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Abstract: In democracy, having visibility has always been fundamental. The constant
appearance in the media, imbued with a theatrical character, gives an impression of
transparency, that is, it presupposes a kind of accountability that sounds essential to
democracy. In this way, social actors in interaction and struggle for power in the
decision-making political space must rework and re-signify their communicative
strategies. The objective is to analyze the attention that the specialists dedicate to the
Court; with each decision it becomes more present in people's lives. Rare are the
days when the decisions of the Court do not become headlines in the main Brazilian
newspapers. Thus, the Supreme has become the privileged object of many authors,
between Antoine Garapon, who analyzes in detail in his work the role of the televising
of judicial decisions. The supreme body of the Judiciary, the STF is an institution with
increasing visibility, covering a sequence of cases with strong social, political and
mediatic appeal. The exhibition is of such a proportion that some ministers have
become known characters of the great part of the Brazilian citizens. Each time the
STF decides a controversial issue, a large number of criticisms and compliments
arise. The duty to justify decisions leads the Judiciary to establish a direct and explicit
dialogue with society.
Introdução
O escopo do presente artigo consiste em analisar o impacto relevante do
televisionamento das sessões do Supremo Tribunal Federal (STF) na TV Justiça, e
de que modo esse assunto vem sendo trabalhado no discurso. A presente pesquisa
insere-se nos debates atuais sobre o papel do STF pós Constituição de 1988,
enfatizando os conflitos advindos da relação entre os campos jurídico, político e
midiático. O intuito fundamental é dilucidar as transformações na construção da
imagem pública do Supremo e compreender o televisionamento das sessões pela
TV Justiça, observar o comportamento estratégico dos ministros e refletir sobre as
implicações de forma mais ampla deste fenômeno tendo em vista o julgamento da
ação penal n. 470, vulgarmente chamada de ‘julgamento do mensalão’.
O modo como os meios de comunicação observam os escândalos políticos
midiáticos sugere que o julgamento pode assumir a forma de um espetáculo – ou
seja, de um produto de entretenimento (LUHMANN, 2005). Debord (1997) dilucida
que o espetáculo é uma espécie de sociedade, em que a vida real é pauperizada e
fragmentária, e nela os indivíduos são incitados a contemplar e consumir as imagens
de tudo o que lhes falta em sua existência real. É a cultura da aparência, que possui
como característica implantar-se “[...] sob o signo hiperbólico da sedução, do
espetáculo, da diversão de massa” (LIPOVETSKY; SERROY, 2015, p. 263).
A discussão gira em torno do fato de que o bom raciocínio jurídico perde
espaço para a imagem que se faz daquele que está julgando. Não se pode negar
que a câmera foca todos os instantes em tempo real do magistrado, que fica, de
certo modo, fragilizado ante sua nudez. Consoante Garapon (1999, p. 86), “[...] a
imagem deve erguer todos os véus, deixar cair todas as máscaras, pois ela é a
própria expressão da verdade”.
Portanto, a imagem está em xeque. Desta maneira, em virtude da presença
das câmeras na sala de audiência, uma lógica de espetáculo é imposta aos
membros do STF que, com suas feições teatrais, coordenam suas ações perante o
público. Em razão disso, os “[...] juízes são promovidos a celebridades, quase
onipotentes pela via tecnológica” (MACHADO, 2013, p. 47). Basta recordar o status
alcançado por Joaquim Barbosa (SUPEREXPOSIÇÃO..., 2014), quando do
julgamento da ação penal n. 470, e como a sua popularidade foi a patamares tão
altos que ele foi cotado a candidato a presidente da república nas eleições de 2014.
De acordo com Garapon (1999),
[...] a imagem reforça essa sensação de imediatismo, a lógica da presença
tomando a frente da lógica pura e simples. A mídia tudo santifica [...]. Pela
transmissão ao vivo, a imagem dá um sentimento de invasão. (GARAPON,
1999, p. 87).
Ainda conforme Garapon (1999, p. 89), “[...] a imagem deve estar a serviço da
democracia, e não a democracia a serviço da imagem”. Isso diz muito sobre o que
se pretendeu analisar. A pretensa aproximação por meio da presença de câmeras
nos tribunais tem o poder de alterar o objeto de observação. Marcelo Lamy, diretor
da Escola Superior de Direito Constitucional, assevera que
O espetáculo, conforme Debord (1997), não deseja chegar a nada que não
seja ele mesmo. A relação espetacular surge da interação entre o espectador que
contempla e o que é contemplado. Constitui-se, outrossim, à distância; exclui a
intimidade. Ou seja, o espetáculo parece ter lugar ali onde os corpos mantêm
distância. Dos sentidos humanos, o ato de escutar assinala uma distância corporal.
A voz ascende ao microcosmos da intimidade e se torna no sussurro daquele que
acaricia o corpo do outro sujeito com seu alento. O ouvido, todavia, partilha sua
função com a visão; é a visão do corpo que atua – do corpo que gera o som, o que
certifica em todos estes eventos seu caráter espetacular.
A índole eminentemente pública deste ato há de ser reivindicada de imediato.
Com vistas a chamar a atenção e prender o olhar, o evento espetacular requer sua
localização em um local, geográfico ou virtual, necessariamente público. O
espetáculo remete à esfera do sensacional, do excepcional. A ruptura com o
ordinário dá-se mediante o acionamento do maravilhoso, do que encanta, atrai, do
que seduz os sentidos e o público. Este caráter de maravilhamento se dá “[...] pela
exacerbação das dimensões constitutivas do ato ou evento, da dramaticidade de sua
trama e de seu enredo” (RUBIM, 2005, p. 15-16).
A dimensão sacral não é mais uma condição de validade dos atos jurídicos
como na Antiga Roma, mas sobrevive deixando traços na língua jurídica. Antoine
Garapon afronta o tema da sacralidade e da teatralidade do processo sob todos os
aspectos. Entre os elementos do ritual judiciário descritos por este autor há,
naturalmente, um espaço particular cuja função, em muitos casos, é de distanciar os
juristas que escrevem ou falam dos profanos que leem ou escutam. A sacralidade,
tanto jurídica como religiosa, constitui-se etimologicamente a partir da própria
separação de todo o resto.
Na sacralidade religiosa uma distância misteriosa separa a divindade do
mundo dos homens; ao passo que na jurídica são alguns homens, os juristas, a
quererem se separar dos destinatários, e o fazem recorrendo ao instrumento
adaptado ao escopo: as palavras. A razão é, ao mesmo tempo, a consequência da
construção da barreira linguística entre juristas e profanos, é a ciência dos primeiros
de pertencer a uma elite cujos membros se reconhecem e cuja linguagem se tornou
uma espécie de reconhecimento: uma sorte de distintivo de pertencimento a um
clube muito exclusivo.
Esta oposição entre o sacro e o profano, entre a mediação ritual e a distância
espetacular, resulta especialmente relevante para pensar o funcionamento de
determinados eventos ambíguos nos quais resulta difícil estabelecer a fronteira entre
o religioso e o espetacular.
As alterações sociais, econômicas e políticas ocorridas no transcorrer da
segunda metade do século XX colaboraram para o deslocamento dos tribunais para
o cerne do debate público. Os juízes, especialmente em sociedades democráticas e
plurais, ocuparam um local de destaque, estando cada vez mais expostos. Assim
sendo,
Nesse contexto, aparece o simulacro que, de acordo com Sodré (1990), pode
ser entendido como uma duplicação do real, capaz de encobrir, reformar ou abolir a
realidade. Para Subirats (1989), o simulacro é a representação que compete com o
ser representado, o sobrepuja, elimina e, finalmente, o substitui, convertendo-se no
único ser objetivamente real. Ainda segundo Sodré (1992), ao se impor como um
simulacro da realidade, a televisão faz com que o receptor se descuide, tomando
como verdadeiro o discurso televisivo.
Exibicionismo, narcisismo, marketing. O momento despojado pelo qual a
mídia passa pode ter várias causas. Sob a presença da câmera oculta, disposta a
revelar detalhes íntimos, a intimidade deixa de existir. O espelho de Narciso,
definitivamente, fundiu as esferas pública e privada (SODRÉ, 1990). Consoante
Maffesoli, o sujeito se comporta narcisicamente, e clama por ser aceito; existe nele
uma imensa necessidade de aprovação de sua imagem pelo outro. Ainda de acordo
com o autor, surge “[...] a importância de existir pelo olhar do outro. [...] O outro
decide quem sou eu” (MAFFESOLI apud XIBERRAS, 2010, p. 259).
Um conjunto de fatores tem contribuído para uma crescente visibilidade do
STF, dentre eles, a sequência de casos com forte apelo social, político e/ou
midiático, cujo ápice foi o denominado ‘julgamento do mensalão’. O caso despertou
grande interesse do público e foi objeto de uma cobertura nunca vista no País, com
matérias e reportagens diariamente em jornais, revistas, rádios e emissoras de
televisão. A exposição foi de tal monta que alguns dos ministros se tornaram
personagens conhecidos de grande parte dos cidadãos brasileiros.
O ministro Xavier de Albuquerque, ao presidir o STF em 1981, declarou: o
povo não conhece o Supremo, corroborando para um movimento de aproximação
com a opinião pública. Versa sobre o protagonismo do Supremo, afirmando ser
crucial resgatar o tribunal “[...] das páginas mais modestas da imprensa para as mais
destacadas e condizentes com a sua importância institucional” (ALBUQUERQUE,
2012, apud OLIVEIRA, 2012, p. 128). A proximidade da mídia com o STF vem em
uma tendência crescente desde a década de 1980 e se intensificou ainda mais após
a criação da TV Justiça e do televisionamento dos julgamentos. A midiatização e a
judicialização dos fatos da vida são fenômenos exaustivamente debatidos nos
últimos anos. Em uma sociedade que se tornou consumidora do Judiciário, a
demanda por notícias acerca dos fenômenos jurídicos é crescente. O judiciário é um
campo fértil para o espetáculo visado pelos meios de comunicação. O próprio
ambiente que circunda o tramite dos processos já possui um viés cênico (CÂMARA,
2011).A transmissão ao vivo dos julgamentos do plenário do STF merece destaque
por sua singularidade. Trata-se de uma novidade, algo empregado de maneira
inédita no mundo. O art. 93, inciso IX da Carta Magna brasileira dita que
“[...] todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e
fundamentadas todas as decisões sob pena de nulidade, podendo a lei
limitar a presença, em determinados atos, à próprias partes e a seus
advogados, ou somente a estes, em casos em que a preservação do direito
à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à
informação”
Ou seja, os julgamentos são públicos, exceto nos casos em que se deva
conservar o direito à intimidade. Em 2002, face à Lei n. 10.461, o STF principiou as
atividades da TV Justiça, canal de televisão público de caráter institucional que
pretende ser um espaço de comunicação e aproximação entre os cidadãos e o
Poder Judiciário, o Ministério Público, a Defensoria Pública e a advocacia.
Consoante Trindade e Rosa (2016),
[A] Ação Penal 470 levou a um dos julgamentos mais longos da história do
Supremo. Foi o mais midiático desde a invenção da TV – no Brasil, e
possivelmente no mundo, superando mesmo o caso de O.J. Simpson,
celebridade da TV americana acusada de assassinar a própria mulher. Três
vezes por semana, sempre a partir das duas da tarde, suas sessões eram
transmitidas ao vivo e na íntegra, pela TV Justiça, do Poder Judiciário, e
pela Globo News (LEITE, 2013, p. 11).
Considerações finais
REFERÊNCIAS
CÂMARA, Juliana de Azevedo Santa Rosa. Sistema penal e mídia: breves linhas
sobre uma relação conflituosa. Evocati, Aracajú, n. 70, 3 mar. 2011. Disponível em:
http://www.evocati.com.br/evocati/interna.wsp?
tmp_page=interna&tmp_codigo=497&tmp_secao=16&tmp_topico=direitopenal&wi.re
direct=L8G9G33P41RV44OM032V. Acesso em: 2 jun. 2019.
CARVALHO, Luiz Maklouf. O Supremo, quosque tandem? Piauí, São Paulo, ed. 48,
set. 2010. Questões jurídicas. Disponível em: https://piaui.folha.uol.com.br/materia/o-
supremo-quousque-tandem. Acesso em: 20 jul. 2019.
CHAUÍ, Marilena. Simulacro e poder: uma análise da mídia. São Paulo: Fundação
Perseu Abramo, 2010.
FONTE, Felipe de Melo. Votos do STF são cada vez mais para o grande público.
Consultor Jurídico, São Paulo, 20 maio 2013. Disponível em:
https://www.conjur.com.br/2013-mai-20/felipe-fonte-votos-stf-sao-dirigidos-cada-vez-
grande-publico. Acesso em: 17 jun. 2019.
GARAPON, Antoine. Bem julgar: ensaio sobre o ritual judiciário. Lisboa: Instituto
Piaget, 1997.
HIRSCHL, Ran. Towards juristocracy: the origins and consequences of the new
constitucionalism. Cambridge: Harvard University Press, 2004.
LEITE, Paulo M. A outra história do Mensalão. São Paulo: Geração Editorial, 2013.
LIPOVETSKY, Gilles; SERROY, Jean. A estetização do mundo: viver na era do
capitalismo artista. São Paulo: Companhia das Letras, 2015.
WOLTON, Dominique. Elogio do grande público: uma teoria crítica da televisão. São
Paulo: Ática, 1996.