenvolvidos, de acordo com Cébrián (1998, p. 187 apud COLL; MONEREO, 2010, p. 24), a
sociedade dual está sendo potencializada.

Fonte: elaborado pela autora, a partir de Coll e Monereo (2010, p. 21-24).

Essa breve revisão de algumas das características da Sociedade da


Informação, cunhada por Coll e Monereo (2010, p. 21-24), mostra o alcance
que as Tecnologias de Informação, Comunicação e Expressão (TDICE) estão
provocando em nossas vidas. Em um mundo em que as distâncias são cada
152
vez mais reduzidas, a Internet caracteriza um novo paradigma tecnológico
que, além de promover a velocidade da comunicação e a busca pelo
processamento e a transmissão da informação, constitui, igualmente, um
espaço para o aprendizado e para a prática educativa. O uso da internet e de
softwares educativos nos processos didáticos refletem as nossas inquietações
de contextualizar os processos de ensino-aprendizagem a um mundo no qual
as fronteiras desaparecem e cresce a mobilidade entre as pessoas.

A Internet não é apenas uma ferramenta de comunicação, de busca,


processamento e transmissão da informação (CASTELLS, 2001), ela se constitui
enquanto espaço global para a ação social, um espaço privilegiado para o
aprendizado e para a ação educativa. A expansão das opções de aprendizagem
fora dos muros da escola é uma realidade na Sociedade da Informação, já que
a qualquer momento, por meio do celular, pode-se receber uma proposta de
formação no modelo “m-learning”, “mobile learning”, aprendizagem móvel ou,
ainda, escola nômade. Caracterizada pela mobilidade, a aprendizagem móvel
permite aos estudantes a ubiquidade, proporcionando um ambiente de
aprendizagem em qualquer lugar e a qualquer momento. Diversos projetos
educativos no mundo empreenderam numa perspectiva m-learning, destaca-
se nesse cenário o projeto WapEduc3 – um portal da web liderado por Philip
Steger, que permite que os alunos tenham acessos aos diferentes conteúdos,
recebendo alguns deles, inclusive, pelo celular por SMS e estimulando o
trabalho colaborativo entre alunos e professores.

Outra importante transformação no processo educativo, que ocorre com o


advento da Sociedade da Informação, são as atividades que, por sua própria
complexidade, exigem a participação de um coletivo (são exemplos dessa
natureza no campo da arte: uma instalação Interativa ou uma projeção
mapeada). Coll e Monereo (2010, p. 29) ampliam essa discussão ao colocar
que a incorporação das tecnologias digitais nos diferentes âmbitos da
atividade humana, mais especialmente, as atividades laborais e formativas,
contribuiu de maneira importante para potencializar essa tendência de
projetar metodologias de trabalho baseadas na cooperação.

Essas tarefas cooperativas não precisam estar necessariamente em ambientes


virtuais de aprendizagem, mas podem representar estratégias de ensino
3
O projeto pode ser acessado através do site disponível em: <http://www.epi.asso.fr/revue/sites/s0501c.htm>. Acesso em: 19
ago. 2018. O portal do projeto encontra-se disponível em: <http://www.wapeduc.net/>. Acesso em: 19 ago. 2018.

153
cooperativo, nas quais a competência do grupo prima sobre a competência
individual.

6 Considerações Finais

A educação deve servir para dar sentido ao mundo que rodeia o aluno, para
ensinar ao corpo a interagir socialmente e solucionar problemas. O potencial
educativo de um software, um aplicativo, ou de qualquer outra tecnologia
digital, está em considerar esse aparato como um potencial criativo que,
carregado de sentido, constrói conhecimento por meio da interação social e
potencializa a criação de signos.

Os processos didáticos do ensino da dança devem acompanhar as mudanças


na sociedade, inovando e criando ambientes de aprendizagens significativas
e colaborativas, visando à construção de novos conhecimentos mediante
práticas reflexivas, relevantes e contextualizadas, e tendo as tecnologias
digitais como poderosos objetos produtores de linguagem, para além de uma
ferramenta pedagógica.

O desafio do ensino é adequar-se à Sociedade da Informação, a um novo


estilo de apreensão do conhecimento, usando as Tecnologias Digitais de
Informação, Comunicação e Expressão, com fins de potencializar e otimizar
a experiência do aluno, em processo de aprendizagem, e a experiência do
professor, no processo de ensino.

Dada a necessidade, cada vez maior, de conhecimentos científicos que


permitam a experimentação em propostas artísticas que envolvam as
tecnologias digitais, torna-se necessária a compreensão dessa nova
abordagem de ensino, de forma a proporcionar aos professores os
conhecimentos científicos e tecnológicos necessários para o desenvolvimento
de seu trabalho.

Por meio da problematização, da criação de uma rede de conhecimentos,


da transformação dos conteúdos específicos de dança e da postura crítica
diante do mundo, as múltiplas conexões entre dança, educação e sociedade
contemporânea podem ser estabelecidas e transformadas. Investigar
a simbiose das tecnologias digitais com a dança na produção artística e
pedagógica faz parte do âmbito de estudos da informática aplicada à educação.

154
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157
Estratégias e conteúdos transmídias: novas práticas didático-
pedagógicas para o contexto da cibercultura
Noeli Batista dos Santos
Professora Adjunta da Faculdade de Artes Visuais da Universidade Federal
de Goiás

Resumo
O presente artigo apresenta um estudo de caso, destacando as estratégias
e os conteúdos transmídias como tópicos emergentes para a prática
docente no contexto da cibercultura. As reflexões emergem da pesquisa de
doutoramento intitulada A transmidiação dos sentidos de docência na prática
dos MOOCs: perspectivas emergentes, desenvolvida no Programa de Pós-
Graduação da Faculdade de Educação da UnB, Linha de Pesquisa Educação,
Tecnologias e Comunicação, na defesa da tese de que há um pensamento
pedagógico transmídia, e esse, quando aplicado ao ensino na modalidade on-
line, atualiza os sentidos de docência e as práticas didático-pedagógicas para
o contexto da cibercultura.

158
INTRODUÇÃO

O contexto contemporâneo, segundo Lévy (2010), expressa um novo universal,


pautado na interconexão, na criação de ambientes virtuais e na inteligência
coletiva. Por inteligência coletiva compreende-se a construção colaborativa
de saberes diversos a partir do diálogo entre diferentes sujeitos, conectados
a partir de múltiplas redes e plataformas digitais. Nesse sentido, trata-se de
uma disruptiva configuração social, por ele denominada de cibercultura, da
qual surgem novas formas de pensamentos e focos de valoração, conforme
destacou McLuhan (1964) ao analisar o impacto social causado pela TV,
compreendida, naquele contexto, como uma nova mídia.

Para Manovich (2001), esse novo contexto é pautado pela linguagem das
novas mídias – atualmente, “mídias digitais” –, cuja existência indica cinco
princípios, sendo eles: representação numérica, modularidade, automação,
variabilidade e transcodificação cultural. Ao pensar na cibercultura,
compreende-se que o conjunto desses princípios indica a necessidade da
construção de diálogos entre a multidimensionalidade, a hipermobilidade e
a ubiquidade desdobrada propiciada pelos atuais dispositivos de acesso às
redes digitais (SANTAELLA, 2013).

Do ponto de vista didático-pedagógico, surgem algumas problematizações


quando pensamos o contexto descrito, seja nas formas de representação
do sujeito docente, seja nos desenhos didático-pedagógicos notoriamente
configurados a partir do paradigma de ensino presencial, do qual decorre
um anacronismo entre o pensamento pedagógico ‒ praticado/representado
nas salas de aulas analógicas e presenciais ‒ e o pensamento pedagógico
emergente da cibercultura.

Com o advento da chamada Web 2.0, usuários não especialistas em


programação passaram a utilizar as redes digitais, gerando o que Jenkins
(2009) definiu por cultura da convergência, perspectiva pautada na
inteligência coletiva, na convergência das mídias e na cultura participativa.
Em linhas gerais, esse universo convergente está estruturado no potencial
de plataformas de mídia (JENKINS; FORD; GREEN, 2014), cujas práticas de

159
ensino são hibridizadas em comunicações síncronas e assíncronas, entre
elas, o fenômeno compreendido por Massive Open Online Courses (MOOCs)
‒ herança da chamada “Educação Aberta” (PETERS; BRITEZ, 2008). Esses
cursos, desenvolvidos em plataformas digitais, de perfil aberto e massivo,
atendem a públicos diversos, bem como possuem diferentes formatos de
oferta. Segundo Santos e Lacerda Santos (2018), as pesquisas sobre MOOCs
têm abordado tópicos sobre ensino e aprendizagem, ferramentas didáticas,
impacto formativo, revisão de literatura e tecnologias aplicadas.

Na perspectiva da oferta de MOOCs, ao processo de criação, acesso e


distribuição de conteúdos em diferentes plataformas, segundo Fechine (2012,
p. 102), dá-se o nome de transmidiação, pois indica “[...] genericamente,
um conjunto variado de estratégias de desenvolvimento e distribuição de
conteúdos em múltiplas plataformas.” Contudo, no estado da arte elaborado
para a compreensão do conceito de transmidiação foram identificadas duas
perspectivas teóricas, sendo elas: 1. Estudos na perspectiva semiótica de
Charles Peirce (JAKOBSON, 2007; SIEGEL, 1995; ECO, 1968; PLAZA, 1986, 1987;
SANTAELLA, 2001, 2002, 2013; ZILOCCH, 2001); e 2. Estudos na perspectiva
ecossistêmica – ecologia das mídias (MCLUHAN, 1964; SCOLARI, 2015,
2018; BRANCH, 2014; JENKINS, 2009; FECHINE, 2012; FECHINE et al., 2013).
Conforme pode ser observado nas referências apresentadas, o conceito de
transmidiação citado por Fechine (2012) dialoga no universo da ecologia das
mídias, visto que envolve a plataforma – enquanto ambiente – e as mídias de
acesso – enquanto espécies.

Assim, para compreender como as práticas didático-pedagógicas


desenvolvidas em MOOCs de universidades brasileiras estariam transmidiando
os sentidos de docência para o contexto da cibercultura, foi desenvolvido
um estudo de caso (YIN, 2015) ‒ na composição da pesquisa intitulada A
transmidiação dos sentidos de docência na prática dos MOOCs: perspectivas
emergentes (SANTOS, 2018) ‒ de abordagem qualitativa ‒ e orientado pelas
características da pesquisa na Internet, ao compreender “[...] que a internet
pode ser tanto objeto de pesquisa (aquilo que se estuda), quanto local de
pesquisa (ambiente onde a pesquisa é realizada) e, ainda, instrumento de
pesquisa (por exemplo, ferramenta para coleta de dados sobre um dado
tema ou assunto).” (FRAGOSO; RECUERO; AMARAL, 2011).

160
No estudo de caso citado, especificamente sobre as transmidiações que
configuram os desenhos didático-pedagógicos das unidades de análise,
buscou-se respostas para a seguinte questão investigativa: em que medida
os processos de transmidiação (estratégias e conteúdos transmídias)
identificados nos MOOCs analisados podem sinalizar pressupostos para uma
metodologia de ensino transmídia? Assim, o presente artigo compartilha as
descobertas e problematizações que emergiram do contexto citado.

2 A plataforma Miríada X

A Miríada X (Figura 1) é a primeira plataforma ibero-americana a ofertar


MOOCs. Criada no ano de 2013, em parceria entre a Universia – rede de
colaboração de universidades ibero-americanas – e a Telefónica Learning
Services, atualmente é gerenciada pela Telefónica Educación Digital, com a
proposta de apresentar soluções integrais de aprendizagem on-line, com
ênfase na ampliação do conhecimento aberto no espaço ibero-americano de
Educação Superior.

Figura 1 – Interface do site da Miríada X (bilíngue)

Fonte: Plataforma Miríada X (2018).

161
Atualmente, além de instituições do contexto europeu, estão integradas à
plataforma Miríada X mais de 340 instituições oriundas das Américas do Norte,
Central e do Sul. No caso do Brasil, desde o ano de 2015, estão associadas
cinco universidades, sendo elas: PUCRS, UFRGS, FURB, Unisinos e Anhembi
Morumbi. Nessa plataforma, no período delimitado para o desenvolvimento
da pesquisa – setembro de 2017 a janeiro de 2018 ‒ estiveram disponíveis para
acesso ‒ e, portanto, disponíveis para análise dos processos de transmidiação
‒ sete MOOCs, conforme indicado no Quadro 1.

Quadro 1 – Período de oferta dos MOOCs selecionados

Universidade Cursos selecionados Período de oferta Duração


PUCRS Responsabilidade social e 21/09/2015 (aberto 6 semanas
sustentabilidade das para consulta) (21 horas de estudo
organizações previstas)
Introdução aos processadores 24/10/2016 (aberto 6 semanas
Multicore (Introduction to para consulta) (21 horas de estudo
Multicore processors) (2ª previstas)
edição)
Anhembi Língua Portuguesa 16/05/2016 (aberto 12 semanas
Morumbi para consulta) (5 horas semanais)
FURB Português para estrangeiros 15/02/2016 (aberto 4 semanas
para consulta) (16 horas de estudo
previstas)
Unisinos Inovação orientada pelo 13/06/2016 (aberto 8 semanas
Design para consulta) (5 horas de estudo
semanal estimadas)
UFRGS Química Geral I: Sistemas, 26/11/2017 a 5 semanas
materiais, Estequiometria, 29/12/2017 (15 horas de estudo
Soluções e Gases previstas)
Leitura, Análise e Método: 26/11/2017 a 5 semanas
Anton Tchékhov e Liev Tolstói 29/12/2017 (15 horas de estudo
previstas)

Fonte: elaborado a partir dos dados disponíveis na plataforma Miríada X.


(Consulta realizada no período de set. 2017 a jan. 2018).

Conforme mencionado anteriormente, a análise dos desenhos didático-


pedagógicos dos MOOCs selecionados foi orientada pelo conceito de
transmidiação ‒ na perspectiva da ecologia das mídias, especialmente,
no que Fechine et al. (2013) denominam de conteúdos e estratégias
transmídias (Figura 2). Os conteúdos e estratégias citados compreendem a
existência de um programa narrativo e de uma mídia regente. No caso dos
MOOCs analisados, a mídia regente foi considerada a plataforma Miríada X
e o programa narrativo foi relacionado aos temas dos cursos selecionados.
Nessa perspectiva, a intenção foi analisar os conteúdos que compõem os
cursos selecionados a partir de correlações entre o repertório apresentado
pela equipe docente e as características apresentadas pela autora citada.
162
Figura 2 – Guia para a coleta de dados: estratégias e conteúdos transmídias

Fonte: esquema adaptado de Fechine et al. (2013, p. 37).

3 Estratégias e conteúdos transmídias

Os procedimentos de seleção e análise dos dados foram organizados,


sequencialmente, por meio do mapeamento dos conteúdos; da correlação
dos conteúdos mapeados às estratégias e aos conteúdos transmídias;
da categorização e análise. Essa correlação ganhou ênfase na fase da
sistematização dos conteúdos dos MOOCs, uma vez que o tipo de conteúdo
selecionado, bem como as associações propostas, apresentava proximidade
163
não apenas conceitual, mas também em sua composição. O desenho
apresentado na Figura 2 orientou esse processo de seleção, categorização e
análise. Uma vez definidos a mídia regente (Miríada X) e o programa narrativo
(tema de cada MOOC), foram identificados no contexto de análise conteúdos
referentes às estratégias de expansão e de propagação.

As estratégias de propagação têm por principal característica a “ressonância”,


a partir da retroalimentação de conteúdos (recentes e passados) sobre
determinado programa narrativo, no qual: “Um conteúdo repercute ou
reverbera o outro, colaborando para manter o interesse, o envolvimento e
a intervenção criativa do consumidor de mídias no universo proposto [...]”
(FECHINE et al., 2013, p. 33), criando comunidades de interesses mediadas
por diferentes formas de agendamento. Os conteúdos citados dividem-se
em: reformatados e informativos.

Os conteúdos reformatados classificam-se em três tipos: a) antecipação –


reúnem informações compartilhadas em diferentes mídias e plataformas,
com o objetivo de despertar o interesse dos consumidores sobre a narrativa
em foco; b) recuperação – referem-se àqueles disponibilizados para acesso
posterior ao programa transmitido; e c) remixagem – referem-se àqueles
derivados de apropriações em contextos distintos da sua mídia original.
Os conteúdos informativos classificam-se em: a) contextuais – propiciam
informações adicionais à trama; e b) promocionais – referem-se às informações
extras ofertadas pelo destinador-produtor ao seu público.

As estratégias de expansão têm por principal característica os


“transbordamentos”, “[...] a partir da oferta de elementos dotados, por
um lado, de uma função lúdica e, por outro lado, de uma função narrativa
propriamente dita.” (FECHINE et al., 2013, p. 34). Essas estratégias dividem-
se em: conteúdos de extensão textual e conteúdos de extensão lúdica. Os
primeiros classificam-se em: a) extensões narrativas – faz referência aos
conteúdos complementares ao programa narrativo principal; e b) extensões
diegéticas – referem-se aos conteúdos adicionais integrados. Os conteúdos
de extensão lúdica classificam-se em: a) extensões vivenciais – quando o
destinatário consumidor é motivado a interagir no universo fictício a partir de
uma vivência direta e ativa; e b) extensões de marca – quando o envolvimento
está direcionado na transposição do consumo simbólico para o consumo
material do universo narrativo.
164
Nas tabelas 1 e 2 estão disponíveis as sínteses das correlações referentes
às estratégias de expansão, incluindo os conteúdos de extensão textual e
extensão lúdica.

Tabela 1 – Estratégias e conteúdos transmídia – estratégias de expansão (MOOCs analisados)

Estratégias de expansão
Conteúdos de extensão Conteúdos de extensão
MOOCS analisados textual lúdica
Extensões Extensões Extensões Extensões
narrativas diegéticas vivenciais de marca
1. Introdução aos processadores
0 11 0 0
Multicore – PUCRS
2. Responsabilidade social e
sustentabilidade das organizações – 7 5 0 0
PUCRS
3. Língua Portuguesa – Anhembi
7 12 0 0
Morumbi
4. Português para estrangeiros –
1 14 0 0
FURB
5. Inovação orientada pelo Design –
4 4 0 0
UNISINOS
6. Química Geral I: Sistemas,
Materiais, Estequiometria, Soluções e 0 18 0 0
Gases – UFRGS
7. Leitura, Análise e Método: Anton
5 1 0 0
Tchékhov e Liev Tolstói – UFRGS
Total 24 65 0 0

Fonte: elaborada com base nas informações disponíveis na plataforma Miríada X (2018).

Conforme pode ser observado na Tabela 1 ‒ estratégias de expansão ‒, os


conteúdos de extensão diegética superam as correlações dos conteúdos de
extensão narrativa. Enquanto o primeiro indica uma ampliação de repertório
a partir do aprofundamento do tema abordado, em uma perspectiva de
verticalização, no segundo, a ampliação do repertório ocorre por meio da
associação de novas narrativas associadas ao programa narrativo principal,
em uma perspectiva de horizontalização. Ainda, referente aos dados
analisados na Tabela 1, não foram identificados conteúdos de extensão lúdica,
tanto de extensões vivenciais quanto de marca. Essa ausência acontece,
principalmente, pela ausência dos estudantes nesse contexto da investigação,
visto que os cursos foram analisados fora do contexto de oferta. Conteúdos
de extensão lúdica são aqueles em que há uma intensa construção coletiva
e colaborativa por meio da participação dos sujeitos envolvidos no processo.
165
Tabela 2 – Estratégias e conteúdos transmídia – estratégias de propagação (MOOCs analisados)
Estratégias de propagação
MOOCS
Conteúdos reformatados Conteúdos informativos
analisados
Antecipação Recuperação Remixagem Contextuais Promocionais
1. Introdução aos
processadores 2 10 0 28 0
Multicore – PUCRS
2.
Responsabilidade
social e
11 7 0 43 0
sustentabilidade
das organizações –
PUCRS
3. Língua
Portuguesa – 2 14 0 116 2
Anhembi Morumbi
4. Português para
estrangeiros – 2 13 4 9 0
FURB
5. Inovação
orientada pelo
2 18 0 24 0
Design –
UNISINOS
6. Química Geral I:
Sistemas,
Materiais,
1 19 0 25 0
Estequiometria,
Soluções e Gases –
UFRGS
7. Leitura, Análise e
Método: Anton
2 4 0 17 0
Tchékhov e Liev
Tolstói – UFRGS
Total 22 85 4 262 2

Fonte: elaborada com base nas informações disponíveis na plataforma Miríada X (2018).

Na Tabela 2 – estratégias de propagação – as correlações indicaram um


predomínio de conteúdos informativos em detrimento dos conteúdos
reformatados. Na primeira categoria, os conteúdos informativos contextuais
superam em quantidade todos os demais tipos de conteúdos indicados
na análise, tanto nas estratégias de expansão quanto nas estratégias de
propagação. Em segundo lugar ficaram os conteúdos de recuperação,
notoriamente aqueles que indicam processos de avaliação, com a finalidade
de aferir o aprendizado decorrente do processo de ensino. Na categoria
conteúdos reformatados também foram identificados conteúdos de
antecipação e de remixagem. Na categoria conteúdos informativos, além
dos contextuais, foram identificados conteúdos promocionais, embora as
correlações apontem apenas dois, em um mesmo curso.

Ao considerar o contexto de análise, compreende-se que os sujeitos docentes


responsáveis pelos desenhos didático-pedagógicos analisados, bem como
responsáveis pela seleção dos conteúdos que compuseram esses desenhos,
não tiveram a consciência de elaboração a partir das estratégias e conteúdos
166
transmídias aqui descritos. Contudo, a identificação dessas correlações,
com destaque pela aproximação ao contexto contemporâneo dos meios de
comunicação, revelou o potencial que emerge desse contexto de análise para
a construção de desenhos didático-pedagógicos mais coerentes ao contexto
da cibercultura. Em especial, pela identificação de múltiplas plataformas
integradas ao programa narrativo dos cursos analisados, de maneira que a
mídia regente, no que se refere aos processos de transmidiação, não apenas
fez uso de estratégias e conteúdos característicos das transmidiações, mas
também, integrou ao seu contexto de oferta a convergência das mídias. Nessa
perspectiva, as correlações descritas se constituem em exemplos sobre como
a cultura da convergência redefine os polos de emissão em plataformas
digitais, conforme pode ser observado na Figura 3, que ilustra as plataformas
conectadas à Miríada X.

Figura 3 – Plataformas conectadas à Miríada X

Fonte: Conteúdo autoral. Dados identificados nos MOOCs analisados.

Cada uma das plataformas indicadas na Figura 3 sinalizam possibilidades


de construção de conteúdos, além do potencial conectivo, tanto na criação
de conteúdo autoral colaborativo quanto na apropriação de conteúdos já
desenvolvidos e disponibilizados por meio da filosofia do código aberto.
As plataformas Youtube e Vimeo, no contexto de análise, serviram como
base de dados e compartilhamento de conteúdos audiovisuais autorais
e não autorais. A plataforma Playposit também foi utilizada com a função
de compartilhamento de conteúdo audiovisual, porém, esse conteúdo foi
reinserido nas ferramentas disponibilizadas para que fossem editadas,

167
remixando o conteúdo original, de maneira que a visualização do mesmo
fica condicionada às respostas aos questionamentos que surgem na tela. A
plataforma PowToon também possibilita a criação de conteúdos audiovisuais,
porém, em linguagem anime ‒ característica de desenhos animados. Nessa
plataforma, o conteúdo é construído a partir da combinação dos elementos
disponibilizados com a inserção de vozes, assim como nos processos de
dublagem. As plataformas Educaplay e KhanAcademy são repositórios de
conteúdos textuais e audiovisuais ‒ também integradas a outras plataformas,
por exemplo, o YouTube. As plataformas LivroClipe e Quizlet disponibilizam
ferramentas de gamificação de conteúdos de texto, imagem e som.

4 Correlações às estratégias e conteúdos transmídia

A partir dos procedimentos de seleção e análise dos dados, conforme já


descrito, pode-se identificar, por meio das correlações, categorias que
emergem dos repertórios que compõem os conteúdos analisados. Para fins
didáticos, com a intenção de que esse repertório possa sinalizar possibilidades
para futuros desenhos didático-pedagógicos ‒ consciente das possibilidades
de inserção das estratégias e conteúdos transmídias ‒, serão apresentados,
na sequência, exemplos das correlações identificadas.

Nas correlações às estratégias de expansão – conteúdos de extensão textual


‒ foram identificadas as seguintes extensões narrativas: informacionais,
filosóficas, jornalísticas, de ficção, musicais, imagéticas, documentais e
textuais. Nos conteúdos de extensão textual diegético foram identificadas
as seguintes extensões: séries, vídeos instrucionais, vídeos institucionais,
entrevistas, videoclipes, periódicos on-line, documentários, conferências.
A Figura 4 ilustra um exemplo de extensão narrativa musical. Trata-se de
um videoclipe do cantor e compositor Caetano Veloso, da música Língua,
indicada no MOOC “Língua Portuguesa”, inserida com a finalidade de ampliar
o repertório do conteúdo “Língua”, que compõe o repertório do curso. Já a
Figura 5 ilustra um exemplo de extensão narrativa diegética, pois o conteúdo
audiovisual escolhido é um videoclipe de uma banda chamada “Cordel
Ortográfico”. Ao contrário da extensão narrativa, esse conteúdo aprofunda
os conteúdos abordados, nesse caso, apresentando a composição do
alfabeto da Língua Portuguesa. Esses exemplos são práticas recorrentes em
168
ambientes de ensino, quando a intenção é ampliar o conhecimento sobre
determinado tema, ou para ilustrar o tema com outras associações. No caso
das correlações aqui apresentadas, esses conteúdos, caso sejam inseridos
a partir da consciência quanto aos potenciais referentes às estratégias e
conteúdos transmídias, saem da condição de uso casual para a condição
metodológica, integrada no que por ora chamaremos de um pensamento
pedagógico transmídia.

Figura 4 – Extensão narrativa musical (LP/Anhembi Morumbi)

Fonte: Curso Língua Portuguesa (2017).

Figura 5 – Extensão diegética de videoclipe (LP/Anhembi Morumbi)

Fonte: Curso Língua Portuguesa (2017).

169
Em relação às estratégias de propagação, seguem alguns exemplos referentes
aos conteúdos reformatados e conteúdos informativos. Nas correlações aos
conteúdos reformatados de antecipação foram identificadas atividades com
a proposta de construção de perfis dos alunos, enquetes e autoavaliações.
Em relação às correlações aos conteúdos reformatados de recuperação
foram identificadas atividades do tipo “lembre-se”, jogos de percurso, jogos
de palavras e avaliações gerais. Nessa análise, no que se refere aos conteúdos
informativos do tipo remixagem, foi encontrado apenas um exemplo, de
vídeo interativo referente ao MOOC “Português para Estrangeiros” (Figura 6).
Em relação aos conteúdos informativos promocionais foram encontrados
dois exemplos, uma divulgação de um MOOC e de um curso de graduação
relacionado ao programa narrativo do curso “Língua Portuguesa”.

Figura 6 – Conteúdo de remix: vídeo interativo (Português para Estrangeiros/FURB)

Fonte: Curso Português para Estrangeiros (2017).

170
5 (In)Conclusões

O desenho didático-pedagógico proposto nos MOOCs analisados, embora


inseridos em um ambiente padrão, ofertaram uma rica e significativa
experiência didático-pedagógica. As transmidiações geradas na prática dos
MOOCs, na correlação das estratégias e conteúdos transmídias, demonstram
intensa afinidade aos desenhos didático-pedagógicos identificados nas
unidades de análise. Esses desenhos sinalizaram aspectos de um pensamento
pedagógico transmídia que considera importantes fases de uma metodologia
de ensino que indica as estratégias de propagação por meio de conteúdos
reformatados – de antecipação, de recuperação e de remixagem, e de
conteúdos informativos, por meio de contextualizações e de promoção. Com
o mesmo grau de importância foram identificadas correlações às estratégias
de expansão, por meio de conteúdos de extensão textual – narrativos e
diegéticos. As estratégias de extensões lúdicas, embora não identificadas
nos desenhos didático-pedagógicos das unidades de análise, sinalizaram o
vértice ausente do estudo de caso, ou seja, os estudantes/cursistas. Contudo,
sua prática demonstra ser uma perspectiva totalmente viável e de extrema
importância para futuras experimentações, não apenas no contexto de
oferta de MOOCs, mas também em práticas pedagógicas voltadas para as
modalidades on-line, semipresencial e presencial.

Os processos de transmidiação das práticas didático-pedagógicas


identificados nas unidades de análise sinalizaram pressupostos, não apenas
para uma Metodologia de Ensino Transmídia (MET), mas, antes disso, para um
Pensamento Pedagógico Transmídia (PPT). Esse pensamento, por ora, está
orientado por uma compreensão sistêmica do ensino mediado por recursos
derivados das Tecnologias Digitais de Comunicação e Informação (TICEs), a
partir de um repertório selecionado por afinidade temática aos conteúdos
definidos pela equipe docente, podendo, inclusive, integrar estudantes em
diferentes níveis de formação, para que, de forma conjunta, possam projetar
as associações e ações motivadas por suas necessidades.

171
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175
Letramento e práticas textuais no aplicativo WhatsApp
Raquel Alves Amaral
Secretaria de Educação do Distrito Federal

Resumo
Este estudo apresenta temas questionadores e atuais em relação às
atividades de leitura, escrita e de fala em volta de materiais escritos, no
contexto virtual, especialmente, nas comunicações realizadas por meio do
aplicativo WhatsApp. As práticas de leitura e escrita têm sido apontadas como
as mais relevantes ações linguísticas reforçadas na educação básica. Nesse
paradigma, este artigo objetiva esclarecer questões quanto à aplicabilidade
dos letramentos advindos de práticas textuais no aplicativo WhatsApp e
suas contribuições ao ensino de conteúdos de língua materna, bem como
as influências do aplicativo na Educação, ao mostrar que a escola precisa
desenvolver estratégias didático-pedagógicas para elevar as consciências
no ciberespaço, em virtude do aumento no grau de adesão de dispositivos
móveis pelos estudantes.

176
INTRODUÇÃO

As atuais ressignificações de paradigmas no âmbito educacional exigem novas


formas de pensar e produzir conhecimento. Com isso, surge a necessidade de
pesquisas que respondam a essas demandas. Nos últimos anos, ocorreram
alterações nas relações entre o mundo virtual e o mundo real. Quando se
entra na perspectiva escolar, esse tópico torna-se ainda mais difícil, posto que
os alunos possuem práticas textuais, sociais e culturais bem diversas das que
são ensinadas e aprendidas na escola.

No que diz respeito a essas alterações, notamos que o letramento digital tem
contribuído e traz consigo uma série de situações de comunicação pouco
vividas antes da chegada das inovações tecnológicas computacionais. A
existência de salas virtuais de conversação na internet para a realização de
conversas simultâneas por escrito entre duas ou mais pessoas, a partir de
lugares diferentes do mundo, era um evento comunicativo impossível até a
implementação da grande era de comunicação.

Os dispositivos informáticos hoje disponíveis na rede digital de comunicação


possibilitam a criação de formas sociais e comunicativas inovadoras, que se
manifestam pelo uso intenso das novas tecnologias. Na contemporaneidade,
notamos que a dinâmica de sala de aula presencial está mudando, sendo
os próprios alunos os agentes principais dessa mudança; entretanto, os
professores não conseguem acompanhar essa alteração no mesmo ritmo.
Surgiu, nesse cenário, a necessidade de investigação das novas formas
de letramento que estão aparecendo no contexto virtual, especialmente,
nas comunicações por meio do aplicativo WhatsApp, bem como as suas
contribuições para as práticas de leitura e escrita.

Sabemos que existem, no mínimo, duas gerações no âmbito digital. Há os


migrantes digitais, que compreendem os nascidos antes dos anos 2000. E
também a geração do marketing digital, que compreende os nascidos após
os anos 2000. Muitos docentes são migrantes digitais e apresentam certa
dificuldade em ressignificar suas práticas pedagógicas, criando ou mesmo
adaptando softwares educativos para sua sala de aula. De acordo com estudos
177
na área, nenhum recurso tecnológico substitui o professor, para Galán e
Santos (2012) é preciso “considerar as TIC como auxiliares da função docente
do professor com o objetivo de favorecer a assimilação do conteúdo pelos
alunos, ou seja, facilitar e otimizar os processos de ensino-aprendizagem.”

Diante do exposto, ao fazer um breve percurso histórico, percebemos que em


todos os campos do saber há evoluções. Em uma perspectiva de evolução da
escrita, há registros iniciados há milhares de anos, quando o homem sentiu a
necessidade de registar não somente acontecimentos, mas, particularmente,
operações primitivas de comércio. Em razão de sua importância, a escrita
marca o encerramento da Pré-História e o início da História. Houve diversas
formas de escritas, as quais, evoluindo, deram origem à escrita como a
conhecemos atualmente.

Em vista disso, podemos pensar em um paralelismo semântico acerca da escrita


física com escrita digital. Sabemos que a linguagem escrita foi determinante
no desenvolvimento da sociedade e do homem, uma vez que possibilitou e
possibilita ao indivíduo pertencer e participar socialmente no mundo em que
vive. Tendo em conta que o homem desenvolveu historicamente um pensar
escrito, é necessário entender como a linguagem escrita, em novos suportes,
meios de comunicação e espaços de aprendizagem, cumpre a sua função.

A história da leitura é tecida pela história da escrita no entrelace com a história


de seus suportes, que avançam progressivamente, tendo como combustão
a facilidade para ler, produzir, armazenar e distribuir textos. Movimento,
velocidade, eficiência, mas, sobretudo, os multimeios e multiformas da
comunicação direcionam nosso olhar letrado (RANGEL; FREIRE, 2012, p. 18).

Segundo Marcuschi (2008), todo texto tem uma função social, ou seja, são
escritos para que sejam lidos e compreendidos dentro de uma esfera de
ação social. As escritas realizadas por meio do aplicativo WhatsApp, que se
constituem nos principais dados para este estudo, visam à compreensão
das novas formas de letramento que estão surgindo no contexto virtual do
aplicativo que, ao receber influências da cibercultura, reconfigura a concepção
de letramento, a qual, possivelmente, reinventa-se com a inserção de sons,
imagens e vídeos.

178
As potencialidades e possibilidades do WhatsApp Messenger como mediador
de outras práticas de letramento, escrita e leitura que se constroem no
processo comunicativo e, consequentemente, educativo sustentam o
argumento de que a comunicação e a educação possibilitadas pelo aplicativo
oportunizam a elaboração de uma escrita permeada por novos elementos
específicos da cultura digital (PORTO; OLIVEIRA; CHAGAS, 2017, p. 125).

2 As relações entre WhatsApp e educação

Nesta seção, são apresentadas as influências das tecnologias de informação,


comunicação e expressão (TICE), especialmente, do aplicativo WhatsApp, no
âmbito da Educação e suas implicações na prática pedagógica.

No cenário contemporâneo, é notável o fenômeno da sociedade da


informação na qual se manifestam novas configurações de tecnologias
informáticas conversacionais. Para Silva (2001, p. 11), “essa mudança
estrutural da pragmática comunicacional não ocorre simplesmente porque
o computador tornou-se conversacional.” Nesse sentido, observa-se uma
mudança na esfera social, em que aconteceu um aumento no grau de adesão
de dispositivos móveis pelas crianças, adolescentes, jovens e adultos tendo
em vista uma perspectiva social. Nesse contexto, é imprescindível que a
escola assuma o desafio de contribuir para uma formação que objetive elevar
as consciências no ciberespaço.

Cada um podendo ver, ouvir, ler, gravar, voltar atrás, ir adiante, enviar,
receber e modificar conteúdos e mensagens entendidos como espaços de
intervenção, de negociação inacabados. Cada um experimentando não mais
a disjunção da emissão/recepção, mas a coautoria (SILVA, 2001, p. 14).

Sabemos que a educação é um processo contínuo, nesse aspecto,


a escola precisa utilizar estratégias didático-pedagógicas para desenvolver
consciências no ciberespaço. Cientificamente, o cérebro humano precisa
ser estimulado; todavia, nos dias atuais, o que se percebe é uma inatividade
de algumas habilidades cerebrais, devido ao desuso e, disso, tem certa
culpabilidade o uso exagerado da tecnologia. Podemos notar a falta
de consciência de muitos indivíduos, quando sinalizam com emojis ou

179
emoticons, sem ler o conteúdo da mensagem. Torna-se muito necessária
uma consciência na cibercultura para o seu uso crítico.

Há estudos que mostram que “os emoticons são uma sequência de


caracteres tipográficos ou também uma imagem, que traduz, ou tem o intuito
de transmitir, o estado psicológico, emotivo de quem o emprega, por meio de
imagens ilustrativas de uma face.” (AFFONSO; ROCHA, 2013, p. 4). De acordo
com as concepções de Reis (2013, p. 13), “diferentes dos emoticons, que em
sua maioria são combinações de sinais ortográficos expressando um sorriso
ou piscada, os emojis são imagens com cara de desenho animado.”

[...] uma estratégia integrada num pensamento e prática pedagógica, que


visem desenvolver competências de acesso e utilização crítica da informação
que, no cotidiano, chega aos jovens de forma imediata, não filtrada e com
níveis de autenticidade e qualidade muito variados (TRINDADE; RIBEIRO,
2016, p. 180 apud PORTO; OLIVEIRA; CHAGAS, 2017, p. 52).

Nesse paradigma, vemos a importância de a escola se apropriar do ciberespaço


do WhatsApp, como um lugar de exploração de novas possibilidades, de
novos recursos e ferramentas pedagógicas. Segundo estudos de Oliveira
(2009), “um espaço de sociabilidade, fundamentado em interações múltiplas,
no qual é possível aprender em colaboração.” Esse pressuposto possibilita
a utilização desse aplicativo como um ambiente de aprendizagem. Nessa
perspectiva, refletir a respeito da viabilidade pedagógica desse aplicativo
envolve uma análise das possibilidades, potencialidades e fragilidades para
a educação de modo geral.

Sabe-se que “a educação on-line é um fenômeno da cibercultura, se


traduz nas práticas educativas que se dão nos ambientes formais e não
formais, presenciais ou não, mediados pelas tecnologias digitais, das
quais as tecnologias móveis também são parte.” (SILVA; CLARO, 2007). Ao
compreender que a criação de grupos no WhatsApp propicia a emergência
de comunidades virtuais de aprendizagem (CVA), a partir das quais os sujeitos
podem, em regime de colaboração, organizar-se e interagir em torno de
temas de interesse coletivo, resulta pertinente a construção de espaços para
os conteúdos e ações humanas.

180
Conhecemos que “o WhatsApp é um aplicativo digital multimodal,
multiplataforma, com alto grau de usabilidade” (SILVA; VILHEGAS, 2013),
que proporciona o compartilhamento de mensagens no formato de texto,
imagem, áudio e vídeo. Diante de novas experiências de comunicação na
cibercultura entre os sujeitos no cotidiano, percebemos suas implicações
no âmbito escolar. Alguns questionamentos surgiram nesse processo,
entre os quais temos: a formação crítica dos sujeitos no contexto da prática
escolar e as implicações do aplicativo; o uso didático de dispositivos móveis
e de aplicativos, como o WhatsApp, como uma necessidade pedagógica
contemporânea; o uso dessa mídia para apoio, informação e articulação das
aulas realizadas na sala de aula; um ambiente para realização de cursos.

Compreendemos que uma das atribuições da educação é se apropriar de


novos meios, abordagens e técnicas para o desenvolvimento humano. Para
tanto, pode-se utilizar de inovações tecnológicas, entre as quais “as mídias
digitais, em especial as redes sociais, na formação de sujeitos autônomos,
empoderados, comprometidos com as transformações sociais de seu
contexto.” (PORTO; OLIVEIRA; CHAGAS, 2017, p. 32).

3 As relações entre o WhatsApp e a língua portuguesa

Percebemos que a comunicação é uma das principais funções da língua.


Por meio dela, os homens se desenvolvem, perguntam, ensinam e instruem
outros. A língua faz parte da nossa identidade e da nossa cultura e está
presente nas experiências do nosso cotidiano. Com a invenção da escrita,
a humanidade deixou o período da pré-história e passou a fazer história. O
uso da escrita foi um acontecimento notável, pois favoreceu a propagação
do conhecimento para outras gerações. As influências das tecnologias de
informação, comunicação e expressão (TICE), especialmente do aplicativo
WhatsApp, quanto à língua materna, já é uma realidade presente no cotidiano
escolar.

Notamos também que a linguagem é específica ao homem, não tendo


equivalente pleno entre os animais; é universal, pois qualquer pessoa é
capaz de aprender pelos menos uma de suas manifestações nas diferentes
línguas. Para o linguista suíço Ferdinand de Saussure (2006), a linguagem é

181
caracterizada como uma faculdade humana, esta se divide em duas vertentes:
língua que constitui a parte social da linguagem e fala que é o uso individual
da linguagem.

Nesse contexto, Chomsky, conforme observa Lyons (1972), considera a


linguagem uma capacidade inata e específica da espécie humana. Essa
capacidade se manifesta por meio da competência e do desempenho. Para
Lyons, a competência é entendida como conhecimento do sistema linguístico
que permite ao falante produzir um conjunto infinito de frases de sua língua; já
o desempenho corresponde ao comportamento linguístico, resultante tanto
da competência quanto de fatores não linguísticos que são, entre outros, as
convenções sociais, as atitudes, e, para Fiorin (2003, p. 15), o desempenho
também é influenciado pelo “funcionamento dos mecanismos psicológicos e
fisiológicos envolvidos na produção de enunciados.”

A competência consiste, pois, conforme estudos de Bortoni-Ricardo (2004,


p. 69) “no conhecimento que o falante tem de um conjunto de regras que
lhe permite produzir e compreender um número infinito de sentenças,
reconhecendo aquelas que são bem formadas de acordo com o sistema de
regras da língua.” Nesse âmbito, a autora compreende como “bem formadas”
todas as frases produzidas por falante de uma língua. Nesse caso, uma
sentença produzida numa variedade rural, e por que não se considerar
também a variedade digital, é uma sentença bem formada segundo o
conceito chomskyano de competência, “porque foi produzida por um falante
nativo da língua, que tem conhecimento das regras básicas das variedades
e estilos dessa língua, que compõem seu repertório.” (BORTONI-RICARDO,
2004, p. 72). Assim, nessa concepção, “nenhum falante usa mal a sua língua
materna, mas a forma como a usa vai depender da variação ao longo dos
três contínuos: de urbanização, de oralidade/letramento e de monitoração
estilística.” (BORTONI-RICARDO, 2004, p. 72).

Adiante, Hymes (1966 apud BORTONI-RICARDO, 2004) desenvolveu o


conceito de competência comunicativa que apresenta não somente as regras
que presidem a formação de sentenças em uma língua, como também a
adequação dessas sentenças às normas sociais e culturais. Desse modo, em
situações de formalidade o falante seleciona um estilo mais monitorado.
Assim, as diferentes visões sobre o que se entende por língua e linguagem
são conhecimentos relevantes para o professor, tanto para sua formação
182
quanto para sua atuação. Nessa perspectiva, esses estudos são importantes
para traçar novas estratégias no ensino de língua portuguesa, a fim de que se
torne mais próximo da realidade dos educandos, tendo em vista a melhoria
de aprendizagem, uma vez que trabalha sobre a realidade dos usuários da
língua.

Nos dias atuais, os processos comunicativos entre os sujeitos envolvidos


no contexto educativo ganharam novas significações, isso aconteceu como
consequência dos usos dos dispositivos móveis. Sabemos das implicações que
as tecnologias de informação, comunicação e expressão (TICE) apresentam
ao processo de ensino-aprendizagem nas escolas.

Notamos que existem censuras a respeito da presença do celular em sala


de aula, alguns acreditam ser item dispensável, outros dizem que atrapalha
o andamento das aulas, pois distrai os alunos. Sabe-se que a Lei n. 4.131, de
2008 (BRASÍLIA, 2008), ampara a negativa do uso desses equipamentos em
sala de aula: “fica proibida a utilização de aparelhos celulares, bem como de
aparelhos eletrônicos capazes de armazenar e reproduzir arquivos de áudio
do tipo MP3, CDs e jogos, pelos alunos das escolas públicas e privadas de
Educação Básica.” Possivelmente, isso ocorre devido ao não esclarecimento
das estratégias pedagógicas de uso do aplicativo WhatsApp por meio de
tecnologia móvel. O aplicativo WhatsApp, como ferramenta pedagógica em
Língua Portuguesa, pode ser utilizado para a prática de leitura, ortografia,
produção de textos, composição de poesias, etc.

É viável usá-lo como ferramenta pedagógica para atrair os alunos na tarefa de


ler e escrever e planejamentos de aulas em que os alunos possam fazer uso
dessa tecnologia. Esse momento didático pode constar de leitura e produção
escrita, no qual os alunos podem ler um conto, resumi-lo e enviar para o perfil
do WhatsApp de um colega e do professor (NERI, 2015).

Percebemos a viabilidade de uso do aplicativo nas aulas de língua portuguesa,


tendo em vista o desenvolvimento da competência comunicativa plena,
postulada pelo sociolinguista Hymes (1972), e muito usada, no Brasil,
por Bortoni-Ricardo (2004), Bagno (2006), entre outros estudiosos. Nesse
contexto, sabemos que a escola precisa desenvolver seus alunos para as mais
diversas atividades com a linguagem, a fim de que eles possam se comunicar
adequadamente em cada situação.

183
4 As relações entre letramento, práticas textuais e aplicativo WhatsApp

Sabemos que existem diversas concepções de letramento, sendo ele um


campo vasto para pesquisas. Dessa forma, o letramento é abordado como
atos socioculturais que envolvem pelo menos umas das atividades de leitura,
de escrita, de fala em volta de materiais escritos e da fala sobre materiais
escritos. É um processo pelo qual o indivíduo passa por toda a sua vida, pois
ocorre na vida social.

As tentativas de definição (de letramento) estão quase sempre baseadas em


uma concepção de letramento como um atributo dos indivíduos; buscam
descrever os constituintes do letramento em termos de habilidades individuais.
Mas o fato mais evidente a respeito do letramento é que ele é um fenômeno
social [...] letramento é um produto da transmissão cultural [...] Uma definição
de letramento [...] implica a avaliação do que conta como letramento na
época moderna em determinado contexto social... Compreender o que “é”
o letramento envolve inevitavelmente uma análise social (SCRIBNER, 1984, p.
7-8 apud RIOS, 1996).

Existe uma numerosa controvérsia acerca das concepções dos processos de


letramento e de alfabetização. Nota-se que a alfabetização é uma etapa do
letramento de uma dada pessoa. Pode ser uma etapa informal, quando se
alfabetiza em um grupo, sendo considerada uma aprendizagem assistemática
e em comunidades de práticas. Constitui-se como uma etapa formal se ele se
alfabetiza na escola. Segundo Tfouni (1988, p. 9), “a alfabetização refere-se
à aquisição da escrita enquanto aprendizagem de habilidades para leitura,
escrita e as chamadas práticas de linguagem. Isto é levado a efeito, em geral,
através do processo de escolarização, e, portanto da instrução formal.”

O fenômeno do letramento, então, extrapola o mundo da escrita tal qual ele é


concebido pelas instituições que se encarregam de introduzir formalmente os
sujeitos no mundo da escrita. Pode-se afirmar que a escola, a mais importante
das agências de letramento, preocupa-se não com o letramento, prática
social, mas com apenas um tipo de prática de letramento, a alfabetização, o
processo de aquisição de códigos (alfabético, numérico), processo geralmente
concebido em termos de uma competência individual necessária para o
sucesso e promoção na escola. Já outras agências de letramento, como a

184
família, a igreja, a rua, bem como o lugar de trabalho, mostram orientações
de letramento muito diferentes (KLEIMAN, 1995, p. 20).

De acordo com Soares (2010, p. 47), “alfabetização é a ação de ensinar/


aprender a ler e a escrever; letramento é o estado ou condição de quem não
apenas sabe ler e escrever, mas cultiva e exerce as práticas sociais que usam
a escrita.” A autora defende que o ideal seria alfabetizar letrando, ou seja,
ensinar a ler e a escrever no contexto das práticas sociais da leitura e da
escrita, de modo que o indivíduo se tornasse, simultaneamente, alfabetizado
e letrado.

Sabemos que há muitos discursos do letramento, ora como linguagem escrita


ora como linguagem falada, sempre nas adjacências da escrita, como uma
atividade prática. A linguagem escrita passa a ser um objeto de conhecimento
e, ao mesmo tempo, a própria escrita passa a ser objeto de estudo. Os
discursos de letramento, as representações a respeito do que é escrever na
sociedade, a escrita em diferentes códigos na sociedade. Enfim, todos esses
aspectos são considerados como o próprio objeto de conhecimento.

Existe uma dicotomia acerca da linguagem escrita: vista como um meio, no


qual veicula as representações, ou vista como um fim quando ela mesma é o
próprio objeto desse discurso. O discurso é a própria língua em uso e inclui
a linguagem falada e a escrita. O letramento compreende o desempenho da
linguagem escrita por intermédio do discurso. Para Gee (1990, p. 150 apud
RIOS, 2010, p. 168), “é somente dentro do contexto da noção de discurso que
podemos alcançar uma definição viável de letramento.”

Uma associação socialmente aceita entre modos de usar a língua, de pensar, sentir, acreditar,
valorar e de atuar que podem ser usadas para identificar-se como um membro de um grupo ou
uma rede “social” socialmente significativa, ou sinalizar (que alguém está desempenhando) um
“papel” socialmente significativo. (GEE, 1990, p. 143 apud RIOS, 2010, p. 168).

Nesse sentido, temos que os discursos são “um tipo de linguagem usada
para construir uma perspectiva particular sobre um objeto da realidade e
o relaciona a modelos mentais ou esquemas, modos particulares de pensar
que são socialmente estruturados.” (CHOULIARAKI; FAIRCLOUGH, 1999 apud
RIOS, 2010).

185
Sabemos que as redes sociais e os ambientes virtuais criam novas
possibilidades para participação em práticas sociais que envolvem leitura
e escrita. Na prática social, “o discurso é um elemento que se relaciona
dialeticamente com outros: fenômenos mentais, atividades materiais,
relações sociais, de modo que um interioriza e é interiorizado pelos outros.”
(RIOS, 2010, p. 171). Como resultado, temos que o discurso se expande através
da gama de possibilidades de combinações entre fala, escrita e outros modos
semióticos, trazendo inovações para explorar os gêneros escritos, os estilos
usados para produção de textos, as atividades de leitura e os textos escritos
no discurso.

Diante do exposto, percebemos que a língua é funcional, em razão do seu


uso em um contexto de situação, sendo, em si própria, um elemento do
sistema de língua. Embora haja algumas controvérsias acerca dos usos da
língua, ela é viva consoante as ideias de Ferdinand de Saussure. A pertinência
se relaciona com o uso e sistema para construir significado. O significado das
palavras, num dado contexto de situação é o ponto central da abordagem
sistêmico funcional da língua. Para essa, texto é uma unidade que recorre
a estruturas da gramática a fim de construir significados. As estruturas
gramaticais coligadas à representação do mundo por meio de experiências,
significados experienciais, associam-se ao campo do discurso.

No paradigma dos discursos, percebe-se o desenvolvimento de novas


linguagens oriundas das relações pessoais envolvidas na interação e no
interior dos discursos. Possivelmente, teríamos um novo letramento,
sendo criados novos significados dentro dos contextos de situação. Então,
como compreender o letramento na atual sociedade da informação? Seria
imprescindível uma nova alfabetização, que trouxesse como resultado uma
conscientização dentro da cibercultura. Ou seja, um novo letramento dos
indivíduos que os capacitasse a ter julgamento, discernimento de uma gama
de informações. Um letramento que os fizesse transformar informação em
conhecimento.

Discorre-se, aqui, a expressão informação tendo por fundamento as definições


de Daniel Bells e Manuel Castells. Esses trouxeram uma diferenciação entre
a informação e o conhecimento. Para Manuel Castells, o termo informacional
indica o atributo de uma forma específica de organização social, na qual a
geração, o processamento e a transmissão de informação se convertem
186
nas fontes fundamentais da produtividade e do poder por conta das
novas condições tecnológicas surgidas nesse período histórico. Segundo
Castells (1999), o que caracteriza a revolução tecnológica é a aplicação
do conhecimento e informação a aparatos de geração de conhecimento e
processamento da informação e comunicação.

Sabemos que constitui uma realidade brasileira a existência de jovens e


adultos escolarizados, porém “sem conhecimentos básicos correspondentes
ao seu grau de estudos, isto é, um conhecimento incapaz de auxiliá-los com
suas próprias habilidades de leitura e escrita para sua atividade social e
profissional.” (PORTO; OLIVEIRA; CHAGAS, 2017, p. 114). Nesse sentido, vários
estudos sobre o letramento como prática social têm se voltado para uma
preocupação crescente com a observação do que as pessoas fazem por meio
da leitura e da escrita na vida cotidiana e sobre como elas representam essas
atividades. Nessa linha, o letramento é situado no tempo e no espaço de
modo que há diferentes letramentos para diferentes divisões do espaço e
tempo social.

No contexto social, percebemos a inserção massiva das mídias, o que


ocasionou alterações nos processos comunicativos. Dessa maneira, novos
processos de leitura, escrita e de compreensão de textos têm se estabelecido
na sociedade, o que advêm, possivelmente, da popularização das redes sociais
e da tecnologia móvel, as quais utilizam a prática de leitura e escrita em seus
ambientes. Ora, se estamos falando de ambiente virtual, a linguagem difere
daquela já consolidada.

Na passagem da “tradição oral para a escrita, Sócrates temia que a nova


técnica prejudicasse o uso da memória. Depois do Iluminismo, vimos a
ascensão da escrita como meio privilegiado do saber.” (RANGEL; FREIRE, 2012,
p. 11). A cultura da escrita foi estabelecida, inclusive, no meio escolar. Um dos
grandes cooperadores, nesse processo, foi o livro. Este e sua disseminação
fizeram da técnica da escrita a grande base da sociedade, tornando a cultura
oral em segundo plano. O desenvolvimento das mídias digitais, com suas
tecnologias de informação, comunicação e expressão, favoreceu novamente
uma mudança na relação entre conhecimento e memória.

Justamente em razão desse acúmulo de informações é que a relação entre


conhecimento e memória precisou ajustar. O que a vida cotidiana requer

187
atualmente do indivíduo é que ele saiba onde buscar dados e informações
para, em seguida, promover a contextualização, seleção e relação entre tudo
aquilo que, abundantemente, as mídias lhe oferecem (RANGEL; FREIRE, 2012,
p. 13).

Percebemos as alterações por que passam os hábitos de leitura e escrita,


bem como a maneira de as pessoas se informarem e se comunicarem. Isso
decorre da generalização do uso de redes sociais e de aplicativos de troca
de mensagens, como o WhatsApp, que possibilita novas experiências nos
processos de ler e escrever, resultando em práticas de letramento mediadas
por essa tecnologia.

Essas práticas passam a ter características próprias do ciberespaço, tais


como: hipertexto, produção e compartilhamento de áudios, vídeos e
imagens. Elas evidenciam uma nova prática de letramento, constituída por
elementos e práticas que são próprios da cultura digital. Para Porto, Oliveira e
Chagas (2017, p. 114), “as tecnologias de escrita, desempenham um papel de
organização e reorganização destes processos comunicativos e educativos.”
São formados novos estilos de pensamento.

Percebemos que o aplicativo WhatsApp pode ser um suporte para novas


práticas de letramento social no processo comunicativo, possibilitando
reconfigurações das habilidades de leitura e escrita. Sabemos que hoje já
não compreendemos o texto como antigamente, quando era considerado
uma sequência linear de palavras, de frases, da esquerda para a direita, de
cima para baixo, cujo limite era a margem de uma folha. De acordo com
Porto, Oliveira e Chagas (2017, p. 115), “a dimensão do texto no papel é
materialmente definida pelo autor: identifica-se claramente seu começo
e seu fim, as páginas são numeradas, o que lhes atribui uma determinada
posição numa ordem consecutiva.”

Essa concepção se limitava a um produto acabado; no entanto, ampliamos


esse conceito e passamos a considerar o texto como uma sequência de
ideias em processo de reconstrução pelo leitor. No aplicativo WhatsApp, o
texto é chamado de hipertexto, o qual possui escrita e leitura multilineares,
não sequenciais, utilizando-se links que reconfiguram novas possibilidades.
Se antes tínhamos textos com limites de margens, que contornavam as
páginas, na época atual esses limites ampliam seu horizonte interpretativo.

188
Novas reconfigurações surgiram e o processo de interpretação tanto recorre
ao conhecimento dos interlocutores, em seus contextos, quanto aos textos
anteriores estabelecendo associações ou complementações de sentidos.
Dessa forma, é preciso desenvolver habilidades e competências para esse
novo letramento manifestado no ambiente do aplicativo WhatsApp.

Temos de considerar que o aplicativo favorece outros recursos, além da


palavra escrita. Nele, o texto pode ser construído no gestual e na oralidade
(vídeos e áudios), nas imagens, nas expressões faciais e outras formas de
linguagens e símbolos (emojis, emoticons, gifs) que transmitem e acrescentam
significados às comunicações e relações sociais. Nesse ambiente, o leitor
do hipertexto é também o seu autor, porque escolhe o seu percurso por
hiperlinks, que ligam diferentes textos e contextos. Esse novo perfil de leitor
reflete, infere, questiona, flexibiliza-se no diálogo e na troca de outros textos.
Segundo Koch (2008, p. 30), “a construção de sentidos só é possível a partir do
mergulho em processos e estratégias cognitivas e interacionais.”

Nessa lógica, os professores devem criar mecanismos para que esse processo
de construção de sentidos, tanto da escrita quanto da leitura, concretize-se.
Sabemos que “a aprendizagem mediada é o caminho pelo qual os estímulos
são transformados pelo mediador, guiado por suas intenções, intuições,
emoções e cultura.” Para Santos e Andrade (2010, p. 34), “o mediador seleciona
os estímulos mais apropriados, filtra-os, elabora esquemas, amplia alguns.”
Segundo os autores, é por meio da mediação que a estrutura cognitiva
adquire padrões de comportamento que determinarão sua capacidade de
ser modificada. Assim, quanto mais mediação pedagógica, mais o educando
desenvolve a capacidade de ser afetado e se modificar.

5 Considerações finais

A riqueza do estudo construído acima está longe de ser completamente


findado. Espera-se, porém, que tenha dado uma contribuição acerca do
letramento no ambiente virtual do aplicativo WhatsApp, aliando-o ao ensino
de conteúdos, o que seria um facilitador do processo ensino-aprendizagem
de linguagem, tendo em vista a multiplicidade de linguagens nos textos em
circulação no ambiente escolar.

189
Já pudemos ser esclarecidos de que as principais características dos
novos letramentos é que são interativos, em vários níveis de expressão e
comunicação. Diferentemente dos letramentos anteriores, impressos. Essa
linguagem digital, por ser traduzida para a linguagem dos dígitos binários e
por sua concepção fundante em rede (web), permite que o leitor e escritor de
textos interaja em vários níveis e com vários interlocutores.

Pensar o papel da escola em um mundo globalizado e, porque não


dizer, digitalizado e multifacetado, tornou-se imprescindível. No Brasil
contemporâneo, o surgimento de novos letramentos no uso de tecnologias
de comunicação, informação e expressão (TICE) influencia demasiadamente
o ensino de linguagens nas escolas. Até há pouco tempo, as práticas de
letramento se fundamentavam no uso de tecnologia da escrita para o ensino-
aprendizagem da leitura e da produção textual e isso atendia às demandas
postas à educação escolar; nos dias atuais, com o surgimento das tecnologias
digitais, novos desafios são postos à escola.

A sociedade, nesse paradigma, obtém com este estudo um entrave na


diminuição do contexto de dupla face, contexto virtual e o presencial, uma
vez que os novos letramentos no uso de tecnologias de comunicação,
informação e expressão, particularmente o aplicativo WhatsApp, tornar-se-
ão cooperadores da aprendizagem.

Neste contexto e, ao pensar na competência comunicativa proposta por Dell


Hymes (1966), a qual Bortoni-Ricardo (2004, p. 74) explicita: “é papel da escola
facilitar a ampliação da competência comunicativa dos alunos, permitindo-
lhes apropriarem-se dos recursos comunicativos para se desempenharem
bem, e com segurança, nas mais distintas tarefas linguísticas.” Concluímos
que outras instâncias sociais também são relevantes para o desenvolvimento
do letramento. O papel dos educadores é, justamente, ampliar o letramento
dos estudantes para que os jovens e adultos, diante das diversas situações de
interação por meio da escrita, possam apresentar competências e habilidades
em qualquer situação social.

190
REFERÊNCIAS

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192
Tecnologia, Educação e o Conhecimento em Ambientes de Formação
on-line
Richard Gagnon
Universidade Laval (Canadá)

Bruno Santos Ferreira


Universidade Laval (Canadá)

Resumo
Nenhuma sociedade pode fazer economia de levar as novas gerações à forma
adulta, de educá-las, de formá-las cidadãs. A educação é uma ideia elementar
que se inscreve nos princípios que formam uma sociedade, bem como que
conduzem o desenvolvimento humano. No entanto, o advento da tecnologia
revolucionou o mundo e, consequentemente, impôs mudanças no conceito
de educação – implicando sua ordem, seus agentes e também sua matéria.
No meio digital, tudo é informação e, portanto, o conhecimento passa a ser
produto derivado de sua decodificação e assimilação. Consequentemente,
tudo se transforma: o processo de ensino e aprendizagem (a formação), os
agentes do processo (o professor, o aluno) e também, o conteúdo (a matéria)
assumem uma nova forma. E o conhecimento? À luz dessa questão propomos
desenvolver neste artigo algumas ideias em torno do conhecimento, sem a
pretensão de exaurir o tema, no entanto, com forte interesse na exploração
de seus aspectos organizadores e operacionais que o legitima de diversas
maneiras como um “saber”, significativo, enciclopédico e completo.

193
INTRODUÇÃO

Nenhuma sociedade pode fazer economia de levar as novas gerações à


forma adulta, de educá-las, de formá-las cidadãs. Assim, diversos dispositivos
naturais, culturais, sociais, científicos e éticos são colocados em jogo a fim
de se estabelecer os princípios essenciais da personalidade humana (MEAD,
1963). O movimento desses dispositivos estabelece o papel elementar e
legitima o trabalho da “educação” e, consequentemente, funda o nascimento
do “sujeito”: social, em constante interação com outros sujeitos – envolvido
na dinâmica do desejo – construindo-se sob a ótica de uma história articulada
por ideias individuais, familiares, de amizade e de sociedade; no qual ele
mesmo ocupa uma posição social (CHARLOT, 1996); e individual, em relação
à sua vida pessoal, psíquica, fundada por um sistema integral Consciente/
Inconsciente, não limitado à linguagem ou às ações organizadas pela
racionalidade consciente, mas também influenciada por representações,
imaginações que interferem, particularmente, na vida pessoal e também
nas práticas relacionadas aos seus conhecimentos (BEILLEROT; MOSCONI;
LAVILLE, 2000).

Desse modo, a educação é uma ideia elementar que se inscreve nos princípios
que formam uma sociedade, bem como que conduzem o desenvolvimento
humano. Em outras palavras, é uma fórmula que implica conceitos éticos,
morais, valores geradores de comportamento (condutas, hábitos) individuais,
culturais, sociais e, também, todo o conhecimento inscrito na natureza de
cada um desses conceitos (MORANDI, 2000). Nessa perspectiva, “sociedade” e
“educação” estão intimamente ligadas em uma interdependência. É por meio
da educação que o sujeito se integra ao seu meio, a um sistema de sociedade,
de cultura e de valor, no qual as instituições educativas (escolas, universidades
e outras) ganham protagonismo. O sujeito somente se forma pela educação
e uma sociedade madura somente se estabelece por meio da educação
(DURKHEIM, 1911). Não se educa apenas por “educar”, mas também para
uma finalidade: para adaptação a uma realidade, para a liberdade, para o
progresso coletivo ou individual, para inventar, para evoluir, para aperfeiçoar
a pratica. Na “prática”, a educação é própria da natureza do homem, assim
como afirmou Aristóteles (MORIN; BRUNET, 2000) e um homem só se torna
homem através da educação, como complementou Kant (1966).
194
Não obstante, o advento da tecnologia revolucionou o mundo e,
consequentemente, impôs mudanças no conceito de educação – implicando
sua ordem, seus agentes e também sua matéria. Atualmente, quando se
pensa em educação, pensa-se em tecnologia. Por um lado, em razão da
presença e utilidade das tecnologias, dos dispositivos tecnológicos na vida
cotidiana e, por outro, em virtude da popularização da Web que generalizou
o acesso à informação e, consequentemente, viabilizou novos meios de
acesso ao conhecimento e, com isso, novas formas de educação. É o caso
da educação on-line e a distância (EAD): uma evolução natural, resultante
da revolução tecnológica no meio educacional (KENSKI, 2008). Por meio
das redes de comunicação que extrapolam as barreiras físicas e estão, de
maneira onipresente, em vários aparelhos digitais, o conceito de educação se
expandiu, possibilitando a oferta de diversos níveis de formação a distância:
acadêmica, técnica, profissionalizante e outras atividades de extensão
instrucional. No entanto, a tecnologia não somente democratizou a educação,
mas transformou, fundamentalmente, a maneira pela qual transmitimos e
adquirimos o conhecimento.

No meio digital, tudo é informação e, portanto, o conhecimento passa a


ser produto derivado de sua decodificação e assimilação (DORTIER, 2016).
Consequentemente, tudo se transforma: o processo de ensino e aprendizagem
(a formação), os agentes do processo (o professor e o aluno) e, sobretudo, o
conhecimento (a matéria) assumem também uma nova forma. Efetivamente,
no mundo digital – à escala de consciência – é outro e as evoluções tecnológicas
e científicas estão modificando nossa percepção e interação com o mundo, e,
também, com nós mesmos. Isto posto, acrescenta-se à ideia de educação o
desafio de uma nova ecologia mais apropriada ao “sujeito-humano moderno”;
uma nova consciência dos princípios de humanidade e, assim, a continuidade
da garantia de seu exercício (MORANDI, 2000).

Essas transformações suscitam a necessidade de encontrar uma nova


“origem”, um novo meio de orientação, posto que no mundo digital os
preceitos comuns são, a priori, cosmopolitas. Nessa perspectiva, a ideia
de sociedade também ganha uma nova forma, tanto na dimensão pública
quanto na privada: os contratos, as normas, as regras, as leis se expandem,
perdem peso, ganham alcance; seus efeitos abrem espaço à liberdade, à
criação, à independência individual. Desse modo, a palavra “autonomia” se

195
torna a palavra de ordem no cenário digital. Todavia, em um cenário real, a
“reputação” continua ordenando as ideias sociais, a fim de promover o bem-
estar comum por meio de sujeitos bem adaptados ao meio em que vivem.
Em outras palavras, embora a autonomia, ou seja, a capacidade de governar-
se pelos próprios meios, seja um objeto de desejo de comum acordo entre
um indivíduo e sua sociedade; essa última necessita reconhecê-la, atestá-la,
certificá-la, objetivá-la dentro de suas regras e leis comuns que delimitam
suas fronteiras normativas, faz parte do ritual! A aquisição de conhecimentos
que favoreçam a autonomia na aprendizagem é uma questão, obviamente,
bastante discutida no meio científico da educação, tanto para situações
presenciais quanto para situações a distância. Ademais, as capacidades de
trabalhar de forma independente são cruciais para o sucesso de tecnologias
educativas de modo geral e, em particular, em ambientes de EAD; ao passo
que o sujeito-aluno tem maior responsabilidade pelo seu processo de
aprendizagem (KENSKI, 2008). Portanto, para orientar as práticas didáticas
e pedagógicas e os modos de intervenção dos professores em ambientes de
EAD, é desejável dispor de novos conceitos que possibilitem compreender,
do ponto de vista cognitivo, o que significa ser autônomo em situações de
aprendizagem e quais são os limites e as dificuldades que permeiam o termo.

À luz do exposto, propomos desenvolver neste artigo algumas ideias em


torno do conhecimento, sem a pretensão de exaurir o tema, conquanto, com
forte interesse na exploração de seus aspectos organizadores e operacionais
que o legitimam de diversas maneiras como um “saber”. Assim, propomos:
1) analisar e definir os diferentes tipos de conhecimentos e suas relações de
significado dentro das perspectivas individual e coletiva; 2) expor e discutir
a ideia de um caráter enciclopédico por meio de uma visão sinóptica do
conhecimento; 3) discutir sobre quais conhecimentos são verdadeiramente
significativos para um sujeito e como eles contribuem para a sua autonomia,
reputação e, portanto, conferem-lhe certo grau de liberdade; 4) discutir sobre
a riqueza inovadora existente na complementaridade desses conhecimentos
visando um ideal de saber completo.

196
2 O conhecimento dentro de uma epistemologia do saber significativo

O que é o conhecimento? A etimologia do termo “conhecimento” nos remete


à sua origem no Latim primitivo, “cognoscere”, que pode ser traduzido como
“ato ou efeito de conhecer”. Nessa perspectiva, a noção de conhecimento
nos parece simples e evidente, no entanto, assim que tentamos conhecê-lo,
dentro de nós mesmos, mesmo ele sendo óbvio, íntimo e familiar, ele se torna
desconhecido e complexo (MORIN, 1986). Esse sentido paradoxal de poder
conhecer alguma coisa sem a necessidade de conhecer o conhecimento
fascina, desde os primórdios, a filosofia e até o momento é, por uma parte,
uma questão em aberto e por outra o fundamento mais sólido da ciência
humana. O mais difícil, quando se trata de pensar sobre o conhecimento,
é saber por onde começar: “é como se não existisse um ponto de partida,
visto que o ato de pensar no conhecimento tem como pressuposto que o
conhecimento já está lá, como suporte e causa do pensamento4 ”, tal como
afirmam Morin e Brunet (2000, p. 43).

Quando falamos de educação, concordamos que não existe conhecimento


sem sujeito. Assim, consideraremos, a partir de então, os conhecimentos
inscritos dentro da perspectiva de um sujeito, seja ele individual, representado
por seu lado subjetivo, íntimo ao próprio sujeito, suas preferências e modos
particulares de pensar e agir; ou social, representando seu lado público,
objetivo, acessível, comunicável, comum e reconhecido na sua coletividade,
a sociedade à qual pertence, em complemento à descrição de sujeito que
fizemos anteriormente. Ademais, o sujeito que conhece, realiza a ação de
conhecer algo por meio de suas faculdades: sensoriais, intelectuais, intuitivas
e afetivas, a fim de experimentar, de expandir sua consciência e, assim,
revelar a verdade que tanto nos falta e, portanto, nos atrai (PASCAL, 1949).
Sendo assim, consideraremos o conhecimento como um objeto de desejo, de
resposta, de sentido, de verdade cognoscível. Nesse sentido, o conhecimento
é, também, complexo, material, imaterial, misterioso, esotérico – no sentido
literal etimológico termo, ou seja, intimamente estrangeiro à consciência
–, inconsciente e, de natureza híbrida, constructo do homem individual e
coletivo – social, religioso ou acadêmico. Todavia, quando podemos afirmar
que conhecemos? É quando um conhecimento é pertinente5 , ou seja,
apropriado à finalidade a que se destina dentro de um contexto, e admitido

197
como válido6 – verdadeiro – aos olhos de um indivíduo ou de uma sociedade
(GAGNON, 2013). Ademais, é quando um conhecimento é reconhecido como
significativo: individualmente, ao passo que contribui ativamente para a sua
autonomia; e, socialmente, ao passo que contribui para a sua reputação de
um indivíduo dentro de um corpo coletivo.

À luz do que precede, podemos considerar a seguinte convenção como


uma expressão da dinâmica de movimento relativa ao significado de um
conhecimento:

Saber Significativo = Pertinente • Válido

Nessa perspectiva, por um lado, um indivíduo sabe que conhece, quando


um conhecimento novo encontra conexão – é integrado – com outros
conhecimentos já admitidos como relevantes e verdadeiros dentro do seu
sistema pessoal de conhecimentos, sua epistemologia pessoal. Por outro
lado, um corpo coletivo – uma sociedade – sabe que um indivíduo conhece
quando seu conhecimento encontra conexão – é reconhecido – perante
outros já admitidos como relevantes e válidos dentro do sistema comum de
conhecimentos dessa sociedade, sua epistemologia comum. Nesse sentido,
propomos as seguintes definições:

a) Um conhecimento existe para um sujeito dentro de duas perspectivas


complementares: 1) a individual, subjetiva ao sujeito e, portanto, privada de
acesso ou observação externa; e 2) a social, objetivada pelo sujeito perante
um corpo coletivo e, portanto, pública e perceptível a uma observação externa
ao sujeito. Por conseguinte, intitularemos os conhecimentos pertencentes
à perspectiva individual de um sujeito de Saber Individual e de Saber Social
aquele pertencente à perspectiva pública de um sujeito, porém, que possua
um reconhecimento pelo seu corpo social.

4
Tradução nossa.
5
A pertinência de um saber significativo está relacionada com o esforço necessário para se adquirir uma informação e com o
efeito do contexto produzido sobre o indivíduo ou sobre a comunidade (ZOURHLAL, 2015; GAGNON, 2013).
6
Validar um conhecimento significa certificá-lo como verdadeiro e confiável (GAGNON, 2013). A certificação está associada
a uma posição epistemológica que diz respeito a um indivíduo ou a um corpo coletivo que, segundo a teoria Pepper (1970),
podem ser categorizados, como: mecanicismo, formismo, contextualismo e organicismo.

198
b) No que concerne à perspectiva individual do sujeito, duas dimensões
são estabelecidas: 1) a privada, cujos conhecimentos ficam restritos às
percepções particulares de um indivíduo e 2) a pública, cujos conhecimentos,
por possuírem uma identidade coletiva, ficam perceptíveis universalmente;
assim sendo, intitularemos os conhecimentos pertencentes à dimensão
privada de um sujeito de Saber Individual Privado e aqueles pertencentes à
dimensão pública do sujeito de Saber Individual Público; consequentemente,
podemos perceber que os Saberes Sociais estão contidos na dimensão pública
do sujeito, logo, podemos perceber que o conjunto de Saberes Individuais
Públicos contém o conjunto de Saberes Sociais de um indivíduo. Portanto,
todo Saber Individual Público é Saber Social, porém nem todo Saber Social é
Saber Individual Público.

c) Considerando os argumentos precedentes, vamos redefinir o conceito


de saber significativo em outras palavras: intitularemos de Saber Individual
Significativo todo conhecimento inscrito na perspectiva individual do sujeito
e admitido como pertinente e válido, tanto privado quanto público; ele é
perfeito porque corresponde totalmente ao que o indivíduo exige de um
conhecimento para atribuir-lhe valor e confiança.

d) Ademais, intitularemos de Saber Social Significativo todo saber significativo


individual, pertencente à dimensão pública do sujeito, porém de relevância
social, ou seja, compartilhado por uma comunidade de indivíduos,
favorecendo a mesma abordagem epistemológica e os mesmos métodos de
validação do conhecimento.

3 O conhecimento como um saber enciclopédico

A significância de um conhecimento é um grau de perfeição bastante


esperado tanto para um sujeito quanto para uma sociedade. Em razão de
sua importância fundamental, diversas disciplinas científicas buscam, por
intermédio dele, um ideal de perfeição, porém lhe dando um recorte stricto
sensu, no intuito de resolver problemas particulares ao seu domínio. Todavia,
conforme descrito anteriormente, um conhecimento ganha significado
quando ele encontra uma conexão perante outros já anteriormente admitidos
segundo um sistema organizado de conhecimentos – uma epistemologia.

199
Assim sendo, se, por uma perspectiva individual os conhecimentos ganham
significado por meio de um movimento de interconexão, então não seria
absurdo pressupor que, por uma perspectiva coletiva, todos os saberes
individuais de um sujeito podem estar conectados, por meio das identidades
coletivas, com outros conhecimentos externos ao sujeito, pertencentes ao
seu corpo coletivo imediato e, seguindo a mesma lógica, com outros corpos
coletivos maiores, de maneira universal. Isso mesmo, esse pensamento não
é absurdo! Trata-se do pensamento enciclopédico, cujo objetivo geral era
medir o conhecimento humano de uma época, mediante a ótica de uma obra
completa, com uma Enciclopédia.

Historicamente, a Enciclopédia foi um dos empreendimentos intelectuais mais


ambiciosos feitos na Era do Iluminismo, liderado por Diderot e d’Alembert.
Com o objetivo de apresentar uma visão sinóptica sobre todo o conhecimento
científico, artístico e profissional da época, esse empreendimento tinha como
objetivo constituir, por meio de métodos científicos, um todo organizado,
sintético e coerente do conhecimento humano. Nessa perspectiva, a ideia era
buscar uma totalidade dos conhecimentos por intermédio da compreensão
geral e das articulações existentes entre eles, tal como os autores sugeriram
nas primeiras linhas do Discurso Preliminar do projeto (DIDEROT, 1955). Em
outras palavras, tratava-se de empreender um pensamento organizado:
de maneira universal, como uma enciclopédia, no qual se busca o
estabelecimento de um ordem e orientação por meio de uma classificação e
pelas conexões lógicas ou naturais do conhecimento humano; por outro, de
maneira particular, como um dicionário, no qual, para cada conhecimento é
buscada uma síntese unitária que apresente os princípios gerais de base e
seus detalhes mais essenciais, que os fazem corpo e a substância (DIREROT,
2013).

O principio enciclopédico propõe uma ideia de ordem e extensão dos


conhecimentos por meio de três conceitos: 1) a identificação da ciência de
base a qual o conhecimento pertence; 2) a posição da ciência em um sistema
de árvore científica; e 3) o nível de relação do conhecimento com outros
conhecimentos dentro da mesma ciência ou de uma ciência diferente. No
relativo aos conceitos 1 e 2, o sistema referencial seria o de uma estrutura
hierárquica, em forma de árvore, na qual os conhecimentos pertencem a
uma ciência de base que, por sua vez, pertence a uma classificação mais geral

200
segundo seu objeto de estudo e finalidade. Esse referencial foi concebido por
d’Alembert e foi intitulado de Sistema Figurativo do Conhecimento Humano. O
conceito esquemático nas ideias de Francis Bacon nas teorias epistemológicas
do Iluminismo. Ademais, no que concerne o conceito 3, todo conhecimento
poderia estar relacionado a outros, independentemente de suas ciências de
base, por meio de referências que os conectariam. Essa conexão ocorreria
por meio de um vocabulário em que os conhecimentos compartilham. Desse
modo, seria possível transitar de um conhecimento para outro por meio de
um vocabulário comum (DIREROT, 2013).

A partir do exposto, propomos uma projeção dos Saberes Significativos à luz do


pensamento enciclopédico, evocando as ideias de Diderot e d’Alembert, com
o propósito de tentar expor uma forma de sinóptica desses conhecimentos,
tanto inscritos dentro de uma perspectiva do sujeito quanto externos ao
mesmo, a qual associaremos o título “Saber Enciclopédico”.

Dentro da perspectiva individual do sujeito, intitularemos de Enciclopédia


Pessoal todos os saberes significativos individuais do sujeito, sejam eles
privados ou públicos. Quando os saberes pertencerem à dimensão privada,
intitularemos sua totalidade de Enciclopédia Pessoal Privada; de maneira
análoga, intitularemos de Enciclopédia Pessoal Pública todos os saberes
significativos individuais pertencentes à dimensão pública do sujeito. Para
os saberes sociais significativos, intitularemos sua totalidade de Enciclopédia
Pessoal Perfeita. De maneira externa à perspectiva do sujeito, poderíamos
afirmar que perante um corpo coletivo, o conjunto de todas as enciclopédias
perfeitas de seus indivíduos forma uma Enciclopédia Social e, de maneira
análoga, podemos obter um recorte enciclopédico de um domínio científico,
artístico, técnico ou profissional particular, bem como um recorte universal,
ou talvez uma forma de Saber Completo, tal como vamos discutir a seguir.

4 Discussão

Diversas constatações podem ser feitas quando consideramos todos os


elementos que foram apresentados acima. Alguns são, por assim dizer, óbvios,
já que estamos acostumados a vê-los presentes e implementados na maioria
dos sistemas tecnológicos e ambientes de formação que conhecemos. Outros

201
são mais problemáticos, porque levantam questões que desconhecemos,
de fato, ou, ao contrário, abordam assuntos que não queremos resolver.
Consideraremos, para começar, o saber individual significativo. Nós o
qualificamos de perfeito porque ele corresponde totalmente ao que um
indivíduo exige de um conhecimento para atribuir-lhe valor e confiança. Por
um lado, o conhecimento é desejado por este último, porque ele o considera
útil, interessante, agradável de conhecer ou por alguma razão que, do seu
ponto de vista, confere ao conhecimento sua pertinência. Por outro lado, ele
encontra sua validade na mesma forma que o indivíduo privilegia quando
quer validar seus conhecimentos mais valiosos, ou seja, de acordo com sua
posição epistemológica ou, praticamente, de acordo com o seu estilo de
aprendizagem, conforme a classificação de Kolb (1984). Certamente, um
conhecimento qualquer pode ser bastante particular – conhecido ao extremo
unicamente por este indivíduo – ou mesmo falso para os outros, mas, para
este último, é carregado de significado e é válido. Nesse caso, se necessário,
será difícil leva-lo a mudar sua posição quanto a esse conhecimento.

Diante do saber individual significativo, até então privado ao indivíduo,


encontra-se o saber significativo público, coletivo ou social, compartilhado
por uma comunidade de indivíduos favorecendo a mesma abordagem
epistemológica, os mesmos métodos de validação do conhecimento, tal
como os especialistas de um campo de domínio específico, por exemplo,
ou ainda compartilhando a mesma linguagem, o mesmo vocabulário, a
mesma cultura, como uma sociedade homogênea. Essencialmente, qualquer
observação ou característica que poderia ser atribuída ao saber significativo
individual também se aplicaria ao saber significativo público, já que este
último diz respeito a um corpo social distinto em uma sociedade que contém
muitos deles. Nessa perspectiva, o saber significativo público pode ser,
paradoxalmente, particular, mas também falso ou inadmissível para outros,
sendo o coletivo de um ser, de fato, apenas o singular do outro.

De maneira geral, entretanto, qualquer indivíduo que viva em sociedade


possui conhecimentos híbridos, isto é, constituídos de elementos públicos
e privados. Por exemplo, todos os especialistas em engenharia mecânica
dominam os princípios da mecânica dos fluidos ou as propriedades mecânicas
dos materiais, são conhecimentos comuns a esses profissionais, mas a
experiência de cada um deles é singular, em parte inconsciente, de modo

202
que o conhecimento resultante forma uma mistura composta, parcialmente
indeterminada, peculiar a cada um. Eles serão reconhecidos pela sociedade
somente se validarem esse conhecimento, seu componente público significa
o que ele alcança em suas instituições educacionais e ordens profissionais.
Uma primeira fonte de conflito surge, então, quando o que é pertinente
para um indivíduo não é necessariamente pertinente para a sociedade ou
grupo no qual ele pertence. Assim, um interesse individual marcado pela
história do engenheiro mecânico não está, geralmente, no currículo das
universidades que formam os engenheiros deste domínio, o que poderia
frustrar um estudante que tenha esse interesse. Mais grave ainda, um
desinteresse significativo pela matemática, por parte de um estudante,
afetará muito sua formação nessa área de domínio, já que o programa faz
uso extensivo dessa disciplina. O mesmo vale para aquilo que diz respeito
ao modo de conhecimentos privilegiados. Se as posições epistemológicas do
indivíduo e de seu respectivo coletivo correspondem – e se o conhecimento é
pertinente para ambos – encontramos nesta situação uma correspondência
que descrevemos como perfeita, tanto para o individual quanto para seu
coletivo. O indivíduo, então, sente-se realmente à vontade no grupo coletivo
que, reciprocamente, o reconhece desde o início como um dos seus. Mas se,
em vez disso, os métodos de validação do conhecimento não coincidirem,
se, por exemplo, uma abordagem estritamente analítica e mecânica – que
considera o todo como a soma de suas partes, como é comum em engenharia
mecânica – é privilegiada de um lado, mas por outro, é sim um tipo orgânico
de abordagem – que argumenta que o todo contém mais do que a soma de
suas partes, como normalmente se pensa em biologia – um outro problema
aparece, porque o indivíduo não tem escolha a não ser demonstrar ao
coletivo que ele conhece e compartilha seus métodos. Na prática, o indivíduo,
na maioria das vezes, opta por se adaptar ao coletivo, pelo menos enquanto
é observado, ou seja, avaliado, e depois retornar às suas preferências, se
isso for possível para ele. Qualquer um que já tenha ensinado reconhecerá
esse fenômeno! Nessas condições, o conhecimento perde um pouco de
sua perfeição. Há alguns anos, Gagnon (2015) propôs algumas maneiras de
desenvolver ambientes de formação ludificados que levam em conta esses
problemas. O leitor interessado pode consultá-lo.

Seja como for, o conhecimento perfeito não é o conhecimento ideal, tanto


para um indivíduo quanto para um coletivo, visto que ele é profundamente
203
exclusivo. Ele retém como significativo apenas aquilo que está de acordo com
eles mesmos, em termos de pertinência e validade. Isso explica, em particular,
por que indivíduos cultos, especializados em diferentes áreas de domínios,
podem não se entender, às vezes, ou até mesmo, denegrirem-se uns aos
outros, embora possuam uma excelente reputação em seus respectivos
campos de domínio; ou por que as várias faculdades da mesma universidade
estão, tão frequentemente, em guarda umas contra as outras, visto que a
poesia ou a teologia, por exemplo, raramente falam a mesma linguagem
que a utilizada pela ciência. Ou seja, enciclopédias perfeitas, pessoais ou
públicas, sejam elas de ciência, literatura, política, filosofia, tecnologia ou
religião, complementam-se, refletindo as muitas perspectivas do ser humano
no mundo, mas elas não necessariamente se comunicam bem umas com
as outras, a ponto de, muitas vezes, contradizerem-se, negarem-se umas
às outras. Obviamente, em todo o mundo, observamos regularmente esses
efeitos!

Para superar este problema potencialmente explosivo, devemos, à luz do que


Gagnon (2013, Ch. 5) propôs anteriormente, promover o desenvolvimento do
que chamamos de saber completo, isto é, um conhecimento que é certamente
imperfeito, uma vez que só pode tender para o pleno desenvolvimento sem
nunca o alcançar, mas mesmo assim o mais rico e complexo que é acessível
a um indivíduo ou a uma comunidade. Na prática, seria uma questão
de garantir a aprendizagem de todos os meios cognitivos à disposição do
ser humano, do pensamento, do sentimento, da sensação e da intuição,
associados, respectivamente, à especulação, apreciação, experiência
sensorial e revelação (GAGNON, 2013, p. 65-66). Apesar da dificuldade – que
nós retomaremos em breve –, uma abertura gradual para outros pontos
de vista deveria então se operar a partir da simples, mas já perturbadora,
tolerância do mesmo à integração que nós gostaríamos de ver continuar
progredindo. Felizmente, é essa abordagem que estamos testemunhando,
cada vez mais, nos tempos atuais, uma vez que os conceitos de pluri-, multi-
ou interdisciplinares se tornam cada vez mais relevantes no discurso e na
prática. Estamos, no entanto, nos estágios iniciais desse processo. O fato é
que, na verdade, não queremos que tal progresso seja realizado, lutamos
vigorosamente contra, porque implica a coexistência assumida de posições
opostas, mesmas adversas, em si ou dentro do seio de uma comunidade, a
aceitação de que até mesmo o conhecimento perfeito é incompleto e, assim,
não é o único verdadeiro, e o substrato no qual baseamos nossas vidas é,
portanto, discutível. Um processo bastante semelhante ao luto, que é então
necessário, e que custa muito. Desde alguns séculos, temos nos especializado
constantemente, separamo-nos em domínios de estudo distintos, de
pesquisa ou de prática e cada vez mais “aperfeiçoamos”, “especializamos”
a atividade e a aprendizagem humana, como, por consequência, o gradual
abandono de uma cultura geral7 que permitia pontes, meio de conexões,
entre humanos de diferentes profissões. Cada área de domínio requer desde
conhecimentos cada vez mais específicos, uma formação nestes assuntos
cada vez mais longos, relegando a esquecimento os conhecimentos mais
gerais. Sob essas condições, um único pensamento encontra um terreno de
desenvolvimento fértil, o que acentua, é claro, as diferenças entre os vários
domínios, até a fratura. Uma breve visão geral dos programas de formação
profissional, técnica ou universitária e sistemas e ambientes de EAD é
suficiente para convencê-los disso. Nós nunca insistiremos demais, eles são
“países” estrangeiros que devemos reconciliar, “países” onde falamos, qual
deles, a linguagem do intelecto, ou outra, a do coração, ou outra ainda, a do
corpo, quando não é, como nas artes da criação e dos domínios intelectuais,
a linguagem incompreensível da intuição. Uma verdadeira torre de Babel, o
poliglotismo não é inato! No entanto, é cultivando aspectos de nós mesmos que
são menos familiares para nós, que rejeitamos como negativos ou impróprios
que, gradualmente, podemos alcançá-lo. A título de exemplo, é assumindo
que o conhecimento teórico pode encontrar aplicações práticas que os físicos
teóricos mais rígidos, que a priori não se importam, podem compreender e
aceitar, generosamente, os pontos de vista dos engenheiros, e é admitindo
como válidos, mesmo que não os entendam, os argumentos econômicos de
administradores, empresários ou contadores, que os defensores a todo custo
do meio ambiente, da educação ou da saúde contribuirão para a solução e não
para o agravamento dos problemas em razão de “teimosia”. Paradoxalmente,
em caso afirmativo, o conhecimento ideal permanece e permanecerá sempre
parcialmente desenvolvido, imperfeito, uma fonte de tensão necessária
para a sua vitalidade, mas também uma fonte de serenidade para a nossa
impotência face ao impossível. Custa, no entanto, o sacrifício doloroso de um
conhecimento perfeito, totalmente significativo, a utopia por excelência da
atividade científica.

7
Para os felizes, mas muito poucos eleitos que tiveram a chance de estudar. Os outros foram simplesmente deixados no escuro.

205
Assim, será fácil entender por que o desenvolvimento de ambientes de
formação orientados dessa forma não é popular, consequentemente, os
ambientes mais especializados são favorecidos em seu lugar, visto que
são mais simples de produzir e muito mais lucrativos no curto prazo, mas,
provavelmente, mais prejudiciais em uma perspectiva de desenvolvimento
sustentável, embora isso seja questionável. Contudo, considerando o
exposto, a Web não forneceria uma boa base para esse tipo de ambiente,
pelo menos no nível público, social e coletivo? A Web certamente reconhece
um espelho bastante fiel do conhecimento humano e das várias disposições
das mentes subjacentes. Em particular, há um grande conhecimento
significativo que é relevante e válido para comunidades de indivíduos que
são plenamente reconhecidos socialmente em praticamente todas as áreas
da atividade humana. Estes incluem sites de associações profissionais,
corporações, organizações com ou sem fins lucrativos, instituições privadas
e públicas de todos os tipos, ministérios ou governos, desenvolvidos por ou
em colaboração com especialistas competentes, que geralmente podemos
confiar. Todos esses sites formariam a essência de uma enciclopédia pública
perfeita, melhorando dia a dia e excedendo em quantidade, acessibilidade e
possibilidades de uso, todas as enciclopédias, compêndios e dicionários de
todos os tipos, tradicionalmente publicados em papel, que são encontrados
quase inteiramente na Web, eles constituem um subconjunto muito
pequeno. Por sua diversidade, esses sites também expressam um conjunto
extremamente representativo dos campos do conhecimento humano,
mas também das posições epistemológicas e métodos de validação do
conhecimento que prevalecem nesses campos.

A esse respeito, estamos nos aproximando de uma universidade tradicional


com as culturas às vezes imensuráveis de suas faculdades e afinidades
e oposições que, quase espontaneamente por causa de seu caráter
profundamente original, engendram. Não é à toa que, por outro lado, muitos
sites contrabalançam esses sites “perfeitos”, porque seus autores defendem
outras visões, que são obviamente saudáveis quando feitas com respeito e
dignidade, mas exacerbam as tensões e mantêm as partes afastadas no caso
oposto. Todos esses sites podem ser usados com vantagem em um ambiente
de treinamento, seja para fins de especialização, para aqueles que buscam
o desenvolvimento de conhecimento significativo em um determinado
campo, seja para se interessar por posições divergentes em sua comunidade
206
de referência. Em outras comunidades, contribuindo para a aquisição
de conhecimento de diferentes ordens que enriquecem o conhecimento
anterior, conferindo ao resultado um caráter imperfeito que tempera e
nubla as certezas “primitivas” e enfraquece os dogmatismos. No entanto, os
usuários desses ambientes de treinamento devem ser ensinados a equilibrar
as coisas para reduzir o cinismo redutivo, o comportamento inadequado, a
doutrinação, a manipulação e outras condutas ilícitas das quais o ser humano
é obviamente capaz também na Web, porque tudo não vale a pena, longe
disso.

Além disso, além do conhecimento que pode ser considerado socialmente


significativo, provavelmente exista uma quantidade maior de conhecimento
não significativo; muito provavelmente porque eles não foram validados
socialmente. São opiniões, o que não é suficiente para uma “cabeça bem-
feita”. Os círculos de educação também estão cientes dos problemas que isso
acarreta, mesmo que ainda esteja longe de ser resolvido8. Conhecimento
significativo também é encontrado para alguns indivíduos, mas não para a
comunidade. É uma questão de conhecimento singular, pessoal ou específica
de certas pessoas, essencialmente privada. Consequentemente, em escopo
limitado, esse conhecimento é para as outras anedotas, embora possam
interessar a outras pessoas, na forma de uma narrativa ficcional ou de uma
biografia, e gerar possíveis generalizações. As redes sociais estão cheias
desse tipo de conhecimento que devemos qualificar como informação.
Obviamente, a cautela é aqui novamente necessária se quisermos evitar
confundir o particular com o geral.

8
Será que eles compreenderão um dia a velocidade vertiginosa em que a Web se transforma?

207
CONCLUSÃO 

O ser humano é complexo. Ele tem recursos de aprendizagem de naturezas


muito diferentes que se complementam, mas não se entendem realmente.
Um conhecimento verdadeiramente ideal seria o fruto de todos esses
meios desenvolvidos em seu pleno potencial e harmonizados entre si. Mas
eles não são desenvolvidos igualmente, nem apreciados, de modo que sua
harmonização é inevitavelmente difícil, também dolorosa e sempre parcial,
pois um ou dois desses meios têm precedência sobre os outros. Esses
contribuem fortemente para determinar os nossos campos de interesse, a
nossa posição epistemológica de referência e o nosso estilo de aprendizagem
dominante, portanto, o nosso conhecimento perfeito aos nossos olhos, que
constituem a nossa perfeita enciclopédia pessoal. Se somarmos todos os
nossos outros conhecimentos, que, eles não respeitam todas as condições
da significância e são mesmo, para alguns, inconscientes, obteremos a
integralidade de nosso conhecimento, nosso saber completo, em resumo.

De acordo com outra perspectiva, se considerarmos um dado objeto de


conhecimento, a riqueza de nosso conhecimento sobre esse objeto dependerá
da contribuição de nossos outros meios de aprendizagem, os menos
capacitados e os menos valorizados, gerando elementos de conhecimento
este objeto pouco ou não significativos e imperfeitos. O conhecimento
resultante e em evolução será, portanto, em parte, significativo e perfeito e,
em parte, portador de pouco ou nenhum significado e imperfeito, mas será
superior e preferível ao seu único componente significante. Mais nuançada e
menos afirmativa, abrirá as perspectivas do aprendiz que ele anteriormente
ignorou ou desvalorizou, promovendo a aceitação e a compreensão dos
pontos de vista e das pessoas que dependem principalmente desses meios de
aprendizagem. A soma desses conhecimentos mais ou menos enriquecidos
formará a enciclopédia pessoal completa.

Nós também vivemos na sociedade. Portanto, é necessário que nosso


conhecimento seja reconhecido como significativo por ela se quisermos
ser parte dela e nos reconhecer à sua imagem. Para isso, os interesses
buscados pelo indivíduo e pela sociedade devem ser compatíveis, mesmo
que sejam diferentes, de modo que o conhecimento relevante para um
indivíduo também seja relevante para a sua comunidade de referência.
208
Além disso, os modos de validação do conhecimento aceito na comunidade
de referência terão de ser suficientemente dominados pelo indivíduo para
satisfazer os requisitos mínimos da comunidade a esse respeito, mesmo que
os considerem menos significativos. Se essas condições forem satisfeitas,
a integração e o reconhecimento do indivíduo na sociedade são, por assim
dizer, assegurados.

Nessas circunstâncias, a dificuldade de desenvolver ambientes de formação


que utilizem tecnologias de informação e comunicação e seu grau de
complexidade dependerá dos objetivos almejados. Se for apenas uma
questão de incutir no estudante o conhecimento que a comunidade de
referência quer que ele ou ela domine, o processo de desenvolvimento
permanece relativamente simples, já que basta selecionar o conhecimento
relevante para a comunidade, especificar objetivos almejados e acrescentar-
lhes os modos de validação do conhecimento reconhecido por essa
comunidade. Esse tipo de dispositivo não produzirá, contudo, a não ser
por acaso, um conhecimento significativo para os estudantes, mas pode
atender a uma necessidade coletiva, o risco, por outro lado, de sabotar os
esforços do aprendiz, ou até mesmo colocá-lo em perigo9. No entanto, esse
tipo de dispositivo é geralmente a escolha mais comum para a formação em
ambientes de trabalho. Se, por outro lado, é importante gerar conhecimentos
significativos para os estudantes, tanto para o indivíduo quanto para uma
comunidade de referência, o tamanho do dispositivo de formação aumentará
consideravelmente, bem como a dificuldade de sua elaboração e sua
complexidade. Embora seu desenvolvimento exija mais trabalho, recursos e
investimento, consistirá essencialmente em uma justaposição apropriada de
vários dispositivos do primeiro tipo10, cada um dos quais leva em consideração
uma única abordagem epistemológica e um único estilo de aprendizagem.
Uma nova dificuldade surge, no entanto, já que, no nível individual, o grau
e as razões para a relevância do conhecimento em questão variam com os
estudantes. Eles não são predeterminados, como no caso anterior. Também
será necessário identificar, por meio de testes apropriados, as posições
epistemológicas ou estilos de aprendizagem dos estudantes, a fim de propor

9
Para entender o escopo desse comentário, imagine um canhoto forçado a usar equipamentos construídos espe-
cificamente para destros, ou melhor, imagine-se caminhar por quilômetros usando calçados com os pés trocados!
10
Normalmente cinco, ou seja, quatro para levar em conta as quatro posições epistemológicas fundamentais, ou os quatro
estilos de aprendizagem de acordo com a classificação de Kolb, e um quinto atribuído às características específicas da comu-
nidade de referência.

209
atividades de aprendizagem adaptadas a eles. Mais imponente e mais aberto
do que os dispositivos de formação do primeiro tipo, esse segundo tipo de
dispositivo seria bastante apropriado em um ambiente escolar em que se
busca formar pessoas autônomas e confiantes dentro de suas possibilidades,
mas também socialmente à vontade e bem adaptadas ao meio em que
vivem. Até agora, porém, só buscamos o desenvolvimento do conhecimento
perfeito, seja para a única comunidade de referência no primeiro caso, seja
para o indivíduo e a comunidade de referência no segundo. Mas seria possível,
apesar da dificuldade previsível, desenvolver um terceiro tipo de dispositivo
de formação, aquele adequado para o desenvolvimento do conhecimento
completo, isto é, enriquecido pelas contribuições dos meios de aprendizagem.
Normalmente negligenciado e desvalorizado pelo indivíduo ou pela sua
comunidade de referência, na maioria das vezes, indesejado pelas mesmas
razões, dolorosamente harmonizado, e cujo desenvolvimento requer,
para todos os efeitos, o trabalho de uma vida inteira? Por enquanto, não
responderemos a essa pergunta. Apesar do avanço de nosso conhecimento,
apesar da crescente flexibilidade e eficiência dos equipamentos de TI, apesar
do tremendo e explosivo desenvolvimento da Web, o desenvolvimento
sustentável esperará! Ai de mim!

210
REFERÊNCIAS

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