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O CONTINENTE AFRICANO Perfil Historico e
O CONTINENTE AFRICANO Perfil Historico e
INTRODUÇA0
Dois motivos básicos nos obrigam a relevar os estudos sobre a África. 0 primeiro
deles é o caráter de matriz histórica e cultural que os africanos e seus descendentes
tiveram na formação da sociedade brasileira, marcando decisivamente a nossa
identidade nacional. O segundo é a importância intrínseca do continente na História.
Ele protagonizou, por exemplo, um dos mais importantes processos do século XX, o da
descolonização.
Além do mais, as crescentes demandas da sociedade brasileira, em especial os
afro-descendentes, e o novo patamar em que o Brasil está se inserindo na cena
internacional exigem um novo tipo de conhecimento sobre a África. Ele não deve
refletir uma visão eurocêntrica de tipo colonial, nem apresentar a visão ufanista que
predominou nas primeiras décadas depois da descolonização. Há uma nova corrente
historiográfica que, utilizando fontes e metodologias diversificadas, se apresenta crítica
e realista.
1
Texto retirado de Bellucci, B. (org.) Introdução à História da África e da Cultura Afro-Brasileira.
Rio de Janeiro: Centro de Estudos Afro-Asiáticos-UCAM/CCBB, 2003. pgs. 9-29.
2
Doutor em Sociologia pela USP, Professor Titular de História da África e de Relações
O CONTINENTE: UM PERFIL
África do Norte
Antes de ser uma região, ela constitui, por si só, uma parte do continente – a
África do Norte – por distinção da outra parte, a África Subsaariana. Devido à
predominância árabe na região e às conseqüentes afinidades histórico-culturais e
lingüísticas ela é separada, em alguns livros, do resto do continente e agrupada ao
estudo do Oriente Médio.
A África do Norte apresenta duas sub-regiões: a leste, o Machrech, que inclui a
Líbia e o Egito e se prolonga, fora do continente, até a Península Arábica. A oeste, bem
mais individualizada, o Magrebe ("onde o sol se põe", em árabe), que compreende a
Tunísia, a Argélia e o Marrocos.
O grande Magrebe é um projeto político e econômico, de longa maturação, que
pretende a integração nele da Líbia, da Mauritânia e do Saara Ocidental. Este está em
processo de plebiscito pela independência ou incorporação definitiva no Marrocos.
É a região que disputa a primazia geopolítica e econômica com a África Austral,
contudo, no momento, ela apresenta vários indicadores de desenvolvimento
econômico-social e posição estratégica (compartilha com a Europa e o Oriente Próximo
a bacia do Mediterrâneo) que ainda a colocam no primeiro lugar do ranking africano.
Dos sete países africanos com maior PIB, grau de industrialização e escolaridade, cinco
pertencem à África do Norte: Egito, Argélia, Marrocos, Líbia e Tunísia. Graças à sua
população de mais de 140 milhões de habitantes, a África do Norte tem um número de
árabes e de muçulmanos maior que o Oriente Médio.
O seu lastro cultural indica ser a região mais homogênea do continente: de modo
geral, tem uma só religião, o Islão, uma só língua, o árabe, e persegue a utopia de
uma só nação, a árabe. No entanto, a região tem uma forte comunidade autóctone, a
berbere, especialmente no Marrocos e na Argélia.
Como lastro histórico, a região possui grandes centros de irradiação político-
cultural. É o caso do Egito Antigo, com a influência negro-sudanesa que recebeu de
Cartago (na atual Tunísia), e do reino do Marrocos, Estado com mais de mil anos, onde
a dinastia alauía, reinante, tem perto de três séculos de poder.
Porto de partida na invasão moura da Península Ibérica, o Magrebe serviu de
tapete para várias invasões: fenícia, romana, bizantina, vândala e árabe. Esta produziu
uma virada histórica na região, com sua islamização e a miscigenação com os
berberes. Após a implantação árabe veio o domínio otomano, substituído, no final do
século XIX, pela ocupação européia. Esta se iniciou pela conquista da Argélia pela
França, em 1830.
O perfil político da região é marcado pela presença de Estados antigos, alguns
milenares, que permaneceram como estrutura representativa durante a colonização,
como foi o caso do Egito e do Marrocos, que apresentam forte coesão nacional. Já a
Argélia só obteve essa coesão a partir da guerra de independência (1954-1962). Os
países desta região estiveram entre os primeiros da África a obter a sua independência
(Egito, 1922; Líbia, 1951; Tunísia e Marrocos, 1956; e Argélia, 1962).
Quanto à colonização, a França dominou no Magrebe. Tunísia e Marrocos tiveram
o estatuto de protetorados. A Argélia era considerada um departamento da França, na
realidade era uma colônia de povoamento, tendo nela se instalado um milhão de
europeus. Houve colonização inglesa no Egito e italiana na Líbia.
Do ponto de vista demográfico, há uma forte densidade no vale do Nilo e na faixa
costeira da região, que apresenta a mais alta taxa de urbanização do continente, assim
como é a mais industrializada. Três dos seus países (Argélia, Líbia e Egito) são
exportadores de petróleo.
As suas classes dominantes ou são antigas, como a mercantil e a fundiária, ou,
embora de formação recente, como a industrial, são apoiadas no Estado. A região
apresenta – na escala do continente – uma alta taxa escolar e
um funcionalismo de bom nível. Um fenômeno relativamente recente mas que constitui
um obstáculo ao desenvolvimento e à própria governabilidade é o fundamentalismo
islâmico, presente há mais tempo no Egito mas, atualmente, muitíssimo mais intenso
na Argélia.
Do ponto de vista das relações internacionais, todos os cinco países da região
estão entre os quinze mais influentes do continente. Esses cinco países têm relação
privilegiada com três áreas político-culturais: a Europa mediterrânica, sobretudo o
Magrebe com a França (mais de 2 milhões de magrebinos como imigrantes); o Oriente
Médio, como já foi referido, e também com a África Subsaariana, sobre a qual ainda
exercem (menos que nas décadas de 60 a 80), de forma diferenciada, uma sensível
influência política.
África Ocidental
África Central
África Oriental
Voltada para o Oceano índico, com duradouras relações com o mundo árabe e o
subcontinente indiano, esta região não apresenta no seu todo a relativa
homogeneidade das demais. Destacam-se nela duas sub-regiões: a norte-oriental,
conhecida como o Chifre da África, e a centro-oriental.
O Chifre da África é formado por Etiópia, Eritréia (independente da Etiópia em
1993), Djibuti (ex-colônia francesa) e Somália, que foi colonizada, em partes
separadas, pela Itália e pela Inglaterra. O Sudão, aqui incluído, poderia ser
considerado como pertencente à região da África do Norte, como "retaguarda" do
Egito, que o administrou no tempo colonial (condomínio anglo-egípcio) e com o qual
forma uma sub-região, a nilótica. Contudo, uma forte comunidade negra, cristã ou
animista, no sul, faz que ele se diferencie bastante da homogênea África do Norte.
Embora muito menor que no tempo da Guerra Fria, a região ainda guarda uma
apreciável importância estratégica, devido ao petróleo e à sua proximidade com o
Oriente Médio.
A Etiópia é o país mais importante do Chifre, embora a sua decadência econômica
não mais o inclua entre os quinze maiores PIB do continente. Foi sede da OUA e
continua sendo a da sua sucessora, a União Africana. Tem o poder simbólico da sua
história de Estado milenar. No século XIX o império etíope, antiga Abissínia, expandiu-
se às custas dos seus vizinhos, hoje incorporados ao Estado. Nunca foi colônia de
nenhuma potência, embora sofresse uma ocupação militar italiana entre 1936 e 1941.
Sua população se divide praticamente apenas entre cristãos ortodoxos e muçulmanos.
A África centro-oriental é formada pelas ex-colônias inglesas de Uganda, Quênia e
Tanzânia (antiga Tanganica e ilha de Zanzibar), que no período colonial integravam a
África Oriental Britânica.
Ela apresenta um lastro cultural marcado pelo cruzamento de povos árabes e
asiáticos (sobretudo do subcontinente indiano). É a área por excelência da cultura
suaíli, cuja língua já foi referida. Ela foi a língua franca de penetração dos árabes para
o tráfico de escravos que durou perto de dez séculos, dirigiu-se predominantemente
para a África do Norte e Oriente Médio, é pouco estudado e ainda menos comentado
pelos africanos - árabes ou não.
No campo das relações internacionais, foi a primeira região do continente a
promover a integração econômica ainda na década de 1960, com a criação do Mercado
Comum da África Oriental, ou Kenutan, formado pelos três países citados. A iniciativa
foi frustrada, entre outras razões, pela ditadura de Idi Amin no Uganda.
Com o deslocamento político e econômico da Tanzânia para a África Austral, o
Quênia consolidou a sua posição de mais importante pólo econômico de toda a região.
Sem recursos minerais expressivos, como os restantes países da região, o Quênia tem
excelente agricultura, explora muito bem o turismo ecológico e sua capital, Nairóbi, é
sede mundial da Organização do Meio Ambiente das Nações Unidas.
África Austral
Tida como a região-chave do continente, a África Austral é bem mais do que uma
simples expressão geográfica. Ela apresenta, pela peculiaridade da sua precoce história
colonial, uma alta taxa de integração regional, em vários níveis, que não encontra
paralelo em qualquer outra região do continente.
Ela possui, também, um valor estratégico relacionado com a rota do Cabo, que
perdeu muito do seu interesse com o fim da Guerra Fria mas que ainda é de se
considerar no âmbito do Atlântico Sul. Por essa rota continuam a passar cerca de dois
terços do petróleo que, proveniente do Oriente Médio, abastece o Ocidente. Além do
mais, a região contém um dos maiores acervos minerais do mundo, alguns deles ainda
estratégicos e indispensáveis à Europa e aos Estados Unidos.
A região está situada entre os oceanos Atlântico e Índico. A fachada atlântica lhe
confere proximidade e boa potencialidade de cooperação com o Cone Sul da América
Latina. A fachada do Índico a coloca em contato com o Oriente Médio e com
importantes países asiáticos, que têm uma longa história de comércio e influência
mútua com a região.
A África Austral é composta por onze países: África do Sul, Angola, Botsuana,
Lesoto, Malavi, Moçambique, Namíbia, Suazilândia, Tanzânia, Zâmbia e Zimbábue.
Desses países, seis não têm saída para o mar [Botsuana, Lesoto, Malavi, Suazilândia,
Zâmbia e Zimbábue), o que é um fator a mais para ensejar a integração. A
configuração aqui expressa de África Austral não é normalmente assim considerada na
divisão geográfica tradicional do continente. Ela vem se consolidando nas últimas
décadas por razões geopolíticas e geo-econômicas. Um exemplo: a Tanzânia é um país
situado na África Oriental; contudo, por razões políticas e econômicas, ela se
"australizou" e hoje faz parte de todos os organismos integrativos da região. Quanto a
Angola e, em certa medida, a Zâmbia, são países que, histórica e culturalmente,
também pertencem à África Central.
PERFIL HISTÓRICO
CONFLITOS E NEGOCIAÇõES
A partir do início da década de 1960, a África Austral passou a ser palco de lutas
de libertação e rebeliões contra o apartheid. A independência de Angola, em novembro
de 1975, internacionalizou os conflitos e transformou a região em palco da Guerra Fria.
Essa internacionalização, com Estados Unidos e União Soviética apoiando
militarmente os seus aliados na luta intestina em Angola, teve como principal
detonador a invasão de tropas sul-africanas em Angola, provocando intervenção
cubana em favor do governo do MPLA. Uma explicação mais satisfatória não cabe
neste resumo. É porém indispensável ter uma visão geral desses conflitos que se
desenrolam entre 1975 e 1989 - com o início do desmantelamento do apartheid e o
fim da Guerra Fria.
A primeira das três fases dos conflitos vai até 1980, com invasões sul-africanas
em Angola e desestabilização econômica provocada por Pretória em quase toda a
região. O regime do apartheid defrontou-se internamente com uma deterioração
política e econômica - a rebelião de Soweto, aumento das greves, queda do preço do
ouro e sanções internacionais.
Pretória, sentindo-se vítima de total owslaught (assalto total), respondeu com
uma "estratégia nacional total", que resultou em maior centralização do poder e
militarização do país. O governo ainda tentou formar uma "constelação
de Estados" com os países mais dependentes da região, mas fracassou. A
independência do Zimbábue, também radicalizada pela situação na região, pôs fim à
chamada política "da cenoura e do cacete".
A segunda fase, que se estende até 1984, é marcada por uma polarização ainda
maior dos conflitos. Os antes referidos Países da Linha de Frente, fortalecidos com a
independência do Zimbábue, ajudam a intensificar a luta contra o apartheid e com a
independência da Namíbia e criam a SADCC. Pretória intensifica a desestabilização
invadindo varias vezes o sul de Angola, que faz fronteira com a Namíbia.
A terceira fase se inicia em 1984 com as negociações que Pretória estabeleceu
com Moçambique e com Angola, mas que foram frustradas pouco depois. Contudo, à
medida que aumentava o clima de détente entre as duas superpotências e que o curso
da guerra se tornava contrário aos interesses sul-africanos, o governo de Pretória,
após a batalha de Cuito Canavale opondo diretamente angolanos e cubanos contra os
rebeldes da Unita e tropas sul-africanas -, reconhece ter perdido a hegemonia aérea na
região e toma o rumo das negociações. Estas desembocaram nos Acordos de Nova
lorque, de dezembro de 1988, dos quais se originou a retirada sul-africana e cubana
de Angola e a independência da Namíbia em 1990.
A DEMOCRATIZAÇÃO DO PROCESSO
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
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