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Biblioteca Nacional de Portugal

– Catalogação na Publicação
TÁCITO, ca 56-120 d.C.
Anais. - 1ª ed. - (Extra-coleção)
ISBN 978-989-566-244-9
CDU 94(37)”00/01”(093.2)

Esta actividade é financiada por Fundos Nacionais através da


FCT – Fundação para a Ciência e a Tecnologia, I.P., no âmbito
do projecto UIDB/00019/2020
Este trabalho é financiado por fundos nacionais através da
FCT – Fundação para a Ciência e a Tecnologia, I.P., no âmbito
dos projectos UIDB/04311/2020 e UIDP/04311/2020

Imagem da capa
Georges Antoine Rochegrosse
The Death of Messalina

Título Anais
Autor Tácito
Tradução José Liberato Freire de Carvalho
Edição, introdução, notas e índices Ricardo Nobre
Prefácio Nuno Simões Rodrigues
Coordenação Maria Cristina Pimentel
Editor Fernando Mão de Ferro
Capa Raquel Ferreira
Depósito legal n.º 506 900/22

Lisboa, Novembro de 2022


ÍNDICE

Prefácio: O Tempo de Tácito


Nuno Simões Rodrigues ..................................................................... 7

Introdução
Ricardo Nobre .................................................................................. 21

Critérios da edição.............................................................................. 45

Anais de Cornélio Tácito .................................................................... 47

Livro Primeiro .................................................................................... 49

Livro Segundo .................................................................................... 93

Livro Terceiro .................................................................................. 135

Livro Quarto ..................................................................................... 173

Livro Quinto ..................................................................................... 217

Livro Sexto ....................................................................................... 221

Livro Undécimo ............................................................................... 253

Livro Duodécimo ............................................................................. 273

Livro Décimo Terceiro ..................................................................... 305

Livro Décimo Quarto ....................................................................... 337

Livro Décimo Quinto ....................................................................... 371

Livro Décimo Sexto ......................................................................... 411

Índice de Nomes Próprios e Notas ................................................... 429


PREFÁCIO

O TEMPO DE TÁCITO

Nuno Simões Rodrigues*

1. Tendo nascido cerca de 56 e muito provavelmente morrido em 120 d. C.,


Públio Cornélio Tácito viveu os tempos de várias dinastias imperiais romanas.
Quando o historiador nasceu, Nero era príncipe de Roma havia pouco tempo;
quando morreu, Adriano estava no poder havia apenas três anos. Isto significa que
Tácito conheceu a governação das dinastias júlio-cláudia e flávia, viveu o inter-
regno conhecido como «Ano dos Quatro Imperadores» (69 d. C.) e era já um
homem maduro quando Trajano e Adriano ocuparam o trono imperial e se cria-
ram as condições para a acessão dos Antoninos, em 138 d. C., e com eles o apo-
geu do Império Romano. Todos estes factores históricos ecoam na obra de Tácito.

2. A infância de Tácito decorreu no final da chamada dinastia júlio-cláudia.


Muito provavelmente vítima de conspiração política e de homicídio, Cláudio,
neto de Marco António e de Octávia (irmã de Augusto) por via materna, e neto
de Lívia Drusila (mulher de Augusto) pelo lado paterno, morreu em 54. É
possível que Agripina Menor, sua sobrinha e quarta mulher, tenha estado por
detrás da conspiração que levou o imperador à morte. Entre os vários argumen-
tos que os historiadores têm apresentado para esta leitura da morte de Cláudio
está a informação transmitida pelo próprio Tácito nos Anais (12.66-7), mas
também o facto de, ao imperador cessante, ter sucedido o seu sobrinho-neto,
enteado e filho adoptivo Nero, e não Britânico, o filho que Cláudio tinha tido da
sua terceira mulher, Valéria Messalina.
Os primeiros cinco anos do principado de Nero ficaram historiograficamente
conhecidos como Quinquennium Neronis. Assim os terá designado o imperador
Trajano (Aur. Vic., de Caes. 5), ao reconhecer a qualidade dos primeiros anos

* Universidade de Lisboa. CH e CEC-ULisboa/CECH-UC | nonnius@letras.ulisboa.pt |


ORCID: 0000-0001-6109-4096
Estudo financiado por Fundos Nacionais através da FCT – Fundação para a Ciência e a
Tecnologia, I.P., no âmbito dos projectos UIDB/04311/2020 e UIDP/04311/2020 do
Centro de História da Universidade de Lisboa; e UIDB/00019/2020 e UIDP/00019/2020 do
Centro de Estudos Clássicos da Universidade de Lisboa.
8 NUNO SIMÕES RODRIGUES

da governação imperial do jovem Nero, ainda que haja, desde há muito, um


extenso debate sobre o sentido dessa expressão1. A julgar pelas fontes, Nero
começou por fazer um discurso ao senado, escrito por Séneca, no qual prometia
aos senadores seguir o exemplo de Augusto. Com efeito, nestes textos, como
para uma facção muito significativa da época, Augusto era o modelo de príncipe
a seguir e os exemplos que lhe sucederam, nomeadamente Tibério e Gaio Calí-
gula, estavam longe de corresponder a esse modelo desejado. Assim, nos pri-
meiros anos, Nero parece ter respeitado o senado como instituição, assim como
a autoridade dos senadores, de acordo com o espírito ainda republicano da velha
Roma. Esses primeiros anos também terão sido positivamente influenciados
pelo seu mestre, o filósofo Séneca, e pela própria mãe, Agripina Menor, que, no
entanto, teria uma agenda política própria. Nero terá ido ao encontro dos desejos
de parte significativa dos Romanos ao divinizar Cláudio, o que também preten-
dia demonstrar um distanciamento do que era no mínimo uma morte suspeita.
Culturalmente, o príncipe sempre se manteve próximo das correntes helénicas,
visíveis, por exemplo, na sua afeição a Apolo, deus grego das Artes, e no gosto
que nutria pela poesia dramática e épica de inspiração grega, quer ao nível dos
modelos estéticos quer das temáticas. São várias as fontes que dão conta desse
facto. A nomeação de funcionários competentes para a administração dos terri-
tórios imperiais parece ter contribuído também para essa primeira imagem da
governação neroniana.
Esta situação parece alterar-se significativamente c. 59 d. C., quando Nero se
mostra próximo de Popeia Sabina, uma matrona de famílias politicamente
proeminentes, casada em segundas núpcias com Marco Sálvio Otão (mais tarde,
também ele aclamado imperador de Roma). Ao envolver-se amorosamente com
Popeia, Nero afastou Otão da corte e fê-lo governador da Lusitânia, para onde
veio. Quando afirmamos que a tendência da governação neroniana parece ter
mudado nesta ocasião, não pretendemos dizer que isso se tenha devido exclusi-
vamente à aproximação de Popeia Sabina. Essa relação é que parece ser um dos
sintomas da mudança. Com efeito, já em 55 d. C., Nero eliminara definitiva-
mente qualquer eventual concorrência ao envenenar o «meio-irmão» e cunhado
Britânico. Esta acção, segundo lemos nas fontes, parece ter horrorizado
Agripina Menor, que doravante passa a ser também persona non grata para o
príncipe. Agripina será assassinada em 59 d. C., eventualmente a mando, ou
pelo menos com o conhecimento, do próprio filho, depois de se opor publica-
mente ao divórcio do príncipe, que pretendia casar-se com Popeia. A Agripina
junta-se Octávia, a primeira mulher de Nero, filha de Cláudio e de Messalina e
irmã de Britânico. Octávia será executada em 62 d. C., depois de o imperador se
ter divorciado dela. Este conjunto de dados diz-nos que as facções políticas na
corte de Nero estavam a mudar e que o «partido de Agripina», chamemos-lhe

1 Vide e. g. Anderson & Haverfield (1911).


PREFÁCIO 9

assim, estava a perder terreno para as «novas» influências de Nero, entre as


quais se contam Popeia Sabina; Gaio Ofónio Tigelino, o praefectus uigilum e
prefeito do pretório nomeado por Nero em 62; e os libertos Esporo e Pitágoras.
Burro, Séneca e Petrónio, que haviam sido pilares da governação de Nero no
início do principado, acabaram por ser também afastados e mesmo eliminados.
As intrigas de corte e, sobretudo, a situação político-económica do império
durante o principado de Nero levaram a um descontentamento crescente entre as
elites e as massas. Com efeito, a partir de determinada altura, Nero parece ter-se
preocupado muito pouco com as estruturas imperiais e as conjunturas económi-
cas. As artes parecem ter sido o centro da sua atenção, e o incêndio que defla-
grou em Roma em 64 d. C., e que destruiu dois terços da cidade, transformou-se
em mais uma oportunidade para o príncipe se concentrar nesses aspectos, ao
supervisionar a reconstrução da cidade. Por outro lado, questões da maior
importância política, como a revolta de Boudica na Britânia e as guerras no
limes oriental do império, nomeadamente com os Partos, parecem ter sido
secundarizadas. A situação não podia durar muito mais tempo, com a agravante
de que as lesões económicas levaram a uma desvalorização considerável da
moeda, o que teve um impacte imediato nas populações. Ainda assim, Nero
conseguiu angariar simpatias entre as massas, ao promover ludi e outros espec-
táculos que eram de particular agrado para os populares. Mas as elites, econó-
micas, jurídicas e culturais, não se deixaram convencer.
Houve uma primeira tentativa de afastar Nero do poder, em 65 d. C. O golpe
ficou conhecido como «Conjura de Pisão», mas saldou-se num desastre. Na
sequência do falhanço, vários membros das elites foram perseguidos e executa-
dos. Entre eles: o próprio Calpúrnio Pisão, que pertencia à aristocracia; o filóso-
fo Séneca e o poeta Lucano, seu sobrinho. Depois, foi a vez de Petrónio, Ostório
Escápula, Trásea Peto e Bárea Sorano. Todos estes homens pertenciam à elite
romana. Todos eles foram eliminados por Nero. Por fim, a própria Popeia
Sabina foi afastada. Suetónio conta que Nero a matou com um pontapé, estando
ela grávida dele (Nero 35.3).
Nero ainda se casou uma terceira vez, em 66 d. C., com Estatília Messalina,
mas não esteve muito tempo casado. Por essa altura, já Nero teria perdido o
controlo das suas acções políticas, fomentando homicídios e suicídios por toda a
estrutura imperial, assim como rebeliões e crises económicas que resultavam em
aumentos do preço do trigo com todas as suas consequências sociais. Por fim,
em 68 d. C., quando estava na Grécia, a situação política agudizou-se. Na Gália,
Víndex liderou uma revolta contra o príncipe, que teve alguns apoios significa-
tivos, mas que foi neutralizada. Na Hispânia, porém, o governador Galba decla-
rou-se sucessor de Nero, assim nomeado pelo povo e senado romanos. Em
África, foi Lúcio Clódio Macro que se rebelou, bloqueando o abastecimento de
trigo a Roma. O descontrolo estava instalado e a Nero não restavam muitas
opções. O senado declarou-o inimigo público de Roma e do povo romano e, em
10 NUNO SIMÕES RODRIGUES

68 d. C., o último dos Júlio-Cláudios a exercer o poder imperial suicidou-se. As


últimas palavras que Suetónio lhe atribui tornaram-se célebres: qualis artifex
pereo («Morro como um artista!», Nero 49.1)2. Tácito teria cerca de doze anos
quando Nero morreu e faz eco de muitos dos acontecimentos deste tempo na
sua obra, nomeadamente nos Anais. Outros grandes autores latinos viveram e
morreram no período neroniano, nomeadamente os referidos Petrónio, Séneca e
Lucano.

3. Depois da morte de Nero, Roma passou por um processo de instabilidade


política, de curta duração, mas suficientemente significativo para ter ficado
conhecido na História como «O Ano dos Quatro Imperadores». Com efeito, em
69 d. C., houve não um, mas quatro candidatos ao poder imperial que vieram de
facto a ser reconhecidos como príncipes por apoiantes, sobretudo militares,
espalhados pelas várias regiões do Império. Na prática, Roma viveu nesse ano
um clima de autêntica guerra civil.
Um dos imperadores proclamados em 69 d. C. foi Sérvio Sulpício Galba.
Este velho general romano que na época governava a Hispânia Tarraconense
começou por apoiar Víndex, que encetara a rebelião na Gália. Esse apoio foi o
primeiro sinal de que o que estava para vir seria política e militarmente intenso
para Roma, pois se Víndex não passava de galo-romano, Galba era alguém
próximo da casa imperial, que granjeara prestígio nos principados de Gaio e
Cláudio, sobretudo. Além disso, Galba reunia todas as condições de «romanida-
de» para ser reconhecido princeps: austeridade e rigor, ascendência familiar,
cumprimento de obrigações e de serviço ao império, sentido de dever, de fides e
de pietas. A traição a Nero justificava-se com o comportamento do filho de
Agripina, inaceitável para os ideais da velha Roma. A rebelião gaulesa de
Víndex foi sufocada por um dos comandantes da Germânia Superior, o que leva
Galba ao desalento. Ainda assim, o velho general romano avança para Roma, na
esperança de reunir apoios suficientes para ser proclamado príncipe, o que
efectivamente acontece. Mas, uma vez sentado no trono imperial, Galba vê-se
forçado a tomar medidas impopulares, que tentavam sobretudo revogar as
acções pouco ponderadas de Nero. É Tácito, precisamente, quem sugere que
Galba era um excelente cidadão romano, mas não um bom imperador, quando
nas Histórias escreve: et omnium consensu capax imperii nisi imperasset («na
opinião de todos, capaz para o Império, se não tivesse sido imperador», 1.49).
Galba falhou relativamente aos pretorianos, o que à partida o colocou em situa-
ção politicamente frágil. Por outro lado, os legionários estacionados na Germâ-
nia Superior recusaram-se a apoiar um imperador assim proclamado na Hispâ-
nia. Em causa estavam também as rivalidades territoriais. Por fim, os exércitos

2 Há imensa bibliografia sobre o principado de Nero. A título de exemplo, referimos as


excelentes análises de Griffin (1984) e Cizek (1982).
PREFÁCIO 11

que ocupavam a Germânia Inferior também se envolveram, e Galba perdeu


definitivamente apoios significativos à sua continuação no poder. No início de
69 d. C., Galba e alguns dos seus apoiantes foram assassinados no foro romano.
Outro dos homens a ser proclamado imperador em 69 d. C. foi Marco Sálvio
Otão, antes governador da Lusitânia (58-68 d. C.), designado por Nero, aquando
do envolvimento do príncipe com Popeia Sabina. Na verdade, Otão foi impera-
dor apenas por três meses. De origem patrícia, Otão foi próximo de Nero, mas
acabou por apoiar Galba, quando o príncipe júlio-cláudio começou a ser rejeita-
do nos círculos senatoriais e militares. Há que recordar que Galba, que não tinha
filhos, era governador da Tarraconense e Otão da Lusitânia, o que por certo os
aproximara. Muito provavelmente, Otão esperava ser proclamado sucessor
oficial de Galba, mas este designou um jovem Pisão para esse efeito ao invés de
Otão, o que fez com que o governador da Lusitânia se desiludisse com o apoio e
convencesse membros da Guarda Pretoriana a assassinar Galba. Otão contava
também com o apoio dos pretorianos para ser proclamado imperador. O ex-
-governador da Lusitânia granjeou de facto alguns apoios no senado e no exérci-
to, mas as legiões estacionadas na Germânia preparavam-se para proclamar
Vitélio imperador de Roma, marchando em direcção à Vrbs de modo a efectivar
o seu apoio. Os apoiantes de Vitélio defrontaram os de Otão em Cremona e
aqueles lograram vencer. Derrotado, Otão suicidou-se em Abril de 69 d. C.
Vitélio foi o terceiro imperador desse ano. Os seus apoiantes eram sobretudo
os legionários estacionados na Germânia Inferior, da qual fora nomeado legado,
em 68 d. C. Parte desse apoio assentava nas origens do próprio Vitélio, que fora
próximo de Gaio, de Cláudio e de Nero, e desempenhara as funções de cônsul
em 48 d. C., no tempo de Cláudio, e de procônsul da África, em 61 d. C. já no
tempo de Nero. Os historiadores antigos traçam um retrato pouco simpático de
Vitélio, salientando-lhe os vícios. Com efeito, apesar dos traços de carácter
pouco «romanos», Vitélio surge como um bon vivant, o que em certa medida
terá agradado aos legionários, como mostram os apoios que recebeu não apenas
dos estacionados na Germânia, mas também de outros, espalhados pela Gália,
pela Hispânia e pela África. Na sequência do confronto com as forças apoiantes
de Otão em Cremona, Vitélio derrotou-as e marchou sobre Roma. Depois da
morte de Otão, o senado reconheceu Vitélio como princeps. Tudo parecia
encaminhar-se para que Vitélio se instalasse no trono imperial sem mais concor-
rência até que as tropas que acompanhavam Vespasiano no Oriente o aclama-
ram imperador, em Julho desse mesmo ano. As dificuldades começaram a
revelar-se então para Vitélio, que rapidamente ficou sem meios para pagar aos
soldados que lhe manifestavam o seu apoio. Em parte, isso é perceptível no
facto de o imperador se ter visto obrigado a demitir a tradicional guarda preto-
riana e a substituí-la por um corpo de coortes de legionários da Germânia.
Acresce ainda o facto de Vitélio ter eliminado alguns dos centuriões estaciona-
dos na Germânia que se haviam colocado ao lado de Otão. Essa decisão custou
12 NUNO SIMÕES RODRIGUES

caro a Vitélio, pois parte dos legionários não a entendeu ou sequer aceitou. No
final do ano, as tropas de Vespasiano chegaram a Roma e muitos dos soldados
que antes haviam apoiado Vitélio abandonaram-no para se colocarem ao lado
daquele. Incapaz de firmar qualquer tipo de acordo com a facção flávia, Vitélio
foi destituído e assassinado no final de 69 d. C. Por sua vez, Vespasiano era
confirmado imperador de Roma. Nessa ocasião, Tácito deveria ter entre quinze
e dezassete anos, estando, portanto, a entrar na adulescentia e a receber a toga
uirilis. A sua obra, nomeadamente as Histórias, regista parte significativa dos
acontecimentos do Ano dos Quatro Imperadores3.

4. A segunda dinastia imperial romana começa com o quarto imperador de


69 d. C., Tito Flávio Vespasiano. De origem equestre, a família Flávia mantive-
ra, ainda assim, alguma proximidade com o poder no período que vai de Tibério
a Nero. Segundo as fontes, um dos libertos ao serviço de Cláudio, Narciso, foi o
grande promotor de Vespasiano, tendo-lhe conseguido o comando de uma
legião aquando da ocupação da Britânia, em 43 d. C. Em 51, os esforços políti-
cos foram recompensados com a eleição para o exercício do consulado, como
consul suffectus. Data desse período a presença mais assídua na corte imperial.
Tito, um dos filhos que Vespasiano tivera da sua mulher Flávia Domitila, em 39
d. C., será próximo de Britânico, o filho de Cláudio e Messalina que Nero viria
a eliminar. Em 62, Vespasiano foi nomeado procônsul da província da África e,
em 66, acompanhou Nero na derradeira viagem que este imperador fez à Grécia.
As fontes contam que, por nessa ocasião, Vespasiano caiu em desgraça perante
Nero, que o afastou do círculo imperial. Talvez essa mesma circunstância tenha
motivado o príncipe a enviar Vespasiano para a Judeia com o objectivo de
neutralizar as sucessivas insurreições que ali se verificavam e que faziam do
território um dos mais difíceis de lidar em termos político-administrativos. De
qualquer modo, foi também essa nomeação que determinou o destino político de
Vespasiano. Com efeito, depois de apoiar sucessivamente as proclamações de
Galba, Otão e Vitélio, Vespasiano assumiu-se ele próprio candidato à púrpura
imperial. Para isso, Vespasiano contou com aliados poderosos, como o prefeito
do Egipto, Tibério Júlio Alexandre, um eques e general de origem judaica que
viria a ser central na aclamação do Flávio. Com efeito, dominando Alexandria,
Júlio Alexandre controlava a saída de trigo dali para Roma, o que era uma arma
eficaz para a luta política que então se travava. Nas Calendas de Julho do ano
69, Vespasiano foi aclamado imperador pelas suas tropas e pelas estacionadas
na região do Danúbio. Em Outubro desse ano, as tropas de Vespasiano derrota-
ram as de Vitélio, em Bedríaco, no Norte de Itália. No final do ano, o senado
romano confirmou o estatuto de Vespasiano como princeps. O governo de
Vespasiano caracterizou-se pela consolidação do poder e pela austeridade

3 Da muita bibliografia sobre o tema, destacamos Brandão (2020) e Wellesley (2001).


PREFÁCIO 13

política e económica, exigida também pela situação em que Nero havia deixado
a economia imperial. Vespasiano percebeu a importância do Egipto como
província imperial e tirou partido disso. Foi também relevante o controlo da
Judeia, através do domínio de Jerusalém, cidade que veio a ser tomada por Tito,
o filho do imperador, em 70 d. C. As reformas militares que levou a cabo, e das
quais se destaca o facto de ter proibido a fixação de tropas nos territórios de
onde eram originárias, foram também cruciais para o êxito da governação deste
Flávio, que se manifestou do mesmo modo na quantidade de obras públicas que
então se fizeram. A mais célebre de todas elas terá sido, eventualmente, a cons-
trução do grande Anfiteatro Flávio, no mesmo lugar onde antes se erguera a
Casa Dourada de Nero e de cuja inauguração o poeta Marcial nos deixou teste-
munho. O facto de o principado de Vespasiano ter durado dez anos revela que a
nova dinastia se instituíra com êxito.
Em 79, depois da morte de Vespasiano, ascendeu ao principado Tito, seu
filho mais velho, cujo governo viria a ser o mais curto desta dinastia: apenas
dois anos (79-81 d. C.). Na verdade, a acessão de Tito vinha a ser preparada
pelo pai dele havia já algum tempo. Desde cedo, o jovem Tito foi associado ao
poder, através do exercício do consulado juntamente com o pai (aconteceu seis
vezes), mas não só. Também a censura foi exercida em conjunto por pai e filho.
Grande parte da vida de Tito foi passada no exército, tendo sido inclusive
nomeado Prefeito do Pretório pelo seu pai. Com efeito, o segundo imperador
flávio foi essencialmente um soldado e a sua intervenção na Judeia tornou-se
quase um símbolo da sua acção política, não sendo alheio a isso o facto de, após
a conquista de Jerusalém, as suas tropas o terem aclamado Imperator. Even-
tualmente, Tito poderá ser visto como um «imperador bom», por oposição aos
«imperadores maus», como Tibério, Gaio, Nero ou Domiciano. No entanto, há
que não esquecer que Tito governou apenas dois anos, o que significa que
pouco tempo teve para consolidar uma imagem política mais bem definida.
Recordemos que bastaram os dois anos de governação para que dois casos
«maculassem» a sua popularidade: a forma como neutralizou a alegada conspi-
ração de Éprio e Cecina, e o seu envolvimento amoroso com Berenice, uma
princesa judia da Casa dos Herodianos, que fez regressar a Roma fantasmas
relacionados com o que um século antes tinha acontecido com Marco António e
Cleópatra. Na verdade, o caso Berenice aconteceu ainda durante o principado de
Vespasiano e Tito ter-se-á afastado da judia quando assumiu o trono imperial,
cedendo à pressão da opinião pública. Mas isso não impediu que a sombra do
caso pairasse sempre sobre a sua cabeça. Ainda assim, Tito parece ter mantido
um princípio essencial para a boa governação romana: o respeito pelo senado.
Para tão pouco tempo de governação, Tito teve de enfrentar grandes adversida-
des, desde a erupção do Vesúvio, em 79 d. C., que arrasou as cidades campa-
nianas de Pompeios, Herculano e Estábias, até ao incêndio e peste de Roma, em
80 d. C. Tito morreu no ano seguinte, jovem, mas muito provavelmente de
doença. Sucedeu-lhe o seu irmão mais novo, Domiciano.
14 NUNO SIMÕES RODRIGUES

O terceiro filho de Vespasiano viria a ficar conhecido na História de Roma


como um dos imperadores maléficos. Estando em Roma aquando da proclama-
ção de Vespasiano como imperador em 69 d. C., Domiciano viveu intensamente
o período de transição da dinastia júlio-cláudia para a dinastia flávia. Ao contrá-
rio do que aconteceu com Tito, porém, o outro filho de Vespasiano manteve-se
sempre na retaguarda só vindo a ganhar exposição política com a morte precoce
do irmão, em 81 d. C. Ainda assim, antes da acessão imperial, Domiciano
desempenhou algumas vezes funções como cônsul sufecto. Logo que assumiu o
poder, o novo imperador começou a mostrar as diferenças políticas, relativa-
mente ao irmão, nomeadamente ao controlar de forma autocrática o senado, no
qual não confiava. Aliás, em 84 d. C., o terceiro flávio assumiu a censura per-
manentemente, com o objectivo de controlar a nomeação dos senadores. Além
disso, Domiciano passou a governar com base num consilium principis, um
conselho privado do príncipe, constituído por membros da ordem senatorial e da
ordem equestre, no qual depositava a maior confiança política. O filho mais
novo de Vespasiano usufruiu das melhorias económicas que resultaram do
principado do seu pai. Essas condições permitiram-lhe aumentar o pagamento
aos legionários e distribuir algumas benesses públicas. Mas nem isso impediu
que a oposição à sua governação aumentasse, sobretudo entre as elites políticas
e militares. Apesar de tudo, os historiadores têm avaliado o principado de
Domiciano de uma forma menos negativa no que à administração pública diz
respeito. A cobrança de impostos nas províncias imperiais foi então particular-
mente eficaz, o que permitiu manter o desenvolvimento económico sustentável
do Império. Ao nível privado, a vida familiar de Domiciano não se pautou pelas
melhores acções, sendo conhecido o seu adultério com uma sobrinha, Júlia
Flávia ou Júlia Titi, vindo, no entanto, a casar-se com Domícia Longina, uma
descendente de Augusto. Mas Domiciano terá mantido a relação adulterina com
a sobrinha, o que também deverá ter motivado Domícia Longina a envolver-se
numa conspiração cortesã que levou Domiciano à morte, tendo sido assassinado
em 96 d. C. Os conjurados decidiram que o sucessor de Domiciano seria um
membro da família dos Cocceii e antigo cônsul sufecto, no tempo de Gaio Calí-
gula: Nerva. Por sua vez, o senado decretou que Domiciano deveria ser votado à
damnatio memoriae (Suet. Dom. 23.1). Tal como Nero, Domiciano viria tam-
bém a ser recordado pela História da Igreja como um dos seus primeiros oposi-
tores e possíveis encarnações do Anti-Cristo, sendo inclusive associado a uma
das primeiras grandes perseguições contra os cristãos, bem como às condições
que levaram à composição do livro do Apocalipse.
O tempo dos Flávios foi ainda particularmente rico em termos de produção
literária. Nessa época, viveram autores como os dois Plínios, Quintiliano e
Marcial4. Mesmo Suetónio terá nascido c. 69 d.C. Uma das principais fontes de

4 Todos eles fontes de primeira importância para o nosso conhecimento da Roma Antiga em
PREFÁCIO 15

que dispomos para o estudo do período flávio é a obra do historiador judeu


Flávio Josefo. Mas não é a única. A obra historiográfica de Tácito, mais con-
cretamente as Histórias, é igualmente fundamental para o conhecimento deste
período. Tácito, que neste período atingiu a maturidade, escreveu-as entre 104 e
110 d. C., talvez em 108-109, quando tinha entre 50 e 56 anos de idade e cerca
de duas a três décadas depois dos acontecimentos que relatam 5. O próprio
historiador deixa supor que devia o seu estatuto aos imperadores flávios, ao
escrever: dignitatem nostram a Vespasiano inchoatam, a Tito auctam, a Domi-
tiano longius prouectam non abnuerim («não nego que o nosso reconhecimento
começou com Vespasiano, aumentou com Tito e foi ainda mais longe com
Domiciano», Hist. 1.1).
Foi ainda no período flávio (77 d. C.) que Tácito se casou com a filha de
Júlio Agrícola, o homem cuja biografia viria a escrever em 97-98 d. C., já no
tempo de Nerva6. Agrícola morrera ainda no tempo de Domiciano (93 d. C.).

5. Marco Coceio Nerva foi o 12.º imperador de Roma, tendo governado por
apenas dezasseis meses, entre 96 e 98 d. C. No tempo de Nerva, Tácito serviu
como cônsul sufecto ou substituto (97 d. C.). Nerva descendia do jurista homó-
nimo próximo de Tibério, que se juntou ao imperador na ilha de Cápreas
(a actual Capri) quando, em 26 d. C., o filho de Lívia para ali se retirou.
A escolha de Nerva para assumir o trono imperial foi feita pelo senado, o
que, em termos políticos e históricos, representa uma novidade, nomeadamente
quanto ao exercício de autoridade política, desde a governação de Augusto. Por
momentos, Roma parecia ter voltado a ser uma República. Com efeito, alguns
dos valores e títulos republicanos reemergiram neste período. Mas também
fórmulas que haviam sido caras a Júlio César e a Octávio Augusto. Entre elas, o
título de Pater Patriae (Pai da Pátria), que Nerva veio a merecer por parte do
senado. Nerva havia desempenhado as funções de cônsul e era então um
veterano da política, orador exímio, além de membro de uma família distinta
entre os Romanos, o que deverá ter estado na base da escolha dos senadores.
Além disso, a sua avançada idade tornava-o ideal como «interregno»
pacificador, enquanto se preparava a ascensão de um imperador mais jovem e
revestido de reconhecida autoridade, como veio a ser Trajano.
A política de Nerva orientou-se pela moderação. As perseguições e os jul-
gamentos políticos, que haviam sido particularmente intensos nos principados
de Nero e de Domiciano, praticamente desapareceram no tempo de Nerva. Por

todas as suas vertentes: mentais, culturais, sociais, económicas e políticas. Vide e. g. o estudo
de Pimentel (1993).
5 Para saber mais sobre os Flávios e o período flávio: Jones (1984), Jones (1992), Levick
(1999), Dominik (2003), Fernández Uriel (2016), Rodrigues (2020).
6 Citroni et al. (2006: 909).
16 NUNO SIMÕES RODRIGUES

outro lado, este imperador continuou a beneficiar das reformas económicas que
Vespasiano levara a cabo e da eficácia fiscal e administrativa de Domiciano, o
que lhe permitiu assegurar pagamentos extraordinários às tropas e assim garan-
tir o seu apoio. Nerva prestou também atenção aos economicamente mais desfa-
vorecidos, não apenas em Roma, mas também em várias cidades itálicas, o que
só contribuiu para a sua popularidade. No entanto, rapidamente, os cofres impe-
riais começaram a ressentir-se dos efeitos destas medidas. A esta situação,
juntou-se algum descontentamento que ainda grassava entre os legionários,
sobretudo, que haviam sido os principais apoiantes de Domiciano. Estes dois
factores terão sido determinantes para a emergência de focos de oposição à
governação de Nerva que, além do mais, já não era um homem novo e não tinha
descendência reconhecida. Nerva ter-se-á decidido assim a adoptar oficialmente
um filho e, por conseguinte, um co-príncipe, e a escolha caiu sobre o governa-
dor da Germânia Superior: Marco Úlpio Trajano. Três meses depois, Nerva
morreu e Trajano sucedeu-lhe. Uma das primeiras medidas do novo príncipe foi
solicitar ao senado a divinização de Nerva.

6. Depois da adopção oficial por parte de Nerva, seria difícil Trajano não vir
a ocupar o trono imperial. Nascido em 53 d. C., Trajano pertencia à mesma
geração de Tácito e, tal como o historiador que nasceu na Gália, o novo impera-
dor era também em parte de origem provincial, pois nascera na Hispânia, mais
concretamente em Itálica, perto da actual cidade de Sevilha. Jovem, Marco
Úlpio Trajano viu-se envolvido nas questões políticas, porquanto o seu estatuto
militar o obrigou a tomar posições nos tempos conturbados do final da dinastia
flávia. Em 89 d. C., por exemplo, Trajano comandou guarnições militares da
Hispânia até à Germânia Superior com o objectivo de ajudar a neutralizar uma
rebelião contra o principado de Domiciano. Esse foi talvez o motivo principal
por detrás da sua eleição como cônsul em 91 d. C. O apoio a Domiciano tam-
bém o terá protegido durante os últimos anos da governação flávia e, apesar
disso, fez uma transição de regime suave, pois em 97 d. C. Nerva não só o
nomeou legatus na Germânia Superior como o adoptou.
Em 98, depois da morte de Nerva, Trajano sucedeu-lhe, quando exercia o
seu segundo consulado. Uma das suas primeiras medidas foi ordenar a punição
dos guardas pretorianos que se haviam rebelado contra o seu pai adoptivo. Por
outro lado, Trajano fez questão de respeitar o senado e o que esse órgão repre-
sentava para as instituições romanas. O respeito revelou-se mútuo e os senado-
res, que haviam sido quase anulados por Domiciano, responderam atribuindo a
Trajano o título de Optimus Princeps (o Melhor dos Príncipes). Uma das fontes
que temos para conhecer este período é o Panegírico, um discurso proferido por
Plínio-o-Jovem no senado em 100 d. C. como agradecimento depois de ter sido
designado cônsul, em que o orador dá testemunho da excelência de Trajano
como governante. Naturalmente, este é um documento tendencioso e parcial,
mas não deixa de ser um testemunho da percepção que então se tinha do prínci-
PREFÁCIO 17

pe em Roma. Com efeito, nesse documento, Trajano é apresentado como um


«libertador de Roma», depois dos anos de opressão a que havia estado submetida.
Uma das medidas político-administrativas mais importantes de Trajano foi a
substituição dos funcionários imperiais que, sob Cláudio e Nero, tinham passa-
do a ser quase exclusivamente libertos, i. e. indivíduos da confiança e da casa
dos príncipes, mas não necessariamente políticos de carreira ou cidadãos de
estatuto meritório para Roma. Com Trajano, o funcionalismo imperial voltou a
ser exercido sobretudo por indivíduos da ordem equestre, criando-se novas
carreiras no domínio da administração imperial.
O principado de Trajano é sobretudo conhecido pelas campanhas da Dácia.
Em 85 d. C., ainda no tempo e Domiciano, o rei dácio Decébalo invadiu a
Mésia e tirou proveito disso relativamente a Roma, que lhe reconhecia impor-
tância para defender as fronteiras próximas do Danúbio. Mas, em 101 d. C.,
Trajano decidiu acabar com a dependência relativamente aos Dácios, transfor-
mando-os e ao seu rei em clientes de Roma. Na sequência dos êxitos na Dácia,
Trajano recebeu o cognomen Dacicus. Decébalo tentou reverter a situação em
105 d. C., mas Trajano voltou a vencer e, em 106, o rei dácio suicidou-se. No
ano seguinte, foi criada a província consular da Dácia, o que implicou uma série
de mudanças na região e na administração do território, designadamente a
tradicional deslocação de populações, de modo a desenraizar umas e a reinstalar
outras em lugares novos. A famosa coluna erguida no foro de Trajano em 113
pretende registar a memória desses feitos militares. Há que não esquecer que a
Dácia (hoje essencialmente a Roménia) era rica sobretudo em ouro e as obras
públicas levadas a cabo por Trajano em Roma usufruíram desse factor.
As intervenções de Trajano ao nível da administração não se ficaram pelos
limites europeus orientais. O imperador criou também as províncias da Arábia
Petreia e da Mesopotâmia e interveio activamente na Arménia, incorporando-a
no Império. Na sequência destas acções, Trajano recebeu o cognomen Parthi-
cus. Enquanto estava no Oriente, em 117 d. C., o imperador deparou também
com um velho problema da administração imperial, que se chamava «Judeia».
Por fim, todo o Próximo Oriente entrou em convulsão e Trajano reconsiderou as
formas de administração adoptadas para a região. Algumas dessas províncias
passaram a ser encaradas por Roma como reinos clientelares. No auge do pro-
blema, Trajano adoeceu e decidiu regressar a Roma, mas não chegou à capital
do Império, pois morreu na Cilícia, em Agosto de 117 d. C. A Trajano sucedeu
Adriano, que não era descendente natural de Trajano, que não tinha filhos, mas
sim seu filho adoptivo. Adriano era um protegido da imperatriz Pompeia Ploti-
na, mulher de Trajano. Segundo as fontes, Plotina persuadiu o marido a adoptar
Adriano já no leito de morte.
Trajano tornou-se um dos mais populares imperadores de Roma e no seu
tempo o Império encetou o caminho para chegar à sua Idade de Ouro. A essa
popularidade não terão sido estranhos os feitos militares, mas também as obras
18 NUNO SIMÕES RODRIGUES

públicas então levadas a cabo. Durante o principado de Trajano, Tácito exerceu


o proconsulado da Ásia (112-113 d. C.)7. A Germânia, a segunda grande obra
do historiador, ainda que essencialmente etnográfica, foi escrita no ano da
acessão de Trajano, já depois da morte de Nerva. Do mesmo período (c. 102 d.
C.), deverá datar a composição do Diálogo dos Oradores, obra essencialmente
retórica e oratória, todavia ambientada no tempo dos Flávios, em 75 d. C. Por
fim, também as Histórias e a maior parte dos Anais deverão ter sido escritos
ainda no tempo de Trajano (100-110, as Histórias, e 111-112, os Anais)8.

7. O último imperador que Tácito conheceu, ou sob quem viveu, foi Adriano.
Tal como Trajano, Adriano era um hispano, muito provavelmente da mesma
cidade do de Trajano, Itálica. Apesar da origem itálica (i. e. de Itália), a família
de Públio Élio Adriano estava na Hispânia havia pelo menos dois séculos.
Depois da morte do seu pai, Adriano foi colocado sob protecção de Trajano,
em Roma, tendo-se mantido assim até completar quinze anos de idade. Na
verdade, havia uma relação familiar entre ambos, pois o avô de Adriano tinha-se
casado com uma tia de Trajano.
Depois de ter estado de novo na Hispânia, em 93 d. C., Adriano regressou a
Roma, ingressando no exército, e dois anos depois ocupava já várias posições
militares nas partes central e oriental do Império. Quando Trajano assumiu o
trono imperial, Adriano passou a acompanhá-lo e os laços familiares reforça-
ram-se quando, em 100 d. C. e com o apoio da imperatriz Plotina, o jovem
protegido do imperador se casou com Víbia Sabina, que era sobrinha-neta de
Trajano. A partir de então, Adriano encetou o cursus honorum, exercendo várias
das magistraturas romanas, chegando a cônsul sufecto em 108 d. C. Recorda-
mos ainda que, em 111, Adriano foi eleito arconte de Atenas, ofício que era
uma das mais antigas magistraturas da cidade grega. Este facto deverá ter agra-
dado especialmente a Adriano, pois o seu filo-helenismo é bem conhecido, tal
como as suas representações da época revelam.
Em 117 d. C., Trajano nomeou Adriano governador da Síria. Esse era o
posto que ocupava quando o imperador morreu. Adriano anunciou então às
elites romanas que havia sido oficialmente adoptado por Trajano, o que não
gerou consenso de imediato. Mas, por fim, os Romanos parecem ter aceitado
que Adriano fosse o novo imperador.
A herança política que Adriano recebia de Trajano tinha duas valências. Se,
por um lado, o novo príncipe recebia um império num estado de quase apogeu,
sobretudo em termos territoriais, por outro é inegável que as turbulências eram
muitas, sobretudo nas regiões de limes ou fronteira. A muralha de Adriano, na

7 Sobre Trajano e o seu tempo, vide e. g. Bennett (1997), e os textos reunidos por Alvar &
Blázquez (2003) e por Abascal Palazón, Álvarez Melero & Benoist (2019).
8 Citroni et al. (2003: 916, 919, 923, 926).
PREFÁCIO 19

Britânia, reflecte esse estado político e essa deverá ser uma das razões por que
Adriano passou grande parte da sua vida em viagem e fora de Roma. Com
efeito, Adriano viajou por todo o Império, da Hispânia à Britânia, da Germânia
à Síria e ao Egipto. Uma das obras memoráveis do seu tempo, a conhecida Villa
Hadriana, localizada em Tíbur (a actual Tivoli, a c. 30 km de Roma) reflecte o
périplo imperial, nomeadamente a visita ao país do Nilo.
O principado de Adriano é rico e este é um dos períodos mais marcantes da
História do Império Romano. Marguerite Yourcenar ajudou a imortalizá-lo com
a obra-prima Mémoires d’Hadrian (publicado em 1951) e com a qual a escritora
assume a perspectiva memorialística de Adriano no final dos seus dias, reflec-
tindo sobre o sentido de toda a sua vida, sobre a ordem e a cosmovisão ocidentais,
num tempo em que os deuses olímpicos já tinham perdido o seu poder e influên-
cia, mas em que o cristianismo ainda não se tinha instalado como religião de
Estado. Yourcenar destaca em particular um dos acontecimentos que mais
popularmente ficaram associados a Adriano e que ambiguamente tem que ver
tanto com a vida privada como com a vida pública do príncipe. Trata-se da
relação com Antínoo, misto de história e lenda que culminou na morte do jovem
escravo da Bitínia nas águas do Nilo. Realidade ou ficção, a vida de Antínoo
deu lugar a uma divindade, ao gosto bem mediterrâneo, que Adriano parece ter
sabido optimizar em seu proveito e do Estado Romano.
Tácito morreu no tempo de Adriano, nos primeiros anos do principado adriâ-
nico. O historiador estava na sua sexta década de vida. Muito provavelmente,
ainda não teria setenta anos. Alguns autores consideram a possibilidade de os
últimos livros dos Anais terem sido escritos já no tempo de Adriano9. Quando
Tácito morreu, vivia-se um tempo de relativa prosperidade económica, em que a
Pax Romana tentava imperar num território extenso, sob valores que se preten-
diam universais e comuns para a humanidade. Como sabemos, essa tarefa não
era fácil e tornou-se, em parte, vã. Mas, por outro lado, resiste e deixou marcas
visíveis ainda nos nossos dias, das línguas às artes, do pensamento à política, do
direito aos costumes10.

8. Em termos muito gerais, esta é uma síntese do tempo em que viveu Tácito
e das circunstâncias em que o autor dos Anais escreveu a sua obra. Natural-
mente, muito mais poderia ser dito para contextualizar devidamente aquela que
veio a ser uma das obras literárias fundacionais da Cultura Ocidental e na qual
ecoam muitas das realidades aqui mencionadas. Mas a nossa preocupação foi
sobretudo dar ao leitor, à guisa de prefácio, um contexto histórico que lhe
permita perspectivar e enquadrar a conjuntura e os acontecimentos históricos
que Tácito viveu ou de que foi coevo e o mundo que ele conheceu. Com efeito,

9 Citroni et al. (2003: 926).


10 Sobre Adriano e o seu tempo, vide e. g. Birley (1997).
20 NUNO SIMÕES RODRIGUES

esse mesmo mundo, essa sociedade e os valores por que ela se pautou, justifi-
cam em muito o que podemos hoje ler nos Anais de Tácito, a partir de agora
acessíveis ao leitor de língua portuguesa numa tradução de mérito, feita direc-
tamente da língua em que foram originalmente escritos: o latim.

Referências
Abascal Palázon, J. M., A. Álvarez Melero & S. Benoist (2019). De Trajano a Adriano:
Roma matura, Roma mutans. Sevilha: Editorial Universidad de Sevilla.
Alvar, J. & J.-M.ª Blázquez (2003). Trajano. Madrid: Actas Editorial.
Anderson, J. G. C. & F. Haverfield (1911). «Trajan on the Quinquennium Neronis».
The Journal of Roman Studies, 1: 173-9.
Bennett, J. (1997). Trajan: Optimus Pinceps. London: Routledge.
Birley, A. (1997). Hadrian, the Restless Emperor. London: Routledge.
Boyle, A. J. & W. J. Dominik, eds. (2003). Flavian Rome. Culture, Image, Text. Leiden/
Boston: Brill.
Brandão, J. L. (2020). «Galba, Otão e Vitélio: a crise e experiências de 68-69 d. C.». In
História de Roma Antiga. Vol. II: Império e Romanidade Hispânica, coord. J. L.
Brandão & F. Oliveira. Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra, pp. 97-
-110.
Citroni, M. et al. (2006). Literatura de Roma Antiga. Lisboa: Fundação Calouste
Gulbenkian.
Cizek, E. (1982). Néron. Paris: Payot.
Fernández Uriel, P. (2016). Titus Flauius Domitianus. De Princeps a Dominus: un hito
en la transformación del Principado. Madrid/Salamanca: Signifer Libros.
Griffin, M. T. (1984). Nero: The End of a Dynasty. London: Routledge.
Jones, B. W. (1984). The Emperor Titus. London/Sydney: Croom Helm.
Jones, B. W. (1992). The Emperor Domitian. London/New York: Routledge.
Levick, B. (1999). Vespasian. London/New York: Routledge.
Pimentel, M. C. C.-M. S. (1993). A adulatio em Marcial. Universidade de Lisboa: Tese
de Doutoramento.
Rodrigues, N. S. (2020). «Os Flávios». In História de Roma Antiga. Vol. II: Império e
Romanidade Hispânica, coord. J. L. Brandão, F. de Oliveira. Coimbra: Imprensa da
Universidade de Coimbra, pp. 111-142.
Wellesley, K. (2001). Year of the Four Emperors. London: Routledge.
INTRODUÇÃO

Ricardo Nobre*

1. A Biblioteca Nacional portuguesa (BNP) tem à sua guarda um incunábu-


lo1 de 1475, constituído por duas obras em latim: o livro dos escritores
eclesiásticos e onze livros da História Augusta de Cornélio Tácito. Provindo do
Arquivo Nacional da Torre do Tombo, a indicação manuscrita do bibliotecário
informa que o livro estava originalmente na Livraria da Nossa Senhora da Graça
de Lisboa. No impresso, o primeiro texto, prefacial, é uma carta de Franciscus
Puteolanus a um antiquário secretário ducal, Iacobo Antiquario ducali Secreta-
rio, a quem elogia o historiador Cornélio Tácito, a sua obra e a sobriedade com
que escreveu a história do império romano. Parafraseando o próprio Tácito,
Francisco de Putéolos recomenda a obra pelas qualidades do historiador, em
particular na imparcialidade e verdade sem falsidades, ousando colocá-lo acima
de Lívio e da «arguta densidade» de Salústio. Uma «artificiosa variedade» e o
seu estilo certamente contribuiriam para doutrinar e deleitar o leitor.
Surgem depois, no mesmo volume, os livros XI-XVI dos Anais, as Histórias2,
a Germânia e o Diálogo sobre os Oradores. O texto impresso corresponde à
fortuna da transmissão da obra de Tácito: à data de publicação deste incunábulo
(em Milão, por Antonio Zarotto), os livros I-VI ainda não eram conhecidos, pois
vieram a ser descobertos e publicados apenas em 1515 – ou seja, a menção
annales3 ainda não dava título à obra que era conhecida como Ab Excessu Divi
Augusti («[história de Roma] desde da morte do divino Augusto») ou História
Augusta; também o Agrícola havia de ser publicado posteriormente.

* Centro de Estudos Clássicos da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa |


rnobre@letras.ulisboa.pt
1 O incunábulo (livro impresso antes do século XVI), com a cota INC 1550, não tem
numeração de páginas, capítulos nem parágrafos.
2 A numeração dos livros no incunábulo é contínua, por isso o livro VII é o primeiro das
Histórias.
3 Em contexto: nemo annalis nostros cum scriptura eorum contenderit qui veteres populi
Romani res composuere (Anais 4.32: «não se devem comparar os meus anais com as
antigas histórias do povo romano»); cf. Anais 3.65. As citações dos Anais são da edição de
C. D. Fisher (Oxford: Clarendon Press, 1906) e a tradução de José Liberato Freire de
Carvalho.
22 RICARDO NOBRE

Outro dado que o INC 1550 permite documentar é a circulação em Portugal


de impressos de Tácito pouco depois da sua primeira edição, facto a que poderá
não ter sido alheio o contacto entre Justo Lípsio (1547-1606, admirador, editor e
comentador de Tácito) e Francisco de Fontes (tradutor do Agrícola4). Na verda-
de, Lípsio, um dos interlocutores do Hospital das Letras, de D. Francisco
Manuel de Melo5, afirma sobre Fontes: «Foi filho de Lisboa, quási de nossos
tempos, destro nas armas e cortesanias, com profunda notícia das humanida-
des». A isto, Lípsio logo acrescenta que «na língua latina foi só o homem a
quem na Europa tive enveja» (Melo 1998: 52).
Tratando-se de um diálogo, as opiniões dos intervenientes divergem, mas, no
Hospital das Letras, Tácito é descrito a partir de elementos tradicionalmente
associados à sua obra: ele é o «patriarca dos estadistas» que soube caracterizar a
figura do déspota e o fanatismo da tirania. A propósito do historiador romano, o
autor, depois de perguntar «quem foi este Tácito que tanto aplauso tem no
mundo», obtém a resposta de Bocalino: «Quem havia de ser? Foi um chapado
valhacão, lisonjeiro e adulador como mil que andam por esses paços. Mas com
tal arte que, vituperando aos Príncipes que já lhe não podiam fazer pecado nem
mercê, agradou e serviu aos que o podiam sublimar» (Melo 1998: 110). Apesar
de Lípsio identificar tradutores e comentadores de Tácito, como Cipião Amirato,
Sebastião Quirino, Alexandre Sansovino, D. Baltasar de Álamos, D. Carlos
Coloma e Manuel Soeiro, a curiosidade do autor aumenta (Melo 1998: 111):
Autor: Reparei já muito em que, sendo o Tácito tão antigo, não florecesse
sua memória em os séculos passados.
Quevedo: Ficaram suas obras enleadas no silêncio, com a perda do Impé-
rio Romano, em tal feição que, por muitos tempos, não gozou o mundo o
resplandor da sua doutrina.
Autor: Deixa-me que creia antes foi providência altíssima relevar-nos
tantos anos do uso de suas máximas. Porque […] parece que, por castigar
a República com os efeitos de máximas rigorosas e insuportáveis alvitres,
permitiu Deus ressuscitasse a escola de Tácito e visse a gente suas obras,
para ser castigada na observância de seus escritos.

O Hospital das Letras foi redigido em 1657, quando já se tinha descoberto a


obra de Tácito como a conhecemos hoje (Melo 1998: 111):

Bocalino: Só sabemos de três obras suas: a História de Roma, imperfeita,


os Anais de alguns imperadores, começando em Tibério, e a vida de seu

4 De acordo com Barbosa Machado, traduziu toda a obra de Tácito, mas só se conhece esta
tradução, em manuscrito e inédita, que se encontra na Biblioteca Nacional de Portugal com
a cota COD. 1675//2, disponível na Internet no endereço http://purl.pt/22509.
5 Autor de Tácito Português: Vida, Morte, Ditos, e Feitos de El-Rei D. João IV; a obra, assim
como outras do mesmo escritor, foi publicada postumamente (Almeida 2009).
INTRODUÇÃO 23

sogro Júlio Agrícola, tudo por acabar, porque o Tácito, assim como era
malcontente dos outros, também de si não era satisfeito. Riscava e borra-
va muito, proveitosa diligência para o bom logro de qualquer escrito,
contra a presunção dos fáceis ou socorridos.
Lípsio: Que importa tudo isso, se pelo dedo pareceu tal o gigante que a
todos fez anãos junto de si!6

Entre este testemunho e o incunábulo da BNP nota-se a incerteza que no


século XVII havia quanto à autoria do Diálogo sobre os Oradores (dúvida que se
vai manter até ao século XX) e a omissão da Germânia.

2. Submetido a múltiplas exegeses ao longo dos séculos, a obra de Tácito, e


em particular os Anais, foi e é examinada e comentada de diversas perspectivas:
as de maior relevo dizem evidentemente respeito à história de Roma e das suas
instituições, enquanto a filologia se tem ocupado com a análise da sua forma de
escrever, escrutinando a sintaxe e a semântica que configuram um estilo tão
diferente do de Cícero ou César, modelos comummente preferidos nas gramáti-
cas da língua latina. Cobrindo interesses tão alargados, no âmbito da história
militar, ciência política, ética, antropologia, etnologia, direito, estudos de géne-
ro, pós-coloniais ou da literatura, Tácito tem sido um objecto de estudo valioso.
Artigos, teses, monografias e ensaios iluminam o leitor sobre ideias políticas
(em particular a liberdade e a corrupção), processos de construção e organização
narrativa, a disposição da matéria histórica, dando atenção às narrativas de
mortes, batalhas, doenças, presságios e conspirações; estudam-se, ainda, em
Tácito a ironia, a metáfora, a ordenação sintáctica, as ideias militares, a profun-
didade psicológica na concepção de personagens individuais (imperadores,
escritores, filósofos, mulheres, escravos) ou colectivas (o exército, o povo e o
senado, por exemplo); a sua obra revela relações entre historiografia, retórica,
tragédia e epopeia, realçando-se nela momentos de natureza meta-historiográ-
fica para descrever o autor como austero ou sentencioso; como historiador, é
defendido e atacado, fiel à realidade ou manipulador da verdade.
Tal como outros autores antigos com algum peso cultural, este estado da arte
sumário é o culminar de um processo de saturação de leituras realizadas ao
longo de séculos. Na verdade, e independentemente do material produzido pelas
universidades, talvez seja mais estimulante para o leitor moderno perceber que
Tácito o ensina a compreender como Roma conduziu a sua política, interna e
externa, administrou as suas províncias (Bretanha, Germânia, Panónia), assegu-
rou a expansão militar. É dele o relato das grandes revoltas dos exércitos no
primeiro século da nossa era, dos funerais de Germânico, das mortes de Cláu-
dio, de Britânico e de Agripina, do grande incêndio de Roma e consequente

6 Para confronto com Tito Lívio, v. Melo (1998: 131).


24 RICARDO NOBRE

perseguição dos Cristãos, das mortes de Séneca e de Petrónio, decorrentes da


conjura de Pisão para derrubar Nero; é nas Histórias que se contam os aconte-
cimentos do ano dos quatro imperadores, a tomada de Bedríaco, o incêndio do
Capitólio, e a destruição do templo de Jerusalém. Em suma, a história de Roma,
do Reino Unido, da Alemanha, da Áustria, da Hungria, dos Judeus, do Cristia-
nismo e do Médio Oriente não pode ser escrita sem a obra de Tácito.
A prova de que Tácito formou a imagem moderna do império romano en-
contra-se, ainda, nos enredos de romances e filmes que tematizam a época júlio-
-cláudia e flávia. Os romances de maior fortuna editorial são sem dúvida os de
Robert Graves, I, Claudius (1934; trad. portuguesa: Eu, Cláudio, 1979), de
Seomara da Veiga Ferreira, Memórias de Agripina (1993), e de Pierre Grimal,
Mémoires d’Agrippine (1992, trad. portuguesa: Memórias de Agripina, 2000)7.
Estas obras, que ajudaram a construir a imagem que a contemporaneidade tem
dos protagonistas romanos (imagem que seria consolidada com incontáveis
produções cinematográficas), complexificam a mensagem relativamente linear e
objectiva de obras como Quo Vadis (1896, de H. Sienkiewicz; filme 1951),
exibindo agora personagens com conflitos internos e contradições que muito
devem à matriz tacitiana8. Nestes romances, a narrativa é impulsionada pela
escrita de memórias, género literário que junta um relato intimista, centrado no
eu, e a história, centrada na comunidade.
Com efeito, o romance de Grimal (autor de uma excelente tradução dos
Anais para francês) procede claramente de uma indicação explícita de Tácito
sobre as suas fontes (Anais 4.53): as memórias de Agripina, filha de Germânico,
mulher de Cláudio e mãe de Nero. Compulsar relatos testemunhais, escritos na
forma de memórias e diários (ou postais, bilhetes, cartas, artigos de opinião),
bem como a entrevista de espectadores é uma estratégia constante na historio-
grafia de hoje, e que, desde Heródoto, fundamenta a própria ideia de história
como investigação, apuramento de factos e acontecimentos reais. A partir dessa
pesquisa, o historiador estabelece nexos de causalidade e de consequência entre
eventos, atribuindo-se ao texto narrativo que daí resulta o nome de história.

7 A lista pode ser facilmente expandida: Bulwer-Lytton, The Last Days of Pompeii (1834);
L. Wallace, Ben-Hur: a tale of the Christ (1880; filme 1959); Robert Graves, Claudius the
God and His Wife Messalina (1934; trad. portuguesa: Cláudio e Messalina, 1980); Naomi
Mitchison, The Conquered (1923), The Blood of the Martyrs (1939), Barbarian Stories
(1929); Lion Feuchtwanger, Der Falsche Nero («O Falso Nero», 1936), Der jüdische Krieg
(«A guerra dos judeus», 1932), Die Söhne («Os filhos», 1935), Der Tag wird kommen («O
dia virá», 1942); H. Treece, Red Queen, White Queen (1958); J. Hersey, The Conspiracy
(1972); P. Gedge, The Eagle and the Raven (1978); Albert A. Bell Jr., All Roads Lead to
Murder (2002), romance em que o próprio Tácito é personagem, tal como Plínio.
8 Na Antiguidade, considerava-se que a ausência de coerência comportamental significava
que o indivíduo escondia a sua própria natureza.
INTRODUÇÃO 25

3. Muitos elementos biográficos de Públio (ou Gaio?) Cornélio Tácito são


conjecturas, porquanto são poucos os dados históricos concretos que se depreen-
dem da sua obra e de outros testemunhos antigos. Nasceu (numa das Gálias) por
volta de 56 da nossa era, vindo a morrer provavelmente em 120. Foi um intelec-
tual e pensador bem conhecido em Roma, advogado e brilhante orador, a quem
coube pronunciar a oração fúnebre de Vergínio Rufo (antigo cônsul e governador
da Germânia) e a acusação de um antigo governador da Africa. Em 88 fez parte
do colégio responsável pela organização das cerimónias religiosas de comemo-
ração da fundação de Roma (os Jogos Seculares). Foi cônsul suffectus (substituto)
em 97 e, no auge da carreira pública, procônsul da Asia (c. 112-113). Além disso,
terá ocupado os cargos de legado com funções de pretor e de governador de uma
província. Para a posteridade ficaria todavia conhecido como historiador, sendo
autor de três curtas obras e de outras duas sobre história de Roma.
Sem pertencer ao género maior que o celebrizaria, a biografia de Júlio Agrí-
cola (governador da Britânia, sogro do autor) e a Germânia9 veiculam já algu-
mas ideias de Tácito sobre o império e a interacção de Roma com povos bárba-
ros, a liberdade e a tirania, aspectos mais tarde desenvolvidos nas obras maio-
res. Embora com outras características e propósitos, também o Diálogo sobre os
Oradores justifica a decadência da oratória com a deterioração das condições
políticas.
Apesar de relatar um período da história recente de Roma, sabe-se, pelas
cartas de Plínio, que as Histórias (108-109) são o resultado de um insistente
trabalho de inquirição. A obra começa no ano dos quatro imperadores, 69 da
nossa era, e terminaria com a morte de Domiciano, em 96. No entanto, grande
parte do texto perdeu-se, restando apenas os quatro primeiros livros e uma
pequena parcela do quinto.
As vicissitudes da transmissão do texto explicam também o estado descontí-
nuo da presente obra. Os Anais10 são a principal obra de Cornélio Tácito e
fundamentam a sua fama de escritor, mas chegam ao presente em dois blocos
incompletos: do início ao capítulo cinco do livro V, a que pertencem ainda outros
onze capítulos, e o livro VI; há também os últimos trinta e oito capítulos do livro
XI, os livros XII-XV integrais e o livro XVI11 tem apenas trinta e cinco capítulos.
Perdendo-se praticamente o livro V e os livros VII-X (ou seja, todo o principado

9 É a obra mais traduzida de Tácito: voltaria a ser traduzida no século XX (teve particular
fama nos anos 40, destacando-se a versão de Adolfo Casais Monteiro, Lisboa: Inquérito); a
versão mais recente data de 2011 (A Germânia, introd., trad., notas e glossário de Maria
Isabel Rebelo Gonçalves. Lisboa: Nova Vega).
10 O título da obra é convencionalmente genérico (história contada ano a ano) e justifica-se
pela referência já citada em 3.65.
11 Na verdade, a obra pode ter ficado incompleta. Sabe-se que Tácito ainda estava a escrevê-
-la em 116 porque faz uma referência à campanha dos Partos e aos limites do império no
capítulo 61 do livro II.
26 RICARDO NOBRE

de Calígula), sobram afinal cinquenta e dois anos da história de Roma nos quais
se assistiu a significativas mudanças das instituições políticas12, cuja interpreta-
ção foi decididamente modelada pela perspectiva de Tácito, um autor com
aguda percepção do património a legar à posteridade e do valor insubstituível da
liberdade, incluindo a liberdade de expressão e de pensamento (cf., e.g., Anais
3.65 e 4.35; Agrícola 1-3; Histórias 1.1).

4. Período de afirmação de um regime constitucional, na primeira metade do


século XIX assiste-se em Portugal a uma sucessão de acontecimentos que trans-
formariam o país em termos políticos (liberalismo), sociais (ascensão da bur-
guesia), culturais e artísticos (advento do romantismo); a mudança foi de tal modo
rápida (cerca de trinta anos) e revolucionária (literal e metaforicamente falando)
que poderá dizer-se, com propriedade, que se verificou uma verdadeira alteração
nos padrões de comportamento e das mentalidades. Alcançado o objectivo da
conquista da liberdade e de direitos que a Constituição de 1822 e, em menor pro-
fundidade, a Carta de 1826 lhe concediam, o novo cidadão necessitaria de ser
educado enquanto agente activo das novas formas de governo.
Neste contexto cultural, caracterizado por uma forte consciência de que a
literatura poderia mudar o mundo (para melhor e para pior), chegou a ser moda
traduzir Tácito, como José Agostinho de Macedo reconheceria. Com efeito,
entre 1830 e 1852 foram publicadas em português quase todas as obras do
historiador romano (só as Histórias permaneceriam sem tradução). Assim, os
opera minora foram todos traduzidos (e anotados) por D. José Maria Correia de
Lacerda13, enquanto José Liberato Freire de Carvalho publicou os Anais em
1830, depois de ter dado à publicidade os dois primeiros livros em 1820 e 1821
(n’O Campeão Português). Se Liberato foi o primeiro (e único) a conseguir a
publicação integral desta obra na nossa língua, antes dele houve outras tentati-
vas que ficariam parciais ou inéditas14:
1) Tácito Português, ou Tradução Política dos Três Primeiros Livros dos
Anais de Cornélio Tácito15, trad. Luís do Couto Félix (1715). José Teotónio

12 Em suma, trata-se da história da morte de Augusto (em 14 d. C.), dos principados de


Tibério (perdeu-se, todavia, toda a narrativa da história que levou à queda de Sejano), de
Cláudio desde 47 e de Nero até à morte de Trásea Peto, no ano de 66.
13 Vida de Gneu Júlio Agrícola (Lisboa: Impr. Nacional, 1842); Tratado da Situação,
Costumes e Povos da Germânia (Lisboa: Tip. Silva, 1846); Diálogo dos Oradores, ou
Acerca das Causas da Corrupção da Eloquência (Lisboa: Impr. Silva, 1852).
14 São traduções inéditas os trabalhos de Francisco de Fontes (de que se conhece apenas a
tradução do Agrícola, atrás mencionada) e de Manuel Correia.
15 Tácito Português ou tradução política dos três primeiros livros dos Anais de Cornélio
Tácito, ilustrados com várias ponderações que servem à compreensão assim da história
como da política, oferecido à majestade d’el-Rei D. João V nosso senhor por Luís do
Couto Feliz. Obra póstuma dada à luz por António do Couto Castelo Branco, filho do
Autor. Lisboa: Oficina Real Deslandesiana, 1715.
INTRODUÇÃO 27

Canuto de Forjó, em 1821, e José Liberato Freire de Carvalho, em 1830, não


consideram esta versão uma tradução, senão uma «difusa paráfrase», juízo a que
a leitura do primeiro capítulo dá razão:
Teve princípio Roma com a Monarquia (como os mais dos Impérios do
mundo e da natureza) porém degenerada em tirania com os vícios de Tar-
quínio último dos reis. (Tanto pode a violência de um tirano, que deixa
horror à melhor forma de um governo e à mais natural!) Introduziu Bruto
outro, em que convalescessem de tão intolerável opressão. Chamou-se
Consulado compondo-se de monarquia e de liberdade. Dividiu o poder
real em dois cônsules, e mediu por só um ano. Um e outro remédio para
menor absoluto, com a metade menos de poder e tão pouco tempo de
soberania. A direcção ordinária dos negócios ficou ao conselho da nobre-
za, que chamaram Senado. O arbítrio supremo das leis e da guerra a todo
o povo, com imitação ainda do governo extinto. Porque degradar todas as
formas até a matéria-prima é ruína de todos os compostos com muito
mais risco da política, que é menos poderosa do que a natureza.

Ainda assim, nas licenças do Santo Ofício, do Padre Rafael Bluteau, pode
ler-se:
Se hoje vivera Tácito, conhecera que por mais grande que é podia ser
acrescentado, e na minha opinião mais estimara o mesmo Tácito esta tra-
dução portuguesa, que o seu próprio original latino, porque se na sua lín-
gua natural se faz inteligível aos seus, neste peregrino idioma se faz admi-
rar dos estranhos; de mais que com as católicas moralidades com que se
vem ilustrado sai Tácito menos gentio do que foi, se com a vaidade de tão
elegante transformação se não fizer idólatra de si mesmo.

2) Todas as Obras de Caio Cornélio Tácito16, trad. José Teotónio Canuto de


Forjó (1821). O tradutor declara17 o seu esforço para que a versão, feita a partir
de edições de Brotier e Dureau de La Malle, «saísse o mais literal que ser pu-
desse e o mais fiel». Uma das dificuldades do trabalho diz respeito à concisão

16 Todas as Obras de Caio Cornélio Tácito com o texto latino em frente e com os
suplementos latinos de Gabriel Brotier, a vida do imperador Trajano, no estilo de Tácito
pelo mesmo, e outras peças análogas e mui interessantes. Tudo posto em linguagem e
ilustrado com anotações históricas, críticas e filosóficas por José Teotónio Canuto de
Forjó. Tomo I [único]. Lisboa: Oficina de Simão Tadeu Ferreira, 1821.
17 A prefação tem a data de 3 de Junho de 1820, acrescentando em post scriptum: «Depois
de acabados os primeiros quatro livros, e pronto para a imprensa o I. volume, vimos o
princípio da versão dos Anais pelo A[utor] do Campeão Português [José Liberato Freire
de Carvalho], na qual diz ele que trabalhara dois anos. Do merecimento do seu trabalho
julgue o público e decida a posteridade, que nós nem queremos antecipar o seu juízo, nem
ousamos interpor o nosso. Dizemos somente que o A. tem talento e luzes; e que, pelo
menos já dois anos a esta parte, há feito verdadeiros serviços à pátria».
28 RICARDO NOBRE

que caracteriza o estilo do original: «Tácito, que tanto dá que pensar e diz tanto
em tão poucas palavras» (p. xliv). O volume, onde também se encontra texto
latino, compreende apenas o primeiro livro (as pp. 223-357 são anotações). A
tradução é bastante fiel, como se percebe da leitura do primeiro capítulo do livro
I (pp. 53 e 55):
Desde seu princípio governaram reis a cidade de Roma. Lúcio Bruto
instituiu a liberdade e o consulado. Tomavam-se ditaduras temporárias:
nem durou mais de dois anos a autoridade dos decênviros, nem muito
tempo a jurisdição consular dos tribunos militares. Não foi longa a domi-
nação de Cina, nem a de Sula: e bem depressa passaram para César o
poderio de Pompeio e Crasso; e as armas de Lépido e António para
Augusto; o qual, vendo tudo cansado de discórdias civis, se apossou de
todo o mando com o título de Príncipe. Mas todas as coisas do antigo
povo romano, prósperas ou adversas, foram memoradas por ilustres escri-
tores; nem para descrever os tempos de Augusto faltaram decorosos
engenhos, até que se amedrontaram de ser verídicos, porque crescia a
adulação. Os feitos de Tibério e Caio, de Cláudio e Nero escritos vivendo
eles, o medo os falsificou; e depois que morreram, foram compostos
estando os ódios mui frescos. Daqui o meu propósito de transmitir pouco
de Augusto e só os últimos instantes; logo o principado de Tibério, e o
mais que se seguiu, sem ódio nem afeição, cujas causas tenho por mui
arredadas de mim.

Depois de publicada a tradução de Freire de Carvalho, os Anais não volta-


riam a ser vertidos para português, exceptuando tentativas parciais, como por
exemplo a Tradução dos Anais de Tácito por um Estudante da Língua Latina:
Livros 1.º, 2.º, 3.º (Lisboa: Impr. Lucas; 1906, reimpr. 1909).

5. «Contemporâneo de dois séculos», como ele próprio afirma, José Liberato


Freire de Carvalho nasceu em S. Martinho do Bispo, Coimbra, em 1772. Filho
de Aires António Antunes Freire e de Maria Joaquina Sequeira de Carvalho, era
irmão de D. António da Visitação Freire de Carvalho e de Francisco Freire de
Carvalho. Em 1854, dedica-se a escrever as memórias18, que saem no ano
seguinte (o mesmo em que o autor havia de morrer, a 31 de Março), da Tipogra-
fia de José Baptista Morando, em Lisboa. Inocêncio Francisco da Silva (1860:
418) reputa-as como «livro curioso, interessante, e de que a meu ver não devem
prescindir os que pretenderem conhecer a série dos acontecimentos e vicissitu-
des políticas do nosso país de 1800 em diante, e apreciar mais de perto os

18 Mantendo a pontuação, cita-se a obra a partir da edição de 1982: José Liberato Freire de
Carvalho, Memórias da Vida, introd. João Carlos Alvim. Lisboa: Assírio e Alvim. A obra
é mencionada como fonte histórica no Livro de Consolação (1872), de Camilo Castelo
Branco, autor que, n’A Queda dum Anjo (1865), compara o nariz do protagonista, Calisto
Elói, com o de Liberato.
INTRODUÇÃO 29

caracteres e acções não só do autor, mas de uma boa parte dos homens notáveis
que, como ele, directa ou indirectamente, intervieram nos negócios públicos
durante esse período». Com efeito, se, como característica do género, costuma
apontar-se o «fundo histórico-cultural, sujeito embora à filtragem subjectiva de
quem a produz» (Rocha 1992: 39), é essa dimensão social do eu que sobressai
ao longo das páginas do livro: para lá de questões de natureza biográfica19, aí se
coleccionam informações de expressivo significado acerca das primeiras déca-
das do século XIX português.
Assim, merecedores de estudo minucioso são os relatos da invasão de Jean
Andoche Junot e da partida da corte para o Brasil (Carvalho 1982: 36); depois
das batalhas da Roliça e do Vimieiro, os franceses rendem-se nos termos da
Convenção de Sintra, mas os ingleses tomam o lugar do invasor (pp. 40-41).
Seguem-se as invasões de Jean-de-Dieu Soult (pp. 43-44) e de André Massena
(pp. 46-52), e a necessidade de Liberato e outros abandonarem o país20. Depois
do Congresso de Viena, de 1814 a 1815 (pp. 85-86 e 93), de uma primeira
chamada de atenção para a necessidade de uma constituição (p. 92) e da morte
de Gomes Freire de Andrade (pp. 98 e 124), dá-se a Revolução Liberal, em
1820 (pp. 120-122), logo sucedida de reacções absolutistas: a Vilafrancada
(pp. 156-157) e a Abrilada (pp. 169-170), no seguimento das quais José Libe-
rato Freire de Carvalho recorda devassas em que discípulos denunciavam os
próprios professores (p. 169). Com a morte de D. João VI (p. 170), D. Pedro,
assumindo-se como herdeiro do trono, outorga a Carta Constitucional (pp. 170-
-171); em 1827, sendo regente a Infanta D. Isabel Maria, a saída do general
Saldanha do governo originaria manifestações populares: são as Archotadas
(pp. 178 e 248-249), que conduziriam à guerra civil, de que o desembarque no
Mindelo, o Cerco do Porto21 e a tomada de Lisboa, a 24 de Julho de 1833, são
episódios decisivos para a vitória dos liberais. Ainda no que respeita a questões
políticas da primeira metade do século XIX, as memórias de Liberato referem a

19 Até aos doze anos, aprendeu os «primeiros rudimentos das letras, e língua latina por um
mestre particular» (Carvalho 1982: 7; cf. 236); «até aos quinze [anos], […] cuidei em me
aperfeiçoar quanto podia na inteligência dos autores latinos de que tinha notícia» (p. 236);
«Nestes estudos passei três anos» (p. 10; cf. p. 236). Cónego de Santo Agostinho, com o
nome de D. José do Loreto, Freire de Carvalho completou a sua formação no mosteiro de
Santa Cruz de Coimbra, tendo sido, mais tarde, professor em Lisboa, em S. Vicente de
Fora (pp. 25 e 237), mosteiro que tinha uma das mais importantes bibliotecas do país
(p. 39). Abandonaria a ordem e assumiria o nome de Liberato (p. 78).
20 Freire de Carvalho, que conheceu depois a realidade dos exilados das primeiras décadas
do século XIX (Carvalho 1982: 79), havia de voltar para o exílio com o regresso de
D. Miguel (p. 182). As descrições das viagens dos exilados para Inglaterra não podem ser
lidas sem ter presente um dos textos fundamentais da nossa literatura, como «De Jersey a
Granville» (1831), de Alexandre Herculano (1859).
21 Carvalho (1982: 199-201, 204-209); cf. Carvalho (1842 III: 211).
30 RICARDO NOBRE

Revolução de Setembro de 1836 («indo-nos deitar na cama à sombra da carta,


acordámos […] debaixo das leis da constituição dada pelo povo na revolução
do ano de 1820!», p. 219) e suas reacções imediatas22, a chegada de Costa
Cabral ao poder (p. 220) e a nova constituição de 1838 (p. 221).
É, portanto, como memorialista, mas também como jornalista (foi redactor
do Investigador Português23 e do Campeão Português, ou Amigo do Rei e do
Povo24), que José Liberato é recordado ainda hoje (Nemésio s/d; Morão 1997),
embora tenha passado por uma experiência política25 (deputado por Viseu),
pertencido à Academia Real das Ciências, da qual havia de se desligar por
incompatibilidade (Carvalho 1982: 28, 227, 234-235), à Academia das Belas-
-Artes de Lisboa e ao Instituto Histórico de Paris; foi também membro da
Maçonaria (pp. 24-25, 27) e administrador da Imprensa Nacional (pp. 136, 222-
-223).
Não obstante a diversíssima actividade pública (sublinhada pelas Memórias
escritas quando tinha mais de oitenta anos26), um dos aspectos mais singulares
da sua vida diz respeito ao apreço por Tácito, que vai muito além da circunstân-
cia de ter sido seu notável tradutor. Na verdade, até uma leitura apressada da
obra publicada em livro ou nos periódicos que redigiu revela a afinidade do
pensamento de Freire de Carvalho com o de Cornélio Tácito.

6. Continuando o cargo de fornecer à doutrinação liberal um fundamento


histórico dos ideais perfilhados, José Liberato Freire de Carvalho compôs, de
1830 a 1834 uma obra que havia de publicar entre 1841 e 1843, em quatro volu-

22 A tentativa de golpe, no mesmo ano, conhecida como Belenzada (pp. 219-220) e, em


1837, a Revolta dos Marechais (p. 220), protagonizada pelos duques de Saldanha e da
Terceira (marechal) e por Mouzinho de Albuquerque, defensores da Carta Constitucional.
23 Entre Janeiro de 1814 e Dezembro de 1818 (Carvalho 1982: 80, 84, 87, 92, 238-240).
24 Entre Julho de 1819 e Junho de 1821 (Carvalho 1982: 115-118, 240-242); em Lisboa, a
partir de 1822, o jornal (publicado até 1823) passa a chamar-se Campeão Português em
Lisboa (pp. 147-148). Liberato foi também incumbido de redigir a Gazeta de Lisboa
(pp. 176-177).
25 Foi deputado (Carvalho 1982: 149, 172, 214, 219): «No primeiro de Dezembro de 1822 se
abriram as cortes ordinárias, e eu, como deputado por Viseu, fui tomar assento nelas»
(p. 153); «conservei a minha cadeira, sem a desamparar, até ao último momento em que o
presidente, levantando a sessão, nos adiou para melhores tempos…» (p. 243); «Nas
segundas, constituintes, tomei assento como quem vinha ocupar a cadeira que fora força-
do a largar o ano de 1822 no palácio das Necessidades, e como homem, a quem seu antigo
presidente tinha adiado para uma nova convocação» (p. 245).
26 «Uma característica fundamental do género é […] o papel nele desempenhado pela
memória. Os acontecimentos são passados pelo crivo da lembrança. […] [O]s memoria-
listas socorrem-se frequentemente de documentação diversa, como o diário […], as cartas,
os jornais, etc., cuja utilização pode revestir-se, além do mais, duma função persuasiva»
(Rocha 1992: 39).
INTRODUÇÃO 31

mes: Memórias com o Título de Anais para a História do Tempo que Durou a
Usurpação de D. Miguel (Lisboa: Impr. Nevesiana). Como o título sugere, a obra
descreve os acontecimentos ano por ano, de 1829 a 1834, em clara analogia com
os Anais, de Tácito, autor que, aliás, tutela a obra, pois dele é a epígrafe, retirada
das Histórias 1: Opus aggredior opimum casibus («componho uma obra rica de
infortúnios»). Anotando as semelhanças verbais com a obra de Tácito, cita-se
parte do texto prefacial, em que, defensor intransigente da liberdade, Freire de
Carvalho (1841: 7-10) anuncia abertamente os seus propósitos:

Proponho-me narrar os factos principais de uma época a mais desastrosa


que tem visto Portugal; e, como Tácito, tenho que referir casos atrozes,
crimes inauditos, e misérias e desgraças espantosas27. Entre os crimes,
uma usurpação vergonhosa e infame por todas as baixezas, por todas as
intrigas, e por todas as violências que se podem imaginar; e entre as des-
graças, essa mesma usurpação coberta de todos os horrores, e de todas as
infelicidades, filhas e companheiras de um poder absoluto usurpado, que,
para manter-se, julgou que só o podia fazer, tornando-se bárbaro, feroz, e
brutal. Direi como a santidade do juramento e a honra da lealdade foram
convertidas em crimes, e atrozmente punidas como gravíssimos delitos28.
Direi como o perjúrio e a deslealdade receberam as honras e o culto das
virtudes; e como até houve sacerdotes ímpios e blasfemos que apregoa-
ram, e sancionaram esta moral depravação29. Direi como, para manter
este sistema de horrores e de crimes, se violaram as mais santas leis da
razão e da justiça; como em nome delas se cometeram os actos mais
abomináveis; como estes foram ainda enegrecidos pela ferocidade dos
insultos que se fizeram às vítimas; e como, por último excesso de uma
desnatural fereza, se viram mulheres portuguesas de elevada condição
fraternizar com os assassinos e com os algozes, e aplaudir, como Bacan-
tes, as cenas de sangue, de horror e crueldade30. E direi ainda enfim,
como a influência estrangeira, e particularmente a britânica, apoiaram ora
clandestinamente ora às claras, e sem pejo, todos os crimes, todos os delí-
rios, e até toda a brutalidade do tirano usurpador, e seus sicários, e seus
cúmplices.

27 Anais 4.33: «eu não posso nem tenho para contar senão ordens e decretos atrozes, acusa-
ções continuadas, pérfidas violações de amizade, ruína e desgraças de muitos inocentes».
28 Anais 3.28: «Os grandes crimes passaram todos sem castigo, e só as grandes virtudes o
tiveram algumas vezes»; Histórias 1.2: «a nobreza, a abundância, as honras rejeitadas e
delatadas como crimes, e uma chacina garantida por causa das virtudes» (trad. minha).
29 Histórias 1.2: «Não menos odiosos os prémios de denunciantes do que seus crimes, ao
exercerem, uns, sacerdócios e consulados como despojos merecidos; outros, o governo
das províncias e o poder no interior, converteram tudo em ódio e em terror» (trad. minha).
30 N. do A.: «No Porto, particularmente, deram algumas mulheres nobres este espectáculo
feroz de uma brutalidade delirante».
32 RICARDO NOBRE

Mas nem por isso também a esta época de infelicidades e desastres falta-
ram grandes e magníficos exemplos de virtudes raras, como os de uma
constância inalterável, e de uma lealdade superior a todas as seduções e a
todos os terrores31. Viram-se as vítimas subir ao cadafalso não só com
valor, e intrepidez, porém ali mesmo ratificar com enérgica firmeza seus
heróicos e honrados sentimentos, fazendo assim envergonhar, e estreme-
cer seus próprios assassinos. Viram-se as masmorras, ou as cavernas
cheias de mártires da honra e liberdade ou por aqueles que tinham caído
nas mãos de seus ferozes e implacáveis inimigos, ou pelos que, tendo-lhes
escapado, procuraram iludir sua ferina vigilância, sem que nem a uns nem
a outros faltasse a constância em tantos perigos e ásperos trabalhos.
Viram-se ainda os mares e as terras estrangeiras cobertas de emigrados32
de todas as classes e de todas as condições, os quais, preferindo a sua
consciência e o amor de uma justa liberdade a todos os incentivos do
poder arbitrário e usurpado, largaram bens, pátria, casas e famílias só para
serem fiéis ao rei e à lei, que de escravos os tinham tornado cidadãos. E
finalmente se viu, o que mais honra o carácter português, uma nobre e
intrépida resolução não só em abrigar e esconder as virtudes perseguidas
para que a tirania as não devorasse, porém em derramar sobre elas todas
as consolações e todos os auxílios de que nas suas desgraças precisavam.
Assim, a par dos crimes se viram reluzir os mais brilhantes actos de vir-
tude; e isto será prova irrefragável que não é a nação que se deve ter por
criminosa, nem que voluntariamente ela quis tomar os ferros da antiga
servidão; mas que esta obra de iniquidade e de vileza só foi executada por
um bando de facciosos e escravos, arrastados a tanta vilania quer por seus
próprios, sórdidos e baixos interesses, quer pela insocial e atroz política
de alguns gabinetes estrangeiros.
A usurpação de D. Miguel completou-se no dia 23 de Junho de 1828,
quando uma assembleia sediciosa, e da própria e única escolha do usur-
pador, o declarou rei legítimo de Portugal.

Com o domínio de uma ética coerente (apesar de críticas que lhe foram fei-
tas, como se leu em D. Francisco Manuel de Melo), Cornélio Tácito promove
uma rígida moral política e histórica, sem se desobrigar de violentas denúncias
da perversão dos seus actores. Na certeza de que «a maior parte da gente precisa
para se instruir de exemplos alheios» (Anais 4.33), essa atitude justifica procla-
mações como: «Não é meu intento referir senão as opiniões que se fizeram mais
notáveis ou pela sua decência ou pela sua insigne baixeza: porque creio ser o
principal objecto dos anais pôr em evidência as grandes virtudes, assim como
revelar todos os discursos e acções vergonhosas, para que, ao menos, o receio
da posteridade acautele os outros de caírem nas mesmas infâmias» (Anais 3.65);

31 Histórias 1.3: «Não foi, contudo, um período tão estéril de virtudes que não tivesse
produzido também bons exemplos» (trad. minha).
32 Histórias 1.2: «o mar repleto de exilados, os penedos empestados com sangue».
INTRODUÇÃO 33

«Eu vou expor as causas desta mudança. As antigas famílias nobres ou as que,
ao depois, se ilustraram por briosas acções, arruinavam-se todas pela sua grande
magnificência, porque então não se levava a mal o dar festas brilhantes ao povo,
aos aliados e aos reis, nem o ser obsequiado por eles; de sorte que, segundo
cada um se fazia mais notável pelas suas riquezas, pela sua bela casa e pelo
imenso número de clientes, de tanto maior nome e mais amizades gozava. Mas,
tanto que a tirania dos príncipes entrou a devorar tanta gente e uma família
ilustre foi um sinal de proscrição, todos os que escapavam começaram a ser
mais prudentes. Os homens de fortuna que, vindos dos municípios, das colónias
e das províncias, entraram a ser frequentemente nomeados para o senado, con-
correram também muito para a frugalidade doméstica: e apesar de que, por meio
da fortuna ou da indústria, muitos chegaram a uma velhice opulenta, conserva-
ram todavia toda a sua primitiva austeridade» (Anais 3.55).
José Liberato Freire de Carvalho adoptaria uma posição análoga, sendo habi-
tual encontrarem-se na sua obra semelhantes condenações para a posteridade,
como por exemplo nas Memórias com o Título de Anais para a História do
Tempo que Durou a Usurpação de D. Miguel, obra em que aponta os nomes de
Cândido José Xavier e Agostinho José Freire como homens que, «calcando aos
pés todas as leis constitucionais, cometeram um desses delitos contra a liberda-
de pessoal de um cidadão, delito que jamais se pode esquecer, e menos perdoar
[…]. Lanço, portanto, com gosto estes nomes nos meus anais para que cheguem
a notícia de todos, e todos os avaliem como merecem, assim como aquele, cujas
ordens servilmente executaram» (Carvalho 1842 III: 259-260). No livro V da
mesma obra, sobre a morte de Manuel Martins Pamplona, conde de Subserra,
diz o autor (Carvalho 1842 III: 254):
Morreu em ferros, e lançados por esse mesmo usurpador D. Miguel, a
quem ele tinha ora bem ora mal servido, e ultimamente ainda queria ser-
vir. Teve um fim digno da sua vida; porque morreu punido pelo homem
que já o quisera assassinar no ano de 1824, e a quem depois se veio ofe-
recer para o auxiliar em sua usurpação. Grande lição para os homens sem
carácter, para os ambiciosos sem virtude, e para os hipócritas políticos! O
Sejano de D. João VI teve quase a sorte do Sejano de Tibério.

Outro exemplo significativo, retirado do Ensaio Histórico-Político sobre a


Constituição e o Governo de Portugal33, é a seguinte sentença (Carvalho 1843:
354-355):

33 O Ensaio Histórico-Político sobre a Constituição e o Governo de Portugal; onde se


mostra ser aquele Reino, desde a sua Origem, uma Monarquia Representativa: e que o
Absolutismo, a Superstição, e a Influência da Inglaterra são as Causas da Sua Actual
Decadência foi publicado no mesmo ano dos Anais, em 1830 (Paris: Casa de Hector
Bossange); teve segunda edição, mais correcta e aumentada, em 1843 (Lisboa: Imprensa
Nevesiana), de onde cito.
34 RICARDO NOBRE

Como não convém que esqueçam os nomes dos homens ilustres que têm
pugnado pelas liberdades da nossa pátria, assim como convém expor à
indignação e desprezo da posteridade os nomes infames de todos os vis
instrumentos do poder arbitrário, bom é que o povo português conserve
sempre na memória o nome do intrépido e honrado cidadão que se atre-
veu a resistir a este decreto inconstitucional [no reinado de D. Manuel I],
com que pela primeira vez se pretendeu violar um dos nossos mais sagra-
dos e importantes direitos políticos.

A moderação meditativa da velhice potencia o balanço dos acontecimentos


já ocorridos, criando uma separação, pelo menos aparente, entre o sujeito-
-escritor (hoje) e o sujeito-actor (passado)34, originando momentos reflexivos de
síntese. Essa atitude é evidente logo na «Satisfação ao Público» das Memórias,
quando José Liberato afirma: «servi o meu país com todo o cabedal da minha
inteligência; concorri muito para lhe dar a liberdade; padeci por ela desterros,
prisões, emigrações, e trabalhos; e no meio deles conheci, e tratei muitos
homens, tanto das mais elevadas classes, como da mais baixa condição»35. A
intenção com que o faz está claramente em dívida com a sentença sine ira et
studio (Anais 1.1), de Tácito: «De todos falarei sem paixão, e direi o conceito
que deles fiz, sem intentos de os exaltar ou abater»36.
A dependência ideológica em relação ao historiador romano, em particular
na defesa incontestável da liberdade e na severa condenação da tirania, anuncia-
-se ainda em outros momentos das memórias37, como quando Freire de Carvalho

34 Por outras palavras, «há que ler este tipo de textos à luz da diferença entre um sujeito
protagonista e/ou observador em devir ao longo de certo período de tempo, e o que esse
mesmo sujeito é no presente em que se propõe narrar; no mais historicista dos volumes de
memórias não deixa portanto de haver um resvalar para o estatuto ficcional: por um lado,
a história do “eu” narrador corre em paralelo com a dos outros; por outro, um sujeito
enfim maduro olha para a sua própria imagem em contexto e em visão retrospectiva»
(Morão 1993: 18).
35 Carvalho (1982: 5). Cf. Carvalho (1843: 343-344): «para mostrar que não fui de todo
homem inútil sobre a terra, e que alguma cousa fiz a bem de meus concidadãos, tomei a
meu cargo deixar-lhes como em testamento, este público testemunho do muito que sempre
amei a minha pátria, e do quanto sempre trabalhei, sem receios, sem sustos, sem timidez,
e sem adulações, para lhes inspirar o amor da liberdade, que sempre amei, que sempre
proclamei, e que sempre resolutamente defendi não só contra os tiranos, mas contra outra
espécie de inimigos, ainda mais perigosos – os hipócritas políticos».
36 Carvalho (1982: 5). Em outra obra, afirma sobre D. João VI: «direi como historiador, a
quem sem ódio nem afeições compete dizer a verdade, que ele foi um dos piores
monarcas que têm subido ao trono português» (Carvalho 1843: 349); cf., e.g., Carvalho
(1842 III: 211): «sem ódio nem afeição».
37 Efectivamente, a tirania é fanatismo, superstição, medo, excesso e associa-se à ignorância
ou à corrupção «pela ambição das riquezas e pelo luxo e vícios que elas sempre trazem
consigo», enquanto a liberdade é um ideal moralmente patriótico perfilhado por uma
INTRODUÇÃO 35

declara: «a um povo, costumado por longos anos à servidão, muito lhe custa a
tomar a resolução de romper os laços que o prendem»38; «governo inglês, que
tanto mal nos estava fazendo, e sempre nos tinha feito com as falsas aparências
de boa amizade»39.
A convocação da autoridade do historiador é consequência da adoração ou
identificação de Freire de Carvalho com as ideias de Tácito, o que justifica que
tenha traduzido a sua obra: «sempre detestei os tiranos; e uma das ocupações
mais agradáveis, que tive na minha vida, foi a de traduzir os Anais de Tácito, o
meu livro mimoso. Como me consolava quando via o autor ir dessecando com o
seu afiado escalpelo fibra a fibra o coração corrupto dos monstros, que tinham
governado Roma!» (Carvalho 1982: 217).
A aproximação de figuras contemporâneas a personalidades do passado
romano é comum, sendo fácil encontrar analogias: acreditando que «a monar-
quia portuguesa foi criada essencialmente constitucional com uma representa-
ção nacional», Freire de Carvalho (1843: 354) defende que «todas as nossas
cousas foram gradualmente a pior, até chegarmos ao estado deplorável em que
hoje se vê a nação, oprimida pelo despotismo mais absurdo e pela tirania mais
feroz que se tem visto depois dos horrorosos reinados dos Calígulas e dos
Neros». Nas Memórias, D. Pedro é visto «como Nero político, que rasgava o
ventre de sua mãe»40.
No início do Ensaio Histórico-Político sobre a Constituição e o Governo de
Portugal, o autor expõe os seus ideais nestes termos: «em todos os meus escri-
tos eu procurei sempre tornar abomináveis tanto a tirania como o poder absolu-
to, porque o meu coração e a minha inteligência também sempre os abomina-
ram. Em uma palavra, eu fiz o que um escritor moderno (Chateaubriand) diz
que Tácito fizera; isto é, lancei palavras ardentes sobre as acções dos déspotas e
tiranos, assim como se lança cal viva sobre os cadáveres para os consumir»
(Carvalho 1843: vi). O historiador latino é, assim, uma figura tutelar do pensa-
mento de Freire de Carvalho. Por isso, sem o dizer, é muito provável que o

população instruída (Carvalho 1843: 360-361). Por isso, o reinado de D. Miguel, «o novo
estúpido Calígula, ou o novo Nero insensato», resulta da «usurpação e tirania monstruo-
sa» (Carvalho 1843: 362).
38 Carvalho (1982: 239); Tácito, Anais 1.7: «dentro de Roma corriam a precipitar-se na
escravidão os cônsules, patrícios e cavaleiros e, quanto mais ilustres tanto mais falsos
[…], de maneira que a adulação tinha achado o segredo de equilibrar as alegrias com o
pranto» (cf. Anais 6.65). Em 15.57, acerca de Epícaris, o historiador escreve: «Tal foi o
exemplo que deu uma mulher e uma liberta, que no meio de tantas dores guardou
fidelidade a estranhos ou pouco conhecidos, ao mesmo tempo que homens e cidadãos e
cavaleiros romanos e senadores, sem a menor violência de tormentos, traíam as pessoas da
sua maior obrigação!»
39 Carvalho (1982: 189); Tácito, Anais 1.33.
40 Carvalho (1982: 244), com referência à cena da morte de Agripina (Anais 14.8).
36 RICARDO NOBRE

retrato que faz de D. João VI seja baseado no Tibério de Tácito, a começar na


falta de probabilidade de subir ao trono («sendo filho segundo, nunca pareceu
que chegaria a ocupar o trono», p. 185), mas principalmente pela forma como
escondia a sua verdadeira natureza («Ficou [D. João] sendo, portanto, sempre
demasiadamente tímido, e a esta timidez ajuntou, como consequências necessá-
rias, a dissimulação e a hipocrisia, qualidades que eminentemente o distingui-
ram», p. 185), a que não é alheia a exagerada influência dos servidores públicos:
Aumentou-se-lhe a um grau superior esta timidez41, e com ela se lhe
aumentaram também, na mesma proporção, a dissimulação e a hipocrisia,
pela perfídia de alguns altos empregados públicos, tais como o intendente-
-geral da polícia, Manique, e outros, os quais, conhecendo-lhe esta natural
fraqueza, e o muito que ela lhes podia servir para completamente o
governarem, não pouparam estratagema algum para lha nutrir e avultar.
(Carvalho 1843: 185-186)

Se se substituir Manique por Sejano, fica-se com uma ideia mais clara do
paralelo (cf. Anais 6.51).
Por seu lado, Gomes Freire de Andrade (Carvalho 1843: 269-271, 274-275)
surge como um Germânico: «Tinha […] contra si um grande inconveniente, que
era a estimação geral do povo, e a afeição do exército; e com essas qualidades a
muita gente parecia que não podia ser amado nem do cônsul nem dos procôn-
sules que então nos governavam» (p. 271; o que está em itálico no original é
textualmente o que Tácito diz de Germânico em Anais 1.7).
A falta de oposição à mudança de regime (em Roma, o fim da República e
início do Principado; em Portugal, a implantação do sistema constitucional
imposto em 1820) e o ideal da felicidade pública podem ser igualmente encon-
trados nas obras do historiador romano (e.g. Anais 1.3; Histórias 1.1; Agrícola
3): «Pode-se dizer que a revolução se fez por aclamação porque ninguém a ela
naquele tempo se opôs, e foi universalmente recebida e festejada como a restau-
radora da pública felicidade» (p. 284)42.

41 D. João tinha «alma baixa e pusilânime» (p. 186), mas subiu ao trono ilegalmente (pp. 186-
-187); «timidez natural, aumentada pelos sustos artificiais com que o seu espírito acanhado
era constantemente atormentado pelos homens em que mais confiava» (p. 193); «natural
irresolução» (p. 262); «carácter fraco e vacilante» (p. 292); «natural timidez» (p. 305). Muitos
outros exemplos poderiam ser evocados.
42 Apesar de todas as críticas que lhes podem ser dirigidas, do trabalho das Cortes Extraordi-
nárias e Constituintes, Liberato salienta o fim da Inquisição e dos direitos banais, e a
reforma dos forais; além disso, «reduziu o ouro ao seu verdadeiro valor», «reanimou o
crédito, criando o banco de Lisboa» e «começou a dar uma tal ou qual ideia do estado das
rendas nacionais e da dívida pública» – em síntese, «abriu o caminho para a futura felici-
dade de Portugal» (Carvalho 1843: 301).
INTRODUÇÃO 37

O regresso do absolutismo (com a Vilafrancada, pp. 313-315) traduzir-se-ia no


fim das liberdades conquistadas no sistema constitucional43 e no aumento de
espionagem: «Até aquela época os delatores e espiões, que, às ordens do inten-
dente da polícia, infestavam a capital e o reino, apenas com suas denúncias e
intrigas perturbavam o sossego das famílias pacíficas; porém desde aquele
momento se criaram devassas e alçadas por toda a parte» (p. 320). As descrições
assemelham-se às perseguições da lei de lesa-majestade no tempo de Tibério:
«Viu-se ali [em Coimbra] o que nunca se tinha visto, porque se viram discípulos
acusar os seus mestres; viram-se os juízes receberem estas acusações atrozes
como provas de gravíssimos delitos; viram-se, em consequência destas mesmas
provas, muitos indivíduos processados, julgados e punidos; e viu-se enfim no
mesmo lugar que devia ser a escola da moralidade e das virtudes, levantada e
premiada uma nova escola de imoralidade, de vícios e de crimes» (p. 321).
No mesmo Ensaio Histórico-Político, a morte de D. João VI parece-se com
a do imperador Augusto (Tácito, Anais 1.5), mas Carlota Joaquina é denomina-
da Messalina (e não Lívia Augusta ou Agripina): «depois de [D. João VI] ter
comido no convento dos Jerónimos, ao entrar no paço da Bemposta caía repen-
tinamente doente, com muitos vómitos, convulsões e desmaios. No dia seguinte,
depois de um caldo que tomou, redobraram os vómitos; e agravando-se-lhe cada
vez mais o mal, anunciou-se a sua morte no dia 10 do mesmo mês, às 6 horas da
tarde. A rainha, essa nova Messalina, e o infame partido apostólico-jesuítico,
espalharam que el-rei tinha morrido no dia 4» (p. 342). Noutro passo, faz-se a
comparação com Cláudio e Carlota Joaquina é descrita como a mãe de Nero:
«morreu, se a fama é verdadeira, como o estúpido Cláudio pelas artes de sua
mulher Agripina» (pp. 348-349)
Quando, ainda no Ensaio Histórico-Político sobre a Constituição e o Gover-
no de Portugal, Freire de Carvalho diz que, seguindo o exemplo de «Domicia-
no, pretendeu o ministro Pombal ver se conseguia que perdêssemos até a memó-
ria do que havíamos sido politicamente» (p. 369), está a usar o conceito tacitia-
no sobre esse imperador expresso em Agrícola 2: Memoriam quoque ipsam cum
voce perdidissemus, si tam in nostra potestate esset oblivisci quam tacere («e
até a memória houvéramos perdido com a palavra, se por igual estivera em nós
esquecer como calar»44). No livro V das Memórias com o Título de Anais, Freire

43 «As cortes ordinárias abriram a sua sessão no princípio de Dezembro do ano de 1822, e
estavam elas compostas de uma excelente maioria; o que bem mostraram quando,
forçadas a dissolver-se, ainda apresentaram setenta e tantos membros que não recearam
protestar publicamente contra a violência de que se viam ameaçados» (pp. 301-302); entre
eles, encontrava-se Liberato. Estas cortes «fizeram ainda muitas cousas úteis, tais como a
consolidação de uma parte da dívida pública; e a discussão de projectos de suma
importância, como foram os da divisão do território, da organização das relações provin-
ciais, e o da lei sobre as hipotecas» (p. 302).
44 Trad. de Lacerda in Tácito (1842: ad loc.).
38 RICARDO NOBRE

de Carvalho (1843 III: 150-151) compara uma situação do presente com o que
se diz «[n]o capítulo 76, e último do livro 3.º dos Anais de Tácito»:
na morte de Júnia, sobrinha de Catão, irmã de M. Bruto, e viúva de Cás-
sio, foram diante do seu funeral, como era costume, as imagens de vinte
antiquíssimas famílias; porém que Bruto e Cássio muito mais brilharam
neste magnífico cortejo, por isso mesmo que as suas imagens ali não apa-
receram. O mesmo eu agora digo ao conde de Saldanha, ao general Stu-
bbs, e a muitos outros distintos militares, que não foram convidados por
D. Pedro para ter parte na expedição, que seus nomes muito mais brilha-
ram no conceito dos verdadeiros portugueses, livres e honrados, por isso
mesmo que não apareceram nessa mesquinha, e pouco cavalheira lista
dos escolhidos.

Como Tácito faz a propósito da morte de figuras do relevo de Tibério (Anais


6.51) ou da sua mãe, Lívia Augusta (Anais 5.1), a morte de D. João VI é pre-
texto para um obituário (pp. 343-344):
Nasceu D. João 6.º em 13 de Maio de 1767; começou a governar como
regente em 1798, e como rei em 20 de Março de 1816; foi aclamado e
coroado em 6 de Fevereiro de 1818, e faleceu, com certeza, em 10 de
Março de 1826, vivendo portanto 58 anos, 9 meses e 25 dias. Não foi nem
bom filho, nem bom pai, nem bom amigo, nem bom rei. Não foi bom
filho, porque por um acto de inaudito despotismo, e inteiramente contrá-
rio aos nossos costumes e às nossas leis, se apossou do governo como
regente, faltando assim não só à decência e piedade filiais, porém aos
deveres de príncipe português. Não foi bom pai, porque nunca cuidou na
educação de seus filhos […]. Não foi bom amigo, porque, essencialmente
egoísta, nunca foi amigo senão de si […]. Se a alguém mostrou mais afei-
ção, ou era por medo, ou porque eram instrumentos necessários de suas
conveniências e prazeres. Além disso, era notavelmente avaro e pouco
generoso […]. Ignorante, porque não estava destinado para reinar, pusilâ-
nime e sempre indeciso em suas acções tanto por efeito da sua mesma
ignorância como do seu próprio carácter, teve por paixão dominante o
medo; e esta paixão fez todas as suas desgraças como as do reino que
governou.

7. Como se procurou demonstrar, não parece abusivo pensar-se que sem se


conhecer Tácito dificilmente se conseguirão compreender as ideias e o estilo
de Freire de Carvalho45, tarefa facilitada pela tradução que agora se apresen-

45 Essa influência foi esquecida por Castelo Branco Chaves (1978: 38-39), que descreve as
Memórias da Vida como o «único livro interessante» que Liberato escreveu, «um reposi-
tório de factos e uma galeria de figuras históricas. Constituem, no seu conjunto, uma
valiosa fonte de informações para a história da época que abrangem. Literariamente, não
valem muito. Não parece ter sido vasta nem profunda a cultura literária do antigo cónego
INTRODUÇÃO 39

ta46. As Memórias da Vida de José Liberato Freire de Carvalho testemunham


pormenorizadamente as circunstâncias biográficas que o levaram a realizá-la,
durante a invasão de Massena (1810). Devota a este trabalho o maior afecto; nas
suas palavras, o manuscrito da tradução era «como meu filho primogénito»
(Carvalho 1982: 73), «que eu olhava como a melhor preciosidade que possuía»
(Carvalho 1982: 77). O documento original com a tradução é actualmente o
manuscrito 1439 da Série Azul que se encontra na Academia das Ciências47.
Recorrendo às Memórias, vale a pena reconstituir a história que fundamenta a
tradução, a começar nas pp. 46-47:

neste tempo tinha eu uma pequena preciosidade […], […] um pequeno


livro latino do formato 24, que continha todas as obras de Tácito, e da
edição de Amesterdão do ano de 1734, livrinho, que ainda hoje conser-
vo48. Junto dele, que me era inseparável, trazia eu já um pequeno
manuscrito da tradução de todo ou a maior parte do primeiro capítulo dos
Anais, tradução feita, por assim dizer a esmo, sem a mais pequena lem-
brança de que um dia, mais castigada, apareceria no Mundo. Assim
mesmo eu já lhe tinha muito amor […]. Meti esta minha preciosidade
dentro de uma das botas, e pedi que mas levassem em um dos carros.

regrante e da literatura do seu tempo, da grande revolução operada nas letras e nas artes
pelo Romantismo. José Liberato, apesar de ter feito da leitura “o maior prazer da sua
vida”, desconhecia tudo». Em nota, identifica Amores de Paris, Antónia ou Menina da
Montanha, História da Bastilha e Máscara de Ferro como exemplo dos «livros que […]
revelam a qualidade das suas leituras». No entanto, o autor procurava responder ao gosto
do público da época, visto que, como outros liberais fiéis aos ideais vintistas, foi poste-
riormente ignorado pela elite política. Castelo Branco Chaves não menciona, portanto, as
anteriores traduções: Anais de Tácito e Arte de Pensar, de Condillac (Carvalho 1982: 18).
Por seu lado, Vitorino Nemésio (s/d: 24) reconhece que a biografia de Liberato é descrita
«saborosamente nas suas Memórias da Vida, e é sem dúvida uma das mais características
do romantismo político do século XIX». Numa outra obra, o mesmo ensaísta declara: «os
grandes testemunhos do trânsito de um século ao outro são os de José Liberato Freire de
Carvalho e do marquês de Fronteira» (Nemésio 2000: 182).
46 Sabe-se que a tradução dos Anais feita por José Liberato ainda se encontrava à venda em
1858 e encontram-se citações da obra no periódico Arquivo Pitoresco em 1859 (cita 1.2) e
em 1867 (cita 4.30 e 6.51). A tradução de 4.32-33 serve de «prólogo» à obra brasileira
Tibério dos Anais de Tácito, 1895, que se baseia no principado romano para contar a
história do Brasil naquele fim de século (por isso chamada «crónica contemporânea»).
47 Annaes de Tacito. Tradução portuguesa de D. José do Loreto. Sem data, são «39 fls. de
texto num[erado]s. a tinta e a lápis; 4.º [245 x 194 mm] […] Capilha de papel. Ao alto do
primeiro fl. o seguinte despacho: Foi aprezentado na Sessão de 13 de Janr.º de 1813.
S. F[rancisco] M[anuel] Trigozo. Vice Secret[ário]», segundo descrição do Catálogo de
Manuscritos da Série Azul (p. 405), da Academia das Ciências, disponível em: http:
//www.acad-ciencias.pt/wordpress/wp-content/uploads/2014/01/catalogoma.pdf.
48 Tem o título Opera quae extant omnia.
40 RICARDO NOBRE

[…] [D]irei ainda como se originou em mim a ideia de traduzir os Anais


de Tácito. Estando eu em Coimbra […], passou por ali José Ferreira de
Moura49, que também vinha fugindo de alguma perseguição que lhe
estivesse preparada. Disse-me: – «[…] seria bom que os amigos sempre
se correspondessem por alguma maneira.» Eu respondi-lhe: – «Estou por
isso; e lembra-me, que cada um de nós traduza um capítulo de Tácito,
principiando pelo primeiro dos Anais, e o remeta um ao outro para que
cada um o corrija, e sobre a tradução faça imparcialmente as suas obser-
vações.» Concordámos nesta correspondência, e daqui nasceu ter eu já o
manuscrito de que há pouco falei. É preciso que diga, que eu tive sempre
uma grande paixão pelas obras de Tácito, porque nelas achava estampa-
dos os meus próprios sentimentos. Fui sempre, como ainda sou, inimigo
irreconciliável de tudo o que é tirania, absolutismo, e abuso de poder; e
com este carácter que recebi da natureza, e pelo muito que tenho sofrido
pelos abusos desse mesmo poder, me abalancei a traduzir todos os Anais,
que se não é obra perfeita, ao menos, foi uma porta que abri para melho-
res tradutores, e com este trabalho satisfiz o meu espírito, consolando-me
de pôr em português os crimes dos tiranos, que do coração aborreço.

Contando já vários dias de prisão, Freire de Carvalho continua a descrever


como reencontrou a obra de Tácito, ocupando o tempo de reclusão com o tra-
balho de tradutor (p. 71):
eu ia vivendo menos mal […], quando de casa de meus primos veio um
criado com um bilhete aberto em que se dizia, que ali em um canto ti-
nham aparecido umas botas, que pareciam minhas, porém em muito mau
estado, e quase podres. Que dentro delas se encontrara aquele pequeno
livro que me remetiam, e com ele alguns papéis que também mandavam.
Tudo isto, com efeito, era meu; era, em uma palavra, o meu pequeno
Tácito com o primeiro livro dos Anais que já tinha traduzido, todo ou em
parte, e cuja perda eu havia muito lamentado. Que alegria não foi a minha
em recobrar esta preciosidade que julgava perdida, e que tanta pena me
havia causado! Fiquei contentíssimo, e muito mais por ter um meio de me
entreter na minha solidão, e satisfazer o desejo de traduzir uma obra, de
que sempre muito gostara, por ser o flagelo da tirania, que do coração
sempre aborrecera, e contra ela tinha um ódio invencível. Depois deste
grande prazer, achei-me em uma dificuldade que não esperava. Para
empreender uma tal obra eram-me necessários muitos livros, tais como
outras edições latinas de Tácito, com os seus comentários, assim como
algumas boas traduções, que me servissem de guia, e me resolvessem as
dúvidas que necessariamente havia de ter, traduzindo uma obra de tama-
nha dificuldade. E por desgraça a livraria de Santa Cruz […] estava com-
pletamente falta dos bons clássicos latinos, e dos seus melhores comenta-
dores. Nesta perplexidade lembrei-me de um antigo conhecido, o lente

49 Deputado às cortes, juntamente com Liberato.


INTRODUÇÃO 41

António Pinheiro de Azevedo, que estava no colégio dos Militares em


Coimbra, e colégio que eu sabia tinha uma excelente e escolhida livraria.
Escrevi-lhe um bilhete, contei-lhe a minha situação, e pedi-lhe, que para a
tornar mais tolerável e menos fastidiosa tinha tomado por empresa a tra-
dução dos Anais de Tácito, mas vendo-me sem os livros indispensáveis
para a pôr em execução, rogava-lhe que me quisesse auxiliar, podendo,
com alguns livros que para ela me eram absolutamente necessários. Por
boa fortuna me acudiu ele com os livros que mais me eram precisos, por-
que me mandou logo uma bela edição de Brottier com muitos comentá-
rios, notas, e os suplementos, que fez aos livros que se perderam de Táci-
to, e com ele outra muito ilustrada edição alemã de 1801, feita por
Oberlino; creio que conjuntamente me mandou também a tradução espa-
nhola do nosso português Soeiro, da qual nada me aproveitei.

Com estes auxílios pus mãos à obra, que completei no espaço de dois
anos até ao meado de 1813, que me conservei preso em Santa Cruz50.
A estada em Inglaterra possibilitaria a Freire de Carvalho cotejar o trabalho
realizado com «dois tradutores franceses Dureau de la Malle51 e Gallon de la
Bastide52, porque devo confessar, que o meu primeiro trabalho só se concluiu à
vista dos comentadores latinos, que foram com especialidade Brottier, e Oberli-
no». Sobre o resultado alcançado, Liberato declara que «boa ou má não é tradu-
ção de alguma francesa», e explica como ela chegou à imprensa (p. 187):
[R]ecebi uma carta do meu amigo João Pedro Aillaud que estava em
França, e ali era livreiro acreditado, o qual me dizia, que constando-lhe,
que eu tinha uma tradução portuguesa dos Anais de Tácito, lhe dissesse se
a queria vender, porque estava determinado a mandá-la imprimir por sua
conta. […] Eis como se imprimiram os meus Anais, e o que me obrigou a
não ser muito escrupuloso em consentir que se imprimissem, sem lhes dar
uma última revisão, como estava disposto a dar-lhes.

No último capítulo das Memórias da Vida, quando José Liberato Freire de


Carvalho recorda em traços gerais alguns episódios da sua biografia, insiste
orgulhosamente no pioneirismo da tradução enquanto esteve detido, «expondo à
luz em português, língua em que ainda não tinham aparecido, os crimes e os

50 Na p. 73 repete: «Já estávamos depois do meado do ano de 1813, e eu com dois anos de
prisão, sem nunca ser judiciosamente perguntado, nem ter acusação ou sentença legal.
Tinha concluído a minha grande obra da tradução dos Anais de Tácito, começada no ano
de 1811, e vivia, ou antes vegetava sossegado, sempre à espera do final do drama que me
faziam representar».
51 Adolphe Dureau de La Malle (1777-1857) foi tradutor de Valério Flaco, Salústio, Tito
Lívio e Tácito. A edição referida por Freire de Carvalho teve assinalável sucesso, vindo a
ser reeditada em Paris em 1808, 1827 e 1845.
52 As obras de Tácito traduzidas por Jean-Baptiste Gallon de La Bastide foram publicadas
em Paris no ano de 1812.
42 RICARDO NOBRE

castigos desses monstros humanos, que enxovalharam Roma, a rainha do


mundo!…» (p. 238). É esta obra, traduzida «em linguagem» por aquele que
merece, mais do que qualquer outro, o título de «Tácito português», que o
Centro de Estudos Clássicos e o Centro de História da Faculdade de Letras da
Universidade de Lisboa se orgulham de republicar, actualizada53, quase duzen-
tos anos depois de João Pedro Aillaud a ter feito sair das tipografias de Paris.

Referências da Introdução
Almeida, Isabel (2009). «As subtis linhas da humana dissimulação». Península: Revista
de Estudos Ibéricos, 6: 61-68.
Carvalho, José Liberato Freire de (1841-1843). Memórias com o Título de Anais para a
História do Tempo que Durou a Usurpação de D. Miguel, vol. I (1841), vols. II e III
(1842), vol IV (1843). Lisboa: Impr. Nevesiana.
–– (1842). Ensaio Político Sobre as Causas que Prepararam a Usurpação do Infante
D. Miguel no Ano de 1828, e com Ela a Queda da Carta Constitucional do Ano de
1826. Lisboa: Impr. Nevesiana.
–– (1843). Ensaio Histórico-Político sobre a Constituição e o Governo de Portugal;
onde se mostra ser aquele Reino, desde a sua Origem, uma Monarquia Representa-
tiva: e que o Absolutismo, a Superstição, e a Influência da Inglaterra são as Causas
da Sua Actual Decadência. Lisboa: Imprensa Nevesiana.
–– (1982). Memórias da Vida, introd. João Carlos Alvim. Lisboa: Assírio e Alvim.
Chaves, Castelo Branco (1978). Memorialistas Portugueses. Lisboa: Instituto de Cultu-
ra Portuguesa.
Herculano, Alexandre (1859). «De Jersey a Granville». Lendas e Narrativas, vol. II. 2.ª
ed., Lisboa: Viúva Bertrand. 291-331.
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Resina Rodrigues. 2.ª ed. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda.
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Lisboa: Impr. Nacional.

53 Consultar «Critérios da Edição».


INTRODUÇÃO 43

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ter: Manchester University Press.
Woodman, A. J. (1998). Tacitus Reviewed. Oxford: Clarendon Press.
CRITÉRIOS DA EDIÇÃO

Tornar acessível, por meio de uma tradução das primeiras décadas do século
XIX,o texto de Tácito ao leitor do século XXI é um desafio para os editores, que
adoptaram as seguintes opções:
– actualização de toda a ortografia, mantendo porém algumas construções
sintácticas correctas na época da publicação original, como o modo indi-
cativo em orações concessivas;
– repontuação completa do texto português, adequando o uso dos sinais à
prática contemporânea e introduzindo discretamente o travessão;
– correcção de todos os nomes próprios e desenvolvimento de abreviaturas
dos prenomes romanos de acordo com o Vocabulário da Língua Portugue-
sa, de Francisco Rebelo Gonçalves (Coimbra: Coimbra Editora, 1966);
– reescrita total das notas do original e adição de outras, encontrando-se no
índice esclarecimentos biográficos, localizações geográficas modernas e
informações adicionais, evitando constantes remissões internas (sem repe-
tições supérfluas);
– passagem da numeração romana dos capítulos para algarismos árabes;
– introdução de anotações à tradução que evidenciam, mais do que desvios
do sentido original (tantas vezes problemático), o pitoresco das soluções de
José Liberato. As citações latinas nas notas de rodapé seguem a edição de
Pierre Wuilleumier (Tacite, Annales. Paris: Les Belles Lettres, 4 vols.,
2010-2015).
Os Anais
de

Cornélio Tácito

traduzidos em linguagem portuguesa


oferecidos
à sua pátria e aos seus amigos,
por
José Liberato Freire de Carvalho

Il y a telle traduction, qui demande plus de talent que tel original (Bitauré)
(Traduções há que demandam mais talento que certas obras originais)

Paris.
Em Casa de J. P. Aillaud, Editor
Quai Voltaire, Nº 11
No Rio de Janeiro,
em Casa de Souza, Laemmert e C.ª
1830
LIVRO PRIMEIRO

1. Foi monárquico o primeiro governo de Roma1. Lúcio Bruto lhe deu depois
a liberdade e os cônsules. A ditadura era temporária, a autoridade decenviral
nunca passava de dois anos, e o poder consular dos tribunos militares teve
pouca duração. Nem foi longo o domínio de Cina e Sula, e as forças de Pom-
peio e Crasso brevemente cederam à superioridade de César, bem como as de
António e Lépido à fortuna de Augusto2, o qual, achando os ânimos cansados
com as discórdias civis, tomou posse do império com o título de príncipe.
Porém os sucessos do antigo povo romano que, segundo sua variedade, ora
foram prósperos, ora adversos, já grandes escritores têm publicado3: e para as
coisas de Augusto não faltaram talentos ilustres, que se coibiram depois que a
adulação e a lisonja se insinuaram na corte4. Tudo quanto se escreveu no gover-
no de Tibério, de Cláudio, de Gaio e de Nero é mentiroso em consequência do
medo; e o que depois da morte deles se publicou tem o mesmo carácter por
estarem os ódios ainda muito recentes. Lembrei-me, pois, dizer pouco de Augus-
to, e só os últimos acontecimentos de sua vida, e continuar logo com os de
Tibério e seus sucessores, sem ódio nem afeição, porque nenhuns motivos tenho
para isso5.
2. Com a morte de Bruto e Cássio, desapareceram as forças da república e
com a rota de Pompeio na Sicília, com a espoliação de Lépido e a morte de
António, achou-se unicamente César6 à frente do partido juliano. Então, deixan-
do o nome de triúnviro, apossou-se do consulado e, contente com a autoridade

1 Tradução de Vrbem Romam a principio reges habuere («A cidade de Roma desde o
princípio foi governada por reis»).
2 O primeiro (60 a. C.) e o segundo (43 a. C.) triunviratos.
3 Tradução de sed ueteris populi Romani prospera uel aduersa claris scriptoribus memorata
sunt («No entanto, a prosperidade ou a adversidade do velho povo romano foram
recordadas por ilustres escritores»).
4 Tradução de temporibusque Augusti dicendis non defuere decora ingenia, donec gliscente
adulatione deterrerentur («e nos tempos de Augusto engenhos e belezas não faltaram para
[os] celebrar, até que fossem afastados pela adulação crescente»).
5 Tradução de inde consilium mihi pauca de Augusto et extrema tradere, mox Tiberii
principatum et cetera, sine ira et studio, quorum causas procul habeo («Daí a minha
intenção de narrar poucas coisas acerca de Augusto e o fim [dele], depois o principado de
Tibério e restantes, sem ira e simpatia, cujas causas tenho longe»).
6 Octaviano.
50 ANAIS

tribunícia para proteger o povo, entrou a lisonjear a tropa com dádivas, a plebe
com a abundância de víveres7 e geralmente a todos com as doçuras do sossego.
Mas pouco a pouco começou a elevar-se e, sem achar contradição, acumulou
em si todo o poder do senado, dos magistrados e das leis, porque a esse tempo
já os mais atrevidos tinham morrido pelas proscrições ou pela guerra; os nobres
que ainda havia, quanto mais propensos se mostravam para a servidão, muito
mais bem pagos eram com honras e riquezas, e os homens de fortuna antes
queriam gozar em descanso do presente do que voltar ao antigo, que tinham por
menos seguro e mais perigoso8. Nem as províncias levavam a mal esta nova
ordem de governo, já de muito antes receosas do império do povo e do senado,
o qual império tinha dado causa às guerras civis pela avareza dos magistrados e
pela insuficiência das leis, tantas vezes quebrantadas pela violência, pela intriga
e finalmente pelo amor insaciável de dinheiro.
3. Assim mesmo, Augusto, para melhor segurar-se no poder, nomeou pontí-
fice e edil curul a Cláudio Marcelo, filho de sua irmã, apesar de seus poucos
anos, e engrandeceu Agripa com dois consulados, homem ignóbil9, mas um
excelente militar e que havia tido grande parte nas vitórias; depois, tanto que
morreu Marcelo, o escolheu para genro10. Aos enteados Tibério Nero e Cláudio
Druso ilustrou com o título de imperator, ainda em tempo em que toda a sua
família estava intacta: porque aos filhos de Agripa, Gaio e Lúcio, sem ainda
terem largado a pueril pretexta, adoptou para a família dos Césares, e viu com
gosto excessivo que fossem nomeados príncipes da juventude, bem como
designados cônsules, apesar de fingir que não gostava. Assim que faleceu
Agripa, sucederam logo as mortes de Lúcio César, que ia comandar o exército
da Hispânia, e a de Gaio, de volta da Arménia, ainda não bem curado de uma
ferida – e não se sabe se por fatalidade ou pela malícia da madrasta Lívia, pois,
tendo já morrido Druso, só dos enteados restava Tibério Nero. Para este passou
então tudo: é nomeado filho adoptivo, colega no império, sócio na dignidade
tribunícia e depois apresentado a todos os exércitos, já não, como antigamente,
só pelos enredos tenebrosos da mãe, porém às claras e com toda a publicidade11.
Tal era a arte por que esta mulher se havia apoderado do espírito do velho
Augusto que ao único neto, que já só lhe restava, Agripa Póstumo, fez desterrar
para a ilha Planásia; em verdade, moço de uma ignorância grosseira e estupida-
mente arrogante por sua enorme robustez e prodigiosas forças corporais, mas

7 Tradução de populum annona («o povo pelo preço do trigo»).


8 Tradução de ac nouis ex rebus aucti tuta et praesentia quam uetera et periculosa mallent
(«exaltados pela nova ordem, preferiam a segurança e o presente ao passado e ao perigo»).
9 Tradução de ignobilem loco («de humilde família»)
10 Casando-o com a filha, Júlia.
11 Tradução de sed palam hortatu («mas publicamente por exortação»).
LIVRO I 51

por nenhuma forma criminoso12. Não pôde porém tanto com Germânico, filho
de Druso, a quem Augusto deu o comando das oito legiões que estavam no
Reno, ordenando a Tibério que o adoptasse não porque este não tivesse ainda
um filho mancebo13, mas para assim multiplicar os apoios do novo poder. Nesta
época apenas havia guerra contra os Germanos, e mais para apagar a nódoa da
rota de Quintílio Varo do que por desejos de estender o império ou por algum
proveito notável14. No interior, tudo estava sossegado e os magistrados
conservavam ainda os mesmos nomes, porém a gente mais nova já era nascida
depois da vitória de Áccio, quase todos os velhos eram do tempo das guerras
civis – e quão poucos havia já que tivessem visto a República?
4. Com o transtorno do governo de Roma, desapareceram todas as virtudes e
costumes antigos. Perdida a igualdade, já se não atendia senão para as vontades
do príncipe e, apesar disso, todos viviam satisfeitos com o presente, enquanto
Augusto estava vigoroso e conservava sua autoridade, sua família e a paz. Mas,
tanto que na idade avançada lhe saltaram as enfermidades e já parecia tocar os
limites da vida, novas esperanças renasceram. O menor número ainda debalde
mostrava suspirar pelas doçuras da liberdade; muitos temiam a guerra, outros a
desejavam, porém geralmente todos mostravam inquietação com a lembrança
dos novos senhores de que se viam ameaçados: Agripa era notado de ferocida-
de, desejoso de vinganças e incapaz, por sua pouca idade e falta de experiência,
de governar o império; dizia-se que Tibério Nero tinha, sim, a gravidade dos anos
e era muito bom militar, mas que se lhe enxergava toda a antiga e natural altivez
da família Cláudia, havendo já dado, em muitas ocasiões, sobejos indícios de
crueldade, não obstante a arte com que procurava ocultá-los. E acrescentavam
mais: que tinha sido educado desde a infância na casa reinante15, que aí logo de
criança lhe haviam nutrido a ambição com muitos consulados e triunfos e que,
ainda mesmo naqueles anos em que por uma espécie de desterro vivera retirado
em Rodes, só se havia dado a conhecer por colérico, dissimulado e o mais é, por
torpezas ocultas. A tudo isto acresciam ainda os feminis caprichos da mãe, com o
que ficavam expostos a servir uma mulher e depois a dois mancebos16 que,
principiando por oprimir a república, acabariam por desmembrá-la.

12 Tradução de rudem sane bonarum artium et robore corporis stolide ferocem, nullius
tamen flagitii conpertum («sem dúvida um ignorante das boas qualidades e insensata-
mente orgulhoso do vigor do corpo, porém estranho a qualquer torpeza»).
13 Druso (nascido em 14 a. C.).
14 Tradução de abolendae magis infamiae ob amissum cum Quintilio Varo exercitum quam
cupidine proferendi imperii aut dignum ob praemium («mais para fazer desaparecer a
infâmia por causa do exército perdido com Quintílio Varo do que por desejo de expandir o
poder ou por causa de uma digna recompensa»).
15 Desde a morte do pai, quando Tibério tinha nove anos.
16 Germânico e Druso.
52 ANAIS

5. Enquanto se faziam estas e outras reflexões, ia-se aumentando a doença de


Augusto, e não sem suspeitas de ser ajudada pelas maldades da mulher. O certo
é que poucos meses antes já circulava um rumor de que Augusto, dando a saber
seus intentos a alguns de seus amigos, tinha ido só com Fábio Máximo a Planá-
sia visitar o neto Agripa e que, derramando então aí ambos muitas lágrimas, se
haviam dado recíprocos sinais de amizade, sendo o final resultado da visita que
o pobre mancebo tornaria a ser restituído à casa do avô – o que Máximo revelou
a sua mulher, Márcia, e esta da mesma sorte a Lívia. Tibério17 foi logo disto
informado e, sucedendo pouco depois a morte de Máximo, que ficou em dúvida
se foi violenta, dizia-se ter-se ouvido no seu funeral acusar-se Márcia, entre mil
gemidos e gritos, de haver causado a morte do marido. Seja, porém, ou não isto
verdade, o que sabemos é que, apenas Tibério entrou na Ilíria18, foi mandado
chamar a toda a pressa pela mãe. Não consta, porém, se achou moribundo ou já
morto Augusto em Nola, porque a casa estava rodeada de guardas, e Lívia não
consentia que ninguém lá entrasse. De tempos a tempos espalhavam-se, por seu
mando, esperanças de melhora, até que, tendo já tudo acautelado, se publicou ao
mesmo tempo a morte de Augusto e o governo de Tibério.
6. A primeira atrocidade do novo principado foi o assassínio de Agripa, a
quem, desapercebido e sem armas, ainda assim mesmo, um valente centurião
não matou sem grande resistência. Tibério calou no senado este acontecimento
funesto e fingiu que o pai tinha ordenado ao tribuno militar, incumbido da
guarda do mancebo, que prontamente o matasse, assim que ele, Augusto, expi-
rasse. É verdade que o avô, para sancionar o desterro de Agripa com um sená-
tus-consulto, referiu coisas atrozes de seus costumes; porém também é certo que
nunca concorreu para a morte de algum de seus parentes. E nem é crível que,
para segurança do enteado, quisesse a morte do neto; antes é mais natural que
Tibério e Lívia, esta pelos ciúmes de madrasta e aquele por medo, apressassem
os dias de um moço que lhes era odioso e, além disso, suspeito por ter injúrias
que vingar. Ao centurião que lhe veio dar parte, segundo o estilo militar, de
haver cumprido com o que se lhe tinha ordenado, respondeu Tibério que ele
nada tinha mandado e que o senado devia ser sabedor do sucesso. O que, che-
gando aos ouvidos de Salústio Crispo, o primeiro de seus confidentes e o
mesmo de quem o tribuno tinha recebido as ordens, e receando ficar culpado
por ser tão perigoso mentir como dizer a verdade, aconselhou Lívia que não
convinha revelar os mistérios de palácio, e menos os conselhos dos amigos e as
execuções militares. Que seria diminuir sua autoridade se Tibério entrasse a
comunicar tudo ao senado, e que tal era a dignidade do soberano que só a ele, e
a mais ninguém, se deviam dar contas.

17 Tradução de Caesar («César», podendo, por isso, referir-se a Augusto).


18 Para comandar o exército do Danúbio.
LIVRO I 53

7. Mas já dentro de Roma corriam a precipitar-se na escravidão os cônsules,


patrícios e cavaleiros; e quanto mais ilustres tanto mais falsos e prontos se
mostravam, estudando até sua fisionomia e seus gestos para nem parecerem
demasiadamente alegres com a morte do príncipe, nem tristes com o novo
governo, de maneira que a adulação tinha achado o segredo de equilibrar as
alegrias com o pranto. Os cônsules Sexto Pompeio e Sexto Apuleio foram os
primeiros que prestaram juramento de executar tudo o que Tibério César pres-
crevesse: repetiram logo depois o mesmo juramento Sejo Estrabão e Gaio
Turrânio, aquele prefeito da guarda pretoriana, este da anona. Afinal, seguiram-
-se o senado, a tropa e o povo: porque Tibério principiava todas estas coisas
pelos cônsules (à imitação da antiga República) e como se ainda não fosse o
verdadeiro imperante. No mesmo edicto por que fez a convocação do senado,
tão-somente se autorizou com o poder tribunício, de que tinha sido revestido por
Augusto. As palavras do edicto foram poucas e sumamente modestas: dizia que
lhe não era permitido separar-se do corpo de seu pai e que a única função públi-
ca de que se não podia dispensar era de consultar o senado sobre as honras
fúnebres que se lhe deviam fazer. Porém isto não concordava com seu compor-
tamento porque, assim que morreu Augusto, deu logo o santo como imperador
às tropas pretorianas, entrou a usar de guarda e de todo o cortejo imperial,
marchava acompanhado de soldados, quando ia ao Fórum ou quando ia ao
senado, e tinha já escrito aos exércitos como homem seguro e que tivera por
herança o principado. Em uma palavra: nunca parecia irresoluto senão quando
falava ao senado. Mas seu único motivo era o medo que tinha de que Germâni-
co, comandante de tantas legiões e tropas auxiliares, e além disso adorado do
povo, preferisse uma próxima posse do império a uma longa espera dele. Assim
trabalhava por fazer crer que a sua eleição mais era filha dos desejos da repúbli-
ca do que uma violência preparada por intrigas feminis e pela adopção de um
velho. Também ultimamente se soube que toda esta sua irresolução era um
excesso de consumada perfídia, e só para melhor conhecer os sentimentos dos
grandes, porque, notando-lhes bem todas as palavras e até seus mesmos sem-
blantes, lá para consigo guardava os que lhe pareciam inimigos.
8. No primeiro dia de senado não consentiu que se tratasse de outra coisa
senão do funeral de Augusto. Seu testamento foi trazido pelas Vestais: vinham
nele nomeados herdeiros Tibério e Lívia – e esta adoptada para a família Júlia,
com o título de Augusta. Em segundo lugar, seus netos e bisnetos; em terceiro,
os principais da cidade, sendo a maior parte deles os que mais tinha aborrecido
– e assim tudo só por jactância e por desejos de glória. Os legados que deixou
não excediam aos que poderia ter feito um simples particular, excepto que
doava à nação quarenta milhões de sestércios, três milhões e quinhentos mil
sestércios ao povo19, mil a cada soldado pretoriano e trezentos a cada legionário.

19 Tradução de nisi quod populo et plebi quadringentiens triciens quinquiens («doou ao


povo e à plebe quarenta e três milhões e quinhentos mil sestércios»).
54 ANAIS

Passou-se depois a deliberar sobre as honras fúnebres, ponto em que se fizeram


singularmente notáveis as opiniões de Galo Asínio e Lúcio Arrúncio: sendo a
do primeiro que o funeral passasse por baixo da porta triunfal e a do segundo
que fosse precedido dos títulos de todas as leis que havia promulgado e dos
nomes de todas as nações que tinha vencido. Acrescentou Messala Valério que
todos os anos se renovasse o juramento de absoluta obediência a Tibério. Então
perguntado pelo príncipe se por ordem sua é que assim votava, respondeu que
não, mas sim muito livremente e por tal o entender, pois que, nas coisas que
tocavam ao bem da república, nunca seguiria senão sua própria opinião, ainda
mesmo no risco de o poder desgostar. Era o único género de adulação e baixeza
que ainda faltava! O senado decidiu, como por aclamação, que o corpo fosse
levado para a fogueira aos ombros dos senadores, o que permitiu o César por
uma espécie de moderação insultante, e recomendou ao povo por um edicto que
não perturbasse o funeral com seus imoderados obséquios, como na morte do
divino Júlio20 já tinha acontecido, nem exigisse que Augusto fosse a queimar ao
Fórum e não ao Campo de Marte, lugar destinado para sua sepultura. No dia do
enterro estiveram todos os soldados em armas, não sem grande zombaria dos
que tendo presenciado ou ouvido contar a seus pais a morte do ditador César,
que pôs fim a uma dura escravidão e deu princípio a uma nova liberdade, bem
que tão infelizmente recuperada – e para uns foi objecto de elogio, assim como
para outros de horrível escândalo –, agora viam ser preciso recorrer à força
militar para se dar sepultura pacífica a um príncipe velho, que não só havia
gozado de uma longa autoridade, mas de antemão tinha firmado a fortuna de
seus herdeiros em prejuízo da república!
9. A estas reflexões se seguiram outras muitas, que a respeito de Augusto
fazia a gente frívola e que se maravilha de tudo. Diziam, por exemplo, que em
igual dia havia recebido o império e morrera – e no mesmo quarto e na mesma
casa de Nola em que seu pai, Octávio, também tinha morrido. Celebravam com
admiração o número de seus consulados, que só eles haviam sido tantos como
os de Valério Corvino e Gaio Mário todos juntos21, que, por espaço de trinta e
sete anos, tinha seguidamente continuado com a autoridade tribunícia e que
vinte e uma vezes havia obtido o título de imperator, com outras muitas honras,
não só multiplicadas porém novas. Mas com melhores olhos viam os prudentes
todas estas coisas e, assim, muito diferentemente avaliavam sua vida. Os que
faziam seu elogio asseveravam que só por amor filial22 e a bem da república,
que se achava oprimida, é que havia tomado parte nas guerras civis, e já
quando, por acomodação, era absolutamente impossível prevenir ou moderar
seus funestos efeitos. Que, para melhor castigar os assassinos do pai, tinha

20 Júlio César.
21 O primeiro cumpriu sete consulados e o segundo seis; Augusto exerceu, portanto, treze.
22 A respeito de seu pai adoptivo, Júlio César.
LIVRO I 55

favorecido António, tinha favorecido Lépido, mas quando este, no fim dos anos,
se abismara numa imbecil indolência e aquele se tinha engolfado em dissolu-
ções e em vícios, já não restava à pátria, dilacerada pelos diferentes partidos,
senão a autoridade e o governo de um só. Que desta forma a república recobrara
sua dignidade e suas forças: e não com o título de um rei ou de um ditador, mas
simplesmente de um príncipe. Que o império tivera por limites o Oceano e os
rios mais distantes23, que as províncias, as legiões, as esquadras e, em uma
palavra, todas as coisas ficaram em estreita união, que fizera justiça aos cida-
dãos e tratara com doçura os aliados, que a mesma Roma ganhara em magnifi-
cência e riquezas – e que finalmente, para conservar a tranquilidade pública,
bem poucas violências se tinham empregado.
10. Os que, porém, eram de contrária opinião respondiam que todo esse seu
presumido amor filial e da pátria não havia sido mais do que um pretexto,
porque, ambicioso de dominar, tinha, à força de dinheiro, derramado a sedição
entre os soldados veteranos; ainda mesmo sendo mancebo e pessoa particular, já
tinha formado um exército, corrompido as legiões do cônsul24 e forjado uma
falsa reconciliação com o partido de Pompeio25. Que assim que, por um decreto
do senado se pudera apossar das fasces e dignidade de pretor, morrendo nesse
tempo os cônsules Hírcio e Pansa (quer fosse pelo ferro do inimigo ou, o que é
mais provável, por suas dolosas intrigas, fazendo que se envenenassem as
feridas de Pansa e contra Hírcio conspirassem seus próprios soldados), tomara
despoticamente o comando de ambos os exércitos26. Então, contra a própria
vontade do senado, sem pejo usurpara o consulado, e das armas que contra
António havia recebido se depois servira para oprimir a República. Acrescenta-
vam mais: que nem aqueles mesmos que eram seus cúmplices se atreviam a
louvar as proscrições e a partilha das terras. Verdade era que os dois Brutos e
Cássio haviam sido sacrificados aos manes paternos, ainda que seria mais
generoso sacrificar ao bem público os ódios pessoais; mas António tinha sido
realmente enganado com aparências de paz27, bem como Lépido com demons-
trações de amizade28. Que o mesmo António, apesar dos tratados de Tarento e
de Brundísio e de todos os laços fraternais, pagara em pouco tempo com a vida
o castigo de tão pérfida aliança29. Não há dúvida que, depois de tudo isto, se

23 O Reno, o Danúbio e o Eufrates.


24 Marco António.
25 Ano de 44 a. C.
26 Depois da batalha de Mútina, em 43 a. C.
27 Tratado do Miseno (39 a. C.).
28 Segundo triunvirato (43 a. C.).
29 Os tratados de Tarento e de Brundísio datam de 37 e 40 a. C. De acordo com este último,
António casou com a irmã de Augusto, tornando-se seu cunhado (o que justifica a menção
de «laços fraternais»).
56 ANAIS

seguira a paz, porém uma paz inundada de sangue: fora de Roma, houve as des-
graças militares de Lólio e Varo e, dentro dela, as mortes dos Varrões 30, dos
Egnácios e dos Julos. Nem se esqueciam de seus crimes domésticos: do escân-
dalo com que havia roubado a Tibério Nero sua própria mulher31 e do ludíbrio
com que tinha consultado os pontífices para decidirem se o matrimónio seria
legítimo, não tendo ainda ela parido, mas estando só pejada. Imputavam-lhe o
luxo de Tédio32 e Védio Polião e, para remate de tudo, os crimes de Lívia, mãe
fatal para a república e madrasta ainda mais fatal para a casa dos Césares.
Diziam, enfim, que até aos mesmos deuses parecia ter querido usurpar as honras
divinas, querendo como eles ser adorado com estátuas e templos e por sacerdo-
tes não só públicos, mas particulares33. Que nem por amor ou felicidade da
república nomeara para sucessor a Tibério, porém porque, tendo previsto toda a
sua ferocidade e arrogância, pretendera por uma comparação horrorosa exaltar
sua glória nas idades futuras. E nem estas conjecturas se faziam sem motivo
porque quando Augusto, poucos anos antes, pediu ao senado segunda vez para
Tibério a dignidade de tribuno, ainda que lhe fez elogios, deixou contudo cair
tais expressões sobre seu exterior, figura e costumes que, parecendo desculpá-
-lo, eram na realidade mais uma sátira do que um elogio. Mas concluído que foi
o funeral na forma do costume, dedicou-se-lhe um templo e se lhe tributaram
honras divinas.
11. Desde logo todas as adorações se voltaram para Tibério, o qual, com a
sua aparência de modéstia, falando muito confusamente sobre a grandeza do
império, dizia que, para conservá-lo, só a alma do divino Augusto havia tido
forças, pois que, tendo sido chamado por ele para ter parte em tão importantes
cuidados, por sua própria experiência conhecera a grande fortuna e trabalhos
que eram necessários para bem o governar. Assim, uma vez que dentro da
cidade se contavam tão ilustres cidadãos, não convinha conferir a um só toda a
autoridade, mas seria muito melhor reparti-la por muitos, o que daria dobrada
energia e facilidade aos negócios. Neste discurso havia mais ostentação do que
verdade: e tal era Tibério, que ainda nas coisas que de propósito não queria
ocultar, ou fosse por hábito ou por carácter, empregava sempre as expressões
mais obscuras e equívocas e, por consequência, agora que se esforçava por
encobrir profundamente seus pensamentos, muito mais confuso e ininteligível
se fazia. Porém os senadores, que nada tanto receavam como o dar-lhe a enten-
der que o percebiam, entraram a desfazer-se em votos, em lágrimas, em preces e
a erguer as mãos para as estátuas dos deuses, para a imagem de Augusto e para

30 Terêncio Varrão Murena.


31 Lívia, em 38 a. C.
32 Texto corrompido.
33 O culto a Augusto, que nas províncias se confundia com o culto a Roma, estava impedido
em Itália.
LIVRO I 57

ele, que, vendo tudo isto, fez apresentar uma memória e a mandou ler. Nela se
achavam descritas todas as forças e riquezas do império: quantos cidadãos e
aliados estavam em armas; o número das esquadras, dos reinos e das províncias;
as diferentes espécies de tributos e as despesas necessárias e as gratificações: o
que tudo Augusto por sua própria mão tinha escrito, acrescentando, como
conselho, que seria de grande utilidade dar limites ao império – o que se não
sabe se ele recomendava por medo ou por ciúmes.
12. Entanto que o senado se prostituía com estas baixas e vis adulações,
disse como por acaso Tibério que, apesar de se não conhecer com os talentos
necessários para reger toda a república, contudo de boa vontade aceitaria aquela
parte que lhe quisessem confiar. «Porém que parte – lhe perguntou imediata-
mente Asínio Galo – queres tu, ó César, que te seja destinada?» Aterrado Tibé-
rio com esta pergunta não esperada, ficou calado por um pouco, mas, cobrando
logo ânimo, respondeu que lhe não era decente escolher ou rejeitar alguma coisa
daquilo de que mais quisera ficar de todo aliviado. Então Galo, que bem lhe
adivinhou no rosto a profunda indignação, prontamente replicou que lhe não
havia feito aquela pergunta para dividir o que de sua natureza era indivisível,
porém para o convencer, por sua própria confissão, que assim como a república
tinha um só corpo, também devia ter uma só e única cabeça. Rematou depois
com grandes louvores a Augusto e a ele, Tibério, trazendo-lhe à memória as
gloriosas acções com que, tanto na paz como na guerra, por tantos anos se havia
ilustrado. Mas nem com isto lhe adoçou a alma indignada e já de muito tempo
em ódio contra ele, por ver que, depois de seu casamento com Vipsânia, filha de
Agripa e outrora mulher de Tibério, parecia muito mais abertamente disposto a
não se contentar com o estado de vassalo e conservava sempre toda a ferocidade
de seu pai, Asínio Polião.
13. Seguiu-se a falar Lúcio Arrúncio, que, repetindo quase o mesmo que
tinha dito Galo, fez com que Tibério igualmente se ofendesse não porque já lhe
tivesse ódio antigo, mas porque lhe era suspeito em razão de ser rico, activo,
dotado de belas qualidades e ter a opinião pública a seu favor. Constava também
que Augusto, falando nas suas últimas conversações dos que, sendo merecedo-
res do império, o recusariam, dos que, sendo incapazes, aspirariam a ele, e dos
que teriam não só talentos mas desejos de o conseguir, dissera que Marco Lépi-
do era merecedor, mas lhe faltava a ambição, que Galo Asínio a possuía, mas
era incapaz, e que Arrúncio não só era digno mas tão ambicioso que, se a fortu-
na lhe soprasse, teria sobeja ousadia para usurpá-lo. Geralmente se concorda no
carácter dos primeiros, porém no lugar de Arrúncio outros põem Gneu Pisão. O
certo é que, no governo de Tibério e por sua maligna influência, todos, à excep-
ção de Lépido, pereceram vítimas de vários crimes em que foram envolvidos.
Também Quinto Hatério e Mamerco Escauro vivamente feriram o espírito
tenebroso de Tibério: aquele por ter dito «Até quando, ó César, recusarás pôr-te
à frente da república?», e este por haver insinuado que ainda se devia esperar
58 ANAIS

que não fossem infrutuosas as súplicas do senado, atendendo a que Tibério, pela
sua autoridade de tribuno, não se tinha oposto à proposta feita pelos cônsules.
Contra Hatério imediatamente se indignou, mas contra Escauro, por isso mesmo
que muito mais o aborrecia, não proferiu uma única palavra. Fatigado, enfim,
com os clamores de todos e com as petições de cada um em particular, foi-se
mostrando, pouco a pouco, mais condescendente sem, contudo, nunca dizer que
aceitava, mas deixando simplesmente de recusar e não se fazendo já tão rogado.
Afirma-se que Hatério, entrando no palácio para se desculpar e lançando-se-lhe
aos pés ao tempo em que andava passeando, estivera quase morto pelas guardas
porque Tibério deu uma queda, ou fosse por acaso ou por se ter embaraçado nos
braços e roupas dele quando o apertava. E nem foi bastante o perigo que correu
um homem tal como Hatério para se lhe mitigar a cólera: foi-lhe ainda preciso
recorrer à protecção de Augusta, e só seus ardentes desvelos o salvaram.
14. Grande foi também a adulação dos senadores para com Augusta, votando
uns que se lhe desse o título de mãe, outros de mãe da pátria e o maior número
que, ao nome do César, se lhe acrescentasse o de filho de Júlia. Tibério porém
não o aprovou, dizendo que se devia guardar moderação nas honras concedidas
às mulheres e que ele seria o primeiro em dar exemplo quando se tratasse de
coisas que tocassem à sua própria pessoa. Mas o motivo verdadeiro era por
ciúmes que o devoravam, porque, receando que os obséquios feitos à mãe
diminuíssem de alguma forma a sua autoridade, não consentiu que se lhe desse
nem um só lictor e, até mesmo, proibiu se lhe erigisse um altar de adopção e
outras semelhantes distinções. Pediu, contudo, o proconsulado para Germânico
César e lhe enviou legados para dar-lhe esta notícia, bem como para consolá-lo
na morte de Augusto. A razão por que não pediu o mesmo para Druso foi por
ele ter sido designado cônsul e se achar então presente. Nomeou doze candida-
tos para a pretura, que era o número determinado por Augusto, e, rogando-lhe o
senado que o aumentasse, protestou com juramento que nunca tal faria.
15. Então, pela primeira vez, passaram os comícios do Campo de Marte para
o senado porque, até àquele tempo, ainda que as eleições mais importantes se
fizessem sempre segundo a vontade do príncipe, contudo outras muitas havia
que essencialmente dependiam da aprovação das tribos. Nem o povo mostrou
outro descontentamento por esta usurpação de seus direitos mais do que em
formar algumas queixas, sem vigor e sem fruto, de sorte que o senado, vendo-se
já livre de o lisonjear com dinheiro ou com solicitações vergonhosas, de boa-
mente esteve por esta inovação, que muito mais gostosa lhe veio ainda a ser
porque Tibério se limitou a recomendar tão-somente quatro candidatos, os quais
sempre deviam ser nomeados sem contradição e sem que tivessem necessidade
de solicitar os empregos. Nesta mesma ocasião, pediram os tribunos do povo
que, à sua custa deles, se lhes concedesse fazer as novas festas, que se tinham
incorporado nos fastos, e que do nome de Augusto se denominaram Augustais.
Determinou-se, porém, que do erário se tirassem os fundos necessários para elas
LIVRO I 59

e que, dentro do Circo, pudessem os mesmos tribunos usar do vestido triunfal,


mas nunca andar em carroça. Pelo tempo adiante, a celebração anual destas
festas foi incumbida ao pretor peregrino34, que estava destinado para administrar
a justiça entre os cidadãos e os estrangeiros.
16. Tal era o estado das coisas que se passavam dentro de Roma, quando o
espírito de sedição infeccionou as legiões da Panónia, sem outro motivo mais do
que ser princípio de novo governo, que dava ocasião aos perturbadores de
conceberem grandes esperanças de recompensas e dádivas por meio da guerra
civil. Nos mesmos quartéis de Estio estavam aquarteladas três legiões, sendo
comandante delas Júnio Bleso, o qual, com a notícia da morte de Augusto e
exaltação de Tibério, e por se seguirem os dias de luto e depois as festas de
alegria, tinha dispensado a tropa dos exercícios do costume. Esta foi a origem
do mal, porque os soldados no ócio entraram logo a desmandar-se e a dar ouvi-
dos aos discursos da pior gente que havia entre eles, até que por fim já não
queriam senão viver bem e descansar, e desprezavam abertamente os trabalhos e
disciplina militar. Havia no acampamento um certo Percénio, em outro tempo
director de teatro e depois simples soldado, falador, atrevido e costumado, por
sua ocupação teatral, a todos os manejos e a todas as intrigas. Este começou, ora
com práticas nocturnas ora nas tardes, a seduzir, pouco a pouco, os mais igno-
rantes e que não sabiam ainda qual seria o estado da tropa depois da morte de
Augusto; e, tanto que pôs de seu partido os melhores, passou a convocar a
canalha35.
17. Afinal, tendo já seguros outros agentes da sedição e tomando o tom de
um general que fala às suas tropas, principiou desta sorte: Que razão havia para
estarem obedecendo, como se escravos fossem, a tão poucos centuriões e ainda
muito menos tribunos? E que melhor ocasião podia haver para ousarem, por
súplicas ou por armas, dar remédio a seus males do que no princípio do governo
de um príncipe novo, ainda sem autoridade e sem crédito? Já bastante cobardia
e paciência tinham eles mostrado em sofrer que, de soldados velhos e pela
maior parte já mutilados pela guerra, se exigissem trinta e quarenta anos de
serviço. Nem os que recebiam suas baixas ficavam por isso de todo livres dos
trabalhos militares porque, ainda obrigados a seguir as bandeiras debaixo de
outros títulos, continuavam a padecer os mesmos incómodos. E se, depois de
tantos azares, ficavam ainda com vida, era para ir acabá-la em diversos países,
onde, com falsas promessas de divisão de terras, apenas vinham a receber
alguns pauis doentios ou alguns desertos estéreis. Além disto, o estado militar
era, por si mesmo, pesadíssimo e não oferecia interesses: o sangue e vida de um
soldado apenas se avaliavam em dez asses por dia e, destes, ainda saía o neces-

34 Tradução de ad praetorem («ao pretor»).


35 Tradução de deterrimum («o pior»).
60 ANAIS

sário para o fardamento, armas e barracas. Até este mesmo pequeno soldo era
preciso repartir com os centuriões, para escaparem às suas crueldades ou pode-
rem conseguir alguns dias de licença. E para tudo dizer de uma vez, os açoutes,
as feridas, os frios do Inverno ou os exercícios do Estio, as guerras atrozes ou
uma paz miserável eram calamidades sem fim. Já não havia outro remédio
senão dar leis invariáveis e certas ao serviço militar: que se regulasse, pois, o
soldo em um dinheiro por dia, somente por dezasseis anos fossem obrigados a
servir e, passados eles, ficassem de todo livres de qualquer sujeição, recebendo
logo, dentro dos mesmos quartéis, toda a gratificação em dinheiro que se lhes
estivesse devendo. Tinham porventura maiores merecimentos ou corriam maio-
res perigos as tropas pretorianas, que ganhavam dois dinheiros por dia e, depois
de dezasseis anos, recebiam a sua baixa? Que não falava nisto por lhes invejar
seu serviço urbano, mas o certo era que ele, acampado no meio de nações bárba-
ras, estava todos os dias vendo de sua própria barraca os inimigos.
18. A multidão aprovou este discurso com diferentes clamores, mostrando
uns, como para sua justificação, os sinais dos açoutes, outros, seus cabelos
brancos e a maior parte, os vestidos lacerados e a nudez de seus membros. A
tanto, porém, chegou seu furor que das três legiões procuraram fazer um só
corpo; mas, desunidos por seus mútuos ciúmes, porque cada um queria que a
sua legião ficasse com a honra de se as outras nela incorporarem, tomaram outro
partido, que foi arvorar, no mesmo lugar, as três águias com as bandeiras de
todas as coortes. Agora já em perfeita união vão buscar terra, fazem um combro
elevado e, sobre ele, formam um tribunal, para que assim ficasse mais visível a
todos. Bleso se lhes apresenta então diante, quando estavam no maior fervor da
sua obra, e, repreendendo e demorando a cada um de per si, entrou a clamar:
«Manchai antes vossas mãos em meu sangue, que muito menor crime será
matar o vosso comandante do que faltar à lealdade devida ao imperador! Sim:
ou eu, conservando a vida, conservarei também intacta a fidelidade das legiões,
ou enfim degolado apressarei seu arrependimento.»
19. Apesar disto, ia sempre crescendo a obra, e já dava pelos peitos quando,
vencidos pela tenacidade do comandante, desistiram da empresa. Bleso, com
muita arte e eloquência, começou então a dizer-lhes não ser próprio de soldados
requerer ao César, por meio de sedições e barulhos, que nos tempos antigos fora
sempre coisa inaudita fazerem-se tais petições aos generais, nem eles mesmos
em vida do divino Augusto, por qualquer caso que fosse, se teriam atrevido a
tanto – quanto mais não parecia decoroso afligir logo o príncipe no princípio de
seu governo. Se, contudo, em tempo de paz, tentavam alcançar o que nem os
vencedores das guerras civis se atreveriam a pedir, por que motivo, contra o
estilo das petições e o bom uso da disciplina militar, empregavam a violência?
Melhor era que escolhessem deputados e a eles incumbissem seus requerimen-
tos. Clamaram todos então que, para esta embaixada, fosse nomeado o filho de
Bleso, que era tribuno, e requeresse a baixa para os soldados no fim de dezas-
LIVRO I 61

seis anos; quanto ao resto, se trataria dele logo que a primeira petição fosse
despachada. Partiu, enfim, o mancebo, mas nem por isso a tranquilidade durou
muito: entrou a ensoberbecer-se a tropa que, vendo por deputado o filho de seu
comandante, então claramente conheceu que só pelo medo tinha conseguido o
que nunca por bom modo alcançaria.
20. Neste meio tempo, algumas escoltas que, antes da sedição, tinham sido
enviadas para Nauporto para aí cuidarem de pontes, calçadas e outras obras,
sabendo o que se passava nos quartéis, largam o acampamento e, saqueando as
aldeias vizinhas assim como a mesma Nauporto (que era uma espécie de cidade
municipal), prendem os centuriões e, depois de mil zombarias e afrontas, pas-
sam ainda a açoutá-los. O ódio principal foi, contudo, contra Aufidieno Rufo,
prefeito de campo, ao qual, depois de o tirarem por força da carroça em que
andava, carregaram com bagagens e, fazendo-o marchar a pé na vanguarda, por
escárnio lhe diziam: que tais lhe pareciam as longas marchas e o peso enorme
que levava? E assim lhe falavam porque Rufo, por muito tempo simples solda-
do, depois centurião e agora prefeito de campo, sendo muito zelador da antiga e
severa disciplina, os fazia trabalhar de contínuo e era muito mais duro por terem
já por ele passado os mesmos trabalhos.
21. Com a chegada destes sediciosos, renovou-se a insurreição, e os disper-
sos roubavam todos os lugares vizinhos. Mas Bleso, que disto teve notícia,
mandou açoutar, para exemplo dos outros, os que encontrou mais carregados de
roubos e depois deu ordem para serem presos, porque até esse tempo os centu-
riões e os melhores soldados ainda obedeciam ao seu comandante. Tentam,
porém, os culpados resistir aos que os levam presos e, para melhor o conseguir,
deitando-se aos pés de todos os que encontram, entram a chamá-los por seus
próprios nomes e, invocando a centúria, a coorte ou a legião a que cada um
pertence, clamam que o perigo é comum e vomitam injúrias atrozes contra o
comandante, fazendo mil exclamações ao céu e aos deuses. De nada enfim se
esquecem para mais fortemente excitarem o ódio, a compaixão, as vinganças e o
medo, até que, de toda a parte havendo já concorrido todos, arrombam a cadeia
e não só os põem livres, mas agregam a si os mesmos desertores e outros faci-
norosos que estavam condenados a penas capitais.
22. Cada vez mais violenta se foi tornando a sedição e já tinha muitos chefes
– e, entre eles, um certo Vibuleno, simples soldado, o qual, posto aos ombros de
alguns, em frente do tribunal de Bleso, e vendo a todos em muita perturbação e
ansiosos por ouvi-lo, começou a dizer-lhes: «Camaradas, vós acabais de dar a
liberdade e a vida a estes desgraçados inocentes; mas quem poderá fazer o
mesmo a meu irmão? Quem mo poderá restituir? Sendo-vos enviado pelo
exército germânico, para tratar dos comuns interesses, foi a noite passada
degolado pelos gladiadores de Bleso, que só para destruir-nos é que os tem e
conserva em armas. Sim, responde, ó Bleso, onde mandaste lançar seu cadáver?
62 ANAIS

Os mesmos inimigos não negam aos mortos sepultura: quero ao menos beijar
seu corpo e com lágrimas desafogar a minha dor! Manda-me, então, depois
degolar, contanto que estes meus camaradas possam também sepultar livre-
mente a todos os que, sem nenhuma culpa, morrermos vítimas do amor que
temos mostrado pelo bem das legiões.»
23. Dava muito maior veemência a estas expressões porque se desfazia em
pranto e se feria cruelmente no rosto e no peito. Arredando depois de si os que o
sustentavam aos ombros, vai lançar-se aos pés de cada um em particular, e tanto
ódio e indignação excitou nos ânimos de todos que parte dos soldados correu a
prender os gladiadores do serviço de Bleso e outros lhe foram prender os escra-
vos. Passaram depois a procurar o corpo do morto e, a não se ter prontamente
sabido que não aparecia, e que os escravos postos a tormento confessavam que
tal morte não tinha havido, nem tal irmão ele tinha, seguramente haveriam
chegado ao ponto de assassinar o comandante. Contudo, sempre expulsaram os
tribunos e o prefeito do campo: roubaram a quantos fugiam e, por fim, deram a
morte ao centurião Lucílio, a quem por espírito de galantaria militar tinham
posto o apelido de «Venha outra». A razão era porque, todas as vezes que
quebrava uma vara de videira nas costas dos soldados, tinha logo na boca as
seguintes palavras, que sempre repetia: «Venha outra, venha outra!» A todos os
mais centuriões, para escaparem, preciso foi esconder-se, e só conservaram
retido a Clemente Júlio, que, por ter suma capacidade, julgavam muito hábil
para ser seu orador deles. As mesmas legiões oitava e décima haveriam pegado
em armas uma contra outra: aquela porque pedia a morte de um centurião por
sobrenome Sírpico e esta porque o defendia, se a nona legião não tivesse preve-
nido este desastre interpondo primeiramente seus rogos e depois os ameaços.
24. Estas notícias chegaram tanto ao vivo do coração de Tibério que, apesar
de ser naturalmente impenetrável e amigo de ocultar tudo o que era triste, tratou
logo de mandar seu filho Druso, acompanhado de algumas pessoas principais da
cidade e de duas coortes pretorianas. Não lhe deu, porém, instruções algumas
particulares e simplesmente lhe ordenou que obrasse segundo as circunstâncias.
Reforçou as coortes mais do que o ordinário com gente escolhida e, além destas,
pôs à sua disposição grande parte da cavalaria pretoriana e os melhores soldados
germânicos que neste tempo faziam as guardas do imperador. Para dirigir o
mancebo, nomeou também o prefeito do pretório Élio Sejano, colega designado
de seu pai, Estrabão, homem já de toda a intimidade de Tibério e que levava
amplos poderes para premiar ou punir. Na chegada de Druso, vieram-lhe sair ao
encontro as legiões unicamente por obrigação e, fora do costume, nem alegres
nem com as suas insígnias brilhantes, porém sórdidas no semblante e no traje –
e, ainda que na aparência pesarosas, na realidade rebeldes.
25. Tanto que o viram dentro dos entrincheiramentos, passaram a pôr senti-
nelas em todas as portas, mandaram patrulhas para certos lugares do campo e o
LIVRO I 63

resto, em grande força, foi postar-se à roda do tribunal. Druso, em pé, pedia
com a mão que se calassem, mas eles, sem atender e olhando só para o seu
número, estavam em alaridos horríveis, até que, pondo os olhos no César,
começaram a recear. Seguiu-se então um sussurro vago e incerto, depois clamo-
res atrozes e, de repente, um silêncio profundo: de sorte que, por estas suas
comoções tão diferentes, mostravam susto e o davam. Finalmente, assim que se
interrompeu o tumulto, leu a carta do pai em que, depois de mostrar o grande
caso que fazia das bravas legiões, com as quais por tantas vezes já tinha feito a
guerra, acrescentava que, apenas lho permitissem a sua saúde e o luto, trataria
logo com os senadores das pretensões delas. No entanto lhes enviava seu filho
para que ele imediatamente lhes concedesse quanto em sua autoridade cabia;
quanto ao mais, convinha esperar pela decisão do senado, a quem de justiça
deviam competir os castigos, assim como as recompensas.
26. As legiões responderam que o centurião Clemente ia expor seus reque-
rimentos. Este assim o fez e pediu baixa para os soldados depois de dezasseis
anos de serviço e, no fim deles, as gratificações do costume; que o soldo ordinário
fosse um dinheiro por dia e que os veteranos ficassem de todo livres da sujeição
militar. Querendo a isto replicar Druso que se devia esperar pelo arbítrio do
senado e do pai, foi interrompido com grandes clamores. Por que motivo tinha ele
então vindo, diziam todos, se não trazia poderes para aumentar o soldo à tropa,
diminuir-lhe os trabalhos e conceder-lhe algumas graças? Seguramente só vinha
com autoridade para lhes dar açoutes ou a morte! Já Tibério, desde outros tempos,
servindo-se do nome de Augusto, estava acostumado a frustrar os desejos das
legiões e agora mandava Druso, ensaiado nos mesmos artifícios. Era possível que
nunca lhes enviassem senão filhos famílias? O que, porém, mais extraordinário
devia parecer era que o imperador só remetesse para o senado tudo o que podia
ser favorável aos soldados: justo era também que o mesmo senado ouvido fosse
na declaração das guerras e na distribuição dos castigos. Que desigualdade! haver
senhores para decidir dos prémios, quando as penas ficavam arbitrárias!
27. Finalmente, desamparam o tribunal e começam a ameaçar os soldados
pretorianos que encontram e a quantos contavam por amigos do César, buscan-
do assim pretextos para novas discórdias e para irem às armas. Entre todos a
quem mais aborreciam era Gneu Lêntulo, porque, também mais que todos não
só por sua idade, mas por sua glória militar, julgavam capaz de apoiar a causa
de Druso, e tinha sido o primeiro que mostrara desprezar estes atentados da
tropa. Assim, passado pouco tempo, na ocasião em que se despedia do César e
em que, antevendo já o perigo, se ia refugiar nos quartéis de Inverno, viu-se de
repente assaltado. Rodeiam-no e perguntam-lhe aonde se dirige, se vai dar conta
ao imperador ou ao senado e se vai opor-se aos requerimentos das legiões.
Dizendo isto, todos unanimemente o atacam e lhe atiram com pedras. Mas,
depois de já estar ferido e a ponto de morrer, por um acaso escapou com a
chegada da comitiva de Druso, que veio a tempo de o salvar.
64 ANAIS

28. Um caso imprevisto moderou os excessos da noite, que já parecia amea-


çar com horrorosas maldades. Estando o céu claro e limpo, começou a se escu-
recer a Lua de repente36. O soldado ignorante olha este sinal como um agoiro
infeliz e, atribuindo sua causa aos sucessos presentes, persuade-se que só poderá
sair bem de suas pretensões se a deusa tornar a mostrar-se radiosa e brilhante.
Portanto, entram a fazer grande estrépito com instrumentos de bronze e a tocar
buzinas e trombetas e, à proporção que a Lua ou se tornava mais clara, ou mais
se obscurecia, mostravam sua alegria ou terror. Porém, tanto que nuvens mais
grossas lha roubam à vista e por fim a consideram nas trevas (por isso mesmo
que a imaginação, uma vez aterrada, fica mais disposta para adoptar todas as
superstições), principiam a crer que eternos castigos lhes estão preparados e se
lamentam de que até os deuses se horrorizem de seus atentados atrozes. O
César, conhecendo então, muito prudentemente, que se não deviam deixar
escapar estas tão boas disposições que o azar ministrava, manda visitar todas as
barracas e incumbe desta diligência o centurião Clemente e a todos aqueles que,
por meios honestos, tinham influência na tropa. Eles vão dar volta pelas senti-
nelas, corpos de guarda e portas do campo37 e insinuam nos espíritos ideias de
esperança e de medo. «Até quando – lhes diziam – teremos em cerco o filho do
nosso imperador? Qual será o fim de nossa rebelião? Iremos prestar juramento
de fidelidade a Percénio e a Vibuleno? E Vibuleno e Percénio são os que hão-de
aumentar a paga aos soldados ou dividir as terras pelos veteranos? E os veremos
ainda a eles senhores do império romano, em vez dos Neros e dos Drusos? Pois
bem! já que fomos os últimos na culpa, sejamos agora no arrependimento os
primeiros. Mas, como o que se pede em comum quase sempre tarde se conse-
gue, muito melhor atendidos seremos se cada um de nós for desde já implorar
seu perdão.» Abalados os ânimos com estes discursos, entrando logo a descon-
fiar uns dos outros, foi então muito fácil excitar a desunião não só entre os
soldados novos38 e os veteranos, mas nas mesmas legiões entre si. Daqui suce-
deu que, entrando a dar pouco a pouco demonstrações de obediência, desampa-
raram as portas e foram colocar em seus próprios lugares cada uma das bandei-
ras, que no princípio da sedição tinham arvorado todas juntas.
29. Druso, ao romper do dia, convocando a assembleia militar e suprindo a
falta de eloquência com sua dignidade natural, repreende os primeiros sucessos
e louva seu actual comportamento. Diz-lhe que ele não tem carácter para se
deixar vencer quer por terrores, quer por ameaços; porém, se vir que, propensos
para a moderação e disciplina, lhe pedem perdão, dará disso conta a seu pai e se
interessará para que, esquecido do passado, atenda aos requerimentos das le-

36 O eclipse da Lua aconteceu na noite de 25 para 26 de Setembro de 14.


37 Os guardas das portas.
38 Tradução de tirones («recrutas»).
LIVRO I 65

giões. Por efeito dos rogos que lhe fizeram, foram novamente nomeados, para
irem em deputação a Tibério, o mesmo Bleso, Lúcio Apónio, cavaleiro romano
da comitiva de Druso, e Justo Catónio, centurião de uma das primeiras compa-
nhias. Passando-se depois a deliberar particularmente, houve diversas opiniões.
Diziam uns que se devia esperar pelos deputados e, no entanto, se cuidasse em
sossegar a tropa com muita brandura; outros, porém, eram de opinião que se
empregassem remédios violentos. E era este seu fundamento: que a multidão
obra sempre por paixões excessivas e, por consequência, é ou nimiamente
atrevida ou cobarde; portanto, uma vez que se chega a possuir do medo, impu-
nemente se pode desprezar. Nestas circunstâncias, enquanto a superstição
dominava os soldados, devia o general aterrá-los, fazendo castigar os chefes da
sedição. Druso, que pendia muito para as medidas de rigor, manda chamar
Vibuleno e Percénio e os faz degolar. A tradição mais constante é que foram
ocultamente enterrados dentro da própria barraca do César; porém outros asse-
veram que seus corpos, levados para fora do campo, foram expostos à vista de
todos.
30. Feita esta primeira execução, procuraram-se os outros principais pertur-
badores. Alguns, como andassem vagueando por fora do acampamento, foram
mortos pelos centuriões ou pelos soldados das coortes pretorianas; a outros
(exemplo raro de fidelidade e disciplina!) os mesmos símplices soldados entre-
garam à justiça. A consternação da tropa tinha-se aumentado com a chegada
prematura do Inverno e com as chuvas continuadas, que foram tão tempestuosas
que apenas os soldados podiam sair das tendas e muitos deles juntos ter mão nas
bandeiras, que eram arrebatadas pelas torrentes e pelo vento. Duravam, também,
ainda todos os terrores da ira celeste e geralmente se cria que o céu, indignado
contra os ímpios, fazia escurecer as estrelas e mandava as tempestades. Já não
viam outro remédio para seus males senão desamparar este acampamento in-
fausto e poluto e, depois de expiados tantos e tamanhos escândalos, recolher-se
cada legião a seus quartéis de Inverno. A oitava e quinze tomaram logo este
partido, só a nona clamava que se devia esperar pela resposta de Tibério, mas,
achando-se só com a retirada das outras, também tomou o mesmo partido,
fazendo da necessidade virtude. Druso, sem esperar pelos deputados, vendo que
a tranquilidade já estava restabelecida, fez-se na volta de Roma.
31. Quase no mesmo tempo e pelos mesmos motivos, as legiões germânicas
se revoltaram e tanto mais violentamente quanto maior era o seu número. Havia,
porém, aqui uma nova circunstância, em que muito se fiavam, e era a lembrança
de que Germânico César com dificuldade sofreria ser governado quando podia
governar: assim, cuidavam que de boamente se poria nas mãos das legiões e,
por sua influência, procuraria ir trazendo a si todo o império. Formavam elas
dois exércitos, denominados do alto e baixo Reno, o primeiro dos quais era
comandado por Gaio Sílio e o segundo por Aulo Cecina, ambos às ordens de
Germânico, então ocupado em fazer a repartição dos tributos nas Gálias. Os
66 ANAIS

soldados do exército de Sílio, ainda indecisos, espreitavam nos outros os efeitos


da sedição; porém os do exército de Cecina já se tinham fortemente declarado,
sabendo que as legiões quinta e décima primeira haviam dado princípio à revol-
ta e já tinham também posto da sua parte a primeira e a vigésima, as quais todas
ocupavam os mesmos quartéis de Estio nas fronteiras dos Úbios, simplesmente
para descansar ou para serem empregadas em coisas de pouca importância.
Sabida que foi a morte de Augusto, toda aquela multidão – composta de libertos
de Roma e que, ainda havia pouco, tinha sido alistada, petulante por condição e
inimiga de tudo quanto era trabalho – entrou a inflamar os ânimos grosseiros
dos outros soldados. Clamava ser chegado o tempo em que os veteranos deviam
pedir diminuição nos anos de serviço, os novos, uma paga mais avultada e,
finalmente, todos deviam procurar alívio de tantas desgraças, tomando vingança
da crueldade dos centuriões. E quem repetia tudo isto não era um só homem –
como Percénio entre as legiões da Panónia ou entre soldados ainda receosos por
estarem vizinhos de grandes exércitos –, porém eram muitos os indivíduos e
eram muitas as vozes que proclamavam esta rebelião. Diziam altamente que nas
suas mãos estava a sorte de Roma, que suas vitórias tinham feito a grandeza da
república e que os mesmos generais se honravam com tomar seu sobrenome.
32. Nem o legado comandante se atrevia a opor-se-lhes, porque o furor e a
insânia de tantos lhe faziam perder toda a coragem. Finalmente arrebatados por
um raivoso impulso, desembainham as espadas e vão lançar-se sobre os centu-
riões: motivo antiquíssimo de todos os ódios militares e, por consequência, de
todas as vinganças. Depois de os deitarem por terra, cruelmente os açoutam e à
roda de cada um se juntam sessenta, para serem tantos os algozes em número
quantos eram os centuriões de cada legião. Assim lacerados, e parte ainda
agonizantes, e parte já mortos, vão lançá-los no Reno ou fora das trincheiras.
Septímio, que tinha ido buscar abrigo no tribunal e que, abraçado com Cecina,
lhe pedia protecção, aí mesmo foi procurado, e com tantas instâncias que não
houve remédio senão entregá-lo à sua sorte. Só Cássio Quérea escapou,
abrindo-se caminho com a espada nua por entre os furiosos armados: moço
brioso e valente, que depois fez seu nome imortal matando Gaio César39. Daí
em diante, não houve tribuno nem prefeito de campo a quem quisessem obede-
cer: eles mesmos distribuíam as guardas, nomeavam as sentinelas e faziam todo
o mais serviço do costume. Para os homens prudentes e que sabiam profunda-
mente calcular os efeitos das perturbações militares, foi este espectáculo um
indício funesto de quão perigosa e assaz implacável era esta sedição, porque
nem desunidos nem instigados por poucos, mas todos a um tempo e por uma
combinação perfeitíssima, ora se alteravam ora se aplacavam – e com tanta
regularidade e constância que pareciam em tudo ser comandados.

39 Calígula.
LIVRO I 67

33. A notícia da morte de Augusto chegou neste mesmo tempo a Germânico,


que, como já dissemos, andava arrecadando os tributos nas Gálias. Sua mulher,
Agripina, de quem já tinha muitos filhos40, era neta daquele imperador e ele,
como filho de Druso, irmão de Tibério, era neto de Augusta. Mas, apesar disto,
davam-lhe grandes cuidados os ódios do tio e da avó, tanto mais temíveis por
serem injustos: porque todos eles nasciam de que, conservando sempre o povo
romano uma saudosa memória por Druso, na persuasão que, se tivesse governa-
do, lhe haveria restituído a liberdade, mostrava agora por Germânico a mesma
afeição por que também nele punha as mesmas esperanças. Com efeito, suas
maneiras populares e sua nímia afabilidade e doçura faziam uma diferença
absoluta do arrogante e misterioso ar de Tibério. Acresciam ainda as ofensas
feminis, que tinham princípio nos ciúmes da madrasta Lívia contra Agripina,
mas também esta tinha uma altivez grande de génio e só merecia desculpa
porque, sendo casta e amiga do marido, toda a sua aspereza se dirigia para o
bem.
34. Contudo, Germânico, quanto mais próximo do supremo poder, tanto
mais trabalhava pela causa de Tibério e, por isso, fez com que logo lhe prestas-
sem juramento de fidelidade os povos mais vizinhos, que eram os Séquanos e os
Belgas. Ouvindo, porém, o tumulto das legiões, imediatamente partiu. Estas
vieram recebê-lo fora do campo, porém com olhos no chão e como envergonha-
das. Assim que passou as trincheiras, entrou a ouvir desentoados queixumes e
vinham muitos que, em ar de lhe beijarem a mão, lhe pegavam nos dedos e os
metiam dentro da boca, para lhe dar a conhecer sua falta de dentes, entanto que
outros lhe mostravam os corpos curvados pelos anos. Mas, vendo que a assem-
bleia militar estava em confusão, manda que os soldados se formem em compa-
nhias, ao que eles responderam que era justo, porque assim ouviriam melhor.
Porém, mandando depois que arvorassem as bandeiras para, por este sinal, se
distinguirem ao menos as coortes, já com dificuldade e tarde foi obedecido.
Então, principiando o seu discurso pela veneração que se devia ter por Augusto,
passou às vitórias e triunfos de Tibério, elogiando com especialidade os feitos
brilhantes que tinha executado na Germânia com aquelas mesmas legiões.
Mostrou finalmente o consentimento geral de toda a Itália, exagerou a fidelida-
de das Gálias e concluiu que em nenhuma parte se via desunião ou discórdia.
Tudo isto ouviram em silêncio ou com pequeno rumor.
35. Mas, chegando ao ponto da sedição e perguntando-lhes aonde estava o
brio da antiga disciplina militar e o que era feito dos tribunos e centuriões, todos
a um tempo descobrem os corpos e mostram as cicatrizes das feridas ou os
vergões dos açoutes. Depois, todos a um tempo se queixam de lhes ser preciso
pagar as licenças do pouco soldo que têm e por seus próprios nomes repetem a

40 Nero, Druso e Calígula.


68 ANAIS

quantos trabalhos estão sujeitos, como abrirem os fossos, fazer as trincheiras,


carregar com lenha, madeiras e forragens e tudo o mais que é de necessidade
absoluta ou se pratica para ter sempre em actividade o soldado. Porém o clamor
dos veteranos era ainda muito mais atroz porque, contando já trinta e mais anos
de serviço, pediam alívio para sua idade cansada, dizendo que não queriam
morrer no meio de tantas fadigas, e que já convinha dar fim a tão trabalhosa
milícia e conseguir algum proveitoso descanso. Houve alguns que também
chegaram a pedir as gratificações que Augusto tinha deixado em seu testamento
e outros que, entre mil vivas e aclamações dadas a Germânico, até ousaram
oferecer-lhe seus prontos serviços se quisesse o império! Mas ele, como se com
esta só oferta se julgasse já contaminado, salta abaixo precipitadamente do
tribunal e pretende ausentar-se; opõem-lhe, porém, as armas diante e o amea-
çam se não volta para trás. Apesar disto, clamando altamente que antes morreria
do que faltar à sua fidelidade, desembainha a espada e ia já a cravá-la no peito
quando alguns que estavam junto dele lhe tiveram mão no braço por força. Da
extremidade, porém, da assembleia se chegaram para mais perto certos indiví-
duos que, saindo fora do barulho (coisa bem difícil de se poder acreditar),
tiveram o atrevimento de lhe pedir que se matasse. Houve mesmo um deles, por
nome Calusídio, que, desembainhando a espada, lha ofereceu e lhe disse: «Esta
é mais aguda!» Acção bárbara e de uma alma perversa, que até foi estranhada
pelos mesmos faccionários! Porém isto deu tempo a que o César 41 fosse
conduzido pelos amigos até a sua barraca.
36. Aí se começou a deliberar sobre o remédio que estas coisas pediam, por-
que havia já notícia que determinavam enviar deputados ao exército superior
para o fazer entrar na mesma revolta. Contava-se também que havia certas
tenções de ir saquear a cidade dos Úbios e que, depois de saciados com esta
pilhagem, se guardavam ainda para o saque das Gálias. Aumentavam-se estes
receios com a lembrança de que, sabendo o inimigo as desordens domésticas, se
visse desguarnecida a margem do rio42, renovaria sem dúvida as hostilidades.
Neste caso, armar os auxiliares e aliados contra as legiões era dar princípio a
uma guerra civil, usar de severidade era uma coisa sumamente melindrosa, dar-
-lhes gratificações era uma infâmia – em uma palavra: ou tudo ou nada se lhes
concedesse era sempre um grande mal para a república. Enfim, depois de mui-
tos pareceres, assentou-se que se escrevesse uma carta em nome do príncipe, na
qual se ordenasse dar-se baixa aos que tivessem vinte anos de serviço e se
reformassem os que contavam dezasseis, com a condição, porém, de ficarem
agregados, ainda que livres de todo o serviço e só com obrigação de pegarem
em armas quando fosse preciso lançar fora o inimigo. Quanto ao donativo
deixado por Augusto, que não só o receberiam completo, mas ainda duplicado.

41 Germânico.
42 Talvez o Reno.
LIVRO I 69

37. Os soldados, como conhecessem que a carta era fingida, exigiram que se
executasse logo o que ela determinava. Incumbiram-se portanto os tribunos de
cuidar prontamente nas baixas, mas as gratificações ficaram diferidas para
quando estivessem nos quartéis de Inverno. Os da quinta e décima primeira
legiões não quiseram, contudo, partir sem que, aí mesmo nos quartéis de Estio,
recebessem o que se lhes havia prometido; e foi necessário que o próprio César
não só desembolsasse seu dinheiro, mas recorresse aos amigos para os satisfa-
zer. Cecina reconduziu para a cidade dos Úbios a primeira e a vigésima legiões,
soldados infames, que, no meio das bandeiras e das águias romanas, levavam
dinheiro extorquido por força a seu general. Germânico partiu para o exército
do alto Reno e fez dar o juramento de fidelidade às legiões segunda, décima
terceira e décima sexta, que nada hesitaram. A décima quarta duvidou por um
pouco, mas resolveu-se quando viu que, sem as pedir, lhe davam as gratifica-
ções e as baixas.
38. Os vexilários das legiões revoltadas, que estavam de guarnição nos Cau-
cos, também tentaram principiar a sedição, porém ficou esta logo um pouco
abafada com o suplício de dois indivíduos, que Mânio Énio43, prefeito de
campo, mandou justiçar mais para dar bom exemplo do que por ter autoridade
para isso. Crescendo depois a revolta e sendo obrigado a fugir e a viver escon-
dido, foi enfim descoberto, mas, trocando então o medo por um nobre atrevi-
mento, respondeu aos que o tinham prisioneiro: «Vós não violais em minha
pessoa o carácter de um simples prefeito militar, mas a dignidade de Germâni-
co, vosso general, e a de Tibério, vosso imperador!» E, vendo-os aterrados com
este seu desembaraço, pega de uma bandeira e, dirigindo-se com ela para as
margens do rio, lhes diz: «Todos aqueles que não acompanharem seus corpos
serão tratados como desertores!»44 Eles, murmurando e ainda inquietos, mas
sem ousarem fazer resistência, o foram por esta maneira seguindo até os acan-
tonamentos de Inverno.
39. Neste tempo, os deputados expedidos pelo senado foram encontrar-se
com Germânico, que já estava de volta no templo dos Úbios. Achavam-se aí nos
quartéis de Inverno as duas legiões, primeira e vigésima, assim como os vetera-
nos, que havia pouco tinham ficado agregados. Os remorsos dos sucessos pre-
sentes os enchem de pavor e se persuadem que, por ordem dos padres, se vem
anular tudo quando eles tinham conseguido por meio da sedição. E, como de
ordinário a multidão é sempre fácil em criminar, ainda falsamente acusam e dão
por autor do senátus-consulto a Munácio Planco, que havia sido cônsul e agora
era o presidente da deputação. Principiam, pois, alta noite, a pedir com instância
a bandeira que estava guardada na casa de Germânico e, juntando-se todos

43 Nome reconstruído a partir de Díon Cássio; na tradução lia-se «Ménio».


44 Esta citação e a anterior são discurso indirecto no original.
70 ANAIS

defronte da porta, passam a arrombá-la; arrancam o César de seu próprio leito e o


obrigam, com ameaços de morte, a entregar-lhes a dita bandeira. Passado este
primeiro furor, espalham-se pelas ruas e, encontrando-se com os deputados que,
tendo conhecimento do tumulto, iam em busca de Germânico, fazem-lhes muitas
afrontas e intentam matá-los. Porém o ódio principal era contra Planco, que
julgara ficava mal à sua dignidade o fugir e que no momento de perigo não achou
outro refúgio senão nos quartéis da primeira legião. Abraçado aí com as bandeiras
e com a águia, não tinha outra defesa mais que o religioso respeito destas insíg-
nias: mas assim mesmo, a não ser o aquilífero Calpúrnio, que impediu esta
violação inaudita, ter-se-ia visto um embaixador do povo romano, dentro de um
acampamento romano (coisa até rara entre inimigos), macular com seu sangue os
próprios altares dos deuses. Finalmente, ao romper do dia, tanto que se puderam
bem conhecer o general, os soldados e os mesmos factos sucedidos, Germânico
entra nos quartéis, faz chamar Planco e o mete consigo dentro do tribunal. Então,
increpando-lhes seu fatal desatino e fazendo recair estas calamidades mais nas
vinganças e ira celestes do que na loucura dos próprios soldados, lhes declara
depois o motivo por que vieram os deputados. Pinta, com vigorosa eloquência, os
direitos dos embaixadores, o grave e não merecido caso praticado com Planco e a
suma infâmia com que se manchou a legião; mas, vendo que a assembleia estava
realmente mais aturdida do que sossegada, despediu os deputados, dando-lhes
uma escolta de cavalaria auxiliar para sua guarda.
40. No meio destes sustos, todos arguiam Germânico porque não partia para
o exército do alto Reno, aonde não só encontraria toda a afeição e respeito,
porém auxílio contra os rebeldes. Já bastantes erros se tinham cometido em lhes
conceder as baixas e dinheiro e em se ter usado com eles de resoluções tão
suaves. Se o general avaliava em pouco a sua vida, porque não punha em cau-
tela a de seu filho pequeno45 e a de sua esposa pejada46, que já não podiam
contar com a mais leve segurança entre furiosos e os violadores de todo o di-
reito das gentes? Ao menos devia conservá-las intactas, para serem restituídas a
seu avô e à república. Estando, porém, Germânico largo tempo sem poder
determinar-se, porque sua mulher lhe dizia que ela era descendente do divino
Augusto e que não só não temia os perigos, mas os desprezava, por fim, depois
de muitas lágrimas e de a ter por muitas vezes abraçado e ao filho, fez com que
se resolvesse a partir. Assim se pôs em marcha esta feminil e desgraçada comi-
tiva, em que ia a mulher do general, com seu pequeno filho nos braços, fugindo!
Caminhava no meio das consortes de todos os amigos que, obrigadas a seguir o
mesmo destino, se desfaziam em lamentos e não deixavam menos saudades do
que levavam47.

45 Calígula.
46 Possivelmente de Tibério.
47 Tradução de nec minus tristes qui manebant («não menos tristes os que ficavam»).
LIVRO I 71

41. O ar melancólico, os gemidos e o pranto48 do César, que tinha perdido


toda a sua alegria e parecia não estar dentro de seus próprios quartéis, porém no
meio de uma cidade vencida, chegaram a consternar os mesmos soldados.
Saindo fora de seus alojamentos e falando uns com outros, perguntam qual é o
motivo de tantas lágrimas e de tanta tristeza. Afinal ficam estupefactos, vendo
que muitas mulheres ilustres, sem terem nem sequer um soldado nem um centu-
rião para acompanhá-las, e até a própria mulher do general, sem guarda e sem
pompa, vão buscar abrigo em Tréveros e recorrem à lealdade estrangeira! Este
espectáculo os faz envergonhar e principiam a condoer-se, quando mais parti-
cularmente trazem à memória que tudo isto sofria não só a filha de Agripa, a
neta de Augusto, e a nora de Druso, tão insignemente fecunda e tão casta,
porém o mesmo filho infante, nascido dentro dos quartéis, educado no meio das
legiões e que, na frase militar, tinha o nome de Calígula, porque de ordinário,
para conciliar a afeição dos soldados, andava calçado como eles49. Porém nada
tanto os comoveu como a preferência que se dava aos habitantes de Tréveros:
portanto, uns correm atrás de Agripina, demoram sua marcha, rogam-lhe, ins-
tam-lhe que volte ou não passe adiante, e outros se vão ter com Germânico, que,
conservando ainda sua dor e sua ira recentes, falou aos que o rodeavam desta
maneira:
42. «Eu não estimo em mais minha mulher e meu filho do que meu pai 50 e a
república: mas a ele a sua majestade o defende, e o império romano será defen-
dido por outros exércitos. Se cuidei em pôr a salvo das mãos dos furiosos a
mulher e os filhos, que, se necessário fosse para a vossa glória, eu de boamente
não duvidaria sacrificar, foi para que, se ainda há maldades que tenteis executar,
todas estas se expiem somente com meu sangue e vos poupe também algum
atentado sobre a vida do bisneto de Augusto e da nora de Tibério. Sim, quais
são os crimes, quais são as infâmias que nestes últimos dias tendes deixado de
cometer? E que nome darei agora mesmo a este tumultuoso ajuntamento?
Poderei dar-vos o título de soldados? A vós, que haveis tido em cerco, no meio
de trincheiras e de armas, o filho de vosso imperador? Ou vos chamarei cida-
dãos, depois que, tão indignamente, acabais de violar a autoridade do senado e o
religioso respeito devido aos embaixadores, direito sagrado de todas as gentes e
até dos próprios inimigos? O divino Júlio, só com uma palavra, sossegou a
sedição de um exército, dando o nome de quirites aos que recusavam prestar-lhe
juramento51! E o divino Augusto, só com o vulto e o aspecto, aterrou as legiões
vencedoras em Áccio! A mim, que ainda não posso comparar-me com eles, bem

48 Tradução de gemitusque ac planctus («os gemidos e os prantos»).


49 O termo caligula é o diminutivo de caliga (calçado militar).
50 Tibério.
51 Júlio César protagonizou este episódio em 46 a. C.: quirites significa «cidadãos» (civis,
por oposição aos militares).
72 ANAIS

que seu descendente, se os soldados de Hispânia ou da Síria me houvessem


desprezado, seria acção indigna e de grande motivo de espanto, mas poderia eu
em caso algum recordar-me que tão bela paga me houvessem de dar, a mim que
sou seu general, a primeira e a vigésima legiões: aquela que recebeu suas ban-
deiras das próprias mãos de Tibério, e esta que, havendo tido parte em tantas
batalhas, tem participado de tantas recompensas? Que notícias enviarei a meu
pai, acostumado a não ouvir senão coisas alegres das outras províncias? Que
seus soldados novos52 e que seus veteranos são insaciáveis de baixas e dinheiro?
Que neste exército somente se assassinam os centuriões, se expulsam os tribu-
nos e se prendem os embaixadores? Que os acampamentos e os rios estão
maculados de sangue, e que eu apenas ainda conservo uma vida precária entre
revoltosos?
43. «E por que motivo, no primeiro dia de assembleia militar, me desviastes
o ferro que eu dirigia contra o meu peito? Imprudentes amigos! Quanto maior
amizade mostrava ter-me aquele que me oferecia sua espada! Ao menos eu teria
morrido sem ver os flagícios com que depois tanto se desonrou meu exército, e
vós teríeis nomeado outro general, que deixaria talvez impune a minha morte,
porém que, por certo, vingaria a de Varo e a das três legiões. Nem os deuses
permitam que esta honra e que esta glória de desagravar o nome romano e de
comprimir os povos da Germânia estejam reservadas para os Belgas, que para
isso se oferecem! Oxalá, divino Augusto, que teu espírito, que reside nos céus, e
que tua sombra e influência, ó pai Druso, por meio destes mesmos soldados,
que já vejo cobertos de pudor e ansiosos de glória, se dignem vir apagar esta
nódoa fatal e façam voltar as armas civis para a destruição do inimigo! E vós,
em quem, na verdade, já vejo outros semblantes e já diviso outros brios, se
estais prontos a restituir ao senado seus deputados, ao imperador sua antiga
obediência e a mim minha mulher e meu filho, evitai o contágio e separai-vos
dos maus! Este será o sinal de vosso arrependimento, este será o vínculo de
vossa lealdade.»
44. Ouvindo isto, todos, suplicantes e confessando seus crimes, entraram a
rogar-lhe que castigasse os culpados, perdoasse aos arrependidos e os conduzis-
se contra o inimigo: que mandasse buscar sua mulher, que viesse o aluno das
legiões53 e que não ficassem como em reféns no domínio dos Galos. Sobre a
volta de Agripina, desculpou-se com seu parto muito próximo e com os rigores
do Inverno, mas prometeu-lhes que mandaria vir o filho e que o resto ficava por
conta deles soldados. Já enfim outros homens espalham-se por todas as partes e,
prendendo os mais sediciosos, os levam à presença do legado da primeira le-
gião, Gaio Cetrónio, o qual principiou a julgar e a punir os culpados desta

52 Recrutas.
53 Calígula.
LIVRO I 73

maneira: estavam as legiões dispostas em assembleia militar com as espadas


nuas na mão, o tribuno apresentava o réu, fazendo-o subir ao tribunal; se a
multidão clamava que era criminoso, no mesmo momento era precipitado e logo
aí morto – e o soldado folgava com tais execuções, como se castigando os
outros se absolvesse a si próprio. Nem o César procurava impedi-los porque,
não lhes havendo dado ordem alguma para este seu procedimento, todo o ódio e
severidade recaíam sobre eles. Seguiram o mesmo exemplo os veteranos e,
passado pouco tempo, foram mandados para a Récia com o pretexto de defender
a província ameaçada pelos Suevos: porém a razão principal era para os desviar
de uns quartéis ainda odiosos e funestos, tanto pela atrocidade do crime como
pela aspereza do remédio. Depois passou a fazer o exame dos centuriões: cada
um deles, chamado pelo general, dizia o seu nome, a sua companhia, a sua
pátria, o número de anos de serviço, as acções bizarras que havia feito nas
batalhas e os prémios militares que havia recebido. Se os tribunos e a legião
louvavam seu saber e costumes, conservava seu posto, mas se era unanime-
mente acusado de crueldade ou rapina recebia sua demissão com infâmia.
45. Sossegados, porém, os negócios presentes, ainda restava uma dificuldade
que não era de menor importância, em razão da insolência feroz da quinta e da
vigésima primeira legiões, que tinham seus quartéis de Inverno a sessenta
milhas de distância, em um lugar chamado Vétera. Não só elas ambas haviam
principiado a sedição, mas, havendo perpetrado todo o género de crimes e nem
se mostrando medrosas pelo castigo de seus camaradas nem dispostas para o
arrependimento, conservavam ainda todo o seu furor primitivo. Portanto, o
César prepara uma frota no Reno e faz embarcar nela munições e as tropas
aliadas na firme resolução de que, se não fosse obedecido, empregaria toda a
violência das armas.
46. Mas, não sendo ainda conhecido em Roma o êxito da revolta da Ilíria e
sabendo-se ao mesmo tempo da sedição das legiões da Germânia, a cidade
assustada culpava Tibério porque, enquanto com suas irresoluções astuciosas
ludibriava o senado e o povo, objectos sem energia e sem força, o espírito de
discórdia tinha inficionado os soldados, os quais, para serem reprimidos, a
simples autoridade de dois mancebos54 ainda era muito fraca. Portanto, dizia-se
que devia aparecer e opor aos rebeldes sua majestade imperatória, para que nele
vissem um príncipe dotado de longa experiência e capaz de punir ou premiar. Se
Augusto, em uma idade avançada, tinha podido ir tantas vezes visitar a Germânia,
por que motivo Tibério, em todo vigor dos anos, havia de estar tranquilamente no
senado só para escarnecer das sentenças dos padres? Já bastantes cautelas se
haviam tomado contra a liberdade: cumpria agora dispor por alguma forma os
espíritos militares para que de boamente quisessem suportar o ócio e a paz.

54 Druso e Germânico.
74 ANAIS

47. Contudo Tibério era insensível a todos estes discursos e tinha determina-
do não sair da capital nem comprometer sua pessoa e o estado. Muitas e diver-
sas coisas lhe davam cuidado: o exército germânico era mais forte, e o da Panó-
nia estava mais vizinho; aquele apoiava-se nas forças das Gálias, este ameaçava
a Itália; a qual dos dois daria a preferência e como faria que se não escandali-
zassem os que fossem preferidos? Além disto, bem podia, pelos filhos, dar as
suas ordens, ficando sempre intacta a majestade, que quanto mais ao longe mais
se reverencia; e eles também podiam sempre merecer alguma desculpa, por se
não atreverem a decidir tudo sem consultar seu pai. Quando os exércitos não
obedecessem a Germânico ou a Druso, seria ainda fácil mitigá-los ou bem
reprimi-los; porém se uma vez desobedecessem ao próprio imperador, que
remédio se lhes poderia então dar? Apesar disso, como se estivesse já para
partir, nomeou as pessoas que o deviam acompanhar, fez aprontar seu trem de
viagem55 e mandou preparar embarcações, mas, desculpando-se sempre ora com
o Inverno ora com vários negócios, enganou primeiramente os mais espertos,
depois a multidão e por longo tempo todas as províncias.
48. Porém Germânico, bem que já tivesse seu exército pronto e tudo prepa-
rado para tomar vingança dos sediciosos, querendo ainda dar tempo e ver se eles
seguiam o exemplo das outras legiões, escreveu a Cecina que, estando a partir
com forças numerosas, se prontamente se não castigassem os culpados, ele não
perdoaria a ninguém. Cecina, convocando em particular os aquilíferos, os porta-
-estandartes e a todos os que se conservavam ainda puros no exército, faz-lhes a
leitura da carta e os exorta a que se tomem medidas com que se previna a infâ-
mia comum e eles fiquem salvos. Diz-lhes que em tempo de tranquilidade e de
paz se pesavam as acções e os motivos, porém, uma vez que se pegava nas
armas, os inocentes e culpados morriam igualmente. À vista disto, entrando eles
a tentear os que julgavam fiéis e vindo no conhecimento que a maior parte das
legiões estava bem-intencionada, por conselho do legado comandante, determi-
nam o tempo em que se devem matar os mais facinorosos e os principais fauto-
res da rebelião. Dado então um sinal conhecido, acometem vigorosamente os
quartéis e ferem sem custo os que estavam descuidados, ignorando todos, à
excepção dos que estavam no segredo, quando devia começar e concluir-se tão
espantosa carniceria.
49. O carácter desta guerra civil era inteiramente novo e diferente de tudo
que em semelhantes casos costuma acontecer. Não havia campo de batalha nem
eram diversos os exércitos, porém aqueles que dentro dos mesmos alojamentos
tinham de dia comido juntos, e de noite descansavam em comum, separam-se
uns dos outros, pegam em armas e degolam-se. Os clamores, as feridas, o san-
gue são públicos: sua causa é oculta, e o acaso dirige tudo o mais. Houve alguns

55 Tradução de impedimenta («bagagens»).


LIVRO I 75

inocentes que todavia morreram, mas foi só por fim, quando principiando a
saber-se contra quem se destinava o castigo, alguns dos culpados também
pegaram em armas. Nenhum legado ou tribuno tentou conter a multidão, antes
se lhe deu inteira liberdade para se vingar e saciar-se. Mas tanto que Germânico
entrou pouco depois no acampamento, vertendo muitas lágrimas e chamando
esta execução não um saudável remédio, mas uma carniceria horrorosa, mandou
queimar prontamente os cadáveres. Então, estas almas ferozes sentiram um
desejo violento de marchar contra o inimigo como expiação de seu crime e
diziam altamente que os manes de seus camaradas não se podiam de outra sorte
aplacar senão expondo eles seus peitos ímpios a honrosas feridas. O César,
aproveitando-se logo do ardor dos soldados e lançando uma ponte sobre o Reno,
fez passar doze mil legionários, vinte e seis coortes dos aliados e oito divisões
de cavalaria, que em toda esta sedição se tinham conservado sem mancha.
50. Entretanto, os Germanos, que nos estavam vizinhos, tinham passado em
grande alegria todo o tempo em que estivemos ocupados com o luto de Augusto
e depois com as nossas discórdias. Porém o exército romano, por uma marcha
rápida, penetrando pelo bosque Césia e rompendo a fortificação começada por
Tibério, vai acampar-se sobre ela e cobre a sua frente e retaguarda com trinchei-
ras e os flancos com árvores cortadas. Feito isto, se avança por entre a espessura
do bosque e delibera qual dos dois caminhos se deve tomar, se o mais curto e
mais frequentado, ou o mais longo e menos seguido, que, por este motivo, não
dava desconfiança ao inimigo. É preferido o mais longo, e principiam logo a
marchar com dobrada diligência, por saber-se dos espias que aquela noite era,
para os Germanos, de grande solenidade e a deviam passar em festas e lautos
banquetes. Cecina é nomeado para comandar a vanguarda, formada de tropas
ligeiras56, e ir abrindo o caminho pelos bosques, enquanto as legiões o vão
seguindo de perto. A noite favorecia a empresa por estar muito clara e, tendo-se
chegado até as aldeias dos Marsos, tomam posição em torno de suas habitações
e acham os bárbaros ou já deitados na cama, ou ainda em roda das mesas, sem o
mais pequeno receio nem guardas avançadas. Tal era, enfim, seu desacordo e
sua nenhuma cautela que bem se podia dizer que não estavam nem em paz nem
em guerra: estavam perfeitamente bêbados.
51. Para que o estrago fosse mais amplo, o César forma em quatro colunas as
ardentes legiões e faz devastar pelo ferro e pelo fogo cinquenta milhas de terre-
no. Não poupam sexo nem idade e arrasam todos os edifícios profanos e sagra-
dos, entrando em o número dos últimos o célebre templo de Tanfana, que todos
aqueles povos muito religiosamente veneravam. Em toda esta expedição os
soldados não receberam a mais leve ferida porque não tiveram que atacar senão
homens meios a dormir, desarmados ou dispersos. Contudo, tamanha carniceria

56 Tradução de expeditis cohortibus («coortes ligeiras»).


76 ANAIS

pôs em actividade os Brúcteros, Tubantes e Usípetes, que foram ocupar os


bosques por onde o exército se devia retirar – o que, sendo conhecido pelo
general, se preparou logo para marchar e combater. Parte da cavalaria e as
coortes auxiliares faziam a vanguarda: seguia-se depois a primeira legião e, com
as bagagens no centro, os da vigésima primeira formavam o flanco esquerdo, os
da quinta o direito e fechava a retaguarda a vigésima legião com o resto dos
mais aliados. Porém os inimigos, enquanto o exército se entranhava pelos
bosques, não fizeram movimento e, contentando-se com incomodar levemente
os flancos e a frente, caíram com todas as forças sobre a retaguarda. Como
começassem a perturbar-se as coortes ligeiras com o peso das colunas cerradas
dos Germanos, então o César se volta para os da vigésima e, dizendo-lhes com
um tom de voz vigoroso que agora era o tempo de apagar a mancha da sedição,
ordena-lhes que marchem, que ataquem e cubram de glória seus erros passados.
Cobrando ânimo e furor com estas palavras, lançam-se todos a um tempo sobre
os inimigos e, rompendo-lhes as fileiras, os levam diante de si até campo desco-
berto e aí os aniquilam. No mesmo momento as guardas avançadas, já livres dos
bosques, começavam a entrincheirar-se. O resto da marcha não teve embaraço e,
contentes com o que acabavam de fazer e esquecidos já do passado, foram
tomar os seus quartéis de Inverno.
52. Tibério recebeu esta notícia com alegria e tormento. Folgava, sim, que a
sedição estivesse acabada, porém, com a lembrança de que Germânico ganhara
a benevolência da tropa por meio do dinheiro e das baixas tão prontas que lhe
havia concedido, sofria angústias cruéis – e tanto maiores quantos eram os
ciúmes que de sua glória militar já sentia. Contudo relatou no senado todas as
suas grandes acções e disse maravilhas de seu heróico valor, porém com expres-
sões mais estudadas que sinceras. Em menos palavras louvou Druso e o fim da
revolta da Ilíria, mas com outra energia e com verdade e candura – e mandou se
praticasse com as legiões da Panónia tudo o que Germânico tinha feito em favor
do seu exército.
53. Neste mesmo ano, morreu Júlia, que, por causa de sua desonestidade,
tinha sido desterrada primeiramente por seu pai, Augusto, para a ilha Pandatária
e depois para Régio, defronte da costa da Sicília. Fora dada em matrimónio a
Tibério, ainda em tempo dos Césares Gaio e Lúcio, porém desprezava o marido
como seu inferior: e esta foi a razão principal por que ele se retirou para Rodes.
Assim que entrou de posse do império, calculando que a sua morte dela, ao
longe, seria menos sentida e, achando-a já banida e infamada, a fez enfim mor-
rer lentamente de miséria e de fome, já quando lhe havia roubado todas as
esperanças, depois da perda de seu filho Póstumo Agripa. Iguais motivos deci-
diram sua vingança contra Semprónio Graco, descendente de uma família
nobre, que, astucioso e sedutor eloquente, tinha adulterado com Júlia, ainda
quando casada com Agripa. O adúltero obstinado continuou no mesmo escân-
dalo, ainda depois de a ver unida com Tibério, e não deixou de lhe inspirar
LIVRO I 77

sempre contra o marido uma constante aversão. As mesmas cartas que Júlia
escreveu a seu pai, Augusto, acusando Tibério se julgavam feitas por Graco.
Enfim mandado por esta causa para Cercina, uma ilha do mar Africano 57, viveu
aí em desterro por espaço de catorze anos. Os soldados enviados para o matar
foram achá-lo em uma eminência da praia, não esperando por certo coisas
alegres. Assim que soube seus destinos, pediu lhe concedessem poucos instan-
tes para se despedir por carta de sua mulher, Aliária. Acabado isto, entregou sua
cabeça aos algozes, mostrando na morte uma constância bem digna do nome
Semprónio, de que tanto havia degenerado na vida. Contam alguns autores que
os soldados não saíram de Roma, mas foram mandados pelo procônsul de
África, Asprenate, em consequência das ordens de Tibério, que debalde cuidava
que todo o ódio daquela execução havia de recair sobre o procônsul.
54. No mesmo ano se estabeleceram novas cerimónias religiosas e se criou o
sacerdócio dos sodales Augustais, à maneira dos sodales Tácios, que Tito Tácio
havia instituído para conservar os ritos sabinos. Foram eleitos por sorte vinte e
um sacerdotes das pessoas principais da cidade – e a estes se agregaram também
Tibério, Druso, Cláudio e Germânico. Então, as festas Augustais foram pertur-
badas pela discórdia dos histriões, época primeira de suas rivalidades. Esta
espécie de espectáculos havia sido muito protegida por Augusto porque nisto
agradava particularmente a Mecenas, que nesse tempo morria de amores por
Batilo; nem ele mesmo deixava de gostar de tais divertimentos: antes tinha para
si que muito mais popular se fazia tomando parte nos prazeres do público. Mas
Tibério tinha outros gostos, tinha outro carácter; contudo ainda não se atrevia a
tratar severamente um povo que, depois de tantos anos, estava acostumado a
certas condescendências.
55. No consulado de Druso César e Gaio Norbano58, decretou-se o triunfo
para Germânico, ainda durando a guerra, a qual, bem que a tentasse fazer com
grande força no Verão, contudo, só foi começada no princípio da Primavera por
um ataque repentino contra os Catos. E a razão foi porque havia esperanças de
que o inimigo se dividisse entre os partidos de Armínio e Segestes, ambos
insignes: um por sua perfídia, outro por sua lealdade para connosco. Armínio
era o perturbador da Germânia; Segestes, já por muitas vezes, nos tinha avisado
da revolta que se tramava e particularmente se tratou no último festim que
precedeu as hostilidades. Havia também já antes aconselhado Varo que o pren-
desse a ele e a Armínio, assim como a outras pessoas principais porque, feito
isto, o povo já nada obraria, faltando-lhe seus chefes, e então poderia conhecer
quais eram os amigos e quais os traidores; porém Varo foi vítima de seus desti-
nos e das forças de Armínio. Segestes, ainda que tinha entrado na guerra pelo

57 Em 1 a. C.
58 Ano de 15 d. C.
78 ANAIS

voto geral da sua gente, não estava, contudo, em boa harmonia com Armínio e
lhe conservava um ódio muito particular, porque ele lhe havia roubado sua filha,
destinada em casamento para outro. Assim, os nomes de genro e de sogro
aumentavam muito mais as mútuas aversões, de maneira que aqueles mesmos
títulos, que entre famílias concordes costumam ser laços de amor e amizade,
eram agora estímulos de vinganças entre os que se queriam tão mal.
56. Neste estado de coisas, Germânico põe às ordens de Cecina quatro legiões,
cinco mil auxiliares e todas as milícias levantadas à pressa, compostas de Ger-
manos que habitavam aquém do Reno. Ele toma outras tantas legiões e o duplo
de aliados e, reedificando o antigo castelo que seu pai59 havia levantado sobre o
monte Tauno, marcha rapidamente com as tropas mais ligeiras contra os Catos.
No entanto incumbiu Lúcio Aprónio de formar as pontes e consertar as estradas
porque, sendo uma coisa rara naquela estação achar os caminhos secos e os rios
vadeáveis, receava-se muito que, na volta, as chuvas e enchentes retardassem o
exército. Desta sorte, entrou tão inesperadamente nas terras dos Catos que
velhos, mulheres e crianças60 ou ficaram prisioneiras ou mortas. Toda a gente
moça passou a nado o rio Ádrana e incomodava os Romanos, que estavam para
lançar-lhe uma ponte, mas, fazendo-a fugir com nossas máquinas e flechas,
tentou depois em vão capitular: e uma parte foi procurar a clemência de Germâ-
nico e a outra, desamparando suas casas e aldeias, ficou dispersa pelos montes.
O César, mandando queimar Mátio, a capital da nação, e fazendo pilhar e des-
truir todo o país descoberto, voltou para o Reno, sem que o inimigo se atrevesse
a picar-lhe a retaguarda, o que sempre costuma fazer quando foge mais por
astúcia do que por medo das armas. Os Queruscos bem desejavam auxiliar os
Catos, porém foram aterrados por Cecina, que, por um lado e por outro, fazia
contínuas incursões e já numa batalha decisiva tinha derrotado os Marsos, que
se haviam mostrado mais atrevidos.
57. Pouco tempo depois, apareceram os embaixadores mandados por Seges-
tes, que pedia socorro contra a violência da sua própria nação, que o tinha
cercado e seguia com preferência o partido de Armínio, por isso mesmo que lhe
aconselhava a guerra. Tal é o costume dos bárbaros, que quanto mais atrevido
acham um homem tanto mais fiel e mais hábil o consideram. Com os embaixa-
dores, mandou Segestes um filho seu chamado Segimundo, apesar de que o
mancebo teve bastante repugnância para esta comissão, por motivo que sua
consciência o arguia61 de que, no ano em que a Germânia se havia revoltado,
sendo ele então sacerdote do templo dos Úbios, tinha rasgado as insígnias

59 Druso, em 11 a. C.
60 Tradução de imbecillum aetate ac sexu («fraco pela idade e sexo»).
61 Tradução de iuuenis conscientia cunctabatur («o jovem hesitava por consciência [de
remorso]»).
LIVRO I 79

sacerdotais e fugido para os rebeldes. Lisonjeado, porém, com a esperança da


clemência romana, obedeceu a seu pai e, sendo muito bem recebido, foi enviado
com uma escolta para além do Reno62. Então Germânico se resolveu a mandar
retroceder o exército e, tendo batido os sitiantes, libertou Segestes e uma grande
multidão de parentes e vassalos. Entravam neste número muitas mulheres
ilustres e, entre elas, a esposa de Armínio, a própria filha de Segestes, que muito
mais apaixonada se mostrava pelo marido do que pelo pai e que nem vertia
lágrimas, nem pedia misericórdia: tão-somente, com os braços cruzados sobre o
peito, tinha os olhos pregados no ventre, como para dar a conhecer que estava
pejada. Conduziram-se também, como em triunfo, muitos despojos da rota de
Varo, que, no saque, haviam caído por sorte à maior parte daqueles que agora
tinham vindo entregar-se em nossas mãos. Aparecia finalmente Segestes,
homem de uma grande estatura e que não indicava perturbação nem pavor,
confiado por certo em sua fidelidade.
58. Suas palavras foram as seguintes: «Não é este o primeiro dia em que eu
tenho mostrado a minha boa-fé e constância para com o povo romano: desde
que o divino Augusto me nomeou cidadão, sempre os meus amigos e inimigos
foram os vossos. Nem foi o ódio da pátria que me obrigou a entrar neste partido,
porque os traidores são abominados até por aqueles mesmos a quem rendem
serviços, porém foram os interesses comuns da Germânia e de Roma e o quanto
sempre preferi a paz aos azares da guerra. Por este motivo, já em outro tempo,
diante de Varo, que então comandava os exércitos, acusei Armínio, o roubador
de minha filha e o violador de vossa aliança. Enfastiado da frouxidão do general
e esperando pouco da justiça das leis, roguei-lhe que me prendesse e prendesse
Armínio com todos os seus cúmplices. Seja-me, sim, testemunha aquela mesma
noite fatal que, prouvera a Deus63, para mim fosse a última! O que depois se
seguiu é mais para chorar-se do que para entrar em desculpas. Afinal, prendi
Armínio, mas depois sofri os mesmos ferros que seus amigos também me
lançaram. Assim que tive, pois, notícia da tua vinda, fiz logo tenção de emendar
o passado e preferir o sossego a revoluções e combates: não por interesse de
uma ou outra recompensa, mas para desfazer qualquer suspeita que houvesse
contra mim e por me julgar idóneo para ser o conciliador dos Germanos, caso
que estes mais queiram arrepender-se do que preparar a sua ruína. Em atenção a
seus poucos anos, peço perdão pelos erros do filho; quanto à minha filha, con-
fesso que só a violência aqui a conduziu, mas da tua parte está agora o decidir
qual deve valer mais para contigo: se o ser esposa de Armínio se filha de Se-
gestes.» O César, dando-lhe uma resposta benigna, prometeu-lhe inteira segu-
rança para os filhos e parentes e para a sua pessoa um asilo permanente na

62 Tradução de Gallicam in ripam («para a margem gaulesa [do Reno]», ou seja, para o lado
da Bélgica).
63 Tradução de utinam («oxalá»).
80 ANAIS

antiga província64. Então, fez voltar o exército e recebeu o nome de imperator,


com o consentimento de Tibério. A mulher de Armínio pariu um filho que,
sendo educado em Ravena, sofreu depois grandes ludíbrios, como em seu lugar
contarei65.
59. A notícia da entrega de Segestes e de ter sido bem recebido foi ouvida com
gosto ou tristeza, segundo os desejos daqueles que folgavam com a guerra ou a
aborreciam. Armínio, além de seu natural violento, sentia crescer a sua cólera, por
ver a mulher cativa e o fruto de seus amores exposto aos grilhões do inimigo, e
por isso corria de uma a outra parte por terras dos Queruscos, convidando-os a
que pegassem em armas contra Segestes e contra Germânico. Nem poupava os
sarcasmos66 com que dizia: «Que pai magnífico! que valente general! e que
invencível exército, que, para cativar uma fraca mulher, empregaram todas as
suas forças! Ao menos eu aniquilei três legiões67 e outros tantos legados e nem foi
por traição, nem contra mulheres pejadas que tomei as armas, porém descober-
tamente e contra fortes exércitos. Nos bosques sagrados dos Germanos, ainda
agora se divisam pendentes as bandeiras romanas que eu então consagrei aos
deuses da pátria. Muito embora Segestes vá viver em um terreno conquistado e
restabeleça o filho em um vil sacerdócio, os filhos da guerra nunca poderão
perdoar a um homem que, entre o Álbis e o Reno, não sente pejo de haver concor-
rido para se verem todas as insígnias do poder latino68 e a toga! As outras nações,
que não têm conhecimento do império romano, também desconhecem seus
suplícios e não lhe pagam tributos e, se nós chegarmos de uma vez a quebrar este
jugo e nem fizermos caso do seu divino Augusto, que eles puseram na classe dos
deuses, nem do seu novo chefe Tibério, então não teremos também que temer o
governo pueril de mancebos nem a resistência de exércitos sediciosos. Assim se,
entre vós, ainda existem ânimos bizarros que prefiram a pátria, os parentes e os
costumes antigos69 a novos senhores e a novas colónias, segui as bandeiras de
Armínio, que vos abre o caminho da glória e da liberdade, e abominai Segestes,
que vos prepara os ferros de uma torpe escravidão.»70
60. Este discurso fez todo o efeito não só nos Queruscos, mas entre as na-
ções vizinhas e engrossou o partido com a aliança de Inguiomero, tio de Armí-
nio, homem de antiga e grande autoridade para com os Romanos. Com isto teve

64 Da Gália Belga.
65 Na porção perdida dos Anais.
66 Tradução de probris («censuras», «invectivas»).
67 De Varo.
68 Tradução de uirgas et secures («varas e machados» [dos fasces]).
69 Tradução de Si patriam, parentes, antiqua mallent («Se preferissem a pátria, os parentes e
a antiguidade»).
70 Esta citação é discurso indirecto no original.
LIVRO I 81

alguns sustos o César e, para fazer a um tempo diferentes ataques, deu a Cecina
quarenta coortes romanas, com que devia penetrar pelos Brúcteros até ao rio
Amísia, a fim de distrair o inimigo. O prefeito Pedão conduziu a cavalaria pelas
fronteiras dos Frísios e, ele embarcando nos lagos com quatro legiões, ordena
que a infantaria, a cavalaria e a esquadra se reúnam junto do rio mencionado. Os
Caucos, que prometiam auxílios, foram convidados para entrar na aliança. A
este tempo, os Brúcteros, que principiavam a queimar todas as suas proprieda-
des, foram derrotados pelas tropas ligeiras de Estertínio, a quem Germânico
confiara esta expedição, e aí se encontrou no meio da matança e do saque a águia
da décima nona legião, que se tinha perdido com Varo. O exército, penetrando
então até à extremidade do país dos Brúcteros, devastou tudo o que fica entre os
rios Amísia e Lúpia, e afinal se achou perto do bosque de Teutoburgo, em que se
dizia se conservavam ainda insepultas as relíquias de Varo e das suas legiões.
61. O César entrou logo em ardentes desejos de ir dar sepultura aos soldados
e ao general e, destes sentimentos, participava todo o exército que se achava
presente, sumamente magoado, lembrando-se de seus parentes e amigos e consi-
derando quais eram os revezes da guerra e os destinos dos homens. Havendo-se
dado ordem a Cecina de marchar adiante, para abrir caminho por entre a espes-
sura dos bosques e formar pontes ou fazer outros reparos que julgasse necessá-
rios, nos lagos e campos pantanosos, penetraram enfim naqueles tristíssimos
lugares, tão hórridos à vista e à memória. Ao primeiro aspecto se descobriu logo
o principal acampamento de Varo, que, por seu vasto circuito e as dimensões da
praça de armas, assaz indicava o número e a força das três legiões. Mas, repa-
rando-se depois em umas trincheiras quase demolidas e no pequeno fosso que as
cercava, bem se imaginava que esta obra fora executada com as ruínas da pri-
meira. No meio do campo, viam-se por uma parte alvejar ossos descarnados, ou
em montão ou dispersos segundo a ordem em que tinham perecido, ou comba-
tendo ou fugindo, e por outra pedaços de lanças, membros de cavalos e, pelos
troncos das árvores, ainda muitas caveiras pregadas. Ainda também nos bosques
sagrados da vizinhança se conservavam os mesmos bárbaros altares em que
haviam sido degolados os tribunos e os centuriões das primeiras companhias.
Os que neste dia funesto se tinham escapado do combate ou das prisões do
inimigo agora referiam não só onde morreram os legados, aonde foram tomadas
as águias, aonde Varo recebeu a primeira ferida e aonde finalmente seu braço
infeliz achou remédio para seus males, matando-se, mas até em que sítio estava
o tribunal de Armínio quando falou à sua gente, quantas eram as forcas que se
armaram para executar os cativos, quais foram as covas em que os enterraram e,
numa palavra, com que zombaria e soberba tinha insultado as bandeiras e as
águias.
62. Assim, passados seis anos depois desta calamidade, todo o exército que
aí se achava, ardendo em novas vinganças contra o inimigo e triste e colérico ao
mesmo tempo, dava sepultura aos ossos das três legiões, como se todos fossem
82 ANAIS

parentes e amigos, ainda que sem poder adivinhar se, com a mesma terra com
que cobria relíquias dos seus, cobriria também a dos estranhos e inimigos. Os
primeiros torrões para formar o túmulo foram postos pelo César, no que se
mostrou não só honrador da memória dos mortos, porém sensível à dor dos
presentes. Mas isto não agradou a Tibério: quer fosse por estar sempre acostu-
mado a interpretar mal as acções de Germânico, quer por se persuadir que o
exército, aterrado com estas imagens tão fúnebres, recearia agora mais entrar
nos combates e ganharia, por consequência, medo ao inimigo, quer enfim por
julgar que um general, condecorado com a dignidade augural e outros ritos de
suma veneração, não devia tocar objectos de morte.
63. Porém Germânico, perseguindo Armínio, que se retirava para as monta-
nhas, assim que teve ocasião, manda sair a cavalaria e tomar por força o campo
inimigo. Armínio faz juntar a sua gente e, depois de a ter mandado retroceder
para perto dos bosques, torna de repente a mandá-la marchar e ordena que os
que estavam emboscados rompam o ataque. A cavalaria romana põe-se em
confusão com este inesperado recontro, e as coortes que haviam sido enviadas
para reforçá-la, agora carregadas com o peso dos fugitivos, aumentam a desor-
dem. Teriam ido todos precipitar-se em uma lagoa que, bem conhecida dos
vencedores, para os que o não sabiam haveria sido fatal se o César não tivesse
feito adiantar as legiões em ordem de batalha. Mas esta manobra causou terror
ao inimigo, deu confiança aos soldados e, de ambas as partes, com sucessos
iguais, se começou a retirada. Mandando depois retirar o exército para o rio
Amísia, fez embarcá-lo nos mesmos transportes em que o havia conduzido, e
parte da cavalaria fez-se na volta do Reno, pelas costas do Oceano. Cecina,
ainda que marchava por sítios conhecidos, teve aviso para, quanto antes, ganhar
as longas pontes com o exército de que era comandante. Dava-se este nome a
certa calçada muito estreita, que corria entre vastas lagoas, a qual havia sido
construída em outro tempo por Lúcio Domício: o resto do terreno era pantano-
so, coberto de um lodo muito viscoso e compacto e, algumas vezes, móvel e
incerto pelas águas que o cortavam e, além disso, cingido em volta por grandes
arvoredos que formavam um plano algum tanto inclinado. Todas estas posições
já estavam ocupadas por Armínio, que, conhecendo bem os atalhos e com tropas
ligeiras, tinha podido adiantar muito mais as suas marchas do que os nossos
soldados, carregados com armas e bagagens. Achando-se, pois, Cecina em
grande embaraço para reparar as pontes que o tempo já tinha arruinado e ao
mesmo passo bater o inimigo, determinou acampar-se para que, enquanto uns
trabalhavam, os outros combatessem.
64. Os bárbaros, fazendo toda a diligência para romper os destacamentos e
depois cair sobre os trabalhadores, desafiavam, corriam em roda e vinham até
encontrar-se com os nossos. Entre os combatentes e os mesmos que estavam
trabalhando, já eram iguais os clamores – e por toda a parte tudo ia mal aos
Romanos: o local estava coberto de um lodo profundo e sem nenhuma firmeza
LIVRO I 83

e, por isso que se não podia andar sobre ele sem escorregar, os corpos extrema-
mente pesados com as couraças achavam a maior dificuldade em servir-se de
suas armas de arremesso71. Pelo contrário, os Queruscos estavam afeitos a
combater no meio das lagoas, eram de grande estatura e traziam grandes lanças
com que, ainda de longe, feriam. Finalmente, a noite terminou o combate, que ia
sendo funesto às legiões. Os Germanos, infatigáveis pelos sucessos que vinham
de ter, não procuraram descansar, mas, juntando todas as águas que corriam do
alto dos montes e encaminhando-as para as obras começadas, não só alagaram
tudo, porém arruinaram quanto estava já feito e deram dobrado trabalho aos
soldados. Apesar disso, Cecina, que agora contava quarenta anos de obedecer e
mandar nos exércitos e que tinha visto todas as fortunas e revezes da guerra,
estava imperturbável. Portanto, calculando o que melhor convinha executar,
toma o partido de conter o inimigo dentro dos bosques e de, ao mesmo tempo,
fazer marchar para diante todos os feridos e as grossas bagagens, porque, por
entre as montanhas e os lagos, se estendia uma pequena planície, aonde só
pouca gente podia manobrar. Faz, por consequência, a escolha das legiões: põe
a quinta no flanco direito, a décima primeira no esquerdo, os da primeira tomam
a vanguarda e a vigésima fica para cobrir a retirada.
65. A noite foi inquieta para todos. Os bárbaros a passaram em festins e ban-
quetes, ora cantando cantigas alegres, ora dando gritos ferozes, com que faziam
ressoar os montes e os vales. No acampamento romano viam-se pequenas
fogueiras; só de tempos a tempos se ouviam algumas vozes e os soldados ou se
deitavam ao longo das trincheiras, ou vagavam por entre as barracas, mais por
não poderem dormir do que para se conservarem vigilantes. O mesmo general
teve um sonho terrível, parecendo-lhe que via e ouvia a própria sombra de Varo
saindo dos lagos, toda coberta de lodo e de sangue, e que, chamando-o e esten-
dendo-lhe a mão, como quem o queria agarrar, ele a não quisera seguir e a
repelira com força. Ao amanhecer, as legiões que haviam tido ordem para
guarnecer os flancos, ou fosse por medo ou por desobediência formal, largaram
seus postos e se foram apressadamente formar em um campo fora dos lugares
pantanosos. Assim mesmo, Armínio, ainda que já o pudesse fazer livremente,
não mandou atacar, porém – tanto que viu as bagagens enterradas no lodo e nos
fossos, os soldados em grande confusão, o exército todo vacilante sem firmeza e
sem ordem e, o que era próprio das circunstâncias, só cada um cuidando de si e
obedecendo frouxamente às vozes de seus comandantes –, manda então aco-
meter pelos Germanos e, falando-lhes energicamente, lhes diz: «Eis aqui um
novo Varo e novas legiões que vão ter o mesmo destino!» E, acabando de
repetir estas palavras, rompe a nossa linha com sua gente escolhida e faz, com
particularidade, grande estrago na cavalaria. Os cavalos, feridos e sem se pode-

71 Tradução de neque librare pila inter undas poterant («não logravam lançar os dardos no
meio das águas»).
84 ANAIS

rem segurar em um terreno tão escorregadio, caem no chão, lançam fora de si os


cavaleiros, atropelam tudo o que encontram e esmagam quantos acham estendi-
dos por terra. Porém ainda a maior dificuldade foi a defesa das águias, que nem
se podiam conduzir para diante por causa das lanças que se lhes opunham pela
frente, nem cravar-se no lodo. Cecina, enquanto sustentava o combate, caindo
abaixo do cavalo que lhe acabava de morrer, haveria ficado prisioneiro se a
primeira legião o não tivesse salvado. Valeu aqui a avidez do inimigo, que,
deixando a batalha pelo saque, deu tempo às legiões para que, fazendo grandes
esforços, se achassem ao anoitecer em um terreno firme e descoberto. Contudo
ainda se não tinham acabado todos os trabalhos: era preciso abrir valados,
formar trincheiras, e tinham-se perdido quase todos os instrumentos para cavar a
terra e cortar as madeiras necessárias. Também não havia barracas para os solda-
dos nem remédios para os feridos; a tropa, dividindo entre si alguns mantimentos,
todos infectados de lodo e de sangue, amaldiçoava as trevas funestas da noite,
assentando que tantos mil homens nem apenas já teriam um só dia para viver.
66. Por acaso, um cavalo que tinha quebrado a prisão e corria solto, assustado
com os clamores do campo, pôs em desordem alguns indivíduos que encontrou
diante de si. Isto bastou para excitar uma geral consternação porque, começando-se
a dizer que os Germanos haviam rompido as trincheiras, entraram todos a correr
para as portas e, com especialidade, a buscar a decumana, em razão de estar do lado
oposto ao inimigo e, por consequência, ser menos perigosa para os que procuravam
fugir. Cecina, sendo avisado de que todo este terror não tinha fundamento, como
não pudesse conter os soldados por autoridade ou por súplicas nem coibi-los por
força, vai deitar-se ao comprido no meio da porta e só por este estímulo de
compaixão e vergonha lhes embaraça a fugida, porque, a não ser assim, todos eles
houveram de passar por cima do corpo do seu general. Os tribunos e centuriões lhes
fizeram ver ao mesmo tempo que não havia motivo algum para ter medo.
67. Cecina, ajuntando então na praça de armas os soldados e recomendando-lhes
que o ouvissem em silêncio, expõe-lhes a situação do exército e lhes diz que suas
vidas e segurança dependem das armas, porém que é preciso ter muita
circunspecção e prudência. Que devem conservar-se dentro das trincheiras até que o
inimigo se avance, com esperança de as forçar, e então se deve romper por todos os
lados e por este ataque abrir caminho até às margens do Reno. Se fugirem, devem já
contar com os bosques e as lagoas profundas e com toda a ferocidade do inimigo,
porém se resistirem e forem vencedores, alcançarão muita honra e se cobrirão de
glória. Ao mesmo tempo lhes lembra as suas famílias e as brilhantes recompensas
militares, e calou de propósito tudo o que podia inspirar-lhes terror. Acabado isto,
faz reunir todos os cavalos dos oficiais72 e, principiando pelos seus, os distribui,
sem outra preferência mais do que merecimento, aos mais valentes do exército para
que estes, em primeiro lugar e depois a infantaria, caíssem sobre o inimigo.

72 Tradução de legatorum tribunorumque («dos legados e dos tribunos»).


LIVRO I 85

68. Os Germanos não estavam menos inquietos com a esperança e desejos de


rapina e com os diferentes pareceres dos chefes. Armínio era da opinião que se
deixasse partir o exército e depois o fossem atacar quando embaraçado em terrenos
alagadiços ou em outras passagens difíceis; porém Inguiomero, aconselhando
medidas de mais atrevimento e por isso de mais gosto para os bárbaros, dizia que
se deviam forçar as trincheiras e que desta sorte teriam uma vitória mais pronta,
seriam muitos mais os cativos e a presa completa. Portanto, ao romper do dia,
alagam o fosso, deitam-lhe por cima espécies de grades e conseguem trepar até o
alto das trincheiras, aonde os soldados eram muito poucos e, esses, imóveis com o
medo. Mas logo que Cecina os vê ficar enredados por entre as fortificações, dá o
sinal do combate às coortes e manda tocar os clarins e trombetas. No mesmo
momento, os Germanos são envolvidos pelas costas com grande vigor e clamores
e, para insultá-los, agora os nossos lhes dizem que já não estão no meio das lagoas
e bosques, porém em lugares onde tudo é igual: o terreno e os deuses. O inimigo,
que já contava com a vitória certa, cuidando achar muito pouca gente – e essa
desarmada –, agora aterrado com o som das trombetas e com a vista das armas
brilhantes, que para ele foi coisa não esperada, começa a esmorecer e a cair, tanto
menos preparado para os sucessos contrários quanto mais se fiava em seus
destinos felizes. Armínio intacto e Inguiomero gravemente ferido largaram o
campo de batalha, mas nos bárbaros durou a matança73 o que durou o furor e o dia.
Ao anoitecer se recolheram as legiões com muitas mais feridas e com a mesma
falta de víveres, porém acharam tudo na vitória: forças, saúde e abundância.
69. Enquanto isto assim passava, tinha corrido fama de que o exército se
achava cercado e que os Germanos iam entrar nas Gálias com todo o ar de
vencedores. Se não fosse Agripina, havia já cobardes que intentavam deitar
abaixo uma ponte que estava no Reno, mas esta heroína74 impediu tão vergo-
nhoso atentado e, fazendo as vezes de general em todos aqueles dias, distribuiu
socorros aos soldados pobres e feridos. Conta Gaio Plínio, o historiador das
guerras da Germânia, que ela mesma estivera no princípio da ponte, fazendo
elogios e dando agradecimentos às legiões que voltavam. Isto, porém, ulcerou
profundamente o coração de Tibério75. Persuadia-se que todos aqueles desvelos
não eram sinceros e nem assim se tratavam os soldados só para os ter prontos
contra o inimigo. Quando uma mulher fazia a revista das tropas, se punha no
meio das bandeiras, fazia donativos e, por uma afectação nunca vista, trazia
vestido o próprio filho do general à maneira dos soldados e de boamente con-
sentia que ao César se desse o nome de Calígula, que sombra de autoridade
podia ainda estar reservada para a pessoa dos imperadores? Agripina era muito

73 Tradução de uulgus trucidatum est («a multidão [de soldados] foi trucidada»).
74 Tradução de femina («mulher»).
75 Tradução de Id Tiberii animum altius penetrauit («Isto penetrou profundamente o ânimo
de Tibério»).
86 ANAIS

mais respeitada pelos exércitos do que os mesmos legados e os mesmos gene-


rais, pois que uma mulher pudera sossegar uma sedição que o nome do príncipe
não pudera impedir. Todas estas coisas não só lhe inspirava Sejano, porém lhas
avultava, por isso mesmo que, tendo um conhecimento profundo da alma 76 de
Tibério, semeava com tempo certas aversões e rancores, para que, por largo
espaço nutridos, depois aparecessem robustos.
70. Entretanto Germânico tinha deixado às ordens de Vitélio77 a segunda e a
décima quarta legiões que vinham embarcadas, para que as conduzisse por terra
a fim de que os transportes, ficando mais leves, pudessem navegar nos baixos e
assentar sem perigo no tempo da baixa-mar. Ao princípio Vitélio marchou sem
dificuldade por terrenos enxutos ou pouco lavados das ondas, mas, levantando-
-se grandes ventos nortes78 e sendo então a quadra do equinócio79 em que são
muito mais fortes as águas do Oceano, entraram as legiões a ver-se em grande
confusão, sem poderem andar nem firmar-se. Todas as terras estavam cobertas e
a praia e os campos eram tudo mar. Nem já se podia conhecer o que era ou não
terra firme, nem o que era baixo ou profundo: os soldados caíam envolvidos nas
ondas e mergulhavam-se nos poços, e os cavalos, bagagens e os muitos corpos
mortos, que andavam boiando, ainda muito mais aumentavam o embaraço. As
companhias, tendo perdido a sua forma e barulhadas80 umas com as outras,
achando-se ora com água pelos peitos ora com ela até o pescoço, sentiam em
muitas ocasiões ir-se-lhes fugindo o terreno, precipitavam-se e depois desapare-
ciam. Já não valiam palavras nem exortações para resistir à violência das ondas,
e já se não conhecia diferença entre o valente e o fraco, entre o prudente e o
temerário, nem entre o que era simples acaso ou prudência – tudo participava do
mesmo destino infeliz. Finalmente Vitélio, chegando a tomar pé em um lugar
mais levantado, fez passar para aí as legiões, onde dormiram sem fogo e faltas
de tudo, achando-se a maior parte não só sem vestidos, porém com os corpos ou
pisados ou feridos. Desta sorte não padeceram menos do que as outras que
haviam estado cercadas pelo inimigo: com a diferença, contudo, que umas
acabavam no campo da honra, as outras morriam sem glória. Com a luz do dia
apareceu também terra descoberta, e foram caminhando até o rio Visúrgis81,
aonde o César as estava esperando com os transportes. As legiões aí se embar-
caram, correndo já a esse tempo notícia de que todas se tinham afogado, e não
se conheceu a falsidade senão quando as tornaram a ver e a Germânico82.

76 Tradução de morum («dos costumes», «do carácter»).


77 Tradução de P. Vitellius («Públio Vitélio»).
78 Tradução de aquilones («aquilões»).
79 De Outono.
80 Tradução de Permiscentur («misturam-se»).
81 Nome reconstruído; deveria ser o Reno.
82 Tradução de Caesar.
LIVRO I 87

71. Estertínio, destacado para ir receber Segimero, irmão de Segestes, e seu


filho, que se haviam entregado, já os havia conduzido para a cidade dos Úbios83.
Ambos foram perdoados, porém com muita mais facilidade o pai do que o filho,
porque deste se dizia tinha insultado o cadáver de Quintílio Varo. Para reparar
as perdas do exército, mostraram toda a sua boa vontade as Gálias, a Hispânia 84
e Itália, querendo cada uma destas províncias ter a preferência e oferecendo o
que tinha mais pronto: ou armas ou cavalos ou dinheiro. Germânico, louvando
muito a sua generosidade, aceitou tão-somente as armas e cavalos e do seu
próprio dinheiro é que repartiu com os soldados. Para também lhes fazer riscar
da memória as desgraças passadas, vivia com eles na maior familiaridade:
visitava os doentes, elogiava as acções de cada um em particular, examinava ele
mesmo as suas feridas e, a uns com esperanças e a outros com motivos de
glória, não só contentava a todos, mas por seu bom modo e cuidados os dispu-
nha em seu favor e para combaterem com gosto.
72. Neste ano se decretaram as honras do triunfo a Aulo Cecina, Lúcio
Aprónio e Gaio Sílio, pela parte que tiveram nas acções gloriosas do exército de
Germânico. Tibério recusou o título de pai da pátria, apesar das instâncias impor-
tunas do povo, e não permitiu que se desse o juramento de se observarem suas
leis e edictos85, ainda que o senado assim o tivesse decidido. Dizia que todas as
coisas humanas eram sumamente incertas e que à proporção que mais o elevas-
sem muito mais em perigo se veria. Mas não provava com isto ter amor à liber-
dade porque ao mesmo tempo fazia reviver a lei de lesa-majestade, a qual, não
obstante haver tido o mesmo nome nos tempos antigos, significou depois coisas
muito diferentes. Assim se chamavam certos crimes, como quando, por traição, se
perdiam os exércitos, quando entre a plebe se excitavam sedições ou quando
finalmente, cuidando-se mal dos interesses da república, se ofendia a majestade
do povo romano; porém então só se puniam as acções e o falar era livre. Augusto
foi o primeiro que tomou por pretexto aquela lei para conhecer dos libelos famo-
sos, e o que mais a isso o obrigou foi o atrevimento de Cássio Severo, que em
seus insolentes escritos difamou muitos homens e mulheres de qualidade. Depois
dele, Tibério, sendo perguntado pelo pretor Pompeio Macro se havia de receber as
acusações de lesa-majestade, respondeu que se executassem as leis. O que mais o
tinha azedado era a publicação de certos versos anónimos que pintavam86 sua
crueldade e arrogância, bem como as suas discórdias com a mãe.
73. De propósito quero dar a saber como se fez o primeiro ensaio desta espé-
cie de acusações nas pessoas insignificantes de dois pobres cavaleiros romanos,

83 Colónia.
84 Tradução de Hispaniae («as Hispânias»).
85 Tradução de acta sua («seus actos»).
86 Tradução de Hunc quoque asperauere carmina incertis auctoribus uulgata in («exaspera-
ram-no também poemas publicados por autores incertos sobre»).
88 ANAIS

Fajânio e Rúbrio, para que assim melhor se conheça quais foram os princípios
deste grande mal, com que artifício Tibério soube produzi-lo, como depois se
reprimiu e, por fim, se tornou a atear e devorou todo o império. O acusador
arguia Fajânio de haver feito entrar em uma das confrarias, estabelecidas em
todas as casas para o culto de Augusto, a um certo pantomimo de costumes
infames, chamado Cássio; além disto, de ter vendido, com seus jardins, uma
estátua de Augusto. O crime de Rúbrio era de ter violado, por um juramento
falso, o nome desse mesmo imperador87. Tibério, que disto houve notícia, escre-
veu aos cônsules dizendo que não se tinham decretado honras divinas a seu pai
para que elas viessem a fazer a desgraça dos cidadãos, que o histrião Cássio,
assim como outros seus companheiros, costumava representar em certos diver-
timentos que sua mãe havia consagrado à memória de Augusto, e que nunca se
devia considerar como ofensa feita à religião o incluírem-se na venda de terras
ou casas as estátuas de Augusto ou de quaisquer outras divindades. Quanto ao
falso juramento, era o mesmo que se o nome de Júpiter houvesse sido violado: e
neste caso, quando os deuses eram injuriados, a eles só cumpria a vingança.
74. Quase no mesmo tempo, Grânio Marcelo, pretor da Bitínia, foi acusado de
crime de lesa-majestade pelo seu questor Cepião Crispino, auxiliado pelo
testemunho de Românio Hispão, fatal indivíduo e o primeiro que criou um género
de vida que depois se fez tão notável pela calamidade dos tempos e pela audaz
malícia dos homens. Sendo pobre, obscuro e grande intriguista88, começou com
escritos ocultos a inflamar o cruel temperamento do príncipe; daqui subiu a ser
delator das pessoas mais ilustres e, havendo ganhado a confiança de um só
homem com a execração pública de todos, deixou um exemplo que depois muitos
imitaram, os quais, de pobres passando a ser ricos e de gente vil e desprezível a
serem geralmente temidos, fizeram a desgraça dos outros e afinal a sua própria.
Acusava, portanto, Marcelo de lhe ter ouvido certos discursos injuriosos para
Tibério – crime imperdoável –, pois que sobre os costumes do príncipe atribuía ao
réu expressões muito violentas e feias, as quais, como recaíssem sobre vícios e
escândalos públicos, eram facilmente acreditadas. Acrescentava Hispão que
Marcelo tinha a sua estátua em um lugar superior à do César89 e que, havendo
cortado a cabeça a uma estátua de Augusto, lhe substituíra a de Tibério. Aqui se
exasperou tanto o príncipe que, rompendo então seu tenebroso silêncio, aberta-
mente declarou que sobre este ponto daria também sua opinião e afirmaria com
juramento, pretendendo assim obrigar os outros a que fizessem o mesmo. Mas,
como se conservassem ainda certos vestígios da liberdade moribunda, Gneu
Pisão, que isto lhe ouviu, perguntou-lhe: «E em que lugar, ó César, queres tu dar a

87 Tradução de numen Augusti («a grandeza [divina] de Augusto»).


88 Tradução de inquies («desassossegado», «inquieto»).
89 Tradução de Caesarum («dos Césares»).
LIVRO I 89

tua opinião? Se fores o primeiro, já não será livre o meu voto, e se fores o último,
receio poder desagradar-te, não me conformando contigo.» Tibério, confundido
com esta pergunta, puniu sua própria indiscrição, sofrendo que o acusado fosse
absolvido do crime de lesa-majestade. No que dizia respeito ao artigo de concus-
são, remeteu-se a causa para os juízes competentes.
75. Tibério, ainda não satisfeito com assistir às deliberações do senado, ia
ver julgar as causas particulares e, para não fazer largar ao pretor sua cadeira
curul, sentava-se em um canto do tribunal. Estando ele presente se tomaram
muitas resoluções contra os crimes de suborno e contra a influência perigosa
dos homens poderosos, mas enquanto assim protegia a justiça preparava a queda
à liberdade. Nesta mesma época, o senador Pio Aurélio, queixando-se dos
prejuízos que suas casas tinham padecido por causa de uma estrada e um aque-
duto que por elas passavam, rogou aos padres lhe mandassem dar alguma in-
demnização. Opondo-se, porém, os pretores do erário, o César o indemnizou à
sua custa e lhe pagou o que valiam as casas, folgando de assim repartir seu
dinheiro em donativos honestos, única virtude que, perdendo todas as outras,
por muito tempo guardou. A Propércio Célere, antigo pretor, que lhe pedia
licença para se retirar do senado por se ver muito pobre, mandou dar um milhão
de sestércios, conhecendo muito bem o pouco que ele havia herdado de seu pai.
Porém a outros que fizeram iguais requerimentos ordenou que perante o senado
justificassem suas causas – sempre tão propenso para a severidade que, ainda
nas mesmas acções boas que fazia, mostrava seu mau coração. Daqui resultou
que tiveram por melhor calar-se e sofrer do que passar por uma confissão ver-
gonhosa para obter um favor.
76. No mesmo ano, as chuvas frequentes fizeram crescer de tal sorte o Tibre
que, inundando todos os baixos de Roma, depois ao recolher-se causou um
estrago imenso nos edifícios e nos homens. Asínio Galo foi de opinião que, por
este caso, se consultassem os livros das sibilas; porém, opôs-se Tibério, tão
misterioso nas coisas divinas como nas humanas. Deu-se, contudo, a intendên-
cia a Ateio Capitão e Lúcio Arrúncio para buscarem algum remédio contra as
inundações futuras. Pedindo a Acaia e a Macedónia serem aliviadas dos grandes
tributos que pagavam, decretou-se que, no entanto, para não estarem tão opri-
midas, passassem do governo proconsular para a administração imperial. Druso
presidiu ao combate dos gladiadores que ele havia oferecido dar, em seu nome e
de seu irmão Germânico, mostrando nesta ocasião quanto excessivamente
folgava com ver correr o sangue, bem que de gente vil e miserável, mas este seu
grande prazer pareceu horroroso ao povo, e até se conta lhe fora estranhado pelo
pai. O motivo por que Tibério não quis assistir a este espectáculo não é bem
conhecido: uns asseveravam que por não gostar de tais divertimentos, outros
porque, conhecendo seu humor melancólico, não se queria expor a que se fizes-
se comparação de seu comportamento com as maneiras afáveis de Augusto
quando assistia a tais festas em público. Não creio, porém, que desse esta prefe-
90 ANAIS

rência ao filho para de propósito fazer ver sua nímia crueldade e contra ele
indispor as vontades do povo; contudo era isto o que então se dizia.
77. O desaforo do teatro, que havia começado no ano antecedente, chegou a
excessos muito mais graves com a morte de muita gente da plebe, de muitos
soldados e um centurião e com as feridas que também recebeu um tribuno das
coortes pretorianas – todos assim maltratados por terem querido impedir certas
personalidades contra os magistrados e sossegar as discórdias do povo. Foi este
caso um objecto das deliberações do senado e, conformando-se quase todos os
pareceres em que os pretores pudessem castigar com açoutes os histriões, opôs-
-se a esta resolução Hatério Agripa, tribuno do povo, pelo que foi increpado por
Asínio Galo, sem que Tibério desse uma única palavra, querendo ainda conser-
var esta sombra de liberdade ao senado. Sempre, porém, prevaleceu a oposição,
porque se disse que, já em outro tempo, o divino Augusto havia respondido que
os histriões não deviam ser compreendidos neste castigo e, portanto, não convi-
nha que Tibério quebrantasse as suas decisões. Sobre o dinheiro da entrada dos
espectáculos e contra a petulância dos amotinadores, tomaram-se muitas medi-
das, de que as mais notáveis foram as seguintes: que um senador não pudesse
entrar em casa dos pantomimos; que, quando estes aparecessem em público, os
cavaleiros romanos os não cortejassem; e que em nenhuma outra parte, à excep-
ção do teatro, pudessem em caso algum representar. Aos pretores deu-se autori-
dade para punir com desterro os espectadores que não fossem tranquilos.
78. Pediram os Hispânicos, e lhes foi concedido, edificar um templo em
honra de Augusto na colónia de Tarragona, exemplo que passou a todas as
províncias. Rogando o povo que se abolisse o tributo da centésima, que depois
das guerras civis se pagava de tudo o que se vendia, declarou Tibério por um
edicto que o erário militar não tinha outros fundos, e que estes mesmos não
seriam suficientes se antes de vinte anos de serviço se reformassem os velhos
soldados. Desta maneira, o que na última sedição, e só pela força das circuns-
tâncias, se havia determinado sobre as baixas depois de dezasseis anos de servi-
ço ficou agora abolido para o futuro.
79. Propuseram também no senado Arrúncio e Ateio se, para diminuir as
inundações do Tibre, convinha desviar-lhe os rios e lagos com que mais se
engrossava. Sobre esta matéria foram ouvidas as deputações dos municípios e
colónias, e os Florentinos logo pediram que de seu antigo álveo se não tirasse o
Clânis para o fazer entrar nas correntes do Arno, porque isto lhes causaria
grandes prejuízos. Os Interamnates fizeram iguais requerimentos, mostrando
que os fertilíssimos campos de Itália ficariam perdidos se o rio Nar, dividido em
pequenos regatos, segundo se aconselhava, ficasse estagnado e perdesse o seu
curso. Com a mesma força e pelos mesmos motivos, gritaram os Reatinos que
se não obstruísse o lago Velino, que se despeja em o Nar, porque todas as terras
vizinhas ficariam alagadas. Acrescentavam ainda mais: que a natureza tudo
LIVRO I 91

tinha feito a bem dos interesses humanos, dando aos rios embocaduras, corren-
tes, uma origem e um termo, que, além dos males que daqui necessariamente
iam resultar, também se devia ter contemplação com a religião dos aliados, que
faziam sacrifícios e tinham bosques e altares consagrados aos rios pátrios e que
até o mesmo Tibre, agora privado de tantos feudos que o faziam majestoso, não
folgaria correr com menos glória e riquezas que antes tivera. Ou fosse por efeito
da petição das colónias ou pelas dificuldades da obra, ou enfim por superstição,
seguiu-se por último o voto de Pisão para que nada se mudasse.
80. Prorrogou-se a Popeu Sabino o governo da Mésia, e se lhe acrescentaram
a Acaia e a Macedónia. E esta foi sempre a política90 de Tibério de continuar
sem limite os governos e de conservar muitas vezes até à morte as mesmas
pessoas nos empregos civis e militares. São muitas as razões que para este seu
procedimento se davam: uns diziam que, por se livrar do tédio e dificuldades
que sempre tinha em decidir-se, folgava com a eternidade das escolhas; outros,
que o fazia por ciúmes e para não multiplicar os felizes; outros, enfim, porque
tão perspicaz e agudo tinha o engenho, quanto tardo e embaraçado o juízo. É
verdade que ele não amava as grandes virtudes nem os grandes vícios, mas
abominava os bons porque os tinha por inimigos e os maus para não ser mal
havido no público. Por último, chegou a pôr-se em tal hesitação que nomeou
para governos certos indivíduos que nunca consentiu saíssem de Roma.
81. Sobre os comícios consulares, que tiveram princípio no tempo deste prín-
cipe e depois continuaram, nada posso afirmar com verdade porque nada de certo
se pode inferir das diferentes opiniões dos autores, nem dos mesmos discursos de
Tibério. Umas vezes, calando os nomes dos candidatos, mandava fazer uma rela-
ção da origem de cada um, de sua vida e número de campanhas, para assim os dar
a conhecer; outras vezes, deixando este método, exortava os mesmos candidatos a
que não perturbassem os comícios com suas petições e intrigas91, porque ele só se
encarregava de os recomendar; outras vezes, enfim, publicava que não havia
outros pretendentes senão aqueles de quem remetera os nomes para os cônsules;
dizia, porém, que outros quaisquer podiam pretender, contanto que tivessem consi-
deração e merecimentos. Contudo tais expressões na sua boca eram todas aparen-
tes, não tinham realidade e eram eminentemente insidiosas, porque quanto mais
trabalhava por enfeitá-las com as cores brilhantes da liberdade92, tanto mais apres-
sado corria a pôr em prática uma pesada escravidão.

90 Tradução de morum («dos costumes», «dos hábitos»).


91 Tradução de ambitu («com ambição», «com intrigas»).
92 Tradução de maiore libertatis imagine tegebantur («cobriam-se com uma maior aparência
de liberdade»).
LIVRO SEGUNDO

1. No consulado de Sisena Estatílio Tauro e de Lúcio Libão1, houve algumas


perturbações nos reinos do Oriente e nas províncias romanas: foram elas causa-
das pelos Partos, os quais, depois de haverem pedido a Roma um rei e de o
terem recebido, já por fim o não queriam, ainda que descendente da própria
família dos Arsácidas. Este rei era Vonones, que Fraates havia enviado como
em reféns a Augusto, porque, apesar de ter vencido os generais e exércitos
romanos, mostrara sempre por aquele imperador muita veneração e respeito, e,
para mais consolidar a amizade, lhe havia mandado parte dos filhos 2 não porque
de modo algum nos temesse, mas porque se não fiava bastante na fidelidade dos
vassalos.
2. Depois da morte de Fraates e dos mais reis que se lhe seguiram, em con-
sequência de muitos assassínios domésticos, os principais da nação mandaram
embaixadores a Roma, pedindo que se lhes restituísse Vonones, o filho mais
velho de Fraates. O César teve-se por muito honrado com esta embaixada e fez
ao novo rei magníficos presentes. Os mesmos bárbaros o receberam muito
satisfeitos, o que sempre costuma acontecer no princípio dos novos reinados;
porém depois, já cobertos de vergonha, parecia-lhes que os Partos tinham dege-
nerado, indo buscar um rei ao Ocidente3, imbuído em todos os artifícios do
inimigo, e que era o maior dos escândalos que o trono dos Arsácidas pudesse
achar-se e até conferir-se no meio das províncias romanas. De que lhes podia já
valer a glória (diziam eles) de ter morto Crasso4 e afugentado António5, se um
escravo de César, que por tantos anos havia sofrido a escravidão, vinha agora
ser soberano dos Partos? O mesmo novo rei, por seu modo de viver, indispunha
os descontentes, não seguindo em coisa alguma os costumes de seus antepassa-
dos: raras vezes se ocupava na caça e muito mais raras montava a cavalo;
quando passeava nas cidades, era sempre em cadeirinha e aborrecia os pátrios
festins e banquetes. A comitiva grega, que sempre o rodeava, era também
assunto de eterna zombaria, bem como o perluxo cuidado com que fechava as
coisas mais vis e ridículas. Ao mesmo tempo era afável e falava com todos: mas
por ter estas virtudes desconhecidas dos Partos, e por consequência outros

1 Ano de 16 d. C.
2 Em 10 a. C.
3 Tradução de alio ex orbe («de outro mundo»).
4 Em 53 a. C. na batalha de Carras.
5 Em 36 a. C.
94 ANAIS

tantos novos vícios, como coisas contrárias aos costumes da nação, era objecto
de ódio para os bons e para os maus.
3. Nestas circunstâncias é chamado Artabano, do sangue dos Arsácidas e que,
até ser adulto, tinha vivido com os Daas, o qual, ainda que não bem-sucedido nos
primeiros combates, repara depois as suas forças e toma posse do reino. Vonones
foi refugiar-se na Arménia, então com o trono vacante, e que, no meio dos Partos
e das tropas romanas, se conservava sempre em desconfiança depois da perfídia
de António, o qual tinha acariciado com demonstrações de amizade seu rei
Artavasdes e por fim o prendeu e matou. Seu filho Artáxias, em ódio contra nós
pelo que tínhamos feito a seu pai, soube defender-se a si e a seu reino com o
socorro dos Arsácidas; porém, assassinado por dolo dos parentes, Augusto6
nomeou em seu lugar Tigranes, que entrou no reino conduzido por Tibério Nero.
Mas não foi longo seu reinado nem o de seus filhos, ainda que sócios no matri-
mónio e no governo, à maneira dos costumes estrangeiros. Por ordem de Augusto,
seguiu-se Artavasdes, que também foi expulso com grande perda nossa.
4. Nesta ocasião foi nomeado Gaio César, filho de Agripa, para ir compor as
coisas da Arménia e, por consentimento de toda a nação, lhe deu por rei Ario-
barzanes, medo de origem e moço muito gentil e de grandes qualidades 7.
Morrendo quando menos se esperava, foram seus filhos8 excluídos do trono
pelos Arménios, que, tentando fazer a experiência de como seria o governo de
uma mulher, elegeram Érato para sua rainha, a qual também pouco depois
expulsaram. Desta sorte indecisos e livres, ainda que mais sem soberano do que
em liberdade, chamaram para os governar o fugitivo Vonones. Porém, como
Artabano não cessasse de ameaçar a Arménia, que nada podia fazer, e se nós o
ajudássemos íamos entrar em uma nova guerra com os Partos, Crético Silano,
governador da Síria, teve artes para chamar à província Vonones, onde o guar-
dou prisioneiro, conservando-lhe, contudo, todos os exteriores e o nome de rei.
O que então fez Vonones para se livrar deste insulto em seu lugar contaremos.
5. Entretanto, Tibério folgava com estas perturbações do Oriente, porque lhe
ministravam pretexto para tirar a Germânico o comando das legiões, que lhe
eram afeiçoadas, e dar-lhe um novo governo em que o expusesse a todas as
traições e reveses. Mas ele, quanto mais conhecia o amor dos soldados e os
ódios do tio, tanto mais trabalhava por acelerar a vitória. Contemplando nas
operações da guerra e em tudo o que, em três anos, lhe havia acontecido de bem
ou de mal, achou por experiência que os Germanos não podiam resistir em
batalhas campais nem em lugares descobertos, que todo o seu refúgio estava nas

6 Tradução de Caesar («César»).


7 Tradução de ob insignem corporis formam et praeclarum animum («por causa de uma
distinta beleza do corpo e de um notável espírito»).
8 Tradução de stirpem («descendência»), referindo-se a Artavasdes III.
LIVRO II 95

lagoas e bosques, assim como na brevidade do Estio e nos longos Invernos; que
as tropas romanas padeciam menos pelo ferro dos inimigos do que pelas longas
marchas e perda das armas; que as Gálias já estavam cansadas de fazer a re-
monta dos cavalos e que as grandes e pesadas bagagens não só embaraçavam o
exército, mas todos os dias o expunham a contínuas emboscadas. Nestas cir-
cunstâncias, se fosse embarcado, seria muito mais fácil a conquista: o inimigo
ficaria surpreendido com esta manobra não esperada, poderia abrir-se muito
mais cedo a campanha, as legiões e combóis9 chegariam ao mesmo tempo e
toda a cavalaria militar e a dos transportes, entrando pelas bocas dos rios, se
acharia sem trabalho e sem perdas no coração da Germânia.
6. Germânico entrou, pois, a aplicar-se todo à execução deste plano e, man-
dando a Públio Vitélio e Gaio Âncio que fossem receber os tributos das Gálias,
incumbiu Sílio, Anteio e Cecina da obra da esquadra. Mil navios pareceram
suficientes, e neles se principiou prontamente a cuidar. Uns deles eram mais
pequenos, estreitos de proa e de popa, e largos no bojo, para melhor poderem
com o mar; outros rasos, sem quilha, para poderem sem perigo ancorar-se junto
de terra. Muitos tinham dois lemes nas duas extremidades, para ser mais fácil o
virá-los com os remos, ora para uma parte ou para outra, onde fosse necessário
abordar. A maior parte, cobertos de estrados, à maneira de pontes, para levarem
as máquinas de guerra, a cavalaria e os víveres, e muito mais ligeiros de vela e
de remo, conduziam grande número de soldados, que neles entravam alegre-
mente e faziam esta frota majestosa e terrível10. Determinou-se que o lugar da
reunião fosse a ilha dos Batavos, como sítio não só de mais fácil ancoradouro,
mas muito próprio para o embarque das tropas, e para daí se transportarem
aonde fosse necessário. E a razão era porque o Reno, correndo largo espaço
incluído em um só álveo ou formando poucas ilhas, quando toca nos campos
batavos se divide em dois braços: um, costeando a Germânia, conserva seu
primeiro nome e sua impetuosa corrente, até que se vai misturar com o Oceano;
o outro, seguindo as fronteiras das Gálias, muito mais espraiado e pacífico,
toma o sobrenome de Váalis, que depois torna a mudar, entrando no Mosa, que
por uma embocadura imensa se despeja no mesmo Oceano.
7. O César, entanto que se preparavam os navios, encarregou o legado Sílio de
ir fazer uma irrupção nas terras dos Catos com alguma tropa ligeira, enquanto ele,
tendo notícia de estar cercado um castelo perto do rio Lúpia, marcha para ali com
seis legiões. Porém Sílio, por causa das chuvas repentinas, não pôde conseguir
mais do que alguma pequena presa e fazer prisioneiras a mulher e a filha de Arpo,
príncipe dos Catos; e o César já não encontrou inimigos porque, apenas souberam

9 Tradução de commeatus («transporte de víveres»).


10 Tradução de uelis habiles, citae remis, augebantur alacritate militum in speciem ac terrorem
(«ligeiros com velas, velozes com remos, [os navios] cresciam em aspecto e em terror
pela alegria dos soldados»).
96 ANAIS

que estava a chegar, só cuidaram em fugir. Contudo sempre arruinaram o túmulo


que, havia pouco, se tinha elevado às legiões de Varo e um antigo altar consa-
grado a Druso. Germânico restabeleceu o altar e celebrou com as legiões os jogos
e cerimónias fúnebres em honra de seu pai11, mas o renovar o túmulo lhe não
pareceu conveniente; ocupou-se por último em fazer novas obras e novas
fortificações para segurar o país, que ficava entre o castelo Alisão e o Reno.
8. Assim que chegou a esquadra, despachou logo todos os transportes das
bagagens12 e, distribuindo depois os outros navios pelas legiões e aliados, entrou
no canal Drusiano e, invocando aí seu pai, Druso, para que, em memória de seu
grande exemplo e conselhos, agora benignamente o auxiliasse na imitação de
suas gloriosas empresas, teve uma navegação muito feliz por entre os lagos e o
Oceano até o rio Amísia. A esquadra ficou em Amísia, na margem esquerda do
rio, cometendo-se assim um erro considerável em não se ter ido mais acima,
porque ficou da parte esquerda a tropa que devia passar para a direita e se
gastaram por isso muitos dias em formar pontes para aquela operação. A cavala-
ria e as legiões atravessaram desembaraçadamente na maré baixa os primeiros
braços do rio; porém os aliados e os Batavos, querendo ostentar o pouco medo
que tinham das águas e como muito bem sabiam nadar, viram-se quase perdidos
e tiveram alguma gente afogada. Estando já o César a formar o seu campo, veio-
-lhe a notícia que na sua retaguarda se tinham revoltado os Angrivários; sem
perda de tempo mandou contra eles Estertínio com alguma cavalaria e tropas
ligeiras, o qual pelo ferro e pelo fogo castigou muito bem sua perfídia.
9. O rio Visúrgis separava os dois exércitos, romano e querusco. Armínio
estava do outro lado com todos os seus oficiais maiores e, perguntando se tinha
vindo o César, como se lhe respondesse que sim, mandou pedir-lhe licença para
falar com seu irmão. Achava-se este no exército romano e tinha o sobrenome de
Flavo, insigne por sua fidelidade e pela falta de um olho que, poucos anos antes,
havia perdido, sendo Tibério general das forças romanas. Concedida a licença,
foi avistar-se com Armínio, que amigavelmente o saudou e, fazendo retirar as
suas guardas, requereu que o mesmo fizessem também os archeiros que estavam
na frente. Depois que, de parte a parte, todos se retiraram, perguntou a seu
irmão como havia perdido o olho. Referindo-lhe ele o lugar e a batalha, tornou a
perguntar-lhe qual era o prémio que por isso havia tido. Flavo lhe relatou então
o aumento de soldo que havia recebido, com o colar e a coroa, e outros mais
donativos militares, o que ouvido por Armínio desatou a rir-se, metendo à bulha
todas as vis distinções que denotavam sua escravidão13.

11 Tradução de honorique patris princeps ipse cum legionibus decucurrit («e, em honra do
pai, ele próprio desfilou à frente com as legiões»).
12 Tradução de commeatus («transporte de víveres»).
13 Tradução de inridente Arminio uilia seruitii pretia («rindo Armínio das vis recompensas
da servidão»).
LIVRO II 97

10. Passando depois a novos assuntos, Flavo começou a expor-lhe toda a


grandeza romana, as forças do César, os graves castigos que teriam os vencidos,
as belas esperanças em que podia confiar se depusesse as armas e o bem que sua
mulher e seu filho eram tratados. Pelo contrário, Armínio, trazendo-lhe à memó-
ria os deveres da pátria, a nobre liberdade que ambos tinham herdado de seus
pais, os deuses penates da Germânia e os rogos e preces de sua mãe, também da
sua parte lhe rogava que antes desprezasse tudo, até mesmo ser general, do que
passar por desertor e traidor a uma causa que era a de todos os seus amigos, de
todos os seus parentes e de toda a sua nação. Assim, pouco a pouco, foram
passando às injúrias, de sorte que, apesar de terem o rio de permeio, ambos
haveriam brigado, a não acudir prontamente Estertínio, que teve mão em Flavo,
o qual, já no último ponto irritado, pedia suas armas e cavalo. Da outra parte do
rio via-se Armínio com ar ameaçador e terrível, que nos desafiava ao combate,
empregando muitas palavras latinas, como homem que já em outros tempos
havia militado nos exércitos romanos, comandando a sua gente.
11. No dia seguinte, já todo o exército dos Germanos se achava em ordem de
batalha no outro lado do Visúrgis. Mas o César, como hábil militar, não queren-
do expor as suas tropas sem primeiro formar pontes e fazer fortificações, man-
dou passar a vau a sua cavalaria. Comandavam esta expedição Estertínio e o
centurião Emílio, um dos primipilares14, os quais deviam atravessar por diferen-
tes pontos para distrair o inimigo. Na parte em que o rio era mais arrebatado,
passou Cariovalda, general dos Batavos, mas foi enganado pelos Queruscos,
que, fingindo retirar-se, o vieram chamando até certas planícies rodeadas de
bosques. Reunindo-se então naquele sítio e ocupando todos os pontos, caem
sobre os Batavos com grande furor, entram a apertá-los quando querem fugir e,
por fim, os tomam de perto – já todos unidos: uns quase corpo a corpo em
colunas, e outros de mais longe e atirando –, e chegam a pô-los em grande
confusão. Cariovalda, sustentando por muito tempo o combate, ordena por
último que os seus se reorganizem e que, fazendo um só corpo, rompam por
entre as fileiras inimigas. Ao mesmo passo ele lhes dá o exemplo; porém, me-
tendo-se por onde era mais densa e rija a peleja, depois de perder o seu cavalo e
de se ver cercado de lanças, morre, e com ele muitos nobres que o acompanha-
vam. O resto salvou-se ou porque seu valor os livrou, ou porque foram socorri-
dos por Estertínio e Emílio, que ainda vieram a tempo de acudir-lhes com a sua
cavalaria.
12. O César, depois de ter passado o Visúrgis, soube por um desertor que
Armínio já tinha escolhido o seu campo de batalha, que juntas com ele estavam
outras nações, postadas em um bosque consagrado a Hércules, e que premedita-

14 Tradução de et e numero primipilarium Aemilius («e, da categoria dos [centuriões] primi-


pilos, Emílio»).
98 ANAIS

va atacar-lhe o seu acampamento de noite. Com as palavras do desertor concor-


davam não só as muitas fogueiras que se viam, porém todas as relações de alguns
exploradores que, chegando-se muito perto, ouviram o estrépito dos cavalos e
todo aquele barulho que sempre se faz aonde está um numeroso exército acam-
pado. Porém Germânico, que se achava em vésperas de uma grande batalha, nada
queria tentar sem primeiro conhecer as disposições dos soldados e meditava nos
meios com que poderia saber isto sem ser enganado. Tinha por experiência que os
tribunos e os centuriões dizem ordinariamente não tanto o que sabem, como o que
julgam ser mais agradável; que os libertos conservam sempre seu espírito de
servidão e baixeza; e que os amigos são, pela maior parte, aduladores. Se con-
vocasse uma assembleia militar, o que um só dissesse seria aplaudido por todos;
nestas circunstâncias, para saber a verdade15, não havia outro remédio senão
espreitar as opiniões e as palavras, quando todos retirados e sem nenhum receio
estivessem fazendo os seus ranchos, porque então aí sem disfarce conversam e
francamente publicam se têm resolução ou têm medo.
13. Saindo pois ao anoitecer do augural, acompanhado de uma só pessoa e
com os ombros cobertos com uma pele de animal selvagem e tomando veredas
menos frequentadas e onde não havia sentinelas, entra nas ruas do acampamen-
to, põe-se defronte das barracas e então aí goza de toda a sua fama. Uns exalta-
vam seu ilustre nascimento, outros sua bela figura e todos, geralmente, sua
paciência e suas maneiras afáveis, sempre iguais e constantes, quer nas coisas
mais sérias quer no divertimento e prazeres: enfim unanimemente protestavam
que, no primeiro dia de batalha, lhe mostrariam toda a sua afeição e amizade, e
que a sua glória e vingança ficariam saciadas com o sangue dos pérfidos que
violavam a paz. Nesta mesma ocasião, um dos inimigos, que falava bem latim,
chegou-se a cavalo para perto das trincheiras e começou em altas vozes a pro-
meter, em nome de Armínio, a todos que desertassem, terras, mulheres e cem
sestércios por dia enquanto a guerra durasse. Este insulto acabou de indignar o
coração das legiões, que a um tempo entraram a clamar que rompesse já o dia
do combate e que então iriam tomar posse dos campos e mulheres dos Germa-
nos, que de boamente aceitavam o agoiro favorável, porque agora conheciam
que toda essa presa de mulheres e dinheiro do inimigo lhes estava destinada.
Perto da meia-noite16, tentaram os bárbaros dar um assalto ao campo, mas nem
chegaram mesmo a atirar com suas armas de arremesso, tanto que viram a
disposição das coortes e que tudo estava bem preparado para recebê-los.
14. Na mesma noite, teve Germânico um sonho muito agradável. Sonhou
que, estando fazendo um sacrifício e caindo-lhe algum sangue sagrado sobre a

15 Tradução de Penitus noscendas mentes («Para profundamente conhecer os pensamentos


[dos soldados]»).
16 Tradução de Tertia fere uigilia («Quase na terceira vigília [que começava à meia-noite]»).
LIVRO II 99

pretexta, sua avó, Augusta, lhe dava outra muito mais brilhante e formosa.
Animado com o agoiro e vendo que felizes eram todos os auspícios, convoca a
assembleia militar e nela expõe o que já tinha feito e disposto para a próxima
batalha. Diz-lhe que os soldados de Roma não só devem combater em campo
descoberto, mas no meio de brenhas e bosques quando a ocasião o pedir; que os
escudos imensos dos bárbaros e suas lanças enormes não eram, por entre os
troncos das árvores ou os pequenos arbustos, tão cómodas para o combate como
os dardos, espadas romanas e todas as mais armas que lhes defendiam o corpo;
que era preciso amiudar os golpes e dirigi-los constantemente à cara dos inimi-
gos, porque os Germanos não tinham couraças nem capacetes, e seus mesmos
escudos não eram forrados de ferro ou coiro, meramente tecidos de vimes ou
feitos de madeira pintada e muito frágil; que quando muito seus primeiros
batalhões acometiam com lanças, mas que o resto da sua gente só tinha peque-
nas flechas, e essas tostadas ao fogo. Se pelos corpos e figura pareciam terríveis,
contudo, só nos primeiros encontros mostravam valentia: depois perdiam logo a
firmeza e esmoreciam com a primeira ferida. Sem estímulos de honra nem
respeito aos seus comandantes, retiravam-se e fugiam sem pudor nem vergonha
e, sempre cobardes quando achavam resistência, desprezavam todas as leis
divinas e humanas quando lhes ia bem a fortuna. Se, portanto, já estavam enfas-
tiados das longas viagens de terra e de mar, agora lhes podiam pôr termo nesta
batalha e, pois que também já estavam mais perto do Álbis do que do Reno, não
passariam mais avante se fizessem com que ele saísse vencedor destas mesmas
terras em que pretendia imitar os grandes exemplos de seu pai e seu tio17.
15. O entusiasmo dos soldados claramente se mostrou com o discurso do
general, e logo aí tiveram ordem de se aprontar para o combate. Nem Armínio e
os outros chefes dos Germanos deixaram também de animar os seus com
semelhantes discursos. Diziam-lhes que estes eram os mesmos fugitivos do
exército de Varo e que, até para não combater, já se tinham revoltado. Que uma
boa parte deles, trazendo ainda nas costas frescas as feridas e achando-se outros
sumamente debilitados com os trabalhos e tempestades do mar, vinham agora,
sem esperanças nenhumas, cair todos nas mãos não só de irreconciliáveis inimi-
gos, porém dos próprios deuses vingadores. Debalde haviam fabricado navios e
aberto um novo caminho por meio do Oceano, para não serem embaraçados na
entrada nem perseguidos na fugida – quando chegasse o dia de batalha, então
veriam que segurança podem achar os vencidos nos ventos ou nos remos. Que
se lembrassem, pois, de toda a avareza, crueldade e soberba romana e que já
nada mais lhes restava do que ou conservar a liberdade, ou morrer com honra
antes que viesse a escravidão.
16. Desta arte animados e pedindo já todos marchar ao combate, foram tomar
posição em um campo chamado Idistaviso, que desigualmente se estende por entre

17 De Druso, em 9 a. C., e de Tibério, em 5.


100 ANAIS

o Visúrgis ao longo das montanhas, à proporção que as margens do rio se dilatam


ou os montes se apertam. Na sua retaguarda tinham um arvoredo, cujos ramos se
elevavam muito altos e deixavam desembaraçada a passagem por entre os troncos
das árvores. O exército dos bárbaros ocupou todo o campo e as primeiras entradas
do bosque; tão-somente os Queruscos foram tomar as alturas, para daí caírem
sobre os Romanos no ardor da peleja. Os nossos marchavam na forma seguinte: na
vanguarda iam os Galos e os Germanos auxiliares e logo após eles os archeiros de
pé; seguiam-se depois quatro legiões e o César com duas coortes pretorianas e toda
a cavalaria escolhida; na retaguarda, outras tantas legiões, toda a tropa ligeira, com
os archeiros a cavalo e o resto das coortes aliadas. O exército regulou de tal sorte a
sua marcha que à primeira voz podia logo formar-se em batalha.
17. Vendo Germânico como, por um excesso de braveza, a infantaria dos
Queruscos temerariamente se avançava, manda que a melhor cavalaria os ata-
que pelos flancos e que Estertínio, com outros esquadrões, os rodeie e aperte na
sua retaguarda, enquanto ele fica com a reserva para acudir quando a ocasião o
pedisse. Neste tempo, vendo um agoiro felicíssimo que eram oito águias que
voavam para irem meter-se no bosque, clama que marchem para diante e sigam
as aves romanas, as próprias divindades das legiões. Então a infantaria toda
acomete, quando a cavalaria já estava sobre os flancos e a retaguarda inimiga, e
– coisa maravilhosa – dois grandes corpos tomam uma extraordinária direcção
na fugida: os que estavam no bosque vêm para o campo e os que estavam no cam-
po vão meter-se no bosque. Nesta mesma ocasião eram os Queruscos do centro
expulsos das alturas, e entre eles se conhecia Armínio, que, notável por seu valor,
por sua voz e por uma grande ferida que já tinha recebido, ainda sustentava a
batalha. Com muita particularidade tinha ele caído sobre os frecheiros e decerto
os haveria forçado se não tivessem sido auxiliados pelos Récios, Vindélicos e as
coortes dos Galos. Por efeito, enfim, de seu valor pessoal e pela bondade de seu
cavalo, chegou a escapar-se, tingindo toda a face com sangue para não ser conhe-
cido. Contudo dizem alguns que, sendo descoberto pelos Caucos, que combatiam
debaixo das bandeiras romanas, deles obtivera todos os meios de fugida. Seu
próprio esforço ou a mesma traição livrou Inguiomero; os mais foram todos feitos
em postas, perecendo uma grande parte, ou ao passar a nado o Visúrgis ou
traspassados de flechas, e ficando o resto esmagado, ou pelo grande impulso dos
mesmos que fugiam ou debaixo das ribanceiras do rio que, não podendo com o
peso, desabavam sobre eles. Houve mesmo alguns que, na sua vergonhosa fugida,
treparam para cima das árvores, esperando aí escapar encobertos com os ramos;
porém lá mesmo acabaram porque os frecheiros, por zombaria, ou lhes faziam
pontarias ou cortavam as árvores para os fazer vir a terra.
18. Tivemos finalmente uma completa vitória e que nos custou pouco san-
gue. Desde as nove horas da manhã18 até à noite, que durou a matança, ficaram

18 Tradução de Quinta ab hora («a partir da quinta hora», isto é, pelas onze da manhã).
LIVRO II 101

cobertos de cadáveres e armas dez mil passos19 de terreno. Entre o despojo se


encontraram muitas algemas que traziam para agrilhoar os Romanos, já nada
duvidando de que ficariam vencedores. Os soldados no mesmo campo de bata-
lha proclamaram Tibério com o título de imperator e elevaram um monumento
sobre o qual, à maneira de troféu, puseram as armas com uma inscrição de todos
os povos vencidos.
19. As feridas, o luto e as mortes não causaram tanta dor e indignação aos
Germanos como este monumento. Os que até agora estavam resolvidos a deixar
suas antigas habitações e a passar-se para a outra margem do Álbis, querem
novamente combater e pegam em armas, de sorte que o povo e os chefes, os
moços e velhos, todos a um tempo, correm a atacar o exército romano e o põem
em confusão. Escolhem finalmente um campo que, muito estreito e húmido, era
defendido pelo rio e pelos bosques, os quais também eram rodeados de uma
profunda lagoa, onde só por um lado havia uma larga calçada que os Angrivá-
rios tinham feito para se defender dos Queruscos. A infantaria ocupava esta
posição, e a cavalaria ficou escondida entre os arvoredos vizinhos para cair pela
retaguarda sobre as legiões quando entrassem nos bosques.
20. Mas o César, que nada ignorava, já tinha conhecimento exacto das inten-
ções, preparativos, segredos e astúcias do inimigo, que só lhe serviram para ser
mais completamente derrotado. Ao legado Sejo Tuberão deu o comando da
cavalaria e lhe destinou a planície; a infantaria foi de tal sorte disposta que parte
devia penetrar no bosque por um terreno plano e igual, e a outra pela calçada,
que era preciso forçar. Guardou para si as operações mais difíceis: o resto ficou
para os legados. Aos que coube em sorte marchar na planície muito fácil foi o
ataque, mas aqueles que deviam entrar a calçada, tanto que chegaram perto,
viram-se em grande aperto com os terríveis tiros que se lhes faziam de cima. O
general conheceu então o pouco partido que os nossos tinham e, fazendo afastar
um pouco as legiões, ordena que os atiradores lancem de longe suas armas de
arremesso e ponham em confusão o inimigo20. Colocadas assim em distância as
máquinas de guerra, começaram a dar grandes descargas de lanças e os que
defendiam a posição, quanto mais descobertos estavam, com muito maior
número de feridas eram derribados. O César, à frente de suas coortes pretoria-
nas, foi o primeiro que, depois de forçado aquele posto, entrou denodadamente
nos bosques onde se travou a batalha. Então o inimigo e as tropas romanas que
tinham a sua retaguarda cortada, o primeiro pela grande lagoa e os segundos

19 Cerca de quinze quilómetros.


20 Tradução de Sensit dux imparem comminus pugnam remotisque paulum legionibus fundi-
tores libritoresque excutere tela et proturbare hostem iubet («O general percebe que a luta
corpo a corpo seria desigual e, afastando um pouco as legiões, ordena que os fundibulá-
rios e os libritores [responsáveis pelo manejo de balistas e catapultas] atirem os projécteis
e ponham o inimigo em fuga»).
102 ANAIS

pelo rio e montanhas, viram-se na necessidade de vencer, porque já não podiam


ter esperanças senão no valor, e a retirada só dependia da vitória.
21. Aos Germanos não faltou valentia, mas eram-nos inferiores na qualidade
do combate e das armas. Sendo uma multidão imensa e circunscrita em um
terreno apertado, não podiam estender nem recuar suas lanças enormes e até
toda a sua velocidade e ligeireza de corpo lhes eram inúteis, por serem obriga-
dos a combater a pé firme; pelo contrário, os romanos, com o peito guardado
por fortes escudos e com as mãos defendidas pelas guarnições das espadas,
cortando em cheio nos corpulentos membros dos bárbaros e em toda a sua face
descoberta, rompiam com um estrago horroroso por entre as fileiras inimigas.
Nem Armínio (quer fosse porque os contínuos desastres, quer sua ferida de
fresco o tivessem inabilitado) parecia já conservar sua actividade incansável; e
ao mesmo Inguiomero, que voava de um a outro lado de seus batalhões, bem se
via que mais faltava a fortuna do que bizarria e coração21. Neste estado da
peleja, Germânico, para ser mais bem conhecido, tirou o capacete e gritava aos
seus que ferissem e degolassem sem medo, que se não precisavam cativos e que
a guerra só podia acabar exterminando completamente toda aquela gente. Quase
no fim do dia é que mandou retirar do combate uma legião, para ir dispor os
quartéis; as outras se fartaram até ao anoitecer de sangue inimigo. A cavalaria
não teve tão brilhantes sucessos22.
22. O César, tanto que fez o elogio dos vencedores em uma assembleia mili-
tar, mandou formar um grande monte de armas e sobre elas gravou este título
magnífico: «O exército de Tibério César, depois de ter vencido todas as nações
que habitam entre o Reno e o Álbis, consagrou este monumento a Marte, a
Júpiter e a Augusto». De sua pessoa nada disse, ou porque temesse a inveja ou
porque visse que lhe sobejava a consciência de feito tão ilustre. Nomeou logo
Estertínio para ir atacar os Angrivários se prontamente não se entregassem, mas
eles, humildes e prontos para tudo, vieram pedir seu perdão, e lhes foi concedido.
23. Sendo já o fim do Estio23, algumas legiões voltaram por terra para os
seus quartéis de Inverno, porém muitas foram embarcadas, e o César as condu-
ziu pelo rio Amísia até o Oceano. Ao princípio todos os mil navios tiveram boa
navegação e bom vento24, mas entrando-se a amontoar e a escurecer as nuvens,
que se desataram em uma grossa chuva de pedra e, sendo o movimento das
ondas cada vez mais irregular e mais forte, por efeito das diferentes tempestades

21 Tradução de uirtus («valor», «coragem»).


22 Tradução de Equites ambigue certauere («Os cavaleiros combateram de modo incerto»,
ou seja, conseguiram uma vitória incerta).
23 Tradução de aestate iam adulta («estando agora avançado o Verão»).
24 Tradução de Ac primo placidum aequor mille nauium remis strepere aut uelis impelli («E
de princípio as águas estavam serenas e o milhar de navios ressoava com os remos ou era
impelido pelas velas»).
LIVRO II 103

que tiravam a vista e não deixavam manobrar, os soldados, cheios de pavor por
não estarem afeitos aos perigos e trabalhos marítimos e perturbando os mari-
nheiros ou ajudando-os fora de tempo, transtornavam toda a manobra e vigilân-
cia dos comandantes. Virando depois o vento inteiramente ao Sudoeste e tor-
nando-se não só mais rijo, em consequência do país montanhoso da Germânia,
dos rios profundos e da imensa grossura das nuvens, porém muito mais horroroso
pela vizinhança dos rigores do Norte, atirou com parte dos navios para o meio do
Oceano e com outra parte para certas ilhas, todas rodeadas de penedos ou de
baixos que não se conheciam. Evitando-se, contudo, com muito vagar e dificul-
dade todos estes perigos, quando crescia a maré, logo que esta mudava e seguia a
direcção do vento, já não era possível ter mão nas embarcações com as âncoras ou
esgotar a água que lhes entrava por cima. Foi, portanto, necessário lançar ao mar
cavalos, bestas de transportes, bagagens e armas para aliviar os navios, que já
pelo costado metiam muita água e se viam soçobrados pelas ondas.
24. Quanto o Oceano é mais proceloso do que os outros mares e quanto mais
rigoroso é o clima da Germânia, tanto mais horrorosa foi esta tempestade, pela
sua novidade e efeitos perto de costas habitadas por inimigos, ou no meio de um
mar tão vasto e profundo que parecia já tocar os últimos limites da terra. Uma
parte das embarcações foi a pique e muitas foram arrojadas para ilhas muito
distantes, aonde os soldados, sem encontrarem ninguém, ou morreram de fome
ou se alimentaram da carne dos cavalos que abordaram com eles nas mesmas
paragens. Tão-somente pôde ancorar nas terras dos Caucos a galera de três
ordens de remos25 em que ia Germânico, o qual, depois de ter andado em muito
perigo em todos aqueles dias e noites, por entre os rochedos e costas escabrosas,
acusando-se de ser o causador de tantas calamidades, a muito custo foi impedi-
do por seus amigos que se não precipitasse naquele mar, onde voluntariamente
queria morrer. Finalmente, afrouxando o furor das ondas e soprando bom vento,
voltaram os navios, uns quase sem remos, outros com roupas pendentes em vez
de velas e alguns trazidos a reboque pelos que estavam em melhor estado; mas,
assim que se puderam prontamente reparar, foram destinados para ir dar busca
por todas as ilhas. Por esta diligência se salvou ainda a maior parte da gente:
muitos foram restituídos pelos bons ofícios dos Angrivários, que, havendo
pouco tempo que estavam nossos amigos, os tinham resgatado das mãos dos
povos do interior; outros, que tinham ido dar consigo na Britânia, daí mesmo
vieram ter connosco, enviados pelos soberanos do país26. À proporção que cada
um vinha de mais longe, maiores maravilhas contava, como a violência das
tempestades, as aves desconhecidas, os monstros marinhos e as extraordinárias
figuras, meios homens e meios animais que diziam ter encontrado – coisas ou
que na realidade tinham visto ou que o medo lhes havia figurado.

25 Tradução de triremis («trirreme»).


26 Tradução de reguli («régulos»).
104 ANAIS

25. A fama de se ter perdido toda a esquadra deu motivo a que os Germanos
tornassem a tomar as armas, e que o César cuidasse logo em os reprimir.
Nomeou Gaio Sílio para entrar nas terras dos Catos com trinta mil homens de
infantaria e três mil cavalos, e ele, com forças superiores, foi atacar os Marsos,
de quem, havia pouco tempo, um dos seus chefes, chamado Malovendo, se
tinha vindo entregar – e agora indicou o lugar em que ainda existia, enterrada
em um bosque vizinho, uma das águias das legiões de Varo, e não era guardada
senão por um pequeno destacamento. Destinou-se um corpo para atrair o inimi-
go pela frente, enquanto outros iam pela sua retaguarda e desenterravam a
águia, no que todos foram muito bem-sucedidos. O César, animado com esta
vantagem, penetrou ainda mais avante no interior do país, que devastou e des-
truiu, sem que os inimigos ou se atrevessem a combater ou se pudessem susten-
tar em qualquer posição que tomavam. Nunca, segundo depois se soube pelos
cativos, tinham eles concebido um terror tão universal e tão grande, pois diziam
que os Romanos eram invencíveis e superiores a todos os desastres porque,
tendo perdido a sua esquadra e suas armas e, estando todas as praias cobertas de
cadáveres de seus homens e cavalos, ainda agora atacavam com o mesmo vigor
e atrevimento, e até pareciam ter aumentado em número.
26. Os soldados vieram acantonar-se nos seus quartéis de Inverno, muito
satisfeitos por haverem reparado, por uma expedição tão feliz, todos os desas-
tres do mar. O César lhes deu muitas gratificações, pagando a cada um o que
tinham perdido. Nem já havia dúvida de que os inimigos começavam a afrou-
xar, que deliberavam sobre pedir a paz e que, se no próximo Verão se tornasse a
abrir a campanha, se terminaria a guerra por uma vez; porém Tibério, por cartas
repetidas, convidava Germânico para vir receber o triunfo27. Dizia-lhe que já
muito se tinha exposto a mil perigos e azares, que bastantes e prósperas batalhas
já tinha dado e que devia lembrar-se de todas as calamidades por que havia
passado em seus trabalhos marítimos, ainda que nada por culpa sua tivesse
acontecido. Que ele, Tibério, nove vezes fora enviado à Germânia pelo divino
Augusto28 e mais coisas aí tinha concluído pela prudência do que pela força das
armas. Por este meio se tinham vindo entregar os Sigambros e os Suevos, e o rei
Marobóduo havia entrado na paz; da mesma sorte os Queruscos e todos os mais
povos rebeldes se deviam deixar enfraquecer pelas suas discórdias domésticas,
agora que Roma já deles tinha tomado uma larga vingança. Mas, pedindo-lhe
Germânico ainda um ano para completar o que havia começado, atacou mais
fortemente sua vaidade oferecendo-lhe outro consulado29, cujo emprego devia ir
pessoalmente exercer. Acrescentava por fim que, se fosse ainda preciso renovar

27 Decretado em 15.
28 Em 9-8 a. C., 4-7 e 9-11.
29 Para o ano de 18.
LIVRO II 105

as hostilidades, convinha que deixasse algumas ocasiões de glória para seu


irmão Druso, porque, não havendo outros inimigos senão os da Germânia, só aí
podia ganhar o título de imperator e os louros do triunfo. Germânico não resis-
tiu então mais e partiu, ainda que bem entendia que tudo isto era dolo ou pre-
texto para lhe roubar a honra de uma empresa que já tinha concluído e que, por
isso, lhe causava tão fortes ciúmes.
27. Por este mesmo tempo Libão Druso, da família dos Escribónios, foi
denunciado de ter projectos ambiciosos30. Eu exporei miudamente o princípio,
ordem e fim deste negócio porque então, pela primeira vez, se inventaram coisas
que por muitos anos consumiram interiormente a república. Fírmio Cato, senador
da íntima amizade de Libão, induziu este mancebo, pouco acautelado e fácil em
crer parvoíces, a consultar as revelações dos Caldeus31, os mistérios dos magos e
os intérpretes e expositores de sonhos. E, ao mesmo passo que lhe inspirava
semelhantes loucuras, não cessava de lhe inflamar a imaginação com as ideias de
seu bisavô Pompeio, de sua tia Escribónia, que em outro tempo fora casada com
Augusto, dos primos Césares e de todos os seus antepassados ilustres, cujos retra-
tos conservava em sua casa. E, para mais o envolver em indícios funestos, fazia-
-se sócio constante de todas as suas dissoluções e amizades e o convidava para a
dissipação e para o luxo, fazendo-lhe contrair grandes dívidas.
28. Tanto que achou suficientes testemunhas e viu que os escravos tinham
conhecimento de todas estas coisas, pediu uma audiência do príncipe, a quem já
antes havia denunciado o crime e o réu por via de Flaco Vesculário, cavaleiro
romano, homem da confidência particular de Tibério. O César, ainda que não
desprezasse a denúncia, não lhe permitiu, contudo, a audiência e respondeu-lhe
que por Flaco podia transmitir tudo o que soubesse. Nesta mesma ocasião, conde-
corava Libão com a dignidade de pretor e o admitia em sua sociedade, sem dar
indícios no rosto ou nas palavras de que lhe queria tanto mal. Tão dissimulado ele
era que, com seus próprios olhos, queria examinar-lhe todas as acções e palavras,
quando em sua mão estava o poder impedi-las. Toda esta farsa durou32 até que um
certo Júnio, convidado por ele para consultar as sombras infernais por meio de
certas invocações e encantos, o foi denunciar a Fulcínio Trião. Tinha este um
talento notável para ser delator e era ambicioso dessa infame celebridade; assim,
iludindo a simplicidade do réu, vai-se ter com os cônsules, pede que o senado
delibere sobre este objecto e se convocam os padres, anunciando-lhes que é para
tratar de um caso eminentemente grande e atroz.
29. Entretanto, Libão, vestido de luto e acompanhado de muitas mulheres
ilustres, corria todas as casas e implorava a protecção dos parentes e amigos,

30 Tradução de moliri res nouas («urdir uma revolução»).


31 Astrologia.
32 Este trecho é acrescentado ao original.
106 ANAIS

para que o defendessem em tamanha desgraça; mas recusavam-se todos, dando


diversas desculpas, tudo por efeito dos mesmos terrores. No dia da sessão do
senado, ou seja porque na realidade estivesse doente e abatido pelo medo ou
fosse enfim fingimento, como alguns autores têm contado, Libão entrou em
uma cadeirinha e assim se faz conduzir até a porta da cúria. Encostado depois a
seu irmão33 e abrindo os braços e fazendo mil súplicas a Tibério, foi recebido
por ele com toda a indiferença. Então o César leu as denúncias e declarou quais
eram os acusadores, tão senhor de seus ressentimentos que parecia nem querer
diminuir nem agravar os crimes.
30. Apareceram como acusadores, além de Trião e Cato, Fonteio Agripa e
Gaio Víbio, os quais todos disputaram entre si quem seria o primeiro a falar
contra o réu. Finalmente Víbio, para cortar dificuldades e por ver que Libão não
tinha consigo defensor, disse que se limitaria a expor cada um dos crimes de per
si, e declarou então as acusações, todas elas tão eminentemente ridículas como
esta: que Libão tinha consultado os adivinhos, para saber se lhe seria possível
ter riquezas com que pudesse cobrir a Via Ápia desde Roma até Brundísio.
Todas as outras eram igualmente estultas e fracas ou, para melhor dizer, miserá-
veis. Havia, contudo, uma com que o acusador muito mais apertava, dizendo
que Libão, por sua própria mão, tinha marcado os nomes dos Césares e de
alguns senadores com certas notas misteriosas e atrozes. Negando o réu, houve
pareceres que se pusessem os escravos a tormento para reconhecerem a letra.
Mas, como por um antigo senátus-consulto fosse proibido tomar depoimentos
de escravos contra seus senhores, Tibério, muito sagaz e inventor de uma nova
legislação, ordenou que, para se não quebrantar a lei, fossem os escravos vendi-
dos a um arrematante do fisco e depois se interrogassem contra Libão. O réu,
vendo isto, pediu o dia seguinte para defender-se e, voltando para casa, tentou
ainda a clemência do príncipe, rogando a seu parente Públio Quirínio que fosse
por ele deitar-se a seus pés.
31. Mas não teve outra resposta senão que recorresse ao senado. Neste meio
tempo, já toda a sua casa estava cercada de tropas, e os soldados faziam grande
bulha na entrada para serem ouvidos e vistos. Libão, atormentado com a mesma
sumptuosidade de um banquete que dava como um de seus últimos prazeres,
entra a pedir que o matem, pega nas mãos dos escravos e lhes oferece a espada.
Porém eles, no último ponto assustados e querendo fugir, deitam por terra as
luzes que estavam sobre a mesa e, vendo-se assim Libão, já entre as trevas
precursoras da morte, rasga as entranhas com duas feridas mortais. Aos gemidos
que deu ao cair acudiram os libertos, e os soldados, vendo-o já morto, puseram-
-se ao largo. Contudo perante o senado, sempre se concluiu a acusação com o
mesmo rigor, jurando Tibério que suas intenções eram de salvar-lhe a vida,

33 Lúcio Escribónio Libão.


LIVRO II 107

ainda quando criminoso, se ele o não houvera prevenido, dando-se tão pronta-
mente uma morte voluntária.
32. Seus bens foram repartidos pelos acusadores, e extraordinariamente se
deu a dignidade de pretor a todos que eram da ordem senatória. Então Cota
Messalino votou que a estátua de Libão nunca aparecesse nos funerais de seus
descendentes; Gneu Lêntulo, que nenhum Escribónio tomasse o sobrenome de
Druso; e, pelo parecer de Pompónio Flaco, se determinaram muitos dias de
acções de graças. Lúcio Planco, Galo Asínio, Pápio Mútilo e Lúcio Aprónio
fizeram decretar que se oferecessem donativos a Júpiter, Marte e a Concórdia: e
que os Idos de Setembro34, em que Libão se tinha morto, fossem um dia festivo.
Todos estes pareceres e adulações quis miudamente referir, para que se conheça
que este mal é já muito velho entre nós. O senado lavrou alguns decretos, para
fazer sair de Itália os matemáticos35 e os mágicos e, entre estes, Lúcio Pituânio
foi despenhado da rocha Tarpeia. A Públio Márcio mandaram os cônsules
executar fora da porta esquilina ao som de trombetas, segundo os costumes
antigos.
33. No primeiro dia em que se tornou a juntar o senado, falaram muito con-
tra o luxo da capital Quinto Hatério, pessoa consular, e Octávio Frontão, que
havia sido pretor; e na mesma sessão se decretou que as mesas não fossem
servidas com vasos de ouro nem os homens manchassem sua gravidade com
vestidos de seda. Frontão acrescentou mais e pediu que se fizesse uma lei
sumptuária para regular o uso da prata, os móveis de casa e o número dos cria-
dos. Conservava-se ainda o costume ordinário de os senadores poderem propor,
além do objecto principal sobre que se deliberava, outra qualquer coisa que
tivessem por útil para bem da república. Mas Galo Asínio opôs-se, dizendo que
assim como havia crescido o império também crescido tinham as fortunas dos
particulares, e que isto não era uma coisa nova, porém acontecida desde tempos
antiquíssimos. Que não foram as mesmas as riquezas dos Fabrícios e as dos
Cipiões, mas que todas elas tiveram relação com a grandeza da república por-
que, enquanto pobre, também os cidadãos eram pobres e, depois que chegado
havia à sua maior magnificência, também todos se tinham enriquecido: assim, a
prata, os criados e todas as comodidades da vida não se podiam avaliar de
pequenas ou grandes, senão segundo as posses de cada indivíduo. Que eram
muito distintas as rendas dos senadores e as dos cavaleiros não porque eles
fossem de diferente natureza, mas porque sendo diferentes as suas dignidades,
condição e empregos, preciso era que se apresentassem no público segundo sua
maior ou menor graduação e, por este motivo, proporcionadamente gozassem de
tudo quanto serve para a tranquilidade de espírito e delícias da vida. E se assim

34 Dia 13 de Setembro.
35 Astrólogos.
108 ANAIS

não acontecesse, sucederia então que as pessoas mais ilustres, as quais por
efeito de suas ocupações estavam sujeitas a maiores perigos e trabalhos, fica-
riam privadas desta recompensa de seus importantes serviços. Esta confissão
solene dos vícios, enfeitada com nomes honestos e muito conforme com os
sentimentos de todos os ouvintes, fez com que facilmente se adoptasse o voto
de Galo. Acrescentou Tibério que não estavam os tempos para cuidar em refor-
mas e que, se os costumes fossem a pior, ele se não descuidaria de os corrigir.
34. No meio destas coisas, Lúcio Pisão, atacando a ambição do foro, a cor-
rupção dos tribunais e a audácia dos delatores, que a todos os instantes ameaça-
vam com suas acusações, protestou que estava determinado a retirar-se de Roma
para ir viver na obscuridade e ao longe, e, dizendo isto, já ia a levantar-se para
sair do senado. Mostrou-se inquieto Tibério e, procurando tranquilizar Pisão
com boas e meigas palavras, recomendou também a seus parentes que, ou por
sua autoridade ou por súplicas, impedissem que ele se ausentasse. Não menor
exemplo de uma livre indignação deu ainda depois o mesmo Pisão, obrigando a
comparecer em juízo Urgulânia, que, por sua amizade com Augusta, se tinha
por superior a todas as leis. Verdade é que Urgulânia não quis obedecer, refu-
giando-se em casa do César em desprezo da citação de Pisão, mas nem por isso
este desistiu, apesar dos clamores de Augusta, que se queixava da falta de
respeito com que se tratava sua pessoa. Tibério, persuadido de que nada mais
podia fazer por sua mãe, prometeu-lhe que iria defender Urgulânia perante o
tribunal do pretor e, com efeito, saiu do palácio com uma guarda de soldados
que tinham ordem de o irem seguindo de longe. Caminhando por entre um
grande concurso de povo com rosto sereno e andando muito devagar, de propó-
sito prolongou o tempo com vários discursos, até que Augusta mandasse entre-
gar o dinheiro sobre que se litigava aos parentes de Pisão, a quem por nenhum
outro feitio puderam mitigar. E tal foi o fim deste negócio em que Pisão não
ficou sem glória, e o César ganhou maior fama. Contudo, o poder de Urgulânia
era tão excessivo em Roma que não quis ir ser testemunha em uma causa que se
tratava no senado e foi preciso mandar um pretor a casa dela, para aí lhe tirar o
depoimento, quando, pelos costumes antigos, até as mesmas Vestais, se era
preciso ouvir o seu testemunho, compareciam nos tribunais e no Fórum.
35. Nem eu referiria os negócios que neste ano ficaram atempados 36, se não
fosse para dar a conhecer as diferentes opiniões de Gneu Pisão e de Asínio Galo
sobre este objecto. Pisão, bem que Tibério dissesse que estaria por algum tempo
ausente, foi de parecer que, por isso mesmo, se devia cuidar com a maior dili-
gência em os negócios porque, não estando o príncipe presente, muito mais
livremente poderiam o senado e cavaleiros cumprir com suas obrigações – o que

36 Tradução de prolatas («adiados», em virtude da suspensão dos trabalhos do senado decre-


tada por Augusto).
LIVRO II 109

tanto mais glorioso seria para a república. Porém, Galo, porque viu com ciúmes
a liberdade de Pisão, opinou pelo contrário: que nada seria mais brilhante nem
mais conforme com a dignidade do povo romano do que tratar todas as coisas à
vista e na presença do César, e que o concurso da Itália e de todas as províncias
sempre se devia guardar para quando ele estivesse presente. Tudo isto se discu-
tiu com muitas e fortes razões por uma e outra parte na presença de Tibério, que
não disse uma única palavra, mas os negócios sempre ficaram diferidos.
36. Galo excitou depois uma questão contra os direitos do César. Propôs que,
de cinco em cinco anos, se fizessem os comícios para a eleição dos magistrados;
que os legados das legiões que se escolhessem para este emprego antes da
pretura fossem logo designados pretores; e que o príncipe nomeasse doze can-
didatos para cada um dos cinco anos. Era fora de dúvida que esta opinião ocul-
tava vistas profundas e ia bulir com um dos mistérios mais importantes do
império. Contudo Tibério, como se com isto se pretendesse acrescentar sua
autoridade, respondeu assim: que não era conforme com o seu carácter, pouco
ambicioso, fazer eleição por uma vez de tantos indivíduos e deixá-los esperar
depois tanto tempo. Se, quando as eleições eram anuais, já com dificuldade se
evitavam os descontentamentos, apesar de ficarem com esperanças não muito
remotas todos os que eram preteridos, que ódios não conceberiam então aqueles
que, não sendo escolhidos, não podiam satisfazer seus desejos senão passado o
quinquénio? E como se poderiam prever as mudanças a que, em tão longo
espaço de tempo, estavam expostos seus costumes, suas famílias e até suas
mesmas riquezas? Já só com as nomeações anuais mostravam os homens uma
desmedida soberba, que seria agora se por cinco anos fizessem ostentação de
suas dignidades? Por este modo se iam quintuplicar os magistrados e se que-
brantavam todas as leis que haviam marcado o tempo não só para dar a conhe-
cer os talentos dos candidatos, mas em que haviam de pedir e conservar seus
empregos. Com estas razões, aparentemente desinteressadas, conservou ele
intacto todo o seu poder.
37. E auxiliou com dinheiro alguns senadores pouco abastados. O que,
porém, causou grande admiração foi o ver como recebeu mal a petição de
Marco Hórtalo, mancebo nobre37 e que vivia em pobreza conhecida. Era ele
neto do orador Hortênsio, a quem o divino Augusto tinha induzido para casar e
ter descendência, dando-lhe generosamente um milhão de sestércios para que se
não extinguisse uma família tão ilustre. Achavam-se presentes seus quatro
filhos na entrada da cúria, no tempo em que o senado tinha a sua sessão no
palácio38 e, chegando a sua ocasião de falar, ora olhando para a estátua de
Hortênsio, que estava entre as dos grandes oradores, ora para a de Augusto, em

37 Teria 50 anos.
38 Reunidos na biblioteca, e não na cúria.
110 ANAIS

vez de dar o seu voto, falou desta sorte: «Padres conscritos, não foi só por minha
vontade que gerei estes filhos, cujo número e puerícia estais vendo; obedeci aos
desejos do príncipe e também me lembrei que meus antepassados mereciam ter
alguma posteridade. Quanto a mim, perseguido da fortuna e, apesar de me não ter
sido possível conseguir riquezas, nem os favores do povo, nem a fama de elo-
quência, herança própria de toda a minha casa, viveria ainda satisfeito se a minha
pobreza me não trouxesse envergonhado e não servisse de peso aos outros. Em
cumprimento das ordens do imperador, eu me casei: e eis aqui os descendentes de
tantos cônsules e de tantos ditadores. Nem isto digo por vaidade ou soberba, mas
só para excitar a vossa comiseração. Bem certo estou que ainda um dia, ó César,
receberão de ti honras e mercês, porém, no entanto, resgata da miséria os bisnetos
de Quinto Hortênsio e os alunos do divino Augusto.»
38. As boas disposições que o senado mostrou foram razão bastante para que
Tibério se opusesse, respondendo desta maneira: «Se todos os pobres que
existem vierem aqui e principiarem a pedir-nos dinheiro, para si e para seus
filhos, nunca ficarão satisfeitos e veremos esgotada a república. Se nossos
antepassados algumas vezes permitiram que se pudesse deixar o objecto princi-
pal das deliberações para se proporem coisas de pública utilidade, nunca foi
certamente para se tratarem negócios de família ou interesses domésticos: o que
se não pode fazer sem comprometimento do senado e dos príncipes, quer se lhes
conceda quer se lhes negue aquilo que pretendem. Este mesmo modo de pedir
não é uma verdadeira súplica, antes se deve sempre olhar como petição indis-
creta e fora de propósito procurar (quando os padres são convocados para outros
objectos) constranger pelo número e pouca idade dos filhos a modéstia do
senado, fazer-me uma igual violência e quase pretender arrombar o erário, o
qual, se o exaurirmos para satisfazer ambições, nos será preciso enchê-lo depois
por meio de injustiças. Sim, Hórtalo, o divino Augusto te deu dinheiro uma vez,
mas sem que para isso fosse compelido ou te fizesse obrigação de constante-
mente o receberes. Além disto, faremos com que se acabe a indústria e protege-
remos a preguiça se cada um se julgar seguro de sua subsistência e se, confiado
na generosidade dos outros, for indolente para si e pesado para nós.» Estas e
outras semelhantes expressões, ainda que aplaudidas por aqueles que têm de
costume aprovar tudo o que dizem os príncipes, ou seja bom ou seja mau,
foram, contudo, ouvidas por muitos ou em profundo silêncio, ou com certo
rumor que não mostrava aprovação. Percebeu isto Tibério e, tendo ficado por
um pouco calado, acrescentou que até aqui havia respondido a Hórtalo, mas
que, se fosse do agrado dos padres, daria a cada um dos filhos do sexo masculi-
no duzentos mil sestércios. Os padres lhe deram então os agradecimentos, mas
calou-se Hórtalo, ou fosse por medo ou porque, no meio de seus infortúnios,
conservasse ainda a nobreza de carácter de seus antepassados. E pelo tempo
adiante nunca achou em Tibério a mais pequena protecção, ainda que a família
de Hortênsio viesse a cair finalmente na mais deplorável miséria.
LIVRO II 111

39. Neste mesmo ano, o atrevimento de um escravo teria posto em perturba-


ção a república com discórdias e guerras civis, se com tempo se não houvessem
tomado as cautelas necessárias. Este escravo de Póstumo Agripa, chamado
Clemente, tanto que soube da morte de Augusto, tentou com um valor verdadei-
ramente nobre passar à ilha Planásia, libertar Agripa por manha ou por força e ir
apresentá-lo aos exércitos germânicos. Este seu projecto foi, porém, embaraça-
do pela demora do navio em que fez a viagem, porque no entanto sucedeu o
assassínio de Agripa. Concebendo, contudo, ideias ainda mais altas e mais
arriscadas, pega nas suas cinzas e, partindo com elas para Cosa, promontório da
Etrúria, esteve aí escondido por muito tempo, até lhe crescerem o cabelo e a
barba porque, pela idade e figura, tinha bastante semelhança com seu defunto
senhor. Então, industriando pessoas capazes de terem parte neste segredo,
entram todos a espalhar que ainda era vivo Agripa: e isto no princípio com
muita cautela, segundo costuma acontecer com as coisas proibidas, porém
depois vagamente e já com menos disfarce, entre a gente ignorante que tudo
acredita e entre os descontentes, que sempre estão prontos a abraçar coisas
novas. Ele mesmo entrou a aparecer algumas vezes nos municípios, não se
deixando ver, todavia, senão de noite e não se demorando por muito tempo nos
mesmos lugares. Mas, como a verdade se esclarece com a continuação e presen-
ça, e a mentira se mantém pela incerteza e mistério, ora se escondia quando a
fama o dava a conhecer, ora se manifestava quando era menos esperado.
40. Entretanto já corria fama por toda a Itália de que, por milagre dos deuses,
havia escapado Agripa, já disto se não duvidava em Roma: grande número de
povo o tinha recebido com muitos aplausos em Óstia39 e até já dentro da cidade
muitos ocultamente o iam procurar e festejavam. Tibério começou então a
inquietar-se, irresoluto se pela força militar coibiria este seu escravo atrevido ou
se deixaria ao tempo o desvanecimento desta credulidade ridícula. Umas vezes
lhe parecia que não convinha desprezar coisa alguma, outras vezes que nem
tudo se devia temer, e nesta dúvida lutava entre a vergonha e o medo. Enco-
mendou finalmente este negócio a Salústio Crispo, o qual, escolhendo dois
clientes (e outros dizem dois soldados), recomenda-lhes que, fingindo-se do seu
partido, vão ter com ele, lhe ofereçam dinheiro e lhe prometam fidelidade e
constância em todos os perigos. Executaram, com efeito, o que se lhes havia
encomendado e, procurando uma noite que não fosse suspeita, levam consigo
gente bastante, prendem-no e com uma mordaça na boca o conduzem ao palá-
cio. Perguntando-lhe Tibério como chegara a fazer-se Agripa, consta responde-
ra: «Como tu te fizeste imperador40.» Que declarasse seus sócios nunca foi
possível conseguir, e Tibério não se atreveu a fazê-lo publicamente castigar.

39 Tradução de iamque Ostiam inuectum multitudo ingens («e agora recebido em Óstia por
uma multidão enorme»).
40 Tradução de Caesar («César»).
112 ANAIS

Ordenou que o matassem no interior do palácio e que, com todo o segredo,


fosse conduzido para fora o cadáver. Porém o que deve causar admiração é que,
dizendo-se que muitas pessoas da casa do príncipe e muitos cavaleiros e senado-
res seguiam seu partido e lhe davam dinheiro e conselhos, não mandasse inda-
gar coisa alguma sobre este objecto.
41. No fim deste ano se fez a dedicação de um arco perto do templo de Sa-
turno, em memória das águias que, perdidas com Varo, agora tinham sido
recuperadas por Germânico, sob os auspícios de Tibério; de um templo à deusa
Fors-Fortuna, junto do Tibre, em uns jardins que o ditador César tinha deixado
em testamento ao povo romano; de uma capela41 à família Júlia; e de umas
estátuas ao divino Augusto, em Bovilas.
No consulado de Gaio Célio e Lúcio Pompónio42, aos sete das Calendas de
Junho43, Germânico César triunfou dos Queruscos, dos Catos, dos Angrivários e
de todas as outras nações que habitam até o Álbis. Apareceram em seu triunfo
todos os despojos, os cativos e as figuras dos montes, rios e batalhas, e conside-
rou-se como terminada a guerra porque não foi por culpa sua que se ela deixou
de acabar. Aumentavam o interesse deste espectáculo a presença elegante do
César e a carroça triunfal em que iam seus cinco filhos44. Porém toda esta ale-
gria não era completa e excitava ocultos terrores no coração daqueles que se
lembravam quão funestos haviam sido os afectos do povo a seu pai Druso e
como seu tio Marcelo lhes havia sido roubado na flor viçosa dos anos – ambos
eles breves e infaustos amores do povo romano.
42. Tibério mandou distribuir pelo povo, em nome de Germânico, trezentos
sestércios a cada pessoa e quis ser seu colega no consulado. Mas todas estas
demonstrações não eram de verdadeira amizade45 e só tinham por fim enganar o
mancebo, porque bem depressa inventou pretextos ou se aproveitou das cir-
cunstâncias para o expor aos azares. Havia quinze anos que Arquelau governava
a Capadócia, aborrecido de Tibério em razão de não haver feito caso dele
quando estivera retirado em Rodes. Contudo, Arquelau não tinha assim obrado
de propósito, mas por insinuações dos validos de Augusto porque, achando-se
então Gaio César em toda a prosperidade da fortuna e havendo sido nomeado
para sossegar o Oriente, era coisa perigosa mostrar afeição por Tibério. Tanto
que este tomou posse do império, por morte dos Césares 46, cuidou logo em

41 Tradução de sacrarium («sacrário»).


42 Ano de 17 d. C.
43 Dia 26 de Maio.
44 Nero, Druso, Tibério, Calígula e Agripina.
45 Tradução de sincerae caritatis («de amor sincero»).
46 Gaio e Lúcio César.
LIVRO II 113

iludir Arquelau, fazendo com que sua mãe lhe escrevesse, a qual, ainda que lhe
não ocultasse os dissabores do filho, lhe prometia, contudo, esquecimento do
passado se ele viesse em pessoa implorar sua clemência. Ele, ou porque não
percebesse o dolo ou porque, dando a entender que o percebia, receasse alguma
violência, veio prontamente a Roma. Mal recebido, porém, pelo príncipe inexo-
rável, foi logo por ele acusado no senado, de sorte que, antes consumido de
tristeza e velhice do que assustado pelos crimes falsos que lhe imputavam, e por
ser próprio dos reis aborrecer-se de tudo o que é igualdade e muito mais ainda
de qualquer estado inferior ou subalterno, acabou a vida, sem que ao certo se
saiba se por efeito de uma morte natural ou voluntária. O seu reino ficou redu-
zido a uma província romana e, dizendo Tibério que com suas rendas se podia
diminuir o tributo da centésima, se determinou que para o futuro se pagasse só a
ducentésima. Neste mesmo tempo, havendo morrido Antíoco, rei dos Comage-
nos, e Filopator, rei da Cilícia, estavam inquietas estas duas nações, querendo
uma parte de seus habitantes ficar no domínio de Roma, e tentando outra eleger
novos reis. As províncias da Síria e da Judeia, exaustas pelos grandes tributos,
pediam também agora a diminuição deles.

43. Estas e outras coisas, que já relatei a respeito da Arménia, referiu Tibério
no senado, acrescentando que o Oriente se não podia sossegar senão com a
presença e virtudes de Germânico, pois que ele, imperador, já estava adiantado
em anos, e Druso ainda era muito moço. Então, por decreto dos padres, foi dado
a Germânico o comando de todas as províncias além do mar, com a declaração
que, em qualquer parte que estivesse, sua autoridade fosse superior à de todos
os governadores, quer nomeados pelo senado quer pelo príncipe. Porém Tibério
havia já tido o cuidado de mandar sair da Síria a Crético Silano (parente por
afinidade de Germânico, porque a filha mais velha daquele estava contratada
para casar com Nero, o filho mais velho deste último), e em seu lugar havia
posto Gneu Pisão, homem violento e brutal, que tinha por herança toda a feroci-
dade de seu pai, Pisão. Tomara este e defendera nas guerras civis o partido dos
insurgentes de África contra César e, seguindo depois as partes de Bruto e
Cássio, ainda já quando perdoado, nunca pedira emprego algum e só entrara no
consulado por lhe ser oferecido por Augusto. Esta sua paterna altivez era ainda
ajudada pela grande nobreza e riquezas de sua mulher, Plancina; de maneira
que, cedendo ele com dificuldade a Tibério, se tinha por superior a seus filhos e
havia como certo que de propósito fora escolhido para o governo da Síria só
para o fim de se opor a Germânico. Há mesmo quem diga que Tibério lhe dera
instruções particulares sobre este objecto, e é coisa certa que Plancina recebera
outras semelhantes da parte de Augusta: para tratar mal Agripina, com toda a
rivalidade e desgostos que são próprios de mulheres ciosas. A corte achava-se
então dividida em diferentes partidos, que tacitamente guardavam suas inclina-
ções: uns para Druso e outros para Germânico. Tibério mostrava por Druso
muito maior afeição, como seu próprio e verdadeiro filho, e Germânico era cada
114 ANAIS

vez mais adorado de todos não só porque se viam os ódios do tio contra ele, mas
porque pelo lado materno era muito superior em nascimento, em razão de ser
neto de Marco António e sobrinho de Augusto. Pelo contrário, o bisavô de
Druso era um cavaleiro romano, Pompónio Ático, muito inferior à família dos
Cláudios, e Agripina, mulher de Germânico, excedia em fecundidade e modés-
tia a Lívia, mulher de Druso. Apesar disto, ambos os irmãos viviam na maior
harmonia, sem tomar parte nas contendas que a seu respeito tinham os parentes
e amigos.
44. Passado pouco tempo, Druso teve ordem de partir para a Ilíria, a fim de
se acostumar ao exercício da guerra e poder ganhar a afeição dos soldados.
Além disto, cuidava Tibério que o melhor modo de desviar o mancebo dos
vícios e luxo da cidade era obrigá-lo a viver nos acampamentos militares, e ao
mesmo tempo se tinha por mais seguro, achando-se agora os exércitos coman-
dados por ambos os filhos. Porém, os pretextos que tomava para estas suas
resoluções eram que os Suevos lhe pediam auxílio contra os Queruscos porque,
depois da retirada dos Romanos, já perdido todo o medo externo (segundo o
costume dos bárbaros) e anelando sempre pela glória militar, haviam pegado em
armas uns contra os outros. A força de ambas as nações e o valor dos chefes
eram iguais, mas o nome de rei fazia com que Marobóduo fosse mal visto do
povo, e Armínio tinha toda a primazia, por haver sido em todo o tempo o defen-
sor da liberdade.
45. Assim, não somente os Queruscos e seus aliados, antiga tropa de Armí-
nio, pegaram em armas, porém, do mesmo reino de Marobóduo, os Sémnones e
os Longobardos, ambos povos suevos, desertaram para ele. Com todas estas
forças se achava Armínio extremamente poderoso, quando Inguiomero, acom-
panhado de um grande número de vassalos, tomou o partido de Marobóduo,
sem outro motivo mais do que não querer sujeitar-se, sendo homem de idade e
tio de Armínio, a ir combater debaixo das ordens de seu sobrinho mancebo. Os
dois exércitos se avançaram em ordem de batalha, animados das mesmas espe-
ranças, e não agora, como em outro tempo faziam os Germanos, combatendo
sem ordem e em corpos dispersos, porém já como homens a quem a longa
experiência das guerras que haviam tido contra nós muito bem tinha ensinado a
seguir as bandeiras, a tomar posições e a obedecer a seus chefes. Armínio,
correndo a cavalo por entre as fileiras, falava com todos e agora lhes trazia à
memória a liberdade que haviam recobrado, as legiões que tinham destruído, os
despojos e armas romanas que ainda muitos conservavam consigo; outrora lhes
pintava Marobóduo como homem que só sabia fugir, que ignorava a arte da
guerra, que só achara salvação nos esconderijos do bosque Hercínio e, em uma
palavra, como homem que havia comprado a paz por meio de deputações e
presentes. Desta arte, traidor à sua pátria e um dos satélites do César, não devia
merecer menos ódio e vingança do que Varo Quintílio, que às mãos deles mor-
rera. Se recordassem, pois, de todos os seus antigos combates, cujo êxito, ha-
LIVRO II 115

vendo sido o expulsar os Romanos, tinha dado a conhecer para que lado pendera
a vitória.
46. Da sua parte, Marobóduo não deixava também de contar maravilhas de
sua pessoa e de tratar com desprezo os inimigos. E, tomando pela mão Inguio-
mero, dizia que este era a honra dos Queruscos, e que a seus talentos só se devia
quanto felizmente se havia executado. Que Armínio, temerário e assaz ignoran-
te, atribuía a si uma glória que não lhe pertencia, porque só pela perfídia havia
surpreendido três fracas legiões e seu inexperto general e, ao mesmo passo, era
a causa de todas as desgraças da Germânia, sendo tal a sua infâmia que ainda
sua mulher e seu filho gemiam sob uma vergonhosa escravidão. Ao contrário,
ele, Marobóduo, sendo ameaçado por doze legiões comandadas por Tibério47,
conservara intacta a glória dos Germanos e só largara as armas por meio de
honrosas condições, do que não estava arrependido, por se achar agora em
companhia daqueles que ou podiam escolher uma guerra forte e vigorosa contra
os Romanos, ou uma paz sem calamidade e sem sangue. Motivos particulares
estimulavam ainda ambos os exércitos, já de sobejo animados com estes discur-
sos. Os Queruscos e Longobardos pelejavam por sua antiga reputação e pela
recente liberdade, o rei Marobóduo48 para acrescentar seus domínios. Nunca até
ali se havia combatido com maiores forças e com tão duvidoso sucesso, porque
as alas direitas de ambos os exércitos ficaram completamente derrotadas, e
ainda se esperava por uma nova batalha quando Marobóduo mandou retirar as
suas tropas para as alturas dos montes. Foi só este o sinal que deu de vencido e,
começando-lhe então a desertar pouco a pouco a sua gente, viu-se obrigado a se
ir refugiar entre os Marcomanos, donde enviou embaixadores a Tibério pedin-
do-lhe socorro. Teve em resposta que sem razão pedia agora auxílio aos Roma-
nos49, pois que, em tempo em que eles se achavam em guerra contra o mesmo
inimigo, nunca os quisera ajudar. Apesar disso, teve Druso ordem de partir,
como já referimos, para consolidar os ajustes de paz.
47. Neste mesmo ano, doze cidades célebres da Ásia ficaram de todo arrasa-
das por um terremoto nocturno, tanto mais funesto quanto menos se esperava.
Nem mesmo de bom proveito serviu o refúgio dos campos, a que em tais casos
se costuma recorrer, porque, abrindo-se a terra, engolia seus miseráveis habi-
tantes. Conta-se que montes imensos se tornaram em vastas planícies, que as
planícies se converteram em montanhas e que do meio das ruínas saíam lavare-
das de fogo. Os que mais padeceram com esta horrível catástrofe foram os
Sardianos e, por isso mesmo, foram os que excitaram maior compaixão. O

47 Em 5.
48 Tradução de contra («os adversários»).
49 Tradução de aduersus Cheruscos arma Romana inuocare («pedir ajuda aos exércitos
romanos contra os Queruscos»).
116 ANAIS

César lhes prometeu dez milhões de sestércios e, por cinco anos, lhes perdoou
quanto costumavam pagar à sua pessoa e à república50. Os Magnetes de Sípilo,
por haverem sofrido quase o mesmo, foram contemplados com auxílios quase
semelhantes. E ordenou, ainda, que, por espaço dos mesmos cinco anos, ficas-
sem isentas de tributos Temno, Filadelfia, Egas, Apolónis, Mostene, a Hircânia
denominada Macedónica, Hierocesareia, Mirina, Cime e Tmolo, e que se en-
viasse aí um senador para examinar pessoalmente o que tinha acontecido e pôr-
-lhe os remédios que julgasse necessários. Foi escolhido Marco Ateio, da ordem
dos pretores, porque, governando então a Ásia um consular, temia-se que se
originassem algumas dissensões, quando ambos tivessem a mesma dignidade, e
por esta causa sofressem embaraços as providências que se queriam tomar.
48. O César realçou ainda estas magníficas liberalidades públicas com outra
não menos grata e generosa, que foi mandar que a grande herança de Emília
Musa, morta sem testamento, e que o fisco já requeria como sua, fosse entregue
a Emílio Lépido, por se presumir que esta liberta lhe tinha pertencido. E o
mesmo praticou com Marco Servílio, metendo-o de posse de todos os bens de
Pantuleio, cavaleiro romano muito rico, ainda que ele, imperador, também fosse
designado herdeiro de uma parte da herança, mas só porque soubera que, em um
testamento anterior e não suspeito, estava Servílio como herdeiro universal. A
razão que para isto deu foi que se devia auxiliar a nobreza tanto de um como de
outro. Assim, pede a justiça que se diga51, nunca quisera ficar herdeiro de pes-
soa alguma, excepto quando, em sinal de amizade que ele tinha por verdadeira,
alguém lhe deixava alguma coisa e, segundo estes princípios, sempre tratou mal
todas as pessoas que, não sendo de sua intimidade, só para deserdar os seus o
nomeavam herdeiro. E não somente socorreu a honrosa pobreza de muitos
homens virtuosos, mas expulsou do senado, ou fez com que pedissem a sua
demissão, a Vibídio Virrão, Mário Nepos, Ápio Apiano, Cornélio Sula e Quinto
Vitélio, por todos serem indivíduos que, por suas prodigalidades e vícios, ti-
nham caído na miséria.
49. Por este mesmo tempo, fez a dedicação de alguns templos dos deuses
que pelos anos ou pelo fogo estavam arruinados, e que já o divino Augusto
começara a reedificar. Dedicou a Baco, a Prosérpina e a Ceres, perto do grande
Circo, um que o ditador Aulo Postúmio havia votado fazer a estas três divinda-
des no mesmo lugar; outro à deusa Flora, mandado construir pelos dois edis
Lúcio e Marco Publícios; e, junto da praça Olitória, o templo de Jano, mandado
erigir por Gaio Duílio, o primeiro que a Roma dera a glória de uma feliz batalha
marítima e merecera o triunfo naval por ter vencido os Cartagineses por mar.

50 Tradução de aerario aut fisco («ao erário ou ao fisco», que se distinguem por serem
impostos devidos, precisamente, ao tesouro público e ao fundo destinado ao imperador).
51 Trecho acrescentado ao original.
LIVRO II 117

Germânico consagrou também um templo à Esperança, o qual por um voto


havia Atílio prometido fazer naquela mesma guerra púnica.
50. No entanto a lei de lesa-majestade ia cada vez tomando maiores forças; e
o delator destes crimes acusava Apuleia Varila, neta de uma irmã de Augusto,
de ter dito algumas palavras injuriosas contra o divino Augusto, contra Tibério e
sua mãe e de que, sendo parenta do César, vivia em público adultério. Sobre
esta última acusação assentou-se que se devia estar pelo que já estava assaz
precavido na lei Júlia e, sobre o crime de lesa-majestade, pediu Tibério que se
fizesse a seguinte distinção: que fosse condenada, caso provar-se haver falado
pouco religiosamente de Augusto, quanto ao que tivesse dito contra a pessoa
dele, não queria se fizesse algum caso. Interrogado pelo cônsul qual era seu
parecer sobre as coisas de que era arguida a respeito de sua mãe, calou-se;
porém, no primeiro dia em que houve sessão do senado, rogou, em nome dela,
que lhe não fossem também imputadas como crime. Desta maneira livrou Apu-
leia da acusação de lesa-majestade e, no tocante ao adultério, pediu que se lhe
diminuíssem as penas e aconselhou seus parentes que a relegassem, em confor-
midade do costume dos antigos, para mais de duzentas milhas fora de Roma.
Mânlio, seu adúltero, teve ordem para não aparecer dentro da Itália e da África.
51. Seguiram-se depois alguns debates para se nomear um pretor em lugar de
Vipstano Galo, que havia morrido. Germânico e Druso, que então estavam
ambos em Roma, protegiam Hatério Agripa, parente de Germânico; por outra
parte, o maior número defendia que para candidato se devia preferir aquele que
tivesse mais filhos, segundo estava determinado pela lei. Folgava Tibério de ver
o senado perplexo entre os filhos e as leis; estas foram, em verdade, suplanta-
das, porém ao menos não foi logo, e só por poucos votos, da mesma maneira
que antigamente acontecia quando elas estavam em todo o seu vigor.
52. Neste mesmo ano começou a guerra de África, sendo Tacfarinate o chefe
dos inimigos. Era de nação númida e, havendo já servido como auxiliar nos
exércitos romanos e depois desertando, tinha agregado a si todos os malfeitores
e ladrões, com os quais cometia muitos roubos. Entrou, porém, passado algum
tempo, a ensinar-lhes todas as manobras e disciplina militar e, afinal, tendo já
esta tropa bem exercitada debaixo de bandeiras e dividida em companhias,
tomou o título de general dos Musulâmios. Esta nação, valente e vizinha dos
desertos de África, não tendo ainda civilização nem cidades, pegou em armas e
fez entrar na guerra os Mouros seus vizinhos, comandados por Mazipa. Nestes
termos, Tacfarinate, dividindo o exército, ficou com a gente escolhida e armada
à maneira dos Romanos, para a ir acostumando à obediência e acampamentos
militares, e deixou para Mazipa as tropas ligeiras, com as quais, por toda a
parte, espalhava incêndios, mortes e terror. Tinham também, já a este tempo,
tomado o mesmo partido os Cinítios, povos que não eram para desprezar,
quando Fúrio Camilo, procônsul de África, pôs em campo contra o inimigo uma
118 ANAIS

legião e todos os aliados que pôde ajuntar. Eram todas estas forças muito pe-
quenas, se considerarmos na multidão de Númidas e Mouros; porém o que mais
que tudo se temia era que eles não quisessem combater. Mas, induzidos pela
esperança da vitória, foram enfim levados ao ponto de serem completamente
derrotados. A legião foi colocada no centro e as tropas ligeiras, com duas divi-
sões de cavalaria, ocuparam os dois flancos. Tacfarinate não se esquivou ao
combate, e os Númidas foram logo postos em derrota. Assim, passados tantos
anos, a glória das armas tornou a brilhar na família dos Fúrios porque, depois
daquele primeiro libertador de Roma52 e de seu filho Camilo, esta família não
havia tornado a dar mais generais, e este mesmo, de quem agora falámos, não
era conhecido por hábil militar. Por isso Tibério muito mais sinceramente
louvou perante o senado seu comportamento valoroso e os padres lhe decreta-
ram as insígnias do triunfo, que não excitaram ciúmes contra Camilo, porque
delas soube usar com modéstia.
53. No ano seguinte53 foi Tibério nomeado cônsul pela terceira vez e
Germânico pela segunda, o qual tomou posse desta dignidade em Nicópolis,
cidade da Acaia, para onde tinha ido, costeando a Ilíria, depois de visitar seu
irmão Druso na Dalmácia e haver sofrido uma navegação infeliz no mar Adriá-
tico e Jónio. Demorou-se aí alguns dias para reparar os navios e foi, nesse meio-
-tempo, examinar o promontório que se fez tão famoso pela vitória de Áccio, os
despojos consagrados a Apolo por Augusto e o campo de António, recordando-
-se assim das acções de seus antepassados porque Germânico, como já disse, era
sobrinho de Augusto e neto de António, e agora naqueles sítios achava lem-
branças de sucessos tristes e alegres. Passou-se depois a Atenas e, em atenção a
ser uma cidade antiga e aliada, só quis entrar precedido de um lictor. Os Gregos
o receberam com honras magníficas, ostentando em suas acções e discursos
toda a grandeza de seus maiores, para assim darem maior dignidade a esta sua
adulação.
54. Tocando na ilha de Eubeia, encaminhou-se a Lesbos, aonde Agripina, em
seu último parto, deu à luz sua filha Júlia54. Penetrando depois pelas extremida-
des da Ásia até Perinto e Bizâncio, cidades da Trácia, entrou na Propôntide e
Bósforo-Pôntico55, levado dos desejos de ver aqueles antigos lugares tão
celebrados pela fama, e de caminho fazia justiça e dava paz a todas as provín-
cias que não estavam tranquilas ou por suas discórdias civis, ou pelas ofensas
que lhes faziam os magistrados. Querendo então, na volta, visitar os mistérios

52 Marco Fúrio Camilo.


53 Ano de 18 d. C.
54 Júlia Livila.
55 Tradução de Propontidis angustias et os Ponticum intrat («entra nos estreitos da Propôn-
tide e na embocadura do Ponto [Euxino]»).
LIVRO II 119

de Samotrácia, foi impedido pelos ventos. Mas, tendo visto Tróia e tudo o que
ainda aí se conserva digno de venerar-se, tanto pela variedade dos destinos
como por ser o berço dos nossos maiores56, costeou de novo a Ásia e abordou
em Cólofon, a fim de consultar o oráculo de Apolo Clário. Não há naquele
templo, como em Delfos, sacerdotisa alguma, porém, um único sacerdote esco-
lhido entre certas famílias e, as mais das vezes, mandado vir de Mileto. Este não
faz mais do que perguntar o número e o nome das pessoas que o consultam,
depois retira-se a uma caverna, bebe aí água de uma certa fonte misteriosa e,
não sendo de ordinário poeta e letrado, dá suas respostas em verso, que ele
mesmo compõe, a todos os pensamentos, que cada um revolve dentro em seu
peito57. É fama constante que aí predissera a Germânico sua morte prematura,
servindo-se de certos enigmas que são próprios dos oráculos.
55. No entanto Gneu Pisão, para mais adiantar seus intentos, entrava, sem
ser esperado, em Atenas e, repreendendo com palavras severas os habitantes
assustados, atacava indirectamente Germânico por haver feito, contra a dignida-
de do povo romano, tamanhas distinções, não a esses Atenienses já extintos por
tantas calamidades, mas a uma bastarda descendência de diversas nações, e que
só era insigne por sua aliança com Mitridates contra Sula 58 e com António
contra o divino Augusto. Deitou-lhes ainda em rosto crimes antigos, tais como
as tentativas infelizes que haviam feito contra os Macedónios59 e as violências
que uns contra outros haviam cometido, mas tudo porque pessoalmente se
queria vingar daquela cidade por esta não ter querido, pedindo-lho ele, perdoar a
um certo Teófilo, acusado de falsário e, como tal, condenado pelos areopagi-
tas60. Partindo depois daí muito à pressa e tomando sempre o caminho mais
curto por entre as Cícladas, foi encontrar-se em Rodes com Germânico, que já
nada ignorava das perseguições com que andava ameaçado. Apesar disso, tal
era sua doçura de carácter que, sendo arrojado Pisão por uma tempestade entre
penhascos e podendo então atribuir-se ao acaso a morte de seu inimigo, ainda
assim mesmo Germânico lhe enviou embarcações para o salvar, e o salvou. Mas
nem com esta acção generosa se lhe adoçou a perversidade de sua alma e,
demorando-se apenas um dia com Germânico, correu a tecer-lhe novos laços61.

56 Dos antepassados dos Romanos faria parte a estirpe troiana, descendente de Eneias.
57 Tradução de ignarus plerumque litterarum et carminum edit responsa uersibus compositis
super rebus quas quis mente concepit («muitas vezes ignorante das letras e dos poemas,
dá, em versos ordenados, respostas acerca dos assuntos que alguém tem em mente»).
58 Entre 88 e 86 a. C.
59 Filipe e Alexandre, no século IV a. C.
60 Tradução de Areo iudicio (literalmente, «juízo de Ares»; o areópago, órgão máximo do
sistema judicial ateniense, reunia-se na colina de Ares, deus da guerra, junto da Acrópole).
61 Tradução de et uix diei moram perpessus linquit Germanicum praeuenitque («e, mal
suportando a demora de um dia, abandonou Germânico e adiantou-se»).
120 ANAIS

Tanto que chegou à Síria, onde estavam as legiões, entrou a gratificar com
dádivas e outros favores a classe inferior dos soldados, deu baixas aos velhos
centuriões e a todos os tribunos que eram exactos na disciplina, substituiu-lhes
criaturas suas62 ou pessoas de mau comportamento e autorizou a indolência e
ociosidade nos acampamentos, as desordens dentro das cidades e as correrias e
os insultos por todas as aldeias. Tal era enfim a devassidão do espírito militar
que já vulgarmente o chamavam o pai das legiões. Nem a mesma Plancina se
continha dentro dos limites que convêm ao decoro de uma mulher: assistia aos
exercícios de cavalaria e às evoluções das coortes e nunca deixava de falar mal
de Agripina e Germânico, fazendo com isto que até os bons soldados se chegas-
sem a perverter, porque já por toda a parte havia um oculto rumor de que todas
estas insolências não desagradavam a Tibério63. Nada disto era escondido a
Germânico, mas teve por necessário ir primeiramente à Arménia.
56. Havia já muito tempo que esta nação dava justas desconfianças, tanto pelo
carácter da gente como pela sua localidade porque, estendendo-se largamente
pelas fronteiras de nossas províncias até os Medos e achando-se assim entre
grandes potências, quase sempre vivia inquieta: agora pelo ódio que conservava
contra os Romanos, outrora por sua emulação contra os Partos. Nesta época não
tinha rei algum, depois da prisão de Vonones, mas estava inclinada a nomear em
seu lugar Zenão, filho de Pólemon, rei do Ponto, o qual, desde sua infância costu-
mado aos usos e exercícios dos Partos, como a caça, os banquetes e tudo o mais
que estimam os bárbaros, tinha por este modo ganhado a afeição dos grandes e do
povo. Nestas circunstâncias, estando Germânico na cidade de Artáxata, pelo
consentimento unânime dos nobres e da plebe, lhe pôs na cabeça o diadema real e
sendo por todos aclamado rei, lhe deram o nome de Artáxias, derivado da
denominação da cidade. Para governar os Capadócios, que estavam reduzidos a
província, nomeou Quinto Verânio64 e lhes diminuiu os tributos que pagavam a
seus antigos soberanos, a fim de conceberem melhores esperanças do império
romano. Quinto Serveu foi também designado governador dos Comagenos, que,
pela primeira vez, ficaram sujeitos à autoridade de um pretor.
57. Apesar de assim haver tão prudentemente composto todos os negócios
dos aliados, nem por isso Germânico vivia satisfeito, olhando para a insubordi-
nação de Pisão, o qual, sendo-lhe ordenado que ele ou seu filho conduzisse para
a Arménia uma parte das legiões, não quis obedecer. Finalmente se avistaram
em Cirro, nos quartéis de Inverno da décima legião, aparecendo aí ambos com
semblante estudado: Pisão para não mostrar medo, e Germânico para não pare-
cer que ameaçava. Era este, como já referi, de um carácter de grande mansidão,

62 Tradução de clientibus suis («clientes seus»).


63 Tradução de imperatore («imperador»)
64 Tradução de Q. Veranium legatum («o legado Quinto Verânio»).
LIVRO II 121

porém seus amigos, sagazes em lhe inspirar ressentimentos, entraram a agravar


os crimes verdadeiros de Pisão, a inventar mesmo coisas falsas e a criminá-lo, e
a sua mulher65 e seus filhos66, com todas as artes que podiam descobrir. O
resultado foi terem ambos uma conferência em presença de alguns amigos, na
qual o César falou primeiro, como homem colérico que se queria disfarçar, e
Pisão respondeu como um soberbo que se vê forçado a desculpar-se67: desta
sorte se separaram com ódios profundamente entranhados. Raras vezes tornou
depois a aparecer no tribunal do César e se, em algumas ocasiões, assistia era
sempre com ar feroz e desaprovador. Em um banquete que deu o rei dos Naba-
teus e em que fez um presente ao César e Agripina de umas coroas de oiro
muito ricas, e outro a Pisão e mais convidados de outras de menos valor, chegou
seu atrevimento a proferir as seguintes expressões68: que semelhante convite era
mais próprio para um filho do rei dos Partos do que para um príncipe romano.
Não quis aceitar a coroa que lhe davam e altamente declamou contra aquele luxo,
o que Germânico com muita prudência tolerou, ainda que bem lhe custasse69.
58. Enquanto estas coisas assim passavam, Artabano, rei dos Partos, enviou
seus embaixadores, pedindo renovação de amizade e aliança e mostrando dese-
jos de se avistar com Germânico, para o que prometia, em sinal de quanto
desejava esta honra, de se dirigir até as margens do Eufrates. Ao mesmo tempo
rogava que se não consentisse a Vonones habitar na Síria, pois que abusaria da
proximidade do lugar em que estava para excitar os nobres do país a novas
desordens. Quanto à aliança dos Romanos e dos Partos, respondeu-lhe Germâ-
nico com nobres e grandes expressões e, do que lhe dizia pessoalmente respeito,
bem como da saída do rei, falou com muita civilidade e modéstia. Com efeito,
Vonones teve ordem de partir para Pompeiópolis, cidade marítima da Cilícia –
obséquio não tanto feito a Artabano, como mortificação dada de propósito a
Pisão, que era extremamente afeiçoado a Vonones, pelas muitas adulações e
muitas dádivas com que tinha sabido agradar a Plancina.
59. No consulado de Marco Silano e Lúcio Norbano70, partiu Germânico
para o Egipto com intentos de ver suas antiguidades. Mas tomou por pretexto o
mau estado da província e, fazendo abrir os celeiros públicos, diminuiu o preço
dos víveres. Fez, além disto, muitas coisas gratas ao povo: andava sem guardas
e calçado e vestido à maneira dos Gregos, imitando desta arte Públio Cipião, de

65 Tradução de Plancinam («Plancina»).


66 Marco e Gneu Calpúrnio Pisão.
67 Tradução de responsum a Pisone precibus contumacibus («Pisão respondeu com impre-
cações insolentes»).
68 Tradução de Vox quoque eius audita est («Foi até ouvida a voz dele»).
69 Tradução de quamquam acerba («ainda que amargas»).
70 Ano de 19 d. C.
122 ANAIS

quem sabemos tal fora o comportamento na Sicília, ainda no tempo que durava
a guerra púnica71. Mas Tibério não lhe levou a bem este modo de trajar,
repreendendo-o com doçura sobre este artigo, muito asperamente o increpou por
ter passado a Alexandria contra as determinações de Augusto e sem prévia
licença do príncipe. Um dos mais importantes mistérios do governo inventado
por Augusto72 era que nenhum senador ou cavaleiro romano de alta distinção
pudesse penetrar no interior do Egipto sem uma ordem especial, porque todo
aquele que se fizesse senhor desta província, e das suas chaves de mar e de
terra, podia pôr em grande aperto a Itália pela fome e sustentar-se com bem
pequenas forças contra exércitos formidáveis.
60. Porém Germânico, como não soubesse ainda ser-lhe estranhada a sua
viagem, já principiava a subir pelo Nilo, havendo-se embarcado em Canopo.
Edificaram esta cidade os Espartanos em memória de aí estar enterrado Canopo,
capitão de um dos navios de Menelau quando, navegando para a Grécia, foi por
uma tempestade arrojado para a costa oposta nas terras da Líbia. Daqui passou à
outra foz mais vizinha do rio, dedicada a Hércules, o qual, dizem os naturais,
nascera entre eles há já muitos séculos, e deste tomaram o nome todos os que
por o tempo adiante se fizeram famosos por façanhas semelhantes. Foi ver
depois os magníficos vestígios da antiga Tebas, onde se conservavam ainda em
grandes colunas muitos caracteres egípcios que mencionavam sua antiga opu-
lência. Porque pedindo a um dos sacerdotes mais velhos que lhe interpretasse
aquela sua pátria escritura, referiu-lhe o seguinte: que naquele país habitaram
em outros tempos setecentos mil homens capazes de pegar em armas e que, com
este numeroso exército, se apoderara o rei Ramsés da Líbia, da Etiópia, dos
Medos, Persas e da Bactriana e da Cítia, e que todos os países que hoje formam
a Síria, a Arménia e a Capadócia e se estendem, de uma parte, até o mar da
Bitínia e, da outra, até o mar da Lícia73, haviam feito parte de seu dilatadíssimo
império. Diziam mais as inscrições quais fossem os tributos que se impuseram a
todos aqueles povos: a quantidade de oiro e prata, o número de cavalos e armas,
os donativos de marfim e aromas feitos aos templos e quanto trigo e outros mais
objectos necessários para a vida, cada uma das nações então pagava, coisas não
menos extraordinárias e grandes do que essas riquezas que ainda hoje recebe o
governo dos Partos ou o império de Roma.
61. Germânico se aplicou ainda a examinar outras maravilhas, e as mais
notáveis e interessantes de todas foram: a estátua de Mémnon, que, logo que é
tocada pelos raios solares, exprime vozes naturais; as altíssimas colunas74, obra

71 Em 204 a. C.
72 Tradução de Augustus, inter alia dominationis arcana («Augusto, entre outros segredos
da dominação»).
73 O mar Negro e o mar Egeu.
74 Pirâmides.
LIVRO II 123

da emulação e magnificência dos reis, e que, espalhadas por entre imensas e


invadeáveis areias, parecem ao longe enormes montanhas; os lagos abertos na
terra para receberem as águas do Nilo; e finalmente aquele estreito do rio tão
apertado e imensamente profundo, que por nenhuma indústria humana tem até
hoje podido ser comensurado. Depois se fez na volta de Elefantina e Siene,
antigos limites do império romano, que já hoje se estende até o mar Vermelho75.
62. Enquanto Germânico, neste Verão, viajava pelas diferentes províncias,
ganhava Druso não pequena glória, excitando os Germanos a continuar em suas
discórdias e aproveitando-se da fraqueza de Marobóduo para as destruir total-
mente. Havia entre os Gotões um mancebo nobre chamado Catualda, em outro
tempo fugitivo pelas violências de Marobóduo, e agora, como visse seus negó-
cios perdidos, desejoso de vingar-se. Penetrou, pois, com um forte exército nas
terras dos Marcomanos e, havendo posto de seu partido a gente nobre, tomou a
capital e o castelo que a defendia. Era este um depósito em que os antigos
Suevos costumavam depositar as riquezas que ganhavam na guerra, e agora aí
foram encontrados muitos vivandeiros e mercadores de nossas províncias, a
quem um justo comércio, depois os desejos de ganho e por fim o esquecimento
da pátria tinham feito largar as suas casas, para viverem em país inimigo.
63. Vendo-se Marobóduo desamparado de todos, recorreu à clemência do
César e, atravessando o Danúbio no lugar em que banha as terras do Nórico,
escreveu a Tibério não como fugitivo ou como suplicante, mas ainda com a
consciência de sua antiga grandeza, e dizendo que, apesar de ser convidado por
outras nações, a tudo preferia a amizade romana. Respondeu-lhe o César que na
Itália acharia um asilo honrado e seguro, se nele quisesse viver e se, pelo tempo
adiante, suas coisas melhorassem, poderia retirar-se com a mesma segurança.
No senado disse que este rei era hoje mais temível para o império do que em
outros tempos fora Filipe para os Atenienses, ou Pirro ou Antíoco para o povo
romano. Ainda se conserva o discurso em que exaltara o grande poder deste
monarca, o valor de seus vassalos, quão perigoso era como inimigo por ser tão
vizinho de Itália e as artes que havia empregado para o trazer a esta condição.
Marobóduo foi guardado em Ravena, como para meter medo aos Suevos, e a
fim de que, vendo-o sempre pronto para entrar em seus estados, se contivessem
em suas insolências: conservou-se, porém, na Itália por espaço de dezoito anos e
aí envelheceu, perdendo muito de sua primitiva glória pelo demasiado amor que
mostrou por a vida. A mesma fortuna teve Catualda e, como ele, achou o
mesmo asilo. Expulso pouco tempo depois pelas forças dos Hermúnduros,
comandados por Vibílio, e recebido pelos Romanos, foi enviado para Fórum
Júlio, uma colónia na Gália Narbonense. Os bárbaros, que acompanharam tanto
a um como a outro, para que misturados nas províncias pacíficas as não pertur-

75 Tradução de Rubrum ad mare («até ao mar Vermelho» ou «até ao golfo Pérsico»).


124 ANAIS

bassem, foram conduzidos para além do Danúbio, entre os rios Maro e Cuso, e
se lhes deu para os governar o rei Vânio, da nação dos Quados.
64. Havendo-se, ao mesmo tempo, recebido a notícia de que o rei Artáxias
havia entrado de posse da Arménia por intervenção de Germânico, decretaram
os padres que Germânico e Druso, quando voltassem a Roma, fossem recebidos
com as honras da ovação. Também se fizeram uns arcos nos lados do templo de
Marte Vingador com as estátuas dos Césares – estando Tibério contentíssimo
por haver segurado a paz mais firmemente por sua industriosa política do que se
a houvesse obtido pelas armas. Assim empregou ele logo os mesmos artifícios
contra Rescúporis, rei de Trácia. Todo este reino fora governado por Remetal-
ces, e, depois de sua morte, Augusto o dividira entre Rescúporis e Cótis, este
filho e aquele irmão do rei defunto. Nesta divisão ficara Cótis com as campinas,
cidades e terras vizinhas da Grécia, e Rescúporis com todo o terreno inculto,
agreste e contíguo ao inimigo – os quais tinham ambos um carácter bem seme-
lhante a seus estados, porque o primeiro era de costumes aprazíveis e humanos,
o segundo feroz, ambicioso e incapaz de se acomodar com a partilha. Ao prin-
cípio viveram em aparente harmonia, porém Rescúporis começou logo a querer
passar além dos limites de seu território, invadir as possessões que pertenciam a
seu sobrinho e a opor-se por força a toda a resistência que achava. Verdade é
que tudo isto fazia com certo ar de moderação enquanto viveu Augusto, de
quem temia as vinganças se caísse em seu desagrado, por ser ele o que havia
criado aqueles dois reinos; porém, tanto que soube da mudança de governo,
renovou suas irrupções com salteadores armados, arrasando os castelos e bus-
cando pretextos para a guerra.
65. Nada trazia tão cuidadoso a Tibério como a conservação do público sos-
sego. Assim, por um centurião mandou notificar aos dois reis que depusessem
as armas e, no mesmo momento, Cótis licenciou as suas tropas. Rescúporis,
com um respeito fingido, pediu que se designasse um lugar de conferência e aí
se terminassem as desavenças comuns. Não houve dúvidas sobre o tempo nem
sobre o local e condições, porque, um por sua bondade natural e franqueza e
outro por sua dissimulação e malícia, pareciam concordar unanimemente em
tudo. Então Rescúporis, para melhor (segundo dizia) consolidar a nova aliança,
deu um banquete: mas estendendo-se a alegria pela noite adiante, prende com
algemas o desacautelado Cótis, que, sem nada temer entre os vapores das igua-
rias e do vinho e só tarde conhecendo a perfídia, debalde reclamou sua dignida-
de real, a presença dos deuses domésticos e os direitos sagrados da hospitalida-
de. Ficando desta arte senhor de toda a Trácia, escreveu a Tibério que, por saber
das traições que se lhe armavam, prevenira o traidor: depois, tomando por
pretexto uma guerra contra os Bastarnas e Citas, entrou a ajuntar muita tropa de
pé e de cavalo. Tibério respondeu-lhe com muita brandura, dizendo que, se era
verdade quanto relatava, podia confiar tudo de sua inocência, porém que nem
ele nem o senado podiam decidir coisa alguma sem primeiro estarem bem
LIVRO II 125

informados do caso. Portanto, que entregasse Cótis e viesse a Roma defender-se


e provar a verdade de sua acusação contra Cótis.
66. Esta carta lhe foi entregue por Lacínio Pandusa, propretor da Mésia, que
fora mandado à Trácia com alguns soldados para tomar a entrega de Cótis.
Rescúporis, perplexo entre o medo e a vingança e querendo antes ser réu de
uma atrocidade perfeita do que meramente iniciada, manda assassinar Cótis e
publica depois que a si próprio ele se matara. Nem com isto o César alterou seus
primeiros artifícios e, tendo morrido Pandusa, a quem Rescúporis acusava de
ser seu inimigo declarado, deu o governo da Mésia a Pompónio Flaco, antigo
militar, e que, por ser da intimidade do rei, era por isso mais próprio para me-
lhor o enganar.
67. Flaco, passando-se à Trácia, tanto fez que por meio de grandes promes-
sas obrigou o monarca, bem que sempre desconfiado por não ser fácil esquecer-
-se de suas atrocidades, a estar dentro dos presídios romanos. Mas, debaixo da
aparência de honras militares, viu-se logo rodeado de uma escolta numerosa, e
os tribunos e centuriões ora animando-o ora persuadindo-o; e, à proporção que
se adiantava dobrando-lhe as guardas, o vieram finalmente trazendo até Roma,
já a esse tempo bem certo de sua fatalidade. Arguido no senado pela viúva de
Cótis76, teve por sentença ficar retido longe de seu reino. A Trácia foi dividida
entre seu filho Remetalces, conhecido por ter sempre desaprovado os projectos
paternos, e os filhos de Cótis, que, sendo ainda crianças, tiveram por tutor e
regente interino do reino a Trebeleno Rufo, que havia sido pretor – imitando-se
assim os nossos maiores, que também deram a regência do Egipto a Marco
Lépido na menoridade dos filhos de Ptolemeu. Rescúporis foi conduzido para
Alexandria, aonde o mataram, ou porque na realidade tentasse fugir ou porque
se lhe inventasse este crime.
68. Por este mesmo, tempo Vonones, que, segundo já referi, estava prisionei-
ro na Cilícia, corrompendo as guardas, tentou fugir para a Arménia, depois para
os Albanos e Heníocos, e daí para seu parente, o rei dos Citas. Com o pretexto
da caça, arredando-se das praias do mar, meteu-se por entre os bosques e, apro-
veitando-se da ligeireza do cavalo, correu até o rio Píramo, mas já aí achou as
pontes cortadas pelos moradores da terra, o que logo haviam feito tanto que se
divulgara a sua fugida. Como não pudesse passar a vau, foi preso nas margens
do dito rio pelo prefeito Víbio Frontão e um instante depois morto pelo euoca-
tus Rémio, que, estando incumbido da sua guarda antes da fugida, agora o
atravessou com a espada, querendo desta arte, por um fingido acesso de cólera,
extinguir todos os indícios de haver concorrido para a sua evasão, apesar de que
nisso mesmo muito mais se culpou e os fez evidentes.

76 Antónia Trifena.
126 ANAIS

69. Porém, Germânico já estava de volta do Egipto e acha que tudo o que
havia determinado para bem das legiões e das cidades ou fora abolido, ou se
praticava inteiramente oposto às suas ordens; então, não pôde deixar de romper
com energia contra Pisão, o qual da sua parte já meditava coisas ainda mais
fatais contra o César77. Afinal, o mesmo Pisão já se dispunha para retirar-se da
Síria, mas demora-se com a notícia de que Germânico estava doente e, como
depois soubesse começava a restabelecer-se e que se faziam votos aos deuses
pelas suas tão desejadas melhoras, manda por seus lictores arrancar dos altares
as vítimas, perturba as religiosas cerimónias dos sacrifícios e dissipa o povo de
Antioquia, que exultava de consolação e prazer78. Partiu depois para Seleuceia,
esperando pelos resultados da doença de Germânico, que de novo lhe tinha
sobrevindo e que muito mais se agravava, na persuasão de ser ajudada pelo
veneno ministrado por Pisão. O certo é que, no pavimento e paredes da casa em
que estava, se encontraram ossos de cadáveres humanos, certas imprecações e
feitiços, o nome de Germânico esculpido e gravado em lâminas de chumbo,
cinzas meias queimadas e ainda húmidas de sangue e outros vários malefícios,
com que a vã credulidade se chega a persuadir que as almas dos vivos passam a
ser vítimas das potências infernais79. Também se dizia que os emissários de
Pisão não traziam outro fim senão em espreitar as gradações da moléstia.
70. Germânico ouviu tudo isto com tanta indignação como susto. Se, ainda
estando com vida, se via rodeado de inimigos, que fariam então eles a sua
esposa infeliz e a seus filhos crianças, quando o vissem dar o último suspiro?
Parecia-lhe que a Pisão já tardavam os efeitos do veneno e que em nada menos
cuidava do que em ir tomar posse da província e governar só as legiões80. Mas
Germânico, que ainda tinha por si todos os bons cidadãos e muitos amigos, para
que o assassino não desfrutasse os prémios de seu crime, escreve-lhe uma carta
em que o declara por seu inimigo para sempre e (alguns autores acrescentam)
em que lhe ordena vá sair imediatamente da província. Pisão obedeceu: e,
cuidando logo em embarcar-se, foi fazendo vagarosamente a viagem, sem nunca
perder as tenções de se tornar a fazer na volta da Síria, se ainda a tempo soubes-
se no caminho a morte de Germânico81.

77 Tradução de Hinc graues in Pisonem contumeliae, nec minus acerba quae ab illo in
Caesarem intentabantur («Daqui [vieram] duros insultos contra Pisão, e não menos
ásperas as [palavras] que por ele eram dirigidas contra César»).
78 Tradução de festam Antiochensium plebem («o povo festivo dos Antioquenses»).
79 Tradução de quis creditur animas numinibus infernis sacrari («com os quais se crê que as
almas são consagradas aos numes infernais»).
80 Tradução de Lenta uideri ueneficia; festinare et urgere, ut prouinciam, ut legiones solus
habeat («Os envenenamentos pareciam lentos; tem pressa e urgência para tomar posse
sozinho da província, das legiões»).
81 Tradução de Nec Piso moratus ultra, naues soluit, moderabaturque cursui quo propius
LIVRO II 127

71. O César, que por um pouco havia concebido algumas esperanças, cai
finalmente em um abatimento total e, sentindo já estar chegada a sua hora, falou
aos amigos que lhe assistiam desta maneira: «Se eu morresse por uma morte
natural, ainda assim teria que queixar-me dos deuses porque tão rapidamente, na
flor dos anos, me privam de meus parentes, meus filhos e da pátria. Porém,
sentindo-me vítima das atrocidades de Pisão e Plancina, as últimas vontades que
vos deixo e vos recomendo são: que conteis a meu pai e a meu irmão de que
angústias devorado e de que traições oprimido perco, por uma morte violenta 82,
a vida desgraçada. Todos quantos em mim punham suas esperanças, os que por
laços de sangue me eram afeiçoados e até aqueles mesmos a quem minha fortu-
na tinha podido causar alguns ciúmes, derramarão lágrimas quando souberem
que, em outro tempo tão brilhante e salvo de tantas batalhas, venho agora acabar
pelas artes de uma mulher. Eis aqui motivos bastantes para pedir vingança ao
senado e implorar a justiça das leis. Nem com estéreis lamentos pretendais só
honrar minha memória, porque nisso não consiste só a amizade: é preciso
lembrar-vos do que vos recomendo, é preciso cumpri-lo. Ainda os mesmos
estranhos mostrarão sentimento por Germânico, porém só a vós cumpre vingá-
-lo, se em maior estimação tendes minha pessoa do que minhas dignidades.
Apresentai ao povo romano a neta do divino Augusto, a minha viúva, e os meus
e seus filhos83. Os acusadores serão ouvidos com atenção e interesse, e aos que
fingem ordens malvadas ou se não dará crédito ou nunca se poderá perdoar.» Os
seus amigos, apertando-lhe a mão moribunda, lhe juraram todos que antes
perderiam a vida do que deixariam de vingá-lo.
72. Voltando-se depois para a mulher, rogou-lhe que, se estimava verdadei-
ramente a sua memória e se amava seus filhos, se despisse de toda a altivez e se
conformasse com seu horroroso destino e que, quando entrasse em Roma, se
despojasse de toda a afectação de poder, por ser coisa que os soberanos nunca
levam a bem. Isto foi o que lhe disse diante de todos, mas consta que em parti-
cular lhe dissera outras coisas, que bem mostravam os grandes receios que tinha
de Tibério. Passado pouco tempo, acabou, no meio da consternação universal da
província e de todos os povos vizinhos. Foi chorada a sua morte pelas nações e
pelos reis – tal era sua afabilidade e cortesia para com os aliados, tal sua doçura
para com os inimigos e tão respeitável se fazia para quem o chegava a ver e lhe
falava que, apesar de toda a sua elevação e gravidade, nunca se lhe conhecera
arrogância ou soberba.

regrederetur, si mors Germanici Syriam aperuisset («Pisão não esperou mais, levantou o
ferro das naves, mas moderava o trajecto para regressar de mais perto, caso a morte de
Germânico abrisse a Síria»).
82 Tradução de pessima morte («a pior das mortes»).
83 Tradução de numerate sex liberos («contai os seis filhos»), ou seja, aqueles que, dos nove,
sobreviveram ao pai.
128 ANAIS

73. Seu funeral, sem as imagens de seus antepassados e sem nenhuma


pompa, só se fez célebre pelos louvores e memória de suas raras virtudes.
Houve muitos que, considerando em sua figura, sua idade, semelhança de morte
e proximidade dos lugares em que tinha perecido, o compararam com o grande
Alexandre: porque ambos gentis84, de sangue tão ilustre e contando pouco mais
de trinta anos, haviam, por traições dos seus, morrido em terras estranhas. Mas
Germânico ainda lhe levava vantagem, por ser afável com seus amigos, mode-
rado nos prazeres e por não haver conhecido senão um só e casto matrimónio 85.
Não fora, além disso, menos valoroso86, apesar de não ser temerário, nem haver
tido liberdade para concluir a sujeição da Germânia, já enfraquecida por tantas
vitórias; porque, se houvera gozado de autoridade suprema ou houvera sido rei,
tanto mais facilmente o teria igualado na glória militar, quanto lhe era superior
em clemência, moderação e em todas as boas manhas e artes. Seu corpo, antes
de queimado, foi despido na praça de Antioquia, onde se lhe destinava dar
sepultura; se lhe acharam ou não vestígios de veneno é coisa ainda hoje não
bem averiguada, porque segundo cada um lhe era afeiçoado e já tinha antece-
dentes suspeitas, ou seguia o partido de Pisão, assim diversamente falava.
74. Deliberou-se entre os legados e senadores presentes sobre quem ficaria
com o governo da Síria. Não havendo grandes competidores, à excepção de
Víbio Marso e Gneu Sêncio, gastou-se assim mesmo muito tempo nesta deci-
são, até que Marso cedeu de suas pretensões em favor de Sêncio, que era mais
velho e mais o desejava. Este foi o que, a requerimento de Vitélio e Verânio e
todos os mais que estavam formando a acusação e o processo contra os réus,
como se ela já estivesse recebida, mandou para Roma uma certa mulher chama-
da Martina, famosa na província por suas preparações de venenos e sua parti-
cular amizade com Plancina.
75. Agripina, não obstante o abatimento em que a tinham posto as aflições
do espírito e do corpo, não lhe sofrendo o coração retardar sua vingança, tomou
consigo as cinzas de Germânico e se embarcou com os filhos no meio do pranto
universal de todos os que viam uma mulher tão ilustre, há pouco tão ditosa com
um tão belo matrimónio e adorada de todos, agora só depositária de relíquias
sepulcrais, ansiosa por vingar seu marido, ignorando a sua sorte e por uma
infeliz fecundidade ainda exposta a mil reveses da fortuna. Entretanto, Pisão
recebeu na ilha de Cós a notícia da morte de Germânico e, sem poder disfarçar-
-se, vai aos templos, prepara vítimas e faz sacrifícios, ostentando assim seu
contentamento: o mesmo patenteou Plancina, e ainda com maior escândalo,
porque, despindo o luto que trazia por sua irmã, vestiu-se de gala.

84 Tradução de corpore decoro («de corpo formoso»).


85 Tradução de uno matrimonio, certis liberis («de um só matrimónio, com filhos legítimos»).
86 Tradução de proeliatorem («guerreiro»).
LIVRO II 129

76. De toda a parte concorriam os centuriões e lhe vinham afirmar que as


legiões estavam por ele e que voltasse para a província vacante, da qual sem
nenhum direito o tinham espoliado. Porém, enquanto consultava o que devia
fazer, seu filho Pisão87 era de opinião que partisse prontamente para Roma,
porque até agora nada tinha acontecido que se não pudesse remediar e não se
devia fazer caso de fracas suspeitas ou de rumores sem provas. Que as desaven-
ças anteriores com Germânico podiam dar motivo a algum desagrado, mas não
mereciam castigo; e com a expulsão do governo já ficariam os inimigos satisfei-
tos. Mas, se pretendesse voltar, expunha-se a uma guerra civil pela resistência
de Sêncio, e nem mesmo devia muito confiar nos centuriões e soldados, em
quem estava ainda recente a saudosa memória de seu general e era muito pro-
funda a afeição pelos Césares.
77. Não discorria, porém, assim Domício Célere, homem de sua grande
intimidade, e seu parecer era este: que se devia aproveitar a ocasião; que Pisão,
e não Sêncio, havia sido nomeado para o governo da Síria; que nas suas mãos
estavam todas as insígnias do poder pretoriano; e que a ele só as legiões se
haviam confiado. Se achasse resistência, com que direito não podia pegar em
armas, depois de estar revestido da autoridade de legado e ser o único depositá-
rio das vontades do príncipe? Que se deixasse ao tempo o esquecimento dos
rumores, porque muitas vezes até os mesmos inocentes não tinham força bas-
tante para resistir às intrigas de fresco. Se, porém, conservasse o comando do
exército e se multiplicasse seus meios de defesa, os sucessos que agora se não
podiam calcular tomariam talvez muito mais agradável figura. E, falando direc-
tamente com Pisão, acrescentou88: «E deveremos aconselhar-te que te apresses a
acompanhar as cinzas de Germânico, para que os gemidos de Agripina e um
povo estúpido, só levado dos primeiros impulsos, te façam em postas, sem que
sejas ouvido e possas defender-te? É verdade que tens por ti a aprovação e a
consciência89 de Augusta, bem como os favores do César, mas tudo isto é em
particular e em segredo – e os que mais hão-de afectar sentimento pela morte de
Germânico são os seus maiores inimigos.»
78. Segundo o seu carácter, não foi preciso muito para que Pisão se decidisse
pelos conselhos mais atrevidos e, escrevendo a Tibério, acusa Germânico de
fausto e soberba; diz fora expulso da província para assim melhor se executarem
ambiciosos projectos e que tornara a tomar o comando do exército com a
mesma fidelidade com que sempre o tinha exercido. Ordena depois que Domí-
cio se embarque em uma galera e que, evitando os portos de mar, sem fazer
caso das ilhas, se meta sempre ao largo e se encaminhe para a Síria. Entretanto

87 Tradução de M. Piso («Marco Pisão»).


88 Trecho inexistente no original.
89 Tradução de conscientia («conivência», «cumplicidade»).
130 ANAIS

entra a formar em companhias todos os desertores que se lhe vêm apresentar, dá


armas aos vivandeiros e, passando-se ao continente, surpreende muitas recrutas
que marchavam para a Síria. Escreve por fim aos régulos da Cilícia para que o
venham ajudar, mostrando-se em todos estes preparativos de guerra muito
activo o moço Pisão, apesar de ter sido de contrária opinião.
79. Na altura das costas da Lícia e da Panfília, se encontrou Pisão com os
navios em que vinha Agripina e, como de parte a parte fossem inimigos, logo se
dispuseram para entrar em combate. Mas, reciprocamente temendo-se, não
passou adiante a desavença, e Marso Víbio notificou a Pisão partisse para
Roma, a fim de se aí defender. Ele, como escarnecendo, lhe deu em resposta
que sim, compareceria quando o pretor, destinado para julgar nas causas de
veneno, indicasse o dia, o acusador e o acusado. No entanto Domício, havendo
desembarcado em Laodiceia, cidade da Síria, dirigia-se aos quartéis de Inverno da
sexta legião, cuidando que a acharia disposta a tomar seu partido, mas já estava
prevenida pelo legado Pacúvio. Este acontecimento participou Sêncio por escrito
a Pisão, recomendando-lhe não tentasse infeccionar com suas corrupções os
soldados, nem semeasse a guerra na província. Ao mesmo tempo, cuidando em
reunir todos os que tinha por afeiçoados a Germânico e pouco favoráveis a seus
inimigos, e fazendo-lhes ver que a majestade do império e a república se achavam
ameaçadas, chegou assim a ajuntar forças numerosas e prontas a resistir.
80. Pisão, apesar do mau sucesso que tivera em suas primeiras tentativas,
não deixou ainda de tentar tudo o que as circunstâncias lhe podiam ministrar de
mais favorável e foi ocupar um muito forte castelo da Cilícia, chamado Celên-
deris. Ajuntando aí os desertores e recrutas que havia surpreendido, os incorpo-
ra ainda com seus escravos e os de Plancina e, misturando-os depois todos com
os reforços mandados pelos régulos da Cilícia, deles, ao menos em número,
forma uma espécie de legião. Feito isto lhes diz que ele era um tenente do César
e que violentamente era expulso da província de que estava incumbido não
pelas legiões que agora o convidavam, mas por Sêncio, que, para encobrir seus
ódios particulares, lhe imputava crimes falsos. Que estariam somente em armas,
porém que não seria preciso combater, uma vez que os soldados o90 vissem, pois
havia pouco tempo lhe haviam dado o nome de pai, e ele agora não só tinha
uma justiça indisputável, porém forças numerosas para a poder sustentar. Dis-
tribuiu depois a sua tropa pelo cume de um monte alto e escarpado que estava
perto das fortificações do castelo, porque o restante da fortaleza era defendido
pelo mar. Mas tinha por inimigos os veteranos, fortes por sua disciplina e apoia-
dos em grandes reservas, de sorte que seu valor e constância supriam todas as
dificuldades do terreno, que para o defender nem seus contrários tinham resolução
nem armas capazes, e só apenas algumas lanças mal feitas e preparadas à pressa91.

90 Tradução de Pisonem («Pisão»).


91 Tradução de Contra ueterani ordinibus ac subsidiis instructi. Hinc militum, inde locorum
LIVRO II 131

Assim, logo que principiou o ataque, só esteve indeciso enquanto as coortes


romanas não chegaram às alturas, o que, sendo executado, se puseram ime-
diatamente em fugida os auxiliares da Cilícia e se foram meter dentro do castelo.
81. Entretanto Pisão debalde tentou surpreender a esquadra, que estava em
pouca distância. Voltando depois para as muralhas e uma hora lamentando a sua
sorte, outrora convidando a cada um por seu nome e prometendo a todos gran-
des recompensas, esteve muito perto de excitar uma sedição, pois que um porta-
-estandarte da sexta legião desertou para ele com sua bandeira arvorada. O que
vendo Sêncio manda tocar os clarins e as trombetas e ordena que se ataque a
trincheira, se preparem as escadas e que os mais afoitos subam a muralha,
enquanto as máquinas se dispõem para arremessar lanças, pedras e fachos
acesos. Achando-se finalmente Pisão sem nenhum recurso, ofereceu entregar as
armas, contanto que o deixassem ficar no castelo até se dar parte ao César, para
ele resolver a quem destinava o governo da Síria. Não lhe foram aceitas estas
condições e tão-somente teve em resposta que se lhe dariam navios em que
partisse para Roma com toda a segurança.
82. Mas tanto que em Roma entraram a crescer as notícias da doença de
Germânico e a ser cada vez mais sinistramente exageradas, como sempre acon-
tece com as coisas passadas ao longe, não tiveram limites a dor, a ira e até as
murmurações e queixumes. Dizia-se que por isso era que Germânico havia sido
desterrado para terras tão distantes e por isso também era que Pisão tinha sido
nomeado governador da província – e este era o fruto das conferências ocultas
de Augusta com Plancina. Bem se via agora com quanta verdade tinham falado
nossos antigos sobre a morte de Druso e, quando diziam que aos imperantes
sempre desagradavam a boa índole e popular cortesia dos filhos, assim bem
natural era que tanto o pai como o filho morressem vítimas de horrorosas trai-
ções, só pelos generosos projectos que tinham de restituir ao povo romano a sua
antiga liberdade. Estas vozes populares tamanha força ganharam com a publica-
ção da sua morte que, sem esperarem por ordem dos magistrados ou do senado,
todos tomaram imediatamente luto, ficaram as praças públicas desertas, todas as
casas se fecharam e por toda a parte só havia um tenebroso silêncio misturado
com gemidos, que na verdade não eram fingidos, porém muito reais e verdadei-
ros; porque, apesar de serem grandes os sinais exteriores de sua consternação,
muito maior era ainda a mágoa que os penetrava por dentro. Por acaso, uns
negociantes que haviam partido da Síria, estando ainda vivo Germânico, vieram
contar coisas muito agradáveis sobre a sua saúde; foram logo acreditadas e
também logo por toda a parte se espalharam. Cada um que encontrava outro

asperitas, sed non animus, non spes, ne tela quidem nisi agrestia aut subitum in usum
properata («Do lado contrário, veteranos dispostos por ordem e com os reforços. Daqui a
aspereza dos militares, dali a dos lugares, mas sem ânimo, sem esperança – na verdade
sem armas a não ser toscas ou arranjadas apressadamente para o uso»).
132 ANAIS

imediatamente lhe referia o que apenas tinha ouvido, este fazia o mesmo diante
de maior número de pessoas: e desta forma passou esta nova a ser universal,
crescendo com ela o prazer e alegria. E tão sincera e forte era esta última que
principiaram a correr pela cidade e arrombaram as portas dos templos, favoreci-
dos pela noite que, entre a escuridão e as trevas, sempre faz a credulidade mais
pronta. Tibério não procurou desmentir este falso boato, deixando ao tempo a
revelação da verdade; assim, o povo mais profundamente sentiu depois a morte
de Germânico, como se pela segunda vez o perdesse.
83. Para honrar a memória de Germânico se inventaram e instituíram mil
distinções, segundo o amor e a riqueza da imaginação daqueles que mais o
estimavam. Determinou-se que seu nome fosse cantado nos hinos dos Sálios;
que, em todos os lugares reservados para os sacerdotes augustais, estivesse
sempre a sua cadeira curul coroada com rama de carvalho; que, nos jogos cir-
censes, fosse levada adiante a sua estátua de marfim; e que, para o substituir,
nenhum flâmine ou áugure fosse nomeado que não pertencesse à família Júlia.
Elevaram-se novos arcos em Roma, nas margens do Reno e no monte Amano,
na Síria, com inscrições de seus feitos brilhantes e de como tinha perdido a vida
em serviço da república. Em Antioquia, onde seu corpo se queimara, se lhe
elevou um mausoléu, e um tribunal em Epidafna, onde tinha morrido. Seria
coisa difícil poder referir a quantidade de estátuas e o número de lugares em que
teve um culto particular. Decretando-se não só colocar seu retrato entre o dos
grandes oradores, mas que fosse distinto por sua magnificência e grandeza,
insistiu Tibério em que fosse em tudo semelhante aos dos outros, porque a
eloquência não era um dom da grandeza ou dos empregos e que, portanto, ele
seria sempre ilustre só por ser contado entre o número dos famosos e antigos
escritores. A ordem equestre deu o nome de Germânico a um esquadrão que até
ali se chamara Júnio e determinou que, nos exercícios que se faziam nos Idos de
Julho, fosse a sua imagem adiante e lhes servisse de bandeira92. Muitas destas
distinções ainda hoje se conservam, porém outras logo esqueceram ou se perde-
ram com os anos.
84. Na ocasião em que a tristeza ainda estava muito recente, Lívia, irmã de
Germânico, pariu dois filhos gémeos e ambos varões93: o que, sendo uma coisa
rara e de grande contentamento ainda para as famílias pouco abastadas, deu ao
príncipe tamanha alegria que se não pôde conter de se vangloriar diante dos
padres que nenhum romano de tal jerarquia em tempo algum tivera semelhante
fortuna. É assim que ele sempre costumava aplicar à sua glória os sucessos

92 Tradução de Equester ordo cuneum Germanici appellauit qui iuniorum dicebatur, institu-
itque uti turmae idibus Iuliis imaginem eius sequerentur («A ordem equestre nomeou “de
Germânico” a fila de bancos que se chamava “dos mais jovens” e instituiu que nos Idos
[dia 15] de Julho os esquadrões desfilassem atrás do seu retrato»).
93 Tibério Gemelo e Germânico.
LIVRO II 133

ainda os mais casuais. Porém o povo com esta mesma circunstância muito mais
se afligiu, porque o aumento da família de Druso lhe fazia lembrar que mais
oprimida seria por isso a casa de Germânico.
85. Neste mesmo ano, promulgou o senado leis muito severas contra a dis-
solução das mulheres e proibiu que nenhuma tomasse o estado de prostituta, que
fosse neta, filha ou esposa de cavaleiro romano. Deu motivo a este decreto
Vistília, que, apesar de pertencer à ordem dos pretores, tinha levado a tanto o
desaforo de sua impudicícia que pediu ser registada pelos edis na classe das
meretrizes. Era este um costume praticado por nossos antigos, que tiveram por
castigo bastante contra as impudicas obrigá-las a alistar-se nesta profissão
vergonhosa. Perguntou-se também a Titídio Labeão, marido de Vistília, porque
não tinha feito pôr as penas da lei a sua mulher, publicamente convencida deste
crime. E, respondendo ele que ainda não eram passados os sessenta dias deter-
minados na lei Júlia, contentaram-se com que só fosse condenada Vistília, a
qual se mandou degradada para a ilha de Serifos, para nunca mais tornar a ser
vista. Tratou-se também de expulsar da Itália as superstições egípcias e judaicas
e se fez um senátus-consulto para que quatro mil, imbuídos nesta seita miserá-
vel, todos descendentes de famílias de libertos e ainda em boa idade, fossem
deportados para a ilha de Sardínia, a fim de aí combaterem contra os ladrões;
assentando-se que, ainda quando de lá nenhum escapasse pelos maus ares do
clima, nada se perdia. Os outros tiveram ordem para sair de Itália, se antes de
um dia aprazado não abjurassem seus ritos profanos.
86. Depois disto propôs o César que era preciso nomear uma virgem em
lugar de Ócia, que por espaço de cinquenta e sete anos presidira o colégio das
Vestais com grande reputação de santidade. Ao mesmo tempo deu os agradeci-
mentos a Fonteio Agripa e a Domício Polião porque, oferecendo suas filhas,
disputavam entre si qual deles faria este serviço à república. Foi preferida a filha
de Polião, e não houve para isto outro motivo senão o haver-se conservado
sempre sua mãe no mesmo matrimónio, pois que Agripa, por seu divórcio, tinha
diminuído um pouco o esplendor da sua casa. O César, para consolar a outra,
fez-lhe o donativo de um milhão de sestércios, para que lhe servisse de dote.
87. Clamando o povo contra a carestia dos víveres, taxou Tibério o preço do
trigo e, para que os negociantes não perdessem, disse que lhes acrescentaria em
cada alqueire dois sestércios. Mas nem por isso quis ainda tomar o título de pai
da pátria, que já por tantas vezes e agora lhe fora oferecido: antes asperamente
repreendeu os que davam o nome de divinas às suas ocupações e o chamavam
senhor. Tal era o cuidado que em medir as expressões era preciso ter com um
príncipe que tanto temia a liberdade como aborrecia a adulação.
88. Acho escrito nas memórias dos autores e senadores daqueles tempos que
no senado fora lida uma carta de Adgandéstrio, príncipe dos Catos, em que se
oferecia a dar a morte a Armínio, se para isto lhe mandassem veneno. Teve em
134 ANAIS

resposta que o povo romano se não costumava vingar de seus inimigos por
fraude ou ocultas traições, porém pelas armas e a cara descoberta. E com esta
glória se colocava Tibério a par de nossos antigos generais, que não quiseram
matar Pirro com veneno e lhe delataram o assassino. Contudo Armínio, depois
da retirada dos Romanos e expulsão de Marobóduo, aspirando ao reinado,
indispôs contra si seus concidadãos, ciosos de sua liberdade. Havendo sido
atacado em guerra e pelejando com duvidosos sucessos, morreu enfim por
traição de seus parentes, merecendo, todavia, o título de libertador da Germânia,
porque, à maneira de alguns reis e capitães, não combateu contra a república
nascente, mas contra um poderosíssimo império, ora com mais ou menos fortu-
na, mas sem ser nunca vencido. Acabou aos trinta e sete anos de sua idade e aos
doze de seu grande poder e autoridade, e ainda hoje, entre os bárbaros, é cele-
brado seu nome, desconhecido nos anais dos Gregos, que só estimam o que é
seu, e pouco memorável entre nós mesmos Romanos, que, muito admiradores
de antigualhas, não fazemos caso do que é novo.
LIVRO TERCEIRO

1. Agripina, sem se demorar na sua navegação, apesar do Inverno, abordou à


ilha de Corcira, que fica defronte da Calábria. Demorou-se ali alguns dias para
sossegar o espírito, agora mais inquieto e violento pela dor e menos capaz de dis-
farçar-se. No entanto, espalhando-se a notícia da sua chegada, os seus mais íntimos
amigos, pela maior parte militares que haviam servido às ordens de Germânico, e
ainda mesmo muitos desconhecidos dos municípios vizinhos, uns por julgarem
que nisto obsequiavam o príncipe, outros por simples imitação, entraram a con-
correr todos para a cidade de Brundísio, por ser o primeiro porto e o mais seguro
em que podia desembarcar. Assim que, do alto, se começou a avistar a esquadra
não só o porto e as praias do mar, porém as muralhas e os tectos das casas, donde
se podia ver mais ao longe, se encheram de um povo numeroso que não sabia
como a recebesse: se em profundo silêncio, se em altos clamores. Na verdade, não
se podia adivinhar o que melhor convinha nas circunstâncias do tempo, vendo-se
abordar os navios muito vagarosamente e vendo-se, ao mesmo passo, os mari-
nheiros sem darem sinais de alegria, contra o seu costume, antes dando todas as
demonstrações de tristeza. Logo que, acompanhada dos seus dois filhos e tendo
nas mãos a urna das cinzas do marido, saiu para fora da embarcação e pôs os olhos
em todos, houve um choro universal: nem se podia distinguir o pranto dos amigos
ou estranhos, das mulheres ou dos homens, pois que se havia alguma diferença só
era que estes que agora viam tão triste espectáculo excediam na expressão do
sentimento aos que já depois de muito tempo estavam afeitos a chorar.
2. Para que a acompanhassem, tinha mandado o César duas coortes pretoria-
nas e ordem aos magistrados da Calábria e aos habitantes da Apúlia e da Cam-
pânia que fizessem todas as honras fúnebres a seu filho. Eram, pois, conduzidas
as cinzas aos ombros dos tribunos e dos centuriões: adiante marchavam os
estandartes em postura de luto e os fasces voltados para o chão. Quando se
passava por meio das colónias, concorriam os povos vestidos de dó e os cavalei-
ros em trajes militares; e todas as povoações, segundo suas riquezas, queima-
vam vestidos, aromas e tudo o mais que se costuma nos grandes funerais. Ainda
mesmo os que eram das cidades distantes vinham sair-lhe ao encontro; trazendo
vítimas e levantando altares aos deuses Manes, manifestavam a sua dor com
alaridos e lágrimas. Druso veio até Tarracina com seu tio Cláudio e os filhos de
Germânico que estavam em Roma. Os dois cônsules, Marco Valério e Marco
Aurélio, que haviam tomado já posse1, o senado e uma quantidade imensa de

1 Ano de 20 d. C.
136 ANAIS

povo enchiam as estradas sem ordem nem distinção, porém expressando cada
um separadamente as suas mágoas. Na verdade, em nada disto havia adulação,
muito mais quando todos sabiam quão pouco dissimulava Tibério a suma ale-
gria que tinha com a morte de Germânico.
3. Tibério e Augusta conservaram-se encerrados dentro do palácio2, quer
fosse porque julgassem não ser decente à sua dignidade mostrar as suas lágri-
mas em público, quer porque se receassem que nos seus rostos lessem quantos
os vissem toda a falsidade da sua dor. Nem nos autores do tempo, nem nos
registos dos sucessos diários tenho eu encontrado que sua mãe3, Antónia, fizes-
se alguma figura notável nesta ocasião, quando, ao mesmo passo, além dos
nomes de Agripina, de Druso e Cláudio, se acham também especificados os de
todos os seus parentes; talvez estivesse doente ou a muita aflição, enfim, a
impedisse de aparecer. Creio, porém, ser mais natural que fosse coibida por
Tibério e por Augusta, que, como já disse4, não saíram de casa, porque assim o
tio e a avó se podiam melhor desculpar, afectando seguir o exemplo da mãe.
4. Foi maravilhoso o dia em que as cinzas se foram depositar no túmulo de
Augusto, ora pelo vasto silêncio ora pelos tumultuosos alaridos: viam-se as ruas
de Roma cheias de gente e todo o Campo de Marte estava iluminado. Ali os
soldados que estavam em armas, os magistrados sem nenhumas insígnias, e o
povo distribuído por tribos, todos, todos5, unanimemente clamavam que estava
perdida a República e que as esperanças todas se tinham acabado, o que tão alta
e com tamanha liberdade diziam que parecia estarem de todo esquecidos de
quem então os governava. Mas nada chegou tanto ao vivo a Tibério como a
extraordinária afeição que todos mostravam ter por Agripina: chamavam-na a
glória da pátria, o único ramo do sangue de Augusto e o único retrato dos belos
costumes antigos; e, erguendo as mãos para o céu e para os deuses, pediam-lhes
que conservassem ilesos seus filhos e os defendessem da maldade dos perversos.
5. Houve muitos que estranharam a pouca pompa com que se fez este solene
funeral; porque com ele comparavam as honras magníficas que Augusto tinha
mandado fazer a Druso, pai de Germânico. Ele mesmo o tinha ido esperar até
Ticino e tinha acompanhado sempre o corpo até à sua entrada na cidade6, apesar
de todo o rigor do Inverno em que isto acontecera. O seu leito fúnebre havia
estado rodeado das imagens dos Cláudios e dos Júlios e exposto no Fórum para
receber as lágrimas do povo; havia sido elogiado na pública tribuna e se lhe
haviam acumulado todas as distinções não só praticadas pelos nossos maiores,

2 Tradução de publico abstinuere («mantiveram-se afastados do público»).


3 Mãe de Germânico.
4 Trecho inexistente no original.
5 Inexistente no original.
6 Roma.
LIVRO III 137

porém outras ainda que depois se tinham instituído. Mas Germânico nem ao
menos as honras do costume tinha merecido, e até nem aquilo mesmo que a
qualquer nobre ordinariamente se fazia; é verdade que, por causa das distâncias
da viagem, se havia queimado o seu corpo em terras estranhas com pouco
aparato, porém por isso mesmo (diziam eles7) se lhe deviam fazer depois muito
maiores obséquios por lhe haverem faltado os primeiros. Apenas o irmão 8 o
tinha acompanhado um só dia, e o tio nem sequer havia saído a esperá-lo até às
portas de Roma. Aonde estavam, pois, as instituições dos nossos maiores?
Porque se não tinha exposto a sua imagem em frente do seu leito fúnebre?
Porque se não haviam composto hinos nem discursos alguns em memória de
suas raras virtudes e se tinham esquecido as lágrimas e todas as mais demons-
trações de tristeza?
6. Nada disto foi oculto a Tibério, e, para embaraçar as vozes do vulgo, fez
publicar por um edicto que muitos romanos ilustres tinham morrido em serviço
da república, mas que nenhum tinha merecido tamanha saudade, o que para ele
e para todos era de uma grande honra, contanto que isto não passasse a excesso.
Que nem sempre aos príncipes que governavam nem ao povo-rei era decente o
fazer muitas coisas que eram lícitas às pequenas famílias ou às pequenas cida-
des; verdade era que muito de louvar eram as lágrimas em uma dor tão recente,
porém que era já também tempo de recorrer à constância e de imitar nesta parte
o divino Júlio e o divino Augusto, os quais, apesar de ter o primeiro perdido sua
filha única9 e o segundo todos os seus netos10, assim mesmo ambos souberam
limitar as suas mágoas. Nem era preciso ir buscar exemplos antigos para mos-
trar-lhes como o povo romano havia tolerado com rara firmeza a derrota dos
exércitos, a perda dos generais e a quase total extinção de muitas e nobres
famílias. Que os príncipes eram mortais, mas que a república era eterna: assim
tornassem aos seus prazeres costumados e, pois que estava chegada a festa dos
jogos Megalésios, se entregassem de todo à alegria.
7. Acabado assim o luto, cada um tornou às suas antigas ocupações, e Druso
partiu para os exércitos da Ilíria. Conservavam-se, porém, sempre ardentes os
desejos de todos para que se tomasse vingança de Pisão, e até se faziam grandes
queixas por se ver que, para ganhar tempo e diminuir as provas do seu crime,
ele andava vagando insolentemente pelos deliciosos países da Ásia e da Acaia.
Acrescia ter-se espalhado que Martina, tão famosa pela sua ciência na arte dos
venenos e que, como já disse, havia sido remetida para Roma por Gneu Sêncio,
agora tinha morrido de repente em Brundísio, tendo-se-lhe achado entre as

7 Inexistente no original.
8 Druso.
9 Júlia.
10 Gaio e Lúcio César.
138 ANAIS

tranças do cabelo certo veneno escondido, ainda que no seu corpo não apareces-
sem sinais de que ela o houvesse tomado.
8. No entanto Pisão, mandando adiante o filho para Roma e tendo-lhe dado
instruções para amaciar o príncipe, foi-se ter com Druso, esperando não o achar
tão indisposto com a morte do irmão como satisfeito por se ver sem rival. Tibé-
rio, para mostrar a sua integridade, recebeu muito bem o mancebo e lhe fez
todas as liberalidades que se costumavam praticar com os filhos de famílias
nobres. Druso respondeu a Pisão que, a ser verdade o que se dizia, ele seria o
primeiro na indignação e na vingança; porém que mais folgaria que tudo fosse
falso e sem fundamento para que a morte de Germânico a ninguém fosse fatal.
Isto lhe disse publicamente, sem lhe consentir audiência alguma particular, no
que bem se mostrava já punha em prática os conselhos de Tibério, porque,
sendo moço e ainda sem experiência, obrava agora com toda a circunspecção de
um homem maduro.
9. Pisão, depois de atravessar o mar da Dalmácia, largou os navios em
Ancona e, fazendo caminho pelo Piceno e via Flamínia, foi encontrar-se com a
legião que passava da Panónia a Roma, para dali partir a fazer as guarnições da
África, o que deu motivo a muitos rumores por dizer-se que, de propósito e por
muitas vezes, já se tinha mostrado aos soldados. Em Nárnia se embarcou sobre
o Nar e navegou depois pelo Tibre, quer fosse por evitar suspeitas ou porque as
resoluções dos medrosos são sempre inconstantes. Mas, assim mesmo, aumen-
tou contra si a pública indignação, porque veio desembarcar perto dos túmulos
dos Césares e dali, em pleno dia e estando a praia coberta de gente, partiu
rodeado de grande número de clientes, indo Plancina igualmente acompanhada
de muitas mulheres e mostrando ambos demasiada alegria. Serviu ainda para lhe
granjear maior ódio o ter ele a sua casa sobre o Fórum, verem-se-lhe as portas
decoradas com ornatos festivos e haver convites e lautos banquetes, o que de
nenhuma forma se podia esconder pela publicidade do lugar.
10. No dia seguinte, Fulcínio Trião acusou Pisão perante os cônsules. Mas
opuseram-se a isto Vitélio e Verânio e todos os mais da amizade de Germânico,
dizendo que a Trião não competia este ofício, mas só a eles, que verdadeira-
mente se não deviam considerar como acusadores, porém sim como indicadores
e testemunhas dos factos, e a quem Germânico tinha encomendado as suas
últimas vontades. Assim, desistindo desta sua pretensão, conseguiu só poder
acusá-lo de crimes da sua vida passada. Pediu-se ao príncipe quisesse tomar
conhecimento desta causa, o que o mesmo réu desejava, por temer as preven-
ções11 do povo e do senado. Persuadia-se ele que Tibério seria mais capaz de
fazer pouco caso de símplices suspeitas, porque entrava em todos os segredos
da mãe, e que as mesmas coisas verdadeiras ou quaisquer suspeitas pouco

11 Tradução de studia («parcialidade»).


LIVRO III 139

favoráveis seriam mais imparcialmente examinadas por um só e único juiz do


que por muitos, em quem, de ordinário, predominam os ódios e os ciúmes. Não
ignorava Tibério as dificuldades em que se ia meter nem a fama em que estava
envolvido; por isso, tomando por adjuntos poucos dos seus amigos, ouviu as
queixas terríveis dos acusadores, as protestações e súplicas do réu e remeteu
todo o processo ao senado.
11. Entretanto voltou Druso da Ilíria e, ainda que os padres tinham decretado
que, pela entrega de Marobóduo e outras acções que havia concluído no Verão
passado, fizesse a sua entrada com as honras da ovação, quis antes que ficassem
diferidas e entrou sem elas em Roma. Pedindo depois disto o réu que lhe fossem
concedidos para defensores Lúcio Arrúncio, Públio Vinício, Asínio Galo,
Esernino Marcelo e Sexto Pompeio, como estes se desculpassem com vários
motivos, se lhe ofereceram então Marco Lépido, Lúcio Pisão e Livineio Régulo,
ficando toda a cidade em grande expectação para ver qual seria a fidelidade dos
amigos de Germânico, qual a ousadia do culpado12 e se Tibério deixaria assaz
ver ou procuraria ocultar os seus sentimentos. Pois assim como o povo nunca
tomou tanto interesse por alguma outra causa, também nunca mais livremente
nas suas ocultas conversações ou tácitas desconfianças ajuizou tão mal do
carácter do príncipe.
12. No dia em que o senado teve a sua sessão, fez o César um discurso muito
estudado e disse que Pisão fora legado e amigo de seu pai e que, por consenti-
mento dos padres13, ele o havia associado a Germânico para que o ajudasse no
governo do Oriente. Que agora se devia julgar com toda a rectidão e inteireza
se, com efeito, pela sua altivez e falta de respeito, tinha ofendido o mancebo e
se havia alegrado com a sua morte ou por traições concorrera para ela. «Porque
se ele14 excedeu os limites da sua autoridade, lhe faltou à obediência e se regozi-
jou com a sua morte, e por consequência com a minha dor e o meu pranto,
quebrarei então com ele toda a minha amizade: não tornará a entrar dentro da
minha casa e vingarei esta ofensa como particular e não como príncipe. Mas se
vier a descobrir-se que ele cometeu algum desses atentados de que as leis
tomam vingança ainda a favor do mais ínfimo cidadão, a vosso cargo fica então
o fazer justiça inteira e consolar os filhos e os pais de Germânico. É preciso
também examinar se Pisão pretendeu revolucionar o exército, se, levado da sua
ambição, procurou pôr do seu partido os soldados, se à força de armas quis
entrar na província ou se todas estas coisas não têm fundamento e são exagera-
das pelos seus acusadores. Com estes, na verdade, eu tenho razão para não estar
satisfeito porque com que autoridade se atreveram eles a despir o cadáver e a

12 Tradução de fiducia reo («confiança do acusado»).


13 Tradução de auctore senatu («por proposta do senado»).
14 Tradução de legatus («legado»).
140 ANAIS

expô-lo aos olhos do vulgo, para que, até por terras estranhas, se espalhasse que
havia morrido com veneno, quando tudo isto ainda não está averiguado e só
agora é que se deve conhecer? Eu tenho um grande sentimento por meu filho e
o conservarei eternamente, porém não são as minhas intenções embaraçar que o
réu mostre a sua inocência por todas as provas que tiver, ou que se argua tam-
bém o comportamento de Germânico, se por acaso se vir que o merece; assim
muito vos recomendo que, por esta causa estar ligada com todos os meus gran-
des motivos de mágoa, não admitais como crimes provados o que talvez não
passe de meras suspeitas. Todos, pois, que, ou pelo parentesco que tendes com o
réu ou por outras qualidades, fostes escolhidos para seus defensores, empregai
agora todas as vossas forças e toda a vossa eloquência em defendê-lo; aos
acusadores eu peço que, da mesma sorte, cumpram com as suas obrigações.
Uma só coisa faremos em favor de Germânico que não é bem conforme com as
leis: será examinada a sua causa na cúria e não no Fórum, e na presença do
senado e não dos juízes ordinários, porque, quanto ao mais, tudo convém que se
faça segundo se costuma praticar nas causas dos outros cidadãos. Sejam, por-
tanto, todos imparciais – e ninguém olhe nem para as minhas lágrimas nem para
as de Druso, e muito menos ainda para quaisquer calúnias que a malignidade
possa inventar contra nós.»
13. Assinaram-se dois dias aos acusadores para produzirem os crimes e de-
terminou-se que, passados seis dias, se concedessem três ao acusado para poder
defender-se. Então Fulcínio, principiando por coisas antigas e de pouco funda-
mento, disse que Pisão tinha governado a Hispânia com muita ambição e avareza,
o que, ainda quando bem provado, nem fazia mal ao réu se pudesse desvanecer a
presente acusação, nem, quando se justificasse, lhe aproveitava coisa alguma,
estando agora envolvido em delitos maiores. Depois dele, seguiram-se Serveu,
Verânio e Vitélio, os quais todos, com grande zelo e eficácia, porém o último com
muito mais valente eloquência, mostraram que Pisão, pelo ódio que tinha a
Germânico e por uma criminosa ambição, corrompera de tal forma os soldados,
por meio do quebrantamento de toda a disciplina militar e pelas injúrias feitas aos
aliados, que enfim tivera a ousadia de consentir que os mais facinorosos lhe
dessem o título de pai das legiões, e, ao mesmo tempo que assim favorecia os
malvados, tratava com a última severidade e insolência os homens de bem e com
muita especialidade os que eram amigos ou companheiros de Germânico. Que a
este ele dera, depois de tudo, a morte, empregando o veneno e outros malefícios –
e até, juntamente com Plancina, fizera imolações nefandas de vítimas e assistira a
ímpios mistérios. Em uma palavra, que pegara em armas contra a república e que,
para poder ser trazido a juízo, fora preciso vencê-lo.
14. A sua defesa sobre os primeiros artigos foi muito fraca porque não podia
negar os seus atentados militares para se manter na província, os desaforos que
nela havia consentido fizessem os soldados e as injúrias com que tinha ofendido
o seu general; no que tocava ao veneno, pareceu ter-se bem justificado. Nem os
LIVRO III 141

mesmos acusadores produziam provas bastantes quando asseveravam que, em


um banquete dado por Germânico, estando Pisão sentado acima dele, lhe havia
então envenenado a comida. Isto assim dito parecia realmente absurdo, porque
não era natural que, à vista de escravos estranhos, de tantos convidados e na
mesma presença de Germânico, pudesse cometer este crime. Para a sua justifi-
cação, oferecia o réu os seus escravos, rogando que fossem interrogados, assim
como se pusessem a tormento os que serviram à mesa. Apesar disto, os juízes, e
por diferentes motivos, se mostravam todos implacáveis: o César, pela guerra
que ele tentara excitar na província, e os senadores, porque se não podiam bem
capacitar de que Germânico morresse sem ser violentamente ajudado 15. Pediam,
portanto, a sua correspondência oficial e outros mais escritos relativos ao seu
governo, o que Tibério nem Pisão nunca quiseram apresentar. Ao mesmo
tempo, defronte da cúria, ouviam-se os clamores do povo, que protestava vin-
gar-se se o senado não fizesse justiça condenando o culpado e, já antes disso, o
mesmo povo havia arrastado para as Gemónias as suas próprias estátuas16, e
também já as teria feito em pedaços, se o príncipe as não tivesse mandado
recolher e repor em seu lugar. Neste estado de coisas, Pisão, metido dentro de
uma liteira, saiu acompanhado de um tribuno das coortes pretorianas, duvidando
todos se lho haviam dado por guarda ou por algoz.
15. Havia uma igual indignação contra Plancina, porém esta era muito mais
protegida por Augusta e ainda se não sabia quais eram os sentimentos do César
para com ela. Enquanto os negócios do marido não estiveram desesperados,
afirmava ela que havia de tomar parte em todas as suas desgraças e que até o
acompanharia na morte, se a tanto chegasse o seu mau destino, mas, logo que
alcançou o seu perdão pelas súplicas secretas de Augusta, pouco a pouco come-
çou a afastar-se de Pisão e a não fazer com ele causa comum. O que vendo o réu
como um terrível agoiro da sua infelicidade, ainda incerto se buscaria defender-
-se, cede às exortações dos filhos17, reveste-se de ânimo e vai de novo apresen-
tar-se ao senado. Passando, porém, por todos os horrores de uma repetida acu-
sação, ouvindo as palavras pesadas dos padres e não encontrando uma só coisa
que lhe não fosse fatal ou contrária, nada tanto o aterrou como ver Tibério
indiferente, sem mostrar piedade nem ódio e absolutamente inflexível e silen-
cioso, para não dar a saber os segredos do seu coração. Voltou enfim para casa
e, dando a entender que cuidava ainda na sua defesa para o dia seguinte, escre-
veu algumas linhas, assinou-as e as entregou a um liberto. Lavou-se, perfumou-
-se, ceou18 e, estando com sua mulher no quarto até alta noite, tanto que ela saiu,

15 Neste ponto, há uma lacuna no texto, em que se referiria algum tipo de moratória da
acusação.
16 Tradução de Effigiesque Pisonis («E as estátuas de Pisão»).
17 Gneu e Marco Calpúrnio Pisão.
18 Tradução de tum solita curando corpori exsequitur («conclui, então, os costumados
cuidados do corpo»).
142 ANAIS

mandou fechar a porta. Ao amanhecer, foram dar com ele degolado e com a
espada caída no chão.
16. Lembra-me ter ouvido aos nossos velhos que nas mãos de Pisão, por
muitas vezes, se vira um escrito que ele não publicou, mas que, segundo depois
disseram os seus amigos, continha as cartas e ordens que Tibério lhe tinha
dirigido contra Germânico. Que o mesmo Pisão estivera na resolução de o
apresentar no senado e com ele arguir a pessoa do príncipe, mas que Sejano o
enganara com falsas promessas, e que voluntariamente não morrera, porém por
meio de um algoz que para esse fim lhe fora enviado. Nada disto eu posso ou
devo asseverar, contudo também não devia esconder o que ouvi referir a pes-
soas que viveram até à minha mocidade. Tibério, afectando então uma grande
tristeza, muito se queixou de que Pisão, por uma semelhante morte, tivesse dado
causa a que se pudesse julgar mal da pessoa dele, príncipe, e passou depois a
interrogar muito miudamente o liberto19 acerca de tudo o que fizera Pisão no dia
e noite em que se matara. Mas, respondendo ele a muitas coisas com acerto e a
outras com suma indiscrição, passou logo o César a ler a memória escrita por
Pisão, a qual, pouco mais ou menos, dizia o seguinte: «Vítima da conspiração
dos meus inimigos e, por consequência, da infâmia de um falso crime horroro-
so, e, não me sendo possível mostrar a verdade nem a minha inocência, tomo, ó
César, por testemunhas os deuses imortais de como sempre me conservei fiel
para contigo e mostrei igual respeito a tua mãe, aos quais ambos agora vou
implorar que tenham compaixão de meus filhos. Destes, Gneu Pisão não tem
parte alguma nas minhas desgraças porque sempre se tem conservado dentro de
Roma; Marco Pisão me aconselhou sempre de não voltar para a Síria, e oxalá
que eu tivera dado antes ouvidos aos conselhos deste filho mancebo do que ele à
autoridade de seu pai porque, sendo velho, muito menos prudência mostrei.
Assim tanto mais eficazmente vos rogo que (pois não é criminoso) também
indevidamente não pague pelas minhas maldades. Se uma lealdade de quarenta
e cinco anos, se o ter sido teu colega no consulado e sempre teu amigo, e se a
mesma estimação que mereci a teu pai, o divino Augusto, valem alguma coisa,
nada mais te peço do que tenhas compaixão de um filho infeliz.» Sobre a sorte
de Plancina, de todo se calou.
17. Passadas todas estas coisas, absolveu Tibério o mancebo do crime da
guerra civil, dando por motivo que não podia ter deixado de obedecer a seu pai,
e, ao mesmo tempo, mostrou grande compaixão não só pelos desastres de uma
família tão ilustre, porém pelo mesmo Pisão, que, apesar de todas as suas cul-
pas, ainda o julgava digno de piedade. A favor de Plancina falou como enver-
gonhado e com escândalo de todos, porque se desculpou que só assim obrava

19 Também aqui há uma lacuna no texto. A suposição de que o interrogado é o liberto é do


tradutor, podendo ser Marco, o filho de Pisão.
LIVRO III 143

para agradar à sua mãe. Contra ela, todos os homens de bem estavam tacita-
mente indignados e assim se expressavam: «Pode ser decoroso para a avó ainda
ver e falar com a matadora de seu neto e defendê-la da jurisdição e autoridade
do senado? E será possível que só Germânico não possa achar protecção na-
quelas mesmas leis que são a salvaguarda de todos os cidadãos? Que vergonha e
que horror! Enquanto as lágrimas de Vitélio e Verânio ainda correm sobre as
cinzas do César, estarmos vendo Plancina protegida pelo imperador e por Augus-
ta! Certamente é para que ela ainda possa empregar contra Agripina e seus
filhos algum novo veneno e os usuais artifícios, já tão fatalmente experimenta-
dos, e para que esta mesma avó e tio magníficos cheguem também ainda a
tempo de se poderem saciar com as últimas gotas de sangue desta misérrima
família!»20 Dois dias se gastaram neste aparente processo, encomendando
encarecidamente Tibério aos filhos de Pisão que defendessem sua mãe. Mas,
concluindo os oradores as suas acusações e as testemunhas os seus depoimen-
tos, sem que houvesse pessoa que se erguesse para responder-lhes, entrou então
a manifestar-se muito maior compaixão do que ódio. O cônsul Aurélio Cota
(que foi o primeiro a quem se pediu o seu parecer, porque quando o César era
relator eram também juízes os cônsules) disse que o nome de Pisão se devia
riscar dos livros dos fastos; que uma metade de seus bens se vendesse em praça
pública e que a outra se desse a seu filho Gneu Pisão, o qual nunca mais tornaria
a usar do mesmo prenome; que o outro filho, Marco Pisão, perdendo a sua
dignidade senatória e dando-se-lhe cinco milhões de sestércios, estivesse em
desterro por dez anos; e que Plancina fosse perdoada em atenção a ser protegida
por Augusta.
18. Muitas destas coisas foram mitigadas pelo príncipe: e uma delas foi que
o nome de Pisão não se riscasse dos fastos. Deu por motivo que também ainda
neles se conservava o de Marco António, apesar de ter pegado em armas contra
a pátria, e o de Julo António, que violara a casa de Augusto. A Marco Pisão
absolveu da infâmia e lhe mandou entregar todos os bens do pai, mostrando-se
sempre, como já disse, pouco avarento, e agora muito mais compassivo, segu-
ramente por se envergonhar de ter concorrido para o perdão de Plancina. Como
votassem Valério Messalino que se pusesse uma estátua de oiro no templo de
Marte Vingador e Cecina Severo que se erigisse um altar à Vingança, não o
consentiu ele, dizendo que estas demonstrações eram boas para quando se
ganhavam vitórias brilhantes, porém que as calamidades domésticas deviam
apagar-se com lágrimas. Tinha acrescentado Messalino que se dessem os para-
béns a Tibério, a Augusta, a Antónia, a Agripina e a Druso pela vingança que se
havia tomado da morte de Germânico, e não fez menção alguma de Cláudio.
Lúcio Asprenate, então, na presença de todos, perguntou a Messalino se por
esquecimento ou de propósito o não tinha nomeado. Finalmente se mencionou

20 Discurso indirecto no original.


144 ANAIS

também o nome de Cláudio. Quanto eu mais leio e medito nos sucessos pre-
sentes e passados, tanto mais me confundem os destinos e as variedades das
coisas humanas: porque, designando a fama, as esperanças, o amor e o respei-
to21 tantas pessoas para o império, somente se não fazia caso daquele a quem a
fortuna então guardava em segredo para o elevar um dia ao principado.
19. Poucos dias depois, propôs Tibério que se conferissem sacerdócios a
Vitélio, Verânio e Serveu e, prometendo o seu voto a Fulcínio, que pretendia
entrar nas dignidades, deu-lhe de conselho que fosse menos violento e fogoso na
sua eloquência. Tal foi o fim dos debates sobre este memorável processo da morte
de Germânico, que deu motivo a tantas e tão várias conjecturas não só dos que
então viviam, mas dos que depois se lhes seguiram – tão duvidosos são ainda os
sucessos mais notáveis quando há pessoas ou que acreditam tudo quanto ouvem,
ou que de propósito desfiguram a verdade, porque nesta confusão assim passam
os factos até às idades mais remotas. Druso, saindo de Roma para de novo
consultar os auspícios, fez a sua entrada com todas as honras da ovação, mas,
passados poucos dias, lhe morreu sua mãe, Vipsânia, a única dos filhos de Agripa
que teve uma morte natural. Os outros manifestamente acabaram ou pelo ferro22
ou (segundo também se acredita) pelo veneno23 ou pela fome24.
20. Neste mesmo ano, Tacfarinate, o qual eu já referi fora derrotado no
Verão antecedente por Camilo, tornou a renovar a guerra na África, fazendo ao
princípio vagas incursões que, pela sua rapidez, não se podia castigar. Come-
çou, porém, depois a devastar as aldeias, a recolher grandes presas e, afinal, até
foi pôr em cerco uma coorte romana que se achava de guarnição perto do rio
Págida. Era governador do castelo Décrio, homem valoroso e excelente oficial,
que teve por suma infâmia ver-se desta sorte cercado. Assim, animando os
soldados para que fossem bater-se com o inimigo à cara descoberta, foi postá-
-los em batalha diante do campo. Mas, pondo-se a coorte em fugida logo no
princípio da acção, ele corre ligeiro por entre as lanças inimigas, para ter mão
nos fugitivos, e repreende os porta-estandartes de que, sendo soldados romanos,
não tenham vergonha de voltar costas a bárbaros sem disciplina ou a desertores.
Ao mesmo tempo, apesar de se ver já coberto de feridas e com um olho perdido,
acometeu briosamente o inimigo e só deixou de combater quando, desamparado
dos seus, foi mortalmente ferido e caiu morto.
21. Assim que Lúcio Aprónio, sucessor de Camilo, teve notícia destas coi-
sas, sentindo muito mais a desonra dos seus do que a glória do inimigo, renovou
um antigo rigor, então quase esquecido: mandou dizimar esta infame coorte e

21 Tradução de fama, spe, ueneratione («fama, esperança e prestígio»).


22 Agripa Póstumo.
23 Gaio e Lúcio César.
24 Júlia.
LIVRO III 145

fez morrer com açoutes a todos em quem a sorte caiu. Mas tanto bem produziu
este exemplo de severidade que um corpo de veteranos, o qual não excedia a
quinhentos homens, completamente bateu as tropas de Tacfarinate, que haviam
atacado um presídio chamado Tala. Neste combate, Rufo Hélvio, simples sol-
dado, ganhou as honras que se costumam dar a quem salva um cidadão: foi
premiado por Aprónio com o colar e com a lança, e o César lhe acrescentou a
coroa cívica, a qual o procônsul, bem que lha pudesse dar, não lhe deu por
lisonja, agradando assim com isto a Tibério, não obstante que ele fingisse
estranhar-lho. Então Tacfarinate, que viu aterrados os seus númidas, e já receo-
sos de atacar as fortificações romanas, dividiu a sua gente e começou a fazer
correrias, ora combatendo a propósito ora retirando-se; de maneira que, en-
quanto os bárbaros fizeram este género de guerra, cansavam os Romanos e
impunemente zombavam da sua táctica. Mas tanto que, dirigindo-se para as
costas do mar e agora embaraçados com as muitas bagagens e roubos, tiveram
que fazer acampamentos, Aprónio Cesiano, a quem seu pai tinha incumbido a
expedição, aí os atacou com a cavalaria, com as coortes auxiliares e com a tropa
ligeira de todas as legiões e ganhou contra eles uma vitória brilhante, perse-
guindo-os até se irem meter nos desertos.
22. Por este tempo25, Lépida, que, além de ser ilustre pela família dos Emílios,
era bisneta de Sula e de Gneu Pompeio, foi acusada de fingir haver tido um
filho de Públio Quirínio, seu antigo marido, homem muito rico e sem descen-
dência. Acumulavam-lhe ainda certos adultérios, crimes de veneno e o ter
consultado os Caldeus sobre os destinos da família do César, no que teve por
defensor a seu irmão Mânio Lépido. Mostrando, porém, Quirínio ter-lhe dema-
siado ódio por haver muito tempo que já a tinha repudiado, aumentou ela com
isto a pública compaixão, não obstante a sua infâmia e maldades. Foi uma coisa
bem difícil poder adivinhar os pensamentos do príncipe sobre este processo,
tamanha foi a confusão com que ele se expressou, ora dando sinais de ira ora de
clemência. Logo no princípio, rogou ao senado que se não inquirissem os cri-
mes de lesa-majestade, mas, pouco tempo depois, fez com que Servílio, pessoa
consular, e outras mais testemunhas revelassem coisas que parecia ter antes
querido ocultar. Porém, ao mesmo passo que estava fazendo isto, mandou
também pôr à ordem dos cônsules os escravos de Lépida, que estavam guarda-
dos pela autoridade militar, e não consentiu que se lhes dessem tormentos nos
interrogatórios dos factos que pertenciam à sua casa. Não quis igualmente que
Druso, cônsul designado, opinasse em primeiro lugar, o que alguns tomaram
por uma espécie de popularidade, a fim de que os senadores pudessem mais
livremente votar; outros, porém, viram nisto uma grande malícia e uma cruelda-
de profunda, porque, se ele a tivesse querido absolver, decerto também havia de
querer ser o primeiro em dar este exemplo.

25 Tradução de At Romae («Mas em Roma»).


146 ANAIS

23. Lépida, nos dias dos jogos públicos que interromperam o seu processo,
foi ao teatro com muitas matronas ilustres e, invocando ali com grandes lamen-
tos a memória de seus antepassados e a do mesmo Pompeio, de quem o teatro
era obra e aonde se viam dele muitas imagens, soube excitar tamanha compai-
xão que, lavados todos em lágrimas, romperam em muitos insultos contra
Quirínio: porque, sendo velho, sem filhos e de uma obscuríssima família, assim
tão mal tratava uma mulher que, em outros tempos, havia sido destinada para
esposa de Lúcio César e para nora do divino Augusto. Mas os escravos, postos a
tormento, revelaram grandes flagícios, e tomou-se o parecer de Rubélio Blando,
que disse se lhe negasse a água e o fogo. Druso esteve por esta mesma opinião,
ainda que outros muito mais favoravelmente tivessem votado. Concedeu-se,
contudo, a Escauro, em razão de haver tido dela uma filha, que os seus bens não
fossem sequestrados. Tibério, por fim, também declarou que pelos escravos de
Públio Quirínio tinha vindo a saber que Lépida quisera envenenar seu antigo
marido.
24. No meio das desgraças de duas famílias nobres – porque, sem mediar
muito tempo, os Calpúrnios perderam Pisão e os Emílios perderam Lépida –,
serviu de consolação a vinda de Décimo Silano, que foi restituído à família
Júnia. Eu contarei o seu caso em poucas palavras. Tão afortunado foi o divino
Augusto em tudo quanto obrou contra a liberdade da República, como desgra-
çado no interior da sua casa por motivo dos adultérios de sua filha e de sua neta,
as quais ele expulsou de Roma, punindo os adúlteros com a morte ou com o
desterro. Decerto muito o angustiaram estes escândalos, tão comuns entre os
dois sexos, porque, denominando-os um quebrantamento sacrílego dos deveres
mais santos da religião e da majestade, no seu castigo excedeu os limites da
moderação não só dos antigos, mas das mesmas leis que tinha feito. Porém os
casos dos outros, com os acontecimentos que naquela mesma idade sucederam,
eu ainda pretendo escrever, se, acabado o que tenho entre mãos, me der tempo a
vida para me empregar em novos trabalhos. Décimo Silano, adúltero conhecido
da neta de Augusto, ainda que não recebesse outro castigo senão o ter perdido a
amizade do César, nisto mesmo percebeu muito bem que se lhe indicava um
desterro voluntário. Nele se conservou até o governo de Tibério; e só agora se
tinha atrevido a pedir ao senado e ao príncipe a sua restituição, a qual lhe foi
concedida pelo grande valimento de seu irmão Marco Silano, que por sua elo-
quência e nobreza era muito benquisto. Mas, na resposta que Tibério deu aos
seus agradecimentos, disse-lhe na presença dos padres que muito folgava que
seu irmão voltasse depois de uma ausência tão longa, o que lhe era permitido,
pois que por nenhuma lei ou senátus-consulto havia sido desterrado; contudo
pela sua parte conservaria sempre contra ele a mesma inimizade que seu pai
tinha declarado e, apesar da vinda e restituição de Silano, ficariam sempre em
pé as vontades de Augusto. Com efeito, ele chegou a vir depois para Roma, mas
nunca tornou a entrar nos empregos.
LIVRO III 147

25. Propuseram-se algumas modificações sobre a lei Pápia-Popeia – que


Augusto, sendo já velho, tinha publicado depois da lei Júlia para roborar as
penas contra os celibatários e engrossar ao mesmo tempo o erário –, porque nem
por isso os matrimónios se haviam tornado mais frequentes, nem os infanticí-
dios mais raros, e o não ter filhos se contava sempre por uma grande fortuna.
Além disto, crescia enormemente o número das vítimas, e poucas casas havia
que não ficassem arruinadas pelas interpretações odiosas dos delatores, de
maneira que, causando em outro tempo os crimes todo o mal da república, agora
eram só as leis que o causavam. Como vem, pois, a propósito, tratarei de mais
longe da origem do nosso direito civil e do modo por que chegámos a esta
multidão e variedade infinita de leis.
26. Os primeiros homens, ainda sem paixões desordenadas, viviam sem
vícios e sem crimes, assim como sem leis e sem castigos. Nem eram precisos os
prémios, porque cada um seguia voluntariamente a virtude e, como nada se
fazia contra ela, também era escusado o medo dos castigos. Porém tanto que se
entrou a perder a igualdade, e em lugar da modéstia e do pejo se introduziram a
ambição e a força, apareceu o despotismo, que entre muitos povos se tem con-
servado eternamente. Houve alguns que, logo ou só depois de terem experi-
mentado o poder arbitrário dos reis, recorreram ao abrigo da lei, mas, no princí-
pio, todas as leis eram símplices e conformes com os costumes símplices dos
homens. São ainda muito afamadas as que Minos deu aos Cretenses, Licurgo
aos Espartanos e as que, mais posteriormente e já em maior número e mais bem
calculadas, fez Sólon para os Atenienses. Rómulo nos governou toda a sua vida
segundo os seus caprichos e, só depois dele, Numa, com fórmulas sagradas e
preceitos divinos, dominou todo o povo. Tulo e Anco fizeram ainda algumas
determinações, porém o nosso verdadeiro legislador foi Sérvio Túlio, que publi-
cou um corpo de leis às quais os mesmos reis tinham obrigação de obedecer.
27. Depois da expulsão de Tarquínio, tomou o povo muitas resoluções e
cautelas contra a ambição do senado para melhor defender a sua liberdade e
firmar a concórdia. Criou, portanto, os decênviros, que, recopilando tudo o que
havia de melhor, formaram as Doze Tábuas, obra-prima e complemento de toda
a humana equidade. As leis que depois se fizeram, ainda que algumas vezes
serviram para coibir certos malfeitores, foram, contudo, quase sempre o fruto da
violência, produzido pelas dissensões de todas as ordens do estado, pela ambi-
ção das grandes dignidades, pelas vinganças que se queria satisfazer contra
homens de um merecimento insigne e, enfim, por outros vários motivos sempre
criminosos. Delas tomaram pretexto os Gracos26 e os Saturninos27 para excitar
as comoções populares e da sua autoridade se serviu também o tribuno Druso28,

26 Tibério e Gaio Semprónio Graco.


27 Lúcio Apuleio Saturnino.
28 Marco Lívio Druso.
148 ANAIS

esse famoso dissipador que se cobria com o nome do senado: com elas, em uma
palavra, se corromperam e enganaram os aliados, prometendo-lhes coisas muito
brilhantes, que todas depois ficavam em nada pela mesma oposição que se lhes
fazia. Nem entre as calamidades da guerra social e das guerras civis29 se
abstiveram de promulgar um grande número de leis, opostas umas às outras, até
que apareceu o ditador Lúcio Sula, que, ab-rogando ou modificando as antigas e
acrescentando outras de novo, deu algum descanso ao furor de legislar, que,
todavia, não foi longo. Com efeito, publicaram-se logo os decretos turbulentos
de Lépido30 e, após eles, se viram os tribunos reintegrados no seu poder excessi-
vo de manejar à sua vontade os espíritos inquietos do povo31. Então não só os
cidadãos em comum, mas também cada indivíduo em particular foram o assunto
de uma lei – de maneira que quanto mais se corrompia a República muito mais
cresciam as suas leis.
28. Sendo, pois, nomeado pela terceira vez cônsul Gneu Pompeio 32 e de
propósito escolhido para reformar os costumes, foi ele mesmo ainda mais fatal
do que eram os males que devia remediar, porque, passando ao mesmo tempo a
ser o autor e destruidor das próprias leis que fazia, veio a perder pelas armas
quanto poder por elas tinha conseguido33. Dominou então pelo espaço de vinte
anos amplamente a discórdia34, sem costumes nem leis. Os grandes crimes
passaram todos sem castigo e só as grandes virtudes o tiveram algumas vezes.
Finalmente, César Augusto, no sexto consulado35, já sem receios de lhe escapar
o poder, anulou quanto tinha aprovado no seu triunvirato e lhe substituiu leis
conformes a um governo de paz e de um príncipe. Para que fossem mais firmes
também criou magistrados que as fizessem executar; porém estes, atraídos pelo
prémio que a lei Pápia-Popeia lhes prometia, converteram-se em delatores de
quantos fugiam de casar-se, para que o povo romano, como pai universal,
entrasse na herança de seus bens. Mas não ficaram aqui só estas denúncias. Elas
fizeram por fim a desgraça de Roma, da Itália e de todos os cidadãos romanos, a
muitos dos quais já se tinha devorado as fortunas, e produziam já universal-
mente a consternação e o terror. Tibério, para remediar esta desordem, nomeou,
pois, à sorte cinco consulares, cinco ex-pretores e outros cinco indivíduos do
resto do senado, os quais, tendo aclarado muitas dificuldades da lei, ao menos
momentaneamente produziram algum bem.

29 Em 91-89 e 88-82 a. C., respectivamente.


30 Marco Emílio Lépido.
31 O poder tribunício foi reposto em 70 a. C.
32 No ano de 52 a. C.
33 Contra Júlio César, na batalha de Farsalo, em 48 a. C.
34 As guerras civis entre 49 e 29 a. C.
35 No ano de 28 a. C.
LIVRO III 149

29. No mesmo tempo, recomendou Tibério aos padres Nero, filho de Ger-
mânico, agora já entrado na puberdade36, e lhes rogou o quisessem dispensar do
vigintivirato e lhe permitissem licença para solicitar a questura cinco anos mais
cedo do que o permitiam as leis, o que não deixou de causar muito riso interior
aos ouvintes. Dava por pretexto que ele e seu irmão também haviam tido estas
dispensas a rogos de Augusto, e eu creio bem que semelhantes petições produzi-
ram então ocultamente a mesma zombaria. Mas este era, naquele tempo, o
caminho por onde os Césares podiam chegar às dignidades; tinha-se muito em
vista os costumes antigos, e havia menos relação de parentesco entre o padrasto
e os enteados do que agora entre o avô e o neto. Além disto, se lhe conferiu
ainda nesta ocasião o pontificado e, no primeiro dia em que entrou no Fórum,
distribui-se o congiarium37 ao povo, que mostrou um prazer excessivo por ver
um filho de Germânico já nos anos da puberdade, o qual prazer muito mais se
aumentou com as núpcias deste mesmo Nero com Júlia, filha de Druso. Porém,
assim como tudo isto era motivo de bastante alegria, também se levou muito a
mal o dizer-se que Sejano estava destinado para sogro de um filho de Cláudio.
Não parecia bem que Tibério houvesse de macular, com semelhante aliança, a
nobreza da família e que engrandecesse tão extraordinariamente Sejano, que já
se mostrava assaz ambicioso.
30. No fim deste ano morreram dois homens insignes: Lúcio Volúsio e Sa-
lústio Crispo. A família de Volúsio era antiga, ainda que nunca tinha saído da
ordem da pretura, e foi ele o primeiro que chegou ao consulado e exerceu o
emprego de censor na eleição que se fez dos cavaleiros romanos, vindo a ser o
criador das grandes riquezas com que esta casa tanto engrossou. Salústio Crispo
era da ordem equestre e neto de uma irmã de Salústio, um dos mais brilhantes
escritores da história romana, que o tinha adoptado para conservar o seu nome.
Ainda que houvesse tido todas as proporções para adquirir dignidades, preferiu
o exemplo de Mecenas, mas, sem ter sido senador, excedeu no poder e autori-
dade a muitos consulares e triunfais. Não se pareceu, todavia, com os nossos
maiores no seu muito esquisito trato e asseio pessoal, mostrando, pela grande
magnificência e riqueza que tinha em tudo, quanto propendia para o luxo. Não
lhe faltou, porém, energia de carácter nem talento para os altos empregos, o qual
era nele tanto mais superior quanto o sabia disfarçar, afectando muita indolência
e demasiada paixão por dormir. Assim, enquanto Mecenas foi o primeiro valido,
ele era o segundo e, depois, só a ele se confiavam os tenebrosos mistérios do
palácio; contudo, sendo ainda conselheiro e ministro na morte de Póstumo
Agripa, já na idade avançada mais conservou a aparência da amizade do prín-
cipe do que a realidade. O mesmo já tinha acontecido com Mecenas, pois que
sempre é rara uma duração eterna de poder. De ordinário ou os príncipes se

36 Com 14 ou 15 anos.
37 Esta oferta de azeite, vinho, eventualmente dinheiro, aconteceu a 7 de Junho de 20.
150 ANAIS

enfastiam quando já não têm nada que dar, ou os validos quando já não têm
nada que pedir.
31. Segue-se o quarto consulado de Tibério e o segundo de Druso38, notável
pela sociedade do pai e do filho, porque, ainda que dois anos antes39 houvesse
Tibério exercido esta mesma dignidade com Germânico, nem ela lhe tinha sido
tão agradável, nem o parentesco era tão próximo. No princípio deste ano, partiu
Tibério para a Campânia com o pretexto de restabelecer a sua saúde, mas foi isto
talvez ou porque já meditava uma longa e continuada ausência, ou para que
Druso, estando o pai longe, pudesse figurar só como cônsul. Por acaso uma coisa
bem pequena, de que se originaram grandes questões, deu ocasião ao mancebo de
se benquistar com o povo. Domício Corbulão, que tinha sido pretor, queixou-se
ao senado de Lúcio Sula, moço nobre, porque, estando ambos no espectáculo dos
gladiadores, ele lhe não havia cedido o seu lugar. Corbulão tinha por si a sua
idade, os pátrios costumes e o favor e a estimação de todos os velhos; Sula era
defendido por Mamerco Escauro, Lúcio Arrúncio e outros mais parentes. Mas, de
parte a parte, já tinha havido grandes discursos e apontavam-se exemplos dos
nossos maiores, que em fortes decretos haviam repreendido a irreverência da
gente moça. Druso deu então um arbítrio que contentou a todos, e Corbulão se
contentou com uma satisfação de Mamerco, que era tio e padrasto de Sula e um
dos melhores oradores daquela idade. O mesmo Corbulão, propondo que muitas
estradas da Itália estavam perdidas e intransitáveis pela fraude dos que tinham
tomado de empreitada aquelas obras e pela incúria dos magistrados, aceitou com
muito gosto esta inspecção: o que não causou tanta utilidade pública como
desgraça e ruína para grande número de particulares, contra os quais se procedeu,
ou sequestrando-lhes os bens ou fazendo-lhes perder a sua reputação.
32. Pouco tempo depois escreveu Tibério ao senado a dar-lhe parte que Tac-
farinate tinha renovado a guerra na África, e que por isso era preciso que os
padres nomeassem um procônsul, bom militar, robusto e capaz de concluir
aquela guerra. Daqui tomou ocasião Sexto Pompeio de malquistar e acusar
Marco Lépido, dizendo que era indolente, pobre e a desonra dos seus antepassa-
dos, e que assim até devia ser excluído de entrar nas sortes para o governo da
Ásia. Não gostou desta acusação o senado, pois via que Lépido mais era brando
do que inerte e que as suas infelicidades paternas e a sua nobreza sem mancha
antes lhe deviam servir de elogio do que de matéria de opróbrio. Portanto, foi
nomeado para a Ásia e passou-se um decreto em que se dava a faculdade ao
César de escolher quem quisesse para África.
33. Por esta ocasião, propôs Severo Cecina que nenhum magistrado que
fosse para governo de província levasse consigo sua mulher. Para melhor apoiar

38 Ano de 21 d. C.
39 Tradução de biennio ante («dois anos antes»), ainda que tal tivesse ocorrido em 18.
LIVRO III 151

a sua proposta principiou por dizer (e muitas vezes o repetiu) que ninguém mais
do que ele estimava sua mulher, da qual já tinha seis filhos; mas que, apesar de
todas estas circunstâncias, sempre ele dera este exemplo, deixando-a na Itália
enquanto, pelo espaço de quarenta anos, servira a república em diferentes go-
vernos. Que, não sem motivo, já nos tempos antigos se havia determinado que
as mulheres não acompanhassem seus maridos em terras estranhas ou dos
aliados, porque a demasiada comitiva de que sempre iam rodeadas não só
causava perturbação pelo seu luxo em tempo de paz, porém aumentava o terror
em tempo de guerra e dava às legiões romanas um ar de exército de bárbaros.
Que, além de ser o sexo feminino fraco e incapaz de grandes fadigas, são de
ordinário as mulheres, quando impunemente o podem fazer, não só vingativas,
porém muito ambiciosas de autoridade e riquezas: andam pelo meio dos solda-
dos, põem logo do seu partido os centuriões e, como havia pouco tempo que
tinha acontecido, até se viu uma mulher comandar o exercício das coortes e das
mesmas legiões40. Deviam lembrar-se que, todas as vezes que se tem arguido
alguém por extorsões de dinheiros, sempre as mulheres tiveram nisto grande
parte: a elas logo se ligam os homens de menos probidade das províncias, elas
se incumbem de todos os negócios, tudo se faz pela sua influência, e formam-se,
por assim dizer, nos exércitos duas cortes e dois diferentes quartéis generais. O
império das mulheres era sempre mais atrevido e caprichoso e, apesar de haver
já sido limitado pela lei Ópia e outras mais que depois se publicaram, como
todas agora já estejam postas em desuso, tornamos a vê-las governar as casas,
os tribunais e até os mesmos exércitos.
34. Todas estas coisas foram ouvidas com aprovação de bem poucos, pois
que a maior parte logo clamou que nem este era o objecto da presente delibera-
ção, nem Cecina era digno de ser censor em caso de tamanha importância.
Então Valério Messalino, filho de Corvino Messala, e que ainda conservava
alguns rasgos da eloquência paterna, respondeu desta sorte: «Felizmente a
grande severidade dos costumes antigos já está mudada para melhor, porque
também já não vemos o inimigo às portas de Roma nem assolando as provín-
cias; e o pouco que agora se permite para as comodidades das mulheres nem
serve de peso às famílias, nem o pode servir aos aliados, quanto mais tudo agora
lhes é comum com os maridos e não produz embaraço algum nos tempos de
paz. Quando, porém, é preciso fazer a guerra, muito bom é estar desembaraça-
do, mas, acabada ela, que coisa pode haver mais honesta do que vir descansar
nos braços de uma esposa? Dizem-nos, contudo, que algumas têm mostrado
demasiada ambição e avareza – e não poderemos também responder-lhes que
esse tem igualmente sido o crime de muitos magistrados? Neste caso, ninguém
se mande desde hoje em diante para o governo das províncias. Acrescentam
mais: que a corrupção dos maridos tem de ordinário sido obra da perversidade

40 Plancina.
152 ANAIS

das mulheres. Mas pergunto eu agora: todos os homens solteiros têm sido
irrepreensíveis? Quando se fizeram as leis Ópias foi porque então assim o
pediam as circunstâncias ou os interesses da república, e quando depois se
modificaram foi porque também outros interesses assim o exigiram. É debalde
que pretendemos desculpar a nossa indolência com os defeitos alheios: se a
mulher se não comporta como deve, é sempre a culpa do marido; e, pela fraque-
za de um ou outro indivíduo, não devem ficar todos privados de suas esposas,
esta companhia interessante tanto nas desgraças como nos prazeres da vida.
Seria igualmente a maior imprudência do mundo desamparar um sexo por sua
natureza tão frágil e expô-lo ou aos seus caprichos, ou às seduções dos estra-
nhos. Se, apesar do recato em que as conservamos, tanto nos custa ainda a
guardar ilesa a sua fidelidade, que será se por muitos anos estivermos longe
delas em uma espécie de divórcio? Se quisermos, pois, obstar aos males que se
podem originar em países distantes, comecemos primeiramente por dar provi-
dências para impedir os que nos podem acontecer dentro de casa.» 41 Druso
acrescentou a isto poucas coisas a respeito de sua mulher e disse que os prínci-
pes tinham muitas vezes que fazer longas viagens pelas terras do império, que o
divino Augusto, quando visitava o Ocidente e o Oriente, levava sempre Lívia
em sua companhia; e que ele mesmo estava a partir para a Ilíria e iria ainda mais
longe se as circunstâncias assim o pedissem, porém que não iria satisfeito se não
tivesse consigo sua esposa42, a quem tanto amava, e de quem havia tido tantos
filhos43. Desta maneira ficou sem efeito a proposta de Cecina.
35. No primeiro dia em que se tornou a convocar o senado, leu-se uma carta
de Tibério na qual, queixando-se indirectamente dos padres por fazerem recair
sobre o príncipe todo o peso do governo, designava Marco Lépido e Júnio Bleso
para que destes dois escolhessem o procônsul da África. Ouviram-se as razões
de ambos os candidatos e, por elas, se viu que Lépido muito mais sinceramente
se escusava, apontando as suas enfermidades, os poucos anos de seus filhos e a
idade de uma filha que já estava em tempo de casar. Além disto, percebeu-se
ainda muito bem uma coisa que ele distintamente não queria dizer, isto é, que
Bleso era tio de Sejano e que, portanto, devia ser preferido. Bleso fingiu res-
ponder como homem que não queria, porém tão frouxamente que os aduladores
muito o entenderam e o obrigaram a aceitar, que era tudo quanto ele desejava.
36. Manifestou-se então um sentimento que no coração de muitos andava
profundamente gravado. Todo o homem perverso tinha nesse tempo ampla
liberdade para caluniar e perder as pessoas honradas uma vez que tocasse ou se

41 Discurso indirecto no original.


42 Livila.
43 Tibério Gemelo, Germânico e Júlia.
LIVRO III 153

abraçasse com uma imagem do César44; e os mesmos libertos ou escravos –


como pudessem por esta impunidade ofender, por acção ou de palavra, os seus
mesmos patronos ou senhores – eram de todos estes grandemente temidos. Por
esta causa, o senador Gaio Céstio falou deste modo: que os príncipes, sim,
faziam a figura dos deuses, porém que estes nunca ouviam senão as justas
súplicas dos homens e nem o asilo do Capitólio ou de outros templos de Roma
servia para dar impunidade a toda a espécie de crimes. Que decerto já não havia
leis e que estas se tinham aniquilado, pois que no Fórum e na mesma entrada da
cúria ele estava ouvindo ameaços e insultos de Ânia Rufila, a quem tinha feito
condenar por falsária e contra quem se não atrevia a proceder por ter diante a
imagem do imperador. Outros muitos factos e não menos atrozes referiram
alguns mais senadores, e rogaram a Druso que fizesse dar um exemplo de
justiça, o que ele, com efeito, ordenou mandando que, sendo chamada e con-
vencida do seu crime, fosse conduzida para uma prisão pública.
37. Por um decreto do senado que o príncipe confirmou, foram também cas-
tigados Consídio Équo e Célio Cursor, cavaleiros romanos, por terem falsa-
mente acusado de crimes de lesa-majestade o pretor Mágio Ceciliano. Tanto
uma coisa como outra serviram muito para fazer ganhar a Druso muitos e mui-
tos elogios, porque se via que, convivendo familiarmente com todos em Roma e
frequentando todas as companhias, assim ia aprendendo a mitigar os tenebrosos
arcanos do pai. Nem os Romanos lhe estranhavam certas dissoluções próprias
da idade, porque muito melhor era que antes gastasse os dias nos espectáculos e
as noites em longos festins do que vivesse solitário, sem andar distraído por
alguns divertimentos, e talvez então empregado ou em funestas espionagens ou
em projectos atrozes.
38. Com efeito, nem Tibério nem os delatores descansavam. Ancário Prisco
acusou Césio Cordo, procônsul de Creta, de crimes de concussão e lhe acumu-
lava ainda o de lesa-majestade, que então era o complemento de todas as acusa-
ções e de todas as vinganças. Além disto, Antístio Vétere, de uma das mais
distintas famílias da Macedónia, depois de haver sido julgado inocente em certa
causa de adultério, pelo que foram increpados os juízes, teve de novo também
que responder, por ordem do César, a um crime de lesa-majestade, como per-
turbador e participante das tenções de Rescúporis, quando, pela morte de seu
sobrinho45 Cótis, nos quis fazer a guerra. Foi privado o réu da água e do fogo,
acrescentando-se que ficasse retido em uma ilha, que não tivesse comunicações
com a Macedónia nem com a Trácia. E a razão era porque a Trácia – depois de
já estar dividido o seu território entre Remetalces e os filhos de Cótis, a quem se
havia dado por tutor Trebeleno Rufo, não se podendo acostumar com o nosso

44 Símbolo do direito de asilo.


45 Tradução de fratre («irmão»), que é um lapso do original.
154 ANAIS

governo – não estava sossegada, e arguia tanto Remetalces como Trebeleno de


serem a causa de todos os insultos que sofria e de que sempre ficassem impu-
nes. Os Celaletas, os Odrísios e os Dios, nações muito poderosas, também
tinham pegado em armas, comandados por diferentes capitães, mas todos
igualmente obscuros, o que fez com que a guerra não fosse unânime e, por
consequência, muito perigosa. Uns assolavam o seu próprio país, outros tinham
passado o monte Hemo para sublevar os povos distantes, e o maior número ou
os mais bem disciplinados estavam fazendo cerco ao rei46 na cidade de
Filipópolis, que tinha sido fundada por Filipe de Macedónia.
39. Assim que destas coisas teve notícia Públio Veleu, que comandava o
exército mais próximo, deu ordem para que a cavalaria auxiliar e as coortes
ligeiras fossem dissipar os que andavam roubando ou procuravam unir a si
maiores forças, e ele, ao mesmo tempo, com toda a infantaria escolhida, mar-
chou para fazer levantar o cerco da cidade. Tudo aconteceu como se desejava,
porque as partidas dos salteadores de todo ficaram aniquiladas e, entre os si-
tiantes, se excitou a discórdia com uma surtida oportuna que o rei fez e com a
chegada da legião. Não podemos, porém, dar o nome de combate ou de batalha
a uma acção em que gente desarmada e vagabunda ficou de todo aniquilada ou
dispersa sem nenhuma perda nossa.
40. Neste mesmo ano se rebelaram as cidades das Gálias por causa do peso
extraordinário da sua dívida pública; e os fautores principais da rebelião foram,
em Tréveros, Júlio Floro e, no país dos Éduos, Júlio Sacróviro: ambos de no-
breza conhecida e descendentes de pessoas que tinham feito notáveis serviços,
pelos quais se lhes havia dado as patentes de cidadãos romanos, o que então era
muito raro e só se concedia ao grande valor e merecimento. Floro tomou a seu
cargo revoltar os Belgas, e Sacróviro os Galos mais vizinhos, servindo-se
ambos de conferências ocultas e acariciando ao seu partido os mais atrevidos ou
os que, por sua pobreza ou por criminosos, estão sempre prontos para fazer
revoluções. Desta maneira se entraram a formar conciliábulos e assembleias
sediciosas, em que se falava altamente da continuação dos tributos, da enormi-
dade das usuras, da altivez e arrogância dos comandantes e do pouco sossego
em que andavam os soldados depois da morte de Germânico. Portanto, diziam
que se não podia dar melhor ocasião para recobrar a liberdade, se por uma parte
todos se lembrassem do estado florescente em que estavam e, por outra, da
miséria da Itália, da fraqueza da populaça de Roma e de que toda a força dos
exércitos romanos se compunha de estrangeiros.
41. Quase nenhuma cidade ficou intacta das sementes desta rebelião, porém
os Andecavos e Túrones foram os primeiros que deram o exemplo. Contudo o
legado Acílio Avíola comprimiu logo o levantamento daqueles por meio de uma

46 Remetalces.
LIVRO III 155

coorte que mandou vir de Lugduno, e a estes igualmente desbaratou não só com
um corpo de legionários que lhe foi enviado por Visélio Varrlegado do exército
do baixo Reno, mas com os mesmos socorros dos chefes das Gálias, os quais,
para melhor encobrir a sua deslealdade e poder revoltar-se em ocasião mais
oportuna, tinham concorrido com os seus contingentes de tropas. Até o mesmo
Sacróviro apareceu, combatendo em nosso favor e com a cabeça sempre desco-
berta, como para ostentar valentia, mas, segundo diziam os cativos, só para que
os seus mais facilmente o conhecessem e não lhe fizessem pontarias. Dando-se,
porém, parte disto a Tibério, desprezou os avisos e, pela sua indecisão e demo-
ra, fez mais durável a guerra.
42. No entanto Floro insistia sempre no que tinha começado e buscava, por
todos os modos possíveis, corromper um corpo da cavalaria, que havia pouco se
tinha recrutado em Tréveros e se andava exercitando em as nossas manobras, a
fim de que matasse os banqueiros47 romanos e assim se fizesse a guerra inevitá-
vel; porém só poucos se deixaram alucinar, e o maior número se conservou fiel
aos seus deveres. Contudo uma grande multidão de homens, perdidos com
dívidas ou que eram seus clientes, pegou em armas e procurava meter-se no
bosque que chamam Arduena; mas toda ela foi cortada pelas legiões de ambos
os exércitos, que Visélio e Gaio Sílio tinham para ali feito penetrar por diversos
caminhos. E concorreu muito para isto o ter ido adiante Júlio Indo, natural da
mesma cidade, que, por ser inimigo de Floro, era o mais empenhado na empresa
e serviu grandemente para dissipar aquela multidão desordenada. Floro, esca-
pando por algum tempo escondido, como se visse enfim nos termos de cair nas
mãos dos soldados que guardavam as saídas, matou-se – e assim acabou o
tumulto de Tréveros.
43. Os Éduos deram muito mais que fazer, porque a sua cidade era muito
mais forte e também se achavam mais distantes as forças para os poder com-
primir. Sacróviro estava senhor de Augustoduno, capital da província, que havia
ocupado com coortes armadas, e tinha em seu poder toda a mocidade mais
nobre das Gálias, que ali estava estudando48, servindo-lhe ela assim de penhor
para que os pais e os parentes viessem engrossar o seu partido. Distribuiu, pois,
por todos os mancebos armas, que ocultamente tinha mandado fabricar, e
achou-se com quarenta mil homens – a quinta parte só armada à maneira das
legiões e o resto com lanças, punhais e outras armas próprias de caçadores.
Ainda aumentou este número com todos os gladiadores escravos, a que chama-
vam crupelários, porque, segundo o costume da nação, andam sempre defendi-
dos com uma cobertura de ferro de uma só peça, a qual, ainda que os torna
impenetráveis a todas as feridas, contudo, faz com que pouco valham para o

47 Tradução de negotiatoribus («negociantes»).


48 Tradução de liberalibus studiis ibi operatam («ocupada aí nas artes liberais»).
156 ANAIS

ataque. Todas estas forças se engrossavam não só pelo entusiasmo de muitos


indivíduos das cidades vizinhas, que voluntariamente vinham alistar-se porque
os seus governos ainda não tinham tirado a máscara da sua fidelidade, porém
pela pública discórdia em que andavam os nossos generais 49, entre si disputando
qual deles teria o comando principal nesta guerra. Afinal, Varrão, homem já
velho, cedeu às pretensões de Sílio, que ainda era moço e vigoroso.
44. Mas, a este tempo, já corria em Roma que não só Tréveros e os Éduos,
mas sessenta e quatro cidades das Gálias se haviam revoltado, que os Germanos
tomavam o mesmo partido e que as Hispânias estavam vacilantes – tudo isto
infinitamente exagerado e conforme às vozes sempre mentirosas da fama.
Todos os homens de bem lamentavam a sorte da república, ao mesmo tempo
que muitos se alegravam com as suas próprias desgraças pelo ódio que tinham
ao governo actual e pelo desejo de ver coisas novas. Falava-se, portanto, muito
mal de Tibério, porque, no meio de tão sérias desordens, só empregava o seu
tempo em dar ouvidos às acusações dos delatores. Mandará ele agora também
acusar perante o senado a Júlio Sacróviro por crime de lesa-majestade? (diziam
os descontentes50). Por certo que não: porque já temos quem pelas armas saiba
coibir seus sanguinários mandados e, neste caso, melhor é estar em guerra do
que ter uma paz desgraçada. Apesar disto, ele, mostrando cada vez maior tran-
quilidade e sem mudar de semblante nem de habitação, passava os dias nas suas
ocupações ordinárias, ou fosse por grandeza de alma ou porque soubesse que
tudo isto era coisa pouco importante, e muito menos do que se tinha espalhado.
45. Por este mesmo tempo, Sílio, fazendo avançar toda a tropa auxiliar, mar-
cha com duas legiões e devasta as aldeias dos Séquanos, que, habitando a fron-
teira e muito vizinhos dos Éduos, tinham pegado em armas com eles. Depois cai
subitamente sobre Augustoduno, porque os porta-estandartes e até os símplices
soldados marchavam com a melhor vontade e diziam que se não esperasse pela
noite nem se descansasse, mas que se fosse adiante, pois que para vencer só
bastava ver o inimigo e ser visto por ele. Em distância de doze milhas apareceu,
com efeito, Sacróviro e toda a sua gente no meio das planícies, trazendo na
frente os crupelários, nos flancos as coortes e na retaguarda todos os que irre-
gularmente vinham armados51. Mas ele era o que melhor se distinguia a cavalo
entre os seus primeiros capitães, correndo as fileiras e lembrando-lhes não só a

49 Tradução de Augebantur eae copiae uicinarum ciuitatum ut nondum aperta consensione,


ita uiritim promptis studiis, et certamine ducum Romanorum («Embora não havendo
ainda uma coligação aberta, estas tropas das cidades vizinhas eram assim ampliadas por
uma pronta dedicação homem a homem e pela rivalidade dos generais romanos»).
50 Trecho inexistente no original.
51 Tradução de In fronte statuerat ferratos, in cornibus cohortes, a tergo semermos
(«Dispusera na vanguarda os militares com armadura, nos flancos as coortes, na
retaguarda os mal armados»).
LIVRO III 157

glória antiga dos Galos e as vitórias que já tinham alcançado contra os Roma-
nos, mas que tanto mais honrosa lhes seria agora a liberdade, se fossem vence-
dores, quanto ignominiosa e pesada a escravidão, se ficassem vencidos.
46. Não pôde, contudo, adiantar mais o seu discurso, nem ele já podia ser
ouvido com a mesma alegria, porque já se aproximavam as legiões e toda essa
turma de paisanos, sem ordem e sem disciplina, também já não estava em
estado de lhe dar atenção. Pelo contrário, Sílio, ainda que as demonstrações
antecedentes o dispensassem de falar à sua tropa, sempre lhes disse o seguinte:
que na verdade eles deviam ter vergonha, depois de serem os vencedores da
Germânia, de vir agora bater-se com paisanos, como se fossem valentes inimi-
gos. Uma52 só coorte, ainda não havia muito tempo, tinha derrotado os Túrones
rebeldes, uma divisão de cavalaria, os de Tréveros e algumas poucas compa-
nhias deste mesmo exército, os Séquanos. Que os ricos e voluptuosos Éduos
eram, pois, ainda muito mais fracos e muito mais fáceis de vencer; «portanto,
Romanos (acabou ele exclamando), vós já tendes vencido; cuidai só agora em
perseguir os fugitivos»53. Imediatamente se ouviu um clamor universal; a
cavalaria correu a envolver o inimigo, e a infantaria foi atacá-lo pela frente. Os
flancos nada resistiram, e só por um pouco nos demoraram os crupelários 54, que
pareciam impenetráveis aos golpes das lanças e das espadas; muitos soldados,
porém, agarrando de machados e picões, como se houvessem de ir derribar uma
muralha, rompem-lhes de uma vez as armas e os corpos, ao mesmo tempo que
outros, com forcados e espécie de alavancas, vão deitando por terra esta multi-
dão desanimada, ficando quantos chegam a cair logo como mortos e sem mais
poderem levantar-se. Sacróviro, acompanhado dos seus amigos mais fiéis,
salvou-se, indo logo encerrar-se dentro de Augustoduno, mas, receando ser ali
obrigado a entregar-se, passou-se imediatamente para uma casa de campo que
havia na vizinhança. Dentro dela todos se mataram: ele pela sua própria mão e
os amigos ferindo-se mutuamente uns aos outros, depois de terem, já antes,
posto o fogo à mesma casa para que seus corpos ficassem ali queimados.
47. Finalmente, Tibério fez a sua participação ao senado de como se come-
çara e concluíra esta guerra e não acrescentou nem diminuiu a verdade, dizendo
que tudo se tinha executado pela constância e valor dos legados e pelas direc-
ções que ele mesmo lhes dera. Declarava também os motivos por que nem ele
nem seu filho Druso se tinham ido pôr à frente dos exércitos, dizendo não ser da
majestade do império e até ficar mal aos príncipes o irem pessoalmente acomo-

52 No original, o discurso directo começa nesta frase.


53 Tradução de Quanto pecunia dites et uoluptatibus opulentos, tanto magis imbelles Aeduos
euincite et fugientibus consulite («Derrotai o Éduos, quanto mais abastados de dinheiro e
opulentos de prazeres tanto mais pusilânimes, e ocupai-vos dos fugitivos»).
54 Tradução de ferrati («militares com armadura»).
158 ANAIS

dar os tumultos de uma ou outra cidade, desamparando assim Roma, o centro


dos negócios. Agora, que já estavam dissipados os sustos, iria ele ver o que se
passava para tudo sossegar de uma vez. Decretaram os padres que, pela sua boa
vinda, se fizessem preces e outras mais demonstrações públicas. Só Dolabela
Cornélio, para se distinguir dos outros, caiu em uma adulação absurda, propon-
do que, na sua volta da Campânia, entrasse em Roma com as honras da ovação.
Porém veio logo a resposta de Tibério em que dizia que se não reputava tão
falto de glória que precisasse ainda, depois de ter vencido tão valorosas nações e
haver recebido e rejeitado na sua mocidade tantos triunfos, de aceitar agora,
depois de velho, um prémio ridículo por uma pequena viagem fora da cidade.
48. Por este mesmo tempo, pediu ao senado que se fizessem exéquias públi-
cas na morte de Sulpício Quirínio. É verdade que este não pertencia à antiga
família patrícia dos Sulpícios e era oriundo do município de Lanúvio, mas tinha
sido muito bom militar e, pela sua muita capacidade e aptidão para os negócios,
havia no tempo do divino Augusto merecido o consulado. Tendo, depois disto,
feito na Cilícia a conquista das fortalezas dos Homonadenses, foi condecorado
com as honras do triunfo e, sendo escolhido para dirigir Gaio César no seu
governo da Arménia, tinha feito grandes distinções a Tibério, que então estava
em Rodes. Estes foram os mesmos motivos que ele alegou no senado, fazendo-
-lhe muito elogio pelo modo com que o havia tratado e acusando, ao mesmo
tempo, Lólio por haver sido o instigador de todas as maldades do César e de
quantas discórdias tinham sucedido. Contudo o público via, na vida de Quirínio,
outras coisas que não faziam a sua memória muito grata, tais como as persegui-
ções tramadas contra Lépida, segundo eu já referi, e a sua muito sórdida e
prepotente velhice.
49. No fim deste ano, um delator denunciou Clutório Prisco, cavaleiro roma-
no, a quem o César tinha antecedentemente dado uma gratificação em dinheiro
por certo poema célebre em que havia lamentado a morte de Germânico. O
motivo desta acusação foi o ter composto outros versos no tempo em que Druso
estava doente e, por conseguinte, na esperança de que houvesse de morrer e de
que então seria ainda mais generosamente premiado. Clutório tinha lido a sua
obra em casa de Públio Petrónio e na presença de sua sogra Vitélia e outras
mulheres ilustres para ostentar o seu talento poético. Assim que apareceu o
acusador, ficaram logo aterradas todas estas testemunhas e confessaram tudo, à
excepção de Vitélia, que jurou nada ter ouvido. Porém deu-se mais crédito aos
que estavam empenhados na condenação de Clutório, e o voto do cônsul desig-
nado, Hatério Agripa, foi que se impusesse ao réu a pena capital.
50. Marco Lépido, que não aprovava tão rigorosa sentença, falou então desta
sorte: «Padres conscritos, se atendermos à impiedade com que Clutório Prisco
maculou o seu entendimento e os ouvidos de quem o escutava, é certo que não
há cárceres, nem forcas, nem tormentos, ainda os mesmos que se dão aos escra-
LIVRO III 159

vos, os quais possam ser suficientes para o castigar. Mas quando os crimes ou
os atentados são tão atrozes que excedem todos os limites da perversidade
humana, na clemência do príncipe, nos exemplos dos nossos maiores e na vossa
mesma prática em julgar casos semelhantes, podeis muito bem achar funda-
mentos para diminuir a severidade dos castigos. É preciso fazer distinção entre
as indiscrições e os crimes, entre as símplices palavras e as acções horrorosas;
portanto, é fácil descobrir ainda um meio pelo qual nem fique impune o delito,
nem sejamos acusados ou de extrema piedade, ou de extremo rigor. Ao nosso
prí por muitas vezes, tenho eu ouvido lamentar-se quando algum indivíduo, por
uma morte voluntária, o impede de manifestar a sua clemência: Clutório está,
pois, ainda em tempo de a merecer, pois que a sua vida nem pode causar perigo
algum à república, nem a sua morte produzir grande exemplo. As suas obras,
cheias de vaidade e de inépcias, nunca serão prejudiciais, nem poderá jamais ser
temível um indivíduo que é o primeiro em revelar seus delitos não a homens
prudentes, mas a mulheres ignorantes. A minha opinião é, pois, que seja expul-
so de Roma, que se lhe confisquem todos os seus bens e se lhe neguem a água e
o fogo, como se fosse réu de lesa-majestade.»
51. Dos consulares, só Rubélio Blando seguiu o voto de Lépido; todos os
mais aprovaram o parecer de Agripa – e Prisco foi conduzido a uma prisão,
aonde imediatamente o mataram. Tibério, com os seus rodeios costumados,
repreendendo o senado por este seu procedimento, louvou ao mesmo tempo a
amizade daqueles que, com tanta eficácia, vingavam as pequenas injúrias feitas
ao príncipe; pediu para o futuro menos precipitação nos castigos de símplices
discursos; fez o elogio de Lépido, mas não arguiu Agripa. Lavrou-se, portanto,
um senátus-consulto para que os decretos dos padres não se registassem antes
de passarem dez dias e, por todo este tempo, ficasse prorrogada a morte dos
réus. Mas, apesar disto, nem o senado teve mais liberdade para poder arrepen-
der-se, nem Tibério com todo este espaço se mostrou alguma vez mais humano.
52. Segue-se o consulado de Gaio Sulpício e Décimo Hatério55, em que
houve externamente um completo sossego, mas em que muito se receou dentro
de casa uma rigorosa severidade contra o luxo, o qual já tinha chegado ao
último excesso em todas as coisas enormemente caras. Havia, com efeito, certas
profusões excessivas que melhor se podiam ocultar, disfarçando os seus verda-
deiros valores; mas as demasias sumptuosas da mesa, por isso mesmo que mais
davam nos olhos e faziam o assunto das conversações ordinárias, podiam, em
verdade, merecer muito rigorosas medidas da parte do príncipe, que se mostrava
um austero zelador da antiga parcimónia. Nestes termos, havendo representado
Gaio Bíbulo – e, com ele, todos os edis que estavam em absoluto desprezo todas
as leis sumptuárias – que os gastos da mesa se aumentavam prodigiosamente

55 Ano de 22 d. C.
160 ANAIS

cada dia além do que estava prescrito, e que só fortes remédios podiam conter
este abuso, foram consultados os padres sobre este objecto e remeteram a sua
decisão para o príncipe. Mas Tibério, ponderando maduramente consigo se seria
já possível reprimir tão fortes e desordenados apetites; se a sua proibição causa-
ria ainda maior mal à república; quanto lhe seria indecoroso se não pudesse
levar avante esta reforma e, quando a chegasse a conseguir, com que infâmias e
desgraças de muitos cidadãos ilustres talvez fosse acompanhada, escreveu
finalmente uma carta ao senado em que lhe dizia o seguinte.
53. «Sobre outros quaisquer objectos mais conviria certamente, padres cons-
critos, que eu fosse interrogado na vossa presença, e aí dissesse os meus senti-
mentos a favor da república; mas agora vejo que muito melhor foi que eu não
tivesse assistido a esta deliberação, porque, reparando vós no semblante e nos
sustos dos que mais são arguidos de um luxo excessivo, eu também não teria
podido deixar de fazer os mesmos reparos, e isto seria já da minha parte uma
espécie de sentença contra eles. Se esses ousados e vigorosos edis tivessem de
antemão consultado comigo este caso, não sei se antes lhes aconselharia que
fechassem os olhos sobre estes crimes, tão inveterados e tão fortes, do que se
expusessem a um final e triste conhecimento, que nós já não temos forças
bastantes para os podermos remediar. Porém eles fizeram o que deviam, e seria
para desejar que os outros magistrados fossem tão exactos nas suas obrigações.
Quanto a mim, nem me é decente o calar-me nem sei o que deva dizer porque,
como não seja edil, nem pretor e nem cônsul, exigem-se de um príncipe vistas
muito mais profundas e mais elevadas – com a desgraça, porém, que, se ele faz
uma boa acção, todos querem ter parte nela e, se os súbditos são maus, só a ele
todos põem a culpa. Por onde principiarei eu pois a reformar?56 Será pelas
inumeráveis e extensíssimas casas de campo? Pelo grande número dos escravos
e até de diferentes nações? Pela infinita baixela de ouro e de prata? Pelas belas e
maravilhosas estátuas de bronze e ricos painéis? Pela sumptuosidade dos vesti-
dos, que já hoje é igual tanto nas mulheres como nos homens? Ou tão-somente
pelos atavios feminis que, pela sua muita e preciosa pedraria, fazem correr todo
o nosso dinheiro para os países estrangeiros e até para os inimigos?
54. «Sei muito bem que em todos os festins e companhias se murmura muito
destas coisas e que se pede uma reforma, porém não basta fazer uma lei: é
preciso impor penas; e estes mesmos que agora tanto ralham também hão-de ser
os primeiros em gritar ao depois que se vai arruinar tudo, que todo o homem
rico fica exposto a fatais calamidades e que não haverá um só inocente. As
grandes e antigas moléstias do corpo pedem remédios muito ásperos; da mesma
sorte, quando o espírito está corrompido e é ao mesmo tempo corruptor, quando

56 Tradução de Quid enim primum prohibere et priscum ad morem recidere adgrediar?


(«Que começarei a proibir primeiramente e fazer voltar ao costume antigo?»).
LIVRO III 161

está gravemente enfermo e arde em desejos, nunca ele pode ser coibido com
remédios mais brandos do que são as suas próprias paixões. Muitas leis para
este mesmo fim fizeram os nossos maiores e outras muitas também fez o divino
Augusto; mas aquelas já estão em esquecimento e estas, o que ainda é mais
vergonhoso, caindo em desprezo, deram ao luxo muito maior consistência.
Porque, enquanto só desejamos o que não é proibido, ficamos sempre com susto
de que o venha ainda a ser, mas se impunemente chegamos a não fazer caso das
proibições, acaba então por uma vez não só todo o receio, porém todo o pejo.
Sabeis a razão por que antigamente havia tanta parcimónia? É porque então
cada um era frugal e vivíamos todos, por assim dizer, dentro da mesma cidade57;
ainda não tínhamos os mesmos incentivos, porque os nossos domínios não
passavam da Itália; porém, assim que as nossas vitórias transpuseram os antigos
limites, entrámos logo a devorar as riquezas estrangeiras, assim como depois,
nas guerras civis, até ainda devorámos as dos nossos próprios cidadãos. Que
pequeno mal não é, pois, este em que nos falam os edis em comparação de
outros males ainda mais funestos! Por certo58, ninguém faz reflexão, por exem-
plo, que a Itália tira toda a sua subsistência de fora, que a vida do povo romano
está todos os dias em perigo pela incerteza e pelos riscos das viagens marítimas
e que, se a abundância das províncias não vier acudir aos senhores, aos escravos
e até aos nossos mesmos campos, como será possível que os nossos parques e as
nossas quintas só nos possam sustentar? Estas são, padres conscritos, as verda-
deiras providências que competem ao príncipe – porque, desprezadas elas,
acabou-se de todo a república. Quanto ao mais, só poderemos achar o remédio
dentro em nós mesmos, e as coisas irão naturalmente a melhor por meio da
nossa própria moderação, pela miséria dos pobres e até pela mesma saciedade
dos ricos59. Se houver, porém, algum magistrado que lhe pareça ter tamanha
indústria e poder com que possa pôr em prática esta reforma, eu sinceramente o
louvo e confesso que me vai aliviar de uma grande parte dos meus contínuos
cuidados. Mas se com isto só pretendem censurar os vícios; se, depois de terem
conseguido esta glória, e com ela terem igualmente fomentado ódios infinitos,
pretendem ainda fazer recair os mesmos ódios sobre mim, sabei, padres conscri-
tos, que eu também não folgo de ser o alvo de inimizades. Se já me tenho ex-
posto a muitas, e quase sempre injustas, a fim de bem servir a república, não me
parece agora prudente ir buscar outras de novo, sem nenhuma utilidade pública
e sem nenhum interesse vosso nem meu.»
55. Lida que foi a carta do César, dispensaram-se os edis deste trabalho, e as
profusões da mesa que, por espaço de cem anos, desde a vitória de Áccio até à

57 Tradução de quia unius urbis ciues eramus («porque éramos cidadãos de uma só cidade»).
58 Tradução de At hercule («Mas, por Hércules!»).
59 Tradução de nos pudor, pauperes necessitas, diuites satias in melius mutet («que mude
para melhor, a nós o pudor, aos pobres a necessidade, aos ricos a saciedade»).
162 ANAIS

guerra em que Sérvio Galba tomou posse do império, tinham chegado ao último
excesso, pouco a pouco se foram diminuindo. Eu vou expor as causas desta
mudança. As antigas famílias nobres ou as que, ao depois, se ilustraram por
briosas acções arruinavam-se todas pela sua grande magnificência porque,
então, não se levava a mal o dar festas brilhantes ao povo, aos aliados e aos reis,
nem o ser obsequiado por eles; de sorte que, segundo cada um se fazia mais
notável pelas suas riquezas, pela sua bela casa e pelo imenso número de clien-
tes, de tanto maior nome e mais amizades gozava. Mas, tanto que a tirania dos
príncipes entrou a devorar tanta gente e uma família ilustre foi um sinal de
proscrição, todos os que escapavam começaram a ser mais prudentes60. Os
homens de fortuna que, vindos dos municípios, das colónias e das províncias,
entraram a ser frequentemente nomeados para o senado, concorreram também
muito para a frugalidade doméstica; e, apesar de que, por meio da fortuna ou da
indústria, muitos chegaram a uma velhice opulenta, conservaram, todavia, toda a
sua primitiva austeridade. Vespasiano foi, sem dúvida, o primeiro que apareceu
com toda a simplicidade dos costumes antigos, tanto na mesa como no vestido, e
daqui nasceu o desejo de imitar e agradar ao príncipe, pois que um tal desejo sem-
pre é mais poderoso do que todas as leis e do que todos os castigos61. A não ser
que atribuamos também esta mudança às revoluções a que sempre estão sujeitas
todas as coisas humanas, tanto no físico como no moral, sem, contudo, querermos
por isso afirmar que quanto é antigo seja sempre o melhor, porque a nossa idade
tem produzido exemplos de virtude e ciência que não só merecem muitos lou-
vores, mas que até são dignos de que os vindouros os tomem por modelos. Refiro,
portanto, só o que os nossos antigos fizeram e digo que não os imitemos no mal,
mas que unicamente procuremos igualá-los ou excedê-los no bem62.
56. Tibério, havendo ganhado grande fama de clemência por ter reprimido
esta nova irrupção de delatores, escreveu ao senado pedindo para Druso a
dignidade tribunícia. Este era o título que Augusto imaginara para designar o
poder supremo, não querendo tomar o nome de rei ou ditador, mas procurando
unicamente, debaixo de qualquer denominação que fosse, apossar-se da autori-
dade soberana. Nomeou depois Agripa para seu colega neste emprego e, assim
que ele morreu, fez escolha de Tibério Nero, para que não ficasse mais em
dúvida quem lhe havia de suceder no império. Desta forma se tinha persuadido

60 Tradução de Postquam caedibus saeuitum et magnitudo famae exitio erat, ceteri ad


sapientiora conuertere («Depois que se praticaram as crueldades com as matanças e a
grandeza da fama se tornou uma ruína, os sobreviventes converteram-se a atitudes mais
sábias»).
61 Tradução de aemulandi amor ualidior quam poena ex legibus et metus («o anseio de
imitar é mais forte do que o castigo das leis e do que o medo»).
62 Tradução de Verum haec nobis <in> maiores certamina ex honesto maneant («Que se
mantenham com os antepassados estas nossas rivalidades do bem»).
LIVRO III 163

que melhor se poderiam coibir as inquietas esperanças dos outros pretendentes,


ao mesmo passo que também muito confiava na submissão de Nero e na sua
própria grandeza. Para não perder este exemplo, quis igualmente Tibério que
Druso fosse revestido da mesma autoridade, porque, enquanto foi vivo Germâ-
nico, nunca se atreveu a decidir a qual dos dois daria a preferência. No princípio
da carta, fazia uma invocação aos deuses para que as suas boas intenções a
favor da república fossem bem-sucedidas e a respeito dos costumes do mancebo
falou pouco sem exagerar nem mentir. Dizia que tinha mulher e três filhos e que
agora estava na mesma idade em que ele também fora nomeado pelo divino
Augusto para exercer este emprego. Nem devia parecer prematura esta sua
nomeação, porque só o quisera associar aos seus trabalhos, de que ele já tinha
assaz conhecimentos depois de o haver experimentado por oito anos, em que
tinha feito sufocar algumas sedições e algumas guerras, pelo que havia mereci-
do as honras do triunfo, e ter sido já por duas vezes cônsul.
57. Os padres, que já tinham notícia do que ele pretendia, também tiveram
muito tempo para estudar as suas adulações. Não puderam, contudo, imaginar
coisas novas e tudo o que propuseram foi que se erigissem estátuas aos prínci-
pes, altares aos deuses, templos e arcos e outras mais cerimónias do costume; à
excepção de Marco Silano, que, defraudando a honra dos cônsules, quis au-
mentar a dos príncipes e opinou que, nos monumentos públicos ou particulares,
não se escrevessem dali em diante os nomes dos cônsules, porém só os daqueles
que tivessem a dignidade tribunícia. Levantou-se ainda Quinto Hatério, e foi de
parecer que os decretos do senado deste dia se gravassem63 com letras de ouro,
mas foi altamente escarnecido, porque, apesar de ser velho, ainda se não enver-
gonhava de cair na infâmia de tão servil adulação.
58. Nesta mesma ocasião se prorrogou o governo da África a Júnio Bleso, e
Sérvio Maluginense, flâmine dial, pediu o da Ásia, que lhe cabia por sorte,
dizendo que injustamente andava espalhado que os diales não podiam sair da
Itália, porque, se as suas dignidades eram iguais às dos sacerdotes de Marte e de
Quirino, e estes iam para os governos das províncias, que razão havia para que
também não fossem os outros? Sobre este ponto, nem o povo tinha feito leis
algumas, nem dele falavam os livros das cerimónias. Que muitas vezes os
pontífices celebravam os sacrifícios de Júpiter, quando o flâmine estava doente
ou empregado em negócios públicos, e que, depois da morte de Cornélio Méru-
la, por espaço de setenta e dois64 anos, não houvera este sacerdócio, sem que por
isso tivessem cessado os ofícios divinos. Se por tanto tempo, pois, tinha deixado
de haver este sacerdote e nem por isso havia perigado a religião, quanto menor

63 Tradução de figenda in curia («deviam ser afixados na cúria»).


64 Nalgumas edições, corrige-se para «setenta e cinco» porque o cargo esteve vago entre 87
e 11 a. C.
164 ANAIS

inconveniente haveria em estar o flâmine ausente um só ano para servir um


emprego proconsular? Verdade era que já em outro tempo, por invejas ou
rivalidades, tinham alguns sido impedidos pelos grandes pontífices de ir para os
governos, mas que agora, ainda bem65, o sumo pontificado estava na suprema
pessoa do império, a qual era superior a toda a emulação, a todo o ódio e a todas
as paixões particulares.
59. Opondo-se a isto o áugure Lêntulo e outros mais com diferentes razões,
decidiu-se, por fim, que se consultasse o parecer do sumo pontífice. Tibério,
demorando a resposta deste caso, modificou as cerimónias que se haviam
decretado pela dignidade tribunícia de Druso, e nomeadamente censurou a
inovação de Silano, assim como as letras de oiro de Hatério66, como coisas
contrárias aos pátrios costumes. Foi também lida uma carta de Druso, que, ainda
que parecia escrita com certa modéstia, tomou-se, contudo, por um monumento
de grande soberba. «Eis aqui, pois, ao que temos chegado (se dizia geralmente)!
Para vermos um mancebo que, depois de haver recebido uma honra tão distinta,
não vem dar graças aos deuses de Roma, não vem ao senado e nem ao menos
quer aqui dar princípio ao seu novo emprego dentro da cidade67! Será porque
anda embaraçado com a guerra ou porque esteja vivendo muito longe, quando
todos sabem que anda passeando pelas praias e lagos da Campânia? Que bela
educação para quem está destinado a ter o império do género humano! Estas
são, sem dúvida, as primeiras lições que ele já começa a tomar dos artifícios do
pai! Se o velho imperador fizesse isto, alguma desculpa poderia ainda ter por-
que, aparentemente, também poderia alegar a sua idade cansada e os seus mui-
tos trabalhos68: mas a Druso nada pode impedir senão a sua muita altivez ou a
sua muita soberba!»69
60. Contudo Tibério, segurando assim cada vez mais o principado, ainda
deixava para o senado uma sombra da sua antiga autoridade, remetendo-lhe o
exame das petições que faziam os habitantes de muitas províncias. Nas cidades
da Grécia se multiplicavam cada dia mais os asilos e, com eles, crescia a impu-
nidade de todos os delitos: os templos estavam sempre cheio de escravos facino-
rosos, e neles se iam também refugiar todos os grandes falidos e os réus de

65 Tradução de deum munere («por graça dos deuses»).


66 Tradução de nominatim arguens insolentiam sententiae aureasque litteras («censurando
nominalmente a insolência da decisão e as letras de ouro»).
67 Tradução de auspicia saltem gentile apud solum inciperet («[nem] sequer tomava os
auspícios em solo nacional»).
68 Tradução de Sane grauaretur aspectum ciuium senex imperator fessamque aetatem et
actos labores praetenderet («Seguramente um velho imperador poderia suportar mal a
visão dos cidadãos e desculpa-se com a idade cansada e os trabalhos realizados»).
69 Discurso indirecto no original.
LIVRO III 165

crimes capitais. Nem havia já autoridade alguma que pudesse conter as sedições
de um povo que abertamente defendia as atrocidades dos homens como se
fossem os mistérios dos deuses. Resolveu-se, portanto, que as cidades envias-
sem deputados e, por eles, os seus privilégios. As que os tinham usurpado
desistiram logo deles sem dificuldade, porém outras muitas tinham toda a
confiança ou nas suas antigas superstições, ou nos seus importantes serviços
para com o povo romano. Foi, com efeito, bem pomposo e magnífico aquele dia
em que o senado examinou todas as concessões que haviam feito os nossos
maiores: os tratados com as nações aliadas, os decretos dos reis que tinham
governado antes das conquistas de Roma, as próprias cerimónias do seu culto
religioso – e tudo isto com tanta liberdade como nos tempos antigos para poder
mudar ou conservar o que bem lhe parecesse
61. Os primeiros que apareceram foram os deputados de Éfeso, dizendo,
contra o que vulgarmente se acreditava, que Diana e Apolo não tinham nascido
em Delos, mas junto do seu rio Cêncrio e do bosque de Ortígia é que Latona,
próxima ao seu parto, se encostara a uma oliveira que ainda ali existia e parira
aquelas duas divindades; e depois, por divina revelação, se lhes consagrara
aquele bosque. Que, no mesmo lugar, Apolo, depois de ter morto os Ciclopes,
viera refugiar-se das iras de Jove, e que o padre Baco, ficando vencedor das
Amazonas, perdoara a todas as que tinham ido buscar aquele asilo. Que, por
benefício de Hércules, quando governava na Lídia, muito mais se aumentara a
veneração daquele templo, que esta mesma veneração nem ainda se perdera no
domínio dos Persas e que, depois deles, os Macedónios e nós mesmos, os
Romanos, sempre havíamos guardado os seus privilégios.
62. Seguiram-se os Magnésios, que vinham muito confiados nas instituições
de Lúcio Cipião e Lúcio Sula porque, havendo o primeiro derrotado Antíoco e o
segundo a Mitridates, ambos quiseram honrar o valor e a lealdade dos Magné-
sios, determinando que o templo de Diana Leucófrina fosse um asilo inviolável.
Os Afrodisienses e os Estratonicenses apresentaram também um decreto do
ditador César, que atestava os serviços feitos ao seu partido, assim como outro
mais recente do divino Augusto, em que os elogiava pela sua constância a favor
dos Romanos na guerra dos Partos. Os primeiros acudiam pela veneração do
templo de Vénus e os segundos pela dos templos de Júpiter e de Trívia. Os de
Hierocesareia ainda referiam tradições mais remotas e contavam que o seu
templo de Diana Pérsica havia sido fundado por Ciro, acrescentando que Perpe-
na, Isáurico e outros muitos generais romanos de grande fama não só lhe ha-
viam concedido esta imunidade, mas ainda a tinham estendido em roda do
templo a dois mil passos de terreno. Os Cíprios defendiam, finalmente, a santi-
dade de três templos, o mais antigo dos quais tinha sido mandado fazer por
Aéria a Vénus Páfia, o outro por seu filho Amato a Vénus Amatúsia e o terceiro
a Jove Salamínio por Teucro, quando andava fugido da cólera de seu pai Téla-
mon.
166 ANAIS

63. Foram ainda ouvidos os deputados de outras muitas cidades, mas, já can-
sados os padres de tamanho número de petições e dos muitos e fortes debates
que elas produziam, remeteram todo este negócio para os cônsules, a fim de
que, examinando bem a sua justiça ou qualquer fraude que pudesse haver,
expusessem depois tudo ao senado sem o julgarem. Os cônsules relataram que,
além das cidades que já acima mencionei, se tinha encontrado em Pérgamo um
verdadeiro asilo no templo de Esculápio e que todos os mais se fundavam em
tradições obscuras por serem de uma alta antiguidade. Os de Esmirna, por
exemplo, apontavam um oráculo de Apolo, que lhes tinha mandado dedicar um
templo a Vénus Estratonicida, e os de Tenos referiam o mesmo oráculo70 para
consagrar uma estátua e um templo a Neptuno. Os Sardianos apresentavam
monumentos mais modernos e se fundavam em uma concessão do grande
Alexandre, assim como os de Mileto em outra de Dario, sendo o culto de ambos
eles o de Diana e de Apolo. Finalmente, os Cretenses pediam imunidade para as
imagens do divino Augusto. Fizeram-se, conseguintemente, alguns senátus-
-consultos, nos quais, com muita honra e decência, se moderaram vários abusos,
e foi ordenado a todos que, nos seus templos, pendurassem lâminas de bronze
para perpetuar estas decisões e não suceder que, com o pretexto de religião, se
renovassem ainda as mesmas ou outras desordens.
64. Quase pelo mesmo tempo, agravando consideravelmente a doença de Júlia
Augusta, o príncipe não pôde escusar-se de voltar à pressa para Roma, ou fosse
porque ainda nesse tempo a mãe e o filho vivessem em verdadeira harmonia, ou
porque os ódios ainda se guardassem ocultos. É certo que, poucos dias antes,
dedicando Júlia uma estátua ao divino Augusto, perto do teatro de Marcelo, havia
feito escrever o seu nome primeiro que o de Tibério e, com muito fundamento, se
julgava que ele trazia profundamente escondida dentro do coração esta terrível
ofensa, que parecia um insulto feito de propósito à majestade do príncipe. O
senado decretou, porém, preces públicas aos deuses, e os grandes jogos ou as
festas do Circo71 em que deviam presidir os pontífices, os áugures e os quinde-
cênviros, juntamente com os septênviros e os sodales augustais. Opinou Lúcio
Aprónio que os feciais presidissem também a estas festas, mas opôs-se o César,
dizendo que eram muito distintas as funções dos sacerdotes e que, pelos exemplos
antigos, bem se via que os feciais nunca haviam participado desta dignidade.
Foram, contudo, admitidos os augustais, porque o seu sacerdócio era privativo
desta mesma família por quem então se faziam as rogações.
65. Não é meu intento referir senão as opiniões que se fizeram mais notáveis,
ou pela sua decência ou pela sua insigne baixeza, porque creio ser o principal
objecto dos anais pôr em evidência as grandes virtudes, assim como revelar

70 Tradução de carmen («cântico», resposta em verso de um oráculo).


71 Tradução de supplicia dis ludique magni ab senatu decernuntur («são decretados pelo
senado súplicas aos deuses e os grandes jogos»).
LIVRO III 167

todos os discursos e acções vergonhosas, para que, ao menos, o receio da poste-


ridade acautele os outros de caírem nas mesmas infâmias. Foram, com efeito,
aqueles tempos tão escandalosos por uma sórdida e torpe adulação que não só
as pessoas principais de Roma, que, por serem tão ilustres, procuravam disfarçar
a sua grandeza à força de tais humilhações, porém todos os consulares, a maior
parte dos antigos pretores e até muitos símplices senadores, quase como à porfia
disputavam entre si qual, em suas palavras, seria o mais servil e abjecto. É
tradição constante que o mesmo Tibério, todas as vezes que saía da cúria, excla-
mava em grego: que homens estes tão bem azados para serem escravos! De
sorte que aquele mesmo, que tanto procurava aniquilar a liberdade pública, até
se chegava a enjoar da rasteira paciência de seus vis aduladores!
66. Pouco a pouco, assim iam passando tais homens das indignidades para os
crimes mais atrozes. Mamerco Escauro, de uma família consular, Júnio Otão,
pretor, e Brutédio Nigro, edil, conspiraram-se ao mesmo tempo contra Gaio
Silano, procônsul da Ásia, já de antemão acusado pelos aliados de muitas con-
cussões, e o denunciaram de ter violado a divindade de Augusto e de tratar com
desprezo a majestade de Tibério. Mamerco apoiava-se nos antigos exemplos,
quando Lúcio Cota teve por acusador a Cipião Africano; Sérvio Galba, a Catão,
o censor; e Públio Rutílio, a Marco Escauro – como se Cipião e Catão houves-
sem sido delatores desta natureza, ou ainda mesmo esse famoso Escauro, a
quem agora tanto desonravam seu bisneto Mamerco, tomando este ofício ver-
gonhoso em que se dava a conhecer como o opróbrio de seus antepassados!
Júnio Otão era um antigo professor público que, chegando a entrar no senado
pelo grande valimento de Sejano, procurava agora encobrir a obscuridade da sua
origem por estes atentados infames. Brutédio, com muito estudo e talentos, e a
quem só faltavam virtudes para poder aspirar aos mais brilhantes empregos 72,
entrava nisto pela sua muita ambição, que não só o levava a querer passar
adiante dos seus iguais e dos seus superiores, porém ainda mesmo das suas pró-
prias esperanças – ambição esta que tem feito a desgraça de muitos homens
honrados, que preferiram expor-se a ganhar muito cedo com risco o que mais
tarde poderiam obter com segurança.
67. Declararam-se ainda por seus acusadores Gélio Publícola e Marco Pacó-
nio: aquele havia sido questor de Silano, e este seu legado ou tenente. Não havia
dúvida que ele era réu de muitas crueldades e rapinas, mas acumulavam-se-lhe
ainda muitas coisas que seriam perigosas até mesmo para quem fosse inocente.
Além de ter tantos senadores contra si, via-se também só em campo e forçado a
responder aos homens mais eloquentes da Ásia, que, de propósito, haviam sido
escolhidos para o arguir, quando ele nem tinha esse talento, nem pessoa que o

72 Tradução de si rectum iter pergeret, ad clarissima quaeque iturum festinatio extimulabat


(«se continuasse o caminho correcto, a diligência estimulava a chegar aos mais ilustres
cargos»).
168 ANAIS

auxiliasse nesta sua infelicidade, o que bastaria para fazer desmaiar a mais
poderosa eloquência. Acrescia a isto o empenho de Tibério, que o aterrava com
as palavras e com a vista, porque lhe fazia repetidas perguntas, as quais não era
possível contradizer e ainda menos desculpar: e tanto assim que até muitas
vezes não tinha outro remédio senão confessar tudo para não parecer que o
queria desmentir. O procurador público comprou também os escravos de Silano
para que pudessem ser postos a tormento e, para que nenhum dos seus parentes
se atrevesse a defendê-lo, se lhe imputavam ainda os crimes de lesa-majestade,
o que então era um meio infalível para agrilhoar as línguas de todos. Requeren-
do, pois, que se lhe concedessem alguns dias para responder, não cuidou mais
na sua defesa e tão-somente se arrojou a escrever uma carta ao César, em que
misturava a indignação com as súplicas.
68. Tibério, para fazer mais desculpável com exemplos o que meditava con-
tra Silano, mandou ler não só uma memória do divino Augusto a respeito de
Vóleso Messala, que também tinha sido procônsul da Ásia, porém o senátus-
-consulto que se havia lavrado contra ele. Depois disto, foi rogado Lúcio Pisão
para dizer o seu parecer. Este, depois de um longo preâmbulo sobre a clemência
do príncipe, votou que a Silano se negassem a água e o fogo e fosse desterrado
para a ilha de Gíaro. Os outros opinaram da mesma maneira, à excepção de
Gneu Lêntulo, o qual disse que, em atenção à mãe de Silano73, não se confiscas-
sem os seus bens maternos e se dessem a seu filho, no que Tibério concordou.
69. Porém Cornélio Dolabela, que quis levar ainda mais adiante a sua adula-
ção, repreendendo os costumes de Silano, acrescentou que nenhum homem de
vida escandalosa e notado de infâmia pudesse ser eleito para governador de
província e que o príncipe fosse juiz nestes casos porque, se as leis castigavam
os criminosos, quanto melhor seria para eles e até para os mesmos aliados
precaver as suas prevaricações. Contra isto falou o César desta maneira: que
nada lhe fora desconhecido de quanto se dizia antes contra Silano, mas que não
convinha ajuizar por símplices rumores. Que nos governos muitos se tinham
portado contra o que se esperava ou temia deles, porque alguns se haviam
tornado melhores, em razão do grande emprego em que estavam, e outros
haviam caído em uma inércia total. Que não era também possível que o prínci-
pe, só pelas suas luzes, pudesse tudo conhecer e, por isso, não era justo que o
expusessem a ser enganado por falsas informações; além disto, o objecto das
leis era só castigar os crimes depois de cometidos74. Tal havia sido a prática dos
nossos antepassados, que nunca estabeleceram penas antes de existirem os
delitos. Não se deviam, pois, inverter tão boas instituições, que sempre tinham
merecido a universal aprovação. Quanto aos príncipes, já eram sobejos os seus

73 Átia.
74 Não está traduzido o trecho quia futura in incerto sint («porque o futuro é incerto»).
LIVRO III 169

cuidados e até já era também sobejo o seu poder; assim, à proporção que este
ainda crescesse, se iria diminuindo a força das leis, a qual nunca era lícito
desprezar para recorrer à autoridade dos imperantes. Quanto mais rara já costu-
mava ser esta popularidade de Tibério, tanto maior foi a alegria que ela produ-
ziu. E como ele muito bem soubesse usar da clemência quando particularmente
não se dava por ofendido, acrescentou ainda que a ilha de Gíaro era um país
muito agreste e deserto e que, por isso, em atenção à família Júnia e a ser ele um
homem que já pertencera à mesma ordem senatória, fosse antes desterrado para
Citno; que isto mesmo pedia Torquata, irmã de Silano, uma vestal muito reco-
mendável pela sua pureza e santidade. Os padres abraçaram todos este parecer.
70. Deu-se depois audiência aos Cireneus, e Césio Cordo, tendo por acusador
a Ancário Prisco, foi condenado pelos roubos cometidos na província. Não
consentiu Tibério que entrasse em o número dos culpados Lúcio Énio, cavaleiro
romano, acusado de crime de lesa-majestade por ter convertido em diferentes usos
uma estátua de prata do príncipe. Opôs-se abertamente a isto Ateio Capitão, como
se em tais casos fosse lícito afectar liberdade, e disse que não convinha tirar aos
padres o seu direito de julgar nem que ficasse sem castigo uma maldade tão feia e
que, muito embora perdoasse o César as suas ofensas particulares, mas que não
impedisse que se castigassem as injúrias feitas à república. Entendeu muito bem
Tibério o espírito destas miseráveis razões e persistiu em perdoar. Assim, esta
infâmia de Capitão pareceu muito mais escandalosa porque, sendo ele um grande
jurisconsulto nas matérias divinas e humanas, tão feiamente maculava não só
estes públicos talentos, mas até as suas virtudes domésticas.
71. Passou-se a tratar uma questão religiosa para saber-se em que templo se
havia de colocar uma oferta que os cavaleiros romanos tinham feito à Fortuna
Equestre pelas melhoras de Augusta. Ainda que dentro de Roma houvesse
muitos templos dedicados a esta divindade, não havia nenhum em que ela
tivesse este sobrenome. Achando-se, porém, um perto de Âncio e decidindo-se
que, para as cerimónias, templos e imagens dos deuses, tanto valiam as cidades
de Itália como a mesma Roma, foi em consequência desta decisão colocar-se o
donativo em Âncio. Nesta mesma ocasião, por ser próprio do assunto que se
discutia, deu o César contra Sérvio Maluginense, flâmine dial, a sentença que
tinha demorado, apresentando um decreto dos pontífices que expressamente
proibia que o flâmine dial, depois de ter licença do sumo pontífice, estivesse
ausente de Roma por mais de duas noites; e isto mesmo contanto que não fosse
em dias de sacrifícios solenes, nem mais de duas vezes por ano. Este decreto,
publicado no tempo de Augusto, mostrava, pois, com toda a clareza, que os
diales não podiam estar um ano ausentes, nem ir para o governo das províncias.
Apontou ainda o exemplo do sumo pontífice Lúcio Metelo, que não deixou sair
de Roma o flâmine Aulo Postúmio. Desta forma, o proconsulado da Ásia foi
conferido a aquele consular que era o mais antigo logo depois de Maluginense.
170 ANAIS

72. Neste mesmo tempo, pediu Lépido licença ao senado para restabelecer e
ornar à sua custa a basílica de Paulo, um monumento da família Emília. Ainda
então se conservava o costume de fazer essas liberalidades ao público e nem
Augusto tinha proibido Tauro, Filipo e Balbo de empregarem, no ornato da
cidade e em outras obras, para glória de seus descendentes, ou os despojos que
tinham ganhado aos inimigos ou as suas superabundantes riquezas. Era, pois,
deste exemplo que Lépido se queria servir para honrar a memória dos seus
antepassados, não obstante ser pouco rico. Então o César também prometeu
reedificar o teatro de Pompeio e de lhe conservar sempre o mesmo nome, o qual
teatro casualmente tinha ardido, e ninguém da sua família se achava em estado
de empreender esta obra. Ao mesmo passo, fez os maiores elogios a Sejano por
ter impedido, pelo seu trabalho e vigilância, que este fogo tão violento não
causasse maiores estragos. Por este motivo decretaram os padres que, dentro do
sobredito teatro de Pompeio, se elevasse uma estátua a Sejano. E passados
poucos dias, concedendo Tibério as honras do triunfo a Júnio Bleso, procônsul
da África, disse que fazia também isto em atenção de Sejano, de quem ele era tio.
73. E, com efeito, as acções de Bleso eram dignas desta distinção75, porque
Tacfarinate, apesar de ter sido por muitas vezes derrotado, reparando sempre de
novo as suas forças no interior da África, havia chegado a tal ponto de insolên-
cia que mandara embaixadores a Tibério, dizendo-lhe ou que lhe concedesse
terras próprias para ele e para o seu exército, ou que então lhe faria uma guerra
interminável. Consta que o César nunca sentira tanto ofensa alguma como esta,
por ser feita à sua pessoa e à dignidade do povo romano por um desertor e um
salteador que pretendia pôr-se a par de um legítimo soberano76. Se o mesmo
Espártaco, que, depois de haver batido os exércitos consulares, devastava impu-
nemente a Itália em tempo em que a República se via oprimida com as fortes
guerras de Sertório e de Mitridates, nunca tinha podido conseguir condições
algumas de paz ou de aliança, agora que o povo romano tinha chegado ao seu
estado mais brilhante, como se haviam de conceder pazes ao salteador Tacfari-
nate, a troco de um tão vergonhoso tratado? Incumbiu, portanto, este negócio a
Bleso, recomendando-lhe que aos outros prometesse o perdão se depusessem as
armas, mas que por todos os modos trabalhasse por haver às mãos o seu chefe.
Muitos, induzidos por estas promessas, logo se renderam e, depois, unicamente
se cuidou em frustrar os artifícios de Tacfarinate, empregando outros iguais.
74. E pois que ele tinha pouca e fraca gente, que só era boa para roubar, e
por isso a trazia sempre dividida em diferentes divisões, iludindo assim a nossa
vigilância e armando-nos contínuas emboscadas, destinaram-se também para o

75 Este trecho pertence originalmente ao fim do capítulo 72. O capítulo 73 começa Nam
Tacfarinas («Com efeito, Tacfarinate»).
76 Tradução de hostium more ageret («agia segundo o costume dos inimigos»).
LIVRO III 171

atacar três diferentes corpos de exército77. De um tomou o comando o legado


Cornélio Cipião78 para com ele defender de qualquer insulto os Leptitanos e
impedir que Tacfarinate não se escapasse para os Garamantes; o outro dirigia
Bleso, o filho79, a fim de que as aldeias dos Cirtenses não fossem impunemente
devastadas; e o centro, composto de tropa escolhida e comandado pelo general
em pessoa, que tinha bem fortificado e deixado guarnições nos pontos mais
importantes, fechava de tal sorte todas as passagens e passos estreitos ao inimi-
go que, para qualquer lado que se voltasse, ou pela frente ou pelos flancos, e até
pela retaguarda, sempre se achava com os soldados romanos: desta forma,
muitos logo foram mortos ou ficaram prisioneiros. Repartiu ainda estes mesmos
três corpos em outras mais pequenas divisões e a cada uma deu por chefe um
centurião de valor conhecido; e nem, segundo o costume, no fim do Estio
acampou o exército ou o conduziu para os quartéis de Inverno da antiga provín-
cia, porém, como se estivesse no princípio da campanha, reforçando os presí-
dios, tomou os soldados mais ligeiros e práticos nos caminhos dos desertos, e
com eles inquietava e cansava Tacfarinate, que a todos os momentos se via
obrigado a mudar de posições. Chegando, por fim, a cativar-lhe o irmão, reti-
rou-se mais prontamente do que o pediam os interesses dos aliados e deixou
ainda todo o fermento para uma nova guerra. Apesar disto, Tibério, reputando-a
como acabada, permitiu a Bleso que as legiões lhe dessem o título de imperator,
uma antiga recompensa que se concedia aos generais que, depois de se haverem
distinguido por algum feito eminente, eram saudados com este nome pelo seu
exército vitorioso no meio dos seus transportes de alegria. Havia, ao mesmo
tempo, muitos com este título honorífico, sem que por esta causa ficassem
superiores aos outros que o não tinham. Augusto o concedeu a alguns generais,
e Bleso foi o último que o teve, dado por Tibério.
75. Neste ano, morreram dois homens ilustres: Asínio Salonino, neto de
Agripa e de Asínio Polião, insigne por ser irmão uterino de Druso e por estar
destinado para casar com uma neta de Tibério80; e Capitão Ateio, de quem
acima falei, o primeiro jurisconsulto daquela idade, porém neto de um centurião
do partido de Sula e filho de um pretor. Augusto o nomeou cônsul muito cedo
para que, ao menos pela graduação desta magistratura, fosse superior a Labeão
Antístio, o seu poderoso rival nas mesmas ciências. Ambos eles naquele género
de estudos foram o ornamento do seu século, mas Labeão fez-se muito mais
notável pelo seu incorrupto amor da liberdade, ainda que Capitão agradou e
ganhou mais pelo seu carácter de cortesão e adulador. Além disto, aquele, sem

77 Tradução de tres incessus, totidem agmina parantur («preparam-se três frentes de marcha
e outras tantas colunas»).
78 Públio Cornélio Lêntulo Cipião.
79 Quinto Júnio Bleso.
80 Uma das filhas de Germânico.
172 ANAIS

passar da pretura, chegou a ser muito mais recomendável pelas mesmas injusti-
ças que sofreu, e este último, alcançando o consulado, só ganhou ódio e adqui-
riu inimizades81.
76. Nesta mesma época, sessenta e quatro anos depois da batalha de Fili-
pos82, faleceu também Júnia, sobrinha de Catão, viúva de Gaio Cássio e irmã de
Marco Bruto. O seu testamento deu muito em que falar, porque, sendo muito
rica e deixando legados a quase todos os grandes de Roma, esqueceu-se do
César: o que ele não levou a mal, antes consentiu que o seu elogio fúnebre se
fizesse na pública tribuna, assim como houvesse todas as mais cerimónias
solenes que se costumavam praticar em casos semelhantes. Adiante do seu
funeral foram as imagens de vinte preclaríssimas famílias, tais como as dos
Mânlios, dos Quíncios e outros mais nomes, igualmente nobres e distintos;
porém, Bruto e Cássio foram os que mais brilharam em todo este cortejo, por
isso mesmo que as suas imagens ali não apareceram.

81 Tradução de odium ex inuidia oriebatur («o ódio provinha da inveja»).


82 A 23 de Outubro de 42 a. C.
LIVRO QUARTO

1. No consulado de Gaio Asínio e Gaio Antístio1 contavam-se já nove anos


em que Tibério governava a república em paz e via a sua família florescente –
porque a morte de Germânico era olhada como uma das suas felicidades –,
quando de repente entrou a mudar a fortuna, e ele a mostrar-se cruel e a animar
a crueldade dos outros. Mas o princípio e a causa de todas estas desgraças foi
Élio Sejano, prefeito das coortes pretorianas, de quem já referi o grande vali-
mento; agora direi qual foi a sua origem, quais os seus costumes e por que série
de crimes foi subindo até aspirar ao império. Nascido em Vulsínios de um pai
cavaleiro romano, chamado Sejo Estrabão, acompanhou na sua mocidade a
Gaio César, neto do divino Augusto, e não sem grande publicidade se conta que
nesse tempo se prostituíra por dinheiro ao rico e pródigo Apício. Depois com
tais artes soube agradar a Tibério que, sendo este para todos excessivamente
reservado, só para ele era franco e sincero – e nem se pode dizer que isto fosse
por ser mais artificioso que o príncipe, porque os seus mesmos artifícios o
perderam, porém certamente porque os deuses assim quiseram castigar o povo
romano, para cuja desgraça ele viveu e morreu. Robusto de corpo, audaz de
espírito e muito recatado, ao mesmo passo que acusava os outros era ele mesmo
baixo adulador e insolente. Modesto no público, internamente ambicioso, e por
este motivo algumas vezes liberal e amigo do fausto, porém quase sempre
industrioso e vigilante, tinha as qualidades que, de ordinário, são as mais peri-
gosas quando se fingem para melhor subir ao supremo grau do poder.
2. Procurou aumentar a autoridade da sua prefeitura, que antes era de pouca
importância, reunindo em um só campo ou quartel as coortes pretorianas que
estavam dispersas pela cidade, a fim de que ao mesmo tempo todas pudessem
receber as suas ordens e, estando todas juntas, vendo-se e conhecendo a sua
força, tivessem também mais resolução e causassem maior respeito no público.
Tomou por pretexto que os soldados se desmandavam estando separados; que se
fosse preciso empregá-los de repente se achavam mais prontos; e que a discipli-
na seria muito mais exacta se longe das tentações de Roma estivessem dentro de
um único quartel. Assim que este se concluiu, entrou pouco a pouco a conciliar
os militares2: ia vê-los, falava a cada um pelo seu nome e arrogou-se por fim a

1 Ano de 23 d. C.
2 Tradução de inrepere paulatim militaris animos adeundo («começou aos poucos a
insinuar-se nos ânimos dos soldados»).
174 ANAIS

nomeação dos centuriões3. Nem dentro do senado poupava as intrigas porque


fazia dar aos seus clientes honras e governos, estando sempre Tibério por tudo e
de tal sorte embriagado por ele que não só nas conversações familiares, mas até
diante dos senadores e do povo o chamava sempre o seu sócio nos trabalhos,
consentindo, além disto, que nos teatros e nas praças, e mesmo no meio das
águias e das legiões4, se pusessem e honrassem as suas imagens.
3. Mas a família de Tibério fecunda em Césares, com um filho na flor de seus
anos e com os netos já crescidos, embaraçava-lhe o pôr em execução seus
intentos; e, como era perigoso desfazer-se ao mesmo tempo de todos, os seus
mesmos artifícios pediam que desse algum intervalo às maldades. Adoptou, pois,
um plano mais tenebroso, que foi o começar por Druso, contra quem tinha ódios
recentes porque, incapaz este de sofrer algum rival e sendo de um carácter
ardente, em certa disputa que por acaso se havia suscitado entre eles, tinha
chegado a levantar a mão contra Sejano e o havia maltratado na cara, vendo que
ele intentava defender-se5. Portanto, procurando prontamente vingar-se6, lem-
brou-se de Lívia, mulher de Druso, que era irmã de Germânico e que, tendo sido
muito feia enquanto era rapariga, depois com os anos se havia tornado formo-
síssima. Fingindo morrer de amores por ela, chegou a corrompê-la e como,
perdida a castidade conjugal, todos os mais crimes são fáceis, cometido o adul-
tério7, seguiu-se o tentá-la com esperanças de casamento, com a posse comum do
império e com a morte do marido. Assim esta mulher, que era sobrinha de
Augusto, nora de Tibério e com filhos de Druso, se manchava a si, os seus ante-
passados e vindouros com um adúltero que nem sequer era romano8, e queria
trocar a fortuna actual tão brilhante por destinos incertos e atrozes. Entrava nesta
trama Eudemo, amigo e médico de Lívia, que, pretextando os ofícios da sua arte,
ia muitas vezes vê-la em segredo. Sejano repudiou sua mulher, Apicata, de quem
tinha três filhos, para evitar os ciúmes da concubina9. Mas a mesma enormidade
do delito trazia consigo sustos, demoras e até muita variedade de projectos10.

3 Tradução de simul centuriones ac tribunos ipse deligere («reservava-se a selecção dos


centuriões e tribunos»).
4 Tradução de interque principia legionum («nos postos de comando das legiões»).
5 Tradução de intenderat Seiano manus et contra tendentis os uerberauerat («tinha posto as
mãos sobre Sejano, e ao tratar este de lhe responder, o havia esbofeteado»).
6 Tradução de cuncta temptanti («decidido a tudo»).
7 Tradução de adulterio pellexit, et postquam primi flagitii potitus est (neque femina amissa
pudicitia alia abnuerit) («arrastou-a ao adultério, e depois que se apossou do primeiro
delito (pois uma mulher que perde o seu pudor já não é capaz de negar nada)»).
8 Tradução de municipali adultero («adúltero [natural] de um município»).
9 Tradução de paelici («amante»).
10 Tradução de diuersa interdum consilia («de vez em quando decisões contraditórias»).
LIVRO IV 175

4. Entretanto, no princípio deste ano, Druso, filho de Germânico, tomou a toga


viril e o senado lhe concedeu o mesmo que já tinha decretado para seu irmão Nero.
O César também fez então grandes elogios ao filho pela muita estimação que fazia
dos sobrinhos – e é uma verdade que Druso, apesar de ser muito dificultoso unir ao
mesmo tempo a amizade e o poder, se mostrava muito afeiçoado aos filhos do
irmão, ou pelo menos não lhes era contrário. Renovaram-se, nesta ocasião, as
antigas e tantas vezes frustradas tenções de Tibério de ir visitar as províncias:
pretextava o actual imenso número de veteranos; que era preciso recrutar para
preencher os exércitos; que já não havia quem quisesse ser voluntário; e que os
poucos que se vinham oferecer não tinham valor nem disciplina porque, de
ordinário, só eram pobres ou vadios. Rapidamente fez depois a enumeração das
legiões e das províncias em que estavam empregadas. E, como vem agora a
propósito, direi, pois, quais eram as forças romanas que estavam em serviço, quais
eram os reis aliados e quanto menos dilatado era neste tempo o império.
5. Em ambos os mares da Itália havia duas esquadras, uma em Miseno e
outra em Ravena, e as costas vizinhas da Gália estavam defendidas pelas naus
rostratas11 que tinham sido tomadas na batalha de Áccio e que Augusto mandara
depois para a colónia de Fórum Júlio com uma guarnição muito forte. Porém, as
forças principais, que eram oito legiões, estavam perto do Reno para acudirem
ou contra os Germanos, ou contra os Galos. As Hispânias, conquistadas de
pouco tempo, tinham três legiões; o rei Juba governava os Mouros por uma
graça do povo romano; o resto da África tinha duas e outras tantas o Egipto.
Havia somente quatro em todo o vasto país que se estende deste a Síria até o
Eufrates, compreendendo também a Albânia, a Ibéria e outros muitos reinos,
que só pelo nosso grande nome nós defendíamos contra as potências estranhas.
A Trácia estava governada por Remetalces e os filhos de Cótis. Para defender as
margens do Danúbio, achavam-se duas legiões na Panónia e outras tantas na
Mésia, e havia mais duas na Dalmácia, as quais, pela sua posição, tinham em
respeito não só toda a sua retaguarda, porém a mesma Itália, à qual, sendo
preciso, podiam prontamente acudir12. Isto não obstante, havia em Roma uma
guarnição particular, que se compunha de três coortes cívicas e nove pretoria-
nas13, tiradas quase sempre da Etrúria, da Úmbria ou do antigo Lácio e outras
antigas colónias romanas. Além disto, em muitos lugares os mais importantes
das províncias, havia ainda algumas frotas14 e cavalaria e infantaria auxiliares,

11 Tradução de rostratae naues («navios de guerra»).


12 Tradução de quae positu regionis a tergo illis, ac si repentinum auxilium Italia posceret,
haud procul accirentur («a posição da região colocava-as na retraguarda daquelas, e não
estavam longe para fazê-las vir no caso de a Itália requeresse ajuda urgente»).
13 Tradução de tres urbanae, nouem praetoriae cohortes («três coortes urbanas e dez
pretorianas»).
176 ANAIS

que vinham a dar em forças quase iguais15, bem que o seu número exacto não se
possa saber, porque ora andavam sempre de uma parte para outra, ora se au-
mentavam ou se diminuíam.
6. Pareceu-me também acertado fazer a enumeração das outras partes do
governo e dizer como, até este tempo, elas foram administradas, porque este ano
foi a época em que a administração de Tibério principiou a ir cada vez a pior.
No seu princípio, todos os negócios públicos e mesmo os dos particulares que
eram de maior importância se tratavam no senado: era livre a cada um dizer a
sua opinião16, e ele mesmo foi sempre o primeiro em repreender os aduladores.
Conferia, sim, as dignidades, mas tinha constantemente em vista a nobreza dos
antepassados, os talentos militares e os brilhantes estudos civis, para assim dar a
entender que sempre escolhia os melhores. Os cônsules e os pretores conserva-
vam toda a sua pompa exterior, os magistrados inferiores a sua jurisdição, e das
leis, exceptuando a de lesa-majestade, se fazia muito bom uso. A administração
dos víveres, dos tributos em dinheiro e mais rendas públicas estava nas mãos de
algumas companhias de cavaleiros romanos. O César incumbia os negócios da
sua casa às pessoas de maior probidade, ainda mesmo que lhe não fossem
pessoalmente conhecidas e só pela boa fama que delas havia, e, uma vez em-
pregadas, conservavam-se quase sempre até envelhecerem no seu próprio servi-
ço. É certo que o povo sentiu, em algumas ocasiões, falta de mantimentos,
porém o príncipe não tinha nisto culpa alguma, antes fazia quanto podia para
remediar a pouca fertilidade das terras ou os embaraços que sofriam os trans-
portes por mar. Dava todas as providências para que as províncias não fossem
oprimidas com novos tributos, cuidava muito em que os antigos se pagassem e
arrecadassem sem violência ou rapina dos magistrados e proibiu absolutamente
que fossem vexados os indivíduos com o castigo de açoutes ou com o sequestro
dos bens. O César possuía poucas terras na Itália, e os seus escravos não eram
petulantes17; dentro de casa tinha pequeno número de libertos, e, quando havia
dúvidas entre ele e alguns particulares, recorria logo às leis e aos tribunais.
7. É verdade que mostrava pouco agrado em tudo isto que fazia e que tinha
um certo ar de austeridade que inspirava terror, mas enfim executava-se o bem,
e este subsistiu até à morte de Druso18, com que houve um transtorno absoluto.

14 Tradução de apud idonea prouinciarum sociae triremes («nas províncias que assim o
requeriam tinham-se situado trirremes dos aliados»).
15 Tradução de neque multo secus in iis uirium («forças não muito menos poderosas do que
as outras»).
16 Tradução de dabaturque primoribus disserere («permitia-se aos mais notáveis debater»).
17 Tradução de modesta seruitia («módico o número de escravos»).
18 Tradução de formidatus retinebat tamen, donec morte Drusi uerterentur («fazia-se temer,
até que a morte de Druso fez mudar tudo»).
LIVRO IV 177

Enquanto ele viveu, permaneceram as coisas assim, porque Sejano, que ainda
então principiava a sua carreira, queria dar-se a conhecer por honrados conse-
lhos e temia a rivalidade de Druso, que era bem pública pela manifesta aversão
que lhe tinha e por suas queixas repetidas, não podendo levar à paciência que,
tendo seu pai um filho como ele, chamasse um estranho para o ajudar no gover-
no: «Sim, que lhe falta já (dizia Druso19) para chegar a ser nomeado colega no
império? O primeiro passo para a dominação é difícil, porém, logo que há
felicidade em o dar, sobejam os obséquios assim como os auxiliadores. Sejano,
por seu próprio arbítrio, fez novos quartéis para as guardas, e estas estão todas
na sua mão; vê-se a sua estátua no teatro de Pompeio, e os seus netos vão a
formar a mesma família com os netos dos Drusos; seguramente, depois destas
coisas, creio que nos há-de ser necessário implorar a sua modéstia para que se
contente só com isto!»20 Por muitas vezes e diante de muita gente repetia Druso
estas ou outras palavras semelhantes, que não só eram sabidas, porém até os
seus mais íntimos segredos que sua pérfida mulher21 revelava.
8. Vendo, pois, Sejano que já se não podia perder tempo, procurou um vene-
no que fosse lento nos efeitos, a fim de que estes tivessem todas as aparências
de uma morte natural. A comissão de lho ministrar foi dada ao eunuco Ligdo,
segundo oito anos depois se veio a saber. Ou fosse por verdadeira grandeza de
alma ou por mera afectação, Tibério, em todo o tempo da doença de Druso, e
mesmo no intervalo que mediou entre a sua morte e a sepultura, nunca faltou no
senado. Achando sentados os cônsules em cadeiras inferiores22, para assim
manifestarem a sua mágoa, lembrou-lhes a sua dignidade e o lugar em que
estavam; e, em um longo e continuado discurso, consolou os padres que desfa-
ziam em pranto e lhes fez moderar a sua dor. Disse que muito bem sabia que o
podiam censurar por ir em tal ocasião ao senado, ainda quando a sua aflição era
tão recente, pois que a maior parte dos aflitos até as consolações dos parentes
recusava e, quando eram tão fortes os motivos para chorar, a mesma luz do dia
aborrecia, contudo, ele, sem condenar de fraqueza os que assim pensavam,
vinha procurar no seio da república mais poderosos remédios. Lamentando
igualmente o estado decrépito de Lívia, a pouca idade dos netos e a sua muito
avançada, que já começava a declinar, pediu que os filhos de Germânico, as
únicas esperanças que restavam depois de tantas desgraças, fossem admitidos na
cúria. Saindo fora os cônsules e, animando os mancebos, os acompanharam para
dentro e os foram apresentar diante do César. Ele, tomando-os pela mão, conti-
nuou desta sorte: «Padres conscritos, estes órfãos, depois da morte de seu pai,

19 Acrescento do tradutor.
20 Discurso indirecto livre no original.
21 Tradução de corrupta uxore («corrompida mulher»).
22 Tradução de sede uulgari («assento vulgar»).
178 ANAIS

tinha eu recomendado a seu tio e lhe havia pedido que, não obstante ter filhos,
os tratasse também como seus e os educasse para sua glória e da posteridade.
Agora que perderam a Druso, eu vos repito as mesmas súplicas e as faço diante
dos deuses e da pátria. Aqui tendes, pois, os bisnetos de Augusto e os descen-
dentes de tantas famílias ilustres: tomai conta deles, não cesseis de ampará-los e
fazei também as minhas vezes, adoptando-os por filhos23. Sim, Nero e Druso,
estes são agora os vossos pais; e lembrai-vos que os vossos vícios ou as vossas
virtudes já não podem ser indiferentes à república.»
9. Estas palavras foram ouvidas com muitas lágrimas e depois com muitos
votos e aclamações de louvor; e se tivesse ficado só aqui, decerto que bem
sensivelmente teria comovido os ouvintes24. Passando, porém, logo a coisas muito
ridículas, e com as quais já por tantas vezes tinha causado muita zombaria, como
por exemplo o dizer que se queria demitir do império e que os cônsules ou
qualquer outro tomasse posse do governo: fez assim que nem mesmo se desse
crédito ao que parecia ter dito com a maior sinceridade. Decretaram-se à memória
de Druso as mesmas honras que já se tinham feito a Germânico, à excepção de
outras coisas mais que costumam ser ordinárias quando a adulação vai crescendo.
O seu funeral foi particularmente notável pela grande pompa das imagens e nele
se viram, em uma longa procissão, Eneias, como progenitor da família Júlia,
todos os reis albanos, Rómulo, o fundador de Roma, a nobreza sabina, Ato Clauso
e o resto de todos os mais indivíduos pertencentes à casa dos Cláudios25.
10. No que respeita à morte de Druso, referi o que muitos e fidelíssimos
autores têm relatado, mas, apesar disso, não omitirei também os rumores que
nesse tempo corriam e que eram tão fortes que ainda hoje se conservam. Diz-se
que Sejano, depois de haver seduzido Lívia para entrar neste crime, se servira
dos mesmos artifícios de prostituição para melhor se segurar do eunuco Ligdo,
o qual, como fosse por sua idade e beleza muito estimado de Druso, era um dos
seus primeiros validos. Que, assim que tudo estava preparado para executar este
horroroso atentado, concebera ele ainda o projecto mais infernal e atrevido que
se podia imaginar, a fim de desviar quaisquer desconfianças26. Que avisara
ocultamente Tibério de que tinha indícios bastantes que Druso o queria envene-
nar; portanto, que se escusasse de beber do primeiro copo que lhe fosse ofereci-
do quando ceasse em casa do filho. Que o velho, então enganado com esta

23 Tradução de uestram meamque uicem explete («cumpri o vosso dever e o meu»).


24 Tradução de misericordia sui gloriaque animos audientium impleuerat («tinha enchido os
ânimos dos ouvintes de sentimentos de comiseração e de glória a respeito da sua pessoa»).
25 Tradução de ceteraeque Claudiorum effigies («e restantes efígies dos Cláudios»).
26 Tradução de deinde inter conscios ubi locus ueneficii tempusque composita sint, eo
audaciae prouectum ut uerteret («depois quando já ente os cúmplices estavam estabele-
cidos o lugar e o tempo do envenenamento, chegou a tal grau de audácia que deu a volta
às coisas»).
LIVRO IV 179

dolosa denúncia, sendo-lhe apresentado o copo, o aceitara e logo imediatamente


o oferecera a Druso, o qual, pegando-lhe e bebendo-o de uma vez, sem a menor
desconfiança27, com isto mesmo fizera capacitar Tibério ainda mais de que o
medo e a vergonha de se ver descoberto o tinham posto na dura necessidade de
beber o mesmo veneno que tinha preparado para o pai.
11. Mas estes boatos populares (por isso mesmo que não têm autor algum
em que se fundem) são muito fáceis de refutar. Porque qual seria o homem de
tão pouca prudência, quanto mais Tibério, tão eminentemente astucioso, que
expusesse seu filho à morte, e pela sua própria mão, sem que de nenhuma sorte
lhe pudesse depois dar remédio? Era, por certo, muito melhor pôr logo a tor-
mentos o escravo que ministrava o veneno para dele se saber quem lhe havia
dado aquela comissão, e não é de presumir que, sendo Tibério tão tardo e vaga-
roso em tudo o que dizia respeito aos estranhos, fosse agora tão rápido em
perder um filho único, contra quem não tinha queixa alguma antecedente.
Contudo, como Sejano era tido por capaz de executar todo o género de malda-
des, como se via a grande amizade que o César lhe tinha, e como ambos eram
geralmente aborrecidos28, não houve dúvida em acreditar esta fábula, apesar de
ser horrorosa; porque a morte dos imperantes ou dos grandes sempre se costuma
atribuir a circunstâncias atrozes. Quanto mais, todo este grande crime veio depois
a revelar-se por Apicata, mulher de Sejano, e por Eudemo e Ligdo, que por esta
causa sofreram ambos a tortura – e não houve autor algum, ainda daqueles que
eram seus inimigos, que acusasse Tibério desta atrocidade, criminando-o de
outras muitas coisas. A razão, porém, por que me cansei em escrever estas
patranhas foi para, com este exemplo tão claro, poder desmentir outras calúnias
históricas e acautelar os que me houverem de ler para que não creiam de leve em
tudo o que se conta por isso só que é maravilhoso e mais do agrado da multidão,
nem o prefiram às verdades singelas em que não entram milagres29.
12. Tibério fez o elogio fúnebre do filho na pública tribuna; porém o senado
e o povo, mais por formalidade do que por estarem sinceramente magoados, se
vestiram de luto e mostraram nas palavras sentimentos de dor, porque dentro em
seus corações reviviam as esperanças e, com elas, toda a alegria de verem que a
família de Germânico tornava a florescer30. Mas este mesmo princípio de favor

27 Tradução de atque illo ignaro et inueniliter hauriente («ao bebê-lo de um trago e estando
aquele juvenilmente ignaro»).
28 Tradução de ceterorum in utrumque odio («do ódio dos outros contra ambos»).
29 Tradução de peteremque ab iis quorum in manus cura nostra uenerit ne diuulgata atque
incredibilia auide accepta ueris neque in miraculum corruptis antehabeant («e de pedir
àqueles em cujas mãos caia o nosso trabalho [que não] anteponham os rumores, nem as
coisas incríveis que se ouvem com avidez, à verdade e aos frutos que não foram alterados
em função do maravilhoso»).
30 Tradução de habitum ac uoces dolentum simulatione magis quam libens induebat,
180 ANAIS

e a pouca cautela de Agripina em não esconder o seu contentamento aceleravam


a sua ruína. Porque, vendo Sejano que a morte de Druso ficava impune e que
não tinha causado tristeza alguma no público, agora mais audaz para os crimes,
por isso que havia ficado bem do primeiro, passou logo a meditar como daria
também cabo dos filhos de Germânico, para quem a sucessão do império já não
parecia duvidosa. Contudo era muito difícil dar veneno a três, quando todas as
pessoas que os serviam eram de uma lealdade conhecida, e a casta Agripina era
incorruptível: portanto, começou a acusá-la de soberba, a reanimar os antigos
ódios de Augusta e a estimular os recentes projectos de Lívia31, para que ambas
trabalhassem por indispô-la com o César, criminando-a da sua altivez por se ver
tão fecunda e de procurar merecer os aplausos populares para melhor conseguir
o poder a que tão ardentemente anelava. Assim, por meio destas coisas, fazia
com que a velha, por sua natureza ciosa de perder a autoridade, se tornasse cada
vez mais inimiga da nora, servindo-se para semelhantes intrigas de acusadores
sagazes32, um dos quais era Júlio Póstumo, da grande intimidade da avó por
andar em comércio adulterino com Mucília Prisca, a qual tinha toda a ascendên-
cia no espírito de Augusta. Ao mesmo tempo, as pessoas que viviam mais perto
de Agripina eram solicitadas para inflamar o seu vaidoso carácter com malignas
e fatais sugestões.
13. Mas Tibério, sem nunca se poupar ao trabalho, tomava os negócios
públicos como uma espécie de consolação, julgando as causas dos cidadãos e
ouvindo os requerimentos dos aliados. Pelas suas representações se fizeram
alguns senátus-consultos para aliviar por três anos de tributos as cidades de
Cíbira, na Ásia, e de Égio, na Acaia, que tinham ficado assoladas por um terre-
moto. Víbio Sereno, procônsul da Hispânia Ulterior, homem de costumes fero-
zes e condenado pelas suas muitas violências, foi deportado para a ilha de
Amorgos. Carsídio Sacerdote e Gaio Graco, arguidos de terem feito passar
víveres para Tacfarinate, foram absolvidos. Destes, o último, ainda sendo muito
criança, tinha acompanhado seu pai, Semprónio, no desterro que teve para a ilha
de Cercina. Criado ali, entre desterrados e homens absolutamente ignorantes das
artes liberais e vivendo depois de um sórdido comércio entre a África e a Sicí-
lia, nem assim escapou dos perigos que só costumam ameaçar as brilhantes
fortunas: porque se Élio Lâmia e Lúcio Aprónio, que haviam sido governadores
da África, não tivessem defendido a sua inocência, é natural que a sua mesma
infausta nobreza de família e as desgraças paternas o houvessem perdido.

domumque Germanici reuirescere occulti laetabantur («adoptaram a atitude e as lamen-


tações próprias do luto mais por aparência que por sinceridade, e no fundo alegravam-se
do reverdecer da casa de Germânico»).
31 Tradução de recentem Liuiae conscientiam («recente cumplicidade de Lívia»).
32 Tradução de Atque haec callidis criminatoribus («levou por diante o seu plano por meio
de astutos delatores»).
LIVRO IV 181

14. Neste mesmo ano, apareceram ainda outros deputados de algumas cida-
des da Grécia. Pediram os de Samos que se lhes confirmasse o antigo direito de
asilo que tinha o seu templo de Juno, e os de Cós o que tinha o seu templo de
Esculápio. Os Sâmios fundavam-se em um decreto dos anfictiões33, que forma-
vam o tribunal supremo dos Gregos quando estes dominavam nas cidades
marítimas da Ásia. Os de Cós não mostravam menor antiguidade e tinham ainda
mais a seu favor o notável merecimento daquele mesmo lugar, porque, mandando
Mitridates degolar todos os cidadãos romanos que se encontrassem por todas as
ilhas e o continente da Ásia34, eles haviam salvado dentro do seu templo de Escu-
lápio quantos ali se achavam no país. Depois das muitas queixas, e sempre
frustradas, que tinham feito os pretores, propôs finalmente o César no senado que
se reprimisse a indecência dos histriões, que não só eram sediciosos no público,
mas cometiam ainda em particular gravíssimos escândalos. E acrescentou que
havia também certas farsas antigas35, inventadas pelos Oscos, as quais, apesar de
serem já bem pouco interessantes para o povo, tinham, contudo, chegado a tal
crédito e a tamanha insolência que só pela autoridade dos padres se podiam
reprimir. Em consequência disto, foram então expulsos da Itália os histriões.
15. No mesmo ano se renovaram as lágrimas do César, com a morte de um
dos filhos gémeos de Druso36 e de um dos seus maiores amigos. Era este Lucílio
Longo, o sócio de todas as suas felicidades e desgraças e o único senador que
lhe tinha feito companhia no seu retiro de Rodes. Assim, ainda que fosse um
homem de fortuna, os padres lhe decretaram, à custa de república, um funeral à
imitação do dos censores e uma estátua no fórum de Augusto. Ainda neste
tempo todos os negócios se tratavam no senado, de sorte que Lucílio Capitão,
procurador do César na Ásia, sendo acusado pela província, ali foi responder:
testificando constantemente o príncipe que não lhe havia dado outros poderes
senão sobre os seus escravos e rendas particulares e que, se ele tinha usurpado a
jurisdição do pretor e se havia servido da força militar, fora em tudo isto contra
as suas ordens – e, portanto, examinassem bem as queixas dos aliados. Feito o
exame, foi o réu condenado e, por esta sentença, assim como por outra que já no
ano antecedente se tinha dado contra Gaio Silano, determinaram as cidades da
Ásia dedicar um templo a Tibério, a sua mãe e ao senado. Alcançaram para isto
licença e, em nome da província, deu Nero os agradecimentos aos padres e ao
avô, causando com isto a maior alegria aos ouvintes, os quais, com a saudade
ainda fresca de Germânico, cuidavam agora que ainda o estavam vendo e
ouvindo na pessoa de seu filho. Com efeito, mostrou então o mancebo grande

33 Tradução de Amphictyonum («representantes dos estados gregos»).


34 Tradução de apud cunctas Asiae insulas et urbes («em todas as ilhas e cidades da Ásia»).
35 Atelanas.
36 Germânico.
182 ANAIS

modéstia e muita gravidade de príncipe, mas, como ao mesmo tempo se soubes-


se a forte aversão que lhe tinha Sejano, muito mais belas e amáveis ainda pare-
ciam a todos estas suas boas qualidades37.
16. Nesta mesma época, por ocasião de se dever nomear um flâmine dial em
lugar de Sérvio Maluginense, que tinha morrido, propôs o César uma nova lei
sobre este objecto. Disse que o costume antigo era nomearem-se três patrícios que
tivessem nascido de pais confarreatos38 para deles se escolher depois um, porém
que presentemente o número era já muito pequeno desde que se tinha perdido o
uso da confarreação, que só poucos já praticavam. Apontou muitas causas desta
grande falta, mas fez recair a principal em a negligência dos maridos e das mulhe-
res, acrescentando, contudo, a dificuldade que havia de usar destas cerimónias,
que muitas vezes se omitiam de propósito, porque todos os que entravam neste
sacerdócio ficavam logo por isso isentos do pátrio poder, assim como as mulheres
que casavam com eles. Neste caso devia o senado dar algumas providências,
fazendo um decreto ou uma lei à semelhança de Augusto, que acomodou muitas
práticas antigas aos costumes modernos. Consultando-se, pois, este ponto reli-
gioso, decidiu-se que por nenhuma forma se alterassem os ritos que eram próprios
da criação dos flâmines, porém lavrou-se uma lei pela qual se determinava que a
flamínica (ou a esposa do flâmine dial)39, no que tocava aos sacrifícios, estivesse
absolutamente sujeita ao marido – mas em tudo o mais ficasse como qualquer
outra mulher debaixo da autoridade paterna. O filho de Maluginense sucedeu na
dignidade de seu pai. Ao mesmo tempo, para mais honrar o sacerdócio e animar a
vocação para este emprego, decretou-se que se desse dois milhões de sestércios à
vestal ou virgem Cornélia40, que ia entrar no lugar de Escância, e que todas as
vezes que Augusta fosse ao teatro se sentasse no meio das vestais.
17. Sendo cônsules Cornélio Cetego e Visélio Varrão41, os pontífices e, com
o seu exemplo, todos os mais sacerdotes, fazendo preces aos deuses pela pros-
peridade do príncipe, incluíram também nelas a Nero e a Druso, não tanto por
amizade que tivessem aos mancebos como por espírito de adulação, a qual nos
governos despóticos42 tão perigosa costuma ser quando é diminuta como
quando é excessiva. O que logo aconteceu bem claro o provou porque43, não

37 Tradução de aderantque iuueni modestia ac forma principe uiro digna, notis in eum Seia-
ni odiis ob periculum gratiora («E o jovem tinha um recato natural e uma prestância digna
de um príncipe, que o faziam mais grato ao conhecerem-se os ódios de Sejano contra ele»).
38 Casados por confarreação, ou seja, eram cidadãos livres.
39 A explicação é um acrescento do tradutor.
40 Tradução de Corneliae uirgini («à virgem Cornélia»).
41 Ano de 24 d. C.
42 Tradução de moribus corruptis («em estado de corrupção de costumes»).
43 Acrescento do tradutor.
LIVRO IV 183

gostando Tibério dos filhos de Germânico e levando muito a mal que nestas
distinções os igualassem com ele, mandou chamar os sacerdotes e lhes pergun-
tou se por instâncias ou ameaços de Agripina assim tinham obrado. Ainda que
negassem e fossem levemente repreendidos por serem ou pela maior parte seus
parentes44, ou pessoas das principais da cidade; contudo sempre fez um discurso
no senado em que avisou que, para o futuro, não tornassem a ensoberbecer com
honras prematuras os espíritos ainda mal formados dos mancebos. A isto dava
todo o motivo Sejano, que lhe afirmava estar já Roma dividida em partidos,
como nos tempos das guerras civis, e que mesmo havia já indivíduos que se
intitulavam do partido de Agripina, ao que se não se desse logo um pronto
remédio podia muito bem ter consequências45 funestas. Que não havia, pois,
outro meio para abafar na sua origem estas discórdias senão castigar fortemente
um ou outro chefe dos mais atrevidos.
18. Tal foi a causa por que logo foram acusados Gaio Sílio e Tício Sabino,
aos quais ambos foi fatal a amizade de Germânico. Começaram por Sílio por-
que, tendo este comandado por espaço de sete anos um poderoso exército,
havendo recebido as honras triunfais pelas vitórias que alcançara na Germânia e
sendo o vencedor de Sacróviro, persuadiam-se agora que, quanto maior e ines-
perada fosse a sua queda, muito mais ela serviria para aterrar os outros. Persua-
dia-se também muita gente que a causa principal do ódio que lhe tinha Tibério
nascia da sua pouca moderação em falar porque imprudentemente se jactava de
que, havendo-se revoltado todos os exércitos, só o seu se havia conservado fiel,
e que decerto já Tibério não estaria no trono se as suas legiões tivessem tomado
o mesmo partido. Com estes discursos, julgava o César destruída toda a sua
fortuna e que já não tinha com que premiar tão extraordinários serviços, porque
os benefícios se estimam só enquanto se podem pagar, mas, quando excedem
toda a recompensa, em lugar de agradecimento só geram inimizades46.
19. A mulher de Sílio era Sósia Gala, a qual, por ser amiga de Agripina, era
por isso mesmo odiada do príncipe. Pareceu, pois, mais acertado acusá-la pri-
meiramente e o marido, e deixar ainda Sabino para outra ocasião, para o que foi
convidado o cônsul Varrão, o qual, debaixo do pretexto das inimizades do pai,
servia com bem desonra sua as aversões de Sejano 47. Pedindo o réu uma curta
demora enquanto o acusador não acabava o tempo do seu consulado, não o
consentiu o César, dizendo que os magistrados podiam, segundo o costume,
acusar os particulares e que se não devia infringir os privilégios de um cônsul,

44 Tradução de propinquis («chegados»).


45 Tradução de fore pluris («seriam mais»).
46 Tradução de pro gratia odium redditur («paga-se com ódio e não com gratidão»).
47 Tradução de obtendens odiis Seiani per dedecus suum gratificabatur («satisfazia os ódios
de Sejano desonrando-se a si mesmo»).
184 ANAIS

que, pela sua eficácia e cuidados, tanto o ajudava a defender a república. Foi
sempre esta a política de Tibério: mascarava todas as atrocidades da sua inven-
ção com práticas e fórmulas antigas48. Passando-se enfim a grandes debates,
como se houvesse um procedimento legal contra Sílio e como se Varrão fosse
um desses cônsules respeitáveis de outras idades ou se ainda então houvesse
República, foram constrangidos os padres a dar os seus pareceres: ouvindo o réu
tudo em silêncio e contentando-se apenas com dizer um ou outra palavra só para
mostrar sem disfarce quais eram, na realidade, os motivos secretos da sua acu-
sação49. Os artigos principais em que esta se fundava eram o ter disfarçado por
muito tempo, sabendo-os, os movimentos hostis de Sacróviro e ter, com as suas
rapinas e com as de sua mulher, Sósia, manchado a vitória. Na verdade, não se
podia negar que ambos fossem réus de peculato ou concussão50, mas a atrocida-
de estava em se querer dar a tudo isto a cor de crimes de lesa-majestade. Assim,
vendo Sílio que a sua condenação era certa, procurou preveni-la matando-se51.
20. Foram-lhes, conseguintemente, confiscados os bens não para deles se
restituírem as somas que se dizia roubadas na província, porque ninguém as
reclamava, porém para se enriquecer o fisco com a mais escrupulosa miudeza –
e isto contra todos os bons exemplos da liberalidade de Augusto. Foi esta, com
efeito, a primeira vez em que Tibério se mostrou sequioso das riquezas alheias.
Sósia teve sentença de desterro pelo voto de Asínio Galo, que opinou também
que a metade dos bens lhe fosse sequestrada e a outra se deixasse para os filhos.
Contra isto falou Mânio Lépido, dizendo que se desse a quarta parte aos delato-
res, como a lei prescrevia, e o resto ficasse para os filhos. Tenho achado que
este Lépido fora naquele tempo um homem de grande prudência e carácter e
que, por muitas vezes, moderara as opiniões ferozes dos aduladores – e nem
podia deixar de ter muita modéstia e juízo quem soube conservar com Tibério
igual respeito e amizade. Mas por isso mesmo também fico em grande dúvida se
o ódio ou a amizade dos príncipes, assim como tudo o mais, dependem de
alguma fatalidade ou influência de estrela52 ou se enfim nós, só por nossas luzes
naturais, evitando tanto uma excessiva austeridade como uma vil condescen-
dência, somos capazes, na carreira da vida, de trilhar um caminho seguro em
que não sejamos nem infelizes nem maus53. Seguiu-se a opinar Messalino Cota,

48 Tradução de priscis uerbis («com palavras antigas»).


49 Tradução de silente reo, uel si defensionem coeptaret, non occultante cuius ira premeretur
(«estando o réu em silêncio ou, se começasse a defesa, não ocultava que a ira caía sobre si»).
50 Tradução de repetundarum («concussão»).
51 Tradução de cuncta quaestione maiestatis exercita, et Silius imminentem damnationem
uoluntario fine praeuertit («tudo versou em torno da acusação de majestade, e Sílio
adiantou-se à iminente condenação com uma morte voluntária»).
52 Tradução de fato et sorte («fado ou sorte»).
53 Tradução de an sit aliquid in nostris consiliis liceatque inter abruptam contumaciam et
LIVRO IV 185

que, não menos ilustre que Lépido porém muito diferente em virtudes, votou
que se lavrasse um senátus-consulto para que os magistrados, ainda que ino-
centes e sem participarem dos crimes de suas mulheres no tempo dos governos,
fossem todavia castigados por eles como se fossem seus próprios.
21. Tratou-se depois da acusação contra Calpúrnio Pisão, homem nobre e de
grandes espíritos: porque este é o mesmo de quem já contei dissera uma vez no
meio do senado que ele ia ausentar-se de Roma se não se pusesse um termo aos
delatores, e, além disto, sem se importar com a autoridade de Augusta, havia
tido a ousadia de citar Urgulânia para comparecer em juízo, tentando até arran-
cá-la da própria casa do príncipe para dar execução a seus intentos54. Tudo isto
naquele tempo tinha disfarçado Tibério, mas, revolvendo sempre no seu coração
as iras antigas, achou-se que, apesar que o ímpeto da ofensa já estivesse dimi-
nuído, se lhe conservava ainda bem fresca a memória. Acusou, pois, Quinto
Grânio a Pisão de certos discursos, os quais, ainda que tidos em segredo, ataca-
vam a majestade do príncipe, e acrescentou que ele sempre conservava em sua
casa venenos e que nunca entrava na cúria que não fosse armado de espada.
Destes dois últimos artigos, como incríveis pela sua mesma exageração, não se
fez nenhum caso, mas foi declarado réu da primeira acusação e de outros mais
factos que em grande número ainda lhe acumulou; contudo não chegou a ouvir
a sua sentença porque a desviou por uma morte oportuna. Foi também acusado
Cássio Severo, que se achava em desterro, o qual, ainda que de origem abjecta e
de costumes perversos, como fosse dotado de talentos superiores para a elo-
quência, se tinha feito extremamente odioso e havia sido mandado para Creta
por um decreto em que o senado o julgara com todas as formalidades do jura-
mento. Comportando-se no seu desterro da mesma maneira e excitando contra si
não só os velhos, mas ainda os novos motivos de indignação, perdeu todos os
seus bens, negou-se-lhe a água e o fogo e foi morrer em uma idade avançada55
no rochedo de Serifos.
22. Por este mesmo tempo, o pretor Pláucio Silvano precipitou da janela
abaixo56 sua mulher, Aprónia, sem que até hoje se saiba as razões deste estranho
sucesso, porque, sendo conduzido diante do César por seu sogro, Aprónio, só
respondeu bastantemente perturbado que estando ele a dormir e, sem saber o
que se passava, sua mulher voluntariamente se matara. Tibério foi no mesmo
momento visitar-lhe a casa e achou todos os indícios de que só por violência e

deforme obsequium pergere iter ambitione ac periculis uacuum («ou se, pelo contrário, há
algo que depende da nossa sabedoria e é possível seguir um caminho livre de e de perigos
entre a rebeldia e o vergonhoso servilismo»).
54 Tradução de domoque principis excire ausus erat («atrevendo-se a desafiar a casa do
príncipe»).
55 Tradução de consenuit («envelheceu»).
56 Tradução de in praeceps iecit («precipitou no vazio»).
186 ANAIS

por força ela tinha sido precipitada. Passou a dar conta deste facto no senado e,
sendo-lhe logo nomeados juízes, Urgulânia, que era avó de Silvano, mandou-lhe
um punhal. Persuadiram-se todos que por ordem do príncipe é que ela lho tinha
enviado, atendendo a estreita amizade que Urgulânia tinha com Augusta. Mas o
réu, como não tivesse valor para matar-se57, pediu que lhe abrissem as veias. A
sua primeira mulher, Numantina, foi depois disto acusada de ter feito enlouque-
cer o antigo marido com certos encantos e feitiços, porém não teve efeito a
acusação e se declarou inocente.
23. Finalmente, neste ano acabou o povo romano a longa guerra que trazia
com Tacfarinate, porque os antigos generais, uma vez que julgavam ter feito
bastante para merecerem o triunfo, deixavam descansar o inimigo e, já dentro de
Roma, se viam três estátuas laureadas, ao mesmo tempo que Tacfarinate conti-
nuava a assolar a África, ajudado pelos Mouros, que, não podendo sofrer a
indolência do jovem Ptolemeu, filho de Juba, nem tão-pouco estar sujeitos aos
escravos e libertos que governavam por ele, antes queriam o serviço das armas.
Para lhe guardar os roubos e como sócio na pilhagem, tinha no seu partido o rei
dos Garamantes, que não trazia consigo um grande exército, mas tão-somente
algumas tropas ligeiras, que por virem de longe se figuravam muito numero-
sas58. Além disto, todos os miseráveis e facinorosos da província se lhe vinham
unir em grande número, e a razão era porque Tibério, dando já a guerra por
acabada depois da expedição de Bleso, tinha mandado retirar a nona legião, e
Dolabela, que então comandava na África, não se havia atrevido a conservá-la,
temendo mais o príncipe do que os perigos da guerra.
24. Portanto, Tacfarinate, deitando vozes de que o império romano era ata-
cado por outras nações, motivo por que pouco a pouco as tropas se iam retiran-
do da África, e afirmando que o pequeno número que restava facilmente poderia
ser apanhado se todos os que avaliavam em mais a liberdade do que a escravi-
dão se quisessem unir para este fim, aumentou com isto as suas forças e, dis-
pondo o seu campo, foi cercar a cidade de Tubusco. Então, Dolabela, sem
perder tempo, ajunta todos os soldados que tinha e, só com eles e com o terror
do nome romano, porque os Númidas são incapazes de sofrer um ataque de
infantaria, corre direito ao inimigo e, logo no primeiro encontro, faz levantar o
cerco, fortifica as posições mais importantes e manda degolar os chefes dos
Musulâmios, que sopravam a rebelião. E porque já soubesse pelos muitos
ataques que se tinham dado a Tacfarinate que não era possível derrotar um
inimigo vagabundo com um só corpo de exército59, assim que teve consigo as
tropas auxiliares de Ptolemeu, formou quatro divisões, das quais deu os coman-

57 Tradução de reus frustra temptato ferro («o réu, depois de tentar em vão fazer uso do ferro»).
58 Tradução de ex longinquo in maius audiebantur («pela distância se tinha notícia exage-
rada»).
59 Tradução de non graui nec uno incursu («sem tropas pesadas nem com uma só coluna»).
LIVRO IV 187

dos aos legados e tribunos. Os mais valentes dos Mouros foram escolhidos para
conduzir as tropas ligeiras, e Dolabela ficou para aconselhar e dispor tudo60.
25. Passado pouco tempo veio a saber-se que os Númidas se haviam acam-
pado junto do castelo de Auzea, meio destruído, e que eles mesmos, em outra
ocasião, já tinham queimado, agora muito confiados na sua posição, que era
rodeada de bosques. Mas, no mesmo instante, fez Dolabela uma marcha forçada
com a infantaria ligeira e toda a cavalaria, sem dar a saber qual era o seu pro-
jecto. Assim, ao romper do dia, ao som das trombetas e de estrondosos clamo-
res, já as tropas estavam sobre os bárbaros, os quais ainda se achavam meio
dormentes e em tal segurança que os Númidas tinham parte dos seus cavalos
ainda presos, e outros andavam a pastar. Os Romanos formaram logo a sua
infantaria em colunas, dispuseram os seus esquadrões e tudo se preparou para o
ataque; ao mesmo passo que os inimigos desapercebidos, sem armas, sem
ordem de batalha e na maior perturbação, à maneira de um tímido rebanho, se
deixavam envolver, degolar ou prender. Os soldados, exasperados com a lem-
brança das fadigas passadas e por não terem podido até ali encontrar o inimigo,
que sempre lhes fugia, agora não se podiam fartar de vinganças e de sangue.
Porém Dolabela, mandando imediatamente formar toda a sua gente em bata-
lhões, ordena que corram todos sobre Tacfarinate, o qual já bem conhecido lhes
era por tantas batalhas – porque só com a sua morte se poderia a guerra termi-
nar. A este tempo, tendo ele já perdido todas as suas guardas e sabendo que seu
filho estava prisioneiro e que os Romanos já por todos os lados o cercavam,
arrojou-se destemido pelo meio das lanças, e desta maneira evitou o ser preso,
vendendo bem cara a sua vida. Tal foi o fim desta guerra.
26. Assim mesmo Tibério negou o triunfo a Dolabela, que lho pediu, só para
obsequiar por este modo a Sejano, a fim de que a glória de seu tio Bleso não
ficasse assombrada. Mas nem por isso Bleso ficou mais ilustre, antes com esta
recusação brilhou muito mais o merecimento de Dolabela, porque, com um
exército muito mais pequeno, ganhou a fama de ter aprisionado muita gente
distinta, de ter morto o seu chefe e de ter acabado a guerra. Logo após do ven-
cedor, apareceram os embaixadores dos Garamantes, raras vezes vistos em
Roma, os quais, depois da morte de Tacfarinate, eram enviados pela sua nação
aterrada e que bem conhecia o seu crime para implorar a clemência do povo
romano61. Sendo nesta ocasião bem conhecidos os serviços que Ptolemeu nos
tinha feito nesta guerra, renovaram-se também para com ele os nossos bons usos
antigos, e foi nomeado um senador para lhe ir levar de presente o bastão de

60 Tradução de ipse consultor aderat omnibus («ele ficava para velar por todos»).
61 Tradução de perculsa gens set culpae nescia ad satis faciendum populo Romano miserat
(«tinha enviado o povo consternado mas sem consciência de culpa para dar satisfações ao
povo romano»).
188 ANAIS

marfim e a toga bordada, antigos donativos que fazia o senado, e dar-lhe ao


mesmo tempo o título de rei, de aliado e de amigo.
27. O acaso fez com que neste mesmo ano62 se sufocassem na Itália os
primeiros movimentos de uma guerra servil. O chefe desta insurreição era Tito
Curcísio, antigo soldado de uma coorte pretoriana, o qual, principiando com
seduções clandestinas em Brundísio e nas cidades vizinhas, depois já clara-
mente e por meio de proclamações sediciosas, entrou a convidar para a liberda-
de os escravos selvagens que viviam retirados nos bosques e que, por isso, eram
mais ferozes e temíveis63. A providência64 permitiu então que ali abordassem
três galeras destinadas para proteger a navegação daquele mar e que também lá
estivesse o questor Cúrcio Lupo, que comandava em toda a costa de Cales,
província destinada em todo o tempo aos questores65. Este, formando um corpo
de todos os marinheiros das galeras, dissipou a conjuração que ainda estava no
princípio; e o tribuno Estaio, que por ordem do César havia chegado com uma
grande força, prendeu o dito chefe com os seus principais aderentes e os condu-
ziu para Roma, que entrava a assustar-se pelo grande número de escravos que
nela havia e que prodigiosamente ia crescendo, enquanto os homens livres66
diariamente diminuíam.
28. Ainda serviam os mesmos cônsules quando se viu um exemplo atroz de
barbaridade e do sumo grau a que podem chegar as maldades humanas67: um pai
réu e um filho acusador, ambos com o nome de Víbio Sereno, apareceram diante
do senado. O pai, arrastado de um desterro e coberto de pó e de imundícias, via-se
preso com algemas diante do filho que o estava acusando, e este filho, magnifica-
mente vestido, muito satisfeito e com cara de alegria, fazia ao mesmo tempo o
ofício de delator e testemunha. Afirmava que seu pai tinha preparado uma conspi-
ração contra o príncipe, que já tinha enviado emissários para as Gálias com o fim
de soprar a guerra civil e concluía que o ex-pretor Cecílio Cornuto auxiliava esta
causa com dinheiro, mas este, para não sofrer tais indignidades e porque bem
sabia que o ser acusado era o mesmo que ser logo condenado, apressou-se em
morrer. Contudo o réu, sem perder a coragem, voltando-se para o filho e sacu-
dindo as algemas, entrou a pedir aos deuses que o vingassem e que o conduzissem

62 Tradução de Eadem aestate («neste mesmo Verão» ou «naquela mesma estação do ano»).
63 Tradução de agrestia per longinquos saltus et ferocia seruitia («por aqueles bosques
longínquos os agrestes e ferozes escravos»).
64 Tradução de munere deum («pela graça dos deuses»).
65 Tradução de cui prouincia uetere ex more calles euenerant («a quem havia sido atribuída
a responsabilidade da administração dos pastos»).
66 Tradução de plebe ingenua («plebe livre»).
67 Tradução de miseriarum ac saeuitiae exemplum atrox («um exemplo atroz de misérias e
crueldades»).
LIVRO IV 189

de novo para o seu antigo desterro, aonde não pudesse ver tamanhos horrores,
porque lá viria tempo em que o filho pagasse tão execranda maldade. Asseverava
ainda que Cornuto estava absolutamente inocente, que o matar-se era só efeito de
um falso pavor, e que isto se faria bem palpável se pudesse descobrir-se outros
cúmplices, porque não era natural que ele tentasse a morte do príncipe e uma
revolução tão-somente ajudado por um único indivíduo.
29. Então o acusador nomeou Gneu Lêntulo e Sejo Tuberão, com grande
vergonha, certamente, do César por ver duas pessoas principais da cidade e dois
íntimos amigos seus acusados de serem motores de uma guerra civil, quando
Lêntulo já estava em uma idade decrépita e Tuberão era muito doente. Porém
imediatamente foram eles julgados inocentes e, interrogando-se contra o réu
principal os seus próprios escravos, estes, postos a tormento, só depuseram contra
o acusador. Atormentado então com a consciência do crime e temendo as vingan-
ças do povo que já o ameaçava com a rocha Tarpeia e com todos os mais castigos
que competem aos parricidas, fugiu de Roma; mas, sendo preso em Ravena, foi
compelido a finalizar a acusação, do que não desgostava Tibério por dar ainda
bem a conhecer o ódio antigo que sempre conservava contra o desterrado Sereno.
E a razão era porque, depois da condenação de Libão, escrevendo ao César, o
tinha arguido de que tão-somente os seus trabalhos não tivessem merecido
recompensa, e acrescentava ainda outras coisas muito mais fortes, as quais nunca
é prudente dizer às pessoas de um carácter soberbo e que facilmente se ofendem.
Assim, todas estas ofensas, que guardava depois de oito anos, agora fez públicas o
César, acumulando-lhe ainda vários outros crimes que dizia ter cometido em todo
este tempo – apesar de que os escravos, pela sua tenacidade e constância, ainda no
meio dos maiores tormentos, sempre o ousaram desmentir.
30. Passando-se depois a votar, decidiu-se que Sereno fosse morto segundo
os costumes antigos, porém opôs-se a isto Tibério para ver se assim disfarçava
os ódios do público. Opinando depois Galo Asínio que o réu fosse desterrado
para Gíaro ou Donusa, novamente se opôs, dizendo que ambas estas ilhas so-
friam grande falta de água e que não se devia negar um dos primeiros sustentos
da vida a quem se não negava o viver. Foi, portanto, Sereno tornado a conduzir
para Amorgos. E, porque Cornuto voluntariamente tinha procurado morrer,
tratava-se de abolir os prémios dos acusadores68, quando os réus de lesa-
-majestade se matassem primeiro do que se lhes desse a sentença. Ia-se já a
decidir este ponto importante, mas o César, com muita aspereza e contra o seu
costume, advogou abertamente a causa dos delatores, queixando-se de que com
uma tal decisão se quisesse perder a república e as leis que a mantinham, porque
seria na verdade perdê-las o não premiar aqueles que tanto concorriam para a

68 Tradução de actum de praemiis accusatorum abolendis («tratou de abolir-se as recompen-


sas dos acusadores»).
190 ANAIS

sua conservação69. Assim, os delatores, essa espécie de homens que só de pro-


pósito parece ter sido inventada para gerar calamidades e públicas desgraças, e
que os maiores castigos nunca puderam coibir, ganhavam agora uma nova
existência pelas recompensas que recebiam.
31. Uma pequena consolação veio mitigar a tristeza destes tão repetidos
sucessos, quando se viu que o César perdoara a Gaio Comínio, cavaleiro roma-
no, convencido de ter feito uma sátira em verso contra ele. Esta graça concedeu
ele a rogos do irmão do acusado, que era senador, o que muito foi para admirar
porque, não obstante conhecer o que era justo e a grande fama que traz consigo
a clemência, sempre propendia para medidas atrozes. Nem ele pecava por
ignorância, porque não é muito difícil o perceber quando as acções dos prínci-
pes são elogiadas com sinceridade ou por adulação; antes era já uma coisa bem
sabida que, quando meditava fazer mal, o seu discurso era tardo e tenebroso e,
quando queria perdoar, fácil e corrente. Na mesma ocasião, sendo condenado
Suílio, antigo questor de Germânico, a sair da Itália por ter recebido dinheiro
para sentenciar certa causa, determinou Tibério que fosse desterrado para uma
ilha, e mostrou nisto tanto empenho que afirmou com juramento que só obrava
assim pelo bem da república. Mas este procedimento, que se olhou então como
acto de grande severidade, serviu depois para fazer o seu elogio quando voltou
Suílio, porque se viu chegar este homem a um valimento excessivo no reinado
de Cláudio, sempre venal e nunca fazendo bom uso da longa e feliz amizade
que teve com o príncipe. O mesmo castigo se deu ao senador Cato Fírmio por
ter acusado sua irmã de falsos crimes de lesa-majestade. Este Cato, como já
contei, havia atraiçoado Libão e depois o acusou e perdeu; lembrado, pois,
Tibério deste serviço, ainda que pretextando outra coisa, não consentiu no
desterro, mas não embaraçou que fosse expulso do senado.
32. Sei muito bem que muitos dos factos que tenho referido e que ainda
espero referir hão-de parecer talvez a certa gente coisas de pouca importância e,
como tais, indignas de memória; porém não se devem comparar os meus anais
com as antigas histórias do povo romano. Nesse tempo havia para contar gran-
des guerras e grandes batalhas, muitas cidades tomadas por força e muitos reis
vencidos ou feitos prisioneiros, e, se alguma vez se fazia menção dos negócios
domésticos, era para relatar livremente as discórdias dos cônsules com os tribu-
nos, os debates sobre as leis agrárias e as contendas do povo com os grandes.
Mas o meu objecto é muito mais pequeno, e pode ser talvez que também assim
seja a minha glória, porque escrevo de uma época em que quase sempre tem
havido paz, ou poucas vezes tem sido perturbada, e em que não posso dar notí-
cia senão de desgraças internas e do governo de um príncipe que nunca ambi-

69 Tradução de subuerterent potius iura quam custodes eorum amouerent («disse que era
preferível acabar com as leis que com os seus guardiães»).
LIVRO IV 191

cionou estender o seu império. Contudo não se deve considerar como de pouca
utilidade os sucessos que, parecendo à primeira vista pequenos, produzem
muitas vezes grandes resultados.
33. Em todo o tempo as nações ou as cidades têm sido governadas ou pelo
povo ou pelos nobres ou por um só imperante, porque uma república, constituí-
da com estes três diferentes poderes escolhidos e unidos, dificilmente poderia
existir e, quando existisse, não é natural que a sua duração fosse longa. Por este
motivo, assim como nos tempos antigos, quando o governo era popular ou era
patriciano, ou aristocrático70, se julgava necessário conhecer o carácter do povo
e os meios de moderar a sua efervescência, e então passaram também por muito
hábeis e sagazes todos os que se aplicaram com cuidado a estudar o espírito do
senado e dos grandes; assim igualmente agora, que tudo está mudado e que
temos só um príncipe que governa, não me pareceu fora de propósito indagar e
escrever estas coisas. Há sempre poucos que sejam capazes de distinguir por si
mesmos o que é bom do que é mau, ou o que é útil do que é prejudicial, e a
maior parte da gente precisa para se instruir de exemplos alheios; apesar disto,
também sei que quanto mais instrutivos são estes objectos menos devem agra-
dar. A descrição dos diferentes povos e dos diferentes países, a variedade das
batalhas e as acções ilustres dos grandes capitães naturalmente prendem e levam
as atenções dos leitores, mas eu não posso nem tenho para contar senão ordens e
decretos atrozes, acusações continuadas, pérfidas violações de amizade, ruína e
desgraças de muitos inocentes, e ao mesmo tempo quais foram as suas causas –
objectos estes que, por serem quase em tudo semelhantes, chegam por fim a
enfastiar. Outra dificuldade, não menos importante, ainda tenho que vencer:
porque os antigos escritores não podiam recear ou grandes ódios ou grandes
censuras, na consideração de que a ninguém particularmente ofendiam nos
maiores ou menores elogios que fizessem dos exércitos romanos ou cartagine-
ses; porém ainda hoje se conservam muitos descendentes daqueles que no
governo de Tibério sofreram castigos ou infâmia e, bem que algumas famílias já
estejam extintas, encontram-se sempre pessoas que, pela identidade dos factos
ou dos costumes, cuidam que de propósito se pretendeu fazer a sua sátira. Até
mesmo a glória e as virtudes acham inimigos porque, estando ainda muito
próximas, parecem a muitos só destinadas para repreender o século presente.
Mas voltemos ao nosso assunto principal.
34. Sendo cônsules Cornélio Cosso e Asínio Agripa71, foi acusado Cremúcio
Cordo de um crime novo e absolutamente desconhecido até aquele tempo,
porque, tendo escrito e publicado uns anais, fazia o elogio de Bruto e denomi-

70 Tradução de ut olim plebe ualida, uel cum patres pollerent («quando, como outrora, a
plebe era forte ou os senadores poderosos»).
71 Ano de 25 d. C.
192 ANAIS

nava Gaio Cássio o último dos Romanos. Os seus acusadores eram Sátrio Se-
cundo e Pinário Nata, ambos clientes de Sejano – circunstância fatal para o réu,
assim como a do rosto carregado e severo do César, que parecia estar-lhe já
condenando a defesa. Apesar disto, Cremúcio, bem certo de não ter já que
esperar senão a morte, falou desta forma: «Vejo, padres conscritos, que se
acusam as minhas palavras, prova evidente de que as minhas acções são ino-
centes. Nem elas foram ditas contra o príncipe ou contra sua mãe72, o que só é
crime de lesa-majestade, mas sou simplesmente arguido por ter louvado Bruto e
Cássio, cujas acções também muitos têm escrito, e ninguém sem lhes fazer
elogio. Tito Lívio, particularmente ilustre pela sua eloquência e verdade, deu
tantos louvores a Gneu Pompeio que Augusto o chamava o pompeiano, e nem
foi motivo para quebrarem a amizade. Falando de Cipião, de Afrânio e destes
mesmos Gaio Cássio e Marco Bruto, nunca os chamou ladrões nem parricidas,
como hoje se faz; porém muitas vezes lhe mereceram o título de grandes ho-
mens. Os escritos de Asínio Polião celebram insignemente a sua memória,
Messala Corvino honrava-se com chamar a Cássio o seu general, e ambos
gozaram de grandes riquezas e grandes dignidades. Quando Marco Cícero
escreveu aquele livro em que exaltava Catão até os céus, que outra coisa lhe fez
o ditador César senão responder-lhe com outro contrário, como se aquela causa
se tratasse perante os tribunais? As cartas de António, os discursos de Bruto
contêm muitas injúrias, ainda que falsas, bem cruéis contra Augusto, e os versos
de Bibáculo e de Catulo estão cheios de invectivas contra os Césares; mas o
divino Júlio e o divino Augusto sofreram tudo isto e não fizeram caso, e não sei
em que brilharam mais: se em grandeza de alma ou se em prudência e juízo,
porque os ditos que se desprezam por si mesmos se vêm a esquecer, mas se
deles nos vingamos mostramos então que os merecíamos.
35. Não falo dos Gregos, entre os quais a liberdade e ainda mesmo os seus
excessos sempre foram impunes, pois quando alguém se dava por injuriado com
palavras só com outras respondia. Aquilo, porém, sobre que nunca houve dúvi-
da e que nunca mereceu repreensão foi, certamente, o falar dos mortos, para
quem já não deve haver ódio nem favor. Porventura convido eu o povo em
meus escritos para a guerra civil, faço eu ainda partido com Bruto e Cássio ou
estão eles também ainda em armas nos campos de Filipos? Apesar de terem
morrido há mais de sessenta anos73, não se conserva ainda a sua memória não só
pelo que deles falam os escritores, mas pelas suas mesmas estátuas que até
respeitou o vencedor? A posteridade sempre é justa em pagar a cada um o que
merece, e eu também, quando seja condenado, verei correr a minha fama com a

72 Tradução de in principem aut principis parentem («contra o príncipe ou contra o pai do


príncipe»).
73 Tradução de septuagesimum ante annum («há cerca de setenta anos»: o discurso de
Cremúcio Cordo dista da batalha de Filipos 67 anos).
LIVRO IV 193

de Cássio e com a de Bruto». Saindo depois para fora do senado se deixou


morrer à fome. Os padres decidiram que os seus livros fossem queimados pelos
edis; apesar disso, se conservaram escondidos e pelo tempo adiante se vieram a
fazer públicos. É, pois, bem para fazer rir a estultícia ou a estupidez daqueles
que se persuadem ter poder bastante para, com as suas proscrições de um
momento, agrilhoar a voz de todos os séculos74. Antes a fazem mais forte e mais
sonora, porque quanto mais oprimem os talentos maior glória com isso lhes
preparam. É o que tem acontecido aos reis estrangeiros e a quantos têm seguido
o seu exemplo: cobriram-se de infâmia e fizeram imortais os perseguidos75.
36. Com efeito, as acusações foram tão continuadas neste ano que até nos
dias das Férias Latinas, estando Druso prefeito de Roma dentro do seu tribunal
para preludiar às funções do seu cargo76, veio Calpúrnio Salviano fazer-lhe uma
denúncia contra Sexto Mário, mas, sendo altamente repreendido pelo César, foi
isto mesmo bastante para o mandarem desterrado. Foram acusados em público
os habitantes de Cízico, por mostrarem negligência no culto religioso de Au-
gusto, e lhes acumularam ainda algumas violências contra os cidadãos romanos,
pelo que perderam a liberdade ganhada pela boa defesa que fizeram na guerra
de Mitridates, quando cercados por este rei o obrigaram a retirar-se não só pelo
muito valor e constância que mostraram contra ele, porém pelo socorro que
tiveram de Luculo. Ao mesmo tempo foi julgado inocente Fonteio Capitão, que
havia sido procônsul da Ásia, conhecendo-se que eram falsos os crimes de que
era acusado por Víbio Sereno. Apesar disto não teve perigo algum o acusador,
porque o mesmo ódio público que todos lhe tinham era o que mais o defendia,
pois à proporção que os delatores eram mais atrevidos e ferozes, mais suas
pessoas se tornavam invioláveis e sagradas, de sorte que só sobre algum deles,
ou ignóbil ou pusilânime, é que algumas vezes recaíam os castigos.
37. Nesta mesma época, a Hispânia Ulterior mandou deputados ao senado a
pedir-lhe que, à imitação da Ásia, se lhe permitisse licença para edificar um
templo em honra de Tibério e de sua mãe. Então, o César, que sempre se havia
mostrado constante em rejeitar estas honras e achava agora boa ocasião para
responder aos que já o começavam a arguir de ter enfim cedido à vaidade, falou
desta sorte: «Muito bem conheço, padres conscritos, que alguém esperava que
eu tivesse sido mais severo em não dar ouvidos a uma semelhante petição que
há pouco fizeram as cidades da Ásia; mas agora direi francamente os motivos

74 Tradução de quo magis socordiam eorum inridere libet qui praesenti potentia credunt
extingui posse etiam sequentis aeui memoriam («maior razão para rir da estupidez de quem
crê que com o poder do presente se pode extinguir também a memória da posteridade»).
75 Tradução de dedecus sibi atque illis gloriam peperere («lograram a desonra para si e a
glória para aqueles»).
76 Tradução de auspicandi gratia tribunal ingressum («entrou no tribunal para tomar os
auspícios»).
194 ANAIS

por que então me calei e quais são nesta matéria os meus sentimentos para o
futuro. Sabendo que o divino Augusto não impedira que em Pérgamo se dedi-
casse um templo à sua pessoa e à cidade de Roma, eu, que protestei religiosa-
mente observar todas as suas acções e palavras77, ainda de melhor vontade segui
este exemplo, por ver que a veneração que se me queria dar se unia também
com a do senado. Mas, assim como é perdoável conceder uma vez esta licença,
seria também mostrar muita ambição e vaidade consentir que este culto se
propagasse por todas as províncias, porque até as mesmas honras dadas a Au-
gusto perderiam muito da sua majestade se fossem vulgarizadas por adulações
indiscretas.
38. Quanto a mim, padres conscritos, sei que sou homem e quais são os
meus deveres, e nada mais pretendo do que cumprir com as obrigações a que
estou sujeito como príncipe. É isto, pois, o que vos certifico e o que desejo
conheçam os vindouros, os quais superiormente honrarão a minha memória se
julgarem que fui digno descendente dos meus antepassados, que fui incansável
nos vossos negócios e tão constante nas adversidades como desprezador das
injúrias quando se tratava dos interesses da pátria. Estes são os templos que só
desejo se elevem dentro de vossos corações, e estas são as estátuas magníficas
que sempre permanecem porque das de mármore, se a posteridade as não olha
bem merecidas, faz tão pouco caso como de vis e miseráveis sepulcros. Assim,
o que peço aos aliados, aos cidadãos e até aos mesmos deuses é que estes me
conservem por toda a vida o entendimento claro e sossegado para bem cumprir
com o que devo à sua divindade e aos homens, e que aqueles, quando eu já não
existir, se recordem do meu nome e das minhas acções com gratos louvores e
saudosas lembranças.» Depois desta ocasião perseverou sempre, ainda mesmo
quando familiarmente conversava, em rejeitar este culto, o que uns atribuíam à
modéstia, muitos à desconfiança em que vivia de que não eram sinceros estes
obséquios, e outros enfim à sua baixeza de carácter. E as razões destes últimos
eram que todos os grandes homens amavam as grandes honras e que assim
Hércules e Baco, na Grécia, e Quirino, entre nós, tinham aspirado a entrar em o
número dos deuses. Que muito melhor conceito fazia de si Augusto quando tanto
confiava na imortalidade, e com razão78: pois se os príncipes têm tudo quanto
desejam, só devem ansiosamente trabalhar por merecer da posteridade uma fama
gloriosa, porque quem não é sensível à glória também não pode ser virtuoso.
39. Entretanto, Sejano, cada vez mais corrompido com os favores da fortuna
e, além disto, estimulado por todos os furores da ambição de Lívia, que a cada

77 Tradução de qui omnia facta dictaque eius uice legis obseruem («que observo todas as
suas acções e ditos como uma lei»).
78 Tradução de melius Augustum, qui sperauerit («melhor [tinha feito] Augusto que o tinha
esperado»).
LIVRO IV 195

momento lhe lembrava as núpcias prometidas, arrojou-se enfim a escrever uma


carta ao César. Era então o estilo do palácio nunca pedir coisa alguma ao prín-
cipe, ainda quando estava presente, senão por escrito. O seu teor vinha pouco
mais ou menos a ser o seguinte: que tantas eram as distinções que havia recebi-
do de seu pai Augusto e, tão numerosas eram ainda as que ele mesmo imperador
lhe havia concedido depois, que verdadeiramente já estava no costume de dirigir
as suas súplicas aos príncipes muito antes que as dirigisse aos mesmos deuses;
que nunca havia pedido nem ambicionado honras, pois que não julgava outras
mais nobres do que as de ser soldado e, com elas, defender a pessoa do seu
príncipe; contudo, porque já tinha conseguido o que há de mais brilhante, o
estar aparentado com o César79, daqui lhe tinham nascido novas esperanças. E,
pois tinha ouvido que Augusto, quando tratava de casar sua filha, também se
havia lembrado de alguns cavaleiros romanos, assim agora lhe pedia que, se
Lívia houvesse de ter outro marido, se lembrasse do seu amigo, que não tinha
em vista outra felicidade senão a honra desta união; que, por este motivo, nunca
deixaria os empregos e obrigações de que estava incumbido, pois que só com
isto procurava prevenir a segurança da sua família, e particularmente dos filhos,
contra as iníquas tenções de Agripina; quanto à sua pessoa, nada receava e só
desejaria viver enquanto vivesse o seu príncipe.
40. A isto respondeu Tibério louvando muito a amizade de Sejano e, tocando
rapidamente nos obséquios que já lhe tinha feito, depois, pedindo-lhe tempo
para lhe dar a sua última resolução, acrescentou que aos outros homens era
lícito olhar só para as suas conveniências particulares, mas que não era assim a
condição dos príncipes, que sempre deviam ter em vista o seu bom nome e a sua
fama80. É verdade que se poderia contentar com lhe responder vagamente e
dizer-lhe, por exemplo, que Lívia estava em circunstâncias de, por ela mesma,
decidir se lhe fazia mais conta, o casar-se depois da morte de Druso ou conser-
var-se viúva, e que também tinha sua mãe e sua avó81, a quem convinha particu-
larmente consultar; queria, porém, ser mais franco com ele e falar-lhe como
amigo. E, principiando pelos ressentimentos de Agripina, disse-lhe: «e não se
aumentarão estes muito mais com o casamento de Lívia, que irá fazer um novo
partido na família dos Césares? Se agora já se vê uma tamanha emulação entre
estas duas mulheres, e nesta mesma discórdia andam implicados meus netos,
que será se os motivos crescerem com este matrimónio?82 Sim, muito te enga-
nas, Sejano, se te persuades que podes ficar na mesma classe em que estás e que
Lívia, que já foi mulher de Gaio César e de Druso, haja de sofrer o passar a sua

79 Pelo casamento do filho com uma filha do futuro imperador Cláudio.


80 Tradução de quibus praecipua rerum ad famam derigenda («os quais tinham de resolver
os assuntos mais importantes pensando na opinião pública»).
81 Antónia e Lívia Augusta.
82 Discurso indirecto livre no original, começando o discurso directo na próxima frase.
196 ANAIS

vida com um simples cavaleiro romano. E, quando eu o consentisse, cuidas tu


que o haviam de consentir aqueles que viram condecorados com as maiores
dignidades seu irmão e seu pai, assim como todos os nossos antepassados? Os
teus desejos são conservar-te no mesmo estado, porém todos os magistrados e
pessoas principais, que a teu pesar te procuram e te consultam sobre os negócios
do governo, há já muito que abertamente dizem que tu passaste os limites da
ordem equestre e que és superior a todos os amigos que teve meu pai – e eu
mesmo, em razão da inveja que já causas, sou igualmente criminado por eles.
Contudo tu dizes também que Augusto deliberara se casaria sua filha com um
cavaleiro romano; mas não é para admirar83 que, no tempo em que se via rodea-
do de imensos cuidados e conhecia que aquele que escolhesse para genro ganha-
ria uma muito poderosa influência, se lembrasse então de Gaio Proculeio e de
outros que eram recomendáveis pelo seu carácter pacífico e por nunca terem
entrado nas discórdias civis84. Porém, se as cogitações de Augusto nos devem
fazer algum peso, muito maior ainda o devem fazer as suas decisões; sim, ele só
casou sua filha com Agripa e depois a destinou para mim 85. Eis aqui o que me
pareceu dizer-te em amizade; apesar disto, nunca me oporei aos teus desejos
nem aos de Lívia. No entanto, não te descobrirei ainda agora todos os meus
pensamentos, nem quais são os laços com que pretendo unir-te ainda mais
estreitamente à minha pessoa: só quero que saibas que nada há tão grande nem
tão elevado que eu não julgue digno das tuas virtudes e do muito afecto que me
tens e que, em se oferecendo a ocasião, não deixarei de o manifestar tanto diante
do povo como do senado.»
41. Novamente lhe escreveu Sejano não a falar-lhe já no casamento, mas,
porque a sua consciência profundamente o atormentava, a pedir-lhe que não
desse ouvidos a quaisquer tácitas suspeitas com que o quisessem macular, nem
aos rumores do vulgo e muito menos às calúnias com que os invejosos o procu-
ravam perder. Reflectindo depois que, se tentasse desviar da sua casa as pessoas
que a ela costumavam concorrer, diminuiria a sua autoridade e, se continuasse a
admiti-las, daria sempre pretextos aos seus acusadores, tratou de inspirar a
Tibério vivos desejos de sair de Roma e de ir passar os seus dias em alguma
bela e deliciosa habitação86. Para isto, tinha em vista muitas conveniências, tais
como dispor de todas as audiências do príncipe, ficar depositário de quase todas

83 Tradução de mirum hercule («por Hércules, é surpreendente»).


84 Tradução de nullis rei publicae negotiis permixtos («e não misturados em negócio público
nenhum»).
85 Tradução de quanto ualidius est quod Marco Agrippae, mox mihi conlocauit? («quanto
maior força não há-de ter o facto de que a casara com Marco Agripa e logo comigo?»).
86 Tradução de ad uitam procul Roma amoenis locis degendam («a viver a vida longe de
Roma em lugares amenos»).
LIVRO IV 197

as correspondências, porque estas se faziam pelos soldados pretorianos87;


persuadia-se que o César, já em uma idade avançada, e enervando-se agora mais
com os prazeres secretos da solidão, muito mais facilmente lhe deixaria a ele a
direcção de todos os negócios88; e faria, enfim, calar muitos ódios, arredando
para longe de si a turba dos cortesãos89, porque, privando-se desta forma de
coisas inúteis, vinha, assim, a ganhar um poder mais real. Portanto, começou
pouco a pouco a exagerar os incómodos da cidade, as importunidades do povo e
a afluência dos requerimentos e a dar, ao mesmo tempo, os maiores elogios à
tranquilidade e doçuras do retiro, aonde não entravam as intrigas nem os des-
gostos, e em que sempre havia toda a ocasião para meditar com sossego nas
coisas mais importantes.
42. A causa de Vocieno Montano, homem célebre pelos seus grandes talen-
tos, a qual por acaso se tratava naqueles mesmos dias, concorreu também muito
para determinar Tibério, já meio abalado, a querer evitar a assembleia do senado
pelos muitos ditos, as mais das vezes verdadeiros e pesados, que ali era obriga-
do a ouvir. Sendo, pois, arguido Vocieno de ter proferido algumas injúrias
contra o César, Emílio, pessoa militar e que servia de testemunha, para mais
comprovar a verdade da acusação, referiu todas estas coisas com tamanha
energia e miudeza, não obstante a muita bulha que faziam os circunstantes para
o interromper, que Tibério ficou sabendo, desta vez sem disfarce, todas as
maldições com que era ocultamente lacerado. E sentiu tanto isto que não pôde
conter-se que não clamasse em voz alta que queria mostrar a sua inocência, ou
já naquele momento ou depois por uma justificação particular, mas opuseram-se
a esta sua resolução os seus amigos com muitas súplicas e todos os mais com
muitas adulações, e assim mesmo tiveram ainda grande dificuldade em sossegá-
-lo. Vocieno recebeu, como era de esperar, o castigo dos criminosos de lesa-
-majestade; e Tibério, mostrando-se de propósito cada vez mais teimoso na
severidade inexorável de que o notavam estar sempre armado contra os réus,
puniu ainda com desterro Aquília, acusada de adultério com Vário Lígure, ainda
que o cônsul designado Lêntulo Getúlico fosse de opinião que só se lhe impu-
sesse a lei Júlia. Fez riscar igualmente do registo dos senadores a Apídio Mérula
por não ter querido jurar sobre as actas de Augusto.
43. Passou-se a dar audiências às deputações dos Lacedemónios e Messé-
nios, os quais disputavam sobre a propriedade do templo de Diana Limnátis. Os

87 Tradução de per milites («por soldados»).


88 Tradução de mox Caesarem uergente iam senecta secretoque loci mollitum munia imperii
facilius tramissurum («depois, o César, declinando já sua idade e amolecido pela vida
retirada, lhe transmitiria mais facilmente os cargos de poder»).
89 Tradução de et minui sibi inuidiam adempta salutantum turba («suprimidas as audiências
dos que iam apresentar a saudação, faria minguar as invejas contra si»).
198 ANAIS

Lacedemónios pretendiam provar, por seus historiadores e poetas, que os seus


antepassados tinham consagrado aquele templo no seu próprio território e
acrescentavam que, havendo-lhes sido já usurpado por Filipe, rei de Macedónia,
quando com ele andaram em guerra, depois lhes tornara a ser restituído por uma
sentença do ditador César e de Marco António. A isto se opunham, porém, os
Messénios e diziam que, fazendo-se a divisão do Peloponeso entre os descen-
dentes de Hércules, o campo de Dentálios, em que estava o templo, tinha caído
em sorte ao seu rei, o que também documentavam com antigas inscrições ainda
existentes em mármores e bronzes, repetindo igualmente que, se os testemunhos
dos historiadores e poetas valiam de alguma coisa, também eles os tinham em
maior número e muito mais expressivos; que o procedimento de Filipe não fora
uma consequência da vitória, porém um acto de justiça, pois que isto mesmo
haviam decidido o rei Antígono, Múmio, sendo general, os Milésios, legalmente
nomeados para árbitros, e por fim Atídio Gémino, pretor da Acaia. À vista
destas provas, tiveram os Messénios sentença a seu favor. Os Segestanos,
pedindo que se reedificasse o templo de Vénus, situado no monte Érice e que,
por ser já muito velho, estava ameaçando ruína, relataram sobre a sua origem
tantas coisas e, ainda que conhecidas, tanto do gosto e do agrado de Tibério que
muito de boa vontade tomou ele a seu cuidado esta obra, como parente que se
gloriava ser desta deusa90. Tratou-se, afinal, de uma petição dos Massilienses:
Volcácio Mosco, desterrado de Roma, havia conseguido o foro de cidadão em
Massília e, olhando-a como sua nova pátria, lhe tinha deixado todos os seus
bens; pediam, portanto, que se lhes confirmasse esta doação, trazendo para
exemplo o caso de Rutílio, que, em iguais circunstâncias, havia feito o mesmo a
Esmirna em renumeração de uma graça semelhante. Foi-lhes despachado o
requerimento como desejavam91.
44. Neste ano faleceram Gneu Lêntulo e Lúcio Domício, ambos pessoas
muito ilustres. Lêntulo, além de ter sido cônsul e haver triunfado dos Getas,
tinha ainda adquirido muita glória, primeiramente pela mesma pobreza em que
viveu, sempre com honra, e depois pelas suas muitas riquezas que ganhou sem
crime e despendeu sem fausto. Domício tinha herdado grande honra de um pai
que, na guerra civil, sempre soube manter o império do mar, até que tomou o

90 Tradução de suscepit curam libens ut consanguineus («na qualidade de consanguíneo da


deusa, se encarregou de boa-vontade da obra»).
91 Tradução de tunc tractatae Massiliensium preces probatumque P. Rutilii exemplum;
namque eum legibus pulsum ciuem sibi Zmyrnaei addiderant. quo iure Vulcacius Moschus
exul in Massiliensis receptus bona sua rei publicae eorum et patriae reliquerat («foram
então tratados os pedidos dos Massilienses e aprovado o exemplo de Públio Rutílio; com
efeito, os de Esmirna juntaram este banido pelas leis aos seus cidadãos. Acolhido pelos
Massilienses com este direito, o exilado Volcácio Mosco legara os seus bens ao estado
daqueles e à pátria»).
LIVRO IV 199

partido de António e depois o de Augusto. Seu avô92 morreu na batalha de


Farsália, defendendo a causa do senado93, e este de quem agora falamos esteve
destinado para casar com Antónia, segunda filha de Octávia. Comandante de
um exército, passou com ele o Elba e penetrou depois também com ele pelo
interior da Germânia, até aonde ninguém ainda tinha chegado, façanha que lhe
ganhou as honras do triunfo. Faleceu também Lúcio António, de uma família
muito distinta, porém infeliz, porque seu pai, Julo António, foi punido de morte
pelo seu adultério com Júlia, e a ele, ainda sendo muito criança e apesar de ser
neto de sua irmã Octávia, mandou Augusto para Massília, aonde com o pretexto
de se instruir nas artes liberais, disfarçava a condição de desterrado. Teve por
consequência magníficas exéquias e, por um decreto do senado, foram deposi-
tadas as suas cinzas no túmulo dos Octávios.
45. Governando ainda os mesmos cônsules, sucedeu um caso atroz na His-
pânia Citerior, perpetrado por um camponês da nação termestina. Este atacou de
repente, no meio de uma estrada, o pretor da província, Lúcio Pisão, que, por
ser tempo de paz de nada se temia, e com uma só ferida o matou. Aproveitando-
-se depois da velocidade do cavalo em que vinha montado, foi embrenhar-se
nos bosques, aonde se pôs a pé e assim se livrou dos que o iam perseguindo,
metendo-se por entre montanhas e precipícios. Mas nem assim mesmo pôde por
muito tempo escapar porque, sendo conduzido para as aldeias vizinhas o cavalo
que largara, soube-se então quem era seu dono, e foi logo preso e posto a tor-
mentos para confessar se tinha alguns cúmplices. Não houve, contudo, tratos
alguns que fossem capazes de o fazer declarar alguma coisa; antes sempre
clamou altamente, e na sua própria linguagem, que nenhuns receios tivessem os
seus sócios e que podiam vir vê-lo e assistir-lhe, porque debalde se lhe queria
extorquir a verdade. Repetiu-se-lhe ainda no outro dia a tortura, porém, rom-
pendo por entre as guardas, foi com tanta violência dar com a cabeça em uma
pedra que no mesmo instante expirou. Conta-se que os motivos por que os
Termestinos fizeram morrer Pisão desta maneira foram porque, na arrecadação
dos dinheiros públicos, que andavam extraviados, não podiam os bárbaros
sofrer tamanha severidade como ele empregava.
46. No consulado de Lêntulo Getúlico e Gaio Calvísio94, decretaram-se as
honras triunfais a Popeu Sabino por ter derrotado os montanheses da Trácia,
que, sempre metidos pelos matos e por isso mais ferozes e selvagens, nunca
viviam bem sujeitos. A causa desta insurreição, além da sua natural ferocidade,
foi por não quererem dar a sua melhor gente para o recrutamento dos nossos
exércitos e porque, já depois de muito tempo, estavam acostumados a não

92 Gneu Domício.
93 Tradução de pro optumatibus («pelo lado dos optimates»).
94 Ano de 26 d. C.
200 ANAIS

obedecer, nem mesmo aos seus reis, senão quando queriam; de sorte que, se
alguma vez mandavam alguma tropa, nomeavam-lhe comandantes e logo lhe
impunham a condição que só pelejaria junto das fronteiras vizinhas. Acrescia ter
corrido voz de que fazíamos tenção de os incorporar com outras nações e que
assim os obrigaríamos a partir para diversos países. Mas antes que principias-
sem a guerra mandaram deputados para renovar a sua boa amizade e aliança,
protestando que esta seria sempre firme se não os onerássemos com obrigações
novas; contudo, se tentássemos reduzi-los à escravidão, como povos vencidos,
eles tinham ferro, gente moça e um coração determinado para ser livres ou
morrer. Mencionavam ao mesmo tempo a força dos seus castelos, colocados
sobre as montanhas, para onde já tinham feito recolher seus pais e suas mulhe-
res e nos ameaçavam com uma guerra terrível de grande trabalho e muito san-
gue.
47. Sabino contentou-se com lhes dar boas esperanças enquanto não formava
o exército, mas, assim que viu chegar da Mésia Pompónio Labeão com uma
legião e o rei Remetalces com os seus trácios auxiliares, que se conservavam
nossos amigos, reuniu logo todas estas forças e marchou com elas contra o
inimigo, que já estava postado nas gargantas dos bosques95. Alguns mais atrevi-
dos apareciam descobertos por cima dos outeiros, os quais, sendo atacados pelo
general romano com uma divisão, foram logo postos em fugida com bem pouco
trabalho e bem pouca perda sua, porque correram a refugiar-se nos castelos.
Tomando, porém, fortes posições naquele mesmo lugar, segurou, com um corpo
considerável de tropas, todo o monte, que era estreito e corria sempre na mesma
elevação até à fortaleza mais vizinha, a qual estava defendida por muita tropa
regular e muita gente indisciplinada. Ao mesmo tempo, escolheu e formou os
seus melhores archeiros para irem atacar os mais valentes que, defronte da
trincheira, estavam cantando e dançando, segundo o costume dos bárbaros. Os
nossos, enquanto acometiam de longe, faziam muito mal sem o receberem, mas
tanto que se chegaram para mais perto foram postos em desordem com uma
rápida irrupção que fez o inimigo. Contudo tornaram logo a formar-se, sendo a
tempo socorridos por uma coorte de Sigambros, igualmente temíveis pelo
estrépito das suas canções e das suas armas, a qual já de propósito tinha ficado
postada muito perto para servir de reserva.
48. Mudou-se depois o acampamento para as vizinhanças do inimigo, fican-
do postados no mesmo sítio das primeiras trincheiras os Trácios que, como já
disse, auxiliavam os nossos. Concedeu-se-lhes o poderem roubar, queimar e
devastar enquanto fosse dia, porém tiveram recomendação para se conservarem
de noite sempre dentro do campo com toda a cautela e vigilância. No princípio,
assim o fizeram, mas, dando-se logo a ociosidade, e já fartos de roubos, entra-

95 Tradução de per angustias saltuum («pelas estreitas passagens dos desfiladeiros»).


LIVRO IV 201

ram a esquecer-se de pôr sentinelas e a gastar as noites em festins, na embria-


guez e no sono. Vindo enfim a conhecer os inimigos tamanha indolência, for-
maram dois corpos para, com um deles, atacar os que andavam roubando e, com
o outro, o acampamento romano não na esperança de o forçarem, porém para
que, distraídos os nossos com os clamores, com os tiros de arremesso e com o
perigo que podiam correr, não dessem atenção ao que na outra parte se passasse.
Para mais intimidarem, escolheram os bárbaros a noite. Os que faziam o falso
ataque das nossas trincheiras foram facilmente repelidos, mas as tropas auxilia-
res dos Trácios, cheias de pavor com aquele ataque não esperado e porque uns
dormiam estendidos ao longo das trincheiras e outros andavam dispersos por
longe, tanto mais furiosamente foram acutiladas, porque as olhavam como
traidoras e trânsfugas, que se não envergonhavam de pegar em armas para forjar
as suas próprias algemas e a escravidão da sua pátria.
49. No dia seguinte, Sabino fez sair todo o exército dos entrincheiramentos
para ver se os bárbaros, vaidosos com o sucesso da noite antecedente, se resol-
viam a vir dar-lhe batalha. Como visse, porém, que não saíam do castelo nem
largavam as eminências vizinhas, principiou a sitiá-los, fazendo fortificações
nos lugares mais próprios e formando linhas de circunvalação de quatro mil
passos em circuito. Então, para os ir privando pouco a pouco da água e manti-
mentos, foi aproximando a trincheira e estreitando o círculo, fazendo ao mesmo
tempo um parapeito elevado, donde se lhes pudesse atirar já de perto com
pedras, lanças e fogo. Mas nada começou logo a incomodá-los tanto como a
falta de água, porque não tinham senão uma única fonte em que pudesse beber o
grande número de soldados e a imensidade de povo que ali estava recolhido. Os
mesmos cavalos e o gado, que estavam todos juntos conforme o uso dos bárba-
ros, entrando a morrer por falta de sustento, jaziam misturados com os cadáve-
res humanos, que também iam morrendo de sede ou das feridas, e a corrupção,
os maus cheiros e o contágio inficionavam já tudo.
50. Para coroar todos estes males, a desunião e a discórdia já também traba-
lhavam entre eles, porque uns queriam entregar-se, outros aconselhavam que
mutuamente se matassem uns aos outros e alguns, com diferentes sentimentos,
porém não menos nobres e heróicos, eram de parecer que se forçasse as nossas
linhas e morressem vingados sobre os corpos e o sangue do inimigo. Entre os
seus chefes ou generais96, havia um chamado Dinis, homem já velho e que, por
uma longa experiência, conhecia o poder e clemência romana; era este de opi-
nião que se largassem as armas, único refúgio que restava entre tantas misérias,
e foi ele, com efeito, o primeiro que, acompanhado de sua mulher e seus filhos,
se veio entregar ao vencedor. À sua imitação vieram também logo todos os

96 Tradução de neque ignobiles tantum his diuersi sententiis, uerum e ducibus («não só os
não nobres estavam divididos entre tais opiniões, mas também um de entre os chefes»).
202 ANAIS

velhos, crianças e mulheres e quantos prezavam em mais a vida do que a gló-


ria97, porém os mancebos estavam ainda irresolutos a qual dos seus dois chefes
seguiriam, se a Tarsa ou a Turésis: os quais ambos tinham tomado a resolução
de morrer livres. Era o voto de Tarsa que deviam procurar uma morte pronta e
com ela pôr termo a todos os terrores e a todas as esperanças; e logo ele mesmo
deu o exemplo, matando-se, em cuja resolução muitos briosamente o acompa-
nharam; Turésis, porém, esperava pela noite para romper com a sua gente, do
qual plano já o nosso general estava avisado. Mandou este, por consequência,
dobrar as guardas e multiplicar as patrulhas; quando chegou a noite tempestuosa
e medonha, a qual, tornando-se ainda muito mais horrível tanto pelos espanto-
sos alaridos dos bárbaros como pelo seu mesmo vasto silêncio, produziu nos
sitiantes um grande receio. Mas Sabino, correndo todos os postos, aparecendo
em toda a parte, começou a exortá-los que não fizessem caso nem da incerteza
dos gritos, nem do seu falso sossego; que estivessem sempre firmes e alerta e
com as lanças sempre prontas, sem arremessá-las em vão, para que o inimigo
não tivesse lugar de cumprir seus intentos98.
51. Entretanto, os bárbaros, atacando-nos com toda a sua infantaria, atiravam
sobre as trincheiras com pedras, paus agudos e tostados ao fogo e com troncos e
ramos de árvores e, ao mesmo tempo, procuravam entulhar o fosso com faxina,
madeiros ligados uns aos outros e até com os corpos dos mortos. Alguns com
escadas e pontes, que tinham de antemão preparadas, subindo acima das fortifi-
cações, já começavam a destruí-las e já se batiam corpo a corpo com os nossos,
que procuravam desordená-los com as lanças e repeli-los com os escudos,
lançando-lhes as grandes armas de arremesso, próprias dos ataques, e rolando
sobre eles enormes porções de rochedos. Os Romanos tinham por si todas as
esperanças da vitória e os receios de uma notável infâmia se ficassem vencidos;
os bárbaros, porque já não tinham mais que esperar, cobravam forças da sua
mesma desesperação e dos gritos e lamentos de suas mães e mulheres, que os
seguiam e animavam. A noite também causava a uns maior atrevimento e a
outros encobria a fraqueza; de sorte que os golpes, dados ao acaso, as feridas
que se recebiam, sem saber como e de quem, a ignorância em que estavam
todos de quais eram os seus e quais eram os inimigos e as vozes horríssonas que
o eco reproduzia pelas cavidades dos montes e que pareciam vindas da sua
retaguarda, chegaram a produzir uma tal perturbação e terror que os Romanos
desampararam alguns redutos, assentando que já estavam forçados. Apesar
disto, só poucos inimigos puderam romper e, achando-se já mortos ou feridos os
mais valorosos, os outros ao amanhecer foram arrojados com as pontas das lan-

97 Tradução de secuti aetate aut sexu imbecilli et quibus maior uitae quam gloriae cupido
(«seguidos pelos débeis pela idade ou pelo sexo e aqueles que temiam mais ânsia de vida
do que de glória»).
98 Explicação acrescentada pelo tradutor.
LIVRO IV 203

ças até o mais alto do castelo. Ali finalmente não tiveram mais remédio do que
render-se e os fortes mais vizinhos logo vieram voluntariamente submeter-se.
Os outros mais distantes teriam feito o mesmo, obrigados pela força ou pela
fome, se o Inverno rigoroso e prematuro do monte Hemo os não tivesse salvado.
52. Mas em Roma, dado já o primeiro golpe na família imperial, começou-se
logo a preparar a ruína futura de Agripina, fazendo-se com que sua prima Cláu-
dia Pulcra fosse acusada por Domício Afro. Este homem, que apenas acabava
de ser pretor, ainda pouco condecorado e, por isso mesmo, ansioso de se fazer
célebre por qualquer modo que fosse, acusou-a de crime de adultério com
Fúrnio e de malefícios e imprecações contra o príncipe99. Agripina, naturalmen-
te violenta e agora muito mais furiosa pelo perigo que corria a sua parenta, foi
imediatamente falar com Tibério, a quem por acaso encontrou fazendo um
sacrifício a seu pai. Esta circunstância, inflamando ainda mais a sua cólera,
rompeu então para com ele nas seguintes palavras: «E está bem ao mesmo
homem sacrificar vítimas à divindade de Augusto e perseguir ao mesmo tempo
os seus descendentes? Ou está, porventura, difundido o seu espírito divino
nessas estátuas insensíveis e mudas? Não: ele o está em mim, verdadeira ima-
gem sua e gerada de seu sangue celeste! Apesar disso, vejo-me agora indirecta-
mente ameaçada e exposta não só a todos os perigos, mas até à mesma ignomí-
nia. Nem os crimes de Pulcra são mais do que um pretexto, porque o único e
imperdoável que ela tem cometido é o mostrar-se indiscretamente minha amiga,
depois de ver o que aconteceu já com Sósia, perseguida pelo mesmo motivo.»100
O César ouviu tudo isto, tirando muito poucas palavras de seu coração impene-
trável101, e a repreendeu respondendo-lhe em grego que o não reinar era toda a
sua ofensa. Pulcra e Fúrnio foram condenados, e Afro, dando-se a conhecer
nesta causa por grande orador, mereceu ouvir da própria boca do César que,
sem contradição, era ele um homem que nascera eloquente. Empregando-se
depois em acusar e defender alguns réus, ganhou mais reputação oratória do que
nome de homem de bem, mas, quando foi indo para velho, perdeu muito dessa
mesma eloquência, sem, contudo, ter sofrimento para calar-se.
53. Agripina, devorada pela cólera que em si concentrava, caiu logo doente
e, recebendo uma visita do César, esteve por muito tempo em silêncio e a cho-
rar, até que, misturando as queixas com as súplicas, lhe falou desta sorte: que se
compadecesse do seu estado de viúva; que lhe desse um marido, porque ela

99 Tradução de crimen impudicitiae, adulterum Furnium, ueneficia in principem et deuotiones


(«crime de impudicícia, adultério com Fúrnio, envenenamento e maldições contra o prín-
cipe»).
100 Discurso indirecto no original.
101 Tradução de audita haec raram occulti pectoris uocem elicuere («ouvido isto, provocou
uma rara exclamação do peito dissimulado»).
204 ANAIS

ainda estava em idade de casar-se; que as mulheres honestas não podiam en-
contrar outras consolações senão no matrimónio; e que na cidade havia muitas
pessoas que de boamente se quereriam encarregar da mulher e dos filhos de
Germânico. Porém o César, que bem conhecia toda a importância desta petição
e não lhe queria dar a saber nem os seus receios, nem os seus ressentimentos,
calou-se e se retirou sem lhe dar a resposta que ela, com tanta instância, lhe
pedia. Esta circunstância, que não é relatada por nenhum historiador, fui eu
achar nos comentários de sua filha Agripina, que depois foi a mãe de Nero e
escreveu a sua vida, assim como os sucessos de toda a sua família.
54. Então, Sejano, para mais fortemente estimular o espírito de Agripina, que
já via abismada em tristezas e pouco apercebida, enviou-lhe pessoas que, debai-
xo da capa de amizade, lhe insinuassem que lhe estava preparado veneno e que
evitasse os convites do sogro. Ela, pois, que não sabia disfarçar-se, ficando uma
vez sentada à mesa ao pé dele, sempre triste e sem dizer uma palavra, não quis
comer coisa alguma até que Tibério chegou a advertir nisso, ou fosse por acaso
ou porque de antemão já estivesse prevenido. Para enfim melhor se desenganar,
louvando muito uns pomos que tinha diante, pegou em um e o ofereceu à nora,
mas esta, muito mais desconfiada com o presente que ele lhe fazia, recebeu-o,
sim, porém entregou-o depois intacto aos escravos que andavam servindo.
Tibério não lhe estranhou directamente este seu procedimento, mas voltando-se
para a mãe disse-lhe que a ninguém já poderia causar admiração se o vissem
tratar com mais rigor uma mulher que publicamente estava dando a entender
que ele a queria envenenar. Daqui se espalhou um rumor de que a morte de
Agripina tinha sido decidida, porém que o César, receando a presença dos
Romanos, procurava a solidão para aí executar este crime.
55. O príncipe, para desviar estas suspeitas, ia frequentemente ao senado e,
por muitos dias, esteve dando audiência aos deputados da Ásia, que não podiam
concordar em que cidade lhe edificariam um templo. Onze cidades disputavam
esta preferência com o mesmo empenho, ainda que nem todas eram igualmente
ricas. Mostravam, contudo, quase iguais merecimentos, tanto pela sua antigui-
dade como pela afeição com que sempre tinham servido o povo romano nas
guerras de Perseu, Aristonico e outros reis. Os Hipepenos, Tralianos, Laodice-
nos e Magnésios foram preteridos por pouco poderosos e ricos, e os mesmos
Ilienses, ainda que tivessem a seu favor a celebridade de Tróia, que havia sido a
mãe da nossa Roma, não estavam em melhores circunstâncias, porque só tinham
a glória da sua muita antiguidade. Durou por algum tempo a discussão a respei-
to dos de Halicarnasso porque diziam que já tinham decorrido mais de mil e
duzentos anos sem que no seu país tivesse havido algum terremoto e que o
templo se podia edificar sobre uma rocha viva. Aos de Pérgamo, que fundavam
todas as suas razões em terem já o templo de Augusto, se respondeu que já lhes
bastava essa honra. Pareceu que os de Éfeso e de Mileto, os primeiros ocupados
com o culto de Diana e os segundos com o de Apolo, não podiam ter tempo
LIVRO IV 205

para se empregarem em outras cerimónias. Deliberou-se afinal sobre os motivos


que davam tanto os de Sárdis como os de Esmirna. Os Sardianos apresentaram
um decreto dos Etruscos, em que estes os consideravam como parentes porque,
sendo muito numeroso aquele povo, fora dividido entre Tirreno e Lido, ambos
filhos do rei Átis. Lido tinha ficado com as terras paternas, e a Tirreno se havia
dado faculdade para ir estabelecer um novo reino; assim, destes dois chefes
tomaram seus nomes as duas nações da Ásia e da Itália. A grandeza dos Lídios
ainda depois mais se tinha aumentado com as colónias que mandaram para
aquela parte da Grécia, que, pelo tempo adiante, tirou o seu apelido de Pélops.
Além de tudo isto, referiam as cartas que tinham recebido dos nossos generais,
os tratados que haviam feito connosco na guerra de Macedónia, os muitos rios
que regavam e fertilizavam as suas terras e a beleza e temperatura do seu clima.
56. Os de Esmirna, depois de haverem ostentado a sua grande antiguidade,
ou seja, que devem a sua fundação a Tântalo, filho de Júpiter, ou a Teseu,
também de origem divina, ou a alguma das Amazonas, passaram a relatar as
coisas em que mais confiavam, que eram os serviços importantes com que
sempre se tinham distinguido a favor do povo romano. Diziam ter mandado as
suas forças navais não só para nos auxiliarem nas guerras estrangeiras, mas
também nas que tivemos dentro da Itália e que eles haviam sido os primeiros
que tinham dedicado um templo a Roma, sendo cônsul Marco Pórcio102, já
quando o povo romano havia, sim, crescido em poder, mas ainda não tinha
chegado ao seu maior auge de glória, porque então ainda existia Cartago e os reis
da Ásia eram muito poderosos. Traziam igualmente para testemunho da sua
afeição para connosco a Lúcio Sula no grande perigo em que esteve o seu exército
pela aspereza do Inverno e falta de fardamentos porque, sendo isto conhecido e
participado em uma assembleia pública do povo de Esmirna, todos quantos
estavam presentes despiram os seus vestidos e os enviaram às nossas legiões103.
Assim, convidados os padres para darem a sua opinião, julgaram que os
habitantes de Esmirna deviam ter a preferência. E Víbio Marso foi de parecer que
a Marco Lépido, governador da província, se desse um legado extraordinário para
cuidar particularmente da obra do templo; e porque Lépido por modéstia o não
quisera nomear, foi eleito à sorte, que recaiu em Valério Nasão, um antigo pretor.
57. Finalmente, depois das muitas meditações e demoras que tiveram os
projectos do César, partiu ele, com efeito, para a Campânia, pretextando que ia
dedicar um templo a Júpiter em Cápua e outro a Augusto em Nola, porém na
resolução verdadeira de viver longe de Roma. Ainda que, seguindo muitos
autores, eu tenho atribuído a causa desta jornada aos artifícios de Sejano, vendo,
contudo, que, ainda depois do suplício deste valido, se conservara ausente seis

102 Catão.
103 Durante a guerra com Mitridates.
206 ANAIS

anos, fico as mais das vezes em dúvida se não será mais conforme à verdade
atribuir tudo isto ao seu próprio carácter, eminentemente feroz e lascivo, que
pretendia ao menos que pela solidão fosse oculto o que pelas acções era públi-
co104. Outros, porém, explicam ainda isto pelo estado da sua muito disforme
velhice, porque dizem que o seu corpo muito alto, muito magro e curvado, a sua
cabeça toda calva e o seu rosto coberto de pústulas e quase sempre de emplas-
tos, notavelmente o vexavam, e que, depois do seu retiro em Rodes, ganhara o
hábito de fugir dos homens e de se dar em segredo às suas obscenidades 105. Dá-
-se também ainda por motivo a muita soberba da mãe, a qual nem ele queria
admitir no governo, nem podia desviar, porque da sua mão era que tinha recebi-
do o império. E o caso foi que, estando indeciso Augusto se nomearia seu
sucessor a Germânico, neto de sua irmã Octávia e que era bem visto de todos,
vencido enfim pelos rogos da mulher, escolheu Tibério, e a este mandou então
que adoptasse Germânico – circunstância esta que Lívia lhe deitava sempre em
rosto e em que sempre se fundava para querer governar106.
58. Na sua viagem, levou ele muito pouca gente consigo: Coceio Nerva,
senador consular e jurisconsulto famoso, Cúrcio Ático, cavaleiro romano dis-
tinto, e Sejano, com alguns homens de letras, pela maior parte gregos, para o
recrearem com a sua conversação. Prognosticaram os astrólogos que Tibério
tinha saído de Roma em tal conjunção de estrelas que denotavam que nunca
mais voltaria; mas esta profecia causou a morte de muitos, que se persuadiam, e
assim o divulgavam, que não ia longe o fim da sua vida; não podendo então
adivinhar-se uma coisa que parecia incrível: e era que ele houvesse de estar
muito por seu gosto onze anos longe da pátria. Depois se conheceu como a
ciência anda quase sempre ao lado da ignorância e como a verdade muitas vezes
se encobre por altos mistérios, porque adivinharam, com efeito, que não tornaria
a Roma, mas ignoraram o resto, pois que, passeando Tibério pelas vizinhanças,
ora por terra ora por mar, e vindo muitas vezes até os muros da cidade, viveu
assim muitos anos e chegou a uma longa velhice.
59. Um perigo em que esteve casualmente o César por aqueles mesmos dias
aumentou estes rumores e concorreu também muito para, de todo, se confiar na
amizade e constância de Sejano. Estavam jantando em uma quinta chamada
Espelunca, que fica entre o mar de Amiclas e as montanhas de Fundos, dentro
de uma gruta feita pela natureza; de repente, se desligam e caem algumas gran-

104 Tradução de saeuitiam ac libidinem cum factis promeret, locis occultantem («porque se
em seus actos exteriorizava a sua crueldade e os seus vícios, gostava de exercê-los num
lugar oculto»).
105 Tradução de uoluptates («prazeres»).
106 Tradução de idque Augusta exprobrabat, reposcebat («e Augusta atirava-lhe isto à cara,
passava da conta»).
LIVRO IV 207

des pedras das que formavam a entrada e esmagam parte dos escravos que
serviam. Todos os convidados ficaram espavoridos e só cuidaram em fugir;
unicamente Sejano, posto de joelhos e estendendo todo o corpo e os braços
sobre a pessoa de Tibério, procurou assim defendê-lo de outras pedras que ainda
continuavam a despegar-se e nesta postura se conservou até que chegaram os
soldados que vieram acudir. Daqui nasceu todo o seu poder e valimento exces-
sivo, de sorte que, ainda quando aconselhava as coisas mais fatais, sempre era
acreditado como homem que só cuidava dos interesses do príncipe107. Entrou,
pois, a constituir-se juiz contra os filhos de Germânico, subornando certos
indivíduos para que fizessem o ofício de acusadores e, com particularidade,
arguíssem a Nero, o mais próximo herdeiro do império, o qual, ainda que bas-
tantemente modesto, nem sempre, contudo, se mostrava tão reservado como as
circunstâncias pediam. Os que tinham, porém, maior culpa eram os seus pró-
prios libertos e clientes, os quais, inconsideradamente ambiciosos, o instigavam
para que se mostrasse resoluto e constante, e lhe diziam que isto era também o
que o povo romano queria e desejavam os exércitos; além disto, só assim se
poderia conter a insolência de Sejano, que tanto abusava da fraqueza do velho
como da timidez dele mancebo.
60. Quando ele ouvia estas e outras coisas semelhantes, ainda que não tives-
se más intenções, deixava, todavia, cair às vezes certas palavras atrevidas e
inconsideradas, as quais os espiões que o cercavam, aumentando-as ou comen-
tando-as, iam depois referir, sem que Nero se pudesse jamais justificar,
achando-se, além disto, oprimido com diferentes desgostos. Porque uns fugiam
de se encontrar com ele, outros apenas o saudavam logo lhe voltavam as costas
e a maior parte até no meio da conversação o deixavam de repente, ficando só
com ele, sem nunca o largarem, as criaturas de Sejano para o meterem a bu-
lha108. O mesmo Tibério sempre o recebia ou carrancudo, ou com um sorriso de
perfídia; e quer o pobre mancebo falasse, quer estivesse calado sempre tinha de
que ser arguido, porque o crime tanto se lhe imputava nas palavras como no
silêncio. Nem para ele a noite era um asilo em que pudesse achar segurança,
pois que sua própria mulher lhe contava as vigílias, o sono e até os seus mesmos
suspiros para os ir revelar à sua mãe, Lívia, e esta a Sejano, que também já tinha
do seu partido a Druso, irmão de Nero, lembrando-lhe as esperanças da suces-
são se chegasse a ver-se livre do irmão mais velho, que já começava a cair em
desgraça. Além da ambição de reinar, tinha Druso um carácter feroz, e as desa-
venças, que são ordinárias entre irmãos, ainda muito mais se aumentavam pela

107 Tradução de maior ex eo et quamquam exitiosa suaderet ut non sui anxius cum fide
audiebatur («com isto fez-se maior e, ainda que aconselhasse coisas perniciosas, era
ouvido com confiança, na ideia de que não o inquietavam os seus próprios interesses»).
108 Tradução de insistentibus contra inridentibusque qui Seiano fautores aderant («diante da
perseguição e da burla dos partidários de Sejano»).
208 ANAIS

predilecção que sua mãe Agripina mostrava por Nero. Contudo Sejano, ainda
que favorecesse Druso, era com tão astuciosa política que já ao mesmo tempo
lhe ia armando os laços para a sua futura perdição, porque conhecia qual era o
seu génio violento e o quanto também ele era capaz de o perder se pudesse109.
61. No fim deste ano morreram dois homens insignes: Asínio Agripa, des-
cendente de avós mais ilustres do que antigos e dos quais nunca degenerou, e
Quinto Hatério, de uma família senatória, muito célebre pela sua eloquência
enquanto viveu, porque os escritos que nos restam dele não merecem tanta
fama. Toda a sua celebridade vinha mais da sua pronunciação, da sua veemên-
cia e do seu fogo do que do merecimento real dos discursos110, e, enquanto nos
outros o estudo e o talento de escrever tem durado até agora, toda essa canora
suavidade de voz e de expressão que tinha Hatério morreu inteiramente com ele.
62. Sendo cônsules Marco Licínio e Lúcio Calpúrnio111, uma desgraça
imprevista causou tantas calamidades como se fosse a guerra mais horrorosa: e
tudo foi obra de um momento112. Um certo Atílio, liberto de origem, havendo
construído em Fidenas um anfiteatro, para nele dar ao público o espectáculo dos
gladiadores, nem cuidou na devida firmeza dos alicerces nem depois compe-
tentemente segurou o emadeiramento, de sorte que entrou nesta empresa não
por espírito de magnificência ou por querer ganhar fama no seu município, mas
só por um sórdido interesse. Houve uma infinita concorrência de povo, que
estava ansioso por tais divertimentos, tão pouco usados no governo de Tibério;
e nesta concorrência entravam homens, mulheres e crianças, enfim, pessoas de
todas as idades113, que pela comodidade do lugar tinham de toda a parte
concorrido em grande número. E o maior mal ainda foi que, abalando-se tudo
ao mesmo tempo e caindo também de repente tanto o interior como o exterior
do anfiteatro, não só engoliu ou esmagou a imensa gente que assistia ao espec-
táculo, porém ainda a todos os que estavam fora e passeavam de roda. Os que
tiveram maior felicidade foram certamente aqueles que logo perderam a vida,
pois que assim evitaram as dores e os tormentos, e nem pode comparar-se a sua
desgraça com a dos outros que, ficando ainda semivivos e com os membros
mutilados, ainda em cima disto também viam de dia e ouviam de noite gemer e

109 Tradução de gnarus praeferocem et insidiis magis opportunum («conhecendo que era
muito irreflexivo e mais vulnerável às suas insídias»).
110 Tradução de impetu magis quam cura uigebat («era estimado mais pelo entusiasmo do
que pelo trabalho»).
111 Ano de 27 d. C.
112 Tradução de eius initium simul et finis extitit («o seu início e o fim aconteceram num só
momento»).
113 Tradução de uirile ac muliebre secus, omnis aetas («homens e mulheres e de todas as
idades»).
LIVRO IV 209

gritar suas mulheres e seus filhos abismados nas mesmas ruínas enormes114.
Imediatamente, de todas as partes, entraram a concorrer todas as pessoas que
tinham relações com estes infelizes e que vinham lamentar a sorte ou de um pai,
ou de um irmão, ou de um parente115. Os mesmos que tinham parentes ou ami-
gos ausentes por outros motivos estavam também em sustos horríveis, porque,
como ainda se ignorasse quais eram os mortos, esta mesma dúvida multiplicava
os terrores.
63. Assim que se começou a tirar os entulhos, houve então um extraordinário
concurso dos que vinham beijar e abraçar os seus parentes mortos e até, por
muitas vezes, chegaram a mover-se contendas sobre alguns cadáveres que, ou
pelo resto da figura ou pela idade, pareciam ser reconhecidos pelos diferentes
indivíduos que os olhavam como seus. Cinquenta mil pessoas ou morreram ou
ficaram estropiadas com este funestíssimo desastre. Acautelou-se para o futuro
por um senátus-consulto que ninguém pudesse dar este espectáculo de gladiado-
res que não tivesse de seu, ao menos, quatrocentos mil sestércios e que nunca se
formasse o anfiteatro sem primeiro se examinar se o local tinha toda a seguran-
ça necessária116. Atílio foi desterrado e, naqueles primeiros dias, os grandes
abriram as suas casas, aprontaram médicos e gratuitamente ministraram remé-
dios a todos os desgraçados. Deu, com efeito, Roma em todo este tempo de luto
universal um exemplo bem conforme com os belos costumes dos nossos anti-
gos, os quais, depois das grandes batalhas, tratavam sempre os feridos com a
maior generosidade e compaixão.
64. Mas ainda esta calamidade não estava esquecida quando um fogo vio-
lento produziu tal estrago em Roma como até ali nunca se tinha visto e chegou a
queimar todo o monte Célio. Dizia-se que este ano era uma época funesta e que
a deliberação da saída do príncipe não tinha produzido senão infelicidades117.
Assim raciocinava o vulgo, que sempre atribui aos pecados dos homens o que
tantas vezes só é efeito do acaso; porém o César fez calar estes rumores man-
dando distribuir dinheiro aos que tinham sofrido em proporção das suas perdas.
Alguns patrícios distintos lhe foram dar os agradecimentos em nome do sena-

114 Tradução de qui per diem uisu, per noctem ululatibus et gemitu coniuges aut liberos
noscebant («que durante o dia conheciam mulheres ou filhos pela vista, durante a noite
pelas lamentações e gemido»).
115 Tradução de iam ceteri fama exciti, hic fratrem, propinquum ille, alius parentes lamentari
(«os que não estavam presentes correram para saber a notícia: este chorava o seu irmão,
aquele um parente, outro os pais»).
116 Tradução de neue amphitheatrum imponeretur nisi solo firmitatis spectatae («e que não
se construíssem anfiteatros sobre terrenos que não fossem de comprovada solidez»).
117 Tradução de et ominibus aduersis susceptum principi consilium absentiae («e que o
príncipe tinha tomado a decisão de se ausentar com todos os auspícios desfavoráveis»).
210 ANAIS

do118, e a fama pública lhos deu igualmente em nome do povo: e eram, com
efeito, bem merecidos, porque, sem intriga e sem ninguém lho pedir, foi liberal
até com aqueles mesmos que não conhecia. Propôs-se, além disto, que o monte
Célio fosse para o futuro chamado Augusto, porque, ardendo ali tudo, só a
estátua de Tibério havia escapado ilesa dentro da casa do senador Júnio. Alega-
va-se que este mesmo milagre também já tinha acontecido antigamente a Cláu-
dia Quinta, pelo que os nossos maiores consagraram no templo da mãe dos
deuses a sua estátua por duas vezes não violada pelo fogo; que a família Cláudia
era santa e favorecida do céu; e que assim era justo aumentar a veneração de um
lugar em que os deuses tão visivelmente tinham obrado um prodígio em honra
do príncipe.
65. Não será fora de propósito dar a saber que este monte se chamava anti-
gamente Querquetulano, em razão da muita quantidade de carvalhos que tinha.
Depois foi denominado Célio, do nome de Celes Vibena, general etrusco, o
qual, tendo vindo comandar um reforço que se lhe havia pedido, recebeu em
donativo aquele terreno que lhe foi dado por Tarquínio, o Antigo, ou por outro
qualquer rei, porque os historiadores nem todos concordam neste ponto. O que,
porém, não sofre alguma dúvida é que as suas tropas, que eram muito numero-
sas, se estenderam pelas fraldas do monte até às vizinhanças do Fórum, e que
delas o bairro denominado Toscano tomara o seu nome.
66. Porém, no mesmo tempo em que a humanidade das pessoas principais e
as liberalidades do príncipe se empregavam em consolar aqueles desgraçados,
todos os dias cresciam as delações e se tornavam mais funestas, sem ser possí-
vel impedi-las. Varo Quintílio, homem rico e ainda parente do César, foi acusa-
do por aquele mesmo Domício Afro, que já tinha sido o acusador de sua mãe
Cláudia Pulcra; e nem era maravilha que, sendo pobre e havendo já indigna-
mente consumido todo o prémio que tinha ganhado pela sua primeira acusação,
renovasse depois as mesmas vilezas. Mas o que fez maior admiração foi ver
Públio Dolabela declarar-se igualmente com ele por delator nesta causa, porque,
além de pertencer a uma família muito ilustre e ser parente de Varo, ia por este
modo deslustrar toda a sua nobreza e a de todos os seus antepassados. O senado,
contudo, se mostrou ainda desta vez bastantemente intrépido, porque se lhe
opôs e resolveu que nada se fizesse sem que primeiro se consultasse o impera-
dor, único refúgio para que ainda se podia apelar em tempos de tamanhas cala-
midades.
67. O César, depois de ter celebrado a dedicação dos templos na Campânia,
não obstante haver declarado por um edicto que ninguém o fosse interromper no
seu sossego, e até apesar da ordem que tinham os soldados para afastar dele o

118 Tradução de actaeque ei grates apud senatum ab inlustribus («no senado foram dadas
graças pelos notáveis»).
LIVRO IV 211

povo numeroso que o vinha procurar, tomando ainda uma profunda aversão a
todos os municípios, colónias e a tudo enfim que era continente, foi esconder-se
na ilha de Cápreas, separada da extremidade do promontório de Surrento por
um braço de mar de três milhas. Estou persuadido que aquela solidão devia ser
muito do seu gosto, porque não tinha porto algum119: só em poucos sítios os
pequenos navios podiam ancorar e ninguém, por conseguinte, também podia
desembarcar que não fosse logo conhecido. Além disto, o clima da ilha é muito
ameno porque no Inverno uma montanha a defende dos ventos do Norte 120 e no
Verão é belíssima por estar voltada ao Ocidente e ter defronte um mar espaçoso.
A mesma vista do golfo, antes que as erupções do Vesúvio alterassem o aspecto
do país, tornava aquela posição formosíssima. É tradição que os Gregos foram
senhores de todos estes países, e que na ilha de Cápreas habitaram os Teléboas.
Tibério ali mandou edificar doze casas de campo com nomes e estrutura dife-
rentes; e tão incansável e aplicado aos negócios públicos se havia mostrado em
outro tempo quanto depois, entregue a tenebrosos prazeres, pareceu determina-
do a engolfar-se em uma cruel ociosidade. Conservou, pois, o seu mesmo ca-
rácter suspeitoso e crédulo, que Sejano em Roma cuidava muito em lhe apurar e
agora muito mais; de sorte que bem depressa deixou de ser um mistério de que
Agripina e Nero iam ser vítimas de públicas e insidiosas intrigas. Para cada um
se destinou logo um soldado, que tinha instruções para fazer o diário dos reca-
dos que mandavam, das visitas que recebiam e de tudo quanto praticavam, ou
em particular ou em público. Havia também pessoas destinadas para assustá-los
e dar-lhes o pérfido conselho ou de se irem refugiar nos exércitos da Germânia
ou, quando houvesse maior concurso no Fórum, de irem abraçar-se com a
estátua do divino Augusto e ali implorar o auxílio do povo e do senado. Mas,
apesar de que desprezavam todas estas fatais insinuações, ainda assim mesmo se
lhes imputavam estes projectos como se os houvessem meditado.
68. O princípio do ano consular de Júnio Silano e de Sílio Nerva121 foi extre-
mamente horroroso pela prisão inesperada de Tício Sabino, um cavaleiro roma-
no da primeira distinção, dando-se-lhe por motivo a sua antiga amizade com
Germânico. É verdade que nunca tinha deixado de obsequiar sua mulher e seus
filhos, que constantemente os visitava, que sempre os acompanhava em público
e, de tantos amigos, era ele o único que se havia conservado fiel; por esta razão
também era ele estimado de todos os homens de bem e aborrecido dos maus.
Viu-se atacado ao mesmo tempo por quatro ex-pretores, Lacínio Laciar, Pórcio
Catão, Petílio Rufo e Marco Ópsio, os quais todos agora aspiravam ao consula-
do, emprego que ninguém já podia ganhar senão por Sejano, homem que tam-

119 Tradução de quoniam importuosum circa mare («porque o mar em torno não tinha
porto»).
120 Tradução de saeua uentorum («a força dos ventos»).
121 Ano de 28 d. C.
212 ANAIS

bém ninguém podia ganhar senão por algum crime. Entre eles se ajustou que
Laciar, o qual tinha algumas relações com Sabino, tecesse os laços em que o
obrigasse a cair, que os outros serviriam de testemunhas e que depois se lhe
formaria a acusação. Começou, portanto, Laciar a deixar escapar certas expres-
sões que pareciam casuais, passou logo a fazer-lhe elogios pela sua grande
constância, pois que, sempre amigo de uma família tão brilhante, não se tinha
dela esquecido como os outros quando a viram desgraçada e, ao mesmo tempo,
não perdia ocasião de louvar Germânico e de se mostrar aflito pela sorte de
Agripina. Tanto que percebeu que Sabino, dotado de toda a sensibilidade que é
natural às almas infelizes, principiava a derramar algumas lágrimas e a mostrar-
-se queixoso, voltou-se então já mais desembaraçadamente a dizer mal de
Sejano, da sua crueldade e soberba e de todos os seus projectos ambiciosos,
tratando do mesmo modo a pessoa de Tibério. Mas, como estas conversações já
começavam a tomar o carácter de perigosas, foram elas também logo tomando
toda a aparência de uma estreita amizade. Nestas circunstâncias já Sabino
espontaneamente procurava Laciar, ia visitá-lo à sua casa e depositava em seu
peito todas as suas mágoas como se fosse um dos seus mais íntimos amigos.
69. Os delatores que acima mencionei trataram enfim do modo por que todos
pudessem ouvir estas coisas. Era, porém, necessário dar sempre uma aparência
de mistério ao lugar em que se passasse a conversação, e havia perigo que, se
ficassem perto da porta, um pequeno estrondo ou outro qualquer incidente
fizesse nascer desconfianças. Assentaram, pois, que entre o tecto da casa e o
forro do aposento122 se fossem esconder os três senadores e, procurando assim
um esconderijo tão infame como a sua mesma abominável traição, se ajustou
que, através de certos buracos e aberturas no forro, aplicariam os ouvidos para
bem perceberem tudo o que se passava em baixo. No entanto Laciar, encontran-
do-se na rua com Sabino, o convida para casa e para o seu gabinete, fingindo ter
factos recentes e de grande importância que lhe queria revelar. Assim que se viu
só com ele, entrou logo a renovar-lhe os males passados e presentes, de que
havia muita abundância, e desta sorte lhe multiplica a indignação e os terro-
res123. Sabino, como era natural, repetiu o mesmo e ainda por mais tempo e com
mais amplidão, porque, uma vez que qualquer pessoa começa a desafogar as
suas tristezas, com dificuldade se pode calar. Feito isto, cuidaram logo em
acelerar a acusação e escreveram uma carta ao César em que lhe expunham
todas as perfídias de que se tinham valido e, por consequência, as suas próprias
infâmias. Nunca Roma sentiu tanto horror e concebeu tantos sustos como nesta
ocasião, vendo-se cada um obrigado a desconfiar e a acautelar-se de quantos se

122 Tradução de tectum inter et laquearia («entre o telhado e o tecto»).


123 Tradução de praeteritaque et instantia, quorum adfatim copia, ac nouos terrores cumulat
(«e falou do passado e do presente, de que havia matéria de sobra, acumulando sobre ele
novos terrores»).
LIVRO IV 213

lhe aproximavam, a fugir de todos os ajuntamentos e de todas as conversações e


a evitar tanto os conhecidos como os estranhos. Os mesmos objectos inanima-
dos e mudos causavam receio e pavor e, para se poder contar com alguma
segurança, até era preciso escrupulosamente examinar os próprios tectos e as
paredes das casas.
70. O César, na carta que escreveu a dar os bons anos aos padres, porque era
o princípio de Janeiro124, passou logo a falar contra Sabino, e o arguia de ter
seduzido alguns libertos para que atentassem contra a sua pessoa; assim aberta-
mente pedia satisfação e vingança. Não houve demora alguma em lhe fazer a
vontade. Mas, quando se arrastava o condenado com a cabeça coberta e as
fauces ligadas, ainda assim mesmo nunca deixou ele de clamar como podia e de
ousadamente dizer: «Eis aqui os bons auspícios com que principia o ano novo, e
eis aqui estão as vítimas que se sacrificam a Sejano!»125 Contudo, para qualquer
parte que ele olhava ou em que se ouviam as suas vozes, logo tudo desaparecia
e tudo passava a ser uma vasta solidão. As ruas e as praças achavam-se desertas,
e alguns dos que tinham fugido só tornavam a voltar, receando que até o mos-
trar medo lhes fosse imputado como delito. Com efeito, que dia se podia já
contar como sagrado quando, no meio dos mesmos sacrifícios e das preces,
tempo em que nem era lícito proferir uma palavra que não indicasse devoção, se
faziam prisões e se davam garrotes. Nem se pode dizer que Tibério ignorasse
estes atentados sacrílegos, antes eram eles uma consequência de meditação e de
cálculo para dar a conhecer que já não havia festividades nem asilos, e que os
novos cônsules, com as mesmas mãos com que abriam os templos, abriam
também as masmorras para nelas se encerrarem as vítimas. Seguiu-se depois
outra carta, em que Tibério dava os agradecimentos por terem castigado um
homem inimigo da república, e na qual acrescentava que a sua vida andava em
perigo e bem sabia que os seus inimigos lhe armavam traições. Não falava
particularmente em ninguém, mas todo o mundo sabia que só tinha em vista a
Nero e Agripina.
71. Se me não tivesse proposto o ir tão-somente escrevendo o que se passou
em cada ano, bem desejava agora antecipar-me e poder já referir o fim que
tiveram Lacínio e Ópsio, assim como todos os mais autores desta atrocidade,
tanto no tempo de Calígula como ainda no governo de Tibério. Este, não obs-
tante nunca permitir que alguém maltratasse os ministros das suas iniquidades,
contudo, quando já se via saciado e tinha outros de novo que se lhe vinham
oferecer, derribava então os primeiros que já não podia suportar. Porém os
castigos que eles tiveram, assim como todos os seus imitadores, no seu próprio

124 Tradução de sollemnia incipientis anni kalendis Ianuariis epistula («por carta das Calendas
[dia 1] de Janeiro em que fazia as invocações solenes do princípio do ano»).
125 Discurso indirecto no original.
214 ANAIS

lugar relataremos. Depois disto opinou Asínio Galo, cujos filhos eram sobrinhos
de Agripina, que se rogasse ao príncipe houvesse por bem declarar os seus
receios ao senado e permitisse que eles lhe fossem removidos. Mas Tibério, que
de nada mais caprichava, segundo era sabido, do que em possuir a arte profunda
da dissimulação, levou por isso mesmo muito a mal que se pretendesse obrigá-
-lo a revelar o que ele ainda queria conservar escondido. Contudo Sejano miti-
gou-lhe a cólera não por amizade que tivesse a Galo, mas para dar tempo a que
os pensamentos tardios do César por si mesmos se viessem a aclarar, porque
sabia muito bem que, sendo lentas as suas resoluções, uma vez que chegava a
romper, sempre os seus ameaços eram acompanhados de destinos fatais. Neste
mesmo tempo, morreu Júlia, neta de Augusto, a quem, por ter sido convencida
de adultério126, tinha ele feito condenar na pena de desterro para a ilha de
Trimeto, não longe das costas da Apúlia. Ali se havia conservado desterrada por
espaço de vinte anos, vivendo das liberalidades de Augusta, a qual, ao mesmo
tempo que ocultamente tinha procurado perder todos os seus enteados, no
público ostentava compaixão por aqueles que via em desgraça.
72. No mesmo ano, os Frísios, um povo que habitava além do Reno, quebra-
ram a amizade que tinham connosco, mais por causa da nossa avareza excessiva
do que por estarem descontentes com a nossa aliança. Druso 127 lhes havia
imposto um pequeno tributo que, em atenção a serem pobres, só consistia em
coiros de bois para o uso dos exércitos, e se recebiam todos os que eles davam,
qualquer que fosse a sua bondade ou grandeza128. Mas o primipilar Olénio,
governador do país, designou depois para modelo dos coiros que deviam dar as
peles dos uros, que eram certos bois selvagens e de marca extraordinária129. Isto,
que para todas as outras nações seria muito difícil, muito mais o era para os
Germanos, que, tendo na verdade nos seus bosques e montanhas gado bravo de
uma grandeza enorme, só criavam em casa bois de uma espécie muito pequena.
Como não pudessem, pois, satisfazer semelhantes condições, principiou-se por
lhes tomar esses mesmos bois que tinham e por expulsá-los das suas terras, e a
final passou-se até a reduzir à escravidão suas próprias mulheres e seus filhos.
Com toda a justiça se queixaram eles então e se mostraram ofendidos 130, mas
como vissem que não havia alguma emenda, recorrerem às armas, prenderam os
soldados que cobravam os tributos e os fizeram morrer enforcados. Olénio só

126 Tradução de conuictam adulterii («condenada por adultério»).


127 Pai de Germânico, em 12 a. C.
128 Tradução de non intenta cuiusquam cura quae firmitudo, quae mensura («ninguém tinha
o cuidado de controlar qual a solidez, qual a medida»).
129 Tradução de impositus terga urorum delegit quorum ad formam acciperentur («escolheu
peles de uro como forma das que se se admitiriam»). O uro era um touro selvagem, que
se extinguiu no século XVII.
130 Tradução de hinc ira et questus («daqui a ira e as queixas»).
LIVRO IV 215

escapou das suas iras fugindo e se foi refugiar em um castelo chamado Flevo,
aonde estava uma forte guarnição de tropa romana e aliados para defender as
costas do Oceano.
73. Assim que esta notícia chegou aos ouvidos de Lúcio Aprónio, propretor
da Baixa Germânia, reuniu logo todos os vexilários das legiões que estavam no
Alto Reno e as melhores tropas auxiliares de pé e de cavalo – e com todas estas
forças embarcou no Reno para atacar a Frísia. Achou, porém, já levantado o
cerco do castelo pelos rebeldes que marchavam para defender os seus lares.
Então, formando calçadas e pontes sobre as lagoas que lhe embaraçavam a
passagem, por elas fez passar as tropas pesadas, ao mesmo tempo que, achando
alguns vaus, mandava atravessar a cavalaria caninefate, com toda a infantaria
dos Germanos que estava ao nosso serviço, para que flanqueassem o inimigo.
Mas já este estava formado em batalha e obrigou a retroceder as forças aliadas,
assim como a cavalaria das legiões que lhes servia de reserva. Em tais circuns-
tâncias fez logo marchar em seu socorro três coortes ligeiras, depois mais duas
e, afinal, já passado algum tempo, toda a cavalaria auxiliar; contudo tais forças,
que seriam muito suficientes se, ao mesmo tempo e todas juntas, tivessem
atacado, porque chegaram umas depois das outras, longe de animar as que já
estavam em derrota, bem pelo contrário, fugiram igualmente com elas. Cetego
Labeão, legado da quinta legião, tinha ficado com o comando do resto dos
aliados, mas como se visse em igual perigo, porque a sua tropa recuava, despa-
chou também diferentes correios a implorar o socorro das legiões. Os da quinta
foram os primeiros que, com efeito, avançaram: e, desbaratando o inimigo,
depois de um combate pertinaz, protegeram ao menos a retirada das coortes e da
cavalaria, que já estavam fortemente acutiladas. Mas o general romano conten-
tou-se com isto, porque nem cuidou em vingar esta afronta e nem mesmo em
dar sepultura aos seus mortos, ainda que tivesse perdido muitos tribunos, muitos
prefeitos e muitos centuriões de grande distinção. Pelos desertores se soube
ainda que novecentos romanos tinham sido feitos em postas junto de um bosque
que chamam Baduena, por efeito de um combate que durara dois dias e que
outro corpo de quatrocentos homens, que se havia encerrado em uma casa de
campo de Crúptorix, em outro tempo nosso tributário131, como temesse a traição
dos habitantes, mutuamente se havia degolado.
74. Assim se fez célebre entre os Germanos o nome dos Frísios, dissimulan-
do Tibério todas estas perdas só para não nomear algum novo general. Nem os
padres faziam caso disto ou lhes importava que as extremidades do império
passassem por esta vergonha, quando o pavor interno trazia aterrados todos os
espíritos e, para o desviar, só se recorria a mil adulações e torpezas 132. Desta

131 Tradução de quondam stipendiari («mercenário»).


132 Tradução de remedium adulatione quaerebatur («procurava-se remédio na adulação»).
216 ANAIS

sorte, apesar de se tratarem negócios bem diferentes, decretaram eles, contudo,


que se erigisse um altar à Clemência e outro à Amizade e que, em roda deles, se
colocassem as estátuas de Tibério e de Sejano, rogando-lhes ao mesmo tempo,
com muitas e repetidas instâncias, que lhes fossem permitidas a honra e a felici-
dade de os ver. Porém nem um nem outro nunca vieram à cidade e nem mesmo
às suas vizinhanças, contentando-se com sair algumas vezes da ilha e de se
mostrarem nas vizinhanças da Campânia. Para ali entraram então a concorrer os
senadores, os cavaleiros romanos e até um grande número de povo, geralmente
receosos de Sejano, que já não falava a todos como antes, e só aos que tinham
empenhos ou eram sócios nas maquinações e nos crimes 133. Com efeito, já
ninguém duvidava do muito que a sua arrogância se tinha adiantado, depois que
entrara a ver distintamente a infame baixeza dos seus aduladores. Em Roma,
como havia muita gente e a cidade era imensa, não era tão fácil advertir nos
diferentes negócios que tinha cada um, porém ali era impossível não encarar
constantemente em toda aquela multidão que indistintamente passava os dias e
as noites, ou postada pelo campo ou pelas praias do mar, sempre à espera do
ministro e sofrendo entanto ou os insultos ou a protecção dos seus escravos.
Assim mesmo foi isto por fim proibido: e todos aqueles a quem ele se não
dignava nem ver nem falar voltavam no maior susto e tormentos, assim como
também voltavam estultamente satisfeitos os que não percebiam que a sua
infausta amizade seria em bem pouco tempo seguida de bem funestas desgraças.
75. Finalmente Tibério mandou que se celebrasse em Roma o casamento de
sua neta Agripina, filha de Germânico, que ele no seu retiro havia dado por
esposa a Gneu Domício. A razão desta escolha tinha sido porque, além de
pertencer Domício a uma família antiquíssima, era ainda parente muito chegado
dos Césares, por ser neto de Octávia, e por via dela sobrinho de Augusto.

133 Tradução de eo per ambitum et societate consiliorum parabatur («só se conseguia [falar]
por oficiosidade ou por participar nas suas maquinações»).
LIVRO QUINTO

1. Sendo cônsules Rubélio e Fúfio1, os quais tinham ambos o sobrenome de


Gémino, morreu em idade sumamente avançada Júlia Augusta, não só muito
ilustre pela família Cláudia, porém pela adopção dos Lívios e dos Júlios. O seu
primeiro casamento, e de que teve filhos, foi com Tibério Nero, o qual, obriga-
do a fugir na guerra de Perúsia, veio para Roma depois da acomodação que
houve entre Sexto Pompeio e os triúnviros. Augusto, namorado da sua formosu-
ra, bem que se não saiba se ela foi viver com ele de boa ou má vontade, a rou-
bou a seu marido; e desta vez mostrou uma paixão tão ardente que nem sequer
lhe esperou pelo parto, pois que assim mesmo pejada a levou para casa. Não
tornou a ter outros filhos, mas, enlaçada na família de Augusto pelo casamento
de Agripina com Germânico, os seus bisnetos foram também os do marido. Nos
seus costumes domésticos conservou toda a decência e gravidade dos tempos
antigos, ainda que muito mais graciosa e afável do que antigamente costuma-
vam ser as mulheres. Mãe imperiosa e esposa condescendente, com alguma
dissimulação do filho, soube combinar todos os artifícios do marido. O seu
funeral foi muito pouco aparatoso, e por muito tempo não se cumpriu o seu
testamento. O seu bisneto Gaio César Calígula, que depois chegou a ser impera-
dor, fez o seu elogio fúnebre nos rostros.
2. Tibério, porque não veio assistir aos ofícios funerais de sua mãe nem alte-
rou o seu voluptuoso modo de vida, desculpou-se por carta, pretextando muitos
e graves negócios. Com aparência de modéstia, coarctou as honras excessivas
que o senado tinha decretado à sua memória, concordando em poucas e adver-
tindo logo que se lhe não fizesse a apoteose, porque isto mesmo tinha ela reco-
mendado. No fim da mesma carta, increpava todos os aduladores das mulheres,
no que indirectamente procurava arguir o cônsul Fúfio. Este, com efeito, devia
toda a sua fortuna aos favores de Augusta e tinha todas as prendas para agradar
ao sexo feminino; além disto, era muito jovial e satírico e, até nos seus ditos
picantes, de ordinário não poupava o mesmo Tibério – crime imperdoável, que
nunca esquece aos poderosos.
3. Desde esta época, romperam-se todos os diques à tirania opressora por-
que, enquanto Augusta era viva, havia ainda um refúgio no habitual e antigo
respeito que Tibério tributava à sua mãe, e que nem o mesmo Sejano se atrevia
a contradizer; quebrados, porém, estes laços, todos os embaraços fugiram. Então

1 Ano de 29 d. C.
218 ANAIS

se enviou logo uma carta contra Agripina e Nero, a qual, como fosse lida depois
da morte de Augusta, geralmente se acreditou ter sido remetida muito antes e
que só por sua causa estivera suprimida. As expressões desta carta eram extre-
mamente severas, contudo ainda não os arguia de quererem fomentar revolu-
ções. Acusava o neto de obscenidades com outros mancebos e com mulheres2;
e, como não pudesse repreender a nora de abominações semelhantes, deitava-
-lhe em rosto a sua nímia arrogância e pertinácia de génio. Tudo isto foi ouvido
com grande pavor e silêncio do senado, até que enfim só poucos (e desses que
não podem brilhar senão por meio de crimes funestos e para quem as calamida-
des públicas abrem o caminho das grandes fortunas) pediram que se passasse a
propor a questão e a deliberar sobre ela. Cota Messalino, que nisto se mostrava
o mais empenhado de todos, foi o primeiro que deu um voto feroz; porém os
outros principais senadores, e particularmente os cônsules, tremeram todos
porque, apesar das funestas invectivas de Tibério, ainda ele se não tinha bem
explicado sobre as suas finais intenções.
4. Havia no senado um certo Júnio Rústico, que, escolhido pelo César para
ser o compilador do diário dos padres, por isso mesmo fazia desconfiar que
entrasse no segredo de todas as suas meditações. Este – ou fosse por um certo
instinto fatal, porque até ali nunca tinha mostrado tal constância, ou tão-somente
fosse por uma simples imprudência, esquecendo-se do perigo presente e recean-
do o futuro – seguiu o partido dos que se achavam indecisos e rogou aos côn-
sules que não propusessem aquele negócio, dando por motivo que as coisas
podiam mudar em um instante, e que a família de Germânico também podia
ainda tornar a achar-se em prosperidade, se ao velho se desse tempo para poder
arrepender-se. No entanto o povo, trazendo em procissão as imagens de
Agripina e Nero, cercava a cúria e, com aclamações a Tibério, clamava que a
carta era falsa e que contra a vontade do príncipe se queria perder toda a sua
família. Desta sorte ainda passou aquele dia sem que se perpetrasse algum
atentado desastroso. Mas começaram então a espalhar-se falsos ditos e falsos
pareceres contra Sejano, atribuídos a certos consulares, o que, por isso mesmo
que era forjado em segredo, abria campo espaçoso às imaginações de todos os
seus inventores. Desta sorte se dobravam as iras ao mesmo Sejano, e todas estas
coisas lhe ministravam matéria para acusações infinitas. Assim dizia ele que o
senado não tinha feito caso dos ressentimentos do príncipe; que o povo estava
em insurreição; que já se liam e se ouviam sem pejo novos discursos e decretos
dos padres, e que nada mais já faltava do que pegar em armas e nomear por
generais e comandantes aqueles mesmos de quem já se tinha seguido as ima-
gens, como se fossem as bandeiras e as águias.

2 Tradução de amores iuuenum et impudicitiam («amores de jovens e impudicícia»).


LIVRO V 219

5. Em consequência disto, renovou o César as acusações contra o neto e


contra a nora, repreendeu a plebe por um edicto e queixou-se aos padres de que
pela fraude de um único senador se tratasse com desprezo a majestade imperial;
contudo ordenou que nas suas deliberações a este respeito nada afinal decidis-
sem sem ele ser ouvido. Acabaram-se, pois, todas as dúvidas, e os padres não
decretaram penas capitais porque isto lhes era proibido; porém fizeram a solene
declaração que, estando prontos para satisfazer todas as vinganças do príncipe,
unicamente por lhe obedecerem se tinham coibido3.

3 É evidente que neste ponto existe uma lacuna, embora no manuscrito ela não seja assina-
lada. Até aqui, mencionaram-se acontecimentos de 29 d. C., mas a frase seguinte (nas edi-
ções recentes, integrada no livro VI) respeita já a 31. Perdeu-se, por isso, o relato da queda
de Sejano e da sua morte.
LIVRO SEXTO1

V, 6. Pronunciaram-se nesta discussão quarenta e quatro discursos, dos quais


alguns foram ditados pelo temor, e muitos pelo costume2.
«Sempre eu me lembrei3 que isto atrairia sobre mim ou a vergonha, ou os
ódios de Sejano. Mas já mudou a fortuna, e aquele4 mesmo que o escolheu para
colega e para genro é o primeiro que hoje se desculpa. Os que o serviram e o
adularam com as maiores baixezas são agora os que mais indignadamente se
declaram por seus inimigos. Quanto a mim, não sei qual é maior infelicidade, se
o ser acusado por ter sido grato a um amigo do que ser o seu próprio acusador.
Eu não esperarei nem pela crueldade nem pela clemência de ninguém, mas,
livre e seguro da minha consciência, saberei prevenir todo o perigo. O que tão-
-somente vos peço é que vos recordeis de mim com mais alegria do que tristeza,
contando-me em o número daqueles que, por uma morte gloriosa, souberam
subtrair-se às calamidades públicas do tempo.»
V, 7. Entretendo-se, então, parte do dia com os amigos que quiseram ficar
com ele e despedindo-se dos outros que se quiseram retirar, conservou ainda em
casa uma numerosa companhia que, ao ver a intrepidez e serenidade do seu
rosto, não podia ajuizar que já estivesse tão próximo a matar-se. Finalmente se
despediu da vida, ferindo-se com uma espada que guardava escondida debaixo
do vestido, e nem o César insultou a sua memória ou imputando-lhe crimes, ou
infamando-o, ao mesmo tempo que arguiu Bleso de muitas coisas, e essas
feíssimas.
V, 8. Propôs-se depois a acusação de Públio Vitélio e Pompónio Secundo. Os
delatores acusavam o primeiro de ter oferecido para a conjuração as chaves do
tesouro, de que ele era prefeito, e toda a caixa militar; o outro foi arguido pelo ex-
-pretor Consídio de ter sido muito da amizade de Élio Galo, o qual, depois da
execução de Sejano, se havia ido refugiar em uma quinta de Pompónio, como se
fosse um asilo seguríssimo. Estes desgraçados em ninguém acharam protecção
senão na constância de seus irmãos, que ficaram por seus fiadores. Mas Vitélio,

1 Desde meados do século XIX que se atribuem ao livro VI os capítulos 5-11 do livro V,
mantendo-se, todavia, a numeração tradicional.
2 A frase reporta-se a acontecimentos de 31. A perturbação, que justifica o carácter lacunar
deste passo, deve-se a vicissitudes da transmissão textual.
3 Desconhece-se quem pronuncia estas palavras.
4 Tibério.
222 ANAIS

enfastiado já de tantas demoras e sempre inquieto entre o medo e as esperanças,


pedindo um canivete, com o pretexto de se querer ocupar com alguma coisa, abriu
com ele levemente as veias, e depois a mesma tristeza o acabou. Pompónio,
homem muito amável e com talentos brilhantes, como sofresse com serenidade de
espírito os reveses da fortuna, ainda sobreviveu a Tibério.
V, 9. Decretou-se depois a condenação contra os dois últimos filhos de Seja-
no, apesar de que a indignação do povo já se ia afrouxando, e a maior parte já se
dava por satisfeita com os muitos castigos que já se tinham executado. Foram,
em consequência, presos um filho, que já sabia muito bem todos os perigos que
corria, e uma filha, ainda de tão poucos anos e tão ignorante do que estava
sucedendo que frequentemente perguntava qual era o seu delito e para onde a
conduziam, prometendo emendar-se e pedindo que a castigassem conforme se
castigavam as crianças. Contam os historiadores do tempo que, passando por
uma abominação inaudita que uma virgem fosse castigada com a pena capital, o
algoz a violara antes de lhe dar o garrote; e que, feita a execução, os seus cor-
pos, assim mesmo tão mimosos e tão novos, foram lançados nas Gemónias.
V, 10. Nesta mesma época, a Ásia e a Acaia passaram por um susto que foi
muito mais forte do que durável. Espalhou-se que Druso, filho de Germânico,
tinha sido visto nas ilhas Cícladas e depois no continente. Foi, com efeito, outro
mancebo, quase da mesma idade, que alguns libertos do César fingiram ter
descoberto e a quem acompanhavam para melhor sustentar o engano. A fama do
seu nome atraía os ignorantes e achava todos os Gregos dispostos pela sua inata
propensão para tudo o que é maravilha ou novidade: porque eles mesmos eram
os que supunham e acreditavam5 que se tinha escapado da prisão; que ia deitar-
-se nos braços das legiões que seu pai havia comandado; e que, feito isto, passa-
ria a ocupar o Egipto e a Síria. Já se via visitado por infinitos mancebos, recebia
grandes demonstrações públicas de afeição e respeito, andava no maior conten-
tamento com as honras que todos lhe faziam e com as que loucamente ainda
esperava para o futuro, quando esta notícia chegou aos ouvidos de Popeu Sabi-
no, que, governando então a Macedónia, também tinha a intendência da Acaia.
Para prevenir os efeitos destas verdades ou mentiras, fez-se logo à vela pelos
golfos de Torone e de Termas, costeou a ilha de Eubeia, no mar Egeu, e o porto
do Pireu, nas terras da Ática, e, passando depois em frente das terras de Corinto
através do istmo, entrou em Nicópolis, colónia romana que fica no mar Jónio.
Ali veio finalmente a saber que o tal mancebo, sendo com muita sagacidade
perguntado quem era, respondera que era filho de Marco Silano e que, fugindo-
-lhe então muitos dos que o acompanhavam, se embarcara, dizendo que ia para
a Itália. Sabemos que Sabino dera parte de tudo isto a Tibério, mas não nos foi
possível achar mais coisa alguma sobre a origem e fim de todo este sucesso.

5 Tradução de fingebant simul credebantque («fingiam ao mesmo tempo que acreditavam»).


LIVRO VI 223

V, 11. Já o ano estava para acabar quando apareceram em público as grandes


inimizades que depois de muito tempo guardavam em si os dois cônsules. Trião,
muito fácil em tomar aversões e muito exercitado na eloquência forense, atacou
indirectamente Régulo pela sua frouxidão em condenar os fautores de Sejano;
porém Régulo, homem prudente e moderado, enquanto se não via gravemente
ofendido, não só desfez todas as acusações do colega, mas já o ia pondo em
processo como cúmplice da conjuração. A maior parte dos padres, empregando
então muitas súplicas para ver se os reconciliavam e lembrando-lhes que as suas
discórdias só trariam consigo mútuas desgraças, nada puderam conseguir,
porque se conservaram inimigos até o fim do consulado.
1. No mesmo tempo em que Gneu Domício e Camilo Escriboniano 6 toma-
vam posse da sua dignidade consular, o César, atravessando o estreito entre
Cápreas e Surrento, andava passeando pela Campânia ou indeciso se voltaria a
Roma, ou, por isso mesmo que não tinha tal tenção, fingindo que a tinha. Mas,
depois de aparecer nas vizinhanças e até nas quintas que possuía perto do Tibre,
tornou a ir esconder-se na solidão e nos rochedos marítimos, e neles também
sepultar os seus crimes e as suas obscenidades. Com efeito, tinham chegado
estas últimas a tal depravação e excesso que, à maneira dos reis, já se não con-
tentava senão com macular com suas prostituições horrorosas todos os jovens
cidadãos romanos. Nem seus desejos infames tão-somente se inflamavam com
as graças e formosura do rosto ou com as belas formas do corpo, mas além disto
ainda lhe serviam de incentivos, em uns a mesma modéstia e candura juvenil e
em outros a ilustração e nobreza dos seus antepassados. Então, pela primeira
vez, também se inventaram vocábulos nunca até ali conhecidos, como os de
sellarii e de spintriae, o primeiro dos quais denotava a abominação dos lugares
e o segundo a multiforme paciência das vítimas7. Havia certos escravos designa-
dos para as irem procurar e conduzir ao palácio, com ordem de prometerem
grandes prémios às que viessem de vontade e ameaçarem com castigos as que
mostrassem repugnância; assim, se alguma vez acontecia que os pais ou paren-
tes se opunham a estas vergonhosas comissões, serviam-se então da violência e
do rapto e tratavam estes infelizes com todos os rigores que podiam imaginar
como se fossem miseráveis cativos.
2. No princípio deste ano, como se ainda então se acabassem de revelar os
flagícios de Lívia e não houvesse já muito tempo que estavam castigados,
tomavam-se em Roma resoluções atrozes contra as suas estátuas e contra a sua
memória. Também as riquezas de Sejano se faziam passar do erário para os
cofres do príncipe, como se em um tal governo importasse mais que estivessem
em uma parte ou em outra. Quase pelas mesmas palavras ou bem pouco disse-

6 Ano de 32 d. C.
7 Sellarius significa «prostituto», spintriae «homens efeminados».
224 ANAIS

melhantes, mas com a mesma força e constância, assim votavam os Cipiões, os


Silanos e os Cássios, quando de repente Togónio Galo, homem obscuro mas
que também queria figurar entre estas grandes personagens, excitou o riso em
toda a assembleia. Todo o objecto do seu discurso era rogar ao César que esco-
lhesse um certo número de senadores para dentre eles se tirarem à sorte vinte
que, bem armados, lhe servissem de escolta quando viesse ao senado. Fundava-
-se certamente em uma carta do príncipe, na qual tinha pedido que um dos
cônsules lhe fizesse companhia para vir com segurança de Cápreas a Roma.
Mas Tibério, que ainda nas coisas mais sérias tinha sempre por costume mistu-
rar a ironia com os ludíbrios, agradecendo aos padres a sua boa vontade, res-
pondeu: Como lhe seria possível escolher a uns e a outros não? Seriam sempre
os mesmos ou seriam revezados? Seriam pessoas que já tivessem servido em-
pregos públicos ou somente os mancebos? Seriam enfim os particulares ou os
magistrados? E como se tomaria esta novidade de ver os senadores pegarem das
espadas na entrada da cúria? Ele mesmo até perderia todo o seu amor à vida se
julgasse que lhe era preciso recorrer às armas para defendê-la. Desta sorte tratou
moderadamente Togónio e não exigiu mais do que a abolição do decreto.
3. Não sucedeu, porém, assim com Júnio Galião, a quem increpou forte-
mente por ter opinado que os soldados pretorianos, depois de acabado o seu
tempo de serviço, ficassem com o direito de sentar-se nos catorze bancos8 dos
cavaleiros para verem os espectáculos. Como se o tivesse diante de si para o
arguir, dizia-lhe: Que tinha ele com os soldados, que não podiam receber ordens
nem prémios senão do imperador? Na verdade, agora se mostrava que tinha
feito uma grande descoberta, de que até o divino Augusto nunca se lembrara. O
que, porém, mais evidentemente se deixava conhecer era que ele pretendia,
como satélite de Sejano, pôr em prática um plano de discórdia e sedição por
meio do qual, com o pretexto de recompensas e honras, a tropa ignorante e
grosseira perdesse todo o seu espírito de obediência e disciplina. Este foi o
prémio que teve Galião das suas adulações, e o ser também logo expulso do
senado e pouco tempo depois do mesmo território da Itália. Mas, como fosse
ainda acusado de ter escolhido para lugar do seu desterro a célebre e deliciosa
ilha de Lesbos, teve que voltar outra vez para Roma e ficou preso na casa dos
magistrados. Na mesma carta fulminou o César a Sêxtio Paconiano, antigo
pretor, com grande satisfação dos padres, porque o pintava como um homem
assaz atrevido, maléfico e um espião universal, a quem Sejano já tinha escolhi-
do para perder Gaio César9. Assim que houve, pois, esta aberta se manifestaram
então todos os ódios que estavam comprimidos; e seria logo sentenciado com a
pena capital se na mesma ocasião não tivesse feito a denúncia de um culpado.

8 Tradução de quattuordecim ordinibus sedendi («catorze filas de assentos»).


9 Calígula.
LIVRO VI 225

4. Foi este Lucânio Laciar10: e era um espectáculo belíssimo ver disputar entre
si a dois celerados, ambos aborrecidos do público. Laciar, como já referi, tinha
sido em outro tempo a causa principal da desgraça de Tício Sabino e agora foi o
primeiro que recebeu o castigo que merecia. No meio disto, Hatério Agripa
atacou os cônsules do ano antecedente, perguntando os motivos por que, haven-
do-se então mutuamente acusado, depois se conservavam em silêncio. Seria
porque o medo e os crimes comuns os teriam tornado amigos? Porém os padres já
não podiam esquecer aquilo que uma vez já tinham ouvido. Régulo respondeu
que ainda lhe sobrava tempo para vingar-se, e que o faria quando o príncipe esti-
vesse presente. Trião acrescentou que era melhor esquecerem as desavenças que
haviam tido como colegas e tudo o que, no momento das suas discórdias, tinham
dito um contra o outro. Mas, não cedendo Agripa das suas pretensões, Sanquínio
Máximo, pessoa consular, rogou ao senado que se não agravassem os cuidados do
imperador, acumulando-lhe novos desgostos e trabalhos, e que bastava que ele
mesmo desse as providências que julgasse necessárias. Desta sorte, salvou Régulo
e retardou a perda de Trião. Hatério adquiriu com isto ainda maior aversão
porque, reduzido a um estado de estupidez, ora pelo muito dormir ora por suas
libidinosas vigílias e, além disto, muito vil para se recear das crueldades do prín-
cipe, assim mesmo, no meio dos lupanares e de suas infames torpezas, maquinava
ainda a desgraça dos cidadãos mais ilustres.
5. Apenas se ofereceu a ocasião, Cota Messalino, que era sempre o autor das
opiniões mais atrozes e que, por isso, tinha contra si o ódio inveterado de todos,
foi também arguido sobre muitos pontos, como eram: ter dito que Gaio César
era um incestuoso11; ter chamado banquete fúnebre ao festim que tinham dado
os sacerdotes no aniversário de Augusta; e, queixando-se do muito valimento de
Marco Lépido e Lúcio Arrúncio, com quem andava em litígio por certa soma de
dinheiro, haver acrescentado que era verdade que o senado os protegia, porém
que ele ainda confiava muito mais no seu Tiberíolo. De tudo isto era ele plena-
mente convencido pelos principais de Roma que fortemente o acusavam; assim,
vendo-se apertado por eles, apelou para o imperador. Este, passados poucos
dias, respondeu por uma carta na qual, para melhor o desculpar e defender,
fazendo menção dos princípios que tivera a sua amizade com Cota e dos contí-
nuos obséquios que dele tinha recebido, pedia que se não interpretassem mal as
suas palavras, nem se lhe imputasse como crime a amável liberdade de falar e
discorrer, que fazia todas as delícias dos convites.
6. A todos pareceu bem extraordinário o princípio desta carta do César, em
que dizia: «Que vos escreverei eu, padres conscritos, como o farei ou que deixarei
de vos dizer nestes tempos desgraçados? Se eu o sei, que os deuses e as deusas

10 Lacínio Laciar.
11 Tradução de incestae uirilitatis («duvidosa virilidade»).
226 ANAIS

me fulminem tormentos ainda mais horrorosos do que quantos todos os dias estou
sofrendo.» Assim, as suas mesmas crueldades e os seus crimes eram os seus mais
bárbaros algozes. E com bem razão costumava, por isso mesmo, dizer o maior
sábio conhecido12 que, se fosse possível penetrar dentro da alma dos tiranos, lá se
lhe veriam as profundas cicatrizes da desesperação e da amargura porque assim
como os corpos são algumas vezes espedaçados pelos golpes e feridas exteriores,
também o coração dos malévolos se rasga e dilacera pela sua mesma iniquidade,
pelas suas paixões desordenadas e por seus pérfidos projectos. Nestas circuns-
tâncias estava Tibério, a quem a grandeza e a solidão de nada já valiam para lhe
amortecerem as angústias e os remorsos que a seu pesar manifestava.
7. Dando também o príncipe nesta carta licença aos padres para sentencia-
rem o senador Cesiliano, aquele mesmo que mais fortemente tinha carregado
Cota, decidiu-se que se lhe aplicasse o mesmo castigo já decretado contra
Aruseio e Sangúnio, delatores de Lúcio Arrúncio. Assim, este Cota ganhou a
maior honra que podia desejar, porque, não obstante ser nobre reduzido à misé-
ria pelo seu luxo excessivo e coberto de infâmia pelos seus muitos crimes, viu-
-se igualado na satisfação da sua ofensa com o virtuoso e benemérito Arrúncio.
Seguiram-se logo as acusações de Quinto Serveu e Minúcio Termo: o primeiro
que já tinha sido pretor e em outro tempo fora companheiro de Germânico, e o
segundo que era da ordem equestre; os quais ambos, apesar de haverem sido
amigos de Sejano, nunca tinham abusado e por isso mereciam de todos muito
maior compaixão. Porém Tibério, querendo-os fazer passar pelos principais
cooperadores dos crimes do ministro, mandou dizer ao senador Gaio Céstio que
referisse ao senado o que ele lhe escrevia. Tomou, pois, Céstio a empresa desta
acusação, um dos casos mais horrorosos, por certo, que viram aqueles tempos,
pois que as pessoas mais distintas do senado já se não envergonhavam de fazer
as acusações mais infames – uns claramente e outros em segredo. Pouco im-
portava ser parente ou estranho, amigo ou desconhecido, que os crimes fossem
antigos ou modernos e que as palavras fossem ditas nas praças, nos banquetes
ou sobre matérias as mais indiferentes: tudo era objecto de acusação e quem as
ouvia passava logo a denunciá-las, uns por sua própria segurança, porém a
maior parte por malícia e por cálculo, como contaminados da universal perver-
sidade. Minúcio e Serveu foram condenados, mas não teve efeito a sentença,
porque também se fizeram delatores e acusaram Júlio Africano, natural de
Saintonge, uma cidade da Gália13, e Sejo Quadrato, de quem não pude saber
qual fosse o lugar da sua origem. Conheço muito bem que quase todos os es-
critores omitem uma grande parte destas acusações e suplícios, ou porque lhes

12 Sócrates.
13 Tradução de e Santonis, Gallica ciuitate («originário dos Sântones, comunidade da Gália»).
O tradutor interpretou ciuitas como «cidade», transformando um etnónimo (Santoni) em
topónimo.
LIVRO VI 227

causassem aborrecimento pelo seu grande número ou porque, afligindo-se com


estas tristes pinturas, também não quisessem magoar com elas os corações dos
leitores. Contudo, na minha opinião, quase todas estas coisas me parecem
dignas de memória, apesar de que outros não tenham pensado da mesma maneira.
8. Entre os muitos que, nesse tempo, acusados por terem sido amigos de
Sejano, procuravam desviar esta nódoa fatal, atreveu-se um cavaleiro romano,
Marco Terêncio, arguido deste crime, a confessar publicamente que o tinha
sido, falando desta sorte no senado: «Talvez fosse melhor nas minhas circuns-
tâncias que, em lugar de confessar o delito de que agora me acusam, antes o
negasse; mas, quaisquer que sejam os destinos por onde tenho que passar,
confessarei francamente que fui amigo de Sejano, que o desejei muito ser e que,
apenas o consegui, também muito me alegrei. Eu o via conjuntamente com seu
pai não só comandar as coortes pretorianas, mas servir ao mesmo tempo outros
muitos empregos civis e militares. Os seus amigos e parentes cresciam em
honras e dignidades; os que eram da amizade de Sejano também estavam certos
de conseguir a do César e, pelo contrário, aqueles de quem não era afeiçoado
eram sempre vítimas de mil terrores e castigos. Eu não pretendo agora nomear
pessoa alguma, mas, defendendo a minha causa, defenderei igualmente a de
todos que, apesar de serem seus amigos, não tiveram parte nos seus últimos
projectos. Sim, ó César, aquele a quem nós tanto respeitávamos não era o Seja-
no de Vulsínios, era o parente por afinidade dos Cláudios e dos Júlios, era o teu
próprio genro, o teu colega no consulado e aquele mesmo homem que fazia as
tuas vezes em todos os negócios da república. Não é da nossa competência
indagar os motivos das tuas predilecções; os deuses depositaram na tua mão o
sumo poder e o império, e nós só ficámos com a glória de obedecer-te. Não
podemos, por conseguinte, ver senão aquilo que simplesmente se nos mostra,
isto é, aqueles a quem tu dás as honras e as riquezas, e o poder de nos fazer
muito bem ou muito mal – e quem ousará negar que Sejano tivera tudo isto? Eis
aqui o que nos foi dado conhecer: passar adiante e querer indagar os recônditos
pensamentos do príncipe e seus ocultos projectos seria não só ilícito tentá-lo, mas
até muito perigoso, sem nenhumas esperanças de o conseguir. Não olheis, pois,
padres conscritos, para os últimos dias de Sejano, mas recordai-vos antes dos seus
dezasseis anos de fortuna; nesse tempo até procurávamos agradar a Sátrio e a
Pompónio, e o sermos conhecidos dos seus próprios libertos e de seus guarda-
-portões era para nós uma distinção e felicidade. Contudo não é minha intenção
que esta defesa sirva para todos: sim, pede a equidade que se façam grandes
excepções. Castiguem-se muito embora os cúmplices de Sejano que conspiraram,
ou contra a república ou contra a vida do imperador, mas os que foram simples-
mente seus amigos sejam como tu, ó César, igualmente justificados.»
9. A ousadia deste discurso, e o achar-se um homem que tivesse a constância
de dizer aquilo mesmo que todos pensavam, fez com que os seus acusadores, já
muito notáveis por crimes antigos, fossem punidos com o desterro ou com a
228 ANAIS

morte. Acabado isto, recebeu-se uma carta de Tibério contra Sexto Vistílio,
antigo pretor, o qual, porque havia sido antes muito benquisto de seu irmão
Druso, ele mesmo tinha feito entrar depois na classe dos seus íntimos amigos. O
motivo da desgraça de Vistílio foi ou porque na realidade tivesse escrito alguma
sátira contra as obscenidades de Calígula, ou porque falsamente se lhe atribuísse
este crime. Sendo por esta causa excluído da mesa do príncipe, tentou com a
mão já velha e trémula abrir as veias, que logo tornou a ligar, mas, escrevendo-
-lhe a implorar a sua misericórdia, como recebesse dele uma duríssima resposta,
renovou a operação e matou-se. Foram também depois simultaneamente acusa-
dos, como réus de lesa-majestade, Ânio Polião, Ápio Silano, Escauro Mamerco,
Sabino Calvísio e Viniciano, filho de Polião, todos muito ilustres e alguns deles
condecorados com grandes dignidades. Os padres estavam aterrados; porque
quem seria o que deixasse de ter algumas relações de parentesco ou de amizade
com estas pessoas tão distintas? Mas Celso, tribuno de uma coorte urbana e uma
das testemunhas, salvou Ápio e Calvísio. O César demorou a continuação do
processo de Polião, de Viniciano e de Escauro, até que ele juntamente com o
senado pudesse tomar conhecimento da causa, e tão-somente manifestou contra
Escauro indícios sinistros da sua indignação.
10. Nem as mesmas mulheres estavam ao abrigo dos delatores e, como não
se lhes podia imputar projectos de aspirarem ao império, espreitavam-se as suas
lágrimas, que se lhes contavam como crimes. Assim teve sentença capital Vícia,
mulher já decrépita e mãe de Fúfio Gémino, por ter chorado a morte de seu
filho. Isto se executava por decretos do senado14, enquanto, por ordens do
príncipe, eram mortos Vesculário Flaco e Júlio Marino, ambos do número dos
seus antigos amigos que o tinham acompanhado para Rodes, e agora ainda
estavam a seu lado em Cápreas. Vesculário havia sido um dos agentes da perda
de Libão e, pelos auxílios de Marino, tinha Sejano feito a desgraça de Cúrcio
Ático: desta sorte todos estavam contentes por verem que o mesmo mal que
tinham feito aos outros também por fim vinha a recair sobre eles. Neste mesmo
tempo, morreu naturalmente o pontífice Lúcio Pisão, coisa maravilhosa em um
homem tão ilustre, o qual nunca propôs medidas servis e, quando as não podia
impedir, sempre as moderava com grande prudência. Seu pai, como já relatei,
havia sido censor, e ele morreu de oitenta anos, depois de ter merecido as hon-
ras do triunfo pelas suas acções militares na Trácia. Mas a glória principal que
alcançou foi porque, sendo ultimamente prefeito de Roma, soube temperar com
muita habilidade os rigores de uma magistratura perpétua que, por ser moderna,
era também muito odiosa.
11. Nos antigos tempos, quando os reis e, depois deles, os cônsules saíam da
cidade, para que sempre houvesse quem a governasse, elegia-se um magistrado

14 Tradução de haec apud senatum («isto [acontecia] no senado»).


LIVRO VI 229

temporário a fim de administrar a justiça e dar as providências necessárias em


qualquer caso fortuito. Sabemos que Rómulo nomeara uma vez a Dentre
Romúlio; Tulo Hostílio a Numa Márcio; e Tarquínio, o Soberbo, a Espúrio
Lucrécio. Os cônsules ficaram depois com o direito desta eleição, e ainda hoje
se conservam restos deste costume quando nas Férias Latinas se escolhe um
indivíduo que faça as vezes dos cônsules. Ultimamente Augusto, no tempo das
guerras civis, deu a Cílnio Mecenas, simples cavaleiro romano, a inspecção-
-geral não só dentro de Roma, porém em toda a Itália. Quando depois ganhou o
poder absoluto, vendo que a população era imensa e que as leis nem sempre
bastavam, elegeu de entre os consulares um magistrado que tivesse todo o
direito de polícia sobre os escravos e sobre aquela espécie de cidadãos que só
pelos castigos se podem coibir. O primeiro que exerceu esta dignidade foi
Messala Corvino, que dentro de poucos dias a largou com o pretexto de pouca
aptidão para ela. Seguiu-se-lhe Tauro Estatílio, que, não obstante ser já de uma
idade avançada, cumpriu admiravelmente com as obrigações deste emprego e
teve por sucessor a Pisão, o qual foi tão benemérito como ele pelo espaço de
vinte anos e mereceu na sua morte um público funeral por decreto do senado.
12. O tribuno do povo Quintiliano propôs depois aos padres a questão sobre
um novo livro da sibila, que o quindecênviro Canínio Galo pretendia incorporar
com os outros da mesma profetisa, pedindo para isto um senátus-consulto.
Sendo este finalmente lavrado pelo consentimento unânime de todos, escreveu o
César uma carta em que tratava menos mal o tribuno em razão de ignorar pelos
seus poucos anos os usos antigos, mas em que arguia Galo com toda a aspereza
porque, sendo homem antigo e que, portanto, devia melhor conhecer as cerimó-
nias religiosas, havia feito uma tal proposta, e em uma assembleia tão pouco
numerosa do senado, sem saber ainda qual fosse o verdadeiro autor daquele
livro, sem consultar o colégio sacerdotal e sem o ter mandado rever e aprovar
pelos doutores como sempre fora costume. Ao mesmo tempo lembrava que,
espalhando-se antes muitos livros apócrifos debaixo deste nome respeitável, já
Augusto, para impedir este abuso, tinha determinado que, dentro de um certo
tempo, todos os livros sibilinos se fossem entregar ao pretor da cidade e que
ninguém os pudesse conservar em sua casa. Estas mesmas providências tinham
dado os nossos maiores depois do incêndio do Capitólio na guerra social15:
mandaram ajuntar todos os versos sibilinos que se conheciam em Samos, Ílio,
Éritras, na África, na Sicília e em todas as colónias de Itália, quer seja que uma
só ou muitas sibilas tenham existido, e do exame de todos eles incumbiram os
sacerdotes, os quais fizeram então, com toda a capacidade e inteligência de que
é susceptível a compreensão humana, a escolha final dos que lhes pareceram
verdadeiros e autênticos. Desta maneira o livro, recentemente achado, foi tam-
bém entregue aos quindecênviros para que o examinassem.

15 Mais correctamente, guerra civil (83 a. C.).


230 ANAIS

13. Governando ainda os mesmos cônsules, esteve para haver uma sedição
por causa da escasseza dos víveres; e o povo por muitos dias fez grande barulho
no teatro, dizendo contra o imperador mil coisas que nunca até ali se tinham
ouvido. Desesperado com estas notícias, arguiu os padres e os cônsules por se
não terem servido da força pública para coibir a multidão e concluía enumeran-
do as províncias donde havia feito vir as muitas porções de trigo, e ainda mais
avultadas do que no tempo de Augusto. O senado, para castigar o povo, pro-
mulgou então um senátus-consulto que respirava toda a antiga severidade, e os
cônsules saíram também com um edicto não menos rigoroso. Tibério, à vista
disto, calou-se, assentando que o seu silêncio se tomaria em boa parte, mas não
foi assim porque o tomaram como um efeito de soberba.
14. No fim deste ano, foram condenados, como cúmplices da conjuração, os
cavaleiros romanos Gemínio, Celso e Pompeio. Gemínio havia alcançado a
amizade de Sejano só pelas suas muitas riquezas, pelo seu grande luxo e delica-
deza de trato, mas nunca tinha entrado com ele em negócios de alguma serieda-
de. O tribuno Júlio Celso, deitando ao pescoço o resto da cadeia com que estava
ligado e apertando-a depois com a força que fez com o corpo, afogou-se16. Em
razão disto, teve sentinelas à vista Rúbrio Fabato, que – não podendo já esperar
nada de Roma, se havia posto a caminho para ir implorar a piedade dos Partos –
tinha sido preso junto do estreito da Sicília, e, conduzido por um centurião,
nunca pôde dar um motivo plausível desta sua tão longa viagem. Contudo
escapou mais por esquecimento do que por efeito de clemência.
15. No consulado de Sérvio Galba e Lúcio Sula17, o César, depois de ter por
muito tempo meditado com quem casaria suas netas, porque já instava a idade
das donzelas, lhes deu por maridos Lúcio Cássio e Marco Vinício. Este, oriundo
de uma família municipal de Cales e contando por pai e avô dois consulares,
descendia por todos os outros lados de símplices cavaleiros romanos, mas tinha
muito bom carácter e possuía a bela eloquência. Cássio, nascido em Roma de
gente plebeia, porém muito antiga e ilustrada com honras, ainda que educado
com todas as máximas severas de seu pai, era, contudo, mais conhecido pela sua
docilidade de génio do que pelos talentos pessoais. Recebeu por esposa Drusila,
e Vinício casou com Júlia, ambas filhas de Germânico – do que Tibério deu
parte ao senado, tocando levemente no merecimento dos noivos que tinha esco-
lhido. Referindo depois algumas razões vagas por que continuava a estar
ausente, passou a tratar de coisas mais sérias, quais eram os ódios em que tinha
incorrido pelo bem da república; e, por ocasião disto, pediu que o prefeito

16 Tradução de laxatam catenam et circumdatam in diuersum tendens suam ipse ceruicem


perfregit («atirando no sentido contrário a cadeia relaxada à sua volta, partiu ele mesmo o
pescoço»).
17 Ano de 33 d. C.
LIVRO VI 231

Mácron e alguns tribunos e centuriões lhe servissem de escolta quando viesse à


cúria. Os padres imediatamente fizeram um senátus-consulto amplíssimo, sem
restrição do número nem da qualidade das pessoas que o deviam acompanhar;
apesar disto, nunca mais entrou dentro dos muros da cidade e muito menos no
público conselho. Avizinhava-se algumas vezes da capital por ocultos atalhos e
pelos mesmos se tornava também logo a desviar.
16. Entretanto, um grande número de delatores acusava os usurários que
faziam lucros enormes contra a lei do ditador César pela qual estavam reguladas
as somas de dinheiro que se podia emprestar e os bens de raiz que se podia
possuir na Itália; mas esta lei, logo na sua origem, foi desprezada pela grande
razão de que o bem público sempre é sacrificado ao bem particular. Na verdade,
a usura foi em todo o tempo uma calamidade pública para Roma e uma origem
de constantes dissensões e desordens, a qual sempre se procurou coibir enquan-
to os nossos costumes ainda não estavam tão degenerados e corrompidos. Pelas
leis das Doze Tábuas se determinou primeiramente que o interesse do dinheiro
não fosse mais de um por cento18, sendo até ali arbitrário e dependente do
capricho dos homens ricos que faziam este negócio; e por outra lei dos tribunos
ficou reduzido à metade. Proibiu-se por fim absolutamente a usura, e o povo fez
muitas ordenanças para coibir toda a fraude, que, por outras tantas vezes e por
outras tantas formas astuciosas, sempre tornava a reviver. Agora no governo de
Tibério, vendo-se o pretor Graco, sobre quem recaiu o conhecimento deste
negócio, extremamente embaraçado com a infinita multidão de réus deste crime,
propôs isto no senado. Os padres, concebendo grande susto, porque não havia
um só que estivesse inocente desta culpa, recorreram ao perdão e clemência do
príncipe. Este anuiu à sua petição e concedeu ano e meio para que, dentro dele,
cada um regulasse pela lei o estado da sua fortuna particular.
17. Daqui se originou uma grande falta de numerário, que procedeu ou da
pressa com que todos os capitalistas quiseram cobrar as suas dívidas19, ou das
grandes somas de dinheiro que absorviam o erário público e o fisco do príncipe
em virtude dos sequestros e da venda dos bens dos condenados. Para restabele-
cer a circulação, decretou o senado que todos os capitalistas20 que traziam a juro
o seu dinheiro empregassem dois terços dele em comprar terras dentro da Itália.
Mas eles, fundados na lei, exigiam dos devedores as somas por inteiro, e ficava
mal ao crédito dos particulares o não satisfazerem tudo no tempo aprazado.
Daqui se originaram, primeiramente, os empenhos e petições para com os cre-
dores e, depois, grandes tumultos perante o pretor dentro do seu mesmo tribu-

18 Tradução possível da discutida expressão unciario faenore.


19 Tradução de commoto simul omnium aere alieno («reclamada em simultâneo toda a
dívida»).
20 Tradução de quisque («quem»).
232 ANAIS

nal, de sorte que as compras e vendas, que se supunham um remédio eficaz,


geraram ainda maiores calamidades porque os capitalistas21 escondiam todo o
seu dinheiro para ninguém mais comprar senão eles. A multiplicidade das ven-
das diminuiu o valor das terras e, quanto mais cada um se via endividado,
menos compradores achava. Assim, muitas famílias ficavam arruinadas e, com
a perda da fazenda, perdiam também a sua dignidade e reputação. Tibério
impediu esta funesta desordem, estabelecendo um fundo de cem milhões de
sestércios e ordenando que dele se fizessem empréstimos por três anos sem
usura, contanto que os que pedissem emprestado hipotecassem terras à repúbli-
ca que valessem dois tantos. Por este modo se restabeleceu o crédito e, pouco a
pouco, foram também aparecendo particulares que emprestavam, mas cessou a
compra das terras conforme o senátus-consulto ordenava; e esta providência,
que no princípio foi muito rigorosa, assim como costumam ser todas, veio a não
valer nada por fim22.
18. Renovaram-se logo os primeiros terrores assim que se soube que era
arguido de crime de lesa-majestade Consídio Próculo, o qual, sem se recear de
coisa alguma e festejando o dia de seus anos com os amigos, foi conduzido à
cúria, aonde encontrou quase ao mesmo tempo a condenação e a morte. À sua
irmã Sância se impôs também a pena da privação da água e do fogo: era seu
acusador Quinto Pompónio, homem turbulento e que pretendia desculpar esta e
outras infâmias dizendo que procurava, com isto, ganhar a amizade do príncipe
a fim de ver se podia salvar seu irmão Pompónio Secundo. Foi igualmente
condenada a desterro Pompeia Macrina, cujo marido, natural de Argos, e o
sogro, natural da Lacónia23, ambos cidadãos dos mais distintos da Acaia, já
tinham sido vítimas da crueldade de Tibério. Seu pai, um ilustre cavaleiro roma-
no, e seu irmão, antigo pretor, percebendo que a sua condenação já não podia
tardar, ambos se mataram. Era todo o seu crime o saber-se que o grande
Pompeio tivera uma amizade muito estreita com seu bisavô Teófanes de Mitile-
ne e que a este, depois de morto, tinham os Gregos, pelo seu espírito de adula-
ção, decretado honras divinas.
19. Depois destes, o homem mais rico das Hispânias, Sexto Mário, foi acu-
sado de incesto com sua filha e, por tal, despenhado da rocha Tarpeia. Mas, para
que não ficasse em dúvida que o seu verdadeiro delito consistia nas extraordiná-
rias riquezas que tinha, Tibério guardou para si todas as suas minas de oiro,

21 Tradução de faeneratores («prestamistas»).


22 Tradução de acribus, ut ferme talia, initiis, incurioso fine («no começo rigorosa, como
quase todas, no fim negligenciada»).
23 Tradução de maritum Argolicum socerum Laconem («marido Argólico e sogro Lácon»); o
tradutor interpretou os dois nomes como patronímicos, oriundos de um lugar (a Argólida e
a Lacónia, i. e., Esparta).
LIVRO VI 233

apesar de que pela confiscação só pertencessem ao povo24. Irritando-se, porém,


cada vez mais a sua ferocidade com o mesmo sangue e suplícios, mandou
degolar, como por um só golpe, todas as vítimas que se achavam presas por
haverem tido algumas relações com Sejano. Foi, com efeito, horrorosa e imensa
esta universal carniçaria: pessoas de todos os sexos e de todas as idades, nobres
e plebeias, dispersas ou juntas, todas de uma vez acabaram. Nem os parentes ou
amigos tiveram licença para lhes dar as últimas consolações porque era um
crime o chorá-las e até o olhar para elas com alguma curiosidade. As sentinelas,
que as guardavam em roda, espreitavam a dor e a tristeza de cada um dos cir-
cunstantes e acompanhavam os cadáveres, já meios pútridos, para serem arroja-
dos ao Tibre, sem que fosse permitido nem sequer o tocá-los, e muito menos dar
sepultura a aqueles mesmos que ou andavam boiando sobre as águas, ou que por
acaso arribavam às praias. Um intenso pavor tinha amortecido todos os senti-
mentos humanos porque, à proporção que as crueldades cresciam, muito mais se
procurava impedir toda a natural compaixão.
20. Por este mesmo tempo, Gaio César, que tinha ido acompanhar o avô até
Cápreas, casou com Cláudia, filha de Marco Silano. Teve sempre este Calígula
a arte de encobrir debaixo de uma artificiosa doçura o coração mais ferino;
nunca se queixou nem da condenação de sua mãe, nem do desterro dos ir-
mãos25; imitava todos os gostos e todas as paixões que via em Tibério, e as suas
palavras sempre concordavam com as dele. Isto concorreu para que depois se
fizesse tão notável aquele dito sumamente sentencioso do orador Passieno: Que
nunca se tinha visto um melhor escravo, nem um pior ou mais detestável se-
nhor. Não omitirei também agora aquele presságio de Tibério, a respeito de
Sérvio Galba, que então era cônsul. Mandou-o chamar e, depois de o haver
sondado sobre diferentes objectos, falou-lhe ultimamente em grego e lhe disse:
«E tu também, ó Galba, ainda hás-de ter algum dia em que proves o que é ser
imperador». Por este modo lhe prognosticou ele esse seu tardio e tão curto
futuro poder; e, seguramente, por meio da ciência que tinha aprendido dos
Caldeus quando estivera em Rodes, aonde teve por mestre Trasilo, de quem pela
forma seguinte veio a conhecer a grande habilidade.
21. Quando ele queria consultar algum astrólogo sobre estas matérias, subia
ao mais alto da sua casa, que estava no meio de rochedos, e não tinha por confi-
dente senão um único escravo, o qual (procurando-o sempre muito ignorante e
robusto) lhe servia para introdutor do indivíduo com quem queria tratar e lho
conduzia por atalhos escabrosos. Mas, na volta, se Tibério não tinha ficado
satisfeito e suspeitava ou dolo ou ignorância, tinha também ordem já de ante-
mão o mesmo escravo para o precipitar nas ondas do mar, a fim de que se

24 Tradução de quamquam publicarentur («ainda que confiscadas»).


25 Tradução de exitio fratrum («pela morte dos irmãos»).
234 ANAIS

perdessem todos os vestígios daqueles mistérios. Trasilo foi também conduzido


à sua presença pelas mesmas veredas e, enchendo-o de muito pasmo e admira-
ção, porque, nas perguntas que lhe fez, lhe prognosticou com muita penetração
o império e outras muitas coisas futuras, passou a interrogá-lo se ele havia
também já tirado o seu próprio horóscopo e se o ano e o dia presente lhe pare-
ciam favoráveis ou funestos. O astrólogo, examinando então a posição dos
astros, hesita, treme e, quanto mais observa, maior susto e admiração vai sentin-
do. Finalmente, exclamou que ele estava ameaçado de um grande perigo, e até
em riscos de morte. Ouvindo isto, Tibério se lhe deitou logo nos braços e,
dizendo-lhe que adivinhara, o certificou ao mesmo tempo que já nada tinha que
temer. Desde então, tomando como oráculos quantas palavras ele lhe dissera, foi
sempre um dos seus mais íntimos amigos.
22. Eu, porém, que não só tenho ouvido isto, mas outros casos semelhantes,
fico sem poder decidir-me se as coisas humanas se governam por uma fatalida-
de e força necessária ou são efeitos de símplices acasos. Entre os mais antigos
filósofos e todos os seus discípulos não há unanimidade alguma de opiniões.
Muitos26 são de parecer que os deuses não se embaraçam nem com o princípio
da nossa existência, nem com o nosso fim, e que os homens lhes são indiferen-
tes; e, para comprovar este sistema, dizem que os bons são ordinariamente
desgraçados, e os maus sempre mimosos da fortuna. Contudo acham-se outros27
que acreditam haver no mundo um certo destino que não procede da marcha
errante das estrelas28, mas sim de certos princípios e certo maquinismo de
causas naturais. Concedem-nos também a liberdade de escolher o nosso modo
de vida, mas pretendem que, tomada uma vez a primeira deliberação, esta
arrasta consigo inevitáveis consequências. Acrescentam, ainda, que o bem e o
mal não são o que pensa o vulgo, porque muitos homens há que, parecendo
lutar com a adversidade, são bem-aventurados, e outros que abundam em bri-
lhantes felicidades e riquezas são realmente miseráveis, se os primeiros têm
valor e constância para sofrer e se os segundos abusam dos seus próprios desti-
nos. O que não padece, porém, dúvida é que uma grande parte dos mortais não
pode deixar de persuadir-se que, logo desde o momento em que cada indivíduo
aparece no mundo, lhe cabem por sorte acontecimentos futuros imutáveis e que,
se as predições são muitas vezes desmentidas pelos factos, isto se deve só
atribuir à ignorância ou impostura dos que se metem a revelar coisas que não
sabem e, assim, desacreditam uma ciência de que as antigas idades e, ainda hoje
mesmo, a nossa apresentam provas tão palpáveis. Em confirmação disto,
quando for tempo, relatarei eu ainda como o filho deste mesmo Trasilo prog-

26 Filósofos epicuristas.
27 Filósofos estóicos.
28 Tradução de e uagis stellis («de estrelas errantes»), ou seja, «planetas».
LIVRO VI 235

nosticou o império a Nero porque agora não convém desviar-me do meu assunto
principal.
23. Existindo ainda os mesmos cônsules se divulgou a morte de Asínio Galo,
que se soube muito bem ter morrido à fome, ainda que não fosse certo se vo-
luntariamente ou forçado. Pedindo-se ao César licença para se lhe dar sepultura,
não se envergonhou ele, concedendo-a, de se queixar do destino que lhe rouba-
va um culpado antes de ser juridicamente convencido: como se três anos não
tivessem sido ainda bastantes para sentenciar um velho consular e pai de tantos
consulares. Seguiu-se a morte de Druso, que passou nove dias sustentando-se de
vis e miseráveis alimentos, isto é, da mesma palha do pobre enxergão em que
jazia. Referem alguns autores que Mácron tinha ordem, no caso que Sejano
recorresse às armas, de fazer sair Druso do palácio29 e de o dar por comandante
do povo. Mas, como começasse logo a correr a fama de que o César viria por
este modo a reconciliar-se com a nora e com o neto, foi isto o motivo bastante
para ele se querer mostrar antes cruel do que mostrar-se arrependido.
24. Nem ainda depois de morto escapou Druso aos ódios de Tibério, que o
arguiu de prostituições infames, de inimigo pernicioso dos seus e da república e
mandou publicar o diário de quantas acções e palavras tinha feito e tinha dito.
Nada se havia presenciado até ali tão horroroso e atroz como o saber-se então
que, pelo espaço de tantos anos, tinha havido espiões assalariados para cons-
tantemente lhe espreitarem os movimentos do rosto, os gemidos e até os mais
ocultos dissabores, e apenas se podia acreditar que um avô tivesse ânimo para
ouvir, para ler e para dar a ler aos outros horrores semelhantes. Contudo as
cartas do centurião Átio e do liberto Dídimo são eminentemente positivas,
porque até declaram os nomes dos escravos que o repeliam quando pretendia
sair da sua prisão, ou assustando-o ou maltratando-o com pancadas. O mesmo
centurião deixou escritas as próprias expressões com que o insultava, parecen-
do-lhe isto um monumento egrégio de heroísmo, assim como as últimas pala-
vras do mancebo agonizante. Fingindo primeiramente uma espécie de demên-
cia, no meio deste seu frenético furor, proferiu algumas maldições contra Tibé-
rio, mas, quando enfim se viu no último período da vida, então sem disfarce e
com toda a reflexão, imprecou sobre ele toda a cólera e vinganças celestes,
dizendo que tão atrozes males e castigos sofresse ele em satisfação das afrontas
feitas ao seu nome, aos seus antepassados e aos vindouros como eram os horro-
rosos crimes com que se tinha manchado e embrutecido, assassinando sua nora,
seu sobrinho, os seus netos e toda a sua família. Os senadores interrompiam esta
leitura como horrorizados pelas abominações que Druso tinha proferido, porém,
na realidade, porque estavam atónitos de pavor e admiração, considerando de

29 Tradução de extractum custodiae iuuenem (nam in Palatio attinebatur) («tirar da prisão


(pois estava retido no palácio)»).
236 ANAIS

que modo aquele monstro30, outrora tão dissimulado e tão sagaz em esconder as
suas maldades, passava agora a tal descaramento e impudência que parecia
querer de propósito fazer desaparecer as mesmas paredes do palácio só para
apresentar ao mundo o próprio neto, curvado debaixo do azorrague de um
centurião e entre os golpes que recebia dos escravos, debalde implorando os
alimentos mais grosseiros para viver.
25. Ainda esta profunda mágoa não estava bem esquecida quando se espa-
lhou a desgraçada sorte de Agripina, a qual, creio, só conservara por mais algum
tempo a vida em razão de ter concebido algumas esperanças depois da morte de
Sejano; porém logo que advertiu que o sistema de crueldades não mudava,
voluntariamente se matara; a não ser que, negando-se-lhe de propósito os ali-
mentos, se lhe quis dar uma morte que tivesse as aparências de espontânea. A
verdade é que Tibério lhe acumulou crimes assaz feios, arguindo-a de impudica
com o adúltero Asínio Galo e acrescentando que só se enfastiara de viver
quando soubera da morte do amante. Porém o que se não pode duvidar é que
Agripina, altiva por carácter e grandemente ambiciosa, trocou sempre os vícios
e apetites das mulheres pelos brios e sentimentos varonis. Notava o César que
ela tinha morrido no mesmo dia em que, dois anos antes, Sejano fora justiçado,
circunstância esta (dizia ele) que merecia conservar-se por algum monumento
para o futuro; e referia, por fim, como um favor especial, que nem tinha sido
estrangulada, nem o seu corpo lançado nas Gemónias. Agradeceram-lhe publi-
camente esta notável clemência e se decretou que no dia 15 antes das Calendas
de Novembro31, época destas duas mortes, se consagrasse a Júpiter anualmente
alguma oferta.
26. Pouco tempo depois, Coceio Nerva, assíduo companheiro do príncipe e
homem muito perito nas ciências de todo o direito divino e humano, em todo o
auge da fortuna e em muito boa saúde, tomou a resolução de acabar com a vida.
Mas, tanto que Tibério teve esta notícia, entrou frequentemente a visitá-lo e a
perguntar-lhe os motivos desta sua resolução, querendo dissuadi-lo com súpli-
cas e, ultimamente, ponderando-lhe quanto seria doloroso para o seu coração e
injurioso para a sua fama que um dos seus mais íntimos amigos procurasse
voluntariamente morrer sem ter razões que o obrigassem a tal extremo. Nerva,
sem lhe dar ouvidos, teimou em não querer tomar os alimentos. Contavam os
que conheciam bem as suas ideias que, reflectindo nas calamidades da repúbli-
ca, que cada vez mais se acumulavam, profundamente indignado e até mesmo
receoso, escolhera ter uma morte honrada, enquanto se conservava homem de
bem e superior a todas as tentações dos maus exemplos. O que, porém, deve
custar a acreditar-se é que a morte de Agripina trouxesse consigo a de Plancina.

30 O sujeito na frase original está subentendido.


31 Dia 18 de Outubro.
LIVRO VI 237

Sendo em outro tempo casada com Gneu Pisão e alegrando-se publicamente


com a morte de Germânico, deveu a sua salvação na desgraça do marido não só
aos rogos de Augusta, mas às inimizades de Agripina. Contudo, como cessas-
sem uma vez todos esses favores e esses ódios, chegou-lhe então a irrevogável
hora da justiça e, vendo-se acusada de crimes bem patentes, matou-se, punindo-
-se a si mesma com um castigo, ainda que tardio, bem merecido.
27. Aflita a cidade com tantos objectos de luto, passou ainda pelo desgosto
de ver Júlia, filha de Druso e viúva de Nero, contratar um novo casamento
sumamente desigual na casa de Rubélio Blando, cujo avô ainda havia muita
gente que tinha conhecido em Tíbur, sendo simples cavaleiro romano. No fim
do ano, foi celebrada com todas as honras fúnebres, próprias dos censores, a
morte de Élio Lâmia, que, afinal aliviado do título de governador da província
da Síria, exerceu a dignidade de prefeito de Roma. Descendente de uma família
distinta, teve uma velhice sempre activa e ganhou ainda muito maior fama por
não se lhe ter concedido o ir tomar posse do governo. Morrendo também logo
depois o propretor da Síria, Flaco Pompónio, leu-se uma carta do César na qual
se queixava de que todos os homens de merecimento e capazes de comandar as
legiões se escusavam desta espécie de empregos e que, por esta razão, se via na
necessidade de rogar ao senado que obrigasse os cônsules a que fossem para o
governo das províncias; esquecia-se, porém, então que ele era o mesmo que,
depois de mais de dez anos, impedia Arrúncio de ir para a Hispânia. Morreu no
mesmo ano Marco Lépido, de cuja moderação e prudência já falei nos livros
antecedentes. Nem é preciso agora demorar-me mais em relatar a sua grande
nobreza, porque a família Emília foi sempre fecunda em bons cidadãos, e aque-
les mesmos que tiveram costumes corrompidos gozaram toda a sua vida de uma
brilhante fortuna.
28. No consulado de Paulo Fábio e Lúcio Vitélio32, depois de um longo
período de séculos, apareceu no Egipto a ave fénix, o que deu motivo aos
homens sábios do país e até dos Gregos para dissertarem muito sobre esta
maravilha. Eu vou, pois, referir aquilo em que todos concordam e outras muitas
coisas menos certas, mas que não deixam de merecer alguma atenção. Todos os
que até agora a têm descrito unanimemente confessam que é um animal dedica-
do ao sol e que, pela figura da cabeça e pela variedade das penas, não tem seme-
lhança alguma com outras aves conhecidas. Sobre a sua verdadeira duração, as
opiniões são muito diferentes: as mais constantes dão-lhe quinhentos anos de
existência; outros, porém, asseveram que chega a viver até mil e quatrocentos e
sessenta e um. Acrescentam mais: que a primeira ave desta espécie aparecera no
tempo de Sesósis, a segunda no governo de Amásis e a outra no reinado de
Ptolemeu, que foi o terceiro da dinastia macedónica; e que todas três se viram

32 Ano de 34 d. C.
238 ANAIS

voar para a cidade de Heliópolis, acompanhadas de outras muitas aves, decerto


maravilhadas da sua figura extraordinária. Contudo o que se refere de todos
estes tempos antigos é muito duvidoso, e o que só sabemos com certeza é que
entre Ptolemeu e Tibério correram menos de duzentos e cinquenta anos. Daqui
têm alguns concluído que foi fabulosa esta última fénix e que não viera da
Arábia, nem tinha as propriedades que a antiguidade atribui à verdadeira. Desta
se conta que, quando conhece estar próxima a sua morte, forma o ninho na sua
pátria e o fecunda pela sua própria virtude genital com que gera um filho; que o
primeiro cuidado que este tem, logo que está crescido, é o preparar-se para dar
sepultura a seu pai, porém que nada disto empreende maquinalmente ou ao
acaso, porque muito antes se exercita em levantar um certo peso de mirra.
Assim, tanto que se acha com forças suficientes para o conduzir um longo
espaço pelos ares e está bem desembaraçada para voar, pega então do corpo de
seu pai e o conduz para o altar do sol aonde o queima. Mas tudo isto é incerto e
exagerado pelas fábulas; o que parece não ter dúvida é que algumas vezes se
tem visto esta ave no Egipto.
29. No entanto em Roma não cessava de correr o sangue33 – e Pompónio La-
beão, o qual já referi fora governador da Mésia, matou-se, abrindo as veias, e foi
imitado por sua mulher, Paxeia. Não era só o medo dos algozes que produziam
estas mortes tão prontas, mas havia ainda outra forte razão, a qual era que os
condenados perdiam os seus bens e não tinham sepultura; quando, pelo contrá-
rio, os que antes da condenação voluntariamente se matavam não só gozavam
de todas as suas honras funerais, porém podiam fazer o seu testamento, que era
respeitado. Tal era o prémio dos que se apressavam em morrer. Por este caso, o
César, escrevendo ao senado, dizia que fora sempre a prática dos nossos ante-
passados fechar a porta da sua casa a todos aqueles de quem deixavam de ser
amigos, o que era o último sinal de estar quebrada a amizade. Isto mesmo era o
que ele tinha praticado com Labeão; porém que este, arguido do mal que tinha
governado a província e por outros mais crimes, quisera parecer inocente, à
custa da fama do príncipe, e induzira também com falsos terrores sua mulher a
imitá-lo, a qual, ainda que igualmente criminosa, nunca seria envolvida no
castigo. Depois disto, Mamerco Escauro foi de novo acusado, pessoa insigne pela
sua nobreza e eloquência, porém de péssimos costumes. A este não lhe fazia mal
a amizade de Sejano, mas sim o ódio de Mácron, que era tão poderoso como
aquele nas vinganças, e ainda mais sagaz em as perpetrar. Este acusou Escauro
pelo assunto de uma tragédia que tinha feito e por alguns versos dela que se
podiam aplicar a Tibério; porém os delatores Servílio e Cornélio o criminavam
ainda de adultério com Lívia e de entregar-se a mágicos mistérios. Escauro, mos-
trando-se digno dos antigos Emílios, preveniu a sua sentença pelas exortações de
sua esposa, Sêxtia, que o determinou a morrer e seguiu o seu exemplo.

33 Tradução de caede continua («a matança era contínua»).


LIVRO VI 239

30. Contudo os mesmos delatores, quando se oferecia a ocasião, também


pagavam pelas suas perfídias com o castigo que mereciam. Assim aconteceu
com Servílio e Cornélio, que tão famosos se tinham feito pela desgraça de
Escauro porque, sabendo-se que haviam recebido dinheiro de Vário Lígure para
desistirem de uma acusação contra ele, negou-se-lhes a água e o fogo, e foram
desterrados para uma ilha. Abúdio Rusão, um antigo edil que havia comandado
uma legião debaixo das ordens de Lêntulo Getúlico enquanto trabalhava por
perder o seu general, acusando-o de ter destinado para genro um filho de Seja-
no, foi ele mesmo condenado e expulso de Roma. Getúlico comandava neste
tempo as legiões da Alta Germânia e tinha sabido conciliar todos os corações
pela sua muita clemência e prudente severidade, sendo, além disto, muito esti-
mado dos exércitos vizinhos em razão de serem comandados por seu sogro
Lúcio Aprónio. Tudo isto deu então motivo para se espalhar que ele tivera a
coragem de escrever uma carta ao César em que lhe dizia o seguinte: que as
tenções que tivera de contrair parentesco com a família de Sejano nunca tinham
sido do seu gosto, porém só para comprazer com os desejos dele príncipe; e
então não era muito que ambos se tivessem enganado. Não era, pois, justo que
ele quisesse imputar aos outros como crime um erro de que também ele mesmo
se procurava desculpar. Que, da sua parte, não só lhe era fiel, mas o prometia
ser, contanto que não se visse atacado porque se lhe nomeasse sucessor tomaria
isto como uma sentença de morte. Em tal caso, mais prudente era que fizessem
entre si uma espécie de ajuste, pelo qual o César ficasse com o império de tudo,
à excepção da província aonde ele comandava. Estas coisas, ainda que extraor-
dinárias, mereceram todo o crédito por se ver, entre tantos parentes e amigos de
Sejano, um só homem intacto e que conservou até o fim o mesmo valimento. O
que parece verdadeiro é que, conhecendo Tibério o ódio público que tinha
contra si e a muita idade em que já estava, chegou enfim a persuadir-se que a
sua autoridade dependia já muito mais da fama e boa opinião do que de todo o
poder e forças de que se achava revestido.
31. Sendo cônsules Gaio Céstio e Marco Servílio34, vieram a Roma alguns
nobres dos Partos sem que o soubesse o seu rei Artabano. Este, pelo respeito
que tivera a Germânico, conservando-se por algum tempo amigo dos Romanos
e justo para com os seus, entrou depois a mostrar-se arrogante connosco e cruel
para com o seu povo. Confiando muito na boa fortuna com que tinha feito a
guerra às nações vizinhas, desprezava a velhice de Tibério e, depois da morte de
Artáxias, tinha invadido a Arménia, dando-lhe para rei Ársaces, seu filho mais
velho. A este procedimento acrescentava ainda o insulto de fazer reclamar,
pelos seus embaixadores, os tesouros que Vonones deixara na Síria e na Cilícia,
assim como os antigos limites dos Persas e Macedónios; e o de andar-se jactan-
do, com muita bazófia e muitos ameaços, que se havia de fazer senhor de

34 Ano de 35 d. C.
240 ANAIS

quanto já tinha pertencido a Ciro e Alexandre. Os principais motores de se


mandarem estes deputados ocultos eram Sinaces, ilustre pela sua família e
grandes riquezas, e o eunuco Abdo35. Não é olhada com desprezo pelos bárba-
ros esta espécie de homens, nem é extraordinário vê-los muitas vezes gozar de
uma alta consideração. Pondo do seu partido outros chefes, como não houvesse
nenhum descendente dos Arsácidas a quem pudessem dar o trono, porque
Artabano tinha feito morrer a maior parte e os outros ainda eram crianças,
pediam que de Roma lhes mandassem Fraates, filho do antigo rei Fraates; e
acrescentavam que não precisavam mais do que de um nome e de um chefe e
que, com o consentimento do César, aparecesse nas margens do Eufrates um
descendente dos Arsácidas.
32. Era isto o que mais desejava Tibério e, fazendo logo grandes presentes a
Fraates, o destinou para o trono paterno. A sua política mimosa consistia sem-
pre em barulhar as potências estrangeiras por meio da astúcia e das intrigas, sem
nunca pôr em risco as suas armas. Mas, vindo por fim Artabano a conhecer toda
esta conspiração, achou-se combatido por diferentes paixões: pelo susto que o
coibia e pelos estímulos da vingança, que o não deixavam sossegar, porque os
bárbaros têm por baixeza qualquer fraca resolução, e o atrevimento em tudo só é
olhado entre eles como uma virtude real. Apesar disto, adoptou os meios mais
seguros porque, convidando Abdo para jantar com muitas demonstrações de
amizade, lhe ministrou um veneno que fosse lento e mortal e, fazendo ricos
presentes a Sinaces, o foi entretendo com muito artifício, empregando-o em
diferentes comissões. No entanto Fraates, que já se achava na Síria, trocando os
costumes romanos, a que já estava afeito depois de muito tempo pelos usos dos
Partos e não podendo acomodar-se com eles, morreu de doença. Porém Tibério
nem assim mesmo desistiu dos seus planos: opôs a Artabano um novo émulo,
que foi Tiridates, príncipe do mesmo sangue, e, para reconquistar a Arménia,
escolheu o ibero Mitridates, reconciliando-o com seu irmão Farasmanes, que
possuía o reino paterno da Ibéria36. Da execução de todos estes negócios do
Oriente incumbiu Lúcio Vitélio. Sei muito bem que a respeito deste homem tem
corrido em Roma muito má fama e que sobre o seu comportamento se contavam
coisas muito feias, porém na administração da província portou-se sempre como
verdadeiro amigo da antiga disciplina. Só quando se recolheu do seu governo,
tanto pelo medo que tinha de Calígula como pela amizade que depois teve com
Cláudio, trocando o seu primitivo carácter por todas as baixezas de um escravo,
deixou à posteridade um memorável exemplo da mais ignominiosa adulação. O
fim da sua vida deslustrou seus briosos princípios e uma flagiciosa velhice pôs
em esquecimento todas as virtudes da sua mocidade.

35 Tradução de Abdus ademptae uirilitatis («Abdo, de suprimida virilidade»).


36 Tradução de qui gentile imperium obtinebat («que detinha o poder popular»).
LIVRO VI 241

33. Destes régulos, Mitridates foi o primeiro que determinou Farasmanes a


auxiliar seus projectos pelas armas e pela traição, e logo se acharam emissários
que, à força de dinheiro, corrompessem os escravos de Ársaces para o matar. Ao
mesmo tempo, os Iberos penetraram na Arménia com um exército numeroso e
se fizeram senhores da cidade de Artáxata. Apenas Artabano entrou no conhe-
cimento destes sucessos, escolheu para vingador seu filho Orodes, entregou-lhe
o comando dos Partos e mandou tomar a soldo muitas tropas auxiliares. Por sua
parte, Farasmanes se ligou com os Albanos e convidou os Sármatas, chamados
septuchas37, que se vendem a todos que lhes pagam e agora tinham recebido
dinheiro de ambos os partidos, e também a ambos tinham prometido as suas
tropas. Mas, como os Iberos fossem senhores do país, fizeram entrar pronta-
mente na Arménia os seus auxiliares pela porta Cáspia, ao mesmo passo que os
auxiliares dos Partos não puderam penetrar, porque o inimigo ocupava todas as
outras passagens, e a única que restava entre o mar e as extremidades das mon-
tanhas dos Albanos era impraticável no Estio, em que os ventos etésios alagam
a costa38. Tão-somente no Inverno, em que o austro39 faz recuar as ondas e
obriga o mar a concentrar-se, ficam estas praias em seco.
34. No entanto Farasmanes, reforçado com as tropas auxiliares, começou a
desafiar Orodes, que não tinha podido receber algum socorro, e a insultá-lo,
como visse que se recusava aos combates, fazendo correrias por perto das suas
fortificações e chegando muitas vezes a pô-lo em estado de cerco. Mas, enfim,
os Partos, incapazes de sofrer tais insultos, foram-se ter com o seu rei e lhe
pediram os conduzisse ao inimigo, que era igualmente forte pela sua infantaria,
quando eles só tinham cavalaria. São os Iberos e os Albanos, porque habitam
agrestes montanhas, mais sofredores e próprios para o trabalho, e se dão por
descendentes dos antigos Tessálios, que acompanharam Jasão quando, depois
do roubo de Medeia e haver tido dela filhos, voltou ao ermo palácio de Eetes e à
solitária Colcos. Com o nome de Jasão conservam ainda muitos monumentos,
que têm em grande veneração, assim como o oráculo de Frixo, de sorte que
ninguém ali se atreve a sacrificar algum carneiro, persuadidos que um fora o
condutor de Frixo, quer seja que fosse um animal verdadeiro ou somente um
simples emblema que tinha o seu navio. Achando-se já os dois exércitos em
batalha, o rei dos Partos fez uma fala aos seus, em que ostentava toda a grande-
za do império do Oriente e a nobreza ilustre da família dos Arsácidas e em que,
pelo contrário, tratava de gente desprezível os Iberos, que só se confiavam em
tropas mercenárias. Da sua parte, Farasmanes, referindo como sempre haviam
sacudido o jugo dos Partos, dizia que quanto maior era a empresa que tentavam

37 Tradução de quorum septuchi («cujos porta-estandartes»).


38 Tradução de quia flatibus etesiarum implentur uada («porque os bancos de areia são
inundados pelos sopros dos etésios», isto é, os ventos do Nordeste).
39 Tradução de hibernus auster («o austro de Inverno», isto é, o vento sudoeste).
242 ANAIS

tanto maior também seria a sua glória se fossem vencedores, ou a sua vergonha
e o seu perigo se fugissem. Finalmente lhes lembrava que reparassem no ar
marcial dos seus batalhões, e logo nas coortes dos Medos, todas cobertas e
brilhantes de ouro, e então veriam, de uma parte, valorosos soldados e, de outra,
só imensas riquezas para ganhar.
35. Mas entre os Sármatas não se ouviam só as vozes do seu general: todos
mutuamente se exortavam a combater o inimigo não com as flechas e de longe,
porém de mais perto e com um ataque impetuoso. Apresentavam, portanto, os
dois exércitos, que principiavam a bater-se, dois quadros bem diferentes. Os
Partos, afeitos a atacar e a retirar-se com a mesma ligeireza, dispersavam-se por
uma parte e por outra para melhor fazerem as suas pontarias; os Sármatas,
largando os seus arcos, de que usam por menos tempo, lançavam-se sobre os
seus contrários com as lanças e as espadas: desta sorte, ora pelejando à maneira
da cavalaria, corriam para diante ou recuavam, ora formados em densas colunas,
com o peso dos corpos e das armas ou faziam fugir tudo, ou eram todos juntos
repelidos. Ao mesmo tempo, os Albanos e os Iberos, combatendo braço a braço,
procuravam deitar a mão aos inimigos e desmontá-los, com o que a sorte dos
Partos se tornou muito crítica, porque, simultaneamente apertados pela cavalaria
e infantaria, sofriam um estrago horroroso. No entanto Farasmanes e Orodes,
enquanto louvavam os valentes ou animavam os fracos, fazendo-se bem visíveis
a todos e, por consequência, vindo a conhecer-se, dirigiam um contra o outro os
seus cavalos, dando gritos e arremessando as suas armas. Foi, contudo, mais
furioso o ataque de Farasmanes, que chegou a ferir Orodes por entre o capacete,
mas não pôde repetir-lhe outro golpe, porque a velocidade do seu cavalo o
desviou e o seu adversário se viu logo rodeado de um forte corpo das suas
guardas. Assim mesmo, a notícia que falsamente se espalhara de que Orodes
tinha sido morto deixou os Partos aterrados e se deram por vencidos.
36. O que vendo Artabano tentou vingar esta afronta com todas as forças do
seu reino, mas os Iberos ainda foram vencedores pelo melhor conhecimento que
tinham do terreno. Apesar disto, o rei nunca se teria retirado se Vitélio, reunindo
as legiões e fazendo correr fama de que ia invadir a Mesopotâmia, não lhe
tivesse imposto medo com a guerra de Roma. Então, como Artabano se retiras-
se, com efeito, da Arménia, logo todos os seus negócios se mudaram, porque os
seus o entraram a desamparar por intrigas de Vitélio, que o pintava como um rei
bárbaro na paz e funesto na guerra pelos seus grandes reveses. A este tempo
Sinaces, que (segundo já referi) era seu grande inimigo, induziu para a revolta
seu pai, Abdageses, e a todos os mais que em segredo já eram da conspiração e
que, pelos desastres contínuos, não duvidavam agora declarar-se. Assim, pouco
a pouco, entrou a engrossar o seu partido com todos aqueles que, mais fiéis pelo
medo do que por uma verdadeira afeição, imediatamente se tinham declarado,
logo que viram novos chefes. Achou-se, por conseguinte, Artabano só com a
sua guarda de estrangeiros, composta de banidos de todos os países, os quais,
LIVRO VI 243

sem virtude nem remorsos, não conheciam senão a mão que os pagava melhor
e, portanto, estavam sempre prontos para toda e qualquer atrocidade. Acompa-
nhado desta gente, se salvou ele à pressa para os confins dos seus estados nas
fronteiras da Cítia não só confiado no auxílio dos Hircanos e Carmanos, com
quem tinha alianças, mas no arrependimento dos Partos, tão fáceis em se des-
gostarem dos seus príncipes quando os têm presentes, como em desejá-los
quando estão ausentes.
37. Assim que Vitélio teve a certeza da fugida de Artabano e que todos já
estavam inclinados a reconhecer o novo rei, exortando Tiridates a que se apro-
veitasse da ocasião, fez passar a tropa mais escolhida das legiões e aliados até às
margens do Eufrates. Estando ambos preparando ali um sacrifício, Vitélio,
segundo os costumes romanos de uma suovetaurilia, e Tiridates, o de um cavalo
para implorar a protecção do rio, vieram anunciar os moradores da terra que o
Eufrates, sem ter chovido, espontaneamente tinha crescido muito e que as suas
águas, cobertas de alva espuma, faziam certos redemoinhos que tomavam a
figura de um perfeito diadema, o que era auspício de uma próspera passagem.
Outros, contudo, mais subtilmente interpretavam esta maravilha dizendo que os
princípios da expedição seriam favoráveis, mas não durariam muito tempo,
porque os presságios que se tiravam da terra ou do céu eram sempre mais segu-
ros do que os tirados dos rios que, de sua natureza inconstantes, ao mesmo
passo que mostravam bons agouros os faziam também desvanecer. Formada,
porém, uma ponte de barcos e passado já para a outra parte todo o exército, o
primeiro que no campo se veio apresentar com muitos mil cavalos foi Ornospa-
des, um antigo desterrado, e que, no tempo em que Tibério fazia a guerra na
Dalmácia, o auxiliara com muita glória e merecera por isso o título e as honras
de cidadão romano. Reconciliado depois com o rei Artabano, tinha recebido
dele grande estimação e governava agora todas as terras que ficam entre o Tigre
e o Eufrates: e daqui tomam o nome de Mesopotâmia. Brevemente, Sinaces
também veio reforçar o exército e, enfim, chegou Abdageses, o apoio principal
do partido, porque lhe trazia grandes riquezas e todo o aparato real. Mas Vitélio,
como julgasse que só bastava ter mostrado as legiões romanas, voltou imedia-
tamente com elas para a Síria, recomendando a Tiridates que nunca se esque-
cesse dos exemplos de seu avô Fraates e do César, que o havia educado, porque
de ambos tiraria grandes estímulos de glória e, exortando igualmente os nobres
que se achavam com ele a que fossem sempre fiéis ao seu rei, respeitassem os
Romanos e guardassem cada um o que pediam a sua honra e lealdade.
38. Quis contar de uma vez os sucessos que se passaram em dois anos para
dar mais algum descanso ao espírito, já bastantemente fatigado com as calami-
dades domésticas. Era, com efeito, tal o carácter de Tibério que, apesar de terem
já passado três anos depois da morte de Sejano, nem o tempo, nem as súplicas e
nem a mesma saciedade de sangue, coisas que de ordinário abrandam o coração
dos outros homens, o tinham podido ainda aplacar: antes continuava sempre a
244 ANAIS

punir com a mesma severidade factos muito duvidosos e velhos, como se fos-
sem os mais recentes e atrozes. Com estes receios, Fulcínio Trião, impacientado
contra os delatores que já o ameaçavam, escreveu no seu testamento muitas e
gravíssimas injúrias contra Mácron e os principais libertos do César; e, deste
último, dizia que a muita idade o tinha feito enlouquecer e tratava de desterro a
sua longa ausência de Roma. Querendo os seus herdeiros encobrir estas cir-
cunstâncias, Tibério as mandou publicar ou porque assim pretendesse ostentar
quanto tolerava a pública liberdade e o pouco caso que fazia das suas próprias
infâmias, ou porque, ignorando por muito tempo as atrocidades de Sejano,
quisesse enfim conhecê-las, por qualquer modo que fosse, e ao menos, por este
meio afrontoso, chegar a saber a verdade, que as adulações sempre lhe traziam
desfigurada. Nesta mesma ocasião, o senador Grânio Marciano, acusado de
lesa-majestade por Gaio Graco, matou-se, e Tário Graciano, antigo pretor,
recebeu por este mesmo crime o último suplício.
39. Tiveram igual destino Trebeleno Rufo e Sêxtio Paconiano: porque o
primeiro buscou voluntariamente a morte, e o segundo foi estrangulado na
prisão por causa de certos versos que ali mesmo compôs contra o príncipe.
Todas estas notícias já recebia Tibério não como antigamente, separado da Itália
pelo mar e por intervenção de correios que lhe vinham de longe, porém nas
mesmas vizinhanças de Roma, e tão perto que, no mesmo dia ou quando muito
na manhã seguinte, podia enviar as suas respostas aos cônsules, dando assim a
entender que de propósito para ali tinha vindo só para melhor contemplar o
sangue que ou corria pelas casas, ou pelas mãos dos algozes. No fim do ano,
morreu Popeu Sabino, que, sem grande nobreza e só pela amizade dos prínci-
pes, conseguiu o consulado e as honras triunfais, depois de haver tido por espa-
ço de vinte e quatro anos os governos mais importantes – não porque possuísse
talentos superiores, mas porque só tinha os suficientes para os negócios, e daí
não passava.
40. Seguem-se os cônsules Quinto Pláucio e Sexto Papínio40. Não pareceram
neste ano horrorosas as mortes de Lúcio Aruseio e de … 41, porque já todos
andavam habituados às desgraças; o que, porém, causou um assombro e pavor
universal foi ver a Vibúlio Agripa, cavaleiro romano, tanto que os acusadores
acabaram de falar contra ele, tomar dentro da mesma cúria um veneno que
trazia escondido, cair por terra moribundo e ser levado à pressa nos braços dos
lictores para o cárcere, aonde, mesmo já morto, lhe deram o garrote. Nem o
nome e carácter real livraram Tigranes, que, em outro tempo, fora soberano da
Arménia, de passar por criminoso e de receber o suplício como qualquer sim-
ples cidadão. Também Gaio Galba, pessoa consular, e os dois Blesos esponta-

40 Ano de 36 d. C.
41 Texto corrompido, teria o nome de um homem que morreu com Aruseio.
LIVRO VI 245

neamente se mataram: Galba, porque o César, por uma carta muito áspera, lhe
proibiu de entrar no sorteamento dos governos das províncias, e os Blesos
porque tomaram como uma sentença de morte o verem que se lhes demoravam,
por estarem em desgraça, os dois sacerdócios que no tempo da sua fortuna lhes
tinham sido destinados e que, enfim, se davam a outros, considerando-os como
vagos. Emília Lépida, que, segundo já referi, fora casada com o jovem Druso42 e
do qual também fora uma cruel e constante acusadora, apesar desta infâmia,
escapou do castigo enquanto viveu seu pai, Lépido, sendo, porém, depois acu-
sada de adultério com um escravo, o que ninguém ignorava, não procurou
defender-se e matou-se.
41. Pelo mesmo tempo, a nação dos Cietas, que estava debaixo do domínio
de Arquelau, o Capadócio, sendo obrigada a pagar as mesmas requisições e
tributos que pagavam os povos tributários de Roma, foi refugiar-se no cume do
monte Tauro, aonde, pela natureza do terreno, se defendia contra os fracos
soldados do rei. Mas o legado Marco Trebélio recebeu ordens do presidente da
Síria43, Vitélio, para marchar contra ela com quatro mil legionários e algumas
das melhores tropas aliadas e, cercando com trincheiras os dois montes que os
bárbaros ocupavam, o mais pequeno dos quais se chamava Cadra e o outro
Davara, aniquilou pelo ferro os que tentaram romper e forçou os outros a ren-
der-se pela sede. Ao mesmo tempo, Tiridates, por vontade dos Partos não só
ganhou Nicefório, Antemúsia e outras mais cidades que, pelos seus nomes
gregos, denotam a sua origem macedónica44, mas além destas ocupou ainda
Halo e Artemita, cidades dos Partos, muito a contento de todos, porque, haven-
do experimentado as ferocidades de Artabano, que tinha sido educado na Cítia,
concebiam grandes esperanças do amável carácter de Tiridates, como homem
criado com todas as boas artes de Roma.
42. Foi, contudo, muito notável a adulação do povo da Seleuceia, uma cida-
de poderosa e murada e que, sem se ter corrompido com os costumes dos bárba-
ros, conservava ainda todas as instituições do seu fundador Seleuco. Tem ela
um senado composto de trezentos membros, tirados de entre os homens ricos e
sábios, o qual governa conjuntamente com o povo; de sorte que, enquanto estão
em boa harmonia, nada temem dos Partos, mas, assim que se excitam discórdias
e que algum partido vai mendigar auxílio estrangeiro contra os seus adversários,
aquele que vem socorrer alguma facção ganha logo poder sobre todos. Era isto o
que acabava de acontecer no reinado de Artabano, o qual, por interesse e políti-
ca, tinha posto a plebe na absoluta dependência dos nobres: pois que o governo

42 Filho de Germânico; a remissão é para a parte do livro V que se perdeu.


43 Tradução de praeside Syriae («governador da Síria»).
44 Tradução de quae Macedonibus sitae Graeca uocabula usurpant («que, fundadas por
Macedónios [ou seja, Alexandre], fazem uso de nomes gregos»).
246 ANAIS

popular sempre respira liberdade, e o de poucos é muito mais conforme o poder


arbitrário dos reis. Assim que apareceu Tiridates, fizeram-lhe todas as honras
que tinham os seus antigos reis e todas as mais que de novo, já muito copiosa-
mente, se tinham inventado e, ao mesmo passo, se desfizeram em injúrias contra
Artabano, que, segundo diziam, só por sua mãe era descendente dos Arsácidas –
e em tudo o mais tinha deles degenerado. Tiridates entregou toda a autoridade
ao povo e, deliberando depois em que dia fizesse a sua coroação, recebeu cartas
de Fraates e Hierão, que estavam nos governos principais, em que lhe pediam
quisesse demorar por pouco tempo aquela cerimónia. Consentiu em que se
esperasse por homens tão poderosos e no entanto marchou para Ctesifonte, a
capital do império. Como eles, porém, de dia em dia, se fossem demorando, o
surena45 coroou finalmente Tiridates com o diadema real, na forma dos pátrios
costumes e no meio das aclamações de um povo numeroso.
43. Se, no mesmo momento, ele tivesse penetrado no interior do reino e se
houvesse mostrado às outras nações, seguramente haveria feito decidir a perple-
xidade dos que ainda estavam indecisos e todos lhe teriam prestado obediência;
mas, demorando-se em sitiar um castelo aonde Artabano tinha feito recolher as
suas riquezas e concubinas, deu tempo a que os Partos lhe começassem a de-
sertar. No entanto Fraates, Hierão e todos os mais que não tinham assistido à
coroação, uns por medo e outros por ciúmes de Abdageses, que gozava de toda
a autoridade no palácio e sobre a pessoa do rei, voltaram outra vez para Artaba-
no. A este foram enfim achar entre os Hircanos, miseravelmente vestido e
vivendo apenas do seu arco e da caça46. Ao primeiro encontro assustado, por
julgar que lhe iam armar novas traições, assim que lhe deram juramento de que
só vinham com intento de lhe restituir o reino, cobrou ânimo e perguntou que
mudança tão extraordinária era aquela. A isto lhe respondeu Hierão, falando
com desprezo dos poucos anos de Tiridates, e concluiu que o governo não
estava nas mãos de um descendente dos Arsácidas, mas que só um fraco man-
cebo, corrompido com todos os vícios estrangeiros, era quem gozava de um
título aparente, porque o soberano verdadeiro era Abdageses.
44. Artabano, que era rei velho e astuto, ficou logo conhecendo que, se a
amizade que lhe mostravam podia ser fingida, não o podiam ser, por certo, os
ódios que tinham contra Tiridates; portanto, não se demorando mais tempo do
que o preciso para que lhe chegasse um reforço dos Citas, marchou rapidamente
e, assim, preveniu não só os planos dos seus inimigos, mas até o mesmo arre-
pendimento que podiam ter os seus amigos. Para mais interessar a todos se lhes
apresentou vestido no mesmo traje humilde e desprezível em que o foram
encontrar e, não se esquecendo de coisa nenhuma, empregou a propósito tanto

45 Tradução de surena, magistrado parto de hierarquia logo abaixo do rei.


46 Tradução de alimenta arcu expediens («assegurando os alimentos por meio do arco»).
LIVRO VI 247

as súplicas como os artifícios para resolver os irresolutos e dar constância aos


que estavam bem dispostos. Já com um exército numeroso se achava ele às
portas de Seleuceia, quando Tiridates, aterrado, antes pela fama e agora pela
presença de Artabano, ainda não sabia o que fizesse e deliberava se iria encon-
trar-se com ele ou o cansaria por uma guerra dilatada47. Todos os que gostavam
das grandes batalhas e dos golpes decisivos eram de opinião que se atacasse
logo os inimigos, que não tinham disciplina, vinham fatigados com marchas
muito longas e não podiam ainda estar bem firmes na sua afeição e obediência a
um chefe contra quem, ainda havia pouco tempo, se tinham declarado. O voto,
porém, de Abdageses foi que se deviam retirar para a Mesopotâmia e que,
depois de passarem o Eufrates e terem feito pegar em armas aos Arménios, aos
Elimeus e a todos os outros povos da sua retaguarda, então reforçados com as
tropas auxiliares e com as legiões romanas que mandasse Vitélio, tentassem a
fortuna da guerra. Prevaleceu este parecer porque Abdageses podia tudo, e
Tiridates não tinha resolução alguma nos casos arriscados. Mas tomou-se por
uma fugida esta retirada e, principiando logo a deserção pelos Árabes, todos os
mais ou se foram para suas casas, ou entraram no serviço de Artabano. O
mesmo Tiridates fugiu também afinal para a Síria, acompanhado de bem pou-
cos, e assim livrou a todos da vergonha de passarem por traidores.
45. Neste mesmo ano, sofreu muito Roma por um grande fogo que consumiu
a parte do Circo vizinha do Aventino e o mesmo monte Aventino. Deste desas-
tre se aproveitou o César para ganhar muita glória, pagando a perda de todas as
casas e palácios incendiados. Esta generosidade lhe custou cem milhões de
sestércios, o que o povo tanto mais estimou, porque sempre tinha sido muito
escasso nos seus edifícios particulares. Também não mandou fazer obras públi-
cas senão duas, que foram o templo de Augusto e a cena do teatro de Pompeio,
das quais, ainda depois de acabadas, nunca fez a dedicação ou para mostrar que
prescindia desta vaidade, ou porque se achasse já muito velho. Para avaliar as
perdas de cada um dos cidadãos, foram nomeados os quatro maridos das netas
do César, que eram Gneu Domício, Cássio Longino, Marco Vinício e Rubélio
Blando, aos quais agregaram os cônsules mais um, que foi Públio Petrónio.
Então, segundo os talentos e a agudeza de cada senador, se inventaram e fize-
ram decretar muitas honras ao príncipe, ainda que se não veio a saber quais
aceitou ou rejeitou, por se haverem passado estas coisas pouco antes da sua
morte. Com efeito, não muito tempo depois, entraram na posse das suas digni-
dades os dois últimos cônsules da vida de Tibério, Gneu Acerrónio e Gaio
Pôncio48, sendo já excessivo o valimento de Mácron, que não se descuidava de
ir granjeando mais fortemente a amizade de Calígula, apesar de que nunca a
tivesse desprezado. Para que ela nunca lhe faltasse, logo que morreu Cláudia,

47 Tradução de bellum cunctatione tractaret («arrastar a guerra com adiamento»).


48 Ano de 37 d. C.
248 ANAIS

com quem já referi casara Gaio César, procurou introduzir com o mancebo sua
própria mulher, Énia, a fim de o embriagar com todos os desejos do amor e de o
prender depois com promessas de casamento. Estava certo que, para reinar,
prometeria Gaio quanto quisessem porque, não obstante ser de um carácter
altivo e ardente, sabia eminentemente fingir-se – lições que tinha aprendido na
escola do avô.
46. Também o príncipe conhecia isto mesmo e, por esta razão, esteve por muito
tempo indeciso a qual dos netos escolheria para lhe suceder no império. A ternura
e o sangue o faziam inclinar para o filho de Druso49, porém era ainda muito
criança. O filho de Germânico estava na flor da idade e era estimado do povo, mas
esta mesma circunstância fazia com que o avô o aborrecesse. Na pessoa de
Cláudio achava a madureza dos anos e inclinação para o bem, mas tornava-se
incapaz pela sua imbecil estupidez. Se nomeasse um sucessor fora da família,
receava ultrajar a memória de Augusto e expor aos ludíbrios o nome dos Césares,
porque a estimação do seu século não lhe dava tanto cuidado como a vaidade de se
ver representado em seus descendentes. Achando-se, pois, nesta incerteza e, além
disto, doente, deixou ao acaso a resolução de uma coisa que ele já não tinha forças
para dar. Contudo em algumas palavras que disse, mostrou bem que previa o
futuro. A Mácron deitou ele em rosto sem disfarce que bem via como já voltava as
costas ao ocidente para não perder de vista o oriente; e a Gaio César, que um dia
na conversação estava escarnecendo de Sula, prognosticou que dele teria todos os
vícios e nenhuma das virtudes. Abraçando também uma vez com muitas lágrimas
o neto mais pequeno50 e, reparando no ar feroz e carregado de Gaio, disse-lhe: «tu
matarás este, mas também hás-de achar outro que te mate». Enfim, adiantando-se a
moléstia, nunca se absteve de seus libidinosos prazeres, afectando sempre a maior
constância no meio das suas dores e metendo constantemente a ridículo, segundo
seu costume, a ciência dos médicos, assim como a ignorância daqueles que, ainda
depois de trinta anos de experiência, não sabiam conhecer o que lhes era ou não
proveitoso e recorriam à prática dos outros.
47. Entretanto em Roma iam-se preparando novas vítimas para serem ainda
sacrificadas aos manes de Tibério51. Lélio Balbo tinha acusado de crime de lesa-
-majestade Acúcia, que fora em outro tempo mulher de Públio Vitélio, e, como
fosse condenada, ia-se determinar o prémio que competia ao delator; opôs-se a
isto o tribuno do povo, Júnio Otão, pelo que ficaram inimigos, e daqui se origi-
nou o desterro que este último teve passado algum tempo52. Albucila, famosa

49 Tibério Gemelo.
50 Tibério Gemelo.
51 Tradução de futuris etiam post Tiberium caedibus semina iaciebantur («lançavam-se
sementes para desgraças que viriam depois de Tibério»).
52 Tradução de mox Othoni exitium («e depois a perda para Otão»).
LIVRO VI 249

pelos seus muitos e notáveis amores e que tinha casado com Sátrio Secundo,
aquele mesmo que revelou a conjuração de Sejano, foi também acusada de
crime de impiedade contra o príncipe, em que se acharam envolvidos com ela,
como seus cúmplices e amantes, Gneu Domício, Víbio Marso e Lúcio Arrúncio.
Da nobreza de Domício já acima falei; e Marso era igualmente ilustre por
antigas dignidades e pelo seu muito saber. Mas, como na participação que disto
se fez ao senado se dizia que Mácron tinha assistido aos interrogatórios das
testemunhas e aos tormentos dos escravos e não aparecia carta do imperador
que indicasse ódio contra os culpados, com razão se suspeitou que, achando-se
Tibério doente e talvez sem nada saber de quanto se passava, quase todas estas
coisas eram fabricadas por Mácron, inimigo declarado de Arrúncio.
48. Nestas circunstâncias, Domício, determinado a defender-se, e Marso,
fingindo querer-se matar à fome, ainda prolongaram as suas vidas. Arrúncio,
porém, respondeu aos seus amigos, que lhe rogavam não se apressasse tanto em
morrer, que nem a todos era glorioso fazer as mesmas coisas, que a ele já sobe-
java a idade e que o único arrependimento que tinha era de ter passado uma
velhice inquieta no meio dos ludíbrios e dos perigos, odiado por muito tempo de
Sejano, agora de Mácron, e sempre mal visto de todos os validos, não obstante o
não ter outra culpa mais do que o ser incapaz de infâmias e baixezas. Verdade
era que seria fácil escapar aos últimos instantes de um príncipe moribundo, mas
como se poderia evitar a tirania de um mancebo que a todos já estava amea-
çando? Se Tibério, depois de uma tão longa experiência, tanto degenerara e se
corrompera com as grandezas do império, seria possível que Gaio César, apenas
no fim da puerícia, de uma ignorância grosseira e tão viciosamente educado,
fosse melhor do que ele, tendo a seu lado Mácron, que, de propósito escolhido
pela sua muito superior perversidade para deitar abaixo Sejano, ainda havia
vexado a república com mais atrozes calamidades? À vista de tudo isto, ele já
estava adivinhando uma escravidão ainda mais funesta e, portanto, só assim se
poderia pôr a salvo do presente e do futuro. Acabando de proferir estas coisas
como se fossem verdadeiras profecias, mandou abrir as veias, e o que depois foi
acontecendo terrivelmente comprovou que Arrúncio fizera muito bem em se
matar. Albucila, ferindo-se a si mesma com um golpe que não chegou a ser
mortal, foi levada para a prisão por ordem do senado, e os fautores das suas
dissoluções, Carsídio Sacerdote, antigo pretor, e Pôncio Fregelano, foram tam-
bém sentenciados: o primeiro em desterro para uma ilha, e o segundo a perder
as suas honras de senador. Nas mesmas penas, foi condenado Lélio Balbo e com
grande satisfação de todos, porque a sua bárbara eloquência estava sempre
pronta para perder os inocentes.
49. Pelo mesmo tempo Sexto Papínio, de uma família consular, escolheu um
pronto e extraordinário modo de morrer, arrojando-se sobre um precipício. A
causa disto se atribuía a sua mãe, a qual, desprezada primeiramente por ele,
depois por meio de mil incentivos e afagos, havia conduzido o mancebo a tais
250 ANAIS

pontos que só matando-se lhe tinha podido escapar. Acusada por este motivo no
senado, debalde se lançou aos pés de todos os senadores, lamentou a sua sorte,
que, sendo cruel para todos, muito mais o é para mulheres muito fracas e sensí-
veis, e empregou todos os meios de comiseração e piedade; apesar de tudo isto,
foi desterrada de Roma por dez anos, até que seu filho mais novo passasse a
idade em que é mais perigosa a sedução.
50. Já a saúde e as forças iam visivelmente faltando a Tibério, e a sua dissi-
mulação ainda era a mesma. Conservava sempre a mesma força de espírito, não
se lhe conhecia mudança no semblante e nas palavras e, de quando em quando,
até afectava jovialidade para encobrir a fraqueza que a todos já era manifesta.
Depois de ter mudado de lugares por vezes repetidas, descansou enfim perto do
promontório de Miseno, em uma quinta que fora em outro tempo de Luculo.
Que ele estivesse a ponto de morrer soube-se então da maneira seguinte. Acha-
va-se ali um médico insigne chamado Cáricles, que, apesar de não ser quem
habitualmente o tratava, tinha, contudo, por costume dar-lhe certas direcções e
aconselhá-lo. Este, pretextando querer-se ausentar por ter coisas suas que fazer
e pegando na mão do César para beijar-lha, tocou-lhe ao mesmo tempo no
pulso. Mas nem assim mesmo enganou a Tibério, porque de repente e sem se
saber se estava ofendido, pois que nestes casos é que ele mais profundamente
ocultava as suas iras, mandou pôr a mesa e demorou-se nela muito mais tempo
do que de ordinário costumava, como para obsequiar o seu amigo que partia.
Cáricles afirmou, porém, a Mácron que ele estava a morrer e que não podia já
durar mais de dois dias; em consequência disto, começou logo a haver confe-
rências entre os que se achavam presentes e a despachar-se correios para os
generais e para os exércitos. Aos dezassete antes das Calendas de Abril53,
perdendo de todo os sentidos, julgou-se que tinha expirado. Já Gaio César, no
meio do numeroso concurso dos que lhe davam os parabéns, saía para tomar
posse do império, quando inesperadamente se publica que Tibério, tornando a
si, já via, já falava e até pedia de comer para recuperar as suas forças. Ficaram
então todos aterrados e cada um se começou a retirar para sua parte, mostrando-
-se todos muito tristes e como se ignorassem o que havia. Calígula, atónito e em
silêncio, estava na maior perturbação, temendo passar rapidamente do trono ao
suplício. Nestas circunstâncias, Mácron, o único intrépido e senhor da sua
reflexão, manda sufocar o velho, deitando-lhe em cima muita roupa, e ordena
que todos se retirem. Desta sorte perdeu a vida Tibério aos setenta e oito anos
da sua idade.
51. Teve por pai a Nero e, por ambos os lados, descendia do sangue dos
Cláudios, ainda que sua mãe passou depois por adopções para a família dos
Lívios e dos Júlios. Na sua infância correu muitos riscos, porque acompanhou

53 Dia 16 de Março.
LIVRO VI 251

no desterro a seu pai, que tinha sido proscrito, e, quando entrou como enteado
na casa de Augusto, sofreu muitas emulações enquanto viveram não só Marcelo
e Agripa, mas ainda os dois Césares, Gaio e Lúcio. Seu próprio irmão Druso era
muito mais querido do povo do que ele; porém o maior lance em que se viu foi
o seu casamento com Júlia, por se ver obrigado a tolerar ou a fugir as desonesti-
dades da sua mulher. Na sua volta de Rodes, viveu sem rivais com o príncipe
por espaço de doze anos e teve o império de Roma quase por vinte e três. Mas,
em todos estes tempos, foram sempre diferentes os seus costumes. Gozou
grande fama e pareceu irrepreensível enquanto foi homem particular e executou
as comissões dadas por Augusto. Mostrou-se muito recatado e fingiu-se amigo
das virtudes, enquanto existiram Germânico e Druso. Na vida da mãe, foi um
misto de boas e perversas qualidades. No tempo de Sejano, a quem amou ou
temeu, tornou-se execrável pelas suas crueldades, porém ao menos ainda enco-
bria as suas obscenidades. Afinal, desmascarou-se e deu-se a todos os crimes e
torpezas, quando já, sem pejo e sem medo, seguiu livremente o seu génio.
LIVRO UNDÉCIMO

1.1 … Porque ela [Messalina] estava persuadida de que Valério Asiático, já


por duas vezes cônsul, tinha sido em outro tempo amante de Popeia e porque,
ainda mais que tudo, morria por entrar de posse dos jardins que havia principia-
do Luculo e agora Asiático andava magnificamente enriquecendo, fez então
com que Suílio os acusasse a ambos, agregando-lhe Sosíbio, mestre de Britâni-
co. Devia este último, em ar de amizade, insinuar a Cláudio que se acautelasse
de um homem que, dotado de grande energia de carácter e com grandes rique-
zas, era um declarado inimigo dos príncipes, pois que Asiático, em uma assem-
bleia do povo romano, não tivera pejo de se dar pelo primeiro cooperador da
morte de Gaio César, querendo decididamente arrogar-se toda a glória deste
atentado; que, desde essa época, não só ficara o seu nome famoso em Roma,
mas que até nas províncias já era bem conhecida a sua fama, em razão do que
tinha intenções de se ir apresentar aos exércitos da Germânia com a lembrança
de que, sendo natural de Viena e auxiliado por muitos e poderosos parentes,
poderia mais facilmente sublevar as nações que tinham com ele uma origem
comum. Cláudio, sem mais outro exame e figurando-se ver já uma revolta que
era preciso sufocar, fez partir a toda a pressa com um destacamento de soldados
o prefeito do pretório Crispino, o qual, havendo encontrado Valério em Baias, o
conduziu preso com grilhões para Roma.
2. Sem que o senado disto fosse sabedor2, foi ouvido o réu na mesma câmara
do imperador e na presença de Messalina, acusando-o Suílio tanto de corromper
os soldados, a quem já tinha prontos para todos os flagícios por meio de dinhei-
ro e de infames torpezas, como dos seus adultérios com Popeia – e, por fim, até
de se prostituir como mulher3. Então, Asiático, sem poder já conter-se e particu-
larmente ao ouvir este último insulto, rompe o silêncio e lhe diz: «Ora pois,
Suílio, interroga teus filhos, e deles saberás que eu sou homem». Passando
depois a defender-se e tendo fortemente comovido o coração de Cláudio, fez
também arrancar lágrimas à mesma Messalina, que, não obstante sair para fora,
como para enxugá-las, ainda assim recomendou a Vitélio que não deixasse
escapar o culpado. Correu então ela mesma a tecer os laços para perder Popeia,

1 Estando em falta os livros anteriores (coincidentes com todo o principado de Calígula, 37-
-41 d. C.), o livro XI começa depois de já iniciado o ano de 47.
2 Tradução de Neque data senatus copia («Não [lhe] foi dada permissão do senado», isto é,
de um julgamento no senado).
3 Tradução de mollitiam corporis («moleza do corpo», isto é, hábitos efeminados).
254 ANAIS

subornando pessoas que a fossem assustar com o medo da prisão e a persuadis-


sem a matar-se. Mas de todas estas intrigas sabia tão pouco o César que, logo
passados poucos dias, convidando para jantar a Cipião, marido de Popeia,
perguntou-lhe porque não estava ali também sua mulher, ao que ele simples-
mente respondeu que já tinha morrido.
3. Contudo Cláudio deliberava ainda se perdoaria a Asiático, quando o pérfi-
do4 Vitélio, chorando e lembrando-lhe a mútua e antiga amizade que tiveram
sempre ambos, como também sempre haviam sido os maiores obsequiadores de
sua mãe, Antónia, quais eram os grandes serviços que Asiático tinha feito à repú-
blica, a sua última expedição contra os Britanos e outras muitas coisas que indica-
vam uma sincera compaixão: por fim rematou, suplicando-lhe que o réu pudesse
escolher a espécie de morte que mais lhe agradasse. Cláudio respondeu aprovando
este tão inaudito acto de clemência. Aconselhando então algumas pessoas a
Asiático que se matasse à fome, por ser uma morte mais suave, agradeceu-lhes
esta sua lembrança e, depois de ter concluído tudo o que costumava fazer, isto é,
depois de se ter banhado e haver comido com muita alegria, dizendo tão-somente
que lhe teria sido mais glorioso o morrer ou pelas astúcias de Tibério, ou pelos
furores de Calígula do que pelas intrigas de uma mulher e pelas impudicas
acusações de Vitélio, mandou abrir as veias. E, vendo já a fogueira que estava
preparada para lhe queimar o cadáver, ordenou que a fizessem em outra parte para
que o fogo não ofendesse a verdura das árvores que estavam vizinhas. Tal foi a
tranquilidade com que viu aproximarem-se os seus últimos momentos de vida.
4. Passado isto, foram convocados os padres, e Suílio aumentou ainda o
número dos réus, acusando dois cavaleiros romanos muito ilustres que tinham o
sobrenome de Petra. A causa da sua morte foi o dizer-se que ministravam as
suas casas para os passatempos de Mnester e de Popeia; porém a um deles se
lhe acumulou ainda o delito de haver tido um sonho em que vira Cláudio com
uma coroa de espigas inclinadas para o chão, do que tinha tirado o agouro que
haveria grande falta de mantimentos. Outros, contudo, contam que o vira com
uma coroa de folhas de videira já muito desmaiadas e interpretara esta visão
dizendo que denotava a morte do príncipe no fim do Outono. Mas, seja como
for, o que de nenhuma sorte se duvida é que um sonho fatal fora o único motivo
da morte destes dois irmãos. O senado decretou milhão e meio de sestércios a
Crispino e as insígnias de pretor, e Vitélio acrescentou que se desse mais um
milhão a Sosíbio, por ser o mestre de Britânico e o conselheiro de Cláudio.
Sendo rogado Cipião para dar o seu parecer, respondeu: «Pois que eu concordo
convosco nos crimes de Popeia, também agora deveis crer que em tudo o mais
serei da vossa opinião.» Prudência esta admirável, com que nem faltou ao amor
conjugal nem à obrigação de votar como senador.

4 Adjectivo acrescentado pelo tradutor.


LIVRO XI 255

5. Continuou Suílio a ser um feroz acusador de muitos réus e teve nesta sua
audaz malevolência muitos imitadores porque, chamando a si o príncipe todo o
poder das leis e dos magistrados, havia aberto a porta a toda a espécie de rapi-
nas. Com efeito, nunca houve coisa alguma tão venal como a perfídia dos
advogados daquele tempo, e uma prova é que, havendo dado Sâmio, um insigne
cavaleiro romano, quatrocentos mil sestércios a Suílio e vendo-se traído por ele,
foi matar-se com sua própria espada na casa deste infame advogado delator.
Propondo depois no senado este caso Gaio Sílio, cônsul designado (e de quem a
seu tempo contarei qual foi a sua autoridade e a sua morte), levantaram-se
imediatamente os padres e pediram que se pusesse em vigor a lei Cíncia, pela
qual já antigamente se tinha proibido que ninguém levasse dinheiro ou aceitasse
presentes por advogar alguma causa.
6. Fazendo, porém, logo grande bulha todos os culpados a quem essa lei
ameaçava, Sílio, que era inimigo de Suílio, falou com grande resolução, alegan-
do o exemplo dos antigos oradores, que nunca tinham ambicionado outros
prémios mais brilhantes para a sua eloquência do que a fama dos vindouros. Em
verdade, acrescentou ele, muito se mancharia a princesa das belas-artes com
estes sórdidos contratos, e nunca poderia haver probidade aonde só se tivesse
em vista tão baixos interesses. Se as causas se defendessem sem esperança de
recompensas pessoais, também iria cada vez a menos o seu número, e não
sucederia como agora, que não se viam senão inimizades, delações, ódios e
injúrias: de maneira que, do mesmo modo que as muitas doenças enriqueciam
os médicos, assim esta contagiosa peste do foro enriquecia os advogados. Que
se lembrassem, enfim, como Gaio Asínio e Messala e, mais modernamente,
Arrúncio e Esernino tinham chegado às primeiras dignidades pela pureza da sua
vida e da sua eloquência. Já pelo consentimento de todos se estava para adoptar
a opinião do cônsul designado, em virtude da qual ficavam sujeitos à lei da
concussão todos os que neste ponto prevaricassem, quando Suílio e Cussuciano
e todos os mais que viram que não iam entrar em processo, porque eram evi-
dentissimamente criminosos, mas passavam logo a ser condenados, se foram ter
com o príncipe e lhe pediram perdão pelo passado.
7. Anuiu ele, calando-se às súplicas que lhe fizeram, e, como eles vissem
isto, começaram então logo a defender-se desta forma: que homem poderia
haver tão presumido que ousasse contar com a imortalidade do seu nome? Era
preciso que, por muito tempo, se andassem preparando os oradores para pode-
rem defender os interesses e os bens dos cidadãos, a fim de que ninguém, por
falta de patronos, fosse oprimido pelos poderosos; e não era certamente sem
grandes sacrifícios que eles se formavam, pois que, para o completo desempe-
nho da sua difícil profissão, também lhes era necessário pôr de parte os seus
negócios para melhor se ocuparem dos estranhos. Muitos homens viviam dos
lucros da milícia e outros das fadigas da lavoura, mas ninguém procurava este
ou aquele emprego sem primeiro calcular os proveitos que dele tiraria. Sem
256 ANAIS

grande dificuldade, Asínio e Messala se tinham podido mostrar independentes


porque nas guerras civis entre Augusto e António também muito consideravel-
mente se tinham podido enriquecer; e se os Eserninos e os Arrúncios haviam
mostrado a mesma independência é porque tiveram opulentíssimas heranças.
Não eram ainda bem sabidas as grandes somas que Públio Clódio e Gaio Curião
levavam pelas causas que defendiam? No estado de sossego em que a república
se achava, eles, como pobres senadores, não podiam aspirar a outros emolu-
mentos senão aos que a paz lhes oferecia. Além disto, o príncipe se devia recor-
dar que, sendo plebeus quase todos aqueles que se ilustravam pelas ocupações
forenses, negando-se-lhes agora este prémio, seria isto uma verdadeira sentença
de morte para as letras. Vendo então Cláudio que todas estas razões, ainda que
não muito decentes, não deixavam, contudo, de ter mais ou menos fundamento,
pôs um certo termo à cobiça dos advogados, permitindo que pudessem receber
até à quantia de dez mil sestércios, além da qual os que mais exigissem ficassem
compreendidos na lei de concussão.
8. Neste mesmo tempo, Mitridates, que, segundo já contei, governava na
Arménia e fora conduzido preso à presença do César5, voltou para o seu reino
por conselhos de Cláudio. Confiava ele muito no auxílio de seu irmão Farasma-
nes, que era rei dos Iberos, o qual o avisara de que os Partos viviam em discór-
dia e que, disputando sobre a soberania, punham de parte todos os mais interes-
ses como menos importantes. Com efeito, haviam eles já chamado para o trono
Vardanes, enfastiados das muitas atrocidades de Gotarzes (que fizera assassinar
seu irmão Artabano, sua mulher e seu filho), e receavam de que outras iguais
recaíssem sobre eles. Tinha Vardanes todo o atrevimento necessário para as
empresas arriscadas, porque, correndo três mil estádios em dois dias, havia
surpreendido e feito fugir Gotarzes e, sem descansar, ocupava já as prefeituras
vizinhas, sem encontrar outra resistência senão da parte dos habitantes de
Seleuceia, que o não quiseram receber6. Enfurecido então contra eles, tanto por
este seu comportamento como pelo que já haviam tido com seu pai, e levado mais
da vingança do que da sua presente utilidade, demorou-se a fazer o cerco desta
fortíssima cidade, que se achava defendida pelo rio e pelos muros e tinha provi-
sões em abundância. No entanto Gotarzes, reforçado com os Daas e os Hircanos,
havia tornado a tentar a sorte das batalhas e tinha feito levantar o cerco de
Seleuceia a Vardanes, o qual depois se foi acampar nas terras da Bactriana.
9. Achando-se assim divididas as forças do Oriente, sem ainda saber-se qual
partido seria o mais forte, teve ocasião Mitridates de ocupar a Arménia, auxilia-

5 Tradução de iussuque G. Caesaris uinctum («preso à ordem de Gaio César», ou seja,


Calígula).
6 Tradução de solis Seleucensibus dominationem eius abnuentibus («somente os Selêucidas
negaram o domínio dele»).
LIVRO XI 257

do pelos Romanos, que fizeram render todas as fortalezas das montanhas,


enquanto os Iberos iam invadindo as planícies. Nem os Arménios apresentaram
grande resistência depois que o seu governador Demónax perdeu uma batalha a
que se tinha aventurado. Só Cótis, rei da Arménia Menor, foi o único que pôs
algum embaraço, auxiliado por alguns nobres, porém desistiu logo em virtude
de uma carta que o César lhe enviou; e, depois disto, todos se bandearam com
Mitridates, que se mostrou mais severo do que a política de um novo reinado
permitia. Mas os dois chefes dos Partos, que já estavam para dar batalha, torna-
ram-se amigos de repente, vindo no conhecimento das traições dos seus nacio-
nais que Gotarzes revelou a seu irmão. Assim que se avistaram, estiveram por
um pouco algum tanto desconfiados, mas, apertando por fim as mãos, juraram
diante dos altares dos seus deuses que vingariam as perfídias dos seus inimigos
e mutuamente prometeram compor-se entre si. Foi preferido Vardanes para
reinar, e Gotarzes, querendo desviar qualquer motivo de ciúme, retirou-se de
todo para a Hircânia. Na volta que fez Vardanes, se lhe entregou Seleuceia
depois de sete anos de rebelião e por certo com bastante desdouro para os Par-
tos, que por tanto tempo viram uma única cidade zombar de todo o seu poder.
10. Daqui passou logo Vardanes a tomar posse das mais opulentas províncias e
já se destinava a entrar na Arménia, quando Víbio Marso, legado da Síria, amea-
çando-o com a guerra, teve mão nos seus projectos. Entretanto, Gotarzes, já
arrependido da cessão que havia feito do trono e convidado novamente pela
nobreza, que sempre se julga mais oprimida na paz, tornou a pôr em campo um
exército. Com este se encontraram as tropas inimigas junto do rio Erindes, em cuja
passagem, havendo-se de parte a parte briosamente pelejado, ficou Vardanes
vencedor; e, depois de outras prósperas batalhas, fez também a conquista de todas
as nações que lhe ficavam no meio até o rio Sinde, que forma os limites dos Daas e
dos Ários. Aqui, porém, se cansou a fortuna de o conduzir mais adiante porque os
Partos, apesar de vitoriosos, já não gostavam de continuar a guerra em países tão
distantes. Fazendo, pois, elevar monumentos que atestassem o seu poder, e como
tinha sido o primeiro dos Arsácidas que havia imposto tributos àqueles povos,
principiou a retirar-se, não cabendo em si com glória tamanha e, por isso, cada vez
mais feroz e intratável com os seus. Então, estes, por enganos preparados de
antemão, o surpreenderam quando, sem nenhum receio, se divertia na caça e o
mataram na flor dos anos, porém já tão famoso que a bem poucos reis velhos seria
inferior se tivesse procurado fazer-se amar tanto dos seus quanto se fez temer dos
inimigos. Com a morte de Vardanes se originaram mil discórdias entre os Partos,
que estavam indecisos sobre quem chamariam para o reino. Muitos se inclinavam
para Gotarzes, outros para Meerdates, que, sendo descendente de Fraates, estava
em nosso poder como reféns. Prevaleceu, porém, Gotarzes que, depois de estar de
posse do trono, cometeu tais barbaridades e desgostou tanto os Partos com os seus
péssimos costumes que os obrigou a escrever ocultamente a Cláudio e a pedir-lhe
que desse licença a Meerdates para ir ocupar o trono paterno.
258 ANAIS

11. No mesmo ano consular, celebraram-se os jogos seculares, oitocentos


anos depois da fundação de Roma e sessenta e quatro depois que Augusto os
mandara também fazer. Não exponho agora os motivos das diferentes épocas
que estes dois príncipes tomaram, porque vão amplamente noticiados nos livros
que escrevi do governo do imperador Domiciano7. Também este mandou cele-
brar os mesmos jogos, aos quais eu muito particularmente assisti como sacer-
dote quindecenviral e pretor que então era: o que não digo aqui por vaidade,
mas porque ao colégio quindecenviral pertencia, em outros tempos, o cuidado
destas festas, e os pretores eram os que muito principalmente tinham a seu cargo
a execução de todas as cerimónias. Estando Cláudio vendo os jogos do Circo e
fazendo alguns mancebos a cavalo aquele nobre torneio chamado Troiano, entre
os quais se achavam Britânico, filho do imperador, e Lúcio Domício, que por
adopção entrou depois na posse do império e tomou o sobrenome de Nero, os
muitos aplausos com que o povo então distinguiu a este último tomaram-se por
agouro favorável da sua futura felicidade. Corria também o boato que na sua
infância lhe haviam assistido alguns dragões como destinados para guardá-lo,
prodígio fabuloso e em tudo semelhante a outras muitas maravilhas que os
estrangeiros nos referem, porque ele mesmo, que nunca perdia ocasião de
elogiar-se, só costumava dizer que no seu quarto se vira uma vez uma serpente.
12. Mas toda esta afeição do povo nascia da saudosa memória que ainda
conservava de Germânico, de quem só restava este ramo varonil, assim como do
interesse e piedade que sua mãe, Agripina, lhe inspirava, comparando-a com a
bárbara Messalina, que, dentro do coração, sua inimiga, e agora muito mais
indisposta contra ela, só deixava de lhe suscitar então acusações e acusadores,
porque andava ocupada com uma nova paixão em que ardia e quase a tinha feito
enlouquecer. Com efeito, era tal a violência do amor que havia concebido por
Gaio Sílio, o mancebo mais gentil de toda a mocidade romana, que até o obrigou
a separar-se de sua esposa, Júnia Silana, matrona muito distinta, só para exclusi-
vamente o gozar. Nem Sílio ignorava todo o mal que fazia nem o perigo a que se
expunha, contudo, conhecendo que se a desprezasse seria desgraçado e pare-
cendo-lhe ao mesmo tempo que poderia conservar oculto o seu crime, ao menos
procurava consolar-se com a ideia de que, sendo já certa a recompensa, ainda o
castigo era incerto. Porém Messalina, que aborrecia tudo o que era mistério e
segredo, começou a ir visitá-lo à sua casa com toda a pompa e publicidade, a
passear em sua companhia e a enchê-lo de honras e riquezas – e, por fim, como se
o amante já fosse o verdadeiro imperador, entraram-se também logo a ver em
roda dele escravos e libertos e todo o mais cortejo e magnificência do príncipe.
13. Mas, enquanto Cláudio ignorava absolutamente o que fazia sua mulher,
intrometia-se a ser um rígido censor dos costumes alheios e repreendia com toda

7 Os livros referidos, pertencentes às Histórias, perderam-se.


LIVRO XI 259

a severidade em seus edictos o desbocamento do povo, que havia insultado no


teatro o consular Públio Pompónio, autor de uma peça dramática que então se
representava, assim como a certas matronas ilustres. Também por uma lei
coibiu as bárbaras usuras dos credores, proibindo-lhes o darem dinheiro a juros
aos filhos-famílias antes da morte dos pais. Meteu igualmente em Roma muitas
águas que se tinham achado nos montes Simbruínos e acrescentou ao alfabeto
três letras de novo, dizendo ser uma coisa bem sabida que os caracteres gregos
também não tinham sido todos inventados e aperfeiçoados de uma vez.
14. Os Egípcios foram os primeiros que representaram as ideias por figuras
de animais e, ainda hoje, aí se conservam antiquíssimos monumentos das tradi-
ções humanas gravados sobre pedras. Dão-se eles também pelos primeiros
inventores das letras e dizem que os Fenícios, em outro tempo muito poderosos
no mar, as levaram para a Grécia, ficando com a glória de terem inventado
aquilo que só dos outros tinham aprendido. O que, porém, se conta como certo é
que, indo Cadmo em as naus fenícias e abordando na Grécia, quando esta parte
do mundo ainda vivia na ignorância, ensinara ali aos habitantes os rudimentos
das letras. Mas alguns referem, pelo contrário, que o ateniense Cécrops ou o
tebano Lino, ou, na guerra de Tróia, o argivo Palamedes inventaram os dezas-
seis primeiros caracteres e que, passado tempo, outros, e particularmente Simó-
nides, descobriram o resto. Na Itália os receberam os Etruscos do coríntio
Demarato, e os Aborígenes do árcade Evandro. A figura dos caracteres latinos é
em tudo semelhante aos mais antigos dos Gregos, mas os nossos foram também
muito poucos no princípio e se aumentaram com o tempo. Cláudio, seguindo
este exemplo, acrescentou mais três, que, estando em uso enquanto ele gover-
nou e esquecidos depois, ainda hoje se encontram nas lâminas de bronze em que
nas praças e nos templos se publicavam as leis.
15. Propôs, depois, no senado algumas providências sobre o colégio dos
arúspices, para que esta antiquíssima ciência da Itália não se acabasse de todo
por descuido. Dizia que por muitas vezes, nos tempos calamitosos da Repúbli-
ca, os havíamos chamado a fim de renovar, pelas suas instruções, estas religio-
sas cerimónias e de se lhes dar uma melhor forma para o futuro. As principais
famílias da Etrúria, quer fosse por sua própria curiosidade, quer pelas recomen-
dações dos padres romanos, tinham conservado esta doutrina e a ensinavam aos
seus descendentes, porém agora já faltava este cuidado ou pela pública indife-
rença para os bons institutos, ou pela muita ascendência que iam tomando as
superstições estrangeiras. Era bem verdade que o estado do império se achava
florescente, contudo, por isso mesmo, convinha que nos mostrássemos sempre
gratos à clemência dos deuses e que se não abandonassem, na prosperidade, os
ritos que tão ansiosamente praticávamos em as nossas desgraças. Em conse-
quência disto, se lavrou um senátus-consulto pelo qual se recomendava aos
pontífices de rever e confirmar tudo quanto julgassem se devia conservar da
ciência dos arúspices.
260 ANAIS

16. No mesmo ano, a nação dos Queruscos, que havia perdido todos os seus
nobres nas guerras domésticas, nos veio pedir um rei, porque o único indivíduo
que restava do sangue real, chamado Itálico, se achava em Roma. Era ele filho
de Flavo, irmão de Armínio, e por sua mãe descendia de Actumero, príncipe dos
Catos. Além de ser um moço muito belo, cavalgava e jogava primorosamente as
armas à maneira do seu país e do nosso. O César, depois de lhe ter dado muito
dinheiro e uma guarda para o acompanhar, disse-lhe que fosse com grande
confiança tomar posse da brilhante dignidade que se lhe oferecia, lembrando-se
sempre que ele era o primeiro que, havendo nascido romano e sem que fosse
reféns mas um verdadeiro cidadão, ia ocupar um trono estrangeiro. A sua che-
gada foi de grande alegria para os Germanos, maiormente porque, não havendo
tido parte em discórdias algumas e tratando a todos com igual afabilidade,
também era igualmente festejado e honrado por todos, diante dos quais umas
vezes se mostrava polido e temperante, virtudes que a ninguém desagradam, e
outras muitas se dava à embriaguez e lascívia, vícios muito do gosto dos bárba-
ros. Já a sua grande fama principiava a correr não só entre os vizinhos, porém
nas terras distantes, quando todos aqueles que deviam a sua fortuna ao furor das
facções e receavam agora a sua autoridade se passaram para os povos fronteiros
e começaram a espalhar que estava perdida a antiga liberdade da Germânia e
que, sobre ela, se ia elevar toda a potência romana. Como era possível (diziam
eles) que não houvesse em todo o seu país um homem capaz de ser príncipe, e
que fosse preciso ir colocar sobre o trono o filho do espião Flavo? Debalde se
jactavam de ter entre si um descendente de Armínio porque se, em lugar dele,
lhes tivessem mandado seu próprio filho, educado em terra inimiga, da mesma
sorte o deviam temer como planta degenerada e corrompida pelo seu hábito de
servir, por sua moleza e seu fausto e por todos os mais costumes estrangeiros.
Mas se, pelo contrário, esse Itálico conservava ainda o carácter paterno, então se
deviam lembrar de que ninguém mais do que seu pai fora um cruel inimigo da
sua pátria e dos seus deuses penates.
17. Com estes e outros semelhantes discursos, juntaram a si muitas forças,
contudo não eram menos numerosas as que seguiam Itálico, dizendo que ele não
viera governá-los contra a vontade da nação, mas que fora expressamente con-
vidado e, pois que se avantajava a todos em nobreza, porque não haviam de
experimentar o seu valor e ver se com efeito se mostrava digno descendente de
seu tio Armínio e de seu avô Actumero? Que nem ele se devia envergonhar de
pertencer a um tal pai por ter sido até o fim leal aos Romanos, com quem havia
feito pazes por consentimento da Germânia, e muito sem razão se atreviam a
falar falsamente em liberdade os que, estando tão longe da pureza dos costumes
domésticos e sendo os flagelos da sua pátria, agora, para valerem alguma coisa,
não achavam outros recursos senão no túmulo e nas facções8. O povo aplaudia

8 Tradução de nihil spei nisi per discordias habeant («não têm outra esperança a não ser
pelas discórdias»).
LIVRO XI 261

com muito entusiasmo todas estas palavras, e o rei ficou vencedor em uma
batalha que entre os Germanos mereceu o título de grande9, mas, ensoberbecen-
do-se depois com os favores da fortuna, expulso do reino e tornado a restituir
pelo auxílio dos Longobardos, tanto na prosperidade como na desgraça, sempre
deitou a perder os interesses dos Queruscos.
18. Pelo mesmo tempo, os Caucos, quietos no interior10 e muito contentes
com a morte de Sanquínio, enquanto não chegava Corbulão, fizeram correrias
pela Baixa Germânia, comandados por Ganasco, caninefate de nação que, por
muito tempo, havia estado ao nosso soldo e depois, desertando e passando então
a ser pirata, cometia muitos roubos com alguns navios ligeiros, particularmente
nas costas das Gálias, cujos habitantes sabia que eram tão ricos como fracos.
Mas apenas Corbulão entrou na província, empregando muita actividade e
ajudado da fama que nesta expedição começou imediatamente a adquirir, fez
passar para o Reno todas as galeras de três ordens de remos11 e postou os outros
navios mais ligeiros nos canais e nos lagos. Metendo logo a pique todas as
embarcações inimigas e obrigando Ganasco a fugir, tanto que viu que os negó-
cios presentes já estavam em boa ordem, cuidou muito em dar a antiga discipli-
na às legiões que, desacostumadas das fadigas e exercícios militares, só folga-
vam com as incursões e rapinas. Determinou que ninguém saísse do campo, que
não atacassem os inimigos senão à voz do comandante e que os soldados,
sempre debaixo das armas, metessem as guardas, estivessem de sentinela e
executassem assim tudo o mais que, de noite ou de dia, se costumava praticar.
Conta-se que dera sentença de morte a dois soldados só porque um, trabalhando
em um fosso, não tinha a sua espada12, e o outro só porque tinha à cinta um
punhal. Mas ainda que isto seja falso ou talvez exagerado por ser sumamente
rigoroso, tem, contudo, a sua origem na severidade do general. O que podemos,
porém, acreditar é que muito severo devia ser em punir os grandes crimes um
homem que, em faltas tão pequenas, passava por inexorável.
19. Seja como for, este seu rígido carácter produziu bem diversos efeitos nos
ânimos dos nossos soldados e dos inimigos: nós crescemos em valor, e os
bárbaros diminuíram em atrevimento. A mesma nação dos Frísios, ou na reali-
dade já nossa inimiga ou ainda em segredo indisposta13 contra nós depois da
rebelião que se seguiu à derrota de Lúcio Aprónio, veio dar-nos reféns e foi
estabelecer-se em terras que Corbulão lhe assignou. Nomeou-lhe ainda um

9 Tradução de et magno inter barbaros proelio uictor rex («e o rei foi vencedor numa grande
batalha que se deu entre os bárbaros»).
10 Tradução de nulla dissensione domi («sem nenhuma dissensão no interior»).
11 Tradução de triremis («trirremes»).
12 Tradução de non accinctus («desarmado»).
13 Tradução de infensa aut male fida («hostil ou pouco fiável»).
262 ANAIS

senado e deu-lhe magistrados e leis e, para que se não tornasse a revoltar, forti-
ficou ali uma praça, enviando emissários aos principais chefes dos Caucos para
que fizessem a paz e dolosamente matassem Ganasco. Aproveitaram, enfim, as
traições que por certo foram bem merecidas contra um trânsfuga e um violador
dos tratados, porém com a sua morte se azedaram os espíritos dos Caucos – e
Corbulão era quem mais atiçava a rebelião que, sendo do agrado de muitos, não
era bem vista por outros. Por que motivo (diziam estes últimos)14 está ele excitan-
do agora o inimigo? Todos os males que vierem a suceder recairão sobre a repú-
blica e se, por fortuna, sair bem dos seus projectos, será temido na paz como
homem perigoso e dará sempre ciúmes a um príncipe cobarde. Assim, Cláudio
proibiu no entanto qualquer nova empresa contra as Germânias e mandou que
todos os acampamentos romanos se passassem para a esquerda do Reno.
20. Corbulão recebeu as ordens do César quando já estava acampado no país
inimigo. Mas, apesar de que esta resolução não esperada lhe fizesse suscitar ao
mesmo tempo diferentes pensamentos – tais como o medo do imperador, o
pouco caso que dele fariam os bárbaros e o ludíbrio a que ficava exposto da
parte dos aliados –, sem proferir ao recebê-la mais do que estas poucas palavras:
«Quanto não foram mais felizes os antigos comandantes romanos!», deu logo
ordem para a retirada e, a fim de livrar os soldados de toda a ociosidade, man-
dou abrir um canal de vinte e três milhas de comprido entre o Mosa e o Reno
para estorvar as inundações do Oceano15; e o príncipe lhe concedeu depois as
honras do triunfo, ainda que lhe negou a glória da guerra16. Não se passou muito
que não tivesse também as mesmas honras Cúrcio Rufo por ter descoberto, no
território de Mátio, uma mina de prata17, que deu pouco lucro e durou pouco
tempo. Entretanto, como as legiões andassem ocupadas na abertura de canais e
outras mais obras no centro da terra (as quais ainda mesmo seriam penosíssimas
quando fossem executadas na superfície), os soldados, a quem tais fadigas
traziam consideravelmente debilitados e que sabiam que o mesmo se praticava
em outras províncias, escreveram então ocultamente ao imperador, em nome de
todos os exércitos, dizendo-lhe que, quando nomeasse algum novo general, o
condecorasse logo com as insígnias do triunfo.
21. Sobre a origem de Cúrcio Rufo, que muitos referem ter sido filho de um
gladiador, eu não repetirei aqui todas as fábulas que a seu respeito se têm espa-
lhado: e só direi a verdade, ainda que me envergonhe de a dizer. Na sua adoles-

14 Parêntesis acrescentado pelo tradutor.


15 Tradução de incerta Oceani uitarentur («para evitar as incertezas do Oceano»). O canal
permitia passar de um rio para o outro sem enfrentar o mar.
16 Tradução de bellum negauisset («recusou batalha»).
17 Tradução de in agro Mattiaco recluserat specus quaerendis uenis argenti («por ter aberto
uma mina para procurar filões de prata no território de Mátio»).
LIVRO XI 263

cência, acompanhou o questor destinado para o governo de África e, como


andasse passeando só nos pórticos solitários da cidade de Adrumeto à hora do
meio-dia, apareceu-lhe a figura de uma mulher de grandeza mais que ordinária,
que lhe disse estas palavras: «Rufo, tu virás ainda um dia a esta província em
qualidade de procônsul». Animado com este presságio e voltando a Roma,
entrou na questura pelas liberalidades dos seus amigos e pelo seu génio empre-
endedor e, depois, apesar de ter muitos e ilustres competidores, mereceu a
pretura pelo patrocínio de Tibério, que, para disfarçar a sua vileza de família,
serviu-se desta expressão: «Este Rufo mostra bem ser filho das suas obras!»
Chegando ainda, passadas estas coisas, a uma longa velhice, sempre altivo e
soberbo para os pequenos, inacessível aos seus mesmos iguais e um rasteiro
adulador de todos os grandes, alcançou o consulado e as insígnias do triunfo – e
por fim o mesmo governo de África, aonde morreu e verificou em tudo a profe-
cia relativa a seus destinos.
22. No entanto em Roma, sem que então nem depois se soubessem os moti-
vos, Gneu Nónio, cavaleiro romano da primeira distinção, foi encontrado com
um punhal no meio dos que iam fazer os seus cumprimentos ao príncipe. O
certo é que Nónio, entre os horrores da tortura, só falou de si e constantemente
negou que tivesse alguns cúmplices, ficando sempre em dúvida se os tinha ou
não tinha. Servindo ainda os mesmos cônsules, propôs Públio Dolabela que
todos os anos houvesse espectáculo de gladiadores à custa dos que entrassem na
questura. Esta dignidade havia sido nos tempos antigos o prémio das virtudes, e
a todos os cidadãos que tinham verdadeiro merecimento era lícito o pedir as
magistraturas, de sorte que não se olhava para os anos e, na primeira flor da
idade, muitos foram cônsules e mesmo ditadores. A criação dos questores data,
pois, do tempo dos reis, o que se mostra pela lei curiata, renovada por Lúcio
Bruto quando passou o poder de os nomear para os cônsules, que o conservaram
enquanto o povo não assumiu para si este privilégio. Os primeiros que ele
nomeou foram Valério Potito e Emílio Mamerco, sessenta e três anos depois da
expulsão dos Tarquínios18: e a sua obrigação era acompanhar os exércitos, em
que tinham a parte administrativa; multiplicando-se, porém, cada dia mais os
negócios, também se criaram mais dois para ficarem em Roma e, pelo tempo
adiante, se duplicou o seu número quando, além dos tributos da Itália, acresce-
ram os das províncias. Finalmente, por uma lei de Sula19 se instituíram vinte
para se preencher o senado, a quem ele havia conferido o direito de julgar e,
ainda quando os cavaleiros tornaram a recuperar este direito, sempre se conferia
gratuitamente a questura, ou fosse pelas altas qualidades daqueles que a pediam
ou pelo desinteresse daqueles que a davam – até que, pela proposta de Dolabela,
passou quase a vender-se.

18 Em 446 a. C.
19 Lex Cornelia de XX quaestoribus.
264 ANAIS

23. Sendo cônsules Aulo Vitélio e Lúcio Vipstano20, como se tratasse de


completar o senado e requeressem os nobres da Gália Comata, que já muito
antes eram nossos aliados e haviam conseguido o direito de cidadãos, a permis-
são de poderem ser eleitos para as dignidades de Roma, houve sobre este as-
sunto muitas e várias questões diante do príncipe, segundo os diferentes empe-
nhos que tinha cada um. Diziam alguns que a Itália ainda se não achava tão falta
de gente que não pudesse preencher o número dos membros do senado, pois que
já nos tempos antigos se tinha visto que os indígenas, os naturais do país21, eram
suficientes e não havia razão para ter pejo de imitar as velhas instituições da
República22, quando presentemente ainda apareciam muitos exemplos de virtu-
de e de glória, frutos das belas lições daquela antiguidade. Seria porque se não
julgava ainda suficientemente completa essa espécie de irrupção que os Vénetos
e os Ínsubres fizeram na cúria, que ainda agora também se pretendia fazer entrar
nela uma nova multidão de estrangeiros com todo o ar de conquistadores? Com
que outras dignidades se premiariam os poucos ainda existentes ou qualquer
pobre senador que vivia no Lácio? Tudo viriam enfim ocupar esses ricos, cujos
avôs e bisavôs, sendo generais das nações inimigas, já outras vezes pela violên-
cia e pelo ferro tinham dado cabo dos nossos exércitos e haviam tido em cerco
o divino Júlio em Alésia. Mas todos estes factos eram recentes e que vergo-
nha não seria então se trouxessem à memória o nome desses Galos antigos que,
com suas próprias mãos, tentaram aniquilar o Capitólio e toda a grandeza de
Roma?23 Muito embora gozassem do título e direitos de cidadãos, porém ao
menos não viessem profanar as insígnias dos padres nem as decorações dos
magistrados.
24. O César, sem fazer caso destas e outras semelhantes razões, mostrou
logo ter uma diferente opinião e, convocando depois o senado, falou desta sorte:
«Os meus antepassados, entre os quais o mais velho foi Clauso (de origem
sabina e que, logo de uma vez, foi feito cidadão e patrício), ensinam-me com o
seu exemplo a governar a república e a chamar para ela tudo o que houver de
mais ilustre em qualquer parte do mundo. Sei muito bem que de Alba vieram
para o senado os Júlios, de Camério os Coruncânios e de Túsculo os Pórcios; e,
deixando factos antigos, que da Etrúria, da Lucânia e de toda a Itália em geral
vieram muitos outros. Finalmente, a mesma Itália se estendeu até os Alpes, de
maneira que não só os indivíduos, porém as mesmas províncias e nações ganha-
ram o nome romano. Então se consolidou a nossa tranquilidade doméstica24, e

20 Ano de 48 d. C.
21 Definição acrescentada pelo tradutor.
22 Tradução de nec paenitere ueteris rei publicae («não havia que ter vergonha da antiga
República»).
23 Em 390 a. C.
24 Tradução de solida domi quies («sólida paz interior»).
LIVRO XI 265

nos fizemos respeitar dos estranhos quando os Transpadanos se tornaram cida-


dãos e quando, para impedir a decadência do império pelo transporte que se
fazia das legiões para toda a superfície da terra, lhe incorporámos os mais
valentes das nossas províncias. Poderemos porventura arrepender-nos de haver
adoptado os Balbos da Hispânia e outros mais homens insignes da Gália Narbo-
nense? Ainda hoje se conservam os seus descendentes, que não nos são inferio-
res em patriotismo25. Que outras causas concorreram para a ruína de Lacedemó-
nia e de Atenas, apesar de serem nações tão belicosas, senão o tratarem sempre
como estranhos os povos vencidos? Não foi esta a profunda política de Rómu-
lo26, o nosso fundador, que muitas vezes abraçou como cidadãos aqueles que no
mesmo dia vencera como inimigos. Alguns reis estrangeiros também nos go-
vernaram, e não foi inovação, como muitos acreditam, o darem-se as magistra-
turas aos filhos dos libertos, porque assim o praticou muitas vezes o antigo povo
romano. Se tivemos guerra com os Sénones, não pegaram também em armas
contra nós os Volscos e os Équos? É verdade que fomos conquistados pelos
Galos, mas também nós demos reféns aos Etruscos e passámos por baixo do
jugo dos Samnitas. Se nos recordarmos, contudo, de quantas guerras havemos
tido, veremos que nenhuma durou menos tempo do que essa que tivemos com
os Galos e que depois se seguiu logo uma paz firme e constante. Agora, pois
que já nos achamos unidos com eles pelas mesmas leis, usos e vínculos do
sangue, melhor é que venham repartir connosco o seu ouro e riquezas do que as
gastem lá somente consigo. Em uma palavra, padres conscritos, tudo o que hoje
se respeita como antiquíssimo já na sua origem foi novo: dos magistrados
patrícios passámos aos plebeus, dos plebeus para os Latinos e destes últimos para
os de todos os mais povos de Itália. Ainda esta nossa resolução também há-de ser
considerada como velha: e isto mesmo, que hoje procuramos comprovar com
exemplos, também ainda há-de servir igualmente de exemplo para o futuro.»
25. Acabado o discurso do príncipe, promulgou-se logo o senátus-consulto
dos padres pelo qual os Éduos foram os primeiros que obtiveram o direito de
poderem ser nomeados para o senado de Roma. Deveram esta preferência à sua
antiga aliança e a serem os únicos dos Galos que tinham o título de «irmãos do
povo romano». Na mesma ocasião, admitiu o César na classe dos patrícios os
senadores descendentes das famílias as mais antigas no senado ou que então
eram as mais ilustres, porque também já se achavam quase extintas as que
Rómulo havia denominado maiores e Bruto minores27, e o mesmo acontecia
com as outras que o ditador César, pela lei cássia, e o príncipe Augusto, pela lei

25 Tradução de nec amore in hanc patriam nobis concedunt («e não nos cedem em amor a
esta pátria»).
26 Tradução de Romulus tantum sapientia ualuit («Rómulo tanto logrou com sabedoria»).
27 Os primeiros cem senadores nomeados por Rómulo foram aumentados para trezentos por
Bruto.
266 ANAIS

sénia, tinham criado de novo. Com muita satisfação fazia o censor todos estes
regulamentos porque via que eram do agrado da república. Não sabendo, porém,
como expulsasse do senado alguns indivíduos eminentemente escandalosos,
quis antes empregar um meio suave e de nova invenção do que servir-se da
antiga severidade. Deu de conselho que, examinando cada um os seus costumes,
pedisse licença para se retirar, o que facilmente lhe seria concedido, porque para
isto proporia simultaneamente no senado tanto os que convinha excluir, como
os que pediam a sua escusa e, disfarçado assim este castigo censório com todas
as aparências de uma demissão voluntária, ficaria então muito menor a sua
infâmia. Por tudo isto, propôs o cônsul Vipsânio que Cláudio tomasse o título de
pai do senado, porque o nome de pai da pátria era muito genérico e os benefícios
extraordinários feitos à república também pediam extraordinárias recompensas;
mas o César estranhou ao cônsul esta sua demasiada adulação. Fechou depois o
lustro, em que se contaram cinco milhões, novecentos e oitenta e quatro mil e
setenta e dois cidadãos. Esta foi também a época em que finalizou a sua igno-
rância sobre os crimes da mulher porque, passado pouco tempo, se viu obrigado
não só a conhecê-los porém a castigá-los, entregando-se ela, então, a desenfreados
e ardentíssimos desejos de contrair um novo matrimónio incestuoso28.
26. Sim, Messalina, que achava já os adultérios insípidos pelos muitos que
tinha cometido, procurava entregar-se a outras e inauditas espécies de lascívia29.
O mesmo Sílio também já instava com ela para acabar com toda a aparência de
mistério, ou fosse por efeito de uma demência fatal ou porque se chegasse a
persuadir que, para se livrar dos terríveis perigos de que se via ameaçado, não
havia outro meio senão correr outros ainda mais arriscados. Representava-lhe
que as coisas haviam já chegado a tal ponto que também já se não podia esperar
pela tranquila morte do príncipe30; que só os inocentes tomavam caminhos
virtuosos, porém que os grandes culpados só por grandes atrevimentos se salva-
vam; e que, havendo muitos que temiam os mesmos perigos, todos estes seriam
seus cúmplices. Que, estando ele sem filhos, também estava pronto para aceitar
o matrimónio e fazer a adopção de Britânico, e que Messalina conservaria
sempre a sua mesma autoridade e até com toda a segurança, se ambos com
tempo prevenissem o ressentimento de Cláudio, que tão facilmente se deixava
enganar como facilmente se irava. Não faziam, porém, estas palavras grande
impressão em Messalina – não porque ela conservasse ainda algum amor pelo
marido, mas pelo receio que tinha de que Sílio, uma vez elevado ao maior auge

28 Tradução de ut deinde ardesceret in nuptias incestas («para depois arder em desejo de


núpcias incestuosas»).
29 Tradução de Iam Messalina facilitate adulteriorum in fastidium uersa ad incognitas
libidines profluebat («Messalina, já inclinada para o enfado da facilidade dos adultérios,
corria para prazeres desconhecidos»).
30 Tradução de senectam principis opperirentur («esperar a velhice do príncipe»).
LIVRO XI 267

da fortuna, a desprezasse depois como adúltera e, já seguro e independente, visse


então com horror as grandes atrocidades em que, só para escapar-se dos perigos,
havia consentido. Apesar disto, ela, ainda assim mesmo, desejou o título de espo-
sa só pela enormidade da infâmia, que é o último prazer dos que têm perdido a
vergonha. Nem se esperou mais tempo para celebrar com toda a solenidade estas
núpcias senão que Cláudio partisse para Óstia a fazer um sacrifício.
27. Confesso que parecerá um conto fabuloso que tenham podido existir pes-
soas de um tal atrevimento no meio de uma grande cidade que tudo via e nada
calava; e que houvesse um homem, e ainda para mais um cônsul designado, que
chegasse a ter a impudência de casar com a mulher do seu príncipe em um dia
aprazado e diante de testemunhas que assinaram o contrato, como cerimónias
necessárias para a legitimidade de seus filhos; que Messalina ouvisse as pala-
vras dos áugures, fizesse promessas solenes, oferecesse um sacrifício, assistisse
às bodas entre os convidados, recebesse ósculos e abraços e, por fim, passasse a
noite em toda a liberdade conjugal. Contudo nada tenho inventado com espírito
de fazer maravilhoso este facto: refiro fielmente o que eu mesmo tenho ouvido e
o que já antes de mim homens velhos escreveram.
28. Toda a família do príncipe estava horrorizada, e entre ela os que eram
mais validos e, por consequência, os que corriam maior risco no caso de haver
mudança de governo, já sem rebuço publicamente diziam: enquanto um simples
histrião poluía o toro nupcial do imperador era isso, com efeito, um atentado
escandaloso, mas não trazia consigo fatais consequências; agora, porém, que um
mancebo ilustre, belo, com grande energia de carácter e já próximo a entrar no
consulado, o estava substituindo, é porque tinha mais altas pretensões – e seria
bem fácil predizer o que depois de um tal matrimónio se havia de seguir. Na
verdade, muito se assustavam quando traziam à memória a suma estupidez de
Cláudio, a cega afeição que tinha por Messalina e as muitas mortes que por
ordem desta mulher já se tinham perpetrado. Ao mesmo tempo, cobravam
algum ânimo com a mesma inconstância do príncipe31, porque se uma vez o
chegassem a convencer da atrocidade do delito, então bem pouco dificultoso
lhes seria dar cabo da adúltera antes que fosse processada32. Todo o perigo
estava em que ela tivesse ocasião de defender-se, e, por isso, era absolutamente
necessário impedi-la de falar com o marido, ainda mesmo quando ela pretendes-
se dar-se por culpada.
29. Neste estado de coisas, Calisto, de quem já falei quando referi a morte de
Gaio César, Narciso, que foi o autor da morte de Ápio, e Palas, o principal

31 Tradução de ipsa facilitas imperatoris fiduciam dabat («o próprio bom carácter do impe-
rador dava confiança»).
32 Tradução de posse opprimi damnatam ante quam ream («podiam acabar com ela, conde-
nada antes de julgada»).
268 ANAIS

valido daquele tempo, entraram logo a deliberar entre si se conviria, por meio
de ameaços ocultos, obrigar Messalina a desistir da paixão extravagante que
tinha por Sílio, prometendo-lhe inteiro segredo sobre todas as suas outras de-
sordens. Abandonaram, porém, imediatamente este projecto Palas e Calisto com
o receio de irem, por suas próprias mãos, buscar a sua desgraça: o primeiro por
fraqueza, e o segundo porque, sendo homem já muito versado em todas as
intrigas da velha corte, assentava que o poder melhor se mantinha por meio da
cautela e prudência do que por medidas violentas e forçadas. Persistiu, contudo,
Narciso no seu primeiro plano, e aquilo que nele só mudou foi esconder abso-
lutamente de Messalina que se fazia caso do seu crime e que se intentava acusá-
-la. Preparado, pois, para se aproveitar da primeira ocasião, como visse que
Cláudio se ia demorando muito em Óstia, ensaiou para fazerem a acusação duas
concubinas, com quem o César mais particularmente tratava33, dando-lhes logo
grandes presentes e tentando-as não só com outros mais para o futuro, porém até
com o decidido valimento que elas viriam a ter se conseguissem desviar para
sempre Messalina.
30. Feito assim este plano, Calpúrnia, uma das ditas concubinas, tanto que se
achou só com o César, deita-se-lhe aos pés e entra a exclamar que Messalina
estava casada com Sílio. É imediatamente interrogada Cleópatra, que, para este
mesmo fim, ali estava já pronta, e, como confirmasse a notícia, é logo chamado
Narciso. Este aparece e, principiando por desculpar-se de não lhe ter até esse
tempo falado dos Tícios, dos Vétios e dos Pláucios34, diz-lhe que nem mesmo
agora lhe revelava os adultérios de Messalina e de Sílio para lhe fazer recobrar
as riquezas, os escravos e todo o mais aparato da casa imperial – porque embora
de tudo isto gozasse o adúltero, contanto que lhe restituísse a esposa e anulasse
o seu contrato de casamento35. «Com efeito (concluiu ele), sabes tu já, ó César,
que estás repudiado? O povo, o senado e o exército viram as núpcias de Sílio e,
se tu tardas um instante, o novo marido vai ser senhor de Roma.»
31. Imediatamente Cláudio mandou chamar os seus amigos principais e o
primeiro a quem falou foi Turrânio, prefeito da anona36, e depois a Lúsio Geta,
comandante da guarda pretoriana. Confessando-lhe ambos a verdade do suces-
so, então começaram todos os que estavam presentes a instá-lo que se dirigisse
logo aos quartéis, acautelasse os soldados pretorianos e primeiramente cuidasse
na sua própria segurança do que nos meios de vingar-se. É um facto constante

33 Tradução de quarum is corpori maxime insueuerat («ao corpo das quais ele estava extre-
mamente acostumado»).
34 Tício Próculo, Vétio Valente e Quinto Pláucio Laterano.
35 Tradução de frueretur immo his set redderet uxorem rumperetque tabulas nuptialis («usu-
fruísse embora estas coisas, mas que devolvesse a sua esposa e rompesse o contrato nupcial»).
36 Tradução de rei frumentariae praefectum («prefeiro do abstecimento de trigo»).
LIVRO XI 269

que tamanha era a confusão pavorosa de Cláudio que por muitas vezes pergun-
tara se ainda era imperador e Sílio um simples particular. Ao mesmo tempo,
Messalina, cada vez mais dissoluta, dava no meio do Outono, dentro em sua
casa, um elegante espectáculo da vindima. Gemiam os lagares espremendo as
uvas, e muitas mulheres, cobertas com peles de animais, saltavam e dançavam à
maneira de furiosas bacantes quando estão nos sacrifícios. A mesma Messalina,
com os cabelos desentrançados e soltos, meneava um tirso e tinha junto a si o
seu querido Sílio, que, coroado com hera e calçado de coturnos, fazia mil tre-
jeitos com a cabeça entre as lascivas canções de um coro tumultuoso 37. Conta-se
que, tendo Vétio Valente subido por galantaria para cima de uma árvore muito
alta e, sendo perguntado o que estava dali vendo, respondera: uma tempestade
horrorosa, que vem das partes de Óstia. Não se sabe, porém, se, com efeito, a
sua imaginação lhe representava já algum perigo ou se estas vozes, ditas ao
acaso, foram um verdadeiro presságio.
32. Mas, a este tempo, já não era simplesmente um rumor, porém de todos os
lados chegavam emissários dizendo que já Cláudio estava ciente de tudo e que
vinha no caminho para tomar vingança das afrontas. Nestas circunstâncias,
Messalina parte para os jardins de Luculo, e Sílio, para disfarçar seus terrores,
dirige-se ao Fórum a tratar dos negócios do seu cargo. Os mais da companhia
também já se iam pouco a pouco retirando, quando começaram a aparecer os
centuriões que foram logo prendendo os que encontravam nas ruas ou que
estavam escondidos nas casas. Contudo, Messalina, ainda que os sustos a
tinham posto em grande perturbação, não se descuidou de aprontar-se para ir ao
encontro do marido e ser vista por ele, o que já em muitas ocasiões lhe tinha
grandemente aproveitado – e da mesma forma ordenou que Britânico e Octávia
fossem abraçar-se com o pai. Pediu também a Vibídia, a mais antiga das virgens
vestais, que fosse ter com o imperador na qualidade de sumo pontífice e implo-
rasse a sua clemência. Acabado isto, unicamente acompanhada de três pessoas,
porque tudo em roda dela já era uma vasta solidão e, atravessando a pé toda a
cidade, meteu-se em um carro daqueles que serviam para a limpeza dos jardins
e, assim, tomou a estrada de Óstia, sem achar já ninguém que se compadecesse
dos seus tristes destinos porque os seus grandes crimes eram superiores a toda a
piedade.
33. O César, contudo, não se achava menos assustado porque se confiava
pouco de Geta, prefeito das guardas pretorianas, homem tão pronto para o bem
como para o mal. Portanto, Narciso, chamando a si todos os que tinham o
mesmo receio, diz-lhe que o César não se pode salvar se algum dos seus liber-

37 Tradução de ipsa crine fluxo thyrsum quatiens, iuxtaque Silius hedera uinctus, gerere
cothurnos, iacere caput, strepente circum procaci choro («com o cabelo solto, agitando
um tirso e ao seu lado Sílio coroado de hera, levavam coturnos, moviam violentamente a
cabeça entre o clamor de um coro obsceno»).
270 ANAIS

tos, por aquele único dia, não toma o comando dos soldados, e logo ele mesmo
se oferece para aceitar este emprego. E para que, na volta do príncipe para a
cidade, Lúcio Vitélio e Largo Cecina não o fizessem mudar de sentimentos,
pediu-lhe e tomou um lugar na mesma carroça.
34. Foi depois voz constante que, no meio das diferentes variações de Cláu-
dio, em que muitas vezes arguia os crimes da mulher e outras parecia tocado de
compaixão por ela e pela infância dos filhos, não proferira Vitélio outras pala-
vras mais do que estas: «oh abominação! oh infâmia!». Debalde Narciso traba-
lhava por lhe adivinhar os pensamentos ocultos e saber dele a verdade, mas sem
efeito porque nunca disse coisa alguma que não fosse um equívoco que pudesse
ter inteligências diversas, e, seguindo o seu exemplo, o mesmo praticava Largo
Cecina. Mas já Messalina estava presente e pedia com instâncias ao príncipe
que ouvisse a mãe de Octávia e de Britânico; por outra parte, o acusador a
interrompia, falando fortemente contra Sílio e o seu casamento e, para melhor
distrair os olhos do César, apresentava-lhe a lista dos famosos adultérios da
mulher. Ao entrar pouco depois na cidade, vindo para abraçá-lo os seus dois
filhos comuns, foram embaraçados por Narciso, que se não atreveu a fazer o
mesmo a Vibídia, a qual, com grande resolução, requeria a Cláudio que não
passasse pela indignidade de condenar sua esposa à morte antes de a ouvir. A
isto respondeu Narciso que o príncipe enfim a ouviria e lhe facultaria todos os
meios de defesa; no entanto, que se retirasse a vestal e fosse cuidar dos seus
ofícios divinos.
35. A maior maravilha de toda esta cena era ver o silêncio de Cláudio, a dis-
tracção afectada de Vitélio e como tudo obedecia a um liberto. Este ordena que
se abra a casa do adúltero e que para ali seja conduzido o imperador. O primeiro
objecto que lhe mostra no vestíbulo é a estátua do pai de Sílio, ainda levantada
apesar de um decreto do senado que a tinha mandado derribar e, depois, as
preciosidades imensas que já tinham pertencido aos Neros e aos Drusos, e com
que Messalina havia prendado o amante em prémio do seu vergonhoso delito.
Vendo, pois, que este espectáculo o tinha encolerizado e que já começava a
romper em ameaços, passa a levá-lo aos quartéis, aonde os soldados pretorianos
se achavam de antemão reunidos em assembleia militar e, diante deles, por
insinuação de Narciso, fez Cláudio um pequeno discurso, porque, apesar de ter
sentimentos tão justos para exprimir, assim mesmo a vergonha não lhe permitiu
que fosse longo. As coortes entraram logo unanimemente a clamar pedindo o
nome dos culpados e o seu imediato castigo. Sendo, em consequência, trazido
Sílio diante do tribunal, nem se defendeu nem procurou ganhar tempo, e só
pediu que o matassem quanto antes. Assim, esta sua heróica constância influiu
muito nos ânimos de alguns cavaleiros romanos ilustres para também apetece-
rem uma morte apressada. Depois destes, foram logo enviados ao suplício Tício
Próculo, que Sílio tinha nomeado para a guarda de Messalina, Vétio Valente,
não obstante confessar o seu crime e prometer delatar outros cúmplices, Pom-
LIVRO XI 271

peio Úrbico e Saufeio Trogo, todos eles implicados nestes mistérios de obsceni-
dade38. Seguiram-se ainda no mesmo castigo Décrio Calpurniano, prefeito das
rondas, Sulpício Rufo, intendente dos jogos públicos, e o senador Junco Vergi-
liano.
36. Tão-somente Mnester prolongou um pouco mais a vida porque, em altos
gritos e rasgando os vestidos, clamava diante do César que olhasse para as
nódoas que ainda conservava dos açoutes e se recordasse das ordens que lhe
tinha dado de obedecer a tudo quanto quisesse Messalina. Acrescentava ainda
mais:39 que os outros eram criminosos ou porque tinham recebido ricos presen-
tes, ou porque esperavam grandes fortunas, porém que a sua culpa fora toda
efeito da necessidade e da obediência40 e que, no caso de Sílio ter usurpado o
império, decerto ele teria sido a primeira vítima do novo governo. Cláudio,
comovido com estas razões e já disposto a perdoar-lhe, foi embaraçado pelos
libertos, que lhe disseram que, depois de ter feito morrer tantas pessoas ilustres,
lhe ficava agora mal o perdoar a um histrião que tinha iguais crimes, importan-
do pouco se os tinha cometido por vontade ou sem ela. Não foi também admiti-
da a defesa de Traulo Montano, cavaleiro romano e moço muito composto,
porém de uma rara beleza, e que, sendo cobiçado por Messalina e tendo-o
gozado por uma só noite, nessa mesma o largara: com a mesma facilidade
apetecia ela e se enfastiava. Escaparam somente da morte Suílio Cesonino e
Pláucio Laterano, porque a este lhe valeram os distintos serviços do tio, e ao
outro a mesma vergonhosa infâmia com que naquela abominável companhia se
deixava prostituir como mulher.
37. Entretanto, Messalina prolongava ainda a vida nos jardins de Luculo,
cuidando em preparar algumas súplicas com que enternecesse o marido; umas
vezes animada de lisonjeiras esperanças, outras furiosa e colérica, apesar de se
ver em tão funesta desgraça. Com efeito, se Narciso não tivesse acelerado a sua
morte, toda esta grande tempestade ia esmagar o acusador, porque, apenas
Cláudio se recolheu a casa e, posto à mesa, entrou a aquecer com as iguarias e
com o vinho, mandou que se fosse dizer à infeliz Messalina (tal foi a expressão
de que se conta ele usara) que no dia seguinte aparecesse e viesse defender-se.
Mas, tanto que se lhe ouviram estas palavras, que indicavam ir-se já amortecen-
do a sua ira e que em seu lugar vinham raiando a antiga afeição e o amor, re-
ceando então Narciso, no caso de haver mais demora, a proximidade da noite e

38 Tradução de et Titium Proculum, custodem a Silio Messalinae datum et indicium offerentem,


Vettium Valentem confessum et Pompeium Vrbicum ac Saufeium Trogum ex consciis tradi
ad supplicium iubet («ordenou também que fossem logo enviados ao suplício Tício Próculo,
guarda dado por Sílio a Messalina e que se ofereceu a juízo, Vétio Valente, que confessou, e
Pompeio Úrbico e Saufeio Trogo, de entre os cúmplices [dela]»).
39 Acrescentado pelo tradutor.
40 Tradução de sibi ex necessitate culpam («a culpa dele [provinha] da necessidade»).
272 ANAIS

as saudades que ela podia causar pela companhia conjugal, sem perder um
momento, sai ele logo fora e ordena aos centuriões e a um tribuno, que ali
estavam de guarda, que vão prontamente matar Messalina, porque assim o
mandava o imperador. Para os vigiar e lhes fazer cumprir estas ordens à risca,
nomeou o liberto Évodo, que, imediatamente partindo, foi achar Messalina
estendida no chão e, junto dela, sua mãe, Lépida, a qual, ainda que não tinha
vivido bem com a filha no tempo da sua grande fortuna, agora se compadecia da
sua infelicidade e a aconselhava que não esperasse pelo algoz, porque a vida já
estava a escapar-lhe e não lhe restava mais nada do que morrer com intrepidez e
com honra. Porém nesta alma corrompida já não existiam sentimentos briosos;
entregava-se a lágrimas e queixumes estéreis, quando as portas se abriram com
grande violência, entraram os satélites e ela viu diante de si o tribuno, que não
proferiu uma única palavra, e o liberto, que vil e grosseiramente lhe dizia mil
injúrias41.
38. Então, pela primeira vez, conheceu Messalina todo o horror da sua sorte
e, pegando de um punhal a tremer, debalde o tentou cravar na garganta ou no
peito – expirou, porém, enfim com um só golpe que lhe deu o tribuno. Permitiu-
-se que sua mãe tomasse conta do cadáver; em dando-se parte a Cláudio, que
ainda estava à mesa, de que sua mulher tinha morrido, sem se lhe declarar se
por suas mãos ou do algoz, não se informou de coisa nenhuma, pediu de beber e
concluiu a mesa como sempre costumava. Nem nos dias seguintes deu tão-
-pouco sinal algum de ódio ou prazer, de ira ou de tristeza: conservou-se sempre
insensível a todos os sentimentos naturais, quer visse os acusadores exultando
de alegria, quer seus próprios filhos abismados em pranto. O senado ajudou este
seu esquecimento, mandando que de todos os lugares públicos e particulares se
tirassem os nomes e as estátuas de Messalina; e decretou para Narciso as insíg-
nias de questor: um bem fraco sinal do enorme valimento com que agora eclip-
sava todo o poder de Palas e Calisto. Na verdade, muito bom uso havia ele
agora feito desta sua momentânea autoridade; mas dela, pelo tempo adiante,
nasceram atentados horríveis, acompanhados de crimes infinitos.

41 Tradução de increpans multis et seruilibus probris («increpando com ultrajes abundantes


e próprios de um escravo»).
LIVRO DUODÉCIMO

1. Depois da morte de Messalina entrou a desunião na casa do príncipe, por-


que os libertos disputavam entre si sobre quem daria uma nova esposa a Cláu-
dio, que não podia viver celibatário e tinha por sorte ser governado por mulhe-
res. Nem estas se mostravam menos ambiciosas em ganhar a preferência, osten-
tando cada uma a sua nobreza, formosura e riquezas e todas as mais qualidades
com que se julgavam dignas de tão altos destinos. Porém toda a dificuldade da
escolha versava agora entre Lólia Paulina, filha do consular Marco Lólio, e Júlia
Agripina, filha de Germânico: a primeira das quais era patrocinada por Calisto,
e a segunda por Palas. Também Narciso tinha a sua protegida, que era Élia
Petina, da família dos Tuberões, o que fazia com que Cláudio se inclinasse ora
para uma ora para outra, segundo as coisas que cada um deles lhe contava.
Como os visse, porém, tão discordes, chamou-os enfim todos a conselho, orde-
nando-lhes que dessem as suas razões e pareceres.
2. Os motivos de Narciso foram que, tornando a receber Petina, de quem
havia tido sua filha Antónia, não faria novidade no palácio, e nem Britânico
nem Octávia teriam que sofrer os ódios de uma madrasta pelo estreito parentes-
co que entre si tinham todos. Pela mesma razão, não aprovava Calisto esta
escolha, dizendo que, estando depois de tanto tempo divorciada, se a tornasse a
chamar, conceberia por isso mesmo grande vaidade e, neste caso, melhor era o
casamento com Lólia, que, não tendo filhos e por consequência sem emulações,
serviria de verdadeira mãe aos enteados. As causas, porém, que deu Palas para
que Agripina fosse preferida reduziram-se às seguintes: que já trazia consigo
um neto de Germânico1, bem digno de poder aspirar ao império não só pela sua
alta nobreza, mas até por ser da mesma família dos Cláudios, cujos descenden-
tes viriam a ficar assim todos enlaçados. Além disso, por esse modo, se acaute-
lava que uma mulher fecunda e ainda na flor de seus anos fosse ilustrar outra
família estranha, comunicando-lhe o sangue dos Césares.
3. Venceram estas últimas razões, ajudadas pelas carícias de Agripina, que,
vindo frequentes vezes visitar Cláudio, com o pretexto de sobrinha, de tal sorte
enfeitiçou o tio que, sendo tão-somente preferida às outras rivais e sem ainda ser
esposa verdadeira, já gozava de todo o poder conjugal. E tamanho era ele já,
com efeito, que, apenas teve a certeza do seu próximo matrimónio, aspirando
logo a coisas maiores, entrou a cuidar em fazer o casamento de Domício, o filho

1 Lúcio Domício Aenobarbo.


274 ANAIS

que havia tido de Gneu Aenobarbo, com Octávia, filha do César – o que, sem
faltar a uma promessa solene, já se não podia fazer, pois que o César a tinha
prometido a Lúcio Silano, moço muito nobre e distinto e a quem, para melhor
conseguir que o povo o estimasse, já ele tinha também condecorado com as
insígnias do triunfo, havendo feito celebrar em seu nome o magnífico espectá-
culo dos gladiadores. Porém nenhuma dificuldade se encontrava no ânimo de
um príncipe que não tinha outras amizades nem ódios senão o que lhe faziam ter
ou lhe queriam inspirar.
4. Em consequência disto, Vitélio, encobrindo vilíssimas intrigas com o
nome de censor e deitando já ao longe as suas vistas sobre o novo governo, para
entrar bem no coração de Agripina, começou a auxiliar os seus projectos e a
tecer crimes contra Silano, fundados na muita tendência que mostrava para sua
irmã Júnia Calvina, mulher muito desenvolta e formosa, a qual, não havia ainda
muito tempo, fora casada com um filho de Vitélio. Foi esta, pois, a origem de
toda a acusação, não os criminando abertamente de incesto, mas difamando-os
pela sua mútua inclinação que, sem ser criminosa, talvez fosse indiscreta. A
tudo isto dava ouvidos o César, que quanto mais amava sua filha tanto mais
disposto sempre o tinham para acreditar quaisquer calúnias ditas contra o genro.
Desta maneira, Silano, sem saber coisa alguma e sendo naquele mesmo ano
pretor, viu-se de repente expulso do senado por um edicto de Vitélio, apesar de
pouco antes o ter aprovado e achar-se já o lustro completo. Na mesma ocasião,
Cláudio anulou os esponsais, e Silano foi constrangido a abdicar a sua magis-
tratura que, só por um dia que restava, foi dada a Éprio Marcelo.
5. Sendo cônsules Gaio Pompeio e Quinto Verânio2, já o casamento entre
Cláudio e Agripina se dava como feito não só pelas vozes do público, porém
pelos seus incestuosos amores; mas, ainda assim, não se atreviam a celebrá-lo
com toda a solenidade porque não havia exemplo até ali de que uma sobrinha
casasse com um tio. Era palpável o incesto, e Cláudio se horrorizava do escân-
dalo e das funestas consequências que um tal exemplo deveria produzir na
república. Assim, durou esta hesitação até que Vitélio, com os seus artifícios
ordinários, prometeu concluir este negócio. Perguntou ao César se estaria pelo
que determinasse o povo ou o senado e, apenas ele lhe respondeu que, conside-
rando-se como um único cidadão, não podia, portanto, deixar de obedecer à
vontade geral, ordenou-lhe então que não saísse do palácio. Isto feito, marcha
Vitélio em direitura ao senado e, dizendo que se vai tratar de uma coisa muito
importante, pede licença para falar primeiro que os outros, e principia desta
sorte: «São tão grandes os trabalhos que carregam o príncipe no governo do
mundo que bem necessita de quem lhos possa aliviar, tendo pessoa que lhe
cuide dos negócios domésticos para se dar inteiramente aos do público. E que

2 Ano de 49 d. C.
LIVRO XII 275

alívio mais honesto podia ter, pois, um censor do que a amável companhia de
uma esposa em cujo seio tivesse a liberdade de depositar as suas alegrias e as
suas mágoas, a quem comunicasse os seus pensamentos mais ocultos e a quem
entregasse a direcção de seus filhos crianças; e sendo este um homem que nunca
passara a vida na dissolução ou no luxo, antes desde a sua primeira mocidade
tinha sido o mais exacto observador das leis?»3
6. Tanto que viu que este exórdio era bem recebido e que a suma adulação
dos padres já estava pronta a romper, continuou o seu primeiro discurso da
forma seguinte: pois que todos concordavam no parecer de que o príncipe se
devia casar, convinha depois disto escolher-lhe uma mulher da qual, pela sua
nobreza, fecundidade e pureza de costumes, ninguém tivesse que dizer. Mas não
seria preciso demorar em grandes reflexões para fazer esta escolha, porque
Agripina era a única que merecia ter a preferência pela sua ilustre família, pelas
provas que já tinha dado de fecunda e pelas virtudes que, além disso, possuía.
Uma coisa, em verdade, bem digna de estimar-se e em que visivelmente se
manifestava a providência dos deuses, era que ela estava viúva, para assim se
poder casar com um príncipe que nunca tinha cobiçado as mulheres alheias.
Teriam eles ouvido dos seus antepassados e ainda visto com os seus mesmos
olhos como os Césares, segundo os seus caprichos, roubavam as mulheres dos
outros4; mas era isto o que agora se não via nem era conforme com a modéstia
do imperador, que antes queria deixar um exemplo para o futuro de como con-
vinha que os príncipes fizessem os seus casamentos. Dizem-nos, porém, que é
uma coisa inaudita casar-se um tio com uma sobrinha; é verdade, mas o que
para nós é agora novo é muito ordinário entre outras nações e nem mesmo nós
temos alguma lei que o proíba. Também por muitos anos foi ignorado o casa-
mento dos primos e com o andar do tempo se tornou familiar. A verdadeira
utilidade deve ser, pois, a nossa regra universal, e o que agora é desusado virá
também com o tempo a praticar-se.
7. Houve senadores que saíram correndo da sala e protestavam com grande
intimativa que forçariam o César a fazer este casamento se ele repugnasse.
Juntou-se a estes uma multidão imensa e confusa, a qual gritava que o povo
romano queria e desejava isto mesmo. Cláudio, sem esperar mais nada, dirigiu-
-se então para o Fórum, a fim de se encontrar com este tumultuoso e festivo
ajuntamento e, entrando no senado, pediu um decreto que também sancionasse
para o futuro o matrimónio dos tios com as sobrinhas. Não se achou, contudo,
senão um que quisesse provar desta nova espécie de união conjugal: e este foi
Alédio Severo, cavaleiro romano, que muitos diziam só fizera isto por insinua-

3 Discurso indirecto livre no original.


4 Augusto casou com Lívia (esposa de Tibério Nero) e Calígula com Lólia Paulina (mulher
de Mémio Régulo).
276 ANAIS

ções de Agripina. Desde esta época tomou nova forma a cidade: tudo obedecia a
uma mulher, porém ao menos esta não insultava a república com as suas obsce-
nidades, como fazia Messalina. Estabeleceu-se uma pesada escravidão que tinha
todo o carácter viril, mas no público havia muita austeridade e até muitas vezes
altivez e soberba e, no interior do palácio, nenhuns adultérios, senão os que a
política fazia necessários para segurar a autoridade. A sede hidrópica de oiro5
era com efeito insaciável, porém ao menos também era com o pretexto de ser
assim preciso para dar vigor ao governo.
8. No mesmo dia das núpcias se matou Silano, ou porque, até aquele tempo,
ainda conservasse algumas esperanças de escapar, ou porque de propósito o
escolhesse para fazer recair maior ódio sobre os seus inimigos. Sua irmã Calvina
foi expulsa de Itália, e Cláudio acrescentou que os pontífices fizessem os
sacrifícios ordenados pelas leis do rei Tulo, assim como as expiações do costume
no sagrado bosque de Diana, com o que todos se puseram a rir por verem a bela
ocasião que se tinha escolhido para punir e expiar um incesto. Porém Agripina,
para se não dar somente a conhecer por acções de iniquidade, alcançou para Aneu
Séneca o perdão do seu desterro e a dignidade de pretor, tendo para consigo que
executava uma coisa muito do agrado do público pela fama eminente dos seus
talentos e letras, que nele teria um bom mestre para a educação de Domício e que
os seus conselhos valeriam de muito para realizar suas esperanças futuras. E havia
para isto todo o fundamento porque, tendo Séneca sido desterrado por Cláudio,
era natural lhe conservasse sempre rancor pela lembrança da injúria e fosse, ao
mesmo tempo, agradecido à mão benfeitora de Agripina.
9. Determinou-se então a deixar por uma vez todas as contemplações, e o
cônsul designado Mâmio Polião foi induzido com magníficas promessas a
propor no senado que se rogasse a Cláudio houvesse por bem casar Octávia com
Domício, o qual tinha todas as proporções, segundo a idade de ambos, e abria
caminho para coisas ainda mais importantes. Polião falou no mesmo estilo de
que ainda havia pouco se tinha servido Vitélio, e assim se efeituaram os des-
posórios de Octávia, de maneira que, além do antigo parentesco, achando-se
agora Domício genro de Cláudio, entrou logo a emparelhar com Britânico, tanto
pelas intrigas da mãe como pelos artifícios daqueles que, havendo concorrido
para a morte de Messalina, se receavam com justiça das vinganças do filho.
10. Por este mesmo tempo, os embaixadores dos Partos que, segundo já
contei, haviam sido enviados a pedir Meerdates para seu rei, entraram no senado
e expuseram a sua comissão desta forma: que perfeitamente sabiam a estreita
aliança que havia entre eles e os Romanos, e por isso não eram as suas intenções
proscrever a família dos Arsácidas, mas, antes pelo contrário, vinham procurar
um filho de Vonones e neto de Fraates para o opor à tirania de Gotarzes, que se

5 Tradução de cupido auri immensa («a imensa vontade de ouro»).


LIVRO XII 277

tinha feito insuportável à nobreza e ao povo. Que este monarca, por seus assas-
sínios, tinha despovoado a sua família, a sua corte e as suas províncias; não
escapando nem as mesmas mulheres pejadas, nem seus filhos crianças da cruel-
dade de um tirano que, inerte na paz e desgraçado na guerra, tentava encobrir
esta sua estupidez à força de mil atrocidades. Que sendo, pois, tão antigos e tão
públicos os seus tratados de amizade, devíamos auxiliar uns aliados igualmente
poderosos e nossos émulos de glória, os quais só por certa veneração e respeito
mostravam esta condescendência. Nem eles tinham outros motivos quando
mandavam como reféns para Roma os filhos dos seus monarcas senão o acau-
telar-se, para que, no caso de se verem oprimidos por alguns dos seus príncipes,
pudessem então recorrer ao imperador e aos padres e deles receber um rei que,
acostumado a imitar as nossas virtudes, também depois as praticasse no trono.
11. Tanto que acabaram de dizer estas e outras coisas semelhantes, princi-
piou o César a sua resposta pela grandeza do povo romano e pelo belo compor-
tamento dos Partos. Comparava-se com o divino Augusto, a quem igualmente
se tinha pedido um rei6 e não fez menção de Tibério, bem que este também lhes
tivesse dado outro7. E, porque estava presente Meerdates, deu-lhe alguns conse-
lhos, dizendo-lhe que se não mostrasse soberbo nem tratasse os povos como
escravos, porém que fosse um verdadeiro príncipe e os olhasse como cidadãos,
fosse justo e clemente e fizesse brilhar estas amáveis virtudes, as quais, por isso
que eram desconhecidas dos bárbaros, viriam a ser para eles muito mais agradá-
veis. Voltando-se depois para os embaixadores, elogiou grandemente o aluno de
Roma pelo seu belo e modesto carácter e concluiu que, ainda quando assim não
fosse, deviam sofrer os defeitos dos monarcas, porque era melhor isto do que
estar todos os dias a mudá-los. Que o povo romano já tinha chegado a tal ponto
de glória que em nada tanto se interessava como o ver em paz as mesmas na-
ções estrangeiras. Expediram-se depois as ordens a Gaio Cássio, presidente da
Síria, para conduzir o mancebo às margens do Eufrates.
12. Foi Cássio o homem mais distinto desta idade pelo seu muito saber e
estudo das leis, porque os talentos militares de nada valem na paz, e os valentes
e os fracos gozam neste tempo de igual reputação. Contudo ainda quando não
havia guerra, nunca deixava perder a antiga disciplina e fazia exercitar as le-
giões, tomando todas as cautelas e dando todas as providências, como se esti-
vesse em frente do inimigo; desta sorte se mostrava digno dos seus antepassa-
dos e era respeitado como um verdadeiro descendente da família Cássia, que,
entre aquelas gentes, sempre tinha merecido um grande nome. Chamando logo
todos os que haviam concorrido para a vinda do novo rei e tendo-se acampado
junto de Zeugma, aonde o Eufrates era mais vadeável, assim que chegou a

6 Vonones.
7 Fraates.
278 ANAIS

principal nobreza dos Partos e o rei dos Árabes Ácbaro, avisou imediatamente
Meerdates de que os ânimos ardentes dos bárbaros podiam com a demora es-
friar-se ou mudar de resolução e que, portanto, cuidasse em concluir pronta-
mente o que tinha começado. Desprezou, porém, ele estes saudáveis conselhos
pelas pérfidas insinuações de Ácbaro, que, por muitos dias, reteve ocioso em
Edessa o incauto mancebo, o qual assentava que toda a dignidade real consistia
no divertimento e nos prazeres. Ainda mesmo, apesar de ser chamado por
Carene, que o certificava de estar tudo bem disposto, contanto que empregasse
actividade e diligência, não se dirigiu como convinha em direitura à Mesopotâ-
mia, porém, fazendo grandes rodeios, passou a Arménia, um país impraticável
no Inverno, que já principiava.
13. Assim fatigadas as tropas pelas muitas neves e montanhas, entraram nas
planícies, aonde Carene veio unir-se com ele. Atravessando, então, o rio Tigre,
penetraram nas terras dos Adiabenos, cujo rei Izates tinha feito pública aliança
com Meerdates, mas seguia em segredo as partes de Gotarzes8. Na passagem se
fizeram senhores de Nino, cidade antiquíssima e a capital da Assíria, e depois
do castelo de Arbelos9, tão famoso pela última batalha entre Alexandre e Dario,
e na qual acabou o grande império dos Persas. No entanto Gotarzes fazia, em
um monte chamado Sâmbulos, sacrifícios aos deuses do país e, com maior
particularidade, a Hércules, que ali tem um culto especial, porque dele se diz
que, em tempo determinado, inspira em sonhos aos sacerdotes que conduzam
para perto do templo alguns cavalos ajaezados para a caça. Estes animais, logo
que sentem sobre si as aljavas carregadas de setas, vagando pelos campos,
voltam finalmente à noite para o mesmo sítio, todos cobertos de suor e com as
aljavas vazias. O deus torna, então, a aparecer em sonhos aos sacerdotes e lhes
indica os lugares dos bosques por onde andou correndo e aonde também se
encontram, a cada passo, muitas feras estendidas e mortas.
14. Gotarzes, porém, que ainda se não achava com forças suficientes, con-
servava-se da outra parte do rio Corma, que lhe servia de trincheira e, apesar de se
ver todos os dias provocado para o combate com escaramuças e desafios,
demorava sempre a guerra, manobrava, tomando diferentes posições, e ao mesmo
tempo se servia de uma contínua espionagem para corromper os inimigos. Destes
se separou logo o adiabeno Izates e, passado pouco, Ácbaro com todo o seu
exército de Árabes, mostrando ambos a sua natural inconstância e dando mais
uma prova de que os bárbaros de melhor vontade pediam soberanos a Roma do
que lhes queriam obedecer. Meerdates, vendo-se então desamparado destes tão
consideráveis reforços e suspeitando com razão a deslealdade dos outros, tentou

8 Tradução de in Gotarzen per occulta et magis fida inclinabat («inclinava-se mais oculta e
fielmente para Gotarzes»).
9 Texto corrompido; outra interpretação seria «e um castelo de grande fama».
LIVRO XII 279

enfim o único recurso que tinha, e que era entregar-se aos azares e à fortuna das
armas. Nem Gotarzes se escusou do combate, altivo com a deserção que via no
inimigo; e então se pelejou com grande furor e grandes perdas, ficando indecisa a
vitória, até que um corpo de reserva que estava na retaguarda, envolveu as tropas
de Carene, que, depois de haverem forçado tudo o que diante de si encontraram,
tinham avançado mais do que deviam. Achando-se agora Meerdates com todas as
esperanças perdidas e fiando-se nas promessas de Parrace, um cliente de seu pai, é
preso pela traição deste pérfido, que o foi entregar ao vencedor. Gotarzes,
repreendendo-o não como a um parente e a uma pessoa da família dos Arsácidas,
porém como a um estrangeiro e a um romano, mandou-lhe cortar as orelhas e lhe
concedeu a vida só para que ele atestasse a sua clemência e a nossa desonra.
Gotarzes morreu de doença pouco tempo depois, e o reino passou para Vonones,
que governava os Medos. Mas o seu reinado foi breve e sem glória, e nem houve
nele sucessos alguns prósperos ou desgraçados que mereçam ser narrados pela
história. Pela sua morte, subiu ao trono dos Partos seu filho Vologeses.
15. Por este tempo, Mitridates, rei do Bósforo, sempre vagabundo depois da
sua expulsão da monarquia, sabendo agora que Dídio, general romano, se havia
retirado com o melhor das suas tropas e que só em o novo reino tinha ficado
Cótis, moço sem experiência, com bem poucas coortes comandadas por Júlio
Áquila, cavaleiro romano, não fazendo caso deles ambos, entrou a fazer revoltar
os povos e a acariciar os desertores e, formando assim um exército, expulsou o
rei dos Dandáridas e tomou posse do reino. Mas apenas estas coisas foram bem
sabidas e, com todo o fundamento, se suspeitou uma irrupção pronta no Bósfo-
ro, Áquila e Cótis (que não tinham bastante confiança nas suas tropas, em razão
de haver Zórsines, rei dos Síracos, renovado as hostilidades) recorreram neste
caso ao auxílio estrangeiro e, para isso, mandaram uma embaixada a Êunones,
rei dos Aorsos. Não teve dificuldade esta aliança porque, mostrando-se-lhe o
grande poder que tinha Roma para aniquilar o rebelde e pérfido Mitridates, logo
concordaram em que Êunones faria a guerra com a sua cavalaria, enquanto os
Romanos se ocupavam no cerco das cidades.
16. Principiaram então a marcha com o exército disposto desta forma: a van-
guarda e a retaguarda eram ocupadas pelos Aorsos, e no centro iam as nossas
coortes e os Bosforanos, que usavam também das nossas armas. O inimigo foi
logo posto em fugida, e marcharam direitos a Soza, cidade da Dandárica que
Mitritades havia desamparado e aonde se deixou uma guarnição por haver
receios de lealdade dos habitantes. Dali se dirigiram contra as terras dos Síracos
e, depois de terem atravessado o rio Panda, puseram cerco à cidade de Uspe,
situada sobre uma altura e fortificada com fossos e muralhas. Como, porém,
estes muros não fossem de pedra e só construídos de estacadas, faxina e terra de
permeio, muito pouca resistência apresentaram aos sitiantes10 que, elevando

10 Tradução de nisi quod moenia non saxo sed cratibus et uimentis ac media humo aduersum
280 ANAIS

logo algumas torres ainda mais altas do que a muralha, começaram a pôr em
confusão os sitiados com os fachos ardentes e armas de arremesso que lhes
atiravam. E foi tanto a propósito conduzido este ataque que, a não ser já perto
da noite, a cidade teria sido atacada e rendida naquele mesmo dia.
17. No dia seguinte, mandaram parlamentares pedindo as vidas de todos os
habitantes e prometendo dar em lugar deles dez mil escravos. Esta proposta,
porém, foi absolutamente rejeitada porque pareceu uma crueldade matá-los
depois de se entregarem e, ao mesmo tempo, era também difícil guardar tanta
gente, pelo que se teve por melhor fazê-los morrer com as armas na mão11. Deu-
-se, pois, sinal aos soldados para fazerem a escalada e matarem quantos encon-
trassem. A sorte de Uspe infundiu, por consequência, grande terror em todos os
mais povos, que já não achavam lugar algum de segurança depois que viram
que as armas e as muralhas, as montanhas mais escarpadas e íngremes e os rios
e as fortalezas não opunham obstáculo algum aos vencedores. Portanto, Zórsi-
nes, pensando por muito tempo se auxiliaria na sua última desgraça Mitridates
ou se cuidaria tão-somente em conservar o reino paterno, adoptou este último
partido como mais conforme com a sua utilidade e, dando alguns reféns, adorou
a imagem do César, o que foi de muita glória para o exército romano, que,
intacto e vencedor, já constava estar apenas três dias de marcha distante do
Tánais. Porém na sua volta não foi tão afortunado, porque os bárbaros tomaram
alguns navios dos que tinham aportado nas costas dos Tauros e mataram o
prefeito de uma coorte com quase todos os seus centuriões12.
18. Entretanto, Mitridates, tendo perdido toda a esperança das armas, consul-
tava consigo à clemência de quem iria recorrer. Temia seu irmão Cótis como
pessoa que já uma vez o tinha traído e agora era seu inimigo; e não se achava
presente romano algum de autoridade que pudesse receber a sua submissão e os
seus juramentos. Voltou-se, pois, para Êunones, que não tinha para com ele
indisposição alguma particular e que era de um grande valimento pela aliança
que pouco antes havia feito connosco. Tomando enfim vestidos e um ar próprio
das suas circunstâncias, dirige-se ao palácio do rei e, deitando-se a seus pés, diz-
-lhe: «Eis aqui está Mitridates, que voluntariamente se vem pôr nas tuas mãos,
depois de ser por tantos anos perseguido pelas forças de Roma por mar e por
terra. Faze agora o que quiseres do descendente do grande Aquémenes, única
qualidade que me não puderam tirar os inimigos.»

inrumpentes inualida erant («as muralhas, não de pedra mas de feixes de ramos, vimes e
terra no meio, eram inúteis contra os assaltos»).
11 Tradução de belli potius iure caderent («era preferível que caíssem segundo as leis da
guerra»).
12 Tradução de praefecto cohortis et plerisque auxiliarium interfectis («o prefeito de uma
coorte e muitos dos auxiliares foram mortos»).
LIVRO XII 281

19. O aspecto de um homem tão ilustre, a ideia das vicissitudes humanas e a


mesma dignidade das suas súplicas enterneceram Êunones, que, dando-lhe a
mão, lhe fez muitos elogios por vir procurar a nação dos Aorsos e a sua própria
pessoa para serem medianeiros do perdão que implorava. Ao mesmo tempo,
cuidou logo em enviar embaixadores ao César e por eles lhe escreveu desta
sorte: que, além dos motivos gerais que concorriam para as alianças dos impera-
dores romanos com as outras grandes potências estrangeiras, os quais motivos
principalmente se fundavam na igualdade do poder e da fortuna, tinha ele ainda
outras relações mais particulares com Cláudio, as quais eram o haverem ambos
tido igual parte na vitória. Que os resultados das guerras eram sempre felizes
quando, depois delas, se seguiam a paz e o perdão. Segundo estes princípios,
nada se tinha tirado a Zórsines, ainda que vencido; assim, a favor de Mitridates,
pois que o seu crime era maior, não pedia nem a sua antiga grandeza nem o
reino, mas somente que não fosse levado em triunfo a Roma nem se lhe tirasse a
vida.
20. Cláudio, apesar de ser moderado para com todos os homens ilustres que
não eram romanos, duvidava, contudo, qual seria melhor: se receber o cativo,
dando-lhe a vida, ou fazê-lo prisioneiro por força das armas. Inclinava-se a este
último partido pelo estímulo das injúrias e pelo desejo da vingança, porém
ocorriam outras razões que convinha ponderar. Ia-se fazer uma guerra em países
difíceis e em mares desabrigados, haviam de entrar nela reis ferozes e bárbaros
e muitos povos errantes, o terreno era estéril, deviam as operações ser fastidio-
sas se fossem demoradas, e muito perigosas quando se quisessem apressar, e,
por fim, bem pouca glória se ganhava e grande seria a vergonha se os sucessos
não fossem felizes. Valeram, pois, todas estas considerações para aceitar o
desterrado, que, havendo já perdido tudo, muito maior castigo vinha a ter
quanto mais longa vida tivesse. Desta sorte escreveu a Êunones, dizendo-lhe
que Mitridates merecia, com efeito, um castigo exemplar e que nem lhe falta-
vam meios para o pôr em execução, mas que seguiria antes os exemplos dos
seus antepassados, que de tanta violência usavam contra os inimigos quanta era
a moderação com que tratavam os suplicantes. Quanto ao triunfo, só ele se
ganhava vencendo grandes nações ou reinos poderosos.
21. Depois disto se fez a entrega de Mitridates e, sendo conduzido a Roma
por Júnio Cilão, procurador do Ponto, conta-se que falara ao César com mais
altivez do que as suas circunstâncias pediam. No seu discurso, conforme então
se espalhou entre o público, disse, entre outras coisas, estas notáveis palavras:
«Não venho diante de ti por efeito da força, porém só porque assim o quis
mesmo, e se disto ainda tens alguma dúvida, deixa-me ir embora e manda-me
depois procurar.» Conservou esta mesma intrepidez quando, no meio de uma
guarda, foi apresentado nos rostros ao povo. Cilão teve em recompensa as
insígnias consulares e Áquila a de pretor.
282 ANAIS

22. Durando o mesmo consulado, Agripina, sempre implacável nos seus


ódios e inimiga de Lólia porque havia sido sua rival quando se tratava do casa-
mento do príncipe, entrou-lhe a forjar crimes e um acusador, que enfim a arguiu
de se haver dado aos mistérios dos Caldeus e dos magos e de ter consultado o
oráculo de Apolo Clário sobre as núpcias do imperador. Depois disto, Cláudio,
sem ouvir a acusada e falando extensamente no senado a respeito da sua muita
nobreza, como era filha de uma irmã de Lúcio Volúsio13, como tinha por segun-
do tio paterno a Cota Messalino e como, enfim, em outro tempo fora casada
com Mémio Régulo, mas, calando de propósito o seu segundo casamento com
Gaio César, concluiu que era uma mulher perniciosíssima pelas suas más ten-
ções contra a república e que, portanto, se devia acabar com este fermento de
crimes, confiscando-lhe os bens e expulsando-a da Itália. Assim, das suas imen-
sas riquezas, se lhe consignaram para viver apenas cinco milhões de sestércios.
Resolveu-se também a desgraça de Calpúrnia, uma senhora muito ilustre só
porque o príncipe, casualmente e sem segundo sentido, tinha louvado a sua rara
formosura, o que ao menos fez com que Agripina não passasse à última extre-
midade. Mas não aconteceu o mesmo com Lólia, a quem se enviou um tribuno
com ordem de a obrigar a matar-se. Foi também condenado Cádio Rufo por
concussões e roubos feitos no governo, de que o acusaram os Bitínios.
23. Concedeu-se à Gália Narbonense, em atenção ao muito respeito que
sempre mostrara para com os padres, que os senadores daquela província, sem
particular licença do príncipe, pudessem ir ver as suas casas, privilégio que já se
tinha dado à Sicília. Os Itureus e Judeus, depois da morte dos reis Soemo e
Agripa, foram incorporados na província da Síria. Decretou-se a renovação dos
ritos do augurium salutis, que já por espaço de vinte e cinco anos estavam em
esquecimento, e se ordenou que para o futuro fossem constantemente celebra-
dos. E também o César acrescentou o Pomerium da cidade, querendo imitar os
costumes antigos, que permitiam aos que tinham adiantado os limites da repú-
blica estender igualmente os limites de Roma. Contudo nenhum dos generais
romanos, apesar de haverem conquistado grandes nações, havia jamais usado
desta prerrogativa, à excepção de Lúcio Sula e do divino Augusto.
24. Se nesta cerimónia entrava mais a glória ou a ambição dos reis, variam
as tradições. Não será, contudo, fora de propósito dar agora a saber quais foram
os primeiros limites da nossa cidade e, por consequência, a extensão que
Rómulo deu ao Pomerium. Designando-se com o arado o circuito de Roma,
principiava o rego desde o Fórum Boário, aonde ainda hoje vemos a estátua de
bronze de um touro como o animal destinado à lavoura, e abrangia a grande ara
de Hércules. Desde ali, puseram-se de espaço em espaço algumas balizas, que
corriam pela raiz do monte Palatino até à ara de Conso, passavam às antigas

13 Volúsia.
LIVRO XII 283

cúrias e iam terminar na capela dos Lares e no Fórum Romano: porque é tradi-
ção que o Capitólio não fora obra de Rómulo, mas um acrescentamento de
Tácio14. Pelo tempo adiante aumentou-se o Pomerium quando também cresceu
o nosso poder e fortuna, e os novos limites que lhe deu Cláudio são agora fáceis
de conhecer, porque se acham consignados nos registros públicos.
25. Sendo cônsules Gaio Antístio e Marco Suílio15, cuidou-se em apressar a
adopção de Domício pela influência de Palas, o qual, intimamente ligado com
Agripina, ao princípio como instrumento das suas núpcias e ao depois como
amante e como adúltero, apertava com Cláudio que se não esquecesse dos
interesses da república e desse um fiador à infância e poucos anos de Britânico.
Trazia-lhe para exemplo o divino Augusto, que, apesar de ter muitos netos,
tinha adoptado os enteados, e lembrava-lhe Tibério, que, ainda tendo um filho16,
havia chamado Germânico. Desta sorte devia ele também adoptar um mancebo,
que era muito capaz de o aliviar em muita parte dos seus grandes trabalhos.
Levado destas razões, preferiu ao filho um estranho, adoptando Domício, que
apenas era mais velho dois anos17 na idade e, para isto, pronunciou um discurso
no senado tal e qual lhe havia sido sugerido pelo liberto. Notaram, porém, os
eruditos que era a primeira adopção que tinha havido na família patrícia dos
Cláudios, a qual, depois de Ato Clauso, sempre se havia perpetuado sem mistu-
ra estrangeira.
26. Mas, apesar disto, sempre se deram os parabéns e agradecimentos ao
príncipe, acompanhados de adulações, ainda mais esquisitas para a pessoa de
Domício. Promulgou-se uma lei para que ele entrasse na família dos Cláudios e
tomasse o sobrenome de Nero, e nem esqueceu Agripina, que foi elevada ao
título de Augusta. Dado este passo, não houve indivíduo algum de tão pouca
sensibilidade que se não condoesse da sorte de Britânico. Este, pouco a pouco,
se viu desamparado até dos seus mesmos escravos, que a madrasta lhe tirou com
o pretexto de que só ela se queria incumbir da sua educação; mas esta refinada
hipocrisia nem mesmo enganava o mancebo, que era o primeiro em zombar de
tais demonstrações de afeição. E, na verdade, é constante o dizer-se que não lhe
faltavam capacidade e carácter, ou seja porque realmente assim fosse ou porque,
servindo as desgraças para lhe granjear maior nome, conservou sempre uma bri-
lhante reputação, ainda que nunca tivesse ocasiões de se dar de todo a conhecer.

14 Tradução de mox curias ueteres, tum ad sacellum Larum, inde forum Romanum; forumque
et Capitolium non a Romulo, sed a Tito Tatio additum urbi credidere («em seguida até às
antigas cúrias e depois até ao santuário dos Lares, daí para o fórum romano; crê-se que o
fórum e o Capitólio não foram acrescentados à cidade por Rómulo, mas por Tito Tácio»).
15 Ano de 50 d. C.
16 Druso.
17 Tradução conforme manuscrito, mas a diferença de idades é de três anos.
284 ANAIS

27. Agripina, para também ostentar o seu poder para com as nações aliadas,
conseguiu que alguns veteranos fossem estabelecer uma colónia na cidade dos
Úbios em que ela tinha nascido e à qual se deu o seu nome18, acontecendo
também, por acaso, que já seu avô Agripa tivesse feito entrar na aliança do
império todo este povo, quando passou à outra parte do Reno. Por este mesmo
tempo, houve grandes sustos na Germânia Superior por uma irrupção dos Catos,
que vinham cometendo grandes roubos. Mas o legado Lúcio Pompónio acon-
selhou os Vangíones e os Németes, nossos aliados, que, levando consigo toda a
cavalaria auxiliar, saíssem a prevenir os devastadores ou, no caso que já os
achassem espalhados a roubar, caíssem de repente sobre eles. E teve muito bom
efeito este conselho do general, ainda melhor executado pela tropa, porque,
formando-se em dois corpos, o que tomou o caminho da esquerda completa-
mente os cercou quando na volta da expedição, carregados com quanto tinham
roubado, se entregavam aos festejos e ao sono. Mas o que de tudo causou maior
alegria foi o resgatarem-se desta vez alguns soldados da derrota de Varo, os
quais ainda, depois de quarenta anos, se achavam cativos.
28. O outro corpo, que havia marchado pela direita, tomando um caminho
mais curto, ainda fez mais estrago no inimigo que encontrou e que ousara com-
bater. Assim, cheio de riquezas e glória, voltou para o monte Tauno, aonde
Pompónio o estava esperando com as suas legiões, no caso que os Catos, com
intenções de vingar-se, viessem oferecer-lhe batalha. Porém eles, receosos de
serem cortados de uma parte pelos Romanos e por outra pelos Queruscos, com
quem estão sempre em guerra contínua, mandaram embaixadores e reféns para
Roma; e Pompónio ganhou as honras triunfais, porção a mais pequena de toda a
sua glória, porque o maior nome que tem lhe veio das suas belas poesias.
29. Nesta mesma época, foi expulso do trono Vânio, que havia sido dado aos
Suevos pelo César Druso19. Nos primeiros anos do seu reinado, alcançou fama e
era benquisto do povo, mas com o uso de governar, tornando-se soberbo, teve
por inimigos os seus e os vizinhos. Os agentes principais da sua ruína foram
Vibílio, rei dos Hermúnduros, e Vangião e Sídon, filhos de uma irmã de Vânio.
Nem Cláudio, ainda que muitas vezes convidado, se intrometeu nas discórdias
dos bárbaros, contentando-se com fazer promessas a Vânio de lhe dar um asilo
se lhe tirassem o trono. Em consequência, escreveu a Palpélio Histro, governa-
dor da Panónia, que postasse uma legião e as melhores tropas auxiliares da
província pelas margens do Danúbio, a fim de proteger os vencidos e conter os
vencedores no caso que, ensoberbecidos com a fortuna, tentassem perturbar a
nossa tranquilidade. E havia justos motivos para estas precauções, porque os

18 Colónia de Agripina.
19 Em 19.
LIVRO XII 285

Lúgios, em grande número, e outros povos diferentes vinham-se chegando20,


atraídos pela fama das muitas riquezas que Vânio, à força de tributos e de
roubos, havia por espaço de trinta anos acumulado no reino. O seu próprio
exército consistia tão-somente em tropas de infantaria com alguma cavalaria,
ministrada pelos Sármatas Jáziges, cujas forças não eram suficientes contra
tantos inimigos – e por esta razão o seu plano foi defender-se nas praças e ir
prolongando a guerra.
30. Mas os Jáziges, incapazes de sofrer as demoras de um cerco e empregan-
do-se sempre em correrias pelos campos vizinhos, fizeram com isto que se não
pudesse escusar uma batalha, porque os Lúgios e os Hermúnduros caíram sobre
eles. Saindo então Vânio das suas fortalezas foi completamente derrotado, ainda
que na sua má fortuna mereceu os devidos elogios, pois que ele mesmo comba-
teu à frente das suas tropas e ficou muito ferido21. Afinal, acolheu-se às nossas
embarcações, que, a esse fim, estavam no Danúbio, e, depois dele, vieram vindo
todos os seus clientes, a quem se deram terras e foram estabelecer-se na Panó-
nia. Vangião e Sídon repartiram o reino entre si e nos guardaram sempre muita
fidelidade, mas o povo, ou isto fosse por efeito do carácter dos que mandavam
ou dos que obedeciam, amando-os muito enquanto não eram seus soberanos,
passou a conceber-lhes igual ódio depois que os teve a governar.
31. Por outra parte, o propretor Públio Ostório achou na Britânia as coisas
pouco sossegadas pela irrupção que tinham feito os inimigos nas terras dos
aliados, a qual era tanto mais violenta quanto menos se persuadiam de que o
novo general, comandando um exército que ainda não conhecia e sendo já
chegado o Inverno, se atrevesse a medir-se com eles. Porém sabendo belamente
Ostório que os primeiros sucessos são os que sempre decidem do futuro e os
que fazem ganhar medo ou confiança, marchou a toda a pressa com as coortes
ligeiras e, matando os que lhe resistiam e perseguindo os dispersos para que se
não pudessem reunir, foi tirando as armas aos que lhe eram suspeitos, para que
uma paz simulada e perigosa não o inquietasse mais e ao exército, e se postou
nos rios Trisantona e Sabrina para dali os coibir. Mas os primeiros que não
quiseram estar quietos foram os Icenos, uma nação poderosa e ainda intacta dos
revezes da guerra porque voluntariamente tinha procurado a nossa amizade.
Instigadas por eles, todas as nações vizinhas pegaram em armas e escolheram
um campo de batalha, cercado por uma trincheira irregular, e para o qual só
havia uma entrada muito estreita, a fim de impedir que a cavalaria lá entrasse. O
general romano, apesar de ter só consigo tropas auxiliares e de se achar sem a
força das legiões, sempre se resolveu a atacar este campo e, dispondo conve-

20 Tradução de nam uis innumera, Lugii aliaeque gentes, aduentabant («uma força imensa,
Lúgios e outros povos, aproximava-se»).
21 Tradução de corpore aduerso uulnera excepit («recebeu ferimentos a corpo descoberto»).
286 ANAIS

nientemente as coortes, fez desmontar toda a sua cavalaria para que pelejasse a
pé. Então, dado que foi o sinal, foram logo forçadas as trincheiras e postos na
última confusão os bárbaros, a quem as suas mesmas fortificações embaraça-
vam. Contudo pela consciência da sua rebelião e por não terem meios de esca-
par-se, desenvolveram prodígios de valor e, neste combate, Marco Ostório, o
filho do legado, ganhou a coroa cívica por salvar a vida a um cidadão.
32. Com a derrota dos Icenos, ficaram sossegados todos os que ainda esta-
vam perplexos entre a paz e a guerra, e o exército se pôs em movimento contra
os Decangos. Foram devastados todos os seus campos, deu-se um saque geral
sem que os inimigos se atrevessem a aparecer, e tão-somente se pôde castigar o
atrevimento e a fraude daqueles que, emboscados, tentavam incomodar-nos. Já
tinha finalmente chegado o general até as bordas do mar que estão defronte da
Hibérnia, quando novas discórdias suscitadas entre os Brigantes o fizeram
retroceder, determinado a não executar coisa alguma de novo sem primeiro
acomodar todas as antigas. Mas, punindo de morte alguns mais sediciosos e
perdoando aos outros, ficaram os Brigantes logo acomodados. A nação dos
Sílures era a única que, nem por força nem por brandura, mudava de procedi-
mento: recorria sempre às armas, e sempre era preciso que as legiões estivessem
acampadas a fim de a coibir. Para isto, pois, se poder fazer mais prontamente,
Ostório estabeleceu em Camuloduno uma colónia numerosa de veteranos, os
quais tanto servissem para conter os rebeldes como para ir acostumando os
aliados à observância das leis.
33. Marchou-se depois contra os Sílures, que, além do seu próprio valor,
confiavam muito nas forças de Carátaco, a quem muitas fortunas e muitos
revezes haviam granjeado um grande nome e uma superioridade conhecida
sobre todos os generais dos Britanos. Como ele fosse muito astucioso e, tendo
maiores vantagens na dificuldade do terreno, conhecesse ao mesmo tempo que
não podia competir connosco em valor e disciplina militar, preferiu ir fazer a
guerra no país dos Ordovices. Reforçado ali com todos os que aborreciam o
estar em paz connosco, resolveu-se a uma acção decisiva, depois de ter escolhi-
do um lugar para a batalha que, nas suas entradas e saídas e em todas as mais
circunstâncias, nos fosse desfavorável e proveitoso para ele. Desta sorte,
achando-se defendido por uma grande montanha, havia fortificado com pedras à
maneira de trincheiras todos os passos que podiam ser mais facilmente penetra-
dos, tinha um rio de permeio que era difícil de passar e, com numerosa cópia de
gente, tinha ainda guarnecidos todos os seus postos.
34. Para lhe não faltar coisa alguma, andavam os comandantes das diversas
nações correndo toda a linha, exortando, animando e fazendo tudo o mais que
podiam para diminuir o medo e aumentar as esperanças, pondo enfim em exe-
cução todos os estímulos mais poderosos da guerra. O mesmo Carátaco, apare-
cendo em toda a parte com suma rapidez, dizia altamente que aquele dia e
LIVRO XII 287

aquela batalha ou iam ganhar para sempre a liberdade, ou ser o princípio de uma
eterna escravidão. Repetia os nomes dos seus antepassados que tinham expulsa-
do o ditador César e pelo valor e firmeza dos quais estavam livres da servidão e
dos tributos, e suas mulheres e seus filhos conservavam ilesa a sua honra. Estas
e outras palavras semelhantes tiveram uma aprovação universal, e todos, segun-
do os ritos da sua religião, unanimemente juraram morrer a pé firme e nunca
voltar costas às armas inimigas22.
35. Este entusiasmo deu muito em que pensar ao general romano, ao mesmo
tempo que o rio que tinha em frente, as fortificações que o cobriam, as monta-
nhas escarpadas e todos os mais objectos de sua natureza horrorosos e da maior
dificuldade para o ataque, lhe causavam grandes terrores. Mas o clamor dos
soldados, que lhe pediam uma batalha dizendo que não havia coisa alguma que
o valor não vencesse, e os discursos dos prefeitos e tribunos, que mostravam as
mesmas disposições, faziam também com que todo o exército se enchesse de
resolução e de ânimo. Nestas circunstâncias, Ostório, reconhecendo todos os
postos que eram ou mais praticáveis ou difíceis, manda avançar os seus bravos,
e o rio é passado sem trabalho considerável. Chegados que foram às trincheiras,
enquanto se combateu com as armas de arremesso, tivemos maior número de
mortos e feridos, porém logo que se colocou uma máquina de guerra 23 e, com
ela, se desfizeram os montões de pedras soltas e desordenadas que tinham
diante e se entrou a pelejar já de perto em um terreno igual para todos, também
os bárbaros entraram imediatamente a retirar-se para o alto das montanhas.
Contudo a nossa tropa ligeira e pesada os foi perseguindo, fazendo tiros os
primeiros com os seus dardos, e marchando os segundos em colunas cerradas,
com o que puseram prontamente em confusão os bárbaros, que não tinham
couraças nem capacetes com que se pudessem preservar e que, se tentavam
resistir aos batalhões auxiliares, caíam debaixo dos golpes das espadas e lanças
dos legionários e, se ousavam a voltar-se para estes, sofriam todo o peso dos
dardos e longos traçados24 dos aliados. Foi, na verdade, esta vitória brilhantíssi-
ma porque com ela aprisionámos a mulher e a filha de Carátaco, em consequên-
cia do que vieram também seus irmãos entregar-se.
36. Ele foi procurar a protecção de Cartimândua, rainha dos Brigantes, mas,
como de ordinário nunca há uma desgraça que não venha acompanhada de
outras muitas, aí lhe deitaram algemas e o entregaram aos vencedores, contan-

22 Tradução de non telis, non uulneribus cessuros («que não haviam de dar costas às armas
nem às feridas»).
23 Tradução de facta testudine («formada a tartaruga»), ou seja, fazendo uso da táctica da
infantaria romana que consiste em avançar no combate em formação cerrada, com pro-
tecção dos escudos em cima, nos flancos, na vanguarda e na retaguarda.
24 Tradução de spathis («espadas»).
288 ANAIS

do-se então nove anos que a guerra tinha começado na Britânia25. A sua fama
andava espalhada pelas ilhas, pelas províncias vizinhas e até pelo interior da
Itália, e todos mostravam os mais ardentes desejos de ver o homem que, por
tantos anos, tinha zombado do nosso grande poder. Dentro mesmo de Roma era
assaz famoso o nome de Carátaco, e o César, exaltando a sua própria glória,
havia feito ainda mais brilhante a do vencido. O povo teve um convite solene,
como se fosse para assistir a um magnífico espectáculo, e todas as coortes
pretorianas estiveram em armas no campo vizinho aos quartéis. Apareceram
primeiramente os clientes e os amigos do rei, mostraram-se os colares e outras
ricas insígnias que ele havia ganhado nas guerras estrangeiras e, acabado isto,
foram apresentados seus irmãos, sua mulher e sua filha – e o último de todos foi
Carátaco. Todos falaram sem dignidade e com muita cobardia porque se acha-
vam cortados de medo: só o rei, com um ar nobre e majestoso, sem implorar
misericórdia, tanto que chegou diante do tribunal, se exprimiu desta sorte:
37. «Se, no tempo da minha boa fortuna, eu houvesse tido moderação igual a
meu nascimento e opulência, decerto que teria vindo aqui como amigo e nunca
como cativo; e nem, ó César, te haverias então envergonhado de formar aliança
com um homem descendente de antepassados ilustres e a quem muitas nações
obedeciam. São hoje, pois, para mim tão vergonhosos meus tristes destinos
como para ti são magníficos. Fui senhor de cavalos, armas, soldados e riquezas:
e que admiração pode haver neste caso que só constrangido tenha perdido tudo
isto? Porque vós quereis dominar todo o mundo, segue-se que nós todos quei-
ramos ser vossos escravos? Se eu voluntariamente me tivesse entregado, ne-
nhuma glória nós ambos teríamos merecido, e até o meu nome duraria bem
pouco se me fizesses ir ao cadafalso, quando, conservando-me a vida, será ele
um monumento eterno da tua clemência.» Ouvindo estas palavras, o César
perdoou-lhe e a sua mulher e irmãos. Tirando-lhes, então, as algemas, foram,
como já o tinham praticado com o príncipe, cumprimentar e agradecer a
Agripina, a qual se achava em pouca distância sentada em outro tribunal. Coisa
realmente nova e nunca vista nos tempos antigos: que uma mulher estivesse
presidindo entre as bandeiras e as águias romanas. Porém ela sempre queria
participar de um império que seus maiores tinham adquirido.
38. Foram, depois disto, convocados os padres que disseram mil coisas, e
todas muito pomposas, sobre o cativeiro de Carátaco, asseverando que este
facto não era menos ilustre do que os antigos quando foram apresentados ao
povo Sífax, aprisionado por Públio Cipião, Perseu, por Lúcio Paulo, e outros
mais reis, prisioneiros de diferentes capitães. Decretaram-se para Ostório as
insígnias do triunfo, o qual até àquela época havia sido sempre feliz, mas que,
passada ela, deixou de ser tão mimoso da fortuna, ou porque, preso Carátaco,

25 A guerra teve início em 43.


LIVRO XII 289

deixasse afrouxar a disciplina militar, ou porque os inimigos, agora compadeci-


dos com as desgraças de tão grande monarca, entrassem depois a pelejar com
dobrada energia. Um prefeito de campo e as coortes legionárias, que tinham
ficado nas terras dos Sílures para formar alguns presídios, foram absolutamente
cortadas e, se muito à pressa não tivessem sido socorridas pelas guarnições dos
postos vizinhos, não haveria escapado um só homem. Apesar disto, ainda assim
mesmo, aí morreram o prefeito, oito centuriões e os mais valentes soldados e,
pouco tempo depois, andando alguns dos nossos forrageando, também lhes
caíram em cima os bárbaros e desbarataram a cavalaria que os ia socorrer.
39. Então, Ostório fez avançar as coortes ligeiras, que também teriam fugido
se as legiões não tomassem parte no combate. Com este reforço se restabeleceu a
igualdade das nossas armas, e afinal tivemos alguma superioridade. Os inimigos
se retiraram sem perda considerável porque já era perto da noite. Houve ainda
depois continuados recontros nas lagoas ou nos bosques, porém quase todos à
maneira de incursões, que nasciam do acaso ou do valor, da temeridade ou do
cálculo, e sempre por motivos de vingança ou de roubos, para o que muitas vezes
havia ordem e outras muitas nem sequer o sabiam os comandantes. A pertinácia
dos Sílures foi a mais constante, porque era excitada por algumas palavras do
general romano, que andavam espalhadas e nas quais constava ter dito que, assim
como em outro tempo os Sigambros haviam sido exterminados e conduzidos para
as Gálias, também os Sílures deviam agora ter a mesma sorte. Chegaram ainda
estes a aprisionar duas coortes auxiliares que, por avareza dos prefeitos, andavam
desacauteladamente roubando e, dividindo o despojo e os cativos pelas outras
nações, fizeram com isto que elas também se rebelassem. Ostório, cortado de
trabalhos e desgostos, morreu: o que ouviram os inimigos com muita alegria
porque, já livres de um valoroso general, ainda que não pudessem atribuir a sua
morte às suas espadas, ao menos a atribuíam aos trabalhos da guerra.
40. O César, tanto que recebeu a notícia da morte do legado, para que a pro-
víncia não ficasse sem governador, nomeou Aulo Dídio. Este, apesar de partir
prontamente, não achou os negócios em muito bom estado pelas perdas que
acabava de sofrer a legião comandada por Mânlio Valente. Os inimigos exage-
ravam as consequências deste combate para aterrarem o novo general, e ele
mesmo também fazia o caso mais feio ou para ganhar maior fama se vingasse o
passado, ou para que, se também fosse infeliz, pudesse ter mais desculpa. Os
Sílures ainda eram os autores deste novo desastre e por toda a parte faziam
correrias, até que, com a vinda de Dídio, fugiram e foram coibidos. Depois da
prisão de Carátaco, o general mais experimentado que tinham era Venúcio, da
cidade dos Brigantes, de quem já acima falei26, homem por muito tempo nosso
amigo e sempre defendido pelas armas romanas, enquanto esteve casado com a

26 Remissão para um passo perdido do livro XI.


290 ANAIS

rainha Cartimândua; porém, tendo-se divorciado e seguindo-se logo a guerra,


mostrava-se nosso inimigo. Contudo, no princípio, as diferenças só eram entre
eles, e Cartimândua, à força de muitos artifícios, tinha chegado a tomar às mãos
o irmão e os parentes de Venúcio. Irritados com isto os inimigos e não podendo
sofrer a vergonha de estarem sujeitos a uma mulher, atacaram-lhe o reino com
um grande exército de mocidade escolhida; mas, como fôssemos a tempo sabe-
dores deste projecto, mandámos-lhe em socorro algumas coortes, que muito
bizarramente se bateram e fizeram com que a batalha, que não tinha principiado
muito feliz, acabasse por fim toda a nosso favor. Foi por igual modo bem suce-
dida a legião que era comandada por Césio Nasica, porque Dídio, quebrantado
pela idade e já cheio de honras infinitas, julgava suficiente o incumbir todos
estes negócios da guerra aos seus generais. Ainda que estes sucessos se passa-
ram no espaço de muitos anos e no tempo dos dois propretores Ostório e Dídio,
pareceu-me melhor referi-los todos juntos, para que assim mais facilmente se
pudessem fixar na memória. Agora torno a entrar na ordem dos tempos.
41. Sendo cônsules Tibério Cláudio, pela quinta vez, e Sérvio Cornélio Órfi-
to27, antecipou-se a toga viril a Nero a fim de que parecesse já capaz de poder
entrar nos públicos empregos. Também o César, de muito boa vontade, aceitou
as adulações do senado, que decidiu que Nero principiasse o seu consulado aos
vinte anos de idade e que, no entanto, fosse cônsul designado, tivesse o poder
proconsular fora de Roma e recebesse o título de príncipe da juventude. Ainda
se fez mais, porque em seu nome se deu um donativo aos soldados, liberaliza-
ram-se presentes ao povo e, nos jogos do Circo, que de propósito foram cele-
brados para lhe granjear o amor da multidão, apareceu Britânico singelamente
vestido de pretexta e Nero com as roupas triunfais; queria-se que este fosse
visto com todas as insígnias imperatórias e o outro no seu traje pueril, para que
se conhecesse a diferença de fortuna que já distinguia os seus destinos. Todos os
centuriões e tribunos que mostraram compadecer-se da sorte de Britânico foram
demitidos, ou por causas fingidas ou com o pretexto de outros despachos mais
honrosos, e até os mesmos libertos que lhe davam provas de maior fidelidade
também foram removidos pelo motivo seguinte. Encontrando-se os dois prínci-
pes, simplesmente se saudaram pelos seus próprios nomes de Britânico e Domí-
cio, o que sendo considerado por Agripina como um princípio de discórdia, foi
referi-lo com muitos queixumes ao marido, dizendo que se não fazia caso da
adopção e que nada do que os padres haviam decretado, e tivera depois a apro-
vação do povo, se cumpria dentro do palácio, o que sem dúvida era culpa muito
criminosa dos mestres, a qual, se não fosse coibida, seria causa de públicas
desgraças. Levado Cláudio destas intrigas, como se fossem crimes atrozes,
desterrou e fez morrer os melhores mestres do filho e lhe substituiu outros da
escolha da madrasta.

27 Ano de 51 d. C.
LIVRO XII 291

42. Apesar disto, Agripina ainda não ousava pôr em execução as suas últi-
mas tenções sem primeiro tirar o comando das coortes pretorianas a Lúsio Geta
e a Rúfrio Crispino, a quem olhava como criaturas de Messalina e, por conse-
quência, do partido de seu filho28. Desta sorte, persuadindo ela ao marido que a
autoridade de dois homens excitaria partidos nas coortes e que debaixo de um
só chefe a disciplina seria mais exacta, transferiu-se este comando para Burro
Afrânio, militar de grande reputação e que só tinha contra si o saber demasia-
damente a quem era devedor desta graça. Ao mesmo tempo, Agripina, querendo
também exaltar cada vez mais a sua dignidade, fazia-se conduzir ao Capitólio
em um desses carros privilegiados, que antigamente só serviam para transportar
os sacerdotes e as santas imagens, e com isto aumentava a veneração por uma
mulher que era filha, irmã, esposa e mãe de príncipes, o que nunca se tinha visto
até ali. Entretanto, Vitélio, o seu primeiro defensor, em todo o auge do vali-
mento e já em uma idade avançada (tão inconstante é sempre a fortuna dos
homens poderosos), era denunciado e chamado a juízo pelo senador Júnio Lupo.
Imputava-lhe crimes de lesa-majestade e vistas ambiciosas do império, ao que o
César teria dado sem dúvida grande atenção se não fosse coibido mais por
ameaços do que pelos rogos de Agripina, a qual exigiu que o acusador fosse
privado da água e do fogo, único castigo pedido por Vitélio.
43. Neste ano aconteceram muitos prodígios. Aves de funesto agouro foram
pousar no Capitólio, caíram algumas casas pelos contínuos terremotos e, porque
se temessem ainda maiores desastres e em razão disto concebesse então o povo
grande susto, morreram esmagados neste barulho muitos doentes e inválidos. A
carestia do pão e a fome que depois se lhe seguiu também se consideravam
como sinais portentosos. E nem tão-somente havia queixumes ocultos, porém o
mesmo Cláudio, estando em audiência, viu-se rodeado de um povo sedicioso
que, altamente clamando, o foi impelindo até a extremidade do Fórum, aonde
tanto o apertou que só pôde romper escoltado por soldados que lhe abriram
caminho. Contava-se que Roma apenas já tinha mantimentos para quinze dias,
mas, pela misericórdia dos deuses e porque o Inverno não foi muito rigoroso,
acudiu-se por fim a esta extrema necessidade. É bem certo que29, em outros
tempos, se fazia transportar trigo dos campos de Itália para as províncias mais
remotas e eles não são agora mais estéreis do que antes, porém a razão desta
diferença é que hoje só se cuida na cultura da África e do Egipto e, assim,
expomos a vida do povo romano à incerteza das importações marítimas.
44. A guerra, que neste ano se suscitou entre os Arménios e os Iberos, deu
também causa a gravíssimas dissensões entre os Partos e Romanos. O império

28 Tradução de et liberis eius deuinctos («e ligados aos filhos dela», ou seja, Britânico e
Octávia).
29 Tradução de at hercule («mas por Hércules»).
292 ANAIS

dos Partos estava nas mãos de Vologeses, que, descendente pela parte materna
de uma concubina grega, tinha subido ao trono pelo consentimento de seus
irmãos. Os Iberos governava Farasmanes, em posse antiga e pacífica; e Mitri-
dates, seu irmão, os Arménios pela nossa influência. Tinha Farasmanes um filho
chamado Radamisto, de gentil e bela figura, muito valente, instruído em todas
as prendas e artes nacionais e muito estimado dos vizinhos. Queixava-se,
porém, da pequena representação que fazia o reino da Ibéria pela velhice em
que estava seu pai, e as suas queixas eram tão frequentes e públicas que bem
mostravam o que ele desejava. Em consequência disto, Farasmanes, já no fim
da sua vida e tendo motivos bastantes para se recear do mancebo, que tanto
anelava o poder e tinha por si a estimação popular, entrou a distraí-lo com
outras ambições e a tentá-lo com a Arménia, dizendo-lhe que, havendo expulsa-
do os Partos, ele mesmo a tinha dado a Mitridates, mas que por ora não convi-
nha empregar força aberta e era melhor recorrer às astúcias para mais facilmente
surpreender o desacautelado monarca. Então, Radamisto, fingindo estar mal
com o pai por causa da madrasta, fugiu para o tio, que o recebeu com muita
afabilidade como se fosse seu filho; e, em paga de tudo isto, começou logo a
soprar a rebelião entre os principais dos Arménios, estando Mitridates tão longe
destas intrigas que antes cada vez mais o estimava.
45. Radamisto, pretextando ter já feito as pazes com o pai, volta para sua
casa e diz-lhe que tudo o que se pode fazer com enganos já está preparado e que
o resto se deve concluir pela força das armas. No entanto Farasmanes forja os
motivos da guerra e declara que, tendo pegado em armas contra o rei dos Alba-
nos e implorado então o auxílio de Roma, seu irmão se lhe havia oposto e que
agora pretende vingar esta injúria, a qual não ficaria satisfeita senão com a ruína
total de Mitridates. Ao mesmo tempo, pondo às ordens do filho um numeroso
exército, ele com estas forças faz um súbito ataque e obriga Mitridates, aterrado
e já expulso das planícies, a ir refugiar-se no castelo de Górneas, forte pela
posição e gente que o defendia, a qual era comandada pelo prefeito Célio Polião
e pelo centurião Caspério. Não há parte alguma da guerra em que os bárbaros
estejam tão atrasados como no cerco e no ataque das praças30, ao mesmo passo
que é uma coisa sobre que nós temos muitos conhecimentos; assim, Radamisto,
depois de ter, frustradamente e com muita perda, tentando levar a fortaleza de
assalto, passou a dar princípio a um sítio. Mas, não fazendo também nada com
isto, chega a corromper o prefeito com dinheiro, do que sendo Caspério sabedor
protesta altamente que um rei aliado e a Arménia, donativo do povo romano,
não devem ser vendidos por traições nem por oiro31. Afinal, o mesmo Caspério,
vendo que Polião sempre pretextava o grande número de inimigos e Radamisto

30 Tradução de nihil tam ignarum barbaris quam machinamenta et astus oppugnationum


(«Nada é tão desconhecido dos bárbaros como a maquinaria e as técnicas de assalto»).
31 Tradução de scelere et pecunia («nem por crime nem por dinheiro»).
LIVRO XII 293

as ordens do pai, assina uma suspensão de armas e sai da praça com os intentos
ou de assustar Farasmanes para que se deixe da guerra, ou, quando não esteja
por isso, de ir avisar o prefeito da Síria, Umídio Quadrato, e expor-lhe o estado
em que estavam as Arménias.
46. Com a saída do centurião, achando-se o prefeito já livre desta espécie de
sentinela que lhe espreitava as acções, entrou logo a aconselhar Mitridates que
fizesse a paz, lembrando-lhe, para melhor o resolver, a união que convinha
houvesse entre irmãos, que Farasmanes era o mais velho e outras mais razões de
parentesco – como o estar ele mesmo casado com a sobrinha e ser também o
sogro de Radamisto. Acrescentava que os Iberos estavam propensos para uma
pacificação, apesar de serem agora os mais fortes e de conhecerem a perfídia dos
Arménios e, além disso, devia reflectir que estava reduzido a um único castelo,
falto de tudo o necessário, e o quanto melhor era ter uma paz sem sangue do que
uma guerra desastrosa. Mitridates não deu logo resposta a estes discursos, porque
com toda a razão desconfiava dos conselhos do prefeito, o qual tinha seduzido
uma das suas concubinas e por dinheiro era capaz de cometer todas as maldades.
Entretanto, Caspério chegava à corte de Farasmanes e lhe rogava quisesse mandar
que o cerco se levantasse. Mas ele o entretinha com muito boas palavras em
público e, aumentando-lhe assim cada vez mais as esperanças, enviava, neste
meio-tempo, correios ao filho, dizendo-lhe que por qualquer modo que fosse se
apressasse em tomar o castelo. Dobra-se então o prémio da iniquidade, e Polião,
por ocultas seduções, consegue que os soldados peçam a paz e o ameacem de que
se vão retirar se ela se não assina. Nestas circunstâncias tão críticas, Mitridates dá
o dia e o lugar para se fazer o tratado e sai enfim do castelo.
47. Radamisto, na primeira entrevista que teve com o tio, desfazendo-se em
carícias e abraços para com ele, afectou todo o respeito e estimação e não ces-
sava de o chamar seu sogro e seu pai32. Afirmou-lhe ainda com juramento que
nunca empregaria contra ele nem o ferro nem o veneno, e o convidou para irem
a um bosque vizinho, aonde (lhe disse) estava preparado um sacrifício para que
os deuses fossem testemunhas da sua sincera amizade33. Costumam estes reis,
quando fazem a paz, dar as suas mãos direitas e depois estreitamente ligar com
um cordão os seus dedos polegares e, logo que o sangue, por efeito da compres-
são, se espalha pela cútis, fazem então uma pequena ferida, chupam-na – e isto
é o que entre eles se chama uma aliança misteriosa, porque é consagrada pelo
sangue dos dois aliados. Porém aquele que estava destinado para lhes fazer a
ligadura finge tropeçar e cair e, neste mesmo tempo, se agarra às pernas de

32 Tradução de Ac primo Radamistus in amplexus eius effusus simulare obsequium, socerum


ac parentem appellare («De início, Radamisto entregando-se aos abraços daquele, finge
gentileza e trata-o como sogro e pai»).
33 Tradução de ut diis testibus pax firmaretur («para que se firmasse a paz tendo os deuses
por testemunho»).
294 ANAIS

Mitridates e o lança por terra. Acodem muitos outros que lhe deitam algemas e
o conduzem com grilhões aos pés, o que é para os bárbaros a maior afronta
imaginável. O povo, ao ver isto, porque havia sido por ele tiranicamente tratado,
acumula-lhe ainda mil impropérios e até o ameaça com pancadas, apesar de que
também ainda se achassem indivíduos que se compadeciam de uma tão terrível
mudança de fortuna. A mulher e seus filhos crianças, que o tinham acompanha-
do, faziam ressoar os ares com agudos lamentos e, neste estado miserável, são
todos encerrados em diversos carros cobertos e os fazem marchar para irem
receber as últimas ordens de Farasmanes. Este, ainda que estimasse em mais a
posse de um reino do que as vidas de um irmão e de uma filha e tivesse o cora-
ção já disposto para executar a mais atroz de todas as maldades, não se atreveu,
contudo, a fazê-los morrer à sua vista. O mesmo Radamisto, como se tivesse
escrúpulos de faltar ao juramento, não quis também assassinar o tio e a irmã
com ferro ou com veneno, porém mandou-os deitar no chão e os fez envolver
em muita roupa com que foram sufocados. Os filhos de Mitridates, só porque
choravam a morte de seus pais, foram igualmente privados da vida.
48. Sabendo enfim Quadrato como Mitridates havia sido tão horrorosamente
enganado e que os seus assassinos estavam de posse do reino, convocou um
conselho em que expôs tudo o que havia acontecido, perguntando se convinha
tomar vingança deste facto. Muito poucos mostraram ter interesse pela glória de
Roma, e a maior parte foi de parecer que se seguisse o caminho mais seguro,
dando as seguintes razões: que todos os crimes estrangeiros nos deviam causar
grande alegria e que por isso até era sumamente proveitoso atiçar estas desor-
dens, como muitos príncipes romanos já tinham praticado, dando expressamente
em donativo esta mesma Arménia, só para pôr em desassossego os ânimos dos
bárbaros. Desta sorte se devia deixar Radamisto gozar em paz de todo o fruto da
sua perversidade, contanto que se tornasse cada vez mais odioso e infame,
porque então nos aproveitaria isto mais do que se por meios gloriosos ele tives-
se adquirido aquele trono. Foi esta a resolução que se tomou; mas, ao mesmo
tempo, para que não parecesse que aprovávamos tais atrocidades, e enquanto se
não sabia se o César mandaria outra coisa em contrário, intimou-se a Farasma-
nes que desistisse da Arménia e obrigasse o filho a retirar-se.
49. Era então procurador da Capadócia Júlio Peligno, tão desprezível e ridí-
culo pelas qualidades do espírito como pela figura do corpo, porém, apesar
disso, muito valido de Cláudio, que, no tempo de simples particular, folgava
muito de entreter a sua fútil ociosidade divertindo-se com bobos. Este Peligno,
reunindo todas as tropas auxiliares com as intenções, como dizia, de ir recon-
quistar a Arménia, principiou a sua campanha roubando mais cruelmente os
aliados do que os próprios inimigos, pelo que, vendo-se imediatamente desam-
parado dos seus e atacado pelos bárbaros e não tendo a quem recorrer, foi valer-
-se do próprio Radamisto, o qual não tardou em corrompê-lo com dádivas,
fazendo até que por ele fosse convidado para tomar o título e o diadema real, a
LIVRO XII 295

cuja cerimónia assistiu como conselheiro e ministro. Mas, assim que a fama
divulgou semelhantes torpezas, para que o mundo não pensasse que todos os
generais romanos eram do carácter de Peligno, foi escolhido o legado Helvídio
Prisco para partir com uma legião e ir remediar estas desordens segundo as
circunstâncias o pedissem. Atravessando rapidamente o monte Tauro, já ele
tinha pacificado tudo, mais pela sua moderação do que pela força, quando
recebeu ordem de voltar para a Síria, a fim de que os Partos não tivessem moti-
vos para renovar a guerra.
50. Sucedia que neste tempo Vologeses, julgando a ocasião oportuna de
ocupar a Arménia que os seus antepassados já tinham possuído e que agora, por
efeito de um crime horroroso, estava nas mãos de um estranho, começava a
ajuntar tropas e se dispunha a dar aquele reino a seu irmão Tiridates, para que
nenhum da sua família deixasse de ser monarca. Com a entrada dos Partos,
fugiram logo os Iberos sem ser preciso recorrer a uma batalha, e as cidades
Artáxata e Tigranocerta abriram as suas portas aos vencedores34. Mas um
rigoroso Inverno que sobreveio, a pouca cautela de não formar armazéns e uma
epidemia que, por todas estas causas, se originou, forçaram Vologeses a desistir
da empresa. Radamisto foi, em consequência, invadir de novo a Arménia;
porém, mais feroz do que nunca, começou logo a tratar os povos não só como
rebeldes, mas como a quem ainda muito temia para o futuro. Contudo os Armé-
nios, posto que afeitos à escravidão, perderam enfim a paciência e foram em
armas cercar-lhe o palácio.
51. Radamisto não deveu o escapar-se senão à velocidade dos seus cavalos
em que fugiu, e sua mulher. Mas esta, que estava pejada (e que só pelo medo
dos inimigos e o muito amor que tinha ao marido pôde ao princípio suportar os
incómodos da jornada), assim que, por efeito da muita diligência com que
faziam as marchas, entrou a sentir grandes revoluções e dores no ventre, come-
çou também a pedir logo ao marido que a matasse, para se livrar desta sorte com
honra dos horrores do cativeiro. Ele, deitando-se em seus braços, procurava dar-
-lhe ânimo e lhe fazia mil exortações, ora cheio de pasmo pela sua rara virtude
ora atormentado com a ideia de que ela viesse a cair em outras mãos; até que,
enfim, cego de amor e como homem já costumado aos crimes, tira do alfange,
fere-a e a deita no rio Araxes, para que nem o seu cadáver fosse descoberto.
Feito isto, partiu rapidamente para os Iberos, aonde governava seu pai. Entre-
tanto alguns pastores descobriram Zenóbia (que assim se chamava a mulher de
Radamisto), a qual, detida em um remanso, ainda respirava e dava alguns sinais
de vida: e como, pela beleza da sua figura, desconfiassem que seria pessoa de
alta qualidade, curam-lhe as feridas, aplicando-lhes alguns remédios rústicos; e
tanto que sabem o seu nome e as suas desgraças, a conduzem para a cidade de

34 Tradução de iugum accepere («aceitaram o jugo»).


296 ANAIS

Artáxata. Transportada dali à custa do público para o palácio de Tiridates, foi


por ele honrosamente recebida e depois tratada com toda a real magnificência.
52. No consulado de Fausto Sula e Sálvio Otão35, foi punido com desterro
Fúrio Escriboniano por consultar os mistérios dos Caldeus sobre a morte do
príncipe. E, por ter parte no mesmo crime, foi igualmente acusada sua mãe,
Víbia, servindo para isto de pretexto a impaciência com que levava a sua des-
graça, porque se achava também desterrada. O pai de Escriboniano era Camilo,
que precedentemente se tinha revoltado na Dalmácia36, e o César contava agora
como um exemplo da sua incomparável clemência o conservar por duas vezes a
vida a uma família de rebeldes. Contudo não viveu muito este desterrado e
promiscuamente se espalhou que morrera de morte natural e de veneno 37. Para
lançar fora da Itália os matemáticos ou astrólogos38, se lavrou um senátus-
-consulto atroz e por isso sem efeito. Fez depois, em um discurso, muitos elo-
gios o príncipe a todos os que, achando-se em pobreza, pedissem a sua demis-
são do senado e ameaçou de expulsar aqueles que, obstinando-se em guardar os
seus lugares, quisessem, segundo ele dizia, juntar a impudência à pobreza.
53. Entre estas coisas também se propôs no senado a declaração de uma pena
contra as mulheres que se casassem com escravos, e determinou-se que todas
aquelas que se aviltassem até este ponto, sem que o senhor do escravo o soubes-
se, ficassem suas escravas e, se o consentisse, passassem tão-somente para a
condição de libertas. O cônsul designado Bárea Sorano votou que a Palas – o
qual, segundo afirmava o César, tinha sido o inventor da lembrança deste regu-
lamento – se conferissem as insígnias de pretor e se desse uma gratificação de
quinze milhões de sestércios. Cornélio Cipião acrescentou ainda mais, porque
disse devia receber os agradecimentos públicos, pois que, sendo descendente
dos reis de Arcádia, antepunha o bem da república à sua antiquíssima nobreza e
lhe preferia o ser um dos servos do príncipe. Cláudio, respondendo a tudo isto,
asseverou que Palas se contentava unicamente com as honras e que desejava
continuar a viver no seu anterior estado de pobreza. Assim, mandou-se publi-
camente gravar sobre o bronze um senátus-consulto em que este liberto, possui-
dor de trezentos milhões de sestércios, era magnificamente elogiado como um
exemplo raro de antiga frugalidade.
54. Não se mostrava, porém, tão moderado um seu irmão, que tinha o sobre-
nome de Félix, e que, sendo havia já muito tempo governador da Judeia, cometia

35 Ano de 52 d. C.
36 Em 41.
37 Tradução de morte fortuita an per uenenum extinctus esset, ut quisque credidit, uulgauere
(«divulgaram que tinha findado de morte natural ou por veneno, segundo cada um
acreditou»).
38 Tradução de mathematicis («astrólogos»).
LIVRO XII 297

ali impunemente todos os crimes, fiado no grande valimento de Palas. Com


efeito, os Judeus tinham todo o ar de um povo revoltado, depois da sedição exci-
tada pela ordem que tiveram de colocar no seu templo a estátua de Calígula e,
apesar de que, pela morte do príncipe, ela não se chegasse a executar, temiam,
contudo, ainda que outro novo imperador a renovasse. No entanto Félix, pelas
suas imprudências, dava causa a se agravarem estes males e tinha por imitador
das suas crueldades a Ventídio Cumano, outro homem tão perverso como ele e
que governava uma parte da província. Estava esta dividida pela forma seguinte: a
nação dos Galileus pertencia ao governo de Ventídio e a dos Samaritanos ao de
Félix, ambas já desde longo tempo inimigas e agora muito mais indispostas uma
contra a outra pelo pouco caso que faziam dos seus governadores. Começando,
portanto, os Galileus e os Samaritanos a atacar-se mutuamente, faziam irrupções
com bandos de salteadores, ora formando emboscadas ora batendo-se em comba-
tes regulares, e, deste modo, juntavam muitos despojos e riquezas, de que faziam
grandes presentes aos dois procuradores. Estes ao princípio folgavam muito com
o negócio, mas, como as coisas se tornassem depois mais sérias, foi então preciso
empregar a força militar, e os seus soldados foram derrotados e mortos. Toda a
província teria nesta ocasião ardido em guerra se Quadrato, governador da Síria,
não lhe houvesse posto termo. Os Judeus, que tinham morto os soldados, foram
prontamente punidos com a pena capital; porém, a respeito de Cumano e de Félix,
para o processo dos quais também Cláudio tinha dado autoridade, depois de ouvir
os motivos desta rebelião, foi preciso a Quadrato proceder com mais circuns-
pecção e reserva. A fim de salvar Félix e impedir as terríveis acusações que se
preparavam contra ele, lembrou-se Quadrato de o nomear juiz e, nesta qualidade,
o fez entrar no tribunal: pagou, por conseguinte, tão-somente Cumano pelos
crimes de ambos dois, e a província tornou a sossegar.
55. Passado pouco tempo, as nações selvagens dos Cílices, que têm o apelido
de Cietas, já por outras muitas vezes revoltadas e agora conduzidas por Troxó-
boro, foram fortificar-se em montanhas escabrosas. Fazendo dali contínuas
correrias até às praias do mar e às cidades, causavam grandes perdas aos culti-
vadores e cidadãos e, muitas vezes, até se atreviam a atacar os negociantes e as
guarnições dos seus navios. Chegando também a pôr cerco à cidade de Anemúrio,
derrotaram o prefeito Cúrcio Severo, que tinha vindo da Síria para socorrê-la,
mas que, não trazendo senão cavalaria e não a podendo empregar em um terreno
montanhoso e áspero, nunca pôde dar-lhes batalha. Afinal, Antíoco, rei daquele
país, levando o povo com doçura e tecendo enganos ao seu chefe, chegou a
semear a divisão entre o exército dos bárbaros e, conseguindo depois dar a
morte a Troxóboro e a poucos dos que tinham maior autoridade, pacificou os
outros pelo seu bom modo e clemência.
56. Neste mesmo tempo se mandou romper um monte entre o lago Fúcino e
o rio Líris e, para que a magnificência da obra pudesse ser mais bem admirada,
dentro do mesmo lago se fizeram todos os preparos para o espectáculo de um
298 ANAIS

combate naval, semelhante a outro que Augusto já tinha dado em uma lagoa que
abriu para cá do Tibre, porém que não foi tão notável por serem as embarcações
mais pequenas e em muito menor número. Cláudio mandou aparelhar muitas
galeras de três e quatro ordens de remos39 e as guarneceu com dezanove mil
homens. Todo o lago estava cercado de batéis, para impedirem que nenhum dos
combatentes fugisse, e ficava ainda um espaço suficiente para a manobra dos
pilotos e para os diferentes ataques dos navios. Sobre os pequenos batéis esta-
vam em armas todas as tropas pretorianas, que tinham por diante certos parapei-
tos donde com as máquinas de guerra40 podiam fazer diferentes tiros se assim
fosse necessário. O restante do lago era todo ocupado pelos combatentes que
estavam sobre navios cobertos. Uma multidão imensa de povo, vindo dos muni-
cípios vizinhos, e muitos habitantes de Roma, que, ou por curiosidade ou por
agradarem ao príncipe, haviam concorrido, estendiam-se desde as margens do
lago e desde a raiz dos outeiros até ao cume dos montes, em forma de anfiteatro.
Cláudio presidiu a esta festa vestido com um paludamento riquíssimo e perto dele
esteve Agripina com uma capa toda brilhante e recamada de ouro41. Todos estes
infelizes combatentes, apesar de serem criminosos, pelejaram com toda a coragem
e bizarria dos homens valentes e, depois de haverem já recebido muitas e mútuas
feridas, deu-se por acabado o espectáculo para se lhes pouparem as vidas.
57. Finalizado o combate, abriu-se o canal para se escoarem as águas, o qual
logo se viu ser defeituoso, por se não ter aberto até o fundo ou pelo menos até o
meio do lago. Por este motivo, só passado algum tempo se lhe pôde dar a altura
competente e, para entretanto distrair a multidão, se lhe anunciou ainda o es-
pectáculo dos gladiadores, formando para isto um grande tablado sobre o qual
ele se pudesse executar. Mas, havendo-se destinado para o banquete aquele
mesmo lugar por onde se despejavam as águas, tiveram os convidados de passar
por um grande susto porque, levando após si a corrente tudo o que lhe ficava
diante, fez estremecer toda a gente que se achava mais próxima e produziu em
todos um terror universal pelo não esperado estrondo e fragor. Então, Agripina,
aproveitando-se do susto de Cláudio, acusou fortemente Narciso, o director
desta obra, de haver roubado e metido na algibeira o dinheiro que estava desti-
nado para a sua perfeita execução, ao que ele não deixou de responder, acusan-
do-a também de toda a sua feminil tirania e de seus ambiciosos intentos.
58. Sendo cônsules Décimo Júnio e Quinto Hatério42, Nero, que já tinha feito
dezasseis anos, casou-se com Octávia, filha do César. E, porque se quisesse
fazer célebre pelos seus bons estudos e pela glória da eloquência, tomou a

39 Tradução de triremis quadriremisque («trirremes e quadrirremes»).


40 Tradução de catapultae ballistaeque («catapultas e balistas»).
41 Tradução de chlamyde aurata («uma clâmide de ouro»).
42 Ano de 53 d. C.
LIVRO XII 299

defesa dos povos de Ílio, fazendo ver com toda a elegância como os Romanos
eram oriundos de Tróia, como Eneias era o progenitor da família Júlia e outras
mil coisas antigas, que têm muito ar de fabulosas; e, por este modo, obteve que
os Ilienses ficassem isentos de todos os públicos encargos. Sendo ele também o
orador, a colónia Bononiense, que tinha ficado arruinada por um incêndio,
recebeu um donativo de dez milhões de sestércios. Recuperaram os Ródios a
liberdade, por muitas vezes dada e por outras muitas suprimida, conforme os
bons serviços que nos tinham feito nas guerras estrangeiras ou as sedições
internas que haviam formado contra nós; e os Apamenses, pelas grandes perdas
recebidas por um terremoto, ficaram por cinco anos livres de tributos.
59. No meio de tudo isto, Cláudio era instigado a perpetrar mil crueldades
pelos artifícios de Agripina, que também perdeu a Estatílio Tauro, homem
extraordinariamente rico, e a quem fez acusar por Tarquício Prisco, só porque se
queria apossar dos seus jardins. Este Prisco, que havia sido legado de Tauro
quando ele fora procônsul da África, logo na sua volta do governo o entrou a
arguir frouxamente de algumas concussões, empregando-se todo em lhe atribuir
os supersticiosos mistérios da mágica. Mas ele, tendo por baixeza suportar por
mais tempo tão indigno e falso acusador, assim como o fazer a figura de acusa-
do, matou-se antes de ouvir a sua sentença. Sabido isto, foi Tarquício expulso
da cúria e desta vez a indignação dos padres contra o delator chegou a valer
mais do que as intrigas de Agripina.
60. Neste ano, em muitas ocasiões, tinha dito o príncipe que deviam ter tanta
força as sentenças proferidas pelos seus procuradores como as que ele mesmo
desse em pessoa; e, para que não parecesse que só dizia isto ao acaso, fez com
que o senado por um decreto confirmasse e ampliasse estes seus desejos, ainda
mais extensamente do que antes se praticava. E assim aconteceu, porque o
divino Augusto só tinha ordenado que as leis e as sentenças dos cavaleiros
presidentes do Egipto tivessem tanto vigor como as dos magistrados romanos e,
depois, se lhes concedeu que nas outras províncias e até dentro de Roma conhe-
cessem das causas que eram antes da competência dos pretores. Cláudio, porém,
lhes abandonou por inteiro toda a jurisdição sobre a qual já tantas vezes se tinha
disputado, ora com intrigas ora com as armas, quando pelas leis Semprónias a
ordem equestre ganhou a prerrogativa de julgar, quando pelas leis Servílias
passou esta segunda vez para o senado e quando, enfim, pela mesma prerrogati-
va, Mário e Sula andaram particularmente em guerra. Deve-se, contudo, advertir
que nestas épocas faziam diferentes partidos as diferentes ordens do estado, e
aquela que ficava vencedora ganhava todo o poder público. Gaio Ópio e Corné-
lio Balbo foram os primeiros que, à sombra de Júlio César, decidiram como
soberanos da paz e da guerra; depois destes nada fez ao caso referir os Mácios e
os Védios e outros mais nomes de cavaleiros romanos muito poderosos, quando
vimos Cláudio dar tanta jurisdição, como ele tinha, e tinham os magistrados e as
leis, aos próprios libertos que lhe cuidavam da fazenda.
300 ANAIS

61. Passado isto, propôs no senado a isenção de todos os tributos para os


habitantes da ilha de Cós e se estendeu muito sobre a sua antiguidade. Disse que
os Argivos ou Ceu, o pai de Latona, foram os primeiros que habitaram esta ilha
e que, depois, com a vinda de Esculápio, se introduzira ali a medicina, aonde
fizera grandes progressos, principalmente entre os indivíduos da sua descendên-
cia, de cada um dos quais não só referiu miudamente os nomes, porém o tempo
em que viveram. Acrescentou mais: que Xenofonte, com quem ele se curava,
era da mesma família e que, por isso, se lhe devia conceder, já que assim o
requeria, que os moradores de Cós habitassem para o futuro, livres de toda a
espécie de tributos, esta ilha santa e sagrada, que só convinha se ocupasse no
culto do seu deus. Não havia dúvida alguma de que se podiam apontar muitos
factos, e até algumas batalhas, em que estes insulares tinham feito ao povo
romano serviços importantes; porém Cláudio, pela sua imbecilidade natural,
nem sequer soube corar com estes motivos plausíveis a graça que só fazia pelo
peditório do seu médico43.
62. Os Bizantinos, tendo alcançado licença para falar e pedindo aos padres que
lhes diminuíssem também o grande peso dos tributos, mencionaram todas as anti-
gas razões em que se fundavam para isto, principiando pela aliança que haviam
feito connosco na guerra que tiveram com aquele rei de Macedónia chamado
vulgarmente pseudo-Filipe, por ser indigno de tal nome. Referiram depois os
socorros que nos tinham dado contra Antíoco, Perseu e Aristonico, quanto na
guerra dos piratas tinham auxiliado António, os oferecimentos que haviam feito a
Sula, a Luculo e Pompeio e, afinal, os serviços modernos praticados com os Césa-
res, servindo sempre a sua cidade, por mar e por terra, tanto para a passagem dos
nossos exércitos44 como para o transporte das suas munições.
63. Com efeito, os Gregos edificaram Bizâncio na extremidade da Europa,
sobre o Bósforo mais estreito que a separa da Ásia, e a razão que a isso os
determinou foi que, consultando o oráculo de Apolo Pítio para saberem em que
parte fundariam a cidade, tiveram como resposta que escolhessem um lugar
oposto à terra dos cegos. Por este enigma eram designados os Calcedónios, que,
sendo os primeiros que ali aportaram e podendo aproveitar os melhores sítios do
país, escolheram por fim o pior. Acha-se realmente Bizâncio em um terreno
fértil e sobre um mar fecundo, porque a imensa quantidade de peixes que sai do
Ponto Euxino, atemorizando-se com os muitos e oblíquos rochedos que estão à
flor da água na margem oposta, vem toda abrigar-se a estas praias. Em razão
disto, foram os Bizantinos em outro tempo muito comerciantes e ricos, mas,

43 Tradução de sed Claudius facilitate solita quod uni concesserat nullis extrinsecus adiu-
mentis uelauit («mas Cláudio não escondeu com apoios externos o que a um só concedera
por habitual facilidade»).
44 Tradução de ducibus exercitibusque («de generais e de exércitos»).
LIVRO XII 301

oprimidos depois com onerosos tributos, pediam agora que estes fossem aboli-
dos de todo ou pelo menos diminuídos. Favorecia o príncipe o seu requerimento
e propôs que deviam ser aliviados em atenção ao muito que, ainda havia pouco
tempo, tinham padecido com as guerras da Trácia e do Bósforo. Perdoaram-se-
-lhes conseguintemente os tributos por espaço de cinco anos.
64. Os contínuos prodígios acontecidos no consulado de Marco Asínio e
Mânlio Acílio45 deram a conhecer que tudo se preparava para ir de mal a pior:
as bandeiras e as barracas dos soldados viram-se abrasadas pelo fogo celeste; no
cume do Capitólio foi pousar um enxame de abelhas; nasceram crianças com
parte de figura humana e parte de bruto46; e, ainda para mais, apareceu um
porco com unhas e garras de açor. Olhava-se também como uma portentosa
maravilha o pequeno número de magistrados que então existia em todas as
classes, havendo dentro de poucos meses morrido um questor, um edil, um
tribuno, um pretor e um cônsul. Porém o que mais aterrou Agripina foram as
palavras que Cláudio, no meio da sua embriaguez, tinha proferido, dizendo que
o seu mau fado o havia destinado a sofrer sempre os flagícios das mulheres e a
ver-se depois obrigado a puni-las. Nestas circunstâncias, ela cuida logo em
acelerar os seus projectos, principiando por deitar a perder Domícia Lépida, só
para satisfazer ciúmes e vinganças feminis, porque, sendo Domícia filha da
jovem Antónia, sobrinha de Augusto, prima da mãe de Agripina e irmã do seu
primeiro marido, Gneu Domício, tinha-se por sua igual em nobreza. Nem, com
efeito, havia disparidade entre elas no tocante à formosura, aos anos e riquezas:
e até ambas, impudicas, infames e atrozes, emparelhavam tão perfeitamente nos
vícios como nos dons da fortuna. As suas principais desavenças tinham a sua
origem na acesa briga em que andavam sobre qual das duas, a tia ou a mãe,
havia de ter maior ascendência no ânimo de Nero. Lépida, pelos seus muitos
carinhos e dádivas, sabia atrair e prender o coração do mancebo, ao passo que
este achava sempre sua mãe, Agripina, violenta e severa, querendo, sim, dar-lhe
o império, porém disposta a nunca se lhe querer sujeitar.
65. Os crimes de que Lépida foi arguida eram de ter empregado encanta-
mentos e feitiços para obstar ao casamento do príncipe e de não cuidar em coibir,
como convinha, o imenso número de escravos que tinha na Calábria, com os
quais perturbava a tranquilidade da Itália. Por tudo isto, teve sentença de morte,
apesar da vigorosa oposição de Narciso, que, receando-se cada vez mais de Agri-
pina, é fama constante dissera aos seus amigos que já contava com a última
desgraça, quer Britânico ou Nero viessem a ser imperadores; contudo eram tantas
as obrigações que devia ao César que estava determinado a sacrificar-lhe a sua

45 Ano de 54 d. C.
46 Tradução de biformis hominum partus (literalmente, «partos biformes de homens», o que
pode significar «crianças com duas cabeças» ou «hermafroditas»).
302 ANAIS

vida. Já ele tinha acusado Messalina e Sílio e novos motivos também tinha agora
para ser o acusador de Agripina, a fim de que Nero não imperasse47. É verdade
que nenhuma recompensa poderia ele esperar de Britânico se este fosse o sucessor
do império, mas o consentir que a madrasta, por suas insidiosas intrigas, trans-
tornasse toda a ordem na família imperial lhe parecia ainda coisa mais criminosa
do que se tivesse consentido ou calado as abominações da primeira mulher, quan-
do Agripina não era menos impudica do que Messalina, e as provas eram os seus
adultérios com Palas. Certamente ninguém podia duvidar que tal era a ambição
que Agripina tinha de governar que não se lhe dava de lhe sacrificar tudo, até a
honra, o pudor e o seu mesmo corpo, contanto que pudesse conseguir seus inten-
tos. Repetindo constantemente estas e outras coisas semelhantes, abraçava-se com
Britânico, mostrava-lhe os desejos que tinha de o ver bem depressa chegado a
todo o vigor dos seus anos e, erguendo umas vezes as mãos para o céu e outras
para ele, lhe dizia que em boa hora crescesse para castigar os inimigos de seu pai
e até mesmo para vingar-se dos assassinos de sua mãe.
66. No meio de tamanhos cuidados em que se achava Narciso, sucede que
Cláudio cai gravemente doente e parte para Sinuessa, a fim de experimentar se,
tomando aqueles belos ares e com a salubridade das águas, se podia restabele-
cer. Então, Agripina, que já de muito antes trazia em vista seu horroroso pro-
jecto e para o qual se lhe oferecia agora uma tão boa ocasião, não lhe faltando
os ministros necessários, só hesitou na qualidade do veneno. Era preciso que
nem fossem muito prontos os seus efeitos, porque poderia ser o crime desco-
berto, nem também muito lentos e visíveis, porque era para temer que, chegan-
do Cláudio aos últimos instantes da vida e conhecendo o assassínio, se voltasse
neste caso para o filho – escolheu-se, pois, um que lhe tirasse o juízo e lhe
prolongasse os sintomas da morte. Para executar este atrocíssimo delito, foi
convidada Locusta, uma mulher que, ainda havia pouco, tinha sido condenada
por crimes de veneno e que, por muito tempo também, ainda depois, se conser-
vou como um dos instrumentos mais eficazes do trono. Pela sua arte se prepa-
rou a peçonha e, para a ministrar, foi encarregado o eunuco Haloto, que tinha a
principal intendência das iguarias e mesa do príncipe.
67. Todos estes mistérios de iniquidade se fizeram tão públicos, afinal, que
os escritores do tempo referem que o veneno lhe fora sugerido em um delicioso
guisado de cogumelos de que ele muito gostava e que ao princípio se não pude-
ra conhecer o seu violento efeito, porque se duvidava se o estado de Cláudio era
um simples resultado do seu carácter estúpido ou de casual embriaguez: além
disto, uma soltura de ventre, que lhe sobreveio na mesma ocasião, fez crer que
poderia escapar. Em consequência disto, já muito assustada Agripina, e não
fazendo caso de cair na indignação dos presentes para evitar o futuro, foi acon-

47 Texto corrompido.
LIVRO XII 303

selhar-se com o médico Xenofonte, a quem já de antemão também tinha prepa-


rado. Conta-se que ele, fingindo querer ajudar o vómito de Cláudio, lhe metera
na garganta uma pena muito subtilmente envenenada, conhecendo muito bem
que o perigo nos grandes crimes só está em começá-los porque, uma vez perpe-
trados, é certa a recompensa.
68. Entretanto, já se tinha convocado o senado; os cônsules e os sacerdotes
faziam preces aos deuses pela saúde e vida do príncipe, que já não existia, mas a
quem ainda sobrecarregavam de muita roupa e faziam muitas fomentações, tudo
para ganhar tempo e preparar as coisas de modo que Nero fosse aclamado
imperador. O primeiro cuidado de Agripina foi, portanto, o de distrair a Britâni-
co e, fingindo-se na mais dolorosa agonia e como quem buscava achar consola-
ções, abraçava-se estreitamente com ele, dizia-lhe que era um verdadeiro retrato
do pai e, por tais artifícios, assim o soube entreter para que não saísse do seu
quarto. Com invenções semelhantes, também conseguiu desviar as duas irmãs
do mancebo, Antónia e Octávia, e, tendo sentinelas a todas as portas, constan-
temente fazia publicar que ia melhor a saúde do príncipe, para assim conservar
sempre com lisonjeiras esperanças a tropa e dar tempo a que os oráculos caldai-
cos marcassem o instante favorável.
69. Finalmente, aos três dos Idos de Outubro48 e à hora do meio-dia, de
repente se abrem as portas do palácio, e Nero, acompanhado por Burro, se
dirige à coorte que ali fazia a guarda do costume. Por insinuações do prefeito,
sendo bem recebido com vivas, meteu-se na liteira. Refere-se que alguns dos
soldados estiveram por um pouco indecisos e que, olhando para todos os lados,
perguntaram muitas vezes por Britânico. Mas, não vendo pessoa alguma que
mostrasse oposição, resolveram-se então a aceitar o que lhes davam. Nero,
partindo depois para os quartéis e fazendo um discurso aos soldados próprio da
ocasião, promete-lhes um donativo igual ao que seu pai Cláudio já em outro
tempo lhes dera, e é aclamado imperador. O senado confirmou o que a tropa
tinha feito, e as províncias nenhuma dúvida puseram. Decretaram-se a Cláudio
as honras celestes e o seu funeral se fez com a mesma pompa com que já se
tinha feito o de Augusto, querendo agora Agripina igualar-se em magnificência
com sua bisavó Lívia. Não se leu em público o seu testamento para que se não
escandalizasse o povo, nem fizesse algum levantamento, vendo que ao próprio
filho tinha Cláudio preferido o enteado.

48 Dia 13 de Outubro.
LIVRO DÉCIMO TERCEIRO

1. A primeira morte que se perpetrou em o novo principado foi a de Júnio


Silano, procônsul da Ásia, de que Nero não teve notícia e para a qual só concor-
reram as intrigas de Agripina. Nem ele lhe deu causa por ser de carácter altivo,
porque era tão frouxo e tão desprezado sempre tinha sido pelos príncipes ante-
cedentes que Gaio César o costumava vulgarmente chamar um «animal de
ouro». Contudo Agripina, que acabava de dar a morte a seu irmão Lúcio Silano,
temia que ele o quisesse vingar, principalmente porque no público corria um
rumor que, em lugar de Nero, que apenas tinha saído da infância e estava impe-
rador em consequência de um grande crime, era melhor que se nomeasse um
homem maduro pelos anos, probo e sem mancha, que fosse ilustre e, o que
ainda então era muito considerado, fosse também descendente da família dos
Césares. Com efeito, Silano era bisneto1 de Augusto: e esta foi toda a causa da
sua morte. Os instrumentos desta atrocidade foram Públio Célere, cavaleiro
romano, e o liberto Hélio, os quais ambos estavam na Ásia como procuradores
das rendas do príncipe. Por eles foi ministrado o veneno ao procônsul, quando
estavam jantando, e com tão pouca reserva que ninguém o ignorou. Com igual
prontidão, Narciso, liberto de Cláudio, e o mesmo de quem já contei as queixas
que tinha contra Agripina, viu-se forçado a matar-se dentro de uma áspera
prisão, aonde o reduziram à última extremidade das misérias humanas, apesar
de que o príncipe não tivesse essa vontade, pois que era um indivíduo que, pela
sua avareza e ao mesmo tempo pelas suas prodigalidades, convinha muito aos
seus vícios ainda solapados.
2. Os assassínios seriam cada vez mais frequentes se Afrânio Burro e Aneu
Séneca os não tivessem coibido. Ambos directores do jovem imperador e ambos
amigos, coisa muito rara entre os validos de palácio, tinham um igual mereci-
mento, fundado em virtudes diferentes. Burro fazia-se respeitar pelos seus
talentos militares e austeridade de costumes; Séneca, pela arte de ensinar a
eloquência e pelas graças e honesta amenidade de carácter: e de comum acordo
ambos se ajudavam para mais facilmente trazerem entretidos em limitados
prazeres os verdes anos do príncipe, caso que as lições da virtude só por si o
pudessem desgostar. O maior trabalho, porém, que eles tinham era o reprimir a
ferocidade de Agripina, que, devorada de todas as paixões filhas de uma perver-
sa ambição, era ajudada por Palas, pelos conselhos do qual se havia Cláudio
deitado a perder, fazendo um casamento incestuoso e uma funesta adopção. Não

1 Tradução de abnepos («trineto»).


306 ANAIS

era, contudo, assim Nero, que, por índole, não dava confiança aos escravos e já
via com desgosto a Palas, que, pela sua arrogância, passava os limites de um
liberto. Apesar disto, tratava a mãe em público com todas as honras, de sorte
que, indo-lhe pedir o tribuno o santo do dia, como se costuma na tropa, foi este
o que lhe deu: à melhor de todas as mães. O senado lhe concedeu por decreto
dois lictores e a dignidade de flamínia claudial e, ao mesmo tempo, se decretou
para Cláudio o funeral de censor e logo depois a apoteose.
3. No dia das exéquias, fez o príncipe o seu elogio. Enquanto falou da anti-
guidade da sua família, dos consulados e triunfos dos seus antepassados, esteve
ele sério, assim como todos os ouvintes. A enumeração dos seus belos estudos e
da fortuna externa de Roma em todo o tempo do seu governo foi igualmente
ouvida com muito interesse. Mas, assim que passou a elogiar Cláudio pela sua
prudência e juízo, ninguém pôde deixar de se rir, apesar de que o discurso,
sendo obra de Séneca, havia sido muito bem trabalhado e era digno do génio
brilhante do autor, muito conforme com o gosto do tempo. Contudo os velhos
que, pela sua ociosidade sempre costumam fazer comparações entre as coisas
passadas e presentes, notavam esta singular circunstância que, de todos os que
tinham sido imperadores, Nero era agora o primeiro que se servia da eloquência
dos outros. Porque o ditador César havia competido com os melhores oradores;
e Augusto teve uma eloquência pronta e corrente, como convinha a um prínci-
pe; Tibério conheceu muito bem a arte de ponderar as palavras, ou seja quando
queria ser vigoroso em pensamentos ou quando de propósito queria ser ininteli-
gível; o mesmo Gaio César, não obstante os furores da sua imaginação, não
deixou de possuir uma eloquência nervosa; e até ao mesmo Cláudio não faltou a
elegância, quando discorria sobre assuntos estudados. Nero, desde a sua primei-
ra idade, começou logo a aplicar para outros objectos o seu espírito inquieto:
exercitava-se nas artes do buril2, da pintura, da música vocal e do manejo dos
cavalos e, algumas vezes, nos versos que compunha mostrava não lhe faltarem
princípios.
4. Acabada que foi esta mera cerimónia de luto, apresentou-se no senado e,
principiando o seu discurso pela autoridade dos padres e o consentimento da
tropa, mencionou todos os bons conselhos e bons exemplos que tinha para bem
governar, acrescentando que, na sua mocidade, não tinha visto guerras civis nem
discórdias domésticas e, por consequência, que para ele não havia ofensas nem
ódios, nem desejos de vingança. Depois disto, delineou a marcha que estava
determinado a dar ao seu governo futuro, prometendo evitar todos os procedi-
mentos passados, de que ainda se conservava bem fresca a justa indignação.
Asseverou que nunca se constituiria juiz de todas as causas, porque, não podendo
ouvir-se fora do recinto do palácio as vozes dos acusadores e dos réus, a sorte

2 Tradução de caelare («cinzelar»).


LIVRO XIII 307

destes últimos viria, então, só a depender dos caprichos de alguns validos. Que da
sua corte desterraria a venalidade e as intrigas, e que os interesses da república
haviam de ser independentes dos negócios da sua casa. Que o senado gozaria de
toda a sua antiga jurisdição, e a Itália e as províncias do império ficariam sujeitas
ao tribunal dos cônsules, pelo qual passariam os seus requerimentos aos padres.
Quanto a ele, tomaria a seu cargo o comando das legiões.
5. Cumpriu, com efeito, a sua palavra; e muitas coisas se decretaram só por
autoridade do senado, como por exemplo que nenhum orador recebesse presen-
tes ou dinheiro pelas causas que defendesse, e que os questores designados não
tivessem obrigação de dar o espectáculo dos gladiadores. Tudo isto se fez contra
a vontade de Agripina, que não podia sofrer se derrogassem as determinações
de Cláudio, mas prevaleceram os padres, que tinham sido convocados para
dentro do palácio, a fim de que, entrando ela por uma porta oculta, pudesse atrás
de uma cortina ouvir dali, sem ser vista, tudo quanto se dizia. E a tanto chegou a
sua ousadia que, estando os embaixadores dos Arménios defendendo a causa da
sua nação na presença de Nero, pretendeu ela ir sentar-se no mesmo trono do
imperador e presidir com ele àquela cerimónia. O que teria sem dúvida executa-
do se, vendo Séneca a inquietação e receios em que todos estavam, não tivesse
aconselhado o príncipe que saísse imediatamente ao encontro da mãe, que já se
avizinhava3: desta sorte, com as aparências de respeito filial, impediu esta
vergonhosa indignidade.
6. No fim deste ano, se espalharam inquietos rumores de que os Partos ti-
nham de novo entrado na Arménia e estavam senhores dela, fazendo fugir
Radamisto, o qual, por tantas vezes já de posse, já expulso deste reino, agora
finalmente nem sequer se tinha aventurado a disputá-lo na guerra. Assim, em
uma cidade tão ávida de novidades, uns aos outros perguntavam como seria
possível que um príncipe, que apenas contava dezassete anos de idade, se pu-
desse haver com tão graves negócios ou pudesse desviá-los de si; que confiança
podia haver em um jovem mancebo governado por uma mulher; ou como era de
esperar que os seus dois mestres pudessem dirigir as batalhas, os cercos das
cidades e todas as mais operações militares. Outros, porém, raciocinavam desta
forma: que as coisas, assim mesmo, iriam melhor do que se Cláudio, incapaz
pela idade e pela sua natural estupidez4 e além disto governado por escravos,
fosse o que tivesse a seu cuidado esta guerra. Que Burro e Séneca eram dois

3 Tradução de quin et legatis Armeniorum causam gentis apud Neronem orantibus escendere
suggestum imperatoris et praesidere simul parabat, nisi ceteris pauore defixis Seneca
admonuisset, uenienti matri occurrere («E mais: estando os legados dos Arménios diante
de Nero a dizer a causa do povo, preparava-se para subir ao estrado do imperador e presidir
simultaneamente se Séneca, estando os restantes paralisados com pavor, não tivesse acon-
selhado [Nero] a ir ao encontro da mãe, que se aproximava»).
4 Tradução de inualidus senecta et ignauia («debilitado pela velhice e cobardia»).
308 ANAIS

homens de experiência conhecida e, quanto à pouca idade do imperador, pouca


mais também tinham Gneu Pompeio e César Octaviano, que sustentaram as
guerras civis: o primeiro só quando apenas contava dezoito anos, e o segundo
dezanove. Os que governavam faziam, de ordinário, acções mais brilhantes pela
influência dos bons conselhos do que pelo seu próprio braço e valor. E agora se
poderia enfim ver se Nero empregava ou não amigos que tivessem merecimento
e se, desprezando as intrigas e ciúmes, escolhia para general um homem verda-
deiramente capaz ou algum desses ricos que, sempre benquistos no palácio,
tudo compram pelo favor ou por dinheiro.
7. Enquanto estas e outras coisas semelhantes faziam o assunto das conver-
sações familiares, Nero mandava completar as legiões do Oriente com todas as
recrutas feitas nas províncias e dava ordem para que as mesmas legiões se
postassem perto da Arménia. Fazia saber aos dois antigos reis Agripa e Antíoco
que tivessem os seus exércitos prontos para, com eles, entrarem nas fronteiras
dos Partos logo que a ocasião lhes parecesse favorável e, ao mesmo tempo, que,
para se passar o Eufrates, se formassem muitas pontes. Deu também com os
títulos e as insígnias reais a Arménia Menor a Aristobulo e a província de
Sofene a Soemo, mas como felizmente, nesta mesma ocasião, tivesse Vologeses
que opor-se à rivalidade de seu filho Vardanes, por este motivo se retiraram os
Partos da Arménia, dando, contudo, a entender que somente diferiam a guerra
para tempo mais oportuno.
8. Dentro, porém, do senado, todas estas coisas eram pomposamente engran-
decidas pelos pareceres de todos aqueles que votaram que se dessem graças
públicas aos deuses, que nestes dias usasse o príncipe do vestido triunfal, que
fizesse a sua entrada em Roma com as honras da ovação e que, no templo de
Marte Vingador, se lhe erigisse uma estátua igual em grandeza à daquele
mesmo deus. Além destas adulações do costume, havia, contudo, um motivo
verdadeiro para todos estarem satisfeitos, vendo que se tinha nomeado Domício
Corbulão para o governo da Arménia: o que indicava que se ia abrindo caminho
para que as virtudes pudessem brilhar. As tropas do Oriente foram assim dividi-
das: uma parte dos aliados com duas legiões ficou na Síria às ordens do gover-
nador Quadrato Umídio; e outra igual força de Romanos e aliados, aumentada
com as coortes e cavalaria que estavam de quartéis de Inverno na Capadócia,
destinou-se para Corbulão. Os reis deviam obedecer, segundo as circunstâncias
da guerra, tanto a um como a outro general; contudo todos eles eram mais
afeiçoados a Corbulão, o qual, para sustentar a fama, que vale tudo em as novas
empresas, fez marchas forçadas para chegar ao seu destino. Achou, porém, já
em Egeias, cidade da Cilícia, seu colega Quadrato, o qual lhe havia tomado a
dianteira, para que Corbulão (no caso que entrasse na Síria para ir tomar o
comando das suas tropas) não levasse só as atenções, pois que era de uma
grande estatura, magnífico nas palavras e, além da sua muita experiência e
saber, tinha toda a arte de se fazer distinguir ainda nas coisas mais pequenas.
LIVRO XIII 309

9. Ao mesmo tempo, ambos os generais se correspondiam com o rei Vologe-


ses e o aconselhavam que abraçasse antes o partido da paz do que a guerra; e
que, dando reféns, continuasse a prestar ao povo romano aqueles mesmos sinais
de respeito que os maiores costumavam. Vologeses, ou por querer ganhar tempo
para melhor se preparar ou para com o pretexto dos reféns se desfazer dos
indivíduos de que mais desconfiava, entregou as pessoas mais ilustres da famí-
lia dos Arsácidas. Foram recebidas pelo centurião Insteio, enviado por Umídio
para tratar este negócio com o rei, e talvez com antecipação premeditada – o
que, vindo ao conhecimento de Corbulão, fez partir o prefeito de coorte Árrio
Varo e lhe ordenou que tomasse entrega dos reféns. Daqui nasceram debates
entre o centurião e o prefeito, mas, para que isto não desse por mais tempo que
falar aos bárbaros, escolheram-se para árbitros os mesmos reféns e os seus
condutores5. Todos estes preferiram para a entrega a pessoa de Corbulão não só
pelo efeito da sua glória recente, mas por uma certa afeição que ele sabia inspi-
rar até aos mesmos inimigos. Deste facto se originou a discórdia entre os dois
comandantes, queixando-se Umídio de que se lhe roubava o fruto das suas
negociações e, pelo contrário, replicando Corbulão que o rei tão-somente se
havia resolvido a dar este passo quando o vira nomeado general, com o que
todas as suas esperanças se tinham convertido em medo. Nero, para os conciliar
e pôr termo a estas desavenças, mandou publicar assim este sucesso: que pelas
acções, tão felizmente executadas por Quadrato e Corbulão, se laureassem os
fasces do príncipe. Estas coisas, porém, que acabo agora de referir, pertencem
em parte ao seguinte consulado.
10. No mesmo ano, o César pediu ao senado que se levantasse uma estátua a
seu pai, Gneu Domício, que se concedessem as insígnias consulares a Ascónio
Labeão, que havia sido seu tutor, e proibiu que à sua pessoa se erigissem está-
tuas maciças de ouro ou de prata, como alguns lhe ofereciam. Apesar de que os
padres também houvessem concordado em que o ano principiasse em Dezem-
bro, por ser o mês em que nascera Nero, não consentiu ele que se alterasse o
antigo costume das Calendas6 de Janeiro. Não quis igualmente que se procedes-
se contra o senador Carrinate Célere, acusado por um seu escravo, nem contra o
cavaleiro Júlio Denso, a quem se dava por culpa a sua amizade por Britânico.
11. Sendo cônsules Cláudio Nero e Lúcio Antístio7 e costumando jurar os
magistrados sobre as actas dos príncipes, proibiu ele que o seu colega Antístio
desse então este juramento sobre as suas. Ganhou com isto um grande aplauso
dos padres, que estavam persuadidos de que, animado o mancebo com a glória
destas coisas pequenas, aspiraria a outras maiores. Seguiu-se um novo acto de

5 Tradução de arbitrium rei obsidibus legatisque, qui eos ducebant, permissum («deixou-se o
arbítrio deste assunto aos reféns e legados que os conduziam»).
6 Dia 1.
7 Ano de 55 d. C.
310 ANAIS

benignidade em favor de Pláucio Laterano, que, expulso do senado pelos seus


adultérios com Messalina, tornou a ser nele admitido: e todas estas suas acções
de clemência eram corroboradas com muitos discursos que Séneca lhe compu-
nha e fazia repetir, ou para mostrar que sempre lhe inspirava coisas boas ou para
fazer ostentação de talento.
12. No entanto a autoridade da mãe ia pouco a pouco diminuindo, e mais
depois que Nero principiou a apaixonar-se por uma liberta chamada Acte, e
tinha por confidentes dois mancebos de uma rara beleza, Otão e Cláudio Sene-
cião: o primeiro, descendente de uma família consular, e o segundo, de um
liberto do César. No princípio ignorou isto Agripina, porém, apesar de toda a
sua oposição quando o veio a saber, conservaram eles sempre toda a sua ascen-
dência no coração do príncipe, em razão dos seus mútuos prazeres e gostos
equívocos. Nem os seus mais severos amigos julgavam também prudente emba-
raçar-lhe a tendência que tinha para uma mulher ordinária, porque, sem fazer
ofensa a ninguém, satisfazia as suas paixões. Além disso, mostrando ele um tal
aborrecimento por Octávia, sua esposa, não obstante ser tão nobre e virtuosa, ou
isto nascesse de uma certa fatalidade ou daquela lei geral que faz com que as
coisas ilícitas sejam sempre mais apetecidas, receavam, e com razão, que,
impedindo-lhe estes amores, passasse então a desonrar as matronas ilustres.
13. Agripina, porém, não podia ver sem uma forte indignação que uma li-
berta lhe roubasse todo o seu valimento e que uma criada lhe fizesse as vezes de
nora; e destas e outras muitas coisas se queixava abrasada em todos os ciúmes
feminis. Também não tinha paciência para esperar que o arrependimento ou a
saciedade e o tempo mudassem o coração do filho, pois quanto piores coisas lhe
dizia mais lhe acendia os desejos e, até com isto, chegou a fazer que, levado à
última loucura do amor, já não tivesse condescendência alguma com a mãe e se
desse todo aos conselhos de Séneca. Um particular amigo deste, chamado Aneu
Sereno, é quem no princípio tinha servido de capa para esconder os amores de
Nero com a liberta, porque, fingindo-se ele o namorado, afectava em público a
seu respeito todas as atenções que o príncipe lhe tributava em segredo. Mas
Agripina, mudando enfim de plano, começou então a tratar com muitos mimos
o filho e a oferecer-lhe o seu mesmo quarto e toda a sua confidência, para que o
mundo não fosse espectador do que era muito disfarçável nos seus verdes anos e
no alto lugar que ocupava. Agora já confessava quanto o seu nímio rigor havia
sido imprudente e lhe franqueava os seus imensos tesouros, que não valiam
menos do que os do próprio imperador, de maneira que tão austera havia sido
antes quanto passou depois a ser condescendente. Contudo nem por isso, com
esta mudança tão rápida, Nero se deixou enganar e, assustados os seus mais
íntimos amigos, não cessavam de o advertir que tivesse cautela com os ardis de
uma mulher sempre atroz e agora muito mais falsa do que nunca. Por acaso,
nesta mesma ocasião, vendo o César as riquíssimas alfaias que já tinham servi-
do de ornato a muitas esposas e mães de outros imperadores, escolheu entre elas
LIVRO XIII 311

um vestido e muitas pedras preciosas, de que fez um presente à mãe não só com
grande abundância e magnificência, mas até preferindo tudo quanto era mais
belo e mais digno de invejar-se. Respondeu, porém, Agripina que, longe de ver
nisto a generosidade de seu filho, antes via a expressa proibição de usar de tudo
o mais, esquecendo-se ele que tudo quanto tinha só dela o havia recebido.
14. Não faltou então quem se aproveitasse destas palavras para melhor per-
der Agripina. Achando-se, pois, Nero já muito indisposto contra todos aqueles
em quem a soberba da mãe mais se confiava, tirou a Palas a administração dos
negócios de que tinha sido incumbido por Cláudio, e nos quais se havia como
soberano absoluto. E era voz constante que, vendo-o retirar o príncipe e ir
acompanhado de uma numerosa comitiva, dissera então com muita galantaria:
lá vai Palas abdicar. Com efeito, era certíssimo que Palas tinha feito um ajuste
em virtude do qual se lhe não tomariam contas do passado nem se consideraria
responsável à república8. Mas este caso fez passar imediatamente Agripina a
tais furores e ameaços que, até mesmo diante do príncipe, para que melhor lhe
constasse, não se coibia de dizer que Britânico já estava em idade competente e
era o verdadeiro e legítimo sucessor do império, o qual Nero só agora possuía,
como intruso e adoptivo, para ultrajar a sua mãe. Já pouco lhe importava que se
revelassem todas as iniquidades cometidas contra esta família infeliz e, particu-
larmente, o seu matrimónio incestuoso e a sua propinação de veneno – porque,
por uma verdadeira providência sua e dos deuses, ainda se achava com vida o
enteado. Iria com ele apresentar-se às coortes pretorianas e então se ouviriam,
de uma parte a filha de Germânico e de outra o impotente Burro e o desterrado
Séneca, um com a sua mão mutilada e o outro com toda a sua eloquência das
escolas, ambos reclamando o governo do mundo. Repetindo isto, dava mil
voltas às mãos, acumulava os insultos e invocava a divindade de Cláudio, os
manes infernais dos Silanos e todas as suas atrocidades sem fruto.
15. Assustado Nero com isto e porque também já estava próximo o dia em
que Britânico fazia catorze anos, entrou a reflectir consigo mesmo tanto sobre
os atrevimentos da mãe como sobre o carácter do mancebo, de que havia pouco
acabava de dar notáveis indícios, granjeando com eles grandes aplausos no
público. Nas festas de Saturno, entre os muitos jogos com que ambos tinham
brincado em companhia de outros mancebos da mesma idade, haviam também
tirado à sorte o reinado, o qual caiu a Nero. Mandou então este fazer certas
coisas aos outros que não lhes causassem vergonha, mas, quando chegou a vez
de Britânico, ordenou-lhe que se erguesse e que, posto no meio da sala, cantasse
algumas cantigas, esperando por este modo metê-lo a ridículo porque, não

8 Tradução de sane pepigerat Pallas, ne cuius facti in praeteritum interrogaretur paresque


rationes cum re publica haberet («É certo que Palas tinha pactuado para que não fosse
interrogado sobre nenhum acontecimento passado e que se consideravam saldadas as suas
contas com o estado»).
312 ANAIS

estando sequer acostumado às sociedades ordinárias, com muita mais razão se


envergonharia em ajuntamentos tão tumultuosos. Mas ele, com todo o desemba-
raço, entrou a cantar certo hino alusivo à sua espoliação da herança paterna e
dos seus altos destinos. Esta circunstância deu lugar a que se manifestasse pela
sua pessoa uma verdadeira compaixão, porque a noite e a liberdade do tempo
também não davam ocasião a disfarces. Nero, conhecendo daqui como era
aborrecido, muito mais se inflamou nos seus ódios e, porque se via igualmente
perseguido pelos ameaços de Agripina, não podendo acusar o irmão de algum
crime e nem se atrevendo a mandá-lo matar publicamente, recorreu então a
tenebrosas perfídias. Fez com que se aprontasse o veneno e deu esta incumbên-
cia a Polião Júlio, tribuno de uma coorte pretoriana, o qual tinha debaixo da sua
guarda Locusta, esta famosa mulher, já condenada por envenenadora e muito
célebre por esta espécie de maldades. Para se poder fazer isto, havia todas as
facilidades, porque, de todas as pessoas que serviam e rodeavam Britânico,
nenhuma tinha fidelidade nem vergonha. A primeira porção de peçonha foi-lhe
ministrada pelos seus mesmos aios, mas não produziu algum efeito, causando-
-lhe só uma soltura de ventre ou porque na realidade não fosse muito forte, ou
porque já de propósito assim mesmo havia sido preparado para não matar de
repente. Porém Nero, que não podia sofrer demora neste crime, começou a
ameaçar o tribuno e até deu ordem para que se matasse Locusta, dizendo que,
pelas suas condescendências e por quererem salvar a sua reputação, não duvida-
vam pôr em risco a segurança do príncipe. Prometendo-lhe, enfim, que se daria
a Britânico uma morte tão rápida como se fosse perpetrada pelo ferro, perto da
mesma câmara de Nero, se preparou a composição do veneno, o mais pronto e
fatal, segundo as experiências que já antes se haviam feito dele.
16. Era costume comerem sentados os filhos dos príncipes em companhia dos
mancebos nobres da mesma idade, na presença dos parentes e em uma mesa
particular e menos aparatosa. Estando, pois, assim comendo Britânico e porque
houvesse um criado que primeiramente provava todas as iguarias e bebidas e não
se quisesse faltar a esta etiqueta, assim como não fazer também muito palpável o
crime com a morte de ambos, inventou-se o seguinte estratagema. Ofereceu-se a
Britânico uma certa bebida já provada e ainda toda pura, porém quase a ferver;
como ele a não pudesse assim beber, por estar muito quente, destemperou-se
então com água fria em que já estava o veneno, o qual tão repentinamente circu-
lou em todos os seus membros que logo lhe fez perder a voz e o sentimento.
Ficaram todos com isto a tremer, mas só os imprudentes fugiram. Os outros,
porém, que eram mais expertos, nem sequer se moveram e ficaram olhando para
Nero. Este, do mesmo modo que estava recostado e fingindo não ter parte alguma
no sucesso, respondeu que aquilo não era nada e só um simples efeito de certos
acidentes9 que Britânico costumava padecer desde a sua infância e que, pouco a

9 Tradução de comitialem morbum («epilepsia»).


LIVRO XIII 313

pouco, tornaria logo a si. Foi, porém, tal o pavor e a consternação que se viram
em Agripina, apesar de todo o seu disfarce, que bem deram a conhecer que nem
ela nem Octávia, irmã de Britânico, haviam participado do delito. Sim, agora já
ela conhecia como se havia tirado o único ponto de apoio que ainda tinha e já
divisava neste facto como o filho se começava a ensaiar para um dia cometer o
matricídio. A mesma Octávia, não obstante os seus poucos anos, já sabia também
dissimular a tristeza, o amor e todas as paixões; assim, depois de um breve
silêncio, tornou a continuar o banquete com a usual alegria.
17. Na mesma noite em que morreu Britânico se queimou o corpo, estando já
de antes disposto o funeral, que foi insignificante. Contudo, foram sempre
sepultadas as cinzas no Campo de Marte, mas por entre uma chuva tão tempes-
tuosa que o povo a atribuiu à cólera dos deuses, indignados por tamanha atroci-
dade, ao mesmo tempo que muitos ainda a desculpavam, lembrando-se das
antigas discórdias fraternas e de que o reinado não sofre companhia. Referem
quase todos os escritores daquela idade que por muitos dias consecutivos, antes
de o matar, poluíra obscenamente Nero a mimosa juventude de Britânico 10.
Assim uma tal morte (ainda que perpetrada no meio da santidade da mesa e
diante dos próprios olhos do inimigo, que nem sequer lhe deu tempo para se
despedir de sua irmã) nem deve parecer prematura nem cruel, depois de vermos
como o último sangue dos Cláudios, antes de ser manchado pelo veneno, já o
havia sido pelo estupro. Nero se desculpou por um decreto da muita pressa com
que fizera as exéquias, dizendo que esta fora sempre a prática dos antigos:
esconder à vista as mortes funestas e não prolongar a tristeza com elogios ou
com pompa demasiada. Que, tendo uma vez perdido o auxílio de seu irmão,
toda a sua confiança estava agora na república e por isto, com toda a razão, se
persuadia de que os padres e o povo seriam cada vez mais constantes em amar o
seu príncipe, o único que restava da família destinada para o império.
18. Passou depois a fazer ricos donativos aos principais dos seus amigos; e
não faltou quem arguisse certos homens, que afectavam austeridade de carácter,
por dividirem entre si, em tais tempos, muitos palácios e quintas, como se fosse
um despojo do inimigo. Outros, porém, os desculpavam, como forçados pelo
príncipe, que, conservando toda a consciência do seu crime, esperava assim ser
mais facilmente perdoado, dando com mão larga aos que tinham maior conside-
ração. Só não havia liberalidades algumas que pudessem adoçar as iras da mãe:
dava mil abraços em Octávia, tinha conferências ocultas com os amigos, além
da sua natural avareza, fazia por amontoar de toda a parte riquezas que indica-
vam misteriosas intenções, tratava com muito bom modo todos os tribunos e
centuriões e distinguia com muita particularidade os nomes e os talentos ilustres

10 Tradução de illusum isse pueritiae Britannici Neronem («Nero tinha desonrado a infância
de Britânico»)
314 ANAIS

que ainda então viviam, como quem procurava achar um chefe e um partido.
Tudo isto conheceu Nero e lhe mandou não só tirar as guardas, que já de antes
tinha como esposa de um imperador e agora lhe eram conservadas como mãe de
outro, porém até a mesma guarda de honra, composta por germanos. E, para que
nem fosse visitada nem tivesse uma corte, separou-se dela e a fez ir habitar o
antigo palácio de Antónia, aonde quando algumas vezes a ia cumprimentar
sempre era com o aparato de muitos centuriões, retirando-se logo, apenas com
um ligeiro ósculo a tinha saudado.
19. De todas as coisas humanas, nada há tão instável e tão pouco seguro
como a fama do poder quando este não tem forças próprias com que se possa
sustentar. O palácio de Agripina converteu-se imediatamente em um vasto
deserto: ninguém a consolava e ninguém a ia ver, à excepção de poucas mulhe-
res que se não sabe se o faziam por amizade ou por ódio. Uma delas era Júnia
Silana, de quem já contei o seu divórcio com Sílio por causa dos ciúmes de
Messalina. Júnia Silana, além de ser mulher muito ilustre, não era menos insig-
ne pela sua formosura e lascívia e tinha sido em outro tempo muito da intimida-
de de Agripina. Passaram depois a ser inimigas por certas ofensas ocultas, em
razão de Agripina ter dissuadido Sêxtio Africano, moço distinto em nobreza, de
se casar com Silana, chamando-a repetidas vezes velha e impudica não porque
ela o quisesse para seu amante, mas para que este se não aproveitasse das rique-
zas de Silana, viúva e sem filhos. Achando, pois, agora esta ocasião de se vin-
gar, ensaiou para acusadores dois clientes seus, Itúrio e Calvísio, os quais não
deviam produzir coisas já sabidas, como eram as contínuas lamentações que
fazia sobre a morte de Britânico e as injúrias que Octávia sofria e ela contava a
todo o mundo, porém acusá-la de induzir para a revolta Rubélio Plauto, descen-
dente de Augusto por linha feminina e no mesmo grau que Nero e de que,
casando-se com ele e dando-lhe o império, pretendia ainda de novo reconquistar
a suprema autoridade. Tudo isto revelaram Itúrio e Calvísio a Atimeto, liberto
de Domícia, tia de Nero, o qual muito contente com esta descoberta, porque
entre Agripina e Domícia havia uma aversão implacável, fez com que o histrião
Páris, também liberto de Domícia, partisse logo a denunciar este crime, afean-
do-o o mais que pudesse.
20. Era já alta noite e Nero ainda continuava a dar-se à embriaguez, quando
entrou Páris, que a tais horas sempre costumava vir reanimar os festivais praze-
res do príncipe. Vinha, porém, agora fingindo tristeza e, pelo modo com que fez
a delação, tanto assustou o espírito de César que este não só quis mandar logo
matar a mãe e Plauto, mas até se lembrou de tirar o comando das coortes a
Burro, como criatura de Agripina e que provavelmente estaria por ela. Refere o
historiador Fábio Rústico que se chegara, com efeito, a mandar a nomeação de
prefeito das coortes pretorianas a Cecina Tusco, e que só por intervenção de
Séneca fora Burro conservado; mas Plínio e Clúvio contam que nunca se chega-
ra a duvidar da fidelidade do prefeito. Talvez Fábio seguisse a primeira opinião
LIVRO XIII 315

para mais exaltar o merecimento de Séneca, de quem deveu toda a sua fortuna;
o nosso intento, porém, é seguir a unanimidade dos autores e, quando são diver-
sas as suas opiniões, escrevê-las com o nome de cada um. Nero, pois, grande-
mente atemorizado e ansioso de fazer morrer a mãe, não sossegou até que Burro
lhe prometeu de a matar se fosse culpada. Acrescentou, porém, que primeiro se
devia ouvir sempre os réus, e maiormente sua mãe, e tanto mais quando não
havia delatores e só apenas o dito de um homem que vinha de uma casa inimiga.
Além disto, as mesmas trevas da noite e a procurada ocasião do banquete pare-
ciam circunstâncias que desmentiam a acusação, por serem muito próprias para
qualquer impostura ou surpresa.
21. Pacificados assim os terrores do príncipe e sendo já manhã, recebeu
Agripina em sua casa a notificação do crime de que era acusada, a fim de que se
pudesse justificar ou em falta disto fosse castigada. Burro foi o executor desta
ordem, na presença de Séneca e de alguns libertos, os quais todos deviam servir
de testemunhas. E, logo que ele lhe expôs a qualidade do delito e quais eram os
acusadores, passou a ameaçá-la. Agripina, porém, conservando toda a sua altivez,
imediatamente respondeu o seguinte: «Não me admira que Silana, porque nunca
teve filhos, desconheça todos os afectos maternos e até se persuada que uma mãe
possa abandonar um filho com a mesma facilidade com que uma mulher
impudica abandona os seus amantes. Mas será possível (somente porque Itúrio e
Calvísio, depois de haverem dissipado todos os seus bens, querem agora prestar a
uma velha este último serviço de acusar-me) que haja eu de passar pela infâmia
ou meu filho pelos remorsos de um matricídio? De boamente perdoaria eu a
Domícia todos os seus ódios, se ela pretendesse competir comigo em amizade
para com o meu querido Nero, mas não é assim: eu a vejo, por intervenção do seu
concubinário Atimeto e do comediante Páris, tecer contra mim fábulas que só
parecem de teatro. Enquanto ela só cuidava em aumentar os seus belos tanques de
Baias, eu, e só eu, pela minha diligência e política, conseguia a adopção de meu
filho, que ele tivesse o poder proconsular, que fosse designado cônsul e enfim
preparava tudo o mais para o elevar ao império. Haverá, pois, alguém que me
acuse ou de ter solicitado o partido das guardas de Roma, ou de semear a rebelião
das províncias, ou de ter corrompido para este crime alguns servos e libertos?
Poderia eu ter contado com um só instante de vida se Britânico houvesse sido
imperador? E se Plauto, ou qualquer outro, viesse a governar e fosse o meu juiz,
não apareceriam então logo mil acusadores que, longe de me arguirem de
algumas expressões inconsideradas, efeitos do amor maternal, me acusariam pelo
contrário de crimes que só um filho pode perdoar à sua mãe?» Enternecidos todos
os assistentes com estas palavras e rogando-lhe que moderasse a sua cólera,
Agripina pediu uma audiência ao filho; nesta nada disse para se desculpar, talvez
para não mostrar-se suspeita, nem também falou dos seus serviços, para não
parecer que lhos deitava em rosto; só pediu, e o conseguiu, castigo contra os
delatores e recompensas para os que lhe eram afeiçoados.
316 ANAIS

22. Foi nomeado prefeito da anona Fénio Rufo, teve a intendência dos jogos
que o César premeditava celebrar Arrúncio Estela, e o governo do Egipto se
destinou para Gaio Balbílio, assim como o da Síria para Públio Anteio, o qual,
iludido sempre com diferentes pretextos, nunca chegou a sair de Roma. Silana
sofreu o castigo de um desterro rigoroso, ao mesmo tempo que Calvísio e Itúrio
foram simplesmente relegados11. Atimeto recebeu a pena capital, escapando
Páris, que, por ser um dos ministros principais dos prazeres dissolutos do prín-
cipe, tinha sobejo valimento para ser contemplado como réu. Plauto ficou por
então em silêncio.
23. Seguiu-se uma nova denúncia, em que foram acusados Palas e Burro de
conspirarem para se transmitir o império a Cornélio Sula, homem muito ilustre
e parente de Cláudio e de quem fora genro por ter casado com sua filha Antónia.
O delator era um certo Peto, já muito famoso pelas arrematações que fazia dos
bens dos condenados e então plenamente convencido de falsário. Não causou,
porém, tamanha alegria a inocência de Palas como gerou aborrecimento a sua
muita soberba porque, nomeando-se-lhe os libertos que se diziam seus cúmpli-
ces, respondeu que, em sua casa, nunca tratava com eles senão por gestos ou
acenos e que, se lhe era preciso fazer-lhes compreender mais longos discursos,
lhos dava por escrito para não manchar as suas vozes com as deles. Burro,
apesar de ser um dos acusados, sentenciou como juiz nesta causa. O acusador
pagou com um desterro rigoroso e se queimaram todas as suas notas por onde
exigia dívidas antigas, já satisfeitas no erário.
24. No fim deste ano, suprimiu-se a guarda pretoriana que costumava assistir
aos jogos públicos para se dar assim uma maior aparência de liberdade, para que
os soldados, não sendo espectadores dos desaforos do teatro, fossem menos
corrompidos e para também experimentar se a plebe, não se vendo coibida pela
força armada, se conservaria tranquila. O príncipe fez a lustração de Roma em
virtude de uma decisão dos arúspices, porque os templos de Júpiter e Minerva
haviam sido tocados pelo raio.
25. No consulado de Quinto Volúsio e Públio Cipião12, em que havia paz
com os estranhos, sucediam vergonhosos escândalos no interior, arruando Nero
em trajos de escravo, para não ser conhecido, por meio da cidade e introduzin-
do-se nos lupanares e outras casas públicas, acompanhado de muitas pessoas
que roubavam tudo o que estava exposto à venda e feriam a quantos encontra-
vam. Mas tão-pouco se podia adivinhar quem fosse o autor deste mal, que o
mesmo César chegou a ser ferido na cara e se lhe viram os sinais. Assim que se
veio a saber que era o príncipe o que andava nestas corridas, cresceram ainda

11 Tradução de Silana in exilium acta; Caluisius quoque et Iturius relegantur («Silvana foi
conduzida para o exílio; também Calvísio e Itúrio foram relegados»).
12 Ano de 56 d. C.
LIVRO XIII 317

mais os insultos feitos a muitos homens e mulheres de qualidade porque alguns,


aprovada uma vez esta licenciosidade, impunemente cometiam em nome de Nero
os mesmos atentados, vagando com próprias quadrilhas, de sorte que se passava
sempre as noites em Roma como dentro de uma cidade tomada de assalto. Até um
certo Júlio Montano, da ordem senatória, mas que ainda não havia entrado nos
empregos, se bateu por acaso no meio da obscuridade com o príncipe e, porque
repelisse com força os seus ataques e depois de o conhecer lhe desse algumas
desculpas, que ele tomou por uma verdadeira repreensão, foi constrangido a
matar-se. Este sucesso fez, porém, com que Nero tivesse depois mais cautela e já
nunca arruasse senão escoltado por soldados, e quase todos gladiadores, os quais
tinham ordem de permitir as pequenas contendas que não fossem perigosas, mas,
no caso de passarem os afrontados a maiores violências, de interpor então as suas
armas. Reduziu também, por esta impunidade, a petulância teatral e de todos os
fautores dos histriões a uma guerra declarada, animando-a, ainda, com os prémios
que dava e até assistindo ele mesmo, algumas vezes oculto e as mais delas
descaradamente, a semelhantes combates para que com a sua presença se
tornassem mais vivos. Entrou, porém, o povo a mostrar tamanha desenvoltura
que, receando-se coisas maiores, não se achou outro remédio senão o de expulsar
da Itália os histriões e tornar a pôr as guardas no teatro.
26. No mesmo tempo, se deliberou no senado acerca dos crimes dos libertos
e se requereu que os patronos tivessem o direito de lhes revogar a liberdade
quando eles se mostrassem ingratos. Havia já muitos que manifestavam esta
opinião, porém os cônsules, não se atrevendo a propor legalmente o negócio
sem o consentimento do príncipe, participaram-lhe a vontade do senado, rogan-
do-lhe quisesse autorizar um regulamento13 que só tinha contra si muito poucos
oponentes. Com efeito, alguns, com toda a indignação, se queixavam que a
liberdade havia dado aos libertos uma tal insolência que, apenas já tratavam
como iguais os seus patronos, não faziam caso das suas decisões, chegavam até
a levantar a mão para os maltratar e ainda mesmo quando pediam perdão eram
atrevidos. Que nenhuma autoridade mais tinha o patrono ofendido do que a de
exterminar o liberto para as costas da Campânia a vinte milhas de distância: e, à
excepção disto, eram iguais nos direitos. Deviam, pois, ter os patronos alguma
jurisdição que se não pudesse iludir e nem os libertos se podiam também escan-
dalizar de que se procurasse manter a sua liberdade por meio daquela mesma
reverência que tinha servido para que eles a gozassem. Quanto aos que fossem
verdadeiramente criminosos, com justiça tornavam a cair na escravidão, a fim
de que o medo coibisse aqueles para quem de nada valiam os benefícios.
27. Os que eram de aviso contrário alegavam que a culpa de poucos não
devia recair sobre todos e que, assim, não convinha impor penas gerais, porque

13 Texto corrompido e com lacunas até ao fim deste parágrafo.


318 ANAIS

esta corporação era já muito numerosa, fazia parte das tribos e das decúrias e
não só dava oficiais para o serviço dos magistrados e sacerdotes, mas soldados
para as coortes urbanas; além disto, grande número de cavaleiros e senadores
não tinha outra qualidade de origem. Se dos libertos se passasse a fazer uma
nova classe, o número dos homens verdadeiramente livres viria a ser muito
pequeno e, por isso, com muito siso tinham obrado os antigos que, classificando
a preeminência das ordens, nenhuma distinção tinham feito da liberdade dos
cidadãos: haviam tão-somente estabelecido os dois meios de a conferir, a fim de
dar tempo ao arrependimento ou à renovação do benefício e para que todos
aqueles a quem o patrono a não tivesse conferido, com todas as formalidades
legais, não se considerassem ainda como absolutamente livres. Que, enfim,
antes de se conceder a liberdade, examinasse cada um se tinha justos motivos
para isso, porém que, uma vez concedida, nunca se devia revogar. Prevaleceu este
parecer, e o César escreveu ao senado dizendo-lhe que, em particular, indagasse
maduramente as queixas que os patronos fizessem contra os libertos, mas que em
geral nada derrogassem. Passado pouco tempo se tirou a sua tia Domícia o liberto
Páris, ilegalmente declarado cidadão, o que foi de grande vergonha para o prín-
cipe, por cuja ordem se havia dado a sentença da sua liberdade.
28. Entretanto, conservava-se ainda alguma sombra da República; porque,
havendo questão entre o pretor Vibúlio e o tribuno do povo Antístio sobre este
haver mandado soltar alguns fautores inquietos dos histriões, presos à ordem do
pretor, louvaram os padres o procedimento de Vibúlio e foi repreendido o de
Antístio. Ao mesmo tempo se proibiu aos tribunos o arrogarem a si a jurisdição
dos pretores e dos cônsules e o conhecerem dos negócios da Itália aonde hou-
vesse legítimos recursos14. Acrescentou o cônsul designado Lúcio Pisão que os
tribunos, dentro das suas próprias casas, também nada pudessem decidir que
fosse legal e que as condenações feitas por eles não fossem lançadas nos livros
públicos pelos questores do erário antes de passarem quatro meses, dentro dos
quais se pudesse reclamar perante os cônsules, que julgariam afinal. Ainda mais
fortemente se coibiu o poder dos edis e se regulou as quantias que os mesmos edis
– curuis e plebeus – ou podiam receber como salário, ou impor como castigo. Por
esta ocasião, o tribuno do povo Helvídio Prisco satisfez os seus ódios particulares
contra o questor do erário Obultrónio Sabino, acusando-o da barbaridade com que
exercia o seu direito de sequestro contra os pobres. Depois disto, tirou o príncipe
a inspecção do tesouro público aos questores e a deu aos prefeitos.
29. Nesta administração, houve muitas e sucessivas mudanças, porque
Augusto permitiu ao senado a eleição destes prefeitos e depois, para acabar com

14 Tradução de aut uocare ex Italia cum quibus lege agi posset («ou citar de Itália aqueles
com que pudesse ser instituída uma acção legal»). O significado da frase é um pouco
enigmático.
LIVRO XIII 319

as intrigas que faziam os pretendentes, foram tirados à sorte de entre o número


dos pretores, o que não durou muito tempo, porque a sorte também vinha fre-
quentemente a cair nos que eram menos dignos. Por este motivo, Cláudio tor-
nou de novo a dar este cargo aos questores e, para que em razão dos ódios
públicos a que se expunham não deixassem de cumprir com os seus deveres,
lhes prometeu certas honras e dignidades extraordinárias. Mas, como de ordiná-
rio faltasse a madureza dos anos aos que entravam nesta primeira magistratura,
Nero, para corrigir este defeito, escolheu dos antigos pretores os que tinham
dado mais provas da sua inteligência.
30. Governando ainda os mesmos cônsules, foi condenado Vipsânio Lenate
pela muita avareza que mostrou no seu governo da Sardínia. Foi absolvido
Céstio Próculo do crime de peculato, como deixassem de lhe ser parte os seus
acusadores15. Clódio Quirinal, prefeito das galeras que estavam em Ravena,
acusado de ter oprimido com as suas dissoluções e muitas crueldades a Itália,
como se fosse a mais vil das nações, preveniu a sua condenação, matando-se
com veneno. Canínio Rebilo, um dos primeiros de Roma em jurisprudência e
riqueza, quis evitar as enfermidades e trabalhos da velhice mandando abrir as
veias: acção de constância de que se não julgava fosse capaz um homem tão
infamemente prostituto e lascivo16. Morreu, porém, Lúcio Volúsio com reputa-
ção magnífica, pois que, tendo vivido noventa e três anos, ganhou grandes
riquezas com inocência e com honra, sem nunca cair na desgraça de tão maus
imperadores.
31. No segundo consulado de Nero, em que teve por colega Lúcio Pisão17,
poucas coisas sucederam dignas de memória, a não ser que alguém julgue
importante engrossar o volume da história com elogios feitos aos alicerces e
traves sobre que o César fez erigir o enorme anfiteatro junto do Campo de
Marte. Mas achei que só era da dignidade do povo romano referir nos anais seus
feitos ilustres e que, para as coisas desta natureza, bastavam os diários da cida-
de. Reforçaram-se, porém, as colónias de Cápua e de Nucéria com um corpo de
veteranos, deu-se uma gratificação ao povo, distribuindo-se por cada indivíduo
quatrocentos sestércios e se depositaram no erário quarenta milhões da mesma
moeda para conservar o crédito público. Tirou-se o tributo da vigésima quinta
(imposto sobre a compra dos escravos), o que mais foi um benefício aparente do
que verdadeiro porque, ficando o que vendia obrigado a pagar a mesma soma,
ela enfim sempre vinha a recair no comprador que comprava mais caro. Publi-

15 Tradução de absolutus Cestius Proculus repetundarum Cretensibus accusantibus («Céstio


Próculo foi absolvido da imputação de peculato, sendo os Cretenses os acusadores»).
16 Tradução de ob libidines muliebriter infamis («por causa dos desejos femininamente
infames»).
17 Ano de 57 d. C.
320 ANAIS

cou o César um edicto para que nenhum magistrado ou procurador comandante


de província desse o espectáculo de gladiadores ou de animais ou qualquer
outro divertimento semelhante, porque dantes, com o pretexto destas liberalida-
des, não afligiam menos os povos do que com as verdadeiras rapinas, procuran-
do com tais espectáculos disfarçar todas as prevaricações que faziam.
32. Lavrou-se um senátus-consulto para desagravo e segurança dos cidadãos,
pelo qual se ordenou que, quando algum senhor fosse morto pelos seus escra-
vos, os libertos que só tivessem carta de liberdade em virtude de algum testa-
mento, se vivessem dentro da mesma casa, fossem punidos como os mesmos
escravos. Foi reintegrado na ordem senatória o consular Lúrio Varo, que por
crimes de peculato havia sido expulso em outro tempo do senado, e deixou-se
ao arbítrio do marido o castigo de Pompónia Grecina, mulher de qualidade, a
qual, estando casada com Pláucio, que mereceu a ovação quando voltou da
Britânia18, era arguida de superstições estrangeiras. Pláucio, em conformidade
dos costumes antigos, fez comparecer sua mulher na presença dos parentes e,
tomando conhecimento da sua vida e costumes, a julgou inocente. Muito larga
vida teve esta Pompónia e constantemente a passou em uma profunda tristeza,
porque apenas viu morrer Júlia, filha de Druso, pelas intrigas de Messalina,
nunca mais largou o luto por espaço de quarenta anos e viveu sempre amargu-
rada. Apesar disto não correu perigo algum no governo de Cláudio e o seu
procedimento lhe granjeou depois muita glória.
33. Neste ano houve muitos réus, e um deles foi Públio Célere, acusado pela
Ásia, ao qual, não se atrevendo a perdoar o César, vingou-se em demorando o
processo até que morreu de velhice, porque este Célere, depois que havia enve-
nenado o procônsul Silano da maneira que já referi, com a enormidade deste
crime fazia disfarçar todos os outros seus flagícios. Os povos da Cilícia haviam
denunciado a Cossuciano Capitão, homem abominoso e infame, que assentou
podia cometer na província os mesmos atentados a que estava afeito em Roma.
Apertado, porém, com provas invencíveis deixou afinal de defender-se e foi
condenado por crimes de concussão. A respeito de Éprio Marcelo, a quem os
Lícios demandavam pelo dinheiro que lhes havia roubado, tanto puderam as
protecções que alguns dos seus acusadores sofreram a pena de desterro, como se
tivessem acusado um inocente.
34. Nero, pela terceira vez cônsul, teve por colega no consulado a Valério
Messala19: tempo em que ainda alguns velhos se lembravam de que o orador
Corvino, bisavô de Messala, também havia sido colega do divino Augusto, o
terceiro avô de Nero. Ainda mais se aumentou o esplendor desta família dando-

18 Tradução de quem ouasse de Britannis rettuli («de quem referi que obteve uma vitória
sobre os Britanos»). Remete para informações do livro XI que se perderam.
19 Ano de 58 d. C.
LIVRO XIII 321

-se anualmente a Messala quinhentos mil sestércios, a fim de poder viver com
honra no meio da sua pobreza. A Aurélio Cota e a Hatério Antonino igualmente
o César estabeleceu pensões anuais, não obstante haverem dissipado com o luxo
as suas riquezas paternas. Na entrada deste ano se começou vigorosamente a
guerra que, até ali muito frouxa, faziam os Partos e os Romanos sobre a posse
da Arménia. Nem Vologeses podia sofrer que seu irmão Tiridates fosse expulso
de um reino que ele lhe havia dado, nem que o recebesse das mãos de uma
potência estrangeira; e Corbulão se persuadia que era próprio da grandeza
romana recuperar as antigas conquistas de Luculo e de Pompeio20. Além disto,
os Arménios, pouco fiéis na sua palavra, convidavam ao mesmo tempo ambas
as nações21, ainda que, pela conformidade de costumes e pelos mútuos casamen-
tos, eram mais inclinados aos Partos, de quem antes queriam sofrer a escravi-
dão, por desconhecerem os bens da liberdade.
35. Porém Corbulão achava maiores dificuldades em vencer a inércia dos
soldados do que a perfídia dos inimigos, porque as legiões que tinham vindo da
Síria, dadas ao ócio por uma longa paz, não podiam acostumar-se à disciplina
dos exércitos romanos. É um facto constante que naquele exército se encontra-
ram veteranos que nunca tinham feito sequer uma só guarda e que olhavam
como maravilhas os fossos e as trincheiras, havendo passado todo o seu tempo
pelas cidades, dados ao luxo e ao comércio, sem nunca terem posto na cabeça o
capacete ou vestido o peito de aço. Despedindo, portanto, do serviço os velhos e
doentes, pediu recrutas que se fizeram na Galácia e na Capadócia. Agregou-se-
-lhe também uma das legiões da Germânia com a sua competente cavalaria e
infantaria auxiliares, e todo o exército se conservou abarracado, apesar de ser o
Inverno tão frio e tanta a neve e tão forte que só cavando se podiam espetar na
terra os paus das barracas. A muitos soldados se gelavam os membros e algu-
mas sentinelas foram encontradas mortas de frio. Viu-se um soldado a quem se
enregelaram tanto as mãos quando trazia um feixe de lenha que se lhe despega-
ram dos braços e ficaram agarradas à lenha. Mas Corbulão, com um vestido
muito ligeiro e com a cabeça descoberta, assistia a todos os exercícios e a todos
os trabalhos, louvava os valentes, consolava os fracos e servia de exemplo para
todos. Nestas circunstâncias, como muitos não estavam para sofrer a dureza do
clima e da disciplina e disto tomavam pretexto para desertar, recorreu aos
castigos. E nem praticou o que se costumava nos outros exércitos, perdoando
uma ou outra deserção, porém determinou-se a dar sempre castigo de morte aos
que largassem as bandeiras. Então lhe fez ver a experiência que este rigor era
mais útil que o perdão, porque houve muito menos desertores neste exército do
que nos outros em que era costume o perdoar.

20 Em 69 e 66 a. C.
21 Tradução de utraque arma («os dois exércitos»).
322 ANAIS

36. Conservando Corbulão assim acampadas as legiões, até ser já bem entra-
da a Primavera e havendo feito tomar boas posições às tropas auxiliares, orde-
nou a estas que nunca fossem as primeiras em atacar. Deu o comando destas
tropas e dos presídios a Pácio Órfito, antigo primipilar, o qual, apesar de lhe
escrever que os bárbaros estavam descuidados e que se oferecia uma boa oca-
sião de os surpreender, teve em resposta que se conservasse dentro das suas
fortificações e esperasse ali por forças maiores. Faltando, porém, às ordens do
general e atacando o inimigo, assim que recebeu algumas tropas dos postos
vizinhos, as quais loucamente22 lhe pediam uma batalha, foi completamente
batido e obrigado a fugir. Aqueles mesmos que tinham vindo auxiliá-lo, aterra-
dos com este mau sucesso, correram na maior confusão a meter-se dentro dos
seus entrincheiramentos. Custou muito a Corbulão esta desgraça e, depois de ter
repreendido Pácio, os prefeitos e os soldados, mandou que todos fossem acam-
par fora das trincheiras e os conservou neste estado injurioso até que, pelas
súplicas de todo o exército, os absolveu enfim desta infâmia.
37. Mas Tiridates, além da confiança que tinha no seu próprio exército, espe-
rançado ainda no socorro de seu irmão Vologeses, já não fazia a guerra às
escondidas: atacava abertamente a Arménia, devastava todos os povos que lhe
pareciam nossos amigos e, se as nossas tropas lhe saíam ao encontro, iludia os
combates, aparecendo ora em uma parte ora em outra e cuidando mais em
aterrar pela fama das suas incursões do que pela força das armas. À vista disto,
Corbulão, que debalde tinha procurado dar-lhe batalha, dividiu também o seu
exército, para que os legados e os prefeitos o atacassem todos a um tempo por
diferentes lugares. Ao mesmo passo, avisou ao rei Antíoco que invadisse as
províncias que lhe ficavam vizinhas23, porque Farasmanes, havendo feito morrer
seu filho Radamisto com o pretexto de conspirar contra ele, desenvolvia agora,
para melhor mostrar a sua fidelidade para connosco, todo o seu antigo ódio
contra os Arménios. Por outra parte os Moscos, que nunca tinham sido aliados
de Roma24, também faziam uma irrupção pelas montanhas25 da Arménia. Desta
maneira ficaram frustrados todos os artifícios de Tiridates, que logo mandou
embaixadores para que, em seu nome e dos Partos, perguntassem por que moti-
vo, havendo dado, depois de tão pouco tempo, reféns e renovado a amizade que
parecia dispô-lo para novos benefícios, o pretendiam agora privar da posse da
Arménia. Bem se via que seu irmão Vologeses ainda não tinha entrado em
campanha, e a razão era porque antes queriam ambos terminar este negócio por
negociações do que por armas; mas, se a guerra houvesse enfim de continuar,

22 Tradução de imperitia («com imprudência»).


23 Tradução de proximas sibi praefecturas petere («que ocupe as prefeituras vizinhas»).
24 Tradução de gens ante alias socia Romanis («povo, antes dos outros, aliado dos Romanos»).
25 Tradução de auia («lugares intransitáveis», isto é, sem ruas nem estradas e, por isso, de
difícil penetração).
LIVRO XIII 323

esperava ele que aos Arsácidas não faltariam a mesma boa fortuna e o valor que
já por bastantes vezes tinham sido fatais aos Romanos26. Corbulão, que sabia
muito bem que, pela insurreição da Hircânia, Vologeses se achava embaraçado,
aconselhou Tiridates que faria melhor em recorrer à benignidade do César,
porque seguramente então conservaria um reino estável e sem risco, deixando-
-se de remotas esperanças e aproveitando o presente, que em todo o sentido lhe
era mais vantajoso27.
38. Concordaram afinal que, uma vez que nada se decidia a respeito do
ponto mais interessante da paz por meio de embaixadores, se destinasse tempo e
lugar para uma entrevista de ambos. Tiridates acrescentou que apareceria escol-
tado por mil cavalos somente, e que Corbulão podia vir com a gente que quises-
se e de quaisquer armas que fossem, contanto que não trouxessem capacetes
nem couraças, como se estivessem em boa paz. Qualquer homem, quanto mais
um experimentado e velho general, poderia logo aqui descobrir sinais de trai-
ção, reflectindo na proposta do bárbaro, porque se prometia vir com tão poucos
soldados e dava faculdade ilimitada para o número dos nossos, nisto mesmo
dava a conhecer as suas dolosas tenções. Com efeito, qual seria o partido que
teria sem armas defensivas uma grande multidão contra a cavalaria tão destra no
uso das setas?28 Contudo Corbulão, sem mostrar que percebia este laço, respon-
deu que, quando se tratavam negócios de tamanha importância, era melhor
discuti-los à vista de ambos os exércitos. Escolheu, pois, um lugar aonde, por
um lado, havia certas eminências de fácil subida e muito próprias para a infanta-
ria e, por outro, se estendia uma planície bem azada para desenvolver toda a sua
cavalaria. No dia assinalado, Corbulão foi o primeiro que apareceu, tendo já
antes mandado postar nos flancos as coortes aliadas e as tropas auxiliares dos
reis e no centro a sexta legião, à qual agregou de noite três mil legionários da
terceira, que havia tirado dos outros quartéis, conservando-lhe tão-somente uma
águia para dar a entender que ali só estava uma legião. Mas Tiridates só quase à
noite se mostrou, e em tanta distância que mais se podia ver do que ouvir. Desta
sorte, o general romano mandou retirar para os seus quartéis os soldados sem
que tivesse havido a conferência.
39. O rei ou por temer algum engano, vendo as diferentes marchas que ao
mesmo tempo faziam as nossas tropas para voltar às suas posições, ou porque

26 Com as derrotas de Crasso e de Marco António em 53 e 36 a. C.


27 Tradução de posse illi regnum stabile et res incruentas contingere, si omissa spe longin-
qua et sera praesentem potioremque sequeretur («poderia caber-lhe em sorte um reino
estável e condições sem sangue se, abandonando a esperança longínqua e tardia, seguisse
a presente e preferível»).
28 Tradução de equiti sagittarum usu exercito si detecta corpora obicerentur, nihil profuturam
multitudinem («se se colocassem corpos desprotegidos em frente de uma cavalaria expe-
riente no uso das setas, de nada valeria o grande número»).
324 ANAIS

quisesse interceptar os combóis que nos chegavam do Ponto Euxino e da cidade


de Trapezunte, retirou-se muito apressado. Não pôde, porém, fazer nada, porque
eles passavam através das montanhas defendidas pelas nossas guarnições, e
Corbulão, para não continuar uma guerra sem efeito e a fim de que os Arménios
se vissem obrigados a defender o seu país, preparou-se para lhes atacar as
fortalezas. Para si destinou uma chamada Volando, a mais forte de toda aquela
prefeitura, e do cerco das menos importantes encarregou o legado Cornélio
Flaco e o prefeito de campo Insteio Capitão. Reconhecendo, pois, as suas forti-
ficações e preparando logo todos os seus meios de ataque, faz uma fala aos
soldados e diz-lhes que é preciso ir lançar fora dos castelos um inimigo vaga-
bundo, que não quer a paz nem a guerra e que bem mostra a sua fraqueza,
fugindo: e que, assim, tinham diante dos olhos a glória e as riquezas que vão
adquirir. Formando então o seu exército em quatro divisões, ordena que uns, em
coluna cerrada e cobertos com os escudos29, marchem a derribar as fortifica-
ções, enquanto outros com escadas se aprestam a fazer a escalada das muralhas,
e o maior número se emprega em lançar com as máquinas de guerra muitas
armas de arremesso e fachos ardentes. Os diferentes atiradores30 foram postados
em distância donde pudessem atirar com pelotas de ferro e de chumbo31, a fim de
que os sitiados, acometidos por todos os lados, em nenhuma parte achassem
abrigo e segurança. Com efeito, com tal rapidez e ardor se fez o ataque que, ainda
não era bem passada a terceira parte do dia, e já os cercados tinham desamparado
as muralhas, já as portas estavam arrombadas e já, enfim, a fortaleza tinha sido
entrada de assalto. Foram passados ao fio da espada todos os que podiam pegar
em armas, e nós não perdemos um único soldado e tivemos bem poucos feridos: o
resto foi vendido em praça pública e todas as outras riquezas abandonadas aos
vencedores. Igual fortuna tiveram o legado e o prefeito porque, dentro de um só
dia, três castelos se renderam, vindo entregar-se os outros – uns por medo, outros
por vontade –, de maneira que logo ali se concebeu o projecto de ir atacar Artá-
xata, a capital da nação. Contudo as legiões não tomaram o caminho mais curto
porque, se fossem passar o Araxes na ponte que ficava debaixo das muralhas,
expunham-se aos tiros da guarnição; assim, fizeram um longo rodeio e atraves-
saram o rio a seu salvo32 em um sítio que era mais espraiado.
40. Tiridates, envergonhado e medroso, porque, se desamparasse os cerca-
dos, dava a entender as suas poucas forças e, se os fosse socorrer, podia expor-

29 Tradução de hos in testudinem conglobatos («uns, unidos em tartaruga», isto é, a técnica


descrita perifrasticamente na tradução).
30 Tradução de libritoribus funditoribusque («os que manejam as balistas e as catapultas e os
fundibulários»).
31 Tradução de unde eminus glandes torquerent («de onde, a distância, lançassem balas [de
chumbo ou barro]).
32 Tradução de uadis («a vau»).
LIVRO XIII 325

-se e toda a sua cavalaria em caminhos intransitáveis, determinou por fim apre-
sentar-nos batalha e, ao romper do dia, atacar-nos ou, fingindo que fugia, ver se
nos armava algum laço. Fez, portanto, um movimento repentino em ar de quem
nos queria envolver, mas com isto não perturbou o general, que já tinha dispos-
tas as tropas, tanto para a marcha como para o combate. No flanco direito mar-
chava a terceira legião, a sexta no esquerdo e no centro a gente escolhida da
décima, com todas as bagagens metidas dentro das fileiras de cada uma. Mil
cavalos cobriam a retaguarda, aos quais havia dado ordem de resistir ao inimigo
quando se aproximasse, porém de nunca o perseguir se fugisse. A infantaria
auxiliar e os archeiros com toda a mais cavalaria que restava iam nos dois flancos,
estendendo-se esta muito mais pela esquerda até as fraldas dos montes, para que,
se os inimigos ousassem romper, não só fossem recebidos em frente, porém ao
mesmo tempo flanqueados. Mas Tiridates não fazia senão perseguir-nos e sempre
em distância de tiro de lança, umas vezes provocando-nos, outras fingindo-se
medroso, para assim ver se as fileiras se abriam e podia então cair sobre alguns
soldados desunidos. Como visse, porém, que todos guardavam a sua forma e que
não mais do que um imprudente decurião de cavalaria se tinha atrevidamente
avançado (e por isso morrera atravessado de setas, dando assim aos outros uma
grande lição para terem disciplina), sendo já quase noite, entrou a retirar-se.
41. Corbulão se acampou naquele mesmo sítio e esteve indeciso se largaria
as bagagens e partiria na mesma noite com as suas legiões a cercar Artáxata,
persuadido de que para ali se tinha recolhido Tiridates. Mas, tanto que os espias
lhe trouxeram a notícia de que o rei se havia retirado para mais longe e que
ainda era duvidoso se tomava o caminho da Média ou da Albânia, esperou pelo
romper do dia e tão-somente destacou as tropas ligeiras, para que no entanto
rodeassem a cidade e começassem o sítio em distância. Os habitantes, porém,
abriram espontaneamente as portas e se entregaram à discrição dos Romanos, o
que lhes valeu para conservarem as vidas. Deitou-se o fogo à cidade de Artáxata
e ficou toda arrasada, porque não se podia conservar sem uma numerosa guarni-
ção por causa das suas extensas muralhas e não tínhamos forças bastantes para a
guarnecer e continuarmos com a guerra. Se a deixássemos também intacta e
sem guarnição, não tirávamos utilidade nem glória de a havermos conquistado.
Conta-se que então se vira um prodígio que pareceu obra divina, porque, estan-
do todos os arrabaldes da cidade alumiados com os raios do sol, tudo o que
ficava dentro dos muros achou-se, de repente, tão obscuramente nublado e
ardendo em relâmpagos que pareceu bem que os deuses irritados queriam de
propósito a destruição da cidade. Por efeito destas vantagens, as legiões deram a
Nero por aclamação o título de imperator, e o senado decretou acções de graças
solenes aos deuses e estátuas, arcos triunfais e contínuos consulados ao prínci-
pe. E acrescentou ainda mais33: que fossem contados entre os dias festivos

33 Tradução de utque («e que»).


326 ANAIS

aquele em que se ganhou a vitória, aquele em que chegou a Roma a notícia,


aquele, enfim, em que se deliberou sobre ela no senado, com outras mais coisas
ainda e tão ridiculamente aduladoras que Gaio Cássio, apesar de ter aprovado
todas as mais honras, representou que se, por todas as vezes que a fortuna nos
tinha sido favorável, houvéssemos de dar graças aos deuses, nem o ano inteiro
já bastava para estas cerimónias e que, portanto, se deviam distinguir os dias de
festa daqueles que o não eram, para que neles se celebrassem as coisas do céu
sem prejudicar os negócios da terra.
42. Não sem recair muito ódio sobre Séneca se condenou então um réu que
havia já sofrido muitos reveses da fortuna e tinha contra si a aversão de muita
gente. Este foi Públio Suílio, que, sendo no império de Cláudio um orador emi-
nentemente terrível e venal34, com a mudança de governo, ainda se não achava
tão abatido como os seus inimigos desejavam e antes queria passar por crimi-
noso do que abaixar-se a fazer a figura de suplicante. Julgava-se que, só para
melhor o perder, se tinha renovado o senátus-consulto e as penas da lei Cíncia
contra os que advogavam por dinheiro. Por este motivo não poupava Suílio nem
as invectivas nem as queixas, servindo-lhe a sua mesma velhice, além da
ingénita ferocidade de carácter, para ser ainda mais desbocado, principalmente
contra Séneca, a quem arguia desta forma: que fora sempre um inimigo decla-
rado dos amigos de Cláudio e que, por isso, este príncipe justamente o havia
desterrado; que, afeito a ociosos estudos e a tratar sempre com rapazes ignorantes,
odiava a brilhante e vigorosa eloquência de todos aqueles que dela se serviam
para defender os cidadãos; que ele, Suílio, havia sido questor de Germânico,
enquanto Séneca era o adúltero corruptor da sua família35. E qual seria então
pior: receber dinheiro de um litigante por um trabalho decente ou corromper as
filhas dos príncipes? Com que filosofia ou com que máximas dos sábios tinha
ele acumulado, no espaço de quatro anos que era valido do César 36, a soma de
trezentos milhões de sestércios? Não se fazia um testamento em Roma e
nenhuma pessoa morria sem herdeiros de quem ele cavilosamente não agarrasse
os bens – e a Itália e as províncias se empobreciam só para lhe pagar as usuras.
Que as riquezas dele, Suílio, eram poucas e ganhadas com o suor do seu rosto e
que antes havia de sofrer uma acusação, passar por mil perigos e até perder a
vida, do que sacrificar a sua honra, antiga e bem merecida, a todos os favores de
um novo filho da fortuna.
43. Não faltavam pessoas que repetiam a Séneca estas mesmas palavras, ou
ainda mais exageradas e, portanto, logo apareceram acusadores para deporem
que Suílio não só havia roubado os aliados quando fora governador da Ásia,

34 Tradução de terribilis ac uenalis («terrível e venal»).


35 Messalina acusara Séneca de adultério com Júlia, filha de Germânico.
36 Tradução de regiae amicitiae («de amizade régia»).
LIVRO XIII 327

mas se tinha enriquecido com os dinheiros do público. Contudo, como os mes-


mos acusadores pedissem a espera de um ano para poderem dar uma completa
informação, julgou-se que era mais breve o começar pelos crimes cometidos
mais perto37 porque, para depor sobre eles, estavam prontas muitas testemunhas
presentes. Estas o arguiram de que, por suas fatais delações, forçara Quinto
Pompónio a tentar a guerra civil; havia causado a morte de Júlia, filha de Druso,
e a de Sabina Popeia; tecera as desgraças de Valério Asiático, de Lúsio Saturni-
no e de Cornélio Lupo; concorrera para a condenação de imensos cavaleiros
romanos; e, em uma palavra, que todas as crueldades de Cláudio lhe deviam ser
atribuídas. Ele respondeu que todas estas coisas não tinham dependido da sua
própria vontade, porque não tinha feito mais do que obedecer às ordens do
príncipe. Mas o César o fez calar, declarando que, pelas memórias de seu pai,
positivamente sabia que ele nunca obrigara ninguém a ser acusador. Pretextou
então as ordens de Messalina, mas desde logo a sua defesa entrou a vacilar.
Como é isto (diziam todos) que só ele se achasse capaz para auxiliar os projec-
tos atrozes daquela impudica? Devem, pois, ser punidos todos os ministros de
infames crueldades e que, enriquecendo-se por elas, ousam ainda atribuí-las aos
outros. Confiscando-se-lhe, portanto, uma parte dos bens, porque a outra se
deixou a seu filho e a sua neta, assim como tudo o que haviam herdado pelo
testamento da mãe ou da avó, foi exterminado38 para as ilhas Baleares. Refere-
-se que nem no tempo do processo nem depois da condenação mostrara menos
altivez de carácter: e vivera sempre no seu desterro com toda a magnificência e
moleza. Em consequência do ódio que havia contra o pai, foi igualmente acusa-
do seu filho Nerulino por crimes de concussão; intercedeu, porém, por ele o
príncipe, achando que já bastava a primeira vingança.
44. Neste mesmo tempo, Octávio Sagita, tribuno do povo, perdido de amores
por Pôncia, mulher casada, não só comprou à força de dinheiro o adultério, porém
obteve ainda que abandonasse o marido, prometendo-lhe casamento e até
chegando a contratá-lo. Mas, assim que esta mulher se viu livre, entrou a pretextar
demoras, dando por motivo a falta de consentimento do pai, e, esperançada em
outro marido mais rico, a iludir as suas primeiras promessas. Octávio, da sua
parte, não cessando então ora de queixar-se ora de ameaçá-la, gritava altamente
dizendo que pois tinha, por causa dela, perdido toda a sua reputação e riquezas,
lhe tirasse também a vida, o único bem que lhe restava. Como visse, porém, que
nenhum caso fazia de tudo isto, pede-lhe, ao menos, uma só noite para aliviar o
seu amor, protestando-lhe, dali em diante, o coibir-se. Destina-se a noite, e Pôncia
recomenda a uma escrava sua confidente que lhe não desampare o seu quarto.
Octávio entra acompanhado de um liberto e leva escondido entre as roupas um

37 Tradução de urbana crimina («crimes urbanos», ou seja, cometidos na cidade).


38 Tradução de pellitur («é lançado»).
328 ANAIS

punhal. Então, segundo o que sempre acontece entre os amantes arrufados39,


principiam as queixas, os debates, as súplicas: ora se acusam ora se acomodam, e
nisto gastam a noite, revezando a guerra com a paz. Nesta alternativa chega,
porém, um momento em que o queixoso amante se cega, crava com o ferro o
coração da infiel, que tal não esperava, afugenta com outra ferida a escrava que
lhe vinha acudir, e sai precipitadamente da casa40. No dia seguinte, se divulgou
logo esta morte, não sendo duvidoso quem era o assassino, por ser coisa sabida
que tinham passado a noite ambos. Porém o liberto, querendo salvar o seu
patrono, declarou que, para vingá-lo, ele só cometera o delito41, e comovia a
muita gente com este magnífico exemplo de tão nobre lealdade, até que a escrava,
melhorando da ferida, descobriu o verdadeiro matador. Acusado pelo pai de
Pôncia no tribunal dos cônsules, assim que acabou o seu tempo de tribuno, foi
condenado como assassino pela sentença dos padres e segundo a lei Cornélia42.
45. Um não menos insigne escândalo da lascívia aconteceu neste ano, que
foi para a república a origem fatal de futuras e grandes calamidades. Vivia em
Roma Sabina Popeia, filha de Tito Ólio, a qual havia tomado o nome de seu avô
materno, Popeu Sabino, homem não só ilustre por ser da família consular,
porém pela glória e honras do triunfo; porque seu pai, Tito Ólio, tinha sido uma
das vítimas da amizade de Sejano. Nada, pois, lhe faltava senão o ter bons
costumes: porque de sua mãe, a mais bela de todas as mulheres do seu tempo,
tinha igualmente recebido tanta nobreza como formosura. As suas riquezas
eram suficientes para manter o esplendor da sua família, falava lindamente e
tinha toda a capacidade até para parecer modesta entre a sua maior desenvoltu-
ra43. Raras vezes aparecia em público, e sempre com o rosto meio encoberto, ou
para mais se fazer desejar ou porque lhe parecia que assim realçava mais a
beleza. Indiferente a qualquer reputação, tanto caso fazia de um amante como
de um marido, porque, sem nunca se prender em seus gostos nem sujeitar-se aos
gostos dos outros, o homem mais rico era sempre o preferido – e para ele desti-
nava toda a sua voluptuosidade. Nestes termos, ainda quando casada com

39 Tradução de ut adsolet in amore et ira («como é costume no amor e na zanga»).


40 Tradução de et pars tenebrarum libidini seposita; ea quasi incensus nihil metuentem ferro
transuerberat et adcurrentem ancillam uulnere absterret cubiculoque prorumpit («e parte
da noite foi reservada para o desejo; quase por este incendiado, atravessava com o ferro
aquela que nada temia [Pôncia], afasta com um golpe a serva que acorria, e irrompe para
fora do quarto»).
41 Tradução de sed libertus suum illud facinus profiteri, se patroni iniurias ultum esse («mas
o liberto confessa seu aquele crime, vingando os ultrajes do patrono»).
42 Tradução de lege de sicariis («pela lei dos sicários», isto é, que diz respeito aos assas-
sínios).
43 Tradução de sermo comis nec absurdum ingenium. Modestiam praeferre et lasciuia uti
(«conversa prazenteira e génio não tolo. Preferia a virtude e fazia uso da lascívia»).
LIVRO XIII 329

Rúfrio Crispino, de quem havia tido já um filho, deitou-se nos braços de Otão,
por ser moço gentil, rico e liberal e, mais que tudo, porque passava por um dos
amigos mais íntimos de Nero, mediando bem pouco entre o adultério e o seu
novo matrimónio.
46. Otão, ou porque o muito amor o fizesse indiscreto ou para melhor infla-
mar os desejos do príncipe (porque, gozando ambos a mesma mulher, estreitava
então muito mais o seu valimento), não cessava de lhe elogiar a formosura e a
elegância de Popeia. Muitas vezes se lhe ouviu dizer, ao levantar-se da mesa do
César, que ia vê-la e que nela havia achado tudo: beldade e nobreza, um objecto
digno das adorações de todo o mundo e as incomparáveis doçuras da suprema
felicidade. Excitado Nero com estes e outros semelhantes estímulos, não tardou
muito a resolver-se44. Assim, tanto que houve a primeira entrevista, entrou logo
Popeia a prendê-lo com toda a espécie de artificiosos atractivos, fingindo-se
abrasada em paixão pelo príncipe e mostrando que não podia resistir-lhe. Tanto,
porém, que o viu completamente subjugado, tomando já um tom de altivez,
passou a dizer-lhe, quando ele a desejava ter consigo por mais de uma ou duas
noites, que enfim era casada e que por nenhuma sorte deixaria seu marido, um
homem a quem ninguém se podia comparar, que na sua pessoa achava todas as
brilhantes qualidades de espírito e toda a magnificência do trato doméstico e
que quanto via em sua casa era digno da mais esplêndida fortuna, ao mesmo
passo que Nero, amancebado com uma escrava e afeito à companhia de Acte,
nada podia dela aprender que não fosse grosseiro e abjecto. Em consequência
destes ditos, foi privado Otão da sua ordinária familiaridade com o príncipe;
logo depois, até de o ver e acompanhar e, afinal, para não ter à vista este émulo,
o nomeou governador da Lusitânia. Neste emprego viveu até o tempo das
guerras civis45, com toda a honra e virtuosa inteireza, esquecendo-se das infâ-
mias passadas e mostrando que, se havia sido escandaloso no ócio, sabia ser
moderado no poder.
47. Até aqui ainda Nero procurou encobrir os seus vícios e maldades, porque
se receava de Cornélio Sula, apesar do seu carácter indolente; porque ele se
persuadia não ser mais que uma pura dissimulação e o fruto de uma sagacidade
profunda. Com efeito, neste medo, por meio de uma insigne mentira, o confir-
mou muito mais ainda Grapto, um dos seus libertos, que, vivendo no palácio
desde o reinado de Tibério, tinha aprendido com o uso e com a idade toda a
malícia das intrigas da corte. A ponte Mílvia era neste tempo famosa pelas
desordens nocturnas, e para ali ia sempre Nero a fim de poder divertir-se mais
dissolutamente fora do recinto de Roma. Fingiu-se, portanto, que, devendo ele

44 Tradução de his atque talibus inritamentis non longa cunctatio interponitur («não se
interpôs uma longa demora entre estes e outros estímulos»).
45 Iniciadas em 68, depois da morte de Nero.
330 ANAIS

voltar pela estrada Flamínia, lhe estava aí armada uma traição, a qual só por
fortuna tinha evitado, tomando o caminho dos jardins de Salústio, e que o actor
desta perfídia era Sula. Deu-se por prova que alguns criados do César, ou isto
fosse por acaso ou por efeito das desordens do tempo, haviam sido intimidados
por certos mancebos atrevidos46, não obstante não se ter conhecido entre eles
nem escravo algum nem cliente de Sula, e saber todo o mundo que este era um
homem positivamente medroso e incapaz de um tal atrevimento. Mas nada disto
importou e, como se o tivessem plenamente convencido de um tal crime, rece-
beu ordem para se expatriar e de não sair fora dos muros de Massília.
48. Governando ainda os mesmos cônsules, tiveram audiência do senado os
deputados de Putéolos, uns dos quais eram enviados pela nobreza e outros pelo
povo. Estes queixavam-se da avareza dos magistrados e dos seus primeiros
cidadãos, e aqueles da anarquia e petulância da plebe47. E, como a sedição
houvesse já chegado a tumulto de pedradas, a ameaços de incêndios e também
já se falasse em armas e mortes, foi nomeado Gaio Cássio para pôr termo à
desordem. Mas, como a sua severidade se achasse excessiva, porque ele mesmo
o pediu, transferiu-se a comissão para os irmãos Escribónios, dando-se-lhes uma
coorte pretoriana, com a presença da qual e o suplício dos principais perturba-
dores se tornou a restabelecer a paz e a concórdia48.
49. Não mencionaria agora um muito insignificante senátus-consulto, pelo
qual se concedeu aos Siracusanos aumentar número dos seus gladiadores, se a
ele se não tivesse oposto Peto Trásea, e não houvesse com isto dado ocasião aos
seus inimigos para daqui o censurarem. Por que motivo (diziam eles) se entre-
tém agora Trásea em coisas tão pequenas, uma vez que tem por máxima que os
senadores devem, com toda a liberdade, tratar tudo quanto for a bem da repúbli-
ca? Porque não propôs antes algum projecto relativo à paz ou à guerra, à eco-
nomia política49 e legislação, ou a outros quaisquer objectos que pudessem
servir para sustentar a glória e grandeza romana50? Se era permitido aos padres,
quando lhes chegava a sua vez de votar, o indicar o que bem lhes parecia e
requerer depois que fosse proposto pelos cônsules, como sucedia então que nada
achasse que emendar senão que fossem menos brilhantes as festas dos Siracusa-

46 Tradução de quia forte redeuntibus ministris principis quidam per iuuenilem licentiam,
quae tunc passim exercebatur, inanem metum fecerant («porque, pela falta de respeito da
juventude que então se exercia aqui e ali, alguns provocaram casualmente um medo vão
aos servidores do príncipe que estavam de regresso»).
47 Tradução de uim multitudinis («violência da multidão»).
48 Tradução de rediit oppidanis concordia («a concórdia regressou aos habitantes da
cidade»).
49 Tradução de de uectigalibus («sobre os impostos»).
50 Tradução de quibusque aliis [res] Romana continetur («sobre outros assuntos que digam
respeito aos romanos»).
LIVRO XIII 331

nos? Iria, com efeito, tudo tão bem em todas as repartições de império como se
um Trásea e não um Nero as estivesse dirigindo? E pois se, de propósito, dissi-
mulava todos os grandes abusos, porque pretendia passar por censor de bagate-
las? Trásea respondeu aos seus amigos que lhe pediam a razão deste seu com-
portamento que se ele se limitava a impugnar semelhantes decretos não era
porque ignorasse o estado presente das coisas, porém por honra do senado e a
fim de que constasse que aqueles que não deixavam passar objectos de tão
pouca importância muito menos se esqueceriam dos de maior ponderação.
50. Neste mesmo ano, por efeito das queixas repetidas do povo contra a
enorme severidade e avareza dos publicanos ou contratadores da pública fazen-
da51, estava Nero resolvido a suprimir todos os direitos de portagem52 e fazer esta
grande mercê ao género humano. Porém a estes seus desejos se opuseram os
padres, louvando ao mesmo tempo a sua generosidade e dizendo-lhe que a repú-
blica não podia subsistir se lhe diminuísse parte das rendas que faziam a sua força
e que, uma vez abolidos estes direitos, se pediria também logo a abolição dos
tributos. Muitos daqueles direitos de portagem haviam sido estabelecidos pelos
cônsules e tribunos do povo ainda nos tempos em que mais florescia a liberdade e
que depois se tinha calculado a soma dos outros tributos, para que a receita
andasse a par das despesas. Era, porém, muito útil reprimir a criminosa avareza
dos contratadores e fazer com que isto que, por tantos anos, se pagara sem
vexações não viesse, por fim, a ser odioso pelos novos rigores da sua arrecadação.
51. Publicou, portanto, o príncipe um edicto para que se fizessem patentes as
pautas de cada um dos tributos, que até então se não tinham divulgado e que,
passado um ano, se não pudessem pedir os que, dentro deste tempo, se houvesse
deixado de cobrar. Que, em Roma, o pretor e, nas províncias, os procônsules53
conhecessem extraordinariamente das queixas contra os publicanos e que aos
soldados se conservassem as suas isenções, excepto nas coisas em que comer-
ciassem. Continha ainda outras mais providências muito justas, que se guarda-
ram pouco tempo e depois se tornaram ilusórias. Contudo, sempre se tem con-
servado a abolição da quadragésima e quinquagésima54 e de mais outras iníquas
invenções que os publicanos haviam excogitado. Também se fez certa equidade
às províncias do ultramar sobre as leis do transporte dos trigos e se estabeleceu
que o valor dos cascos dos navios mercantes não entrasse no capital dos bens
dos negociantes para dele pagarem tributo.

51 Acrescentado pelo tradutor, para definir «publicanos».


52 Tradução de dubitauit Nero, an cuncta uectigalia omitti iuberet («Nero duvidou se ordenaria
suprimir todos os impostos»; uectigal pode designar apenas taxas aduaneiras).
53 Tradução de qui pro praetore aut consule essent iura («aqueles que tivessem os direitos
de propretor ou de procônsul»).
54 Impostos de 2,5 e de 2 %.
332 ANAIS

52. O César perdoou a Sulpício Camerino e a Pompeio Silvano, acusados de


crimes cometidos na África, quando ali tinham servido de procônsules. Poucas
pessoas, e estas particulares, arguiam Camerino, e menos por ter feito roubos do
que pela sua nímia crueldade, mas Silano tinha contra si um grande número de
acusadores, que pediam tempo para mandar vir as testemunhas, ao que o réu se
opunha rogando que fosse sentenciado sem demora. Sempre conseguiu, enfim,
o que pretendia por ser sumamente rico, velho e sem herdeiros, apesar de que
viveu ainda mais tempo do que todos aqueles que se haviam empenhado em
salvá-lo.
53. Até esta época se tinha conservado quieta a Germânia pelo bom juízo
dos generais que, vendo o pouco que já valiam as honras do triunfo, pensavam
ganhar maior glória por manterem a paz. Os que então comandavam ali os
exércitos eram Paulino Pompeio e Lúcio Vétere; e, para não terem os soldados
ociosos, ocupou-se Paulino em acabar o dique que para conter o Reno fora
começado por Druso havia sessenta e três anos; e Vétere destinava juntar o
Mosela com o Arar por meio de um canal. Desta sorte as tropas que embarcas-
sem no Mediterrâneo, entrando no Ródano e Arar e passando dali pelo canal ao
Reno e Mosela, poderiam chegar até o Oceano livres de todas as fadigas das
marchas por terra – e, por esta navegação, se comunicariam entre si as costas do
Ocidente e do Norte. Teve, porém, ciúmes desta obra magnífica o legado da
Bélgica Élio Grácil, que assustou Vétere dizendo-lhe que não fizesse passar as
suas legiões para um governo alheio, nem aparentemente mostrasse querer
ganhar a boa vontade das Gálias55, porque daria com isto terríveis suspeitas ao
imperador. Assim, por semelhantes motivos tantas vezes se têm malogrado os
mais nobres projectos.
54. Mas, pelo longo ócio em que se achavam os exércitos, entrou a correr
fama de que os legados não tinham ordem para atacar os inimigos. Em razão
disto, os Frísios, fazendo marchar o seu exército pelos bosques e pântanos, e
conduzindo embarcada pelos lagos toda a mais gente incapaz de pegar em
armas, chegaram-se à nossa fronteira do Reno e se estabeleceram em uns cam-
pos desertos que só estavam destinados para o uso dos soldados, sendo os
autores desta empresa Verrito e Málorix, que governavam esta nação tal qual os
Germanos podem ser governados. Já tinham feito casas e semeado as terras,
como se fossem de sua propriedade, quando Dúbio Avito, que havia sucedido
no governo a Paulino, ameaçando-os com as forças romanas se não se retiras-
sem para as suas antigas habitações ou não pedissem ao César este novo territó-
rio, obrigou Verrito e Málorix a irem procurar a generosidade do príncipe.
Partiram, por este motivo, para Roma, mas, enquanto não tiveram a audiência

55 Tradução de ne legiones alienae prouinciae inferret studiaque Galliarum adfectaret («que


não passasse as legiões para a uma província estranha e atraísse a estima das Gálias»).
LIVRO XIII 333

de Nero, que andava distraído com outros cuidados, uma das maravilhas que
mostraram a estes bárbaros foi o teatro de Pompeio, a fim de que por ele pudes-
sem formar a mais alta ideia da magnificência e grandeza romana56. Como,
porém, não achassem entretenimento algum nas representações teatrais, porque
disso não entendiam ou não gostavam, perguntando então de que pessoas se
compunha a assembleia, por onde se distinguiam as ordens, quais eram os
cavaleiros e quais eram os padres, advertiram que nas cadeiras destes últimos
estavam certos indivíduos com traje estrangeiro. Reperguntando quem eram e
como se lhe dissesse que esta honra só se concedia aos deputados de certas
nações que mais se avantajavam em valor e na amizade para com o povo roma-
no, no mesmo momento exclamaram que nenhuns povos do mundo se podiam
gloriar de exceder os Germanos em valentia e lealdade. E, sem mais cerimónia,
logo se ergueram e foram sentar-se no meio dos senadores: acção que os cir-
cunstantes não levaram a mal por pintar energicamente o seu carácter antigo e
ser filha de uma nobre e generosa emulação57. Nero lhes concedeu a ambos o
foro de cidadãos, porém ordenou que os Frísios se retirassem das terras ocupa-
das. Como desprezassem, porém, esta ordem, de repente se fez marchar contra
eles a cavalaria auxiliar, que enfim os forçou a retirar-se, cativando ou matando
quantos fizeram resistência.
55. Estes mesmos campos foram depois ocupar os Ampsivários, nação mais
poderosa não só pelo número, porém pela compaixão que merecia dos povos
vizinhos porque, expulsa pelos Caucos e tendo perdido a sua pátria, vinha agora
implorar um desterro em que pudesse viver com segurança. Trazia à sua frente
Boiocalo, homem de grande reputação entre toda aquela gente e nosso bom
amigo, o qual nos dizia que, na rebelião dos Queruscos, havia sido preso por
mandado de Armínio, que depois, sendo generais Tibério e Germânico, tinha
servido connosco e que, à sua constante lealdade por espaço de cinquenta anos,
ainda agora acrescentava o vir pôr debaixo do nosso domínio toda a sua nação.
Para que era deixar inculta uma tão grande extensão de terreno que só servia
para nele pastarem, uma ou outra vez, os rebanhos pertencentes aos soldados?
Guardássemos muito embora alguns campos para os gados, mas fosse aonde
houvesse gente, a não ser que preferíssemos desertos imensos a povos amigos.
Todos estes campos haviam sido primeiramente dos Camavos, tinham passado
depois aos Tubantes e, afinal, aos Usípios; e, assim como o céu se fizera para os
deuses, também a terra se criara para os homens, de sorte que aquela que não
tinha habitadores pertencia ao primeiro ocupante58. Erguendo depois os olhos
para o sol e fazendo exclamações a todos os mais astros, como se os tivesse

56 Tradução de quo magnitudinem populi uiserent («para que vissem a grandeza do povo»).
57 Tradução de quasi impetus antiqui et bona aemulatione («como própria de um entusiasmo
primitivo e de uma honrada competição»).
58 Tradução de quaeque uacuae, eas publicas esse («e as desocupadas, essas eram públicas»).
334 ANAIS

presentes, lhes perguntava se folgariam com efeito de iluminar tantas campinas


desertas. Era então muito melhor mergulhá-las no Oceano para as livrar dos
usurpadores do mundo.
56. Encolerizado Avito com estes discursos, deu-lhe em resposta que era
preciso respeitar a força e o poder, pois que a vontade dos mesmos deuses, que
ele invocava, era que os Romanos fossem os árbitros da terra com o direito
supremo de a conceder ou de a negar, direito que jamais sofreriam lhes fosse
usurpado. Isto foi o que em público disse aos Ampsivários, e a Boiocalo acres-
centou que, em atenção à sua fidelidade, lhe concederia alguns campos. Mas,
como ele visse nesta oferta o convite e o prémio da traição, respondeu com
desprezo: «Agora, com efeito, nos falta terra para vivermos porém, não nos
faltará ainda aquela em que morramos»; e assim se despediram mutuamente
inimigos. Os Ampsivários convidaram em seu auxílio os Brúcteros, os Tencte-
ros e outras mais nações aliadas do interior da Germânia. Então, Avito, escre-
vendo a Curtílio Mância, legado do exército superior, encomendou-lhe que
passasse o Reno e se mostrasse na retaguarda, enquanto ele fazia entrar as
legiões pelas terras dos Tencteros e os ameaçava de uma total devastação se não
largassem o partido inimigo. Com efeito, o largaram e o mesmo fizeram os
Brúcteros, semelhantemente assustados59. Separando-se, afinal, todos os outros
de uma causa que lhes era estranha, ficou só em campo a nação dos Ampsivá-
rios, que, retrocedendo para o país dos Usípios e Tubantes, foi ainda expulsa por
estes. Passou dali às terras dos Catos e Queruscos e, depois de andar por muito
tempo errante em países estrangeiros, ora fazendo a figura de hóspede e miserá-
vel ora de inimiga, tudo o que nela havia de gente própria para as armas pereceu
afinal, e o resto se dividiu como presa e como despojo.
57. Neste Verão, tiveram uma batalha muito ferida os Hermúnduros e Catos
sobre a posse violenta que pretendiam tomar de um rio que produzia muito sal e
dividia as duas nações. Além do seu carácter feroz, que os leva sempre a termi-
nar tudo pelas armas, acresciam motivos de religião, que os trazia persuadidos
de que aqueles lugares eram os mais vizinhos do céu e que em nenhuma outra
parte da terra ouviam os deuses de tão perto as súplicas dos homens. E demais
acreditavam que só por um favor e providência toda divina se formava o sal
naquele rio e naqueles bosques, pois que se não produzia, como acontece em
outras partes, pelas águas do mar que depois se congelam, porém por efeito da
água que se lançava sobre grandes fogueiras, vindo, assim, a operar-se esta
maravilha por elementos contrários, como eram a água e o fogo. Porém esta
guerra tão feliz foi para os Hermúnduros como fatal para os Catos, porque os
vencedores consagraram a Marte e a Mercúrio todo o exército inimigo por um

59 Tradução de igitur absistentibus his pari metu exterriti Bructeri («tendo, portanto, estes
renunciado, com medo igual foram aterrorizados os Brúcteros»).
LIVRO XIII 335

voto que destinava à morte cavalos e homens e tudo quanto ficasse vencido,
recaindo assim desgraçadamente sobre os Catos todas estas hostis imprecações.
Também a cidade dos Úbios, nossa confederada, sofreu muito de uma calami-
dade imprevista, porque grandes vulcões60 rebentaram da terra que reduziram a
cinzas quintas, campos e aldeias, e já se aproximavam das muralhas da nova
colónia sem haver meios de se extinguir o incêndio. De nada valiam nem as
chuvas do céu nem as águas dos rios ou outra qualquer coisa húmida: até que,
entre a mesma desesperação e falta de remédios, entraram alguns homens rústi-
cos a atirar-lhe de longe com pedras e, vendo que as chamas diminuíam, che-
gando-se então para mais perto, as espantavam com paus e outros instrumentos,
como se fossem algumas feras. Afinal, despiam-se e sobre elas lançavam os
vestidos, advertindo-se que quanto mais sórdidos e velhos tanto mais facilmente
apagavam o fogo.
58. Neste mesmo ano, a figueira Ruminal, que está no comício e que oito-
centos e quarenta61 anos antes já tinha servido de abrigo a Rómulo e Remo,
perdeu todos os seus ramos e teve o tronco quase seco, o que se tomou como
um funesto prodígio, até que tornou a reverdecer.

60 Tradução de ignes («fogos»).


61 Tradução de octingentos et triginta («oitocentos e trinta»).
LIVRO DÉCIMO QUARTO

1. No consulado de Gaio Vipstano e de Fonteio Capitão1, apressou-se Nero


em consumar a grande maldade que já dantes tinha concebido, sendo agora já
muito maior o seu atrevimento pela longa duração do poder e pela sua cada vez
mais ardente paixão por Popeia. Esta, desesperando do seu casamento com o
príncipe e do divórcio de Octávia, enquanto vivesse Agripina, nunca perdia
ocasião de criminar o César e até de o meter algumas vezes a ridículo, chaman-
do-o pupilo que, sujeito aos caprichos da mãe, não só nem era imperador mas
nem mesmo tinha liberdade. Porque demorava tanto o seu matrimónio? (lhe
dizia ela2); era porque já fazia pouco caso da sua formosura e dos seus avôs
triunfais? Desconfiava da sua fecundidade e do seu fiel coração ou temia que,
sendo sua esposa, quando mais não fosse, lhe manifestasse o ódio do senado e a
indignação do povo contra a arrogância e avareza da mãe. Se Agripina não
podia suportar outra nora que não fosse inimiga de seu filho, que a deixasse
então ir outra vez para os braços de Otão e procurar qualquer parte do mundo
aonde, se ouvisse as afrontas que sofria o seu príncipe, não passaria, contudo,
pela vergonha de as ver nem se acharia envolvida nos seus mesmos perigos.
Estas e outras semelhantes expressões, que se tornavam ainda mais poderosas
pelas lágrimas e por todos os artifícios da adúltera, ninguém procurava mitigar,
porque também todos desejavam suplantar o valimento da mãe, sem nunca se
poderem persuadir que a aversão do filho fosse tanta que se arrojasse a matá-la.
2. Conta Clúvio que Agripina, para conservar a sua autoridade, chegara a tal
excesso de torpeza que até no meio do dia, quando Nero estava escandecido
com as iguarias e com o vinho, por muitas vezes se apresentara diante do filho
ébrio ricamente ataviada e já disposta para o incesto. Que, presenciando tam-
bém já os circunstantes os ósculos lascivos e todas as mais carícias precursoras
da final abominação3, correra Séneca a impedi-la pelas artes de outra mulher,
fazendo aparecer Acte4, a qual, fingindo-se aflita pelo próprio risco que corria e
pela desonra de Nero, fora dizer-lhe que já era notório o seu incesto com a mãe,
porque ela mesma o divulgava, e que os soldados estavam dispostos a não
sofrer o império de um príncipe tão infame. Fábio Rústico atribui a Nero e não a
Agripina estes desejos, que refere foram igualmente estorvados pela astúcia da

1 Ano de 59 d. C.
2 Parêntesis acrescentado pelo tradutor.
3 Tradução de flagitii («de ignomínia»).
4 Tradução de Acten libertam («a liberta Acte»).
338 ANAIS

mesma liberta; porém o dito de Clúvio tem a seu favor todos os mais escritores,
e até se conforma com a tradição, ou porque na realidade concebesse Agripina
um crime tão horrendo ou porque fosse havido por muito verosímil, sabendo
todo o mundo que nos seus primeiros anos logo se prostituíra com Lépido, só
pela esperança de dominar e que, pelos mesmos motivos, até se dera a Palas,
não havendo já nada para ela que lhe parecesse vergonhoso depois das suas
núpcias com o tio5.
3. Desde então, Nero começou a fugir de estar só com a mãe e a elogiá-la
quando ela ia para os seus jardins ou para as suas terras de Túsculo e de Âncio,
pelo gosto que entrava a ter pelo retiro. Afinal, achando-a importuna em qual-
quer parte que estivesse, tratou de a matar, unicamente indeciso se empregaria o
veneno ou o ferro ou qualquer outro meio violento. Primeiramente se preferiu o
veneno, porém lembrou que, se lhe fosse ministrado quando todos estivessem à
mesa, não pareceria casual a sua morte depois do que havia acontecido com
Britânico; e o corromper os seus criados seria uma coisa muito dificultosa,
sendo ela, pelo grande uso que tinha de todas as maldades, uma mulher suma-
mente acautelada, e sabendo-se, ao mesmo tempo, que já andava precavida com
certos contravenenos. O encobrir os vestígios de qualquer outra morte que se
lhe desse com o ferro tinha ainda iguais ou maiores dificuldades, e até se recea-
va não ser possível achar pessoa tão atrevida que se quisesse incumbir da
comissão. Para esta empresa veio enfim oferecer os seus talentos o liberto
Aniceto, comandante de esquadra do Miseno, um dos mestres de infância de
Nero e que era tão inimigo de Agripina como esta também o era dele. Disse que
se podia fabricar um navio, uma parte do qual, sem que a mãe o suspeitasse, se
abrisse de repente e a fizesse cair ao mar. Que nada havia tão inconstante como
as viagens marítimas e, se ela perecesse com todas as aparências de um naufrá-
gio, quem haveria tão ousado e perverso que atribuísse a crime a obra dos
ventos e das ondas? Que depois da sua morte lhe mandasse então o príncipe
erigir um templo e altares, e fizesse tudo o mais que inculcasse o seu respeito
filial e uma sincera saudade6.
4. Agradou a lembrança, particularmente adaptada às circunstâncias do
tempo, porque Nero estava então em Baias celebrando as festas de Minerva7.
Para elas atraiu a mãe à força de repetir que não só convinha sofrer quaisquer
impertinências dos pais, mas que até era justo esquecê-las, dando com isto um
sinal público da sua reconciliação e fazendo com que estas notícias chegassem

5 O imperador Cláudio.
6 Tradução de additurum principem defunctae templum et aras et cetera ostentandae pietati
(«o príncipe elevaria para a defunta um templo, altares e restantes ostentações de piedade»).
7 Tradução de Quinquatruum festos dies («dia das festas de Quinquatros», em honra de
Minerva).
LIVRO XIV 339

aos ouvidos de Agripina, fácil, como são todas as mulheres, em dar crédito a
tudo que lhes pode agradar. Saindo-lhe, pois, ao encontro na praia, porque ela
vinha de Âncio, pegou-lhe nas mãos, abraçou-a e a conduziu para Baulos, uma
casa de campo deste nome que tinha à borda do mar, entre o promontório Mise-
no e o lago de Baias. Via-se entre os outros navios um muito mais rico e bri-
lhante8, como preparado de propósito para mais distinguir sua mãe, porque ela
tinha por costume fazer as suas viagens em uma galera de três ordens de remos 9
e servir-se com os marinheiros da esquadra. Convidou-a também para cear, a
fim de que a noite fosse a depositária do crime. É constante que houvera um
delator e que Agripina, ouvindo a traição que lhe estava preparada e receosa do
que podia acontecer, voltara por terra em uma cadeirinha para Baias. Mas Nero
fez-lhe tantos carinhos, recebeu-a tão bem, dando-lhe até na mesa o lugar prin-
cipal, que lhe dissipou todas as suspeitas. Conversando com ela em coisas
diferentes, ora com toda a familiaridade e simpleza juvenil ora com muito
acerto e reserva em objectos mais sérios, assim foi estendendo longamente o
banquete e na despedida a veio acompanhar, beijando-lhe os olhos e abraçando-
-a com muita ternura ou para assim melhor representar o disfarce, ou porque a
última vista da mãe, que ele ia fazer morrer, lhe tivesse com efeito abalado o
coração, apesar de toda a sua ferocidade.
5. A providência dos deuses permitiu que a noite estivesse muito clara e o
mar sossegado, para que nenhuma dúvida pudesse haver sobre a autenticidade
deste atrocíssimo delito10. Bem pouco ainda tinha andado o navio, e achava-se
só Agripina com duas pessoas da sua confidência, as quais eram Crepereio
Galo, que estava perto do leme, e Acerrónia, que, reclinada aos pés do leito de
sua ama, a ia congratulando com muita satisfação pelo arrependimento do filho
e por haver recobrado toda a sua amizade – quando de repente, e a um sinal
dado, entrou a cair o tecto da câmara que tinha muito chumbo para o fazer
despenhar mais depressa, e Crepereio é esmagado e fica imediatamente morto.
Agripina e Acerrónia salvaram-se debaixo da armação elevada do leito, que
ainda foi bastante forte para resistir a todo o peso que desabou sobre ela, e o
navio não chegou com efeito a desconjuntar-se como se esperava, em razão de
ficarem todos perturbados e porque aqueles que não estavam no segredo emba-
raçavam os esforços dos cúmplices. Quiseram ainda depois os marinheiros
carregar todos de um lado e ver se assim podiam submergir a embarcação, mas,
como neste caso repentino nem todos obrassem de acordo e até alguns fizessem

8 Tradução de stabat inter alias nauis ornatior («havia entre os outros navios um mais orna-
mentado»).
9 Tradução de triremi («trirreme»).
10 Tradução de Noctem sideribus inlustrem et placido mari quietam quasi conuincendum ad
scelus dii praebuere («Os deuses ofereceram uma noite resplandecente de estrelas e
tranquila com o mar sereno, como que a provar o crime»).
340 ANAIS

uma manobra contrária, deram com isso ocasião a que fosse mais suave a queda
para o mar. A imprudente Acerrónia, gritando então que ela era Agripina e que
socorressem a mãe do seu príncipe, foi morta com os remos e com os croques e
outros instrumentos que se acharam mais à mão. Agripina, em silêncio com que
fez não fosse bem conhecida, ainda assim mesmo recebeu nos ombros uma
ferida e, deitando-se a nado, foi enfim encontrada por alguns pequenos barcos
que a levaram até o lago Lucrino, e dali se recolheu à sua casa.
6. Então, meditando consigo como havia sido convidada por cartas clara-
mente pérfidas, com que honras fora recebida e como o navio, tão perto da praia
e sem ser impelido pelos ventos11, nem haver tocado nas pedras, só pelo lado
superior se tinha desconjuntado, como se fosse um edifício feito de terra 12;
reflectindo, além disto, nas causas da morte de Acerrónia e olhando ao mesmo
tempo para a sua própria ferida, julgou que o único remédio para escapar era
fingir que não percebera a traição. Enviou, em consequência, o liberto Agermo
que fosse dizer ao filho que a bondade dos deuses e a sua boa fortuna a tinham
livrado de um grande perigo e que, assim, lhe rogava que, apesar do sobressalto
que devia ter sentido com a desgraça de sua mãe, não a viesse por ora visitar,
pois que de nada actualmente mais necessitava do que ter algum descanso. No
entanto, fingindo a maior tranquilidade, cuidou em curar as feridas e dar fo-
mentações a todo o corpo. Mandou procurar o testamento de Acerrónia e orde-
nou que se pusessem os selos em todos os seus bens – e só nisto não havia
dissimulação.
7. A este tempo, Nero, ansioso pela chegada dos correios que lhe deviam
participar a execução do seu atrocíssimo mandado, em vez disto recebe a notícia
de que a mãe tinha escapado levemente ferida, depois de ter corrido tantos
perigos que já era impossível duvidar de quem fosse o autor de tão horrorosa
perfídia13. Ficando meio morto de pavor e clamando que ela não podia estar um
momento sem deixar de vingar-se – ou pondo os escravos em armas, ou fazendo
revoltar os soldados, ou dirigindo-se enfim ao senado e ao povo, a quem iria
expor o seu naufrágio, a sua ferida e a morte dos seus amigos –, a todos per-
guntava o que faria neste caso e que seria dele se Burro e Séneca não lhe vies-
sem valer. Foram eles, por consequência, imediatamente chamados, e não é
coisa certa se já dantes estavam no segredo. Por muito tempo estiveram em
silêncio, e também se não sabe se com receios de darem algum conselho que

11 Considera-se que «impedido pelos ventos», que se lê na tradução, é uma gralha, aqui
corrigida (no original: non uentis acta, «não levado pelos ventos»).
12 Tradução de terrestre machinamentum («maquinismo terrestre»).
13 Tradução de At Neroni nuntios patrati facinoris opperienti adfertur euasisse ictu leui
sauciam et hactenus adito discrimine, [ne] auctor dubitaret[ur] («Mas a Nero, que aguar-
dava notícias do crime executado, é dito que [Agripina] tinha escapado ferida com um
ligeiro golpe, e que, dada a proximidade do perigo, agora já não duvidava do autor»).
LIVRO XIV 341

não fosse bem aceito ou porque as coisas já tinham chegado a tal ponto que
Nero ou sua mãe haviam de morrer14. Afinal, Séneca, sempre mais resoluto,
olha para Burro e lhe pergunta se conviria incumbir aos soldados a morte de
Agripina. Ele, porém, respondeu que os pretorianos eram tão afeiçoados a toda
a família dos Césares e conservavam ainda tamanho respeito por Germânico
que não ousariam pôr as mãos na pessoa de sua filha; que Aniceto acabasse,
pois, o que tinha começado15. Este, sem hesitar, se ofereceu logo para consumar
a horrorosa comissão. A estas palavras, Nero exulta de contente e diz que
aquele, na realidade, é o primeiro dia em que começa a ser príncipe e que desta
fortuna só é devedor a um liberto. Recomenda-lhe, pois, que se não demore um
instante e que leve consigo gente fiel e resoluta. Ouvindo, porém, Aniceto que
tinha chegado Agermo com recados de Agripina, lembra-se de lhe atribuir uma
deliberada traição e, enquanto ele está falando com o príncipe, deixa-lhe cair
aos pés um punhal. À vista disto, como se fossem assaz evidentes as intenções
do assassino, passa logo a prendê-lo para poder inventar deste facto que a mãe
conspirava contra a vida do filho e que, pela vergonha de se ver descoberta,
voluntariamente se matara.
8. No entanto, havendo-se espalhado a notícia do desastre de Agripina como
se fosse casual, cada um que o ouviu entrou logo a encaminhar-se para a praia.
Uns subiam ao cais, outros metiam-se nos primeiros barcos que encontravam e
alguns até entravam pelo mar dentro, enquanto achavam fundo, ou estendiam os
braços; em uma palavra, não se ouviam senão os alaridos das diferentes pessoas
que, no meio das lágrimas, dos clamores e das promessas ao céu, perguntavam e
respondiam coisas sem ligação nem coerência16. Por fim, chegou também muito
povo com luzes, mas, tanto que se soube que Agripina havia escapado, e ao
passo que já todos se preparavam para a ir cumprimentar, foram dissipados pela
presença e ameaços da tropa. Ao mesmo tempo, Aniceto já lhe cercava com
patrulhas a sua casa de campo e, arrombando-lhe as portas, ia prendendo os
escravos que encontrava, até que chegou à entrada do quarto, onde achou muito
poucos por se terem escapado quase todos com o medo. Havia na câmara uma
luz muito escassa e uma única escrava – e Agripina se achava cada vez mais
assustada por ver que nem recebia notícias do filho nem chegava Agermo. A
diferente face que haviam tomado aqueles lugares (o silêncio e solidão profun-
da, e depois os súbitos clamores) era, com efeito, tudo isso um anúncio de
funestíssimas desgraças. Já também a escrava se ia igualmente retirando,

14 Tradução de nisi praeueniretur Agrippina, pereundum Neroni esset («se Agripina não
fosse ultrapassada, Nero teria de morrer»).
15 Tradução de perpetraret Anicetus promissa («que perpetrasse Aniceto as promessas»).
16 Tradução de questibus uotis clamore diuersa rogitantium aut incerta respondentium
omnis ora compleri («Toda a orla se enchia de lamentos e de votos, do clamor dos que
faziam perguntas diversas ou dos que davam respostas incertas»).
342 ANAIS

quando, ao dirigir-lhe as palavras «E tu também me abandonas?», dá com os


olhos em Aniceto, que vinha acompanhado do trierarco Herculeio e de Obarito,
centurião da marinha. Disse-lhe logo que, se a vinha visitar, anunciasse ao
príncipe que já estava restabelecida, porém, se trazia intentos sinistros, ela
estava bem certa de que tais ordens não podiam emanar de seu filho – porque
ele era incapaz de ordenar um matricídio. Os assassinos se puseram em roda do
leito, e o trierarco foi o primeiro que lhe deu com um bastão na cabeça. Vendo
ela, porém, que o centurião puxava da espada para matá-la, apresentou-lhe o
ventre, dizendo-lhe: «aqui o tens, descarrega-lhe o golpe»17 – e assim morreu
cortada de muitas feridas.
9. Isto é o que geralmente se conta: se Nero, porém, viu sua mãe depois de
morta e louvou as belas formas do seu corpo, há quem o afirme e quem o negue.
Foi queimada na mesma noite sobre uma espécie de leito dos que serviam nos
festins e com tão pouco aparato como se fosse uma escrava. Enquanto Nero foi
imperador, as suas cinzas nem sequer uma sepultura elevada de terra tiveram
nem algum resguardo, e só depois, pela gratidão dos seus domésticos, se lhe
elevou um pequeno túmulo junto da estrada de Miseno e da quinta do ditador
César, que, na altura em que está, domina todo o golfo. Um seu liberto, chama-
do Mnester, matou-se com um punhal sobre a fogueira, e não se sabe se por
amizade que lhe tivesse ou por medo de ser envolvido na mesma desgraça.
Havia já muitos anos que Agripina conhecia qual seria o seu destino e nunca
tinha feito caso, porque, tendo consultado os Caldeus a respeito de Nero e
respondendo-lhe eles que reinaria para matar a sua mãe, a isto só replicou: «Pois
que me mate, contanto que reine».
10. Porém o César só depois de perpetrada a maldade é que viu toda a enor-
midade do seu crime. Passou o resto da noite ora em um estúpido silêncio, ora
por mil vezes sobressaltado com terrores e verdadeiramente louco, e esperando
pelo dia como o termo fatal da sua destruição. Por conselho de Burro, os centu-
riões e os tribunos vieram com as suas primeiras adulações reanimar-lhe as
esperanças, porque, apertando-lhe as mãos, lhe deram os parabéns por haver
escapado de um perigo tão imprevisto e dos atentados da mãe. Depois disto os
seus amigos foram aos templos dar graças aos deuses e, logo com este exemplo,
os municípios mais próximos da Campânia entraram a fazer público o seu
contentamento, fazendo sacrifícios e enviando deputações. Então ele, por uma
oposta dissimulação, fingia-se triste e chorava como quem não podia suportar a
sua própria existência depois da morte da mãe. Mas, como as figuras e o aspecto
dos lugares não se transformam como os semblantes dos homens e a vista
horrorosa daquele mar e daquelas praias constantemente o acusava (havendo

17 Tradução de protendens uterum «uentrem feri» exclamauit («esticando o útero, exclamou:


“golpeia o ventre”»).
LIVRO XIV 343

mesmo quem acreditasse que, em torno das altas montanhas vizinhas, se ouviam
agudos sons de trombeta e que da sepultura da mãe saíam magoados suspiros),
retirou-se enfim para Nápoles, donde escreveu ao senado uma carta que em
substância dizia o seguinte. Que Agermo, um dos libertos da maior intimidade
de Agripina, havia sido agarrado com um punhal para o matar e que ela, pelos
remorsos da sua consciência, a si mesma tinha dado o castigo do crime que
havia meditado.
11. Acumulava-lhe ainda acusações mais antigas, dizendo que sempre mos-
trara ardentes desejos de ter parte com ele no principado, que as coortes preto-
rianas lhe prestassem juramento de fidelidade e que, por esta mesma vergonha,
passasse o senado e o povo. Que vendo, porém, que nada disto podia conseguir,
tornando-se então inimiga da tropa, do senado e do povo, impedira todos os
públicos donativos e tramara a ruína de muitos homens ilustres. Que trabalhos
não havia ele tido para embaraçá-la de que forçasse as portas da cúria e viesse
ditar-lhe as respostas para as nações estrangeiras! Tocando depois indirecta-
mente no governo de Cláudio, fazia recair sobre a mãe todas as infelicidades
daquele tempo, acrescentando por fim que a sua morte tinha sido uma fortuna
para a república. Referia também o naufrágio: mas quem seria tão estúpido para
julgar que fosse fortuito ou que uma mulher, depois de escapar de um tal perigo,
metesse o punhal na mão a um liberto e se persuadisse que com ele podia des-
truir todas as forças de terra e de mar que rodeavam o imperador18? Assim já
nada admirava em Nero, cujas atrocidades eram superiores a qualquer mau
conceito que dele se pudesse formar: porém o que muito se estranhava era que
Séneca tivesse ousado fazer por escrito uma semelhante confissão.
12. Contudo, pela notável baixeza dos principais senadores, se decretou o
darem-se acções de graças em todos os templos, que as festas de Minerva19,
tempo em que se fingia ter-se descoberto a conspiração, fossem celebradas com
espectáculos e jogos anuais; que no senado se dedicasse uma estátua de oiro a
esta deusa e a seu lado se pusesse a do príncipe e que o dia natalício de Agripina
se contasse para o futuro em o número dos dias infelizes. Peto Trásea, que já
dantes costumava calar-se ou simplesmente aprovar por cerimónia as adulações
ordinárias, saiu nesta ocasião do senado: no que se expôs a muito perigo, sem
com isto corrigir a ninguém20. Foram, neste tempo, muitos os prodígios e assaz
continuados, mas todos inúteis: uma mulher pariu uma serpente, e outra, estan-

18 Tradução de cohortes et classes imperatoris («as coortes e as frotas do imperador»).


19 Tradução de Miro tamen certamine procerum decernuntur supplicationes apud omnia
puluinaria, utque Quinquatrus («Contudo, por uma notável rivalidade dos próceres, foram
decretadas súplicas em todos os pulvinares e que os Quinquatros»). Os pulvinares eram
locais (semelhantes a pequenos leitos) onde se colocavam as imagens dos deuses.
20 Tradução de sibi causam periculi fecit, ceteris libertatis initium non praebuit («pôs-se a si
em perigo, não deu aos restantes um sinal de liberdade»).
344 ANAIS

do nos braços do marido, foi morta com um raio; escureceu-se repentinamente o


sol e nos catorze bairros de Roma caiu o fogo do céu – mas todas estas coisas
sucederam certamente sem particular destino dos deuses, porque Nero ainda
continuou por muitos anos a governar e a ser pelos seus crimes o flagelo do
mundo. Para fazer ainda mais detestável a memória da mãe e mostrar ao mesmo
tempo que, depois da sua morte, já não tinha quem o impedisse na sua clemên-
cia, restituiu às suas casas duas mulheres ilustres, Júnia e Calpúrnia, e dois
antigos pretores, Valério Capitão e Licínio Gábolo, os quais todos tinha banido
Agripina. Deu também licença para que se pudessem trazer as cinzas de Lólia
Paulina e que se lhe erigisse um túmulo, e perdoou a Itúrio e Calvísio, a quem
havia pouco tinha exterminado. Quanto a Silana, já ela tinha morrido em
Tarento, para onde tinha vindo de outro desterro mais distante em tempo que
Agripina, por cujo ódio padecera, ou já começava a descair do valimento ou já
estava mais aplacada.
13. Ao mesmo passo que Nero andava cuidadoso e perplexo21 pelas cidades
da Campânia, sem saber por que modo faria a sua entrada em Roma e se poderia
contar com os obséquios do senado e com a afeição e vivas do povo, todos os
seus infames cortesãos (de que ainda não houve corte que tivesse tanta abun-
dância) o animavam para que aparecesse intrépido e fosse em pessoa conven-
cer-se do quanto era estimado; porque o nome de Agripina estava cada vez mais
odioso e, com a sua morte, ele tinha verdadeiramente adquirido muito maior
veneração popular. Pediram-lhe então que os deixasse ir adiante e, com efeito,
acharam ainda mais do que esperavam: saíram a recebê-lo as tribos, toda a
corporação do senado vestida de gala, uma multidão imensa de mulheres e
crianças, disposta por ordem segundo o sexo e as idades e, por toda a parte em
que passava, havia anfiteatros aonde estavam numerosos espectadores, como se
fosse para verem um triunfo. Assim, Nero, arrogante e como vencedor de uma
república de escravos22, entrou no Capitólio, deu graças aos deuses e entregou-
-se depois a todas as torpezas, que uma espécie de respeito pela mãe ainda até
ali havia algum tanto reprimido.
14. Era já muito antiga a ocupação que ele tinha de correr governando as car-
roças e, não com menor infâmia, como se fosse um músico de profissão, de
apresentar-se à mesa a cantar, acompanhando-se com a lira23. Dizia que nisto
queria imitar os reis e os antigos capitães e que este talento fora sempre elogia-

21 Tradução de anxius («ansioso», «angustiado»).


22 Tradução de publici seruitii uictor («vencedor da servidão pública»).
23 Tradução de Vetus illi cupido erat curriculo quadrigarum insistere, nec minus foedum
studium cithara ludicrum in modum canere («Ele tinha um antigo desejo de realizar o
trajecto das quadrigas e a predilecção, não menos indigna, de cantar com a cítara à maneira
de um espectáculo»).
LIVRO XIV 345

do pelos poetas, por fazer uma parte do culto com que se honravam os deuses.
Que ninguém, além disto, ignorava que Apolo era o deus do canto e que sempre
se representava com a lira na mão não só nas cidades da Grécia, porém ainda
nos templos romanos, apesar de ser um dos grandes deuses e o deus dos orácu-
los. Como não fosse, pois, já possível impedi-lo, pareceu então a Séneca e a
Burro que era bom permitir-lhe alguma coisa para que se não desaforasse em
tudo. Mandou-se, portanto, fechar um circo no vale Vaticano, em que pudesse
correr e governar os cavalos só na presença dos seus cortesãos, mas entrou ele
mesmo logo a convidar o povo de Roma, e este passou grandemente a aplaudi-
-lo, como é próprio da plebe que, sempre ansiosa por divertimentos, muito mais
gosta deles quando vê que também são do gosto dos seus príncipes. Desta sorte,
este descaramento vergonhoso, longe de lhe afrouxar a sua mania extravagante,
como se pensava, ainda muito mais lhe irritou os apetites porque, tendo para
consigo que quanto maior fosse o número dos infames menor seria também a
sua infâmia, seduziu para entrarem na cena a muitos descendentes de famílias
ilustres, que, por efeito da sua pobreza, se deixaram comprar por dinheiro.
Ainda que todos já estejam mortos, não divulgarei, contudo, os seus nomes por
veneração às cinzas dos seus antepassados, porque toda a culpa deve antes
recair sobre aquele que dava dinheiro para fazer o mal, quando o devia dar para
que ele se não fizesse. Obrigou também muitos cavaleiros romanos, assaz
conhecidos, a irem combater publicamente na praça: para o que não houve, é
preciso confessá-lo, senão dádivas, mas, quando estas saem da mão que tem a
força, são na realidade uma verdadeira violência.

15. Não ousando, porém, ainda desonrar-se sobre um público teatro, instituiu
os jogos intitulados juvenais, para os quais indistintamente deram os seus
nomes todos os cidadãos; de sorte que nem o nascimento, nem a idade ou
quaisquer empregos que houvessem exercido os dispensava de representar,
como qualquer comediante grego ou romano, e até de os imitar em seus gestos e
canções as mais dissolutas. As mesmas matronas ilustres estudavam em brilhar
em tais obscenidades; e, junto do bosque que Augusto mandara plantar em torno
do lago em que deu um combate naval, se mandaram erigir salas e lojas, em que
se expôs à venda tudo o que podia excitar os desejos, distribuindo-se aos es-
pectadores dinheiro, que os bons por necessidade e os maus por bazófia gasta-
vam em todo o género de excessos. Daqui nasceram mil flagícios e infâmias, e
pode-se dizer que nunca, ainda nas épocas antigas da maior corrupção, se viram
abominações iguais às deste tempo, porque se tanto custa a manter os bons
costumes, ainda no meio dos bons exemplos, como entre o espectáculo de todos
os grandes vícios seria possível conservar a honestidade, a modéstia ou alguma
sombra de virtude? Mas, afinal, Nero não se pôde conter: apresentou-se no
teatro e executou na lira peças já dantes muito trabalhadas, tendo à roda de si
não só toda a corte, mas uma coorte pretoriana e os centuriões e os tribunos, e
até Burro, consternado e aplaudindo. Então se criou, pela primeira vez, um
346 ANAIS

corpo de cavaleiros romanos com o título de Augustanos, todos brilhantes pela


sua mocidade e vigor – uns arrastados pelo seu carácter licencioso, outros só por
ambição. Era o seu ofício bater as palmas de dia e de noite e equiparar com os
deuses a gentileza e voz divina do príncipe, ganhando com isto a estimação e as
honras, como se fossem o prémio das virtudes.
16. Não se contentando já só com a glória de um simples actor, ambicionou
também a de poeta; em torno de si ajuntou todos os que tinham algum talento
para a poesia, ainda que não tivessem celebridade, os quais se ocupavam com
ele em arranjar os versos que ou já dantes tinham composto, ou faziam de
repente, metendo-lhes sempre todas as palavras que Nero lhes ditava, quaisquer
que elas fossem; o que pela leitura dos mesmos versos se dá bem a conhecer,
porque neles não se encontra nem força, nem génio, nem uniformidade de
estilo. Também depois de comer empregava alguns momentos em excitar e
ouvir as disputas que, pelas suas contrárias opiniões, tinham entre si os filóso-
fos, muitos dos quais, apesar de todo o seu aspecto sério e de toda a sua austeri-
dade, se davam por muito felizes de passar por bobos do palácio24.
17. Pelo mesmo tempo, um caso insignificante produziu uma grande mortan-
dade entre os habitantes das colónias de Nucéria e de Pompeios, na ocasião em que
Livineio Régulo, que, segundo já contei25, fora excluído do senado, dava um
espectáculo de gladiadores. Começando uns e outros a atacar-se com ditos pican-
tes, o que é próprio da plebe das cidades, e passando depois às injúrias e pedradas,
afinal pegaram em armas e ficou a vitória por parte dos pompeianos que davam o
espectáculo. Chegaram a Roma muitas pessoas de Nucéria com os membros
mutilados ou feridos, e quase todos choravam a morte ou dos pais, ou dos filhos. O
príncipe remeteu para o senado a averiguação deste facto, e o senado a enviou para
os cônsules; mas, tornando-se outra vez a discutir perante os padres, ficaram os
Pompeianos privados por dez anos desta espécie de públicos espectáculos, e foram
suprimidas todas as associações que contra as leis haviam instituído. Livineio e
todos os mais que tinham concorrido para a sedição foram desterrados.
18. Foi excluído do senado Pédio Bleso, a quem acusaram os Cirenenses de
ter violado o tesouro de Esculápio e de fazer os recrutamentos por empenhos e
dinheiro. Foram eles igualmente parte contra Acílio Estrabão, que tinha sido seu
pretor e fora nomeado por Cláudio para ir conhecer das terras que pertenceram,
em outro tempo, ao rei Ápion, e ele depois doara por testamento com o reino ao
povo romano26. Os proprietários vizinhos se tinham apossado delas e, para as
não largarem, recorriam à sua longa usurpação como se fosse um título legíti-
mo. Sendo, pois, sentenciados a perdê-las, ficaram com ódio contra o seu juiz, e

24 Tradução de inter oblectamenta regia («entre as diversões régias»).


25 Nos livros que se perderam.
26 Em 96 a. C.
LIVRO XIV 347

o senado respondeu que não sabia das ordens que, a este respeito, Cláudio tinha
dado e que, portanto, recorressem ao príncipe. Nero confirmou a sentença de
Estrabão, mas acrescentou que só por querer fazer bem aos aliados lhes conce-
dia as terras usurpadas.
19. Morreram, pouco tempo depois, dois dos homens ilustres, Domício Afro
e Marco Servílio, que brilharam muito pelas suas grandes dignidades e poderosa
eloquência. Domício contentou-se com ser orador, porém Servílio, depois de se
ter ocupado longo tempo com os negócios forenses, fez-se ainda célebre como
escritor da história romana e como homem muito amável: bem superior ao seu
rival porque, se o igualou nos talentos, o excedeu na bondade de carácter.
20. No quarto consulado de Nero, em que teve por colega Cornélio Cosso27,
se instituíram em Roma as festas Quinquenais, à imitação dos combates dos
Gregos, do que se disse bem e mal, segundo o que sempre acontece a respeito
de tudo o que é novidade. As reflexões de alguns eram estas: que já os antigos
haviam culpado Gneu Pompeio por ter feito um teatro permanente, porque até
ali todas as representações se faziam em locais preparados só para a ocasião, e,
se deitássemos os olhos ainda para mais longe, veríamos que o povo nem tinha
assentos e assistia de pé, com receio de que, se pudesse estar sentado, passaria
os dias inteiros ociosamente no teatro. Muito embora se conservassem os es-
pectáculos antigos, mas, quando os pretores os dessem, não se obrigasse nin-
guém a figurar neles. Já os pátrios costumes estavam bem decaídos e agora
viriam finalmente a perder-se de todo por esta viciosa inovação, pois que com
ela se veria, dentro de Roma, todo o género de corrupções e quanto as podia
fomentar, fazendo-se com que a mocidade toda se perdesse com estes exercícios
estrangeiros e se ocupasse na ginástica, no ócio e nos torpes amores, instigada
pelo príncipe e pelo senado, que já se não contentavam em permitir-lhe tais
desenvolturas, mas até a violentavam para elas. Se os mesmos homens mais
ilustres de Roma, com o pretexto de quererem passar por grandes oradores e
poetas, já se não envergonhavam de se desonrar sobre o teatro, que mais lhes
faltava agora do que apresentar-se nus, pegarem do cesto28 e preferir estes
combates à milícia e às armas? Porventura as decúrias dos cavaleiros aprende-
riam a exercer mais dignamente o santo ministério dos agouros, o nobre ofício
de julgar, se tivessem os ouvidos acostumados a apreciar com gosto a harmonia
de sons moles e lascivos? E, para que a honestidade não tivesse um só instante
de recato, também se escolhiam as noites, a fim de que nestes promíscuos
ajuntamentos qualquer homem depravado pudesse satisfazer livremente nas
trevas os desejos que tinha concebido de dia.

27 Ano de 60 d. C.
28 Tradução de caestus adsumant; o «cesto» era uma manopla usada pelos pugilistas que
servia para golpear o adversário.
348 ANAIS

21. Mas havia outros a quem esta mesma dissolução agradava, por isso que a
disfarçavam com nomes honestos. Os nossos antepassados, diziam eles, segundo
o estado das coisas do tempo, não tinham aborrecido estes divertimentos e a prova
era o haverem imitado29 da Etrúria os histriões, de Túrio as carreiras de cavalos e
o terem os espectáculos passado a ser mais brilhantes depois das conquistas da
Acaia e da Ásia. Apesar de já se contarem dois séculos depois do triunfo de Lúcio
Múmio, o primeiro que dera estes espectáculos em Roma, qual era o homem
honrado da cidade que se tivesse aviltado a ser comediante? A razão da estabili-
dade do teatro foi um princípio de uma justa economia, para se não estar gastando
todos os anos somas imensas na sua construção. Nem, daqui em diante, se
tornariam a arruinar na sua fazenda os magistrados e nem o povo teria motivo
para exigir deles estes combates dos Gregos, uma vez que a república se incumbia
dos seus gastos. Os prémios propostos para os oradores e poetas estimulariam os
talentos e nenhum juiz teria por desonra o entreter-se com estes combates hones-
tos ou em dar-se a estes prazeres permitidos. As poucas noites que, de cinco em
cinco anos, se destinavam para o divertimento e alegria não se podiam dizer
dedicadas a passatempos lascivos porque era tanta a claridade das luzes que não
seria possível fazer-se em segredo qualquer acção torpe. Com efeito, nenhum
escândalo notável se cometeu nestes espectáculos e nem o povo mostrou espírito
algum de partido, porque os pantomimos, que tornaram a ser admitidos no teatro,
foram excluídos dos jogos sagrados. Ninguém levou o prémio da eloquência e só
se declarou que o César fora o vencedor; também logo deixou de ser moda o traje
grego com que naqueles dias muitos andavam vestidos.
22. Por este mesmo tempo apareceu um cometa, fenómeno que o povo, sem-
pre crédulo, considera como o presságio da queda de algum rei. Assim, como se
Nero já estivesse deposto, também já cada um indagava quem seria o sucessor e a
voz pública designava Rubélio Plauto, descendente, por sua mãe30, da família
Júlia. Era este homem um verdadeiro imitador dos costumes antigos: austero e
modesto por carácter, casto e muito metido consigo e, quanto mais retirado vivia
do mundo para escapar-se dos perigos, muito maior fama adquiria. Aumentou
estes rumores a explicação não menos frívola de um raio. Estando Nero a cear
junto das lagoas Simbruínas, em um lugar chamado Subláqueo, foram as iguarias
devoradas pelo fogo celeste, e caiu a mesa por terra; como este facto sucedesse
nos confins de Tíbur, donde procediam os avôs paternos de Plauto, muito mais se
acreditou que os deuses visivelmente o destinavam para o império. Muito particu-
larmente era acreditada esta opinião por todos aqueles que, por uma ardente e
falaz ambição, estão sempre prontos para correr todos os azares, quando se trata
de mudanças ainda as mais arriscadas; porém Nero, assustado com estas notícias,
escreveu-lhe uma carta em que lhe dizia cuidasse da sua parte em dar o sossego a

29 Tradução de accitos histriones («histriões importados»).


30 Júlia, filha de Druso e neta de Tibério.
LIVRO XIV 349

Roma e fugisse da vista dos seus inimigos, que malignamente o infamavam. E


pois que tinha terras suas na Ásia, fosse passar nelas a sua mocidade em toda a
segurança e quietação. Plauto aceitou o conselho e logo para lá se retirou em
companhia de sua mulher, Antístia, e de alguns poucos amigos. Nestes mesmos
dias, Nero, por um excesso de voluptuosidade, se desacreditou muito e esteve em
grande perigo porque se lhe meteu na cabeça o ir banhar-se na fonte Márcia, que
vai encanada para Roma, o que foi olhado como uma profanação e insulto feito às
águas sagradas e aos santos mistérios do lugar. A perigosa enfermidade que logo
depois lhe sobreveio confirmou ainda mais a vingança divina.
23. No entanto Corbulão, assim que arrasou Artáxata, tendo para si que era
preciso aproveitar-se deste primeiro momento de terror para ocupar Tigrano-
certa e depois ou destruí-la, para infundir mais susto ao inimigo, ou perdoar-lhe,
para ganhar fama de clemência, pôs-se em marcha para lá sem cometer hostili-
dades, a fim de lhe não tirar as esperanças de perdão, mas sem nunca andar
desacautelado, pois que bem conhecia a inconstância de toda aquela gente, que
tão cobarde era nos perigos como aleivosa nas ocasiões31. Os bárbaros, segundo
o seu diferente carácter, ou vinham pedir-lhe protecção ou, desamparando as
aldeias, fugiam para os lugares inacessíveis e se escondiam nas cavernas com as
suas famílias e riquezas. Em conformidade disto, também o general romano
usou diferentemente com eles: tratou bem os que pediam misericórdia, caiu
rapidamente sobre os que fugiam e mostrou-se inexorável contra os que esta-
vam escondidos, fazendo-lhes tapar com lenha as entradas e saídas das cavernas
e mandando depois deitar-lhe o fogo. Ao passar pelas fronteiras dos Mardos, foi
atacado por eles, pois que é esta uma nação que só vive de roubos e que, apenas
se vê perseguida, logo se recolhe às montanhas. Então, Corbulão despediu
contra ela os Iberos, que assolaram as suas terras e, desta sorte, à custa alheia se
vingou da insolência destes inimigos32.
24. Mas, apesar de se não ter ainda até ali combatido, os trabalhos e a fome
haviam posto em grande aperto o general e os soldados, que apenas já só tinham
carne de alguns animais para comer. Acrescia também a isto a falta de água no
meio dos calores ardentíssimos do Estio e das marchas dilatadas: o que tudo só
a paciência de Corbulão fazia suportar e que, na realidade, sofria muito mais do
que qualquer soldado ordinário. Chegaram, enfim, a terras cultivadas, ceifaram
os trigos e, dos dois castelos para onde se haviam refugiado os Arménios, um
foi entrado de assalto e o outro, que havia resistido, se rendeu depois de um
cerco regular. Passando depois ao país dos Tauraunites, esteve Corbulão para
correr um grande risco quando menos o pensava, porque muito perto da sua

31 Tradução de infidam ad occasiones («ocasionalmente infiel»).


32 Tradução de hostilemque audaciam externo sanguine ultus est («vingou com sangue
estrangeiro a audácia do inimigo»).
350 ANAIS

tenda foi encontrado com armas um bárbaro, homem de distinção, o qual, no


meio da tortura, declarou a trama e os cúmplices da conspiração de que ele era o
chefe. Assim foram convencidos e castigados todos os que, debaixo de aparên-
cias de amizade, meditavam esta traição. Não tardou então muito que não che-
gassem os deputados de Tigranocerta, os quais, oferecendo-lhe as chaves da
cidade33 e declarando que o povo ficava pronto para executar as ordens do
vencedor, lhe traziam igualmente uma coroa de oiro em sinal de hospitalidade.
Corbulão os recebeu com toda a honra e estimação e não tirou nada aos habi-
tantes para que, de mais boamente, fossem firmes na sua obediência.
25. Não sucedeu, porém, assim com o Castelo Real, defendido por uma briosa
mocidade que se não quis render senão depois de haver combatido. Ousou mesmo
tentar a sorte de uma batalha perto dos muros e só depôs as armas quando, for-
çada até os seus entrincheiramentos, viu os nossos prontos a entrá-los34. A guerra
da Hircânia, que trazia ocupados os Partos, facilitava muito todas estas operações,
e os mesmos Hircanos tinham mandado embaixadores a Roma, pedindo ao
príncipe quisesse formar aliança com eles, pois que bem mostravam a sua
verdadeira amizade na diversão que faziam a Vologeses. Na sua volta, para que
depois de passado o Eufrates não caíssem nas mãos dos destacamentos inimigos,
Corbulão os mandou acompanhar por uma escolta até ao mar Vermelho35, donde,
sem tocarem nas fronteiras dos Partos, se recolheram às suas casas.
26. Como soubesse então Corbulão que Tiridates havia entrado pelas terras
dos Medos no interior da Arménia, mandou logo adiante o legado Verulano
com as tropas auxiliares, ao mesmo passo que ele o seguia muito de perto com
as legiões; e bem depressa o forçou a retirar-se e a perder todas as esperanças do
bom sucesso da guerra. Pondo depois a ferro e a fogo todos os povos que ti-
nham tomado contra nós o partido do rei, já estava senhor absoluto da Arménia
quando chegou Tigranes, nomeado por Nero para reinar no país; o qual, ainda
que descendente da primeira nobreza da Capadócia e neto do rei Arquelau, por
haver estado como reféns largos anos em Roma, tinha ali adquirido toda a
baixeza e abjecção de um escravo. Não foi, contudo, geralmente bem recebido,
porque os Arsácidas conservavam ainda alguma ascendência em certos indiví-
duos, porém o maior número aborrecia a soberba orgulhosa dos Partos e antes
queria um monarca dado pelos Romanos. Para a sua defesa se lhe deixou mil
legionários, três coortes aliadas e duas divisões de cavalaria, e, para que mais
facilmente pudesse governar os seus novos vassalos, deu-se a Farasmanes, a

33 Tradução de patere moenia («[que] as muralhas estavam à disposição»).


34 Tradução de aggeri demum et inrumpentium armis cessere («cederam por fim a um
terrapleno e às armas dos invasores»)
35 Lapso do historiador (ou do copista), pois parece tratar-se antes do mar Cáspio ou do
golfo Pérsico.
LIVRO XIV 351

Pólemon, Aristobulo e a Antíoco aquelas porções da Arménia que lhes ficavam


fronteiras. Corbulão passou à Síria a fim de tomar posse do governo que, pela
morte de Umídio, se lhe havia conferido.
27. No mesmo ano, Laodiceia, uma das cidades mais brilhantes da Ásia,
ficando arruinada por um terremoto, tornou a reedificar-se à sua própria custa,
sem precisar que lhe déssemos o mais pequeno socorro. Nero concedeu a Putéo-
los, uma antiga cidade de Itália, o direito de colónia e o poder tomar o seu
nome. Os veteranos, designados para irem povoar Tarento e Âncio, longe de
cumprir o que se lhes ordenava, espalharam-se quase todos pelas províncias
aonde haviam terminado o serviço; e, não afeitos a casamentos legítimos nem a
educarem seus filhos, morriam sem deixar posteridade. A causa disto procedia
de que já se não mandavam, como em outro tempo, para os municípios legiões
inteiras com os seus tribunos e centuriões, indo todos os soldados reunidos nas
suas próprias companhias e formando assim, pelos seus antigos laços de frater-
nidade, uma verdadeira república; eram, porém, agora todos tirados de corpos
diversos e, sem se conhecerem, sem chefes e sem relações algumas entre si,
viam-se de repente, como se fossem indivíduos de estranhas nações, reunidos
em um só ponto, aonde mais faziam número do que uma perfeita colónia.
28. Como nos comícios para as eleições dos pretores, que se costumavam fazer
debaixo da direcção do senado, tivesse havido grandes violências e subornos, o
príncipe sossegou tudo, dando a cada um dos três candidatos, que havia de mais, o
comando de uma legião. Deu também muito maior consideração ao senado,
ordenando que todos os que apelassem dos juízes particulares36 para os padres
corressem o risco da mesma pena pecuniária que incorriam os que apelavam para
o imperador, porque até ali aquelas apelações não estavam sujeitas a alguma pena.
No fim do ano, Víbio Secundo, cavaleiro romano, acusado pelos Mouros e con-
vencido de crimes de concussão, só foi relegado da Itália, devendo aos bons
ofícios e crédito de seu irmão Víbio Crispo o não ter sofrido mais rigoroso castigo.
29. No consulado de Cesénio Peto e de Petrónio Turpiliano37, houve um consi-
derável desastre na Britânia. O legado Aulo Dídio, segundo já contei, tinha-se
contentado em conservar o que achou, e o seu sucessor, Verânio, tendo feito
pequenas incursões nas terras dos Sílures, não pôde adiantar as suas conquistas
porque morreu. Em todo o tempo da sua vida, tinha passado por um homem de
muita seriedade, mas pelas últimas palavras do seu testamento se viu ser um
adulador e um vaidoso, porque, depois de muitas lisonjas a Nero, acrescentava
que, se tivesse vivido mais dois anos, haveria subjugado toda a província. Nesta
ocasião, comandava na Britânia Paulino Suetónio, o qual, pela ciência da guerra e

36 Tradução de priuatis iudicibus (literalmente, «juízes privados», ou seja, um julgamento


em primeira instância).
37 No ano de 61 d. C.
352 ANAIS

pela voz popular que sempre suscitava rivais aos grandes homens, sendo com-
parado com Corbulão, queria por isso mesmo agora igualá-lo nos seus triunfos da
Arménia, sujeitando completamente os rebeldes Britanos. Preparou-se, pois, para
atacar a ilha de Mona, povoada de habitantes animosos e o asilo de todos os
fugitivos, e, para isto, fez construir embarcações chatas, por causa dos muitos
baixos que havia naquele mar, e nelas embarcou toda a sua infantaria, ordenando
que a cavalaria passasse a vau ou a nado aonde as águas fossem mais fundas.
30. Nas praias opostas, estava postado o exército inimigo, numerosíssimo em
armas e homens, entre os quais corriam as mulheres, bem como se nos pintam
as Fúrias, desgrenhadas, vestidas de luto e com fachos acessos nas mãos. Em
torno delas se viam os druidas, com os braços erguidos para o céu, vomitando
maldições e preces horríveis, com a qual novidade os nossos ficaram tão aterra-
dos que, como se tivessem perdido todo o uso dos seus membros, apresentavam
seus corpos imóveis a todas as feridas. Mas, enfim, tornando a si com as exorta-
ções do general e animando-se mutuamente uns aos outros, para perderem o
medo a um bando de mulheres e sacerdotes fanáticos, marcham para diante com
as bandeiras, derribam quantos encontram e os fazem arder no mesmo fogo.
Construiu-se depois uma fortaleza para conter os vencidos e se destruíram os
bosques consagrados a superstições horrorosas, porque tinham por costume
banhar seus altares com o sangue dos cativos e consultar os seus deuses nas
entranhas humanas. Enquanto, porém, Suetónio estava ocupado nesta empresa,
recebeu a notícia da repentina insurreição da província.
31. O rei dos Icenos, Prasutago, célebre pela sua longa opulência, tinha
nomeado por herdeiros o César e as suas duas filhas, assentando que assim
poderia salvar de todos os insultos o seu reino e a sua família. Mas enganou-se,
porque os centuriões lhe saquearam o reino, e os escravos o palácio, como se
fossem verdadeiros conquistadores, principiando por indignamente açoutarem
com varas sua mulher, Boudica, e violarem suas filhas. A principal nobreza dos
Icenos, como se todo o país estivesse compreendido na herança, foi também
despojada dos seus bens particulares, e os mesmos parentes do rei ficaram
reduzidos à classe de escravos. Por efeito destas afrontas e de quantas ainda
receavam maiores, uma vez que o reino tinha passado a ser província, pegaram
todos em armas, convidando para a rebelião os Trinobantes e geralmente a
quantos não estavam ainda afeitos a sofrer a escravidão e, por isso, haviam
jurado em segredo recobrar a liberdade. O seu ódio mais forte era contra os
veteranos, os quais, tendo vindo havia pouco estabelecer a colónia de Camulo-
duno, expulsavam de suas casas a todos os proprietários, chamando-os cativos e
escravos; e eram nisto ajudados pelos novos soldados, que tinham os mesmos
costumes e se lembravam de que lhes chegaria também a sua vez de cometer os
mesmos insultos38. Acrescia ainda outro motivo, qual era o considerarem o

38 Tradução de fouentibus impotentiam ueteranorum militibus similitudine uitae et spe eiusdem


LIVRO XIV 353

templo, dedicado ao divino Cláudio, como um monumento da sua eterna servi-


dão e o verem que os sacerdotes, com mil pretextos religiosos, lhes comiam
quanto tinham39. Além disto, não lhes parecia dificultoso destruir uma colónia
em que não havia fortalezas pelo descuido dos nossos generais, que tinham
cuidado em fazer o país mais ameno que seguro40.
32. No meio desta fermentação, a estátua da Vitória que estava em Camulo-
duno, sem que houvesse causa conhecida, caiu por terra e para trás, como se já
cedesse ao inimigo. Também as mulheres, no furor místico das suas inspirações,
profetizavam que o dia das vinganças chegava; e contava-se que vozes estra-
nhas se tinham ouvido no mesmo lugar das suas públicas assembleias 41; que o
teatro retumbava com gemidos, que a imagem da colónia destruída se tinha
visto nas águas do Tâmesis; que o Oceano parecia ensanguentado e que as
ondas do mar deixavam nas praias, ao retirar-se, representações de corpos
humanos: o que tudo servia para dar grande esperança aos Bretões, assim como
muita inquietação e desmaio42 aos nossos velhos soldados. Achando-se então
Suetónio muito longe, pediram socorro ao procurador Cato Deciano, que não
lhes mandou senão duzentos homens, e esses mal armados, sendo os soldados
muito poucos e estando unicamente confiados na protecção de seu templo.
Assim, pela malícia dos habitantes, que tinham correspondências com os rebel-
des43, não tendo nunca cuidado em fazer algum fosso ou trincheira que os
defendesse, nem tendo mandado retirar os velhos e as mulheres, ficando só com
a gente capaz de serviço, eles muito seguros e tranquilos, como se estivessem na
mais profunda paz, viram-se de improviso cercados por um grande número de
bárbaros. Tudo foi pilhado ou reduzido a cinzas, e só o templo, a que se tinham
acolhido os soldados, resistiu por dois dias. Vindo depois em seu auxílio o
legado da nona legião Petílio Cerial, os Bretões vitoriosos lhe saíram ao encon-
tro, derrotaram a legião e deram cabo de toda a sua infantaria. Cerial, com a
cavalaria, escapou-se fugindo para os quartéis, aonde os seus entrincheiramen-
tos o salvaram. O procurador Cato, no último ponto assustado com este desastre
e pela consciência de que a sua avareza era a causa de todos os ódios da provín-
cia e de toda esta guerra, retirou-se para a Gália.

licentiae («os soldados favoreciam o excesso dos veteranos por semelhante compor-
tamento e esperança da mesma licença»).
39 Tradução de omnes fortunas effundebant («dissipavam todas as fortunas»).
40 Tradução de dum amoenitati prius quam usui consulitur («enquanto se preocupa mais
com a amenidade do que com a utilidade»).
41 Tradução de in curia («na cúria», onde se reunia o senado).
42 Tradução de metum («medo»).
43 Tradução de occulti rebellionis conscii consilia turbabant («cúmplices ocultos da rebelião
perturbavam as decisões»).
354 ANAIS

33. Contudo, Suetónio, mostrando sempre uma constância superior a todos os


revezes, atravessa pelo meio dos inimigos e vai-se direito a Londínio, cidade que,
sem ter o título de colónia, era muito célebre pelos seus negociantes e comércio.
Esteve indeciso se escolheria aquele sítio para fazer a guerra, mas, como visse a
pouca gente que tinha e o funesto exemplo da temeridade de Petílio, resolveu-se
afinal a sacrificar uma cidade para ganhar a província. Nem se deixou levar das
petições e das lágrimas dos que imploravam o seu auxílio; deu ordem para a
marcha e levou consigo os que o quiseram acompanhar. Os que, pela fraqueza do
sexo ou da idade ou pelo amor que tinham a suas casas, se deixaram ficar foram
vítimas do furor inimigo44. A mesma sorte teve o município de Verulâmio, porque
os bárbaros, só com o sentido nos roubos e a tudo mais indiferentes, não faziam
caso dos castelos nem das terras em que havia guarnições e deitavam-se a saquear
os lugares mais ricos e que ofereciam menos obstáculos. É constante que, em
todas estas partes que tenho nomeado, morreram certamente setenta mil45 pessoas
entre cidadãos e aliados, porque desta vez não quiseram prisioneiros para os
vender ou resgatar: mataram tudo, enforcando, crucificando ou queimando
quantos lhes caíram nas mãos. Persuadidos de que nós os trataríamos da mesma
maneira, quiseram tomar esta vingança antecipada.
34. A este tempo, tendo já consigo Suetónio a décima quarta legião com os
vexilários da vigésima e alguns auxiliares dos contornos46, que ao todo faziam
quase dez mil homens, resolveu-se então a não diferir mais o momento de
atacar. Tomou posição sobre um terreno para o qual não havia entrada senão por
uma estreita garganta, e aonde a sua retaguarda ficava defendida por um bosque
– sabendo muito bem que só tinha os inimigos pela frente e em uma extensa
planície, na qual, por ser muito descoberta, nenhumas emboscadas podia recear.
Assim, formando os legionários em uma muito densa coluna, os reforçou em
roda com as tropas auxiliares e postou a cavalaria nos dois flancos. Os Bretões,
em bandos diversos e em tão grande número, como nunca até ali se tinha visto,
saltavam de contentes e mostravam tamanha altivez e presunção que até consigo
traziam suas mulheres, para serem espectadoras da vitória, e as tinham colocado
sobre carros com que fechavam as extremidades da campina.
35. No seu carro, trazia diante de si Boudica as suas filhas e, ao passo que ia
caminhando em frente de cada uma das nações, lhe dizia que decerto não era
coisa nova para os Bretões marcharem ao combate comandados por mulheres,
porém que agora não vinha como rainha, descendente de avôs tão ilustres,
reclamar o seu reino e o seu poder: vinha, sim, como qualquer mulher ordinária,
vingar a perdida liberdade, as manchas que os açoutes tinham deixado no seu

44 Tradução de ab hoste oppressi sunt («foram exterminados pelo inimigo»).


45 Tradução de ad septuaginta milia («até setenta mil»).
46 Tradução de proximis («dos vizinhos», «das redondezas»).
LIVRO XIV 355

corpo e a infame violação de suas filhas, pois que a brutalidade dos Romanos
tinha chegado a tais excessos de torpeza que já para eles todos os insultos eram
permitidos, poluindo indistintamente tudo, até a mesma virgindade e a velhice.
Mas bem se via que os deuses já davam sinais de proteger uma causa tão justa,
porque uma legião, que se havia atrevido a combater, tinha sido aniquilada e os
outros ou se escondiam nos quartéis, ou buscavam meios de escapar-se. Assim,
não seriam capazes de ouvir nem o estrondo das armas, nem os clamores de
tantos mil combatentes, e muito menos ainda de sofrer o ímpeto e o peso dos
seus braços47. E, se atendessem para o seu número e para os motivos desta
guerra, ou deviam vencer ou morrer nela. Tais eram os seus sentimentos como
mulher; quanto a eles, que eram homens, podiam muito embora viver e ser
escravos.
36. Neste lance perigoso, Suetónio, ainda que bem confiado no valor das
suas tropas, não deixou todavia de as animar e de lhes fazer estas súplicas: que
não fizessem caso dos ridículos e pomposos ameaços dos bárbaros48, pois que
entre eles se viam mais mulheres do que soldados49, os quais, sem armas e
desacostumados da guerra, prontamente fugiriam tanto que provassem o esforço
e os golpes daqueles que já por tantas vezes os tinham vencido. Ainda quando
estavam em campo muitas legiões, só o pequeno número ganhava as batalhas; e,
sendo eles agora tão poucos, por isso mesmo deviam querer ficar com a glória
reservada aos grandes exércitos. Que se conservassem em coluna cerrada e que,
fazendo a primeira descarga das suas armas de arremesso, caíssem logo com os
escudos e as espadas sobre o inimigo e o aniquilassem de todo, sem se distraí-
rem com o saque, porque, saindo vencedores, tudo achariam na vitória. Foi tal o
entusiasmo que produziram estas palavras do general, e os velhos soldados
tomaram um ar tão terrível para arremessar as suas lanças, que Suetónio, já bem
seguro que vencia, mandou atacar.
37. A legião conservou-se ao princípio firme no seu posto, defendida pela
estreita garganta que lhe servia de reparo50; porém, depois que teve mais perto o
inimigo e empregou sobre ele, sem perder um só, todos os seus tiros, rompeu
para diante em coluna triangular. As tropas auxiliares acometeram também
bizarramente51, e a cavalaria, enristando as suas lanças, derribou quantos encon-
trou e lhe fizeram resistência. O resto fugiu, e com bastante dificuldade, porque
os carros que tinham em roda do campo lhes tapavam as saídas. Os soldados

47 Tradução de manus («força», «garra»).


48 Tradução de sonores barbarorum et inanes minas («clamores dos bárbaros e vãs
ameaças»).
49 Tradução de iuuentutis («jovens»).
50 Tradução de munimento («protecção»).
51 Tradução de idem auxiliarium impetus («também o ataque dos auxiliares»).
356 ANAIS

nem perdoaram às mulheres e os imensos cavalos, estendidos por terra, aumen-


taram ainda muito mais o número dos cadáveres. Foi assaz gloriosa esta acção e
bem comparável a todas as antigas e magníficas vitórias 52, porque houve quem
avaliasse a perda dos Bretões em bem perto de oitenta mil homens, sendo a
nossa quase de quatrocentos mortos e pouco mais de outros tantos feridos.
Boudica matou-se com veneno, e Pénio Póstumo, prefeito do campo da segunda
legião, assim que soube da glória que haviam adquirido a décima quarta e os da
vigésima, e que, por culpa sua e por ter desobedecido ao general (crime tão
grave no serviço militar53), os seus soldados não tinham participado desta honra,
pegou da espada e atravessou-se com ela.
38. O exército se reuniu todo e ficou abarracado para dar fim à guerra. O
César o reforçou com oito coortes auxiliares, mil cavalos54 e dois mil legioná-
rios vindos da Germânia, com os quais se recrutou a nona legião. As coortes e a
cavalaria tomaram quartéis novos de Inverno, e devastaram-se pelo ferro e pelo
fogo todas as nações contra quem ou ainda havia suspeitas, ou eram declarada-
mente contra nós. Porém nada afligia tanto os bárbaros como a fome porque,
descuidando-se de semear e havendo pegado todos em armas, contavam com as
nossas provisões. Apesar de todas estas circunstâncias, custava ainda muito a
trazer esta gente feroz ao partido da paz, e a causa de tudo isto era Júlio Classi-
ciano, sucessor de Cato e inimigo de Suetónio, que, pelas suas inimizades
particulares, impedia o bem público. Por toda a parte espalhava que se devia
esperar por um novo comandante, o qual, não tendo ressentimento contra os
inimigos nem a altivez de um vencedor, havia de tratar com mais clemência os
vencidos. Ao mesmo tempo, escrevia para Roma que nunca se veria fim à
guerra se não se desse um sucessor a Suetónio, atribuindo todos os males à
incapacidade do general e todos os bons sucessos à fortuna da república.
39. Para tomar conhecimento do estado da Britânia, foi conseguintemente
enviado o liberto Policlito, em quem Nero punha grandes esperanças, persuadi-
do de que, pela sua autoridade, seria capaz não só de restabelecer a harmonia
entre o procurador e o legado, porém de pacificar os ânimos rebeldes dos Bre-
tões. Policlito, depois de ter assolado a Itália e a Gália com a sua numerosa
comitiva, passou enfim o mar e não deixou também, pela pompa com que vinha,
de assustar um pouco os nossos soldados. Mas foi, ao mesmo tempo, a sua
vinda um objecto de grande zombaria para os inimigos porque, respirando eles
ainda todo o ar de liberdade e não lhes sendo conhecido o extraordinário poder
dos libertos, não podiam conceber e até se admiravam como um general e um
exército, tão famosos pela glória de terem acabado uma guerra tão forte, se

52 Tradução de antiquis uictoriis («às antigas vitórias»).


53 Tradução de contra ritum militiae («ao contrário do costume militar»).
54 Tradução de equitibus («cavaleiros»).
LIVRO XIV 357

pudessem sujeitar a obedecer a escravos. Contudo foi muito moderada a conta


que ele deu ao imperador, e Suetónio continuou no comando; mas, porque
perdeu na costa alguns navios com as suas tripulações, teve ordem, como se a
guerra ainda durasse, para entregar o exército a Petrónio Turpiliano, que acaba-
va de ser cônsul55. Este, como não provocasse o inimigo, não foi atacado por ele
e, por isso, se conservou numa vergonhosa ociosidade, que fazia por corar com
o honroso título de paz56.
40. Neste mesmo ano se cometeram em Roma dois crimes insignes: um por
um senador e o outro por um escravo57. Havia um antigo pretor chamado Domí-
cio Balbo, que, pela sua muita idade, riqueza e falta de filhos, estava sujeito a
todas as traições dos avaros58. Um seu parente, Valério Fabiano, já destinado
para entrar na carreira dos grandes empregos, fabricou-lhe um falso testamento
de concerto com Vinício Rufino e Terêncio Lentino, cavaleiros romanos, os
quais também para o mesmo fim se associaram com António Primo e Asínio
Marcelo. António era eminentemente atrevido, porém Marcelo, por ser bisneto
do célebre Asínio Polião, era muito estimado, passava por homem de virtudes e
só tinha contra si o persuadir-se que a pobreza era a maior de todas as desgra-
ças. Fabiano fez, pois, assinar o dito testamento por estas e outras testemunhas
menos conhecidas; mas foi convencido de falsário perante os padres59 e, junta-
mente com António, Rufino e Terêncio, foi condenado às penas que impõe a lei
Cornélia. A memória de seus antepassados e as súplicas do César eximiram
Marcelo do mesmo castigo, porém não da infâmia.
41. No mesmo dia, foi igualmente punido Pompeio Eliano, mancebo que
acabava de ser questor, como cúmplice dos crimes de Fabiano, e foi banido da
Itália e da Hispânia, sua pátria. Passou pela mesma ignomínia Valério Pôntico
por citar os réus no tribunal do pretor, para que não comparecessem diante do
prefeito de Roma, a fim de impedir a sua condenação, primeiramente com este
pretexto legal e, depois, por uma fingida e combinada acusação. Fez-se, por
isso, um novo senátus-consulto, o qual determinou que todo aquele que desse
ou recebesse dinheiro para semelhantes conluios tivesse o mesmo castigo que os
falsos acusadores.
42. Passado pouco tempo, o prefeito de Roma, Pedânio Secundo, foi morto
por um seu escravo ou porque lhe havia negado a liberdade depois de ter ajusta-

55 Tradução de consulatu abierat («terminara o consulado»).


56 Tradução de honestum pacis nomen segni otio imposuit («deu o honroso título de paz a
um lânguido ócio»).
57 Tradução de alterum senatoris, seruili alterum audacia («um, pela audácia de um senador, o
outro [pela audácia] de um servo»).
58 Tradução de insidiis obnoxius («sujeito a insídias»).
59 Tradução de apud patres conuictum («considerado culpado diante dos senadores»).
358 ANAIS

do com ele o seu preço, ou porque, namorado de outro escravo seu companhei-
ro, não lhe permitiam os ciúmes o ver no seu senhor um rival. Como, pelos
costumes antigos, todos os mais escravos que viviam em casa deviam ir ao
suplício, o povo começou a interessar-se por tantos inocentes e, juntando-se em
grande número, já ia principiando uma sedição60. Dentro mesmo do senado
havia diferentes pareceres, opondo-se uns a tamanha severidade, mas clamando
o maior número pela execução inteira das leis. Entre estes últimos se ergueu
Gaio Cássio, quando lhe chegou a sua vez de votar, e falou desta forma:
43. «Por muitas vezes, padres conscritos, me tenho achado nesta assembleia
quando se propunham decretos para reformar as leis e os usos dos nossos maio-
res; todavia, nunca me opus – não porque duvidasse da superioridade e da maior
excelência dos antigos regulamentos e não estivesse persuadido de que as
mudanças são de ordinário sempre para pior, mas para não dar a entender que,
pelo meu muito aferro aos costumes antigos, eu me queria fazer célebre pela
minha erudição nestas matérias. Julgava, além disto, que não convinha debilitar
por contradições frequentes essa pouca autoridade que ainda possa ter o meu
voto e que era justo mantê-la, quanto fosse possível, intacta para a empregar
quando a república dela precisasse. Neste caso me vejo eu agora: um consular,
dentro da sua própria casa, é assassinado por um escravo e nenhum dos outros,
apesar de estar ainda em vigor o senátus-consulto que condena todos os mais
escravos à morte, mostra que haja impedido ou denunciado este crime. Decretai
agora, se assim vos parecer, a impunidade: mas quem poderá então ter-se, daqui
em diante, por seguro, fiado nas suas dignidades, se até o ser prefeito de Roma
não pôde salvar a Pedânio? De que valerá o ter grande número de escravos se,
no meio de quatrocentos, foi assassinado Pedânio? E quem, de hoje em diante,
poderá esperar deles alguma protecção, se nem o medo dos suplícios e da morte
é já bastante para os interessar na conservação da nossa vida? É verdade que
alguns não têm pejo de dizer que o assassino vingara as suas injúrias – e será ou
porque o dinheiro estipulado, ou porque o escravo que lhe desencaminhava o
senhor eram propriedades que lhe pertencessem por herança? Pois bem, sancio-
nemos então esta atrocidade61.
44. «Independentemente da autoridade dos nossos antigos, examinemos
ainda os motivos que determinaram as suas decisões62. Suponhamos que agora,
pela primeira vez, nós íamos legislar sobre este objecto: é possível, então, que

60 Tradução de usque ad seditionem uentum est senatusque <obsessus> («até que se chegou
a uma sedição e o senado foi sitiado»).
61 Tradução de pronuntiemus ultro dominum iure caesum uideri («decidamos de livre
vontade que o senhor parece ter sido legalmente assassinado»).
62 Tradução de Libet argumenta conquirere in eo quod sapientioribus deliberatum est? («É
agradável procurar argumentos sobre aquilo que foi decidido por indivíduos mais
sábios?»).
LIVRO XIV 359

possais acreditar que a um escravo que medita assassinar o seu senhor não
escape uma palavra mais áspera ou um dito inconsiderado que revele as suas
intenções? Concedamos, por um pouco, que o seu projecto era oculto e que ele
preparou o punhal sem que ninguém o suspeitasse: como forçaria as guardas?
como arrombaria as portas? como levaria a luz? e como cometeria o assassínio
sem que os outros percebessem? São, pois, sempre sobejos os indícios que
devem anunciar aos mais escravos a existência de um tal crime. Se fizermos,
por consequência, com que eles sempre sejam fiéis em declará-lo, poderemos
então viver sós entre escravos numerosos e seguros entre escravos suspeitos; e
se, enfim, ainda apesar disto, acabarmos por suas mãos, ao menos não seja sem
esperanças de vingança. Em todo o tempo, os nossos maiores desconfiaram do
carácter dos escravos, ainda quando eles nasciam dentro das nossas terras ou
das nossas casas, e tomavam logo com a sua primeira educação amor aos seus
senhores; agora, porém, que admitimos entre nós, por assim dizer, todas as
nações, que têm diferentes costumes, diversas religiões ou que talvez não têm
nenhuma, como poderemos reprimir esta numerosa mistura de gentes se não for
pelos estímulos do medo? Dizem-nos que morrerão muitos inocentes63; estou
por isso: porém, quando algum exército cobarde volta cara ao inimigo e todo ele
é dizimado, faz-se porventura alguma escolha entre os fracos e os valentes?
Todos os grandes exemplos sempre trazem consigo alguma coisa de injusto para
este ou para aquele particular, mas são sacrifícios necessários para a conserva-
ção do bem público.»
45. Não obstante que ninguém se atrevesse a contrariar o voto de Cássio,
faziam-se ouvir muitas vozes confusas dos que pediam se tivesse compaixão do
número, da idade, do sexo e de uma grande parte que, sem dúvida, era inocente.
Apesar disto, venceram os que votaram de morte, e só não se podia executar a
sentença por causa da multidão que ameaçava com pedradas e incêndios. Mas o
César repreendeu o povo por um édito, e postaram-se tropas em todas as ruas
por onde os condenados deviam passar para o suplício. Cingónio Varrão tinha
proposto que também os libertos que estavam na mesma casa fossem deporta-
dos para fora da Itália, porém o príncipe se opôs, dizendo que não devia agravar
a lei antiga que a piedade não tinha podido agora moderar.
46. Governando ainda os mesmos cônsules, foi condenado Tarquício Prisco,
acusado pelos Bitínios de crimes de concussão, o que deu muito gosto aos
padres, por se lembrarem ainda da acusação que ele também já tinha feito contra
Estatílio Tauro, seu procônsul. Foram nomeados para formar o censo das Gálias
Quinto Volúsio, Sêxtio Africano e Trebélio Máximo; e aconteceu que, dispu-
tando os dois primeiros entre si títulos de nobreza, deram a presidência a Trebé-
lio, a quem ambos olhavam como seu inferior.

63 Tradução de quidam insontes («alguns inocentes»).


360 ANAIS

47. No mesmo ano, morreu Mémio Régulo, que, pela sua autoridade, firme-
za e grande fama se fez tão insigne quanto o podia ser um cidadão ofuscado por
toda a grandeza imperial. Conta-se mesmo que Nero, achando-se gravemente
enfermo e dizendo-lhe os aduladores que se por fatalidade morresse acabaria o
império, respondera que a república ainda tinha um homem em quem se podia
confiar. E perguntando-lhe, então, quem ele era, acrescentara: Mémio Régulo.
Apesar disto, Régulo continuou a viver, o que sem dúvida deveu à sua inacção,
a ser homem de fortuna e a não dar ciúmes com as suas poucas riquezas. Nero
também dedicou neste ano um ginásio e distribuiu azeite aos cavaleiros e sena-
dores, extravagância imitada dos Gregos.
48. No consulado de Públio Mário e Lúcio Afínio64, o pretor Antístio, o qual,
como já referi, se mostrara muito atrevido no seu ofício de tribuno do povo, fez uma
sátira em verso contra o príncipe e a leu publicamente em um numeroso convite65
que houve em casa de Ostório Escápula. Foi imediatamente delatado como
criminoso de lesa-majestade por Cossuciano Capitão, que havia pouco tinha sido
reintegrado na ordem senatória por intercessão de seu sogro, Tigelino. Era a
primeira acusação deste género no tempo de Nero e julgava-se que não era tanto
para perder Antístio que ela se fazia, como para dar ocasião ao imperador de ganhar
fama de clemência, absolvendo-o da morte, em virtude do seu poder tribunício,
depois que fosse condenado pelos padres. Mas, não obstante declarar Ostório,
chamado para testemunha, que não tinha ouvido coisa alguma, deu-se mais crédito
às outras pessoas que o culpavam. Em consequência, Júnio Marulo, cônsul designa-
do, opinou que o réu fosse excluído da pretura e condenado à morte segundo a
prática dos nossos maiores. Aprovando já todos este parecer, ergueu-se Peto Trásea,
que, depois de ter falado com muito respeito do príncipe e censurado asperamente
Antístio, representou que não convinha, no governo de um príncipe tão bom e
quando o senado se não via constrangido por alguma violência, decretar todos os
rigores da pena que o culpado merecia. Que já estavam abolidos os algozes e os
garrotes e que as leis apontavam ainda outros castigos com que se podiam punir os
criminosos, sem que os juízes ostentassem severidade e se infamasse o tempo
presente. Vinha, pois, a ser a sua opinião que se lhe confiscassem os bens e fosse
deportado para alguma ilha, porque quanto mais durasse a sua vida criminosa muito
mais desgraçado ele seria, assim como um exemplo notável da pública clemência.
49. A liberdade de Trásea reanimou aquele bando de escravos e, depois que
o cônsul permitiu que se passasse a votar, quase todos seguiram a sua opinião,
excepto muito poucos, um dos quais foi Aulo Vitélio, um dos mais vis adulado-
res que nunca perdia a ocasião de injuriar os homens de bem e sempre se calava
à mais pequena resposta, como fazem todos os cobardes. Porém os cônsules,
não se atrevendo a formalizar o decreto do senado, deram parte ao César do que

64 Ano de 62 d. C.
65 Tradução de celebri conuiuio («num famoso banquete»).
LIVRO XIV 361

se tinha geralmente decidido. Nero, por muito tempo combatido pela vergonha e
pela cólera, afinal respondeu que Antístio, sem ele o ter nunca ofendido, o tinha
gravemente injuriado e que, uma vez que os padres haviam sido requeridos para
vingar esta injúria, o deviam ter punido segundo merecia o seu delito. Contudo,
assim como ele já estava resolvido a mitigar a severidade da sentença, também
não impediria agora a sua moderação e, portanto, sentenciassem como lhes
parecesse e mesmo, se quisessem, também o podiam absolver. Lida que foi a
resposta, em que bem se deixava ver todo o seu ressentimento, nem os cônsules
alteraram a deliberação e nem Trásea desistiu do seu voto, assim como nem os
outros de o seguir: uns por não parecer que queriam fazer o príncipe odioso, os
mais deles confiados no seu número e Trásea por não desmentir o seu carácter
constante e nem manchar a sua glória.
50. Um crime quase semelhante fez a desgraça de Fabrício Veientão, porque
escreveu contra os padres e sacerdotes um longo libelo, assaz infamatório, e que
intitulou Codicilo. O seu acusador, Túlio Gémino, acrescentava que ele tinha
negociado com as graças do príncipe e com o direito de aspirar às honras públi-
cas, o que obrigou Nero a conhecer desta causa. Como se achasse culpado,
mandou que Veientão fosse banido da Itália e se queimasse o seu livro. Mas
este, por isso mesmo, foi mais procurado e lido enquanto durou a proibição
porque, assim que ela acabou, não se tornou mais a falar nele.
51. À proporção que os males públicos cresciam, iam diminuindo os meios de
obstar-lhes. Morreu Burro, e não se sabe se de doença ou de veneno. O que fazia
supor a sua enfermidade natural era uma inchação de garganta que, crescendo
pouco a pouco, chegou enfim a sufocá-lo. Porém muitos asseveram que, por
ordem de Nero, com o pretexto de se lhe aplicar certo remédio, lhe haviam tocado
as fauces com uma droga envenenada e que Burro tanto conhecera esta perfídia
que, voltando o rosto para não ver o príncipe quando o fora visitar, só lhe respon-
dera, ao perguntar-lhe pela saúde: «Eu estou bom». Foi grande a saudade que dele
teve toda a Roma não só pela recordação das suas virtudes, porém pelo contraste
que faziam os dois homens que o vieram substituir. Um era bom mas sem carác-
ter, o outro muito famoso pelas suas maldades e adultérios: porque o César
nomeou, então, dois comandantes das guardas pretorianas, os quais foram Fénio
Rufo, muito estimado do povo pela sua inteireza na administração dos víveres, e
Ofónio Tigelino, sempre havido por eminentemente infame e dissoluto. Daqui
sucedeu que Tigelino foi quem privou sempre mais com o príncipe, sendo um dos
mais íntimos confidentes dos seus vícios, ao mesmo tempo que Rufo ganhou a
veneração dos soldados e do povo, motivo suficiente para desagradar a Nero.
52. A morte de Burro diminuiu o valimento de Séneca, e o partido da virtu-
de66 deixou de ter a mesma autoridade, faltando-lhe já um dos seus primeiros

66 Tradução de bonis artibus («boas inclinações»).


362 ANAIS

apoios e inclinando-se Nero, cada vez mais, para os homens perversos. Estes
entraram logo a atacar Séneca com diferentes acusações e diziam que, sendo as
suas riquezas imensas e excessivas para um particular, ainda assim mesmo ele
se não fartava de acumular outras de novo, que punha um grande cuidado em
ganhar as atenções populares e que, na beleza dos seus jardins e magnificência
das suas quintas, era já quase superior ao mesmo príncipe. Acrescentavam ainda
mais que só ele queria ter a palma da eloquência e que, depois que vira o gosto
que Nero mostrava pela poesia, já também não cessava de fazer versos. Era um
inimigo declarado dos divertimentos do príncipe, tinha em pouco o vigor e a
destreza com que governava os cavalos e até zombava da sua voz quando o
ouvia cantar. Decerto que, em tudo isto, não mostrava Séneca outro fim senão o
querer dar a conhecer que só ele era o primeiro homem da república. Mas, se
Nero já não era criança e já estava na flor dos seus anos, para que precisava
ainda de mestre? Devia, enfim, despedi-lo, porque tinha outros grandes mestres
de quem pudesse aprender: e estes eram os seus antepassados.
53. Então, Séneca, que veio a saber por algumas pessoas virtuosas todas
estas coisas de que o criminavam e como, ao mesmo tempo, reparasse que o
César já não tinha com ele a usual familiaridade, pediu-lhe uma audiência, na
qual, sendo-lhe concedida, lhe falou desta sorte: «Este é já o décimo quarto ano,
ó César, em que eu fui associado aos teus destinos, assim como o oitavo em que
tu entraste de posse do império. Em todo este tempo, tens acumulado na minha
pessoa tantas honras e riqueza, que já nada falta para a minha completa felicida-
de senão o sabê-la moderar. Apontarei para isto grandes exemplos não tirados
da minha pequena condição, mas da tua alta jerarquia. O teu terceiro avô Au-
gusto permitiu a Marco Agripa que fosse descansar no seu retiro de Mitilene e a
Cílnio Mecenas que, dentro mesmo da cidade, vivesse tranquilo e retirado. O
primeiro, que havia sido o seu companheiro de armas, e o outro, que sem sair de
Roma tinha feito serviços não menos importantes, receberam extraordinárias
recompensas, ainda que na verdade em tudo bem merecidas. Mas eu com que
podia pagar-te as tuas liberalidades senão com alguns talentos nutridos, por
assim dizer, na obscuridade das escolas e que só entraram a brilhar depois que
pareceram ter de alguma forma concorrido para a tua primeira educação, o
maior prémio a que podiam aspirar? Contudo, tu ainda em cima me encheste de
favores imensos e me deste riquezas infinitas, de maneira que muitas vezes digo
só comigo: como é possível que, sendo um simples cavaleiro e nascido em uma
terra estrangeira67, me veja hoje igualado com a principal nobreza do império?
Sim, como é isto que, sendo um homem de fortuna, agora esteja a par das pes-
soas mais ilustres e de nomes tão antigos? Aonde está a minha moderação e em
que pararam os meus desejos limitados, vendo-me possuidor de riquíssimos

67 Tradução de prouinciali loco ortus («nascido em lugar provincial», ou seja, em Córdoba).


LIVRO XIV 363

jardins, de magníficos palácios e de tantas terras e de rendimentos tão enormes?


Só tenho uma desculpa: e esta é que me não devia opor às tuas mercês.
54. «Mas ambos já fizemos quanto podíamos fazer: tu deste ao teu amigo
tudo quanto um príncipe pode dar, e eu de ti já tenho recebido tudo quanto um
amigo pode receber de um príncipe. Tudo o que agora passar além desta medida
não servirá senão para embravecer mais a inveja, a qual, ainda que, assim como
todas as coisas deste mundo, não pode em caso algum prejudicar-te, descarrega-
rá seus golpes sobre mim; e dela me devo acautelar. Assim como se eu tivesse
militado muitos anos ou tivesse acabado de fazer longas viagens, pediria viver
no meu descanso, também agora, vendo-me na carreira da vida, velho e incapaz
até das coisas mais pequenas, quanto mais de governar tantas riquezas, peço
repouso, peço o teu auxílio. Digna-te, pois, aceitar todos os meus bens e manda-
-os administrar pelos teus procuradores. Sem me reduzir ao estado de pobreza e
sacrificando unicamente tudo o que é luxo e me atormenta, empregarei na
meditação e no estudo todo esse tempo, que até hoje me era necessário para
olhar pelos meus jardins e as minhas quintas. Tu estás na força e no melhor da
tua idade e tantos anos de experiência te hão sobejamente industriado na arte de
reinar: é bem, portanto, que os teus velhos amigos possam ter algum descanso.
Isto mesmo há-de redundar na tua glória, porque daqui o mundo aprenderá que
aqueles a quem mais engrandeceste também sabem viver na mediocridade.»
55. A isto respondeu Nero quase nestes termos: «O eu poder já, de repente, dar
resposta ao teu discurso estudado é também já um benefício que devo às tuas
lições, das quais aprendi a resolver não só as dificuldades já previstas, porém ainda
as menos esperadas. É verdade que o meu terceiro avô Augusto deu licença a
Agripa e a Mecenas para que, depois de tantos trabalhos, pudessem descansar,
mas, quaisquer que fossem os seus motivos, ele já estava em uma idade que
autorizava todas as suas medidas de governo e não os despojou de nenhuma das
mercês com que os tinha premiado. Ambos as tinham merecido nos trabalhos da
guerra e em outros grandes perigos que Augusto correu nos seus primeiros anos;
mas também estou certo que não me faltaria nem o teu braço, nem a tua espada se
me tivesse sido necessário pegar nas armas como ele. Deste-me, contudo, quanto
pedia o tempo e a minha situação porque, com a tua experiência, conselhos e
instruções, dirigiste a minha infância e depois a minha juventude. São, pois, durá-
veis e viverão sempre comigo estes bens que tu me deste, e as quintas, rendas e jar-
dins com que te premiei estão sujeitos a mil revezes da fortuna. Nem isto é tanto
como tu te persuades porque outros muitos, que te não podem igualar em mere-
cimento, tiveram ainda mais avultadas recompensas. Envergonho-me de te nomear
os libertos que te excedem nas riquezas e, por isso, também me envergonho de
que, sendo tu o meu maior amigo, não sejas de todos o mais rico e opulento.
56. «Mas não fiquemos só aqui. A tua idade robusta ainda por ora te permite
o ocupar-te dos negócios e gozar do que possuis; e eu apenas começo a gover-
364 ANAIS

nar, esperando ainda mais recompensar-te, a não ser que te julgues inferior a
Vitélio, que foi três vezes cônsul, que me tenhas em menos do que a Cláudio
ou, enfim, te persuadas que a minha liberalidade não te pode enriquecer tanto
como a Volúsio a sua longa economia. Se como rapaz venho a ter alguns des-
manchos, tu cuidarás em corrigi-los; e muito melhor seguirei agora as tuas
lições que me vejo com mais instrução e com mais anos. Se aceitar as tuas
riquezas e te retirares do meu lado, não se há-de dizer que o fizeste por modera-
ção e por quereres descansar, porém todos atribuirão este teu procedimento à
minha avareza e ao temor da minha crueldade. E, quando todos te louvassem
por este teu desinteresse, não convinha a um homem sábio querer ganhar glória
à custa da infâmia de um amigo.» Nero acompanhou estas palavras com muitos
beijos e abraços, disposto pela natureza e consumado pelo hábito em disfarçar
os seus rancores com pérfidos carinhos. E Séneca, o que sempre acontece
quando se trata com os príncipes, não faltou também em lhe dar os agradeci-
mentos do costume. Mudou, porém, absolutamente o seu antigo modo de viver:
despediu todas as visitas, entrou a fugir de quantos até ali lhe costumavam fazer
corte e, aparecendo raras vezes na cidade, fechou-se em casa ora com pretextos
de doença, ora de aplicação e de estudo.

57. Dado o primeiro golpe em Séneca, seguiu-se o desacreditar Fénio Rufo,


criminando-o da amizade que tivera com Agripina. Crescia, por consequência,
cada vez mais o valimento de Tigelino, que, tendo para consigo que os seus
vícios, pelos quais só era benquisto, seriam ainda muito mais bem aceitos se
ligasse a si o príncipe pela participação de alguns crimes, passou a esquadrinhar
as suas ocultas suspeitas. Conhecendo, pois, que Nero muito particularmente se
receava de Plauto e de Sula, que havia pouco tinham sido relegados, o primeiro
para a Ásia e o segundo para a Gália Narbonense, começou a intimidá-lo com a
grande nobreza de ambos e com a vizinhança em que um estava dos exércitos
do Oriente, e o outro dos exércitos da Germânia. Dizia-lhe que, bem diferente
de Burro, que se ocupava em interesses diversos, ele não tinha outros senão a
segurança do seu príncipe. A sua presença podia muito bem livrá-lo das traições
que se formassem em Roma, mas como seria possível impedir as que se tramas-
sem ao longe? Era muito para temer que as Gálias concebessem projectos de
revolta à vista do descendente de um ditador e que os povos da Ásia tivessem as
mesmas ideias levados da fama de um neto de Druso. A pobreza de Sula seria
um motivo de mais para qualquer atrevimento e, se agora se mostrava indolente,
era enquanto não tinha ocasião de poder desenvolver-se. Quanto a Plauto,
possuidor de grandes riquezas, era um homem que nem sequer fingia não ser
ambicioso, mas antes pelo contrário afectava imitar os antigos Romanos e
seguia a doutrina arrogante dos Estóicos, uma seita que só fazia sediciosos e
intrigantes. Não houve, portanto, acerca disto a mais pequena hesitação e,
passados seis dias, único tempo que os assassinos gastaram em chegar a Massí-
lia, Sula foi morto ao sentar-se à mesa, sem que antes tivesse o mais pequeno
LIVRO XIV 365

receio ou a mais leve desconfiança68. A sua cabeça foi apresentada a Nero, que
esteve fazendo zombaria dela, notando-lhe o defeito de já estar tão cedo com
cabelos brancos.
58. A morte de Plauto não se pôde efeituar69 com o mesmo segredo, porque
havia muitas pessoas que se interessavam na sua vida, e a longa viagem que foi
preciso fazer por mar e por terra e o muito tempo que se meteu de permeio antes
da execução deram lugar a que ele fosse instruído de quanto se passava. Entre-
tanto geralmente se supunha que ele tinha ido procurar o auxílio de Corbulão,
então comandante de grandes exércitos, porque, vendo este como se mandava
matar homens tão inocentes e ilustres, era natural que também se receasse mais
do que ninguém; que a Ásia havia tomado as armas em defesa de Plauto; e que
os soldados incumbidos desta atrocidade, ou por se não acharem com forças
bastantes ou por lhes faltar resolução, logo que viram que não podiam executar
as ordens que levavam, se tinham declarado em seu favor. Todas estas mentiras,
como sempre costuma acontecer com todas as novidades, haviam tomado um
grande corpo pela credulidade dos ociosos: o que, porém, aconteceu com certe-
za é que um liberto de Plauto, havendo tido uma viagem feliz, chegou primeiro
que o centurião e lhe deu uma carta de seu sogro, Lúcio Antístio, em que o
avisava que se não deixasse impunemente assassinar, persuadindo-se que o seu
retiro e inacção o haviam de livrar70, mas que fizesse servir o seu grande nome
para alguma coisa mais do que para excitar a piedade, que esperasse tudo dos
homens de bem e chamasse a si os destemidos e ousados. Era preciso lançar
mão de todos os recursos71 porque, se conseguisse desbaratar os sessenta solda-
dos, que tantos eram os que se mandavam contra ele, muito antes que Nero o
viesse a saber e enviasse outros de novo, podia haver muitos acontecimentos
favoráveis que o pusessem em termos de lhe declarar a guerra. Em uma palavra:
ou este partido o salvaria, ou pelo menos não o expunha a maior perigo do que a
sua completa indolência72.
59. Mas este aviso nada produziu no coração de Plauto ou seja porque,
vendo-se desterrado e sem armas, não se fiasse em ninguém, ou porque se
desgostasse de uma vida sempre ameaçada, ou enfim porque tivesse grande

68 Tradução de ante metum et rumorem («antes de medo e de rumor»).


69 Tradução de parari («preparar-se»).
70 Tradução de effugeret segnem mortem, dum suffugium [ess]et («evitaria, inactivo, a morte
enquanto tivesse refúgio»).
71 Tradução de nullum interim subsidium aspernandum («entretanto, nenhum apoio devia ser
desprezado»).
72 Tradução de denique aut salutem tali consilio quaeri, aut nihil grauius audenti quam
ignauo patiendum esse («por fim, devia consentir ou a salvação com tal conselho, ou nada
mais grave ousaria além da inacção»).
366 ANAIS

amor a sua mulher e seus filhos, persuadindo-se que não seriam tão maltratados
pelo príncipe se lhe tirasse todos os motivos de cuidado e receios. Há ainda
quem diga que o sogro lhe escrevera uma segunda carta em que o certificava de
não ter nada que recear; assim como que Cérano e Musónio, o primeiro um
filósofo grego e o outro um filósofo da Toscana, o tinham aconselhado que era
melhor esperar a morte com toda a constância do que expor-se a uma vida
arriscada e cheia de temores. O que tem toda a veracidade é que foi encontrado,
em pleno dia, nu e ocupado em alguns exercícios corporais. Neste mesmo
estado o matou o centurião, na presença do eunuco Pélagon, a quem os soldados
e o centurião, por mandado de Nero, deviam obedecer como satélites de um
executor das ordens reais. A sua cabeça foi levada a Roma, à vista da qual teve
o príncipe o monólogo seguinte, que vou referir pelas suas próprias palavras: «E
porque não cuida agora Nero73, largando todos os receios, em apressar as suas
núpcias com Popeia, por semelhantes terrores sempre demoradas, e em separar-
-se de sua mulher, Octávia, que, apesar de virtuosa, lhe é insuportável tanto pelo
nome de seu pai, como pela nímia afeição que lhe tem o povo?» Escreveu uma
carta ao senado e, sem confessar nela a morte de Sula e de Plauto, tão-somente
declarava que ambos eram turbulentos, porém que ele nunca se descuidaria da
conservação da república. Em resposta se decretaram acções de graças aos
deuses e se decidiu que Sula e Plauto fossem excluídos do senado: irrisão ainda
mais perniciosa e mais grave de que todos os males públicos!
60. Nero, tanto que viu o decreto dos padres em que os seus maiores crimes
eram elogiados como magníficas virtudes, repudiou imediatamente Octávia,
acusando-a de estéril, e passou logo a casar-se com Popeia. Esta mulher, por
muito tempo concubina e agora tão poderosa com o César, seu marido, como
antes era com ele, sendo seu adúltero, induziu um dos familiares de Octávia
para que a acusasse de certos amores com um escravo. Foi destinado para réu
um chamado Eucero, natural de Alexandria e flautista de profissão. Para isso,
puseram-se a tormento todas as suas criadas e, ainda que algumas, forçadas pela
dor, confessassem coisas favoráveis à impostura, outras, porém, tiveram a
constância de persistir firmes em defender a inocência de sua ama, de sorte que
até uma delas, instada fortemente por Tigelino, respondeu-lhe resoluta que as
mesmas partes naturais74 de Octávia eram ainda mais castas que a boca dele,
acusador. Contudo Nero separou-se ao princípio dela com todas as aparências
de um divórcio legal e lhe deu em donativo a casa de Burro e as fazendas de
Plauto, presentes funestos; mas depois foi relegada para a Campânia com uma
guarda de soldados. Entraram então a ser contínuas e públicas as murmurações
e desgostos do povo, que sempre é menos prudente e que, por ter pouco que

73 Lacuna no texto.
74 Tradução de muliebria («órgãos sexuais femininos»).
LIVRO XIV 367

perder, também corre sempre menos perigos. Nero, obrigado destas razões 75 e
não por estar de modo algum arrependido, tornou enfim a chamar sua mulher
Octávia.
61. Sabida esta notícia, concorrem todos ao Capitólio a dar graças aos deu-
ses, derribam as estátuas de Popeia e levam aos ombros as imagens de Octávia,
as enfeitam com flores e as colocam no fórum e nos templos. Passam também a
dar grandes louvores ao príncipe e até o procuram para o ver e saudar76. Já em
grande chusma e com grandes clamores inundavam o palácio, quando fortes
patrulhas de soldados lhes saem ao encontro, os quais os ameaçam e depois,
com as armas na mão, os dissipam. Assim se transtornou tudo o que se havia
feito no meio da sedição, e as estátuas de Popeia tornaram a ser postas nos seus
lugares. Então, ela, que sempre fora atroz nos seus ódios e que o era agora ainda
muito mais pelo medo em que estava ou de que o povo se deitasse a cometer
maiores excessos, ou de que por este mesmo receio Nero lhe chegasse a perder
a antiga inclinação, vai deitar-se a seus pés e lhe diz que não vem agora defen-
der os direitos do seu casamento, bem que o avalie em mais do que a vida, mas
tão-somente lembrar-lhe o grande risco em que estivera por causa dos clientes e
escravos de Octávia, que, debaixo do nome do povo, cometeram em plena paz
atentados, apenas praticáveis nas guerras civis. E também contra ele, príncipe,
aquelas mesmas armas se tinham dirigido e só faltava um chefe, que facilmente
aparece logo que tais comoções principiam. Nem Octávia tinha mais do que sair
da Campânia e deixar-se ver dentro em Roma, pois que, ainda estando ausente,
excitava como queria as sedições. E quais eram os males que ela, Popeia, havia
feito ou a quem tinha ofendido? Seriam o ser ela capaz de dar aos Césares
descendentes legítimos e preferir o povo romano elevar à dignidade imperial os
filhos de um flautista do Egipto? Em uma palavra, ou chamasse Octávia, se o
bem público assim o pedia, contanto que o fizesse por sua livre vontade e sem
ser violentado, ou então cuidasse na sua segurança, dando um castigo exem-
plar77. Com muito pouco custo se tinham agora sossegado os primeiros tumultos
populares78, mas se chegassem a desesperar de que Octávia tornasse a ser a
esposa de Nero, fariam então muito para lhe dar outro marido.
62. Este discurso artificioso, tão próprio para lhe excitar a cólera e o temor,
assustou com efeito e inflamou muito Nero. Porém não eram bastantes os indí-

75 Lacuna no texto.
76 Texto corrompido.
77 Tradução de denique, si id rebus conducat, libens quam coactus acciret dominam, uel
consuleret securitati («por fim, se isso convinha à ocasião, chamasse de livre vontade e
não coagido a senhora ou cuidasse da segurança»).
78 Tradução de iusta ultione et modicis remediis primos motus consedisse («com um justo
castigo e remédios moderados as primeiras revoltas acalmaram»).
368 ANAIS

cios tramados a respeito do escravo, e até se podiam dizer desvanecidos com a


firmeza que as criadas mostraram nos tormentos. Pareceu, então, melhor recor-
rer à confissão de outro indivíduo que se denunciasse por culpado e a quem, ao
mesmo tempo, se pudesse atribuir algum projecto ambicioso. Deitou-se os olhos
sobre Aniceto, que já fora o assassino da mãe e, como também já contei, era o
comandante da frota de Miseno, o qual, depois de perpetrar aquele crime, havia
ficado com alguma privança com o César; porém, era já visto com horror e com
ódio, como sempre acontece com todos os ministros das grandes maldades, por
neles encontrar a vista uma acusação permanente79. Nero o mandou pois chamar
e, trazendo-lhe à memória o serviço importante de ser o único que o livrou das
traições de sua mãe, diz-lhe que agora se lhe oferece uma nova ocasião de não
menor merecimento, qual é o livrá-lo também de uma esposa inimiga, e para o
que não eram precisas nem força nem armas, mas tão-somente o declarar ter
cometido adultério com Octávia. Prometeu-lhe no entanto um prémio oculto,
mas que, ao depois, teria outros maiores, que ele iria gozar em um retiro agra-
dável, advertindo-lhe, porém, que se não executasse esta ordem o mandaria
matar. Este malvado, pela sua natural baixeza de carácter e pela dependência em
que o tinha já posto o seu primeiro atentado, inventou ainda mais do que dele se
exigia e fez a sua pública declaração diante de certos validos que Nero tinha con-
vocado para uma espécie de conselho. Seguiu-se, pois, o ser relegado para a Sar-
dínia, aonde não passou o seu desterro em pobreza e morreu tranquilamente80.
63. Então, Nero publicou por um édito que Octávia, com intentos de pôr do
seu partido a esquadra, seduzira o seu comandante e, já esquecido do que pouco
antes tinha dito sobre a sua esterilidade, a acusou ainda de que, para encobrir as
suas dissoluções, se fizera abortar, coisas de que ele, afirmava, tinha provas
manifestas. Foi, enfim, deportada para a ilha Pandatária e nunca houve mulher
alguma, das que tiveram o mesmo castigo, que inspirasse tamanha compaixão.
Ainda alguns se lembravam de Agripina, perseguida por Tibério; e a memória
de Júlia, desterrada por Cláudio, ainda era mais recente: porém estas já estavam
em todo o vigor da sua idade e, porque tinham gozado de alguns dias venturo-
sos, podiam ao menos aliviar a crueldade da sua sorte com recordações mais
felizes. Octávia, porém, não havia tido um só instante de prazer: o seu primeiro
dia de casada foi para ela um dia de luto e de amarguras, porque entrou em uma
casa aonde só a esperavam objectos de tristeza, tais como um pai envenenado e,
logo após ele, seu irmão. Viu também depois junto a si uma escrava que a
sobrepujava em autoridade e valimento, viu as núpcias de Popeia, indícios da

79 Tradução de leui post admissum scelus gratia, dein grauiore odio, quia malorum facinorum
ministri quasi exprobrantes adspiciuntur («depois de perpetrado o crime, tendo ligeiro
favor, depois um ódio mais pesado, porque os ministros das acções maliciosos são olha-
dos como repreensíveis»).
80 Tradução de fato obiit («faleceu de morte natural»).
LIVRO XIV 369

sua ruína e, afinal, viu as calúnias ainda mais horrorosas que a morte com todos
os tormentos.
64. Assim, a jovem infeliz, nos seus vinte anos de idade, cercada de centu-
riões e soldados e podendo-se já considerar como morta, com a lembrança das
desgraças que antevia, não podia contudo ainda gozar da paz da sepultura.
Passados, porém, poucos dias, recebeu ordem para morrer, não obstante protes-
tar que já não era mais do que uma viúva e a irmã de Nero e invocar os nomes
dos Germânicos, seus avôs comuns, e por fim o de Agripina, a qual, em tanto
que viveu, se influiu no seu fatal casamento, ao menos embaraçou que a sua
existência corresse o menor perigo. Foi por isso barbaramente manietada e lhe
abriram as veias dos braços e das pernas, mas como o pavor em que estava
impedisse o sangue de correr, fizeram-na expirar pelo vapor de um banho muito
quente. À sua morte se seguiu ainda outra crueldade mais atroz: cortaram-lhe a
cabeça, que foi levada a Roma, para que Popeia a visse e examinasse. Por todas
estas maravilhas, decretaram-se ofertas para todos os templos, o que de propósi-
to quero relatar para que aqueles que lerem os factos deste tempo, escritos por
mim ou por outros autores, saibam de uma vez que, em todas as ocasiões que o
príncipe ordenou os assassínios ou desterros, sempre se mandaram dar graças
aos deuses – de maneira que aquilo que antigamente era o sinal de públicas
fortunas, só veio a ser depois o símbolo de públicas desgraças. Contudo nunca
deixarei ainda de referir qualquer outro senátus-consulto que se fizer notável ou
por alguma nova espécie de adulação, ou por algum exemplo de excessiva
paciência.
65. No mesmo ano se espalhou como certo que Nero havia feito envenenar
os seus principais libertos, Doríforo e Palas: o primeiro por se opor ao seu
casamento com Popeia, e o segundo porque, sendo já muito velho, possuía
riquezas imensas e nunca acabava de morrer81. Romano, por ocultas crimina-
ções, procurou também perder Séneca como particular amigo de Gaio Pisão,
mas Séneca, com maior fundamento, fez recair este crime no seu acusador.
Daqui nasceram todos esses temores de Pisão e essa grande e famosa conspira-
ção contra Nero, que afinal foi tão desgraçada.

81 A expressão «e nunca acabava de morrer» é explicação do tradutor.


LIVRO DÉCIMO QUINTO

1. No entanto Vologeses, rei dos Partos, sabendo dos sucessos de Corbulão e


que em lugar de seu irmão Tiridates, expulso da Arménia, estava nomeado o
estrangeiro Tigranes para ocupar este trono, desejava ir vingar esta injúria feita
à majestade dos Arsácidas. Contudo, a lembrança das forças imensas de Roma e
o respeito que lhe tinha, em consequência de uma contínua e longa aliança,
traziam-no muito pensativo, principalmente porque era pouco resoluto por
carácter e se via embaraçado com as muitas guerras originadas pela revolta dos
Hircanos, uma nação muito poderosa. Mas, no momento em que estas ideias o
faziam vacilar, a notícia de um novo insulto o estimula para decidir-se. Era o
caso que, saindo Tigranes dos limites da Arménia, tinha caído sobre os Adiabe-
nos, povos fronteiros, e levava tão adiante e já por tanto tempo as suas devasta-
ções que bem mostrava não ser uma simples correria. Custava isto muito aos
principais da nação por se verem chegados a um tal abatimento que já não era
um general romano que entrava as suas terras, porém um temerário cativo, que
por tantos anos havia tido a sorte dos escravos. Inflamava-lhes, ainda mais, esta
sua grande mágoa o seu chefe Monóbazo, o qual nas suas representações lhes
perguntava1 aonde e a quem iria implorar algum auxílio. Já a Arménia estava
perdida2 e iam ter o mesmo destino as províncias vizinhas, se os Partos não
cuidassem em defendê-las; e, em tal caso, melhor era então sujeitar-se ao poder
dos Romanos, o qual sempre era mais suave para os que de boamente se entrega-
vam do que para os que eram por eles subjugados. Além disto, Tiridates, expulso
do reino ora pelo seu mesmo silêncio, ora pelas suas representações moderadas,
inquietava ainda mais Vologeses, porque lhe dizia que os grandes impérios não se
conservavam por uma fatal negligência, mas só com soldados e com armas; que a
força fora sempre entre os soberanos o mais sagrado de todos os direitos; e que, se
a glória de um particular unicamente consistia em manter seguro o que é seu, a
dos monarcas se avaliava sempre pela amplidão das conquistas3.
2. Instigado Vologeses por estes motivos, convocou um conselho e, fazendo
sentar junto a si a Tiridates, falou desta forma: «Este meu irmão que aqui vedes

1 Tradução de rogitans («perguntando»).


2 Tradução de de Armenia concessum («retirado da Arménia»).
3 Tradução de id in summa fortuna aequius quod ualidus, et sua retinere priuatae domus, de
alienis certare regiam laudem esse («que, na suprema fortuna é mais legítimo o que é vigo-
roso, conservar o que é seu é próprio de uma casa privada, que o louvor régio é lutar pelo
que é de outros»).
372 ANAIS

me cedeu esta coroa em razão de eu ser o mais velho e, para o recompensar lhe
dei o trono da Arménia, que é o terceiro em graduação e dignidade, porque já
antes Pácoro tinha tomado posse da Média. Assim me parecia ter sufocado todas
as rivalidades e ódios fraternos e haver feito permanente a tranquilidade da
minha família. Mas os Romanos a perturbam e agora, para sua ruína, quebran-
tam uma paz que nunca impunemente quebraram. Devo dizer a verdade: sempre
preferi as negociações às batalhas e antes procurei conservar a minha herança
pela justiça do que pela força. Se, contudo, me enganei, espero agora pelo valor
ressarcir o meu erro. Toda a vossa grandeza e toda a vossa glória ainda estão
intactas; e, além disto, tendes mostrado evidentemente a vossa moderação,
virtude que os mais homens não desprezam e que até os deuses estimam.»
Dizendo isto, cingiu com o diadema a cabeça de Tiridates e, dando a Moneses,
militar muito distinto, o comando da cavalaria que, de todo o tempo, fazia a
guarda do rei e o das tropas auxiliares dos Adiabenos, ordenou-lhe que fosse
expulsar Tigranes da Arménia, enquanto ele, pondo de parte as desavenças com
os Hircanos, ia reunir todas as forças do interior e se preparava com todo o
aparato guerreiro para invadir as províncias romanas.
3. Então, Corbulão, que tinha notícias certas de todos estes movimentos,
mandou socorrer Tigranes com duas legiões às ordens de Verulano Severo e de
Vétio Bolano, dando-lhes em regimento particular que nunca se aventurassem e
fizessem todas as suas operações com prudência, porque antes queria defender-
-se do que atacar. Ao mesmo tempo, escreveu ao César a dizer-lhe que a Armé-
nia precisava de um general particular e que a Síria, ameaçada por Vologeses,
era a que corria maior perigo. No entanto postou as outras legiões nas margens
do Eufrates, armou a toda a pressa um corpo de tropas na província e guarneceu
todas as passagens por onde podia penetrar o inimigo. E, como o país fosse
muito falto de água, ergueu fortificações junto de todas as fontes e mandou
entupir com areia certos regatos.
4. Enquanto Corbulão dava estas providências para a defesa da Síria, Mone-
ses, fazendo marchas forçadas com a sua tropa a fim de chegar muito antes de
ser esperado, nem por isso achou Tigranes ocioso ou desapercebido, porque já
tinha ocupado Tigranocerta, cidade muito forte pela sua numerosa guarnição e
pelas suas altas e grossas muralhas. Aumentava ainda mais a sua força o rio
Nicefório, que, sendo bastante largo, a rodeia em grande parte e, nos lugares em
que não havia confiança no rio, se tinha suprido esta falta com um fosso
bastantemente profundo. Já com muita antecedência estava a fortaleza muito
bem guarnecida de soldados e munições; e a pequena desgraça de um destaca-
mento envolvido pelo inimigo, porque se havia adiantado mais do que devia
para esperar um combói4, tinha produzido nos outros muito maior indignação do

4 Tradução de commeatus («transporte de víveres»).


LIVRO XV 373

que medo. Além disto, os Partos não têm a ciência nem o atrevimento necessá-
rio para formarem de perto os sítios das praças, e contentam-se com atirar de
longe algumas flechas, que nunca têm efeito e, por isso, nenhum susto dão aos
cercados5. Os Adiabenos, que ousaram servir-se das suas máquinas e tentaram
escalar a muralha, foram facilmente repelidos e, com a surtida que os nossos
fizeram, ficaram todos mortos.
5. Apesar de todo o bom sucesso das suas armas, persuadido Corbulão que
não devia abusar da fortuna, mandou queixar-se a Vologeses da invasão da
província e estranhar-lhe que tivesse em cerco um rei aliado e amigo com
algumas coortes romanas. Pedia-lhe que levantasse o sítio; quando não, iria
também ele mesmo em pessoa acampar-se nas terras inimigas. O centurião
Caspério, incumbido desta diligência, foi encontrar-se com o rei junto a Nísibis,
uma cidade distante de Tigranocerta trinta e sete milhas, e lhe expôs a sua
comissão com bastante altivez. A política antiga de Vologeses sempre tinha sido
de não implicar-se com as armas romanas e, agora, as suas coisas não iam muito
bem. O cerco era inútil: Tigranes achava-se provido de muitos soldados e muni-
ções, o primeiro assalto havia sido mal sucedido, algumas legiões marchavam
para a Arménia e as da Síria ameaçavam os seus próprios estados; ao mesmo
tempo, toda a sua cavalaria estava perdida pela falta de forragens em razão de
uma praga imensa de gafanhotos que havia devorado todas as ervas e folhas das
árvores. Nestas circunstâncias, ocultando o seu medo e mostrando só intenções
muito pacíficas, respondeu que ia enviar embaixadores ao imperador para
tratarem da posse da Arménia e consolidar de todo a paz. Ao mesmo tempo, deu
ordem a Moneses para abandonar Tigranocerta, e ele também entrou a retirar-se.
6. Ao passo que a multidão exaltava todas estas coisas como magníficas e só
devidas aos ameaços de Corbulão e sustos do rei, outros as olhavam como
efeito de ocultas convenções entre ambos, pelas quais se havia estipulado que,
cessando a guerra e retirando-se Vologeses, também Tigranes sairia da Arménia.
Porque, a não ser isto assim (diziam eles), que motivo havia para mandar sair o
exército romano de Tigranocerta? E porque se largava na paz o que se tinha
conservado na guerra? Porventura achariam melhores quartéis de Inverno nos
confins da Capadócia em barracas feitas à pressa do que na capital de um reino
há pouco conquistada? Certamente se tinha diferido a guerra porque Vologeses
queria ter por inimigo a outro general, e Corbulão não queria aventurar a sua
glória adquirida depois de tantos anos. Com efeito, ele tinha pedido, como já
referi, um comandante particular para a Arménia, e também já corria a notícia
de que Cesénio Peto estava a chegar, o qual na realidade chegou em pouco

5 Tradução de sed Partho ad exsequendas obsidiones nulla comminus audacia: raris sagittis
neque clausos exterret et semet frustratur («mas o parto não tem audácia nenhuma em
executar cercos: com raras setas, não espanta os sitiados e frustra-se a si mesmo»).
374 ANAIS

tempo. Com a sua vinda se distribuíram as tropas desta forma: a quarta e a


duodécima legiões, com a quinta, que pouco antes tinha sido chamada da Mésia,
e com as forças auxiliares do Ponto, Galácia e Capadócia, ficaram às ordens de
Peto; a terceira, a sexta e a décima com os antigos soldados da Síria continua-
ram a estar debaixo do comando de Corbulão. O resto das forças devia obrar em
comum ou em separado, segundo o bem do serviço o exigisse. Mas nem Corbu-
lão podia sofrer que houvesse quem o pretendesse igualar, nem Peto, que se
devia julgar muito honrado de ser um comandante em segundo, achava glorio-
sos os feitos passados, porque, em ar de desprezo, dizia que nem mortes nem
despojos se tinham visto, que todas as conquistas das praças eram quase
imaginárias, que ele daria as leis e imporia os tributos e que, em lugar de um
fantasma de rei, os vencidos teriam por governo toda a jurisprudência romana.
7. Pelo mesmo tempo os embaixadores de Vologeses, que, conforme já con-
tei, foram enviados ao príncipe, voltaram sem terem nada feito, e, por conse-
quência, os Partos abertamente nos declararam a guerra. Peto não se recusou a
entrar nela e, tomando a quarta e a duodécima legiões, a primeira das quais era
comandada por Funisulano Vetoniano e a segunda por Calávio Sabino, penetrou
com elas na Arménia, precedido de funestos agoiros. Ao passar o Eufrates sobre
uma ponte, o cavalo que levava as insígnias consulares, sem que tivesse algum
motivo conhecido, espantou-se e fugiu para trás. Ao mesmo tempo, uma vítima6
que estava dentro dos quartéis de Inverno e que se andavam fortificando, lançou
por terra, fugindo, as obras ainda não acabadas e se evadiu para fora dos
entrincheiramentos. Pegou também o fogo nas lanças dos legionários, o qual
prodígio pareceu ainda mais espantoso porque os Partos só pelejam com armas
de arremesso.
8. Contudo Peto, zombando de todos os agoiros e não tendo ainda bem
fortificados os quartéis nem reunido os mantimentos necessários, fez passar o
exército para além do monte Tauro com tenções (segundo dizia) de retomar
Tigranocerta e de assolar as províncias que Corbulão tinha deixado intactas.
Tomou, com efeito, alguns castelos, e teria ganhado alguma glória e algum
despojo se tivesse sabido limitar a primeira e aproveitar-se do segundo. Enfra-
quecendo-se, porém, com marchas distantes por países que não podia conservar,
deixando perder as provisões que havia tomado e achando-se já no princípio do
Inverno, foi obrigado a retroceder com o exército; e, assim mesmo, como se
tivesse concluído a guerra, escreveu ao César envolvendo a nulidade de seus
feitos em pomposas e magníficas palavras7.

6 Animal destinado a ser imolado num sacrifício.


7 Tradução de composuitque ad Caesarem litteras quasi confecto bello, uerbis magnificis,
rerum uacuas («como se tivesse concluído a guerra escreveu ao César cartas de palavras
magníficas, mas vazias de empreendimentos»).
LIVRO XV 375

9. No entanto Corbulão, que nunca tinha perdido de vista as margens do Eu-


frates, não cessava ainda agora de as fortificar com novas obras, e, para que a
cavalaria inimiga, que ele já via desenvolver-se nas planícies com muito apara-
to, não o impedisse também de formar uma ponte, mandou avançar ao longo do
rio embarcações muito grandes, presas umas às outras com traves e guarnecidas
de torres, e sobre elas colocou catapultas e balistas, as quais, arremessando
lanças e pedras a uma grande distância, tiveram mão nos bárbaros, que nada de
longe podiam fazer com as suas flechas. Desta sorte se continuou a ponte, e
logo foram ocupadas as alturas fronteiras com as coortes aliadas e depois com
as legiões; e tudo isto com tanta presteza e uma tal ostentação das suas forças
que os Partos, deixando os seus projectos de invadirem a Síria, voltaram todas
as suas esperanças para a Arménia. Neste mesmo tempo, Peto, ignorando todo o
perigo em que estava metido, tinha a quinta legião muito longe dele, no reino do
Ponto, e trazia as outras muito minguadas, em razão das muitas licenças que
inconsideradamente dava aos soldados, quando lhe chegou a notícia de que
Vologeses o vinha procurar com um numeroso e formidável exército.
10. Fez logo chamar a duodécima legião, porém com a desgraça de que,
quando esperava dar a conhecer que tinha reforçado o exército, então muito
mais manifestou a sua fraqueza. Apesar disto, ainda teria podido muito bem
defender os seus quartéis e iludir os Partos, prolongando a guerra, se tivesse
alguma constância nas suas resoluções ou nas alheias. Mas Peto, apenas se via
livre de algum perigo iminente pelos conselhos dos militares melhores do que
ele, para não mostrar que precisava das luzes dos outros, ia logo fazer o contrá-
rio e sempre o pior. Largando, portanto, o seu acampamento e não cessando de
clamar que, para combater os inimigos, não se lhe haviam dado nem fossos nem
trincheiras, porém homens e armas, manda marchar as legiões em ar de quem ia
dar uma batalha; contudo, perdendo um centurião e alguns soldados, que por
ordem sua tinham ido reconhecer o inimigo, retrocedeu logo, assustado. Como,
porém, Vologeses o perseguisse frouxamente, tornou então a encher-se da sua
louca presunção e foi postar, nas próximas alturas do monte Tauro, três mil
infantes escolhidos, para com eles fechar o passo ao rei; e, no lado da planície, a
divisão dos Panónios, a flor da sua cavalaria. Mandou também recolher sua
mulher e seu filho dentro de um castelo chamado Arsamósata: ele pôs ainda ali
de guarnição uma coorte e assim dividiu toda a tropa, que, estando junta, muito
melhor o poderia defender de um inimigo volante e mal disciplinado. Conta-se
que, a muito custo, o resolveram então a participar a Corbulão o risco em que se
via, o qual também nada se apressou para que, crescendo os perigos, fosse mais
glorioso o seu auxílio. Isto não obstante, ordenou que se aprontassem para
marchar mil homens de cada uma das três legiões e oitocentos cavalos com
igual número das coortes auxiliares.
11. Vologeses, apesar de ter sabido que Peto lhe havia tomado todas as
passagens tanto com infantaria como cavalaria, não alterou o seu plano. Caindo
376 ANAIS

sobre a cavalaria, a obrigou a fugir quer por força quer por ameaços e, ao
mesmo passo, derrotou os legionários. Não houve senão um único centurião,
Tarquício Crescente, que teve a bizarria de defender, até à última extremidade,
uma torre de que era comandante, o qual, depois de ter feito diferentes surtidas
com a sua guarnição, em que sempre destroçou todos os bárbaros que se lhe
apresentaram diante, afinal morreu pelo fogo com que o abrasaram de fora.
Alguma infantaria, que escapou ao ferro do inimigo, refugiou-se ao longe e no
meio dos desertos, e os feridos foram encerrar-se no acampamento e, exageran-
do tudo com o medo, como o grande valor do rei e a crueldade e o número das
suas tropas, no que eram facilmente acreditados pelos que tinham tanto susto
como eles. Nem o general soube resistir a esta adversidade, porque se esqueceu
de todos os deveres militares e tão-somente se contentou com escrever a Corbu-
lão a pedir-lhe que viesse a toda a pressa salvar as bandeiras e as águias e os
restos infelizes de um exército quase aniquilado, prometendo no entanto defen-
der-se até o último suspiro.
12. Corbulão, sempre inalterável e intrépido, deixando na Síria a parte do
exército que era suficiente para guarnecer as fortificações do Eufrates, tomou o
caminho mais curto e mais abundante de víveres, atravessando a Comagena e a
Capadócia e depois entrando na Arménia. Além das munições de guerra, levava
um grande número de camelos carregados de mantimento, a fim de poder repe-
lir ao mesmo tempo o inimigo e a fome. O primeiro que encontrou dos que
tinham fugido foi o primipilar Pácio e, logo depois, muitos soldados que, indo a
dar-lhe diferentes desculpas, só tiveram a resposta seguinte: que se fossem unir
aos seus corpos e implorassem a clemência de Peto, pois, quanto a ele, seria
sempre inexorável para os que se deixassem vencer. Ao mesmo tempo, passan-
do por entre as suas legiões e exortando-as a que se recordassem da sua antiga
glória e se dispusessem para ir ganhar outra de novo, acrescentou que a sua
empresa não era o irem libertar algumas aldeias ou cidades da Arménia, porém
um campo romano em que estavam encerradas duas legiões. Se qualquer solda-
do recebia das mãos do seu general a mais honrada de todas as coroas por ter
salvado um único cidadão, qual não seria então a honra ou a glória de todo um
exército que salvasse outro exército? Estes e outros motivos semelhantes, em
que também entravam os desejos que muitos tinham de salvar os seus próprios
irmãos e parentes, de tal sorte os animaram que, de dia e de noite, faziam mar-
chas sem descansar.
13. Em razão disto, Vologeses, apertando cada vez mais os cercados, atacava
umas vezes o campo das legiões e outras o castelo em que estavam as crianças e
mulheres8 e se chegava muito mais perto do que era o costume dos bárbaros,
tudo para ver se induzia os nossos a aventurar uma batalha. Mas eles apenas

8 Tradução de imbellis aetas («idade não apta para a luta»).


LIVRO XV 377

saíam das suas tendas e apenas defendiam as trincheiras, parte por ordem do
general, e o maior número pela sua própria cobardia, esperançados em Corbulão
e na determinação de seguirem, quando se vissem apertados, os tristíssimos
exemplos das funestas jornadas das Forcas Caudinas e Numância. Diziam que
nem os Samnitas, este povo de Itália, nem os mesmos Cartagineses, todos rivais
do império romano9, haviam sido em tempo algum tão temíveis, e que até os
antigos, tão elogiados pela sua valentia, tinham procurado salvar as vidas nos
grandes reveses da fortuna. Esta desesperação do exército obrigou o general a
escrever a primeira carta a Vologeses, na qual, sem se abater mas antes em ar de
repreensão, lhe estranhava que estivesse fazendo uma guerra por causa dos
Arménios, que sempre haviam estado sujeitos a Roma, ou a um monarca
nomeado por ela10. A paz (continuava ele) era igualmente vantajosa a ambos os
partidos, e não devia olhar só para o presente em que tinha em armas, contra
duas legiões, todas as forças do seu reino, mas convinha lembrar-se que à
disposição dos Romanos ainda estava o universo, com que vingariam esta
injúria.
14. Vologeses não lhe respondeu a propósito e só lhe dizia que estava
esperando por seus irmãos, Pácoro e Tiridates, e que então, com a sua vinda, se
decidiria a sorte da Arménia. E pois que os deuses tão grandemente favoreciam
a justa causa dos Arsácidas, também se determinaria que destinos teriam as
legiões. Peto enviou-lhe nova embaixada, em que lhe pedia uma conferência
pessoal, mas o rei mandou-lhe em seu lugar o seu prefeito de cavalaria Vasaces.
Peto lhe fez menção dos Luculos, dos Pompeios e de todos os actos dos Césares
pelos quais se tinha possuído ou dado a Arménia, porém a resposta de Vasaces
só foi a seguinte: que os Romanos podiam muito bem todas essas pretensões,
mas que os Partos tinham agora por si o direito da força. Assim, depois de se
haver de parte a parte disputado muito, veio no outro dia o adiabeno Monóbazo
para servir de testemunha do tratado que se tinha concluído. Concordou-se em
que se levantasse o cerco às legiões, que todos os soldados saíssem da Arménia
e que se entregassem aos Partos todos os castelos e armazéns. E que, depois de
cumpridas estas condições, teria Vologeses a liberdade de mandar embaixadores
a Nero.
15. No entanto Peto lançou uma ponte sobre o rio Arsânias, que corria a um
lado do acampamento, dando a entender que pretendia retirar-se por ela, mas a
verdade é que os Partos tinham exigido esta obra como um monumento da
vitória. Com efeito, só serviu para eles, porque os nossos saíram por diferente

9 Texto corrompido; nalgumas edições, «e a violência dos Samnitas ou Hispânicos dificil-


mente era a mesma que a dos rivais [os Partos] do império romano».
10 Tradução de Romanae dicionis aut subiectis re[g]i, quem imperator delegisset («sob o
domínio romano ou submetido a um rei que o imperador tivesse elegido»).
378 ANAIS

caminho. Espalhou então a voz pública que as legiões tinham passado por
debaixo do jugo e outras infâmias semelhantes, para o que houve algum funda-
mento em razão dos insultos que receberam dos Arménios. Estes entraram no
campo romano antes da retirada dos nossos e, postando-se em todas as saídas
com o pretexto de conhecerem muitos escravos e cavalos tomados havia tempo
infinito, pegaram deles e os levaram. Até despiram os soldados e lhes tiravam as
armas, sem que nenhum ousasse resistir com medo de que se renovasse a
guerra. Vologeses, depois de ter feito um montão dos corpos dos nossos mortos
e das armas, como monumento dos nossos desastres, absteve-se de presenciar a
fugida das legiões, querendo parecer moderado depois que já tinha satisfeito
todo o seu orgulho. Montado sobre um elefante, passou o rio Arsânias, cuja
corrente também cortaram todos os grandes da sua corte pela valentia dos seus
cavalos; e tomaram este caminho porque havia um rumor de que a ponte estava
maliciosamente fabricada e que não resistiria ao peso, porém os que se atreve-
ram a passar por ela acharam que estava bem sólida11.
16. Foi, contudo, um facto constante que os cercados ainda tinham tantos
mantimentos que deitaram fogo a alguns armazéns; e, além disto, refere Corbu-
lão que os Partos estavam tão faltos de víveres, sem já terem aonde fossem
forragear, que de necessidade haviam de levantar o cerco, principalmente
achando-se ele já só em distância de três dias de marcha do campo. Acrescenta
ainda que Peto jurara diante das bandeiras e das águias12 e na presença daqueles
que o rei tinha nomeado para serem testemunhas que nenhum Romano entraria
dentro da Arménia, enquanto não viesse a resposta de Nero se estava ou não
pela paz. Podem talvez estas coisas ter sido inventadas para exagerar a desonra
de Peto, mas o que não padece dúvida é que ele, em um só dia, caminhou
quarenta milhas, desamparando todos os seus feridos e fugindo tão vergonhosa-
mente e em tanta desordem como se em um campo de batalha tivesse voltado
costas ao inimigo. Corbulão, à frente das suas tropas, vindo a encontrar-se com
ele nas margens do Eufrates, não quis aparecer-lhe com as insígnias e armas
ornadas para que não cuidasse o queria insultar. Os mesmos soldados, enterneci-
dos com a desgraça dos seus camaradas, não podiam conter as lágrimas e ape-
nas, no meio dos soluços, lhes puderam dar as congratulações ordinárias. Não
havia ali nem competência de valor13, nem rivalidade de glória, sentimentos
muito naturais das almas ditosas, mas em todos os corações só dominavam a
compaixão e a piedade, e maiormente entre os inferiores.
17. A entrevista dos dois generais foi curta e muito seca. Queixou-se Corbu-
lão dos trabalhos inúteis que havia tomado, quando se podia ter dado fim à

11 Tradução de ualidum et fidum («forte e fiável»).


12 Tradução de apud signa («junto dos estandartes»).
13 Tradução de certamen uirtutis («competição de virtude»).
LIVRO XV 379

guerra com a fugida dos Partos. Respondeu Peto que os negócios ainda não
estavam perdidos e que, reunindo os exércitos, caíssem ambos sobre a Arménia,
que se achava sem defesa pela retirada de Vologeses. Replicou então Corbulão
que o imperador lhe não tinha dado essa ordem e que, tendo saído da província
só para acudir às legiões, como não soubesse agora os ulteriores projectos dos
Partos, era forçoso voltar para a Síria. E que, ainda assim mesmo, muito preci-
sava do favor da fortuna para que a sua infantaria, cortada com marchas tão
longas, nunca perdesse de vista a cavalaria inimiga, que se achava fresca e facil-
mente se podia adiantar nas largas planícies. Peto foi invernar na Capadócia; e
Vologeses mandou requerer a Corbulão que destruísse as fortificações dalém do
Eufrates e ficasse, como dantes, o meio do rio por limite: mas teve em resposta
que evacuasse primeiramente toda a Arménia. Afinal, o rei acedeu à proposta e,
então, se desmantelaram todos os fortes da outra margem do Eufrates e os
Arménios ficaram independentes14.
18. Mas, enquanto isto assim se passava, erigiam-se em Roma, pela guerra
dos Partos, troféus e arcos de triunfo no meio do monte Capitolino, os quais,
ainda que haviam sido decretados pelo senado em tempo das nossas vantagens,
não deixaram contudo de se continuar ainda depois, querendo-se satisfazer
unicamente os olhos, apesar da própria consciência. Para também distrair os
espíritos dos acontecimentos externos, mandou Nero lançar no Tibre todo o
trigo que, por velho, já estava corrupto, querendo assim dar uma prova da muita
abundância que havia. E nem mesmo o seu preço subiu ainda depois que quase
duzentos navios carregados se perderam dentro do porto por uma furiosa
tempestade e cem outros que estavam no Tibre foram casualmente incendiados.
Para a administração das rendas públicas, propôs o César três consulares, Lúcio
Pisão, Ducénio Gémino e Pompeio Paulino, censurando neste édito os príncipes
seus antecessores por despenderem mais do que as suas próprias rendas permi-
tiam, enquanto ele, do seu próprio tesouro, dava ainda para os cofres da repúbli-
ca sessenta milhões de sestércios anuais.
19. Era neste tempo muito ordinário um abuso funestíssimo: e vinha a ser
que, na ocasião dos comícios ou quando se estava para tirar à sorte os governos
das províncias, a maior parte dos que não tinham filhos faziam adopções simu-
ladas; e, assim que haviam conseguido as preturas ou os governos na concor-
rência dos pais verdadeiros, logo as anulavam. Estes últimos se queixaram
amargamente ao senado e fizeram ver, contra os artifícios fraudulentos destas
adopções momentâneas, quão superiores eram os verdadeiros direitos da natu-
reza e os importantes cuidados de uma legítima educação. Já não era pouco
(diziam eles) que estes celibatários, vivendo em toda a tranquilidade e livres de

14 Tradução de et Armenii sine arbitro relicti sunt («e os Arménios foram deixados sem
soberano»).
380 ANAIS

todas as obrigações onerosas, alcançassem as graças, as honras e tudo com a


maior prontidão e facilidade; para que haviam ainda, além destas vantagens, de
entrar em concorrência com eles nas coisas que lhes estavam prometidas pelas
leis e que eram o objecto constante de todas as suas ambições, tornando-se estas
ilusórias, uma vez que esses que tinham filhos que lhes não davam cuidados e
que até perdiam sem lágrimas, estavam na posse de se igualarem com os pais
verdadeiros? Declarou, em consequência, um senátus-consulto que as adopções
simuladas não habilitavam ninguém para os empregos públicos e nem mesmo
para as heranças.
20. Seguiu-se o processo de Cláudio Timarco, natural de Creta, o qual, além
dos crimes ordinários dos homens poderosos das províncias, que sempre abu-
sam das suas riquezas em prejuízo dos pobres, era ainda arguido por uma
expressão injuriosa ao senado, que se dizia ser a seguinte: que na sua mão esta-
va o fazer com que se dessem ou negassem os agradecimentos aos procônsules
que governassem a Creta. Valendo-se, então, Peto Trásea deste caso particular
para tratar coisas interessantes ao bem público, depois de ter opinado que o réu
fosse banido de Creta, acrescentou: «Tem mostrado a experiência, padres conscri-
tos, que os crimes dos maus têm feito lembrar aos homens de bem muito melho-
res leis, assim como tem produzido os mais belos exemplos. Por este modo, a
petulância dos oradores produziu a lei Cíncia, a escandalosa intriga dos candi-
datos as leis Júlias e a avareza dos magistrados os plebiscitos de Calpúrnio15:
porque a culpa sempre precede ao castigo, assim como a reforma sempre nasce
dos abusos16. Tomemos, pois, também agora, contra este novo atrevimento das
províncias17, uma resolução que não só seja digna do nosso bom crédito 18 e da
constância romana, mas que sem derrogar em coisa alguma à protecção que
devemos aos nossos aliados, risque por uma vez a falsa opinião de que o crédito
de um romano pode ser avaliado por quaisquer outros que não sejam os seus
próprios cidadãos.
21. «Em outros tempos, mandávamos nós não só um pretor ou um cônsul,
porém até simples particulares para visitarem as províncias e nos darem depois
conta do estado de cada uma; e as nações todas tremiam da decisão de qualquer
destes indivíduos. Mas agora não é assim: somos nós os que adulamos e
procuramos a estimação dos estrangeiros e já cada um deles se tem por juiz
competente ou de nos dar os públicos elogios, ou, o que ainda mais vezes suce-
de, de nos acusar quando bem lhes parece. Conserve-se muito embora aos

15
Lex Calpurnia de repetundis.
16 Tradução de nam culpa quam poena tempore prior, emendari quam peccare posterius est
(«pois a culpa é temporalmente anterior à pena, emendar é posterior ao errar»).
17 Tradução de provincialium («dos habitantes das províncias»).
18 Tradução de [consilium] dignum fide («[decisão] digna de confiança»).
LIVRO XV 381

aliados19 o direito das acusações e ostentem assim o seu poder, porém coíbam-
-se os falsos louvores extorquidos por baixezas – e seja isto com tanto rigor
como as injustiças e as mesmas crueldades. Ordinariamente se cometem mais
crimes quando se quer agradar do que quando se busca ofender. Há mesmo
certas virtudes que passam a ser odiosas, como são uma severidade inflexível e
um carácter inteiro, isento da ambição dos louvores20; e daqui vem que o princí-
pio dos governos dos nossos magistrados sempre é melhor que o fim, e não é
outro o motivo senão por querermos, à maneira dos candidatos, ganhar amiza-
des21. Acabemos, portanto, uma vez com estes abusos, e a administração das
províncias se fará com mais inteireza e maior regularidade22; porque, assim
como as acusações de peculato têm reprimido a avareza, também a supressão
dos públicos agradecimentos acabará com toda a ambição a este respeito.»
22. Este parecer foi unanimemente aplaudido, ainda que se não lavrasse o
senátus-consulto, por se oporem os cônsules, em razão de não se ter proposto o
negócio23. Mas, pela proposta do príncipe, se decretou depois que, no conselho
dos aliados, se não tornasse mais a discutir se os pretores ou os procônsules
deviam ter ou não agradecimentos no senado e nem por esta causa se mandas-
sem deputados a Roma.
No tempo dos mesmos cônsules, um raio abrasou o ginásio, e a estátua de
bronze de Nero que ali estava se derreteu de maneira que perdeu a sua figura.
Pompeios, célebre cidade da Campânia, ficou quase toda arruinada por um
terremoto; e morreu a vestal Lélia, em cujo lugar entrou Cornélia, da família
dos Cossos.
23. No consulado de Mémio Régulo e Vergínio Rufo24, teve Nero uma ale-
gria extraordinária pelo nascimento de uma filha, que lhe pariu Popeia, a quem
pôs o nome de Augusta, dando este mesmo título a sua mãe25. O parto aconteceu
na colónia de Âncio, aonde ele mesmo também tinha nascido. Já dantes o sena-
do havia feito votos públicos pelo bom-sucesso de Popeia, os quais depois se
multiplicaram e cumpriram. Deram-se igualmente acções de graças aos deuses e
decretou-se um templo à Fecundidade, ordenou-se que houvesse combates

19 Tradução de prouincialibus («aos habitantes das províncias»).


20 Tradução de inuictus aduersum gratiam animus («espírito invencível contra o favor»).
21 Tradução de suffragia («votos»).
22 Tradução de aequalibus atque constantius prouinciae regentur («as províncias serão
governadas com mais igualdade e constância»).
23 Tradução de ea de re relatum («submetido à deliberação sobre aquele assunto», ou seja,
não era este o tópico de discussão, mas sim a culpa ou não de Timarco).
24
Ano de 63 d. C.
25 Tradução de Poppaea («Popeia»).
382 ANAIS

religiosos semelhantes aos de Áccio26, que se colocassem no trono de Júpiter


Capitolino estátuas de ouro dedicadas às duas Fortunas e que em Âncio se
celebrassem os jogos circenses em honra das famílias Cláudia e Domícia 27, do
mesmo modo que se celebravam em Bovilas em honra da família Júlia. Mas
nada disto se chegou a executar porque a menina morreu dentro de quatro
meses. Inventaram-se, contudo, novas adulações e se lhe decretaram as honras
de deusa, o pulvinar, um templo e um sacerdote28, mostrando-se Nero tão
excessivo nas suas mágoas como o tinha sido nas suas alegrias. Notou-se que,
indo todo o senado cumprimentá-lo a Âncio pelo nascimento da filha, só Trásea
tivera ordem para não aparecer, o qual levou com toda a constância esta afronta
precursora da sua ruína infalível. Também se conta que, algum tempo depois,
estando o César com Séneca, lhe dissera que já estava reconciliado com Trásea,
pelo que Séneca lhe havia dado os parabéns. Desta sorte, aquilo mesmo que
dava maior glória aos grandes homens era então o que os expunha a maiores
perigos.
24. Entretanto, no princípio da Primavera, chegavam os embaixadores dos
Partos com as instruções de Vologeses e uma carta bem conforme com elas e
concebida nestes termos: que não repetia agora as antigas razões, tantas vezes
alegadas, sobre a posse da Arménia, pois que os deuses, os supremos árbitros
dos destinos das duas grandes nações, lhe acabavam de dar este reino, não sem
uma notável desonra dos Romanos. Já ele havia tido em cerco a Tigranes e,
estando na sua mão a vida de Peto e das suas legiões, as deixara partir sem lhes
fazer mal. Nisto não só tinha mostrado o seu poder, porém ainda mais a sua
moderação excessiva. Nem Tiridates haveria tido dificuldade em vir a Roma
para receber o diadema, se a sua dignidade sacerdotal o não embaraçasse;
contudo estava pronto para receber a investidura do reino aos pés das bandeiras
e das imagens do príncipe e na presença das legiões.
25. À vista de uma tal carta de Vologeses, que em tudo era oposta aos ofícios
de Peto, que dava as coisas na melhor figura, perguntado o centurião que vinha
com os embaixadores qual era o estado da Arménia, respondeu que já lá não
havia um só romano. Conhecendo então Nero a zombaria dos Partos em virem
pedir uma coisa que eles já tinham tomado, consultou os grandes do império29

26 Tradução de certamen ad exemplar Actiacae religionis decretum («decretada uma compe-


tição ao exemplo do culto de Áccio», ou seja, os jogos quinquenais instituídos por Augusto
que se realizavam em Nicópolis).
27 Famílias de que Nero descendia.
28 Tradução de rursusque exortae adulationes censentium honorem diuae et puluinar
aedemque et sacerdotem («e de novo surgiram adulações dos que propunham a honra de
divindade, um pulvinar, um templo e um sacerdote» para a recém-nascida morta).
29 Tradução de consuluit inter primores ciuitatis Nero («Nero tomou conselho entre os aris-
tocratas da cidade»).
LIVRO XV 383

sobre o que seria melhor: ou uma guerra com perigo, ou uma paz com desonra.
Todos se decidiram pela guerra, da qual foi encarregado Corbulão não só pela
longa experiência que tinha dos soldados e dos inimigos, mas porque o caso de
Peto dava receios de que se fosse nomear outro tão ignorante como ele. Foram,
pois, despedidos os embaixadores sem terem nada concluído, apesar que se lhes
fizeram alguns presentes para lhes dar a conhecer que, se Tiridates tivesse vindo
em pessoa, decerto não teria sido tão malsucedido. Conferiu-se a Gaio Céstio a
administração civil da Síria e a Corbulão todo o comando das tropas, às quais se
agregou a décima quinta legião, que veio da Panónia comandada por Mário
Celso. Avisou-se os tetrarcas, os reis, os prefeitos, os procuradores e os pretores
das províncias vizinhas para que estivessem às ordens de Corbulão, que desta
vez recebeu um poder quase igual ao que o povo romano já dera a Pompeio na
guerra dos piratas. O César contentou-se com meter Peto a ridículo, que na sua
volta receava outra espécie de castigo mais forte. As palavras que lhe disse
foram pouco mais ou menos as seguintes: que daquele momento ficava perdoa-
do porque, vendo-o sujeito a pânicos terrores, receava que um susto mais dilata-
do lhe alterasse a saúde.
26. O primeiro cuidado de Corbulão foi o de fazer passar para a Síria a
quarta e a duodécima legiões, porque, tendo elas perdido a sua melhor gente e a
que lhes restava achando-se muito desanimada, de pouco lhe podiam servir nas
batalhas. Em seu lugar, pegou da sexta e da terceira, que estavam completas e
que já tinham dado grandes provas de valor e disciplina, em repetidos e próspe-
ros combates, e com elas marchou para a Arménia. Reforçou-as com a quinta,
que por estar no Ponto não havia participado do desastre, com a décima quinta,
que Mário lhe acabava de trazer, com a flor dos vexilários da Ilíria e do Egipto e
com toda a infantaria e cavalaria aliada e os contingentes dos reis. Todas estas
forças tiveram ordem para se reunir em Melitene, lugar aonde premeditava
passar o Eufrates; e ali, em uma assembleia geral, depois de uma solene lustra-
ção, falou ao exército, a quem disse coisas magníficas do poder do imperador e
das gloriosas acções que, debaixo dos seus auspícios, já tinha executado, fazen-
do recair todas as desgraças passadas sobre a inépcia de Peto e dando um grande
peso a todas estas palavras com a sua eminente reputação, que em um militar
como ele valia mais do que toda a eloquência.
27. Tomou depois a estrada que antigamente já seguira Luculo, mandando
abrir os passos que, pelo tempo, estavam embaraçados. Encontrando-se, então,
com os deputados de Tiridates e de Vologeses, que vinham tratar de paz, recebe-
-os muito bem e com eles enviou alguns centuriões, portadores de propostas
conciliadoras. Ainda as coisas não tinham chegado a termos, lhes mandava ele
dizer que fosse preciso recorrer a uma guerra implacável. Muitos sucessos
felizes haviam tido os Romanos e alguns também os Partos, o que para todos
devia ser uma lição contra o orgulho: portanto, era melhor para Tiridates receber
como uma graça um reino sem ser devastado; e até Vologeses também cuidaria
384 ANAIS

melhor na prosperidade dos Partos estando em boa harmonia com os Romanos


do que exposto aos comuns desastres da guerra. Muito bem conhecia ele todas
as discórdias internas que dilaceravam o seu reino e quão indómitas e ferozes
eram as nações que governava; pelo contrário, o imperador contava com uma
paz inalterável e não tinha outros inimigos. A estes bons conselhos acrescentou
Corbulão logo o terror, porque, principiando por expulsar das suas terras e por
lhes destruir os castelos aos megistanes30 arménios, que haviam sido os primei-
ros em se rebelar contra nós, caiu ao mesmo tempo sobre os habitantes das
planícies e das montanhas, sobre os poderosos e os fracos; e a todos pôs em
geral consternação.
28. Não tinham os bárbaros ódio algum contra Corbulão, nem lhe queriam
mal como inimigo, e por isso acreditaram em suas palavras. Assim Vologeses,
que não era obstinado, pediu um armistício para algumas prefeituras, e Tiridates
propôs que assinaria dia e lugar para uma conferência. Escolheram os mesmos
bárbaros o dia mais próximo e, para lugar aquele mesmo em que Peto estivera
cercado com as suas legiões, entendendo que assim seriam mais bem-sucedidos,
no que Corbulão não deixou de concordar, persuadido que este mesmo contraste
ia também realçar muito mais a sua glória. Nem a desonra de Peto o envergo-
nhava, o que ele deu bem claramente a conhecer quando nomeou o filho do
mesmo Peto, que era tribuno militar, para ir com a sua companhia enterrar as
relíquias daquela desastrosa expedição. No dia aprazado, Tibério Alexandre,
ilustre cavaleiro romano escolhido para assistir nesta guerra, e Viniciano Ânio,
genro de Corbulão, que, apesar de não ter ainda a idade senatória31, já servia de
tenente da quinta legião, foram ao campo de Tiridates por lhe fazer obséquio e
para lhe tirarem todas as suspeitas, tendo consigo tais reféns. Cada um dos dois
chefes vinha acompanhado de vinte cavaleiros, e o rei, assim que avistou
Corbulão, foi o primeiro que se apeou. O mesmo fez imediatamente Corbulão e,
estando ambos a pé, apertaram as mãos.
29. O general romano felicitou o mancebo por se ter deixado de arriscados
projectos e haver tomado o partido mais vantajoso e seguro. O príncipe parto,
falando então amplamente da nobreza da sua casa, rematou em um tom mais
modesto, dizendo que iria a Roma e daria ao César uma glória inteiramente
nova, qual era o ver diante de si humilhado um Arsácida que não tinha sido
vencido. Concordou-se, pois, em que Tiridates deporia as insígnias reais diante
da estátua do príncipe e as não tornaria a tomar senão das mãos de Nero. E com
isto se retiraram dando o ósculo de despedida. Passados poucos dias, os dois
exércitos apareceram com magnífico aparato, estando de uma parte formados os
Partos em esquadrões e com todas as decorações da sua pátria e, por outra, as

30
As pessoas notáveis.
31
Vinte e cinco anos.
LIVRO XV 385

legiões com as suas águias brilhantes e com as bandeiras e estátuas dos deuses,
que figuravam uma espécie de templo. No meio se elevou um tribunal e, sobre
ele, a cadeira curul que sustentava a estátua32 de Nero; e, chegando-se a ela
Tiridates, depois de terem precedido os sacrifícios do costume, tirou da cabeça o
diadema e lho depôs a seus pés. Com efeito, foi este um acto que produziu
comoções bem profundas em todos que, acabando de ver com os seus olhos o
cerco e o destroço das legiões, agora presenciavam cenas tão diferentes: e uma
delas Tiridates exposto a servir de espectáculo às nações em qualidade bem
pouco menos de um cativo!33
30. Corbulão, depois de preencher toda a sua glória, passou aos cortejos e
aos festins34. E, perguntando-lhe o rei as razões de muitas coisas que mais o
maravilhavam – como eram as partes que lhe vinham dar os centuriões quando
se mudavam as guardas, o toque de buzina, que tinha feito sinal no fim do
banquete, e o altar que se via em face do augural e em que se tinha acendido o
fogo –, respondeu ele com toda a exageração e entusiasmo, com o que deixou
pasmado o monarca sobre os nossos velhos costumes. No dia seguinte, pediu
Tiridates algum tempo para, antes de principiar uma tão dilatada viagem, poder
ir-se despedir de seus irmãos e sua mãe; e no entanto deixou sua filha em reféns
e escreveu a Nero uma carta certificando-o da sua submissão.
31. Fazendo-se então na volta da Média, foi avistar-se com Pácoro e dirigiu-
-se depois a Ecbátana, aonde se encontrou com Vologeses, que nunca se tinha
esquecido dos interesses do irmão. Já antes havia ele mandado um expresso 35 a
Corbulão, rogando-lhe que se não exigisse coisa alguma de Tiridates que tivesse
o ar de servidão, que não fosse obrigado a entregar as suas armas, que os
governadores das províncias não recusassem abraçá-lo, nem o fizessem esperar
às suas portas e, enfim, que recebesse em Roma as mesmas honras que eram
dadas aos cônsules. Na verdade, afeito Vologeses a todo o orgulho asiático 36,
não tinha a mais pequena ideia dos nossos costumes e ignorava que, procurando
nós só a realidade do poder, não fazíamos caso de bagatelas.
32. O César concedeu, neste mesmo ano, os privilégios do Lácio a todas as
nações dos Alpes marítimos. No circo, destinou para os cavaleiros romanos
assentos distintos dos do povo, porque, até esse tempo, não tinham ali distinção,
e a lei Róscia só lhes concedia os catorze bancos no teatro. Também deu
espectáculos de gladiadores tão brilhantes e magníficos como os antecedentes já

32 Tradução de effigiem («efígie»), palavra usada no discurso há pouco transcrito.


33 Tradução de quanto minus quam captiuum? («quanto menos que cativo?»).
34 Tradução de addidit gloriae Corbulo comitatem epulasque («Corbulão acrescentou à
glória a generosidade e os festins»).
35 Tradução de propriis nuntiis («mensageiros pessoais»).
36 Tradução de externae («estrangeiro»).
386 ANAIS

tinham sido, com a torpe circunstância, porém, que neles combateram muitas
mulheres ilustres e muitos senadores.
33. No consulado de Gaio Lecânio e Marco Licínio37, desenvolveu Nero
todo o seu extravagante furor de se apresentar sobre os públicos teatros. Até este
tempo, só tinha cantado dentro do seu palácio ou nos seus jardins nas festas
juvenais, mas não achava ainda os espectadores assaz numerosos nem os luga-
res suficientemente amplos para ostentar a sua voz. Todavia não ousou fazer os
seus primeiros ensaios em Roma e, para isto, escolheu Nápoles como uma
cidade que se podia chamar grega. Lisonjeava-se que, depois deste belo princí-
pio, passando-se à Acaia e ganhando ali as coroas que pela sua antiguidade se
olhavam como sagradas, fazia então com esta nova celebridade indubitavelmen-
te reviver todo o entusiasmo dos cidadãos. Assim, com o povo da cidade que se
fez juntar todo e com os habitantes das colónias e municípios vizinhos, que esta
grande novidade atraía, e com toda a comitiva do príncipe, em que entravam os
cortesãos e os oficiais da sua casa, e também com companhias inteiras de solda-
dos, se conseguiu finalmente encher o teatro de Nápoles.
34. No parecer de muitos, aconteceu então um caso de muito mau agouro,
ainda que Nero o tomou por muito favorável e como uma providência divina.
No fim do espectáculo, quando todo o povo já tinha saído, caiu de repente o
teatro, sem que ficasse alguém maltratado. Em consequência disto, compôs
Nero alguns hinos para dar graças aos deuses e, nos quais, particularmente
celebrou a sua muita fortuna neste acontecimento recente. Antes de atravessar o
Adriático, foi descansar um pouco em Benevento, aonde Vatínio dava um
famoso espectáculo de gladiadores. Foi, na realidade, este Vatínio uma das
grandes monstruosidades da corte de Nero. Sendo aprendiz de sapateiro e
corcovado, mas homem muito jovial e engraçado, fez a sua primeira entrada na
corte como bobo38 e subiu depois a tal valimento como delator de todos os
cidadãos virtuosos que, pelo seu crédito, riquezas e meios de fazer mal, chegou
a exceder em perversidade ainda aos mais eminentemente perversos39.
35. Mas, ainda mesmo no meio destas festas continuadas e de seus excessi-
vos prazeres, não se abstinha Nero das suas crueldades. Naqueles mesmos dias,
Torquato Silano se viu constrangido a matar-se, porque, além da ilustração da
família Júnia, tinha o grande crime de ser terceiro neto de Augusto. Os seus
acusadores tiveram ordem para o arguir das suas demasiadas profusões e de que

37
Ano de 64 d. C.
38 Tradução de primo in contumelias adsumptus («primeiramente admitido como alvo de
insultos»).
39 Tradução de gratia pecunia ui nocendi etiam malos praemineret («pela influência,
dinheiro e capacidade de prejudicar, utrapassava também os maus»).
LIVRO XV 387

todas as suas vistas tendiam para uma revolução40. Também se lhe imputou como
delito ter em sua casa certos homens nobres, a quem dava os nomes de secretá-
rios, de intendentes e tesoureiros, títulos que indicavam altas esperanças de poder
e desígnios profundos. Para este fim se prenderam todos os libertos da sua maior
confiança, o que vendo Torquato, assim como a sua condenação muito próxima,
abriu as veias dos braços. Nero, segundo o seu costume, disse depois que, apesar
de ele ser criminoso e de recear com toda a razão justificar-se, ainda assim mesmo
não teria morrido se esperasse pela clemência do seu juiz.
36. Passado pouco tempo, deixando por então a viagem da Acaia, sem que se
soubesse o motivo, voltou para Roma com ocultas tenções de ir visitar as
províncias do Oriente, e com especialidade o Egipto. Em consequência disto,
anunciou por um édito que não seria longa a sua ausência, nem a paz e a
tranquilidade da república seriam também perturbadas; e, para consultar os
deuses sobre esta jornada, foi ao Capitólio. Mas, depois de ali ter feito a sua
oração, passando logo ao templo de Vesta, inopinadamente lhe sobreveio um
tremor tal em todo o corpo, ou fosse pelo terror que a deusa lhe inspirasse ou
pela consciência das suas maldades que o traziam constantemente aterrado, que
desistiu imediatamente deste projecto. Para se desculpar, disse o seguinte: que o
amor da pátria era nele superior a todos os seus apetites e, como agora visse
pintada a tristeza no semblante de todos os cidadãos e, ao mesmo tempo,
soubesse que a sua longa ausência já também começava a ser lamentada por
aqueles a quem a sua mais pequena separação afligia por estarem acostumados a
esperar tudo dele – nestas circunstâncias, pois, em que o povo romano tinha tanto
poder na sua alma como os bons filhos o têm nos corações paternais, não podia
ele resistir ao desejo que todos lhe mostravam de o terem sempre consigo. Estas e
outras iguais afectações foram muito do agrado do povo não só pelo muito apreço
que fazia dos públicos divertimentos, mas, o que para ele era ainda de maior
importância, por ter medo que o pão lhe viesse a faltar se o príncipe se ausentasse.
Quanto aos senadores e aos grandes de Roma, não sabiam eles decidir se Nero
seria mais atroz estando ao longe ou presente; contudo, ajuizando depois como de
ordinário sempre se ajuíza nos grandes terrores, tiveram por mais fatal o que
enfim sucedeu: isto é, o não ter ele feito a viagem41.
37. Então Nero, para fazer acreditar o que tinha dito, isto é, que nada tanto o
encantava como o estar no meio do seu povo42, entrou a dar banquetes em todas
as praças públicas e a servir-se de toda a Roma como se fosse do seu próprio
palácio. E pois que o festim que deu Tigelino foi o mais notável pela sua

40 Tradução de neque aliam spem quam in rebus nouis esse («e não tinha outra esperança a
não ser numa revolução»).
41 Explicação acrescentada pelo tradutor.
42 Explicação acrescentada pelo tradutor.
388 ANAIS

celebridade e grandeza, só farei menção dele para não repetir muitas vezes estas
prodigalidades enormes. No lago de Agripa, mandou fabricar um grande navio
que era movido por outras embarcações e sobre ele se preparou um sumptuoso
banquete. Todas as embarcações eram entalhadas com ouro e marfim e tinham a
bordo para remar os moços mais dissolutos da corte, classificados segundo as
suas idades e os talentos mais distintos na arte infame das prostituições43. Viam-
-se ali, em um só ponto, as aves e os animais das terras mais distantes e até
alguns peixes mandados vir do Oceano. As margens do lago estavam guarneci-
das de muitos lupanares, cheios das mais ilustres matronas romanas, que tinham
em face meretrizes absolutamente nuas. Houve danças e pantomimos os mais
escandalosamente obscenos44 e, tanto que principiou a escurecer, todos os bos-
ques e casas que estavam em volta entraram a ressoar com cânticos infinitos e a
brilhar com a mais bela iluminação45. Nero executou nesta noite todas as abomi-
nações imagináveis e pareceria ter esgotado então a taça inteira de todas as
torpezas46, se, passados poucos dias, não se houvesse dado por mulher47, em casa-
mento solene, a Pitágoras, um dos mais infames mancebos que escolheu entre
toda aquela depravada comitiva48. O imperador recebeu o flammeum, foram
consultados os arúspices, fez-se a escritura de dote, preparou-se o leito genial49 e
acenderam-se os fachos nupciais. Em uma palavra, nenhuma circunstância faltou
e até publicamente se deram a ver essas mesmas coisas que, ainda com as mulhe-
res, sempre ficam encobertas com o véu da noite e do mistério!50
38. Seguiu-se logo um grande desastre, o qual se foi casual ou obra da malí-
cia de Nero ainda hoje não é facto certo, porque uma e outra coisa lemos nas
histórias. Foi um fogo o mais horroroso e o mais devastador de todos quantos
nos tempos passados se tinham visto em Roma. O incêndio começou na parte
do Circo que está contígua aos montes Palatino e Célio e, dando nas lojas aonde
se encontrou bastantes matérias combustíveis, apareceu logo com tal violência,

43 Tradução de remigesque exoleti per aetates et scientiam libidinum componebantur («e os


remadores eram degenerados dispostos segundo as idades e o conhecimento de deprava-
ções»).
44 Tradução de gestus motusque obsceni («gestos e movimentos obscenos»).
45 Tradução de luminibus clarescere («clarear com luzes»).
46 Tradução de per licita atque inlicita foedatus nihil flagitii reliquerat quo corruptior ageret
(«desonrado por todos os meios lícitos e ilícitos, não deixou para trás nenhuma depra-
vação com que pudesse ser mais corrompido»).
47 Acrescento do tradutor, com base no facto de Nero ter recebido o flammeum («véu da
noiva»).
48 Tradução de ex illo contaminatorum grege («daquela manada de corrompidos»).
49 Tradução de genialis torus («leito nupcial»).
50 Tradução de cuncta denique spectata, quae etiam in femina nox operit («por fim foi visto
tudo o que a noite oculta até numa mulher»).
LIVRO XV 389

ajudado pelo vento, que tomou todo o espaço do Circo, em que os palácios não
tinham pátios em roda51 nem os templos muros alguns e, enfim, nada havia que
o pudesse retardar. Estendendo-se depois com grande ímpeto e, passando ora
das planícies às alturas, ora destas aos baixos da cidade, antecipou com a sua
incrível rapidez todos os remédios que se lhe poderiam aplicar, porque achava
todas as facilidades possíveis dentro de uma capital que, como a antiga Roma,
constava de ruas estreitas e de quarteirões muito extensos. Além disto, os alari-
dos das mulheres assustadas, os muitos velhos e crianças e a imensa gente que
corria ou para salvar-se, ou para salvar os outros, e que ou conduzia os doentes,
ou esperava por eles, com as suas mesmas pressas ou com as suas mesmas
demoras, aumentavam ainda mais a confusão e o embaraço. Muitas vezes, só
enquanto olhavam para trás viam-se cercados por diante e pelos lados e, se
tinham a lembrança de se passarem aos bairros vizinhos, já também os achavam
envolvidos nas chamas, não podendo, ainda que quisessem, buscar os que eram
mais retirados, porque também lá encontravam o mesmo flagelo. Sem saberem
afinal nem que perigo evitassem, nem que asilo fossem demandar, ficavam em
montões pelas ruas ou deitados pelos campos, de sorte que uns, havendo perdi-
do toda a sua fortuna e não tendo já com que se poder alimentar, e outros com a
dor de terem visto morrer os seus parentes sem lhes poderem acudir, entrega-
vam-se voluntariamente à morte, ainda quando tinham meios de evitá-la. Nin-
guém mesmo se atrevia a impedir tanto mal, porque ou se ouviam os gritos
ameaçadores de muitos que já estavam preparados para estorvar quem tal inten-
tava, ou se viam outros aumentar o incêndio com fachos acesos, que publi-
camente arremessavam, clamando em altas vozes que tinham ordem para isto,
ou fosse para assim roubarem melhor e mais à sua vontade, ou porque realmente
as ordens fossem verdadeiras.
39. Neste mesmo tempo, Nero se conservava em Âncio e não voltou a Roma
senão quando o fogo já se ia aproximando do edifício que ele havia feito cons-
truir para unir o palácio com os jardins de Mecenas. Mas não se pôde apagar: e
o palácio e o edifício, com tudo quanto estava em roda, ficaram abrasados. Para
dar algum alívio ao povo aterrado e fugitivo, mandou então abrir o Campo de
Marte, os monumentos de Agripa52 e até os seus próprios jardins. Armaram-se
barracas à pressa para recolher a gente mais pobre, mandaram-se vir de Óstia e
dos municípios vizinhos todos os móveis precisos e regulou-se a venda do pão
pelo preço mais baixo53. Contudo todas estas demonstrações populares não
produziram o seu efeito, porque se espalhou um boato de que Nero, no momen-
to em que Roma estava ardendo, fora ao teatro que tinha em sua casa e nele

51 Tradução de domus munimentis saeptae («casas defendidas por protecções»).


52 De que resta o Panteão.
53 Tradução de pretiumque frumenti minutum usque ad ternos nummos («e o preço do trigo
foi reduzido para três sestércios»).
390 ANAIS

cantara a destruição de Tróia, comparando as desgraças antigas com a calamida-


de presente.
40. Afinal, passados seis dias, parou o fogo na parte mais baixa do monte
Esquilino, depois de se ter abatido um grande número de edifícios, a fim de que a
sua constante impetuosidade não pudesse achar outro alimento senão o espaço
dos campos ou, se possível fosse54, o imenso vácuo dos ares. Mas ainda o susto
bem se não tinha acabado quando55 se tornou a atear o incêndio com não menos
violência nos lugares mais descobertos da cidade; o que, sim, fez que não morres-
se tanta gente, porém que fossem consumidos pelas chamas muitos mais templos
dos deuses e maior número de pórticos destinados para recreio. Deu, contudo,
este incêndio ainda ocasião a maiores suspeitas, porque principiou nos prédios
emilianos56 que Tigelino possuía. Parecia que Nero aspirava à glória de edificar
uma nova cidade e de lhe dar o seu nome. Com efeito, dos catorze bairros de
Roma, só quatro se conservaram inteiros: três ficaram completamente arrasados e
sete apenas mostravam alguns vestígios de edifícios abatidos e meio devorados.
41. Seria dificultoso enumerar as casas particulares, os palácios57 e os tem-
plos que foram destruídos, contudo direi sempre que os mais antigos monumen-
tos religiosos, tais como aquele que Sérvio Túlio havia dedicado à Lua, o
grande altar e o templo que o árcade Evandro tinha consagrado ao poderoso
Hércules, o de Júpiter Estator, obra de um voto de Rómulo, o palácio de Numa e
o templo de Vesta, com todos os penates do povo romano, acabaram neste
incêndio. Não falo das riquezas imensas, fruto das nossas vitórias, de todos
estes primores das artes da Grécia e dos riquíssimos manuscritos autênticos,
antigos monumentos do génio58 e que nossos velhos ainda se lembravam ter
visto; esta perda irreparável, apesar de toda a brilhante magnificência da nova
cidade, nunca se poderá esquecer. Houve quem notasse que o incêndio
principiara aos catorze das Calendas de Agosto59, dia em que os Gauleses60
também já tinham entrado em Roma e lhe haviam posto fogo. Outros ainda
mais indagadores mostraram que entre ambos os incêndios tinham decorrido os
mesmos anos, meses e dias61.

54 Tradução de uelut («por assim dizer»).


55 Texto reconstruído.
56 No antigo bairro de Roma.
57 Tradução de insularum («prédios», «edifícios»).
58 Tradução de monumenta ingeniorum antiqua et incorrupta («monumentos antigos e
incorruptos dos talentos», ou seja, obras literárias).
59
Dia 19 de Julho.
60 Tradução de Senones («Sénones»).
61 De 390 a. C. (quando ocorreu a invasão referida) a 64 d. C. vão 454 anos ou 418 anos,
418 meses e 418 dias.
LIVRO XV 391

42. Contudo Nero serviu-se das ruínas da pátria para sobre elas fabricar um
palácio em que o ouro e as pedras preciosas não causavam tanta maravilha, por
serem já muito vulgares e uma ostentação ordinária do luxo, como os campos e os
lagos e, por uma parte, as artificiais solidões e desertos formados por bosques
espessos, e, por outra, as largas planícies, e longas perspectivas que, dentro de seu
imenso circuito, se viam. Foram seus engenheiros e arquitectos Severo e Célere,
os quais pelo seu génio e ousadia tentaram forçar a natureza e nenhuma dúvida
tiveram em esperdiçar os tesouros do príncipe. Com efeito, prometeram-lhe abrir
um canal que fosse navegável desde o lago Averno até à embocadura do Tibre,
apesar da aspereza do terreno e das altas montanhas que era preciso romper e de
não se encontrar, em todo este longo espaço, lugar algum húmido que pudesse
fornecer águas, à excepção das lagoas Pontinas: todo o mais terreno era escabroso
e árido, de sorte que, ainda quando fosse possível rompê-lo, não merecia tanto
trabalho nem despesas. Assim mesmo, Nero, que sempre folgava de empreender
coisas da maior dificuldade62, se esforçou em rasgar as alturas vizinhas do
Averno: mas ainda hoje se conservam os vestígios das suas esperanças baldadas.
43. Todas as casas, porém, que, depois de feito este palácio imenso, tiveram
ainda espaço para se poderem reedificar não foram construídas sem ordem e ao
acaso, como havia acontecido depois do incêndio dos Gauleses, mas regularam-
-se os quarteirões, alargaram-se as ruas, determinou-se a altura dos edifícios e,
em frente dos palácios63, se fizeram grandes pátios e pórticos que lhes defen-
diam as entradas. Nero prometeu construir à sua custa estes pórticos, de entregar
aos proprietários o terreno limpo de entulhos e de recompensar, segundo as suas
qualidades e riquezas, aqueles que, dentro de um certo tempo, tivessem acabado
as suas casas ou palácios64. Para despejar os entulhos se destinaram as lagoas de
Óstia, e determinou-se que os navios que entrassem no Tibre carregados de trigo
os transportassem para ali na sua volta. Também se regulou que certas partes
dos edifícios não tivessem madeiras e só fossem construídas de pedras de Alba e
de Gábios, que resistem ao fogo. E, para que os particulares não se aproveitas-
sem das águas em prejuízo do público e assim deixassem de correr em abundân-
cia e em diferentes lugares, criou-se inspectores para que cada família pudesse
ter auxílios prontos contra o fogo e usar deles com toda a facilidade, ordenando-
-se, ao mesmo tempo, que todas as casas fossem sobre si, sem comunicação
com os vizinhos65. Estes regulamentos de utilidade deram também formosura à
nova cidade; contudo ainda havia alguns persuadidos de que a antiga forma era
mais saudável, porque as ruas estreitas e os tectos elevados não davam tanta

62 Tradução de ut erat incredibilium cupitor («como cobiçava as coisas mais incríveis»).


63 Tradução de insularum («prédios», «edifícios»).
64 Tradução de insulis («prédios», «edifícios»).
65 Tradução de nec communione parietum, sed propriis quaeque muris ambirentur («não
fossem cercadas de paredes comuns, mas cada uma tivesse muros próprios»).
392 ANAIS

entrada aos raios66 do sol; e agora, pelo contrário, sendo largas e descobertas,
ficavam sujeitas a toda a força do calor.
44. Tais eram as providências humanas que se davam, e delas se passou logo
às expiações para se aplacar a cólera dos deuses. Consultaram-se os livros
sibilinos e, conforme as suas respostas, se fizeram preces públicas a Vulcano, a
Ceres e a Prosérpina; e as matronas romanas foram em procissão implorar o
auxílio de Juno, primeiramente ao Capitólio e depois às bordas mais vizinhas do
mar67. Trazendo dali água, aspergiram com ela o templo e a estátua da deusa, e
as mulheres casadas celebraram as Selistérnias68 e vigílias.
Mas nem todos os socorros humanos nem as liberalidades do príncipe e nem
as orações e sacrifícios aos deuses69 podiam desvanecer o boato infamatório de
que o incêndio não fora obra do acaso. Assim, Nero, para desviar as suspeitas,
procurou achar culpados e castigou, com as penas mais horrorosas, a certos
homens que, já dantes odiados por seus crimes, o vulgo chamava cristãos. O
autor deste seu nome foi Cristo, que, no governo de Tibério, foi condenado ao
último suplício pelo procurador Pôncio Pilatos. A sua perniciosa superstição,
que até ali tinha estado reprimida, já tornava de novo a grassar não só por toda a
Judeia, origem deste mal, mas até dentro de Roma, aonde todas as atrocidades
do universo e tudo quanto há de mais vergonhoso vem enfim acumular-se e
sempre acham acolhimento. Em primeiro lugar se prenderam os que confessa-
vam ser cristãos70 e depois, pelas denúncias destes, uma multidão inumerável,
os quais todos não tanto foram convencidos de haverem tido parte no incêndio
como de serem os inimigos do género humano. O suplício destes miseráveis foi
ainda acompanhado de insultos71, porque ou os cobriram com peles de animais
ferozes para serem devorados pelos cães, ou foram crucificados, ou os queima-
ram de noite para servirem como de archotes e tochas ao público72. Nero ofere-
ceu os seus jardins para este espectáculo e, ao mesmo tempo, dava os jogos do
Circo, confundido com o povo em trajes de cocheiro ou guiando as carroças.
Desta forma, ainda que culpados e dignos dos últimos suplícios, mereceram a
compaixão universal por se ver que não eram imolados à pública utilidade, mas
aos passatempos atrozes de um bárbaro73.

66 Tradução de uapore («calor», «baforada de ar quente»).


67 Tradução de apud proximum mare («junto ao mar próximo», isto é, em Óstia).
68 O sellisternium era um banquete oferecido a divindades.
69 Tradução de deum placamentis («pacificações dos deuses»).
70 Tradução de fatebantur («confessavam»).
71 Tradução de pereuntibus addita ludibria («aos suplícios juntaram-se os ludíbrios»).
72 Tradução de nocturni luminis («de luz nocturna»).
73 Tradução de sed in saeuitiam unius absumerentur («mas para satisfazer a crueldade de um
só»).
LIVRO XV 393

45. No entanto as contribuições enormes devastavam a Itália, arruinavam as


províncias, os povos aliados e até as mesmas cidades que se chamavam livres.
Nem desta pilhagem universal escaparam os deuses, porque foram espoliados os
templos de Roma e se lhes roubou todo o oiro que, nas diferentes idades, ou por
seus triunfos ou por seus votos, o povo romano lhes tinha consagrado na sua
boa ou duvidosa fortuna74. Em toda a Ásia e na Acaia não só se arrebataram as
ofertas, porém as mesmas estátuas dos deuses, tendo sido enviados àquelas
províncias para executores destas rapinas Acrato e Secundo Carrinate: o primei-
ro um liberto eminentemente celerado, e o outro um filósofo grego que discorria
muito bem sobre a literatura e a moral, mas que nunca a tinha praticado 75. Foi
voz constante que Séneca, a fim de desviar de si todas as suspeitas de ter parte
nestes sacrilégios, pedira licença para se retirar para longe e que, não lhe sendo
concedida, se fingira doente de gota76 e não saíra de casa77. Também referem
alguns que um seu liberto, chamado Cleonico, tivera ordem de Nero para o
matar com peçonha, e que Séneca escapara ou porque o mesmo liberto o avisou,
ou porque, andando já desconfiado, apenas se alimentava muito frugalmente de
certos frutos do campo e, quando tinha sede, só bebia da água corrente.
46. Neste mesmo tempo, os gladiadores que estavam em Preneste, tentando
escapar-se, foram coibidos pelo destacamento de soldados que os guardavam;
mas, apesar disso, o povo, sempre propenso a mudanças e medroso, já se figura-
va estar vendo outro Espártaco e a renovação de todas as calamidades antigas.
Poucos dias depois, também se recebeu a notícia da perda de uma divisão naval
não por efeito de combate, porque nunca houve paz tão profunda, porém porque
Nero a tinha mandado sair em certo dia preciso para a Campânia, não obstante
qualquer contratempo do mar. Em consequência disto, os comandantes, apesar
de uma forte tempestade, desamarraram de Fórmias, e, indo a dobrar o promon-
tório de Miseno, saltou-lhes um vento tão violento que foram dar consigo nas
costas de Cumas, aonde se perderam muitas galeras de três ordens de remos78 e
algumas embarcações mais pequenas.
47. No fim deste ano se fizeram públicos muitos prodígios, que anunciavam
desgraças muito próximas. Foram como nunca frequentes os raios e apareceu
um cometa, presságio que Nero sempre expiava com algum sangue ilustre.
Contava-se haverem-se visto, deitados pelos caminhos, embriões humanos e de

74 Tradução de prospere aut in metu («na prosperidade ou no perigo»).


75 Tradução de Graeca doctrina ore tenus exercitus animum bonis artibus non imbuerat
(«exercitado somente em palavras na doutrina grega, não tinha imbuído o espírito das
belas-artes»).
76 Tradução de aeger neruis («doente dos músculos», talvez reumatismo).
77 Tradução de cubiculum («quarto» de dormir).
78 Tradução de triremium («trirremes»).
394 ANAIS

outros animais com duas cabeças e terem-se achado outros semelhantes nas
vítimas prenhes que é costume imolar em certos sacrifícios. Também se falava
de um novilho nascido no território de Placência, perto da estrada pública, e que
tinha a cabeça em uma coxa. E, sobre isto consultados, os arúspices tinham
interpretado a coisa desta sorte: que o império do mundo79 ia ter outra cabeça,
mas que não seria nem forte nem oculta, pois que o novilho tinha nascido antes
do tempo e junto da estrada pública.
48. Chegou, enfim, o consulado de Sílio Nerva e Ático Vestino80, no qual se
formou e cresceu uma conjuração em que entraram, como à porfia, senadores,
cavaleiros, soldados e até mulheres, tanto por ódio que tinham a Nero como
pelo muito que estimavam Gaio Pisão. Este homem, descendente dos Calpúr-
nios e enlaçado pela parte paterna com quase todas as famílias mais distintas de
Roma, tinha uma grande reputação entre o povo por algumas virtudes, ou antes
pelas suas aparências81. Empregava, com efeito, a sua eloquência em defender
os cidadãos, era liberal com os seus amigos e até muito polido e afável com os
estranhos. Não lhe faltavam também os dons da fortuna, como um corpo gentil
e uma bela figura, mas desmerecia pela sua pouca gravidade e excessivo amor
dos prazeres, porque se dava muito à moleza e ao fausto, que muitas vezes
degeneravam em verdadeira dissolução82. Porém isto mesmo era o que mais
agradava à multidão que, estando já afeita a uma grande devassidão de costumes,
não se podia acomodar com um governo que tivesse demasiada austeridade83.
49. Contudo não se pode dizer que a sua ambição fosse a causa primeira
desta conjuração, e nem é fácil mencionar quem fosse o autor de um projecto
que arrastou tanta gente. Pela intrepidez e constância84 que mostraram na morte,
sabemos que Súbrio Flavo, tribuno de uma coorte pretoriana, e o centurião
Sulpício Aspro foram os mais resolutos. Ódios violentos instigaram para ele
Lucano Aneu e Pláucio Laterano, cônsul designado: mas o primeiro satisfazia
vinganças pessoais, porque Nero procurava ofuscar a glória dos seus talentos
poéticos e lhe tinha proibido por ciúmes ridículos o publicar as suas obras; o
segundo não tinha outro motivo senão um ardente patriotismo85. Contra toda a

79 Tradução de rerum humanarum («das coisas humanas»).


80 Ano de 65 d. C.
81 Tradução de per virtutem aut species virtutibus similes («pela virtude ou por aparências
semelhantes a virtudes»).
82 Tradução de leuitati ac magnificentiae et aliquando luxu indulgebat («entregava-se à
frivolidade, à magnificência e por vezes ao luxo»).
83 Tradução de summum imperium non restrictum nec praeseuerum uolunt («não querem um
poder supremo rigoroso nem muito severo»).
84 Os dois nomes traduzem constantia.
85 Tradução de amor rei publicae («amor ao estado»).
LIVRO XV 395

opinião que havia das suas pessoas, Flávio Cevino e Afrânio Quinciano, ambos
da ordem senatória, foram também dos primeiros que entraram em uma empresa
tão arriscada. Cevino estava quase estúpido pelos seus demasiados excessos86 e
passava quase toda a sua vida a dormir; Quinciano, desacreditado e infame
pelas suas prostituições vergonhosas87 e já por esta causa igualmente difamado
por Nero em uma sátira, só agora pretendia vingar esta injúria.
50. No entanto, pois que estes, entre si ou entre os amigos, conferiam sobre as
maldades do príncipe, sobre a total decadência do império e o quanto se fazia
preciso eleger outro chefe que salvasse o Estado88, agregaram ainda ao seu partido
Cláudio Senecião, Cervário Próculo, Vulcácio Ararico, Júlio Augurino, Munácio
Grato, António Natal e Márcio Festo, todos cavaleiros romanos. Senecião, pela
familiaridade que havia tido com Nero e de que ainda agora conservava as
aparências, era por isso mesmo, de todos eles, o que mais se temia do príncipe89.
Natal sabia todos os segredos de Pisão, e os outros só entravam nisto pelas
esperanças de fortuna que dão as revoluções. Além de Súbrio e de Sulpício, dos
quais já falei, associaram-se ainda outros militares, que foram Gávio Silvano e
Estácio Próximo, tribunos das coortes pretorianas, e Máximo Escauro e Véneto
Paulo, ambos centuriões. Porém toda a grande confiança estava no prefeito Fénio
Rufo, o qual, por isso mesmo que era de boa vida e de uma bela reputação, privava
menos com o príncipe do que o feroz e impudico Tigelino, o qual o fatigava com
mil acusações e constantemente o tornava suspeito, dizendo a Nero90 que se devia
recear dele como de um antigo adúltero de Agripina e homem que não perderia a
ocasião de vingar a sua morte. Desta forma, assim que os conjurados estiveram
certos da sincera adesão do prefeito pretoriano pelas diferentes práticas que lhe
tinham ouvido, começaram logo com a maior diligência a tratar do lugar e do
tempo em que se devia perpetrar o assassínio. Refere-se que Súbrio Flavo estivera
determinado a matar Nero ou no teatro quando estivesse cantando, ou quando,
depois de se lhe incendiar o palácio, ele andasse vagando de noite pela cidade sem
guardas. Neste último caso, a obscuridade oferecia muito melhor ocasião91; no
outro, o mesmo concurso de testemunhas de um feito tão brilhante estimulava o
seu ânimo brioso: mas conteve-o o desejo de impunidade, circunstância que
sempre transtorna as resoluções mais heróicas.
51. Enquanto assim andavam indecisos entre a esperança e o temor, uma certa
mulher chamada Epícaris, que, sem saber-se como, entrava no segredo, porque

86 Tradução de dissoluta luxu mens («espírito desregrado pelo luxo»).


87 Tradução de mollitia corporis («moleza do corpo», «hábitos efeminados»).
88 Tradução de fessis rebus succurreret («acorresse aos assuntos [públicos] esgotados»).
89 Tradução de pluribus periculis conflictabatur («era atormentado por mais perigos»).
90 Acrescento do tradutor.
91 Tradução de occasio solitudinis («ocasião de [encontrar Nero em] solidão»).
396 ANAIS

até ali nunca havia mostrado sentimento algum virtuoso, era a primeira em arguir
e excitar a frouxidão dos conjurados. Enfastiada por fim de tantas demoras e
achando-se na Campânia, tomou a seu cargo dispor os comandantes da esquadra
de Miseno e fazê-los entrar na conjuração. Empreendeu a coisa deste modo.
Havia na frota o quiliarco92 Volúsio Próculo, um dos que tinham entrado na
empresa de matar a mãe de Nero e que se não julgava assaz recompensado
segundo a importância de tão famoso delito. Ou ele já fosse conhecido desta
mulher, ou só então principiassem as suas amizades, é certo que, abrindo-se com
ela sobre os importantes serviços que tinha feito a Nero e o pouco interesse que
disto tinha recebido, não só lhe manifestou os seus desgostos, mas até veio ao
ponto de revelar-lhe como estava disposto a vingar-se, se achasse boa ocasião.
Esta confidência, dando, como era natural, grandes esperanças a Epícaris de o
ganhar, assim como a outros muitos da esquadra (o que era de suma importância
pelas muitas facilidades que podia ter a empresa, atendendo a que Nero muitas
vezes gostava de ir por mar a Putéolos e Miseno), a resolveu também finalmente a
declarar-se com ele. Principiou, então, por expor-lhe todos os crimes do príncipe e
todos os seus atentados contra o senado93; e, depois, acrescentou que tudo já
estava disposto para lhe fazer pagar todos os males que tinha causado à república.
Neste caso, devia ele igualmente auxiliar este projecto com todas as suas forças,
fazendo com que na empresa tivessem também parte os soldados mais resolutos,
porque teria por isto uma bem digna recompensa. Por felicidade94 lhe calou ela os
nomes dos conjurados, o que fez com que a delação de Próculo não tivesse algum
efeito, apesar de ter ido noticiar a Nero tudo isto. Epícaris, confrontada com ele,
facilmente refutou a acusação por não haver mais testemunhas, porém ficou
sempre em prisão, porque Nero nem por isso julgou estas coisas absolutamente
falsas, só por se não poderem provar.
52. No entanto, receosos os conjurados de serem descobertos95, pretendiam
concluir quanto antes a morte do César em Baias, na quinta de Pisão, para a
qual ele96 folgava de ir frequentemente, pelo muito que gostava do sítio, e
aonde, quando estava no banho ou à mesa, era sempre sem guardas e sem o
faustoso aparato de grandeza. Mas Pisão não esteve por isso, dizendo que seria
coisa muito feia ensanguentar a sua mesa e os deuses da hospitalidade com o
assassínio de um príncipe, por mau que ele fosse, e acrescentando ser melhor
matá-lo antes em Roma, dentro do seu mesmo execrável palácio, feito à custa

92 Texto corrompido. A palavra pode significar «comandante de mil soldados» ou «oficial de


marinha».
93 Texto corrompido. Possível tradução de neque sancti quid[quam] manere («nada se
mantinha íntegro»).
94 Tradução de tamen («todavia»).
95 Tradução de metu proditionis permotis («levados pelo medo de um traidor»).
96 Nero.
LIVRO XV 397

do sangue e dos bens dos cidadãos, ou enfim executar publicamente o que pelo
bem público se empreendia. Estas foram as razões que ele deu; porém as mais
fortes e particulares que tinha eram o temer-se que Lúcio Silano, homem muito
distinto e capaz de qualquer acção brilhante, pela bela educação que havia
recebido de Gaio Cássio, não lhe usurpasse o império97, ajudado prontamente
pelos que não haviam tido parte na conjuração e que não deixariam de olhar
com horror98 a morte de Nero perpetrada por um crime. Muitos se persuadiram
também que Pisão excluíra do segredo o cônsul Vestino, receoso que ele, pelo
seu carácter ousado, pudesse ter ideias de restaurar a liberdade99 ou de escolher
outro imperador que lhe ficasse na obrigação de tão relevante serviço. Com
efeito, ele não foi do número dos conjurados, e, apesar da sua inocência neste
caso, Nero sempre o fez morrer como tal só para satisfazer ódios antigos.
53. Decidiram-se, enfim, a executar seus intentos no dia dos jogos do circo
em que se celebra a festa de Ceres, porque o César, que raras vezes saía e se
conservava sempre encerrado no seu palácio e jardins, vinha constantemente
aos espectáculos do circo, e então, no meio da alegria, seria muito mais acessí-
vel. O modo do ataque foi urdido desta forma: Laterano, em ar de quem lhe ia
pedir algum auxílio para socorrer a sua família100, devia como suplicante deitar-
-se-lhe aos pés e, neste acto, fazê-lo prontamente cair no chão e segurá-lo, pois
que tinha muito ânimo e era de uma grande corpulência. Depois de estar neste
estado, os tribunos e os centuriões e todos os mais conjurados, segundo o seu
desembaraço e valor101, cairiam sobre ele e o matariam. Cevino pediu ter a
honra de lhe fazer a primeira ferida, porque tinha um punhal que havia tirado do
templo da deusa Salus na Etrúria ou, como dizem outros, do templo da Fortuna
em Ferentino, e o trazia sempre consigo como uma arma consagrada a alguma
grande empresa. No entanto Pisão estaria esperando no templo de Ceres, aonde
o prefeito Fénio e os outros o iriam buscar para o conduzir aos quartéis dos
soldados. Conta Plínio que Antónia, filha do imperador Cláudio, o devia tam-
bém acompanhar a fim de mais lhe atrair as boas vontades do povo. Qualquer
que seja a certeza que possa ter este facto, não o quis deixar em silêncio, ainda
que me pareça absurdo que Antónia se quisesse arriscar tanto por esperanças tão
frívolas ou que Pisão, tão conhecidamente amigo de sua mulher 102, prometesse
casar-se com outra – a não ser que a paixão de reinar seja mais forte que todas
as outras afeições.

97 Tradução de imperium inuaderet («se apoderasse do império»).


98 Tradução de miserarentur («lamentassem»).
99 O sistema republicano.
100 Tradução de rei familiari («para o património da família»).
101 Os dois nomes traduzem audentiae («audácia»).
102 Tradução de notum amore uxoris («conhecido pelo amor da mulher»).
398 ANAIS

54. É uma coisa bem maravilhosa que, entre tantas pessoas de diferente
nascimento, graduação, idade, sexo e fortuna103, se guardasse um tão inviolável
segredo, até que apareceu um traidor na casa de Cevino. Este, na véspera da
execução do projecto, havendo tido uma larga conferência com António Natal,
veio para casa e assinou o seu testamento. Tirou depois da bainha aquele mesmo
punhal que já mencionei e, queixando-se de que o tempo o tivesse enferrujado,
deu-o ao liberto Mílico para que o fosse afiar em uma pedra, recomendando-lhe
que ficasse com a ponta bem aguda. Mandou também preparar um banquete
mais sumptuoso do que tinha por costume e premiou com a liberdade os escra-
vos que mais estimava e outros com dinheiro. Via-se, porém, que, apesar destas
coisas, andava triste e preocupado de grandes pensamentos, ainda que nas suas
palavras pouco seguidas fazia quanto lhe era possível por se mostrar alegre e
disfarçar seus cuidados. Afinal, mandou também preparar ataduras para feridas
e tudo o mais que serve para estancar o sangue e ainda encomendou esta
diligência ao mesmo Mílico, ou seja que ele fosse sabedor da conjuração e até
ali tivesse guardado lealdade, ou seja que a ignorasse e só então concebesse as
primeiras suspeitas, como muitos referem, fundados no que passou a fazer. Com
efeito, assim que esta alma servil calculou bem consigo os grandes prémios que
teria a sua perfídia e o muito dinheiro e poder que ganharia com ela, sacrificou-
-lhe imediatamente o seu dever104, a vida do seu senhor e o recente benefício da
sua liberdade. Além disto, consultou também sua mulher, e esta, como mulher,
lhe aconselhou o pior, porque lhe meteu grandes sustos e lhe disse que muitos
libertos e escravos tinham visto como ele as mesmas coisas e, pois que o silên-
cio de um só de nada servia, era então melhor não perder as recompensas que se
dariam ao primeiro que as fosse denunciar.
55. Desta sorte, ao romper do dia, dirigiu-se logo Mílico aos jardins de
Servílio. Não o deixando, porém, entrar, disse que vinha revelar coisas grandes
e atrozes e, em consequência disto, sendo conduzido pelo guarda-portão a casa
de Epafrodito, liberto de Nero105, e depois por este à presença do imperador:
contou-lhe o perigo iminente em que se achava, a conspiração horrorosa com
que estava ameaçado e tudo o mais que ouviu ou imaginou. Mostrou-lhe tam-
bém o punhal que estava preparado para o assassinar e pediu que o réu
comparecesse. Cevino foi logo mandado buscar por soldados e, em sua defesa,
respondeu que o punhal sobre que se via arguido era uma arma antiga, que seus
antepassados sempre tiveram como sagrada, e que, conservando-o no seu
quarto, lhe fora perfidamente roubado pelo liberto. Que não era esta a primeira
vez que tinha assinado o seu testamento e sempre sem distinção de ocasiões ou

103 Tradução de dites pauperes («ricos e pobres»).


104 Tradução de fas («dever sagrado»).
105 Tradução de ad libertum Neronis Epaphroditum («até junto de Epafrodito, liberto de
Nero»).
LIVRO XV 399

de dias, nem a em que tinha dado aos seus escravos a liberdade ou dinheiro; e que
se agora se mostrara mais liberal a razão era porque, achando-se com pouca
fortuna e apertado pelos credores, não se fiava na execução das suas últimas
vontades106. Em toda a sua vida, também dera sempre magníficos banquetes e,
por isso mesmo que gostava muito de passar bem, era criticado por certos homens
austeros. Quanto aos preparos para as feridas, eram coisas de que ele não tinha
notícia; e bem se via que, não o tendo até ali acusado o liberto senão de coisas
muito fúteis, queria ao menos inventar algum crime de que ele pudesse ser o
delator e testemunha. Todas estas palavras foram ditas com notável firmeza, e
principiou depois a acusar o liberto de falsário e de celerado107, com tanta sereni-
dade e sangue frio que decerto haveria desfeito a denúncia, se Mílico não fosse
advertido por sua mulher de que António Natal havia tido muitas conferências
ocultas com Cevino e que ambos eram íntimos amigos de Gaio Pisão.
56. Mandou-se, por conseguinte, vir Natal e, sendo separadamente interroga-
dos sobre o objecto e circunstâncias108 das suas conferências, como não concor-
dassem nas respostas, excitaram desconfiança e foram postos a ferros. Não
puderam, então, suportar nem os ameaços nem a ideia dos tormentos, e Natal,
como o mais instruído de todos na conjuração e aquele que melhor do que
ninguém sabia a quem devia acusar, foi logo o primeiro que denunciou Pisão e,
imediatamente depois, nomeou Aneu Séneca, ou porque efectivamente tivesse
sido negociador entre eles e Gaio Pisão, ou para merecer por este modo a
clemência de Nero, o qual, por isso que era inimigo implacável de Séneca 109,
buscava todos os meios de o perder. Cevino, assim que soube a confissão de
Natal – ou por uma semelhante fraqueza, ou com a lembrança de que, estando já
tudo descoberto, o seu silêncio também já de nada aproveitava –, declarou todos
os mais conjurados. Entre eles, Lucano, Quinciano e Senecião estiveram por
muito tempo sem confessar: mas, deixando-se levar de promessas de perdão e
para fazerem menos agravante a sua tenacidade em negar, então Lucano denun-
ciou Acília, sua mãe; Quinciano, a Glício Galo; Senecião, a Ânio Polião – tanto
este como o outro os amigos mais particulares de ambos eles.
57. No entanto Nero, lembrando-se de que Epícaris se achava ainda presa
pela denúncia de Volúsio Próculo e que, como mulher, não poderia resistir aos
tormentos, mandou-lhe dar a tortura. Mas nem os açoutes, nem o fogo, nem o
mesmo esquisito furor dos algozes, para se não verem ludibriados por uma
mulher, puderam obrigá-la a fazer a mais pequena confissão110. Desta sorte,

106 Tradução de testamento.


107 Tradução de intestabilem et consceleratum («testemunha infame e criminoso»).
108 Tradução de qua de re («acerca do tema»).
109 Tradução de infensus Senecae («hostil a Séneca»).
110 Tradução de obiecta denegaret («[a que] denegasse as acusações»).
400 ANAIS

zombou no primeiro dia de todos os tormentos e, sendo conduzida no segundo


para o mesmo martírio, estando já sentada em uma cadeira (porque com os
membros todos deslocados também já se não podia ter em pé), tirou uma faixa
que trazia em roda de si, formou com ela um laço que atou ao arco da cadeira e,
metendo-lhe a cabeça, deixou-se cair com todo o peso do corpo, perdendo assim
a pouca vida que ainda lhe restava111. Tal foi o exemplo que deu uma mulher e
uma liberta, que, no meio de tantas dores, guardou fidelidade a estranhos ou
pouco conhecidos, ao mesmo tempo que homens, e cidadãos, e cavaleiros
romanos, e senadores, sem a menor violência de tormentos, traíam as pessoas da
sua maior obrigação112!
58. Com efeito, Lucano, Senecião e Quinciano não cessavam de denunciar
constantemente outros cúmplices, com o que Nero andava aterrado e medroso,
apesar das guardas multiplicadas com que logo se havia posto em cautela. Roma
parecia, na verdade, uma vasta prisão, porque os muros da cidade e as margens
do Tibre e do mar estavam todas ocupadas por tropas. Pelas praças e casas,
pelos campos e municípios vizinhos, andavam também patrulhas de infantaria e
cavalaria, de mistura com um grande número de Germanos, nos quais, como
estrangeiros, o príncipe particularmente se fiava. A cada momento, de uma ou
outra parte, chegavam, presos, bandos de infelizes que se viam em montões
parados às portas dos jardins do príncipe113, os quais, assim que entravam, eram
logo chamados a perguntas114. Então, o simples facto de terem mostrado algum
regozijo à vista dos conjurados, uma simples conversação casual ou o haverem
estado juntos no mesmo festim ou espectáculo eram motivos suficientes para os
inscrever na lista dos culpados. As indagações ferozes de Nero e Tigelino eram
ainda agravadas pela violência de Fénio Rufo, que, não se vendo ainda denun-
ciado, para melhor se disfarçar tratava atrozmente a todos os companheiros. E
foi ele ainda o mesmo que, vendo a Súbrio Flavo, que também assistia aos
interrogatórios, já disposto por certos sinais que lhe dava a puxar da espada e a
cravá-la em Nero, desaprovou a resolução briosa do tribuno115 e lhe conteve o
impulso com que já levava a mão aos copos da espada.
59. Houve alguns que, vendo descoberta a conjuração, enquanto se fazia o
interrogatório de Mílico e Cevino ainda duvidava de confessar, aconselharam a
Pisão que fosse direito aos quartéis ou subisse à pública tribuna e tentasse a
opinião e os sentimentos dos soldados e do povo. Porque, diziam eles, se todos
os conjurados o auxiliassem na empresa, decerto arrastariam outros muitos e,

111 Tradução de tenuem iam spiritum expressit («verteu um já ténue suspiro»).


112 Tradução de suorum… pignorum («das suas pessoas mais queridas»).
113 Acrescento do tradutor.
114 Texto corrompido.
115 Tradução de renuit («não consentiu»).
LIVRO XV 401

com esta sua ousadia, ganharia ele grande fama, o que sempre vale tudo em
todas as revoluções. Nero não estava preparado para uma coisa como esta e, se
ainda os homens resolutos se aterravam em casos tais quando eram inopinados,
que resistência se podia então temer de um figurante de teatro116, acompanhado
de um Tigelino e de um bando de meretrizes? Pelo valor se concluíam mil pro-
jectos arriscados que aos cobardes pareciam impraticáveis; e debalde se podia
esperar segredo e constância117 entre tantos, que afinal tudo viriam a descobrir
ou pela dor dos tormentos, ou pela ambição das recompensas. Ele mesmo seria
preso e sofreria talvez uma morte ignominiosa: e quanto era então mais nobre o
morrer pela república, invocando a liberdade?118 Ainda quando os soldados lhe
faltassem ou que o povo o abandonasse, muito glorioso lhe seria o morrer imi-
tando os seus antepassados e deixando um tal exemplo aos vindouros. Mas
Pisão, sem se mover com estas razões e contentando-se com se mostrar por
alguns instantes em público, recolheu-se depois a sua casa e se preparou para
morrer119. Não tardou muito que não lhe chegasse uma escolta de soldados
escolhidos por Nero dentre os alistados de novo, porque se temia muito dos
velhos e receava que estivessem subornados120. Pisão morreu mandando abrir as
veias dos braços e manchou o seu nome com as torpes adulações que fez a Nero
no seu testamento121, tudo pelo amor que tinha à sua mulher, a quem, apesar de
seus maus costumes e só por sua rara beleza, ele tinha roubado a um seu amigo.
O nome dela era Sátria Gala, casada pela primeira vez com Domício Silo, o qual
pela sua paciência e ela pelas suas obscenidades causaram a infâmia de Pisão.
60. Nero mandou imediatamente matar Pláucio Laterano, cônsul designado,
e com tanta precipitação que nem lhe deu tempo para abraçar seus filhos, nem
estes mesmos poucos momentos que de ordinário concedia aos condenados para
escolherem a morte. Arrastado para o lugar em que se executavam os escravos,
foi degolado pela própria mão do tribuno Estácio, guardando até o fim um
constante e generoso silêncio e sem lhe deitar em rosto o ser algoz e conjura-
do122. Seguiu-se a morte de Aneu Séneca, de que o príncipe muito folgou não

116 Tradução de ille scaenicus («aquele actor»).


117 Tradução de fidem («confiança»).
118 Tradução de dum amplectitur rem publicam, dum auxilia libertati inuocat! («enquanto
abraça a república, enquanto pede auxílio para a liberdade!»).
119 Tradução de animum aduersum suprema firmabat («tentava fortalecer o espírito diante
do momento supremo»).
120 Tradução de miles… fauore imbutus («soldado… embebido de simpatia» em relação a
Pisão).
121 Tradução de foedis aduersus Neronem adulationibus («testamento com desonrosas
adulações a respeito de Nero»).
122 Tradução de plenus constantis silentii nec tribuno obiciens eandem conscientiam («cheio
de firme silêncio, não censurou ao tribuno a mesma cumplicidade»).
402 ANAIS

porque o julgasse manifestamente envolvido na conjuração, mas para que


fizesse o ferro o que não pôde o veneno. É certo que, até então, só Natal havia
denunciado que, estando Séneca doente, fora por ordem de Pisão visitá-lo e
queixar-se de o não querer receber em sua casa, rogando-lhe, ao mesmo tempo,
que seria bom estreitar a amizade com algumas visitas e conversações familia-
res; que Séneca respondera que a nenhum dos dois convinham mútuas comuni-
cações ou práticas frequentes; e demais que a sua própria conservação dependia
da segurança de Pisão. Tudo isto se mandou perguntar a Séneca por Gávio
Silvano, tribuno de uma das coortes pretorianas, para ver se reconhecia por
verdadeiras as expressões de Natal, assim como a sua própria resposta. Séneca,
casualmente ou muito de propósito, se recolhia então da Campânia e se havia
deixado ficar em uma quinta quatro milhas distante de Roma. Ali se dirigiu o
tribuno logo na tarde seguinte e a cercou com patrulhas de soldados: depois lhe
intimou as ordens do imperador, a tempo que estava à mesa com sua mulher,
Pompeia Paulina, e mais dois amigos.
61. Séneca deu em resposta ser verdade que Natal estivera em sua casa e, da
parte de Pisão, se havia queixado de lhe não consentir suas visitas, mas que se lhe
desculpara com razões de doença e com o seu amor do sossego; além disto, que
nunca tivera motivos alguns para julgar dependente a sua própria conservação da
segurança de um simples particular e que nunca fora adulador, como Nero
(melhor do que ninguém) o sabia, por ter encontrado nele mais vezes os sentimen-
tos de um homem livre do que os de um escravo. Tanto que o tribuno lhe deu esta
resposta, na presença de Popeia e Tigelino, ambos os mais íntimos confidentes
das ferocidades do príncipe, perguntou-lhe este logo se havia notado em Séneca
alguma disposição para uma morte voluntária123. Como, porém, lhe respondesse o
tribuno que nenhuns indícios dava de pavor e que nem no parecer ou nas palavras
mostrava tristeza, ordenou-lhe em consequência Nero que imediatamente voltasse
e fosse intimar-lhe a morte. Conta Fábio Rústico que o tribuno não fora pelo
mesmo caminho por onde viera, mas que, rodeando para ir ter com o prefeito
Fénio e perguntar-lhe se devia obedecer às ordens do César, ele o aconselhara
corresse a executá-las. Tal era então a fatal cobardia de todos que, sendo Silvano
um dos conjurados, agravava ainda aquelas mesmas maldades que tinha jurado
vingar! Ao menos, porém, não quis passar pela vergonha de o ver e de falar-lhe124,
e mandou a um centurião que lhe notificasse a sentença de morte.
62. Ao ouvir isto, Séneca requereu, sem se perturbar, que o deixassem con-
cluir o seu testamento, mas, como o centurião lho recusasse, voltando-se então
para os amigos, disse-lhes que, pois lhe proibiam de lhes testemunhar o seu

123 Tradução de interrogat an Seneca uoluntariam mortem pararet («pergunta se Séneca


preparava a morte voluntária»).
124 A Séneca.
LIVRO XV 403

reconhecimento, uma coisa enfim sempre lhes deixaria, e a única e a mais bela
que tinha: a qual era o exemplo de toda a sua vida. Se, portanto, nunca se esque-
cessem dos princípios por que a tinha dirigido, com verdade sustentaria a glória
de uma tão constante amizade. Mas, vendo que choravam, entrou a confortá-los
ora exortando-os, ora tomando um ar mais severo e mais grave, e dizendo-lhes:
para quando guardavam a sua filosofia e aonde estavam todas as suas antigas
meditações sobre o nada das desgraças da vida?125 A quem não era conhecida a
ferocidade de Nero? Depois de ter assassinado sua mãe e seu irmão, que muito
era se manchasse ainda com o sangue de seu aio e seu mestre?
63. Assim que articulou estas e outras razões, como dirigidas a todos os cir-
cunstantes, abraçou sua mulher e, procurando animar-se pelo doloroso estado
em que a via126, encarecidamente lhe rogou moderasse a intensidade da sua dor
e que, na contemplação de quantas belas acções tinham ilustrado a sua vida,
suportasse as saudades do marido com o socorro de consolações virtuosas. Ela,
porém, lhe respondeu que estava igualmente determinada a morrer e logo
perguntou por quem lhe havia de abrir as feridas. Séneca, então, sem querer
roubar-lhe esta glória e muito mais por não lhe consentir o amor deixar exposto
às afrontas este único objecto da sua predilecção e ternura, replicou-lhe desta
maneira: «Até aqui, eu te havia figurado todas as doçuras e delícias da vida,
mas, já que lhes preferes as honras da morte, não me oponho à tua resolução,
pois, ainda que no mesmo lance fatal mostramos ambos a mesma coragem, o
teu motivo é mais nobre.» Acabado isto, o mesmo ferro cortou as veias dos
braços de ambos os consortes. Séneca, por velho e definhado com a demasiada
abstinência, vertendo pouco sangue, mandou também abrir as veias das pernas e
das curvas127. Fatigado, porém, com dores horríveis e para não desanimar sua
mulher com o espectáculo do seu sofrimento, nem mesmo dar-lhe os mais leves
indícios de alguma impaciência, vendo-a tão cruelmente sofrer, fez com seus
rogos que se retirasse para outro quarto. Então, sentindo-se ainda nos últimos
momentos com bastantes forças de espírito, chamou os seus amanuenses e lhes
ditou várias coisas que não quero desfigurar escrevendo-as, porque até agora se
têm conservado na tradição vulgar e pelas mesmas palavras.
64. A este tempo, Nero, a quem nenhuma pessoal indisposição animava con-
tra Paulina e talvez para ver se com isto diminuía o horror das suas crueldades,
deu ordem para que não a deixassem morrer. Assim que chegaram, pois, os
soldados fizeram com que os escravos e libertos lhe ligassem as feridas dos

125 Tradução de ubi tot per annos meditata ratio aduersum imminentia? («onde [estava] a
razão, meditada durante tantos anos, diante dos acontecimentos iminentes?»).
126 Tradução de et paululum aduersus praesentem fortitudinem mollitus («e um pouco
comovido diante da presente firmeza»).
127 Tradução de poplitum («dos jarretes»).
404 ANAIS

braços e lhe vedassem o sangue. Mas não é ainda hoje coisa bem averiguada se
isto se fez ou não por seu consentimento, porque, costumando o vulgo tomar
sempre tudo no sentido pior, não faltou quem acreditasse que, enquanto ela se
receou das vinganças de Nero, desejou ter parte na glória da morte do marido,
porém que, apenas lhe raiaram vislumbres de esperança, com gosto lhe havia
preferido o viver. É certo, contudo, que viveu poucos anos e constantemente os
passou em uma louvável recordação das virtudes do marido, mostrando sempre
na fisionomia e no corpo uma tal palidez que assaz indicava a grande porção de
vida128 que tinha derramado. Séneca, durante as últimas agonias, vendo os
vagares da morte, rogou a Estácio Aneu, seu amigo antigo e médico de muita
reputação, lhe administrasse um veneno que de prevenção conservava, e era o
mesmo em qualidade129 de que os Atenienses se serviam para dar a morte aos
cidadãos condenados por uma pública sentença. Com efeito o bebeu, porém
tarde, porque o corpo já frio e sem movimento também já não podia dar pasto à
peçonha130. Entrou, por fim, em um banho de água quente e, espargindo com ela
os escravos que estavam mais próximos lhes disse: «Eu ofereço esta libação a
Júpiter Libertador». Mergulhado no banho, o mesmo vapor de água o sufocou,
e, sem funeral e sem pompa, foi queimado o seu corpo, conforme as vontades
do seu testamento que havia feito em tempo ainda da sua maior riqueza e fortuna.
65. Correu um boato de que Súbrio Flavo, de concerto com os centuriões e
por uma oculta convenção, que todavia era conhecida de Séneca, tinha destina-
do, depois de se dar a morte a Nero por influência de Pisão, matar este mesmo
Pisão e conferir depois o império a Séneca, como o só homem a quem a sua
inocência e a reputação das suas brilhantes virtudes faziam digno de ser elevado
à suprema dignidade131. Até mesmo se referiam as próprias palavras de Flavo:
que tanto valia ser governado por um tocador de lira e por um músico 132, como
por um comediante. Isto aludia a que, assim como Nero tocava na lira, também
Pisão representava publicamente nos teatros.
66. A conspiração de todos os indivíduos militares não esteve finalmente por
muito tempo encoberta, não podendo sofrer os conjurados que Fénio Rufo fosse
ao mesmo tempo seu cúmplice e juiz. Apertando ele fortemente e ameaçando
Cevino nos seus interrogatórios, este, com um sorriso de indignação, respondeu-
-lhe que ninguém sabia mais coisas do que ele, e por isso não tardasse em as

128 Tradução de uitalis spiritus («sopro vital»).


129 Cicuta com que morreu Sócrates.
130 Tradução de cluso corpore aduersum uim ueneni («estando o corpo fechado contra a
força do veneno»).
131 Tradução de quasi insonti et claritudine uirtutum ad summum fastigium delecto («eleito
para a elevação suprema como pessoa inocente e de clareza de virtudes»).
132 As duas expressões traduzem citharoedus («citaredo»).
LIVRO XV 405

revelar a um príncipe tão bom. A isto Fénio nem pôde responder, nem calar-se –
e, balbuciando algumas palavras, o seu mesmo pavor o traiu. Então, os outros
todos, e particularmente Cervário Próculo, entraram a acusá-lo, e o imperador o
fez prender e amarrar por Cássio, soldado de uma força extraordinária e que,
como tal, lhe servia ali de guarda.
67. Os mesmos indivíduos denunciaram imediatamente o tribuno Súbrio
Flavo, que pretendeu ao princípio justificar-se pela sua diferença de carácter e
pela impossibilidade de que um militar entrasse em tão arriscada empresa com
homens tão afeminados e cobardes133. Mas, vendo-se furiosamente instado,
julgou que lhe era muito mais glorioso o confessar. E perguntando-lhe Nero que
motivos tivera para faltar ao seu juramento de fidelidade, respondeu: «Aborre-
cia-te134, ainda que ninguém te foi mais fiel enquanto o mereceste. Comecei,
porém, a ter por ti um ódio implacável depois que te vi assassino de tua mãe e
tua mulher, cocheiro, histrião e incendiário.» Referi as suas próprias palavras,
porque se não vulgarizaram tanto como as de Séneca, e por me persuadir que
não mereciam ser menos conhecidas as expressões singelas, mas enérgicas, de
um brioso soldado135. Conta-se que, em toda aquela conjuração, nada custara
tanto a Nero como o ouvir estas palavras, porque tais verdades eram para ele tão
novas como lhe eram familiares os crimes. O suplício de Flavo foi incumbido
ao tribuno Vejânio Nigro, o qual, mandando abrir uma cova em um campo
vizinho, que pareceu a Flavo muito pouco larga e profunda, foi increpado por
ele na presença dos soldados, dizendo-lhe: «Nem ao menos isto sabes fazer
segundo as regras militares?» Recomendando-lhe depois o tribuno que esten-
desse bem e com valor o pescoço, «tanto valor tenhas tu (lhe respondeu ele)
para descarregar o golpe sobre mim!»136 E, com efeito, muita razão tinha para
assim lhe falar, porque Vejano Vejânio, a tremer, apenas por duas vezes lhe pôde
levar a cabeça, do que foi gloriar-se a Nero, dizendo-lhe que em lugar de uma
lhe havia dado duas mortes137.
68. O centurião Sulpício Aspro foi o que, depois de Súbrio, mostrou mais
constância. Perguntando-lhe Nero porque tinha conspirado contra ele, respon-
deu secamente: porque de outra sorte se não podia pôr termo a crimes tão enor-

133 Tradução de inermibus et effeminatis («inermes e efeminados»).


134 Tradução de oderam te («odiava-te»).
135 Tradução de militaris uiri («homem militar»).
136 Tradução de admonitusque fortiter protendere ceruicem, «utinam», ait «tu tam fortiter
ferias!» («e aconselhou a que esticasse corajosamente o pescoço; “tomaras tu”,
respondeu, “desferir o golpe tão corajosamente!”»).
137 Tradução de et ille multum tremens, cum uix duobus ictibus caput amputauisset, saeuitiam
apud Neronem iactauit, sesquiplaga interfectum a se dicendo («e tremendo aquele muito,
tendo decepado com dificuldade a cabeça com dois golpes, ostentou a crueldade junto de
Nero dizendo que [Flavo] tinha sido por ele morto com uma ferida e meia»).
406 ANAIS

mes. Dito isto, marchou direito ao cadafalso138. Também os outros centuriões


não mostraram fraqueza alguma no suplício, e só Fénio Rufo degenerou, fazen-
do mil lamentações até no seu testamento. Esperava Nero achar implicado na
conjuração o cônsul Vestino, que tinha por seu mortal inimigo 139, porém, os
conjurados não o tinham convidado: uns por antigas aversões particulares e a
maior parte porque o julgavam de um génio muito fogoso e intratável. Quanto
ao ódio de Nero contra Vestino, já vinha desde o tempo em que ambos haviam
sido grandes amigos e no qual, conhecendo então Vestino toda a baixeza do
carácter do príncipe, entrou a desprezá-lo e Nero a temer-se do atrevimento140
do amigo, que muitas vezes o metia à bulha com graças pesadas, que sempre
deixam ressentimentos profundos quanto mais verdadeiras elas são. A estes
motivos acrescia ainda agora outro, que era ter-se casado Vestino com Estatília
Messalina, apesar de saber que o César também era um dos seus amantes.
69. Não havendo, porém, contra ele nem crime nem acusadores, e não
podendo Nero valer-se dos meios da justiça, empregou a violência do poder,
ordenando ao tribuno Gerelano que fosse com uma coorte de soldados prevenir
os maus intentos do cônsul, ocupar a sua fortaleza e desarmar a sua tropa
escolhida141, que assim denominava ele a casa de Vestino, por estar elevada
sobre o Fórum, e os belos e muitos escravos que tinha, por serem todos da
mesma idade. Nesse dia, havia exercido Vestino todas as funções do cônsul e
dava um magnífico banquete ou porque de nada se temesse, ou para melhor
dissimular seus terrores. De repente, chegam os soldados e lhe dão parte que o
tribuno o procura. Ergue-se imediatamente da mesa e tudo, quase em um instan-
te, se conclui: fecha-se no seu quarto, aparece logo um médico, abre-lhe as
veias, e, ainda cheio de vida, é metido em um banho quente e nele mergulhado,
sem dizer uma só palavra nem se queixar da sua sorte. No entanto os convida-
dos estavam metidos entre guardas, e não se lhes deu a liberdade senão já alta
noite, quando Nero, depois de haver zombado muito do pavor em que se figura-
va estariam estes miseráveis, esperando passar dos prazeres da mesa aos horro-
res da morte142, ordenou que os deixassem sair, dizendo que já bem cara lhes
tinha custado a honra de jantar com um cônsul.
70. Depois desta morte, mandou logo proceder à de Aneu Lucano. Observan-
do este que, à proporção que ia perdendo o sangue, os pés e as mãos já lhe

138 Tradução de tum iussam poenam subiit («suportou então a pena imposta»).
139 Tradução de uiolentum et infensum («violento e hostil»).
140 Tradução de ferociam («arrogância», «valentia»).
141 Tradução de delectam iuuentutem («juventude recrutada»).
142 Tradução de postquam pauorem eorum, ex mensa exitium opperientium, et imaginatus et
inridens Nero («depois que Nero, imaginando e zombando do pavor daqueles que espe-
ravam a perdição à mesa»).
LIVRO XV 407

começavam a arrefecer e o espírito insensivelmente lhe ia deixando as extre-


midades, enquanto o coração ainda continuava a bater e a pensar, recordou-se
então de alguns versos de um seu poema em que ele tinha feito a descrição de
um soldado ferido e morrendo da mesma maneira, e os entrou a repetir: tais
foram as suas últimas palavras. Seguiram-se as mortes de Senecião, Quinciano e
Cevino, em que mostraram mais intrepidez do que se podia esperar da moleza
de vida que tiveram; os outros conjurados que morreram depois nem fizeram
nem disseram coisa memorável.
71. Mas no entanto que em Roma eram sem conto os funerais, dentro do
Capitólio eram também sem conto as vítimas. Aqueles mesmos que tinham
perdido seus filhos, seus irmãos e seus parentes ou amigos, iam dar graças aos
deuses, coroavam as suas casas de louro, prostravam-se diante de Nero e lhe
fatigavam com mil ósculos a mão. Tomando ele toda esta exterioridade por uma
verdadeira alegria, perdoou a António Natal e a Cervário Próculo, por serem os
primeiros delatores; e Mílico, grandemente premiado, tomou depois um nome
grego que quer dizer «conservador». Entre os tribunos, Gávio Silvano, ainda
que perdoado, preferiu o morrer pelas suas mãos, e Estácio Próximo, também
pela vaidade de se matar, tornou inútil a graça do imperador. Os outros tribunos,
que eram Pompeio143, Cornélio Marcial, Flávio Nepos e Estácio Domício,
perderam os seus postos não porque na realidade aborrecessem144 o príncipe,
mas porque se temia que assim fosse. Nóvio Prisco, por ter sido amigo de
Séneca, e Glício Galo e Ânio Polião, mais por suspeitas do que por serem
convencidos145, foram desterrados. A Nóvio Prisco acompanhou no desterro sua
mulher, Artória Flacila, e a Glício Galo sua mulher, Egnácia Maximila, a quem
no princípio se deixaram intactas as suas imensas riquezas, que, logo depois, lhe
foram confiscadas: duas circunstâncias com que exaltou ainda mais a sua
reputação. Foi também desterrado Rúfrio Crispino com o pretexto da conjura-
ção, ainda que o motivo verdadeiro fosse o ser aborrecido146 de Nero em razão
do seu antigo casamento com Popeia. Vergínio e Musónio Rufo deveram o seu
desterro à sua muita celebridade porque Vergínio, pelas suas lições de eloquên-
cia, e Musónio, pelas de filosofia, excitavam a emulação da mocidade romana.
Afinal, para as ilhas do mar Egeu foram enviados, como em montão e em
chusma, Cluvidieno Quieto, Júlio Agripa, Blício Catulino, Petrónio Prisco e
Júlio Altino; mas Cedícia, mulher de Cevino, e Cesénio Máximo, expulsos da
Itália, só pelo castigo souberam que tinham sido acusados. Acília, mãe de Luca-
no, como por esquecimento, escapou sem perdão nem castigo.

143 Lacuna no texto.


144 Tradução de odissent («odiassem»).
145 Tradução de conuictis («culpados»).
146 Tradução de inuisus («odiado»).
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72. Concluído tudo isto, Nero, convocando os soldados, distribuiu a cada um


dois mil sestércios e lhes mandou dar ainda gratuitamente o trigo, que antes
compravam pelos preços correntes. Depois, como se tivesse para anunciar as
operações ou os resultados de uma guerra, convocou o senado e concedeu as
insígnias triunfais ao consular Petrónio Turpiliano, ao pretor designado Coceio
Nerva e ao prefeito do pretório Tigelino; exaltando tanto a Tigelino e Nerva
que, além das estátuas triunfais levantadas no Fórum, lhes mandou erigir outras
dentro do palácio. Também Ninfídio teve as insígnias consulares, a respeito do
qual, como só pela primeira vez agora aparece, e ainda há-de fazer uma boa
parte das nossas calamidades, sempre é justo que diga alguma coisa. Como
tivesse por mãe uma formosa liberta que se prostituiu com todos os escravos e
libertos do príncipe147, gloriava-se de ser filho de Calígula148, porque casual-
mente tinha como ele uma grande estatura e um ar feroz e carregado: mas talvez
que assim fosse porque, sendo Gaio César apaixonado de todas as meretrizes,
bem pode ser que tivesse comércio com a mãe de Ninfídio149.
73. Nero, ainda não contente com haver convocado o senado e ter feito um
discurso aos padres, publicou ao povo por um édito a relação dos depoimentos
das testemunhas e as confissões dos condenados; porque, na opinião pública,
era constantemente infamado de ter feito morrer tantos inocentes só por ciú-
mes150 ou por simples receios. Contudo os que então entravam no verdadeiro
conhecimento das coisas nunca duvidaram da existência desta conjuração, que
foi abafada no próprio momento em que estava para arrebentar; e isto mesmo
confessam todos os que vieram a Roma151 depois da morte de Nero. Entretanto,
dentro do senado, aqueles que se mostravam os mais vis aduladores eram os que
maiores razões tinham para estarem oprimidos de tristeza. Júnio Galião, nimia-
mente assustado depois da morte de seu irmão Séneca, recorria às súplicas mais
humildes e rasteiras para defender-se152; e, ainda assim mesmo, foi asperamente
increpado por Salieno Clemente, que o tratou de inimigo e de parricida. Pare-
ceu, porém, isto tão mal a todos os senadores que coibiram Salieno, dizendo-lhe
que era com efeito um grande excesso de abuso o querer servir-se das públicas
calamidades para satisfazer ódios pessoais e dar ocasião a novos rigores, quando
se via que, pela clemência153 do príncipe, já tudo estava pacificado ou esquecido.

147 Tradução de principum («dos príncipes»).


148 Tradução de C. Caesare («Gaio César»).
149 Lacuna no texto.
150 Tradução de inuidiam («inveja», «ódio»).
151 Tradução de in urbem regressi sunt («regressaram à cidade [de Roma]»).
152 Tradução de Senecae fratris morte pauidum et pro sua incolumitate supplicem («ame-
drontado pela morte do irmão, Séneca, e suplicante da sua própria salvação»).
153 Tradução de mansuetudine («bondade»).
LIVRO XV 409

74. Decretou-se, enfim, donativos e acções de graças aos deuses e honras


muito particulares ao Sol, que tem um antigo templo junto do Circo, aonde se
premeditava cometer o assassínio e a cuja especial providência se atribuía o ter-
-se revelado o segredo da conjuração. Determinou-se mais: que nos jogos
circenses, instituídos em honra de Ceres, houvesse maior número de corridas de
cavalos, que ao mês de Abril se desse o sobrenome de Nero e que se edificasse
um templo à deusa Salus naquele mesmo lugar154 donde Cevino havia tirado o
seu punhal, que o príncipe também dedicou no Capitólio com esta inscrição: a
Júpiter Vingador. Naquele tempo não se fez reflexão alguma sobre isto, mas,
assim que Júlio Víndex pegou em armas contra Nero, considerou-se logo este
acto como um presságio do castigo futuro do príncipe. Acho nas memórias do
senado que Cerial Anício, cônsul designado, propusera que, à custa do público,
se fabricasse prontamente um templo em honra do deus Nero. Na verdade, ele
fazia esta proposta por estar persuadido de que este príncipe se havia elevado
acima dos mortais e que, por consequência, merecia a pública veneração;155
contudo bem se podia igualmente interpretar isto como um prognóstico da sua
morte muito próxima, porque as honras divinas nunca se concedem aos prínci-
pes senão depois que deixam de viver entre os homens.

154 Lacuna no texto.


155 Texto corrompido.
LIVRO DÉCIMO SEXTO

1. Depois de todos estes sucessos, viu-se Nero ludibriado pela fortuna porque
caiu em acreditar loucamente nas promessas de um certo cartaginês chamado
Cesélio Basso, o qual, de uma fantasia escandecida1, tomou um sonho por
esperanças infalíveis. Este homem, vindo de propósito a Roma e havendo
alcançado uma audiência do príncipe à força de dinheiro, declarou-lhe ter desco-
berto, em uma das suas terras, uma caverna profundíssima que estava cheia de uma
imensa quantidade de ouro não amoedado, porém em barras antigas e brutas.
Acrescentava que, além destas barras pesadíssimas, havia em outra parte colunas
inteiras do mesmo metal, que, escondidas depois de muitos séculos, agora só
bastavam para enriquecer a presente geração. E, para fazer mais crível este sonho
com algumas conjecturas, rematava dizendo que era natural que a fenícia Dido,
depois da sua fugida de Tiro e da fundação de Cartago, escondesse estas riquezas
ou para que o novo povo se não corrompesse com elas, ou para que não servissem
de estímulo de guerras aos reis númidas, já por outras causas seus inimigos.
2. Então Nero, sem primeiro examinar o crédito que merecia um tal homem
e o facto em si mesmo e sem de antemão enviar pessoas prudentes que lhe
dessem alguma segurança da possibilidade destas promessas, entrou logo a
espalhar esta fábula – e, como se o tesouro estivesse já certo, sem esperar por
mais nada, o manda buscar. Para que viesse mais depressa, ordenou se aprontas-
sem os seus melhores navios e os mais bem equipados2, entretanto que, em todo
este tempo, já se não falava em outra coisa: o povo porque estava persuadido da
patranha, e a gente instruída porque a não acreditava. Sucedeu que, nesta oca-
sião, pela segunda vez, se celebravam as festas Quinquenais, e os poetas e
oradores tiraram deste acontecimento notável a matéria principal para os seus
elogios ao príncipe. Diziam que, não contente a terra de produzir os frutos
costumados e o mesmo ouro no seio das minas, misturado com outros metais,
também em seu obséquio desenvolvia agora uma nova fecundidade, e que até os
deuses lhe ofereciam espontâneas riquezas. Além destas servis adulações,
inventavam ainda outras, que enfeitavam com muita eloquência, bem certos de
que Nero os havia de acreditar.
3. No entanto a dissipação era enorme porque, confiado Nero nestas frívolas
promessas, consumia as antigas riquezas na ideia de que as novas eram inextin-

1 Tradução de mente turbida («de mente perturbada»).


2 Tradução de triremes et delectum remigium («trirremes e uma recruta de remadores»).
412 ANAIS

guíveis. Até à conta destas já se antecipavam os donativos, e as esperanças da


opulência eram uma das causas da pública miséria. Ao mesmo tempo 3, Basso,
abrindo todo o seu campo e um imenso espaço de terreno em volta e anunciando
sempre que neste ou naquele sítio estava o seu tesouro prometido, trazia consigo
não só muitos soldados, porém um grande número de camponeses para concluir
a sua obra. Afinal, tornando a si desta extravagância e muito admirado de que,
tendo-lhe até ali saído verdadeiros todos os seus sonhos, só este fosse ilusório,
escapou à vergonha e ao medo dos castigos, matando-se4. Alguns, contudo,
referem que fora preso e posto depois em liberdade, confiscando-se-lhe tão-
-somente os bens para suprirem parte do tesouro prometido.
4. Já o senado, nas vésperas das festas Quinquenais5, para ver se disfarçava
mais uma inevitável ignomínia, tinha oferecido ao imperador o prémio do canto,
acrescentando-lhe também o da eloquência, a fim de que o orador, ao menos de
algum modo, pudesse escurecer o opróbrio do histrião. Porém Nero, responden-
do que nada queria dever ao favor nem à autoridade do senado, que pretendia
ter uma perfeita igualdade com os seus rivais e que só da rectidão dos juízes é
que ambicionava ganhar a preferência, principiou por ir declamar alguns versos
sobre a cena6. Mas, instando-lhe o povo que mostrasse de uma vez todos os seus
talentos (pois estas foram as suas próprias palavras), subiu ele, enfim, ao teatro
e ali executou todas as leis prescritas aos tocadores de cítara, as quais eram:
nunca sentar-se ainda quando estavam fatigados, não limpar o suor senão com o
mesmo vestido que traziam e nunca escarrar nem assoar-se7. Acabando então de
cantar, pôs um joelho em terra e, estendendo respeitosamente a mão para a
assembleia, ficou nesta postura, esperando pela decisão dos juízes em ar de
quem tinha grande susto8. A populaça9 de Roma, que estava acostumada a
acompanhar as representações teatrais dos histriões, desfez-se então em aclama-
ções e aplausos a Nero, cantados em tom de música e a compasso. Na verdade,
ela parecia estar transportada de prazer e talvez que assim fosse, pela sua indife-
rença a toda a pública desonra.
5. Contudo os habitantes das cidades remotas, aonde ainda se conservava
toda a severidade dos costumes da antiga Itália, e todos aqueles das províncias
mais distantes que, não afeitos a tais dissoluções, se achavam por acaso em

3 Tradução de nam («com efeito»).


4 Tradução de morte uoluntaria («com uma morte voluntária»).
5 Tradução de lustrali certamine («torneio lustral»).
6 Tradução de carmen in scaena recitat («recita no palco um poema»).
7 Tradução de ut nulla oris aut narium excrementa uiserentur («que não mostrassem
quaisquer excreções da boca ou das narinas»).
8 Tradução de ficto pauore («com receio fingido»).
9 Tradução de plebs («plebe»).
LIVRO XVI 413

Roma ou como deputados, ou por negócios particulares, não podiam tolerar um


semelhante espectáculo nem sabiam dar estes vergonhosos aplausos. As suas
mãos caíam de cansadas e, como pouco hábeis, perturbavam a harmonia dos
outros, de maneira que muitas vezes recebiam muito mau tratamento dos solda-
dos, que, pelos ângulos do teatro, estavam sempre alerta para que nem houvesse
algum intervalo de silêncio, nem os vivas por forma alguma afrouxassem.
Consta que muitos cavaleiros romanos, querendo romper por entre a multidão
que ocupava as saídas estreitas, foram esmagados e que outros, por estarem de
noite e de dia sempre sentados sobre os seus bancos, caíram gravemente doen-
tes10, querendo antes isso do que desamparar o espectáculo, aonde os muitos
delatores, conhecidos e ocultos, se informavam dos nomes de todas as pessoas e
espreitavam em suas fisionomias se estavam enfastiados ou contentes. O certo é
que logo alguns homens obscuros foram castigados; e se por algum tempo se
dissimulou a vingança contra os grandes, afinal apareceu ela e teve todo o seu
efeito. Também se refere que Vespasiano, estando em ar de querer dormir 11, fora
duramente repreendido pelo liberto Febo e que só pelas instâncias de alguns
homens de bem pudera escapar; que, depois ainda, correra maior perigo e dele
só o ascendente dos seus altos destinos o livrara.
6. No fim destas festas, morreu Popeia, por efeito de um fortuito excesso de
cólera do marido, que lhe deu uma forte pancada com o pé, estando ela pejada.
Nem eu creio que fosse de veneno, apesar do testemunho de alguns escritores
que mais procuraram satisfazer o seu ódio do que dizer a verdade, porque Nero
morria por ter filhos e tinha grande paixão pela mulher. Não se queimou o seu
corpo, segundo os usos romanos, porém foi embalsamado à maneira dos reis
estrangeiros e se depositou no túmulo dos Júlios. Fizeram-se-lhe públicas exé-
quias, e ele mesmo pronunciou o seu elogio na tribuna, louvando-a muito pela
sua rara beleza, por ter sido mãe de uma deusa12 e por outros mais dons da
fortuna com que lhe supriu as virtudes.
7. A morte de Popeia, que, apesar de toda a tristeza aparente, era motivo de
pública alegria, pelo muito que esta mulher fora impudica e cruel, serviu ainda
para granjear mais ódios contra Nero, principalmente por ter proibido a Gaio
Cássio de assistir ao funeral. Foi este o primeiro indício da perda que lhe estava
preparada e que não se lhe verificou logo por se lhe querer dar por sócio a
Silano, sem que ambos tivessem outro crime senão haver herdado Cássio gran-
des riquezas e ser de respeitáveis costumes, e ter Silano, além de moço muito
ilustre, um carácter muito sério e composto. Nero enviou ao senado um discurso
em que expunha as razões pelas quais convinha remover um e outro da repúbli-

10 Tradução de morbo exitiabili correptos («atacados por uma doença fatal»).


11 Tradução de tamquam somno coniueret («como se fechasse os olhos com sono»).
12 Filha divinizada (cf. 15.23).
414 ANAIS

ca, e a Cássio particularmente arguia de conservar entre as imagens dos seus


antepassados a do antigo conjurado Gaio Cássio com esta inscrição: Ao chefe
do partido. Dizia ainda que isto era querer renovar as guerras civis e mostrava
bem uma intenção determinada de querer também indispor os espíritos contra a
família dos Césares, porque, não satisfeito de fazer lembrado um nome tão
odioso, para ainda excitar a discórdia, lançava mão de Silano, mancebo muito
nobre e grandemente ambicioso, para o poder apresentar aos descontentes13.
8. Passou depois a atacar Silano, atribuindo-lhe os mesmos crimes que a seu
tio Torquato, que eram fazer já todas as suas disposições para o império, dando
a certos libertos os títulos de intendentes, de ministros do despacho e secretá-
rios: acusações falsas e frívolas porque, depois da desgraça do tio, andou sem-
pre Silano com grande receio e cautelas. Acabado isto, produziu então Nero o
que ele chamava testemunhas, as quais acusaram Lépida, mulher de Cássio e tia
de Silano, de cometer incestos com o sobrinho e de haver feito sacrifícios
abomináveis. Foram implicados como cúmplices os senadores Vulcácio Tulino
e Marcelo Cornélio e o cavaleiro romano Calpúrnio Fabato, os quais, apelando
para o príncipe, evitaram por então o ser logo condenados, e até depois a mesma
sentença de Nero, por ele andar então ocupado com crimes mais graves14.
9. Cássio e Silano foram desterrados por um senátus-consulto, que reservou ao
César decidir a sorte de Lépida. Cássio foi deportado para a ilha de Sardínia,
esperando-se que por velho duraria pouco tempo, e Silano, conduzido para Óstia,
donde se dizia havia de passar para Naxos, ficou encerrado em uma cidade da
Apúlia, chamada Bário. Sofrendo ali com muita constância15 o seu indigníssimo
destino, viu-se de repente preso por um centurião que levava ordem para o matar.
E, aconselhando-lhe ele que consentisse em que se lhe abrissem as veias,
respondeu-lhe Silano que estava preparado para a morte, porém que nunca um
algoz teria a honra de lha dar. Conhecendo, então, o centurião que ele, apesar de
estar desarmado, era resoluto e mostrava mais cólera do que medo, mandou que
os soldados o agarrassem. Ainda assim mesmo, Silano não deixou de resistir e
defender-se, dando quantas pancadas pôde com as mãos, as únicas armas que
tinha, até que caiu por terra como em um campo de batalha, coberto de feridas
que o centurião lhe deu, todas por diante.
10. Com igual resolução morreram Lúcio Vétere, Sêxtia (sua sogra) e Polita
(sua filha), todos aborrecidos16 do príncipe por lhe parecer que, estando vivos,
só com a presença o arguiam do assassínio de Rubélio Plauto, genro de Vétere.
Mas a ocasião de manifestar e satisfazer estes seus ódios lhe ministrou o liberto

13 Tradução de nouis rebus («à revolução»).


14 Falta a tradução de quasi minores («como [se estas fossem] pessoas insignificantes»).
15 Tradução de sapienter («com sabedoria»).
16 Tradução de inuisi («odiados»).
LIVRO XVI 415

Fortunato, que, não contente de haver arruinado a casa do seu patrono, se decla-
rou depois por seu acusador de concerto com Cláudio Demiano, o qual Vétere,
sendo procônsul da Ásia, tinha mandado prender por seus crimes, e a quem
Nero depois perdoou em prémio desta acusação. Tanto que o réu soube desta
circunstância e que ia a ser confrontado com um seu liberto, partiu para as suas
terras de Fórmias, aonde os soldados o vieram ocultamente cercar. Estava com
ele sua filha, que, além dos terrores do perigo presente, trazia o seu coração
ulcerado de uma mágoa longa e profunda17 desde o tempo em que tinha visto
assassinar Plauto, seu marido, e havia recebido em seus braços a sua cabeça
ensanguentada. Ainda conservava aquele mesmo sangue e aqueles mesmos
vestidos que tinham sido salpicados com ele e, sempre viúva inconsolável e
coberta de luto, apenas se mantinha de escassos alimentos, e só dos que eram
bastantes para não morrer. A rogos do pai se dirigiu então a Nápoles, mas, como
a não deixassem falar com o príncipe, aparecendo-lhe em toda a parte por onde
ele passava, entrou a clamar-lhe que ouvisse um inocente e não expusesse aos
insultos de um liberto um seu antigo colega no consulado. Isto dizia ela ora
entre gemidos e todo o pranto feminil, ora tomando um carácter superior ao seu
sexo, entre imprecações e ameaços: mas Nero, sempre indiferente, nunca fez
caso algum quer das suas súplicas, quer dos seus furores.
11. Voltou, por consequência, a avisar a seu pai que era preciso perder todas
as esperanças e resignar-se a morrer18. Ao mesmo tempo, lhe chegou a notícia
de que o senado estava cuidando do processo e se lhe preparava uma bárbara
sentença. Houve, então, alguns que lhe deram de conselho nomeasse o César
por herdeiro da maior parte dos seus bens, a fim de segurar o resto para seus
netos; mas ele não o quis aceitar e, envergonhando-se de macular nos seus
últimos momentos, com um tal acto de baixeza, uma vida que tinha passado
com tanta honra e quase na antiga liberdade, distribuiu pelos escravos quanto
dinheiro possuía e lhes ordenou levassem de casa os móveis que pudessem, à
excepção de três leitos, que reservou para os três funerais. Estando, então, todos
no mesmo quarto, com o mesmo ferro abriram as veias e, sem terem sobre si
mais outros vestidos do que os simplesmente necessários para conservar o
pudor, foram meter-se no banho. O pai tinha os olhos pregados sobre a filha, a
avó sobre a neta e esta sobre ambos, desejando cada um morrer em primeiro
lugar e sentindo ainda uma certa consolação em deixar vivos os outros, apesar
de que isto havia de ser por bem pouco. Contudo a fortuna guardou a ordem
natural: a mais velha foi a primeira que morreu e a mais nova foi a última.
Foram ainda acusados depois que já estavam na sepultura e tiveram por senten-

17 Tradução de super ingruens periculum longo dolore atrox («implacável, mais do que pelo
perigo próximo, por uma longa dor»).
18 Tradução de nuntiat patri abicere spem et uti necessitate («anuncia ao pai que renuncie à
esperança e faça uso das circunstâncias»).
416 ANAIS

ça que fossem punidos segundo os costumes antigos, porém Nero se opôs,


permitindo-lhes o morrer como bem lhes parecesse. Tais eram os ludíbrios com
que ainda se insultavam as vítimas depois de as terem forçado a morrer!19
12. Públio Galo, cavaleiro romano, por ter sido amigo íntimo de Fénio
Rufo e haver tido algumas comunicações com Vétere, foi privado da água e do
fogo. O liberto e o acusador deste último, em prémio da sua iniquidade 20, tive-
ram um lugar no teatro entre os viadores dos tribunos21. Já se havia dado ao
mês de Abril o nome de Nero, e agora se continuou esta invenção chamando o
mês de Maio Cláudio, e o de Junho Germânico. Cornélio Órfito, que propôs
esta mudança, disse que se tinha suprimido o nome de Junho, porque os dois
Júnios Torquatos, já condenados por seus crimes, tinham feito esse nome
sinistro22.
13. Os deuses assinalaram este ano, já por tantos crimes horroroso, com
epidemias23 e tempestades. A Campânia foi devastada por um vento furioso24
que arruinou casas, árvores e searas. Este flagelo chegou até às portas de Roma,
aonde ao mesmo tempo todas as classes de habitantes eram vítimas de um
terrível contágio25, sem que nos elementos26 houvesse alguma alteração conhe-
cida. As casas estavam atacadas de mortos e nas ruas só se encontravam enter-
ros. Não escapava deste perigo nem sexo nem idade, e escravos e cidadãos27
desapareciam em um instante, entre os lamentos de suas mulheres e seus filhos
que, ao mesmo passo que choravam a seus maridos e a seus pais, já tocados do
mesmo mal28, eram muitas vezes conduzidos à mesma fogueira. Não se deplo-
ravam, porém, tanto as mortes dos cavaleiros e senadores, porque se tinha por
melhor perecer nesta geral mortalidade do que ficar sujeito às barbaridades do
príncipe. Neste mesmo ano se fizeram recrutamentos na Gália Narbonense, na
África e na Ásia, para completar as legiões da Ilíria, das quais muitos soldados,

19 Tradução de ea caedibus peractis ludibria adiciebantur («às mortes perpetradas


juntavam-se estes ludíbrios»).
20 Tradução de operae («da obra»).
21 Tradução de uiatores tribunicios («funcionários [às ordens] de tribunos», «oficiais de
diligências [ao serviço] de tribunos»).
22 Tradução de infaustum («funesto»).
23 Tradução de morbis («doenças»).
24 Tradução de turbine uentorum («redemoinho de ventos», «furacão»).
25 Tradução de uis pestilentiae («força da pestilência»). Parece tratar-se da cólera.
26 Tradução de caeli («os céus»).
27 Tradução de ingenua plebes («plebe livre»).
28 Tradução de inter coniugum et liberorum lamenta, qui dum adsident, dum deflent («entre
lamentos de cônjuges e de filhos, que, ao mesmo tempo que dão assistência, logo se
deploram»).
LIVRO XVI 417

ou por doentes ou por velhos, iam recebendo as suas baixas. Nero deu quatro
milhões de sestércios para socorrer a cidade de Lugduno na calamidade que
tinha sofrido, soma igual àquela que os Lugdunenses já antes nos tinham vindo
oferecer em tempos de desgraça29.
14. No consulado de Gaio Suetónio e Lúcio Telesino30, Antístio Sosiano,
que, segundo já contei, vivia em desterro por alguns versos31 que tinha feito
contra Nero, como soubesse agora quanto este príncipe feroz honrava os delato-
res e ele mesmo fosse de um génio inquieto e soubesse também aproveitar as
ocasiões, conseguiu, pela sua mesma conformidade de desgraças, travar amiza-
de com Pâmenes, que estava desterrado no mesmo lugar e, que por ser astrólogo
famoso32, andava envolvido em muitas intrigas. Ajuizando então que, não sem
motivos, recebia contínuos correios e diferentes consultas, veio por fim a saber
que Públio Anteio lhe pagava uma pensão anual. E como já para ele não fosse
também coisa nova que Anteio era odioso a Nero, pela amizade que tivera com
Agripina, e que as suas muitas riquezas seriam bem capazes de o tentar (pois
que só esta circunstância havia perdido muita gente), teve, enfim, a arte não só
de apanhar as cartas de Anteio, mas até ainda de roubar os papéis que Pâmenes
guardava no interior do seu gabinete, e nos quais se continham os horóscopos
de Anteio e de Ostório Escápula33. Munido destes documentos, escreveu então
ao príncipe, dizendo-lhe que, se por alguns dias houvesse por bem de o aliviar
do rigor do seu desterro, iria revelar-lhe coisas importantes e das quais dependia
a sua segurança: porque Anteio e Ostório já certamente estavam a ponto de
executar alguma conspiração, visto que também já escrutavam os seus destinos
e os do César. Imediatamente se lhe enviaram galeras, e Sosiano foi nelas
conduzido a toda a pressa. Mas, assim que se divulgou esta acusação, o público
logo os34 considerou não tanto como réus, porém como verdadeiros condenados;
e nem mesmo Anteio já teria quem lhe quisesse assinar o testamento 35, se o
próprio Tigelino o não tivesse autorizado para o fazer. Este já de antemão o
tinha prevenido que não diferisse as suas últimas disposições – e, nestas
circunstâncias, Anteio recorreu ao veneno mas, como visse que os seus efeitos
eram muito lentos, cuidou em abreviar a morte mandando abrir as veias.

29 O incêndio de 64.
30
Ano de 66 d. C.
31 Tradução de carminibus probrosis («poemas difamatórios»).
32 Tradução de Chaldaeorum arte famosum («famoso pela arte dos Caldeus»).
33 Tradução de quibus dies genitalis eius et euentura secretis Pammenis occultabantur, simul
repertis quae de ortu uitaque Ostorii Scapulae («nos quais se ocultavam o horóscopo e o
futuro pelos segredos de Pâmenes; ao mesmo tempo foram descobertos os cálculos sobre
o nascimento e a vida de Ostório Escápula»).
34 Tradução de Anteius Ostoriusque («Anteio e Ostório»).
35 Como testemunha.
418 ANAIS

15. Ostório vivia neste tempo retirado ao longe, nas suas terras dos confins da
Ligúria, para onde se lhe despachou logo um centurião com ordem de o fazer
morrer prontamente. E houve nisto tanta diligência porque, além da grande
reputação militar que tinha Ostório, em virtude da qual havia merecido na Britânia
uma coroa cívica, as suas prodigiosas forças corporais e a sua insigne destreza nas
armas davam grande susto a Nero, o qual, tendo sido sempre medroso, agora
ainda o era muito mais depois da conjuração recentemente descoberta. O centu-
rião, tanto que lhe cercou a casa, foi anunciar-lhe as ordens do imperador. Ostório
só voltou então contra si todo o valor que já tantas vezes tinha mostrado contra os
inimigos e fez abrir as veias, mas, como deitassem pouco sangue, pegou de um
punhal e, dando-o a um escravo para que lho segurasse e tivesse bem firme na
direcção da garganta, ele mesmo o cravou e degolou-se.
16. Ainda quando eu só tivesse a escrever as guerras estrangeiras e todas es-
sas mortes padecidas em serviço da república, a mesma uniformidade dos
sucessos me teria enfastiado assim como aos meus leitores36, que, apesar de tão
belas e magníficas acções de patriotismo e de glória, não poderiam suportar
uma tão longa série de casos tão tristes37. Mas qual não deve ser agora o horror
e o abatimento de espírito, quando só tenho a contar exemplos de uma servil e
estúpida paciência e de tanto sangue inutilmente derramado no seio da paz, e até
dentro em nossas casas?38 Não pedirei, contudo, outra graça aos meus leitores
senão que me não levem a mal o não ter mostrado ódio contra essas almas
cobardes que tão fracamente se deixavam assassinar39: sim, eu estou persuadido
de que todas estas coisas foram um castigo com que os deuses quiseram punir
os Romanos e sobre o qual não convém rapidamente passar assim como se
passa sobre a derrota dos exércitos ou a tomada das praças, que muitas vezes só
por um toque de pincel se podem bem delinear40. Isto pois, ao menos, se conce-
da à descendência e à posteridade de tantos homens ilustres, para que assim
como na sepultura e nas honras funerais se diferençam da gente ordinária,

36 Tradução de aliorumque taedium («e o tédio dos outros»).


37 Tradução de quamuis honestos ciuium exitus, tristis tamen et continuos («posto que
[sejam] mortes honestas de cidadãos, contudo tristes e contínuas»).
38 Tradução de at nunc patientia seruilis tantumque sanguinis domi perditum fatigant animum
et maestitia restringunt («mas agora a resignação servil e tanta perda de sangue em casa
fatigam e angustiam o espírito com tristeza»).
39 Tradução de neque aliam defensionem ab iis quibus ista noscentur exegerim, quam ne
oderim tam segniter pereuntis («não exigiria outra defesa a quem vier a conhecer tudo isto
senão que não venha a odiar quem pereceu tão indolentemente»).
40 Tradução de ira illa numinum in res Romanas fuit, quam non, ut in cladibus exercituum
aut captivitate urbium, semel edito transire licet («aquela foi a cólera das divindades
contra o poder romano que, como nos desastres dos exércitos ou num cerco de cidades,
não se pode deixar de lado sendo mencionada uma vez só»).
LIVRO XVI 419

também achem na história algumas páginas particulares que distingam seus


últimos momentos41.
17. Dentro de poucos dias, morreram ainda, quase a um tempo, Aneu Mela,
Cerial Anício, Rúfrio Crispino e Tito Petrónio. Mela e Crispino eram dois cava-
leiros romanos tão respeitáveis como se fossem senadores42, porque Crispino
havia sido prefeito do pretório e tinha as honras e insígnias consulares. Achando-
-se agora, depois de pouco tempo, desterrado na Sardínia, como envolvido na
conjuração, matou-se a si mesmo tanto que teve ordem para morrer. Mela, irmão
de Galião e de Séneca, nunca havia procurado as dignidades, porque teve sempre
a extravagante vaidade de querer, como simples cavaleiro romano, ser igual em
poder aos consulares; além disto, se persuadia que o modo mais breve de se
enriquecer era o entrar na administração das rendas do príncipe como seu
procurador. Era também o pai de Aneu Lucano, o que muito concorria para a sua
celebridade. Depois da morte deste filho, procurando ardentemente recobrar os
seus bens, suscitou com isto um acusador, que foi Fábio Romano, íntimo amigo
de Lucano. Inventou-se que o pai e o filho entravam ambos na conjuração e, para
o provar, se fingiram algumas cartas de Lucano, as quais Nero, depois de as ler,
remeteu a Mela, de quem ansiosamente ambicionava as riquezas. Mela, recor-
rendo então à morte mais ordinária dos tempos, mandou abrir as veias, fazendo
antes o seu testamento, em que deixava grandes somas de dinheiro a Tigelino e a
seu genro Cossuciano Capitão, a fim de salvar o resto. Por adição ao dito testa-
mento, como se a iniquidade da sua sorte o tivesse obrigado a queixar-se, achou-
-se a nota seguinte: que ele morria o mais inocente dos homens, enquanto se
concedia a vida a Crispino e Cerial, os maiores inimigos do príncipe. Mas isto se
julgou ser suposto, porque Crispino já tinha morrido e havia quem muito
desejasse a morte de Cerial. Com efeito, este, poucos dias depois, se matou,
deixando contudo menos saudades do que os outros, porque ainda não tinha
esquecido que ele fora quem revelara a conjuração contra Calígula43.
18. Da vida de Petrónio, julgo interessante referir algumas particularidades.
Passava todo o dia a dormir e gastava as noites nas suas obrigações e nos praze-
res; e, assim como os outros homens adquirem reputação pela sua muita activi-
dade e talentos44, ele a ganhou pela sua muita indolência. Mas não foi dissipador

41 Tradução de detur hoc inlustrium uirorum posteritati ut, quo modo exequiis a promisca
sepultura separantur, ita in traditione supremorum accipiant habeantque propriam
memoriam («Que isto seja concedido à posteridade dos homens ilustres: que, tal como nas
exéquias são separados da sepultura comum, assim na narração dos últimos momentos [de
vida] recebam e tenham a própria memória»).
42 Tradução de equites Romani dignitate senatoria («cavaleiros romanos de dignidade sena-
torial»).
43 No ano de 40.
44 Tradução de industria («pelo trabalho»).
420 ANAIS

nem crapuloso45, antes constantemente passou por um amável e delicado


voluptuoso. Fazia e dizia quanto queria e, assim mesmo, por um certo ar que
tinha de singeleza, de simplicidade e de indiferença, todos gostavam muito
dele46. Contudo, quando foi procônsul da Bitínia e depois cônsul, mostrou bem
que possuía toda a energia e capacidade para os negócios. Voltando-se depois
para os vícios ou procurando somente imitá-los, foi admitido entre os poucos
que faziam a corte de Nero. Considerado então como o mestre do bom gosto47,
nada parecia bem, ou elegante ou delicado, que não tivesse a sua aprovação.
Daqui lhe veio a aversão de Tigelino, que o entrou a olhar como rival e de uma
superioridade conhecida na ciência de gozar48. E como as paixões de Nero
estavam sempre subordinadas a uma única, e a mais forte de todas, que era a
crueldade, foi fácil a Tigelino tramar a perda de Petrónio, acusando-o ao prín-
cipe pela sua amizade com Cevino. Para o denunciar e condenar, corromperam
um dos seus escravos, tiraram-lhe depois todos os meios de defesa e mandou-se
prender quase toda a sua família.
19. Casualmente, o César tinha partido naqueles dias para a Campânia, e
Petrónio, que havia já chegado até Cumas, teve ordem para não passar adiante.
À vista disto, não quis prolongar mais nem o temor nem a esperança, mas nem
por isso quis também aceleradamente morrer. Mandou abrir as veias, que ora
tapava ora fazia correr e, conversando com os amigos, não em coisas sérias
como a imortalidade de alma ou as opiniões dos filósofos, os esteve pelo contrá-
rio ouvindo repetir muitas canções agradáveis e versos delicados. Recompensou
alguns escravos e fez castigar outros. Deu ainda alguns passeios na rua49 e
dormiu, a fim de que a sua morte mais parecesse natural do que violenta. No seu
testamento, não houve a mais pequena adulação feita a Nero ou a Tigelino, ou a
qualquer outro valido, como a maior parte dos condenados fazia; muito pelo
contrário, escreveu a história de todas as obscenidades do príncipe, ainda as
mais infames e de uma torpeza extraordinária, com o nome de todos os mance-
bos e mulheres que tiverem parte nelas. Fechando-a depois com o seu selo, a
remeteu a Nero, quebrando logo o sinete para que ninguém se pudesse servir
dele em prejuízo de alguns inocentes.

45 Não se traduziu ut plerique sua haurientium («como muitos que delapidam o seu patri-
mónio»).
46 Tradução de ac dicta factaque eius quanto solutiora et quandam sui neglegentiam praefe-
rentia, tanto gratius in speciem simplicitatis accipiebantur («Os ditos e os feitos dele,
quanto mais desenfreados e demonstrando uma certa negligência, tanto mais favoravel-
mente eram recebidos como aparência de simplicidade»).
47 Tradução de elegantiae arbiter («árbitro da elegância»).
48 Tradução de scientia uoluptatum («ciência dos prazeres»).
49 Tradução de iniit epulas («organizou um festim»).
LIVRO XVI 421

20. Não podendo Nero compreender como fosse público o segredo das suas
orgias nocturnas, lembrou-se de Sília, mulher de não pequena consideração por
estar casada com um senador, a qual tinha participado com ele de todos os misté-
rios eminentemente obscenos e era da íntima amizade de Petrónio. Condenou-a,
pois, ao desterro, persuadido de que só ela podia ter revelado prostituições a que
tinha assistido, ou como testemunha ou como cúmplice. Esta vítima foi unica-
mente para satisfazer o seu ódio porque, para saciar o do seu confidente Tigelino,
lhe sacrificou ainda Minúcio Termo, antigo pretor, só porque um liberto do mesmo
Minúcio havia denunciado Tigelino de coisas criminosas, cuja ofensa expiou o
liberto com tormentos horríveis e o seu senhor com a morte a mais injusta.
21. Nero, depois de ter assassinado tantos homens ilustres, ainda por fim
desejou assassinar a mesma virtude nas pessoas de Trásea Peto e de Bárea
Sorano, contra quem tinha ódios antigos. Contra Trásea havia, porém, ainda
ofensas modernas, como eram o ter saído do senado, como já referi, quando se
deliberava sobre a morte de Agripina, e ter mostrado má vontade de figurar nas
festas Juvenais. Este último caso era muito agravante para Nero por saber que
Trásea havia, em outro tempo, representado em uma tragédia na ocasião dos
jogos Pugilares50, instituídos pelo troiano Antenor e que se fizeram em Patávio,
sua pátria. No mesmo dia também em que o pretor Antístio estava para ser
condenado à morte por algumas sátiras escritas contra Nero, tinha proposto
Trásea uma sentença menos rigorosa, que foi adoptada, e, quando se decretaram
as honras divinas a Popeia, havia ele estado ausente de propósito e não tinha
depois assistido ao seu funeral. Tudo isto nunca deixava esquecer Cossuciano
Capitão, que, além de ser um dos homens mais perversos, tinha queixas parti-
culares contra Trásea, depois que, pelo seu grande crédito tinha ele, Cossuciano,
ficado mal em uma acusação de peculato que os Cilícios lhe tinham intentado.
22. Ainda o increpava de outras mais coisas, dizendo que Trásea sempre
evitava o achar-se no princípio do ano ao juramento solene, não assistia às
preces ou rogações públicas, ainda que fosse um sacerdote quindecenviral, e
nunca tinha feito sacrifícios pela vida do príncipe, nem pela sua voz celeste.
Sendo em outros tempos infatigável e assíduo em se intrometer nos mais
insignificantes senátus-consultos para os contradizer ou aprovar, eram já passa-
dos três anos que não tinha entrado na cúria; e, quando recentemente todos,
como à porfia, queriam concorrer para o castigo de Silano e Vétere, só ele tivera
por melhor o ocupar-se com os negócios particulares dos seus clientes. Isto,
portanto, não indicava já outra coisa senão uma verdadeira oposição, um partido
já formado, e até uma guerra próxima e declarada se houvesse mais alguns que
o imitassem. «Sim, ó Nero (acrescentou Cossuciano51), hoje Roma, sempre

50
Texto corrompido (talvez Ludi Cestini).
51 Tradução de inquit («disse», «acrescentou»).
422 ANAIS

amiga das discórdias, fala de ti e de Trásea como antigamente falava de César e


Catão; porque Trásea tem seus sectários, ou antes satélites, que não só o imitam
na insolência dos seus discursos, mas até no seu traje e semblante, mostrando-se
austeros e tristes para deste modo condenarem os teus divertimentos. Trásea é o
único que não se interessa pela tua conservação, nem honra os teus talentos, não
faz caso das prosperidades do príncipe e quem sabe se até, com as tuas aflições
e desgostos, a sua alma feroz ainda não anda satisfeita? Nem é já para admirar
que ele negue a divindade de Popeia, quando vemos que recusa jurar sobre as
actas do divino Júlio e do divino Augusto. Tem em pouco a nossa religião e ab-
-roga as nossas leis; e os diários do povo romano lêem-se agora com dobrada
avidez, nas províncias e nos exércitos, só para saber-se o que Trásea não tem
querido fazer. Nestes termos ou nós devemos abraçar o seu modo de viver, se
alguém há a quem isto pareça melhor, ou então é preciso tirar logo aos sedicio-
sos este seu modelo e chefe: porque esta é a mesma seita que produziu os Tube-
rões e os Favónios, nomes odiosos até na antiga República. Para destruírem o
poder imperial, exaltam-nos muito a liberdade, mas, se o pudessem conseguir,
também fariam logo o mesmo à liberdade. De pouco ou nada te serviu o ter
banido Cássio, se ainda consentes que cresçam e que prosperem os émulos de
Bruto. Não escrevas portanto coisa alguma contra Trásea, e só consente que
entre mim e ele vá o senado decidir.» Nero animou ainda muito mais por seus
elogios os ressentimentos de Cossuciano e lhe deu por colega Marcelo Éprio,
orador furioso e violento.
23. Quanto a Bárea Sorano, já o cavaleiro romano Ostório Sabino tinha pedido
o acusá-lo pelo seu proconsulado da Ásia, no qual tinha dado novos motivos aos
ódios do príncipe pela sua integridade e talentos, porque havia trabalhado em abrir
o porto de Éfeso e tinha deixado sem castigo a cidade de Pérgamo na oposição que
fizera a Acrato, liberto do César, quando ele lhe queria violentamente roubar as
suas estátuas e pinturas. Mas o crime principal que lhe atribuía era a sua amizade
com Plauto e o ter governado com muita moderação a província, só com as vistas
ambiciosas de a pôr do seu partido. Para a condenação se escolheu o tempo em que
Tiridates devia chegar a Roma para receber a coroa da Arménia, ou porque Nero
esperasse então, com as novidades estrangeiras, distrair o público das crueldades
domésticas, ou antes porque quisesse, à imitação do despotismo dos reis, ostentar o
seu poder imperial, fazendo morrer estes homens ilustres.
24. Na mesma ocasião, pois, em que toda a cidade corria alvoroçada a espe-
rar o seu príncipe e para ver chegar o monarca estrangeiro, teve ordem Trásea
para não aparecer. Mas nem por isso o desanimou com esta proibição, e escre-
veu logo a Nero perguntando-lhe quais eram os seus crimes e prometendo
completamente justificar-se, se lhe dessem as culpas e lhe concedessem tempo e
liberdade para defender-se. Nero com muito alvoroço leu a sua carta, esperando
que Trásea, aterrado, lhe diria coisas com que aviltasse a sua reputação, exaltan-
do as virtudes dele, príncipe. Mas, como não achasse o que esperava e tivesse
LIVRO XVI 423

receios de encarar o semblante, a constância e a nobre intrepidez de um inocen-


te, fez convocar imediatamente o senado.
25. Então, deliberou Trásea com os seus íntimos amigos qual seria melhor:
se o ir defender-se ou calar-se. Foram diferentes as opiniões e os conselhos52.
Os que lhe aconselhavam que se apresentasse dentro do senado diziam que
estavam bem seguros de toda a sua constância e que, por certo, não diria coisa
alguma que não fosse para mais realçar a sua glória. Que só os fracos e tímidos
não ousavam mostrar-se na sua última hora e, assim, convinha dar ao povo
romano o espectáculo de um homem encarando briosamente a morte e fazer
ouvir ao senado a sua voz sobrenatural e, de alguma sorte, divina porque talvez
à vista desta prodigiosa maravilha o mesmo Nero se chegasse a comover. Se,
apesar disto, o príncipe persistisse na sua cruel obstinação, ao menos a
posteridade saberia fazer-lhe justiça, notando a diferença que há entre um
homem que morre nobremente e tantos cobardes que se deixam assassinar em
silêncio.
26. Os que eram, porém, de opinião que não saísse de casa, ainda que dele
fizessem o mesmo conceito, respondiam que se ia expor a mil ludíbrios e insul-
tos e, em tais circunstâncias, era mais prudente evitar as injúrias e as afrontas.
Não só ele tinha contra si um Cossuciano e um Éprio, homens capazes dos mais
violentos atentados, mas quem sabe se apareciam ainda outros que até ousassem
levantar e dirigir as mãos contra ele? Até os mesmos homens bons, levados do
terror, se veriam neste caso forçados a seguir o impulso geral. Que poupasse,
portanto, ao senado, a quem tinha dado tanta honra, esta ocasião de macular-se
com a infâmia de tamanho delito, e deixasse duvidoso o que fariam os padres se
um Trásea comparecesse como réu diante deles. Bem pouco conhecimento tinha
de Nero quem ainda contava com o seu pudor ou seus remorsos; antes era muito
mais para temer que se exasperasse a sua raiva e a empregasse depois toda sobre
sua mulher e seus filhos e em todos os mais objectos da sua maior predilecção53.
E pois que sempre se tinha conservado irrepreensível e puro, seguindo constan-
temente a doutrina e os exemplos dos homens virtuosos, tivesse também a
glória de morrer como eles. Achava-se presente a esta deliberação Aruleno
Rústico, mancebo animoso, o qual, ardendo em desejos de glória, se ofereceu,
como tribuno do povo, para se opor ao senátus-consulto. Mas Trásea, coibindo-
-lhe esta sua resolução não só como inútil, porém até como perigosa para ele,
Aruleno, fez-lhe a seguinte observação: que os seus dias estavam acabados54 e,

52 Tradução de consilia («opiniões», «conselhos»).


53 Tradução de multoque magis timendum ne in coniugem, in filiam, in cetera pignora eius
saeuiret («devia temer-se muito mais que maltratasse a mulher, a filha e restantes pessoas
queridas dele»).
54 Tradução de sibi actam aetatem («a sua vida estava vivida»).
424 ANAIS

no fim deles, não queria desviar-se da prática constante que seguira em tantos
anos de vida; mas que ele, ainda mancebo e apenas entrado nas magistraturas,
tinha diante de si aberta uma longa carreira para fazer. Era, pois, do seu dever e
da sua utilidade considerar maduramente consigo que sistema lhe convinha
seguir, começando a exercer as funções públicas no governo de um tal príncipe.
Quanto ao que seria mais acertado de ir ou não ao senado, não tomou ele no
entanto resolução alguma, querendo meditar só consigo no que melhor lhe
conviria fazer55.
27. Na madrugada do dia seguinte, duas coortes pretorianas, completamente
armadas, ocuparam o templo de Vénus Genetrix e um grande troço de soldados,
vestidos de togas, se postou às portas do senado, deixando muito bem ver as
suas espadas por baixo das roupas. Pelas praças e basílicas se distribuíram
também diversas patrulhas e, por entre todo este aparato militar e todos os seus
ameaços, entraram os senadores na cúria. O discurso do príncipe foi lido pelo
seu questor, no qual, sem nomear expressamente alguém, arguia os padres de
não cumprirem com as suas obrigações públicas e de autorizarem com o seu
exemplo os cavaleiros romanos para fazerem o mesmo. E concluía: que admira-
ção podia haver de que não comparecessem os que estavam nas províncias
distantes quando muitos, depois de haverem alcançado os consulados e os
sacerdócios, não faziam mais do que passar todo o tempo em ornar os seus
jardins? Desta última passagem se serviram, pois, os acusadores como de arma
principal.
28. Cossuciano levantou-se logo para falar, mas foi imediatamente inter-
rompido pelo furioso Marcelo, que, com todas as suas forças, entrou a clamar
que do negócio presente dependiam os maiores interesses da república, pois
que, pela contumácia dos inferiores, se forçava o imperador a perder uma gran-
de parte da sua clemência. Em verdade, muito indulgentes tinham até ali sido os
padres, consentindo que impunemente fossem violadas as leis por um Trásea,
que fazia um cisma no império; por um Helvídio Prisco, seu genro, que partici-
pava de todos os furores do sogro; por um Pacónio Agripino, herdeiro de todos
os ódios de seu pai contra os príncipes; e por um Cúrcio Montano, autor de
poesias abomináveis. Quanto a ele, pela sua parte, já requeria que Trásea viesse
assistir ao senado como consular, às preces como sacerdote, ao juramento como
cidadão, a não ser que, desprezando todas as instituições e cerimónias antigas,
ele mesmo se tenha já declarado por traidor e inimigo público do estado. Pois
que ele estava acostumado a figurar como senador e a proteger sempre os inimi-
gos do príncipe, aparecesse enfim e viesse censurar e corrigir os abusos56; que,

55 Tradução de ceterum ipse an uenire in senatum deceret meditationi suae reliquit («de
resto, ele próprio deixou à sua meditação se seria conveniente ir ao senado»).
56 Tradução de quid corrigi aut mutari uellet («o que desejava que fosse corrigido ou mudado»).
LIVRO XVI 425

assim mesmo, era melhor ouvi-lo dizer mal de tudo miudamente do que sofrer
esse seu silêncio de uma geral reprovação. Viveria ele talvez desgostoso por ver
em paz o universo ou tantas vitórias alcançadas sem nenhuma perda dos nossos
exércitos? É preciso, portanto, que, por uma vez, deixemos de nutrir a perversa
ambição de um homem que se entristece com as públicas fortunas, que deseja
ver desertos o Fórum, os teatros e os templos, e que nos ameaça sempre com
deixar-nos. E pois que para ele já de nada valiam os decretos do senado, os
magistrados e até a mesma Roma, saísse por uma vez muito embora de uma
cidade a quem, depois de muito tempo, havia excluído do seu coração assim
como agora excluía dos seus olhos57.
29. Enquanto Marcelo, naturalmente feroz e ameaçador, repetia estas e ou-
tras coisas semelhantes, vomitando fogo pela boca, pelo rosto e pelos olhos, o
senado não mostrava aquela sua habitual e bem conhecida tristeza, efeito de tão
continuadas desgraças, mas tinha caído em uma nova, profunda e muito singular
consternação, encarando nos soldados e nas armas de que se via rodeado.
Figurava-se-lhe, ao mesmo tempo, o venerável aspecto de Trásea, enquanto
muitos igualmente se condoíam da fatalidade de Helvídio, a quem não se
imputava outro crime senão o pertencer à família de um justo58! E também de
que se podia ainda arguir Agripino senão das infelicidades de seu pai, vítima
igualmente inocente da crueldade de Tibério? E Montano? um mancebo virtuo-
so, que nunca ofendera ninguém nos seus versos, e que agora era ameaçado com
desterro só por ser um moço de talentos!
30. Seguiu-se Ostório Sabino a fazer a acusação de Sorano. Começou o seu
discurso pela amizade do réu com Rubélio Plauto e pelo seu proconsulado da
Ásia, no qual (segundo ele dizia) tinha querido Sorano ganhar reputação à custa
dos interesses do império, fomentando as sedições populares. Mas tudo isto era
matéria velha, e por isso passou logo para outra nova e muito mais importante.
Implicou a filha nos crimes do pai por ter consultado os magos e ter-lhes dado
dinheiro. Com efeito, Servília, filha de Sorano59, pelo seu muito amor filial e, ao
mesmo tempo, por uma imprudência própria dos seus anos, os havia realmente
consultado, porém só com intentos de saber os destinos da sua família, se Nero
se deixaria enternecer e se a sentença dos padres, que deviam conhecer do
processo, teria ou não alguma coisa de funesto. Foi, pois, mandada chamar ao
senado e então, diante do tribunal dos cônsules, se viram em pé para responder
o pai, encanecido e decrépito, e sua filha muito nova e que apenas contava vinte

57 Tradução de abrumperet uitam ab ea ciuitate cuius caritatem olim, nunc et aspectum


exuisset («interrompesse a vida daquela cidade cujo olhar, como outrora o amor, tinha
abandonado»).
58 Tradução de innoxiae adfinitatis («inocente parentesco»).
59 Tradução de id enim nomen puellae fuit («foi este, com efeito, o nome da menina»).
426 ANAIS

anos60. Mas, assim mesmo, em tão pouca idade61, já era infeliz porque vivia
condenada a viuvez pelo desterro que seu marido, Ânio Polião, acabava de
sofrer; e nem sequer agora ousava pôr os olhos no pai, parecendo-lhe ter agrava-
do os seus perigos.
31. Passando, então, o acusador a perguntar-lhe se era verdade ter ela vendido
os seus presentes de casamento e o seu colar do pescoço para empregar este
dinheiro em mistérios e operações mágicas, não fez ela mais do que deitar-se por
terra e entrar por muito tempo a chorar sem proferir uma única palavra62. Mas,
enfim, abraçando-se com o altar e com a ara63, respondeu: «Não, eu não invoquei
divindades funestas nem praguejei ou amaldiçoei a ninguém: nas minhas preces
infelizes tão-somente eu pedia que tu, ó César, e vós, senadores, tivésseis piedade
do melhor de todos os pais. Dei, sim, todas as minhas jóias, os meus vestidos e
outros enfeites, próprios das pessoas da minha qualidade, e até daria o meu
sangue e a minha vida, se o sangue e a vida me tivessem pedido aqueles a quem
consultei64. Só eles, pois, são responsáveis do que fazem e eu, até agora, nem os
conhecia nem sei mesmo quem sejam, nem que artes exercitam: o que sei e o que
posso asseverar tão-somente é que não falei do príncipe senão com o respeito com
que se fala dos deuses. Mas, se assim mesmo ainda sou criminosa, só eu fui quem
cometeu este delito: e meu pai desgraçado não foi dele sabedor.»
32. Sorano, sem deixar que a filha acabasse, exclamou que ela o não tinha
acompanhado na província; que, pelos seus poucos anos, não podia ter conheci-
do Plauto; não estava envolvida nos crimes do marido e que, se alguns havia
cometido, era por puro excesso de amizade65 filial. Pedia, pois, a justiça que a
não implicassem nos destinos paternos; o que, se assim acontecesse, quaisquer
que eles fossem, lhe pareceriam sempre muito suaves66. Dizendo isto, já corriam
a precipitar-se nos braços um do outro, quando os lictores se meteram de per-
meio e lhes impediram esta consolação inocente67. Passou-se depois ao depoi-
mento das testemunhas; e tamanha havia sido a piedade que tinha inspirado a
violência da acusação quanta depois foi a indignação que todos sentiram com o

60 Tradução de intra uicesimum aetatis annum («abaixo do vigésimo ano de idade»).


61 Informação acrescentada pelo tradutor.
62 Tradução de longoque fletu et silentio («e em longo choro e em silêncio»)
63
De Vénus Genetrix em cujo templo estava o senado, como se disse antes.
64 Tradução de quo modo si sanguinem et uitam poposcissent («de igual modo [teria dado]
se me tivessem pedido sangue a vida»).
65 Tradução de pietatis («piedade», «respeito»).
66 Tradução de nimiae tantum pietatis ream separarent, atque ipse quamcumque sortem
subiret («apenas por um excesso de respeito reconheciam a ré, e ele submeter-se-ia a
qualquer sorte»).
67 Tradução de utrisque obstitissent («impediram-lhes a passagem»).
LIVRO XVI 427

depoimento de Públio Egnácio. Este monstro, cliente de Sorano68, e que agora


tão torpemente69 se tinha vendido para deitar a perder o seu amigo, afectava
toda a gravidade da seita estóica e punha todo o seu estudo em mostrar no
semblante e mais exterioridades a imagem da virtude, ao mesmo tempo que
dentro em seu coração não havia senão perfídia, velhacaria, avareza e
obscenidade70. Desta sorte desmascarando-se, afinal, à força de dinheiro, deu-
-nos uma lição prática, bem capaz de nos acautelar e instruir, de que não só
existem homens eminentemente celerados, porém hipócritas com a capa de
santos, e traidores com a cara de amigos71.
33. Contudo, neste mesmo dia, também tivemos um raro exemplo de virtude,
que nos deu Cássio Asclepiódoto, o qual, sendo um dos homens mais ricos da
Bitínia e o amigo de Sorano na sua prosperidade, não o desamparou na desgra-
ça, perdeu todos os seus bens e se deixou ir desterrado. Tal é a providência dos
deuses, que, a par dos maus exemplos, também nunca deixa de fazer brilhar
alguns bons! A Trásea, a Sorano e Servília se concedeu faculdade para escolhe-
rem a morte que quisessem. Helvídio e Pacónio foram banidos da Itália e, em
atenção a seu pai, ficou livre Montano, com a cláusula, porém, de não poder
entrar nos empregos da república. Os acusadores Éprio e Cossuciano tiveram
por prémio cada um cinco milhões de sestércios, e Ostório um milhão e duzen-
tos mil sestércios com as insígnias de questor.
34. Nesta ocasião, achava-se Trásea nos seus jardins e, ao anoitecer, se lhe
enviou um dos questores do cônsul, quando havia em sua casa uma numerosa
companhia de homens e mulheres da mais alta distinção. Ele, porém, se entreti-
nha em particular com o filósofo cínico Demétrio e, ao que se pôde conjecturar
pela expressão da sua fisionomia e por algumas palavras pronunciadas em tom
mais elevado, estava-lhe fazendo algumas questões sobre a natureza da alma e
sobre a sua separação e saída do corpo. A este tempo, chegou Domício Cecilia-
no, seu amigo particular, que lhe comunicou a notícia do decreto do senado. A
consternação, os queixumes e as lágrimas foram gerais em todos os assistentes,
mas Trásea lhes rogou que se retirassem prontamente e não se quisessem expor
a mais perigos, tomando parte nos últimos momentos de um condenado. A sua
mulher, Árria, que logo mostrou desejos de morrer com o marido e imitar o

68 Tradução de cliens hic Sorani («este cliente de Sorano»).


69 Expressão acrescentada pelo tradutor.
70 Tradução de animo perfidiosus, subdolus, auaritiam ac libidinem occultans («de ânimo
pérfido, astuto, ocultando sofreguidão e capricho»).
71 Tradução de dedit exemplum praecauendi, quo modo fraudibus inuolutos aut flagitiis
commaculatos, sic specie bonarum artium falsos et amicitiae fallaces («deu um exemplo
de cautela, não apenas dos cobertos de enganos ou manchados de crimes, mas também
dos falsos com aparência de boas qualidades e traidores da amizade»).
428 ANAIS

exemplo de sua mãe, que tivera o mesmo nome72, pediu igualmente que conti-
nuasse a viver e não deixasse desamparada sua única filha, que já no mundo não
tinha mais ninguém.
35. Feito isto se dirigiu ao pórtico da casa, aonde encontrou o questor, mos-
trando um certo ar de alegria por já saber que seu genro Helvídio era simples-
mente banido da Itália. Recebeu o senátus-consulto e imediatamente passou
com Helvídio e Demétrio para o seu quarto. Então, apresentando ambos os
braços para se lhe abrirem as veias, assim que o sangue começou a correr
espargiu uma porção dele pelo chão e, chamando para perto de si o questor,
disse-lhe: «Ofereçamos esta libação a Júpiter Libertador. Sim, olha, mancebo,
bem atentamente para isto: e oxalá que os deuses te desviem o presságio! Mas
tu nasceste em tempos tão calamitosos, que te é bem preciso corroborar a alma
com exemplos de constância.» Como se lhe prolongasse, porém, a agonia com
dores muito agudas, voltando-se então para Demétrio…73

72 Tradução de exemplum Arriae matris sequi monet («exorta a [não] seguir o exemplo da
mãe, Árria»).
73 O texto termina de forma abrupta.
ÍNDICE DE NOMES PRÓPRIOS E NOTAS

Todas as datas são d. C., excepto quando se indica o contrário.

Abdageses: 6.36, 37, 43, 44


Abdo: 6.31, 32
Abúdio Rusão: 6.30
Acaia Província romana a partir de 27 a. C., mas já sob domínio romano desde o
século II a. C.; integrava o Peloponeso e parte do Norte da Grécia: 1.76, 80;
2.53; 3.7, 13; 4.43, 5.10; 6.18; 14.21; 15.33, 36, 45
Ácbaro: 12.12, 14
Áccio Promontório na costa oeste da Grécia, junto do qual o exército de Octaviano,
liderado por Agripa, derrotou o de Marco António e Cleópatra, em 31 a. C.; em
memória da batalha de Áccio, Augusto fundou perto deste promontório Nicó-
polis (v.), onde instituiu jogos que se celebravam todos os cinco anos: 1.3, 42;
2.53; 3.55; 4.5; 15.23
Acerrónia: 14.5
Acerrónio Próculo, Gneu Cônsul em 37: 6.45
Acília: 15.56, 71
Acílio Avíola Provavelmente confundido com Gaio Calpúrnio Avíola, cônsul sufecto
em 24: 3.41
Acílio Avíola, Mânio Cônsul em 54, provavelmente o filho do anterior: 12.64
Acílio Estrabão, Lúcio: 14.18
Acrato: 15.45; 16.23
Acte: 13.12, 46; 14.2
Actumero: 11.16, 17
Acúcia: 6.47
Adgandéstrio: 2.88
Adiabene / Adiabenos Região e povo do Oeste do rio Tigre (no act. Iraque): 12.13;
15.1, 2, 4, 14
Ádrana Rio Eder, afluente do Fulda (act. Alemanha): 1.56
Adriático Braço do mar Mediterrâneo entre as penínsulas Itálica e Balcânica: 2.53;
15.34
Adrumeto Colónia fenícia (act. Sousse, na Tunísia): 11.21
Aenobarbo v. Domício Aenobarbo
Aéria: 3.62
Afínio, Lúcio Cônsul de 62: 14.48
Afrânio Quinciano: 15.49, 56, 57, 69, 70
Afrânio, Lúcio: 4.34
430 ANAIS

África Província de que faziam parte as actuais Tunísia e Líbia do Norte: 1.53;
2.52; 3.21, 32, 35, 58, 72; 4.13, 23; 11.21; 13.52
Africano v. Cornélio Africano; Júlio Africano; Sêxtio Africano
Africano Mar a Norte da Tunísia: 1.53
Afrodisienses Povo que vivia em Afrodisíade, cidade entre a Frígia e a Cária, na
Ásia Menor (act. Turquia): 3.62
Agermo, Lúcio: 14.6, 7, 8, 10
Agripa v. Asínio Agripa; Fonteio Agripa; Hatério Agripa; Júlio Agripa; Vibúlio
Agripa
Agripa, Marco v. Vipsânio
Agripa (lago de) Provavelmente, o reservatório de água que servia os banhos de
Agripa, junto ao Panteão: 15.37
Agripa Póstumo: 1.3, 4, 5, 6, 53; 2.39, 40; 3.19, 30
Agripina Maior Neta de Augusto: 1.33, 40, 41, 42, 44, 69; 2.43, 54, 72, 75, 79;
3.1; 4.12, 17, 39, 40, 52, 53, 54, 67; 5.3, 4, 5; 6.25; 14.63
Agripina Menor: 4.53, 75; 11.12; 12.1, 2, 3, 5, 6, 7, 8, 9, 25, 26, 27, 37, 41, 42, 56,
57, 59, 64, 65, 66, 68; 13.1, 2, 5, 12, 13, 14, 16, 18, 19, 21; 14.1, 2, 4, 6, 8, 9, 11, 12
Agripino v. Pacónio Agripino
Alba Longa Antiga povoação no Sudeste de Roma (perto do act. Castel Gandolfo):
4.9; 11.24; 15.53
Albanos / Albânia Povo que vivia na Albânia, a Oeste do mar Cáspio (act. Geór-
gia): 2.68; 4.5, 6, 33, 34, 35; 12.45; 13.41
Álbis Rio Elba (nasce na act. República Checa, atravessa a Alemanha e desagua no
mar do Norte): 1.59; 2.14, 19, 22, 41; 4.44
Albucila: 6.47, 48
Alédio Severo: 12.7
Alésia Povoação perto de Alise-Sainte-Reine, a Noroeste de Dijon (act. França),
sitiada em 53-52 a. C. por Júlio César: 11.23
Alexandre v. Tibério Alexandre
Alexandre Magno: 2.55, 73; 3.63; 6.41; 12.13
Alexandria Cidade egípcia, na costa mediterrânea, fundada por Alexandre Magno:
2.59, 67
Aliária: 1.53
Alisão Praça-forte junto ao rio Lippe, no Oeste da act. Alemanha: 2.7
Alpes Cordilheira a Norte de Itália: 11.24
Alpes Marítimos Província criada por Augusto em 14 a. C. a Norte da act. Nice,
em França: 15.32
Altino v. Júlio Altino
Amano Cordilheira na Ásia Menor (act. Síria): 2.83
Amásis Faraó do Egipto entre c. 570 e 526 a. C.: 6.28
Amato: 3.62
Amazonas: 3.61; 4.56
Amiclas Porto no mar Tirreno: 4.59
Amísia Rio Ems: 1.60, 63; 2.8, 23
ÍNDICE E NOTAS 431

Amorgos Ilha grega do mar Egeu, uma das Cíclades: 4.13, 30


Ampsivários Tribo germânica que vivia entre os rios Ems e Weser: 13.55, 56
Ancário Prisco: 3.38, 70
Âncio Cidade do Lácio, situada na costa oeste de Itália, a Sul de Roma (act. Anzio):
3.71; 14.3, 4, 27; 15.23, 39
Âncio, Gaio: 2.6
Anco Márcio: 3.26
Ancona Cidade portuária do mar Adriático: 3.9
Andecavos Povo gaulês que vivia na act. região de Anjou, no Noroeste de França:
3.41
Anemúrio Cidade na costa sul da Turquia: 12.55
Aneu v. Lucano Aneu; Estácio Aneu
Aneu Mela: 16.17
Aneu Séneca, Lúcio Nascido em Córduba, esteve exilado entre 41 e 49 na Córsega
com o pretexto de adultério com Júlia, filha de Germânico: 12.8; 13.2, 5, 6, 11,
13, 14, 20, 21, 22, 23; 14.2, 7, 11, 14, 52, 53, 56, 57, 65; 15.23, 45, 56, 60, 61,
62, 63, 64, 65, 67, 71, 73; 16.17
Aneu Sereno: 13.13
Angrivários Tribo germânica que vivia junto do rio Weser (act. Alemanha): 2.8,
19, 22, 24, 41
Ânia Rufila: 3.36
Aniceto: 14.3, 7, 8, 62
Anício Cerial Cônsul sufecto em 65: 15.74; 16.17
Ânio Polião: 15.56, 71; 16.30
Ânio Polião, Gaio Cônsul sufecto em 21 ou 22: 6.9
Ânio Viniciano Cônsul sufecto em 66: 15.28
Ânio Viniciano, Lúcio: 6.9
Anteio: 2.6
Anteio Rufo, Públio: 13.22; 16.14
Antemúsia Cidade da antiga Mesopotâmia: 6.41
Antenor Companheiro de Eneias na guerra de Tróia, é considerado o fundador
mítico de Patávio (act. Pádua): 16.21
Antígono Rei da Macedónia entre 229 e 221 a. C.: 4.43
Antíoco (III) Rei da Síria, comandou a resistência helénica ao poder de Roma,
tendo sido, todavia, derrotado na Batalha de Magnésia (190 a. C.): 2.42
Antíoco (IV): 12.55; 13.7, 37; 14.26
Antíoco (Magno): 2.63; 3.62; 12.62
Antioquia Capital da província da Síria, a Sul da act. Turquia: 2.69, 73, 83
Antístia Polita: 14.22, 16.10
Antístio Labeão, Marco Jurisconsulto nascido em 50 a. C., filho de um dos assas-
sinos de Júlio César: 3.75
Antístio Sosiano: 13.28; 14.48, 49; 16.14, 21
Antístio Vétere: 3.38
Antístio Vétere, Gaio Cônsul em 23: 4.1, 4.8
432 ANAIS

Antístio Vétere, Gaio Cônsul sufecto em 46 e cônsul em 50: 12.25


Antístio Vétere, Lúcio Cônsul em 55: 13.11, 53; 14.58; 16.10, 11, 12, 22
Antónia Mulher de Druso, era mãe de Germânico, de Druso e de Cláudio, irmã
mais nova da seguinte: 3.3, 18; 11.3; 13.18
Antónia Mulher de Lúcio Domício Aenobarbo, era mãe de Domícia Lépida e de
Domício, pai de Nero; é confundida por Tácito com a irmã mais nova: 4.44,
12.64
Antónia Filha de Cláudio com Élia Petina: 12.2, 68; 13.23; 15.53
Antónia Trifena Mulher de Cótis (não nomeada): 2.67
Antonino v. Hatério Antonino
António, Julo Forçado ao suicídio em 2 a. C. por adultério com Júlia: 1.10; 3.18:
4.44
António, Lúcio: 4.44
António, Marco: 12.62
António, Marco Derrotado na batalha de Áccio (v.), suicida-se em 30 a. C.: 1.1, 2,
9, 10; 2.2, 3, 43, 53, 55; 3.18; 4.34, 43; 11.7
António Félix: 12.54
António Natal: 15.50, 54, 55, 56, 71
António Primo, Marco: 14.40
Aorsos Povo sármata que vivia junto do mar de Azov (act. Rússia): 12.15, 16, 19
Apamenses Habitantes de Apameia, cidade da Frígia, junto ao rio Meandro, no
Oeste da Turquia: 12.58
Apicata: 4.3, 11
Apício, M. Gávio: 4.1
Apídio Mérula: 4.42
Ápio Apiano: 2.48
Ápio Silano v. Júnio Silano
Ápion, Ptolemeu Último rei de Cirene, morto em 96 a. C.: 14.18
Apolo Deus dos oráculos: 2.54; 3.61, 63; 4.55; 12.22, 63; 14.14
Apolónis Cidade no Oeste da act. Turquia: 2.47
Apónio, Lúcio: 1.29
Aprónia: 4.22
Aprónio, Lúcio Cônsul sufecto em 8, pai do cônsul de 39: 1.56, 72; 2.32; 3.21, 64;
4.13, 22, 73; 6.30; 11.19
Aprónio Cesiano Cônsul em 39: 3.21
Apuleia Varila Filha de Sexto Apuleio: 2.50
Apuleio, Sexto: 1.7
Apuleio Saturnino, Lúcio Tribuno da plebe em 103 a. C.: 3.27
Apúlia Região no Sul de Itália: 3.2; 4.71; 16.9
Aquémenes Fundador da dinastia imperial persa: 12.18
Áquila v. Júlio Áquila
Aquília: 4.42
Aquitânia v. Gália
ÍNDICE E NOTAS 433

Arábia / Árabes Península entre o mar Vermelho e o golfo Pérsico habitada pelos
Árabes (v. Ácbaro): 6.28, 44, 12.12, 14
Arar Rio Saône, na zona este de França: 13.53
Ararico v. Vulcácio Ararico
Araxes Rio Erasch (atravessa a Ásia Menor, act. Irão, Arménia, Azerbaijão e
desagua no mar Cáspio): 12.51; 13.39
Arcádia / Árcades Região montanhosa do Peloponeso, na Grécia, habitada pelos
Árcades: 11.14; 12.53; 15.41
Arduena Região florestal (act. Ardennes) que ocupava o território desde o Reno ao
rio Sambre, no Oeste da Bélgica e Nordeste de França: 3.42
Argivos v. Gregos
Argólico: 6.18
Ariobarzanes: 2.4
Ários Habitantes da Ária, região entre o Noroeste do act. Afeganistão e o Este do
Irão: 11.10
Aristobulo Último rei conhecido da Arménia Menor, antes de se tornar uma pro-
víncia romana (com Vespasiano): 13.7; 14.26
Aristonico Pretendente ao trono de Pérgamo, moveu guerra contra Roma entre 131
e 129 a. C.: 4.55; 12.62
Arménia / Arménios Região habitada pelos Arménios e disputada pelos Partos que
tinha sido dividida pelos Romanos (no fim da década de 60 a. C.) em Arménia
Maior (a Este do rio Eufrates) e Arménia Menor (Nordeste da act. Turquia, a
Oeste do mesmo rio): 1.3; 2.3, 4, 43, 55, 56, 57, 60, 64, 68; 3.48; 6.31, 32, 33,
36, 40, 44; 11.8, 9, 10; 12.12, 44, 45, 46, 48, 49, 50; 13.5, 6, 7, 8, 34, 37, 39;
14.24, 26, 29; 15.1, 2, 3, 5, 6, 7, 9, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 24, 25, 26, 27; 16.23
Armínio: 1.55, 57, 58, 59, 60, 61, 63, 65, 68; 2.9, 10, 12, 13, 15, 17, 21, 44, 45, 46,
88; 11.16, 17; 13.55
Arno Rio na Toscana, na Itália: 1.79
Arpo: 2.7
Arquelau Rei da Capadócia desde 36 a. C.: 2.42; 6.41; 14.26
Árria Mulher de Trásea Peto: 16.34
Árria Mãe da anterior, mulher de Cecina Peto, com quem se suicidiu (v. Plínio-o-
-Moço, Epístolas 3.16): 16.34
Árrio Varo: 13.9
Arrúncio Estela: 13.22
Arrúncio v. Camilo Escriboniano, Lúcio Arrúncio
Arrúncio, Lúcio Cônsul em 6: 1.8, 13, 76, 79; 3.11, 31; 6.5, 7, 27, 47, 48; 11.6, 7
Ársaces (II): 6.31, 33
Arsácidas Realeza dos Partos: 2.1, 2, 3; 6.31, 34, 42, 43; 11.10; 12.10, 14; 13.9, 37;
14.26; 15.1, 14, 29
Arsamósata Cidade fortificada da Arménia, junto ao rio Eufrates: 15.10
Arsânias Rio no Nordeste da act. Turquia, afluente do Eufrates: 15.15
Artabano (III) Rei da Pártia de 10/11 a 38: 2.3, 4, 58; 6.31, 32, 33, 36, 37, 41, 42,
43, 44
434 ANAIS

Artabano: 11.8
Artavasdes (II) Filho de Tigranes I, reinou na Arménia a partir de c. 54 a. C.;
enganado por Marco António em 34 a. C., foi morto em 30 por ordem de
Cleópatra: 2.3
Artavasdes: 2.4
Artáxata Capital da Arménia (act. Artaschat), junto do rio Araxes: 2.56; 6.33;
12.50, 51; 13.39, 41; 14.23
Artáxias: 2.3, 56, 64; 6.31
Artemita Cidade parta da Assíria, localizada no act. Iraque: 6.41
Artória Flacila: 15.71
Aruleno v. Júnio Rústico Aruleno, Quinto
Aruseio, Lúcio: 6.7, 40
Asclepiódoto v. Cássio Asclepiódoto
Ascónio Labeão: 13.10
Ásia Província romana (sob domínio de Roma desde o século II a. C.) constituída
por grande parte do território da act. Turquia: 2.47, 54; 3.7, 32, 58, 66, 67, 68,
71; 4.13, 14, 15, 36, 37, 55, 56; 5.10; 12.63; 13.1, 33, 43; 14.21, 22, 27, 57, 58;
15.45; 16.10, 13, 23, 30
Asiático v. Valério Asiático
Asínio Agripa, Marco: 4.34, 61
Asínio Galo, Gaio Cônsul em 8 a. C., governador da Ásia, filho do patrono das artes
Asínio Polião: 1.8, 12, 13, 76, 77; 2.32, 33, 35, 36; 3.11; 4.20, 30, 71; 6.23, 25
Asínio Marcelo, Marco: 12.64; 14.4
Asínio Polião, Gaio Cônsul em 23: 4.1, 8
Asínio Polião, Gaio: 1.12; 3.75; 4.34; 11.6, 7; 14.40
Asínio Salonino Filho de Asínio Galo e de Vipsânia: 3.75
Asprenate v. Nónio Asprenate, Lúcio
Aspro v. Sulpício Aspro
Assíria Território a Norte do act. Iraque: 12.13
Ateio Capitão, Gaio Cônsul sufecto em 5, foi jurisconsulto: 1.76, 79; 3.70, 75
Ateio, Marco: 2.47
Atenas / Atenienses: 2.53, 55, 63; 3.26; 11.14, 24; 15.64
Átia: 3.68
Ática Região da Grécia onde se localiza Atenas: 5.10
Ático v. Cúrcio Ático; Pompónio Ático, Tito
Atídio Gémino: 4.43
Atílio: 4.62, 63
Atílio Calatino, Aulo Cônsul em 258 e em 254 a. C.; ditador em 249 a. C.: 2.49
Atimeto: 13.19, 21, 22
Átio: 6.24
Átis: 4.55
Ato Clauso Sabino fundador da gens Claudia: 4.9; 11.24; 12.25
Aufidieno Rufo: 1.20
Augurino v. Júlio Augurino
ÍNDICE E NOTAS 435

Augusta v. Júlia Augusta; Agripina


Augusta Filha de Popeia e de Nero: 15.23.
Augustais (sodales augustales) Corpo de sacerdotes criado em 14, depois da morte
de Augusto: 1.54; 2.83; 3.64
Augustais (festas) Realizadas no dia 12 de Outubro: 1.15, 54
Augustanos: 14.15
Augusto Imperador entre 31 a. C. e 14 d. C.; cônsul entre 31 e 23 a. C., assumiu
depois a função de tribuno da plebe; em 43 a. C. fora pretor; morreu no dia 19
de Agosto de 14: 1.1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 19, 26, 31,
33, 34, 35, 40, 41, 42, 46, 50, 53, 54, 58, 59, 72, 73, 74, 76, 77, 78; 2.1, 2, 4, 22,
26, 27, 37, 38, 41, 42, 43, 49, 50, 53, 55, 64, 71; 3.4, 6, 16, 18, 23, 24, 25, 28,
29, 34, 48, 54, 56, 62, 63, 64, 66, 68, 71, 72, 74, 75; 4.1, 3, 5, 8, 15, 16, 20, 34,
36, 37, 38, 39, 40, 42, 44, 45, 52, 55, 57, 67, 71, 75; 5.1; 6.3, 11, 12, 13, 45, 46,
51; 11.7, 11, 25; 12.11, 23, 25, 56, 60, 64, 69; 13.1, 3, 6, 19, 29, 34; 14.15, 53,
55; 15.35; 16.22
Augustoduno Cidade a Sudoeste de Dijon, em França (act. Autun): 3.43, 45, 46
Aurélio Cota, Marco: 13.34
Aurélio Cota Messalino, Marco Cônsul em 20, filho de Messala Corvino: 2.32;
3.2, 17; 4.20; 5.3; 6.5, 7; 12.22
Aurélio Pio: 1.75
Auzeia Cidade na act. Argélia: 4.25
Aventino (monte): 6.45
Averno Lago junto de Cumas, no Sul de Itália: 15.42
Avíola v. Acílio Avíola
Avito v. Dúbio Avito
Bactriana Território quase equivalente ao act. Afeganistão: 2.60; 11.8
Baduena Talvez uma deusa germânica que dá nome a um bosque: 4.73
Baias Cidade da baía de Nápoles, em Itália: 11.1; 13.21; 14.4; 15.52
Balbilo v. Cláudio Balbilo, Tibério
Balbo v. Cornélio Balbo, Lúcio; Domício Balbo; Lélio Balbo
Baleares Ilhas da Hispânia Tarraconense, no Mediterrâneo: 13.43
Bárea Sorano v. Márcio Bárea Sorano, Quinto
Bário Cidade portuária no Sudeste de Itália, no mar Adriático (act. Bari): 16.9
Basso v. Cesélio Basso
Bastarnas Povo de origem provavelmente germano-celta que vivia a Norte do mar
Negro, junto ao delta do Danúbio: 2.65
Batavos Povo germânico que vivia entre os rios Reno e Waal (Vácalo, nos act.
Países Baixos): 2.6, 8, 11
Batilo Pantomimeiro liberto de Mecenas: 1.54
Baulos Act. Bacoli, junto ao cabo Miseno: 14.4
Belgas Povo da Gália Bélgica, que vivia a Norte dos rios Sena e Marne: 1.34, 43;
3.40, 13.53
Benevento Cidade da Campânia, a Norte de Nápoles, na Itália: 15.34
Bética v. Hispânia
436 ANAIS

Bibáculo v. Fúrio Bibáculo


Bíbulo v. Calpúrnio Bíbulo
Bitínia Região da Ásia Menor, junto ao mar Negro (act. Turquia), foi incorporada
em 63 a. C. na província da Bitínia e Ponto: 1.74; 2.60; 12.22; 14.46; 16.18, 33
Bitínia (mar da) Mar Negro (v. Ponto Euxino): 2.60
Bizâncio Constantinopla (act. Istambul, na Turquia): 2.54; 12.62, 63
Blando v. Rubélio Blando
Bleso v. Júnio Bleso; Júnio Bleso; Pédio Bleso
Blício Catulino: 15.71
Boiocalo: 13.55, 56
Bolano v. Vétio Bolano, Marco
Bonónia Colónia italiana (act. Bolonha) fundada em 189 a. C.: 12.58
Bósforo Estreito que liga o mar Negro ao mar de Mármara (act. Turquia): 12.63
Bósforo Território entre o mar Negro e o mar de Azov (act. Rússia): 12.15, 16
Boudica: 14.31, 35, 37
Bovilas Cidade a Sul de Roma, na Via Ápia, cuja fundação se atribui tradicional-
mente a Julo, filho de Eneias: 2.41; 15.23
Brigantes Tribo do Norte da Britânia: 12.32, 36, 40
Britânia / Bretões Província romana na ilha da Grã-Bretanha habitada pelos Bre-
tões: 2.24; 11.3; 12.31, 33, 35, 36; 14.29, 32, 34, 35, 37, 39; 16.15
Britânico Filho de Cláudio e Messalina, irmão de Octávia, nascido em 41: 11.1, 4,
11, 26, 32, 34; 12.2, 9, 25, 26, 41, 65, 68, 69; 13.10, 14, 15, 17, 19, 21; 14.3, 63
Brúcteros Povo germânico que vivia no Noroeste da act. Alemanha, junto do rio
Lippe: 1.51, 60; 13.56
Brundísio Cidade portuária no mar Adriático, a Sul de Itália (act. Brindisi): 1.10;
2.30; 3.1, 7; 4.27
Brutédio Nigro: 3.66
Bruto v. Júnio Bruto
Burro, Sexto Afrânio: 12.42, 69; 13.2, 6, 14, 20, 21, 23; 14.7, 10, 14, 15, 51, 52,
57, 60
Cádio Rufo, Gaio: 12.22
Cadmo Mítico fundador de Tebas: 11.14
Cadra Montanha da cordilheira de Tauro, na Cilícia (Ásia Menor): 6.41
Calábria Região no extremo Sudeste de Itália (a Calábria act. é no Sudoeste): 3.1,
2; 12.65
Calávio Sabino: 15.7
Calcedónios Povo que habitava a cidade da Calcedónia, junto do Bósforo, perto da
act. Istambul, na Turquia: 12.63
Caldeus Astrólogos: 2.27; 3.22; 6.20; 12.22, 52, 68; 14.9; 16.14
Cales Cidade da Campânia, a Norte de Nápoles, na Itália: 6.15
Calígula Gaio César, imperador entre 37 e 41: 1.1, 32, 41, 44, 69; 4.71; 5.1; 6.3, 5,
9, 20, 32, 45, 46, 48, 50; 11.1, 3, 8, 29; 12.22, 54; 13.1, 3; 15.72; 16.17
Calisto: 11.29, 38; 12.1, 2
Calpúrnia: 11.30
ÍNDICE E NOTAS 437

Calpúrnia: 12.22; 14.12


Calpurniano v. Décrio Calpurniano
Calpúrnio: 1.39
Calpúrnio Bíbulo, Gaio: 3.52
Calpúrnio Fabato: 16.8
Calpúrnio Pisão Frúgi, Lúcio: 15.20
Calpúrnio Pisão, Gaio Cônsul sufecto e governador da Dalmácia: 14.65; 15.48,
49, 50, 52, 53, 55, 56, 59, 60, 61, 65
Calpúrnio Pisão, Gneu Cônsul em 7 a. C., governador da Hispânia Citerior, da
África e, a partir de 17, da Síria: 1.13, 74, 79; 2.35, 43, 55, 57, 58, 69, 70, 71,
73, 75, 76, 77, 78, 79, 80, 81, 82; 3.7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 24;
6.26
Calpúrnio Pisão, Gneu Filho do anterior, depois da morte do pai, adopta o
prenome Lúcio; cônsul em 27, procônsul da África em 39, pai do cônsul de 57:
3.15, 16, 17; 4.62
Calpúrnio Pisão, Gneu Um dos assassinos de Júlio César, cônsul sufecto em 23 a.
C., pai do cônsul de 7 a. C.: 2.43
Calpúrnio Pisão, Lúcio Cônsul em 1 a. C., irmão do cônsul de 7 a. C.: 2.34; 3.11,
68?; 4.21
Calpúrnio Pisão, Lúcio Cônsul em 15 a. C., filho do cônsul de 58 a. C.: 3.68?;
6.10, 11
Calpúrnio Pisão, Lúcio Cônsul em 57, filho do cônsul de 27, foi pontífice e fez
parte dos arvales, procônsul da África em 69-70: 13.28, 31; 15.18
Calpúrnio Pisão, Lúcio Provavelmente filho do cônsul de 1 a. C.: 3.68?; 4.45
Calpúrnio Pisão, Marco Filho mais novo do cônsul em 7 a. C.: 2.57, 76; 3.8, 15,
16, 17, 18
Calpúrnios (família): 3.24
Calusídio: 1.35, 43
Calvina v. Júnia Calvina
Calvísio Sabino, Gaio: 4.46; 6.9
Calvísio: 13.19, 21, 22; 14.12
Camavos Povo vizinho dos Batavos que habitava nos act. Países Baixos: 13.55
Camerino v. Sulpício Camerino, Quinto
Camério Cidade do Lácio: 11.24
Camilo v. Fúrio Camilo
Camilo Escriboniano, Lúcio Arrúncio: 6.1; 12.52
Camilo Escriboniano, Marco Fúrio v. Fúrio Camilo Escriboniano
Campânia Região no Sul de Itália onde se situavam as cidades de Cápua, Cumas,
Baias, Herculano, Nápoles, Nola, Pompeios, Putéolos, etc.: 3.2, 31, 47, 59; 4.57,
67, 74; 6.1; 13.26; 14.10, 13, 60, 61; 15.22, 46, 51, 60; 16.13, 19
Camuloduno Cidade dos Trinobantes, no Sudeste de Inglaterra (act. Colchester, no
Essex), foi a primeira capital da Britânia romana: 12.32; 14.31, 32
Caninefates Tribo germânica que vivia na costa dos act. Países Baixos, no delta do
Reno: 4.73; 11.18
438 ANAIS

Canínio Galo, Lúcio: 6.12


Canínio Rebilo, Gaio: 13.30
Canopo Cidade do Egipto, a Este de Alexandria: 2.60
Canopo: 2.60
Capadócia / Capadócios Região este da Ásia Menor (act. Turquia) habitada pelos
Capadócios, sob o poder de Roma a partir de 17: 2.42, 56, 60; 12.49; 13.8, 35;
14.26; 15.6, 12, 17
Capitão v. Ateio Capitão; Cossuciano Capitão; Fonteio Capitão; Insteio Capitão;
Lucílio Capitão; Valério Capitão
Capitólio / Capitolino Colina de Roma: 3.36; 6.12; 11.23; 12.24, 42, 43, 64; 14.13,
61; 15.18, 23, 36, 44, 71, 74
Cápreas Ilha no golfo de Nápoles (act. Capri), em Itália: 4.67; 6.1, 2, 10, 20
Cápua Cidade da Campânia, a Norte de Nápoles, em Itália: 4.57; 13.31
Carátaco: 12.33, 34, 35, 36, 37, 38, 40
Carene Sátrapa da Mesopotâmia: 12.12, 13, 14
Cáricles: 6.50
Cariovalda: 2.11
Carmanos Habitantes da Carmânia, região que compreende o território entre o
golfo Pérsico e o Sudeste do act. Irão: 6.36
Carrinate v. Secundo Carrinate
Carrinate Célere: 13.10
Carsídio Sacerdote: 4.13; 6.48
Cartago Cidade e região no Norte de África, localizada a Nordeste da act. Tunes, na
Tunísia, que viria a tornar-se a capital da província romana da África Proconsular:
16.1
Cartimândua: 12.36, 40
Caspério Nigro: 12.45, 46; 15.5
Cáspia (porta) Percurso cuja rota se fazia pelo Cáucaso (Norte da act. Geórgia):
6.33
Cáspio (mar): 6.33; 14.25?
Cássia (família): 12.12
Cássio: 1.73
Cássio: 15.66
Cássio Asclepiódoto: 16.33
Cássio Longino, Gaio Defensor da Síria após a derrota de Crasso frente aos Partos,
em Carras (53 a. C.); suicida-se depois da derrota na batalha de Filipos, em 42 a.
C.: 1.2, 10; 2.43; 3.76; 4.34, 35; 16.7
Cássio Longino, Gaio: 12.11, 12; 13.41, 48; 15.52; 16.7, 8, 9, 22
Cássio Longino, Lúcio: 6.15, 45
Cássio Quérea: 1.32
Cássio Severo Orador condenado ao exílio em 12: 1.72; 4.21
Castelo Real Tradução de praesidium Legerda, passo corrompido no manuscrito;
v. Legerda
Catão v. Pórcio Catão
ÍNDICE E NOTAS 439

Catilina v. Sérgio Catilina


Cato Deciano: 14.32, 38
Catónio, Justo: 1.29
Catos Povo germano que vivia num território junto dos rios Weser e Diemel (a Norte
dos Queruscos, act. Alemanha): 1.55, 56; 2.7, 25, 41, 88; 11.16; 12.27, 28; 13.56, 57
Catualda: 2.62, 63
Catulo v. Valério Catulo
Caucos Povo germano que vivia junto do mar do Norte, ao pé dos rios Elba e Ems
(act. Alemanha): 1.38, 60; 2.17, 24; 11.18, 19; 13.55
Caudinas (Forcas) Em 321 a. C., o exército romano foi obrigado a uma rendição
humilhante frente aos Samnitas (cf. 11.24), e à derrota em Numância, na Hispâ-
nia, em 137 a. C.: 15.13
Ceciliano v. Domício Ceciliano; Mágio Ceciliano
Cecílio Cornuto, Marco: 4.28, 30
Cecílio Metelo, Lúcio: 3.71
Cecílio Metelo Cipião, Quinto: 4.34
Cecina Severo, Aulo: 1.31, 32, 37, 48, 50, 56, 60, 61, 63, 64, 65, 66, 65, 67, 68, 72;
2.6; 3.18, 33, 34
Cecina Tusco, Gaio: 13.20
Cecina v. Largo Cecina
Cécrops Fundador mítico da monarquia ateniense: 11.14
Cedícia: 15.71
Celaletas Povo trácio que vivia no Sul da act. Bulgária: 3.38
Cele Vibena: 4.65
Celênderis Povoação da Cilícia, na costa mediterrânea da act. Turquia: 2.80
Célere v. Carrinate Célere; Domício Célere; Propércio Célere
Célere: 15.42
Célere, Públio: 13.1, 33
Célio (monte) Outrora denominado Querquetulano: 4.64, 65; 15.38
Célio Cursor: 3.37
Célio Polião: 12.45, 46
Célio Rufo, Gaio Cônsul em 17: 2.41
Celso v. Júlio Celso; Mário Celso
Celso: 6.14
Cêncrio Rio junto de Éfeso (act. Turquia): 3.61
Cepião Crispino, Aulo: 1.74
Cérano: 14.59
Cercina Ilha na costa da Tunísia (act. Kerkennah): 1.53; 4.13
Ceres Divindade cuja festa se realizava a 19 de Abril: 2.49; 15.44, 53, 74
Cerial v. Anício Cerial
Cervário Próculo: 15.50, 66, 71
César, Gaio Neto de Augusto, filho de Agripa e irmão do seguinte; enviado para o
Oriente em 1 a. C., quando Tigranes IV e Érato, mulher e irmã deste, reinavam
na Arménia: 1.3, 53; 2.4, 42; 3.6, 19, 48; 4.1, 40; 6.51
440 ANAIS

César, Lúcio Neto de Augusto, filho de Agripa e irmão do anterior: 1.3, 53; 2.42;
3.6, 19, 23; 6.51
Cesélio Basso: 16.1, 3
Cesénio Máximo: 15.71
Cesénio Peto, Lúcio: 14.29; 15.6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 14, 15, 16, 17, 24, 25, 26, 28
Césia Floresta da Germânia, provavelmente junto ao rio Lippe: 1.50
Cesiano v. Aprónio Cesiano
Cesiliano: 6.7
Césio Cordo Procônsul de Creta e da Cirenaica: 3.38, 70
Césio Nasica: 12.40
Cesonino v. Suílio Cesonino
Céstio Galo, Gaio Cônsul sufecto em 42: 15.25
Céstio Galo, Gaio Cônsul em 35: 3.36; 6.7, 31
Céstio Próculo: 13.30
Cetego v. Cornélio Cetego
Cetego Labeão: 4.73
Cetrónio, Gaio: 1.44
Ceu Titã: 12.61
Cevino v. Flávio Cevino
Cíbira Cidade da Cária, no Sudoeste da Ásia Menor (act. Turquia): 4.13
Cícero v. Túlio Cícero, Marco
Cícladas Arquipélago no mar Egeu também conhecido por Cíclades: 2.55; 5.10
Ciclopes: 3.61
Cietas Povo da Cilícia, que habitava o monte Tauro (act. Turquia): 6.41; 12.55
Cilão v. Júnio Cilão
Cilícia / Cilícios Zona sudeste da Ásia Menor, entre o mar Mediterrâneo e a cordi-
lheira do Tauro e Amano (corresponde a parte da act. Turquia), habitada pelos
Cilícios: 2.42, 58, 68, 78, 80; 3.48: 6.31; 12.55; 13.8, 33; 16.21
Cílnio Mecenas, Gaio: 1.54; 3.30; 6.11; 14.53, 55; 15.39 (jardins)
Cime Cidade na costa ocidental da Ásia Menor (act. Turquia): 2.47
Cina v. Cornélio Cina
Cingónio Varrão: 14.45
Cínicos Escola filosófica: 16.34
Cinítios Povo do Norte de África: 2.52
Cipião v. Cornélio Cipião
Cipiões (família): 2.33
Cíprios Habitantes da ilha de Chipre, no mar Mediterrâneo: 3.62
Cireneus / Cirenenses Habitantes da Cirenaica (região africana no Leste do
Egipto), na costa da act. Líbia: 3.70; 14.18
Ciro: 3.62; 6.31
Cirro Cidade da província da Síria: 2.57
Cirtenses Habitantes de Cirta, cidade da Numídia (act. Argélia): 3.74
Cítia Região de fronteiras indefinidas, cujo território ocuparia parte dos act. Caza-
quistão, Rússia e Ucrânia, ocupada pelos Cítios: 2.60, 65, 68; 6.36, 41, 44
ÍNDICE E NOTAS 441

Citno Ilha grega pertencente às Cíclades: 3.69


Cízico Cidade da Mísia, habitada pelos Cizicenos, localizada na costa sul do mar de
Mármara: 4.36
Clânis Rio da Toscana, na Itália: 1.79
Classiciano v. Júlio Classiciano
Cláudia (família) / Cláudios: 1.4; 2.43; 3.5; 4.9, 64; 5.1; 6.8, 51; 12.2, 25, 26;
13.17; 15.23
Cláudia Pulcra: 4.52, 66
Cláudia Quinta: 4.64
Cláudia Silana: 6.20, 45
Cláudio, Tibério Imperador entre 41 e 54; introduziu três letras no alfabeto latino
que serviam, respectivamente, para representar o valor consonântico de u, um
som intermédio entre u e i e o som bs ou ps: 1.1, 54; 3.2, 3, 18, 29; 4.31; 6.32,
46; 11.1, 2, 3, 4, 6, 9, 11, 13, 14, 16, 20, 25, 26, 28, 29, 30, 31, 32, 33, 34, 35,
36, 37, 38; 12.1, 3, 4, 5, 7, 8, 9, 11, 17, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 29, 36, 37, 40,
41, 42, 43, 48, 49, 52, 53, 54, 56, 58, 59, 60, 61, 64, 65, 66, 67, 69; 13.1, 2, 3, 5,
6, 14, 23, 28, 29, 32, 42, 43; 14.2, 11, 18, 31, 56, 63; 15.53; 16.12
Cláudio Balbilo, Tibério: 13.22
Cláudio Demiano: 16.10
Cláudio Marcelo Filho de Octávia e sobrinho de Augusto, nasceu em 43 e morreu
em 23 a. C.: 1.3, 74; 2.41; 3.64; 6.51
Cláudio Nero, Tibério Pai de Tibério: 1.10; 5.1; 6.51
Cláudio Senecião: 13.12; 15.50, 56, 57, 58, 70
Cláudio Timarco: 15.20
Clauso v. Ato Clauso
Clemente v. Júlio Clemente; Salieno Clemente
Clemente: 2.39
Cleonico: 15.45
Cleópatra: 11.30
Clódio Pulcro, Públio Tribuno da plebe em 58 a. C.: 11.7
Clódio Trásea Peto v. Trásea Peto, Públio Clódio
Clutório Prisco: 3.49, 50, 51
Cluvidieno Quieto: 15.71
Clúvio Rufo: 13.20; 14.2
Coceio Nerva, Marco Cônsul em 24, avô do futuro imperador: 4.58; 6.26
Coceio Nerva, Marco Imperador entre 96 e 98: 15.72
Colcos Região a Leste do mar Negro e a Sul do Cáucaso (Oeste da act. Geórgia),
também conhecida por Cólquida: 6.34
Cólofon Cidade da Ásia Menor (act. Turquia) a Sul de Esmirna, junto da qual se
situava a vila de Claros, onde havia um oráculo de Apolo: 2.54
Colónia Agripinense Cidade alemã (act. Colónia) nas margens do Reno: (1.37, 37,
39, 71) 12.27
Comagenos / Comagena Povo e região entre o rio Eufrates e o Monte Tauro, junto
da Síria, Cilícia e Capadócia: 2.42, 56; 15.12
442 ANAIS

Comínio, Gaio: 4.31


Concórdia: 2.32
Consídio: 5.8
Consídio Équo: 3.37
Consídio Próculo: 6.18
Conso Divindade rústica cujo altar se situava entre o Palatino e o Aventino: 12.24
Corbulão v. Domício Corbulão
Corcira Ilha grega (act. Corfu) no mar Jónio: 3.1
Cordo v. Césio Cordo; Cremúcio Cordo
Corinto Cidade localizada no istmo que liga o Peloponeso ao restante território da
Grécia; depois de destruída pelos Romanos em 146 a. C., foi refundada em 44 a.
C.: 5.10
Corma Rio afluente do Tigre: 12.14
Cornélia: 4.16
Cornélia Cossa: 15.22
Cornélio Balbo, Lúcio Cônsul sufecto em 40 a. C.: 12.60
Cornélio Balbo, Lúcio Procurador da África em 21-20 a. C., construiu um teatro:
3.72
Cornélio: 6.29, 30
Cornélio Cetego Cônsul em 24: 4.17
Cornélio Cina, Lúcio Cônsul de 87 a 84 a. C.: 1.1
Cornélio Cipião Africano (o Jovem), Públio Cônsul em 147 e em 134 a. C.,
acusou Lúcio Cota em 130 a. C.: 3.66
Cornélio Cipião Africano (o Velho), Públio Cônsul em 205 e em 194 a. C.: 2.59;
12.38
Cornélio Cipião Asiático, Lúcio Cônsul em 180 a. C., derrotou Antíoco em 190 a.
C.: 3.62
Cornélio Dolabela, Públio Cônsul em 10, legado e depois governador da Dalmá-
cia, procônsul da África em 23-24: 3.47, 69; 4.23, 24, 26, 66; 11.22
Cornélio Flaco: 13.39
Cornélio Lêntulo Filho do cônsul sufecto de 10: 4.16
Cornélio Lêntulo, Gneu Cônsul em 14 a. C., procônsul da Ásia em 2 e 1 a. C.:
3.59
Cornélio Lêntulo Cipião, Públio Cônsul em 56: 13.25
Cornélio Lêntulo Cipião, Públio Cônsul sufecto em 24, pai do anterior e marido
de Popeia: 3.74; 11.2, 4; 12.53
Cornélio Lêntulo Cosso Cônsul em 25, filho do cônsul de 1 a. C. e irmão do de 26:
4.34
Cornélio Lêntulo Cosso Cônsul em 60, filho do anterior: 14.20
Cornélio Lêntulo Cosso, Gneu Cônsul em 14 a. C., triunfou sobre os Getas pelo
ano de 9 a. C.: 1.27; 2.32; 3.68; 4.29, 44
Cornélio Lêntulo Getúlico, Gneu Cônsul em 26, filho do cônsul de 1 a. C. e irmão
do cônsul de 25: 4.42, 46; 6.30
ÍNDICE E NOTAS 443

Cornélio Lêntulo Maluginense, Sérvio Cônsul sufecto em 10, flâmine dial: 3.58,
71; 4.16
Cornélio Lupo Cônsul sufecto em 42: 13.43
Cornélio Marcelo v. Marcelo Cornélio
Cornélio Marcial: 15.71
Cornélio Mérula Suicidou-se em 87 a. C.: 3.58
Cornélio Órfito Salvidieno, Sérvio Cônsul em 51: 12.41; 16.12
Cornélio Sula: 2.48
Cornélio Sula, Lúcio Cônsul em 88 e em 80 a. C., ditador de 82 a 79 a. C.; derro-
tou Mitridates em 88 a. C.; em 81 a. C., transferiu os julgamentos para o senado:
1.1; 2.55; 3.22, 27, 62; 4.56; 6.46; 11.22; 12.23, 60, 62
Cornélio Sula, Lúcio Cônsul em 33: 6.15
Cornélio Sula, Lúcio Talvez o mesmo Cornélio Sula que foi cônsul em 33: 3.31
Cornélio Sula Félix, Fausto Cônsul em 52: 12.52, 13.23, 47; 14.57, 59
Cornuto v. Cecílio Cornuto
Coruncânios Família romana com origem em Alba Longa: 11.24
Corvino v. Messala Corvino, Marco Valério
Corvo v. Valério Corvo
Cós Ilha do mar Egeu: 2.75; 4.14; 12.61
Cosa Cidade costeira da Toscana, na Itália: 2.39
Cosso v. Cornélio Cosso
Cossos (família): 15.22; v. Cornélia Cossa; Cornélio Lêntulo Cosso
Cossuciano Capitão: 11.6, 13.33; 14.48; 16.17, 21, 22, 26, 28, 33
Cota v. Aurélio Cota, Marco; Aurélio Cota Messalino, Marco
Cota, Lúcio Cônsul em 144 a. C.: 3.66
Cótis Sobrinho de Rescúporis: 2.64, 65, 66, 67; 3.38; 4.5
Cótis Filho do anterior: 11.9
Cótis: 12.15, 18
Crasso v. Licínio Crasso, Marco
Cremúcio Cordo, Aulo: 4.34, 35
Crepereio Galo: 14.5
Crescente v. Tarquício Crescente
Creta / Cretenses Ilha grega no mar Mediterrâneo habitada pelos Cretenses; a partir
de 27 a. C., pertence à província romana da Cirenaica: 3.26, 38, 63; 4.21; 13.30;
15.20
Crético Silano, Quinto Cecílio Metelo Cônsul em 7, legado da Síria de 12/13 a
16/17: 2.4, 43
Crispino v. Cepião Crispino; Rúfrio Crispino
Crispo v. Salústio Crispo; Víbio Crispo
Cristo / Cristãos: 15.44
Crúptorix: 4.73
Ctesifonte Capital da Pártia, a Sudeste da act. Bagdade, no Iraque: 6.42
Cúcio Lupo: 4.27
Cumas Cidade da Campânia, na costa ocidental de Nápoles: 15.46; 16.19
444 ANAIS

Cúrcio Ático: 4.58; 6.10


Cúrcio Montano: 16.28, 299, 33
Cúrcio Rufo: 11.20, 31
Cúrcio Severo: 12.55
Curião, Gaio Tribuno da plebe em 50 a. C.: 11.7
Cursor v. Célio Cursor
Curtílio Mância, Tito: 13.56
Curtísio, Tito: 4.27
Cuso Rio afluente do Danúbio (na act. Eslováquia): 2.63
Daas Povo cita que vivia a Sudeste do mar Cáspio (no act. Turquestão): 2.3; 11.8, 10
Dalmácia Região leste do Adriático subjugada por Octaviano, tornando-se, primei-
ro, parte da província do Ilírico e, mais tarde, uma província independente; Tibé-
rio foi aí general nas campanhas de 6 a 9: 2.53; 3.9; 4.5; 6.37; 12.52
Dandárica / Dandáridas Território a Norte do mar de Azov, onde viviam os
Dandáridas, povo sármata: 12.15, 16
Danúbio Rio da Europa Central: 2.63; 4.5; 12.30
Dario (I) Rei persa vencido em Maratona: 3.63
Dario (III) Adversário de Alexandre Magno derrotado em Arbelos no ano de 331 a.
C.: 12.13
Davara Montanha da Capadócia: 6.41
Decangos Povo bretão que vivia no Norte do act. País de Gales: 12.32
Décrio Calpurniano: 11.35
Décrio: 3.20
Delfos Santuário de Apolo, junto ao golfo de Corinto: 2.54
Delos Pequena ilha cíclade, no mar Egeu, onde teriam nascido Apolo e Diana: 3.61
Demarato Pai de Tarquínio Prisco (v.): 11.14
Demétrio Amigo de Séneca: 16.34, 35
Demiano v. Cláudio Demiano
Demónax: 11.9
Denso v. Júlio Denso
Dentálios Parte da Messénia, no Peloponeso: 4.43
Dentre Romúlio: 6.11
Diana: 3.61, 62 (Leucófrina), 63; 4.43 (Limnátis), 55; 12.8
Dídimo: 6.24
Dídio Galo, Aulo: 12.15, 40; 14.29
Dido: 16.1
Dinis: 4.50
Dios Povo do Sul da act. Bulgária: 3.38
Dolabela v. Cornélio Dolabela
Domícia Irmã de Gneu Domício Aenobarbo (pai de Nero) e da seguinte: 13.19, 21
Domícia Lépida Mãe de Messalina, irmã de Gneu Domício Aenobarbo (pai de
Nero) e da anterior: 11.37; 12.64, 65
Domiciano, Tito Flávio Imperador entre 81 e 96: 11.11
Domício Aenobarbo, Gneu Cônsul em 32 a. C.; bisavô de Nero: 4.44
ÍNDICE E NOTAS 445

Domício Aenobarbo, Gneu Cônsul em 32; pai de Nero: 4.75; 6.1, 45, 47, 48; 12.3,
64; 13.10
Domício Aenobarbo, Lúcio v. Nero
Domício Aenobarbo, Lúcio Cônsul em 16 a. C.; casado com Antónia, era filho do
cônsul em 32 a. C. e neto do cônsul em 54 a. C., foi o avô de Nero; conquistador
da Germânia em 2 a. C., recebeu as insígnias triunfais c. 1 a. C.: 1.63; 4.44
Domício Aenobarbo, Lúcio Cônsul em 54 a. C.; trisavô de Nero: 4.44
Domício Afro, Gneu Cônsul sufecto em 39: 4.52, 66; 14.19
Domício Balbo: 14.40
Domício Ceciliano: 16.34
Domício Célere: 2.77, 78, 79
Domício Corbulão, Gneu Cônsul sufecto em 39, filho do seguinte; legado da
Germânia Inferior em 47, procônsul da Ásia; encarregado da guerra contra os
Partos em 54: 11.18, 19, 20; 13.8, 9, 34, 35, 36, 37, 38, 39, 41; 14.23, 24, 25, 26,
29, 58; 15.1, 3, 4, 5, 6, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 16, 17, 25, 26, 27, 28, 29, 30, 31
Domício Corbulão, Gneu: 3.31
Domício Páris, Lúcio: v. Páris
Domício Polião: 2.86
Domício Silo: 15.59
Donusa Ilha grega a Este de Naxos, uma das Cíclades: 4.30
Doríforo: 14.65
Druidas: 14.30
Drusila: 6.15
Druso v. Libão Druso; Lívio Druso
Druso, Nero Cláudio Cônsul em 9 a. C., irmão de Tibério que nasceu em 38 a. C.:
1.3, 33, 41, 43, 56; 2.7, 8, 41, 82; 3.5; 4.72; 6.9, 51; 12.29; 13.53
Druso César Cônsul em 15 e em 21; filho de Tibério e de Vipsânia: 1.4, 14, 24, 25,
26, 27, 28, 29, 30, 47, 47, 52, 54, 55, 76; 2.26, 41, 42, 43, 44, 46, 51, 53, 62, 64,
82, 84; 3.2, 3, 7, 8, 11, 12, 18, 19, 22, 23, 29, 31, 34, 36, 37, 47, 49, 56, 59, 75;
4.3, 4, 7, 8, 9, 10, 12, 15, 36, 40; 6.27, 46, 51; 12.29; 13.32, 43; 14.57
Druso César Filho de Germânico: 1.33; 4.4, 8, 17, 36, 60; 5.10; 6.23, 24, 40, 46
Drusos: 11.35
Dúbio Avito: 13.54, 56
Ducénio Gémino: 15.18
Duílio, Gaio: 2.49
Ecbátana Cidade dos Partos, no act. Irão: 15.31
Edessa Cidade no Sudeste da act. Turquia: 12.12
Éduos Povo celta que vivia no território da act. Borgonha, em França: 3.40, 43, 44,
45, 46; 11.25
Eetes: 6.34
Éfeso Cidade da Ásia, próxima da costa da act. Turquia, no mar Egeu: 3.61; 4.55;
16.23
Egas Cidade no Oeste da Ásia Menor (act. Turquia): 2.47
Egeias Cidade no Sul da Ásia Menor (act. Turquia): 13.8
446 ANAIS

Egeu (mar) Braço do mar Mediterrâneo entre a Grécia e a Turquia: 2.60; 5.10;
15.71
Égio Cidade na costa norte do Peloponeso: 4.13
Egipto / Egípcios Depois da morte de Cleópatra, o país dos Egípcios foi anexado
ao império romano por Octaviano: 2.59, 60, 67, 69, 85; 4.5; 5.10; 6.28; 11.14;
12.43, 60; 13.22; 15.26, 36
Egnácia Maximila: 15.71
Egnácio Célere, Públio: 16.32
Egnácio Rufo Acusado de conspiração em 19 a. C.: 1.10
Elba v. Álbis
Elefantine Ilha (e cidade) do rio Nilo: 2.61
Élia Petina Mulher de Cláudio antes do casamento deste com Messalina: 12.1, 2
Elimeus Povo que vivia junto ao golfo Pérsico (act. Irão): 6.44
Élio Galo: 5.8
Élio Grácil: 13.53
Élio Lâmia, Lúcio Cônsul em 3, procônsul da África em 15/16 ou 16/17, nomeado
governador da Síria, não pôde exercer o cargo por não lhe ter sido possível sair
de Roma; foi prefeito da Cidade depois de Lúcio Pisão: 4.13; 6.27
Élio Sejano, Lúcio: 1.24, 69; 3.16, 29, 35, 66, 72; 4.1, 2, 3, 7, 8, 10, 11, 12, 15, 17,
19, 26, 34, 39, 40, 41, 54, 57, 58, 59, 60, 67, 68, 70, 71, 74; 5.3, 4, 6, 8, 9, 11;
6.2, 3, 7, 8, 10, 14, 19, 23, 25, 29, 30, 38, 48, 51; 13.45
Élio Tuberão, Quinto: 16.22
Emília Lépida: 3.22, 23, 24, 48
Emília Lépida: 6.40
Emília Musa: 2.48
Emílio: 2.11; 4.42
Emílio Escauro, Mamerco Cônsul sufecto em 21: 1.13; 3.23, 31, 66; 6.9, 29, 30
Emílio Escauro, Marco Cônsul em 115 a. C, acusou Públio Rutílio em 116 a. C.:
3.66
Emílio Lépido, Mânio Cônsul em 11: 3.22, 32
Emílio Lépido, Marco Cônsul em 187 e em 175 a. C., educador dos filhos de
Ptolemeu em 181 a. C.: 2.67
Emílio Lépido, Marco Cônsul em 46 e em 42 a. C.: 1.1, 2, 9, 10
Emílio Lépido, Marco Cônsul em 6; sogro do futuro imperador Galba: 1.13; 2.48;
3.11, 35, 50, 51, 72; 4.20, 56; 6.5, 27, 40
Emílio Lépido, Marco Cônsul em 78 a. C.: 3.27
Emílio Lépido, Marco Filho do cônsul de 6, cunhado de Calígula: 14.2
Emílio Mamerco Ditador em 437, 434 e em 426 a. C.: 11.22
Emílio Paulo, Lúcio Cônsul em 182 e em 168 a. C.: 12.38
Emílio Paulo, Lúcio: 3.72
Emílios (família): 3.22, 24, 72; 6.27, 29; 15.40
Eneias: 2.54; 4.9; 12.58
Énia: 6.45
Énio, Lúcio: 3.70
ÍNDICE E NOTAS 447

Énio, Mânio: 1.38


Epafrodito: 15.55
Epícaris: 15.51, 57
Epicuristas (filósofos) (não nomeados): 6.22
Epidafna Subúrbio de Antioquia: 2.83
Éprio Marcelo, Tito Cônsul sufecto em 62 e em 74: 12.4; 13.33; 16.22, 26, 28, 29, 33
Équos Antiga tribo de Itália que vivia a Leste de Roma: 11.24
Érato Mulher e irmã de Tigranes IV, rei da Arménia: 2.4
Érice Montanha no Noroesta da Sicília: 4.43
Erindes Rio no Norte do act. Irão: 11.10
Éritras Cidade na costa ocidental da Ásia Menor, diante da ilha de Quios: 6.12
Escância: 4.16
Escápula v. Ostório Escápula
Escauro v. Emílio Escauro; Máximo Escauro
Escribónia: 2.27
Escriboniano v. Fúrio Escriboniano
Escribónio Libão Druso, Marco v. Libão Druso, Marco Escribónio
Escribónio Libão, Lúcio Cônsul em 16: 2.1, 29
Escribónios (família): 2.27, 32
Esculápio 3.63; 4.14; 12.61; 14.18
Esernino Marcelo, Marco Cláudio 3.11; 11.6, 7
Esmirna Cidade na costa ocidental da Ásia Menor: 3.63; 4.43, 55, 56
Espártaco Caudilho da revolta dos escravos em 73 a. C., foi vencido por Pompeio
Magno: 3.73; 15.46
Espartanos Habitantes de Esparta, na Grécia: 2.60; 3.26; v. Lacedemónios
Espelunca Act. Sperlonga, na Itália: 4.59
Esperança: 2.49
Espúrio Lucrécio: 6.11
Esquilino (monte): 15.40
Estácio Aneu: 15.64
Estácio Domício: 15.71
Estácio Próximo: 15.50, 60, 71
Estaio: 4.27
Estatília Messalina: 15.68
Estatílio Sisena Tauro, Tito Cônsul em 16: 2.1
Estatílio Tauro, Tito Cônsul em 44 e depois procônsul da África: 12.59; 14.46
Estatílio Tauro, Tito Cônsul sufecto em 37 e cônsul em 26 a. C., construiu um
anfiteatro: 3.72; 6.11
Estator v. Júpiter
Estertínio, Lúcio: 1.60, 71; 2.8, 10, 11, 17, 22
Estóicos (filósofos): 6.22; 14.57; 16.22, 32
Estrabão v. Acílio Estrabão, Lúcio; Sejo Estrabão
Estratonicenses Habitantes da antiga cidade de Estratoniceia, na Ásia Menor (act.
Sudoeste da Turquia): 3.62
448 ANAIS

Etiópia Região sul do Egipto: 2.60


Etrúria / Etruscos Região a Noroeste de Roma (no território coincidente com a
act. Toscana e Úmbria) cujos habitantes foram os Etruscos: 2.39; 4.5, 55, 65;
11.14, 15, 24; 14.21
Eubeia Ilha grega no mar Egeu: 2.54; 5.10
Eucero: 14.60
Eudemo: 4.3, 11
Eufrates Rio da Mesopotâmia que corre pela act. Turquia, Síria e Iraque, onde é
afluente do Tigre: 2.58; 4.5; 6.31, 37; 12.11; 13.7; 14.25; 15.3, 7, 9, 12, 16, 17, 26
Êunones: 12.15, 18, 19, 20
Evandro: 11.14; 15.41
Évodo: 11.37
Fabato v. Calpúrnio Fabato; Rúbrio Fabato
Fábia v. Numantina
Fabiano v. Valério Fabiano
Fábio Máximo Cônsul em 11 a. C.: 1.5
Fábio Paulo: 6.28
Fábio Romano: 16.17
Fábio Rústico: 13.20; 14.2; 15.61
Fabrício Veientão, Aulo Dídio Galo: 14.50
Fabrício Censor em 275 a. C., protótipo da modéstia e sobriedade antigas: 2.33
Fajânio: 1.73
Fânia Filha de Trásea Peto e mulher de Helvídio Prisco: 16.34
Farasmanes: 6.32, 33, 34, 35; 11.8; 12.44, 45, 46, 47, 48; 13.37; 14.26
Farsália Região da Tessália, na Grécia, onde ocorreu, em 48 a. C., a batalha de
Farsalo, que opôs Júlio César a Pompeio: 4.44
Fausto Sula v. Cornélio Sula Félix, Fausto
Favónio: 16.22
Febo: 16.5
Félix v. António Félix
Fenícia / Fenícios Região habitada pelos Fenícios, no Leste do Mediterrâneo, entre
a act. Síria e o Sul do Líbano: 11.14; 16.1
Fénio Rufo, Lúcio: 13.22; 14.51, 57; 15.50, 53, 58, 61, 66, 68; 16.12
Ferentino Cidade na costa leste do centro de Itália: 15.53
Festo v. Márcio Festo
Fidenas Povoação sabina, a Norte de Roma: 4.62
Filadelfia Cidade lídia, na Ásia Menor, habitada pelos Filadelfenos: 2.47
Filipe da Macedónia Vencedor da batalha de Queroneia, em 338 a. C., a qual
submeteu Atenas: 2.55, 63; 3.38; 4.43
Filipo v. Márcio Filipo
Filipópolis Cidade fundada em 342 a. C. junto ao rio Maritsa, no Sul da act. Bulgá-
ria e a Norte da cordilheira do Ródope: 3.38
Filipos Cidade no Leste da Macedónia onde aconteceu uma das últimas batalhas de
Octaviano e Marco António contra Bruto e Cássio, em 42 a. C.: 3.76; 4.35
ÍNDICE E NOTAS 449

Filopator (II): 2.42


Fírmio Cato: 2.27, 30; 4.31
Flacila v. Artória Flacila
Flaco v. Cornélio Flaco
Flaco Vesculário: 2.28; 6.10
Flávio Cevino: 15.49, 53, 54, 55, 56, 59, 66, 70, 71, 74; 16.18
Flávio Nepos: 15.71
Flávio Vespasiano, Tito Imperador entre 69 e 79: 3.55; 16.5
Flavo v. Súbrio Flavo
Flavo: 2.9, 10; 11.16
Flevo Praça-forte junto ao mar do Norte (act. Países Baixos): 4.72
Flora: 2.49
Florentinos Habitantes da cidade de Florência (act. Florença): 1.79
Floro v. Júlio Floro
Fonteio Agripa: 2.30, 86
Fonteio Capitão: 4.36
Fonteio Capitão, Gaio Cônsul em 59, talvez relacionado (filho ou neto) com o
cônsul de 12: 14.1
Fórmias Cidade da Campânia, na Via Ápia, em Itália: 15.46; 16.10
Fortuna: 2.41; 3.71; 15.23 (divindades de Âncio), 53
Fortunato: 16.10
Fórum Júlio Colónia da Gália Narbonense, a Sudoeste de Nice (act. Fréjus): 2.63;
4.5
Fraates: 6.31, 32; 12.11
Fraates: 6.42, 43
Fraates (IV) Morto em 2 a. C. pelo filho: 2.1, 2; 6.31, 37; 12.10
Fregelano v. Pôncio Fregelano
Frísia / Frísios Território, habitado pelos Frísios, entre a foz do rio Issel e a do
Ems, no mar do Norte (act. Países Baixos): 1.60; 4.72, 73, 74; 11.19; 13.54
Frixo Herói mítico que chegara à Cólquida num carneiro de pele de ouro (também
chamado velo de ouro): 6.34
Frontão v. Octávio Frontão; Víbio Frontão
Fúcino Antigo lago na Itália central (drenado no século XIX): 12.56
Fúfio Gémino, Gaio: 5.1, 2; 6.10
Fulcínio Trião, Lúcio Cônsul sufecto em 31: 2.28, 30; 3.10, 13, 19; 5.11; 6.4, 38
Fundos Cidade dos Volscos situada na Campânia, junto à Via Ápia: 4.59
Funisulano Vetoniano, Lúcio: 15.7
Fúrio Bibáculo, Marco Poeta cuja obra está hoje perdida: 4.34
Fúrio Camilo, Lúcio Cônsul em 349 a. C., talvez confundido com o neto homóni-
mo do vencedor dos Gauleses, que foi cônsul em 338 e em 325 a. C.: 2.52
Fúrio Camilo, Marco Cônsul em 8 a. C., governador da África depois de Élio
Lâmia: 2.52, 3.20, 21
Fúrio Camilo, Marco Vencedor dos Gauleses em 390 a. C.: 2.52
Fúrio Camilo Escriboniano, Marco: 12.52
450 ANAIS

Fúrios (família): 2.52


Fúrnio: 4.52
Gábios Cidade do Lácio a Leste de Roma: 15.43
Gábolo v. Licínio Gábolo
Gala v. Sátria Gala; Sósia Gala
Galácia Região no centro Oeste da Anatólia (act. Turquia), constituída província
romana em 25 a. C.: 13.35; 15.6
Galba v. Sulpício Galba
Gália / Gauleses Antes de Augusto ter instituído as quatro províncias (Aquitânica,
Bélgica, Lugdunense e Narbonense), neste território (act. França), habitado
pelos Gauleses, distinguiam-se a Gália Transalpina ou Comata (onde os habi-
tantes traziam os cabelos compridos) e a Gália Cisalpina ou Togata (onde se
conservavam usos romanos, cujos habitantes receberam de Júlio César a cida-
dania romana em 49 a. C.): 1.31, 33, 34, 36, 47, 57, 58, 69, 71; 2.5, 6, 16, 17, 63
(Narbonense); 3.40, 41, 43, 44, 45, 46; 4.5, 28; 6.7; 11.23 (Transalpina), 18, 23,
24, 25; 12.23 (Narbonense), 39; 13.53 (Bélgica); 14.46, 57 (Narbonense); 15.43;
16.13 (Narbonense)
Galião v. Júnio Galião
Galileus Habitantes da Galileia, no Norte da Palestina: 12.54
Galo v. Élio Galo; Asínio Galo; Canínio Galo; Crepereio Galo; Glício Galo; Togó-
nio Galo; Vipstano Galo
Galo, Públio: 16.12
Ganasco: 11.18, 19
Garamantes Povo africano do Sudoeste da act. Líbia: 3.74; 4.23, 26
Gávio Silvano, Gaio: 15.50, 60, 61, 71
Gélio Publícola: 3.67
Gemínio: 6.14
Gémino v. Atídio Gémino
Gerelano: 15.69
Germânia / Germanos No território da act. Alemanha, habitado por diversos
povos germanos e ocupado pelos Romanos, distinguem-se a Germânia Inferior
(v.) e a Germânia Superior (v.): 1.3, 24, 43, 46, 50, 51, 55, 56, 57, 58, 59, 64, 65,
66, 68, 69; 2.5, 6, 10, 11, 13, 14, 15, 16, 19, 21, 23, 24, 25, 26, 45, 46, 62, 73,
88; 3.44, 46; 4.5, 44, 67, 72, 73, 74; 6.30; 11.1, 16, 17, 18, 19; 12.18, 27, 54;
13.18, 35, 53, 54; 14.38, 57, 58
Germânia Inferior (ou Baixa Germânia) Região da Germânia (v.) a Norte do
Reno, com a capital em Colónia: 1.31; 3.41; 4.73
Germânia Superior (ou Alta Germânia) Região da Germânia (v.) a Sul do Reno,
com capital em Mains: 1.31; 6.30; 12.27; 13.56
Germânico Filho de Druso e de Livila, irmão gémeo de Tibério Gemelo: 1.84;
3.34, 56; 4.15
Germânico César Cônsul em 12 e legado em 13. Neto de Augusto e filho de
Druso, foi marido de Agripina Maior, pai de Nero, Druso, Calígula, Agripina,
Drusila e Livila (e de mais três filhos que não sobreviveram); nasceu em 15 a. C.
ÍNDICE E NOTAS 451

e morreu a 10 de Outubro de 19: 1.3, 4, 7, 14, 22, 31, 33, 34, 35, 36, 37, 38, 39,
40, 41, 44, 45, 46, 47, 48, 49, 51, 52, 54, 55, 56, 57, 58 59, 60, 61, 62, 63, 70,
71, 72, 76; 2.5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 16, 17, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26,
41, 42, 43, 49, 51, 53, 54, 55, 56, 57, 58, 59, 60, 61, 62, 63, 64, 66, 69, 70, 71,
72, 73, 75, 76, 77, 78, 79, 82, 83, 84, 85; 3.1, 2, 3, 5, 8, 10, 11, 12, 13, 14, 16,
17, 18, 19, 29, 31, 40, 49, 56; 4.1, 3, 4, 8, 9, 12, 15, 17, 18, 31, 53, 57, 59, 68,
75; 5.1, 4, 10; 6.7, 15, 26, 31, 46, 51; 11.12; 12.1, 2, 25; 13.14, 42, 55; 14.7
Germânicos Família de Germânico (incluindo Cláudio, seu irmão), avô de Nero e
de Octávia: 14.64
Geta v. Lúsio Geta
Getas Povo da Trácia que habitava um território junto ao Danúbio: 4.44
Getúlico v. Cornélio Lêntulo Getúlico, Gneu
Gíaro Ilha grega no mar Egeu pertencente às Cíclades: 3.68, 69; 4.30
Glício Galo, Gaio: 15.56, 71
Górneas Praça-forte na Arménia: 12.45
Gotarzes: 11.8, 9, 10; 12.10, 13, 14
Gotões Povo que vivia num território da act. Polónia, junto do rio Vístula: 2.62
Graciano v. Tário Graciano
Grácil v. Élio Grácil
Graco v. Semprónio Graco
Grânio Marcelo: 1.74
Grânio Marciano: 6.38
Grapto: 13.47
Grato v. Munácio Grato
Grécia / Gregos 2.2, 53, 59, 60, 64, 88; 3.60, 65; 4.14, 35, 38, 55, 58, 67; 5.10;
6.18, 28; 11.14, 20, 21; 12.61 (Argivos), 63; 14.14, 20, 21, 47; 15.33, 41, 45
Grecina v. Pompónia Grecina
Halicarnasso Cidade costeira da Cária, a Sudoeste da Ásia Menor (act. Turquia):
4.55
Halo Cidade dos Partos: 6.41
Haloto: 12.66
Hatério, Quinto Cônsul sufecto em 5 a. C.; cunhado de Germânico: 1.13; 2.33;
3.57; 4.61
Hatério Agripa, Décimo Cônsul em 22; filho de Quinto Hatério: 1.77; 2.51; 3.49,
51, 52; 6.4
Hatério Antonino, Quinto: 12.58; 13.34
Hélio: 13.1
Heliópolis Cidade egípcia cujas ruínas se situam a Nordeste do act. Cairo: 6.28
Helvídio Prisco: 12.49; 13.28
Helvídio Prisco, Gaio: 16.28, 29, 33, 35
Hélvio Rufo, Marco: 3.21
Hemo Cordilheira dos Balcãs: 3.38; 4.51
Heníocos Povo do Cáucaso: 2.68; 13.37(?)
452 ANAIS

Hercínio Floresta no interior da act. Alemanha, junto ao Reno, entre Düsseldorf e


Mainz, que se estende até aos Cárpatos: 2.45
Herculeio: 14.8
Hércules: 2.12, 60; 3.61; 4.38, 43; 12.13, 24; 15.41
Hermúnduros Povo germânico que vivia a Norte da act. Bavária: 2.63; 12.29, 30;
13.57
Hibérnia Ilha (act. Irlanda): 12.32
Hierão: 6.42, 43
Hierocesareia Cidade no Oeste da Ásia Menor, a Norte de Esmirna (act. Turquia):
2.47; 3.62
Hipepenos Habitantes de Hipepo, cidade da Lídia: 4.55
Hircânia / Hircanos Região junto ao mar Cáspio (act. Irão), habitada pelos Hirca-
nos: 2.47; 6.36, 43; 11.8, 9; 13.37; 14.25; 15.1, 2
Hírcio, Aulo: 1.10
Hispânia Território romano da Península Ibérica habitado pelos Hispanos, consti-
tuído pela Hispânia Citerior (depois Tarraconense) e pela Hispânia Ulterior
(mais tarde dividida entre Bética e Lusitânia): 1.42, 71, 78; 3.13, 44; 4.5, 13, 37,
45; 6.19, 27; 11.24; 13.46; 14.41
Hispão v. Românio Hispão
Histro v. Palpélio Histro
Homonadenses Povo do Sul da Galácia e Oeste da Cilícia: 3.48
Hórtalo, Marco v. Hortênsio Hórtalo, Marco
Hortênsio Hórtalo, Marco Orador célebre contemporâneo de Cícero e seu adver-
sário no Fórum: 2.37
Hortênsio Hórtalo, Quinto: 2.37, 38
Ibéria / Iberos Região a que corresponde o Sul e Leste da act. Geórgia, entre o
Cáucaso e a Arménia, onde viviam os Iberos: 4.5; 6.32, 33, 34, 35; 11.8, 9;
12.44, 46, 50, 51; 14.23
Icenos Povo bretão que vivia junto aos act. Norfolk e Suffolk: 12.31, 32; 14.31
Idistaviso Lugar (não identificado) da Germânia: 2.16
Ílio v. Tróia
Ilíria Província coincidente com a Dalmácia ou território que engloba o Danúbio e
a Panónia: 1.5, 46, 52; 2.44, 53; 3.7, 11, 34; 15.26; 16.13
Ilírico v. Ilíria
Indo v. Júlio Indo
Inguiomero: 1.60, 68; 2.17, 21, 45, 46
Insteio Capitão: 13.9 39
Ínsubres Tribo gaulesa que vivia a Norte do rio Pó, perto da act. Milão: 11.23
Interamna Cidade da Úmbria, junto da via Flamínia, em Itália: 1.79
Isáurico v. Servílio Isáurico
Istmo de Corinto: 5.10
Itália: 1.34, 47, 71, 79; 2.32, 35, 40, 50, 59, 63, 85; 3.28, 31, 33, 40, 54, 58, 71, 73;
4.5, 6, 14, 27, 31, 55, 56; 5.10; 6.3, 11, 12, 16, 17; 11.14, 15, 22, 23, 24; 12.8,
ÍNDICE E NOTAS 453

22, 36, 43, 52, 65; 13.4, 25, 28, 30, 42; 14.27, 28, 39, 41, 45, 50; 15.13, 45, 71;
16.5, 33, 35
Itálico: 11.16, 17
Itureus Povo árabe que vivia no território a Νorte de Damasco: 12.23
Itúrio: 13.19, 21, 22; 14.12
Izates: 12.13, 14
Jano: 2.49
Jasão: 6.34
Jáziges (v. Sármatas) Tribo da Ásia Central que foi ocupar o território entre o
Danúbio e o rio Tisza (act. Hungria): 12.29, 30
Jónio (mar) Parte do mar Mediterrâneo entre a costa sudeste da Itália e a ocidental
da Grécia: 2.53; 5.10
Jove v. Júpiter
Juba: 4.5, 23
Judeia / Judeus Província romana a partir de 6, habitada pelos Judeus: 2.42, 85;
12.23, 54; 15.44
Júlia Filha única de Augusto (com Escribónia), nascida em 39 a. C.; mulher de
Marcelo (25 a. C.), de Agripa (21 a. C.), de quem teve cinco filhos (Gaio César,
Lúcio César, Júlia, Agripina e Agripa Póstumo), e de Tibério (11 a. C.), punida
com exílio em 2 a. C.: 1.53; 3.6, 24; 4.44; 6.51
Júlia Filha da anterior e de Agripa, neta de Augusto, irmã de Agripina Maior e
prima de Libão Druso; morreu em 28: 2.27; 3.19, 24; 4.71
Júlia Filha de Druso e de Livila, morreu em 43: 3.29, 34; 6.27; 13.32, 43
Júlia Filha de Germânico e de Agripina: 2.54; 6.15; (13.42)
Júlia Augusta, Lívia Mulher de Augusto, mãe de Tibério: 1.3, 5, 6, 8, 10, 13, 14,
33; 2.14, 34, 42, 43, 77, 82; 3.3, 15, 17, 18, 34, 64, 71; 4.8, 12, 16, 21, 22, 37,
40, 57, 71; 5.1, 2, 3; 6.5, 26; 12.69
Júlio Africano: 6.7
Júlio Agripa: 15.71
Júlio Agripa, Marco (Herodes): 12.23
Júlio Agripa, Marco (Herodes): 13.7
Júlio Altino: 15.71
Júlio Áquila: 12.15, 21
Júlio Augurino: 15.50
Júlio Celso: 6.9, 14
Júlio César, Gaio Divinizado depois da morte, foi a enterrar no dia 20 de Março de
44 a. C.; foi autor de Anti-Catão, obra hoje perdida: 1.1, 2, 8, 42; 2.41, 43; 3.6,
62; 4.34, 43, 44; 6.16; 11.23, 25; 12.34, 60; 13.3; 14.9; 16.22
Júlio Classiciano: 14.38
Júlio Clemente: 1.23, 26, 28
Júlio Denso: 13.10
Júlio Floro: 3.40, 42
Júlio Indo: 3.42
Júlio Marino: 6.10
454 ANAIS

Júlio Montano, Gaio: 13.25


Júlio Peligno: 12.49
Júlio Polião: 13.15
Júlio Póstumo: 4.12
Júlio Sacróviro: 3.40, 41, 42, 43, 44, 45, 46; 4.18, 19
Júlio Víndex, Gaio Responsável, em 68, pela revolta contra Nero na Gália: 15.74
Júlios (família): 1.2, 8; 2.41, 83; 3.5; 4.9; 5.1; 6.8, 51; 11.24; 12.2, 58; 14.22; 15.23;
16.6
Julo António v. António, Julo
Junco Vergiliano: 11.35
Júnia: 3.76
Júnia Calvina: 12.4, 8; 14.12
Júnia Lépida: 16.8, 9
Júnia Silana: 11.12; 13.19, 21, 22; 14.12
Júnia Torquata: 3.69
Júnio: 2.28
Júnio: 4.64
Júnio Bleso Cônsul sufecto em 26, irmão do seguinte: 6.40
Júnio Bleso, Quinto Cônsul sufecto em 28, filho do seguinte: 1.19, 29; 3.74; 6.40
Júnio Bleso, Quinto Tio de Sejano, cônsul em 10, procônsul da Ásia a partir de 21:
1.16, 18, 19, 21, 22, 23, 29; 3.35, 58, 72, 73, 74; 4.23, 26; 5.7
Júnio Bruto, Lúcio: 1.1; 11.22, 25
Júnio Bruto, Marco Suicida-se depois da derrota na batalha de Filipos, em 42 a.
C.: 1.2; 2.43; 3.76; 4.34, 35
Júnio Cilão: 12.21
Júnio Galião, Lúcio Aneu: 15.73; 16.17
Júnio Galião, Lúcio Aneu: 6.30
Júnio Lupo: 12.42
Júnio Marulo, Quinto: 14.48
Júnio Otão: 3.66
Júnio Otão: 6.47
Júnio Rústico: 5.4
Júnio Rústico Aruleno, Quinto Tribuno da plebe em 66 e pretor em 69, morto por
Domiciano em 93 ou 94: 16.26
Júnio Silano, Ápio Cônsul em 28: 4.68; 6.9; 11.29
Júnio Silano, Décimo: 3.24
Júnio Silano, Gaio: 3.66, 67, 68, 69; 4.15
Júnio Silano, Lúcio Trineto de Augusto pelo lado da mãe (Lépida), irmão de Júnia
Calvina: 12.3, 4, 8; 13.1
Júnio Silano, Marco Cônsul em 19: 2.59
Júnio Silano, Marco Trineto de Augusto, neto de Júlia Menor, irmã de Agripina
Maior: 13.1
Júnio Silano, Marco: 3.24, 57, 59; 5.10; 6.2, 20
Júnio Silano Torquato, Décimo: 12.58; 15.35; 16.8, 12
ÍNDICE E NOTAS 455

Júnio Silano Torquato, Lúcio: 15.52; 16.7, 8, 9, 12, 22


Júnios (família): 3.24, 69; 15.35; 16.12
Juno: 4.14; 15.44
Júpiter: 1.73; 2.22, 32; 3.58, 61, 62 (Salamínio); 4.56, 57; 6.25; 13.24; 15.23
(Capitolino), 41 (Estator), 64, 74 (Víndex); 16.35
Juvenais (jogos, festas) Celebrados no dia 1 de Janeiro: 14.15; 15.33; 16.21
Labeão v. Antístio Labeão; Catécio Labeão; Pompónio Labeão; Titídio Labeão
Lacedemónios Habitantes de Esparta, na Grécia: 4.43; 11.24; v. Espartanos
Lacínio Laciar: 4.68, 69, 71; 6.4
Lacínio Pandusa: 2.66
Lácio Região em torno de Roma (act. Lazio): 4.5; 11.23; 15.32
Lácon: 6.18
Langobardos v. Longobardos
Lanúvio Cidade nos montes Albanos, a Sul de Roma: 3.48
Laodiceia Cidade costeira da Ásia Menor, na Síria, a Norte de Cipro: 2.79
Laodiceia Cidade da Frígia, na Ásia Menor: 4.55, 14.27
Largo Cecina Cônsul em 42: 11.33, 34
Latona: 3.61; 12.61
Lecânio, Gaio: 15.33
Legerda Praça-forte a Norte do rio Tigre, a Noroeste de Tigranocerta: 14.25
Lélia: 15.22
Lélio Balbo: 6.47, 48
Lêntulo v. Cornélio Lêntulo
Lépida v. Júnia Lépida
Lépido v. Emílio Lépido
Leptitanos Habitantes de Léptis, cidade costeira no Norte de África: 3.74
Lesbos Ilha grega no mar Egeu: 2.54; 6.3
Libão Druso, Marco Escribónio Neto de Pompeio Magno, era sobrinho-neto de
Escribónia e, assim, primo de Gaio César, Lúcio César, Agripa Póstumo e de
Júlia Menor e de Agripina Maior: 2.27, 28, 29, 30, 31, 32; 4.29, 31; 6.10
Líbero: 2.49; 3.61; 4.38
Líbia Designação grega para o Norte de África fora do Egipto; a região foi dividida
entre a Marmárica e a Cirenaica: 2.60
Lícia / Lícios Região montanhosa da Ásia Menor, no Sul da Anatólia (Sudoeste da
act. Turquia), habitada pelos Lícios: 2.60, 79; 13.33
Licínio Crasso, Marco Cônsul em 70 e 55 a. C.: 1.1; 2.2
Licínio Crasso Frúgi, Marco Cônsul em 27: 4.62
Licínio Crasso Frúgi, Marco Cônsul em 64, filho do anterior: 15.33
Licínio Gábolo: 14.12
Licínio Luculo, Lúcio Cônsul em 74 a. C.: 4.36; 6.50; 11.1, 32, 37; 12.62; 13.34;
15.14, 27
Licurgo: 3.26
Lídia / Lídios Região dos Lídios que pertencia à província romana da Ásia, a Oeste
da Ásia Menor (act. Turquia): 3.61; 4.55
456 ANAIS

Ligdo: 4.8, 10, 11


Ligúria Território entre o Leste de Marselha e o rio Pó, a Noroeste de Itália e a
Sudeste de França: 16.15
Limnas Cidade grega no Sudoeste do Peloponeso, entre a Lacónia e a Messénia:
4.43
Lino Cantor mítico: 11.14
Líris Rio que nasce nos Apeninos e desagua no lago Fúcino: 12.56
Lívia v. Júlia Augusta; Livila
Livila Chamada de Lívia por Tácito: 2.43, 84; 3.34, 56; 4.3, 10, 12, 39, 40, 60; 6.2,
29
Livineio Régulo: 3.11
Livineio Régulo: 14.17
Lívio, Tito: 4.34
Lívio Druso, Marco Tribuno da plebe em 91 a. C.: 3.27
Lívios (família): 5.1; 6.51
Locusta: 12.66; 13.15
Lólia Paulina: 12.1, 2, 22; 14.12
Lólio, Marco Derrotado em 16 a. C. pelos Sicambros, deixou cair a águia da quinta
legião em poder dos vencedores: 1.10; 3.48; 12.1
Londínio Cidade nas margens do rio Tamisa (act. Londres): 14.33
Longino v. Cássio Longino
Longo v. Lucílio Longo
Longobardos Povo germânico, vizinho dos Queruscos, que vivia junto ao rio Elba:
2.45, 46; 11.17
Lua: 1.28; 15.41
Lucânia Região montanhosa a Sul de Itália: 11.24
Lucânio Laciar Talvez Lacínio Laciar (v.)
Lucano Aneu, Marco Poeta latino, autor da Farsália, cujos versos 3.635 e 9.805
terá declamado no momento da morte: 15.49, 56, 58, 70, 71; 16.17
Lucílio: 1.23
Lucílio Capitão: 4.15
Lucílio Longo: 4.15
Lúcio Telesino, Gaio Cônsul em 66: 16.14
Lucrécio v. Espúrio Lucrécio
Lucrino Lago entre Putéolos e Baias, na Campânia, transformado em enseada por
Agripa: 14.5
Luculo v. Licínio Luculo
Lugdunense v. Gália
Lugduno / Lugdunenses Cidade (act. Lyon) dos Lugdunenses localizada na con-
fluência dos rios Ródano e Saône, capital da província da Gália Lugdunense,
onde nasceu Cláudio: 3.41; 16.13
Lúgios Povo provavelmente de origem germânica que vivia entre os Gotões e os
Hermúnduros: 12.29, 30
Lúpia Rio da Germânia (act. Lippe): 1.60; 2.7
ÍNDICE E NOTAS 457

Lupo v. Cornélio Lupo; Cúrcio Lupo; Júnio Lupo


Lúrio Varo: 13.32
Lúsio Geta: 11.31, 33; 12.42
Lúsio Saturnino: 13.43
Lusitânia v. Hispânia
Macedónia / Macedónios Província romana entre o mar Adriático e o Egeu, a
Norte da Acaia, habitada pelos Macedónios: 1.76, 80; 2.47, 55; 3.38, 61; 4.43,
55; 5.10; 6.28, 31, 41; 12.62
Mácios (família): 12.60
Macrina v. Pompeia Macrina
Mácron v. Pompeio Mácron; Sertório Mácron, Nerva
Mágio Ceciliano: 3.37
Magnésia / Magnetes Cidade da Ásia Menor (act. Turquia), junto do rio Meandro,
habitada pelos Magnetes: 2.47; 3.62; 4.55
Málorix: 13.54
Malovendo: 2.25
Maluginense v. Cornélio Lêntulo Maluginense, Sérvio
Mamerco v. Emílio Escauro
Mâmio Polião: 12.9
Mância v. Curcílio Mância
Mânio Acílio v. Acílio Avíola
Mânlio: 2.50
Mânlio Valente, Tito: 12.40
Mânlios (família): 3.76
Marcelo v. Asínio Marcelo; Cláudio Marcelo; Éprio Marcelo; Grânio Marcelo
Marcelo Cornélio: 16.8
Marcelo Esernino v. Esernino Marcelo
Márcia Prima de Augusto: 1.5
Marcial v. Cornélio Marcial
Marciano v. Grânio Marciano
Márcio, Públio: 2.32
Márcio Bárea Sorano, Quinto: 12.53; 16.21, 23, 30, 32, 33
Márcio Festo: 15.50
Márcio Filipo, Lúcio Construtor de um templo: 3.72
Márcio Numa: 6.11
Marcomanos Povo germânico que vivia entre os rios Elba e Danúbio: 2.46, 62
Mardos Povo que vivia a Sul do mar Cáspio, junto do golfo Pérsico: 14.23
Marino v. Júlio Marino
Mário, Gaio Cônsul sete vezes: 1.9; 12.60
Mário, Públio: 14.48
Mário, Sexto: 4.36; 6.19
Mário Celso Cônsul em 69: 15.25
Mário Nepos: 2.48
Maro Rio da Europa Central (act. Morava): 2.63
458 ANAIS

Marobóduo: 2.26, 44, 45, 46, 62, 63, 88; 3.11


Marso v. Víbio Marso
Marsos Povo germânico que vivia a Sul do rio Lippe (act. Alemanha): 1.50, 56; 2.25
Marte: 2.22, 32, 64; 3.18, 58; 13.8, 57
Martina 2.74; 3.7
Marulo v. Júnio Marulo
Massília / Massilienses Cidade de origem grega, na costa mediterrânica, a Sudeste
de França (act. Marselha), habitada pelos Massilienses: 4.43, 44; 13.47; 14.57
Mátio Cidade dos Catos onde viviam os Matíacos, a Norte dos rios Reno e Main
(act. Wiesbaden, na Alemanha): 1.56; 11.20
Mauritânia / Mouros Território norte-africano (act. Marrocos), onde habitavam os
Mouros, que se estendia da província romana de África até ao oceano Atlântico:
2.52; 4.5, 23, 24; 14.28
Máximo Escauro: 15.50
Máximo v. Cesénio Máximo; Fábio Máximo; Sanquínio Máximo; Trebélio Máximo
Mazipa: 2.52
Mecenas v. Cílnio Mecenas
Medeia: 6.34
Média / Medos Território montanhoso no Sudoeste do mar Cáspio, habitado pelos
Medos: 2.4, 56, 60; 6.34; 12.14; 13.41; 14.26; 15.2, 31
Meerdates: 11.10; 12.10, 11, 12, 13, 14
Mela v. Aneu Mela
Melitene Região no centro da act. Turquia: 15.26
Mémio Régulo, Gaio Cônsul em 63: 15.23
Mémio Régulo, Públio Cônsul sufecto em 31: 5.11; 6.4; 12.22; 14.47
Mémnon Herói mítico filho de Titono e da Aurora: 2.61
Menelau: 2.60
Mercúrio: 13.57
Mérula v. Apídio Mérula; Cornélio Mérula
Mésia / Mésios Região entre o baixo Danúbio e o mar Negro (act. Sérvia e Bulgá-
ria), habitada pelos Mésios: 1.80; 2.66; 4.5, 47; 6.29; 15.6
Mesopotâmia Região cujo nome significa «país entre dois rios»; localiza-se entre o
Tigre e o Eufrates: 6.36, 37, 44; 12.12
Messala Corvino, Marco Valério: 3.34; 4.34; 6.11; 11.6, 7; 13.34
Messala Vóleso: 3.68
Messalina v. Estatília Valéria Messalina
Messalino v. Aurélio Cota Messalino
Messénios Habitantes da Messénia, região sudoeste do Peloponeso, na Grécia: 4.43
Metelo v. Cecílio Metelo
Mileto / Milésios Cidade a Sudoeste da Ásia Menor (act. Turquia), na foz do rio
Meandro, habitada pelos Milésios: 2.54; 3.63; 4.43, 55
Mílico: 15.54, 55, 59, 71
Minerva: 13.24; 14.12
Minos: 3.26
ÍNDICE E NOTAS 459

Minúcio Termo: 16.20


Minúcio Termo: 6.7
Mirina Cidade de Mísia, no Oeste da Ásia Menor: 2.47
Miseno Cidade portuária localizada a Noroeste da Baía de Nápoles, perto de Baias:
4.5; 6.50; 14.3, 4, 9, 62; 15.46, 51
Mitilene Cidade da ilha de Lesbos, no mar Egeu: 6.18; 14.53
Mitridates: 6.32, 33; 11.8, 9; 12.44, 45, 46, 47, 48
Mitridates, o Grande Rei do Ponto que promoveu três guerras contra Roma, em
88-84, 83-81 e em 74-63 a. C., aproximadamente: 2.55; 3.62, 73; 4.14, 36, 56
Mitridates do Bósforo: 12.15, 26, 17, 18, 19, 20, 21
Mnester: 11.4, 36
Mnester: 14.9
Mona Ilha britânica a Noroeste do País de Gales (act. Anglesey): 14.29
Moneses: 15.2, 4, 5
Monóbazo: 15.1, 14
Montano v. Cúrcio Montano; Júlio Montano; Traulo Montano; Vocieno Montano
Mosa Rio Meuse (com nascente em França e foz no mar do Norte, atravessa a
Bélgica e os Países Baixos): 2.6; 11.20
Mosco v. Vulcácio Mosco
Moscos Povo que habitava o Noroeste da Arménia, a Sul da act. Geórgia: 13.37
Mosela Rio Moselle (nasce em França e na Alemanha torna-se afluente do Reno):
13.53
Mostele Cidade da Lídia, na Ásia Menor: 2.47
Múcilo v. Pápio Múcilo
Múmio, Lúcio Cônsul em 146 a. C.; conquistador de Corinto, recebeu o triunfo
sobre a Acaia em 145 a. C.: 4.43; 14.21
Munácio Grato: 15.50
Munácio Planco, Lúcio Cônsul em 13: 1.39; 2.32
Musa v. Emília Musa
Musónio Rufo: 14.59; 15.71
Musulâmios Povo do Norte de África: 2.52; 4.24
Mutília Prisca: 4.12
Nabateus Povo que vivia na Nabateia, região noroeste da Arábia, cuja principal
cidade era Petra (act. Jordânia): 2.57
Nar Rio Nera, afluente do Tibre, com nascente nos Apeninos, percorre a Úmbria:
1.79; 3.9
Narciso: 11.29, 30, 33, 34, 35, 37, 38; 12.1, 2, 57, 65, 66; 13.1
Nárnia Cidade da Úmbria, na Itália, junto do rio Nar: 3.9
Nasão v. Valério Nasão
Nasica v. Césio Nasica
Nata v. Pinário Nata
Natal v. António Natal
Nauporto Cidade na Alta Panónia (act. Eslovénia): 1.20
Naxos Ilha grega pertencente às Cíclades, no mar Egeu: 16.9
460 ANAIS

Neápolis Cidade de origem grega (act. Nápoles) localizada na costa sul italiana, na
Campânia: 14.10; 15.33; 16.10
Németes Povo germânico que habitava junto à act. Espira, no estado da Renânia-
-Palatinato (Alemanha): 12.27
Nepos v. Flávio Nepos; Mário Nepos
Neptuno: 3.63
Nero v. Cláudio Nero
Nero Lúcio Domício Aenobarbo, nascido em 37, mais tarde Nero Cláudio Druso
Germânico César, imperador entre 54 e 68: 1.1; 4.53; 5.1; 6.22; 11.11; 12.2, 3,
8, 9, 25, 26, 41, 58, 64, 65, 68, 69; 13.1, 2, 3, 5, 7, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16,
17, 18, 19, 20, 21, 22, 25, 27, 29, 31, 33, 34, 37, 41, 42, 45, 46, 47, 49, 50, 52,
54; 14.1, 2, 3, 4, 7, 9, 10, 11, 12, 18, 21, 22, 26, 27, 29, 31, 38, 39, 40, 45, 47,
48, 49, 50, 51, 52, 53, 55, 57, 58, 59, 60, 61, 62, 63, 65; 15.3, 8, 14, 16, 18, 22,
23, 25, 29, 30, 32, 33, 35, 39, 40, 42, 43, 44, 45, 46, 47, 48, 49, 50, 51, 52, 53,
55, 56, 57, 58, 59, 60, 61, 62, 64, 65, 67, 68, 69, 71, 72, 73, 74; 16.1, 2, 4, 7, 8,
9, 10, 11, 14, 15, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 30, 31
Nero Filho de Germânico e de Agripina: 2.41, 43; 3.29; 4.4, 8, 15, 17, 59, 60, 67,
70; 5.3, 4; 6.27
Neros: 1.28; 11.35
Nerulino v. Suílio Nerulino
Nerva v. Coceio Nerva
Nicefório Cidade da Mesopotâmia, junto ao rio Eufrates, fundada por Alexandre
Magno: 6.41
Nicefório Rio da Arménia, junto a Tigranocerta, um afluente do Tigre: 15.4
Nicópolis Cidade («da vitória») fundada por Augusto para comemorar a vitória em
Áccio (v.): 2.53; 5.10
Nigro v. Brutédio Nigro; Caspério Nigro; Vejânio Nigro
Nilo: 2.60, 61
Ninfídio Sabino, Gaio: 15.72
Nino Cidade de Nínive (act. Iraque): 12.13
Nísibis Cidade mesopotâmica da Ásia Menor (act. Turquia), na fronteira com a
Síria: 15.5
Nola Cidade da Campânia, junto de Nápoles, no Sul de Itália: 1.5, 9; 4.57
Nónio, Gneu: 11.22
Nónio Asprenate, Lúcio Cônsul sufecto em 6; sobrinho de Quintílio Varo: 1.53;
3.18
Norbano Balbo, Lúcio Cônsul em 19: 2.59
Norbano Flaco, Gaio Cônsul em 15: 1.55
Nórico Província romana no Leste dos Alpes (act. Áustria, a Sul do Danúbio e a
Oeste de Viena, e uma pequena porção da Eslovénia), entre a Récia e a Panónia:
2.63
Nóvio Prisco: 15.71
Nucéria Cidade da Campânia, no sopé do monte Albino: 13.31; 14.17
Numa Márcio v. Mário Numa
ÍNDICE E NOTAS 461

Numa Pompílio: 3.26; 15.41


Numância Praça-forte junto do act. rio Douro: 15.13
Numantina, Fábia: 4.22
Numídia / Númidas Região norte-africana, entre as act. Argélia e Tunísia, habitada
pelos Númidas, a qual veio a fazer parte da província da África Proconsular:
2.52; 3.21; 4.23, 24, 25; 16.1
Obarito: 14.8
Obultrónio Sabino: 13.28
Oceano Grande mar, incluindo o mar do Norte, que na Antiguidade se pensava que
circundava a Terra: 1.70; 2.6, 8, 15, 23, 24; 4.72; 11.20; 13.53; 14.32, 39; 15.37
Ócia: 2.86
Octávia: 4.44, 75
Octávia Filha de Cláudio, irmã de Britânico: 11.32, 34; 12.2, 3, 9, 58, 68; 13.12,
16, 17, 18, 19; 14.1, 59, 60, 61, 62, 63
Octaviano v. Augusto
Octávio Pretor em 61, morreu em 58 a. C.: 1.9
Octávio Frontão: 2.33
Octávio Sagita: 13.44
Octávios (família): 4.44
Odrísios Povo trácio do Sul da act. Bulgária: 3.38
Ofónio Tigelino, Gaio: 14.48, 51, 57, 60; 15.37, 40, 50, 58, 61, 72; 16.14, 17, 18,
19, 20
Olénio: 4.72
Ólio, Tito: 13.45
Ópio, Gaio: 12.60
Ópsio, Marco: 4.68, 71
Ordovices Povo bretão que vivia no centro e Norte do act. País de Gales: 12.33
Órfito v. Cornélio Órfito; Pácio Órfito
Ornospades: 6.37
Orodes: 6.33, 34, 35
Ortígia: 3.61
Óstia Porto na foz do Tibre que servia Roma: 2.40; 11.26, 29, 31, 32; 15.39, 43;
16.9
Ostório Escápula, Públio Propretor da Britânia a partir de 47: 12.31, 32, 35, 38, 39
Ostório Escápula, Marco Filho do anterior: 12.31; 14.48; 16.14, 15
Ostório Sabino: 16.23, 30, 33
Otão v. Júnio Otão; Sálvio Otão
Otão, Marco Imperador em 69: 13.12, 45, 46; 14.1
Pácio Órfito: 13.36; 15.12
Paconiano v. Sêxtio Paconiano
Pacónio, Marco: 3.67
Pacónio Agripino, Quinto: 16.28, 29, 33
Pácoro: 15.2, 14, 31
Pacúvio: 2.79
462 ANAIS

Págida Rio no Norte de África: 3.20


Palácio Edifício onde residia o imperador, no monte Palatino: 1.13; 2.34, 37, 40;
6.23; 12.69; 13.5; 14.61; 15.39, 72
Palamedes Herói grego da guerra de Tróia, conhecido pela inteligência: 11.14
Palas: 11.29, 38; 12.1, 2, 25, 53, 54, 65; 13.2, 14, 23; 14.2, 65
Palatino (monte): 12.24; 15.38
Palpélio Clódio Quirinal, Públio: 13.30
Palpélio Histro: 12.29
Pâmenes: 16.14
Panda Rio da Cítia, na Ásia: 12.16
Pandatária Ilha da costa da Campânia, a Oeste da baía de Nápoles: 1.53; 14.63
Pandusa v. Lacínio Pandusa
Panfília: 2.79
Panónia / Panónios Situada na act. Hungria (incluindo algumas áreas da Áustria,
Eslovénia, Croácia e Jugoslávia), província do Danúbio, habitada pelos Panónios,
que originalmente fazia parte do Ilírico, vindo a tornar-se independente depois de
uma revolta em 6: 1.16, 31, 47, 52; 3.9; 4.5; 12.29, 30; 15.10, 25
Pansa v. Víbio Pansa
Pantuleio: 2.48
Papínio Alénio, Sexto: 6.40
Papínio Alénio, Sexto: 6.49
Pápio Mútilo, Marco Cônsul sufecto em 9: 2.32
Páris: 13.19, 20, 21, 22, 27
Parrace: 12.14
Partos Povo que vivia no território do act. Irão e países vizinhos, entre o Eufrates e
o Indo: 2.1, 2, 3, 4, 56, 57, 58, 60, 62; 6.14, 31, 32, 33, 34, 35, 36, 41, 42, 43;
11.8, 9, 10; 12.10, 11, 12, 14, 44, 49, 50; 13.6, 7, 34, 37; 14.25, 26; 15.1, 4, 7, 9,
10, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 24, 25, 27, 29
Passieno v. Salústio Crispo
Patávio Cidade no Norte de Itália (act. Pádua, a Oeste de Veneza): 16.21
Paulina v. Lólia Paulina; Pompeia Paulina
Paulo v. Emílio Paulo; Véneto Paulo
Paxeia: 6.29
Pedânio Secundo, Lúcio: 14.42, 43
Pedão, Albinovano: 1.60
Pédio Bleso: 14.18
Pélagon: 14.59
Peligno v. Júlio Peligno
Peloponeso Principal península da Grécia que fazia parte da província da Acaia:
4.43, 55
Pélops: 4.55
Pénio Póstumo: 14.37
Percénio: 1.16, 17, 28, 29, 31
Pérgamo Cidade da Mísia, na Ásia Menor (act. Turquia): 3.63; 4.37, 55; 16.23
ÍNDICE E NOTAS 463

Perinto Cidade portuária dos Samieus, no mar de Mármara (act. Turquia): 2.54
Perpena, Marco Cônsul em 130 a. C., venceu Aristonico em 129 a. C., opositor à
integração de Pérgamo no império romano (decidida em 133 a. C. por Átalo III):
3.62
Persas Habitantes do império entre o rio Indo e o mar Mediterrâneo, e entre o
Cáucaso e o oceano Índico: 2.60; 3.61; 6.31; 12.13
Perseu Rei da Macedónia vencido por Emílio Paulo em 168 a. C., na batalha de
Pidna: 4.55; 12.38, 62
Perúsia Cidade da Úmbria, no centro de Itália; aí aconteceu em 41/40 a. C. uma
guerra entre Octaviano e Lúcio António (irmão de Marco António): 5.1
Petílio Cerial, Quinto Cônsul em 70 e em 74: 14.32, 33
Petílio Rufo: 4.68
Petina v. Élia Petina
Peto v. Trásea Peto
Peto: 13.23
Petra: 11.4
Petrónio, Públio Cônsul sufecto em 19, marido de Pláutia e sogro de Vitélio: 3.49;
6.45
Petrónio, Tito: 16.17, 18, 19, 20
Petrónio Prisco: 15.71
Petrónio Turpiliano, Públio: 14.29, 39; 15.72
Piceno Território da Itália central, na costa do mar Adriático: 3.9
Pinário Nata: 4.34
Pio Aurélio: 1.75
Píramo Rio da Ásia Menor, que corre entre o monte Tauro e a Cilícia, até ao act.
golfo de Iskenderun: 2.68
Pireu Porto de Atenas: 5.10
Pirro Rei do Epiro e da Macedónia no fim do século IV e início do III a. C.; foi
derrotado pelos Romanos em Benevento no ano de 275 a. C., depois de ter ven-
cido em 280 e em 279 a. C.: 2.63, 88
Pisão v. Calpúrnio Pisão
Pisão, Marco: 3.18
Pitágoras: 15.37
Pituânio, Lúcio: 2.32
Placência Cidade no Norte de Itália, junto ao rio Pó: 15.47
Planásia Ilha italiana a Sudoeste da ilha de Elba, na costa tuscana (act. Pianosa):
1.3, 5; 2.39
Plancina Irmã de Munácio Planco: 2.43, 55, 57, 58, 71, 74, 75, 80, 82; 3.9, 13, 15,
16, 17, 18, 33; 6.26
Planco v. Munácio Planco
Pláucio Laterano, Quinto: 11.30, 36; 13.11; 15.49, 53, 60
Pláucio Silvano, Aulo: 11.36; 13.32
Pláucio Silvano, Marco: 4.22
Pláucio Silvano, Quinto Cônsul em 36: 6.40
464 ANAIS

Plauto v. Rubélio Plauto


Plínio, Gaio Plínio-o-Velho: 1.69; 13.20; 15.53
Pólemon (I) Rei do Ponto morto em 8 a. C., sucedendo-lhe a mulher: 2.56
Pólemon (II): 14.26
Polião v. Ânio Polião; Asínio Polião; Célio Polião; Domício Polião; Júlio Polião;
Mâmio Polião; Védio Polião
Policlito: 14.39
Polita v. Antístia Polita
Pompeia Macrina Talvez irmã de Pompeio Macro: 6.18
Pompeia Paulina: 15.60, 63, 64
Pompeio, Sexto Filho de Pompeio Magno, foi vencido em 36 a. C. pelas forças de
Agripa e de Lépido: 1.2, 10; 5.1
Pompeio, Sexto: 1.7; 3.11, 32
Pompeio Eliano: 14.41
Pompeio Galo, Gaio: 12.5
Pompeio Macro Acusado, morre em 33: 1.72; 6.18
Pompeio Magno, Gneu General romano opositor de Júlio César na guerra civil; em
67 a. C. travou na Cilícia a luta contra piratas: 1.1; 2.27; 3.22, 23, 28, 72; 4.7,
34; 6.18, 45; 12.62; 13.6, 34, 54; 14.20; 15.14, 25
Pompeio Paulino: 13.53; 15.18
Pompeio Silvano, Marco: 13.52
Pompeio Úrbico: 11.35
Pompeiópolis: 2.58
Pompeios: 14.17; 15.22
Pompónia Grecina: 13.32
Pompónio Ático, Tito: 2.43
Pompónio Flaco, Lúcio Cônsul em 17, governador da Síria depois de Lâmia, em
32: 2.32, 41, 66; 6.27
Pompónio Labeão: 4.47; 6.29
Pompónio Secundo, Públio Autor de tragédias, act. perdidas: 5.8; 6.18; 11.13; 12.27,
28
Pompónio Secundo, Quinto: 6.18; 13.43
Pôncia Postúmia: 13.44
Pôncio Fregelano: 6.48
Pôncio Nigrino, Gaio Cônsul de 37: 6.45
Pôncio Pilatos: 15.44
Pôntico v. Valério Pôntico
Pontinas (lagoas) Drenadas no século XX, localizavam-se a Sul de Roma, na Itália:
15.42
Ponto (Euxino) Mar Negro: 2.54; 12.63; 13.39
Ponto Província romana na costa sul do mar Negro: 2.56; 12.21; 15.6, 26
Popeia Sabina: 11.2, 4; 13.43, 45
Popeia Sabina: 13.45, 46; 14.1, 59, 60, 61, 63, 64, 65; 15.23, 61, 71; 16.6, 7, 21, 22
ÍNDICE E NOTAS 465

Popeu Sabino, Gaio Cônsul em 9, legado na Mésia de 12 a 35: 1.80; 4.46, 47, 48,
49, 50; 5.10; 6.39; 13.45
Pórcio Catão, Marco Cônsul em 195 a. C.; Censor, acusou Sérvio Galba em 149 a.
C.: 3.66; 4.56
Pórcio Catão, Marco: 3.76; 4.34; 16.22
Pórcios (família): 11.24
Postúmio, Aulo: 2.49
Postúmio, Aulo Cônsul em 242 a. C.: 3.71
Póstumo v. Agripa Póstumo; Júlio Póstumo; Pénio Póstumo
Potito v. Valério Potito
Prasutago: 14.31
Preneste Cidade no centro de Itália, a Leste de Roma: 15.46
Primo v. António Primo
Prisca v. Mutília Prisca
Prisco v. Ancário Prisco; Helvídio Prisco; Mário Prisco; Nóvio Prisco; Petrónio
Prisco; Tarquínio Prisco; Tarquício Prisco
Proculeio, Gaio: 4.40
Próculo v. Cervário Próculo; Céstio Próculo; Consídio Próculo; Tício Próculo;
Volúsio Próculo
Propércio Célere: 1.75
Propôntide Mar de Mármara, entre o mar Egeu e o mar Negro: 2.54
Prosérpina: 1.49 (identificada com Líbera); 15.44
Próximo v. Estácio Próximo
Ptolemeu: 4.23, 24, 26
Ptolemeu (III) Rei do Egipto entre 246 e 221 a. C.: 6.28
Ptolemeu (V): 2.67
Publício, Lúcio: 2.49
Publício, Marco: 2.49
Publícola v. Gélio Publícola
Pulcra v. Cláudia Pulcra
Putéolos / Puteolanos Cidade no Sul de Itália, na Campânia, na costa oeste de
Nápoles habitada pelos Puteolanos: 13.48; 14.27; 15.51
Quados Povo germânico que vivia no território da act. Morávia e Hungria: 2.63
Quadrato v. Sejo Quadrato; Umídio Quadrato
Querquetulano v. Célio (monte)
Queruscos Povo germano comandado por Armínio que vivia junto do rio Weser
(act. Alemanha): 1.56, 59, 60, 64; 2.9, 11, 16, 17, 19, 26, 41, 44, 45, 46; 11.16,
17; 12.28; 13.55, 56
Quieto v. Cluvidieno Quieto
Quinciano v. Afrânio Quinciano
Quíncios (família): 3.76
Quinta v. Cláudia Quinta
Quintiliano: 6.12
Quintílio Varo: 4.66
466 ANAIS

Quintílio Varo, Públio: 1.3, 10, 43, 55, 57, 58, 59, 60, 61, 65, 71; 2.7, 15, 25, 41,
45, 46, 66; 12.27
Quirinal v. Clódio Quirinal
Quirínio Sulpício, Públio Cônsul em 12 a. C., legado da Síria em 4-3 a. C.: 2.30;
3.22, 23, 48
Quirino: 3.58; 4.38
Radamisto: 12.44, 45, 46, 47, 48, 49, 50, 51; 13.6, 37
Ramsés (II) Rei do Egipto no século XIII a. C.: 2.60
Ravena Cidade portuária do mar Adriático, na costa norte de Itália: 1.58; 2.63; 4.5,
29; 13.30
Reatinos Habitantes de Reate, cidade sabina no centro de Itália: 1.79
Rebilo v. Canínio Rebilo
Récia / Récios Província nos Alpes, fronteira com o Nórico, a Gália e a Germânia
(territórios da act. Suíça, Bavária e Tirol austríaco), onde habitavam os Récios:
1.44; 2.17
Régio Colónia grega fundada em 720 a. C. no Sul de Itália: 1.53
Régulo v. Livineio Régulo; Mémio Régulo
Remetalces (I) Rei da Trácia, morreu em 12: 2.64
Remetalces (II) Rei da Trácia entre 19 e 26: 2.67; 3.38; 4.5, 47
Rémio: 2.68
Remo: 13.58
Reno Rio da Europa central que nasce nos Alpes e desagua no mar do Norte,
atravessando a Suíça, o Liechtenstein, a Áustria, a Alemanha, a França e os Paí-
ses Baixos: 1.3, 31, 32, 36?, 37, 40, 45, 49, 56, 57, 59, 63, 67, 69; 2.6, 7, 14, 22,
83; 3.41; 4.5, 72, 73; 11.18, 19, 20; 12.27; 13.53, 54, 56
Rescúporis: 2.64, 65, 66, 67; 3.38
Ródano Rio na Suíça e Sudeste da França: 13.53
Rodes / Ródios Ilha grega do mar Egeu habitada pelos Ródios: 1.4, 53; 2.42, 55;
3.48; 4.15, 57; 6.10, 20, 51; 12.58
Roma / Romanos Cidade dos Romanos fundada no Lácio lendariamente a 21 de
Abril de 753 a. C. por Rómulo (v.). Seguiram-se os reis Numa Pompílio (v.), Tulo
Hostílio (v.), Anco Márcio (v.), Tarquínio Prisco (v.), Sérvio Túlio (v.) e
Tarquínio, o Soberbo (v.), expulso em 509 a. C., ano da fundação da República;
confunde-se por vezes com o próprio estado ou a opinião pública: 1.1, 4, 7, 9,
10, 16, 30, 31, 44, 53, 56, 58, 60, 64, 76, 80; 2.1, 2, 14, 16, 25, 26, 30, 34, 40,
42, 44, 45, 46, 49, 50, 51, 52, 56, 58, 60, 63, 64, 66, 67, 72, 74, 76, 79, 81, 82,
83, 88; 3.2, 4, 5, 7, 8, 9, 11, 16, 19, 21, 24, 28, 34, 36, 37, 40, 44, 45, 46, 47, 50,
59, 60, 61, 62, 64, 65, 71, 76; 4.2, 5, 9, 17, 21, 23, 25, 26, 27, 29, 34, 36, 37, 41,
43, 51, 52, 54, 55, 56, 57, 58, 63, 64, 67, 69, 74, 75; 5.1; 6.1, 2, 3, 5, 10, 11, 14,
15, 16, 27, 29, 30, 31, 32, 36, 37, 38, 39, 41, 45, 47, 49, 51; 11.1, 9, 11, 13, 16,
17, 21, 22, 23, 25, 30; 12.10, 11, 14, 15, 18, 19, 21, 23, 24, 28, 36, 41, 43, 44,
45, 48, 56, 58, 60; 13.3, 8, 21, 22, 24, 25, 30, 33, 34, 37, 41, 42, 45, 47, 51, 54,
56; 14.12, 13, 14, 17, 20, 21, 22, 25, 26, 35, 38, 40, 41, 42, 43, 51, 53, 57, 59,
ÍNDICE E NOTAS 467

61, 64; 15.1, 2, 13, 14, 18, 22, 24, 27, 29, 31, 33, 36, 37, 38, 39, 40, 41, 44, 45,
48, 52, 58, 60, 71, 73; 16.1, 4, 5, 13, 16, 22, 23, 28
Românio Hispão: 1.74
Romano: 14.65
Romúlio v. Dentre Romúlio
Rómulo Fundador lendário de Roma, divinizado depois da morte: 3.26; 4.9; 6.11;
11.24, 25; 12.24; 13.58; 15.41
Rubélio Blando, Gaio Cônsul sufecto em 18: 3.23, 51; 6.27, 45
Rubélio Gémino, Lúcio: 5.1
Rubélio Plauto: 13.19, 20, 21, 22; 14.22, 57, 58, 59, 60; 16.10, 23, 30, 32
Rúbrio Fabato: 6.14
Rúbrio: 1.73
Rufila v. Ânia Rufila
Rufino v. Vinício Rufino
Rufo v. Aufidieno Rufo; Cádio Rufo; Clúvio Rufo; Cúrcio Rufo; Fénio Rufo;
Hélvio Rufo; Musónio Rufo; Petílio Rufo; Sulpício Rufo; Trebeleno Rufo; Ver-
gínio Rufo
Rúfrio Crispino: 11.1, 4; 12.42; 13.45; 15.71; 16.17
Rusão v. Abúdio Rusão
Rústico, Fábio: 13.20; 14.2; 15.61
Rústico Aruleno v. Júnio Rústico Aruleno
Rutílio Rufo, Públio Condenado em 93/92 a. C. por extorsão: 3.66; 4.43
Sabina v. Popeia Sabina
Sabino v. Calvísio Sabino; Calávio Sabino; Ninfídio Sabino; Ostório Sabino;
Popeu Sabino; Tício Sabino
Sabinos Povo que vivia na região dos Apeninos, a Nordeste de Roma: 1.54; 4.9;
11.24
Sabrina Act. rio Severn, no País de Gales: 12.31
Sacerdote v. Carsídio Sacerdote
Sacróviro v. Júlio Sacróviro
Sagita v. Octávio Sagita
Salieno Clemente: 15.73
Salonino v. Asínio Salonino
Salus Deusa da Salvação: 15.53, 74
Salústio Crispo, Gaio: 1.6; 2.40; 3.30
Salústio Crispo, Gaio: 3.30; 13.47
Salústio Crispo Passieno, Gaio: 6.20
Salviano v. Calpúrnio Salviano
Sálvio Otão, Lúcio Cônsul em 52: 12.52
Sálvio Otão, Marco v. Otão
Samaritanos Povo de Samaria, uma região montanhosa entre a Galileia e a Judeia,
na Palestina: 12.54
Sâmbulos Cordilheira no act. Irão: 12.13
Sâmio: 11.5
468 ANAIS

Samnitas Povo que habitava a região a Sul dos Apeninos: 11.24; 15.13
Samos Ilha do mar Egeu, na costa ocidental da Ásia Menor: 4.14; 6.12
Samotrácia Ilha no Nordeste do mar Egeu: 2.54
Sância: 6.18
Sangúnio, Lúcio: 6.7
Sanquínio Máximo Legado da Baixa Germânia: 6.4; 11.18
Sântones Povo que vivia no Oeste da Gália, na act. região de Saintes: 6.7
Sardínia Ilha no mar Mediterrâneo (act. Sardenha): 2.85; 13.30; 14.62; 16.9, 17
Sárdis / Sardianos Principal cidade do reino da Lídia, habitada pelos Sardianos;
veio a ser integrada na província romana da Ásia: 2.47; 3.63; 4.55
Sármatas Tribos nómadas germânicas: 6.33, 35; v. Jáziges
Sátria Gala: 15.59
Sátrio Secundo: 4.34; 6.8, 47
Saturnais: 13.15
Saturnino v. Apuleio Saturnino; Lúsio Saturnino
Saturno: 2.41; 13.15
Saufeio Trogo: 11.35
Secundo v. Pedânio Secundo; Pompónio Secundo; Sátrio Secundo; Víbio Secundo
Secundo Carrinate: 15.45
Segestanos Habitantes de Segesta, cidade da Sicília: 4.43
Segestes: 1.55, 57, 58, 59, 71
Segimero: 1.71
Segismundo: 1.57
Sejano v. Élio Sejano
Sejo Estrabão, Lúcio: 1.7, 24; 4.1
Sejo Quadrato: 6.7
Sejo Tuberão, Lúcio Cônsul em 18: 2.20; 4.29
Seleuceia Cidade fundada em 301 a. C. por Seleuco I perto da act. Bagdade, no
Iraque: 6.42, 44; 11.8, 9
Seleuceia Porto de Antioquia (act. Turquia): 2.69
Seleuco (I) Fundador da dinastia Selêucida: 6.42
Sémnones Povo germânico que habitava a região entre o Elba e o Oder: 2.45
Semprónio Graco: 1.53; 4.13
Semprónio Graco: 6.16
Semprónio Graco, Gaio: 4.13; 6.38
Semprónio Graco, Gaio Irmão de Tibério Graco, tribuno da plebe em 123 a. C.:
3.27
Semprónio Graco, Tibério Tribuno da plebe em 133 a. C.: 3.27
Sêncio Saturnino, Gneu: 2.74, 76, 77, 79, 80, 81; 3.7
Séneca v. Aneu Séneca
Senecião v. Cláudio Senecião
Sénones Povo gaulês que habitava a Úmbria; em 390 a. C., conseguiram invadir
Roma: 11.24; 15.41
Septímio: 1.32
ÍNDICE E NOTAS 469

Séquanos Povo gaulês da região entre o Saône e o Ródano: 3.45, 46


Sereno v. Aneu Sereno; Víbio Sereno
Serifos Ilha a Oeste das Cíclades, no mar Egeu: 2.85; 4.21
Sertório, Quinto Resistente na Hispânia entre 80 e 73 a. C.: 3.73
Sertório Mácron, Névio: 6.15, 23, 29, 38, 45, 46, 47, 48, 50
Serveu, Quinto: 2.56; 3.13, 19; 6.7
Servília: 16.30, 33
Servílio: 6.29, 30
Servílio Isáurico, Públio Cônsul em 48 a. C., procônsul da Ásia em 46: 3.62
Servílio Noniano, Marco Cônsul em 3: 2.48; 3.22
Servílio Noniano, Marco Cônsul sufecto em 35 cujos jardins se situavam no
caminho entre Roma e Óstia: 6.31; 14.19; 15.55
Sérvio Cornélio: 12.41
Sérvio Túlio: 3.26; 15.41
Sesósis Talvez o faraó Seti I, que governou possivelmente entre 1318 e 1298 a. C.:
6.28
Severo v. Alédio Severo; Cecina Severo; Cássio Severo; Cúrcio Severo; Verulano
Severo
Severo: 15.42
Sêxtia: 6.29
Sêxtia: 16.10
Sêxtio Africano, Tito: 13.19; 14.46
Sêxtio Paconiano: 6.3, 39
Sibilinos (livros): 1.76; 6.12; 15.44
Sicília Ilha no mar Mediterrâneo: 1.2, 53; 2.59; 4.13; 6.12, 14; 12.23
Sídon: 12.29, 30
Siene Cidade no Sul do Egipto: 2.61
Sífax Príncipe númida derrotado por Cipião Africano em 201 a. C.: 12.38
Sigambros Povo germânico que vivia junto aos rios Ruhn e Lippe; submetidos em
8 a. C. por Tibério: 2.26; 4.47; 12.39
Silana v. Júnia Silana
Silano v. Crético Silano; Júnio Silano
Sília: 16.20
Sílio, Gaio: 1.31, 72; 2.6, 7, 25; 3.42, 43, 45, 46; 4.18, 19, 20; 11.35
Sílio, Gaio: 11.5, 6, 12, 26, 27, 29, 30, 31, 32, 34, 35, 36; 12.65; 13.19
Sílio Nerva, Aulo: 15.48
Sílio Nerva, Públio: 4.68
Silo v. Domício Silo
Sílures Povo do Sul do País de Gales comandado por Carátaco: 12.32, 33, 38, 39,
40; 14.29
Silvano v. Gávio Silvano; Pláucio Silvano; Pompeio Silvano
Simbruínas Lagoas (mas também montes) da Sabina, cuja água era levada para
Roma pelo aqueduto e fonte de Aqua Claudia: 11.13; 14.22
Simónides Poeta lírico que viveu entre os séculos VI e V a. C.: 11.14
470 ANAIS

Sinaces: 6.31, 32, 36, 37


Sinde Rio no Norte do act. Irão: 11.10
Sinuessa Cidade costeira no Noroeste de Nápoles: 12.66
Sípilo: 2.47
Síracos Povo que vivia junto ao mar Negro: 16.15, 16
Siracusanos Habitantes de Siracusa: 13.49
Síria Província romana a Leste da Cilícia, cuja capital era Antioquia: 1.42; 2.4, 42,
43, 55, 58, 60, 69, 70, 74, 77, 78, 79, 81, 82, 83; 3.16; 4.5; 5.10; 6.27, 31, 32, 37,
41, 44; 11.10; 12.11, 23, 45, 49, 54, 55; 13.8, 22, 35; 14.26; 15.3, 4, 5, 6, 9, 12, 17,
25, 26
Sírpico: 1.23
Sisena v. Estatílio Sisena Tauro
Sócrates (não nomeado) Filósofo grego condenado em 399 a. C. a tomar cicuta:
6.6; 15.64
Soemo: 12.23
Soemo: 13.7
Sofene Território a Leste do rio Eufrates, na Arménia (act. Turquia): 13.7
Sólon: 3.26
Sorano v. Márcio Bárea Sorano
Sósia Gala: 4.19, 20, 52
Sosiano v. Antístio Sosiano
Sosíbio: 11.1, 4
Soza Cidade incerta a Norte do mar Negro: 12.16
Subláqueo Cidade do Lácio, no centro de Itália, no Leste de Roma: 14.22
Súbrio Flavo: 15.49, 50, 58, 65, 67
Suetónio Paulino, Gaio Cônsul em 66: 14.29, 30, 32, 33, 34, 36, 38, 39; 16.14
Suevos Designação genérica de povos germânicos, como os Hermúnduros (v.),
Marcomanos (v.), Quados (v.) e Sénones (v.): 1.44; 2.26, 44, 45, 62, 63; 12.29
Suílio Cesonino: 11.36
Suílio Nerulino, Marco: 12.25; 13.43
Suílio Rufo, Públio: 4.31; 11.1, 2, 4, 5, 6; 13.42, 43
Sula v. Cornélio Sula; Fausto Sula
Sulpício Aspro: 15.49, 50, 68
Sulpício Camerino, Quinto Cônsul sufecto em 46: 13.52
Sulpício Galba, Gaio Cônsul em 22: 3.52; 6.40
Sulpício Galba, Sérvio Cônsul em 144 a. C: 3.66
Sulpício Galba, Sérvio Cônsul em 33, imperador entre 68 e 69: 3.55; 6.15, 20
Sulpício Quirínio, Públio v. Quirínio Sulpício, Públio
Sulpício Rufo: 11.35
Sulpícios (família): 3.48
Surena: 6.42
Surrento Cidade costeira da Campânia, na Itália: 4.67; 6.1
Tacfarinate: 2.52; 3.20, 21, 32, 73, 74; 4.13, 23, 24, 25, 26
Tácio, Tito: 1.54; 12.24
ÍNDICE E NOTAS 471

Tala Cidade do Norte de África: 3.21


Tâmesis Rio Tamisa, que atravessa a act. cidade de Londres: 14.32
Tánais Rio Don, a Sudoeste da Rússia que desagua no mar de Azov: 12.17
Tanfana Deusa mal conhecida: 1.51
Tântalo: 4.56
Tarento Cidade do Sudeste de Itália (act. Taranto): 1.10; 14.12, 27
Tário Graciano: 6.38
Tarpeia Rocha no Capitolino de onde eram atirados os prisioneiros condenados:
6.19
Tarquício Crescente: 15.11
Tarquínio Prisco: 4.65
Tarquício Prisco, Marco: 12.59; 14.46
Tarquínio Superbo: 3.27; 6.11; 11.22
Tarracina Cidade no Sul de Itália, no golfo de Gaeta (act. Terracina): 3.2
Tarragona Cidade da Hispânia Tarraconense, no Sudeste da act. Espanha: 1.78
Tarsa: 4.50
Tauno Cordilheira da act. Alemanha: 1.56; 12.28
Tauraunites Povo que habitaria junto ao monte Tauro: 14.24
Tauro v. Estatílio Tauro
Tauro Monte e cordilheira no Sul da Ásia Menor (act. Turquia): 6.41; 12.49; 15.8, 10
Tauros Povo que habitava a costa sul da Crimeia: 12.17
Tebas Cidade egípcia: 2.60
Tédio (?) Nome reconstruído em segmento corrompido do texto: 1.10
Télamon: 3.62
Teléboas Habitantes originários das ilhas Telebóides, na costa da Acarnânia, a
Noroeste da Grécia: 4.67
Telesino v. Lúcio Telesino
Temno Cidade da Eólia, na Ásia Menor: 2.47
Tencteros Povo germânico que vivia nas margens do Reno, a Leste da act. Colónia:
13.56
Tenos Ilha das Cíclades gregas, no mar Egeu: 3.63
Teófanes Historiador a quem Pompeio Magno concedera a cidadania romana: 6.18
Teófilo: 2.55
Terêncio, Marco: 6.8, 9
Terêncio Lentino: 14.40
Terêncio Varrão Murena Acusado de conspiração em 22 a. C.: 1.10
Termas Braço do mar Egeu a Nordeste da Grécia: 5.10
Termestinos Povo de Termes, cidade junto ao rio Douro, em Numância, na Hispâ-
nia Tarraconense: 4.45
Termo v. Minúcio Termo
Tertulino v. Volcácio Tertulino
Teseu: 4.56
Tessálios Habitantes da Tessália, região central da Grécia: 6.34
Teucro: 3.62
472 ANAIS

Teutoburgo Floresta que foi o local da derrota das legiões de Varo, em 9, a Norte
da act. Osnabruque, na Alemanha: 1.60
Tibério Imperador entre 14 e 37, nasceu a 16 de Novembro de 42 a. C.; cônsul em
13 e em 7 a. C., recebeu o triunfo em 9 e em 7 a. C. e foi tribuno da plebe de 6 a
2 a. C. e de 4 a 14: 1.1, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 10, 11, 12, 13, 15, 16, 19, 24, 26, 29, 30,
33, 34, 37, 38, 41, 42, 46, 47, 50, 52, 53, 54, 58, 59, 62, 69, 72, 73, 74, 75, 76,
77, 78, 80; 2.3, 5, 9, 18, 22, 28, 29, 30, 31, 33, 34, 35, 36, 37, 38, 40, 41, 42, 43,
44, 45, 46, 47, 48, 50, 51, 52, 53, 59, 63, 64, 65, 66, 72, 78, 80, 81, 82, 83, 86,
88; 3.2, 3, 4, 6, 8, 10, 11, 12, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 21, 22, 23, 24, 28, 31, 32,
36, 37, 38, 41, 44, 47, 48, 49, 51, 52, 55, 56, 59, 60, 64, 65, 66, 67, 68, 69, 70,
71, 72, 73, 74, 75, 76; 4.1, 2, 3, 4, 6, 8, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20,
21, 22, 23, 26, 27, 29, 30, 31, 33, 34, 36, 37, 39, 40, 41, 42, 43, 52, 54, 55, 57,
58, 59, 60, 62, 64, 66, 67, 68, 69, 70, 71, 74, 75; 5.2, 3, 4, 5, 7, 8, 10; 6.1, 2, 3, 6,
7, 8, 9, 12, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 23, 24, 25, 26, 27, 28, 29, 30, 31, 32, 37,
38, 39, 40, 45, 47, 48, 50; 11.3, 21; 12.11, 25; 13.3, 47, 55; 14.63; 16.29
Tibério Filho de Germânico não nomeado: 2.41
Tibério Alexandre, Júlio Procurador da Judeia e prefeito do Egipto entre 66 e 70:
15.28
Tibério Cláudio Nero v. Cláudio Nero
Tibério Gemelo Filho de Druso, neto de Tibério; nasceu em 19 e foi morto por
Calígula em 37 ou 38: 2.84; 3.34, 56; 4.3, 8, 15, 40; 6.46
Tibre Rio que atravessa Roma: 1.76, 79; 2.41; 3.9; 6.1, 19; 12.56; 15.18, 42, 43, 58
Tíbur Cidade perto de Roma (act. Tivoli): 6.27; 14.22
Ticino Povoação no Norte de Itália, a Sul da act. Milão: 3.5
Tício Próculo: 11.30, 35
Tício Sabino: 4.18, 19, 68, 69, 70; 6.4; 11.30
Tigelino v. Ofónio Tigelino
Tigranes (II) Rei da Arménia de 20 a. C. (depois da morte de Artáxias, filho de
Artavasdes II) até 6 a. C.: 2.3
Tigranes (IV): 6.40
Tigranes (V): 14.26; 15.1, 2, 3, 4, 5, 6, 24
Tigranocerta Cidade da Arménia, fundada por Tigranes I: 12.50; 14.23, 24; 15.4, 5,
6, 8
Tigre Rio que nasce na act. Turquia, atravessa o Iraque, onde se junta ao Eufrates, e
desagua no golfo Pérsico: 6.37; 12.13
Timarco v. Cláudio Timarco
Tiridates: 6.32, 37, 41, 42, 43, 44
Tiridates: 12.50, 51; 13.34, 37, 38, 39, 40, 41; 14.26; 15.1, 2, 14, 24, 25, 27, 28,
29; 16.23
Tiro Cidade fenícia no Sul do act. Líbano: 16.1
Tirreno: 4.55
Titídio Labeão Antigo pretor: 2.85
Tmolo Cidade e cordilheira da Lídia, na Ásia Menor (act. Turquia): 2.47
Togónio Galo: 6.2
ÍNDICE E NOTAS 473

Torone Cidade grega na costa do mar Egeu: 5.10


Torquata: 3.69
Torquato v. Júnio Silano
Toscana Região de Itália (v. Etrúria): 14.59
Trácia / Trácios Região e povo do Sudeste da Europa, act. território do centro e
Sul da Bulgária, Nordeste da Grécia e parte Norte da Turquia (até ao Bósforo);
tornou-se província romana em 46: 2.54, 64, 65, 66, 67; 3.38; 4.5, 46, 48; 6.10;
12.63
Tralianos Habitantes de Trales, cidade junto ao rio Meandro, na fronteira da Lídia
com a Cária, na Ásia Menor: 4.55
Transpadanos Povos que viviam para lá do rio Pó (Padus): 11.24
Trapezunte Cidade (Trebizonda) junto do mar Negro, a Nordeste da act. Turquia:
13.39
Trásea Peto, Públio Clódio: 13.49; 14.12, 48, 49; 15.20, 23; 16.21, 22, 24, 25, 26,
28, 29; 33, 34, 35
Trasilo: 6.20, 21, 22
Traulo Montano, Sexto: 11.36
Trebeleno Rufo, Tito: 2.67; 3.38; 6.39
Trebélio, Marco: 6.41
Trebélio Máximo, Marco: 14.46
Tréveros Povo (cujo nome Freire de Carvalho interpreta como topónimo) de
origem gaulesa que vivia no território da act. Renânia, na Alemanha: 1.41; 3.40,
42, 44, 46
Trião v. Fulcínio Trião
Trimeto Ilha no mar Adriático, na costa sudeste de Itália: 4.71
Trinobantes Povo bretão que vivia no território correspondente aos act. Suffolk e
Essex, na Inglaterra: 14.31
Trisantona Possivelmente o rio Trent, no centro de Inglaterra: 12.31
Trívia Hécate, deusa da magia: 3.62
Trogo v. Saufeio Trogo
Tróia / Troianos Cidade (também chamada Ílio) da costa noroeste da act. Turquia,
outrora habitada pelos Troianos: 2.54; 4.55; 6.12; 11.14; 12.58; 15.39
Troxóboro: 12.55
Tubantes Povo germânico que vivia na margem norte do rio Reno: 1.51; 13.55, 56
Tuberão v. Sejo Tuberão
Tuberões (família): 12.1; 16.22
Tubusco Cidade no Norte de África: 4.24
Túlio v. Sérvio Túlio
Túlio Cícero, Marco Autor de Cato Minor, obra hoje perdida: 4.34
Túlio Gémino: 14.50
Tulo Hostílio: 3.26; 6.11; 12.8
Turésis: 4.50
Túrio Colónia grega, cidade no golfo de Taranto, na Itália: 14.21
Túrones Povo gaulês que vivia junto da act. Tours, no Noroeste de França: 3.41, 46
474 ANAIS

Turpiliano v. Petrónio Turpiliano


Turrânio, Gaio: 1.7; 11.31
Tusco v. Cecina Tusco
Túsculo Cidade do Lácio, na Itália: 11.24; 14.3
Úbios Tribo aliada de Roma que Agripa instalou junto ao rio Reno; a sua principal
cidade era a act. Colónia: 1.31, 36, 37, 39, 57, 71; 12.27; 13.57
Úmbria Região da Itália a Este da Etrúria: 4.5
Umídio Quadrato, Gaio: 12.45, 48, 54; 13.8, 9; 14.26
Úrbico v. Pompeio Úrbico
Urgulânia: 2.34; 4.21, 22
Usípetes / Usípios Povo germânico que vivia a Norte do Reno: 1.51; 13.55, 56
Uspe Cidade a Norte do mar Negro: 12.16, 17
Váalis Rio Waal: 2.6
Valente v. Mânlio Valente; Vétio Valente
Valéria Messalina: 11.1, 2, 12, 26, 28, 29, 30, 31, 32, 34, 35, 36, 37, 38; 12.1, 7, 9,
42, 65; 13.11, 19, 32, 43
Valério Asiático Comandou a campanha contra a Britânia em 43: 11.1, 2, 3; 13.43
Valério Capitão: 14.12
Valério Catulo, Gaio Poeta cujas invectivas contra César podem ler-se nos poemas
29, 54, 57 ou 93: 4.34
Valério Corvo, Marco Seis vezes cônsul: 1.9
Valério Fabiano: 14.40, 41
Valério Messala: 13.34
Valério Messala, Marco Cônsul em 20: 3.2
Valério Messala Corvino, Marco v. Messala Corvino
Valério Messalino: 1.8; 3.18, 34
Valério Nasão: 4.56
Valério Pôntico: 14.41
Valério Potito: 11.22
Vangião: 12.29, 30
Vangíones Povo germânico que habitava um território a Sul de Mainz (act. Alema-
nha): 12.27
Vânio: 2.63; 12.29, 30
Vardanes Filho de Artabano III: 11.8, 9, 10; 13.7(?)
Vardanes: 13.7(?)
Varila v. Apuleia Varila
Vário Ligo, Públio: 4.42; 6.30
Varo v. Árrio Varo; Lúrio Varo; Quintílio Varo
Varrão v. Cingónio Varrão; Terêncio Varrão; Visélio Varrão
Vasaces: 15.14
Vaticano Área da cidade de Roma na margem ocidental do Tibre: 14.14
Vatínio: 15.34
Védio Polião, Públio Cavaleiro romano: 1.10; 12.60
Veientão v. Fabrício Veientão
ÍNDICE E NOTAS 475

Vejânio Nigro: 15.67


Veleu, Públio Legado da Mésia depois de Pompónio Flaco: 3.39
Velino Lago da Sabina: 1.79
Véneto Paulo: 15.50
Vénetos Povo gaulês que vivia na Gália Transpadana, num território junto da act.
Pádua, a Norte do rio Pó, na Itália: 11.23
Ventídio Cumano: 12.54
Venúcio: 12.40
Vénus: 3.62, 63; 4.43; 16.27
Verânio, Quinto: 2.56, 74; 3.10, 13, 17, 19; 4.21; 12.5; 14.29
Vergiliano v. Junco Vergiliano
Vergínio Flavo: 15.71
Vergínio Rufo, Lúcio Cônsul em 63 e em 97, cônsul sufecto em 69: 15.23
Vermelho (mar) Pode referir-se ao act. mar Vermelho ou ao golfo Pérsico: 2.61;
14.25 (possivelmente, o mar Cáspio)
Verrito: 13.54
Verulâmio Act. St. Albans, no Sudeste da Inglaterra: 14.33
Verulano Severo, Lúcio: 14.26; 15.3
Vesculário v. Flaco Vesculário
Vespasiano v. Flávio Vespasiano
Vesta: 15.36, 41
Vestais Sacerdotisas de Vesta: 1.8; 2.34, 86; 3.69; 4.16; 11.32, 34; 15.22
Vestino Ático, Marco Cônsul em 65: 15.48, 52, 68, 69
Vesúvio Vulcão junto da baía de Nápoles que entrou em erupção em 79: 4.67
Vétera Base militar romana junto de Xanten, no Ocidente da act. Alemanha: 1.45
Vétere v. Antístio Vétere
Vétio Bolano, Marco: 15.3
Vétio Valente: 11.30, 31, 35
Vetoniano v. Funisulano Vetoniano
Vibena v. Celes Vibena
Víbia: 12.52
Vibídia: 11.32, 34
Vibídio Virrão: 2.48
Vibílio: 2.63; 12.29
Víbio Crispo, Quinto: 14.28
Víbio Frontão: 2.68
Víbio Marso, Gaio: 2.74, 79; 4.56; 6.47, 48; 11.10
Víbio Pansa, Gaio: 1.10
Víbio Secundo, Lúcio: 14.28
Víbio Sereno: 4.28, 29, 36
Víbio Sereno, Gaio (ou Numério?): 2.30; 4.13, 28, 29, 30
Vibuleno: 1.22, 23, 28, 29
Vibúlio: 13.28
Vibúlio Agripa: 6.40
476 ANAIS

Vícia: 6.10
Viena Principal cidade dos Alóbroges, na Gália Narbonense: 11.1
Vindélicos Povo germânico que habitava a região a Norte do Danúbio, o qual veio
a ser derrotado por Tibério em 15 a. C.: 2.17
Víndex v. Júlio Víndex
Vingança: 3.18
Vinício, Marco Cônsul em 20 e 42: 6.15, 45
Vinício, Públio Cônsul em 2: 3.11
Vinício Rufino: 14.40
Vipsânia Filha de Agripa e mulher de Tibério; depois de repudiada por este, em 12
a. C., casou-se com Asínio Polião; morreu em 20: 1.12; 3.19
Vipsânio Agripa, Marco Cônsul em 28 e em 27 a. C. (com Augusto); marido de
Júlia, filha de Augusto, é pai de Gaio, Lúcio, Júlia, Vipsânia e de Agripa Póstumo;
morreu em 12 a. C.: 1.3, 12, 41, 53; 2.4; 3.19, 56, 75; 4.40; 6.51; 12.27; 14.53, 55;
15.37, 39
Vipsânio Lenate: 13.30
Vipstano Aproniano, Gaio Cônsul em 59, filho do cônsul de 48: 14.1
Vipstano Galo: 2.51
Vipstano Poplícola Messala, Lúcio Cônsul em 48: 11.23, 25
Virrão v. Vibídio Virrão
Visélio Varrão, Gaio Cônsul sufecto em 12: 3.41, 42
Visélio Varrão, Lúcio Cônsul em 24: 4.17, 19
Vistília: 2.85
Vistílio, Sexto: 6.9
Visúrgis Rio Weser, no Norte da act. Alemanha: 2.9, 11, 12, 16, 17
Vitélia: 3.49
Vitélio, Aulo Cônsul em 48, imperador em 69: 11.23; 14.49
Vitélio, Lúcio Cônsul em 34, 43 e em 47: 6.28, 32, 36, 37, 41; 11.2, 3, 4, 11, 33,
34, 35; 12.4, 5, 9, 42; 14.56
Vitélio, Públio Antigo pretor: 1.70; 2.6, 74; 3.10, 13, 17, 19; 5.8; 6.47
Vitélio, Quinto: 2.48
Vocieno Montano: 4.42
Volando Praça-forte da antiga Arménia: 13.39
Vóleso Messala, Lúcio Valério Cônsul em 5, procônsul em 11 ou em 12: 3.68
Vologeses: 12.14, 44, 50; 13.7, 9, 34, 37; 14.25; 15.1, 2, 3, 5, 6, 7, 9, 10, 11, 13, 14,
15, 17, 24, 25, 27, 28, 31
Volscos Povo da Itália central: 11.24
Volúsio Próculo: 15.51, 57
Volúsio Saturnino, Lúcio Cônsul sufecto em 12 a. C. e procônsul: 3.30
Volúsio Saturnino, Lúcio Cônsul sufecto em 3: 12.22; 13.30; 14.56
Volúsio Saturnino, Quinto Cônsul em 56: 13.25; 14.46
Vonones (I): 2.1, 2, 3, 4, 56, 58, 68; 6.31; 12.10, 11
Vonones (II): 12.14
Vulcácio Ararico: 15.50
ÍNDICE E NOTAS 477

Vulcácio Mosco Orador de Pérgamo condenado por envenenamento: 4.43


Vulcácio Tulino: 16.8
Vulcano: 15.44
Vulsínios Cidade da Etrúria, a Noroeste de Roma: 4.1; 6.8
Xenofonte: 12.61; 67
Zenão: 2.56
Zenóbia: 12.51
Zeugma Cidade na margem do rio Eufrates (act. Turquia): 12.12
Zórsines: 12.15, 17, 19

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