Curso: Conservação e Restauração de Bens Cult. Móveis Professora: Giulia Villela Giovani Disciplina: Tópicos em Conservação Restauração: Reintegração Cromática
Para o autor o nosso presente pode ser capturado através da
imagem e ao mesmo tempo se revelar a experiência do olhar, por mais que se tenha passado muitos anos desde a experiência individual a presente lembrança não se acabou, pois se pode tirar sempre novas lições, o presente nunca termina de se fazer novamente, bem, diante disso temos que aceitar que ela possivelmente sobreviverá e nós somos diante dela o elemento efêmero, ela é o elemento do futuro, da duração. A imagem tem frequentemente mais memória e mais futuro que o ser que a olha. Essa exigência poderia ser formulada da seguinte forma: em que condições um objeto ou questionamento, histórico novo pode surgir de forma tão tardia em um contexto conhecido e tão bem “registrado”, como se diz, quando o Renascimento florentino? Com razão, poderíamos nos exprimir negativamente: na história da arte como matéria, como “ordem do discurso”, o que manteve essa condição cegueira, uma vontade de não ver e de não saber? Essas questões simples, vindas de uma particularidade comprometem a história da arte em sua metodologia, seu próprio estatuto, seu estatuto “científico”. Para Fra Angelico significava em primeiro lugar, tentar devolver uma dignidade histórica, até mesmo uma sutileza estética e intelectual, para objetos visuais considerados até então como inexistentes ou como desprovidos de sentido. Resumindo tentar uma arqueologia crítica da história da arte capaz de deslocar o postulado panofskiano da “história da arte como disciplina humanista”. Mas parar diante do pano não é só questionar o objeto diante de nossos olhares, mas é também para diante do tempo, é interrogar, na história da arte, o objeto “história”. Segundo o HUBERMAN (2015, p. 19) “O presente enfrenta um desafio que é estabelecer uma arqueologia crítica dos modelos de tempo, dos valores de uso do tempo na disciplina histórica que elegeu as imagens como seus objetos de estudo. ” O historiador desenvolve uma parcela importante do processo de constituir evidências, tomando o pressuposto da recusa do anacronismo, é a regra número 1: não projetar nossas próprias realidades da atualidade sobre realidades do passado, que são objetos de investigação histórica. No caso se tratando de Fra Angelico, temos uma interpretação eucrônica, o julgamento sobre o pintor pronunciado pelo humanista Cristóforo Landino no ano de 1481, Michael Baxandall apresentou esse julgamento como fonte capaz de nos fazer entender uma atividade pictural, nos aproximando da sua realidade própria, segundo as categorias visuais do tempo da obra, isso os faz historicamente pertinentes, pois graças a isso conseguimos entender o passado com as categorias do passado. Com certeza o texto de Landino é historicamente pertinente, no sentido que pertence, como o afresco de Fra Angelico à civilização italiana do Renascimento. Pelo julgamento de Landino nos leva a pensar que ele jamais colocou os pés na clausura do convento florentino, o que pode ser verdade ou ele provavelmente viu a pintura sem olhar, sem compreender grande coisa. Cada coisa que envolve a pintura como o desembaraço ou a jovialidade ou até mesmo a devoção ingênua está empregada na pintura de forma subjetiva. Mas tem um questionamento sobre o texto de Landino se ela é de fato pertinente por ser contemporânea, e se ela é realmente contemporânea já que ele só escrevia uns trinta anos depois da morte do pintor aonde muitas coisas se transformam, as esferas da estética, religião e humana já sofreram alterações, podendo modificar assim o olhar do autor sobre a pintura e o pintor, cometendo assim um anacronismo. Ele foi anacrônico não somente na diferença temporal, o próprio Fra Angelico era a anacrônico a seus contemporâneos mais imediatos se formos considerar pintores como Leon Battista Alberti, com isso vemos que os contemporâneos, com grande frequência se compreendem menos que os indivíduos que são separados no tempo, o anacronismo passa todas as contemporaneidades, ou seja, isso é uma fatalidade do anacronismo? Pois bem, separar dois contemporâneos que era Alberti e Fra Angelico é fatal pois a justificativa seria porque eles não pensavam de forma alguma no “mesmo tempo”, mas, vale considerar que se for olhar do ponto de vista da concepção ideal, empobrecida, da própria História, vale mais reconhecer como valiosa a necessidade do anacronismo, que parece interna aos objetos ou imagens dos quais tentamos fazer a história, fazendo assim do anacronismo uma primeira aproximação, e um modo temporal de representar a exuberância, complexidade das imagens. Chegamos diante do pano como diante de um objeto de tempo complexo, de tempo impuro e nisso encontramos na dinâmica e na complexidade dessa montagem, noções históricas tão importantes como as de estilo ou época que revelam de repente uma plasticidade que pode ser perigosa, mas tão somente para os que querem que tudo estivesse em seu lugar, o que o autor do texto chama de “historiador fóbico do tempo”. Questionar o anacronismo é questionar essa plasticidade fundamental, e com isso a mistura que é tão complexa de se analisar. A história social da arte, que comanda toda disciplina faz alguns anos, abusa da noção estática e temporalmente rígida da “ferramenta mental” que é a utilização de representações ou conceitos formados e pronto para uso e esquecer da maleabilidade das coisas, que sua significação é mutável e seu uso também. O anacronismo necessário não e aquele que remete ao único passado, mas sim aquele que é o fecundo, quando o passado se revela insuficiente, até mesmo constitua um obstáculo para o seu entendimento. O que Alberti ou Landino não nos permite entender é as combinações múltiplas de pensamentos separados no tempo ao contrário de Alberto Grande, ou até mesmo Jacques de Voragine que permitem amplamente. Vamos imaginar que o artista dominicano os tivesse à disposição de forma permanente nesse lugar anacrônico por excelência que foi a biblioteca do Convento de São Marcos ou seja teríamos pensamentos de todos os tempos, 19 séculos ao menos, reunidos nas mesmas estantes. Não podemos então nos contentar em fazer a história de uma arte sob o ângulo da eucronia, isto é, um olhar sob o ângulo conveniente do artista e seu tempo. O que tal aspecto exige é olhar sob o ângulo da memória, das manipulações do tempo, quando descobrimos um artista anacrônico, também devemos considerar o Fra Angelico como um artista do passado histórico, tanto um passado rememorativo. O anacronismo então desde logo não pode ser reduzido ao que todo historiador patenteado considera espontaneamente um pecado horrível. Ele poderia ser repensado como um momento como o é necessariamente todo risco. Portanto, é uma história de objetos poli crônicos, heterocrônicos ou anacrônicos. Raramente olhamos de forma crítica sobre o modo como praticamos nossa disciplina, recusamos a questionar a história estratificada, nem sempre grandiosa, das palavras, categorias ou gêneros literários que usamos cotidianamente para a produção do nosso saber histórico, já dizia o próprio Michel Foucault: “Saber, mesmo na ordem histórica, não significa ‘resgatar’. A história será ‘efetiva’ na medida em que introduzir o descontínuo em nosso próprio ser.[...] Porque o saber não é feito para compreender, ele é feito para decidir. ” Não devemos reduzir o tempo simplesmente ao da história, essa redução é muito recorrente, tratar as imagens como simples documentos para a história como uma forma de negar a perversidade daquelas assim como a complexidade desta. A noção de anacronismo será aqui examinada, trabalhada, o anacronismo parece surgir na obra exata da relação entre imagem e história, a imagem, certamente, tem uma história, mas o que elas são, o movimento deles é próprio, tudo isso surge somente como um sintoma, um desmentido mais ou menos violento, uma suspensão na história. Sobretudo, não quer dizer que a imagem é intemporal, absoluta ou eterna, que ela escapa por essência à historicidade, sua temporalidade só será reconhecida como tal quando o elemento de história que a carrega não for dialetizado pelo elemento de anacronismo que a atravessa. A questão a ser colocada seria, antes, é fazer história da arte é fazer história, no sentido que a entendemos, no sentido que a praticamos cotidianamente. Logo, não seria a própria disciplina histórica que se deve perguntar o que fazer dessa dobra? Ocultar o anacronismo que dela surge, com isso, esmagar surdamente o tempo sob a história ou então abrir a dobra e deixar florescer o paradoxo?