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de Vipassana
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Meditação Vipassana - Portugal
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SUMÁRIO
I, 8
Auto-conhecimento, 9
Confiança básica, 11
Integração do passado, 12
Futuro e vontade, 13
Responsabilidade, 15
Concentração correcta e ética, 17
Auto-controle, 19
Resolução de conflitos, 21
História e comunidade, 22
Tempo e mudança, 24
Integração corporal, 26
Relacionamento, 28
Verdade, 30
Amor humano, 31
II, 33
III, 39
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PREFÁCIO
No verão de 1982, no final de um curso de meditação, quando um grupo de antigos
alunos estava a propor a criação de um centro de meditação na América do Norte
para facilitar os ensinamentos desta tradição pura, Goenkaji sugeriu que eu escre-
vesse um artigo sobre meditação. "Como és psiquiatra, as pessoas vão dar-te credi-
bilidade". O resultado foi "A Acção Terapêutica de Vipassana". O propósito deste
trabalho é de explicar como um médico instruído pela ciência pode compreender,
validar e praticar a meditação Vipassana, conforme ensinada por S.N. Goenka, e
mostrar aquilo que Vipassana tem de universalmente prático, de eficaz e de tera-
pêutico, esclarecendo simultaneamente, a divergência entre a psicoterapia e o
Dhamma: a arte de viver ensinada pelo Buda.
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Naquele verão, o Centro de Meditação Vipassana nasceu em Shelburne Falls, Mas-
sachussetts. Contudo, a minha exposição escrita ainda estava pela metade. Amigos,
colegas e alunos de meditação como eu, às vezes pedem-me opinião. "O que é a
meditação, funciona de verdade, como funciona, como se compara com a psiquia-
tria?". Agora eu posso simplesmente entregar-lhes este trabalho! Mas às vezes tam-
bém me colocam uma pergunta mais difícil: "Porquê?" Para responder a essa per-
gunta, precisei procurar dentro de mim. Lá no fundo, revelada através da própria
prática, havia uma mistura de motivos sagrados e profanos - alguns verdadeiros e
outros completamente equivocados. Escrevi então um outro artigo "Porque me sen-
to" para explicar às pessoas do meu tempo e lugar - psiquiatras, colegas do pós-
doutoramento do meu seminário "Psiquiatria e Religião", pais como eu, carpintei-
ros a trabalhar nas minhas vigas - o verdadeiro coração humano da matéria, caso a
pergunta tenha vindo do coração. Uma guitarra parada num quarto onde outra está a
ser usada, vibrará por afinidade.
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Kochi Ichida, um monge Soto Zen e um querido amigo, desvelou-me muitos aspec-
tos do Budismo ao longo de centenas de horas de conversa. Jim Phillps, um colega
de toda a vida com uma grande visão perspectivada e de foco aguçado, exigiu-me
rescrever várias passagens - assim como a minha mulher, Susan, que também vive
toda a história comigo.
Paul R. Fleischman
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A MEDITAÇÃO VIPASSANA, como ensinada por S.N. Goenka de Igatpuri, Índia, e de
Shelburne Falls, Massachusetts, é considerada ser a prática de meditação ensinada
pelo Buda histórico como o caminho directo para a completa libertação do sofri-
mento humano. Muito antes de se alcançar esse objectivo, contudo, o aluno comum
e dedicado pode obter profundos benefícios terapêuticos de Vipassana. Porque
pratiquei essa técnica religiosamente durante muitos anos, e também porque sou
um psiquiatra no activo, achei que podia descrever essas acções terapêuticas em
linguagem psicológica contemporânea, para o benefício de novos e futuros alunos.
Todos esses benefícios são potenciais na técnica: que benefícios e em que quantida-
de são adquiridos com a prática, varia de acordo com o indivíduo, da sua prove-
niência, e da sua aderência à técnica dia após dia durante uma vida inteira.
Não vou procurar descrever a prática em si, pois para a aprender é necessário passar pela
experiência concreta de um curso de dez dias de treino.
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I
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fície da mente e que desapareçam sem provocar nenhuma reacção. Dessa maneira,
a mente é descondicionada e a vida de cada um passa a caracterizar-se por um
aumento de consciência, por uma orientação realista, pela ausência de percepções
enganosas, pelo auto-controle e pela paz.
Auto-Conhecimento
Esta psicologia lúcida e lógica dificilmente expressa o animado drama humano que,
de facto surge sempre que alguém se submete a um treino de Vipassana. Indepen-
dentemente de quem somos, as nossas vidas interiores parecem-se mais com uma
enchente fluvial do que com uma caixa de compartimentos estanques. Quando nos
sentamos para ficarmos sossegados, surge do nosso interior um fluxo aparentemen-
te interminável de milhares de milhares de memórias, anseios, pensamentos, con-
versas, cenas, desejos, pavores, libidos e imagens impulsionadas pelas emoções de
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todos os tipos. O efeito mais nítido, mais imediato e mais inescapável da meditação
é o de aumentar o nosso auto-conhecimento. Isto pode ser curioso, excitante e inte-
ressante mas também pode ser devastador. Tendo isto em consideração, a técnica
permite, portanto, expandir a visão individual da verdadeira vida interior de cada
um num ambiente estruturado, protegido, controlado, sustentador e nutritivo, que é
essencial para um salto em segurança no alto mar.
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Confiança básica
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Integração do passado
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Futuro e vontade
Da mesma forma, apesar de esforços para isso não acontecer, o aluno de meditação
irá perceber que está a pensar, a preparar, a planear e a antecipar. Mesmo quando
essa actividade muitas vezes fantasiosa, começa a diminuir, permite ao meditador
ver emergir a sua verdadeira volição. Quando, como em geral ocorre na vida, a
volição é rapidamente seguida pela acção, achamos que a acção é mais memorável
e magnetizadora. Assim, em retrospectiva, construímos a vida como uma série de
acções conectadas por causas. Explicamo-nos a nós mesmos com base naquilo que
connosco aconteceu e em como agimos, e acreditamos que somos produtos depen-
dentes de eventos, reagentes em vez de agentes.
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tade motivadora das nossas vidas - são retiradas da penumbra para se colocarem
num palco desobstruído. O que ocorreu em velozes fracções de segundos, para ser
rapidamente seguido por ruidosas sequências de acções, agora ocorre...e é apenas
isso. Com a convicção da experiência, vemos como movemos, moldamos, empurra-
mos e dobramos com os nossos corações e mentes, momento após momento, para
montarmos a próxima plataforma da acção. O nosso futuro pode surpreender-nos
menos e pode, ironicamente, exigir menos planeamento, quando aumentamos a
nossa consciência de como as nossas vontades o moldam. Outro efeito terapêutico
da meditação é o de diminuir a nossa necessidade de planear, controlar e organizar
o futuro, porque activa a nossa determinação, aqui e agora, de observar, de identifi-
car e, conscientemente, de participar nas milhares de decisões que se apresentam a
cada dia.
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Responsabilidade
Por exemplo, Freud enfatizou que a vida mental não é caprichosa e incompreensí-
vel mas ordenada e submetida a leis. De modo idêntico, o Livro de Jó ensina ser
possível ver a causa e o sentido dos acontecimentos aparentemente arbitrários, se
for mantida a atitude correcta; e a ética de Jesus era focada no papel da intenção e
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da aspiração do destino final da alma. O existencialismo enfatiza que apenas o indi-
víduo é o construtor da sua própria essência. Viktor Frankl, o filósofo existencialis-
ta e psiquiatra, escreveu baseado na sua experiência pessoal, que até mesmo em
Auschwitz era o indivíduo na sua essência quem determinava o seu próprio destino
sem ter ninguém a quem implorar ou culpar.
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Concentração correcta e ética
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A concentração correcta depende de uma vida ética. A ética cria harmonia interior,
unidade das múltiplas partes do nosso ser, por isso a complexidade de um ser
humano adquire focalização apenas quando as acções da vida quotidiana estão ali-
nhadas na mesma direcção. Para a concentração correcta, então, é necessário um
estímulo suave, subtil, porque a concentração que resulta de exigências ruidosas
apenas obscurece a colcha de retalhos interna. Procurar concentrarmo-nos, naquilo
que é difícil obter a concentração, produz uma inevitável consciência daquilo que
precisamente, nos está a distrair. Assim a meditação conduz não apenas à auto-
consciência, à participação dedicada, à integração e aceitação do nosso passado, à
clareza sobre nosso papel causal no futuro e a um sentido de responsabilidade pela
própria vida como também, ao conhecimento experimental directo da base da ética.
Para se ter paz, é preciso estar em paz.
Distracções da concentração, quando são apenas vistas e não seguidas, nem repri-
midas, costumam ser desejos e medos em relação ao passado ou ao futuro. Para nos
concentrarmos no subtil, precisamos permanecer no presente e abandonar a imensa
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quantidade de artifícios de auto-engrandecimento ou de auto-protecção que consti-
tuem a incessante pressão psicológica para se fantasiar. Depois, as qualidades natu-
rais de uma mente a encarar a realidade tornam-se evidentes.
Auto-controle
Concentração – construída com base na harmonia, com base na ética, com base
numa integração em vez de um confronto com a realidade - ocorre não apenas no
plano do momento-a-momento mas, também, no plano da estrutura da vida. Ordem,
auto-controle e disciplina fazem parte da vida de meditação. Não existe concentra-
ção sem esses elementos e eles, por sua vez, são a expressão de uma vida focaliza-
da. A técnica de meditação encaixa-se com a técnica de viver: uma certa regulariza-
ção do sono, da comida, do sexo e do movimento físico expressam e elevam a cons-
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ciência e a equanimidade. Mas uma vida disciplinada não é uma vida fria nem rígi-
da. Quando as ondas do sentimento arrebentam na praia e, então - sem obterem res-
posta - retrocedem, encontramos não um amortecimento dos sentidos mas sim, as
profundezas da emoção, o oceano por debaixo das ondas.
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Resolução de conflitos
Dos antigos mestres religiosos como o Buda, Jesus, São Paulo, Krishna e Rumi aos
teólogos modernos como Tillich, Buber e Eliade, a integração do ser humano tem
sido considerada o objectivo e o sentido da religião. Freud afirmou que o conflito
ou a falta de união era a causa da neurose, e a psicologia pós-freudiana tem estuda-
do intensamente os aspectos integradores da personalidade, como a identidade. A
meditação é um método directo de se reduzir o conflito psicológico, através dos
seus códigos éticos prescritivos, da sua integração do passado e do futuro, da sua
elucidação da auto-responsabilidade, da concentração e da vontade. A resolução de
conflitos poderia ser definida como o principal propósito da prática.
Contudo, a vida é dinâmica. Não há uma fórmula estática final que possa englobar
o oceano fluido da realidade que experimentamos como compromissos, objectivos,
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significados e preocupações. Por isso a meditação, frequentemente, aumenta a
consciência de conflitos existenciais à medida que reduz o nível da divisão, da frag-
mentação ou da desunião. Não existe um pedal automático para se conduzir na
Vipassana; o esforço correcto sempre renovado e o verdadeiro desafio não têm fim.
História e comunidade
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Assim como a prática é partilhada agora, tem sido partilhada através dos tempos.
Um sentido de património, linhagem, história é uma experiência inevitável para o
aluno de Vipassana. A consciência da nossa história pessoal aumenta o nosso senti-
do de integridade pessoal e a experiência do significado da história da humanidade
é um elemento crítico de toda a cura psicológica profunda. Tal como a nossa lín-
gua, a nossa meditação coloca-nos numa comunidade humana trans-temporal. Ser
um membro de uma continuidade produtiva é um doce antídoto ao auto-
engrandecimento. A melhor das plantas é forçada a ser humilde na presença da ter-
ra. O significado psicológico é uma abstracção vã para aqueles cujas mãos, de fac-
to, alcançam através das gerações.
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Tempo e mudança
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A imobilidade física é um medo inerente ao ser humano (já todos sonharam com a
paralisia de serem incapazes de correr, incapazes de falar); Vipassana prepara-nos
para enfrentar isso. A dor física é um medo inerente ao ser humano (alguns psiquia-
tras consideram-na a base de todo medo); Vipassana leva-nos a essa dor e tira-nos
dessa dor. A solidão é um medo inerente ao ser humano; Vipassana leva-nos para a
confiança, para a comunidade, para a fé mas, também, à solidão profunda do silên-
cio. E nós podemos aprender a transformar esse gelo num refresco para a mente
acalorada. Antigas e modernas teorias do coração humano apontam, com frequên-
cia, a morte como o nódulo, o ponto onde o carácter é formado, onde o conheci-
mento é testado e onde se enraízam as ansiedades mais profundas. Sócrates, é claro,
considerava a filosofia a arte de morrer; uma grande parte da teoria psiquiátrica
contemporânea ecoa isso, assim como a técnica da meditação Vipassana.
Um motivo pelo qual a mente está sempre em fuga, a sonhar acordada, a pensar, a
planear, a lembrar, é que a concentração na realidade física imediata irá esclarecer,
inevitavelmente, a temida verdade: o corpo está a apodrecer a todo o momento, de
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modo irreversível. Um dos paradoxos da técnica de Vipassana é que a profunda
concentração física e o relaxamento, a preciosa paz luminosa, conduzirão ao cerne
do pavor, que por sua vez, pode ser experimentado como uma doce e simples ver-
dade, tal como a noite é seguida pela aurora, a fome pelo alimento, o sono pelo
adormecer, o descanso pelas estrelas da manhã. Uma mente que retorna ao corpo
conhece tanto as limitações daquele corpo quanto a vibrante energia universal a
fluir de forma em forma.
Integração corporal
Vipassana não é uma actividade mental. Acontece num corpo e tem mais analogias
com o aprender a andar de bicicleta do que com o aprender a ler. Manter a cons-
ciência do nosso corpo inteiro, o tempo todo, é uma das chaves da prática. Pensa-
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mentos e emoções têm inevitavelmente contrapartidas nos eventos corporais. Por-
tanto, a consciência sistemática de nós mesmos exige a consciência de como nos
sentamos, como comemos, como dormimos, como pensamos e nos sentimos direc-
tamente através do próprio corpo. Emoções que foram antes, fantasmas não locali-
zados nos corredores do nosso ser, podem ser experimentadas como produtoras de
sensações especificamente situadas na pele, no coração, nos olhos, no couro cabelu-
do. Desejos e temores que nos conduziram semiconscientes, a uma corrida inces-
sante pelo conforto, podem ser identificados em planos profundos e subtis a afectar
o processo corporal. Mesmo o passado e o futuro, antes reverenciados como impo-
nentes forças externas, vão ser descobertos dentro de nós, nos nossos seres físicos
vibrantes, como a excitação, a fome e a inércia.
Uma vez que todos os corpos apodrecem, se dissolvem e desaparecem, a dor física
e a doença são experiências humanas universais e inevitáveis. E Vipassana pode
rapidamente, dispersar a crença secreta do aluno na sua própria invulnerabilidade.
Mas, outra fracção de sofrimento nasce da ignorância: reacções cegamente armaze-
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nadas em espasmos musculares, congestionamento pelo exagerado consumo ali-
mentar, estrangulamentos crónicos de auto-punição, retracções e trancamentos no
sistema venoso ou intestinal. Uma consciência corporal aprofundada é o melhor
método para se observar a raiz orgânica viva do pensamento e da emoção podendo,
ainda, reordenar hábitos corporais efectuando, ocasionalmente, curas de dores de
cabeça psicossomáticas, de espasmos gastro-intestinais e similares.
Relacionamento
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novo para esse mesmo todo, ressurgindo renovada, nova, distinta. Existimos no
todo, como partículas de espuma lançadas momentaneamente para fora do oceano.
Que sentido faz aqueles esforços de auto-engrandecimento que, até há tão pouco,
perseguíamos com tanto empenho?
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peza é particularmente refrescante para pessoas que fazem parte das culturas Oci-
dentais modernas, já definidas como culturas de auto-absorção.
Verdade
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saudada também com a mesma indagação: objectivamente, qual é a natureza da rea-
lidade da minha mente e do meu corpo nesse momento? A ciência, a filosofia ou
qualquer ser vivo de mentalidade aberta partilham desta verdade. A meditação é
uma técnica bem experimentada e comprovada e contem o paradoxo de ser uma
aproximação objectiva do subjectivo, uma investigação da nossa própria natureza.
A verdade não é apenas o grandiloquente; nem o esforço para nos expressarmos
com honestidade, em momentos fugazes convencionais, é uma das melhores ferra-
mentas para se conseguir abrir a fechadura da porta do super defendido “eu”.
Amor humano
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da vida clara, simples, amorosa, energética e vital. Generosidade, compaixão e
amor humano não são virtudes e sim atributos. Todos anseiam por amor, compro-
misso e pela luz da verdade. No entanto, o medo e a cautela empurram-nos para
desvios contínuos. Imaginamos que mais um muro, mais uma fechadura poderão
garantir a nossa segurança. Praticar Vipassana significa praticar a acção directa do
amor humano. Cristaliza o nosso anseio, o chamamento, de modo que sentimos
possuir a jóia que procurávamos.
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II
Com frequência, certas perguntas são me dirigidas por quem fica a saber que um
psiquiatra escolheu enraizar a sua vida na meditação.
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grande maioria desconhece-o, cientes de que, como profissional, eu ofereço não
uma pessoa a imitar ou admirar mas um tratamento que os ajuda a serem mais ple-
namente e mais profundamente eles mesmos.
Pessoalmente, imagino que a verdade tenha muitas facetas mas apenas uma essên-
cia. Respeito essas facetas. Em todo caso, um psiquiatra é com frequência a interfa-
ce para o exercício de um cinismo amargo, para não mencionar de todo o panorama
de perversões, raivas, confusões paralisadoras e tantas outras manifestações de
vidas feridas. As pessoas partem de lugares diferentes e exigem diferentes modos
de ajuda - sob essa luz a psiquiatria, também, é muito limitada.
Além disso, perguntam se faço algum uso da meditação no meu trabalho. Sim - a
meditação é o meu trabalho, o meu coração e o meu âmago. Pois em todas essas
variações do sofrimento humano, eu vejo-me como já me vi durante a meditação.
Existe muito pouco da fenomenologia das vidas dos meus pacientes que não exista
na minha também. A meditação enriqueceu de forma notável a minha empatia e a
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minha visão do que é ser um ser humano: o medo, a ansiedade, a dependência, a
exaustão, o desespero, a derrota, o renascer, a aceitação, a visão, o trabalho, a delí-
cia, o esforço, a obstinação, a criatividade, a apreciação e a gratidão. Por ter tido a
experiência da minha própria natureza mais profunda, mais verdadeira, conheço
agora mais; por experimentar aquelas vibrações a cada hora do meu trabalho diário
com as pessoas, tenho sido capaz de me abrir mais plenamente, de receber e susten-
tar, de deixar cair as minhas próprias defesas, de verdadeiramente ouvir e de verda-
deiramente compreender.
É interessante que Freud tenha descrito um processo idêntico: disse que o psicana-
lista tem de desligar o seu pensamento consciente e abrir o seu próprio ser, como
um receptor para as antenas transmissoras do paciente. Eu consigo suportar mais e
para mim tornou-se claro, tenho dado mais para suportar. Contudo, praticar a psi-
quiatria é mais do que ser gentil e aprendi também com a meditação, como é demo-
rado, difícil, prenhe de exigências e muito doloroso encarar a realidade, destruir os
velhos moldes.
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A meditação é, de facto, eficaz? Creio que sim, porém, só se houver uma prática
dedicada. Embora tenha visto muitas vidas, inclusive a minha, deitarem raízes pro-
fundas na decência humana simples e comum, que transcende a teologia, a filosofia
e a psicologia, também conheço muita gente que meditou por um certo período de
tempo e, depois, apenas foi adiante aos tropeções. A meditação não pode ser inicia-
da de modo aleatório, sozinho no quarto; é preciso haver um treino real. Mas há
também uma exigência básica para uma vida diária disciplinada e regular. De acor-
do com o Buda, a fonte última do sofrimento humano é a ignorância, o que inclui
dentro de cada um uma resistência a conhecer a verdade que nos pode libertar. O
momento em que viramos as costas é aquele em que o pássaro pousa no ninho.
Quando saltamos, perdemos, esquecemos, não podemos fazer - é nessa hora que o
inconsciente nos controla. Uma rotina sistemática, sem escolhas, é essencial para
abrirmos a mente à observação, pois num pequeno lapso, a grande fonte desse lapso
é obscurecida. Se vocês puxarem, mão ante mão, um balde de água do fundo do
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poço durante cinco minutos e o soltarem por um pequeno instante...o resultado é
óbvio.
A Vipassana, mais do que quaisquer formas culturais específicas, tem por referên-
cia a sabedoria humana universal. É não-sectária em pensamento. A sua estrutura
básica é reflectida todas as vezes que se pondera a arte de viver. Por exemplo, Tho-
reau escreveu, em Massachusetts, no século XIX:
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“Renove-se completamente a cada dia; faça-o de novo e de novo, para sempre
de novo...Para afectar a qualidade do dia, essa é a mais elevada arte...nenhum
método ou disciplina é superior à necessidade de estar sempre alerta...”.
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III
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A descrição completa da meditação Vipassana através das suas acções terapêuticas
esclarece alguns pontos mas lança uma sombra sobre um ponto extremamente cen-
tral. Ao mesmo tempo que a meditação é terapêutica - elevando muitas outras qua-
lidades humanas - tem um valor intrínseco como uma actividade em si. A arte pode
ajudar-nos a apreciar a vida; mas também expressa que o coração, os olhos e mãos
da natureza humana estão cheios de arte. A meditação é mais terapêutica não quan-
do encarada do ponto de vista dos seus efeitos terapêuticos e, sim, quando praticada
por si, como uma expressão de um aspecto da natureza humana. Esse aspecto não é
um atributo único, como uma fatia de torta, mas uma força sustentadora, sintetiza-
dora e criativa em todos os aspectos, assim como o calor que assou a torta. É mais
como o esqueleto ósseo inteiro do que como um só dos membros. Por isso a medi-
tação expressa algo a respeito do processo integrado de uma pessoa, em vez de ser
somente um meio que leva a fins em outras esferas da vida.
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todo integrado. Ocasionalmente, a pessoa sentir-se-á assim durante certas horas em
certos dias: a contemplar um pôr-do-sol sentada nas rochas de um desfiladeiro de
arenito, cercado por um bosque selvagem de pinheiros e de ruínas centenárias.
Esses momentos são de intensa inspiração, interlúdios fortuitos. A meditação
requer cultivar esse potencial humano em formação de modo sistemático, como um
empreendimento central de uma vida inteira. Ainda que uma certa activação desse
modo de ser receptivo, inter-penetrante e sem julgamento, seja o fundamento de
qualquer arte ou ciência, um qualquer compromisso significativo com o mundo,
tem sido expresso de maneira supremamente refinada por certos autores como
Tagore, Whitman, Thoreau, nos diálogos socráticos, pelos poetas Zen chineses e
japoneses e pelos autores anónimos de muitos textos clássicos em Pãli e Sânscrito
da antiga Índia.
Essa receptividade equânime, alerta, não filtrada é o sina qua non da experiência
religiosa (em oposição a ser apenas membro ou afiliado de uma religião). Abrir
essa receptividade faz com que nos sintamos inteiros e vivos, tal como quando nos
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alimentamos. Não é preciso racionalizar o jantar como sendo terapêutico; é uma
expressão essencial da vida em si. Da mesma forma, abrir e conhecer com o nosso
ser, não é que nos dê saúde, dá-nos vida. O tempo levou-me a acreditar que a medi-
tação activa o processo subjacente de toda a vida religiosa, quando se procura o
conteúdo de determinadas fórmulas culturais ou religiosas, que contêm o ingredien-
te essencial de todo o leque de pleomorfismo da religião - com base em estudos dos
maiores alunos da psicologia da religião: William James, Carl Jung, Paul Tillich,
Erich Erikson, Jerome Frank, Mircea Eliade, e outros.
No entanto, quando nos abrimos para receber o todo, somos também inundados por
uma imensa escuridão. A nossa lanterna, previamente selectiva e circunscrita, não é
suficiente para a clarear. Já não podemos excluir as bocas devoradoras do tempo, as
épocas hitlerianas cauterizando vidas de todos os séculos, civilizações e povos
inteiros; os nossos temores por nós mesmos, e por tudo aquilo que amamos, pare-
cem efémeras partículas de espuma a surgir e a desaparecer, interminavelmente,
num oceano sem fim e sem limites. A cultura humana em si, com os seus génios
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religiosos, artísticos e científicos, forneceu-nos velas, lanternas, até mesmo sóis
que, milagrosamente, revelam a terra seca entre os mares. Vipassana é um desses. É
uma técnica que nos permite ouvir a sabedoria da vida em si, contida no nosso
organismo assim como a sabedoria da fome, revelando o túnel cada vez mais pro-
fundo da visão, da determinação, e uma maior habilidade indomável e generosa ao
serviço da vida que vivemos. Dentro de nós, e ao nosso redor, encontra-se o criador
de quem cuidamos. A meditação Vipassana é uma maneira de activar um amor
duradouro e sustentado na teia de todos os contactos.
Os alunos que empreendem o treino nessa disciplina irão ver-se a entrar, às 4 horas
da manhã, numa grande sala escura. Ao seu redor, haverá uma centena de amigos
silenciosos, sentados, erectos, todos no mesmo caminho, homens e mulheres, pro-
fessores e viajantes desempregados, advogados e mães, que têm estado ali, dia após
dia, durante dez dias. A escuridão irá diluir-se, haverá algumas estrelas, a lua cres-
cente brilhará solitária, os pássaros irão levantar a cortina da vida antes do novo dia
e depois partir. A sala irá clarear mas permanecerá calma, sem movimento, em
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silêncio; irá começar um cântico cujas palavras, de dois mil e quinhentos anos atrás,
apenas nos apontam em direcção ao melhor de nós; e mesmo um tanto exaustos e
sedentos, os alunos podem, sem se mover, alcançar e colher uma jóia invisível de
valor incomensurável.
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