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organizadora
Jaqueline Porto Zulini
DEMOCRACIA EM FOCO
safios da democracia no Brasil não
poderia ser mais oportuno, e a estraté-
gia de organizá-lo a partir de múltiplos
pontos de vista é mais que apropriada.
Um balanço dos desafios da No momento em que discutimos os
DEMOCRACIA EM FOCO
sociólogos no propósito de problematizar a organizadora vel sobre a política.
trajetória do regime representativo no Brasil Nascida de um debate que reuniu a
política prática com o seu estudo aca-
e discutir os atuais desafios da democracia dêmico, a presente coletânea promete
no país. A linguagem acessível do texto iluminar outros debates no Brasil: os
que estamos fazendo e os que precisam
não poderia ser mais pertinente para o
ser feitos. Governo, representação, so-
grande público, sedento pelas avaliações ciedade: como funcionam, como se for-
e prospecções dos especialistas neste maram, que efeitos produzem? Como
os queremos e como os estamos mol-
momento crítico da vida política brasileira. dando? Os especialistas que aqui com-
partilham os achados de suas pesquisas
hão de ajudar muitos estudantes a res-
ponderem essas questões.
As contribuições aqui oferecidas
descortinam para todos os públicos um
JAQUELINE ZULINI graduou-se em universo de conhecimentos crucial para
ciências sociais pela USP, onde tam- entender o presente e para projetar o fu-
bém obteve o mestrado e o dou- turo. Instituições, atores e seus compor-
tamentos aqui analisados são objetos
torado em ciência política. Atuou
para estudiosos e matéria para os polí-
como pesquisadora do Cebrap de
ticos. Este livro colabora para que se tor-
2006 a 2018. É professora de ciência nem também assunto para a cidadania.
política da FGV desde 2019, e coau- ISBN 978-65-5652-189-3
Mesa Diretora
Presidente: Dep. André Ceciliano
1o Vice-Presidente: Dep. Jair Bittencourt
2 Vice-Presidente: Dep. Chico Machado (Francisco Alves Machado Neto)
o
1a edição: 2022
revisão
Marco Antonio Corrêa e Sandro Gomes dos Santos
foto da capa
Rafael Wallace
Inclui bibliografia.
ISBN: 978-65-5652-192-3
CDD – 320.981
Prefácio 7
André Ceciliano
Apresentação 9
Maria Lúcia Jardim
Palácio Tiradentes, casa do povo e lugar de memória 13
Adelina Novaes e Cruz e Thais Blank
Introdução 15
Jaqueline Porto Zulini
6
Prefácio
André Ceciliano
Presidente da Alerj
8
Apresentação
10
a p r e s e n ta ção
11
Palácio Tiradentes, casa do povo
e lugar de memória
[…] que a luz que banha o plenário, esta salutar e republicana luz,
possa sempre ser admirada e compreendida por todos os cidadãos,
agora, enfim, admitidos com toda a pompa e circunstância neste
espaço que deveria ter sido sempre seu.
[Sarmento, 2002 apud Correa e Medeiros, 2005]
14
Introdução
16
MESA 1
18
C A P Í T U LO 1
O governo representativo
no Brasil Imperial
Miriam Dolhnikoff
20
o g ov e r n o r e p r e s e n tat i vo n o b ra s i l i m p e r i a l
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D E M O C RA C I A E M F O CO
22
o g ov e r n o r e p r e s e n tat i vo n o b ra s i l i m p e r i a l
4
A expressão está bem descrita em: Assunção (2011:295-327).
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D E M O C RA C I A E M F O CO
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o g ov e r n o r e p r e s e n tat i vo n o b ra s i l i m p e r i a l
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D E M O C RA C I A E M F O CO
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C A P Í T U LO 2
Marly Motta
Agradeço muito o convite feito pela Jaqueline para falar neste se-
minário que, por vários motivos, aborda um tema que me é muito
caro. Primeiro, porque estamos na Alerj. Como estudiosa da política
carioca e fluminense, a Alerj — e a antiga Assembleia Legislativa da
Guanabara (Aleg) — tem um protagonismo muito grande nas minhas
obras sobre o Rio de Janeiro. Também porque fiz parte do primeiro
convênio entre a Alerj e o CPDOC da FGV. Nós fizemos uma série de
entrevistas, perfis biográficos, gravações, exposição. Gostaria muito
de lembrar a figura do professor Carlos Eduardo Sarmento, que foi a
ponte inicial para esse convênio. Onde quer que ele esteja, as minhas
saudações alvinegras.1 Ele torcia pelo Fluminense. Finalmente, não
posso deixar de fazer propaganda do livro E agora, Rio? Um estado
em busca de um autor (Motta, 2022), que lancei agora e que se bene-
ficiou muito desse primeiro convênio. As entrevistas, as biografias, os
trabalhos sobre a fusão e o novo estado do Rio de Janeiro estão aqui
contemplados. Faço referência constante a isso.
1
N.O.: Carlos Eduardo Sarmento faleceu em 2013. Sua carreira foi marcada pelo es-
tudo da história política da cidade do Rio de Janeiro, com destaque para as obras O Rio
de Janeiro na era Pedro Ernesto (2001), A política carioca em quatro tempos (2004) e O
espelho partido da metrópole (2009).
D E M O C RA C I A E M F O CO
2
Refiro-me à obra de Nunes (1997).
3
N.O.: A professora Marly Motta fazia referência à definição das chapas eleitorais
cogitadas para a corrida presidencial de 2022.
28
p r i m e i ra r e p ú b l i c a (188 9 - 1930)
não daria a ele o título de “coronel”. Fiquei surpresa com como foi feita
essa trajetória, do termo “coronel”, lá da Primeira República, para um
senador que consideramos progressista, que quebrou certos valores
no governo do Ceará. A interpretação é que ele, como coronel, jamais
aceitaria ser vice de uma mulher. Essa notícia deu mais força para
minha fala de hoje.
O que é o coronelismo? Em que medida usamos, da maneira mais
ampla possível, esse termo, essa expressão? Primeiro, o termo coro-
nelismo é bem posterior ao fim da Primeira República. Ele foi criado
por Victor Nunes Leal, em uma tese de concurso de professor de di-
reito, da Faculdade Nacional de Direito, em que ele discutia o papel
do município na federação brasileira. O livro que daria origem a esse
conceito de coronelismo é Coronelismo, enxada e voto, publicado em
1949.4 Portanto, o termo “coronelismo” foi criado a partir de um olhar
do fim da década de 1940 e ao longo da década de 1950. De certa
maneira, Victor Nunes Leal quer buscar as raízes do atraso brasileiro.
Aliás, essa geração dos anos 1940 e 1950 acabou desembocando em
Juscelino, no desenvolvimentismo (“cinquenta anos em cinco”), que,
de certa maneira, localiza nas práticas políticas do interior, do mun-
do rural, a causa do nosso subdesenvolvimento. O termo “coronel” se
originou no Império, mas está ligado à Guarda Nacional e à aquisição
ou à doação da patente de coronel por parte de grandes proprietários
de terra e escravos. Chamo a atenção para o fato de que, em boa par-
te do Império, a grande riqueza eram os escravizados. Inclusive, eles
eram usados como fiança para garantir empréstimos bancários para
os proprietários rurais. A terra tinha pouco valor. O que valia mesmo
era a mão de obra, que era oferecida como garantia para empréstimos
bancários àquela época. A figura do coronel foi construída na inter-
pretação do Victor Nunes Leal. Quero deixar bem claro que esse con-
ceito foi construído, não brotou da terra. Ele foi construído no âmbito
de um mundo acadêmico, neste caso, especificamente, em uma tese à
cátedra na Faculdade de Direito.
Trabalharei a gramática política em três aspectos. Primeiro, ten-
tarei entender como a figura do coronel no Império se torna a base
do sistema coronelista na Primeira República, porque aí ocorre uma
mudança. Quer dizer, a figura do coronel é uma coisa, o sistema
4
Mais precisamente: Leal (1976).
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D E M O C RA C I A E M F O CO
5
Os dados relativos à magnitude do eleitorado são estimativas de Carvalho (1987).
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p r i m e i ra r e p ú b l i c a (188 9 - 1930)
eleitoral restrito. Vocês entenderão por que não posso falar de demo-
cracia. Analfabetos não votavam, e o analfabetismo existia em grande
escala. O argumento era liberal: o analfabeto não tinha consciência do
voto, da escolha. Aliás, esse argumento será usado, em alguma medi-
da, posteriormente, nos anos 1930, na ocasião do Estado Novo.
Teóricos como Oliveira Vianna (1949) achavam o voto universal
uma ideia aberrante, porque a maioria da população estaria subme-
tida aos coronéis. A ideia de um tipo de participação do povo era
algo impensável na Primeira República. Havia o argumento de que
as mulheres eram histéricas. Mas isso não é novidade, uma das ale-
gações — não só no Brasil, mas em outros países — era exatamente
da instabilidade emocional das mulheres para poder escolher alguém
para um cargo público. Os praças também não votavam. Então, ha-
via legalmente o afastamento de parcelas substantivas da população.
O que não significava, no entanto, que essa população marginalizada
legalmente, ou que não participava de forma ativa, não estava presen-
te. Basta ver a literatura de cordel. Uma orientanda minha trabalhou
a política na literatura de cordel (Maya, 2012). É uma fonte muito
interessante para se observar a participação da população. De que ma-
neira as camadas excluídas da participação ativa — e mesmo aqueles
que votavam — negociavam com os coronéis, com seus apaniguados,
com seus representantes. É muito interessante.
Chamo atenção para algumas expressões criadas nesse período e
que duram até hoje: “voto de cabresto”, “curral eleitoral”. Não nos da-
mos conta do quanto é ofensivo chamar os eleitores das favelas, das
periferias, de “curral eleitoral” ou de “voto de cabresto”. É um cuidado
que deveríamos ter. Vale a pena transferir o que, na Primeira Repúbli-
ca, correspondia a certa realidade? A maior parte do eleitorado era da
zona rural. É uma gramática que — na falta de termos adequados ao
nosso período — acabamos transportando da Primeira República, de
uma realidade diferente.
O primeiro elemento foi o sistema coronelista. O segundo, o povo
como ator político. Nada de voto de cabresto nem curral eleitoral.
As demandas eram encaminhadas por outros instrumentos pouco
detectados em uma fonte tradicional. Como terceiro elemento, cito
Campos Salles: “A política dos estados é a política nacional”. Como
se a política nacional estivesse submetida à política dos estados.
A expressão talvez mais comum desse período é “café com leite”. Mi-
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D E M O C RA C I A E M F O CO
nas não era leite, era café. A elite mineira tinha conexão com o mundo
exterior, principalmente o sistema financeiro. Não por acaso, a maio-
ria dos bancos era de Minas Gerais (depois São Paulo se apoderou
de todos eles). Portanto, a elite mineira defendia o contencionismo,
o ajuste fiscal. Era um programa de governo muito mais centrado em
um funcionamento do Tesouro Nacional superavitário. A elite paulis-
ta, ao contrário, era papelista, era a favor da emissão, do subsídio, da
proteção, porque era voltada para o mercado interno. A produção
da elite paulista obviamente não tinha lugar no sistema internacional.
Mas o objetivo — e na Primeira República isso está muito claro — é
conquistar o mercado interno, onde a indústria paulista poderia com-
petir se devidamente amparada pelos subsídios do Estado (federal,
estadual e municipal). Não estou falando mal de São Paulo, não, pelo
contrário. Podemos enterrar essa história de “café com leite”, porque
havia muito mais disputas. São Paulo queria o Ministério da Fazenda
e o Banco do Brasil. Nem sempre havia combinação, dependendo do
contexto externo, não se conseguia chegar a um acordo. Muitas vezes
o conflito era claro entre Minas e São Paulo.
Uma das coisas que também se costuma dizer da Primeira Repú-
blica é que o presidente era fraco, que o Estado era fraco. É como se
Vargas e a Revolução de 1930 viessem formar um Estado forte. Estu-
dos como o de Renato Lessa (1988), Elisa Reis (1988:187-203) e do
próprio Edson Nunes provam que o Estado na Primeira República e
o presidente não eram simples porta-vozes dos interesses dos estados.
Havia instâncias de claro fortalecimento do papel do Estado e de sua
intervenção na economia. Longe, portanto, daquele mundo liberal em
que os teóricos de Vargas costumavam designar a Primeira República.
Fecharei com uma frase do Campos Salles. Cada um fará a própria tra-
dução, embora eu já tenha a minha. “Quem se propõe a consultar opi-
niões alheias sujeita-se, naturalmente, a modificar as suas, e era isso o
que eu queria evitar.” Para bom entendedor… Obrigada. [Aplausos].
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C A P Í T U LO 3
Paolo Ricci*
* As reflexões de que tratei nesta exposição foram amadurecidas graças aos projetos que
desenvolvi junto à Fapesp (processo 18/23060-2) e ao CNPq (processo 307864/2020-0),
cujos financiamentos de pesquisa agradeço.
D E M O C RA C I A E M F O CO
1
Ver, a título de exemplo, Sadek (1995).
2
Para um estudo em profundidade da elaboração do Código, ver Zulini (2019:41-60).
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pa rt i d o s e co m p e t i ção p o l í t i ca d u ra n t e a e ra va r ga s (1933 /34)
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pa rt i d o s e co m p e t i ção p o l í t i ca d u ra n t e a e ra va r ga s (1933 /34)
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6
N.O.: O professor Paolo refere-se ao Decreto-Lei no 7.586, de 28 de maio de 1945,
mais conhecido como Lei Agamenon, em referência a Agamenon Magalhães, então
ministro da Justiça encarregado por Getúlio Vargas de rever as regras eleitorais. Entre
as medidas adotadas pelo Decreto-Lei, constava um dispositivo que condicionava o
registro partidário a organizações com 10 mil eleitores em pelo menos cinco estados
(art. 109). O objetivo era nacionalizar o sistema partidário, para combater a reorgani-
zação de partidos estaduais, que dominavam a cena política brasileira até 1937. Para
detalhes, ver Souza (1976).
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pa rt i d o s e co m p e t i ção p o l í t i ca d u ra n t e a e ra va r ga s (1933 /34)
é a fotografia. Na época, para ter o título eleitoral, era preciso tirar uma
fotografia. Imaginem quem poderia tirar fotografias e se havia fotógra-
fos nas cidades do interior. Esse é um mecanismo importante que sina-
liza para um fato: o custo era tão elevado para o cidadão comum que
quem fazia o alistamento eram os próprios partidos políticos. Quem
organizava o alistamento inteiro eram os partidos, os candidatos, ob-
viamente, as próprias máquinas que organizavam e faziam os eleitores.
Os efeitos desse processo, para mim, se observam com dados
relativos à participação política. Em 1933, nós não temos um au-
mento dos eleitores, aqueles 5% ou pouco mais de alistados sobre a
população total que caracterizava a Primeira República continuam
em 1933. Aumenta um pouquinho em 1934. A grande mudança é a
participação política: quem é alistado agora vota. Oitenta por cento
comparece às urnas e vota em 1933; 75%, mais ou menos, em 1934.
Ou seja, apesar de não termos um aumento dos eleitores, observa-
mos um aumento da participação política. Isso não se deve, no meu
entender, ao voto obrigatório, mas à maior capacidade de mobiliza-
ção por parte dos partidos políticos. As elites agora competem para
ter os votos, para fazer eleitores. Essa lógica da competição se deve a
dois mecanismos presentes no próprio Código Eleitoral. Um deles,
para mim, é primordial, que é a proporcional. Um sistema eleito-
ral proporcional complicado, com um efeito majoritário embutido
no cálculo das cadeiras e que foi pensado por Assis Brasil. Houve
muitas críticas à sua aplicação. Os próprios TREs na época se con-
fundiram na hora da contagem dos votos. Mas, apesar disso, o que
observamos é que esse mecanismo do sistema proporcional permite
algo até então inédito: o acesso das oposições ao Congresso. Essa é
a grande mudança em respeito à Primeira República, do ponto de
vista da participação política e do ponto de vista das eleições, do
conflito e da competição política.
Aqui podemos retomar o debate sobre democracia. Cientista polí-
tico geralmente pensa em termos conceituais: “o que é a democracia?”.
Uma definição de democracia é justamente aquela em que o governo
reconhece a própria derrota e os opositores têm chances reais de ga-
nhar (Przeworski, 1997:3-36). Os gráficos a seguir mostram isso cla-
ramente para a eleição de 1933 e 1934.7
7
Todos os gráficos foram reproduzidos de Ricci e Silva (2019).
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Gráfico 1
Número de partidos políticos competindo (1930-34)
25
20
1899-1930
1933
1934
15
10
0
Goiás
Santa Catarina
Sergipe
Mato Grosso
Paraíba
Alagoas
Piauí
Espírito Santo
Bahia
Amazonas
Pará
Paraná
Maranhão
Minas Gerais
Pernambuco
São Paulo
Ceará
Rio de Janeiro
Distrito Federal
Estados
Estados
Fonte: Reproduzido de Ricci e Silva (2019).
8
O Código Eleitoral permitia que candidatos sem filiação partidária, denominados de
“avulsos”, competissem ao pleito.
40
pa rt i d o s e co m p e t i ção p o l í t i ca d u ra n t e a e ra va r ga s (1933 /34)
Gráfico 2
Porcentagem de cadeiras conquistadas pelos partidos em 1933 e 1934
100
80
Porcentagem de cadeiras
60
40
20
0
RJ CE MA AM ES MT PI PR RN SC SE SP RS MG PE BA AC AL GO PA PR RJ RN CE SP PR SC RS BA MG AL ES GO MT SE PA PE PI MA AC AM PR
1933 1934
1o Partido 2o Partido 3o Partido 4o Partido
Gráfico 3
Cadeiras ocupadas pelos partidos dos interventores em 1933
100
80
60
40
20
0
Rio de Janeiro
Acre
Maranhão
São Paulo
Ceará
Distrito Federal
Amazonas
Espírito Santo
Santa Catarina
Paraná
Mato Grosso
Piauí
Sergipe
Minas Gerais
Pernambuco
Bahia
Alagoas
Paraíba
Goiás
Pará
Estados
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Debate
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d e bat e
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D E M O C RA C I A E M F O CO
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d e bat e
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D E M O C RA C I A E M F O CO
jornais da época. Para mim, ficou bastante claro que, querendo ou não,
os três deixam de fora essa questão. Não quer dizer que ela seja jogada
na lata do lixo pelos três. Fica na mesa, do tipo: “esse é um assunto
de vocês”, dos tenentes, do ministro da Justiça e de Vargas, tendo em
vista seu poder de veto, e por isso inicialmente não entra no Código.
Os três juristas estavam muito mais preocupados com a construção
de um arcabouço que permitisse fazer um alistamento eleitoral, por-
que ele tinha que ser feito do zero, após o da Primeira República ter
sido cancelado pelo governo provisório. Para eles também era central
com a criação de instituições eleitorais em alternativa às da Primeira
República. Então, quando se pensa no Código Eleitoral de 1932, es-
tamos falando da criação da Justiça Eleitoral. Ela é pensada com base
em modelos já existentes em outros países latino-americanos, como
no caso do Uruguai. Esse é um ponto importante. Ela entra depois,
mas era defendida por alguns movimentos, entre os quais os próprios
tenentistas que batem na porta do Vargas e falam: “não dá para deixar
isso de fora do Código!”. Entra aos 45 do segundo tempo.
A segunda questão é sobre a Revolução Constitucionalista. Con-
cordo, não é revolução, é guerra civil. Ainda que concentrada em São
Paulo, basicamente. Mas, de fato, como mostra a tese de Raimundo
Lopes, temos a participação de todos os estados que enviam tropas
para combater no conflito paulista — salvo engano, apenas Mato
Grosso não envia (Lopes, 2014). É uma verdadeira guerra civil que,
para mim, tem pouco a ver com a constitucionalização e muito mais
a ver com o poder de São Paulo no pós-Revolução. Então, a questão
dominante é a federativa. Quantos estados estavam perdendo após a
Revolução? O levante dos paulistas vai nesse sentido. Não estou muito
interessado em entrar nesse tipo de seara, acho que é muito mais para
um historiador do que propriamente para um cientista político.
Sobre a questão relativa à agenda de pesquisa, acho que enume-
ramos várias agendas aqui. Concordo, por exemplo, com a Miriam
quando ela cita a necessidade de entender o funcionamento do pró-
prio parlamento. No caso da Primeira República, não há nada. Qual
trabalho de referência temos sobre o Congresso Nacional, o Senado,
a Câmara dos Deputados, na Primeira República? Absolutamente ne-
nhum. Por que o parlamento existia? A resposta que as pessoas dão
é: porque é importante para fazer carreira política. Só? Então, faltam
trabalhos que nos digam, por exemplo, como se dava a relação entre
o Executivo e o Legislativo. Não podemos pensar que tudo estava de-
48
d e bat e
1
Para uma reflexão recente sobre o assunto, ver Viscardi (2017).
49
D E M O C RA C I A E M F O CO
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MESA 2
Partidos e sistemas
partidários no Brasil
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C A P Í T U LO 4
Jairo Nicolau
1
N.O.: Para um estudo detalhado da corrida presidencial de 2018, ver Nicolau (2020).
54
pa rt i d o s e e l e i çõ e s n o b ra s i l d o p ó s - 1988
Gráfico 1
Número efetivo de partidos na Câmara dos Deputados (Brasil, 1987-2022)
2
N.O.: O NEP foi originalmente desenvolvido por Marku Laakso e Ren Taagepera em
artigo de 1979. Ver Laakso e Taagepera (1979:3-27).
55
D E M O C RA C I A E M F O CO
56
pa rt i d o s e e l e i çõ e s n o b ra s i l d o p ó s - 1988
Tabela 1
Percentual de cadeiras no primeiro turno das eleições presidenciais
(1989, 2018)
57
D E M O C RA C I A E M F O CO
58
pa rt i d o s e e l e i çõ e s n o b ra s i l d o p ó s - 1988
Gráfico 2
Percentual de cadeiras na Câmara dos Deputados (1986, 2018)
60%
50%
40% ideologia
centro
30%
direita
20% esquerda
10%
0%
1986 1990 1994 1998 2002 2006 2010 2014 2018
Fonte: Elaboração própria com dados do TSE.
59
D E M O C RA C I A E M F O CO
60
C A P Í T U LO 5
Clara Araújo*
* Agradeço ao CNPq e à Faperj que, por meio de seus programas de fomento, contri-
buíram para minhas pesquisas na área de gênero e política.
D E M O C RA C I A E M F O CO
1
E são vários, mas entre esses menciono alguns: Goertz e Mazur (2008), especialmen-
te cap. 1; Miguel e Biroli (2012).
62
b a i x a r e p r e s e n ta ção d e m u l h e r e s n o l e g i s l at i vo b ra s i l e i r o
Gráfico 1
Candidatas e eleitas ao cargo de deputado federal (Brasil, 1994-2018)
35
31,81 32,22
30
25
20 19,44
15,01
15
12,66
11,52
10,37 9,94
10 8,19 8,77 8,77
6,15 6,24 5,65
5
0
1994 1998 2002 2006 2010 2014 2018
2
Um estudo bem interessante, revelador e que ainda serve de referência é o de In-
glehart e Norris (2003).
63
D E M O C RA C I A E M F O CO
3
Importante lembrar que, basicamente, há três tipos de sistemas de representação
política: os proporcionais, onde as vagas são distribuídas entre maioria e minorias,
proporcionalmente aos votos, os sistemas mistos, onde se elege metade dos parlamen-
tares de forma proporcional e a outra metade de forma majoritária (ou seja, o(s) mais
votado(s) leva(m) a(s) vaga(s) do distrito), e o majoritário.
4
Ver, por exemplo, Costa, Bolognesi e Codato (2013).
64
b a i x a r e p r e s e n ta ção d e m u l h e r e s n o l e g i s l at i vo b ra s i l e i r o
65
D E M O C RA C I A E M F O CO
Gráfico 2
Candidatas e eleitas — Assembleias Legislativas (Brasil, 1994-2018)
35
31,43 32,02
30
25
22,77
20
14,51 15,49
15 14,22
12,94 12,56 13,03
11,61 11,33
10 10,01
7,187,85
5
0
1994 1998 2002 2006 2010 2014 2018
Candidatas Eleitas Linear (Candidatas) Linear (Eleitas)
66
b a i x a r e p r e s e n ta ção d e m u l h e r e s n o l e g i s l at i vo b ra s i l e i r o
Gráfico 3
Candidatas e eleitas às Câmaras Municipais (Brasil, 1996-2020)
40
34,76
35
31,77 32,46
30
25
22,13 22,07
19,14
20
16
15 13,3 13,5
12,7 12,5
10,87 11,1 11,6
10
0
1996 2000 2004 2008 2012 2016 2020
Candidatas Eleitas Linear (Candidatas) Linear (Eleitas)
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D E M O C RA C I A E M F O CO
Tabela 1
Cotas e paridade na América Latina: características e regras
Regra:
Ranking País % Mandato de
Cota ou Sanção
IPU Mulheres posição
Paridade
2 Cuba 53,4 S/I - -
3 Nicarágua 51,7 Paridade Alternância Não
4 México 50,0 Paridade Alternância Sim
8 Costa Rica 47,4 Paridade Alternância Sim
12 Bolívia 46,2 Paridade Sim Sim
16 Argentina 44,8 Paridade Alternância Sim
28 Peru 40,0 Paridade Alternância* Sim
34 Equador 38,7 Paridade Alternância Sim
43 Chile 35,5 40/60 Não Sim
66 Colômbia 35,5 30/70 Não sim
68 Jamaica 28,6 S/I - -
74 Rep. 27,9 33/67 Sim Sim
Dominicana
77 El Salvador 27,4 30/70 Não Sim
79 Honduras 27,3 Paridade Alternância Sim
88 Uruguai 24,2 30/70 Sim Sim
102 Panamá 22,5 Paridade Não Sim
103 Venezuela 22,2 40/60 Alternância S/I
121 Guatemala 19,4 Não Não Não
131 Paraguai 17,5 20/80 Não Não
142 Brasil 15,0 30/70 Não Sim
S/D Haiti - - -
Fonte: Elaboração própria com base em alguns dados das organizações IPU e IDEA e subsídios
de Psicopo (2018).
68
b a i x a r e p r e s e n ta ção d e m u l h e r e s n o l e g i s l at i vo b ra s i l e i r o
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D E M O C RA C I A E M F O CO
5
Participo atualmente do Observatório da Participação Política das Mulheres da Câ-
mara dos Deputados, que congrega pesquisadores, pessoas de ONGs que trabalham
com o tema e integrantes da Câmara (técnicos da Casa e algumas parlamentares).
Entre as ações em desenvolvimento, o Observatório está mapeando e atualizando in-
formações sobre presença de mulheres em órgãos dirigentes partidários.
70
b a i x a r e p r e s e n ta ção d e m u l h e r e s n o l e g i s l at i vo b ra s i l e i r o
Quadro 1
Alguns dados sobre mulheres e partidos políticos (Brasil)
6
Ver, por exemplo, Freidenberg et al. (2018).
71
D E M O C RA C I A E M F O CO
7
Contudo a literatura considera diferentes critérios para definir uma candidatura fic-
tícia. Ver, por exemplo, Laena (2020).
8
Ver, por exemplo, Barbiere e Ramos (2019).
72
b a i x a r e p r e s e n ta ção d e m u l h e r e s n o l e g i s l at i vo b ra s i l e i r o
9
Nota Técnica n. 2 do Fórum Fluminense Mais Mulheres na Política, escrita em
conjunto com Lígia Fabris (FGV) e Michelle Ferreti (Instituto Alzira’s), e divulgada
no mês de setembro de 2021 via redes sociais, cujo título é A culpa não é das mulheres.
73
C A P Í T U LO 6
1
Para citar alguns exemplos, destaco como frutos desta parceria o meu livro sobre
Brizola (Ferreira, 2008) e os trabalhos de Freire et al. (2001), Motta e Sarmento (2001)
e Sarmento (2008). Mais recentemente, outras duas obras (Ferreira, 2015; Motta, 2022)
podem ser apontadas como herdeiras da proposta de pensar a política carioca semea-
da desde a aproximação da Alerj ao CPDOC.
76
a f u s ão d o r i o d e ja n e i r o
faz e fez, durante muito tempo, com que todas as análises e todas as
atenções ficassem muito focadas no nacional, secundarizando a di-
nâmica e a problemática local. Então, eu acho que esse ponto deve
ser retomado em outros trabalhos, embora talvez, agora, já passados
quase 45 anos da fusão, essa questão do nacional tenha se diluído um
pouco mais. Mas ainda tenho dúvidas sobre isso.
Alguns elementos importantes que eu acho que marcaram muito a
trajetória do estado e da cidade foram, desde o seu nascimento, a ideia
de provisoriedade, o intervencionismo federal e, para muitos, a inca-
pacidade dos grupos locais de defender os seus interesses. Então, essa
nacionalização da política carioca funcionava como um elemento im-
peditivo da defesa dos interesses regionais e dos interesses locais, e,
com isso, todo o foco se deslocava para o nacional, secundarizando a
dinâmica local.
Além de fazer essas considerações iniciais sobre a memória dessa
relação entre o CPDOC e a Alerj, que agora se inicia numa nova fase,
que eu acho que é fundamental, e que poderá dar frutos muito pro-
missores no sentido de desenvolver novos projetos e criar uma nova
agenda de pesquisa e de atividades, vou focalizar um tema específico:
o tema da fusão. Então, nós estamos deixando aqui o cenário nacional
com os meus dois colegas que me antecederam para focar num tema
especificamente local, que é a questão da fusão.
Primeiramente, a fusão continua sendo objeto de grandes debates,
vista como um evento traumático. Em 2025 vamos completar 50 anos
da fusão, e até hoje, a cada sucessão, vemos vozes que reivindicam o
fim da fusão e a recriação do Rio de Janeiro como uma cidade-estado.
Muitas vezes, esse tipo de perspectiva é veiculado por figuras de pro-
jeção, que têm expressão política e intelectual. Para começar, o que
podemos perceber, nos momentos que se seguiram à concretização
da fusão, é que se viu ou se interpretou ou se veiculou a ideia de que
a fusão implementada por um regime autoritário militar em 1975 vi-
sava neutralizar o MDB carioca, uma vez que o estado do Rio era
governado naquele momento pela Arena de Raimundo Padilha, e que
essa ação autoritária do governo federal era um ato que estava sendo
implementado de surpresa, sem discussão, e tinha como foco funda-
mental neutralizar a ação do MDB.
Eu gostaria de tecer algumas considerações não só para problema-
tizar essa ideia ou essas interpretações que foram veiculadas em torno
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a f u s ão d o r i o d e ja n e i r o
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a f u s ão d o r i o d e ja n e i r o
N.O.: Para uma análise sobre o efeito da fusão nas bases eleitorais, ver: Melo (2019).
2
81
D E M O C RA C I A E M F O CO
82
Debate
Jaqueline Zulini (J. Z.): Fico muito feliz em moderar esta mesa, “Par-
tidos e sistemas partidários no Brasil”. Acredito que não poderíamos
estar mais aquecidos para o debate, após essas três excelentes pales-
tras. Gostaria de abrir as inscrições para um bloco de perguntas do
público.
84
d e bat e
Jairo Nicolau (J. N.): Vou começar com a pergunta sobre o que é um
partido. Quando comecei a estudar partido político, eu fazia minha
tese de doutorado e me defrontei com essa questão. Eu tenho que defi-
nir, é muito importante para o meu argumento. E percebi que, quando
fazia qualquer tentativa de acrescentar algum propósito, alguma ativi-
dade partidária ou a alguma doutrina — ou seja: só é partido se tiver
uma doutrina, ou só é partido se tiver certa unidade —, eu sempre me
enrolava. Porque uma parte disso são classificações subjetivas.
A gente fala do Centrão como uma força política pragmática para
ser generoso. O termo clientelista é um termo que dá uma dor de cabe-
ça danada para trabalho empírico. Fala-se de partido ideológico versus
partido clientelista. Essas distinções que a gente faz são atalhos, mas a
pesquisa empírica dificulta e muito a nossa vida, quando você observa,
por exemplo, que boa parte dos representantes de sindicatos eleitos por
partidos de esquerda tiveram, muitas vezes, uma relação muito cliente-
lista com as suas bases. O sujeito era eleito pelo sindicato dos professores
e tratava o mandato dele quase que como uma correia de transmissão
dos interesses do sindicato. A gente pode chamar isso de clientelismo.
As coisas começaram a se embananar. Então, eu adotei para sem-
pre uma definição minimalista — que não responde o seu problema,
mas resolveu o meu [risos] — que é a seguinte: partido é uma orga-
nização que disputa voto em eleições. Para além disso, é substância.
85
D E M O C RA C I A E M F O CO
E aí, para além disso, é pesquisa. Para além disso, eu tenho que dizer:
qual é a diferença dessas organizações em termos de políticas, de tra-
tamento dos temas da mulher, da questão racial? Os partidos são mais
pragmáticos, mais ideológicos? Como eu defino ideologia? Aí começa
a pesquisa.
Entretanto me contentei com essa definição minimalista porque,
dessa maneira, eu excluo, por exemplo, o movimento social. O Movi-
mento Sem Terra (MST) não é partido, para mim. Para um intelec-
tual gramsciano é, mas para mim não é, porque ele não disputa voto.
Nesta eleição, o MST lançou 21 candidatos a deputado estadual em
todo o Brasil, pela primeira vez, de maneira organizada. Então, eles
vão disputar a eleição. Mas até agora eles estão como organização da
sociedade civil. Há partidos que disputam a eleição e não têm voto.
O caso do PSTU, que nunca elegeu um deputado federal. Mas não
posso dizer que ele não seja um partido porque não tem voto, porque
não tem representação. Então, fiquei com essa definição minimalista.
Se eu quero comparar ideologias, eu vou comparar ideologias. Se eu
quero definir se um partido é clientelista ou ideológico, vou ter que
definir o que é ideologia, o que é clientelismo, fazendo a tipologia e
alocando os partidos. Senão a gente fica com uma visão romântica.
Com relação à pergunta sobre a natureza dessas três legendas. Eu
me espantei muito, do ponto de vista do volume de trocas na janela
de abril. O Brasil é realmente fantástico em termos de legislação par-
tidária eleitoral. Vou falar de duas invenções brasileiras. A primeira
foi a janela partidária. Ou seja, as trocas de legenda eram tão grandes,
chegavam a uma magnitude tal, que resolveram fazer o seguinte: va-
mos proibir as trocas, salvo em um mês, que é o mês de abril, antes do
ano da eleição. No ano eleitoral, março, abril, você permite as trocas
de líderes. Por quê? Porque se eu fui eleito por um partido e eu mudo
para outro significa que isso é, no mínimo, um problema de accoun-
tability, um problema de resposta do representado ao representante.1
“Ora. Eu votei em um partido, o sujeito está exercendo o mandato por
outro? Que história é essa? Que sistema é esse?”. Mas claro que a preo-
cupação de quem proibiu as trocas não era essa. Nas trocas de abril,
fiquei muito impressionado, porque a compactação se deu à direita.
1
N.O.: Accountability é o termo utilizado pela literatura especializada para descrever
a ideia de “prestação de contas”.
86
d e bat e
J. N.: Não. Isso pode ser, por exemplo, nos pequenos partidos, que
acho vão se dar mal, na direita, nesta eleição, pequenos…
J. N.: Psol e Rede podem ficar, porque os dois estão muito mal. En-
tão, quatro anos juntos vão diluindo as diferenças, resolvem mudar,
fazer um nome diferente para os dois, um tem seis deputados, outro
tem oito… Por quê? Porque a nova legislação que veio agora, que vai
vigorar este ano, é muito exigente para os pequenos partidos. Acabou
a coligação, os partidos têm que ter, no mínimo, 2% nas eleições para a
Câmara. Então, foi um corre-corre. A federação é a resposta a uma
legislação pesada. Vão desaparecer muitas legendas.
Esse mundo ali dos recordes acabou. A gente vai ficar com um
sistema partidário mais europeu, mais compactado, com oito, 10 par-
tidos, fusões, partidos com bancadas maiores do que conhecemos nos
87
D E M O C RA C I A E M F O CO
últimos anos. Não tem mais como voltar. A não ser que os deputados
mudem a lei. Mas creio que os partidos grandes não vão querer mudar
a lei. Eles já são grandes. Se o PT eleger 80 deputados, por que vai vol-
tar ao período de coligação, em que tinha que dar legenda para parti-
dos menores? Enfim, estou especulando aqui, mas, no fim das contas,
a federação pode ser usada por qualquer um. E ela é permanente, se
feita agora, vai até 2026. Significa que, para eleição municipal do ano
de 2024, Cidadania e PSDB estão juntos. Significa que, em 2026, eles
estão juntos. Só depois eles se separam. E, nesse meio-tempo, outros
partidos podem se fundir também.
Podem-se criar federações com um sentido de sobrevivência. A fede-
ração é menos ideologia e mais sobrevivência. O PCdoB e PT estão jun-
tos em todas as eleições presidenciais, nunca pensaram em se aproximar
tanto como agora. Outra coisa, diferente da coligação, a federação obriga
que os partidos estejam juntos em todos os estados. Porque antes era as-
sim: coliga no Rio, mas não coliga em São Paulo. Agora, não. PCdoB,
PT e PV estão juntos em todos os estados, Rio, São Paulo, Minas, Bahia,
e não pode o PCdoB, em São Paulo, apoiar [sozinho] um candidato a
presidente, um governador. Acabou, é uma coisa só. Minha impressão
é que os próprios partidos não entenderam o que é a federação que eles
criaram. Eles se amarraram, mas querem continuar autônomos.
J. N.: É. Eu acho que com uma parte do União Brasil tem possibilida-
de de apoio, porque o União Brasil é uma fusão de quadros do PSL,
que não acompanharam o Bolsonaro no PL, com o DEM. Tem alas
mais antilulistas que provavelmente não apoiariam Lula, mas alguns
segmentos mais moderados poderiam apoiar.
J. N.: É [risos]! Eu não tinha pensado nisso ainda [risos]. Não é nem
ironia. Não sei o que é isso [risos]. Eu não tenho figura de linguagem
para isso [risos].
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d e bat e
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D E M O C RA C I A E M F O CO
Não falei sobre isso, mas as medidas que foram tomadas e aprova-
das, inclusive por forte pressão desse ativismo e o apoio de uma parte
dos partidos, foram importantes, porque consolidaram na Constitui-
ção, por meio de PEC, a questão da distribuição de recursos. Esse é o
grande gargalo, que explica uma parte das desvantagens das mulhe-
res e das pessoas negras: a questão dos recursos, conforme comentei
antes. Então, é importante consolidar essa distribuição dos recursos
financeiros, assim como recursos do horário eleitoral e da propaganda
gratuita. Eu tenho uma hipótese de que esse quadro vai começar a ter
um resultado positivo já em 2022, e acho que também em relação às
mulheres. Acho que além dessas medidas sobre distribuição de recur-
sos financeiros e da propaganda gratuita, a aprovação da lei/artigo que
estabelece que os votos dados às mulheres na eleição para a Câmara
Federal sejam contados em dobro para efeito da distribuição futura
dos recursos financeiros aos partidos. Conforme a legislação, os re-
cursos que um partido recebe para os Fundos — partidário e de cam-
panha eleitoral — são distribuídos conforme a votação e tamanho das
bancadas eleitas pelos partidos nas eleições anteriores. Agora entrou
essa medida de estímulo e ação afirmativa: para tanto, os votos dados
às mulheres nos partidos valerão o dobro no momento do cálculo da
distribuição dos recursos dos fundos. Embora haja uma interrogação
sobre qual será o efeito dessas medidas. Explico: como estamos den-
tro da disputa para os partidos ultrapassarem a cláusula de barreira,
há uma série de questões. Uma pergunta é: para quem vão esses re-
cursos? Vão para as mulheres já testadas, as mulheres que vão fazer
um quociente eleitoral? Como vai ser essa distribuição? O que é uma
distribuição justa? É aquela que é igual para todo mundo ou aquela
que permite que uma parcela se eleja? É um debate, mas, ainda assim,
acho a medida muito importante. Até porque não é uma medida só na
base da sanção, é também na base do estímulo aos partidos.
Outra medida que pode favorecer é que existe uma agenda muito
forte, nos últimos anos, em relação à questão racial e das mulheres.
Temos uma situação que pode ser positiva. Entretanto, depende mui-
to, na minha opinião, do quanto essas forças conseguem pressionar os
partidos diante deste contexto. Refiro-me ao contexto das reformas
que visam a redução da fragmentação, mas também da questão do
quociente eleitoral, que está em jogo para todos os partidos. Então,
os partidos estão atribuindo recursos, têm as suas estratégias. Quem
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MESA 3
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C A P Í T U LO 7
Ladislau Dowbor
1
Disponível em: https://dowbor.org/2022/05/a-sociedade-desigual-racismo-e-bran-
quitude-na-formacao-do-brasil.html.
N.O.: Para uma análise do processo de concentração de renda no Brasil, ver, também,
SOUZA, Pedro Herculano Guimarães Ferreira de. Uma história da desigualdade: a
concentração de renda entre os ricos no Brasil (1926-2013). São Paulo: Editora Hu-
citec, 2018.
98
a c r i s e e co n ô m i ca b ra s i l e i ra
dial diz que hoje, em 2022, estamos mais ou menos no mesmo ní-
vel econômico de 2011. O problema central é que temos bilionários
que estão enriquecendo de maneira escandalosa. O Brasil tem 315
bilionários que aumentaram sua fortuna de maneira brutal durante
a pandemia. Quando começou a pandemia, a Forbes (2021) america-
na calculou que, entre 18 de março e 12 de julho (quatro meses), 42
bilionários brasileiros aumentaram suas fortunas em R$ 180 bilhões.
Cento e oitenta bilhões de reais correspondem a seis anos de Bolsa
Família, que era para 50 milhões de pessoas. Estamos falando de 42
pessoas em quatro meses, inclusive sem pagar imposto. Desde 1995,
lucros e dividendos distribuídos não pagam impostos no Brasil. Isso é
simplesmente uma desarticulação em que a economia para de traba-
lhar para a população e para o país. São sistemas extrativos organiza-
dos para grandes corporações.2
Isso leva a outro eixo fundamental, que é a subutilização dos fato-
res de produção. Dos 214 milhões de habitantes, 150 milhões estão em
idade ativa (uso o dado da metodologia da ONU, 16 a 64 anos). Temos
uma subutilização da força de trabalho que é dramática, porque temos
apenas 33 milhões de empregos formais privados. São 150 milhões em
idade ativa, 106 milhões na chamada força de trabalho — os que estão
inseridos no mercado de trabalho — e apenas 33 milhões, se acres-
centarmos as empregadas domésticas, chegamos perto de 40 milhões.
Há uma subutilização dramática da mão de obra. Temos 40 milhões
de pessoas trabalhando no setor informal, segundo o IBGE (2021),
que ganham metade do que as 33 milhões de pessoas do setor formal
ganham.
Quando desço alguns quarteirões pelo centro da Lapa, onde moro,
vejo milhares de pessoas vendendo qualquer bugiganga de plástico
no meio da rua. Isso é um escândalo. Toda essa gente tem inteligência
como eu, como cada um de nós, elas poderiam estar produzindo, ge-
rando coisas úteis para o país. Temos 15 milhões de desempregados e
6 milhões de desalentados, ou seja, as pessoas desistiram. Somando,
dá quase 60 milhões de pessoas subutilizadas.
2
Ver também comentário de Eduardo Moreira: https://dowbor.org/2019/11/eduar-
do-moreira-a-lista-de-bilionarios-da-forbes-e-a-destruicao-do-brasil-em-youtube-
-23-min.html.
99
D E M O C RA C I A E M F O CO
3
Sobre os juros efetivamente praticados para pessoa física e pessoa jurídica, ver
ANEFAC. Pesquisa mensal de juros. Disponível em: www.anefac.org/_files/ugd/
21624f_0293e95f8819415d9cf993d0b3296120.pdf.
10 0
a c r i s e e co n ô m i ca b ra s i l e i ra
4
N.O.: Em 20 de outubro de 2003, o então presidente Luís Inácio Lula da Silva (2003-
11) formalizou o Programa Bolsa Família ao editar a Medida Provisória no 132, que
unificava três programas de transferência de renda condicionada herdados do governo
Fernando Henrique Cardoso (1995-2002): o Bolsa Escola, datado de abril de 2001; o
Bolsa Alimentação, criado em setembro do mesmo ano, e o Auxílio Gás, que remonta
a janeiro de 2002. A Medida Provisória se converteu na Lei no 10.836, de 9 de janeiro
de 2004. Lula também institui o programa Luz para Todos por meio do Decreto no
4.873, de 2003, uma reformulação do Programa Luz no Campo, que universalizava a
rede rural de energia elétrica.
10 1
D E M O C RA C I A E M F O CO
5
Ver dados do Comitê Gestor da Internet: CGI.br.
10 2
a c r i s e e co n ô m i ca b ra s i l e i ra
Hoje, como um aluno estuda se não tem acesso à internet? Estão pre-
judicando o futuro de toda uma geração. Nós temos um governo que
essencialmente está submisso a interesses internacionais, apenas dois
setores funcionam: a exportação de bens primários e os grupos finan-
ceiros a partir desses juros monstruosos. O resto vai se desindustriali-
zando, com efeitos dramáticos. Temos uma toupeira no governo, que
eu espero que saia, mas o problema não é a toupeira, é quem colocou
ela lá, que são os grandes grupos financeiros e os interesses interna-
cionais. Para mim, a única maneira de resgatarmos os caminhos do
Brasil é assegurar também sua soberania. [Aplausos].
10 3
C A P Í T U LO 8
Os Poderes no presidencialismo
de coalizão
Fernando Limongi*
10 6
o s p o d e r e s n o p r e s i d e n c i a l i s m o d e coa l i z ão
o Brasil.2 Mas isso não é verdade, e não era verdade na hora em que
o Sérgio Abranches escreveu. Todas as características que ele elenca
para dizer que o Brasil é essa jabuticaba que voa são encontradas em
vários outros sistemas políticos. Então, não somos diferentes do res-
tante do mundo, as leis da física valem aqui como valem no mundo
todo. Se o besouro não pode voar, não pode aqui nem nos Estados
Unidos, nem na Suécia. Se ele voa aqui, também voa na Suécia e em
qualquer lugar.
Abranches afirma que o Brasil tem um lado do desenho institucio-
nal único, não encontrado em lugar algum do mundo. Mas essa é ape-
nas parte da história contada. Abranches enfatiza também aspectos
socioeconômicos. Esse fator subjacente dá vida ao modelo, ou melhor,
o embasa. E a combinação entre o institucional e o social é crucial na
caracterização apresentada, o que faz ou permite que a esfinge recuse
qualquer interpretação. Se tratamos do aspecto institucional, os crí-
ticos dirão: “não, o presidencialismo de coalizão não se restringe ao
elemento institucional”. Quando se discute o aspecto social, a saída
é dizer, “não, não é só o social, é o institucional também”. Mas, bem
consideradas as coisas, nem na combinação entre essas duas caracte-
rísticas o Brasil é único.
Do ponto de vista socioeconômico, o que está por trás do argumento
do Sérgio Abranches é que o Brasil é um país em transição do tradicional
para o moderno, do atrasado para o desenvolvido, que o Brasil é um país
de renda média com enormes diferenças regionais. Professor Ladislau
acabou de abordar o tema em sua palestra. O Brasil está em um estágio
do processo de desenvolvimento, mas vários países se encontram nessa
mesma condição. E em países, não só nos em desenvolvimento, há com-
binação das formas mais diversas de produção. Há áreas mais tradicio-
nais, outras modernas, rurais e urbanas, e assim por diante. Do período
que o Sérgio escreveu, durante a Constituinte de 1988, entre 1987 e 1988,
até agora, o Brasil mudou muito, e continua mudando.
A característica que o Sérgio (e que a literatura em geral) associa
a esse atraso socioeconômico brasileiro, a sua repercussão no sistema
político, é a da sobrevivência de relações sociais tradicionais que se
traduzem no campo político. Em última instância, o argumento é o
2
Refiro-me ao artigo de Abranches (1988:5-34).
10 7
D E M O C RA C I A E M F O CO
de que a maioria dos políticos seria eleita e reeleita por essas relações
tradicionais, que inexistiria um mercado eleitoral pleno.
Creio que isso não seja verdade. Simplesmente não é assim. Se há
uma coisa que caracteriza o sistema político brasileiro é a competiti-
vidade: as taxas de reeleição são baixas, isso é, os políticos têm grande
dificuldade de se reeleger. Mesmo nas regiões mais subdesenvolvidas,
mais “atrasadas”, a competição eleitoral é um fato. E, diga-se, foi acen-
tuada no período do governo do PT por políticas sociais específicas,
como a distribuição de cisternas ou o programa Mais Luz. Faz tem-
po que as relações políticas tradicionais não explicam o que se passa
na política no Brasil. O ponto essencial é: há competição eleitoral no
Brasil, e quem é eleito — e este é um aspecto que eu gostaria de frisar,
sobretudo em uma casa legislativa — é um representante legítimo do
eleitorado ou povo brasileiro.
A suposição de que os eleitos ganharam o mandato por artes e
truques e não pelo processo eleitoral leva à conclusão de que os re-
presentantes seriam ilegítimos e que, portanto, não representariam a
população, é infundada. Em realidade, ela beira o absurdo. Aos olhos
do público, essa visão contribui para a criação de uma descrença ge-
neralizada no sistema representativo e, especificamente, contribui
para deslegitimar o Poder Legislativo. Ele é sempre minimizado ou
deslegitimado. Fala-se muito: “o Legislativo está pegando o orçamen-
to, trabalhando o orçamento e roubando do Poder Executivo cada vez
mais”. Quem disse que o orçamento feito pelo Executivo é melhor do
que a proposta do Legislativo? Pode ser que sim, pode ser que não,
mas os dois são legítimos. Por que dizer que emenda parlamentar é
ilegítima? Os parlamentares são representantes do povo. Eles têm in-
formação que o burocrata não tem.3
Retomando o fio do argumento. O aspecto socioeconômico que
sustenta a anomalia, que embasa o modelo do presidencialismo de
coalizão, a capacidade de os deputados escaparem do mercado elei-
toral, não tem fundamento empírico. E é essa a suposição crucial que
leva a visões estereotipadas do sistema político brasileiro do ponto de
vista institucional. Volto ao ponto adiante.
Vejamos agora a alegada especificidade institucional. Abranches
afirma que a combinação entre presidencialismo e multipartidarismo
3
N.O.: Para uma síntese do processo legislativo no país, ver: Ricci e Zulini (2020).
10 8
o s p o d e r e s n o p r e s i d e n c i a l i s m o d e coa l i z ão
10 9
D E M O C RA C I A E M F O CO
4
N.O.: “Os ‘anões’ eram o grupo político que controlava o processo orçamentário
no Brasil de 1989 a 1993 a partir da Comissão Mista de Orçamento, interagindo de
modo corrupto tanto com integrantes do Executivo quanto com certas empreiteiras”
(Praça, 2011:142). Para uma análise deste escândalo, ver também Krieger, Rodrigues
e Bonassa (1994).
110
o s p o d e r e s n o p r e s i d e n c i a l i s m o d e coa l i z ão
se preocupa com aquilo que definiu como sua agenda, não avança.
É o básico. Então, denunciar o presidencialismo de coalizão é dizer:
“eu não quero governar”. É lógico.
O que Bolsonaro quer ou gosta de fazer? Ele quer ir para o “cerca-
dinho” e falar bobagem para virar notícia, mas governar que é bom,
isso não é com o atual presidente. Ele não tem essa preocupação.
No presidencialismo de coalizão, formar essa coalizão é negociar
politicamente uma agenda, isso é necessário. O que o presidente atual
fez no segundo período do seu mandato? Entregou a confecção da
agenda legislativa ao “centrão”.
Já que não quero governar, já que quero brincar que governo, já que
o que eu quero é falar bobagem, fazer live, ir ao cercadinho, o que vou
fazer? Vou dar liberdade ao Legislativo, deixar que o Presidente da
Câmara dos Deputados, o Arthur Lira, cuide de governar, deixar a
coisa com o Centrão… E assim é, o Centrão, faz o que bem quiser
com o governo!5
5
N.O.: Em agosto de 2022, quando o professor Fernando Limongi realizou esta pa-
lestra, Arthur Lira presidia a mesa diretora da Câmara dos Deputados, posição que
ocupava desde fevereiro de 2021.
111
D E M O C RA C I A E M F O CO
te, é a visão que o presidente tem sobre seu papel. Basta olhar como
ele se pronuncia o tempo inteiro, “não me deixam fazer”, “não fiz isso
porque não pude”. Desculpas, só desculpas.
Para concluir, do ponto de vista institucional, o presidencialismo
de coalizão com multipartidarismo não é uma anomalia, é normal,
usual. Vários países têm presidencialismo e coalizão. Se pensarmos
em alternativas institucionais, só há duas. Ou muda, acaba com a coa-
lizão, ou muda, acaba com o presidencialismo. No primeiro caso, para
acabar com a coalizão teríamos que passar do multipartidarismo para o
bipartidarismo, o que é praticamente impossível. Os militares tenta-
ram. Todos devem se lembrar. Alguns aqui não eram nascidos, mas,
infelizmente, eu era. Não dá certo, não funciona. Não se cria partido
por decreto. Mesmo que você manipule a legislação eleitoral para ge-
rar dois partidos, não vai deixar de criar uma coalizão, o PMDB era
uma coalizão, a Arena era uma coalizão.
Pensando na segunda alternativa, podemos passar para o parla-
mentarismo, abandonar o presidencialismo. Já se tentou. Já rejeita-
mos o parlamentarismo, já não passou na constituinte e houve um
plebiscito depois. Mas tudo bem, se tivermos “parlamentarismo de
coalizão”, vai mudar alguma coisa?
O problema não é o presidencialismo de coalizão.
Concretamente, o que temos diante de nós é uma eleição. Depen-
dendo de como os brasileiros usem o poder de voto, teremos versões
diversas do presidencialismo de coalizão em operação. Cabe ao pre-
sidente definir e alterar como funciona a coalizão. Os dois principais
candidatos já mostraram como se comportam diante do seu poder e
dos demais. Muito obrigado. [Aplausos].
112
C A P Í T U LO 9
Judicialização da política
no Brasil pós-1988
1
N.O.: Para uma discussão sobre a erosão das fidelidades partidárias e o aumento
progressivo de canais de participação não institucionalizados, ver Manin (2013:115-
127) e Urbinati (2013:5-16).
2
N.O.: Uma síntese do argumento de Ran Hirschl pode ser encontrada em: Hirschl
(2011).
114
j u d i c i a l i z a ção da p o l í t i ca n o b ra s i l p ó s - 1988
115
D E M O C RA C I A E M F O CO
116
j u d i c i a l i z a ção da p o l í t i ca n o b ra s i l p ó s - 1988
3
N.O.: O leitor pode se aprofundar sobre a visão de Grimm e o caráter político da
aplicação do direito em: Grimm (2006).
117
D E M O C RA C I A E M F O CO
4
N.O.: Um exemplo do uso deste raciocínio pelo ministro pode ser conferido em:
Barroso (2009:11-22).
118
j u d i c i a l i z a ção da p o l í t i ca n o b ra s i l p ó s - 1988
119
D E M O C RA C I A E M F O CO
5
N.O.: Um dos maiores cientistas políticos brasileiros de sua geração, Wanderley
Guilherme dos Santos faleceu em outubro de 2019.
6
N.O.: Como ficou denominada a investigação deflagrada pela Polícia Federal em
março de 2014 para investigar crimes de corrupção ativa e passiva, gestão fraudulenta,
lavagem de dinheiro, organização criminosa, obstrução da justiça e recebimento de
vantagem indevida. Para uma análise da operação sobre o regime político, ver Kerche
e Feres Júnior (2018).
120
j u d i c i a l i z a ção da p o l í t i ca n o b ra s i l p ó s - 1988
7
N.O.: Para uma análise da judicialização da política e da politização das instituições
judiciais no Brasil, ver: Arantes (2002).
121
D E M O C RA C I A E M F O CO
122
j u d i c i a l i z a ção da p o l í t i ca n o b ra s i l p ó s - 1988
123
Debate
A. F.: Obrigado, Maria Lúcia. Bom, a mesa pode fazer perguntas, en-
tão, eu farei algumas também [risos]. Primeiro para o professor Fer-
nando Limongi, eu queria te ouvir um pouco a respeito desse conceito
de pemedebismo, criado pelo Marcos Nobre.1 Como você vê isso? Ele
1
N.O.: Marcos Nobre é professor de filosofia na Universidade de Campinas (Uni-
camp) e diretor do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap). Publicou,
em 2022, Limites da democracia: de junho de 2013 ao governo Bolsonaro, o livro que o
professor Américo Freire aludiu para formular a questão sobre pemedebismo.
D E M O C RA C I A E M F O CO
126
d e bat e
127
D E M O C RA C I A E M F O CO
128
d e bat e
2
No caso, as ideias presentes no livro Coronelismo, enxada e voto: o município e o re-
gime representativo no Brasil, escrito por Victor Nunes Leal e publicado pela primeira
vez em 1949.
129
D E M O C RA C I A E M F O CO
Acho que isso não é verdade! Não faz sentido do ponto de vista
empírico, mesmo que a gente possa questionar o que for da Lava Jato,
o que que a Lava Jato revelou, por exemplo, sobre quem controlava
uma diretoria da Petrobras antes da coalizão ser feita? Ou, se nós qui-
sermos voltar para o Fernando Henrique, quem controlava? Olha o
Rodoanel de São Paulo, alguém fez coalizão com o PSDB para cair
todo aquele maná na conta do José Serra?
O problema é que existem dificuldades concretas. Nós somos um
país desigual, como acaba com a desigualdade? Que políticas devem
ser feitas para acabar com a desigualdade? O PT sabe? O PSDB sabe?
O Marcos Nobre sabe? Não é porque o PMDB atrapalha que você não
consegue corrigir o problema, é porque isso é difícil, é concretamente
difícil, a maior parte dos países democráticos do mundo não fez, bas-
ta ler Piketty (2014). Não foi a democracia que aliviou a desigualdade,
foram as guerras, foi a destruição da riqueza dos mais ricos, não redis-
tribuição por democracia. Então, o Brasil não é uma anomalia porque
temos democracia e não conseguimos aliviar a desigualdade. Infeliz-
mente é isso, porque a desigualdade se repõe. Sociologia I. Introdução
à Sociologia. É disso que se trata. A gente tem que lutar contra a Socio-
logia I, não é fácil.
Fazendo um diálogo com a professora Margarida e sua excelente
exposição que clarificou as distinções, eu acrescentaria que, a partir
do Mensalão, a desconfiança do Legislativo foi generalizada. O Judi-
ciário entrou na dança e associou Legislativo e Executivo. E é interes-
sante que isso tenha acontecido quando o presidencialismo de coa-
lizão passou a ser gerido pela esquerda. O Judiciário reagiu: “eu não
desconfio apenas do Legislativo, eu desconfio também do Executivo”.
Isso é claro no Mensalão. E a inversão que se dá é “vou controlar isso
aí”. E é imediato, são as coisas mais malucas que acontecem. Cito, por
exemplo, a derrubada da cláusula de barreira pelo Supremo com a
justificativa. Se você lê os votos dos Ministros do Supremo, você en-
tende que é isso que eles estão fazendo. Vamos acabar com essa visão
pejorativa do presidencialismo de coalizão, acabar com a negociação
escusa dos partidos com o Executivo.3 Porque o Executivo que agora é
3
N.O.: Em dezembro de 2006, duas ações diretas de inconstitucionalidade, movi-
das pelos partidos PCdoB, PDT, PSB, PV, PSC, PPS e PSOL, provocaram o STF a se
manifestar sobre o dispositivo da legislação eleitoral que impedia o funcionamento
parlamentar, a participação na propaganda eleitoral e o acesso ao fundo partidário
130
d e bat e
dos partidos que não atingissem pelo menos 5% dos votos em nove estados durante
as eleições para a Câmara dos Deputados. Como resultado, a corte votou, de forma
unânime, pela derrubada daquele dispositivo da legislação eleitoral, declarado incons-
titucional. Para uma discussão sobre a influência do Judiciário na competição eleitoral,
ver: Marchetti (2015: v. 1).
4
N.O.: O termo gerrymander entrou para o jargão político em 1812, quando Elbrig
Gerry, que estava à frente do governo do estado norte-americano de Massachusetts,
encampou uma reforma eleitoral que redesenhou as fronteiras do condado de Essex,
forjando artificialmente a concentração do eleitorado dos Federalistas no novo limite
territorial utilizado para definir o resultado de uma corrida eleitoral para o Senado.
Com a publicação de uma matéria no jornal Boston Gazette, que ilustrava o formato do
novo distrito como uma grande salamandra (salamander, em inglês), surgiu o neolo-
gismo gerrymander, empregado para definir o redesenho proposital das fronteiras dos
distritos eleitorais com o intuito de fabricar maiorias eleitorais. Para um exemplo da
continuidade da prática na política norte-americana, ver: Monmonier (2001).
131
D E M O C RA C I A E M F O CO
132
d e bat e
133
D E M O C RA C I A E M F O CO
134
MESA 4
Capacidade estatal e
políticas públicas
136
C A P Í T U LO 10
Crise democrática e
desmantelamento do Estado
Daniela Campello
138
c r i s e d e m o c rát i ca e d e s m a n t e l a m e n to d o e sta d o
139
D E M O C RA C I A E M F O CO
14 0
c r i s e d e m o c rát i ca e d e s m a n t e l a m e n to d o e sta d o
2
Refiro-me ao Projeto de Lei no 3.203, de 2021.
3
Constituição Federal de 1988, art. 215.
14 1
D E M O C RA C I A E M F O CO
do Inep passasse um “pente fino” nos projetos, sugerindo que esses te-
riam um viés ideológico. O MEC, no fim das contas, se tornou irrele-
vante, chegando ao ponto de se manter totalmente ausente do debate
sobre a retomada do ensino presencial e de se abster absolutamente
no estabelecimento de qualquer diretriz da atuação dos governos lo-
cais durante a pandemia. É impressionante. Houve época em que me
perguntavam em entrevistas, e eu não conseguia me lembrar do nome
do ministro da Educação.
O caso do meio ambiente é bastante divulgado, e pode-se dizer
com tranquilidade que o governo Bolsonaro desmontou a regulação e
a fiscalização ambiental brasileira, o que não é pouca coisa. O governo
retirou a autonomia do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos
Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e do Instituto Chico Mendes de
Conservação da Biodiversidade (ICMBio) por meio de uma garantia da
lei e da ordem e trocou funcionários civis por militares, que não apenas
não são qualificados, como pararam de cumprir as ordens das institui-
ções de proteção do meio ambiente. Também diminuiu massivamente
o número de fiscais do Ministério do Meio Ambiente, do Ibama, do
ICMBio, e os impediu de cumprir a lei, como a de destruição de equi-
pamentos de desmatamento. Em 2019, o Ibama destruiu apenas 72 des-
ses equipamentos, metade da média anual de 144 equipamentos entre
2014 e 2018, segundo dados oficiais obtidos pelo Intercept. O governo
ainda tentou impedir o Ibama, o ICMBio e institutos de pesquisa de
considerar a lei da Mata Atlântica,4 o que foi posteriormente revogado.
Desmontou a Fundação Nacional do Índio (Funai) e a Secretaria Espe-
cial de Saúde Indígena (Sesai), retirando verba do orçamento durante
o período de Covid, diminuindo-o mais ainda, bem como restringin-
do o orçamento para a saúde das populações indígenas.5 Tentou tirar
o papel da demarcação de terra indígena da Funai, o que o Supremo
Tribunal Federal (STF) barrou, mas reduziu a fiscalização, e essas terras
vêm sendo invadidas sistematicamente.
Resumindo, com Bolsonaro não houve uma transição de um go-
verno de esquerda para um governo de direita, o que é absolutamente
4
Mais precisamente, a Lei no 11.428, de 22 de dezembro de 2006.
5
Vale observar que o orçamento da Funai para 2020 foi 27% menor em comparação
ao de 2013. No caso da Sesai, a redução se intensificou ainda mais durante a pandemia
da Covid-19. Em 2018, foi destinado R$ 1,1 milhão para a secretaria, que passou para
494 mil no ano seguinte, R$ 200 mil em 2021 e R$ 300 mil neste ano de 2022.
14 2
c r i s e d e m o c rát i ca e d e s m a n t e l a m e n to d o e sta d o
6
N.O.: A indicação de Augusto Aras para o cargo ocorreu em 5 de setembro de 2019,
sendo a primeira, desde 2003, que desprezou os nomes da lista tríplice da Associação
Nacional dos Procuradores da República, com os candidatos mais votados pela cate-
goria.
7
N.O.: A má repercussão partiu, inclusive, da própria arena política, a exemplo da
cobertura crítica da reunião publicada pela agência de Notícias do Senado Federal:
www12.senado.leg.br/noticias/materias/2019/03/18/davi-maia-bolsonaro-e-toffoli-
-discutiram-reformas-em-encontro-no-fim-de-semana. Acesso: 22 ago. 2022.
8
N.O.: Arthur Lira foi eleito presidente da Câmara dos Deputados para o biênio
2021/22 no dia 1o de fevereiro de 2021, com 302 votos, por meio do apoio do bloco
formado por 11 partidos (PSL, PP, PSD, PL, Republicanos, Podemos, PTB, Patriota,
PSC, Pros e Avante).
14 3
D E M O C RA C I A E M F O CO
9
Disponível em: www.beatrizrey.com/policy.html. Acesso em: 24 ago. 2022.
10
N.O.: Expressão cunhada pela mídia para aludir à falta de transparência do governo
Bolsonaro desde a elaboração do orçamento em 2020, quando a autoria e os valores
das emendas apresentadas pelos parlamentares deixaram de ser publicizadas, trami-
tando sob o guarda-chuva geral das “emendas do relator” da matéria orçamentária.
14 4
c r i s e d e m o c rát i ca e d e s m a n t e l a m e n to d o e sta d o
11
N.O.: Para uma obra de referência sobre o papel moderador exercido pelas Forças
Armadas durante parte da trajetória política brasileira, ver Stepan (1975).
12
N.O.: Comparativamente às demais categorias profissionais, a reforma da previdên-
cia ocorrida em 2019 se mostrou mais generosa com os militares, considerando que
para eles não se estabeleceu uma idade mínima para a aposentadoria e, além disso,
ficaram determinados reajustes para os militares até 2023.
14 5
D E M O C RA C I A E M F O CO
da parte das Forças Armadas para que se creia que não é real. A dúvida
no ar mudou muito a dinâmica política desse governo.
A politização da Polícia Militar (PM) é outro fato que aconteceu,
em paralelo à liberalização de acesso a armas sem rastreio, reduzindo,
assim, explicitamente, o monopólio do Estado sobre a violência e po-
tencialmente aumentando a capacidade de atuação de milícias. Agora,
a Câmara tenta acelerar um projeto que dá autonomia à PM em re-
lação aos governos estaduais. Sabemos quais serão as consequências:
mais autonomia significa menos controle dos governos estaduais. Por
fim, vimos a redução dramática da participação da sociedade civil no
governo — algo que tinha sido construído ao longo das últimas ges-
tões, principalmente as do PT, por meio de instituição de conselhos,
que eram 700 (se não me engano) e viraram cerca de 50 no governo
Bolsonaro.
Houve muitos ataques à democracia que foram além da destruição
institucional, que é o que acredito que tenha realmente acontecido
neste momento. Concluindo, há quem acredite que o que não mata
engorda, e que, nesse caso, as instituições vão acabar fortalecidas, por-
que vamos resistir. A pergunta é se sobreviveremos ou não. Até acre-
dito que sim, mas o desgaste institucional foi tremendo, com todas as
energias dedicadas a essa sobrevivência, em vez de avançar em tudo
aquilo que já havia sido alcançado nos governos anteriores. É uma
tristeza, não só deixamos de andar para a frente no ritmo que vínha-
mos andando, mas andamos para trás.
Quatro anos é pouco, é importante lembrar que a Venezuela, por
exemplo, demorou oito anos sobre Chávez para deixar de ser consi-
derada uma democracia.13 Não tenho qualquer dúvida que esse seria
nosso destino em um segundo governo Bolsonaro. Agora, olhando
para a frente, fecho com alguns pontos importantes. Acredito que
Bolsonaro, muito provavelmente, não vai permanecer no poder pela
via eleitoral, e não venho dizendo isso de hoje. As eleições no Brasil e
na América do Sul são referendos sobre a economia,14 e a economia
está em crise. Bolsonaro vem sentindo isso. Acredito e insisto nisso
desde quando as notícias não eram necessariamente favoráveis. Acre-
dito que esse seja o resultado, pois acho que as eleições ou perspec-
13
N.O.: O ponto é bem explorado por Levitsky e Ziblatt (2018).
14
N.O.: O argumento é desenvolvido em: Campello e Zucco (2015).
146
c r i s e d e m o c rát i ca e d e s m a n t e l a m e n to d o e sta d o
tivas eleitorais não estejam favoráveis a ele e acredito que ele saiba
disso. Então, acuado com essas poucas perspectivas, Bolsonaro vem
sinalizando, há dois anos, no mínimo, suas intenções de questionar
o processo eleitoral — essa crônica do golpe anunciado, que, lendo
com cuidado, já estava anunciado até mesmo antes de o presidente
ser eleito. Afinal, vocês certamente se lembram de que ele já dizia, em
2018, que se não vencesse era sinal de que as eleições não eram justas,
seguindo passo a passo a receita de Trump. Ninguém sabe (colegas
especialistas não sabem) como os militares se comportariam, ou te-
riam se comportado se, por exemplo, como Lula, Bolsonaro tivesse
hoje 87% de aprovação em vez dos seus 27%. Eu também não sei, nós
não sabemos, e há muitas dúvidas sobre como eles vão reagir caso esta
venha a ser uma eleição de um candidato do PT.
Por outro lado, acredito que a sociedade civil, sobretudo as elites
empresariais, parece ter acordado de um sono profundo e percebi-
do o tamanho do buraco onde podemos nos meter no caso de uma
tentativa de autoritarismo do Bolsonaro, isto é, o caos que isso vai ge-
rar. Acho bastante lamentável que certos setores que ganharam muito
no governo Bolsonaro, como foi o agronegócio, não se manifestem.
É muito importante ter lucro, é muito importante poder investir, e
ninguém questiona isso, mas é muito importante ter democracia
também. Seria importante que todos os setores se manifestassem.
A Confederação Nacional das Indústrias (CNI) também se absteve de
se pronunciar até agora. Mas acredito que nós temos os sinais de uma
reação que está acontecendo, e essa reação ocorre em paralelo a um
posicionamento muito claro dos Estados Unidos hoje, com relação
à crença no sistema eleitoral, nas urnas eletrônicas e no processo do
voto no Brasil. Acredito que a reação desses dois atores — os Estados
Unidos, que são ainda a grande potência, com um efeito muito impor-
tante na nossa economia; e a elite empresarial — seja de bons sinais.
Confesso que já estive mais pessimista em relação às possibilidades
de uma ruptura democrática do que me encontro hoje em dia. Espero
que, até as eleições, outros atores venham se juntar a esse movimento.
Agora, para encerrar, uma breve reflexão sobre o que vamos preci-
sar pensar para as próximas gestões e os próximos governos. Primei-
ro, será pensar e repensar a relação com os militares, ou seja, como
começar a impedir militares ativos de participarem do governo. É im-
portante ter um ministro da Defesa Civil, acredito que, caso o Partido
1 47
D E M O C RA C I A E M F O CO
14 8
C A P Í T U LO 11
Sérgio Praça
1
Trata-se de operações realizadas pelo Ministério da Fazenda que consistiam em atra-
sar o repasse de verba a bancos públicos e privados com a intenção de aliviar a situação
fiscal do governo. Ver: Villaverde (2016).
15 0
auto n o m i a b u r o c rát i ca n o b ra s i l
2
Sobre esse ponto, ver: Selin (2015:971-987).
3
Para análises semelhantes sobre o caso norte-americano, ver: Hollibaugh Jr.
(2015:206-236) e Kinane (2021:599-614).
15 1
D E M O C RA C I A E M F O CO
4
Sobre isso, ver: Tavares, Lima e Michener (2021, no prelo).
15 2
auto n o m i a b u r o c rát i ca n o b ra s i l
5
Disponível em: www.estadao.com.br/politica/a-cgu-ira-aderir-de-vez-ao-bolsona-
rismo-leia-analise/. Acesso em: 21 ago. 2022.
15 3
C A P Í T U LO 12
O desafio da desigualdade e as
políticas públicas no Brasil
Celia Kerstenetzky*
15 6
o d e s a f i o da d e s i g ua l da d e e a s p o l í t i ca s p ú b l i ca s n o b ra s i l
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D E M O C RA C I A E M F O CO
15 8
o d e s a f i o da d e s i g ua l da d e e a s p o l í t i ca s p ú b l i ca s n o b ra s i l
Gráfico 1
Brasil social pré-2016
30% 0,60
0,58
25%
0,56
20%
0,54
15%
0,52
10%
0,50
05% 0,48
2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2011 2012 2013 2014
Pobreza Relativa Pobreza Absoluta Coeficiente de Gini
Fonte: PNAD-IBGE.
15 9
D E M O C RA C I A E M F O CO
3
Dados nesse parágrafo até este ponto foram obtidos no site da FGV-Social.
4
A fonte dos dados sobre concentração de riqueza é a Oxfam.
16 0
o d e s a f i o da d e s i g ua l da d e e a s p o l í t i ca s p ú b l i ca s n o b ra s i l
16 1
D E M O C RA C I A E M F O CO
física, até mesmo para viabilizar a social). Qual seria a noção de de-
senvolvimento implícita nessa proposta? Seria compreender “desenvol-
vimento” como promoção de bem-estar com equidade e sustentabilida-
de ambiental, não exclusivamente ou principalmente como crescimento
do PIB. Quanto às justificativas para essa proposta, eu as retiro de vários
lugares: primeiro, de teorias econômicas, como a economia do bem-es-
tar ou a macroeconomia keynesiana, da sociologia histórica e política,
e da ciência política; segundo, de debates contemporâneos; em terceiro
lugar, de evidências que consegui coletar na literatura especializada so-
bre os efeitos benéficos da expansão dos serviços sociais públicos. Ao
final dessa comunicação apresentarei estimativas do tamanho das lacu-
nas, ou seja, o quanto precisamos avançar para alcançar níveis adequa-
dos de provisão de serviços sociais no Brasil.
Começando pela teoria econômica, há argumentos relacionados
a como o consumo de serviços de educação e saúde por cada indiví-
duo gera benefícios para outros indivíduos, como é em geral benéfico
viver em uma sociedade onde mais gente tem educação formal e boa
saúde. A pandemia deixou muito claro o quanto a saúde de todos é in-
terdependente, mas também o acesso à informação e a capacidade de
processá-la criticamente. Ainda na área da economia, algumas teorias
do crescimento argumentam que o capital humano é essencial para
o crescimento econômico, e capital humano consiste essencialmente
em investimentos em educação e saúde. Na sociologia, há vários ar-
gumentos pró-serviços sociais públicos, como na sociologia política,
a noção de que serviços sociais são os meios para a entrega de direi-
tos sociais efetivos; ou na sociologia histórica, como lemos em Karl
Polanyi em sua famosa obra A grande transformação, a noção de que
uma forma efetiva de autoproteção da sociedade contra a mercantili-
zação desenfreada que ocorre na esteira da Revolução Industrial foi
não apenas a regulação dos mercados como a provisão de serviços
para a população por parte do estado de bem-estar.5 Em termos de
argumentos políticos, há a ideia de que serviços sociais públicos uni-
versais contribuem para fomentar a coesão social e tendem a ganhar
um apoio amplo da população, já que beneficiam a todos, especial-
mente se esses serviços são adequados qualitativa e quantitativamen-
te. Outros argumentos políticos se encontram em teorias de justiça
5
N.O.: O livro de Polanyi encontra-se traduzido: Polanyi (2000).
16 2
o d e s a f i o da d e s i g ua l da d e e a s p o l í t i ca s p ú b l i ca s n o b ra s i l
6
Ver Kerstenetzky (2022) para referências detalhadas a essas literaturas.
16 3
D E M O C RA C I A E M F O CO
7
Refiro-me aos estudos de Macinko e Mendonça (2018) e Bhalotra, Rocha e Soares
(2019).
8
Todos esses resultados estão cotejados em Kerstenetzky (2022). OECD (2019).
16 4
o d e s a f i o da d e s i g ua l da d e e a s p o l í t i ca s p ú b l i ca s n o b ra s i l
9
Lustig (2015), Silveira (2012), Silveira et al. (2013), Silveira et al. (2021).
10
Duque (2019). Sobre estudos internacionais que encontraram causalidade seme-
lhante, recomendo Esping-Andersen (2015) e Corak (2013).
11
Kerstenetzky e Machado (2018); Kerstenetzky et al. (2021); Marques et al. (2022).
Aproveito para mencionar também estudos que abordaram a ausência de viés racial
no acesso a UTIs no SUS em contraste com o setor privado (Bruce e Tallman, 2021);
a expansão da atenção primária do SUS como associada ao declínio do peso da desi-
gualdade no acesso a serviços de saúde (Bhalotra, Rocha e Soares, 2019; Macinko e
Mendonça, 2018; Rocha e Soares, 2010); e os serviços de cuidado associados a maior
participação econômica de mulheres e menor desequilíbrio na divisão sexual do tra-
balho (Barros et al., 2011, Barbosa e Costa, 2017; Hojman e Boo, 2019; Morel, Palier
e Palme, 2012).
16 5
D E M O C RA C I A E M F O CO
16 6
o d e s a f i o da d e s i g ua l da d e e a s p o l í t i ca s p ú b l i ca s n o b ra s i l
Tabela 1
Lacuna em milhões de ocupados e fator de expansão para eliminacão
do déficit em educacão e saúde públicas — Brasil, 2015
Déficit Fator
Educação 3,3 1,78
Saúde 6,8 3,5
Total 10,1
Nota: déficit = diferença entre o número de ocupados no segmento privado e no segmento
público corrigida pelo tamanho da população atendida (25% pelo segmento privado; 75% pelo
segmento público). Fator = razão déficit sobre o nível de ocupação efetivo no segmento público.
Fonte: Contas Nacionais 2015 (Kerstenetzky, Alvarenga Jr., Bielschowsky, 2022).
167
D E M O C RA C I A E M F O CO
setor de serviços sociais privados. Para vocês terem uma ideia, isso é
mais ou menos o tamanho do desemprego hoje no Brasil.
Realizei estimativa semelhante dessa vez comparando o Brasil
com países ricos: o quão distantes estamos em relação à composição
do emprego por lá, no que se refere à participação dos serviços sociais
no emprego total (tabela 2). Nos países ricos, os empregos em serviços
sociais têm o maior peso (na comparação com os grandes setores e
com subsetores dentro do setor de serviços); nossa distância é signifi-
cativa (estamos 20 pontos percentuais abaixo) e o ritmo de crescimen-
to do emprego nesse segmento entre nós é bem mais lento do que foi
nas economias avançadas em décadas comparáveis (estamos 4,7 pp
por ano mais lentos).
Tabela 2
Lacunas de emprego e ritmos de crescimento do emprego em serviços
sociais (em %): Brasil e economias avançadas 2014
16 8
Debate
17 0
d e bat e
17 1
D E M O C RA C I A E M F O CO
17 2
d e bat e
J. M.: Meus caros, nosso tempo está acabando, mas dá para aproveitar
um pouco mais. Temos mais alguma pergunta?
17 3
D E M O C RA C I A E M F O CO
J. M.: Obrigado, Sérgio. Daniela, por favor, a palavra está com você.
174
d e bat e
17 5
D E M O C RA C I A E M F O CO
conjunturas terríveis como esta que temos vivido nos últimos anos no
Brasil contaminem irremediavelmente nossa capacidade de imaginar
e desejar dias melhores. [Aplausos].
J. M.: Muito obrigado, Celia, Daniela, Sérgio e ao público. Foi uma ses-
são excelente! Reunimos nesta mesa três perspectivas relevantes para
o campo das políticas públicas, capacidade estatal fundamental para o
fortalecimento da democracia. Fundamental, afinal é por meio destes
recursos que o Estado brasileiro poderá consolidar a cidadania neste
país e prover maior bem-estar à sociedade, por meio das suas políticas
sociais, políticas culturais e políticas econômicas, por exemplo.
Como debatido nesta mesa, é revertendo o desmantelamento do
Estado brasileiro e reconstruindo nossas instituições que o Brasil po-
derá garantir o pleno funcionamento da nossa democracia. O respeito
aos poderes e instituições é um imperativo!
É necessário também voltarmos a garantir o pleno funcionamen-
to das nossas capacidades burocráticas. O respeito aos servidores e,
sobretudo, às ações de Estado desempenhadas por eles, com base em
nossa legislação, deve ser cumprido.
E, por fim, é importante ressaltar a necessidade de que o combate
à pobreza e às desigualdades se tornem políticas de Estado. A estabi-
lidade da nossa democracia passa pela garantia plena da cidadania,
conforme a Constituição de 1988, e das condições mínimas de sobre-
vivência à população, em um país menos desigual.
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Considerações finais
17 8
Referências
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2022.
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Sobre os autores
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s o b r e o s auto r e s
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D E M O C RA C I A E M F O CO
Jimmy Medeiros
Sociólogo, com doutorado em políticas públicas pela Universidade
Federal do Rio de Janeiro, mestre em estudos populacionais e pesqui-
sas sociais na Ence/IBGE e bacharel em ciências sociais pela Univer-
sidade Federal Fluminense. Pesquisador na Escola de Ciências Sociais
FGV CPDOC da Fundação Getulio Vargas, professor no Programa de
pós-graduação em História, Política e Bens Culturais da FGV CPDOC
e professor no bacharelado em ciências sociais da FGV CPDOC. De-
senvolve pesquisas sobre proteção social e políticas de transferência
de renda, além de políticas públicas no campo dos esportes. E-mail
para contato: jimmy.medeiros@fgv.br.
Ladislau Dowbor
Ladislau Dowbor é economista e professor titular de pós-graduação
da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Foi consultor de di-
versas agências das Nações Unidas, governos e municípios, além de
várias organizações do sistema “S”. Autor e coautor de cerca de 45
livros, toda sua produção intelectual está disponível online no website
dowbor.org. E-mail para contato: ldowbor@uol.com.br.
19 4
s o b r e o s auto r e s
Marly Motta
Doutora em história pela UFF e professora aposentada da FGV-RJ.
Estudiosa da política carioca e fluminense, entre suas obras sobre o
tema destacam-se: A nação faz cem anos: a questão nacional no cente-
nário da independência (1992), O Rio de Janeiro continua sendo…: de
cidade-capital a estado da Guanabara (1997), Saudades da Guanabara
(2000) e E agora, Rio? um estado em busca de um autor (2022). E-mail
para contato: marly.motta2017@gmail.com.
Miriam Dolhnikoff
Professora do Departamento de História da Universidade de São
Paulo, pesquisadora do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento
(Cebrap), autora dos livros O pacto imperial: origens do federalismo
no Brasil do século XIX (Rio de Janeiro: Globo, 2005), José Bonifácio
(São Paulo: Companhia das Letras, 2012) e História do Brasil Império
(Rio de Janeiro: Contexto, 2017). E-mail para contato: miriamdk@
uol.com.br.
19 5
D E M O C RA C I A E M F O CO
Paolo Ricci
É professor do Departamento de Ciência Política da Universidade de
São Paulo (DCP/USP) desde 2008. Suas áreas de interesse são par-
tidos políticos, sistemas eleitorais, representação, comportamento
político, política comparada. Publicou em revistas de área nacionais
(Dados, Revista Brasileira de Ciências Sociais, Revista de Sociologia e
Política, Opinião Pública) e internacionais (Journal of Latin American
Studies, Journal of Modern Italian Studies, Latin American Research
Review, Representation). De recente publicou O autoritarismo eleitoral
dos anos 1930 e o Código Eleitoral de 1932 (Curitiba: Appris, 2019)
e atualmente está finalizando dois livros sobre as eleições durante a
Primeira República e os efeitos do Código Eleitoral no pleito de 1933.
E-mail para contato: paolo.ricci@usp.br.
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