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LUMEN4JURIS www.lumenjuris.com.br EpIToRES Joao de Almeida Joao Luiz da Silva Almeida Constuno Eorronat, Alexandre Freitas Camara Amilton Buono de Carvalho Augusto Zimmermann Eugénio Rosa Fauzi Hassan Choukr Finy Nascimento Filho Flavia Lages de Castro Flavio Alves Martins Francisco de Assis M. Tavares Geraldo L, M. Prado Gustavo Sénéchal de Goftredo J. M, Leoni Lopes de Oliveira Letacio Jansen Manoel Messias Peixinho ‘Marcos Juruena Villela Souto Paulo de Bessa Antunes Salo de Carvalho Séo Paulo Conseuno Consuunvo Alvaro Mayrink da Costa Antonio Carlos Martins Soares “Aurélio Wander Bastos Cinthia Robert Elida Séguin Gisele Cittadino Marcellus Polastsi Lima Omar Gama Ben Kauss Sergio Demoro Hamilton Rio Grande do Sul ‘Rua Cap, Jodo do Oliveica Lima, 160 Santo Antonio da Patrula ~Pitangueias ‘CEP 95500-000 ‘Tlotone: (51) 662-7147 2 DE JUSTICA Aury Lopes Jr. Doutor em Direito Procescual Penal pela Universidad 9 oF Professor no Programa de Pés-Graduagao em CiénciaS da Pontificia Universidade Catélica do Rio Grande do Su! - PUCRS ‘Pesquisador do CNPq, ‘Advogado www, aurylopes.com br Cioo 08/o%/ 201% wt Rw go yl INTRODUGAO CRriTICA AO PRocEssO PENAL (Fundamentos da Instrumentalidade Garantista) 3a edigao Revista, Atualizada e Ampliada Prone Chunar, vow mardamentoe com, laa w77sats s349 Fits) Editora Lumen Juris Rio de Janeiro Setembro de 2005 Nao que o tempo do direito esteja completamente correto. Ha muito que evoluir na comunicagéo dos atos processuais e na simplificagéo de toda complexa malha burocritica que rodeia 0 processo, e que parece propositalmente alimentada para esconder as Geficiéncias materiais © pessoais do Estado, Sem divida que o panorama atual é cadtico © exige profundas modificagées, a comecar pelo ingresso nos foros de uma (pequena) parcela da moderna tecnologia que temos & disposicéo. Sem embargo, como s6i ocorzer, ocaminho tomado é o equivocado. izes so pressionados para decidirem “rapido” © as comissées de reforms, para criarem procedimentos mais “acele- rados", 9 esquecendo-se que o tempo do dizeito sempre sera outro, pot uma questo de garantia, A aceleragéo deve ocorter, mas em outras esferas. Nao podemos sactificar a necessaria maturagdo, reflexo e trangpilidade do ato de julgar, tfo importante na esfera penal. Na acertada conclusio de JACINTO COUTINHO,® esse conjunto de fatores leva 4 supressdo (exclusdo) de direitos e/ou garantias, ou, pelo menos, redugio da sua esfera de protegao. E neste complexo contexto que definimos 0 ut processual, no sentido de eficiéncia dntigarantista. Para complementar, remetemos o leitor ao Capitulo I, sendo especialmente importante a leitura do tépico intitulado "O Direito de ser julgado em um prazo razodvel: 0 tempo como pena e a (do)mora jurisdicional”. ‘Como ensiaa FERRAJOLI, deve-se buscar a maximizagio do saber judicial, gu ‘amparado por vélidos, ¢ a minimnizagio do pode julzes or gatantidores da ‘Que néo pode ser confundido com téenieas de sumariaagéo (horizontal © cognigso. Sobre o tema voja.se nossa obra Sistemas do Investigagio Prelininar no Processo Penal, pp. 920 #8, especialmenta,nes pp. $6 e 97. 90 COUTINHO, Jacinto Nelson do Miranda, #Blotwvidade do Proceso Ponal o Golpe ‘Cena: Um Problema as Reformas Procestuais." In; Bscritos de Direito o Processo Penal pp. 1430.8, a (Pundamentos da Instrumentalidade Garantista) IV. Desconstruindo 0 Utilitarismo Processual Através dos Paradigmas Constitucional e Garantista a) Instrumentalidade Garantista e o Estado Democrético de Direito Antes de servir para a aplicagao da pena, o processo serve a0 Direito Penal € a pena no 6a tnica funcao do Direito Penal. Tao importante como_a a relaga Fi rincipio da reserva legal, da pfSpria esséncia do tipo penal e da complexa tooria da tipicidade. © processo, como instrumento para a realizagao do Direito Penal, deve realizar sua dupla fungao: de um lado, tornar vidvel a aplicagéo da pena, ¢, de outro, servir como efetive instrumento de garantia dos direitos ¢ liberdades individuais, assegurando os individues contra os atos abusivos do Estado, Nesse sentido, 0 proceso penal deve servit como instrumento de limitagéo da atividade estatal, estruturando-se de modo a garantir plena efetividade aos direitos individuais constitucionalmente previstos, como a presungéo de inocéncia, contraditério, defesa, etc Nesse sentido, BATTAGLINI® afirma que o moderno Direito Penal tem como fungéo principal a garantia da liberdade individual. Ademais, como destaca ARAGONESES ALONSO, incluso tione el Estado el ober de proteger al propio delincuente, pues esto también es una forma do garantizar el libre desarrollo de la personalidad, que es la funcién de Ja justicia. Por sua vez, W. GOLDSCHMIDT® explica que os direitos fundamentais, como tais, dirigem-se contra o Estado, e pertencem, por conseguinte, & segéo que trata do amparo do individuo contra 0 Estado. Prova disso 6 a quantidade de dispositivos que integram as constituigées modernas, regulando o processo penal, com a finalidade de garantir a plena cficdcia dos direitos fundamentais do acusado enquanto estiver sendo processado. Também nao podemos esquecer que 0 processo penal constitui um ramo do Diteito Piblico, e que a esséncia do Direito Publico 6 a autolimitagao do Estado. 83. La Ciencia dela Justicia ~ Dikelogia, p. 201 WUVVVVVSOELEELELELLELELLLEEEEEEET IIs, a ‘uty Lopes st Essa evolugao levou o Estado a aceitar no proceso penal uma soberania mitigada, pois deve submeter ao debate publico sua Pretensao acusatéria e poder punitive. Enquanto dura 0 processo, dura @ incerteza, até que se pronuncie a sentenga, Por isso, a personalidade do Estado, que aparece monolitica% dentro do Direito Publico interno (constitucional e administrativo), uma vez dentro do processo penal parece dividir-se e modelar-se distintamente, segundo os diferentes papéis que exerce: de juiz, na atividade jurisdicional, e como titular da fungéo punitiva; e de Ministério Pablico na atividade encaminhada a persequigao dos delitos (como titular da pretensao acusatéria). Existe ainda o fundamento histérico-politico para sustentar a dupla fungéo do modemo processo penal, que foi bem abordado por BETTIOL.9 A protecao do individuo também resulta de uma imposicao do Estado Liberal, pois o liberalismo trouxe exigéncias de que o homem tenha uma dimensio juridica que o Estado ou a coletividade nao pode sacrificar ad nutum. O Estado de Direito mesmo em sua origem ja representava uma relevante superagao das estruturas do Estado de Policia, que negava ao cidadao toda garantia de liberdade, e isto surgiu na Europa depois de uma época de arbitrariedades que antecedeu a Declaragéo dos Direitos do Homem, de 1789. ‘A pena comeca precisamente quando terminam a vinganga e os impulsos que dao razao a vinganga, e a imposicao da pena corresponde ao juiz, nao s6 desde os tempos do Estado de Direito, mas desde que existam juiz e pena. Juiz e pena se encontram sempre juntos.% Como explica BETTIOL:97 a venganza es fruto de un impulso, y, por tanto, de una emocién no controlada por Ja razén, y es a menudo despro- porcionada respecto a la entidad del mal o del dato causado. La pena, ‘por el contrario, si quiere en verdad ser y permanecer como tal, es fruto de una reflexién. & um ato da razéo que determina uma importante caracteristica da pena: a proporcionalidade —A_democracia é um sistema o-cultural que valoriza 0 individuo frente ao Estado e que se manifesta em todas as esferas da relagao Estado-individuo, Inegavelmente, leva a uma democratizagao ‘GUARNIERI, José Las Partes en el Proceso Penal, p. 36. BETTIOL, Guiseppe. Instituciones de Derecho Penal y Prooesal Penal, pp. 54 ¢ x5 GOLDSCHMIDT. James. Problemas Juridicos y Polticos del Proceso Penal, p. 7. - 9 6 97 Insticuciones de Derecho Penal y Procesal Ponal, p. 147. (Pundamentos da lnstrumentalidade Garaatista) do processo penal, refletindo essa valorizagao do individuo no fortalecimento do sujeito passivo do processo penal. Pode-se afirmar, com toda seguranga, que o principio que primeiro impera no proceso penal é o da protegao dos inocentes (débil), ou seja, 0 processo penal como direito protetor dos inocentes. Esse status (inocéncia) adquiriu carater constitucional e deve ser mantido até que exista uma sentenga penal condenatéria transitada em julgado. 0 objeto primordial da tutela nao ser somente a salvaguarda dos interesses da coletividade, mas também a tutela da liberdade processual do imputado, 0 respeito a sua dignidade como pessoa, como revalorizacao do homem, en toda Ja complicada red de las instituciones procesales que sélo tienen un significado si se entienden por su naturaleza y por su finalidad politica y juridica de garantia de aque! supremo valor que no puede nunca venir sacrificado por razones de utilidad: el hombre.%® © processo penal é uma das expressées mais tipicas do grau de cultura alcangado por um povo no curso da sua histéria, ¢ os principios de politica processual de uma nagao nao sao outra coisa que ‘segmentos da politica estatal em geral. Nessa linha, urna Constituigao Democratica deve orientar a democratizagao substancial do processo penal, e isso demonstra a transi¢ao do direito passado ao direito futuro, Num Estado Democritico de Direito, néo podemos tolerar um processo penal autoritério e tipico de um Estado-policial, pois o proceso penal deve adequar-se 4 Constituicao e no vice-versa, Devemos romper com a tradi¢ao do direito regulador para inserir nos num novo paradigma imposto pelo Estado Democratic de Direito: © do direito promovedor e transtormador. Deve-se buscar aquilo que GERALDO PRADO% chama de consolidagao de uma cultura democratica e, naturalmente, também de direitos fundamentais, lutando contra os rangos e as resisténcias de um pais em que 0 processo de democratizagao é recente, e a transigéo do sistema politico autocratico para outro democratico é lenta e gradativa. Como conseqiténcia, a estrutura do processo penal deve ser tal que se reduza a0 minimo possivel o risco de erro e, em segundo lugar, o 9 BETTIOL, Giuseppe. Instituciones de Derecho Penal y Procesal Penal, p. 174 99 PRADO, Geraldo, Sistema Acusatérlo,p. 4. ‘Aury Lopes J. softimento injusto que dele deriva 10? Todos os mecanismos de protegao que busquem amenizar 0 sofrimento e os riscos que ele encerra sao um imperativo de justiga. Isso 6 crucial para 0 processo penal poder ser inserido no complexo sistema de garantias que forma o Direito. b) Constitucionalizagao do Processo Penal Com a Constituigso de 1988 a institaigao ao de Direito, rompeu-se um paradigma da maior relevancia para o siste- ma juridico. O nove modelo de Estado impée uma nova forma de pro- dugio do direito e, acima de tudo, uma nova postura do operador juri- dico, pois a fungao transformadora e promovedora que o Direito passa a desempenhar ter te da atuagao daquele. Zira de STRECK,101 podemos afirmar que 0 constitucio- nalismo, exsurgente do Estado Democrético de Direito, pelo seu perfil compromissério, dirigente e vinculativo, constitui-a-agao do Estado! © processo penal deve passar pelo filtro constitucional e se democratizar. A democracia pode ser vista como um sistema politico cultural que valoriza 0 individuo frente ao Estado, e que se manifesta em todas as esferas dessa complexa relagao Estado-individuo, Como conseqiiéncia, opera-se uma democratizacdo do processo penal, que se manifesta através do fortalecimento do sujeito passivo. © individuo submetido ao proceso penal passa a ser valorizado juridicamente. Entendemos que sociedade deve ser compreendida dentro da fe- nomenologia da coexisténcia, e nfo mais como um ente superior, de que dependem os homens que o integram. Inadmissivel uma con- cepgo antropomérfica, na qual a sociedade 6 concebida como um ente gigantesco, no qual os homens so meras células, que lhe deve cega obediéncia. Nossa atual Constituicdo e, antes dela, a Declaracao Uni- versal dos Direitos Humanos consagram certas limitagées necessrias para _a_coexisténcia e nado toleram tal submissao do homem ao ente superior, essa visd0 antropomérfica que corresponde a um sistema penal autoritario,102 1100 CARNELUTT!, Francesco. Derecho Procesal Civily Penal. p. 308, 101 Juriedigéo Gonstitucional e Hermenéutica, p. 1 102 ZAPFARONI, Eugenio Rail e PIERANGELI, José Hentique. Manual de Diroito Pena! Brasileiro. p86. (Pundamentos da Instrumentalidade Garantista) Na mesma linha, BOBBIO1? explica que, atualmente, impde-se uma postura mais liberal na relagéo Estado-individuo, de modo que primeiro vem o individuo e, depois, o Estado, que nao é um fim em st mesmo. O Estado sé se justifica enquanto meio que tem como fim a tutela do homem e dos seus direitos fundamentais, porque busca © bem comum, que nada mais é do que o beneficio de todos e de cada um dos individuos. _Por isso, FERRAJOLI fala da ley del més débil.104 No momento do crime, a vitima 6 0 débil e, por isso, recebe a tutela penal. Contudo, no ‘processo penal opera-se Uma importante modificagao: o mais débil passa ‘rutolencia AMILTON B. DE CARVALHO, 1% questionando para que(m) serve a lei, aponta que a “a lei é 0 limite ao poder desmesurado ~ leia-se: limite a dominagao. Entao, a lei - eticamente considerada — é protegao ao débil Sempre e sempre, é a lei do mais fraco: aquele que sofre a dominagao". © Direito (especialmente o Penal e Processual Penal) passa a desempenhar um novo papel no Estado Democratico de Direito. Como bem identificoa WUNDERLICH,107 “com o nascimento do Estado Constitucional Democratico de Direito, a teoria critica jurfdica prega a necessidade de uma adequagéo ao novel paradigma de producao cientifica. Deve-se criar uma ruptura com o direito meramente regulador, para que se possa ingressar no modelo de direito promovedor @ transformader. Em sintese, basta referir que os processualistas contemporaneos tém se orientado por uma tutela constitucional do Proceso, tendo 0 processo como instrumento a servigo da ordem constitucional.” (grifamos) vrnstomn © soos pasate dee do toe Ve 0 le ser visto como um mero 103 No pidlogo da obra de FERRAJOLI roy Razin, p. 18 ai Ly el as dl. TERRAJOLL Lah Derechos y Garant. lib. Tad. Perfecto Ancés 10 lan Forte el Poca Pana ps 106 BUENO DE CARVALHO, Arson, “Le, Pra Oven?” ts ca onal em Homenagem ao Professor Paulo Cléudio Tovo, pp. 56 ¢ oe, eH? ® Proceso, 107 WUNDERLICH, Alexandre. Por um Sistema de Impuoreoe. ne Sal esi ts J om giant to oe ‘a Claudio Tove p28 al em omen © Penal Consti 19M a0 Professor emma hhOOOeSeReeeaeaae TIET UT TT erevercesees pepe objeto, passando a ocupar uma posicdo de destaque enquanto par- te,18 com verdadeiros direitos e deveres.109 Por tudo isso, 0 Cédigo de Processo Penal nao pode mais ser lido de forma desvinculada do texto con: que deve ser lido a luz da Constituigao, superada do nosso CPR. Devemos pensar, assim, a partir de um verdadeiro processo penal constitucional como método de estudo do processo penal a luz da Na visio de FERRAJOLI, todo e qualquer texto normativo s6 6 alido - validade_substanciat = quando estiver de acordo com as. normas e principios (igualmenti Estamos convencidos de que, com 0 advento da Const 1988, 0 CPP ficou com sua estrutura seriamente comprometida, pois sua sistemética é de assumida inspiragdo fascista. Basta ler a expo- sigao de motivos.1"1 ~, S wrealr chines ne Ger Dotude| Conc pure 1105 £ conplexa a problemitica dovtsdndsa acerca da etstOncla do pares o processo penal. Grande parte da divesgéacia orn ~ uma vez mals ~ do equivocado paraelimmo ene 0 dleito procossual ile o penal E preciso respeltar as peculaiaes do procesto penal ‘Sobre o da tutsla gocial_ Néo se pode continuar a contemperizar com psoudodireitos individuais em prejuizo do bem comum. O individuo, se mostrar rebelde & disciplina juridico-penal da vida em s ke) 2 (Pundamentos da instrumentalidade Garantista) Sua sobrevivéncia tem exigido um verdadeiro contorcionismo juridico, dificil e perigoso, pois deixa uma porta aberta para que os adeptos do discurso autoritério e paleopositivista neguem eficacia a doterminadas garantias fundamentais, fechanco os olhos para a subs- tancial invalidade de um: sidade urgente de uma r nao se podendo conceber sonstitucionalizagao. A baixa constitucionalidade 6, acima de tudo, psiquica. O interessante 6 que a baixa eficacia da Constituicao é um fend- meno localizado, setorial, fruto das diversas dimensées do dirigismo "em face do stad, outras franquias Ou Imunidades além daquelas que o ascearuen contea 0 exercicio do pod ionais de um mal-avisado favorecimento legal wos ¢ aliviado dos excossos de formalismo e jovirado de cortoe 9 Penal em Homenagem ao Professor Paulo Cidudio Tovo, pp ‘mn favor da parcialidad fala uma desconfianga - nao de todo ‘Ary Lopes J constitucional brasileiro. Nao existe uma dindmica tinica no que se refere a efetivagao das normas constitucionais. ‘A Constituigéo tem realizado com plenitude seu projeto penali- zador e, como define SALO DE CARVALHO,""4 é *nitido, pois, que, em matéria repressiva, a efetividade das normas constitucionais nao ape- nas foi integral, como o legislador, aproveitando a ascenséo do panico moral, excedeu aos parametros (freios) estabelecidos pelo constituinte originario p. ex., a inconstitucionalidade por excesso presente na Lei dos Crimes Hediondos”. Por outro lado, so elevados os indices de ineficdcia dos direitos fundamentais e sociais, sendo essa a parcela objeto de nossa anélise € preocupagao. Tnfelizmente nossa Constituigao ja supera os 15 anos de vigéncia fe continua sendo (no recorte anteriormente definido) uma ilustre desconhecida em muitas delegacias, foros e tribunais brasileizos, incluindo, obviamente, alguns péssimos exemplos dados pelo Superior ‘Tribunal de Justiga e pelo Supremo Tribunal Federal.!35 Diariamente nos deparamos, desde a tribuna, nas audiéncias, nas delegacias, com um certo desprezo quando ¢ invocada a violagao deste ‘ou daquele dispositive constitucional. Nao raras vezes, presenciamos suspiros de enfado, de ironia até, quando citado 0 art. 54 da Consti- tuigéo. E impressionante como 6 comum ouvirmos comentarios do estilo: 14 vém eles com o discurso da Constituigao, invocando nova- mente os tais direitos fundamentais, vamos deixar a Constituigao para 14..nao é bem isso que ela quis dizer. Que dizer entéo da - elementar ~ recepcao dos direitos assegurados na Convengao Americana sobre Direitos Humanos (Pacto 114 CARVALHO, Salo de. A Ferida Narcisica do Diteito Penal (primeiras observagoes sobre as, "A Quaiidode do Tempo: 197, “do jutos do 12% a0 ‘consagiagio do sigilo do in da Constituigio?).enfim, uma lista infindavel de negegso ‘da efcicia da Constiigao. miroaupao Unica ao rrocesso rent (Pundamentor da Instrumentalidade Garantista) de Sao José da Costa Rica)? £ até perigoso invocé-la em piiblico, sob pena de cometer grave heresia juridica... ‘Que época triste essa nossa, em que é mais facil quebrar um Atom do que um preconceito, diria EINSTEIN, do alto de sua genialidade. Lutemos, pois, pela quebra do imenso preconceito que existe em relagdo Constituigao e a constitucionalizacéo do processo penal. c) Direito Penal Minimo e Garantismo Processual “Aposar da dificuldade gerada pelo neoliberalismo @ os movimen- tos repressivistas (como o law and order), entendemos que 0 carminho ‘a ser tomado deve ser outro. Conforme explicado anteriormente, no modelo democrético 0 Estado Social deve ser mimo, 0 proceso garant inimo. ( FEReA TOL! Frente a essas dificuldades e retomando a linha da democra- tizagdo substancial da justiga, atualmente propugna-se com muita propriedade por um modelo de justica garantista ou garantismo penal, cujo ponto de partida passa necessariamente pela teoria estruturada por FERRAJOLI.!6 1 importante destacar que o garantismo nao tem nenhuma relacao com o mero legalismo, formalismo ou mero processualismo. Consiste na tutela dos direitos fundamentais, os quais - da vida a liberdade pessoal, das liberdades civis e politicas as expectativas sociais de subsisténcia, dos direitos individuais aos coletivos — representam os valores, os bens e os interesses, materiais e pré- politicos, que fundam ¢ justificam a existéncia daqueles artificios — como chamou Hobbes - que sao 0 direito e o Estado, cujo desfrute por parte de todos constitui a base substancial da democracia.1!? Dessa afirmagéo de FERRAJOLI 6 possivel extrair um imperative bésico: 0 direito existe para tutelar os direitos fundamentais. Superado 0 nal conflito entre direito natural. oe ee pola maiora das constituigées modernas, 6 problema centia-se easra maior . © problema centra-se agora na divergéncia entre o que o direito é e 0 que deve ser, no interior de um mesmo ordenamento juridico, ou, nas palavras usadas repe. Como explicado na itroducio, a Teoria do Garantismo 6 rer G encial tedrico do presente 02000444442 2424. 2 2222202042801 084881084 ‘Aury Lopes Je tidamente por FERRAJOLI: 0 problema esta entre efetividade e normatividade. Na doutrina espanhola, ARAGONESES ALONSON® explica que a Constituigao da Espanha de 1978 consagrou os principios contidos na Declaragao Universal dos Direitos Humanes, que, por sua vez, vém coincidir com os também revelados pela doutrina pontificia como direito natural. Com isso, o problema foi transferido e nao esta mais no plano da existéncia juridica, mas no da efetividade do garantismo. A efetividade da protegao esta em grande parte pendente da atividade jurisdicional, principal responsavel por dar ou negar a tutela dos direitos fundamentais. Como conseqiiéncia, 0 fundamento da legitimidade da jurisdigao e da independéncia do Poder Judiciario esta no reconhecimento da sua fungéo de garantidor dos direitos fundamentais inseridos ou resultantes da Constituigao. Nesse contexto, a fungao do juiz é atuar como garantidor dos direitos do acusado no proceso penal. ais, é imprescindivel termos em mente que 0 processo penal lido luz da Constituigao e nao ao contrario. Os dispositivos do Cédigo de Proceso Penal (de 1941) é que devem ser objeto de uma releitura mais acorde aos postulados democriticos ¢ garantistas na nossa atual Carta, sem que os direitos fundamentais nela insculpidos sejam interpretados de forma restritiva para se encaixar nos limites autoritarios do Cédigo de Processo Penal, No prélogo da obra de FERRAJOLI, BOBBIO define as grandes linhas de um modelo geral de garantismo: antes que nada, elevandolo a modelo ideal del estado de derecho, entendido no sélo como estado liberal protector de los derechos sociales; en segundo lugar, presentin- dolo como una teoria del derecho que propone un iuspositivismo eritico contrapuesto al iuspositivismo dogmatico; y, por tiltimo, interpretandolo como una filosofia politica que funda el estado sobre los derechos fundamentales de los ciudadanos y que procisamente del reconocimiento y de la efectiva proteccién (ino basta el reconocimiento!) de estos derechos extrae su legitimidad y también la capacidad de renovarse sin recurrir a la violencia subversiva. Existe uma profunda relagao entre 0 modelo de Direito Penal minimo e seu correspondente processo penal garantista. O primeiro & condicionado e limitado ao maximo, correspondendo nao sé a0 maximo Tid Wa “Nota pera la segunda edicién” da obra Proceso y Derecho Procesal, p28 7. 2 Intwodugéo Critica ao Processo Penal (Pundamentos da lnstrunentalidade Garantista) grau de tutela das liberdades dos individuos em relagéo a0 arbitrio punitivo, mas também a um ideal de racionalidade e de certeza. Existe uma clara vinculagéo entre garantismo e racionalismo. © Direito Penal minimo 6 uma técnica de tutela dos direitos fundamentais e "configura a protegéo do débil contra o mais forte; tanto do débil ofendido ou ameagado pelo como também do débil ofendido ou ameacado pela vinganga; contra o mais forte, que no delito 60 delinguente, e na vinganga é a parte ofendida ou os sujeitos piblicos ou privados solidérios com ele.\19 A protegao vem por meio do ‘monopélio estatal da pena e da necessidade de prévio processo judicial para sua aplicagéo, e da existéncia, no processo, de uma série de instrumentos e limites, destinados a evitar os abusos por parte do Estado na tarefa de perseguir e punir. ‘Como correspondente, a discricionariedade judicial deve ser sempre dirigida néo a estender, mas a reduzir a intervengéo penal enquanto ndo motivada por argumentos cognoscitivos seguros. A Giivida sobre a verdade juridica exige a intervengao de instituigbes ‘como a presungao de inocéncia do imputado até a sentenca definitiva; © dnus da prova a cargo da acusagéo; o principio in dubio pro reo; a absolvicéo em caso de incerteza sobre a verdade fética e, por outro lado, a analogia in bonam partem e a interpretagdo restritiva dos ressupostos t{picos penais e extensiva das citcunstdncias eximentes ou atenuantes, ‘Como destaca FERRAJOLI em diversos momentos, a diivida deve ser resolvida sempre pela aplicagdo do principio in dubio pro reo (critério pragmético de solugdo das incertezas jurisdicionais) © a manutengéo da presungao de inocéncia. A tinica certeza que se pretende no processo penal esta relacionada com a oxsidncia dos pressupostos que condicionam a pena e @ condenagao, e no com os elementos para absolver. Seeeeereaeieae! ~~~"Eim sentido oposto, 6 modelo de Direito Penal méximo caracteriza- se pela excessiva severidade, pela incerteza, a imprevisibilidade das condenagées @ das penas e por configurar um sistema nao controlével racionalmente, pela auséncia de pardmetros certos e racionais. No plano processual, a eficiéncia antigarantista identifica-se, em linhas gerais, com 0 modelo inquisitivo. Sempre que o juiz. tem fungées acusatérias ou a acusagio tem fung6es jurisdicionais, e ocorre a 119 FERRAJOLI, Luigh Derecho y razén,p. 395, ‘Ary Lopee Je 10, esto comprometidas a imparcialidade jidade e a oralidade do processo. A ca- mistura entre acusagao e j do segundo e, também, a publ réncia dessas garantias debilita todas as demais e, em particular, as garantias processuais do estado de inocéncia, do énus da prova, do contraditério e da defesa. ‘Ademais, a busca da verdade substancial, mediante uma investigagao inquisitiva, mais além dos limitados recursos oferecidos pelo respeito as regras processuais, conduz ao predominio das opinides subjetivas, ¢ até aos prejulgamentos irracionais e incontrolaveis dos julgadores. O arbitrio surge no momento em que a condenagaoe a pena dependem unicamente di sabedoria e eqiiidade dos jul Em resumo: 0 garantismo encontra sua antitese no Direito Penal ‘maximo e no utilitarismo processual, ambos to. “0 utilitarismo esta relacionado a idéia do combate a criminalidade a qualquer custo, a um processo penal mais célere e eficiente, no sentido de diminuir as garantias processuais do cidadao em nome do interesse estatal de mais rapidamente apurar e apenar condutas. E sinénimo de exclusio, supressao de direitos fundamentais para alcangar a maxima eficiéncia (antigarantista). (© garantismo processual é crucial a partir do momento em que compreendemos o seu custo, suas “misérias” na consagrada expresso de CARNELUTTI. A dureza dos instrumentos processuais faz com que se castigue ex ante e que o processo se transforme numa pena em si mesmo, ‘A violéncia do proceso penal é patente, tendo sua face mai nas prisées cautelares, cujo contetido aflitivo em nada se di inclusive, mais grave) da prisao de ica IBANEZ#20 que a considerada na sua pura mat invasdo de domicilio. Da mesma f intervencéo corporal (equivalente a lesdo corporal ou mesmo atentado violento ao pudor, conforme a natureza do ato) ‘A violéncia dos atos ¢ igual. A diferenga entao est no sentido € no profundo respeito as gar: processuais, na necessidade e proporcionalidade, na natureza e importéncia do bem juridico tutelado. Nisso reside a autorizacdo para que o Estado cometa tais crimes. O. 120 0 exemplo ¢ de BANEZ, Garantismo y Proceso Penal p60, (Pundamentos da instumentalidade Garantists) mal fai .e 0 Estado tenha uma soberania mitigada, vam poder limitado @ reduzide ao limites racionais © no marco dos ‘prineipios garantidores. E cabe a0 juiz essa importante tarefa e, enquanto garantidor da eficécia do sistema de garantias constitucionais © processuais. deve atentar, principalmente, para os critério de necessidade ¢ proporcionalidade, buscando sempre o menor sofrimento possivel do Sujeito passivo submetido a violéncia do processo. Em ultima anélise, jenor constrangimento © sofrimento do inocente submetido a0 processo, porque esse ¢ 0 status constitucional do réu, V) Inserindo 0 Processo Penal na Epistemologia da Incerteza e do Risco: Lutando por um Sistema de Garantias Minimas Como jé apontamos, vivemos numa sociedade complexa, em que © risco esta em todos os lugares, em todas as atividades e atinge a todos, de forma indiscriminada. Concomitantemente, é uma sociedade regida pela velocidade e dominada pela légica do tempo curto. Toda essa aceleragao potencializa o risco. Alheio a tudo isso, 0 Direito opera com construgées técnicas artificiais, recorrendo a mitos como “seguranga juridica",121 “verdade real”, “reversibilidade de medidas”, etc. Em outros momentos, parece correr atras do tempo perdido, numa desesperada tentativa de ‘acompanhar 0 "tompo da sociedade”. Surgem entéo alquimias do estilo “antecipacao de tutela”, “aceleragao procedimental”ete. Mire a dindmica social e juridica é inevitavel,) evidenciando uma vez mais a faléncia do monélogo cientifico diante da ] complexidade imposta pela sociedade contemporanea._ lagen 6 introdutéria, um convite a reflexao pelo vies interdisciplinar, com todos os perigos que encerra uma incursdo para além de um saber compartimentado. Sem esquecer que, em meio a 121 A eilica disige-se & visio tradicional, paleopositivista © araigada no dogms da = | ‘Aury Lopes J tudo isso, est alguém sendo punido pelo processo e, se condenado, Sofrendo uma pena, conereta, efetiva e dolorosa a) Risco Exégeno Nao ha como iniciar uma abordagem sobre risco sem falar na risk society de BECK.12 Obviamente que a andlise perpassa essa visdo, ‘ue serve apenas como ponto inicial. A doutrina de BECK desempenha uma importante missdo na superagao da compreenséo de que o Sofrimento e a miséria eram apenas para 0 outro, pois haviam paredes ¢ fronteiras reais e simbélicas para nos escondermos. Isso desapareceu com Chernobil. Acabaram-se as zonas protegidas da modernidade, ha Uegado el final de los otros.123 O grande desafio passa a ser viver com essa des-coberta do perigo. Caiu o manto de protecao, deixando a descoberto esse desolador cenario, A Sociologia do risco é firmada e definida pela emergéncia dos Perigos ecolégicos, caracteristicamente novos e problematicos. Mas a dimensao desse risco transcende a esfera ecolégica e também afeta 0 proceso, pois alcanga a sociedade como um todo, e 0 proceso penal nao fica imune aos riscos. Como aponta BECK, as sociedades humanas sempre correram riscos, mas eram riscos e azares conhecidos, cuja ocorréncia podia ser prevista e sua probabilidade, calculada. Os riscos das sociedades industriais eram importantes numa dimensio local e freqiientemente devastadores na esfera pessoal, mas seus efeitos eram limitados em termos espaciais, pois nao ameagava sociedades inteiras.124 Atualmente, as novas ameagas ultrapassam limites espaciais e sociais e também excedem limites temporais, pois sdo irreversiveis e sous efeitos (toxinas) no corpo humano e no ecossistema vao se ‘acumulando. Os perigos ecolégicos de um acidente nuclear em grande 122 “Trabalhamos aqui com os conceitos de BECK na obra La Sociedad del Resgo, Barcelona, ‘Sociale Ambiente, Trad. Ana Maria André, Lisboa, Instituto Piaget, 1996 essa ameaga (mosmo considerando today as eiderurgias do mumido) thio aleangava populagées inteira, nem © planeta no seu todo, nwoaugao Luca ao trocess0 Henat (Pundamentos da instrumentalidade Garantista) escala, pela liberagao de quimicos ou pela alteracao e manipulagao da composicao genética da flora e fauna (transgénicos), colocam em risco 0 proprio planeta. Existe um risco real de autodestruigéo. Outro problema ¢ que nos riscos ecolégicos modemos, segundo BECK,125 0 ponto de impacto pode nao estar obviamente ligado ao seu ponto de origem e sua transmissao e movimentos serem muitas vezes invisiveis e insondaveis para a percepgao quotidiana. E um gravissimo problema que dificulta ou impossibilita a identificagao do nexo causal, como ocorreu, v.g., como as contaminagées pelo Antraz. Sena sociedade pré-industrial o risco revestia a forma natural (tre- mores, secas, enchentes, etc.), no dependendo da vontade do e, sendo por isso, inevitavel, o risco na sociedade industri passou a depender de agées dos individuos ou de forcas perigo no trabalho devido a utilizagdo de mAquinas e venet bito social, o perigo do desemprego e peniiria, ocasionado p tezas da dinamica econémica, etc.). Nese momento nasce a ilusao do Estado Seguranga. Em que pese o fato de certos perigos e azares constantemente ameagarem determinados grupos, tais riscos eram conhecidos, cuja ocorréncia poderia ser prevista e cuja probabilidade poderia ser calculada. Mas os riscos contemporaneos so qualitativa e quantit vamente distintos, pois assumem conseqiéncias transgeracionais (pois sobrevivem aos seus causadores) e marcados pelo que BECK chama de glocalidade (globais e locais ao mesmo tempo). Ademais, é patente a desconstrugéo dos parémetros culturais tradicionais e as estruturas institucionais da sociedade industrial (classe, consciéncia de classe, estrutura familiar e demarcagdo de fungées por sexo). Nao ha estratificagéo econémica rigida, fungées demarcadas por sexo e nucleo familiar. Todo 0 oposto. 1KI25 justifica o estado de insegu- os meios pelos quais tentamos tutuefonal, (eplordveis, quea fina capa de tangiiilidade e nounalidade 6 constantemente quebrada pela realidade bem dura de. erigos @ ameacas inevitaveis” 125 GOLDBLATT, “A Sociologia de Risco”.p, 223, 126 GOLDBLATT, David. “A Sociologia do Risco de Ulich Beck", in: Teoria Social e Ambiante, ‘Aury Lopes vt Por conseguinte, as atuais formas de degradagao do ambiente atingem a todos indistintamente, ou seja, ndo hd que se considerar qualquer tipo de barreira social ou geogréfica como meio de protegao contra tais perigos. Os gases poluentes emitidos pelos automéveis que circulam nas grandes cidades atingem da mesma forma ricos e pobres, causando-Ihes os mesmos problemas circulatérios, assim como 0 fato de morar em uma favela ou em um bairro nobre nao protege ninguém de uma catastrofe. © risco também esté no trabalho e manifesta-se pelo desemprego estrutural em larga escala e a longo prazo. Nao ha mais estrutura de trabalho por sexo; ha uma queda do trabalho por tempo integral e 0 aumento das jornadas parciais; operou-se um rompimento da estrutura tradicional do emprego regular (vital lexibilidade geral das relagées. Tudo isso gera uma grande inseguranga econémica que se vai alastrar em todo feixe de relagées dos individuos. ‘Também na esfera das relagbes afetivas © na propria estrutura familiar, o risco esté mais presente do que nunca. No niicleo familiar, nao ha mais a distingdo entre trabalho doméstico (nao remunerado © educago dos filhos) e trabalho assalariado (privativo do homem). Esta consagrada a decadéncia do patriarcado. Intensificou-se a individua- lizagdo, com o rompimento das fungées tradicionais (homem e mulher) € das forcas ideoldgicas que ajudavam a “prender" as pessoas. A inseguranga multiplicou-se em relagéo ao micleo familiar com o divércio, paternidade ou matemidade unilateral e também implica uma nova dinamica das relagées interpessoais, em que 0 casar-se passa a um segundo plano, valorizando-se mais a realizagéo profissional © 0 individualismo (logo, relacionamentos afetivos superticiais) A dindmica do tempo curto e a ditadura do instantaneo poten- cializa esse risco das relagdes afetivas, pois nao existem mais os longos namoros, seguides de noivado e casamento para toda a vida. As pessoas “ficam", o que significa a mais completa falta de comp: com 0 passado e de comprometimento com o futuro. £ 0 presenteismo em grau maximo. ‘Que dizer do “futuro”? & totalmente contingente”, pois ~ explica OST!27 — se opera uma ruptura com a experiéncia vulgar do tempo - enquanto simples recondugdo do passado - pois tudo se torna possivel. © futuro € verdadeiramente contingente, indeterminado; o instante é 127 0 Tempo do Diretto, p. 324. 2 nwoaugao Unuca ao ¥rocesso Penal >, (Pundamentos de Instumentaldade Gazantista) Prescrita. Projetos e promessas (impulso prometeico) perdem toda pertinéncia. E a incerteza elevada ao quadrado. Mais radical, COMTE-SPONVILLE™! chama de nadificacdo. Mais qs do que isso, & a nadificagso do nada, pois 0 passado nao existe, uma ag vez que jé no é, nem o futuro, ja que ainda nao é. E 0 presente se divide num passado e num futuro que nao existem. Logo, 6 0 nada, Pigsioss 7 ume. conte, nities yy ee 154 Prineipios Garais do Processo Civil, p. 48 rnuoaugao undca ao vrocesso renal (Pundamento da tnstrumentalidade Garantista) chances, cargas e liberagdo de cargas. Do aproveitamento ou nao dessaS chances, surgem dnus ou bénus. ‘As expectativas de uma sentenga favoravel irao depender normalmente da pratica com éxito de um ato processual anterior realizado pela parte interessada (liberagao de cargas). Como explica © autor,185 se entiende por derechos procesales_las_expectativas; posibilidades y liberaciones_de_una carga procesal. Existen paralela- “mente a los derechos materiales, es_decit_a los derechos facultativos, ‘potestativos y permisivos (..)-Las Jamadas expectativas son esperanzas de obtener futuras ventajas procesales, sin necesidad de acto alguno propio, y se presentan rara vez en-el desenvolvimiento normal del | proceso: pueden servir de ejemplo de ellas la del demandado de que se desestime la demanda que padezca de defectos procesales 0 no esté debidamente fundada (..). ‘ ‘As posibilidades surgem de uma chance, sao consideradas como la situacién que permite obtener una ventaja procesal por la ejecucién de un acto procesal.156 Como esclarece ARAGONESES ALONSO,'57 a expectativa de uma vantagem processual e, em iltima andlise, de uma sentenga favordvel, a dispensa de uma carga processual © a possibilidade de chegar a tal situagao pela realizagao de um ato processual constituem os direitos em sentido processual da palavra Na verdade, néo seriam direitos propriamente ditos, sendo situagoes que poderiam denominar-se com a palavra francesa“ a Diante de uma Chance, a parte pode Hberar-se de uma carga processu: e caminhar em diregao a uma sentenga favoravel (expectativa), ou nao lberar-se, e, com isso, aumentar a possibilidade de uma sentenga dosfavoravel (perspectiva) Ii, Sempre que as partes estiverem em situagao de obter, por meio de um ato, uma vantagem processual e, em iltima andlise, uma sentenga favordvel, tém uma possibilidade ou chance procossual. O 185 Derecho Procesal Civil, pp. 194 e ss. Produzir uma prova, refutar uma alegagdo, juntar um documento no devido momento sao tipicos casos de aproveitamento de chances. ‘Tampouco incumbem as partes obrigagdes, mas sim cargas Processuais, entendidas como a realizagao de atos com a finalidade de Prevenir um prejuizo processual e, conseqiientemente, uma sentenga desfavordvel. Tais atos se traduzem, essencialmente, na prova de suas afirmagées. E importante recordar que, no processo penal, a carga da Prova esté inteiramente nas maos do acusador, néo sé porque a primeira afirmacao ¢ feita por ele na pega acusatéria (denincia ou quei também porque o réu esta protegido pela presungao de inocén¢ Contudo, é sabida distancia entre o ser @ 0 dever-ser do Di modo que, na pratica, a distribuigdo de cargas no processo penal est {absurdamente) sendo tratada da mesma forma que no processo civil. Nao raras so as sentencas condenatérias fundamentadas na “falta do Provas da tese defensiva”, como se 0 réu tivesse que provar sua versao de negativa de autoria ou da presenga de uma excludente. Por isso, diante dessa degeneragao da praxis (que obviamente nao avalizamos), ‘seguiremos trabalhando com a nogéo de cargas. A obrigagao processual (carga) é tida como um imperativo do proprio interesse da parte, diante da qual nao ha um direito do” adiversario ou do Estado. Por isto é que nao se trata de um dever. 0 adversdrio nao deseja outra coisa senao que a parte se desincumba de sua obrigagéo de fundamentar, provar, etc. Com efeito, ha uma relagao estreita entre as obrigagées processuais e as possibilidades (direitos Processuais da mesma parte), vez que “cada possibilidade impée 4 Parte a obrigagao de aproveitar a possibilidade com 0 objetivo de prevenir sua perda”.169 A liberagao de uma carga processual pode decorter tanto de uma Ja a perspectiva de uma sentenga desfavoravel ira depender sempre da nao-realizagao de um ato processual em que a lei imponha 159 Principioe Gerais do Processo Civil, p. 66. 160 Kom, ibidurn e (Pundamentos da iastrumentalidade Garantista) um prejuizo (pela inércia). A justificativa encontra-se no principio dispositivo. A ndo-liberaao de uma carga leva & perspectiva de um prejuizo processual, sobretudo de uma sentenga desfavordvel, e depende sempre que a parte interessada nao tenha se desincumbido de um 6nus (carga) processual.161 Na sintese de ARAGONESES ALONSO,1©2 al ser expectativas 0 perspectivas de un fallo judicial futuro, basadas en las normas legales, representan mas bien situaciones juridicas, lo que quiere decir estado de una persona desde el punto de vista de la sentencia judicial, que se _espera con arreglo a las normas juridicas. Assim, 0 processo deve ser entendido como © conjunto destas | situagées processuais e concebido “como um complexo de promessas e ameagas, cuja realizagao depende da verificagio ou omissao de um. ato da parte”.163 rarmento de GOLDSCHMIDT serve ara mostrar que 0 proceso — assim como a guerra - esta envolto por ‘uma nuvem de incerteza. A expectativa de uma sentenga favordvel ou a perspectiva de uma sentenca desfavoravel esta sempre pendente do aproveitamento das chances e liberagao de cargas. Em nenhum momento tem-se a certeza de que a sentenga seré procedente. A acusagéo e a defesa podem ser verdadeiras ou néo; uma testemunha pode ou nao dizer a verdade, assim como a decisao pode ser acertada ou no (justa ou injusta), o que evidencia sobremaneira o risco no proceso. ‘© mundo do processo 6 0 mundo da instabilidade, de modo que nao ha que se falar em juizos de seguranga, certeza e estabilidade quando se esté tratando com o mundo da sealidade, 0 qual possui riscos que Ihes so inerentes. E evidente que nao existe certeza (seguranga), nem mesmo apés 0 trdnsito em julgado, pois a coisa julgada é uma construgao técnica do direito, que nem sempre encontra abrigo na realidade, algo assim como @ matematica, na visdo de EINSTEIN.1® E necessdrio destacar que o direito material 6 um mundo de entes irreais, vez que construido a semelhanca da matemética pura, enquanto que o mundo do proceso, como anteriormente mencionado, identifica-se com o mundo das reali- dades (concretizagao), pelo qual ha um enfrentamento da ordem judi- cial com a ordem legal A dinamica do processo transforma a certeza prépria do direito material na incerteza caracteristica da atividade processual. Para GOLDSCHMIDT65 “a incerteza 6 consubstancial as relagbes proces: suais, posto que a sentenga judicial nunca se pode prever com segu- tanga". A incerteza processual justifica-se na medida em que coexis- tem em iguais condigées a possibilidade de o juiz proferir uma sen- tenga justa ou in Nao se pode supor 0 direito como existente (enfoque material), mas sim comprovar se © direito existe ou nao no fim do processo. Justamente por isso € que se afirma que o processo é incerto, inseguro. A visdo do processo como guerra evidencia a realidade de que vence (alcanga a sentenga favoravel) aquele que lutar melhor, que melhor souber aproveitar as chances para libertar-se de cargas processuais. Entretanto, ndo hé como prever com seguranga a decisao do juiz. E este é ponto crucial onde queriamos chegar: demonstrar que a incerteza € caracteristica do processo, considerando que o seu Ambito de atuagao ¢ a realidade. £ importante destacar que GOLDSCHMIDT sofreu duras e injustas criticas, até porque muitos nao compreenderam o alcance de sua obra. Parte dos ataques deve ser atribuido ao momento politico vivide e & ilusdo de “direitos” que BULOW acenava, contrastando com a dura realidade espelhada por GOLDSCHMIDT, que chegou a ser rotulado de te6rico do nazismo, Uma imensa injustiga, repetida até nossos dias, por pessoas que conhecem pouco a obra do autor e desconhecem completamente o autor da obra.166 ‘No plano juridico-processual, CALAMANDREI foi um opositor & altura, Contudo, apés as criticas iniciais, todas refutadas, perfilou-se a0 lado de GOLDSCHMIDT no célebre trabalho II Proceso Come Giuoco.15? Sake > rsloimn rdewio roche vo grow = dk => MO ene, cemanlbatrnk > ota. yo re. eas 4166 A familia GOLDSCHMIDT, composta por Janes ets Rikos Raberto.e Werner, crue €, Atel iano oes een eo ro Sea Soars aos caren een ie, a mea Spee na . (Pundamentos da tastrumentalidade Garantiste) Posteriormente, escreveu Un Maestro di Liberalismo Processuale'8 em homenagem. sie aaa visdo do processo como um jogo, CALAMANDRET exotica que as partes devem, em primeizo lugar, conhecer as regras do Jodo Logo, devem observar como funcionam na pratica, eis que a atividade processual trabalha com a realidade. Além disto, é preciso “experi: mentar como se entendem e como as respeitam os homens que de- vem observé-las, contra que resisténcias correm risco de se enfrentar, fe com que reagdes ou com que tentativas de ilusdo tém que con tar" 169 Entretanto, para se obter justiga, nao basta téo-somente ter tazéo. 0 triunfo do processo depende, outrossim, de “sabé-la expor, encontrar quem a entenda, e a queira dar, e, por ultimo, um devedor «que possa pagar” 57 Neste jogo, 0 sujeito processual ou 0 “ator”, como denomina © proprio CALAMANDREI, movimenta-se a fim de obter uma sentenga que acolha seu direito, muito embora o resultado (procedéncia) nao dependa unicamente de sua demanda, considerando que neste contexto insere-se a figura do juiz. Assim, 0 reconhecimento do direito do “ator", depende necessariamente da busca constante da convicgo do julgador, fazendo-o entender a demanda. Ou nas palavras de CALAMANDREI:'71 "O éxito depende, por conseguinte, da interferén- cia destas psicologias individuais e da forga de convicgao com que as razées feitas pelo demandante consigam fazer suscitar ressonancias e simpatias na consciéncia do julgador” Contudo, 0 arbitro (juiz) nao é livre para dar razao a quem Ihe dé vontade, pois se encontra atrelado & pequena histéria retratada pela prova contida nos autos. Logo, esta obrigado a dar razio aquele que melhor consiga, através da utilizago de meios técnicos apropriados, convencé-lo. Por conseguinte, as habilidades técnicas so cruciais para fazer valet 0 direito, considerando sempre o risco inerente & atividade processual: "Afortunada coincidéncia 6 a que se verifica quando entre dois litigantes o mais justo seja também o mais habilidoso". Entre- tanto, quando nao ha tal coincidéncia, “o processo, de instrumento de 168 In: Rivista ai Dtito Procossuale, v.1~ parte 1, Padova, 1951, pp. 01 8 ss. Tambémm pu blicado no nimero especial da Revista de Derecho Process), vin memoria de Jaznes Goldsehiiat. 169 Idem, Dic (p21) 470 CALAMANDRET, Piero. Direto Processual Civil. V3. p. 223, YM Dizeito Processual Civil. V3, p. 223. Justiga, criado ‘Para dar razo ao mais justo, passe a ser um instrumento Se habilidade técnica, criado para dar vitéria ao mais astuto".172 A sentenga ~ na visio de CALAMANDREI - deriva da soma de esforcos contrastantes, ou seja, das ages e das omissées, das astiicias ©u dos descuidos, dos movimentos acertados e das equivocagées, considerando que o processo, neste interim, “vem a ser nada mais que um jogo no qual ha que vencer",173 Por derradeiro, tanto no jogo como na guerra, importam a estra- tégia © © bom manuseio das armas disponiveis. Mas, acima de tudo. : les de alto risco, envol Guerra, é um jogo, em que a estratégia e a habilidade sao cruciais. Logo, risco multiplicado. d) Assumindo os Riscos e Lutando por um Sistema de Garantias Minimas Em que pese 0 risco inerente ao jogo (ou & guerra), em qualquer dos dois casos é necessario definir um sistema (ainda que minimo) de regras (limites) Diante desse cenario de risco total em que o processo penal se insere, mais do que nunca devemos lutar por um sistema de garantias mminimas. Nao é querer resgatar a ilusdo de seguranga, mas sim assumir 0s riscos e definir uma pauta minima de garantias formais das quais nao podemos abrir mao. & partir da premissa de que a garantia esté na forma do instrumento juridico e que, no processo penal, adquie contor- nos de limitagéo ao poder punitivo estatal e emancipador do débil submetido ao processo. Nao se trata de mero apego incondicional & forma, senao de considera-la como uma garantia do cidadao e fator legitimante da pena (Pundamentos da Instrumentalidade Garantista) JACINTO COUTINHO,"% devemos ir para alé definindo contra quem se est jogando axiolégico do proprio jogo. Nossa andlise situa-Se nesse desvelar do conteiido ético e axiolé- gico do jogo e de suas regras, indo muito além do mero (paleo)po- sitivismo. Estamos com AMILTON B. DE CARVALHO,175 ao defender a positividade combativa, onde devemos lutar pela maxima eficécia dos direitos ¢ garantias fundamentais, fazendo com que tenham vida real. Como define o autor: Eo reconhecimento de que o direito positivado, por muitas vezes, resume conquistas democréticas (embora outras tantas vezes néo seja aplicado). E, em tal acontecendo, hé que se o fazer viger. ‘Tampouco podemos confundir garantias com impunidade, como insistem alguns defensores do terrorismo penal, subvertendo 0 eixo do Giscurso. As garantias processuais defendidas aqui nao sao geradoras, de impunidade, sendo legitimantes do préprio poder punitivo, que fora dessos limites & abusivo e perigoso. A discussao, como muito, pode situar-se no campo da relagao énus- bénus. Que prego estamos dispostos a pagar por uma “seguranga” que, como apontado, sempre sord mais simbélica e sedante do que efetiva ¢ que, obviamente, sempre tera uma grande margem de falha (auséncia de controle)? Que parcela da esfera de liberdade individual estamos dispostos a abrir mao em nome do controle estatal? 8 aceitavel que - em situagées extremas e observadas as garan- tias legais ~ tenhamos de nos sujeitar a uma interceptagao telefénica judicialmente autorizada, por exemplo. Contudo, sera que estamos Gispostos a permitir que essas conversas sejam reproduzidas © exploradas pelos meios de comunicacao? Em definitivo, é importante compreender que represséo e garantias processuais nao se excluem, sendo que coexistem. Radical mos & parte, devemos incluir nessa tematica a nogao de simulta: neidade, em que o sistema penal tenha poder persecutério-punitivo e, a0 mesmo tempo, esteja limitado por uma esfera de garantias rocessuais (e individuais). contetido ético & 174 GOUTINHO, Jaciuto Netson de Miranda. °O papel do rove juts no process0 penal”, p. 47 1175 BUENO DE CARVALHO, Amiton. hari ¢ Pritioa do Disito Altornativo, pp. 68 57, Gon sulte-ce, também, a excolonte abra de DIEGO J. DUQUELSKY GOMEZ, Enere a La oe Diraito, io de Janeiro, tumen Juris, 2002. ‘Aury Lopes Je ~~ Considerando que risco, violéncia e inseguranga sempre existirao, lé sempre melhor risco com garantlas processuais do que risco com ® preferivel um sistema que falhe em alguns casos por falta de controle (ou de limitagao da esfera de liberdade individual) do que um Estado policialesco e prepotente, pois a folha existiré sempre. O problema 6 que nesse ultimo caso 0 risco de inocentes pagarem pelo. fer10 é infinitamente maior e esse é um custo que nao podemes tolerar. vo na presente exposigao 6 buscar definir esse sis- ais nao podemos renunciar, a partir \ — Nw o mime de secomhino Yong cork wt aire de. onal umne0ny 2 QURDKIo LUE? Qimdorn wll mo Vyhedods Capitulo II Em Busca de um Sistema de Garantias Minimas: os Principios Fundantes da Instrumentalidade Garantista No Capitulo anterior, abordamos os principais fatores que conduzem ao utilitarismo processual, bem como verificamos de que forma o processo penal ¢ inserido na dinémica da urgéncia, aceleragao e tisco. Com isso, desvelamos um cenério preocupante, fértil para retrocessos democriticos e a supresséo de direitos e garantias fandamentais Nesse contexto, concluimos pela necessidade de que 0 processo penal passe por uma constitucionalizagéo, sofra uma profunda filtragem constitucional, estabelecendo-se um (inafastével) sistema de garantias minimas. Como decorréncia, o fundamento legitimante da existéncia de um proceso penal democtatico 6 a instrumentalidade garantista, ou seja, 0 proceso enquanto instrumento a servigo da maxima eficdcia de um sistema de garantias minimas. A continuagéo, definiremos os principios que devem (in)formar esse sistema e dos quais 0 processo penal deve ocupar-se em radicalizar sua eficdcia. Dentro da intima ¢ imprescindivel relacao entre o Direito Penal e 0 processo penal, deve-se apontar que ao atual modelo de Direito Penal minimo corresponde um processo penal garantista. Sé um proceso penal que, em garantia dos direitos do imputado, minimize os espagos impréprios da discricionariedade judicial pode oferecer um sélido fundamento para a independéncia da magistratura e ao seu papel de controle da legalidade do poder.176 (© garantismo no proceso penal reveste-se, a cada dia, de uma maior importancia, diante da panpenalizacdo que estamos presen- ciando. Quanto maior é a influéncia de movimentos repressivistas, “76 FERRAJOLI, Luigi, Derecho y Razén ~ Teoria del Garantisino Penal, p. 10. s o oe e e S © G & e & = =

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