Você está na página 1de 23

Sumário

1 Números Naturais 1
1.1 Ordem em N . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 6

2 Números Inteiros 7
2.1 Adição em Z . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7
2.2 Multiplicação em Z . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9
2.3 Ordem em Z . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 10
2.4 Valor absoluto . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 12
2.5 Divisão Euclidiana . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13
2.6 Sistema de Numeração Posicional . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 14
2.6.1 Genesis do sistema decimal . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 14
2.6.2 Representação na base a . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15
2.7 Critérios de divisibilidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15
2.8 Máximo Divisor Comum (MDC) e Minimo Múltiplo Comum (MMC) . . . . . . . . . . . . . . 16
2.8.1 Cálculo do MDC e MMC . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17
2.9 Teorema Fundamental da Aritmética . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 18

3 Números Racionais 19
3.1 Adição e Multiplicação em Q . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19
3.2 Ordem em Q . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21
3.3 Densidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23

1 Números Naturais
São dados, como objetos não-definidos:
1. um conjunto N, cujos elementos são chamados números naturais; e
2. uma função s : N → N.

Para cada n ∈ N , o número s(n), valor que a função s assume no ponto n, é chamado o sucessor de n.
Assuma que a função s satisfaz os seguintes axiomas:
A1 s é injetora. Em outros termos: dados m, n ∈ N, s(m) = s(n) ⇒ m = n. Ou, em outras palavras, dois
números que têm o mesmo sucessor são iguais.
A2 A imagem de s não é N.

A3 (Principio da Indução) Se u ∈ N \ s(N) e M ⊂ N tal que:


(a) u ∈ M ; e
(b) para todo n ∈ M tem-se também que s(n) ∈ M ,
então M = N.

Teorema 1 Existe exatamente um número natural que não é sucessor de qualquer outro número natural.

Demostração: Seja Ns = s(N). Pelo Axioma A2 , existe u ∈ / Ns . Seja M = {u} ∪ Ns . Então u ∈ M e


s(n) ∈ M , para todo n ∈ M , já que Ns ⊂ M . Agora, pelo Axioma A3 , M = N. Portando, N = {u} ∪ Ns , e
qualquer número natural n 6= u pertence a Ns , isto é, qualquer número natural, exceto u,é sucessor de algum
número natural

Definição 2 O único número natural, dado no Teorema 1, é denominado ”um” e denotado pelo simbolo 1.

Observação 3 • O Teorema 1 diz que N 6= ∅. De fato, 1 ∈ N.

1
• Além do 1, qualquer outro número natural é sempre sucessor de algum natural.

Definição 4 Um subconjunto M ⊂ N é denominado um conjunto indutivo se s(n) ∈ M , sempre que n ∈ M .

Observação 5 • Principio da Indução bis: Se M ⊂ N é um conjunto indutivo e 1 ∈ M , então M = N.


• Os Axiomas A1 , A2 e A3 são independentes, isto é, se Ai e Aj são quaisquer dois dos Axiomas, existem
um conjunto Nij e uma função sij : Nij → Nij que satisfazem os Axiomas Ai e Aj , mas não satisfaz
o Ak , 1 ≤ i 6= j 6= k ≤ 3.

Teorema 6 s(n) 6= n, para todo n ∈ N.

Demostração: Seja X = {n ∈ N; s(n) 6= n}. Tem-se que 1 ∈ X, pois 1 não é sucessor de algum número,
em particular, 1 6= s(1). Além disso, n ∈ X ⇒ n 6= s(n) ⇒ s(n) 6= s(s(n)) ⇒ s(n) ∈ X. Contudo, segue do
Principio da Indução que X = N.
Vamor definir uma função F : N → A indutivamente. Para tanto, precisamos:
1. Obter F (1);
2. Obter F (s(n)) a partir de F (n).

Teorema 7 (Teorema da definição por indução) Seja A 6= ∅. Se G é uma aplicação de A em A e


a ∈ A, então existe uma única aplicação F de N em A tal que

F (1) = a e F (s(n)) = G(F (n)), ∀n ∈ N.

Demostração: Seja C o conjunto de todos os subconjuntos T , de N × A, tal que


(1) (1, a) ∈ T , e
(2) (s(n), G(b)) ∈ T , se (n, b) ∈ T .
Note que N × A satisfaz (1) e (2), logo C 6= ∅.
O conjunto
(3) F = ∩T ∈C T
satisfaz (1) e (2). Portanto, F ∈ C e, por (3), F ⊂ T para todo T ∈ C.
Vamos mostrar que F é a aplicação procurada.
Seja
M = {n; (n, b) ∈ F, para exatamente um b ∈ A}.
Afirmação 1: M = N:
• 1 ∈ M : De fato, como F ∈ C, segue que (1, a) ∈ F . Suponha, por absurdo, que existe (1, b) ∈ F com
b 6= a. Seja Fb = F − {(1, b)}. Se (n, c) ∈ Fb , então (s(n), G(c)) 6= (1, b) e (s(n), G(c)) ∈ Fb . Daı́ Fb ∈ C
e F ⊂ Fb o que é um absurdo.

• Se n ∈ M , então existe um único b ∈ A tal que (n, b) ∈ F . Como F ∈ C, (s(n), G(b)) ∈ F. Suponha, por
absurdo, que (s(n), c) ∈ F para algum c 6= G(b). Seja Fc = F − {(s(n), c)}. Como (s(n), c) 6= (1, a) ∈ F ,
pois s(n) 6= 1, ∀n ∈ N, segue que (1, a) ∈ Fc . Além disso, se (m, d) ∈ Fc , então (s(m), G(d)) 6= (s(n), c),
pois, caso contrário, s(m) = s(n), G(d) = c 6= G(b) e, portanto, m = n, d 6= b, e (n, b), (n, d) ∈ F , o
que contradiz a hipotese n ∈ M. Mas, então, (s(m), G(d)) ∈ Fc e, daı́, Fc ∈ C, e F ⊂ Fc o que é um
absurdo. Contudo, s(n) ∈ M.

Agora, pelo Axioma da Indução M = N. Portanto, para cada n ∈ N, existe um único b ∈ A tal que
(n, b) ∈ F. Logo, F é uma aplicação de N em A. Além disso, como (1, a) ∈ F , F (1) = a. Por (3),
F (s(n)) = G(b) se e somente se F (n) = b. Daı́, F (s(n)) = G(F (n)) para todo n ∈ N.
Unicidade: Se F é qualquer aplicação de N em A tal que

F (1) = a e F (s(n)) = G(F (n)),

2
então F (1) = F (1). Se F (n) = F (n), então, como G : A → A é uma função, segue que

F (s(n)) = G(F (n)) = G(F (n)) = F (s(n)).

Pelo Axioma de Indução,

F = {(n, F (n))); n ∈ N} = {(n, F (n))); n ∈ N} = F.

Exemplo 1 Se A = N − {1} e G é aplicação dada por G(n) = s(s(n)), então a aplicação F de N em A pode
ser definida por
(a) F (1) = s(1)
(b) F (s(n)) = G(F (n)) para cada n ∈ N.
Se os números naturais,
1, s(1), s(s(1)), s(s(s(1))), · · ·
são identificados com a famı́lia cujos números são

1, 2, 3, 4, · · · ,

então a aplicação F , definida indutivamente por (a) e (b), é dada pela sequencia de todos os números pares.

Teorema 8 Existe uma única aplicação F : N × N → N tal que


(1) F (m, 1) = s(m) para todo m ∈ N
(2) F (m, s(n)) = s(F (m, n)) para quaisquer m, n ∈ N.

Demostração: Seja m ∈ N. Aplicando o Teorema 7, com A = N, a = s(m) e G = s, segue que existe uma
única aplicação Fm : N → N tal que
(3) Fm (1) = s(m)
(4) Fm (s(n)) = s(Fm (n)) para todo n ∈ N.
Como m é qualquer, defina F : N × N → N por

F (m, n) = Fm (n).

Segue de (3) e (4), que F satisfaz (1) e (2).


Se F é qualquer outra aplicação de N × N em N satisfazendo (1) e (2), vamos mostrar que Nm =
{n; F (m, n) = F (m, n)} = N. Observe que

F (m, 1) = s(m) = F (m, 1), ∀m ∈ N,

logo 1 ∈ Nm . Além disso, para todo (m, n) ∈ N × N tal que F (m, n) = F (m, n), temos

F (m, s(n)) = s(F (m, n)) = s(F (m, n)) = F (m, s(n)).

Contudo, a unicidade segue do Axioma da Indução.

Definição 9 A aplicação F , dada pelo Teorema 8, é denominada adição e denotada por +, isto é,

m + n := F (m, n)

para todo m, n ∈ N.

Teorema 10 (Teorema 8+ ) Existe uma única relação em N (denominada adição) tal que
(1+ ) m + 1 = s(m) para todo m ∈ N

3
(2+ ) m + s(n) = s(m + n) para quaisquer m, n ∈ N.

Observação 11 O Teorema 8+ nos diz que:


• somar m com 1 é tomar o sucessor de m.
• somar m com n é partir de m e iterar n vezes a operação de tomar o sucessor.

Teorema 12 Dados m, n, p ∈ N, valem as seguintes identidades:


1. (Associatividade) m + (n + p) = (m + n) + p;
2. (Comutatividade) m + n = n + m;
3. (Lei do corte da adição) Se m + n = m + p, então n = p.
4. (Tricotomia) dados m, n ∈ N, exatamente uma das três alternativas seguintes pode ocorrer:
(a) m = n, ou
(b) existe p ∈ N tal que m = n + p, ou
(c) existe q ∈ N tal que n = m + p.

Demostração: (1) Seja P = {p ∈ N; (m + n) + p = m + (n + p), ∀m, n ∈ N}. Vamos mostrar que P = N:


Note que
(m + n) + 1 = s(m + n) = m + s(n) = m + (n + 1).
Logo 1 ∈ P. Além disso, se p ∈ P , então

(m + n) + s(p) = s((m + n) + p) = s(m + (n + p)) = m + s(n + p) = m + (n + s(p)),

isto é, s(p) ∈ P . Daı́ segue o que queriamos demonstrar pelo Axioma da Indução.

Lema 13 Para todo m ∈ N, m + 1 = 1 + m.

Demostração: Seja M = {m ∈ N; m + 1 = 1 + m}. De 1 + 1 = 1 + 1, temos que 1 ∈ M. Além disso, se


m ∈ M , então
s(m) + 1 = (m + 1) + 1 = (1 + m) + 1 = 1 + (m + 1) = 1 + s(m),
ou seja, s(m) ∈ M. Daı́, o resultado segue do principio da indução.
(2) Seja A = {n ∈ N; n + m = m + n, ∀m ∈ N}. Segue do Lema 13 que 1 ∈ A. Alem disso, se n ∈ A,
então

m + s(n) = m + (n + 1) = (m + n) + 1 = (n + m) + 1 = 1 + (n + m)
= (1 + n) + m = (n + 1) + m = s(n) + m

isto é, s(n) ∈ A. Daı́, segue do axioma da indução que A = N.

(3) Seja X = {m ∈ N; m + n = m + p ⇒ n = p, ∀n, p ∈ N}. Note que

1 + n = 1 + p ⇒ n + 1 = p + 1 ⇒ s(n) = s(p) ⇒ n = p,

pela injetividade de s. Daı́, 1 ∈ X. Além disso, se m ∈ X, então

s(m) + n = s(m) + p ⇒ n + s(m) = p + s(m)


⇒ s(n + m) = s(p + m)
⇒ n+m=p+m
⇒ m+n=m+p
⇒ n = p,

4
isto é, s(m) ∈ X. Portanto, X = N, pelo axioma da indução.
(4): Vamos mostrar, inicialmente, que não existem m, n ∈ N tais que satisfazem duas das alternativas
simultaneamente. Suponha, por absurdo, que existem. Se m = n e vale (b), então n = n + p, o que é um
absurdo. Analogamente, mostra-se os demais casos.

Para cada m ∈ N, seja Mm = {n ∈ N; (m = n) ∨ (∃p ∈ N; m = n + p) ∨ (∃q ∈ N; n = m + p)}. Vamos


mostrar que Mm = N: Temos que m = 1 ou m = p + 1 para algum p ∈ N. Daı́, 1 ∈ Mm . Além disso, se
n ∈ Mm , então (I) : n = m ou (II) : (∃p ∈ N; n = m + p) ou (III) : (∃q ∈ N; m = n + q). Se vale (I), então
s(n) = m + 1 e, portanto, s(n) ∈ Mm . Se vale (II), então m + s(p) = m + p + 1 = n + 1 = s(n), ou seja,
s(n) ∈ Mm . Por fim, suponha que vale (III). Temos que q = 1 ou q = s(h) para algum h ∈ N. Se q = 1,
então s(n) = m. Se q = s(h), então s(n) + h = (n + 1) + h = n + (h + 1) = n + s(h) = n + q = m. Contudo,
se n ∈ Mm , então s(n) ∈ Mm . Pelo Principio da Indução, Mm = N, para todo m ∈ N.
Teorema 14 Existe uma única aplicação K : N × N → N tal que
(1) K(m, 1) = m para todo m ∈ N,
(2) K(m, s(n)) = K(m, n) + m para quaisquer n, m ∈ N.
Demostração: Seja m ∈ N. Aplicando o Teorema 7, com A = N, G(k) = k + m, para todo k ∈ N, e a = m,
segue que existe uma única aplicação Km : N → N tal que:
(3) Km (1) = m,
(4) Km (s(n)) = G(Km (n)) = Km (n) + m, para todo n ∈ N.
Como m é qualquer, defina K : N × N → N por
K(m, n) = Km (n).
Segue de (3) e (4) que K satisfaz (1) e (2).
Seja K qualquer outra aplicação de N × N to N satisfazendo (1) e (2). Vamos mostrar que, para todo
m ∈ N, Nm = {n; K(m, n) = K(m, n)} = N. Observe que
K(m, 1) = m = K(m, 1), ∀m ∈ N,
logo 1 ∈ Nm . Além disso, para todo (m, n) ∈ N × N tal que K(m, n) = K(m, n), temos
K(m, s(n)) = K(m, n) + m = K(m, n) + m = K(m, s(n)).
Definição 15 A aplicação K, dada pelo Teorema 14, é denominada multiplicação de fenotada por ·, isto é,
m · n := K(m, n)
para todo m, n ∈ N.
Teorema 16 (Teorema 14 bis) Existe uma única relação em N (denominada multiplicação) tal que
(1∗ ) m · 1 = m para todo m ∈ N
(2∗ ) m · s(n) = m · n + m para quaisquer m, n ∈ N.
Teorema 17 Dados m, n, p ∈ N, valem as seguintes propriedades:
1. (Associativa) (m · n) · p = m · (n · p).
2. (Comutativa) m · n = n · m.
3. (Identidade) n · 1 = n = 1 · n, para todo n ∈ N.
4. (Distributiva sobre a adição) m · (n + p) = m · n + m · p.
5. (Lei do corte) m · q = n · q ⇒ m = n, ∀q ∈ N
Exercı́cio 1 Demostrar o teorama 17.

5
1.1 Ordem em N
Definição 18 Dados m, n ∈ N, dizemos que m é menor que n, e escrevemos
m < n,
para significar que existe p ∈ N tal que n = m + p. Nestas condicoes, dizemos, também, que n é maior que m
e escrevemos n > m. A notação m ≤ n significa que m é menor do que ou igual a n.
Observação 19 m < n, significa que n é o sucessor do sucessor · · · do sucessor de m.
Teorema 20 Dados m, n, p ∈ N, valem as seguintes propriedades:
1. (Transitividade) se m < n e n < p, então m < p.
2. (Tricotomia) exatamente uma das alternativas seguintes pode ocorrer: ou m = n, ou m < n, ou n < m.
3. (Monotonicidade da adição) se m < n, então para todo q ∈ N, tem-se m + q < n + q.
4. (Monotonicidade da multiplicação) se m < n, então para todo q ∈ N, tem-se m · q < n · q.
Definição 21 Se M ⊂ N e existe p ∈ M tal que
p ≤ m, ∀m ∈ M,
então p é denominado menor elemento (ou elemento mı́nimo) de M .
Exercı́cio 2 Se M ⊂ N e p, q ∈ M são menores elementos de M , então p = q.
Teorema 22 1 é o menor elemento de N.
Demostração: Se m ∈ N, então m = 1 ou m = s(p) = p + 1 para algum p ∈ N. Se m = p + 1, então 1 < m.
Portanto, 1 ≤ m, para todo m ∈ N.
Corolário 23 Se M ⊂ N e 1 ∈ M , então 1 é o menor elemento de M.
Teorema 24 Se n ∈ N, então o conjunto de todos os m ∈ N tal que n < m < s(n) é vazio.
Demostração: Se n < m em N, então m = n + p para algum p ∈ N. Além disso, p = 1 ou p = s(q) para algum
q ∈ N. Se p = 1, então m = n + 1 = s(n) e m < s(n) é falso pela tricotomia. Se p = s(q), então
m = n + s(q) = (n + 1) + q = s(n) + q
e s(n) < m, logo, pela tricotomia, a afirmação m < s(n) é falsa.
Definição 25 Para cada n ∈ N, o conjunto In = {m ∈ N; m ≤ n} é denominado segmento inicial.
Teorema 26 (Segundo Principio da Indução) Se M ⊂ N é tal que
(1) I1 ⊂ M ,
(2) s(n) ∈ M sempre que In ⊂ M ,
então M = N.
Demostração: Pela definição de In e pelo Teorema 24, segue que
Is(n) = In ∪ {s(n)}.
Assim, por (2), segue que, se In ⊂ M , então Is(n) ⊂ M . Daı́, por (1) e pelo Principio da Indução, segue que
In ⊂ M para todo n ∈ M. Logo M = N.
Teorema 27 (Princı́pio da Boa Ordem) Qualquer subconjunto não vazio de N contém um menor ele-
mento.
Demostração: Vamos mostrar uma afirmação equivalente: Se M ⊂ N e M não contém um menor elemento,
então M é vazio. Para tanto, seja K o conjunto de todos os números naturais que não pertencem a M. Como
1 ≤ n para todo n ∈ N e M não contém o menor elemento, segue que 1 ∈ K. Além disso, se In ⊂ K, então
s(n) ∈ K. De fato, se p ∈ M , então p ∈ / In , já que In ⊂ K. Consequentemente, n < p e, pelo Teorema 24,
s(n) ≤ p. Como M não contém o menor elemento, segue que s(n) ∈ / M , logo s(n) ∈ K. Agora o Teorema
segue do Teorema 26.

6
2 Números Inteiros
Observem que:
1. cada número inteiro com sinal pode ser representado de várias maneiras como uma diferença de dois
números inteiros (por exemplo, +3 = 4 − 1 = 10 − 7 = 12 − 9; −2 = 1 − 3 = 5 − 7 = 18 − 20) e
2. duas dessas diferenças são iguais quando suas ”cross-somas”são igual (por exemplo, 4 + 7 = 10 + 1;
1 + 7 = 5 + 3).
Definiremos um inteiro como uma classe de equivalência de pares ordenados de números naturais (corres-
pondentes às diferenças de números inteiros), de forma que (m, n) e (p, q) sejam equivalentes se as ”cross-
somas”m + q e p + n são iguais.

Teorema 28 Existe uma relação de equivalência v, em N × N, tal que

(m, n) v (p, q) ⇔ m + q = p + n

em N

Definição 29 • Para cada (m, n) ∈ N × N,

C(m,n) := {(p, q) ∈ N × N; (m, n) v (p, q)}

é a classe de equivalência do par (m, n) ∈ N × N com respeito a v .


• Z = (N × N)/ v= {C(m,n) ; (m, n) ∈ N × N}
• Para simplificar a notação, denotaremos os elementos de Z por a, b, c, · · · .

2.1 Adição em Z
Teorema 30 Se (m0 , n0 ) v (m, n) e (p0 , q 0 ) v (p, q), então

(m + p, n + q) v (m0 + p0 , n0 + q 0 ).

Demostração: Temos que m0 + n = m + n0 e p0 + q = p + q 0 . Assim, utilizando as propriedades da adição em


N,

(m + p) + (n0 + q 0 ) = (m + n0 ) + (p + q 0 )
= (m0 + m) + (p0 + q) = (m0 + p0 ) + (n + q),

isto é, (m + p, n + q) v (m0 + p0 , n0 + q 0 ).

Teorema 31 Existe uma relação F em Z tal que

F (a, b) = C(m+p,n+q)

se (m, n) ∈ a e (p, q) ∈ b.

Exercı́cio 3 Demonstrar o Teorema 31.

Definição 32 A relação F , dada no Teorema 31, é denominada adição em Z e escrevemos:

a +Z b := F (a, b),

para quaisquer a, b ∈ Z.

Omitiremos o subscrito e escrevemos a + b quando não houver possibilidade de confusão no contexto.

Teorema 33 Dados a, b, c ∈ Z, valem s seguintes propriedades:

7
1. (Associatividade) a +Z (b +Z c) = (a +Z b) +Z c;
2. (Comutatividade) a +Z b = b +Z a;
3. (Identidade para Adição) Existe um único 0 ∈ Z tal que a +Z 0 = a = 0 +Z a;

4. (Simétrico) Existe um único (−a) ∈ Z tal que a +Z (−a) = 0 = (−a) +Z a.

Demostração: Sejam m, n, p, q, r, t ∈ N tais que a = C(m,n) , b = C(p,q) e c = C(r,t) .

(1) Pelo Teorema 31:

a +Z (b +Z c) = C(m,n) +Z C(p+r,q+r) = C(m+p,n+q) +Z C(r,t)


= (a +Z b) +Z c.

(2) Análogo ao item (1).

(3) Temos que a + C(1,1) = C(m+1,n+1) . Por outro lado, pela propriedade de adição em N, (m + 1) + n =
m + (n + 1) e, portanto, (m + 1, n + 1) v (m, n). Logo, C(m+1,n+1) = C(m,n) . Tome 0 = C(1,1)

Unicidade: Se 00 é outro elemento neutro, então

0 = 0 + 00 = 00 .

(4) Seja −a = C(n,m) . Assim, a +Z (−a) = C(m+n,n+m) . Como (q, q) v (1, 1) para todo q ∈ N, segue que
C(m+n,n+m) = C(1,1) = 0.

Unicidade: Se a0 é outro elemento em Z tal que a +Z a0 = 0 = a0 +Z +a, então

(−a) = (−a) + 0 = (−a) + (a + a0 ) = ((−a) + a) + a0 = 0 + a0 = a0 .

Notações:
• O elemento 0 ∈ Z, dado no item (3) do Teorema 33, é denominado zero.
• O elemento (−a) ∈ Z, dado no item (4) do Teorema 33, é denominado inverso aditivo de a.

Exercı́cio 4 Dados a, b ∈ Z, mostre que existe um único c ∈ Z tal que a = b +Z c em Z.

Notação: Denotaremos por a − b o único elemento c dado no exercı́cio 4.

Exercı́cio 5 (Lei do Cancelamento em Z) Dados a, b, c ∈ Z, mostre que se a +Z c = b +Z c, então a = b.

Exercı́cio 6 Dados a, b, c ∈ Z, mostre que:

1. −(−a) = a;
2. a + (−b) = a − b;
3. −(a + b) = (−a) + (−b) = −a − b;

4. (a − b) + (b − c) = a − c;
5. −(a − b) = b − a.

8
2.2 Multiplicação em Z
Teorema 34 Se (m, n) v (m0 , n0 ) e (p, q) v (p0 , q 0 ), então
(mp + nq, mq + np) v (m0 p0 + n0 q 0 , m0 q 0 + n0 p0 ).
Demostração: A conclusão do teorema segue de
(1) (mp + nq, mq + np) v (m0 p + n0 q, m0 q + n0 p) e
(2) (m0 p + n0 q, m0 q + n0 p) v (m0 p0 + n0 q 0 , m0 q 0 + n0 p0 )
pela transitividade da relação de equivalência. Precisamos, portanto, mostrar (1) e (2):
(1) Por hipótese m + n0 = m0 + n. Observe que
(mp + nq) + (m0 q + n0 p) = (m + n0 )p + (n + m0 )q = (m + n0 )(p + q)
e
(m0 p + n0 q) + (mq + np) = (m0 + n)p + (n0 + m)q = (m + n0 )(p + q)
Donde segue (1). A prova do item (2) é análogo.
Teorema 35 Existe uma relação G em Z tal que
G(a, b) = C(mp+nq,mq+np)
se (m, n) ∈ a e (p, q) ∈ b.
Exercı́cio 7 Demostrar o teorema 35.
Definição 36 A relação G, dada no Teorema 35, é denominada multiplicação em Z e escrevemos:
a ·Z b := G(a, b)
para quaisquer a, b ∈ Z.
Omitiremos o subscrito e escrevemos a · b ou ab quando não houver possibilidade de confusão no contexto.
Teorema 37 Dados a, b, c ∈ Z, valem s seguintes propriedades:
1. (Associatividade) a ·Z (b ·Z c) = (a ·Z b) ·Z c;
2. (Comutatividade) a ·Z b = b ·Z a;
3. (Identidade para Multiplicação) Existe um único 1Z ∈ Z tal que a ·Z 1Z = a = 1Z ·Z a;
4. (Distributiva sobre a adição) a ·Z (b +Z c) = a ·Z b +Z a ·Z c.
Demostração: (3) Seja a = C(m,n) ∈ Z. Note que
a ·Z C(1+1,1) = C(m,n) ·Z C(1+1,1)
= C(m(1+1)+n,m+n(1+1)) = C(m+m+n,m+n+n) = C(m,n) = a.
Portanto 1Z = C(1+1,1) ∈ Z é um elemento identidade para Multiplicação em Z.
Unicidade: Seja 10 ∈ Z outro elemento identidade para multiplicação em Z, então
1Z = 1Z ·Z 10 = 10 . (1)
Notação: Quando não houver possı́bilidade de confusão com o 1 ∈ N, omitiremos o subscrito do elemento
identidade para multiplicação em Z e o denotaremos por 1.
Exercı́cio 8 Demostre os itens (1), (2) e (4) do Teorema 37.
Exercı́cio 9 Para a, b, c ∈ Z, mostre que
1. a · 0 = 0 · a = 0;
2. (−a) · b = a · (−b) = −a · b;
3. (−a) · (−b) = a · b;
4. (−a) · (b + c) = −a · b − a · c.

9
2.3 Ordem em Z
Definição 38 Diremos que a ∈ Z é um inteiro positivo se (m, n) ∈ a para alguns m, n tais que n < m em
N.

Teorema 39 Se n < m em N e (p, q) v (m, n) em N × N, então q < p em N.

Demostração: Por hipotese, n + h = m para algum h ∈ N e n + p = q + m. Daı́, n + p = q + n + h e, portanto,


p = q + h, isto é, q < p.

Corolário 40 Um inteiro, a, é positivo se, e somente se, n < m para todo (m, n) ∈ a.

Teorema 41 Se a ∈ Z, então uma única, dentre as seguintes afirmações, é verdadeira:


1. a é positivo;
2. a = 0;
3. −a é positivo.

Demostração: Suponha que a = C(m,n) . Temos que


1. a é positivo se, e somente se, n < m;
2. Como C(1,1) = 0, a = 0 se, e somente se, n = m;
3. Como C(n,m) = −C(m,n) , −a é positivo se, e somente se, m < n.
Agora o teorema segue da tricotomia da ordem em N.

Exercı́cio 10 Se a, b são positivos em Z, então a + b é positivo.

Definição 42 Dados a, b ∈ Z, dizemos que a é menor que b em Z, e escrevemos

a <Z b,

para significar que b−a é positivo. Nestas condições, dizemos, também, que b é maior que a em Z e escrevemos
b >Z a.
A notação a ≤Z b significa que a é menor do que ou igual a b em Z.

Notação: Usualmente omitiremos o subscrito e escreveremos a < b ou b > a.

Teorema 43 Dados a, b, c ∈ Z, valem as seguintes propriedades:


1. (Transitividade) se a < b e b < c, então a < c;
2. (Tricotomia) exatamente uma das alternativas seguintes pode ocorrer: ou a = b, ou a < b, ou b < a

Exercı́cio 11 Demonstre o Teorema 43.

Denotaremos por Z+ o conjunto de todos os inteoiros positivos.

Exercı́cio 12 Z+ = {a; a > 0 em Z} = {−a; a < 0 em Z}.

Teorema 44 Z+ = {C(s(n),1) ; n ∈ N}

Demostração: Temos que 1 < s(n) para todo n ∈ N. Logo, C(s(n),1) ∈ Z+ para todo n ∈ N. Por outro
lado, se a = C(p,q) ∈ Z+ , então q < p em N. Se q = 1, então p > 1 e, portanto, p = s(n) para algum
n ∈ N e a = C(s(n),1) . Se p > q > 1, então q = m + 1 e p = 1 + m + n para alguns m, n ∈ N. Assim,
a = C(1+m+n,1+m) = C(s(n),1)

Teorema 45 Para a, b ∈ Z+ , a · b ∈ Z+ .

10
Demostração: Se a, b ∈ Z+ , então a = C(s(n),1) e b = C(s(m),1) para m, n ∈ N. Observe que

ab = C(s(n)s(m)+1,s(n)+s(m)) = C(mn+m+n+1+1,n+1+m+1) = C(mn+1,1) = C(s(mn),1) .

Daı́, ab ∈ Z+ .

Exercı́cio 13 Para a, b ∈ Z, a · b = 0 se, e somente se, a = 0 ou b = 0.

Exercı́cio 14 Para a, b ∈ Z, a < b se, e somente se,


1. a + c < b + c para todo c ∈ Z; ou
2. ac < bc para todo c ∈ Z+ .

Exercı́cio 15 Dado a ∈ Z, a 6= 0Z , mostre que a · a é um inteiro positivo.

Exercı́cio 16 Dados a, b ∈ Z. Mostre que ab = 1 se, e somente se, a = b = ±1.

Teorema 46 A aplicação E = ENZ , de N em Z, definida por

E(n) = C(s(n),1) , ∀n ∈ N

é injetora, com imagem igual a Z+ , tal que


1. E(m +N n) = E(m) +Z E(n);
2. E(m ·N n) = E(m) ·Z E(n);
3. E(m) <Z E(n) se, e somente se, m <N n.

Demostração: A aplicação E é injetora. De fato, dados n, m ∈ N, n 6= m, suponha que E(n) = E(m). Mas,

E(n) = E(m) ⇔ C(s(n),1) = C(s(m),1) ⇔ (s(n), 1) v (s(m), 1) ⇔ s(n)+1 = s(m)+1 ⇔ s(n) = s(m) ⇒ n = m,

o que é um absurdo.
Segue do Teorema 44 que a aplicação E é sobrejetora sobre Z+ .
Se m, n ∈ N, então

E(m) +Z E(n) = C(s(n),1) +Z C(s(m),1) = C(s(n)+s(m),1+1)


= C(n+1+m+1,1+1) = C(s(n+m),1) = E(m + n)

e segue o item (1). Agora,

E(m) ·Z E(n) = C(s(n),1) ·Z C(s(m),1) = C(s(m)s(n)+1,s(m)+s(n))


= C(mn+m+n+1,m+n+1+1) = C(s(mn),1) = E(m · n)

e o item (2) fica provado. Finalmente,

E(m) = C(s(m),1) <Z C(s(n),1) = E(n)

se, e somente se,

C(s(n),1) − C(s(m),1) = C(s(n),1) + C(1,s(m)) = C(s(s(n)),s(s(m)))

é positivo. Portanto, E(m) <Z E(n) se, e somente se, s(s(m)) < s(s(n)), e m < n, em N.

Exercı́cio 17 Mostre que ENZ (1) = 1Z .

Observação 47 Obtemos então, sob a identificação de N com Z+ , via ENZ , que

Z = {−n; n ∈ N} ∪ {0} ∪ N.

11
Exercı́cio 18 1. Mostre que a aplicação ENZ ”preserva sucessores”no seguinte sentido: se

SZ = {(a, a + 1Z ); a ∈ Z+ } ⊂ Z+ × Z+ ,

então SZ é uma aplicação de Z+ em Z+ e

E(s(n)) = SZ (E(n))

para todo n ∈ N.
2. Mostre que o conjunto Z+ e a aplicação SZ satisfazem os axiomas de Peano.

Exercı́cio 19 Um inteiro a é dito ser:


• par se a = 2k para algum k ∈ Z.
• impar se a = 2k + 1 para algum k ∈ Z.
Prove:
1. Qualquer inteiro ou é par ou é impar.
2. Não existe um inteiro que seja par e impar simultaneamente.
3. Para a ∈ Z, a2 é par se, e somente se, a é par.

Definição 48 Seja A um subconjunto não-vazio de Z. Diremos que X é limitado inferiormente se existe


α ∈ Z tal que α ≤ a, para todo a ∈ A. Um tal α se chama cota inferior de A. Analogamente, definimos
subconjunto de Z limitado superiormente e cota superior dele.

Teorema 49 (Princı́pio da Boa Ordem para Z) Seja A ⊂ Z não vazio e limitado inferiormente (limi-
tado superiormente). Então A possui menor elemento (maior elemento).

Demostração: Seja α a maior das cotas inferiores de A. Se α ∈ A, α é o menor elemento de A. Suponha


que α ∈ Z − A. Considere o conjunto M = {a − α; a ∈ A}. Claramente, M ⊂ N e, pelo principio da boa
ordenação em N, o conjunto M possui menor elemento, digamos m. Assim, m ∈ M e m ≤ a − α, ∀a ∈ A,
isto é, b = m + α ≤ a, para todo a ∈ A. Como α é a maior das cotas inferiores de A, b ∈ A, isto é, b é menor
elemento de A.

Exercı́cio 20 1. Para a ∈ Z, mostre que não existe k ∈ Z tal que a < k < a + 1.
2. Mostre que qualquer conjunto não vazio de inteiros positivos possui menor elemento.
3. Mostre que qualquer conjunto não vazio de inteiros negativos (isto é, inteiros a tal que −a ∈ Z+ ) possui
maior elemento.
4. Seja A um subconjunto qualquer de Z que possui menor (maior) elemento. Mostre que qualquer sub-
conjunto não vazio de A possui menor (maior) elemento.

2.4 Valor absoluto


Definição 50 Para todo a ∈ Z, o valor absoluto de a, denotado por |a|, é definido por

a, se a ≥ 0
|a| =
−a, se a < 0

Proposição 51 Se a e b são elementos quaisquer de Z, então:


1. |a| = | − a|;
2. −|a| ≤ a ≤ |a|;

12
3. |ab| = |a||b|;
4. |a + b| ≤ |a| + |b|
5. |a| − |b| ≤ |a − b| ≤ |a| + |b|.

Demostração: Quando a = 0 ou b = 0, as afirmações são imediatas. Portanto, admitamos que a 6= 0 e b 6= 0.


1. Se a > 0, então −a < 0 e daı́ |a| = a e | − a| = −(−a) = a. Se a < 0, então |a| = −a e | − a| = −a, pois
−a > 0.
2. Suponhamos a > 0 e portanto −a < 0; daı́ −a < a; como neste caso −|a| = −a e |a| = a, então
−|a| = −a < a = |a|. Para o caso a < 0, o procedimento é o mesmo.
3. Se a > 0 e b > 0, então ab > 0 e portanto |ab| = ab = |a||b|. se a < 0 e b > 0, então |a| = −a, |b| = b e
|ab| = −ab, pois ab < 0; como |a||b| = (−a)b = −(ab), então |ab| = |a||b|. Se a < 0 e b < 0, então ab > 0
e portanto |ab| = ab, |a| = −a e |b| = −b; e posto que |a||b| = (−a)(−b) = ab, o item segue.
4. Temos que −|a| ≤ a ≤ |a| e −|b| ≤ b ≤ |b|. Somando membro a membro dessas desigualdades, obtemos

−(|a| + |b|) ≤ a + b ≤ |a| + |b|.

Se |a + b| = a + b, como a + b ≤ |a| + |b|, então |a + b| ≤ |a| + |b|. Se |a + b| = −(a + b), então


−|a + b| = a + b; como −(|a| + |b|) ≤ a + b, então −(|a| + |b|) ≤ −|a + b|; donde o item segue.
5. Como a = (a − b) + b, o item anterior nos garante que

|a| = |(a − b) + b| ≤ |a − b| + |b|

e portanto |a| − |b| ≤ |a − b|. Finalmente,

|a − b| = |a + (−b)| ≤ |a| + | − b| = |a| + |b|.

Definição 52 Um inteiro a diz-se inversı́vel se existe b ∈ Z tal que xy = 1.

Observação 53 O elemento 0 não é inversı́vel em Z.

Teorema 54 Os únicos elementos inversı́veis em Z são 1 e −1.

Demostração: Seja x ∈ Z inversı́vel e y ∈ Z tal que xy = 1. Segue que 1 = |xy| = |x||y|. Como |x|, |y| ≥ 0 e
|x||y| = 1, então |x|, |y| > 0 e, daı́ resulta que, |x| ≥ 1 e |y| ≥ 1. Multiplicando ambos os membros da última
desigualdade por |x|, obtemos
1 = |x||y| ≥ |x| ≥ 1,
donde segue que |x| = 1. Portanto, x = 1 ou x = −1.

2.5 Divisão Euclidiana


Teorema 55 Dados a, b ∈ Z, b 6= 0, existem únicos inteiros q, r tais que

a = qb + r, 0 ≤ r < |b|.

Demostração: Como b 6= 0, então b > 0 ou b < 0. Suponha inicialmente que b > 0. Considere

B = {a − cb; c ∈ Z, a − cb ≥ 0}.

Note que B 6= ∅, pois a − (−|a|)b = a + |a|b ≥ a + |a| ≥ 0. Além disso, B ⊂ é limitado inferiormente. Assim,
pelo Teorema 49, B possui um menor elemento, digamos r, isto é, existe q ∈ Z tal que r = a − qb ≥ 0.

13
Afirmação 1: r < |b| = b: De fato, suponha, por absurdo, que r ≥ b. Se r = b, então a = (1 + q)b e, portanto,
r = 0, o que é um absurdo. Se r > b, então existe d ∈ Z, 0 < d < r, tal que b + d = r = a − qb, donde
d = a − (q + 1)b ∈ B, o que é um absurdo, pois r é o menor elemento de B.

Unicidade: Suponha que a = qb + r = q̃b + r̃, com 0 ≤ r, r̃ < |b| = b. Daı́, 0 ≤ |r − r̃| < b e |q − q̃|b = |r − r̃|.
Se r 6= r̃, terı́amos |q − q̃| =
6 0. Daı́ ,
b ≤ |q − q̃|b = |r − r̃| < b,
o que é um absurdo. Portando, r = r̃ e, consequentemente, q = q̃.
Por sua vez, se b < 0, aplicamos o caso anterior para a e |b|. Assim, existem únicos q, r ∈ Z tais que
a = q|b| + r, com 0 ≤ r < |b|. Seja q1 = −q, então a = q1 b + r, com 0 ≤ r < |b|. Além disso, q1 é único.

Observação 56 Os números inteiros q e r, dados no Teorema 55, são denominados quociente e resto,
respectivamente.

Definição 57 Nas condições do Teorema 55, se r = 0, dizemos que ”b divide a”ou que ”a é um multiplo de
b”, e escrevemos b|a.

Teorema 58 Sejam a, b e c inteiros. Então, vale as seguintes implicações:


1. a|a.
2. a|b e b|a ⇒ a = ±b

3. a|b e b|c ⇒ a|c.


4. b|a, a > 0 ⇒ b ≤ a.
5. b|a, b|(a + c) ⇒ b|c
6. b|a e b|c ⇒ b|(αa + βc), ∀α, β ∈ Z.

Demostração:
1. a|a, pois a = a · 1.

2. Temos que existem q1 , q2 ∈ Z tais que b = q1 · a e a = q2 · b. Logo, b = (q1 q2 ) · b, donde q1 q2 = 1. Daı́,


q1 = q2 = ±1 e, portanto, a = ±b.
3. Temos que existem q1 , q2 ∈ Z tais que b = q1 · a e c = q2 · b. Logo, c = (q1 q2 ) · a, donde a|c.
4. Temos que existe q ∈ Z tal que a = qb. Suponha, por absurdo, que a < b. Então, de 0 < a < b e q > 0,
obtemos 0 < aq < bq = a e, portanto, 0 < q < 1, o que é um absurdo.
5. Temos que existem q1 , q2 ∈ Z tais que a = q1 b e a + c = q2 b. Donde, c = (q2 − q1 )b, isto é, b|c.
6. exercı́cio.

2.6 Sistema de Numeração Posicional


2.6.1 Genesis do sistema decimal
O nosso sistema decimal de numeração é conhecido como Hindu-Arabe e foi desenvolvido na sua forma atual,
cerca de 500 DC, pelos astronomos calculistas Hindus, entre os quais destacam-se Brâskara I e Yinabhadra
Gani. A artimética Hindu foi adotada e divulgada no mundo islamico cerca de 825 DC pelo matemático
arabe Mohamad Ben Mussa Al Khawarismi.
No inicio do século XII, o monge inglês Adelard de Bath traduzio o livro de aritmética de Al Khawarismi
para o latim sob o tı́tulo de Algoritmi de Numeros Indiorum.
O sistema numérico usado na Europa não Hispânica até então, foi o Romano; os cálculos eram feitos
com a ajuda do abacus. Houve um choque entre os dois sistemas, com que se criou dois campos de ”guerra

14
numérica”, os ”Abacistas”e os ”Algoristas”. Foi um conflito longo que terminou no século XV I com a
supremacia do sistema Hindu-Arabe.
O sistema Hindu-Arabe é decimal por ter dez algarismos (0, 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9), e é posicional, no sentido
de que o número se representa com uma sequencia ordenada e finita de algarismos. O zero é o indicador
da falta de certas potências de dez; um artifı́cio que demorou muito para ser realizado. Nesse sistema, um
número natural n é escrito na forma

n = ar 10r + ar−1 10r−1 + · · · + a1 10 + a0 ,

onde r ≤ 0 e ai ∈ {0, 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9}. O número que representa n é n = ar ar−1 · · · a1 a0 .


O sistema posicional mais antigo conhecido na história é o sistema sexagesimal (de base 60) da Babilonia
(certa de 1800 AC). O grande astronomo grego Ptolomeu (cerca de 150 DC) usava-o no seu famoso livro
Almagest. Vestı́gios da influência Babilônica são aparentes na divisão da hora em 60 minutos, do minuto em
60 segun dos e da circunferência em 360 graus.
Nesta parte do mundo, os Mayas da América Central usavam (cerca de 300 AC) um sistema posicional
vigesimal (em base de 20), e até tinham um sı́mbolo para o zero.

2.6.2 Representação na base a


Teorema 59 Seja a > 1 um número natural. Dado n ∈ N, existem k, r0 , r1 , · · · , rk inteiros tais que

n = rk ak + rk−1 ar−1 + · · · + r1 a + r0 ,

com k ≥ 0, 0 ≤ ri < a, para 1 ≤ i ≤ k, e rk 6= 0. Além disso, esta representação de n é única.

Demostração: A demonstração será feita por indução finita sobre o natural n.

Existência: Se n < a, tome k = 0 e rk = n. Suponha, portanto, n ≥ a.


Hipótese de indução: Suponha que todo número natural q, 1 ≤ q < n, pode ser representado como no
teorema.
Tese: Provaremos que vale para n: Pelo Teorema 55 existem q, r ∈ Z tais que n = qa + r0 , com 0 ≤ r0 < a.
Além disso, q < n. Pois, se q ≥ n, então aq > n e n = aq + r > n, o que é um absurdo. desta forma, pela
hipótese de indução, q = rk ak−1 + rk−1 ak−2 + · · · + r2 a + r1 . Logo,

n = a(rk ak−1 + rk−1 ak−2 + · · · + r2 a + r1 ) + r0 = rk ak + rk−1 ak−1 + · · · + r1 a + r0 .

Unicidade: Se n < a, ok. Suponha, portanto, que n ≥ a.


Hipótese de indução: a unicidade vale para todo natural q, 1 ≤ q < n.
Tese: Se n = rk ak + rk−1 ar−1 + · · · + r1 a + r0 = rs0 as + rs−1
0
as−1 + · · · + r10 a + r00 , então

n = a(rk ak−1 + rk−1 ak−2 + · · · + r1 ) + r0 = a(rs0 as−1 + rs−1


0
as−2 + · · · + r10 ) + r00 .

Pela unicidade dada no Teorema 55, rk ak−1 + rk−1 ak−2 + · · · + r1 = rs0 as−1 + rs−1
0
as−2 + · · · + r10 e r0 = r00 .
0
Agora, pela hipótese de indução, k = s e ri = ri , 0 ≤ i ≤ k.

2.7 Critérios de divisibilidade


Dado qualquer natural n, podemos escrevê-lo da forma

n = ar 10r + ar−1 10r−1 + · · · + a1 10 + a0 .

(1) Critério de divisibilidade de n por 2l , para l ≤ r: Observe que m = ar 10r + · · · + rl 10l é divisivel por
2 , tendo em vista que r ≥ l. Então, 2l |n se, e somente se, 2l |n − m, em que n − m = al−1 10l−1 + · · · a1 10 + a0 .
l

Exercı́cio 21 Prova que, para l ≤ r, 5l |n se, e somente se, 5|(al−1 10l−1 + · · · a1 10 + a0 ).


Dica: troque o 2 por 5 na demostração anterior.

15
(2) Critério de divisibilidade de n por 3i , i = 1, 2:
Note que, para i ≥ 0,
        
1 i−1 i 1 i−2 i
10i = (9 + 1)i = 9i + 9 + ··· + 9 + 1 = 9i−1 + 9 + ··· + · 9 + 1 = 9qi + 1
i i−1 i i−1

Logo

n = ar (9qr + 1) + rr−1 (9qr−1 + 1) + · · · + a1 (9q1 + 1) + a0 = 9(ar qr + · · · + a1 q1 ) + (ar + · · · + a1 + a0 ).

Portanto, 3i |n se, e somente se, 3i |(ar + · · · + a1 + a0 ).

Exercı́cio 22 Prova que, 11|n se, e somente se, 11|(a0 − a1 + a2 − a3 + · · · ).


Dica: escreva 10 = 11 − 1.

2.8 Máximo Divisor Comum (MDC) e Minimo Múltiplo Comum (MMC)


Definição 60 • Sejam a e b inteiros não simultaneamente nulos. Um número natural d chama-se o
MDC de a e b, denotado por mdc(a, b), se e somente se
1. d|a e d|b;
2. se o inteiro c divide, simultaneamente, a e b, então, c|d.
• Sejam a, b inteiros não nulos. um número natural c, chama-se o MMC de a e b, denotado por mmc(a, b),
se e somente se
1. a|c e b|c;
2. se o inteiro f é tal que a|f e b|f , então c|f .

Observação 61 O item 2. das definição de MDC garante a unicidade de d. De fato, se d0 é um outro,


então, por 2., d|d0 e d0 |d e, portanto, d = d0 . Fazemos o mesmo comentário a respeito do MMC.

Teorema 62 (Teorema de Bézout) Sejam a, b inteiros não simultaneamente nulos. Então existe d, o
máximo divisor comum de a e b. Além do mais, existem α, β inteiros tais que d = αa + βb.

Demostração: Considere os conjuntos A = {αa + βb; α, β ∈ Z} e B = A ∩ Z+ . Note que B 6= ∅, pois a e b


não são simultaneamente nulos. Segue do Exercı́cio 20 que B possui um menor elemento, digamos c. Assim,
existem inteiros α, β tais que c = αa + βb.
Como d|a e d|b, então d|c.

Afirmação: c|d. De fato, dados e, f ∈ Z, pelo Teorema 55 existem inteiros q, r tais que

ea + f b = qc + r,

com 0 ≤ r < c. Note que,


r = (e − qα)a + (f − qβ)b.
Daı́, se r > 0, então r ∈ B, o que é um absurdo, pois c é o menor elemento de B. Logo, r = 0. Então,
ea + f b = qc para todo e, f ∈ Z. Em particular, c|a e c|b. e, portanto, c|d.
Contudo, d = c.

Teorema 63 Sejam a, b, c ∈ Z. Então


1. c|ab e mdc(c, b) = 1, então c|a;
2. mdc(a, c) = 1 = mdc(b, c), então mdc(ab, c) = 1;
3. mdc(a, b) = 1 se, e somente, se existem α, β ∈ Z tais que αa + βb = 1.

16
Demostração:
1. Segue do Teorema 62 que existem α, β inteiros tais que αc + βb = 1. Então, a = a(αc + βb) =
(aα)c + β(ab); desta equação, tendo em vista que c|c e c|ab, obtem-se que c|a.
2. Seja mdc(ab, c) = d. De mdc(b, c) = 1, obtem-se que mdc(b, d) = 1. Como d|ab e mdc(b, d) = 1, pela
parte (1), d|a. Finalmente, dos fatos d|c e d|a, d = 1.
3. A condição necessária segue do Teorema 62. Por outro lado, temos que 1|a e 1|b. Agora, se c|a e c|b,
então c|(αa + βb), ou seja, c|1.

2.8.1 Cálculo do MDC e MMC


Dados a, b ∈ Z, b 6= 0. Pelo Teorema 55, existem únicos inteiros q, r, tais que

a = qb + r,

com 0 ≤ r < |b|.


Nesta condições, temos o seguinte:
Teorema 64 mdc(a, b) = mdc(b, r)
Demostração: Sejam d = mdc(a, b) e d0 = mdc(b, r). Como d|a e d|b, d|qb e, portanto, d|(a − qb), ou seja,
d|r. Logo, d|d0 .
Por outro lado, como d0 |b e d0 |r, temos que d0 |a, donde segue que d0 |d.
Como d|d0 e d0 |d, então d = d0 .

Método das Divisões Sucessovas: Sejam a0 = a e a1 = b. Para i ≥ 2, defina ai como sendo o resto da
divisão de ai−2 por ai−1 . Como 0 ≤ ai < ai−1 , para todo i, o processo para depois de um certo número de
passos (quando o resto da divisão é zero).
Segue do Teorema 64 que

mdc(a, b) = mdc(a0 , a1 ) = mdc(a1 , a2 ) = · · · = mdc(an−1 , an ) = mdc(an , 0) = an .

Exemplo 2 Encontre o mdc(53, 12).

Demostração: Observe que

53 = 12 · 4 + 5
12 = 5 · 2 + 2
(2)
5=2·2+1
2=2·1

Logo, mdc(53, 12) = 1.

Teorema 65 Quaisquer que sejam a, b ∈ Z, nao simultaneamente nulos, tem-se

mmc(a, b) · mdc(a, b) = |a · b|.

Demostração: Se a = 0 ou b = 0, então mmc(a, b) = 0 e |ab| = 0, ou seja, não teremos o que demostrar.


Suponhamos que a, b > 0. Escreva d = mdc(a, b), a = a1 d e b = b1 d, onde a1 , b1 ∈ Z são tais que
mdc(a1 , b1 ) = 1. Note que

ab = a1 db1 d = ab1 d. (3)

Vamos mostrar que mmc(a, b) = ab1 . Escreva m = a1 b. Temos, por (3), que a|m e b|m. Seja c um múltiplo
comum de a e b. Logo, existem k, k 0 ∈ Z tais que c = ka = k 0 b. Segue daı́ que

ka1 d = k 0 b1 d ⇒ ka1 = k 0 b1 ⇒ b1 |ka1 .

17
Como mdc(a1 , b1 ) = 1, segue do Teorema 63, item (1), que b1 |k e, portanto, m = ab1 |ka = c.
Contudo, m = ab1 = mmc(a, b). Substituindo em (3), verifica-se a igualdade desejada.
A demostração dos casos restantes, segue do caso feito e das seguintes identidades mdc(a, b) = mdc(|a|, |b|)
e mmc(a, b) = mmc(|a|, |b|).

Outra demostração para o Teorema 65: Se a = 0 ou b = 0, então mmc(a, b) = 0 e |ab| = 0, ou seja,


não teremos o que demostrar. Suponhamos que a, b > 0. Escreva d = mdc(a, b), a = a1 d e b = b1 d, onde
a1 , b1 ∈ Z são tais que mdc(a1 , b1 ) = 1. Temos mmc(a, b) = al para algum l ∈ Z; além disso, b|mmc(a, b) ⇔
b1 d = a1 dl ⇔ b1 |a1 l. Como mdc(a1 , b1 ) = 1, segue do Teorema 63, item (1), que b1 |l. Pela definição de
mı́nimo multiplo comum, temos que l deve ser o mı́nimo número divisivel por b1 , assim concluı́mos que l = b1
e, portanto, mmc(a, b) = ab1 . Logo, mdc(a, b) · mmc(a, b) = d · b1 a = ab. A demostração dos casos restantes,
segue do caso feito e das seguintes identidades mdc(a, b) = mdc(|a|, |b|) e mmc(a, b) = mmc(|a|, |b|).

2.9 Teorema Fundamental da Aritmética


Definição 66 Um inteiro a é dito ser primo, se seu conjunto de divisores positivos tem exatamente dois
elementos, a saber, 1 e |a|.

Teorema 67 Seja n ∈ N com n > 1. Então existe um primo p divisor de n.

Demostração: Se n for primo, então não temos nada a demostrar. Suponhamos, portanto, que n não é primo.
Queremos mostrar que existe um número primo que divide n. Procederemos por indução finita sobre n. Se
n = 4 (primeiro número natural não primo), então existe o número primo 2 que divide 4. Suponha que o que
queremos mostrar é válido para 4 ≤ m < n. Como n não é primo, n = bc, com b e c inteiros maiores que 1.
Como b < a, pela hipotese de indução, b possui um primo divisor p que é, também, um divisor de n.

Teorema 68 (Teorema Fundamental da Aritmética) Todo número natural n > 1 tem uma fatoração
canônica
αk
n = pα1 α2
1 p2 · · · pk ,

onde k > 0, os pi , 1 ≤ i ≤ k, são primos tais que p1 < p2 < · · · < pk e αi > 0 para todo i. Além disso, tal
fatoração canônica é única.

Demostração: Se n é primo, ou até uma potência de primo, então temos nada a demostrar. Suponha,
portanto, que n = ab com a, b > 1 e que o teorema é válido para todo m < n. Como a e b são menores que
n, pela hipótese de indução, a e b possuem fatorações canônicas. Multiplicando tais fatorações canônicas de
a e b, e somando as potências dos primos comuns às fatorações e colocando-os em ordem crescente, obtemos
a fatoração canônica para n.
Para demonstrar a unicidade da fatoração canônica, basta-nos observar que qualquer fatoração canônica
de n produz fatorações canônicas de a e b, e que são únicas pela hipótese de indução.

Exemplo 3 Seja n = ab, onde a = 175 e b = 275. Fatorizamos a e b e depois n, seguindo fielmente a
demostração do teorema. Temos que a = 5 · 35 = 5 · 5 · 7 = 52 · 7 e b = 5 · 55 = 5 · 5 · 11 = 52 · 11, então,
n = 52 · 7 · 52 · 11 = 54 · 7 · 11.

Observação 69 A fatorização de um inteiro negativo −n é simplesmente (−1)× ( fatorização de n).

18
3 Números Racionais
Observem que:
1 2 −3
1. cada número racional, com sinal, pode ser representado de várias maneiras, por exemplo, = =
2 4 −6
e
2. duas dessas frações são iguais quando seus ”cross-produtos” são igual (por exemplo, 1 · 4 = 2 · 2 e
2 · (−6) = 4 · (−3)).
Definiremos um número racional como uma classe de equivalência de pares ordenados de números inteiros
(correspondentes as frações), de forma que (a, b) e (c, d) sejam equivalentes se os ”cross-produtos” a · d e b · c
são iguais.

Definição 70 Um par ordenado (a, b), de inteiros, é denominado admissı́vel se b 6= 0 em Z. Denotaremos


por A o conjunto de todos os partes ordenados admissı́veis de inteiros.

Teorema 71 Existe uma relação de equivalência v, em A, tal que

(a, b) v (c, d) ⇔ a · d = b · c

em Z

Demostração: Exercı́cio.

Definição 72 • Para cada (a, b) ∈ A,

C(a,b) := {(c, d) ∈ A; (a, b) v (c, d)}

é a classe de equivalência do par (a, b) ∈ A com respeito a v .

• Q = A/ v= {C(a,b) ; (a, b) ∈ A} é o conjunto de todos os números racionais.


• Para simplificar a notação, denotaremos os elementos de Q por x, y, z, · · · .

3.1 Adição e Multiplicação em Q


Teorema 73 Se (a, b) v (a0 , b0 ) e (c, d) v (c0 , d0 ), então
1. (ad + bc, bd) v (a0 d0 + b0 c0 , b0 d0 ) e
2. (ac, bd) v (a0 c0 , b0 d0 ).

Demostração: Por hipótese ab0 = a0 b e cd0 = c0 d. Pelas propriedades de adição e multiplicação em Z, temos

(ad + cb)(b0 d0 ) = (ab0 )(dd0 ) + (cd0 )(bb0 ) = (a0 b)(dd0 ) + (c0 d)(bb0 ) = (a0 d0 + c0 b0 )(bd)

e
(ac)(b0 d0 ) = (ab0 )(cd0 ) = (a0 b)(c0 d) = (a0 c0 )(bd).
Como bd 6= 0 e b0 d0 6= 0, segue que (ad + cb, bd) v (a0 d0 + c0 b0 , b0 d0 ) e (ac, bd) v (a0 c0 , b0 d0 ).

Teorema 74 Existem operações binárias F e G, em Q, tais que, se (a, b) ∈ x e (c, d) ∈ y, então

1. F (x, y) = C(ad+cb,bd) e
2. G(x, y) = C(ac,bd) .

Demostração: Exercı́cio.

19
Definição 75 As operações F e G, dadas no Teorema 74, são denominadas, respectivamente, adição e
multiplicação em Q, e escrevemos

x +Q y := F (x, y) e x ·Q y = G(x, y),

para quaisquer x, y ∈ Q.

Omitiremos o subscrito Q, das operações + e ·, quando não houver possibilidade de confusão no contexto.

Teorema 76 (Propriedades da adição em Q) Dados x, y, z ∈ Q, valem as seguintes propriedades:

1. (Associatividade) x +Q (y +Q z) = (x +Q y) +Q z;
2. (Comutatividade) x +Q y = y +Q x;
3. (Identidade para Adição) Existe um único 0Q ∈ Q tal que x +Q 0Q = x = 0 +Q x;
4. (Simétrico) Existe um único (−x) ∈ Q tal que x +Q (−x) = 0Q = (−x) +Q x.

Demostração: Se x, y, z ∈ Q, então x = C(a,b) , y = C(c,d) e z = C(e,f ) para a, b, c, d, e, f ∈ Z. Seguem das


propriedades da adição e multiplicação em Z que

1.

x + (y + z) = C(a,b) + (C(c,d) + C(e,f ) ) = C(a,b) + C(cf +de,df ) = C(a(df )+b(cf +de),b(df ))


= C(adf +bcf +bde,bdf ) = C((ad+bc)f +(bd)e,(bd)f ) = C(ad+bc,bd) + C(e,f )
= (C(a,b) + C(c,d) ) + C(e,f )
= (x + y) + z.

2. x + y = F (x, y) = C(ad+cb,bd) = C(cb+ad,db) = F (y, x) = y + x.


3. Note que
x + C(0,1) = C(a,b) + C(0,1) = C(a·1+0·b,b·1) = C(a,b) = x.
Portanto, x0 := C(0,1) é um elemento identidade para adição. Tal elemento identidade é único. De fato,
se x00 é outro elemento identidade para adição, então x0 = x0 + x00 = x00 . Portando, 0Q = C(0,1) .

4. Note que
x + C(−a,b) = C(a,b) + C(−a,b) = C(ab+(−a)b,b2 ) = C(0,b2 ) = C(0,1) = 0Q ,
em que a penúltima igualdade é justificada pelo fato de (0, b2 ) v (0, 1). Portanto, x0 = C(−a,b) é um
elemento simétrico de x. Tal elemento simétrico é único. De fato, se x00 outro elemento simétrico de x,
então x0 = x0 + 0Q = x0 + (x + x00 ) = (x0 + x) + x00 = 0Q + x00 = x00 . Portanto, (−x) = C(−a,b) .
Notação: Denotaremos por x − y o único elemento z ∈ Q tal que x = y + z em Q.

Teorema 77 (Propriedades da multiplicação em Q) Dados x, y, z ∈ Q, valem as seguintes proprieda-


des:

1. (Associatividade) x ·Q (y ·Q z) = (x ·Q y) ·Q z;
2. (Comutatividade) x ·Q y = y ·Q x;
3. (Identidade para Multiplicação) Existe um único 1Q ∈ Q tal que x ·Q 1Q = x = 1Q ·Q x;
4. (Inverso Multiplicativo) Se x 6= 0Q , então existe um único x−1 ∈ Q tal que x ·Q x−1 = 1Q = x−1 ·Q x.

Demostração:
1. Exercı́cio.

20
2. Exercı́cio.
3. Como x ∈ Q, x = C(a,b) para a, b ∈ Z. Note que

x · C(1,1) = C(a,b) · C(1,1) = C(a·1,b·1) = C(a,b) = x.

Portanto, x0 = C(1,1) é um elemenro identidade para multiplicação. Tal elemento é único. De fato, se
x00 é outro elemento identidade para multiplicação em Q, então x0 = x0 · x00 = x00 . Portanto, 1Q = C(1,1)
é o elemento identidade para multiplicação em Q.
4. Se x = C(a,b) ∈ Q e x 6= 0Q = C(0,1) , então a 6= 0, pois (0, b) v (0, 1) para todo b ∈ Z. Se a 6= 0, então
x0 = C(b,a) ∈ Q e
x · x0 = C(a,b) · C(b,a) = C(ab,ba) = C(1,1) = 1Q .
Portanto, x0 é um inverso de x com respeito a multiplicação em Q. Tal inverso é único. De fato, se x00
é outro inverso multiplicativo de x, então

x0 = x0 · 1Q = x0 · (x · x00 ) = (x0 · x) · x00 = 1Q · x00 = x00 .

Portanto, x−1 = C(b,a) é o inverso multiplicativo de x = C(a,b) .


Notação:
• Quando não haver possı́bilidade de confusão no contexto, escreveremos 0 e 1 para representar, respec-
tivamente, as identidades aditiva e multiplicativa em Q
• Se x 6= 0, denotaremos por 1/x o inverso multiplicativo de x em Q.
• Denotraremos por y/x o elemento z ∈ Q tal que xz = y em Q.

Teorema 78 (Q, +Q , ·Q ) é um corpo.

Demostração: Segue dos Teoremas 76 e 77.

Exercı́cio 23 Dados x, y, z ∈ Q − {0}. Mostre que:


1. 1/(1/x) = x.
2. x · (1/y) = x/y.
3. 1/xy = (1/x)(1/y) = (1/x)/y.
4. (x/y)(y/z) = (x/z).
5. 1/(x/y) = y/x.

Exercı́cio 24 Dados x, z ∈ Q e y, t ∈ Q − {0}, mostre que

x/y + z/t = (xt + zy)/yt.

3.2 Ordem em Q
Definição 79 Dizemos que x ∈ Q é um número racional positivo se ab >Z 0Z para algum (a, b) ∈ x.

Notação: Q+ = {x; ab >Z 0Z para algum (a, b) ∈ x} denota o conjunto dos números racionais positivos.

Teorema 80 Se ab >Z 0Z e (a, b) v (c, d), então cd >Z 0Z .

Demostração: De ad = cb, temos que (cb)(ad) = (cb)(cb) >Z 0Z pelo Exercicio 15. Como ab >Z 0Z , segue do
Exercı́cio 14 que cd >Z 0Z .

Corolário 81 Q+ = {x; ab > 0 para todo (a, b) ∈ x}.

21
Teorema 82 Valem as seguintes afirmações:
1. x + y ∈ Q+ para todo x, y ∈ Q+ .
2. x · y ∈ Q+ para todo x, y ∈ Q+ .
3. Dado x ∈ Q, uma, e somente uma, das possibilidades ocorre: x ∈ Q+ , OU x = 0, OU −x ∈ Q+ .

Demostração: Se x, y ∈ Q+ , então x = C(a,b) , y = C(c,d) , em que a, b, c, d ∈ Z sao tais que ab >Z 0Z e


cd >Z 0Z . Note que
x + y = C(a,b) + C(c,d) = C(ad+cb,bd)
e
xy = C(a,b) C(c,d) = C(ac,bd) .
Além disso, (ad + cb)bd = abdd + cdbb >Z 0Z e (ac)(bd) = (ab)(cd) >Z 0Z . Logo, x + y ∈ Q+ e xy ∈ Q+ .
Finalmente, se x = C(a,b) , então, pela Tricotomia de Z, exatamente uma das possibilidades, ab >Z 0Z ,
ab = 0Z , −ab >Z 0Z , vale. Mas ab >Z 0Z se, e somente se x ∈ Q+ ; (−a)b = −ab >Z 0Z se, e somente se,
C(−a,b) = −x ∈ Q+ ; e, como b 6= 0Z , ab = 0Z se, e somente se, a = 0Z , e x = C(0,b) = 0Q .

Definição 83 Dados x, y ∈ Q, dizemos que x é menor que y em Q, e escrevemos

x <Q y

para significar que y − x ∈ Q+ . Nestas condições, dizemos, também, que y é maior que x em Q, e escremos
y >Q x.

A notação x ≤Q y significa que x <Q y ou x = y em Q.

Notação: Usualmente omitiremos o subscrito e escreveremos x < y ou y > x.

Teorema 84 Dados x, y, z ∈ Q, valem as seguintes propriedades:


• (Transitividade) se x < y e y < z, então x < z;
• (Tricotomia) exatamente uma das possibilidades seguintes pode ocorrer: ou x < y, ou x = y, ou x > y.

Demostração: Exercı́cio.

Exercı́cio 25 Para x, y ∈ Q, x · y = 0 se, e somente se, x = 0 ou y = 0.

Exercı́cio 26 Para x, y ∈ Q, x < y se, e somente se,


1. x + z < y + z para todo Z ∈ Q; ou
2. xz < yz para todo Z ∈ Q+ .

Exercı́cio 27 Dado x ∈ Q, x 6= 0Q , mostre que x · x é um racional positivo.

Teorema 85 (Q, +Q , ·Q ) é um corpo ordenado.

Demostração: Segue do Teorema 78 e do Exercı́cio 26.

Teorema 86 A aplicação E = EZQ , de Z em Q, definida por

E(a) = C(a,1) , ∀a ∈ Z,

é um isomorfismo de Z sobre sua imagem, em Q, tal que


1. E(a +Z b) = E(a) +Q E(b);
2. E(a ·Z b) = E(a) ·Q E(b);

22
3. E(a) <Q E(b) se, e somente se, a <Z b.

Demostração: A aplicação E é injetora. De fato, dados a, b ∈ Z, suponha que E(a) = E(b). Mas,

E(a) = E(b) ⇔ C(a,1) = C(b,1) ⇔ (a, 1) v (b, 1) ⇔ a · 1 = b · 1 ⇔ a = b.

Se a, b ∈ Z, então

E(a) +Q E(b) = C(a,1) +Q C(b,1) = C(a+b,1) = E(a + b)

e segue o item (1). Agora,

E(a) ·Q E(b) = C(a,1) ·Q C(b,1) = C(ab,1) = E(a ·Z b)

e o item (2) fica provado. Finalmente, para a, b ∈ Z, a <Z b se, e somente se, b − a ∈ Z+ , isto é, se, e somente
se, C(b−a),1 = C(b,1) − C(a,1) = E(b) − E(a) ∈ Q+ , e E(a) <Q E(b).

Notação: Em vista dos isomorfismos ENZ e EZQ , usaremos, a partir de agora, a mesma notação para os
elementos de Z e suas imagens em Q. Já que usamos n para denotar ENZ (n) = Cs(n),1 em Z, agora usamos
n para indicar EZQ (ENZ (n)) = C(n,1) em Q. Note que EZQ (ENZ (1)) = 1Q e EZQ (0) = 0Q , de modo que não deve
haver confusao em escrever 1 e 0 em vez de 1Q e 0Q , respectivamente. Finalmente, temos que, para h, k ∈ Z,
com k 6= 0 em Z,
C(h,k) = C(h,1) /C(k,1) = EZQ (h)/EZQ (k).
Logo, escreveremos h/k para representar os números racionais C(h,k) . Usaremos, também, N e Z para designar,
respectivamente, as imagens de N e Z em Q.

Exercı́cio 28 Dados x, y ∈ Q. Mostre que:


1. x = h/n e y = k/n para alguns h, k ∈ Z e n ∈ Z+ .

2. Se x, y são positivos, então x = p/n e y = q/n para alguns p, q, n ∈ Z+ .

3.3 Densidade

23

Você também pode gostar