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Negócio familiar?

Uma análise sociológica da venda de prazer sexual

na casa de Loba

Anteprojeto de pesquisa para a seleção de mestrado no Programa de Pós-graduação em


Sociologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul

Juliana Oliveira Delgado da Silva

Linha de pesquisa: Trabalho e Sociedade

Possível professora orientadora: Thays Wolfarth Mossi

Porto Alegre, setembro de 2021.


TEMA

Um tanto arriscado, contudo, necessário. O tema para a presente proposta de


pesquisa é o mercado do sexo localizado no espaço doméstico, no bairro Menino Deus,
em Porto Alegre, e a análise de alguns atores, em diferentes posições.

O risco atribuído à temática fundamenta-se naquilo que Pierre Bourdieu cunhou


de “poder simbólico” (BOURDIEU,1998). Didaticamente é lidar com um mercado
atravessado por marcas de diversas questões, a começar pela problemática da venda de
prazer sexual, em especial quando a mesma é realizada fora dos padrões normativos
que, supostamente, regeriam tal prática.

Conforme Anthony Giddens, as relações de poder, a moralidade e a criação de


significados, configuram as modalidades de reprodução das estruturas, e assim, se
materializam (GIDDENS,1996). Nesse sentido, o campo a ser analisado, a saber: o
comércio de sexo no ambiente familiar, se por um lado remete à desumanização, por
outro, instiga conhece-lo.

Com efeito, a historiadora Sílvia Federici, situa o movimento de massificação da


prostituição, vista aqui como um tipo de trabalho sexual que compõe o mercado do
sexo, entre tantos, na transição do período feudal para o sistema capitalista, quando uma
nova ordem moral se instaura a partir dos padrões da elite burguesa em ascensão.
Destituídas da subsistência rural, as mulheres da época, em uma ação que ainda se
reproduz, utilizam o corpo trabalhador como moeda de troca nas relações capitalistas
que estão se estabelecendo (FEDERICI,2017).

Entretanto, esse é um movimento que subverte a ordem do controle social


vigente na consolidação da modernidade, e os mecanismos de regulação são acionados.
Segundo a teórica, naturaliza-se o trabalho doméstico, assim como o sexual e
reprodutivo, transformando o corpo proletarizado em máquina de trabalho. Às mulheres
é instituído o lugar do lar e dos cuidados para a sagrada família.

Em que pese as instituições modernas agindo, o que temos visto é que o sexo
comercial deu lugar à uma verdadeira indústria. Cabe ressaltar que por “mercado do
sexo” compreende-se uma diversidade de serviços sexuais, e as gramáticas sociais,
moedas e tipos de transações são tão distintas, que chegam, cada uma delas, a constituir
mercados diferenciados e singulares. Prostituição, striptease, produções pornográficas e
busca de apoio econômico por parte de pessoas de camadas populares, marcada pela
mercantilização da sexualidade e sensualidade, são alguns, entre outros, da
multiplicidade de práticas do mercado do sexo que operam horizontes normativos e
regras sociais diferentes.

Nesse trabalho, mercado do sexo abrange a massagista “Loba” e prostitutas de


rua. O foco da pesquisa é como se relacionam o mercado sexual, a moralidade e
repertório cultural, nas falas de agentes situados em espaços tomados como esferas
distintas e assentadas em lógicas opostas: a prostituição e a família. O “amor
romântico”, matriz discursiva identificada por GIDDENS(2003), apreende o casamento,
e por extensão a vida familiar, como estando fora das relações mercantis, e na análise da
vida econômica, a problematização dessa construção, em linguagem bourdiesiana é
identificada como “princípio da di-visão de mundo”(BOURDIEU,1998). Logo, como
se organizam as famílias onde a fonte de remuneração é o trabalho sexual? E no caso de
Loba, que comercializa sexo em casa?

OBJETIVO ESPECÍFICO

Tendo como pano de fundo a Pandemia COVID 19 e com fins introdutórios, a


presente pesquisa pretende focar no cotidiano da família de uma massagista com mais
de 30 anos no comércio de sexo, 40 anos de casada e 66 anos de idade, e buscar
elementos para uma inicial análise sociológica sobre o mercado de serviços sexuais e a
organização das famílias, com vistas a um arcabouço teórico-conceitual e metodológico
que permita escrutinar o campo a ser analisado, inicialmente estudando os conceitos de
habitus e campo, de Pierre Bourdieu, e a teoria da estruturação de Anthonny Giddens.

Assim sendo, interessa pensar nesse momento quais valores estão em jogo no
processo de legitimação, significação e dominação na conservação ou subversão das
estruturas presentes no estudo e possíveis de serem captadas tanto nos termos de Pierre
Bourdieu e Anthony Giddens, localizadas em tempo e espaço determinados, assim
como as práticas que tem sido realizadas cotidianamente nesse campo e como são
experenciadas pela massagista Loba e seus familiares, visando as diferenças
materializadas em tempo e espaço delimitados, a fim de ilustrar como estereótipos que
prevalecem nos discursos mais recorrentes sobre o mercado do sexo em nada contribui
para o avanço do conhecimento sobre a sociedade e os fenômenos sociais, assim como
desafiar perspectivas atrás de uma compreensão mais abrangente dos fenômenos
pesquisados, trazendo exemplos desestabilizadores de crenças enraízadas nos
mecanismos de reprodução social e padrões reproduzidos através das regras instituídas.

OBJETIVO GERAL

Ao longo da construção desse projeto, verificou-se na convivência com atores


atuantes no mercado do sexo, rico material nas falas e acontecimentos protagonizados
por esses agentes habituados com o comércio de sexo e a riqueza deste material está na
fonte privilegiada que é o mercado do sexo para conhecermos a nós mesmos e nos
estruturarmos, e assim agirmos sobre a estrutura, num movimento que é explorado por
Pierre Bourdieu e Anthony Giddens em seus respectivos constructos teóricos.

Desse modo, quando um cliente de prostituição nos relata em conversa


informal através de vídeo chamada pelo watszap no apartamento de Loba, que: “...sexo
com vontade, mesmo que pago, é onde entra a imaginação e achar que tudo é real...a
garota de programa que entende isso tem o cliente pra sempre” e, nesse sentido,
encontramos na fala de Carmem Lúcia Paz, sócio-fundadora da ONG NEP (Núcleo de
Estudos da Prostituição), em entrevista televisiva para canal local (Conexão RS –
ULBRA TV, exibição em 18-03-2015), a natureza do serviço sexual, quando a mesma
responde sobre o que o cliente procura: “ - ... O cliente não busca gozar. Ele busca uma
fantasia, e quem ele procura para realizar essa fantasia é a prostituta...uma outra mulher
até pode realizar, mas é a prostituta quem faz isso.”, torna-se objetivo da pesquisa, tb,
observar demanda, oferta e discursos que operam na luta simbólica pela posição de
poder nos campos que os atores em questão se movimentam, trazendo novos e
atualizados olhares sobre o mercado do sexo. É o caso quando Loba nos revela em,
também conversa informal, que “...o “watszap” veio pra f#d!r com a gente!” Se por um
lado acreditasse que o aplicativo é um progresso para o desenvolvimento das vendas
sexuais, por outro, as mais antigas garantem que a matéria-prima é a sedução, e o
mistério, a arte da conquista, perde espaço para uma movimentação automatizada e
cansativa.
Sendo assim, é objetivo da pesquisa investigar aspectos cruciais que atravessam
esse estudo, como gênero, sexualidade, etarismo, repertório cultural, trabalho,
reconhecimento e padrões normativos.

Outro aspecto que este estudo pretende abordar para ampliar o estudo, articulado
com o objetivo principal de compreender estrutura/agência no campo estipulado, são
ações econômicas que trabalhadoras sexuais tem apresentado.

Tendo em vista o reconhecimento que os autores supracitados alcançaram,


objetiva-se, também, visualizar nas categorias conceituais que atravessam o estudo, as
dimensões do “poder simbólico” e como o mesmo pode ser aplicado nos estudos sobre a
estruturação do mercado do sexo.

Também é objeto de observação e reflexão a dinâmica de determinados sites de


acompanhantes como “Fatal Model”, “Skokka” e “Photoacompanhantes” como
indicadores de possíveis estruturas e/ou agentes para a reflexão estrutura/agência que é
o marco teórico desta pesquisa.

METODOLOGIA

Observando uma forma estruturalmente didática, o método que deverá ser


aplicado na presente proposta de pesquisa é a observação participante. A observação
participante é uma técnica de investigação social em que o observador partilha, na
medida em que as circunstâncias o permitam, as atividades, as ocasiões, os interesses e
os afetos de um grupo de pessoas ou de uma comunidade (ANGUERA, 1978). É, no
fundo, uma técnica composta, na medida em que o observador não só observa como
também tem de se socorrer de técnicas de entrevista com graus de formalidade
diferentes. O objetivo principal que subjaz à utilização desta técnica é a captação das
significações e das experiências subjetivas dos próprios intervenientes no processo de
interação social (ANGUERA, 1985).

No ano de 2017 conheci a ONG NEP, na época localizada na Galeria Malcon,


centro da cidade de Porto Alegre, e comecei um trabalho voluntário. Por circunstâncias
contextuais daquele momento, cessei meu trabalho, contudo, estando até o momento
atenta às questões que envolvem e remetem à prostituição. Devido a esse interesse
permanente, há um ano voltei para o NEP, novamente como voluntária. Todas às terças-
feiras pela manhã estou na sede da ONG que hoje fica na rua Uruguai, centro, Porto
Alegre, participando das rotinas da instituição onde, em 2018, através do NEP, conheci
“Loba” quando a mesma foi se abastecer de preservativos.

Até o momento houve uma aproximação preliminar do local onde Loba reside e
trabalha e há garantia de acesso para a realização do campo de pesquisa.

Para complementar a análise serão realizadas entrevistas de ordem qualitativa


para coleta de dados com profissionais do sexo sócio-fundadoras da ONG NEP, e de
acordo com Bourdieu(1999), o sociólogo deve fazer às vezes do parteiro, na maneira
como ele ajuda o pesquisado a dar seu depoimento, deixar o pesquisado se livrar de suas
verdades. Assim como esse autor, considera-se que a entrevista é um exercício
espiritual, é uma forma do pesquisador acolher os problemas do pesquisado como se
fossem seus.

Ainda, será realizada revisão literária/bibliográfica para levantamento conceitual


das categorias teóricas que serão usadas como base de análise ao estudo de campo.

REFERENCIAL TEÓRICO

Com efeito, Pierre Bourdieu e Anthony Giddens, estabelecem uma perspectiva


relacional à antinomia estrutura/agência em uma apresentação dinâmica da ação social,
em permanente processo de estruturação e reestruturação vislumbrada nessa tensa
relação dual expressa nos processos de transformação social.

Tendo em vista a análise social para compreender o comportamento social dos


indivíduos, esses dois autores se voltam para o mecanismo de reprodução das estruturas
sociais.

Para Bourdieu (1998) a vida social é estruturada e estruturante, numa relação


dialética entre o habitus – estruturas mentais cognitivas elaboradas para guiar-se pelo
mundo social – e o campo – rede de relações entre posições objetivas. Nesse sentido,
habitus é um conceito operacional que norteia a análise do conjunto de valores,
representações e crenças incorporadas pelos indivíduos ao longo de suas trajetórias
pessoais, pois pressupõe que o mesmo atua como matriz estruturante das percepções,
apreciações e ações dos atores sociais, tendo o campo como base. Para esse autor, o
agente identifica as regras do jogo social, as respeita e age estrategicamente a partir da
compreensão das posições no campo, é um agente com potencial para modificar as
regras do jogo, em maior ou menor grau.

Para Giddens (1989), a estrutura está conecta à prática dos indivíduos que agem
amparados no elemento significativo estrutural, dotado de legitimidade pela própria
adoção das normas que regem as ações. O constrangimento cultural, em relação a
agentes situados na estrutura, deriva do caráter objetivo das propriedades estruturais, ou
seja, é aquele que provém da contextualidade da ação e não pode ser modificado pelo
agente individual.

Desse autor, nesse primeiro momento, destaca-se o pensamento do mesmo sobre


a vida social dos agentes ser articulada pelas respectivas escolhas e que essas recaem na
elaboração de suas identidades e política de vida. “Uma vez que a política de vida é
individual e coletiva, remete aos desafios da humanidade como um todo, mas depende
das tomadas de posições como um todo. Desta feita, a reflexividade social atual impõe
aos indivíduos atuais a necessidade de se fazer escolhas, tomar decisões.” (GIDDENS,
1996).

JUSTIFICATIVA PARA LINHA DE PESQUISA

Após tomar conhecimento do grupo de pesquisa “Sociedade, Trabalho e


Economia” nada mais oportuno para propor o início da oficialização dos estudos sobre
trabalho sexual e famílias, com fim de torna-los estudos científicos.

Sobre a professora Thays Wolfarth Mossi, docente deste PPG, observa-se que a
mesma tem estudado as temáticas trabalho, justiça, moral, reconhecimento,
envelhecimento, padrões estéticos e sindicatos. São fenômenos que ao longo da
pesquisa aparecerão como questões por vezes problemáticas e demonstram
convergência com as pesquisas da docente.

Sendo assim, a adesão ao grupo de pesquisa, se inédita enquanto tema e


trabalho, tem aderência teórica extremamente pertinente ao que é desenvolvido nesse
programa de Pós-graduação e a inserção desta proposta se mostra uma via contributiva
de mão-dupla.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CITADAS

ANGUERA, Maria Teresa. Metodología de la observación em ciencias


humanas. Sot, 1978.

BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1998.

BOURDIEU, Pierre. A dominação masculina. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil,


1998.

BOURDIEU, Pierre. A miséria do mundo. Petrópolis: Vozes, 1999.

FEDERICI, Silvia. O calibã e a bruxa. Mulheres, corpo e acumulação


primitiva. Tradução de Coletivo Sycorax. São Paulo: Elefante, 2017.

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