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RESUMO
Neste capítulo, analisaremos performances de gênero de personagens masculinos que
intercambiam favorecimentos e/ou vantagens financeiras por sexo configurando novos
arranjos relacionais na obra Os solteirões (1975), de Gasparino Damata.
Introdução
Este trabalho encontra-se “num entrelugar epistemológico” (SOUZA JÚNIOR, 2007,
p. 120) enquanto crítica literária em cruzamento aos Estudos Culturais. À luz disso, segundo
Silva e Fernandes (2011, p. 134) “Essa episteme nasce da emergência de tantos sujeitos nas
complexo universo da sexualidade, termo de uso recente na cultura Ocidental para denominar
resistências encadeiam-se uns com os outros, segundo algumas grandes estratégias de saber e
perspectiva de sexualidade proposta por Giddens (1993, p. 10) que a concebe como “uma
1
[ ] Prof. de Literatura Brasileira no Colégio Estadual Flaviano Dantas do Nascimento. Mestre em
Letras (PROFLETRAS) pela Universidade Federal de Sergipe.
elaboração social”, bem como assinala a respeito da emergência de uma “sexualidade
por homens, que em sua performatividade de gênero veem-se numa encruzilhada por conflitos
de orientação sexual, tendo em vista disponibilizarem seus corpos para intercâmbios a outros
homens, conforme análise do corpus, por meio das narrativas A desforra e O voluntário.
afirmativos gay no Brasil. Convém assinalar que Gasparino Damata atuou como jornalista
apenas pela própria relação, “pelo que pode ser derivado por cada pessoa da manutenção de
uma associação com outra”, e que só continua enquanto ambas as partes considerarem que
amálgama de sexualidade, amor e erotismo, também converge para uma diferenciação entre o
exclusividade sexual:
O amor confluente é um amor ativo, contingente, e por isso entra em choque com as
categorias ‘para sempre’ e ‘único’ da ideia de amor romântico[...]o amor confluente
pela primeira vez introduz a ars erotica no cerne do relacionamento conjugal e
transforma a realização do prazer sexual recíproco em um elemento-chave na
manutenção ou dissolução do relacionamento (GIDDENS, 1993, p. 72-74, grifo do
autor).
como aquele em uma das partes (locador) se obriga a ceder à outra (locatário), por um
determinado tempo, o uso e gozo de coisas não fungíveis, mediante retribuição. Podemos
transpor esse conceito para o contexto das práticas sexuais configuradas pelo/no mercado da
serviços ocorre mediante negociação, numa espécie de contrato informal entre o locador,
sujeito que se prostitui, oferta seu corpo, objeto de consumo, para aluguel temporário ao outro
(cliente) que efetiva o pagamento pelo uso do corpo, satisfação de fantasias e desejos sexuais.
Em tal transação que culmina com o ato sexual, há o relevante aspecto monetário
conforme acerto do preço em face de cada uma das práticas, por exemplo, felação, cunete,
ejaculação, beijo, etc., ou pelo conjunto delas. Decorre disso uma multiplicidade de arranjos
de gênero-erotismo por parte dos clientes criando um contexto mais amplo, “que pede, do
outro lado, homens negociando outras práticas que não apenas aquela inferida por alguém
menos afeito à dinâmica do campo pela performance pública dos boys de programa”
eróticas. As posições assumidas, disseminadas como “ativo”, “passivo”, “100% ativo”, “ativo
“Claramente, essa maneira de pensar as trocas de desejo marcadas pelo gênero permite uma
complexidade muito maior, pois a interação entre masculino e feminino, pode constituir uma
contensão permanentes, levadas por vezes ao absurdo, que impõe a todo homem o dever de
Isso posto, Souza Neto (2009) salienta que para muitos prostitutos ser “ativo” não
como impensável e inominável” (BUTLER, 2016, p. 126). Sem perdemos de horizonte o fato
transitoriedade flexibilidade exigida as performances sexuais durante o coito, sem com isso,
interferir ou ameaçar sua própria identidade” (SOUZA NETO, 2009, p. 68). Considerando
2 Toy boy no mercado do sexo e conjugalidades entre militares: ‘Fazer papel de mulher’
No conto A desforra o personagem de meia idade, Ferreira, dentista, amante das artes
plásticas com poder aquisitivo considerável e uma rede de amigos da alta sociedade carioca,
morenos, sustentando-os em sua residência. Ele não sente pudor por estabelecer sempre
relações calcadas no contexto da prostituição. Para ele, ‘todo garoto tinha um preço’:
significa uma espécie de ‘enclausuramento’, bem como impedimento ao estilo de vida errante,
Sua vida com Ferreira, nos primeiros meses, se por um lado foi um mar-de-rosas –
pois o dentista o cobria de presentes, levava-o a jantar em restaurantes caros, ao
teatro e a bons cinemas -, por outro lado tornou-se em pouco tempo, rotineira,
sufocante, por vezes intolerável, verdadeira prisão de luxo [...]Sem ter o que fazer,
distraía-se lendo Grande Hotel e livrinhos de sacanagem...deitado no sumiê da
saleta, exibindo as belas coxas lisas e bem torneadas, o sexo volumoso, como um
bicho de estimação preso em casa para não sair à rua e não se misturar com outros,
da raça inferior [...]Ferreira e os três parceiros jogavam até altas horas da noite,
deixando-o de lado, sem se preocupar, como se ele fosse um embrulho que a pessoa
deixa num canto e que depois volta para apanhar, certa de que ninguém tocou ou
levou para casa (DAMATA, 1975, p. 113-134, grifos nossos).
toy boy – expressão inglesa de uso contemporâneo em referência a homens geralmente muito
jovens e considerados atraentes pela beleza física, os quais atualizam a figura do gigolô, posto
que seu mantenedor ao possuir poder monetário elevado os tratam como ‘brinquedo’
moldável aos seus desejos/fantasias quase unilaterais, além de compor uma parceria ‘feliz’
perante à vida social. É pertinente enfatizar que no âmbito da prostituição masculina, esta se
caracteriza por ofertar o corpo do homem que se prostitui como moeda de troca. “Importante
destacar isso, porque implica desfazer uma comum associação entre a venda de favores
Os toys boys financiados por Ferreira, além de terem a tez mulata e muitos jovens,
deveriam, também, atender às suas preferências de performance sexual, o garoto passivo e ele
No caso do jovem michê Laércio, apesar de ser passivo nas interações sexuais com
Ferreira, tal performance não é bem equacionada por ele que sente o peso da
conforme pensa consigo após discussão com a ex-namorada por quem ele abandona Ferreira,
que em meio a um diálogo de intensa briga insinua feminização do jovem michê diante do
este possesso com ele após ter sido permutado por uma mulher, Laércio revela a necessidade
sexual dele:
Mas sou homem, sou macho, e quem quiser que acredite, só me meti com veado
uma vez, e assim mesmo porque estava numa merda fodida. O que eu gosto mesmo,
meu irmão, é de mulher, de uma boceta, morou [...]Porra! Estou ficando
maluco[...]já não sei mais o que porra sou. Se sou homem ou se sou veado, ou o que
porra sou (DAMATA, 1975, p. 154, grifo nosso).
Esse conflito do personagem nos remete ao que Giddens (1993, p. 70) lança como
questão contemporânea de que “Pelo menos na cultura ocidental, a época atual é o primeiro
período em que os homens estão descobrindo que eles próprios são homens, ou seja, possuem
Para o personagem Laércio, cujo “modo falsamente viril de garoto que só fala em
mulher mas toma dentro como vaca nova” (DAMATA, 1975, p. 149), segundo Ferreira - um
sujeito reconhecido como “homem de verdade”, ter sua performance avaliada como feminina
implica perda do capital erótico. “É possível que a intensa preocupação que os homens
volátil capital erótico que é associado à masculinidade nesse contexto” (OLIVEIRA, 2010, p.
255).
No conto O voluntário que se passa centralmente em um Corpo de Fuzileiros Navais,
após algum tempo na corporação e assédios precedentes, o recruta Ivo procura o sargento
proteção no propósito de conseguir um emprego através do sargento. Tal pedido lança os dois
para o momento de intercambiarem suas moedas de troca. Um com a utilização de seu poder
para angariar com seus superiores um emprego e o outro oferecendo seu corpo durante uma
noite de sexo. Vejamos uma fala do diálogo entre entres eles “Se você quiser se encontrar
comigo logo mais à noite...Já tenho uma resposta certa sobre seu emprego” (DAMATA, p.
93).
Sob efeitos etílicos em um bar, o recruta Ivo negocia o posterior ato sexual com
Leocádio dando ênfase à proscrição do sexo anal, tendo em vista ter conhecimento das
preferências de seu parceiro como ativo. Observemos uma passagem da interlocução deles:
“Só não topa o quê, porra? Fazer papel de mulher, sargento” (p. 98). Diante disso,
depreendemos que:
o gênero pesa nas trocas sexuais – na mesma medida, talvez em que as trocas
sexuais sedimentam a materialidade do gênero. A performance de gênero pode
agregar prestígio e valor erótico aos agentes sociais [...]As trocas eróticas, por sua
vez são elas próprias gestos generificados que comparecem na constituição da
subjetividade e corporalidade do sujeito (OLIVEIRA, 2010, p. 250).
sargento, o senhor sabe...Uma sacanagem de homem para homem; abraçar, beijar na boca,
fazer punheta um no outro” (DAMATA, 1975, p. 99). Mais à frente os limites impostos: “Nas
coxas eu deixo, não pega nada...Por trás não, sargento; não dá pé. Só pela frente” (p. 99). Esse
diálogo é elucidativo, pois, segundo Butler (2016, p. 127) “Algumas partes do corpo tornam-
[...]se estirou de pernas abertas e ficou aguardando que ele viesse e consumasse o
ato na maneira pré-combinada; os braços em forma de cruz cobriam-lhe os olhos e
parte do rosto bronzeado, lavado de suor, numa espécie de defesa contra a claridade,
que de resto era quase nenhuma, mas podia estar também querendo esconder a
vergonha que sentia por concordar em uma situação tão humilhante, contrária à sua
natureza. Sem se cansar de contemplar aquele corpo jovem e sadio que desejara com
loucura, Leocádio curvou-se sobre os joelhos, apoiado nos braços fortes, vigorosos,
que tremiam; e beijou delicadamente a penugem dourada do peito e os mamilos
rosados de Ivo, que não se mexia. Em seguida desceu os lábios até o umbigo, onde o
calção de banho deixara a marca, e os flancos alvos; depois colocou o sexo
enlouquecido entre as duas coxas roliças e glabras que tinha à sua frente
(DAMATA, 1975, p. 101-102).
Após esse episódio, os dois passam a morar juntos sob compromisso mútuo de
uma mulher. Contudo, é descoberto pelo parceiro mais velho que se enfurece, inclusive,
agredindo-o fisicamente. No momento de briga após chegar tarde da noite em casa, Ivo
revela: “Foram dizer para ela que eu vivia amigado com o senhor, era seu garoto. Servia de
Diante disso, Ivo sai de casa com juramento de não se envolver mais com nenhum
flutuação por categorias sexuais diferentes que dependem do contexto e momento em que se
p. 12).
Considerações finais
As discussões empreendidas indicam o desprestígio da feminização como ponto
denota um ser substantivo, mas um ponto relativo de convergência entre conjuntos específicos
fabulados nos dois contos analisados. Temos personagens masculinos que protagonizam
novos arranjos relacionais homoeróticos sob intercâmbios, cuja moeda de troca preeminente
são corpos negociados por meio dos quais forjam-se performances de gênero que reproduzem
aceitação do penetração anal entre os personagens analisados. Posto que deixar-se penetrar
personagens objeto desse estudo, que em suma alimentam uma vida dupla sem assunção de
orientação sexual mais explícita, ao contrário, não há cogitação nem mesmo de uma possível
bissexualidade.
Referências
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