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Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação

XXXIX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – São Paulo - SP – 05 a 09/09/2016

Jornalismo de Dados na TV: uma Análise da Cobertura do Panamá Papers na BBC e


na Rede TV1

Fabiana FREITAS2
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS

Resumo

Neste artigo, propomos apontar as estratégias audiovisuais utilizadas nas reportagens


produzidas na TV a partir de apurações em bancos de dados. Nossos objetos de análise são
os programas especiais da BBC3 e da Rede TV sobre a investigação do caso Panamá
Papers, que vão ser observados a partir do Protocolo de Análise de Cobertura Jornalística.
Com base nos pressupostos teóricos e nas marcas e padrões verificados ao final do estudo,
nosso objetivo é trazer referências para o debate sobre a influência dos dados na
estruturação da narrativa e um olhar técnico para essa que nos parece ser a linguagem
televisual dos bancos de dados.

Palavras-chave: jornalismo; dados; TV; Panamá; Papers.

1. Introdução

Partindo de um olhar técnico, o presente trabalho pretende descrever as estratégias


audiovisuais observadas nas coberturas televisivas do caso Panamá Papers, investigação
jornalística que contou com a participação de jornalistas de 80 países4. A data inicial de
veiculação das notícias em todo o mundo, em 3 de abril de 2016, foi proposta pelo
Consórcio Internacional de Jornalismo Investigativo (ICIJ), com sede em Washington, nos
Estados Unidos, que coordenou os trabalhos. Todo o processo de apuração foi feito através
de uma plataforma on-line e de acesso restrito para os profissionais autorizados. Lá, foram

1
Trabalho apresentado no GP Telejornalismo do XVI Encontro dos Grupos de Pesquisa em Comunicação, evento
componente do XXXIX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação.
2
Mestranda em Comunicação no Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Informação da Universidade Federal do
Rio Grande do Sul – PPGCOM/UFRGS, e-mail: frrfreitas@hotmail.com
3
British Broadcasting Corporation

4
Mais detalhes sobre o vazamento ver no site do ICIJ. Acesso em 14/07/2016. Disponível em
https://panamapapers.icij.org/about.html.

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reunidos os documentos sigilosos que vazaram do servidor do conglomerado Mossack


Fonseca, no Panamá, dando aos repórteres a chance de consultar os registros num banco de
dados com cerca de 11 milhões de arquivos5.
Nosso objetivo, primeiramente, é observar as estratégias audiovisuais utilizadas
pelas equipes para explicar o caso na TV, transformando as informações dos bancos de
dados em narrativas. Tais resultados podem servir de referência para uma proposta de
sistematização dessa que nos parece ser a linguagem televisual dos bancos de dados.
Propomos esse olhar com base no entendimento de Emerim (2011), que defende que
os mecanismos de expressão na produção televisiva advêm, muitas vezes, do meio técnico
de produção.

Existe uma íntima relação entre as linguagens e os meios técnicos,


determinada pelos estreitos vínculos que se estabelecem entre eles e que,
inegavelmente, interferem na execução e no desenvolvimento dos produtos.
Por linguagem televisual, se compreende tudo aquilo que se refere aos
termos técnicos ou culturais que possam estabelecer uma gramática de
ações ou usos em televisão, sendo, por exemplo, os planos, as mudanças de
velocidade, a iluminação, a edição, os enquadramentos, as regras
produtivas, etc. (EMERIM, 2011, p.42).

Isso vai de encontro ao que sugere Porcello (2015), ao propor que seja criada uma
metodologia específica para as análises de conteúdos telejornalísticos. Esse é o propósito
defendido pela Rede de Pesquisadores em Telejornalismo (TELEJOR), que vem propondo
olhares e visões que permitam uma análise metodológica mais precisa sobre os estudos em
telejornalismo por conta das narrativas em sua natureza audiovisual -- dinâmica e móvel.
Nesse cenário de intensa mutação, Duarte (2004) acredita “que cada avanço dos
meios técnicos provoca uma re-acomodação da gramática televisiva, que vem se
apropriando ao mesmo passo da gramática fílmica, videográfica ou multimídia, e vice-
versa, construindo textos cada vez mais híbridos”. A autora também crê que esses processos
de apropriação se refletem em mecanismos retóricos e que o texto televisivo está cada vez
mais híbrido.
Nessa combinação de saberes, trazemos a visão de Träsel (2014) sobre os objetivos
do chamado Jornalismo Guiado por Dados (JGD).

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Panamá Papers em números. Disponível em https://panamapapers.icij.org/blog/20160403-key-findings.html

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O JGD tem por objetivo a produção, tratamento e cruzamento de grandes


quantidades de dados, de modo a permitir maior eficiência na recuperação
das informações, na apuração das reportagens a partir de um conjunto de
dados, na distribuição em diferentes plataformas (computadores pessoais,
smartphones, tablets) na geração de visualizações e infografias. (TRÄSEL,
2014, p.108)

O autor afirma, ainda, que a aplicação da computação e dos saberes de diversas


ciências na interpretação dos dados tem como objetivo ampliar a função da imprensa como
defensora do interesse público.

2. Análise de Cobertura

Este artigo propõe, portanto, o estudo das reportagens especiais sobre o caso
Panamá Papers da BBC e da Rede TV. Para tal, utilizaremos como metodologia o
Protocolo de Análise de Cobertura Jornalística proposto por Gislene Silva e Flávia Dourado
Maia6.
O método se destina, segundo Silva e Maia (2011), a “realizar uma primeira
varredura dos traços mais à superfície do produto jornalístico, partindo do pressuposto de
que o processo de produção não desaparece no produto, nele deixado suas marcas e
dinâmicas”.
Delimitaremos nossa verificação aos caminhos percorridos pelo jornalista durante a
construção da notícia, focando ao que é perceptível no produto que foi ao ar, sem entrar, por
ora, nas temáticas que competem aos estudos das rotinas de produção. Ao fazer esse
recorte, compartilhamos com as autoras do Protocolo o pensamento de que nem todos os
aspectos implicados no processo produtivo podem ser acessados através do produto.
Ao sistematizar a observação, nosso objetivo neste trabalho é verificar padrões e
listar recursos audiovisuais que ajudam a contar as estórias com base em documentos e
cruzamentos de informações em bancos de dados na TV. A perspectiva de que os editores
de TV se valem de estratégias para produzir sentidos é defendida por Cabral (2012), que
pesquisou as rotinas de produção com foco nos recursos gráficos.

Tanto as imagens criadas quanto as manipuladas foram usadas


como estratégias para mostrar os fatos e produzir sentidos nas
notícias. O que caracteriza essa produção, além do fato em si, é o
processo de investigação jornalística e a oferta de imagens (de

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Apesar de o método ter sido apresentando numa análise referente ao jornalismo impresso, pode ser, segundo as autoras,
adaptável para a cobertura televisiva.

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qualquer origem) para a construção da verdade jornalística no


processo de edição do telejornalismo no contexto contemporâneo.
(CABRAL, 2012, p.165)

Partindo de um olhar construtivista7, nos aliamos à posição da autora, que defende


que esses processos técnicos ajudam a construir o que ela chama de Realidade Expandida,
dando “um sentido mais verossímil e inteligível às notícias”. Por isso, pretendemos fazer
esta análise compartilhando da ideia de que essa é uma forma de organizar o mundo dos
fatos em narrativa. Servirá como base para este estudo, também, as nomenclaturas e termos
usados para se referir aos recursos gráfico-visuais definidos pela pesquisadora.
Dessa forma, para explorar o objeto, buscaremos, como orienta o Protocolo, as
marcas das técnicas de apuração e composição das matérias jornalísticas da Rede TV e
BBC, considerando seus procedimentos amplamente citados durante as reportagens focadas
neste artigo.

A eficácia do protocolo metodológico varia em proporção direta à


manifestação do modus operandi no próprio produto analisado. Esse
atrelamento sinaliza, a um só tempo, para uma fragilidade metodológica e
dependência do grau de exposição do processo produtivo no próprio texto.
E para um de suas forças: a propriedade para fomentar debates acerca: (a)
da utilização de procedimentos sistemáticos na apuração das informações e
(b) da explicitação de tais procedimentos segundo as regras da transparência
e da verificação, que servem tanto à pesquisa quanto ao ensino do
jornalismo”. (SILVA, G; MAIA, F.D; apud LEAL, B.S; ANTUNES, E;
VAZ, P.B, 2001, p. 41).

Com essas orientações em mente, optamos por apontar como corpus duas
reportagens com duração de tempo similar, ambas com caráter de matéria especial e
transmitidas em cadeia nacional, tanto o Brasil quanto no Reino Unido.
A reportagem da Rede TV foi transmitida no dia 3 de abril de 2016, domingo, às
22h30, num programa especial chamado “Especial Panamá Papers”, com duração de 25
minutos e 51 segundos. Já no Reino Unido, a reportagem da BBC 8 foi exibida um dia
depois, na segunda-feira, em 4 de abril de 2016, dia da semana em que vai ao ar, na

7
Partindo do conceito trabalhando por Traquina (2004)
8
Vale grifar que os dois veículos destinaram espaços específicos em suas páginas oficiais na internet para reunir todos os
vídeos da cobertura especial sobre a investigação do Panamá Papers, que foi divulgado no mesmo dia em todo o mundo.
Através dos sites, percebe-se que a BBC divulgou no dia 3 de abril, domingo, as principais descobertas em dois vídeos
menores, que tem data de publicação um dia antes do programa Panorama ser exibido na íntegra. Analisamos, portanto,
que tais reportagens podem ser consideradas chamadas do programa em estilo documental a ser exibido um dia depois.
Considera-se, portanto, que as principais descobertas foram divulgadas na mesma data pelos dois veículos de
comunicação: no dia 3 de abril.

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televisão britânica, o programa Panorama9, voltado às reportagens com temáticas


investigativas e de estilo documental. Na página do programa na internet, a reportagem tem
o seguinte título: “Paraísos Fiscais dos Ricos e Poderemos Revelados”10 (tradução nossa),
com duração informada de 30 minutos.
Nesta análise, iremos nos ater com mais profundidade a dois dos três níveis do
protocolo que privilegiam a apuração e a composição do produto, como explicam as
autoras:
O protocolo também permite, ao final, relacionar a influência de forças conjunturais,
as denominadas marcas de contexto. Optamos por não nos aprofundarmos neste nível do
método para não nos alongarmos, mas achamos propício mencionar a importância de lançar
um olhar técnico sobre o fazer telejornalístico no contexto atual do jornalismo,
constantemente em busca de inovação.
Para Ramonet (2012), o jornalismo de especulação, divertimento e espetáculo
triunfam frente à falta de exigência de qualidade na imprensa. O autor acredita que por
conta do fluxo informacional desenfreado da atualidade, o público dará atenção ao diferente
e aos temas que gerem expectativa. Nesse momento, ele cita o jornalismo de banco de
dados como um nicho escolhido por muitos jornalistas na atualidade -- e cita a opinião de
Alain Joannès:

Não se trata nem de um novo tipo de jornalismo, mas simplesmente de uma


pesquisa e de um tratamento da informação com as ferramentas de hoje e
para as audiências atuais, por meio da exploração de números, de
estatísticas e de fundos cartográficos. (JOANNÈS apud RAMONET, 2012,
p. 84).

Para colocar em prática, entretanto, é preciso aprimorar habilidades, como o uso de


técnicas de Reportagem com Auxílio de Computador (RAC), que inclui, segundo Lage
(2001), a busca na internet e a utilização de planilhas de cálculo e bancos de dados. Por
isso, consideramos que o tema é pertinente para ser apresentado e debatido no GP
Telejornalismo do XXXIX Congresso Brasileiro de Ciências de Comunicação (Intercom),
que no presente ano discute “Comunicação e Educação: caminhos integrados para um
mundo em transformação”.

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Também grifamos que não foi possível acessar o programa Panorama através do site oficial da BBC por se tratar de
conteúdo restrito para a internet do Reino Unido, por isso tivemos acesso ao programa através do You Tube. Disponível
em: https://youtu.be/ADFaiKbQS7E
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“Tax Havens of the Rich and Powerful Exposed”

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3. Marcas das coberturas do caso Panamá Papers na Rede TV e na BBC

REDE TV: Especial Panamá Papers Investigação, exibido em 3 de abril de 2016, no


Brasil

Marcas de Apuração

A reportagem foi assinada pelo repórter Mauro Tagliaferri, que participou da


apuração, de acordo com o âncora Augusto Xavier. O apresentador também informa que o
o conteúdo é exclusivo entre as emissoras de televisão brasileiras. No Brasil, o trabalhou
contou com a parceria de jornalistas do portal UOL e do jornal O Estado de São Paulo, que
também divulgaram o material.
O repórter Mauro Tagliaferri ressalta que a apuração foi feita por 300 jornalistas
ligados ao Consórcio Internacional de Jornalismo Investigativo (ICJI), do qual a Rede TV
faz parte. Juntos, eles analisaram documentos secretos da empresa Mossack Fonseca, um
conglomerado do Panamá especializado em vender e operar off-shores, ou seja, empresas
em paraísos fiscais. O repórter esclarece o foco da investigação: as companhias usadas para
burlar a lei.
Além da relação com as descobertas da Operação Lava-Jato, que investiga um
esquema de desvio e lavagem de dinheiro da Petrobrás, o âncora ressalta que os
documentos revelam segredos em várias partes do mundo: o uso de paraísos fiscais por
doze chefes de estado e de governo. Isso sugere que foi preciso fazer cruzamentos de dados
através da apuração também de nomes de advogados, familiares e amigos próximos, já que
negócios ilegais de políticos geralmente são feitos em nome de terceiros. Esse detalhe
denota que a pesquisa foi além do banco de dados do Panamá Papers, o que pressupõe, por
parte dos profissionais, conhecimento e prática de uso de outras ferramentas de verificação.
A seguir, o repórter relata no off que o trabalho durou um ano. Tempo necessário
para vasculhar 11.500.000 documentos, checar 214.488 empresas e fundações criadas
em 21 países nas quatro décadas de atuação da empresa Mossack Fonseca. Aqui no Brasil,
ao cruzar os nomes das pessoas que aparecem nos Panamá Papers com os investigados
pela Operação Lava-Jato, foram descobertos 57 nomes em comum. Pra chegar a essa
resposta, foram analisados cerca de 3 mil documentos.

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Quanto à origem da informação, é informado que jornal alemão Süddeutsche


Zeitung teve acesso aos arquivos e compartilhou com o Consórcio Internacional de
Jornalismo Investigativo (ICJI). No entanto, a reportagem não faz menção à fonte que teve
acesso aos documentos sigilosos da Mossack Fonseca.
Não há indícios de que a equipe de reportagem da Rede TV tenha viajado ao
Panamá ou participado dos encontros presenciais de jornalistas, visto que não há nenhuma
imagem ou passagem do repórter que faça referência à presença dele em tais situações.
Todas as passagens do repórter foram feitas no Brasil, todas no estado de São Paulo. E
todas as imagens das cidades citadas, fachadas de prédios, assim como os registros dos
jornalistas trabalhando recebem crédito de agências ou outras empresas de mídia. Percebe-
se, da mesma forma, que a equipe não gravou pessoalmente com nenhuma pessoa citada
nos documentos, afinal todas as notas oficiais foram lidas no estúdio no final de cada bloco.
No que tangem as entrevistas de: (a) fontes especializadas ou comentadores, são
veiculadas sonoras de duas pessoas: a do presidente do Consórcio Internacional de
Jornalistas Investigativos e a do presidente da REDE TV. Dentre (b) as fontes do poder
público, não há sonoras. As menções ocorrem sempre através de notas e dados oficiais:
como, por exemplo, a Polícia Federal e Justiça Federal.
No que se refere a (c) fontes institucionais, da mesma forma: sempre através de
notas ou documentos obtidos no banco de dados. É o caso do HSBC, e da empresa
Odebrecht. Ao longo de toda a reportagem, observamos que também não aparecem (d)
fontes cidadãs.
Não há marcas, da mesma forma, de dados de segunda mão. Todas as estatísticas e
documentos citam a fonte originadora (Panamá Papers). O resultado do cruzamento feito
durante a apuração com outros bancos de dados sempre vem acompanhado da referência do
órgão competente onde informações da mesma natureza foram encontradas.

Marcas da Composição

Gênero Jornalístico: Reportagem Especial.


Destaque: exibida na programação como programa especial em 3 de abril de 2016, às
22h30, teve duração de 25 minutos e 51 minutos. A estrutura narrativa foi dividida em
blocos temáticos, listados a seguir:

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(a) Bloco 1: detalhes da investigação mundial, nomes de chefes de estado no mundo


(b) Bloco 2: o cruzamento de dados com os resultados da Operação Lava-Jato da Polícia
Federal, o Panamá e a Mossack Fonseca;
(c) Bloco 3: As empreiteiras que a Polícia Federal ainda não conhecia (sugerindo que o
trabalho de apuração traz novas evidências às autoridades);
(d) Bloco 4: empresários brasileiros envolvidos e as doações de campanha. Os
documentos mostram ligação com os desvios na Petrobrás.

Recursos gráfico-visuais: vinheta especial, efeitos de estúdio com o nome do programa


“Especial Panamá Papers Investigação”, infográfico, infoimagem, imagens de arquivo,
imagens de agências de notícias e outras empresas de mídia, fotografias, mapas.

Recursos sonoros11: trilha sonora de ação e suspense, tradução de sonora;

BBC: Paraísos fiscais dos ricos e dos poderosos revelados12, exibido em 4 de abril de
2016, Reino Unido

Marcas de Apuração

A reportagem é assinada pelo repórter Richard Bilton e inicia logo depois da vinheta
do programa Panorama, que não possui apresentador. O nome da reportagem aparece
escrita na tela e não faz menção, no off do repórter, para a expressão “Panamá Papers”. A
referência, entretanto, também aparece na tela, no canto inferior direito, em letras menores
com a hashtag “#panamapapers”. O texto informa que vazaram da empresa panamenha
Monssack Fonseca cerca de 11 milhões de documentos, referentes a empresas de 27 países.
O repórter diz a origem da informação: o jornal alemão Süddeutsche Zeitung, que
teve acesso à papelada de quatro décadas de atuação da companhia. Tudo foi foi
compartilhado com cem organizações de mídia do mundo todo, através do Consórcio

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Incluimos essa categoria nesta adaptação do protocolo, que foi feito com base em textos impressos, por julgarmos que o
som é parte importante da reportagem televisiva.
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Internacional de Jornalistas Investigativos. No Reino Unido, só a BBC e o jornal The


Guardian participaram do projeto conjunto.
Considerando que a imagem mostra o repórter digitando o nome de cada um deles
num espaço de pesquisa, é possível imaginar que esta é uma tentativa de simular como foi a
busca dentro da plataforma de pesquisa. As infoimagens exibidas e produzidos a partir
desses registros nos permitem presumir que nesses arquivos sigilosos foram encontrados
certificados de abertura e venda de empresas e imóveis, procurações, números de contas
bancárias e emails.
Na reportagem da BBC, em relação às entrevistas, encontramos: (a) fontes
especializadas ou comentadores: ao todo, seis pessoas, que aparecem cerca de duas vezes
cada uma, em momentos distintos: sonora do presidente do Consórcio Internacional de
Jornalistas Investigativos, de um especialista em corrupção da ONG Global Witness, do
presidente da também independente organização que se dedica a estudar crimes financeiros
(Centre for Financial Crime and Security Studies), um especialista em imposto de renda,
um repórter do The New York Times especializado na cobertura da Rússia e um delegado de
polícia que investigou um dos roubos mais famosos de Londres, conhecido como Matt
Brink, cujo dinheiro foi escondido em paraísos fiscais e depois usado para comprar imóveis.
Dentre (b) as fontes do poder público, não há sonora nem menção de nenhum órgão.
No que se refere a (c) fontes institucionais, a comunicação é sempre através de notas ou
dados dos Panamá Papers.
Em relação às (d) fontes cidadãs, identificamos dois momentos com som ambiente
de pessoas cujos nomes aparecem nos documentos, que foram procuradas pessoalmente
pelo repórter para prestar esclarecimentos. Um deles se recusa a dar entrevista ao ser
surpreendido ao chegar em casa. Ao ver essa cena, fica claro que o repórter precisou
descobrir um endereço provável para tentar gravar uma entrevista sem aviso prévio. Nota-se
o esforço da equipe para captar o comportamento espontâneo da pessoa ao ser confrontada
pelos fatos descobertos. A imagem e o áudio captados nessa abordagem mostram que a
fonte ficou incomodada ao ser questionada e pega de surpresa. No outro caso, referente ao
pedido de explicação para um coordenador de um projeto que angariou dinheiro público
para construir um hospital para crianças, o pedido de explicações foi por telefone, cuja
gravação foi feita através do áudio gravado do celular. O repórter está em frente ao lugar
onde supostamente a pessoa envolvida trabalha, mas presumimos que não foi encontrada. O

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telefonema é feito, então, de dentro do carro, provavelmente por conta da necessidade de


garantir a qualidade do áudio.
Ambos negaram participação em esquemas ilegais. No entanto, o que se nota é que
os documentos obtidos pela reportagem durante a apuração deram ao jornalista convicção,
propriedade e autoridade para fazer perguntas mais incisivas. Ele chega, inclusive, a emitir
opinião quando um dos entrevistados não responde às perguntas. O repórter compartilha
com o público a sua desconfiança se a fonte está efetivamente falando a verdade já que os
documentos mostram que a pessoa tem, sim, participação em negócios suspeitos. No off, o
repórter também se utiliza da papelada sigilosa para escolher as palavras do texto, se
posicionando em relação às notas oficiais enviadas ao programa. Ele usa frases do tipo:
“mas os documentos mostram o contrário”13 (tradução nossa). Durante a matéria, não
encontramos marcas de dados de segunda mão.

Marcas da Composição

Gênero Jornalístico: Reportagem Especial

Destaque: reportagem exibida no programa Panorama em 4 de abril, às 19:30 na BBC One,


com duração de 30 minutos, segundo a página do programa na internet. Partes do programa
foram exibidas em outros canais da BBC em outros horários. . Todas as notas oficiais foram
veiculadas no próprio off, durante a exibição da reportagem, já que não há apresentador em
estúdio. As frases principais foram destacadas através de letterings na imagem da fechada
de prédios correspondentes ao tema ou fotografias das pessoas citadas. A estrutura narrativa
foi dividida em blocos temáticos, listados abaixo:

(a) Quem escondeu o dinheiro roubado no famoso assalto de Matt Brink, de


Londres? Recupera o caso e atualiza. O Panamá e a Mossack Fonseca;
(b) O que isso interessa ao Reino Unido? O bilionário que não declara os
impostos em negócios imobiliários. O perigo das empresas abertas em nome
de laranjas. Bilionários na sombra: a guru de finanças da TV americana que
aceitou usar o nome de outra pessoa para não pagar impostos. O homem que

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“The documents paint another picture”

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embolsou parte do dinheiro de uma fundação que angariava recursos dos


impostos dos britânicos para construir um hospital para crianças.

Recursos gráfico-visuais: simulação da apuração, reconstituição, imagens de arquivo,


imagens de agências de notícias ou outras empresas de mídia, fotografias.

Recursos sonoros: trilha sonora de mistério e aventura.

4. Tabela comparativa14

Na tabela abaixo, estão relacionadas as estratégias usadas para tornarem visuais as


informações descobertas no banco de dados do Panamá Papers. É possível verificar que há
mais pontos em comum, listados ao centro, do que diferenças entre a cobertura da Rede TV
e da BBC, mesmo considerando a diferença de aporte técnico entre as duas emissoras.

Bancos de dados na TV - Estratégias audiovisuais


Cobertura da Rede TV
Infográfico ( esquemas e gráficos)
Infomapa
Infoidentidade (vinhetas, selos)
Pontos em comum
Performance do jornalista (passagem)
Personagens
Notas oficiais
Infocrédito
Fotografia
Materialidades (bancos de dados, documentos, espaços físicos)
Trilha sonora
Imagens de agência
Arquivo
Entrevista
Infoimagem (arte + imagem)
Manipulações gráficas (blur, puxados)
Infolegenda (letterings)
Cobertura da BBC
Som ambiente
Reconstituição
Simulação

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As nomenclaturas da tabela abaixo foram consultadas em CABRAL (2012).

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Captamos, entretanto, uma diferença bastante perceptível nas estruturas narrativas


usadas para contar as estórias com base no mesmo banco de dados. Um dos contrastes tem a
ver com o tom usado nas reportagens. De um lado, a Rede TV se dedicou a apontar nomes
de suspeitos de ilegalidades, além de expor e explicar, através de infográficos, descobertas
que tinham relação com a Operação Lava-Jato. Notamos um forte esforço em provar,
através das evidências, as ligações ilegais. A reportagem também se preocupa em deixar
claro que a emissora tinha acesso exclusivo ao conteúdo entre as televisões brasileiras.
Já a BBC parece ter optado por engajar o telespectador numa estória contada muito
mais em tom de mistério do que de ação ou suspense -- e com foco mais do ponto de vista
moral do que ilegal.
Sobre o processo de tonalização televisual, Duarte (2009) afirma que essa é uma
decisão estratégica da instância de enunciação e que “diz respeito à conferência de um tom
ou combinatória tonal ao discurso enunciado, ou seja, de um ponto de vista a partir do qual
sua narrativa quer ser reconhecida”.
Assim, ao aproximar as estórias do público britânico, o esforço da reportagem da
BBC foi, ao contrário da empresa brasileira, tentar materializar a informação, torná-la
visual e explicar por que essas descobertas importam. A equipe parece ter planejado suas
gravações com um objetivo em mente: criar oportunidades para ouvir pessoalmente o maior
número de pessoas envolvidas, filmar suas reações, simular a apuração e assim envolver o
telespectador numa narrativa com imagens diversas, sem se ater às imagens de arquivo. A
impressão que dá é que a BBC se preocupou com o ritmo da narrativa, evitando longos offs
explicativos com a exposição de documentos. Concluímos isso também com base no fato de
que as fontes de especialistas.

5. Considerações finais

Acreditamos que, ao fazer uso do Protocolo de Análise de Cobertura, conseguimos


observar as decisões editoriais que deixam suas marcas no produto noticioso e, percorrendo
tais marcas, compreender o esforço de construir narrativas guiadas por bancos de dados.
O que é comum nas duas coberturas, tanto na BBC quanto na Rede TV, é o tom de
seriedade ao longo de todo o off, principalmente ao apresentar as evidências encontradas
durante a apuração. Entendemos que a força da evidência que emerge do material coletado

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nos bancos de dados e verificado pelos repórteres através de suas habilidades é transferida
aos textos e à própria narração.
Essa observação nos remete ao conceito de Dramaturgia do Telejornalismo,
proposto por Coutinho (2012), que aponta que o tom emocional é uma característica
presente nas narrativas, sendo esse um dos responsáveis pela aproximação do público com
o produto televisivo.

A dramaturgia no jornalismo televisivo pode ser entendida como a


organização da notícia em TV a partir de uma estrutura dramática. A
informação seria construída/editada por meio da imitação da ação
representada por imagens e depoimentos exibidos. Após analisar os recursos
audiovisuais, a hierquização das informações no encadeamento dos dados
utilizados nas matérias, a presença de conteúdos morais e os papéis
desempenhados pelos atores presentes nas notícias. (SHLAUCHER;
COUTINHO, 2013, p.5).

A partir dessa perspectiva trazida pela autora e com base em suas conclusões que apontam
para a existência de um conflito narrativo, personagens em ação e lições morais como marcas,
entendemos que as reportagens analisadas neste arquivo se enquadram nesse prisma, provocando
nossa curiosidade para pesquisar como o Jornalismo Guiado por Dados norteia a criação do conflito
narrativo na TV.
Assim, ao captar essa sinuosidade, propomos a ideia de que o uso de bancos de
dados em reportagens de TV vai além das mudanças técnicas da apuração e edição com
mais recursos computacionais, tendo influência também na modulação do tom das
reportagens e na formação de sentidos. Tais conclusões nos impulsionam, a partir de agora,
a olhar para as estratégias audiovisuais usadas para contar histórias com o uso de dados na
TV problematizando os ares de autoridade, verdade e autentificação acionados durante a
construção da notícia.

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Referências Bibliográficas

BBC. Tax Havens of the Rich and Powerful Exposed, edição de 4 de abril de 2016. Disponível
em http://www.bbc.com/news/world-35934836, em http://www.bbc.co.uk/programmes/b076vwwy
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