Tendo em vista a questão da abjeção em relação ao corpo velho homoerótico,
intentamos, neste trabalho, problematizar o lugar periférico ocupado por personagens
homossexuais em processo de envelhecimento. Ancorando-se em aportes teóricos dos estudos literários e culturais, analisamos o conto “O inimigo comum”, presente na coletânea “Os solteirões” (1975), de Gasparino Damata e um recorte do romance “A céu aberto” (2008), de João Gilberto Noll. As análises empreendidas acerca da velhice gay evidenciaram que os personagens, sob o peso da abjeção, estabelecem relações ancoradas em intercambialidadades - seja numa configuração paterna sociossexual, seja na monetarização de enlaces sexuais (prostituição).
Convém sublinharmos que os estudos homoculturais enfatizam pontos comuns
no processo de envelhecimento dos sujeitos homossexuais: a transitoriedade das relações afetivas entre gays, o afastamento da família de origem e a adesão a estilos de vida no âmbito da identidade sexual, calcados no hedonismo “[...]alimentam os pressupostos da vitimização subjetiva e do destino solitário para o gay velho. Tal aspecto, acompanhado pelo ressentimento de que, para os gays, o imperativo da felicidade na maturidade se revele torpe e cruel, por pressupor um estado de plenitude estética, pode se caracterizar em certo isolamento” (MOTA, 2014, p. 59).
Em consonância a isso, de acordo com Alves (2014), de modo geral, as
pesquisas que articulam velhice e homossexualidade assinalam orientações ambivalentes: “ao mesmo tempo em que se verifica certo rechaço da presença das marcas da velhice no corpo homossexual masculino, também é possível observar uma reconfiguração das relações sociais e sexuais nessa fase da vida (ALVES, 2014, p. 10). Esse pensamento é acentuado criticamente por Eribon apud Pocahy (2012, p. 131) ao enfatizar que “o culto da juventude parece ser um dos traços mais constantes da cultura gay (sem dúvida isso é menos verdadeiro na cultura lésbica)...O que seguidamente nos dá a impressão ao ler revistas gays é que somente os jovens belos podem ser homossexuais”. Literariamente, serve-nos de exemplo da representação do desejo e experiência de ser jovem ad infinitum a obra “O retrato de Dorian Gray” (1890), do escritor homossexual Oscar Wilde. Em suma, o protagonista da narrativa estabelece um pacto com “forças obscuras”, e em troca enseja obter a juventude eterna, passando-se a transferir para uma pintura que retrata sua beleza, todos os malefícios como o decadente, o envelhecido. Para os gays, conforme literatura, a sua socialibidade aparece ancorada na hipervalorização da estética jovem, aliado-se aos signos do consumismo, individualismo e sucesso atingidos pelo quantitativo de conquista sexuais casuais (WEEKS apud MOTA, 2014, p. 59). Ao longo do século XX deu-se curso com contornos bastante acentuados em sociedades ocidentais a superestimação do ideal de juventude e seus efeitos simbólicos utopicamente vislumbrados na eterna vitalidade, beleza e de felicidade.