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Janeiro a Junho de 1960 yf LE { for REVISTA DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL DIRETORES ALFREDO BUZAID Jos FREDERICO Marques Moscr AMARAL SANTOS Luis E, DE BUENO VIDIGAL Luis Maciapo Gummarius REDATORES ALcwes pg MeNponga Lima, Benvinpo Aras, BRUNO APONSO pm Apri, Cxtso AGrfcota Barst, Cerso Nzves, Exrizer Rosa, GALgNo Lacerpa, GeraLno pp Unio Cuvrras, Jacy om Assis, Jost Joaquim CALMon pe Passos, Luiz Ampra, Lufs ANTONIO DE ANDRADE, Moacrr LOno pa Cosra, Raranz pz Barros Monro, SARAIVA 8.'A. iiveemos-EprrOrEs SAO PAULO ORGANIZACAO JUDICIARIA E PROCESSO JOSE FREDERICO MARQUES (CatedrAtico da Faculdade Paulista de Direito e Desembargador do Tribunal de Justiga de 8. Paulo) SUMARIO: 1. O art. 1.049, do Cddigo de Proceso Civil. 2. Distingéio entre lois processuais ¢ leis de organizagéo judicidria. 8. O art. 124, da Constitwicdo Mederal. 4. Competéancia 8 pro- cesso, 5. As férias foronses. 6. Invasdes indébitas do legislador de proceso no campo das leis locais de organizacdo judicidria. 1. Diz o art. 1.049, do Cédigo de Processo Civil, que “as leis de organizacio judicidria e os regimentos internos adaptar-se-Go as dispasigdes déste Cédigo, que sdbre umas e outros prevalecera”. Comentando ésse texto, assim se exprimiu PonTEs DE MIRANDA: “A adaptagio a que se referia o art. 1.049 foi no sentido de que o direito federal corta o local. Se assim nfo fésse, nio seria preciso dizé-lo, nem se trataria da adaptacio: cada sistema de direito — © pertencente & Unido e o pertencente ds unidades interiores — teria o seu campo préprio, sem adaptagao portanto. O Cédigo estatuiu que a lei processual cortou as leis locais, onde se choca~ ram”. Acrescenta o eminente jurista que “nao era ésse o direito de 1891 e 1934, nem o é depois de 1946”. E por fim elucida: “Depois da Constituigéio de 1946, retomaram os Estados-membros a sua inteira competéncia. de organizagéo judiciaria local; de modo que poderdo, respeitadas as linhas discriminativas constitucionais, reformar a legislagio que tenham, inclusive onde o Codigo de Pro- cesso Civil invadiu, com suas regras, o campo das leis de organi- zagéo judiciaria” +. Leis de organizacao judicidria e leis de direito processual cons- tituem fontes normativas; a Lei Basilar atribuiu a unidades diversas da Nagio a tarefa de promulgé-las: o art. 5.%, n° XV, letra a, da 1. Comentdrios ao Oddigo de Processo Civil, 1949, vol. VI, pig. 595. REVISTA DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL. 19 Constituicéo Federal, di competéncia & Unido para legislar sébre direito processual; e o art. 124 caput declara que incumbe aos Estados organizar a sua justiga. Facil nao é tracar as fronteiras de um e outro désses setores normativos, para uma perfeita demarcagio do que compete res- pectivamente & Unido e aos Estados no campo legislativo. As leis Jocais de organizacao judicidria podem assim entrar em conflito com as leis nacionais de processo no tocante A regulamentagio de assuntos que se situam em rea onde os limites de uma e outra legislagdo se apresentam imprecisos. H4 problemas e institutos onde a incidéncia de uma e outra lei torna dificil dizer qual a legis- lagéo que deve realmente servir de fonte formal, Afirmar tout court que a lei federal deve sempre prevalecer, é solugao simplista ¢ errénea: na esfera de atribuigdes dos Estados, a incidéncia de lei da Unido seria tao ilegitima e inconstitucional quanto a incidéncia de lei estadual no Ambito da legislagio fedexal, Na estrutura federativa que adotamos, a legislagéio estadual, quando versa sdbre assunto que Ihe é préprio, tem posigio igual a da legis- Jagéo federal na taxinomia das fontes. Como disse muito bem Vitor NuNES LmAL, para que a lei federal suplante a lei estadual é preciso que regule matéria da competéncia da Unido e que nao desrespeite qualquer outro dispositivo constitucional3, Ora, se a lei processual invadir o terreno da organizacéo judiciéria, nio sé nao estard regulando assunto de atribuicdo legislativa da Unido, como ainda estaré violando o que preceitua o art. 124, da Constitui- e&o Federal, Como, pois, fixar os lindes de cada grupo de leis? Como de- marear a zona de incidéncia da legislagio federal e estadual, res- pectivamente? . 2. As leis de processo tém por objetivo regulamentar a juris- dicéo para que o Estado, através do juiz, possa aplicar contenciosa- 2 Disse AvcaLA-Zamora que “las leyes de organizacién judicial, y aun las procesales propiamente dichas, presentan Jas disposiciones de uno y otro tipo fuertemente enlazadas” © que “el deslinde entre unas y otras seré dificil encontrarlo hecho en el Derecho positive” (Nicaro ALcALA-Za- MozA Y CASTILLO © Rucarpo Luvene Hijo, Derecho Procesal Penal, 1945, vol. I, pags. 27 © 28), 3, “Leis Federais e Leis Mstaduais”, in Revista de Direito Adminis- trative, vol. I, fase, II, pag, 779, 20 REVISTA DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL. mente o direito objetivo a casos particulares, Tudo o que diga yespeito & tutela jurisdicional, na projegéo dinamica do movimento processual, é objeto de lei de processo. O que disser respeito, po- rém, ao meio e modo de se constituirem os drgdos investidos do poder jurisdicional, para funcionarem no processo, é objeto das leis estaduais de organizac&o judicidria. E o mesmo se diga dos érgaos auxiliares que devam atuar no processo. A lei de processo tem em vista compor preceitos que regulem os atos destinados a realizar a causa finalis da jurisdicéo, enquanto que a lei de organizacao judiciaria procura regular os servigos de administracSo da justica para estruturar e discriminar os 6rgios que devam atuar no processo. As leis de organizacio judiciéria cuidam da administragdo da justica e as leis de processo da atuagdo da. justiga. Os autores alemaes, no estudo da jurisdicdo, distinguem, por isso, a ‘“Jurisdicio em sentido estrito” e a “administracao da jus- tiga” 4, Nesta Gltima esta compreendida a organizacdo judicidria, a cujas leis compete criar e organizar tribunais, e cuidar da no- meagiio, fiscalizagio, disciplina e remuneracgaéo dos juizes e demais pessoas que trabalham na justica, bem como estatuir sébre sua competéncia objetiva e fixar os limites de sua competéncia ter- ritorial >. Para W. KiscH, as fungdes de administracdéo e inspegiio da justica constituem “um ramo independente da Administracéio do Estado” 6, E, RAFAEL DE PIN e Josi Casti.o LarraNaca, depois de dizerem que “considerada a Justiga como o fim supremo do Estado, a sua atuacio exige uma organizacgdo adequada, que re- quer um complexo de elementos pessoais e materiais destinados ao eficaz desenvolvimento da fungdo jurisdicional”, assim se expri- mem: “Esta funcién reviste en el Estado moderno el cardcter de un servicio piblico, entendiéndose por tal, una organizacion de ele- mentos y actividades que trascienden de la esfera de los intereses 4, A “administragio da justica” (Justizverwaltung) -- diz ROSENBERG — 6 que “deve criar as bases externas para o exercicio da jurisdi¢io” (Tratado de Derecho Procesal Civil, 1955, vol. I, pag. 45). 5. Cf, Luo RoseNezrs, op. cit., vol. I, pags. 45 e 46; Wurm Kiser, Blementos de Derecho Procesal Civil, 1936, pags. 31 e 32. 6. Op. cit, pag. 81, | | | ee REVISTA DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL. 21 privades y que afectan a las necesidades y conveniencias co- lectivas” 7. Razio tinha, por isso, 0 nosso incompardvel PauLA BATISTA quando dizia: “Leis de organizac&o judicidria sfo aquelas que criam juizes e tribunais, repartem e distribuem entre éles a auto- ridade judicidria segundo a diversidade de matérias, a natureza especial de certos negécios, as diversas ordens e categorias de juizes e a divis&o do territério” *, Tudo o que se refira a administragéo judicidria refoge das leis processuais prépriamente ditas e se insere no 4mbito da legislacdéo local de organizagéo judiciéria. & aos Estados-membros que com- pete organizar a justiga como servicgo publico, administrando-a de- vidamente segundo as exigéncias locais e instituindo 0 que MAaNuEL AURELIANO bE Gusméo denominava de regimen legal da constituigéo orgdanica do poder judicidrio %. Ao legislador de processo incumbe tragar “a posigéo do juiz no processo” ©; mas a capacidade déste para estar no processo, como érgéo da justica, quem a disciplina e regulamenta é a lei de organizacéo judiciaria. E isto ela o faz dizendo quais as atribui- cées do juiz, qual a sua circunscrigdo territorial, quais os seus im- pedimentos, ¢ fixando as 6pocas do trabalho forense. As leis processuais, portanto, regulamentam a “tutela juvisdi- cional’, enquanto que as de organizacio judicidria disciplinam a administracdéo dos érg&os investidos da funcao jurisdicional. ‘ Como disseram GLASSON, More, e Tisster, para “rendre la justice”, que é uma das funcées basicas do Estado, “des tribunaux nombreux ont été établis” e “des lois déterminent leur organisation, leurs attributions, leur fonctionnement”, — leis essas “d’organisa- tion judiciaire et de compétence”. Por outro lado, ha leis que fixam “les régles suivant lesquelles les affaires sont instruites et jugées et suivant lesquelles les jugements et autres titres exécutoi- res sont mis & exécution”, — que “sont les lois de procédure” "!, 7. Instituciones de Derecho Procesal Civil, 1954, pig. 83. 8. Processo Civil e Comercial, § 44, 9 Processo Civil ¢ Comercial, 1934, pag. 48. 10, Manum. Dr La Puaza, Derecho Procesal Civil Hepatol, 1951, vol. I, pig. 27. lL. Traité Théorique et Pratique d’Organisation Judiciaire, de Compé- tence et de Procédure Civile, 1925, vol. I, pag. 1, 22 REVISTA DE DIREITO PROCESSUAK, CIVIL 8. A Constituigdo Federal contém em si varias normas perti- nentes & organizacio judiciaria, bem como preceitos que mostram, de maneira bastante clara, qual o terreno em que deve incidir a legislac&o local dos Estados-membros, para regulamentar os ser- vigos administrativos da justiga, Sendo a magistratura um poder do Estado, estruturou-a a Constituigio em suas linhas mestras para Ihe assegurar a neces- Avia independéncia e autonomia em face dos demais poderes esta- tais. E isto nfo s6 em relac&o aos érgdos do Judiciério federal, como ainda no tocante aos juizes e tribunais dos Estados-membros. Dai as normas constantes dos arts. 95 a 97, e do art. 124, bem como a do art, 26, § 3.2, e dos preceitos que tratam do Supremo Tribunal Federal, do Tribunal Federal de Recursos e dos érgaos da justiga especial (justica eleitoral, justica do trabalho e justicga militar). A independéncia da magistratura esta assim perfeitamente garantida através de preceitos constitucionais que asseguram aos juizes a vitaliciedade, a inamovibilidade e a irredutibilidade dos venci- mentos, bem como de outros que cuidam do autogovérno da magis- tratura, de suas garantias econémicas, da organizaciio da carreira judiciéria e da forma de recrutamento dos magistrados. Além disso, o art. 124, pelo que diz logo em seu inicio, fixou alguns principios sébre organizacio da justica pelos Estados-mem- bros, onde se encontra delimitada, por isso mesmo, uma grande area da incidéncia das leis de organizagio judiciéria pertinentes ao servico piblico da justica. Verifica-se, portanto, que pertencem 4 esfera da organizacio judicidria: a) a divisio territorial dos Estados para fins de orga- nizaco dos servicos judicidrios (art. 124, n.° I); b) a criagdéo de tribunais de aleada inferior & dos tribunais de justica (art. 124, n? Il); ¢) o ingresso na magistratura (art. 124, n° IM); d) o acesso aos cargos da carreira judicidria (art. 124, n° IV); e) organizagéo e composic¢éio dos tribunais (art. 124, ns, V e VIM); £) a remuneracéo dos juizes (art. 124, n° VI); ¢) a instituigéo da justica honoraria e dos juizes temporarios, bem como a fixacfo da competéncia em razéo do valor da causa (art. 124, ns. X e XI). Também cabe as leis Jocais disciplinar a criagéo de cargos auxiliares da justica, e respetiva remuneragio (art. 124, combinado com o art. 97, n° II), e ainda regulamentar a organizacéo do Minis- tério Piblico estadual (art. 128). REVISTA DE DIRETTO PROCHSSUAL CIVIL. 23 Tédas essas questées, por férea mesmo do que dizem os textos da Constituig&io, devem ser objeto. de regulamentaciio legal por parte dos Estados-membros em suas leis sébre administracio da Justica, Sébre algumas a Constituicfio tragou os principios ou normas gerais para que os Estados, ao organizarem a sua justica, tracem os preceitos particulares; sébre outras, a propria Constitui- géio deu atribuicio expressa aos Estados, como, v. gratia, no caso da organizaciio do Ministério Pablico (art. 128). Infere-se do exposto que tudo o que fér corolario dos principios exarados no art. 124 deve ser tido como pertinente 4 organizagio judicidria, e matéria, portanto, das leis locais que devem os Estados- “membros promulgar. 4, Onde surgem nio poueas controvérsias a respeito da dis- criminac#o de areas normativas entre o Direito Processual e as leis de Organizac&io Judicidria, 6 no problema da competéncia. Determinar qual seja o érgio competente para conhecer de uma causa ou litigio é operag&o que passa por varias escalas: esta- belece-se, primeiro, qual a justig¢a competente para decidir da pre- tenséio, e em seguida examina-se qual‘o féro da causa. A discri- minagiio de atribuigdes entre a justiga comum e as justicas especiais nao é assunto que caia na érbita legislativa da Uniio ou dos Estados, porque antes ja esta regulado na propria Constitui¢fo Federal. A esta 6 que cumpre tragar a competéncia das justicas especiais, pelo que tudo quanto néo se inserir nas atribuicées dessas jurisdicdes especiais 6 matéria afeta 4 justiga comum. A seguir, uma vez que a pretensio deva ser decidida na justica comum, cumpre indagar do féro da causa, o que é matéria de natureza processual. Trata-se, entfio, de indagar em que ter- ritorio judicidrio deva a lide ser julgada. Para isto, extrai-se um elemento da lide para a verificacéo do seu espaco jurisdicional, estabelecendo-se a relacéo entre aquéle elemento e a circunscri¢éio onde éle se situa. O problema da competéncia territorial, como diz CarNeLurm, diz respeito & determinagio désse vinculo ou nexo 13, 12, Pauna Barista, op. e loc, cits; JoXo Manpns Jtwiox, Direito Judie cldrio Brasileiro, 1918, pag. 57. 13. Leziont sul Processo Penale, vol. Il, pag. 251. 24 REVISTA DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL Mas os limites da circunscrig&éo é a lei local de diviséo territo- rial quem os fixa 4, Além disso, o niimero de juizes que na circunscricfo devam funcionar é também assunto exclusivo de organizagio judiciaria, como ainda a esfera de atribuigdes da cada um. Em se tratando de competéncia material, os Estados podem distribuir, como Ihes aprouver, as atribuigdes dos diversos juizes localizados em determinada circunscrigéo. Facultado Ihes esta, também, colocar juizes de paz e juizes nao vitalicios nos territérios judicidrios que suas leis indicarem, desde que néo se transponham as fronteiras tracadas no art. 124, ns. X e XI, da Constituigdo. Cabe-lhes, por isso, criar, ou né&o, varas especializadas, tanto no féro civel como no féro criminal, e fixar-lhes a competéncia ratione materiae, bem como regular a distribuigéo entre érg&os de igual competéncia objetiva. A discriminagiio de atribuicées, dentro da circunscricéio, pode ser também em razdo do valor, cabendo aos Estados-membros dizer, em suas leis, qual a algada de cada um dos juizos por éle criados. Nao cabe & legislagéo local estatuir sébre a reuniao de causas em simultaneus processus por férca da conex&éo ou continéncia. Dai Ihe nao pertencer a regulamentacio das modificagdes que disso resultem no terreno da competéncia. Podem os Estades-membros, no entanto, dizer, em suas leis, qual o juizo prevalente em ocorrendo a conexao ou continéncia, S6é lhes cumpre determinar o juizo pre- valente, e nio o féro prevalente, uma vez que a competéncia de féro deve ser regulada na lei federal de processo. O problema apresenta maior complexidade em se tratando de competéncia funcional. A regra é a de que, no caso, por tratar-se de competéncia de atribuigées 5, cumpre as leis locais regulé-la. Todavia, os vinculos @ liames com o movimento processual sdo aqui maiores e mais acentuados, No que tange com a competéncia funcional hierdrquica, claro esté que é da érbita da lei processual dizer quando pode haver renovagio do procedimento através das vias recursais ¢, ainda, que recursos serio cabiveis. Por outro lado, a ConstituicSo, no art. 14, Cf, José Frepertco Marques, Da Compoténcia em Matéria Penal, 1953, pég. 162, 15. Cf. Joxo Munpas Jtnior, O Processo Oriminal Brasileiro, 2° edigéo, 1911, vol, IL, pag, 126, REVISTA DH DIREITO PROCESSUAL CIVIL 25 124, predeterminou os 6rgiios de segundo grau das Justigas dos Estados, como também atribuiu, em outro texto, ao Tribunal Federal de Recursos, a fungéio de 6rgfo de segunda instancia em determinadas hipéteses; e quanto & competéncia recursal do Su- premo Tribunal, também a Constituigio tragou as normas finais e adequadas. Resta, pois, aos Estados, em suas leis de organizaciio judiciaria, estatuir sébre a criac&éo, ou nado, dos tribunais previstos no art. 124, n° Il, da Constituigéc, e discriminar, em conseqtiéncia, as atribuigdes de seus Grgiios de segundo grau. Relativamente 4 competéncia funcional origindria dos érgéos estaduais de segundo grau, a regra geral 6 a de que os Estados néo a podem regular, visto que o assunto afeta a ordem procedi- mental e o principio do duplo grau de jurisdicéo, No entanto, em casos derivados da organizacéo e hierarquia dos poderes estaduais, tem-se admitido que a legislagdo local crie casos de competéncia originaria dos tribunais de segunda insténcia, porque ai predomina, sdbre o processo propriamente dito, o aspecto constitucional do problema 1, # evidente que a supresefo do segundo grau em causas chama- das de alcada (Cod. Proc, Civil, art, 839) constitui matéria exclusi- vamente processual, Quanto A competéncia funcional “por objeto do juizo”, quer parecer-nos nao caber na drbita das leis de organizagéo judiciaria visto que atinge, como o nome o diz, o préprio judicium 7, Resta examinar a competéncia interna dos tribunais ou érgaéos coletivos 18, Neste passo, a matéria é mista e as leis locais tém cariter supletivo, Isto quer dizer que se a lei de processo fixar o nimero de componentes da “turma julgadora” (ou nos recursos, ou nos casos de competéncia origindria), os preceitos de organizagio 16. % o que se d& com a competéncia origindria que as leis estaduais prevém, em matéria de mandado de seguranca contra atos do Governador do Estado e seus secretérios; ou do Prefeito do Distrito Federal. No pro- cesso penal, ainda h4 os casos de competéncia origindria dos ‘Tribunais de Justiga em “habeas-corpus”, 17, Cf, Jost Frepertco Marquus, Institulgdes de Direito Processuat Ciwit, 1958, vol, I, pigs. 412 e 413, 18, Cf, F, Carnevurrt, Istitusioni del Nuovo Processo Civile Ialiano, 1951, vol. I, pags. 130 e 131, 26 REVISTA DE DIREITO PROCESSUAT, CIVIL judiciaria Ihe devem obedecer. Se nfo o fizer, cabe A legislacio local dispor sébre o assunto, Atualmente, por exemplo, fixa o Cédigo de Processo Civil, em ntimero de trés, a “turma julgadora” na apelacéo e nos agravos. Claro esta, portanto, que ésse ntimero nfo pode ser aumentado e téo pouco diminuido pelas leis locais de organizagio judiciaria, seja qual fér a constituicéio interna dos Tribunais. Mas, quando o recurso é de embargos infringentes ou revista, ante a omissio da Jei processual, cumpre ao legislador estadual dispor sébre a matéria, Temos, por fim, a competéncia funcional pelas fases do proce- dimento. Nesse terreno, ampla 6 a competéncia da lei local, uma vez que respeite a coordenacio procedimental prevista na lel pro- cessual, bem como as vinculacdes jurisdicionais que esta crie e constitua. Assim é que os Estados podem admitir juizes prepara- dores no processo civil; mas thes n&o é permitido dar a ésses juizes, por exemplo, a atribuigéo de presidir & audiéncia de instrugio e julgamento, deixando ao titular do jufzo a funcéo exclusiva de julgar © feito e decidir do mérito da agdo, ¥ que, se isto acontecesse, © sistema da oralidade ficaria atingido e comprometido, pois se violaria o principio da identidade fisica do julgador, que prende ao processo, para néle sentenciar, o magistrado que preside 4 ins- trucio e debates da audiéncia, 5, Assunto que refoge do émbito das leis processuais e se situa no campo normativo das leis de organizac&o s&o as férias forenses. Foi o que afirmou, com grande acérto, o saudoso Desembar- gador HaxorHipes DA SILVA LIMA no trecho seguinte: “A primazia sdbre o assunto de férias cabe & lei estadual; esta 6 que estabelece as proibicdes, permissdes e sangées, atendendo a conveniéncias par- ticulares dos Estados, devendo ser atendidas de acérdo com o principio federativo da competéncia do Estado em matéria que a Constituigéo a éle reseryou” ¥, N&o ha davida de que as “férias” influem no movimento pro- cessual e podem incidir sébre os ates processuais. Nesta parte, porém, incumbe ao legislador de processo tracar as normas ade- quadas, regulando a maneira pela qual a vacancia forense deva influir na contagem dos prazos, no curso do procedimento e no 19, Revista dos Tribunais, 214/250, ea REVISTA DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL 27 andamento das causes. Fora dal, porém, tudo o que se refira a férias 6 objeto da regulamentaciio das leis locais. N&o cabe & Unido determinar se pode ou néo haver férias coletivas ou individuais, e tio pouco estatuir sébre o tempo que devam ter, os juizes e serventudrios, de deseanso e vacincia. Neste passo, 0 que se Ihe concede é dispor se os prazos se interrompem ou nfo com as férias, ou estabelecer quais as lides que ficam, ou nao, paralisadas, durante ésse interregno. O Cédigo de Processo Penal, por exemplo, nao diz se admite ou nao férias coletivas; mas ao dispor que os prazos néo se interrompem, em caso algum, “por férias, domingo ou dia feriado”, praticamente aboliu com as férias coletivas no forum criminal. Os Estados que queiram dar aos juizes criminais e aos serventudrios da justica, férias coletivas, para que tedos as gozem ao mesmo tempo em épocas determinadas do ano, devem constituir um quadro de substitutos que atenda ao servico criminal durante ésse periodo. Quanto as causas que devam correr em férias, cabe aos Estados Jegislar sébre o assunto, tendo em vista as peculiaridades locais. No entanto, se a lei de processo entender nao ser possivel que determinado procedimento tenha seu curso interrompido durante as férias, 0 que o legislador federal determinar prevalece, eviden- temente, sGbre a lei local. I que, no caso, o aspecto processual do problema tem preponderdncia incontestavel s6bre 0 de organi- zacéo judicidria, Vé-se, pois, que a matéria, nesse segmento do problema das férias, 6 de carater misto. Cabe aos Estados promulgar as normas gerais, que cedem, no entanto, 4s normas particulares que a res- peito de uma ou outra causa, o legislador de processo promulgar, 6. Tendo em vista o que foi exposto, facil é verificar-se que © legislador federal invadiu, em diversos casos, setor legislativo da organizacéio judiciéria, incluindo, como norma de processo, regras e canones em que claramente se descobre o carater de mandamento pertinente & Administracaéo da Justica. ¥ o que se dé com muitos dos preceitos sdbre distribuigdo, que é assunto sdbre a repartigaéo de causas, entre os juizes, que inte- regsa precipuamente aos Estados”. 20. Cf. Jos Frepmrico Marqurs, op. cit., vol. III, pags, 84 e segs. 28 REVISTA DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL. Absurdo sem nome 6, por outro lado, que o Cédigo de Processo Civil venha determinar, como o faz no art. 39, quantos dias de férias deveréo gozar os juizes. Entendemos, por isso, que o pre- ceito sé se aplica aos magistrados do Distrito Federal e dos Ter- ritérios, valendo outrossim, como regra supletiva, para as magistra- turas estaduais. Isto quer dizer que se as leis locais ampliarem ou restringirem 0 espago de tempo, para férias, ali consignado, terdo prevaléncia sdbre o preceito processual. Onde, no entanto, as incursées se apresentam mais temerarias 6 no setor da competéncia, Quando o art. 140, § 1°, do Cédigo de Processo Civil, deter- mina, que as agdes de estado e as relativas & capacidade das pessoas sejam sempre da competéncia dos magistrados vitalicios, nfo ha qualquer preceituacfio indevida em que a lei de processo houvesse cuidado de matéria enquadrada na érbita da legislacao local. Tudo ai se passa como se o Cédigo houvesse dito que aquelas acées cons- tituem, sempre, causa de grande valor; 6 como s6 as causas de pequeno valor podem ser julgadas pelos magistrados tempordrios (Constituigéo Federal, art. 124, n° XD), claro esta que aquelas acdes por outros juizes nao podem ser decididas senéo por aquéles com as garantias classicas da vitaliciedade, inamovibilidade e ir- redutibilidade de vencimentos. © mesmo nao se da, porém, com a regra do art. 12, do De- ereto-lei n.° 3.365, de 21 de jumho de 1941, in verbis: “Sdmente os juizes que tiverem garantia de vitaliciedade, inamovibilidade e irredu- tibilidade de vencimentos poder&o conhecer dos processos de desa~ propriagio”. Se a Constituicéo autoriza que os Estados criem juizes temporarios para processar e julgar causas de pequeno valor; e se a competéncia de atribuigdes 6 assunto afeto aos Estados, por ser de organizacio judicidria, inconstitucional é 0 preceito trans- erito. No caso, nio se pode usar da argumentacéa expendida com relacio ao art. 140, § 1°, do Cédigo de Processo Civil, porque a indenizag&o0, no processo expropriatério, tem um quantum certo em dinheiro, que sera de pequeno ou de grande valor, conforme os seus indices monetérios. O mesmo deve ser dito do art. 57, do Decreto-lei n." 960, assim exarado: “A competéncia para conhecer e julgar a ac&éo para a cobranga da divida ativa da Fazenda Publica, nos Estados, sera privativamente de juizes que estiverem no gézo das garantias de vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de vencimentos’. REVISTA DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL 29 3S evidente que n&o se pode deixar de qualificar de causa de pequeno valor o executivo fiscal em que se exige o pagamento de tributos infimos e de reduzida quantia em dinheiro; e o mesmo sucede com a desapropriacgio quando 0 preco do bem a ser expro- priado n&o se traduzir em importancia monetaria elevada. Assim sendo, afigura-se-nos indiscutivel que os dois preceitos estéo em flagrante contraste com o que consta do art. 124 caput, e seu item n? XI, da Constituigéo Federal.

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