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Raimundo Jucier Sousa de Assis

Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Geografia da UFC


juciersousa@yahoo.com.br
José Levi Furtado Sampaio
Professor Doutor do Departamento de Geografia da UFC
joselevi@uol.com.br
Pesquisadores do Laboratório de Estudos Agrários e Territoriais - LEAT

A POÉTICA DA DESGRAÇA:
ideologias geográficas na implantação da Estrada de Ferro de Baturité no Ceará
(1870-1912)

PREÂMBULO – TERRITÓRIO, ESCALA E PERIODIZAÇÃO

O texto a seguir analisa o processo de implantação da Estrada de Ferro de Baturité


(EFB), enfocando seus principais personagens e as transformações materiais que estavam
previstas para os caminhos internos no território do Ceará.
Tendo como base o período que se estende de 1870 a 1912, nosso trabalho
dialetiza duas questões escalares: a primeira de corte contextual nacional, pautada pelo
processo de transição do Brasil colonial-monárquico ao Brasil republicano-oligárquico. A
segunda de corte provincial, pautada por processos políticos, econômicos e culturais de
ordens locais que tiveram como foco a construção da EFB; a elaboração do discurso sobre o
atraso material do Ceará enquanto problemática das secas; e pela edificação da aceitação do
discurso do uso da mão-de-obra dos migrantes sertanejos enquanto casamento necessário
entre a transição dos atrasos materiais da província do Ceará com a condição da travessia
nacional liberalista republicana.
Usamos no texto a expressão ideologias geográficas para verificar as leituras que
estavam sendo realizadas sobre o território por alguns personagens à época. Pensada
enquanto condição de apropriação e domínio do território, as ideologias geográficas nos
aproximam dos conteúdos que as formas espaciais vão ganhando e das relações de poder
que estão se estabelecendo entre os sujeitos com o território.
Em suma, o que trabalharemos a seguir é a construção da EFB enquanto obra
nacional-provincial que faz parte do que foi intitulado de projeto Pompeu-Sinimbu no
período da Oligarquia liberal cearense Pompeu-Accioly (1870-1912).

A TRANSIÇÃO NACIONAL ENQUANTO PROBLEMA TERRITORIAL

Realizado de 25 a 31 de julho de 2010. Porto Alegre - RS, 2010. ISBN 978-85-99907-02-3

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As décadas de 1870 e 1880, ou melhor, os últimos anos do Segundo Império
brasileiro (1841-1889), arrastaram consigo problemas de décadas precedentes, marcados
pela formação de um Brasil independente politicamente da metrópole portuguesa, porém,
internamente extenso para a consolidação de um império sem conflitos.
Em seu escrito “Senador Pompeu: um geógrafo do poder no império do Brasil”,
Manoel Fernandes de Sousa Neto compreende que a maneira política criada para centralizar
aquele imenso território na monarquia estava na outra face da moeda: a descentralização. Foi
a partir da construção da cultura política da conciliação que o território ganhava um discurso
nacional que partia por muitas vezes de quereres, dos problemas e de grupos provinciais.
Os últimos anos do Segundo Império brasileiro e as primeiras duas décadas da dita
República - que nos interessa para compreendermos a implantação da EFB entre 1870 a
1912 - fez parte de um período que os acordos entre os Homens de Política, Comércio e
Ciência estavam mais movimentados do que antes, pois aquela periodização do mundo do
trabalho escravo vinha sofrendo pressões externas (por ingleses, como exemplo) e internas
(via a fortificação de grupos dominantes liberais-republicanos, principalmente).
As distâncias materiais do território, agregada pelas pressões econômicas, políticas e
culturais externas, construíam de fato no Brasil um repensar sobre o que fazer com o próprio
tamanho de um país que tinha mais terra, povo e água do que se sabia. E ainda mais, era nos
trópicos latinos, o Brasil, a monarquia entre as repúblicas e constituição do trabalho escravo
em volta ocidental ao trabalho livre.
Em texto já citado de Lia Osório Machado, a autora considera que esse período de
construção do Brasil abarca a transição de um Estado territorial quer na dimensão das
representações e símbolos quer na dimensão material. É dialeticamente um momento de
discussão entre os homens letrados sobre o país, ao mesmo tempo, que é uma ocasião para
transformar as bases de formação do território. É um período que se anuncia projetos de
modernização para o Brasil como um todo (entre eles, as Estradas de Ferro), ao mesmo
instante que se anuncia a Lei do Ventre Livre (1871) e a Lei Áurea (1888), ambas
estabelecendo o discurso e as metamorfoses do trabalho escravo para o trabalho assalariado
enquanto um bem constitucional e de liberdade liberal. Esse contexto é marcado ainda pela
transformação do comércio brasileiro, criando rotas de vapores que passam a atingir tanto a

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Europa, bem como, os Estados Unidos na América do Norte. Em suma, a época é para a
geógrafa um dos caminhos que faz parte mais geral da redefinição da identidade nacional.
E entre as portas que estavam postas para a entrada das ideologias que designava o
progresso e as diferenças, isto é, a redefinição da identidade nacional interna e enquanto
representação para as outras nações, nada mais estava inserido do que as estradas de ferro.
Um monstro mecânico, cheio de poder e fumaça, símbolo do desenvolvimento da Revolução
Industrial e da construção do Império Inglês. Máquinas que inseridas no território encurta
tempo de viagens, concentra locais de coleta e embarque, estabelece relações estratégicas,
povoadoras e militares entre o interior e o litoral, redefine, assim, os caminhos internos que
foram construídos antes mesmo da existência e compra dessas máquinas, caminhos que
lembram um Brasil colonial, compreendido pelo que se convencionou a chamar de caminhos
antigos.
Falar das ferrovias enquanto um dos projetos que fizeram parte da redefinição da
identidade nacional é compreender que os Homens de Política, Comércio e Ciência
construíam simbólico-materialmente mudanças na dimensão cultural-científica que estavam se
dando atreladamente as dimensões política e econômica. Porém, sendo pensado por esses
grupos dominantes, nada é mais óbvio para compreendermos que a fundo defendiam a
metamorfose da identidade e do território nacional, ou seja, a criação do novo, somente se
nesse processo não viessem a perder, nessa luta interna e geopolítica, o seu privilégio de fazer
parte dos personagens da classe dominante e reforçar, ainda mais, seu poder diante das
questões locais e nacionais.
CEARÁ: A ESTRADA DE FERRO DE BATURITÉ: PERSONAGENS E TRAJETOS

E é nesse contexto de transição nacional que surge no Ceará o interesse de construir


uma Estrada de Ferro. Pensada por essa dimensão, a estrada de ferro que será implantada
nessa província traz em seu cerne as duas grandezas intrínsecas à redefinição da identidade
nacional: a primeira parte de interesses particulares, tanto no que se refere às transformações
particulares do território, bem como, em questão dos personagens envolvidos (homens de
políticas, negócios e ciências da província do Ceará). Utilização de mão de obra local
assalariada. Essa dimensão envolve aquela discussão de que a centralidade se dá via a
descentralização; a segunda, inerente a primeira, se refere à imagem nacional de Ceará que foi
sendo criada por esses homens para conseguir da continuidade a construção da Estrada de

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Ferro e as relações de favor que vão co-existindo entre a Corte no Rio de Janeiro e os
letrados políticos da província cearense.
A primeira estrada de ferro do Ceará surge enquanto pretensão de uma figura
nacional chamada de Thomaz Pompeu de Sousa Brasil (Senador Pompeu) e alguns de seus
amigos e negociantes, como o Bacharel Gonçalo Batista Vieira (Barão de Aquiraz), o
Coronel Joaquim da Cunha Freire (Barão de Ibiapaba), o Negociante inglês Henrique
Brocklehurst e o Engenheiro Civil José Pompeu Albuquerque Cavalcante.
A proposta estava em construir uma via férrea que do porto de Fortaleza atingisse
as Serras de Aratanha (vilas da Pacatuba e Maranguape), Baturité e Araripe. Sendo estes os
locais que aproximavam tanto as áreas produtoras de café e cana-de-açúcar (propícias por
aquelas condições climáticas), bem como, aquelas produtoras de algodão, mantimentos de
subsistência e de criação de gado.
Em busca de acionistas, a intitulada Estrada de Ferro de Baturité (nome que recebeu
devido à construção da própria companhia criada), era anunciada diariamente no jornal liberal
O Cearense de 1871, este de edição do Senador Pompeu, sendo que as respostas a toda
essa divulgação diária foi que antes do início da construção da própria estrada, estava
envolvidos uma série de donos de terra e comerciantes de quase todo o território do Ceará.
A divulgação do progresso estava sendo já feita.
Iniciada em 1872 e chegando ao primeiro ponto com ramal para o segundo em
1875, a EFB, ainda tão minúscula, aparecia enquanto artefato material do “progresso”,
motivo de comemoração e discurso, pois nada era tão escasso como ferrovia e bons portos
na região Norte do país.
E é nessa via do discurso dos melhoramentos materiais e desigualdade regional do
território que vão aparecer às relações entre pensamento geográfico imbuído à EFB, a
diferenciação territorial nacional e a identidade do atraso da região Norte do país.
Para tentarmos contextualizarmos de onde tudo isso partia, cabe a nós
compreendermos quem era o principal desses personagens (o Thomaz Pompeu) e sua relação
com a ciência e as relações de favor que vai angariar com alguns amigos no Sul.
Na década de 1870, Thomaz Pompeu nada mais era que o principal cientista do
Ceará, padre, professor de história e geografia do Liceu dessa província, integrante do
Instituto Histórico e Geográfico de Pernambuco, dono de terra, editor do jornal liberal “O

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Cearense” (este que anunciava ao mesmo tempo a instalação da estrada de ferro de Baturité
e oferecia aos interessados a venda de uma escrava boa, educada, jovem e esbelta), autor de
livros, entre eles, Ensaios Estatísticos da Província do Ceará (TI 1863 e TII 1864),
Memórias Sobre o Clima e Seccas no Ceará (1877) e Compendio de Geografia Geral e
Especial do Brasil de 1851 (este último utilizado pelo Colégio Dom Pedro II), genro de
Nogueira Acioly e, principalmente, amigo íntimo do José Lins Vieira Cansanção Sinimbu (o
Visconde de Sinimbu).
Dentre as relações de centralização que ocorria sob a égide da descentralização,
Manoel Fernandes nos deixa claro que o Senador Pompeu, um geógrafo do poder no
império do Brasil, foi um daqueles que conseguiu via a prática do favor e da ciência, as
forças necessárias para estabelecer e fazer acontecer seus interesses particulares com apoio
nacional. A mostra do resultado de tudo isso é que sua influência e esforço vão construir no
Ceará o domínio territorial, logo político, entre os anos de 1870 a 1912, no que já foi
identificado no início do nosso trabalho de oligarquia Pompeu-Accioly.
Entre os tramites de poder de Pompeu, esteve marcado a sua leitura de seca da
região Norte do Brasil. Para o senador a seca era um fenômeno cíclico e responsável pelo
“atraso” da região norte frente aos artefatos materiais, para isso, essa região, marcada por
eternas secas estava, comparada com a região Sul, atrasada quer por questões de civilização,
de produção e “progresso material”.
E foi por esse viés que Pompeu deu o passo para identificar o território do Norte,
especificamente o Ceará, enquanto a área a espera de eternas secas. A saída dessa parca
material, para o autor, estava em compreender que a cada seca morria levas e levas de
sertanejos de fome, sede e isolamento. Morria de fato mãos que plantavam, tangiam e
colhiam; mãos que curtiam couros; mãos que poderiam construir o progresso que faltava.
Chamado por José Weyne de Freitas Sousa, em seu escrito Política e Seca no
Ceará, de Projeto Pompeu-Sinimbu, o que esse homem Pompeu de ciência e negócios vai
fazer é construir uma ideologia geográfica que passa a ter tanto uma idéia de seca, bem como,
uma proposta de saída do atraso material.
Segundo o autor, o projeto Pompeu-Sinimbu é um acordo entre as idéias
provincianas-regionais sobre seca e atraso material por Thomaz Pompeu e uma concordância
e parceria entre José Lins Vieira Cansanção de Sinimbu, esse que fazia parte do Conselho de

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Estado. Esse acordo tinha como fim explorar a cada seca, em troca de comida e salário, a
força de trabalho dos migrantes sertanejos nas construções de obras publicas. O que estava
se construindo com o projeto Pompeu Sinimbu era uma grande metamorfose entre questão
científica, transformação geográfica do território e força de trabalho (SOUSA, 2009). Como
mesmo concebemos: uma poética (científica da seca) da desgraça (famintos que tem como
saída à exploração da força de trabalho na construção dos ditos melhoramentos materiais).
“O projeto Pompeu-Sinimbu discriminou a população em desvalidos,
válidos e inválidos. Os desvalidos eram todas as pessoas consideradas
incapazes de sobreviverem durante as secas pelos seus próprios meios
materiais. Já os válidos e inválidos eram aqueles cujo trabalho poderia
ou não ser explorado (...) ao levar os socorros públicos às vítimas
disseminou a calamidade para melhorar a estrutura material da
província.” (SOUSA, 2009. p. 18).

Nessas condições políticas e culturais entre a elite, o projeto em meio a Corte e a


província do Ceará anunciava de fato algo de transição nacional, o conhecimento do território
nacional e a maneira de se conceber a relação entre a força de trabalho, as construções
materiais no território (chamados de obras públicas) e as políticas territoriais que o Governo
Central deveria assumir frente aos laços com as elites aliadas.
A CONTINUAÇÃO DA EFB ENQUANTO MATÉRIA DA SECA

A EFB, obra iniciada nos idos de 1870, tendo seu primeiro ponto concluído em
meados dessa década, estava sendo construída ao lado do pensamento identitário da seca
por Thomas Pompeu de Sousa Brasil. E essa relação vai ser o cerne para que
compreendamos esse segundo momento da ferrovia.
Durante os anos de 1870 e 1912 ocorreram em destaque quatro secas: 1877-1879;
1888; 1898 e 1900-1901. E são por esses acontecimentos, com clareza aqui já política,
econômicas e científicas, que o projeto Pompeu Sinimbu será realizado no que toca a
construção da estrada de ferro de Baturité.
Pensando com Sousa (2009), a proposta de utilizar a mão de obra dos sertanejos
feita pelo Senador estava contemplada e aprovada desde 1869, o que falta agora era a seca.
E ela chega em 1877. Ano também que morre o tão poderoso Senador Pompeu. Porém,
para provar o quanto as decisões do Pompeu foram fortes, poderíamos dizer que o autor
morreu deixando todos os caminhos a ser aplicados para o progresso, pois estava vivo lá no
Sul ainda seu grande amigo Sinimbu e no próprio Ceará existiam as figuras como o deputado

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Tristão de Alencar Araripe, Caetano Estelita, José Júlio Albuquerque, Nogueira Accioly,
Thomas Pompeu de Sousa Brasil (seu filho), Lassance Cunha, Thomaz Pompeu Sobrinho,
Pedro Jorge, Francisco Sá e tantos outros, responsáveis por construir a Oligarquia
Pompeu-Accioly.
É tanto que quando a seca atravessava já meses na província do Ceará foi enviado
por Sinimbu, presidente do Conselho da Coroa, uma mensagem de conhecimento e
propostas de atitudes que poderiam ser tomadas sobre a seca do Norte, em especial, a seca
do Ceará pelo Governo Central. A proposta de Sinimbu enviada a Dom Pedro II nada mais
era que o projeto construído entre ele e seu amigo Pompeu, que consistia em aproveitar o
momento da desgraça da seca para construir as obras públicas, repensar os projetos de
melhoramentos materiais ou, como no caso da Estrada de Ferro de Baturité, dá continuidade
ao que já estava projetado ideologicamente. Na famosa mensagem enviada por Sinimbu, uma
frase deixa de fato a essência do que se pretendia: “tirar vantagem da própria desgraça,
empregando em trabalhos úteis tantos braços ociosos”.
E os braços ociosos foram sim envolvidos. Após enviar uma comissão imperial do
Instituto Politécnico em 1877, presidida pelo engenheiro de Beaurepaire-Rohan, e avaliar o
que poderia de melhor ser feito para contemplar tanto a ocupação dos braços, bem como, as
benesses materiais, foi pensado e discutido a possibilidade de ocupar os braços em obras
como açudes, melhoramentos dos portos, montagem dos abarracamentos, limpeza pública e
represa de rios. E tendo em vista que a migração em Fortaleza já estava na taxa de cem mil
no ano de 1878, para uma cidade que possuía em média vinte e um mil habitantes, no ruir da
conversa o que vai acontecer é que o governo vai encampar a continuação da Estrada de
Ferro de Baturité que havia sido paralisada na Serra da Aratanha, sendo a ocupação dos
sertanejos nessa obra tanto um processo que envolve o controle da força de trabalho como a
organização desses trabalhadores ao longo da continuação da via-férrea; o processo de
assalariamento de sertanejos que viviam no sertão em dimensões escravas ou livres com
trabalhos voltados para a agricultura ou a criação de gado; e a construção de uma obra
material que caminhava agora para Canoa (atual cidade de Aracoiaba) no sentido de atingir a
Serra de Baturité (trecho que será concluído apenas em 1882).
Segundo Tyrone Apollo, em sua séria obra Trem da Seca, “em menos de dois anos
de trabalho [1878-1880], os operários da Baturité movimentaram 700.000 metros cúbicos

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de terra, construíram 9 pontes, 7 pontilhões, 127 bueiros, 7 estações, 2 oficinas, diversas
casas para engenheiros, guardas e depósitos. dezenas de poços, açudes, montagem de
máquinas para o tráfego, estenderam 59 km de linha férrea e outros 59 km de fio elétrico
para o telégrafo” (PONTES CÂNDIDO, 2005. p. 100)
A EFB após ser encampada em 1878 pelo Governo Central passa a ter ideologias
geográficas de cunho estratégico Nacional. O que estava planejado anteriormente na primeira
construção com dimensões locais/provinciais (atingir o Sul do Ceará), passa agora a ser
estudada enquanto possibilidade de integração nacional. O que se pretendia com essa ferrovia
era fazer sua ligação com a Estrada de Ferro de Pernambuco, atingindo com esses objetivos
a margem direita do Rio São Francisco, sendo que a outra margem já estava planejada para a
construção da Estrada de Ferro Dom Pedro II/Central do Brasil.
Foi estratégico nos governos utilizar os restantes dos recursos públicos nos períodos
após as secas completando pedaços do que se falta para atingir o planejado. É assim que vai
ser com a seca de 1877-1879 quando só consegue atingir o terceiro ponto em 1882. E
também é assim que vai se realizar na seca de 1888, quando o discurso com o que fazer com
a desgraça da seca já estava mais do que certo e vai se construir nos fins do Império a ligação
entre a Serra de Baturité com o sertão de Quixeramobim. O mesmo acontece com a seca de
1898 e 1900 onde projetos de continuar o antigo plano do império era o projeto da
república, pois quem estava aí nesse momento bem afinados nada mais eram que Nogueira
Accioly (genro do defunto Pompeu), o presidente da província Pedro Borges e o renomado
engenheiro Francisco Sá, genro de Accioly.
Algumas mudanças frente a EFB aparecem em 1910. Primeiro pelo processo de
arrendamento proposto e também pela mudança nos trajetos pensados naquele primeiro e
segundo momento. Entre 1910-1912 a EFB está sendo arrendada pela SARCOLL, bem
como, é aprovado que os rumos da EFB adentrem para a Paraíba na altura do nó de Paiano
(atual arrojado).
Em 1910 a EFB chega à cidade de Iguatu (maior centro produtor de algodão e terra
de Belizário – amigo político da Oligarquia Accioly) e será essa mesma estrada de ferro que
vai carregar o grupo político de Franco Rabelo até Fortaleza, coletivo que em conflito popular
na capital cearense vai dá um golpe na Oligarquia Accioly, assumindo assim o poder estatal.
CONSIDERAÇÕES

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O que tentamos discutir nesse vaso de páginas converge na compreensão de que a
construção da EFB só se tornou possível devido está atrelada ao discurso nacional da seca na
região Norte, iniciado em grande coro pela província do Ceará na voz e nos escritos do
Senador Pompeu. Foi à seca e não a centralização do café na região Sul, os motivos para
Pompeu que explicavam o atraso material dos nortistas.
Sendo uma das medidas do projeto Pompeu-Sinimbu, a EFB conseguiu atingir o
interior do Ceará, ganhar discurso de ferrovia estratégica nacional e, ao mesmo tempo, fazer
parte de uma obra, que no discurso, serviria para salvar os famintos nas próximas secas que
na teoria científica já diziam da sua certeza cíclica de acontecimento.
Enfim, A EFB foi uma obra que fez parte da redefinição da identidade nacional
do Brasil. Foi usada em sua construção, na era do trabalho escravo, mão-de-obra
assalariada, criou nos abarracamentos endividamentos com as compras ao sertanejos,
projetou uma divisão do trabalho entre engenheiros e sertanejos, estes se metamorfoseando
operários da seca, e intensificou a produção agrícola naquelas serras e no sertão com café e
algodão dentre de relações de arrendamento e assalariamento.
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