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MÓDULO I – DSMC

Tutorial 9 – Ficando lento


1) Estudar a doença de Parkinson; CMUSP, MERRIT 1135, HARRISON
Os distúrbios do movimento relacionados a disfunções dos núcleos da base são classicamente divididos em dois
grupos: as slndromes hipocinétkas (parkinsonismo) e as síndromes hipercinéticas (corei a, batismo, distonia e
atetose).
A doença de Parkinson (DP) é a segunda doença neurodegenerativa mais comum, ultrapassada apenas pela doença
de Alzheimer (DA). A DP acomete homens e mulheres de todas as etnias, de todas as ocupações e de todos os
países. A idade mediana de início é de cerca de 60 anos. A frequência da DP aumenta com o envelhecimento, porém
podem ser observados casos em pacientes em torno de 20 anos e até mais jovens. Clinicamente, a DP caracteriza-
se por tremor de repouso, rigidez, bradicinesia e comprometimento da marcha, conhecidos como as “características
essenciais” da doença. Outros achados podem incluir congelamento da marcha (freezing), instabilidade postural,
dificuldades na fala, distúrbios autonômicos, alterações sensoriais, distúrbios do humor, disfunção do sono, déficit
cognitivo e demência (Quadro 449.1). Do ponto de vista patológico, as características essenciais da DP consistem
em degeneração dos neurônios dopaminérgicos na parte compacta da substância negra (SNc), redução da dopamina
estriatal e inclusões proteináceas intracitoplasmáticas, conhecidas como corpos de Lewy que contêm primariamente
a proteína alfa sinucleína. Embora o interesse tenha sido principalmente concentrado no sistema dopaminérgico, a
degeneração neuronal com
formação de corpúsculos de
inclusão também pode afetar
os neurônios colinérgicos do
núcleo basal de Meynert
(NBM), os neurônios
noradrenérgicos do locus
ceruleus (LC), os neurônios
serotoninérgicos dos núcleos
da rafe do tronco encefálico e
neurônios do sistema
olfatório, hemisférios
cerebrais, medula espinal e
sistema nervoso autônomo
periférico. Essa patologia
“não dopaminérgica” é provavelmente responsável pelo desenvolvimento das características clínicas não
dopaminérgicas distinguidas pela falta de resposta satisfatória à terapia de reposição dopaminérgica. Há evidências
de que a patologia dos corpos de Lewy comece no sistema nervoso autônomo periférico, no sistema olfatório e no
núcleo motor dorsal do nervo vago na parte inferior do tronco encefálico, disseminando-se, em seguida, de maneira
previsível e sequencial para afetar a parte superior do tronco encefálico e os hemisférios cerebrais (estadiamento
Braak).
Na síndrome parkinsoniana, o quadro clínico basicamente é constituído por bradicinesia, rigidez, tremor e
instabilidade postural. A bradicinesia, ou acinesia, é um distúrbio caracterizado por pobreza de movimentos e a
lentidão na iniciação e na execução de atos motores voluntários e automáticos, associada a dificuldade na mudança
de padrões motores, na ausência de paralisia. Esse tipo de distúrbio motor pode englobar ainda incapacidade de
sustentar movimentos repetitivos, fatigabilidade anormal e dificuldade de realizar atos motores simultâneos. Outras
alterações motoras associadas à acinesia são pobreza de movimentos manifestada por redução da expressão facial
(hipomimia); diminuição da expressão gestual corporal, incluindo a diminuição ou ausência dos movimentos
associados dos membros superiores durante a marcha (marcha em bloco); e redução da deglutição automática da
saliva, levando a acúmulo e perda pela comissura labial (sialorreia). A acinesia e os distúrbios correlatos
mencionados interferem decisivamente na atividade motora voluntária, sobretudo automática, e levam a dificuldades
que se manifestam nos atos motores básicos da vida diária como a marcha, a fala e as atividades que requerem a
conjugação de atos motores como a alimentação, o vestir-se e a higiene corporal. A escrita tende à micrografia. A
marcha se desenvolve a pequenos passos, às vezes arrastando os pés, e há perda dos movimentos associados dos
membros superiores (marcha cm bloco), hesitações no seu início, interrupções e aceleração involuntária. Na fala, há
comprome1imcnto da fonação e da articulação das palavras, configurando um tipo de disartria denominada
hipocinética. A rigidez é outra anormalidade motora quase sempre presente na síndrome parkinsoniana. Traia-se de
uma forma de hiperlonia denominada plástica, em que há resistência à movimentação passiva dos membros, que
pode ser contínua ou intermitente, esta configurando o fenômeno da roda dentada. Outra característica da hipertonia
plástica é o acometimento preferencial da musculatura flexora, o que determina alterações típicas da postura, com
anteroflexão do tronco e semiflexão dos membros (postura simiesca). A instabilidade postural é decorrente da perda
de reflexos de readaptação postural. Esse distúrbio, que não é comum em fases iniciais de evolução do
parkinsonismo, podendo se manifestar apenas durante mudanças bruscas de direção durante a marcha,
posteriormente pode se agravar e provocar quedas frequentes.
Dessa forma, pacientes com DP podem apresentar, além das manifestações motoras, alterações cognitivas,
psiquiátricas, autonómicas, dor e distúrbios do sono. As alterações cognitivas em fases iniciais da moléstia, quando
presentes, geralmente são discretas (disfunção executiva) e sem repercussão significativa sobre o desempenho
cognitivo. Em cerca de 15 a 20% dos casos, no entanto, em fases adiantadas da evolução da doença podem ser
observadas alterações cognitivas graves, configurando um quadro demencial. No contexto das alterações
psiquiátricas da DP, destaca-se a depressão, que está presente em cerca de 40% dos pacientes e pode ocorrer em
qualquer fase da evolução da doença. Entre as alterações autonómicas, a mais frequente é a obstipação intestinal,
porém podem estar ainda presentes: sudorese excessiva, hipotensão postural e alterações de esfincter vesical. A dor
é um sintoma comum, geralmente musculoesquelética ou relacionada à distonia, com piora da intensidade no estado
“off”. Essas formas fragmentárias de parkinsonismo podem ser divididas em dois tipos básicos: a forma rígido-
acinética, caracterizada pela presença de acinesia e/ou rigidez, e a forma tremulante, na qual o tremor é o sintoma
mais proeminente. Nas formas rígido-acinéticas, a diferenciação deve ser feita principalmente em relação às formas
de parkinsonismo atípico descritas anteriormente e, ainda, quadro depressivo ou hipotireoidismo. Em situações em
que o quadro rígido-acinético é unilateral, a dificuldade motora pode simular hemiparesia por conta da disfunção do
trato córtico-espinal (lesão piramidal). A ausência de outras anormalidades comumente presentes na síndrome
piramidal como hipertonia elástica, hiper-reflexia, sinal de Babinski e abolição do reflexo abdominal, permite a
diferenciação.
Deve-se mencionar, ainda, que atualmente duas formas dessa moléstia podem ser distinguidas. A forma clássica, de
inicio na meia-idade, e a forma genética, geralmente de inicio mais precoce e frequentemente com história familiar
positiva. Atualmente, vários tipos da forma genética da DP são conhecidos e designados pela sigla Park, com
dezessete subtipos descritos até o momento. O mais frequente desses tipos é o Park 2, que se manifesta com
caráter recessivo, tendo sido encontrado em populações das mais diversas etnias, inclusive no Brasil.
- ETIOLOGIA E PATOGÊNESE
Os casos de DP são, em sua maioria, esporádicos (cerca de 85 a 90%) e de causa desconhecida. Estudos em
gêmeos sugerem que os fatores ambientais
provavelmente desempenham um papel
importante em pacientes com mais de 50 anos
de idade, enquanto os fatores genéticos são
mais importantes em pacientes mais jovens. Os
estudos epidemiológicos também sugerem risco
aumentado em consequência de exposição à
pesticida, residência rural e ingestão de água de
poço e risco reduzido com tabagismo e cafeína.
Cerca de 10 a 15% dos casos são de origem
familiar, e foram identificadas múltiplas mutações
específicas e associações gênicas. Fatores
genéticos também foram ligados a casos
esporádicos, com muitos casos típicos de DP
sendo portadores da mutação LRRK2 e estudos
de associação genômica ampla (GWAS)
implicando a alfa sinucleína, a tau e o HLA como
fatores de risco. Foi proposto que os casos de
DP possam ser devidos, em sua maioria, a um
“duplo golpe” envolvendo uma interação entre
uma mutação gênica que induz suscetibilidade
acoplada à exposição e um fator ambiental tóxico que pode induzir alterações epigenéticas ou somáticas no DNA.
Vários fatores foram implicados na patogênese da morte celular na DP, incluindo estresse oxidativo, inflamação,
disfunção mitocondrial e estresse proteolítico. Estudos recentes demonstraram que, com o envelhecimento, os
neurônios dopaminérgicos substituem o sódio pelo cálcio, através dos canais de cálcio, potencialmente tornando
esses neurônios de alta energia vulneráveis à neurotoxicidade mediada pelo cálcio. Qualquer que seja o mecanismo
patogênico envolvido, a morte celular parece ocorrer, pelo menos em parte, por meio de um processo “suicida” ou
apoptótico mediado por sinais. Cada um desses mecanismos oferece um alvo potencial para agentes
neuroprotetores. Entretanto, não está claro qual desses fatores é primário, se o mecanismo é o mesmo em cada caso
individual, se eles agem como uma rede de forma que pode ser necessário um coquetel de agentes para fornecer
neuroproteção ou se os achados até o momento representam meramente epifenômenos não relacionados com a
verdadeira causa da morte celular ainda não descoberta. As mutações genéticas podem não causar todos os casos
de DP, mas podem ser úteis para apontar vias patogênicas específicas e mecanismos centrais para um processo
neurodegenerativo que poderiam ser relevantes a todas as formas da doença. Até o momento, o maior interesse se
concentrou nas vias implicadas por mutações em α-sinucleína, LRRK2 e PINK1/Parkin.
A maior parte do interesse está na α-sinucleína. As mutações na α-sinucleína causam formas familiares raras de DP,
e a α-sinucleína constitui o principal componente dos corpos de Lewy em pacientes com DP esporádica. Além disso,
a duplicação ou a triplicação da α-sinucleína de tipo selvagem também pode causar uma forma de DP, indicando que
a produção excessiva da proteína normal isoladamente pode causar a doença. Foi proposto que a α-sinucleína é um
príon e que a DP é um distúrbio priônico. Aqui é proposto que, como a proteína priônica PrPC, a αsinucleína pode
dobrar-se de forma errada e formar folhetos ricos na forma β, gerar agregados e oligômeros tóxicos, polimerizar para
formar placas amiloides (i.e., corpos de Lewy), causar neurodegeneração e se disseminar para envolver neurônios
não afetados. De fato, a injeção de fibrilas de α-sinucleína no núcleo estriado promove o desenvolvimento da
patologia de Lewy nos neurônios hospedeiros, neurodegeneração, anormalidades comportamentais e a
disseminação da patologia de α-sinucleína para locais anatomicamente conectados. Mais suporte para essa hipótese
vem da demonstração de que a inoculação de α-sinucleína derivada de corpos de Lewy humanos induz patologia de
Lewy disseminada em camundongos e primatas. Coletivamente, essa evidência sustenta a possibilidade de que
terapias neuroprotetoras para a DP possam ser desenvolvidas com base na inibição do acúmulo ou na aceleração da
retirada de agregados de α-sinucleína. Mutações no gene da glicocerebrosidase (GBA) associado com a doença de
Gaucher numericamente representam o fator de risco mais importante para o desenvolvimento de DP. Embora o
mecanismo responsável não seja conhecido com exatidão, é importante notar que mutações em GBA estão
associadas com alteração na autofagia e na função lisossomal, podendo prejudicar a eliminação da α-sinucleína.
Seis mutações LRRK2 diferentes foram ligadas à DP, sendo a Gly2019Ser a mais comum delas. O mecanismo
responsável pela morte celular com essa mutação não é conhecido, mas acredita-se que envolva alterações na
atividade da quinase com mudanças na fosforilação de proteínas-alvo (incluindo a autofosforilação) e possivelmente
disfunção lisossomal. Mutações em PINK1 e parkin foram implicadas em disfunção mitocondrial como possível causa
de DP. Estudos recentes sugerem um papel para as proteínas parkin e PINK1 na renovação e eliminação de
mitocôndrias danificadas (mitofagia), e as mutações em parkin e PINK1 causam disfunção mitocondrial em animais
transgênicos que pode ser corrigida com expressão aumentada de parkin. Isso é particularmente atraente porque
estudos post mortem em pacientes com DP mostram um defeito no complexo I da cadeia respiratória em neurônios
da SNc.
- FISIOPATOLOGIA
Em relação à função motora, uma série de circuitos ou alças neuronais liga os núcleos da base com regiões motoras
corticais correspondentes de maneira somatotópica. O estriado é a principal região aferente dos núcleos da base,
enquanto o GPi e a SNr constituem as principais regiões eferentes. As regiões aferentes e eferentes são conectadas
por vias diretas e indiretas, que exercem efeitos recíprocos sobre a atividade da via eferente. A eferência dos núcleos
da base fornece o tônus inibitório (GABAérgico) aos neurônios talâmicos e do tronco encefálico, que, por sua vez, se
conectam com sistemas motores no córtex cerebral e na medula espinal para controlar a função motora. Do ponto de
vista fisiológico, a redução da atividade neuronal no GPi/SNr está associada com a facilitação dos movimentos e
vice-versa. Projeções dopaminérgicas de neurônios da SNc servem para modular a descarga neuronal e estabilizar a
rede dos núcleos da base. Acredita-se que os núcleos da base e as alças corticais ganglionares semelhantes
também sejam importantes na regulação das funções normais de comportamento, emoções e cognição. Na DP, a
desnervação dopaminérgica com perda do tônus dopaminérgico leva a um aumento da descarga de neurônios no
NST e GPi, inibição excessiva do tálamo, redução da ativação dos sistemas motores corticais e desenvolvimento das
manifestações parkinsonianas. O papel atual da cirurgia no tratamento da DP baseia-se nesse modelo, que previu
que as lesões ou a estimulação de alta frequência do NST ou do GPi podem reduzir essa atividade neuronal
excessiva e melhorar as manifestações da DP.
No parkinsonismo, admite-se que, como consequência da disfunção da alça dopaminérgica nigroestriatal, ocorra uma
redução da atividade inibitória sobre a via indireta e da atividade excitatória sobre a via direta. Essas alterações
levam, por mecanismo de cascata na via indireta, a um aumento da atividade excitatória do núcleo subtalãmico sobre
a via de salda do sistema (pálido interno/substância negra pars reticulata). Por outro lado, ocorre uma redução da
atividade inibitória da via direta sobre o mesmo complexo pálido interno/substância negra pars reticulata. Essas
alterações resultam em intensificação da atividade inibitória desse complexo sobre o tálamo e, consequentemente,
ocorre uma redução da estimulação cortical exercida pelas projeções tálamo-corticais, resultando em diminuição da
iniciativa motora que se expressa na síndrome parkinsoniana.
- DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL
O parkinsonismo é um termo genérico empregado para definir uma síndrome manifestada por bradicinesia com
rigidez e/ou tremor. Apresenta um diagnóstico diferencial que reflete a ocorrência de lesão de diferentes
componentes dos núcleos da base. Os núcleos da base compreendem um grupo de núcleos subcorticais que
incluem o estriado (putame e núcleo caudado), o núcleo subtalâmico (NST), o segmento externo do globo pálido
(GPe), o segmento interno do globo pálido (GPi) e a SNc. Entre as diferentes formas de parkinsonismo, a DP é a
mais comum (cerca de 75% dos casos). Historicamente, a DP era diagnosticada com base na presença de duas das
três características parkinsonianas (tremor, rigidez, bradicinesia). Entretanto, estudos post mortem verificaram uma
taxa de erro de 24% quando esses critérios eram utilizados para o diagnóstico. Subsequentemente, estudos de
correlação clínico-patológicos determinaram que o parkinsonismo associado a tremor de repouso, assimetria e boa
resposta à levodopa tinha mais tendência a prever o diagnóstico patológico correto. Uma definição mais completa da
DP deve incorporar na atualidade o fato de que existe patologia disseminada além do sistema dopaminérgico,
características clínicas não dopaminérgicas e não motoras e um estágio pré-motor da doença.
O exame de imagem do sistema dopaminérgico do cérebro na DP com tomografia por emissão de pósitrons (PET) ou
com tomografia computadorizada por emissão de fótons únicos (SPECT) revela uma redução da captação de
marcadores dopaminérgicos estriatais, sobretudo na parte posterior do putame com relativa preservação do núcleo
caudado, refletindo a degeneração dos neurônios dopaminérgicos nigroestriados. O exame de imagem pode ser útil
em casos de incerteza diagnóstica (p. ex., tremor distônico, tremor essencial) ou em estudos de pesquisa, porém é
raramente necessário na prática de rotina, visto que o diagnóstico em geral pode ser estabelecido baseando-se
apenas nos critérios clínicos. As mutações do gene LRRK2 despertaram interesse particular, visto que constituem a
causa mais comum de DP familiar e são responsáveis por cerca de 1% dos casos esporádicos típicos da doença. As
mutações em LRRK2 constituem causas particularmente comuns de DP em judeus asquenazes e árabes berberes
da África do Norte. A penetrância das mutações LRRK2 mais comuns varia de 28 a 74%, sendo fortemente
relacionada com a idade do portador, com 50% sendo acometidos até os 60 anos. As mutações no gene parkin
devem ser consideradas em pacientes cuja doença se instala antes dos 40 anos de idade.
 Parkinsonismo secundário ou atípico: O parkinsonismo atípico refere-se a um grupo de condições
neurodegenerativas que costumam estar associadas a uma neurodegeneração mais disseminada
encontrada na DP (comprometimento frequente do estriado e/ou globo pálido, bem como da SNc). Como
grupo, manifestam-se como parkinsonismo (rigidez e bradicinesia), porém se caracterizam por um quadro
clínico ligeiramente diferente daquele da DP, refletindo diferenças na patologia subjacente. O parkinsonismo
nessas condições caracteriza-se em geral pelo comprometimento precoce da fala e da marcha, ausência de
tremor de repouso, ausência de assimetria motora, resposta precária ou ausente à levodopa e evolução
clínica agressiva. Do ponto de vista patológico, a neurodegeneração costuma envolver a degeneração da
SNc, mas ocorre sem corpos de Lewy. Por outro lado, a imagem metabólica das conexões entre núcleos da
base e tálamo (usando PET com 2-F-desoxiglicose) pode ser útil, demonstrando um padrão de atividade
diminuída na GPi com atividade aumentada no tálamo, ou seja, o inverso daquilo observado na DP. A atrofia
de múltiplos sistemas (AMS) manifesta-se como uma combinação de características parkinsonianas,
cerebelares e autonômicas e pode ser dividida em uma forma predominante parkinsoniana (AMS-p) ou
cerebelar (AMS-c). Clinicamente, há suspeita de AMS quando um paciente apresenta parkinsonismo atípico
em associação a sinais cerebelares e/ou disfunção autonômica precoce e proeminente, em geral hipotensão
ortostática. Do ponto de vista patológico, a AMS caracteriza-se por degeneração da SNc, do estriado,
cerebelo e núcleos olivares inferiores, associada a inclusões citoplasmáticas gliais (ICG) características, que
se coram para α-sinucleína. A ressonância magnética (RM) pode mostrar acúmulo patológico de ferro no
estriado nas imagens em T2, alterações de hipersinal na região da superfície externa do putame (borda do
putame) na AMS-p ou atrofia de cerebelo e tronco encefálico (o sinal pontino denominado “sinal de cruz”) na
AMS-c. A paralisia supranuclear progressiva (PSP) é uma forma de parkinsonismo atípico que se caracteriza
por movimentos sacádicos lentos, apraxia das pálpebras e movimentos oculares restritos, com
comprometimento particular do olhar para baixo. Com frequência, os pacientes exibem hiperextensão do
pescoço, com distúrbio precoce da marcha e quedas. Nos estágios mais avançados, a dificuldade da fala e
da deglutição e o déficit cognitivo tornam-se evidentes. A RM pode revelar atrofia característica do
mesencéfalo, com preservação relativa da ponte (o “sinal de beija-flor” nas imagens sagitais médias). Do
ponto de vista patológico, a PSP caracteriza-se por degeneração da SNc, do estriado, do núcleo subtalâmico,
núcleos talâmicos da linha média e do pálido, juntamente com emaranhados neurofibrilares e ICG que se
coram para tau. A degeneração ganglionar corticobasal é menos comum e, em geral, manifesta-se com
contrações distônicas assimétricas e falta de habilidade de uma mão associada a distúrbios sensoriais
corticais que se manifestam como apraxia, agnosia, mioclonia focal de membros ou fenômeno do membro
“fantasma” (em que o membro assume uma posição no espaço sem que o paciente tenha consciência dele).
Pode ocorrer demência em qualquer estágio da doença. Com frequência, a RM revela atrofia cortical
assimétrica. Os achados patológicos incluem degeneração neuronal acromática com depósitos de tau. Uma
vez que outros distúrbios como a PSP podem se apresentar de modo semelhante, o termo síndrome de
núcleos corticobasais deve ser usado até que um diagnóstico exato possa ser confirmado patologicamente.
O parkinsonismo secundário pode ocorrer como resultado de fármacos, acidente vascular encefálico, tumor,
infecção ou exposição a toxinas, como monóxido de carbono ou manganês. Os agentes bloqueadores da
dopamina, como os neurolépticos, constituem a causa mais comum de parkinsonismo secundário. Esses
medicamentos são mais amplamente usados em psiquiatria, porém os médicos devem estar atentos para o
fato de que determinados fármacos, como a metoclopramida e a clorpromazina, que são principalmente
usados no tratamento de problemas gastrintestinais, também são agentes neurolépticos e causas comuns de
parkinsonismo secundário (bem como discinesia tardia; ver adiante). Outros fármacos passíveis de causar
parkinsonismo secundário incluem tetrabenazina, bloqueadores dos canais de cálcio (flunarizina, cinarizina),
amiodarona e lítio. Por fim, o parkinsonismo pode ser observado como característica de outros distúrbios
degenerativos, como doença de Wilson, doença de Huntington (particularmente a forma juvenil, conhecida
como variante de Westphal), distonia responsiva à dopa e distúrbios neurodegenerativos com acúmulo de
ferro no cérebro, como a neurodegeneração associada à pantotenato quinase (NAPQ) (antes conhecida
como doença de Hallervorden-Spatz).
- TRATAMENTO
 LEVODOPA
O bloqueio da captação de dopamina com reserpina tornava os coelhos parkinsonianos; isso podia ser revertido com
o precursor da dopamina, a levodopa. A levodopa é administrada rotineiramente em associação com um inibidor da
descarboxilase periférica para impedir o seu metabolismo periférico à dopamina e evitar o desenvolvimento de
náuseas e vômitos, devido à ativação dos receptores de dopamina na área postrema, que não são protegidos pela
BHE. A levodopa também está disponível em formulações de liberação prolongada, bem como em combinação com
inibidor da catecol-O-metiltransferase (COMT). A levodopa continua sendo o tratamento sintomático mais efetivo para
a DP e o padrão-ouro para comparação com novas terapias. Nenhum tratamento clínico ou cirúrgico atual
proporciona benefícios antiparkinsonianos superiores aos que podem ser obtidos com a levodopa. A levodopa
beneficia as manifestações motoras clássicas da DP, prolonga a independência e a capacidade de trabalho, melhora
a qualidade de vida e aumenta o tempo de sobrevida. Quase todos os pacientes com DP têm uma melhora, e a
ausência de resposta a uma tentativa adequada deve levar ao questionamento do diagnóstico. Entretanto, a terapia
com levodopa tem limitações importantes.
Os efeitos colaterais dopaminérgicos agudos incluem náuseas, vômitos e hipotensão ortostática. São habitualmente
transitórios e, em geral, podem ser evitados com titulação gradual. Se persistirem, podem ser tratados com doses
adicionais de um inibidor da descarboxilase periférica (p. ex., carbidopa) ou com um agente bloqueador de dopamina
periférico, como a domperidona (não disponível nos EUA). Mais importantes são as complicações motoras (ver
adiante) que surgem na maioria dos pacientes com tratamento de longo prazo com levodopa. Além disso, a doença
continua a progredir e podem ocorrer manifestações como queda, congelamento da marcha, disfunção autonômica,
distúrbios do sono e demência com a progressão da doença, que não são controladas de forma adequada pela
levodopa. Com efeito, essas manifestações não dopaminérgicas (especialmente quedas e demência) constituem a
principal fonte de incapacidade e o principal motivo da internação de pacientes com DP avançada em clínicas de
repouso. As complicações motoras induzidas pela levodopa consistem em flutuações na resposta motora (episódios
“on” quando o fármaco está agindo e episódios “off ” quando as características parkinsonianas retornam) e
movimentos involuntários conhecidos como discinesias. Quando os pacientes tomam inicialmente levodopa, os
benefícios são duradouros (muitas horas), embora o fármaco tenha uma meia-vida relativamente curta (60 a 90
minutos). Entretanto, com o tratamento continuado, a duração do benefício após uma dose individual torna-se
progressivamente mais curta até se aproximar da meia-vida do fármaco. Essa perda de benefício é conhecida como
efeito “wear-off”. Em casos mais graves, os pacientes
podem experimentar um retardo da fase “on” (“on”
tardio) ou ausência de resposta a determinada dose
(ausência de “on”). As discinesias tendem a ocorrer no
pico da concentração plasmática de levodopa e no
momento do benefício clínico máximo (discinesia do
pico de dose). Em geral, são de natureza coreiforme,
mas podem manifestar-se como movimentos
distônicos, mioclonia ou outros distúrbios do
movimento. As discinesias não são incômodas quando
discretas, mas podem ser incapacitantes quando
intensas e podem limitar a capacidade de utilizar
integralmente a levodopa para controlar as
manifestações da DP. Nos estados mais avançados,
os pacientes podem seguir um ciclo entre períodos de
“liga” (on) complicados por discinesias incapacitantes
e períodos de “desliga” (off) em que apresentam
parkinsonismo grave e posturas distônicas dolorosas.
Os pacientes também podem sofrer de “discinesias
difásicas”, que ocorrem quando a dose de levodopa
começa a exercer o seu efeito e, novamente, quando
desaparece. Em geral, essas discinesias consistem
em movimentos transitórios, estereotípicos e rítmicos,
que acometem predominantemente os membros
inferiores e que muitas vezes estão associados a
parkinsonismo em outras regiões do corpo. Podem ser
aliviadas pelo aumento da dose de levodopa, embora
doses mais altas possam induzir discinesia de pico da
dose mais intensa. A causa das complicações motoras
induzidas pela levodopa não é precisamente
conhecida. Elas têm mais tendência a ocorrer em mulheres e jovens com doença mais grave e com o uso de doses
mais altas (mg/kg) de levodopa. O modelo clássico dos núcleos da base tem sido útil para compreender a origem das
manifestações motoras na DP, porém demonstrou ter menos valor para elucidar as discinesias induzidas pela
levodopa. De acordo com o modelo, a reposição de dopamina poderia inibir excessivamente o sistema eferente do
globo pálido, levando, assim, a um aumento da atividade tálamo-cortical, estimulação aumentada de regiões motoras
corticais e desenvolvimento de discinesia. Entretanto, as lesões do globo pálido que destroem por completo a sua
eferência estão associadas a uma melhora, e não à indução de discinesia, conforme sugerido pelo modelo clássico.
Na atualidade, acredita-se que a discinesia resulte de alterações induzidas pela levodopa no padrão de descarga
neuronal do GPi (pausas, arrancadas, sincronismo, etc.) e na atividade oscilatória, e não simplesmente apenas da
frequência de descarga. Isso, por sua vez, leva à transmissão de informação incorreta do globo pálido para o
tálamo/córtex, resultando em discinesia. Informações atuais sugerem que a alteração dos padrões de descarga
neuronal e as complicações motoras estão relacionadas com a reposição não fisiológica de levodopa. Os níveis
estriatais de dopamina costumam estar mantidos dentro de um nível relativamente constante. Na DP, os neurônios
dopaminérgicos degeneram, e a dopamina estriatal depende da disponibilidade periférica de levodopa. Doses
intermitentes de levodopa de ação curta resultam em níveis plasmáticos flutuantes devido à variabilidade no trânsito
do fármaco do estômago ao duodeno, onde é absorvido, e à meia-vida curta do fármaco. Essa variabilidade resulta
em exposição dos receptores de dopamina a concentrações patologicamente altas e baixas de dopamina. Foi
formulada a hipótese de que o suprimento mais contínuo de levodopa poderia impedir o desenvolvimento das
complicações motoras. Os pacientes com DP que tomam altas doses de levodopa também podem desenvolver
comportamentos estereotipados não intencionais, como montagem e desmontagem sem sentido ou coleção e
ordenação de objetos. Isso é conhecido como “punding”, um termo tomado da descrição sueca para os
comportamentos sem sentido observados em usuários crônicos de anfetamina. Em certas ocasiões, ocorrem
hipersexualidade e outros transtornos de controle dos impulsos com o uso da levodopa, embora esses distúrbios
sejam mais observados com agonistas da dopamina.
 AGONISTA DA DOPAMINA
Os agonistas da dopamina constituem um grupo diverso de fármacos, que atuam diretamente sobre os receptores de
dopamina. Diferentemente da levodopa, os agonistas da dopamina não necessitam de metabolismo a um produto
ativo nem sofrem metabolismo oxidativo. Em geral, os agonistas da dopamina não têm eficácia comparável à da
levodopa. Foram inicialmente introduzidos como adjuvantes da levodopa para aumentar a função motora e reduzir o
tempo de “desliga” em pacientes com flutuações motoras. Mais tarde, foi constatado que os agonistas da dopamina,
possivelmente em razão de sua ação relativamente longa, têm menos tendência a induzir discinesia, em comparação
com a levodopa. Por esse motivo, muitos médicos iniciam a terapia com um agonista da dopamina, embora a
levodopa suplementar seja por fim necessária em quase todos os pacientes. Tanto o ropinirol quanto o pramipexol
estão disponíveis em formulações orais de liberação imediata (3×/dia) e liberação prolongada (1×/dia). A rotigotina é
administrada na forma de disco transdérmico uma vez ao dia. A apomorfina é um agonista da dopamina com eficácia
comparável à da levodopa, porém precisa ser administrada por via parenteral e tem meia-vida e duração de atividade
muito curtas (45 minutos). O uso de agonistas da dopamina está associado com vários efeitos colaterais. Os efeitos
colaterais agudos são primariamente dopaminérgicos e incluem náuseas, vômitos e hipotensão ortostática. À
semelhança da levodopa, esses efeitos em geral podem ser evitados com uma titulação lenta. Os efeitos colaterais
associados ao uso crônico incluem alucinações e déficit cognitivo. Foi relatada a ocorrência de sedação, com
episódios súbitos de adormecimento à direção de veículo motorizado. Os pacientes devem ser alertados acerca
desse problema potencial e não devem dirigir quando estiverem cansados. Os agonistas da dopamina podem
também estar associados a transtornos do controle dos impulsos, incluindo jogo patológico, hipersexualidade,
compulsão alimentar e compras compulsivas.
 INIBIDORES DA MAO-B
Os inibidores da monoaminoxidase tipo B (MAO-B) bloqueiam o metabolismo central da dopamina e aumentam as
concentrações sinápticas do neurotransmissor. A selegilina e a rasagilina são inibidores suicidas relativamente
seletivos da enzima MAO-B. Clinicamente, os inibidores da MAO-B proporcionam um benefício antiparkinsoniano
modesto quando usados como monoterapia no início da doença e produzem redução do tempo de “desliga” quando
empregados como adjuvante da levodopa em pacientes com flutuações motoras. Os inibidores da MAO-B em geral
são seguros e bem tolerados. Podem aumentar a discinesia em pacientes tratados com levodopa, porém esse
problema normalmente pode ser controlado com uma redução da dose de levodopa. A selegilina e a rasagilina não
inibem funcionalmente a MAO-A e não estão associadas com um efeito do queijo nas doses geralmente usadas na
prática clínica. Há riscos teóricos de uma reação serotoninérgica em pacientes em uso concomitante de
antidepressivos inibidores seletivos de recaptação da serotonina (ISRSs), porém raras vezes são encontrados. O
interesse nos inibidores da MAO-B também se concentrou em seu potencial de efeitos modificadores da doença. A
toxicidade da MPTP pode ser evitada pela coadministração de um inibidor da MAO-B, que bloqueia a sua conversão
no íon piridínio tóxico MPP+. Os inibidores da MAO-B também têm o potencial de bloquear o metabolismo oxidativo
da dopamina e impedir o estresse oxidativo. Além disso, tanto a selegilina quanto a rasagilina incorporam um anel
propargil dentro de sua estrutura molecular, que proporciona efeitos antiapoptóticos em modelos laboratoriais. O
estudo DATATOP mostrou que a selegilina retarda significativamente o tempo até a emergência da incapacidade,
exigindo a introdução de levodopa, em pacientes com DP não tratada. Entretanto, não foi possível estabelecer se
isso foi devido a um efeito neuroprotetor que retardou a progressão da doença, ou a um efeito sintomático que
meramente ocultou a neurodegeneração contínua.
 INIBIDORES DA COMT
Quando administrada com um inibidor da descarboxilase, a levodopa é primariamente metabolizada pela COMT. Os
inibidores da COMT aumentam a meia-vida de eliminação da levodopa e a sua disponibilidade no cérebro. A
combinação da levodopa com um inibidor da COMT reduz o tempo de “desliga” e prolonga o tempo de “liga” em
pacientes com flutuações motoras, enquanto aumentam os escores motores. Foram aprovados dois inibidores da
COMT, a tolcapona e a entacapona. Existe também um comprimido de combinação de levodopa, carbidopa e
entacapona. Os efeitos colaterais dos inibidores da COMT são principalmente dopaminérgicos (náuseas, vômitos,
aumento da discinesia) e, em geral, podem ser controlados com a redução da dose de levodopa em 20 a 30%. Foi
proposto que a administração inicial de levodopa em combinação com um inibidor da COMT para aumentar a sua
meia-vida de eliminação poderia proporcionar um suprimento mais contínuo de levodopa se administrada em
intervalos frequentes e reduzir o risco de complicações motoras. Embora esse resultado tenha sido demonstrado em
um modelo pré-clínico de MPTP e a infusão contínua reduza o tempo de “desliga” e a discinesia em pacientes com
DP avançada, não foi detectado nenhum benefício da administração inicial de levodopa com um inibidor da COMT,
em comparação com a levodopa isoladamente, em pacientes com DP no estágio inicial. Por enquanto, o principal
valor dos inibidores da COMT continua sendo em pacientes que experimentam flutuações motoras.
 OUTROS TRATAMENTOS CLÍNICOS
Os agentes anticolinérgicos de ação central, como o triexifenidil e a benztropina, foram usados historicamente para o
tratamento da DP, mas perderam o seu lugar com a introdução dos agentes dopaminérgicos. Seu principal efeito
clínico é exercido no tremor, embora não haja certeza de que esse efeito benéfico seja superior àquele que pode ser
obtido com agentes como a levodopa e os agonistas da dopamina. Mesmo assim, podem ser úteis em determinados
pacientes com tremor intenso. Seu uso é limitado, em particular no idoso, devido à sua propensão a induzir uma
variedade de efeitos colaterais, incluindo disfunção urinária, glaucoma e, sobretudo, comprometimento cognitivo. A
amantadina também tem importância histórica. Originalmente introduzida como agente antiviral, foi constatado que
ela também exerce efeitos antiparkinsonianos, os quais se acredita hoje serem devidos ao antagonismo do receptor
N-metil-D-aspartato (NMDA). Enquanto alguns médicos fazem uso da amantadina em pacientes com doença no
estágio inicial em função de seus efeitos sintomáticos leves, o fármaco é mais largamente usado como agente
antidiscinesia em pacientes com DP avançada. Com efeito, é o único agente oral que, em estudos controlados,
demonstrou reduzir a discinesia sem piorar as manifestações parkinsonianas, embora os benefícios possam ser
relativamente transitórios. O déficit cognitivo é uma preocupação importante. Outros efeitos colaterais incluem livedo
reticular e ganho ponderal. A amantadina deve ser sempre suspensa de modo gradual, visto que os pacientes podem
apresentar sintomas tipo abstinência.
 TRATAMENTO CIRÚRGICO
Lesões induzidas no córtex motor melhoraram o tremor, porém foram associadas a déficits motores, de modo que
essa abordagem foi abandonada. Mais tarde, foi constatado que lesões efetuadas no núcleo ventral intermediário
(VIM) do tálamo reduziam o tremor contralateral sem induzir hemiparesia; contudo, essas lesões não melhoraram
significativamente outras manifestações mais incapacitantes da DP. Foi demonstrado que lesões na porção
posteroventral do GPi (território motor) melhoravam a rigidez e a bradicinesia, bem como o tremor. É importante
ressaltar que a palidotomia também foi associada a uma acentuada melhora da discinesia contralateral. Esse
procedimento teve aceitação com a maior compreensão da fisiopatologia da DP (ver anteriormente). Todavia, o
procedimento não é ideal para pacientes com doença bilateral, visto que as lesões bilaterais estão associadas a
efeitos colaterais como disfagia, disartria e comprometimento da cognição, tendo sido grandemente substituído pela
estimulação cerebral profunda (ECP). Lesões unilaterais do NST estão associadas com um benefício
antiparkinsoniano maior e redução da necessidade de levodopa, mas há preocupação sobre o risco de hemibalismo,
e esse procedimento não é comumente realizado. A maioria dos procedimentos cirúrgicos para a DP realizados
atualmente usa a ECP. Neste procedimento, um eletrodo é implantado na área-alvo e conectado a um estimulador
inserido SC na parede torácica. A ECP simula os efeitos de uma lesão sem exigir a realização de uma lesão cerebral.
O mecanismo exato pelo qual a ECP funciona não está completamente claro, mas ela pode agir rompendo a
sinalização anormal associada com a DP e as complicações motoras. As variáveis de estimulação podem ser
ajustadas em relação à configuração do eletrodo, voltagem, frequência e duração dos pulsos para maximizar os
benefícios e minimizar os efeitos colaterais adversos. Nos casos em que ocorrem efeitos colaterais intoleráveis, a
estimulação pode ser interrompida, e o sistema removido. O procedimento não requer a realização de uma lesão no
cérebro e, portanto, é apropriado para procedimentos bilaterais com relativa segurança. A ECP para a DP tem como
principais alvos o NST ou o GPi. Ela fornece resultados dramáticos, particularmente em relação à redução no período
“desliga” e discinesias, mas não melhora nem evita o desenvolvimento de características que não respondem à
levodopa, como congelamento, quedas e demência. Por conseguinte, o procedimento está principalmente indicado
para pacientes que sofrem de incapacidade em decorrência de tremor intenso ou complicações motoras induzidas
pela levodopa, que não podem ser controladas satisfatoriamente com manipulação farmacológica. Em tais pacientes,
foi demonstrado que a ECP melhora a qualidade de vida em comparação com a melhor terapia clínica. Podem
ocorrer efeitos colaterais relacionados com o procedimento cirúrgico (hemorragia, infarto, infecção), o sistema de
ECP (infecção, ruptura do fio, deslocamento do fio, ulceração da pele) ou com a própria estimulação (anormalidades
oculares e da fala, contrações musculares, parestesias, depressão e, raramente, suicídio). Os estudos continuam a
avaliar a maneira ideal de usar a ECP (estimulação de baixa vs. alta frequência, sistemas fechados, etc.). A
comparação da ECP com outras terapias que visam melhorar a função motora sem causar discinesia, como infusões
de duodopa e apomorfina, ainda não foi realizada. Estudos estão examinando outros alvos de ECP passíveis de
beneficiar a disfunção da marcha, a depressão e o comprometimento cognitivo em pacientes com DP.
 MANEJO DAS MANIFESTAÇÕES NÃO MOTORAS E NÃO DOPAMINÉRGICAS
Ainda que o manejo da DP se concentre primariamente nas manifestações dopaminérgicas da doença, o tratamento
das manifestações não dopaminérgicas não deve ser ignorado. Algumas manifestações não motoras, embora
provavelmente não reflitam uma patologia dopaminérgica, beneficiam-se mesmo assim dos agentes dopaminérgicos.
Por exemplo, condições como ansiedade, ataques de pânico, depressão, sudorese, problemas sensoriais,
congelamento da marcha e constipação intestinal tendem a agravar-se durante os períodos de “desliga” e podem se
beneficiar de um melhor controle dopaminérgico. Durante a evolução da doença, cerca de 50% dos pacientes com
DP sofrem de depressão, que costuma ser subdiagnosticada e pouco tratada. Os antidepressivos não devem deixar
de ser administrados, em particular nos pacientes com depressão maior. As síndromes da serotonina têm constituído
um problema teórico com o uso combinado de ISRS e inibidores da MAO-B, porém são raramente encontradas. A
ansiedade pode ser tratada com benzodiazepínicos de ação curta. A psicose pode ser um problema em alguns
pacientes com DP. Diferentemente da DA, as alucinações costumam ser visuais, formadas e não ameaçadoras. É
importante observar que elas podem limitar o uso de agentes dopaminérgicos para a obtenção de controle motor
satisfatório. A psicose na DP costuma responder a doses baixas de neurolépticos atípicos e permite que as doses
mais altas de levodopa sejam toleradas. A clozapina é o fármaco mais efetivo, mas pode estar associada a
agranulocitose, sendo necessária monitoração regular. Por esse motivo, muitos médicos começam com quetiapina,
apesar de não ser tão efetiva em ensaios clínicos controlados. As alucinações em pacientes com DP frequentemente
anunciam o desenvolvimento de demência. A demência relacionada com DP (DDP) é comum e, por fim, acomete até
80% dos pacientes. Sua frequência aumenta com a idade e, ao contrário da DA, afeta primariamente as funções
executivas e a atenção, com preservação relativa da linguagem, memória e cálculo. Quando a demência precede a
disfunção motora ou desenvolve-se dentro de 1 ano após o seu início, é designada, por convenção, como demência
de corpos de Lewy. Esses pacientes são particularmente propensos a ter alucinações e flutuações diurnas. Os
agentes dopaminérgicos podem agravar a função cognitiva em pacientes com demência e devem ser interrompidos
ou a sua dose reduzida para obter um meio termo entre benefício antiparkinsoniano e preservação da função
cognitiva. Os fármacos em geral são suspensos na seguinte sequência: anticolinérgicos, amantadina, agonistas da
dopamina, inibidores da COMT e inibidores da MAO-B. Por fim, os pacientes com déficit cognitivo devem receber a
menor dose de levodopa padronizada que forneça efeitos antiparkinsonianos significativos e não piore a função
mental. Agentes anticolinesterase como a rivastigmina e o donepezil reduzem a taxa de deterioração em medidas da
função cognitiva e podem melhorar a atenção, mas não costumam melhorar a função cognitiva de forma significativa.
Os distúrbios autonômicos são comuns e, com frequência, exigem atenção. A hipotensão ortostática pode ser
problemática e contribuir para as quedas. O tratamento inicial deve incluir a adição de sal à dieta e a elevação da
cabeceira da cama para evitar a natriurese noturna. O uso de baixas doses de fludrocortisona ou midodrina controla
a maioria dos casos. A vasopressina, a eritropoetina e o precursor da norepinefrina 3-0-metilDOPS podem ser
usados nos casos mais graves ou refratários. Se a hipotensão ortostática for proeminente no estágio inicial da
doença, deve-se considerar a possibilidade de AMS. A constipação intestinal pode representar um problema muito
importante para pacientes com DP. Laxativos suaves ou enemas podem ser úteis, porém o médico deve assegurar
inicialmente que o paciente esteja ingerindo quantidades adequadas de líquido e consumindo uma dieta rica em
fibras, com vegetais verdes e farelo. Os agentes que promovem a motilidade gastrintestinal (GI) também podem ser
úteis. Os distúrbios do sono são comuns em pacientes com DP, e muitos deles têm sono fragmentado, com
sonolência excessiva durante o dia. A síndrome das pernas inquietas, a apneia do sono e outros distúrbios do sono
devem ser tratados, quando apropriado.
 TERAPIA NÃO FARMACOLÓGICA
A disfunção da marcha com quedas constitui uma importante causa de incapacidade na DP. A terapia dopaminérgica
pode ajudar os pacientes cuja marcha se agrava no período de “desliga”; entretanto, não se dispõe atualmente de
nenhuma terapia específica. Bengalas e andadores podem se tornar necessários para aumentar a estabilidade e
reduzir o risco de quedas. O congelamento, no qual os pacientes subitamente ficam parados no lugar por segundos
ou minutos como se seus pés estivessem colados no chão, é uma importante causa de quedas. O congelamento
pode ocorrer durante períodos “liga” ou “desliga”. O congelamento durante os períodos de “desliga” pode responder à
terapia dopaminérgica, porém não existe nenhum tratamento específico para o congelamento da marcha durante o
período de “liga”. Alguns pacientes respondem a indícios sensoriais, como marchar no lugar, cantar ou caminhar
sobre uma linha imaginária. Foi demonstrado que os exercícios com uma mobilidade articular completa ativos e
passivos mantêm e até melhoram a função em pacientes com DP, e os exercícios ativos e passivos com
movimentação articular completa reduzem o risco de artrite e congelamento articular. Os exercícios costumam ser
recomendados para todos os pacientes com DP. Está menos claro se há necessidade de fisioterapia ou exercícios
específicos, como o tai chi. É importante que o paciente mantenha o máximo possível suas atividades sociais e
intelectuais. A educação, a assistência com planejamento financeiro, os serviços sociais e a atenção para a
segurança domiciliar são elementos importantes do plano geral de cuidados.

2) Estudar semiologia dos principais tipos de tremores (parkinsonismo, essencial e cerebelar); CMUSP,
MERRIT 1133, SEMIO 196, HARRISON
O tremor consiste em contrações alternadas de músculos agonistas e antagonistas de maneira oscilante e rítmica.
Pode ser mais proeminente em repouso (tremor de repouso), ao assumir uma postura (tremor postural) ou ao
alcançar ativamente um alvo (tremor cinético). O tremor também é avaliado com base na distribuição, frequência e
disfunção neurológica relacionada. A DP caracteriza-se por tremor de repouso, o tremor essencial (TE) caracteriza-se
por um tremor postural (tentando manter uma postura), e a doença cerebelar, por tremor intencional ou cinético (ao
tentar alcançar um alvo). Tremor é o distúrbio do movimento mais comum e é caracterizado por oscilação involuntária
e rítmica de qualquer parte do corpo decorrente de contrações de músculos antagonistas que podem ser síncronas
ou alternantes. O tremor pode ser classificado de diversas maneiras de acordo com a etiologia, fenomenologia,
frequência e localização.
O tremor é conceituado como movimento involuntário em que a contração alternada dos músculos agonistas e
antagonistas leva à oscilação rítmica de um determinado segmento corpóreo. A abordagem do diagnóstico diferencial
das diversas formas de tremor é de grande importância, por conta da alta prevalência desse tipo de hipercinesia.
Ressalte-se que o tremor é o mais comum dos movimentos involuntários. Os tremores podem ser fisiológicos ou
patológicos. Entre eles, os principais tipos são: tremor
parkinsoniano, tremor fisiológico de amplitude patológica,
tremor cerebelar, tremor essencial e tremores secundários a
lesões de estruturas do tronco encefálico (p. ex., tremor rubra
(mesencefálico ou de Holmes). A diferenciação entre esses
tipos de tremor se faz, fundamentalmente, com base na
história clinica e nas suas características de frequência,
fenomenologia (relação com repouso, movimentos ou postura)
e resposta farmacológica. Admitindo-se um espectro de
frequência com faixa de variação de 2 a 18 Hertz, pode-se
considerar que os tremores de mais baixa frequência são os
do tipo cerebelar, distônicos ou relacionados a lesões do
tronco encefálico (2-4 Hz). O tremor parkinsoniano situa-se
em uma faixa um pouco acima, de 4 a 6 Hz. O tremor
essencial e o tremor fisiológico de amplitude patológica têm
faixa de variação de 8 a 12 Hz. As características
fenomenológicas, como as circunstâncias de aparecimento do
tremor, são outro elemento importante para sua diferenciação. Assim, sabe-se que o tremor parkinsoniano
basicamente é um tremor de repouso que diminui com a movimentação. Entretanto, como já mencionado, alguns
parkinsonianos apresentam concomitantemente ou isoladamente um tremor com frequência de S a 12 Hz.
semelhante ao tremor essencial, que é tipicamente postural; o tremor fisiológico exacerbado igualmente é mais
perceptível na postura. Por outro lado, o tremor cerebelar e outros relacionados a lesões do tronco encefálico
manifestam-se com maior intensidade à movimentação, sendo, portanto, tremores de ação de predomínio cinético.
Em particular, o tremor mesencefálico ou de Holmes caracteriza-se por uma combinação de um tremor de repouso
de baixa frequência (2 a 5 Hz) e um tremor postural e cinético de grande intensidade e amplitude.
- CLASSIFICAÇÃO
O tremor pode ser classificado de diversas maneiras. Por exemplo, de acordo com a etiologia, fenomenologia,
frequência e localização. Segundo a fenomenologia ou, mais exatamente, segundo as circunstâncias em que se
manifesta podemos ter:
1. Tremor de repouso: manifesta-se quando a parte do corpo afetada está sem ativação voluntária e é totalmente
suportado contra a gravidade. Costuma ter a característica de adução-abdução ou de flexão-extensão. 2. Tremor de
ação: ocorre durante a contração dos músculos envolvidos. Pode ser subdividido em tremor postural (quando se
mantém uma posição contra a gravidade), tremor cinético (aparece durante o movimento de uma extremidade),
tremor intencional (durante o movimento, mas especificamente na intenção de atingir um alvo), tremor tarefa-
específica (manifesta-se quase exclusivamente durante ato motor específico, como a escrita ou o manuseio de
instrumento musical) e tremor isométrico (aparece quando o segmento afetado está contraído sem que ocorra o
deslocamento desse segmento corporal). Segundo a frequência, ou melhor, segundo o número de oscilações do
segmento afetado em uma unidade de tempo temos: 1.Tremor de baixa frequência: menos do que 4 ciclos por
segundo ou Hertz (Hz). 2. Tremor de média frequência: entre 4 e 7 Hz. 3. Tremor de alta frequência: mais do que
7 Hz. No que se refere à localização, podemos observar o tremor em qualquer parte do corpo, sendo os membros
superiores e a cabeça os segmentos mais acometidos. Pode haver o acometimento de outras partes do corpo, como
os membros inferiores e o tronco, mas essa situação não é tão comum.
O tremor parkinsoniano é clinicamente descrito como sendo de repouso, exacerbando-se durante a marcha, no
esforço mental e cm situações de tensão emocional, diminuindo com a movimentação voluntária do segmento
afetado e desaparecendo com o sono. A frequência varia de quatro a seis ciclos por segundo e costuma envolver
preferencialmente as mãos, com alternância entre pronação e supinação. O tremor parkinsoniano típico é descrito
como tremor de repouso, que pode ser suprimido no início de uma ação e desaparece no sono e completo
relaxamento. Tende a se exacerbar em situações de estresse, durante a marcha e com abstrações mentais. Acomete
os membros superiores mais frequentemente seguido dos membros inferiores e mento. No início do quadro
geralmente é assimétrico e apresenta uma frequência em torno de 4-8 ciclos por segundo. O tremor parkinsoniano
tem característica adução-abdução ou de rotação interna do punho.
Face a sua alta prevalência, alguns comentários adicionais em relação ao tremor essencial se fazem necessários.
Tipicamente, o tremor essencial caracteriza-se por um tremor de ação, postural, podendo apresentar algum
componente cinético. Um componente de repouso pode raramente ocorrer cm casos avançados. Geralmente, é
monossintomático, ou seja, não se acompanha de nenhum sinal neurológico como sinais parkinsonianos ou
cerebelares. Geralmente ocorre envolvimento distal dos membros superiores com movimentos de flexão e extensão
dos dedos e das mãos. Essas características do tremor essencial podem determinar incapacidade para tarefas que
envolvam habilidades manuais, sendo a escrita a mais acometida, seguida por dificuldade na alimentação, o que em
muitos casos gera constrangimento social. À parte os membros superiores, os territórios corpóreos mais acometidos
em ordem de frequência são: o segmento cefálico, tanto na direção horizontal (negação), como na vertical
(afirmação), e os músculos fonatórios. O acometimento de outras regiões corpóreas além das mencionadas é
infrequente, mas pode ocorrer em estágios mais avançados de evolução do tremor essencial. O mecanismo mais
aceito para a gênese do tremor essencial está fundamentado na denominada hipótese olivar. Esta baseia-se na
similaridade entre o tremor essencial e o tremor induzido pela bamarlina em animais. A bamarlina é uma substância
que aumenta as propriedades rítmicas dos neurónios olivares, gerando alterações da neuromodulação deles por
meio dos neurotransmissores serotonina e GABA, levando à ritrnicidade em uma frequência de 4 a 12 Hz. Essas
oscilações clivares seriam transmitidas e amplificadas por meio do cerebelo e dai para tálamo, córtex e núcleos do
tronco cerebral. O inicio dos sintomas do tremor essencial pode ocorrer em qualquer idade, no entanto, há aumento
da incidência com o avançar da idade. Pode apresentar-se na infância, porém a sua prevalência aumenta de maneira
acentuada acima dos 70 anos de idade. O TE caracteriza-se por um tremor de alta frequência (até 6 a 10 Hz) que
afeta predominantemente os membros superiores. O tremor se manifesta mais como tremor postural ou de ação
(cinético) e, em casos graves, pode interferir com funções como a alimentação e a ingesta líquida. Em geral, é
bilateral e simétrico, mas pode começar em um dos lados e permanecer assimétrico. Os pacientes com TE grave
podem ter tremor intencional, com ultrapassagem e lentidão do movimento. O tremor envolve a cabeça em cerca de
30% dos casos, a voz em cerca de 20%, a língua em cerca de 20%, a face/mandíbula em cerca de 10% e os
membros inferiores em cerca de 10%. O tremor melhora com a ingestão de álcool e piora com o estresse. Pode
haver comprometimento sutil da coordenação ou da caminhada em cooperação, e também foram descritos distúrbios
da audição, cognição, personalidade, humor e olfato, mas o exame neurológico costuma ser normal com exceção do
tremor.
Tremor cerebelar Também é denominado tremor intencional. Alguns autores preferem usar o termo tremor das
ataxias espinocerebelares. A confusão com este termo é que as bases anátomopatológicas do tremor essencial
sugerem acometimento cerebelar e existe um componente intencional. É um tremor lento com freqüência de 2-5 HZ,
ocorre em ação e piora ao atingir um alvo e algumas vezes não é rítmico. Desaparece durante o sono e relaxamento
completo. Pode ocorrer uma oscilação rítmica da cabeça e ou do tronco a qual é denominada titubeação. Geralmente
é associado com outras alterações cerebelares como fala escandida, nistagmo, dismetria, ataxia e hipotonia. É
bastante lento, em geral grosseiro e de grande amplitudo, induzido pela ação. São sintomáticos de doenças que
envolvem essas vias, principalmente doenças diesmielinizantes.

3) Rever os sinais e sintomas da depressão; CMUSP, MERRIT, HARRISON, COMPÊNDIO


O termo depressão aqui se refere ao transtorno depressivo ou depressão maior (DSM-5), cujas principais
manifestações clínicas, independentemente da gravidade, são: humor depressivo e/ou falta de interesse e motivação;
redução ou incapacidade de sentir prazer, alegria (anedonia); queda nos níveis de energia (fadiga, desânimo); e
lentificação psicomotora. Dizer a um deprimido que reaja e sinta alegria é o mesmo que pedir a um paciente com as
pernas fraturadas que corra. O humor é depressivo ou irritável, hipersensível a eventos considerados negativos e
sem reatividade a estímulos positivos, mas pode predominar apatia. Sentimentos e pensamentos são enviesados
para uma temática negativa (p. ex., desânimo, baixa autoestima, culpa, desesperança, falta de inteligência, tristeza,
apatia, ansiedade, tédio, vazio, falta de sentido, achar que está com uma doença grave, morte, suicídio). O paciente
aumenta ou cria problemas. O pensamento costuma se lentificar, comprometendo o raciocínio, a capacidade de
concentração e a memória (retenção e evocação de eventos). Desaparecem a força de vontade e a iniciativa para
realizar atividades. Em depressões leves a moderadas, o paciente funciona após esforço inicial; nas graves, a
capacidade de superação desaparece e a cobrança de uma reação piora o quadro. Em casos extremos, surge
inanição. Pode haver lentificação ou agitação psicomotoras. Geralmente, a autocrítica sobre a doença está
preservada, mas a realidade passada ou atual é distorcida de modo negativo. Na depressão psicótica, as ideias
depressivas (pecado, pobreza, culpa, doença etc.) padecem de lógica, e são comuns alterações de sensopercepção,
como alucinações auditivas e visuais. As depressões são acompanhadas de alterações nos ritmos biológicos e
sintomas vegetativos. O humor exibe variação circadiana, piorando de manhã e melhorando à tarde ou vice-versa.
Apetite e peso podem aumentar ou diminuir. O sono do deprimido não é reparador, mas pode haver hipersônia
(dormir mais de 10 horas). Frequentemente, surgem sintomas físicos ou dolorosos, além de diminuição ou perda do
desejo sexual.
Mesmo individuas que não preenchem critérios para depressão maior podem apresentar morbidade e prejuízo
funcional significativos. Existem diversos subtipos depressivos, classificados de acordo com a sintomatologia clínica
(melancólica ou somática, psicótica, atípica), polaridade (bipolar ou unipolar), curso (recorrente, crónico), fatores
desencadeantes (sazonal, puerperal) e gravidade (leve, moderada ou grave). A CID-10 inclui a maior parte, mas nem
todos subtipos depressivos descritos no DSM-5, como a depressão sazonal e a atípica. Existe um consenso nas
definições de gravidade: a depressão leve não incapacita, mas ocasiona sofrimento considerável; a moderada
compromete parcialmente o desempenho profissional ou doméstico; e a grave é incapacitante social e
profissionalmente. A ansiedade é um sintoma frequente nas depressões, piorando seu prognóstico, e os sintomas
mistos maníaco-depressivos, que pertenciam ao TB e formavam a categoria estado misto, foram incluídos na DM
para descrever deprimidos mais propensos a desenvolverem TB. Essas características clínicas são importantes na
escolha do tratamento.
A depressão maior é definida como humor deprimido diário que perdure por um período mínimo de duas semanas.
Um episódio caracteriza-se por tristeza, indiferença, apatia ou irritabilidade, em geral associadas a alterações nos
padrões de sono, apetite e peso; agitação ou lentidão motora; fadiga; dificuldade de concentração e tomada de
decisões; sentimentos de vergonha ou culpa; e pensamentos de
morte ou de estar morrendo. Os pacientes com depressão sofrem
intensamente pela perda do prazer em todas as atividades
agradáveis, despertam muito cedo, sentem que o estado de humor
disfórico é qualitativamente diferente da tristeza e, muitas vezes,
notam variação diurna no humor (pior pela manhã). Pacientes em
luto ou pesar podem apresentar muitos desses sinais e sintomas da
depressão maior, embora com ênfase geralmente nas sensações de
vazio e de perda, e não anedonia e perda de autoestima; além disso,
a duração costuma ser menor. Entretanto, em determinados casos,
o diagnóstico de depressão maior pode ser firmado mesmo no
contexto de uma perda significativa.
Os dois padrões básicos de sintomas nos transtornos do humor são
depressão e mania. Episódios depressivos podem ocorrer no
transtorno depressivo maior assim como no transtorno bipolar I. O
humor deprimido e perda de interesses ou prazer são os sintomas
fundamentais da depressão. Os indivíduos podem dizer que se
sentem tristes, desesperançados, na “fossa” ou inúteis. Para um
paciente, o humor deprimido muitas vezes adquire uma qualidade
distinta que o diferencia da emoção normal de tristeza ou luto. Com
frequência, os pacientes descrevem os sintomas de depressão como
uma dor emocional angustiante e, às vezes, se queixam de serem
incapazes de chorar, um sintoma que se resolve quando melhoram.
Alguns indivíduos deprimidos parecem não ter consciência de sua
depressão e não se queixam de um distúrbio do humor, ainda que
exibam afastamento da família, dos amigos e de atividades que
antes lhes interessavam. Quase todos os deprimidos (97%) se queixam de redução da energia, têm dificuldade de
terminar tarefas, têm mau desempenho na escola e no trabalho e menos motivação para desenvolver novos projetos.
Cerca de 80% se queixam de dificuldades para dormir, especialmente de despertar matinal precoce (i.e., insônia
terminal), e de despertares múltiplos ao longo da noite, durante os quais ruminam sobre seus problemas. Muitos têm
diminuição do apetite e perda de peso, mas outros experimentam aumento do apetite e de peso e dormem por mais
tempo do que o habitual. Esses pacientes são classificados com aspectos atípicos. A ansiedade é um sintoma
comum da depressão e afeta até 90% de todas as pessoas deprimidas. As várias mudanças na ingestão de
alimentos e no repouso podem agravar condições clínicas coexistentes, como diabetes, hipertensão, doença
pulmonar obstrutiva crônica e doenças cardíacas. Outros sintomas vegetativos incluem anormalidade na
menstruação e diminuição do interesse e do desempenho nas atividades sexuais. Os problemas sexuais muitas
vezes podem levar a encaminhamentos inadequados, como terapia de casais ou terapia sexual, quando os médicos
falham em reconhecer o transtorno depressivo subjacente. Ansiedade (incluindo ataques de pânico), abuso de álcool
e queixas somáticas (p. ex., obstipação e cefaleias) frequentemente complicam o tratamento da depressão. Cerca de
50% de todos os pacientes descrevem uma variação diurna de seus sintomas, com aumento de gravidade pela
manhã e diminuição dos sintomas à noite. Os sintomas cognitivos incluem relatos subjetivos de incapacidade de se
concentrar (84% dos pacientes em um estudo) e dificuldades para pensar (67% em outro estudo).
Por definição, um transtorno depressivo constitui mais do que os afetos emocionais normais de tristeza ou perda ou
um estado passageiro. A característica básica é uma alteração profunda e duradoura no humor, que persiste por pelo
menos 2 semanas.
Os critérios para o diagnóstico específico da depressão são apresentados na DSM-N tal como se segue. Dos nove
critérios para TOM, cinco devem estar presentes há pelo menos 2 semanas.
1. Humor deprimido - praticamente todos os dias;
2. Diminuição do interesse ou do prazer em quase todas as atividades;
3. Perda de peso sem dieta (5% do peso corporal ou mais);
4. Alterações no padrão de sono - insônia ou hipersonia;
5. Agitação ou retardo (alentecimento da atividade física, da fala e do pensamento);
6. Fadiga ou falta de energia praticamente todos os dias;
7. Sentimentos continuas de inutilidade ou de culpa excessiva ou inadequada;
8. Diminuição da capacidade de concentração ou indecisão;
9. Pensamentos recorrentes de morte, ideias, tentativas ou planos de suicídio recorrentes.

4) Associar depressão com doença crônica. HARRISON


A depressão que ocorre no contexto de enfermidade clínica é difícil de avaliar. A sintomatologia depressiva pode
refletir o estresse psicológico para lidar com a doença, podendo ser causada pelo próprio processo patológico ou por
medicações usadas para tratá-lo, ou pode simplesmente coexistir com o diagnóstico clínico. Praticamente todas as
classes de medicamentos incluem algum agente capaz de induzir depressão. Os anti-hipertensivos,
antidislipidemicos e antiarrítmicos são desencadeantes comuns de sintomas depressivos. A depressão iatrogênica
também deve ser considerada nos pacientes que recebem glicocorticoides, antimicrobianos, analgésicos sistêmicos,
antiparkinsonianos e anticonvulsivantes. Para decidir se existe relação causal entre o tratamento farmacológico e a
alteração no humor do paciente, às vezes é necessário realizar uma prova empírica com medicação alternativa. Entre
20 e 30% dos pacientes cardíacos manifestam transtorno depressivo; uma porcentagem ainda maior apresenta
sintomatologia depressiva quando são usadas escalas autoaplicadas. Os sintomas depressivos após angina instável,
infarto do miocárdio, cirurgia de revascularização do miocárdio ou transplante cardíaco prejudicam a reabilitação e
associam-se a taxas mais altas de mortalidade e morbidade clínica. Os pacientes deprimidos costumam apresentar
diminuição da variabilidade da frequência cardíaca (um indicador de atividade reduzida no sistema nervoso
parassimpático), o que pode predispô-los a arritmias ventriculares e maior morbidade. A depressão também parece
aumentar o risco de doença arterial coronariana, possivelmente por meio de aumento da agregação plaquetária. Os
ADT estão contraindicados aos pacientes com bloqueio de ramo, e a taquicardia induzida por tricíclicos é uma
preocupação adicional em pacientes com insuficiência cardíaca congestiva. Os ISRS não parecem induzir a
alterações no ECG ou eventos cardíacos adversos, por isso são fármacos de primeira linha razoáveis para os
pacientes sob risco de complicações relacionadas com os ADT. Contudo, os ISRS podem interferir no metabolismo
hepático dos anticoagulantes, causando aumento da anticoagulação. Nos pacientes com câncer, a prevalência média
é de 25%, mas a depressão ocorre em 40 a 50% dos pacientes com câncer de pâncreas ou de orofaringe. Essa
associação não é causada apenas pelos efeitos da caquexia, uma vez que a maior prevalência de depressão nos
pacientes com câncer pancreático persiste quando eles são comparados com os que têm câncer gástrico em estágio
avançado. Demonstrou-se que a introdução de medicação antidepressiva nos pacientes com câncer melhora a
qualidade de vida e o humor. As abordagens psicoterapêuticas, particularmente a terapia de grupo, podem ter algum
efeito a curto prazo na depressão, na ansiedade e na dor. A depressão ocorre com frequência nos pacientes com
doenças neurológicas, principalmente distúrbios vasculares encefálicos, doença de Parkinson, demência, esclerose
múltipla e traumatismo cerebral encefálico. Um em cada cinco pacientes com AVE do hemisfério esquerdo
envolvendo o córtex frontal dorsolateral apresenta depressão maior. A depressão de início tardio em indivíduos de
resto normais cognitivamente aumenta o risco de diagnóstico subsequente de doença de Alzheimer. Todas as
classes de antidepressivos são efetivas no tratamento dessas depressões, assim como, em alguns casos, os
compostos estimulantes. A prevalência relatada de depressão nos pacientes com diabetes melito varia de 8 a 27%,
correlacionando-se a gravidade do estado de humor com o nível de hiperglicemia e a presença de complicações do
diabetes. O tratamento da depressão pode ser complicado pela interferência dos antidepressivos no controle da
glicemia. Os IMAO podem induzir à hipoglicemia e ao aumento do peso. Os ADT podem causar hiperglicemia e
fissura por carboidratos. Os ISRS, os IRSN, assim como os IMAO, reduzem a glicemia em jejum, porém são mais
fáceis de usar e podem melhorar a adesão à dieta e à medicação. O hipotireoidismo costuma estar associado a
manifestações da depressão, mais comumente humor deprimido e comprometimento da memória. Os estados de
hipertireoidismo também podem apresentar-se com quadro semelhante, habitualmente em idosos. A melhora do
humor em geral sucede a normalização da função tireoidiana, mas às vezes é necessário um antidepressivo como
adjuvante. Os pacientes com hipotireoidismo subclínico também podem apresentar sintomas de depressão e de
dificuldade cognitiva que respondem à reposição do hormônio tireoidiano. A prevalência de depressão ao longo da
vida de indivíduos HIV-positivos foi estimada em 22 a 45%. A relação entre depressão e avanço da doença é
multifatorial, envolvendo provavelmente fatores psicológicos e sociais, alterações da função imunológica e doença do
sistema nervoso central. A hepatite C crônica também está associada à depressão, que pode se agravar com o
tratamento com interferon α. Alguns distúrbios crônicos de etiologia indefinida, como síndrome da fadiga crônica e
fibromialgia, mantêm associação forte com depressão e ansiedade; esses pacientes podem ser beneficiados com
antidepressivos ou anticonvulsivantes, como a pregabalina.
É associada à existência de doenças crônicas: pessoas com depressão podem apresentar alterações biológicas com
potencial de aumentar os riscos de desenvolvê--las. Além disso, doentes crônicos podem apresentar limitações em
sua vida diária que aumentem as chances de terem depressão. Pessoas com uma ou mais doenças crônicas
apresentaram maior prevalência de depressão, mesmo após ajuste pelas variáveis demográfi cas, socioeconômicas
e de uso de serviços de saúde. A depressão pode estar associada a mudanças hormonais e fi siológicas no
organismo que aumentam a chance de se desenvolverem determinadas doenças crônicas, i.e., a depressão seria
uma exposição de risco para o desenvolvimento de outras doenças crônicas. Já se relatou relação de episódios
depressivos com diminuição na variabilidade da frequência cardíaca, níveis elevados de cortisol, além de ter impacto
no sistema nervoso autônomo, em fatores metabólicos e no eixo hipotálamo- pituitária. Depressão também pode
modular comportamentos, como levar à insônia e menor duração do sono, que agiriam como moduladores da
ocorrência de hipertensão. Por motivos biológicos, populações com menor experiência de eventos depressivos
podem apresentar menor chance de desenvolver doenças crônicas. A relação entre depressão e doenças crônicas
pode ser bidirecional. Pessoas que apresentam doenças crônicas reportam pior autoavaliação de saúde. Ter quatro
ou mais doenças crônicas esteve associado com chance dez vezes maior de autopercepção negativa da saúde entre
homens. A qualidade de vida também está diretamente associada com a presença de doenças crônicas, menor entre
aqueles com mais doenças crônicas, num nítido efeito dose-resposta. No entanto, doenças como dor lombar,
osteoartrose do joelho e câncer parecem apresentar maior impacto na qualidade de vida que diabetes e hipertensão.
Pessoas com doenças crônicas podem apresentar limitações, como de mobilidade, alimentação, atividade física e na
realização de atividades cotidianas na vida pessoal, social ou no trabalho. Os problemas e implicações inerentes
dessas restrições podem levar a transtornos de humor e depressão.

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