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REFORMA DO ENSINO MÉDIO E AS IMPLICAÇÕES PARA O CURSO DE


FILOSOFIA: DESAFIOS PARA OS PRÓXIMOS ANOS.
Nicole Prado Bezerra1

RESUMO

O presente artigo tem como objetivo apresentar um dos argumentos que serviram de
apoio no governo do então Presidente da República, Michel Temer, para que fosse
aprovada a MP 746/2016 (Lei n° 13.415/2017) que provocou mudanças na Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB n° 9394/96 e n° 11.494/2007) e discutir
sobre o projeto neoliberal por trás dessa reforma do ensino médio a partir do
financiamento do Banco Mundial e as consequências dessa estrutura de caráter
tecnicista para o ensino de filosofia. A metodologia empregada para a elaboração
desse artigo foi a Pesquisa bibliográfica e documental com abordagem qualitativa.

Palavras-chave: Aluno; Reforma; Formação; Filosofia.

1. INTRODUÇÃO

2022, ano que começa a ser oficialmente implementado em todas as escolas para as
turmas de 1° ano o que o MEC anuncia como “Novo Ensino Médio”, será também ano
de mais uma jornada de lutas para que a filosofia não seja extinta da grade curricular
assim como ocorreu em 1972, no contexto de ditadura militar. A análise aqui levantada
em torno dessa problemática, visa trazer reflexões partindo de questões relacionadas
ao sistema educacional brasileiro e sua relação com o financiamento do Banco
Mundial, um projeto da elite que põe em risco todas as disciplinas que “não servem"
e que ousam questionar seus métodos.

A escola, daquela estrutura reservada aos jovens das classes privilegiadas,


converteu-se cada vez mais numa escola aberta também ao jovens das classes
subalternas. A velha aprendizagem artesanal desapareceu, e o vazio por ela
deixado foi ocupado pelo ensino elementar e técnico-profissional e pelo novo
aprendizado do trabalho, representado pelas escolas de fábrica. Mas a antiga
discriminação de classe continua a manifestar-se, mais ou menos acentuada
nos vários países, com duas linhas de fratura: uma, ‘horizontal’, entre os que
estudam na escola desinteressada da cultura, e os que estudam na escola
profissional da técnica. (MANACORDA, 2010, p.138).

1 Acadêmica do Curso de Graduação em Filosofia, na Universidade Federal do Maranhão.


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2. “NOVO” ENSINO MÉDIO: O ATAQUE NEOLIBERAL AO PENSAMENTO


CRÍTICO
Com a aprovação da lei n° 13.005/2014, o PNE (Plano Nacional de Educação)
começou a vigorar por mais 10 anos, comprometendo-se a cumprir as 10 diretrizes e
as 20 metas que foram determinadas para esse processo. Sabe-se que dentro desse
plano, uma das principais metas é a de atingir a universalização desse ensino; como
destaca a meta III (com foco no ensino médio) a tarefa é de “[...] universalizar, até
2016, o atendimento escolar para toda a população de 15 (quinze) a 17 (dezessete)
anos e elevar, até o final do período de vigência deste PNE, a taxa líquida de
matrículas no ensino médio para 85% (oitenta e cinco por cento) [...]”. Porém,
pesquisas mostram que:

• Em 2015, o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica, em nível


nacional (3,7), ficou abaixo da meta posta em marcha pelo Instituto
Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira – INEP
para aquele ano (4,3) e nenhuma região do país alcançou sua
respectiva meta;
• a porcentagem de jovens entre 15 e 17 anos que estavam na escola e
frequentavam, em 2015, era de 84,3% dessa população,
consideravelmente aquém da universalização traçada na Constituição
Federal;
• Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio- PNAD, 1 em
cada 5 jovens entre 15 e 29 anos (20,3%) não frequentava escola no
ensino regular e não trabalhava na semana de referência da pesquisa
(BRASIL, MSF n°19, 2018, p.1)

E de acordo com números mais recentes, como os resultados do censo escolar 2021
(Inep), 5% dos alunos que estavam matriculados no ensino médio das redes
estaduais2 deixaram de frequentar as salas de aula. Estudos realizados pela PNAD
(Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) mostram que as taxas de desemprego
no segundo trimestre de 2022 para quem não possui ensino médio completo (15,3%)
é três vezes maior que a de desempregados com o ensino superior completo (4,7%).
Esses dados estatísticos aparecem num mesmo contexto em que uma reforma da
educação está sendo gradualmente executada, pois, segundo o MEC, isso reforça o
argumento de que para aumentar a permanência do aluno no Ensino Médio e a
qualidade deste, é necessário um modelo de ensino que permite à esse aluno escolher

2 Formam a maior parte das matrículas do Ensino Médio no País.


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a área de conhecimento que ele deseja adentrar: os chamados “itinerários formativos”,


baseado nas competências das quatro áreas de conhecimento que são modelos na
BNCC (Linguagens e suas tecnologias; Matemática e suas tecnologias; Ciências da
Natureza e suas tecnologias; Ciências humanas e sociais aplicadas) e na formação
técnica e profissionalizante; sendo apenas a Língua Portuguesa e a Matemática
obrigatórias para essa “formação básica”. Os impactos dessa retirada da filosofia e
outras disciplinas (essenciais para uma compreensão básica sobre o mundo) do
currículo obrigatório principalmente para alunos das camadas mais baixas que já
sofrem com falta de acesso a educação, são significativos, pois contribuem com a
desigualdade na medida em que torna a formação incompleta e que na prática vai
contra o que diz o Art. 35-A da lei n° 13.415:

§ 7° Os currículos do ensino médio deverão considerar a formação integral do


aluno, de maneira a adotar um trabalho voltado para a construção de seu
projeto de vida e para sua formação nos aspectos físicos, cognitivos e
socioemocionais. (BRASIL, 2017)

Em depoimento feito pela aluna Rebeca Costa Prado, do segundo ano do ensino
médio da escola CEAG (Centro de Ensino Anjo da Guarda) para a elaboração desse
artigo, ela respondeu as seguintes perguntas feitas por mim:

- Quais foram as primeiras mudanças que você percebeu em sua escola nesse ano?

- Foi a adição de novas matérias, diminuição da carga horária daquelas disciplinas


que eu tinha no ano passado, no ensino tradicional, menos a diminuição de português
e matemática. Na minha escola só tem itinerários de ciências da saúde e ciências
sociais. Não tem professores específicos para essas aulas, então quem ministra são
os próprios professores da casa mesmo eles não tendo uma formação para aquilo,
por exemplo, o itinerário que eu curso, ciências da saúde, quem ministra essas aulas
são meus professores de Geografia e Química; e eles só explicam fazendo relação
com a área de formação deles. Meu professor de Química fala sobre reações
químicas, soluções, essas coisas... de Geografia fala sobre poluição, lixões... e como
isso afeta a saúde. Até agora, em nenhum momento tivemos aula de biologia, que
deveria ser também uma das principais áreas para se discutir já que escolhi esse
itinerário. Já percebi que muitos não concordaram com essas mudanças, meus
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professores já falaram disso nas aulas e eu, meus colegas e até aqueles alunos “mais
destacados” percebemos que na teoria é lindo, mas a prática é triste. A gente nem
tem aula prática também porque não tem verba e nem material.

- E em relação ao Ensino de Filosofia? Já mudaram alguma coisa na sua escola?

- Nesse ano a carga horária diminuiu bastante. Tenho uma aula de 40 minutos por
semana, ano passado tinha duas ou três.

Desde o início da aprovação desse projeto no governo Temer em 2017, um dos


principais simpatizantes dessa implementação foi o Banco Mundial. Em 2018, a
instituição financeira e o governo federal trabalharam juntos para criar um acordo.
Representantes do Banco Mundial, do MEC, do Conselho Nacional de Educação
(Consed) e da Controladoria Geral da União (CGU) reuniram-se para discutir
mudanças nas metas e prazos do acordo. Válido até 2023, o empréstimo concedido
num total de 250 milhões de dólares foram destinados a planeamentos e apoio a
operações de assistência técnica3. Um discurso que sem um olhar crítico, chega a ser
convincente, porém, o interesse em financiar e tecnocratizar essa educação
principalmente em países subdesenvolvidos, é estratégica, pois forma mão de obra
acrítica que se sujeita a um sistema de exploração para sobreviver. Como afirma
Pereira (2010):

O Banco age, desde as suas origens, ainda que de diferentes formas, como
um ator político, intelectual e financeiro, e o faz devido à sua condição singular
de emprestador, formulador de políticas, ator social e produtor e/ou veiculador
de ideias em matéria de desenvolvimento capitalista, sobre o que fazer, como
fazer, quem deve fazer e para quem fazer. Ao longo de sua história, o Banco
sempre explorou a sinergia entre dinheiro, prescrições políticas e
conhecimento econômico para ampliar sua influência e institucionalizar sua
pauta de políticas em âmbito nacional, tanto por meio da coerção (influência e
constrangimento junto a outros financiadores e bloqueio de empréstimos) como
da persuasão (diálogo com governos e assistência técnica). (PEREIRA, 2010,
p.29).

Críticos da reforma argumentam que esse projeto cria uma falsa narrativa de que todo
aluno terá possibilidade de escolher um dos cinco itinerários formativos. No entanto,
o projeto de lei não obriga todas as escolas a oferecerem essas cinco disciplinas
eletivas e escolas que carecem de professores e recursos básicos, não teriam
condições de oferecê-las. Além disso, os contrários à reforma também questionam a

3 BRASIL. Ministério da Educação.


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ideia do “currículo flexível”. Na verdade, a reforma cria um falso discurso de


independência: os interesses dos alunos não são de fato “suas escolhas", mas são
ditados pelas circunstâncias socioeconômicas que estes se encontram; já que
interesse se determina pelo acesso e possibilidades. Portanto, incorporar essa falsa
autonomia do aluno, na verdade, reproduz ainda mais desigualdade social.

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante das discussões levantadas, pôde-se observar como essas interferências do
Banco Mundial no sistema educacional brasileiro, os chamados “acordo de
cooperação”, tem um único propósito: como as alterações feitas na grade curricular,
que rebaixa a filosofia, as ciências humanas e sociais (antes obrigatórias) a “estudos
e práticas”, prejudica tanto professores formados na área (já que qualquer professor
de outra área pode ministrar essas aulas) quanto alunos, que, na maioria das vezes
já veem a disciplina como “desinteressante”, então a não obrigação destas no
currículo reforça essa ideia; formando ideológica e tecnicamente a mão de obra barata
e fundamental para o funcionamento da lógica capitalista.
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REFERÊNCIAS
Banco Mundial libera US$ 10 milhões para apoiar reforma do ensino médio. MEC, 18
de Nov. de 2020. Disponível em: <https://www.gov.br/mec/pt-
br/assuntos/noticias_1/banco-mundial-libera-us-10-milhoes-para-apoiar-reforma-do-
ensino-
medio#:~:text=Uma%20nova%20rodada%20de%20encontros,vig%C3%AAncia%20
de%202018%20a%202023>
BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Lei nº
13.415, de 16 de fevereiro de 2017. Brasília, DF, 2017a. Disponível
em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/Lei/L13415.htm. Acesso em: 07
de dez. de 2022.
MANACORDA, Mario. Marx e a pedagogia moderna. 2. ed. Campinas: Alínea, 2010.
MSF 19/2018. Presidência da República. 12 de abr. de 2018
PEREIRA, João Márcio Mendes. O Banco Mundial como ator político, intelectual
e financeiro - 1944 – 2008. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2010.

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