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O projeto pastoral de Edir Macedo

Uma igreja benevolente para indivíduos ambiciosos?

Clara Mafra
Claudia Swatowiski
Camila Sampaio

Introdução fundamentalista norte-americana. Inicialmente, a


autora descreve como Jerry Falwell desenvolveu um
Este artigo analisa como uma elite cristã brasi- modo específico de leitura da linguagem bíblica –
leira acabou por constituir um projeto pastoral que speech mimeses. No interior de uma rede de pasto-
ganhou projeção e visibilidade internacional por res, Falwell ajudou a transformar uma tradição pie-
seu impacto proselitista ampliado. A abordagem dosa que se autoimpunha um exílio no interior de
que estamos desenvolvendo é similar a de outros uma sociedade abrangente marcadamente secular e
estudos atentos a referências duplas de tradição de trouxe esta tradição religiosa ao centro da vida pú-
conhecimento, da teologia e da antropologia, su- blica sob o designo da “nova nação evangélica”. Ao
pondo que assim compreendamos melhor as cultu- longo da leitura, observamos como o projeto pas-
ras cristãs em suas particularidades, cruzamentos e toral de Jerry Falwell confirma o excepcionalismo
choques (Robbins, 2008, p. 286). norte-americano precisamente quando o projeto
Nesta linha de trabalho, um estudo muito imperialista da nação entra em crise.
bem-sucedido é The book of Jerry Falwell, de Su- Com um aporte menos biográfico e mais so-
san Harding (2000). Ao analisar a trajetória de um cioantropológico, Simon Coleman acompanha
único líder evangélico em suas várias dimensões, com interesse a trajetória, a produção e a perfor-
este livro apresenta uma visão a um só tempo etno- mance de Ulf Eckman, pastor sueco, fundador da
gráfica e panorâmica sobre a formação da cultura World of Life Church (Coleman, 2000 e 2006).
Artigo recebido em 25/10/2010 Em sua análise, Simon destaca a importância dos
Aprovado em 28/07/2011 pastores das igrejas carismáticas e midiáticas com
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a World of Life para a constituição de um cristia- O argumento aqui desenvolvido tem um ca-
nismo globalizado. A exemplaridade do líder e sua ráter duplo. De um lado afirmamos que a igreja
família, sua intensa mobilidade nacional e interna- Universal apresenta um discurso moral que refuta
cional e a “comodificação” da palavra (em congres- o individualismo corrupto e narcisista, e, em seu
sos, seminários, na venda de cursos, Cds, DVDs lugar, oferece rituais que promovem empreendedo-
etc.) acabam transformando os próprios pastores na res sacrificiais mesmo entre seguidores que se en-
materialização da palavra cristã. A bíblia e a cultura contram em diferentes momentos do processo de
escrita são relegadas ao segundo plano, e a “nova individuação4 (Gomes, 2004; Swatowiski, 2009;
palavra” ganha uma mobilidade exponencial no Mafra, 2002). De outro lado, observamos que a eli-
mundo globalizado. te da igreja oferece opções de acesso a “bens sociais”
À luz desses estudos, o projeto pastoral de Edir para seus membros sob o custo de privação do
Macedo, o fundador da igreja Universal do Reino exercício de alguns “direitos individuais”, isto por
de Deus (doravante IURD ou igreja Universal), uma conta da constituição estratificada da congregação
das igrejas brasileiras mais bem-sucedidas em ter- no exercício de um “poder tutelar”, isto é, a igreja
mos de proselitismo internacional,1 poderia ser uma propõe-se a administrar a liberdade de seus mem-
réplica na periferia de um projeto teológico desen- bros, considerando-os capazes apenas parcialmente
volvido por elites de países centrais. De fato, alguns de uma vida social plena.
autores têm sugerido que Macedo tende a atualizar Não se trata de um argumento estritamen-
noções cunhadas em outro lugar, como “teologia da te culturalista. De nosso ponto de vista, o poder
prosperidade”, da “economia sacrificial”, dos rituais pastoral tutorial da igreja não depende da continui-
de expulsão de demônios e mesmo dos escândalos e dade, em longo prazo, de uma cultura clientelista5
controvérsias (Campos, 1997; Mariano, 1999; Oro, ou mandonista.6 Basta que se leve em conta um
Corten e Dozon, 2003; Almeida, 2009). Quando horizonte de mundo globalizado, onde as diversas
versões folclorizadas dessa abordagem passaram a populações têm a percepção de que o luxo e o con-
circular pela mídia, ele se tornou o exemplo extremo forto estão estampados na vida dos outros, reconhe-
de “alteridade repugnante” (Harding, 1991). cendo sua dificuldade de inserção em culturas que
Neste artigo, pretendemos ir além dessas inter- produzem tal abundância (Robbins, 2008). A elite
pretações. O grande triunfo e originalidade de Edir da igreja atua sobre tais expectativas e ansiedades,
Macedo, a nosso ver, repousam em sua habilidade regulando o acesso a bens individuais em relação à
de transformar a “nova teologia cristã”, para além acessibilidade de bens coletivos.
de suas tendências liberais, em um projeto teológico O artigo está dividido em três partes. Na pri-
popular. Os projetos pastorais de Falwell e Eckman meira, indicamos algumas relações de continuida-
funcionam perfeitamente em sociedades de econo- de – como é usual acontecer nesse tipo de liderança
mia afluente e com ethos individualista consolidado. carismática – entre a história pessoal de Edir Macedo
Em países periféricos e em contextos pós-coloniais, e a igreja que fundou. Este tipo de articulação é es-
essas teologias têm uma entrada parcial e segmenta- perado pelas audiências pentecostais e carismáticas
da, mas o projeto de Edir Macedo opera com suces- e tende a pressupor um jogo de homologia entre a
so justamente onde a população aprendeu a conviver trajetória do líder e de sua família, a instituição e o
com alto grau de controle social como estratégia de contexto regional. Na segunda parte, destacamos al-
acesso a “bens sociais”. Com efeito, esse “realismo gumas categorias nativas que ajudam a reconhecer a
político” vinculado ao estabelecimento de princípios especificidade da ideologia semiótica7 e sua pragmá-
de estratificação de conhecimento e poder dentro da tica no interior da igreja, em especial, na “economia
igreja permitiram que o projeto teológico de Edir sacrificial”, nas “correntes de objetos” e nas perfor-
Macedo quebrasse as barreiras de difusão da “nova mances midiáticas. Na terceira parte, sugerimos que
teologia cristã”2 para além das fronteiras das socie- a riqueza da rede conceitual se torna mais evidente
dades afluentes, difundindo-a com relativa facilidade quando observada à luz das informações etnográficas
nas “periferias” do globo.3 coletadas em três países, Brasil, Portugal e Angola.

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Marca e revolta Foi uma luta de titãs, com um circuito de capital


que adentrava os milhões de dólares. O ato de pri-
Tal como líderes evangélicos como Jerry Falwell são ocorreu em momento crucial dessa transação,
e Ulf Eckman, Edir Macedo construiu sua imagem quando parte do valor já tinha sido pago aos pro-
apresentando sua história pessoal a partir de even- prietários anteriores, mas a concessão federal ainda
tos extraordinários, ações miraculosas, que vão no não tinha sido expedida. O caráter marcadamente
decorrer da sua trajetória de vida se revelando, se político da decisão de concessão – que deve ser san-
articulando para engrandecê-lo. Ao tornar essa es- cionada pelo presidente da República – permitiu
trutura narrativa um tipo de evangelismo orientado ações mais ousadas das pessoas “incomodadas” com
para a mídia (Harding, 2000), a narrativa biográfi- a negociação, boa parte, membros da elite política e
ca do líder religioso faz-se ambígua, sendo recebida de empresários da mídia. Com este enquadramen-
com desdenho e descrédito ou confiança e fé. Se- to, para o fiel da igreja, o evento é signo de justiça
guidores e inimigos encontram sustentação de sua divina: não porque com a prisão se reparam faltas
posição com sinais invertidos na mesma narrativa. de um cidadão diante da lei, – como quer o “inimi-
Na única biografia autorizada – O bispo, a his- go” do bispo –, mas porque ali se criou um mártir.
tória revelada de Edir Macedo, de Douglas Tavola- Em suas memórias, Edir Macedo lembra que
ro (2007) –, Macedo é descrito desde o princípio passou por aquela situação com amargura e sobrie-
como vítima de uma grande conspiração. Os três dade. Não é o caso aqui de explorar as várias di-
primeiros capítulos tratam de sua prisão. Era o dia mensões da narrativa construída por Edir Macedo,
24 de maio de 1992, começo de tarde em São Pau- mas é importante chamar atenção para sua estru-
lo, quando o BMW de Edir Macedo foi cercado tura, algo que está presente em sermões, prédicas,
por vários carros da polícia civil e federal. Os agen- reportagens, site de Edir Macedo, autobiografia au-
tes estavam equipados com armamento pesado, torizada, fala de muitos de seus seguidores, e que
escopetas, metralhadoras e revólveres. Dentro do remete à tradição judaico-cristã de que “os humi-
carro estava o bispo, sua esposa Ester, a filha Vi- lhados serão exaltados” (Lucas, 18.14).
viane e uma amiga da filha, que retornavam de um Para o ouvinte com “boa fé”, o evento do apri-
culto na IURD de Santo Amaro. Ao ouvir a voz de sionamento tendeu a ser descrito do ponto de vis-
prisão, Edir saiu do carro com as mãos para o alto. ta da vítima injustamente acusada. Não é fortuito,
Não reagiu, nem ofereceu qualquer tipo de resis- portanto, que a fotografia com a imagem de Edir
tência. Em seguida, o bispo foi colocado em um Macedo sentado em um banco na cela atrás das
camburão e conduzido para a delegacia da Vila Le- grades lendo a Bíblia tenha se tornado o ícone do
opoldina, onde permaneceu encarcerado por onze representante máximo da igreja Universal do Reino
dias. Relembrando a cena diante das câmaras vinte de Deus. Desde então, a fotografia tem sido siste-
anos depois, Edir Macedo conta que “foi como um maticamente reproduzida pela imprensa da igreja
ataque cardíaco. De repente, o terror. Comecei a Universal em reportagens e documentários sobre
viver um pedaço do inferno” (Idem, p. 20). O juiz Edir Macedo, no jornal Folha Universal, em pan-
que expediu o mandato de prisão se fundamentou fletos ocasionais, na capa da biografia do bispo. A
em acusações de charlatanismo, curandeirismo e leitura feita a partir dessa imagem é de que o bis-
estelionato. Por 500 mil dólares a igreja contratou po conheceu a humilhação por dentro, e por isso
um dos melhores advogados do país, Márcio Tho- mesmo sabe compartilhar sua fé com pessoas que a
maz Bastos, que o retirou da prisão onze dias depois experimentam cotidianamente.
com um pedido de habeas corpus. Para Macedo, o Mais que um evento fortuito, a humilhação é
episódio “Foi uma grande lição de vida, [aprendi a] moto contínuo na biografia do bispo. Edir Macedo
transformar as adversidades... como se diz, fazer do nasceu com um problema congênito – seus indica-
limão, uma limonada” (Idem, p. 24). dores e polegares são deformados e tem movimen-
A prisão ocorreu em meio ao processo de com- tos restritos – estigma que foi interiorizado pelo
pra da Rede Record pela igreja de Edir Macedo. bispo ainda na infância: “Eu era o patinho feio. Eu

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tinha a sensação de tudo que eu fazia daria errado: de sua própria situação e desafiem a Deus “deter-
uma pipa rasgada, balões que pegam fogo. Às ve- minando” um destino alternativo. Com a revolta, o
zes eu me sentia como um transtorno” (Tavolaro, sabor da raiva e o imperativo no trato com o divi-
2007, p. 59). Com o estigma de alguma forma con- no, a “confissão positiva” proposta por Ulf Ekman
trolado, ele se tornou um jovem confiante, vivaz e ganha uma tradução acessível às populações que ex-
belo, que conquistou a “mulher de seus sonhos”, perimentam a modernidade8 como privação.
Ester, sua esposa. Entretanto, sua primeira filha,
Viviana, veio a nascer com uma fissura labiopala-
tal – a marca do menino tinha sido geneticamente Comunidade estratificada
transmitida para a nova geração:
Uma das peculiaridades da IURD em relação
[...] levei um tremendo susto. A menina era ao universo pentecostal e carismático está no fato
um horror. Eu disse para mim mesmo: ‘Meu de esta igreja não recusar uma membresia flutuan-
Deus, eu não quero esse monstrinho’! Sua fi- te. Ao contrário do modelo congregacional cristão
sionomia era terrível. Eu imaginava o sofri- clássico – que conta com o princípio da conversão,
mento que seria o crescimento daquela criança. abandono dos referentes de sociabilidade anterio-
Eu sabia o que era ser defeituoso. Imagina ela, res e reconstrução dos laços de pertencimento a
então, menina, certamente vaidosa... Não, não partir de um novo universo valorativo e simbóli-
queria. Preferia sua morte (Idem, p. 96). co (Hefner, 1993) –, a IURD parece não apenas
conviver, mas usufruir de uma adesão comunitária
Nessa passagem, nada da contrição e da con- frouxa. Em função dessa característica, alguns auto-
vencionalidade burguesa que apara e adoça lem- res a classificam como igreja de “serviço” (Campos,
branças. Edir Macedo fixa-se na violência do even- 1997; Mariano, 1999), postulando que essa insti-
to, de que ele tinha gerado um rebento deformado, tuição não se preocupa em operar a “reforma” sub-
um ser que teria, dali para frente, uma trajetória jetiva de seus membros em função de uma agência
trágica em função de uma marca que não pediu e hipertrofiada da instituição como coletivo em um
que não poderia ficar oculta. A reação do pai foi “mercado religioso” plural.
bruta como é bruto mundo em que Macedo vive: Porém, uma comunidade formada apenas por
“Eu não quero este monstrinho!”. frequentadores que buscam “serviço religioso” é
bem diferente da formação de uma eklesia estrati-
Eu e Ester choramos muito. Foi doloroso. Em ficada, que convive pacificamente tanto com fre-
meio ao choro, manifestei minha revolta e quentadores esporádicos como com membros assí-
decepção. Ajoelhei na cama para orar e, num duos. Trata-se de uma estruturação congregacional
acesso de raiva, soquei a cama várias vezes. que gera tensões e dificuldades, e isto tem relação
Determinei que, a partir daquele momento, com a constituição de um “poder tutelar”.
eu iria deixar minha igreja [naquela época, a Edlaine Gomes (2004) chamou atenção para
Nova Vida] e ajudar as pessoas sofridas como a estratificação congregacional da IURD, e sua
eu (Idem, p. 97). pesquisa localizou quatro tipos ideais de frequen-
tadores, ordenados hierarquicamente. Primeiro, os
Edir Macedo faz do nascimento trágico da fi- membros convertidos, os obreiros, os pastores e os
lha o ato inaugural da nova igreja. Explicitamente, bispos, todos denominados vernacularmente como
ele afirma que sua mensagem será dirigida para pes- “servos de Deus”. Estes formam o “clero” da igreja.
soas que conheceram uma grande restrição de liber- São pessoas que passaram pelo “batismo das águas”
dade; consideradas incapazes, excluídas do destino e do Espírito Santo, e assumem a identidade iurdia-
redentor prometido pelo sonho moderno. na. Em seguida, “os membros em processo de con-
Na nova igreja, o bispo pedirá que as pessoas versão”, frequentadores ainda não batizados pelo
se revoltem, saboreiem a raiva do reconhecimento Espírito Santo. Terceiro, os membros esporádicos,

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aqueles que procuram a igreja em busca de uma da revolta. A revolta. A ira. Espírito, põe revolta
bênção imediata. Por fim, as pessoas “do mundo” dentro destes corações para não aceitar essa situ-
ou o horizonte aberto de difusão e influência da ação desgraçada, decadente, mesquinha, em que
mensagem iurdiana (Gomes, 2004, pp. 123-124). ele(a) está vivendo (Gomes, 2004, p. 101).
É a terceira categoria, os esporádicos, que trou-
xe para a teologia da IURD uma linguagem pop do Para se compreender essa passagem, é impor-
mundo evangélico em diferentes nações. Jargões, tante fazer um recuo, lembrando que o líder da
temas, motes que aparecem nos sermões e campa- IURD frequentemente utiliza um tom didático em
nhas da igreja são transferidos para a linguagem das seus sermões, dirigindo-se em tom assertivo a um
ruas, sem o compromisso da coerência e da ratio público “ignorante na fé”. Segundo Dilley (2010),
especificamente cristã. Quanto mais o membro se a tradição cristã em seu longo percurso proselitista
engaja na vida institucional, mais sua vida priva- deu origem a diferentes significados da palavra “ig-
da se parece com a de outros pentecostais clássicos norância”, todos com um subtexto moral: primei-
e, como eles, é capaz de expressar retoricamente os ro, ignorância é sinônimo de “inocência”, pessoa
motivos de sua adesão religiosa. Porém, distinta- pura e moralmente louvável. Um segundo sentido
mente dos outros pentecostais brasileiros, os iurdia- é de ignorância como “falta de conhecimento” ou
nos podem ser praticantes e não praticantes (Cam- “inexperiência”, como a pessoa que está incons-
pos, 1997; Freston, 2008).9 ciente de sua situação, mas que procura, tão logo
Como é possível que um conjunto de partici- tome consciência, superá-la. Terceiro, o mais grave
pantes esporádicos retorne ocasionalmente a IURD moralmente, envolve a ignorância como “recusa a
sem aderir à ideia da “reforma da pessoa”, como conhecer”, a pessoa que intencionalmente procura
supõe a conversão tradicional, e sem se sentir en- não tomar conhecimento de alguma coisa. Mui-
ganado ou frustrado? Se esses frequentadores não to frequentemente, missionários euro-americanos
tem a adesão suficiente para compartilhar o caris- tendem a oscilar entre dois extremos, atribuindo
ma institucional, numa constituição de vínculo por ora inocência e louvor ora ignorância intencional e
participação comunitária superficial, o que os move pecado mortal aos neófitos. Na IURD, os pastores
no retorno à igreja? aprendem a sobrepor os três sentidos de ignorân-
Para avançar reflexivamente sem cair em um cia em um único: como “falta de conhecimento”
pressuposto universalista e invariante do frequenta- ou “inexperiência”. Sem a expectativa de encontrar
dor como um mero “consumidor religioso”, opta- interlocutores “inocentes”, os pastores dessa igreja
mos por adensar nossa compreensão da mensagem dedicam-se a comunicar ostensivamente chaves de
proselitista da igreja Universal em seus próprios ter- acesso a um “Deus que funciona” para pessoas “ig-
mos. Se a audiência da IURD é estratificada, sua norantes da fé” (Tavolaro, 2007, p. 132).
mensagem deve ser, de algum modo, atraente tanto No vernáculo da igreja, o iurdiano deve buscar
para frequentadores de “primeira visita” como para insistentemente “ a fé ativa”, ou seja, deve propor
nascidos e criados na igreja. objetivos de mudança de sua vida, pedir para Deus
A chamada clássica da Universal é “Pare de so- a mudança, e sacrificar-se. Segundo o bispo Ma-
frer”. Este mote, junto com a imagem de um rapaz cedo, ao exercitar a reciprocidade com o Divino,
pensativo, estão inscritos na fachada de boa parte os homens e as mulheres aprenderão a se conhecer,
dos endereços da igreja Universal pelo mundo. Em superando sua alienação.
seu discurso de comemoração dos 25 anos da igreja
e de inauguração da majestosa catedral da igreja em Você vai aprender quem você é a partir do mo-
Del Castilho (onde a igreja nasceu), o bispo Mace- mento que você é levado ao sacrifício. Você
do fez a seguinte oração. vai se conhecer, ou conhecer as suas forças, se
você for levado ao sacrifício. Só vai conhecer
Espírito Santo, eu te peço. Eu suplico. Plante no a si próprio, a sua fé, seu relacionamento com
coração de cada uma dessas pessoas a semente Deus, quando você for levado a uma situação

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que vai requerer de você a expressão daquilo mais ávido frequentador ao visitante curioso espo-
que está dentro de você [...] justamente naque- rádico. Com o alargamento do público participante
le momento de profunda angústia e aflição, da vida ritual da igreja e a extensão da benção do
você vai manifestar seu verdadeiro caráter, a Deus cristão para convertidos, esporádicos e curio-
sua verdadeira fé (Gomes, 2004, p. 105). sos, Edir Macedo torna acessível a economia sacrifi-
cial para uma audiência extensa e que muitas vezes
A “economia sacrificial” faz parte do ethos evan- ignora os parâmetros do ethos evangélico.
gélico carismático e pentecostal contemporâneo. Dificilmente alguém sai das reuniões da igreja
Ainda na década de 1980, um evangelista televisivo Universal sem carregar algum pequeno objeto, uma
como Jerry Falwell conseguiu triplicar o volume de miniatura – segundo o vernáculo dos especialistas
doações de sua audiência em uma semana ao cons- religiosos iurdianos, estes são os “pontos de conta-
truir uma narrativa aberta e interativa com um re- to” como sal grosso, rosa ungida, água fluidificada,
sultado final específico – a compra do terreno para fitas e pulseiras, ramo de arruda (Campos, 1997;
construir uma universidade evangélica – no enfren- Gomes, 2004; Kramer, 2001). Segundo o Estatu-
tamento do mundo secular. Sua performance como to da IURD, o clero da igreja é levado a utilizar
apóstolo permitia a participação ativa, naquela se- “objetos” em função do problema de “falta de co-
mana, de sua audiência na batalha espiritual, em nhecimento” de sua audiência. Pessoas “maduras
uma etapa decisiva do enfrentamento das forças na fé” conseguem entender que “o poder está no
do bem contra o mal, em uma disputa que afeta Senhor Jesus Cristo e na ação do Espírito Santo”,
o cosmos (Harding, 2000, pp. 105-125). Mais sis- e essas pessoas conseguem acessar o cristianismo
temático e menos performático, Ulf Ekman, líder em sua total potencialidade, como uma religiosi-
religioso do Word of Life, analisou e sistematizou dade de abstração. No entanto, “pessoas imaturas
os elementos da economia sacrificial aprimorando na fé”, implicitamente, aquelas que mais precisam
a noção de “confissão positiva”, que pressupõe, se- conhecer a mensagem cristã, são as que precisam de
gundo Coleman, que “palavras tenham qualidades “pontos de contato”. O estatuto continua:
de objeto, ou seja, elas poderiam ser removidas ou
retidas pelas pessoas com existência semiautônoma” [...] nem todas as pessoas necessitam de “pontos
(2006, p. 173). Essa versão do cristianismo – que de contato” para despertarem fé suficiente, mas
Ulf Ekman se orgulha em disseminar em suas esco- a maioria precisa, razão pela qual realizamos
las bíblicas – tende a aproximar palavra cristã e di- nas reuniões as correntes e distribuímos gratui-
nheiro, algo que causa repulsa em tradições cristãs tamente coisas ligadas à Palavra de Deus direta
mais estabelecidas, cujo desenvolvimento histórico ou indiretamente, literal ou simbolicamente,
está atrelado ao processo inverso, de separação en- para trazer às pessoas uma confiança, pelo me-
tre dinheiro e transcendência. nos um fio de esperança, de fé, e assim levá-las
Edir Macedo, por sua vez, transportou boa par- a serem abençoadas (Estatuto, s/d, pp. 66-67).
te dos pressupostos teológicos da “economia sacrifi-
cial” já conhecidos e elaborados por outros teólogos Além disso, nos cultos da Universal é muito
em uma “economia sacrificial ritual”. Pode-se dizer comum assistir a encenações como a que segue,
que bispo Macedo construiu a versão mais “católi- descrita por Mafra (2002) em sua pesquisa de cam-
ca” de uma elaboração teológica de raiz reformada. po, na IURD de Botafogo, no Rio de Janeiro:
Para compreender a importância desta pequena di-
ferença, é preciso compreender como a “economia No púlpito, enquanto relê a passagem bíbli-
sacrificial ritual” da Universal está atrelada a uma ca João 10:9, – “Eu sou a porta. Se alguém
distribuição estratificada. No topo da hierarquia en- entrar por mim, será salvo, entrará, e sairá, e
contra-se o clero – aqueles que conhecem os segre- achará pastagem”-, o pastor passa pelo portal.
dos da produção ritual. Na base, uma congregação Em seguida, ele se coloca novamente dian-
heterogênea, que engloba indiferentemente desde o te do portal. Simula que quer passar, mas vai

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pelo lado. Caminhando pela lateral do portal, questionando sobre desejos realizados e alcançados,
o pastor se agacha e se movimenta sorrateira- que expressa de modo claro suas críticas às auto-
mente. Age como um ladrão. Daí se volta para ridades constituídas, que tem sua atenção dirigida
o público e pergunta, “esta pessoa passou pela às falhas e às corrupções de instituições e projetos
porta?”. Prontamente, o público responde que concorrentes, aceitaria, no interior da IURD, sub-
“Nnãããããõõoo”. Retorna e com o corpo ereto meter-se pacificamente a uma autoridade incondi-
e cabeça erguida, entra pelo interior do portal. cional? Como essa tensa composição de “revolta” e
“Assim é que se passa pela porta da fé”, explica. “submissão” não corrói o projeto pastoral de Edir
Macedo a partir de dentro?
Nas reuniões da IURD, problemas altamente As etnografias desenvolvidas em Brasil, Portu-
abstratos da teologia cristã são remetidos a exercí- gal e Angola mostram que o cálculo de reciproci-
cios simples com objetos e simulações. Diante des- dade da tensão revolta/submissão não se realiza em
ses objetos, os pastores apresentam algumas alterna- termos estritamente individuais. Sem a mediação
tivas de ação – um portal que pode ser transposto agressiva da Universal no espaço público em con-
pelo centro ou pela periferia, um muro que pode textos pós-coloniais, no espaço de mercado, de mí-
ser escalado, circundado ou destruído etc. As alter- dia, da política, a “modernidade” seguiria acessível
nativas não são apenas mencionadas, mas acompa- apenas para poucos e inacessível para muitos. Em
nhadas de atuações do pastor, em que não só as pa- outras palavras e adiantando uma hipótese genérica
lavras, mas a expressão corporal é significativa – um que deve ser avaliada futuramente, em situações de
corpo que passa agachado e sorrateiro, moralmente “periferia” do sistema de mercado mundial, é inte-
condenável, um corpo altivo e com movimento de- ressante que a instituição religiosa que se proponha
cidido, moralmente louvável. O desenvolvimento a operar “reformas” da pessoa ofereça, além de um
de encenações é indicativo de que os pastores da leque instrumental de apoio para a reforma da sub-
IURD estão atentos à produção de uma didática jetividade, também seja ela própria uma instituição
que supõe que corpo, mente e ambiente se infor- polivalente, capaz de fazer frente ao monopólio das
mam e constrangem reciprocamente na construção elites estabelecidas regionalmente, criando assim
do conhecimento. acessos alternativos ao “moderno”.
Essas técnicas, do “ponto de contato” e do “co-
nhecimento encorporado”, pressupõem a existência
de uma grande distância entre audiência e clero, Brasil
entre quem ensina e quem aprende. Elas estão a
serviço de um proselitismo de teor paternalista, que Era o ano de 1977 e o Brasil vivia sob regime
recusa a tradição reformada da democratização do de exceção, com o comando de um presidente mi-
conhecimento cristão, cujo ideal é que cada irmão litar, general Ernesto Geisel, quando três pastores,
seja um pastor. Edir Macedo, Romildo Ribeiro Soares e Roberto
Em síntese, uma das diferenças do projeto pas- Augusto Lopes, fundaram a igreja Universal do
toral de Edir Macedo sobre os de Jerry Falwell e Reino de Deus.
Ulf Ekman é abrir as portas do cristianismo para Ao fundar a nova igreja, Edir Macedo rompeu
uma audiência ampliada e heterogênea. Para dar definitivamente com a igreja Nova Vida, institui-
conta disso, a igreja de Edir Macedo acaba por se ção que o formou como pastor e que foi precursora
organizar segundo uma hierarquia com posições de da Teologia da Prosperidade no Brasil. O projeto
autoridade bem definidas. pastoral de Mac Alister, missionário canadense que
O que escapa a essa linha analítica é o fun- dirigia a Nova Vida, estava claramente voltado para
damento da formação do consenso no interior de as camadas médias urbanas. Ele divulgava a teo-
uma instituição tão claramente autoritária. Como o logia da confissão positiva e de recusa do fracasso
mesmo público que aprende a se “revoltar” com sua para uma audiência com recursos adequados para a
condição de vida, que está frequentemente se auto- entrada em um mercado de trabalho competitivo.

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Nessas camadas sociais, ressoava bem um projeto Desde 1974, em função da descoberta de pe-
pastoral de empreendedorismo com conformismo tróleo na Bacia de Campos, Macaé, a antiga “prin-
social. Porém, segundo Campos (1997) e Mariano cesinha do Atlântico”, viu-se catapultada para
(1999), desde o início o foco do projeto pastoral o centro de uma dinâmica econômica, cultural e
de Edir Macedo foi as camadas populares, em uma política de abrangência internacional. Com a ins-
composição ousada de empreendedorismo, revolta talação da base da Petrobrás em suas praias, não
e inquietude. Além disso, a alternativa pastoral de só a paisagem urbana sofreu ampla reformulação.
Edir Macedo é distinta do projeto católico, espe- Entre 1980 e 2001 população da cidade passou
cialmente porque este opera com uma noção de de 59 mil habitantes para mais de 120 mil (censo
popular como tradicional ou de raiz rural. Neste re- 1980 e 2001). Profissionais altamente qualificados,
gistro, como bem afirmou Patrícia Birman, o popu- vindos de diferentes lugares do Brasil e do exterior
lar está associado ao localismo: “[no catolicismo] as formaram a nova elite da cidade, sobrepondo-se à
representações do popular promovem uma imagem elite tradicional. Ao mesmo tempo, muitos migran-
‘limpa’ de uma ordem simbólica em que elementos tes com pouca qualificação chegaram a Macaé em
aparentemente díspares se encontram relacionados busca de emprego, atraídos pelas notícias que cir-
por traços de união provenientes de um território culavam na grande mídia. As oportunidades eram
embebido em tradicionalidade” (2003, p. 242). muitas, mas não para todos, e a população local se
Para o clero católico brasileiro (muitas vezes viu pressionada por um mercado de trabalho com-
composto por estrangeiros), as camadas populares petitivo e exigente. As periferias pobres cresceram
aproximam-se da alteridade “pura” e “inocente”. significativamente, sinalizando a dificuldade de
Em contrapartida, Edir Macedo concebe o “popu- acesso a recursos da modernidade para boa parte da
lar” como aquele que busca os signos de riqueza, renovada população.
opulência, cosmopolitismo e globalização. A IURD A igreja Universal instalou-se em Macaé em
dirige-se a essa audiência apresentando-se como 1993, mas só veio a inaugurar sede própria em
o canal social que garante de maneira eficiente o 2002. O Templo Maior, com capacidade para mais
acesso e a distribuição dos signos de modernidade de 1.200 pessoas, foi construído com recursos da
“a quem quer que a procure”. Não se imputa uma própria instituição e ganhou destaque na imprensa
relação de oposição entre “ser popular” e “moderni- local, como um indício da prosperidade da cidade
dade”, nem se atribui, ao popular, um lugar social e de sua “modernização”. Além disso, a igreja mar-
de inferioridade do ponto de vista simbólico. Com cou presença entre os habitantes da cidade ao ofere-
essa solução pastoral, Edir Macedo conseguiu fu- cer concepções cosmológicas e mecanismos rituais
rar o cerco da hegemonia católica, conquistando o que capacitavam os indivíduos a prosperarem por
maior crescimento da membresia em todos os tem- si próprios, incentivando o “empreendedorismo”
pos da história nacional.10 e o trabalho autônomo. Porém, distintamente da
Dados etnográficos ajudam a compreender Petrobrás, que tendia a descartar os trabalhadores
melhor a importância, neste projeto pastoral, de se “pouco qualificados”, a IURD incentivava sua au-
adquirir e acumular capital econômico e político no diência a buscar alternativas de empreendedorismo
sentido de criar alternativas de atualização da “men- não “tão de ponta”, para suprir demandas por servi-
sagem de prosperidade” para populações previa- ços e comércio nas franjas da indústria petrolífera.
mente excluídas do mercado. Ou seja, no esforço de Assim, incentivou-se a formação de redes de socia-
aproximação entre “modernidade” e localidade, além bilidade entre os frequentadores do Templo Maior
do aparato da mídia da Universal, são fundamentais por intermédio das quais iurdianos de diferentes
as mediações institucionais localmente situadas. Os estratos sociais eram encorajados a constituir pe-
dados a seguir foram coletados por Cláudia Swato- quenas empresas e iniciativas de serviço e comércio.
wiski em sua pesquisa de campo, entre 2005 e 2006, Ao mesmo tempo, o discurso de empreende-
na cidade litorânea de Macaé, situada no norte do dorismo da IURD estabelecia mediações com con-
estado do Rio de Janeiro (Swatowiski, 2009). cepções anteriores. Um bom exemplo é o de João,

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O projeto pastoral de Edir Macedo  89

fiel da IURD que conseguiu emprego em uma -colônias portuguesas e posteriormente da Ásia e de
plataforma de petróleo, mas que, diante da impos- países do Leste Europeu (Malheiros, 1996). Portu-
sibilidade de conciliar vida profissional e a manu- gueses que viviam no exterior também começaram
tenção de laços de família, optou por abandonar o a retornar à terra natal, atraídos pelas novas pers-
emprego. No caso, o empreendedorismo iurdiano pectivas. Depois de um longo período de “atraso”
com ênfase no trabalhador sacrificial se impôs sem (forma como se referem os portugueses à época do
sobrepor o valor do “dinheiro” sobre o valor cristão Estado Novo12), Portugal entrou em um processo
da família (Swatowiski, 2009). de abertura gradual.
Ainda que breves, essas referências etnográficas Nos primeiros anos de União Europeia, Por-
corroboram a percepção de que em um país como tugal, país periférico no contexto europeu, buscou
o Brasil a “modernidade” chega ou via a antiga elite recuperar o “tempo perdido”. A facilidade de crédi-
católica, – em geral, conformada com o padrão de to, de acesso a bens de consumo, de circulação pe-
desigualdade instituído –, ou via empreendedores los países vizinhos e de fluxo de informações gerou
internacionais e nova elite – em geral, atores social- euforia entre os portugueses, mas as possibilidades
mente desatentos aos excluídos do lugar. Diante de acesso a esta nova realidade não eram iguais para
dessa redoma de poder econômico, político e cul- todos. Passado o entusiasmo de um período de
tural, quando se busca a redistribuição das benesses grandes investimentos internacionais, muitos obs-
do capitalismo liberal de modo que os bens sociais táculos começaram a aparecer. Atualmente, na mí-
sejam acessíveis a uma população de baixa quali- dia, fala-se exaustivamente sobre a dificuldade dos
ficação, é importante contar, em nome de Deus, portugueses de honrar dívidas, da falta de empregos
com uma instituição religiosa que também se cons- e da situação delicada da população envelhecida.13
tituía como um conglomerado empresarial e uma Jovens bem qualificados saem do país, atraídos por
força política relevante. Em outras palavras, o pro- boas oportunidades em outros países da Europa.
jeto pastoral de Edir Macedo parece levar em con- Os imigrantes, que geralmente ocupam empregos
ta que, para que a teologia da prosperidade ganhe de menor qualificação, submetem-se a condições
sustentabilidade em países de desenvolvimento tar- desfavoráveis de trabalho.
dio, há que se “furar”, com certa agressividade, os Neste contexto a Universal procura criar inter-
constrangimentos regionais de acesso ao moderno. locução com um público que enfrenta “privação”.
Em campanhas14 realizadas pela IURD em Portu-
gal, a revolta, cuja manifestação é incentivada como
Portugal reconhecimento de uma condição indesejada, ga-
nha conotação de justiça e luto. Por exemplo, em
A IURD chegou a Portugal em 1989. Ini- outubro de 2008, a igreja realizou uma campanha
cialmente, diante da forte tradição católica com nacional na qual obreiros se vestiam de preto e pas-
privilégios no interior do Estado (garantidos pela tores e bispos reclamavam por justiça. Lembravam
Concordata de 1940, reformulada em 2004), a da citação bíblica “bem aventurados os que têm
IURD encontrou grande resistência. Para piorar a fome e sede de justiça, porque serão fartos” (Ma-
situação, de início adotou uma estratégia proseli- teus 5:6). A indignação poderia ter os mais variados
tista agressiva (Mafra, 2002), fato que resultou em motivos: desemprego, subemprego, doença, pobre-
uma mobilização social de crítica e rejeição “àquela za, problemas sentimentais e de família. O culto
igreja brasileira”. Ainda assim, a Universal conse- tornava-se o espaço para reivindicar direitos diante
guiu atrair um número significativo de pessoas em de Deus. Não apenas era preciso declarar sua insa-
Portugal, sendo a grande maioria de imigrantes.11 tisfação, como também marcar o luto15 por tudo
O momento era de crescimento econômico que se vivia, sinalizando que aquele pretendia ser
por conta da entrada do país na União Europeia em um rito de passagem para uma nova condição.
1986. Com isso, o fluxo de imigrantes aumentou Durante as reuniões, pastores e bispos esta-
significativamente – inicialmente vinham das ex- beleciam um paralelo entre a luta por justiça a ser

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praticada por cada fiel e aquela vivida institucional- Cabo Verde como colônias no continente africano.
mente. A campanha foi realizada no momento em O período foi marcado pelo surgimento de diferen-
que a IURD iniciava a construção do Centro de tes frentes políticas organizadas e militarizadas. Em
Ajuda Espiritual no Porto. A instituição arrecadava 1975, o Movimento Popular pela Libertação de
recursos para viabilizar as obras, e expressava, como Angola (MPLA), conquistou a independência e es-
slogan publicitário, sua luta: “não é justo pararmos tabeleceu um regime político inspirado no marxis-
no meio do caminho”. mo-leninismo. Porém, a vitória do MPLA não foi
O Centro de Ajuda Espiritual do Porto pode consensual, tornando-se motivo para outro longo
ser considerado a materialização de uma nova apre- período de guerras, de 1975 a 1991. Entre 1992-
sentação pública da IURD em Portugal. Seu pro- 1994 e 1998-2002 as guerras civis continuaram,
jeto arquitetônico revela um distanciamento do em cisões promovidas tanto por disputas políticas
imaginário religioso tradicional e uma aproximação como por questões econômicas.
com referenciais modernos e laicos. Isto significa As guerras tiveram efeitos devastadores em todo
que, depois de enfrentar forte resistência da so- país. Atualmente, os sistemas de abastecimento de
ciedade portuguesa à sua atividade, a igreja, desde água, eletricidade, saneamento básico e ensino são
1997, optou por rever sua postura no espaço públi- precários e circunscritos a poucas regiões. Ao lon-
co. Deixou de lado a lógica agonística, o discurso go das últimas décadas ocorreu uma intensa migra-
persecutório e o confronto declarado com a igreja ção de áreas rurais, inicialmente mais afetadas pelas
Católica, para adotar uma postura de competitivi- guerras, para a já saturada capital Luanda, que con-
dade, aproximando-se de referenciais hegemônicos centra atualmente cerca de 1/3 da população do país
e “modernos”. Em busca de legitimidade e de um (com aproximadamente 4 milhões de habitantes).
novo lugar social no contexto português, a Iurd Desde o fim das guerras, em 2002, o governo
reformulou o conteúdo e a programação visual de angolano concentra esforços para um projeto de
suas mídias,16 adotando novos nomes para as reuni- reconstrução nacional, solicitando a colaboração
ões da rotina semanal e para seus lugares de culto. em especial de grupos e instituições religiosas.17
As religiões são reconhecidas como estruturas ins-
titucionais voluntárias, com ramificações sociais
Angola importantes, e que poderiam cooperar em ações
assistenciais e humanitárias. Por isso não é estranho
O primeiro avanço do projeto missionário da que a IURD ganhe destaque neste cenário nacional
Universal na África aconteceu em 1991, com a ins- justamente por seu “braço de ação social”.
talação da igreja em Angola. Mesmo com as guer- Em pesquisa realizada no site da Agência de
ras civis, a Universal tem investido no país, e desde Notícias Oficial de Angola, Angop, entre as 174
1998 conta com a retransmissão do sinal da Rede notícias sobre ações sociais desenvolvidas no país de
Record de televisão (Fonseca 2003) e com uma pre- 2001 a 2010, cem referem-se a ações assistenciais
sença marcante de rádios AMs e FMs. A Universal e serviços civis prestados pela igreja Universal. Na
também investiu em uma rede de templos extensa. lista de ajudas prestadas às populações pela igreja,
Com o fim das guerras, sua expansão foi facilitada consta serviços de alfabetização, doação de alimen-
e, em 2004, os líderes da igreja vieram a público tos, de sangue, incentivo à votação, serviço civil,
anunciar que tinham chegado a todas as dezoito ajuda a idosos e até mesmo a doação de trombetas
províncias angolanas, com uma rede nacional de para a recepção de um evento esportivo continen-
124 templos (Freston, 2005). tal. A atuação da IURD em projetos sociais está tão
Angola é um país que acumula uma longa his- bem estabelecida que até mesmo autoridades go-
tória de guerras. Entre 1961 e 1974, o povo an- vernamentais podem reivindicar uma atuação cívi-
golano lutou pela independência política de Portu- ca para a igreja. Este foi o caso da governadora de
gal, que, sob o regime autoritário do Estado Novo, Luanda, Francisca do Espírito Santo que, em visita
mantinha Angola, Moçambique, Guiné-Bissau e a Catedral da Fé em Luanda, sugeriu que a igreja

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O projeto pastoral de Edir Macedo  91

abrisse um centro de formação profissional, reali- o corpo humano, também o dinheiro está para a
zasse registro de nascimento e a emissão de carteira obra de Deus”. Neste artigo, procuramos destacar
de identidade. Na mesma ocasião, ela aproveitou como esta atenção ao mercado em países com en-
a oportunidade para agradecer, pois “a palavra da trada tardia na economia capitalista mais compe-
igreja tem ajudado os angolanos na pacificação dos titiva levou Edir Macedo a incluir em seu projeto
espíritos, não apenas dos conflitos familiares, mas pastoral a projeção de uma instituição centralizada
também nos sociais”.18 e autoritária. Também argumentamos que a IURD
Desde seus primórdios, a IURD articulou as- é a extensão de um líder que deseja que a mensa-
sistência social com estratégias expansionistas (Ma- gem de cristianismo liberal seja acessível para popu-
chado, 2003). No Brasil, o assistencialismo institu- lações parcamente qualificadas em um o mercado
cional da IURD via ABC19 tornou-se tão eficaz que de trabalho competitivo e situadas em contextos
passou a afetar as redes tradicionais de clientelismo, nacionais relativamente periféricos na composição
do tipo patrão-cliente, ponto de apoio do poder po- do sistema capitalista global.
lítico tradicional no país. Neste novo assistencialis- Com base nas etnografias, foi possível consta-
mo, explica Machado, a IURD passou a funcionar tar que a igreja Universal demonstra “generosidade”
como uma força centrípeta de poder, pois novos de dois modos. Primeiro, formula campanhas que
atores políticos encontraram na estrutura eclesiás- respondem a especificidades individuais; segundo,
tica um modo de se projetar e, em contrapartida, autoidentifica-se no espaço público como uma ins-
ao serem bem-sucedidos nos processos eleitorais, tituição que contribui para o bem coletivo. Os tem-
esses políticos garantem a ampliação de influência plos e as catedrais são os primeiros indicadores desse
da igreja na política e no espaço público (Oro et al., tipo de ação: seus prédios são grandiosos, luxuosos
2003; Birman, 2006; Burity e Machado, 2005). e confortáveis, desenhados como espaços seguros
Em Angola, não temos dados suficientes para e multifuncionais (Gomes, 2004; Mafra e Swato-
afirmar que a IURD segue o mesmo artifício de re- wiski, 2008). São geralmente construídos em áreas
troalimentação circular assistencialismo institucio- urbanas decadentes e superpopulosas, criando um
nal e poder. Porém, se nos apoiarmos nas notícias contraste que amplifica a percepção de luxo e con-
da Angop, é evidente que a Universal já se afirmou forto. Além disso, a igreja se autoidentifica como
naquele país como uma instituição pública “doadora um conglomerado empresarial, cujas atividades de
de bens sociais”. Além disso, como se trata de um mídia (televisão, internet, rádio e gráfica) lhe permi-
país em processo de constituição de uma “comuni- tem um funcionamento autônomo e independente
dade imaginária”, onde questões relativas à pobreza, em uma rede globalizada. Atualmente, a Universal
à fragmentação social, à multiplicidade linguística e é uma das poucas igrejas cristãs com capacidade de
cultural são discutidas e disputadas, o projeto ins- produzir um circuito de mídia com “progressivas
titucional de Edir Macedo tende a aparecer como conexões entre atividades rituais ‘locais’ e outras
ideal para alguns segmentos sociais. À primeira vista, que saem das igrejas e ocupam os espaços públicos,
esse projeto parece suprir as demandas por moder- as avenidas, as praças e os estádios de futebol, que
nidade das populações locais , assim como responde ‘viajam’ pelo globo até acessar o seu destino final, o
às expectativas paternalistas das antigas e novas elites espectador” (Birman, 2003, p. 243).
via ações centralizadas e autoritárias. Por fim, a igreja Universal se faz visível nos
diferentes contextos nacionais como uma institui-
ção cujo objetivo é “aliviar o sofrimento dos que
Considerações finais sofrem”. Esta “instituição benevolente” doa bens
distintos de acordo com o tipo de privação publica-
Assim como os pastores Jerry Falwell e Ulf Ek- mente reconhecida em cada contexto nacional. Em
man, Edir Macedo tem uma percepção aguda das Portugal, por exemplo, a atenção volta-se para as
forças que regem o mercado. Tornou-se célebre sua pessoas de terceira idade; no Brasil, em diferentes
afirmação de que “assim como o sangue está para momentos enfatizou-se a pobreza do Nordeste, em

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especial, às populações que sofrem pela calamidade deiros cristãos devem desfrutar de uma excelente si-
da seca; em Angola, as ações sociais estão conecta- tuação financeira, de saúde, etc. no tempo presente”,
das com assistência de saúde e educação. invertendo, portanto, a expectativa tradicional da re-
lação do cristão com o “mundo”: de um excepciona-
Em suma, o projeto pastoral aqui delineado
lismo pelo sofrimento para um excepcionalismo pela
autoregula-se não tanto pelo fato de cada indiví-
abundância. No entanto, conforme demonstram
duo se reconhecer a si mesmo como um núcleo Susan Harding (2000) e Simon Coleman (2000,
de agência empreendedora, mas sobretudo pela 2006), várias outras dimensões da vida cristã passa-
capacidade da elite da igreja de formular progra- ram a demandar uma reelaboração teológica, a medi-
mas e doar benesses a formação dos indivíduos e da que os líderes evangélicos em diferentes contextos
das coletividades emergentes. Em outras palavras, aderiram a versões dessa teologia. Um bom exemplo
no projeto pastoral de Edir Macedo os indivídu- são as análises que Coleman (2006) realiza sobre a
os submetem-se a determinações da elite da igreja, relação entre as palavras e as coisas no pentecosta-
levando em conta valores de “solidariedade”, “con- lismo carismático e sobre o processo de santificação
dos líderes carismáticos.
fiança” e “dependência”.
3 As primeiras pesquisas, dissertações e teses desenvol-
vidas no Brasil sobre a igreja Universal chamaram
atenção exatamente para este aspecto.A teologia da
Notas
prosperidade, que até então só tinha penetração nas
camadas médias e médias baixas urbanas, tornava-se
1 Segundo o site oficial da igreja Universal no Brasil
atraente para alguns segmentos das camadas popula-
(<http://www.igrejauniversal.org.br>, consultado em
res (Lima, 2008; Campos, 1997; Mariano, 1999).
15.12.2009), a expansão internacional da IURD teve
início em 1980, com a instalação de um espaço de 4 Operamos com a distinção entre “individualização” –
cultos em Nova York. Porém, de acordo com o site referência a formação do indivíduo consolidado – e
da IURD em Portugal, a igreja se estabeleceu nos Es- “individuação” – referência ao processo multivariado
tados Unidos em 1986. Freston (2001) aponta que a e não linear de formação do indivíduo moderno (Du-
IURD começou a estabelecer, de fato, templos oficiais arte, 2006; Dumont, 1985).
fora do Brasil em 1985, quando abriu uma igreja no 5 Clientelismo pode ser definido como um sistema po-
Paraguai. Em 1989, além de Portugal, a IURD estabe- lítico de relações hierárquicas entre atores, ou grupo
leceu-se­na Argentina e no Uruguai. A expansão tor- de atores, que comandam uma distribuição desigual
nou-se mais intensa a partir dos anos de 1990. Esti- de recursos, envolvendo benefícios mútuos nas tran-
ma-se que, em 1995, havia 221 templos instalados no sações (Holanda, 1936; Leal, 1948, 1980; Carvalho,
exterior; em 1998, este número aumentou para 500; 1966, 1997; Diniz, 1982; Martins Filho, 1984, entre
e, em 2001, atingiu a marca de mil templos. Segun- outros).
do o site da Universal no Brasil a igreja mantém hoje 6 Forma de dominação pessoal e arbitrária que controla
mais de 4.700 templos em 172 países. Pode-se dizer o acesso a recursos estratégicos.
que, na maioria deles, sua implantação é simbólica, na 7 A expressão “ideologia semiótica” é uma derivação
medida em que mantém poucos templos e sua pene- do conceito de “ideologia linguística”, que descreve
tração é bastante restrita. Portugal, contudo, está en- a experiência dos povos com a linguagem de modo
tre os países em que a IURD alcançou uma expansão geral e, em particular, nos efeitos produtivos da cons-
significativa, juntamente com Argentina, Venezuela, ciência reflexiva dos falantes de uma comunidade de
Reino Unido, Costa do Marfim, Moçambique, África linguagem compartilhada (Schieffelin et al., 1998).
do Sul e Estados Unidos (Oro et al., 2003). Portu- Para entender a relação entre signos, pessoas e obje-
gal foi considerado uma porta de entrada estratégica tos, Webb Keanne propôs o conceito de “ideologia
para a Europa e para a “fila” dos migrantes portugue- semiótica”, que em suas palavras significa “o conjun-
ses espalhados por aquele continente (Aubrée, 2000; to total de práticas envolvendo palavras e coisas no
Mafra, 2002). mesmo enquadramento” (2007, pp. 19-20). Mesmo
2 Esta pode ser identificada pela adesão à teologia da não fazendo referência direta ao conceito, Susan Har-
prosperidade ou à confissão positiva, porém não se ding e Simon Coleman explicitam, em seus estudos
reduz a isto. Originalmente, postula que os “verda- sobre a teologia de Falwell e Ekman, processos sociais

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O projeto pastoral de Edir Macedo  93

que poderiam ser adequadamente reconhecidos como 16 Em Portugal, a igreja Universal mantém programa-
“ideologias semióticas carismáticas”. ção regular na TV Record Internacional e em diversas
8 Utilizamos a noção de modernidade cientes de sua rádios locais espalhadas pelo país. Publica a Folha de
construção como metanarrativa elaborada a partir de Portugal, impresso semanal com tiragem de 50 mil
referências europeias que se sobrepõem às múltiplas exemplares, e a revista Plenitude, com tiragem mensal
modernidades locais (Englund e Leach, 2000). de 40 mil exemplares.
9 Danièle Hervieu-Léger, no livro O peregrino e o 17 A relação entre o Estado angolano e as igrejas mo-
convertido (1999), afirma que as religiões no Oci- dificou-se significativamente desde 1975, quando o
dente, cuja validade institucional se fundamentara governo assumiu uma postura antirreligiosa. Naque-
em torno do modelo paroquial territorial, encon- la época ocorreu perseguição aos religiosos católicos,
tram-se, atual­mente, em completo remanejamen- protestantes, cristãos africanos, testemunhas de Jeo-
to. Dois novos modelos de adesão religiosa, a do vá (Henderson, 1990) e provavelmente às religiões
“convertido” (mais próxima do modelo paroquial) tradicionais. Atualmente o MPLA busca apoio das
e a do “peregrino” (com uma institucionalização instituições religiosas para garantir a governabilidade.
muito frouxa) surgiram. O paradoxo que estamos Ao lado da IURD, o Kimbanguismo destaca-se como
apontando é que a igreja Universal parece conviver “parceira” em diferentes ações governamentais (Sarro,
perfeitamente bem com uma grande maioria de Blanes e Viegas, 2008).
freqüentadores próximos ao modelo do peregrino, 18 “Governadora de Luanda apela ao espírito da tolerân-
afirmando, nesta mesma medida, seu desenho insti- cia”. Disponível em <http://www.portalangop.co.ao/
tucional hierárquico e centralizado. Hervieu-Léger, motix/pt_pt/especiais/eleicoes/2008/7/35/Gover-
por sua vez, supõe que haveria uma afinidade eletiva nadora-Luanda-apela-espirito-tolerancia,a0f877d4-
entre o “peregrino” e o modelo frouxo e descontí- -414b-4835-a2ae-6f5af02529ac.html>, consultado
nuo das “redes sociais”. em 20.5.2010.
10 Segundo o Censo 2000 (Instituto Brasileiro de Geo- 19 Criada em 1994 sob o lema “Caridade não tem re-
grafia e Estatística), a IURD tinha 2.101.887 mem- ligião”, a Associação Beneficente Cristã (ABC) é
bros, o que significa que a igreja converteu 11,69% responsável pelas principais atividades e projetos as-
dos pentecostais do país em três décadas. Estima-se sistencialistas desenvolvidos pela Igreja Universal no
que, em 2000, os pentecostais fossem 17.975.249 ou Brasil e no exterior.
15,6% da população nacional.
11 Hoje em dia, a Universal mantém cerca de 110 luga-
res de culto em Portugal. Disponível em <www.iurd. Bibliografia
pt>, consultado em 19.5.2010.
12 Em 1933 o Estado Novo foi estabelecido em Portu- ALMEIDA, Ronaldo de. (2009), A Igreja Universal
gal, somente derrubado em 1974, com a revolução do Reino de Deus e seus demônios. São Paulo,
de 25 de abril. Nesse período Antonio Salazar, líder Terceiro Nome.
popular e autoritário, conduziu um governo marcado
AUBRÉE, Marion. (2000), “La diffusion du pen-
pelo conservadorismo e nacionalismo.
tecôtisme brésilien en France et en Europe: le
13 Nas últimas décadas, Portugal tem registrado um rit-
cas de l’IURD”, in C. Lerat e B. Rigal-Cellard
mo de envelhecimento populacional superior a outros
países europeus. Embora atualmente a população do
(eds.), Les mutations transatlantiques des reli-
país não seja a mais idosa no contexto europeu, é a gions, Bordeaux, PUB.
que envelhece mais rapidamente (Barreto, 2000). Em BARRETO, António. (2000), A situação social em
2001, 16,35% da população de 10.356.117 habitan- Portugal, 1960-1995. Lisboa, Imprensa de Ci-
tes tinha mais de 65 anos (INE). ências Sociais.
14 As campanhas são intervalos em que as práticas ritu- BIALECKI, Jon; HAYNES, Naomi & ROBBINS,
ais cotidianas ganham força perante metas específicas, Joel. (2008), “The anthropology of Christiani-
tendo uma temática como fio condutor. ty”. Religion Compass, 2 (6): 1139-1158.
15 Na contexto português, as práticas de luto são vividas BIRMAN, Patrícia. (2003), “Imagens religiosas e
com relativa intensidade. projetos para o futuro”, in P. Birman (ed.), Re-
ligião e espaço público, São Paulo, Attar.

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96  REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 27 N° 78

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192  REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 27 N° 78

O projeto pastoral THE pastoral Project OF Le projet pastoral de


de Edir Macedo: Uma Edir Macedo: a caring Edir Macedo: UNE ÉGLISE
igreja benevolente para Church for aspiring BÉNÉVOLENTE POUR DES
indivíduos ambiciosos? individuals INDIVIDUS AMBITIEUX?

Clara Mafra, Claudia Swatowiski e Clara Mafra, Claudia Swatowiski and Clara Mafra, Claudia Swatowiski and
Camila Sampaio Camila Sampaio Camila Sampaio

Palavras-chave: Cristianismo; Teologia Keywords: Christianity; Theology of Mots-clés: Christianisme; Théologie de


da prosperidade; Religiosidade transna- prosperity; Secularism; Transnational re- la prospérité; Religiosité transnationale;
cional; Secularismo. ligiosity. Sécularisme.

Neste artigo, discute-se a singularidade This article discusses the particularity of Cet article aborde la singularité du projet
do projeto pastoral de Edir Macedo, líder the theological project of Edir Macedo, pastoral de Edir Macedo, chef de l’Igreja
da Igreja Universal do Reino de Deus. leader of The Universal Church of the Universal do Reino de Deus (Église Uni-
Esse projeto tem em vista um modelo Kingdom of God. The authors propose verselle du Royaume de Dieu). Ce projet
de regulação social altamente sedutor em that this group operates according to an suit le modèle de régulation sociale hau-
sociedades neoliberais com larga presen- institutional and social regulatory model tement séducteur dans les sociétés néoli-
ça de economias informais. De um lado, that is highly seductive in neoliberal so- bérales avec une large présence d’écono-
o modelo supõe o desenvolvimento de cieties with large informal economies. mies informelles. D’une part, le modèle
uma instituição que divulga um discur- The church presents a moral discourse suppose le développement d’une insti-
so moral que refuta o individualismo that refutes ‘narcissistic’ and ‘corrupt in- tution qui divulgue un discours moral
“narcisista” e “corrupto”, e oferece, como dividualism,’ and offers as an alternative qui rejette l’individualisme “narcissiste”
alternativa, rituais que promovem o em- rituals that promote sacrificial entrepre- et “corrompu”, et offre comme alterna-
preendedor sacrificial, disciplinado e vol- neurs who are disciplined and dedicated tive des rituels qui font la promotion de
tado para a família. De outro lado, supõe to family. It is also expected that the elite l’entrepreneur sacrificiel, discipliné et
que a elite clerical ofereça acesso a “bens of the Universal Church provides access dédié à la famille. D’autre part, il sup-
sociais” para a grande maioria dos fre- to ‘social goods’ for the vast number of pose que l’élite cléricale offre l’accès à des
qüentadores. Nesse sentido, argumentam churchgoers. In these ways the authori- “biens sociaux” pour une grande majorité
as autoras, a natureza autoritária da igreja tarian nature of the church is support- des fidèles. Ainsi, les auteurs de l’article
é sustentada por uma expectativa de tu- ed through an expectative of tutelage. défendent que la nature autoritaire de
tela por parte das populações. Apoiadas Drawing on data from Brazil, Portugal, l’église est soutenue par une espérance de
em dados coletados em Brasil, Portugal and Angola, the authors also discuss the tutelle de la part des populations. Ayant
e Angola, as autoras ponderam sobre a relationship between an ideal of social pour base des données collectées au Bré-
relação entre ideal de responsabilidade responsibility, the regional political cul- sil, au Portugal et en Angola, les auteurs
social, cultura política regional e manu- tures and the maintenance of hierarchical pondèrent sur le rapport entre l’idéal de
tenção de um poder pastoral hierárquico and authoritarian pastoral power at the responsabilité sociale, de culture poli-
e autoritário como o da Igreja Universal. Universal Church. tique régionale et de maintien d’un pou-
voir pastoral hiérarchique et autoritaire
comme celui de l’Igreja Universal.

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