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Coleçao Estudos de Processo Penal

.. Prof. Joaquim Canuto Mendes de Almeida


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Prof. Joaquim Canuto fâdes de ~ida - v.
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9. O direito de defesa no inquérito policial. Marta Saad. São Paulo: RT, 2004.
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Obras publicadas nesta Coleção


O DJRErIO...--.-..--
1. Revisão criminal. 2. ed. rev., atual. e ampl. Sérgio de Oliveira Médici. São Paulo:
RT, 2000.
2. Da busca e da apreensão no processo penal. Cleunice A. Valentim Bastos
l:S, Lrbo \ ~ íO~ / :W ~~E DEFESA
Pitombo. São Paulo: Rr, 1999.
3. Correlação entre acusação e sent~nça. Gustavo Henrique Righi lvahy Badaró.
São Paulo: RT, 2000.
NO INQUÉRTIO
4. Interesse e legitimação para recorrer no processo penal brasileiro. Maurício
Zanoide de Moraes. São Paulo: RT, 2000.
5. Justa causa para a ação penal: doutrina e jurisprudência Maria Thc:reza Rocha
POUOAL
de Assis Moura. São Paulo: RT, 2001. ··
6. Igualdade no direito.processual penal brasileiro. Paula Bajer Fernandes Martins r
. r
da Costa. São Paulo: Rr, 2001. 9 t\t(.\O \~ cJ) /\f'f~ t) \\O Q 1(D NO \/\} ~
7. Inatividade no processo penal brasileiro. Roberto Delmanto Junior. São Paulo: --...
Rr, 2004. -' (Y\ t\) '(:),~ena ~ ~M'?(.(A ~~Dr
8 . A garantia constitucional do direito ao silêncio. João Claudio Couceiro. São

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Paulo: RT, 2004. e /
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D211.os Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) ~ l;u
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(Câmara Brasileira do Livro, SP, BrasU)

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Saad, Marta
O direito de defesa no inquérito policial / Marta Saad ; prefácio Maria Thereza ..!l...
Rocha de Assis Moura. - São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2004. - (Coleção
estudos de processo penal Joaquim Canuto Mendes de Almeida ; v. 9)
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Bibliografia
ISBN 85--203-2617-X

l. Defesa (Proc,:sso penal) - Brasil 2. Direito de defesa 3. Inquérito policial - Brasil ~ -


1. Mour.i., Maria Thereza Rocha de Assis. n. Tírulo. m. Série.
CDU-343.121 :343.123.1(81)
04-5778
EDITORAriil
Índices para catálogo sistemático: 1. BrdSil : Direito de defesa no inquérito policial~ Direito penal
REVISTA DOS TRIBUNAIS
343.121:343.123.1(8 l)
RECONHECIMENTO DO EXERCÍCIO DO DIREITO DE DEFESA 199

tinguiremos o direito de defesa do contraditório, a autodefesa da
defesa técnica; trataremos dos exercícios endógeno e exógeno do
direito de defesa no inquérito policial; da extensão do direito de
3 defesa na Constituição da República; e, por fim, cuidaremos de
,, fixar o momento inicial para o exercício do direito de defesa no
RECONHECIMENTO DO EXERCICIO inquérito policial.
DO DIREITO DE DEFESA
NO INQUÉRITO POLICIAL 3.1.1 Importância do direito de defesa no início da persecução
penal
SUMÁRIO: 3.1 Direito de defesa no inquérito Jl()licial: noções:
O inquérito policial, como se diss~, abriga não somente atos
3.1.1 Importância do direito de defesa no iníciQ d a persecução
de investigação, mas também atos de instrução criminal, alguns de
penal; 3.1 .2 Indiciado como sujeito de direitos; 3.1.3 Defesa:
direito fundamental e garantia; 3.1.4 Direito de defesa e contra- caráter transitório, outros de caráter definitivo.
ditório; 3.1.5 Autodefesa e defesa técnica; 3.1 .6 Extensão do Com efeito, a partir da instauração do inquérito policial, inú-
direito de defesa na Constituição da República: acusados em
meros atos que acarretam restrição a direitos constitucionalmen-
geral e processo administrativo; 3.L7 Indiciamento; 3.1.8 Mo-
te assegurados podem ocorrer em desfavor do acusado, tais como
mento inicial para o exercício do direito de defesa no inquérito
policial - 3.2 Concretização do exercício endógeno do direito os decretos de prisão preventiva (arts. 311 a 316 do CPP) e de
de defesa no inquérito policial: 3.2.1 Ciênciadaiinputação; 3.2.2 prisão temporária (art. 1.º da Lei 7.960/1989), se o inquérito já
Autodefesa; 3.2.3 Defesa técnica - 3.3 Exercício exógeno do não tiver se iniciado por meio de flagrante (arts. 301 a 310 do CPP),
direito de defesa: 3.3.1 Petição endereçada à autoridade judiciária em nítida restrição ao direito de liberdade (art. 5.º, LXI, da Cons-
competente; 3.3.2 Habeas corpus; 3.3.3 Mandado de seguran- tituição da República).
ça - 3.4 Considerações finais.
Podem ainda ter lugar, no curso do inquérito policial, a de-
cretação de medidas cautelares, como a busca pessoal ou domi-
ciliar (arts. 240 a 250 do CPP), que limita os direitos de inviola-
bilidade do domicílio, da intimidade e da vida privada e a inte-
3.1 Direito de defesa no inquérito policial: noções gridade física e moral do indivíduo' (art. 5.º, III, X, XI e XLIX,
da Constituição da República); a apreensão, que pode restrin-
Para completa análise do exercício da defesa no inquérito gir o direito de liberdade, tutela e curatela, a posse e aproprie-
policial, faz-se necessário que determinadas noções sejam primei- dade (art. 5.º, XXIl e LXI, da Constituição da República); a de-
ramente estabelecidas. cretação do arresto ou seqüestro de bens (arts. 125 a 144doCPP),
Ressaltaremos, nos itens que seguem, a importância de se as-
11
segurar o direito de defesa desde a primeira fase da persecução < Nesse sentido, cf. Cleunice A. Valentim Bastos Pitombo, Da busca ... ,
penal; cuidaremos da defesa como direito e como garantia; dis- cit., p. 60-61.
200 O DIREITO DE DEFESA NO INQUÉRITO POLICIAL RECONHECIMENTO DO EXERC{CIO DO DIREITO DE DEFESA 201

que limitam a fruição do patrimônio (art. 5.0 , XXII, da Consti- sor já nessa fase preliminar, preparando adequada e tempestivamente
tuição da República); a quebra do sigilo fiscal e bancário (art. S!:!_.a defesa, substancial, de conteúdo.4
8.º, § 1.0 , da Lei 4.595/1964), que atinge a intimidade e a vida Todavia, o que se constata é que não se concede assistência por
privada (art. 5.º, X, da Constituição da República); a intercep- meio de advogado dativo ao indiciado, 5 quando muito isso se faz
tação das comunicações telefônicas (art. 10 da Lei 9 .296/1996), na hipótese de este ter sido preso em flagrante delito, a fim de
que restringe o sigilo das comunicações (art. 5.0 , XII, da Cons- pleitear o relaxamento da prisão ou a liberdade provisória, com
tituição da República); a determinação do indiciamento, que ou sem fiança. Resta então ao acusado, de modo informal ou sob
acarreta abalo moral, familiar e econômico; e, pior, ao fim, ângulo substancial, aguardar, sem que nenhuma prova seja re-
possível formalização da acusação, com o início da segunda fase querida e/ou produzida em seu favor, a conclusão do inquérito
da persecução penal, por meio da decisão de recebimento da de- policial, procedimento este que pode se estender por anos, e de-
núncia, ou queixa (art. 394 do CPP). pois ainda a remessa dos autos a juízo para, apenas se denun-
ciado, poder enfim contar com a assistência profissional de advo-
O inquérito policial, assim como as demais formas de pers_ecu- gado, já na segunda fase do procedimento da persecução penal. 6
ção penal preliminar ou prévia, é fase procedimental carregada de
significado e importância, não obstante o descaso da doutrina e mes- 1
•> Voto do Min. Orozimbo Nonato, nos autos do HC 29.636, julgado
mo dos tribunais com essa etapa da persecução penal. Nesse especí- em 26.01.1944 no Supremo Tribunal Federal, apud Eduardo Espí-
fico campo, a Constituição da República vem sendo reiteradamente nola Filho, Código... , cit., p. 266.
interpretada de forma a restringir as garantias constitucionais lá es- 5
<> "Se a preceituação constitucional contempla o preso, ao início, ou
cancaradas/ reduzindo-se a nada o direito de defesa (art. 5.º, LV) e no transcorrer da investigação criminal, não pode, sem dúvida, dei-
o direito à assistência de advogado (art. 5.º, LXXIV, arts. 133 e 134), xar de abranger, em igualdade de situação, o indiciado" (Rogério
já na persecução penal preparatória ou prévia.3 Lauria Tucci, Direitos e garantias individuais no processo penal
brasileiro, São Paulo, Saraiva, 1993, p. 185, nota 42). Convém lem-
Justamente por ser o inquérito uma etapa importante para a
brar aqui o Projeto de Lei 6.556/2002, em tramitação no Congresso
obtenção de meips de prova~, iocJ11sive com atos que depois não Nacional, que dispõe sobre a assistência de advogado no inquérito
mais se repetem, o acusado deve contar com assistência de defen- policial. O parecer da Comissão de Constituição e Justiça e de Re-
dação ressalva, ainda, que a assistência de advogado deve ser esten-
(2> Entendendo que o art. 5.0 , LV, da Constituição da República, por seu dida a todas as formas de persecução penal prévia: "Por estas razões
fundamento garantista, não pode ser objeto de leitura e interpretação creio que a iniciativa do Deputado Orlando Fantazzini de admitir a
restritiva, mas sim que o Código de Processo Penal deve, como legis- assistência de advogado ao indiciado ou testemunha não deve ser
lação infra-constitucional, adaptar-se à Constituição, cf. Aury Lopes limitada ao inquérito policial, mas estendida às apurações adminis-
Júnior, Sistemas ... , cit., p. 285. trativas de quaisquer órgãos que apurem delitos, de forma a permi-
()> Não se pode deixar de lembrar recentes decisões da Segunda Turma tir à defesa atuar contemporaneamente aos fatos, em caso de viola-
do Superior Tribunal de Justiça que, julgando o RMS 12.516, o RMS ção de direito, ou certificar-se de circunstância ou pormenor neces-
12.754 e o RMS 13.465, em todos por maioria de votos, entendeu que sários à sua eficácia".
o desenvolvimento do inquérito policial em caráter sigiloso, inclusi- 16
> Nesse sentido, afirma Aury Lopes Júnior, Sistemas ... , cit., p. 284:
ve para o defensor, não fere o direito de defesa. "Também pode surgir o grave inconveniente do sujeito passivo que

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202 O DIREITO DE DEFESA NO INQUÉRITO POLICIAL RECONHECIMENTO DO EXERCÍCIO DO DIREITO DE DEFESA 203 .,...",
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Sua defesa efetiva, contudo, porque tardia, poderá já estar com-
prometida.7
No inquérito policial, esteja o acusado preso em flagrante de-
lito ou não, a atuação do advogado é relevante para solicitar a pro- ~
É preciso, pois, garantir a defesa efetiva do acusado quando dução de provas, em favor do suspeito ou indiciado, de modo a ga-
esta realmente importa, estendendo-se o exercício do direito de rantir, posteriormente, um juízo de acusação justo e equilibrado.
defesa ao inquérito policial. Mas não só a autodefesa, insuficiente O tempo muitas vezes trabalha em desfavor do acusado e, em sen-
em face do próprio comprometimento emocional e do desconhe- do assim, a pronta assistência de advogado garante a juntada de do-
çjmenta técnico da acusado. Este deve poder contar, pois, com as- cumentos importantes e esclarecedores, a localização de testemu-
sistência de advogado, legalmente habilitado, zeloso e competen- nhas ou a formulação de quesitos, para a prova pericial. 9_ _
te, na real defesa dos interesses de sua liberdade jurídica.8 ';e o acusado é preso em flagrante, a imediata intervenção do
advogado guarda especial importância no sentido de informá-lo
nunca foi comunicado da existência da investigação. Em alguns sobre a natureza da infração que lhe é imputada, o direito ao silên-
casos, o sujeito passivo só toma conhecimento da imputação após cio, assegurar o direito à assistência de intérprete, e a presença fí-
o recebimento da denúncia, quando é citado para o interrogatório sica do advogado, durante o interrogatório, ajuda a atenuar a pres
judicial. Esta situação de absoluta indefesa pode surgir, basicamen- são que muitas vezes é exercida sobre o acusado, assegurando-Ih
te: do caráter facultativo do inquérito, permitindo-se a acusação ores
formal direta; quando o sujeito passivo presta declarações junto à
polícia judiciária sem ser informado de que o faz na condição de Além disso, ainda na hipótese de ser o indivíduo preso em fla-
suspeito ou mesmo de indiciado. A situação é ainda mais grave grante, a intervenção do advogado é de suma importância a fim de
quando se constata que o sistema brasileiro não possui uma fase pleitear o relaxamento da prisão ilegal ou a liberdade provisória,
intermediária contraditória, que poderia amenizar os rigores da com ou sem fiança, garantindo, por meio de instrumentos legais,
investigação preliminar inquisitiva. Para amenizar esse grave in- tais como petição endereçada à autoridade judiciária competente
conveniente, seria interessante que o novo CPP estabelecesse, além
da fase intermediária contraditória, o dever de comunicar imedia-
tamente a existência de uma imputação, bem como o de alertar em legalmente habilitado, a fim de que, devida e prontamente assegura-
dos seus direitos constitucionais, possa desde logo defender-se con-
que qualidade são prestadas as declarações". Ressalvamos, entre-
creta e amplamente da imputação que lhe é feita" (Rogério Lauria
tanto, que no nosso entendimento não há necessidade de criação
Tucci, Direitos e garantias... , cit., p. 200).
dessa fase intermediária sugerida, bastando concretizar o que a
(YJ É nesse momento que a defesa deve ser efetiva. Comentando o pre-
Constituição da República já garante: o exercício do direito de
juízo decorrente da impossibilidade de defesa em inquérito civil, afir-
defesa no inquérito policial. ma Sérgio Marcos de Moraes Pitombo: ''Nem importa a assertiva de
C1> Nesse mesmo sentido, constatando problemas similares a esses no pro- que a impugnação resta diferida, ou retardada. parn o instante em que
cedimento para fixação da fiança, no direito norte-americano, cf. deduzido o pretenso direito, em ação. Inexiste meio de voltar no tem-
Douglas L. Colbert, Thirty-five years after Gideon: the iUusory right to po, sem dano. A refutação tardia; a produção de meios de prova, sem
counsel at bail proceedings, 1998 University ofIllinois Law Review 1. acompanhamento; ea impossibilidade de contraprovar, tempestivamen-
<11 "Com efeito, e resumindo, imprescindíveis afigura-se a concessão te; trazem evidente prejuízo, nascente da unilateralidade, que benefi-
ao preso, ou indiciado, ao pórtico da persecutio criminis, do confor- cia o demandante (art. 125, 1, do CPP)" (fJSP-AC 130.183.5/6-00-
to afetivo da família e da assistência técnica efetiva de advogado rel. Des. Sérgio Marcos de Moraes Pitombo - j. 06.11.2000).

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~ 204 O DIREITO DE DEFESA NO INQUÉRITO POLICIAL
RECONHECIMENTO DO EXERCÍCIO DO DIREITO DE DEFESA 205

~ ou habeas corpus, o necessário insurgimento contra a infundada


3.1.2 Indiciado como sujeito de direitos
supressão de liberdade. É usual encontrar na doutrina a afirmação de que o indivíduo,
Tudo isso, por certo, diz-se em favor da proteção efetiva da envolvido nos trabalhos investigatórios e instrutórios realizados no
liberdade. Mas não é só. Do ponto de vista da sociedade, "cujo fim curso do inquérito policial, é, tão-só, objeto de investigação, tor-
último é a paz social", 10 e como tal interessada apenas na condena- nando-se sujeito de direitos apenas na segunda fase da persecução
ção do sujeito efetivamente culpado, deve-se notar que o exercício penal. 12 Criticando tal posicionamento, afirmaAury Lopes Júnior
do direito de defesa por parte do indiciado e a própria atuação do que tal concepção, muito propalada, quando utiliza o termo "obje-
defensor, no inquérito policial, podem contribuir para que não se- to", emprega-o "não no sentido de meio de prova, mas sim no sen-
jam aforadas acusações infundadas, apressadas, temerárias e até tido de ser [o acusado] despido de qualquer direito. Em outras pa-
cal uniosas. 11 lavras, é mera coisa e não sujeito do procedimento". 13
Pelas mesmas razões, mas em plano secundário, em decor- De fato, a tentação inquisitória, no sentido de manter o acusa-
rência da provável redução do número de processas càmioais em do alheio ao procedimento, mesmo que na fase do inquérito, é gran-
andamento, advinda do afastamento de acusações desnecessárias, de e seduziu diversos regimes jurídicos ao longo da história. Mas
_pode-se dizer que o Poder Judiciário também poderá funcionar não se pode tratar o acusado como estranho durante o curso do in-
de forma mais eficaz. quérito policial, porque ele "pode e precisa tentar demonstrar que
Nestes argumentos reside, pois, a importância do direito de não é caso de acabar acusado, em juízo". 14
defesa já na primeira fase da persecução penal. Em verdade, o envolvido em inquérito policial deve ser reco-
nhecido como sujeito ou titular de direitos, 15 sujeito do procedi-
<10> Rogério Lauria Tucci et al., Princ(pio e regras... , cit, p. 34.
11
< > Cf. Sérgio Marcos de Moraes Pitombo, Inquérito policial: novas ten- 02
> Nesse sentido, cf. José Frederico Marques, Tratado ... , cit., v. 1, p. 190,
dências...,. cit, p. 34. Ainda, Eduardo Espínola Filho, Código ... , cit., e v. 2, p. 161, 286, 290-292, bem como toda a doutrina que o seguiu:
v. 1, p. 364, afirma que: ''De nada vale estar remetendo a juízo inqué- Adalberto José Q. T. de Camargo Aranha, Da prova ..., cit., p. 212.
ritos feitos com critérios unilaterais, para fundamento de queixas ou Fernando da Costa Tourinho Filho, Processo ... , cit., v. 1, p. 190-192.
denúncias, que ruirão fatalmente, no curso da ação judiciária, quan- Rogério Antonio Lopes e Joel Bino de Oliveira, Teoria e prática ...,
do se levarão a efeito, até determinadas, de ofício, pelo juiz, as dili- cit. Ismar Estulano Garcia, Procedimento ... , cit., p. 26. José Geraldo
gências, que, já na fase policial, se tinham como aptas.a revelar a ino- da Silva, O inquérito policial ... , cit., p. 43 e 175. José Guilherme
cência do indiciado. E bem se percebe que prejuízos enormes advirão Raimundo, Inquérito policial: procedimentos administrativos e ação
à causa da justiça pública, se tais diligências, não admitidas, no inqué- penal, Leme, LED, 2000, p. 38.
rito, vierem demonstrar sq, efetivamente, a autoria de pessoa dife- 03
> Sistemas ... , cit., p. 277, nota 15.
rente da denunciada, com o que o verdadeiro agente terá obtido uma 1
indiferença da justiça pública, susceptível talvez de produzir efeitos < •> Sérgio Marcos de Moraes Pitombo, Mais de cento e vinte e seis anos
irremediáveis. Mister se faz não desatender nunca a que o inquérito de inquérito policial ... , cit., p. 17-19.
não é um instrumento de acusação e, sim, uma investigação, destina- (15) Nesse sentido, cf. Marcelo Fortes Barbosa, Garantias... , cit., p. 83.
da ao descobrimento da verdade". No mesmo sentido, cf. Adilson José Fernando de Almeida Pedroso, Processo ... , cit, p. 18, nota 4. Roberto
Vieira Pinto, O inquérito policial..., cit., p. 162-163. Maurício Genofre, O indiciado: de objeto de investigações a sujeito de

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206 O DIREITO DE DEFESA NO INQUÉRITO POLICIAL RECONHECIMENTO DO EXERciCIO DO DIREITO DE DEFESA 207

mento 16 e não apenas sujeito ao procedimento, 17 verdadeiro "titu- ~ão lhe retira a timJaridade de direitos sJJbjetivos, indisponív~ ine-
lar de direitos que dentro dele exerce". 18 O indivíduo é, aliás, sujei- rentes à personalidade e oponíveis em gualguer tempo e lugar.21
to e titular de direitos sempre, não importa em que estágio o proce-
O tratamento que se confere ao acusado, desde quando con-
dimento se encontre. Os direitos e as garantias constitucionais não
vergem sobre ele indícios de sua participação no delito cuja práti-
têm limites especiais nem obedecem a procedimentos, simplesmen-
ca se está a apurar, revela o grau de respeito efetivo que se tem aos
te devem ser obedecidos sempre. 19
direitos e garantias individuais assegurados constitucionalmente.
Reconhece-se, todavia, que o acusado pode ser fonte de prova,
~ e ser objeto de atos instrutórios, de meios de prova;20 mas isso Nessa perspectiva, tendo-se em conta o informalmente acusado
como sujeito do inquérito e não apenas como sujeito ao inquérito,
tem ele direito de defesa, de ser considerado inocente, de não ser
direitos, Justiça e Democracia: Revista Semestral de Informação e De- forçado a produzir prova contra si mesmo, de escolher defensor e
bates, São Paulo, ano 1, n. 1, p. 176-183, 1. sem. 1996, p. 176-179. Fauzi
ser por eJe assistido, 22 sendo "intolerável, portanto, se tratar o inte-
Hassan Choukr, Garantias constitucionais... , cit., p. 36, 98 e 128-129.
Fauzi Hassan Coukr, Inquérito policial: novas tendências e práticas, Bo- ressado, o envolvido, o indiciado, ou o futuro demandado quais
letim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, São Paulo, ano 7, n. estranhos, em procedimento apuratório de fatos, que podem lhes
83,p.12-13,out 199'J,ediçãoespecial,p.12. UbirajaraRocha,Noções..., atingir a esfera de direitos". 23
cit., p. 92. Paulo Cláudio Tovo, Abolição do inquérito policial: uma im-
posição lógica e democrática, Revista da Associação dos Juízes do Rio
3.1.3 Defesa: direito fundamental e garantia
Grande do Sul, Porto Alegre, ano 20, n. 57, p. 191. Adilson José Vieira
Pinto, O inquérito policial..., cit, p. 257. Evandro Fernandes de Pontes e
Flávio Bõechat Albemaz, Contraditório..., cit., p. 167-168. A defesa pode ser enfocada ora como direito em si mesmo
061 Theodomiro Dias Neto, O direito ao silêncio: tratamento nos direitos considerado, ora como garantia do exercício de outro direito, visto
alemão e norte-americano, Revista Brasileira de Ciências Criminais, que é intimamente relacionada à liberdade, interesse individual. 24
SãoPaulo,ano5,n.19,p.179-204,jul.-set.1997,p. 183.
1111 José Lobo Moutinho, Argüido e imputado no processo penal portu- constitui um meio formal de prova, tal qual a testemunha. Meio de
guês, Lisboa, Universidade Católica Editora, Editorial Verbo, 2000. prova no sentido técnico: é o acusado somente quando este é objeto
1111
Hélio Tomaghi, Curso ..., cit., v. 2, p. 193. de investigação corporal (ex vi exame físico e psíquico, fotografia,
ci9) Tratando dos poderes da comissão parlamentar de inquérito, o Minis- impressões digitais etc.)" (O direito ao silêncio..., cit, p. 185).
tro Sepúlveda Pertence, examinando o pedido de liminar formulado no 1
C2 > Renato de Oliveira Furtado, Direito à assistência de advogado no in-
HC 79.244-9/DF do STF, afirmou que, muito embora, a rigor, não haja quérito policial: breves considernções ao art. 5.º, n. 63, da CF, RT, São
acusados durante o inquérito parlamentar - afirmativa com que não Paulo, ano 82, n. 695, p. 296-299, set. 1993, p. 297.
concordamos-, a garantia contra a auto-incriminação se aplica no caso,
cni José Lobo Moutinho, Argüido..., cit.
exatamente por ser uma dessas garantias que não apresentam limites
especiais nem procedimentos, estendendo-se "a qualquer indagação por (2)) TJSP - AC 130.183.5/6-00 - rei. Des. Sérgio Marcos de Moraes
autoridade pública de cuja resposta possam advir subsídios à imputa- Pitombo - j. 06.11.2000.
4
ção ao dec]arante da prática de crime'' (STF - HC 79.244-9/DF). C2 J "A busca da tutela jurídica do direito à liberdade é assegurada pelo
ao> Afirma Theodomiro Dias Neto que "sobre ele [acusado] recai uma direito de defesa, inerente a todos os sistemas processuais acusatórios"
suspeita que o converte em fonte de uma investigação. O acusado não (Maria Thereza Rocha de Assis Moura e Cleunice A. Valentim Bas-
-
208 O DIREITO DE DEFESA NO INQUÉRITO POLICIAL RECONHECIMENTO DO EXER.ciCIO DO DIREITO DE DEFESA 209

Afirma José Afonso da Silva que "direitos são bens e vanta- classificadas em gerais e especiais, onde se inserem as garantias
gens conferidas pela norma".25 O direito "é um atributo da pessoa. individuais,30 tais como a defesa.31
A pessoa é uma substância individual de natureza racional e so- As garantias constitucionais especiais "conferem aos titula-
cial. É uma substância individual, que vive na sociedade, em cujo res dos direitos fundamentais meios, técnicas, instrumentos ou
seio exerce direitos de homem e de cidadão. Dos direitos do ho- procedimentos para impor o respeito e a exigibilidade de seus di-
mem são congênitos o direito de vida, o direito de conservação e reitos. Nesse sentido, essas garantias não são um fim em si mes-
26
aperfeiçoarnento, o direito de liberdade, o direito de defesa".
mas, mas instrumentos para a tutela de um direito principal", 32
Mas de nada serve a declaração e definição dos direitos do ser com o que, como ensina José Afonso da Silva, acabam se tornan-
humano sem a correspondente asseguração dos meios e modos de do também direitos, "não como outorga de um bem ou vantagem
protegê-los. Daí as garantias, que "são meios destinados a fazer valer por si, mas direitos-instrumentais, porque destinados a tutelar um
esses direitos, são instrumentos pelos quais se asseguram o exercí- direito principal" .33
cio e gozo daqueles bens e vantagens" .n Com efeito, "estabeleci-
dos os direitos fundamentais do indivíduo, devem ser, igualmente, 30
< > Maria Thereza Rocha de Assis Moura e Cleunice A. Valentim Bas-
estatuídas as garantias a eles correspondentes, a fim de preservá- tos, Defesa penal ..., cit., p . 112.
los e tutelá-los mediante atuações judiciais, tanto quanto possível 31
< > José Afonso da Silva, Curso ... , cit., p. 364.
rápidas, prontas e eficazes".28 32
< > Idem, p. 172.
As garantias constitucionais, então, se consubstanciam nas m> Idem, p. 365. Assevera ainda o mesmo autor que as garantias "estão
"instituições, determinações e procedimentos, mediante os quais a serviço dos direitos humanos fundamentais, que, ao contrário, são
a própria Constituição tutela a observância ou, em caso de inobser- um fim em si, na medida em que asseguram vantagens e benefícios
diretos e imediatos a seu titular. Podem-se auferir tais vantagens e
vância, a reintegração dos direitos fundamentais" ,29 podendo ser
benefícios sem utilizar-se das garantias. Mas estas não conferem
1
vantagens nem benefícios em si. São instrumentais, porque servem
tos, Defesa penal: direito ou garantia, Revista Brasileira de Ciências de meio de obtenção das vantagens e benefícios decorrentes dos
Criminais, São Paulo, ano 1, n. 4, p. 110-125, out.-dez. 1993, p. 112). direitos que visam garantir. Assim, é fácil perceber que tais normas
(25> José Afonso da Silva, Curso de direito constitucional positivo, 9. ed. constitucionais de garantia são também direitos - direitos conexos
rev. e ampl., São Paulo, Malheiros, 1993, p . 359. com os direitos fundamentais - porque são permissões concedidas
(16> João Mendes de Almeida Júnior, O processo criminal brasileiro, 3. pelo direito constitucional objetivo ao homem para a defesa desses
ed. aum., Rio de Janeiro, Tipografia Batista de So1.12a, 1920, p. 5. outros direitos principais e substanciais. Então, podemos afinnar que
as garantias constitucionais especiais - e não direitos fundamen-
(77> José Afonso da Silva, Curso ... , cit., p . 359. Ainda, Maria Thereza
tais - é que são os autênticos direitos públicos subjetivos, no senti-
Rocha de Assis Moura e Cleunice A. Valentim Bastos, Defesa penal ...,
do da doutrina clássica, porque, efetivamente, são concedidas pelas
cit.,p. 111. normas jurídicas constitucionais aos particulares para exigir o res-
(l&> Rogéóo Lauria Tucci, Direitos e garantias... , cit., p. 52-53. Nomes- peito, a observância, o cumprimento dos direitos fundamentais em
mo sentido, cf. Maria Thereza Rocha de Assis Moura e Cleunice A. concreto, importando, aí sim, imposições ao Poder Público de atua-
Valentim Bastos, Defesa penal..., cit., p. 111 . ções ou vedações destinadas a fazer valer os direitos garantidos"
(29') José Afonso da Silva, Curso ..., cit., p. 172. (Curso ... , cit., p . 172- 173).

.....L....
210 O DIREITO DE DEFESA NO INQUÉRITO POLICIAL RECONHECIMENTO DO EXERciCIO DO DIREITO DE DEFESA 211
.

Sendo o processo penal a seara onde se contrapõem dois inte- Nem mesmo a própria Constituição da República cuidou de
resses antagônicos, o ius libertatis e o ius puniendi,34 as garantias, nitidamente apartar os direitos das garantias e, sob a rubrica " Dos
constitucionalmente estabelecidas, visam a harmonizá-los: ''O pri- direitos individuais e deveres individuais coletivos", constante do
meiro interesse individual é a segurança da ordem social, porque o Título I- "Dos direitos e garantias fundamentais", chega a enun-
indivíduo não pode conservar-se e aperfeiçoar-se fora da sociedade; ciar também garantias, nos incisos XXXV ao LXXVII do art. 5. º.37
o primeiro interesse da sociedade é a segurança individual, porque a
sociedade nada mais é do que a coexistência dos indivíduos. Esses Em um primeiro momento, a defesa pode ser considerada
dois interesses igualmente sagrados, igualmente poderosos, exigem "direito do acusado, ou sancionado, à tutela jurídica de sua liber-
garantias formais: o interesse da sociedade, que quer a justa e pronta dade, ou, também, como o direito de querer a observância das nor-
repressão dos delitos; o interesse do acusado, que também é um in- mas, que lhe evitam a lesão do direito à liberdade"38 e "se instru-
teresse social e que exige a plenitude de defesa".35 A defesa, pois, mentaliza, ou corporifica, em uma série de direitos, que a legisla-
mostra-se como garantia do interesse individual, no processo penal. ção reconhece ao acusado, e proclamados na Constituição, nos
direitos fundamentais das pessoas" . 39
Ressalte-se, porém, que há certa dificuldade em distinguir cla-
ramente, no plano fático, o que são direitoseoquesãogarantias, mesmo Como garantia individual, a defesa "vem consagrada no art. 5 .º,
porque o direito, às ve:u::s, passa a ser garantia de realização de outro LV, da CR, que assegura, também, a sua plenitude, com os meios e
direito, constitucionalmente enunciado. Nesse sentido, assevera Ada recursos que lhe sejam inerentes",«> incluindo-se aí indispensabili-
PeUegrini Grinover que, "por ve-zes., um direito é ao mesmo tempo dade de defesa técnica ( arts. 5.º, LXIII e LXXIY, 133 e 134 ~ Cons-
garantia de proteção de outros direitos. Assim é para o direito de tituição da República), a comunicação da prisão ao juiz competente
defesa, em si mesmo declaratório, mas concomitantemente garan-
tia para a efetivação de outros direitos. Realmente, o direito de defesa mi "A Constituição, de fato, não consigna regra que aparte as duas c a-
pode viabilizar o direito ao processo, pode garantir o direito ao contra- tegorias, nem sequer adota termi nologia precisa a respeito das ga-
ditório, podetutelaratéodireitode ire vir, ou seja, a liberdade pessoal. rantias. Assim é que a rubrica do Titulo ll enuncia: "Dos direitos e
Por sua vez, o direito de defesa tem suas garantias". 36 garantias fundamentais", mas deixa à doutrina pesquisa onde estão
os direitos e onde se acham as garantias. O Capítulo I desse título
CWl O processo penal é o "instrumento, técnico, e - certamente-público tam- traz a rubrica: "Dos direitos e deveres individuais e coletivos", não
bém, apto à efetuação da atividade necessária ao sopesamento dos dois menciona as garantias, mas boa parte dele constitui-se de garantias.
conflitantes interesses, com a restauração do equilibrio social, median- Ela se vale de verbos para declarar direitos que são mais apropria-
te um complexo de atos e termos destinados à conjuração do delito, suas dos para enunciar garantias. Ou talvez melhor diríamos , ela reco-
circunstâncias e autoria, para a aplicação, ou não, da pena em lei pre- nhece alguns direitos garantido-os. (... ) Outras vezes, garantias são
vista" (Rogério Lauria Tucci et ai., Princípio e regras... , cit., p. 36). enunciadas pela inviolabilidade do elemento assecura tório" (José
Afonso da Silva, Curso ... , cit., p. I 70).
os, João Mendes de Almeida Júnior, O processo criminal brasileiro, 3.
ed. aum., Rio de Janeiro, Tipografia Batista de Souza, 1920, p. 7-8. oai Maria Thereza Rocha de Assis Mourn e Cleunice A. Valentim Bas-
061 tos, Defesa penal..., cit., p. 113.
Ada Pellegrini Grinover, O princípio da ampla defesa, Revista da Pro-
curadoria Geral do Estado de São Paulo, São Paulo, ano 11, v. 19, p. (l'IJ Idem, p. 114.
9-20, dez.1981-dez.1982, p. 9. 1«>1 Idem, p. 116.
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212 O DIREITO DE DEFE.SA NO INQUÉRITO POLICIAL RECONHECIMENTO DO EXERCÍCIO DO DIREITO DE DEFESA 213

e à fannlia ( art. 5 .º, LXII, da Constituição da República), o direito ao


silêncio (art. 5.º, LXIII, da Constituição da República), o habeas

! ..
mostrando a falta de culpabilidade;44 ação de defender ou de defen-
der-se; tudo o que serve para defender, sustentação do que é impug-
corpus (art. 5.º, LXVID, da Constituição da República), o mandado nado ou contestado, contestação ou impugnação do que é acusado,
de segurança (art. 5.0 , LXIX, da Constituição da República), e "o seu exposição dos fatos e produção de provas em favor de um acusado.45
exercício, dentro do âmbito tra~o pela Constituição, éregu~ Compreende o conjunto de atos tendentes a proteger um direito.46
tado ~ lei ordinária, de maneira a assegurar, não só a assistên9!) Essencialmente, e em sentido comum, portanto, defesa signi-
QQ.Ldefensor, mas a utilização. pela defesa, de todos os meios e re- 1' fica resistência, contra-ataque, oposição de forças, consistindo o
cursos.1 para_OPQI::Se ao órgão.da.acusação~' 41 exercício do direito de defesa na ação de repelir, de repulsar, resis-
Portanto, o direito de defesa é, como tal, ínsito ao homem. É f tir.47 Gramaticalmente, defesa é a ação de proteger, resistir a um
em si mesmo declaratório e protegido por garantias próprias, tais
!' ataque, uma agressão.48
como o habeas corpus e o mandado de segurança, sendo certo que
pode ser exercido por todos os meios e recursos. Contudo, a defesa 1441
Antenor Nascentes, Dicionário da língua portuguesa, cit., t. II, p. 13.
é também garantia de efetividade de outros direitos igualmente 4
< 5l Novo Dicionário... , cit., p. 473.
proclamados pela Constituição, tais corno a liberdade. <46l "Conjunto de actos legítimos tendientes a proteger un derecho, ya sea
mediante la exposición de las pretensiones inherentes al mismo, o me-
3.1.4 Direito de defesa e contraditório diante la actitud de repeler las pretensiones dei adversaria. Punción de
los abogados en el patrocinio de sus clientes. Excepción dilataria,
Defender significa "resistir, opor forças, ou razões, à força, perentoria o mixta, hecha valer contra la demanda principal" (Eduardo J.
t ( Couture, Vocabukiriojurúlico conespecial referencia ai derecho procesal
ou argumentos, que se nos fazem proteger, sustentar algum parti- positivo vigente uruguayo, Buenos Aires, Depalroa, 1976, p. 205).
do, opinião" ,42 procurar desculpar ou justificar, apresentar ou sus- 4
< 7l "No hay defensa, ni siquiera genéricamente considerada, ajena a la
tentar argumentos ou razões em prol de urna causa, abrigar, pre- idea de resistencia dei imputado a cualquier pretensión de restricción
servar, resguardar; livrar-se, preservar-se, resguardar-se; repelir de sus derechos que las leyes puedan autorizar como consecuencia
43
ataque ou agressão (física ou moral), opor defesa, resistir. de lacornisión de un delito o de larealización dei proceso. ( . .. ) Abar-
ca la atribución de intentar evitar o resistir jurídicamente a cualquier
É, pois, defesa o "ato ou efeito de defender. Resistência a um acto que, con motivo el proceso o sob pretexto de su desarrollo, pueda
ataque, aquilo que serve para defender. lmpugnação feita a uma acu-
sação. Exposição de fatos e produção de provas em favor de um réu,
r· i
afectar o afecte sus derechos individuales fuera de los casos y de los
limites que la Constitución autoriza: es que si el 'juicio' (proceso) es
el ámbito para la defensa de la persona y de los derechos, no puede
ser, en vez, ocasión para su desconocimiento o violación, debiendo
<41> Maria Thereza Rocha de Assis M oura e Cleunice A . Valentim Bas- evitarse o enmendarse cualquier afectación no permitida por la ley y
tos, Defesa penal ..., cit., p. 116. exigida por la necesidad a la dignidad personal, seguridad, libertad,
<"2> Antonio de Moraes Silva, Dicionário de Ungua portuguesa, fac-símile
da segunda edição (1813), fotografada pela Revista de Língua Portu-
guesa sob a direção de Laudelino Freire, Rio de Janeiro, Fluminense,
i: 411
honra, intimidad, propieruµi etc." (José I. Cafferata Nores, El imputa-
do, in: José 1. Cafferata Nores e Jorge Montero (H), El imputado:
estudios, Córdoba, Editora Córdoba, 2001, p. 21-22).
1922, LI, p. 519. < "Gramaticalmente derecho es la facultad que se tiene para hacer una
t' cosa, de disponer de ella o de exigir algo de una persona. Defensa es
<41> Novo Dicionário ..., cit., p. 472. 1
1

-l
~
~
214 O DIREITO DE DEFESA NO INQUÉRITO POLICIAL RECONHECIMENTO DO EXERCÍCIO DO DIREITO DE DEFESA 215 4
~
Sob o enfoque técnico-jurídico, a defesa visa à preservação e A garantia da ampla defesa envolve. modernamente. tríplice
restauração dos direitos do acusado, para tutela de sua liberdade enfoque: "o direito à informação, a bilateralidade da audiência~ •
jurídica, sendo "'o exercício da pretensão à tutela jurídica por par- d~eito à prova, legitimamente obtida ou produzida". 52 4
te do acusado'. Diga-se contrapretensão, ressalvando-se eventual 4
O contraditório, por sua vez, na lição já clássica da Joaquim
ambigüidade que a palavra 'pretensão' venha a ter, no processo
Canuto Mendes de Almeida, é a "ciência bilateral dos atos e ter-
4
penal. Sempre, sem esquecer a execução penal, que comporta de-
mos processuais e possibilidade de contrariá-los".53 Exige, pois, 4
fesa limitada. A defesa, no processo penal, tem como escopo pre-
ação e reação da parte contrária, representando o contraditório "o 4
••
servar os direitos do acusado - ou do condenado-, de tratamento
injusto e inadequado. Consiste em momento infalível no proces- complemento e o corretivo da ação da parte. Cada um dos conten-
so, representando instrumento indispensável à realização da jus- dores age no processo tendo em vista o próprio interesse". 54 No
tiça" ,49 e "pode ser considerado como direito do acusado, ou san- contraditório, preexiste um conflito, que se deseja solucionar por t
cionado, à tutela jurídica de sua liberdade, ou, também, como o via do contraditório, ou seja, o contraditório é o instrumento de
41
direito de querer a observância das normas, que lhe evitam a lesão solução do conflito que já está pré-resolvido na lei ou no sistema.
do direito à liberdade". 50 Cuida-se de tese e antítese e de relação de oposição entre dois su- t
Em outras palavras, a defesa do acusado consiste na possibi-
jeitos parciais. A bilateralidade é, pois, exigência que leva ao mé- t
lidade de este se contrapor à imputação que lhe é feita. 51
todo dialético de superação do conflito, por meio da função e da t
atividad~ de um sujeito imparcial.55 41
la acción de defenderse, es decir, sostener a uno contra un ataque, t
desea-su versión sobre el hecho delictivo que sele atribuye, la que tiene
proteger, resistir a una agresión, es amparo, protección. De la esencia 41
del término defensa es la idea de conflicto, de ataque, de agresión;
defensa, entonces, es la acción de repeler, de repulsar un atentado"
(Alvaro Orlando Pérez Pinzón, El derecho de defensa, Derecho Pe-
que ser objeto de consideraci6n y de aceptación o recbazo expreso por
parte de los jueces" (José 1. Cafferata Nores, El imputado..., cit., p. 22).
<m Rogério Lauria Tucci e José Rogério Cruz e Tucci, Constituição de
••
nal y Criminologia - Revista dei Instituto de Ciencias Penales y 1988... , cit., p. 61. Rogério Lauria Tucci, Direitos e garantias..., cit.,
p. 205-206.
t
Criminológicas de la Universidad Externado de Colombia, Bogotá,
ano 12, n. 41-42, p. 93-109, mayo-dic. 1990, p. 98). No mesmo senti- (j)) Princípios... , cit., p. 82.
t
do, Maria Thereza Rocha de Assis Moura e Cleunice A. Valentim (,.> Idem, p. 879. t
Bastos, Defesa penal ..., cit., p. 112: "A etimologia da palavra defesa
vem do latim defensa, que significa 'ato ou fonna de repelir um ata- (lj) Anotações de aula proferida pelo Prof. Sérgio Marcos de Moraes t
que, resistência, impugnação'. Em sentido comum, portanto, defesa Pitombo, na Escola Superior da Magistratura, em 24.06.2002. Tam- t
bém Antonio Magalhães Gomes Filho sustenta que, "se na sua
é repulsa a um ataque; amparo e proteção". 41
acepção lógico-filosófica o contraditório é entendido como o con-
<49! Maria Thereza Rocha de Assis Moura e Cleunice A. Valentim Bas-
traste dialético entre posições assertivas opostas, dirigidas a se t

tsH
tos, Defesa penal ..., cit., p. l 13.
oo, Idem, ibidem.
"Específicamente la defensa del imputado consiste en la posibilidad que
elidirem reciprocamente, no esquema processual essa contraposição
só adquire sentido quando destinada à persuasão de um terceiro im-
parcial, ainda que não necessariamente inerte ou passivo; assim, em-
••
se le debe acordar de cootradecir la imputación, proporcionando - si lo bora se desenvolva entre dois pólos dialéticos, o contraditório proces- 4
41
4
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216 O DIREITO DE DEFESA NO INQUÉRITO POLICIAL


RECONHF.CIMENTo DO EXERCÍCIO DO DIREITO DE DEFESA 217

A defesa se insere no devido processo legal. A Constituição Embora a doutrina afirme que ampla defesa e contraditório
da República assegura, no art. 5.º, LV, que "aos litigantes, em pro- não se confundem, sustenta a maior parte; todavia, que ambos são
cesso judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são as- indissociáveis, variando apenas o entendimento acerca da relação
segurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recur- que se estabelece entre eles. Contudo, tal posição não é pacífica.
sos a ela inerentes".
Alguns entendem que o direito de defesa deriva do contradi-
:om essa redação, a Constituição da República aparta não só tório: "ampla defesa e contraditório estão umbilicalmente ligados,
litigantes de acusados,56 mas também contraditório de ampla de- repita-se, esse sendo gênero daquela".58
fesa, de fonna que cada qual é exercido de acordo com o instante e
Outros, no oposto, entendem que a ampla defesa engloba o
a natureza do procedimento que lhe seja compatível, o que não
contraditório: "a regra da 'ampla defesa' abrange a regra do 'con-
impede qt.1e, desde que possíve~ejam atuados coniuntamente.
traditório', completando-se os princípios que as informam e que
Assim, se é certo que no processo penal não há litigantes, mas sim
se resumem no postulado da liberdade integral do homem dian-
acusador e acusado, no inquérito policial, procedimento adminis-
te da prepotência do Estado"; 59 "o contraditório, por sua vez, se
trativo com fins judiciais, não há possibilidade de se estabelecer
insere dentro da ampla defesa. Quase que com ela se confunde
contraditório, mas sim exercício do direito de defesa2?
integralmente na medida em que uma defesa hoje em dia não
pode ser senão contraditória. O contraditório é pois a exteriori-
sual impHca uma relação triádica, que constitui afinal a essência da zação da própria defesa. A todo ato produzido caberá igual di-
idéia de processo" (A motivação das decisões penais, São Paulo, RT,
2001, p. 39).
reito da outra parte de opor-se-lhe ou de dar-lhe a versão que
<5"> "O nosso legislador pontuou, no primeiro dos incisos transcritos, a real
diferença entre o conteúdo do processo civil, cuja verificada finali- advogado o direito à ampla ciência das atividades de investigação,
dade é a compositiva de litígios, e a do processo penal, em que, pes- podendo efetuar requerimentos e usar de todos os mecanismos que
soa física, integrante da comunidade, é indiciada, acusada, e, até, con- o sistema lhe outorgue em favor do investigado, pedido de relaxa-
denada pela prática de infração penal" (Rogério Lauria Tucci, Direi- mento de prisão em flagrante, pedido de liberdade provisória,
tos e garantias ... , cit., p. 373-374 e 204-205). lgualmente, cf. Jacinto impetração de habeas corpus" (Processo penal constitucional, São
Nelson Miranda Coutinho, A lide e o conteúdo do processo penal, Paulo, RT, 2001, p. 59 e 255).
51
Curitiba, Juruá, l 998. l > Paulo Roberto da Silva Passos, Aspectos principiológicos no inqué-
11 rito policial, in: Paulo Roberto da Silva Passos e Thales Cezarde Oli-
~> Nesse sentido, reconhecendo a necessidade do exercício da defesa
no inquérito policial, cf. Sérgio Marcos de Moraes Pitombo, Inqué- veira, Princípios constitucionais no inquérito e no processo penal,
rito poUcial: exercíciododireitodedefesa...,cit.,p.14. Do mesmo autor, São Paulo, Thernis, 2001, p. 42. No mesmo sentido, entendendo que
ainda, Imbróglio jurídico, disponível em: <http://www.conjur.com.br>, a defesa insere-se no contraditório, cf. Luciano Marques Leite, O
acesso em 16.04.2002. E, ainda, Antonio Scarance Fernandes, ao tra- princípio audiatur et altera pars e o processo penal, dissertação de
tarda participação da defesa no inquérito policial, afirma que: "Quan- mestrado apresentada na Faculdade de Direito da Universidade de
to à participação da defesa, é ponto incontroverso. A dificuldade está São Paulo, [s.d.J, p. 101.
em delimitar o âmbito desta participação, não nos parecendo que se 9
<) > José Cretella Júnior, Comentários à Constituição brasileira de J988,
trata de participação em contraditório, mas a que proporciona ao Rio de Janeiro, Forense Universitária, 1992, v. l, p. 534.
218 O DIREITO DE DEFESA NO INQUÉRITO POLICIAL RECONHECIMENTO DO EXERCÍCIO DO DIREITO DE DEFESA 219 ••'
lhe convenha, ou ainda de fornecer uma interpretação jurídica
diversa daquela feita pelo autor" .60
existem e não se instala o contraditório, nem por ~sso se pode dei-
xar de dar oportunidade ao acusado informalmente ou acusado sob
••
Há, ainda, aqueles que sustentam que entre contraditório e
ampla defesa não existe "relação de primazia ou de derivação",61
o ângulo substancial de exercício do direito de defesa. 64
Por isso, com razão Pontes de Miranda quando, ao comentar
••
sendo que "defesa e contraditório estão indissoluvelmente liga-
dos, porquanto é do contraditório ( visto em seu primeiro momen-
a Constituição Brasileira de 1967, afirmava que o princípio da con-
traditoriedade processual nada tem com o direito de defesa: "Uma ••
to, da informação) que brota o exercício da defesa; mas é essa-
como poder correlato ao de ação - que garante o contraditório. A
defesa, assim, garante o contraditório, mas também por este se i
coisa é o princípio da contraditoriedade processual e outra o prin-
cípio do direito à defesa. Esse começa antes mesmo de se iniciar
aquela e pode persistir, como de ordinário persiste, para além dela.
••
••
(

manifesta e é garantida. Eis a íntima relação e interação da defe- Ultimada, ainda tem o acusado sucessivas oportunidades de invo-
sa e do contraditório". 62 car o direito de defesa". 65 Assim, "o direito de defesa exibe-se visí-
Contudo, temos que contraditório e defesa devem ser vistos
separadamente. Se é certo que para o exercício da defesa exige-se 64
< > Afirmando que, muito embora o inquérito policial não seja contradi- ••
prévia ciência dos fatos e imputação, tal como ocorre para a efeti-
vação do contraditório, 63 nem por isso ambos se confundem. O
contraditório exige partes, em sentidos opostos. Mas, se essas não '
651
tório, não deve ser repelida a assistência da defesa, cf. Bento de Faria,
Código ... , cit., v. 1, p. 32.
Comentários à Constituição de 1967, São Paulo, RT, l 967, t. V, p. 208-
••
'"°' Celso Ribeiro Bastos e lves Gandra Martins, Comentários à Consti-
209. Continua Pontes de Miranda: "Melhor técnica, portanto, fôra a
da Constituição de 1934, que pusera o direito de defesa fora da pró- ••
••
pria garantia da comunicação, expediente desconhecido do legisla-
tuição do Brasil, São Paulo, Saraiva, 1989, v. 2, p. 267.
dor constituinte de l 891, não referido na Constituição de 1937 e no-
61
' > Antonio Scarance Fernandes, Processo ... , cit., p. 249. vamente exsurgido na Constituição de 1946 e na de 1967. A Consti-

••
<b2> Ada Pellegrini Grinover, Antonio Scarance Fernandes e Antonio tuição .de 189l, muito embora o ligasse à nota de culpa, que era uma
Magalhães Gomes Filho, As nulidades no processo penal, 7. ed. rev. das suas garantias, frisava que o princípio do direito à defesa consti-
e atual., São Paulo, RT, 200 l , p. 77. No mesmo sentido, Maria Thereza tuía princípio autônomo, inconfundível, e o direito à nota de culpa,
Rocha de Assis Moura e Cleunice A. Valentim Bastos, Defesa penal...,
cit., p. 117.
"É importante destacar que, quando falamos em 'contraditório' na fase
que consagrara constitucionalmente, nada mais era que garantia
subsumida no princípio. Tanto assim que, no art. 72, § 16, se assegu-
rava aos acusados 'a mais ampla defesa, com todos os recursos e meios
••
••
<6J>
pré-processual, estamos fazendo alusão ao seu primeiro momento, da essenciais a ela, desde a nota de culpa'. A coisa e o nome eram dado
informação. Isto porque, em sentido estrito, não pode existir contra- constitucional. O legislador ordinário de 1937-1946 não esteve adstrito

••
ditório no inquérito porque não existe uma relação jurídico-proces- à nota de culpa, tal como a concebia o pensamento jurídico de I 891,
sual, não está presente a estrutura dialética que caracteriza o pro- nem à comunicação que o legislador constituinte de 1934 imaginara e
cesso. Não havendo o exercício de uma pretensão acusatória, não agora volta. Isso não quer dizer que, prescindindo de uma e de outra,
pode existir a resistência. Sem embargo, esse direito à informação -
importante faceta do contraditório - adquire relevância na medida em
que será através dele que será exercida a defesa" (Aury Lopes Júnior,
lhe fosse facultado deixar sem defesa o acusado. À lei cabia organi-
zar tal defesa com expedientes hábeis para se evitarem prisões ilegais,
ou a conservação ilegal da prisão qualquer que fosse a causa da ilega-
••
li
Sistemas... , cit, p. 303, nota 1).
f
1
.J
lidade. A Constituição de 1946, art. 141, § 25, exigia, explicitamente,
••

220 O DIREITO DE DEFESA NO INQUÉRITO POLICIAL 1
1
RECONHECIMENTO DO EXERCÍCIO DO DIREITO DE DEFESA 221

vel, na contraditoriedade. Pode, também, exercer-se, de modo au- ( certo que a autoridade policial atua na busca da verdade criminal,
tônomo, na primeira fase da persecução penal; sem cogitar-se, tal fato não lhe retira a evidência de integrar a Administração Pú-
portanto, de contraditório". 66 1 blica, de modo que também representa, de alguma forma, o inte-
)

De fato, no inquérito policial não se pode estabelecer contra- 1 resse repressivo estatal em relação à atividade delituosa.69
ditório, em sentido técnico, porque ainda não há parte acusadora, Assim, se não se mostra apropriado falar em contraditório no
em sentido formal, ou seja, "não há parte e contraparte",67 nem tam- .l curso do inquérito policial, seja porque não há acusação formal,
pouco há sujeito imparcial destinatário do resultado. Mas o dele- seja porque, na opinião de alguns, sequer há procedimento,70 não
gado de polícia concentra em si poderes e funções que, depois, serão se pode afirmar que não se admite o exercício do direito de defe-
bipartidos entre o acusador- público ou privado- e o juiz.611 E se é sa, 71 porque esta tem lugar "em todos os crimes e em qualquer tem-

a nota de culpa, posto que mantivesse a criação de 1934, que estava 69


< > Analisando essa idéia, mas tratando do Ministério Público Fiscal que,
no seu § 22. A Constituição de 1967 não se refere à nota de culpa. Se 1
1 na Argentina, se encarrega da primeira fase da persecução penal, tal
pensarmos no que diz, hoje, o art. 150, § 12, abstraindo do que se estatui qual a polícia judiciária, no direito brasileiro, José 1. Cafferata Nores
nos §§ 15 e 16, ressalta o princípio da cognição judicial imediata: ou afirma: "La contraposición de intereses (inhereole al proceso) no se
foi o juiz competente que ordenou a prisão, e aí a cognição judicial é 1
1 desvanece frente al argumento de que el Ministerio Público Fiscal
prévia, ou foi outrem, que prendeu ou deteve, e o § 12 exige que se dê representa solo un interés de 'justicia', que no siempre será contra-
ao juiz competente, segundo a Constituição, cognição imediata". ! rio al acusado. Es que si puso en marcha una investigacióo contra
66
< > Sérgio Marcos de Moraes Pitombo, Breves notas em tomo do Ante- una persona o la acusa por la comisión de un delito, indudablemente
projeto de Lei ... , cit., p. 346, nota 27. Cf. também Marcelo Fortes \ está expresando un interés represivo que es opuesto al interés de
Barbosa, que afirma que a ampla defesa é "princípio absoluto e autoprotección de sus derechos de aquella persona; y si bien el fis-
superposto ao contraditório, muito embora a maioria da doutrina en- cal puede concluir a favor dei imputado, lo cierto es que comenzó
contre equivalência entre ambos os princípios" (Garantias ... , cit., p. en su contra. (... ) Lo cierto es que, por encima de estas hipótesis
81 ). Ainda, no sentido de que se não se aplica o contraditório no in- excepcionales (fiscal que pide la absolución; imputado que confiesa),
quérito policial, mas nem por isso é lícito impedir a plenitude da defe- la realidad (lo reconozca o no la legislacióo) mueslra permanente-
sa, cf. José Barcelos de Souza, A defesa ... , cit., p. 29. mente iotereses cootrapuestos entre la acusación y la defensa. EI
' 671 TJSP - AC l 30.183.5/6-00 - rei. Des. Sérgio Marcos de Moraes proceso penal no solo encierra, por definición, un conflicto, una
Pitombo - j. 06.11.2000. controversia de intereses (que debe resolver), sino que así también
se manifiesta en su existencia práctica. Y aun cuando esto puede
<611 Com efeito, "em rigor, o promotor público, que, no Brasil, não per-
finalmente no ocurrir en algún caso concreto, siempre existirá de
tence à ordem hierárquica da polícia judiciária, nada de essencial tem
modo potencial" (El proceso penal ..., cit., p. 35).
a fazer no inquérito policial. A autoridade policial, em seu caráter
inquisitivo, reúne em si própria todos os poderes-deveres de indaga- <70>Antonio Scarance Fernandes, Processo... , cit., p. 59, opinião com a
ção da verdade, real, por força de lei, poderes-deveres que, mais tar- qual não concordamos.
de, em duas posições processuais diversificadas, hão de pertencer, no ni> "Há, sem dúvida, necessidade de se admitir a atuação da defesa na
âmbito judiciário, ao promotor público, como acionador da iniciativa investigação, ainda que não se exija o contraditório, ou seja, ainda que
judiciária, e ao juiz, como realizador definitivo da norma penal" (Joa- não se imponha a necessidade de prévia intimação dos atos a serem
quim Canuto Mendes de Almeida, Princípios..., cit., p. 214). realizados. Não se trata de defesa ampla, mas limitada ao resguardo
222 O DIREITO DE DEFESA NO INQUÉRITO POLICIAL
RECONHECIMENTO DO EXERCÍCIO DO DIREITO DE DEFESA 223

po, e estado da causa",72 e se trata de oposição ou resistência à im- em flagrante delito, estatui, no art. 304, que a autoridade policial
putação informal, pela ocorrência de lesão ou ameaça de lesão. "interrogará o acusado sobre a imputação que lhe é feita". Diante
No mais, é de se reconhecer que já há acusação,73 em senso de tudo isso, bem como da possibilidade de o suspeito vir a ser in-
largo, entendida como "afirmação, ou atribuição de ato ou fato a diciado, deve poder se defender.
pessoa autora, coatora ou partícipe",74 em diversos atos do inqué- Há de se garantir ao acusado, portanto, o direito de defesa, 76
rito policial, como na prisão em flagrante delito; na nota de culpa; no sentido de resistência, oposição de forças, possibilitando a ele
no boletim de ocorrência de autoria conhecida; no requerimento, o direito de se contrapor a todas as acusações, com a assistência
requisição e na portaria de instauração do inquérito policial; ou, de advogado, com a possibilidade de manter-se silente, e a ad-
ainda, no indiciamento realizado pela autoridade policial,75 bem
missibilidade de produção das provas por ele requeridas, indis-
como nos diversos provimentos e medidas cautelares, determina-
pensáveis à demonstração de sua inocência77 ou de sua culpabili-
dos e realizados nessa primeira fase da persecução penal. Salien- dade diminuída.
te-se que o próprio Código de Processo Penal, ao cuidar da prisão
Exerce-se, então, a defesa independentemente da efetiva ins-
dos interesses mais relevantes do suspeito, como o requerimento de
talação do contraditório. Note-se que Joaquim Canuto Mendes
diligências, o pedido de liberdade provisória, de relaxamento de fla- de Almeida, mesmo usando a expressão "contrariedade no inqué-
grante, a impetração de habeas corpus" (Antonio Scarance Fernandes, rito policial", reconhecia que aquilo que é exercido no inquérito
Processo ... , cit., p. 59). policial é, de fato, o direito de defesa,78 mesmo porque repudiava
mi Joaquim José Caetano Pereira e Sousa, Primeiras linhas sobre o pro- a presença do Ministério Público, como parte, no inquérito poli-
cesso criminal, Lisboa, Impressão Régia, 1831, p. 165. cial: "Tudo isso [direito de participar da obra inquisitiva do juiz
mi Afinnando que não há acusação no inquérito policial, adotando o sen-
tido estrito do termo, cf. Hélio Tornaghi, Curso ... , cit., v. 1, p. 31-32. 16
7
< > "Não podemos confundir contraditório com ampla defesa. O princí-
< •> TJSP - AC 130.183.5/6-00 - rei. Des. Sérgio Marcos de Moraes
pio-garantia do contraditório protege os direitos de ambas as partes
Pitombo - j. 06.11.2000.
em litígio, numa relação processual, judicial ou administrativa. Por
(7SJ Benedito Roberto Garcia Pozzer, Correlação ... , cit., p. 82-99. No
isso mesmo, o texto constitucional se refere aos litigantes, em processo
mesmo sentido, Aury Lopes Júnior afirma que "qualquer notícia-cri- judicial ou administrativo. Já a ampla defesa agasalha os direitos dos
me que impute um fato aparentemente delitivo a uma pessoa determi- acusados em geral, e a locução em geral significa que não apenas
nada constitui uma imputação, no sentido jurídico de agressão, capaz aqueles que sofrem uma acusação penal possuem tal direito: também
de gerar no plano processual uma resistência. Da mesma forma, quan- aqueles contra quem se dirige uma acusação civil, ou administrativa,
do da investigação ex officio realizada pela polícia surgem suficien- ou tributária, oude outros matizes" (Carlos Frederico Coelho Noguei-
tes indícios contra uma pessoa, a tal ponto de tomar-se o alvo princi- ra, Comentários ao Código de Processo Penal, São Paulo, Edipro,
pal da investigação - imputado de fato - deve ser feita a comunicação
2002, p. 134). No mesmo sentido, afirma Flávia Rahal Bresser Perei-
e o chamamento para ser interrogado pela autoridade policial. Em ra: "Pode-se exercitar o direito de defesa, ainda que inexiste contra-
ambos casos, inegavelmente, existe uma atuação de caráter coerciti-
ditório. É ver as leis e a prática" (A publicidade... , cit., p. 191 ).
vo contra uma pessoa determinada, configurando uma 'agressão' ao
cni Rogério Lauria Tucci, Defesa do acusado... , cit., p. 66.
seu estado de inocência e de liberdade, capaz de autorizar uma resis-
tência em sentido jurídico-processual" (Sistemas ..., cit., p. 34-35). (11> Joaquim Canuto Mendes de Almeida, Princípios... , cit., p . 185-225.
RECONHECIMENTO DO EXERCÍOO DO DIREITO DE DEFESA 225
224 O DIREITO DE DEFESA NO INQUÉRITO POLICIAL

ação, ou a prepararam, deve exercitar-se; seja a tempo e a hora,


sumariamente, presente às inquirições, para contestar as testemu-
sabendo-lhes de atos e termos; seja impugnando; seja, ainda, plei-
nhas, e oferecer conclusões antes do despacho da pronúncia e im-
pronúncia] significa 'contrariar', posto que seja contrariar o in- teando, on se~do a colheita e a produção de meios de prova". 81
quisidor, defender-se, em suma, ser ouvido. O mesmo legislador ~ve-se, pois, assegurar o exercício do direito de d~ l
pátrio conservou, para os indiciados em inquérito policial, essas inquérito policial.
prerrogativas, exatamente, em face do poder-dever inquisitivo da
autoridade policial. Representam elas, pois, direito de defesa, que 3.1.5 Autodefesa e defesa técnica
só a violência pode suprimir.(...) O direito de defesa não importa
necessariamente, pois, relação de contrariedade entre um agen- A defesa comporta algumas classificações, podendo ser apar-
te da pretensão punitiva, a do de titular do direito de ação, di- tada em defesa em sentido amplo e em sentido restrito, defesa em
verso da autoridade inquisitiva, e o sujeito passivo dessa pre- sentido subjetivo e defesa em sentido objetivo e, por fim! defesa
tensão. O delegado de polícia, no Brasil, que, em grau de ativi- privada ou autodefesa e defesa pública ou técnica.
dade informativa está investido de autoridade inquisitiva, de-
fronta-se com o indiciado, ao qual trata de ouvir, por dever le- A defesa em sentido amplo confunde-se com a defesa subje-
82
gal, e ao qual trata de comunicar, ao registrá-los, todos os resul- tiva, configurando-se direito individual, "expressão da liberdade
tados, paulatinamente, da atividade policial, e do qual recebe to- jurídica",83 sendo o "ato pelo qual o acusado, pessoalmente, ou por
das as solicitações deferíveis e indeferíveis, tendo sempre em defensor, contraria, ou repele a acusação, que lhe é feita". 84
mente os superiores interesses da lei".79 Defesa, em sentido restrito, pode ser tomada como defesa ob-
Dessa forma, o exercício do direito de defesa, eficaz e tem- jetiva, exprimindo o direito de alguém "opor-se ao intento, a fim
pestivo, deve se iniciar no inquérito policial, permitindo-se então de garantir um direito, que afirma existir e de que entende ser o ti-
uma defesa integral, contínua e unitária. 80 tular" ,85 sendo então "cânone geral da ordenação jurídica"86 con-
substanciado no "conjunto de matérias, provas e argumentos, que
Tratando do inquérito civil, peça administrativa tal qual o in-
o inculpado aduz a seu favor".87
quérito policial, Sérgio Marcos de Moraes Pitombo ensinava:
"Não se afirma, pois, a inafastabilidade do contraditório, nos (81)

processos e procedimentos administrativos; mas a exigência de TJSP -AC 130.183.5/6-00 - rel. Des. Sérgio Marcos de Moraes
uma de suas peças, a saber: o exercício do direito de defesa, sem- Pitombo - j. 06.11.2000.
Cll2)
pre que ocorra uma imputação qualquer. Dizendo de outro modo: Maria Thereza Rocha de Assis Moura e Cleunice A. Valentim Bas-
o contraditório -dito princípio da audiência contraditória- con- tos, Defesa penal ... , cit., p. 114.
(IJ)
tém, por necessário, a ampla defesa. Ela, contudo, de modo pre- Idem, p. 113-114.
(14)
valecente, nos procedimentos administrativos, que precedem a Idem, p. 114.
(115)
Idem, ibidem.
\16)
(79) Joaquim Canuto Mendes de Almeida, Princípios... , cit., p. 215-217. Idem, ibidem.
(10) Edgar Saavedra Rajas, Derecho..., cit. (17)
Idem, ibidem.

1
, e..
226 O DIREITO DE DEFESA NO INQUÉRIIO POLICIAL RECONHECIMENTO DO EXERCÍCIO DO DIREITO DE DEFESA 227

A mais relevante das classificações, contudo, aparta a defesa são sobre os fatos ou invoca o direito ao silêncio.93 ou.ainda, quan-
segundo o sujeito que a exerce. Assim, se praticada pelo próprio do. por si próprio. solicita a reallzação de prava.sJ[a.ZJDeios de
indivíduo acusado na persecução penal, tem-se a autodefesa ou de- c9nvicção, requer a sua participação em dilig~ -
fesa privada88 Se praticada por profissional habilitado e com capa- nha os atos de instrução.9S Enfim, a autodefesa se resume no direi-
cidade postulatória, tem-se a defesa técnica ou defesa pública.89 to de audiência ou presença e participação. 96 A autodefesa é renun-
A autodefesa, também chamada de defesa material ou gené- ciável,97 podendo ser exercida ou não.
rica,90 exerce-se por meio de atuação pessoal do acusado,91 esT\P.- A defesa técnica é indisponível, dá-se por meio de profissio-
ci~ente no ato do interrogatório,92 quando este oferece sua ver- nal, legalmente habilitado, dotado de capacidade postulatória. 98
Basicamente cinco ordens de fundamentos justificam a necessida-
11
< > Fernando de Almeida Pedroso entende que não se confundem defesa de de assistência por profissional habilitado:99 o fundamento polí-
pessoal e autodefesa. Enquanto aquela engloba " manifestações do tico, segundo o qual o direito de defesa é garantia contra agressões
próprio réu no decorrer da relação processual penal", esta é "o patro- e despotismo; o fundamento lógico, pelo qual a toda acusação deve
cínio próprio, vale dizer, tem vislumbre quando o acusado, possuin-
do habilitação técnico-jurídica, postula e debate em causa própria"
da defesa pessoal ou autodefesa manifesta-se de várias formas, mas
(Processo... , cit., p. 35-36).
encontra no interrogatório policial e judicial seu momento de maior
19
< > Girolamo Bellavista, Difesa giudiziaria penale, in: Enciclopedia dei relevância" (Sistemas... , cit., p. 313).
Diritto, Milano, Giuffre Editore, 1964, v. 12, p. 456. Ainda, Alvaro
(9)) Rogério Lauria Tucci e José Rogério Cruz e Tucci, Constituição de
Orlando Pérez Pinzón, El derecho de defensa ... , cit., p. 98. Nomes-
1988..., cit., p. 62-63.
mo sentido, afirmando que o direito está estruturado no binômio de- 94
fesa privada ou autodefesa e defesa pública ou técnica, cf. Aury Lopes < > Edgar Saavedra Rojas, Derecho . .. , cit., p. 38-39.
91
Júnior, Sistemas ... , ciL, p. 306. Ainda, lembrando a lição dos italia- < > Antonio Scarance Fernandes, Processo ... , cit., p . 264.
nos, cf. Maria Tbereza Rocha de Assis Moura e Cleunice A. Valentim <w.i "Com relação à autodefesa, cumpre salientar que se compõe ela de
Bastos, Defesa penal ... , cit., p. 114. dois aspectos, a serem escrupulosamente observados: o direito de
"°> Girolamo Bellavista, Difesa..., cit., p. 456. audiência e o direito de presença . O primeiro traduz-se na possibili-
911
< "A autodefesa, de que aqui se cuida, é aquela exercida pelo próprio dade de o acusado influir sobre a formação do convencimento do juiz
réu, em momentos fundamentais do processo, não a que é patrocina- mediante o interrogatório. O segundo manifesta-se pela oportunida-
da por advogado em seu próprio benefício, quando acusado em pro- de de tomar ele posição, a todo momento, perante as alegações e as
cesso criminal. ( ...) Ela se manifesta no processo de várias formas : provas produzidas, pela imediação com o juiz, as razões e as provas"
direito de audiência, direito de presença, direito a postular pessoal- (Ada Pellegrini Grinover, Antonio Scarance Fernandes e Antonio
mente" (Antonio Scarance Fernandes, Processo ... , cit., p. 263). Magalhães Gomes Filho, As nulidades ... , cit., p. 79).
97
mi Rogério Lauria Tucci, Direitos e garantias... , cit., p. 215. No mesmo < > Cf. Antonio Scarance Fernandes, Processo... , cit., p. 263.
91
sentido, afirma Aury Lopes Júnior que, "junto à defesa técnica, exis- < > O Código de Processo Penal, no art. 261, determina que " nenhum
tem também atuações do sujeito passivo no sentido de resistir pessoal- acusado, ainda que ausente ou foragido, será processado ou julgado
mente à pretensão estatal. Através destas atuações, o sujeito atua pes- sem defensor".
soalmente, defendendo-se a si mesmo como indivíduo singular, fa- 99
< l NuevaEnciclopediaJurúlica, Barcelona, Francisco Seix , 1954 , t. VI,
zendo valer seu critério individual e seu interesse privado. A chama- J p. 322-323.
1
1
j
1.
-
228 O DIREITO DE DEFESA NO INQUÉRITO POLICIAL RECONHECIMENTO DO EXERCÍCIO DO DIREITO DE DEFESA 229

corresponder uma defesa, em um encontro dialético; 100 o funda- lham em conjunto, "em relação de diversidade e complementari-
mento natural ou psicológico, segundo o qual o acusado carece de dade", 104 adotando uma de duas vias: a defesa negativa ou indireta,
tranqüilidade para se defender; o fundamento deontológico, pelo linútando-se à negativa dos fatos, ou a defesa positiva ou direta,
qual o acusado necessita de conhecimento, experiência e sereni- quando calcada em alguma prova da inocência. tns
dade para se defender; 101 e, por fim, o fundamento processual, se-
A defesa do acusado, para atender ao reclamo constitucional,
gundo o qual a defesa trabalha a serviço do descobrimento da ver-
deve exercitar-se, portanto, "sabendo-se dos atos e termos; impug-
dade, em igualdade processual.
nando ou pleiteando ou seguindo a produção e colheita de meios
A defesa técnica, "efetiva e completa", 102 como inafastável e de prova", 106 conjugando-se autodefesa e defesa técnica.
forçada, 103 coloca-se assim ao lado da autodefesa. Ambas traba-
3.1.6 Extensão do direito de defesa na Constituição da Repúbli-
1100
> Nesse sentido, Rogério Lauria Tucci e José Rogério Cruz e Tucci, Cons- ca: acusados em geral e processo administrativo
tituição de 1988... , ciL, p. 23, afirmam que "para se assegurar a liberda-
de e, sobretudo, a igualdade das partes faz-se imprescindível que, du- O direito de defesa sempre veio consagrado nas Constituições
rarite todo o transcorrer do processo, sejam assistidas e/ou representa- brasileiras, desde a Constituição de 1824 (art. 179, § 8.º). Na Cons-
das por um defensor, dotado de conhecimento técnico especializado, e
tituição de 1891, tal direito estava previsto no art. 72, § 16.1°7 A
que, com sua inteligência e domúúo dos mecanismos procedimentais,
lhe propicie a tutela de seu interesse ou determine o estabelecimento ou
Constituição de 1934 previa o direi to de defesa no art. 113, n. 24, e
o restabelecimento do equihôrio do contraditório". a Constituição de 1937, no art. 122, n. 11, 2.• parte.
11011
O que caracteriza uma situação de hipossuficiência: "a justificação A Constituição de 1946 previa, no art. 141, § 25, que "é asse-
da defesa técnica está na presunção de hipossuficiência do sujeito gurada aos acusados plena defesa, com todos os meios e recursos
passivo, de que ele não tem conhecimentos necessários e suficientes
para resistir à pretensão estatal, em igualdade de condições técnicas
Ada Pellegrini Grinover, Antonio Scarance Fernandes e Antonio
com o acusador. Essa hipossuficiência leva o imputado a uma situa-
ção de inferioridade ante o poder da autoridade estatal encarnada pelo ~agalhães Gomes Filho, As nulidades... , cit., p. 79.
14
promotor, policial ou mesmo juiz (nos sistemas de instrução prelimi- <U > Antonio Scarance Fernandes, Processo... , cit., p. 252.
nar judicial). Pode existir uma dificuldade de compreender o resulta- um> Nueva Enciclopedia ... , cit., t. VI, p. 322. Fernando de Almeida Pedroso
do da atividade desenvolvida na investigação preliminar, gerando uma utiliza os adjetivos direta e indireta de forma diversa. Refere-se à de-
absoluta intranqüilidade e descontrole. Ademais, havendo uma pri- fesa indireta como a defesa contra o processo, que se realiza por meio
são cautelar, existirá uma impossibilidade física de atuar de forma da oposição de exceções processuais e da argüição de nulidade, po-
efetiva" (Sistemas ..., cit., p. 306). dendo se consubstanciar em defesa peremptória, quando visa ao
11UJJ Rogério Lauria Tucci, Direitos e garantias ... , cit., p. 119. trancamento do processo, ou dilatória, quando visa ao protraimcnto
do feito. Já a defesa direta volta-se contra o mérito, ou seja, contraria
1,m, Nueva Enciclopedia..., cit., l VI, p. 324. Enquanto a autodefesa é dis-
o direito material (Processo ... , cit., p. 36-37).
ponível, a defesa técnica é indispensável: "Pi. defesa técnica, para ser
1106
ampla como exige o texto constitucional, apresenta-se no processo > TJSP - AC 130.183.5/6-00- rei. Des. Sérgio Marcos de Moraes
como defesa necessária, indeclinável, plena e efetiva" (Antonio Pitombo - j . 06.11.2000.
Scarance Fernandes, Processo..., cit., p. 252). Nesse sentido, ainda, (107) Alberto Deodato Maia Barreto Filho, Contraditório ... , cit., p. 127.

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RECONHECIMENTO DO EXERdCIO DO DIREITO DE DEFESA 231
230 O DIREITO DE DEFESA NO INQUÉRITO POLICIAL

essenciais a ela, desde a nota de culpa, que, assinada pela autorida- 3.1.6.1 Acusados em geral
de competente, com os nomes do acusador e das testemunhas, será

.........
Acusação,acusado,acusador,acusamento,acusante,acu-
entregue ao preso dentro em vinte e quatro horas. A instrução cri-
sar, acusativo, acusatório, acusável 110 são todos vocábulos de-
minal será c<:>ntraditória".
rivados do latino accusare, que significa "atribuir a alguém
A mesma redação foi repetida na Constituição de 1967, no art. determinada conduta reprovável", 111 criminar, inculpar, denun-
150, §§ 15 e 16. Depois, a Emenda Constitucional 1, de 1969,refe- ciar alguém como autor de algum delito, culpar, censurar, re-
ria-se, separadamente, à ampla defesa e à instrução contraditória, preender, notar, taxar. 112 A palavra acusação pode indicar uma
no art. 153, §§ 15 e 16. função, um órgão, um ato. m
A Constituição da República, de 1988, ampliando as reda- Criminação é sinônimo de acusação. Significa repreensão, 114
ções anteriores, assegurou, no art. 5.º, LV, que, "aos litigantes, imputação de um crime a alguém, declaração como incurso em
em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em ge- crime. m O vocábulo pode ainda se apresentar sob a variante in-
ral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os criminação, com o mesmo significado de imputar infração penal
meios e recursos a ela inerentes". O direito de defesa integra o a alguém, declarar incurso em crime, considerar crime: 116 "cul-
devido processo e procedimento penal, nos termos do assegu- par é atribuir culpa, considerar culpado sem fazer propriamente
rado no art. 5.º, LIV. acusação formal. Incriminar e inculpar, quando transitivos indi-
A redação atual da Constituição permite concluir que não retos, valem o mesmo que criminar e culpar, com um pouco mais
se admite mais persecução penal preparatória ou prévia unila- de intensidade talvez". 117
teral: 108 não se admitem instruções secretas ou interrogatórios
sob coação. Não se pode excluir a presença do defensor, indis- 0101
Vocabulário ortográfico e ortoépico da língua portuguesa, organi-
pensável.109 zado pela Academia Brasileira de Letras e de acordo com a Acade-
mia de Ciências de Lisboa: vocabulário oficial da Academia Brasi-
A interpretação de tal dispositivo passa, então, necessariamen- leira e da Academia de Ciências de Lisboa, Rio de Janeiro, Gráfica
te pela fixação do conceito da expressão "acusados em geral", bem Sauer, 1933, p. 58.
como pelo que se entende por processo administrativo. <
111
' Verbete acusar, Enciclopédia Saraiva ... , cit., v. 4, p. 257.
u,i, Verbete acusar, Encyclopedia e Diccio11ario Internacional, Rio de
001
> Em igual sentido, tratando da legislação argentina, diz-se que: "Lo Janeiro, W. M. Jackson, [s.d], p. 95.
expuesto evidencia que e! sistema constitucional no tolera aguei 0131
Enciclopedia dei Diritto, Milano, Giuffre, 1958, v. 1, p. 334.
procedimiento de averiguación unilateral y casi monopólico, a
11
cargo de un tribunal que pueda y hasta deba usurpar los roles de la < •, Antonio de Moraes Silva, Dicionário... , cit., t. I, 495.
acusación y la defensa, so pretexto de un interés común en esta- um Antenor Nascentes, Dicionário da língua portuguesa, cit., t [, p. 565.
blecer la verdad" (José 1. Caferatta Nores, EI proceso penal . .. , cit., 116
< ' Idem, t. II, p. 546.
p. 37).
1171
109 < Antenor Nascentes, Dicionário de sinônimos, 2. ed. rev. aum., Rio de
< > Alberto Deodato Maia Barreto Filho, Contraditório..., cit., p. 127-
Janeiro, Livros de Portugal, 1969, p. 33.
128.
1

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~-
~ 232 'l
"- O DIREITO DE DEFESA NO INQUÉRITO POLICIAL

Imputação, outro sinônimo para acusação, significa atribuir,


1
RECONHECIMENTO DO EXERdCIO DO DIREITO DE DEFESA 233

ilícito a determinada pessoa, ainda que de maneira informal, leva a


declarar uma ação pertencente a alguém, feita por esse alguém. 118 que se tenha acusação e acusado. 121
~ Nesse sentido lato, acusação é a atribuição a um indivíduo de

--~•• um fato juridicamente ilícito. 119 E acusado, imputado, criminado,


incriminado, increpado, são todos sinônimos para a pessoa sobre
quem se levanta uma acusação. 120 A atribuição da prática de um
Mas, em acepção técnica, muitas vezes se restringe o uso do
termo acusar, dando-lhe com isso o sigrú.ficado de "promover, em
juízo, a persecução penal de alguém, imputanderlhe, de modo for-
mal, a prática de fato penalmente relevante". 122 Daí, a denúncia e a
queixa mostrarem-se como modalidades de acusação formal.
<" lll Antonio de Moraes Silva, Dicionário ..., cit., t. Il, p. 140. A imputação
Levanderse tal acepção em conta, tem-se que o acusado é ape-
n ão é uma terminologia usual no direito brasileiro, tal como ocorre
em outros sistemas, como a ltália e os países de língua espanhola, que nas aquele indivíduo contra quem foi proposta ação penal e, por-
a utilizam para designar a pessoa sujeita à acusação. tanto, o indiciado não pode ser considerado acusado. 123 Formal-
0 19
> Cuidando do direito argentino, afirma Hernán Munilla Lacasa, em con-
ferência proferida em 10.05.2000, nas Il Jornadas de Derecho Procesal (Derecho proce.sal penal, Mendoza, Ediciones Jurídicas Cuyo, 1993,
Penal: "La imputación es una presunción de responsabilidad penal. t. Il, p. 88-89). Afirma depois que "ninguna de estas acepciones con-
Presupone la afirmación clara, precisa y circunstanciada de un becho templa el derecho de defensa que va unido indisolublemente con Ia
delictivo concreto. Y si bien la imputación sufre variaciones (se va afir- atribución delictiva. Dicho de otra manera, significa que debería
mando con el correr del proceso), por más vaga y ambígua que sea im- encontrarse el vocablo adecuado para que el atribuído de delito, desde
porta una atribución delictiva. En tal entendimiento corresponde ese momento, pudiere ejercer las defensas necesarias acordadas por la
senalar que la persona que tiene el derecho a defenderse es el imputa- Constitución. El concepto doctrinario y legal de imputado permite a éste,
do, en cabeza de quien están regladas todas las facultades del código. conforme al art. 72 dei Código Nacional, ejercer los derecbos que el
i.,Debe acaso esperar a ser objeto de una imputación formal efectuada Código le acuerda al que sea detenido o indicado de cualquier forma
por el órgano persecutorio? Hasta que se consolida la hipótesis de la como partícipe de un hecho delictuoso" (Raul Washington Abalos,
imputación, i.,el derecho a defenderse queda paralizado? i,Acaso esta Derecho .. . , cit, t. II, p. 89).
no es una forma indirecta de decir que el derecho a defenderse recién 0 2n Antonio Scarance Fernandes, A reação ... , cit., p. 103-104.
coroenzará a correr para el imputado cuando quieran el fiscal o el
<m> Verbete acusar, Enciclopédia Saraiva ..., cit., v. 4, p. 257.
juez, y no cuando lo quiera el imputado? Entiendo que el derecho a
<113) Adotando tal acepção restrita e entendendo que o indiciado não é
ser oído, el derecho a defenderse, no es una gracia o concesión que
hacen los poderes, sino que está garantizado constitucionalmente y acusado, cf. José Frederico Marques, Tralado... , cit., v. 2, p. 290. Hélio
tiene operatividad desde el primer momento en que una persona es Tornaghi, Instituições ..., cit., p 253-4. Eduardo Espínola Filho, C6di-
indicada de cualquier forma como partícipe de un becho delictivo, tal go... , cit., p. 260. Pauzi Hassan Choukr, Garantia constitucionais...,
como lo expresa con claridad el art. 72 del Código de Rito", disponível cit., p. 113. Adilson José Vieira Pinto, O inquérito policial ... , cit., p.
em: <http://www.eldial.eom.ar/home/prudentia/pru53/08.asp>. 175. Adalberto José Q. T. de Camargo, Da prova ..., cit., p. 21 l.
Fernando da Costa Tourinho Filho, Processo ..., cit., v. 1, p. 188.
ulll> Antenor Nascentes, Dicionário da língua portuguesa... , cit., t. 1. Cui-
Orlando Soares, Curso ..., cit., p. 191. José Barcelos de Souza, A defe-
dando das diversas nomenclaturas que já se deu à pessoa a quem se atri-
sa ..., cit., p. 53. Romeu Pires de Campos Barros, Direito processUlll...,
bui a práúca de um delito, hoje chamado "imputado" na Argentina,
cit., p. 2l4-215. Ismar Estulano Garcia, Proadimento ..., cit., p. 26.
enumera Raul Washington Abalos as seguintes denominações: acusa-
Marco Antonio Desgualdo, A polícia judiciária, suas incumbências
do, reo, inculpado, procesado, encartado, encausado, enjuiciado
·1
J
...-
234 O DIREITO DE DEFESA NO INQUÉRITO POLICIAL RECONHECIMENTO DO EXERCÍCIO DO DIREITO DE DEFF.SA 235

mente, então, é somente após o recebimento da denúncia ou da o que significa que há pelo menos duas espécies de acusados ( o
queixa que se tem o acusado, em sentido estrito e técnico. 124 restrito e o amplo, ou o formal e o informal). Acolheu, então, o sig-
nificado amplo da expressão, e não o restrito, que apenas admite a
Contudo, aceitar a expressão "acusados em geral" apenas em
acusação formal: "quando o examinado regramento constitucio-
sentido estrito leva a que a pessoa envolvida em inquérito policial
nal alude a 'acusados em geral' o faz com o inescondível escopo de
reste indefesa na etapa em que mais lhe é cara a produção de pro-
alargar a abrangência da dicção, de sorte a compreender qualquer
vas. 125 Mas a garantia constitucional de defesa é ampla, asseguran-
espécie de acusação, inclusive a ainda não formalmente concreti-
do-a em etapas anteriores à acusação processualmente válida.126
zada Daí, a nossa convicta afirmação de que, se essa não fosse a
Assim, a fim de não deixar dúvidas, a Constituição da Repú- intenção do legislador, afigurar-se-ia de todo desnecessária a adi-
blica utilizou-se, no art. 5 .º, LV, da expressão "acusados em geral", ção 'em geral'; bastaria a alusão a 'acusados"'. 127
Com efeito, "acusados em geral" é expressão que envolve toda
constitucionais e respostas rápidas às infrações penais, in: Bismael B. sorte de acusados, 128 acusados em juízo ou fora dele, 129 abrangen-
Moraes (Coord.), Segurança pública e direitos individuais, São Pau-
lo, Juarez de Oliveira, 2000, p. 45. 0 21
1
' Rogério Lauria Tucci, Direitos e garantias... , cit., p. 380-381 . Ainda.
< 2A> "Si el imputado es un sujeto esencial de la relación procesal, cabe
o mesmo autor: "Dir-se-á que este (inc. L V] se refere a processo e a
pensar que sólo podrá adquirir esa calidad la persona contra la cual se acusado, e não a procedimento, como é o inquérito policial, nem a
dirige la pretensiónjurídica-represivadel Estado, dentro de un proceso indiciado, ou seja, a quem, si et in quantum, é atribuída a autoria da
regularmente promovido. Esta seria una noción precisa de lo que debe infração penal. E, por esse motivo, não teria a larga aplicação aqui e
entenderse por 'imputado'" (Raul Washington Abalos, Derecho... , cit., agora alvitrada.( ... ) Quando se mencionou 'acusados em geral'. na
l II, p. 85). Ou, ainda: "Acusação só existe a partir do oferecimento analisada preceituação constitucional, certamente se quis dar a mais
da denúncia e da queixa em juízo, peças que oficializam e circunscre- larga extensão às palavras, com referência óbvia a qualquer espécie
vem os limites acusatórios. Desse momento em diante surgem as fi- de acusação, inclusive a não ainda formalmente concretizada. De outra
guras do acusador e do acusado, inexistentes na fase pré-processual" forma, afigurar-se-ia de todo desnecessária a adição 'em geral'; bas-
(Carlos Frederico Coelho Nogueira, Comentários ... , cit., p. 132). taria a alusão a 'acusados"' (Policia civil..., cit., p . 114-115). Nomes-
1
< 25) "Este sujeto estaria indefenso en etapas anteriores al proceso juris- mo sentido, Carlos Roberto de Siqueira Castro, O devido processo
diccíonal, cuando actos de la policía judicial o dei Ministerio Público legal... , cit., p. 272. E , ainda, Marcelo Fortes Barbosa, Garantias... ,
se practicaran en contra de una persona de la que se sospechara que cit., p. 83. Ainda, "quando a Constituição utiliza a expressão 'em ge-
hainfringido una norma penal" (Raul Washington Abalos, Derecho..., ral' quer deixar nítido que se trata de qualquer acusado, entendida a
cit., t. II, p . 85). palavra na acepção comum" (Romeu Felipe Bacellar Filho, Princí-
076
' Tal como na Argentina: "la noción precisa del concepto 'imputado' no pios constitucionais do processo administrativo disciplinar, São Paulo,
es suficiente aios fines constitucionales, ni tampoco a los fines prácticos.
-1 Max Llmonad, 1998, p. 72).
021
Seria absurdo que la Policía pudiera investigar por iniciativa propia los ·1
> "Com a alusão a ' acusados e m geral', tem-se por conseqüência a
delitos cometidos, individualizar a los presuntos, responsables, tomar abrangência de todas as situações coativas, ainda que legais, a que se
indagatoria, y que el sujeto perseguido por este órganojudicial no pudiera submetem os cidadãos diante de autoridades administrativas" (Mar-
defendcrse desde el primer momento dei procedimiento incoado en su celo Fortes Barbosa, Garantias..., cit., p. 83).
contra" (Raul Washington Abalos, Derecho... , cit., t. II, p. 85). <
1291
Verbete acusação, Encyclopedia e Diccionario ... , ciL, p. 95.

J
..
236 O DIREITO DE DEFESA NO INQUÉRITO POLICIAL
:1 RECONHECIMENTO DO EXERCÍCIO DO DIREITO DE DEFESA 237

do, então, o indiciado, o acusado e o condenado, 130 em seus dife- simples indiciado, colocando-o na situação de quasi imputatus. Tal
rentes graus de incriminação, reconhecidos pelos doutrinadores. acontece em casos em que há restrição de um bem jurídico, v.g., da
liberdade, na prisão em flagrante e na prisão preventiva, e do patri-
José Frederico Marques aparta indiciado de réu, invocando a
mônio, no seqüestro e na hipoteca legal. Nem por isso, entretanto,
doutrina estrangeira que distingue imputado de acusado. Réu é a
deve considerar-se acusado, embora possa parecer paradoxal que
palavra "empregada em seu sentido processual: é aquela [pessoa]
alguém se defenda sem ter sido acusado. É que a defesa se exerce
contra quem se pede alguma coisa emjuízo". 131 Indiciado é o ter-
aqui contra a restrição, não contra a acusação. Tem pressuposto de
mo utilizado por ele para designar o indivíduo suspeito na investi-
direito processual, não de direito penal". 132
gação policial, quando ainda não há processo. Sem razão, entre-
tanto, eis que são todos espécies do gênero acusado. Ousamos discordar. Compartilhamos o entendimento de que
há diversos graus de incriminação, passando-se por diferentes juí-
Hélio Tomaghi afirma que, no inquérito policial, não há acusa-
zos, sempre em um crescendo de certeza jurídica acerca da autoria
do, mas sim quasi imputatus, quando há restrição de um bem jurí-
do delito. 133 As categorias de acusados (indiciado, acusado e con-
dico do sujeito: "acertadamente evitou o Código a palavra acusado
denado) correspondem a sucessivas passagens de juízo até se atin-
na fase do inquérito policial. Como é óbvio, somente pode haver
gir a certeza atingível.
acusado depois da acusação, isto é, da queixa ou denúncia. É certo
que, excepcionalmente, a lei defere a possibilidade de defesa ao Assim, o suspeito é aquele sobre o qual se encerra juízo do
possível: tanto pode ser o autor, como pode não ser o autor da in-
OlOi Rogério Lauria Tucci, Direitos e garantias... , cit., p. 203 e 217. No fração, que se está a investigar. Supõe-se, mas o juízo ainda é neu-
mesmo sentido, afirma-se que "a postura do legislador foi claramen- tral,134 em que não foi formado um juízo de probabilidade contra o
te garantista e a confusão terminológica (falar em processo adminis- sujeito. O juízo do possível ainda não encerra acusação.
trativo quando deveria ser procedimento) não pode servir de obstá-
culo para sua aplicação no inquérito policial. Tampouco pode ser ale-
<m, Hélio Tomaghi, Compêndio ..., cit., t I, p. 171. Hélio Tomaghi, Insti-
gado que o fato de ter mencionado acusados e não indiciados é um
tuições..., cit., v. 2, p . 253.
impedimento para sua aplicação na investigação preliminar. Sucede
que a expressão empregada não foi só acusados, mas sim acusados im i Sérgio Marcos de Moraes Pitombo, Inquérito policial: novas tendên-
em geral, devendo nela ser compreendida também o indiciamento, pois cias ... , cit.
não deixa de ser uma imputação em sentido amplo. Em outras pala- u14> Nesse sentido, a lição de Sérgio Marcos de Moraes Pitombo: "A mera
vr.1s, é inegável que o indiciamcnto representa uma acusação em sen- suspeita não vai além da conjetura, fundada em entendimento desfa-
tido amplo, pois decorre de uma imputação determinada. Por isso o vorável a respeito de alguém. As suspeitas, por si sós, não são mais
legislador empregou acusados em geral, para abranger um leque de que sombras; não possuem estrutura, para dar corpo à prova da auto-
situações, com um sentido mwto mais amplo que a mera acusação ria. Nada aproveitam para a instrução criminal, apenas importam à
formal (vinculada ao exercício da ação penal) e com um claro intuito simples investigação policial. Suspeita-se de pessoas, de coisas, de
de proteger também ao indiciado" (Aury Lopes Júnior, Sistemas ... , fatos. Suspeita-se com vistas às circunstâncias. O suspeitador olha do
cit., p. 283-284). Sem esquecer, ainda, o suspeito, que tem interesse alto, conjetura, desconfia, possui leve opinião subjetiva a respeito do
em não se tomar indiciado. objeto. Suspeitar é, supondo, tachar de duvidosa a pessoa, a coisa, ou
111 1> José Frederico Marques, Tratado ... , cit., v. 2, p. 283-285.
o fato. Diferem, segundo a razão, as figuras do suspeito e do indi-

'_ 1
e..:..,
RECONHECIMENTO 00 EXERCÍCIO DO DIREITO DE DEf"ESA 239
238 O DIREITO DE DEFESA NO INQUÉRITO POLICIAL

O indiciado é aquele sobre o qual já se reuniram indícios sufi- visto que os arts. 61.1 e 61.2 determinam que os direitos e ga-
cientes, 135 de modo que sobre ele recaia juízo do provável: "o
136 rantias do imputato se estendem à persona sottoposta alie in-
suspeito, sobre o qual se reuniu prova da autoria da infração, tem dagini preliminari. Portanto, estendem-se ao investigado os
de ser indiciado. Já aquele que, contra si, possui frágeis indícios, direitos do imputado.
ou outro meio de prova esgarçado, não pode ser indiciado. Man- Em Portugal, usa-se a denominação argüido para toda a per-
tém-se ele como é: suspeito". 137 Indiciar suspeito sem formação do secução penal. O Código de Processo Penal, no art. 57, determi-
juíw do provável é abuso, prática viciosa, que se há de combater. na que a pessoa assuma a qualidade de argüido quando contra ela
O indiciado é, assim, no direito pátrio, aquele sobre quem já re- for interposta uma ação penal acusatória ou requerida a investi-
caem indícios suficientes para acusar em juízo, correspondendo ao
gação preliminar.
argüido, do Código Penal português (art. 57 e segs.). 138 A todos eles,
a defesa deve ser garantida. Na Argentina. adota-se conceito amplo de imputado em qua-
se todos os Códigos Provinciais de Processo Penal, tendo-se em
Na Itália, imputato, segundo o disposto no art. 60.1, é ter-
conta que é considerada imputada a pessoa que. em qualquer ato
mo reservado somente àquele que responde a um processo pe-
ou procedimento, seja indicada ou detida como autora ou partíci-
nal; quem responde ao procedimento preliminar recebe a deno-
pe da prática de um delito. Mais: determinam os Códigos Provin-
minação de persona sottoposta alie indagini preliminari. Mas,
ciais argentinos que os direitos do imputado se estendem às pes-
nem por isso, feita a distinção, restringe-se o direito de defesa,
soas detidas ou indicadas como autoras da infração, desde o pri-
meiro momento da persecução penal. Assim dispõem os Códigos
ciado. Com efeito, existem dois juízos, quanto à autoria, na fase
procedimental da persecutio criminis, a saber: do possível e do pro-
Processuais Penais de Formosa (art. 64), Pampa (art. 62), Mendo-
vável. Juízo possível consiste naquele que, logicamente, não é con- za (art. 68). Tucumán (art. 80), Neuquen (art. 63), Córdoba (art.
traditório. Inexistem motivos fortes pró ou contra. Emerge neutral, 80), Entre Rios (art. 69). Santiago Dei Estero (art. 38), Corrientes
assim: é possível que o homem seja o homicida, mas é possível que (art. 70), Chaco (art. 65), Santa Fé (art. 68), Buenos Aires (60) e
não seja. Aflora como suspeito" (Sérgio Marcos de Moraes Pitombo, também o da Nação (art. 72).
inquérito policial: novas tendências ... , cit., p. 38-39). Na mesma es-
teira, Ade! El Tasse, Investigação ... , cit., p. 50. No Brasil, note-se que o Anteprojeto de Código de Processo
<1 3Sl Verbete indiciado, em Yara Muller Leite, Dicionário ..., cit., p. 26. Penal, de autoria do Prof. José Frederico Marques, distinguia, no
036' "Juíw provável é o verossímil. Aproxima-se da verdade, sem ne- art. 105, as categorias de suspeito e indiciado, determinando que,
cessariamente ser verdadeiro. Parte de razões robustas, porém, ain- "antes de proposta a ação penal, denomina-se suspeito aquele a
da não decisivas. Não bastante suficientes, senão para imputar. Surge quem se possa atribuir a prática da infração penal; e indiciado, 0 .JO

aneutral, assim: é provável que o homem seja o homicida, por cau- que desta seja o provável autor". Essa distinção, contudo, não pas- ..,
sa dos meios de prova colhidos, mas talvez não seja. Deve, portan- sou para a redação final do Projeto de Lei 633/1975, não obstan-
to, ser indiciado" (Sérgio Marcos de Moraes Pitombo, inquérito
te sua pontualidade.
policial: novas tendências ..., cit., p. 38-39).
1•31J Idem, ibidem. O Projeto de Lei 4.209/2001, no art. 8.º. distingue as cate-
o:ia, Idem, p. 40-42. gorias de suspeito e indiciado, acertadamente, porque, em ver-
-
240 O DIREITO DE DEFESA NO INQUÉRITO POLICIAL
RECONHECIMENTO 00 EXERCÍCIO DO DIREITO DE DEFESA 241

dade, a terminologia utilizada - suspeito ou indiciado - deve, 3.1.6.2 Processo administrativo


assim, refletir o "grau de diminuição do status libertatis" 139 e
expressar o próprio escalonamento do processo penal,140 que deve Mesmo que se diga que não há acusados, nem informalmen-
levar "a uma progressiva ou regressiva concreção dos elementos te, no inquérito policial, 143 ainda assim há de se reconhecer a
objetivos ou subjetivos que sustentam a investigação" .141 De igual possibilidade de exercício do direito de defesa no inquérito
forma, a variação da extensão do direito de defesa varia de acor- policial pelo fato de este ter natureza jurídica de procedimento
do com o grau de possibilidade/probabilidade/certeza de ser o administrativo, não obstante sua finalidade judiciária. 144 É ma-
acusado autor da infração, ou seja, "a amplitude de defesa modu- nifesto que elementos de convencimento são colhidos na fase
~ la-se pela increpação. Vige, pois, a regra da proporcionalidade. extrajudicial do procedimento da persecução penal, ensejando
acusação formal.
A defesa que se exercita na fase extrajudicial, preparatória ou
-~ administrativa exige, em princípio, âmbito menor da que se ofe- Ainda assim, há quem consiga vislumbrar o afastamento de
~ rece, na fase judicial" .142 tal direito no curso do inquérito policial, entendendo que a ampla
defesa, assegurada no art. 5.º, LV, da Constituição da República,
•• Portanto, acusados em geral, expressão contemplada pela
Constituição, abarca todas as formas de acusados, formais e infor-
não se aplica ao inquérito porque este é procedimento e a Consti-
tuição assegura tal garantia apenas aos processos administrativos. 145
mais, incluindo-se aí o sujeito investigado no inquérito policial.
~ No procedimento administrativo, porque não há acusação e possi-
1 bilidade de aplicação de penalidade, não haveria direito de defesa,
11 )9> · s·istemas ... , c1t.,
A ury Lopes 1umor, · p. 261. o qual se justifica no processo administrativo, em razão do fato de
i. <• 40
> Idem, p. 262. Afirma, ainda, o mesmo autor que "a importância determinada imputação oriunda de portaria de instauração poder
t do emprego correto da terminologia jurídica reside no fato de que levar à eventual imposição de reprimenda.
t o nomemjuris reflete o escalonamento do processo penal e o es-
tado juódico daquela pessoa naquele momento, e, com isso, um

'',
11431
Como entendem José Frederico Marques, O processo penal na atua-
maior ou menor grau de submissão à persecução estatal" (idem, lidade, in: Hemúnio Alberto Marques Porto e Marco Antonio Mar-
p . 264). ques da Silva (Coord.), Processo penal e Constituição Federal, São

'•, Paulo, Acadêmica, 1993, p. 18-19. Celso Ribeiro Bastos e Ives Gandra
1141
> Idem, p. 268.
<142> TJSP - AC 130.183.5/6-00 - rei. Des. Sérgio Marcos de Moraes da Silva Martins, Comentários..., cit., v. 2, p. 269. Rogério Antonio
Pitombo - j . 06.11.2000. Também concluindo que a defesa que se Lopes e Joel Bino de Oliveira, Teoria e prática ... ,eit., p. 48. Romeu Pires
exerce no inquérito policial não é ampla, afirma Carlos Frederico de Campos Barros, Direito processual..., cit., p. 303, e Romeu de
Almeida Salles Júnior, Inquérito policial... , cit., p. 7-8 e 129.

•--
Coelho Nogueira: "não existe, em inquérito policial, aquela ampla
0 1144> Paulo Cláudio Tovo, Abolição do inquérito policial..., cit., p. 189.
defesa que a CF garante, no inc. LV do art. 5. , aos acusados em geral
(v. item 41 ). No entanto, à evidência. o indiciado conserva os direitos 1145
> Fernando de Almeida Pedroso, Processo..., cit., p. 59-60. Nelson Nery

• lt
fundamentais inerentes à pessoa humana, devendo ser-lhe assegura-
da, no inquérito, pelo menos uma defesa básica, essencial à proteçilo
de sua vú:la, de sua integridade física e moral, de sua dignidade e de
Junior, Princfpios... , cit., p. 127-128. Edgard Silveira Bueno Filho, O
direito à defesa na Constituição, São Paulo, Saraiva, 1994, p. 49.
Rogério Antonio Lopes e Joel Bino de Oliveira, Teoria e prática ....

•., sua liberdade" (Comentários ... , cit., p. 312).


i
_\
cit., p. 47-48.
242 O DIREITO DE DEFESA NO INQUÉRITO POLICIAL RECONHECIMENTO DO EXERCÍCIO DO DIREITO DE DEFESA 243

Para análise do tema, cumpre, pois, clarear os conceitos de no processo há atuação de sujeitos diversos daquele sujeito que edita
processo e proceclimento, avaliando qual a natureza juríclica do o ato, e (ix.ii) critério do contraditório, pelo qual o procedimento
inquérito policial, para só então tratar do texto constitucional que se diferencia do processo porque neste há estrutura dialética. 146
cuida da defesa. Esse último critério, da distinção entre processo e procedimen-
A distinção entre processo e proceclimento vem sendo feita to pelo contraditório, fez escola no Brasil. Seu idealizador, o pro-
pela doutrina há bastante tempo, sem consenso. Como preleciona cessual ista italiano Ellio Fazzalari, explica que o fato de o proces-
Odete Medauar, cliversos critérios for~ utilizados na tentativa de so ter se identificado com o campo do exercício da jurisdição não
diferenciar processo de procedimento: (i) critério da amplitude, autoriza sua redução a esse âmbito. Afirma que o procedimento é
segundo o qual o processo é mais que o proceclimento e sintetizado ~ero, do qual o processo é espécie, clistinguindo-se do grocedi-
na assertiva "se todo processo implica procedimento, nem todo :la participação em contraditório. 147
procedimento é processo"; (ii) critério da complexidade, pelo qual
Tal teoria foi aceita pela doutrina brasileira sem qualquer
o proceclirnento é manifestação simples, enquanto o processo é
temperamento. Propalou-se a idéia de que "o procedimento se ex-
operação complexa, um conjunto de atos ou proceclimentos; ou,
pressa como processo se for prevista também a cooperação de
ainda, dentro do critério da complexidade, o proceclimento seria
sujeitos, sob o prisma do contraditório", 148 "o processo é o pro-
simples sucessão de atos, enquanto o processo seria entidade com-
ceclimento realizado mediante o desenvolvimento da relação en-
plexa de funcionamento conjugado; (iii) critério do interesse, se-
tre seus sujeitos, presente o contraditório", 149 "de procedimentos
gundo o qual os atos do proceclimento visam à satisfação única do
administrativos podem resultar processos administrativos desde
autor do ato, e os atos realizados no processo visam ao interesse
que caracterizada situação demandante de participação dos inte-
não do autor do ato, mas sim dos destinatários finais do ato; (iv)
ressados em contraditório". 150
critério do concreto e do abstrato, pelo qual o processo consiste na
soma dos atos realizados em cada caso, enquanto o procedimento 146
seria o módulo formal e abstrato do processo; (v) critério da lide, < > Odete Medauar, A processualidade no direito administrativo, São
Paulo, RT, 1993, p. 23-35.
que só existiria nos processos, não havendo lide no proceclimento; 14
( vi) critério da controvérsia, segundo o qual o processo encerra uma < '' "C'ê processo, dunque, quando nell'iter di formazione di un
provvedimento e' é contradittorio, cioê e consenitto a piu interessati
controvérsia, enquanto o procedimento seria o rito, o modo de se
di partecipare all'a fase di recognizione dei presuposti sul piede di re-
resolver a controvérsia; (vii) critério do teleológico e do formal, cíproca e simmetrica parità, di svolgere attività, di cui l'autore deve
pelo qual o processo se caracteriza por sua finalidade, enquanto o tener conto, i cui risultati cioe egli puo disattendere, ma non obtitcrare"
procedimento tem índole formal, sendo mera coordenação de atos (Elio Fazzalari, Processo: teoria generale, Novissimo digesto italia-
que se sucedem uns aos outros; (viii) critério do ato e da função, no, Torino, Torinese, 1966, v. XIII, p. 1.067-1.076, p. 1.072).
1411
pelo qual o procedimento entra na área do ato, figura estática, e o < > Odete Medauar, A processualidade..., cit., p. 36.
processo vincula-se à função; (ix) critério do procedimento como 149
< ' Antonio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pcllegrini Grinover e Cândido
gênero e processo como espécie, que se subdivide em (ix.i) crité- Rangel Dinamarca, Teoria geral do processo, 9. ed., São Paulo,
rio da colaboração dos interessados, segundo o qual no procedi- ,., 1
i Malheiros, 1993, p. 242.
00
mento a sucessão de atos é realizada pela mesma pessoa, enquanto < ' Romeu Felipe Bacellar Filho, Princípios ... , cit., p. 47.
,.,
t
._--
....-- 244 O DIREITO DE DEFESA NO INQUÉRITO POLICIAL

A argumentação, todavia, é falha. É evidente que não há pro-


RECONHECIMENTO DO EXERCÍCIO DO DIREITO DE DEFESA 245

senvolve, o que existe nessa série de atos, que se entrelaçam, é


cesso sem procedimento. O Código de Processo Penal e o Código tão-só procedimento". 154
de Processo Civil basicamente voltam-se a condutas, são Códigos Tendo em conta tal distinção, não é possível descobrir qual-
a
de comportamento. A lei regula forma pela qual se realizam e se quer diferença substancial, de natureza, que leve à separação, da
sucedem os atos, 151 ou seja, regula o procedimento. forma como o fez Fazzalari, entre procedimento e processo. Pro-
Rogério Lauria Tucci afirma que a diferença entre processo cesso é entidade abstrata, que sempre se corporifica em um pro-
cedimento. m
e procedimento está em que, "enquanto aquele [processo] cor-
responde ao movimento no seu aspecto intrínseco, com uma pro- O inquérito policial tem natureza jurídica de procedim~n-
jeção ideal, este [procedimento] representa o mesmo movimen- to156 e não de processo: "não há dificuldades em caracterizar a
to, visualizado, todavia, em sua forma extrínseca, concretamen- i~igaçâo preparatória à ação penal como procedimento de
te, isto é, 'tal como se exerce pelos nossos órgãos e se revela aos cunho administrativo, cuja sucessão de atos ainda ue de difícil
ritualizacão eva ao o 1euvofinal-··-.,. - ,.,_e_____ -----'--"'-
nossos sentidos"', 152 ou seja, "é o processo a soma de atos que se
realizam com a finalidade de justa e imparcial composição da lei do legitimado ativo". 157
(seja ela de pretensão resistida, seja de pretensão insatisfeita), ou Dispõe o art. 6.º do CPP uma série de medidas que a autorida-
de solucionamento, tanto jurisdeclarativo como jurissatisfativo, de policial deverá providenciar, tão logo tenha conhecimento da
de conflito de interesses, de alta relevância social, pelos órgãos prática da infração penal. É certo, contudo, que tais providências
jurisdicionais penais; e o procedimento, a ordem e a sucessão dessa variam ao empuxo da infração que se investiga e dos elementos que
realização, numa mera combinação de atos cujos efeitos restam se vão obtendo, 158 porque, "para o êxito da investigação, não pode
causalmente vinculados entre si" . 153
54
C1 > José Frederico Marques, Tratado ... , cit., v. 2, p. 158.
Ou, como leciona José Frederico Marques: "Quando atos se 15
< 5l "Processo é o todo; procedimentos são as partes que integram esse
coordenam numa série sucessiva com um fim determinado, fala- todo. Dentro de uma operação maior e global, contenciosa ou não,
se que há processo, se o movimento se realiza em função da ativi- penal, civil ou administrativa, que se desenvolve entre dois momen-
dade jurisdicional; se é uma atividade administrativa que se de- tos distintos - o processo -, cabem outras operações parciais ou me-
nores - os procedimentos - que, em bloco, formando uma unidade,
concorrem para completar a operação mais complexa, mencionada"
<15 n José Carlos Barbosa Moreira, O-novo processo civil brasileiro, 18.
(José Cretella Júnior, Prática ... , cit., p. 24).
ed. rev. e atual., Rio de Janeiro, Forense, 1996, p. 4. No mesmo senti-
OS6> Sérgio Marcos de Moraes Pitombo, Inquérito policial: novas tendên-
do, Cândido Rangel Dinamarco, Instituições de direito processual
cias... , cit., p. 15-16. José Frederico Marques, Tratado ... , cit., v. I, p.
civil, -São Paulo, Malheiros, 2001, v. 2.
189. E. Magalhães Noronha, Curso ..., cit., p. 18. Ainda, Jacinto Nel-
<152l Rogério Lauria Tucci, Teoria do direito ..., cit., p. 232. son de Miranda Coutinho, O sigilo... , cit., p. I 32-133.
<1) 3) Idem, ibidem. Do mesmo autor, cf. Processo e procedimentos penais, 15
< 7l Fauzi Hassan Choukr, Garantias constitucionais ..., cit., p. I 12.
RT. São Paulo, ano 87, n. 749, p. 485-501, mar. 1998. Esse mesmo 51
C1 > "O inquérito, como instrumento da denúncia, não está sujeito a for-
artigo foi publicado na Revista Forense, Rio de Janeiro, ano 95, n. 345,
mas indeclináveis, tanto que, a não ser para o interrogatório e para o
p. 141-154,jan.-mar. 1999.
246 O DIREITO DE DEFESA NO INQUÉRITO POLICIAL RECONHECIMENTO 00 EXERCÍCIO 00 DIREITO DE DEFESA 247

a atuação policial ficar à mercê da existência de ritos que lhe deter- perfeição lógica162 e formal, visto que determinadas formalidades,
minam caminho. À autoridade policial é dada a escolha do ritmo e em especial do auto de prisão em flagrante delito, devem ser obe-
do rumo da investigação, na conformidade das existências do espe- decidas, 163 a fim de salvaguardar os direitos e garantias individuais.
cífico evento àquele objeto, bem como das circunstâncias externas
que sempre lhes cercam. Age, desse modo, com discricionariedade, Realizado pela polícia judiciária (art. 4.º do CPP), e, portan-
que não deve ser entendida como algo ao arrepio da lei; ao contrário, to, em âmbito administrativo, o inquérito policial ostenta a nature-
cuida-se de atuação com aquela afinada, contudo, sendo ao detentor za jurídica de procedimento administrativo, quanto à forma, quanto
da medida entregue a possibilidade da já referida escolha". 159 àquele que o dirige, muito embora com finalidade judiciária.

Assim, dadas as variantes de cada caso, não há rito pré-esta- Cabe ainda lembrar que parte da doutrina considera que o inr
belecidoiro e, portanto, o inquérito é só procedimento administra- quérito policial não é processo nem rocedimento administrativo
tivo, e não processo. 161 Não obstante, deve o inquérito ostentar ''pois acterística essencial do procedimento,
ou seja, a existência de atos que obedeçam a uma seqüência prede-
auto de prisão em flagrante, norma alguma está traçada, pelo Cód. de terminada pela lei, em que, após a prática de um, passa-se à do se-
Proc. Penal, no tocante ao assunto. Tudo o que vem disposto sobre as guinte até o último ato, numa ordem que deve ser necessariamente
atividades da autoridade policial, no texto do Código, constitui urna observada". 164 O procedimento do inquérito policial, por sua pró-
série de preceitos ditados em razão da eficiência investigatória da au- pria natureza, é e precisa ser flexível. Não obedece a uma ordem
toridade policial, e não como procedimento ou modus /acendi obri- determinada, rígida, de atos, mas, nem por isso, deixa o inquérito
gatório" (José Frederico Marques, Elementos..., cit., v. 1, p. 158-159).
de ser procedimento, visto que o procedimento pode seguir esque-
US9i Adilson José Vieira Pinto, O inquérito policial ..., cit., p. 256. ma rígido ou flexível. 165
n60l E. Magalhães Noronha, Curso ..., cit., p. 18. No mesmo sentido: "A
ordem de procedimento do inquérito é irrelevante do ponto de vista
jurídico. Cabe à autoridade, tendo em vista as circunstâncias fáticas, tor de justiça e os direitos humanos: acusação com racionalidade,
Curitiba, Juruá, 2000, p. 66).
ir colhendo as provas na medida das possibilidades" (Vicente Greco
1 61
Filho, Manual ... , cit., p. 94). Ainda: "Sem se vincular a um rito ' ) "Não é verdade, corno dizem alguns, que o inquérito policial prescin-
preestabelecido, o inquérito policial apresenta uma seqüência cuja da de formalidades. Há no Código algum regramento (arts. 4.º a 23).
única preocupação é a apuração da infração ocorrida e a determina- Inexiste rito, o que não significa a desnecessidade de ordenação lógi-
ção da respectiva autoria" (Romeu de Almeida Salles Júnior, Inqué- ca" (Paula Bajer Fernandes Martins da Costa, Inquérito policial e a
rito policial..., cit., p. 4). Carlos Alberto Marchi de Queiroz, Inquéri- investigação dos fatos ... , cit., p. 177).
1103
to policial simplificado ..., cit., p . 300. Ranulfo Melo Freire, Valor > "A desobediência ou desrespeito aos ritos e formas processuais é que
probatório..., cit., p. 133. Nelson Nery Junior, Princípios... , cit., p. 127- constitui o que se poderá denominar de - patologia do inquérito poli-
128. Paulo Cláudio Tovo, O inquérito policial ..., cit., p. 322-323. cial, fantasma que ameaça inutilizar todo o trabalho investigatório da
<" 11 Há, contudo, quem afume que o inquérito policial é, na essência, pro- polícia, produzindo-lhe insaná veis hemiplegias, irremediáveis para-
cesso: "não é correto confundir processo com procedimento. O inqué- ;1 lisias" (Ubirajara Rocha, Noções ..., cit., p. 181 ).
; 1
rito policial é um processo adrninistrativo e a ação penal um processo 0641
Antonio Scarance Fernandes, Processo... , ciL, p. 59.
; i
judicial, e ambos possuem um ou vários procedimentos, por exem- o6Sl Afinal de contas, "consoante os esquemas formais pelos quais O pro-
plo, sumário, ordinário etc." (Cândido Furtado Maia Neto, O promo-
cedimento se exterioriza, pode caracterizar-se um sistema rígido ou
'
1 i
-~ --:.i:
,.

248 O DIREITO DE DEFESA NO INQUÉRITO POLICIAL

Dentro da doutrina de direito administrativo, sustenta-se que


1
\
RECONHECIMENTO DO EXERCÍCIO DO DIREITO DE DEFESA

da parte de quem deva decidir, a respeito dos fatos objetivados no


249

o inquérito policial, civil e militar, deveriam ser classificados en- processo não autoriza ao julgador a auto-atribuição da qualidade
tre os simples procedimentos administrativos, ao lado de meios su- suprema e incontrastável de deus inatingível". 166 Assim, se o in-
mários de imposição de faltas e da sindicância, onde, em tese, não quérito policial foi comparado ao sumário, tem-se que o exercício
1 caberia exercício do direito de defesa. Mas o direito processual penal do direito defesa deve ser permitido, visto que tal procedimento
não pode pagar o preço da pouca clareza com que o inquérito poli- não coi:nporta mais a verdade sabida.
,,.
• cial é tratado pela doutrina do direito administrativo.
No_i06ante à equiparação do inquérito policial à sindicância, 167
•~ Quanto aos meios sumários de imposição de faltas, de se con- 11 ~rtiva também não tem o condão de afastar o exercício do
siderar que não existe mais em nossa sistemática a punição ime-
t diata pela verdade sabida, que seria, nos termos do art. 271, pará- l direito de defesa no inquérito policial, porque este vem sendo sis-
tematicamente assegurado nas sindicâncias, como, no Estado de

•t grafo único, do Estatuto do Funcionário Público do Estado de São


Paulo, o conhecimento pessoal e direto da falta pela autoridade
'i
l São Paulo, na recente Lei Complementar 922, de 02.07.2002, que
alterou a Lei Orgânica da Polícia do Estado de São Paulo e deter-

•,t competente para aplicar a pena: "nenhuma sindicância - inclusive


a disciplinar - pode ter por suporte conclusivo a chamada verdade
sabida, alicerce definitivamente sepultado pela Constituição de
1988 (não obstante o renitente saudosismo autoritário de alguns
minou, no art. 87, que, na apuração das infrações praticadas por
policiais civis, mediante sindicância ou processo administrativo,
serão assegurados o contraditório e a ampla defesa.

•,, autores, esforçados na impossível tarefa de sustentação da sobre-


vivência de um conceito que encarna frontal oposição às garantias
Afirma-se, modernamente, que "não há como aceitar-se a
constrição da defesa, mesmo fora do campo da chamada sindicân-

,, da ampla defesa e da plenitude probatória). O conhecimento notó-


rio, imediato, evidenciai enfim, do conteúdo de um determinado
fato e de suas circunstâncias (aí encartada a autoria) não afasta o
dever de buscar a verdade substancial. O próprio Código de Pro-
cia punitiva, em razão de assegurar-se, mais tarde, a ampla defesa
no processo adnúnistrativo. E disso não se fale, além do que antes
já considerado (inexistência de suporte constitucional), porque o
administrado e o servidor têm interesse legítimo inclusive à não

s~ cesso Civil, ao dispensar a prova dos chamados fatos notórios, não


autoriza a decisão com base em sua alegação, nem cerceia a produ-
ção da contraprova. Em suma, o alegado conhecimento pessoal,

um sistema.flexível; no primeiro caso, as formas obedecem a cânones


instauração do processo em seqüência à sindicância, eis que tal
instauração os coloca em situação defensiva (e, pois, a priori des-
favorável), despoja-os do status de não indiciados: a perda de qual-
quer direito ou situação somente é admissível com a observância
do devido processo legal, o que supõe a amplitude da defesa e da

i,
rigorosos, desenvolvendo-se o procedimento através de fases claramen- prova (repita-se: Constituição Federal, art. 5.º, LIV e LV). Há, nesse
te determinadas pela lei e atingidas pelo fenômeno da preclusão. No sentido, exemplar acórdão do Tribunal Regional Federal da 4.ª
segundo caso, as formas procedimentais são roais livres e as fases mais Região (ApMS 13.316-0-RS, rel. Juiz Paulo Afonso Vaz, DJU
fluidas, não sendo tão rigorosa a ordem em que os atos devem ser prati-

s cados" (Antonio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e


Cândido Rangel Dinamarco, TeoriLJ geral..., cit., p. 272). E, no mesmo
sentido, diferenciando as espécies de procedimento em formais e flexí-
veis, cf. Cândido Rangel Dmamarco, Instituições ... , cit., p. 450.
1
< 66>
11671
Sérgio Ferraz e Adilson Abreu Dallari, Processo ..., cit., p. 100.
José Cretella Jr., Prática ... , cit., p. 58. Edgard Silveira Bueno Filho, O
direito à defesa ... , cit., p. 49-51.

i -
250 O DIREITO DE DEFESA NO INQUÉRITO POLICIAL RECONHECIMENTO DO EXERCÍCTO DO DIREITO DE DEFESA 251

19.04.2000, Seção 2, p. 230), salientando caber ao Judiciário ana- e procedimentos, em razão de eventual carga inqwsitiva, desca-
lisar o cabimento da própria instauração do processo administrati- be a plenitude de defesa. Ninguém, hoje, nega a inquisitividade
vo, eis que já daí nasce uma situação de constrangimento". 168 do juiz civil, sendo-lhe a jurisdição contenciosa. Inquisitividade
e plenitude de defesa podem e devem conviver, no mesmo plano.
Há, portanto, também no procedimento administrativo, Nem importa a assertiva de que a impugnação resta diferida, ou
ampla defesa: 169 "no processo, ou no procedimento administrati- retardada, para o instante em que deduzido o pretenso direito, em
vo -pouco importando mostre-se disciplinar, ou não-, não há ,
ação. Inexiste meio de voltar no tempo, sem dano. A refutação
parte e contraparte. Tanto que exista uma imputação - no mais tardia; a produção de meios de prova, sem acompanhamento; e a t
amplo sentido: afirmação, ou atribuição de ato ou fato a pessoa impossibilidade de contraprovar, tempestivamente; trazem evi-
autora, coatora ou partícipe - desponta a necessidade de garantir dente prejuízo, nascente na unilateralidade viciada, que benefi- •
4
o exercício do direito de defesa. Não se afirma, pois, a inafastabi- cia o demandante (art. 125, I, do Cód. de Proc. Civil). Intolerá-
lidade do contraditório, nos processos e procedimentos adminis- vel, portanto, se tratar o interessado, o envolvido, o indiciado, ou •
trativos; mas a exigência de·uma de suas peças, a saber: o exercí- o futuro demandado quais estranhos, em procedimento apurató- •
cio do direito de defesa, semJ?re que ocorra uma imputação qual- rio de fatos, que podem lhes atingir a esfera de direitos". 110_ _ _

quer. Dizendo de outro modo: o contraditório - dito princípio da
audiência contraditória - contém, por necessário, a ampla defe-
sa. Ela, contudo, de modo prevalecente, nos procedimentos ad-
O direito de defesa integra o devido processo legal. E se assim
o é em todos os procedimentos administrativos, não há por que se
negar o exercício do direito de defesa no inquérito policial, que
-
41
41
ministrativos, que precedem a ação, ou a preparam, deve exerci-
tar-se; seja a tempo e a hora, sabendo-lhes de atos e termos; seja também é procedimento administrativo, muito embora ostente fi- 4
impugnando; seja, ainda, pleiteando, ou seguindo a colheita e a nalidade judiciáril!. t
produção de meios de prova. A amplitude de defesa modula-se
pela increpação. Vige, pois, a regra da proporcionalidade. A de-
.- O art. 5.º, LV, da Constituição da República fala em proces-
so administrativo, mas, como visto, o processo é entidade abstra- ••
fesa que se exercita na fase extrajudicial, preparatória ou admi-
nistrativa exige, em princípio, âmbito menor da que se oferece,
na fase judicial. Nada vale o argumento de que em tais processos
ta, que se corporifica sempre em procedimento: "dir-se-á que este
[inciso LV] se refere a processo e a acusado, e não a procedimen-
to, como é o inquérito policial, nem a indiciado, ou seja, a quem,
1
••
si et in quantum, é atribuída a autoria da infração penal. E, por
11611

1
< 19)
Sérgio Ferraz e Adilson Abreu Dallari, Processo ... , cit., p. 100.
Direito de defesa, e não contraditório, tal como dissemos em relação
esse motivo, não teria a larga aplicação aqui e agora alvitrada.
Deve ser verificado, todavia, que a confusão terminológica entre ••
ao inquérito policial. Característica fundamental do contraditório é
influenciar quem tem o poder decisório, que, por isso mesmo, deve
ser imparcial (cf. Fauzi Hassan Choukr, Garantias constitucionais... ,
processo e procedimento é, por assim dizer, tradicionalizada em
nosso País. Fala-se num, quando se cogita do outro, e chega-se ••

ao ponto de, numa Constituição Federal, expressar 'processo
cit., p. 116-117). No procedimento administrativo não há sujeito im-


-
parcial, suprn-partes, a quem se destine a atuação, porque a Adminis-
110
tração, que o dirige, é sempre parte (Sérgio Ferraz e Adilson Abreu < 1 TJSP-AC 130.183.5/6-00 - rei. Des. Sé rgio Marcos de Moraes
Dallari, Processo... , cit., p . 102). Pitombo - j. 06.11.2000.

•.
252 O DIREITO DE DEFESA NO INQUÉRITO POLICIAL

administrativo', quando se está, realmente, aludindo a procedi-


, RECONHECIMENTO DO EXERCÍCIO DO DIREITO DE DEFESA

continuaremos a chamar de processo administrativo o que, no


253

mento administrativo. Daí porque, se o próprio legislador nacio- rigor da doutrina, seria procedimento administrativo". 173
nal entende que procedimento pode ser denominado processo, Por fim, vale ressaltar que tão arraigada é entre nós a idéia, equi-
neste vocábulo se encarta a noção de qualquer procedimento admi- vocada, de que o direito de defesa é assegurado, nos termos constitu-
nistrativo, e, conseqüentemente, o 'procedimento administrati- cionais, apenas no desenrolar do processo administrativo, que, na
vo-persecutório de instrução provisória, destinado a preparar a tentativa de se estender o seu exercício ao inquérito policial, proce-
ação penal', que é o inquérito policial" . 171 dimento administrativo, está em trâmite no Congresso Nacional a
Com efeito, não obstante boa parte da doutrina use a expres- Proposta de Emenda à Constituição 408/1996, visando à alteração
são processo administrativo, 172 Hely Lopes Meirelles leciona que do art. 5.º, LV, da Constituição da República, que passaria a vigorar
o melhor é chamar o modo de ordenamento desses atos de proce- com a seguinte redação: "Aos litigantes, em processo judicial, admi-
dimento administrativo: "processo é o conjunto de atos coorde- nistrativo ou inquérito policial, e aos acusados em geral são assegu-
nados para a obtenção de decisão sobre uma controvérsia no rados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela
âmbito judicial ou administrativo; procedimento é o modo de inerentes". Embora desnecessária tal emenda, diante do entendimen-
realização do processo, ou seja, o rito processual. O processo, todeque agarantiado art. 5 .º, LV, da Constituição daRepública volta-
portanto, pode realizar-se por diferentes procedimentos, consoan- se também ao procedimento administrativo, do qual o inquérito po-
te a natureza da questão a decidir e os objetivos da decisão. Ob- licial é espécie, tem-se que a justificação de tal proposta reconhece,
servamos, ainda, que há procedimentos administrativos que não com total razão, que é essencial que os direitos do cidadão sejam
constituem processo, como, p. ex., os de licitações e concursos. resguardados desde o primeiro momento dapersecutio criminis.
O que caracteriza o processo é o ordenamento de atos para a so-
lução de uma controvérsia; o que tipifica o procedimento de um 3.1.7 lndiciamento
processo é o modo específico do ordenamento desses atos.( ...)
Nem todo envolvido em inquérito policial é indiciado, visto
Para evitar divergência terrninológi,ca entre a teoria e a prática,
que esta é a pessoa sobre quem se reuniram "indícios, que são meios
de prova": 174 "indício é todo rastro, vestígio, sinal e, em geral, todo
( 171)
Rogério Lauria Tucci, A polícia civil..., cit., p. 114-115. Nomes-
fato conhecido devidamente provado, suscetível de conduzir ao
mo sentido, afirma Alberto Deodato Maia Barreto Filho que "pa-
rece-nos que a palavra 'processo' seguido da especificação 'admi- conhecimento de um fato desconhecido, a ele relacionado, por meio
nistrativo' está empregada no seu sentido popular e não técnico. de um raciocínio indutivo-dedutivo". 175
Tecnicamente seria apenas procedimento. A palavra processo exis-
te onde existe jurisdição. ( ... ) Quando, pois, a Constituição se re- cm> Hely Lopes Meirelles, Direito administrativo ... , cit., p. 586-587. Tam-
fere a 'processo administrativo' está indicado qualquer procedi- bém preferindo a denominação "procedimento administrativo" a "pro-
mento administrativo em juízo ou perante os demais poderes, se- cesso administrativo", cf. José Cretella Júnior, Prática ... , cit, p. 5. E
gundo o nosso entendimento. Inclusive no inquérito policial" (Con- José Frederico Marques, Tratado ..., cit., v. 2, p. 158.
traditório..., cit., p. 126-127). 17
< •> José Barcelos de Souza, Teoria e prática... , cit., p. 30-31.

uni Odete Medauar, A processualidade ... , cit. Sérgio Ferraz e Adilson 175
< > Maria Thereza Rocha de Assis Moura, A prova por indícios no pro-

Abreu Dallari, Processo ..., cit cesso penal, São Paulo, Saraiva, 1994, p. 38.
~
254 O DIREITO DE DEFESA NO INQUÉRITO POLICIAL
·t RECONHECIMENTO DO EXERCÍCIO DO DIREITO DE DEFESA 255
l
O indiciamento, ato pelo qual o suspeito passa à categoria ju- zão, a autoridade policial não podem exercer nenhuma coerção,
rídica de indiciado, deve ocorrer tão logo se reúnam os indícios, ou para efeito de investigação ou de prova, antes do formal indicia-
outros elementos de convicção, que incriminem o suspeito como mento ou da aceitação de denúncia ou queixa crime contra pessoa
praticante de ato ilícito e típico, ou seja, "se o conjunto probatório determinada. Um constrangimento dessa natureza representaria,
incrimina o suspeito, revelando que sua conduta se desenha típica, claramente, violência ou abuso de poder, contra o qual o paciente
antijurídica e culpável, deve ser indiciado".176 teria habeas corpus". 118
Mas o indiciamento "não deve surgir como qual ato arbitrá- O indiciamento, na lição de Sérgio Marcos de Moraes Pitom-
rio, ou de tarifa, da autoridade, mas sempre legítimo. Não se ftm- bo, traz consigo sérias implicações: "o indiciado afiançado, por exem-
da, também, no uso de poder discricionário, visto que inexiste, tec- plo, não se ausenta, nem muda de residência, sem aviso e permissão,
nicamente, a possibilidade legal de escolher entre indiciar ou não. tendo-lhe, pois, restrita a liberdade de ir e vir (arts. 322 e 328 do Cód.
A questão situa-se na legalidade estrita do ato. O suspeito, sobre o de Proc. Penal). Pode, ainda, sofrer apreensão e seqüestro de bens,
qual se reuniu prova da infração, tem que ser indiciado. Já aquele providências cautelares, coarctantes dos direitos de posse e proprie-
que, contra si, possui frágeis indícios, ou outro meio de prova es- dade (arts. 5, n. II, 127 e 240 do Cód. de Proc. Penal). No plano fáti-
garçado, não pode ser indiciado. Em outras palavras, a pessoa sus- co, padece linútações econômicas, como o cerceamento do crédi-
to". 179 Não só sofre cerceamentos, mas também tem direitos: "a con-
peita da prática de infração penal passa a figurar como indiciada, a
dição de indiciado, entretanto, dá alguns direitos, qual o de requerer
contar do instante em que no inquérito policial instaurado se veri-
diligências, para esclarecimento da verdade criminal ( art. 14 do Cód.
ficou a probabilidade real de ser o agente". m
de Proc. Penal), bem assim ao silêncio, quando inquirido (arts. 6.0 , n
Indispensável e necessário, portanto, desde quando reunida V, 186 e 191 do Cód. de Proc. Penal) ". 180
prova que aponte o suspeito como provável autor do delito, o indi-
ciamento deve ser visto como um marco, a partir do qual uma série <
111
> Fábio KonderComparato, Comissões Parlamentares de Inquérito ..., cit.,
de deveres e direitos pode, e deve, ser exercida. Tal como explica p. 73. No mesmo sentido, Adel El Tasse, lnvestigação..., cit., p. 51-53,
Fábio Konder Comparato, ao tratar das conússões parlamentares que afirma "deve ser realizado o ato de indiciamento para que possam
de inquérito, o indiciamento exerce função de garantia das liber- ter início os atos preparativos defensórios do indivíduo, assim tam-
dades individuais, uma vez que, por meio dele, o antigo suspeito bém como se garanta a possibilidade de efetuar-se requerimento de
diligências, diante do noticio interesse que passa a ter no feito".
toma conhecimento oficial do teor do inquérito, além do que as 1
medidas assecurat6rias, tais como o seqüestro de bens adquiridos < 79! Sérgio Marcos de Moraes Pitombo, Inquérito policial: novas tendên-
cias..., cit., p. 42-45.
com o produto da infração, exigem, para sua decretação, prévio 1110
indiciamento: "em suma, o Poder Judiciário e, com maioria de ra- i Idem, ibidem. No mesmo sentido, afirma Aury Lopes Júnior que "o
status de indiciado gera um maior grau de sujeição à investigação
preliminar e, com isso, nasce para o sujeito passivo uma série de di-
<•16l Sérgio Marcos de Moraes Pitombo, Inquérito policial: novas tendên- reitos e também de cargas de caráter jurídico-processual. ( ...) For-
cias..., cit., p. 40-42. malizado o indiciamento, estará o sujeito passivo submetido ou com
1177
' Sérgio Marcos de Moraes Pitombo, Mais de cento e vinte e seis anos maiores possibilidades de ver-se compelido a comparecer sempre
de inquérito policial ..., cit., p. 17-19. que chamado; medidas cautelares (prisão temporária ou preventi-
111

• 256 O DIREITO DE DEFESA NO INQUÉRITO POLICIAL RECONHECIMENTO DO EXERCÍCIO DO DIREITO DE DEFESA 257
•~
Por isso, o indiciamento deveria surgir de ato fundamentado, 181 diciamento do suspeito, apenas mediante ordem fundamentada da
•J resultante do encontro de provável autoria, de forma que o indicia-
mento desmerecido constitui constrangimento ilegal, sanável por
autoridade policial e tanto que verificada a autoria. Tais idéias não
surgem ao influxo de mero formalismo burocratizante, mas por fatal
meio de habeas corpus. 182 acatamento à liberdade do indivíduo, posto que é, no processo pe-
'
~ Muito embora o Código de Processo Penal se refira várias
vezes ao indiciado (art. 6.º, V, Vill, IX, arts. 10, 21 e 23), ele não
nal, ela o eixo". 183
~ De fato, na atual sistemática processual penal brasileira, um
cuida propriamente do indiciamento, deixando de prevera momen-
-• to e a forma própria de realizá-lo.
dos maiores problemas do inquérito policial reside justamente na
falta de previsão de ind.iciamento, "com momento e forma esta-

•• Com razão, sugeriu-se, então, "de legeferenda, a inclusão no


Código de Processo Penal de dispositivo, o qual determine o in-
belecidos em lei", 184 exigindo uma decisão justificada da autori-
dade policial, a fim de que o indiciado, titular de direitos, pudes-
se enfim saber que não comparecerá à delegacia de polícia como

•• va) e liberdade condicional; medidas assecuratórias de bens, como


o seqüestro (art. 125); interrogatórios; acareações; reconhecimen-
tos; atos de averiguação de sua identidade e capacidade etc." (Siste-
testemunha, mas "na qualidade de suspeito que está na iminência
de ser indiciado". 185
t mas ... , cit. p. 281-282).
Se tal marco fosse previsto, 186 poderia se pôr fim a uma das
t (1"1)
artimanhas muitas vezes utilizadas pelas autoridades que condu-
Sérgio Marcos de Moraes Pitombo, Inquérito policial: novas tendên-
zem o inquérito policial, 187 que deixam de indiciar o suspeito,
~ cias ..., cit., p. 40-42. No mesmo sentido, Adel El Tasse, lndiciamento

,,
li) em inquérito policial: ato obrigatoriamente motivado, RT, São Pau-
lo, ano 89, n. 772, p. 481-484, fev. 2000, p. 482. Aury Lopes Junior,
Sistemas ..., cit., p. 272. Por fim, Mário Sérgio Sobrinho sustenta que
"dever-se-ia exigir desta [autoridade policial] a explicitação de suas 01131
tinente liame fálico e jurídico com os elementos probatórios coli-
gidos nos autos de inquérito policial".
Sérgio Marcos de Moraes Pitombo, Inquérito policial: novas tendên-
razões, ao determinar o indiciamento, as quais deveriam ser apre- cias ... , cit., p . 42-45.

','. sentadas no inquérito policial para que fossem conhecidas pelo in-
diciado e seu defensor, pelo órgão do Ministério Público e, quando
necessário, pelos juízes e tribunais" (A identificação criminal, São
<
114
> Aury Lopes Junior, Sistemas..., cit, p. 271. No mesmo sentido, Fauzi
Hassan Choukr, Garantias constitucio11ais..., cit., p. 142.
Aury Lopes Júnior, Sistemas ..., cit.; p. 273.

,
uui
Paulo, RT, 2003, p. 100).
0161
"A falta de tratamento legal do indiciamento conduz a desvios gra-

,,
Clll)
Cf., nesse sentido, TACrím-HC 341 .206-9/00-rel. Juiz Barbosa
Pereira - j . 15.02.2001. No corpo do v. acórdão, lê-se: "O ato de ves. Fica ao alvedrio da autoridade policial decidir a respeito e ela
indiciar, por todo subjetivo, passa de mera providência administrativa realiza o indiciamento por intermédio de ato destituído de formalida-

,, para significar, de fato, uma mácula definitiva na vida da pessoa,


verdadeiro bis in idem - já que não podemos imaginar o inquérito
policial senão como algo a trazer sofrimento ao ser humano, mas
do qual jamais poderá livrar-se. Abundavam, pois, razões para l
de e sem qualquer motivação. Todavia, apesar de faltar regulamenta-
ção ao indiciamento, o sistema, a partir da Constituição Federal, enun-
cia, de maneira esparsa e assistemática, direitos e deveres do indicia-
do, que não pode mais ser visto como simples objeto da investigação"
(Antonio Scarance Fernandes, A reação... , cit., p. 125-126).

••
que fosse reforçada e disciplinada a obrigação de motivação desse
1111
ato, o qual, dessa forma, não mais poderá ser realizado a esmo, < "O tema não está devidamente regulamentado e existe uma nuvem de
1
subjetivamente, à míngua da minudente demonstração do seu per- incertezas sobre o indiciamento, gerando insegurança e permitindo
J
• j
258 O DIREITO DE DEFESA NO INQUÉRITO POLICIAL RECONHECIMENTO DO EXERCÍCIO DO DIREITO DE DEFESA 259
--
quando deveriam fazê-lo, apenas para tolher-lhe o direito de de- Também o Projeto de Lei 4.209/2001 regula o indiciamento,
fesa. Se isso ocorresse em um sistema que trouxesse fixado o determinando, no art. 8.0 , que reunidos os elementos informativos
momento, a forma e as conseqüências do indiciamento, as decor- tidos como suficientes, a autoridade policial cientificará o investi-
rências da desídia em não indiciar o indivíduo levariam a que toda gado, atribuindo-lhe, fundamentadamente, a situação jurídica de
a prova produzida posteriormente a tal situação de fato se tomas- indiciado, com as garantias dele decorrentes.
se ilegítima. 188
Cumpre ainda distinguir o indiciamento da identificação e da
A propósito, a Portaria 18/1998 da Delegacia Geral de Polí- qualificação, direta ou indireta. Enquanto o indiciamento respon-
cia do Estado de São Paulo, que dispõe "sobre medidas e cautelas de à indagação de qual é o provável autor da infração penal, a iden-
a serem adotadas na elaboração de inquéritos policiais e para a tificação responde ao questionamento de quem é tal pessoa, 192 sendo
garantia dos direitos da pessoa humana", 189 imprimiu visão garan- então conseqüência do indiciamento.
tista ao inquérito policial, no Estado de São Paulo,190 determinan-
A identificação "consiste em verificar a identidade e é a sua
do, no art. I .º, que a instauração de inquérito policial decorre de
prova", 193 visa "descobrir a verdade em tomo da identidade do in-
decisão fundamentada da autoridade policial, sendo a motivação a
'"pedra angular' da construção garantista a que se prendeu" 191 e, divíduo"; 194 "identificar implica dividir, classificar os aspectos não
no tocante ao indiciamento, ordena, no art. 5.0 , parágrafo único, acidentais, ou conjunto de características reais ou materiais singu-
que tal ato seja também precedido de decisão fundamentada. Esta larizantes do indivíduo para, relacionando, apartá-lo dos demais.
portaria, contudo, pouco vingou, na prática. Identificar é conhecer, por _v ia das diferenças, singularmente". 195
Não obstante o Código de Processo Penal determine, no art.
abusos e injustiças. Faz falta um dispositivo que claramente disponha 6.º, vm. que se deva proceder à identificação pelo método datilos-
sobre o nascimento e forma do indiciamento, especialmente no que cópico, tem-se que o civilmente identificado não pode ser subme-
se refere à sua comunicação ao sujeito passivo e direitos que dele tido à coleta de impressões digitais em inquérito policial, sendo tal
emergem" (Aury Lopes Júnior, Sistemas ... , cit., p. 281). fato garantia constitucional expressa no art. 5.º, LVIlI, nos seguin-
mil Em Portugal, não se pode protelar a constituição do argüido. Nesse tes termos: "O civilmente identificado não será submetido à iden-
sentido, cf. Artur Rodrigues Co_sta, Obrigatoriedade do interrogató-
tificação criminal, salvo nas hipóteses previstas em lei".
rio do argüido no inquérito, Revista do Ministério Público, Lisboa,
ano 15, n. 59, p. 153-156,jul.-set. 1994, p. 154.
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119
J Fazendo alusão ao célebre caso norte-americano, Miranda v. Arizona, <192> Sérgio Marcos de Moraes Pitombo, A identificação processual pe-
Adauto Suannes chama a Portaria 18, da Delegacia Geral de Polícia nal e a Constituição de 1988, RT, São Paulo, ano 77, n. 635, p. 172-
de São Paulo, de "Miranda waming cabloca" (Os fundamentos éti- 183, set. 1988, p. 179. Mário Sérgio Sobrinho, A identificação ... , cit.,
cos... , cit., p. 74). Comentando o avanço operado por essa portaria, p . 101-102.
ver Fauzi Hassan Cboukr, Inquérito policial: novas tendências ... , cit., (19))
Sérgio Marcos de Moraes Pi tombo, A identificação processual..., cit.,
p. 13. Ainda, Adilson José Vieira Pinto, O inquérito policial... , cit. p. 173.
1
(190) José Pedro Zaccariotto, Portaria DGP 18/98 e polícia judiciária demo- (19'1)
Carlos Frederico Coelho Nogueira, Comentários ... , cit., p. 324.
crática, RT, São Paulo, ano 88, n. 769, p . 461-479, nov. 2000, p. 467. :.[ (19S)
Sérgio Marcos de Moraes Pitombo, A identificação processual...,
(191)
Idem, p. 474. cit., p. 173.
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260 O DIREITO DE DEFESA NO INQUÉRITO POLICIAL


RECONHECIMENTO DO EXERCÍCIO DO DIREITO DE DEFESA 261

Visando a regular a identificação criminal, a Lei 9.034, de A qualificação, por fim, diz respeito à individuação da pes-
03.05.1995, ao cuidar do crime organizado, estabeleceu, no art. 5 .º, soa mencionada no desenrolar na investigação, com a reunião dos
que "a identificação criminal de pessoas envolvidas com a ação dados componentes da identidade civil da pessoa, como filiação,
praticada por organizações criminosas será realizada independen- nome completo, data e local de nascimento etc.: "a qualificação,
temente da identificação civil". Essa disposição não mereceu a no processo penal, mostra-se como a tomada de informes pela au-
devida atenção, pouco se discutindo sua constitucionalidade. 196
toridade, policial ou judiciária, da vítima, testemunha, suspeito,
Depois, a Lei 10.054, de 07.12.2000, promoveu a regulamen- indiciado ou acusado sobre seu nome, naturalidade, estado civil,
tação legal da identificação criminal, preenchendo o dispositivo idade, filiação, domicílio, residência, meio de vida ou profissão,
constitucional, de eficácia contida. Determina, no art. 1.º, que "o lugar onde trabalha e se sabe ler ou escrever. Afinal, é a anotação
preso em flagrante delito, o indiciado em inquérito policial, aquele formal dos dados pessoais daqueles supra-aludidos", 197 ou seja,
que pratica infração penal de menor gravidade (art. 61, caput e "aquilo que não se exibe permanente, não dura no tempo, só qua-
parágrafo único do art. 69 da Lei 9.099, de 26 de setembro de lifica, apenas adjetiva, não identifica, eventualmente, colabora
1995), assim como aquelas contra os quais tenha sido expedido na identificação". 198 __
mandado de prisão judicial, desde que não identificado civilmente,
_Indiciamento é, pois, diferente de ide~tificação e de qualifJ
serão submetidos à identificação criminal, inclusive pelo processo
datiloscópico e fotográfico". Estabelece, ainda, no art. 2.º, que a caçao. . --------·--- . }
prova da identidade civil deve ser feita mediante a apresentação
de documento de identidade reconhecido como tal pela legisla- 3.1.8 Momento inicial para o exercício do direito de defesa no
ção. E, no art. 3.0 , dispõe que "o civilmente identificado por do- inquérito policial
cumento original não será submetido à identificação criminal,
exceto quando: I - estiver indiciado ou acusado pela prática de À vista do que já foi dito, tem-se no indiciamento o momento
homicídio doloso, crimes contra o patrimônio praticados mediante procedimental ideal a partir do qual se deve, necessariamente, ga-
violência ou grave ameaça, crime de receptação qualificada, cri- rantir a oportunidade ou ensejo ao exercício do direito de defesa,
mes contra a liberdade sexual ou crime de falsificação de docu- dado que o juízo que encerra é o de ser o sujeito o provável autor do
mento público; li - houver fundada suspeita de falsificação ou delito. 199 O indiciado tem interesse em demonstrar que não deve
adulteração do documento de identidade; m - o estado de con- ser denunciado em juízo.200
servação ou a distância temporal da expedição de documento
apresentado impossibilite a completa identificação dos caracte- om Sérgio Marcos de Moraes Pitombo, A identificação processual ..., cil.,
res essenciais; IV - constar de registros policiais o uso de outros p. 173.
nomes ou diferentes qualificações; V - houver registro de extra- 191
< > Idem, p. 174.
vio do documento de identidade; VI- o indiciado ou acusado não <199> Sérgio Marcos de Moraes Pitombo, Breves notas em tomo do Ante-
comprovar, em quarenta e oito horas, sua identificação civil". projeto de Lei ... , cit., p. 346, nota 27. No mesmo sentido, Paulo Cláu-
dio Tovo, Estudos... , cit., p. 228.
1 (200l Joaquim Canuto Mendes de Almeida, Princípios..., ciL, p. 214.
c•96'l Mário Sérgio Sobrinho, A identificaçiúJ ... , cit., p. 159-161 .

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262 O DIREITO DE DEFESA NO INQUÉRITO POLICIAL RECONHECIMENTO DO EXERCÍCIO DO DIREITO DE DEFESA 263

O atual Código de Processo Penal, entretanto, não marca o A pessoa suspeita do cometimento de infração penal passa a
momento em que deve ocorrer o indiciamento,201 nem qual a situa- figurar como indiciada a partir do momento em que se lhe constata a
ção que o enseja, nem qual a forma que deve ter, nem quais as im- probabilidade de ser o agente do fato apurado.205 A circunstância de
plicações, em termos de direitos, que o indiciamento traz para o a autoridade policial que dirige o inquérito não promover desde logo
acusado. 202 Isso dificulta sobremaneira a delimitação de tal momen- o indiciamento, quando tal feixe de indícios já se encontra presente,
to inicial para o exercício do direito de defesa - tirante, por óbvio, não pode ser causa de restrição de direitos do acusado, pelo não indi-
o caso de prisão em flagrante delito, onde há relativa certeza visual ciamento ou pelo indiciamento tardio, ao fim do inquérito policial.206
ou presumida da autoria e deve ocorrer o imediato indiciamento. 2º3
Nos inquéritos policiais que se iniciam por meio de prisão e~
Está aí uma razão adicional, circunstancial ao nosso sistema, flagrante delito, o direito de defesa deve ser exercido imediatamen-
pela qual o direito de defesa não pode ser negado antes do indicia- te, porque o indiciarnento é au.tmnátiço nessas bip6teses, visto que a
mento formal. 204 Se é certo que o direito de defesa se faz necessá- visualidade da situação enseja a prisão em flagrante. Nos inquéritos
rio após o indiciamento formal, é também certo que, por não estar policiais iniciados por requerimento ou requisição, em que a delatio
definido o momento em que deve ocorrer o indiciamento formal, o criminis seja postulatória - além do apontamento de um fato que se
exercício do direito de defesa não pode ficar em posição de aguar- desenha infração penal, há indicação de autoria-, o direito de defesa
do, na dependência de um evento futuro e incerto, portanto susce- deve ser exercido desde logo e o acusado tratado como indiciado.
tível, em tese, até mesmo a abusos dos condutores do inquérito.
Da mesma forma, nos casos em que inquérito policial é instau-
rado por portaria decorrente de boletim de ocorrência, em havendo
fllll> "Três melhorias precisa o indiciamento: nascer em ato fundamentado da
providências que restrinjam direitos individuais, como a inviolabi-
autoridade policial; ser momento de cientificação do incliciado de seus
direitos constitucionais, nomeadamente, o de defender-se; e se cobrir, de lidade do domicílio, a intimidade e a vida privada e a integridade fí-
relativo sigilo, em favordo indiciado" (Sérgio Marcos de Moraes Pitombo, sica e moral do indivíduo, a posse e a propriedade, a tutela e a cura-
Breves notas em torno do Anteprojeto de Lei ..., cit., p. 346).
205
(lO'ZJ Nesse mesmo sentido, Aury Lopes Júnior, Sistemas ..., cit., p. 52, ' > Aury Lopes Júnior, após levantar a questão, distingue duas situações:
nota 49. quando existe urna prisão caute]ar e quando esta não existe no inqué-
am, Sérgio Marcos de Moraes Pitombo, Inquérito policial: novas tendên- rito policial (Sistemas ..., cit., p. 274). Todavia, pensamos que melhor
cias ..., cit., p. 38-41. Afirma Aury Lopes Júnior que "o grande pro- seria apartar as situações de quando há uma medida cautelar qualquer
blema está na mais absoluta imprecisão em tomo ao nascimento da e quando não há.
situação de indiciado, principalmente quando não existe uma prisão (206> Comentando o direito português, em que a constituição do argüido
cautelar. Em outras palavras, o CPP não define de forma clara quan- equivale ao indiciamento no direito brasileiro, afirma-se que há
do uma pessoa passa a ser considerada como indiciada e tampouco "imprescindibilidade do interrogatório e conseqüente constituição do
define claramente que conseqüências endoprocedimentais produz o argüido o mais depressa possível, pois o seu prote]amento (inculpation
indiciamento" (Sistemas ..., cit., p. 274). tardive) não deixa de lesar direitos fundamentais do cidadão alvo de
CllM> Chegando-se a afirmar que "desde o indiciamento ou desde o início um processo crime" (Artur Rodrigues Costa, Obrigatoriedade do
das investigações deve existir o contraditório e a ampla defesa" (Cân- interrogatório... , cit., p. 154). Ainda, sobre o assunto, cf. Theodorniro
dido Furtado Maia Neto, O promotor de justiça...• cit., p. 66). Dias Neto, O direito ao silêncio... , cit., p. 185-186.
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264 O DIREITO DE DEFESA NO INQUÉRITO POLICIAL RECONHECIMENTO DO EXERC(CIO DO DIREITO DE DEFESA 265

tela,comoabuscaeaapreensão(arts.6.º,Il, 127 e240a250doCPP); formal (indiciamento, denúncia), seja pela maneira como a pessoa
a fruição do patrimônio, como a decretação do arresto ou seqüestro é tratada, de fato. 210 Assim, também a partir desse momento de
de bens (arts. 125 a 144 do CPP); a intimidade e a vida privada, como acusação fática, mas não formal, o sujeito deve ter assegurado o
a quebrado sigilo bancário (art. 8.º, § l.º, daLei4.595/1964); o sigi- direito de se defender, sem necessidade de que seja formal.mente
lo das comunicações, como a interceptação das comunicações tele- legitimado como sujeito do procedimento. É o que ocorre em ou-
fônicas (arts. l.º e 2.º da Lei 9.296, de 24.07.1996); e a liberdade de tros ordenamentos jurídicos.211
ir e vir, com a decretação da prisão preventiva ( art. 311 e seguintes
do CPP) ou temporária (art. 1.0 da Lei 7 .960, de 21.12.1989), tem-se
que o suspeito adquire status equivalente ao de indiciado, posto que para atribuir el delito objeto de la investigación, con lo que queda sal-
vado el obstáculo de la noción de imputado en sentido estricto, y esta
é, de fato, provável autor do delito.
noción amplia que deviene de dilatar la acepción dei vocablo ' proceso'"
As providências restritivas de direitos enumeradas acima de- (Raul Washington Abalos, Dereclw ..., cit, t. II, p. 87-88). Afirma tam-
veriam ser, em verdade, conseqüências próprias do indiciamento; bém Antonio Scarance Fernandes: "Quando houver imputação decor-
mas, verificando-se sua ocorrência sem que haja prévio indicia- rente do indiciamento ou de medida cautelar, deve ficar assegurado ao
defensor do imputado o acesso aos autos de investigação e o direito de
mento, o suspeito deve ser considerado e tratado indiciado de fato,207
comunicar-se com seu cliente preso" (A reação... , cit., p. J 30).
devendo-se-lhe garantir, portanto, os direitos inerentes a essa con-
(llOJ Comentando o anteprojeto de lei referente à instituição de juizado de
dição - como a possibilidade de ser assistido por advogado, de re-
instrução no sistema brasileiro, de autoria do Mio. José Arnaldo da
querer diligências, de usufruir do direito ao silêncio. 208 Fonseca, o Prof. Rogério Lauria Tucci enfatiza a necessidade de se
Isso porque a qualidade de acusado se adquire sempre que haja permitir a participação da defesa, sugerindo a inclusão de três pará-
acusação concreta, ou seja,juízo de probabilidade, tal como ocor- grafos ao art. 7 .º daql!ele anteprojeto, que ficaria, então, com a seguinte
redaç_ã o, devendo-se atentar para o § 7 .º proposto: " Art. 7 .º, § 6.º Ao
re nos casos acima elencados.209 E a acusação se revela seja por ato
defensor do acusado preso (art. 3.º, § 3.º) será garantido acesso aos
autos da investigação preliminar (arts. 2.º e 4.0 ) , bem como a obten-
(207> Nesse caso, a medida cautelar, de efeito do indiciamento, passa a ser ção de cópias reprográficas e audiovisuais, com exceção das referi-
geradora do reconhecimento fálico da condição jurídica de indiciado. das no art. 7 .º. I e Il, enquanto não findar a sua colheita. § 7 .º O mesmo
(201> Sérgio Marcos de Moraes Pitombo, Inquérito policial: novas tendên- tratamento será dado ao advogado defensor da pessoa que, indepen-
cias..., cit, p. 44. Há quem afume, tal como Romeu Pires de Campos dentemente da sua formal qualificação de indiciado prevista no art.
Barros, que a defesa, nesses casos, deveria ser restringida unicamen- 12, ostente, de fato, essa condição, ainda que tratado como testemu-
te à contestação da imposição da medida: "pode ser que nessa fase tam- ' nha. § 8.ºOinterrogatóriodoinvestigadoeaoitivadetestemunha serão
bém se estabeleça a relação processual em virtude de lhe serem im- sempre realizados durante o dia, permitindo-se a presença do advo-
postas medidas coercitivas de natureza cautelar. Ainda quando, na po- gado" (Rogério Lauria Tucci, Considerações acerca de Anteprojeto
sição de quase imputado, o seu direito de defesa é restrito à imposi- de Lei referente à instituição de "Juizado de Instrução'.', Revista da
ção da medida" (Direito processual..., cit., p. 215). Este último sem Escola Paulista da Magistratura, São Paulo, ano 4, n. 2, p. 27-52,jul. -
razão, contudo. dez. 2003, p. 37).
(20'}) "Cualquiera de estos actos que implique un despliegue de actividad (l ll l Na Argentina, o Código Procesal Penal de la Nación não define im-
en contra de una persona que presuntamente ha delinquido, es válido ··~ 1
putado, mas estabelece, no art. 71, quando e como se adquire tal con-
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266 O DIREITO DE DEFESA NO INQUÉRITO POLICIAL RECONHECIMENTO DO EXERCÍCIO DO DIREITO DE DEFESA 267

No Código de Processo Penal italiano, "para ser considerado haya sido objeto de detención o de cualquiera otra medida cautelar
pessoa submetida à investigação preliminar, como explica Fortu- o se haya acordado su procesamiento, a cuyo efecto se le instruirá
na, não é necessário um ato formal, mas uma situação objetiva de de este derecho. La admisión de denuncia o querella y cualquier
que a investigação dirige-se contra uma pessoa determinada. Tam- actuación procesal de la que result~laimputación de un delito contra
pouco é necessário que conste no registro da notificação do ato (art. persona o personas determinadas, será puesta inmediatamente en
335). Mas não basta um suspeito de tipo indeterminado, ou que conocimiento de los presuntamente inculpados. Para ejercitar el
provenha de pura conjetura ou hipótese de trabalho dos órgãos de derecho concedido en el párrafo primem, las personas interesadas
investigação. É necessário um ato específico de investigação con- deberán ser representadas por procurador y defendidas por letra-
tra uma pessoa determinada. Com essas atuàções dirigidas contra do, designándoseles de oficio cuando no los hubiesen nombrado
urna determinada pessoa, surge a situação jurídica de persona sot- por sí mismos y lo solicitaren y, en todo caso, cuando no tuvieran
toposta alle indagini preliminari e, como conseqüência, nascem aptitud legal para verificarlo. Si no hubiesen designado procura-
direitos e cargas processuais".212 dor o letrado, seles requerirá para que lo verifiquen o seles nombrará
de oficio si, requeridos, no los nombrasen, cuando la causa llegue
O direito espanhol determina o momento inicial para o exer-
a estado en que se necesite el consejo de aquellos o hayan de inten-
cício do direito de defesa, fixando a ocasião a partir da qual a pes-
tar algún recurso que hiciese indispensable su actuación".
soa deve ser considerada imputada e impondo, a partir daí, o dever
de comunicação da imputação, no art. 118 da Ley deEnjuiciamiento Em Portugal, usa-se a denominação argüido para toda a per-
Criminal: ''Toda persona a quien se impute un acto punible podrá secução penal. O Código de Processo Penal português, no art. 57,
ejercitar el derecho de defensa, actuando en el procedimiento, determina que a pessoa assume a qualidade de argüido quando
cualquiera que éste sea, desde que se le comunique su existencia, contra ela for imposta uma ação penal acusatória ou requerida a
investigação preliminar. 213 Assim, a partir do momento em que há
dição: "Cualquier persona que sea indicada de cualquier forma como
partícipe de un hecho delictivo podrá hacer valer los derechos que el n11> Os arts. 58 e 59 determinam que é obrigatoriamente produzido o status
Código acuerda al imputado". Não se estabelecem atos determinados de argüido quando: "a) correndo inquérito contra pessoa determina-
nem·se condiciona o exercício da defesa à prévia existência de qual- da, esta prestar declarações perante qualquer autoridade judiciária ou
quer pressuposto formal. Esse foi o grande avanço operado pelas re- órgão de policia criminal; b) tenha de ser aplicada a qualquer pessoa
formas na legislação argentina. No direito pátrio, há quem sustente, uma medida de coação (cautelar pessoal) ou de garantia patrimonial
com razão, que não é preciso acusação formal para o exercício do di- (cautelar real); c) detido em flagrante delito; d) com a comunicação
reito de defesa: este pode se manifestar quando o sujeito sofre qual- da existência de uma notícia-crime escrita que lhe impute a autoria de
quer restrição e um direito suscetível de ser lesado ou ameaçado, como um delito; e) de declarações de uma pessoa surjam fundadas suspei-
o decreto de prisão preventiva, a nulidade do flagrante, excesso de tas de que ela cometeu um delito, a autoridade que realiza o ato deve-
prazo na prisão cautelar, recusa ao direito à fiança, seqüestro de bens rá imediatamente suspender tal ato e comunicar que a partir daquele
(Lourival Vilela Viana, Defesa penal, Revista do Curso da Faculda- momento aquela pessoa é considerada como argüido (art. 59). De-
de de Direito de Uberlândia, Uberlândia, ano 14, n. 1, p. 33-44,jan.- verá a autoridade indicar os direitos e cargas processuais previstos
dez. 1985, p. 38). no art. 61 do CPP; f) a pessoa sobre a qual recai a suspeita de haver
(ll2) Aury Lopes Júnior, Sistemas ... , cit., p. 293. cometido um delito tem o direito de assumir a posição de argüido,

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268 O DIREITO DE DEFESA NO INQUÉRITO POLICIAL RECONHECIMENTO 00 EXERCÍCIO 00 DIREITO DE DEFESA 269

a constituição do argüido, a pessoa passa a ter assegurado o exercí- ser indiciado.217 Da mesma forma, pode ser até recomendável que
cio de direitos e deveres processuais, conforme preceitua o art. 60 a polícia amplie o espectro da busca de elementos relevantes para
do CPP português, e, "entre esses direitos, avulta o de 'intervir no o esclarecimento da verdade material. Assim, se for pertinente às
inquérito e na instrução, oferecendo provas e requerendo as dili- investigações e à busca da verdade material, novos elementos para
gências que se lhe afigurem necessárias (alíneafdo n. 1 do art. 61.º). o inquérito podem ser buscados junto à pessoa que se encontra, ou
Quer isto dizer que o argüido se assume logo, no inquérito, como admite que se encontra, na situação de suspeito.
verdadeiro sujeito processual, dotado de todas as garantias de de-
fesa, o que, de resto, é uma decorrência das garantias do processo
3.2 Concretização do exercício endógeno do direito de defe-
criminal estabelecidas na Constituição (art. 32.º)".214
sa no inquérito policial
No Brasil, na mesma esteira, o Projeto de Lei 4.209/01, em
trâmite, marca, no art. 8.º, o indiciamento, exigindo fundamenta- Conforme o direito de defesa se exerça internamente, nos pró-
ção. Trata-se do momento inicial para o exercício do direito de prios autos do inquérito policial, por meio do interrogatório ou de
defesa, e se vier a ser postergado, todas as provas produzidas sem solicitações dirigidas ao delegado de polícia, ou externamente, fora
a participação do sujeito acusado devem ser reputadas ilícitas. 1 dos autos, pode o exercício do direito de defesa ser classificado,
Por fim, vale ressaltar que o direito de defesa decorrente do 1 ainda, como endógeno e exógeno ao inquérito policial. 2 18
1
indiciamento de fato, que encerra juízo de probabilidade, não ex- 1
i
clui o reconhecimento e exercício da defesa antes desse juízo. Com 1 aviso de garantia, o investigado deve ser cientificado o mais cedo
efeito, nada impede que o suspeito queira, desde logo, afastar a possível, ainda que não haja qualquer elemento de fundamentação.
suspeita que recai sobre ele,215 defendendo-se216 a fim de não vir a Cito como exemplo o suprncitado direito de ser cientificado previa-
mente da realização de peócias (art. 6.º, V a Vll e§ 1.0 ) . O direito
constituído por estes dispositivos são inerentes, não somente ao indi-
inclusive a seu pedido, sempre que forem praticadas diligências des- ciado, mas, igualmente, ao investigado. Sendo assim, ainda que a nova
tinadas a comprovar a imputação. A vantagem de assumir o status de lei não preveja, a polícia deverá cientificar o investigado da realiza-
sujeito passivo é a de gerar uma necessidade de observância, por par- ção da pericia. Isso sim é um aviso de garantia, sendo perfeitamente
te dos órgãos do Estado, de uma série de direitos que lhe assistem" dispensável a formalização da conclição jurídica de indiciado, bem
(Aury Lopes Júnior, Sistemas ... , cit., p. 298-299). como qualquer fundamentação" (A investigação criminal na refor-
C11<> Artur Rodrigues Costa, Obrigatoriedade do interrogatório... , cit, p. 154. ma do Código de Processo Penal: agilidade e transparência, Revista
15
<2 > Na-Argentina, o Código Procesal Penal de la Nación estabelece, no art. Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, ano 9, n. 34, p. 63-106,
73, a possibilidade de a pessoa comparecer pessoalmente com seu advo- abr.-jun. 2001, p. 78).
gado para aclarar os fatos e indicar as provas que lhe possam ser úteis. a,n Sérgio Marcos de Moraes Pitombo, Imbróglio ... , cit.
E o art. 279 do mesmo diploma dispõe que "la persona contra la cual se Cl"' A idéia é de Sérgio Marcos de Moraes Pitombo, em conferência so-
bubiere iniciado o esté por iniciarse un proceso, podrá presentarse ante bre o tema "Inquérito policial: novas tendências e práticas", proferi-
el juez a finde declarn.r''. Assim, parece claro que a pessoa suspeita tem da no V Seminário Internacional do Instituto Brasileiro de Ciências
o desejo de, desde logo, afastar qualquer imputação. Criminais, São Paulo, realizado entre 06 e 09.10.1999, texto inédito.
<216> Comentando o Projeto de Reforma do Código de Processo Penal, afir- Cf. doutrina, no direito português, cuidando da delimitação dos con-
ma Petrônio Calmon Filho que, "para funcionar como um verdadeiro tornos extra e intra-processuais da oportunidade (Carlos Adérito

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