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ISBN 85-308-0130-X

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Gaston Bardet nasceu em Vicky


em 1907 e morreu em maio de 1989.
Licenciado e graduado pelo Instituto
de Urbanismo e pelo Instituí de
France. Foi arquiteto DPLG e chefe
de trabalhos t écnicos no Instituto de
Urbanismo. Participou da organização
da Exposição Internacional de 1937.
Pronunciou inúmeras conferências
na Gr ã-Bretanha, Itália, Espanha,
Países Baixos etc . Dirigiu v árias
revistas e fundou o Laboratoire
> denquêtes et d ’ analyses urbaines.

Algumas de suas principais obras


são: La Rome moderne (Massin,
1937) ; Problè mes d ’ urbanisme
(Dunod, 1941); Principes inédits
d enquêtes et d’analyses urbaines
(Colma, 1942) e Le nouvel urbanisme
(La Nouvelle Edition, 1945).
/

GASTON BARDET

T radução
Flávia Cristina S. Nascimento


Título original em francê s : Lurbanisme
© Presses Universitaires de France, 1988
Tradução: Fl á via Cristina S. Nascimento
Capa: Francis Rodrigues
Composição: Linotipadora Relâ mpago Ltda.
Equipe Editorial
Coordena ção: Beatriz Marchesini
Copidesque: Luiz Arthur Pagani
Revisão: Maria de Lourdes S. Alonso
Regina Maria Seco
Vera Luciana Morandí m
SUM Á RIO
Dados de Catalogaçã o na Publica ção ( CIP ) Internacional
( Câ mara Brasileira do Livro, SP, Brasil )

Bardet, Gaston, 1907-1989.

O urbanismo / Gaston Bardet ; tradu çã o Flávia Cristina


S. Nascimento. —
Campinas, SP : Papirus, 1990.
1. Planejamento urbano 2. Urbanismo 3. Urbanismo
História I. Título.

-
CDD 711 1 . Da arte urbana ao urbanismo 7
-
711.09
I » -
90 1361 -
711.4
2 . Do urbanismo ao planejamento do espaço 27
í ndices para cat álogo sistem á tico:
3 . Os grandes problemas do urbanismo 37
1 . Planejamento urbano 711.4
2 . Urbanismo 711
3 . Urbanismo : História 711.09
4 . As cinco jases do estabelecimento de um projeto de
planejamento 53
ISBN 85-308- 0130- X
5 . Princí pios de um plano nacional de urbanismo . . 69
DIREITOS RESERVADOS PARA A LINGUA PORTUGUESA :
© M. R. Cornacchia & Cia . Ltda. 6 . O planejamento das regiões 81

pQpirU/ EDITORA 7 . O planejamento das aglomera ções 99


7AA H - -
-
-
Fone: ( 0192 ) 32 7268
-
13001 Campinas SP Brasil
-
Cx. Postal 736
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Filial SP Fone: ( 011 ) 570-2877
8 . O planejamento dos campos 113

proibida a reprodu ção total ou parcial por qualquer meio de impressão, em forma t
9 . Rumo a um novo urbanismo 129
idê ntica, resumida ou modificada, em l í ngua portuguesa ou qualquer outro idioma.
. \

i Capítulo 1
*, '
DA ARTE URBANA AO URBANISMO

O geógrafo Vidal de La Blache e o economista Werner


Sombart ressaltaram que do século VI até o ano de 1800
f \
— durante doze séculos a população da Europa jamais
chegou a ultrapassar os 180 milh ões de habitantes. Ora, de

*
I
1800 a 1914 —
em pouco mais de um século
lação elevou-se de 180 a 460 milhões. A esse vertiginoso

essa popu-

crescimento é preciso acrescentar ainda um super ávit de 100


milhões de ocidentais que afluíram para a América \
Em três gerações, deu-se o advento das massas. A mul-
tidão sucedeu-se aos grupos. Tendo triplicado de volume, as
populações dos grupos locais disseminados nas regiões, em
vez de organizarem-se ou migrarem em novos grupos isola-
dos, em escala humana, concentraram-se em aglomera ções
monstruosas a serviço da grande ind ústria. É o fenômeno
chamado de urbanização 2, ou fen ômeno do “ repleto”. Tudo
está repleto. Nada é suficientemente grande para conter as
multidões: nem as cidades, nem os edif ícios, nem os lugares.
1 . Cf . Henri DECUGIS, Le dest ín des races blanches [ O destino das raças
brancas] ( 1938 ) .
2 . Não confundir com “ urbanifica çã o”, que é a aplica ção dos princípios do
urbanismo. Um é o mal, outro o rem édio.

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7

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É a é poca das massas, trazendo com ela a época do colos- cia de novos problemas colocados por fen ômenos cuja ampli -
tude quase n ão conhec íamos exemplo na história . É necessá-
sal , como observou O. Spengler. H á um século exclamava /
Wakefield : “No room , no room in England”. “Encontrar rio n ão confundir as grandes realizações da Arte Urbana ,
um lugar torna-se o problema de todos os momentos”, de- que resolveu magistralmente problemas que n ão eram nem
clarou J. Ortega y Gasset 3. da mesma escala, nem da mesma complexidade, nem da
mesma subst â ncia que os nossos, com as solu ções do Urba-
Também no Ocidente o século XIX tornou-se desde seu nismo , hoje necessá rias.
nascimento, o século do “coletivo”. Essa idéia apareceu pela També m devemos abster- nos de apresentar o urbanis-
primeira vez em de Bonald e em de Maistre, como reação mo do exterior, isto é, estudando apenas as formas geom é-
contra o liberalismo individualista do século XVIII. Ela tricas ou a cobertura arquitet ô nica que a Arte Urbana su -
triunfou em Saint-Simon , Ballanche e Auguste Comte e de- cessivamente empregou .
senvolverse- paralelamente na Alemanha .
Certamente, é ú til saber que as cidades hititas eram
-A Escola Sociológica Francesa floresceu, com natura- cercadas ; que a cidade de Rhodes, segundo Deodoro de Sic í-
lidade, no fim desse século, com Izoulet. Da mesma forma, lia , parecia ser constru ída em forma de anfiteatro ; que as
a geografia tornou -se “ humana”, com Vidal de La Blache e cidades romanas apresentavam o tra ç ado elementar em for-
Jean Brunhes, e tomou o nome de Geopolitik com Ratzel. ma de tabuleiro de xadrez dos agrimensores , ou um plano
Afirmou-se a estat ística, institu í ram-se os recenseamentos ordenado por duas grandes vias : cardo e decumanus , traç a-
oficiais. Desenvolveram-se os m étodos visando classificar , dos ritualisticamente de acordo com os aug ú rios; ou ainda
I» organizar e contar “grandes n ú meros”. que as cidades da Idade Média eram de dois tipos : umas
( as cidades novas do Norte ou as quintas do Midi , que flo-
A fim de aplicar os conhecimentos revelados por essas
resceram dos séculos XII ao XIV ) apresentavam uma dis-
novas ciê ncias, a fim de disciplinar essas massas que traziam
posiçã o quadrangular elementar de colonizaçã o, evidencian -
problemas de “grandes n ú meros” devido a sua concentra-
do um simples desenvolvimento predial, enquanto que as
ção em certos pontos do espaço —
em conseqiiência disso
outras provinham de uma forma ção espont â nea , de uma
insol ú veis —uma nova ciê ncia de aplicação devia eclodir :
a ciê ncia da organização das massas sobre o solo. Por volta
espécie de petrificação das pistas formadoras e vivificadoras,
de 1910, ela foi batizada na Fran ç a de Urbanismo ( tow
combinadas com os envoltórios protetores de suas muralhas.
planning , Stddtebau ) , o que quer dizer, etimológicamente,
Com certeza , é sintom á tico reencontrar essa disposição qua-
drangular de loteamentos nas cidades do Novo Mundo: na
ciência do planejamento das cidades. Isso demonstra que, no : Am érica Latina , em Havana , na Cidade do México ou em
in ício, seus padrinhos n ão tiveram uma clara visão de sua
Buenos Aires; na Am érica do Norte, na Filad élfia , em Chi-
missão territorial.
cago ou em Nova Iorque, bem como na periferia parisiense.
O aparecimento do urbanismo entre as ciê ncias, e dos E também com certeza é bastante significativo assistir à
urbanistas entre os pesquisadores, foi portanto a conseqiiên- expansã o da arte francesa : os traçados urbanos clássicos,
3 . La révolte des masses [ A revolta das massas] (Stock, 1932 ) . elaborados durante o Grande Século, sendo literalmente

8 9
“exportados” pelos urbanistas franceses, de Washington a ponto em ponto por elementos descont í nuos: pagodes, najas ,
Sã o Petersburgo, de Istambul ao Rio de Janeiro. esfinges, pilares etc.
Mas uma cidade n ão é um agrupamento de ruas e casas, Na Cald éia, por exemplo, imensos cinturões encerra-
essas são apenas as carapaças, as conchas, de uma sociedade vam às vezes apenas aldeias isoladas que tinham se enraiza-
de pessoas. Uma cidade é uma obra de arte para a qual do ao pé dos templos e do pal ácio. Era a pró pria tradução
cooperaram gerações de habitantes, acomodando-se mais, de um estado social em que reinavam o d éspota e os deuses ,
ou menos, à quilo que existia antes delas. Justamente porque cujas estruturas visavam à eternidade, enquanto que toda
est á em perpétua transformação, sob o efeito da sucessão liberdade era relegada a uma reconstitui ção cont ínua e
infinitamente cambiante dos seres que a habitam , a fazem quase celular das choupanas feitas de materiais perec í veis.
e a refazem , a cidade n ão se sujeita de maneira alguma a
Nessa época, havia uma concordâ ncia perfeita entre a
seu plano, a um esquema gráfico, nem mesmo ao conjunto
forma e o ser. As estruturas perenes deixavam livres todas as
dos vazios e cheios arquiteturais que a definem . Esse plano, adaptações de que necessitavam as gerações sucessivas.
esses vazios e cheios, n ão passam de manifestações exteriores
da existência de um ser coletivo no qual a vida é entretecida A lição precedente é preciosa para os povoamentos
pela substituição das gerações umas pelas outras. O que espalhados sobre vastas superf ícies. Com pequenos grupos,
importa antes de mais nada é o conhecimento desse ser sobre um terreno restrito, atingiremos um dos cumes da arte


coletivo. urbana — a cidade grega— graças a uma ordem devida
n ão a um traçado regular, mas à localização precisa de cada
Ora, todo o drama do urbanismo atual consiste no órgão no lugar em que ele deve preencher sua função pró-
divórcio entre as formas urbanas, caducas e pesadas, e o ser
pria. Além disso, pela separa çã o dos monumentos, por seu
urbano sempre em prodigiosa renovação.
equil í brio, por sua apresentação n ão no eixo, mas nos â ngu-
Uma breve revisão da arte urbana, encarada n ão en- los o que traduz o pluralismo original que existia no seio
quanto forma pura, mas enquanto expressão do ser coletivo, da sociedade grega Atenas enaltecia o sinoecismo
poder á nos mostrar como chegamos a esse divórcio cres- ( synoecisme ) , isto é, a federação dos pequenos grupos aut ó-
cente. nomos. Finalmente, com sua Acrópole, ela preparou o cume
seguinte : o da comunh ão medieval .
I. Divórcio entre o ser urbano e a forma urbana Nesse caso, a forma e o conteú do s ão inseparáveis :
No Egito, na Cald éia, na índia, no Extremo Oriente, a tradução formal do espí rito federativo não pode ser ultra-
a cidade parecia ser unicamente uma semeadura de habita- passada.
ções fr ágeis, mais ou menos densas, mais ou menos agru- É necessá rio, bem entendido, n ão buscar uma corres-
padas, que estruturavam apenas algumas vias processionais, pond ência orgâ nica entre a trama que os romanos impuse-
raramente limitadas por habitações, mas escondidas de ram em sua colonização, e que traduzia as necessidades de

10 11
espaços livres ou para decorações suntuosas, a arte urbana
cl ássica pôde conservar seu apogeu urbano apenas durante
um curto momento, e em composições limitadas . Ela per-
deria seu cerne, e depois seu ritmo de alinhamento, para
tornar-se unicamente um esquema cômodo e racional de
distribuição de terrenos, um novo traçado de colonização .
O “Plano dos Artistas” do ano IV, devido principalmente a
Verniquet e a Charles de Wailly, sancionou sua nova apli-
cação : superposi ção violenta de uma forma a um ser pre -
existente . E foi no momento de sua decadência que essa arte
se difundiu no mundo inteiro, para o tratamento das cida-
des existentes.
Na França , desde o século XIX, t ínhamos apenas com-
binações geomé tricas em planos ; volumes e plantações foram
negligenciados , depois esquecidos. Com Napoleão III e
Haussmann, um método de recorte de grande envergadura
entrou em vigor. Após sua intervenção , é suficiente compa-
rar o mapa de Paris com os de outras capitais para ver
brilhar nele a claridade francesa . Mas ao preço de quantas
destruições ! É preciso confessar que aí foram sobretudo o

LEGENDA DA FIGURA 1
-
Quinta de Cordes ( século XIII ) , casando se estreitamente com a topografia
de seu cume. Em conseqiiê ncia da influê ncia preponderante do terreno, o car áter
PALMA NUOVA orgâ nico subsiste integralmente ainda que se tratasse de uma cidade nova.
Palma Nuova ( 1593 ) . Tra çado de cidade ideal realizado na prov í ncia de
Ü dine ( Itália ) , por Scamozzi .
Tipo de um belo “ brinquedo” para um decorador. O esquema concêntrico,
-
possível para um pequeno grupo, torna se erro grave nas grandes cidades que
sã o organicamente polinucleares.
- -
Vitry le Fran çois ( 1545 ) . Cidade bastante nova , desenhada por Girolamo
Marino. Em forma de tabuleiro de xadrez caracter ística dos traçados de colo
nização.
-
Vichy ( 1865 ) . Segundo as diretrizes de Napoleão III.
Observar a encruzilhada de ruas divergindo da esta çã o de ferro e o cin -
V I CVH Y .
tur ão de parques margeando o rio Allier O esquema foi estabelecido sem dar
conta suficientemente da cidade velha e dos recursos existentes, da í o mau trá -
fego atual .
Combinando as contribuições dos séculos XVII, XVIII e XIX, esse esque -
ma permaneceu na base do urbanismo oficial no in ício do século XX .
15
artilheiro e o administrador que agiram. Estamos no in ício çadas. Se em pleno campo a estrada , com aterros, seus
do fen ô meno de urbanização. A capital est á em r á pido cres- perfis, podia acrescentar um elemento feliz ao terreno, na
-
cimento, e também suas feridas reparam se depressa , pelo cidade, ao contrá rio, vemos a confusão dos traçados de ali-
menos as de ordem econ ómica ( pois a especulação imobiliá - nhamento — isto é, dos alinhamentos que comandam facha-
ria vai de vento em popa ) , mas do ponto de vista dos qua
dros humanos, das comunidades locais que esses quadros
- das e volumes — com os traçados das margens de calçadas:
simples linha sem espessura . Os â ngulos dos im óveis arre-
formavam no interior da cidade, os desastres sã o irremediá - dondam-se como as margens, a fim de abrir sa ídas para as
veis. N ão se tratava verdadeiramente de uma cirurgia que vistas!
respeitasse os ó rgãos, mas de grandes golpes de sabre impe - Como rea ção, propuseram uma separa ção exagerada
rialistas.
entre a via e os volumes.
E logo foi o esgoto que tornou-se rei. Enterrado, ele
escapa da vista. Com ele, a arte urbana escapa mais e mais Cada vez mais abstrata e esquem á tica em sua expres-
dos artistas para tornarse uma arte menor de canalizações são, a cidade aparece unicamente como simples agrupamento
subterrâneas. de tubulações, distribuidor de automóveis inquietos e apres-
sados.
Após a guerra de 1914, a reconstrução
controle — — quase sem
das regiões devastadas encontrou apenas uma Esse divórcio entre a forma e o ser é conseqiiê ncia de
opini ã o e homens de arte n ã o preparados. Transformaram uma baixa cont í nua de espiritualidade , e portanto da arte ,
» cidades e aldeias em periferias desesperadas. Certamente desde a Renascença. Ora, foi no momento em que a arte
i
urbana escapava dos artistas, que o advento das massas, a
existe um acordo entre a desordem dos esp í ritos e dos cora-
revolução industrial e o fen ô meno de urbanizaçã o iriam
ções e a desordem da arte urbana , mas subjacente a essa
subverter as estruturas das aglomerações. Essas se encontra-
desordem , uma nova ordem teria podido buscar sua expressão ram , portanto, totalmente desprovidas de pilotos. Os proble-
formal. Durante 20 anos o urbanismo balbuciante tentou mas sociais colocados dessa forma levaram a transformar a
se definir , porém quase n ã o se elevou acima dos traçados arte urbana numa ciência social : o urbanismo, e somente
dos geó metras. Devido a um movimento normal de oscilação,
/

quando essa ciência tiver reencontrado as estruturas funda-


^

ele fez surgir a reação de Le Corbusier : “o exagero da altu - mentais dos agrupamentos humanos , uma nova arte urbana
ra”, trazendo consigo o stress . poderá renascer.
Se por um lado a ferrovia seccionou as cidades com
suas pesadas barreiras, o autom óvel, introduzindo-se em vias II. Nascimento do urbanismo
que n ão lhe eram de forma alguma destinadas, fez nascer Desde o início do século XIX, eclodiram simultanea-
seu pr ó prio urbanismo : simples técnica de alargamentos mente as teorias sociais de Saint-Simon, Fourier , Robert
calibrados, grandes curvas, rotatórias e trevos. Dessa vez a Owen e William Thomson , que formariam desde ent ã o uma
arte urbana consistiu em reduzir a fios as margens das cal- ,/ corrente ininterrupta.
\

16 17
Foi a Fran ça, de início, que tomou a dianteira do mo- Os projetos de migrações industri áis de Moffat ( 1845 ) ,
vimento de urbanificação, graças às considerá veis transfor- as preocupações higienistas de James Buckingham na cidade
mações de Paris. Na verdade, esse país apenas continuou sua modelo de Victoria ( 1849 ) , fundada na cooperação “do
tradição dos séculos precedentes, durante os quais franceses trabalho, do saber e do capital”, as preocupações do Dr.
construtores de cidades, como André Mollet, Jean Marot, Richardson imaginando uma outra cidade modelo, “Hygeia”,
Nicolas-Henri Jard ín, Blondel et Paris, Alexandre Leblond, baseada numa melhor higiene e na redução da enfermidade
e da morte, prepararam as realizações da aldeia “sahariana”
Valadier, Pierre 1’Enfant, enriqueceram a Europa e o Novo
de Sir Titus Salt ( 1856 ) , da aldeia industrial de Port-Sun-
Mundo com suas criações urbanas.
light das f á bricas de sabonete Lever ( 1887 ) , o sub ú rbio-
Se Napoleão I importou para sua capital apenas os jardim criado pelo quaere George Cadbury. Mas foi real-
dados de embelezamento puramente romanos, Napoleão III, mente Ebenezer Howard ( 1850-1928 ) que estabeleceu de
homem de 1848, interessado ao mesmo tempo na Inglaterra forma definitiva a teoria da Garden-City , através de suas
e na Fran ç a pelas idéias humanitá rias e os belos jardins, foi duas obras: To-morrow [ Amanhã ] , de 1898, e Garden-City
>
of to-morrow [Cidade- jardim de amanhã ], de 1902.
/
o primeiro a introduzir id éias de embelezamento e sanea-
mento, idéias estratégicas e políticas, às quais se juntou uma Howard n ão foi nem um revolucion á rio, nem um mi-
real vontade de melhoria social. lion á rio roído pelo remorso, nem um arquiteto moderno ; ele
Ele foi, sem d ú vida , o primeiro urbanista francês: in - foi um estenógrafo. Pr ático, calculador e sonhador , esse
felizmente, mesmo tendo esboçado ele próprio suas concep- self -made man estabeleceu os três princípios fundamentais :
ções, encontrou apenas um “administrador” para traduzi-las: eliminação da especulação dos terrenos; esses pertenceriam
Haussmann . E assim a arte urbana caiu na inspeção da lim- assim à comunidade que os alugaria por arrendamentos enfi-
peza de ruas, a Fran ça sucumbiu sob o peso dos escritórios. tê uticos, aproveitando assim a mais-valia. Controle do cres-
cimento e limitação da população: a cidade- jardim seria
Foi na Inglaterra, berço da grande ind ústria, onde a
cercada por um cinturão agr ícola, sua cifra ideal de popu-
miséria dos guetos de trabalhadores amedrontou os mais rea- lação seria fixada em 30 mil habitantes. Equil í brio funcional
listas, que se multiplicaram normalmente as reações contra a ser obtido entre a cidade, o campo, a residência, o mer-
a cidade monstruosa. Desde 1816, o industrial Robert Owen cado, a ind ústria, as funções espirituais, políticas, sociais,
observava “a atenção que se consagra à m áquina morta, a recreativas etc.
falta de consideração pela m áquina viva”. As oposições que
encontrou fizeram-no compreender que a grande cidade e Raymond Unwin foi o artista que materializou os
sua economia são um mal, n ão somente para a classe traba- sonhos de Howard na not á vel cidade- jardim de Letchworth,
lhadora, como para a sociedade inteira, e que “a moradia começada em 1907, no sub ú rbio- jardim de Hampstead e na
sã e barata n ão é um produto normal da economia capita- segunda cidade de Welwyn. Em 1909 ele publicou seu Town
lista” ( Catherine Bauer ) . planning in practice [ Estudo prático dos planos de cidades ] ,

18 19
obra de primeiro plano, rica de observações pessoais e de Em 1880 o arquiteto berlinense J. Stiibben publicou a
experiência. Ele n ão se contentou com as conseqiiências de primeira edição de seu livro Stddtebau [ Construção de ci-
ser um arquiteto, o social spirit nunca deixou de inspirá-lo. dades ]. Foi verdadeiramente o primeiro tratado de planeja-
mento das cidades; nele o autor mostrou como se deve res-
Por sua vez o escocês Patrick Geddes ( 1854-1932 ) ,
peitar o passado, n ão transformando nem deslocando o
biólogo e depois sociólogo, contribuiu grandemente para
centro antigo, mas desdobrando-o. A cidade moderna deve
uma nova ordem com o método da Regional Survey: era se justapor à antiga, submetendo-se à fisionomia do solo,
preciso n ão se limitar à cidade, era preciso analisar toda a levando em conta as menores circunstâ ncias locais, notada-
regiã o circunvizinha de todos os pontos de vista possíveis, mente as relativas às propriedades agrícolas de pequena
tanto do ponto de vista espiritual, como do geogr áfico, his- extensão.
tórico ou económico. Sua insistência sobre os fatores histó-
ricos e humanos foram, na época, uma reação espiritualista Entretanto, o grande renovador da forma urbana foi o
arquiteto vienense Gamillo Sitte ( 1843-1903 ) , a quem deve-
contra o positivismo reinante e a estreita vis ão dos town
mos a nova busca de uma estrutura orgâ nica, numa reação
plannings limitados ao civic survey . Devendo muito à Fran-
contra a geometria e o haussmanismo. Em seu livro Art de
ça , seu lar espiritual, Patrick Geddes lá fundou em 1924 ,
bãtir les villes [ Arte de construir as cidades] ( 1889 ) , ele
em Montpellier, o Colégio dos Escoceses, onde propagou reivindicou , como princípio diretor, a harmonia entre os
sua doutrina : Videndo discimus [Só se aprende vivendo ]. espaços vazios e os cheios, entre os lugares em que se desen-
I» Na Alemanha, a aten ção dos grandes industriais des- volve a vida pública e as construções. Ele mostrou como as
pertou. Essen viu elevarem-se as colónias de Schederhof obras do passado revelam os princípios em que podemos nos
( 1872 ) , Altenhof ( 1893 ) , Alfredhof ( 1894 ) , Friedrichhof inspirar, recomendando expressamente que não se tente
( 1899 ) etc, mas foi sobretudo pelo tratamento metódico adaptar para fins modernos as belezas pitorescas das velhas
das cidades existentes que a escola germ â nica se manifestou. cidades. Ele reintegrou ( muito antes de Le Corbusier ) a
Se a iniciativa privada inglesa tomou a frente do movimento terceira dimensão na arte urbana, e certamente foi o iniciador
de notá veis quadros urbanos que serviriam de modelo a
em favor das melhorias das moradias populares, foi a Ale-
Unwin em Letchworth . Retenhamos ainda , dele, uma dire-
manha que tomou oficialmente o primeiro lugar em matéria
de planejamento e extensão das cidades.
tiva essencial : “Uma obra de arte
é uma obra de arte — — e um plano de cidade
não pode ser criado por comités ou
Esse país n ão esqueceu de se preocupar, com um cuida- secretarias, mas unicamente por um indivíduo . . Por que
do particular, com os bairros perif éricos, destinados a alojar n ão fazer executar também planos de catedrais, por que n ão
um enorme afluxo de população industrial, subdividindo, às pintar quadros históricos ou compor sinfonias pela via admi-
vezes até o extremo, os terrenos em zonas de diferentes nistrativa . . . Seria também bastante sensato!”
caracteres e regulamentando tudo estreitamente “ à maneira Na Bélgica, o burgomestre de Bruxelas, Charles Buis,
prussiana”. traduziu Stiibben e tornou-se conhecido por suas obras sobre
20 21

!
Essa última obra — que faz a síntese de nossas diver-
sas pesquisas e viagens através do globo
compreender a situa ção
— é essencial para
atual da cultura e da civilização, de
onde decorrem as soluções a serem adotadas.

Capítulo 2
DO URBANISMO AO PLANEJAMENTO
DO ESPAÇO

“O urbanismo é antes de tudo uma Ciê ncia que se


dedica ao conhecimento das coisas, que estuda metodica-
mente os fatos, que pesquisa as causas primeiras e depois,
f após um rigoroso trabalho de an álise, tenta em sínteses su-
cessivas determinar, quando nao leis, ao menos princípios
diretores. Sobre essa base pode se erigir uma Arte aplicada
que passe à ação, à criação de sínteses novas, materializan-
do através de um jogo entre vazios e cheios, os volumes em
que se abrigam os grupos sociais; mas a aplicação dessa arte
após a an álise científica necessita de uma dupla escolha :
escolha de componentes urbanos para cuidar, modificar,
< criar, e escolha das aplicações possíveis —
implicando essa
dupla escolha na determinação dos valores humanos; ela é,
por essência, uma Filosofia” \
Inicialmente, essa ciência teve na França um ú nico re-
presentante: Mareei Poete ( 1866-1950 ) , que quis fazer do
urbanismo uma verdadeira ciência de observação. Ele denun -
1 . Probl èmes d’ urbanisme ( op . cit . ) .

26 27
ciou a cidade enquanto organismo vivo, dono de uma vida Citemos igualmente algumas iniciativas, geralmente pri-
própria que n ão é a soma de vidas particulares. Uma Cidade vadas, que contribuíram para a difusão do urbanismo na
é um Todo vivo. Aliás, em reação a um certo determinismo França 4.
geográfico, ele mostrou que, na cidade, é preciso partir, em Durante dez anos, de 1922 a 1932, D.-A. Agache e
primeiro lugar , do ser humano; somente em segundo lugar é
alguns colegas fizeram um ciclo de conferências sobre o ur-
que observaremos a utilização da natureza pelo homem. Seu banismo no “Colégio Livre das Ciências Sociais”. Em 1929,
ensinamento leva ao próprio ser da cidade, cuja forma n ão um “Curso de Urbanismo” foi fundado na Escola de Traba-
passa da exteriorização de um fato interno de evolução que lhos Pú blicos. Em 1933, o “Grupo de Estudos do Centro
toma, dessa maneira, um fim 2. Urbano Subterrâ neo”, para resolver o irremedi á vel conges-
tionamento, empreendeu uma campanha em favor das solu-
I. Evolução do ensino do urbanismo ções subterr â neas; depois, em 1936, o “Centro de Geografia
Mareei Poete está na base do ensino do urbanismo na Física e de Geologia Din âmica” da Sorbonne mostrou a ne-
França. Ele criou, em 1903, o “Curso de Introdução à His- cessidade de associação mais estreita entre os geógrafos e as
tória de Paris”, na Biblioteca da Cidade de Paris ( Rua de pesquisas dos urbanistas. Enfim, em 1938
pletar o ensinamento teórico do Instituto de Urbanismo,

a fim de com-
Sévigné, 29 ) que, modificado em 1907 e 1914, levou ao
Seminário de História de Paris, na Escola Prática de Altos através de estudos pr á ticos sobre casos concretos abrimos
o “ Ateliê Superior de Urbanismo Aplicado”, cujos antigos

Estudos ( Sorbonne ) , onde ele estudou a vida urbana dessa
cidade. Em 1916, ele transformou a Biblioteca, da qual era estudantes constituem atualmente os melhores quadros do
o conservador, em um Instituto de História, de Geografia e urbanismo.
de Economia urbanas, que inaugurava a extensão das pes- Em 1947, solicitaram-nos que abr íssemos em Bruxelas
quisas urbanas em todas as cidades 3. Em 1919, auxiliou o “Instituto Internacional e Superior de Urbanismo Aplica-
Henri Sellier na criação da ‘“Escola Prática de Estudos do” ( IESUA ) , que comportava professores de diversos pa í-
Urbanos e de Administração municipal” ( sucedendo-se na ses e estudantes de diversos continentes.
Rua de Sévigné à ef émera “Escola Superior de Arte P úbli-
ca”, fundada sob a presidência de G. Risler para preparar Lá o ensinamento era teórico e prá tico. O programa dos
os reconstrutores das regiões invadidas ) , que se tornaria, em cursos estava dividido em quatro seções, subdivididas em
1924, o Instituto de Urbanismo da Universidade de Paris. sub-seções e cursos diversos.

2 . Cf. suas diferentes obras e notadamente Introduction à Vurbanisme [ Intro -


dução ao urbanismo ] ( Boivin, 1929 ) . Paris et son évolution créatice [ Paris
l .° —Fatores históricos e geográ ficos: Evolu ção da
grande arte nas civilizações. O terreno e o quadro geográfico.
e sua evolução criadora ] ( Vincent et Fréal, 1938 ) , e a monumental Vie de Climatologia aplicada . Geografia humana aplicada ;
cité [ Vida de cidade ] ( Picard, ed., 1924-1931 ) .
3 . Cf . Comission d’Extension de Paris, Aperçu historique et conditions techni - 4 . Ressaltemos La Renaissance des Cit és ( 1916 -1935 ) [ A Renascen ça das Ci -
dades] , que participou ativamente da reconstru çã o das regiões sinistradas,
ques pr éliminaires, por M. Poete e Louis Bonnier [Comissão de Extensão
de Paris, Apanhado hist órico e condições técnicas preliminares ]. e recentemente Ligue Urbaine et Rurale [ Liga Urbana e Rural ] .
28 29
2.° — Fatores económico-sociais : O estudo dos teci-
dos urbanos. Investigação e topografia social. Aspectos da
II. Vinte anos de urbanismo
Em março de 1939, quisemos medir o caminho per-
sociologia. O homem e a economia humana; corrido desde a lei Cornudet 5. De um total de 9.139 planos
que apareceriam, conforme a lei, 273 estavam aprovados e
3.° — Organização administrativa: Direito civil e
administrativo. Prática de dossiês. Legislações; 158 em preparação, ou seja, 22 % . Os três quartos de pro-
jetos aprovados ( ou seja, 197 ) , eram concernentes a cidades
4.° — Arte e técnica do planejamento do espaço: de menos de 10 mil habitantes, em grande parte estações
Planejamento do espaço social. Técnica do engenheiro. Arte balneá rias, clim áticas, termais e tur ísticas.
dos jardins. Ateliês de trabalhos prá ticos e maquetes.
O exame desses planos mostrou sérias fraquezas nas
Esse instituto era o ú nico a ensinar nossos métodos de “aprovações”! Seria porque o feixe dos interesses privados é
Topografias sociais e a praticar a composição urbana em mais poderoso nas metrópoles importantes? Ou porque essas
Organização polif ónica. Ele ocupava, pois, um lugar ú nico, acreditam que seus serviços técnicos ( e de forma alguma
tanto em seu espírito tão elevado em objetivos, quanto na artísticos ) podem substituir, numa política do dia a dia , as
prá tica de suas aplicações. Como todas as iniciativas livres, previsões do urbanista competente? E seriam sempre os pre-
ele jamais recebeu os créditos prometidos. Ao final de 26 feitos das pequenas cidades que seriam louvados, e n ão as
administrações das grandes metrópoles. Pode-se pensar igual-
anos, seus fundadores tiveram que abandon á-lo em outubro
mente que os dois fatores esenciais da composição urbana ,
de 1973. escala e caráter , variam em razão inversa.

Felizmente tínhamos sido chamados à Argentina, ao Nas municipalidades, o descaso, a negligência , reinam
Brasil e ao México, e também à Argélia, para formar discí- como mestres, e os “bens comuns” mais preciosos permane-
pulos segundo ciclos acelerados. cem como presas dos especuladores ou dos egoístas. As leis
de 1919, 1932 e 1935 são praticamente inoperantes. Quanto
Um mês depois, o Seminário e Ateliê Tony Gamier , que
aos urbanistas realmente dignos desse nome e capazes de
havia sido criado na França h á 15 anos com vistas a um
tratar uma cidade sem despedaçá-la , podiam ser contados
ensinamento prático, fechava igualmente suas portas, pelas nos dedos de uma das mãos, naquela época.
i mesmas razões.
Excluindo o “Projeto de Planejamento da Região pari-
Quase n ão h á mais urbanistas
— stricto sensu —
n ão se permitem construir com o fim de n ão ser ao mesmo
que siense” — ( executado conforme a lei de 14 de maio de 1932
e aprovado em 1939 e 1941 ) nascido de compromissos entre
tempo juiz e parte em suas proposições. Por outro lado abun-

comissões — é fora da França que é preciso buscar as rea-
dam os digamos assim — arquitetos-urbanistas que pro-
curam surpreender pelo exagero de escala e por esquisitices
lizações notá veis.
-
5 . Vinte anos de urbanismo aplicado (Varchitecture cTaujourdfhui ) [ A arquite
de grande custo. A Grande Motte é um exemplo t ípico disso. tura de hoje em dia ]
'

.
30 31
Inicialmente no Marrocos, sob o impulso de Lyautey, ( cf . cap. VIII, p. 113 ) . Eles n ão tiveram nenhum sucesso
enquanto a guerra devastava o norte da França, uma equipe antes do triunfo da tecnocracia desse pós-guerra. Essas teo-
sob a direção de Henri Prost teve a sorte de ter de construir rias preconizam uma coletivização e uma mecanização do
as cidades européias de Casablanca , Fez, Marraqueche e habitat que contraria o que demonstram os trabalhos de cli-
Tanger, e Rabat, a capital administrativa, em lugares isola- matologia aplicada de Robert Leroux.
dos das cidades ind ígenas conservadas. Depois foi Jacques
Mas a especulação e a ditadura inconfessa dos bancos
Gré ber, em 1919, quem trouxe de volta o Concurso de Fila - e do estatismo crescente impuseram por muito tempo essas
d élfia , em que ele alongou os “Champs-Élysées” em diago-
nal, dentro do traçado em quadrados existente. Em 1927, teorias que são n ão só destrutivas, como ultrapassadas. As
foi D.- A. Agache que empreendeu a “remodelação” do Rio exigências da função anabólica do homem, no caso da habi-
tação, conduzirão a considerar como “neo-pardieiros” essas
de Janeiro — os morros, pequenas colinas, foram nivelados
e seu entulho serviu para ganhar algumas centenas de hec- construções que aumentam as malfeitorias da concentra ção
tares sobre o mar . metropolitana.
J.-C.-N. Forestier ( 1861-1930 ) arrumou os passeios de
Buenos Aires ( 1923 ) , de Havana ( 1926 ) e suscitou o renas- III. O planejamento do espaço
cimento da arte dos jardins na Espanha. Ernest Hébrard Simples disciplina de planejamento das cidades, o urba-
( 1875-1933 ) reconstruiu Salonique em 1918 e começou em nismo estendeu-se ao planejamento das regiões e aldeias, e
1921 os projetos de Dalat, Hanói, Saigon-Cholon , Hao-Phong depois da nação. Vimos aparecerem, a partir de 1930, os
* e Pnom-Penh. Relevamos as atividades de Danger na Síria,
A. Dervaux na Algé ria, Sé bille em Heliopolis. E. de Grõer
derivados : urbanismo rural, urbanismo regional, urbanismo
nacional, e recentemente até mesmo o urbanismo mundial,
partiu para dirigir os serviços de urbanismo em Portugal etc. quando se compreendeu que n ão existia problema parcial, e
O grande pú blico quase n ão conhece os homens que que ninguém poderia esperar salvar-se sozinho.
citamos nesses capítulos, ele só ouve falar estrondosamente No presente, portanto, o urbanismo designa o planeja-
de “Le Corbusier”, cujo verdadeiro nome era Charles-
mento do solo em todas as escalas, o estudo de todas as
Edouard Jeanneret. Esse suíço sonharia sempre com cidades
constru ídas sobre t á bula rasa! Ele transpôs o cubismo da
formas de localização humana sobre a terra. Partindo da
I organização dos grupos densos, ele teve que se estender a
pintura para a arte urbana, da qual fez uma espécie de escul - toda a “economia territorial” ( G. Sébille ) , n ão tendo outro
tura na escala das massas. Todos conhecem suas grandes
“encenações”: arranha-céus, casas-torre ou casas-parede nas limite a n ão ser o oceano. Pode-se dizer que o Urbanismo
quais homens-m ódulos intercambi á veis devem viver como os tornou-se um Urbanismo.
habitantes do Falanstério de Fourier. Seus “projetos-mortei- Na Franç a, o Comissariado da Reconstrução, nascido
ro ” s ão contrários às necessidades de uma civilização que da lei de 11 de outubro de 1941, n ão teve nenhum poder de
clama por estruturas flex í veis , e não por pesadas casernas planificação regional. Foi a lei de 15 de junho de 1943 que
32 33
Capítulo 3
OS GRANDES PROBLEMAS DO URBANISMO

Em v á rios países, o ensino oficial reduzia a três os pro-


blemas do urbanismo : tráfego, higiene, estética. Em 1934,
respondendo a uma pesquisa da revista Urbanisme [ Urba -
I» nismo ], colocamos da seguinte maneira os problemas gerais
que se oferecem a cada urbanista :
Problemas de tráfego;
!
Problemas de higiene e de conforto;
Problemas sociais e económicos;
Problemas de estética;
i
Problemas intelectuais e espirituais;
sublinhando bastante que esses problemas n ão se resolvem de
forma alguma nessa ordem imutá vel que vai da passagem
exclusiva para pedestres às verdades metaf ísicas. Tratava-se
apenas de uma exposição doutrin á ria de uma classificação
prática em vista de análises cujo objetivo é elucidar a escala
dos valores, a amplid ão das questões a resolver, questões

37
que só podem ser desembaraçadas através de uma visão planas, o caminho de ferro levou à criação de sub ú rbios exte-
global. riores, fixando em volta dessas novas portas de cidades que
Em 1940, desenvolvemos essa visão sintética na obra são as estações de trem, estrangeiros e visitantes.
Problèmes d’ urbanisme , a fim de fornecer aos estudantes e A fim de reduzir as barreiras artificiais que o caminho
pesquisadores o embrião do tratado de urbanismo que cons- de ferro constitui nas cidades, é aconselh á vel suspender de
tituem os livros Le nouvel urbanisme e Mission de 1’ urba - sete a oito metros a linha ferroviá ria e repartir as estações
nisme. para evitar os congestionamentos de tráfego que elas provo-

I. Problema de trá fego


cam — emparelhando-as sempre com as estradas e os
aeroportos.
O tráfego, isto é, o conjunto das trocas de toda espécie, A via aérea logo transformará a fisionomia de nossas
materiais e espirituais, entre a cidade, sua região, o vasto cidades, o vôo vertical e silencioso trará problemas delicados
mundo e no interior dela própria , é a manifestação mais de infra-estrutura para as aglomerações densas demais.
tangível da vida urbana. J á quiseram também, com muita Em outros tempos a rua podia preencher duas funções,
freqiiência, reduzir o urbanismo a uma quest ão de tráfego, sendo que a primeira consistia em canalizar o tráfego, e a
encarado sob o â ngulo mais estreito da inspeção da limpe- segunda em vertebrar o retalhamento do solo. Atualmente
za das ruas e estradas. é necessá rio separar o caminho dos pedestres da trajetória
O meio local ou regional rege os acessos da cidade: dos veículos, às vezes por traçados independentes e por dife-
9 renças de níveis, seriando os veículos por categorias e velo-
acesso pela água, por estrada, ferrovia, ou aéreo. O planeja-
mento de uma cidade prisioneira de suas fronteiras comunais cidade, sendo o escoamento função de homogeneidade, e
n ã o pode levar a nada, é preciso estudar a rede de comu- enfim, liberar as casas da rigidez do alinhamento atual.
nicações na regi ão da qual ela faz parte. Traçados diferentes, perfis alongados, perfis atravessa -
A decisão sobre a via navegável : canal marítimo ou dos, simétricos ou assimétricos, plantações de alinhamento,
fluvial, por sua origem geográfica , sua profundidade e nível desdobramento das calçadas dever ão concordar com a topo-
impostos é um dos acessos mais seguros da cidade, ao qual grafia ou ajudar a caracterizar as funções diferentes das vias:
subordinam-se os outros. A flexível via por terra é, ao con - trocas, residências, tráfego pesado, turismo etc.
trá rio, um verdadeiro gráfico registrador da vontade huma- As redes urbanas foram resumidas em dois tipos essen-
na. Assemelhando-se ao feixe de todos os movimentos de ciais e na reunião deles : o tipo concê ntrico ou em teia de
trocas, ela desafia toda topografia, seja acomodando-se a ela, aranha, composto por diversos tipos de vias, umas radiantes
seja vencendo-a por meio de pontes, viadutos, valas ou t ú neis. que vivificam , outras circulares que envolvem e unificam
A partir de 1850, a ferrovia veio modificar bastante a situa- ( esse tipo n ão passa da sistematização da ossatura das cida-
ção anterior, desviando ou reafirmando in ú meros importan- des que se formaram organicamente ) , e o tipo tabuleiro de
tes caminhos de trocas. Abandonando as cidades altas pelas xadrez , ou em quadrados alternados, essencialmente artifi -
38 39
ciai, que corresponde unicamente à necessidade de classifi- rias, que aparecem às vezes em seis níveis diferentes, como
car e recortar o solo em lotes iguais. Seu erro foi sublinhado, em Nova Iorque, é enorme em capital, manuten ção, perda
na América, pelas numerosas diagonais de que devem atra- de tempo e gasto humano. Tudo isso para uma atividade que,
vessá-lo hoje, por milhões de d ólares. De fato, toda aglome- desde que ultrapasse uma escala bastante reduzida , obt ém um
ração um pouco extensa é de tipo policêntrico. rendimento n ão proporcional a sua intensidade, uma ativi-
dade que n ão é de forma alguma produtora, nem propor-
É preciso abster-se de confundir uma praça , lugar essen-
ciona a elevação do n ível de felicidade, uma atividade cujo
cialmente fechado e tranqíiilo, em que o tráfego só desliza
principal uso é manter a centralização das capitais e das
lateralmente e de preferência unilateralmente ( praç a de
multidões.
Vosges ) , com uma rotatória ( a Bastilha ) , que é um lugar
de passagens, cruzamentos e tráfego giratório, verdadeira
pequena estação reguladora. 11. Problemas de higiene e de conforto
Para facilitar o tráfego e diminuir os pontos de conflito Ao estabelecer uma aglomeração devemos nos distan -
pode-se evitar o encontro de mais de três vias ( sistema hexa- ciar dos solos que possam conter emanações perigosas ou
gonal Cauchon ) , estabelecer rotatórias para girar ( sistema água em excesso, carreiras abandonadas ou minas, penhas-
Hénard ) , regulamentar o tráfego proibindo certas girató rias cos roídos pelo mar, meandros e dunas móveis e, de maneira
e dividindo os fluxos ( flow-system ) , multiplicar os sentidos geral, de toda posição topogr áfica n ão estabilizada.
ú nicos, fechar numerosas vias laterais para o tráfego mecâ- A água, necessidade primeira de toda vida, comandou
I* nico, criar passagens suspensas ou subterrâ neas, prever, em outrora a fixação das aglomerações. A cifra elevada e inces-
certos casos, cruzamentos de diferentes níveis em forma de santemente crescente do consumo industrial e caseiro traz
trevo, ou outra forma . Isso se se tratar de estradas, pois essas limites ao desenvolvimento exagerado das metrópoles. Nada
“ tubula ções” podem destruir todo o contato humano em
pode assegurar uma alimentação possível para 50 milh ões
plena cidade, como no caso do trevo do Dique, em Esto- no México, ou 30 milhões no Cairo.
colmo.
Numa distribuição de água , a água sai do reservatório
Sobretudo é preciso, segundo os economistas, urbanis- em condutores mestres que seguem as artérias maiores da
* 11
tas e comerciantes mais qualificados dos Estados Unidos, população densa . A rede de distribuição é uma rede em
*
evitar o congestionamento fazendo construções baixas ( lojas malha , isto é, composta por diversas redes ramificadas cujos
I
com um andar ) , sem superpor a elas escritórios ou com ércio braços comunicam-se entre si.
em apartamentos, que provocariam a aglomeração dos usu á-
rios e seus veículos nos caminhos comerciais existentes no
No caso da evacuação das águas usadas, os condutores
n ão podem estar carregados, as águas usadas escoam por
solo.
gravita ção, os traçados em plano perfilados longitudinalmen-
O custo de todos os sistemas de transportes numa me- te ou transversalmente est ão estreitamente sujeitos à topogra-
trópole, desde a calçada comum at é o metr ô para mercado- fia, a rede só pode ser ramificada.
40 41
Em vez de buscar concentrar finalmente a evacuação O verdadeiro meio de arejar, ensolarar, sanear a cidade,
em um ú nico coletor geral, é preciso, ao contr á rio, tender tanto qu ímica quanto fisicamente, é, na verdade, sua aliança
à multiplicação dos pontos de evacuação, à obtenção dos com o verde. A cidade em meio ao verde é o ideal de
coletores de diâ metro fraco, e até mesmo à realização de um Howard, e o verde em meio à cidade é o ideal das munici -
sistema de tratamento por grupo e por bairro, como no caso palidades americanas.
do aquecimento.
O espaço livre plantado, a “ terra viva”, segundo a ex-
As fachadas principais apresentando-se com as melho- pressão de J.-C.-N. Forestier, deve ser repartido segundo
res condições de habitabilidade, isto é, regularidade de expo- uma hierarquia harmoniosa. Um sistema de parques com-
sição ao sol, mínimo relativo no verão e m á ximo relativo de preende as grandes reservas nacionais ou regionais, os par-
exposição no inverno, nas horas em que as radiações viole- ques suburbanos ou urbanos, os cemit érios- jardim ( em nome
tas se manifestam com o m áximo de intensidade, devem estar dos quais R . Auzelle tentou uma verdadeira renascença ) , os
voltadas para o sul. As exposições leste e oeste acarretam a jardins de bairro, os terrenos de esporte ou de jogos, bem
irregularidade da exposição ao sol; são as mais quentes no como os jardins para ciranças, enfim, conectando o todo, as
verão, e no inverno são mais frias que as fachadas sul, su- avenidas-parque que devem constituir uma rede ininterrup-
deste e sudoeste. As medidas actinométricas de Alfred Henry ta e completamente isolada das poeiras, das emanações no-
e Marboutin mostraram que a direção mais favorável para
dar a uma rua , ou a uma construção em comprimento , forma
civas, dos perigos do tráfego. Sobre essa rede de verde inde -
pendente devem se plantar as escolas , os terrenos de jogos,
com o meridiano um ângulo compreendido entre 60 e 75 os terrenos de bairro.
graus. Quanto aos trabalhos de R. Leroux sobre o anabo-
lismo, mostraram os graves danos sobre a sa úde da arqui- Entre os males crónicos do desenvolvimento das cida-
tetura chamada moderna. des modernas, contra os quais somos quase impotentes para
lutar, é preciso notar : os quarteirões insalubres, as choupa-
O vento exagera consideravelmente a ação do frio sobre
nosso organismo, é necessário evitar as largas artérias no nas miseráveis e privadas de luz, reproduzindo-se esponta-
sentido dos ventos violentos ou chuvosos; é conveniente in- neamente na economia capitalista; o perigo aéreo, provenien-
clin á-las, cortá-las com cortinas de á rvores e, ao contr á rio, te da proximidade dos objetivos estratégicos e da densidade
abrir as cidades meridionais em direção aos ventos frescos demasiadamente forte; o barulho, que em termos médicos,
do poente. Os bairros residenciais jamais devem estar à mercê talvez esteja no topo das nocividades da vida urbana ( A. e
dos ventos das ind ústrias, que desprendem fumaç as tóxicas G. Daniel ) ; a evacuação e destruição de lixo e dejetos etc.
e poeira. “Os poderes p ú blicos deveriam proteger o ar que Em conseqiiência de uma admiração infantil pela téc-
respiramos, da mesma forma que as águas e os alimentos nica, freq üentemente pretenderam reduzir os problemas de
que consumimos” ( Pe. Bordas ) 1. higiene às questões de descarga de esgoto; são essen-
1 . Apenas os sistemas de aquecimento a eletricidade, a gás ou a coque podem cialmente os sistemas de parques e o equipamento de higiene
.
purificar a atmosfera das cidades, e n ão os sistemas a carvão ou óleo social ( centros de sa úde, dispensá rios etc ) que podem lutar
7
42 43
PROFISSÕES LIBERAIS. IMPRESSÃO LUXO
contra o fato de que as cidades sejam “ biologicamente meios DOMÉSTICOS, SERVI ÇOS ADMINISTRATIVOS
inimigos e assassinos da vida” 2, dos quais se começa a COMÉRCIO TRANSPORTES
fugir. .
IND HOTELEIRA , CONSTRUÇÃO

IND. MINERAIS NAO MET Á LICOS - .


IND QUÍ MICA
IND. METALÚRGICA
III. Problemas económicos e sociais COURO, MADEIRA , ROUPAS
AGRICULTURA , PESCA , FLORESTA. IND , DE EXTRAÇÃO
O espaço urbano n ão é um simples espaço geom é trico,
15
--
too
--12
14

J.
mas um espaço social complexo e heterogéneo, formado por
uma multiplicidade de grupos secund á rios. Uns possuem
uma base local definida, mais ou menos delimitada, porém
11

7
5
-
-
1Ô 86

--6ô
K)

estreitamente ligada a uma porção de terreno: são os grupos


5
i
-
— --2 4

locais, formados sobre a vizinhança. Outros são associações 15- -- 14

J^
^
pessoais , fundados sobre a atividade e cujos membros são 11- 12

repartidos ao acaso. Essa distin ção fundamental, devida a 7-


906 --
O
8
5-
--—42
6

--

-J
Ren é Maunier, esclarece toda a evolução diferencial das 5
cidades. 1

--1210
15- 14

f
Os grupos locais ou comunidades de vizinhança est ão 11-
na base das famílias, ou casais, e n ão de indivíduos isolados.
3 - --8
f
São o toque e a vida corporal que fixam as dimensões dessas 5-
5-
-6
sociedades est áveis e fechadas. As associações de pessoas, -a
quando n ão ultrapassam o quadro urbano, unificam os agru- 15
11-
- - 14
12
pamentos locais, mas geralmente pertencem ao meio exterior , *7-- - 10
às vastas sociedades políticas, económicas ou ideológicas. 5-
Infinitamente cambiantes em relação a sua posição e dimen-
--
5
1
são, elas são fontes de instabilidade quando predominam exa-
geradamente sobre os agrupamentos de vizinhanç a e ultra- Fig. 2
— Perfis psicossociológicos

.
*
passam a escala humana.
( Laboratório de Investigação e Análise Urbanas )

No alto: Princípios da repartiçã o do n ú mero de ativos em catorze cate -


De fato, uma aglomeração humana é composta por gorias de cada lado de um eixo de equil í brio. Pol í gonos de freqiiê ncia em valor
relativo relacionado a mil habitantes ativos.
bairros e sub-bairros, escalões diversos ( que analisaremos no À esquerda: Evolu ção de Saint - Brice de 1886 a 1936, com valoriza ção dos
cap. V ) , tendo cada um deles um centro e limites, cada ativos trabalhando na comunidade ( em preto ) , e dos que devem trabalhar fora
( cm cinza ) .
escalão sendo, ele pr óprio, heterogéneo, e abrigando viz;- À direita: Evolu çã o da comunidade de Groslay de 1841 a 1936 com valo -
riza çã o do patronato ( cm branco ) e dos assalariados ( cm preto ) .
2 . Cf. Alexis CARREL, L' homme cet tnconnu. -
Interessantes conseqiiê ncias econ ô mico sociais são deduzidas desses exemplos .
44 45
é; social e economicamente, a grande cidade n ão d á mais e vazios no próprio seio dos quarteirões ou unidades de vizi-
resposta a sua função 3. nhança. É ao longo das linhas de força da rede que vêm
organicamente agregar-se os monumentos mais expressivos
VI. Problemas de est ética da vida urbana.
A missão das cidades n ão consiste somente em dispor A estética urbana baseia-se em leis elementares da
os homens uns próximos aos outros, num espaço social de vis ão. A grandeza aparente de um objeto varia segundo o
três dimensões, mas também superpô-los à duração. De fato,
distanciamento dele, sua inclinação sobre o eixo visual e a
a cidade, por sua materiliazação plástica das necessidades e altura relativa do olho. Um efeito simples será obtido pro-
dos ideais do homem, é a maior obra de arte coletiva. vocando a acentuação, às expensas dos outros objetos, de
A cidade é feita pelo homem e para o homem. Sua uma das dimensões reais de um objeto. Frente a um espaço
silhueta, seu colorido, seu jogo de cheios e vazios, seu car á- cheio, exageraremos sua verticalidade — se a decoração for
ter, sua escala, que eles provenham de seus materiais:
homens ou pedras, de seu terreno humanizado, de seus gêne-
em altura — por uma vista aproximada estreita e que atinja,
se possível, um teto m áximo; da mesma forma daremos
ros de vida passados ou presentes, da importâ ncia numérica
de seus habitantes, eles são os elementos constitutivos e pri-
supremacia à horizontalidade
gura — — se a decoração for em lar-
através de uma vista distanciada, desprendida e
mordiais de sua personalidade. necessariamente dirigida para baixo, como num mergulho.
O urbanista sempre deverá buscar exaltar, realçar o
terreno, dispondo sobre os “lugares altos” os edif ícios espi-
Frente a um espaço vazio — se a profundidade domina
alongaremos a perspectiva ou a fuga elevando-a ; se a largura

I» rituais, deverá cuidar do recorte do solo limitando a cidade dominar, perfaremos a impressão de fechamento, de cerca-
por um perímetro de aglomeração plantado e finalmente, mento, afundando-a. Toda curva côncava situada nos planos
para conservar a unidade, ele deverá dividir ( em cada região, horizontais ou verticais passando pelo olho “desenvolve” as
p cidade ou bairro ) os materiais em: a ) tradicionais recomen- impressões desejadas ( anfiteatro, crescent inglês, êxedra etc ) .
il dados; b ) de substituição, tolerados segundo a oportunidade;
Obteremos efeitos mais poderosos fazendo com que os
c ) proibidos.
fundos sejam precedidos por telas e corrediças em primeiro
O jogo de cheios e vazios compõe-se de superf ícies plano, contrastantes, se possível. Foi Sitte quem mostrou o
circulatórias, de espaços verdes e de volumes sociais. erro grosseiro cometido pelo século XIX, ao isolar os monu-
Se sobrevoamos uma cidade, vislumbramos sucessiva- 0 mentos para melhor vê-los, em vez de conservar os “ tapa-
mente sua rede , isto é, o conjunto das artérias mestras que olhos” indispensá veis, que naturalmente punham o observa-
se prolongam geralmente fora da cidade e delimitam vastas dor na melhor posição.
tramas , que se apoiam sobre a rede como sobre uma cadeia ,
Em outros tempos, a unidade e a beleza urbana eram
e determinam quarteirões no interior de cada uma dessas
filhas de uma disciplina consentida, de um instinto seguro e
tramas, enfim , as diferentes texturas ou repartições de cheios
de uma comunidade real de idéias. A degradação do gosto,
3 . Ver quadro em Mission de Vurbanisme , p. 465. a perseguição arrebatada do proveito individual obrigam a
48 49
regulamentar estreitamente as construções privadas. Essa
regulamentação deve ser t ão severa em relação aos culpa-
dos, quanto flexível e nuançada no que diz respeito a sua
concepção. Ela n ão pode ser fruto de escrit ório ou artigos
V. Problemas intelectuais e espirituais
Bergson distingue entre o espiritual , o esp í rito em si
que prospera nas vias da criação contínua e faz florescer em
1
sua passagem obras estéticas, religiosas, polí ticas, sociais,
bem classificados, mas sim resultado de pareceres esclareci-
pelas quais o homem manifesta sua liberdade, e nas quais
dos de um verdadeiro artista.
consiste propriamente a civilização, e o intelectual , ou um
Cometeu-se o grave erro de subordinar as regras de
desvio desse espírito em direção à utilização da matéria pelo
aspectos a preceitos de higiene simplistas. É preciso aban-
homem , englobando portanto as relações necessá rias entre as
donar a noção mecâ nica de gabarito, as margens de recuo
forças exteriores, e conseq üentemente submetido a essas
abusivas que conduzem às pequenas casas de campo isola-
das em seu selvagem individualismo. É através do agrupa-
relações. É o Homo faber , em quem certo materialismo acre -
ditou ver a fonte de todo progresso.
mento org ânico, da composição em quadros urbanos, que
se poderá obter uma melhor utilização do espaço livre , a Na Renascença, o homem fez a descoberta do humano.
amplitude de visão, uma economia geral do trá fego e a renas- Tendo voltado seu olhar em direção a si próprio, pôs-se a
cença do sentimento comunitário. adorar-se enquanto criador, em lugar de continuar a condu-
Toda uma estética deve nascer de uma expressão nova zir-se como uma criatura submetida à própria ordem da
dos agrupamentos sociais. Assim o tratamento de uma cida- criação. Resultou da í, como nota Maritain , a instauração de
de, concebida como uma federação de comunidades plasti - uma cidade sem Deus, “de uma cidade que ignora de uma
t camente autónomas, conduzirá, de um lado, a uma multipli - maneira absoluta, como cidade, qualquer outro fim que não
cidade de centros de interesse, e portanto a uma silhueta seja a perfeição humana exclusivamente terrestre” 5.
guarnecida como a da cidade medieval, e de outro lado, a Se a “histeria industrial”, o movimento de centralização
uma arte urbana de inspiração mais grega que romana . De negligenciaram todos os valores humanos profundos, por
fato, todos os monumentos comunit á rios valorizados, cada sua vez as tentativas mais louváveis das utopias socialistas
I iill um em seu quadro, n ão estarão alinhados ao longo de uma ( por ex., a cidade- jardim de Howard ) visavam apenas ao
grande avenida, nem servirão de fundo de rua ou perspectiva bem-estar, a edificar um Paraíso terra a terra. Ora, todos os
de grandes traços devastadores à moda de Haussmann. Eles realizadores de comunidades reconhecem , com a experiência,
estarão descartados das artérias de tráfego mecâ nico, e o que n ão se pode “organizar” um paraíso sobre a terra e que
acesso a eles será feito por aléias de passeio e eles serão per- n ão h á outra solução pr ática e efetiva para todos os proble-
cebidos pelos ângulos. As praças, os conjuntos assim com- mas sociais a n ão ser o amor ao próximo, a caridade.
postos n ão apenas responderão às leis da simetria
impuseram desde a Renascença —
que se
mas reencontrarão os
— Para levar os homens a. substituir o ódio e a inveja pelo
equilíbrios óticos da acrópole grega ou das praç as medievais 4. amor e pela caridade, um enorme trabalho de educação infe-
rior e exterior está para ser empreendido. É necessá rio, de
4 . Cf . fig. 5 . Cidade de caráter federativo, composta segundo os métodos de
organização polif ónica no ISUA. 5 . Antimodeme ( Revue des jeunes , 1922 ) .

50 51
uma vez por todas, recolocar o fermento evangélico na massa
humana, e utilizar quadros em que as aproximações huma-
nas, multiplicando-se sem falta, solicitem dos homens uma
união cada vez mais estreita.
Foi para as sociedades simples e fechadas, para os
pequenos grupos que a estrutura moral, original e funda- Capítulo 4
mental do homem foi feita. Em meio às multidões, aos gran-
AS CINCO FASES DO ESTABELECIMENTO
des n ú meros, o homem é atomizado, atingido pela impotên-
cia, pelo isolamento, pelo desenraizamento. DE UM PROJETO DE PLANEJAMENTO

Ora, se era relativamente f ácil, na Idade Média, forjar


uma civilização para pequenos grupos, pode-se conceber o
qu ão dif ícil é a tarefa para o nosso século: levar as massas
à consciência de si mesmas, a sua maioridade espiritual,
evitar sua dissolução nas multidões, permitir ao mesmo tem-
po seu crescimento em n úmero e em qualidade, em força e N ão podemos mais contar com o empirismo organiza -
em sabedoria. dor que convinha às sociedades est á veis, que se renovavam
seguindo tradições bem estabelecidas. Nas condições moder-
É preciso compreender muito bem sobretudo que os
f nas de atividade, cada ind ústria, cada instituição, cada su-
pequenos quadros desempenham o papel que a terra desem-
perf ície tem necessidade de um projeto e de um programa
penhava para Anteu, no que diz respeito à criação das vastas
de desenvolvimento.
fedferações: apenas eles podem permitir o desabrochar total
da pessoa para a tarefa prometeica que espera as gerações O planning deve se realizar no nível da comunidade, da
futuras. região ou da nação, como também no nível da empresa ou
Reencontrar os quadros à altura do homem, sua hierar- da profissão. Porém, como todas as associações e todas as

«I
quia, sua grandiosa federação, fazer viver neles todos os
homens, nas melhores condições possíveis, mas em vista de
organizações se manifestam sob formas espaciais —
ou menos localizadas ou difusas, mas sempre condicionadas
mais

seu desabrochar espiritual, eis aí a alta missão dos urbanis-


tas, que devem ser convocadores de almas ®!
pelo terreno — concebe-se que a orquestração final das clas-
sificações verticais e horizontais deve ser confiada a um
organizador do espaço. Esse é um ponto que as m últiplas
comissões de organização profissional, económica e social
parecem ter desconhecido totalmente. Esse esquecimento da
geografia pode lhes custar o desmoronamento de seus edif í-
6 . Ler a esse respeito Domain, c’est V an 2000 e Je dors mais mon coeur veille. cios sem fundações.
52 53
A coordenação entre os diferentes plannings da classi-
n ão se deve omitir a crítica dos testemunhos recolhidos, pois
cada pessoa consultada vê apenas um aspecto da quest ão.
ficação vertical ( organização profissional ) e da classificação
horizontal ( organização territorial ) só pode se realizar ple- A investigação monográ fica: ou descrição de cada
namente no seio da região. Eis porque vamos esboçar as zona , de cada grupo, de cada fato particular que apresente
grandes fases do estabelecimento de um projeto regional. uma individualidade distinta. Se os fatos ou grupos são nu-
Elas são em n úmero de cinco 1 : merosos demais para serem analisados individualmente, é
—— as investigações e as análises;
avaliação crítica das necessidades e das atividades;
preciso proceder à an álise de “ amostras”, utilizando, de pre-
ferência, o método da tripla amostragem.

— síntese ou composição do plano diretor propriamente


dito;
Evidentemente, essas três investigações n ão podem se
separar. A cada passo, é preciso ir do geral ao particular, e
depois de cada detalhe particularizado, voltar ao conjunto,
— os programas de aplicação e a ordem de urgência ; como em toda composição. O essencial é chegar, após diver-
— a aplicação educativa e as colocações do plano. sas “ peneiradas” sucessivas e sondagens repetidas, à obten-
ção de uma visão realmente sintética do assunto posto em
I. As investigações e as análises observação.
Todo o valor do Projeto e do Programa depende da O arranjo ordenado e a apresentação gráfica desses
an álise das estruturas e das funções urbanas e regionais, ou dados por meio de mapas, estat ísticas e fotografias permite
f dizendo de outra forma, da investigação prévia, jamais sutil uma visão de conjunto, e sobretudo impede uma observação
o bastante em seus recortes. parcial porque limitada , que leve a generalizações erróneas.
A pesquisa e a reunião dos testemunhos que permitam Foi Patrick Geddes o primeiro a estender para a região a
um diagnóstico seguro se decompõem, segundo a escola de survey ( literalmente: agrimensura ) , a investigação sobre o
Le Play, em três investigações superpostas: local.
A investigação bibliográ fica: exame minucioso dos ar- A importâ ncia dessa investigação é tão grande que tive-
quivos e obras anteriores, tradução das estatísticas existentes mos que organizar um verdadeiro Laboratório de Investiga-
por meio de representações gráficas, cartogramas etc. ção e de Análise Urbanas , que teve por objetivo estabelecer
A investigação pessoal: feita por uma pessoa e endere- um grande n ú mero de documentos comparáveis entre si,
çando-se a pessoas, e na qual se manifestam as qualidades condição essencial para a aplicação dos procedimentos do
psicológicas do investigador. Não se pode negligenciar nenhu- método experimental. Expomos alguns desses princípios, in-
ma das autoridades “sociais” a interrogar , e na série das teiramente novos, em nossa obra Principes inédits d’enquéte
interrogações, deve-se proceder do simples para o composto, et d’analyse urbaines [ Princí pios inéditos de investigação e
dos seres mais próximos das coisas até os chefes; finalmente, de análise urbanasY .
2 . Esgotado, mas retomado em Le nouvel urbanisme ( 1948 ) .
1 . L. Mumford, de quem retomamos a elogiável análise, agrupa os itens IV e V.

54 55
A detecção de escalões foi feita poi
As estrelas simbolizam os pontos de
investigações e observações diretas, que atração : edif ícios e servi ços públicos
se tornaram bastante dif íceis nesse caso em número insuficiente. Os traços ne-
particular de aglomeração bastante gros indicam os alinhamentos comer-
apertada entre a montanha e o mar , ciais.
i» com população muito densa , casas As faixas urbanizadas 1 , 2, 3, 4, 6
muito altas. e 7 são escal ões paroquiais mais ou
menos estruturados em que faltam es-
colas e servi ços públicos, a , b , c, 5, 8 ,
9 e 11 são escalões domésticos.
r Fig. 3 — Topografia social de Accacio ( por Gaston Bardet, 1943 )

Criamos uma família de Perfis sociológicos ou Perfis B: A investigação por corpo: no momento atual, compre-
polígonos de freqiiência permitindo caracterizar a atividade, endeu-se a importâ ncia das investigações precedentes, mas
por gênero de vida, dos seres urbanos, depois estabelecimen- essas só podem se efetuar de maneira bastante exterior. É
i to dos planos de topografia social representando cada habi- indispensá vel que se empreendam oficialmente investigações
i tante, ativo ou n ão, segundo sua profissão, seu gênero de vida por corpo, ou dizendo de outra forma, que sejam os grupos
e seu lugar próprio, domicílio noturno ou ateliê diurno. É constitutivos da cidade ou da região, grupos locais ou asso-
um mundo ignorado que se oferece a nossos olhos e que ciações de pessoas que determinem por escrito e em sua
assegura ao novo urbanismo seu cará ter experimental 3. pró pria escala , suas necessidades, que os bairros e as socie-
3 . A evolução social do ser urbano, através dos tempos, torna -se visível por dades vizinhas se conheçam mutuamente e avaliem entre si
uma superposi ção de decalques que constituem também cortes anatômicos, o que constitui as necessidades particulares de cada um e
ver fig. 6.
as necessidades comuns do conjunto.
56 57
Assim, quando o urbanista começar a orquestrar, a con- cos, para conservar como base certa unicamente as grandes
centrar num projeto e num programa as necessidades da constantes clim áticas, geográficas, psicológicas, metaf ísicas,
cidade, todos os corpos interessados, locais ou profissionais, ou as constantes sociais provenientes da escala das diferentes
terão sido consultados, terão dado seus desiderata , por escri- comunidades orgá nicas e do alcance do homem, que analisa-
to, e estar ão de acordo sobretudo no que estiver numa remos no Capítulo V. As necessidades e atividades poten-
escala em que eles possam julgar. ciais ser ão, portanto, ordenadas em vista dessa nova arquite-
tura de valores, arquitetura t ão distanciada do individualis-
mo an á rquico quanto do coletivismo tirâ nico.
II. A avaliação crí tica das necessidades e das atividades
Entretanto seria necessá rio abster-se de incorrer no erro
Até aqui, a avaliação foi feita, freq üentemente, sem dos planistas, erro que consiste em crer que os funcion á rios
espírito crítico; contentamo-nos em fazer crescer fotografica- armados de investigações e estatísticas podem decidir, de
mente as concentrações existentes, na esperança insensata antem ão, sobre as necessidades e suas repartições. Num pro-
de transformar cada pequeno burgo em metrópole! Era a jeto regional, podem-se avaliar as possibilidades, os recursos
megalomania de certos prefeitos, de certos presidentes de naturais, mas quase que se ignora totalmente o sentido da
câ maras de comércio ou representantes de interesses parti- demanda futura e as inserções exatas que produzir ão as in-
culares — e n ão a consideração comum por todos os grupos venções novas e sobretudo as intervenções humanas nas
humanos interessados — que inspirava os autores de pro-
jetos que eram descartados, caso resistissem. Da í o exagero
grandes correntes de trocas.
f habitual nos meios de transporte, em novos sistemas de con- O essencial é partir de uma escala de valores que res-
servação de ruas e estradas, em superf ícies de extensão, ou
os exageros em altura e densidade, que oneram os orçamen-
ponda a relações reais. Nossas construções
nas — — criações huma
serão sempre imperfeitas, e necessitarão de revisões
-
tos e desencadeiam a especulação. freqiientes. Nossas previsões serão verificadas apenas du-
rante um certo tempo, o tempo necessá rio, no presente esta-
No sistema econ ómico delirante, o ú nico objetivo era
do, para reunir-se a elas e n ão ultrapassá-las demais. A ú nica
inchar a cidade ou a região à maneira das municipalidades
certeza que temos é que a realidade decorrerá sempre dos
1 americanas, na louca esperança de aumentar os benef ícios
,

dos grandes produtores ou dos intermediários. De forma projetos mais bem estabelecidos, sem que quase n ão seja
possível prever em que momento, nem em que sentido.
I
-
alguma imaginava se subdividir todos os elementos: tempo,
espaço, grupos sociais, a fim de poder resolver o problema Est ão longe de um tal esboço, que busca sempre juntar-
dos “grandes n ú meros”, fazendo com que eles reassumissem se às realidades profundas e perenes, n ão indo nem contra
a escala própria do homem. O planning tornava-se um pla- a geografia , nem contra o homem, esses projetos perigosos
nismo de cumplicidade com a concentração capitalista. de arquitetos orgulhosos que confundem a grandeza com a
Essa avaliação supõe uma revisão dos valores correntes, desproporção de escala, e que são expostos complacente-
dos embaraços, dos modos ou dos resíduos de sistemas cadu - mente pela imprensa.

58 59
III. A sí ntese ou composição do plano diretor co, de construção de rodovias e pontes, de palácios ou de
As duas primeiras fases trabalhavam principalmente casas de campo ou praia. São espaços sociais que se mate-
com o espírito científico e filosófico do urbanista. A terceira rializam sobre a folha. Trata-se de traduzir geograficamente,
fase clama pela intuição e pela imaginação criadora. É em sejam atividades sobre superf í cies , sejam superf í cies em meio
vista dela que todo urbanista deve ser um artista cultivado. a atividades, de representar o homem e o solo em suas inter-
relações e interações m últiplas.
Por meio de alguns traços, algumas manchas de cor,
alguns riscos contínuos ou algumas semeaduras, o urbanista O urbanista , quando compõe, n ão compõe com faixas
re ú ne numa ú nica composição uma armada de projetos es- de macadame, mas com correntes de trocas; n ão com deco-
parsos: rotas, pontes, mensuração de um rio, extensões de rações de praças ordenadas, mas com lugares de aglomera-
um bairro, de um hospital ou de uma biblioteca, desloca- ção para multid ão; n ão com á rvores ou flores consideradas
mentos de ind ústrias, reflorestamentos, zonas de silêncio ou como adorno, mas com espaços verdes de ligação ou de
perímetros de proteção de terreno etc. separação entre as diversas zonas; n ão com grupos de casas
de campo ou arranha-cé us, mas com comunidades ou fun-
A superposição, a trapalhada de todos esses projetos ções especializadas. É uma arte de estrat égia , muito mais que
provenientes de espíritos, de técnicas diversas e visando obje- uma arte de pedreiro, uma arte de distribuição de atividades,
tivos muito diferentes mostra as incompatibilidades, as opo- dizendo de outra forma, uma arte de homens sobre super-
sições, os erros de visão de cada um e a fragilidade de certos f ícies. Acrescentemos que a amplid ão das composições a
estudos. Ao contrá rio, felizes conjugações, oportunidades serem realizadas conduz a utilizar o trabalho em equipe

até aqui pouco aparentes revelam-se. A confrontação cons- segundo os métodos da Organização Polif ónica, ajustadas em
tante com os cartogramas de investigação mostra os recur- nosso Instituto de Bruxelas. Totalmente opostas ao tayloris -
sos inexplorados, as lições do passado, as possibilidades mo, que “cretiniza” o indivíduo, a Organização Polif ónica
expandiu-o desenvolvendo seu poder criador. Expusemos
>
abandonadas que podem ser retomadas — em conseq úê ncia
do retorno aos transportes flexíveis ou à máquina leve des- seus princípios em Demain , cest l’ an 2000 ( capítulo VIII ) .
í centralizada, por exemplo. Lembremos que uma grande parte dos projetos que
1 Enfim aparece o projeto, no sentido completo da pala- foram propostos sob o nome de urbanismo consistiam em
I vra. Não se trata de um mosaico de concepções diversas, esboços de “encenadores” e n ão tinham nada a ver com o
i mas de uma orquestração de partituras freqiientemente muito desabrochar das comunidades no espaço! As construções n ão
i
diferentes no início. Nele, a intuição e a lógica comandam fazem a cidade. A repartição dos grupos locais, seus lugares
alternadamente. de reunião, sua organização interna, seu isolamento ou co-
operação têm uma ação muito mais direta e ú til sobre a vida


Trata-se realmente de uma Arte —de uma arte maior
aquela que deveria nascer para exprimir o advento das
urbana do que projetos de loteamentos ou esgotos. É nas
canalizações, nos serviços materiais, no conforto material
massas — mas n ão de uma simples arte de espaço geométri- que devemos ser mais económicos, e nas instituições, nos
60 61
serviços sociais, no desenvolvimento espiritual que devemos Todo plano, que não passa de cordões entrelaçados e
ser mais generosos, como lembra o economista americano manchas de tinta, só tem valor acompanhado de seu pro-
Lewis Mumford. grama de aplicação que, de um lado, deve ser um programa
de realização e, de outro, deve indicar a evolução desejá vel
A arte urbana de nossa época deve simbolizar uma
de cada superf ície-atividade.
idéia mestra, uma idéia-força, a própria idéia da época.
Ontem, dominavam na cidade: o castelo, a catedral ou o Planejar uma aglomeração é equipá-la com lugares de
palácio, depois recentemente a estação ferroviá ria, a grande reunião, espaços livres, serviços pú blicos, e n ão unicamente
loja, a f á brica. O mundo de amanhã será um mundo onde disciplinar a iniciativa privada. Um Programa de planeja-
se equilibrarão comunidades sociais. As construções comuni- mento deverá, portanto, comportar duas partes complemen-
t á rias p ú blicas ou semi-pú blicas, os lares desses grupos locais tares mas hierarquizadas, a primeira visando ao urbanismo
ou regionais, os serviços sociais ser ão poderosos edif ícios
que deverão dominar o magma urbano. Eles é que erguerão
ativo — o equipamento propriamente dito
o urbanismo passivo — —
e a segunda
a disciplina da iniciativa privada.
as verticais e por ão à vista grandes espaços livres. E em Esse equipamento ativo deverá ser estudado bairro por
volta desses “guias” é que se ordenará a vida das federações bairro, escalão por escalão, prevendo, no interior de cada
de comunidades. um deles, lugares de reunião, edif ícios pú blicos e semi-pú bli-
cos, serviços sociais, casas comerciais, e depois os espaços
IV. Os programas de aplicação e a ordem de urgê ncia
livres, pátios de escolas, terrenos de jogos, de esporte, de
Nos programas de empresas industriais ou comerciais aterrissagem, parques, e finalmente o equipamento para o
de dimensões limitadas, naquelas em que os objetivos são tráfego e transportes, o equipamento sanit á rio, canalizações,
próximos, interessados, e onde o comando único possui toda e conforto material.
a autoridade necessá ria, as três fases precedentes aparecem
Atualmente, os regulamentos passivos chamados “de
apenas como operações preliminares. É a aplicação do pro-

lit
grama — aplicação constante e cont ínua
efetivamente o planismo econ ómico.

que constitui
servidão”, apoiando-se sobre o recorte em zonas ou classes
económicas homogéneas \ e n ão sobre os bairros ou escalões,
quer dizer, os agrupamentos sociais heterogéneos, não per-
«i
Deve ser da mesma forma no planejamento do espaço. mitem praticar um urbanismo que se case com a realidade.
I i £ Ora, essa fase de aplicação jamais foi convenientemente re- Aliás, para guiar a iniciativa privada nenhum regulamento
i iit* solvida, no caso do planning regional ou mesmo comunal, pode ser suficiente, sendo toda regra exterior ao objeto des -
em conseqiiência da amplid ão do assunto, da complexidade truidora, e n ão criadora. N ão será o caso de controlar , mas
dos meios que devem ser postos em obra, dos fins humanos sim de pré-educar essa iniciativa.
elevados em oposição com os interesses imediatos, da rari-
dade dos homens de boa vontade capazes de se sacrificar 4 . Em certos países, com nos Estados Unidos e na Alemanha, n ão é o projeto
de planejamento que determina o zoneamento; esse é institu ído, previamente,
pelas gerações futuras, enfim, em conssq úência da ausência por uma lei sobre a utiliza ção do solo, chamada “ projeto económico”. O
de um comando único. zoneamento tem ent ão, por objetivo, impedir a alta do preço dos terrenos.

62 63
Em vista da realização do equipamento e das atividades adaptação cont ínua. Desde que ele passe da pequena escala
a desenvolver ou das seq üelas a serem apagadas, uma Ordem
aos detalhes de execução choca-se contra o estado dos fatos,
de urgência , por etapas, deve ser estabelecida. Essa ordem
contra as convenções, contra as resistências mais ou menos
de urgência mostra-se bastante delicada em conseqiiê ncia
das intervenções do meio exterior, mas ainda mais talvez, respeitá veis e, às vezes, contra as oportunidades felizes da
em conseqiiência das separações existentes entre todos os vida.
serviços e métodos de financiamento. É bem evidente que
De forma alguma se trata, aliá s, de compromissos, mas
nenhum organismo, cidade ou regi ão, poderá satisfazer suas
sim de que cada detalhe do plano relacione-se mais estreita-
necessidades se n ão tiver um orçamento autónomo, uma
direção representando os agrupamentos interessados para mente a cada detalhe dos fatos. É preciso partir dos fatos
perseguir seus objetivos distantes, se ele n ão constituir um
“corpo” orgâ nico e organizado frente a outros corpos cons-
— e n ão do plano— e deixar que os fatos sugiram um ama-
ciamento, uma utilização nova e até mesmo uma verdadeira
titutivos da nação, mais ou menos poderosos que ele. retificação dos programas, que só podem ser muito genero-
sos. Nenhum plano ou programa pode prever automatica-
A investigação e a avaliação críticas são indispensáveis
mente todas as contingências, nem todos os casos particu-
se quisermos ter planos realizáveis , mais ainda é preciso que
eles se realizem . Isso só é possível, em todos os campos, caso lares de aplicação, nem a revolução irreversível do tempo.
os próprios interessados estejam à altura de coordenar as Ele se arrisca à ineficácia, como síntese, se sacrificar, no
atividades que os regem e de repartir os fundos que lhes são início, a clareza em nome da multiplicidade de ajustamentos.
f necessários 3. Esses devem ser efetuados no nível de todos os chefes de
atividades que o plano coordena, mas n ão sob o impulso do
Ê evidente que, a menos que haja uma mudança total
do espírito de nossa administração, particularmente no que
diz respeito às Finanças, jamais chegaremos ao resultado j á
autor do plano — a menos que a amplid ão do assunto n ão
torne isso impossível.
mencionado durante o Congresso de Londres ( 1935 ) sobre Fora as revisões qüinqüenais correspondentes a cada
o planejamento positivo : “ Nós amontoamos planos sobre
I I planos, mas n ão podemos realizá-los” ( T. Charles ) .
recenseamento demográfico, que parecem se impor, estão os
i próprios problemas que, ao surgir, ajudar ão o plano a ama-
V. A aplicação educativa e os ajustamentos I durecer e desabrochar seguindo a ú nica direção —
a um só
i
Essa última fase consiste em fazer a integração do plano
tempo sólida e flexível —admissível, que é a direção de um
homem, e n ão a de regulamentos ou administração.
nas formas caducas, fazendo com que ele substitua a rotina
e a negligência. Aí então é que o plano deve sofrer uma De fato, os verdadeiros planos são sobretudo instrumen-
tos de educação para a iniciativa privada, os organismos
5 . Os fracassos vêm sempre da fraqueza dos grupos locais diante das associa-
ções pessoais que utilizam inter-conex ões financeiras cada vez mais nortea p ú blicos e semi-p ú blicos e, n ão esqueç amos, para os agentes
-
das por grandes poderes econ ómicos ou financeiros. de execução da Secretaria Permanente de Urbanismo, que
64 65
dever ão pô-lo em andamento. Esses planos n ão podem espe- Um projeto de planejamento não pode ser feito rapida -
rar se realizar se, depois de terem forçado as comunidades mente. Ele n ão pode simplesmente ser uma coisa organizada ,
a exprimir suas necessidades, n ão colocarem claramente as mas sim orgâ nica , e demanda seu tempo particular de
gestação. Eis porque as medidas de salvaguarda devem ser
tendências potenciais, se n ão possu í rem as qualidades de irra-
diação e profusão, de profunda verdade humana , indispen- reforçadas a fim de permitir ao urbanista que ele dirija a
atividade urbana, sem retard á-la muito, e esperando que seu
sáveis a todo educador. Na falta de uma participação, de
projeto desabroche por si próprio.
uma compreensão inteligente de todos os realizadores par-
ciais, chefes ou subordinados, privados ou oficiais, os planos O urbanista deve se abster de querer impor sua perso-
comunais ou regionais permanecem letra morta, isso quando nalidade nas realizações sumptu á rias, como se arriscam a
n ão chegam mesmo a se tornar nefastos, como todo esquema fazer tantos construtores que só enxergam o imediato. Exis-
despojado de carne. tem arquitetos de talento que jamais se tornar ão urbanistas,
pois sua personalidade por demais individualista os encerra
Eis aí porque são as grandes constantes geológicas, eco-
em si próprios; eles n ão podem participar ativamente do
n ómicas e psicológicas que devem servir de base para tais
quadro paisagístico ou humano. O verdadeiro urbanista é,
planos, e n ão as necessidades particulares ou as ambições no fundo, um m édium que “dilata em si mesmo a alma
dos administradores ou poderosos do momento! Dessa for - social”, diria Bergson , e infunde um espí rito novo a cada
ma, esses planos permanecerão orgâ nicos e apresentar ão célula da aglomeração ou da região, mas que jamais procura
todas as qualidades indispensáveis de flexibilidade, ajusta-
I» se impor através da desordem ou do empilhamento de
mento e renovação. Eles ser ão geradores dessa multiplici- pedras de alvenaria ou tijolos e cimento mais ou menos
dade de soluções de detalhes, soluções todas elas convergen - armado.
tes e que conduzem à verdadeira unidade.
A explosão demogr áfica acaba de acelerar as realiza-
ções urbanas. Porém, de mãos dadas com os “ arranjadores”
VI. Conclusão concentracion á rios que tudo ignoram da topografia social ,
I
.
É preciso compreender muito bem que n ão devemos ela vai dar nos “grandes conjuntos” que são a antítese dos
I *
Í \
“fazer” um projeto de planejamento, mas sim que “ele mes- “espaços tranquilizadores” reclamados pelos sociólogos e
i I
mo é que deve se fazer”. Longe de conceber uma grande psicólogos. Bem longe de buscar duplicar as metrópoles exis-
I « i

decoração que se verá desmoronar à medida de sua confron- tentes, é preciso revivificar demográficamente o espaço tran-
tação com os fatos, o urbanista deve partir de raras muta- sicional , isto é, o espaço rural , que se situa entre as comuni-
ções e proceder por toques sucessivos. Ser ão as demandas dades agr ícolas inferiores a 2 mil habitantes e as “ unidades
dos agrupamentos sociais que lhe permitirão construir len- urbanas” superiores a 20 mil habitantes. Todo plano regional
tamente sua síntese. O tempo desempenhará, portanto, um equilibrado deve harmonizar esses três tipos de espaços :
papel fundamental na sua maturação. agrícola, rural e urbano.

66 67
Em resumo, as condições de um planejamento realizá-
vel do espaço são uma total submissão do autor ao objeto ,
um grande alcance de visão, igual dose de bom senso e
intuição e o senso muito raro na França — país de arqui-

tetos e juristas do devir. O essencial para um “planeja-
dor ” é n ão se transformar num “pianista”, isto é, num Capítulo 5
tecnocrata de escritório.
PRINCÍPIOS DE UM PLANO
NACIONAL DE URBANISMO

A grave crise de 1929 levou o National Resources


Committee a estudar todos os problemas da nação america-
na. Seu Comité de Urbanismo, após ter analisado o papel
insano da especulação sobre os terrenos, as inquietantes
repercussões da concentração exagerada e da repartição
desordenada das ind ústrias, concluiu sobre a necessidade de
um plano nacional de localização das ind ústrias e de uma
“redistribuição da comunidade urbana na região que a cerca ,
com a ajuda de transformações e modificações repetidas”.
i:
Os Estados Unidos deviam, portanto — após ter reparado
suas consider áveis falhas em matéria de desflorestamento,
i,
*
*
!1

nizar regiões de base urbana nos cinturões dos vales.



de destruição de solos, de equilí brios hidr á ulicos etc orga-

¥ 1

Na URSS, uma verdadeira “geografia nova” foi criada


pela m ão do homem, em quarenta anos. Rios artificiais sul-
cam as estepes, as regiões desérticas, trazendo o frescor,
criando oásis de verdura em que as populações se aglome-
ram . Os nómades se fixam e erguem capitais de cimento
armado! Vastas transferências de populações concentram as
68 69
nacionalidades dispersadas, diminuem as densidades de cer- como mostrou Alfred Sauvy. Nos Estados Unidos calculou -
tos distritos e fornecem grandes grupos de m ão-de-obra para se que, contando a diferença de composição das populações
um equipamento gigantesco, fora da escala humana. urbana e rural, o í ndice de reprodução das cidades de mais
Não são tais explora ções nem tais migrações que con- de 100 mil habitantes é de 0,76, enquanto que o das comu -
nidades rurais é de 1 ,54.
vêm à velha França, profundamente urbanificada e culti-
vada. Os projetos de auto-estradas espetaculares chocam-se
contra nosso sistema de estradas de rodagem, o mais denso • «

e ramificado que há 1 ; a malha ferroviá ria deve melhorar


sua velocidade e flexibilidade, e n ão entravar o desenvolvi- <2<
mento das ligações entre as estradas. É em direção ao equi- 0 V

I
pamento aéreo e fluvial que um grande esforço deve ser 0

feito, para manter para a França seu papel de proa do navio


que é a Europa, e de grande confluência do tráfego mundial. •••
SWf 0

i
m
>•
Uma política de canais
do à malha ferroviá ria

sistematicamente excluídos devi-
deve ser retomada. Duas grandes

• ®

V
1
o#
diagonais devem ser afirmadas : o canal de Deux-Mers, indis-

r%
0
0

V
pensável para revivificar a região meridional da França, em V
cujas margens poder ão se agrupar as ind ústrias de transfor- ^
0 0
0
• •
t
0

YM /
0 0

mação 2, e a ligação Ródano-Dan úbio através da Suíça em


K
direção à Europa central, a ligação Ródano-Reno, j á exis-
0

y 0 0

• •• •
tente, e que pode ser melhorada. Do ponto de vista das
#
0,

'1

f aerovias, todas as possibilidades permanecem em aberto.


t 1

k I * •* »
- " Não temos que expor aqui Planos de Equipamento ou
de Economia, mas sim o Plano Nacional de Urbanismo ao
.
II
qual esse deverá se subordinar, e esse Plano Nacional de
«I
Urbanismo deve visar essencialmente ao reencontro de um
I

<
#1

li
equilíbrio demogr áfico desejá vel, pois é a vitalidade da
Fig. 4
— A recentralização na França ( por Gaston Bardet )
Descentraliza ção da região parisiense, das regiões Lille-Roubaix Tourcoing, -
população francesa que está profundamente abalada . das bacías de Lorraine e de Lyon-Saint-Etienne.
Abertura do canal de Deux-Mers, ao longo do qual viriam estabelecer -se
N ão pode haver equil íbrio entre jovens e velhos sem novas ind ústrias de transforma ção, com o in ício da exploração do vasto len çol
um aumento da natalidade durante diversas gerações, bem petrol ífero que se estende de Bayonne a Albi.
Revitaliza ção do sudoeste da Fran ça.
Liga ção R ódano-Reno-Dan ú bio em direção à Europa central, ao longo da
1 . Cf . p. 90, a verdadeira solu çã o humana. qual se aglutinar ão as indr ú strias de Lyon e Marseille.
-
2 . Cf . Le transsaharien et le canal des Deux Mers , de TOLEDANO ( Presses A Fran ça deve reencontrar seu cará ter de grande confluê ncia do tráfego
Universitaires ) . mundial e de proa do navio que é a Europa.

70 71
Não se trata mais de fazer do “retorno à terra” um sociedades abertas amplificando, inchando, fazendo explo-
leitmotiv sentimental ou reacion á rio. O retorno à vida rural dir as antigas comunidades fechadas —
o que as destruiu ,
como base, é tanto uma necessidade económica quanto bio-
lógica, como também metaf ísica. Não se pode reconstruir o
produzindo multid ões inst á veis e n ão-estruturadas
de buscarmos obter sociedades abertas por uma série de

em vez

homem fora de suas raízes carnais, nem sem a recriação de federações de sociedades estruturadas , que conservassem o
seu quadro terreno. O mal-estar por essa anemia, essa falta tamanho do homem.
de homens que vemos nos espaços rurais, e os males sociais “ A alegria anuncia sempre que a vida foi bem sucedida,
devido à excessiva concentração nos centros industriais, logo que ela ganhou terreno, que ela alcançou uma vitória”
a fraca densidade por hectare de um lado, e a forte densi- ( Bergson ) . O homem tem necessidade da alegria para saber
dade de outro, traduzem-se imediatamente pela regressão se seu destino foi atingido. Para permitir a cada um seu
comercial: aumento dos preços ( 100 % do preço da produ- quinh ão de alegria, é preciso multiplicar as possibilidades
ção ) proveniente dos transportes abusivos e do n ú mero exa- de alegria , ou seja, os pequenos quadros em que as mais
gerado de distribuidores 3, de n ão-produtores destinados a humildes qualidades apareçam luminosamente para todos os
realizar a ligação entre “ uma produção anónima e um con- próximos 4.
sumo cego”, como mostrou a magistral investigação de Paul Segundo as verificações que efetuamos, habitante por
Nicolas, no Comité de Organização do Comércio. O equilí- habitante, em 40 aglomerações francesas, parece-nos que
brio só pode renascer recolocando-se a produção no seio do h á, no seio dessas aglomerações, diferentes espécies de agru-
consumo esclarecido. pamentos urbanos de escalas sensivelmente constantes.
t Aliás, já observamos que “é para sociedades simples e
fechadas que a estrutura moral, original e fundamental do Três agrupamentos, três escalões bastante f áceis de
homem é feita”, e Bergson acrescenta: “Não é tornando detectar distinguem-se em primeiro lugar; em 1943, batiza -
maior a cidade que se chega à humanidade, n ão é por sim- mo-los respectivamente de escalões patriarcal, doméstico e
¥ »
ples dilatação, amplificação que se passa de uma sociedade paroquial.
fechada a uma sociedade aberta”, mas sim por propulsões O escalão patriarcal é o grupo elementar em que vizi-
i sucessivas. nhos trocam assistência e ajuda m útua. É um pequeno luga-
O homem busca instintivamente reformar as pequenas rejo isolado em seu bosque, uma convivência cont ínua de
«
í
"i
sociedades em meio às grandes, e a erigir-se nelas como pri- cinco a dez casais que podem experimentar uma solidarie -
*
vilegiado, pois tem necessidade de ser o pequeno sol de um dade de destino por m últiplas razões, das quais a mais fun-
microcosmo. “Ele tem necessidade da estima dos homens”, damental é a proximidade de vivencial, isto é, os 1.440
declara Pascal, e só pode ser conhecido, e portanto admira- minutos cotidianos vividos em contato incessante.
do e amado, num pequeno quadro. Ora, o drama social da A família conjugal atual é fraca demais para permitir
época atual vem do fato de que tentamos obter grandes a seus membros que troquem os serviços indispensá veis :
3 . O n ú mero de comerciantes passou de 500 mil a 800 mil entre 1896 e 1936. 4 . Para o desenvolvimento de todas essas noções, cf . nossa obra Demain ,
.
Cf . A. SAUVY, Richesse et population ( Payot, 1943 J c’est Pan 2000 e as obras seguintes.

72 73
guarda das crian ças, compras distantes, cuidados a dispen - Há uma verdadeira vida espiritual de bairro, que ultra-
sar aos doentes etc. Eis porque esse grupo familiar de vizi- passa as realidades familiares, e também batizamos esse
nhança, esse escalão patriarcal é uma constante social escalão de escalão paroquial para evocar o papel comunit á-
propriamente biológica. rio que tinha aí a paróquia, h á dois séculos. Em conseq úên-
Num bairro de cidade ou aldeia, distinguimos diversos
ajuntamentos de ruas e praças que vivem uma vida própria,
cia de sua import â ncia— 500 a 1.500 famílias —
monumento que o centraliza, ele aparece aos olhos dos
e do

menos advertidos.
diversos escalões domésticos, que possuem seu car áter par-
ticular, e até mesmo seus costumes, suas manifestações. Os três primeiros escalões, juntando-se uns aos outros,
Geralmente é a continuidade dos deslocamentos das donas- só fazem aumentar a intensidade da vida urbana que os soli-
de-casa fazendo seu abastecimento pluricotidiano que faz a dariza , em detrimento, porém, de sua autonomia própria. A
ligação entre as diversas casas, os diversos lares. O lugar de cada elevação : fusão de escalões patriarcais com escalões
agrupamento n ão é mais o pontual, como no escalão prece- domésticos, fusão de escalões domésticos com escalões paro-
dente, agora é o alinhamento inteiro das lojas. quiais, os escalões inferiores perdem sua individualidade, à
medida que formam federação com um grau superior. A
Não é mais um grupo elementar de pessoas, mas de suas qualidades próprias juntam-se de patamar a patamar,
lares, que parece evoluir entre 50 e 150 lares, alimentá ndo- qualidades novas caracter ísticas da mudanç a de escala, de
se com um pequeno com ércio m últiplo : mercearia-armari- estrutura, de destino. Essas qualidades novas arriscam fazer
t nho das aldeias, que se tornou supermercado. desaparecer as qualidades anteriores dos escalões mais ele-
O escalão doméstico é devido à topografia, tanto a mentares, até um certo volume que é o da Cidade humana
I social como a natural, é uma constante de ordem geo-econ ô- contempor â nea, que pode compreender uma dezena de
mica, o primeiro elemento propriamente urbano, cuja fede- milhões de famílias.
ração constitui o escalão superior, bem conhecido outrora Existe de fato uma limitação biológica efetiva na con-
com os nomes de bairro, subú rbio, vila ou burgo. centração urbana : além do ideal de dez mil famílias, uma
ii . aglomeração n ão é mais um meio biológico s ão.
O monumento público é o órgão que caracteriza o
escal ão superior. “Ele cria o bairro, e n ão somente lhe d á Além disso, a investigação sobre a delinqiiência infan-
I #l
seu dispositivo, sua vida, mas também sua fisionomia ”, de- til mostra que o meio urbano torna-se perigoso; enfim, assi-
clara Camille Jullian , que distingue o edif ício p ú blico como nala o plano regional de Nova Iorque, a curva dos gastos
órgão de movimento exercendo sua ação sobre as ruas que gerais cresce mais rapidamente que a das receitas. O econó-
se avizinham, como órgão de desenvolvimento que ajuda a mico confirma o humano.
formar o bairro em volta dele, e como órgão de estrutura ou Acrescentemos que é bastante notá vel que, sejam quais
distribuição. forem os regimes políticos ou económicos, caímos sempre
74 75

/
sobre as mesmas estimativas, no que diz respeito aos volu- Contavam-se na França, em 1975 ( INSEE ) :
mes ideais dos grupos sociais : cinco mil habitantes para o hab.
bairro, de 30 a 60 mil para a cidade, seja na URSS, nos
39 grandes cidades superiores a .... 100.000
Estados Unidos, Inglaterra ou Alemanha, França ou It ália.
Completando a série dos escalões, observamos: 70 cidades de 50 a 100.000
120 30 a 50.000
O escalão : da ordem de famílias 157 20 a 30.000
patriarcal 5 a 15 381 cidades rurais de 10 a 20.000
doméstico 50 a 150 2.881 aldeias rurais de 2 a 10.000
32.746 comunidades agrícolas inferiores a 2.000
paroquial 500 a 1.500
Total de comunidades: 36.394
Cidade humana 5.000 a 15.000
Metropolitana regional 50.000 a 150.000 Com as fusões administrativas, em curso e previstas,
Capital 500.000 a 1.500.000 pode-se contar : 3.000 cantões, 700 regiões agr ícolas
( INSEE ) , 300 distritos, 90 departamentos, 100 grandes
I» Sentimos perfeitamente o que essa classificação pode ZPIU ( Zonas de Povoamento Industrial e Urbano, INSEE )
ter de artificial, à primeira vista. É preciso n ão esquecer que de mais de 50 mil habitantes; finalmente, 21 CAR ( Circuns-
é preciso admitir grandes tolerâ ncias. J á tomando a família crições de Ação Regional ) ( variando de 750 a 3.000 comu-
conjugal, que varia de três a cinco pessoas em média, segun- nas ) .
Ü do o meio, obtemos uma real flexibilidade. Além do mais,
notamos que se os escalões de base n ão variam proporcio- É bastante característico que, grosso modo, encontre-se
:: nalmente ao volume dos seres urbanos, eles podem passar o seguinte:
!I do simples ao duplo, segundo esses seres sejam uma aldeia hab.
i1
i* <
ou uma metrópole. 30 grandes cidades superiores a .... 100.000
11 ' 300 cidades de 20 a 100.000
Se é contrá rio à vida poder traçar limites entre os quais
floresça cada escalão, podemos, em todo caso, estar certos 3.000 cidades rurais de 2 a 20.000
de que esses escalões n ão variam do simples ao décuplo, e 2.000
30.000 comunidades agrícolas inferiores a
que há realmente uma mudança de escala, e portanto mu-
dança de espécie entre dez, 100, 1.000, dez mil e 100 mil preciso notar que, das 844 ZPIU recenseadas em
É
famílias. 1962, h á ( além da gigantesca grande Paris, que reú ne 918
76 77
comunidades ) , 22 grandes zonas de mais de 200 mil habi- Dessa dupla noção da insuficiê ncia dos escalões infe-
tantes; 29 zonas de 100 a 200 mil habitantes; 51 de 50 a riores, devida à fragilidade do n ú mero de seus componentes,
100 mil; 109 de 20 a 50 mil, ou seja, 212 ZPIU acima de e da nocividade dos escalões superiores , devida ao imenso
20 mil habitantes. Mas restam 105 zonas de dez a 20 mil n ú mero de seus constituintes, deduzem-se os princípios do
habitantes; 165 zonas de cinco a dez mil habitantes e mais Plano Nacional de Urbanismo, que comandam o Plano de
de 300 zonas de mil a cinco mil habitantes, apenas, ou seja, Equipamento Nacional.
600 pequenas ZPIU, que devem ser as bases da revitaliza-
ção do espaço rural. A . Na estrutura rural:
A escolha de oito capitais regionais para contrabalan -
çar a região parisiense monstruosa só pode ser ben éfica sob

Favorecer, no cant ão, o agrupamento de pequenos
lugarejos e aldeias em volta de aldeias-centro e de centros
a forma de cidade-federa ção ( cf . p. 84 ) , e se, paralelamente, cooperativos;
o planejamento do território visar a reforçar os pólos do
espaço rural: cidades e cidadezinhas de dois a 20 mil habi- — Fazer das cidadezinhas e das cidades rurais equipa-
das os verdadeiros n úcleos de uma nova civilização rural;
tantes.
Há portanto três escalões hipo-urbanos, antes de che-
garmos à cidade propriamente dita ; depois dois escalões
— Fazer do distrito a unidade nova de equipamento
urbano-rural.
hiper-urbanos, evidentemente desequilibrados, posto que B. Na estrutura urbana:
* reú nem, num ú nico ponto, tantos indivíduos quanto normal-
mente se vê sobre vastas unidades territoriais. — Favorecer o crescimento das cidades pequenas de-
mais até o ideal de dez mil famílias;
Ora, se os primeiros escalões são incapazes de trazer
'f
benef í cios espirituais suficientemente ricos , os últimos des- — Criar cidades de produtores, dentro do volume
n
I li troem aqueles que já estavam acumulados. Se os primeiros ideal ;
II
'li1 ,
.
escalões são incapazes de permitir um desabrochar suficien -
te do homem e da comunidade, os últimos, ao contr á rio, —Limitar o crescimento das aglomerações atuais que
tenham ultrapassado o ideal ;
atomizam-no, despersonalizam-no. Entre os dois é que se

,
111 1
H
estabelece um ideal 5. — Desinchar e arejar as metrópoles regionais e recriar,
em seu seio, comunidades semi-autônomas que n ão excedam
5 . Esse ideal depende do n ível da cultura e do n ível da t écnica. Portanto, é o ideal e que sejam subdivididas em bairros federados;
preciso ter desse ideal uma concep çã o din â mica , e n ã o está tica. O desenvol-
vimento da t écnica leva a dar para cada um aquilo que só era possível para
uma coletividade. Da mesma forma , à medida em que as massas se culti - — Descentralizar ao má ximo, o que implica medidas
en érgicas em rela ção a aglomerações monstruosas
varem, as instituições culturais ( que at é agora sã o utilizadas por uma como
pequena porcentagem da popula ção ) v ã o se tornar rentá veis, fortes e ricas,
logo o ideal tender á a abaixar. Técnica e cultura levam a pequenas cidades
Paris, Marselha, Lyon , Lille-Roubaix-Tourcoing, e em uma
de vida intensa. política efetiva de equilíbrios regionais.

78 79
)
C. Sobre todo o territorio nacional:
Esse programa n ão pode ser resolvido sem colocar como
base as descentralizações industrial e cultural e um espirito
geral de descentralização “at é a pessoa” ( E. Mounier ) . Me-
lhor dizendo, com Thomas Adam , um espírito de “recentra-
lização”, pois trata-se de reencontrar numerosos centros em Capí tulo 6
torno dos quais devem se estruturar comunidades vivas.
O PLANEJAMENTO DAS REGIÕES
Em todos os países, “n” planos ( que n ão passam de
programas ) têm fracassado, pois todos est ão baseados sobre
o econ ómico, e n ão sobre o solo. As associações ‘“futurí veis”
prevêem um progresso, n ão somente ilusório, mas dirigido
contra a ordem natural, humana e familiar. Elas acabam por
extraviar esse progresso .
“Longe de ser an á rquico ou reacion á rio”, escreveu
Lewis Mumford, “o regionalismo pertence ao futuro” . A
volta à terra est á dada, a exploração devastadora do globo
n ão é mais possível, é preciso proceder a seu planejamento ,
'
1
através da cooperação entre todos os povos, e retomar o
contato com o real, novamente tomando consciência de
’’ 1 nossas relações com o solo.
I !
A Franç a foi a pá tria do regionalismo \ em reação
contra a centralização excessiva que ela teve que sofrer em
[ ( Ijjl
matéria de política e cultura. Aliá s, em todos os países, o
regionalismo tende a seguir um ciclo regular. Ele começa
por uma renascenç a da poesia e da língua e acaba em planos
IH II It
destinados a reanimar economicamente a agricultura e as
ind ústrias regionais, através de projetos de vida política mais
1 . A palavra regionalismo está envolvida por mist ério em sua origem, declara
Charles- Brun . N ã o se sabe exatamente quem é seu autor ( Maurras acredita
-
que seja L. Berluc-Perrussis ) , nem em que data ela apareceu : foi aproxima
damente por volta de 1895. Em 1898, a União regionalista bret ã e em 1900
a Federa ção regionalista francesa foram fundadas, adotando-a.

80 81
aut ónoma , através do estabelecimento de centros locais de complementares, planos e montanhas, bosques e terras lavra -
ciência e cultura. das, saindo todos pelas mesmas rotas, convergindo em dire-
O regionalismo n ão vai contra a vida . O potencial de ção ao mesmo rio, comandando-se mutuamente, e devendo
uma região, longe de ser diminuido pelo aumento da cul- entender-se entre si para trocar ao mesmo tempo seus pro-
tura e das artes técnicas é, ao contr á rio, enaltecido. Recur- dutos e meios de defesa: em suma, sociedades de proteção
sos potenciais entram em ação. A crença popular de que “ a e solidariedade m ú tua, ao mesmo tempo moral e material” 2.
t écnica diminui a importâ ncia do substratum natural” é O agrupamento dos “países ” rurais em volta de uma
oposta à realidade. As diferenças regionais primitivas podem cidade forte, geralmente marginal, engendra as regiões. Na
diminuir pelo contatos interculturais, mas as diferenças nas- prá tica , a an álise económica à qual se dedicou Y.-M. Goblet,
centes tornam-se mais profundas, outras novas se criam , a
permite reconhecer que as regiões atuais da França são , de
ecologia se modifica para se especializar.
fato , regiões económicas.
A menos que a região n ão seja arruinada por uma ex-
ploração maquinista cega , cada nova ocupação, cada nova O estudo de todo projeto de planejamento nacional,
pessoa a chegar faz aparecer uma nuança ignorada, uma dever á, portanto, estar baseado sobre esses três escalões ter-
especialidade particular ( pinhos nos Landes, hulha branca ritoriais : o micropaís ou panorama de ordem quase bioló-
nos Alpes, beterrabas no norte etc ) . Quanto mais o homem gica ; o “pa ís”, unidade primordial de cultura , tradução da
cultivar os valores naturais do solo e do subsolo, mais ele geologia agr ícola ; e enfim a região : forte unidade económica
I incorporará suas criações, mais ele multiplicará as diferen- e espiritual nascida da humanização do solo.
ças entre as regiões, tornando-as mais sutis.
As necessidades administrativas francesas levam , na
Mi Percebe-se assim porque a primeira unidade rural é t ão prá tica , a outras unidades. Os cantões, cujo agrupamento
f " III pequena, e compreende-se porque Geddes a relacionava constitui ( imperfeitamente), tanto a região agr í cola (INSEE),
II WIII “com aquilo que se pode ver com um olho, do alto de uma
i " como o distrito. Os geógrafos contam de 4 a 500 pagi , há
torre”. Batizamos isso de micropaí s. 700 regiões agrícolas definidas e 300 distritos. Quanto à
1C “ Região”, ela é formada pelo agrupamento de departamentos
i* 'll III O limite das regiões naturais varia segundo a escala na
e toma o nome de Circunscrição de A ção Regional . Elá 21
(I
qual trabalha aquele que as observa, como nota E. de Mar-
I )i mm tonne. Acima desse micropaís encontra-se o paí s rural . “ Foi delas: regi ão parisiense, Champagne, Picardie, Haute-Nor-
Camille Jullian o primeiro a fazer a distinção fecunda dos mandie, Centro, Norte, Lorraine, Alsace, Franche-Comté,
países ( pagi ) habitados por uma tribo gaulesa : unidades Basse-Normandie, Pays de la Loire, Bretagne, Limousin,
primordiais de cultura e de exploração , protegidas nos limi- Auvergne, Poitou-Charente, Aquitaine, Midi-Pyrén ées, Bour-
tes por florestas, pâ ntanos e montanhas, e regiões propria- gogne, Rh ône-Alpes, Languedoc, Provence-Côte d’Azur-
mente ditas, infinitamente mais complexas, verdadeiras uni
dades estraté gicas e económicas , formadas por territórios
-
2 . La ierre et Phomrae, por Lucien Febvre ( Renaissance du Livre ) .

82 83

L
Corse 3; isso segundo a ordem INSEE, que fornece n ão os em outros agrupamentos mais vastos de exploração ou de
departamentos, mas os distritos constitutivos. Assim o produção imersos no espaço rural.
distrito torna-se o escalão territorial de transição, seja para
a ação regional superior, seja para a harmonização das vidas Sublinhemos que os agrupamentos rurais têm por obje-
urbanas e rurais, num quadro restante da escala humana, tivo n ão uniformizar as comunas componentes numa enorme
dos contatos diretos e cotidianos. aglomeração, tal como a Grande Anvers da Ocupação, pro-

I. Os agrupamentos de urbanismo
vida de uma administração ú nica
incompetente — —
e portanto longínqua e
mas, muito ao contrá rio, têm por dever
afirmar a autonomia social dos componentes federados, cuja
A lei de 15 de junho de 1943, completada pelo decreto unidade de direção só pode ser concernente aos serviços
de 31 de dezembro de 1958, permite constituir em “agrupa - pú blicos comuns;
-
mentos intercomunais de urbanismo”, as comunidades vizi
nhas que re ú nem interesses “comuns”, termo vago demais.
Assim, classificamos as três grandes espécies de agrupamen-
2.° Os agrupamentos de exploração — a ) Os agrupa-
mentos de exploração agrícola coincidem com os “ países
tos de acordo com sua função maior. rurais”, cujo tratamento veremos no Capítulo VIII ; b ) A
exploração do sub-solo d á lugar a agrupamentos bem dife-
1.° Os agrupamentos urbanos ou de trocas;
rentes : os relativos às minas, percursos e jazidas petrolíferas,
2.° Os agrupamentos de exploração: e os relativos às águas termais, que resultam, antes, da explo-
a ) do solo; ração do meio.

b ) do subsolo; Apenas a exploração das minas pode justificar o em-
c ) do meio; prego da curiosa expressão da lei: agrupamentos de comu-
I "i nidades vizinhas limítrofes ou n ão! A determinação de filões
i »'i
3.° Os agrupamentos de produção. ou de leitos permite submeter a certas subserviências estritas
l .° Os agrupamentos urbanos ou de trocas Desde
— apenas as comunidades em que elas afloram;

V
"II

«ii
que uma cidade atinja e ultrapasse uma dezena de milhar
de famílias, ela tende a transbordar de seu território comu
nal, a estender-se sobre seus vizinhos e a transformar as
- c ) A exploração do meio —
noção recente que deu
lugar ao desenvolvimento, cada dia maior, do turismo e do
* « II,
1 aldeias próximas em periferias. Determinaremos esses agru-
pamentos ( existem de 200 a 300 deles na França ) sem
climatismo — é lógico juntar a isso o termalismo : uma
estação termal sem o quadro propício n ão passa de um
esquecer que se trata, inicialmente, de limitar a extensão lugar de engarrafamento de água, o que n ão é o caso de
dessas aglomerações, depois de fazê-las migrar, para consti - Vichy.
tuir cidades- federação. Essas freqiientemente integrar-se-ão A geografia fará com que coincidam os limites desses
3 . A Agê ncia Estat ística das Comunidades Européias ( OSCE ) reagrupa essas “quadros”, com a evolução dos “ países” naturais, e n ão com
circunscrições em nove regiões européias. a rede de tráfego ou os limites administrativos atuais;
84 85
3.° Os agrupamentos de produção
pamentos precedentes seja qual
, for seu
—Todos os agru-
interesse , só fazem
Multiplicar as vias de desvio em volta das cidades exis-
tentes é uma política de recapeamento de altos custos, é uma
confirmar as situações de fato; eles são de uma grande utili- espécie de compromisso que n ão traz proveito a ninguém,
dade para a coordenação dos serviços, e podem permitir nem à cidade evitada, nem à rodovia transformada em linha
grandes melhorias das estruturas existentes. Não têm , entre- sinuosa, nem aos diversos usu á rios, e principalmente ao con-
junto da nação.
tanto, uma ação particularmente din â mica sobre a nação.
Eles n ão permitem criar as estruturas novas indispensá veis De outro lado, as rodovias rápidas só podem ser con -
para o retorno ao equilíbrio demográfico e económico. Essa cebidas ( num país tão pequeno quanto o nosso ) como sim-
missão est á mais especialmente reservada aos agrupamentos ples diagonais que permitam que se v á rapidamente de um
de produção. ponto a outro, sem uma preocupação com as regiões interme-
Em vez de continuar a congestionar os centros já dema- diá rias. Os gastos feitos devem servir efetivamente às cidades
siadamente populados , como que espetados sobre ferrovias , próximas. Eis porque a duplicação das estradas existentes,
trata-se de esparramar a atividade produtora sobre toda a por vias paralelas de cerca de 20 quilómetros de distâ ncia,
extensão das correntes de trocas. resolveria o problema do contorno e permitiria ao mesmo
tempo revigorar as cidades convenientemente situadas, uma
Há muito tempo se confundem as correntes de trocas vez que estivessem na corrente de trocas, prestando-se, por -
com as vias. Urna corrente de trocas é uma espécie de curso tanto, a uma tal renascença. Essas laterais prejudicariam,

que pode medir de 20 a 50 quilómetros de largura, e que se além do mais, as novas cidades de produtores a serem fun -
estabelece mais freq üentemente sobre um vale. No decorrer dadas, que assim seriam estabelecidas na corrente de trocas,
dos séculos, no interior dessa corrente, sobressaem-se três ou sempre suficientemente distanciadas dos centros atuais a fim
quatro traçados de vias: pista, rota romana, caminho medie- de evitar os perigos de todas as espécies, que traz a concen-
: val, rota real, rota nacional, rodovia . . . ( com os traçados tração.
se deslocando lateralmente nessa espécie de talvegue semi- Enquanto os agrupamentos urbanos tendem natural-
geográfico, semi-econômico ) , sem esquecer as vias de água mente a esparramarem-se facilmente, os agrupamentos de
e de ferro. exploração modelam seus vastos lençóis sobre a topografia,
31
É preciso utilizar urna corrente de trocas em toda a sua a geologia profunda ou superficial, e já os grupos de produ-
f (I

I « mili
f largura ( mesmo que se duplique urna avenida importante de ção oferecerão essencialmente a aparência de fitas, geral-
contra-aléias ) , sendo necessá rio duplicar a rota atual, estran- mente cinturões de vales, como na “redistribuição” empre-
gulada pelas passagens urbanas, por rotas laterais nas bordas endida nos Estados Unidos. Enquanto que a concentração
do leito maiores do que essa corrente de trocas, e rotas late- industrial, ao longo do trilho de ferro, só servia para engros-
rais reunidas à rodovia nacional atual, através de acessos de sar desmesuradamente algumas aglomerações, em detrimento
ligação indispensá veis. Esse método tem duas conseqíiências da semeadura de pequenas cidades isoladas ( antigamente
importantes. ativas e educadoras de homens sãos e industriosos, hoje rele-

86 87
gadas à sombra ) , a auto-estrada revivificará as correntes de dos componentes, sobre esse espírito de repartição que tende
trocas alargadas e exploradas ao m áximo. -
a criar subserviências uniformes, e n ão a solidarizar unida
des orgânicas. Todos os agrupamentos de urbanismo, mais
Essas faixas serão às vezes muito extensas e ramifica-
ou menos atados uns aos outros, só poderão viver se estive-
das, tais como o vale do Ródano e sua ligação com o Reno.
rem integrados organicamente nas duas dezenas de regiões
Segue-se a isso que no interior desses agrupamentos haverá
outros, compreendidos ou por inteiro, como os agrupamen - francesas. É preciso n ão concebê-los unicamente como agru -
tos urbanos, ou por parte, como os agrupamentos turísticos
pamentos de equipamento, mas como verdadeiras comuni -
dades que estruturam a diversa e complexa nação francesa.
ou mineiros, que poderão acavalar-se transversal ou longitu-
dinalmente. Assim, as explorações e os estabelecimentos im- II. A recentralização industrial
portantes de produção v ão se desenvolver suficientemente na
proximidade e at é mesmo no seio das correntes de trocas. O descongestionamento das metrópoles, ou das regiões
sobrecarregadas por zonas industriais jovens, pode ser pra-
Esses agrupamentos de produção, que religarão entre ticado de quatro maneiras, ou melhor, em quatro escalas
si as regiões em que a vida se esparrama mas n ão corre, diferentes :
desenharão, em suma, a verdadeira armadura económica do
país. 1.° Pelo reagrupamento de grandes estabelecimentos
de ind ústrias complementares em correntes de trocas até
M. Y.-M. Goblet salientou a coexistência das regiões agora n ão urbanificadas. Estabelecimentos de mais de 500
de economia tradicional e das zonas de ind ústria jovens, n ão trabalhadores : h á um milhar deles, na França ;
assimiladas ou assimiláveis, que se sobrepuseram a elas 4. É 2.° Por transferência de estabelecimentos médios perto
preciso, pois, acentuar a personalidade de cada regiã o afir- de cidades regionais. Estabelecimentos de 50 a 500 trabalha-
mando sua economia local e adaptando as técnicas novas dores: há cerca de 15 mil na França 5;
às produções tradicionais. Quanto às “zonas” aderentes é
3.° Por dispersão dos pequenos estabelecimentos em
preciso, segundo o caso, ou buscar estrutur á-las fazendo
aldeias importantes. Estabelecimentos de seis a 50 trabalha-
delas pequenas regiões novas em consequência de contribui-
dores : existem cerca de mil na França ;
ções complementares sociais ou económicas, ou extirpá-las
do meio que elas desagregam ( por ex., as ind ústrias de auto- 4.° Por disseminação da fabricação dos pequenos ele -
móveis da região parisiense ) , reagrupando-as segundo os mentos nas oficinas familiares.
•li m étodos de recentralização. Nos dois primeiros casos, integramo-nos na estrutura
urbana do escalão da cidade propriamente dita. Estabelece-
Atentemos novamente para o perigo que representariam mos como regra primordial : todo estabelecimento industrial
agrupamentos de urbanismo baseado sobre o mesmo caráter só pode ser constru í do a mais de dois quil ómetros de uma
4 . Fal ência e bancarrota provêm freqiientemente da implantação aleatória da zona residencial , o que num país de pequenas extensões
ind ústria , que não leva em conta dados “manuais” . Por exemplo, prótese
dentária em regi ão de ferreiros! 5 . Dos quais mais de tr ês mil na regi ão parisiense .

88 89
f

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11
ml
I
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I\ , 111 1

Fig. 5
— Cidade de dez mil fam ílias, de cará ter federativo e poli-
nuclear. Essa cidade se compõe de cinco bairros residenciais em
indica a altura dos edif ícios, o que sublinha o cará ter polinuclear,
o jogo de volumes e os escalões ( estabelecido pela equipe de Marcel
Poete, no Instituto Internacional e Superior de Urbanismo aplicado
volta do centro cívico. É possível distinguir em cada bairro os esca
lões domésticos e patriarcais. A parte cinza, mais ou menos escura,
- de Bruxelas ) .

90 91

J
como a França, conduz a n ão ter nenhuma zona industrial artesanato esclarecido, constituído por antigos trabalhadores
incómoda em numerosos territórios comunais. qualificados que se instalariam, por conta própria, para
' l.° Reagrupamento dos grandes estabelecimentos
No caso de reagrupamento — o mais raro — —
trata-se de
ajudar nas fabricações complementares das grandes ind ús-
trias locais. O clima dessas comunidades dever á ser um clima
, lugar a sub-produ- de produção incessantemente aperfeiçoada, de criação con-
extirpar grandes estabelecimentos dando
t ínua, de pesquisas em todos os campos, e n ão um clima das
tos importantes, daí uma seqiiência de ind ústrias conexas e
cidades mercantis.
dif íceis de dissociar. Essas empresas complementares seriam
reagrupadas em conjuntos geográficos particularmente mal- Essas novas cidades serão verdadeiras zonas-francas
servidos por aerovias, rodovias e ferrovias, tal como os cin- com alvarás, nas quais trabalhadores, empregados, funcio-
turões de vales permitem a disposição de combinados indus- n á rios de repartição e patrões viver ão numa comunidade t ão
triais em forma de rosá rios. viva quanto cada um esteja mais associado à produção. O
sucesso humano dessas cidades novas dependerá do cuidado
Esses “combinados”, que poderiam reunir até dez mil
dedicado à formação de uma verdadeira alma urbana, essa
famílias, só poderiam ser federados com metrópoles impor-
alma cuja presença faz com que uma aldeia qualquer seja
tantes cuja expansão demográfica, sob forma de cidade-fede-
infinitamente superior às cidades- jardim mais trabalhadas e.
ração, é desejável,
Essa alma comunit á ria poder á jorrar se a aglomeração
É preciso visar à criação de novas cidades de produto- dos habitantes se desenvolver em volta dos edif ícios comuns :
res , novas comunidades em que nada lembrará as atuais
lugares para a educação, a aprendizagem , o culto, a cultura
cidades operá rias ( cidades organizadas, controladas, inteira-
e os lazeres, realizados em primeiro lugar , se o desenvolvi-
mente possuídas por uma só ind ústria, ou subú rbios-dormi-
tórios devidos ao trilho de ferro ) , nem pela forma
essas comunidades dever ão ser cidades polinucleares de
— pois mento tiver lugar por meio da federação de escalões reuni-
dos em volta de seus respectivos pólos, e ligados entre si
em seus pontos de contato; se se substituir a pontuação das
n úcleos compactos e não periferias espalhadas a cada quil ó-
metro —nem pela composição qualitativa de sua população.
Uma organização viva do trabalho levará a facilitar sua
casas de campo isoladas por pequenos ramalhetes de casas;
enfim , se o alvará dessas comunidades for justo.
Não desconhecemos de forma alguma as dificuldades
auto-expressão, para os operá rios executantes; o quadro de
que encontram todas as novas cidades. Elas só podem ter
empregados e os patrões aí viverão permanentemente, e en-
sucesso se forem necessá rias, e se tiverem a geografia a seu
fim, uma elite intelectual e técnica ( necessá ria para os labo-
favor ( lago de Berre, por exemplo ) .
ratórios de pesquisa, as escolas de aperfeiçoamento etc ) será
agregada a essa cidade. Ora, a experiência mostra que o desequilíbrio social e
Se as grandes oficinas, os fornos, as fontes de insalu- pol ítico de diversas nações européias, devido aos ‘“grandes
bridade e perigo devem estar a dois quilómetros de dist ância, n ú meros”, vem do fato de que, para fazer face ao rapid íssi-
por outro lado será de regra alimentar essas cidades com um ’
6 . Cf . Mission de 1 urbanisme .

92 93
mo aumento da população do século passado, e na falta de A recriação da ind ústria francesa necessita ' de um reju-
chefes capazes de fundar novas aglomerações, n ão se soube venescimento total do conjunto de ferramentas, e sobretudo
da fabricaçã o dele. Fabricar essas ferramentas de qualidade
criar novas cidades dentro da escala humana, como outrora
implica a constituiçf ío de um novo artesanato de precisão
eram fundadas, a cada mudança da civilização.
2.° Transferência de estabelecimentos médios — Visa-
se mais geralmente à recentralização por meio da transferên-
para a fabricação de prot ó tipos e depois, em sua execução
em séries limitadas —
artesanato que dever á se superpor ao
artesanato tradicional dos objetos sob medida.
cia de pequenos grupos de quatro a cinco estabelecimentos Para fazer eclodir esses criadores e esses executantes
médios, de categorias diferentes, para a proximidade de 300 de qualidade, é preciso criar quadros harmoniosos e meios
pequenas cidades de dez a 20 mil habitantes, que se espa- sociais favor á veis, ou dizendo de outra forma, cidades de
lham pela França. ferramentaria moderna, como se formaram no passado as
O n úcleo antigo deve ser escolhido com um volume cidades de relojoaria ou de serralheria.
sensivelmente superior à contribuição nova, a fim de n ão ser Aliás, a nova civilização rural será particularmente
desequilibrado por ele. Trata-se de uma verdadeira transfu- favorecida pelo artesanato. Esse n ão é uma regressão\ A
são de atividade — tanto manual quanto intelectual graças
aos quadros superiores — transfusão a ser escalonada a fim
pequena ind ústria d á mostras de uma surpreendente vitalida-
de, porque ela é de um notável poder de adaptação. A cada
de não destruir os valores urbanos preexistentes e n ão ultra- ano aparecem centenas de novas pequenas ind ústrias. A pro-
passar a cidade ideal de dez mil famílias. gressão do saber e o maqumismo superficial conduzem à
multiplicação das ind ústrias artesanais de mão-de-obra de
Ainda aqui, só pode se tratar de estender as periferias qualidade , que abundam muito mais num sistema de “ justas
operá rias ao lado das cidades existentes, enquanto que enge- trocas”.
Si nheiros e diretores iriam morar no n úcleo central.
Será preciso federar à cidade um cacho de novos esca-
3.° Dispersão de pequenos estabelecimentos Essa
terceira forma de recentralização é bem conhecida. Consiste

)l lões domésticos e paroquiais constituindo verdadeiras comu- em dipersar as pequenas ind ústrias artesanais em torno das
nidades, nas quais classes e categorias, como tamb é m cidades, em á reas geográficas limitadas : vales naturais ou
> 1! determinadas regiões. Se as ind ústrias de fixação devem ser
imigrantes e nativos, dever ão se fundir. E primeiramente,
criar ou reforçar um centro social, pólo de reunião e de liga- incentivadas nas aldeias, elas n ão devem implicar uma con-
tribuição de imigrados, que arriscaria a comprometer a deli-
ção importante e ativo, onde se destilar á a alma da cidade
renovada. 7 . A concentração geral das ind ústrias é um mito marxista. Há a aparição,
em certos ramos da ind ú stria ( mineração, metalurgia, ind ústria têxtil ) , de
A Re-centralização, essa grande obra, n ão deve ser con- um certo n ú mero de grandes estabelecimentos ( 2 % na Fran ça, 6 % nos
Estados Unidos ) ; isso n ã o impede a manuten ção de uma massa de pequenas
cebida como um redobramento mas, bem ao contrá rio, como ind ústrias ( 800 % na Fran ça ) cuja importâ ncia individual aumenta apenas
um desabrochar industrial. muito lentamente.

94 95
cada e lenta elaboração da nova civiliza ção rural. Essas Para a geração vindoura, essa alternância das ativida-
ind ústrias só devem servir para absorver o excedente natural des ( individual ou familiar, simultânea ou periódica ) é
da população, mas de forma alguma , como nos casos prece- aplicável apenas para certas populações rurais, mas de
dentes, para atrair um movimento migratório. numerosas categorias de ind ústria: madeira, couro, têxtil,
As ind ústrias escolhidas devem ser adaptadas à m ão- bem como à fabricação de m últiplas peças destacadas do
de-obra rural e, além disso, às necessidades locais que maqumismo superficial e da construção.
demandam um equipamento particular, que resista às rudes Ainda que Henri Ford tenha realizado isso voluntaria-
condições de emprego. mente, pela primeira vez, na América, na França n ão se trata
Ser á preciso impedir que se implantem ind ústrias que de forma alguma de uma experiência, mas de um retorno
necessitariam de uma m ão-de-obra muito importante, que a um estado de equilíbrio, bem conhecido daqueles que ana-
arriscariam a concorrer perigosamente com as necessidades lisaram as aglomerações rurais. Essa última soluçã o é de um
agrícolas. Essas só deverão se estabelecer junto às aldeias- grande alcance humano. Ela opera a desproletarização do
centro, cuidadosamente detectadas, e só estar ão autorizadas trabalhador e oferece uma mão-de-obra complementar para
a se desenvolver ao ritmo do aumento natural da população os períodos de pico de produção. Ela necessitará de um de-
( cf . capítulo VIII ) . senvolvimento particularmente ativo dos métodos de orga-
nização do trabalho, e dos programas adaptados às estações.
A ind ústria artesanal, que pode comportar uma deze-
na de companheiras, deve substituir os artesãos isolados que Além disso, ela permitirá a redução necessá ria, defini-
“cidadanizavam” as aldeias h á um século. Ela deve ser aí tiva ou periódica, da mão-de-obra agrícola, consecutiva ao
fator de estabilização, e não de desagregação. equipamento motorizado e à cooperação e necessidades
4.° Disseminação das oficinas familiares — É sob um
novo aspecto que se coloca a disseminação. Dessa vez, n ão
terciá rias.
Essas quatro formas de recentralização, com objetivos
se quer mais subdividir a massa de produtores aglomerados bem diferentes, mostram que a ind ústria desempenhou ape-
em grupos locais, do tamanho próprio do homem, mas sim nas um papel de imã numa vasta pol í tica de moradia e de
reconstituir um n ão-assalariado, semi-operá rio, semicampo- reagrupamento social . Política que só pode atingir seu pleno
I
n ês, no qual se sintetizariam as virtudes de estabilidade e de desenvolvimento numa economia de equilíbrios regionais e
* fecundidade das camadas rurais e as de aperfeiçoamento de equipamento rural.
contínuo dos artesãos.
As importantes migrações com vistas ao retorno ao
Trata-se de formar uma população que viva ao mesmo equilíbrio demográfico poderiam e deveriam ser empreendi -
tempo do solo e de um trabalho industrial de complemento das imediatamente, em conseqiiência das considerá veis des-
nas regiões pobres e, mais geralmente, de um trabalho in - truições de todas as espécies. Da mesma forma que o cará ter
dustrial e de uma cultura complementar. ultrapassado de nossa ferrament á ria suprimia a objeção de
96 97
um amortecimento em matéria de deslocamento de f á bricas,
o custo de novas moradias n ão seria uma despesa suplemen-
tar ou pouco judiciosa no campo do imediato.
A descentralização começou apenas nas duas primeiras
escalas. E de forma bastante desastrada com a implantação
aleatória de f ábricas importantes demais para o meio, em
Capítulo 7
razão de uma confusão entre a concentração financeira e a
concentração geogr áfica. Somente a It ália começa a praticar O PLANEJAMENTO DAS AGLOMERAÇÕES
a constituição de verdadeiros complexos industriais, mas
sem visar a criação correspondente de verdadeiras cidades
de produtores.
Certas metrópoles regionais arriscam-se assim a tornar-
se “monstros”, em meio ao deserto de sua regi ão. O exemplo
de Clermond-Ferrand é bem conhecido. À simples fuga das
disposições, sobretudo em direção às residê ncias secundárias
Durante o século passado, o planejamento urbano con -
( 10 % das principais ) , deve suceder uma reintegração dos
,
sistia antes de mais nada, em unificar ( ou antes, uniformi -
zar ) as cidades inchadas, em vertebrar vastos sistemas a
cidadãos que animam aldeias e cidadezinhas. despeito dos elementos formadores antigos, as aldeias ou
f
Em 1945, o regionalismo vivo foi suprimido em pro- paróquias. Os desventramentos de Haussman destruíram as
veito de um jacobinismo excessivo e de uma centralização vidas locais dos bairros, enquanto que os alargamentos das
econ ómica cega. Foi preciso esperar o 5.° Plano ( que aliás vias suprimiram a intimidade do porta a porta, esperando
I • n ão passa de um programa ) , para que os pianistas se dessem
conta de seu fracasso: inflação rasteira, aumento dos dese-
que tráfego mecâ nico viesse interpor sua barreira incessante
entre as duas margens da rua. Ainda recentemente, as vias
1\ quilíbrios demográficos, insegurança generalizada, incapa - novas desenhadas pelos urbanistas com vistas a um traçado
cidade para resolver o problema maior da moradia. Final- harmonioso ou suntuoso, em plano, serviam certamente para
! i< mente decidiram regionalizar o Plano . , posteriormente. solidarizar os bairros distantes com o centro, mas quase sem-
I ! ,
*i Resta, portanto, compreender que em vez de adicionar ava- pre às custas das comunidades locais existentes.
III liações abstratas a programas econ ómicos, é preciso pôr-se
de acordo primeiramente, e de forma concreta, com as geo-
Se a busca da unidade, da organização de vastas socie -
grafias locais. dades urbanas é coisa louvável, é preciso ainda que as aber -
turas novas n ão criem hemorragias, n ão arrebentem as
unidades menores. É preciso que, sem cuidado com o “belo
aspecto” do plano, esses traçados saibam pôr-se lado a lado
com as comunidades existentes, desempenhando então o
98 99
papel de ligação , e n ão de elemento de ruptura. As rotatórias Há com certeza comunidade numa certa orbe em volta
da nova rede, particularmente, jamais devem coincidir com do centro, na qual a ação do braseiro interior se faz sentir,
antigas praças de pedestres, centros de comunidades. mas quase que n ão se pode encontrar ligação comunitá ria
Sabemos o quanto é necessá rio desconfiar do automa- real com os subú rbios e bairros excêntricos \
tismo que faz com que se unam duas rotatórias por meio de É praticamente impossível delimitar os grupos patriar-
uma diagonal ou pelo prolongamento das vias em linha reta! cais, de tal forma eles se interpenetram estreitamente. Os
O urbanista deve resistir às solicitações geométricas f áceis grupos dom ésticos chegam a conservar uma certa fisionomia,
demais. Ele não deve traçar um esquema de circulação antes mas ela provém menos de seu papel local do que de seu papel
de ter determinado os escalões das redondezas, a fim de pas- na economia geral da cidade e seu interior. É o comprador
sar à margem deles. Essa precaução essencial tendo sido do exterior que lhes d á colorido. Quanto ao escalão paro-
tomada , fora da busca da unidade, convém desde ent ão n ão quial, encontra-mo-lo em uma ou mais unidades, sem que
somente preservar os escalões comunitá rios, como também seja possível, a menos que se faça uma curetagem muito
afirmar, organizar, vivificar aqueles que de fato existem. importante, fazer dele um meio conveniente para a reprodu-
ção da vida sã. Nessa caldeira em ebulição, n ão teremos a
I. Tratamento dos tecidos urbanos ingenuidade de tentar provocar escalões de solidariedade
mais estreita.
Estudemos a cidade ideal de dez mil famílias
que batizamos em Probl mes d’ urbanisme de organismo
è
— aquela
2.° Nos subú rbios no estado orgânico, que associam
geralmente um ou dois escalões paroquiais, distinguem-se
residencial, onde encontramos três escalões: patriarcal, do-
com facilidade os escalões domésticos, e até mesmo os esca-
méstico e paroquial em ação nas comunidades orgânicas e lões patriarcais. Todos esses existem de fato, é suficiente
( talvez ) , em potencial, nos loteamentos indiferenciados;
afirmar sua existência ou provocar sua individuação.
distinguimos aí três ou quatro espécies principais de tecidos
residenciais: Assim os escalões paroquiais podem ver erigir-se em seu
lugar de reunião uma pequena casa comum, um dispensá rio,
l .° O n úcleo urbano original; 2.° os subú rbios orgâ ni- uma creche. Cada escalão doméstico, ao menos, demanda
cos provenientes de uma federação lenta no decorrer dos uma lavanderia comum, garagens comuns, ou a criação de
tempos; 3.° loteamentos do tipo do século XIX : casarões alinhamentos contínuos escolhidos para provocar a recentra-
e casas de aluguel; 4.° loteamentos perif éricos do século XX : lização judiciosa de com ércios às vezes muito distanciados.
os subú rbios. Quanto aos escalões patriarcais, novas disposições permiti-
l .° No velho centro urbano, quase n ão h á grupos dis- rão organizá-los sobre a base familiar; eles devem possuir
cerníveis, a fusão atinge aí o seu má ximo, e é nesse cadinho um pequeno jardim cercado, de quarteirão, para os folgue -
que se amalgamam os caracteres que constituem a alma da dos vigiados das crianças.
CÁ cidade. Graças a essa fusão existe a “Cidade”. Não ousaría-
1 . Eis porque a alma urbana que age representa apenas as aspirações do núcleo
mos dizer comunidade. central , e não as de toda a aglomeração , j

100
LààR
[ <0 L
.
Nos dois primeiros casos o urbanista cuida das comuni- Entretanto, alinhamentos comerciais vindo se instalar no
dades orgâ nicas. Trata-se pois de cuidados delicados, de uma andar térreo das construções indicam escalões domésticos
restauração ( de espírito e n ão de forma ) , de uma continua- em formação.
ção da evolução em curso — o que implica uma utilização
mensurada dos meios técnicos mais modernos sem, para
O pior é que não se pode melhorar esse pesado con
junto em consequência da enorme densidade , do custo
-
isso, destruir os verdadeiros valores; ao contr á rio, nos lotea- elevado das casas e dos terrenos. Nos velhos centros, trata-se
mentos indiferenciados nos setores relativamente recentes, com freqiiência de antigos pátios ou jardins reduzidos por
saídos da concentração maquinista, poderemos dar asas à lojas, oficinas ou alpendres baixos e leves, que podem ser
imaginação.
“limpados” facilmente. Nas casas de aluguel ( de valor huma -
<r As ‘“relíquias” do passado devem ser preservadas, n ão no e higiénico muito inferior ) , os pátios são poços limitados
somente quando se trata de reais obras de arte, de monu- por edif ícios de sete andares, em todos os seus lados. A
mentos, testemunhos vivos das alturas atingidas pela espiri- solução lógica consiste em alargar a trama, em reunir os
tualidade ( traduzida pela arte ) , mas também no caso de ruas quarteirões por dois ou três, e demolir livremente tudo o
e bairros que perfeitamente resolveram o problema perma- que limita as ruas interiores. Assim tornar-se-ão possíveis
nente do habitat humano, do verdadeiro envoltório de um unidades de vizinhança mais vastas, abrigando pá tios con-
espírito encarnado. venientes.
Nossas habitações do século XVII, mediante algumas A intervenção dos pianistas-economistas levou a um
t canalizações, respondem infinitamente melhor a esse pro- retrocesso perturbador. O espírito haussmaniano, ainda mais
blema do que as moradias “minima” dessas casernas ergui- pesado, ressurgiu nos “grandes conjuntos”, destruindo o !
das pela especulação. equilí brio e a silhueta de todas as cidades francesas. Esses
Todas as melhorias indispensá veis, utilizando as téc - agrupamentos de gavetas acrescentaram à atomização das
nicas mais sá bias e mais flexíveis, devem ser melhorias periferias os malef ícios das casas de aluguel, estratificando
efetivas que n ão destruam os valores existentes sem substi - o enorme capital das Cadernetas de Poupança . Somente a
tuí-los por valores superiores. Podemos sentir isso, mas n ão degradação acelerada desse domínio imobiliá rio, constru ído
.r !1
i
é possível traduzi-lo por regulamentos. às pressas pelos ignorantes do anabolismo, conduzirá ao
: 3.° Os loteamentos, à moda de Haussmann : com casa
rões e casas de aluguel, n ão podem ser assimilados a
- ú nico remédio: sua demolição. Esse novo “ urbanismo admi-
nistrativo” conseguiu um recorde: suprimir ao mesmo tempo
escalões patriarcais; esses loteamentos são construções em as relações sociais e a rentabilidade económica , sem assegu-
que cada locat á rio, através de sua porta entreaberta olha
, rar nem a higiene mental ( e mesmo f í sica ) , nem a est ética
seu vizinho como um inoportuno, e até mesmo como um expansiva . Eles n ão passam de pedaços de anti-cidade, cuja
inimigo. Aí n ão é discemível tampouco o escalão paroquial, obra-prima mundial em termos de megalomania e absurdo
posto que não há em comum nenhum centro de reunião. chama-se Brasília.

1 102 103
4.° Nos loteamentos modernos existentes, se n ão se magistralmente em Letchworth e em Hampstead, e Henri
distinguem nada, é porque não há nada. A disposição em Wright em Radburn.
quadrados n ão oferece um lugar de eleição e as praças em As comunidades novas agrupando casas de campo fami-
forma de estrela, quando existem , são geralmente simples liares isoladas ou em fileiras, casas coletivas para celibatá-
rotatórias descartadas dos caminhos de viveiro. Entretanto, rios e casais sem filhos, e até mesmo algumas torres para
sendo baixas as casas, o terreno de pequeno preço, as me- escritórios ou estúdios, devem corresponder às seguintes
lhorias são possíveis. características :
Para suscitar escalões patriarcais, é preciso provocar Tudo deve estar de acordo, aí, com a vida da criança.
a proximidade entre cerca de uma dezena de famílias e, para Suas dimensões est ão fixadas pela dist â ncia m áxima que
isso, adotar traçados que sejam ao mesmo tempo geradores uma criança pré-adolescente pode percorrer, a pé, para ir da
de uma certa individuação face aos outros grupos, e de uma casa mais distanciada à creche, à escola e a seus terrenos
solidariedade interior nos gestos cotidianos. Essas estrutu- anexos para jogos. Suas formas são determinadas pela ne-
ras apropriadas devem permitir o arejamento, o afrouxa- cessidade de proteger a escola e as casas do tráfego mecâ nico,
mento, o pedaço de terra nutriz indispensá vel, sem provocar de seus perigos e nocividades. É um cintur ão de lares em
entretanto o isolamento, o individualismo. Eis porque os volta de um espaço livre comum , munido de uma casa
h á bitos de pequeno-burguês individualista e a-social, que comum, bem estudada, que deve reunir todas as funções
consistem em descartar cada casa de campo, n ão somente da elementares e imediatas. É, em suma, uma pequena aldeia,
rua como também de seus vizinhos, através de margens de
uma pequena paróquia que é preciso criar , com seu campa-
isolamento laterais, podem ser particularmente nefastos,
ná rio, sua creche, suas escolas, seus terrenos de jogos, suas
tanto do ponto de vista social, quanto do ponto de vista
duchas, suas lavanderias, seu dispensá rio, suas salas de reu-
plástico. Aquilo que não é belo raramente é bom.
nião comum, suas cooperativas de consumo, e até algumas
Em vez de plantar isoladamente cada pavilh ão, será oficinas de artesãos, que permitam à crianç a observar o
suficiente reuni-los por três ou quatro, formando fileiras ou casamento entre a m ão e a matéria.
ramalhetes em forma de anfiteatro, em torno de um pequeno
Esse tratamento dos tecidos urbanos, segundo sua
espaço livre. Essa distribuição em pente ou em ferradura
estrutura própria é coisa impossível no atual estado de regu-
ofereêe, aliás, sob o â ngulo dos quadros urbanos, da repar-
lamentação da vida nas cidades.
tição de espaços cheios e vazios, da economia das calçadas,
do agrupamento das canalizações, soluções particularmente
vantajosas! Do ponto de vista social, ela realiza ao mesmo II. O habitat familiar
tempo a solidariedade sobre o pequeno f órum central, e a A sub-natalidade francesa torna aleatório qualquer pro-
discrição sobre os jardins, pois as casas aproveitam vistas grama para o futuro, pois todo empréstimo financeiro —
mais profundas e mais divergentes. Unwin demonstrou isso como toda retração —está baseado sobre a hipó tese de que

104 105
os ativos da geração seguinte sejam ao menos t ão numerosos A ala das crianças e a ala dos adultos devem estar sepa-
quanto os da precedente. radas por uma peça-tampão, pela qual se exerce a vigilia
afetuosa dos pais.
Também o habitat deve ser concebido unicamente em
vista do desabrochar da comunidade familiar e n ão pelo pra- A casa, a sala comum e o jardim, deve tornar-se um
zer de edificar torres de Babel. A arquitetura moderna , lugar de reuniões, de recreações, e até mesmo de recepções,
oriunda do Bauhaus, tem por objetivo confesso, segundo graças ao desenvolvimento de eletrofones, do vídeo, dos gra-
Gropius, a destruição da família. vadores que permitem escolhas etc. Assim ela poderá abrigar
seus membros, fora da utilização de seus lazares. As vigílias,
1.° Desenvolvimento da vida biológica
, s , ,
— o habitat
deve ser vasto ão bem arejado bem ensolarado e extensí-
que reforçam as alianças familiares, retomarão um sentido.
vel; ele deverá permitir a preparação f ácil de uma alimenta- 3.° Facilidade da vida doméstica da mãe de famí lia:
ção sã, da reprodução, dos cuidados de higiene completa, o é necessá rio introduzir, na moradia, todo o conforto permi-
repouso e o sono reparadores. tido pelas técnicas novas de aparelhos leves e, no seio dos
V agrupamentos dos lares, todos os serviços comunitários ( mas
Ele deve compreendèr uma vasta sala comum e um n ão coletivos ) desejáveis 2. A vigilâ ncia e as idas e vindas
jardim que penetre até o coração dessa sala comum. O jogo serão reduzidas ao mínimo possível.
e o movimento são partes essenciais da vida da crianç a. Ele
deve ser extensível, isto é, concebido de maneira que possa 4.° Reforço da vida familiar do pai de família:
ser acrescido de peças novas em absid íolas, à medida que Para reforçar a autoridade paterna e sua influência ne-
vão aumentando os nascimentos. Mais tarde, após uma edu- cessária na vida familiar, é preciso aumentar ao máximo seu
cação conveniente, essas peças permitirão aos novos casais tempo de permanência no lar , portanto, é preciso realizar a
que permaneçam em volta do tronco familiar. proximidade imediata entre o lugar de trabalho e o habitat
2.° Desenvolvimento da vida psicológica — O habitat — medida que implica a recentralização industrial.
5.° Unidade da vida familiar:
deve permitir a vida espiritual, a poesia do amor, a educação
das crianças, os lazeres familiares. Para permitir ao mesmo tèmpo a vigilâ ncia das crianças
Ele deve assegurar o isolamento sonoro das paredes e e a presença comum do pai e da m ãe, todos os membros da
distribuição de células indispensá veis às “necessidades de família devem se encontrar, a todo momento, sobre um
claustro” que a vida espiritual demanda. A moradia deve mesmo plano horizontal. Essa condição, juntando-se às pre-
permitir um isolamento absoluto dos pais. No que diz res- cedentes, permite apenas uma solução para o habitat fami-
peito às crian ç as, à medida que amadurecem têm necessi- liar, solução necessá ria para 80 % dos casais franceses entre-
dade de quartos separados, por crian ça e por sexo, células vistados: casa familiar com jardim.
que podem ser exíguas, mas que permitam a própria tomada 2 . Quer dizer, serviços por pequenos grupos de escala humana, e n ão por
de consciência, o dominium. “grandes n ú meros” atomizados.

106 107
Essa necessidade leva a bairros residenciais de superf í- lidade, pois somos totalmente incapazes de compor tramas
cie ( para responder à proximidade do lugar de trabalho ) , e nas quais o comércio virá a se estabelecer organicamente, de
portanto a bairros residenciais de dimensões limitadas, a uma maneira previs ível. Se certos alargamentos são desejá-
cidades limitadas em tamanho, superf ície e densidade. veis ( a via muito larga funciona como duas ruas paralelas ) ,
se passagens para pedestres devem ser introduzidas, se, em
6.° Criação de comunidades de famílias — Sendo
muito fraca e inst ável a atual família conjugal, h á grandes
outros casos, os quarteirões devem se agrupar, n ão se tratar
de destruir o arabesco dos caminhos, que as an álises econô-
vantagens na criação de escalões patriarcais segundo os mé-
mico-sociais demonstram ser superiores aos projetos mais
todos precedentemente esboçados.
brilhantes ( cf . fig. 7 ) .
A construção de habitações familiares só pode ser rea-
Esses caminhos registram sobre o solo o traço dos pas-
lizada em um regime de economia de proveito. A casa sos humanos, eles comandam, pois, estritamente, os alinha-
moderna satisfatória n ão pode ser “ barata”. O desabrochar
mentos das lojas, mas n ão o volume ou a disposição das
da comunidade familiar necessita da criação de um tipo novo
habitações ou dos escritórios até aqui 'superpostos. Nos cen-
de meio vivente. Uma reforma da moradia n ão pode se efe-
tros comerciais é preciso diferenciar as funções: lojas, escri-
tuar sem uma reforma completa dos métodos de planeja-
tórios e residências. Num bairro de escritórios dividido por
mento, e apenas um urbanismo biológico permitirá um
verdadeiro habitat familiar.
grandes vias de tráfego mecâ nico —
estando as lojas à mar-
gem do tráfego, separadas dos veículos de entrega pode- —
:
remos criar para os escritórios distribuições cômodas pentes
III. Gomo planejar a França
perpendiculares ao alinhamento, por exemplo 3. Num bairro
Esses poucos princípios mostram que a maioria das misto, as lojas pressionar-se-ão ao longo dos caminhos de
reconstruções de cidades sinistradas quase n ão corresponde pedestres, que podem ser interiores, enquanto que as habita-
àquilo que pode nos satisfazer. ções v ão se estabelecer segundo as orientações favorá veis e
A incoerência é total em matéria de tráfego das ruas ou sua função: familiar ou coletiva ( cf . fig. 5 ) .
í de concessões outorgadas, de arquitetura ou de autoridade. Assim vemos como as an álises provocam as “decisões
Atendo-nos estritamente aos traçados urbanos, notamos que criativas”, que n ão são mais decisões a priori , mas traduções
nos bairros residenciais as estruturas que tinham dado lugar do real.
a casas de aluguel ao longo do alinhamento ou aos pavilhões
A vida urbana não justifica a conservação dos alinha-
de periferia são cuidadosamente contínuos, e até mesmo
mentos residenciais cuja conservação e limpeza seja excessiva
agravados por regulamentos inconscientes. Ao contrá rio, nos
n úcleos comerciais, os caminhos são subvertidos a fim de 3 . Para que um n úcleo comercial tenha um rendimento m á ximo, é preciso
copiar as famosas aberturas à moda de Haussmann. um certo grau de congestionamento que n ão deve ser ultrapassado. Além
dele , o tráfego é vagaroso, impossível, o fregu ês se distancia, desvia , ou
Agiram , precisamente , de forma inversa . São os cami- se abst ém. Do ponto de vista pr á tico, é preciso que a metade das lojas,
apenas seja elevada em altas constru ções que desemboquem, nas horas
nhos comerciais que devem ser conservados em sua integra- de movimento má ximo, suas “ pilhas” de mercadorias sobre a calçada.

108 109
.
e custosa. Devemos mudar de método. Sem hesitação, é pre- duzem a uma plástica tanto mais nova e original quanto
ciso criar unidades de vizinhança, formas novas e abandonar enraizada.
a disposição em quadrilá teros, própria do “loteador perfeito” , Às metró poles monol í ticas , a esses blocos de energia e
em que as casas de campo e as de aluguel se instalam segun- capital estratificados , devem suceder as metró poles em
do o mau gosto de cada um! cachos, quer dizer, complexos de bairros, cidades-satélites,
Não h á principios diferentes segundo tratemos de cida- aldeias-satélites, regiões rurais, compostos de produção em
des existentes, de cidades sinistradas parcial ou totalmente, torno de um ou diversos n úcleos de trocas, que permitam
ou de cidades novas. alternativamente satisfazer às necessidades de contato e às
)

de solid ão. Disso pode resultar que, em torno das cidades


Seja qual for o assunto tratado, a natureza da espécie humanas, venha a se constituir todo um conjunto de elemen-
humana, a sociabilidade a conduz a agrupamentos locais, dos tos vivendo em simbiose e atingindo as cifras de população
quais demos aqui as ordens de grandeza. Mas, no caso das de nossas metrópoles regionais atuais, mas sem ter suas des-
cidades antigas, esses grupos puderam ser destruídos pela vantagens. Aí é que est á a verdadeira grandeza — aquela
centralização capitalista do século XIX, e no caso das cida-
des novas, a megalomania arrisca-se a esquecer a hierarquia
que é feita pela supremacia do espírito sobre os n úmeros
e que um dia poderá ver a luz do dia.

indispensável dos grupos.
Insistimos sobre o fato de que o urbanismo é uma arte
É a falta de experiência que pode fazer crer que as de estrat égia e não de pedreiro ( p. 61 ) . Todos os insucessos
cidades novas devam ser opostas às cidades antigas. Certa- atuais vêm da conjunção de arquitetos construtores com en-
mente, elas serão diferentes das cidades ‘“ burguesas” de genheiros de administração, desdenhosos dos raros urba -
Haussmann, mas se aproximar ão das cidades antigas. O novo nistas.
urbanismo determina, de fato, as novas formas flexíveis que Ora, a explosão demográfica e seus corolá rios, como as
permitirão a passagem do mundo atual para o mundo do iniciativas de auxílio m ú tuo e de agrupamento acabam de
futuro. O Extremo Oriente e a arte clássica oferecem-nos sua destruir qualquer possibilidade de fazer, de forma superior,
lição: distribuição racional do espaço, com estabilidade de os projetos de planejamento de 20 anos atrás.
certas estruturas e liberdade biológica para o desenvolvimen-
to do habitat. A Grécia nos lembra a submissão ao terreno, Desde o dia em que se passa dos programas de comis-
as justas relações entre os elementos de cada grupo social s ão ao plano t écnico, que se deve inscrever sobre o solo, n ão
h á mais enganos nem ilusões possíveis. Os trabalhos a em-
federado, na cidade. Enfim, devemos tentar uma aproxima-
preender devem ser definidos por traços, materializados por
ção da comunidade medieval tratando organicamente cada
grupo social de formação natural que entra na composição,
e espiritualmente, cada unidade componente.
limites. Não se pode mais fazer isso
— fora alguns planos
de massa que n ão ultrapassem o escalão de vizinhan ça —
sem logo ser desmentido pelos fatos. Também os projetos
Essas preciosas lições do passado, aliadas a nossas aqui- de planejamento das cidades devem ser substitu ídos por
sições mais modernas e a nossas técnicas de execução con- Esquemas Diretores de Estruturas ( EDE ) que nada definem

ill
)
tecnicamente, porque não podem mais imaginar fixar o
futuro ( cf . p. 140 ) .
Os conjuntos , horizontais, em cachos, custam menos
( tanto para sua construção como para a manutenção ) do
que os grandes conjuntos verticais e n ão mobilizam mais
superf ície total ( Jacques Riboud ) .
Capítulo 8
Na orbe de Rennes, realizamos, depois de 1958, uma
O PLANEJAMENTO DOS CAMPOS
d úzia de loteamentos comunais. Na cidadezinha-piloto de
Le Rheu, economizamos de 12 a 15 % dos VRD ( que podem
decuplicar o preço de compra dos terrenos rurais ) . Devido à
ação municipal, além disso, suprimimos totalmente os bene-
f ícios e os juros correntes dos promotores de venda privados
( 30 % ).
Em vista da dependência energética da França, o setor Foi em 1934, no Primeiro Congreso de Urbanismo de
residencial deve evitar esbanjar a energia, sob todas as for- Bordeaux, que começaram as interrogações sobre as moda-
mas, visíveis ou n ão ; pela escolha de matérias naturais de lidades de um “ urbanismo rural”. Nessa época acreditava-se
isolamento ( t érmino e ac ústico ) . Por exemplo : nada de mu- que fossem de mesma natureza, ainda que de escalas dife-
ros de cimento com grades de ferro, nem vidros desmesura- rentes, as pequenas cidades, os burgos e as aldeias.
dos. Nada de pré-fabricação pesada. A economia nas gran-
No ano seguinte, em Londres, as relações sobre “o pla-
des obras deve se fazer com materiais locais, limitando os
nejamento rural organizado e a preservação do campo” tra-
> transportes, que esbanjam energia .
taram efetivamente apenas de preservação. Robert de Souza
1 Recentemente, a invenção do tijolo cru de argila veio chamou a atenção para o fato de que todo campo apresenta
permitir 30 % de economia em sua fabricação que pode pelo menos um pedaço de natureza livre entre seus pedaços
agora, além do mais, ser local ( sem forno ou secador ) . de natureza cultivada. Essa zona livre constitui a zona “est á-
í Stargile. tica ” do campo, e é pelo cuidado em conservar essa for ça,
i

O mesmo deve se passar com certos elementos de obra sem explorá-la, que o campo salvar á seu futuro rural.
I
secud á ria. Nada de materiais de substituição, tais como plás- “O planejamento consciente deverá visar , antes de tudo ,
ticos diversos e outros derivados de petróleo. Resumindo, a proporcionar aos elementos de mobilidade , anuais e bie-
a economia pode se sustentar em quatro bases: as Munici- nais , os elementos de estabilidade . Ultrapassando em muito
palidades, as Famílias, a Nação. Quanto ao Estado, este o tempo, são eles os mantenedores, em seu car áter estrutural,
deve “adiantar ” os 40 % que recuperará, depois, através de da regi ão. E os elementos est áveis , determinativos, são sobre-
impostos e taxas, durante qualquer construção. tudo verticais.” São as á rvores que canalizam os rios , pro-

112 113
vocam as chuvas, desviam os ventos, favorecem a sombra e Suas características são opostas às precedentes : forte
o sol , alimentam clima, exposição e temperatura propícios disciplina coletiva, campos em forma de correias muito alon-
aos hábitos fecundos do lugar. gadas, chamados abertos, dispostos por grupos ou quartos
geométricos. Cultura intensiva: toda a extensão é cultivada ,
De fato, sem negligenciar a proteção dos terrenos, pro- a tal ponto que se superpõe, até o “ermo”, à cultura e à
blema de ordem regional, o “ ruralismo” 1 ( abandonamos a pastagem. Unidade cultural: a “aldeia”, limitada geralmen-
expressão urbanismo rural ) deve visar muito mais a cuidar te por um delgado anel com seus jardins limitados por sebes.
da estrutura agrícola pr ópria. E também n ão se pode tratar Fam ília vasta e fortemente organizada.
do ruralismo sem lembrar os diversos modos de civilização
agrá ria que se encontraram e equilibraram sobre nosso terri- Vastas extensões em campo rasteiro, entre maciços com -
tório. pactos de florestas. Alguns caminhos protegidos por pregos
de pedra, em volta da aldeia, explorando e delimitando os
setores de rotação cultural da clareira primitiva, mas n ão
I. As trê s grandes civilizações agrárias caminhos para impedir o esmigalhamento das pequenas pro -
Nossa primeira civilização agrícola veio do sudoeste priedades, que buscassem realizar uma repartição equilibra-
( provavelmente da África, através da Espanha ) , por volta da sobre os três solos. Aglomeração dos habitantes e dos
da segunda idade da pedra polida. Suas principais caracte- jardins, florestas compactas, esmigalhamento das parcelas de
rísticas, observáveis em nossos dias, são: individualismo, solo.
campos irregulares e cercados, sobretudo quadrados, para Por volta de 500 a.C, o sudoeste da Gália foi invadido
diminuir o perímetro da cercadura. Cultura intensiva, arbo- pela influência mediterrâ nea, que introduziu na região da
ricultura. Pastagem ( matagais e matas de corte ) e cultura Provença e do Languedoc, traços originais de uma vida agr í-
eram cuidadosamente distinguidos e separados de acordo cola de cará ter muito mais urbano.
) com uma observação atenta do solo. Unidades culturais :
fazendas ou lugarejos dispersos pelas pequenas matas. Regi- Habitat sazonal de grandes burgos enfileirados — ver-
me familiar bastante flexível. Largos caminhos vazios en-
fiando-se por sebes espessas, murando as propriedades de
dadeiras acrópoles — para o inverno e de quintas rurais para
o verão. Terra que n ão era nem o campo do nordeste, visto
t uma cooperativa. Eles permitiam o percurso de tropas. Dis- que os campos eram em forma de quebra-cabeça, nem os
persão dos habitantes, esmigalhamento da floresta devido à arvoredos do sudoeste, já que n ão eram fechados por sebes.
difusão das árvores em margem dos campos , mas agrupa- Encontramos lado a lado a dissociação entre a pasta-
mento de parcelas em forma de quebra-cabeça. gem e a cultura , como no oeste, ou as pr á ticas comunitá rias
Na idade do bronze, uma civilização nórdica gregá ria para a exploração do alqueire, como no leste. Policultura
veio estabelecer-se, com força, no nordeste da França. extremamente variada. Arboricultura bastante crescida. Fa-
mília reduzida aos pais e crianças menores. Vida municipal
1 . Palavra empregada pela primeira vez por Maurice Vignerot, durante a
Exposição da Cidade reconstitu ída, em 1916. muito intensa. Em resumo: comunidade semi-urbana sobre

114 115
ft
um terreno muito complexo, de propriedades agr í colas de um povo de chefes responsáveis e não proletários. Nada
pequena extensão , bastante irregulares e misturadas. disso pode ser negligenciado” 2.
Esses esquemas cômodos, destinados a ressaltar melhor Não se pode deixar de considerar o problema camponês
as oposições, n ão são nem os terrenos iniciais, nem os terre- tanto do ponto de vista do sociólogo e do humanista, quanto
nos atuais. Os traços originais do sudoeste, do nordeste ou do economista.
do sudeste sofreram evoluções diferentes segundo foram apli- Também a introduçã o da maquinaria leve deve ser
cados a regiões favorá veis, devido ao clima , ou na proximi- essencialmente orientada e adaptada às dimensões de nossas
dade do mar ou sua umidade pr ópria, ou ao crescimento de explorações pequenas, médias ou grandes. A cooperação na
pastagens vigorosas ou ainda, ao contr á rio, a encostas secas produção e na venda poder á ser mais ou menos dirigida
e próprias para a vinha e a arboricultura. Mas eles deram a segundo a estrutura t ão complexa do país, e também segundo
trama fundamental sobre a qual viria se recortar a rica varie- a substituição das culturas industriais por certas culturas de
dade de nossas 400 a 500 regiões rurais. viveiros ( daí as estreitas ligações com as novas ind ústrias
químicas de síntese ) , e pela especialização das pequenas ex -
II. A nova civilização camponesa plorações na produção de plantas, frutas, legumes, raças
escolhidas etc.
Nação de “ind ústrias grandes e pequenas, de cidades
importantes em que prosperam comércios de luxo, morada É preciso recriar uma nova civilização camponesa. Mas
de alta cultura intelectual, terra de pastagens e labores, a como aumentar o nível de vida dos agricultores sem ser às
França é tudo isso e nada menos que isso . . Não é com- custas de seu n ú mero, e por outro lado, sem prejudicar o
pletamente paradoxal dizer que a França é mais camponesa equilí brio geral do país provocando um aumento inaceit ável
i do que agrícola . . . Se ela procurasse visar os problemas dos preços agr ícolas?
rurais apenas sob o â ngulo da produção, seria levada a mo- “ N ão existe solução-tipo para o conjunto da França. É
í dificar profundamente a fisionomia do campo. Ela deveria
proceder a essas reconstituições de dom í nios agr ícolas, muito
preciso tender à realização do povoamento ideal para o ‘país’
agrícola visado, um ideal ligado à dimensão ideal das explo-
mais sé rias do que as que são vistas no momento, e conferir rações. Programa essencialmente pragm á tico. É nesse quadro
a seus métodos de culturas um cará ter claramente industrial de cada região agr ícola que deve ser concebida e aplicada a
que se acomodaria mal a um regime de pequenas proprieda- renascença da vida camponesa. Cada regi ão agrícola corres-
des e de explorações de grupos familiares . . Esse regime pondente a ‘uma unidade geográfica natural, ou a um agru-
é que fez de nossos camponeses o que eles são. Ele assegura pamento econ ómico deveria receber sua autonomia agr ícola,
a seus membros, mais ainda que um bem-estar relativo, uma e seria dela mesma que passaria a depender, ent ão, o seu
autonomia e uma independência que est ão profundamente melhor ser: seus problemas próprios, as causas de sua deca-
arraigadas a seus costumes. Ele fez de um povo camponês, 2 . Connaitre la ierre , pelo marquês d’Aragon ( Bloud & Gay, 1942 ) .

116 117
dência ou de sua fortuna n ão seriam mais mascaradas pela sob que forma ela deve ser reconstituída, se deve permane-
tela administrativa”, como declara J. Weulersse. cer satélite ou deve ser intensamente equipada, tornando-se
um centro intercomunitá rio.
É preciso aumentar a densidade demogr áfica do campo,
mas n ão o n úmero de agricultores. São certas produções dos
agricultores franceses que são insuficientes, mas n ão o n ú me- III. A reconstituição das propriedades agrí colas
ro de agricultores. Se algumas de nossas regiões uma par- Enquanto outrora considerava-se o oeste dos bosques
te do leste, e mesmo do centro e do sudoeste — têm neces-
sidade de ser revivificadas por uma imigração, n ão de mão-
“como de pobre fortuna, e as aldeias antigas como celeiros
de abundâ ncia”, Pierre Caziot foi o primeiro a afirmar a
de-obra, mas antes de quadros e chefes de exploração atentos, superioridade das pequenas propriedades de arrendamento
será necessário, ao contrário, nas regiões em que o povoa- do centro e do oeste, em relação às propriedades pulveriza-
mento já ultrapassa o ideal para a vida — Bretanha , Vendée
e quase todo o oeste
— utilizar o excedente da população
para constituir esses quadros, os trabalhadores mecâ nicos e
das do norte e do leste. Ele avaliava que em dez milhões de
hectares ( de 46 milhões ) , o retalhamento é nocivo, e que
as reconstituições de propriedades agrícolas provocariam
os artesãos nas explorações motorizadas, num habitat reno- uma redução de 25 % das despesas e da perda de tempo,
vado, e com cidadãos descentralizados. bem como um aumento de 10 % da produção. Ao se tornar
Foi o desmoronamento do artesanato agrícola que ministro da agricultura, fechou seu ensinamento com a lei
levou à deserção rural, e vice-versa. É preciso que, ao lado de 9 de março de 1941, sobre a reorganização da proprie-
dos agricultores, viva uma população notá vel de artesãos e dade de bens de raiz e sobre a reconstituição das proprieda-.
de profissionais liberais que vitalize e jamais deixe de recriar, des agrícolas.

>
a partir do interior, a vida rural.
René Dumont pode escrever : “A agricultura moderna
Essa lei prevê o reagrupamento de propriedades pe
quenas em um domínio, se possível, dentro de um só limite,
-
exige menos braços, e mais cérebros”. e jamais distanciadas mais de três quilómetros do centro de
K

I Vimos anteriormente ( cap. VI ) o que as diversas for- exploração. Essa reconstituição continua muito insuficiente,
ii mas de descentralização trar ão em matéria de dinamismo pois se detém diante das aldeias em cujo interior uma recons-
novo. O enxerto da vida urbana na vida rural é indispensá- tituição imobiliá ria é freqiientemente necessá ria. Por exem -
ti - vel: ele será feito no nivel das aldeias-centro ( que nos luga- plo, n ão se pode conceber a transformação de uma antiga
res despovoados são os “chefes” de cant ão ) e no nivel das aldeia de vinhateiros numa aldeia de policultura, sem que
cidadezinhas que devem ultrapassar a cifra limite oficial das haja modificações profundas das construções de exploração.
comunidades ditas rurais ( dois mil habitantes ) , para eleva- As reconstituições foram tocadas rapidamente nas
rem-se até 20 mil habitantes. regiões interioranas, mas ainda esperam ser repensadas nas
O ruralismo n ão é um planejamento de escala comunal. regiões de floresta, onde os malef ícios das erosões eólica e
Não se pode trabalhar uma aldeia qualquer antes de saber hidrá ulica manifestam-se desde que se suprimam as sebes
ns 1X9
plantadas por toda parte. Ora, os quebra-ventos ( QV ) limites da comunidade, o que representa um real perigo
reduzem a evapotranspiração potencial ( ETP ) , aumentam social. Esse perigo é tanto maior quanto mais toda diluição
o rendimento e impedem que os campos, vastos demais, tornar n ão rent á vel a aplicação de certos progressos sociais
sejam queimados no ver ã o e enregelados nas é pocas frias. e técnicos baseados sobre os grupos densos, arriscando por -
Certamente, a existência das sombras, das ra ízes, a diminui- tanto a provocar uma nova desinfecção dos campos.
ção da umidade na margem da sebe são reais, mas experi- Ao contrá rio, é indispensá vel reforçar a cooperação e
mentalmente, o ganho de um campo protegido por quebra- a freqíientação ( f ácil, quase cotidiana através dos meios de
ventos é de cerca de quatro vezes a perda das bordas do QV transporte n ão mecâ nicos ) na hora em que o espírito comu-
( Bates ) . Para responder a diversos embaraços : microclima,
nitá rio é mais do que nunca necessá rio. Um quarto das
utilização de m áquinas, proteção da paisagem, utiliza ção comunas agr ícolas francesas com menos de 200 habitantes
cultural, buscamos um modelo fechado. O que nos levou a devem ser federadas ( às vezes fundidas ) a centros mais im-
passar do campo-tipo atual do oeste ( de 70 a 80 ares ) ao portantes. O ant ídoto para a dispersão dos esforços é a
campo de 100 x 300 = 3 hectares; sendo que a largura deve
ser perpendicular aos ventos reinantes.
aldeia-centro, como vimos declarando desde 1941.

Uma vez estabelecida essa trama, pode-se, através de IV. As aldeias-centro


plantações intercaladas, substituir progressivamente a poda
A comuna rural é antes de tudo um limite de comuni-
das á rvores sem valor e realizar uma plantação associada de
dades numa unidade agrícola, uma unidade de exploração;
bosques. Para nosso modelo de 800 metros de perímetro,
ela não pode, no caso de comunidades pequenas demais,
200 álamos em linha equivalem a um hectare cheio. Equi-
constituir uma unidade de trocas. Eis porque a aldeia-centro
valem portanto a um aumento de 1/ 3 da superf ície útil dos
é o lugar em que a vida urbana indispensável ao refor ço e
solos . . . com rendimento acrescido. Tudo est á para ser
ao desabrochar da nova civilização rural se insere na vida
revisto sob o â ngulo agrobiológico, e n ão mais químico e
I agr í cola.
N mecânico.
Essa necessidade humana, que leva ao equipamento das
I Além disso, a criação de Agrupamentos Agrí colas de aldeias-centro, é encontrado com as possibilidades financei-
J Bens de Raiz e de Agrupamentos de Exploração em Comum
ras. A abund â ncia de créditos indispensáveis, e sobretudo
faz com que saiam da aldeia as construções de exploração,
> sua desproporção em relação ao n ú mero de usu ários, impede
sobretudo as de criação de animais domésticos, fontes de
de crer que se possa dotar cada comuna rural de todo o equi-
nocividade indesejá vel. As domésticas, sobretudo, tendo que
pamento espiritual, social, esportivo, higiénico que alguns
assegurar apenas a guarda da casa, n ão precisarão mais
pregaram, e ainda muito mais se as aldeias se desbastam ou
deixar a aldeia.
se sobressaem. Portanto é necessá rio escolher centros sobre
Assim o desenvolvimento da técnica rural, o movimento os quais serão depositados todos os créditos, todos os esfor-
geral de dispersão, o reagrupamento das terras e o desbasta- ços, e que se tornar ão os verdadeiros n úcleos “ rur-urbanos”
mento das aldeias levam a uma diluição humana sobre os ( como diria Geddes ) da nova estrutura rural.

120 121
I

Na França, as semeaduras de povoamentos fundamen-


tais são t ão variadas, que experimentalmente tivemos que
dividir as aldeias-mestras em três classes, durante nossas pes-
quisas: A-C 1, A-C 2 e A-C 3.

VC. J
* — A aldeia-centro de primeira classe é um verdadeiro “sub-
chefe” setorial de cant ão ou antigo burgo, já está expres-
sivamente equipada, e será suficiente apenas afirmar tal
equipamento;

*+ — A aldeia-centro de segunda classe deve ser escolhida em


conseqtiência de sua posição, relativamente àquilo que a
+ cerca. Após ser equipada suficientemente poderá tornar-
se uma A-C 1;
*
— A aldeia-centro de terceira classe encontra-se ainda numa
semeadura muito frouxa, em terras pobres, de limites
muito vastos. Fraca, ela é escolhida como centro apenas
para atar as isoladas.
Após ter detectado numa região as A-C de primeira,
segunda e terceira classes, faltam, segundo a semeadura de
povoamento, as aldeias isoladas ou ex-cêntricas, que n ão
) podem se ligar, a fim de se beneficiarem cotidianamente da
I
i LEGENDA DA FIGURA 6
Ilí No alio: Exemplo de detecção de aldeias-centro e satélites, no sul do de-
partamento de Indre. Observar a diferença entre a semeadura de povoamento da
regi ão de Champagne de Berrichonne, no alto, e da regi ão de Boischaud , em-
f baixo. ( Laborat ório de Pesquisas e Análises Urbanas. )
Embaixo: Florescimento , após a reconstitui ção das propriedades agrícolas,
da aldeia de Bosquel , por P . Dufournet.
1 : zona interior ao perímetro de aglomeração.
2: zona interior ao per ímetro de estabelecimentos agr ícolas ( não servida
pelas “utilidades” ) .
3 : Fazendas novas fora do centro.
4 : A grande fazenda ( 180 ha. ) que n ão muda de lugar , e cujos dom í nios
poderiam ser reagrupados ao sul .
Fig. 6 — Aldeias-centro e reconstituição das propriedades agrícolas 5 : Exemplo de um setor cultural comandado por sua fazenda.

122 123
Fig. 7 Esqueleto e carne: A velha Albi ( Laboratório de Pesquisas e An á lises Urbanas) mostra que 1 foi bem sucedida como via comercial , mas conduziu a uma degenera ção
No interior da velha cidade comercial, o engenheiro Maries tinha previsto três -
completa do bairro sudeste ao desviar se dos caminhos antigos; 2 foi totalmente bem
aberturas: 1 ) através de uma pequena ilha para dar acesso direto a catedral , 2 ) da sucedida , sendo tra ç ada no bom sentido de uma “corrente de circula ção”; 3 fracassou
prefeitura à catedral, 3 ) da nova ponte à catedral. em conseqiiê ncia da topografia e das constru ções perif é ricas.
Como a carne — isto é, as lojas, nesse centro de trocas — ( linhas negras ) vai
se interligar a esse esqueleto? A compara çã o dos três planos em 1856, 1881 e 1936
A “pata de ganso ” terminando em uma catedral já é, em si, um erro plá stico.
Nesse caso, ela é um erro funcional.

As investigações que estabelecemos mostram que as


vida de trocas, a nenhum centro. Batizamo-las de unidades-
rurais , e a pr ática levou-nos a dividi-las també m em três proporções relativas de A-C 1, A-C 2, A-C 3, U-R 1, U-R 2
classes: U-R 1, U-R 2 e U-R 3; e U-R 3 numa dada região, permitem caracterizar a estru-
h
!
J
>
— A unidade-rural de primeira classe é forte, dotada de uma
real autonomia. É um centro, mas sem satélites do esca-
lão comunal.
tura rural visada.
Notemos que é preciso juntar à aldeia-centro o que
n se pode dar às aldeias-satélites, mas n ão tirar dessas
ã o
I últimas aquilo que elas já possuem.
— A unidade-rural de segunda classe, independente em con-
seqiiência de seu isolamento, deve ser fortificada através
O desenvolvimento da administração profissional neces-
sitar á , em cada aldeia, de um equipamento de exploração
de uma contribuição artesanal de complemento;
completo e além disso, na aldeia-centro, de um equipamento
— A unidade-rural de terceira classe é fraca, sem ligação
possível. Ela está arriscada a ser ainda mais desbastada,
de trocas: lar rural, centro artesanal para a formação de
aprendizes, centro de higiene social, centro esportivo, ins-
e quase n ão passa de uma comunidade agr ícola. talações cooperativas variá veis com material moderno etc.

124 125
\

Ir

O equipamento n ão será somente de tipo imóvel , mas Na Bretanha, essa província renascente, pudemos revi-
também circulante. O melhor da civilização urbana deve vificar numerosas aldeias ou Aldeias-centro, trazendo-as
estar por terra sob forma de seções sanitá rias automovíveis, para o nível de cidadezinhas urbano-rurais. Essas últimas
bibliotecas e grupos teatrais circulantes, equipes volantes permitir ão, sem d ú vida, evitar o cerco de Rennes por uma
para o tratamento de vegetais, o ensino doméstico, agrícola , periferia descoordenada. Infelizmente, essa “capital adminis-
corporativo etc. trativa” estando absurdamente inchada no interior de seus
O ruralismo, que ficara adormecido, tinha tido um bom limites comunais, n ão terá lá ainda uma cidade-federação,
começo com a fundação do CERAC: “Centro de Estudos mas sim um câ ncer cercado por um tecido regenerado.
do Ruralismo e do Planejamento dos Campos”, em 1960, Será graças ao despertar das municipalidades que n ão
e de nossa “Oficina de Ruralismo e de Urbanismo Aplicado” hesitam em empreender loteamentos comunais , e somente
( ARURA ) , em 1964. assim, que poderá ser salva a estrutura rural. Quanto à
Em 1967, a Escola Nacional Superior Feminina de estrutura agrícola, está desagregada por reconstituições auto-
Agronomia ( ENSFA ) de Rennes, criou uma opção para o rit á rias, e n ão praticadas amigavelmente, e encontra-se tam-
estudo de Planejamento Rural , cujo ensino nos foi confiado. bém ameaçada pela demora dos exploradores na reconsti-
tuição voluntá ria em GAEC.
Por todo o oeste das florestas, lançamos um plano de
expansão vertical incluindo a formação associada de florestas,
que é, ao mesmo tempo, um plano de salvamento dos mi-
crolimas e dos solos.
Mostramos que os terrenos incultos mais desprovidos
1 da região do Jura poderiam servir n ão para campings con-
centracion á rios, mas sim para quarteirões de liberação, para
o verdadeiro relaxamento dos quadros estafados.
i
i A destruição dos solos pelos adubos químicos deve ser
I compensada por contribuições orgânicas que permitam as
transmutações biológicas do sódio em pot ássio, e do cálcio
4
em magnésio ( descobertas por C. Louis Kervran , em 1959 ) .
A fim de realizar a simbiose cidade-campo, propuse-
mos, pois, a volta do sistema de lixo doméstico orgânico
para a terra, graças às f ábricas inter-cantonais de humus.
Tudo dependerá da iniciativa das autoridades locais,
querendo se salvar ou entregando tudo à sorte. i
!
4

126 127 I
¡
Mlii I
1

Capítulo 9
RUMO A UM NOVO URBANISMO 1

O novo urbanismo, como o novo humanismo, deve


reencontrar o real, ser encarnado. Ele deve tomar corpo,
inserir-se em corpos, ser corporativo e corporal, carnal, diria
Péguy. Esse urbanismo, afirmando a pessoa, desposa a vida.
Ele deve ser biológico, apto a todas as mutações caracte-
rísticas da vida, como o espirito. ,

i Esse urbanismo encarnado, que nosso século deve ela-


borar, ser á de ordem experimental, ou n ão será. Ele visará
Í essencialmente a desposar as realidades, a estruturar as so-
ciedades densas ou disseminadas em agrupamentos de esca-
f
s
lões pró prios do tamanho do homem —
tamanho do homem
tanto na ordem espiritual como na ordem material, tanto
no espaço, como no tempo.
Poderíamos qualificar esse planejamento do espaço de
urbanismo federativo, pois ele reencontrou
como os regionalistas —
exatamente
a necessidade de só compor as uni-

-
1 . Cf . nossa obra sobre Le nouvel urbanisme ( Vincent ed . ) , para o desenvol
vimento desse capítulo.
129
)
dades superiores, as grandes unidades, através da federação N ão se trata mais de submeter o plano, uma vez termi-
das unidades prim á rias, evitando destruir as qualidades das nado, ao ajuste de protestos da investigação de “ commodo
últimas. e incommodo” , mas sim de fazer participar dessa investiga-
ção de antemão , a fim de que o plano seja unicamente a
I. O urbanismo corporal expressão das necessidades e dos desejos louv áveis desse
corpo.
Chamaremos ainda mais apropriadamente essa grande
arte da organização territorial das massas de urbanismo Concebemos perfeitamente o descontentamento das po-
corporal. De fato, o que o caracteriza é a afirmação experi- pulações em que a administra ção envia um urbanista que
mental da existência de “corpos orgâ nicos” constitutivos da parece fazer um projeto de planejamento para seu prazer
cidade ou da região. Não é um urbanismo de multidão, mas pessoal, às vezes até mesmo o título de trote de um recém-
de grupo, n ão um urbanismo de concentração, mas de “ re- formado. De cora ção, concordamos perfeitamente com os
centralização” sobre a pessoa. Esses “corpos organizados” de centros culturais que querem preservar seu património local.
ordem territorial, nós os reencontramos na vida económica, Mas sabemos, por experiência, que as câ maras municipais
onde se redescobre que os corpos de profissões devem se estão sob uma influência grande demais dos eleitores ou dos
ordenar a disciplinar em corporações. Poderia ser de outra poderosos; que, de outro lado, alguns extravios de informa-
forma ? Haveria diversas maneiras de conceber a articulação ções provocaram especulações onerosas para a coletividade,
dos agrupamentos sociais, fossem essas articulações profis- enfim, que as investigações de “commodo e incommodo”
,

sionais ou locais? Evidentemente, n ão. revelam, em sua quase totalidade, oposições de interesses
puramente privados.
E também , antes de qualquer esboço, o urbanista tem '
Todavia será necessá rio, em vista do bem comum regio-
necessidade de estabelecer uma investigação por corpos:
nal ou nacional, “ passar adiante dos interesses privados,
locais ou profissionais, de vizinhança ou de atividade, a fim
de abrir “caminho”, ou dizendo de outra forma, estabelecer
mesmo os respeit áveis, e das pretensões locais, mesmo as legí-
timas”. O bem comum do todo est á acima da parte. Portanto,
a estimativa comum entre os grupos constitutivos da cidade
é essencial orientar firmemente cada agrupamento apenas
e da regi ão, das necessidades privadas de cada um e das ne-
cessidades comuns do conjunto — estando cada um desses
grupos perfeitamente habilitado a conhecer os problemas de
/ '
onde é humanamente impossível n ão deixar para si próprio
sua direção. É uma quest ão de escala.
sua escala. Há problemas que são da escala de um proprietá rio, de
uma rua, de um bairro, de uma cidade, de uma região ou
Não pode ser suficiente recolher os depoimentos das da nação. Certamente, todos eles est ão em interação cons-
“ autoridades sociais”, que se desdizem com muita facilidade, tante, mas cada comunidade só pode julgar no â mbito de
é preciso que cada corpo constitutivo tome posição, e por sua escala , e cada pessoa só pode intervir numa escala supe-
escrito, sob o olhar ao mesmo tempo benévolo e crítico de rior à sua, caso seja desapegada como elite moral, o chefe
uns e outros. efetivo de um grupo.

130 131
Durante nossa breve exposição, vimos igualmente que cia livre e espontâ nea. Portanto, quanto mais limitada ela é,
aos m étodos uniformizantes do zoneamento devem substi- também mais forte será.
tuir-se os m étodos unificantes por escalões, e que o equipa-
mento p ú blico e semip ú blico deve ser feito escalã o por esca- Os planos e programas que resultarão, fruto de um
l ão, corpo por corpo. Antes de mais nada, são os lugares de consenso e de uma autoridade real, v ão se manifestar apenas
reunião que caracterizam e unificam os escalões. Apenas em escalas em que devem se manifestar; ser ão, portanto,
realizáveis.
um florescimento de centros sociais — mais e mais indispen-
sá veis à medida que as massas vão tendo acesso à cultura
permitiria estruturar os tecidos urbanos.
— É preciso ainda poder realizá-los e vê-los realizando-se.
Para que um plano se realize, é necessá rio que os agru-
Sob qualquer â ngulo que abordemos o novo urbanismo, pamentos interessados dediquem-se realmente a ele, assumin-
recaímos sempre sobre a afirmação de corpos organizados
e federados.
do sua direção — tal é o caso das reconstituições de proprie-
dades urbanas e rurais. Portanto, é indispensável que asso-
O primeiro trabalho do urbanista é , portanto , estabele- ciações sindicais de propriet á rios sejam constitu ídas para
cer a topografia social do ser que deve ser tratado , a fim' de cada operação, e que lhes forneçam a autonomia mais com-
subdividi-lo em escalões locais que tenham , cada um , seu •
j
pleta possível, dotando-as de técnicos sensatos, de um con-
representante — a . subdivisão em corpos profissionais,
comerciais ou culturais tendo sido, já efetuada.
trole inteligente e flexível e enfim, de crédito especialmente
destinado a ela 2.
Através de deliberações e trocas de pontos de vista, em É preciso que os perímetros que delimitam essas asso-
diversos graus, o urbanista chegará a conhecer as verdadei- cia ções coincidam com os escalões, a fim de estender a todos
ras necessidades e os verdadeiros desejos de todos esses cor- os participantes efetivos as benfeitorias e as tarefas, de apli-
) pos, em suas respectivas escalas. Ele será ao mesmo tempo o car as expropriações por zonas e recuperar as mais-valias.
I piloto indicando a direção, se necessá rio, e o á rbitro entre Reagrupados, recentralizados segundo seu estado orgâ-
partes de interesses aparentemente opostos. Ele encontrará nico os escalões necessá rios para a investigação por corpos
,
em volta dos quadros da organização nacional do urbanismo devem viver, ou melhor, reforçar-se para a execução das me-
I
i os apoios necessá rios para fazer executar — quando for ne-
lhorias que lhes são pessoais. Quem n ão vê que vivo senti-
\
cessário — suas arbitragens.
Não se trata de forma alguma de encorajar a multipli-
mento de comunidade nascer á assim! E o quanto a necessi
dade de contatos cotidianos em vista do bem comum modi-
-
cação de comissões-t ú mulos entre os já existentes serviços ficará pouco a pouco o individualismo arrebatado, ao qual a
administrativos, mas de fazer com que se exprimam corpos França deve sua perda de autoridade! Quem n ão vê que
orgânicos n ão esquecendo que deliberar é atribuição de viveiro de capacidades, habituadas ao manejo dos negócios
vá rios, decidir, de apenas um. A autoridade verdadeiramente 2 . A cada bairro podem se aplicar as vantagens das “seções de comunidades”
forte é aquela que, sem usar de opressão, obtém a aquiescên- previstas pelas determina ções de 2 e 3 de novembro de 1945.

132 133
p ú blicos e ao senso de responsabilidade, uma tal estrutura posto abaixo, mas um prédio de 20 andares com infra-estru-
corporativa constituirá 3? tura e superestrutura caras, sobre um terreno caro, não pode
ser demolido facilmente para ser substituído por outras cons-
Nas grandes cidades, a continuidade necessá ria para truções ou por um espaço verde. O capital inicialmente in-
as realizações do urbanismo impõe a criação de Comités de vestido vai se opor sempre a qualquer melhoria humana.
Informação , constitu ídos por representantes dos grupos
locais e profissionais. Esses comités —
e n ão as câmaras
municipais sempre provisórias, submetidas às flutuações
Os investimentos feitos pelas estradas de ferro se opõem,
h uma geração, ao desenvolvimento dos transportes de
á
políticas
mento.
—participarão da criação de projetos de planeja- automóveis; os enterramentos consideráveis em matéria de
metrô têm certamente aumentado o congestionamento sub-
terrâ neo ( que quase se torna uma quest ão de solvência muni-
cipal ) ; e a mística do “ tudo pelo esgoto”, com estações espe-
II. O urbanismo biológico ciais de tratamento e campos de derramamento, retarda a
No momento em que o formid ável alcance urbano se introdução, nos escalões residenciais, de um aparelho mais
fazia sentir, no momento em que rá pidas mutações eram simples que faça voltar as águas usadas ao que eram em seu
desejá veis, as enormes construções, os grandes investimentos, ponto de partida.
os serviços coletivos monstruosos, todos elementos de fixa- É indispensá vel reencontrar máquinas e formas flexíveis,
ção contrá rios às necessidades demogr áficas da época, nos adaptadas a uma civilização “ biológica” — palavra que cada
foram impostos por um “regime de proveito” inconsciente.
Construíram-se casarões para locação, altos e pesados,
vez mais se impõe nos Estados Unidos
como diria Geddes.
—ou biotécnica,

de cimento armado indestrut ível, profundamente fundados e Não encontramos somente o monumental, o petrificado
)
ancorados nos grandes coletores, como se devessem ser sim- em arquitetura, mas ainda o mecâ nico. Engenheiros, indus-
I bolicamente eternos, tal como os templos ou os memoriais. triais e capitalistas querem todos nos fornecer o quente e o
s
A cidade inteira se petrifica num imenso monumento, ina- frio, destruir nossos lixos e nossas águas usadas, mas querem
J daptá vel à vida que se move, comprimida em seus raros fazê-lo concentrando tudo em suas próprias m ãos, graças aos
> vazios, em vez de ser um organismo incessantemente reno- tentáculos de seus coletores 4.
vado e flutuando na verdura de seus parques.
Entre os quatro elementos indispensáveis para sua vida,
Ora, quanto mais as energias de uma comunidade se o homem encontra por toda parte a terra e o ar; é preciso
imobilizam em estruturas materiais maciças, menos ela se
presta a ajustar-se às novas necessidades e a aproveitar novas
4 . É preciso lutar , em todos os planos, contra o espírito de concentra ção .
Assim, contra uma pretensa caridade coletiva e impessoal, multiplicam -se os
possibilidades ( Mumford ) . Um pavilh ão pode facilmente ser sanatórios ou asilos, que são t ú mulos. A tuberculose
— em que o contágio

3 . Para a determinação das necessidades dos “ bairros”, representantes femininos


n ão é tudo
— deve ser tratada na fam ília; o ancião, se n ão tem mais seres
próximos, deve ser levado para o campo, numa fam í lia secund á ria. Disso
são indispensáveis. provém um equipamento de higiene social totalmente diferente.

134 135

HL. j
que ele tenha ainda a água e o fogo, ou energia. Parece pró- trico ser á in ú til para acionar nossos motores e todo nosso
ximo o tempo em que essa energia , sob forma de ondas, ser á equipamento dom éstico. N ão subsistirá quase nada da sujei-
difusa como o espírito, tempo em que mesmo o tênue fio elé- ção dos condutos de água, quando o homem se instalar
contra a geologia.
Já agora, com o desenvolvimento da maquinaria leve;
aparelhos privados da produção de frio ou calor, de vista
ou fala, com um equipamento móvel indo da cidade em dire-
ção ao campo, o homem pode se instalar em plena natureza.
Também o verdadeiro progresso só pode se manifestar nos
micro-agrupamentos flex íveis e leves, em novas cidades des-
centralizadas que constituir ão a primeira aplicação de um
urbanismo biológico ( cf . capítulo VII ) .
A cidade nova deve comportar, em volta do n úcleo
fixado pela história , certas estruturas perenes determinadas
pelo terreno e alguns monumentos-guias, paróquias residen-
/
/

ciais em perpétua possibilidade de renovação, segundo as


melhorias sociais a efetuar.
3
E3 4 III. Primazia do espí rito
E3 5
Ê22 6 A primeira edição desse condensado data de 1945, e
A 7
8
resumia nossos trabalhos anteriores. Nada temos a mudar em
©
\ relação aos princípios que havíamos estabelecido experimen-
talmente. Pensá vamos ter clamado no deserto durante
Fig. 8 — Prote ção da baí a de Ajaccio ( por Gaston Bardet )
20 anos e termos convencido estrangeiros bem antes da pr ó-
A mais importante proteçã o de paisagem já empreendida, estendendo-se
por cerca de 100 quiló metros de per ímetro costeiro. pria França. O Projeto de Planejamento de Varsó ria, de
li 1: .paisagem de solid ão para classificar ; 2: terreno observ ável para classi-
ficar ; 3 : zona de explora çã o rural; 4 : zona pantaneira para ser fiscalizada ; 1946 ( cf . fig. 101 , em Mission de 1’ urbanisme ) , é testemu-
5: florestas existentes; 6 : florestas a replantar ; 7 : localização para estações
balneá rias futuras; 8 : aglomera ção existente. nho disso.
Essa ba ía apresenta, alé m do “ poema” mineral dos Sanguinaires, uma su -
cessã o de golfos e pontas de um ritmo perfeito e de uma variedade incessante- * De fato, apesar de todos os impedimentos e de toda a
mente renovada . Uma rede de passeios, diferenciando ve ículos e pedestrés per-
mite o acesso aos mais admir á veis miradouros e descansos sem estragar a falta de vis ão administrativa , o corbusierismo-fora-de-escala
solid ão. Finalmente, reflorestamentos permitem, ern torno das praias de areia demonstrou sua nocividade e acabou por provocar uma rea-
fina, a localização de casas de praia, em forma de ramalhetes, nas concavidades
das massas rochosas expostas em pleno meio-dia. ção geral. Bertrand de Jouvenel declarou severamente :

136 137
“Quando a obra de construção desses decénios for julgada , totalitarismos políticos, as pseudo-esculturas e as pseudo-
ela parecerá um insulto à natureza e ao homem” Cada vez pinturas abstratas. Tudo isso n ão passa de manifestações di-
mais, reencontramos nossas sugestões para um urbanismo versas de uma ú nica forma de instinto : a Brutalidade, cha-
biológico, orgâ nico e flexível, no atual balbuciar. Haussmann mado de “Brutalismo”!
e Corbu , esses dois protótipos de tecnocratas, morrem em Essa é perfeitamente traduzida pelos “grandes conjun-
combate. Seus sectá rios esforçam-se por dissimular. tos”, gigantescos classificadores em que se entulham as “mas-
Mas permanecer á impossível organificar os grupos sas” que, n ão podendo experimentar nenhuma atração por
sociais localizados sem conhecer a topografia social , os teci- sua moradia, ficam mais à vontade móveis, à mercê dos dese-
dos urbanos e os escalões, nem sem utilizar a organização jos dos tecnocratas. Pois elas não são t ão fluidas quanto as
polif ónica para a criação de meios vivos e que proporcionem cifras das contas bancá rias deles! Nossos “impuros espíritos”
a vida. estariam preenchidos assim. A segunda revolução industrial
tinha encerrado nas correntes de produção um terço dos pro-
Ignorando tudo de nossas bases e de nossos métodos, letá rios, uma parte de sua jornada. A terceira revolução
os pianistas se puseram a fabricar planos ( e n ão planificar ) ,
com o ponto de vista ú nico de uma economia global , sem
industrial— chegando à cidade- f ábrica-moradia —
com avidez todos os urbanos em suas correntes, em todas
prende
nenhum fundamento. O Produto Nacional Bruto ( PNB ) n ão as horas do dia e da noite; ela os torna todos proletários ,
tem uma existência mais real do que a precipitação nacional “todos malditos da terra”, enquanto as f ábricas se huma-
das chuvas! Sendo bret ão ou marselhês, depende-se sempre nizam.
das micro-economias locais , como também dos microclimas .
Os que podem fugir das correntes da Circulação-Pro-
Os ingleses fazem a distinção entre o Geographical ou dução-Consumo-Controle, fogem. Os outros se desagregam
Physical Planning e o Economical Planning . Diríamos de
até “o limite de como é possível viver”.
outra forma, fazendo a distinção entre o urbanismo ou plane-
jamento territorial que, pondo-se de acordo com a realidade Justo retorno das coisas. Se os trabalhadores manuais
dos fatos permanece politicamente neutro, e o planismo eco- podiam obter uma semana de quatro dias, os quadros supe-
nómico que projeta no futuro os “ futurí veis” sobre tá bula riores deveriam praticar uma de 15! para cumprir, matando-
rasa. se, sua tarefa de organizadores. Face a essa impossibilidade,
será necessário triplicar os efetivos a fim de poder enviá-los
Aliás, n ão há a í nada além de uma forma nova de
“cubismo” transposto para a economia global, depois dos — por turno — para se recuperarem na natureza.

5 . Os casar ões para locação n ão são apenas defeituosos. As pretensas “ paredes-


Abramos os olhos. A industrialização crescente da cir-
cortina ”, de vidro e a ço, do Palácio da UNESCO ou do escritório de Seguros culação, das trocas, das moradias da cidade inteira transfor-
sociais levaram o diretor geral e os empregados a uma congestã o cerebral. mada em “f á brica-moradia”, leva a uma desvalorização
Quanto à s classes “ pré-fabricadas” do prédio da Educação nacional, nelas
os alunos escutam no m ínimo três cursos ao mesmo tempo, por falta de humana que tentam, miseravelmente, compensar com
isolaçã o sonora. Nenhuma é poca jamais tinha dado tamanha prova de igno- centros sócio-culturais.
râ ncia em matéria de técnica de habitat.

138 139
Diante dessa sub-humanidade , sub-emburguesada , mais Ora, toda centralização política, toda concentração
ou menos funcionarizada, que exige apenas super-quadros financeira , que só pode ser obtida por opressão moral ou
para continuar a subsistir, ergue-se a profissão liberal da f ísica, é diretamente oposta a esse vasto impulso rumo à
agricultura . Essa reclama, para ser remuneradora e sobrevi - Unidade, e que n ão pode ser atingido a n ão ser pela livre
ver, sem criação de um proletariado, uma quase-totalidade tensão em direção a um objetivo imaterial .
de tipos humanos superiores em conhecimentos aplicados e Ainda mais grave é o desvio desse impulso vital e espi -
em responsabilidade consciente. ritual para os mitos da Expansão e da Produção, quer dizer,
De um lado, necessidade de 5 % de líderes superiores, em direção ao proveito dos mercadores, explorando um
rebanho de consumidores, “orientados” em direção ao mais
no m áximo; de outro, a obrigação de 90 % de dirigentes
baixo. O efeito multiplicador n ão tem limites na ordem do
executantes, de artesãos superiores da terra , de alguma forma.
Espírito; ele se choca, ao contrá rio, muito rapidamente,
Onde se encontra o viveiro de homens para as tarefas contra as coações da matéria, os recursos do solo e dos indi-
futuras? Rumo a que grupo de homens, em que meio, os víduos. Nas vésperas da nova bancarrota mundial, e segundo
urbanos em fuga devem encontrar, por contato cotidiano, os trabalhos do MIT ( Massachusetts’ Institute of Techno-
seu renascimento? logy ) , o holandês Mansholt ousou propor, enfim, a deten-
ção . . . até grau zero!
Colocar a quest ão é resolvê-la. Ninguém pode ignorar
que a chave da organização do território, como o do equil í- Diante da explosão de iniciativas visando ao amor dos
brio mental , reside no planejamento do espaço transicional , Irmãos, como a Filad élfia, toda tentativa de planificação é
fadada ao fracasso. Quanto mais “arranjadores” quiserem
rural .
comandar — em lugar de tenderem rumo ao mesmo objetivo
I
I
Chegamos, finalmente, na última esquina da humani-
dade : Filadélfia, manifestada — ao mesmo tempo — através
imaterial — mais eles serão submersos. Eles se chocam , n ão
simplesmente contra a complexidade e a simultaneidade de
s de um olhar em direção aos tesouros do passado e às sur- problemas intelectuais e cient íficos, mas contra o fato eterno
preendentes explosões demogr áfica e espiritual. Esse formi - de que n ã o se engaiola jamais o Sopro do Espírito . . . e.
d á vel salto vital, de amor e de caridade, é essencial de ma-
neira diferente que o essencial das inven ções científicas, com
as quais se deleitam os novos habitantes da Babel.
O Grande Sopro do Espírito conduz tanto ao Ecume-
nismo como à geminação das cidades, às iniciativas cava - 6 . Cf . em Mystique et magie ( La Pensée Universelle ) , como se pode distinguir
lheirescas de ajuda m ú tua em todos os n íveis, dos mais o verdadeiro, o artificial ou o falso, atrav és do estudo do sentido das três
fortes em direção aos mais fracos, os menos desenvolvidos direções do espa ço. Comparar a pir â mide de Quéops ( fig. 32 ) com a Pre-
feitura de Cergy- Pontoise ( fig. 47 ) , por exemplo. Cf . o papel singular da
ou aos mais agrícolas. -
3.a dimensão, in La signature du Dieu Trine .

140 141

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