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INTRODUÇÃO

O pelo é um dos mais importantes recursos forenses e, muitas vezes,


fornece pistas valiosas sobre a identidade de um ou mais agressores. Os
resultados obtidos da análise dos pelos podem ser importantes para a vida de
uma pessoa ou para a condução de uma investigação.
O pelo é uma formação típica do tegumento dos vertebrados, geralmente
conhecida como pele. A pele é o órgão que separa o organismo de seu entorno.
Ela é composta de várias camadas:
1. Epiderme: a parte mais externa, formada por tecido epitelial, de origem
ectodérmica e pluriestratificada nos vertebrados.
2. Derme: está abaixo da epiderme, de origem mesodérmica. Ela é formada,
principalmente, de tecido conjuntivo, e também de capilares etc. Separa-se da
epiderme por meio de uma lâmina basal. Essa lâmina é ondulada nos
vertebrados, cada vez mais à medida que se avança na filogenia.
3. Hipoderme ou panículo adiposo: presente apenas nos mamíferos, é uma camada
abaixo da derme que acumula células com lipídios chamados adipócitos.

O PELO

O pelo é um elemento característico dos mamíferos produzido na


epiderme e composto de queratina, o que lhe confere as propriedades mecânicas
de rigidez e resistência.

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Cada pelo (figura 1) é formado no folículo piloso (invaginação da
epiderme), que contém a raiz ou bulbo espessado na base e células que se
multiplicam com grande rapidez, crescendo continuamente em uma haste que se
projeta para cima da superfície. A zona papilar é composta de tecido conjuntivo
e vasos sanguíneos, que fornecem ao pelo as substâncias necessárias para seu
crescimento.

 Figura nº 1 (partes do pelo).


(Fonte: Wikipedia)

Dentro de cada folículo, há uma glândula sebácea que secreta uma


substância oleosa composta de lipídios e ceras que serve para proteger a pele,
atuando como lubrificante e isolante. Há um feixe de fibras musculares lisas
presas a cada pelo (músculo eretor).
A contração dos músculos faz com que os pelos fiquem de pé, mudando,
assim, seu ângulo em relação à pele. Esse processo aumenta visualmente o
tamanho do indivíduo em uma reação de medo ou defesa. Sem circunstâncias
ameaçadoras, aumenta as possibilidades de isolamento da cobertura do pelo,
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proporcionando, assim, um melhor abrigo contra o frio, mecanismo pouco eficaz
no ser humano, mas patente por ressaltar cada folículo que forma os chamados
“arrepios”.
Os toxicólogos sempre consideram o pelo como um elemento importante
para o estudo de certos tóxicos, principalmente o arsênico e outros compostos
metálicos, devido às suas propriedades. Embora sua aparência seja frágil, é
praticamente indestrutível, sendo alterado apenas se for queimado ou tratado
com ácidos fortes.

TIPOS DE PELO

O pelo cobre o corpo dos mamíferos, formando a pelagem. Existem


diferentes tipos de pelo: o de cobertura ou principal, o da barba ou secundário e
o velo.
O pelo de cobertura (pelo-guarda) é mais longo que os demais pelos, é
pigmentado, e por isso é responsável pela coloração do animal, sendo
encontrado em abundância em seu corpo, pois cumpre uma função protetora. O
pelo secundário desempenha a mesma função que o pelo de cobertura, mas de
uma forma menos importante. O velo é muito fino e curto, sendo distribuído na
pelagem com densidades mais altas para servir como isolamento térmico.
Embora a maioria dos mamíferos tenha pelagem abundante, os mamíferos
marinhos como os sirênios (peixes-boi) e os cetáceos (golfinhos, baleias e orcas)
quase não têm pelos no corpo, e o mesmo pode ser dito do homem. Entretanto,
todos os mamíferos, sem exceção, têm pelos em algum momento de suas vidas.
No ser humano recém-nascido, o pelo não tem medula e seu comprimento
é de cerca de 20 mm-25 mm; esse pelo é perdido nos primeiros 6 meses, sendo
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substituído pelo pelo infantil. Ele adquire uma aparência dura entre o terceiro e
quinto ano de vida, com um diâmetro de 0,1 mm.
Na puberdade, os pelos pubianos aparecem, formando os velos púbico,
axial e facial (barba e bigode), que geralmente são crespos. Os pelos faciais são
caracterizados por seu ressecamento. Por outro lado, os pelos axiais são mais
finos que os anteriores, podendo atingir vários centímetros.
Nas narinas e nos canais auditivos, podem ser encontrados pelos não muito
longos, mas tão fortes quanto os da barba.

FUNÇÕES DO PELO

Em geral, o pelo serve, sobretudo, para manter a temperatura do corpo do


animal constante com a constituição da pelagem. Assim, a pelagem serve para
proteger os animais do frio ou do calor. Isso pode ser observado na chinchila. A
chinchila pode resistir a uma gama muito ampla de temperaturas, já que resiste a
temperaturas entre -5 °C a 30 °C. A pelagem também protege a pele de
agressões ambientais, ou seja, arranhões e radiação ultravioleta (UV) excessiva.
Entretanto, os pelos também desempenham outras funções, tais como a de
fornecer informações sensoriais, como é o caso das vibrissas, ou de defesa,
como os espinhos do ouriço-cacheiro.

ESTRUTURA DO PELO

Cada espécie animal tem um pelo característico em termos de


comprimento, cor, forma, aparência da raiz e características internas
microscópicas que distinguem um animal do outro. Existe também uma
variabilidade considerável nos tipos de pelos encontrados no corpo de um
animal. Nos seres humanos, os pelos encontrados na cabeça, na região púbica,
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nos braços, nas pernas e em outras áreas do corpo têm características que tornam
possível determinar sua origem. Os animais incluem tipos de pelos grossos
externos de guarda, subpelos, vibrissas dos bigodes ou outros locais e outros
pelos da cauda e crina.
Descobrir a estrutura do pelo é imprescindível na medicina legal para
distinguir se o pelo é de um animal ou humano, de um homem ou de uma
mulher, a raça, a parte do corpo de onde procede e até mesmo a idade do
indivíduo. Todos os pelos são diferentes e, portanto, é muito útil distinguir as
pessoas em casos jurídicos conflitantes. Como os pelos podem ser transferidos
durante o contato físico, sua presença pode ser associada a um suspeito ou
vítima de uma cena de um crime. Os tipos, a condição e o número de pelos
encontrados têm valor probatório em uma investigação criminal. Compará-los
sob o microscópio ajuda a determinar como a transferência pode ter ocorrido.
Longitudinalmente, o pelo é estruturado em 4 partes: bulbo capilar, raiz,
haste e ponta.
Transversalmente, o pelo é basicamente dividido em 3 camadas:
Cutícula ou escamas, córtex e medula.

 CUTÍCULA:
É uma fina camada não pigmentada, formada por células que são cúbicas
no início, depois achatam, perdem seu núcleo, queratinizam e tornam-se
transparentes. Elas adotam uma posição como as telhas planas de um telhado
com a borda livre direcionada para a ponta, o que dá à haste capilar a aparência
de um tronco de palmeira sem galhos. Dada a transparência dessas escamas, elas
são difíceis de visualizar por transiluminação, sendo mais bem vistas à luz
oblíqua.
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A melhor maneira de visualizar a cutícula é ver os traços que as bordas
livres das escamas deixam em uma superfície macia e transparente.
Muitos suportes foram propostos para obter o molde cuticular, tais como o
acetato de celulose ou a solução vinílica ou folha de acrílico (plexiglas) em
solução de clorofórmio.
O esmalte de unhas comercial também pode ser útil. Uma fina extensão é
feita em uma lâmina e o pelo é colocado sobre ela. Quando o filme estiver
pronto, ele é removido, e no curso esculpido pelo pelo terá sido impresso o
desenho da cutícula, podendo ser estudada sob o microscópio.
Os desenhos dos moldes dos pelos oferecem uma grande variedade, e
vários sistemas de classificação foram propostos, de acordo com o desenho
global, a distância entre as margens das escamas etc.
Adorjan e Kolenosky, em 1969, publicaram um atlas com os diferentes
tipos de cutículas.
As classificações mais conhecidas desse campo foram publicadas por
Hausman (1930), Moritz (1939) e Wildman (1954).
O pelo tem uma extremidade livre, a HASTE, e uma extremidade incluída
na derme, a RAIZ, que está dentro do FOLÍCULO PILOSO, que, por sua vez,
tem um BULBO.

RAIZ:
A raiz assenta-se sobre o folículo que contém o órgão gerador do pelo. Ela
está fortemente implantada e, em algumas partes, é difícil de ser arrancada.
O pelo cai espontaneamente devido à formação de um novo que o
empurra, queratiniza-se e cai.
A raiz é interessante do ponto de vista criminalístico, pois diferencia os
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pelos caídos espontaneamente dos pelos arrancados.
Para esses efeitos, a raiz tem duas fases:

 FASE ANÁGENA:
O pelo é arrancado com dor. A raiz está presa à pele, já que está na fase de
absorção, portanto há uma grande quantidade de matéria sebácea presa à raiz.

 FASE TELÓGENA:
O pelo cai espontaneamente. A raiz tem a forma de um abacaxi e sua base
é completamente limpa. Esse pelo estava em estado de letargia, porque a raiz
havia parado de absorver as substâncias nutritivas.

 CÓRTEX:
O córtex do pelo é responsável por sua resistência, elasticidade, forma e
cor.
Ele é composto de células mortas, que não são individualizadas ao
microscópio, por estarem agrupadas para formar uma massa hialina homogênea.
Em algumas espécies, como na lã, as células podem ser identificadas, que
têm forma poligonal.

Em geral, portanto, poucos dados podem ser obtidos do córtex se ele não
estiver pigmentado. Pelo contrário, se estiver, seu exame fornece deduções
importantes: o pigmento pode ser difuso ou granular, e quanto à concentração,
varia desde a ausência completa até uma densidade tal que impede a
visualização do interior do pelo.
Para estudar a forma, o tamanho e a distribuição do pigmento do córtex, é
necessário realizar um corte transversal no pelo. O procedimento usual de cortes

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com micrótomo deve ser realizado, após a inclusão de parafina, celoidina ou
resinas mais duras.
Em humanos, o pigmento tende a estar mais localizado na periferia. Já nos
animais, ele está localizado mais no centro ou distribuído uniformemente por
todo o córtex.
A cor do pelo pode mudar ao longo da vida por várias razões, e isso se
deve à melanina.
Quando enterrado, ele tende a assumir uma cor avermelhada devido à
ação do húmus no solo.

 MEDULA:
Ela ocupa a porção central do pelo, mas sua presença não é constante. É
composta por uma coluna de células aglomeradas. Entre uma célula e outra, há
espaços de ar que, ao microscópio, aparecem como espaços escuros que
impedem o exame medular.
Para visualizar a medula, é necessário eliminar o ar e, caso as células
estejam pigmentadas, remover o pigmento. Um bom procedimento é tratar o
pelo com peróxido de hidrogênio alcalino, contendo vestígios de cloreto férrico.
O processo de descoloração deve ser controlado por exames microscópicos, pois
o excesso de descoloração pode danificar a estrutura do pelo.
Para remover o descolorante, lava-se com água clorídrica.
O exame da medula deve ser feito em um corte transversal, que nos
permitirá calcular o índice medular.
E um exame longitudinal nos permitirá ver o tipo de medula, que pode ser
de três tipos:
A) CONTÍNUA:* Com bordas regulares.
* Com bordas irregulares.
B) DESCONTÍNUA.
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C) NÃO EXISTENTE.

A largura da medula geralmente não é uniforme ao longo de todo o


comprimento do pelo.
Nos animais, é mais larga que nos humanos, nos quais, normalmente,
ocupa 1/3 do pelo.

Em resumo, poderíamos dizer que a cutícula é a camada mais externa,
pois envolve as outras duas e protege o pelo das agressões externas. O córtex é
composto por fibras de queratina, portanto, é a camada que dá força ao pelo e
contém os pigmentos que lhe conferem cor. A medula é a camada interna e
contém uma grande quantidade de ar que proporciona ao pelo propriedades
isolantes.
Formada por células queratinizadas fracamente unidas, ela está presente
apenas nos pelos mais grossos (pelos-guarda). O espaço intercelular é
preenchido com ar. A medula pode ser contínua ou interrompida. É contínua em
um grande número de animais e geralmente interrompida em humanos, macacos
e cavalos (figura 2).

* Figura 2. Pelo de gado (A), cachorro (B) e humano (C).

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(Fonte: banco de dados ECC)

O diâmetro da medula pode ser constante ou variável. A medida útil é


obtida pela razão entre o diâmetro da medula e o diâmetro do pelo completo em
seu ponto mais grosso, medido com um microscópio óptico equipado com uma
ocular micrométrica, chamada índice medular (I). No pelo humano masculino,
encontram-se valores médios de índice medular de 0,25-0,35 e nas mulheres,
menos de 0,20.
De acordo com esse índice, o pelo pode ser dividido em 3 grupos:
A) Pelo de medula estreita: menos de 0,5 (pelo humano e de macaco).
B) Pelo de medula média: aproximadamente 0,5 (bovino, equino, entre outros).
C) Pelo de medula grossa: mais de 0,5 (todos os outros animais).
Alguns pelos humanos mostram uma medula estreita e frequentemente
interrompida; outros, especialmente os femininos, são amedulares.
A medula está rodeada pelo córtex e fortemente presa a ele. Seus
elementos são células corticais em forma de agulha que se alinham em uma
formação regular paralela ao eixo longitudinal do pelo. O córtex é de grande
importância forense, pois contém os grânulos pigmentados que dão origem à cor
do pelo. A cor e a distribuição desses grânulos fornecem ao criminalista
importantes pontos de comparação entre os pelos humanos. A maioria dos
grânulos de pigmento é fixado no córtex.
A superfície é coberta por um tegumento de proteção, a cutícula, na qual
células especialmente queratinizadas formam de 6 a 8 camadas. Grande parte da
resistência e estabilidade do pelo é atribuída à cutícula. As células da camada
externa podem ser fixadas ou separadas nas porções terminais, formando
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escamas sobrepostas que sempre apontam para a ponta do pelo (figura 3).
Existem diferentes tipos de escamas: imbricadas, denteadas, crenadas, ovaladas,
acuminadas etc. (figura 4). No homem, a cutícula é lisa, não muito saliente e
com escamas imbricadas. Nos animais, são grossas e não muito imbricadas.

 Figura 3. Escamas do pelo.


(Fonte: banco de dados ECC)

Para a análise do pelo humano, é importante determinar o índice


escamoso, que é o número de escamas por unidade de comprimento. Embora os
índices sejam muito semelhantes e não haja grande variedade para os diferentes
indivíduos, é útil em alguns casos descartar um pelo de uma origem diferente da
estudada.

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 Figura 4. Tipos de escamas da superfície do pelo
(Fonte: Wikipedia)

Os métodos para o estudo da cutícula são variados: ela pode ser observada
ao microscópio adicionando uma gota de água, com ou sem descoloração prévia;
pode ser manchada com azul de metileno; podem ser obtidos moldes de sua
superfície embebendo o pelo em um meio flexível como o esmalte de unhas ou
solução vinílica ou folha de acrílico (plexiglas) em solução de clorofórmio.
Independentemente de sua origem, o pelo tem DNA na raiz, que é o local
onde se encontram as células que dão origem à haste. A quantidade em cada
pelo é muito pequena, portanto, deve-se ter o máximo cuidado na coleta.
Quando os pelos são arrancados violentamente do corpo, é possível encontrar
mais DNA, porque há células da superfície da pele que foram arrancadas junto
com a raiz capilar.
A maioria dos meios de extração de DNA da raiz capilar destrói tanto a
raiz quanto o resto do pelo, e todos os métodos alteram significativamente suas
características. Portanto, antes de proceder à extração do DNA, é necessário
realizar uma análise morfológica com lupa e microscópio dos pelos do qual será
extraído o DNA e tirar tantas fotografias quantas forem necessárias.
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MICROSCOPIA DO PELO

O exame dos pelos humanos no laboratório de criminalística geralmente é


realizado utilizando microscopia óptica. Ele envolve um processo de 2 etapas: a
identificação de pelos suspeitos e sua comparação com pelos conhecidos para
determinar se 2 ou mais pessoas podem ter entrado em contato com um objeto.
Essa prova associativa é especialmente útil em crimes de violência, tais
como homicídios, crimes sexuais ou todos aqueles que envolvem contato físico.
A morfologia de um pelo isolado é diferente dependendo se ele caiu
espontaneamente ou se foi arrancado (figura 5). Também em crimes como roubo
e assalto à mão armada, restos de roupas ou objetos que possam conter pelos
úteis para a identificação de suspeitos podem ser recuperados.

* Figura 5. Aspecto microscópico das raízes de um pelo desprendido (A),


arrancado pela força de um secador (B) e arrancado bruscamente (C).
(Fonte: banco de dados ECC)

O valor desses testes está relacionado à variabilidade das características


do pelo entre os indivíduos da população, que pode ser visualizado usando
microscopia de comparação (figura 6).

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O microscópio de comparação consiste em duas unidades de microscopia
óptica conectadas por uma ponte óptica, de modo que duas amostras diferentes
podem ser vistas simultaneamente.

 Figura 6. Comparação microscópica dos pelos.


(Fonte: banco de dados ECC)

Há muitos fatores que influenciam a confiabilidade de uma associação,


incluindo experiência, formação, limitações dos padrões capilares conhecidos e
adequação dos equipamentos. Embora os testes capilares sejam ferramentas
valiosas para a identificação corporal, é difícil estabelecer uma probabilidade
estatística para uma determinada associação devido, em parte, à escassez de
avaliações quantitativas confiáveis das características microscópicas presentes
nos pelos.
O processo de exame dos pelos envolve diferentes etapas. A primeira
delas é determinar se o pelo em questão provém de um animal ou de um ser
humano. Se o pelo for de origem animal, é possível identificar a espécie de
animal, não excluindo outros indivíduos da mesma espécie. Um exemplo é
quando um pelo de cachorro é associado a uma determinada raça, mas não se
identifica um cão específico dentro dessa raça.
O pelo está presente em diferentes regiões do corpo. Cada região, tais
como a cabeça, o púbis, o tórax, a axila e a extremidades, tem pelos com
características microscópicas específicas.
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Embora seja possível identificar um pelo como procedente de uma
determinada área do corpo, as regiões do corpo que são usadas principalmente
nas comparações forenses são as da cabeça e das áreas púbicas. Como os pelos
estão sujeitos a crescimento cíclico, as características microscópicas visíveis
também são suficientes para determinar a fase de crescimento do pelo.
A morfologia básica dos pelos humanos é compartilhada por todos os
indivíduos de uma população, mas a ordem, distribuição e aparência
microscópica das diferentes regiões dos pelos têm características diferentes, o
que geralmente permite que pessoas qualificadas possam diferenciar os pelos de
pessoas diferentes. Uma analogia seria a capacidade de um indivíduo reconhecer
o rosto de um amigo ou membro da família no meio de uma multidão, mesmo
que cada pessoa na multidão tenha duas orelhas, dois olhos, um nariz e uma
boca.

PELOS DE ANIMAIS

Pelos de animais descobertos dentro de provas físicas podem ser


vinculadas a um suspeito ou indicar um crime de violência. Pelos de gato ou
cachorro podem ser encontrados na parte adesiva de envelopes e em notas de
extorsão preparadas pelos donos dos animais. A transferência de pelos para a
vítima ou cena do crime também pode ocorrer quando o suspeito é dono de um
animal de estimação e tem pelos dele em sua roupa ou em si mesmo quando
ocorre o contato. Isso é conhecido como transferência secundária de rastro
material.

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Quando um pelo animal é encontrado, ele é identificado como pertencente
a um determinado tipo de animal por comparação microscópica com uma
amostra de pelo conhecida, seja de uma coleção de pelos de referência ou de um
animal específico. Se o pelo em questão tiver as mesmas características
microscópicas que o pelo conhecido, conclui-se que o pelo é consistente com os
originários daquele animal. Observa-se, entretanto, que pelos de animais que
não possuem características microscópicas individuais suficientes para serem
associados a um determinado animal não excluem a pertença a outros animais
similares. Antes de realizar uma comparação, é necessário ter uma coleção
padrão adequada de pelos de animais conhecidos. Pelo fato de existirem
variações na cor e na área do corpo de um animal, os pelos devem ser coletados
de cada área. Embora seja difícil determinar o número mínimo de pelos para
criar uma amostra significativa, o bom julgamento deve orientar a coleta de
pelos suficientes para representar os vários tipos e cores. A amostra deve conter
pelos de diferentes comprimentos e tanto pelos desprendidos como pelos
arrancados. Se o animal não estiver disponível para a coleta de amostras, ele
pode ser substituído por pelos coletados de uma escova ou pente usado no
animal. No caso de cães ou gatos, também é possível usar pelos coletados da
cama desses animais.
Pelos de animais encontrados no local do crime ou nas roupas dos
suspeitos e vítimas também podem ser de uma peça de roupa de pele. Esses
pelos podem ter sido tingidos artificialmente ou aparados e, muitas vezes, não
têm raízes. Nesse caso, é conveniente ter um mostruário padrão de todos os tipos
de pelos de animais usados em roupas para realizar uma comparação.

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* Diferenças entre pelos humanos e de animais.

PELOS HUMANOS

Como dito acima, o contato físico pode ocasionar a transferência de pelos.


Eles podem ser transferidos diretamente da região do corpo onde cresceram
(transferência primária) ou por meio do vestuário ou do entorno (transferência
secundária). Isso ocorre porque cada indivíduo perde, diariamente, cerca de 100
pelos da cabeça. Pelos encontrados em uma vítima ou um suspeito que parecem
ter caído naturalmente podem ser o resultado de uma transferência primária ou
secundária, mas a aparência dos pelos arrancados sugere um confronto violento.

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DETERMINAÇÃO RACIAL

Tem grande importância forense a determinação, por meio do pelo, da


raça ou do grupo racial ao qual pertence a amostra suspeita. Existe uma grande
variabilidade racial na espécie humana, relacionada com as diferentes regiões
geográficas nas quais o homem se estabeleceu. Embora os padrões de
distribuição geográfica ainda sejam válidos, os representantes de cada grupo
racial podem agora ser encontrados em quase todas as partes do mundo. Existem
muitas classificações de raças, mas a mais aceita é a seguinte:

1º) LEUCODERMO ou CAUCASIANO (CAUCASOIDE) - raças nórdica,


europeia oriental, alpina, dinárica, mediterrânea, anatólica, turaniana,
branca do sudeste, indoafegã e ainu):
Os pelos do couro cabeludo de origem caucasiana diferem em textura,
forma e grau de pigmentação (figura 7).

 Figura 7. Microscopia do pelo caucasiano


(Fonte: banco de dados ECC)

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Pelos lisos têm um calibre regularmente liso, que vai diminuindo
gradualmente perto da ponta. Outros pelos podem ser ondulados ou
encaracolados, mostrando um aumento gradual da ondulação.
Seu diâmetro diminui alternadamente ao longo de seu comprimento, e a
medula de tipo interrompida pode ser levemente excêntrica. Em ambos os tipos,
o pigmento varia de intensidade, mas está concentrado nas porções periféricas
do córtex. Na maioria dos casos, os grânulos pigmentados são escuros e a
quantidade de tais grânulos determina sua cor a olho nu, seja loiro, vermelho ou
escuro. A seção é circular ou oval, e a medula varia de pequena a média, com
grânulos de pigmento uniformemente distribuídos.

2º) XANTODERMO ou MONGOLOIDE - raças norsiberiana, mongólica,


indonésia, polinésia, esquimó e ameríndia:
Pelo geralmente grosso, reto e de seção circular, maior em diâmetro do
que os outros grupos raciais, com hastes altamente pigmentadas, com a medula
localizada no centro e com um diâmetro maior que o de outras raças (figura 8).
O córtex contém grânulos de pigmento que são maiores que os da raça
caucasiana e, muitas vezes, estão agrupados em áreas irregulares. A cutícula é
mais espessa que nas outras raças. Podem ter uma aparência avermelhada
característica devido ao seu pigmento.

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 Figura 8. Microscopia do pelo mongoloide.
(Fonte: banco de dados ECC)

3º) MELANODERMO ou NEGROIDE - raças melanoafricana, etíope,


pigmeia, khoisânida, melanoindiana, melanésia e negrito):
O pelo da raça negra ou africana normalmente é encaracolado, retorcido e
preto, variando muito em tamanho ao longo de toda a sua extensão pois cresce e
diminui em diâmetro alternadamente (figura 9). Uma grande quantidade de
pigmento é encontrada no córtex, proporcionando uma cor negra intensa e
opaca. O pelo, em seção transversal, é oval e estreito ou pode ser quase plano; o
canal medular está situado de forma excêntrica. Os grânulos de pigmento são
maiores que os dos caucasianos e mongoloides e se reúnem em grupos de
diferentes tamanhos e formas. A densidade do pigmento na haste capilar pode
ser tão grande que chega a tornar o pelo opaco.

 Figura 9. Microscopia do pelo negroide.


(Fonte: banco de dados ECC)

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4º) AUSTRALOIDE - raça australiana e vedda:
Em geral, elas coincidem com as raças melanodermas, embora haja a
peculiaridade de que indivíduos com pelos loiros podem aparecer com certa
frequência, especialmente durante a infância.
Um pelo pode ser associado a um determinado grupo racial, com base em
modelos estabelecidos para cada grupo. A técnica consiste em colocar o pelo em
parafina ou resina de poliéster e depois efetuar cortes transversais com a ajuda
de um microtorno a fim de analisá-lo microscopicamente. Entretanto, a
determinação racial por exame microscópico do pelo pode ser difícil no caso de
pessoas de origem racial mista, pois elas podem possuir características
microscópicas atribuíveis a mais de um grupo racial. O
pelo das crianças também supõe muitas dificuldades.
Os pelos do couro cabeludo fornecem o critério mais seguro para a
identificação da raça, pois permitem uma melhor diferenciação que os pelos de
outras partes do corpo, ainda que os pelos de outras regiões do corpo possam ser
úteis.
A identificação racial é muito útil como uma ferramenta de pesquisa
antropológica, mas também pode ser uma ferramenta associativa muito útil
quando se dispõe de pelos de um indivíduo com características raciais incomuns.

 PIGMENTAÇÃO RACIAL DO PELO:


Inúmeros antropólogos físicos tentaram aplicar escalas cromáticas de pelo
à categorização e classificação das raças humanas. Entretanto, é óbvio que uma
classificação desse tipo está sujeita a uma casuística tão ampla que não admite
uma classificação simples. Há demasiadas variáveis. A cor do pelo muda com a
idade. Pelos de pessoas loiras tendem a escurecer à medida que elas crescem, e
outros tipos de pelos ficam mais claros. O envelhecimento é frequente e precoce
nos povos brancos ou leucodermos, mais tardio e pouco frequente entre os
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melanodermos e xantodermos e excepcional entre os índios da América. A cor
do pelo também pode mudar devido à influência de fatores climáticos, do tempo
de exposição ao sol, das doenças etc., sem mencionar os meios de tratamento ou
coloração artificial praticados por muitas sociedades ao redor do mundo, o que
também tende a mudar (e não apenas em termos superficiais) sua qualidade e
morfologia.
Embora se possa afirmar que, em geral, os povos xantodermos e
melanodermos tenham pelo negro (exceto para algumas populações australianas
nas quais existem crianças loiras), entre os povos leucodermos, a variabilidade é
extraordinária, podendo variar de tonalidades muito diferentes, de loiro claro ao
preto. Embora o loiro seja mais típico das populações do norte e leste da Europa,
bem como da América do Norte, geralmente há um número significativo de
pessoas loiras em qualquer população leudoderma. A cor castanha aparece em
toda parte, e a marrom também, embora seja mais característica dos
mediterrâneos.

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DETERMINAÇÃO DA REGIÃO

Para determinar a região do corpo de onde procede o pelo, são


considerados o comprimento, o diâmetro, a forma da ponta, a rigidez, a
ondulação, a cor, o material que cobre a superfície e a forma da seção
transversal. Assim, temos pelos facial, pubiano, das extremidades, da cabeça
(testa, têmporas, nuca, costeletas), das axilas, do peito, das sobrancelhas, dos
cílios etc. (figura 10).

 Figura 10. Pelos faciais (A), das extremidades (B) e púbicos (C).
(Fonte: banco de dados ECC)

PELOS DA CABEÇA

Os pelos da cabeça geralmente são os mais compridos. Eles caracterizam-


se por ter um diâmetro homogêneo e, muitas vezes, a ponta cortada com tesoura,
lâmina de barbear ou cortador, cada um deles com um truncamento
característico. Quando não são cortados, terminam em ponta, sem truncamento.
Em geral, os pelos da cabeça são mais suscetíveis a alterações que os pelos de
outras regiões do corpo. Além da aparência natural do pelo, é necessário levar
em conta o uso de tinturas, clareamentos, permanentes e outras aplicações

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químicas, bem como alterações ambientais como a exposição excessiva ao sol, o
vento, o ressecamento etc.
Os pelos da cabeça são rotineiramente comparados em laboratórios de
criminalística. É importante obter, o quanto antes, amostras adequadas do
suspeitos conhecidos e das vítimas e, se possível, de outras pessoas envolvidas
(amostras de eliminação). A amostra deve conter pelos de diferentes áreas
aleatórias do couro cabeludo. O número de pelos necessários para uma
comparação significativa pode variar dependendo da homogeneidade de suas
características, mas a amostra deve ter, pelo menos, 25 pelos inteiros. Deve
incluir tanto pelos arrancados como penteados, devendo ser armazenados
separadamente.

PELO PÚBLICO

Os pelos púbicos também são normalmente comparados em um


laboratório de criminalística. Assim como os pelos da cabeça, há uma variação
considerável entre os indivíduos na população, mas eles não estão sujeitos a
tantas mudanças quanto os pelos da cabeça. Portanto, uma amostra colhida um
ano ou mais após um crime pode servir para uma comparação significativa.
Recomenda-se obter a amostra o mais rápido possível. Ela deve conter, pelo
menos, 25 pelos inteiros retirados de diferentes áreas da região púbica.

PELO FACIAL

É comumente chamado, dependendo de sua localização, de barba ou


bigode. É espesso e pode ter uma seção transversal triangular. Sob ampliação,
podem ser observados espessamentos ou depressões. Outras características
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incluem uma medula mais desenvolvida e a ponta truncada pelo corte de
navalha.
A presença de pelos faciais na roupa de um suspeito ou vítima pode ajudar
a estabelecer contato entre essas pessoas, sendo possível compará-los por meio
de um microscópio. Eles não são tão importantes quanto os pelos da cabeça e os
pelos púbicos.

PELO DAS EXTREMIDADES

Os pelos das pernas e dos braços são mais curtos, têm forma arqueada e,
muitas vezes, estão danificados ou possuem a ponta cônica. O pigmento tem
aparência granular e a medula é descontínua. Embora esses pelos não sejam
comparados rotineiramente em laboratórios forenses por não terem um valor tão
significativo, eles podem ajudar na investigação.

PILOSIDADE, FORMA E QUALIDADE RACIAL


DO PELO

A forma, quantidade e distribuição da pilosidade humana (muito menos


abundante e densa que a da maioria dos mamíferos) também são fatores tão
variáveis que é impossível estabelecer correlações precisas entre elas e os
diferentes tipos raciais.

25
Muitos indivíduos caucasianos ou leucodermos de tonalidade morena têm
pilosidade abundante. Já os de tonalidade loiras têm pilosidade mais escassa,
sendo ainda mais escassa entre os melanodermos. Mongoloides ou xantodermos,
e especialmente os indígenas ameríndios, quase não possuem pelos, tanto no que
diz respeito ao rosto quanto ao corpo.

DETERMINAÇÃO DA IDADE E DO SEXO

A idade de um indivíduo não pode ser determinada conclusivamente pelo


exame microscópico do pelo, embora alguns pelos humanos, como os das
crianças e dos idosos, possam dar uma ideia geral da idade. Por exemplo, os
pelos dos lactantes são mais finos e menos diferenciados, microscopicamente
falando. Os idosos podem sofrer uma perda de pigmentos e mudanças na
configuração do pelo, que se torna muito mais fino e de diâmetro variável.
A determinação do sexo com o uso de pelos encontrados no local é
baseada na coloração diferencial dos cromossomos sexuais, que são encontrados
na interfase dos núcleos das células da bainha da raiz do pelo.

No núcleo das células somáticas femininas, aparece uma massa


condensada de cromatina sexual, o corpúsculo de Barr (figura 11). De acordo
com a hipótese da geneticista britânica Lyon, um dos dois cromossomos X em
cada célula somática feminina é geneticamente inativo. O corpúsculo de Barr
representa o cromossomo X inativo. Isso ocorre (inativação) por volta do 16º dia
de desenvolvimento embrionário. O processo é chamado de lionização.

26
 Figura n.º 11. Corpúsculos de Barr em amostras de pelo.
(Fonte: banco de dados ECC)

Sua detecção é feita coletando a raiz do pelo e manchando-a com orceína


em meio acético. Por transparência em campo claro, aparece o citoplasma de cor
rosa pálido e o núcleo vermelho mais escuro com uma membrana nuclear clara e
definida. O corpúsculo de Barr é visto como um pequeno corpo castanho escuro,
próximo à membrana nuclear. Se 30% das células contêm corpúsculos de Barr, o
pelo é considerado de origem feminina.
No homem, o cromossomo Y tem uma alta afinidade com o cloridrato de
quinacrina, aparecendo como uma mancha fluorescente verde brilhante. Outra
maneira é impregnar a raiz do pelo com solução de leucofucsina e observar a
fluorescência. Em ambos os casos, a presença de uma porcentagem igual ou
superior a 30% de células fluorescentes determina a origem masculina da
amostra.
Embora mediante a microscopia seja difícil determinar o sexo de um
indivíduo, os pelos tingidos ou tratados são mais comuns nas mulheres. Análises
do DNA nuclear e do DNA mitocondrial fornecem informações mais específicas
a respeito da possível origem dos pelos.

27
PELO TINGIDO

Pelos que receberam algum tratamento artificial de coloração apresentam


uniformidade em sua tonalidade. Além disso, geralmente não são tingidos na
parte próxima à raiz. Muitas vezes não têm brilho e apresentam um aspecto
quebradiço. Podem ser identificados por meio de um exame microscópico.
Como o pelo da cabeça cresce à taxa de um centímetro por mês, o tempo
aproximado desse tratamento pode ser determinado medindo o comprimento da
área não tratada do pelo.
A lâmpada de Wood, que emite radiação ultravioleta com um
comprimento de onda entre 320 nm-400 nm, ajuda a identificar os pelos
descoloridos e tingidos; é interessante verificar a diferença na fluorescência
entre a haste do pelo e a região próxima à raiz. É muito importante comparar a
cor do pelo com os pelos de outras partes do corpo e também examinar a cor do
couro cabeludo, que pode estar manchada pela tintura utilizada. Sob a lâmpada
de Wood, o pelo tingido parece sem brilho e com aspecto de estopa. As
mudanças cromáticas e a fluorescência ajudam no aspecto pericial.
As tinturas podem ser reconhecidas por meio das técnicas analíticas
correspondentes, tendo em mente que de 4 a 5 tinturas orgânicas diferentes estão
envolvidas na composição de cada tonalidade.
É importante lembrar que as tinturas de oxidação podem ser fixadas nos
pelos com ou sem descoloração prévia, dependendo da tonalidade escolhida, e
na fixação dessa tonalidade, o peróxido de hidrogênio é sempre usado como um
elemento mordente propriamente dito. Assim, para estabelecer se um pelo foi ou
não descolorido, ele deve ser submetido ao teste da infiltração ou impregnação
de certos corantes. Pelos naturais claros são resistentes; por outro lado, pelos

28
descoloridos são facilmente impregnados por ação dos agentes descolorantes ou
oxidantes.
Pelos que foram descoloridos com peróxido de hidrogênio adquirem uma
cor azul, enquanto pelos naturais e pelos tratados com tinturas não oxidantes são
indiferentes ao tratamento. Normalmente, o técnico faz uma comparação da cor
por meio da observação simultânea do pelo problema e de um pelo conhecido
tratado e tingido com os mesmos produtos.

PELO QUEIMADO, CORTADO,


CAÍDO ou ARRANCADO

A identificação de pelos queimados, cortados ou triturados também pode


ser feita por exame microscópico.
É muito importante saber a temperatura em que o pelo queima. O calor
produz alterações microanatômicas no pelo, indicando se ele foi submetido à
chama ou ao calor radiante. A 100 °C, o pelo encurta e perde peso; começa a
sofrer alterações em sua microestrutura em torno de 140 °C-200 °C; a essa
temperatura, as bolhas de ar, na substância medular, aumentam de tamanho e
arrebentam, superando a resistência da cutícula. A 260 °C, começa a
carbonização, que se completa a 300 °C-400 °C.
Esses dados são úteis para determinar a que temperatura o corpo da vítima
foi exposto.
Os exames histológicos podem ser realizados em pelos aquecidos a não
mais de 200 °C-250 °C. Acima dessa temperatura, a carbonização impede a
determinação da microestrutura da haste do pelo.

29
Pelos recém-cortados mostram a ponta seccionada, com bordas limpas e
nítidas, formando ângulos agudos; após 3 dias, a ponta começa a arredondar. O
pelo que cai espontaneamente mostra um bulbo cheio, bem formado, porque
completou seu ciclo. Aqueles com bulbos ocos ou escavados não alcançaram seu
pleno desenvolvimento: indica que foram arrancados. Quando o pelo é
arrancado violentamente, partículas ou células da pele adjacente aparecem na
raiz. Nesse caso, o pelo pode ser submetido à análise de DNA, já que a amostra
é extraída das células da pele que estão presas ao bulbo.
Pelos de outras áreas do corpo, que não os da cabeça ou da área púbica,
geralmente não são adequados para comparação significativa. Eles são
considerados amostras secundárias cuja presença pode ajudar a corroborar as
informações obtidas durante uma investigação.

DETERMINAÇÃO DO GRUPO SANGUÍNEO

Para determinar o grupo sanguíneo, as técnicas de escolha são as de


absorção-eluição que determinam a origem do sangue e tipificam o grupo
sanguíneo. Elas consistem em cortar 6 cm do pelo em estudo em 3 fragmentos
iguais. Após ter sido lavado com sabão e éter, cada pedaço é deixado por 3 h
com seu antissoro correspondente (anti A, anti B e anti H) de títulos 128, 64 e
32, respectivamente, com constante agitação (etapa de absorção).
Depois, os pedaços de pelo são lavados com solução salina; e são
adicionadas suspensões de 0,2% de glóbulos vermelhos correspondentes ao
antissoro inicialmente colocado. Os pedaços de pelo em contato com os glóbulos
vermelhos são submetidos a uma temperatura de 50 °C durante 10 minutos, e a
etapa de eluição é completada com o auxílio de vibrações ultrassônicas.

30
Finalmente, centrifuga-se a 120 G, durante 2 minutos, e observa-se a aglutinação
formada.

ALTERAÇÕES DO PELO DEVIDAS AO AMBIENTE

A aparência microscópica dos pelos é afetada por flutuações biológicas


naturais e influências ambientais. Os pelos da cabeça são os mais afetados por
esses fatores, enquanto os pelos púbicos, protegidos pelas roupas, sofrem menos
influência. Um período de vários meses ou anos de exposição dos pelos da
cabeça pode diminuir a significação do exame comparativo. O mesmo não
ocorre com os pelos púbicos: não há afetação significativa após vários anos.
Pelos originados de um corpo em decomposição, podem conter uma faixa
escura próxima à raiz. Essa característica foi chamada de faixa radicular
postmortem.

ANOMALIAS DO PELO

ANOMALIAS DEVIDAS A DOENÇAS


NODULARES DO PELO

Doenças nodulares são o resultado da atrofia que ocorre espontaneamente


ou que é causada pelo acúmulo de parasitas que envolvem e comprimem a haste
31
do pelo. Dependendo da doença, ele sofre diferentes mudanças morfológicas
conhecidas como displasias capilares (figura 12). Entre as displasias capilares
mais importantes, encontram-se as seguintes:
Pelo anelado (pili annulati), moniletrix, pelo retorcido (pili torti),
trichorrhexis nodosa, tricoptilose, pseudomoniletrix, trichorrhexis invaginata
(síndrome de Netherton) e pili bifurcati.

 Figura 12. Displasias pilosas.


(Fonte: Wikipedia)

PARASITOSES EXTERNAS DO PELO

PEDICULOSE

É uma infestação contagiosa do pelo por insetos anopluros. As duas


espécies que aparecem no pelo humano são: piolhos e piolhos pubianos (chatos).
A) Piolhos (Pediculus humanus capitis):

32
Os piolhos são insetos adaptados para viver especificamente sobre os
pelos da cabeça humana. Os machos adultos medem de 2,4 mm a 4,2 mm de
comprimento, e as fêmeas, de 2,4 mm a 3,3 mm. de comprimento (figura 13).

21

 Figura 13. Piolhos (Pediculus capitis).


(Fonte: Wikipedia)

Seu corpo é alongado e geralmente achatado, pelo menos quando está sem
alimento. A cabeça é livre e os olhos bem desenvolvidos. As patas são grossas e
terminam em uma garra e uma unha.
A cor desses parasitas depende da pigmentação da pele do hospedeiro.
Dois tipos de piolhos podem ser diferenciados: piolhos de roupas e piolhos da
cabeça.
Os primeiros vivem nas dobras das roupas, refugiando-se principalmente
nas costuras. Os piolhos da cabeça vivem no pelo fino da cabeça.
A fêmea coloca entre 50 a 150 ovos alongados, de 0,6 mm a 0,8 mm de
comprimento, conhecidos como lêndeas, que ficam firmemente presas ao pelo
(figura 14).

33
* Figura 14. Lêndea
(Fonte: banco de dados ECC)
B) Piolhos pubianos ou chatos (Phthirus pubis):
Assim como os piolhos, eles são insetos adaptados para viver
parasitariamente nos seres humanos, embora, neste caso, nos pelos pubianos.
Excepcionalmente, podem ser encontrados nas axilas, nas sobrancelhas, nos
pelos dos braços e das pernas e até nos cílios. Tem entre 1 mm e 3 mm de
comprimento e um corpo arredondado, achatado e amarelado (figura 15). Seus
ovos ou lêndeas podem ser vistos no pelo, próximo à pele, na forma de pequenos
pontos brancos presos firmemente ao pelo.
O período de incubação dos ovos é de 6 a 8 dias. Em português, costuma
ser chamado literalmente de “piolho-do-púbis”. Ao contrário do piolho da
cabeça, ele movimenta-se muito lentamente, avançando cerca de 1 cm por dia.

34
 Figura 15. Piolho-do-púbis (Phthirus pubis).
(Fonte: banco de dados ECC)

OUTRAS ANORMALIAS

Existem outras anomalias na haste:


Medula dupla, índices medulares excessivamente elevados, raízes
deformadas e escamas salientes na margem cuticular, mas sua incidência na
população é muito baixa, quando não anedótica.

35
CONCLUSÕES FINAIS

Há várias conclusões possíveis que podem ser tiradas de um exame e uma


comparação microscópica dos pelos humanos. Quando o pelo em questão é
comparado com um pelo conhecido usando um microscópio de comparação,
toda a gama de características microscópicas em todo o seu comprimento deve
ser considerada. A partir dessa análise, o técnico será capaz de chegar às
seguintes conclusões:
 Em um exame, o pelo que apresentar as mesmas características
microscópicas que o pelo da amostra conhecida ou da coleção de referência terá
a mesma origem e/ou procedência.
 Em um exame, o pelo que for diferente em termos de características
microscópicas do pelo da amostra conhecida ou da coleção de referência não
poderá ser associado à mesma origem.
 Se forem observadas semelhanças e pequenas diferenças entre os pelos da
cena do crime e aqueles da amostra conhecida ou da coleção de referência, não
será possível concluir com certeza se os pelos são da mesma fonte conhecida.
 Quando um pelo apresenta as mesmas características microscópicas que as da
coleção de referência, uma declaração qualificatória pode ser acrescentada ao
relatório. Essa declaração pode ser semelhante à seguinte:
“As comparações de pelo não são uma base absoluta para uma identificação
pessoal. Deve-se notar, entretanto, que é extremamente raro encontrar pelos de
duas pessoas (ou animais) que tenham as mesmas características microscópicas.
Por isso, é razoável afirmar que há uma forte associação quando essas
características coincidentes estão presentes”.

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 RESULTADOS QUE PODEMOS OBTER COM O PELO:
✭ Determinação da espécie, seja ela humana ou animal e, às vezes,
identificação da espécie animal, no caso de casacos de pele.
✭ Localização da origem anatômica.
✭ O pelo pode ser suporte para outros indícios, como sangue, certos
sedimentos e manchas significativas, corantes ou produtos químicos em
intoxicações.
✭ Identificação da pessoa originária mediante análise de DNA.

EXAME, INVESTIGAÇÃO E ESTUDO DO PELO

INTRODUÇÃO

Os pelos a serem analisados nunca devem ser tocados. Eles são coletados
com pinças adequadas que não lesionam a amostra, e cada um deles é colocado
em envelopes de papel novos. É importante considerar que mesmo que os pelos
estejam agrupados, eles podem ter origens diferentes. Os envelopes serão
devidamente etiquetados e enviados ao laboratório.
No laboratório, é recomendado manter os pelos em frascos com tampa de
vidro fosco, para não alterar seu odor característico.
É bom examiná-los o mais rápido possível. Eles devem ser manuseados
com pinças e colocados sobre uma lâmina, cobertos com uma lamela ou
lamínula (sem esmagá-lo) e pré-examinados com o uso de um microscópio. Em
seguida, sem limpar o exemplar, adicionar água destilada e examiná-lo
cuidadosamente.

37
Esse procedimento geralmente permite descobrir manchas de sangue,
esperma, pus etc. Após realizar essa observação preliminar, pode-se proceder à
limpeza do pelo.
Uma solução de sabão ou carbonato de potássio a 10% é usada para lavar
os pelos, indistintamente. Depois, eles são desidratados com álcool com o
procedimento habitual em microscopia óptica, são passados por xilol e
observados com o microscópio em meio aquoso ou glicerinado. O bálsamo do
Canadá pode ser usado para preparação permanente.
Se o pelo for muito escuro, sendo aconselhável clareá-lo para examinar
alguma característica específica, uma das seguintes soluções pode ser usada:
peróxido de hidrogênio, perhidrol quente, ácido acético, solução de hipoclorito
de sódio, solução alcoólica de cloro ou ácido nítrico. Bons resultados são
obtidos com 100 volumes de peróxido de hidrogênio. Em geral, a descoloração
do pelo é concluída em, aproximadamente, 15 minutos, sem alterar a estrutura
das amostras.

EXAME PRELIMINAR

Antes de tudo, faremos um diagnóstico genérico do pelo.


Quando um pelo é coletado, nos perguntamos se é ou não um pelo, pois,
como já dissemos anteriormente, ele pode ser confundido com fibras sintéticas
ou com fibras vegetais.
A cutícula marca muito bem a diferença entre os pelos e as fibras vegetais.
Estas últimas têm espículas em forma de espinhas.
As fibras sintéticas têm uma estrutura homogênea, com coloração própria

38
devido ao tingimento da fibra. Elas também são detectadas por meios químicos.
Uma vez que sabemos que é um pelo humano, devemos, primeiro, estudar
o pelo como ele foi encontrado, para ver se está manchado, o tipo de sujeira tais
como, sangue, poeira (muitas ocupações deixam alguma poeira característica no
pelo, principalmente no cabelo, como, por exemplo: um mecânico terá pó de
metal; um padeiro, farinha; um pedreiro, pó de tijolo ou de cal; um carpinteiro,
serragem, e assim por diante etc.), se há parasitas, se o pelo foi barbeado,
tinturas etc.
Também tentaremos determinar seu cheiro, perfume ou fetidez, a fim de
identificá-lo no futuro.
É necessário certificar-se de que se trata de um pelo e não de uma fibra
têxtil ou vegetal. Para isso, e enquanto houver uma amostra suficiente de pelo
para tal, quando já tivermos certeza de que o pelo está desprovido de matéria
orgânica (sangue, parasitas etc.), iremos queimá-lo e notaremos um cheiro
característico e a ponta final ficará arredondada.
Algumas vezes, porém, um simples exame microscópico é suficiente para
determinar sua origem. As fibras mais parecidas com os pelos são as de lã,
algodão, seda, cânhamo, linho, palha ou penas e patas de insetos.

 DEFORMAÇÃO DO PELO:
A deformação dos pelos às vezes leva a conclusões muito interessantes
sobre que tipo de arma foi utilizada. Se uma pessoa recebeu um único golpe com
um machado, é raro encontrar deformações do tubo capilar no sentido
longitudinal, mas, muitas vezes, o pelo pode estar quebrado perto da raiz.
O estado do pelo pode revelar se a pessoa recebeu mais de um golpe, pois,
nesse caso, poderão ser vistos, no tubo capilar, vários cortes longitudinais, sinais
de que isso realmente ocorreu.

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A seguinte descrição das conclusões que podem ser derivadas das
deformações capilares pode servir para mostrar a importância que elas podem ter
em uma investigação:

 Deformações causadas por cortes:


A superfície precisa do corte, seja perpendicular ou oblíqua, sem fendas
longitudinais, revela que ele foi feito com um instrumento afiado, como uma
faca ou uma tesoura.
Uma superfície de corte desigual, escalonada ou achatada na extremidade
do tubo denota um instrumento de corte sem ponta, por exemplo, uma faca sem
fio, um machado ou outra arma similar.

 Deformações causadas por balas:


Neste caso, às vezes são encontradas partículas de pólvora ou de metal. E
também os sinais característicos da queimadura, por exemplo, pelo enegrecido,
encrespado e chamuscado.

 Deformações causadas por queimadura:


Estas podem ser o resultado de uma chama, um raio, uma corrente
elétrica, um modelador de cachos ou uma bala, como mencionado acima.
O chamuscado só causa encrespamento, uma leve inflamação e coloração
cinzenta. A queimadura em todos os seus graus deixa um cheiro característico,
uma grande inflamação, uma coloração que varia entre cinza, café, vermelha ou
preta. E os pelos ficam quebradiços e um pouco transparentes.
Às vezes, é possível ver bolhas de ar no interior dos pelos, como se
fossem contas de um colar. A aplicação de um modelador de cachos quente às
vezes origina esses resultados, embora normalmente ele só encaracole o pelo.

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 Deformações causadas por escaldadura:
Estas deformações são causadas por água quente ou vapor. Neste último
caso, se a temperatura não tiver ultrapassado os 175 ºC, os pelos ficarão
avermelhados e apresentarão manchas longitudinais causadas pelo encolhimento
das células da medula.
Até 250 °C. O pelo torna-se ondulado e quebradiço, a cor avermelhada
torna-se preta avermelhada, o pelo fica mais transparente e bolhas de ar formam
o típico colar mencionado anteriormente.
oooOOOooo
Continuando com o exame preliminar, determinaremos sua cor (preto,
castanho, loiro, ruivo, albino etc.), seu comprimento, bem como, se possível, a
região do corpo a qual ele pertence.
Muito importante é o estudo da ponta do pelo:
* Se não tiver sido cortado ou esfregado ou não tiver sofrido traumatismos,
estará com a forma pontiaguda.
* Se tiver sido cortado com objetos afiados, estará chanfrada.
* Se tiver sido sujeito à atrito contínuo, estará destruída.
* Se tiver sido arrancado, estará muito destruída.
* Se tiver sido cortado com tesoura, terá a forma de uma escada.
* Se tiver uma ponta cega, passaram-se, aproximadamente, vinte dias desde o
corte.
Nesse item, poderíamos incluir o tingimento ou não do pelo. Para
responder a essa pergunta, é necessário fazer um exame microquímico. É
possível determinar se o pelo foi tingido graças ao fato de que as tinturas
comuns são facilmente detectáveis, pois são fabricadas com sais de bismuto ou
de chumbo, nitrato de prata, permanganato de potássio, ácido pirogálico,
parafenilenodiamina, lawsonia inermis (é uma tintura à base de parafina e duas
41
aminas com a proporção de corantes de Lawson).

EXAME ADICIONAL

Uma análise completa dos pelos requer um conjunto de investigações que


estarão condicionadas pelo equipamento de laboratório.
Em qualquer caso, há algumas técnicas que são absolutamente necessárias
para poder resolver os problemas criminalísticos que surgem.
Elas são as seguintes:

 ÍNDICES:
Para estabelecer os índices, é necessário realizar um corte transversal do
pelo, após a inclusão de parafina, celoidina ou qualquer outro material.
Atualmente, as resinas utilizadas para as preparações de microscopia
eletrônica são recomendadas por serem mais duras.
Para determinar os índices sob o microscópio, ele deve estar equipado
com uma objetiva e uma ocular micrométricas.
Os índices mais utilizados no estudo dos pelos são:

DIÂMETRO DA MEDULA
 ÍNDICE MEDULAR = ---------------
DIÂMETRO TOTAL DO PELO

DIÂMETRO MENOR DO PELO


 ÍNDICE DA SEÇÃO = ---------------
DIÂMETRO MAIOR DO PELO

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 ESTUDO DAS CÉLULAS:
Quando se deseja estudar as células da cutícula isoladamente, o pelo deve
ser tratado com ácido sulfúrico até começar a ondular. Isso causa a separação
das células cuticulares que podem ser estudadas sob o microscópio.
Para estudar as células da medula, o pelo é tratado com potássio a 30%.
Hoje, a microscopia eletrônica pode ser usada obtendo-se grandes detalhes
da cutícula.

 ESTUDO DA MEDULA:
A medula é mais bem examinada em um estudo longitudinal. Ela é
cuidadosamente limpa com peróxido de hidrogênio, e o pelo é desengordurado
com uma mistura de álcool e éter. Monta-se em lâminas com bálsamo do
Canadá. Se estiver pigmentado, será preciso descolorir como descrito
anteriormente.

 COMPONENTES ORGÂNICOS E INORGÂNICOS:


Requer uma quantidade maior de amostra, bem como instrumentos muito
mais complexos. São utilizadas as técnicas já indicadas: pirólise, cromatografia
gasosa, espectrofotometria de infravermelho e ativação neutrônica.

 OBTENÇÃO DO DNA:
Se o pelo for de qualidade suficiente, precisaremos obter seu mapa
genético para uma posterior identificação do proprietário.

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