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O CONTINENTE AFRICANO

Perfil histórico e abordagem geopolítica das macrorregiões 1

José Maria Nunes Pereira2

INTRODUÇA0

Dois motivos básicos nos obrigam a relevar os estudos sobre a África. 0 primeiro
deles é o caráter de matriz histórica e cultural que os africanos e seus descendentes
tiveram na formação da sociedade brasileira, marcando decisivamente a nossa
identidade nacional. O segundo é a importância intrínseca do continente na História.
Ele protagonizou, por exemplo, um dos mais importantes processos do século XX, o da
descolonização.
Além do mais, as crescentes demandas da sociedade brasileira, em especial os
afro-descendentes, e o novo patamar em que o Brasil está se inserindo na cena
internacional exigem um novo tipo de conhecimento sobre a África. Ele não deve
refletir uma visão eurocêntrica de tipo colonial, nem apresentar a visão ufanista que
predominou nas primeiras décadas depois da descolonização. Há uma nova corrente
historiográfica que, utilizando fontes e metodologias diversificadas, se apresenta crítica
e realista.

África: um novo olhar

A luta pela libertação da África do domínio colonial levou os nacionalistas a


realçar a unidade do continente, especialmente no campo cultural e da luta política. Os
movimentos da negritude e do pan-africanismo são um bom exemplo disso.
Nesta breve introdução ao estudo da África o nosso olhar privilegiará não tanto os
aspectos de unidade do continente quanto os de diversidade, para efeito didático e de
abrangência do continente. Por outras palavras, o texto abordará a diversidade das
suas seis macrorregiões e enfatizará o que há de homogêneo entre elas. Essa
abordagem, pelas características deste trabalho, será bastante sintética, quase em

1
Texto retirado de Bellucci, B. (org.) Introdução à História da África e da Cultura Afro-Brasileira.
Rio de Janeiro: Centro de Estudos Afro-Asiáticos-UCAM/CCBB, 2003. pgs. 9-29.
2
Doutor em Sociologia pela USP, Professor Titular de História da África e de Relações

Asiáticos da UCAM – Universidade Candido Mendes.


Internacionais do Instituto de Humanidades e pesquisador do CEAA - Centro de Estudos Afro-
"verbetes", e será precedida por algumas considerações gerais e curtas sobre o
continente.

O CONTINENTE: UM PERFIL

A geografia e algumas de suas circunstâncias

A África, com 30.258.752 km2 é o terceiro maior continente em superfície, menor


que a Ásia (43 milhões) e as Américas (42 milhões) e três vezes maior que a Europa,
embora com aproximadamente a mesma população: 800 milhões de habitantes.
Embora ocupando 22% das terras emergentes, o continente representa somente cerca
de 13% da população mundial; a sua taxa de crescimento, no entanto, é a mais alta
do planeta, com média de 2,9%.
A África é um continente marcadamente maciço e seu litoral não é pródigo em
baías e portos. A distância de um lugar do interior até o mar pode alcançar perto de
1.500km, enquanto na Europa o máximo é de cerca de 500km. Predominam os
planaltos e a altitude média do continente é de 675m.
As planícies são majoritariamente litorâneas e estreitas. Os rios, pouco
navegáveis, são cortados por quedas e cataratas, o que limita bastante a navegação,
dificultando a comunicação no interior do continente. Em contrapartida, isso possibilita
ao continente ter o maior potencial hidrelétrico do mundo, com destaque para a
República Democrática do Congo (ex-Zaire; daqui em diante Congo-Zaire).
O único rio que corre para o norte é o Nilo, o maior do mundo, com 15.670km;
nasce do lago Vitória e atravessa o Sudão e o Egito, antes de desaguar no
Mediterrâneo. Entre os rios que deságuam no Oceano Atlântico temos o Congo
(4.600km) e o Níger (4.160km), rio da integração do oeste africano. Terminam no
Oceano índico os rios Zambeze (2.650km), o Limpopo e o Rovuma. As regiões
lacustres são importantes na África Oriental: os maiores lagos são o Vitória, o
Tanganica e o Niassa.
A África tem 75% da sua superfície situada entre os trópicos. Somente as suas
duas extremidades (toda a África do Norte e uma parte da República da África do Sul)
se encontram em regiões temperadas, de clima mediterrânico. É o mais quente dos
continentes; o clima equatorial se estende além da bacia congolesa até a costa do
Golfo da Guiné. O clima tropical úmido é parecido com o equatorial pela abundância
das chuvas, mas já apresenta uma estação seca. O clima saeliano (próximo da região
do Sael, nas margens do Saara) marca a transição para o clima desértico. 0 Saara é o
maior dos desertos; seus cerca de 8 milhões de Km2 o fazem do tamanho do Brasil. Ele
faz vizinhança, a leste, com os desertos da Líbia e da Núbia. Ao sul temos os desertos
do Namibe e do Calaári.
A cobertura vegetal desempenhou um papel importante na história africana.
Freqüentemente dificultou o deslocamento e a subsistência das populações. A
configuração da paisagem acompanha, em grande parte, as zonas climáticas. Estas se
distribuem, grosso modo, de maneira simétrica, a partir da zona equatorial, para o
norte e para o sul. Esta diversidade tão contrastante não foi favorável ao
desenvolvimento do continente, criando dificuldade, séculos atrás, à expansão de
plantas e animais domesticáveis de uma zona para a outra.
Temos, então, na área central do continente, a floresta densa, ou "virgem",
própria da região equatorial; a floresta "clara" é mais encontrada nas regiões de clima
tropical úmido. A formação vegetal mais comum no continente é a savana, com
gramíneas e pequenos arbustos e sujeita a longos períodos de seca; é típica dos
planaltos.
Um exemplo de adversidade geográfica na história do desenvolvimento da
África é o deserto do Saara. Há pouco mais de 2.500 anos, ele se constituía de uma
área verdejante. 0 seu ressecamento isolou a África Subsaariana da África do Norte e,
em conseqüência, das civilizações do Mediterrâneo. A introdução do camelo e a
invasão árabe no século VII voltaram, de certa forma, a possibilitar a ligação entre
essas duas partes do continente.
A chamada "revolução do camelo" veio a possibilitar que, a partir do século X, o
ouro dos impérios negros, situados na curva do rio Níger (Ghana, Mali e Songhai),
chegasse à Europa medieval, comerciado pelos mouros através do deserto do Saara.
Um outro exemplo de constrangimento geográfico ocorrido na África é o fato de,
na parte ao sul do Equador, não ter sido possível converter em cultivo nenhuma das
plantas nativas dessa área; nem pelos bantos, nem depois, pelos europeus. Os cultivos
provieram do norte do Equador, da Ásia ou até das Américas, como foi o caso da
mandioca, do milho e da batata. Quase o mesmo se pode dizer dos animais
domésticos.
Povos, línguas, religiões

As populações que habitam o norte e o nordeste do continente (este designado


também por Chifre da África) falam as línguas do grupo camito-semítico ou afro-
asiático. Predominam, atualmente, na região o árabe, o berbere e as línguas semíticas,
também faladas no Chifre. Os berberes são o povo autóctone da região magrebina,
onde ainda hoje constituem quase um quarto da população. Os árabo-berberes ficaram
conhecidos como mouros na Península Ibérica, que invadiram no século VII e
colonizaram por mais de cinco séculos.
O Saara é uma zona de cruzamento entre populações oriundas do norte e as
vizinhas da África Subsaariana, conhecida no tempo colonial como África Negra. Nesta
parte do continente podemos apontar quatro grandes grupos que têm, contudo,
dimensões bastante desiguais. 0 grupo mais antigo, embora o menor, é o dos
pigmeus. São cerca de 150 mil habitando a floresta equatorial, dos Camarões ao
Congo-Zaire. Os povos khoisan encontram-se na Namíbia, no Botsuana e na África do
Sul. Os khoi-khoi, conhecidos vulgarmente como bosquímanos, habitam sobretudo o
deserto do Calaári, são nômades caçadores. Os san, ou hotentotes, são basicamente
pastores. O grupo não tem mais de 200 mil pessoas; não são, tal como os pigmeus,
considerados negróides.
Os negróides constituem cerca de 70% da população do continente.
Lingüisticamente podem ser considerados, grosso modo, divididos em três grupos:
nilióticos, sudaneses e bantos. Estes últimos se caracterizam pelo fato de todos
usarem o sufixo ntu para designar o ser humano. 0 prefixo ba designa o plural. Daí a
palavra bantu (pessoas), aportuguesada para banto. Ocupam uma vasta área do
centro e do sul do continente, abaixo de uma linha que ligaria os Camarões à região
dos Lagos. Cerca de 70% dos afro-descendentes brasileiros têm ascendência banto,
com predominância na região Angola-Congo.
O quarto grupo é conhecido como sudanês. Ele predomina em todo o oeste
africano, chamado pelos árabes de Sudão ("terra dos negros"). É uma região que se
estende do Senegal até o leste do rio Níger, não devendo ser confundida com o país de
nome Sudão, situado na região niliótica.
As línguas africanas, equivocadamente chamadas de dialetos, constituem, junto
com o velho e inadequado termo tribo, a diversidade mais conhecida do continente.
Embora sejam faladas no continente cerca de duas mil línguas e suas variedades
dialéticas, mais de cinqüenta delas são faladas por, pelo menos, um milhão de
pessoas; cerca de uma dúzia têm mais de dez milhões de falantes. O árabe é a língua
oficial de sete países do continente; é falado por mais de 150 milhões de africanos. O
haussa, originário do noroeste da Nigéria, é língua veicular em sete países, atingindo
mais de 70 milhões de falantes. Tinha escrita em caracteres árabes, antes da chegada
dos europeus. Outra importante língua veicular é o suaíli (swahili), falado por cerca de
65 milhões de pessoas, desde a costa do Índico até a metade oriental do Congo-Zaire.
Derivado da influência árabe na costa oriental africana, o suaíli é língua nacional do
Quênia. Outra importante língua veicular é o lingala, usada por quase metade da
população do Congo-Zaire.
Entre as línguas faladas por mais de 10 milhões de pessoas destacamos, além
das citadas, três línguas da Nigéria - o ioruba, o ibo e o fulani; o mandinga, veicular
em vasta área da África Ocidental; o kirundi - kinyaruanda, comum aos povos hutu e
tutsi de Ruanda e Burundi e da diáspora desses povos nos países da região. Na África
do Sul, três grupos lingüísticos abrangem quase 75% de toda a população. As línguas
mais usadas são o zulu e o xhosa. Terminando pelo norte temos o berbere (Marrocos e
Argélia, sobretudo) e o amárico, na Etíópia.
O islamismo, presente no continente desde a invasão árabe, é atualmente a
religião mais difundida na África, com cerca de 260 milhões de fiéis, grande parte dos
quais encontra-se já na África Subsaariana, com destaque para a Nigéria, onde é
majoritária num país de 120 milhões de habitantes.
O cristianismo, implantado sobretudo com a colonização européia, decresceu
relativamente com a descolonização, mas nas duas últimas décadas vem se
expandindo. Tem perto de 220 milhões de praticantes, com quase igual número de
protestantes e católicos. Ligadas ao cristianismo, embora sincréticas, as chamadas
Igrejas Africanas Independentes predominam em amplas regiões rurais da África do
Sul.
Quanto às religiões tradicionais africanas, vulgarmente chamadas de animistas,
permanecem influentes mesmo entre os registrados em outras religiões. Ainda
predominantes em áreas rurais na parte sul da África, seu número de praticantes é
calculado em mais de 100 milhões. Na África do Sul e nas ilhas do Índico há uma
notável presença do hinduísmo, através da comunidade de origem indiana. 0
fenômeno religioso mais recente, sobretudo na África Austral, é o neopentecostalismo,
representado com destaque, sobretudo nas capitais de Angola e Moçambique, pela
Igreja Universal do Reino de Deus.
AS SEIS MACRORREGIÕES DA ÁFRICA

África do Norte

Antes de ser uma região, ela constitui, por si só, uma parte do continente – a
África do Norte – por distinção da outra parte, a África Subsaariana. Devido à
predominância árabe na região e às conseqüentes afinidades histórico-culturais e
lingüísticas ela é separada, em alguns livros, do resto do continente e agrupada ao
estudo do Oriente Médio.
A África do Norte apresenta duas sub-regiões: a leste, o Machrech, que inclui a
Líbia e o Egito e se prolonga, fora do continente, até a Península Arábica. A oeste, bem
mais individualizada, o Magrebe ("onde o sol se põe", em árabe), que compreende a
Tunísia, a Argélia e o Marrocos.
O grande Magrebe é um projeto político e econômico, de longa maturação, que
pretende a integração nele da Líbia, da Mauritânia e do Saara Ocidental. Este está em
processo de plebiscito pela independência ou incorporação definitiva no Marrocos.
É a região que disputa a primazia geopolítica e econômica com a África Austral,
contudo, no momento, ela apresenta vários indicadores de desenvolvimento
econômico-social e posição estratégica (compartilha com a Europa e o Oriente Próximo
a bacia do Mediterrâneo) que ainda a colocam no primeiro lugar do ranking africano.
Dos sete países africanos com maior PIB, grau de industrialização e escolaridade, cinco
pertencem à África do Norte: Egito, Argélia, Marrocos, Líbia e Tunísia. Graças à sua
população de mais de 140 milhões de habitantes, a África do Norte tem um número de
árabes e de muçulmanos maior que o Oriente Médio.
O seu lastro cultural indica ser a região mais homogênea do continente: de modo
geral, tem uma só religião, o Islão, uma só língua, o árabe, e persegue a utopia de
uma só nação, a árabe. No entanto, a região tem uma forte comunidade autóctone, a
berbere, especialmente no Marrocos e na Argélia.
Como lastro histórico, a região possui grandes centros de irradiação político-
cultural. É o caso do Egito Antigo, com a influência negro-sudanesa que recebeu de
Cartago (na atual Tunísia), e do reino do Marrocos, Estado com mais de mil anos, onde
a dinastia alauía, reinante, tem perto de três séculos de poder.
Porto de partida na invasão moura da Península Ibérica, o Magrebe serviu de
tapete para várias invasões: fenícia, romana, bizantina, vândala e árabe. Esta produziu
uma virada histórica na região, com sua islamização e a miscigenação com os
berberes. Após a implantação árabe veio o domínio otomano, substituído, no final do
século XIX, pela ocupação européia. Esta se iniciou pela conquista da Argélia pela
França, em 1830.
O perfil político da região é marcado pela presença de Estados antigos, alguns
milenares, que permaneceram como estrutura representativa durante a colonização,
como foi o caso do Egito e do Marrocos, que apresentam forte coesão nacional. Já a
Argélia só obteve essa coesão a partir da guerra de independência (1954-1962). Os
países desta região estiveram entre os primeiros da África a obter a sua independência
(Egito, 1922; Líbia, 1951; Tunísia e Marrocos, 1956; e Argélia, 1962).
Quanto à colonização, a França dominou no Magrebe. Tunísia e Marrocos tiveram
o estatuto de protetorados. A Argélia era considerada um departamento da França, na
realidade era uma colônia de povoamento, tendo nela se instalado um milhão de
europeus. Houve colonização inglesa no Egito e italiana na Líbia.
Do ponto de vista demográfico, há uma forte densidade no vale do Nilo e na faixa
costeira da região, que apresenta a mais alta taxa de urbanização do continente, assim
como é a mais industrializada. Três dos seus países (Argélia, Líbia e Egito) são
exportadores de petróleo.
As suas classes dominantes ou são antigas, como a mercantil e a fundiária, ou,
embora de formação recente, como a industrial, são apoiadas no Estado. A região
apresenta – na escala do continente – uma alta taxa escolar e
um funcionalismo de bom nível. Um fenômeno relativamente recente mas que constitui
um obstáculo ao desenvolvimento e à própria governabilidade é o fundamentalismo
islâmico, presente há mais tempo no Egito mas, atualmente, muitíssimo mais intenso
na Argélia.
Do ponto de vista das relações internacionais, todos os cinco países da região
estão entre os quinze mais influentes do continente. Esses cinco países têm relação
privilegiada com três áreas político-culturais: a Europa mediterrânica, sobretudo o
Magrebe com a França (mais de 2 milhões de magrebinos como imigrantes); o Oriente
Médio, como já foi referido, e também com a África Subsaariana, sobre a qual ainda
exercem (menos que nas décadas de 60 a 80), de forma diferenciada, uma sensível
influência política.
África Ocidental

A região é formada por dezesseis países: Benim, Burkina-Faso, Cabo Verde,


Costa do Marfim, Gâmbia, Gana, Guiné, Guiné-Bissau, Libéria, Mali, Mauritânia, Níger,
Nigéria, Senegal, Serra Leoa e Togo. Treze deles se situam na costa Atlântica e três
(Burkina-Faso, Mali e Níger) não têm saída para o mar. Estes três, junto com a
Mauritânia e o Chade (da África Central), compõem a sub-região do Sael (Sahel),
marcada por uma forte desertificação. É uma das zonas mais problemáticas da África e
foi outrora uma área de contato – comércio do ouro – entre a África mediterrânica e a
tropical. O Sael também representa uma zona de ligação entre as duas margens do
Saara, dos povos arabizados com os povos negros.
É uma região com importantes focos históricos: do século X ao século XVI, o
reino do Ghana e os impérios do Mali e Songhai, produtores de ouro; um pouco depois,
na atual Nigéria, as cidades-Estados haussa, ao norte, e as cidades iorubás, no
sudoeste. Foi uma área pioneira de tráfico para as Américas. No início do século XIX
vieram escravos iorubás para Salvador, predominantemente do atual Benim (antigo
Daomé), chamados de nagôs. Neste mesmo século, ex-escravos, africanos e alguns já
brasileiros, retornaram para a Nigéria, o Togo, o Benim e o Gana - são geralmente
designados atualmente como agudás.
A África Ocidental é a região com maior número de países e onde se encontram
os menores Estados, resultado da "balcanização" colonial. Resulta disso, de certa
forma, o predomínio étnico sobre a nova identidade nacional forjada pelo Estado.
Também permanecem marcantes as estruturas político-sociais tradicionais.
A colonização foi feita através de uma competição secular entre a França e a
Inglaterra, embora em todo o processo de ocupação do continente não tivesse havido
nenhum conflito militar entre as potências européias; predominou a negociação entre
elas face aos africanos. Foram colônias inglesas Serra Leoa, Gana, Gâmbia e Nigéria.
Ao contrário do que aconteceu com as colônias de povoamento europeu na África
Austral e Oriental, a Inglaterra praticou na região uma colonização de exploração, sem
a expulsão dos camponeses de suas terras e com pequena mas decisiva presença do
poder metropolitano. A Nigéria e o Gana foram exemplos típicos de administração
indireta inglesa, o que facilitou a manutenção do peso político das velhas classes
dominantes fundiária e mercantil.
Há urna acentuada desigualdade entre as regiões tropicais e as do Sael. Os
paises do interior continuam subsidiários dos litorâneos, para onde, aliás, enviam
emigrantes. Excetuando a Nigéria, maior produtor africano de petróleo, a região conta
com pouca produção mineral, embora os diamantes de Serra Leoa tenham tido
influência nos recentes conflitos da região.
No aspecto sociocultural, nota-se ainda o peso político dos herdeiros das velhas
classes mercantis oriundas do tempo da intermediação do tráfico de escravos. Sente-
se ainda a presença política das sociedades crioulas fortalecidas, sobretudo no século
XIX, como em Cabo Verde, Serra Leoa, Senegal, Libéria e Guiné-Bissau. Há presença
marcante do islamismo, majoritário em alguns países. Elites cristãs estão no litoral.

África Central

Esta classificação inclui dez países: Burundi, Camarões, República Centro-


Africana, Chade, Congo (Brazzaville), República Democrática do Congo (ex-Zaire),
Gabão, Guiné-Equatorial, Ruanda e São Tomé e Príncipe (Burundi e Ruanda são,
freqüentemente, considerados como parte da África Oriental; prevalece aqui o caráter
geopolítico e a integração regional).
Do ponto de vista histórico, o reino do Congo e seus vizinhos vassalos
constituíram a mais famosa entidade política pré-colonial da região, tendo iniciado as
suas relações com os portugueses em 1482. Esse reino abrangia o sul do atual Congo,
o sudoeste do Congo-Zaire e o noroeste de Angola. O reino sofreu, décadas após o
contato com os portugueses, uma forte desestruturação com o tráfico escravo.
A colonização envolveu cinco potências européias. 0 Congo-Zaire, R.D.C., foi
colonizado pela Bélgica, depois de ter sido, por quase duas décadas, uma colônia
pessoal do soberano belga Leopoldo I. A Guiné-Equatorial foi a única colônia espanhola
na África Subsaariana. Os quatro países restantes integraram a África Equatorial
Francesa (A.E.F.), com capital em Brazzaville (atual Congo). O Camarões foi colônia
alemã até a Primeira Guerra Mundial, sendo depois entregue à tutela da França e da
Inglaterra pela Liga das Nações. A colonização foi particularmente predatória,
sobretudo na sua primeira fase, marcada pela exploração do marfim e da borracha. A
província de Katanga (Shaba) teve um povoamento de cerca de 100 mil europeus,
devido à exploração do cobre, diamantes e outros minerais.
A região, além dos minérios referidos, é rica em petróleo (Congo, Gabão e
Camarões), além de urânio e manganês. Situada na sua maior parte na zona
equatorial, apresenta fraca densidade demográfica.
No campo das relações internacionais, o Congo-Zaire, apesar da fraca integração
nacional – vive há décadas em situação de crise –, é o país com maior importância
geopolítica da região, além de ser o de maior extensão e o mais populoso. O Camarões
é o de maior PIB, graças à exploração de petróleo apartir da década de 1980.

África Oriental

Voltada para o Oceano índico, com duradouras relações com o mundo árabe e o
subcontinente indiano, esta região não apresenta no seu todo a relativa
homogeneidade das demais. Destacam-se nela duas sub-regiões: a norte-oriental,
conhecida como o Chifre da África, e a centro-oriental.
O Chifre da África é formado por Etiópia, Eritréia (independente da Etiópia em
1993), Djibuti (ex-colônia francesa) e Somália, que foi colonizada, em partes
separadas, pela Itália e pela Inglaterra. O Sudão, aqui incluído, poderia ser
considerado como pertencente à região da África do Norte, como "retaguarda" do
Egito, que o administrou no tempo colonial (condomínio anglo-egípcio) e com o qual
forma uma sub-região, a nilótica. Contudo, uma forte comunidade negra, cristã ou
animista, no sul, faz que ele se diferencie bastante da homogênea África do Norte.
Embora muito menor que no tempo da Guerra Fria, a região ainda guarda uma
apreciável importância estratégica, devido ao petróleo e à sua proximidade com o
Oriente Médio.
A Etiópia é o país mais importante do Chifre, embora a sua decadência econômica
não mais o inclua entre os quinze maiores PIB do continente. Foi sede da OUA e
continua sendo a da sua sucessora, a União Africana. Tem o poder simbólico da sua
história de Estado milenar. No século XIX o império etíope, antiga Abissínia, expandiu-
se às custas dos seus vizinhos, hoje incorporados ao Estado. Nunca foi colônia de
nenhuma potência, embora sofresse uma ocupação militar italiana entre 1936 e 1941.
Sua população se divide praticamente apenas entre cristãos ortodoxos e muçulmanos.
A África centro-oriental é formada pelas ex-colônias inglesas de Uganda, Quênia e
Tanzânia (antiga Tanganica e ilha de Zanzibar), que no período colonial integravam a
África Oriental Britânica.
Ela apresenta um lastro cultural marcado pelo cruzamento de povos árabes e
asiáticos (sobretudo do subcontinente indiano). É a área por excelência da cultura
suaíli, cuja língua já foi referida. Ela foi a língua franca de penetração dos árabes para
o tráfico de escravos que durou perto de dez séculos, dirigiu-se predominantemente
para a África do Norte e Oriente Médio, é pouco estudado e ainda menos comentado
pelos africanos - árabes ou não.
No campo das relações internacionais, foi a primeira região do continente a
promover a integração econômica ainda na década de 1960, com a criação do Mercado
Comum da África Oriental, ou Kenutan, formado pelos três países citados. A iniciativa
foi frustrada, entre outras razões, pela ditadura de Idi Amin no Uganda.
Com o deslocamento político e econômico da Tanzânia para a África Austral, o
Quênia consolidou a sua posição de mais importante pólo econômico de toda a região.
Sem recursos minerais expressivos, como os restantes países da região, o Quênia tem
excelente agricultura, explora muito bem o turismo ecológico e sua capital, Nairóbi, é
sede mundial da Organização do Meio Ambiente das Nações Unidas.

África Austral

Tida como a região-chave do continente, a África Austral é bem mais do que uma
simples expressão geográfica. Ela apresenta, pela peculiaridade da sua precoce história
colonial, uma alta taxa de integração regional, em vários níveis, que não encontra
paralelo em qualquer outra região do continente.
Ela possui, também, um valor estratégico relacionado com a rota do Cabo, que
perdeu muito do seu interesse com o fim da Guerra Fria mas que ainda é de se
considerar no âmbito do Atlântico Sul. Por essa rota continuam a passar cerca de dois
terços do petróleo que, proveniente do Oriente Médio, abastece o Ocidente. Além do
mais, a região contém um dos maiores acervos minerais do mundo, alguns deles ainda
estratégicos e indispensáveis à Europa e aos Estados Unidos.
A região está situada entre os oceanos Atlântico e Índico. A fachada atlântica lhe
confere proximidade e boa potencialidade de cooperação com o Cone Sul da América
Latina. A fachada do Índico a coloca em contato com o Oriente Médio e com
importantes países asiáticos, que têm uma longa história de comércio e influência
mútua com a região.
A África Austral é composta por onze países: África do Sul, Angola, Botsuana,
Lesoto, Malavi, Moçambique, Namíbia, Suazilândia, Tanzânia, Zâmbia e Zimbábue.
Desses países, seis não têm saída para o mar [Botsuana, Lesoto, Malavi, Suazilândia,
Zâmbia e Zimbábue), o que é um fator a mais para ensejar a integração. A
configuração aqui expressa de África Austral não é normalmente assim considerada na
divisão geográfica tradicional do continente. Ela vem se consolidando nas últimas
décadas por razões geopolíticas e geo-econômicas. Um exemplo: a Tanzânia é um país
situado na África Oriental; contudo, por razões políticas e econômicas, ela se
"australizou" e hoje faz parte de todos os organismos integrativos da região. Quanto a
Angola e, em certa medida, a Zâmbia, são países que, histórica e culturalmente,
também pertencem à África Central.

PERFIL HISTÓRICO

A África Austral é a região do continente com o mais antigo e o maior processo de


implantação de colonos europeus. Ele começou, em 1652, na área da Cidade do Cabo,
a partir da montagem de um pequeno entreposto pela Companhia Holandesa das
índias Orientais. Foi também a única colônia de povoamento europeu criada antes da
Revolução Industrial e da "corrida para a África", desenrolada a partir da segunda
metade do século XIX. Essa circunstância histórica marcou definitivamente o caráter
da região.
A integração da África Austral teve como primeiro protagonista a Inglaterra. A
região acabou se constituindo num subsistema do imperialismo britânico. Embora o
sonho de Cecil Rhodes, de uma ligação britânica ininterrupta do Cabo ao Cairo, não
tenha se concretizado, a Inglaterra foi se assenhoreando gradualmente da região.
Primeiro, se apossou das colônias bôeres do Cabo e do Natal. Em seguida, após a
guerra anglo-bôer (1889-1902), de toda a União Sul-Africana. Agregou à Coroa
Britânica a Rodésia do Sul, atual Zimbábue, inicialmente ocupada sobretudo pelos
bôeres; depois a Rodésia do Norte (hoje Zâmbia) e a Niassalândia (atual Malavi). A
Namíbia era uma colônia alemã (sudoeste africano) que, após a derrota germânica na
Primeira Grande Guerra, foi entregue, como mandato, à África do Sul que ilegalmente
a incorporou. A outra colônia alemã, o Tanganica, foi entregue à Inglaterra, também
como mandato, e constitui hoje a Tanzânia.
Quanto a Angola e Moçambique, estavam como a sua metrópole, Portugal, sob
forte dependência econômica da Inglaterra. Os enclaves de Botsuana, Lesoto e
Suazilândia tornaram-se, nessa época de guerras entre bôeres, zulus e ingleses,
protetorados britânicos.
Numa linha de raciocínio simplificado, poderíamos dizer que, desde o início, a
África Austral teve um processo perverso de integração, desenhado pela mão pesada
de uma colonização de ocupação (ou de povoamento). Esse processo foi
economicamente detonado, um pouco antes do final do século XIX, com a descoberta
das grandes jazidas de diamante e ouro. Poucas décadas depois, enriqueceriam ainda
mais a região a exploração de ouro, cromo e cobre das duas Rodésias e a dos
diamantes de Angola e Namíbia.
O esquema da integração pode ser resumido da seguinte forma: as grandes
fontes de minerais iam sendo descobertas no hinterland - incluindo aí o cobre do
Congo-Zaire - e se ligavam, principalmente, aos portos de Lobito-Benguela (Angola),
Maputo e Beira (Moçambique), os terminais mais importantes (além dos da África do
Sul) de uma complexa rede ferroviária que ia do Atlântico ao Índico, montada pelos
britânicos. Este era o esquema básico da integração econômica nos seus primeiros
tempos.
A integração se amplia após a Segunda Guerra Mundial e toma novas formas
políticas depois da vaga nacionalista africana dos anos 60 e 70. No campo político,
começa a tomar forma o pacto de alianças do chamado "poder branco", ou seja, os
governos da África do Sul, da Rodésia sob o domínio da minoria branca e o governo
colonialista de Portugal - formou-se o eixo Pretória- Salisbury -Lisboa.
Na esfera econômica, os principais atores são as multinacionais, a maior parte de
origem sul-africana e britânica, que atuam articuladamente em vários países da
região, dominando cada uma setores específicos da produção e da comercialização. 0
exemplo mais expressivo é o da holding sul-africana Anglo-American Col., que tem
como principal subsidiária a De Beers - a maior distribuidora mundial de diamantes.
Esta holding atua em todos os países austrais Por intermédio de dezesseis minas de
ouro, dezessete de carvão, cinco de cobre, além de 31 companhias de financiamento.
Essa integração "perversa" aqui exposta passou a ser questionada, sobretudo em
nível político, após a independência de Moçambique e Angola, em 1975.
Estes países somaram os seus esforços aos da Tanzânia, Zâmbia e Botsuana
para, no quadro da Organização de Unidade Africana (OUA), intensificar a ajuda aos
movimentos de libertação do Zimbábue, da Namíbia e da África do Sul. Esse grupo de
cinco países passou a ser chamado de Países da Linha de Frente (FLS, em inglês). A
independência do Zimbábue, em 1980, reforçou o grupo na luta pela independência da
Namíbia, que viria a ocorrer em 1990.
No campo econômico, os seis países da Linha de Frente, juntamente com os
vizinhos Lesoto, Malavi e Suazilândia, criaram, em 1980, a Conferência para a
Coordenação do Desenvolvimento da África Austral (a SADCC - Southern African
Development Coordination Conference. 0 principal objetivo era o de diminuir a
dependência econômica da África do Sul.
UNIDADE E DIVERSIDADE

Além da altíssima concentração de minerais nobres e da singularidade da sua


integração, há muitos outros fatores que tornam a África Austral notável dos pontos de
vista econômico e geopolítico. Um desses fatores é a posse, para padrões africanos, de
um grau razoável de identidade étnico-cultural e, ao mesmo tempo, apresentar neste
mesmo campo uma diversidade inédita no continente.
Privilegiando primeiro os indicadores de unidade e operando freqüentemente com
estimativas, podemos dizer que, do ponto de vista étnico-lingüístico, a região tem, na
sua grande maioria, base lingüística banto. Em quase todos os países, três ou quatro
línguas africanas costumam abranger cerca de 70% do total da população.
Dos onze países da África Austral, nove têm o inglês como a única ou uma das
línguas oficiais. Os outros dois são Angola e Moçambique, de língua portuguesa. Esta é
também falada por cerca de 400 mil portugueses residentes na África do Sul.
A religião cristã é predominante na região. Na África do Sul, os cristãos
constituem cerca de 70% da população. Em Angola, mais de metade da população é
cristã, predominando o catolicismo.
Examinando agora o lado da diversidade étnica e o que ela tem de
potencialmente enriquecedora no pós-apartheid, notamos que a África Austral possui
um contingente de população de origem européia (brancos africanos e estrangeiros
residentes) que ultrapassa os 5,5 milhões de pessoas - pouco mais de 5 milhões na
África do Sul. Esse número de brancos é largamente superior à soma dos existentes
em todas as demais regiões do continente e, por herança do colonialismo, é provido de
maior renda e melhor formação profissional do que a média da população restante.
Os países da região, com elevado destaque para a África do Sul, têm 2,4% (mais
de um milhão) de originários da Ásia (da antiga Índia, hoje União Indiana, Paquistão e
Bangladesh). O percentual de mestiços – presentes, de modo desigual, na maior parte
dos países - corresponde a pouco mais de 10% da população total.

CONFLITOS E NEGOCIAÇõES

A partir do início da década de 1960, a África Austral passou a ser palco de lutas
de libertação e rebeliões contra o apartheid. A independência de Angola, em novembro
de 1975, internacionalizou os conflitos e transformou a região em palco da Guerra Fria.
Essa internacionalização, com Estados Unidos e União Soviética apoiando
militarmente os seus aliados na luta intestina em Angola, teve como principal
detonador a invasão de tropas sul-africanas em Angola, provocando intervenção
cubana em favor do governo do MPLA. Uma explicação mais satisfatória não cabe
neste resumo. É porém indispensável ter uma visão geral desses conflitos que se
desenrolam entre 1975 e 1989 - com o início do desmantelamento do apartheid e o
fim da Guerra Fria.
A primeira das três fases dos conflitos vai até 1980, com invasões sul-africanas
em Angola e desestabilização econômica provocada por Pretória em quase toda a
região. O regime do apartheid defrontou-se internamente com uma deterioração
política e econômica - a rebelião de Soweto, aumento das greves, queda do preço do
ouro e sanções internacionais.
Pretória, sentindo-se vítima de total owslaught (assalto total), respondeu com
uma "estratégia nacional total", que resultou em maior centralização do poder e
militarização do país. O governo ainda tentou formar uma "constelação
de Estados" com os países mais dependentes da região, mas fracassou. A
independência do Zimbábue, também radicalizada pela situação na região, pôs fim à
chamada política "da cenoura e do cacete".
A segunda fase, que se estende até 1984, é marcada por uma polarização ainda
maior dos conflitos. Os antes referidos Países da Linha de Frente, fortalecidos com a
independência do Zimbábue, ajudam a intensificar a luta contra o apartheid e com a
independência da Namíbia e criam a SADCC. Pretória intensifica a desestabilização
invadindo varias vezes o sul de Angola, que faz fronteira com a Namíbia.
A terceira fase se inicia em 1984 com as negociações que Pretória estabeleceu
com Moçambique e com Angola, mas que foram frustradas pouco depois. Contudo, à
medida que aumentava o clima de détente entre as duas superpotências e que o curso
da guerra se tornava contrário aos interesses sul-africanos, o governo de Pretória,
após a batalha de Cuito Canavale opondo diretamente angolanos e cubanos contra os
rebeldes da Unita e tropas sul-africanas -, reconhece ter perdido a hegemonia aérea na
região e toma o rumo das negociações. Estas desembocaram nos Acordos de Nova
lorque, de dezembro de 1988, dos quais se originou a retirada sul-africana e cubana
de Angola e a independência da Namíbia em 1990.
A DEMOCRATIZAÇÃO DO PROCESSO

Embora constituindo, como vimos atrás, uma zona de intensos, imbricados e


duradouros conflitos, a África Austral, após complexos acordos de paz, acabou se
destacando no continente como a região que mais tem promovido a democracia,
pondo fim ao monopartidarismo aí reinante em vários países.
O processo de maior impacto foi, sem dúvida, o desmantelamento jurídico do
apartheid e a realização em 1994 das primeiras eleições livres e gerais, através das
quais o eleitorado deu a vitória ao ANC e Nelson Mandela assumiu o poder. Quatro
anos mais tarde, novas eleições foram também vencidas por ampla margem pelo ANC,
quando assumiu a presidência da República o sucessor de Mandela, T. Mbeki.
O processo já se iniciara com as eleições na Namíbia, em 1990, por ocasião da
independência, tendo a SWAPO sido vencedora e seu líder S. Nujoma eleito presidente.
Ele será reeleito nas duas eleições seguintes, em 1994 e 1998. Na Zâmbia, as eleições
de 1991 foram vencidas pela oposição a K. Kaunda que, apesar de "fundador da
nação", cedeu o lugar de presidente a F. Chiluba, reeleito em 1997. Outra vitória da
oposição ocorreu no Malavi, em 1994. O presidente H. Banda, no poder há mais de
trinta anos e considerado presidente vitalício desde 1991, é derrotado por B. Muluzi.
No Zimbábue, o presidente R. Mugabe, da Frente Popular, é eleito em 1990 e reeleito
em 1994.
Um país merece destaque na sua trajetória democrática - é o Botsuana. Além de
excelente desempenho econômico, ele mantém a tradição democrática que se firmou
desde a independência, em 1966.
Quanto a Angola e Moçambique, a adoção da democracia multipartidária veio na
seqüência de acordos de paz dos governos com forças rebeldes. Ambos só ocorreram
após o fim do apartheid e dos conflitos que o regime de Pretória apoiava e municiava
nesses dois países. Numa curta síntese temos, para Angola, um acordo de paz de
Bicesse entre governo e Unita, em maio de 1991. Seguiu-se em final de setembro de
1992 a realização de eleições gerais - tidas pelos observadores da ONU como livres e
justas - que deram a vitória ao MPLA e ao seu presidente J. Eduardo dos Santos. A
Unita não aceitou os resultados e iniciou uma nova guerra civil tremendamente
destrutiva. Com a intervenção da ONU foi estabelecido um acordo de paz em Lusaca,
em 1994, a que a Unita não obedeceu, sofrendo sanções das Nações Unidas mas
recorrendo à venda clandestina de diamantes, o que lhe tem permitido resistir, ainda
que em grau reduzido, às últimas ofensivas de Luanda; entretanto, com o apoio de
vários partidos, inclusive de dissidentes da Unita, formou-se um governo de
reconstrução e de unidade nacional.
O processo moçambicano, com um contexto internacional bem mais favorável,
iniciou-se pela intermediação de uma congregação católica que redundou num acordo
de paz, assinado em Roma em outubro de 1992, entre o governo e os rebeldes da
Renamo. Foram realizadas eleições gerais em 1994 com vitória da Frelimo e do
presidente Chissano, que foi reeleito em 2000.

África do Oceano índico

Também conhecida por região indo-oceânica, é freqüentemente agregada à África


Oriental. Ela é formada pelas ilhas de Madagascar (a maior do continente), Maurício,
Reunião (não independente, integrada à França) e os arquipélagos de Comores e
Seichelles.
O papel tradicional do Oceano Índico, espaço privilegiado de passagem entre o
Ocidente e o Extremo Oriente, foi acrescido de fatores ideológicos e estratégicos
peculiares do período da Guerra Fria. Lugar de mistura de raças e civilizações, o Índico
tornou-se, nas últimas décadas, um espaço de defrontamento entre as grandes
potências, sobretudo depois que as bases militares continentais foram preteridas pelas
bases navais. As crises do Oriente Médio, com eventuais fechamentos do canal de
Suez, bem como o extraordinário aumento de tonelagem dos petroleiros (impedindo-
os de passar pelo Canal) foram alguns dos fatores que valorizaram
estrategicamente o Oceano Índico. Depois da retirada francesa de sua base de Diego
Suarez, em Madagascar, passou a imperar a grande base militar norte-americana de
Diego Garcia, ilha a meio caminho entre África e Ásia, que continua a ser reivindicada
pela república de Maurício. A importância dessa base foi demonstrada na recente
guerra do Golfo.
Madagascar foi ocupada pelos franceses em 1896, quando a monarquia merina,
instalada nas terras altas, já iniciara o processo de formação de um Estado nacional,
englobando os povos do litoral e expandido inclusive com alfabetização na língua
malgache, que permanece hoje como língua nacional.
Madagascar, ou República Malgache, recebeu migrações do continente africano
bem como da Ásia tropical (a língua malgache é de origem malaia). Por essa razão eles
se consideram mais afro-asiáticos do que propriamente africanos.
As ilhas Comores, Maurício e Seichelles são habitadas por povos de origem
diversa - árabes, africanos, indianos e europeus - que deram origem a culturas-
sínteses, crioulas, porém diferenciadas entre si. Entre elas, a de maior êxito político e
econômico é a República Maurícia, grande produtora de açúcar e de confecções com
alta tecriologia, a ponto de ser considerada um "novo país industrializado" da África,
que se distingue também pela estabilidade há mais de três décadas de seu sistema
multiparticlário e parlamentar.

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
AFRICAN INSTITUTE OF SOUTH AFRICA (1992). Africa at a glance. Pretória,
AISA.
BONIFALE, Pascal (dir.) (1999). Atlas de Relações Internacionais. Lisboa, Plátano.
CORDELIER, S. e DIDIOT, B. (dir.) (2001). "L'état du monde". Annuaire
économique et géo-politique mondial 2002. Paris, La Découverte.
MARTI, Aerge (dir.) (2003 ). Bilan du Monde – Edition 2003. Paris, Le Monde.
PEREIRA, José Maria N. (2001). "A integração regional na África", in BRIGAGÃO,
Clovis. Estratégias de negociações internacionais - uma visão brasileira. Rio de Janeiro,
Aeroplano / Centro de Estudos das Américas (UCAM).
THOMSON, Alex (2000). An introduction to African politics. Londres e Nova York,
Routledge.

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