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A Língua Francesa na Amazônia:

espaço de encontros, trocas e experiências didáticas franco-brasileiras

Organização
Aldenice de Andrade Couto
Kelly Cristina Nascimento Day

Nepan Editora
Rio Branco - Acre
2023
Editora do Núcleo de Estudos das Culturas Amazônicas e Pan-
Amazônicas
www.nepaneditora.com.br | editoranepan@gmail.com

Diretor administrativo: Marcelo Alves Ishii


Conselho Editorial: Agenor Sarraf Pacheco (UFPA), Ana Pizarro
(Universidade de Santiago do Chile), Carlos André Alexandre de
Melo (Ufac), Elder Andrade de Paula – (Ufac), Francemilda Lopes
do Nascimento (Ufac), Francielle Maria Modesto Mendes (Ufac),
Francisco Bento da Silva (Ufac), Francisco de Moura Pinheiro
(Ufac), Gerson Rodrigues de Albuquerque (Ufac), Hélio Rodrigues
da Rocha (Unir), Hideraldo Lima da Costa (Ufam), João Carlos de
Souza Ribeiro (Ufac), Jones Dari Goettert (UFGD), Leopoldo Ber-
nucci (Universidade da Califórnia), Livia Reis (UFF), Luís Balkar Sá
Peixoto Pinheiro (Ufam), Marcela Orellana (Universidade de San-
tiago do Chile), Marcello Messina (UFPB/Ufac), Marcia Paraquett
(UFBA), Marcos Vinicius de Freitas Reis (Unifap), Maria Antonie-
ta Antonacci (PUC-SP), Maria Chavarria (Universidade Nacional
Maior de São Marcos, Peru), Maria Cristina Lobregat (Ifac), Maria
Nazaré Cavalcante de Souza (Ufac), Miguel Nenevé (Unir), Raquel
Alves Ishii (Ufac), Sérgio Roberto Gomes Souza (Ufac), Sidney da
Silva Lobato (Unifap), Tânia Mara Rezende Machado (Ufac).
Amazônia
Nos teus rios quero navegar
O teu ar respirar
Tua beleza contemplar
Embalando os sonhos meus
De ver-te sempre verdejante
Parte integrante
Deste país gigante
Que luta pra manter-te inteira
Intacta, linda, majestosa
Amazônia, pulmão do mundo
Nossa sempre serás!
MAZÉ CARVALHO
Agradecemos o apoio e o incentivo da
Associação dos Professores de Francês do
Amapá, bem como à iniciativa da Embaixada
da França no Brasil e da Federação Brasileira
dos Professores de Francês que proporciona-
ram a publicação desta obra por meio de re-
cursos oriundos da parceria entre essas duas
últimas instituições. Agradecemos ainda a
todos que se dispuseram a compartilhar os
resultados de suas pesquisas e estudos nesta
coletânea.
Copyright © 2023, Organizadores

Obra produzida com o Federação Brasileira dos Embaixada da França


apoio da Associação dos Professores de Francês no Brasil (EFB)
Professores de Francês (FBPF)
(APROFAP)

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


L755
A língua francesa na Amazônia: espaço de encontros, trocas e experiên-
cias didáticas franco-brasileiras / organização Aldenice de Andrade Couto,
Kelly Cristina Nascimento Day . – Rio Branco: Nepan Editora, 2023.
200 p. : il. algumas col.
E-book no formato PDF.
Inclui referências bibliográficas.
ISBN: 978-65-89135-81-4
1. Língua francesa. 2. Língua francesa – Estudo e ensino – Brasil. 3. Forma-
ção de professores. I. Couto, Aldenice de Andrade. II. Day, Kelly Cristina.
III. Título.
CDD 22. ed. 445
Bibliotecária Maria do Socorro de O. Cordeiro – CRB 11/667
PREFÁCIO

É com muita honra e contentamento que realizamos o


prefácio desta coletânea intitulada A língua francesa na
Amazônia: espaço de encontros, trocas e experiências didáticas franco-bra-
sileiras, organizada por Aldenice de Andrade Couto, professora na
Universidade Federal do Amapá (UNIFAP) e Kelly Cristina Nas-
cimento Day, professora da Universidade do Estado do Amapá
(UEAP) pelo prestigioso convite feito pela presidente da Associa-
ção dos Professores de Francês do Amapá (APROFAP), Lara Maí-
sa Silveira Sousa (gestão 2020-2022) para organizarmos este e-book
o qual será um marco no percurso da APROFAP. Contentamento
pela confiança que nos foi depositada, pois acreditamos que por
meio da aprendizagem de uma língua estrangeira podemos mudar
pessoas e estas podem transformar o mundo.
Ao iniciar a escrita deste prefácio, instantaneamente essa ação
nos remeteu a algumas lembranças, isto é, a ações ocorridas no final
dos anos noventa, dentre elas, a inauguração do Centro Estadual de
Língua e Cultura Francesa Danielle Mitterrand (CELCFDM) e a
criação da APROFAP.
Criada no dia 13 de dezembro de 1999, com o objetivo de
congregar professores e estudantes de francês língua estrangei-
ra (FLE) dos estabelecimentos de ensino público e privado bem
como pessoas que amam e apreciam a língua-cultura francófona,
a APROFAP vem promovendo e difundindo o francês no Amapá e
no mundo.
Com mais de duas décadas de existência, a referida associação
já realizou inúmeras ações, graças aos seus membros associados que
pagam não somente a cotização, mas que trazem também suas com-
petências profissionais para a APROFAP, visto que a força de uma
associação e sua representatividade está no dinamismo cumulativo
de seus membros. Assim, esta coletânea é mais uma, das muitas
ações que a APROFAP já realizou na condição de sociedade civil
de caráter sociocultural e sem fins lucrativos.
Nesse sentido, ao longo de seus nove capítulos, este e-book é
uma obra vasta cujo objetivo foi reunir, no formato de capítulos de
livro, textos em francês e em português, que apresentam discussões
e reflexões tanto teóricas quanto metodológicas acerca da língua e
literatura francesa/francófona na Amazônia. Os textos ora apresen-
tados estão sintetizados em três eixos, quais sejam: Ensino-apren-
dizagem e formação de professores de Francês Língua Estrangeira
(FLE); Literaturas francófonas nas aulas de FLE e Políticas linguís-
ticas educativas e o ensino de FLE na Amazônia.
Embora visualmente separados, os eixos encontram-se inti-
mamente embricados, conversam entre si e complementam-se por
meio de diferentes aspectos epistemológicos, práticas pedagógicas e
reflexões concernentes ao ensino-aprendizagem do FLE.
O nosso muito obrigada à APROFAP, em nome da presidente,
Lara Maisa Silveira Sousa pelo convite a fim de que organizássemos
o primeiro registro escrito em formato de livro. Agradecemos tam-
bém, à Federação Brasileira de Professores de Francês e à Embaixa-
da da França pelo apoio e incentivo financeiro.
Por fim, agradecemos, imensamente aos autores que colabo-
raram com seus textos para que seus estudos possam ser divulgados
e compartilhados.
A LÍNGUA FRANCESA NA AMAZÔNIA:
ESPAÇO DE ENCONTROS, TROCAS
E EXPERIÊNCIAS DIDÁTICAS
FRANCO-BRASILEIRAS
S umário

APRESENTAÇÃO..................................................................................12

PARTE I
Ensino-aprendizagem e formação
de professores de Francês
Língua Estrangeira (FLE)
LA CHANSON : UN OUTIL PRECIEUX DANS LES
CLASSES DE FLE...................................................................................17
Alcioneide Barbosa Ramos (SEED)

ENTRE MANGUEIRAIS E ESCREVIVÊNCIAS:


FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE FRANCÊS NA
AMAZÔNIA BRASILEIRA....................................................................39
Janaina Oliveira da Costa

LUDICIDÉ DANS L’ENSEIGNEMENT DU


FRANÇAIS PAR LES OBJECTIFS SPÉCIFIQUES
POUR LA FORMATION PROFESSIONNELLE EN
COMMERCE : UN TRAVAIL POUR AMELIORER L’ORALITÉ..........53
Franck Wirlen Quadros dos Santos (UNIFAP)

EDUCAÇÃO LINGUÍSTICA CRÍTICA NO


ENSINO-APRENDIZAGEM DE FRANCÊS
LÍNGUA ESTRANGEIRA: EXPERIÊNCIA
DIDÁTICA COM PRÁTICAS DE LEITURA.........................................71
Ana Arlene Ferreira Nobre
Daniella Ramos da Trindade
PARTE II
Literaturas francófonas nas
aulas de FLE

FRANCONFONIA AMAZÔNICA — SOBRE


A CONSCIENTIZAÇÃO DOS ARTEFATOS
GAULESES NA FLORESTA TROPICAL...............................................94
Dennys Silva-Reis

PARTE III
Políticas linguísticas educativas
e o ensino de FLE na Amazônia

A EDUCAÇÃO BILÍNGUE FRANCO-BRASILEIRA


NA AMAZÔNIA: UM PROJETO POLÍTICO-LINGUÍSTICO ............117
Jaqueline Nascimento da Silva Reis

BI/MULTILINGUISMO INFANTIL NA
EDUCAÇÃO ESCOLAR: RECOMENDAÇÕES
PARA PROFESSORES DA FRONTEIRA FRANCO-BRASILEIRA.....137
Mayara Priscila Reis da Costa

NORTEANDO: UMA CARTOGRAFIA DO ENSINO


DE FRANCÊS NA(S) AMAZÔNIA(S) BRASILEIRA(S).......................156
Stéphanie Girão

ANÁLISE DE INTERFERÊNCIAS LINGUÍSTICAS


PORTUGUÊS-FRANCÊS A PARTIR DA PAISAGEM
LINGUÍSTICA DO MUNICÍPIO DE OIAPOQUE...............................174
Lizandra Valéria da Silva Fumelê
Kelly Cristina Nascimento Day

SOBRE AS ORGANIZADORAS...........................................................194
SOBRE AS AUTORAS E OS AUTORES...............................................196
APRESENTAÇÃO

A língua francesa na Amazônia: espaço de encontros, tro-


cas, e experiências didáticas franco-brasileiras é o título
que escolhemos para este livro, no intuito de congregar diferentes
vertentes da pesquisa linguística que tem como foco a existência
presente ou pretérita do Francês como Língua Estrangeira ou se-
gunda no norte brasileiro. Ele reúne contribuições de abordagens
teóricas diversas e evidencia práticas linguageiras, interações didáti-
co-metodológicas e questões emergentes no âmbito das políticas de
ensino-aprendizagem de línguas na região.
Os textos que integram esta obra se articulam, de modo ge-
ral, em torno de três eixos: 1) Ensino-aprendizagem e formação de
professores de Francês Língua Estrangeira (FLE), 2) Literaturas
francófonas nas aulas de FLE e 3) Políticas Linguísticas Educativas
e o Ensino de FLE na Amazônia, mas não exclusivamente, posto
que os textos apresentados podem estar tangenciados por diferentes
aspectos epistemológicos, extrapolando, assim, a circunscrição ini-
cial.
No capítulo de abertura, “La chanson: um outil précieux
dans les classes de FLE”, Alcioneide Barbosa Ramos apresenta
uma abordagem didática para o ensino de línguas estrangeiras a
partir do uso de canções, de modo a facilitar tanto a integração dos
aprendentes quanto a conscientização do entrecruzamento cultural
produzido nesse cenário de ensino. A autora propõe uma reflexão
sobre as vantagens que o uso da canção como instrumento pedagógi-
co pode trazer para o ensino do Francês Língua Estrangeira (FLE).

12
No segundo capítulo “Entre Mangueirais e ‘Escrevivências’:
formação de professores de Francês na Amazônia Brasileira”, a
autora, Janaina Oliveira da Costa, propõe-se a tornar audíveis vozes
subalternizadas através da narrativa de ‘nós’ pelo corpo-linguagem
de uma jovem professora de francês na Amazônia, tendo como ob-
jetivo abrir caminhos para novas reflexões a respeito do ensino de
FLE na região, atentando para comportamentos colonialistas no
ensino de línguas.
Apresentando o papel da ludicidade, mais especificamente
através do uso da “trapaça” como instrumento de estímulo e apri-
moramento da oralidade, Franck Wirlen Quadros dos Santos, no
terceiro capítulo desta obra, “Lucidité dans l’enseignement du
FOS pour la formation professionnel en commerce: Un travail
pour améliores l’oralité”, investiga como as formas de trapaça co-
mercial podem promover a aquisição de ferramentas linguageiras
úteis ao processo comunicativo e não apenas na aquisição de voca-
bulário em atividades de Francês com Objetivos específicos (FOS).
Fundamentado nos aportes teóricos da Linguística Aplicada
Crítica e da Educação Linguística Crítica, o capítulo quatro “Edu-
cação Linguística Crítica no Ensino-Aprendizagem de Francês
Língua Estrangeira: Experiência didática com práticas de leitu-
ra”, de Ana Arlene Ferreira Nobre e Daniella Ramos da Trindade,
apresenta os resultados de atividades experimentais de leitura em
língua francesa através de recursos midiáticos e tecnológicos diver-
sos, visando estimular a interatividade, a participação e a autonomia
dos aprendentes. Em seu texto as autoras destacam que o ensino de
línguas estrangeiras pode ser norteado por novos desafios e inicia-
tivas no processo de imersão de uma prática dinâmica, ampliada,
cidadã e decolonial.
O capítulo cinco, intitulado “Francofonia Amazônica – sobre
a conscientização dos artefatos gauleses na floresta tropical”, pro-
duzido por Dennys Silva-Reis, coloca em discussão a construção e a

13
manutenção de uma francofonia amazônica em meio a pluralidade
étnica e linguística regional. Em seu texto, pontuado de poesia, o
autor situa o uso da língua francesa como elemento constitutivo
da cultura franco-amazônica e como identidade cultural da região
norte do Brasil e da América do Sul.
Em seguida, em uma vertente político-Linguística, Jaqueline
da Silva Reis discute, no sexto capítulo, “A Educação bilíngue
franco-brasileira na Amazônia: um projeto político-linguístico”,
a concepção de educação bilíngue em atuação na rede pública de
ensino do estado do Amapá a partir de dois projetos: o Projeto Es-
cola Bilíngue (2017) e o Projeto Escola com classes bilíngues (2019).
Baseada nas Diretrizes Curriculares Nacionais para oferta de Edu-
cação Plurilíngue (2020), a autora aponta a necessidade de se (re)
pensar a concepção de educação bilíngue em voga, tendo como foco
o contexto local.
No sétimo capítulo, “Bi/Multilinguismo Infantil na Edu-
cação Escolar: Recomendações para professores da Fronteira”,
Mayara Priscila Reis da Costa apresenta um conjunto de recomen-
dações pedagógicas para o acolhimento de crianças bi/multilíngues
no ensino regular das escolas da fronteira franco-brasileira e em
contextos similares. O capítulo problematiza as realidades educati-
vas da região fronteiriça, contempladas ou não por políticas linguís-
ticas, particularmente nas cidades de Saint-Georges de L’Oyapock
(Guiana Francesa) e Oiapoque ( Brasil). Fruto de uma pesquisa
qualitativa, a autora detalha ações pedagógicas destinadas aos pro-
fessores de línguas ou não e à gestão escolar, de forma a vislumbrar
possibilidades de aplicação em seus próprios ambientes institucio-
nais.
“Norteando: uma cartografia do ensino de francês nas
Amazônia(s) brasileira(s)”, de Stéphanie Girão, é o oitavo capítulo
deste livro. Nele, a autora desenha o mapa do ensino do francês na
Amazônia Brasileira, seus diferentes formatos (ensino bilíngue, dis-

14
ciplina curricular, disciplina extracurricular), bem como as diversas
instituições (escolas, centros de línguas estaduais, universidades) que
o propõem. Como resultado, Stéphanie pontua que, contrariamente
à exclusão do francês das políticas linguísticas educativas nacionais
e ao discurso de “extinção” dessa língua na educação básica, ela
está cada vez mais presente na sociedade, resistindo e reafirmando
pouco a pouco seu lugar na(s) Amazônia(s) brasileira(s).
Valéria da Silva Fumelê e Kelly Day apresentam no capítulo
final, Análise de Interferências Linguísticas Português-Francês
a partir da Paisagem Linguística do município de Oiapoque, um
estudo de interferências linguísticas observáveis em textos escritos
presentes no espaço público de Oiapoque. A pesquisa teve corpus 12
registros fotográficos feitos de fachadas, placas, informativos etc.,
em Oiapoque. Os resultados obtidos evidenciam que embora trate-
se do contato de duas línguas majoritárias, constatam-se diversos
processos de interferência da Língua Portuguesa, em níveis grama-
ticais diversos, na escrita do francês em textos públicos.
Por fim, esperamos que o conjunto de pesquisas e reflexões
didático-metodológicas aqui apresentadas possam contribuir para
um maior conhecimento dos espaços de encontros, de trocas, e de
experiências didáticas vivenciadas em torno da língua francesa na
Amazônia Brasileira e possam abrir portas para novas produções e
divulgação da “germi-nação” francófona no norte do Brasil.

15
PARTE I
Ensino-aprendizagem e formação
de professores de Francês Língua
Estrangeira (FLE)
CAPÍTULO 1

LA CHANSON : UN OUTIL PRECIEUX DANS


LES CLASSES DE FLE

Alcioneide Barbosa Ramos (SEED)

INTRODUCTION
Avec le progrès de l’enseignement des langues dans ces der-
nières années, beaucoup de techniques ont été mises en œuvre
afin de faciliter l’apprentissage et motiver les apprenants en ce qui
concerne les langues étrangères. Dans ce contexte, la chanson en
tant qu’outil pédagogique fait de la salle de classe un espace plus
agréable et accessible aux nouvelles connaissances linguistiques
communicatives et interactionnelles.
Les chansons, présentent un lien très fort avec les émotions,
ce qui favorise un enseignement/apprentissage de la langue en de-
venant un élément essentiel dans ce processus. Cette étude a ainsi
comme objectif principal, de proposer une réflexion sur l’évolution
dans l’utilisation des chansons en tant que document authentique
par les enseignants du FLE et faire connaitre l’impact de cet ou-
til sur l’enseignement/apprentissage du Français Langue Étrangère
dans l’État d’Amapá.

17
Pour parvenir aux objectifs envisagés en plus des considéra-
tions finales, et pour mieux éclairer quelques aspects liés à la chan-
son en classe de Français Langue Étrangère, je proposerai cinq par-
ties qui mettent en évidence l’importance de cet instrument dans
l’apprentissage FLE et qui devraient nous amener à mieux com-
prendre cette démarche.
La première partie portera sur l’évolution de la chanson en
tant que matériel authentique dans l’enseignement de FLE.
Ensuite, je proposerai une réflexion sur la notion de document
authentique ainsi que l’importance de ces apports dans le cours de
langue en tant que support pédagogique.
Puis, je porterai l’attention sur l’usage de la chanson en salle
de classe et son efficacité pédagogique.
Ensuite, je m’attacherai à souligner les bienfaits de la chanson
dans l’enseignement/apprentissage du FLE.
Enfin, je proposerai une réflexion sur quelle chanson choisir
en prenant en compte les objectifs proposés, le public et les besoins
des apprenants.

APPORTS THEORIQUES
LA CHANSON ET SON ÉVOLUTION DANS L’ENSEIGNEMENT DU
FLE
La musique existe depuis l’origine de l’humanité. Elle s’est
développée à partir de la nécessité pour l’homme d’exprimer ses
sentiments. Plus tard, elle a été exploitée comme la science du son.
Les chansons, caractérisées par cet art, commencent à être recon-
nues comme un apport dans l’enseignement des langues, à partir
du XXème siècle et heureusement, depuis cette période, plusieurs
recherches se sont développées dans ce domaine.
D’après BOIRON (1997), la chanson a comme but premier,
le plaisir, la distraction, faire danser, raconter des histoires entre
autres, et même si dans sa vaste liste d’objectifs, elle n’est pas em-
ployée comme outil pédagogique dans l’apprentissage des langues,

18
c’est vers la seconde moitié des années 80, avec l’approche commu-
nicative que cet outil commence à prendre un véritable sens en tant
qu’instrument pédagogique.
L’approche communicative qui prône une pédagogie centrée
sur l’apprenant et sur ses besoins, a été repensée par le Conseil de
l’Europe dans les années 90 qui a mis en évidence plusieurs chan-
gements dans l’enseignement/apprentissage des langues étrangères,
surtout en ce qui concerne la prise en compte du vécu quotidien
de l’apprenant et ses spécificités culturelles, ce qui impliquera dans
l’urgence, l’utilisation de documents authentiques comme support
des activités.
Cette période, marquée par ce nouveau temps dans l’approche
communicative, sera le fil conducteur pour le développement de
nouvelles méthodologies d’enseignement. Les textes de chansons
sont mis en avant et en plein essor. Les chansons sont utilisées de
plus en plus dans l’enseignement des langues, pour un apprentissage
qui va au-delà d’une méthodologie mécanique marquée par le struc-
turalisme d’un enseignement traditionnel, mais au contraire, relie
connaissance, authenticité et plaisir (BERARD, 1991).
La chanson joue un rôle central en ce qui concerne ce lien
culturel. Comme instrument authentique utilisé dans l’enseigne-
ment du FLE, elle est un lieu de découverte de la réalité multicultu-
relle française et francophone, elle peut être le point de départ pour
la connaissance d’une diversité qui dépasse nos propres concepts du
monde.
La chanson française, a toujours été présente dans l’histoire
de son peuple. Selon DUMONT (1998), c’est à partir des analyses
des articles faite par Calvet en 1980, que plus tard nous pourrons
avoir une idée du rôle, et de l’importance des chansons françaises
«comme révélateur de l’évolution d’une société en pleine mutation»
(DUMONT,1998, p.7).

19
Cette rencontre qui met en évidence, didactique des langues,
son, rythme, mélodie et culture, va conduire à une nouvelle façon
d’apprendre. Apprendre c’est l’acte créatif ou inventif qui nous per-
met de développer des compétences. Pour renforcer cette idée, nous
pouvons l’exemplifier par cette citation du poète Paul Valéry :
Ayant appris à se servir de ses jambes, l’enfant découvrira qu’il
peut non seulement marcher, mais courir ; et non seulement
marcher et courir, mais danser. Ceci est un grand événement. Il
a inventé et découvert du même coup une sorte d’utilité du se-
cond ordre pour ses membres, une généralisation de sa formule
de mouvement. En effet, tandis que la marche est en somme une
activité assez monotone et peu perfectible, cette nouvelle forme
d’action, la Danse, permet une infinité de créations et de varia-
tions ou de figures. (Paul Valéry, Œuvres complètes, ce texte a
été présenté dans sa conférence de 1939 à l’université d’Oxford,
« Poésie et pensée abstraite »).

Cette infinité de créations citée par Paul Valéry, définit l’im-


portance «du nouveau» et fait allusion à toutes les innovations pos-
sibles en salle de classe, autrement dit, elle traduit la créativité dont
les êtres humains sont dotés.
Les chansons, en tant qu’outil pédagogique, peuvent consti-
tuer le pivot de cette innovation qui contribuera au développement
du plaisir d’apprendre. Centrés sur des objectifs clairs et motivants
pour les apprenants, une approche s’appuyant sur l’utilisation des
chansons sera donc, l’une des clés de la réussite de cet enseigne-
ment/apprentissage.

LA CHANSON EN TANT QUE DOCUMENT AUTHENTIQUE


Pour une meilleure compréhension de ce que veut dire «chan-
son comme document authentique», nous essayerons de définir
cette notion brièvement. Il s’agit d’un document qui n’a pas été créé
à des fins pédagogiques. Autrement dit, pour qu’un document soit

20
considéré comme authentique, il doit toujours garder sa forme ori-
ginale en tant qu’outil adopté par les enseignants:
Par opposition aux supports didactiques, rédigés en fonction de
critères linguistiques et pédagogiques divers, les documents au-
thentiques sont des documents «bruts», élaborés par des franco-
phones pour des francophones à des fins de communication. Ce
sont des énoncés produits dans des situations réelles de commu-
nication et non en vue de l’apprentissage d’une seconde langue
(CUQ ; GRUCA, 2005, p. 431).

Les documents authentiques seront donc, ceux qui vont pro-


poser aux apprenants une immersion dans le monde francophone,
et qui les amèneront à une rencontre avec le réel.
Dans les chansons, nous pouvons trouver toute une gamme
de mots, d’expressions, de marques culturelles, en tant que matériel
pédagogiques, elles disposent d’une riche source de langage authen-
tique et varié, ce qui la classe comme un outil authentique attrayant
et complet.
Finalement, nous pouvons dire que, l’objectif pour les ensei-
gnants sera plutôt de renouveler leurs pratiques pour mieux travail-
ler l’ensemble des éléments portés par une chanson, des éléments
liés à la linguistique, la phonétique, et d’autres, dont nous palerons
ci-dessous.

POURQUOI CETTE IMPORTANCE DE LA CHANSON DANS


L’ENSEIGNEMENT DU FRANÇAIS LANGUE ÉTRANGÈRE ?
Pour répondre à cette question, nous nous attacherons à la
pensée de CALVET (1980). Selon lui, la chanson a un rôle impor-
tant dans l’enseignement/apprentissage parce qu’elle représente non
seulement la langue, mais aussi, la culture et en plus, parce qu’elle
est la chanson surtout.
Un des objectifs du Cadre Européen Commun de Référence
pour les Langues - CECRL 2001, est que l’apprenant puisse utiliser
la langue cible dans une situation réelle de communication. Ainsi,

21
cette perspective actionnelle, prône un apprentissage où l‘apprenant,
sera capable de faire usage activement de la langue pour communi-
quer sur l’action envisagée comme le suggère le nom de l’approche
actionnelle. Nous voyons que le nouvel enjeu, n’est pas seulement de
communiquer, mais aussi d’agir. Les chansons travaillées en salle de
classe, proposent cette communication et par conséquent l’action.
Cette perspective, peut être facilement abordée par les chan-
sons travaillées en tant que support pédagogique, étant donné
qu’elles seront la porte d’accès au monde de la langue cible.
DUMONT (1998), dans son ouvrage « Le français par la
Chanson », affirme que cet outil représente une véritable richesse
dans l’enseignement/apprentissage du FLE. Il est nécessaire d’en
tenir compte, pour une classification thématique préalable à toute
progression, raison de plus, pour laquelle cette pratique doit être
non seulement repensée, mais aussi mise en œuvre dans les cours
de FLE.
L’auteur affirme encore dans un deuxième moment, que l’as-
pect ludique qui est le principe de base de cette pratique, doit tou-
jours être pris en compte comme facteur primordial, pour ceux qui
choisissent cette méthode d’enseignement.
Un autre point remarquable dans les propos de Dumont à
propos de l’utilisation des chansons, concerne la sensibilité de l’en-
seignant sur ce qu’apporte chaque chanson choisie. De plus, l’en-
seignant pourra à partir des textes des chansons, bien organiser ses
objectifs, puisqu’elles peuvent être considérées comme un témoi-
gnage sur un contexte politique ou socioculturel donné. Elle peut
donc constituer le support d’un mode d’expression individuelle,
ou être utilisée comme un instrument permettant aux apprenants,
d’évaluer le savoir-faire du compositeur ou de l’interprète.
Il s’agit donc de discriminer le type de chanson à aborder,
étant donné que certaines sont plus accessibles à une analyse lexi-
cale approfondie que d’autres. Certaines chansons sont plus faciles

22
à exploiter au niveau grammatical et d’autres, plus détaillées à un
niveau plus spécifique, par exemple, le niveau phonétique, c’est dire
qu’il existe une infinité de textes, ainsi que plusieurs façons de les
aborder (Dumont, 1998).
D’après DOMMEL ; SACKER (1986), le monde qui nous
entoure est un monde musical; nous sommes toujours attirés par
un type de chanson qui s’harmonise avec l’ambiance où nous nous
trouvons, autrement dit, les chansons auront toujours un lien avec
nos émotions et avec notre sensibilité. Ainsi, la façon dont nous
abordons ces outils en salle de classe ne doit pas simplement s’at-
tacher aux aspects linguistiques, mais aussi, aux éléments émotion-
nels non linguistiques. En effet, selon les auteurs, on ne peut pas nier
que l’utilisation de ces aspects émotionnels soit extrêmement liée à
une ambiance favorable à l’apprentissage dans la salle de classe.
Les auteurs soulignent encore, que l’usage de la musique a
le pouvoir unique d’apporter dans la salle de classe, la sensibilité
de l’apprenant. Ses expériences seront mises en commun de façon
spontanée, ses habiletés créatives seront plus facilement exprimées,
ce qui créera une ambiance favorable pour l’apprentissage de la
langue en question, à partir de la chanson.
Selon KRASHEN (1987), un apprentissage efficace dépendra
toujours du «filtre affectif» de l’ apprenant. Ce filtre selon l’auteur,
dépendra également de sa réaction aux sentiments comme la peur,
la sécurité, la motivation et l’anxiété. Pour Krashen, l’apprenant qui
est très motivé et qui dispose d’une sécurité, d’une estime de soi
dans son processus d’apprentissage, aura toujours de bons résultats
par rapport à celui que ne se lance pas, de crainte de se tromper.
Des auteurs comme CANFIELD ; WELLS (1994), ont mon-
tré que l’estime de soi peut constituer un élément clé par rapport à
l’apprentissage. Cependant, elle ne peut pas être considérée comme
suffisante pour résoudre tous les problèmes puisque selon les au-

23
teurs, elle peut aussi mettre en évidence une autre situation comme
l’égocentrisme et les fausses attentes.
Dans cette perspective, il faut bien comprendre que l’«estime
de soi», celle qui est dite «saine» amène l’apprenant à se percevoir
comme un être capable d’arriver à son but, sans perdre de vue le
sentiment de responsabilité qui le conduira à une pensée réaliste et
positive de soi, et de ses capacités.

LES BIENFAITS DE LA CHANSON DANS L’ENSEIGNEMENT /


APPRENTISSAGE DU FLE
Avant d’aborder le cœur de notre sujet, nous estimons néces-
saire de faire un détour explicatif sur l’importance d’apprendre une
nouvelle langue, dans notre cas, nous nous référons à l’apprentis-
sage du Français Langue Étrangère (FLE).
Le français est donc, l’une des langues parlée dans les cinq
continents, conséquemment, elle est une langue internationale.
Comprendre le français, c’est adopter un autre regard sur le monde
francophone. D’après BOIRON (2006), apprendre une langue c’est
une manière de découvrir un univers culturel et linguistique diffé-
rent de sa culture d’origine. La langue c’est donc, ce véhicule qui
nous amène à la connaissance de l’autre à travers les interactions
communicationnelles, c’est exprimer un désir, un sentiment, une
opinion tout en s’appuyant sur un ensemble de compétences qui
sont indispensables pour la réussite de l’apprenant.
Ce que nous proposerons dans les paragraphes qui suivent,
sera de faire une mise au point sur les bienfaits de la chanson en
salle de classe, et en même temps, montrer comment les chansons
peuvent contribuer à l’acquisition et/ou au développement des com-
pétences langagières, comment elles peuvent être utiles en tant que
support pédagogique, en visant le perfectionnement d’un «savoir,
savoir-faire, savoir être, et savoir apprendre de l’individu» (Le point

24
sur le Cadre Européen Commun de Référence pour les Langues,
2001, p. 36).
L’utilisation de la chanson présente une série d’avantages en
classe de FLE. D’abord, grâce à son aspect ludique déjà mentionné
ici, elle peut être favorable de façon globale dans plusieurs modalités
d’enseignement /apprentissage d’une langue.
Comme nous l’avons cité dans les premiers paragraphes, l’ap-
prentissage du FLE est resté longtemps prisonnier d’un enseigne-
ment marqué par le structuralisme, qui laisse encore des traces de
nos jours. En effet, réduire la langue à un ensemble de règles gram-
maticales à apprendre, et à des contenus de civilisation préétablis,
contribue au minimum à appauvrir la langue et empêcher les appre-
nants de faire une véritable rencontre avec son contenu affectif.
Il est indéniable que l’apprentissage d’une langue, est extrême-
ment lié à la motivation qui est créée à partir d’un affect positif entre
l’apprenant et la langue cible. Cette affectivité, est en rapport avec le
niveau émotionnel, selon FREDRICKSON ; BRANIGAN (2005),
ce niveau va influencer la manière dont nous allons percevoir les
choses.
En nous basant sur ces concepts, nous nous rendons compte
que les niveaux affectifs et émotionnels, jouent un rôle essentiel dans
cette démarche d’apprentissage de la langue, puisqu’ils exercent des
influences sur notre pensée, notre comportement et notre prise de
décision, cela explique l’urgence de cette reconnaissance par l’en-
seignant de FLE.
Sachant que toutes les chansons sont porteuses d’un certain
type d’émotion, sont-elles capables de nous amener au de-là des es-
paces physiques dans lesquels nous nous trouvons ? Nous examine-
rons ces multiples bénéfices qui sont capables de procurer aux cours
de FLE, une ambiance qui mélange connaissance et plaisir.
L’atout de cet outil, sera mis en évidence dans les paragraphes
qui suivront dans le but, non seulement de les faire connaitre comme

25
un outil indispensable dans le cours de FLE mais également, de faire
réfléchir l’enseignant de FLE, aux vastes possibilités qui s’offrent à
lui quant à l’usage de la chanson, en tant que matériel authentique
et motivant dans le processus d’enseignement.
La mémorisation de compétences linguistiques comme : la
phonétique, le lexique et la grammaire, peut être le lien entre les
connaissances socioculturelles et plusieurs autres avantages que
nous énumérons ici, dans le but de mieux comprendre les diffé-
rentes approches proposées dans l’utilisation de la chanson.

LA GRAMMAIRE
Un des choix les plus communs pour travailler la grammaire
dans les cours de langue, est d’avoir recours aux chansons. Elles
occupent le premier rang pour l’apprentissage d’une structure gram-
maticale ou même de règles normatives. En ce qui concerne l’ap-
prentissage de la grammaire par les chansons, TIUSANEN (2013),
dans son article « Les chansons et les comptines dans les manuels
de FLE de l’enseignement primaire en Finlande » affirme que, pour
l’enseignement, il y a plusieurs manières de promouvoir cette pra-
tique, comme par exemple, en étudiant les paroles et en pensant aux
constructions grammaticales répétées.
En tant qu’instrument musical utilisé en salle de classe, la chan-
son permet l’apprentissage de règles et normes de la langue cible,
tout en s’appuyant sur les paroles des chansons dans un contexte
précis et réel. Comme instrument pédagogique, l’enseignant peut
s’en servir pour enseigner la grammaire de façon inductive où la
règle, sera mise en pratique par l’apprenant à partir des observations
spécifiques faites sur le fonctionnement de la langue et qui seront
réalisées à partir du texte travaillé. Ces mêmes documents peuvent
être également utilisés pour renforcer des connaissances acquises au
préalable, ce qui caractérise une grammaire déductive.

26
Ainsi, nous pouvons dire que la chanson est sans nul doute un
instrument puissant dans l’enseignement de la langue, car en l’uti-
lisant comme ressource pédagogique, l’enseignant peut contribuer
au développement de compétences grammaticales à partir de deux
composantes, l’une intuitive et l’autre consciente.

LA PHONÉTIQUE
La mise en œuvre d’une chanson française dans les classes
de FLE, peut être vue comme un instrument idéal pour travailler
des compétences articulatoires propres à la langue. Pour ceux qui
débutent dans ce nouveau savoir, la connaissance des nouveaux
phonèmes qui n’existent pas forcément dans leur langue maternelle,
ne constitue pas l’unique défi, puisque le travail sur la prononcia-
tion, le débit, le rythme de la phrase, le placement de l’accent, sont
des éléments aussi indispensables pour se faire comprendre par un
natif de la langue cible.
L’apprenant exposé à l’écoute des chansons francophones en
salle de classe, aura la possibilité de se familiariser non seulement
avec la mélodie à laquelle il sera exposé, mais surtout, il apprendra
à identifier et à discriminer des sons appartenant à la langue cible et
inconnus de lui jusqu’à présent. D’ailleurs, il est très important de
dire que le rythme et la sonorité, aident à la mémorisation, ce qui
représentera un atout pour ces nouveaux apprenants.
La langue française est caractérisée par la régularité de son
rythme, les syllabes s’écoulent régulièrement ce qui permet de la
classer parmi les langues à rythmicité syllabique. Par ailleurs, la
dernière syllabe de chaque groupe rythmique est accentuée, c’est-
à-dire qu’elle est allongée par rapport aux syllabes non finales (en
moyenne, elle est deux fois plus longue).
Compte-tenu de cette réalité du français comme langue cible,
nous pouvons dire que les chansons jouent un rôle primordial
puisque, en écoutant et en reproduisant les paroles, les apprenants

27
seront imprégnés d’un usage courant de la langue et du rythme spé-
cifique de celle-ci. Ils pourront ensuite mettre en œuvre ces expé-
riences dans leur pratique de l’oral au quotidien.
Le rythme, point très important pour dominer une bonne ex-
pression, sera donc caractérisé par la présence de syllabes fortes et
faibles, marquées à intervalles qui selon BILLIÈRES (2014), sont
théoriquement égaux avec des caractéristiques plus au moins sem-
blables.
Selon ZEDDA (2006), dans son article « La langue chantée »,
l’apprenant pourra plus facilement à travers la chanson, se rendre
compte du système phonologique caractéristique de la langue cible,
grâce au ralentissement du débit articulatoire présent dans certaines
chansons francophones.
PASQUELIN (2012), souligne l’importance de percevoir
d’abord pour comprendre après, l’auteur affirme que «l’apprenant
s’exerce à percevoir une nouvelle langue sans pour autant s’attar-
der à tous les détails et à tous les mots». Pourtant, ce sera de cette
manière qu’il va s’habituer à la musicalité de cette langue, ce qui
l’amènera à une compréhension plus fine et détaillée de la langue en
question (PASQUELIN, 2012, p. 60).
Enfin, la pratique de la chanson, favorise l’acquisition de la
musicalité de la langue. À travers la syllabification et les rimes, l’ap-
prenant aura accès au rythme interne de la phrase. Cependant, il
faut faire appel à l’une des compétences essentielles dans l’appren-
tissage bien préconisé par le CECRL (2001) «le savoir apprendre».
Cette compétence correspond à la capacité d’observer de nouvelles
expériences, à y participer et à intégrer cette nouvelle connaissance
qui certainement impliquera le fait que l’apprenant doit oublier
pour apprendre, autrement dit, il doit oublier les caractéristiques
rythmiques particulières de sa langue maternelle, pour éviter de pro-
duire des énoncés en langue étrangère, dont le rythme serait calqué
sur celui de la langue maternelle.

28
Une prise de conscience sera donc exigée du côté enseignant,
dans le but de reconnaitre les chansons comme des outils facilitants
de la gymnastique articulatoire nouvelle, exigée par la langue cible,
et de savoir les utiliser, afin de faciliter cette découverte chez les ap-
prenants de façon agréable et productive.

LA MÉMORISATION
La mémoire jouit depuis plusieurs années, d’une attention
toute particulière de la part des psychologues cognitivistes et des
neuroscientifiques. Cependant, c’est dans les années quatre-vingts
et quatre-vingt-dix, que la neuro éducation va «s’attacher à identi-
fier des méthodes optimales pour mémoriser des nouvelles informa-
tions» (EUSTACHE ; GIRARD, 2016, p. 85).
Dans un but de clarification, nous pouvons dire que la mé-
moire est l’axe primordial pour toutes les formes d’apprentissage.
Selon VIDARD (2016), dans son article «Mémoire et neuro édu-
cation», cette mémoire est très mal intégrée au domaine de l’édu-
cation, ce qui peut être interprété comme un point négatif, surtout
dans l’enseignement/apprentissage des langues.
Comme nous l’avons vu précédemment, ce moteur puissant,
en lien avec les nouvelles méthodologies adoptées en salle de classe,
peut être utilisé comme un élément-clé pour le développement de
l’apprentissage, ainsi que l’appréhension des nouvelles connais-
sances.
À travers la chanson, la mémoire peut être activée plus faci-
lement, étant donné que cette ressource permet à l’apprenant de
mieux retenir ce qu’il a appris. Comme nous l’avons souligné avant,
ce sont les répétitions, le retour régulier du refrain et de la mélo-
die, qui vont favoriser l’ancrage des éléments comme les mots, les
phrases, les expressions, dans la mémoire de l’apprenant.
Comment alors utiliser la chanson pour activer la mémorisa-
tion? Si la musique est un élément si présent dans les chansons et

29
qu’elle semble laisser des traces dans la mémoire, nous ne pouvons
pas nier sa capacité illimitée à favoriser la compréhension dans tous
les aspects de l’apprentissage.
Grâce à la richesse extralinguistique, c’est-à-dire, aux aspects
suscités par le timbre de la voix, l’introduction musicale ou même le
refrain qui laisse dans la mémoire une trace mélodique particulière
pour chaque chanson, nous pouvons déclencher grâce aux chan-
sons, un vrai plaisir à apprendre.
Selon DUMONT(1998), cet aspect extralinguistique ne pour-
ra pas exister sans qu’il soit strictement lié à l’intertextuel, par le
biais d’une citation, une allusion, qui vont exiger de l’apprenant,
une certaine compétence pour les identifier dans les textes de la
chanson en question.
C’est pourtant, grâce à cette accessibilité issue des chansons
et ses effets cumulatifs de rythmes, de la mélodie et des rimes, que
les apprenants feront des acquisitions plus durables en matière d’ap-
prentissage.

LE LEXIQUE
Comme nous l’avons vu précédemment, l’apprentissage d’une
langue est bien plus qu’une simple pratique pédagogique, elle trouve
ses fondements et ses théories dans les domaines de la psychologie
cognitive du langage, de la mémoire, de la linguistique et de la mé-
thodologie, éléments qui, en relation les uns avec les autres, vont
contribuer à l’apprentissage d’une langue étrangère.
Selon TREVILLE ; DUQUETTE (1996), l’acquisition du
lexique lors de l’apprentissage d’une langue nous parait indispen-
sable. Les mots sont considérés par les recherches linguistiques,
comme les «pivots de la langue autour desquels, s’organisent toutes
les données (phonématiques, morphologiques, syntaxique, séman-
tiques et rhétoriques) qui conditionnent leur insertion dans le dis-
cours» (TREVILLE ; DUQUETTE, 1996, p.11).

30
Plus un mot est fréquent, plus l’accès lexical est rapide, la ré-
pétition aura donc, un effet positif cela nous amène à croire que la
chanson peut agir comme un puissant activateur du lexique.
Selon MURPHEY (1992), la répétition présente dans les
chansons, est un point favorable dans l’enseignement/apprentissage
des langues, étant donné qu’elles présentent un lien direct avec la
motivation.
En effet, nous savons que l’acquisition du lexique a été tou-
jours mal perçu de la part des enseignants et les apprenants, qui
dans une pratique traditionnelle, disposaient d’une liste fastidieuse
et sans signification de vocabulaire, mais que paradoxalement, c’est
une des exigences principales des apprenants dans les cours de FLE.
Par contre, cette même liste présentée par le biais d’une chanson,
peut rendre l’acquisition du nouveau lexique, plus facile et agréable
en tant qu’élément nécessaire pour la mise en pratique de la langue.

LES COMPÉTENCES
La chanson, en tant que document authentique utilisable en
salle de classe, permet de travailler les quatre compétences linguis-
tiques de base, à savoir les compétences de compréhension orale
et écrite et production orale et écrite aussi bien que les interactions
orales et écrite telles que définies par le Cadre Européen Commun
pour les Langues (CECRL, 2001).
La musique qui en général accompagne les textes d’une chan-
son stimule l’écoute. D’ailleurs, l’écoute des chansons a le pouvoir
de développer chez l’apprenant, une réelle compétence de réception
étant donné que, quand nous pouvons comprendre dans une langue
étrangère les informations à la radio et dans les chansons, cela si-
gnifie que nous pouvons tout comprendre et pour bien parler, il faut
d’abord bien écouter CALVET (1980).
Basée sur cette pensée, nous pouvons affirmer que par le biais
de la chanson, il est possible d’utiliser cet outil comme ressource ca-

31
pable de sensibiliser les apprenants à une écoute attentive, puisqu’il
s’agit des voix et de façon de parler authentiques et variées, ce qui
peut certainement contribuer à un développement plus fin de la
compréhension du français et en conséquence, engendrer une pro-
duction orale plus accessible.
Enfin, l’expression découlant de l’étude d’une chanson peut
également favoriser l’interaction, qui représente l’une des activités
soulignée dans le CECRL parmi les quatre compétences classiques
évoquées auparavant. Cette interaction peut être mise en œuvre
entre apprenants ou entre apprenants et enseignants et le but, sera
toujours de mettre en situation réelle et de réutilisation, les compé-
tences acquises, grâce aux documents choisis et abordés par l’ensei-
gnant de FLE.

LE SOCIOCULTUREL
Selon BERARD (1991), c’est dans les années 80 que le concept
de l’interculturel a eu véritablement lieu dans le domaine de la di-
dactique des langues étrangères.
Les chansons, ce sont des documents dont les aspects sociocul-
turels sont bien marqués, étant donné qu’elles abordent des thèmes
relatifs à l’histoire, à la géographie, aux coutumes et aux habitu-
des d’un peuple. D’ailleurs, cet interculturel bien présent dans les
paroles des chansons, représente aussi l’une des caractéristiques du
(CECRL), qui insiste sur le lien existant entre la langue et la culture.
Dans une approche interculturelle, un objectif essentiel de l’en-
seignement des langues est de favoriser le développement har-
monieux de la personnalité de l’apprenant et de son identité en
réponse à l’expérience enrichissante de l’altérité en matière de
langue et de culture. Il revient aux enseignants et aux apprenants
eux-mêmes de construire une personnalité saine et équilibrée à
partir des éléments variés qui la composeront. (CECRL, 2001,
p. 9).

32
Basée sur les remarques que fait le CECRL, sur ces deux phé-
nomènes si nécessaires pour une démarche d’enseignement de la
langue, nous pouvons affirmer que langue et culture sont deux élé-
ments inséparables, c’est-à-dire, que l’une n’existe pas sans l’autre.
Si l’on affirme cela, on peut également dire, qu’une chanson n’existe
pas sans langue, sans culture. C’est une manière ludique de proposer
aux apprenants un contact, une rencontre avec l’environnement de
la langue cible ainsi que toutes ses particularités. Les apprenants ont
l’opportunité de se familiariser avec le pays même s’ils n’ont jamais
eu l’occasion d’y faire un séjour.
Cependant, pour le succès de cette démarche au niveau inter-
culturel, il est indispensable de bien choisir la chanson à travailler,
à ce que l’enseignant puisse combiner enseignement de la culture,
découverte et plaisir d’apprendre.

QUELLE CHANSON CHOISIR ?


«Tout en ayant constamment à l’esprit de préserver la notion
de divertissement qui sous-tend la motivation suscitée par la chan-
son» (HOURBETTE ; BOIRON, 1993, p. 57), l’enseignant devra
donc, procéder à un choix préalable dans tous les aspects de ces
chansons, puisqu’elles ne sont pas toutes conseillées pour être utili-
sées en classe de FLE. Ainsi, il ne suffit pas d’avoir devant soi, un
document authentique, mais il convient de réfléchir auparavant, à
l’accessibilité et la qualité des sources auditives et visuelles.
Nous avons présenté ici, deux critères fondamentaux ce qui
n’exclut pas la mise en relief d’autres facteurs très importants dans
ce processus de choix. L’enseignant doit, notamment porter son at-
tention sur la compréhension du texte à travailler, selon le niveau et,
également, sur les objectifs linguistiques et culturels visés par rap-
port au matériel adopté.

33
Aussi, convient-il de souligner les thèmes abordés, le lexique
particulier, par lesquels l’apprenant se trouvera entraîné et immergé
dans la langue et la culture française.
En ce qui concerne la culture, c’est à l’enseignant de les adap-
ter selon le niveau de la classe, de façon à respecter une progres-
sion favorable pour la compréhension de l’apprenant. Pourtant, le
bon fonctionnement de cette démarche ne se fera qu’en lien avec,
non seulement un savoir, un savoir-faire, mais surtout, avec un sa-
voir-être de la part de l’enseignant. Autrement dit, dans ce cas, nous
parlerons d’un savoir qui selon (Henri Boyer, 1979), ne relève plus
du domaine de la compétence socioculturelle, mais de celui de la
compétence ethnosocioculturelle, c’est-à-dire, la compétence qui
permet de saisir toutes sortes d’implicites, et de repérer tous les ma-
lentendus culturels.
Après avoir défini les étapes indispensables de cette démarche,
certaines d’entre elles seront décrites de façon dichotomique, sous
la forme d’oppositions. Selon TIUSANEN (2013), d’autres notions
doivent aussi être prises en compte en ce qui concerne le choix de cet
outil, comme instrument pédagogique, des notions qui selon l’au-
teur, sont toujours contradictoires découvrons-en quelques-unes.

GOÛTS DES APPRENANTS


Il est indispensable de prendre quelques minutes pour réflé-
chir sur quelles chansons pourront être intéressantes pour les appre-
nants, et leur plaire, en prenant en compte, la musique et les paroles.
Les chansons concernent en général, beaucoup de thèmes so-
cioculturels différents et dans ce cas, il est important d‘éviter une
chanson pouvant déclencher une sorte de blocage chez l’apprenant
par rapport au thème évoqué.

34
L’UTILISATION DE LA CHANSON POUR L’ENSEIGNEMENT
La raison la plus connue pour l’utilisation de la chanson en
salle de classe, c’est l’enseignement, ce qui ne veut pas dire qu’elle
ne soit pas utilisée à d’autres fins comme par exemple, le fait de
vouloir décontracter les apprenants. Selon TIUSANEN (2013) c’est
dans l’enseignement, soit de la culture francophone, soit des com-
pétences linguistiques, que cette démarche est la plus abordée dans
les classes de FLE.

LES MUSIQUES POP ET LES AUTRES GENRES DE MUSIQUE


Un autre facteur mis en évidence par l’auteur concernant cette
opposition et qu’il nous parait important de mentionner, c’est le
genre de la chanson, où le choix se portera sur des chansons pop,
celles qui peuvent être trouvées dans la vie de tous les jours, ou des
chansons composées à des fins uniquement didactique.

PUBLIC CIBLE
Pour bien choisir la chanson à travailler il est indispensable de
faire le point sur le public auquel cette méthodologie sera adressée,
dans une classe de FLE par exemple, il sera pertinent de s’interro-
ger sur l’âge des apprenants, est-ce que c’est un public d’adolescents
ou d’adultes ? Pour quelle raison apprennent-ils le français ? Pour
le tourisme, pour passer les examens du DELF et du DALF, pour
réussir dans un poste de travail spécifique ? Ces quelques questions
préalables, seront nécessaires pour aider l’enseignant dans ce choix.
Par ailleurs, concernant le public, l’enseignant pourra s’inter-
roger sur la longueur du texte mis en musique. Est-il adéquat par
rapport au niveau du public envisagé ? Possède-il une structure as-
sez simple ou assez complexe pour répondre aux objectifs de l’ap-
prenant et en même temps de répondre à ses besoins?
Il est évident qu’une prise de conscience sera nécessaire de
la part des enseignants concernant cette pratique, ainsi que de ré-

35
pondre aux questions : Pourquoi ? À qui ? Et comment ? Répondre
à ces questions les aidera à bien saisir leurs choix et de plus, leur
permettra de proposer une sélection plus détaillée et objective.

CONSIDÉRATIONS FINALES
Les chansons, occupent une place spéciale dans la vie de
chaque être humain. Elles présentent un lien très fort avec les émo-
tions, en plus, elles occupent une place très importante dans toutes
les cultures, elles sont des vecteurs puissants d’apprentissage.
Le choix du thème «La chanson, un outil précieux dans les
classes de FLE» a eu comme intérêt de mettre en lumière, quelques
bénéfices issus de cet outil en tant que matériel authentique utilisé
en classe à des fins pédagogiques.
En tant qu’enseignante de FLE dans les écoles publiques
d’Amapá, j’ai pu constater l’urgence ressentie par les élèves en ce
qui concerne la nécessité de communiquer en langue cible, leur but
étant de dépasser toutes les difficultés d’expression et de compré-
hension. D’autre part, les enseignants sont conscients de l’intérêt
d’avoir des classes plus dynamiques pour une ambiance plus effi-
cace et favorable dans l’enseignement/apprentissage de la langue.
Face à ce scénario je me suis interrogée premièrement, sur la place
de la chanson, ainsi que ses bienfaits dans ce processus d’enseigne-
ment/apprentissage et deuxièmement, dans quelle mesure cet outil,
pourrait-il favoriser les pratiques pédagogiques des enseignants de
Français Langue Étrangère dans l’État de l’Amapá.
Afin d’apporter des éléments de réponse à ces réflexions j’ai
présenté quelques bases théoriques indispensables pour répondre
aux besoins non seulement des enseignants, mais également, des
apprenants.
L’objectif principal étant d’offrir aux apprenants d’autres pos-
sibilités d’interaction et de perfectionnement des compétences com-

36
municatives, grâce à une pratique authentique et significative de la
langue par le biais des chansons.

REFÉRÉNCES
BERARD, Evelyne. L’approche communicative : Théorie et pratiques. Paris :
CLE INTERNATIONAL.1991.
BOIRON, Michel. Apprendre et enseigner avec TV5. Le Français dans le
monde. n°295. Paris : CLE INTERNATIONAL. 1997, p. 31-32 .
CALVET, Louis-Jean. Sonorité musicalité: détruire un mythe. Le français dans le
monde, n° 150. Paris : CLE INTERNATIONAL. 1980, p. 6 -17.
CANFIELD, Jack. WELLS, Harold Clive. 100 Ways to Enhance Self-Concept
in the Classroom. Boston: Allyn and Bacon.1994.
CUQ, Jan- Pierre ; GRUCA, Isabelle. Cours de didactique du français langue
étrangère et seconde. Grenoble : Presses Universitaires de Grenoble.2005.
DOMMEL, Herman ; SACKER, Ulrich. Lieder und Rock in Deutschunter-
richt. München : Goethe-Institut. 1986.
DUMONT, Pierre ; DUMONT, Renaude. Le français par la chanson : Nouvelles
approches de l’enseignement de la langue et de la civilisation françaises à travers
la chanson populaire contemporaine. Paris : L’Harmattan. 1998.
EUSTACHE, Francis. GIRARD, Bérengère. La Neuroéducation. La mémoire au
cœur des apprentissages. Odile Jacob. 2016.
FREDRICKSON, Barbara; BRANIGAN, Christine. Positive emotions broad-
en the scope of attention and thought-action repertoires. Cognition & Emotion.
2005, p.313-332.
HENRI, Boyer. Introduction à la didactique du français langue étrangère. Pa-
ris : CLE INTERNATIONAL. 1979.
HOURBETTE, Patrice; BOIRON, Michel. Dossier chanson.Le français dans le
monde, n°257.1993, p.52-64 .
KRASHEN, Stephen. Principles and Practice in Second Language Acquisition.
Oxford : Prentice - Hall. 1987.
MURPHEY, Tim. Music & Song. Oxford: Oxford University Press. 1992.
PASQUELIN, Lucie. Cavalla, Cristelle. (dir). La chanson contemporaine fran-
cophone en classe de FLE : Un projet au Brésil. Mémoire de master 2 profession-
nel : Sciences du Langage. Grenoble : Université Stendhal 3, 2011/2012. Date
d’accès: 25 avril 2022.
TREVILLE, Marie - Claude ; DUQUETTE, Lise. Enseigner le vocabulaire en
classe de langue. Paris : Hachette. 1996.
VALERY,Paul. Poésie et pensée abstraite.Oxford :Clarendon Press.1939.

37
Sources documentaires
BILLIERES, Michel. Au son du FLE. 2014. Date d’accès: 22 avril 2022.
BOIRON, Michel. Approche pédagogique de la chanson. 2006. Date d’accès:
05 mai 2022.
Cadre Européen Commun de Référence pour les langues : Apprendre, enseigner,
évaluer. Conseil de l’Europe, Didier. 2001. Date d’accès: 12 avril 2022.
TIUSANEN, Titta. Les chansons et les comptines dans les manuels de FLE de
l’enseignement primaire en Finlande. 2013. Date d’accès: 12 avril 2022.
VIDARD, Mathieu. Mémoire et neuro éducation. 2016. Date d’accès: 19 avril
2022.
ZEDDA, Paolo. La langue chantée: Un outil efficace pour l’apprentissage et la
correction phonétique. 2006. Date d’accès: 8 mars 2022.

38
CAPÍTULO 2

ENTRE MANGUEIRAIS E ESCREVIVÊNCIAS:


FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE FRANCÊS
NA AMAZÔNIA BRASILEIRA

Janaina Oliveira da Costa

“Não sei muito sobre mim mesma. Quando acho que sei um
pouco, eu mesma me desmascaro e escapo de mim”.
Eliane Brum

CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Habitavam em Abya Ayala várias línguas antes da chegada
dos colonizadores, o tupi-guarani se expandia, deste período vários
registros feitos pelos missionários jesuítas ainda persistem. A escrita
em si diante das populações originárias, atendia o interesse de ca-
tequização e conversão. Estabelecia-se uma diferença entre “socie-
dades com ou sem escrita” e almejava-se domesticar o pensamento
selvagem através da escrita. (GOODY, 2022). Assim entendemos
que a escrita pode sutilmente colonizar o imaginário, as possibilida-
des de pensamento e de cognição. (GRUZINSKI, 2016)
Dir-se-ia que a Amazônia, antes do estabelecimento da Compa-
nhia, vivia encolhida e envergonhada . O aldeamento dos índios
tornara-se na primeira metade do século XVIII um celeiro de

39
braços para a Ordem dos jesuítas . Daí a luta com os colonos
que sofriam a carência de gêneros por escassez de mão-de-obra .
A provisão de 12 de setembro de 1727 do Conselho Ultramarino
ordenava aos missionários que ensinassem a língua portuguêsa
aos índios. (DIAS, 1755-1778, p. 474)

Iuri Cavlak, pós-doutor pela New York University e Profes-


sor do Colegiado de História da Universidade Federal do Amapá
(UNIFAP) afirma que em 1639 o acesso à bacia amazônica já era
entendido como estratégico. Em outras palavras, segundo Mam
Lam Fouck (2002, p. 21 apud CAVLAK, 2015):
Os franceses não estavam interessados na região das guianas
senão por omissão: era a região menos controlada dos
vastos impérios espanhol e português; eles só se interessaram
por alguns momentos em função do perigo da colonização
francesa na América do Norte e nas Antilhas no século
XVII e XVIII, na África e na Ásia nos séculos XIX e XX
(MAM LAM FOUCK, 2002, p. 21).

O pesquisador também destaca que o primeiro objetivo era a


catequização que começou com os capuchinhos, a partir de 1651, e
posteriormente com a maioria dos jesuítas.
Com efeito, reproduziram certas diretrizes espalhadas pelo res-
tante da América ibérica, contribuindo para um novo tipo de
relação entre as populações nativas e os franceses que não a
guerra aberta. Como a população indígena não chegou a se
comparar em número com outros lugares, a escravização dos
mesmos foi efêmera, em pequena escala e logo abandonada.
(CAVLAK, 2015, p. 05)

O fruto dessas idas e vindas, nesse território, resultou no apa-


gamento de identidades, e a minha própria, como diz Eliane Brum
(2017) sei pouco sobre mim mesma.

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
A teoria decolonial junto às questões sociais, é considerada
recente. Mas se observamos outros construtos que caminham na

40
mesma linha, a encontramos na Filosofia da Libertação de Dussel
(1993) e nos estudos de emancipação de Paulo Freire (1921-1997).
Dentro dessas teorias e do giro decolonial proposto por (MIG-
NOLO, 2005, 2009 e 2012), a decolonialidade existe e age através
dos corpos marcados pela diferença colonial e que possuem as feri-
das coloniais segundo (ANZALDÚA, 2012).
Os sentidos que envolvem a decolonialidade permeiam não
apenas o campo teórico, mas também as maneiras de existir, pensar,
ser, agir, sentir e dizer, “próprias dos povos originários dos territó-
rios invadidos e dominados antes da violência epistêmica imposta
pela colonização”, como afirmam Rezende e Da Silva (2018).
São as reconfigurações e as transformações que provocam a
tensão entre a decolonialidade e a colonialidade que nos interessam.
Pois, permitem uma criticidade em relação à modernidade, ainda
sim, seguindo a razão moderna atual.
Teóricos importantes produzindo literatura em francês seguin-
do esse prisma podem ser citados, como Léopold Sédar Senghor
(1906-2001), no Senegal, Aimé Césaire (1995) e Frantz Fanon
(1967), na Martinica. A luta destes teóricos é tão significativa, pois
vieram do lado de dentro de um processo de colonização e como
instrumento de resistência.
Tal processo pode também ser observado na escrita de mulhe-
res negras, como Conceição Evaristo, o escreviver tem um compor-
tamento anti hegemônico, anticolonialista e anti positivista é uma
autoinscrição das nossas histórias e demandas subjetivas nos nossos
textos segundo Duarte e Nunes (2020). É a escrita de vozes não
hegemônicas.
Trata-se de um ato político de libertação das mulheres subal-
ternizadas e de libertação dos corpos-vozes silenciados pela colo-
nialidade do poder. Conceição Evaristo (2019) afirma que o termo
escrevivência se refere a escrita de mulheres negras, segundo ela “a
nossa escrita não é para agradar os da casa grande e sim para in-

41
comodá-los em seus sonos injustos”1, ela se refere ao processo e
momento histórico da escravização dos povos africanos no Brasil,
em que a imagem de fundo seriam as mulheres escravizadas dentro
da casa grande, que tinham como obrigação contar histórias para
adormecer os da casa grande.
Durante a colonização, corpo-negro com sua oralidade mar-
cada pela escravização, contavam histórias. Hoje, as mulheres ne-
gras, como as mães pretas que se apropriaram da oralidade, utilizam
a potencialidade da escrita, um modo de fazer literário ligado às
classes dominantes. Apropriam-se da escrita, mas não para adorme-
cer os da casa grande, e sim para acordá-los de seus sonos injustos.
Por isso, a escrevivência tem a ver com uma escrita que nasce de
uma experiência/vivência, das subjetividades de mulheres negras.
É baseado nessa escrevivência e na experiência que tenho en-
quanto corpo subalterno, vindo de um espaço negligenciado pela
história e partindo de um povo e de uma história, não somente
subalternizada, mas também em descobrimento para mim e para
outros. Diante de tudo isto gostaria de propor um diálogo que ve-
nha para conversar sobre a experiência de uma estudante universi-
tária de língua francesa em um território com tantas similitudes e
possibilidades que poderiam ser aproveitadas e utilizadas. Partindo
igualmente do lugar de professora de língua francesa amapaense,
gostaria de contar a minha escrevivência, em relação ao ensino da
língua francesa na região da Amazônia.
Mas, o que viria a ser a formação docente “nas terras tucujus”?
Onde fica o Amapá mesmo? Do lado do Pará ou da Guiana Fran-
cesa. Uma ilha física e imaginária, como a linha do equador. Um
lugar onde a polarização política nunca assustou, porque o duelo
existente entre os amarelos e azuis, me perseguem desde os oito

1  EVARISTO, Conceição. Escrevivência - Episódio 01 da série Ecos da Palavra. 2019.


Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=4EwKXpTIBhE>. Acesso em: 20
abr. 2020.

42
anos, quando a professora socorro fez uma votação com os alunos
da segunda série, os azuis ganharam em 2002 e em 2022, nesse
contexto a docência é um instrumento poderoso.
E como não acreditar em uma educação transformadora
se sou resultado do trabalho humanizado de Socorros, Marlons,
Adrianas, Haroldos, Aldenices, Annicks, Cleides, Tânias, Marcelas,
Brizzidas?.
É por essa razão que professores surgem como rico alimento
de subsistência, como mangas. No tempo da manga os amapaenses
sabem que não ficarão sem comer. Tem manga para o café, almoço
e janta, mesmo que não tenha merenda nas escolas.
Antes de entrar na escola pública do Lauro Chaves, existia
uma parada certa, para colher as mangas maduras, alimentar barri-
ga, para enfim alimentar o intelecto.
O cuidado em nos alimentar para continuar a vida quando se
tem fome, traz esperança na mudança de realidade coletiva, pelos
professores e pelos mangueirais. Mas, também pelos ancestrais que
garantiram nossa sobrevivência, na Amazônia que ainda pouco,
acreditava-se intacta.
Com essa esperança, junto a minha escrevivência, estão as de
outras professoras na amazônia brasileira, mas não só: nossas nar-
rativivências, que agora são nossas “escrevivências” (EVARISTO,
2020).
Esse cuidado ultrapassa gerações, a preocupação com o plane-
jamento, com a prevenção e preocupação em manter vivas as pró-
ximas gerações, deram aos nossos ancestrais, uma visibilidade par-
ticular nestes últimos anos, onde as questões climáticas preocupam
dirigentes políticos internacionais.
Essa preocupação, deu espaço para que vozes de populações
frequentemente silenciadas pudessem emergir, com suas próprias
experiências e por essa razão estou aqui para compartilhar, minha
/ nossas narrativas, plurais e coletivas. Que nos inspiram e nos for-

43
mam, evidenciando minhas/ nossas histórias como formadora de
línguas, e principalmente a língua francesa. Intento sentir-pensar
que histórias têm nos atravessado na formação de professoras de
francês na amazônia brasileira.
A visão de mundo
Que na aldeia aprendi
E que trago na alma
É identidade
Um tempo profundo
Um rio fecundo
Um canto forte
Resistência que quero mostrar
Nas penas, pulseiras, cocar.
E a cidade cobra sem piedade
Mas como fazer
Se a universidade não me permite ser?
Pataxó, Mura, Kambeba, Guarani.
É preciso desconstruir e permitir
Uma interculturalidade
Um respeito à diversidade
Nessa casa de saber.
Porque na minha universidade-aldeia
Onde o rio corre à vontade
O pesquisador não vai sofrer.
Vai ser bem recebido
Vai comer e vai beber
Conhecer nosso sagrado
Ter respeito no seu querer.
Assim queremos que a universidade
Com nossa nação venha fazer
Se despir do preconceito
Entender que sou um legado
Que o meu fumo enrolado
Afugenta todo mal
É preciso entender nosso tempo
Para sair do seu quadrado.
Também faço ciência
Sou terra, sou água
Segue manso meu rio.

44
Quero saudar meus ancestrais
Nessa selva de pedra
Antes de sentar para aprender
Bater meu maracá
Pedir licença para partilhar
Porque isso é ciência milenar.
Não sou objeto
Penso e existo.
Nao me deixe na Universidade
Estou na cidade
Mas minha aldeia levo comigo
Na forma de pensar a universidade
Vamos sentar e a fumaça compartilhar
Fumaça do saber.
“Povos na Universidade”, Marcia Kambeba, em Saberes da Floresta,
2020.

Escrevivências sobre a formação de professores de francês na


amazônia, tratam-se de um diverso conjunto de vozes melodiosas,
que contam histórias coletivas e comunitárias, gente diferente. Mas,
o Brasil monolíngue ao qual fomos levados a acreditar, não costuma
levar em consideração as outras 300 línguas faladas em todo o terri-
tório e mais uma vez diferentes uma das outras, isso quer dizer, não
costuma escutar todas as vozes.
Antes de qualquer coisa é importante saber que ensinamos
pessoas, pessoas com trajetórias, muitas vezes diferentes das nossas,
e por isso a importância de se questionar para quem eu ensino? Qual
francês? Com qual propósito? Retomando algumas das perguntas
feitas pela professora Rezende e Da Silva (2018).
No entanto, tão importante como ser ciente do nosso percur-
so e de quem está aprendendo, é de deixar claro do porque fala-
mos português, porque é considerado importante aprender francês e
como a Guiana Francesa foi construída.
Como Marcia Kambeba (2020) diz “como fazer se a univer-
sidade não me permite ser? Pataxó, Mura, Kambeba, Guarani”, a
universidade precisa permitir a mudança de posições e a ocupação

45
de espaços por gente diferente, quando uma pessoa subalternizada
tem o direito de existir e de ser escutada, há uma transformação,
porque esse corpo traz consigo, suas próprias cosmovisões, como
afirma Kambeba (2020) “estou na cidade, mas minha aldeia levo
comigo, na forma de pensar a universidade”.
Com o corpo do outro e da gente diferente, corpo marcado pelo
colonialismo das Américas, posso dizer que numa escuta empática
e ética, podemos caminhar para uma mudança nos termos da con-
versa como pretende Mignolo (2009).
De fato, a maior parte da dor que a diferença colonial provoca,
resta apenas uma dor incompreensível, mas existente, não sei de
onde vem e em que situações foram construídas, estão ali. Para mim
ser diferente colonial é não se reconhecer nos espaços da Universi-
dade, é ver a si mesmo e as pessoas que parecem com você em ex-
trema dificuldade, ainda que o sistema educativo seja público, tendo
várias restrições e limitações nos níveis acadêmicos, é estar ali e não
saber se um dia vai sair, seja porque tanto outros como você entra-
ram e não saíram, seja porque todo dia é uma batalha diferente em
todos os níveis, psicológico, econômico, motivacional, emocional,
técnico, instrumental etc. Para mim ser diferente colonial na uni-
versidade é entender que o seu ponto de partida, foi completamente
diferente e ter consciência de que as suas especificidades ficam do
lado de fora da porta que separa o seu mundo do mundo acadêmico.
Especificamente no ensino do francês na Universidade, enten-
demos que nós precisaríamos ter um domínio da gramática por-
tuguesa, antes de tudo, para compreender e poder assim adquirir
fluência na língua francesa. O que se torna um problema, porque a
maioria dos alunos já possuem lacunas menos ou mais profundas
no aprendizado da gramática da língua portuguesa.
Depois também era necessário entender que só se teria suces-
so na universidade caso compreendesse as regras gramaticais que
envolvam a língua francesa, tudo isso com as aplicações das ferra-

46
mentas que medem as competências, aprendizados e a evolução dos
acadêmicos, as famosas avaliações semestrais.
Eu sempre achei que a língua francesa no curso de Letras se
comparava ao estudo da física no ensino médio. Isso porque as ava-
liações, os orais de francês sempre foram muito temidos por mim
e pela maioria dos meus colegas, motivo às vezes de choro, de tris-
teza, de desânimo em relação ao curso, era como se o francês real-
mente tivesse um certo poder hierárquico maior do que as outras
áreas de conhecimento que também fazem parte do nosso universo,
aprender francês era para alguns. Em razão deste pensamento mui-
tos desistiram, abandonaram e nunca mais voltaram.
E é nesse movimento que muitos de nós, acabamos indo para
o subemprego, pois a qualificação profissional custou caro, nesse
movimento nossos corpos permanecem nos lugares onde ficaram
os corpos dos nossos ancestrais. Mas, em paralelo aos legados da
colonialidade, temos a resistência que corre em nossas veias.
Andei por terras distantes
Cacei e fui caçado aos montes
Arrancaram-me dos braços da terra
Amarraram-me como animal pra morte.
Gritei me debati e soltei-me
Corri me esquivei e livrei-me
À bala, minha pele não olhou
Para mata ligeiro voltei.
Meu arco e flecha peguei
Sua ponta arrumei, afiei
Com raiva a flecha lancei
Esperei, acertei, mas não venci.
O tempo passou! Vesti-me e saí
Na escola estudei e me formei
Aprendi outra língua e entendi
Que a palavra é força e com ela me defendi.
Argumentar desse jeito nunca pensei
Liberdade para a nação sempre busquei
Hoje a flecha é a palavra
Que encontrei, afiei e lancei.

47
Milhares de pessoas
Com um só lance acertei
Não machuquei, não sangrei e não me esquivei
Abraços e apoio recebi
Com licença vivi e aprendi.
E a paz? Essa vem no abraço
Que dos amigos pedi
Porque já é hora de se achegar, reunir e se reunir!
“A força da minha flecha”, Marcia Kambeba, em Saberes da Floresta,
2020.

Aprender uma língua, é dar palavra, é dar força. O francês


funcionou para mim como uma nova possibilidade de resistir. Esse
instrumento, me dá a possibilidade de ser escutada. De contar a mi-
nha história e as histórias dos meus.
Promover a coexistência de histórias plurais e diversas, é uma
ação contra a uniformidade das narrativas em torno da universidade
pública, dos professores de francês e docentes. Enquanto professo-
res de língua francesa, é preciso levar em conta que não só os apren-
dentes são ideais, mas os professores e docentes também, é nosso
dever questionar a uniformidade dessas narrativas. Essas histórias
universais estão sendo contadas a mais de quinhentos anos segundo
Mignolo (2012).
Pensando na formação de professores de francês, qual é a his-
tória comum dos professores de francês? Quem conta essa história?
Quem conta as histórias ou pode contar as histórias das vivências na
universidade, no curso de letras/francês?
A discussão sobre a Base Nacional Comum Curricular, que
privilegia o ensino de inglês e espanhol, é antiga no Amapá, a asso-
ciação de professores de francês sempre se engajou em defender o
ensino do francês como língua francesa nas escolas amapaenses, em
vista da relação e da proximidade com a guiana francesa, e outros,
entretanto um projeto global/ universal, ofusca as especificidades

48
dos alunos amapaenses. Mas, então, que histórias estão sendo invi-
sibilizadas no Amapá?
Que modos de ser, estar e tornar-se no e com o mundo, serão/
estão sendo privilegiadas e invisibilizadas em cada face dessa
“moeda”? Como educadoras linguísticas, que narrativas per-
meiam nossas aulas de línguas? (BORELLI et al, 2021, p. 30)

Alguns autores como Quijano (2014, 2010), Grosfoguel (2008,


2010), Mignolo (2005, 2009, 2012), Walsh (2007, 2009) discutem
como a colonialidade age, nas diversas esferas da vida de gente dife-
rente. As colonialidades do poder, do saber, do ser, da linguagem fo-
ram construídas através da diferença e das categorias binárias, como
língua padrão/não padrão, essa diferença, hierarquiza e através de-
las relações de poder são estabelecidas ou perpetuadas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Uma educação libertadora, acolhe as diferentes possibilidades
de saber e conhecer, não as restringe. E questiona o que signifi-
ca estudar francês, quais os mitos que permeiam esse aprendizado,
porque o falante nativo ainda é o alvo? E porque em certos lugares é
possível aprender e em outros não?
A pedagogia do oprimido, como pedagogia humanista e liber-
tadora, terá, dois momentos distintos. O primeiro, em que os
oprimidos vão desvelando o mundo da opressão e vão compro-
metendo-se na práxis, com a sua transformação; o segundo, em
que, transformada a realidade opressora, esta pedagogia deixa
de ser do oprimido e passa a ser a pedagogia dos homens em
processo de permanente libertação. (FREIRE, 1967, p.27)

Na Amazônia, no Amapá estamos ensinando para quem? Es-


tamos engajados em ensinar a língua francesa, como forma de am-
pliar possibilidades, estamos comprometidos com um ensino que
liberta? A decolonialidade, pode representar um caminho para en-
tender de que lado nossa prática pedagógica deveria estar tendo em
vista as heranças da colonização e da colonialidade.

49
Nesse processo, posso testemunhar um ensino transformador,
com intenções, afetos e escutas sinceras. No meu percurso várias
oportunidades foram criadas, que me transformaram pessoalmente
e profissionalmente e que orientaram minhas histórias, depois da
universidade.
Várias professoras na universidade, se comprometeram e assu-
miram o desafio de formar e fazer a diferença na vida de quem está
sendo formado e escutado e também graças as práticas delas estou
aqui. Aproveito para agradecê-las e convidar você que lê, a se redes-
construir, redescobrir como professor de francês e sobretudo como
professor na Amazônia.
Revenons plutôt en arrière . A M. Gourou exactement . Ai - je
besoin de dire que c’est de très haut que l’éminent savant toise
les populations indigènes, lesquelles n’ont pris aucune par » au
développement de la science moderne ? Et que ce n’est pas de
l’effort de ces populations, de leur lutte libératrice, de leur com-
bat concret pour la vie, la liberté et la culture qu’il attend le salut
des pays tropicaux , mais du bon colonisateur; attendu que la loi
est formelle à savoir que ce sont des éléments culturels prépa-
rés dans des régions extratropicales, qui assurent et assureront
le progrès des régions tropicales vers une population plus nom-
breuse et une civilisation supérieure ». (CÉSAIRE, 1955, p. 22)

Gostaria de dedicar essa escrita a todos os meus colegas que


foram de uma forma ou de outra excluídos do ensino e de outras
possibilidades. Exclusão que provavelmente vem desde a escola. Ex-
clusão antiga, na verdade, desde nossos ancestrais. Desejo que essa
exclusão não seja naturalizada e que possamos falar sobre ela tanto
quanto for, para sensibilizar, escutar e criar novas possibilidades.
Atentos.

REFERÊNCIAS
ANZALDÚA, Glória. Bordelands/ La frontera – the new mestiza. San Francis-
co: Aunt Lute Books, 2012.

50
BORELLI, Julma Dalva Vilarinho Pereira, REZENDE, Tânia Ferreira, ROSA-
-DA-SILVA, Valéria, et al. ENTRE IPÊS E AFETOS: FORMAÇÃO DOCENTE
EM FLORAÇÃO NA SECA DO CERRADO CENTRAL DO BRASIL. Lingua-
gens em tempos inéditos: desafios praxiológicos da formação de professeras/es de línguas,
2021, vol. 1, p. 23.
Brum, Eliane. O olho da rua: uma repórter em busca da literatura da vida real.
Arquipelago Editorial Ltda, 2017.
CÉSAIRE, Aimé. Discours sur le colonialisme. Paris : Présence africaine, 1955.
CAVLAK, Iuri. Aspectos da Colonização na Guiana Francesa e no Amapá: Vi-
sões comparadas e imbricações históricas. Revista de Estudos e Pesquisas sobre
as Américas, p. 158, 2015.
​DIAS, Manuel Nunes. Colonização da Amazônia (1755-1778). Revista de Histó-
ria, v. 34, n. 70, p. 471-490, 1967.
DUARTE, Constância Lima; NUNES, Isabella Rosado. Escrevivência: a escrita
de nós: reflexões sobre a obra de Conceição Evaristo. Rio de Janeiro: Mina Co-
municação e Arte,
2020.
DUSSEL, Enrique. 1492: o encobrimento do outro – a origem do mito da mo-
dernidade: conferências de Frankfurt/Enrique Dussel. Trad. Jaime A. Clasen.
Petrópolis: Vozes, 1993.
EVARISTO, Conceição. Tempo de nos aquilombar. O Globo, Rio de Janeiro, v.
31, 2019.
GOODY, Jack. A lógica da escrita e a organização da sociedade. Leya, 2022.
GRUZINSKI, Serge. La colonización de lo imaginario: Sociedades indígenas
y occidentalización en el México español. Siglos XVI-XVIII. Fondo de Cultura
Económica, 2016.
FANON, Frantz. Black Skin, White Masks, New York: Grove Press, 1967.
FREIRE, P. Educação como prática de liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1967.
GROSFOGUEL, Ramón. Para descolonizar os estudos de economia política e os
estudos póscoloniais: Transmodernidade, pensamento de fronteira e colonialida-
de global. Revista Crítica de Ciências Sociais, Coimbra, v.80, p. 115-147, março
2008.
GROSFOGUEL, Ramón. Desobediencia epistémica: retórica de la modernidad,
lógica de la colonialidad y gramática de la descolonialidad. Argentina: Ediciones
del signo. 2010.
KAMBEBA, Márcia Wayna. Saberes da floresta. Pólen Livros, 2020.

51
MIGNOLO, Walter D. A colonialidade de cabo a rabo: o hemisfério ocidental no
horizonte conceitual da modernidade. In: LANDER, Edgardo (org.). A colonia-
lidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais, perspectivas latino-americanas.
Buenos Aires: Clacso, 2005. p. 71-103.
MIGNOLO, Walter D. Local histories/global designs: coloniality, subaltern kno-
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NEWMAN, Eduardo. “ De letra de índios”: cultura escrita e memória indígena
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REZENDE, Tânia Ferreira; DA SILVA, Daniel Marra. Desobediência linguísti-
ca: por uma epistemologia liminar que rasura a normatividade da língua portu-
guesa. Porto das Letras, 2018, vol. 4, no 1, p. 174-202.
WALSH, C. Interculturalidad crítica y educación intercultural. 2022. Disponível
em: Acesso em: 22 mar. 2022.

52
CAPÍTULO 3

LUDICIDÉ DANS L’ENSEIGNEMENT DU FRANÇAIS


PAR LES OBJECTIFS SPÉCIFIQUES POUR LA
FORMATION PROFESSIONNELLE EN COMMERCE :
UN TRAVAIL POUR AMELIORER L’ORALITÉ1

Franck Wirlen Quadros dos Santos (UNIFAP)

INTRODUCTION
Quand le sujet est ludique la première image qui vient à l’esprit
du professeur ou de tout autre professionnel de l’éducation est d’un
cours de jeux et de jeux seulement et rien avec rien. Cependant, les
actions théoriques et pratiques couvrant la tromperie ne sont qu’une
de nombreuses ressources dont dispose l’enseignant pour introduire,
expliquer ou faire pratiquer aux élèves un sujet ou une compétence
quelconque, quelle que soit l’étape.
Depuis leur naissance, les enfants sont en plein développement.
Mais pour que ce développement ait lieu intégralement, il est indis-
pensable que les médiations réalisées par les adultes et les conditions
de vie aient une qualité. Dans ce contexte, on souligne l’indissocia-
bilité des actions d’éducation et de soins, ainsi que le rôle du jeu,

1  Diversas referências foram traduzidas para o francês pelo autor para melhor
adaptabilidade ao trabalho e criar conexão com a teoria aplicada do FOS.

53
du jeu et des interactions comme principales formes d’expression
de l’Enfance. C’est parce qu’en entrant dans le système éducatif, les
enfants restent des enfants et deviennent des enseignants.
La culture de la ludicité, à cultiver par l’institution éducative,
place le jeu comme moyen d’expression, d’apprentissage et de déve-
loppement, garantissant la citoyenneté infantile ; reconnaît la néces-
sité d’interactions entre les pairs d’âge, les adultes et les objets, per-
mettant l’exploration du monde ; associe les possibilités de l’enfant
d’être soigné et éduqué, en créant un environnement sûr, stimulant,
accueillant, encourageant, protégé, encourageant.
L’enseignement par education professionnelle il est indispen-
sable que l’application de l’usage du langage et de ses multiplicités
soit apprise en classe, pour que l’on pense à l’extérieur de la salle de
classe, au quotidien dans la profession de cet étudiant.
La méthodologie de ce travail vise à une pratique d’action,
recherche action en classe, dans l’applicabilité des concepts et des
théories dans le but d’améliorer le travail avec l’oralité en classe,
via des ateliers d’applicabilité d’une situation spécifique en contexte
commercial, tels que la boutique d’outils de construction (magasin
de bricolage), grand magasin (magasin de vêtement), épicerie (mar-
ché), assistance pour les services comme bureau, entre autres.

LA LUDICITE ET SA RELATION AVEC L’ENSEIGNEMENT


On sait que l’homme joue depuis les débuts de son existence,
au début, ce «jeu» était tout à fait différent de ce que nous compre-
nons aujourd’hui en jouant. Donc, selon Huizinga (2000) c’est dans
la phase de l’Homo Ludens que le jeu commence à devenir un élé-
ment culturel. L’Homo Ludens est l’homme qui commence à utiliser
la créativité pour produire aussi des jeux et des jeux. Cet homme
a commencé à utiliser son imagination pour chercher à occuper le
temps où il ne faisait pas ses tâches quotidiennes. La récréation a
commencé, puis,

54
le jeu est un outil pédagogique très significatif. Dans le contexte
culturel et biologique est une activité libre, joyeuse qui englobe
une signification. Elle est d’une grande valeur sociale, offrant
de nombreuses possibilités éducatives, car elle favorise le déve-
loppement corporel, stimule la vie psychique et l’intelligence,
contribue à l’adaptation au groupe, préparant l’enfant à vivre en
société, en participant et en remettant en cause les présupposés
des relations sociales tels qu’ils sont posés. (KISHIMOTO, 1994,
p. 26).2

Essentiellement, que le terme de jeu, alors que le résultat d’un


système linguistique qui fonctionne dans un contexte social, désigne
ce qu’il établit comme tel. En d’autres termes, ce qui est considéré
comme un jeu dépendra d’une certaine société et de l’époque où elle
se trouve, car si dans le passé le jeu était considéré comme inutile,
comme une chose peu sérieuse, après le romantisme, à partir du
XVIIIe siècle, le jeu apparaît comme quelque chose de sérieux et
destiné à éduquer l’enfant. (KISHIMOTO. 1994, p. 16).
L’exemple donné par l’auteur cité précédemment par la même
auteur (1994, p. 15-6) est la pratique de l’arc et de la flèche, qui est
comprise par les populations autochtones comme une pratique édu-
cative destinée à préparer l’enfant, ce que certaines populations qui
ne sont pas indigènes pourraient voir comme un jeu, mais qu’eux-
mêmes ne voient pas ainsi.
En ce qui concerne le second point,

un système de règles permet d’identifier, dans n’importe quel jeu,


une structure séquentielle spécifiant son mode. Les échecs ont
des règles explicites différentes du jeu de dames, du loto ou de
la piste. Ce sont des structures séquentielles de règles qui per-

2  (...) um sistema de regras permite identificar, em qualquer jogo, uma estrutura


sequencial que especifica sua modalidade. O xadrez tem regras explícitas diferentes do
jogo de damas, do loto ou da trilha. São estruturas sequenciais de regras que permitem
diferenciar cada jogo, ocorrendo superposição com a situação lúdica, uma vez que, quando
alguém joga, está executando as regras do jogo e, ao mesmo tempo, desenvolvendo uma
atividade lúdica.
Tradução feita pelo autor para que o texto todo siga uma mesma língua.

55
mettent de différencier chaque jeu, se produisant superposition
avec la situation ludique, car quand quelqu’un joue, il exécute les
règles du jeu et, en même temps, développe une activité ludique.
(KISHIMOTO. 1994, p. 16)

Autrement dit, il n’y a pas de jeu sans un système de règles qui


le rende possible à exécuter et différencié des autres jeux. L’expli-
cation peut également être exprimée par l’expression connue (qui
possède plusieurs variations) «c’est en jouant que l’on apprend», car
en développant une activité ludique, on exécute un certain système
de règles.
Enfin, la troisième compréhension, celle du jeu comme objet,
n’est rien d’autre que la matérialisation du système de règles, c’est-
à-dire qu’un jeu de cartes se manifeste dans les cartes, tandis que
les échecs le font sur le plateau et les pièces, le football, la balle et
l’espace délimité, et ainsi de suite.
A partir de ces explications, nous avons une définition - utili-
sable - de ce que sont vraiment les jeux, mais il reste à comprendre
où le jouet entre en jeu. Serait-il intégré à la compréhension du jeu
en tant qu’objet ? La réponse à cette question est non, car pour la
question concernant la différence entre jeu et jouet, nous avons, la
réponse suivante :
Le jouet est un autre terme indispensable pour comprendre ce
domaine. Différant du jeu, le jouet suppose une relation avec
l’enfant et une ouverture, une indétermination quant à l’usage,
c’est-à-dire l’absence d’un système de règles organisant son
utilisation. Le jouet est en relation directe avec une image qui
évoque un aspect de la réalité et que le joueur peut manipuler.
Au contraire, les jeux, comme les échecs, la construction, im-
pliquent, de manière explicite ou implicite, la performance de
certaines compétences définies par une structure préexistante
dans l’objet lui-même et ses règles (KISHIMOTO. 1994, p. 16).

En ce sens, jouer, va au-delà du contexte scolaire, comme l’ex-


plique l’auteur, est assez clair, mais en d’autres termes, la distinction

56
entre jeu et jeu se fait par rapport à chacun avec le système de règles.
Dans ce cas, alors qu’un système de règles est essentiel à l’existence
du jeu, le jouet et son utilisation ne nécessitent aucune réglementa-
tion.
Bertoldo et Ruschel (s/d. p. 2 et 3), citant Didonet, indiquent
que toutes les cultures, depuis les plus lointaines époques, ont pro-
duit et utilisé des jouets, la poupée et la balle étant les plus anciennes
jamais enregistrées et les plus répandues dans toutes les cultures. En
soulignant la nécessité de transmettre les informations et les connais-
sances sur l’importance du jouet pour l’enfant, ainsi que sa signifi-
cation pour son développement affectif, social, cognitif et physique.
dans la traduction française (jouer) et anglaise (Play). Le jeu est
la forme la plus libre et individuelle et avant le jeu qui est une
conduite sociale qui suppose des règles. Le jeu est la forme la
plus libre et individuelle qui désigne les formes les plus primi-
tives d’exercice fonctionnel comme la lalation [...]. Le terme lu-
dique recouvre les deux : l’activité individuelle et libre et l’activi-
té collective et ordonnée. (DANTAS, 1998, p. 111)

À partir de ces explications, l’éclaircissement sur l’objet de


l’étude commence à apparaître et, par conséquent, la seule question
restante est de savoir si chaque jeu ou jeu/jouet est approprié pour
les enfants et donc approprié à utiliser dans l’éducation des enfants.
Cette question est extrêmement importante pour cette étude, car il
s’agit de déterminer comment les enseignants de l’école de terrain
(s’ils travaillent) jouent à des jeux avec des enfants en âge préscolaire
afin de développer leur cognition et leur coordination motrice, tou-
tefois, elle sera davantage abordée dans la section suivante.
C’est-à-dire, si chaque jeu ou jeu/jouet est approprié pour les
enfants et donc approprié à utiliser dans l’éducation des enfants, on
peut considérer à juste titre la première compréhension présentée
par Kishimoto (1994, p. 15) à propos du jeu, même pour une ques-
tion logique.

57
Autant il est possible d’énumérer plus d’un chemin à parcou-
rir pour atteindre l’objectif mentionné précédemment, sans aucun
doute, le premier qui finit certainement par émerger dans l’esprit
de toute personne qui s’arrête pour réfléchir à ce sujet répond aux
noms «jeux», «farces» et «ludique» ou «ludicide».
On apprend à jouer très tôt. Quand nous sommes encore des
bébés, nous sommes dans un contexte social et culturel qui influen-
cera certainement notre façon de jouer plus tard. Cela a également
eu lieu dans l’histoire de l’humanité et ne pas toujours jouer a été
considéré comme quelque chose de normal.
Des études récentes indiquent que les premiers jeux ont vu
le jour en Grèce antique et avaient pour but d’aider à l’enseigne-
ment des lettres. Par la suite, les jeux sont devenus compétitifs et le
pays a été la scène du premier jeux olympiques. À l’origine, seuls
les hommes grecs, qui parlent la langue grecque, avec les devoirs de
citoyens, pouvaient participer.
Selon le dictionnaire Larousse, le jeu est l’»action de jouer ; jeu
de hasard, jeu de boucle d’oreille, amusement» et suivent quelques
exemples tels que jeu de football, Jeux Olympiques, jeu de dames,
jeux d’argent, jeu de mots, jeu de poussée. ; Le jouet est objet destiné
à divertir un enfant, le jeu, action de jeu, amusement ; plaisanterie,
moquerie ; fête entre amis ou parents ; tout ce qui est fait par impru-
dence ou légèreté et qui coûte plus cher que prévu : cette plaisan-
terie m’a coûté cher, mais de telles significations ne suffisent pas à
répondre à ces questions.
Selon Huizinga (2000) est dans le jeu et par le jeu que la civi-
lisation apparaît et se développe. Le jeu est donc considéré comme
quelque chose de fondamental et il est présent dans tout ce qui se
passe dans le monde. Huizinga a donc justifié la terminologie qu’il
avait créée comme étant aussi importante que les autres, l’homo
ludes, l’homme ludique.

58
nous trouvons le jeu dans la culture, comme un élément donné
existant avant la culture elle-même, en l’accompagnant et en la
marquant des origines les plus lointaines jusqu’à la phase de civi-
lisation dans laquelle nous nous trouvons aujourd’hui. Partout,
nous trouvons présent le jeu, comme une qualité d’action bien
déterminée et distincte de la vie commune. (HUIZINGA, 2000,
p. 7).3

Le jeu dans le sens de l’éducation, spécifiquement parlant


dans les classes d’éducation de l’enfant se mêle synonymement
avec le jeu, la récréation, les formes d’interaction de l’individu avec
ses pairs, afin qu’il y ait ainsi un processus de construction de la
connaissance où par le jeu il y a eu un avantage, dans son sens co-
gnitif individuel ou collectif.
Selon Falkenbach (1997, p. 16), la culture apparaît sous forme
de jeu, la tendance ludique de l’être humain étant à la base de nom-
breuses réalisations dans le domaine de la philosophie, de la science,
de l’art, dans le domaine militaire et politique et même dans le do-
maine judiciaire. Comme élément de la culture dans les jeux et les
jouets sommes liée à d’autres aspects tels que la religion, le travail,
les mythes et les rites (ALVES, 1995).
À cet égard, il n’y a aucun moyen de parler de jeu, de jeu et
de jeu sans connaître d’abord l’origine de l’histoire humaine elle-
même, où tout a commencé : dans l’homme. C’est l’évolution de
l’espèce humaine qui a rendu possible l’évolution des langages, du
jeu et aussi du jeu.
Selon Almeida (1994), la ludicide part du principe du mot
latin ludus qui signifie jeu. En considérant le sens étymologique,
le terme ludique est directement lié au jeu, au jeu, au mouvement
spontané. En outre, le jeu est un trait essentiellement psychophy-

3  encontramos o jogo na cultura, como um elemento dado existente antes da própria


cultura, acompanhando-a e marcando-a desde as mais distantes origens até a fase de
civilização em que agora nos encontramos. Em toda a parte, encontramos presente o jogo,
como uma qualidade de ação bem determinada e distinta da vida “comum”.

59
siologique, c’est-à-dire un besoin fondamental de la personnalité du
corps et de l’esprit dans le comportement humain. Les implications
des besoins ludiques ont extrapolé les démarcations du jeu spontané
de sorte que la définition n’est plus le simple synonyme de jeu. Le
jeu fait partie des activités essentielles de la dynamique humaine, en
travaillant avec la culture du corps, le mouvement et l’expression.
Ludicité serait la conséquence du ludique, son action (SAN-
TOS; CRUZ, 2001). La tromperie est associée aux moyens de déve-
lopper la créativité, l’imagination, les jeux, les jeux, les danses et les
multiples pratiques et langages, impliquant l’être humain, donnant
à ce sujet la possibilité de vivre et «pleine expérience» face à la trom-
perie (LUCKESI, 2000, p. 21).
Ludicité est un outil important pour la formation de l’éduca-
tion. C’est par le jeu que l’enfant se connecte avec le milieu dans
lequel il vit, dans une perspective constructiviste, et avec les autres,
dans une perspective interétatique, ce qui lui donne du sens à tout
ce qui l’entoure.
En ce sens, l’activité ludique ne peut pas être considérée
comme un simple passe-temps, passer du temps, le fait de compter
à juste titre, car à travers le jeu, l’enfant développe sa créativité, sa
curiosité et sa compréhension du monde.
Luckesi (2005) affirme que l’activité ludique est celle qui donne
à la personne qui la vit un sentiment de liberté, un état de plénitude
et de dévouement total à cette vie. Vivre pleinement une expérience
signifie participer véritablement à une activité ludique, c’est-à-dire
s’impliquer pleinement, être joyeux, flexible et sain.
Pour Almeida (2009) l’activité ludique est désormais recon-
nue comme l’un des moyens utilisés pour l’étude du comportement
humain. Ainsi la définition n’est plus un simple synonyme de jeu,
parce que les implications du besoin ludique ont extrapolé les dé-
marcations du jeu spontané, où,

60
est un sujet qui a gagné en place dans le paysage national, prin-
cipalement dans l’éducation des enfants, parce que le jouet est
une essence de l’enfance et son utilisation permet un travail pé-
dagogique qui permet la production de la connaissance, de l’ap-
prentissage et du développement. Indépendamment de l’époque,
de la culture et de la classe sociale, les jeux et jouets font partie
de la vie de l’enfant, car ils vivent dans un monde de fantaisie,
d’enchantement, de joie, de rêves où la réalité et le fait de se
confondre. (MELO, 2011, p. 13)4

Selon Brito et Kishimoto (2019) l’enfant apprend quand il est


le protagoniste de la construction de ses connaissances et pour ce
faire, il a besoin d’un environnement permettant des situations mé-
dianes pour la participation et les relations cognitives.
Le premier auteur à formuler sur la pratique ludique était
le philosophe Platon (427-348 A.C), disciple de Socrate et maître
d’Aristote, assurait que toute l’éducation de l’enfant devait être dé-
veloppée par des jeux éducatifs et ludiques. Son accent sur les ac-
tivités ludiques était amplifié à partir des concepts moraux dans la
formation des valeurs. Platon conseille d’utiliser le jeu dans l’édu-
cation des enfants et non la violence, encourageant et découvrant la
tendance naturelle de l’enfant. (ALMEIDA, 1994).
sur le ludique Platon affirmait que dès le plus jeune âge les gar-
çons et les filles devraient s’engager dans des activités ludiques,
jouer, c’est-à-dire la même éducation pour les hommes et les
femmes. Il était catégorique en affirmant que les activités lu-
diques éducatives étaient efficaces pour la formation du carac-
tère et de la personnalité des enfants. (LIMA et al., 2019, p. 04)

4  Traduzido pelo autor.


A ludicidade é assunto que tem conquistado espaço no panorama nacional, principalmente
na educação infantil, por ser o brinquedo uma essência da infância e seu uso permitir
um trabalho pedagógico que possibilita a produção do conhecimento, da aprendizagem
e do desenvolvimento. Independentemente de época, cultura e classe social, os jogos e
brinquedos fazem parte da vida da criança, pois elas vivem em um mundo de fantasia,
de encantamento, de alegria, de sonhos onde a realidade e o faz de conta se confundem.
(MELO, 2011, p. 13)

61
Pour Aristote (384-322 a.c) philosophe grec, élève de Platon,
il considérait l’homme comme un être social et valorisait l’intelli-
gence humaine comme un chemin pour arriver à la vérité. Quant à
la tromperie de l’enfant, Aristote affirmait que lorsque l’enfant joue,
il entre dans un processus de purification de l’âme par une décharge
de sentiments (catharsis).
Les jeux et les jeux, selon Aristote, ne deviennent pas seule-
ment un passe-temps, un processus de prise de tête, mais des acti-
vités importantes pour la préparation des enfants à vivre dans des
sociétés. (LIMA et al., 2019). Étant donné que les activités ludiques,
tant dans la vision grecque que romaine, sont des exemples qui dé-
crivent la perception du ludique selon l’époque de la société, l’es-
pace et le temps dans lesquels se produisent ses pratiques.
Mais pour le philosophe Rousseau, Jean Jacques Rousseau
(1712-1778) originaire de Genève, Suisse. Selon Almeida (1994),
en évoquant la tromperie infantile, il souligne que l’enfant a besoin
d’activités physiques, de liberté de mouvement et de liberté d’ap-
prentissage.
Rousseau apud Friedmann (2004) condamne le jeu chez
l’adulte. Pour l’enfant, le jeu est toléré, même nécessaire, mais à
condition de servir un but secret et dissimulé à elle. Elle doit ap-
prendre à travailler en jouant, mais cela signifie aussi inversement
qu’elle n’a pas seulement besoin de jouer pour apprendre à travailler.
En réalité, il s’agit de profiter de la dynamique ludique pour
faire assimiler l’élève à ce que nous voulons assimiler, en effaçant
pour autant la différence entre le jeu et le travail. Le jeu a une va-
leur éducative, en ce qu’il allie le plaisir à la condition d’une libre
approbation et d’une soumission autonome aux règles. La valeur du
jeu a des implications politiques et morales, allant bien au-delà de
la simple distraction. Le jeu est désormais associé à la formation de
l’être humain dans sa plénitude, puis, comme

62
grand admirateur de la nature, de la vie en plein air, il valori-
sait le contact avec l’environnement, les plantes, les animaux,
les phénomènes physiques. Il croyait que cette interaction favo-
risait aussi le plein développement de l’individu en tant qu’être
naturel. En soulignant que par la tromperie l’homme atteint la
satisfaction de l’âme. (LIMA et. al, 2019, 09)5

Il est important de souligner que, pour une meilleure compré-


hension du sens du jeu, il est nécessaire d’avoir clair qu’il existe une
forte influence culturelle et de la société de chaque région, peuplée
etc., selon cette pensée, Brougère (1998) affirme que le jeu n’est pas
une dynamique interne de l’individu, mais une activité dotée d’une
signification sociale précise qui, comme d’autres, nécessite un ap-
prentissage.

APPLICABILITÉ DU JEU DANS LES ATELIERS PRATIQUES POUR


L’ORALITÉ
Travailler avec le ludique, c’est avant tout offrir à l’élève un
processus éducatif plus humanisé et joyeux, comme on l’utilise de
la tromperie pour améliorer des aspects tels que l’oralité et l’écri-
ture en classe. La pratique de travailler avec des ateliers avec des as-
pects plus réels à l’élève, C’est l’étape introductive dans le processus
dans la théorie de J. M. Mangiante & C. Parpette (2004) la nécessité
d’une formation.

5  Grande admirador da natureza, da vida ao ar livre, valorizava o contato com o meio


ambiente, as plantas, os animais, os fenômenos físicos. Acreditava que essa interação
também favorecia no desenvolvimento pleno do indivíduo, enquanto ser natural.
Destacando que através da ludicidade o homem alcança a satisfação da alma. (LIMA et.
al, 2019, 09)

63
Image 1 : Atelier avec les apprenants – Boutique de Vêtements

Fonte : Fichiers de l’auteur (2019)

Le cours était destiné à un public cible qui étaient les travail-


leurs du service du commerce et du service de la ville de Macapa.
Donc le contenu a été adapté aux besoins des apprenants, par J.-M.
Mangiante et à C. Parpette (2004) d’avoir tracé de manière défini-
tive la frontière entre le français de spécialité et le FOS ; c’est ainsi
que la distinction entre Français de spécialité et FOS recouvre, au
plan institutionnel et didactique, deux logiques : «“celle qui relève
de l’offre et celle qui relève de la demande. La première est une ap-
proche globale d’une discipline ou d’une branche professionnelle,
ouverte à un public, le plus large possible.>>
Image 2 : Atelier avec les apprenants – Magasin de Bricolage

Fonte : Fichiers de l’auteur (2019)

64
Seconde Tong Yang (2015) l’objectif de la demande de forma-
tion spécifique est de rendre une personne apte à exercer un travail
au sein d’un organisme. Pour cet enseignant-concepteur, l’organi-
sation pose différentes demandes en fonction de leurs besoins. La
sphère de la demande de formation est très large. Il peut s’agir du
comportement, du langage, de la culture, de la qualité, de la capaci-
té. Dans le cas de cette formation, il s’agissait d’activités commer-
ciales d’achat et de vente de produits et de services.
Dans deuxième moment, seconde Tong Yang (2015, p.01)
cette étape demande à l’enseignant-concepteur une bonne
connaissance du domaine professionnel. Les façons de décou-
vrir ce domaine sont multiples. Le questionnaire est un moyen
efficace. L’enseignant-concepteur analyse la communication
mise en place dans ce domaine pour constituer le programme.
L’enseignant-concepteur doit rendre compte non seulement du
langagier, mais aussi du socioculturel.

Étant donné que ce qui est enseigné en France, ce ne sont pas


les mêmes aspects sociaux et culturels au Brésil, tant pour les em-
ployés en formation que pour les clients qui seront accueillis par les
élèves diplômés, les relations entre clients et concierges imprègnent
les aspects culturels locaux, régionales et nationales. Comme le
disent Mangiante et Parpette (2004, p. 23) «“des besoins en termes
culturels jouent un rôle important dans l’organisation des institu-
tions et dans les relations entre les individus, tant sur le plan com-
portemental que langagier.” ».

65
Image 3 : Dernière étape - Applicabilité – Boutique de Vêtements

Fonte : Fichiers de l’auteur (2019)

À partir du rapport de besoin de formation, compréhension


des aspects extrascolaires de la formation, comprendre qu’il est né-
cessaire de discours par le biais des fonctionnaires en formation,
quels discours sont nécessaires pour produire des données pour la
formation, c’est par ces données que l’applicabilité de la langue est
créée. Le discours sur ce que l’élève/fonctionnaire expérience est
fondamentale dans cette réflexion sur elle.
Conformément à Parpette et Mangiante (2006) en article « Le
Français sur Objectif Spécifique ou l’art de s’adapter » c’est néces-
saire repérage de l’alternance entre énoncé principal et énoncés se-
condaires à partir de la transcription d’extraits du cours, exercices
de compréhension orale procédant par deux ou trois étapes succes-
sives, en partant de l’énoncé principal auquel sont ensuite ajoutés
les énoncés secondaires jusqu’à l’écoute du discours original. Ain-
si comme cela permet d’amener progressivement les étudiants à la
maîtrise de cette construction.
Démontrer par des audios et des vidéos des situations pratiques
en langue française afin qu’ils puissent comprendre, ainsi que de
promouvoir progressivement cette dimension afin qu’il comprenne
que cela se produit de manière additive. Comme de comprendre que

66
discours qui peuvent être créés et doivent être prêts à combler cette
lacune. Par Tong Yang (2015) ce moment est on constitue le pro-
gramme en se servant de certaines données collectées dans l’organi-
sation pour que le programme soit pertinent. Il s’agit des documents
de l’organisation que les apprenants peuvent utiliser.
Comprendre que toutes les phrases prononcées dans votre
quotidien ne doivent pas être apprises en français, comprendre et
sélectionner les discours nécessaires au service à la clientèle. Syn-
thétiser un processus d’enseignement avec le lexique, phonétique et
la grammaire seront spécifiques aux contextes explicités. Par Richer
(2008, p. 20) « outre les genres discursifs propres aux domaines de
spécialité, les langues de spécialité possèdent une autre caractéris-
tique importante : dans les domaines de spécialité, le langage est
souvent intimement lié à l’action ».
Image 4 : Atelier avec les apprenants – Marché/Foire

Fonte : Fichiers de l’auteur (2019)

67
En 4ème étape c’est par l’analyser des données, en fait c’est
à ce moment-là que se produit la partie pratique des simulations et
des applications d’activités orales de manière expérientielle, ame-
ner l’étudiant à son contexte de fait et parler il pense aux multiples
possibilités d’utilisation, est dans cette dans cette étape, aussi que
l’enseignant-concepteur doit réfléchir sur les contenus et les formes
des données que l’on a collectées.
Image 5 : Dernière étape - Applicabilité – Marché/Foire

Fonte : Fichiers de l’auteur (2019)

Et en finalisant, par 5ème étape c’est par l’élaboration des ac-


tivités, où ont lieu en fait les applications à travers l’activité ludique
qui ont valorisé la critique, l’autonomie et l’oralité par le biais de dé-
clencheurs matériaux qui simulent des produits et des services réels
qui seront vécus posthumes, ensuite, au cours des quatre étapes pré-
cédentes, les données sont collectées et analysées par l’enseignant.
Puisque, la préparation des activités est la dernière étape de
l’élaboration d’un programme, avec un accent sur une clientèle spé-
cifique, car déjà avec la théorie sur le domaine d’applicabilité était
capable d’aligner le contenu linguistique et culturel inclus dans les
cours.

68
CONCLUSION
Par des activités ludiques menées par les étudiants/employés,
il était possible d’avoir une idée de la façon dont l’oralité est res-
ponsable de favoriser des situations de communication de fait sur
les discours que les apprenants sont insérés et amélioreront leurs
compétences avec la langue apprise.
Les activités ont motivé les élèves à réfléchir sur la création
de scénarios qui ressemblent le plus à leurs expériences, ainsi que
sur la production de produits et services simulés. L’autonomie dans
l’enseignement du français à des fins spécifiques fait percevoir le
développement progressif de l’oralité et de l’enseignement de façon
générale en langue française.
La ludicité va au-delà de de rendre possible de moments amu-
sants et amusants en classe, est de créer un environnement plus
agréable où l’élève peut être le principal responsable du processus
d’enseignement et d’apprentissage, par le biais FOS l’étudiant per-
çoit son besoin fait et recherche des solutions pour y remédier.

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70
CAPÍTULO 4

EDUCAÇÃO LINGUÍSTICA CRÍTICA NO


ENSINO-APRENDIZAGEM DE FRANCÊS
LÍNGUA ESTRANGEIRA: EXPERIÊNCIA
DIDÁTICA COM PRÁTICAS DE LEITURA

Ana Arlene Ferreira Nobre


Daniella Ramos da Trindade

INTRODUÇÃO
O presente estudo de caráter teórico-propositivo apresenta
algumas reflexões sobre a Educação Linguística Crítica (ELC) no
ensino-aprendizagem de línguas a fim de justificar práticas de letra-
mentos responsivos à cidadania e comprometidas com a justiça e
a equidade social. Nessa perspectiva, adotou-se a leitura, uma das
competências mais relevantes ao desenvolvimento intelectual e cul-
tural, como importante e indispensável instrumento para promover
a conscientização de forma emancipatória e o reconhecimento das
realidades múltiplas, variáveis e heterogêneas da língua e da socie-
dade, contribuindo, assim, para a formação de um sujeito-leitor re-
flexivo e autônomo.
Concordando com Orlandi (1993, p. 116), entendemos como
sujeito-leitor aquele que “se relaciona criticamente com sua posição,

71
que a problematiza, explicitando as condições de produção da sua
leitura”. Nesse sentido, as ações educacionais críticas e reflexivas
tornam a aprendizagem mais significativa e transformadora quando
considera o homem na sua própria história. Entretanto, é preciso
pautar, no ensino de língua/cultura centrado nas necessidades reais
e cotidianas do aluno/ser social, a esperança de alcançar uma socie-
dade menos desigual.
No tocante ao objetivo deste trabalho, buscou-se descrever as
ações de ensino no curso de formação continuada em Francês Lín-
gua Estrangeira (FLE), bem como apresentar os principais resulta-
dos a partir de relatos de uma prática didática escolar vivenciada pe-
las autoras do texto. Essas ações de ensino-aprendizagem da língua
francesa envolveram a leitura como instrumento para ampliar os co-
nhecimentos linguístico-culturais e promover a comunicação com
alunos de nível intermediário/avançado no Centro Cultural Franco
Amapaense (CCFA), situado na cidade de Macapá, no estado do
Amapá no norte do Brasil.
O capítulo divide-se em três seções além desta introdução.
Na primeira, propõe-se uma reflexão sobre diálogos possíveis en-
tre a Educação Linguística Crítica e o ensino-aprendizagem de lín-
guas. Para isso, fundamentamos essa reflexão a partir da perspec-
tiva indisciplinar e transgressiva da Linguística Aplicada Crítica,
tendo por base a visão de autores como (MOITA LOPES, 2006;
GOMES, 2021; TRAVAGLIA, 2003; BAGNO, RANGEL, 2005)
PENNYCOOK, 2006), e outros pesquisadores/as que seguem a
mesma linha de pesquisa relacionada aos estudos decoloniais.
Na segunda seção, a partir da visão de (PERISSÉ, 2004;
FREIRE,1987; LIBERALI, 2009; ROJO, 2009), expomos a impor-
tância da leitura para promover o letramento crítico, amplo e criati-
vo no ensino de língua estrangeira apontando-se novas abordagens
e direcionamentos que implicam na formação do sujeito-leitor que
interage no mundo contemporâneo.

72
Na terceira seção do texto, buscamos descrever experiências
educacionais adquiridas no curso de formação continuada em Fran-
cês Língua Estrangeira (FLE) intitulado “Práticas comunicativas
por meio da leitura em língua francesa” no Centro Cultural Franco
Amapaense, que resultaram em um relato a respeito de práticas de
ensino-aprendizagem através da leitura com abordagem crítica, am-
pliada, cidadã e decolonial. Tais práticas visam a comunicação, a
criticidade, a reflexão e a autonomia do aprendiz, tendo por base a
utilização de recursos midiáticos e tecnológicos. Logo em seguida,
apresentamos algumas considerações finais acerca dos resultados
alcançados.

ABORDAGEM SOBRE EDUCAÇÃO LINGUÍSTICA CRÍTICA NO


ENSINO DE LÍNGUA ESTRANGEIRA
As contribuições teóricas da Linguística Aplicada Crítica
(LAC) e os profícuos diálogos estabelecidos por pesquisadoras/es
linguistas citados acima, acerca do papel e da importância da Edu-
cação Linguística têm suscitado relevantes reflexões e novos direcio-
namentos para o ensino, aprendizagem e formação de professores
de línguas, diante das demandas e contradições da contemporanei-
dade. Conforme Pennycook (2006), a Linguística Aplicada (LA)
contemporânea emerge de forma crítica, corroborando mudanças
de posturas teórico-metodológicas na trajetória do ensino-aprendi-
zagem de línguas. Se anteriormente, ela visava o desenvolvimento
de competências linguísticas e/ou comunicativas, atualmente, busca
por meio da língua/gem, adaptar o espaço escolar para compreen-
der a realidade e promover alguma transformação, considerando o
aprendiz um cidadão que necessita de interações com o meio em
que está inserido.
Fundamentando-se em uma abordagem da Linguística Apli-
cada Crítica e estudos decoloniais, as concepções da Educação Lin-
guística Crítica, no contexto do letramento escolar, transcendem o

73
ensino de língua estrangeira, convergindo para uma perspectiva crí-
tica, ampliada, cidadã e decolonial, conforme defendida por Gomes
(2021, p. 02), que valoriza a cidadania global, reconhece as diferen-
ças linguísticas, sociais e se preocupa com a justiça social.
Ainda na concepção de Gomes (2021, p. apud ROCHA; AZ-
ZARI, 2016 p. 159) é importante considerar o conceito da educação
linguística na perspectiva crítica, pois
a educação linguística, orientada para a cidadania global sob o
viés crítico ou pós-colonialista, por conseguinte, permite a aber-
tura para o desconhecido, possibilitando o rompimento com on-
tologias e epistemologias, políticas e práticas (educacionais) que
reproduzam, mesmo que de forma não intencional, referenciais,
discursos e representações etnocêntricas, a-históricas e centrali-
zadoras.

Dentro de um processo de ensino-aprendizagem de línguas, a


ELC tem como escopo a formação de cidadãos capazes de interagir
em diversos contextos de letramento, e por estarem inseridos em um
cenário sócio-político, cultural e econômico podem se tornar “agen-
tes de tranformação e mudança social” (PEREIRA, 2018, p. 53).
Para tanto, é necessário que os educadores/as favoreçam práticas
de ensino que envolvam questões/situações reais relacionadas ao
cotidiano visando à reflexão, a criticidade, a criatividade e o desen-
volvimento do senso crítico.
Alicerçadas nas mesmas teorias e epistemologias, a ELC e en-
sino crítico de línguas são intercambiáveis, de acordo com Gomes
(2021, p. 08 apud FERREIRA, 2018, p. 45).
A educação linguística crítica pode colocar em xeque o status
quo, desconstrói discursos racistas, homofóbicos, xenofóbicos,
misóginos e classistas. E, através das reflexões que ocorrem a
partir da observação das práticas sociais e do nosso cotidiano,
podemos construir e reconstruir práticas de empoderamento e
críticas através da linguagem. [...]

74
Para Bagno; Gangé (2002) a Educação Linguística Escolar é
compreendida como sistemática, formalizada em práticas pedagógi-
cas bem descritas e apoiada em apostes metodológico-teóricos. Sen-
do constituída de três princípios: primeiro, o desenvolvimento das
4 habilidades fundamentais (ler, escrever, falar e escutar), as quais
norteiam o ensino de línguas; o segundo princípio é o conhecimento
e o reconhecimento da realidade múltipla, variável e heterogênea da
língua, e o terceiro princípio é a constituição de um conhecimento
sistemático sobre a língua, tomada como objeto de análise, reflexão
e investigação.
Nesse sentido, Bagno e Rangel (2005) conceituam a Educação
Linguística como sendo
[...] o conjunto de fatores socioculturais que [...] possibilitam
adquirir, desenvolver e ampliar o conhecimento de/sobre sua
língua materna, de/sobre outras línguas [...] Inclui-se também
na educação linguística o aprendizado das normas de comporta-
mento linguístico que regem a vida dos diversos grupos sociais,
cada vez mais amplos e variados, em que o indivíduo vai ser
chamado a se inserir (BAGNO; RANGEL, 2005, p. 63).

Ainda de acordo com os referidos linguistas, “o ensino de lín-


guas não deve ficar engessado em estruturas da língua, mas aten-
der às demandas sociais (im)postas aos indivíduos para o uso social
da língua(gem)” (GOMES, 2021, p. 03 apud BAGNO; RANGEL,
2005), direcionando para um trabalho contextualizado com práti-
cas sociais e de letramentos dentro de uma visão sociointeracionista
da linguagem. Dessa forma, o ensino perpassa por saberes linguís-
tico-gramaticais, textuais, discursivos para uma nova perspectiva
relacionada ao aprendiz/ser social e suas interações com outros
indivíduos, tornando possível vivenciar as práticas de linguagem re-
fletindo sobre questões de âmbito político/social/cultural.
Assim sendo, para promover um ensino crítico de línguas, de
forma significativa e de qualidade, é preciso relacionar a língua e

75
linguagem, de forma ampla e abrangente, às práticas sociais, visan-
do a formação crítica, reflexiva e autônoma do aprendiz/ser social
para que ele seja capaz de interagir em uma sociedade altamente
pluralista, complexa, heterogênea e diversa. Assim como é preciso
adequar ações, ser aberto e dinâmico para atender às necessidades
de comunicação, interação e socialização do aprendiz, extraindo-se
constantemente as informações e fenômenos autênticos presentes
no meio social, tornando a aprendizagem interessante.
Por isso, dentro do contexto de ensino-aprendizagem é válido
proporcionar momentos de experimentações e discussões partindo-
-se de práticas de ensino voltadas à criticidade, à reflexão e à cida-
dania, visando engrandecer o ser humano e valorizando seus co-
nhecimentos, vivências, experiências e culturas. Concordando com
Hooks (2013) e Gomes (2021) acreditamos ser necessário rejuvenes-
cer as práticas de ensino “para além das fronteiras do aceitável”, o
que alude em reconhecer que professores e alunos são protagonistas
fundamentais no desenvolvimento do processo de construção de co-
nhecimento e de sentidos, no qual não se permite a “hierarquização
do saber”.
Nesse sentido, pode-se observar que o ensino-aprendizagem
está centrado na noção de educação linguística escolar voltada para
“uma visão sociointeracionista em que a língua(gem) se relaciona,
de forma mais ampla e abrangente, às práticas sociais com letra-
mentos” (GOMES, 2021, p. 03), visando a formação de um sujeito
mais crítico e reflexivo, capaz de interagir num mundo heterogêneo
e diverso. Partindo de posicionamentos de Gomes (2021), Bagno,
Rangel (2005) e Travaglia (2003) concordamos que não é concebível
que o ensino de línguas seja realizado a partir da gramática de for-
ma estruturalista e descontextualizada, pois os usos da língua não
ocorrem fora de situações reais de comunicação e para que a prática
de ensino-aprendizagem seja relevante e significativa é preciso se
aproximar da realidade ou necessidade do aprendiz.

76
Desse modo, o posicionamento de Bagno e Rangel (2005)
conduz a uma reflexão crítica sobre o ensino de línguas, no sentido
de relacionar saberes/conhecimentos necessários para que o sujeito
possa interagir nas práticas sociais, buscando associar os conteúdos
abstratos com a sua funcionalidade dentro de um contexto real de
aprendizagem, considerando o uso significativo de linguagem, lei-
tura, escrita e produção textual. Convém ressaltar que os referidos
linguistas defendem a implementação de uma Educação Linguísti-
ca no Brasil, argumentando que
a tarefa mais urgente é promover a reflexão e a ação capazes de
articular (i) as demandas sociais por uma educação linguística
de qualidade, (ii) as políticas públicas de ensino de língua e (iii) a
pedagogia de educação em língua materna praticada. (BAGNO;
RANGEL, 2005, p. 68).

Nessa citação, conforme Gomes (2021, p. 03) na proposta dos


linguistas baseia-se tanto na ideia de letramento articulado com
os usos sociais da língua e linguagem, quanto numa proposta de
reformulação da formação de professores de línguas com uma vi-
são mais crítica e reflexiva. Acredita-se que a implementação deste
modelo na educação linguística proporcionaria a reflexão e ação
necessárias para desconstruir e reconstruir práticas de ensino que
venham a romper com o padrão eurocêntrico e hegemônico impos-
to nas atuais formações dos docentes.
Segundo Gomes (2021, p. 08 apud BECKER, 2014, p. 159)
sobre linguagens, letramentos críticos, de reexistência e educação
linguística na capacitação docente, vale ressaltar que:
[...] são instituições, como a escola, as responsáveis pela ma-
nutenção ou ruptura das formas de controle, já que “à escola
compete um trabalho essencial: trabalhar a dimensão pública e
reflexiva da palavra e contribuir para a formação de um leitor
reflexivo” (GOMES, 2021, p. 08, apud BECKER, 2014, p. 159).

Pode-se, assim, evidenciar a relevância do papel da escola den-


tro de um cenário sócio-político-cultural, tendo como missão edu-

77
car e formar cidadãos críticos e reflexivos, tornando-os capazes de
agir e interagir no convívio social. A escola está inserida em um
contexto em que o discurso predominante ainda é hegemônico, no
qual existe uma relação de poder dos grupos privilegiados sobre os
grupos minoritários e subalternos. Cabendo à instituição a promo-
ção de conhecimentos e saberes que podem manter ou romper com
as estruturas e os saberes pré-estabelecidos.
Concordando com a visão de Gomes (2021, p. 06 apud CA-
VALCANTI 2013, p. 212) defendemos a importância e a necessi-
dade da formação de educadores com novas perspectivas, novas
posturas pedagógicas e abertos às novas epistemes, de modo que o
professor de línguas seja um profissional crítico-reflexivo, com visão
decolonial e disposto a discutir a pluralidade linguística, a diversida-
de cultural e questões sociais (identidade, raça, gênero e sexualida-
de), possibilitando mudanças no âmbito educacional e um ensino-
-aprendizagem mais significativo e transformador.
É necessário, sobretudo, reconhecer que a sala de aula é hete-
rogênea com variada realidade econômica, cultural, social, sendo
primordial valorizar, respeitar e relacionar às circunstâncias do ser
humano inserido neste espaço, seja este um corpo branco, negro,
indígena, homo, hétero, quilombola. E, dentro do ensino de línguas
deve-se considerar a pluralidade e a variedade linguística, pois a lín-
gua é viva e variável e os indivíduos que a usam são dotados de
personalidade e peculiaridades.
Assim, a escola precisa ser mais acolhedora e sensível às di-
versidades para promover ações e práticas de letramento literário,
crítico, digital e de reexistência numa perspectiva cidadã, ética e
decolonial, sendo necessário valorizar os saberes/culturas locais e
os contextos variados de um país plurilíngue e multicultural. Desse
modo, seria possível, por meio da educação, diminuir as desigualda-
des e alcançar a tão almejada justiça e equidade social, assumindo a
missão de expandir e diversificar as possibilidades do uso da lingua-
gem em diferentes contextos.
A sala de aula é um espaço expressivo de socialização, de re-
flexões e aprendizados, onde educador tem a oportunidade de pro-

78
mover diálogos e debates através da leitura e produção de textos,
aproximando o mundo teórico e abstrato da realidade cotidiana dos
educandos que, dependendo dos métodos e das práticas realizadas,
são provocados a participar, de forma ativa e crítica, do processo de
construção do conhecimento.
Na seção seguinte, apresentamos a relevância da prática da
leitura para a promoção do letramento crítico no ensino de língua
estrangeira, especificamente o FLE, que contribui positivamente na
capacitação do sujeito-leitor contemporâneo.

A LEITURA COMO INSTRUMENTO PARA PROMOVER O


LETRAMENTO CRÍTICO, AMPLO E CRIATIVO NO ENSINO
DE LÍNGUAS: IMPLICAÇÕES NA FORMAÇÃO DE UM LEITOR
REFLEXIVO E AUTÔNOMO
A sociedade contemporânea tem exigido cada vez mais a im-
plementação de novos direcionamentos e abordagens no ensino de
línguas, relacionados às práticas sociais, o que vem contribuindo
para os avanços e descobertas da linguagem, da comunicação, da
leitura e do letramento. Nesse contexto, o processo de aprendiza-
gem torna-se mais amplo, crítico e significativo para a formação
de sujeitos-leitores que necessitam interagir em diversas e variadas
situações e espaços sociais, ultrapassando, assim, o âmbito escolar.
Partindo da premissa de que a prática da leitura precisa ser
constantemente incentivada, estimulada e ensinada em sala de
aula, visando o desenvolvimento de habilidades que resultem em
competências essenciais para capacitar integralmente o sujeito-lei-
tor crítico e futuro profissional. Conforme Kleiman (2004, p. 14),
numa perspectiva atual, “a leitura é vista como prática social que,
na Linguística Aplicada, é subsidiada teoricamente pelos estudos do
letramento”, capaz de exercer um papel fundamental na inserção do
ser humano na sociedade, contribuindo para desenvolver o aprimo-
ramento da escrita, a imaginação, a criatividade e a reflexão, o que

79
implica, notadamente, na formação de leitores reflexivos, críticos e
autônomos.
Ler possibilita despertar algo inimaginável, abrindo o campo
de visão, de modo irreversível, para novas perspectivas e novos ho-
rizontes, capaz de transformar pensamentos, atitudes e promover
ações e mudanças nos cidadãos. Esses aprendizados adquiridos
perpassam os conteúdos curriculares, contribuem com experiências
importantes para a vida e a interação na sociedade. Nesse aspecto,
Gomes e Rojo argumentam que
a leitura pode ser compreendida como um fenômeno interativo
de se (re)construir, negociar e questionar sentidos possíveis aos
textos e discursos a partir de uma postura responsiva ativa-críti-
ca/do questionamento, sendo requeridas para isso capacidades
de réplica ativa-crítica/do letramento crítico (ROJO, 2004; GO-
MES, 2017).

Considera-se a prática da leitura e o domínio da escrita pro-


cessos intrinsecamente relacionados com contextos socioculturais,
ideológicos e discursos hegemônicos de caráter social, pois esses
processos qualificam e contribuem para a formação de um cidadão
ativo, consciente, crítico e eficiente, com plena capacidade para in-
teragir, avaliar o que lhe é proposto, valorizar as diferenças e partici-
par da construção de uma sociedade mais digna, justa e igualitária,
conforme Silva:
A prática da leitura é um princípio de cidadania, ou seja, leitor
cidadão, pelas diferentes práticas de leitura, pode ficar sabendo
quais são as suas obrigações e também pode defender os seus
direitos, além de ficar aberto às conquistas de outros direitos ne-
cessários para uma sociedade justa, democrática e feliz. (SILVA,
2003, p. 24).

É por meio da leitura, em uma perspectiva cognitiva, que se


apreende informações, tem-se acesso aos conhecimentos acumula-
dos pela humanidade, desenvolvem-se a compreensão, a comunica-

80
ção e o senso crítico, tornando-os leitores (as)/cidadãos/ãs pensan-
tes, dialógicos/as, questionadores(as), responsáveis, dotados(as) de
opiniões e ideias que podem transformar aprendizados em melho-
rias expressivas no âmbito socioideológico, conforme a citação de
Perissé (2004, p. 14) “a leitura transmite raciocínios, faz germinar
ideias, ensina silenciosamente a escrever e a falar com clareza, esti-
mula a imaginação, amadurece a sensibilidade, etc.”
É nesse sentido que se faz necessário pensar nas práticas ativas
de letramento crítico, amplo e criativo para o ensino de línguas, con-
templando questões sociais relacionadas ao contexto dos cidadãos/
ãs, como temáticas voltadas à identidade, raça, gênero, sexualidade,
as quais conduzem o/a aprendiz, ou seja o leitor/a reflexivo/a, a
pensar, respeitar e julgar a realidade cotidiana, tornando a apren-
dizagem necessária e significativa, visando promover a cidadania e
a justiça social. Tendo em vista que um leitor/a crítico/a é aquele
que não apenas aceita o que lê, mas reflete, avalia e analisa sobre o
conteúdo lido, possibilitando novas ideias e descobertas.
Dessa maneira, julgamos pertinente o posicionamento de Go-
mes (2021, p. 8) que, o ensino de línguas voltado “à criticidade, à
cidadania-reflexiva e ao questionamento” pode abordar tantos os
saberes linguísticos da língua a serem dominados quanto questões
abrangentes relativas às identidades sociais dos indivíduos em pro-
cesso de aprendizagem, contribuindo assim para a formação de
cidadãos capazes de enfrentar e resistir “as práticas discursivas de
poder e dominação e de desigualdades”.
Assim sendo, há uma relação indissociável entre uso de uma
língua e a identidade do/a aluno(a)/indivíduo, pois é por meio da
língua e das práticas sociais que o/a mesmo/a assume um espaço na
sociedade e, passa a se expressar e se relacionar com outros grupos,
o que determina seu status e o/a molda como pessoa. Desse modo,
os autores como Freire (1987) e Rojo (2009), defendem o ensino-
-aprendizagem da leitura dentro de uma perspectiva de abordagem

81
sociointeracionista da linguagem, pautado em práticas sociais de le-
tramentos, que vise expandir o conhecimento e o desenvolvimento
do/a aprendiz como cidadão/ãs.
Considerando que a prática social faz parte da realidade do
indivíduo e a educação um importante veículo capaz de provocar
mudanças de concepções e atitudes, torna-se necessário pensar no
ensino de línguas que privilegie os fatores socioculturais e as situa-
ções reais dentro do contexto, a fim de favorecer reflexões e esta-
belecer possibilidades de transformação individual, bem como da
comunidade em que o/a aprendiz está inserido/a. Para isso é pre-
ciso considerar os contextos variados de ensino e os saberes locais,
valorizar a cultura, as vivências e o conhecimento prévio adquirido
ao longo da existência do/a aprendiz, concebendo uma “educação
problematizadora como princípio formativo” e “respeitadora do ho-
mem como pessoa” (FREIRE, 2002, p.45).
Nesse sentido, convém mencionar Piaget (1975, p. 53) sobre a
concepção de educação, segundo o qual
A primeira meta da educação é criar homens que sejam capa-
zes de fazer coisas novas [...] descobridores. A segunda meta da
educação é formar mentes que estejam em condições de criticar,
verificar e não aceitar tudo que a elas se propõe.

Dentro de uma perspectiva mais atual sobre educação, verifi-


camos que as políticas públicas educacionais, embasadas nas Leis
de Diretrizes e Bases para o Ensino Nacional (LDBEN), abrangem
uma formação humana cidadã proporcionando maior desenvolvi-
mento de competências/habilidades que favoreçam a autonomia
intelectual e o pensamento crítico do/a aprendiz, contribuindo para
sua interação no mundo social.
Do ponto de vista conceitual de Sardinha (2018, p.01), Letra-
mento Crítico (LC) “é a habilidade de ler um texto de maneira ativa
e reflexiva com o intuito de compreender as relações de poder, de

82
desigualdade e de injustiça na sociedade”. Nesse sentido, a autora
argumenta que:
O LC tem por objetivo a formação de cidadãos que se tornem
agentes em um mundo mais justo por meio da crítica aos atuais
problemas políticos e sociais mediante questionamentos das
desigualdades, com incentivo de ações que visem a mudanças
e soluções pautadas na justiça e na igualdade. Tal crítica se dá
por meio da leitura, reflexão e questionamento das mensagens
dos diferentes textos a que os estudantes/leitores são expostos.
(SARDINHA, 2018, p.01)

Para tanto, o LC requer uma abordagem responsiva, ativa e


desafiadora em relação à leitura, para que esta ultrapasse a com-
preensão superficial do texto e envolva, numa estratégia participa-
tiva/colaborativa, o/a leitor(a)/ser social por meio de textos/enun-
ciados significativos referentes à sua realidade social e necessidades
cotidianas. Consoante à essa prática, a leitura passa a ser um ins-
trumento fundamental na difusão do conhecimento e indispensável
para a formação de cidadãos/ãs mais conscientes e participativos/
as, aptos/as a interagir em um mundo cada vez mais plural e hete-
rogêneo, pois “a língua é discurso, espaço de construção de sentidos
e representação de sujeitos e do mundo” (JORDÃO, 2013, p.73).
Entretanto, o/a aprendiz é um/a cidadão/ã em construção
que precisa ser estimulado/a e provocado/a a imergir no universo
da leitura para que obtenha autonomia, prazer e senso crítico ao
ler e compreender variados textos de gêneros discursivos, materiais
visuais ou orais, disponibilizados. Dessa forma, o/a aprendiz/ci-
dadão/ã terá capacidade para distinguir os variados discursos, pro-
duzir sentidos, emitir opiniões e ideias próprias. Sobre isso, Moita
Lopes e Rojo (2004 apud ROJO 2009, p.108) destacam que:
Textos orais e escritos não têm sentido em si mesmos, mas inter-
locutores (escritores e leitores, por exemplo) situados no mundo
social com seus valores, projetos políticos, histórias e desejos
constroem seus significados para agir na vida social.

83
Com efeito, o pleno desenvolvimento do sujeito-leitor/a re-
flexivo/a e autônomo/a exige: a seleção de textos atualizados ou
livros interessantes e relevantes que retratam o mundo exterior; de
estratégias eficazes; de práticas educativas com visão ampliada, plu-
ral e cidadã; de uma postura docente crítica e de ambientes pro-
missores que provoquem e motivem a aprendizagem, conduzindo
à reflexão, à criticidade e à compreensão sobre o contexto social do
aprendiz, portanto vale utilizar diversas ferramentas e métodos que
garantam o êxito do ensino linguístico, tornando-o mais dinâmi-
co, contextualizado e significativo. Nesse aspecto, Moran; Behrens
(2008) afirma que “aprendemos melhor quando vivenciamos, expe-
rimentamos, sentimos e, ainda quando temos interesse e necessida-
de” (MORAN; BEHRENS, 2008, p. 23).
Diante disso, o ensino crítico de línguas (materna ou estrangei-
ra), na contemporaneidade, exerce um importante papel na elevação
do conhecimento humano, pois a língua/linguagem é um potente
instrumento capaz de penetrar na vida das pessoas, possibilitando
conscientização, novas interpretações, ressignificações, perspectivas
que satisfaçam as reais necessidades do sujeito-leitor crítico e refle-
xivo, o qual necessita compreender e interagir em uma sociedade
mais complexa, heterogênea, plurilíngue, pluricultural e múltipla.
Na última seção, apresentamos um breve relato de experiência
com a Educação Linguística Crítica, ampliada, cidadã e decolonial
no ensino do FLE a partir da execução de um projeto linguístico
comunicativo abrange práticas de leitura realizadas com alunos/as
de níveis intermediário e avançado.

DESENVOLVENDO A COMPETÊNCIA COMUNICATIVA, A


INTERATIVIDADE E A CRIATIVIDADE POR MEIO DE PRÁTICAS
DE LEITURA: UM RELATO DE EXPERIÊNCIA EM CLASSE DE
FRANCÊS LÍNGUA ESTRANGEIRA
As ações educacionais descritas, nesta seção, estão relaciona-
das ao ensino-aprendizagem da língua francesa para o aprimora-

84
mento linguístico-comunicativo através da leitura. O curso deno-
minado Práticas comunicativas através da leitura em língua francesa foi
coordenado e desenvolvido, no ano de 2018, pelo Centro Cultural
Franco Amapaense (CCFA), instituição vinculada à Secretaria de
Estado da Educação do Governo do Estado do Amapá, que tem a
missão de difundir e promover a democratização da língua e cultura
franco-brasileira no Estado.
Este curso possuiu uma perspectiva inovadora na formação
continuada em FLE, pois, promoveu a leitura interativa, a interpre-
tação textual e aquisição de conhecimentos por meio de documentos
autênticos, atendendo ao público de 30 estudantes/acadêmicos/as
adultos pertencentes à sociedade geral. O método de ensino envolve
a língua, a prática da leitura e a produção de textos através da uti-
lização de recursos midiáticos e tecnológicos, resultando em ações
que favorecem a motivação, a interação, a criticidade, a aquisição
de conhecimentos e, principalmente, que colaboram na formação
de sujeitos-leitores críticos e autônomos.
O curso teve como objetivo aprimorar as competências orais,
escritas, comunicativas e culturais, contemplando em sua progra-
mação a leitura de audiolivros, exercícios diversificados de fonética,
interpretação, música, jogos interativos, elaboração de resumos es-
critos e ainda a criação de um blog, por ser um dispositivo didático,
dinâmico e útil para motivar a participação e o senso crítico dos
alunos/as. Procurou-se instigar os benefícios da prática da leitura
e da compreensão textual, partindo-se de materiais autênticos com
temáticas de relevância social que despertassem a motivação, a cri-
ticidade e o interesse pelo aprendizado da língua francesa.
A execução do curso aconteceu no período de 05/03 a
25/06/2018, ocorrendo em dois módulos de 30 horas cada, minis-
trados pelas autoras/pesquisadoras deste capítulo. O primeiro foi
destinado ao nível linguístico intermediário e o segundo módulo
para o nível avançado de FLE, sendo necessária a seleção de alu-

85
nos/as aptos/as por meio de teste de produção oral e comprovação
de conclusão do curso Básico de Francês tendo em vista que o curso
seria ministrado todo em francês.
O curso iniciou com a verificação de um diagnóstico intitulado
“A leitura e a utilização de recursos midiáticos no ensino-aprendi-
zagem da língua francesa”, o qual possibilitou perceber que, em um
universo de 30 (trinta) alunos, 14 (quatorze) apresentavam desinte-
resse pela leitura em língua materna, consequentemente também
em FLE, pelo fato de não possuírem um vasto vocabulário linguís-
tico e ainda mostravam deficiência em interpretar textos simples de
descrição física e psicológica dos personagens. Contudo, possuíam
algo em comum, os alunos/as utilizavam, cotidianamente, as Tec-
nologias Digitais da Informação e Comunicação (TIDCs) para se
manterem atualizados, fato que impulsionou ainda mais a efetiva-
ção deste curso que tem essa ferramenta como principal aliada.
As aulas ocorreram em dois ambientes do CCFA: Sala de Lei-
tura Léon Gontram Damas, para as atividades expositivas e comu-
nicativas e no Laboratório de Informática, para as pesquisas e or-
ganização das produções de textos, o qual contava com 15 (quinze)
computadores conectados à internet.
Em cada módulo do curso foi priorizada a leitura de audio-
livros, pertencentes à coleção da editora HACHETTE Livre. Estes
foram selecionados por apresentar linguagem acessível, capítulos
curtos, ilustrações, sonoplastia e atividades complementares, a fim
de favorecer o prazer, a autonomia do/a aprendiz e a interpretação
da obra. Assim, no primeiro módulo foi utilizada a obra intitulada
Le Blog de Maïa de Annie Coutelle (2008), composta de 08 (oito) ca-
pítulos; no segundo módulo, a obra nomeada Le match de Thomas de
Nicolas Boyer (2009) formada por 06 (seis) capítulos e epílogo. Em
cada módulo, foi adotada como estratégia a leitura e estudo de um
capítulo por aula para facilitar o desenvolvimento das atividades e a
compreensão textual.

86
As aulas iniciavam com mensagens estimulantes e originais
formuladas pelas ministrantes e idealizadoras do projeto1, seguidas
do estudo de “phonie-graphie”2, regras linguísticas contextualizadas,
técnicas e exercícios orais para aperfeiçoar a pronúncia, bem como
a realização de atividades voltadas à compreensão, à comunicação e
à produção escrita. Assim, buscamos desenvolver uma sequência di-
dática para definir os procedimentos e as etapas relacionadas entre
si para tornar mais eficiente e proveitoso o processo de aprendizado.
Inicialmente, foram propostos os objetivos da aula, as tarefas
e os estudos linguísticos e comunicativos que seriam praticados de
forma individual e coletiva. Para melhor compreender as etapas do
curso, expomos uma breve síntese da dinâmica do trabalho realiza-
do:
Na primeira etapa, foram apresentados os áudios do livro na
íntegra, sem transcrição, seguidos de questionamentos para medir
a atenção e o grau de entendimento do áudio, momento em que os
alunos/as socializavam conhecimentos primários e as professoras
estimulavam a interação por meio da produção oral e, dessa forma,
percebiam as dificuldades individuais dos alunos/as.
Na segunda etapa, foi permitido visualizar o livro impresso e
acompanhar a transcrição do áudio, propondo uma análise do capí-
tulo de forma fragmentada, visando um estudo detalhado da sintaxe
e dos elementos lexicais, sendo permitido o uso apenas de dicioná-
rio monolíngue francês. Nesse processo, as professoras incentiva-
vam e desafiavam a compreensão oral e escrita a partir de questões
reflexivas e discursivas que envolviam os/as participantes.
Na terceira etapa, foram registradas as pronúncias dos alu-
nos/as através de um gravador, que, de forma espontânea e indivi-
dualmente, notavam as diferenças linguísticas e procuravam aper-

1  Professoras de Francês Ana Arlene Ferreira Nobre e Daniella Ramos da Trindade,


ambas pertencentes ao Quadro de Pessoal civil do Governo do Estado do Amapá.
2  Estudo do sistema sonoro e gráfico do francês.

87
feiçoá-las. Na quarta etapa, após a leitura e a compreensão de todo
o capítulo, foram debatidas as temáticas abordadas nos audiolivros
em uma roda de conversa. Destacam-se o “bulling”, o preconcei-
to social e as consequências do meio virtual, cujos temas estão em
evidência no contexto atual e foram discutidas e interpretadas, de
forma oral e crítica, os conteúdos relacionados à realidade dos/as
aprendizes, perpassando da teoria à prática, envolvendo o estudo da
língua, cultura e sociedade.
Na quinta e última etapa, concernente às produções escritas,
foi proposto aos participantes o uso de um blog, criado especialmen-
te para se comunicar em francês e supervisionado pelas professoras,
cuja finalidade foi analisar, resumir, criticar, julgar as informações,
emitir opiniões pertinentes aos temas abordados e debatidos duran-
te as aulas, assim motivou a interatividade, a participação e o desen-
volvimento das competências comunicativa e escrita.
No tocante às práticas comunicativas (oral e escrita) busca-
mos debater e compreender, no primeiro módulo, a temática sobre
a importância da comunicação virtual, sendo foco desse momento
as novas tecnologias (vantagens e desvantagens) no contexto social.
Enquanto, no segundo módulo, debatemos sobre a importância de
autenticidade e valores morais do indivíduo, sendo envolvidos con-
ceitos relativos à ética, bulling e preconceito social.
As atividades propostas incluíram questões discursivas inse-
ridas no blog que provocaram reflexões, discussões, opiniões e co-
mentários sobre as experiências dos alunos/as (vividas e observa-
das) como forma de ressignificação de sentidos a partir do texto
lido, contribuindo, positivamente, para a formação de um sujeito-
-leitor crítico e reflexivo.
A fim de exemplificar o desenvolvimento do curso, citamos a
atividade relacionada ao bulling, em que foram postadas as seguin-
tes perguntas em francês: 1) O que é bulling? 2) Por que as pessoas
sofrem o bulling? 3) De que maneira acontece o bulling? 3) Quais as

88
consequências geradas pelo bulling? 4) Você já sofreu ou conhece
alguém que vivenciou essa experiência? Essas questões nortearam
o debate e desencadearam outros questionamentos e problemáticas
compartilhadas pelos/as participantes.
Para se obter resultados satisfatórios foram propostos desafios
com documentos televisuais em FLE, disponíveis na internet, no
endereço <www.tv5.org>, no link: “Apprendre et enseigner avec TV5”,
que apresenta uma vasta programação multitemática, acompanha-
da de fichas pedagógicas. Assim, foram selecionados apenas tópicos
complementares para melhorar a compreensão da língua e cultura
francesa, bem como ampliar os conhecimentos interculturais.
De forma colaborativa, observamos que 95% dos alunos (as)-
-leitores passaram a ter maior autonomia de seus conhecimentos,
pois buscavam informações complementares por meio de pesquisas,
demonstrando interesse pela leitura e criatividade ao elaborar tex-
tos originais e autênticos, em formato de livreto, sobre temas rela-
cionados e/ou abordados durante o curso, seguidos de ilustrações
inéditas. Dessa maneira, os conteúdos estudados perpassavam os
saberes linguísticos/gramaticais e conduziam o/a aluno(a)-leitor(a)
a refletir, compreender e debater, em língua estrangeira, situações
reais e cotidianas.
Os resultados desse curso foram apresentados em slides no
aplicativo PowerPoint, contendo imagens das produções escritas e
registros fotográficos das principais ações, durante o evento linguís-
tico-cultural denominado “La Journée de la Gastronomie Française”,
realizado na Instituição CCFA e prestigiado por participantes dos
outros cursos, professores/as de francês, equipe gestora e visitantes
do Lycée Polyvalent Melkior-Garré de Cayenne (Guiana Francesa),
que vieram ao Amapá para participar de um intercâmbio linguísti-
co-cultural. Na ocasião, aconteceu um momento especial de autó-
grafos dos alunos-autores, cujas produções, compõem, atualmente,
o acervo da Sala de Leitura Léon Gontram-Damas do CCFA.

89
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir das descrições das ações de ensino de uma forma-
ção continuada em FLE apresentadas neste capítulo, bem como os
resultados alcançados de uma prática didática realizada no curso
denominado “Práticas comunicativas através da leitura em língua
francesa”, compreendemos que a Educação Linguística Crítica, sus-
tentada pela Linguística Aplicada Crítica, contribui, notoriamente,
para novos direcionamentos, novas abordagens e inovações nas prá-
ticas de ensino-aprendizagem de línguas numa perspectiva crítica,
ampliada, cidadã e decolonial na formação do aprendiz como cida-
dão que interage dentro do contexto social.
Assim sendo, o ensino de línguas a partir da prática da leitura
pode ser um veículo importante para promover a conscientização, a
inclusão e a transformação social, entretanto não deve se limitar aos
estudos linguísticos/gramaticais e na decodificação da linguagem
escrita, mas se estender à percepção do mundo de cada indivíduo,
pois ler não significa apenas identificar e classificar as palavras, mas
fazê-las ter sentido, compreender, interpretar e refletir, relacionando
às vivências e ao contexto real (sócio e cultural) de aprendizagem.
Nesse sentido, a proposta didática intitulada “Práticas comu-
nicativas através da leitura em língua francesa” apresentada neste
texto representou uma ação bem-sucedida, pois proporcionou uma
excelente experiência de imersão linguística e cultural, marcando,
positivamente, a trajetória de todos/as os/as participantes, amplian-
do suas perspectivas, estimulando a reflexão, a criticidade, desper-
tando o gosto pela leitura e o interesse pela língua francesa.
Constatamos que as ações didáticas e os procedimentos meto-
dológicos realizados no curso, por meio da utilização dos recursos
midiáticos e tecnológicos, foram instrumentos eficientes e facilita-
dores para encorajar a autonomia, a interatividade dos/as educan-
dos/as, bem como, desenvolver as habilidades linguísticas e comu-
nicativas, o que contribuíram para um processo de ressignificação

90
da leitura, tornando o aprendizado mais interessante, dinâmico,
prazeroso e significativo.

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92
PARTE II
Literaturas francófonas nas aulas de
FLE
CAPÍTULO 5

FRANCONFONIA AMAZÔNICA — SOBRE


A CONSCIENTIZAÇÃO DOS ARTEFATOS
GAULESES NA FLORESTA TROPICAL

Dennys Silva-Reis

Não me provoca
Eu sou filha da floresta
E se o vento me sopra
Eu faço pororoca
Quando o vento me chama
Eu balanço a floresta
Sou rainha
A lua me guia
O tambor me atiça
Eu sou dona da festa
Não faço cerimônia
Eu me chamo Amazônia
Lia Sofia1 & Sebastião Tapajós

SÊ MENTES
Amazônia faz referência a uma região que cobre nove países
diferentes – Brasil, Colômbia, Venezuela, Equador, Bolívia, Guia-
1  Lia Sofia é uma cantora franco-brasileira, nascida na Guiana Francesa, fruto da
imigração dos pais em busca do El Dorado e conhecedores da realidade do garimpo
guianense.

94
na, Suriname e França (Guiana Francesa). Amazonas é o nome de
quatro Estados ou departamentos de países vizinhos ao Brasil. Esta
área representa mais da metade do conjunto de florestas tropicais
preservadas no mundo e compreende uma biodiversidade singular
em todo o planeta. É considerada uma das sete maravilhas naturais
do mundo e Patrimônio da Humanidade.
No Brasil, “a Amazônia” é delimitada pelo termo Amazônia
legal que compreende três da sub-regiões brasileiras (Norte, Nordeste
e Centro-Oeste), abarcando a totalidade de oito Estados – Acre,
Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Pará, Roraima e Tocantins, bem
como parte do Estado do Maranhão (FREITAS, 2006). Além disso,
é na região amazônica que se tem o maior contato com “falantes
nativos” de língua francesa, já que Amapá faz divisão com a Guiana
Francesa.
De fato, a Amazônia é plural e habitada por inúmeras línguas,
povos, nações e culturas. Todavia, é inegável que todos esses ele-
mentos de uma forma ou de outra são transpassados pelos rios e
pela floresta. Isso produz uma concepção de imaginários, vivências,
histórias e memórias sob um denominador comum: o espaço ama-
zônico. É esse espaço, configurado na existência de seus usuários,
que faz com que uma identidade se forme, se manifeste, seja única.
A partir dessas ponderações, este texto busca elencar alguns elemen-
tos da francofonia amazônica, considerando a “francofonia” como a
expressão da cultura em língua francesa e “amazônico” como iden-
tidade cultural da Região Norte do Brasil (e da América do Sul).

O “NORTE DA AMÉRICA DO SUL” COMO PARTE DA


FRANCOFONIA
Ao se tratar de América Latina e da América do Sul, percebe-se
o tanto que a Amazônia é uma região isolada. E este é o primeiro
fator que chama bastante atenção. Desde o século XVI, a Amazônia
sempre foi um lugar vulnerável a conquistas e lutas, justamente por

95
ser um espaço de difícil dominação, sobrevivência e adaptação. No
que tange à Amazônia brasileira, até meados do século XIX, ha-
via-se ainda uma verdadeira inarticulação entre Norte e Sul do País,
ou seja, podia-se dizer que existia dois Brasis em um só Brasil.
A questão do isolamento salientava de forma singular a difi-
culdade de acesso a inúmeros bens das populações da cidade – bens
culturais, bens sociais, bens políticos, dentre outros, que envolvia
questões de saúde, educação, segurança, trabalho, moradia e direi-
tos civis. Isso fez com que a região pudesse valorizar sobremaneira
o que possuía: as florestas e os rios. Daí, nasce toda uma cultura
totalmente única e que é completamente diferente de outras regiões
do Brasil.
A cultura cabocla, oriunda do isolamento e do trabalho de ho-
mens e mulheres que vivem na região das florestas e dos rios, é,
segundo, Paes Loureiro (2015), o que define a cultura amazônica.
A permanência dessa população atravessada pelas manifestações
da floresta e dos rios trouxe um cultivo comportamental que só se
compreende ao se ter consciência do espaço amazônico. Percebe-se,
assim, que uma das características desta cultura é a autossuficiência
e a criatividade, visto que as “influências” parecem bem poucas,
mas também porque devido à dificuldade de acesso a outras cultu-
ras sempre foi preciso avir-se, e, desta forma, ser inventivo.
Disso também surge a questão do preconceito contra o Norte,
haja vista que por falta de contato entre as culturas do Sul e do
Norte, elas parecem avessas ou mesmo distantes, apesar de se referi-
rem sempre a um “mesmo país chamado Brasil”. Há também de se
notar que as culturas para fora do Norte estão muito mais próximas
das culturas mais valorizadas – como a europeia –, enquanto que a
cultura amazônica tem proximidade com culturas menos valoriza-
das – como a cultura indígena. Em todo caso, o que se tem é que
o preconceito é contra o lugar e tudo aquilo que dele advém. Cabe
de igual modo frisar, que muitos da população amazônica, por sua

96
vez, também não aceitam de bom grado a adesão a outras culturas,
haja vista o forte alicerce da cultura cabocla, que, para aquele local,
parece já tradicional, representativo e inalterável.
Neste bojo, o compartilhamento de outra cultura parece sem
sentido e, por vezes, de difícil compreensão. Entretanto, há de se
pensar na solidão cultural e, que para solucionar tal impasse, a aber-
tura para a convivência com outras culturas de forma ética é um ca-
minho a ser encarado. O conhecimento de outras culturas e línguas
apenas afirma sua própria cultura, bem como edifica e valora o res-
peito entre ambas (FIGUEIREDO, GLENADEL, 2006). De igual
maneira, o conhecimento da cultura de outrem, faz, de forma pe-
dagógica, ora letrar-se em sua própria cultura, ora conscientizar-se
da cultura que pertence à sua comunidade. Portanto, é a partir da
abertura para o outro, e reconhecendo-se também como um outro,
que se pode falar em francofonia.
A francofonia está relacionada ao uso da língua e à promoção
das culturas francófonas, bem como ao fomento em língua francesa
de uma cultura outra. Certamente, que a Francofonia (com F maiús-
culo) também auxilia na francofonia (com f minúsculo), sendo ela
o apoio institucional, associativo e político da língua francesa e das
culturas francófonas (SANAKER, HOLTER, SKATTUM, 2015).
Todavia, há de se constatar que as francofonias são diferentes e po-
dem ser localizadas quanto ao seu espaço e comportamentos, ou
seja, são identitárias, singulares, únicas. Possuem formas de se ma-
nifestar, limites, caminhos, comportamentos, meios de produção e
recursos humanos e institucionais próprios (COMBE, 2010). Como
é o caso da francofonia amazônica.
É claro que a francofonia amazônica só se desenvolve devido
aos sujeitos que se utilizam da língua francesa em espaço amazôni-
co e que levam e promovem nesse espaço as culturas francófonas;
o que significa que o uso desta língua é subjetivado à partir de uma
consciência amazônica lúcida, proposital ou acidental. Mesmo nos

97
atos de colonização e exploração pelos franceses na região, perce-
be-se que a língua francesa foi subvertida a fim de traduzir (ou reno-
mear), em francês, hábitos, comportamentos, objetos, animais, plan-
tas, pessoas que até então não existiam na língua e cultura francesas.
Exemplo disso são as obras (bibliográficas, visuais e audiovisuais)
de Charles Marie de La Condamine (1701-1774), François-Auguste
Biard (1799-1882), Henri Anatole Coudreaux (1859-1899), Octa-
vie Coudreau (1867-1938), Claudia Andujar (1931-), Jacques-Yves
Cousteau (1910-1997) e Jean-Michel Cousteau (1938-), viajantes de
grandes expedições na Amazônia brasileira.

DAS INSTITUIÇÕES E DOS RECURSOS HUMANOS NA AMAZÔNIA


(BRASILEIRA) PARA A FRANCOFONIA
Com base na pesquisa de Stéphanie Girão (2022), o francês na
Amazônia tem vários status: ora língua de herança, ora língua ma-
terna, ora língua de origem, ora língua estrangeira, ora língua adi-
cional, ora língua franca. Isso se dá porque as mobilidades huma-
nas de uso da língua francesa são diversas. Há a migração hatiana,
pós-terremoto de 2010, que encontrou na região lugar de entrada
para o território brasileiro, mas também lugar de residência e consti-
tuição familiar. Há, igualmente, a existência de línguas crioulas com
base na língua francesa por parte dos grupos indígenas Karipuna,
Palikur-Arukwayene, Galibi Marworno e Galibi Kali’na, que revela
o contato histórico com a língua francesa.
De forma institucional, para todos os países que abrangem a
região amazônica, há as Alliances Françaises. No Brasil, na região
Norte, há apenas em dois estados: em Belém, no Pará, e, em Ma-
naus, no Amazonas. Essas escolas, que fazem parte da política de
difusão cultural da língua francesa, por parte da França, são pro-
motoras da língua e da cultura francesas. Entretanto, tentam, por
vezes, desenvolver um ensino de língua francesa ético e localizado,
bem como promover a região amazônica em língua francesa. Um

98
exemplo disso, são as residências artísticas, como as que ocorrem
no Equador, na cidade de Macas — Résidence de Créaction en Ama-
zonie Equatorienne2. E também, as apresentações artísticas e Ateliers
artistiques, como os oferecidos pela Aliança Francesa de Belém, em
março 2019, com a poeta e multiartista guianense Emmelyne Octa-
vie (1987-) — Oficina de poesia e Slam e apresentação do espetácu-
lo Battements de Mots3.
Somado às Alliances Françaises, as universidades são, em grande
medida, responsáveis pela formação de professores de francês, me-
diadoras de intercâmbios nos mais diversos campos do saber, bem
como produtoras de conhecimentos sobre a cultura francesa ou em
língua francesa. No Brasil, em todos os Estados da região Norte há
o curso de Letras-Francês, a saber: Universidade Federal do Pará
(UFPA); Universidade Federal do Amazonas (UFAM); Universi-
dade Federal de Roraima (UFRR); Universidade Federal do Acre
(UFAC); Universidade Estadual do Amapá (UEAP); Universidade
Federal do Amapá (UNIFAP) – campus Marco Zero (Macapá); e
Universidade Federal do Amapá (UNIFAP) – campus Binacional
do Oiapoque (Oiapoque). As licenciaturas em língua francesa são
indicadores tanto da formação quanto da difusão da língua france-
sa, porque delas surgem, na maioria das universidades brasileiras,
a oferta de cursos de língua e culturas francófonas. Aliás, o uso da
língua francesa em universidades do Norte brasileiro podem, sobre-
maneira, internacionalizar conhecimentos amazônicos engendra-
dos nesses espaços acadêmicos.
Existem, igualmente, nos Estados do Norte brasileiro, como
bem demonstra Girão (2021), algumas iniciativas ligadas à língua
francesa, como escolas bilíngues (por exemplo, em Manaus, Escola

2  Mais informações no site: < https://www.fondation-alliancefr.org/?p=60935 >.


Acesso em 12 de outubro de 2022.
3  Informações disponíveis em: < https://g1.globo.com/pa/para/noticia/2019/03/11/
mes-da-francofonia-promove-extensa-programacao-cultural-em-belem.ghtml >. Acesso
em 12 de outubro de 2022.

99
Bilíngue José Carlos Mestrinho e Escola Estadual Bilíngue Profª.
Marly Maria e Souza da Silva); e oferta de cursos em centros de
idiomas estaduais (notadamente, Centro Estadual de Língua e
Cultura Francesa Danielle Mitterrand, em Macapá; Centro Cultu-
ral Franco-Amapaense; Centro de Estudos de Línguas de Rio Bran-
co-AC, dentre outros).
Convém mencionar, que tanto professores da educação bási-
ca quanto estudantes de cursos de Letras-Francês, tiveram, embora
ainda em pequena quantidade, acesso a formações no exterior gra-
ças a editais e bolsas da Embaixada da França (SILVA-REIS, 2022).
Quanto aos professores universitários dos cursos de graduação em
Letras-Francês, em sua grande maioria, muitos se formaram em
nível de pós-graduação, em grandes centros urbanos do Brasil para
atuarem na região Norte — seja no ensino da língua francesa, seja
no ensino das literaturas ou das culturas francófonas. Tal mobili-
dade indica tanto uma busca pela manutenção quanto um fator de
qualidade da francofonia exercida por esses agentes na região.
Também responsáveis por essa mobilidade, como também
pela formação e reatualização de professores, alunos e apreciadores
da língua francesa e cultura francófonas, tem-se as associações. São
elas: APFPA — Association des Professeurs de Français du Pará; APRO-
FAP — Association des Professeurs de Français de l’Amapá; APFRR
— Association des Professeurs de Français et Francophiles de Roraima; e
APROFAC — Association des Professeurs de Français de l’Acre. Todas es-
sas associações contam com o voluntariado de professores de francês e tam-
bém com o apoio da Federação Brasileira de Professores de Francês (FBPF),
a qual são ligadas.
Apesar da existência dessas instituições, de todos esses recur-
sos humanos e das constatações sobre a existência da língua france-
sa em vários status, devido à cultura do monolinguismo e às poucas
políticas públicas a favor do plurilinguismo, percebe-se uma força
pequena dessa francofonia amazônica institucional na prática do

100
dia a dia na região Norte do Brasil. No entanto, negá-la é uma falá-
cia inquestionável.

UMA LITERATURA FRANCO-AMAZÔNICA, PARTE DA


FRANCOFONIA
Recentemente, os olhos da Academia Francesa, das livrarias
europeias e também da Organização da Francofonia se voltaram
para o escritor Miguel Bonnefoy (1986-). O sui generis deste autor está
em ser um escritor franco-venezuelano. Efetivamente, ele nasceu na
França, de mãe venezuelana e de pai chileno, foi criado na Venezue-
la e em Portugal, e, atualmente, se encontra residindo na Europa.
Bonnefoy escreve de forma a não negar a herança do Real Maravil-
hoso de Alejo Carpentier e do Realismo Mágico de Gabriel Garcia
Marquez, como é possível constatar, em particular, no seu premiado
romance Héritage (2020). Esse escritor amazônico, provavelmente,
esteja se tornando conhecido na Europa por estar por lá. Contudo,
é fato corrente que autores amazônicos que escrevem em francês se-
jam desconhecidos ou mesmo isolados dos grandes mercados livres-
cos da língua francesa, bem como dos estudos literários francófonos
(SILVA-REIS, GYSSELS, 2020).
Na Amazônia, por muito tempo, passou despercebido a pro-
dução literária em língua francesa, em particular, a da Guiana
Francesa. Produção esta sempre embutida nas chamadas literatu-
ras caribenhas, que não traziam, factualmente, sua singularidade
(SILVA-REIS, 2021). Mesmo os dois escritores guianenses mais re-
verenciados — René Maran (1887- 1960) e Léon-Gontran Damas
(1912- 1978) — passam ao largo dos manuais, das antologias e da
história da literatura francesa. Evento que remete de igual maneira
à questão do isolamento da região, bem como sua faculdade de ser
criativa e ser inventiva.
Quanto ao Brasil e a Guiana Francesa, constata-se que os ima-
ginários amazônicos de ambos os territórios têm muito em comum,

101
pois compartilham mitos, lendas, personagens e folclores muito
semelhantes. Não obstante a isso, verifica-se que poucas obras li-
terárias e autores da Guiana Francesa são conhecidos no Brasil.
Entre elas, podem se citar: Djumá, cão sem sorte (1934) de René Ma-
ran — tradução de Aristides Avila; O escravo do governador (2005) de
Serge Patient — tradução de Paulo Wislyng; Pastel de Belém (2018)
de Catherine Le Pelletier — tradução de Vera Pereira; Saudade do
futuro – uma tetralogia brasileira em quatros atos (2019) de Joël Roy —
tradução de Martha Cimiterra; e Catacumbas de Sol (2022) de Elie
Stéphenson — tradução de Dennys Silva-Reis.
Certamente, pode-se afirmar que a literatura da Guiana
Francesa é uma literatura regional de expressão amazônica porque
traz em si uma parte da Amazônia (“e da França”), ao passo que,
também delineia espaços comuns desse mundo no Norte da Amé-
rica do Sul. Porém, a apresentação e a representação deste munda-
mazônico, nos termos de Paes Loureiro (2014), são também feitas
em língua francesa, e, portanto, são parte da literatura francesa e
francófona, como se pode ver no poema a seguir:
Pays à deux routes
Je viens d’un pays
Bien plus loin que là-bas
Où bizarrement quand on l’aime
Bizarrement on s’en va
Bizarrement quand on l’aime
Bizarrement on le lâche
Bizarrement quand on l’aime
Bizarrement il a mal
Je viens de ce pays
Bien plus loin que là-bas
Qui aujourd’hui encore
Cherche un mode d’emploi
Je viens de ce pays condamné à or
Où des hommes s’amusent à tort à jouer avec le sort
Je viens de ce pays cathédrale
Pays où forêt brûle et où hommes ne brillent pas
Je viens du pays babillage

102
Pays où l’on gaspille bien plus que ce qu’on a
Je viens du pays Taubira
Où l’éloquence est un art
Mais où l’art on n’en veut pas
Je viens du pays Catayée
Où les accidents les plus meurtriers
Restent à ce jour inexpliqués
Je viens du pays paria
De la terre de Damas
Où la vie en soi n’est pas si drame que ça
Je viens d’un pays fragile
Que s’inonde et s’essuie à la seule goutte de pluie
Je viens du pays douleur
Où fleuves et fleurs me donnent la fièvre
Je viens d’un pays aux hôpitaux inhospitaliers
Les malades sont condamnés avant même que d’y entrer
Je viens d’un pays où remède répond au nom de radyé
Et où les racines ne sont plus appréciées
Je viens de ce pays coupeur d’herbe et de lumière
Ce pays qui a pris la fâcheuse habitude de se taire
Je viens d’un pays où les avis sont d’obsèques
La mort fait naître la mort
Laissant sur nos lèvres sèches
—Toutes mes condoléances
Je viens de ce pays où le tambour décore
Et où la tradition...
SI-LEN-CE
Et où ma tradition...
SI-LEN-CE !
[…]
(OCTAVIE, 2018, p. 7-8)

País de mão dupla


Eu venho de um país
Muito mais longe do que lá
Onde estranhamente quando o amamos
Estranhamente o deixamos
Estranhamente quando o amamos
Estranhamente o deixamos
Estranhamente quando o amamos
Estranhamente ele sofre
Eu venho deste país
Muito mais longe do que lá
Que ainda hoje
Procura um manual de instruções

103
Eu venho deste país condenado ao ouro
Onde os homens se divertem brincando com o
destino
Eu venho deste país catedral
País onde a floresta queima e onde os homens não
brilham
Eu venho do país de disparates
País onde desperdiçamos mais do que temos
Eu venho do país [Christiane] Taubira
Onde a eloquência é uma arte
Mas onde a arte não é bem-vinda
Eu venho do país [Justin] Catayée
Onde os acidentes mais mortais
Permanecem inexplicados até hoje
Eu venho do país proscrito
Da terra de [Léon-Gontran] Damas
Onde a vida em si não é de todo ruim
Eu venho de um país frágil
Que se inunda e se asseia com uma única gota de
chuva
Eu venho do país-dor
Onde rios e flores me dão febre
Eu venho de um país de hospitais inóspitos
Os pacientes são condenados antes mesmo de entrar
Eu venho de um país onde remédio atende pelo
nome de radyé4
E onde as raízes não são mais valorizadas
Eu venho deste país que corta a relva e a luz
Este país que tem o mal hábito de se calar
Eu venho de um país onde opiniões são mortais
A morte dá à luz a morte
Deixando em nossos lábios secos
- Minhas condolências
Eu venho deste país onde o tambor decora
E onde a tradição ...
SILÊNCIO
E onde a minha tradição ...
SI-LÊN-CI-O!
[...]
(Tradução de Marcelo Brum)

Este é um trecho do longo poema de abertura da antologia


Comme un clou dans le coeur (2018), da jovem escritora guianense Em-
4  Planta medicional muito comum na Guiana Francesa.

104
melyne Octavie. Como se percebe na leitura, o poema apresenta a
Guiana Francesa com sua história e mazelas. Todavia, também vê-
se o quanto o imaginário das florestas e dos rios percorre o poema
ou está diretamente ligado a todos os problemas do território ali
descritos (doenças, inundações, inospitalidade, distância, isolamen-
to, exploração exacerbada, plantas medicinais, morte, falta de polí-
ticas públicas). Este pequeno excerto de Octavie traz à tona as três
grandes vertentes da literatura amazônica de língua francesa:
(1) uma literatura ligada à região, “regionalista”, por assim falar
da história da daquele território, mas também do espaço
amazônico e de como ele interpenetra todas as situações, as
vivências e os comportamentos da Guiana Francesa;
(2) uma literatura de denúncia, militante por evidenciar os
infortúnios, os problemas e as resistências na e da Amazônia.
Uma literatura de testemunho, documental, arquivista
que informa a muitos leitores sobre um mundamazônico
desconhecido de muita gente;
(3) Uma oralitura, uma literatura herdeira da contação de
histórias, da transmissão oral das técnicas e dos temas
narrativos. Mesmo que escrita e em vários gêneros (por
exemplo: poesia, romance, teatro), a literatura guianense,
como todas as literaturas amazônicas, possuem fortes laços
com a oralidade, oralização do escrito, táticas narrativas
orais dos povos ágrafos das florestas (essencialmente, povos
ribeirinhos e indígenas) e herança mítica e folclórica de
imaginários.
Apesar dessas três classificações, que possuem uma certa tra-
dição e razão de ser (SILVA-REIS, 2021), percebe-se que dentro
do conjunto de literaturas produzidas nas línguas que compõe o
território amazônico, a literatura da Guiana Francesa universali-
za questões dos povos das florestas e dos rios comuns a este local.
Desta forma, nota-se que ela é mais uma expressão, mais um me-

105
canismo de voz, em língua francesa dentro do caldeirão literário
amazônico. Logo, tem igual importância tanto quanto às outras lite-
raturas amazônicas. O conhecimento da literatura guianense tanto
potencializa quanto é mais um meio para refletir e se informar sobre
a cultura amazônica.
Inclusive, vale a pena mencionar que a produção literária guia-
nense é um grande caminho para aproximar os brasileiros da língua
francesa e da literatura francófona. Como explica Reine Berthelot
(2011), as literaturas francófonas têm como trunfo o poder de desen-
volver sobremaneira as competências (inter)culturais e pluridiscipli-
nares. Elas podem dar acesso de forma criativa a modelos culturais
e códigos sociais de uma cultura à medida que representam por
meio da língua estes diferentes sistemas. Ou seja, um aprendiz e
apreciador brasileiro de literatura, pode conhecer, se informar e re-
fletir sobre a conduta social e a cultura amazônica a partir da litera-
tura da Guiana Francesa.
Somada a isso, a proximidade cultural amazônica predispõe o
leitor brasileiro a ser mais simpatizante e acolhedor deste mundo
literário e deste imaginário local. Ter o conhecimento de mundo
contíguo, disposto em língua francesa, motiva ainda mais o apren-
dizado do idioma gaulês. Daí, igualmente, cria-se uma ponte, em
demasia, facilitadora para o desenvolvimento do saber transversal e
pluridisciplinar que a literatura pode proporcionar em língua france-
sa; haja vista que as temáticas das literaturas amazônicas são seme-
lhantes e vivenciadas por muitos leitores brasileiros.

FRANCOFONIA LITERÁRIA AMAZÔNICA


Um debate bastante atual a respeito da Amazônia é a inter-
nacionalização deste espaço, que encontra raízes no afrouxamento
de leis de proteção ao meio ambiente e também nos interesses es-
trangeiros que veem nessa cobertura florestal uma reserva de recur-
sos naturais futuros. Isto posto, vê-se que é um assunto polêmico

106
por trazer à tona questões de soberania dos países que cobrem a
área e também interesses capitalistas. No campo dos bens culturais,
a internacionalização da Amazônia se dá de outra maneira: no inte-
resse por descobrir imaginários, histórias, modelos sociais e formas
estéticas ainda inexploradas.
É claro, que de forma amena pode haver sim um interesse co-
mercial; porém, prevalece a renovação dos cânones artísticos, bem
como a afirmação das artes amazônicas dentro do sistema mundial
das artes – um espécie de busca e identificação do “seu lugar”.
E é por esse viés que a francofonia literária amazônica é um
grande trunfo. Disponibilizar em língua francesa obras da Ama-
zônia é aumentar ainda mais o repertório amazônico dos usuários
neste idioma. É levar uma história brasileira, sul-americana, ainda
desconhecida para muitos interessados nela. A versão de obras em
língua portuguesa para a língua francesa funciona como uma transa-
ção linguística, mas de igual modo, como recriar o outro e colocá-lo
em perspectiva, em performance, no conjunto literário francófono.
E, assim, dar existência ao mundo amazônico em língua francesa.
Alguns exemplos podem ser dados com as traduções das obras
de Márcio Souza [L’Empereur de L’Amazonie (2017) traduzido por
Béatrice de Chavagnac ; Mad Maria (2002), traduzido por Jacques
Thiérot; e La Passion d’Ajuricaba (2012), traduzido por Brigitte Thié-
rion] e as obras de Milton Hatoum [Récit d’un certain Orient (1993)
traduzido por Claude Fages e Gabriel Iaculli; Deux frères (2003) tra-
duzido por Cécile Tricoire; Cendres d’Amazonie (2008) traduzido por
Geneviève Leibrich; Sur les ailes du condor (2005), Orphelins de l’Eldo-
rado (2010) e La Ville au milieu des eaux (2018) traduzidos por Michel
Riaudel].
Somam-se aos autores brasileiros, igualmente, outros autores
dos países que abrangem a região amazônica publicados em francês.
Entretanto, uma antologia publicada na França pela editora Présence
Africaine solta aos olhos, trata-se da Anthologie littéraire des caraïbes et

107
de l’Amazonie (2016), organizada pelas professoras e pesquisadoras
guianenses Martine Buffet e Laetitia Copin. A inovação desta anto-
logia consiste em publicar em francês versões de textos literários de
autores indígenas da região amazônica. Os autores indígenas são
majoritariamente da Guiana Francesa e apresentam seu mundo sin-
gular por meio destes escritos.
Um caso bastante interessante de tradução é o livro La chute du
ciel: Paroles d’un chaman yanomami (2010). O livro é uma “transcrição”
da língua yanomami para a língua francesa. O antropólogo francês
Bruce Albert chega ao Brasil em 1975 para pesquisar a comunidade
Yanomami e com o convívio de mais de 30 anos aprende a língua
desta comunidade indígena. Torna-se grande amigo de Davi Kope-
nawa, chefe xamã ecologista, de quem recebe o pedido de anotar e
publicar para “os brancos” ensinamentos da comunidade Yanoma-
mi (BERH, 2018). O livro, primeiramente, é publicado em francês, e
depois traduzido do francês para a língua portuguesa. Considerado
um grande feito para a antropologia e etnologia brasileira e france-
sa, este ato de francofonia literária revela, singularmente, uma parte
do contexto amazônico, por apresentar o pensamento de uma co-
munidade indígena, até 2010, “totalmente desconhecido” nacional-
mente e internacionalmente.
Por fim, impossível não mencionar Claude Levis-Strauss
(1908-2009), que escreveu em francês muitos livros se remetendo à
Amazônia, em particular, ao Mato Grosso. Sua narrativa etnográfi-
ca Tristes tropiques (1955) é uma das obras mais lidas deste antropólo-
go, divulgando assim ideias sobre a Amazônia, seus imaginários,
alguns comportamentos e saberes dos povos originários a partir da
língua francesa. Importante mencionar que as obras de Levis-Strauss
são referências mundiais sobre a Amazônia, recebendo inúmeras
traduções em muitas línguas, inclusive em português.

FRANCOFONIA LINGUÍSTICA AMAZÔNICA

108
A francofonia literária envolve a francofonia linguística, po-
rém, compete dizer que a francofonia linguística vai além do texto
escrito em língua francesa. Neste sentido, tudo que envolve a língua
francesa e que esteja contribuindo para o desenvolvimento, promo-
ção e difusão da Amazônia, pode, de igual maneira, ser considerado
francofonia linguística amazônica. Assim, aspectos como intercâmbio
de informações, troca de saberes e aprendizagens dos mais diversos
domínios feitos em língua francesa são parte da francofonia linguísti-
ca.
Com este intuito, crescem o número de obras de referência
das línguas indígenas, publicado em versões bilíngues ou trilíngues.
Pode-se mencionar o interesse por dicionários de línguas indíge-
nas, como por exemplo o Chercheurs de mots en terres apalaï et waya-
na (2015), organizado por Elaine Camargo e Amparo Ibañez, em
três línguas: apalaï, wayana e francês. Além de trazer o léxico, o
livro traz mitos aparai e wayana nas línguas originárias e em lín-
gua francesa. Esse tipo de publicação vem se tornando usual nos
estudos dessas línguas originárias por etnohistoriadores, etnólogos
e antropólogos francófonos na região amazônica.
No âmbito audiovisual, a francofonia linguística foi e é pri-
mordial para a Amazônia. Em 1973, o documentário La guerre de
pacification en Amazonie (1973) de Yves Billon chegou a ser proibido
no Brasil por mostrar a exploração da Amazônia a favor de um pro-
gresso nada sustentável. Com o passar dos anos, muitos ativistas e
ambientalistas francófonos também visitaram a região com o intui-
to de cuidado desse patrimônio a fim de registrar determinados fe-
nômenos ambientais (animais raros, plantas desconhecidas, clico de
águas e vegetações, dentre outros) e sociais amazônicos (por exem-
plo: situações sociais constrangedoras de alguns povos acuados por
garimpeiros ou madeireiros).

109
Nesta seara, vale destacar as expedições da família Cousteau
para produzirem diversos documentários (e livros fotográficos) para
a televisão. Segundo João Meirelles Filho (2011, p. 184):
Os documentários da família Cousteau estão presentes no ima-
ginário de milhões de pessoas no mundo todo, interessando
especialistas e, principalmente, o público em geral, tanto pela
qualidade, como pela magia que procuram imprimir ao tema.
O mérito desses trabalhos está em atrair forte atenção sobre a
região tratada. Não há dúvida que a principal fonte de referência
sobre a Amazônia a milhões de pessoas se tornaram as obras
dessas expedições.
O mérito principal está em apresentar as belezas naturais, as co-
munidades locais, os problemas ambientais, entremeando tudo
com os desafios que o ambiente impõe à navegação fluvial e aé-
rea, ao mergulho, à caminhada... Quaisquer que sejam as super-
ficialidades ou pequenos erros, estes são, em muito, superados
pela oportunidade de discutir região tão importante ao planeta
e contribuir para a formação de opinião e conscientização am-
biental.
Trata-se, ainda, de importante registro audiovisual que permi-
tirá, a futuras gerações, comparar com a Amazônia da década
de 1980 e, igualmente, de 2000. Tanto uma como outra são pio-
neiras em registros audiovisuais subaquáticos, com botos, jacaré,
sucuris e peixes de diversas espécies (como tambaqui e aruanã),
além de capturar imagens de animais no meio aquático, como a
ariranha, e de uma preguiça atravessando o rio.
Ao procurar conviver com os animais em habitat, os Cousteau
buscam desmistificar a fama de animais perigosos, muitas vezes
inadequada, e, mais do que isso, expor como é a vida nesses
complexos meandros das florestas tropicais, especialmente áreas
inundadas, de várzea e igapó.

Esses documentários, como os da família Cousteau, ou mes-


mo os mais recentes Amazon Forever (2004) de Jean-Pierre Dutilleux,
Terre Libre (2021) de Gert-Peter Bruch e muitos outros produzidos
por Luc Marescot — seu último documentário é Amazonie, Les mur-
mures de la Fôret (2022) — foram traduzidos do francês para outras

110
diversas línguas. Difundidos em vários espaços e públicos dando
a conhecer parte da Amazônia e aumentando o capital simbólico
desta região como “lugar seguro das mazelas do capitalismo”, nos
termos de Marcílio Freitas (2006). Esse capital simbólico é inten-
sificado igualmente com a tradição do cinema francês gravado no
Brasil5, em que a Amazônia sempre aparece como terra de aventura,
mas também de contato misterioso e admirativo com a natureza. É
possível notar isso em filmes como L’Homme de Rio (1964) e Ama-
zone (2000) de Philippe de Broca; Amazonia (2014) de Thierry Rago-
bert, Babysitting 2 (mission Brésil) de Philippe Lacheau, dentre outros.
Por fim, é interessante mencionar que a francofonia linguís-
tica amazônica também está inserida na questão do francês para
fins específicos e também na promoção de iniciativas francófonas
para a Amazônia. No que tange ao uso da língua francesa para fins
específicos, pode-se citar o uso do francês como uma das línguas de
comunicação e internacionalização da Aliança dos Guardiões e Fil-
hos da Mãe Terra6, que tenta reunir por meio de Comunic[AÇÕES]
a junção de 370 milhões de indígenas distribuídos em mais de 70
países (inclui-se todos da região amazônica), e para isso, usa um
vocabulário muito típico das questões ambientais (como por exem-
plo léxicos da botânica, indústria alimentar, biofarmática, etc.), do
direito indígena e da natureza.
Quanto às iniciativas, para dar alguns exemplos, convém men-
cionar a organização não-governamental Planète Amazone7 fundada
pelo francês Gert-Peter Bruch tendo como objetivo a preservação e
a restauração das florestas e dos ecossistemas, em colaboração com

5  Por vezes, também é dado fomento do governo francês para produções brasileiras em
parceria com a França, como o caso do documentário As Palavras Encantadas dos Hupd’äh
da Amazônia — Mestres de Saberes / Les mots Enchantés des Hupd’äh d’Amazonie — maîtres de
savoirs, narrado pelo professor de etnologia Renato Athias e dirigido pela cineastra franco-
iraniana Mina Rad.
6  Site: < http://allianceofguardians.org/fr/ >.
7  Site: < https://planeteamazone.org/ >.

111
os povos indígenas. Para ela, a língua francesa é elo de comunica-
ção com outras organizações com interesses afins, além de meio
de internacionalização das questões indígenas e amazônicas. Ou-
tra iniciativa interessante é a criação do Centro de Infectologia Charles
Mérieux8 e do Laboratório Rodolphe Mérieux, no Acre. A fundação
Charles Mérieux e Rodolphe Mérieux escolheram Rio Branco para
ser a primeira cidade do Norte brasileiro a ter um laboratório de
alto nível de segurança infectológico como marco no combate de
hepatites virais – problema comum na Amazônia. A construção,
a montagem dos equipamentos e o treinamento dos funcionários
foram todos feitos pela equipe da Fondation Mérieux9, com inter-
mediação da língua francesa. Este centro teve papel fundamental no
combate e no controle da pandemia do corona vírus no Estado do
Acre.
GERMI NAÇÃO
Fui em Clevelândia do Norte
No meu querido Amapá
Mas lá o frio era forte
Eu precisava esquentar
Atravessei de ubá
Atravessei de ubá
Para o lado francês
Pra tomar um tafiá
E quando cheguei lá
Falei meu português
Você não entendeu
Eu falei um pouco em francês
Bounjour mon cher!
Comment ça vá?
Vô, bien merci!
Você como está?
Você vem tomar um tafiá bubuí
Nazaré Pereira

8  Site: < https://cicm-lrm.negocio.site/ >.


9  Informações disponíveis em: < https://www.fondation-merieux.org/ce-que-nous-
faisons/accroitre-acces-diagnostic/mettre-en-place-infrastructures/laboratoire-rodolphe-
merieux-rio-branco-bresil/ >. Acesso em 16 de outubro de 2022.

112
Assim como esta música da acreana Nazaré Pereira, durante
toda a explanação deste texto, tentou-se demonstrar as relações
entre a língua francesa e a Amazônia. Sendo esta relação não es-
tranha ao mundamazônico, mas sim instrumento eficaz para e desta
região. Daí do porquê insistir em referir-se à francofonia amazônica.
Os dados tão dispersos e reunidos neste texto podem intensificar
ainda mais a fundamentação desta relação francófona. Todavia, é
preciso se conscientizar cada vez mais sobre a singularização e lo-
calidade deste tipo de francofonia. É necessário de alguma maneira
“amazonizar” nossos conhecimentos francófonos para que a fran-
cofonia amazônica seja mais presente no ensino, na promoção e na
difusão da Amazônia em língua francesa.
Pensar a francofonia apenas como difusão da cultura europeia,
ou somente como uso da língua francesa para fins colonizadores
e assimiladores, é reduzir a potencialidade da língua francesa que
também tem seu lugar na Amazônia; assim como o espanhol, o ho-
landês, o inglês, o português e as inúmeras línguas indígenas. Afir-
mar a existência de uma francofonia amazônica é subverter a ordem
colonial, ocidental e eurocêntrica dos usos da língua francesa e das
produções de bens culturais em francês.
À guisa de conclusão, é possível pensar em um uso geo-éti-
co da língua francesa. Provavelmente, o fato que mais exemplifique
isso seja a notícia a respeito do banco francês BNP Paribas acusado
de financiar crimes ambientais na Amazônia10. Tal denuncia foi fei-
ta pela ONG francesa Notre Affaire à Tous11, associação de justiça
climática que luta para que as leis do meio ambiente sejam exer-
cidas com eficácia garantindo os direitos da natureza e dos povos
originários. Percebe-se, neste caso, a língua francesa, manifesta no

10  Informações em < https://reporterbrasil.org.br/2022/10/maior-banco-da-franca-


e-denunciado-por-financiar-crimes-socioambientais-na-amazonia/ > e em < https://
www.ledauphine.com/environnement/2022/10/17/bnp-paribas-accusee-par-des-ong-de-
financer-la-deforestation-au-bresil >. Acesso em 17 de outubro de 2022.
11  Site : < https://notreaffaireatous.org/ >.

113
direito francês, sendo usada à favor da Amazônia; assim como se
nota igualmente o uso da língua francesa, expressa em interesses
franceses capitalistas, à favor da destruição da região amazônica.
Isso significa que o modo de uso da língua francesa é que mede, se
de fato, a francofonia amazônica, enquanto defesa e expressão da
cultura deste local, se efetiva ou não.
Que a língua francesa, em seus mais diversos status, possa unir
povos das florestas e dos rios, numa ecologia das línguas, dos sa-
beres amazônicos e das maneiras de ser no e em torno do idioma
gaulês. Que este texto seja apenas o início da germinação de re-
flexões futuras e necessárias sobre a francofonia amazônica. Que
ele possa inspirar, de igual maneira, questionamentos sobre outras
francofonias locais e ainda pouco estudadas. Amazônica é também a
francofonia!

REFERÊNCIAS
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théories euro-occidentales. Tese. Pós-Gradução em Literatura. Paris: Université
Paris-Cité, 2017.
BERTHELOT, Reine. Littératures francofones en classe de FLE – pourquoi e
comment les enseigner. Paris: L’Harmattan, 2011.
COMBE, Dominique. Les littérature francophones – questions, débats, polemi-
ques. Paris: PUF, 2010.
FIGUEIREDO, Eurídice; GLENADEL, Paula (orgs). O Francês e a diferença.
Rio de Janeiro: 7letras, 2006.
FREITAS, Marcílio. Projeções estéticas da Amazônia: um “olhar” para o futu-
ro. Manaus: Valer/EDUA, 2006
GIRÃO, Stéphanie Soares. Ensino de literatura e a formações de professores de
francês na(s) Amazônia(s) brasileira(s). Tese de doutorado. Programa de Pós-
-Graduação em Linguística Aplicada. Campinas, SP, 2021.
LOUREIRO, João de Jesus Paes. Cultura Amazônica – uma poética do imaginá-
rio. Manaus: Valer, 2015.
MEIRELLES FILHO, João. Grandes expedições à Amazônia brasileira – sécu-
lo XX. São Paulo: Metalivros, 2011.
OCTAVIE, Emmelyne. Comme un clou dans le coeur. Paris: JePublie, 2018.

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SANAKER, John; HOLTER, Karin; SKATTUM, Ingse. La francophonie – une
introduction critique. Bergen: Fargbokforlaget, 2015.
SILVA-REIS, D. Mon français et mes élèves à l’Acre: entrevista com o professor
Dagoberto Souza. Muiraquitã: Revista de Letras e Humanidades, [S. l.], v. 1, n.
1, 2022.
SILVA-REIS, Dennys; GYSSELS, Kathleen. Les littératures latino-americaines
d’expression française : vues du Brésil  ou « la malédiction de l’anachronisme »
d’Octavio Paz. In: Caligrama: Revista de Estudos Românicos. Belo Horizonte,
v. 25. N. 3., 2020.
SILVA-REIS, Dennys. Sobre a guianidade literária de expressão francesa – prelú-
dio temático. Revista Communitas. v. 5, n. 10, Abril – Junho/2021.

115
PARTE III
Políticas linguísticas educativas e o
ensino de FLE na Amazônia
CAPÍTULO 6

A EDUCAÇÃO BILÍNGUE FRANCO-


BRASILEIRA NA AMAZÔNIA: UM PROJETO
POLÍTICO-LINGUÍSTICO

Jaqueline Nascimento da Silva Reis

INTRODUÇÃO
Frentes cooperativas diversas ocasionaram a aproximação das
fronteiras Amapá/Brasil e Guiana Francesa/França para além de
questões territoriais. Uma delas foi e tem sido no âmbito educativo.
A década de 1990 foi o período central de articulação entre essas
regiões e também o estágio em que os assuntos educacionais esta-
vam no centro das discussões nacionais e internacionais. Dentre as
ações nessa cooperação transfronteiriça, o ensino da língua francesa
no estado do Amapá e do português no Departamento Ultramari-
no Francês foi uma das iniciativas que permanece até o momento.
No estado amapaense, a mais recente corresponde à implantação de
uma escola pública de ensino bilíngue franco-brasileiro.
Uma medida político-linguística adotada no extremo Norte,
em 2017, o Projeto Escola Bilíngue do Amapá foi o documento que deu
início à implantação da educação bilíngue na Amazônia amapaen-
se. Em 2018, houve a inauguração da Escola Estadual Professora

117
Marly Maria e Souza da Silva, instituição escolhida para a execução
do projeto, cujo nome foi modificado para Escola com Classes Bilín-
gues do Estado do Amapá (2019). Trata-se de uma instituição vincula-
da à administração estadual e localizada na área urbana da capital
Macapá (AP).
Em um contexto diferenciado como o do estado do Amapá,
onde está situada a única fronteira franco-brasileira, a educação
bilíngue português-francês compreendeu um marco importante, lo-
calmente. No Brasil, em termos de normatização, algumas situa-
ções de ensino bilíngue já estão previstas na legislação brasileira,
como é o caso da oferta da educação escolar bilíngue e intercultural
destinada aos povos indígenas e à comunidade surda. Certo reco-
nhecimento dado aos contextos minoritários (grupos de imigrantes,
comunidades em áreas de fronteira, comunidades de surdos) ainda
é recente nos dispositivos legais que tratam do ensino bilíngue.
Neste capítulo, compartilho algumas análises sobre dois pro-
jetos de implantação da escola bilíngue português-francês do estado
do Amapá, assim como alguns documentos da política educacio-
nal brasileira, nos quais identifico o amparo legal e as concepções
de educação bilíngue expressas nesses textos. Para isso, exploro os
conceitos de bilinguismo e de educação bilíngue, na visão de pes-
quisadores. Em seguida, discuto os marcos regulatórios que versam
sobre educação bilíngue no Brasil. Por fim, discorro sobre o projeto
bilíngue franco-brasileiro implementado no estado do Amapá.

BILINGUISMO OU EDUCAÇÃO BILÍNGUE? ALGUNS CONCEITOS


Atualmente, a educação bilíngue se apresenta com definições,
objetivos e tipos variados. Sendo assim, para entender as concep-
ções de ensino bilíngue, que estão materializadas nos documentos
construídos para uma escola pública do estado do Amapá, e para
compreender o que vem a ser um programa de educação bilíngue, é

118
fundamental iniciar um diálogo a partir das bases conceituais sobre
bilinguismo.
As primeiras definições de bilinguismo presentes na literatura
remontam uma tendência mais preocupada em aferir a proficiên-
cia em duas línguas. Com o tempo, os estudos passaram a consi-
derar as situações de contato, a fim de investigar o uso das línguas
e seus contextos. Como precursores nas definições de bilinguismo,
Fthenakis et al. (apud SAVEDRA, 2009) destacam como ponto de
partida duas tendências para o conceito, as quais influenciaram vá-
rios estudos subsequentes. Na primeira, o bilinguismo é visto como
competência e, na segunda, como função. Independente do grau
de domínio mínimo ou completo, as definições sobre bilinguismo
partem do uso de duas línguas.
Savedra (2009) define o bilinguismo como sendo um “fenôme-
no relativo”, dada a falta de exatidão dos conceitos e o parâmetro
estabelecido por dois contextos de aquisição: o natural e o familiar.
Na conclusão da pesquisadora, o bilinguismo é “a situação em que
coexistem duas línguas como meio de comunicação num determi-
nado espaço social” (SAVEDRA, 2009, p. 127-128).
Como raízes históricas do moderno modelo de ensino, La-
gares (2018) menciona que em países como Estados Unidos, In-
glaterra e Suécia, a educação bilíngue resultou de um contexto de
imigração, no qual havia um apelo à igualdade de oportunidades
educacionais que possibilitasse a integração de imigrantes, portan-
to, Lagares (2018, p. 84) conclui que o “ensino bilíngue surge como
reivindicação pelos direitos linguísticos de minorias nacionais”. 
Atualmente, para Lagares (2018), o bilinguismo tem sido uti-
lizado como um termo “guarda-chuva” que serve para cobrir duas
situações distintas: o ensino que utiliza duas línguas e o ensino para
crianças de línguas minoritárias. Para o autor, no primeiro, o bi-
linguismo é um veículo que serve às atividades educacionais. No
segundo caso, nem se insere no currículo escolar.

119
Nesse último sentido, a educação bilíngue pode ser de dois tipos:
transitória, com o objetivo de assimilar social e culturalmente a
criança à língua majoritária; e de manutenção, procurando aco-
lher a língua minoritária para reforçar a identidade cultural da
criança e da comunidade a que pertence (LAGARES, 2018, p.
84, grifos do autor).

Percebo que a presença do bilinguismo no contexto escolar re-


fletia interesses do campo político que, ao colocar falantes de outras
línguas em um ensino ministrado em uma única (e diferente) lín-
gua de instrução, necessitaria de intervenções para inserção desses
falantes ao contexto da língua majoritária. Assim, o ensino bilín-
gue foi incluído no sistema educacional, no primeiro caso, em favor
da manutenção da língua majoritária, ou seja, da permanência do
monolinguismo. Já na educação bilíngue de manutenção, tenciono
uma possibilidade de ensino com um viés social. Em suma, Lagares
(2018) afirma que o que se observa na maioria das instituições de
ensino, que ofertam o ensino em duas línguas, é apenas a adição de
mais horas na carga horária.
Na linha teórica que concebe a educação bilíngue como sinô-
nimo de mais horas de contato com a língua adicional, outra defini-
ção, proposta por Gajo (2009), direciona o conceito de educação bi/
plurilíngue ao ensino de Disciplinas Não Linguísticas (DNL), como
Ciências e Matemática, sendo ministradas na língua adicional de
forma completa ou parcial. Assim sendo, a definição construída
profere um educar bilíngue não como um ensino de língua, mas um
ensino que utiliza mais de uma língua como canal de comunicação,
podendo ocorrer por meio de uma ou várias disciplinas não linguís-
ticas (HÉLOT, 2008; GAJO, 2009).
Pensando nos objetivos que justificam uma Educação Bilín-
gue (EB), Lagares (2018) apresenta a divisão proposta por Baker
(2001) que elenca dez tipos de EB divididos em dois grupos: formas

120
fracas e formas fortes para o bilinguismo. Explorando a descrição de
cada tipo, temos o seguinte quadro:
Quadro 1 - Tipos de Educação Bilíngue: formas fracas e formas fortes
Formas fracas de ensino bilíngue Formas fortes de ensino bilíngue
Submersão linguística: é empregada
em situações de contato em que a Ensino bilíngue por imersão: objetiva
língua de instrução é exclusivamente que os alunos sejam efetivamente
a língua hegemônica, objetivando sua bilíngues, com currículo escolar
assimilação e domínio por crianças estruturado para esse fim.
minorizadas.
Submersão linguística com aulas de
retirada: segue o modelo acima com Manutenção e ensino bilíngue em
a adição de aulas extraclasse para língua patrimonial: emprega a língua
reforçar a competência na língua minoritária como meio de instrução
hegemônica. a crianças de um meio social em que
Ensino segregacionista: uma outra língua é hegemônica. As horas
imposição monolíngue na língua destinadas a cada língua podem
minoritária, isto é, não se trata de uma variar de acordo com as condições
escolha feita pelo grupo linguístico sociais, mas a preferência deve
minorizado, mas sim consequência ser atribuída à língua minoritária,
da interferência da comunidade visto que a hegemônica já circula,
linguística dominante para evitar a predominantemente na sociedade.
integração.
Ensino bilíngue de dupla direção:
Ensino bilíngue transitório: o modelo
veiculado nas duas línguas, a
inicial oferta a língua minoritária nos
minoritária e majoritária. Acontece
primeiros anos de escolarização e
em contextos em que há um número
depois segue o aprendizado na língua
igual de falantes de ambos os idiomas.
dominante, em um modelo de ensino
A instrução deve ocorrer em dias
monolíngue.
alternados.
Ensino geral (com uma língua
estrangeira): a língua de instrução é
a língua hegemônica com a adição Ensino bilíngue geral: estruturado
de algumas horas de ensino na língua para o uso de duas línguas
adicional. majoritárias, a língua europeia e a
de colonização, por exemplo. Outro
Ensino separatista: ensino em língua exemplo seria as escolas destinadas às
minoritária que visa o monolinguismo elites que almejam um multilinguismo
como estratégia de independência com línguas de prestígio.
do grupo minoritário, por razões
nacionalistas ou religiosas.
Reis (2022).

121
Observa-se (Quadro 1) o ensino bilíngue dividido em dois ti-
pos: formas fracas e fortes. Acima, noto que as formas fracas objeti-
vam a inclusão das crianças de grupos minoritários ao contexto da
língua dominante ou à oferta de mais horas de uma língua estran-
geira no ensino geral. Já as formas fortes visam um desenvolvimen-
to linguístico que utiliza ambas as línguas de maneira que uma não
se sobreponha a outra, para tornar os aprendizes efetivamente bilín-
gues. Essa última classificação parte de contextos que necessitam/
incentivam a educação bilíngue.
Com base nas definições, compreendo o modelo de educação
bilíngue/plurilíngue como um sistema complexo que requer um ca-
minhar cauteloso, não só dos implementadores, como também dos
que estão cotidianamente colocando em prática essa ação. No que
tange à educação escolar bilíngue, buscar formas fortes de ensino
bilíngue seria o caminho para o êxito de um modelo dessa natureza.

MARCOS REGULATÓRIOS DA EDUCAÇÃO BILÍNGUE NO


BRASIL: QUAIS POLÍTICAS?
O trajeto das políticas educacionais está marcado por escolhas
e intervenções no campo linguístico. Em que pese as definições de
normatizações nessa área de estudos, as situações de ensino bilín-
gue também têm caminhado para a luta por amparo legal nos docu-
mentos oficiais.
Na Política Linguística (PL), o principal agente é o Estado
que, de forma intervencionista, ocupa-se de escolhas conscientes
que repercutem nas relações entre língua e fatos sociais (CALVET,
2002). Há duas formas de gerir as situações plurilíngues: a in vivo
e a in vitro. A primeira corresponde às intervenções que são prove-
nientes das práticas sociais, isto é, das situações de comunicação
com as quais os falantes de diferentes línguas são confrontados pelo
contato linguístico cotidianamente.  Quanto às situações in vitro,
a abordagem que vem do poder, conforme postula Calvet (2002),

122
são práticas, previamente analisadas por linguistas e esses vão cons-
truindo suas proposições, as quais serão as bases das escolhas dos
implementadores da política.
Além do Estado, ativistas, professores e pesquisadores são
exemplos de agentes capazes de intervir nas decisões que abarcam
a linguagem. Assim, outro termo tem sido explorado como área
de estudos mais ampla que a PL: a glotopolítica. Para Guespin e
Marcellesi (1986), toda decisão que modifica as relações sociais, do
ponto de vista do linguista, deve ser interpretada como uma decisão
glotopolítica.
Identificando as decisões nas políticas educacionais (EVAN-
GELISTA, 2012) e linguísticas no que se refere ao ensino bilíngue,
a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) de 1996
menciona essa modalidade ao tratar da educação destinada aos po-
vos indígenas.
Art. 78. O Sistema de Ensino da União, com a colaboração das
agências federais de fomento à cultura e de assistência aos ín-
dios, desenvolverá programas integrados de ensino e pesquisa,
para oferta de educação escolar bilíngue e intercultural aos povos in-
dígenas, com os seguintes objetivos:
I - Proporcionar aos índios, suas comunidades e povos, a recupe-
ração de suas memórias históricas; a reafirmação de suas identi-
dades étnicas; a valorização de suas línguas e ciências;
II - Garantir aos índios, suas comunidades e povos, o acesso às
informações, conhecimentos técnicos e científicos da sociedade
nacional e demais sociedades indígenas e não-índias (BRASIL,
1996, grifo nosso).

Pude depreender que o tipo de ensino a ser ofertado caracte-


riza um ensino bilíngue de manutenção (BAKER apud LAGARES,
2018), propondo o ensino da língua minoritária em um contexto
que outra língua é hegemônica, ficando restrita à comunidade a pre-
servação da sua memória, dissociando-a de um processo histórico
que diz respeito à formação de toda uma nação. No que se refere

123
ao nível de ensino do modelo bilíngue às comunidades indígenas, a
LDB de 1996 sinaliza a utilização de duas línguas no ensino funda-
mental e médio.
Por meio da Lei n. 14.191 de 2021 (alteração na LDB), outra
possibilidade de educação escolar bilíngue foi prevista: a Educação
Bilíngue para surdos. Tal inserção reflete uma longa jornada de rei-
vindicações da comunidade surda. No início do século XXI, obser-
vamos o reconhecimento jurídico da Língua Brasileira de Sinais e
a inclusão dos alunos surdos e ouvintes em escolas ou classes bilín-
gues presentes nas instituições federais de ensino responsáveis pela
Educação Básica (BRASIL, 2002, 2005). Na redação dada pela Lei
14.191 de 2021,
Art. 60-A. Entende-se por educação bilíngue de surdos, para os
efeitos desta Lei, a modalidade de educação escolar oferecida
em Língua Brasileira de Sinais (Libras), como primeira língua,
e em português escrito, como segunda língua, em escolas bilín-
gues de surdos, classes bilíngues de surdos, escolas comuns ou
em polos de educação bilíngue de surdos, para educandos sur-
dos, surdo-cegos, com deficiência auditiva, sinalizantes, surdos
com altas habilidades ou superdotação ou com outras deficiên-
cias associadas, optantes pela modalidade de educação bilíngue
de surdos (BRASIL, 2021).

Diferentemente do modelo bilíngue das comunidades indíge-


nas, no parágrafo segundo do Art. 60-A da lei de 2021, determina-se
que a oferta de educação bilíngue de surdos iniciará ao zero ano, na
educação infantil, e se estenderá ao longo da vida. São incorporados
os artigos 78-A e 79-C, os quais discorrem que os sistemas de ensino
ficam encarregados de desenvolver programas integrados de ensino
e pesquisa para oferta de educação escolar bilíngue e intercultural
também aos estudantes surdos, surdo-cegos, com deficiência audi-
tiva sinalizantes, surdos com altas habilidades ou superdotação ou
com outras deficiências, cabendo à União apoiar, técnica e financei-
ramente, os sistemas de ensino no provimento desse modelo.

124
São práticas que demonstram certos avanços em duas situa-
ções linguísticas bem distintas e que configuram possibilidades de
uma abertura ao bi/plurilinguismo no contexto escolar. No entanto,
apesar dessas ações ligadas à prática glotopolítica nacional, destaco
que a realidade linguística de comunidades quilombolas, de regiões
fronteiriças e de imigrantes não foram, juridicamente, reconhecidas
em âmbito federal.
Em decorrência do grande número de escolas autodenomi-
nadas bilíngues e seus diversos modelos utilizando línguas adicio-
nais, em 9 de julho de 2020, uma comissão composta por quatro
membros do Conselho Nacional de Educação (CNE) votou pela
aprovação das Diretrizes Curriculares Nacionais para a oferta de
Educação Plurilíngue1. Aprovada pela Câmara de Educação Básica
(CEB), a resolução se lança como um documento para orientar a
comunidade escolar e esclarecer o entendimento da concepção de
educação bilíngue. Tendo em vista a ausência de orientações nacio-
nais, o texto cita o ensino bilíngue ministrado em regiões de fron-
teira como uma experiência de grande relevância para justificar a
construção das diretrizes.
Segundo as diretrizes, a educação plurilíngue ou bilíngue
implica menos o ensino de língua e mais o aprendizado da lín-
gua adicional pelo uso estruturado em conteúdos e contextos
culturais relevantes. Esse entendimento não impede diferentes
formulações metodológicas e políticas educacionais que con-
templem diferentes formatos de educação plurilíngue, desde que
sejam considerados seus aspectos fundantes (BRASIL, 2020, p.
16).

No Art. 2º do Projeto de Resolução fica instituído que as Es-


colas Bilíngues são as que promovem um currículo único, integrado
e ministrado em duas línguas de instrução, “visando ao desenvolvi-
mento de competências e habilidades linguísticas e acadêmicas dos

1  Processo de n.: 23001.000898/2019-20 do Conselho Nacional de Educação, parecer


CNE/CEB n° 2/2020. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/component/content/
article/30000-uncategorised/90801-educacao-plurilingue. Acesso em: 16 jan. 2022.

125
estudantes nessas línguas” (BRASIL, 2020, p. 24). Nos parágrafos
do referido artigo, há outros detalhamentos.
§ 1º Somente podem utilizar a denominação de escola bilíngue
aquelas que se enquadrarem nos termos deste artigo.
§ 2º As Instituições educacionais que ofertem todas as etapas
da educação básica (Educação Infantil, Ensino Fundamental e
Ensino Médio) devem ter projeto pedagógico bilíngue que con-
temple todas as etapas, para que possam ser denominadas como
escolas bilíngues, cuja implantação pode se dar gradativamente
(BRASIL, 2020, p. 24).

No capítulo que trata da carga horária, o parâmetro estabele-


cido para a educação infantil e para o ensino fundamental foi o de
no mínimo 30% (trinta por cento) e, no máximo, 50% (cinquenta
por cento) das atividades curriculares ministradas na língua adicio-
nal. Já no ensino médio, o tempo de instrução na língua adicional
é de, no mínimo, 20% (vinte por cento) da carga horária na grade
curricular oficial, podendo incluir itinerários formativos na língua
adicional.
O Projeto de Resolução ainda determina que o currículo bilín-
gue deve ser ofertado a todos os estudantes. Caso contrário, quando
o currículo bilíngue for oferecido em caráter optativo, inserido nas
atividades extracurriculares ou complementares, a escola deve des-
tacar que a instituição não se enquadra como escola bilíngue, nos
termos do Art. 2º do documento (caso entre em vigência).
Enquanto o Projeto de Resolução aguarda homologação, a
oferta de línguas estrangeiras nas escolas segue o que é previsto nos
documentos oficiais em vigor. O marco regulatório mais recente é
a Lei 13.415/2017. A partir dessa alteração na Lei de Diretrizes e
Bases da Educação, o parágrafo quinto do Art. 26 passou a vigorar
com a seguinte redação:
Art. 26 [...]
§ 5º No currículo do ensino fundamental, a partir do sexto ano, será
ofertada a língua inglesa. 
Art. 35-A [...]

126
§ 1º A parte diversificada dos currículos de que trata o caput do art.
26, definida em cada sistema de ensino, deverá estar harmoni-
zada à Base Nacional Comum Curricular e ser articulada a par-
tir do contexto histórico, econômico, social, ambiental e cultural.[...]
§ 4º Os currículos do ensino médio incluirão, obrigatoriamente, o estudo
da língua inglesa e poderão ofertar outras línguas estrangeiras, em cará-
ter optativo, preferencialmente o espanhol, de acordo com a disponi-
bilidade de oferta, locais e horários definidos pelos sistemas de
ensino (BRASIL, 2017, grifos nossos).

Na alteração dada pela Lei n. 13.415/2017, a língua ingle-


sa passou a ser mencionada como componente curricular da base
comum, a ser ofertado nos anos finais do ensino fundamental e de
oferta obrigatória no ensino médio. Outras línguas, como é o caso
da língua francesa, continuam sendo ofertadas na parte diversifica-
da ou nos itinerários formativos (ensino médio) se assim os sistemas
de ensino quiserem e puderem ofertar.

O MODELO BILÍNGUE FRANCO-BRASILEIRO: O CONTEXTO DA


IMPLANTAÇÃO
Por seu contexto histórico-geográfico-regional, a questão fron-
teiriça impeliu decisões no campo linguístico, no estado do Amapá,
por meio de uma dinâmica política de cooperação educativa na qual
a língua passou a compor um dos eixos estratégicos nessa relação.
Com a forte tendência do modelo bilíngue, segundo o Institut Fran-
çais Brasil, a educação bilíngue se tornou uma prioridade para a
Embaixada da França no Brasil, chegando, por sua vez, ao estado
amapaense.
O planejamento do Projeto Escola Bilíngue do Amapá iniciou
mediante solicitação da Embaixada da França no Brasil, por meio
de sua Adida de Cooperação, à Associação dos Professores de Fran-
cês do Amapá (APROFAP). A entidade civil encaminhou o convite
à Secretaria de Estado da Educação para que o Governo do Esta-

127
do do Amapá garantisse a viabilidade de implantação do modelo
(AMAPÁ, 2019).
Na página oficial da APROFAP, é possível acompanhar as
primeiras reuniões com a secretaria estadual. Em 21 de fevereiro
de 2017, a diretoria da associação reuniu com a Assessoria de Rela-
ções Internacionais do Governo do Amapá. Em março do mesmo
ano, foi instaurado um comitê de Educação na Fronteira composto
por membros locais que atuavam no ensino da língua francesa no
estado. O grupo deveria se encarregar das demandas relacionadas
ao ensino-aprendizagem do francês, assim como impulsionar as
relações Brasil-França. Posteriormente, constituiu-se uma equipe
de elaboração específica para o projeto de uma escola com classes
bilíngues.
A comissão responsável pela elaboração do projeto foi efetiva-
da mediante Portaria de n. 0103/2017 - SEED. Assim, os grupos in-
cluídos na primeira versão do documento foram, além de membros
da APROFAP, servidores lotados na Secretaria de Estado da Edu-
cação do Amapá (SEED/AP), docentes da Universidade do Estado
do Amapá (UEAP), do Centro Cultural Franco Amapaense e do
Centro de Língua e Cultura Francesa Danielle Mitterrand. A equipe
de elaboração recebeu o acompanhamento de profissionais da Es-
cola Estadual José Carlos Mestrinho, de Manaus (AM), instituição
de ensino bilíngue português-francês para o Ensino Médio Integral.
Após a implantação do projeto, iniciada em 2018, a primeira
versão foi revisada por uma equipe composta por professores já lo-
tados na Escola Estadual Professora Marly Maria e Souza da Silva
(EEPMMSS), que tiveram suas participações regulamentadas por
meio da Portaria de n. 013/2019- SEED.
Ao adentrarmos nas análises das duas versões do documento,
conforme a abordagem de Bardin (2016), tem-se então um primeiro
projeto construído para atender todo o ensino fundamental e um
segundo direcionado somente aos anos iniciais. Na identificação

128
dos projetos, observa-se na primeira denominação (Projeto Escola
Bilíngue) uma referência à totalidade, isto é, a escola como um todo
se caracteriza como bilíngue, enquanto que, na segunda denomina-
ção (Escola com classes bilíngues), restringe-se às turmas a função
de serem bilíngues.
No estado do Amapá, o tom valorativo dado ao aprendizado
da língua francesa se organizou em torno do seu singular contexto
fronteiriço.
O Estado do Amapá, localizado na fronteira com a Guiana
Francesa, apresenta um contexto de fatores geográficos, so-
ciais, políticos e culturais, onde a “alteridade surge como um
valor fundamental”, e cujos “limites possibilitam um jogo entre
proximidade e distância [...], uma aventura do conhecimento,
como uma abertura ao diálogo” (SILVEIRA, 2005, p. 28). Desta
forma, requer-se da população amapaense o conhecimento da Língua
Francesa, não apenas para mera comunicação, mas para propi-
ciar à população, a troca de experiências que favoreçam o exercí-
cio pleno da cidadania e, por assim dizer, da ascensão social promovida
pela educação (AMAPÁ, 2019, p. 8, grifos nossos).

Vemos um discurso que destaca a posição geográfica da fron-


teira Amapá/Brasil e Guiana Francesa/França como contexto de
favorecimento às trocas linguísticas, colocando o ensino da língua
francesa como caminho para ser um cidadão do mundo. Para San-
tos (2018, p. 113) a possibilidade dessa existência “é condicionada
pelas realidades nacionais”, ou seja, o cidadão só existe (ou não)
como cidadão de um país. O autor acredita na possibilidade de ci-
dadania plena das pessoas desde que o olhar para as soluções esteja
centrado para o que está dentro, isto é, no plano local.

129
Figura 1 - Frente da Escola Estadual Professora Marly Maria e Souza da Silva

Fonte: Blog de Notícias Seles Nafes (2018).

No texto imagético (figura 1), tem-se a presença das bandeiras


na calçada da EEPMMSS como símbolo dessas relações bilaterais e
da presença do lado francês na instituição. Ressalto que na justifica-
tiva do projeto, a implantação da educação bilíngue foi mencionada
como ação que marcaria a continuidade ao fortalecimento das rela-
ções estabelecidas entre Amapá/Brasil e Guiana Francesa/França,
por meio da Embaixada da França e do Rectorat da Guiana.
Tendo em vista que o projeto Escola Bilíngue do Amapá car-
rega esse potencial, a singularidade do contexto da sua implantação
requer um olhar central. Por um lado, há contextos que poderiam ser
priorizados nessa relação bilateral, como o município de Oiapoque.
Por outro, sendo um estado fronteiriço, o ensino da língua francesa
apresenta uma representatividade em todo o estado amapaense.
No objetivo geral das duas versões do projeto, a proficiência
em língua francesa é expressa como indispensável para as relações
no campo internacional, no que tange às vantagens econômicas e
sociais em sua aquisição, sendo necessário
Implantar uma escola bilíngue na rede estadual de ensino que
proporcione aos estudantes conhecimentos e informações ne-

130
cessárias para o domínio da Língua Francesa, para que possa ser
utilizada na formação acadêmica, inclusive em intercâmbios em paí-
ses que adotam a Língua Francesa enquanto idioma nacional,
tornando-os cidadãos melhor preparados ao mercado de trabalho e ao
mundo (AMAPÁ, 2017, p. 8, grifos nossos).

Notamos, nos dois documentos, que a implantação do modelo


bilíngue se baliza nas vantagens acadêmicas e profissionais que a
formação é capaz de assegurar ao futuro dos estudantes.
Sobre o conceito de educação bilíngue, os documentos con-
têm os mesmos aportes teóricos da proposta pedagógica da Escola
Estadual José Carlos Mestrinho, do Amazonas, partindo de defini-
ções dicionarizadas, como do dicionário de linguagem e linguística
de Trask (2004), o qual define “bilíngue” como aquele que tem/
fala duas línguas. Também destacam os estudos de Hamers e Blanc
(2000), os quais compreendem bilinguismo como um fenômeno
multidimensional, isto é, no qual incidem fatores extralinguísticos,
como os aspectos culturais. Ainda citam os estudos de Valdés e Fi-
gueroa (1994) que sugerem, além de fatores relacionados à idade,
ao ritmo de aprendizagem, ao desempenho e à proficiência, o de-
senvolvimento sociolinguístico e os contextos de aquisição de cada
língua. Mencionam os estudos de Baker (2000, 2001) para destacar
a qualidade e a eficiência dos estudantes bilíngues em comparação
aos indivíduos monolíngues e às perspectivas promissoras nas esfe-
ras econômica e política (mercado de trabalho, turismo, transporte
internacional, comunicação, tecnologia e educação, por exemplo)
para uma pessoa bilíngue.
Explorando a organização curricular, carga horária e critérios
descritos nos dois documentos, a fim de compará-los com a propos-
ta das Diretrizes Curriculares Nacionais para a oferta de educação
plurilíngue, construí um quadro síntese:

131
Quadro 2 - Currículo do projeto bilíngue do Amapá
1ª versão “Escola Bilíngue do 2ª versão “Escola com
Projetos
Amapá” (2017) classes bilíngues” (2019)
Currículo único e integrado
Currículo único e integrado
com disciplinas da Base
com disciplinas da Base
Organização Comum sendo ministradas
Comum sendo ministradas em
curricular em língua portuguesa e
língua portuguesa e da parte
da parte diversificada em
diversificada em francês.
francês.
Para os anos iniciais, módulo/
aula de 50 minutos totalizando
38,09% da carga horária anual,
sendo: dois módulos/aula Somente anos iniciais, sendo
para o componente Francês 19,04% da carga horária
Língua Estrangeira, quatro anual destinada ao contato
módulos para Matemática e com a língua adicional,
Carga dois para Ciências. Para os distribuída em dois módulos
horária anos finais, a escola apresenta para Língua Estrangeira/
38,41% de sua carga horária Francês, um módulo para
destinada ao contato com a Matemática e um para
língua adicional, através dos Ciências. O módulo/aula é
componentes Arte, Geografia, de 60 minutos.
Estudos Amazônicos e Língua
Estrangeira/Francês, cada um
com dois módulos/aula.
Modelo a ser implantado de
forma gradativa, iniciando
Modelo a ser implantado de com as turmas de 1° ano.
forma gradativa, iniciando com Quando o currículo bilíngue
Critérios
as turmas de 1° ano até atingir estiver em todos os anos, o
todo o ensino fundamental. projeto retoma o título da
primeira versão de “Escola
Bilíngue”.
Fonte: Reis, Souza e Barleta (2022).

Percebo que a proposta se alinha à concepção apresentada por


Gajo (2009), o qual explora o conceito de educação bi/plurilíngue
como o ensino de disciplinas não linguísticas (DNL), como Ciên-
cias e Matemática, sendo ministradas na língua adicional de forma
parcial. Caso as DCN sejam homologadas, verifico que a segun-
da versão deverá ser submetida à reformulação, pois não atende ao

132
mínimo da carga horária exigida para ser denominada de “escola
bilíngue”.
Em relação às formas fracas e fortes de educação bilíngue, é
possível concluir que as duas versões não se enquadram em uma
forma forte de ensino bilíngue (BAKER, 1997 apud LAGARES,
2018), visto que o currículo não permite um ensino por imersão ou
uma oferta de carga horária similar para uso da língua oficial e da
língua adicional.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
O estudo ora apresentado objetivou analisar as concepções e
políticas em torno da educação bilíngue na Amazônia amapaen-
se. Inicialmente, discuti algumas bases conceituais sobre bilinguis-
mo e educação bilíngue, explorando as diferenças entre os termos,
com vistas à compreensão de definições e tipos existentes. A fim de
problematizar, porém de forma a não exaurir, abordei os marcos
regulatórios para a educação bilíngue (língua materna – língua es-
trangeira) no Brasil.
Apesar de citar a oferta de ensino bilíngue atrelada a um con-
texto de fatores geográficos, sociais, políticos e culturais, os projetos
construídos no Amapá possuem uma organização curricular e uma
distribuição de carga horária que não destaca seu diferencial para a
região franco-brasileira. Assim, foi possível elucidar que há um mo-
delo que corresponde à oferta de disciplinas não linguísticas sendo
ministradas na língua adicional de forma parcial (GAJO, 2009). A
língua adicional é utilizada como língua de instrução, mas as horas
destinadas são mínimas se comparadas à de língua portuguesa (lín-
gua oficial).
Já que não se trata de uma demanda para atender uma ofer-
ta de ensino para crianças de línguas minoritárias, também não é
possível classificar o projeto bilíngue franco-brasileiro como uma
forma forte de manutenção e ensino bilíngue em língua patrimonial.

133
De posse dos aportes teóricos de Baker (apud LAGARES, 2018),
foi possível classificar como um “ensino geral (com uma língua es-
trangeira)” que o autor nomeia de “forma fraca de ensino bilíngue”,
pois a língua de instrução é predominantemente a língua hegemôni-
ca (no Brasil, a língua portuguesa) com a adição de algumas horas
de ensino na língua adicional (língua francesa).
Apesar de compreender as limitações temporais ligadas às
pesquisas, de forma geral, principalmente as de âmbito político-do-
cumental, ressalto que este estudo contribui para um caminho in-
vestigativo político-linguístico sobre o projeto em vigor no estado
do Amapá. De um lado, haverá a necessidade de seu alinhamento à
proposta das Diretrizes Curriculares Nacionais para oferta de Edu-
cação Plurilíngue e, do outro lado, a tarefa de (re)pensar a concep-
ção de educação bilíngue, levando em consideração a especificidade
local.

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São Paulo: Contexto, 2004.
VALDÉS, Guadalupe; FIGUEROA, Richard A. Bilingualism and Testing: A
Special Case of Bias. Norwood, Ablex, 1994
.

136
CAPÍTULO 7

BI/MULTILINGUISMO INFANTIL NA
EDUCAÇÃO ESCOLAR: RECOMENDAÇÕES
PARA PROFESSORES DA FRONTEIRA
FRANCO-BRASILEIRA

Mayara Priscila Reis da Costa

INTRODUÇÃO
Por saber que a preparação de professores com foco na educa-
ção para o bi/multilinguismo ainda ser uma atividade especializa-
da (LUCAS, 2010), poucos são aqueles que conseguem oferecer a
igualdade de oportunidades às crianças bi/multilíngues a fim de po-
tencializar as suas experiências e habilidades linguísticas para além
do idioma da sala de aula.
A isso se soma a pouca ou nenhuma atenção dada pelas polí-
ticas públicas educativas em relação ao papel central da linguagem
no processo de ensino-aprendizagem, uma vez que a maioria dos
programas educacionais atua numa perspectiva do monolinguismo.
Isso, de certa forma, exclui as crianças bi/multilíngues de uma edu-
cação plena, cuja dignidade humana, identidade cultural, direitos e
liberdades fundamentais são e vêm sendo negligenciados (UNICEF,
2019; YIP, GARCÍA, 2018).

137
Diante disso, apresenta-se, neste capítulo, um conjunto de
recomendações pedagógicas para acolher crianças falantes de lín-
guas diferentes daquela que é utilizada na sala de aula. Tais reco-
mendações, sustentadas por uma pesquisa de doutorado, podem ser
desenvolvidas e ajustadas por todos os profissionais da educação,
inclusive pelos docentes de disciplinas não linguísticas e pela gestão
escolar.
Para isso, torna-se fundamental compreender o lugar de onde
se fala (da fronteira franco-brasileira) e de como este lugar delineia e
norteia as concepções e as experiências (bi/multi)linguísticas e (bi/
multi)culturais dos professores da educação infantil, em particular
daqueles que atuam nas escolas urbanas de Oiapoque (Amapá, Bra-
sil). Com base neste enquadramento, é feito o convite aos leitores,
professores e demais pesquisadores interessados na área da educa-
ção para refletirem sobre a sua prática pedagógica atual, bem como
visualizarem estas recomendações como possibilidades de aplica-
ção em seus próprios ambientes institucionais.

PERSPECTIVAS LINGUÍSTICAS
Toda sociedade é falante de pelo menos uma língua materna
(LM), que é o primeiro sistema gramatical construído pelas crianças
na sua interação com os outros (CHOMSKY, 1965), cuja aquisi-
ção e desenvolvimento são processos extremamente complexos e
extraordinários (SIM-SIM; SILVA; NUNES, 2008).
Assim sendo, a LM delimita as fronteiras linguísticas, co-
municativas e culturais de todos os falantes de uma comunidade,
tornando-se uma das peças-chave na construção da sua identidade
e diferença com sentimento de pertencimento social (LUCAS;
VILLEGAS, 2014; SILVA, 2000). A esse sentido, a LM é também
considerada o recurso humano mais relevante, completo e poderoso
que possibilita o acesso a diferentes fontes de conhecimento de um
ou vários grupos sociais (MOHANTY, 2022).

138
De maneira interessante e independente dos contextos em que
estão inseridas, as crianças podem adquirir e desenvolver uma segun-
da língua (SL) após terem iniciado o seu percurso linguístico e cultu-
ral na LM (MADEIRA, 2017). Assim, a SL passa a ser compreen-
dida como um idioma não nativo, usado e aprendido em diferentes
situações comunicativas formais ou informais. No entanto, adquirir
uma SL implica muito mais que o aprendizado de palavras novas,
pois o falante precisa ser capaz de produzir toda uma fonética com
suas regras gramáticas implícitas, associadas a significados culturais
próprios de uma outra comunidade que as utiliza em um certo mo-
mento sócio-histórico (SIM-SIM; SILVA; NUNES, 2008).
Em relação aos cenários formais, cada país possui pelo menos
uma língua oficial (LO), a qual é obrigatória, legitimada e materiali-
zada em distintas situações institucionais (SAVEDRA; LAGARES,
2012). Dessa forma, a LO é também considerada a língua de escola-
rização, porque se torna responsável pela comunicação e interação
nos ambientes escolares. No Brasil, a língua portuguesa é a LO e,
consequentemente, a sua língua de escolarização (BRASIL, 1988).
E, além deste idioma, coexistem mais de 200 línguas faladas1, tor-
nando o Brasil um país multilíngue e multicultural.
Contrariamente à noção de LO, tem-se a definição de língua
estrangeira (LE), entendida como um outro idioma oficial em um
lugar que não possui reconhecimento político-administrativo (LEI-
RIA, 2004). A este sentido, nas escolas, o ensino-aprendizagem de
LE se dedica à fluência e à proficiência de outras línguas oficiais e
suas respectivas culturas, estando limitada a contextos de instrução
formal e, na maior parte das vezes, sem o contato direto fora da
sala de aula (FLORES, 2013). Diante disso, a LE pode ser uma das
línguas de escolarização e este é o lugar e o estatuto formal que a
língua francesa ocupa no cenário educativo brasileiro.

1  Etnologue Languages of the World. Disponível em: https://www.ethnologue.com/.


Acesso em: 02 maio. 2022.

139
No entanto, há contextos em que a noção de SL restringe a
condição linguística dos indivíduos que possuem diferentes línguas
e culturas nativas, uma vez que estes sujeitos podem ser fluentes em
mais de dois idiomas (WEI; GARCÍA, 2022). Desse modo, a língua
adicional (LA) é utilizada como um hiperônimo para agregar todas
as possibilidades e diferentes formas de aquisição linguística para
além de uma LM (LÔPO RAMOS, 2021). E, de forma paralela,
a noção de língua não materna (LNM), em oposição à LM, também
compreende as mesmas condições linguísticas que LA (MADEI-
RA, 2017).
Além desses, outros conceitos relevantes são o de bilinguismo e
o de multilinguismo. Ambos se referem à caracterização de usuários
que possuem competências linguísticas e comunicativas em dois ou
mais idiomas, respectivamente. Nessa perspectiva, a aquisição e o
desenvolvimento podem acontecer de variadas formas, em distintos
contextos e idades, e com diferentes graus e níveis de proficiência
(ALMEIDA; FLORES, 2017). E a sua manutenção depende de fa-
tores como as formas de contato, a frequência no ensino formal e a
motivação para conservação das línguas-alvo (FLORES, 2013).
Seguindo nessa linha de pensamento, Pereira e Savedra (2021)
entendem a condição bi/multilíngue a partir de duas perspectivas: (i) à
pluralidade linguística dos falantes, isto é, da quantidade de idiomas
em que os indivíduos são fluentes; e (ii) aos cenários onde as línguas
são faladas, ou seja, aos lugares onde coexistem vários idiomas. In-
dependente dos casos, é certo que as experiências e as habilidades de
linguagem vividas com pessoas de diferentes línguas e em contextos
bi/multilíngues distintos podem ajudar na construção das bases de
uma trajetória no bi/multilinguismo.
Via de regra, os desempenhos linguísticos dos falantes bi/mul-
tilíngues não podem ser vistos de maneira isolada e segmentada.
Quando se utiliza esta perspectiva, está se utilizando uma lente cen-

140
trada no monolinguismo. Para ilustrar essa percepção, veja o exem-
plo a seguir:
Em um voo internacional, duas crianças de cerca de quatro anos,
sentadas nos assentos das fileiras do meio, desenham, cada uma
em sua folha de papel sobre sua mesinha de refeições. Ao seu
lado, na ponta direita, está sua mãe e, na ponta esquerda, seu
avô. Quando as duas crianças se dirigem à mãe, usam o inglês;
quando falam com o avô, o português; e, quando interagem entre
si, o francês é a língua escolhida. A cena desperta a atenção de
todos os passageiros à volta. Uma comissária de bordo, encanta-
da com o que vê e ouve, se aproxima da família e, tomada pela
curiosidade, puxa uma conversa com uma das crianças: “Que
lindo! Fala alguma coisa para mim em francês, vai!”. A criança
alvo da pergunta olha confusa para a comissária sem entender
o que ela está pedindo. Não porque não entende a língua usada
pela comissária, mas porque provavelmente não sabe o que ela
quer dizer com aquele pedido. (WELP; GARCÍA, 2022, p. 49).

Essa pequena história demonstra que a perspectiva indi-


vidual dos falantes bi/multilíngues não é organizada de forma
compartimentada. Para estes falantes, os seus desempenhos lin-
guísticos estão integrados a uma rede de experiências de linguagem
e de comunicação que se (re)conectam de igual maneira e simul-
taneamente. Isso, em outras palavras, é intitulado de bi/multilin-
guismo dinâmico e se refere às práticas linguísticas que são múltiplas
e ajustáveis ao ato comunicativo diante das mudanças comunica-
tivas e multimodais do cenário global (GARCÍA, 2014; WELP;
GARCÍA, 2022).
Associado a isso, tem-se a noção de translinguagens, que vem
ser a combinação dessa rede de conexões linguísticas e comunicati-
vas com as vivências cognitivas, sociais e culturais dos falantes bi/
multilíngues. Isto possibilita, desse modo, o uso ampliado de um
único repertório, linguístico e multimodal, na sua comunicação e
interação (WEI; GARCÍA, 2022).

141
Nesse enfoque, Wei (2021) detalha algumas considerações a
respeito do prefixo “trans” no termo “linguagens”, que são: (i) trans-
cende os limites entre a linguagem e entre a linguagem e outros siste-
mas cognitivos e semióticos; (ii) possui um potencial transformador
para o usuário da língua em relação à capacidade linguística, bem
como suas identidades e suas cosmovisões de mundo; e (iii) atua em
uma abordagem transdisciplinar à comunicação, interação e apren-
dizagem humana, quebrando fronteiras tradicionais entre distintas
áreas como a linguística, a psicologia, a sociologia, a educação etc.
Com base nesse enquadramento, é possível entender que as
pessoas bi/multilíngues negociam os idiomas que melhor se ajus-
tam ao processo de comunicação e fazem isso de maneira intuiti-
va sem se preocupar com as suas fronteiras linguísticas e culturais
(MOHANTY, 2022). Nos dias de hoje, por exemplo, em um mundo
globalizado e mediado por diferentes tecnologias de comunicação e
informação, ser uma pessoa bi/multilíngue é considerado a norma
no século XXI (GARCÍA, 2014). E, de uma maneira geral, essa ha-
bilidade traz consigo uma certa vantagem competitiva (PEREIRA,
2006) no mundo do trabalho, assim como uma possibilidade de as-
censão socioeconômica no combate à pobreza (MOHANTY, 2022).
Entretanto, como dito anteriormente, os modos e as práticas
discursivas dos falantes bi/multilíngues são geralmente ignorados
pela maioria dos currículos escolares. Pois, estes modelos “encaram
as comunidades multilíngues como um entrave, [e] como um mal
que deve ser extirpado pela imposição da língua oficial” (PEREI-
RA; SAVEDRA, 2021, p. 8). Deste modo,
[...] A língua dominante/majoritária é aprendida nas escolas
com efeito subtrativo no repertório linguístico das crianças [bi/
multilíngues]; gradualmente desloca a língua materna, levando
inicialmente a um padrão de diglossia de uso da língua e depois
a uma perda da proficiência da língua materna e, muitas vezes,
também ao desenvolvimento inadequado da língua dominante
(MOHANTY, 2022, p. 167, tradução nossa)

142
Diante disso, o não reconhecimento das duplas ou mais neces-
sidades de aprendizagem linguística das crianças bi/multilíngues as
exclui de uma educação plena (YIP; GARCÍA, 2018). Assim, pode-
se dizer que os seus direitos, suas liberdades e seus patrimônios
linguísticos e culturais estão sendo negligenciados nos termos da
Convenção sobre os Direitos da Criança (2019). Contudo, apesar de isso
acontecer em vários lugares do mundo, essa situação também é
vislumbrada na fronteira franco-brasileira, uma vez que crianças e
jovens falantes de línguas diferentes do português estão nas escolas
brasileiras e do francês, nas escolas de francesas.

REFLEXÕES SOBRE O BI/MULTLINGUISMO NA EDUCAÇÃO


ESCOLAR: UM OLHAR PARA A FRONTEIRA FRANCO-
BRASILEIRA
Nos dias de hoje, ser uma pessoa bi/multilíngue também
representa relações assimétricas de poder. Isso, de fato, acontece,
porque as percepções individuais e/ou coletivas podem se modifi-
car a depender de quem sejam esses falantes e quais sejam as suas
origens históricas e socioculturais (GARCÍA; ESPINOSA, 2020).
É com base nisto que se traz aqui um olhar sobre o contexto da
fronteira franco-brasileira e de como este lugar delineia e norteia
as concepções e as experiências (bi/multi)linguísticas e (bi/multi)
culturais dos professores da educação infantil que atuam nas escolas
urbanas brasileiras.
Ao se fazer um recorte para essa realidade que se situa no
contexto amazônico, os espaços urbanos de Saint-Georges de l’Oyac-
pok (Guyane française, France) e de Oiapoque (Amapá, Brasil) são
considerados cidades-gêmeas porque, além de serem cortadas pela
linha de fronteira fluvial como o rio Oiapoque e articulada pela
Ponte Binacional, possuem uma grande expectativa de potencial de
integração e desenvolvimento amazônico e internacional em vários
setores, inclusive no da educação (BRASIL, 2014). No entanto,
percebe-se que, na prática, tal integração vem gerando problemas

143
de distintas ordens, dentre elas, situações de ilegalidade como a de
imigração (GRANGER, 2012).
De uma maneira geral, as fronteiras de Saint-Georges de l’Oyac-
pok e Oiapoque são consideradas lugares multilíngues e multicul-
turais em função da convivência e da coexistência de várias iden-
tidades e diferenças, sendo elas ribeirinhas, indígenas de diferentes
etnias, quilombolas ou bushinengues, outros descendentes de escra-
vos, migrantes de outras regiões brasileiras e francesas, bem como
estrangeiros de origens asiáticas, europeias, latino-americanas e ca-
ribenhas. Todos transitando nos dois lados da fronteira e utilizando
o português e o francês como os principais idiomas oficiais.
No entanto, convém destacar que o neoliberalismo acaba dis-
tanciando alguns falantes bi/multilíngues das práticas linguísticas e
sociais de sua comunidade, porque estigmatiza, principalmente, a
vida de falantes minoritários (GARCÍA; ESPINOSA, 2020), e isto
não é diferente na região da fronteira franco-brasileira.
Ao se considerar este enfoque no cenário educacional,
[...] as escolas desempenham um papel crucial na marginalização
de estudantes [bi/multilíngues] porque o processo de educação
é profundamente linguístico. Nas escolas, a língua muitas vezes
funciona como o instrumento de exclusão mais importante, lite-
ralmente castigando e punindo as crianças por falar (e escrever)
a língua “errada” ou por usar características de linguagem tam-
bém consideradas “erradas” (YIP; GACÍA, 2018, p. 167)

De um lado, pode-se encontrar crianças que estão preparadas


linguisticamente para se integrar nas escolas porque possuem algu-
ma compreensão de linguagem e alfabetização no idioma de esco-
larização. No outro, a maior parte delas apresenta desvantagens lin-
guísticas, enfrentando dificuldades e limitações de aprendizagem,
pois a língua da sala de aula é a que transmite e avalia o seu conhe-
cimento escolar pelos professores (LUCAS; VILLEGAS, 2014).

144
Com base nesse panorama linguístico e diversificado presente
na sala de aula, Chumak-Horbatsch (2019) classifica as crianças
em três perfis linguísticos, quais sejam: (i) recém-chegadas, um termo
simples e provisório para a inclusão das crianças em uma língua
que ainda não dominam; (ii) monolíngues, quando se refere a crian-
ças falantes apenas na língua de escolarização; e (iii) bilíngues, que
designa a habilidade e a capacidade de utilizar os idiomas de casa e
da escola. E, além desses, inclui-se aqui o das multilíngues, que são
as crianças capazes de usar outros idiomas, além do de casa e do da
sala de aula.
Do ponto de vista pedagógico, quando o acolhimento do bi/
multilinguismo não acontece da maneira apropriada, as crianças es-
tarão entre as estatísticas de que o aluno educado em uma língua
que não entende pode causar o insucesso educativo, insegurança
linguística e silenciamento de suas línguas minoritárias (GARCÍA,
2014). Há casos, por exemplo, em que as crianças abandonam as
escolas (LÓPEZ; HANNEMANN, 2009); ou pior, perdem o seu
capital linguístico e cultural, bem como limitam a sua escolha e a
sua liberdade (MOHANTY, 2022).
No caso de crianças que silenciam as línguas maternas na sala
de aula, isso pode acontecer, na maior parte das vezes, por duas
situações: (i) as crianças não as ouvem pelos seus professores e nem
as veem na sala de aula e, por isso, entendem que a LM não tem
relevância escolar; e/ou (ii) as crianças são inibidas por suas famílias
de usá-las na sala de aula porque os pais acreditam que isso facilita
a aquisição e o desenvolvimento da língua de escolarização mais
rapidamente (PEREIRA, 2006). Além de tudo isso, ao adotarem tal
postura de silenciamento, os pais acreditam que estão protegendo
seus filhos de atos de discriminação e de preconceito escolar.
De fato, para que isso não ocorra, é necessário investir na for-
mação de professores (LUCAS, 2010), de todas as áreas do conhe-
cimento, para a manutenção do patrimônio linguístico e cultural de

145
todas as crianças. Dessa forma, com o apoio pedagógico apropria-
do, os alunos são incentivados a se tornar mais conscientes do seu
poder de escolhas sobre as suas línguas (WELP; GARCÍA, 2022). E
a partir disso, as escolas e os professores podem oferecer as mesmas
oportunidades para que todas elas utilizem suas respectivas línguas
no seu aprendizado (MOHANTY, 2022).
Dando continuidade à discussão com foco na fronteira fran-
co-brasileira, em um primeiro momento, é possível lembrar do
caso das crianças brasileiras que frequentam os sistemas escolares
franceses. Elas vivenciam pelo menos dois ambientes linguísticos
diferentes (o de casa e o da escola) e podem morar tanto em Saint-
Georges de l’Oyacpok quanto em Oiapoque. Em casa, geralmente, as
crianças se comunicam apenas no português. E, quando estão nas
escolas, convivem com pessoas que também falam a sua LM. No
entanto, ao adentrarem na sala de aula, descobrem que a língua uti-
lizada na sala de aula é o francês e, em sua grande maioria, possuem
desvantagens linguísticas no seu aprendizado.
Frente a essa situação educacional, o governo francês criou,
em 1998, uma política linguística educacional intitulada le dispositif
des intervenants en langue maternelle (ILM). Este sistema, desenvolvi-
do pela Académie de Guyane e vinculado ao Ministère de l’Éducation
Nationale, atende e acolhe alunos falantes de línguas minoritárias e
patrimoniais no ensino regular francês. Seu objetivo é oportunizar
aos estudantes o domínio e a aprendizagem de sua LM e a valoriza-
ção da sua cultura com o intuito de facilitar o desenvolvimento da
sua autoestima e da aquisição do francês como LNM. Para ampliar
essa discussão, Silva (2021, 2020) tem oferecido um panorama de
como essa política educativa vem se desdobrando em relação ao
português na Guiana Francesa.
Em um segundo momento, já no lado de cá, tem-se Oiapoque,
onde não é comum a matrícula de crianças francesas no sistema es-
colar brasileiro. No entanto, é possível encontrar crianças indígenas,

146
que, em casa, falam seus respectivos idiomas nativos e, na escola
urbana, podem ou não falar a língua portuguesa. Nestas escolas,
não existe amparo legal ou orientação pedagógica destinadas aos
seus professores. E, quando eles descobrem a sua pouca ou nenhu-
ma fluência na língua de escolarização, desconhecem as formas de
como fazer a sua inclusão e integração escolar ou, na maior parte
das vezes, ignoram a presença delas.
E com o intuito de contornar esta questão educacional, mes-
mo com a ausência de uma política educacional local, regional ou
nacional, Reis da Costa, Pereira e Macedo (2020) forneceram orien-
tações pedagógicas e atividades inclusivas para professores que edu-
cam crianças indígenas em Oiapoque com base no método linguis-
tically appropriate practice – LAP. Esse método foi desenvolvido por
Chumak-Horbastch (2012) no contexto multilíngue e multicultural
do Canadá a fim de acolher e promover a diversidade linguística nas
escolas, sem que os professores sejam fluentes nas LM das crianças.
Deste modo, hoje o LAP é considerado uma abordagem pe-
dagógica inovadora e, atualmente, conta com o relato de professores
que o aplicaram e/ou adaptaram para as suas realidades institucio-
nais (CHUMAK-HORBASTCH, 2019). Para conhecer um pouco
mais sobre este método, que ainda não possui uma versão em por-
tuguês, recomendam-se as sínteses elaboradas por Reis da Costa
(2021b; 2021a).
Além desses dois contextos, em Oiapoque, algumas ações ins-
titucionais estão sendo empreendidas na região pelo Instituto Fe-
deral de Educação, Ciência e Tecnologia do Amapá (IFAP) com
o apoio do Núcleo de Estudos Afro-brasileiros e Indígenas (NEA-
BI+). No ano de 2021, o Ifap ofertou o curso de formação continua-
da, baseado no método LAP e que integrava uma etapa da pesquisa
de doutorado, foi destinado a professores da educação infantil com
expertises pedagógicas com crianças indígenas bi/multilíngues (ver
seção Percurso Metodológico).

147
Durante a formação, uma das recomendações das professoras
participantes foi a contratação de profissionais indígenas para apoio
linguístico-cultural de crianças e jovens indígenas bi/multilíngues
nas escolas urbanas. A partir disso, desde 2021, o Neabi+ do Ifap
tem buscado sensibilizar as instituições locais para possibilitar tal
contratação junto às associações indígenas e à bancada municipal
de vereadores indígenas. Em abril 2022, essa possibilidade foi, en-
tão, acolhida e inserida como uma das metas da Conferência Muni-
cipal de Educação, que aconteceu em Oiapoque.
Em linhas gerais, ao se compreender estes fundamentos lin-
guísticos e de como se desdobram no cenário educativo da fronteira
franco-brasileira, é o convite lançado para uma reflexão além da
prática docente com crianças falantes de línguas minoritárias. Isso,
de certa forma, poderá ajudar os leitores na construção de uma tra-
jetória profissional na educação para o bi/multilinguismo infantil.

PERCURSO METODOLÓGICO
Trata-se de uma pesquisa qualitativa, situada no curso de for-
mação continuada Método LAP: Conhecendo uma Pedagogia para a
Promoção do Bilinguismo Infantil (Parte Teórica). Esta formação, que
ocorreu entre os meses setembro e dezembro de 2021, foi ofertada
pelo Ifap, campus avançado Oiapoque, no âmbito de um doutorado
na Universidade do Minho (UMinho), Portugal.
Assim sendo, ao assumir um perfil colaborativo, duas frentes
de trabalho foram desenvolvidas: de um lado, a pesquisadora prin-
cipal (e autora deste capítulo) com o conhecimento especializado na
área do bi/multilinguismo no cenário educacional; e, de outro, nove
professoras da educação infantil de escolas urbanas de Oiapoque
(Amapá, Brasil) com o conhecimento pedagógico prático com
crianças nessas condições sociolinguísticas e socioeducacionais.
Após a aprovação nos comitês de ética em pesquisa, foram
coletadas percepções, experiências e reflexões das participantes. E,

148
com base nestes dados, apresentam-se, então, algumas sugestões pe-
dagógicas, construídas a partir dessas expertises e do enquadramen-
to teórico (CHUMAK-HORBATSCH, 2012; 2019) para o contexto
educacional da fronteira franco-brasileira. Essas recomendações,
portanto, podem ser desenvolvidas e/ou ajustadas por todos os pro-
fissionais da educação, de forma a corresponder e atender a reali-
dade escolar de outros contextos similares.

RECOMENDAÇÕES PEDAGÓGICAS PARA ACOLHIMENTO DO


BI/MULTILINGUISMO NAS ESCOLAS DA FRONTEIRA FRANCO-
BRASILEIRA
Sabemos que desenvolver um clima acolhedor na recepção es-
colar estabelece o início de uma relação de confiança e de sensação
de pertencimento social com a escola. E isso não se tornaria dife-
rente com as crianças e famílias falantes de línguas minoritárias.
Para isso, são sugeridas aqui aos professores algumas ações com
grande potencial de aplicação na sua realidade institucional:
• Com base na lista dos alunos da sala de aula, analise os
nomes e os sobrenomes das crianças para identificar as
que, potencialmente, possuem origens linguísticas e cultu-
rais diferentes. Se estiver no lado brasileiro, atente aos
sobrenomes Labonte, Jeanjacques, Iaparrá, Narciso etc.
Se, no lado francês, observe Silva, Santos, Souza, Costa,
entre outros.
• Uma vez ciente da lista da sala de aula, busque coletar in-
formações sobre as crianças e suas famílias. Pergunte sobre
a forma de como se pronuncia os nomes e sobrenomes nas
línguas das crianças; se elas são falantes de outros idiomas;
quais suas histórias e culturas; e desde quando as crianças
estão estudando na escola; ou se as famílias moram na ci-
dade de Oiapoque ou de Saint-Georges de l’Oyapock. Uma
informação relevante é o deslocamento regular das crian-
ças que não moram perto das escolas. E isso pode aconte-

149
cer de duas formas: (i) para estudar nas escolas francesas,
as crianças brasileiras atravessam diariamente, de forma
internacional, o rio Oiapoque através de embarcações
como as catraias2; ou (ii) para estudar nas escolas urbanas
brasileiras, as crianças indígenas podem se deslocar entre
o rural (aldeia) e o urbano (cidade) por meio de ônibus
escolares e até outros tipos de transportes.
• No contato inicial, observe a comunicação e interação das
crianças e de das famílias no ambiente escolar. Veja, por
exemplo, se empreendem pouco ou nenhum esforço para
falar com as pessoas na língua da sala de aula e quais ins-
trumentos utilizam para efetivar essa comunicação (se fa-
lam em português ou em francês, se usam gestos, olhares,
palavras-chave, aplicativos digitais etc.).
• Já nas salas de aula, as crianças que falam línguas mi-
noritárias podem permanecer em silêncio e não interagir
com o restante da classe. Se isso acontecer, não desanime.
Na maior parte das vezes, características como a timidez
e o silêncio demonstram insegurança linguística ou des-
conhecimento total na língua de escolarização. Por isso,
é fundamental respeitar o período silencioso e o ritmo de
aprendizagem de cada uma delas na língua da sala de aula
(CHUMAK-HORBATSCH, 2019).
• Procure buscar outras formas para se comunicar e inte-
ragir com as crianças e suas famílias. Pergunte sobre as
atividades esportivas e culturais que mais gostam, se elas
têm algum animal de estimação, quais brinquedos e brin-
cadeiras são os favoritos. Se for necessário, busque o apoio

2  Catraia (em francês, pirogue) é uma pequena embarcação com motor de popa utilizada
na navegação sobre o rio Oiapoque, cujos condutores são denominados de catraieiros (em
francês, piroguier).

150
de uma pessoa falante do mesmo idioma ou utilize de um
aplicativo digital para a tradução da comunicação.
• Com a ajuda das famílias, aprenda palavras e frases essen-
ciais na língua nativa das crianças para utilizar na comu-
nicação diária da sala de aula. Por exemplo, aprenda cu-
mprimentos (Bom dia! Boa tarde! Tudo bem? Como vai?),
agradecimentos (Obrigado! Obrigada!), comandos esco-
lares (Atenção! Faça a sua atividade! Você quer ir ao ban-
heiro? Você quer beber água?) e elogios (Que lindo! Muito
bem! Parabéns!).
• Reserve um tempo para observar a comunicação e a intera-
ção das crianças com o restante da classe monolíngue. Se,
por acaso, na mesma sala, tiver outras crianças, que falem
o mesmo idioma materno e que sejam fluentes na língua
de escolarização, convide-as a se tornar um “amiguinho
bi/multilíngue” (CHUMAK-HORBATSCH, 2012; 2019).
• E, por fim, se os pais não souberem ler em português ou
em francês, forneça informações dos avisos, recados e
convites da escola na LM das famílias. Para isso, procure
ajuda de pessoas falantes destes idiomas ou utilize apli-
cativos digitais para fins de tradução (CHUMAK-HOR-
BATSCH, 2012).

CONSIDERAÇÕES FINAIS
O acolhimento e a inclusão de crianças bi/multilíngues não são
dimensões contempladas na formação geral de muitos professores
que atuam na educação básica brasileira. Por isso, a maior parte dos
docentes acaba se sentido despreparada pedagogicamente, porque
não possui o conhecimento pedagógico necessário, ou porque não
é orientada de como fazer a integração dessas crianças na sua sala
de aula. Isso, portanto, pode se confirmar quando os professores da

151
fronteira franco-brasileira, de ambos os lados, relatam a sua falta de
preparo profissional para atuar nessas condições escolares.
Pelo menos na França, em Saint-Georges de l’Oyapock, existe a
figura do intervenant langue maternelle (ILM) que se dedica a cuidar
dessa situação educacional no contraturno escolar das crianças re-
cém-chegadas ou com desvantagens linguísticas no francês. Mesmo
com uma política educacional, certamente, os ILM possuem os seus
próprios limites pedagógicos. Certamente, é preciso investir em uma
formação adequada desses profissionais para contemplar diferentes
realidades linguísticas e culturais locais (BÉRIET et al., 2021).
Já deste lado, no Brasil, nem com um profissional semelhante
aos ILM os professores da educação infantil de Oiapoque podem
contar. Como dito anteriormente, somente no ano de 2022, é que
uma possível proposta de contratação de profissionais de origens
indígenas e bi/multilíngues para as escolas urbanas foi incluída nas
metas da Conferência Municipal de Educação. Enquanto isso, esses
docentes vão encontrando (ou não) meios e/ou maneiras pedagógi-
cas de como solucionar as barreiras linguísticas e culturais com as
crianças indígenas recém-chegadas, a cada ano letivo de suas salas
de aula.
À guisa de conclusão, pensar sobre o bi/multilinguismo na
educação escolar por professores que atuam em fronteiras políti-
co-administrativas não se torna uma tarefa de difícil compreensão,
pois estão inseridos em práticas sociais bi/multilíngues e bi/multi-
culturais vibrantes, como é o caso da fronteira franco-brasileira. O
que lhes falta, na verdade, é o convite apropriado para motivar uma
reflexão-ação sobre a sua própria prática docente, que lhes possibi-
lite iniciar uma trajetória pedagógica no bi/multilinguismo infantil.
E a partir disto, oferecer uma educação plena a todas as crianças,
não importando quais sejam as suas origens linguísticas, sociais,
históricas e/ou culturais.

152
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155
CAPÍTULO 8

NORTEANDO: UMA CARTOGRAFIA


DO ENSINO DE FRANCÊS NA(S)
AMAZÔNIA(S) BRASILEIRA(S)

Stéphanie Girão

INTRODUÇÃO
O encontro das águas é um fenômeno natural que ocorre com
a junção do Rio Negro e do Rio Solimões, ambos com origens, ida-
des, temperaturas, velocidades e características únicas que fazem
com que, ao se encontrarem, não se misturem imediatamente. Con-
tudo, essas águas, já alimentadas pelos seus incontáveis afluentes,
eventualmente se unem e formam o maior rio de água doce do mun-
do, o Rio Amazonas, que desagua na altura da linha imaginária
equatoriana, criada para distinguir o Atlântico Norte do Sul.
A metáfora do encontro das águas é por nós abraçada por con-
siderarmos as diversidades linguísticas e socioculturais, caracterís-
ticas de uma região extremamente diversificada. Parte significante
das comunidades e povos que aqui vivem transitam entre a língua
portuguesa, a língua francesa e suas línguas de origem. Desse modo,
o presente capítulo tem como objetivo principal apresentar uma car-

156
tografia1 do ensino de francês na(s) Amazônia(s) brasileira(s). Es-
peramos com isso demonstrar que, contrariamente ao discurso de
extinção do prestígio da língua francesa, ela está presente na socie-
dade, resistindo às políticas linguísticas excludentes e reafirmando
pouco a pouco seu lugar nos espaços públicos, em especial, na re-
gião Norte brasileira.

COMUNIDADES “FRANCÓFONAS”
Citado pela primeira vez em 1886 pelo geógrafo francês Oné-
sime Reclus, o termo “francofonia” se refere ao conjunto de pessoas
falantes da língua francesa em diversos países. Entretanto, o termo
pode ser compreendido de forma mais abrangente, como propõe o
linguista tunisiano Louis-Jean Calvet (2007).
De acordo com Calvet, a francofonia é tanto uma “realidade
sociolinguística”, resultado do projeto colonial francês, quanto um
“conceito geopolítico”. Calvet considera que, apesar da leve diferen-
ça entre países “francófonos” no sentido geopolítico e entre países
“francófonos” no sentido sociolinguístico, estes países são igual-
mente diversos, de forma que “os franceses não são mais maioria
no meio dos francófonos e o francês não pertence mais somente à
França” (2007, p. 141), destacando, desse modo, a heterogeneidade
linguística e cultural que atravessa o termo francofonia.
Assim, compreendemos “francofonia” a partir da diversidade
de culturas que a compõe e “francófonos” os povos e os falantes que
vivem em contextos sociolinguísticos múltiplos, nos quais o francês
é língua dominante ou coexiste com outras línguas, independen-
temente do tipo de relação estabelecida entre elas. Por esta razão,
adotamos o termo entre aspas, como marcador da diversidade so-

1  Os dados apresentados foram gerados em 2019, por meio de análise documental e


de entrevistas com 63 participantes, mas foram atualizados em 2022. O presente capítulo
trata-se, portanto, de um recorte da pesquisa de doutorado intitulada Ensino de literatura e a
formação de professores de francês na(s) Amazônia(s) brasileira(s) (GIRÃO, 2021).

157
ciolinguística que compreende a “francofonia”, a exemplo das co-
munidades que destacamos a seguir.
A primeira delas é oriunda do Haiti, país que sofreu, em 2010,
um desastre natural que provocou uma das primeiras grandes diás-
poras do nosso século no Brasil. De acordo com o Resumo Executivo
de Imigração e Refúgio (CAVALCANTI et al., 2019), cerca de 106,1
mil haitianos foram registrados como imigrantes de longo termo no
país, representando 21,5% do total de imigrantes dessa categoria.
Ainda segundo o relatório, entre 2010 e 2018, os haitianos foram a
principal nacionalidade de imigrantes no país, seguidos por bolivia-
nos e venezuelanos.
Um levantamento publicado em 2017 demonstrou que, entre
2010 e 2015, as principais rotas de acesso ao país estavam localiza-
das na Região Norte (BAENINGER; PERES, 2017). Dentre elas,
Epitaciolândia (AC), Manaus (AM), Oiapoque (AP), Pacaraima
(RR) e Tabatinga (AM) são apontadas como as cidades que mais re-
ceberam o fluxo migratório no período citado: dos 85 mil imigran-
tes chegados até então, 44.734 o fizeram pelas fronteiras do Norte.
Em destaque, Manaus é uma das cidades que mais recebeu
imigrantes haitianos de curto e longo termos na região. Desde 2010,
mais de 8 mil haitianos passaram pela cidade até 2020 (GUEDES,
2020), muitos dos quais seguiram viagem para outros estados loca-
lizados principalmente nas regiões Sul e Sudeste. Alguns, porém,
fixaram residência em Manaus e, atualmente, os números variam
de 1.000 a 2.500 moradores haitianos na cidade. Como resultado,
até 2013, já haviam nascido 38 crianças descendentes dos primeiros
imigrantes apenas em Manaus (SILVA, 2016), isto é, crianças brasi-
leiras de ascendência haitiana cujas línguas de herança são, em sua
maioria, o créole e/ou o francês.
Além das comunidades de imigrantes haitianos, um caso mui-
to específico da presença histórica da língua francesa na região está
no estado do Amapá, mais especificamente na zona de fronteira

158
com a Guiana Francesa. Além dos guianenses, franceses e brasilei-
ros falantes de francês que coabitam nas cidades gêmeas Oiapoque
e Saint Georges de l’Oyapock e cidades circunvizinhas, alguns po-
vos indígenas herdaram de seus antepassados resquícios do contato
com a língua francesa.
Esse contato linguístico resultou em uma língua crioula de
base francesa falada no Brasil, o kheuól (PICANÇO, 2003); entre-
tanto, apesar do contato histórico com a língua francesa e de seus
reflexos nas línguas nativas, é importante ressaltarmos que apenas
isso não caracteriza esses povos como francófonos, mas antes, po-
vos indígenas plurilingues. O kheuól2 é falado em toda a bacia do rio
Oiapoque, principalmente pelos povos Karipuna, Palikur-Arukwa-
yene, Galibi Marworno e Galibi Kali’na que, além de suas línguas
de origem, falam ainda português e francês, a depender do contato
que estabelecem com as comunidades dos dois lados da fronteira
(GALLOIS; GRUPIONE, 2003).
De acordo com o Protocolo de Consulta dos Povos Indígenas do
Oiapoque (CONSELHO DOS CACIQUES DOS POVOS INDÍ-
GENAS DO OIAPOQUE, 2019), o perfil linguístico apresentado
por esses povos é plurilíngue: os Karipuna falam kheuól karipuna e
português; os Galibi Marworno falam kheuól e “galibi antigo”; os
Palikur-Arukwayene são falantes de parikwaki, e os Galibi Kali’na,
uma língua própria do tronco caribe, português e kheuól. No dicio-
nário Crioulo Karipúna/Português (TOBLER, 1987), é possível en-
contrar palavras cuja pronúncia e significado são muito próximos
do francês moderno, por exemplo:
Quadro 1 – Crioulo Karipúna/Francês/Português
Crioulo Karipúna Francês Português
avoka avocat abacate
boku beaucoup muito (adj./adv.)
dakó! d’accord! está bem!
Fonte: Elaborado pela autora (GIRÃO, 2020).

2  Conhecido localmente também como patuá, lang patuá ou crioulo.

159
Entre as comunidades que citamos, a língua francesa pode ter
o status de língua de herança, língua materna, língua de origem, lín-
gua estrangeira, língua adicional e/ou língua franca, assim como as
línguas crioulas de base francesa faladas pelos Karipuna, Palikur-
-Arukwayene, Galibi Marworno, Galibi Kali’na, haitianos, além de
outros imigrantes oriundos de países francófonos. Portanto, é urgen-
te que se faça um levantamento linguístico da região, seja mapeando
as pesquisas pré-existentes, seja realizando novas investigações, de
modo a retratar, ao máximo, a realidade plurilíngue atual da região.

ALIANÇAS FRANCESAS
Anne Godard, no livro por ela organizado La littérature dans
l’enseignement du FLE (2015), afirma que o surgimento das alianças
e institutos franceses são resultado de ações políticas de expansão
diplomática e cultural francesa iniciadas ainda no Antigo Regime e
que perduram até hoje. Assim foi criada a Aliança Francesa (AF),
em Paris, em 1883 (MISSÃO, [201-?]), com o objetivo de se tornar
um centro de difusão da língua e cultura francesa. Nos anos seguin-
tes a sua fundação na capital francesa, diversas AF começaram a ser
inauguradas em todo o mundo, inclusive no Brasil, onde foi criada
no Rio de Janeiro dois anos depois, em 1885.
De acordo com o sítio oficial das AF do Brasil (ALIANÇA
FRANCESA DO BRASIL, [201-?]), atualmente “as alianças fran-
cesas estão organizadas em 37 associações e distribuídas em 63
unidades” que se concentram majoritariamente nos estados de São
Paulo e Rio de Janeiro, com 18 e 15 unidades, respectivamente. Na
Região Norte, formada por 7 estados, há apenas 2 AF, uma em Be-
lém e outra em Manaus. Ambas possuem mais de 50 anos de exis-
tência na região, sendo a filial belenense a mais antiga, criada em
1950 e reconhecida pela sede em Paris em 1969. Segundo o Estatuto
da Associação Franco Brasileira de Manaus (Alliance Française), a
filial manauara surgiu em 1972.

160
ASSOCIAÇÕES DE PROFESSORES DE FRANCÊS
Segundo a Federação Brasileira de Professores de Francês (FÉ-
DÉRATION BRÉSILIENNE DES PROFESSEURS DE FRANÇAIS,
2022), em toda a Região Norte há associações de professores de
francês. A primeira associação a ser fundada na região foi a Asso-
ciação dos Professores de Francês do Pará (APFPA – Association des
Professeurs de Français du Pará), 5ª do país, criada em 1971. Em segui-
da, em 1984, a Associação dos Professores de Francês do Amazo-
nas (APFAM – Association des Professeurs de Français de l’Amazonas),
mas que está desativada atualmente. Posteriormente, a Associação
dos Professores de Francês do Amapá (APROFAP – Association des
Professeurs de Français de l’Amapá) se tornou a 3ª associação da re-
gião, fundada em 1999.
No início do século XX, duas outras associações foram cria-
das, a Associação dos Professores de Francês e Francófilos de Rorai-
ma (APFRR), fundada em 2002, e a Associação dos Professores de
Francês do Tocantins (APFTO – Association des Professeurs de Français
du Tocantins), em 2004. A Associação dos Professores de Francês do
Acre (APROFAC – Association des Professeurs de Français de l’Acre) é
a mais recente da região, tendo iniciado suas atividades em 2021.
Atualmente, tanto a APFTO quanto a APFAM e a Associação dos
Professores de Francês de Rondônia (APFRO – Association des Pro-
fesseurs de Français de Rondônia) estão em vias de reestruturação e, até
o momento3, não contam com representante legal.
Vale destacar a relevância das associações de professores de
francês na construção de políticas linguísticas educativas na região,
a exemplo da APROFAP que, em parceria com a Secretaria de Esta-
do da Educação, publicou a proposta curricular amapaense de Lín-
gua francesa - Ensino Fundamental (SEED, 2022). Tornado público em
outubro de 2022, o documento é pioneiro no Brasil e busca nortear

3  Consulta realizada em 10/10/2022.

161
o ensino de língua francesa nas 67 escolas públicas que ofertam o
ensino da língua no estado.

CENTROS DE ENSINO DE LÍNGUAS, ESCOLAS BILÍNGUES E


COLÉGIOS DE APLICAÇÃO
Nos séculos XIX e XX, a língua francesa teve presença mar-
cante nos currículos escolares nacionais, mas, a partir da publicação
da LDB de 1996, a carga horária do ensino de línguas estrangeiras
foi reduzida drasticamente, causando um retrocesso nas políticas
linguísticas educativas. O francês passou então a ter carga horária
diminuída e, lentamente, foi sendo substituído por outros idiomas,
especialmente o inglês e o espanhol.
Entretanto, nos últimos anos, contrariando o discurso de ex-
tinção do ensino da língua francesa nas escolas públicas brasilei-
ras (resultado das políticas linguísticas educativas do governo bra-
sileiro) diversas iniciativas de alguns governos estaduais da região
Norte, juntamente com o governo francês através da Embaixada da
França no Brasil e associações de professores de francês, possibili-
taram a reinserção do ensino da língua francesa de forma gratuita à
população, tanto aos alunos da educação básica como à população
em geral.
Uma das ações está relacionada diretamente à criação de esco-
las bilíngues. Segundo Godard (2015, p. 120, tradução nossa), ações
dessa natureza se caracterizam “frequentemente em razão de acor-
dos intergovernamentais, e sob a coordenação de autoridades edu-
cativas locais e não da França”4. Esse é o caso das escolas bilíngues
de Manaus e Macapá.
Criada em 2017, a partir de um acordo estabelecido entre a
Secretaria Estadual de Educação, a Embaixada da França e o Cor-
po de Bombeiros do Amazonas, a Escola Bilíngue José Carlos Mes-

4  No original: “[...] souvent en raison d’accords intergouvernementaux, et sous l’autorité des


autorités éducatives locales et non de la France.” (GODARD, 2015, p. 120).

162
trinho, em Manaus, oferece a língua francesa em regime bilíngue
para 466 alunos matriculados no Ensino Fundamental I e no EFII.
Atualmente, a escola se prepara para implementar o ensino bilíngue
também no Ensino Médio.
No ano seguinte, em Macapá,5 foi criada a Escola Estadual
Bilíngue Profa. Marly Maria e Souza da Silva, também uma parce-
ria entre a Embaixada da França e o Governo do Amapá. Tal esco-
la oferece o modelo bilíngue para mais de 900 crianças do Ensino
Fundamental I (AMAPÁ, 2018b). Vale ressaltar que ambas fazem
parte das 4 primeiras escolas bilíngues de francês inauguradas no
Brasil. De acordo com Godard, a estratégia do governo francês para
a difusão da língua francesa em países não francófonos precisou se
adaptar às mudanças curriculares desses países, como o Brasil. Nas
palavras da autora,
ao invés de buscar alcançar toda uma população escolar, busca-
-se atingir menos alunos, porém, desenvolvendo competências
linguísticas e culturais de alto nível, na expectativa de que as
elites locais sejam tão francófonas e francófilas possíveis (2015,
p. 121, tradução nossa).6

Contrariamente ao que afirma Godard a respeito das elites e


dos poucos alunos, as duas escolas bilíngues inauguradas são públi-
cas, gratuitas e estão localizadas em bairros periféricos dos municí-
pios, causando um impacto significativo na democratização do en-
sino da língua francesa, através de um modelo de ensino (bilíngue)
que, até então, era acessível apenas às classes sociais mais abastadas.
Outra estratégia adotada pelos estados brasileiros é a oferta
de línguas estrangeiras nos centros de ensino de línguas. No que

5  Em 2018, a APROFAP criou um mapa colaborativo para registrar o quantitativo de


escolas (públicas e privadas) que ensinam francês. O mapa está disponível em: https://
bit.ly/3azNVw7 .
6  No original: “Plutôt que de chercher à toucher toute une population scolaire, il s’agit de viser
moins d’élèves, mais de développer chez eux des compétences linguistiques et culturelles de plus haut
niveau, en espérant que les futures élites locales sont aussi francophones et francophiles que possible.”
(GODARD, 2015, p. 121).

163
concerne à língua francesa, conseguimos mapear quatro centros es-
taduais, dos quais três ainda estão ativos: o Centro Estadual de Lín-
gua e Cultura Francesa Danielle Mitterrand, inaugurado em 2003,
em Macapá, que ofertou, em março de 20227, 952 vagas para o en-
sino de língua francesa (AMAPÁ, 2022, p.30); o Centro Cultural
Franco-Amapaense, inaugurado em 2009, que, em março de 20228,
ofertou 330 vagas para cursos de língua francesa e de francês com
objetivos específicos (AMAPÁ, 2022, p. 30); e o Centro de Estudos
de Línguas de Rio Branco-AC que, desde 2011, preenche todas as
75 vagas anuais9 para o curso de francês (ACRE, 2022, p. 25). Em
Manaus-AM, o Centro Cultural Thiago de Mello ofereceu cursos de
diversas línguas, dentre as quais o francês, de 2004 a 2015, quando
entrou em reforma. Ao ser reinaugurado em 2017, o centro deixou
de oferecer o ensino de línguas à população.
Além das escolas bilíngues estaduais e dos centros de ensino
de línguas estaduais, ainda é possível encontrar a língua francesa
nos currículos de alguns Colégios de Aplicação (CA), que são esco-
las de EF e/ou EM geridas pelas universidades ou em parcerias com
Secretarias de Educação. No caso das universidades aqui pesquisa-
das, apenas a UFAM não tem CA; a UEAP, apesar de não ter, está
organizando um projeto de criação junto à Secretaria de Educação
do Amapá; a UFRR, a UNIFAP e a UFAC têm CA, mas não ofer-
tam francês; apenas o CA da UFPA possui francês como disciplina
obrigatória do 6° ano do ensino fundamental ao 2º ano do ensino
médio (UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ, 2018).
Apesar de os números serem significativos, as ações ainda
são insuficientes para garantir a permanência do ensino da língua
francesa nos currículos da educação básica. Nos últimos anos, di-
7  Em janeiro de 2020, foram ofertadas 435 vagas para cursos de francês e foram
contabilizados mais 8 mil inscritos (CENTRO..., 2020).
8  Em março de 2020, foram ofertadas 219 vagas para cursos de língua francesa e de
francês com objetivos específicos(COSTA, 2020).
9  O número de vagas varia conforme o ano: em 2019 eram 150 vagas para francês.

164
versas pesquisas têm revelado como o poder público negligencia a
implementação e a consolidação de políticas linguísticas educativas
permanentes na região, local de nossa única fronteira com um país
francófono, entretanto, como pudemos observar, esse cenário está
em vias de transformação favorável à língua francesa.

UNIVERSIDADES PÚBLICAS: FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE


FRANCÊS E ENSINO DE FLE PARA A COMUNIDADE
Apesar da ausência da língua francesa nas políticas linguísti-
cas educativas no Brasil (ou o esforço dessas políticas em excluí-la),
os cursos de formação de professores de francês não desapareceram
das universidades e há décadas têm desempenhado papel funda-
mental na difusão da língua francesa e suas literaturas nos cenários
nacional e internacional, principalmente em países onde o francês
tem status de língua estrangeira.
Godard (2015) destaca a importância das universidades es-
trangeiras (fora da França) para as políticas de ampliação da língua
francesa no mundo. Segundo a autora, as universidades detêm essa
importância, pois exercem duas funções primordiais. A primeira
está relacionada à formação de professores, pois
[...] são nelas que se formam não apenas aqueles que trarão con-
sigo a bagagem cultural da francofilia e da francofonia10, mas
também, e sobretudo, aqueles que ensinam, após as gerações
atuais, os futuros aprendizes de francês (GODARD, 2015, p.
109-110, tradução nossa).11

Já a segunda função, salienta a autora, está relacionada ao es-


paço privilegiado de observação científica que as universidades con-
ferem, transformando-se em verdadeiros laboratórios privilegiados
para pesquisadores. Em nossa pesquisa, identificamos seis IES que
10  Francofilia: admiração pela França e pelos franceses; francofonia: grupo de falantes
da língua francesa.
11  No original: “c’est là que se forment non seulement ceux qui porteront avec eux le bagage de
la francophilie et de la francophonie, mais aussi, et surtout, ceux qui enseignent, après les générations
actuelles, aux futurs apprenants de français” (GODARD, 2015, p. 109-110).

165
oferecem habilitações em Letras-Francês (ou Português/Francês),
localizadas nos estados do Acre, Amapá, Amazonas, Pará e Rorai-
ma. São elas, respectivamente: UFAC, UEAP, UNIFAP, UFAM,
UFPA e UFRR. Os estados de Rondônia e Tocantins não possuem
licenciatura em Letras-Francês.
Ao todo, essas universidades ofertam sete licenciaturas pre-
senciais em Letras-Francês (ou Português/Francês), que estão in-
seridas em um contexto multilíngue específico da(s) Amazônia(s)
brasileira(s), definido pelas relações fronteiriças e, principalmente,
pela diversidade sociocultural proporcionada pelos povos que aqui
habitam – indígenas, caboclos, ribeirinhos, negros remanescentes
de quilombos, extrativistas, migrantes e imigrantes – características
que ficaram evidenciadas em nossa pesquisa de campo.
O quadro abaixo apresenta algumas características destas li-
cenciaturas em números:
Quadro 2 – Habilitações em Francês na região Norte
CARGA
NÚMERO DE
HORÁRIA TIPO DE
IES INGRESSANTES
TOTAL DA HABILITAÇÃO
POR ANO
FORMAÇÃO
UNIFAP campus
30 4.140 Português/Francês
Marco Zero
UNIFAP campus
Binacional 35 3.780 Português/Francês
Oiapoque
UEAP 50 4.180 Português/Francês
UFRR 15 3.200 Português/Francês
UFAC 50 3.570 Francês
UFPA 26 3.302 Francês
UFAM 28 3.200 Francês
Fonte: Elaborado pela autora (GIRÃO, 2022).

Diante do exposto, fica evidente a relevância das IES nas polí-


ticas linguísticas educativas, já que anualmente cerca de 234 alunos

166
ingressam nas licenciaturas em Francês. Isso significa, para nós, um
potencial de 234 novos12 futuros professores de francês na Região
Norte por ano. Trata-se de um forte indicativo de que, apesar da
incipiência de políticas linguísticas e da quase inexistente oferta de
ensino de língua francesa na educação básica, ela ainda é alvo de
muito interesse da população da região.
Apesar de principal, a formação inicial de professores de fran-
cês não é a única frente de atuação das licenciaturas. Devido à na-
tureza extensionista das universidades, muitos institutos/faculdades
de Letras oferecem cursos livres de línguas em formato modular
ou permanente à comunidade. Alguns dos exemplos são: o Centro
de Estudos de Línguas (CEL) da UFAM, que oferta cursos para a
comunidade interna e externa à universidade há mais de 20 anos;
o Curso Livre de Línguas Estrangeiras (CLLE) da UFPA; e o Nú-
cleo de Estudos em Línguas e Literaturas Estrangeiras (NUCELLE)
da UFRR. Ainda de natureza extensionista, todas as universidades
promovem, periodicamente, eventos acadêmico-científico-culturais
que divulgam a língua e as literaturas de língua francesa.
Outra frente de atuação das universidades são as ações inte-
rinstitucionais, realizadas através de acordos de cooperação com
instituições locais, nacionais e internacionais, tais como: a UNI-
FAP e a UFPA, que são membros associados da Agência Universi-
tária da Francofonia;13 a UFAM, que, em 2016 e 2017, participou
do Programa de Professores Leitores Franceses em parceria com a
Embaixada da França, em Brasília; a UNIFAP, campus Binacional
Oiapoque, que realiza eventos internacionais em colaboração com a
Universidade de Caiena, na Guiana Francesa; e a UFPA, que man-
tém parcerias em eventos, por exemplo, com a Aliança Francesa de
Belém.

12  Apontamos aqui o número de ingressantes e não de concluintes dos cursos devido à
alta variação do número de alunos finalistas por ano.
13  Agence Universitaire de la Francophonie (NOS MEMBRES, 2020).

167
À GUISA DE CONCLUSÃO
Em resumo, elaboramos o mapa abaixo para indicar as insti-
tuições que atualmente estão ativas e promovem a língua francesa
e seu ensino, formação ou organização de professores de francês,
entre elas, escolas bilíngues, Alianças Francesas, centros de ensino
de línguas, colégios de aplicação, associação de professores de fran-
cês, além do quantitativo de licenciaturas em Letras-Francês. Ao
todo, são duas instituições privadas (AF) e 20 instituições públicas
federais (além das 67 escolas públicas no Amapá) e estaduais que
promovem o ensino gratuito de língua francesa na Região Norte,
democratizando o seu ensino.
Figura 1 - Mapa das instituições de ensino de FLE

Fonte: Elaborado pela autora (GIRÃO, 2020).


Legenda: Em formato circular, as instituições públicas e privadas; em formato de estrela,
as licenciaturas em Letras-Francês.14
Nota: O mapa da Região Norte utilizado pela autora na construção desta tese está
disponível em Matias ([2019?]).

14  Em resumo: 2 Alianças Francesas (AM e PA); 4 associações de professores (PA, AP,
RR e AC); 2 escolas bilíngues (AM e AP); 3 centros estaduais de ensino de línguas (AC-1
e AP-2); 1 Colégio de Aplicação (UFPA-PA); 3 centros de ensino de línguas universitários
(UFAM-AM, UFPA-PA e UFRR-RR); e, finalmente, 7 licenciaturas em Letras-Francês
(UFAM, UFRR, UFAC, UFPA, UNIFAP-2 e UEAP). Não entraram em nossos dados
todas as escolas públicas e privadas que oferecem língua francesa no ensino básico.

168
Como podemos observar, apesar de a língua francesa não fa-
zer parte, atualmente, das políticas linguísticas educativas nacionais,
nos últimos anos, há um movimento de associações de professores
de francês e governos estaduais em conjunto com o governo francês
para a difusão da língua francesa na região. Ainda que de maneira
discreta, esse movimento tem estimulado a reativação das associa-
ções de professores de francês e aumentado consideravelmente o
número de estudantes de francês na educação básica.
Isto posto, são inúmeras as contribuições das instituições pú-
blicas e das universidades para a difusão da língua francesa e suas
literaturas na região Norte, o que deve nos levar a repensar constan-
temente os projetos político-pedagógicos (PPP) das licenciaturas em
Letras-Francês. Nesse sentido, destaco também o lugar do ensino
de literaturas de língua francesa nas universidades. De acordo com
Girão (2021), tais literaturas ainda estão à margem da formação
dos futuros professores de francês. Em uma análise dos PPP das
licenciaturas,
a carga horária dedicada aos estudos literários e suas didáticas
(quando presentes), ou seja, a inclusão da literatura em discipli-
nas como estágio, práticas de ensino e metodologias, por exem-
plo, vão de 12,3% a 20,9% da carga horária total dos cursos. [...]
É evidente que há, ao menos em nível curricular, uma predileção
pela formação na área dos estudos linguísticos. Com isso, no-
tamos que há uma tendência em formar profissionais especia-
lizados no campo dos estudos linguísticos, no que diz respeito
à formação em língua francesa, ao campo teórico da linguística
e, principalmente, na didática de línguas, o que comprova nossa
assertiva de que a formação em Letras-Francês das IES investi-
gadas aprofunda a dicotomia estudos linguísticos/estudos literá-
rios. (GIRÃO, 2021, p.73-74)

Vale ressaltar que no debate sobre políticas linguísticas, o ensi-


no de literaturas ainda está distante, embora venha sendo convoca-
do por pesquisadores e pesquisadoras da área como tema de interes-

169
se das políticas linguísticas educativas (PLE). É o que afirma Marcel
Alvaro de Amorim na introdução do livro Ensino de literaturas: pers-
pectivas em Linguística Aplicada (2017), por ele organizado.
Segundo Amorim, “é evidente o lugar da literatura nas dis-
cussões sobre políticas linguísticas” (2017, p. 8), uma vez que a lite-
ratura está relacionada diretamente ao ensino de línguas, permane-
cendo nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), além de ser
um “fato de linguagem e como estritamente relacionada a práticas
sociais – e educacionais – de determinadas épocas, a literatura – e
seu ensino – também é objeto da política linguística, e deve ser abor-
dada como tal.” (2017, p. 10).
Vemos, portanto, que o ensino da língua francesa (e suas li-
teraturas), ao contrário do discurso propagado e da incipiência de
políticas linguísticas plurilingues no Brasil, tem encontrado abrigo
nas instituições públicas de ensino, sejam elas da esfera estadual ou
federal e vem se tornando cada vez mais uma língua presente na
realidade educacional da(s) Amazônia(s) brasileira(s).
Miasí boku.

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173
CAPÍTULO 9

ANÁLISE DE INTERFERÊNCIAS
LINGUÍSTICAS PORTUGUÊS-FRANCÊS A
PARTIR DA PAISAGEM LINGUÍSTICA DO
MUNICÍPIO DE OIAPOQUE

Lizandra Valéria da Silva Fumelê


Kelly Cristina Nascimento Day

INTRODUÇÃO
Os estudos do Contato têm evidenciado que inúmeros fenôme-
nos linguísticos/linguageiros (hibridismo, multilingualismo, trans-
lingualismo, etc.) decorrem do contato linguístico, em diferentes
contextos. Esses fenômenos têm sido investigados sob abordagens
teóricas e metodológicas diversas (Sociolinguística, Ecolinguística,
Políticas Linguísticas, Dialetologia) e ampliado o escopo de obser-
vação dos resultados do contato linguístico. As configurações socio-
linguísticas e as práticas linguageiras que se produzem em diferentes
cenários do contato linguístico são, cada vez mais, objeto da atenção
de pesquisadores e seus estudos, na busca de caracterizar os efeitos
advindos da mobilidade, da urbanização, da globalização, enfim,
das formas de contato entre povos de línguas e culturas distintas.

174
Nas regiões de fronteira, consideradas como espaços propícios
para a constituição de processos dinâmicos de interferências entre
línguas, a presença de diferentes línguas e culturas podem ser evi-
denciadas, por exemplo, por meio da paisagem linguística encontra-
da nessas regiões. Ela nos aponta indicadores de quais línguas têm
maior ou menor vitalidade dentro de uma comunidade, cidade ou
município e revela entre outros aspectos, traços da identidade desses
espaços contíguos.
Assim, neste trabalho, buscou-se evidenciar, a partir da Paisa-
gem Linguística, as interferências observadas no contato português-
-francês na fronteira franco-brasileira. O lócus da presente pesquisa é
a cidade fronteiriça de Oiapoque (fronteira brasileira) que faz divisa
com Saint–Georges (fronteira francesa), ambas constituindo uma
área limítrofe com bastante fluxo migratório e propícias aos fenô-
menos decorrentes da contiguidade e do multilinguismo.

INTERFERÊNCIAS LINGUÍSTICAS
A interferência linguística é um fenômeno comumente rela-
cionado à aprendizagem de uma Segunda Língua1 (L2), no entanto,
é também, certamente, um fenômeno que pode ser observado a par-
tir de perspectivas que vão além do universo da sala de aula. Como
efeito do contato entre duas ou mais línguas, a interferência consiste
“na utilização de elementos pertencentes à uma língua enquanto se
fala ou se escreve uma outra” (MACKEY, 1976, p. 414).
Na perspectiva de Kabatek (1997), a interferência linguística é
o desvio de normas gramaticais de uma língua, sendo ela a língua
materna2 do falante a partir do aparecimento de elementos de uma
outra, que seria a L2, e estão associados de forma direta ou indireta

1  Conforme Spinaseé (2006, p. 6) consideramos que “uma Segunda Língua é uma


não-primeira-língua que é adquirida sob a necessidade de comunicação e dentro
de um processo de socialização”.
2  Consideramos os conceitos de Línguas materna e segunda língua conforme Spinaseé
(2006, p.5).

175
aos sistemas da língua nos cinco níveis básicos: fonético-fonológico,
semântico, lexical, morfológico e sintático.
Alguns autores (DOCA, 1981; CRYSTAL,1997; CUQ,1996;
DEBYSTER, 1970) fazem distinção entre a transferência positiva
e a negativa. A positiva estaria relacionada às transferências entre
duas estruturas linguísticas semelhantes (ordem das palavras, vo-
cabulário, pronúncia) e a negativa seria aquela que, entre línguas
de estruturas distintas, daria margem às interferências. Ocorre que
mesmo entre línguas de estruturas semelhantes, as transferências
podem provocar efeitos indesejados ou inesperados em função das
práticas linguageiras específicas de cada cultura linguística.
Para Hamer (1997) e Hagège (1996), a interferência está rela-
cionada a uma competência limitada na segunda língua do falante
bilíngue e a um cruzamento involuntário entre esta e a língua mater-
na, fato que denota uma aquisição incompleta da segunda língua.
Os efeitos dessa incompletude podem aparecer em diferentes planos
da língua, como apresentados a seguir;
Massini-Cagliari e Cagliari (1998), Cagliari (2002) apontam
a fonologia como sendo a interpretação dos resultados obtidos por
meio da descrição (fonética) dos sons da fala. Assim, as interferên-
cias fonéticas ocorrem quando um som ou um fonema da L2 é subs-
tituído por um outro semelhante ou aproximado na língua 1. Nesse
âmbito, compreende-se que a interferência fonética-fonológica ob-
servável na paisagem ocorre quando o falante reproduz na escrita
da segunda língua a percepção oral3 e as influências trazidas da
língua materna.
No âmbito das interferências morfossintáticas, observam-se as
transposições de normas gramaticais de uma língua para outra, den-
tre as quais destacam-se as regras de concordância, presença ou au-
sência de acentuação, uso de morfemas de uma frase, entre outros,

3  Remete a noção de ‘cribe phonologique’ da língua materna desenvolvida por


Troubetskoy .

176
decorrentes de um desconhecimento mais aprofundado das normas
da L2, e por conseguinte, da transferência para essa língua de certas
características gramaticais da língua materna.
Blass Arroyo (1993) afirma que as interferências sintáticas es-
tão ligadas às estruturas frasais que devem compor a oração. Na
perspectiva de Calvet (2002, p. 37-38), as interferências sintáticas
consistem em organizar a estrutura de uma frase em determinada
língua B segundo a estrutura da primeira língua A. Quanto às in-
terferências morfológicas, trata-se dos possíveis desvios ou substi-
tuições que são realizados na escrita da segunda língua baseadas
na estrutura das palavras na língua materna, indo desde fonemas/
grafemas até as classes de palavras (verbo, adjetivo, pronome, subs-
tantivo, etc.).
Seguindo essa linha de raciocínio, parte-se do princípio que
a língua portuguesa e a língua francesa possuem a mesma ordem
sintática das frases Sujeito + Verbo + Objeto (SVO), fato que, em
tese, poderia reduzir as ocorrências de interferência morfossintática
entre estas línguas.
O léxico, por sua vez, envolve um campo fundamental que
influencia diretamente no aspecto semântico da segunda língua. A
interferência léxico-semântica ocorre quando se produz uma con-
fusão de sentidos no uso de termos transpostos de uma língua para
outra. Calvet (2002) enfatiza que se trata das armadilhas dos falsos
cognatos e de criações em uma língua alicerçadas no modelo da
outra. A título de exemplo, o autor cita o verbo gagner (ganhar) que
no Francês, utilizado em países da África, tal qual no português,
não está limitado a ação de receber algo, de ganhar alguma coisa,
mas tem sua condição polissêmica estendida para outros contextos.
Assim, na frase “Ma femme a gagné petit” significa no francês africa-
no que uma mulher teve um filho e não que ganhou alguma coisa.
Calvet (2002) acrescenta que a interferência lexical suscita, ainda,

177
o empréstimo linguístico, especialmente quando é difícil encontrar
termos da própria língua que sejam equivalentes na outra.
Diferentemente das abordagens mais comumente utilizadas
para tratar das interferências no âmbito da Didática das línguas, ali-
nhamos o quadro teórico deste trabalho ao escopo da Sociolinguís-
tica e, mais especificamente ao campo da Paisagem Linguística. É
por esse viés que as interferências linguísticas do português sobre o
francês, na fronteira franco-brasileira, foram observadas e analisa-
das.

BREVE CONTEXTUALIZAÇÃO SOBRE A PAISAGEM LINGUÍSTICA


A paisagem linguística refere-se à presença de signos linguísti-
cos que são utilizados como meios de interação e podem ser obser-
vados nos diversos espaços visuais públicos e privados, em cidades
grandes ou pequenas, sendo frequentemente relacionada à superdi-
versidade e ao multiculturalismo.
No que concerne aos estudos de paisagens linguísticas, eles
são relativamente recentes, uma vez que se desenvolveram em mea-
dos da década de 90, a partir das contribuições de Landry e Bourhis
ao conceituarem a paisagem linguística sob o viés sociolinguístico e
semióticos como a “visibilidade e proeminência das línguas em si-
nais públicos e comerciais em um dado território ou região” (LAN-
DRY; BOURHIS, 1997, p. 23, tradução nossa).
Em consonância, Shohamy (2006, p. 112, tradução nossa)
situa a paisagem linguística no âmbito da “linguagem no espaço
público”, através de “nomes de lugares, ruas, nomes de edifícios,
cartões comerciais de visita e placas públicas”. Desse modo, a pai-
sagem pode ser marcada pela presença constante de duas ou mais
línguas nos escritos públicos e comerciais que permeiam um mesmo
espaço geográfico.
Nessa perspectiva, Cenoz e Gorter (2008) enfatizam que os
estudos da Paisagem Linguística se atém à observação das línguas

178
no contexto em que são utilizadas, centrando-se na informação es-
crita que está disponível em uma área específica. Através dos tex-
tos escritos, é possível indicar a organização espacial da paisagem
linguística, determinar o status que as línguas possuem dentro de
um determinado território, compreender a relação entre as línguas
existentes no cenário linguístico que pode ser a razão da promoção
da utilização de determinada língua em uma região, além de com-
preender a sua funcionalidade como mecanismo de interação nas
práticas de linguagem dos espaços públicos.
Landry e Bourhis (1997) estabelecem diferença entre as pai-
sagens de origem oficial, elaboradas por instâncias do poder públi-
co e aquelas originadas por iniciativas privadas. Posteriormente,
Shohamy (2006) expande essas diferenças e as classifica no âmbi-
to das políticas linguísticas como top-down (de cima para baixo)
e bottom-up (de baixo para cima). Segundo a autora, a primeira
refere-se a escritos na L2 regulados por autoridades públicas e que
estão presentes nos organismos públicos, em nomes de ruas, placas
de localização ou placas turísticas etc. A segunda, diz respeito aos
escritos elaborados por pessoas que possuem estabelecimentos pri-
vados, cujos textos estão expostos em lojas, associações, empresas,
restaurantes, bancos, etc.
Corroborando o pensamento de Shohamy (2006), Cenoz e
Gorter (2008, p.4, tradução nossa) explicitam que
Os rótulos e textos oficiais são aqueles que foram colocados por
instituições públicas e refletem a política linguística oficial. Es-
ses sinais e textos incluem nomes de ruas, de edifícios públicos,
orientações para diferentes lugares da cidade, contêineres etc.
Textos e sinais privados fornecem informações comerciais e po-
dem estar em diferentes tipos de estabelecimentos como lojas,
escritórios, bancos, bares, restaurantes. Entre os textos privados
também incluem cartazes, adesivos, grafites etc.” (CENOZ ;
GORTER, 2008, p. 4, TRADUÇÃO NOSSA)

179
Neste sentido, entende-se que tanto as paisagens linguísti-
cas top-down quanto as bottom-up são reflexos de uma diversidade
de escritos públicos e privados de uma região que estão presentes
nos espaços para demarcar determinado território, além de outros
sentidos simbolicamente dados como aspectos de representação e
identidade.
Nesse cenário, cabe destacar também, o uso das funções in-
formativa e simbólica como elementos norteadores da análise da
paisagem linguística para compreender a funcionalidade dos textos
informativos nas vias públicas. Vale mencionar, que o conceito foi
discutido primeiramente, através dos estudos de Landry e Bourhis
(1997), ao defini-las como sendo funções informativas e simbólicas
da paisagem linguística.
Androutsopoulos (2008 apud BOSCHUNG, 2016), ao refe-
rir-se à função informativa, enfatiza que ela abrange tudo o que a
paisagem linguística revela sobre os habitantes e utilizadores de um
espaço específico, de igual modo delimita as fronteiras territoriais
de um grupo linguístico e indica quais são as línguas utilizadas na
comunicação da região.
Em contrapartida, podemos encontrar também a função sim-
bólica na paisagem linguística que segundo Cenoz e Gorter (2008)
consiste em apontar o clima das relações entre os grupos linguísticos
situados em comunidades multilíngues, tal qual ocorre, via de regra,
nas regiões fronteiriças, fornecendo informações sobre o valor e sta-
tus das línguas percebidas dentro de uma sociedade ou comunidade.
Na visão de Bourhis (1992), tanto a presença quanto a au-
sência de uma língua representam não só a realidade linguística do
lugar, assim como revela a percepção que os falantes podem ter de si
mesmos e de sua comunidade diante de uma L2. Assim, quando si-
tuamos as regiões de fronteira como ponto de observação, partimos
do pressuposto de que o uso constante de uma L2 é fato comum e
frequente na paisagem linguística e indicativo da relação de poder

180
econômico que a L2 tem naquele espaço bem como a sua funciona-
lidade no contexto vivenciado pela comunidade.
Para Rodrigues (2021, p. 56-57),
observar a paisagem de um determinado local é uma das formas
de conhecer a importância e o espaço das línguas de sua comuni-
dade, em especial quando trabalhamos em contexto de fronteira,
onde o contato entre duas ou mais línguas é algo latente e parte
do cotidiano dessa comunidade marcada pela diversidade.

Para além desses aspectos, a paisagem se presta a outros es-


tudos linguístico-linguageiros que nos permitem estender o olhar
para outros sintomas do contato linguístico que nela se revelam. O
contexto bilíngue e o que nos informam os escritos públicos, em sua
constituição formal, é um deles, conforme análise proposta a seguir.

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS DA PESQUISA


O presente estudo caracteriza-se como uma pesquisa de cam-
po qualitativa, de caráter descritivo-analítico, realizada no municí-
pio de Oiapoque, localizado no extremo Norte do Estado do Ama-
pá. A região caracteriza-se como área singular que demarca o limite
entre as fronteiras brasileira (município de Oiapoque) e francesa
(Saint-Georges) através do rio Oiapoque e o contato linguístico por-
tuguês-francês-créole em zona de fronteira.
O lócus da pesquisa foi o município de Oiapoque e a coleta
de dados ocorreu no mês de novembro de 2021. Desta forma, foi
possível coletar cerca de 50 (cinquenta) registros fotográficos, no
âmbito de um projeto de pesquisa mais amplo4, sendo que apenas
12 (doze) registros dos textos escritos públicos, caracterizados como
corpus paralelos e multilíngues – que apresentam textos em línguas
diversas, ainda que individualmente monolíngues - foram utilizados
4  Projeto intitulado Estudos da paisagem linguística amazônica Amapá-Guiana
Francesa: contato, ecologias, políticas e semióticas linguísticas da fronteira franco-
brasileira, desenvolvido pela profa. Doutora Kelly Day, Universidade do Estado do
Amapá e no programa de pós-graduação em Letras (PPGLET) da Universidade Federal
do Amapá.

181
nesta análise. Dentre eles, fotos das fachadas dos prédios, casas, em-
preendimentos, posto de gasolina, mercantis e cardápios que tives-
sem textos monolíngues em língua francesa, ou bilíngues – portu-
guês/francês - em seus estabelecimentos, com o intuito de analisar
se haveria indícios de que a língua portuguesa interfere nos textos
escritos em língua francesa, em Oiapoque.
Os textos coletados foram elaborados (ou encomendados) por
moradores que possuem algum tipo de empreendimento e utilizam
a escrita para fazer divulgação desses espaços nas duas línguas (por-
tuguês e francês) compondo, assim, a paisagem linguística dessa
zona de fronteira.

APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS DADOS


Neste tópico, apresentam-se os principais resultados obtidos
sobre as interferências linguísticas português-francês observáveis a
partir da paisagem linguística da cidade de Oiapoque. Cabe destacar
que tais interferências não foram analisadas considerando a pers-
pectiva do erro gramatical, mas a do contato.
A fim de esboçar um quadro mais significativo e representati-
vo das interferências escritas observáveis na paisagem, referentes à
influência do português sobre o francês, é importante destacar, entre
as principais características do bilinguismo societal da região, um
bilinguismo tardio, não vinculado à escolarização e constantemente
presente nos ambientes de trabalho como comércios, mercados, ho-
téis, lojas, restaurantes, entre outros. Comumente, esse bilinguismo
está associado a um letramento “ordinário”, ou seja, por um baixo
domínio dos gêneros do discurso escrito na L2.
Adiante, apresenta-se um gráfico geral das interferências mais
comuns observadas na paisagem linguística da fronteira franco-bra-
sileira:

182
Gráfico 01: Interferências Linguísticas Português-Francês na Paisagem de
Oiapoque

Elaborado pelas autoras

De acordo com o observável pelo gráfico 01, pode-se determi-


nar três tipos principais de interferências da língua portuguesa sobre
a escrita da língua francesa destacadas na paisagem linguística da
fronteira franco-brasileira, a primeira é a interferência sintática que
registra 6 ocorrências, correspondendo à 35% do total das análises.
Em seguida, aparecem as interferências morfológicas que
ocorrem em 29% dos escritos representando 5 ocorrências. A tercei-
ra interferência que teve maior percentual no estudo foi a semântica,
com 24% de presença nas placas, identificada em 4 ocorrências. Já
a interferências fonética/fonológica e cultural receberam o mesmo
número de ocorrências representando 6% cada, o que equivale a
somente 1 ocorrência, conforme observa-se nos dados apresentados
a seguir.

183
INTERFERÊNCIA MORFOLÓGICA
A fim de ilustrar as interferências morfológicas encontradas
na paisagem linguística selecionamos duas imagens dentre os 5 ca-
sos relatados:
Figura 1: placa publicitária do boliche Figura 2- tabela de valores de hotel

Fonte: Arquivo pessoal (2021)

Na figura 01, destaca-se, na tradução para o francês, das infor-


mações apresentadas, inicialmente em português, o termo pizzerie e
na figura 02 o termo appartament, como exemplos de interferências
morfológicas do português, decorrentes da semelhança dos termos
em português (pizzaria, apartamento) e francês (pizzeria, apparte-
ment). Tais interferências morfológicas provêm de uma correlação
português-francês, no caso de Pizzerie, na escrita de substantivos
terminados em ia (livraria, peixaria) que no francês se transformam
em ie (librerie, poissonnerie), além de um processo dedutivo-com-
parativo com outras terminações de palavras substantivadas em “ie”
como boulangerie, épicerie, cancaillerie, etc.
No caso do termo Appartament, observa-se que ele sofre in-
fluência, na segunda sílaba, do vocábulo apartamento no português,
pois, há a substituição do “e” pelo “a”, o que não condiz com a
estrutura morfológica do termo em francês, em consequência obser-

184
va-se um termo com parte de sua estrutura em francês e outra em
português.
Além dos termos mencionados, outros vocábulos (tabela 1)
aparecem grafados com concordâncias de gênero equivocadas
quanto ao referente. É o caso dos termos ouverte e fermeé com morfe-
mas indicativos de feminino quando deveriam estar no masculino,
ocorre que o proponente da mensagem, hipoteticamente estabele-
ceu acordo de gênero com o termo porta (feminino) e não com res-
taurante (masculino) como deveria ter sido.
Quadro 1 – Interferências morfológicas
Palavra ou expressão
Palavra ou expressão Equivalente em
em francês com
em português francês
interferência
1. pizzerie Pizzaria Pizzeria
2. appartament Apartamento Appartement
3. ferméé Fechado Fermé
4. ouverte Aberto Ouvert
5. persone Pessoa Personne
Elaborado pelas autoras

INTERFERÊNCIA SINTÁTICA E MORFOSSINTÁTICA


A seguir apresentamos duas imagens, a figura 03 é de uma pla-
ca de um posto de gasolina, na qual há algumas frases dirigidas aos
clientes: Seja bem vindo, obrigado pela preferência e volte sempre. Logo
abaixo, essas mesmas inscrições estão transcritas em francês, nas
frases: Bienvenue, Reconnaissant de la preference, Il retourne toujours. A
tradução literal da mensagem original em português, permitiu-nos
observar interferências de ordem sintática e morfossintática na es-
crita do texto em francês.
Quadro 2 – Interferências morfossintáticas
Palavra ou expressão em Palavra ou expressão Equivalente em
francês com interferência em português francês
Revenez vite /
a) Il retourne toujour Volte sempre
bientôt

185
Petit déjeuner non
b) Sans le petit déjeuner Sem café da manhã
compris / inclus
c) Taux journalle A diária La nuit
d) Au petit déjeuné No café da manhã Au petit déjeuner
e) Pas do gachit Não desperdice Ne pas gaspiller
f) A volonté Rodízio À volonté
Elaborado pelas autoras
Figura 3 – Posto de Gasolina/
agradecimento. Figura 4 – Aviso / Hotel

Fonte: Arquivo pessoal (2021)

Em termos sintáticos, observa-se dois fenômenos: (1)uma cla-


ra tentativa de organizar a frase “Reconnaissant de la preference” tendo
por base a estrutura da língua portuguesa, na qual buscou-se uma
estrutura mais formal, próxima do grato pela preferência, comumen-
te usado no Brasil e (2) uma tentativa de compensar a “ausência”
do pronome sujeito não aparente na frase volte sempre, através da
inclusão desse elemento, no francês, com a expressão “il retourne
toujours”.
Ocorre que em ambos os casos a interferência sintática ad-
vem mais de um conhecimento pouco aprofundado de determina-
das estruturas frasais da língua francesa e menos de um associação

186
entre as línguas, fato que repercute, em consequência, diretamente
no conteúdo semântico do texto apresentado, podendo, assim, com-
prometer o sentido da mensagem. Além disso, o uso equivocado do
verbo retouner no lugar de revenir, como fruto de um decalque lexi-
cal, aponta também para uma interferência semântica, uma vez que
voltar e retornar podem ser equivalentes em português no cenário
apresentado, mas o mesmo não acontece em língua francesa.
Quanto ao texto presente na figura 04, de igual maneira, no
texto proposto como equivalente em francês, é possivel constatar
pelo menos duas evidências de interferência morfossintática, afe-
tando a estrutura das orações: 1) o uso da preposição do (da língua
portuguesa) no lugar da partícula “de” (usado, no contexto apresen-
tado, em francês) na frase pas do gachit; e 2) o emprego inadequado
de dejeuné (em forma de verbo) na expressão petit dejeuner, que fun-
ciona como substantivo (café da manhã).
Por fim, a expressão a volonté sem o acento gráfico, afeta sig-
nificativamente a estrutura e o sentido a ser impresso por à volonté,
em que o primeiro ‘a’ caracteriza-se como verbo (ter) e o segundo ‘à’
como preposição, alterando, portanto, o sentido da expressão.

INTERFERÊNCIA SEMÂNTICA
No âmbito da interferência semântica, a exemplo do termo
retourner apresentado acima, outros exemplos observados, encon-
tram-se na figura 02 já apresentada. A imagem 02 apresenta a placa
de uma tabela de valores, encontrada na parte interior de um hotel
da fronteira. O conteúdo informativo da placa é relativo a tarifa do
quarto, por noite e pelo número de hóspedes. Para as mesmas infor-
mações há uma proposta de texto escrito em língua francesa, nos
seguintes termos: Apt° 02 (pessoa) – diária R$ 76,00, e em seguida
- “Appartament 02 une persone – taux journalle R$ 76,00. Neste caso,
o sentido da mensagem pretendida, em função da inadequação dos

187
termos usados como equivalentes, pode ficar totalmente compro-
metido.
A expressão une persone apresenta tanto problemas de ordem
semântica, quanto morfossintática em língua francesa, caracteri-
zando as interferências. O termo pessoa na placa informa sobre o
quantitativo de pessoas por quarto e não valor a ser pago “por pes-
soa”, como faz parecer a informação em francês. O uso de Une per-
sone sinaliza a busca de uma equivalência semântica pouco usual
e caracteriza também, por conseguinte, um repertório linguístico
limitado na língua francesa. A mesma avaliação é extensível ao uso
de Taux journalle como equivalente de diária, noção que em francês
é comumente expressa por la nuit.
Quadro 3 – Interferência semântica
Palavra ou
Palavra ou
Exemplo de La expressão Equivalente
expressão em
interferência correction em em francês
francês
português
Revenez
Il retourne bientôt /
1) Retourner Voltar Revenir
toujours Revenez
vite
2) Une Par Chambre
Une persone Por pessoa
personne personne individuelle
3) Taux Taux Diária (noite
La nuit La nuit
journalle journalle de hotel)
Venez
4) Rencontrer Connaissez À rodízio Visitez
rencontrer
Elaborado pelas autoras

INTERFERÊNCIA FONÉTICO/FONOLÓGICA
A figura 5, placa do posto de gasolina, aponta uma interferên-
cia fonética/fonológica na escrita do nome “Posto San Jorge” em
que a palavra San é escrita da forma com que é oralmente percebida
pelo falante de português, visto que o uso habitual na língua fran-
cesa seria “Saint”, tal qual empregado no nome da cidade vizinha
Saint-Georges. Diante disso, a placa demonstra que a interferência fo-

188
nética/fonológica se expressa pela reprodução na escrita de um som
da língua francesa, grafado conforme sua percepção em português.
Figura 5 - Placa de Posto de Gasolina

Fonte: Arquivo pessoal (2021)

É valido mencionar que a interferência fonético-fonológica,


em se tratando da modalidade escrita, não representa, necessaria-
mente, um erro na língua, mas uma potencial má discriminação au-
ditiva, como pode ser o caso em pas do gachit (sendo o /e/ um dos
sons que imprime maior dificuldade ao brasileiro) ou uma transfe-
rência da representação grafemática de um som de uma língua para
outra.

189
INTERFERÊNCIA LÉXICO-CULTURAL

Figura 6 - Churrascaria

Fonte: Arquivo pessoal (2021)

Por fim indicamos uma ocorrência denominada neste cenário


de interferência léxico-cultural que decorre das práticas cotidianas
não comuns entre as comunidades que acabam por se refletirem
também no texto escrito.
Na figura 6, podemos observar que há no cardápio de refei-
ções uma apresentação escrita das opções e a tradução delas em
língua francesa. Ocorre que rodízio implica em uma prática alimen-
tícia não usual na cultura franco-guianense, assim optou-se por uma
proposta aproximativa do significado de rodízio em francês com o
termo a volonté para informar ao cliente francês que ele pode servir-
-se à vontade, pagando somente aquele valor.
Neste caso, observa-se no cardápio tanto uma interferência
linguística, na ausência da crase que é empregada na expressão buf-

190
fet à volonté mas também cultural incidindo no uso de uma expressão
escrita e de uma prática pouco comum na cultura francesa, em que
à volonté não abarca o ritual de um rodízio.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este breve estudo das interferências linguísticas presentes nos
textos públicos de uma comunidade fronteiriça coloca em evidência
mais uma dimensão das possibilidades de abordagem que nos ofe-
rece a paisagem linguística.
Os escritos públicos da cidade de Oiapoque apontam tanto
para um cenário diversificado quanto para a presença de comunida-
des de fala distintas em contato, cujos resultados, em termos linguís-
ticos e culturais podem ser evidenciados na paisagem, ou seja, nas
fachadas, cardápios, no título dos empreendimentos, descortinando,
assim, aspectos diversos da configuração bilíngue/plurilíngue da re-
gião.
Além de nos informar sobre a predominância de produções
escritas de origem bottom-up, isto é, escritos oriundos de iniciativas
não oficiais e privados, que possuem finalidade essencialmente de
caráter comercial, a paisagem também traz indicativos de políticas
linguísticas, que embora não tenham sido discutidas neste texto, es-
tão colocadas de modo aparente e simbólico através da paisagem.
Por fim, diante das diversas ocorrências observadas nos tex-
tos escritos analisados (lexicais, fonéticas-fonológicas, semânticas,
sintáticas e morfológicas), apontando, entre outras coisas para as
interferências oriundas do português oral e escrito sobre o francês
da fronteira, destacamos a relevância da produção de conhecimento
sobre a diversidade linguística da região, de modo a melhor com-
preender as dinâmicas linguageiras dos falantes, acompanhar os
possíveis processos de mudanças delas decorrentes, além de impul-
sionar a realização de novas pesquisas a respeito dessa realidade.

191
REFERÊNCIAS
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tia/article/view/3837

193
SOBRE AS ORGANIZADORAS

Aldenice de Andrade Couto é doutoranda no Programa de


Pós-Graduação em Língua e Cultura- PPGLinc da Universidade
Federal da Bahia-UFBA, na área de Linguística Aplicada. Tem
mestrado em Ciências da Linguagem e Didáticas das Línguas pela
Universidade das Antilhas e da Guiana – UAG (2006). É mestra em
Linguística Aplicada pela Universidade de Brasília - UNB (2015).
Atua na área de pesquisa de Línguas Estrangeiras e Formação Ini-
cial de professores de Línguas Estrangeiras. Atualmente, é docente
adjunta II e atua como professora de Francês Língua Estrangeira do
Departamento de Letras e Artes da UNIFAP. É líder do Grupo de
Pesquisa do Núcleo Amapaense de Pesquisa em Línguas e Literatu-
ras Estrangeiras-NAPLE.
Kelly Cristina Nascimento Day é graduada em Letras pela
Universidade Federal do Pará (1994), fez especialização em tradu-
ção português/Francês pela Universidade do Estado do Rio de ja-
neiro - UERJ (2004) mestrado em Estudos da Linguagem pela Pon-
tifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro - PUC-Rio (2005)
e doutorado em Estudos da Linguagem, com ênfase em politicas
linguisticas, pela Universidade Federal Fluminense - UFF (2016)
. Atualmente é professora adjunta da Universidade do Estado do
Amapá - UEAP e atua como docente permanente do programa de
Pós-graduação em Letras da Universidade Federal do Amapá - PP-
GLET. Participou da implantação do ensino do francês língua es-
trangeira na rede pública estadual de ensino no Amapá e coordenou
a 1ª habilitação em Língua Francesa da Universidade Federal do

194
Amapá - UNIFAP. Tem experiência na área de ensino de línguas e
sociolinguística, com ênfase em Políticas Linguística.

195
SOBRE AS AUTORAS E OS AUTORES

Alcioneide Barbosa Ramos é pertencente ao Quadro Efetivo


da educação do Estado do Amapá e lotada na Secretaria de Estado
da Educação - SEED. Tem mestrado em Francês Língua Estrangei-
ra e Língua Segunda - FLE/FLS - Ênfase na Didática Intercultural
de Línguas - Universidade Paul-Valéry - França. É especialista em
Francês Língua Segunda - FLS para não francófonos - Universidade
de Montreal - CANADÁ. E especialista em Língua Francesa - IE-
SAP. Possui graduação em Letras e Artes - Língua Portuguesa e
Língua Francesa - UNIFAP. alcioneideramos@outlook.com
Ana Arlene Ferreira Nobre é mestranda em Letras na Uni-
versidade Federal do Amapá (2022), na área de concentração Lin-
guagens na Amazônia dentro da linha de pesquisa Diversidade
Linguística na Amazônia, sob a orientação da Profª Drª Celeste
Maria da Rocha Ribeiro. Membro do Grupo de pesquisa Núcleo
de Estudos e Pesquisas Interdisciplinares em Linguística Aplicada
(NEPLA/CNPq-UNIFAP). Membro do Grupo de pesquisa Atlas
Linguístico do Amapá (ALAP/CNPq-UNIFAP).  Graduada em
Letras Português/Francês pela Universidade Federal do Amapá
(2002). Especialista em Ensino/Aprendizagem do Francês Língua
Estrangeira pela Universidade Federal do Pará (2005), especialis-
ta em Maîtrise Français, Langue Etrangère pela Universidade des
Antilles et de la Guyane - UAG (2006) e especialista em Mídias na
Educação pela Universidade Federal do Amapá (2015
Daniella Ramos da Trindade é mestranda em Letras na Uni-
versidade Federal do Amapá (2021), na área de concentração Lin-

196
guagens na Amazônia dentro da linha de pesquisa Diversidade Lin-
guística na Amazônia, sob a orientação da Profª Drª Kelly Cristina
Nascimento Day. Membro do Grupo de pesquisa Linguagem, lín-
gua e Sociedade (LINLIS/CNPQ-UEAP) e do Grupo de Estudos
da Paisagem Linguística Amazônica Amapaense (GEPLAMA).
Participou do programa de formação para professores de francês in-
titulado “Stage Amazonien 2022” realizado em Caiena, na Guiana,
patrocinado pelo Governo do Estado do Amapá (2022). Gradua-
da em Letras Português/Francês pela Universidade do Estado do
Amapá – UEAP (2012). Especialista em Língua Francesa pelo Ins-
tituto de Ensino Superior do Amapá - IESAP (2014). Atuou como
Assistente Linguística no Ensino da Língua Portuguesa em Escolas
Públicas para estudantes franceses na cidade de Kourou, Guiana
Francesa no período de 2008 a 2009. Atua como professora de Fran-
cês Língua Estrangeira, pertencente ao Quadro Efetivo do Governo
do Estado Amapá desde 2014.
Dennys Silva-Reis é professor Adjunto de Literaturas em
Língua Francesa na Universidade Federal do Acre (UFAC). Doutor
em Literatura (POSLIT/UnB) e mestre em Estudos da Tradução
(POSTRAD/UnB). Professor-orientador credenciado do Mestrado
Acadêmico em Estudos Literários (MEL/UNIR) e do Programa de
Pós-Graduação em Letras Neolatinas (PPGLEN/UFRJ). É orga-
nizador das seguintes obras: junto com Sidney Barbosa, Literatura e
Outras Artes na América Latina (2019); em co-organização com Kátia
Hanna, a obra A tradução de quadrinhos no Brasil : princípios, práticas e
perspectivas (2020), e o livro Poéticas e políticas do feminino na literatura,
em co-autoria com Anselmo Alós e Cinara Ferreira.
Franck Wirlen Quadros dos Santos é licenciado em Letras
Português com Habilitação em Língua Francesa pelo Instituto de
Ensino Superior do Amapá – IESAP (2014). Especialista em Edu-
cação a Distância – FAEL (2021), Pós-graduando do Programa de

197
Mestrado em Letras da Universidade Federal do Amapá – UNI-
FAP/AP. Professor de Língua Francesa.
Janaína Oliveira da Costa é filha de ribeirinhos, advinda
da periferia da zona sul de Macapá, é licenciada em Letras Portu-
guês-Francês pela Universidade Federal do Amapá, trabalhou como
assistente de língua portuguesa no Rectorat de la Guyane Française e
é mestranda pela Universidade de Aix Marseille (AMU) em estudos
de civilizações, línguas, literaturas e culturas estrangeiras. Janaína
também é professora independente de Português Língua Estrangei-
ra (PLE) e Français Langue Étrangère (FLE). Atualmente, é profes-
sora de PLE pelo Centro de Formação (CLM) em Seyne-sur-Mer,
tutora pela Universidade de Aix Marseille e mediadora cultural no
consulado de São Tomé e Príncipe em Marselha.
Jaqueline Nascimento da Silva Reis é professora de Língua
Estrangeira/Francês, pertencente ao Quadro Efetivo do Governo
do Estado do Amapá. Tem mestrado em Educação (PPGED/UNI-
FAP), com ênfase nos estudos da linha de pesquisa Políticas Educa-
cionais. É especialista em Linguística Aplicada e Ensino de Línguas
(CELAEL/UNIFAP) e em Metodologia do Ensino da Língua e das
Literaturas de Expressão Francesa (APOENA/FTA). Possui gra-
duação em Letras-Francês pela Universidade Federal do Amapá. É
integrante dos seguintes grupos de pesquisa: Linguagem, Língua e
Sociedade (LINLIS/UEAP); Núcleo Amapaense de Pesquisas em
Línguas e Literaturas Estrangeiras (NAPLLE/UNIFAP); e Gestão,
Inovação e Financiamento da Educação no âmbito das Políticas e
Administração Educacional Brasileira (PPGED/UNIFAP). Atua
com os seguintes temas: Ensino-aprendizagem de Línguas Es-
trangeiras; Linguística Aplicada; Políticas Linguísticas em regiões
de fronteira; Educação Bilíngue; Políticas Educacionais. E-mail:
jaquy.reis@hotmail.com
Mayara Priscila Reis da Costa é professora de língua france-
sa, desde 2016, no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecno-

198
logia do Amapá (Ifap), campus avançado Oiapoque. Na referida
instituição, coordena, orienta e colabora em projetos e ações que
visam a diversidade linguística e cultural (francófona e indígena)
na região fronteiriça entre o Amapá/Brasil e a Guiana Francesa/
França. Atualmente, é doutoranda em Ciências da Educação, espe-
cialidade de Literacias e Ensino do Português, na Universidade do
Minho (UMinho), em Portugal, e desenvolve sua pesquisa numa
perspectiva de formação especializada de professores que atuam em
contextos linguisticamente diversificados.
Stéphanie Girão possui graduação em Letras-Francês (2008)
e mestrado em Estudos Literários (2013) pela Universidade Fede-
ral do Amazonas (UFAM); doutorado em Linguística Aplicada
pela Universidade Estadual de Campinas (2021, bolsa FAPEAM)
e doutorado sanduíche na Université Grenoble-Alpes (2018, bolsa
CAPES-COFECUB). Tem experiência na educação superior desde
2010 na UFAM como professora de literaturas francófonas, didática
da literatura, políticas linguísticas educacionais e formação de pro-
fessores de francês.
Valéria da Silva Fumelê possui graduação em Pedagogia pela
Faculdade Apoena (2014 - 2018) e graduanda em Licenciatura Plena
em Letras Português - Francês (2018 - 2022) na Universidade do Es-
tado do Amapá, possui capacitação em Análise do Comportamento
Autista (2021). Atualmente é Pós-graduanda nos cursos de Gestão
e Coordenação Pedagógica e Letras, Português e Literatura pela
Faculdade IBRA (2022-2023). Foi bolsista do Programa Institucio-
nal de Bolsas de Iniciação à Docência PIBID/CAPES (2018-2019),
do Programa Institucional de Iniciação Científica - PIBIC / Cnpq
(2019/2020) e do Programa de Iniciação Científica - PROBICT/
UEAP (2020/2022). Participou também do Curso de Extensão
Variação e Contato Linguístico do Amapá (2019) e foi orientanda
no Projeto de Pesquisa: Análise Geossociolinguística dos dados do
Projeto Atlas Linguístico do Amapá - ALAP (2019). Faz parte do

199
grupo de Pesquisa Linguagem, Língua e Sociedade LINLIS e do
grupo de Estudos da Paisagem Linguística Amazônica Amapaense
(GEPLAMA).

200
Título: A Língua Francesa na Amazônia: espaço de encontros,
trocas e experiências didáticas franco-brasileiras
Organização: Aldenice de Andrade Couto, Kelly Cristina
Nascimento Day
Autores: Alcioneide Barbosa Ramos (SEED-AP), Ana Arlene
Ferreira Nobre (UNIFAP), Daniella Ramos da Trindade (UNIFAP),
Dennys-Silva-Reis (UFAC), Franck Wirlen Quadros dos Santos,
Janaina Oliveira da Costa (UMA), Jaqueline Nascimento da
Silva Reis (SEED-AP), Kelly Cristina Nascimento Day (UEAP),
Lizandra Valéria da Silva Fumelê (UEAP), Mayara Priscila Reis da
Costa (IFAP-OIAPOQUE), Stéphanie Girão (UFAM).
Projeto gráfico: Nepan Editora
Capa e arte final: Raquel Ishii
Produção editorial e diagramação: Marcelo Alves Ishii
Revisão de texto: sob a responsabilidade dos autores
Copidesque: Endy Yasmin da Silva Cavalcante
Tipologia: Calisto MT 12/17
Número de páginas: 200

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