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selvageria, e colocados em pei que considerei as fronteiras perigosas da psicanilise, associei com os “desastres” psicanaliticos que vi quando pacientes suicidas foram tratados de forma muito 190, 2003 Fracasso do tratamento analitico com pacientes suicidas Glen O. Gabbard**, Topeka Preparado como relato oficial para o Congresso da AssociagGo Psicanalitica International O autor descreve uma fronteira especialmente perigosa do panorama psicanalitico, ou seja, 0 tratanento de pacientes suicidas com distirbios graves de personalidade. Usando um exemple clinico de clamorosa violagéo dos limites, por um analista, ele descreve armadilhas contratransferenciais especificus que levam ao manejo inadequado das expressoes de desespero suicida do paciente. Essas incluem desidentificagdo com oagressor, fracasso da mentalizai-do, colapso do espaco analitico do brincar, reagdes a perdas na vida pessoal do analista, onipoténcia, inveja do paciente, e capitulag&o masoguista, © auwor ressalta a vulnerabilidade singular que acompanha 0 sratamento analitico desses pacientes. Quando o Comité de Programagiio de IPA conferiu-me a honra de serescolhido como 0 Relator Norte-americano do Tema do Congresso, passei algum tempo estudandoo significado do tema, “Trabalhando nas fronteiras”. A palavra “fronteiras” inspirou-me visdes de perigo, de selvageria, de regides naocivilizadas emqueas reeras da sociedade nao se aplicam. Uma definicio oficial era especialmente adequada: “A parte de um pais que forma a fronteira ou o limite mais longinquo das regides assentadas ou desabitadas” (Brown 1993, p. 1034). Uma segunda definigio era ainda huis nitideGmabarreiracontrTagressoes" (Ibid. )- Assim, UMNEUES para 0s psicanalistas, neste Congresso, € a identificagao das regi empreendimento psicanalitico, em que somos vulnerdveis a ataques, sitiados pela pelos riscos inerentes do nosso trabalho. A medida inadequada por psicanalistas bem intencionados. Minha carreira tem sido singular em alguns aspectos devido ao meu longo~ interesse em duas regides distintas da assim chamada “ampliago do alcance” a nat de Psicandlise publicada no ft J. Pay * Plendria do XLII Congreso tniernaci * Professor de Psiquiatria. Baylor College of Medicine. G lytic fnstivute AOQUESE yes inferiores do cal, naliste didzta ¢ supervisor. Houston- wn Bri = Slee 271g B22 at 2s Elsee 2 oS s|222 Se J JAPELLLLLALAALLA DADRA RD EERE respeito dessa fronteira, as vezes, perigosa. Dura, te gs anos empreendi o 3 tratamento de muitos pacientes suicidas, resistentes at, .azgmento, com patologia de crater grave enviados & Clinica Menninger como tlimo recurso. Tambem passei grande parte da rinha vida profissional supervisionando, avaliando, ov tratando terapeutas e analistas (no minimo 150 até agora) que cometeram violagdes graves dos limites com seus pacientes. | Percebi, com preocupacio cada vez maior, que as violagdes mais clamorosas dos limites eraminfligidas 20s pacientes suicidas mais graves. Ainda que seja facil para nds difamarmos os analistas que perderam seu rumo na escura noite da alma que acompanhao tratamento de pacientes suicidas scomidistérbios da personalidade, sdgiroos abstermmos Ge desprezar nossos colegas € em vez disso tentarmos aprender algo com eles. Nessas situagGes “limite”, freqlentemente descobrimos 2 humanidade escencial do analista, nua até os oss0s como 0 Rei Lear uivando de desespero. Esses ‘eolegas que chegaram perto demais do sol, em sua onipoténcia cega. ¢ voltaram chamuscados e envergonhados so muito mais nossos semethantes do que diferentes de nés. | Por sua propria natureza, os pacientes suicidas atingem uma certa ulnerabilidade espeeffiea que € 0 risco ocupacional dos analistas. A maioria de nés prefere pensar no trabalho analitico como algo distinto da questo de vida ou morte, Visualizamos nosso paciente ideal como uma pessoa inteligente, reflexiva, atraente ! (um pouco como nés), perseguido por conflitos intrapsfquicos, mas muito motivado a compreender. Este paciente muito desejado aceita a vida e quer fazer mudangas de forma que a vida possa ser vivida mais plenamente. Em contrapartida, os pacientes 7 suicidas chegararn & concluséo de que a vida tem pauco a oferecer, ¢ a andlise é uma propasta diibia. Que insighr poderia transformar a vida numa jornada que valesse a pena? Esses pacientes aceleram 0 pulso do analista 20 rejeitar. a priori. @ idéia que 0 insight analitico tem potencial para fazer a vide valer a pena. Enquanto falamos fregiientemente desses pacientes “da ampliagao do alcance”” como habitantes da ~frontira." minha experiénciaenquento supervisor de candidatos ¢ de colegas sugere que esses pacientes so cada vez mais comuns ¢ mudaram da fronteira para o centro dd civilizagao psicanalitica. | Neste contexto vou oferecer como prevengdo hist6ria do Dr. N, analista.por volta dos40 anos queme consultou hd muitos anos logo depoisde uma terrivel violago ¢ limite. O Dr. N me deu permissto para publicar os detalhes do seu caso de forma que outros possam aprender com ele. Ahistéria do Dr. N Jenny eraumna mulher muito perturbada, de 35 anos, quando veio consultar 0 Dr, IN Sua primeira reago, quando a viu na sala de espera, foi que ela era a mulher mais 116 AAUUUALCOULLL LULA ULLE URL lalitico com pacientes suividas bonita que ele j4 tinha visto. A medida que ela Ihe contou a saga da sua vida trégica. ¢ br. N ficou comovido. Em certo ponto, no meio de sua historia, Jenny disse a0 Dr. . N que se sentia atrafda por ele e perguntou se poderiam interromper & consulta para poderem sair juntos. Dr. N esclareceu que seria impossivel safrem jun'os porque @ relago profissional ja tinha comegado, e niio havia jeito de fazer 0 relégio voltar. Decepcionada, mas destemida, Jenny prosseguiu contando 20 Dr. Natorturaqueamée a fizera passar na infancia trancando-a dentro de um armério, Também descreveu 0s detalhes de urna relagdio sexual incestuosa com o pai, dos cineo aos doze anos de idade. ses relatos horriveis, mas pungentes, emocionaram intensamente 0 Dr. N. Apesarda adversidade do comeco da sua vida, ela era uma mulher inteligente que fora aceita na faculdade de medicina, mas desistiu e se tornou modelo. A medida que o tratamento prosseguia, atransferéncia sexualizada de Jenny em relago 20 Dr. N pareceu dissipar-se. No entanto, ela ficava ansiosa depois de algumas sessies, e desmaiou na sala de espera, em cinco ou seis ocasibes diferentes ODr.N estava surpreso. Ela parecia deprimida e referiu ter desejado morrer durante toda a vida. Freqiientemente, dava a impressio de dissociar. Exprimia fantasias recorrenics de se matar logo apés separar-se de qualquer pessoa mais chegeda. Tinha plena conviegdo de que era mé sujae que nao havia possibilidade de redencdo. Noentanto, clacontou a0 Dr. N que se sentia calma junto aele e que tina sonhos tranquilizadores em que ele aparecia, Passava muitas sessbes em siléncio, durante as quals dizia que o 2 Dr. N precisava adivinhar 0 que ela estava pensando. Jenny veio se consultar com 0 Dr. N, numa ocasio particular da vida dele. O témino da sua andlise pessoal tinha ocorrido um ano antes de ela comegar © rratarmento, Ele tinha sofrido uma série de perdas recentes, nos meses precedentes 2 primeira consulta de Jenny. Sua irmi mais nova tinha morrido de cancer, 0 amigo mais theeado tinha morrido num acidente de carro, € a noiva havia rompido 0 noivado ¢