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Capítulo 1

“ É… já tem 16 anos desde que tudo ruiu. Tudo começou quando “Eles” chegaram, trouxeram caos
e destruição se espalhando por todo o mundo. “Eles” nos pegaram de jeito! Não tivemos a menor
chance de nos defender. Mas o tempo passou e agora será diferente! Nós descobriremos uma forma de
limpar nosso mundo! Só precisamos ter força, afinal, são apenas Dragões!”

Arredores do 25º Distrito


Bosque

O breve lampejo que seguido pelo estrondoso som do disparo de um rifle de precisão, quebrava
o silêncio que pairava no local. Escondidos atrás de um tronco caído estavam dois rapazes, os
autores do disparo, e a 30 metros a frente o alvo. Uma criatura jazia no chão sem demonstrar sinal
de vida, com um ferimento em seu peito e sangue escorrendo pra fora, já começando a formar uma
pequena poça.
― Em cheio! Acertou em cheio, O’Connor! — Um dos rapazes agachados atrás do tronco
vociferou animado, se pondo de pé. O menor deles, mulato, cabelo raspado a máquina, olhos
castanhos escuros, trajes militares velhos e surrados, com uma camuflagem amarelada. Ele
mantinha um fuzil de assalto russo preso a uma corda, que passava sobre os ombros, simulando
uma bandoleira, e uma mochila militar repleta de bolsos aos seus pés..
― Fala baixo, Alan! Não faça mais barulho pra atrair outros! — Respondeu o maior, ele portava o
rifle de precisão, estava ainda agachado e em posição com o rifle apoiado sobre o tronco, seu olho
direito próximo da mira telescópica, vulgo scope, e sua destra pronta pra apertar o gatilho no
menor sinal de movimento da criatura. Ele trajava vestimentas parecidas com a do menor e uma
mochila militar igual, porém tanto as vestimentas quanto a mochila muito mais surradas que a do
outro. Ele também se colocava de pé, a diferença de altura entre eles era notável, o menor mal
passava do seu ombro, tendo por volta de 1,60m, enquanto o maior aproximadamente 1,80m.
Cabelo raspado como do menor, castanhos escuro e barba por fazer, olhos castanhos esverdeados e
as bochechas destacadas em seu rosto largo. Mantinha seu rifle junto ao corpo, também preso a
uma bandoleira, passando por trás do pescoço.

O maior ajeitava a bandoleira e prendia o rifle nas costas e pegava um machado de guerra
artesanal, feito todo de ferro, desde o cabo até a lâmina. Haste mediana, de 1 metro e meio e a
cabeça do machado de 30 cm. O menor também ajeitava seu fuzil junto ao corpo. Ambos seguiam
caminhando em silêncio até o corpo caído da criatura. Conforme se aproximavam, a criatura
parecia crescer diante de seus olhos. A criatura tinha 5 metros aproximadamente, da cabeça até a
ponta da cauda. Corpo coberto por escamas grossas e castanhas, mais escuras nas costas e mais

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clara na barriga e peito. A cabeça ficava ao fim de um pescoço de uns 30cm, lembrava muito um
réptil, um lagarto, exceto pelo par de asas saindo do meio do corpo, ligadas as patas dianteiras, e o
par de chifres que começavam a nascer rente a cabeça. As asas lembravam muito as de morcegos,
porém numa escala maior.
― Tyler O’Connor, O Caçador de Dragões! É assim que você será citado nas histórias! Será
conhecido como uma lenda! —Exclamou o mulato, ainda animado e encarando o Tyler enquanto se
percorriam os metros finais até chegar a criatura.
― Droga, Alan! Cala essa boca, não consegue falar baixo? Vai atrair outros! Já não basta o tiro
que dei. — Esbravejou Tyler, apertando firme o machado em sua mão direita. A distância entre eles
e o dragão já encurtava. Estavam ao seu lado.
― Qualé cara, deixa de ser marrento. Você derrubou um dragão!
― Era apenas um filhote de uma Beta. — Respondeu o maior, em um tom baixo, colocando seu
pé direito sobre o que seriam os ombros da criatura. A criatura era linda, apesar de ter causado
todo o terror, possuía alguma beleza, talvez fosse admirada se a situação fosse outra.
― Cara… Esse ai é mesmo um filhote? Olha como é grande! — Alan surpreso com a constatação
do maior, encarava o corpo do dragão.
― Uma Beta adulta tem pelo menos o dobro do tamanho. — Ele respondia inquieto, ainda
encarando o dragão. Segurou firme a haste do machado, e o ergueu acima da cabeça apenas pra
descer em um golpe poderoso, enterrando a lâmina do machado no crânio do animal, espirrando
sangue e gravando na memória de Alan aquela cena grotesca.

O mulato boquiaberto encarava aquela cena por alguns instantes, desviando o olhar e se
afastando. Gemia em ânsia, tentando não por pra fora as frutas que almoçou.
― Ah… Por que você fez isso? — O mulato olhava sobre os ombros, encarando Tyler tirar o
machado da cabeça do animal. Passou a destra na boa, limpando a saliva.
― Só pra garantir.

A descontração criada pela alegria de Alan após o abate do dragão cessava rápido, Tyler pegava
suas coisas e ordenava para que Alan fizesse o mesmo, apenas com um gesto com o braço. Tyler
seguiu na frente, seguido por Alan, que vinha correndo atrasado. Caminharam por menos de uma
hora ao norte, atravessando a mata fechada do bosque, que uma vez era mais abrangente, com
turistas percorrendo as trilhas, mesmas trilhas que eles agora seguiam. Ao extremo norte do
bosque, objetivo deles, havia uma deformação rochosa nas costas de uma montanha. Uma cavidade
aberta entre as rochas, formando uma caverna natural e um excelente abrigo pra eles passarem a
noite.
Chegando a caverna, Alan se surpreendia com a proteção, uma parede de galos entrelaçados
com folhagens que tampava a entrada da caverna, uma forma de passar despercebido pelos
dragões que sobrevoavam a região periodicamente. O sol já estava quase sumindo ao horizonte, se
eles pudessem ver, visto que o sol se punha do outro lado da montanha. Alan não se continua,

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olhando para o céu antes de entrar na caverna, vendo a enorme mancha alaranjada que parecia
devorar o azul do céu, precedendo o anoitecer. Uma visão linda, que os humanos não vêem mais.
Tyler ia ao fundo da caverna, encostando-se à parede rochosa, procurando o lugar que parece
mais aconchegante. Deixou suas armas, machado e rifle, e a mochila militar, estirados no chão ao
seu lado. Encostava a cabeça na parede e fechava os olhos, parecia cansado.
― É… Amanhã começaremos a voltar pra base, agora eu preciso de um bom descanso. — Disse
Tyler, soltando um bocejo em seguida.
― Tu tá ficando velho, O’Connor! — Brincou o mulato, com um sorriso alegre no rosto.

Tyler sequer abriu os olhos, apenas erguendo sua destra e mostrando o dedo do meio para o
garoto, que riu divertido. O garoto estava sempre sorrindo, a viagem inteira, tudo isso era uma
enorme diversão, nem parecia que enfrentava perigos todo dia desde que saíram da base a um
pouco mais de um mês atrás. O único momento que o garoto não estava rindo, foi quando encarou
o pôr do sol pela primeira vez, já que seu rosto estava coberto pelas lágrimas.
O mulato caminhou um pouco pela caverna, parecia inquieto, talvez sem sono, mas parou
imediatamente assim que Tyler abriu os olhos e lhe encarou com seriedade. O garoto estremeceu
com aquele olhar e seguiu a parede lateral da caverna, mas logo que sentou percebeu o olhar do
mais velho ainda fixo a ele. Olhar que desviou apenas em um momento, quando o maior sinalizou
com os olhos o entulho de lenha no outro lado da caverna. A conversa parecia ter sido telepática,
pois o mulato entendeu de primeira o que tinha que fazer, acender a fogueira para passar a noite.
Ele pôs pouca lenha, como havia aprendido, pra evitar que a luz do fogo atraísse dragões.

5:00h da manhã

O sol sequer havia se revelado no horizonte, e o céu escuro sobre suas cabeças e o silêncio
serviam como conforto naquela madrugada, quase de manhã. Estavam trilha à dentro, com armas e
mochilas preparadas, seguindo por uma trilha escondida no matagal, usando o próprio matagal
como camuflagem.
Tyler seguia o caminho na frente, com uma tocha em uma mão, improvisada do resto da
fogueira, e o machado na outra. Alan o seguia logo atrás, quebrando o silêncio uma vez mais, como
sempre, não conseguia permanecer quieto por muito tempo.
― Droga, O’Connor! Temos que sair sempre tão cedo? — Resmungou o mulato, bocejando em
seguida.
― Você sabia das regras quando decidiu vir junto, agora para de reclamar. — Ele respondeu,
apertando o passo.
― É, eu sei. Só que nunca havia saído da base antes, você sabe disso, pega leve vai, pelo menos
diminui o passo. — Continuou o mulato, em um tom pedinte.

Após ouvir o pedido de seu amigo, o maior parou subitamente e virou para o mulato. Fitou os
olhos do mulato por alguns segundos e suspirou.

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― Tá bom, você venceu.
Ele cravou seu machado no chão e passou a tocha para o mulato, que hesitou por um momento,
mas a segurou. Puxou a mochila para o lado e abriu um dos bolsos laterais, retirando um cantil
metálico, talvez de inox, com uma marca da cabeça de um lobo esculpida no material, com uma
tampa presa por uma corrente curta ao cantil, pra evitar que se extravie.
― Pronto, beba. — Falou já passando para o mulato.
Ele pegou o cantil e o levou a boca, hesitou e então bebeu. Foi uma reação instantânea ao gosto
forte, cuspindo tudo fora.
― Porra! Que merda é essa?! — Esbravejou ele, ainda tossindo um pouco.
― Hahahaha! É uísque! Isso vai te acordar, agora vamos andando, e para de reclamar. —
Respondeu rindo da reação dele.

Não demorou até que eles voltassem a andar. Caminharam por alguns metros, não haviam se
passado nem 15 metros e Alan voltava a falar, reclamando como sempre.
― Cara, essa droga tem um gosto horrível! Como é que você bebê isso?

Mais uma reclamação, Tyler estava cansado disso, ter que aturar reclamações toda manhã. Ele
parou bruscamente e se virou para o rapaz, o encarando fixamente.. O sol já estava amanhecendo,
os primeiros raios de luz que passavam pela montanha já perfuravam as folhagens e iluminando o
caminho. Ele balançava a tocha e a jogava no chão, pisando sobre a fraca chama até que ela se
extinguisse. Ainda encarava o menor, não havia desviado o olhar em momento algum desde que se
virou. O mulato já estremecia de medo, não estava acostumado a ver essa expressão furiosa do
maior, a não ser que fosse um dragão o alvo. Tyler quebra o silêncio.
― Chega Alan! Não aguento mais você reclamando, você sabe por que saímos tão cedo?
Sem coragem pra buscar palavras, o mulato apenas balançando a cabeça.
― Nós saímos todo dia a essa hora, porque é apenas nessa hora que os malditos dragões estão
em seus ninhos dormindo e não estão patrulhando! — Esbravejava Tyler, furioso.
― Mas cara… se eles vão dormir agora, pra quê a pressa? — Após buscar coragem, enchendo
seus pulmões de ar, Alan voltava a questionar.
― Você lembra que ontem eu matei um dragão, não lembra? Claro que lembra! Você ficou todo
animado com ele. Lembra que eu falei que ele era apenas um filhote? Ele tem uma mamãe dragão,
sabia? Então, eu quero estar o mais longe possível quando ela descobrir que o filhote morreu e
decidir caçar os responsáveis. Agora para de reclamar e vamos andando, quanto antes sairmos
desse bosque, melhor pra nós. — Esbravejou Tyler mais uma vez.

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Capítulo 2

EURO - 25º Distrito - Norte


10:57 h

A caminhada havia rendido por quilômetros, já haviam atravessado quase completamente o 25º
distrito. Haviam passado por uma zona urbana logo após o bosque, caminhavam livremente pelas
ruas, ruas que há alguns anos atrás estavam lotadas, pessoas transitando, carros buzinando,
trânsito, mas agora nada mais era que uma cidade fantasma. Casas, prédios, estabelecimentos em
ruínas, casas ao chão, o chamuscado do fogo dos dragões, tal como a marca das garras gravadas no
asfalto. Carros, desde os pequenos, até os grandes de família, ônibus. Entre eles alguns caminhões
militares, a maioria virada ou apenas com a carcaça restante, vestígios da tentativa de se defender.
Olhando para os lados em algumas avenidas é possível ver o corpo de um ou outro dragão, agora
apenas os ossos.
No centro dessa grande cidade, que ocupava a maior parte do 25º distrito, havia outro bosque,
originalmente menor que o ultimo que passaram, já que aquele fazia parte de uma reserva
florestal, porém graças aos anos que haviam passado, a natureza começou a tomar conta da cidade,
com vegetação rasteira, algumas trepadeiras começando a subir no que sobrou das edificações,
tomando conta dos carros e servindo como túmulo dos restos mortais daqueles que jaziam nas
redondezas.
Eles logo atravessavam o bosque central do distrito, rumo sempre ao norte, sem desviar o
caminho. Logo que deixavam a área tomada pela natureza, e a sua frente apenas uma auto-estrada
levando eles pra fora daquela cidade, cidade que eles sequer sabiam o nome. As cidades haviam
deixado de ter nome há muitos anos.
A estrada seguia a fora, saindo da área urbana da cidade e adentrando na área mercantil. Não
demorou até começarem a avistar galpões a frente, a fachada de algumas lojas Magazine, mercados
de atacado. Os primeiros galpões estavam a 100, talvez 200 metros à frente. A caminhada até o
momento estava silenciosa. Alan arfava cansado, seguindo o impetuoso Tyler, que estava sempre
na frente guiando o caminho. Porém todo o silêncio da longa caminhada acabava.

― Hã… Falta… Falta muito ainda? — Perguntou Alan, caminhando a passos lentos, cansado,
recuperando o fôlego.
― Falta pouco pros armazéns, chegando lá a gente para um pouco. — Respondeu Tyler, olhando
para o amigo sobre o ombro.

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A caminhada seguia por alguns minutos, o sol acima deles parecia queimar seus coros
cabeludos, Tyler encarava o céu, usando a mão pra proteger os olhos da luz, tentando identificar
que horas eram. Quase meio dia. Pensou em silêncio, apertando o passo, sendo imitado pelo amigo.
Conforme entravam na área, era quase como uma cidade nova, compostas apenas de armazéns,
sem casas, apenas grandes e largos armazéns que continham de tudo no passado. Móveis, itens de
decoração, enlatados. A maioria dos galpões estavam danificados, alguns até desabados, resultado
da guerra contra os dragões.
Seguiam reto para o norte, atravessando dois cruzamentos e então dobravam a direita e
seguiam reto nessa direção. Lojas. Haviam lojas para todos os lados, de móveis, departamento e no
fim da rua, um antigo super mercado. Parte do mercado estava desabado, enchendo o
estacionamento lateral de entulho, assim como o letreiro também estava ao chão. Ainda está de pé.
Pensou Tyler seguindo em direção a ele, sempre olhando sobre os ombros pra conferir se seu
amigo ainda o seguia, e lá estava ele. Alan seguia firme, não atrasando nenhum passo, porém estava
cansado, exausto, suando e com o corpo inclinado pra frente, cada passo que dava pendia para o
lado, recuperando o equilíbrio para dar o próximo passo.
Dentro do mercado eles passavam por prateleiras e prateleiras vazias ou com latas abertas. O
resto que sobrou dos saques. Eles seguiam para a esquerda e iam até o fim. Havia uma sala
especial, antigamente refrigerada, vinhos, uma adega. Agora sem energia, e com as garrafas
empoeiradas, era o lugar perfeito pra descansar.
No fundo da adega, haviam vários enlatados, alguns não perecíveis, outros provavelmente
estragados. Dois galões de água, um pela metade e o outro cheio, ambos cobertos por um tecido e
uma tábua em cima. Tyler seguia ao fundo, se sentando e encostando as costas na parede,
abraçando o galão de água pela metade. E Alan parava mais a frente, encostando na estante da
adega.
O garoto retirava seu cantil da mochila e bebia o que ainda tinha de água com vontade, deixando
até um pouco escapar dentre os lábios, imitado por Tyler, que suspirava após tomar o ultimo gole.
Não demorou até que o menor adormecesse cansado. Haviam caminhado por horas sem parar,
economizando água, debaixo de um sol de rachar, eles precisavam de um descanso.
Logo que o garoto adormeceu, o maior puxou de sua mochila um caderno de anotações, estava
grosso. Metade das folhas do caderno haviam sido arrancadas pra dar espaço a um mapa. Dentro
de outro bolso retirou um lápis. Abriu apenas a capa do caderno, e onde seria a primeira folha, era
um mapa dobrado algumas vezes até ter quase o tamanho de uma folha do caderno. Era um mapa
grande, demarcando todo o território de uma cidade e seus arredores. No alto do mapa o nome do
distrito que estavam, e no mapa diversas marcações com letras e círculos. Cada letra com um
significado, e os círculos servindo pra demarcar uma área. Na contra capa do caderno seguia uma
lista das marcações e seus significados:

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A = Abrigo Seguro
D = Dragão Avistado
DA = Dragão Abatido
DN = Ninho de Dragão
SP = Suprimentos
M = Munição
PD = Perigo desconhecido
B = Base
ES = Entrada Subterrânea

Ao norte do distrito, onde eles estavam, marcava um A e abaixo SP, ambos dentro de um círculo.
Era o mercado onde estavam. Mais ao norte dali, estava uma entrada pro subterrâneo, seu próximo
objetivo. No fim ele levava o lápis até a área florestal onde passaram a ultima noite, e demarcou um
DA, e fez um grande circulo envolta, com um PD dentro, junto do DA. Onde ele matou o dragão no
dia anterior. A marcação indicava isso e alertava que havia perigo nas redondezas.
Anotações terminadas, o rapaz guardou o caderno novamente dentro da mochila. Encostou a
cabeça em um dos espaços vazios da estante, as pálpebras pesavam, o cansaço o dominava e
eventualmente pegava no sono.

Horas mais tarde


15: 24 h

Despertava o maior, olhos pesados, cansaço ainda batia. Se botava de pé, esticando as costas e
sentindo uma dor desconfortável da posição que adormeceu. Sentia as pernas pesadas de cansaço e
a respiração pesada não ajudava.
Andamos demais. Dormi demais.
Encarou o menor, que estava ainda dormindo sentado logo a sua frente.
É, acho que estou pedindo demais do garoto.
Pisou com cuidado, evitava atrapalhar o descanso do garoto, e caminhou pra fora da adega,
seguindo então pra fora do mercado
Em frente do mercado, logo a frente onde portas duplas de vidro abriam e fechavam
automaticamente, seus olhos visavam o horizonte, onde apenas galpões e armazéns, a maioria
demolido ou pela metade, um ou outro ainda praticamente inteiro. Algumas quadras a frente, uma
antiga placa com neon, agora quebrada ao meio, jazia em frente a um galpão. O letreiro estava
totalmente destruído, mas ele sabia bem o que tinha ali. Era um antigo deposito de variedades,
eletros domésticos, alimentos, e escondido por ele, algo que eles definitivamente precisariam.
Seguiu caminhando até ele.
Passos adentro do armazém, seus olhos apenas visavam o nível mais baixo das enormes
estantes que guardavam os mais diversos tipos de mercadorias. Maioria das caixas estavam
acabadas, rasgadas ou saqueadas, porém seu alvo não estavam naquelas estantes, mas sim na

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ultima estante no fundo, a esquerda da porta. Ele chegava ao ultimo corredor da esquerda, e seguia
reto até o fim, o fundo. Uma sala de fundo, pequena, um banheiro.
Alguns metros pra direita da sala, algo no chão chamou sua atenção. Sangue e ratos mortos, não
de um jeito natural. Foram mortos. Sua atenção se virou para o banheiro, correu porta adentro.
A Munição!
Foi apenas o que teve tempo de pensar quando entrou e viu o estado das caixas. Abertas e
vazias. Diversas caixas medianas amontoadas uma sobre a outra, todas abertas e jogadas,
totalmente vazias.
Droga.
Tyler estava irritado. Correu até os ratos mortos. Inspecionou o sangue no chão, o corpo dos
ratos.
13 horas, talvez 15.
Não estipulava mais de 15 horas desde que esses ratos foram mortos, alguém havia passado por
ali e não fazia tanto tempo.
Não estamos sozinhos.
Não havia mais nada que fazer ali. Caminhou de volta para o mercado, passos apressados.

Alan despertava caído sobre sua mochila, baba escorrendo e melando a boca. Apertou os olhos e
os coçou com as costas das mãos, olhou e olhou, buscava ver o maior, seu ídolo, mas nada.
Deve ter saído. Como era mesmo? A é! Meia hora, se não voltar sigo meu rumo.
Sem muita pressa, o mulato se arrastou pra perto das latas e pegou uma, feijão enlatado.
Provavelmente já estava estragado, se não, faltava pouco.
Não demorou pra Tyler voltar, apressado. A visão de Tyler ao entrar na adega era: Alan de volta
em seu lugar, com uma lata de feijão, e sujo de feijão.

― Nunca vou me acostumar com enlatados. — Reclamou o mulato, levando a mão à boca com
mais uma porção de feijão, saboreando o sabor amargo do gelado feijão.
― Você reclama de barriga cheia, Alan. — Respondeu Tyler, inquieto, pegando suas coisas no
fundo da adega.
― Vai me dizer que você gosta?
― Não, mas é só o que temos. Agora cala a boca, termina de comer logo. Perdemos muito tempo
aqui, temos que sair logo antes que apareça algo ou alguém. — Tyler apressava o passo, indo para a
saída da adega. Sequer olhava para Alan, seus olhos estavam visando o céu, parecia conseguir ver
através das paredes, do teto. Seus olhos, sua audição, estavam afinadas. Parecia preocupado.
A comida sequer havia começado a pesar em seus estômagos e já estavam na estrada, seguindo
sempre ao norte, rumo ao 27º Distrito, lar da base Redfield, de onde vieram. O norte da cidade
parecia um degradê urbano. Os galpões enormes se transformavam em edifícios menores e então
apenas casas e lojas até que finalmente o campo.

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Seguiam por uma antiga auto-estrada que se lembrava dos tempos mais movimentados, quando
carros iam e vinham cruzando e queimando seu asfalto, mas agora parece nada mais que
lembranças de uma época mais feliz. Caminhavam em linha reta, seguindo o acostamento bem
próximo ao matagal do campo a sua direita. Costumava ser um vasto campo com algumas árvores,
um lugar belo pra recreação, pra casais querendo um pouco de privacidade em um momento mais
romântico ou uma aventura mais quente.
Seguindo sempre reto, Tyler guiando o caminho sempre na frente, sem desviar o olhar, parecia
não se importar em admirar a paisagem a sua direita ou a sua esquerda. Diferente do menor, que se
perdia em pensamentos admirando o vasto campo que parecia não ter fim pra onde olhasse, ou
para o campo a sua esquerda. Um campo não seria a forma correta de se dirigir ao que Alan
observava, parecia um terraplanar forçado. Construções que antes estavam em pé, agora nada mais
eram que destroços espalhados sobre o chão, um verdadeiro campo de cimento, pedra e ferro
distorcido.

O Anoitecer
18:17 h

Caminhando e caminhando, passavam-se horas e o céu começava a se pôr. A escuridão parecia


já estar tomando conta do céu, ainda alaranjado, mas as primeiras estrelas começavam a brilhar. Os
rapazes haviam caminhado sem parar, bebendo apenas pequenos goles da água que reabasteceram
na ultima parada. Haviam passado quilômetros cercados de destroços de um lado e um campo de
mato alto do outro, volta e meio ainda encontravam alguns hotéis antigos ainda em pé, mas
passavam direto. Triste falha.
Tyler a frente, encarava o céu do sol poente e resmungava algo incompreensível, visualmente
irritado.
― O que foi Tyler? — Disse o menor, preocupado, parando agora ao lado do maior.

O maior nada respondia. Seus olhos arregalados e sua expressão de nervosismo passavam o
mesmo nervosismo para o menor. Ele virava sua cabeça violentamente para os lados, direita,
esquerda. Apenas campo.
Nada! Droga!
Olhava ao horizonte a frente, seguindo a estrada e então para trás.
Também nada! Droga!
Ele caia sobre os joelhos, puxando a mochila das costas. Abria um dos bolsos e puxava o
caderninho com mapa.
Droga! Não vai dar tempo!
Dobrava o mapa de qualquer jeito dentro do caderno e o guardava novamente.
O menor ao seu lado parecia assustado, não entendia a princípio o porquê dele estar assim.
Olhava para as mesmas direções que o maior havia feito, norte, sul, leste e oeste. Só então se deu
conta. Estava anoitecendo e não havia um único lugar pra servir de abrigo. Podia ser inexperiente e

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não se lembrar de metade das regras, mas depois de tantos dias sabia dizer que precisavam de um
abrigo urgente.
― Alan! Pegue suas coisas, nós-
― Vamos acampar aqui, eu sei. — Disse Alan cortando Tyler, já com a mochila nas mãos e não
mais em suas costas.

Juntos percorreram alguns metros no campo, usando o mato alto como refúgio. Mochilas ao
chão, deitados um ao lado do outro, tentando amassar o mínimo de mato possível e usando os que
pisavam como um cobertor. Precisavam se camuflar da melhor forma possível, teriam que passar a
noite ali, a céu aberto, mais desprotegidos impossível.
Os minutos a seguir passavam tão lentos, que eles desconfiaram que o tempo havia parado de
alguma forma. Era o nervosismo. Parecia uma eternidade, a noite começava a chegar e o silêncio
imperava. Alan pegava no sono.
Queria ter a mesma facilidade que ele.
Pensou ele, ao encarar o dorminhoco ao seu lado. Um momento que conseguia evitar de pensar
no pior, evitar de ouvir atentamente a mínima mudança do ar. Tentava de todo jeito perceber
qualquer bater de asas ao longe. Sempre alerta. Só aprendendo isso pra sobreviver tanto tempo
como um andarilho.
Isso tudo… Tá muito quieto. Tranquilo demais.
Relaxar parecia impossível pra ele, e talvez até quisesse que fosse. Não relaxar significava
manter-se em alerta a noite toda, se preciso, tudo pra assegurar que saíssem dali vivos na manhã
seguinte.
O tempo passou.
Uma hora, duas, se passaram e o sono finalmente o venceu, suas pálpebras pesadas se fechavam
e adormeceu.

Madrugada
4: 24 h

O estridular dos grilos e cigarras estavam particularmente altos naquela noite. Todos soavam
com um ritmo natural que só pode ser visto na mãe natureza, parecia uma fila harmônica de
insetos tocando apenas para os dois naquela noite. Eles permaneciam em sono profundo, talvez
mais profundo do que deveriam estar.
Os sons davam lugar a um silêncio mórbido.
O ritmo dos sons sincronizados em sua cantoria desafinada parava também com a mesma
sincronia. Um silêncio mórbido pairava como a tranquilidade antes da tempestade.
E a tempestade parecia chegar antes que o planejado. Um som abafado, pesado, de ar sendo
empurrado com força tomava o lugar daquele silêncio outrora infernal. Seguindo o som abafado, a
massa de ar movida chegava soprando tudo com força, acordando os dois antes adormecidos. Tyler

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despertava primeiro, logo que tomava consciência do que estava acontecendo, levou a mão à boca
do menor ao seu lado e a cobriu, pra prevenir qualquer grito que viesse de sua boca.
O que Tyler via ao se despertar, uma visão que lhe trazia medo de forma instantânea. Cada
célula do seu corpo tremia apavorada. De bruços, ainda cobrindo a boca do menor, seus olhos
fitavam através da grama alta que tremia com o vento: A silhueta de uma criatura colossal.
Forçando seus olhos, agora semicerrados, tentando identificar o que era. Tentava ter certeza do
que vinha até ali, apesar de ouvir vindo do seu âmago a resposta. Seus olhos pescavam poucas
informações naquela escuridão. Parecia maior que uma Beta, mesmo uma adulta, e isso só podia
significar uma coisa: Um Alfa.
O enorme dragão da classe Alfa estava no ar, descendo ao chão lentamente. Conforme os metros
entre suas patas e o solo diminuíam, o brilho das chamas surgia na boca do réptil. A criatura
soprava suas chamas ao chão abaixo de si, um círculo de fogo, onde suas patas e cauda repousavam
logo que chegavam ao chão. Tais chamas pareciam servir de um conforto para o animal de sangue
frio. E não só isso, as chamas também iluminaram o local e o próprio dragão.
Alan tentava se livrar da mão do maior e se virar pra ver o que era, porém via apenas um
comando de silêncio vindo do maior. E pela expressão de terror ele sabia. Um dragão estava por
perto.
Os olhos de Tyler não demoraram a encarar o dragão novamente. Ele era colossal comparado ao
filhote que matou dias atrás. Era um Alfa. Diferente de uma Beta, possuía quatro patas, longas e um
corpo esguio, mas ainda maior que o de uma Beta. Suas asas saiam das costas, próximas as patas
dianteiras. Seu pescoço erguia a cabeça ao alto, aproximadamente 7 metros do chão, diminuindo
quando a criatura deitou-se sobre as patas no círculo de fogo. Ele não conseguia medir seu
comprimento, mas conhecendo a categoria, deveria ter pelo menos 17 metros. Ele era parcialmente
negro, as escamas da parte superior do corpo eram completamente negras, já as da barriga e papo
eram beges. Suas asas eram enormes, ficavam bem abertas mostrando todo seu tamanho, e
facilmente tinha pelo menos 15 metros. A parte escamosa, que protegia a carne e os ossos, era
negra, e o couro bege. As escamas pareciam uma armadura negra e lisa, exceto pela faixa em sua
coluna, onde as escamas formavam um adorno espinhoso, como as barbatanas de um peixe, indo
da cabeça até a ponta da cauda.
E ali, deitados no chão entre a grama alta, tremendo e apavorados, estando a apenas 5 metros de
distância, os dois rapazes. Rogando pelas suas próprias vidas e lamentando por não terem
escolhido acampar mais longe da estrada.

Capítulo 3

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