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A EVOLUÇÃO. Periódico editado por Assis Brasil, Júlio de Castilhos e Pereira da Costa. N.

º 6 a
10. São Paulo, 1879. Biblioteca Central da PUCRS. Coleção Pessoal Júlio Petersen.

Publicação editada em São Paulo quando os autores eram estudantes na Faculdade de Direito
de São Paulo.

Versão de teste – Disponível para download em 05.01.2012.


A EVOLUÇÃO
jjenodico redigido pelo^ ^ c a d e m i r o j i

Julio de Castilhos Pereira da Gosta

Assis Brazil

Anno f S. P a u l o , S O d e J u n h o d e 1 8 7 ! »

O futuro pergunta-lhe:—D'onie vens? Ella vol-


A EVOLUÇÃO ta-se para o passado; interroga as aras partidas das
antigas crença»; mas o pó da esterilidade recama os
oráculos derrocados; a ossada branca não tem um
3 3 DE JUNHO DE 1879.
écho; o passado é mudo.
O presente pergunta-lhe : — Para onde vais ?
Esta monarchia conslitucional-reprcsenUiliva é a
Mas o futuro é um pélago de trevas para quem não
metaphysica traduzida na politica.
leva na mão a lampada da verdadeira philosophia.
Alliança hybrida entre dois elemento» eterna-
De um lado—a mudez profunda de um tumulo,
mente irreconciliáveis—esta sorte de governo não
um cadaver que não se anima, um peito que não
tem, nem pôde ter uma única base propria sobre
palpita; de outro—o vácuo, a mudez mais profunda
que se apoie, não tem nem pôde ter um único dado
ainda, a mudez absoluta do nada.
positivo a cuja sombra se ampare, um único tronco
Tal sociedade é infallivelmente presa do deses-
de que seja o legitimo rebento.
pero.
Quando o trabalho lento, e, por isso mesmo, mais
0 que fazer ? Cahir gelada no torpor da morte ?
incontrastavel, da experiencia ensina a um povo que
Não,—que as sociedades não morrem e só apparente-
o absolutismo é a degradação politica e social,—
mente retiram-se da seena do mundo.
esse povo desperta e avança para a democracia.
Assim como, diante da biologia, a vida suppõe
A luz desta ídéa é forte de mais para os olhos
os orgams, diante das leis históricas, diante da
que pela primeira vez a fitam de perto. O pharol
sociologia, a existsncia das sociedades suppõe as
que brilha nas trevas d'uma tempestade e salva o
bases, os meios, os orgams também.
nauta experiente—apovora o supersticioso, que não
vê 'nelle mais do que um fogo fátuo na superficie E onde encontrar estas bases, estes meios, estes
ondulante dos mares. A luz, que nos aclara de noite, orgams ?
é fatal á creança que, deslumbrada, a ella se atira.
Um povo recem-sahido do despotismo é um
povo-creança. A democracia o attrahe, — caminha
Quando os primeiros homens que pisaram a
para ella; deslumbra-o,—retira-se d'ella.
terra viram-se sós no seio da immensa variedade das
Mas, retrogradar na escala da historia é impos-
coisas, tiveram ao principio um grande sentimento
sível. O povo avança,—põe um pé no futuro ; recua,
de espanto.
—põe um pé no passado. E, por largo tempo, con-
serva-se 'nesta posição. Diante dos assombrosos phenomenos da Nature-
Este estado transitorio, dúbio, indefinido, vacil- za, ignorantes, sem a experiencia—essa mãe de toda
lante, esta crise perpetua—é o que constitúe a demo- a sciencia—, sentiram em si a natural curiosidade
cracia-mixta. de explicar o que se passava diante dos seus olhos.
A chuva, o raio, o trovão, as nuvens, as intemperies,
Ahi estão os factores primários do nunca definido
as mudanças das estações—eram sem duvida effeitos
centauro, da sphinge indecifrável.
de uma causa qualquer. Em falta de dados positivos,
Eis ahi, em uma palavra, a origem e a substan-
elles imaginaram, crearam esta causa. Foi uma fic-
cia das monarchias constitucionaes-representativas,
ção. Chamou-se—Deus.
das monarchias democráticas ( ! ) , de que este paiz
Assim também uma sociedade que se levantou
americano fornece um singular exemplo.
sobre bases falsas ou nullas, que formou-se sem
princípios, que sem princípios vive, uma sociedade
de tal ordem, quando se quizer explicar e definir
diante da historia,—tem infallivelmente necessidade
Quando uma sociedade organisada sobre taes
de appellar para a metaphysica, para o absoluto,—
bases é chamada a tomar o seu lugar no mundo
essa espada de Alexandre ao serviço dos espíritos
•ociologico, apresenta-se no scenario da historia sem
fracos.
papel definido.
42 A EVOLUÇÃO

Em falta da lógica, vale-se das subtilezas meta- Luctemos por essa transformação radical.
phvsicas; em falta do relativo, agarra-se ao absoluto ; Mas—o abysmo attrahe o abysmo ; o absurdo
em falta da realidade, appella para a ficção. apoia-se sobre o absurdo ; o monstro resiste.
A ficção ê a aguia protectora debaixo de ciyas O peior cégo é o que não quer vêr.
azas se aninham as sociedades, os povos, as nações Abramos-lhe, pois, os olhos, fazendo-o sentir de
que não se fundam em sua própria natureza, que não perto o calor do fecho ardente da Revolução.
vêm da verdade.
A . B.
.4 ficção está no fundamento, está nos meios,
está nos fins das monarchias constitucionaes-repre-
sentativas, como de todas as monstruosidades so-
ciologicas.
Esta verdade, que a indagação philosophica, que Parce sepultis!
a inflexibilidade da lógica, que a argumentação no
terreno dos princípios — ahi deixaram claramente A Vanguarda suspendeu a sua publicação.
demonstrada, não se torna menos evidente a quem, E, como não seria leal, nem generoso, espingar-
descendo ao terreno da pratica, mais de perto com- dear o inimigo que se retira bruscamente da arena
pulsar e vereficar os factos. do combate, a Evolução depõe as armas que appare-
lhou para combatel-o até feril-o de morte, e retráe-se
ao silencio também.
Demais, inimigo que se retira, por causas su-
periores ou não, é inimigo morto, e os mortos tem
Este paiz é um exemplo vivo de taes monstruo-
á seu favor o Parce sepullis.
sidades.
Entretanto, a Evolução julga ser seu imperioso
0 vago e o indefinido estão em tudo, ern tudo
dever, que lhe é imposto pela dedicação com que
a hypothese gratuita, em tudo a concepção absoluta,
jurou servir á grande causa que svnthetisa o seu
a subtileza metaphysica, e, como remate da obra,—a
programma,—consignar aqui um facto bastante sig-
mentira grosseira. nificativo.
0 rei reina e não governa;
E' que d'esta vez, como sempre, o livre pensa-
0 rei rriria POR GRAÇA DE DEUS e U N A N I M E A C -
mento triumphou das irrisórias imposições do dogma
C L A M A Ç Ã O DOS P O V O S ;
e dos raios do fanatismo religioso; com a única dif-
O rei, INVIOLÁVEL E SAGRADO, E IMPECCA-
ferença, porém,—o que pouco importa—que a victoria
VEL;
agora foi alcançada, não pela lógica da Evolução, de
No rei, o individuo é absorvido pelo homem pu-
si reconhecidamente fraquíssima, mas pela força
blico ;
avassaladora e irresistível que leva em si a grande
0 rei tem LIBERDADE, mas não tem IMPUTABILI-
Verdade.
DADE : o rei é irresponsável, porque o rei não pôde
comnieíler crime.", e ainda que os commelta SUPPÕE-SE E' bom rememorar os tramites da discussão,
que não commetteu, porque desde seu começo.
O rei é uma FICÇÃO,—symbolisa a lei. A Vanguarda, para alliciar os espíritos que ainda
A Evolução detem-se aqui. não estão de todo desprendidos das ardilosas teias
Sem ir além da pessoa do monarcha, tronco de do catholicismo moderno e desilludidos dos seus
todos os ramos da arvore negra, resalta aos olhos grosseiros embustes, reputou insensata a proposição
de todos a confusão sobre que assenta o monstro. - d e que a Democracia moderna é inconciliável com
A Evolução o irá desapiedadamente dissecando, aquelle—, affirmando a perfeita possibilidade de har-
em posteriores artigos, e desde já se compromette monisal-os completamente.
a reduzir a pó todos esses falsos castellos de pape- Não podendo deixar passar sem, ao menos, um
lão, que produzem o riso nos homens sérios e -o es- protesto de sua parte, tão descommunal absurdo, a
panto nos parvos. Evolução observou ao periodico ultramontano: — si
para vós a Revolução é o horror, é a hydra sangui-
naria, é o inimigo capital que cumpre combater
com todas as armas e por todos os meios, e si a
O mal é da origem. Democracia moderna é innegavelmente o resultado
Uma sociedade que nasceu da vaciilação, 'nella custoso de todas essas ruidosas expansões sociaes
ha de viver, emquanto não fôr libertada pela verdade. que se têm succedido, umas ás outras, de todo esse
A arvore definha á falta de humus na raiz. complexo assombroso de forças que tem trabalhado
E é esta com certeza a causa primaria da anar- agitadamente o seio das sociedades, como pretendeis
chia que até hoje constitúe a norma 'neste paiz. collocal-a, a Democracia, em justo accordo com o
A nós a missão de restituir-lhe o vigor perdido, catholicismo, avaliado pelo que é hoje?
alentando-o e transformando-o. Si, por outro lado, vos declaraes sectários do
O mal é geral, contaminou o corpo inteiro; a Syllubus, que é a representação genuína do Passado
transformação deve ser completa. em toda a sua nudez impudente, não podeis abraçar
I3A EVOLUÇÃO

li N Democracia, que symbolisa o Futuro com todas HA xima lealdade n cavalheirismo, não o 6, entretanto,
I suas p-randezas. e por uma razão simplíssima :
INío ha conciliação possível. E' que os redactores d'est« periodico sabem muito
Affirmastes uma contradicção. bem que aos advoroarios fracos e desajudados de ló-
A essa ligeira observação, a Vanguarda replicou gica só pódo restar um de dois recurso», já muito
I contestando a filiação que a k'vnluçáo havia attlrmado» velhos c gastos :—ou encontraram offensa onde nfto
I e, como fundamento d'essa contestação, dettnio o quo a ha, para, sob este frivolo pretexto, retiraram-se da
I 6 Democracia, concluindo por consideral-a inimiga discussão ; ou, em carência de razões, buscaram pira
I da Revolução. arma a phrase áspera o insultuosa, para ver si d'este
A Evolução, depois de provar exhuberantemente modo triumpham do adversario, que não puderam
I que em frente da Historia ninguém em boa-fé ousará abater com brio o lealdade.
II negar que os princípios democráticos modernos se- A Vanguarda julgou mais eflicaz o segundo es-
I jain consequência de toda essa serie luminosa de tratagema, e executou-o respondendo á Evolução com
I acontecimentos — violentos ou pacíficos—que tôm im- doestos, satyras (?) ...e pilhérias calholicit. Catholi-
I pellido irresistivelmente a Humanidade para o seu eas, felizmente.
I continuo engrandecimento, — da própria definição Si Leão Bourroul, na. sua arrogancia vaidosa
I formulada pelo orgam ultraraontano deduzio o ab- de ser o triumphador em todas as discussões que
surdo em que elle laborava, — respondeu, — c aqui trava, pensa que d esta vez o foi, ha de permittir
hão de permittir os que tém acompanhado esta dis- que se lhe diga que acha-so em perfeito engano.

Í cussão quo se cite o quo então foi dito :


— « Democracia é o governo do povo pelo povo » ,
A Evolução, muito embora com grande constran-
gimento, estava firmemente disposta a acompanhal-o
em todos os terrenos o posições, collocando-se su-
I eis a definição que dá a Vanguarda, e que a Evolução
perior ao ataque protervo e ao ridículo d'uina satyra
nflo pôde deixar de acceitar. Por consequência, na
petulante, si a sua retirada não viesse obrigal-a ao
própria opinião do contemporâneo, a Democracia é o
retrahimento.
regimen da liberdade ampla.
Mns o regimem da liberdade suppõe indubitavel-
mente, como consequência necessaria, o livre e des-
embaraçado exercício do todas as liberdades, a sua A Evolução sc tinha imposto o dever de assig-
eflicaz garantia, a sua vitalidada, e caminho franca-
nalar o facto acima apontado. Fcl-o.
mente aberto para o progresso. Portanto, ainda no
Nada mais accrescenta, porque lhe 6 isso vedado
pensar do articulista catholico, a Democracia só sc
realisa, só é verdadeira e sincera, quando sob cila por um dever de generosidada.
são permittidas a liberdade do pensamento, a liber- Parce sepullis!
J. C.
dade de consciência, a liberdade scientifica, a liber-
dade de ensino, e é possível a marcha da civilisa-
ção, etc., etc.
Ora, a primeira condomna-a o Syllabus no at. 7í) ; Povos e Governos
a liberdade de consciência nos arts. l õ , 55, 77, 78
e 79; a liberdade scientifica nos arts. 22, 57; a de
ensino nos arts. 45, 4 7 ; e, finalmente, para deixar
A V E R D A D E DO F U T U R O
completa a grande obra, condemna o progresso, a
civilisaçáo, a Democracia, erafim, no art. 80. Quem observar o estado actual do mundo c i v i l i -
Logo, ou a Vanguardíi quer ou não quer a De- sado notará facilmente que existe entre estas duas
mocracia. entidades—povo e governo—uma desconfiança t e r -
Si quer, renega o Syllabus, e deixa de ser « c a - rível.
tholica, apostolica, romana sem restricção » . Manifesta-se a lueta, a hostilidade, o desequilí-
Si não quer, não pôde deixar de reconhecer que brio onde só devia haver união, harmonia completa.
affirmou uma grandíssima banalidade. Um peso descommunal esmaga a todos os es-
Na impotência desesperadora e, por isso, raivosa píritos, uma agitação profunda domina-os soberana-
em que a collocou a falsidade monstruosa de sua mente.
causa, minada pela lógica da verdade, a folha ultra- Estamos como que nas vésperas de uma grande
montana, em vez de oppôr argumento a argumento, batalha.
demonstração a demonstração, limitou-se a tachar Sob um c6o lívido, mas illuminado de quando
os redactores da Evolução de algozes da liberdade, cm quando pelos sóes magníficos dos ideaes, vai-se
de Ignorantes, de máus arguinentadores e outros rasgando um abysmo pavoroso.
qualificativos semelhantes, que dão bem a conhecer Será que irão se reproduzir as grandes tragedias
a origem de que procedom; deixando, assim, no es- do passado ?
quecimento os artigos do Syllabus, que foram cita- Não haverá outro futuro para o gênero humano ?
dos, como contendo em si a mais grosseira negação A tyrannia e o despotismo so perpetuarão de
scculo em século ?
de todas a8 liberdades.
Qual a razão disto?
Isso, que devéra ser extranhavel para a Evolu-
Qual o flin destas oscillacões tremendas?
ção, que, na polemica travada, guardou sempre a má-
I 44 A EVOLUÇÃO

Qual a razão ? sempro duas forças distinetas : emquanto a espada


E' que o povo, consciente de sua soberania, exige derrama sangue no terreno dos interesses, o pen-
reformas que julga necessários e justas ; emquanto samento illumina a estrada do porvir.
os governos apoiados no militarismo, na força, ne- Quem já não vio as magnificências da aurora do
ga m-nas sob pretexto de inopportunas ou imprati- dia da manhã?
cáveis. O projecto gigantesco de Gregorio V I I , de sub-
E é esta falta de critério, esta opposição syste- metter o mundo ao clero e o clero ao papado, rufo
mntica ás exigencias sociaes que van engendrando por terra ao embate das forças antogonicas, diante
um féto monstruoso nas entranhas do futuro. da lógica inexorável dos acontecimentos.
Os governos, pelo temor que lhes infundem os A sciencia matou a theocracia.
adiantamentos da democracia, seguindo, infelizmen- A immobilidade, a petrificarão do dogma é um
te, as licções de seus antecessores, aftastam-se até absurdo.
as raias do despotismo ; emquanto que o povo, a cada Sustentemos, pois, uma religião, mas cheia de
passo q ue dá para a frente, vê-se obrigado a levan- austeridade e de grandeza, fundada nos principios
tar uma barricada. philosophie-os do chrÍ8tianismo.
D'ahi o descredito dos governos ; d'alii as repres- A o insulto :—L'état c'est moi—respondeu a ra-
sões sangrentas inflingidas á opinião publica ; d'alii jada de 89.
esta lueta incessante e formidável que tem despeda- E a democracia caminha.
çado muitos thronos e que ameaça áquelles que E vai rasgando um sulco de fogo, luminoso em
subsistem ; porque os cidadãos acham-se nas condi- cada coração, na consciência da humanidade, emfim.
ções afflictivas de combater o poder como quem
combate um inimigo, na phrase de C. Bernal.
Combater, porque já não é mais possível, no es-
tado que altingiram os espíritos, o domínio abso- Terá o povo amanhã uma verdadeira repre-
luto da força. sentação, a qual não reposará « sobre o principio
E é certo : neste pugilato sem tréguas, titânico, ignóbil e curruptor do censo, nem sobre cathegorias
ás vezes, a Victoria pertencerá irremediavelmente ao arbitrarias, nem presunpção alguma de capacidade,
povo, porque as sociedades não morrem; o mundo mas sobre o direito inherenre ao homem e ao cida-
não retrograda. dão » .
Então—a justiça não empallideccrá mais diante
O brado de liberdade lançado pelas primeiras
da f é ;
gerações echõa ainda em torno de nós e echôará eter-
Então—a liberdade não se curvará mais diante
namente no seio da humanidade, se é que Hegel disse
da força.
uma verdade : « A historia universal é a historia da
P . C.
liberdade » .

Ainda são calcadas aos pés, abertamente, sacra-


A Opinião é o titulo de mais um periodico aca-
tíssimos direitos, ninguém ignora.
dêmico, do qual j á foram publicados dois nú-
Ainda não são uma realidade, como deviam, a
meros.
liberdade religiosa e a liberdade politica.
E' redigido pelos acadêmicos Victor Monteiro e
Pois bem Nestas circumstancias, não será justo
Affonso Peixoto.
que o povo, diante da iniquidade dos governos, se
Seu programma consiste na propaganda contra
levante para quebrar as ultimas cadêas que o pren-
o actual gabinete, do qual se declara francamente
dem, para manter seus direitos, para readequirirsua
dissidente.
liberdade, emfim ?
A Evolução, si por um lado só tem applausos
Este século precisa de honrar a memoria de João
para Victor Monteiro e Affonso Peixoto, porque en-
Huss, Abailard, Savonarola, Luthero, João Jacques,
cara no seu periodico o resultado do esforço proprio
Voltaire, Diderot, e, finalmente, de todos esses ti-
e do talento conscio do seu mérito,—por outro, não
tans de que a historia guarda os nomes com acata-
pode deixar de confessar-lhes a magoa que experi-
mento.
menta ao ver esperdiçado tempo, trabalho e intelli-
E elle honrará; porque isto é uma falaiidade. gencia ao serviço d'uma causa tão van.
A agitação que domina todas as consciências,
Ora, com franqueza, que resultado esperam co-
o movimento que se patenteia em torno de nós não
lher os dois acadêmicos com a sua Opinião, com o
indicam outra cousa, não tôm outro fim.
rumo que lhe deram ?
Pensam, por ventura, que desnortearão o gabi-
A lueta tremenda q r e se ateia, cada vez mais, nete, que levarão ao animo dos que apoiam a
tem sua explicação lógica na historia da humani- marcha e acompanham as vistas a convicção de que
dade. 6 elle deshonesto e antipatriótico ? Pensam que in-
Indica renovação. fluirão accentuada, decisivamente no movimento
Em toda a sociedade que se renova trabalham politico ?
A EVOLUÇÃO 45

Si tal suppõem—o que a Evolução não crft— estão


perfeitamente enganados. 0 pezadello
Que um periodico acadêmico apanhe os princí-
pios, discuta-os, analyse-os à luz da razão, que ob- • E' bello ser a s s i m : temido e soberano;
serve a marcha dos partidos políticos, e conforme a Não encontrar jamais um só poder no mundo
maior ou menor justeza de apreciação que presidio Que me quebre a vontade ao grande sceptro ufano 1
áquelle estudo e àquclla observação, afflrme valente,
mente as suas convicções,—é louvável, é necessário, « A quem no alto está que importa que no fundo
6 um dever mesmo. Arrastcm-se os reptis? Que importa que, rugindo,
Mas o que não se pode tolerar, por significar Ergam-se os vagalhões no pélago iracundo?
si mpleemente um absurdo, é que a imprensa acado-
mica, abandonando as regiões puras e serenas em « Babel não tocará jamais o cêo infindo.
que só se encaram idéase se combatem princípios, vá 0 suberbo leão, feroz, grave e possante,
viver no meio dos vapores pútridos e mephiticos que Da matilha sorri, que perto vem latindo » .
exhala a politica dos nossos partidos, reduzida, co-
mo está, a ambições ignóbeis e a interesses bastardos, Assim pensava o rei, na alcova deslumbrante.
O que não se pode tolerar é que folhas mera- E ura sorriso feliz nos lábios lhe briucava...
mente acadêmicas, em vez de empregar as suas ap- Mas, de repente ergueu-se... e, longe, mui distante
tidões em fins mais generosos e úteis, estejam dia*
riamente a c l a m a r : Sentiu que algum tumor profundo se agitava.
Crispou-se-lhe o Cabello; ergueu ambas as mãos...
O sr. ministro lai é um áulico, o sr. ministro tal
E do fundo da historia ouvio que se arrojava
ó um traliidor, o sr. ministro tal commettcu uma ar-
bitrariedade e t c ; quando é certo que taes ataques
A q u c l l e g r i t o extranho : — A S ARMAS, CIDADÃOS !
j ã o destinados a só ficarem conhecidos no limitado e
estreito circulo acadêmico.
Assis BRASIL.
O que não se pode tolerar é que os acadêmicos
Victor Monteiro e Afionso Peixoto fundem um jor-
nal só para descompor ministros.
Seja dito e m bem da verdade, e com a franqueza A resposta da «Vanguarda»
de que tem dado provas a Evolução, que a Opinião aio
taz mais do que obedecer à tendencia que se manifesta A Evolução vai dizer duas palavras á Vanguarda.
accen tuadamente em quasi todo o jornalismo aca- Em homenagem a L e ã o Bourroul, a seu amigo
dêmico. Prosperus, e ao tal auctor dos Perfumes de Roma.
Quem não recúa diante da banalidade ?
A Evolução' cumprimenta os seus redactores.
Será, por ventura, a Evolução, que, firmada no
juizo de eminentíssimos historiadores, sustenta uma
J. C .
verdade, ou aquelle que, sem dados, vaidosamente
pretende contestal-a ?
A Evolução folga sinceramente sempre que Pois aqui 11o que disse a Vanguarda será mesmo
tem de registrar e m suas columnas o apparecimento Licção de Historia, como o denominou ?
de mais um jornal acadêmico, principalmente quan- N ã o significará apenas uma estulta pretenção,
do este, abandonando o esteril caminho em geral expondo seu auctor ao irrisorio ?
trilhado pelo jornalismo acadêmico, busca novas ve- A Evolução pensa ter demonstrado amplamente
redas e modella a sua conducta por outras normas que a inquisição é obra da igreja, porém Leão Bour-
mais salutares e fecundas. roul, sem prova competente, persiste em affirmar o
Neste caso acha-se A Ide a, ruja redacção perten- contrario.
ce a um brilhante grupo de estudantes do 1* nnno O que fazer ?
do Curso Jurídico de S. Paulo A inquisição não foi um tribunal meramente re-
ligioso, delara o articulista, mas não provou.
A* Ecotução foi enviado o 1 numero, que, além do Pois então l e i a :
artigo de apresentação, escripto com elevação de vis- R Quaes eram os crimes de que o tribunal da in-
tas, não denotando, porém, grande originalidade de quisição tomava conta ? Aqui os defensores do San-
pensamento, contem outros trabalhos, poesias, etc., to Officio ficam mesmo embaraçados Sc a inquisição
etc. é um tribunal politico é necessário quo os crime cujo
julgamento lhe é attribuido sejam crimes de estado
Vé-se que ha da parto dos seus redactores bas- Ora, se se consultam as leis que o estabelecem, se se
tante talento e decidida disposição para o estudo percorrem as suas decisões acham-se sempre a he-
consciencioso e produetivo resia ou erro sobre dogmas.
A Evolução sn uda-os. Citaremos aqui alguns crimes em virtude dos
|SÍV-. J.C quaes desgraçados foram condemnados pela inquisi-
ção hespanhola, (K cita). Como conciliar o caracter
puramente religioso ou ecclesiastico desses delietos
•o
46 A EVOLUÇÃO

com o caracter politico do tribunal? Respondem—é Ora, isto só pôde ser dito seriamente—na China.
necessário não julgar a inquisição sob o ponto de « Preveniu muitas conflagrações c muitas guerras
vista do X I X século, que ella procede da concepção de religião » . '.
da media idade, segundo a qual toda a aberração re- Admittido, por um momento, este absurdo, como
previnio ? Trucidando os povos, aspliyxiando o pen-
ligiosa é um crime. Os defensores do Santo Offlcio
samento, amordaçando a consciência.
não reconhecem que acham-se em contradicçiSo. Se
Que o digam a França, a Hespanha, a Itália, a
a inquisição é uma instituição da media-idade ella é
Aliemaiilia e Portugal.
por isso mesmo estranha ao estado propriamento
dito, porque na epocha em que foi estabelecida
não havia ainda estado; não é pois esta uma policia Defendendo a Curia Romana do crime de perse-
politica, é uma policia ecclesiastica que tem por fim guições, movidas contra Galileu, diz, por fim, o re-
manter o domínio da igreja a ferro e fogo. Que i m - dactor da Vanguarda :
porta que depois disso os reis de Hespanha se tenham
« Eis o que se 16 no Mercure de 17 de Julho de
apoderado deste instrumento de tyrannia? Elie não
1784, numero 2 9 :
é menos catholico na sua origem e na sua essen-
« Felizmente está hoje provado pelas cartas de
cia » . (1)
Guichardin e do marquez Nicolini, embaixador de
Os papas, diz jactanciosamente o redactor da
Florença, ambos amigos e discípulos de Galileu, pe-
Vanguarda, intervieram, é verdade, na direcção da-
las cartas do proprio Galileu, que ha um século se
quelle tribunal; mas sempre com o fim de suavisar
tem enganado o publico sobre este f a c t o » .
a jurisdicção inquisitorial.
De suavisar ? Pois se ignora, aprenda ; mas não «. Este philosopho não foi perseguido como bom
com seu desconhecido amigo Prosperus : astronomo, mas como máu theologo » .
« Em 1215, Innocencio I I I celeboou o decimo Este ultimo período encerra evidentemente uma
concilio geral, que foi o quarto de Latrão, e abi fez accusação á igreja.
decretar com referencia aos heréticos do Languedoc : Por outro lado, Leão Bourroul não reflectio b e m j
1*. Que aquelles que forem condemnados pelos quando citou o nome de Nicolini e as cartas de Ga-
bispos como hereticos,sejam entregues à justiça secu-
lileu.
lar, afim de soffrerem o merecido castigo ; 2 o . Que os
Pois quer ver o que diz Nicolini, quer l ê r um
bens dos leigos condemnados sejam confiscados, e t c . ;
3o. Que os habitantes suspeitos de heresias, etc., e t c . ; trecho de Galileu ?
4o. Que os senhores sejam advertidos, e mesmo obri- Palavras ditas pelo papa ao embaixador Nicolini
gado*, por via de ceusuras ecclesiasticas, a expulsarem que as transmittio a seu governo : — « Que a doutrina
de seus domínios a todos os habitantes considerados era extremamente perversa; que a obra no facto era
hereticos; 5.® Que todos os senhores, etc., e t c . ; pernicioza». Despacho de 18 de Setembro de 1632.
6°. Que os catholicos que se reunirem para exterminar « Q u e a opinião era errônea e contraria ás Santas
os hereticos, tenham parte nas indulgências, etc , escripturas, sahidas da bocca de Deus : ex ore Dei».
e t c . ; "Io. Que a excommunhão decretada pelo concilio 18 de Junho de 1633. Nicolini accrescenta ainda :—
recaia não só sobre os hereticos, mas também sobre
« Q u a n t o ao papa, não poderia estar mais irritado
aquelles que os tenham favorecido ou acolhido em
contra o nosso pobre Galileu »>. (3)
suas casas; os quaes serão declarados infames se, ao
Em uma de suas cartas diz o proprio Galileu ;
cabo de um anno, não cumprirem seus deveres, e,
« Sei com certeza que os jesuítas persuadiram a uma
como taes, excluídos de todos os empregos públicos, e
pessoa extremamente influente que meu livro é mais
declarados inhabeis para fazer disposições testamen-
tarias, receber successão, etc , etc., etc. » (2) abominavel e mais pernicioso para a igreja, do que
Que suavidade nestas disposições ! os escriptos de Luthero e Calvino » . « D o meu cárcere
E eis como começou a inquisição. de A r c e t r i » . (Galileu).
Innocencio I I I teve dignos successores em Hono- E m outra carta accrescenta: « Não é por esta
rio I I I , Gregorio IX, Innocencio I V , João X X I I , In- opinião que me têm perseguido e que me perseguem
nocencio V I , etc., etc. ainda, é por causa de minha desintelligencia com os
Não tem, pois, razão o redactor da Vanguarda jesuítas » . V . Journal drs Savanls, 1841. (4).
quando d i z : O redactor da Vanguarda parece que citou in-
« Sempre os pontífices romanos mitigaram a in- conscientemente o Mercure.
quisição » . A que fica, pois, reduzida a sua citação e tudo
E nota. como exemplo, Xisto I V , o mesmo papa o mais ?
que, auxiliado por Fernando V , estabeleceu na Hes-
A nada absolutamente.
panha a inquisição moderna, a qual não differe da
Vio o que disse Nicolini ? E o que diz Galileu ?
antiga, senão pela organisação, que é muito mais
Citou cegamente o Mercúrio; nao foi ?
sabia e muito mais uniforme.
E quer dar lições de historia l
« O que é verdade, continúa Leão Bourrul, é que
Emfim...
a inquisição prevenio muitas conflagrações particu-
lares, e evitou muitas guerras de religião » .

(1) Laurent—Hist. de 1'Humanité, vol. 9», pag. 49. (3) Quinét, Les jesuites.
(2) Arnoul, Hist. da Inquisição, pag. 66. (4) Quinet, Les jesuites.
A EVOLUÇÃO 41

CooclusSo. E d'alli dardejava os olhos inflammados,


Leão Bourroul nada resolveu. Ao pégo que condensa as choleras austeras,
Fa liou com presumpçâo, com calor, com arro- Onde o formiguejar dos homens e das feras
gância apenas; o que não basta. Pullula ao perpassar doa sec'los irrritado.
Convença-se disso o moço, que, desastradamente
vai rolando pelos despenhadeiros da fé.
E fique certo de que é impossível escurecer n luz E elle ouvia subir hosanas fementidas,"
radiosa da verdade, por mais esforços que se façam Os Te-Dcum dos reis, os ais e as maldições,
em circulo de fofa erudição. O fundo estertorar das miseras nações.
P. C.
E os justos a gemer em ancias doloridas.

Este concerto extranlio e fúnebre do mal,


COLLABORACÃO Tão velho como o mundo e como a raça humana,
Mais forte e mais revel que a sua raiva insana,
Cercava de fragor o tétrico Immortal.

A Idea Nova
Elie voltou de um salto aos tempos insondáveis,
Em que habitou também o céo azul profundo.
(A B A R B O S C A S S A L )
A n t e o estúpido horror do seu destino, um f u u d o ,
Tremor enregelou-lhe os membros formidáveis.
Sob inhospito sólo e esteril estremece
O volcão e abre a bocca aos vomitos da chamma ,
Vôa o fogo no ar I Tudo em redor s'inflamma I... Braços e pés crispando, ergueu a grande voz,
Tndo reduz-se a pó !... e então mais nada vê-se... Elie, a victima antiga, o sonhador primeiro,
E o brado seu ferio o espaço sobranceiro,
Em que, fervido, boia o espunicjar dos sóes:
Pouco tempo depois, sobre os montões de lama,
De cinzas e betume, a primavera desce;
Dalta vegetação o sólo se recama, —Como uma horrível chuva os dias meus, que horror j
Que em seivas exubéra e loirejante mésse 1 Se accumulam em vão na minha eternidade.
Orgulho, desespero, e torça é só vaidade, *
E a luta me aborrece e peza-me o furor.
O cérebro febril da ardente juventude
E' um volcão t a m b é m ; a luz da Nova Idéa
Ha de romper de lá em súbita explosão I O odio como o amor me tem atraiçoado:
Eu bebi todo o mar dos prantos infecundos.
Tombae e me arrazae, raios, montões de mundos !
Athletico luetar I Tomba a decrepitude!...
Que no sagrado somno eu seja mergulhado 1
Mas das ruínas vis da sórdida Pompéia
A cidade—Progresso—ha de surgir e n t ã o !
E os venturosos vis e as raças doentias
RAYMUNDO CORRÊA.
Nos espaços de luz, immensos, immortaes,
Este brado ouvirão : E' morto Satnnaz f
E acabarás emfira, ó obra dos seis dias !..

À tristeza do diabo Tinguy, Junho de T9"

VALENTIM MAGALHÃES.

(LECONTE DE L'lSLE)

Os punhos a morder, immovel e calado,


Pelo manto falai das azas envolvido,
Subiu la causa lollitur e/feclus.
Sobre um pico de g e l o eterno guarnecido,
D e t e v e - s e , uma noute, o antigo Fulminado. #

II

A terra prolongava, em baixo, escura, ingente,


A s plagas em que o mar estende os braços fundos. Confissão forçada : é lastimoso isto.
Em cima, scintillava o céo cheio de mundos; Mas registre-se um facto, que é uma esperança e
Elie, porém, fitava a sombra unicamente. um consolo : á espaços, na Historia, pela lei inevi-
48 A EVOLUÇÃO

tavel da evolução, a geração nacional tentou sua in- é uma palhaçada de saltimbanco, sobre o cadaver
dependencia. ainda quente da Vergonha morta!
E nem podia deixar de fazel-o. III
Chegadas a um certo gráo de prosperidade, as
colonias tendem sempre a desembaraçar-se das peias Hoje, o impulso fatal para a marcha ascendente
que lhes impõe a metropole : é lei histórica. do individuo, como do Universo inteiro, tem feito
muito em bem da nacionalidade patria, mas a nova
Manifestação primeira, mas pusillanime, foi a
geração não despiu-se ainda d'aquellas impurezas.
de 1640. S. Paulo queria escolher um rei. Um rei,
E" semi-livre ; o (porque não affirmal-o ?) quasi es-
s i m ; mas um rei independente de Joio I V , o assas-
crava. O é em Religião, porque conserva a beatitude
sino. Esse rei seria o crepusculo agonisante e me-
fradesca do berço, e a educação theologica e mystica
diador entre o passado momtrchico, e o futuro repu-
da famila ; conserva ainda nos ouvidos o som das la-
blicano; a adulação de Amador Ribeira Bueno suffo-
dainhas entoadas por entre os cochichos maliciosos
cou o grito de liberdade do povo. Tentou-a ainda,
dos hypocritas 6 a indocencia velada das devotas.
encarnada a liberdade em Silva Xavier (1776—1779)
O é em Politica, porque, além de desconhecer o seu
e a Poesia (o movimento litterario precede e acom-
fecundo o grandioso principio, qual seja o da confra-
panha sempre o politico) em Cláudio da Costa, A l v a - ternisação humana, livre e organisada, adula o rei,
renga Peixoto, Gonzaga, etc. Mas a liberdade era a o a caterva imperial, ou francamente, pelo regimen
estatua babylonia: tinha pés de b a r r o ; Tiradentes conservador, ou disfarçadamente, pelo liberal; em
era um rude e franco republicano, jamais um diplo- Philosophia porque modula suas idéas pela metapliy-
mata astucioso: as lettras eram a escola classica, a sica oflieial, bebida nas aulas, quando, cm si, é gasta
mascara do Bello, a imitação pastoril em Gonzaga, a e descrente ; cm Historia, porque nem a estuda, nem
bajulação á Rainha.de que não pôde livrar-se Alvaren- percebeu-lhe ainda o principio philosophico, elemen-
ga, pedindo n'um soneto, vergonhosamente, ura per- to primordio (creação do V i c o ) n'çlla encerrado, e
dão. Joaquim Silvério—o t r a i d o r — v a l i a bera Maria fal-a uma narração estudada nos compêndios, ou
II—o monstro da crueldade f e m i n i n a ; e o visconde n'uns pontos para esses exames de compadres, ou
de Barbacena o vice-rei Luiz de Vasconcellos: o de a l g o z e s ; em Litteratura, porque nem a conhece,
corpo do martyr rolou das baixezas do patíbulo e foi nem dedica-lhe um estudo sério, nem a acolhe com
tombar, no seio de Jesus; o desterro esperou-lhe os cuidado, senão que nutre contra ella o preconceito
companheiros, e morreu a idéa da rederapção social. de que todo o litterato é vadio ; porque fal-a um sim-
Segue-se, na chronologia da grande Idéa, 1817. Do- ples passatempo, em que impera a imitação, a cópia,
mingos Martins é a propaganda i n i c i a l ; o padre R i - a traducção, a falta de originalidade e vitalidade
beiro Pessôa, Theotonio Jorge, dr. José Luiz de próprias, ou porque a abandona totalmente, depois
de alguns tentamens, em que o pouco estudo produ-
Mendonça, Corrêa de Araujo, o padre Miguelinho,
ziu o máo ê x i t o .
Gonçalves da Cruz, o padre Roma e o padre Marti-
niano d'Alencar os sectários A fraqueza traiçoeira
Não fallo da A r t e ; ahi j a z , a um canto, a míse-
da Parahvba, do R i o Grande do Norte e das Alagôas,
ra, sem um sopro siquer de animação, antes muitos
o bloqueio do Recife ordenado por Marcos de Noro-
de desfallecimento. O theatro ainda não comprchen-
nha, conde d'Arcos, o desastre do engenho de Ipo-
deu o naturalismo, que é o real, a experiencia, a ob-
juca. as imposições de R o d r i g o Lobo, fizeram ba-
servação, sem ser o torpe e o v i l ; é o vnudevillr im_
quear a causa santa. N o período da fictícia liberdade moral, o alcazar bandalho, onde as artistas parvenues
de 1822, na scmi-liberdade que despontava, antes da ostentam a carnação gorda das pernas, e os srs. de-
litteratura offlcial dos áulicos que offereciam livros ao putados a magreza das consciências, e onde vão gas-
augusto senhor d'Alcantara, erguem o divino brado tar o dinheiro do povo, e o pouco de vergonha que
revolucionário Paes de Andrade, o illustre padre adquiriram na província. O romance é a traducção ;
Joaquim Caneca, Metrowich, Loureiro, Cavalcanti, c morreu Alencar ; as gazetas publicam as copias da
Ratclif, o martyr calmo e resignado, que rogava aos baixa escola franceza, as escabrozidades rústicas e
céos fosse seu sangue o ultimo derramado em terra impressionáveis de Ponson du Terrail, e de A l e x a n -
americana pela causa da Liberdade humana. Pedro I dre Dumas e os mysticismos indecentes de Escrich ;
vinga-se com a cobardia de um inquisidor; ainda a poesia é a idealisação immoral, a voluptuosidade
cahe a Verdade Eterna. Pensais que concluiu-se o lasciva e aphrodisiaca de C. de Abreu, raro mal aco-
martyrologio fatal ? Engano. Ha ainda Pedro I v o . lhida pelo elemento feminino ; e os escriptores nacio-
Ha ainda Nunes Machado. Ha ainda outros. naes, como Bernardo Guimarães, Macedo, Machado
Veio-nos então a litteratura de S. Cliristovam, de Assis, Luiz Dolzani, Silvio Dinarte, o outros, ou
a litteratura palaciana; bajulou, adulou, rojou-se aos pensara nas circulares para os eleitores, ou apegam-
pés do r e i ; representou o infame papel de Horácio se aos velhos moldes, ou repousam com o descanso
profundo dos que nada mais téem a fazer.
thuríbulando Mecenas, de Boileau dirigindo incensos
a Luiz X I V . Não fallemos do 7 de A b r i l ; não se
Ataraxia de morte !
tomam a serio as comedias; porque, sahir da pres-
SILVA JARDIM.
são do relho do tyranno, para ir estiolar-.se sob a
influencia satanica do riso hypocrita de Machiavel Typ. da Tribuna Liberal.
1 A EVOLUÇÃO
|epdico ^digtdo pçloji J^cadcmtco^

Julio de Castilhos
Pereira da Costa

Assis Brazil

Ann«» 1 S. P a u l o , 13 <le J u l h o d e i s t ! ) m. ?

A EVOLUÇÃO Porque a igreja entregue a aspirações visivel-


mente monstruosas, petreficadas nas cathedraes da
idade media, arremessando sobre o espirito e sobre
a consciência um mundo de trevas, sevando-se.emfim,
15 DE J U L H O DE 1879.
na ignorancia dos homens, pretende, cousa estranha!
ser eterna na sua barbaria, i m m u t á v e l , infallivel nas
Movimento ; eis a suprema lei.
suas decisões.
L e i universal que preside tanto as t r a n s f o r m a -
Porque os reis, abysmando em si as nacionalida-
ções do mundo physica, c o m o as transformações do
des, desesperados ao brilhar cada vez mais imponente
mundo moral.
do sol da razão, na impotência de conservar o poder
Na esphera terrestre—quantas evoluçOss, quan-
que lhes escapa, têm procurado dominar pela tyran-
tos reviramentos subterrâneos, ou exteriores !
nia, afogando em sangue todas as idéas generosas
Na esphera da humanidade—quantas revoluções
brotadas no craneo dos herdes.
inauditas, incomprehensiveis, não tem o espirito
Fazer crentes e soldados, morcegos para a treva,
humano e n g e n d r a d o e realizado !
afim de impedir os adiantamentos humanos,tem sido,
Por t o d a a parte a mesma força dominadora,
mesmo hoje, a occupação iniqua dos g o v e r n o s per-
mas regular, u n i f o r m e , l ó g i c a .
versos e corruptos.
U m a nova philosophia, i l l u m i n a n d o o campo da
E , d e s f a r t e , o estado serve a igreja e a igreja
sciencia, tem d e m o n s t r a d o q u e nenhum ramo da
serve o estado.
actividade h u m a n a , nenhuma idéa, nenhum typo é
Mas, nem a reacção ultramontana q u e tenta l e -
o producto de u m p e n s a m e n t o ú n i c o ; mas sim de
vantar o collo á luz meridiana deste século, nem a
causas essenciaes ou secundarias, « porque as causas
floresta de bayonetas levantada pelo braço da tyran-
e os g e r m e n s do que d e v e ser estam no que é. »
nia, poderão impedir « o livre curso da grande lei q u e '
Corrente i n q u e b r a n t á v e l , indestructivel, prende vem descendo pela encosta dos tempos. »
d e s f a r t e o passado ao p r e s e n t e , e o presente ao f u -
A justiça triumphará i n e v i t a v e l m e n t e , e ha de
turo.
occupar esse centro ideal e m torno do qual g r a v i t a m
A s s i m , evoluções successivas, graduaes vam dan-
os povos, e o n d e , á mingua de comprehensâo, por
do um aspecto n o v o , derramando luz nova no seio
falta de lógica, se t ê m c o l l o c a d i successivamente
das sociedades.
diversas instituições : realeza, aristocracia, theocra-
Os idolos v a c i l l a m e sam precipitados dos altares
cia, etc , etc.
pela mão rude do t e m p o , ao choque de forças con-
trarias. Então, collocada nesse centro, fonte fecundíssima
de luz, de amor e de verdade, será a justiça, como o
Instituições desapparecem para dar l u g a r a ou-
sol no systema celeste, o sol no systema social.
tras, vasadas e m m o l d e s mais seguros e mais perfei-
tos. Dcsligal-a, pois, de todo o interesse individual de
uma família, ou de uma dymnastia, arrebatal-a, em
uma palavra, d'ao pé do throno e do altar, por meios
pacíficos ou v i o l e n t o s ; eis a mais palpitante neces-
E pois, e m face da cadêa ininterrupta dos pro-
sidade para paz e tranquillidade das sociedades
gressos humanos, da filiação coruscante das idéas
hodiernas.
que serão e t e r n a m e n t e o svmbolo da civilisação, o
que tem sido a j u s t i ç a ? A acção da justiça, reflectindo-se no suffragio
universal, concentrando-se no g o v e r n o da republica,
Para a i g r e j a — u m m y t h o , na phrase de Prou-
regulando, garantindo os interesses e a liberdade de
dhon.
t o d o s : eis um ideal que terá sua realisação n'um dia
Para a realeza—a injustiça, no dizer de V . H u g o .
bem proximo talvez.
E não é que por ella os povos não tenham lu-
ctado—e m u i t o — d e Christo a Luthero, de Luthero a
Voltaire, de Voltaire a D a u t o n .
Preparar o povo para a consolidação de seu t r i -
Que o d i g a m os Saint-Barthelemy políticos e
umiphp,derramando a instrucção por toda a parte, ferir
religiosos, em q u e mãos satanicas têm incendiado,
de morte as tradicções que perderam sua razão de
® a escuridão da n o i t e , o acampamento dos batedores
ser, e levar ao espirito do cidadão desabusado de
|§ verdade.
I 50 A EVOLUÇÃO

todos os preconceitos sociaes a idéa clara, limpa da Pena ó que se estejam esperdiçando tantos ex-
verdade, da justiça é sem duvida a mais alta missão forços na causa perdida de resuscitar um cadaver
dos paladino« da democracia neste pedaço da Ame- —o clericalismo.
rica. A. B.
Tenha o povo a consciência do direito, e então
esta potencia que se chama opinião publica irrom-
pendo do seio das maças, o impellirá ás conquistas
do futuro, ainda que seja aos rugidos do furacão re- A proposito (fuma estréa
volucionário que nos ameaça.
E é bom recordar aqui a doutrinação da histo- De meiados d'este século para cá, uma profunda
ria : depois de Turgot, o reformador pacifico, Mi- mudança se tem operado em todos os modos de
rabeau, a incarnação mais radiante das aspirações manifestação da actividade bnmana, na parte mais
populares, escala a tribuna de fogo das tempestades adiantada do mundo. A nova direcção que vieram
sagradas. dar aos espiritos os progressos e os triumphos das
P. C.
sciencias positivas manifesta-se em tudo : nas let-
tras, nas artes, na politica, e, directa ou indirecta-
mente, tem influido em todos os produetos da in-
Com o 4* numero, recentemente publicado, sof-
telligencia.
freu mudança na commissio redactora a Reacção,
orgam nltramontano acadêmico. E' agora redactor- A origem das novas escolas litterarias, nascidas
chefe do periodico Raphael Corrêa, e redactores par- hontem e jâ hoje triumphantes, não tem outra ex-
ciaes-Canuto de Figueiredo, Filinto Bastos, Bour- plicação.
roul, José Vicente e padre Valois. Uma vez banido do terreno das sérias especula-
Traz este numero grande variedade de artigos, ções scientificas tudo aquillo que está fóra do limi-
folhetim e poesias. tado alcance da intelligencia, o incognischel, em uma
—No artigo inicial, sobre o ensino, entende R. palavra,—não restava mais ao artista do que descer
Corrêa que o augmento das línguas italiana e al- das nuvens e olhar para o campo positivo da vida.
leman nos estudos preparatórios é simples banalida- Na escultura (palavra sem sentido entre nós)
de ; porque já os dez preparatórios existentes são —deixou de apparecer o Neptuno, acalmando as
muito pouco aprendidos. Não é rasoavel argumentar
ondas, de tridente em punho, o Júpiter tonante,
com abusos.
suspendendo na dextra um raio de mármore, a núa
—Filinto Bastos attribúe a immoralidade das Aphrotite irritante, o toda a tropa de semi-deuses
classes operarias á talta de sentimento religioso. E' e heróes da antiguidade immemoravel. Algumas
erro de observação do distincto e sympatliico arti- obras, poucas, mas decisivas, tem desbravado o ca-
culista. No Brazil,—é regra sem excepção—o povo minho, 'neste sentido.
ignorante, analphabeto é religioso, até o phanatismo
muitas vezes. Na pintura e na musica a nova tendencia é mais
do que manifesta : a cópia fiel da natureza é a me-
E este principio applica-se ao mundo inteiro.
dida do mérito.
Ensine-se o povo a lêr, extingam-se, por meio
do governo republicano, as sanguesugas da riqueza Na poesia—, onde o idéal moderno se encontra
publica, que originam o pauperismo,—e o povo terá talvez em sua mais completa realisação, quebraram-
moralidade, cuja noção não existe no phanatico igno- se os velhos moldes estreitos em que a tinham en-
rante e perde-se no que se vê desesperado pela fome cerrado— primeiro a aberração classica, depois a
Nestes tempos, o sancto mais milagroso é o aberração romantica, — e, inspirando-se nos largos
A, B, C. O futuro pertence a escóla. ideaes modernos, o poeta canta a Humanidade, em
—A poesia—Inania Verba— é também attribuida logar do Eu, o positivo em logar do chimerico.
a F. Bastos. No romance,—sob as suas variadíssimas mani-
A cegueira religiosa torna até inconsequente a festações, a arte moderna repelle os velhos typos
pujante intelligencia do poeta, alias liberal. ideaes, os monstros de Victor Hugo e os persona-
Escreve estes versos, para condemnal-os : gens dissolventes de Lamartine e Tbeophilo Gautier,
—para ir buscar o homem, tal qual é, movendo-se
« Não mais a humanidade ao leito de Procusto
e agindo debaixo das vistas do leitor.
Ha de jazer atada, ã voz da tyrannia.»
A observação tornou-se naturalmente o critério
E, como estes, muitos outros, como. por exem- da arte.
plo, esta quadra, que não devêra ser profanada pelo Não é aqui o logar de demonstrar a superiorida-
final :—o Ei» o que diz o sec'lo, em infernal delirio » :
de d'este novo modo de encarar as coisas.
« Em vez do negro claustro, em que se abriga o ocio,
o Erga-se a escóla, a tenda, á infancia, á juventude.
« Só do trabalho agrada ao sec'lo o sacerdocio...
O drama, estreitamente ligado ao romance pelo
| O frade já morreu; só resta-lhe o ataúde. »
seu caracter intimo, não podia deixar de soflrer o
Ha muito a esperar da nova redacção, servida influxo desta evolução geral.
por distinetos moços e tendo á frente um trabalha- Ainda que até hoje as suas tendencias não te-
dor consciencioso e correcto. nham sido dadas a conhecer na pratica sinão por
A KVOIJJÇÃO 51

alguns vacillantes ensaios, o seu idéal está todavia to, continua sua vida devassa. Origina-se, d a h i uma
perfeitamente determinado. perpetua lueta domestica., com todos os seus e s -
Esso idéal pôde sor definido em duas palavras : cândalos. Entretanto, nos saráus e reuniões f a m i -
A lógica dos factos subordinada á lógica daH liares, o casal affecta perfeita cordialidade, para rom-
sensações, como diz E m i l i o Zola ; per dopois, no isolamento do lar, c m novas discórdias.
A acçilo subordinada a psychologia, como d i z Este traço dá perfeita idéa de taes scenas d o m e s t i -
Eugênio Veron. cas :
A tragedia, a epopéa classions, vasados nos mol- « FERNANDO : — N ã o sei d o que se queixa : j á
des de Aristóteles, eram justamente o contrario lavou? j á e n g o m m o n ? O que lhe f a l t a ?
d'isto, ninda que, na concepçfto de Sophoclcs e prin-
CLOTILDE :—Falta-me tudo : a tranquillidade, o
cipalmente na de Euripides, a psychologia fôsse j á
socego, isto é, a felicidade c o n j u g a l .
tendo logar no d e s d o b r a m e n t o da tragedia g r e g a .
FEWXANDO :—O que lhe falta é j u í z o , minha se-
A escóla romantica approxiina-se um pouco mais
nhora. »
da verdade, por este lado, mas para cahir em absur-
( E ' bom transcrever este treclio e insistir 'nisto,
dos maiores.
porque esta discórdia é a alina do drama. A citação
Só a arte moderna b e m comprohendcu e definio
6 feita do m e m o r i a . )
o drama.
O drama moderno devo seruina téla desdobrada Pelo fim do p r i m e i r o acto ( o drama consta de 3 )
apparcce, vindo visitar os filhos, o v e l h o pai dc C l o -
diante dos olhos do espectador. Para isso torna-se
tilde, João Soares, inattuto que nunca v i o cidade, e,
neceçsaria uma p r o f u n d í s s i m a observação O fio dos
pela sua grosseria, provoca a l g u m a s risadas 'numa
acontecimentos se d e v e ir desenrolando natural-
fina sociedade que sc achava e m casa de F e r n a n d o ,
mente, os factos succcdendo-se sem precipitação e
brincando a berlinda. S y l v i o , rapaz rico c da muda,
sem demora. Os personagens necessitam do uma
prevalece-se da discórdia que reina e m casa d e F e r -
exactíssima fidelidade de observação. Entre estes e a
nando, para seduzir-lhe a mulher, que afinal cede,
acção deve existir uma perfeita solidariedade. Elles
para tomar desforro do m a r i d o , que escandalosamente
devem ser t o m a d o s v i v o s no seio da sociedade, com
alimentava relações i l l í c i t i s c o m uma certa Eva e,
todos os seus v í c i o s , tendências e costumes, para
provavelmente, com m u i t a s outras. Devia C l o t i l d e ,
que, agindo n a t u r a l m e n t e , naturalmente cheguem
para começar a vingança, a c o m p a n h a r o amante a
a um desfecho l o g i c o , não p r e v i s t o , mas considerado um baile campestre, dos muitos que sc d a m 'no J a r d i m
possível e talvez suspeitado. E m uma palavra,—o Botânico c aonde s o m e n t e vai g e n t e m u i t o duvidosa.
drama moderno precisa d e ser sincero. Arrspnndc-se, porém, na occasião de c o n s u m m a r o
A f ô r m a deve ser torneada e irreprclicnsivel, o crime ; mas F e r n a n d o , que ainda a apanha v e s t i d a ,
dialogo firme e resistento. Isto ó tanto mais neces- finge-se irritado; c, do combinação com S y l v i o , a
sário, quando o drama moderno não dispõe das accusa rudemente, e quer até matal-a, pois que t e m
grandes explosões de acção da velha escola. por si—a l i. João Soares, o pai, que não podia d o r -
Tudo o que não f ô r real está, portanto, b a n i d o mir com os mosquitos e com o calor, presenceia,
d'elle, quer na f ô r m a , q u e r no f u n d o . occulto, toda esta scena, passada á meia noite. De-
E' esta a aspiração da arte. A isto podia-se com pois que Fernando retira-se, e l l e obriga S y l v i o , com
razão chamar, c o m o E . Z o l a , — o Naturalismo. a lógica da sua bengala, a assignar uma carta, por
si mesmo dictada, o na qual fica resalvada a honra
da filha Esta obtém carta siinilliante de Fernando
e dispõe-se a partir coin o velho para a roça, sepa-
A Evolução precisava d e dizer essas palavras, para rando-se do marido. Faz algumas exclamações p a -
com segurança basear a l i g e i r a apreciação que vai theticas, ás quaes respondo João Soares 'no mesino
fazer com referencia á estréa dramatica de A f t o n s o t o m , e 'nisto partem ambos, e assim acaba o d r a m a .
Celso Junior.
Drama e a u c t o r , — a m b o s serão j u l g a d o s com a T u d o isto se passa 'numas seis ou oito horas,
severidade, talvez errada, mas, pelo menos honrada 'no mesmo l o g a r , 'na mesma sala.
e sincera de que t e m dado provas a Evolução, ainda
que seja difficil a imparcialidade 'no j u l g a m e n t o de
um amigo. Pelo enredo simples e tirado dc um facto de
observação, pela maneira de concluir, por muitos
traços geraes, vè-se que o auctor quiz filiar o seu
drama ao realismo moderno.
Em duas palavaas se pôde expor todo o enredo
de que tal é o estúrdio titulo do d r a m a — s Parece até que para mais descanso de con-
sciência deu-lhe as trez unidades:—do tempo, l o -
Um rapaz nascido e creado no Kio de Janeiro
gar e acção.
( e i s t o dispensa mais commentarios )—Fernando—
casa com uma bella menina, filha da província, porém A t é aqui nada ha a contestar-lhe. Não se pôde

educada 'num internato do Rio ( e isto também dis- negar que o espirito geral da obra é realista. A con-
pensa explicações ) — C l o t i l d e — . Fernando, que era c.epcflo é até mais feliz do que se podia esperar de
rico, extravagante e v a d i o , sem embargo docasamen- um estreante.
I 52 A EVOLUÇÃO

No modo de desenvoJvel-a é que Affonso Celso factos anteriores. Estas mudanças repentinas, feitas
I foi infelicíssimo. ao capricho do auctor, por uma necessidade de ac-
O espirito do auctor, como sempre, preoccupa- ção, podem ser muito próprias dos dramalhOes de
I se mais das exterioridades do que do fundo. A sua grande r/feito; no realismo são um peccado;
I phrase, toda alambicada á moderna, é muitas vezes Fernando 6 de uma natureza tam estupidamente
imprópria do personagem. Com Sylvio e algumas cynica, que pôde ser considerado inverosímil, ou,

I vezes entre Clotilde e Fernando o dialogo é frouxo


e monotono, sibem que não raro seja de uma jus-
teza irreprehensivel.
Algumas palavras indecentes, postas na bocca
pelo menos, monstruoso. O monstro está fóra do
circulo do realismo, que só deve pintar as scenas de
todos os dias. A maneira exquisita pela qual este
personagem assigna a carta que entrega a Clotilde
—é outro peccaminoso recurso de acção;
de João Soares, são indignas da peça e principal-
mente do auctor. João Soares é uma incongruência phenomcnal :
de uma estupidez suina, 'no começo ; de uma sabedo-
As trez unidades, coisa muito dispensável, são
ria e limpeza de expressão exactas e irrepreliensiveis,
mais um esforço para a fôrma. A única unidade ri-
'no fim ;
gorosamente lógica e imprescindível é a de acção,
Sylvio representa um papel secundar)ssimo ;
sem a qual a obra d'arte seria um monstro desen-
comtudo, se lhe podem applicar as mesmas observa-
contrado e incomprehensivel. Uma vez que os factos
se prendam por uma rigorosa cadêa, que importa que ções feitas a Fernando, sinâo peiores;
se passem elles aqui ou alli, hoje ou amanhã? Em Entretanto, o caracter de Virgínia, moça da
um estudo luminosíssimo e todo de observação, moda, que nada tem com o enredo, que só diz duas
V. Hugo demonstrou irrefutavelmente esta verdade. palavras, está perfeitamente desenhado. E' a rea-
Demais, na acccpçiio rigorosa da palavra, as unida- lisação mais perfeita de todo o drama, talvez por ser
des de tempo e logar são irreaiisaveis. um typo dos que a cada passo se encontram nas
Admira, entretanto, que, preoccupando-se A. altas sociedades.
Celso tanto da fôrma, por um lado,—commettesse, por
outro, peccados indesculpáveis. O drama contém
nada menos de trez ou quatro monologos, alguns dos Isto quanto á execução. A concepção, que talvez
q uaes—extensíssimos, além de um bom numero de logicamente devesse ser apreciada em primeiro lu-
apartes. gar, attenúa e quasi faz esquecer as enormes desca-
O monologo e o aparte são uma grande separa- bidas que abi ficaram apontadas. Vale um perdão.
ção da realidade. E' uma heresia incluil-os 'no drama O thema
natural. Ninguém falia sosinho, a não ser louco var- e importantíssimo, e a Evolução poderia
rido. E nem prevalece, por absurda, a explicação mesmo dizer—transcendental—, si lhe fôsse permit-
pela excitação nervosa. tido o uso d'esta palavra.
O monologo, dizem, é a representação externa Elie dispensa uma nova exposição e considera-
do dircurso mental. Mesmo que assim fôsse, Affonso ções que alongariam demasiadamente este j á muito
Celso mostra não o ter comprehendido: estirado artigo.
Clotilde está carpindo as suas magoas, 'num Mesmo atravez do espesso nevoeiro de erros,
monologo verdadeiramente romântico. No auge do vê-se que o auctor concebeu cada um dos persona-
desespero diz : « Estou só 'no mundo!... O que me gens de maneira mui diversa d'aquella pela qual os
resta ? !... » Entra João Soares e diz, como um heróe desenhou :—Clotilde devia ser uma moça de educação
de velha tragedia : « Resta-te o teu velho pai, minha romantica ( e isto se deixa entrever na execução),
filha!» levada ao erro por essa tendência fatal; Fernando
— um rapaz rico e sem occupação, abliorrecido, e, como
l)e maneira que aquellas palavras nienlaes foram
tal, incapaz de comprehender a tranquillidade do-
ouvidas por João Soares, contra as leis naturaes, por-
que o nervo acústico não é afíectado quando não ha mestica ; João Soares—uma alma rude como as mon-
vibração. tanhas da sua fazenda, como ellas altiva e pura;
Sylvio—um outro vadio, rico e celibatario, um cão
— E ' lamentavel que, apesar da boa vontade do
leproso, 'no seio de uma família.
auctor, não fôsse possível á Evolução obter o manus-
Tudo isto agindo 'no seio de uma sociedade apo-
cripto do drama, para, com a citação de alguns tre-
drecida pelo vicio, ornado da galanteria franceza, do
chos, melhor apoiar estas ligeiras observações.—
fingimento, da falta de intimidade,—devia levar a
Na pintura dos caracteres, 'no desenho dos typos,
acção a um resultado natural, fatal para todos, ma-
sem duvida a mais importante parte das obras d'este
nifesto 'nas torturas da consciência (carta morta
genero, o auctor foi, em geral, pessimamente suc-
'neste drama) e a todas as consequências da perdição,
cedido:
que esse facto faria suppor.
Clotilde é um typo dúbio, subjectivamente vacil- Foi esta sem duvida a concepção de A . Celso;
lante, movendo-se como que ao acaso, não deixando mas assim não executou a sua obra.
transparecer a lógica das sensações. Nesta mulher O desfecho, comtudo, é muito acceitavel, no fun-
a psychologia devia representar um papel clara- do ; na fôrma, é de um romantismo, de um lacryme-
mente definido. O seu arrependimento, na occasião jar imperdoáveis.
em que ia perder-se, é illogico, sem explicação nos Algumas declamações monologaes que faz, no
- ' =
A EVOLUÇÃO
j p
final. Clotilde, para explicar o d e a e n r e d o . - B t o dignas Tenhamos fé na regeneração. O* homens de gê-
do roais c h o r a m i n g a s d r a m a l h t o de lagrymas. nio excedem n sua épocha, vivem, por assim d i w r ,
no futuro. Faiia-cos talvez um d'esses supremos im-
K*t© desfecho 11*0 justifica o ponctode interroga-
pulsos para sennos grandes de lacto, como somos de
ção ( ? ) posto como titulo d o drama. E" uma origi-
direito.
nalidade i m p r ó p r i a .
A s tendencia« geraes da arte oslfto nssignaladas,
o seu destino definitivo está determinado, está tra-
çada a rota da intelligencia.
D e p o i s d "isto, a Evolução j u l g a que pôde dizer :
De harmonia com essas leia germes e inabalaveis,
O p r i m e i r o ensaio d r a m a t i t o de A . Celso Júnior foi
Aflonso Celso Junior não será por certo um reforma-
uma queda. Mas uma queda, n o começo da vida não
dor, mas ha de ser um campeão muito valent« e
quer d i z e r — u m a d e r r o t a . A o s primeiros passos a muito talentoso.
creança cai. Elle que estude e trabalhe.
E, além d e que i s t o é uma lei natural, na pessoa A Evolução não lhe fez elogios. N e m d'elles pre-
de q u e m se trata d e v o ser o facto diversamente e n - cisa o homem consciencioso.
carado. A l f o n s o Celso revela faculdades apreciabilis- A . B.
siinas para o d r a m a , c o m o para tudo. A sua t e n -
dencia d e v e ser a p p l a u d i d a e a n i m a d a . Quando não
fizer m a i s d r a m a s e m trez dias, poderá talvez ale-
vantar a a r t e , e n t r e nós morta e desprezada e i g n o -
Fragmento
rada.
Pelos campos sem luz da mystica Judéa
E ' u m a b s u r d o , f e l i z m e n t e m u i t o pouco susten-
A n d a v a errante e triste um pobre viajor,
tado h o j e , d i z e r q u e o B r a z i l Dão fornece e l e m e n t o s
O verbo semeando e recolhendo a Idéa
para uma v a s t a l i t t e r a t u r a v i g o rasamente original,
bem e n t e n d i d a esta p a l a v r a . Na seara sem fim do seu immenso amor.
U m a e d u c a ç ã o a r t í s t i c a defeituosíssima ou q r a s i
Tinha o forte valor que t ê m os inspirados,
nulla ; uma tendencia inveteradamente inclinada
E tinha a convicção, que gera esse valor.
para a f r i v o l i d a d e , t e n d e n c i a o r i g i n a d a "no c o m p l e t o
abandono em que andam os estudos p o s i t i v o s ; o A n d a v a cabisbaixo. Os seus olhos rasgados
servilismo da b a i x a i m i t a ç ã o , q u e mata a mais es- Volvia-os para o céo ou fitava-os no chão,
sencial c o n d i ç ã o d o a r t i s t a — a indcpendencia i n d i v i - Como que prescrutando abysmos insondados.
dual ; o entorpecimento que pesa sobre os moços,
d e s a n i m a d o s p e l o e x e m p l o da v e l h a g e r a ç ã o i n g l ó r i a , A t r o z d'elle marchava e m longa procissão,
que passou s e m deixar v e s t í g i o s , ou que subsiste Recolhendo-lhe o verbo, as doces phrases calmas
ainda para e s m a g a r com a sua parva indifTcrença Silenciosamente a grande multidão.
p e t u l a n t e o s g r a n d e s í m p e t o s d a nova g e r a ç ã o ; estas
e m u i t a s o u t r a s t ê m s i d o r e a l m e n t e as causas d o ra • Elie tinha o poder de reanimar as palmas
c h i t i s m o d o s f r u e t o s a t é b o j o p r o d u z i d o s pela nossa Mortas nos corações, e tinha o grande dom
litteratura. De auroras derramar na escuridão das almas.

D i a n t e d o s m o d e r n o s p r i n c í p i o s esthetieos e s o -
N i n g u é m , n i n g u é m j a m a i s lhe resistio ao som
c i o l o g i c o s , n i n g u é m ousará n e g a r que tudo isso não
Da sua branda v o z austera e convincente,
é mais do que u m produoto do meio em que nos
A ' luz d o seu olhar severamente b o m .
agitamos e v i v e m o s .

Na verdnde, u m p o v o a c o s t u m a d o a o u v i r , sem E tinha uma só arma o luetador valente,


replica, as imposições do despotismo disfarçado ; E tinha u m freio só o grandd luetador,
um povo que n ã o t e m o e n t h u s i a s m o da liberdade, Para trazer subjeita a multidão ardente ! :

p o r q u e n u n c a a c o n q u i s t o u ; q u e n ã o sabe o que seja


— Q u e t o d o o seu poder, que todo o seu valor
ser i n d e p e n d e n t e , porque nunca sacrificou-se pela
Estava e m e n x u g a r os prantos da miséria
i n d e p e n d e n c í a ; u m p o v o h a b i t u a d o a nada fazer por
No manto sideral do seu d i v i n o a m o r . —
suas m ã o s , a t u d o r e c e b e r c o m o presente d o alto,
sem o sentimento da própria d i g n i d a d e ; um povo
Brilhava-lhe na fronte a lúcida, a sidérea,
'nestas c o n d i ç õ e s — o q u e auctorisa a esperar-se de si ?
A grande inspiração, e no sereno olhar
Os factos que respondam.
Tinha constellaçôes dc l i m p i d e z etherea.
E a o b r a d ' a r t e é u m p r o d u o t o m a i s d o meio d o
que d o a r t i s t a , — é u m a a n t i g a v e r d a d e .
« 0 V i c i o eleva a garra atroz : ó u m j a g u a r !
S e m u m a r e g e n e r a ç ã o r a d i c a l , pela liberdade, na N o mar da corrupção se a f o g a a Humanidade !
politica, pela i n d e p e n d e n c i a , na consciência, c o n t i - — V e n h o matar a fóra o esgotar o mar. »

n u a r e m o s a r e s p i r a r na m e s m a atraosphera.
Dizia. E, proseguindo, cm placida humildade,
Mas o meio é tansitorio Um povo não vive
ja dando combato aos batalhões do Mal,
eternamente s o b a c h l a r a y d e d e c h u m b o da tyrannia
Batcndo-sc e m teu n o m e , ó saneta U b e r d a d e ,
politica, ou moral, ou religiosa.
I 54 A EVOLUÇÃO

«Não ha grandes no mundo; o homem é egual Está deserto o céo I no grande isolamento
Ao homem. Quem erguer a fronte sobranceira Palpita ensanguentado o sol—um coração.
—Seja o ultimo então. Ha uma lei fatal Mas os deoses de Homéro, o Jehovali sangrento,
Allah e Jesus Christo, os deoses onde estão ?
« Que ha de a todos unir na gélida poeira.
Eu vos trago o remedio, o antídoto efficaz : Morreram. Era tempo. Agora encara a terra :
Vos trago a mansidão, do bem a sementeira. Canta alegre a offieina e canta alegre a escóla,
O Gênio enterra o Mal em uma nsgra cóva...
« llomens, vós sois a Guerra e eu vos trago a Paz. »
Assis IÍRASIL. Deus habita a consciência. O coração descerra
Aos óseulos do Bem a rúbida corólla.
Vem perto a Liberdade.
A Evolução tinha ha pouco tempo o prazer de E' isto a Idéa Nova.
fallar em um novo livro de Affonso Celso Junior, S. Paulo—Abril—1879.
no qual o poeta dos Devaneios, quebrando a lvra do
velho individualismo, soltava aos novos ideaes uns
versos bellos, energicos e vigorosos Fazendo-o, ap-
plaudio sinceramente o poeta, e esperou as Telas So- Está publicado o 3 o numero do Liberal.
nantes como um acontecimento auspicioso para as Joukopings, o chroiiisla, depois de uma incuba-
lettras acadêmicas. ção de mez e meio, enche perto de 3 columnas da
E tinha razão, com efrnto. O velho e gasto l y - folha respondendo alguns conselhos que lhe deu a
rismo já deu o que tinha de dar.
Evolução, penalisada da sua monumental ignorancia.
E, ao rebate que chama aos novos arraiaes os
Não è do caracter nem dos fins da Evolução an-
paladinos das lettras, rarefazem-se as fileiras dos
plangentes cantores do en. dar levantando as pedras que lhe vêm das mãos dos
Por isso, é que ainda hoje vai a Evolução dizer garotos. Não usará da linguagem pilusca, própria do
duas palavras sobre um livro, devido a Valentim chronista ; fará simplesmente muito poucos reparos,
Magalhães, que ainda hontem bebia inspirações nas em duas palavras.
musas louras do passado, mas se mostra agora pu- Entende Jonkopings que—rebanho d'aguias não
jante e promettedor operário da poesia socialista se justifica pela rhetorica, «porque não é erro de me-
nos Cantos e Luclas, que em breve apparecerão.
trificação e sim—de grammatica.» Nestas quatro pa-
Não está ainda de todo V. Magalhães livre do lavras está a prova da enormidade da ignorancia de
perigoso influxo das antigualhas; não pôde ainda Jonkopings.
despir seu estro daquellas fôrmas, falsamente bellas,
Nem é a rhetorica que ensina metrificação, nem
dos lymphaticos e doentios ideaes da escóla velha.
uma impropriedade de termo é erro de grammatica;
De quando em quando, por entre as bellezas de suas
pois que dizer rebanho cm logar de bando nada tem
novas prodiicções, transparece em seu livro, alguma
com a etymologia, nem com a syntaxe, nem com a
cousa modelada nos velhos e desprezados moldes.
prosodia, nem com a orthographia. Não admira que
Esses, porém, são defeitos, filhos do passado, são
o sombreado do livro, que mais saliente deixa o mé- diga tal monstruosidade quem j á disse : nellas ha de
rito do poeta moderno. figurar phosphoros; a 2a eslrophe do I o verso, a 3a es-
Mas a Evolução não está ajuizando do trabalho irophe do 5 o verso (accusação de que nem tentou de-
do poeta acadêmico ; apenas dá noticia da próxima fender-se).
publicação do seu livro. O seu juizo virá mais tarde, E' uma metaphora muit > simples e que entra
franco, leal e despretencioso como sempre. pelos olhos de todos—chamar rebanho a um bando
Para prova do que diz dos Cantos e Luclas, trans- d'aguias brancas e luminosas nos campos do céo, a
creve aqui e a esmo uma de suas poesias. uma porção de estrellas, a uma porção de vagas co-
lia n'este soneto bellezas e muitas, como em todo
bertas de espumas brancas. Desta figura usa Castro
o volume se as encontram entresachadas com alguns
Alves, quando diz :
senões, com poucos defeitos, resquícios, pela maior
parte, repete, da influencia do passado. La do polo sobre as plagas
Foi, pois, com razão, que a Evolução disse o que O seu rebanho de vagas etc., etc.
Uca acima sobre os Cautos e Luclas ; e por isso envia
E Guerra Junqueiro:
ao seu auctor os mais sinceros applausos.
F.is o soneto, que pôde, sem duvida, collocar-se A lua
entre as boas producções da nova escóla :
Com seu rebanho de estrellas, etc., etc.

A Idéa Nova E Dante:

Quali colombe dal disio chiamate,


(A ÜA II li O S CASSAI,)

Cotali uscir delia schiera ov'è Dido etc.


Abysma o teu olhar no azul do firmamento 1
Devassa o velho Olympo, o velho céo christão ! Outra ridícula impertinência de Jonkopings con-
A ' severa altivez do seu deslumbramento siste em teimar que a aguia não pode silvar. Ao prin-
A indagadora vista elevarás em vão I... cipio pensava Jonkopings que chama-se silvo ao gri-
A-
A KVOLUÇAO

se tiveres o bom senso de ouvir o que te vou dizen-


to da aguia, e fez por isto uma grande gritaria vic-
toriosa ; agora, por uma reacção do seu pouco bom do, etc., e t c » .
senso,entendeu o que queria dizer o auctor dos versos
em questSo e diz que a aguia n3o pode silvar,«porque ( A o terminar este trecho, dà ainda Jonkopings
tem um vôo batido c pesado». Mesmo admittido is- uma profunda punhalada na sua eterna i n i m i g a — a
to, aprenda Jonkopings que, querendo o auctor di- grani m atiça—; dizendo:—a...mas no que ha duvida
zer que a aguia da razão vôa cora grande velocidade, é que estude conscienciosamente».)
diz por outras palavras, mais próprias da poesia, A g o r a que venha Jonkopings e mostre, si é ca-
usando de uma onomatopéa, por assimilaç&o, si qui- paz, uma única similhança de idéa entre o que ahi
zer:—«silvando vôa». ficou transcripto, e que é sò o que achou para provar
Estas explicações dão-se aqui ao publico, não a as inspirações da Evolução. (*)
J o n k o p i n g s ; — q u e a Evolução não gasta pólvora em
Si essa palavra—inspiração—é tomada no seu
chimango magro.
verdadeiro sentido, nada mais nobre para os redac-
A g o r a as inspirações :
t o r e s da Evolução do que inspirarem-se nos m e s t r e s ;
Diz Assis B r a z i l : m a s , si é tomada noutro sentido, s i g n i f i c a n d o — p l a -
g i o , ou coisa similhante, então é um g r a n d e desafo-
ro, cujo auctor merece mais severo castigo, appli -
E ' em n o m « de tudo isto, em n o m e da V e r d a d e , cudo com algo mais solido do que « a s espumas das
Da Santa Consciência e da bemdita Luz, ondas que a f f r o n t a » .
Em n o m e da Concordia, em n o m e de Jezuz, Jonkopings falia em c'ack e e m clackislas. De cer-
Que eu te v e n h o accusar, s a c r í l e g o tyranno, t o não se refere esta macreação a este periodico, que
0 ' v e l h o pliariseu c a t h o l i c o — r o m a n o .
nunca escreveu perfis e q u e tem dado provas da mais
rigorosa imparcialidade, m e s m o para com os seus
Diz Guerra J u u q u e i r o :
amigos.
M a l d i t o s e j a s tu p o r toda a e t e r n i d a d e ! Para provar que é gaiato, transcreveu Jonkopings
E não possa j á m a i s na tua consciência uma noticia da União Acadêmica. Sabe perfeitamen-
E n t r a r um raio só de graça e c l a r i d a d e ! te o chronista que a Evolução o deixaria a perder
E m n o m e da j u s t i ç a , em n o m e da orphandade, de vista, si quizesse transcrever os l i s o n g e i r o s j u í -
Em n o m e da miséria, em n o m e da innocencia, zos da inaior parte da imprensa do paiz e principal-
E m n o m e d e J e z u z , d o céo, da Providencia, mente da imprensa acadêmica, que a têm achado
M a l d i t o s e j a s tu p o r t o d a a e t e r n i d a d e . digna da mocidade, não pela gaiatada, que não conhe-
ce, mas pela convicção e seriedade n o estudo. O
D i z Assis B r a z i l :
proprio Diário de Campinas, que o chronista invoca,
ha pouco disse da Evolução o que não diria d e 600
L a v e m , d o céo a z u l r a s g a n d o a face,
Jonkopings.
O bando d e I d é a s g e n e r o s a s ,
C o m o u m r e b a n h o d a g u i a s luminosas O chronista fallou nos n o m e s dos redactores da
Q u e u m t u f ã o n o deserto arrebatasse. Evolução, porque os encontrou estampados franca-
m e n t e na frente do p e r i o d i c o ; outrotanto não podem
Diz Guerra Junqueiro : fazer estes: porque J o n k o p i n g s é um calumniador
anonymo.
Combatei, d e s t r u i . L a n ç a i n'aza dos ventos
Corre, entretanto, c o m o certo que esse pobre
Gritos, r e v o l u ç õ e s , i d é a s , p e n s a m e n t o s ,
ignorante, critico sem g r a m m a t i c a e sem b<>m senso
Com um b a n d o i m m o r t a l d e g r a n d e s aguias brancas-
Vos sois, n o fim de t u d o , as rijas alavancas — é um quinto-annista da Faculdade de Direito de S.

Que hão d e e r g u e r este g l o b o ao n i v e l do Ideal. Paulo e chama-se José Pires Falcão Brandão.

Diz Julio d e Castilhos :


(•) Convém notar, para mais relevo da igno-
«Approxima-se o g r a n d e d i a , que pode ser, ou o rância de J o n k o p i n g s , q u e só o que ha d e s i m i l h a n t e
Dies P a c i s , ou D i e s I r ® , ou a v i c t o r i a tranquilla e se-
entre os trechos confrontados é : — n o s dois p r i m e i -
rena da Justiça, ou as e x p l o s õ e s flammivomas da R e -
ros estas duas palavras—em nome ; nos q u e vão e m
volução,—esse c á u s t i c o , — p a r a d e s t r u i r essa chaga—
a monarchia». segundo logar s o m e n t e a palavra aguias ; nos d o i s
últimos estas palavras latinas, que não f o r a m i n v e n -
Diz Oliveira Martins : tadas por Oliveira Martins,—dies irce, dies paci'. Si
aqui ha inspiração, o u imitação, ou p l a g i o , é do d i c -
« Q u a n d o o m o m e n t o da instilação vier, não re-
cionario. Só a ign< rancia levada p e l o instineto da
ceies. l e i t o r , q u e o S o c i a l i s m o tire esta terra a P e -
calumnia podia descobrir tal inspiração.
dro para a d a r a P a u l o , q u e te m e t a a mão no bolso
P»ra o v a s a r ; n ã o , a c r e d i t a , nós não somos exacta-
mente l a d r õ e s ! O dies ille, não é um dies irce ; ao con-
trario, é um dies justicia; pode ser até um dies pacis,
56 A EVOLUÇÃO

que iria Irazcr uma aurora sempre bella, sempre ame-


COLLABORAÇÃQ na para seus irmãos, nunca devêra ser manchado
por um throno que é a vergonha eterna dos povos
que se prezam.
Jntroducção a um estudo (") E' tempo de proclamarmos nossos direitos.
Não temos autonomia ; é necessário que nós mes-
A par do movi meu to hercúleo do progresso, ca- mos dirijamos nossos destinos, que estão entre-
minha sobranceira a idéa de Liberdade, cuja nega- gues a um déspota, ou antes, foram por elle espolia-
ção é um absurdo, cujo triumpho é inevitável. dos,o qual para ser grande, poderoso e nobre, cOnser-
O despotismo sente-se vacillar deante da força var-nos-ha sempre com a mordaça do passado na fron-
te ; porque o rei representa o preterito que é a retro-
triumphante da—Igualdade que devera ser a divisa
gradação, que é o erre, que nós devemos deixar no
da Humanidade inteira.
pó do esquecimento—tumulo que as gerações hodier-
A lição da Historia, que tem sido sophismada nas e o futuro destinaram aos Cezares e ao Vati-
até o presente pelos espíritos fracos, pusilamines, cano.
aferrados ao erro, ao annchronismo—começa de ras- Com esta fôrma de governo, que desgraçada-
gar as nuvens que toldam e obscurecem nossos ho- mente nos acabrunha, é imcompativel a Liberdade ;
risonles c aponta-nos o caminho a seguir para o e sem liberdade não ha progresso.
futuro—que é a Republica. Nós não comprehendemos um cadaver com vida.
A Monarchiaé um c a d a v e r ; e a Liberdade é a vida.
E" tempo de também já sermos homens. A Pa- Infelizmente não sabemos que pasadel-i enorme
tria exige um lugar decente nos annaes luminosos oppriine o peito d'este povo gigante. S^ria o in 1-
da Historia da Humanidade. Exige que seja apon- mento roais solemne, mais épico que o povo brazileiro
tada com> uma das primeiras nações, tal como a teria deixado na Historia Patria—o da sua emancipa-
sua bella irmã, a União Americana. ção moral.
Mas a desdita nos persegue se-npre; e vemos
Mas, para conseguil-o, tem necessidade de uma
no Brazil uma fórina de governo—que é a Monar-
fôrma de governo verdadeira, qu? traduzindo a ín-
chia ; consequentemente um rei que tudo pôde, que
dole do povo, n'clle mesm» se vá encontrar a sua tudo faz, e a quem seus servos cegamente obedecem
razão de ser—a sua legitimidade. Todavia inda era tempo.
E qual essa fôrma de governo—senão a verda- Está em nós lavarmo-nos dessa nodoa negra e
deira Republica, que, espelhando-se na natureza hu- apresentarmo-nos salvos deante do Futuro—que ê o
mana, estudando a individualidade em si, depois a juiz austero e justo de nossos passos. Ainda alcan-
çaríamos o perdão dos vindouros—si o Brazil fôsse
sociedade, que é a sua fôrma concreti, reco-
uma nação independente—no verdadeiro sentido da
nhece que a própria s-icieolade contem direitos, palavra.
—capacidades, habilitações para reger-se ?
H o j e , que a descrença sóbe de ponto ; que a in-
Prescinde-se perfeitamente de uma familia pre- differença lavra no espirito popular; que o governo
vilegiada, somente com o offlcio e emprego de nenhuma confiança inspira áquelles que são seus
governar, rodeada de ouropéis, com uma corôa de vassallos ; hoje, principalmente, que está provado á
brilhantes, com um manto ornado de pedras pre- luz da Historia—á luz dos factos que a Monarchia é
ciosas; prescinde-se do privilegio de uma familia uma mentira,—uma irrisão, uma f a r e i , atirada ás
com prejuízo da sociedade e s e m um principio r a ~ faces da Humanidade,—tornemo-nos todos apostolos
da grande Idéa, da Idéa Nova—d'aquella que resu-
cional ou jurídico que o justifique.
sume em si os tres preceitos divinos, que são pala-
E' tempo de caminharmos..
vras do Philosopho por exellencia, do homem ;|ue,
Sentimo-nos asphvxiados no meio d'uma atmos- regenerando a Humanidade, por ella soffrendo mor-
phera onde só se respira a corrupção, o desalento reu.
a desmoralisação, que só poderão cessar desde E o meio está em nossas mãos.
o momento em que assistirmos ao funeral da t y - A o som da Revolução troará o canhão liberta-
rannia, que é a causa única de todos aquelles males, dor, e os tyrannos, —pedras movediças no cu-
da Monarchia, que só sc alimenta nas trevas—porque me da montanha—rolarão fulminados ao pó donde
vive da ignorancia. sahiram.
E é o meio único, comquanto pareça barbaro. E'
No dia em que cantarmos victorioso.% o liymno da
efficaz A Monarchia é uma trincheira de bronze aos
Liberdade, a emancipaçü > do povo,—teremos uma
passos da Democracia, aos passos do progresso. Te-
épocha grandiosa na Historia Patria. Será um perío- mos uma missão a cumprir—marchar, porém mar-
do luminoso, uma nova éra para este desditoso Bra- char para deante.
zil, desde o berço coberto de grilhetas, amaldiçoado Venha a Revolução—Ella será a salvação da P a -
pelo progresso. Este infeliz Brazil, que os poucos an- tria que geme agonisante —e nós, seus filhos queri-
nos que conta de existencia os tem passado debaixo do dos, ficaremos livres,
mais humilde captiveiro—pasto do despotismo. « A s grandes idéas, como alguém o disse, neces-
sitam de banhar-se em sangue para vencerem».
Pode-se affirmar, que no tempo em que o Bra-
Que venha a aurora da Patria.
zil tornou-se propriedade de Pedro 1« não corria san-
gue americano nas veias de seus filhos. Porque este S. Paulo—'79.
torrão santo,lavado pelo sangue divino de Tiradentes,
ANTONIO PINHEIRO MACHADO

{ ' ) A. R B P L D U C A pkla. REVOLUOXO. Typ. da Tribuna Liberal.


h3
I•
A EVOLUÇÃO 1
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Julio de Castilhos
Pereira da Gosta
Assis Brazil

Anno 1 S. P a u l o , 3D d e J u l h o d e 1 8 ? » N. S

A Revolução de 89, que tez desabar o edifício


A EVOLUÇÃO ruinoso do passado, cimentado com a quebrantação
de todos os princípios bons, e que extinguio aquella
terrível hyerarchia de privilégios sob cuja acção cor-
rosiva desalentavam-se todas as energias,—ao mesmo
30 DE JULHO DE 1879.
tempo que fechava um período historico, era a ini-
ciação d'um outro em que por uma mais exacta com-
Observando as cireumstancias que rodeam este prehensão da justiça e pela applicaçào mais aperfei-
paiz e o meio social em que elle se agita, a Evolução çoada dos seus princípios, a Humanidade rasgasse
tem continuadas vezes affirmado que a marcha dos novos dominios para uma marcha mais desassom-
acontecimentos que se vão desenrolando connexa- brada e mais firme.
mente á face da actualidade faz deduzir logicamente Eis porque a Revolução não circumscreveu-se á
a realisação mais ou menos próxima d'um modo de um paiz ou a um povo determinado, e tornou-se um
ser difterente pela transformação completa e radical facto geral reboando em toda a parte.
nas instituições que dirigem-lhe a marcha.
Mas não é o fim d'estas linhas encarar esse
Hoje a Evolução affirma que este facto não é ex- acontecimento e critical-o á luz da Sociologia.
tranho, nem surprehendente, embora á primeira vista Por isso, a Evolução prosegue dizendo que, pas-
pareça abandonar o caracter geral para particulari- sado aquelle violento abalo, necessário para aggregar
sar-se em relação á sociedade brasileira; e que é, as forças sociaes que pareciam, desaggregadas, tra-
pelo contrario, o resultado previsto, e, por isso, balhar em sentido opposto, devia seguir-se a norma-
natural e logico da lei da evolução social, em virtude lidade.
da qual a monarchia constitucional representativa
Mas, o que fazer?
está prestes a deixar de symbolisar as fôrmas da
direcção politica dos póvos para ser substituída por Recuar, retroceder, e ir resuscitar as velhas ins-

outras instituições que mais harmonicamente se com- tituições que haviam se esphacelado ao choque dos

binem com o espirito e as tendencias do tempo, e elementos revolucionários, era impossível.

mais exactamente satisfaçam as exigencias varias da A Humanidade não pôde viver n'esses contínuos
nova civilisação. vae-vens. Recomeçar o caminho j á percorrido seria
um absurdo. Os seus passos se dirigem sempre para
Um rápido percurso historico será sufficiente
diante. Impelle-a um poder irresistível que não per-
para validar essa affirmacão.
mitte o estacionamento, nem a retrogradação. O or-
ganismo social, como o organismo do planeta, trans-
forma-se, sim, mas não se gasta, nem se estraga.

O despotismo politico, de mãos dadas com o re- Por isso, ella, nunca descança e sempre caminha.
ligioso, depois de haver empanado o sol da Justiça, Por isso, os períodos historicos em que parece
que para o Estado era a tyrannia e para a Igreja a que a sua actividade se paralysa e se estanca, e que
intolerância, e de haver apagado da consciência dos apodera-se das forças sociaes um pesado torpôr que
póvos a luz do Direito, cuja noção havia se perdido, lhes impede e obsta os movimentos, são exactamente
assentára-se triumphantemente no solio deslumbran- aquelles em que se operam, de facto, largos e fecun-
te do seu poder, architectado com os milhões dos ca- dos progressos latentes.
daveres que fez ; quando rebentou nos espaços dila- Exemplo : a Idade Media, que as varias escólas
tados da Historia aquella formidável, aquella rugi- calumniam de—cháos e retrogradação, e que, entre-
dora tempestade, que se chamou—Revolução de 89,— tanto, foi a preparadora activa e vivaz da civilisa-
enorme trachea por onde respiraram os póvos que cão moderna, conforme a convicção gerada em todos
agonisavam suffocados sob a mordaça lançada pela os espíritos sérios graças aos golpes que foram vi-
mão ferrea das tyrannias colligadas. brados por Augusto Conte áquelle calumnioso en-
Tudo déra em terra ao sopro violento e abalador tender.
d'aquelle acontecimento. O passado, portento, não se podia reerguer.
I 58 A EVOLUÇÃO

E eis a razão porque inutilisnrara-se todos os Si, por um lado, proclamam a soberania popular,
empenhos dos reaccionários para restabelecel-o. a igualdade dos cidadãos perante a lei, a liberdade de
Mas, por outro lado, interceptavam-na ainda imprensa, o direito de representação, de associação,
—a luz da Republica—as névoas brumosas que en- etc —fructos da Revolução de 89—por outro, formu-
volviam o topo da montanha do Futnro. lam a antithese, consagrando, para contrabalançar
A Democracia ainda estava muito longe para que aquellas liberdades, a inviolabilidade, a irresponsa-
aquellas sociedades pudessem comprehender as insti- bilidade moral e legal do rei—seus attributos insepa-
tuições vasadas nos seus amplos moldes. ráveis—, a hereditariedade, a participação nas func-
Para chegar até ella, era preciso um salto enorme, çõcs legislativas, executivas, etc.
e, por isso mesmo, perigoso. A monarchia constitucional-representativa cor-
E o poder logico que preside indefectivelmente a responde, pois, a uma necessidade transitória, sendo I
marcha das civilisações, dirigindo a Humanidade portanto também transitória.
atravez do tempo e do espaço nos seus vôos ascen- E nem podia deixar de sei-o, porque o resultado
cionaes para regiões cada vez mais claras e mais d'um equilíbrio entre o que em si se choca e se re-
amplas, não permitte que o progresso se opere por pelle, d uma harmonia entre elementos que se con-
saltos, precipitadamente, sinão nascendo da harmo- tradizem permanentemente, como essencialmente an-
nia e da connexào intima entre os grandes factos tagônicos, não pôde ser solido e perdurável.
sociaes. Correspondendo a uma necessidade transitória,
e tendo esta cessado, a instituição monarchica tem
As épochas históricas são connexas entre si d'um
naturalmente de desapparecer em virtude de sua
modo preciso. Prende-as uma cadea indestructivel
própria origem.
que faz com que a que succede seja a filiação intima,
O seu fira historico está desempenhado; nada
immediata das que a entecedem.
mais lhe resta, pois.
Na Historia não ha claros, assim como na série
O período que em frente das leis sociologicas
não ha falha de termos.
ella tinha de prehencher, está esgotado. Inaugura-
Ora, entre o modo de ser anterior á Revolução se um outro em que se respira pelos largos pulmões
e um modo de ser harmonico e perfeito realisado na de quem acaba de sair do seio d uma atmosphera
Republica, havia uma distancia enorme que não podia abafada e sufibcante para respirar o ar puro, fresco,
ser percorrida sinão gradativamente, sinão evolutiva- saudavel e confortativo dos espaços livres.
mente. Transpol-a de um jacto seria arriscar ás
Demais, é facto geral e constante observado em
eventualidades perigosas d'uma quéda, e quéda in-
toda a Historia, e, por isso, lei histórica, que as fôr-
glória.
mas do governo são correlativas ao estado das ci-
Por isso, a Republica, apenas havia nascido, foi
vilisações.
rijamente bater de encontro á tremenda impossibili-
dade opposta pelo meio social que não a comportava, Conforme estas avultam, se affirmam e se en-
vacillou e caio. grandecera, assim também extinguem-se as institui-
Por isso, ficaram inúteis e estereis os prodigiosos ções que não se aperfeiçôam, que vivem a remodelar-
esforços d'aquelles Briareus que se chamaram os se sempre no passado, para dar lugar á outras que
Herôes da Revolução, que, inconscientes sublimes, mais concordantemcnte, que mais perfeitamente cor-
não sabiam que luctavam com leis tão infalliveis e respondam ás civilisações.
mathematicas como as que regem os astros nas suas A civilisação actual pede a Democracia na Re-
rotações. publica, como um systema mais progressivo.
Por uma necessidade histórica, pois, — neces- A Republica está próxima, pois. E não ha como
sidade creada pela lei da evolução social—, foi pre- resistir.
ciso recorrer á instituições que, symbolisando a As sociedades obedecem ao influxo de leis tão
conciliarão do passado com o presente, servissem de exactas, precisas e invariaveis como as que regem
transição fácil entre o período que se escoara e o os movimentos transformadores do mundo physico.
período que se ia abrir; que, fazendo a combinação
Como este, o mundo social também se transfor-
prudente e reflectida do pouco que a Revolução havia
ma á acção decisiva d'aquellas leis, de gradação em
poupado ao passado com os princípios superiormente
gradação se aperfeiçoando e se dilatando.
elevados e profundamente civilisadores que ella
havia derramado com mãos pródigas, preparassem E' que os phenomenos sociaes estão sujeitos &
os póvos para o regimen amplamente liberal, edu- leis naturaes, como os phenomenos physicos.
cando-os e refreando-lhes os impulsos esterilisado- E' que ha também uma physica social.
res; que, equilibrando a acção e a retroacção, har-
monisassem provisoriamente as tendencias novas dos
espíritos com a tradição e o habito inveterado.

Essas instituições são—a monarchia conslitucio- Descendo d'essas regiões para o terreno positivo
nal-representativa. dos factos, a verdade sociologica acha plena con-
firmação.
Ella nasceu, portanto, como ura meio de transi-
ção entre dois modos de ser contrapostos, procuran- De facto, quem com sinceridade lançar os olhos
do estabelecer um laço de harmonia entre elles. para os Estados cujo systema de governo é a mo-
Outra não é a sua indole, como claramente de- narchia constitucional representativa, observará que
monstram-no as constituições dos Estados que por ein todos elles essa instituição acha-se mais ou menos
ella são regidos. desacreditada, mais ou menos vacillante, e, por isso,

li —
I19A EVOLUÇÃO

abalada no conceito dos póvos, que j á nio se vão mocrata, isto é, republicano, então a verdade da
sentindo bem sob o seu regimen apathico e enerva- causa lhe transmittirá mais vigor ao pensamento e
dor; observará que em todos elles ha um movimento ao estylo. Será um publicista distineto.
fortemente accentuado tendente a uma nova direcção, A Evolução o saúda por este ensaio e o espera
e em busca de veredas mais amplas e mais livres, vêr em melhores tempos, com mais estudo e com
que são as veredas da Democracia. mais sinceridade, publicando obras mais dignas do
A s phalanges republicanas tornam-se cada dia seu talento. %

mais numerosas, mais compactas, e, sobretudo, mais A. B.


disciplinadas, porque cada vez mais tenazes em alar-
gar e estender a propaganda uniformemente syste-
matisada.
E é certo que uma forte disciplina, que se tra- Algumas idèas
duz aqui n'um systema uniforme de ataque e de
defesa, é um dos mais poderosos motores das v i - A ignorancia é sempre escrava.
c to rias. Povo ignorante será sempre povo de escravos.
Até a própria Rússia, que fria como o seu clima, Esta verdade j á tem sido muitas vezes repetida,
abastardada por longos séculos de abjecta escravi- e a Evolução com pezar, em face das incertezas, das
dão, devêra ser, talvez, ainda insensível ás impulsões vacillações sombrias do presente, repete-a ainda mais
do progresso, acode com entbusiasmo febril, ao som uma vez.
do clarim de guerra republicano, ao campo dos no- Ninguém duvida, todos comprehendem, porque
bres combates pela liberdade e pela civilisação. está ao alcance das vistas de todos : uma crise tre-
A Evolução sente não dispor de mais tempo para menda abala soberanamente a consciência publica.
as suas observações. Como tal, este estado de cousas, por anormal que
Syntlietisando-as, porém, dirá que é geral o l e - é, tende a desapparecer inevitavelmente.
vantamento que vai se operando em todos os póvos Por caminho juncado de ruinas, devido a fra-
para a conquista da liberdade concretisando-se na queza de uns e a falta de brio de outros, tenhamos
Republica. talvez de crusar amanhã
Levantemos-nos nó3 também, os que ainda não Pois b e m : emquanto uns destroem, que outros
estamos desesperançados da grandeza d'esta terra edifiquem ; emquanto uns trabalham para a ruina da
americana e da vitalidade das suas energias; e pre- patria, que outros trabalhem para a sua grandeza,
paremos-nos para honrar os dias da Republica, sus- para a sua felicidade futura.
tentando-a e glorificando-a. N ã o é o luzir de vaga esperança, sob este céo
immenso, neste paiz formosíssimo, fadado para ou-
Lembrcmos-Qos de que é enorme a nossa res-
tros destinos, ha de surgir, ninguém sabe em verdade
ponsabilidade diante da solidariedede humana.
quando, uma geração de titans-
J. C. Os que jà atiraram as suas crenças para o
mundo duvidoso e incerto do porvir que não desani-
m e m por isso.
Antes, pelo contrario, que trabalhem cora mais
energia, com mais ardor, procurando pela dedicação,
A s PAGINAS ACADÊMICAS, formando um pequeno pelo esforço austero, apressar o toque matinal do
volume de 80 paginas, acabam de sahir do prélo. grande dia.
Obsequiada com um exemplar pelo auctor, o dis- Mas porque meio ? Instruindo o povo, ensinan-
tincto acadêmico João Monteiro Peixoto, a Evolução do-o a lèr e a pensar, isto é, a ser livre.
faria sobre este livro largas considerações, si por
fortes circumstancias não fosse d'isso impossibilita-
da agora.
Consta o livro de 13 trabalhos diversos, pela A instrucção é o único esteio capaz de resistir
maior parte folhetins publicados na imprensa acadê- a todos as machinações do despotismo, a todas as
mica. D'entre elles a Evolução não sabe a qual dar violências, a todas as iniquidades.
a primasia, porque não costuma affirmai 1 coisa al- Esta verdade é incontestável : esclarecer a razão
guma sem boas razões. do homem é tornal-o consciente de si, lançar-lhe no
£' verdade que Monteiro Peixoto podia apresen- espirito a idéa da liberdade, na consciência o sen*
tar estréa de mais folego e de mais interesse ; entre- timento da justiça, «collocar-lhe, emfira, nas mãos
t a n t o , a s PAGINAS ACADÊMICAS n ã o l h e d e s l u s t r a m o um facho de luz i n e x t i n g u í v e l . »
nome. Foi a universidade e foram as communas que
Obra de nenhum alcance, constando apenas de abalaram o despotismo feudal e religioso do século
alguns ensaios, as PAGINAS ACADÊMICAS revelam, XIV; foi a França, illustrada pela philosophia do
todavia, um estylo promettedor, uns accentos d e século passado, que zombou heroicamente da bruta-
muitas esperanças. Alguma vacillação é propria das lidade dos tyrannos reunidos em Santa Alltança para,
idóas que advoga, vacillantes também. depois de uma serie de luetas cruentas, assombrosas,
Quando Monteiro Peixoto fôr francamente de- ser a grande, a luminosa França de hoje.
-fr

60 A EVOLUÇÃO

Os povos aprendem a pliilosophia na historia, Educação primaria—puramente leiga, obrigatória


disse-o um grande mestre ; por isso não são descabi- e gratuita ; eis o problema.
dos estes exemplos. Leiga porque o estado nada tem que vêr com
a egreja, e ainda mais porque, folheando a historia
das gerações extinetas, vô-se a influencia perversa
que o clero tem exercido sobre o espirito humano,
Em frente do que ahi ficou dito, qual a causa
desde que deixou de ser um corpo religioso propria-
dos infortúnios, das mizerias que acabrunham, que
mente, para ser um partido politico formidavelmen-
enchem de pavor a consciência nacional, e,ainda mais,
te organisado, que, inimigo declarado da civilização,
que vam arrastando este povo desapiedadamente
condemna a Campanella por ter affirmado a infini-
para a fauce sangrenta de um abysmo insondável ?
dade dos mundos, a Gallileu.por ter provado a rota-
A ignorancia e somente a ignorancia, a ne.nhuma fe-
ção da terra, e Harvey por ter previsto a circulação
cundação moral que temos tido.
do sangue : «descobrir a lei do céo 6 uma impiedade,
Rigorosamente fallando, frivolo e mesquinho é o
achar um mundo uma heresia, propagar a verdade
nosso modo de ser. um crime».
Neste paiz o espirito nacional tem sido cavillosa- Educação obrigatoria e gratuita; porque ao pai
mente opprimido; não tem recebido, como devia, assiste o dever rigoroso de dar educação ao filho, as-
uma educação firme, viril, positiva, consentanea sim como ao estado o de fornecel-a ; visto que cada
com as conquistas da sciencia e do direito. cidadão, como diz Massip, tem o direito de reclamar
E haverá por ahi quem conteste ? do estado uma garantia para sua vida moral, assim
lerá este povo por ventura uma educação pri- como o reclama para sua vida pliysica. E essa garan-
maria indispensável a todos os povos livres, e tem tia está na instrucção.
o estado trabalhado para isso? Diga-se, com dôr,
P. C.
mas francamente, a verdade : nem uma, nem outra
cousa.
E entretanto é sabido : não pode haver liber-
dade, ordem, perfeita organisação social, n'um paiz
onde o cidadão não tenha conhecimento de seus di-
reitos e deveres, da posição, emíim, que occupa na
O acadêmico Brasil Silvado acaba de publi-
sociedade, como homem e como cidadão.
car um pequeno volume de versos aos quaes deu
Desferir, pois, golpes de morte contra o erro,
o titulo dz—Pequenos Ensaios.
contra a ignorancia, contra a superstição; lançar,
Sem tempo e sem espaço para emittir sobre
com extremado afan, no espirito, na consciência do
esta obrinha um detalhado juizo, á Evolução dirá so-
povo o sentimento da justiça, do bem, da verdade;
bre ella somente duas palavras, agradecendo ao sym-
levar, em uma palavra, a mão firme á fonte de todos
pathico poeta o exemplar com que a obsequiou.
os nossos males; é a questão, é a grande tarefa do
O que desde logo se deprehende da leitura dos
presente.
Pequenos Ensaios é que não faltam a Brasil Silvado
Leão Gambetta, depois da derrota de Sedan, diz
talento e estudo.
eloquentemente :
« Cuidemos em primeiro lugar da educação da Falta-lhe, entretanto, uma qualidade importan-
França: educação leiga—leiga, eu repito, isto é, de tíssima, indispensável—a educação artística.
uma educação própria de homens que querem agir, A forma de que reveste os seus versos, aliás ins-
viver como homens, pensando, trabalhando, luctan- pirados muita vez nos modernos ideaes—encerra uns
do, combatendo, e se comprehendendo no dominio tons.de classismo, verdadeiramente deslocados 'nes-
das realidades, isto é, no contacto do homem com tes tempos.
o homem, excluindo tudo o que não está na realida - O poeta moderno, seja de que escóla fôr, preci-
de das cousas, isto é, na vida social. » sa de uma linguagem também moderna, mais ale-
vantada e mais expressiva do que a dos velhos can-
tores das tlieogonias. Para o espirito novo—nova fôr-
ma. Não se guarda um diamante 'num vaso de bar-
Seja este também o nosso pensamento nas ves- ro. E' um lamentavei engano de muitos o pensar
peras de uma grande provação talvez, confiando in- que ninguém pôde ser correcto não sendo clássico.
finitamente n'um dia de paz e de justiça.
Outro grave defeito de Brasil Silvado é a sua
Que convirjam todas as vistas, que dirijam-se
mania pelos nomes, pelos factos historicos. A poesia
todos os nossos esforços para este único ponto—a di-
Joanna d'.4rct por exemplo, é um ponclo de historia.
recção dos espíritos para o mundo da verdade.
A historia na poesia não é a fastidiosa narração de
Basta de tactear nas trevas, de tomar o vago pelo factos, que está ao alcance de qualquer que possua
positivo, o falso pela realidade. um compendio ; mas a grandeza, o espirito dos
Diante do phantasma tenebroso do passado que acontecimentos e das leis que os dominam Exem-
se levanta para impedir-nos a marcha, nada de tré- plo frisante é aquella monumental historia de Por-
guas : combate,!mas combate decisivo. tugal que occupa alguns cantos dos Lusiadas.
A EVOLUÇÃO 61

O auctor faz escassa idéa do que seja erudição


em poesia. A' luz dos Evangelhos
Os versos de Brasil Silvado, principalmente os
alexandrinos, são em geral muito incorrectos ainda. Muitos mil annos ha que lueta o ruge oppresso,
Os seus versos soltos entremeados arbitrariamente de Sem lagrymas d'amor, sem pão de charidade,
agudos e graves, fazem no ouvido uma orchestra des- Esse grande forçado, a grande Humanidade,
agradavel, a que se ajuncta uma descuidosa apprq- Rasgando-se, a sangrar, nos trilhos do progresso.
ximação de sons,que parece produzir a rhythma. Mas
onde mais atrazado está o poeta é nos alexandrinos.
Exemplo : A estrada está sangrenta, e o mendigo enorme,
Fulo de dôr, contempla o céo sinistro e denso,
— A grande urna sem eclio, o cemiterio immenso
Onde a ossada dos sóes tranquillamente dorme.
uÇf vós, mortaes, que os C'-zares insiillão
Lembrai-vos d'este exemplo que séculos os sepullào.»

E asssim ha muitos outros. Elie procura um deus na abobada deserta,


Elle e sa lyre é uma blasphemia contra o ale- Um deus para o guiar entre as invias montanhas...
xandrino francez, além de que é uma composição es- E a Duvida cruel remorde-lhe as entranhas
cripta em l i n g u a g e m incorrectíssima. Brasil Silvado E entre as roscas febris o corpo exangue aperta.
não observou 'nesta composição uma única das im-
prescindíveis, das rigorosas regras do magnifico ale-
xandrino francez. A l é m dos erros de metrificação, Volve o olhar ao passado, e o passado é mudo !
etc., contem trechos assim : Tombaram um por um os deuses legendários.
No silencio espectral dos campos funerários
«Demoiselle, je. viens par le cœur empresé A vida não palpita, é morte, é morte tudo 1
Que ta lyre m'enlève et le pauvre étonné.
Avez-vous dérobé la m a g i e d ' A p p o l l o n
En faisant ce mystère et ta lyre et ton non ?» Elie assistiu pasmado a todo o cataclysmo.
Todo o campo do céo está cheio de rastros.
Ergueu-se até roçar na cupula dos astros,
Desceu até sentir as convulsões do abysmo.
« O h I... parmi les brouillards d'une belle mutin...,

é com certeza um descuido, tanto que, 'noutros loga-


res não o c o m m e t t e o poeta. Os céos lhe t ê m m e n t i d o ; os deuses trahidores
O trazem desde o berço a errar pelos desertos,
E após deixam-no assim, co'os lábios entreabertos,
Si a Evolução quizesse alongar estas citações Sem o balsamo achar que lhe min »re as dores.
muitos outros gravissimos erros poderia apontar.
Estes são comtudo os mais graves defeitos e que
podem ser de m o m e n t o apontados em uma ligeira
noiteia. Ura dia, farto j á de erguer tantos altares
Brasil Silvado é trabalhador modesto e talento- E de os ver desabar com lugubre fracasso,
so. Com certeza se ha de corrigir e aproveitar me- Quando o sol da Justiça andar cortando o espaço,
lhor as tendencias do seu bello talento. Quando os astros do Bem forem rasgando'os ares,
H a um poeta, muito distineto e muito pouco co-
nhecido, de cuja leitura muito aproveitaria B Sil-
vado. E ' Claudio José Nunes, o auctor das Scenas Perdida a crença, então, nos livitlos Messias :
Contemporâneos, um dos melhores livros de versos De todos os Korans, todos os livros sanetos,
que ha em l i n g u a portugueza. —Sem pena e sem temor, sem mysticos espantos,
A indole de B- Silvado parece ser muito simi- Sem do sceptico morno as gargalhadas frias—
lhante á d'esse grande poeta, que tem versos eguaes
aos de V i c t o r H u g o e outros eguaes aos de Leconte
de L i s l e , o g r a n d e athleta da'coucepçâo e do r h y - —Da sua crença morta e dos princípios velhos,
thmo. O mendigo ha de erguer no seu caminho escuro
A Evolução lh'o recommenda, como um excellen- Da fogueira o clarão que mostre-lhe o Futuro.
te mestre. E o mundo será grande — á luz dos Evangelhos.
A . B. Assis BRASIL.
62 A EVOLUÇÃO

A s TELAS SONANTES não estão isemptas de alguns


Publicou-se ha dias o 5° numero do Constitucio-
pequenos descuidos, intoleráveis em quem já tem
nal. Esta folha, sob a redacção de moços distinctos,
um nome na litteratura, mas desculpáveis á vista da
continua a defender com valor os seus princípios re-
volubilidade do folgasão espirito do auctor, que nada
trógrados.
o deixa fazer meditado e pensado.
O primeiro artigo é dedicado ao «Deseseis de
A metrificação nem sempre é perfeita. Exemplo :
Julho» e começa assim : oO Constitucional relembra
hoje a data memorável da ascenção do partido con- «Era uma antithese atroz!... Não mais socego amigo 1»
servador ao p ider em 1868» ; e por ahi o articulista
desenrola a historia do grande partido, notando-se Nem sempre ha grande propriedade de termos.
em cada phrase osc.nntilar de uma tristeza enorme : Exemplo :
diz que o partido «errou, errou mesmo gravemente,
mas que o erro é próprio da naturesa humana», e, de- «Quero ruir no pó os velhos edifícios.»
mais, «que nunca teve a audacia dos verdadeiros
« D a convulsiva tosse o flácido estalido
criminosos». Seria bom citar a questão das popeli-
«Soava sem cessar. Disséreis o rangido
nes.
« D a porta do sepulchro aberta a pouco e pouco
C. de Mello Júnior, depois de reiterar que o
«Ou do abutre da morte o grito arfado e rouco.»
principio do ensino primário obrigatorio é um atten-
tado ao pátrio poder, prosegue n u m a longa serie
N e m sempre a grammatica, a syntaxe são perfei-
de declamações com o inútil intento de provar a f a l -
tamente observadas. E x e m p l o :
sidade daquelle grande principio.
O articulista parte do falso supposto de que o « H o j e , á lei de dupla ausência,
pae não deve soffrer as consequências jurídicas do «Sem cessar lembrando estou,
não cumprimento das suas obrigações para com o
« N ã o só tu, flôr de innocencia,
filho. A lei não é immoral nem provocadora da anar-
«Mas m i n h a l m a que ficou.»
chia domestica, quando pune um criminoso.
A Evolução podia largamente explanar esta ma- «Quero ruir no pó os velhos edifícios.»
téria, e não se furtará talvez a isso.
Traz ainda um bem lançado artigo de A . F i g u e i - N e m sempre ha também grande originalidade
ra sobre «Deseseis de Julho» ; l)ura veritas, onde a nas imagens e na fôrma de revestil-as. Exemplo;
mais dura verdade é esta :—os programmas liberaes
« . . . 0 applauso arrebentara franco.
não se podem realizar porque não o quer o defensor
« N ' u m a doida explosão phrenetica de palmas.»
perpetuo; folhetim, chronica, e outros artigos.
A Evolução saúda o esforçado luetador.
Estes descuidos são, todavia, como é de suppôr,
raríssimos, e quasi obumbrados pelas bellezss, que
P. C.
não são poucas.
A s composições de A . Celso terão com certeza,
d'aqui por diante um outro caracter mais amplo,
mais accommodado ao espirito e ás tendencias d'estes
tempos. Será a sua epocha de brilhantismo. Então
não o veremos mais escrevendo Successores de Me-
Não ha muito tempo que a Evolução annunciou
nelau, por onde os que lhe não conhecem os hábitos
jubilosa a próxima apparição das TELAS SONANTES,
honrados—podem-no tomar por seduetor de mulhe-
volume de poesias de Affonso Celso Júnior.
res casadas. Aquella scena do Jogo de Xadrez, de cer-
O que foi dito 'naquella occasião pôde ser repe-
to, não entrará nos futuros versos do poeta, assim
tido hoje, que a obra acaba de ser publicada : « Este
como agora, a ser tomada a serio, seria um forte
livro, com as suas bellezas e os seus defeitos, está
m o t i v o para lhe ser negada entrada em casa dos paes
destinado a marcar a transição no espirito do poeta.»
que não quizessem perdidas AS filhas.
E' elle quem o diz no prologo e no Ponto final.
Sejam estes os últimos farrapos lyrico-dissolven-
A l g u m subjectivismo que, por ventura, se encon-
tes de A . Celso Júnior.
tre 'nestes versos é, si assim se pôde dizer, — obje-
ctivo. E' isto uma noticia, não uma critica, que tal
nem deseja agora fazer a Evolução, por motivos, que,
Affonso Celso conhece todos os segredos da m e -
trificação, e as suas poesias encerram sempre uma ainda que fortes, não lhe turbam, entretanto, a i m -
idéa inspirada. T e m , porém o defeito de preoccupar- parcial serenidade.
se exclusivamente d'essa única idea, despresando os Pelas esperanças que este livro auctorisa, a Evo-
incidentes, derramando sobre ella um diluvio de pa- lução saúda o poeta e o espera ver em proximos tem-
lavras, enchendo paginas e paginas com o que pôde pos — apostolo da Justiça mais decidido e mais va-
ser dito de um jacto. lente.
A . B.
A Flauta é um exemplo e a Filha da paz, a com-
posição de mais alcance de todo o livro, é outro.
A EVOLUÇÃO 63

C O L L A B O R A Ç9Ã O ignorancia.— A Força absoluta dominando a encar-


naçào absoluta do Direito no mundo social.
A Força aniquila e paralysa, mas o Direito il-
lumina e vence.
* * * (1)
Extremos perigosos.

Sulcas o ar de um rastro perfumoso,


Que os nervos me alvoroça e tantalisa.
Quando o teu corpo musical deslisa A auctoridade é imprescindível.
A o hymno de teu passo harmonioso. Sociedade e poder são termos que se correspon-
dem. Reconhecer um é affirmar a existeucia doutro.
A pressão de teu lábio saboroso Todos o sabem.
Verte-me na alma um vinho que electrisa, O contrario seria a desorganisação, o estaciona-
Que os musculos me embebe, e os nectarisa, mento no tempo, como a desordem e a confusão
E afrouxa-os, n'um delíquio languoroso. reinariam no espaço sem as leis necessarias, que
regem os corpos,
Mas as sociedades marcham inevitavelmente;
E quando ao collo cinjo-te, offegante,
dahi a necessidade de regras de conformidade com
E o teu cabello túrbido, odorante,
as quaes caminhem.
Rola-te negro sobre as nuas pomas,
Estas regras são as leis, meios, canaes de ãlcan-
çar a sociedade seu fim—o aperfeiçoamento.
— Naufraga-me a razão em sombra densa, A ' collectividade social cumpre estabelecer estes
Como se houvera sobre mim suspensa meios, abrir estes canaes.
Uma nuvem de cálidos aromas. Como, porém, a occupação do povo com as dis-
FAUSTO. cussões politicas retardaria outros elementos vitaes
de uma nação, apparece a necessidade da representa-
ção, para, em nome da nação, exercer a soberania.
Os delegados, os representantes, — mesmo por
Uma these insustentável serem da nação—não devem ser o écho dos sentimen-
tos e opiniões mdividuaes, mas a valvula por onde
Observadas as questões sociaes á luz dos prin- vase-se a opinião publica, que é a consubstanciação
cípios da sciencia, devem ficar do lado as individua- da consciência social.
lidades, que, como individualidades, por maiores que A variedade de opiniões e diversidade de senti-
sejam, sempre são fraquíssimas diante daquelles. mentos devem ser unificadas pelo interesse publico.
Cumpre ensinar a verdade ao povo, combater o Entretanto, o abuso da delegação tem sido de
erro, estigmatizar o absurdo, e fazel-o — o povo— funestas consequências.
levantar uma idéa do lugar em que deixou cair uma E' preciso, pois, a realidade da representação,—
illusão desvanecida. E ainda condemnar o egoísmo a verdade da delegação.
d'uma classe, que avilta, e propugnar energicamente Realidade da representação pela consciência do
pela idéa, que eleva, transforma e esclarece. voto, consciência do voto pela divulgação da instruc-
E para isto defender o Direito e combater a Lei. ç3o.
Pro jure contra legew. Verdade da delegação pela responsabilidade do
mandatario e immediata dependencia do mandante.

A responsabilidade é o sangue que anima, vi-


vifica e alenta esse corpo :—o governo representativo.
Tirè-se-Iha e restará—a ficção dos princípios,— Vejamos a natureza da delegação.
a mystificação do poder,—a sophismação da politica. A expressão—delegação politica—altera a techno-
A irresponsabilidade é a anarchia, — o despo- logia scientifica, transforma a posição do delegante
tismo. e delegado e abre espaço á imposição do poder pes-
A anarchia, isto é, o povo empunhando a ver- soal'.
gasta rija da Revolução e ferindo inexorável o flanco Altera a technologia scientifica, porque «delega-
dos tbronos. O elasterio másculo das forças das mas- ção é o acto pelo qual alguém incumbe a outrem de
sas, o desencadeamento dos sentimentos. exercer certas funeções, reservando a si o direito de
O despotismo, isto é, o tripudio da prepotencia manter esta incumbência, ou de revogal-a, ou de
de um sobre o corpo de todos, asphixiados pela cassal-a » .
E não pôde o mandante cassar o mandato du-
(1) Ainda que não de accordo com a Poesia que rante o espaço duma legislatura, que é de quatro
defende e pratica a Evolução, este soneto, pelas suas annos entre nós.
grandes bellezas, como as de todas as obras do seu Transforma as posições, porque o mandante fica
auctor, merece o acolhimento d'este periodico. sujeito ao mandatario, e não este subordinado áquelle,
( N. da R. ) como requer, por natureza, todo o mandato.
-fr

64 A EVOLUÇÃO

Abre espaço á imposição do poder pessoal, por- Qual o antidoto, o correctivo ?


que arvorados — os delegados políticos—em únicos Crusar os braços, nada mais.
juizes do justo e injusto, do que é conforme ou não Mas tomemos o melhor lado :—que esteja o se-
com o bem peral, têm opprimido os povos, sobre- nado acima de todas as paixões politicas, que só zele
carregando os dQ impostos, advogado ephemeros in- do interesse publico, que seja a balança equilibrando
teresses individuaes, e escarnecido da alta missão d'um lado—a auetoridade, representada, nesta terra,
que se lhes commette. pela monarchia, e d'outro—a democracia, represen-
Não ha delegação absoluta; é sempre sujeita ã tada pela camará dos deputados ; teremos ainda um
I vontade do delegante e revogável a seu bel prazer, corpo autocephalo, irresponsável.
desde que não haja unidade de vistas e harmonia Mas será serio existir uma corporação irrespon-
I d e opiniões entre o mandante e o mandatario. sável n'um governo de responsabilidade?
Por isso que a delegação presuppõe confiança no Não ha meio possível de conter esta corporação,
I mandatario e a justa conformidade deste com o s querendo fizer ella poluici, na phrase dos publicistas.
I dictames do mandante, pôde desapparecer a con-
Entretanto, ao empregado a quem falta axacção
fiança, transgredir-se os dictames e , então, torna-se
no cumprimento de seus deveres,—demitte-se ; ás
impossível a representação, cassa-se a delegação.
auctoridades inferiores que privaricam,—pune a l e i ;
E" o que se dá em todo o mandato.
ao assassino, — enforca-se, diz o Cod. Crim.; á camara
Na politica, porém, além da mctamorpliose do
dos deputados que transvia-se,—dissolve-sa; a um
delegado em delegante, não ha possibilidade de an-
ministério cadaver,—enterra-se com um decreto ; ao
nullação do mandato senão pelo esgotamento do
I praso d o m a legislatura. senado vitalício, si tornar-se anarchico, a menos que
Por isso, não lia uma explicação satisfactoria ao não queiram saltar por cima da lei,—supporta-se!
termo—delegação—em politica. Mas nos dirão com alguém : — « o sena.lo cheio
Tém as constituições procurado remover esta de illustrações, de homens encanecidos pela expe-
inconveniência e anormalidade pelo encurtamento do riência e que, guardando tradições gloriosas, só têm
praso das legislaturas. os olhos fitos na gloria, não transvia-se, não desen-
Póde-se, ainda, para previnir abusos e evit i l - o s , cadea-se; só pauta sua couducta pelo interesse pu-
sujeitar as leis e actos do corpo legislativo á approva- blico. »
ção do povo.
Acceitamos, porque não fazemos timbre de con-
Não é doutrina ad hoc; pratica-se nos Estados-
demnar individualidades. Si der-se, porém, justa-
Unidos, quanto aos actos da Convenção, e é seguida
mente o contrario disso, onde a responsabilidade,
na Suissa.
isto é, onde o governo representativo?

Daqui, as naturaes consequências :


a) Não pôde haver delegação por tempo i n d e t e r -
Si a disposição do art 40 da Const. do Brazil—
minado, absoluta, vitalícia, porque supporia con-
a consagração do principio da delegação vitalícia—
fiança imposta, o que é simplesmente i n c o m c e b i v e l ;
não resiste a uma ligeira analyse, escarnecedora é a
6) a delegação absoluta, seria uma renunciação do
do art. 46 : — « Os príncipes da casa imperai são se-
direitos e o poder—a soberania—é i n a l i e n a v e l ; de-
lega-se o exercício e, findo o praso deste exercício, nadores por direito, e terão assento no senado logo

continuará ou não a merecer o delegado os suffra- que chegarem á idade de 25 annos »


gios do povo ; c) não existe representação sem depen- Isto vai sem commentarios. Não si indaga de
dencia imm n diata dos representado», e a vitalícia capacidade, virtude, experiencia e iIlustração :—basta
exclúe mesmo a mediata, o que é irrisorio. ser p r í n c i p e !
L o g o , pela natureza mesma das cousas, existe • E ' o caso do lord inglez, que, analphabeto, sabe
ahi latente o vicio da delegação vitalícia e, sendo ler por direito, como diz V . H u g o .
inexplicável em theoria, pôde sor de péssimas c o n -
sequências na pratica.
Vejamos a pratica.

E' mais que uma exigencia da sciencia;—é uma


necessidade do tempo a temporariedade do senado.
Urge combater.
O senado vitalício, pela natureza que lhe confere Pro jure cnnlra legem. (')
a lei. independe completamente da corôa e acha-se
D. R.
inteiramente desligado do povo, de quem é represen-
tante (?).
Não precisa d e nova escolha nem necessita mais (*) V e j a - s e C h a r l e s B e r n a l , THÉORIE DE L ' A U T O -
de v o t o s ; pôde affrontar a corôa e o povo, negar as- RITÉ, a quem segue-se aqui em alguns pontos.
sentimento a todas as medidas, retardar o progresso
e, finalmente, arvorar-se em u m verdadeiro corpo
oligarcbico. T y p . da Tribuna Liberal.
A EVOLUÇÃO
p•111
p o d i c o redigido pejla^ í cad^mico^
Julio de Castilhos Pereira da Costa
Assis Brazil
»n I
A n n o fl S. Paulo, « S de A g o s t o de 1 8 * 9 N. 9

Basta dizer como o antigo propheta: « Que veja


A EVOLUÇÃO quem tiver olhos, que ouça quem tiver ouvidos. »
Demais, é este o único poncto em que todos ac-
cordam—monarchistas e republicanos, governados e
15 DE AGOSTO DE 1879. governantes—: o paiz attinge um estado deplorabi-
lissimo de profunda degradação.
Confusão nas leis primarias e fundamentaes, Entre as varias causas a que se attribue tão sin-
partidas do erro, baseadas na hypothese falsa ; des- gular phenomeno, avulta principalmente uma, pro-
crença e ineptidão nos partidos constitucionaes, posta pelos thuriferarios do passado, isto é, da mo-
grupos sem princípios e sem unidade, movidos pelo narchia :—a ignorancia do povo.
capricho de um único individuo, que os afaga c es- Quando o povo fôr suficientemente esclarecido,
bofetêa alternativamente^ vergonhoso descalabro em dizem elles, a monarchia constitucional-representa-
todas as leis, em todos os tentamens de progresso ; • tiva encetará a sua marcha normal e os seus bene-
r por sobre tudo isto,—um povo reduzido á passiva flcos resultados hão de brotar expontaneamente
estupidez, sem vontade, sem impulsos proprios, pa- máu grado a grita dos declamadores.
ciente indigno dos maiores attentados contra a li-
Nessa simples affirmação, evidente na apparen-
berdade, contra a civilisação e contra a justiça :—eis
cia, encerra-se um, encerram-se dois immensos ab-
o fidelíssimo retrato da malaventurada monarchia
brasileira. surdos :
Actuado pelo turbilhão de duvidas e incertezas Quando a luz tiver clareado o cerebro do povo,
que este deplorável estado de coisas desperta, o es- da monarchia só ha de restar a vergonhosa lembran-
pirito dos que sinceramente amam este pedaço de ça, tanto que, principalmente no Brasil, ninguém
terra confrange-se de legitimo terror. nega que o futuro pertence á republica, e é velho
A Evolução não declama : o mal está diante dos recurso dizer-se que ninguém resiste á lógica dos
olhos de todos, palpitante de realidade, por todos republicanos, no terreno dos princípios ;
reconhecido, por todos accusado com maior ou rae-
Quanto á origem da crise politica e social, o erro
ior exactidão.
está em suppôr-se que provem ella da ignorancia do
Monarchistas e republicanos, todos os homens
que pensam e têm a dignidade de seus pensamen- povo, quando justamente o inverso é que realmen-
tos,—revolta a consciência,—verberam esta crise ex- te se dá, como a Evolução passa a explicar ligeira-
tranha e appellam para a justiça. mente.
Os republicanos apenas differem em serem mais
sinceros.
Desenham o quadro com todas as suas negras
Ha duas especies de educação para o povo que
cores, á luz soberana da verdade.
se quizer tornar digno d'este grande nome: a que se
Si a republica é a verdade politica e social, ella
adquire pelo alphabeto e a que vem do sentimento
só pode ser concluída de um processo verdadeiro e
da dignidade cívica.
sincero.
Não basta que o individuo saiba l e r ; é necessá-
E' o que a Evolução tem sempre feito, é o que
rio que aprenda também a conhecer o seu logar na
praticará ainda hoje.
communhão e que tenha d'isso legitimo e nobre or-
gulho.
Uma e outra são condições imprescendiveis da
A grande, porem facílima, tarefa d'este periodi- liberdade ; possuil-as é direito incontestável do ci-
co tem sido até hoje defender a democracia pura, dadão ; fornecel-as—incontestável obrigação do es-
apontando, baseado em factos irrecusáveis, os erros tado. A monarchia, porém, a monarchia brasileira es-
essenciaes da monarchia, sob todas as suas faces. pecialmente, é incapaz de desempenhar esta missão.
Não é necessário desenrolar ainda uma vez o A escola ha de sempre vegetar 'nella, rudimen-
luctuoso painel das misérias da patria. taria, mingoada, sem o mínimo lructo benefico, con-
66 I26A EVOLUÇÃO

. I siderada como questão de ultima ordem, quando é a cessita; depois — porque não lho dá, nem pode, nem |
I primeira nos paizes livres. quer dar-lhe o ar puro da liberdade.
O grande trabalho de mover a pesada machina
I governamental absorve as escassas forças dos go- •
I vemos.
Os enormes tributos que cada cidadSo é directa A republica, como a comprehende e deseja a
I ou indirectamente obrigado a derramar nos cofres Evolução,—não pagará o luxo e as extravagancia» do
I I públicos—absorvem-se no luxo de uma família de sangue azul ; não alimentará com immensos rios de
I vadios e parasitas; na sustentação de um pesado e dinheiro a ociosidade de milhares de cidadãos, a
I numeroso exercito permanente, cujas baionetas são quem agora entrega-se uma carabina, tirando-se-
II muitas vezes voltadas contra os proprios que as sus- lhes uma enxada dos braços ; não sustentará a ocio-
II tentam—e este ó o seu principal officio; na conser- sidade clerical, comprando missas e le-deums irrisó-
|| vação de um clero muitas vezes insolente e que nada rios ; a republica será emfim—e esta é a sua indole
|| tinha que ver com a economia do estado ; emtim em salutar—um governo economico e sério.
|| quanta extravagancia pôde nascer na phantasia do A s rendas do paiz serão então empregadas prin-
|| governo;—em tudo, menos em matar a fome inteL cipalmente na instrucção do povo.
| lectual d"essa pobre besta de carga—o povo. O ensino primário obrigatorio, grande principio
Não é raro ouvir-se da bocca de um ministro ou impossível na monarchia actual, em poucos annos
I de um senador—que o estado precário das finanças extinguirá os analphabètes.
| não comporta mais largo desenvolvimento da ins- Por outro lado, o caracter eivico espontaneamen-
| trucção. Isto deu-se ainda a proposito da recente te apparecerá ; porque o povo será chamado a to-
| reforma do ensino. mar o seu proprio governo.
Desgraçado paiz é este, infame governo é este— Desde o chefe do estado até o ultimo funccio-
| que não tem dinheiro para deitar uma carta de a, b, c
nario, todos participarão da sua vontade soberana.
| nas mães d'aquelles que por elle derramam o suor e
Não haverá então o d e u » cabido das nuvens de
| o sangue!
sceptro em punho, esse primeiro elemento de im-
Desgraçado paiz—que pode atirar montões de
moralidade da monarchia.
| ouro aos pés d'um individuo e de toda a sua tropa
Para terminar a Evolução repete ainda uma vez :
de sanguesugas, e não tem uma única migalha para
— A ignorancia do povo, o seu baixo nivel moral,
a bocca faminta do povo !
velhos argumentos invocados contra o advento da
republica, são resultado fatal das instituições qae
• nos regem A republica é, pelo contrario, o único
meio de extirpar esse cancro. Estamos no reinado
0 abatimento moral, a indifferença politica, a da anarchia. Sahir d'ella só é posssivel por meio
passividade «stupida, são outras tantas chagas da d'um supremo esforço.
monarchia. A normalidade ha de vir depois d esse esforço-
' Neste paiz não existe o cidadão. O monarcha é depois que a patria se convencer de que a sua pri-
tudo, concentra em si todas as forças vivas da na- meira tarefa é a conquista dos direitos usurpados.
ção:—o ministério, que é obra sua, o parlamento, E essa conquista só se pode hoje fazer por um meio
que é obra do ministério e, portanto, ainda sua, e definitivo—pela Revolução.
assim todos os anneis da cadeia governamental. A . B.
0 poder moderador é um gladio de fogo erguido
sobre a independencia e dignidade do cidadão.
Acostumado ao descalabro de todos os seus es-
forços, habituado a ver frustradas todas as suas ten-
tativas de ingerencia nos seus destinos, afiei to á tu- Vigilias Litterarias
tella constante,—como ha de deixar o povo de sentir
o desanimo cabir-lhe pesadamente sobre os hombros ? POR

O despotismo no Brasil existe de facto e de di-


reito, segundo as leis escriptas. CLÓVIS 8EVILAQUA E IZI DORO MARTINS JÚNIOR
Diante de tudo isto, o povo, a quem, por outro
lado, falta instrucção, deixa-se naturalmente abater Não é somente a mocidade de S. Paulo que pensa
e insensivelmente torna-se—massa bruta e inerte—
e que trabalha.
fácil instrumento das escandalosas manobros da ty-
Não é somente ella que começa a sacudir, com
rannia. alternados brados de movimento, o pesado torpor que
Ainda hoje, portanto, vem a Evolução encontrar lhe tem, ha tempos, enlanguecido as forças, e que a
na indole das instituições da monarchia a causa úni- tem feito viver em desconsoladora esterilidade, ar-
ca e fatal do estado anarchico que atravessamos. rancando-lhe o enthusiasmo, a esperança, a energia
E, quanto ao facto agora observado, não pode dc vontade, a virilidade, emfim.
restar a mínima duvida: é um efieito immediato da Não. A mocidade do Recife também vae com-
monarchia, primeiro — porque não dá, nem pode, prehendendo seriamente os seus deveres e a sua
nem quer dar ao povo a instrucção de que este ne- grave responsabilidade diante do Futuro.

BB
A EVOLUÇÃO 67

Ella começa a agitar-se também. vertida por hábitos sociacs corrompidos, sem com-
Accorda-a o mesmo rumor que fazem as novas prehensáo de deveres, emmaranhada nos laços trahi-
verdades, e, nutrida pelo mesmo ideal, alentada pela çoeiros d'urna educação falsa e deprimente ; assig-
mesma crença, avigorada pelo mesmo entliusiasmo, nalando ao mesmo tempo o papel e a missão futura
penetrada da mesma seiva, a arder-lhe no peito o da mulher brasileira, que precisa, segundo o auctor,
mesmo culto, ella promette ser grande e digna da
de uma esmerada educação moral e intellectual suf-
Patria.
ficienles para sanal-a da» superstições, fazel-a com-
Como a mocidade de S. Paulo, ella promette
prehender os interesses sociaes e ensinal-a a educar
vingar, rutilantemente gloriosa e briosamente trium-
phante, a sequencia dolorosa de desastres e de heca- os filhos.
tombes que tingiram de lucto o passado e que deni- E', talvez, n'este estudo sobre a mulher que C.
gram ainda sinistramente o presente d'este paiz. Bevilaqua revela mais o seu talento e o seu espirito
de observação.
O ultimo de seus trabalhos—de critica litteraria—
é realmente digno de figurar ao lado dos outros.
Além de fortes motivos que tem a Evolução para O auctor alarga-se em judiciosas reflexões sobre a
acreditar n'isso, provam-no irrecusavelmente, exhu- litteratura nacional e sobre a Poesia, ã cujos apos-
herantemente as VIGÍLIAS LITTERABIAS, um livro de tolos, de accordo com o pensar moderno, dá a mis-
Clóvis Bevilaqua e Martins Júnior. são de derramar « as idéas salutares do justo, do
Honrada com o offerecimento d'um exemplar, a bello e do verdadeiro, a par dos apostolos da sicen-
Evolução dirá sobre elle poucas palavras; poucas cia » .
palavras exactamente porque para mostrar o seu Percebem-se n'esses trabalhos as pulsações d'um
valor exacto basta simplesmente dizer que este livro grande coração, a austeridade d'uma consciência im-
é a affirmação de duas poderosas vocações. polluta, e o vigor másculo d'um talento que se en-
A s VIGÍLIAS LITTERARIAS dividem-se em duas saia para ascenções dilatadas.
partes. Preside a elles tambçm subido eriterio, circum-
specção no pensar, e um rigoroso methodo de obser-
Consta a primeira dos seguintes diversos traba-
vação e de analyse, que apanha os factos nos seus
lhos de Clóvis Bevilaqua, que, á parte um ou outro
complexos aspectos, desde as feições geraes até a
raro e insignificante descuido, são dignos de toda a
decomposição dos detalhes; methodo que fornece
apreciação : A Republica no Brasil, Ligeiro olhar so-
a Philosophia a que se filia o auctor—a Positiva, e
bre o estado intelleclual do Brasil, A mulher entre nós
o qual applica com segurança pela sã educação que
e uma critica aos Vislumbres, livro de versos de R i -
mostra ter adquirido na proveitosa leitura de livros
beiro Gonçalves.
positivos.
A Republica no Brasil é um criterioso exame do
estado de dissolução mental da sociedade brasileira, O estylo, si por vezes, bem raras, mostra-se
e das suas causas, exame de que C. Bevilaqua, apoiado descuidado, é quasi sempre correcto, energico, d'um
colorido scintillante, e d'uma firmeza que perfeita-
na observação histórica e nas leis sociologicas, deduz
mente caractérisa o estado de decisão, definido do
com precisão e segurança—que não faltam a quem
espirito de C. Bevilaqua.
rompe as névoas da methaphysica para abroque-
lar-se sob a sabia e profunda doutrina positiva — o A ' Evolução, que não faz uma critica, mas que
advento infallivel da Republica, terminando com este dá simplesmente uma noticia, nada mais cumpre
característico período, que é a synthese de todo o accrescentar sobre a obra desse moço.
artigo : « A monarchia constitucional destruio o ve-
lho absolutismo dos reis por direito divino, agora
atravessamos um período em que se dissolve a mo-
A segunda parte das VIGÍLIAS LITTERARIAS é
narchia para apparecer em nosso scenarío politico
brilhantemente preenchida por Martins Junior, que,
o facto republicano » .
em algumas poesias, revela-se, sem exagero da Evo-
No segundo artigo, depois de uma rapida revista lução, um poeta, nãu promettedor, mas bem dis-
do modo de ser da mentalidade brasileira, que mos- t i n c t » já.
tra ser desconsolador—porque a educação do povo é
A o folhear os seus ESTII HAÇOS, admira-se a gente
dificultada pelo proprio governo que por interesse de
de não conhecer sinão agora o nome d'esse moço,
conservação a nega—, o auctor traça o programma da
quando as suas poesias davam-lhe direito a um re-
educação republicana, e finalisa assignalando a mis-
nome invejável.
são dos republicanos: « Si o governo não educa-o
Ou será a primeira vez que se manifesta?
( o p o v o ) eduquemol-o nós.
Si é, si seus ESTILHAÇOS são uma estréa, a Evo-
Si quem tem o dever não o cumpre, cum- lução, sem hesitar, sinceramente confessa que não se
pramol-o nós. vê, ha muito, uma estréa tão brilhantemente auspi-
Que a carta de a b c seja a carta de redempção ciosa, simplesmente porque, já pela concepção, de
desse escravo». todo original, já pela execução, elles demonstram
A mulher entre nós é um estudo sobre as condi- uma individualidade artística, bem difinida em bre-
ções actuaes da mulher brasileira, ignorante, per- ves tempos.
68 A EVOLUÇÃO

Martins Junior talha os seus versos no molde E eu que não sacrifico ás aras do egoísmo,
granítico da poesia socialista. Que não vergo a cerviz ao cégo servilismo
A musa de suas vigorosas inspirações é a grande E que creio no Bem, no Justo, no Idéal,
musa austera, « a musa da Liberdade e da Democra- —Eu anathematiso em nome da Sciencia
Em nome da verdade, ã luz da independencia
cia ».
A imagem secular do velho Deus do mal !
Por isso, as suas poesias, ou sfio golpes nos
flancos d'esse rochedo—o Mal, ou a repercussão ele-
Depois d'isto, a Evolução pôde ficar tranquilla,
ctrica dos triumphos da Justiça.
com consciência de não ter sido lisongei a, nem de
Por isso, percebem-se n'ellas uns largos desas-
ter feito um elogio frívolo e banal.
sombros temerosos, as surprehendentes visões do
Os ESTILHAÇOS, á parte mui poucas incorrecções
Futuro.
de fôrma e um ou outro descuido grammatical, ne-
De resto, a Evolução não definiria melhor qual
cessariamente desculpável porque casual, dão ao seu
a Poesia pela qual medeia o poeta as suas creações,
auctor direito a um lugar na brilhante e escolhida
faz elle na—Guerra do Século :
phalange dos nossos poetas modernos.
Estas linhas não são uma critica, como bem se
vê. São simplesmente a prova irrecusável de que a
Faz-se mister que além dos langues trovadores este periodico não foram indifférentes as VIGÍLIAS
De lyra modulada ao vento das paixões, LITTERARIAS.

Haja Titães de bronze, ousados lutadores Ao termínal-as, a Evolução, com o direito de


Que batam-se do see'lo aos vividos clarões companheira d'armas, pede a Clóvis Bevilaqua e
Em nome da Justiça, em prol dos soffredores! Martins Junior que reparem bem no grave compro-
misso que contrahiram com este seu primeiro tra-
balho—de continuarem tenazes e persistentes ao ser-
viço da grande causa,—que n'este caso o descanço é
Tiremos d'esse grande incêndio — a indignação uma covardia; e envia-lhes um sincero aperto de
A chispa do dever, a brasa do heroísmo, mão, a elles que podem ser lustre e honra da nova
Para lançar o crime—o Judas da razão geração.
Na gorja famulenta, escura d'um abysmo, J. C.
Ou enxotar a fé, como se enxota um cão !

A uma egreja edificada em 1789


O poeta deve ter somente contra o mal
Este canhão—a I d é a ; este pelouro—o verso t
Quesle parole di colore oscuro
Eis ahi, n'esses vigorosos versos, assignalada a Vid'io senile al sommo d'una porta ;
missão do poeta moderno, como a entende e cumpre il senso lor m'è duro I
Martins Júnior.
(DANTE).
Agora, para mostrar que não exagera quando diz
que trata-se d'um poeta distincto j á , a Evolução não
pôde roubar-se ao prazer de transcrever os versos
Na estúpida mudez do horror que não se move,
finaes da p o e s i a — s e c c a , a mais bella dos ESTILHAÇOS.
—Rasgado escuro e fundo acima dos portaes—
O poeta, depois d'uma soberba descrfpção do Ostentas burilado um negro 8 9 ,
grande cataclysmo, interrompe-se, e exclama : — A data em que nasceste, ó ninho de chacaes.

Contraste singular que o espirito commove I :


Senhor ! Se foi castigo ou se houve um grande crime
Emquanto là na França, aos hymnos triumphaes,
Que levou a pregar na Cruz do desespero Rola a onda de luz que os óbices remove,
Os filhos do trabalho, um povo todo i n t e i r o ; — A q u i se-borra o céo de torres funeraes.
Se não foi um producto, uma revlução fatal
Da eterna natureza—a sempre maternal
Essa calamidade insana e pavorosa; O' monstro, emquanto lá, por entre as sombras densas,
Se o rábido Jeovah—o Jove moribundo, A Idéa, a Liberdade iam subindo immensas,
N'um accesso sem fim de cólera invejosa, Derramando no espaço, um turbilhão de sóes,
Sacudio para cá das sombras do seu mundo,
Como andam propalando os mochos do papado,
Essa chuva de fogo em troco d'um peccado... — A q u i montavas tu a forja onde fundias
A barra a cujo peso horrífico fazias
Então a execração da livre Humanidade O cerebro espirrar do craneo dos Heróes.
H a de ser um phantasma em frente ã Divindade I Assis BRASIL.
A. EVOLUÇÃO

trabalho dc reduzir ao seu insignificante mas jus- 1


Os últimos reductos tissimo valor esses grosseiro» sophísinas com que
andam diariamente, aquelles pobres idolatras, a en- 1
No parlamento, a que por escarneo se chama surdecer a paciência publica, trucidando o bom
—representação nacional, na imprensa, em toda a senso.
parte, einflm, em que mostrem o seu valor, são, Pertinazmente fiel ao programma que traçou, II
decididamente, uns medíocres metralhadores estes profundamente crente na infallibilidade incontrasta- I]
idolatras da monarchia. vel da victoria da Democracia—porque cré também, II
No affan com que procuram firmar o pedestal com a profundamente sabia doutrina positiva, no II
em que se assenta o seu idòlo, que vêm, tomados de que ha de fatal no movimento ascencional dos 96-
pavor, ir se abalando aos golpes prodigiosos da ala- vos—crente ainda na efRcacia decisiva das boas pro- l
vanca do Progresso, ameaçando jà dc um proximo pagandas, a Evolução entende que o maior serviço I
baqueamento ruidoso, sentem-se tão confusos e tão que hoje pôde ser prestado para approximar cada I
agitados pelo susto, que deixam se ferir de morte dia o completo triumpho republicano é ir desfazendo, I
pelas mesmas armas que empunham. a golpes da lógica da verdade, a mal urdida meada I
em que se tem procurado enredar cs espíritos in
Tém dito que a impossibilidade republicana 6
cautos e desprevinidos.
manifesta, porque o estabelecimento das instituições
amplamente democráticas exige uma custosa e larga Por isso, rcencéta as suas observações conducen-
educação, que nós incontestavelmente não temos tes a esse fim.

ainda ; e elles mesmos se têm encarregado de de-


monstrar positivamente que a possuímos, sustentan-
do uma propaganda tendente a traduzir praticamente
princípios, cuja realisação suppOe implicitamente, Costumam os thuriferarios da monarchia ap-
para ser sincera e verdadeira, o advento da Repu- pellidar de visionários, inconlenlaveis, propagadores
blica, exactamente porque elles são os seus elementos da desordem, áquelles que não se subordinando á
formadores, exactamente porque constituem verda- imposição de bastardos interesses, que tendo cora-
deiramente a índole d'essa fôrma de governo g e m bastante para não recalcar desbriosamente den-
Tôm avançado que a Eepublica será a paralisa- tro da consciência a repercussão dos gemidos de
ção da marcha regular da nação brasileira, uma vergonha da Patria diante da devassidão imperial,
tentativa improfícua, esteril em resultados, porque que comprchendendo seriamente os seus deveres pe-
o paiz não tem homens capazes e na altura de rante a solidariedade humana,—luetam para levan-
encarar de frente com as tremendas dificuldades tar este paiz á altura digna de si e de seus destinos,
inherentes á uma transformação tão completa de descortinando mais dilatados horisontes em que ful-
instituições; e, na sua inconsciente cegueira, não gura a luz d'uma nova verdade, creadora d'um modo
vêm que esse argumento é a sua propria condem- de ser mais elevado e mais perfeito.
nação.
Visionários, inconlenlaveis, propagadores da des-
Si ha governo que para a sua sustentação e per- o r d e m , porque, dizem elles, nós gozamos da mais
sistência careça de homens os mais aptos, firmes, completa liberdade em todos os modos de manifesta-
energicos na palavra e na acção, é a monarchia ; ção da actividade brazileira, para cuja expansão as
porque, emquanto a Republica symbolisa a vontade nossas leis abrem o mais franco caminho. Onde 6
unanime e independente do povo a imperar na sua mais livre a manifestação do pensamento do que em
governação, significa a opinião publica deliberando nosso paiz?
e agindo por suas próprias inspirações, dando-se Temos liberdade sob a monarchia. Que mais que-
uma direcção inteiramente autonomica e livre, a
reis?
monarchia é o governo factício d'um individuo que
Não se sabe o que mais admirar ahi : si a in-
apoiado no valor dos arcabuzes dos seus exercitos de
trepidez da falsidade, si a indecente grosseria do
bandidos, ou por um feliz accaso do nascimento,
sophisma.
consegue supprimir a nação, tornando-se a cabeça
—Intrepidez da falsidade, porque para os espíri-
que elabora, a única vontade que decide, o braço
tos não dominados pelo tórpe interesse de momento,
poderoso que executa, paralysando-lhe, emfim, as
não transviados pelo fanatismo da conveniência, si
forças vitaes.
é permittida a união d'esses dois vocábulos, para os
espíritos sérios e só preoccupados da verdade,—IÍSO
Ora, si á monarchia em mais de meio século,
a que se dá o nome de—Leis do Império—, aliás
durante o qual t e m , á vontade, escarnecido impu-
muito acertadamente, porque suppol-as é suppor a
dentemente dos brios d'este bom povo, não têm fal-
monarchia,—é a negação abertamente desfaçada de
tado servidoros que sejam os auxiliares, os coopera-
toda a liberdade.
dores e f i c a z e s e persistentes da sua gloriosa obra,
certo que não hão de faltar á Republica, que, mais Tem sido tão repetidamente produzida a demon-
do que d'elles, precisa do esclarecimento da consciên- stração d'esta verdade, que a Evolução poupa-se ao
cia popular, o que quer dizer simplesmente a pre- trabalho supérfluo de reproduzil-a hoje.
paração do meio. Quando não tivessemos leis que terminantemente
A Evolução, por varias vezes, se tem dado ao nos tolhem a liberdade de pensamento, prohibindo-
I 70 A EVOLUÇÃO

nos que censuremos o governo e a marcha da admi- E' uma concessão, que é consequência do programma
nistração do modo porque o entendermos ; que ex- de governo que o monarcha traçou para si, — pro-
torquem-nos a liberdade de consciência pela creaçSo gramma aliás perfeitamente explicável, como se vae
d'uma religião officiai; que negam a liberdade de ver.
ensino, entregando-o á direcção única do Estado ; Dizem os favoritos que o cercam, os áulicos que
que prohibem, emfim, o goso de todas as liberda- vivem na sua intimidade que elle é uma capacidade
des :—bastaria recorrer a um argumento, que é vi- scientifica, é um modelo de virtudes e de saber.
gorosamente decisivo. Si bem que reste provar a legitimidade d estes
Não pôde ser soberano, e, portanto, livre o povo, títulos, que por óra é inteiramente hypothetica, o
quando a lei creou um poder, que está independente que parece livre de contestação é que elle possúe
da nação, porque a elle estão ligados inseparavel- uma certa leitura de Historia, ainda mesmo super-
mente os attributos da irresponsabilidade legal e ficial.
moral, da vitaliciedade e da hereditariedade,—mons- Ella lhe tem ensinado, sem duvida, que os póvos
truosidades assombrosas ; ao qual compete soberana- toleram mais facilmente o despotismo, quando este
mente o direito de dissolver as camaras e portanto é suficientemente prudente e cauteloso para não
de annullar a representação nacional, a faculdade de tornar-se, demasiadamente exigente para com elles ;
dispor da vida de todos os cidadãos com a de fazer que a bem de sua própria conservação, os reis devem
a guerra ou a paz, quando julgar que o deve ; ao suavisar o ardor da sua tyrannia com uma certa dóse
qual está sujeito todo o funccionalismo, porque é de bondade, que se traduz em concessões, ainda
d'elle que este procede e depende,—instrumento pas- mesmo mingoadas,—porque é uma lei que nunca falha
sivo de todas as tyrannias, etc., etc. que quanto mais tenazmente oppressora, quanto
mais tyrannica é a acção dos reis sobre os póvos,
Si ha, pois, aqui uma soberania, ella concentra- tanto mais raivósos, tanto mais violentos se tornam
se no monarcha, que é unicamente quem exercita estes na reacção ; e que, portanto, os reis, si preten-
esse poder. derem conservar por mais longo tempo os seus pode-
E quando o povo não é o soberano, o povo não res e as suas prerogativas, devem ir condescendendo
com os póvos a medida que elles quizerem alargar
é livre.
a sua vida politica.
Em face da lei, portanto, nós não temos liber-
dade. E ter-lhe-á desdobrado diante dos olhos uma
—Grosseria do sophisma, porque si é certo que, série luminosa de grandes exemplos.
de facto, gozamos, e isso mesmo limitadamente, Ter-lhe-á mostrado, então, aquelle gigante im-
d'uma única liberdade—a da enunciação do pensa- pério romano caindo um pouco mais cedo do que de-
mento, quer pela imprensa, quer pela tribuna—, não terminavam as leis sociologicas, unicamente por culpa
é, como se acaba de vel-o, que seja ella permittida do despotismo excessivo dos seus imperadores, que
pela Lei. Não. E' uma concessão do monarcha, ri- fez com que os milhões de escravos que o povoavam,
gorosamente necessaria para uma mais longa con- antes abrissem tranca vereda aos Barbaros em vez de
servação do seu abominavel poder. cortal-a.
Pedro I I , si não herdou do seu pae aquella Ín- Ter-lhe-á ensinado que Luiz X V I não teria sido
dole franca e rudemente altiva, o denodo, a coragem um desgraçado, si insensatamente não desattendesse
heróica com que desenrolava, uma a uma, todas as ás exhortações de Turgot e de Necker—os ministros
consequências dos seus actos, os mais attentatorios do povo.
da Justiça e da Liberdade, possúe, comtudo, o que Ter-lhe-á lembrado aquelle collossal throno de
este não possuia : a fina habilidade, a subtileza dos Napoleão o Grande, esphacelando-se em estilhaços,
pelotiqueiros na escamotagem de todos os bons prin- não porque elle—o Grande—se encontrâra com Wel-
cípios. lington nos campos de Waterloò", mas porque con-
Emquanto o pai tyrannisava ás claras, a peito tra elle se sublevaram colligados os póvos, cuja vida
descoberto, em campo limpo, o filho é inexcedivel autonomica, cégo pelá sua doida ambição, tentara
no despotismo das ciladas, das trahições, das sor- supprimir.
presas, no despotismo que « espreita, avança recuan-
Te.r-lhe-á apresentado em face o exemplo de
do, recúa avançando ».
Napoleão o Pequeno, que si não tivesse rolado do
Emquanto o oulro ostentava-se franco, sem dis- alto do capitolio de suas tôrpes glorias impellido
farces, sem procurar apparencias enganadoras, tal pelas armas do rei Guilherme, havia de ser, desfeito
qual era, este acceita e pratica o despotismo que em pedaços o seu solio, arrebatado pelo raivoso
encobre a horripilante nudez com as roupagens
furacão revolucionário, que já se tinha annunciado
agaloadas de uma fingida moralidade
no verbo trovejante de Gambetta.
E' o despotismo que vive pelo embuste, pela E uma sequencia interminável de outros exem-
força, pela politica das concessões—a mais perigosa
plos.
das politicas, porque essas concessões, si ás vezes
E' em virtude d'essa proveitosa leitura da His-
podem não ser inteiramente illusorias, trazem em toria que mostra ter, que Pedro II, violando aberta-
si quasi sempre a vileza tôrpe d'uma trahição. mente as leis que seu augusto pai fabricou para
Eis porque nos é permittida aquella liberdade. o seu povo, nos permitte que enunciemos livre-
A EVOLUÇÃO 71

mente os nossos pensamentos, que digamos franca- absurdo concluir que somos livres. Pois, assim
mente o nosso pensar e o nosso sentir sobre a sua como, porque um membro do organismo physico do
pessoa e as suas leis. homem acha-se fóra da pressão d'um corpo estranho,
Elie sabe perfeitamente que, emquanto temos a não se diz que todo o organismo também se acha;
imprensa e a tribuna, onde podemos desferir a nossa assim também, porque se exerce a liberdade em um
só dos seus aspectos, não se pôde afflrmar—por ser
palavra produzindo ensinamentos, d'onde podemos
simplesmente aosurdo—que se excrce-a em todos :
levantar, sem embaraços e sem receios, em enthusi-
porque é facultada a liberdade na manifestação do
asmo flammejante, os nossos brados de guerra,—
pensamento, é inconcebível deduzir que é-o também
certo que nSo iremos buscar outros meios, outras a liberdade de consciência, a de reunião, etc., etc.
armas de combate ; não iremos fazer a terrível guerra,
Xão ha, como se exprime Castellar, meia liber-
a guerra das furtadellas, das emboscadas clandesti-
dade ou liberdade parcial; elia é uma e indivisível.
nas, na qual forçosamente tem de ceder o adversario,
Eis a lógica monarchista.
que, atacado por todos os flancos, não sabe contra
quem investir. J. C.
Elie sabe também que, no dia em que, insensata-
mente, procurar roubar-nos o goso d'aquella única
regalia—que, em somma, representa uma muito le-
gitima conquista nossa—, talvez que este povo, que Entre algumas obras de mérito que têm sahido
elle, nos discursos que dirige ao seu parlamento, este anno da academia de S. Paulo cabe certamente
costuma invariavelmente chamar de dócil e pacifico, um logar aos PRIMEIROS SONHOS, collecçáo de poesias
e ao qual os seus adeptos não concedem nem ao que acaba de publicar o poeta Raymundo Corrêa.
menos a virtude da coragem,—se erga, electrisado,
Falle em primeiro logar o proprio auctor :
num impeto explosivo ; e... é possível, então, que
« Reconheço que ha n'este meu primeiro traba-
sua magestade não tenha successores.
lho litterario composições ridiculamente contrarias
ao espirito da epocha » .
Em seguida diz que ha, entretanto, muita gen-
Mas, fatal cegueira dos reis!
te que ainda aprecia as coisas ridiculamente contra-
Quando as concessões liberaes precisam de ser
rias ao espirito moderno, e conclue :
mais largas — porque a consciência popular vive a
« Se ao menos a pessoas de tão exquisito gosto
inundar-se de luz todos os dias — é exactamente
agradarem estes versos, ficarão satisfeitas as minhas
quando elles se tornam mais avaramente egoístas do
pretensões litterarias » . (*)
seu poder, e persistem em negal-as.
Limitadas pretensões tem o poeta !
Parece que por mais prudentes que sejam, não
Tudo isto deve ser combinado com uma peque-
podem fugir á fatal attracção do grande abysmo.
na declaração que sc encontra logo na capa do livro :
Actualmente, o que se está presenciando no
—poesias ly ricas.
paiz ?
E' bom insistir 'nisto—Raymundo Corrêa consi-
De um lado o povo a pedir, a reclamar, a exigir
dera o lyrismo, o romantismo ridiculamente con-
urgentemente as reformas como satisfação de suas
trários a estes tempos.
necessidades, por tanto tempo procrastinada.
E, para saber-se que elle é um perfeito român-
Do outro o rei, com ministros autómatos e
tico, basta abrir ao acaso qualquer pagina do seu
camaras corrompidamente servis, a ensurdecer di-
livro. .
ante desses pedidos, d'essas reclamações e d'essas E, para prova de que a sua escóla está desloca-
exigencias. da, morta, incongruente, ridícula na actualidade,
E a cada appello que se eleva do povo responde basta notarem-se as contradições em que anda o
o silencio mudo que desce do rei.
poeta comsigo mesmo :
As concessões cessaram!
Entende que tem versos ridículos, mas isso não
Felizes prenúncios. o impede de publical-os, e isto—porque ainda ha al-
Rejubilemos-nos nós, os republicanos. guns raros exquisitões que apreciam taes ridicula-
rias :
Escreve versos sensuaes, versos libérrimos, in-
decorosos, e offerece tudo isto ao seu honrado e ve-
Mas, fechando este rápido parenthesis, e voltan-
lho pai e á sacratíssima memoria de sua falleciJa
do á questão, a Evolução, para terminar as suas
mãe ;
observações, chega ao seguinte resultado : demons-
trado e claramente verificado que nós só possuímos Saúda com enthusiasmo a Idèa Sova e a am iL-
uma única liberdade. — que não é sinão uma méra diçôa depois asperamente na poesia 1'rophela.
concessão real attentatoria das leis e exigida pela E' este o característico das escólas mortas, não
conservação da propria monarchia—, não se pode, disciplinados por um regimen scientifíco :—a falta
sem contonòes da consciência, affirmar que n este de solidariedade mental.
piuz ha liberdade.
Porque temos liberdade de pensamento, é um (•) Pag. 93—nota 2.»
72 A EVOLUÇÃO

Entretanto, R Corrêa dispõe de um tão invejá- Entretanto, Raymundo proinette tomar o ca-
vel talento e natural aptidão para a poesia, que, minho da verdade, que diz já ter reconhecido.
mesmo apezar de tudo isso, os seus versos são algu- Si isso fizer, com certeza o seu bello talento lhe
mas vezes inspirados. marcará elevado posto no cenáculo dos poetas mo-
dernos.
A introducçào contém estes bellissimos versos,
que mais bellos seriam tirando-se-lhes a exclusiva O seu livro, como esperança, vale muito.
subjectividade: Mérito positivo, a não ser o da revelação de um
bom estro, não o tem de qualidade alguma.
« Florestas virgens, gigantescas arvores.
Torrentes chrystalinas. A . B.
Rocio celeste a scintillar nos cálices
Das húmidas bouinas,
Luz indecisa do cahir da noite,
Do levantar do dia,
COLLABORACÀO
Intermittentes auras, sons monotonos
Da catadupa f/ia,...
Tremei, sorri, brilhai, erguei mil cânticos : 0 século caminha
Estou na flor da idade » .
( A ASSIS BRAS L )
Como bom discípulo de Casimiro de Abreu, o
homem que 'neste paiz mais damno fez á saúde, a mo-
ralidade, aos bons costumes dos rapazes e das moças, O século é pujante, heroico, inexorável.
—tem também Raymundo os seus assomos livres, e —Navio que enristou a quilha incontrastavel
não raramente, immoralissimos : A's praias do porvir, lã vai talhando o mar.
Espadana-lhe em vão as bavas hediondas
«Acorda, meu amor! vem ter com migo O inútil preconceito: embalde em crespas ondas
Por baixo dos cafés ». Forceja por tolher-lhe o impávido marchar.

Quebrando ã vaga rude a cólera, que espuma,


« Acorda, meu amor ! quero com sustos
A ldéa,—o nauta audaz,—atira-lhe, uma a uma.
A s tradições do sceptro e da thiara as leis;
Rôta—cahe do passado a tragica bandeira;
E de envolta com ella a triumphal esteira
Morrer no seio leu... »
Submerge avidamente as purpuras dos reis.

Dos Frêmitos a Evolução prefere não fallar...


Isto não é só ridiculamente contrario ao espirito
da epocha; o é também ao decoro e ao caracter si- Rasga affoito ao futuro as fundas névoas densas
sudo do homem, á decencia, em uma palavra. O alento vingador, viril, das novas crenças,
Não passou também o poeta sem o seu recitati- Que ruge solto, livre, indomito, fatal.
vo para piano, pelo canto chão do Era no outono...: Oh déspotas cruéis l Oh cezares, é tarde !
Dobrae o régio manto orgiaco e cobarde!
«Lembra-me outr'ora, em madrugada linda E' tempo! —Adormecei no olvido sepulchral l
Envolta ainda pela névoa fria,
Tu me apontavas no horisonte a medo
Co'o roseo dedo o despontar do dia. etc., etc. Consolae-vos !—Não mais os vossos membros rotos
Filtrarão sangue vil da historia nos esgotos
Em outro recitativo, o poeta ajoelha-se aos pés Aos gritos infernaes das ébrias multidões:
da sua Dulcinéa, pede-lhe um olhar dos seus bellos —No pólo social a estrella do direito
olhos azues, e conclue: Ergueu-se, ha muito já.—No mortuário leito
Repousae !—Já não ha corôas, nem brazões!
« Se me os volveres, a minh'alma sôfrega
Ha de innundar-se d'essa nova aurora,
E dirão todos a me ver sem lagrimas :
Como é feliz aquelle moço agora! » O século caminha Os cadafalsos velhos
Ruíram. Das nações os vários evangelhos
Rasga-os, folha por folha, a garra de Satan;
E os livros feitos pó, virá uma só crença,
Raymundo conhece bem as regras da metri- E Deus enlaçará n'uma harmonia immensa
ficação c da grammatica. Ha, porém, um logar em Os crentes de Jesus, de Budha e do Koran.
que um erro de prósodia fal-o cometter outro de THSOPHILO D I A S .
metro ; é quando diz :

« E i s o meu livro—-pallido simulacro». Typ. da Tribuna Liberal.


A EVOLUÇÃO
j p j i û f t i c o redigido ^cademico^

Julio de Gastilhos Pereira da Costa

Assis Brazil

Ann«» 1 S. P a u l o , 3 0 d e N P t c i n b r n d e 1 8 7 ! ) A. tO

phando do paganismo, deitára abaixo a organização


A EVOLUÇÃO antiga; que deteve-se no século X V I para com o
protestantismo por instrumento produzir o primeiro
destroço da perigosa unidade catholica, que a ascen-
3 0 DE SETEMBRO DE 1879. dência exclusivamente preponderante do christianis-
mo sobre as consciências havia creado ; que com a
Revolução de 89 iniciou solemnemente o período da
Quando a Evolução definio a sua posição na
Revolução,—destruidora do regimen « catholico-feu-
imprensa do paiz, prometteu, de accordo com os
d a l » que, no desempenho do seu destino, havia en-
seus princípios philosophicos : chido a Idade Media e que devia desapparecer por
Defender e propagar a Democracia pura; incompatível com o estado dos espíritos :—essa vasta
Estudar as questões litterarias de harmonia com evolução—que synthétisa os progressos da Humani-
o moderno ideal da A r t e ; dade operados até princípios d este século—pouco ou
Consagrar-se, emôm, com ardor ao serviço da quasi nada tem agido em relação a este paiz.
Justiça.
Hoje, que, cedendo á praxe admittida pelo j o r - Assim é que emquanto alguns paizes, obedecendo

nalismo académico, temporariamente abandona os aos impulsos da civilisaçSo nova, depois de haverem

campos do combate,—não lhe compete dizer si d i g n a - apagado os traços profundos do antigo regimen,

mente satisfez aquelle empenho. respeitando-o unicamente n'aquillo que elle possa
ter de compatível com os tempos, começam a se re-
Que a julguem os contemporâneos.
constituir no sentido da verdade moderna, consoli-
dando os resultados de suas victorias, ganhas n'uma
lucta ás vezes fratricida, e elevando o nivel das

Hoje e Amanhã consciências ; emquanto, por exemplo, a França,


depois de ter sido, no desempenho da missão que
Contamos 57 annos de existencia politica. lhe coube e sempre lhe ha de caber diante da so-
Nós não somos uma raça inferior. S »mos, pelo lidariedade geral,—o theatro da dolorosa iniciação
contrario, immediatament? descendentes d'umaraça da Kevolução, j á emprehendeu a épica tarefa de sua
que, embóra decadente hoje por causas passagei- reorganisação politica e social, e prepara-se para
ras facilmente explicáveis, foi outr'ora, cortando entrar pelo século X X a dentro digna d'elle e do
com as quilhas de suas opulentas o numerosas nãos seu regimen ;—nós ainda nos nclmmos na estrada
as ondas dos oceanos, a monopolisadora de todos os marginada pela longa fileira dos espectros do pas-
progressos, que concentrando em si toda a actividade sado. assistindo em impassibilidade estúpida, como
de então, rasgou para os povos, na narração estu- que até em completa segregação, a todos os.vigoro-
penda dos seus feitos de gloria, o modelo vivo da sos impulsos das revoluções modernas, a todo esse
grandeza e da constancia no progredir. largo movimento fecundo que se agita lã fora.
Si herdamos-lhe os defeitos, e não são poucos, Longe de concorrer para a solidariedade dos pro-
porque não herdaríamos as suas grandezas e prodí-
gressos, revolvemo-nos no seio da mais desenfreada
gios ? E herdamos 1
anarchia.
Entretanto, apezar de tudo isso, que é muito,
Sim, sob a enganadora apparencia de paz per-
temos tido a rara gloria de conservarmo-nns impro-
manente, de ordem inalteravel, trabalha a sociedade
ductivos, esterilmente immoveis no meio da fecunda
brasileira uma profunda anarchia mental.
e prodigiosa agitação moderna.
O grande movimento que vindo do fundo da Anarchia nos grupos directores, anarchia nas
Historia gerou as admiraveis creaçõcs modernas; classes dirigidas.
a dilatada evolução das sociedades que, na percepção Nos grupos directores, porque não têm um sys-
nitida do olhar d"aguia do Augusto Comte—o i m - tema de politica, não tôiin um principio que lhes
mortal creador da Sociologia, começou a accentuar-se sirva de norma de conducta na governação, e dirigem-
com o apparecimentü do christianismo que, trium- se ao accaso, guiando-se por inspirações, não bebidas
74 A EVOLUÇÃO

em fonte seientiSca, mas inspirações «lo momento, mentos de Littré (2) de que estas linhas são um
e por isso desconcordantes, sem vínculos de cohe- desmaiado reflexo.
rencia, contradictorias, emfim, no sentido genuíno
da palavra
Assim é que vemol-os em lucta permanente Para os brazileiros que ainda não enterraram no

comsigo mesmos, obrando hoje de certo modo e tumulo da desesperança a crença na grandeza futu-

amanhã alterando, quando não atacando pelas bases, ra d'esta terra, c que acreditam na força invencivel-

os resultados das suas operações ; desfazendo, in- mente eflicaz da civilisação, perante a qual á Ame-
scientemente destruindo um dia depois aquillo que, rica compactamente, sem exclusão d'uma nacionali-
sem elevação de vistas, sem critério, sem planos dade, cabe uma missão de cujo desempenho não pôde
harmonicamente combinados, sem previsão, emfim, f u g i r ; e para os espíritos que, educados nas verda-
produziram inopinadamente na vespera. des da sciencia moderna, entendem os phenome-
Assim é que os partidos constitucionaes, d'onde nos sociaes, não como méros productos do accaso
são extrahidos os grupos governantes, alternam-se ou de uma Providencia desconhecida, mas sim regi-
ou succedem-se no posto da governação, desorde- dos por leis naturaes cuja acção a vontade humana
nadamente, sem harmonia, sem razões de preceden- é impotente para desviar, como é-o em relação ás do
cia, sem successão lógica, mantendo no momento mundo physic», e que estudam e comprehendem a
da acção exactamente a conducta, o systema de po- Historia como a representação d'essas leis, entrela-
litica que pela palavra ensinaram ser condemnavel çando n'uma vasta harmonia todas as phases histó-
e esteril, abrigando no dia do governo, sob a sua ricas da vida das sociedades e, em uma esphera li-
bandeira, as idéas que repelliam na vespera com mitada, todas as phases históricas d'um povo deter-
toda a energia de que eram capazes. minado ;—para aquelles brazileiros o para estes espí-
E* a consequência infallivel de ascenderem ao ritos a anarchia que lavra surdamente no seio da so-
poder, não agrupando em torno de si as adhesões ciedade brazileira é a premissa infallivel d um pro-
nacionaes, não impondo-se pela força dos seus prin- ximo movimento, d'uma mutação profunda que ha

cípios traduzidos n u m programma vasto, mas pela de decidir da nossa sorte, encaminhando-nos na ve-

vontade caprichosa d um individuo que, transfor- reda do futuro.


mando o g o v e r n o — q u e devêra ser da nação — em Esta previsão, que pôde parecer á muitos um
machina de guerra contra ella, entra pela moralidade intolerável absurdo, é, entretanto, fundada na lei
a dentro, enxovalhando-a e prostituindo-a. sociologica descoberta por A u g u s t o Comte e preci-
Aos nossos governadores com justeza podem se sada por L i t t r é — q u e a anarchia assignãla caracte-
applicar as seguintes palavras que em 1849 escrevia risticamente a decadencia d'uma ordem social em
Littré em relação ás classes directoras da França : dissolução, prestes a ser substituída por outra que
« Tudo é expediente para ellas ; de modo que as represente um progresso operado
rapidas mudanças na situação politica permittem
A Historia é o j u i z infallivel que decide da ver-
ver, à pouca distancia, os mesmos personagens sus-
dade e exactidão d'essa lei. Procuremos n'ella a de-
tentar o que elles tinham combatido, combater o
cisão.
que elles tinham sustentado». (1)
Anarchico, ruinoso era o estado d'aquella socie-
Anarchia nas classes governadas, porque, ob-
dade antiga que em plena devassidão moral, invo-
scurecida a sua mentalidade por ideaes retrogrados
cava, na anciedade do desespero, os seus deuses que
e irremediavelmente incompatíveis com os progres-
morriam ; e o christianismo surgio creando uma nova
sos dos tempos, perdida quasi a noção da ordem o
ordem.
da justiça,—porque vive-se em plena dissolução de
Anarchia e g e r m e n de dissolução havia n'a-
costumes —reina n'ellas uma grande discordância,
quelles tempos que precederam a revolução do sé-
uma enorme confusão, um verdadeiro chãos nos con-
culo X V I , quando a I g r e j a havia attingido o cumulo
ceitos, nos julgamentos, nas opiniões, produzidos
da sua omnipotência anarchisando os espíritos; e o
sem critério, modelados pelo interesse de occasião.
protestantismo golpeou de frente a assombrosa unida-
—consequência ainda infallivel do meio corrompido
de catholica que ameaçava deter a tíivilisação. produ-
que a monarchia lhes creou.
zindo o seu primeiro rompimento pela liberdade de
Rapida e imperfeitamente esboçada, eis a si-
consciência.
tuação d'este paiz : anarchica e dissoluta sob o as-
pecto de uma ordem nunca perturbada. A anarchia, um verdadeiro cháos reinavam pa-
Mas d'esse modo de ser anormal e transitorio vorosamente nas consciências, eclipsando n'ellas a
não será dado, com maior ou menor precisão, de- noção da ordem e da justiça e fazendo velar a face a
duzir, ou pelo menos prever, qual será o seu termo, civilisação. que parecia haver recuado diante do es-
qual a solução? tado dissolvente d'aquellas sociedades, quando per-
E' o que a Evolução vae considerar, inspirando- cutio no bronze da Historia o portentoso aconteci-
se, como tem-no feito até aqui, nos sábios ensina- mento de 89, que despedio clarões sobre o mundo,
abrindo a porta á acção revolucionaria que, trazida
por uma necessidade histórica, ia emprehender a
(l) Conservation, Révolution et Positivisme, pags.
341. (2) A Evolução se refere á obra já citada.
A EVOLUÇÃO 75

enorme tarefa de dar em terra com o regimen que um simples resultado d'uma causa, e indagar qual
dominara os seculo3 anteriores para sibre os seus seja esta, vae encontrai a na monarchia.
destroços lançar os fundamentos da grande obra da Sua maior tarefa, seu máximo empenho tem con-
civilisaçãi» moderna. sistido exactamente em conservar o povo n'aquellé
Si não ha aqui empirismo,—e não ha porque es- estado, ignorante, inculto, quasi barbarisado mes-
tes factos representam, na phraseologia de Littré, os mo. Obrando d este modo, ella não tem feito sinão
três pontos culminantes de toda a evolução social obedecer ao instineto de conservação Sabe que, povo
operada ató 89; si, portanto, se prova scientifica- illustrado é incapaz de ser governado. Povo illustra-
mente, sociologicamente que a anarchia caracterisa do é povo livre, porque quer ser governado por si
sempre a dissolução e a decadencia de uma organi- mesmo, e revolta-se contra a vergonhosa tutella que
sação social próxima a ser substituída por outra se lhe queira impôr.
immediatamente superior; si se prova igualmentci A instrucção e a educação são o pedestal da li-
o que é fácil, que o mesmo acontece particularisan- berdade. Sem ellas, a liberdade é impossível, porque
do-se a uma determinada s o c i e d a d e ; — a deducção lhe falta a base, o apoio moral que géra a corapre-
lógica é que a anarchia mental em que está se dis- hensão dos direitos, as virtudes cívicas e o brioso
solvendo este paiz, é um prenuncio, não j a prová- valor quando cumpre sustental-os.
vel, mas infallivel até aonde pôde chegar o poder da Estas verdades são muito sabidas, e é por isso
previsão scient.fica, de um forte abalo que impul- que, comprehendendo-as, Pedro I I tem encaminha-
sar-nos-á para um modo de ser mais progressivo e, do a sua politica de modo a não fazer dissipar-se a
sobretudo, normal. sombria escuridão que envolve a alma d'este povo.
Mas esse movimento, essa mais ou menos próxi-
Pois os factos não estão attestando-o ?
ma mutação, em que sentido se operarão ?
Seremos conduzidos para a republica ? E' innegavel, e ninguém contesta, que o gover-
A l e m do motivo superior que ha para respon- no quasi nada tem feito para favorecer o espargi-
der-se afirmativamente, qual seja a lógica impec- mento da instrucção no seio do povo, e que a que cm
cavel do progresso c dos acontecimentos — produc- esphera muito inferior possuímos tem nascido quasi
ções d esta lei, o exame desapaixonado e sincero das que exclusivamente da iniciativa particular.
eircumstancias que envolvem e apertam no seu cir- Porque acontece isso ? Porque a nossa situação
culo inexorável a monarchia brazileira, não p e r m i t t e financeira não comporta despezas com a instrucção
outra a f i r m a t i v a . — respondem os incensadores da monarchia. Mas
A Eroíução prova-o em rápidas p a l a v r a s . isto é uma irrisão, e é dispensável provai o, pirque
j a passou a ser facto trivial — as verbas escandalo-
sas de orçamentos escandalosos e a liberalidad Í na
Uma f i t a i sorte tem acompanhado a monarchia distribuição da fortuna publica — a mais altamente
fundada por Pedro I . lesiva aos interesses do Estado.
Si 57 annos são pouco tempo para que ella tives- A verdade é que divisa-se n'aquelle lacto o dedo
se fundado o seu credito, são da sobejo s u f i c i e n t e s do gigante, o cunho da velha estrategica monarchica.
paro que tenha cavado a sua própria ruina. Ella j a Si, pois, está extraordinariamente atrazada e in-
passou pela prova decisiva, e esta lhs tem sido des- culta a intellectualidade brazileira, não se deve ver
favorável. n'isso sinão o resultado do regimen monarchico.
Com effeito, quem creou este estado profunda- A monarchia. portanto, j a corrompendo os cos-
mente anarchico em que nos debatemos ? tumes, j a mantendo e alimentando a ignorancia nas
Quem nos trouxe a esta decadencia precoce, que massas, foi o agente produetor do meio anarchico e
por ser ephemera, não deixa, comtudo, de ser d e - disolvente em qua nos achamos.
cadencia ?
Tornou-se, d este modo, radicalmente incom-
Quem nos roubou o sentimento das virtudes c i -
patível com o nosso futuro, e incapaz para dirigir-
vicas, nos esterilisou a intelligencia, nos asphyxiou
nos no sentido da ordem e do progresso.
a consciência, nos abastardou o caracter, quem pro-
A republica será, por consequência, a solução
duzio, e m f i m , o meio corromp do em que v i v e m o s ?
Pois não foi a monarchia ? imperiosa do problema que se nos vae impond • com

A Evolução se dispensa de ir observar o passa- os assombros do enigma, solução que lia de brotar de
do ; limitar-se-á a apreciar as consequências de que um não muito longínquo acontecimento.
está prenhe o presente, consequências que ella resu-
me n'um só facto, mas vigorosamente docisivo : — a
falta de educação no povo. A Evolução podia terminar alii Mas pente ne-
Este facto é attestado por todos os homens da cessidade de dirigir humildemente um appello á
ordem monarchica, que confessam sem reluctancia geração contemporânea.
que a causado mal-estar que geralmente se sante, da A republica se approxima.
lentidão com que caminhamos, do nosso atrazo, em- Eilha, talvez, de uma revolução, a sua conso-
fim, é a ignorancia e :i ausência de educação no lidação e a reorganisação de c stumes de qu > ella
povo lia de ser o termo da partida, resumem a enorme
A isso sã limitam os partidarios monarchicos, tarefa dos que hão de assistir ao seu nascimento.
mas quem observar que este phenomeno não é sinão Cumpre, portanto, ir desde j a desbravando o
7(5 A EVOLUÇXO

caminho, o <3 esta & missão urgentíssima que pésa Resistir-lha quem ousa ao Ímpeto sublime?
sobre a geração contemporânea. Si alguém tenta empanar a luz que d'ella chove,
Trabalhar para que a republica não horde os Parto os sceptros reaes, como si fossem vime,
prejuízos e os erros monarchicos — eis o que 6 ur- E créa, após Voltaire, o sol de oitenta o nove ;
gente.
Para isso o quo lho cumpre en tilo fazer ? Emquanto o rei sorri na estupidez ignara,
Educar-so e educar. A barricada audaz na praça se alevanta ;
Educar-se — para aprender « na sã theoria da O abysmo popular mil boccas escancara
Historia» que as correntes sociaes, porcebidas e com- E deixa ver inteira a rúbida garganta.
prehonclidas, podem ser encaminhadas de um modo
honeficamonto eillcaz; para conhecer a verdadeira
Quebrando a rija lousa ao tumulo inconcusso,
oonduota social n manter quem aspira a um posto
Ferindo a escuridão dos séculos em pó,
na direcção do paiz ; educar se, emfim, para educar.
V o m rolando até nós um lugubre soluço
Educar—para preparar pelo o u s i n o e p e l o exem-
l ) e alguém quo g e m e oppresso abandonado e só.
plo a grande obra da civilisacão futura.
Pelo ensino, omprehendondo uma larga propa-
ganda soientiílca que consiga erguer o nível moral Quein é que soffre assim na illimitada Noite,
d'este povo, e facilitando, assim, o advento do todos Enchendo o ar atroz de tão sombrios ais,
os progressos ao lado do progresso politico. Como si lhe tombasse algum eterno açoito
Pelo exemplo, erguendo por moio da rigidoz do Cortando e recortando os musculos llnaes?
caracter e da intrepidez da consciência, o severo
modelo do uma honesta conducta moral.
São os nossos irmãos, as victimas do Crime,
Emflm, a Etoluçào resume tudo o que pudesse
Que a todos abysmou no vórtice cruel
dizor n'estas duas palavras que a sociologia erigio
em divisa :—Ordem o Progresso. li a cujo largo peito inda sinistro opprime,
Qual rude pesadello, o aço do broquel.
Ordem e progresso — eis o d o g m a sociologico.
Ordem o progresso — eis a republica.
Ordem e progresso — eis o objectivo para o qual São os nossos irmãos que pedem-nos vingança,
devo trabalhar aquclla parte da geração contempo- Depois de irem morror a combater por nós.
rânea que não quizar consumir-se em uma vida de A descarnada mão ainda aperta a lança.
inércia e de esterilidade, sem haver collaborado para Da roída garganta ainda irrompe a voz.
a obra commum.
Que consciente dos seus deveres e da sua res-
São os nossos irmãos que mostrara-nos a liça.
ponsabilidade, ella se alevante para alUrmar-se d i g -
No tumulo agitando os brancos ossos nús,
namente, gloriosamente diante da Patria o diante da
O rebate vibrando enorme da Justiça,
Historia.
Entre os hymnos de llarmodio e o tambor de João Hus.
J. C .

Emquanto houver assim um Passado a gemer.


Um Presente envolvido em torvo manto escuro
Fragmento E houver por conquistar um lúcido Futuro,
Luctar, luctar, luetar—eis o nosso devor.

Combater! c o m b a t e r ! é este o grande brado


Depois de ter colhido o trigo quo plantara
Quo os peitos iutumece aos novos trovadores.
E' que vai repousar da sua lida atroz
E ' arma o pensamento, o poeta é soldado,
O provido colono. E poderemos nós
E vão para o Futuro esses conquistadores.
Descançar sem que ainda irrompesse a seAra ?

Combater 1 c o m b a t e r ! A Natureza immonsa


T e m a pedra da tumba o peito a lhe esmagar
Lucta. freme a rugir, espando-so, o a m i n h a ;
A augusta Liberdade, a virgem profanada;
E, quando nos pareço a marcha ter suspensa,
Covarde quem não fôr á lúcida cruzada
No ventre do vulcão a lava redemoinha.
O sepulchro im mortal aos déspotas tomar.

A Idóa, som parar na rota indefinida.


Mas 6 novo o combate : as legiões sagradas
Vai correndo através dos tempos o dos m u n d o s ;
L e v a m só, para oppòr às armas infiéis.
Rubra chispa fatal, sulcos de força o vida
Da Justiça e do A m o r os lúcidos broqueios,
Dos soculos na fronte abrindo vai profundos.
Que partem retinindo as lanças o as espadas.

Impávida, atravessa as erúas mortandades, E- nobre esta batalha, ó grande osta missão :
A hecatoinbo dos reis, o potro dos tormentos, l r derramando o pranto, a bençam, o oonforto;
K , calina, vui arando o campo das odades, Fazer surgir um vivo aondo estava ura morto
Donde emorge o Progresso cm tropioaes rebentos. li da cru* arrancar os que sobro ella estão j
A EVOLUÇÃO 77

Derramar sobre a Treva a Claridade immensa ; A ' concepção theologica e metaphysica do mun-
Tornar branco e risonho o que sombrio f ô r ; do succédé a concepção positiva.
A ' Fome dar o pão, os balsamos á D ò r ; A o poder brutal da força, occulto nas mais extra-
A nova Fé levar ã noite da Descrença. vagantes ficções, ao poder cego da crença, começa a
substituir um novo poder,—o da sciencia que ha de
unificar e illuminar os povos com a verdade.
Mas, si, ante a irradiação d'essa infinita luz,
Os déspotas cruéis rirem do nosso pranto,
Si zombarem de nós, do nosso arrojo sancto
Os sentimentos altruístas despertam-se ; levan-
E mais fôrem rasgando os nossos membros nús,
tam-se as sociedades civilisadas ao clarão derramado
por uma comprehensão mais exacta das cousas.
Da revólta ao clarão, que as frontes nos descora, A igreja é forçada nestas circumstancias a aban-
Vasemos todo o fel dos nossos corações, donar a posição que tem mantido sempre.
E, o peito arremessando às boccas dos canhões, Dominar hoje, diante da marcha titanicamente
Rasguemos 'nessa Noite a nossa eterna Aurora. ascencional dos povos para a liberdade, para a justi-
ça, ella, a estacionaria, é absolutamente impossível.
Quando o sangue é preciso, atira-se ao c l i r v s o l : A s idéas, os princípios, as falsas instituições
Ferve 'nelle o metal da estatua agigantada. que imperaram no passado, não se harmonisam com
Depois que o temporal recolhe a atroz rajada o presente.
N a limpidez do céo brilha mais puro o sol. « Tudo o que se apoia sobre a mentira e a frau-
de, perecerá. Instituições que são a organisação da
Assis BRASIL. impostura, deverão emfim apresentar seus titulos
ao tribunal da razão. A fé deverá prestar contas e
os mysterios ceder lugar aos factos. O que foi es-
cripto um dia por Esdras sobre as margens de um
Pela verdade rio babilonico nos salgueiros, se verificará: A ver-
dade é eterna, não morre nunca, vive e se augmenta
O edifício da historia firma-se em pedestaes de s e m p r e . » (1)
brenze, torna-se grave, austero—banido o maravi- E effectivamente abi estão as victorias alcança-
lhoso. das sobre as invenções theologicas; e a heresia, que
0 sol dos mythos antigos bruxoleia, vai-se apa- é o progresso encarnado nos gênios mais portento-
gando na noite do passado. sos que têm honrado a humanidade, ahi está ovante
Por sobre o tumulo do Christo, daquelle inspi- sobre os destróços do passado, imprimindo força
radíssimo athleta, não luz nem mais uma estrella en- nova, novo vigor no espirito dos povos.
cantada. Dos conflictos travados entre a religião e a scien-
A fé, essa virtude sobrenatural, como a defínio cia, ensanguentados muitas vezes, quem tem ven-
a igreja, está morta na consciência do século.
cido ? A igreja ou a sciencia ? A palavra dos sábios
Qual a causa ? O que significa isto ? Interrogai a ou a dos deuses do Sancto-offlcio ?
esphinge do progresso. E ' a evolução do sentimento
O mundo foi creado em seis dias, ou formou-se
religioso, desenvolvendo-se em terreno mais solido,
em longos períodos de elaboração, como assignalam
as crenças herdadas das gerações extinetas, desap-
todas as observações scienti ficas ?
parecendo diante da explicação lógica dos factos.
E' a terra ou o sol que occupa o centro de nosso
E' justo
systema planetario ?
Em virtude deste novo modo de ser, os espíri-
Os astros movem-se no espaço, conduzidos por
tos, arrastados pelo impulso vigoroso da civilisação,
uma divina mão, ou em virtude de leis fixas,immu-
rompem, ousados, com as antigas tradições e pene-
taveis ?
tram n'um mundo mais vasto, mais real, mais po-
V e m ao caso lembrar o que disse L i t t r é : « O
sitivo.
que se tem feito se fará ainda: por toda a parte a
Em frente das maravilhosas creações do enge-
sciencia trabalha, e por toda a parte trabalha para
nho humano—invenções, descobertas; da sujeição
nós. Os thcologos não collocarão jamais a terra no
dos mais assombrosos phenomenos a leis scientifi-
cas, o homem deixa naturalmente de ser um crente centro do m u n d o . »
ascético, para pensar. Derrotada sempre, a igreja infallivel está des-
E eis porque : os conventos aniquilam-se, desa- moralisada.
bam, e, em vez do silencio tumular dos claustros, Quem poderá d'ora em diante acreditar piamen-
ouve-se por toda a parte o hymno varonil do tra- te na divindade de suas asserções?
balho, o borborinho solemne de uma agitação im-
mensa.
A igreja está vencida, derrotada, mas a igreja
A humanidade retrograda ? Não.
A lueta pela intelligencia, o trabalho pelo bem,
pela verdade, são leis nobilitarias. A humanidade (1) Draper, Conflictos da sciencia e da religião,
caminha. pag. 265.
• 1

78 A EVOLUÇÃO

quer governar ainda, quer ser de novo o oráculo dos


Ultimas palavras
povos. E impõe-se pela força.
Sente-se a approximaèão de um g r a n d e aconte- A n t e s de ensarilhar as armas que lhe tôm servido
cimento. na aspera batalha que traz de longe travada, quer a
Tudo está preparado para isso. Evolução levantar um ultimo brado pela grande causa
O elericniismo militarisado offerece batalha cam- I a quo sincera, convicta e enthusiasticamente votou
pal ao livre pensamento, e n u m esforço doido, insano, a fraca energia de suas forças.
tenta derrocara obra da moderna civilisaçSo. Segue Será b o m lançar atraz um rápido g o l p e de vista,
á risca o plano traçado por P i o I X . no Syllabus, onde rumemorar algumas das verdades j á enunciadas,
ê-se esta memorável sentença : fortifical-as coin observações novas, compendiar,
e m f i m , os princípios reclamados por suas aspirações,
« LXXX. Anathematisado seja quem disser : O
que são as aspirações da mocidede e da patria. A
Pontífice R o m a n o pode e deve conciliar-se e transi-
verdade nada tem a perder cora ser muito repetida.
g i r com o Progresso, com o LIBERALISMO e com a C I -
E ' á força de continuo bater que a gotta d'agua vai
VILISA.ÇÃO M O D E R N A »
aos poucos abrindo u seio duro da p°dra. A repeti-
Estas e outras cousas fizeram com que um ção da verdade denuncia quanto está ella profunda-
digníssimo padre francez dissesse : « P r o t e s t o contra mente g r a v a d a nos espíritos e apressa-lhe o triuni-
o divorcio tão i m p i o quanto insensato que se quer pho. bó pela falta de repetidores infatigáveis, de
estabelecer entre a I g r e j a , que é nossa mãi e t e r n a , e constancia na predica, de c l a r e z i no ensinamento—
a sociedade do século X I X de que nós somos os fi- se explica a permanência do povo brasileiro no seu
lhos e para com quem t e m o s t a m b é m d e v e r e s . E' crimínos > lethargo.
minha convicção profunda q u e se a F r a n ç a , e m p a r -
Esse característico natural da épocha que vamos
ticular, e as raças latinas, e m g e r a l , estão e n t r e g u e s
atravessando sò poderá cessar quando o trabalho
á anarchia social, moral e r e l i g i o s a , a causa não é o
persistente e e f f i c a z m c n t e e n e r g i c o dos pensadores
catholicismo, mas a maneira pela qual o c a t h o l i c i s -
se reflectir na consciência popular, traduzido em
m o desde muito t e m p o é c o m p r e h e u d i d o e prati-
cado. » (2) uma v e r d a d e i r a orientação Humilha lo, corrompido,
trucidado pelos e x p l o r a d o r e s f e l i z e s que o g o v e r n a m ,
E pois, no meio desta revolução g r a n d i o s a , o p e - o povo sente-se mal 'neste estado de coisas, mas
rada pelo trabalho e pelo saber, a i g r e j a q u e r t y r a - não sabe d e f i n i r o ficto dos seus inconscieutes de-
nisar de novo as sociedades ! sejos. Conduzil-o radicalmente para essa meta de
Será possível ? aspirações g e n e r o s a s , cooperar ao seu lado para mais
A corrente, que passou, dos t e m p o s não r e t r o - a p p r o x i m a r o desfecho d'esse drama urdido com tão
cederá j a m a i s . penosos sacrifícios — eis o dever dos legítimos pa-
T u d o no m u n d o m o r a l , c o m o no m u n d o physi- triotas.
co, move-se, agita-se, t r a n s f o r m a - s e .
I s t o é t a n t o m a i s u r g e n t e quando evidentíssimos
E* sabido.
prenúncios fazem prever, em não remoto futuro,
A s instituições r e l i g i o s a s , c o m o as i n s t i t u i ç õ e s
a l g u m espectáculo extranho.
politicas, c o m o t » d a s as i n s t i t u i ç õ e s s o e i a e s , v i v e m
E ' preciso adestrar as mãos que hão de amanhã
n'um t e m p o d e t e r m i n a d o , findo o qual caem, c o m o
l e v a n t a r o n o v o e d i f i c i o ; porque os a n t i g o s alicerces
os troncos apodrecidos, e o q u e existia nell&s de
v ã o t o d o s os dias s o f f r e n d o profundíssimos abalos.
verdadeiro vai fecundar n o v o s s v s t e m a s , novas i n -
stituições.
O-
A hora d o papa lo soou ha m u i t o . E o que quer
mais? Já não d e s l u m b r o u e l l e o s povos com a m a g - A r e l i g i ã o d o passado, já de todo morta na con-
nificência da sua g r a n d e z a e d o seu p o d e r ? sciência p u b l i c a , a g o n i s a e m sua existencia de facto.
Que contente-se a i g r e j a , q u e c o n t e n t e - s e o c l e - A fé no presente, que não traduz, mas que reproduz

ricalismo, q u e contente-se o saneto p a d r e c o m as o passado, f o i - s e t a m b é m , abrindo brecha á invasão


da d u v i d a , da descrença e da incrcia. A fé no futuro
saudades d o passado, f r a n q u e a n d o á h u m a n i d a d e a
não e x i s t e ; porque falta solidariedade nos espíritos,
estrada d o f u t u r o ; certo de q u e e m caso de r e s i s t ê n -
oppressos e apoucados pela quasi exclusiva influencia
cia tudo será e s p h a c e l a d o !
do m e i o .
Que força ha ahi capaz d e c o n t e r a lava m a r u -
lbosa das idéas, desprendida dos H i m a l a v a s da h i s - Este estado, p o r um lado, desesperador, é, por
toria, arrojada das cumiadas d o p e n s a m e n t o ? outro lado, promettedõr e auspicioso para quem

P o r fim, a Evolução não d e s e j a f e r i r nenhuma sonda a f u n d o os phenoinenos soeiaes, estudando-

confiança s i n c e r a ; constata l i g e i r a m e n t e os a c o n t e - llies o e s p i r i t o e as leis a quo fatalmente obedecem.

c i m e n t o s , como j u l g a de seu d e v e r , para a o r i e n t a - Bem observada a sociedade brasileira, o que


ção dos espíritos. • 'nella á primeira vista apparece é um notável des-
equilíbrio entre todas as suas manifestiçõas de vita-
P. C.
lidade. E ' d'ahi que provém a crise com todo o seu
cortejo de extranhos resultados.
(2) Draper, obr. c i t . , p a g . 251. T o d o s os phenoinenos soeiaes são originalmente
devidos a dois g r a n d e s factores primordmes. De uin
lado está o individuo, com a sua natureza, com a s
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suas tendencias, com a sua índole própria ; do outro ção cm que seja abolido tudo aquillo que o bom
lado estão as forças que sobro elle actuam, está o senso rcpelle, em que BC estabeleça a perfeita so-
meio, que é o conjuncto das influencias externas, lidariedade entre a dignidade social e a dignidade
por elle creado e que 'nelle so vai reflectir. São os politica do individuo.
dois braços que vão esgalhando os complicados c Isto equivale a dizer : « A harmonia só pôde
variadíssimos ramos dos factores secundo rios intrín- vir pela. r e p u b l i c a » .
secos e extrínsecos. Herbert Spencer o demonstra
clara c brilhantemente (1).
Da harmonia d estas duas forças primordiaes Dizer que o « povo brasileiro não está prepirado
da não preponderância de unia sobre a outra nasce para a republica » é uma insensatez das muitas que I
o ideal hannonico evolutivo, a legitimidade do pro- tomam fóros de provérbios na bocca dos repetido-
dueto. res banaes.
Não é necessário demonstrar largamente que N o estado actual da civilização, adiantado como
entre nós essa harmonia nunca existio, ou que, pelo está o influxo democrático em todos os espíritos,
menos hoje, está profundamente quebrada. Os pro- tal adir mação equivale a suppõr absoluta falta de
raciocínio e bom senso, já não em uma pequena
cessos economicos, que proclamai» a indcpcndencia
parte, mas na maior parte do povo. Com elíeito,
individual na indcpendencia total, exigem a sobe-
dos cidadãos que pôde m influir nos destinoj do es-
rania do individuo na soberania da nação, asphixian-
tado, qual é hoje o tão atrazado que não compre-
do-se, portanto, na omnipotência esmagadora dos
henda que não é o poder privilegio de ninguém,
poderes de facto. A o passo que a aspiração demo-
que o merecimento proprio é o único critério de
crática se vai firmando na liberdade e buscando es-
elevação politica e social? A razão e o bom senso
paço para crescer pelo ideal do futuro, restringe-se
do povo, ou, pelo menos, da parte d'elle que pre-
o circulo de aço da auetoridade pelo ideal do pas-
pondera sobre a outra parte, são, pois, antes dc
sado. Kinquanto a idéa alarga, crescendo, o campo
tudo, um attestado da capacidade do paiz para re-
do seu império, o facto retrograda, ou emperra-se
ceber e exercer o governo da liberdade.
na immobilidadc da conservação. A politica estacio-
Basta, além d'isso, um exame comparativo entre
nou. emquanto tudo cresceu e caminhou.
a actual fôrma d e governo e a fôrma republicana.
Theophilo Braga, que, mais ou menos, applicou
Desde o momento em que um povo está aplo p i r i
ao seu paiz algumas d'estas observações, figura a monarcliia constitucional, o está, com duplo mo-
engenhosamente este phenomeno nas seguintes pa- tivo, para a republica. Quando outra razão não
lavras : « Conta uma velha lenda q u e a túnica i n - houvesse, bastaria lembrar a declamarão todos i»s
consutil de Christo crescia no seu corpo, a l a r g a n d o , dias levantada pelos defensores do constitucionalis-
se com a edade ; é esta a i m a g e m das instituições mo, que a toda a hora apregoam que o « Brasil sô
e eis que vestem o corpo social ; á medida que o não é republica no nome, pois que cm tudo reflecte
desenvolvimento se dá no individuo, e se reflecte a índole das instituições puramente democráticas.
pelas descobertas, pelo ensino, ou pelo e x e m p l o , na Mas, d e i x e m o s de parte essa concessão dos fracos
collectividade, ha uma transformação a f a z e r - s e , r e - adversa rios... Clareza distineta no espirito das ins-
clamada por um mal estar, que irrompe quando não tituições, simplicidade admiravel no inechanis.no
é attendido » . (?) g o v e r n a m e n t a l , ausência completa de formulas ine-
taphysicas, incomprchensiveis, fácil o legitim-i ac-
O conflicto é, em ultima analyse, travado entre
ccsso da dignidade a todas as aspirações — eis o
a liberdade e a auetoridade. A túnica inconsutil
caracter essencial do governo republicano moderno.
aperta e constrange cada vez mais os vigorosos A monarchia constitucional é, pelo contrario, a com-
membros d'esse Christo chamado povo, que vai, e n - plicação, o einmaranhamento, a incomprehensibili-
tretanto, assombrosamente crescendo. O meio fictí- dade, a ficção e a metaphysica por toda a parte.
cio, creado unicamente pelos exploradores que v i v e m A republica será immediatamente fiscalisada pelo
do privilegio, absorve e inutilisa a poderosa acção povo, que facilmente comprehenderá a sua simplís-
das unidades representadas nos indivíduos. sima economia, ao contrario do que succédé com o
Desde o momento cm que se declara assim regimen monarchico, no qual o povo, para fallar
abertamente o desencontro entre a liberdade e a uma l i n g u a g e m popular,—não sabe a quantas anda.
auetoridade, entre aspiração progressista e o esta- Em uma palavra : para povo atrazado—a republica ;
cionamento politico, entre a idéa ç o facto,—começa a monarchia, si algum dia fôsse legitima seria quando
uma longa serie de acções e reacções surdas, porém fôsse exercida por um povo illustradissirau. Os nos-
violentos ; o poder concentra-se. nos planos de con- sos inonarchistas seriam mais logicos pedindo o
servação, todo o progresso se paralisa. Si é preciso absolutismo. Será este talvez o seu ideal, pelo qual
um exemplo, ahi está este paiz. trabalham surdamente, mas que não ousam franca-
O desequilíbrio é patente : a fôrma politica não mente declarar. A c h a m mais suave combater a de-
acompanha a fórina econoinica. A harmonia RÓ pódc mocracia, com prejuiso da lógica e do bom senso,
vir, por conseguinte, evidentemente pela o r g a n i s a - muito embora.

. (1) P R I N C Í P I O S DE SOCIOLOGIA. § § 6 , 13 e 209. O meio g e r a l em que se agita c vive o paiz i


(«) SOLUÇÕES POSITIVAS DA POLITICA PORTUGUEZA. também uma poderosa influencia no sentido da pre-
I 80 A EVOLUÇÃO

paração republicana. Toda a America 6 republicana. netários, verdadeiras revoluções occasionadas pelo des-
Os progressos enormemente superiores aos nossos equilíbrio entre as duas grandes forças naturas cen-
operados por todas as republicas do Novo Mundo, trifuga e de gravitação.
apezar das continuas eommoçõss por algumas sof- Nas sociedades constituídas ha um meio único
de evitar o abalo o conjurar a tempestade :—a sub-
fridas, o exemplo todos os dias citado dos Estados
missão dos que representam a força resistente. i
Unidos e outros muitos motivos—fazem com que Entre nós será isso possível? Insensato quem
as massas intelligentes meditem seriamente sobre o responder pela aflirmativa. Basta lembrar que a sub-
assumpto e farão com que ninguém extranhe o ad- missão devia começar pelo imperador... Quem terá
vento da republica, quando cila vier. li, além do a ingenuidade de pensar em uma abdicação ? Quem
tudo. não se pôde negar que. de certo tempo para está em cima não desce espontaneamente. Os Mach-
cá, as novas idéas tem fundamente caindo nos es- maon são raríssimos, e impossíveis quando tém uma
píritos e um grande numero de cidadãos abertamente coròa na cabeça.
Chegados as coisas a este, ponto, o mais é, por
trabalha para esse fim, não contando já os que nas
assim dizer, independente da vontade dos indivíduos,
suas confidencias reservadas se confessam republica- arrastados na onda impetuosa.
nos. A força evolutiva ó uma força de inércia. Inércia
Appellar para a falta de instrucção do povo, chamam os astronornos e mechanicos áquella força
que a Evolução não nega, é desconhecer as mais po- pela qual um corpo continua o movimento inicial.
sitivas afiirmaçôes da historia. A ' excepção da França, A inércia restringe-se e pôde mesmo extinguir-se
todas as republicas actuaes, quando adoptaram essa pela influencia preponderante de urna força extranha.
fôrma de governo, estavam muito aquém do estado Neste estado, só um impulso novo lhe harmonisarà
o movimento. Nas sociedades esse impulso chama-se
presente do Brasil. Ha hoje processos'economicos
revolução, e é sempre necessário; porque a evolução
e elementos de progresso nem siquer suspeitados superorganica não pôde extinguir-se einquanto du-
'naquelles tempos. Demais, a principal missão da rarem os seus factores.
republica é elevar, utilisar e encaminhar, isto é,
A revolução é fatal.
educar as forças sociaes.
Emfim, um descontentamento geral pela monar-
chia apodera-se de todos; os dois partidos consti- Que esta conclusão tremenda não assuste os
tucionaes cahiram egualmente em descredito ; faz-se timoratos.
mister uma mudança radical. Essa aspiração geral Causa vergonha ser ainda necessário dizer a um
povo que a revolução e a republica não são a guerra
é um indicio de preparação.
e a anarchia.
A mudança não pôde ser feita sinão para a re- Guerra e anarchia temol-as nós 'neste miserando
publica. estado em que ninguém se comprehende, em que
apodrecem os caracteres, e uma sphinge medonha
occupa a negra curva dos horisontes do futuro. Nor-
Porque modo se fará a transição ? malidade não é este desencontro de idéas e opiniões,
A Evolução já respondeu a isto; a sua opinião esta completa divergencia formal, que no fundo se
é conhecida. Ha os meios ordinários e ha os meios identifica na lueta abastardada de microscópicos in-
extraordina: teresses. Paz não é este continuo aspecto de guerra,
•ios. Pôde-se, entretanto, positivamente este turbilhão de duvidas e trucidações que a todo
affirmar que a marcha evolutiva é a única real. o momento salteiam os espíritos desgarrados na
Todas as outras maneiras de progresso são, em ul- rota do desconhecido.
tima analyse, manifestações delia, mediata ou im- A rnissio mais nobre, a primeira missão dos
mediatamente E', portanto, inexacto dizer « q u e se republicanos é trabalhar pela solidariedade de todos
os combatentes na conquista da justiça. O addia-
pôde transformar a revolução em evolução » . Aquslla
mento é perverso e criminoso. A maior injustiça,
é simplesmente, já não um instrumento, mas uma
dizia La Bruyère, consiste em protelar a justiça.
phase especial d'esta.
Que não haja desesperançados nem descrentes.
Quando os poderes organisados, dominantes em
O apêgo d'este povo a monarchia só se explica pela
uma sociedade qualquer, tenaz e obstinadamente
facilidade com que. acceita os factos consummados.
resistem ao seu desdobramento progressivo, os ele- Esta qualidade do povo é uma garantia da estabi-
mentos accumulados e represados naturalmente ir- lidade da republica. Que não haja, pois, falsos te-
rompem em ab,iladora explosão, e, partidos os moldes mores de que a liberdade não possa medrar em terra
apertados que os comprimiam, proseguem na nor- brasileira.
malidade, por momentos perturbada. Essa brusca A Evolução, que julga ter na medida das suas
ruptura é, como se vê, o resultado fatal de um grande forças cumprido o dever sagrado, não leva de menos,
ao retirar-se temporariamente do prélio, uma única
desequilíbrio entre dois elementos constantemente
pétala da grinalda de esperanças com que nelle en-
em lueta em todas as sociedades:—a liberdade, que
trou.
gera as forças impulsoras, e a auctoridade, que gera Essa não lh'a desfolhará de certo o áspero vento
as forças conservadoras. A revolução é, por conse- da realidade; porque sente-se que a aurora se ap-
guinte, um phenomeno tão natural como todas as proxima. A Victoria da liberdade é necessária. A
elaborações da Natureza na ordem piysica. A ser republica vem perto.
A. B.
exacta aquella bella e engenhosa hypothese de La-
place,
Typ. da Tribuna Liberal.
o systema solar se foi formando por uma
longa serie de rupturas violentas dos anucis pla-

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