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SUMÁRIO
DEDICATÓRIA
PRÓLOGO
UM
DOIS
TRÊS
QUATRO
CINCO
SEIS
SETE
OITO
NOVE
DEZ
ONZE
DOZE
TREZE
QUATORZE
QUINZE
DEZESSEIS
DEZESSETE
DEZOITO
DEZENOVE
VINTE
VINTE E UM
VINTE E DOIS
VINTE E TRÊS
VINTE E QUATRO
VINTE E CINCO
VINTE E SEIS
VINTE E SETE
VINTE E OITO
VINTE E NOVE
TRINTA
TRINTA E UM
TRINTA E DOIS
EPÍLOGO
CAPÍTULO BÔNUS
PEDIDO DA AUTORA
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Copyright © Mary Oliveira
Todos os direitos reservados.

Criado no Brasil.

Esta é uma obra de ficção. Seu intuito é entreter as pessoas. Nomes, personagens, lugares e
acontecimentos descritos são produtos da imaginação da autora. Qualquer semelhança com nomes,
datas e acontecimentos reais é mera coincidência.

Todos os direitos reservados. São proibidos o armazenamento e/ou a reprodução de qualquer parte
dessa obra, através de quaisquer meios — tangível ou intangível — sem o consentimento escrito da
autora.

A violação dos direitos autorais é crime estabelecido na lei n°. 9.610/98 e punido pelo artigo 184 do
Código Penal.
 

 
DEDICATÓRIA
A todos que já conheceram a dor de amar e perder alguém porque
ainda não eram maduros ou fortes o bastante para acreditar e
proteger esse amor.
 
 

PRÓLOGO
 

Como a filha da empregada de uma família de magnatas britânicos


havia chegado a uma das universidades mais requisitadas da Ivy League?
Como ela teve a ousadia de se apaixonar pelo herdeiro deles? E por que
infernos acreditava que poderia ter um final feliz com ele?

Essas perguntas voltaram a saltar na minha mente conforme eu me


aproximava da mansão em que a festa da fraternidade estava acontecendo.
A grandiosidade do lugar ainda me fazia sentir uma intrusa ali, por isso os
questionamentos retornavam com mais frequência do que eu gostaria.

É, eu sei. O que eu sentia era alguma droga de complexo de


inferioridade que uma pessoa só desenvolve quando cresce perto do luxo e
do poder, mas compreende (e é constantemente lembrada) que esse
convívio não diminui o abismo que existe entre ela e essa realidade
intocável. Por isso não importava quantas vezes eu me fizesse essas
perguntas, as respostas que eu encontrava nunca pareciam suficientes.

Eu tinha notas excelentes e era uma atleta promissora no ensino


médio, então minha bolsa para entrar na Columbia não poderia ser
considerada um golpe de sorte. Merda. Eu era esforçada, na verdade era
meio obcecada pela ideia de entrar nessa universidade e sair dela com um
passaporte para uma vida mais confortável e justa para mim, minha
irmãzinha e minha mãe. E nada havia me desviado desse caminho.

Nem mesmo ele.


Bruce Waldorf. O rei da Columbia. Um dos reis da Alpha Dragons.
O futuro rei do império de sua família.

Havíamos crescido juntos. Éramos algo como amigos, apesar de


mamãe dizer que se eu não tomasse cuidado seria só mais um dos
brinquedos que Bruce logo descartaria. Bem, mamãe, temos uma relação
próxima há oito anos e ele ainda me mantém em sua vida, mesmo depois de
entrar na universidade três anos antes de mim.

Mesmo depois de tirar minha virgindade.

Um calouro sem camisa passou correndo ao meu lado e a batida da


música que tocava na mansão mudou, How Deep is Your Love, de Calvin
Harris, começou a tocar. Parei no gramado em frente da estrutura imponente
repleta de luzes neon e jovens dançando, bebendo e até se agarrando na
sacada de um dos quartos.

Fazia menos de um ano que eu estava ali e ainda era meio irreal.

O choque entre a minha realidade e essa nova. A consciência de que


eu havia conseguido chegar a esse lugar. O peso da responsabilidade que eu
tinha sobre o meu futuro… Eu ainda tentava me acostumar a tudo isso.
Enfiei as mãos nos bolsos do moletom enorme do time de futebol
americano de Bruce – aquele que ele havia me dado após sua última vitória
como capitão do time. Era um ritual nosso desde que eu assisti seu primeiro
jogo ainda no ensino médio. Depois de vencer, ele sempre me dava a
camisa ou moletom que havia usado no dia do jogo.

Apesar de enormes, eu gostava de usá-los. E sabia que ele adorava


me ver com eles, mesmo que só tenha admitido isso há um ano, quando nos
acertamos.

Uma multidão começou a gritar “Vira! Vira! Vira” dentro da mansão


pouco antes de a porta da frente ser aberta bruscamente.

Então ele surgiu.

Lindo, grande e irritado, como de costume. Bruce era uma estrutura


sólida de genialidade, perspicácia, músculos, beleza e impaciência.

Sorri, meus olhos atentos a ele descendo os degraus da frente da


casa com um telefone no ouvido e um dos braços arrastando o ombro do
seu amigo – que obviamente estava bêbado. Liam Caldwell era outro ricaço
que um dia se tornaria um dos homens mais importantes desse país.

Senti meu celular vibrar no bolso do jeans e sorri novamente, não


precisei olhar para saber que era Bruce me ligando para saber onde eu
estava. Não seria a primeira ou segunda ligação que ele fazia. Estava
ansioso pela minha chegada. Eu tinha viajado com a equipe de corrida e
estávamos há quatro dias sem nos ver.

Meu coração deu uns saltos tolos quando seu olhar encontrou o
meu. O sorriso que despontou nos seus lábios foi instantâneo e fez um
também se formar nos meus.
Como esse homem podia ser tão lindo e gostoso? Tão largo, grande
e forte e ainda com esses olhos azuis e cabelos escuros... e também esse
maxilar tão másculo e essa postura imponente e inalcançável?
Como infernos ele podia estar apaixonado por mim?

E olhe, não me leve a mal. Não sou nenhuma garota tola e sem
autoestima. Tenho espelho e sei que sou uma grande gostosa, sim, mas ele
ainda é o rei e dono de tudo em que toca, entende? O que pode enxergar em
mim que não encontraria numa filha da alta sociedade novaiorquina com
quem ele convive desde sempre?
Bruce soltou Liam, que cambaleou e quase desabou no chão. Não
me movi enquanto meu homem vinha até mim e ri em seus braços quando
me ergueu com apenas um braço sustentando minha bunda. Envolvi sua
cintura com minhas pernas e seu pescoço com meus braços. Sua boca
estava na minha antes que eu pudesse emitir qualquer saudação.

E merda, como havia sentido falta daquela boca, do seu toque, das
mãos grandes me apertando, da sua intensidade, calor, daquele seu jeito de
me dominar apenas com os movimentos hábeis e determinados de sua
língua.
— Acho que alguém sentiu minha falta também — provoquei ao
perceber sua urgência, sem afastar nossas bocas ou me importar se tínhamos
plateia.

Ele rosnou baixinho e voltou a pressionar nossos lábios, uma das


mãos vindo até minha nuca.
— Ah, Cherry. — Ele afundou o rosto em meu pescoço, inspirando
meu cheiro. Um arrepio atravessou minha espinha, não sei se por ouvi-lo
me chamar por aquele apelido bobo, por sua voz rouca ou pelo sotaque
britânico que sempre espalhava vibrações sob minha pele. — Caralho, você
vai ter que se mudar comigo quando eu me formar.

Meu sorriso se desfez com o lembrete de que ele concluiria seu


curso em breve, mas acho que ele não percebeu, porque seus beijos
continuaram em meu pescoço. Eu o abracei forte e fechei os olhos, me
dando apenas um momento para apreciar tudo dele depois dos dias que
havíamos passado longe um do outro.

Oficialmente, estávamos juntos, como namorados, há poucos meses,


mas ninguém além dos seus quatro melhores amigos sabia disso. A galera
da faculdade podia até imaginar, porque Bruce era territorialista e já tinha
deixado nosso relacionamento bem claro para todos os homens do campus,
mas nossas famílias? Não.

E diferente dele, eu não queria que isso mudasse. Não ainda.

A família Waldorf era tradicional. Dinheiro, poder e status


importavam, sim, para eles. Nunca aceitariam ver seu herdeiro com a filha
da empregada.
Talvez isso não mudasse nem mesmo quando eu me formasse,
encontrasse um bom emprego e pudesse tirar minha mãe daquela casa e
função, mas eu preferia que ela não precisasse sofrer represálias por eu ter
me apaixonado pelo filho dos seus chefes.

Além disso, eu tinha consciência de classe e parte dela fora


enraizada em minha mente pela Sra. Waldorf. Ela sempre fez questão de
delimitar os espaços que eu não deveria ultrapassar em sua casa e na vida
do seu filho e família.
Eu ainda precisaria de algum tempo para conseguir a coragem para
lidar com ela, com suas críticas, acidez e preconceito.
— Tenho uma surpresa pra você — Bruce sussurrou, sua voz grave
transmitindo vibrações através da pele sensível do meu pescoço.

— O quê?

Ele depositou um beijo suave abaixo da minha orelha.


— Só vamos falar sobre isso quando eu concluir as provas finais.

Eu trouxe seu rosto para perto do meu, de modo que pudesse olhar
em seus olhos.

— Sabe que sou ansiosa demais pra lidar com surpresas assim.

Ele acenou uma e outra vez.


— Eu sei, mas não se preocupe, acho que vai gostar... espero que
goste.

Apertei os olhos, estava prestes a reclamar, mas o sorriso que lutava


para despontar em seus lábios me impediu. Eu amava ver os cantinhos da
sua boca se curvando daquela maneira, mesmo quando a força de vontade
de Bruce o fazia se conter. Ele não era do tipo que sorria ou expressava
emoções, era assim desde que eu o conheci aos doze anos, mas comigo…
comigo ele se permitia não apenas sorrir, mas ser carinhoso.
Eu me sentia privilegiada por isso. Enxergar que ele dava partes
suas que eram só para mim deixava sempre um quentinho no meu peito.

Em vez de insistir no ponto anterior, voltei a pressionar nossos


lábios e abraçá-lo.

— Hey, Batman, Emma chegou pra te arrastar pelas bolas de novo?


— a voz familiar de Maverick Bradshaw, melhor amigo de Bruce, soou a
alguns metros de nós, me fazendo erguer o rosto e encontrá-lo descendo as
escadas seguido por três garotas, para alcançar Liam, que já havia desabado
sobre o chão.

Eu ri. Seus amigos eram legais. Depois de alguns meses me fazendo


sentir intrusa em sua relação com Bruce, eles tinham me incluído em seu
grupo e me tratavam como uma espécie de irmã mais nova, mas adoravam
provocar Bruce – e sabiam que era muito fácil conseguir isso. Diziam que
ele era o primeiro (e, se dependesse da força de vontade deles, o único) a
ser agarrado pelas bolas por uma mulher.

Eu admitia que adoraria vê-los pagando por essas palavras.


Eles eram os Cinco Herdeiros de Nova Iorque – se você contasse
com Blake Davenport, que era o único a não estudar em Columbia
atualmente. Eram a elite de herdeiros em ascensão, os próximos reis que
compartilhariam o domínio sobre Nova Iorque e, eu não hesitaria em dizer,
sobre todos os Estados Unidos.

E não, eu nunca acreditaria que eles eram homens incríveis e que


nunca me trataram mal ou desconfiaram de mim, mas acho que eles
começaram a enxergar que eu realmente amava Bruce, porque agora eu
sentia que me aceitavam como parte da família que eles escolheram formar
juntos.

— Vá comer merda, Bradshaw — Bruce rosnou para ele,


começando a nos tirar dali. Sem se importar em se despedir de seus amigos.
Em meu ouvido, com suas mãos possessivas apertando minha cintura, ele
concluiu: — Eu vou comer minha mulher.

Soquei seu peito, mas estava sorrindo quando ele voltou a me beijar.
Sabia que era uma droga, mas adorava ouvir aquele minha mulher.
Minha colega tinha ido passar o final de semana com sua família,
por isso nos esgueiramos até meu quarto. Quando a porta bateu às nossas
costas, Bruce me pressionou a ela, suas mãos já percorrendo meu corpo sob
o moletom. Acariciando as curvas, erguendo o tecido da minha blusa,
afastando o sutiã…

Um gemido rouco deixou meus lábios no momento que meus seios


foram apertados. Eu gostava quando ele fazia isso. Gostava muito. Me
deixava fraca.

— Minhas provas começam na próxima semana, Cherry — ele me


lembrou, por entre o beijo, soando como se estivesse justificando suas
próximas palavras. — Então vou ter que passar o final de semana enterrado
na sua boceta.
Sorri, nossas respirações ofegantes, nossa proximidade sendo
mantida mesmo após eu tirar sua camisa e enfiar a mão por entre minhas
pernas para agarrar seu pau por sobre sua calça. Bruce adorava quando eu o
tocava. Adorava me ver tomando a iniciativa, porque sabia que isso
significava que eu estava cada vez mais confortável com nossos corpos e
todas as coisas sujas que fazíamos com eles. Eu achava até que estava
ficando muito boa em provocá-lo. Não consegui ser assim quando perdi
minha virgindade com ele há quase um ano, mas agora não tinha motivos
para não me permitir ser desinibida. Nossa intimidade e o que sentíamos um
pelo outro eram muito maiores.

— Não vamos nos ver durante a semana, então — concluí, porque


era o que acontecia desde o ensino médio. Não éramos nerds (okay, talvez
até fôssemos um pouco), mas éramos muito mais obcecados pelas melhores
posições, pelas melhores notas. Ele, porque fora obrigado a ser e se
acostumar a ser o melhor desde sempre; eu, porque precisava ser a melhor
dentro das minhas possibilidades, para ter alguma chance naquele mundo.

A proximidade entre nós em período de provas não nos ajudaria a


focar no que precisávamos estudar. E respeitávamos essas questões um do
outro. A distância de que precisávamos nesses momentos.

Quando me colocou sobre a cama estreita, o peso do seu corpo


grande fez a madeira do móvel estalar, mas não nos importamos. Nos
livramos das roupas por entre beijos e toques provocativos e ele voltou a
grunhir em minha boca ao sentir minha mão envolvendo seu pau, o eixo
duro enchendo minha palma e pulsando sob meu domínio. Meu núcleo se
contraiu à mera lembrança da última vez que o havia recebido dentro de
mim, me enchendo toda, num aperto quase desconfortável. Ainda me
admirava como tudo aquilo cabia em mim, mas seu tamanho já não me
assustava, como na primeira vez.

— Cherry — ele rosnou em meus lábios, mordiscando-os sem pena,


uma mão ousada alcançando o interior das minhas pernas e se enfiando em
mim sem aviso. Dois dos seus dedos me invadiram sem dificuldade, eu já
estava preparada para recebê-lo. — Caralho, eu amo tanto você, porra. Amo
tanto essa boceta que tá sempre pronta pra mim.

Voltei a me contrair sem controle sobre mim mesma, gemendo


quando ele chupou meus lábios.

— Me ama? — emiti, masturbando-o com mais força. — O que ama


em mim além da minha boceta, Bruce?

Era uma provocação. Era uma dúvida genuína. Era uma tentativa
tola de me convencer de que eu podia aceitar aquele amor que sentia
sempre que seus olhos encontravam os meus.
Eu o merecia, não é? Eu merecia esse homem e seu amor?
Independente dos mundos em que vivíamos? Apesar do que sua família
acharia?

Seus dedos me penetraram mais fundo.

— Seu cérebro — ele respondeu, encostando os lábios em meu


ouvido. Sua voz saindo em sussurros roucos que me deixavam mole e fraca.
— Amo que seja tão inteligente, Cherry. Tão determinada e forte… tão
doce e divertida. Tão linda e espontânea. Tão dedicada e minha.
— Sua?

— Minha — ele repetiu em minha boca. — Minha desde que socou


meu peito e me empurrou na piscina no dia em que nos conhecemos. Minha
em todas as vezes que me chamou de herdeirinho rabugento. Minha desde
que me deu seu primeiro beijo. Minha quando me deixou ser seu primeiro.
Minha em todas as vezes que gozou com meu pau e gritou o meu nome.

Um nó bobo surgiu em minha garganta e o soltei para envolver seu


corpo com meus braços e pernas. Trazê-lo para tão perto quanto podia.

Sim, eu fui sua em todas aquelas vezes. Acho que desde que o vi
pela primeira vez.

Acho que sempre seria.

Eu só não conseguia acreditar também que ele sempre seria meu.


Talvez porque uma parte de mim, mesmo ali, já soubesse que o abismo
entre nossos mundos um dia nos separaria, afinal… Como a filha da
empregada tivera a ousadia de se apaixonar por um dos herdeiros de Nova
Iorque?
E por que infernos ela acreditou que poderia ter um final feliz com
ele?
 

UM
 

 
Cinco anos depois
— Dizem que você é o próximo Jeff Bezos — Chuck Gustafson
debochou, ainda lendo a matéria da Forbes que insistira em me mostrar
desde que chegara à minha casa há meia hora. O alemão podia até usar
aquele tom sarcástico, mas o sorriso em seus lábios denunciava o orgulho
que sentia ao ver meu nome naquela lista. Ele mesmo a tinha encabeçado há
dois meses, como o herdeiro mais bem-sucedido antes dos trinta. — Eles
citam até a aparição inédita das empresas da sua família no relatório da
Brand Finance 2022, como uma das marcas mais valiosas do mundo. O que
só aconteceu depois que você assumiu os negócios em Londres.

Suspirei, desviando meu olhar da vista elegantemente fria que o


inverno dava ao Hyde Park.
Com uma mão estendida para fora da poltrona em que estava,
Chuck deslizava o dedo sobre o botão que acionava a chama a gás do seu
isqueiro. Uma réplica do que eu tinha… e óbvio, os outros três filhos da
puta que faziam parte do nosso seleto grupo que comandava a Alpha
Dragons na Columbia até cinco anos atrás.

Parecia que uma vida tinha se passado desde que estudamos juntos
naquela universidade, desde que eu concluí meu curso e saí dos Estados
Unidos sem olhar para trás.

Abandonando tudo, mas principalmente o que me lembrava dela.


— Quando vai me dizer o que diabos veio fazer aqui? — indaguei,
não disposto a fingir qualquer simpatia. Não gostava de receber visitas e,
mais que tudo, odiava perder meu tempo. Chuck deixou seu iPad de lado e
direcionou a mim seu olhar afiado e sorrisinho debochado, aquele que
parecia uma máscara que ele já não percebia que usava.

— Está mesmo decidido a voltar aos Estados Unidos?


— O dono da Aubrey’s aceitou minha oferta. Consegui adquirir
cinquenta e oito por cento das ações da empresa e vou incorporar um teste
beta dela ao nosso marketplace norte-americano — contei. Sorvi um gole
do meu chá gelado e me sentei no sofá à sua frente. — Quero estar perto
durante cada fase dessa transição.

Ele acenou, concordando. Tínhamos uma sociedade em alguns


empreendimentos nos Estados Unidos, ele estava ciente dos meus planos de
expandir nosso alcance no país, explorando um mercado que outras
empresas ainda não haviam se arriscado a penetrar. Eu não duvidava de
que, como investidor, esse filho da puta já tivesse adquirido sua parcela de
ações na bolsa de valores.
— Você sabe que Emma ainda está em Nova Iorque, não é? — ele
indagou, finalmente adentrando o assunto que o levara até ali.

Icei uma sobrancelha irritada em sua direção. Emma era a droga de


um assunto proibido entre nós desde que eu havia encerrado nossa relação.
Desde que havia descoberto que o que tínhamos não passava de uma ilusão
da minha parte e de um golpe da dela.

— Não dou a mínima se ela está lá ou em Xangai — atirei, uma


mentira que repetiria não importava quantas vezes fossem necessárias. —
Se veio aqui com o intuito de falar dela, já pode ir embora. Tenho mais o
que fazer.

Ele sorriu.

— Deveria se preparar para encontrá-la — ele alertou, guardando


seu isqueiro, mas permanecendo sentado. — Não duvido de que ela esteja
trabalhando em alguma corporação grande. Pode não se lembrar, mas ela
era uma das favoritas dos professores. Certamente foi indicada por muitos
deles.
A provocação me atingiu mais forte do que eu gostaria de
reconhecer depois de tantos anos. Um soco muito bem dado no meu
orgulho. Chuck sempre esteve com pé atrás sobre a permanência de Emma
na minha vida. Para ele, estávamos num nível que certas pessoas não
deveriam ter o poder de alcançar e muitas mulheres tentavam fazê-lo
através de sexo, de filhos ou casamento. Tinha seus próprios motivos
fodidos para pensar assim.

Ele não perdia a oportunidade de me lembrar de que eu havia sido


enganado por uma dessas mulheres. Que eu havia passado meses
chafurdando no fundo do poço, na droga de uma reabilitação, por causa
disso. Não sabia nem metade de toda a merda que realmente havia
acontecido. Mas não me interessava se ele só queria me impedir de repetir o
mesmo erro, eu não precisava ser lembrado disso. Ou ter uma babá para
proteger a merda do meu coração.

Ele estava muito bem trancafiado entre icebergs no meu peito.

— Sei onde ela está, Bruce — avisou e se inclinou em minha


direção. — Fiz questão de investigar.
— Mas eu não quero saber — garanti, me erguendo. — Se isso era
tudo, você conhece a saída. Não apareça mais na minha casa sem me avisar.
Sabe que odeio visitantes.

Notei o divertimento em seu tom quando ele retrucou:


— Você odeia visitantes inesperados. Situações inesperadas. Tudo o
que não está na sua agenda perfeitamente cronometrada.

— Se me conhece, por que infernos veio me perturbar? — grunhi,


me afastando.

— Porque somos amigos, oras. — Ouvi sua voz às minhas costas, o


idiota estava me seguindo para fora do escritório. — Estou preocupado com
seu retorno aos EUA.

Bufei.
— Eu deveria ter escolhido melhor meus amigos — foi tudo o que
ainda me dei o trabalho de dizer.

— Arranje um tempo na sua agenda para conhecer nosso clube! —


ele ainda gritou conforme eu subia as escadas, mas ignorei. Minha mente já
estava sendo socada por imagens de Emma.
Fechei a porta às minhas costas e encarei o quarto imenso e vazio.
Eu vivia nele há quase cinco anos e ainda me parecia estranho, como se
nunca tivesse se tornado meu de fato.

Não sei o que exatamente me levou ao quadro que ocultava o meu


cofre pessoal, mas quando me dei conta do que fazia, eu já estava o abrindo.

Engoli em seco ao me deparar com o único item que o ocupava.


Aquele feito especialmente para o anelar esquerdo de Emma. Eu deveria ter
dado fim nele no momento que saí de Nova Iorque, mas não, tinha o trazido
comigo e ainda o mantinha ali, ao meu alcance sempre que o passado
voltava a se fazer presente em minha mente.

Peguei a caixinha de veludo vermelho e me aproximei da cama.


Fazia alguns meses desde que eu a havia aberto pela última vez e desta vez
não consegui me obrigar a fazer isso. Apenas observei a caixa fechada.

Deitei-me sobre a cama, com as pernas ainda para fora dela.


Suspirei ao finalmente conseguir me forçar a dar fim a essa porra de tortura
e deixá-la de lado, mas quando o fiz e fixei minha atenção no teto alvo
acima de mim, ele se transformou numa enorme tela de cinema,
transmitindo contra minha vontade as lembranças da noite que eu já
gostaria de ter apagado da minha vida.

A discussão acalorada dos meus pais quando cheguei em casa. As


tentativas de mamãe de socar papai, que eu tentei impedir, mesmo sem
compreender o que acontecia. E suas palavras. As palavras que ecoaram
como uma sentença que mexeria também com meu destino.

— Você me forçou a assistir sua filha bastarda crescer na minha


casa? Com o meu filho? Manteve um relacionamento às escondidas com
aquela miserável ignorante? Aquela coisinha estúpida que colocou aqui
dentro dizendo que merecia uma chance?

— Barbara, se controle! — papai mandou, do alto do seu pedestal


de indiferença.

Em choque, observei mamãe menear a cabeça em negativa,


lágrimas de raiva cintilando em seus olhos azuis. Os cabelos loiros longe
de formar os penteados elegantes que ela usava todos os dias. Não me
surpreendi quando ela começou a agarrar coisas e lançar na direção de
papai. Vasos, cinzeiro… tudo o que suas mãos alcançavam. Apenas nesse
momento percebi que a sala da mansão já estava uma zona.

A discussão tinha começado muito antes de eu chegar.

— Seu desgraçado! Fraco e estúpido por cair no jogo daquela


apedeuta desclassificada! — ela o insultava, tão fora de si que começara
até mesmo a usar um arsenal de xingamentos que eu sequer imaginava que
ela conhecia.
Precisei intervir quando papai tentou avançar sobre ela, e o
empurrei para longe. Meus olhos presos ao seu rosto, esperando que ele
negasse aquelas acusações, que dissesse que mamãe estava louca.
Qualquer droga que diminuísse o peso do que ela dizia. Ela se referia a
uma das funcionárias de dentro da mansão, não é? Uma das que vivia na
casa dos empregados.

Mas só uma delas tinha uma filha.


Só uma delas fazia parte da minha vida.

— E agora seu filho está indo pelo mesmo caminho, não é? — Ela
meneou a cabeça, revoltada. — Dois idiotas guiados pelos próprios pênis!
— Mamãe… — grunhi, num alerta, mesmo quando sentia os
pulmões já presos sob uma pressão insuportável, mas ela me ignorou.

— Eu te avisei, Bruce! Por anos! Aquela garota é uma sonsa


interesseira!

— Você nem a conhece!


— Você não a conhece! Eu reconheço tipos como ela de longe,
graças ao fraco do seu pai! — gritou. — Será que estava tão desesperado
pra ser amado que não enxergou o óbvio? Não foi capaz de escolher nem
alguém à sua altura? Tinha que ser aquela coisinha insignificante?

— A senhora está fora de si. Essa raiva não é minha culpa ou da


Emma — foi tudo o que ainda me dei o trabalho de dizer. Discutir com ela
agora não era uma opção. Ela só queria poder gritar com alguém.

Mamãe parou e expirou profundamente, então acenou em negativa,


desviando o olhar, como se desistisse de mim.

— Sabe quando vou permitir que você e seu pai me envergonhem


com essas vagabundas? — Ela estreitou os olhos. — Nunca!
Seu olhar cortante voltou a papai.

— Você vai tirar essas indigentes da minha casa! Vai sumir com
elas e arrumar toda essa bagunça! Se aquela mulherzinha abrir mesmo um
processo contra nós, Sebastian… se ela fizer isso ou continuar ameaçando
nossas vidas, eu vou matá-la! Está me ouvindo?! Vou matá-la e fazer o
mesmo com aquelas coisinhas insignificantes que ela colocou no mundo! —
ela avisou, rouca pelos seus próprios gritos.
Ouvi seus passos escada acima, mas não a encarei. No momento, eu
precisava de algo do homem à minha frente.
O olhar de papai finalmente encontrou o meu, e o sustentei, firme,
até o impedi de sair quando tentou se afastar, empurrando-o contra a
parede mais próxima e prendendo-o com meu corpo. Um braço
pressionando sua garganta, num aviso claro de que não sairia dali até me
dizer algo. Podia ser meu pai e mais velho, mas eu era maior, mais forte,
não o respeitava como homem e estava sentindo minha cabeça latejar com
um tipo de raiva que não lembrava de já ter sentido.

Estava a um maldito passo de socar seu rosto aristocrático.

Uma traição dele não era uma novidade, mamãe lidava com essas
merdas há muito tempo, continuava nessa porra de casamento porque
queria e eu havia parado de me importar depois de perceber que eles
estavam confortáveis nessa relação deturpada mas nada do que eles faziam
por si mesmos tinha afetado minha vida dessa maneira.

— A mãe de Emma… — ele iniciou, seus olhos isentos de emoção.


Nenhum arrependimento, nenhuma vergonha… nada — tem sido minha
amante há anos.

As palavras me atingiram lentamente, mas vieram como um soco no


estômago, roubaram o ar dos meus pulmões.

— Então Emma é… — eu não consegui concluir.

Ele meneou a cabeça em negativa, consciente da pergunta que eu


tentava fazer.

— Eu nunca teria deixado vocês se aproximarem se ela fosse minha


filha, Bruce — ele me afastou —, mas a irmã mais nova dela é, então é
melhor você manter distância delas. Não duvido de que Emma e Serena
estavam armando contra nós. Serena está me ameaçando, cansou da
posição de amante, de ser humilhada por Barbara. Garanta que Emma não
faça o mesmo com você.

Acenei em negativa, incapaz de engolir aquelas palavras, de aceitá-


las, mas não consegui dizer nada.

— Aprenda com meus erros — ele prosseguiu, arrumando o próprio


terno e a gravata torta. — Mulheres como elas são boas debaixo dos
lençóis, mas péssimas fora deles, especialmente quando começam a achar
que podem ter mais do que nossos paus entre suas pernas. Então…

Meu punho cerrado atingiu sua boca num soco que nenhum de nós
previu. As palavras morreram em seus lábios antes que ele pudesse
continuar igualando Emma à vadia chantagista da sua mãe.

Papai não revidou, manteve sua calma fria conforme voltava seu
rosto novamente para mim, se limitando a limpar o sangue de sua boca e
me observar em silêncio por alguns instantes.
— Não me diga que foi tolo o bastante para se apaixonar — ele
disse, naquele tom passivo-agressivo que eu odiava. — Pra acreditar que
uma garota como aquela podia ser mais do que um brinquedo em suas
mãos.

— Cala a boca — mandei e desta vez, sim, ele revidou. Com um


tapa forte o bastante para fazer meu rosto inteiro latejar. O estalar da sua
palma ecoou na enorme sala e precisei cerrar as mãos em punhos com
força, mas isso não foi suficiente para não avançar sobre ele mais uma vez.
Meu punho foi agarrado por sua mão antes que eu voltasse a acertá-lo.
— Você é meu herdeiro. Nasceu pra levar o legado da família
adiante — lembrou, suas palavras recaindo sobre mim como o peso que
sempre foram. A verdade que justificava meu nascimento. — Ponha-se no
seu lugar e coloque aquela garota no dela. Termine o que existe entre vocês
e faça o que for necessário para silenciá-la. Se não fizer isso por si mesmo,
vou fazê-lo nos meus próprios termos.

A ameaça, mais do que seu lembrete, fez meu coração voltar a


disparar no peito. Eu não duvidava de nada que pudesse vir dele.

Papai não aguardou uma resposta de mim e saiu, seguindo para as


escadas que levavam ao seu quarto.

Meu maxilar trincou com a força que o apertei, vidro e porcelana se


estilhaçaram sob minha mão quando soquei um móvel qualquer da sala.
Raiva vibrava através do meu corpo, eu conseguia sentir as veias em minha
testa e pescoço latejando.

Precisei de alguns instantes sozinho para processar tudo o que


havia sido dito nos últimos quinze minutos, para entender como tudo aquilo
poderia afetar o que eu tinha com Emma e não estava disposto a encerrar
independente das ameaças que recebesse.
Há algumas semanas, mamãe desconfiava que meu envolvimento
com Emma não era mais apenas de uma amizade e começara a me
pressionar para dar um fim a tudo, o que eu ignorava solenemente. Não era
mais o garoto tolo em busca da sua aprovação e amor. Já há algum tempo
não me sentia obrigado a ceder às exigências dela e de papai.

Não sei em que momento exatamente decidi ir para os fundos da


mansão e seguir pelo jardim em direção à casa simples em que Emma vivia
com sua mãe e irmã mais nova.

Engoli em seco ao vê-la através da janela entreaberta da sala da


frente. Ela chorava. Sua irmã, Emy, também chorava. As duas abraçadas
enquanto a voz de sua mãe era um zumbido que se aproximava cada vez
mais. Como se emergisse de um corredor.

Ela não me viu, eu não consegui chamá-la. Não consegui porque


era óbvio que sua vida havia desmoronado e eu ainda não sabia o que faria
para ajudá-la.

Para nos ajudar.

— Se mexa, Emma! Precisamos sair daqui antes que aquela mulher


volte! — A voz de Serena se tornou mais nítida quando disse essas
palavras. Logo pude vê-la aparecer na sala com duas malas. Pouco
abalada pelo sofrimento das filhas. Na verdade, sua expressão era a de
alguém satisfeita consigo mesma. — Vamos, vamos!

Emma acenou em negativa, se afastando de Emy, e limpando o


próprio rosto. Ainda vestia um dos meus moletons, aquele que eu tinha lhe
dado recentemente.
— Para onde vamos? O que a senhora pensou que aconteceria
quando os ameaçasse?

Sua mãe bufou.

— Não seja ingênua. Sebastian vai ter que nos ajudar. Ele não é
idiota.

— Mas como eu…

— Vai lidar com Bruce? Ah, querida, você precisa confiar mais em
seu próprio poder. Aquele garoto está em suas mãos. Vai fazer e acreditar
no que você disser.

Meu coração parou ali, sob o aperto de morte que aquelas palavras
exerceram sobre ele.
— Mamãe… — Emma tentou novamente, mas foi interrompida.

— Ele não queria que vocês morassem juntos? Aceite! Emy e eu


vamos nos virar. Mas talvez você precise engravidar logo, assim terá
alguma segurança.

— Mamãe!

— Não grite comigo, garota! Eu nos livrei das humilhações daquela


filha da puta, você devia me agradecer depois de tudo o que ela te disse
hoje! Se for esperta o bastante, não perderá Bruce. Eu já disse que aquele
idiota comeria na sua mão, se você mandasse. Você é a única que o
aguenta mesmo! Então deixe de ser estúpida e continue fazendo sua parte.

Fazendo sua parte?


Me aguentando?

— A senhora não pode esperar que eu continue…


— Sim, eu espero, sim! Aquele garoto é seu passaporte pra vida de
luxo que merecemos! Ou acha que eu fiquei todos esses anos nessa casa
por outro motivo? — Ela bufou e deu as costas à Emma. — Agora engula
esse choro e venha me ajudar! Guarde esse maldito drama para aquele
garoto.

Eu devia entrar de uma vez? Devia deixá-las saberem que eu estava


ali? Devia exigir explicações? Devia explodir como eu sentia que estava a
um passo de fazer?

Eu não sabia e acho que ainda não tinha certeza do que faria quando
me esforcei para ultrapassar o choque e entrar naquela sala. Acho que eu
também não quis demonstrar a perturbação mental que sentia, mas foi inútil
qualquer tentativa de permanecer calmo e inabalado depois do que tinha
sido dito. E tudo só piorou quando Serena tentou me expulsar. Eu atravessei
o pequeno cômodo, passando por ela como o obstáculo indesejável que era,
e mandei Emma me explicar de que porra elas estavam falando.

E eu precisava tanto que ela me dissesse algo… que ela silenciasse


todas aquelas vozes que tentavam me fazer duvidar do que tivemos… que
ela jogasse na cara da sua mãe que o que tivemos foi sim real desde início,
que nunca me trairia… que me amava mas quanto mais respostas eu exigia,
mais sua mãe gritava para ela não dizer nada e mais Emma chorava, sem
emitir qualquer resposta capaz de nos acalmar. Sem me dizer o que eu
precisava ouvir. O que sua mãe merecia ouvir enquanto discutíamos.

E no fim eu só parecia um louco, desesperado para me agarrar à


história que havíamos construído, transtornado pela mera possibilidade de
ser o único a tê-la vivido de verdade.

A ter amado alguém de verdade.


 
DOIS
 

 
Meus saltos já pendiam entre meus dedos quando deixei o elevador
no meu andar. A mochila pesando muito mais do que naquela manhã,
quando saí para trabalhar.

Eu estava uma bagunça de cansaço físico e exaustão mental. E era


só segunda-feira.

Pesquei minhas chaves no bolso lateral da mochila. Um olhar rápido


para o relógio em meu pulso e confirmei que já se passava de oito e meia, o
que explicava meu estômago roncando aos quatro ventos. Meu horário de
saída era às 17h, mas a empresa estava passando por uma mudança grande e
eu tinha sido encarregada de uma parte importante do trabalho. Uma
parcela das ações tinha sido comprada por um magnata misterioso num
processo confidencial e eu faria uma apresentação a ele no dia seguinte.
Abri a porta e suspirei, adentrando o apartamento pequeno, mas
confortável e… meu – podemos ignorar os próximos trinta anos que vou
passar pagando-o, obrigada.
Emy estava ancorada sobre o sofá, submersa entre um sem-número
de cobertores. Seu rosto desviou da TV para mim e ela sorriu.

— Você chegou tarde — comentou, depositando as linhas e a agulha


que usava sobre o móvel ao lado do sofá pequeno. Eu já havia desistido de
entender como uma garota de oito anos poderia gostar tanto de fazer crochê.

Mas ela adorava. E era muito boa nisso.

— Desculpe — pedi, a babá já devia ter ido embora há umas duas


horas. Abandonei a mochila sobre o balcão que dividia a sala da cozinha e
os saltos, na sapateira ao lado da porta. — Você já comeu algo?

— Sim.

Eu estava prestes a abrir a geladeira, mas hesitei ao ver o cartão


postal preso a ela. Era novo, de uma praia no Caribe. Mamãe continuava
viajando.

Aproveitando sua vida.

Voltei a suspirar, e só não amassei aquele postal porque Emy


gostava de colecioná-los. Dizia que um dia conheceríamos juntas todos
aqueles lugares.

Talvez ela pudesse tê-los conhecido com mamãe, se eu tivesse


deixado, mas não pude. Não quando mamãe estava tão inconsequente sobre
o bem-estar de Emy. Por ela, minha irmã não precisava mais ir à escola. Ou
fazer três refeições ao dia. Só precisava comer o bastante para continuar
viva e recebendo a pensão de seu pai.
Sebastian Waldorf. O patriarca da família que havia nos humilhado
e rechaçado como ratas invasoras.

Na época que comecei a impedir mamãe de arrastar Emy por suas


viagens, eu não tinha as melhores condições para criar uma criança, estava
pegando serviços de meio período e fazendo malabarismos com os
trabalhos e aulas da faculdade, mas nunca deixaria Emy passar qualquer
necessidade e garantiria que ela continuasse na escola.

E o fiz, mesmo quando isso significou ameaçar mamãe para ela


pagar uma escola, ou obrigá-la a lidar com Sebastian e a justiça, por estar
esbanjando o dinheiro da pensão de Emy, que facilmente era o dobro do
meu atual salário.

Peguei uma das marmitas que havia feito no dia anterior e a


coloquei no micro-ondas. Gostava de deixar a comida da semana pronta e
isso facilitava até para Emy, que só precisava chegar da escola e esquentar o
que quisesse comer.

— O que está assistindo? — perguntei, me livrando do blazer e


pegando a comida já quentinha para me sentar ao seu lado no sofá. Tomaria
banho depois de comer, não aguentaria esperar mais um minuto de
estômago vazio.

— Era uma entrevista, mas… — Ela se interrompeu enquanto


pressionava botões do controle remoto e só entendi o motivo quando olhei
para a tela. Meu coração afundou alguns quilômetros no peito, meus braços
caindo aos lados do meu corpo de modo que quase deixei a comida cair
também. — Desculpe, Emma, mas ele é tão lindo! E é tão difícil ver esse
rosto na TV, que não resisti quando vi o comercial anunciando a entrevista.
Engoli em seco, meus olhos ainda presos aos azuis de Bruce
Waldorf. Um pouco da minha fome passou ao vê-lo, precisei fazer um
esforço consciente para me sentar ao lado de Emy e começar a comer.
Logo ela conectou a TV ao seu canal de streaming preferido. E o
rosto de Bruce sumiu da tela.

O purê de batatas desceu como concreto pela minha garganta, mas


eu não disse nada. E Emy se aproximou para se aconchegar a mim.
— Vocês formavam um casal tão lindo — ela sussurrou, seu braço
magro envolvendo minha cintura, o rosto se acomodando ao meu peito.
Quando o assunto era o que havíamos vivido na propriedade dos Waldorf,
sua memória eidética era um problema. Eu não gostava que ela ainda
tivesse acesso a tantas lembranças daquele lugar. — É uma pena que não
tenham dado certo.

Ainda não respondi, sabia que era melhor voltar a comer. Nunca
falava sobre Bruce. Falar sobre ele costumava me levar com mais facilidade
às lembranças do dia em que ele pisoteou meu coração e meu orgulho.
E lembrar disso me deixava mal. Eu descobria níveis diferentes do
fundo do poço sempre que deixava essas lembranças voltarem a me
consumir.

— Emma…

— Sim? — respondi, após terminar minha refeição. Meus braços


também a envolviam a essa altura.

— Você acha que ele também me odeia?


Pressionei os lábios ao ouvir essa pergunta, então beijei o topo da
sua cabeça. Antes mesmo de saber que Bruce era seu irmão, Emy o
mantinha em um tipo de pedestal. Era seu ídolo.

No passado, eu responderia sua pergunta com um não. Diria que


Bruce não culparia nem odiaria uma criança por erros dos pais dela. Mas
hoje? Hoje eu não era capaz de iludir a mim mesma sobre isso, e não queria
que Emy se iludisse também. Se Bruce se importasse de qualquer maneira
com ela, que também era sua irmã, a teria procurado.

Eu não o julgava por não ter feito isso, mas não defenderia sua
atitude ou mentiria dizendo que acreditava que ele tinha motivos válidos.
Era só a crença que toda a sua família parecia compartilhar de que éramos
insignificantes perante o poder e dinheiro deles.

Que se danassem. Todos eles.

Quem continuava a perder era Bruce, porque Emy era uma irmã
incrível, um sopro de felicidade que brilhava até nos dias mais tristes e
cansativos da minha vida, e seria capaz de penetrar até a escuridão daquele
coração enferrujado que ele tinha.
— Por que ele te odiaria? — indaguei. — O que você fez para que
ele te odiasse?

Ela se encolheu.

— Nada.

— Exatamente. Ele não tem motivos para te odiar. Se é incapaz de


amar a garota incrível que você é, esse é um problema dele.
Ela me abraçou mais forte.

— Talvez você tenha razão. Se ele foi idiota o bastante para perder
você, deve ter algum problema sério.
Sorri e voltei a beijar sua cabeça. Após alguns segundos, perguntei
sobre suas aulas e dia, precisava tirar Bruce de nossa conversa.

Não demoramos a nos recolher e, após checar se Emy já havia


tomado banho e trocado sua roupa de cama, eu segui para o meu próprio
quarto.

Tomei um banho rápido e um analgésico para dor de cabeça, então


me joguei sobre a cama, o quarto escuro parcamente iluminado pela luz da
lua, que adentrava a janela pequena.

Fechei os olhos para me forçar a dormir, mas meu telefone tocando


sobre a mesa de cabeceira chamou minha atenção.

Ao ver o nome na tela, pensei em recusar a chamada. Não estava


com cabeça para falar com Bradshaw. Ele tinha sido um bom amigo nos
últimos cinco anos, mas falar com ele me lembrava de Bruce e eu não
estava bem para lidar com isso agora. Precisava esquecer aquele homem,
ele estava a um oceano de distância e o colocara entre nós por vontade
própria, após me dizer coisas horríveis e terminar o que tínhamos.
Além disso, eu precisava estar bem para fazer a apresentação para o
novo sócio da empresa, o que aconteceria em poucas horas.

Encerrei a chamada, mas Maverick Bradshaw era insistente.


Irritantemente insistente. Aliás, apenas sua insistência em continuar
fazendo parte da minha vida fora capaz de mantê-lo nela depois de Bruce e
dos seus amigos me humilharem tanto naquela universidade.
Eu sabia que era uma droga, mas ele fora um bom amigo por todos
aqueles anos, apesar de tudo. E respeitava minha decisão de não falar sobre
nossos tempos de universitários.
— Estou exausta, é bom que seja muito importante — avisei ao
atender.

Ele riu.

— Você costuma ser mais receptiva — comentou. — Dia ruim?


Rolei sobre a cama, encarando o teto, o telefone no ouvido.

— Muito trabalho.

Ele bufou.

— Preciso contar algo.

A pausa que fez me levou a erguer uma sobrancelha mesmo


consciente de que ele não veria.

— Então diga.

— Bruce está vindo para Nova Iorque.

Meu coração parou no peito.

Sabe aquela sensação de que seu estômago está caindo em queda


livre? Eu voltei a senti-la quando ouvi aquelas seis palavras. E junto dela
um punho pareceu apertar minha garganta. Não consegui falar. Nem mesmo
me mover.
— Não sei se existe alguma possibilidade de vocês se esbarrarem
por aí, mas achei melhor te avisar — ele prosseguiu. — Você… você está
bem com isso?

Se Maverick pudesse sentir o peso que oprimia meu peito nesse


momento, não precisaria me fazer essa pergunta.
Claro que Bruce e eu não nos esbarraríamos por aí, vivíamos em
mundos diferentes, e isso estava muito mais claro para mim hoje em dia.
Assim como a posição irrelevante que pessoas como eu ocupávamos na
vida de pessoas como ele. Ainda assim, por mais que soubesse que os
Waldorf não tinham qualquer poder sobre quem eu era aqui dentro, a
consciência de que Bruce estava de volta à cidade me desestabilizava.
Ainda tínhamos coisas inacabadas e isso mantinha feridas abertas. Aquelas
que ele havia feito.

No entanto, eu não queria mais ter qualquer conversa ou contato


com ele, já não sentia necessidade de me explicar ou tentar fazê-lo acreditar
em mim. Precisei de anos para perceber que não se deve perder tempo
tentando convencer alguém do seu caráter, de quem você é. Esse é o tipo de
coisa que as pessoas enxergam se quiserem. E o fato de não enxergarem não
dá a elas o direito de machucarem ou tornarem alguém inferior a elas.

— Depois nos falamos — foi o que consegui dizer ao telefone,


apesar do nó em minha garganta. O celular ainda estava em minhas mãos
quando recebi uma mensagem sua, mas não a abri. Apenas vi parte do
conteúdo pela barra de notificações.

“Estou te devendo aquele jantar para comemorar sua promoção.


Fale com a babá da Emy amanhã. Vou te levar para o…”

Não tive forças nem curiosidade suficiente para descobrir o resto do


conteúdo da mensagem. Depositei o telefone sobre a mesa de cabeceira e
voltei a encarar o teto.

Contra minha vontade, como sempre, voltei a mergulhar em


lembranças do passado. Aquelas dolorosas que ainda mexiam comigo,
mesmo que eu estivesse consciente de que não deveriam.
Eu ainda não sabia o que exatamente Bruce havia ouvido da minha
conversa com mamãe, nem lembrava direito de tudo o que ela havia me dito
na noite fatídica em que fomos expulsas da mansão dos Waldorf. Aquela
noite era uma espécie de trauma que eu não conseguia acessar
completamente, mas o que Bruce havia dito ao forçar sua entrada na nossa
casa… eu lembrava de flashes. Lembrava do choro de Emy, que na época
tinha apenas três anos de idade.

Lembrava dele chamando mamãe de vadia interesseira.

Lembrava dela o xingando.


De Emy chorando ainda mais alto e pedindo para pararmos de
brigar.

De Bruce me perguntando – acusando? – de planejar seguir o plano


de mamãe.

De planejar traí-lo.

Uma parte de mim ainda acreditava que, se eu tivesse sido capaz de


me expressar melhor naquela noite, ele teria acreditado em mim. Mas não
consegui. Entre os soluços que eu não era capaz de controlar, o desespero e
a dor que dificultavam a saída das palavras, não consegui repetir nada além
de que ele havia entendido tudo errado.

E na tarde seguinte, depois de minha família e eu nos acomodarmos


num hotel de estrada qualquer, quando finalmente senti que seria capaz de
ter aquela conversa e comecei a procurá-lo, o encontrei bêbado à beira de
um lago no campus da universidade, com seus amigos e alguns colegas de
fraternidade. E as coisas simplesmente saíram de controle.

Foi um dos seus amigos que o avisou da minha aproximação. Foi


um deles também que o ajudou a se erguer para vir até mim. Lembro que
cheguei a me apressar em sua direção quando o vi tropeçar, mas ele me
empurrou, rechaçando minha tentativa de ajudá-lo.

— O que está fazendo aqui? — ele perguntou.

— Nós precisamos conversar.


Bruce acenou em negativa, a garrafa em sua mão sendo girada ao
lado de seu corpo.

— O quê? Sua mãe já te ajudou a pensar em outra forma de me


manter nas suas mãos?

Ele riu com amargura, a cabeça se movendo de um lado a outro


mesmo após ele desviar seu olhar do meu. Como se não aguentasse me ver
à sua frente ou não quisesse mais me ver tão perto.

Foi uma surpresa quando ele cambaleou um passo em minha


direção, aproximou seu rosto do meu pescoço e me segurou, perto do seu
corpo.

O cheiro de álcool e nicotina me surpreendeu. Bruce não era dado a


nada disso.

— Eu não traí você… — tentei, atravessando o embargo em minha


garganta. — Eu nunca faria…
— Sabe qual a pior parte? — ele sussurrou, só para mim, como se
não quisesse que ninguém mais tivesse acesso àquela confissão. — Eu
acreditei mesmo em você… Eu quis mesmo que fosse real entre nós… E
agora fico me perguntando quanto do que vivemos foi verdadeiro.

— Bruce…
— Fomos amigos na infância ou você só me aturava porque sua
mãe te obrigava? — As suas palavras começaram a sair enroladas aqui. — 
Quando me pediu pra te mostrar como era beijar… você quis mesmo me
dar seu primeiro beijo ou só quis me deixar provar um pouco de você?
Fazia parte do plano da sua mãe também…? Foi mesmo seu primeiro
beijo?

Lágrimas inundaram meus olhos ao ouvir aquilo.

Ele perdeu o equilíbrio e não consegui sustentá-lo de pé. Caímos


sobre a grama. Seu corpo grande pesando sobre o meu.
— Foi real — soprei as palavras, bem perto do seu ouvido porque
ele ainda não me encarava. Tentei abraçá-lo, mas ele não permitiu. — O
que vivemos foi real…

— Teria sido mais fácil se eu tivesse só usado você — ele disse, não
ouvindo minhas palavras ou decidindo ignorá-las. — Se eu tivesse só
concordado quando aceitou abrir as pernas pra mim. Se eu tivesse só
aproveitado todas as vezes que me deixou comer você.
— Bruce… — pedi, me encolhendo mesmo sem querer. Pareceu sujo
ouvi-lo falar assim. De uma maneira completamente diferente de quando
ele usava palavras como aquelas para me excitar.

— E você era tão gostosa, porra. Tão gostosa que eu não conseguia
nem pensar em mais ninguém. Em mais nada. — Ele voltou a rir daquele
jeito seco, carregado de amargura. Com algum esforço, se afastou, rolando
para o meu lado na grama. — Mas aprendi a lição, Emma.
— Não tinha nenhum plano, Bruce! — disparei, minha voz
quebrando ao dizer seu nome. O que era uma declaração se transformou
numa súplica vergonhosa.
Ele se sentou e também o fiz, os seus olhos nunca encontrando os
meus e só ao segui-los, eu me dei conta de que seus amigos e colegas de
turma já estavam mais perto. Perto demais.

— Bruce…

— Mulheres como você só são boas debaixo dos lençóis, Emma —


ele continuou. — De pernas abertas e bocas fechadas.
Minhas lágrimas finalmente caíram, turvando minha visão da
aproximação dos seus amigos. Não consegui me mexer. Não parecia ter
mais forças para refutar suas acusações também.

— Mas não precisa se preocupar — sua voz soou mais rouca agora.
— Se entrou na Columbia pra não perder seu investimento de anos em mim.
Meneei a cabeça em negativa, usando o dorso da mão para limpar
as lágrimas que ainda borravam minha visão.

— Você tem uma gama quase infinita de novos idiotas que podem te
dar o que você queria. — Ele se ergueu com dificuldade, sendo amparado
por seus amigos antes que pudesse cair de novo, mas acabou empurrando-
os, irritado. Então se voltou para seus colegas de fraternidade. — Emma
está em busca do próximo idiota disposto a comer em sua mão e dar o que
ela quiser, pessoal — ele anunciou, alto o suficiente para ser ouvido por
todos eles. Para pisar em mais do que o meu coração. — A vantagem é
poder comê-la no processo.

Então seus olhos encontraram os meus. Por um instante. Só um.


Estavam vermelhos. Furiosos. Frios. Brilhando com mais sentimentos do
que eu fui capaz de reconhecer tão rápido.

Cerrei os olhos com força, a dor pulsante ecoava em meu peito e


esmagava meu coração.
A angústia permaneceu mesmo quando consegui abandonar aquelas
lembranças.

Enquanto Bruce saía, lembro que tudo o que me restou foi o bolo
em minha garganta. As lágrimas transbordando dos meus olhos. As vozes e
risadas masculinas que ficaram e inundavam os meus ouvidos. Eu lembrava
também da vergonha e da humilhação que foram os meses seguintes àquela
tarde, porque os homens que estavam com Bruce transformaram os meus
dias em torturas psicológicas que eu nem sabia como conseguira atravessar.

E tudo o que eles repetiram por meses pelos corredores do campus


sempre que me viam, mesmo hoje, continuava impregnado em minha
mente.

Estou disposto a fazer o que ela quiser se me deixar decidir como


comê-la.

Vadia.
Parece que a mãe dela deu um golpe no pai dele.

Ela não parecia ser dessas.


São todas umas putas, algumas só disfarçam melhor que outras.

Eu me mantive focada no meu objetivo. Continuei estudando porque


precisava daquele diploma, porque precisava dar a mim mesma aquela
chance. E em algum momento, a dor que Bruce deixou se transformou em
resiliência e, por fim, em mágoa e talvez até raiva.
Porque eu não merecia nada daquilo e Bruce fora o único
responsável por tudo.

Eu ainda sentia que tínhamos assuntos inacabados por isso, porque


sentia que ele precisava se arrepender de tudo aquilo.
Mas eu não queria isso mais do que queria a minha paz.

Por isso nunca o procuraria.

Nunca o deixaria voltar a fazer parte da minha vida de qualquer


forma que fosse.
 
TRÊS
 

 
Atraí mais olhares do que gostaria quando atravessei a porta
giratória do prédio imponente do meu mais novo empreendimento. A
recepcionista corou antes mesmo de deixar sua posição atrás do balcão para
se apresentar e pressionar o botão do elevador que eu deveria pegar.
Agradeci a gentileza, mas não dediquei a ela mais do que isso. Nem mesmo
um olhar mais apurado.
Quando as portas de metal se fecharam à minha frente, abri o
sobretudo azul-marinho que usava.

Havia mensagens novas dos meus amigos se acumulando na barra


de notificações do meu celular. Eles já sabiam que eu estava de volta a
Nova Iorque e já falavam do nosso reencontro. Todos muito mais animados
do que eu estava. Do que eu acreditava que era capaz de ficar.

Nos últimos anos em que estive longe de Nova Iorque, fazendo


poucas e rápidas viagens aos EUA, nós só tivemos encontros reais na
Europa, quando eles mesmos se deslocavam até lá.

Eu sinceramente não sabia como eles continuavam sendo meus


amigos. Eu havia praticamente me afastado de todos depois da reabilitação,
além disso, tinha pouquíssimas habilidades sociais, não gostava de me
relacionar com quase ninguém, não gostava de criar laços profundos, havia
crescido como filho único e sem amigos, aprendi a me virar sozinho. Emma
e Bradshaw foram os únicos a conseguirem adentrar os muros que eu havia
aprendido a erguer a minha volta. E fora Bradshaw o responsável por eu
fazer parte do seu grupo de amigos.
Por causa dele nos tornamos os Cinco Herdeiros de Nova Iorque.

Novas mensagens piscaram na tela do meu telefone.


 

Bradshaw: Finalmente esse filho da puta vai conhecer nosso clube.

Davenport: Investiu milhões na nossa obra-prima e nem a conhece


ainda, mesmo depois de meses desde a inauguração.

Gustafson: Quem perdeu foi ele. O Oásis é uma verdadeira obra-


prima.

Ergui o olhar para o painel do elevador e percebi que ainda faltavam


dez andares.
Uma mensagem privada surgiu na tela do telefone, levando minha
atenção novamente a ele.

Bradshaw: Precisamos marcar um encontro para beber.

Digitei uma mensagem rapidamente, dizendo para ele escolher o dia


e o horário, mesmo que soubesse que eu não beberia, então voltei a guardar
o telefone.
Por muito tempo, eu acreditei que Bradshaw gostava mesmo das
vantagens de ser meu amigo, porque ele era o descolado, mas eu era um
nerd que havia depositado cada frustração nos estudos e nas atividades
físicas, e isso me dera sempre as melhores notas e resultados; além de fazer
de mim um exímio atleta e um infeliz competitivo, o que me colocou na
posição de capitão de quase todos os times dos quais participei no ensino
médio e na faculdade. Como meu amigo, ele esteve sempre comigo e tinha
sempre minha ajuda com provas e trabalhos. Eu podia não ser a pessoa mais
paciente ou sociável do mundo, mas não o deixaria se ferrar quando eu
podia ajudar.

Eu podia ser difícil de lidar, mas estar comigo tinha vantagens,


certo? – era essa a lógica que sempre me fazia questionar sua amizade
naqueles primeiros anos.

Mas em algum momento de nossas vidas, eu percebi que ele gostava


de mim. Da minha amizade. Da minha chatice, porque o divertia até certo
ponto. Ele fora a única pessoa a me aceitar assim e a única a ainda saber
como lidar comigo. Davenport, Gustafson e Caldwell eram meus amigos,
sim, e tinham minha lealdade e a certeza de que eu estaria sempre lá por
eles; mas minha amizade e proximidade com Bradshaw sempre fora maior.
Suspirei, balançando a cabeça para dissipar todos aqueles
pensamentos. Não costumava ser tão reflexivo, mas voltar a Nova Iorque
estava me deixando assim. Me fazendo perder tempo pensando no passado.

As portas do elevador se abriram e inspirei profundamente, tomando


o fôlego necessário para a próxima reunião de negócios que atravessaria.
Estava prestes a dar um passo à frente, mas estaquei, imóvel, quando as
portas deslizando para os lados me permitiram ver a mulher que me
aguardava.

Uma visão do passado sendo atirada em minha cara.

A primeira coisa que vi foram os cabelos presos de maneira elegante


sobre o topo da cabeça, o tom castanho-acobreado deles era inigualável, eu
o reconheceria em qualquer lugar, a qualquer distância, não importava
quanto tempo se passasse. No entanto, foi ao ver aqueles olhos claros e
doces e aquele rosto pequeno de traços tão delicados e suaves, que eu senti
o impacto de revê-la, parada ali, à minha frente. Depois de cinco anos.
Era real. Emma estava mesmo a um passo de distância.

Meu estado de torpor se agravou.

Atordoado, instável, aéreo… foi assim que fiquei encarando Emma.


Observá-la em silêncio foi tudo o que consegui fazer enquanto o meu
coração tropeçava como o de um animal ferido que ainda tenta salvar a
própria vida.

As portas do elevador começaram a se fechar novamente, mas as


impedi com um braço, emergindo daquele torpor a tempo de ver Emma
piscar e tentar fazer o mesmo. Sem tirar sua atenção de mim, sem baixar a
cabeça, mas nitidamente abalada, mordendo a parte interna da bochecha
como eu sabia que ela fazia quando estava nervosa.

Apertei os olhos, já dando um passo longo em sua direção, sem me


importar com as pessoas que estavam às suas costas e nos observavam, a
mente trabalhando para encontrar a melhor maneira de lidar com essa
situação já que tudo o que eu senti foi o impulso de tirar Emma dali.

— Sr. Waldorf — ela me cumprimentou, num tom profissional que


não entregava mais nada do que poderia estar sentindo. — Sou Emma Hale,
chefe interina do departamento financeiro e a responsável por apresentar os
dados que nos pediu.

Semicerrei os olhos um pouco mais, finalmente observando-a de


cima a baixo. O terninho azul-claro elegante e os saltos que anos atrás ela
não gostava de usar. A postura graciosa e altiva.

Era a Emma, mas parecia alguém diferente de quem eu havia


conhecido.
— É um prazer conhecê-lo, senhor — um dos homens atrás de
Emma cumprimentou, mas não desviei meu olhar dela. Não respondi ao
cumprimento. Minha atenção voltando ao seu rosto, à curva proeminente
das maçãs dele, ao rubor que estava nelas, aos lábios sensuais pintados com
um batom rosa e suave, que não era muito mais forte do que o tom natural
deles.

Fiz um esforço para não engolir em seco, para me manter


impassível.
— Por favor, venha comigo — ela pediu, mas não aguardou uma
resposta minha antes de me dar as costas e seguir por um corredor.
Deixando para trás apenas a essência doce do seu perfume de cereja.
Que também era o mesmo.

Aquele que eu havia sentido por anos, apenas por fechar os olhos.

Não consegui me mover por um instante, por ainda não saber que
merda fazer. Nem se tivesse tido tempo, teria sido capaz de me preparar
para algo assim.
A vontade de tirá-la dali e atirar perguntas começava a duelar com
aquela parte fraca e estúpida que ainda vivia em mim. Aquela que me dizia
agora para puxá-la contra o meu peito e apenas a sentir por um momento.
Seu calor, seu corpo, seu cheiro, a textura de sua pele… tudo de que eu
havia sentido tanta falta enquanto tentava me desintoxicar.

Mas então a raiva me atingiu. Forte. Intensa. Aquela que me


lembrava de que eu havia sido traído. Enganado por uma mulher que agora,
aparentemente, fingiria que nunca havia me conhecido.
Cerrei as mãos em punhos e comecei a segui-la.

Meus dedos já estavam dormentes quando Emma começou a me


apresentar o andar da presidência e meu maxilar apertado já estava dolorido
nos minutos nos quais a assisti fazer a apresentação financeira que eu havia
solicitado ao ex-sócio majoritário da empresa. Não prestei atenção em nada
do que foi dito. A visão dela à minha frente levava a melhor sobre mim,
nublava meus pensamentos, meu raciocínio sempre tão afiado. Sua postura
e segurança… a determinação em apenas fazer aquele trabalho, o modo
como mantinha toda a atenção e foco apenas no que fazia, ignorando
completamente minha existência naquela sala.
Ela continuaria a fingir que não me conhecia? Que o passado nunca
havia existido? Que não planejava me enganar até pouco tempo atrás?

E como um soco bem dado em meu orgulho, a verdade me atingiu.


Era exatamente isso o que ela faria.

O que eu achava que aconteceria, afinal? Que ela deixaria seu chefe
saber que tivera um relacionamento comigo e quase me dera um golpe?
Que pediria desculpas por brincar com a porra do meu coração? Que
contaria que sua mãe havia processado meus pais e arrancado alguns
milhões de dólares deles?

Por que eu não reconhecia de uma vez a vergonha do fato de que era
o único abalado por esse reencontro? Que era o único que não havia
superado o maldito relacionamento que tivéramos?
Que nunca a havia esquecido?

Por que não assumia de uma vez que a distância não havia curado
droga nenhuma e que agora eu não era capaz nem de tirar meus olhos dela?

Voltei a fechar as mãos em punhos sob a mesa da sala de reunião,


inspirei fundo, enchendo os pulmões com um fôlego necessário à minha
mente. Sentia a necessidade de oxigenar o cérebro, limpar dele o veneno
que Emma Hale havia injetado.

Raiva.

Era o que eu precisava sentir em vez de todas as merdas que ela


havia posto em conflito em meu peito desde que aquelas portas se abriram e
eu a vi novamente.

Raiva era a única coisa que me ajudaria a lidar com o fato de que
trabalharia com Emma.

De que, depois de anos lutando contra sua presença em minha


mente, ela havia voltado em carne e osso à minha vida.
 
QUATRO
 

 
Minhas mãos tremiam quando encerrei a apresentação dos gráficos.
Bruce ainda tinha aquele olhar gelado cravado em mim e eu já sentia que
minha reserva de energia estava no fim para continuar lidando com a força
da sua presença novamente.

Depois de tanto tempo.

Pela manhã, quando meu chefe finalmente me contou o nome do


homem que havia adquirido mais da metade das ações da nossa empresa, eu
fiquei em choque. Incapaz de reagir. Precisei pedir licença e ir ao banheiro.
Lavar o rosto e sentir meus olhos queimando de um jeito que eu não
deixaria se transformar em choro, mas que não apagava nem diminuía a dor
que começava a crescer em meu peito.
Foram três horas de angústia e ansiedade até a chegada de Bruce.
Então duas horas de tortura enquanto eu lidava com ele, seus olhares
pesados e sua presença perturbadora.
Como ele poderia continuar com raiva? E por que aqueles anos só
pareciam ter feito bem a ele? Deixado-o mais atraente? Como diabos cinco
anos poderiam acentuar daquela forma arrebatadora uma beleza e postura
que já eram desconcertantes? Como poderiam fazê-lo exalar poder como
um tipo de toxina que se desprendia até de seus poros?

Por que continuava a mexer comigo?


Eu não podia continuar nessa sala, diante dele, por muito mais
tempo. Por sorte, faltava pouco tempo para o fim do meu expediente.

— Obrigado, Emma! — meu chefe bateu uma palma de entusiasmo


quando concluí a apresentação e voltou sua atenção para Bruce.

— Fico disponível para responder suas perguntas, senhor, caso tenha


alguma — informei.

— Como pôde ver, nossas projeções e resultados foram mais do que


satisfatórios no último trimestre — meu chefe continuou a falar, fingindo
não perceber que Bruce mantinha seus olhos sobre mim. Mas todos
percebiam. Todas as cinco pessoas ali intercalavam olhares entre nós dois.
— Eu a conheço de algum lugar, Srta. Hale? — ele perguntou, no
mesmo tom distante que usara desde que chegara.

Engoli em seco, voltando a sentir todos os olhares sobre mim,


inclusive do meu chefe.

— Estudamos juntos na Columbia — emiti, mais baixo do que


gostaria. Meu coração disparado no peito com a mera possibilidade de ele
decidir dizer ou fazer algo que me prejudicasse perante meus colegas.

Ele não tinha esse direito.

Eu era a diretora mais jovem da história da empresa, havia ralado


muito para chegar a essa posição em poucos anos. O voto de confiança que
havia recebido seria facilmente quebrado por algo que alguém como Bruce
Waldorf pudesse dizer. Não importava todo o trabalho e dedicação que eu
havia dispensado a essa empresa.

Ele acenou lentamente, uma vez, então voltou seu olhar ao meu
chefe.

— Estou satisfeito até o momento. Podemos manter a próxima


reunião. Vou pedir que meu gerente de projetos apresente o plano inicial da
incorporação do seu marketplace ao nosso.

Mesmo de costas, eu era capaz de sentir o sorriso do meu chefe.


Essa expansão era algo que ele havia sonhado por muito tempo, estava feliz
por ter o suporte e financiamento do Grupo Waldorf para concretizá-la,
mesmo que tivesse renunciado (entre muitas aspas, já que havia ganhado
milhões para isso) a mais da metade de suas ações.

A reunião foi encerrada e agradeci silenciosamente ao ver Bruce


deixar a sala com meu chefe.
Soltei o ar com alguma dificuldade, me apoiando à mesa quando
senti que minhas pernas não seriam capazes de me manter de pé. Fechei os
olhos por um momento e inspirei fundo. Precisava me centrar. Me acalmar.

Sair dali.

Peguei minhas pastas e materiais e deixei a sala após todos o


fazerem. À frente da porta, alguns colegas me parabenizaram pela
apresentação e agradeci com um sorriso educado.

Despejei minhas coisas sobre a mesa da minha sala e me sentei.


Meu coração ainda estava acelerado.

Dei-me alguns minutos para me recompor e agradeci quando vi que


já estava no meu horário de saída. Pesquei meu celular na gaveta e o
guardei na bolsa antes de vestir meu sobretudo e deixar a sala colocando
meu gorro e soltando os cabelos de um jeito que me ajudasse a proteger as
orelhas do frio.
Desci com alguns colegas e me despedi no térreo antes de atravessar
as portas giratórias para deixar o prédio. Uma rajada de vento gélido me
atingiu tão logo pus a cara para fora, mas não me importei. Precisava
mesmo sair dali.

Um pouco do nó que tomava meu peito começou a se desfazer


conforme caminhei pela calçada repleta de transeuntes e me afastei de tudo
o que havia acontecido naquele dia. Não me permiti pensar em nada além
de chegar em casa, comer algo e assistir uma comédia romântica com Emy.
Mas não foi o que tive.

Meu braço foi agarrado bruscamente e fui puxada contra um peito


sólido e largo antes que eu pudesse me dar conta de que alguém se
aproximava. O choque reverberou em meu corpo, me fazendo tremer e
perder a estabilidade das pernas.
O cheiro embriagante de Bruce me atingiu antes do seu olhar e
ambos voltaram a me roubar o fôlego. Engoli em seco, meio atordoada
quando ele me puxou para entrar num beco, seu agarre em meu braço ainda
duro, seu peito pressionado ao meu de um jeito que me permitia sentir as
batidas desenfreadas do seu coração em consonância com as minhas.
— Vai mesmo fingir que não nos conhecemos? — ele indagou, sem
me soltar, sem colocar qualquer centímetro de distância entre nós. Sem me
dar a chance de respirar um ar que não estivesse carregado dele, do seu
calor, perfume e presença perturbadora.

Precisei de um instante ou dois para conseguir responder, para me


recuperar do choque e das sensações desencadeadas pelo seu toque e cheiro.

— Você é sócio da empresa agora, não deveria estar aqui me


agarrando desse jeito.
Ele aumentou o aperto, as narinas inflando com o que quer que
minhas palavras houvessem incendiado em seu interior.

— Vai seguir os passos da sua mãe e se aproveitar disso para me


processar também? — provocou, mas não com ironia ou sarcasmo. Com
raiva.
Suspirei, tentando me desvencilhar do seu toque que já começava a
me machucar. Suas palavras, por outro lado, não me atingiram. Não desta
vez.

— Me solte — pedi, ele hesitou, mas cedeu. Só não me deixou


instalar qualquer distância entre nós. — O que tivemos ficou no passado,
Bruce. Você se tornou o maior acionista da empresa em que trabalho e vou
respeitar as posições em que estamos. Espero que você possa ser maduro e
fazer o mesmo.
Foi como se eu o atingisse com um tapa, ele chegou até mesmo a
recuar um passo.

— Tem algum pedido a me fazer como meu chefe? — indaguei, mas


ele ainda parecia não ter engolido minhas palavras anteriores. — Se não
tem, eu preciso ir.
Tentei me afastar mais uma vez, mas ele não permitiu, voltando a
segurar meu braço e puxar meu corpo de encontro ao seu, aproximar nossos
rostos como se sua altura não fosse empecilho. Bruce se inclinou sobre
mim, instalando uma proximidade perturbadora que me roubou o ar. O
conflito queimando em seus olhos era muito nítido conforme ele me
encarava, parecia buscar algo que pudesse aquietar o que claramente rugia
em seu interior. Seu hálito quente me atingiu, os lábios pairando poucos
centímetros acima dos meus, fazendo os meus tremerem levemente de
modo que precisei apertá-los numa linha fina e desviar minha atenção para
longe.
— Acha que tem o direito de agir como se…

— Como se o quê? — eu o interrompi. — Como se precisasse


estabelecer limites entre nós? Como se cinco anos tivessem se passado e
não tivéssemos mais nada um com o outro?!
— Como se o passado não tivesse acontecido, porra!

Acenei em negativa, exausta, e me livrei do seu toque. O calor da


sua palma foi substituído pelo frio. Pela ausência. Aquela com a qual eu
havia lidado pelos últimos cinco anos.

— O que você esperava, Bruce? — perguntei, sem entender como


consegui fazer aquelas palavras soarem tão neutras quando minha garganta
já parecia sufocada por tantas emoções. Queria ouvir sua resposta.

Com ele estando diante de mim, confirmei que os traços do seu


rosto pouco haviam mudado naqueles anos, a barba por fazer que eu sabia
que lhe incomodava sombreava sua mandíbula perfeita, aquela que eu já
havia acariciado e acomodado ao meu colo enquanto conversávamos
madrugadas adentro, fazendo planos juntos. Sonhando juntos. E, meu Deus,
como foi estranho observá-lo de tão perto depois de anos, mas com tanto
peso entre nós.

Como era doloroso.

— Você me traiu — acusou, num sopro furioso, mas com um brilho


estranho em seus olhos. Diferente do tom que ele havia adotado.
— Nunca fiz isso.

— Sabia que sua mãe tinha uma filha do meu pai! Sabia o que ela
faria! Sabia que planejava fazer o mesmo comigo, me enganar para me
arrancar alguns milhões quando chegasse a hora.

Meneei a cabeça em negativa, sentindo meus olhos umedecerem e


minha garganta se fechar, mas não chorei. Nem deixei minha voz quebrar
nas minhas próximas palavras.

— Desconfiava que Emy era sua irmã, mas não sabia que mamãe
planejava fazer todo aquele escândalo, e nunca teria concordado se
soubesse, nem teria feito nada parecido, não importava o que mamãe
quisesse de mim.
— Está mentindo.

Pisquei, espantando as lágrimas e recuando um passo.

— Não estou interessada em te fazer acreditar em mim. Você não


acreditou há cinco anos e não acho que isso vá mudar agora. Estou bem
com a minha vida, com você fora dela. Não quero mudar isso, então…
— O que tínhamos era real pra mim, porra! — ele explodiu, como
se quisesse se livrar daquelas palavras e jogá-las na minha cara ao mesmo
tempo. Como se elas o estivessem machucando por dentro.
E elas me acertaram, com força. Me lembraram da verdade que
estava por trás delas e que havia se instalado em meu coração como uma
ferida que eu nunca fui capaz de fechar.

— Não era — eu disse, sem desviar meu olhar. — Nunca foi. Se


tivesse sido, você não teria desconfiado de mim por um momento sequer.
Não teria duvidado do que eu sentia… nem de mim.

Não aguardei que ele tivesse tempo para absorver minhas palavras e
sua próxima pergunta me alcançou quando dei o primeiro passo para longe
dele.

— Isso é tudo o que tem a me dizer?

Parei, suas palavras flutuaram entre nós e, de repente, voltei a me


tornar consciente do frio daquela época do ano. Do meu peito sendo
sufocado por mais emoções do que eu era capaz de lidar agora. Voltei-me
para Bruce e vê-lo distante mais uma vez, distante do homem por quem eu
havia me apaixonado, fez algo dentro de mim se partir.
O Bruce por quem me apaixonei existia mesmo? Ou aquela versão
doce, protetora e leal, que era só minha, fora apenas uma ilusão criada por
mim?

Para responder sua pergunta, eu acenei, numa afirmativa, mas então


parei, percebendo que isso não era verdade. Isso não era tudo o que eu tinha
a lhe dizer depois do que ele havia me feito passar.

— Acho que fiquei devendo algo para você naquela tarde no lago,
depois que me disse todas aquelas coisas.

Um vinco sutil surgiu entre suas sobrancelhas grossas quando ele


me viu dar um passo em sua direção, mas o choque foi tudo o que ficou
quando minha mão cortou o ar em direção ao seu rosto. O estalar do tapa
ecoou em minha palma, ecoou entre nós, latejando mesmo após eu afastá-la
de Bruce.

— Você me humilhou na frente dos seus amigos e foi embora como


se nada tivesse acontecido — lembrei-o, e Bruce permaneceu imóvel, o
rosto ainda pendendo para a direita como se ele sequer tivesse processado o
que eu havia feito. — Enquanto você fazia um mestrado em Oxford e
trabalhava nas empresas da sua família, eu era insultada e humilhada por
homens como você, e só tentava sobreviver a um dia de cada vez para não
perder a melhor chance que tinha de estudar e conseguir um diploma.

Recuei um novo passo para longe e um lençol de lágrimas nublou


minha visão quando dei as costas a ele.
— Isso era tudo o que eu ainda tinha a dizer a você, Bruce.

Meus passos foram rápidos para fora daquele beco e havia tantas
lágrimas transbordando dos meus olhos que foi fácil deixar o choro ganhar
vazão e não perceber o homem que vinha em minha direção. Em poucos
segundos, voltei a me chocar contra um peito largo e forte.
Diferente de Bruce, esse me amparou, me abraçou e confortou
mesmo sem saber o que havia acontecido.

Bradshaw apenas sussurrou que ficaria tudo bem e me tirou dali.


 
CINCO
 

 
Encarei o líquido ambarino no copo. Eu o girava lentamente sobre a
mesa, tão atento à mistura de álcool e cevada que ouvia apenas sons
abafados do bar do clube. A mente longe desse lugar. Quase num ponto
inalcançável.

Viajando pelo passado sem que eu pudesse evitar.

— Espero que não esteja pensando em beber isso — a voz de


Bradshaw se fez ouvir às minhas costas. Um instante depois ele se sentava à
minha frente. Mas não ergui meu olhar até ele. Havia desistido de esperá-lo
há uma hora, quando não chegou para o encontro que ele mesmo havia
marcado. Sabia que eu odiava atrasos.

— Não vou — garanti.


Não tocava numa gota de álcool há quase dois anos e não estava
disposto a mudar isso ainda. Mas gostava de encará-lo assim. Vê-lo tão
perto e exercitar meu autocontrole me lembrava de que eu ainda tinha
algum poder sobre mim mesmo.

— Eu esperava um abraço e, no mínimo, um resumo chato dos seus


últimos meses, mas já vi que o que teremos é depressão — Bradshaw
iniciou, o que me fez finalmente erguer os olhos até ele e vê-lo chamar o
garçom mais próximo. — Me deixe só começar a beber e entramos juntos
nesse poço.

Icei uma sobrancelha e empurrei meu copo através da mesa, em sua


direção. Eu não o beberia mesmo. Recostei-me no banco acolchoado
enquanto ele tomava o primeiro gole e observei a área do bar em que
estávamos. Era apenas um dos espaços que constituíam o clube exclusivo
que havíamos aberto juntos com nossos amigos. Tudo aqui gritava luxo,
desde a iluminação quente às cores sóbrias da decoração elegante. Estava
lotado e, até onde eu sabia, a lista de sócios já incluía celebridades e
magnatas americanos e estrangeiros. A fama dos espaços já havia ganhado
o mundo. E ainda não fazia um ano desde a sua inauguração.

O garçom se aproximou com a bebida de Bradshaw. Aguardei que


ele se afastasse para dizer o que estava ocupando minha mente até ali. O
que me mantivera aqui mesmo com a demora de Bradshaw.

— Vi Emma hoje.

Meu melhor amigo apertou os olhos em minha direção, se


inclinando até a mesa para espetar uma das azeitonas num prato de petiscos
e levá-la à boca, lendo-me em silêncio. Sondando não apenas meu humor,
mas as consequências de um reencontro com Emma.
— Conte mais sobre isso — pediu.

— Ela está diferente — foi a primeira coisa que me veio à mente.

— Cinco anos se passaram, Bruce. Ela não é mais a garota que você
abandonou há cinco anos.

Arqueei as sobrancelhas, sua escolha de palavras acionando um


alerta em minha mente.

— Eu não a abandonei — rebati imediatamente. — Nós já tínhamos


terminado quando fui embora — lembrei-o, mas minhas palavras só fizeram
um sorrisinho debochado surgir em seus lábios. Apertei os olhos, a pouca
paciência que eu tinha se reduziu a nada bem ali.

Ele lançou um palito sobre o prato novamente e tomou um novo


gole de sua bebida.

— Estou tentando não julgar você — iniciou —, e tenho coisas a


dizer, mas antes quero saber como foi esse reencontro para você.

Observei-o em silêncio por alguns instantes, desconfiado.


Começando até a me irritar com aquele sorrisinho e evasiva imposta antes
mesmo de eu fazer qualquer pergunta.

— Vou facilitar — ele prosseguiu, inclinando-se sobre a mesa, seu


rosto de modelo masculino da Calvin Klein inflamando cólera em alguma
parte da minha mente. — Você ainda está com raiva dela?

Cerrei o maxilar com força ao ouvir sua primeira pergunta. Senti


muitas coisas desde que Emma me deu aquele tapa e fugiu, mas eu ainda
não havia me acalmado o bastante para compreender toda a bagunça que
nosso reencontro havia feito em mim.
Eu estava com raiva, sim. Por ela ter agido como se não me
conhecesse, e até por ter dito que não tinha qualquer interesse em se
explicar ou se desculpar, porque, por um instante, foi como se ela apenas
desistisse de me mostrar qualquer máscara e me deixasse ver a indiferença
que nutria por mim desde sempre, mas não foi somente raiva dela que eu
senti. A que eu guardava para mim mesmo era muito maior, por eu ainda
me importar com essa merda, por eu ainda esperar que ela sentisse algo
além de indiferença, por eu querer uma atitude diferente sua mesmo quando
lembrava exatamente o que ela e a mãe dela planejavam fazer. Que ela
havia me aguentado por anos para me dar um golpe como sua mãe havia
feito com meu pai.
No entanto, ao mesmo tempo, saber que eu havia sido responsável
por ela ser julgada e humilhada na universidade após minha formatura não
me fez sentir melhor ou vingado. Me fez sentir um filho da puta. E acho que
me sentir assim também me irritava, porque essa merda só podia significar
que eu ainda me importava com Emma, e eu não podia ser tão estúpido a
ponto disso.

À minha frente, Bradshaw suspirou, chamando minha atenção para


si novamente. Seu tom foi irônico quando ele voltou a falar.
— Não tenha pressa, eu tenho uma garrafa de Bourbon e petiscos
para me manter alimentado por mais uma hora.

Bufei.

— Sem saber, comprei ações da empresa em que Emma trabalha —


contei. — Ela foi a responsável por apresentar os dados que eu pedi ao dono
da empresa. É responsável pelo departamento financeiro, pelo que entendi,
e… ela fingiu que não nos conhecíamos…
Ele pressionou os lábios e escondeu um sorriso ao tomar outro gole
de bebida.

— E seu orgulho frágil foi ferido por isso?

— Por que está sendo um filho da puta?


Ele suspirou.

— De onde eu vejo, é muito compreensível ela fingir que não te


conhece. Ela acabou de descobrir que o ex-namorado que destruiu a
imagem dela na universidade é o novo sócio da empresa em que ela
trabalha. Emma deve temer perder o cargo que tem lá e, de quebra, ter sua
imagem profissional destruída também.
Pressionei os lábios, compreendendo seu ponto. Mas se Emma era a
boa profissional que pareceu naquela reunião, eu nunca a prejudicaria no
trabalho por algo pessoal. Por ter me enganado e fodido com a minha
cabeça. Se eu quisesse alguma porra de vingança, não teria esperado cinco
anos para isso. Eu só queria distância. Dela e das lembranças de tudo o que
havia desmoronado entre nós.

— Foi ruim como ela fez parecer? — indaguei, mais baixo,


comedido. Uma pergunta que não queria fazer, mas uma resposta que
precisava ter. — Na Columbia, depois que fui embora?

Bradshaw se formou algum tempo depois de mim e dos nossos


amigos, ele saberia de algo assim.

Após alguns instantes me medindo em silêncio, ele acenou, numa


afirmativa.
— Porra — grunhi.
— Não foi só o bullying de alguns riquinhos escrotos, toda a Alpha
Dragons se voltou contra ela, infernizando sua vida. Os filhos da puta no
campus pareciam acreditar que estavam vingando você. Chegaram a fazer
uma denúncia vazia sobre um relacionamento entre ela e o treinador do
time de corrida. Ela quase perdeu a bolsa de estudos.
Meu punho cerrado acertou a mesa antes que eu pudesse impedir
aquela reação quase involuntária, mas a vontade de socar algo não passou.
Só pareceu aumentar.

— Cuidado, posso começar a pensar que ainda se importa com sua


ex — ele provocou, mas o ignorei, a mente ainda criando imagens vívidas
do que Emma certamente havia passado. Por minha culpa. E eu… porra, eu
não queria me importar com isso… não queria… mas não tive controle
sobre essa merda. — Tentei contar isso a você… quando estava em
Londres, mas…
Eu não quis falar sobre nada que envolvesse Emma.

— Então seu estado só piorou — ele prosseguiu, voltando sua


atenção para o copo e enchendo-o com mais Bourbon. — Seu pai te tirou da
empresa, precisamos te levar pra reabilitação e falar sobre Emma pareceu
sempre a pior decisão que eu poderia tomar. Deixei quieto e tentei ajudá-la
à minha maneira.

— O quê? — A pergunta saiu como um rosnado. Meu corpo inteiro


se inclinou para frente, o fôlego inflando meu peito de um jeito que pareceu
apenas me tornar maior e mais perigoso.

— Por um tempo — ele continuou, ignorando meu tom e postura


—, eu realmente acreditei que ela havia traído você. Que realmente tinha
tramado e quase conseguido prender você numa teia bem-feita para te levar
ao casamento. Te ajudei a escolher a porra da aliança, lembra? Então te
ouvir contar tudo o que a mãe da Emma havia dito e feito também me fez
sentir traído por Emma.
Seus olhos castanhos percorreram o espaço em nosso entorno, seu
semblante sério longe de apresentar qualquer vestígio irreverente ou
provocador, como lhe era característico. Ali eu soube que não gostaria do
que ele estava prestes a dizer.

— Insisti em ajudar Emma e acabamos nos aproximando. — Meu


corpo inteiro tensionou ao ouvir isso. — Acho que posso dizer que somos
amigos hoje — despejou, finalmente voltando seus olhos para mim. —
Então eis aqui as coisas que ainda tenho a dizer sobre esse assunto.
A pausa breve que ele fez para voltar a encher seu copo de bebida só
me deixou mais impaciente, mas eu ainda não fui capaz de proferir nada e
sentia que meu maxilar estava travado de um jeito que eu demoraria a
conseguir consertar.

— Não acho que Emma traiu você ou concordou com qualquer


merda que a mãe dela pretendia fazer contra sua família e contra você —
atirou, à queima-roupa, e não aguardou que eu processasse suas palavras
antes de prosseguir: — Se tivesse te traído, não teria se esforçado tanto pra
continuar na Columbia, apesar de tudo, ou pra se formar e equilibrar
estudos e trabalhos enquanto a mãe dela esbanjava o dinheiro que arrancou
do seu pai.
O ar me foi arrancado dos pulmões a partir dali.

— Ela entrou no mestrado logo que concluiu o curso, era a maior


aposta da orientadora dela, mas precisou trancá-lo porque a mãe dela
decidiu começar a viajar o mundo e não estava nem aí para Emy. Emma
precisou assumir a responsabilidade sobre a irmã e o faz até hoje.

— Como sabe de tudo isso? — indaguei, minha voz soando


rascante, as palavras arranhando minha garganta.

Bradshaw se limitou a içar uma sobrancelha, quase num desafio


silencioso para eu me forçar a chegar a essa conclusão sozinho. E eu estava
prestes a agarrar a porra do seu colarinho e o obrigar a dizer com todas as
letras, quando suas próximas palavras me impediram.
— Emma foi a única vítima dessa história e acho que está certa em
querer se preservar agora. Em querer distância de você.

— Mas que…

— Não vou abrir mão do que tenho com ela só porque você voltou,
Bruce. — Ele se ergueu, arrumando o terno caro e lendo meu semblante
fechado. Todas as emoções que borbulhavam aqui dentro e que eu tinha
certeza de que eram muito nítidas agora, especialmente a raiva, a
agressividade e a indignação. — Independente de você acreditar ou não que
ela não traiu você.

— Está me dizendo que vocês se envolveram? — exigi saber,


enquanto me levantava e nivelava nossos olhares, de modo que pudesse
medi-lo a pouca distância, ler seu semblante e compreender o que infernos
ele estava deixando nas entrelinhas.

— Você é meu melhor amigo e eu amo você — ele iniciou, com um


sorriso tranquilo, nada como os debochados e provocadores que costumava
dar. Esse maldito sorriso fez algo queimar em meu estômago, porque eu
poderia lidar com um ataque e revidar se fosse necessário, mas aquele
sorriso só parecia reforçar que, no momento, eu sequer sabia onde estava
pisando e isso continuaria a dificultar qualquer reação. — Sei que o que
aconteceu mexeu com as vidas de vocês dois e estarei aqui por vocês caso
precisem de mim, mas acho mesmo que deveria deixar a Emma em paz. Ela
merece seguir a vida sem empecilhos agora. Sem que você interfira também
no trabalho dela.

Eu entreabri os lábios para dizer algo, mas nada saiu.

— Vamos, irmão — ele chamou, me dando as costas e começando a


caminhar para longe. — Acho que você tem muito para processar no
momento.
Não consegui me mover, apenas o observei parar à frente do balcão
do bar e dizer algo para um dos atendentes, que logo se afastou.

Quando Bradshaw recebeu uma nova garrafa de bebida e se voltou


para mim, finalmente me movi em sua direção. Ainda não tinha digerido
tudo o que deveria, no entanto, havia coisas que eu tinha pressa para
entender.

— Você e Emma estão juntos? — inquiri, mas desconfiei de que as


palavras soaram como uma acusação.

— Você odiaria isso, não é? — Ele sorriu. — Mas não tem mais
nada a ver com a vida da Emma. Há uns cinco anos.

Agarrei a lapela do seu terno e o puxei para perto, num movimento


intimidador, e não calculado. Foi só instintivo.

— Maverick — grunhi, num tom ameaçador que apenas reforçava a


pergunta implícita. Eu só o chamava pelo nome quando estava furioso, e ele
sabia.
— Olha só pra você, espumando de ciúmes de uma mulher que nem
é sua… — Seu sorriso se alargou e se tornou mais irritante. Grunhi de novo,
muito consciente de que parecia um maldito animal. — Antes de achar que
tem o direito de sentir isso, descubra se já é capaz de enxergar o tamanho da
merda que fez, irmão.

Ele me afastou, mas logo envolveu meu ombro com um braço e me


puxou pelo hall de entrada do bar.

A raiva me fez querer afastá-lo, mas não o afastei. Não o fiz porque
entendi o que ele estava fazendo, o que tentava tirar de mim com aquelas
provocações.
Sem julgamento, sem pressão, sem forçar nada.

Ele só queria que eu enxergasse os últimos anos por uma


perspectiva diferente, que eu reconhecesse que Emma pode não ter sido
uma das vilãs da nossa história.

Mas só pensar nessa possibilidade me paralisou.

Me fez sentir como se um mundo que eu havia criado ruísse diante


dos meus olhos.

De novo.
 
 
 
 
 
 
SEIS
 

Não vi ou falei com Bruce por quase uma semana desde que precisei
fazer a apresentação na reunião. Comecei a achar que tive tempo suficiente
para lidar com o fato de que ele estava de volta e até com sua presença, mas
essa certeza se desfez no momento em que o vi novamente na empresa.
Caminhando ao lado do meu chefe, no andar em que eu trabalhava.

Eu o vi primeiro, à distância, enquanto ajudava um funcionário com


uma dúvida. Bruce vestia um terno negro feito sob medida e nada nele,
além dos seus olhos azuis, contrastava com essa cor. O cabelo bem
penteado e a barba por fazer, de alguma maneira, se completavam e
contribuíam para a imagem imponente de homem de negócios que ele era, e
para a fama de magnata arrogante que ele já ganhava pelos corredores da
empresa.
— Vai ser sempre assim quando ele vier para a empresa? — um dos
meus colegas sussurrou, olhando de mim para as outras mulheres do setor
financeiro. — Todas parando de trabalhar pra babar por ele?
— Sim — uma delas murmurou, ao que ele bufou em resposta.

Eu quis afastar minha atenção de Bruce, mas a certeza de que seus


olhos percorriam as mesas em busca de algo me impediu. Uma expectativa
crepitava em meu peito e já havia roubado a estabilidade das minhas pernas.
Um segundo depois, foi a mim que o seu olhar encontrou. Frio, duro, e
inalcançável... antes de todas essas máscaras ruírem à minha frente, como
se eu fosse a única capaz de derrubar todas elas.

Perdi o fôlego.

Bruce não desviou o olhar e a intensidade dele começou a me abalar


de um jeito atordoante. Em algum momento, me lembrei do nosso último
encontro. Do que eu havia dito e feito. E desviei meu olhar do seu.

Eu ainda não tinha pensado que Bruce poderia usar isso contra mim,
mas esse medo cresceu contra minha vontade agora. Eu não me arrependia
daquele tapa, muito menos do que havia dito, mas não me arrepender não
me livraria das consequências que poderiam surgir.

Acenei com educação para ele e meu chefe, de maneira profissional,


e voltei a encarar o que meu funcionário tentava me mostrar em sua tela de
computador.

Minha respiração ficou presa por todos os segundos que senti Bruce
me encarar, meu coração tolo tropeçava nas batidas e um arrepio eriçava
minha pele, em reações involuntárias que eu não seria capaz de esconder.
Mas, ainda assim, lutei contra todas elas.
Quando a porta da sala do meu chefe foi fechada, com ele e Bruce
dentro, soltei o ar num suspiro profundo.

Terminei de dar as orientações que precisava e me refugiei na minha


sala também.

Sentada em minha cadeira, respirei fundo algumas vezes e cerrei os


olhos, em busca de calma. Eu sabia que não podia deixar Bruce continuar
tendo esse tipo de efeito sobre mim, nem decair em preocupações e
ansiedade pelo que havia feito em nosso último encontro. Não podia me
permitir fazer nada disso, mas nesse momento, percebi que só seria capaz
de encontrar a solução para ocupar minha mente.

Por isso foquei no trabalho.

Horas já haviam se passado quando uma batida sutil na minha porta


me chamou atenção. Afastar os olhos das planilhas na minha tela me fez
sentir como se saísse de um transe. Tirei os óculos e esfreguei a testa, me
dando conta da dor de cabeça que surgia, e só então liberei a entrada de
quem quer que fosse.
— O que está fazendo aqui? — indaguei, ao ver a grande estrutura
que Bradshaw era praticamente encobrir toda a entrada da minha sala.

— Saberia se visse e respondesse minhas mensagens — ele


provocou, com o sorrisinho tolo que costumava usar para me provocar. —
Você devia ter saído há meia hora. Estou esperando por todo esse tempo.

Olhei para o relógio no canto da tela do computador e suspirei.


Perderia a droga do metrô se não saísse dali rápido.

— Espere, por que estava me esperando? — indaguei, arqueando as


sobrancelhas e voltando a encará-lo.
— Você estava toda chorosa por ter visto o Bruce na semana
passada, então remarcamos seu jantar de comemoração para hoje — ele
lembrou, num tom que só reforçava a provocação que aquele seu sorriso já
deixava bem clara. — Mas você esqueceu, não é?

Pigarreei.

— Talvez… — iniciei e fiz questão de esclarecer em seguida: —


Mas só porque tive muito trabalho nos últimos dias.
Ele arqueou uma sobrancelha.

— Parece que o novo sócio da empresa está te dando muito


trabalho, não é?

Revirei os olhos, então desliguei o computador e me ergui para


pegar meu casaco e bolsa. Bradshaw já sabia que Bruce havia comprado
parte das ações dessa empresa, sabia que eu precisaria trabalhar com ele
dali para frente e achava muito engraçado que o destino tivesse escolhido
fazer essa brincadeira sem graça para nos colocar frente a frente de novo.

Saímos juntos da sala e confirmei que eu havia perdido a hora


quando percebi que as luzes das outras salas no meu andar estavam todas
apagadas. Poucas pessoas ainda continuavam ali.

— Vocês se viram de novo? — sondou, curioso. Estreitei os olhos


em sua direção, normalmente achava aquele seu lado fofoqueiro muito
divertido, mas não quando seu interesse envolvia Bruce. Não estava
disposta a falar muito sobre ele na semana passada e isso não havia
mudado. Já era vergonhoso o suficiente reconhecer o quanto Bruce ainda
mexia comigo. O quanto sua presença ainda me afetava por dentro e por
fora.
— Esqueci também de pedir para a babá da Emy fazer hora extra —
disse, em vez de lhe dar a informação que ele queria.

— Você tem muita sorte de me ter como amigo, porque imaginei


isso e já resolvi esse problema.

Sorri e pressionei o botão dos elevadores, por sorte os dois estavam


em andares próximos.
— Como anda o seu malabarismo atual? — indaguei assim que
entramos no elevador. Ele riu.

— Vai continuar chamando meus casos de malabarismo?

— Você equilibra cinco mulheres ao mesmo tempo, Bradshaw, se


isso não for malabarismo, o que é?

O ronco estranho que ele emitia quando gargalhava preencheu o


elevador, e acabei sorrindo também. Mais dele do que da minha
provocação.

— Se quer mesmo saber — ele iniciou, ainda sorrindo, daquele jeito


que me dava certeza de que eu me arrependeria de ter perguntado —, as
números três e cinco concordaram com um ménage ontem à noite e foi…

— Eu realmente não quero saber… — interrompi, fazendo uma


careta. Saímos no elevador com ele ainda rindo. — Seus relatos sexuais são
no mínimo nojentos.
— Você diz isso porque nunca participou deles — retrucou, numa
das suas respostas espertinhas.

Ele envolveu meu ombro com um braço e me puxou contra seu


corpo. As camadas grossas das nossas roupas não permitindo que sequer
sentisse seu calor.
— Mas nunca é tarde, Emma — ele prosseguiu. — Certeza que
você não se arrependeria.

Soquei seu peito, mas não o afastei. Era bom sentir que nossa
cumplicidade era real, que sua amizade era real e ele não se importava de
me dizer as bobagens que eu tinha certeza de que diria aos seus amigos,
para provocá-los.

— Caralho, que frio da porra! — foi a primeira coisa que ele emitiu
quando atravessamos as portas giratórias e saímos do prédio quentinho.

Arrumei o gorro vermelho em minha cabeça e enfiei as mãos nos


bolsos do casaco. Não demorei a avistar seu carro, Emy estava ao lado dele,
acenando com os dois braços, para chamar nossa atenção.

Sorri.
— Emy vai com a gente? — perguntei, mesmo sem encarar
Bradshaw.

— Sim, ela merece — ele respondeu, agarrando meu braço e me


obrigando a atravessar a rua em meio ao trânsito parado. Seu carro estava
numa vaga do outro lado da rua. — Me contou umas coisas muito
interessantes sobre as baboseiras românticas que você anda assistindo
agora.
Grunhi.

— Caindo por asiáticos e doramas, Emma? — Ele emitiu um clique


de negação. — Entendo Emy ser obcecada pelos carinhas que cantam e
dançam, mas você…

Voltei a socar seu peito, desta vez com força, mas não o bastante
para impedir seu riso tolo.
— Você está sendo um idiota.

O motorista desceu para abrir a porta, mas Emy me abraçou antes


que pudéssemos entrar.

— Você o convidou também, Emma?! — ela praticamente gritou em


meu ouvido enquanto ainda nos abraçávamos, a animação em sua voz me
chamando atenção.
— Quem? — perguntei, meio no automático ao tocar seu rosto e
perceber como seus lábios estavam pálidos.

Ela se afastou com seus olhos castanhos e brilhantes e apontou para


algo às minhas costas. Voltei meu olhar para a direção que ela apontava e
senti o ar fugir dos meus pulmões quando me deparei com Bruce à frente do
prédio, parado por entre as pessoas que caminhavam apressadas, nos
encarando.

Mesmo à distância, meu olhar encontrou o seu e a força com que ele
me atingiu reverberou em meu corpo, num impacto quase físico. Eu poderia
jurar que, além de sentir, eu ouvia o pulsar desenfreado do meu coração
socando meu peito.

Por que ele estava ali?


Há quanto tempo ele estava nos observando?

Engoli em seco ao lembrar que ele também estava na empresa mais


cedo. Talvez tivesse me visto sair com seu amigo agora. Talvez se
perguntasse por que infernos eu estava saindo com seu melhor amigo.

Mesmo à distância, eu conseguia ver seus olhos semicerrados, os


punhos apertados ao lado do corpo. Ele estava bufando?
Mordi a parte interna da bochecha e me obriguei a desviar o olhar.
Não o deixaria exercer qualquer poder sobre mim de novo.

— Entre, Emy — pedi e insisti em seguida, quando ela entreabriu os


lábios para fazer uma pergunta. — Por favor.

Quando ela fez o que pedi e pude me voltar para Bradshaw, o


encontrei sorrindo e acenando para Bruce.
— Ele sabe que somos amigos? — perguntei baixinho, mesmo que
do outro lado da rua Bruce jamais seria capaz de me ouvir.

— Eu contei na semana passada — respondeu, dando de ombros.


Ainda sorrindo. Ainda acenando. E agora voltando a envolver meu ombro
com seu braço livre.

— O que está fazendo?

Seu sorriso provocador foi um alerta que apitou mais alto em minha
mente quando ele inclinou o rosto até o meu e disse perto do meu ouvido:

— Garantindo que ele continue espumando de ciúmes mesmo


depois que sairmos.
 

SETE
 

 
Eu mataria Bradshaw.

Lentamente.
Provavelmente prendendo-o numa cela subterrânea à base de água e
alguma comida que ele odiava. Sem mulheres por perto ou sexo, de modo
que suas bolas ficassem roxas e explodissem com o tempo.

Grunhi de ódio, sem tirar meus olhos do carro à minha frente, eu


estava seguindo o filho da puta, como um maldito stalker atrás de Emma.
As palavras e risos que eles trocavam na empresa ainda fervilhando em
minha mente. Havia cumplicidade entre os dois, talvez mais do que havia
entre mim e Emma no passado e entre mim e Bradshaw também. E essa
merda doía, tanto ou mais do que o fato de que eu era o responsável por
isso.
Na última semana, a dúvida que Bradshaw havia implantado em
minha mente quase tinha me levado à loucura, acabei voltando àquela
empresa ao menos duas vezes, mesmo sem precisar, só para tentar ver
Emma de novo. Pensar que ela poderia não ter apoiado ou concordado com
o que sua mãe havia feito não só colocava tudo em perspectiva, mas me
fazia encarar, como único culpado, os cinco anos que eu havia passado sem
ela. O anel de noivado que eu ainda guardava. O apartamento em Nova
Iorque que eu nunca havia conseguido usar, pelo simples fato de tê-lo
preparado para mim e Emma.

Eu havia me afogado em dúvidas e questionamentos nos últimos


dias. E nesse momento já não sabia o que exatamente me fazia continuar
agarrado a eles. Talvez a culpa... o remorso... ou a certeza de que eu tinha
demorado tempo demais para chegar a esse ponto.

O fato era que eu não queria me ver numa posição em que precisaria
reconhecer que já era tarde. Para mim, para consertar tudo com Emma...
para nós.

Inclinei-me sobre o volante quando o Lincoln Navigator do meu


amigo estacionou numa vaga ao lado de um restaurante asiático. Parei a uns
vinte metros de distância deles e mal havia tirado o cinto quando Bradshaw
deixou o carro com Emy em seus braços. Emma saiu em seguida, com a
ajuda do motorista, e ria de algo. Eu sequer precisava estar perto para ouvir
o som de sua risada. Ela ainda ecoava em mim.

Então, o ciúmes irracional que havia me levado até ali naquele


impulso inconsequente foi esmagado pela cena dos três adentrando o
restaurante e se acomodando numa mesa próxima à parede de vidro que me
permitia ver o interior do lugar. Juntos, como uma família.

Talvez fosse eu ali se as coisas não tivessem dado tão errado.


Talvez fosse eu ali se tivesse acreditado em Emma.

Suspirei.

Eu sabia que não tinha o direito de sentir ciúmes. De estar atrás dela
agora. Seria mais fácil continuar com minha vida, acreditando que ela havia
mesmo me traído, que planejava mesmo agir como sua mãe… mas eu não
conseguiria… não depois de Bradshaw me dar motivos para duvidar do que
eu havia ouvido naquela noite. Para duvidar das minhas próprias
conclusões. De mim, em vez de duvidar dela.

Cinco anos.

Já havíamos perdido cinco anos. Eu estava disposto a perder ainda


mais?

Expirei profundamente e desviei meu olhar dos três quando Emma


se ergueu e se afastou com sua irmã. Peguei o celular em meu bolso e fiz
uma ligação, logo o telefone de Bradshaw chamou sua atenção, e mesmo
com todos os metros que nos distanciavam, eu pude vê-lo sorrir e voltar sua
atenção para fora do restaurante, como se soubesse que eu estava em algum
lugar e apenas tentasse descobrir onde.

— Hey, Batman — provocou, naquele tom sarcástico, tão logo


atendeu. — Algum problema?
Estreitei os olhos em sua direção, dando a ele o prazer de me irritar
com quatro malditas palavras.

— Você está apaixonado por Emma? — inquiri.

Seu sorriso aumentou.


— Por que você iria querer saber isso? Não é como se ainda fosse
apaixonado por ela ou se importasse com quem ela transa, não é?
Soquei a porra do volante.

— Você é um filho da puta — rosnei.

Ele riu.

— Isso não muda o fato de que não tem motivos para me fazer essa
pergunta. E eu não pretendo responder se não me der um bom motivo.

Bufei.

Ele se recostou à cadeira e vi Emma voltar a se aproximar com Emy.


Elas sorriam. Emma tinha seu par de covinhas bem à mostra, marcadas no
seu rosto bonito e corado. Ela havia tirado o gorro e agora seus cabelos
estavam apenas presos num coque delicado.

— Aposto que está babando — Bradshaw disse, sem se importar se


Emma já estava sentada à sua frente. Acho que o filho da puta adoraria que
ela soubesse que ele estava ao telefone comigo, e que eu a estava vendo
agora. — Você sempre babava como um buldogue velho quando ela estava
por perto.

— Vá se foder.

Ele voltou a rir. O garçom se aproximou com os pedidos deles e


acho que isso distraiu Emma das palavras de Bradshaw.
— Você já sabe que fez merda — ele insistiu, porque não precisava
que eu dissesse isso para ter certeza de que eu já havia chegado àquela
conclusão. — Admita que ainda a quer. Admita que vai rastejar pra tê-la de
volta se for necessário.

Emma voltou seus olhos ao meu amigo. Ele também a encarou.


Acho que naquele momento ela soube com quem ele estava falando. Talvez
ela ouvisse minha resposta quando eu a proferisse. Uma parte de mim soube
que, só por isso, eu respondi:

— Eu vou.

O sorriso de Bradshaw não poderia ser maior quando ele voltou a


me procurar através da parede de vidro à sua frente.
— Eu estou tão ansioso pra ver isso — ele concluiu.

— Esse é o Kimchi?! — a voz abafada de Emy se fez ouvir


enquanto ela apontava para um dos pratos. Emma engoliu em seco,
desviando o olhar para sua irmã e acenando. Percebi sua mudança de
postura e expressão no momento que depositou toda a atenção em sua irmã
e começou a ensiná-la a usar o hashi. — O que vai provar primeiro, tio
Maverick?
Bradshaw voltou sua atenção para a menina e baixou o telefone,
para olhar o que havia sobre a mesa.

— Acho que foi uma péssima ideia deixar vocês escolherem o


restaurante — ele respondeu, com uma careta.

Emy riu. Emma revirou os olhos e disse:

— O paladar dele é pior que o de uma criança.


Observei e ouvi a conversa dos três por algum tempo, até minha
atenção se fixar em Emy. Ela interagia com animação e, por um momento,
me peguei pensando em como parecia feliz, leve e extrovertida, tão
diferente de mim. Talvez o pouco tempo que havia convivido com nosso pai
não tenha minado esse seu jeito, talvez crescer livre das pressões,
cobranças, expectativas e do distanciamento emocional de alguém como
Sebastian Waldorf tenha permitido que ela florescesse dessa maneira.
Constatar isso me fez sentir… aliviado.

Acho que eu nunca consegui vê-la como minha irmã. E não porque
não queria que ela fosse ou porque não gostava dela, eu simplesmente não
conseguia deixar de vê-la como a irmã caçula de Emma. Nem conseguia me
imaginar numa posição de irmão mais velho, de alguém que seria capaz de
reconhecer quando ela precisasse e cuidar dela. Ou mesmo amá-la como ela
merecia sendo tão pequena e vulnerável.

A verdade era que eu não me sentia capaz de cumprir esse papel, de


irmão, mas ali, observando a interação dos três e o cuidado de Emma para
com sua irmã, me dei conta de que precisaria aprender a lidar com isso. A
desenvolver essa habilidade.

Na última semana, eu havia tentado descobrir que tipo de relação


papai mantinha com a menina e sinceramente não sei por que pensei, em
algum momento, que ele daria qualquer suporte além do financeiro.
Algumas ligações também foram suficientes para eu ter certeza de que a
mãe de Emma estava fora do país há alguns meses.

Não era justo que a menina fosse uma responsabilidade apenas de


Emma.

Não era justo que ela continuasse a pagar pelas decisões e


irresponsabilidade de sua mãe.
 
OITO
 

 
Tamborilei a caneta sobre o relatório, observando-o como se tivesse
alguma intenção de lê-lo agora. Não conseguiria me concentrar o suficiente
para isso. Não quando sabia que Bruce adentraria essa sala de reuniões a
qualquer momento.

Fiz um esforço para regularizar minha respiração e ergui os olhos


para dar uma olhada nos meus colegas, tentando me concentrar em qualquer
coisa que não fosse minha mente me levando à noite anterior, ao momento
em que tive certeza de que Bradshaw estava ao telefone com Bruce. Eu não
tinha dúvidas de que os dois falavam sobre mim e não conseguia,
simplesmente não conseguia, deixar de lado o que Bradshaw havia dito.

Você já sabe que fez merda. Admita que ainda a quer. Admita que
vai rastejar pra tê-la de volta se for necessário.
E pode ter sido coisa da minha cabeça estúpida, mas eu poderia jurar
que havia ouvido a voz abafada de Bruce dizer “eu vou”.

Por que isso havia me abalado tanto? Por que tinha me deixado a
noite toda acordada? Ansiosa? Inquieta? Apreensiva? Em expectativa? Eu
deveria apenas ignorar tudo isso e continuar com a minha resolução de que
não queria Bruce por perto, não é? Ele havia me machucado e a forma com
que tudo entre nós terminou só me mostrava que ele não era o homem que
eu havia idealizado na adolescência e início da vida adulta. Que ele nunca
havia me amado de verdade… que eu não queria fazer parte daquele
mundo de aparências, arrogância e preconceitos em que ele vivia. E, acima
de tudo, que eu não deveria dar a ele a oportunidade de me ferir de novo.

Praticamente pulei em minha cadeira quando alguém tocou em meu


braço. Minha mão bateu na xícara de café ao lado dos meus relatórios e
quase transbordou sobre eles, mas por sorte a alcancei a tempo. Minha
reação exagerada chamou a atenção de todos em meu entorno.
— Desculpem — sussurrei.

— Emma? — um dos novatos do meu setor, Etienne, me chamou e


me voltei para ele, parado de pé ao meu lado. Sua mão ainda envolvia meu
braço, seu semblante era preocupado.  — Está tudo bem?

Eu acenei, sem realmente prestar atenção em suas palavras.

— Pode me tirar uma dúvida? — pediu, indicando algumas folhas


com gráficos em suas mãos. Voltei a acenar e tentei prestar atenção no que
ele dizia quando colocou as folhas à minha frente e fez suas perguntas.

Enquanto o auxiliava, acabei fazendo algumas anotações em seus


gráficos e explicando alguns processos que eu sabia que já havia explicado
mais de uma vez, mas não me importei em repeti-los agora, a chance de
ocupar minha mente com algo útil era valiosa demais para eu me importar
com isso. Alguns minutos se passaram enquanto trocávamos informações e
acabei por conseguir me acalmar o bastante para perder o momento em que
meu chefe chegou acompanhado de Bruce. Fui surpreendida com todos se
levantando ao meu redor, para cumprimentá-los.

  Etienne, que estava inclinado em minha direção, se empertigou


rapidamente e recolheu os papéis que havia colocado à minha frente.

— Se puder terminar de me explicar depois, agradeço — ele


sussurrou. Concordei com um aceno e me ergui, ficando de pé com ele às
minhas costas. Um escudo pequeno demais para um novato com sua
estrutura física e timidez. Eu sequer precisava olhá-lo para saber que estava
com as bochechas coradas.

— Boa tarde a todos — meu chefe cumprimentou, com um sorriso.


— Alguns já conhecem, mas acredito que outros, não. Este é Bruce
Waldorf, atual CEO do Grupo Waldorf e o novo sócio majoritário desta
empresa.

O cumprimento oferecido a Bruce inundou a sala como se tivesse


sido ensaiado, quase em uníssono. Mordi a parte interna da bochecha
quando meus olhos encontraram os seus, já fixos em mim, intensos do jeito
que parecia penetrar minha alma, vasculhar (e bagunçar) todas as minhas
emoções.

Bruce não disfarçou o olhar cortante que disparou ao homem às


minhas costas, nem se deu o trabalho de se apresentar ou fazer qualquer
discurso.

— Podemos começar — avisou, sua voz soando como uma espécie


de rosnado que duvido que tenha sido percebido apenas por mim.
Um clima pesado e desconfortável pairou ali. Enquanto todos
voltavam a se acomodar em seus lugares, eu me voltei para Etienne e pedi
que ele retornasse ao trabalho. Ao final da reunião, eu o ajudaria.
As próximas duas horas se arrastaram com as apresentações. Fui
alvo da atenção pesada de Bruce e do meu chefe, além dos olhares nada
sutis dos meus colegas intercalando entre mim e Bruce, mas me esforcei
para fingir que não estava percebendo o que se passava nas mentes deles.
De todos eles.

Ao fim daquela tortura, eu já sentia uma emoção quente me queimar


por dentro. Algo vibrando e se acumulando em meu peito e garganta,
diferente do medo que eu senti na semana passada, quando vi Bruce e
pensei que ele me prejudicaria para se vingar, diferente da apreensão que
me tomou quando o vi na tarde anterior e percebi que poderia sofrer
consequências pelo tapa que havia lhe dado. Não tinha nada a ver com o
que ele poderia fazer para se vingar. Tinha a ver com a certeza de que ele
não precisava abrir a boca para bagunçar minha vida.
Ele só precisava me olhar.

Apenas um olhar demorado, cheio de significados ocultos, e todo o


trabalho e dedicação que eu havia depositado naquela empresa por quase
quatro anos, desde que começara a estagiar nela, ruíam diante dos meus
olhos, com as especulações que meus colegas criavam sobre nós, sem que
eu pudesse fazer nada para impedir.

Sem que ele fosse atingido de qualquer maneira.

Sem que ele se importasse.


Perceber isso doeu, mas a dor não foi mais forte que a frustração
que começou a crescer em mim.
Recolhi minhas coisas enquanto todos saíam e deixei a sala
ignorando Bruce propositalmente e fingindo que não sentia seu olhar em
mim, ou a maneira como meu corpo traidor e estúpido reagia a ele.

Abandonei minhas pastas e relatórios sobre a minha mesa e expirei


profundamente, observando a sala pequena e passando as mãos pelos
braços, numa tentativa inútil de desfazer o arrepio que Bruce havia
desencadeado. As respirações teriam que forçar meu coração a se aquietar.

O que eu faria?
Era melhor contar ao meu chefe sobre o relacionamento que havia
tido com Bruce? Era melhor continuar agindo como se não o conhecesse?
Era melhor me preparar logo para o pior?

Suspirei, fungando baixinho, de frustração, conforme percorria os


poucos metros da sala, em voltas que se assemelhavam às que minha mente
dava.
Eu precisava conversar com meu chefe, decidi, interrompendo meus
passos e acenando para mim mesma. Deixá-lo no escuro seria pior. Quando
as fofocas chegassem aos seus ouvidos, sem que ele tivesse certeza de nada,
seria pior ainda.

Era isso. Eu contaria a ele e tentaria fazer o controle de danos antes


que boatos começassem a ser espalhados.
Voltei a inspirar e expirar profundamente, e então liguei para a
secretária dele, só para descobrir que ele já havia ido embora.

— Mas que droga! — resmunguei após colocar o telefone no


gancho. Encarei-o por alguns instantes, voltando à tentativa de me acalmar.
Vou resolver isso — prometi a mim mesma – vou resolver e manter
Bruce longe. Não posso ver minha vida ser revirada do avesso pela
segunda vez por causa de alguém como ele.

Batidas na minha porta antecederam a entrada de Etienne, que


voltou a me pedir ajuda. Tentei não descontar nele minhas preocupações e
frustrações e o segui para fora da sala, para falar com ele e os estagiários
que haviam chegado recentemente ao meu setor.

Encerrei o dia com uma conversa com a assistente pessoal da chefe


do meu departamento – aquela que eu substituía porque estava de licença à
maternidade. Quando desliguei meu computador e peguei minhas coisas
para ir embora, já sentia que precisava da minha casa e cama.

O momento que empurrei as portas giratórias do prédio e pude


inspirar o ar gélido me inundou de alívio. O céu já estava escuro e a
quantidade de pessoas se apressando para chegar ao metrô praticamente me
empurrou através da calçada, para a direção que precisava seguir.

Talvez a pressa tenha me impedido de vê-lo logo, mas bastou que eu


erguesse os olhos das pessoas que desviavam de um poste de músculos em
forma de homem no meio do meu caminho para reconhecê-lo.

Grande… sempre tão grande… e largo… e sério… e tão


injustamente lindo.

O ritmo dos meus passos diminuiu gradativamente, até que parei a


pouca distância, o coração retumbando em meu peito como se pular para
fora dele fosse uma boa ideia naquele momento; meus olhos passeando pelo
seu rosto, por cada um dos traços que eu havia acariciado, delineado e
memorizado por toda a minha adolescência, em busca de algo que me
dissesse que ele havia apenas mudado, como eu mesma o havia feito,
porque uma parte de mim ainda relutava em acreditar que eu havia me
apaixonado por uma ilusão criada por mim mesma.

E era uma parte estúpida, eu sabia, porque cinco anos depois de


como as coisas haviam terminado entre nós, ali estava eu, sentindo que
minha carreira estava em risco graças a aparição dele. Não apenas isso,
horas atrás eu tinha sido tola o bastante para acreditar que realmente ouvira
Bruce confirmar que ainda me queria… que rastejaria por mim se fosse
necessário.

Quanto mais eu me iludiria sobre ele?


— Precisamos conversar — iniciou.

— Você está tentando destruir minha carreira de propósito? —


disparei de uma vez, sem emoção. Ou ao menos, sem exprimi-la de
nenhuma maneira. O tom neutro e distante. — Pra se vingar?

Ele meneou em negativa, expirando profundamente de um jeito que


pareceu livrá-lo de uma pressão insuportável nos pulmões.

— Não estou… Por que acha isso?


— Porque é o que você está fazendo.

Um vinco nada sutil surgiu entre suas sobrancelhas. Bruce chegou a


entreabrir os lábios para dizer algo, mas se interrompeu antes mesmo de
fazê-lo, como se começasse a compreender do que eu falava. Ele grunhiu
baixo e deu os poucos passos que o distanciavam de mim, fazendo meu
coração disparar. Aquela sensação boba de ter borboletas no estômago me
impediu de recuar, mas ao sentir Bruce segurar meu braço para me tirar do
caminho das pessoas em nosso entorno, eu me desvencilhei do seu contato.
Sabia exatamente como meu corpo reagia aos seus toques e não estava
disposta a permitir que algo assim voltasse a acontecer.
— Não me toque — avisei.
Ele parou, e por um instante tive a sensação de que minhas palavras
o atingiram como aquele tapa. De modo inesperado e duro. No entanto,
empurrei essa ideia para longe e me afastei, mesmo sem saber para onde ir
àquela altura. Segundos depois Bruce estava ao meu lado.

— Meu carro está estacionado na próxima rua — avisou.


— Vou voltar de metrô, obrigada — foi minha resposta, mas ele se
colocou à minha frente um instante depois, rápido o suficiente para eu não
conseguir frear meus passos e meu corpo atingir o seu. Uma parede sólida
de músculos fortes e quentes que me amparou antes que eu me
desequilibrasse e caísse.

Apoiei minhas mãos em seu peito e ele usou as suas para me


sustentar, segurando-me pela cintura. Uma parte do meu cérebro deu pane
quando processei a proximidade do seu rosto. Minha respiração se
confundiu com a sua e o pulsar acelerado do seu coração vibrou em minhas
palmas.

Bruce estava perto.

Perto demais.

Perto como não esteve por mais de cinco anos.

Acho que eu não soube como lidar com isso, por isso fiquei ali,
imóvel em seus braços, sentindo-os me envolverem, sentindo seu calor me
aquecer, seus olhos prenderem os meus de modo que nada em nosso
entorno pareceu fazer qualquer sentido. Ou mesmo importar.

Eu sentia falta disso, percebi, sem conseguir acabar com esse


momento, incapaz de me mover mesmo quando ele aproximou seu rosto do
meu devagar, sem pressa ou hesitação, me dando tempo bastante para
desviá-lo. E eu não o fiz.

Minha respiração ficou presa.

Sua barba por fazer acariciou minha bochecha lentamente, os lábios


roçando o lóbulo da minha orelha enquanto os meus formigavam, numa
ânsia insuportável de tê-lo me beijando de novo. O hálito quente enviou um
arrepio suave através da pele sensível do meu pescoço, ao passo que
também o aquecia. Cerrei os olhos com força, abalada, instável, perturbada
pela sua proximidade, pelo cheiro másculo impregnado em sua pele, pelo
calor do corpo que eu conhecia tão bem, que eu costumava amar sentir me
envolvendo. Me protegendo.
Meus olhos marejaram.

— Cherry — ele sussurrou, tão baixo e suavemente que


desencadeou um estrago em meu peito, e acionou lembranças de momentos
nossos que agora pareciam fazer parte de um sonho bonito que só havia
existido para mim. — Venha comigo… por favor.
Minhas mãos prenderam o tecido grosso do seu casaco, num agarre
quase desesperado que veio antes de qualquer resposta, qualquer
pensamento lógico, meu corpo gritando mais alto que minha razão que
aquele era o lugar em que eu deveria ficar.

Por isso, contrariando todas as decisões tomadas naquele dia, eu fui.


 
NOVE
 

Emma não me encarou.

Conforme eu a guiava até o meu carro, ela manteve seus olhos


distantes de mim. Quando notei que eles estavam vermelhos e alagados de
lágrimas, eu senti a culpa me corroer por dentro, pesar em meu peito.
Porém, não foi pior do que o que senti quando ela se desvencilhou do meu
toque. Não pareceu apenas uma recusa ao meu contato, foi como se
quisesse se livrar de algo. De mim.

Como se não aguentasse ter que lidar com minhas mãos em seu
corpo, mesmo por sobre todas as camadas de roupa cobrindo sua pele.

Parei, observando-a dar passos pequenos até meu carro. Ainda sem
me encarar. Lembrei de sua pergunta há poucos minutos, sobre eu estar
tentando me vingar destruindo sua carreira. Ela realmente acreditava que eu
estava fazendo isso?

Eu estava fazendo isso? Sem me dar conta de que o fazia? Ou das


consequências dos meus atos?

Engoli a dúvida e voltei a andar, me afastando também da rua


repleta de transeuntes.

Desliguei o alarme do veículo e estava prestes a abrir a porta para


Emma quando sua voz rouca me fez congelar.

— Preciso que me deixe em paz — foi o que ela disse, baixo. —


Não posso perder meu emprego por sua causa.

— Mas eu não... — ela me interrompeu.

— E não quero mais você perto.

— Emma... — tentei.

— Vou fazer o possível para não cruzar o seu caminho, Bruce... —


sua voz falhou e destroçou algo em mim quando ela prosseguiu: — P-por
favor, faça o mesmo. Não vou interferir na sua vida, nem causar problemas,
então só...

Eu a abracei antes que pudesse concluir. Meu corpo envolveu o seu


completamente, suas costas estreitas se acomodando ao meu peito com
perfeição, pela posição em que estávamos, e pude senti-la tremer dentro dos
meus braços. Isso me quebrou. Ouvi-la chorar de verdade me quebrou. E só
pude apertá-la mais forte.

— Me desculpe — pedi, sentindo-a desabar. — Nunca tive a


intenção de tornar as coisas tão difíceis pra você, eu estava magoado e não
fui capaz de medir as consequências naquela tarde no lago... ou nas últimas
reuniões... me desculpe.

Um punho de ferro agarrou meu coração e o forçou a sangrar com


um aperto opressivo e doloroso. Os soluços que abandonavam seu peito
eram como golpes no meu.

Com cuidado, virei Emma em meus braços e a envolvi de frente,


deixando seu rosto bem acomodado ao meu peito, acariciando seus cabelos.
Em algum momento, apoiei meu queixo em sua cabeça e a segurei mais
forte, apenas para lembrá-la de que continuava ali. Com ela.

  — Sinto muito — sussurrei, minha voz saiu rouca, também


instável. — Por tudo... sinto muito por tudo.

Ela não respondeu, levou algum tempo para seu choro se


transformar em inspirações profundas, até ela regularizar a respiração e eu
ter certeza de que suas lágrimas já não umedeciam meu terno. Não a soltei,
nem fiz qualquer movimento além do trespassar suave dos meus dedos por
seus cabelos.
— Queria que você não tivesse esperado tanto para me ouvir dizer
isso — admiti, as palavras arranhando minha garganta e saindo estranhas,
nada parecidas comigo. — Queria não ter demorado tanto pra perceber toda
a merda que fiz.

Seu silêncio se prolongou e algumas lágrimas finas voltaram a


deslizar do seu rosto para meu peito. Não a pressionei, nem insisti nas
desculpas porque duvidava que ela estivesse pronta para me perdoar.

Quando Emma se moveu em meus braços e se afastou, o vazio que


senti instalou um nó em minha garganta, uma sensação angustiante de que
seu próximo passo seria ir para longe.
Ela me deu as costas enquanto limpava o próprio rosto e retomava
suas respirações profundas. O que disse a seguir ainda veio carregado da
emoção que a tomava, mas sua voz não falhou. Não exprimiu dúvida ou
hesitação.

E ainda assim me fez sangrar como apenas uma adaga teria feito.

— Obrigada... Acho que eu precisava ouvir isso para conseguir


encerrar essa parte das nossas vidas.
Lâminas. Era o que suas palavras pareciam, foi como me atingiram.
Foi como se instalaram sob meu peito. Sequer consegui responder.

Mas ela ainda não havia acabado. E, para o meu desespero, pareceu
mais segura do que dizia a cada palavra que deixou seus lábios.
— Não acho que possamos ser amigos, mas podemos ser bons
colegas de trabalho, Bruce.

— Emma... — Seu nome saiu em um fio de voz inconsistente.


Angustiado.

Ela apertou os lábios, seus olhos voltaram a marejar, acho que os


meus também.

— Eu preciso ir.
Eu a observei em silêncio, sem conseguir processar suas palavras,
ou me mover, enquanto ela se afastava. Eu só a vi passar por mim, com uma
sensação atordoante de que ela estava saindo da minha vida, e me forcei a
lutar contra o torpor para impedi-la. Para alcançá-la. Segurá-la. Abraçá-la e
apertá-la de modo que aquele buraco crescendo em meu peito parasse de
me puxar para o fundo dele.
Inspirei seu cheiro com desespero, meus lábios pressionando sua
têmpora enquanto meu braço a envolvia e mantinha presa a mim.

— Não quero ser seu amigo, Emma... nem a porra de um colega de


trabalho.

— Bruce...
— Você me odeia? — perguntei, ainda que a resposta pudesse me
ferir ainda mais. — Você me despreza agora? Você...

— Não... — a resposta saiu sufocada.

— Então eu posso consertar essa merda! — garanti. — Eu posso


fazer isso, Emma.

Ela acenou em negativa, seu peito voltando a tremer, as lágrimas


voltando a cair.
Acomodei-a contra meu corpo de novo, seu coração trovejava como
o meu. Senti-a agarrar meu casaco e pressionar seu rosto ao meu peito.

— Me deixe tentar — pedi, em seu ouvido. — Me dá uma chance...


Ela não respondeu.
— Perdemos cinco anos por minha culpa... — lembrei. — Perdemos
uma vida que poderíamos ter construído juntos, como tanto sonhamos... não
quero perder nem um segundo mais.

Fechei os olhos, tentando inutilmente me acalmar, tragar seu cheiro


doce para mim, inspirá-la porque precisava afogar todos os meus sentidos
com tudo sobre ela. Só assim me livraria da maldita angústia de perdê-la.
De novo.
— Eu só falhei uma vez nessa vida, Emma... — contei. — E foi
quando tentei arrancar você do meu coração... me deixa reconquistar você...

Seu corpo voltou a tremer em soluços nos meus braços, mas ela não
me respondeu.

O nó em minha garganta voltou a crescer, mas não soltei Emma.


Não a soltei em nenhum dos segundos que se arrastaram a partir das minhas
palavras. Do seu silêncio.
Acho que meu coração parou no instante em que seus braços me
envolveram.

Acho que ele não soube como voltar a trabalhar nem quando percebi
que essa era sua resposta muda.
Mas eu tive certeza de que foi por Emma que ele bateu quando meus
olhos voltaram a encontrar os seus.
 
DEZ
 

Observei as bolinhas do pêndulo de Newton se moverem enquanto


minha conversa com Bruce retornava à minha mente. A mera lembrança do
nosso abraço ainda enviava ao meu peito uma sensação que eu não
lembrava de já ter experimentado. Uma mistura de alívio e esperança. De
medo e coragem.

No entanto, conforme meu chefe se movia pela sua sala agora, após
me ouvir contar sobre o relacionamento que tive com Bruce há cinco anos,
eu começava a sentir que havia feito uma besteira ao concordar que Bruce
tentasse consertar as coisas...

Na verdade, comecei a sentir isso ao deitar em minha cama na noite


anterior, quando tomei consciência de que havia falhado na única decisão
em que não poderia voltar atrás: mantê-lo longe. Eu conhecia as
consequências de me envolver com alguém como ele, eu conhecia a dor que
ele fora capaz de causar, eu ainda sentia as feridas abertas que ele havia
deixado. Como pude ceder tão facilmente ao pedido dele? Como pude
ignorar tudo isso apenas por senti-lo me envolver mais uma vez?
— Acha que ele pode prejudicar nossos negócios, Emma? — meu
chefe chamou minha atenção. As sobrancelhas franzidas em preocupação.

Encarei seus olhos castanhos e os traços bem-marcados em seu


semblante cansado, todos denunciavam sua idade próxima dos cinquenta
anos.

— Não — respondi, mantendo minha calma. — Ele me disse que


não fará isso.

A poucos passos, o Sr. Jones expirou profundamente e se sentou no


sofá à minha frente. Isso me deixou nervosa, eu não costumava vê-lo
preocupado, saber que estava assim por minha causa me deixava inquieta.

— Confio e gosto do seu trabalho, Emma — ele iniciou, os olhos


finalmente encontrando os meus —, por isso não hesitei em aceitar quando
Carol sugeriu que você a substituísse no período de licença dela. Nenhum
de nós tinha dúvidas de que você seria capaz de cuidar do departamento
financeiro na ausência dela...

As batidas do meu coração ficaram pesadas a partir da pausa que ele


fez ali, o modo como ainda parecia organizar as palavras que diria, como se
as escolhesse bem para não ser mal interpretado — ou julgado —, me fez
prender a respiração.

— Mas esse contrato é muito importante e não posso arriscar perdê-


lo porque você tem uma questão mal resolvida com o Sr. Waldorf.

Meu coração parou. Cada músculo do meu corpo congelado.


— Na nossa última reunião, eu me preocupei que ele pudesse estar
interessado em você e pensei em afastá-la do processo de transição, não
queria que você fosse coagida de alguma maneira, mas agora...
— Sr. Jones... — tentei, atravessando o nó doloroso em minha
garganta, mas ele não me permitiu concluir.

— Preciso de algum tempo para compreender essa situação,


Emma... Talvez seja melhor conversar com o Sr. Waldorf sobre isso.
Descobrir se ele está confortável em ter você na equipe.

Uma lágrima fina deslizou por meu rosto, mas só tive a vaga
consciência dela caindo, sequer havia me dado conta de que estava tão perto
assim de chorar.

— Me desculpe — ele pediu, então se levantou. — Você pode usar


as horas extras que tem e sair mais cedo hoje. Vou lidar com a reunião de
mais tarde sozinho.

Pisquei, uma nova lágrima caiu e outras mais nublaram minha visão,
mas me forcei a segurá-las. A me erguer e dizer algo. Não podia aceitar
aquelas palavras calada.

— Não vou dizer que entendo ou concordo com sua decisão, senhor,
especialmente quando ninguém nesta empresa é mais qualificada que eu
para apresentar os dados do setor que gerencio há meses — iniciei, com
dignidade, sem precisar erguer a voz ou alterar meu tom. — O Sr. Waldorf
não apresentou qualquer posição contrária à minha permanência nesse
processo.

Meu chefe parou, com a mão na maçaneta da porta. Inspirei fundo,


tomando fôlego para concluir.
— Ele é prático, racional e objetivo. Se tentar lidar com ele sem
levar essas coisas em consideração, vocês terão problemas. Se ele pensar
que o senhor está tentando se intrometer na vida pessoal dele ao falar sobre
mim e nosso relacionamento, vocês terão problemas.

O Sr. Jones se voltou para mim a tempo de me ver caminhar


também em direção à porta. Aproveitei que ele soltou a maçaneta e a abri
por mim mesma.

— Boa sorte com a reunião mais tarde. Vou pedir que um dos meus
colaboradores leve os relatórios que foram solicitados ao meu setor. Nos
vemos na segunda-feira.

Não aguardei uma resposta sua. Se eu fosse sincera, admitiria que


não a teria ouvido nem se quisesse, de qualquer maneira. Me sentia um
pouco fora da realidade quando o deixei. Carregava algumas palavras
pesadas na garganta também, mas infelizmente tinha consciência de que as
proferir não adiantaria nada naquela situação. Diante de um contrato
importante, não importava se eu era uma boa funcionária, não importava se
era injusto me afastar... nada mais importava quando havia dinheiro em
jogo para aquelas pessoas.

Saí após dar algumas instruções à minha equipe. Algo como um


peso foi retirado dos meus ombros quando me afastei do prédio da empresa.
Não chorei mais, apesar de ainda me sentir mal. O nó em minha garganta
como uma presença da qual eu não conseguia me livrar. Não queria decair
em autopiedade ou prolongar aquela sensação horrível de estar sendo
injustiçada. Isso me faria sentir pior. Por mais tempo.

Verifiquei as horas e enviei uma mensagem à babá da Emy,


avisando a ela que poderia sair mais cedo, que eu buscaria minha irmã na
escola.
Esse foi o melhor remédio que eu poderia me dar naquele momento.

Ver o sorriso ganhando todo o rosto de Emy no momento que ela me


reconheceu na entrada da escola foi tudo o que precisei para deixar de lado
o que sentia. Ela correu até mim na calçada e abraçou minha cintura. O
impacto do seu corpo me fez cambalear um passo para trás.

— Você tirou folgas? — ela perguntou quando também a abracei.


— Só hoje — respondi. Peguei sua lancheira e segurei sua mão.

— Ebaaaa! O que vamos fazer? — indagou, animada, quase


saltitando ao meu lado. Eu a olhei por um instante, sentindo um sorriso se
abrir em meus lábios conforme ela elencava opções infinitas. — Eu já sei!
Já sei mesmo! O que acha de a gente ir pro Bryant Park ou pro Rockfeller
Center? As pistas de patinação devem estar lindas.
Suspirei, só de pensar na quantidade de turistas que já deviam estar
passeando por lá nessa época do ano. Sem falar que o percurso de volta
seria demorado, vir de Manhattan para o Brooklyn numa sexta-feira à noite
não seria rápido ou confortável.

— Vamos, Emma! Se a gente for cedinho, consegue aproveitar


muito e não precisa vir tarde... E o tio Maverick mora perto do Bryant Park,
se ele quiser ir com a gente...

— Não, esse será um programa de garotas... — avisei. Não estava


com humor para lidar com Maverick me perguntando sobre Bruce. Ou para
pensar em Bruce e no que sua aproximação estava fazendo com minha vida
profissional. Eu queria espairecer um pouco. Esquecer.

Ela franziu a testa.


— Mas o tio Maverick sempre cai — tentou, abrindo um sorriso
sapeca. — Ele é tão grande, é engraçado ver ele caindo de novo e de novo.

Ri baixinho, com ela.

— Ele pode ir com a gente em outro dia — negociei.


Ela cedeu, ainda sorrindo.

Sapeca.
 
ONZE
 

Assisti impassível Seth Jones apresentar dados com os quais ele


claramente não possuía familiaridade. Sentado no sofá à frente do seu e
folheando os relatórios que ele tentava sintetizar nesse momento, eu não
exprimi qualquer comentário, mas tive certeza de que meu semblante falava
melhor que qualquer palavra.

Havia praticamente atravessado a maldita Manhattan inteira para


poder ver Emma fazendo essa apresentação — na verdade, só a tinha
pedido porque queria uma desculpa para vê-la — e, em vez dela, precisava
encarar e ouvir seu chefe.

Para piorar, já não tinha dúvidas de que estava perdendo tempo ali,
com alguém que sequer tinha domínio do que falava e, eu sabia, não seria
capaz de responder uma das perguntas que eu já estava pronto para fazer.
— Onde está a chefe do departamento financeiro? — eu o
interrompi, no meio de um adendo sobre a demonstrações de mutações do
patrimônio líquido da empresa. — Essas informações deveriam estar sendo
apresentadas por ela, não?

O homem pressionou os lábios numa linha fina, certamente


incomodado com meu tom e questionamento.

— Preferi afastar a Srta. Hale desse processo de transição —


informou, usando o indicador para coçar sob o colarinho azul de sua
camisa. Pousei sobre o sofá os dados que segurava, muito consciente de que
minha postura mudava e o homem à minha frente percebia. — Ela me
contou que teve um relacionamento com o senhor no passado e achei
melhor não misturar as...

— Por que ela fazer o trabalho para o qual é paga seria misturar as
coisas? — eu o cortei, sem deixar que concluísse, e insisti antes que
pudesse proferir uma réplica: — E por que achou que afastar uma
funcionária por uma questão pessoal era o melhor a se fazer numa situação
como essa?

Seus olhos se estreitaram, o tablet em sua mão também foi colocado


de lado e sua expressão mudou conforme ele se empertigava, pronto para
tentar nivelar nossas posturas. E atitudes. Quase pude ver sua mente
reunindo e organizando as palavras de modo a não as fazer soarem como
um ataque nem como uma réplica condescendente que o reduziria a um
líder permissivo e fraco.

— A decisão foi tomada pelo bem da empresa, para garantir que


tivéssemos um processo imparcial...

Icei uma sobrancelha.


— Está me dizendo que o processo não seria imparcial da minha
parte se a Srta. Hale estivesse na equipe de transição? — elucidei. — Essa é
uma conclusão equivocada e muito pouco profissional da sua parte, Sr.
Jones. Além de demonstrar uma conduta desrespeitosa para com seus
funcionários. Isso poderia levá-lo a um processo trabalhista, está ciente
disso?

Ele voltou a entreabrir os lábios para responder, mas não foi rápido
o suficiente. Eu me ergui, já abotoando meu terno.

— Concordei com sua exigência sobre não demitir ou intervir na sua


equipe nos primeiros doze meses de contrato e estou consciente de que as
decisões sobre seus funcionários ainda são de sua responsabilidade, mas eu
também fiz uma exigência muito clara — lembrei-o, agora o encarando de
cima. — Quero o envolvimento da sua melhor equipe nesse processo de
transição, isso não é negociável. O fato de ter tomado para si a
responsabilidade de apresentar essas informações hoje só me prova que não
tem ninguém melhor que a Srta. Hale para fazer isso.

Ele também se ergueu.

— Ela...

— Vai voltar na próxima reunião e me apresentar todas essas


informações novamente — declarei. — Aguarde o contato do meu
assistente. Ele avisará quando eu tiver alguma brecha na minha agenda.
Peço que não me faça perder tempo mais uma vez.

Seu queixo caiu, os olhos castanhos faiscaram com algo que eu


soube que ele não se permitiria expressar em palavras, porque não podia. E
eu entendia. Ele tinha praticamente o dobro da minha idade e havia
comandado aquela empresa por mais de vinte anos, devia ser horrível ter
que ceder de qualquer maneira para alguém mais jovem que surgia à sua
frente com uma atitude insolente e arrogante, mas eu não dava a mínima
para isso. Ele havia vendido as ações sem pensar duas vezes, ele havia
concordado com minhas exigências e ele era um dos motivos para Emma
ter chorado em meus braços na tarde anterior, temendo ser demitida ou
prejudicada.
Agora eu entendia por que ela temia tanto isso. Esse infeliz engoliria
o próprio orgulho para ver seu projeto de uma vida receber a injeção de
investimento que ele havia implorado a bancos por anos. Se livrar de uma
empregada não seria nada para ele, independente de quão boa ela fosse.

Saí da sala da presidência e não me importei em ser sutil conforme


passava pelo andar e procurava por Emma. Um olhar rápido para sua sala e
eu tive certeza de que ela não estava ali, as luzes e o computador estavam
desligados.

Já desci o elevador enviando uma mensagem para Bradshaw,


pedindo que me mandasse o número de Emma. Eu havia esquecido de pedir
a ela após levá-la para o prédio em que morava. Agora queria saber se ela
estava bem, se o filho da puta do seu chefe não a havia feito chorar com o
que quer que tivesse dito a ela sobre sua participação no processo de
transição da empresa para minhas mãos.

Grunhi, encarando a tela do meu celular, Bradshaw sequer recebera


minha mensagem. Não disposto a perder tempo, disquei seu número e
mantive o telefone pendurado no ouvido até o desgraçado atender, após
muitos toques.

Um gemido feminino se fez ouvir no telefone antes mesmo da voz


do meu melhor amigo.
— É bom que seja muito importante, cara — ele praticamente
rosnou.

— Me mande o número da Emma.

O silêncio do outro lado da linha veio seguido por outro gemido


feminino. Desta vez mais alto. Precisei afastar o celular do ouvido por um
momento.
— Você tá empatando a minha foda porque quer a porra do número
da Emma? Bruce, vá se fo... — eu o interrompi.

— Mande logo a porra do número.

— Me dê quinze minutos.

— Você não precisa fingir que ainda vai durar tanto — provoquei,
só porque podia.
— Vai se ferrar, seu filho da puta!

Um sorriso atípico curvava meus lábios quando ele desligou.

Abri a porta do carro e logo deixei o estacionamento, já pensando se


seria muito estranho se eu fosse até o prédio de Emma conferir
pessoalmente se ela estava bem. Quase não havia dormido na noite anterior,
porque ela ainda parecia angustiada quando nos despedimos. Será que havia
conseguido dormir? Será que ontem mesmo ela já sabia que seria afastada e
por isso havia desabado daquele jeito? Ela se sentiria melhor se eu
garantisse que ninguém mais a prejudicaria na porra daquela empresa?

Expirei profundamente e voltei a verificar meu telefone em um sinal


vermelho. A mensagem de Bradshaw com o número de Emma já estava em
minha caixa de mensagens. Assim como uma informação extra.
Era como se o infeliz lesse mentes e soubesse que eu queria vê-la.

Ele havia me mandado o endereço de onde ela estava agora.


 
DOZE
 

Um conjunto de luzes frias estava direcionado para a pista de


patinação do Bryant Park. Ainda era final de tarde e o lugar ainda não
estava lotado, mas já era possível ver o tom lilás que as luzes formavam em
contato com o gelo. E era mágico. Os prédios no entorno do parque também
começaram a se iluminar à medida que o céu cinzento deu lugar à noite e
isso só contribuiu para realçar a atmosfera encantada que pairava ali.

Eu entendia por que Emy adorava esse festival de inverno, ele era
sempre um espetáculo à parte para quem morava na cidade ou não.

Observei minha irmã adentrar a pista com destreza e segurança,


como a primeira e mais animada na pequena fila que havia se formado
enquanto um funcionário terminava de limpar tudo.
— Vamos, Emma — ela me chamou, patinando de costas e
estendendo a mão para mim. Olhei para meus pés e finquei o primeiro no
gelo recentemente nivelado. Eu sabia o básico para não cair a cada cinco
passos, mas isso não me dava a segurança que Emy tinha. Ainda assim
entrei.

— Não vá muito rápido — avisei, patinando em sua direção, para


iniciarmos o percurso através da pista ampla.

Ela riu e concordou, mas já estava indo mais rápido que eu. Fazendo
manobras como uma profissional, não uma garota que ia a pistas como essa
apenas umas três vezes a cada temporada de inverno.

Na terceira volta completa que demos, a pista já não estava tão vazia
e parei por um momento para me apoiar à mureta e pegar, da mochila que
carregava, dois pares de luvas de crochê que Emy havia feito para nós no
decorrer do ano. Ainda era final do outono, mas o clima e o cair da noite já
começavam a me fazer sentir um pouco de frio. E eu não queria que Emy
pegasse um resfriado.

Enquanto vestia as luvas, procurei Emy pela pista e tentei ir até ela.
Alguns sulcos no gelo me desequilibraram durante o percurso, mas, apesar
de precisar parar e ir mais devagar em alguns momentos, não caí.

Eu cantarolava alguns trechos da música Until I Found You, de


Stephen Sanchez, que tocava em uma caixa de som perto da pista, alheia às
vozes no entorno, quando voltei a procurar Emy. Ela já havia saído do meu
campo de visão.

Girei em meu próprio eixo e estreitei os olhos, buscando pelo


pontinho amarelo e azul que ela era naquele momento. Deslizei para a
esquerda, voltando ao percurso circular que as pessoas faziam. Comecei a
me preocupar por não a achar e acabei me apressando apesar da pista de
gelo já estar cheia de buracos.

— Emma! — ela chamou, de algum lugar às minhas costas. Parei,


virei-me para procurá-la e a encontrei a tempo de vê-la vindo rápido demais
em minha direção. Os olhos arregalados observando algo atrás de mim, o
sorriso em seus lábios era daquele tipo que certamente a deixaria com o
maxilar doendo depois. — Olha quem está...

Mas ela não concluiu, acabou se desequilibrando poucos metros à


minha frente e não conseguiu parar. Deslizei para tentar alcançá-la antes
que caísse, mas o impacto do seu corpo atingindo o meu nos empurrou para
trás. Escorreguei e só tive tempo de prendê-la a mim, já temendo pela
queda, no entanto, minhas costas colidiram com um corpo sólido que nos
segurou. Mãos grandes envolveram minha cintura, firmando-me contra
pernas e um peito forte.
Um arrepio familiar percorreu minha espinha mesmo que eu não
soubesse de quem eram aquelas mãos. Pressionei os lábios, movendo meu
rosto para trás, numa tentativa de olhar para quem havia nos impedido de
cair, mas só tive tempo de ver um borrão loiro derrapar à minha esquerda e
nos acertar com força. O choque nos empurrando para o gelo, em uma
confusão de braços, pernas e patins.

Uma fisgada de dor disparou através do meu tornozelo, seguida por


um latejar que me fez gemer baixinho. Havia um corpo estranho sobre mim,
me impedindo de verificar se Emy estava bem, mas ele logo foi empurrado
bruscamente, por um braço forte às minhas costas.
— Tome cuidado, filho da puta! — a voz grave de Bruce grunhiu às
minhas costas, para o homem que ele havia empurrado de cima de mim.
Arregalei os olhos ao ouvi-lo e virei o rosto o bastante para vê-lo
preocupado, tentando se sentar de modo a me levantar junto.
— Onde você se machucou? — ele perguntou baixinho, mas a voz
de Emy chamou nossa atenção antes que eu fosse capaz de proferir uma
resposta.

— Você se machucou, Emma?!


Ao procurá-la, encontrei-a à minha esquerda, já sendo ajudada por
outra pessoa, a atenção voltada para mim.

— Você está bem? — indaguei, meus olhos a percorriam em busca


de ferimentos.

Ela acenou, o rosto retorcido de preocupação conforme outras


pessoas paravam ao nosso redor para nos ajudar.

Bruce conseguiu nos colocar sentados, comigo ainda sobre ele, e


estava prestes a nos erguer quando voltei a gemer de dor.
— Onde dói? — ele perguntou, uma de suas mãos grandes e úmidas
do gelo envolvendo meu rosto, enquanto ele examinava meus braços e
pernas. O fato de ele estar realmente aqui ainda não tinha sido digerido por
mim.

— Desculpe, Emma — minha irmãzinha pediu, chorosa. — Eu só


queria te mostrar que o Bruce tava aqui.
— Eu estou bem — avisei a ela. Tentei me mover para levantar, de
modo a tranquilizá-la, mas outra fisgada em meu tornozelo me impediu.
Desta vez o gemido de dor ficou preso em minha garganta, porque cerrei os
dentes para contê-lo.

— Vou levantar você — Bruce sussurrou. — É seu pé que dói?


— O tornozelo — soprei a resposta, só para ele. Não queria
preocupar Emy.

— Envolva meu pescoço com os braços.

Eu o fiz sem hesitar e só no instante seguinte me dei conta de que


ele tentaria se erguer comigo apoiada ao seu peito. Poderíamos escorregar e
cair de novo, mas não foi o que aconteceu. Diante de olhares curiosos e
preocupados em nosso entorno, Bruce voltou a envolver minha cintura e
usou o braço livre para rodear meus joelhos. Com um impulso forte, ele
fincou os patins no gelo e nos ergueu.

— Tudo bem? — perguntou, bem perto do meu ouvido, sua voz


espalhando um arrepio suave por meu pescoço, me fazendo inspirar fundo e
sentir seu cheiro e calor inundarem meus sentidos. Eu acenei em resposta,
mas minha vontade foi de continuar tragando seu perfume para mim. — Ela
está bem — ele avisou, para aqueles que continuavam nos encarando. —
Venha, Emy.

O homem que havia nos derrubado pediu desculpas e tentei


tranquilizá-lo sobre eu estar bem antes que Bruce voltasse a rosnar algo
para ele.
Estendi uma das mãos para Emy conforme deixávamos a pista.

— Vamos para um hospital — Bruce disse.


— Não! Não vou perder horas num hospital para fazer exames
desnecessários e caros e ouvir que só preciso de analgésico pra dor e um
pouco de gelo. Eu estou bem, acho que foi só uma torção.

— Tem razão — Bruce concordou, cedo demais. — Vamos para o


hotel em que estou hospedado, vou chamar o médico da minha família.
Entreabri os lábios para negar, mas Emy foi mais rápida.

— Sim, vamos fazer isso. Emma é muito teimosa.

Voltei minha atenção para ela, sem acreditar no que havia dito. E sua
resposta foi dar de ombros.
— Ela é — Bruce concordou. — Quando se trata do seu próprio
bem-estar, ela sempre é.
 
TREZE
 

— O que você estava fazendo no Bryant Park? — Emma indagou,


me encarando através do espelho retrovisor do carro. Ela estava acomodada
no banco de trás, com o tornozelo ferido e inchado sobre o colo de sua irmã.
— Como sabia que estávamos lá?
— Bradshaw.

Ela franziu a testa.


— E como ele... — parou, seu olhar indo para Emy.

— Eu mandei uma mensagem pro tio Maverick do seu celular — a


menina sussurrou, se encolhendo, envergonhada. — Desculpe. Achei
mesmo que seria legal se ele fosse.

Emma suspirou.
Desviei meu olhar das duas para me atentar novamente à avenida à
minha frente. Após alguns minutos no trânsito lento, uma mensagem no
meu celular me confirmou que o médico da minha família já estava a
caminho do meu endereço e isso me fez respirar aliviado. O tornozelo de
Emma só havia piorado depois que conseguimos tirar os patins. Eu já estava
fazendo um esforço para não a levar direto para o hospital.
Estacionei a uma quadra de distância do Bryant Park, à frente do
hotel imponente que fazia parte da rede mundialmente reconhecida da
família de Bradshaw. Eu estava hospedado nele desde que voltara a Nova
Iorque.

— O médico já está a caminho — avisei, antes de deixar o carro e


entregar a chave para o manobrista. Abri a porta do passageiro e ajudei
Emy a sair. Ela agradeceu com um sorriso e observou maravilhada a entrada
no hotel.

— Eu posso me virar sozinha em casa — Emma avisou, quando me


inclinei sobre ela para abrir seu cinto de segurança. — É perda de tempo
nos trazer aqui e...

— Você não precisa mais se virar sozinha — garanti, muito


consciente da proximidade dos nossos rostos e da maneira que ela
pressionou os lábios com força ao me sentir tão perto. Voltei minha atenção
aos seus pés, às meias lilás que eram tudo o que ela usava agora, mas que
não disfarçavam o inchaço em um de seus tornozelos. Lembrar do idiota
responsável pela nossa queda e por Emma estar ferida fez o sangue
esquentar em minhas veias. — Aquele filho da puta...

Ela também voltou a atenção para seus pés, encolhendo um deles


por não poder mover o outro sem sentir dor.
— Ele não fez de propósito — lembrou.

Bufei.

— Você precisa parar de falar palavrões na frente da Emy — alertou


em voz baixa, antes que eu pudesse dizer algo mais. Conferi a menina às
minhas costas por um momento e selei meus lábios, ciente de que me
policiar sobre isso seria difícil.
— Tudo bem.

— Você tem uma casa e um apartamento em Manhattan, por que


está nesse hotel? — Emma perguntou, de repente.

Eu a encarei com o maxilar travado. Havia muitos motivos pelos


quais eu preferia ficar em um hotel em vez da casa dos meus pais e do
apartamento que eu havia comprado e decorado para morar com Emma, e
não queria ter que falar sobre nenhum deles. Pelo menos não ainda, e não
com ela.

— É uma longa história — limitei-me a essa resposta.

Enlacei sua cintura com um braço e as pernas com o outro, pronto


para erguê-la.

— Você sabe o que fazer — sussurrei, perto do seu ouvido.

Emma não hesitou em envolver meu pescoço com seus braços. E foi
algo singelo, eu sei, nem era a primeira vez que ela fazia isso nesse dia, mas
meu coração tropeçou nas batidas. Expirei devagar, pressionando meus
lábios à sua têmpora, inalando seu cheiro adocicado devagar, de modo que
ela não percebesse o que eu fazia, mas sua pele se arrepiou sob meu
contato. Seu coração saltou no peito e a respiração se tornou irregular a
partir dali. Ela sabia sim o que eu fazia. E não me soltou. Apenas suas
unhas deslizaram sutilmente pela minha nuca.
— Não tem ideia do quanto eu senti falta disso — confessei
baixinho, em seu ouvido. — De ter você perto assim... de sentir seu cheiro.

Emma engoliu em seco.


Eu não queria uma resposta, então não aguardei por uma. Tomei o
impulso de que precisava e a tirei daquele carro com cuidado.

— Esse hotel parece aquele do filme O Natal de Eloise, né, Emma?


— Emy murmurou, aproximando-se novamente, mas sem tirar seus olhos
brilhantes do prédio ostensivo. — Eu adorei. Podemos conhecer tudo dele?

— Claro — eu respondi enquanto a mulher em meus braços dizia


não.

Emy riu.
Emma estendeu uma mão para a irmã quando adentramos o
ambiente luxuoso e fincou suas unhas mais profundamente em minha nuca
quando atravessamos o hall de entrada direto para os elevadores. Contive
um grunhido baixo, com os dentes cerrados, amaldiçoando a lembrança
intrometida que cruzou minha mente ao mero arranhar das suas unhas em
minha pele. Emma também fazia isso inconscientemente quando eu estava
dentro dela, quando apenas gemer de prazer não era mais suficiente.

No entanto, ao encará-la, eu entendi que ela fazia isso agora porque


não estava confortável nesse lugar.
— Não se preocupe — sussurrei, ainda perto do seu ouvido. —
Estou aqui.

Ninguém se colocaria em nosso caminho comigo estando ali.


As portas do elevador se abriram e entramos com cuidado.

Pedi que Emy pressionasse o botão do meu andar e ela o fez com
um sorriso pequeno, mas animado. Em meus braços, Emma ergueu seu
rosto para me encarar por alguns instantes, estava tão perto que pude sentir
sua respiração se confundir com a minha. Ao fitá-la, eu soube que ela tinha
perguntas a fazer, mas preferiu não as fazer na frente da irmã.

Com a ajuda de Emy, a porta da minha suíte presidencial foi aberta.


— Você é tão forte! — a menina exclamou, me acompanhando até o
quarto, sua atenção dispersa pela sala extensa e bem decorada. — A Emma
não é muito magra e você nem parece que está cansado.

— Emy!
Eu ri baixinho da interação das duas, algo em meu peito se aqueceu
ao ver o sorriso sapeca da menina. Vê-las juntas agora era muito diferente
de cinco anos atrás. Emy não era mais a bebê que vivia agarrada às pernas
de sua irmã. Naquele momento, uma parte de mim se perguntou se eu teria
desenvolvido aquele tipo de cumplicidade com ela se tivesse ficado com
Emma. Eu conseguiria ver Emy como minha irmã? Ela também estaria me
provocando assim?

As dúvidas roubaram o sorriso dos meus lábios.

Empurrei a porta do quarto e Emy cuidou de ligar as luzes. Coloquei


Emma sobre a cama e alcancei um travesseiro para pôr sob seu tornozelo.

— O médico chegará a qualquer momento — contei. — Vocês


querem algo? Para comer ou beber?
— Não — Emma respondeu ao passo que Emy dizia sim.

As duas se entreolharam, a mais velha com olhos semicerrados.


— Estou com fome — a caçula respondeu.

— Vou pedir um lanche — avisei.

Peguei o telefone sobre a mesa de cabeceira e discando o ramal da


recepção.
— O banheiro fica atrás daquela porta. — Indiquei após fazer o
pedido. Voltei a pousar o telefone sobre o gancho e me livrei do casaco
enquanto Emy seguia para a porta que eu havia indicado. Sentei-me aos pés
da cama, perto de onde o tornozelo de Emma estava apoiado. Retirar a meia
que ela usava certamente doeria. Eu precisaria encontrar uma tesoura... ou
talvez o médico viesse preparado com uma.

O inchaço parecia muito pior agora. Eu temia que sua pele estivesse
roxa também, embora não houvesse sangue à vista.
— Aqui dói? — perguntei, pressionando o indicador alguns
centímetros acima do tornozelo. Emma não emitiu uma resposta audível,
mas pela visão periférica pude vê-la menear a cabeça em negativa.

— Tem uma coisa que eu deveria ter perguntado ontem — ela disse,
baixo o bastante para não ser ouvida por ninguém além de mim. Ergui meus
olhos até os seus, já preocupado com seu tom. — Por que mudou de ideia?
Sobre mim? Na semana passada parecia tão certo de que eu... — ela parou,
não conseguiu concluir.
— Bradshaw me contou sobre o que aconteceu depois que fui
embora — iniciei. — Além de me dizer que acreditava em você, ele me fez
ver que eu deveria tentar enxergar o passado por outra perspectiva, talvez...

— Então só acreditou em mim porque ele acreditava? — Emma me


interrompeu.
A pergunta me calou momentaneamente, e por segundos tudo o que
fiz foi encarar Emma, o brilho sutil em seus olhos.

— Acreditei porque não era tão estúpido ouvir meu melhor amigo,
como sempre pareceu estúpido ouvir a mim mesmo. — Engoli o nó idiota
que surgiu em minha garganta e inspirei fundo. — Quando era só minha
mente me mandando acreditar em você, eu me senti fraco por querer tão
desesperadamente que ela estivesse certa.

Emma desviou seu olhar do meu, fechando os olhos talvez para


conter as lágrimas que também já surgiam.
— Por isso fui embora — revelei. — Por isso precisei colocar um
oceano de distância entre nós.

Ela não respondeu.

Pressionei os lábios, o aperto em minha garganta me exigindo tempo


para desfazê-lo. Não consegui dizer mais nada, Emma também não o fez,
por isso a campainha tocando através do apartamento foi bem-vinda.

— Deve ser o médico — avisei após alguns segundos tentando me


recompor.

Eu me ergui a tempo de ver Emy deixar o banheiro.

— Emma, tem uma banheira aqui e até um sofá, acredita?! Quem


tem um sofá no banheiro?

Ela riu de sua própria pergunta, alheia ao clima melancólico


pairando ali.

— Meu quarto consegue ser menor que esse banheiro — prosseguiu,


caminhando até a cama. — Fiquei pensando que...
Deixei as duas sozinhas e fui receber o médico. Em poucos
segundos, Emma estava sendo atendida. Do frigobar sob a mesa de
cabeceira, peguei duas garrafas de água. Entreguei uma para Emma e a
outra para sua irmã.

Observei atentamente os movimentos do Dr. Lansbury, as perguntas


que fez enquanto eu dava voltas pelo quarto, mais inquieto a cada careta de
dor que Emma fazia. Como um felino prestes a avançar sobre o senhor
baixo e negro que examinava sua fêmea. Me forcei a ficar calado, a
mandíbula cerrada para garantir que nenhum xingamento seria emitido por
mim, e consegui manter meus lábios selados por minutos, até ouvir Emma
gemer de dor.

— Tome cuidado! — mandei, mas o homem me conhecia desde que


eu me entendia por gente, tudo o que fez ao ouvir meu tom ameaçador foi
rir.

— Se acalme, garoto. — Ele se voltou para Emma. — Desculpe,


querida, mas a partir de agora esse exame vai doer um pouco. Preciso ter
certeza de que foi uma torção simples. Ainda assim, você terá que fazer um
raio-x também.

Entrecerrei os olhos para Emma, praticamente dizendo sem palavras


“deveríamos ter ido logo ao hospital”. E ela entendeu, porque revirou os
olhos em resposta.
— Você pode dar um remédio para dor a ela? — Emy perguntou,
preocupada, também muito atenta ao que o médico dizia e fazia.

O Dr. Lansbury acenou, numa afirmativa, então escreveu algo numa


folha de papel que desconfiei se tratar de uma receita. Aproximei-me para
pegá-la antes mesmo de ele concluir.
— Leve-a ao hospital para fazer o raio-x amanhã pela manhã —
avisou.

— Tudo bem.

Peguei a receita de suas mãos e depois o acompanhei para fora do


apartamento, ouvindo sua indicação sobre a compressa fria, que ajudaria a
aliviar a dor. Aproveitei logo para pedir que aqueles medicamentos fossem
entregues na suíte e que trouxessem também um balde de gelo.
Quando voltei a me aproximar do quarto, a porta ainda estava aberta
e as vozes de Emy e Emma podiam ser ouvidas no corredor curto.

— Ele parece um urso! — Emy dizia. — Um urso enorme e


superprotetor, rugindo e rosnando pra quem se aproxima ou machuca você!

— Vamos parar de assistir aquelas séries coreanas — Emma


desconversou. — Você está ficando toda impressionada.

A menina riu.
— E você tá cega. — Um suspiro infantil antecedeu suas próximas
palavras. — Vocês podiam ficar juntos de novo, né? Aí seríamos uma
família, o que acha?

Emma ficou em silêncio.

— Bruce daria um bom irmão mais velho. Aposto que daria... — ela
insistiu, com uma confiança que tocou em algo duro no meu peito. Uma
convicção enraizada em mim, sobre não ser capaz disso, como Emy
acreditava. — Eu posso ajudar vocês, sabia?... Ah, meu Deus, eu vou ajudar
vocês.

E de repente eu estava sorrindo, como um tolo. Encantado. Acabei


por me encostar à parede para apenas ouvir a interação das duas. Para
absorver todas aquelas palavras. A certeza praticamente irrevogável que
aquela menina tinha mesmo sem me conhecer direito. Mesmo sem que eu
merecesse.

A confiança de que eu poderia ser bom para as duas.

Eu sabia que não merecia tudo aquilo, mas aceitaria. Aceitaria


porque agora alguém, além de mim, acreditava que poderíamos ser uma
família.

Alguém além de mim estava disposta a tentar.


 
QUATORZE
 

A visão da sombra de Bruce se assomando na parede do corredor


me silenciou no instante em que a vi. Prendi minha respiração, incapaz de
desviar meu olhar dela. Emy continuou a falar ao meu lado, repetir o quanto
achava que éramos um casal bonito, e eu teria a interrompido e pedido que
parasse, só para impedir que Bruce continuasse nos ouvindo, mas o toque
da campainha na porta da frente a calou.

— Será que já é o remédio?! — indagou.

Vi a sombra de Bruce se afastar novamente e soltei o ar devagar.

— O que foi? — Emy perguntou.


— Não é nada. Nós precisamos ir para casa — lembrei-a, já me
movimentando para tentar me erguer.

— Mas, Emma, você ainda precisa fazer o exame...


— Isso não precisa acontecer hoje... — sussurrei, entredentes por
causa do esforço para sustentar o peso do pé fora do travesseiro. Eu não
conseguiria erguê-lo. Teria que arrastar a perna para fora da cama.
Dor voltou a disparar do meu tornozelo até minha panturrilha, e eu
me forcei a manter os lábios e dentes cerrados, para conter os gemidos que
tentavam rasgar minha garganta, mas bastou que eu deslizasse meu pé para
fora do travesseiro, para uma ardência insuportável tomar meus olhos.

— Meu Deus, meu Deus, meu Deus... — emiti baixinho, sem


acreditar no quanto esses movimentos simples haviam se tornado dolorosos.
O tempo parada ali, além de parecer ter piorado o inchaço, havia deixado a
área lesionada ainda mais dolorida.

— Você não pode se mexer assim! — Emy repreendeu, segurando


meu braço, como se realmente ainda achasse que eu seria capaz de descer
daquela cama sozinha. Eu não seria, não nas próximas horas, pelo menos.
E, certamente, não antes de alguns analgésicos.

Fechei os olhos quando o latejar no tornozelo se tornou ainda mais


forte. Cheguei a agarrar e apertar um travesseiro para tentar lidar com a dor,
mas foi em vão.

Eu não posso ficar aqui — repeti em mente quando ouvi passos no


corredor. — Na suíte/apartamento de Bruce. Em sua cama.

— Bruce, a Emma tá sentindo muita dor! — Emy praticamente


gritou ao meu lado, o que foi bastante para alguns baques fortes soarem na
sala, como se coisas fossem derrubadas, antecedendo uma sucessão de
estrondos em forma de passos apressados no piso polido.

— O que houve?! — Bruce perguntou, sua voz grave preenchendo o


cômodo com um tom aflito que me pegou de forma inesperada. Logo o
calor do seu corpo podia ser sentido por mim, graças a sua proximidade.

Expirei profundamente e abri os olhos a tempo de vê-lo ajoelhado


ao meu lado na cama, então uma de suas mãos envolveu a minha e ele a
apertou, a outra afastou as mechas de cabelo do meu rosto e ergueu meu
queixo.

— O que aconteceu? — ele soprou a pergunta, voltando seu olhar


preocupado para minha perna, que estava longe do travesseiro em que ele a
havia deixado. — Você quer ir logo pro hospital? Os remédios já chegaram
e improvisei uma compressa de gelo, mas não sei quanto tempo eles vão
demorar para fazer efeito.

Acenei em negativa.

— Quero ir pra casa.

Seu olhar voltou para mim. Não precisei de mais do que dois
segundos para confirmar que meu pedido foi inesperado.

— Mas você está com dor — sua resposta veio como a de um


menino confuso. Até o modo como seu rosto se franzia denunciava sua
preocupação.

Estar ciente da sinceridade da sua aflição me desarmou. Quando ele


agia assim, era difícil vê-lo como o homem que me disse palavras cruéis e
me deu as costas. Mas eu não podia esquecer que Bruce podia ser esses dois
homens.

— A culpa é minha — Emy sussurrou, chorosa ao meu lado. — Me


desculpe, Emma. Eu não queria que você se machucasse.

Expirei profundamente, tentei reunir forças para procurar o olhar


dela e a tranquilizar. Não queria que ela ficasse assim.
— Está tudo bem — garanti, estendendo a mão para entrelaçá-la à
sua. — Vou tomar os analgésicos e logo vai passar.
— Emy, deixei a sacola com os remédios na sala. A compressa de
gelo também. Você pode buscar enquanto ajudo a Emma? — Bruce
perguntou. Ela concordou, já se movendo para fora da cama.

— Bruce... — chamei ao vê-lo se erguer e arrumar o travesseiro


mais uma vez. — Eu quero...
— Se eu correr o risco de mover você pra fora daqui, será para
irmos ao hospital e você ficar sob observação médica — me interrompeu,
agora sem me encarar. Com uma firmeza que me deu certeza de que ele já
havia entendido por que eu queria sair dali. — Não vou deixar você em casa
pra se virar sozinha. Com dor e uma criança que não vai conseguir te
ajudar.

Mordi a parte interna da bochecha.


— Acho que amanhã o inchaço já terá diminuído — continuou. —
Vou levar você para fazer o exame que o médico pediu, então posso deixar
vocês duas em casa.

Quando Emy voltou com o que Bruce havia pedido, ele me estendeu
os analgésicos e uma garrafa de água. Eu tomei tudo em silêncio,
observando-o atentamente conforme fechava a compressa e a pousava
cuidadosamente sobre meu tornozelo.
Ao primeiro contato gélido, um espasmo involuntário me fez
grunhir baixinho de dor, mas voltei a cerrar os dentes e, com o passar dos
segundos, o gelo pareceu começar a adormecer o latejar na área lesionada.

Emy acomodou sua cabeça ao meu braço e entrelaçou nossas mãos.


— Vou providenciar mais uma coberta e algo mais confortável para
que possam vestir para dormir — ele avisou, sem erguer sua atenção ou
mão da compressa que mantinha sobre mim. — Vocês podem ficar nesse
quarto. Se precisarem de algo, basta me chamar.

— Obrigada, Bruce — ela agradeceu, e não precisei olhá-la para


saber que sorria.

Assisti-o mover uma das mãos sob meu pé e voltei a agarrar um


travesseiro, consciente do que ele faria. Bruce ergueu os olhos para os meus
apenas por um instante, para ter certeza de que eu estava pronta para o que
viria, e eu apenas acenei, lhe dando permissão para voltar a deixar meu
tornozelo erguido e bem acomodado sobre um travesseiro.

Seu movimento foi seguro, ágil e cuidadoso. A dor veio numa


intensidade menor, e não emiti qualquer gemido.

Enquanto se afastava, Bruce sacou o celular de um dos bolsos e


mexeu nele por alguns instantes.
— Seu lanche já está na sala, Emy — avisou, por fim. — Você pode
comer lá. Vou ver se encontro escovas de dente também. Te enviei uma
mensagem do meu número, Emma. Me ligue se precisarem de algo. Volto
em alguns minutos.

Ele saiu antes mesmo que eu pudesse concordar.


E não gostei do amargo de culpa que ficou em minha boca quando o
vi sair. Eu não havia sido rude nem ingrata, mas uma parte de mim sabia
que não era por isso que Bruce estava daquele jeito. Que ele havia se
retraído porque eu já estava assim. Talvez ele até desconfiasse de que eu
havia aceitado que ele tentasse consertar as coisas entre nós, mas não estava
pronta para deixá-lo voltar à minha vida.
Não me sentia segura para isso. Não quando ainda reconhecia que,
entre nós, eu continuava sendo a mais exposta e a que estava mais
vulnerável.

Eu ainda pensava em tudo isso quando Emy me avisou que iria


comer seu lanche rapidinho e logo voltaria para ficar comigo. Ao vê-la
adentrar novamente o quarto, pouco mais de meia hora depois, eu já me
sentia exausta das minhas próprias dúvidas e inseguranças. E sonolenta.

Ela estava com uma sacola da Calvin Klein e a voz de Bruce podia
ser ouvida de algum lugar do apartamento.

Não sei exatamente em que momento dormi, mas a última coisa que
lembro de ter visto foi Emy deixar o banheiro com um pijama rosa e um
sorriso radiante nos lábios.

Apenas uns poucos minutos pareciam ter se passado quando voltei a


abrir os olhos. Um perfume familiar no travesseiro sob minha cabeça me
fez inspirar fundo e agarrá-lo imediatamente, como uma viciada. Só uma
pessoa que eu conhecia tinha aquele cheiro.
Movi-me com cuidado, estranhando o quarto luxuoso em que
estava, a cama king-size, até a textura macia do lençol que me envolvia. A
luz diurna já adentrava frestas nas cortinas brancas e pesadas.

Uma risada infantil reverberou no quarto, vindo de algum lugar fora


dele. Então as lembranças da noite anterior retornaram devagar, uma a uma.
Suspirei. Verifiquei o meu tornozelo e agradeci mentalmente ao
notar que o inchaço havia diminuído um pouco. A dor também já não era
tão intensa.

As vozes de Bruce e Emy se misturaram em sons ininteligíveis à


distância que eu estava, mas me chamaram atenção ainda assim.
Inclinei-me sobre a mesa de cabeceira quando vi meu celular sobre
ela. Já eram quase nove da manhã. Meu Deus. Aqueles analgésicos haviam
me derrubado, era a única explicação.
Havia uma chamada perdida do meu chefe, além de algumas
mensagens dele e de Bradshaw, todas enviadas na tarde e noite de ontem.
Engoli em seco, já temendo o que o Sr. Jones queria para me ligar tão cedo.
Cliquei no ícone de mensagens e abri as suas.

Sr. Jones:

“Emma, preciso que reorganize a apresentação e esteja pronta para


fazê-la para o Sr. Waldorf. Ele insistiu que você continue trabalhando
conosco no processo de transição.”

Encarei a mensagem com os lábios entreabertos, relendo as palavras


sem acreditar no sentido que elas formavam. Ela fora enviada na tarde de
ontem, antes do fim do expediente.
O som de passos no corredor curto que antecedia o quarto me fez
erguer os olhos do celular. Um instante depois, Bruce surgia com Emy ao
seu lado, já pronta e sorridente, enquanto ele mantinha uma expressão
ilegível. O terno cinza-chumbo de ajuste perfeito ao seu corpo apenas
contribuía para sua postura dominante. Não consegui desviar o olhar do seu.

— Emma! Você acordou! Finalmente! — Ela correu até a cama,


para me abraçar. — Já estamos prontos, só esperando você.
— Já tomou café da manhã? — indaguei retoricamente, ao limpar o
leite no canto dos seus lábios.
Ela acenou, sorrindo.
— Seu tornozelo ainda dói muito?

Acenei em negativa.

— Vou te levar ao banheiro para se aprontar para irmos ao hospital


— Bruce avisou.

— Ele comprou um vestido e um casaco pra você, Emma! — Ela


voou para fora da cama, em busca de uma sacola que estava bem
acomodada numa chaise. Apenas nesse momento notei que ela usava um
par de roupas diferente da tarde anterior. Um vestido azul-claro que gritava
caro até pelos botões dourados dele. Emy ergueu um vestido creme, estilo
blazer. Lindo. E eu só precisei olhá-lo com atenção para ter certeza de que
serviria perfeitamente em mim.

— Achei melhor evitar outra calça jeans — Bruce explicou. —


Vamos ter que cortar essa que você está vestindo. É muito apertada pra você
conseguir tirá-la sem se machucar.

Afastei o lençol que me cobria e suspirei, concordando com suas


palavras.
— Obrigada — murmurei.

— Eu vou assistir TV enquanto você toma banho, Emma — minha


irmã avisou. — Depois venho ajudar você a se vestir.
Meu coração acelerou um pouco as batidas quando Bruce e eu
voltamos a ficar sozinhos.
— Está pronta?
Acenei e ele se aproximou. Desta vez meus braços envolveram seu
pescoço antes mesmo de ele me instruir a fazer isso. Seu cheiro inundou
meus pulmões, o contraste do calor de sua pele com a minha pareceu
despertar meu corpo de uma maneira diferente. Me tornou superconsciente
de todo centímetro de pele sua que estava em contato com a minha.

Resisti à vontade de me acomodar ao seu peito, não seria justo com


ele nem comigo, não depois de deixá-lo sair com a certeza de que eu ainda
não estava pronta para tê-lo testando esse tipo de contato.

— Meu chefe me avisou sobre a apresentação — sussurrei, logo


após atravessarmos a porta para o banheiro chique e extenso como todo o
apartamento era. — Obrigada.
Bruce engoliu em seco antes de me depositar sobre a chaise que,
sim, parecia ter sido usada como decoração do banheiro. Emy certamente a
tinha confundido com um sofá.

— Se aquele filho da puta ou qualquer outro tentar prejudicar você,


Emma... — ele iniciou, se inclinando sobre mim para alcançar uma tesoura
num móvel às minhas costas —, eu vou intervir. Vou passar por cima do
desgraçado... então você não precisa se preocupar com isso.
— Eu... — tentei, mas sinceramente não soube o que exatamente
poderia dizer em resposta, então disse apenas o mínimo. — Obrigada.

Ele acenou, mas não voltou a me encarar.

— Quer ajuda para cortar a calça?

— Eu acho que consigo sozinha.


Ele voltou a acenar.

— Vou esperar no quarto. Se precisar, pode gritar.


E foi a minha vez de concordar com um mero menear de cabeça.
 
QUINZE
 

Emy tinha facilmente algo entre oito e vinte e cinco anos.

Sim, essa era uma das certezas que eu tinha sobre ela depois das
poucas horas de conversas que havíamos compartilhado desde a noite
anterior, quando Emma desabou por causa dos remédios.

Ela era muito esperta para sua idade, desenvolta, expressiva e


parecia ter uma opinião sobre quase tudo. E era muito curiosa e cheia de
porquês sobre o que não conhecia ou entendia ainda. O que até certo ponto
era bom, ela preenchia facilmente qualquer lacuna de silêncio entre nós.

Em alguns momentos, era muito fácil acreditar que ela ainda estava
prestes a fazer nove anos, em outros, eu só conseguia franzir a testa e a
encarar estupefato, incapaz de acreditar que ela não era uma adolescente.
— Você é tão sério — ela comentou em algum momento da noite
anterior. — Acho que eu pensei que você ia ser caladão e tinha medo que
fosse chato, que me ignorasse ou me mandasse calar a boca... mas você é só
sério. Eu gosto.

Pressionei os lábios para conter o sorriso que surgiu à mera


lembrança. Ainda era um pouco estranho como essa menina conseguia me
arrancar sorrisos e respostas com a mesma espontaneidade. Na noite de
ontem, com suas palavras e risadas, ela conseguiu até mesmo me fazer
esquecer o tratamento retraído e até desconfiado que Emma havia
dispensado a mim.

Nesse momento, sentada ao meu lado na sala de espera particular do


hospital, enquanto sua irmã fazia os exames que o médico havia solicitado,
Emy balançava os pezinhos no ar, por eles ainda não alcançarem o chão.
Estava inquieta, calada há uns cinco minutos, e isso era meio que inédito
desde que ela decidiu que me conheceria.
— Você tá pronto pro meu questionário? — perguntou de repente.

— Que questionário?
— Um que eu inventei e que você só vai saber pra quê serve depois.

Sorri, desviando o olhar dela e meneando a cabeça em negativa,


incrédulo.
— E eu preciso responder?

— Sim.
Icei as sobrancelhas, então olhei bem para o seu rosto e percebi que
ela falava sério. Inspirei fundo, tragando o ar estéril, típico de hospital.
— Tudo bem.
Emy se remexeu na cadeira, voltando seu corpo e atenção para mim,
de modo que pudesse me encarar, os olhos semicerrados como se ela
acreditasse que pareceria mais séria desse jeito. Inspirou fundo e soltou:
— Você me odeia?

Choque. Foi tudo o que senti ao ouvir sua pergunta.

— O quê?!

— Você. Me. Odeia?

Minha cabeça tombou para a esquerda, suas palavras ainda pairando


entre nós. A confusão ainda reinando em mim.

— Por que eu odiaria você, Emy?

Ela suspirou.

— Foi o que a Emma disse, por que ele te odiaria? — Desviou seu
olhar do meu por um momento, parecendo envergonhada pelo que diria. —
Mas você não veio me ver nem uma vez. E somos irmãos, né?

Sua resposta me silenciou. Acabei engolindo em seco, essa sendo a


minha vez de desviar o olhar dela por estar envergonhado.

— Você não tem nada a ver com o fato de eu ser um filho da pu... —
parei, mordi os lábios. Já tinha perdido as contas de quantas vezes havia
feito isso para me impedir de dizer um palavrão na frente de Emy.

Ela riu.

— Se eu ganhasse uma moeda toda vez que você engole uma


palavra feia na minha frente, eu teria um pote cheio agora — provocou.

Sorri, agradecido pela sua leveza, mas também me sentindo um


infeliz por dentro. Por Emy ter realmente pensado que eu a odiava.
— Não odeio você — respondi, por fim. — Talvez você não
entenda, mas eu não consegui lidar com a situação depois que vocês saíram
da casa dos meus pais. Estava ocupado demais pensando na minha própria
mer... bagagem.

Ela voltou a suspirar, desta vez de um jeito que deixava sua


resignação muito clara.

— Mas sua mãe me odeia. Ela disse. E o nosso pai nem defendeu a
Emma e eu.
Olhei-a por um momento, me perguntei quando isso havia
acontecido para ela ainda se lembrar.

— Nosso pai não é uma boa pessoa, Emy — contei. — E minha


mãe já age como se odiasse metade do mundo. Não se importe com eles.
Ela acenou, parecendo absorver minhas palavras, então respirou
fundo e fixou seus olhos nos meus.

— Você ama a minha irmã?

Okay, ela estava cheia de perguntas certeiras hoje, mas desta vez
não hesitei em responder.

— Sim.
— Então por que foi embora? E por que demorou tanto pra voltar?

— Porque sou um idiota.

Um sorriso enorme tomou seus lábios.


— Eu falei isso pra Emma, sabia? — Ela riu. — Se ele foi idiota o
bastante para perder você, deve ter algum problema sério... foi o que eu
disse pra ela.
Bufei, não podia retrucar. A essa altura, nem eu discordava das suas
palavras.

— Você deve ter uma memória muito boa — falei, tentando mudar
de assunto. — Já que lembra de tudo isso.

— Tenho memória eidética. — Ela deu de ombros. — O que


significa que eu lembro de cada palavra que você já me disse ou coisa que
fez pra mim.
Um sorrisinho pequeno e arteiro curvou o canto dos seus lábios.
Nesses momentos, Emy parecia apenas uma garotinha de oito anos mesmo.

— Lembro de como continuou comprando Twizzlers pra gente,


mesmo quando a Emma disse que já estava enjoada do gosto. Era o meu
preferido e você continuou trazendo pra mim.
Franzi as sobrancelhas ao ouvir suas palavras.

— Você não tentava me tratar como uma bebê, nem fazer gracinhas
pra eu ficar rindo, mas fazia a Emma sorrir. E deixava ela me colocar no seu
ombro. Eu adorava, porque você era tão grande. Ver o mundo dos seus
ombros era muito incrível, sabe?

Aquilo me roubou a fala.

Um silêncio estranho pairou entre nós.


— Você quer namorar com a Emma de novo, né? — ela sussurrou
em algum momento, baixinho, como um segredo meu que ela queria
respeitar. — Eu posso ajudar, sabia?

Sorri, mas ainda não havia conseguido me recompor o bastante para


encará-la.
— Como você faria isso?

— Você precisa de algo grande e romântico pra conquistar ela de


novo — aconselhou. Seu corpinho bem empacotado naquele casaco se
moveu para que ela pudesse me encarar como quem sabe exatamente do
que está falando. — Por exemplo, o Sr. Ri levou um tiro pra salvar a Se-ri.
E comprou uma vela com cheirinho pra encontrar ela no escuro. E se
arriscou pra ajudar ela a sair da Coreia do Norte mesmo amando ela e
sabendo que ia sofrer quando ela estivesse longe.

Não fui capaz de fazer nada além de franzir a testa e repetir:

— Sr. Ri?

Ela suspirou, como se nem acreditasse que realmente precisava me


explicar isso.
— O mocinho do dorama preferido da Emma — esclareceu. —
Você precisa fazer algo bonito e romântico pra ela, que nem o Sr. Ri.

Eu ri, um pouco incrédulo.

— Eu tô falando sério! — retrucou, na defensiva. — Pense na coisa


mais romântica e bonita que poderia fazer pra Emma.

Ao ouvir essas palavras, o sorriso ficou congelado em meus lábios.


Minha mente foi alvejada por lembranças muito específicas. Do que eu já
havia feito, sem Emma saber.
Lembrei também da tarde anterior, quando ela me perguntou por que
eu estava hospedado num hotel. Podia não saber que eu estava há anos sem
falar com meu pai e com uma relação ainda pior com minha mãe, e que
esses eram dois dos motivos pelos quais eu não pensava sequer em ir à casa
dos dois, mas Emma sabia do meu apartamento aqui na cidade.
Só não sabia por que eu o estava evitando.

— Emma! — a menina ao meu lado exclamou, pulando para fora da


cadeira. Ergui os olhos a tempo de vê-la correr para Emma, que atravessava
o corredor à nossa frente usando um par de muletas. Uma bota especial fora
colocada em seu pé esquerdo, o que estava com o tornozelo lesionado.
Observei-a em silêncio por alguns instantes, sem me mover, meu peito
voltando a se apertar como mais cedo, quando a ajudei a se levantar e
durante o percurso silencioso que havíamos feito de carro até esse hospital.

Eu não sabia como consertar as coisas sem deixá-la desconfortável


ou retraída, já que era a minha proximidade que parecia ter esse efeito sobre
ela. Também não queria ficar longe, perder mais tempo, nem tinha certeza
de que a deixar pensar sobre o que realmente queria poderia nos ajudar...

Eu sabia que não seria fácil, mas não imaginei que me veria perdido
em tão pouco tempo.

— Podemos ir? — Emma perguntou alguns metros à minha frente.


— Minha entorse foi de grau 1 e o médico disse que não quebrei nada. Em
no máximo uma semana já vou poder me livrar da bota e das muletas.

Expirei aliviado ao ouvir suas palavras.

Levantei e começamos a andar lado a lado. Em silêncio por alguns


passos infinitos.

— Você pode me mandar as contas do...

— Você sabe que não precisa — eu a cortei.

Entramos no elevador que nos deixaria no estacionamento e


permanecemos em silêncio. E, porra, como odiei essa merda. Nunca havia
sido assim entre nós. Nunca. E agora eu sentia que estaria forçando a barra
independente do que dissesse.

Emy entrelaçou sua mão à minha e a apertou, hesitei por um


momento, sem saber o que fazer com aquele contato inesperado, mas então
ela sorriu para mim, e eu sabia que ela não entendia aquele clima estranho
no elevador, porém, foi como se tentasse me confortar silenciosamente.

Eu aceitei, devolvendo o aperto.

Suas últimas palavras antes da chegada de Emma me voltaram à


mente e à medida que descíamos andares, uma tensão me tomou, junto da
consciência de que estava prestes a deixar as duas em casa.

Não podia terminar assim.

Eu precisava dar a Emma algo para ela pensar, não é? Algo que a
ajudasse a baixar um pouco a guarda. Algo que a ajudasse a ver que eu
continuava louco por ela e preferiria arrancar a porra de um braço a
machucá-la ou perdê-la de novo.

Algo que a ajudasse a ver pela minha perspectiva, porque eu já


tinha visto o suficiente da sua.
 Quando as portas do elevador se abriram, eu já havia tomado minha
decisão.

— Vocês precisam de algo mais antes de irem pra casa? —


perguntei, já sacando as chaves do carro e desligando o alarme.

— Não — Emma respondeu, um vinco sutil em sua testa pequena.


— Não precisa se preocupar com mais nada, Bruce. Você já ajudou até
demais.
Abri a porta do carro para Emy e a ajudei a sentar e colocar o cinto
de segurança. Ela agradeceu com um sorriso e um polegar para cima.

Dei-lhe um sorriso pequeno, para não inibir sua vivacidade.

Voltei-me para Emma em seguida.

— Preciso levar você a um lugar antes de deixar as duas em casa —


avisei.

Ela entreabriu os lábios para negar, mas, por algum motivo, acabou
desistindo. Preferi não explicar mais nada e apenas a ajudei a se acomodar
no banco ao lado de sua irmã.
 
DEZESSEIS
 

O estilo europeu das construções do bairro para o qual Bruce nos


trouxe me deu uma ideia de onde exatamente estávamos. Com uma manhã
de sábado digna de alguns graus a mais que todo o resto da semana, as ruas
de West Village pareceram ainda mais atraentes e aconchegantes, diferentes
da elegância e ostentação exacerbada de Upper East Side.

— Aqui é tão bonito — Emy comentou ao meu lado, as mãos já


apoiadas à janela do carro, os olhos atentos aos prédios baixos e às árvores
que davam sombra às calçadas dos dois lados da rua.

Bruce estacionou numa vaga à frente de um prédio de quatro


andares. A fachada de tijolos vermelhos o colocava em destaque se
comparada às construções no entorno, em cores mais sóbrias e apagadas.
— O que viemos fazer aqui? — minha irmã perguntou, dando voz à
pergunta que estava em minha mente já há algum tempo. Desde que
deixamos o hospital, sua voz era a única a inundar o carro.
— Quero mostrar algo à sua irmã — Bruce avisou, após desafivelar
seu cinto e voltar sua atenção para nós duas, no banco de trás.

Emy e eu trocamos um olhar quando ele saiu do carro. Eu já sentia


meu coração acelerado em expectativa sobre o que exatamente Bruce queria
me mostrar, a ansiedade me fazendo tamborilar os dedos sobre a coxa.

Eu o assisti se aproximar do interfone na porta de entrada do prédio


e trocar algumas palavras com alguém através do aparelho. Em menos de
um minuto, a porta foi aberta e uma senhora com uniforme o recebia. A
interação me deixou curiosa, mas guardei qualquer pergunta para mim
mesma.

Quando retornou, Bruce ajudou Emy a descer e depois abriu a porta


ao meu lado. Sua aproximação foi bastante para o pulsar do meu coração se
tornar audível, quase inquietante. Fiquei imóvel enquanto ele me livrava do
cinto, sua mão roçou meu braço nu, disparando um choque inesperado entre
nós; o perfume impregnado em seu corpo me envolveu e embriagou com a
mesma facilidade em poucos segundos, mas o efeito só se tornou mais
potente porque Bruce não se afastou. Seu rosto permanecendo a uns poucos
centímetros de distância do meu, de modo que ele só precisaria mover o
rosto um pouquinho para nossos lábios se encontrarem.

Ele fechou os olhos por um momento, e precisei cerrar minhas mãos


em punhos para me impedir de tocá-lo, de erguê-las em sua direção e
afundá-las em seu cabelo negro.
— Me diz que não está tensa assim porque é desconfortável me ter
tão perto — ele pediu, como se a mera possibilidade de a minha resposta ser
sim o afligisse.
Meus olhos migraram para a sua boca e pude acompanhar o instante
em que Bruce voltou seu rosto completamente para mim, perto demais para
não me roubar o fôlego mais uma vez. Perto demais para não me deixar
fraca com aquela proximidade, com a expectativa do que poderia ser feito a
partir dela.

— Não é desconfortável — sussurrei. — É perturbador.

O vinco profundo se formando entre suas sobrancelhas me disse que


ele não sabia como interpretar minhas palavras.

— O jeito que você ainda mexe comigo é perturbador, Bruce —


confessei.

Sentir tanto e não conseguir confiar em você é perturbador.

Te amar e continuar com medo de ter me apaixonado por uma


ilusão é perturbador.

Seus lábios estavam quentes quando pressionaram minha têmpora


num beijo de alívio. O toque suave das suas mãos em minha cintura me fez
também tocá-lo, desistir de evitar fazer isso. Ao menos por um momento.

Sua voz veio grave e rouca quando ele sussurrou bem próximo do
meu ouvido:
— Ontem você me perguntou por que eu não estava usando o
apartamento que tenho na cidade. Eu planejava te trazer aqui na noite em
que nossos pais brigaram. — Ele fez uma pausa. — Não consegui voltar
depois disso.
Franzi a testa, sem entender, mas a voz de Emy nos chamando do
lado de fora me impediu de fazer qualquer pergunta.
— Vamos entrar de uma vez — ele concluiu, por fim.

Bruce não precisava mais me carregar para me tirar do carro, e


ambos sabíamos disso, mas nenhum de nós disse nada quando ele me
ergueu.
Havia uma pequena escada na entrada do prédio e por isso Bruce me
ajudou a subi-la. Ao entrarmos no elevador, Emy observava tudo com
curiosidade e interesse. Sem que eu pudesse evitar, um tipo de ansiedade
me inundava à medida que subíamos os poucos andares até o último. Eu
não sabia o que encontraria e, sinceramente, não conseguia sequer imaginar.

As portas se abriram e Bruce as segurou para que Emy e eu


pudéssemos sair. Nitidamente nervoso, ele apertou a chave que havia
pegado na recepção com a senhora que o havia atendido.
— Quem mora aqui? — Emy indagou.

— Ninguém — Bruce respondeu baixo, finalmente abrindo a porta.


— Eu comprei esse apartamento antes de sair da faculdade.

O interior do apartamento estava escuro e Bruce ligou as luzes antes


de nos deixar entrar.

O ar abafado me atingiu desde o primeiro passo no assoalho de


madeira. Uma mistura de tinta e verniz, como se as paredes brancas e o piso
amadeirado tivessem sido refeitos antes de aquele espaço ser fechado por
um longo tempo.
Dei um passo hesitante para a sala relativamente ampla enquanto
Emy já estava no centro do tapete felpudo à frente da TV. Havia sofás
brancos contornando-o. A decoração me encantou à primeira vista. Não era
exagerada ou ostensiva, era delicada, aconchegante, com tons suaves e
pastéis intercalando nas cortinas, tapetes e mantas sobre os estofados, além
das estampas florais nas almofadas.

Resisti à vontade de tocar um aparador azul-claro em estilo


provençal quando percebi a camada grossa de poeira que estava sobre ele.
Virei-me para olhar a cozinha americana. As cores dos armários, geladeira e
mesa também estavam em harmonia ali. Aquele era facilmente o tipo de
lugar em que eu adoraria viver. Como se cada detalhe tivesse sido
preparado por mim mesma.

Engoli em seco, procurando Bruce, mas ele estava imóvel ao lado de


uma Emy boquiaberta, os dois diante de uma coluna que separava a cozinha
de um corredor que devia levar aos quartos.

— Emma, é você! — ela gritou, apontando para a coluna.

Eu já sentia minhas pernas um pouco instáveis quando tomei


coragem para me mover até eles.
Todo o ar foi roubado dos meus pulmões no instante em que meus
olhos alcançaram a pintura em aquarela, tomando quase a extensão da
coluna larga do chão ao teto.

Era eu ali. Sorrindo. Agarrada às costas de Bruce. Numa mistura de


azuis, lilás e amarelos. Juntos. Felizes. Estampados num apartamento que
parecia ter sido preparado por mim.
Para mim.

Eu planejava te trazer aqui na noite em que nossos pais brigaram.


Não consegui voltar depois disso.
Meus olhos marejaram.

Não consegui abrir a boca para dizer nada. Minha garganta trancada.

— Você pode vasculhar tudo se quiser, Emy — Bruce avisou, sua


voz saindo baixa e ainda rouca. — Mas nos espere aqui. Ainda preciso
mostrar algo à Emma.
— Tá bom! — ela respondeu animada e já saiu saltitando pela sala.

— Venha — Bruce pediu a mim, quando ficamos sozinhos. Fiz um


esforço para encará-lo, mas ele já estava atravessando o corredor. Havia
apenas duas portas e ele estacou à frente da segunda.
Não sei de onde arranjei forças para segui-lo, mas o fiz. A hesitação
de Bruce para girar a maçaneta me fez inspirar fundo, já me sentindo meio
instável. E era óbvio que eu não era a única abalada por estar ali.

— Abra — pedi.

E ele o fez, me apresentando apenas um quarto escuro. Esperei-o


entrar para ligar as luzes e, por seu corpo grande praticamente encobrir toda
a entrada, demorei a ver a cama enorme. Demorei a reconhecer o que estava
sobre os lençóis brancos dela.

Estaquei, paralisada na metade do quarto, presa à imagem diante de


mim.
Meus olhos voltaram a marejar, mas desta vez as lágrimas
queimaram e transbordaram pelas minhas bochechas.

— Uma vez você disse que Love Story era a nossa música — Bruce
lembrou, sua voz quase um sussurro. — Éramos jovens quando nos
conhecemos e minha mãe te mandou ficar longe de mim. Mas nos
apaixonamos como Romeo e Julieta e viveríamos nossa história de amor.
Um nó doloroso apertou minha garganta, as lágrimas borravam
minha visão das pétalas de rosa secas e agora marrons sobre a cama.

Case-se comigo, Julieta — era o pedido que elas formavam.

E então mais lágrimas rolaram, gordas, banhando minhas bochechas


e pingando em minha roupa.
Ele estava pronto para me pedir em casamento.

Para me dar uma casa e uma vida como a que planejamos juntos.
Para me tornar sua esposa apesar da sua família.

O choro veio forte, em soluços que eu simplesmente não fui capaz


de conter. As muletas caíram ao meu lado e Bruce estava comigo, me
sustentando, antes que eu precisasse forçar a bota sobre o chão para me
estabilizar.
Ele me abraçou. Cobriu todo o meu corpo com sua estrutura de
músculos sólidos, me deixou sentir seu peito tremendo contra o meu,
enquanto desabávamos e nossos corações sangravam juntos, por todos
aqueles anos. Por tudo o que havíamos perdido.

Eu não havia me apaixonado por uma ilusão.

Bruce havia me amado.

Ele ainda me amava.

— Você sempre me fez sentir vivo, Cherry... — sussurrou. — Mas


antes de você chegar, já tinham me feito acreditar que todos que entravam
na minha vida queriam algo de mim... Quando ouvi sua mãe dizer que você
só estava me aguentando... Que você deveria continuar fazendo sua parte...
Que precisava engravidar logo, eu... Eu só consegui ouvir aquelas vozes me
lembrando que sempre estiveram certas.

Eu o apertei mais forte, pressionando meu rosto ao seu peito


conforme flashes daquela noite retornavam à minha mente. De quão
transtornado Bruce havia ficado com as provocações de mamãe. Ela o
atacava sem pena, se recusando a continuar a baixar a cabeça para os
Waldorf. Ela também estava transtornada. Quase tão cruel quanto a Sra.
Waldorf tinha sido comigo, antes de mamãe explodir e jogar na cara dela o
caso que tinha com o Sr. Waldorf.

Quase tão cruel quanto a mãe de Bruce sempre fora com ele,
fazendo-o acreditar que não era o suficiente para ser amado.

— Você não precisa me perdoar por isso agora — Bruce prosseguiu,


ainda baixo, mas sem a instabilidade de antes. Ele já começava a regularizar
sua respiração também e apenas inalava o perfume de meus cabelos, como
se isso o tranquilizasse. — Mas espero que consiga me perdoar um dia... E
vou esperar por esse dia.

Mantive meus olhos fechados, agora para conseguir me concentrar


nas batidas do seu coração. Também precisava me acalmar. Bruce não disse
mais nada por um tempo, mas começou a acariciar meus cabelos.
— Sinto muito por tudo que a mamãe te disse naquela noite —
balbuciei, sentia que devia isso a ele. — Por não ter sido capaz de fazê-la
parar...

Ele pressionou um beijo no topo de minha cabeça, o polegar


deslizando lentamente pela minha bochecha, para limpar os últimos
vestígios de lágrimas. Então ergueu meu rosto devagar, de modo que
pudesse me olhar nos olhos. Os seus estavam vermelhos, brilhantes, mas já
livres de qualquer umidade. Bruce se sentia exposto, era nítido, mas não se
fechou nem se afastou, como normalmente faria. Ele depositou um beijo
suave em minha testa e encostou a sua à minha.

— Eu amo você — sussurrou, só para mim. Como costumava fazer.


Como se ninguém além de mim tivesse o privilégio de ouvir aquelas
palavras dele. Meu coração saltou no peito. — E eu quero fazer dar
certo...quero mesmo... mas preciso que você me deixe tentar de verdade...
que também queira.

Meus olhos continuaram presos aos seus, atentos aos seus orbes
incríveis até quando a ardência denunciava as lágrimas, estávamos tão perto
que dividíamos o mesmo ar, o mesmo calor. Deslizei meus dedos pelas
lapelas do seu terno até alcançar seu pescoço e envolvê-lo. Só então pude
tomar o impulso que me ajudaria a alcançar seus lábios com os meus.

— Eu quero — confessei. A verdade incrustrada naquelas duas


palavras aumentou o poder que o mero roçar das nossas bocas exerceu
sobre todo o meu corpo. Suas mãos envolveram minha cintura, num gesto
dominante e ao mesmo tempo cuidadoso. Uma energia febril formigou sob
minha pele, aumentou a necessidade que eu sentia do seu beijo, calor e tudo
o que só Bruce era capaz de me fazer sentir. — Mas você sabe que sua
família... seus amigos...

— Fodam-se todos eles, Cherry — ele me cortou. — Eu morri por


cinco malditos anos sem você. Não vou deixar ninguém ficar entre nós
agora.

E como se quisesse provar suas palavras, ele uniu nossas bocas com
urgência, num beijo duro e sôfrego que me tomou tudo. Como se a vida que
havia perdido estivesse neles. Como se tudo de que precisasse para viver
fosse eles.
Gemi com seus lábios chupando os meus, provocando antes de sua
língua voltar a percorrer minha boca, tocando a minha com a destreza que
eu reconhecia, seu gosto familiar se misturando ao meu, me levando a
agarrá-lo mais forte, prendê-lo a mim porque precisava senti-lo mais perto.

Há muito tempo não sentia meu corpo tão desperto, vibrando,


quente e ávido por mais. Seu braço envolveu minha cintura, puxando-me
contra seu corpo, compreendendo meu desejo sem que eu precisasse
expressá-lo em palavras.

Desmanchei-me em seus braços, deixando-o me dominar, dominar


cada movimento de nossas línguas, apagar cinco anos por alguns
momentos, me livrar da dor e da saudade, me lembrar que aquele beijo,
aquela boca e aquele homem eram tudo o que eu continuava a querer.

E eram... apesar da dor, da insegurança, de tudo o que ainda


precisaríamos superar e ultrapassar... Bruce ainda era quem eu queria.

Quem eu amava.
E eu já não tinha dúvidas de que eu também era isso para ele.

Quem ele queria ao seu lado.

Quem ele amava.


 
DEZESSETE
 

— Então vocês já voltaram a ser aquele casal brega que vivia


grudado na faculdade? — foi a pergunta zombeteira de Bradshaw, ao
telefone, depois que lhe contei sobre os acontecimentos do final de semana.
Eu não precisava vê-lo para ter certeza de que ostentava um sorriso
convencido nos lábios. — Sabe que deve isso a mim, né?

Meneei a cabeça em negativa, o fantasma de um sorriso curvando


meus lábios conforme eu fazia um desvio para adentrar o bairro em que
Emma morava.

— Ainda estamos nos resolvendo — respondi, e pela primeira vez


me dei conta do alívio que sentia ao dizer essas palavras em voz alta. Emma
havia concordado que recuperássemos o tempo perdido antes de tomarmos
decisões mais definitivas sobre nós. — Estou indo buscá-la para jantarmos
juntos.
Ele assoviou alto.

— E você ainda se lembra como é ter um encontro? — provocou,


sarcástico.

— Você não vai acabar com meu bom humor — avisei.

Bradshaw riu. Sua gargalhada estranha enchendo meus ouvidos.

— Todo bobo e apaixonado como um maldito adolescente, pronto


pra um jantar à luz de velas. Você é a porra de um romântico enrustido,
Batman.
Revirei os olhos, mas estava sorrindo.

— Se precisar de conselhos e dicas sexuais, estou muito disponível


— prosseguiu. — Você e Emma têm vidas sexuais patéticas, duvido que
ainda lembrem o que é transar...

— Vai se foder.

Ele riu.
— Vocês já ao menos se beijaram?

— Você parece uma velha fofoqueira, porra — grunhi.

— E você já está irritado, viu só? Tsc, tsc, tsc... — Ele fez uma
pausa, inspirando e expirando profundamente, de um jeito que também
pareceu uma maldita provocação. — Como você está? Agora que ela
aceitou dar uma nova chance a vocês?

As perguntas pairaram no interior do veículo por alguns instantes,


demorei a registrá-las por terem sido inesperadas, mas Bradshaw
certamente acreditou que eu não sabia o que responder, porque logo disse:
— Aliviado? Esperançoso? Confiante? Otimista? Posso continuar te
ajudando com opções, se precisar.

— Você é um filho da puta irritante.

Ele riu.

— Nada vai me fazer perder essa chance com Emma, Bradshaw —


foi o que respondi, após uma pausa longa demais.

— É bom ouvir isso, irmão — ele disse. — Foi uma merda ver
vocês separados por todo esse tempo.
Pressionei os lábios, suas palavras, agora livres de qualquer tom
sarcástico ou zombeteiro, me atingiram profundamente. Bradshaw podia ser
um desgraçado irritante, mas era o melhor amigo que alguém poderia ter.

— Obrigado por ter cuidado dela — agradeci, ao estacionar à frente


do prédio já conhecido. — Das duas, na verdade. Você foi a figura
masculina que eu deveria ter sido pra Emy.

Ele soltou uma risada baixa.

— Aquela garotinha esperta vai conquistar a porra do seu coração


— garantiu. — Tente não ser um babaca com ela. Emy já é louca por você
sem nem te conhecer.

Eu acenei, mesmo que ele não pudesse ver.

— Não vou machucá-la — prometi. Me odiaria se fizesse algo que


pudesse deixar Emy triste. — Eu preciso ir. Acabei de chegar ao prédio da
Emma.

— Okay. Lembre do que eu disse, vocês precisam transar!


Desta vez, no lugar de mandá-lo se foder, eu sorri. Estava prestes a
desligar, quando Bradshaw voltou a me chamar.
— Esqueci de avisar... Chuck também chegará essa semana. Os
caras já marcaram nosso reencontro pra sábado, no Oásis.

Expirei profundamente ao ouvir aquelas palavras. Eu não havia sido


um bom amigo nos últimos anos. Na verdade, havia me afastado de todos
quando saí de Nova Iorque e limitado o contato depois que saí da porra da
reabilitação. Nenhum dos caras desistiu de mim ou me excluiu, mas isso
não me fazia sentir menos filho da puta com eles.
Não tinha ideia de como seria me encontrar com todos eles de novo.

— Tudo bem — respondi.


— Não precisa se preocupar. Somos irmãos, porra.

Desafivelei meu cinto de segurança e desconectei o telefone do alto-


falante do carro.
— Você já falou com seus pais? — Bradshaw ainda perguntou
enquanto eu saía do carro.

— Não. — Meu humor mudou completamente a partir daqui.


— Sei que já faz quase cinco anos, mas agora você está em Nova
Iorque, não vai conseguir mantê-los longe por muito tempo.

— Eu sei.

Ele bufou, reconhecendo meu mecanismo de defesa quando o


assunto era meus pais.
— Você sempre lidou com a merda que eles jogavam sobre você,
Bruce — lembrou. — E não é mais o cara de cinco anos atrás. Seu pai
fodeu com sua mente antes, mas você não vai deixar isso acontecer de
novo.

— Não vou — assegurei. Bradshaw não sabia de toda a droga que


realmente havia acontecido, mas eu não estava no limite como há cinco
anos, então não me permitiria ser empurrado ao fundo do poço por
Sebastian Waldorf. Não mais uma vez.

— Tudo bem, então. Nos vemos no sábado. E é bom que você já


tenha transado até lá.
— Vai se ferrar.

Ele riu e, por algum maldito motivo, senti a sombra de um sorriso


curvar meus lábios. Os fantasmas do passado sendo afastados por alguns
instantes.
— Estou falando sério, se chegar com esse humor do cão e essa
impaciência no sábado, vai acabar socando um dos caras. Os filhos da puta
não mudaram nada nesses cinco anos. Transar com a Emma vai colocar um
sorriso idiota nesse seu rosto impassível por pelo menos duas semanas.

— Você tá obcecado pela minha vida sexual. Para com essa merda.

O idiota gargalhou e desligou em seguida.

Encarei o telefone por alguns segundos, me dando o tempo


suficiente para dissipar da mente qualquer pensamento sobre meus pais.
Não queria ter nada disso nublando meu momento com Emma. Ela merecia
que fosse tudo perfeito.
Aproximei-me do seu prédio e liguei para o número do seu
apartamento pelo interfone.

Poucos segundos depois Emy atendia eufórica.


— É o Bruce?!

— Sim — respondi, com um sorriso, por ela já parecer tão ansiosa.


E precisei me distanciar do alto-falante do aparelho quando ela gritou:

— Emma, se apressa! O Bruce chegou! Vou deixar ele entrar!


Um segundo depois o portão do prédio se abria para mim e ela
encerrava a chamada.

Subi os poucos andares até o do apartamento da Emma e tentei não


me preocupar demais com a segurança daquele lugar, mas foi impossível.
Não havia porteiro, nem vigias e eu não tinha muita certeza de que as duas
câmeras que havia visto pelo caminho realmente funcionavam. O prédio
não era velho nem estava localizado em um ponto particularmente perigoso
do Brooklyn, então era de se esperar que oferecesse um pouco mais de
segurança.
Parei em frente à porta do apartamento e me dei alguns instantes
antes de pressionar a campainha. Estava abotoando o terno quando a porta
foi aberta e Emy surgiu com um sorriso tomando todo o seu pequeno rosto.

— Você chegou! — exclamou, saltitando em minha direção e


abraçando minha cintura. O choque me impediu de retribuir num primeiro
momento, mas logo um sorriso pequeno lutou para ganhar meus lábios. —
Vamos, entre, entre!
Emy escancarou a porta para que eu pudesse passar e o fiz devagar,
para absorver cada detalhe do apartamento pequeno, mas acolhedor.

— A Emma tá fazendo a Lisa ajudar ela a provar o terceiro vestido,


mas não se preocupa, eu já disse pra ela que tem que se apressar — ela
avisou e passou por mim com suas pantufas de coelho, indo até a cozinha
americana. — Você quer água ou suco? Eu tava tomando suco.
— Não, obrigado — respondi, observando as fotos em porta-retratos
no aparador à minha esquerda, elas traziam diferentes versões das irmãs,
com cortes de cabelo mais curtos, roupas de inverno e de verão, rindo ou
simplesmente posando juntas de um jeito fofo. Sorri ao pegar uma delas.
— Tiramos essa foto no MoMa — ela contou e logo entrelaçou meu
braço com os seus. — Tava tendo uma exposição de arte sul-coreana. A
gente foi porque eu forcei a Emma.

Meneei a cabeça em negativa, incapaz de conter o sorriso.

— Forçou?

— Sim. Eu amo o BTS e fiquei um pouco viciada em descobrir mais


da cultura deles, então a Emma começou a gostar também e convenci ela a
me levar. Meu cabelo tá assim porque fiz ela me arrumar que nem a Pucca.

Eu não fazia ideia de quem era Pucca, mas, na foto, seus cabelos
negros estavam presos como dois pompons aos lados de sua cabeça.

— Vem, quero te mostrar meu quarto — ela disse, já tentando me


puxar na direção das portas que deviam ser dos quartos. — A Emma
mandou trocarem minhas prateleiras pra eu poder guardar mais livros sem
jogar fora minhas pelúcias e meus Funkos. Ficou tão lindo!
Entreabri os lábios para dizer algo, mas uma adolescente surgiu de
um corredor, chamando nossa atenção.

— Lisa! Olha, esse é meu irmão mais velho! Ele é grande e bonitão,
né? — Olhei para Emy ao ouvir aquelas palavras, o orgulho estampado em
seu rosto derreteu a porra de um iceberg em meu peito. Seus olhos
brilhavam como se, para ela, não houvesse nada mais incrível do que poder
dizer que eu era seu irmão nesse momento. — E ele tem sotaque britânico...
Fala com ela, Bruce!
A garota me encarou boquiaberta e imóvel, não parecia acreditar no
que via. Emy riu.

— Bruce, essa é a Lisa, ela é minha babá. E minha amiga. Também


viciei ela no BTS.

A tal Lisa abandonou o torpor com uma risadinha envergonhada.

— É um prazer — ela disse, as bochechas avermelhadas. — A


Emma já está quase pronta. Você pode se sentar no sofá para esperar por
ela.

Eu acenei.

Emy ainda tentou discutir, mas Lisa insistiu para que ela me desse
um pouco de espaço para respirar. O franzir irritado dos lábios e da testa da
garotinha me fez sorrir. Até fazendo birra conseguia ser fofa.

Alguns segundos de silêncio constrangedor se passaram enquanto as


duas trocavam olhares sérios e semicerrados. Parecia uma disputa, quem
desviasse ou falasse primeiro, perderia.
Emy perdeu.

— Você já pensou em pra onde vai levar a gente? — perguntou,


vindo até mim no sofá e se sentando ao meu lado. — Quando a gente saiu
do seu apartamento no sábado, você concordou em sairmos. Nós três.

— Hum... você pode escolher — avisei. Ainda não fazia ideia de


onde poderia levar as duas. Não sabia que tipo de programa seria divertido
para uma menina de oito anos.
— Ebaaaa!
Batidas sutis no assoalho de madeira levaram minha atenção ao
corredor, bem a tempo de ver Emma o atravessando devagar, com cuidado
por causa das muletas.

Eu me ergui imediatamente, os olhos já presos a ela porque nada


mais naquele momento seria capaz de roubar minha atenção.

E ela estava linda!

Nas últimas semanas, eu só a havia visto em terninhos sóbrios e


profissionais. Mesmo na sexta-feira, suas roupas eram mais sérias,
diferentes do estilo doce, leve e romântico que Emma gostava quando
éramos mais jovens. Mas agora quase era como ver uma versão sua do
passado, num vestido floral e delicado, que a iluminava muito mais que
aqueles conjuntos sociais.

Ela parou a poucos passos de mim, os lábios pintados de rosa


estavam pressionados, curvas sutis nos cantos deles denunciando o sorriso
que tentava despontar.

Cortei a distância entre nós com um passo largo. Sem os saltos, ela
estava ainda menor que eu e precisei baixar a cabeça para continuar a
encarando. Minhas mãos envolveram seu rosto com cuidado, os polegares
acariciando suas bochechas devagar, antes de eu me inclinar o bastante para
depositar um beijo em sua testa e roçar nossos lábios apenas num selinho,
porque Emy ainda estava ali.

— Você está linda — sussurrei.

Ela sorriu.

A porra do meu coração perdeu umas batidas tolas, tropeçou em


outras, então saltou como um louco quando ela retribuiu meu beijo,
pressionando nossos lábios mais uma vez.
 
DEZOITO
 

Bruce manteve sua mão entrelaçada à minha em todo o percurso até


atravessarmos a ponte do Brooklyn, de volta a Manhattan. Ainda era cedo e
o trânsito não estava tão ruim na nossa via. Uma música baixinha tocava no
carro e eu a sussurrava enquanto acariciava a mão grande e grossa sobre a
minha, sem conseguir entender como aquele silêncio entre nós podia ser tão
confortável. Não havia necessidade de preenchê-lo, nem estranheza. Era só
como estar em sintonia, sabe? Na mesma frequência, compartilhando um
momento que nos bastava por ter um ao outro ali. Por podermos sentir o
calor um do outro, o toque. Era um bálsamo depois daqueles anos.
Parecia uma mudança grande para um período de tempo curto, pelo
menos quando eu parava para pensar. No entanto, ainda assim, não me
parecia precipitado ou inconsequente. Eu já não me sentia insegura sobre os
sentimentos de Bruce, e acreditava que ele estava arrependido e que lutaria
por nós. Agora eu sabia que ele esteve disposto a fazer isso por nós antes
mesmo de mim, há cinco anos.

O tempo tinha nos mudado em níveis que ainda descobriríamos, mas


de um jeito que não havia alterado o que sentíamos. O que significávamos
um para o outro. Isso me dava esperança. Me enchia de alívio e forças... e
desejo de fazer dar certo. Porque não havia dúvidas de que merecíamos
isso.

— A culinária italiana ainda é a sua preferida? — ele perguntou de


repente, me encarando por um momento. A preocupação que o vinco sutil
em sua testa denunciava me disse que ele só havia percebido agora que isso
poderia ter mudado nos últimos anos.

Eu acenei.

— Sim.

Ele expirou devagar, voltando sua atenção à pista.

— Pra onde está me levando?

Por continuar encarando-o, vi o fantasma de sorriso surgir em seus


lábios.

— Ristorante della nonna.

Aquelas três palavras trouxeram um calor inesperado ao meu peito.


Bruce havia me levado para jantar lá quando me formei no ensino médio,
então quando recebi a carta da Columbia, informando sobre minha bolsa
integral. A dona do restaurante era uma senhorinha muito fofa que parecia
sempre muito cheia de vida. Tratava Bruce como seu bambino de dois
metros de altura, dizia que ele era bonito como o filho dela teria sido, se
tivesse tido algum.
— A nonna ainda está lá? — perguntei, minha atenção agora fixa
em seu rosto.

— Sim. Com os cabelos ainda mais brancos e mais cheia de vida


que nós dois juntos.

Eu ri baixinho.

— Ela é uma querida.

— Depois de cinco anos, não achei que ela ainda lembraria de mim
— confessou. — Mas ficou feliz quando eu pedi que reservasse uma mesa
para nós. Mesmo depois que se formaram, Bradshaw e Blake continuaram
sendo clientes assíduos da nonna.

Eu podia imaginar isso. Bradshaw era viciado em pizza e era do tipo


que aceitaria de bom grado ser mimado por uma avó italiana postiça. Os
outros amigos de Bruce também. Todos conheceram a nonna ainda no
ensino médio, antes de o restaurante se tornar famoso. Ela os viu se
tornarem homens e os tomou como seus bambinos.

Aumentei o aperto de nossas mãos quando me dei conta de que


estávamos entrando em Little Italy, o bairro cheio de cores e, na minha
opinião, de uma vivacidade e alegria que poucos lugares em Nova Iorque
tinham. Uma placa luminosa nos dava boas-vindas à noite romântica dos
inúmeros restaurantes italianos.

Bruce adentrou um estacionamento privado próximo do restaurante


para onde iríamos.

— Tem certeza de que está bem o bastante para ir sem as muletas?


— ele indagou, preocupado. Eu havia deixado as duas no banco de trás e
havia avisado que não as usaria hoje.
Bruce havia acompanhado minha recuperação por mensagens nos
últimos dias. Eu estava em home office por causa do tornozelo, mas a dor já
havia diminuído muito. Na verdade, eu só continuava usando a bota e as
muletas para não forçar demais meu pé antes do tempo. Não andaríamos
muito até o restaurante e eu ficaria sentada lá, então não havia necessidade
de levar as muletas. Se caminhássemos devagar, eu ficaria bem.
— Sim, não se preocupe.

Ele ainda não pareceu estar muito certo de que deveria concordar,
mas respeitou minha vontade.
Livrei-me do cinto de segurança enquanto Bruce deixava o carro e o
contornava para abrir minha porta. Peguei meu casaco e a bolsa.

Poucos segundos depois, estávamos lado a lado. Bruce carregava


meu casaco em uma mão e segurava a minha com a outra.
— Eu adoro esse lugar — comentei, meus olhos saltando entre as
cores e dizeres nas fachadas dos restaurantes contornando a rua. Havia
muitas pessoas aguardando em filas para comer, outras bem acomodadas
nas mesas dispostas na parte de fora do restaurante, muitas risadas e casais
abraçados ou trocando carícias sutis enquanto compartilhavam uma
refeição.

— Eu sei — sussurrou, depositando um beijo no topo de minha


cabeça.
Adentramos uma rua estreita com luzes vermelhas, brancas e verdes
que iam de um lado a outro. A placa do Ristorante della Nonna já piscava
alguns metros à nossa frente. Não havia fila, porque ele só recebia clientes
por reserva.
Bruce informou seu nome na entrada e logo fomos guiados
restaurante adentro.

Eu ainda estava um pouco encantada com as mudanças que tinham


sido feitas no local desde a última vez que Bruce e eu havíamos ido ali,
quando reconheci os cabelos curtos e branquinhos como pedaços de nuvem
da nonna. O batom pink que ela usava realçou o sorriso enorme que ela deu
ao nos ver. Meu próprio sorriso aumentou ao reconhecer um dos seus fiéis
terninhos de lã cor-de-rosa enquanto ela se apressava até nós.

Ela parecia a rainha Elizabeth com uma queda por terninhos cor-de-
rosa.

— Bambino! — exclamou, em seu cumprimento carinhoso dedicado


aos clientes que decidia “adotar”. Os olhos brilhantes para Bruce como se
ele realmente fosse seu filho.

Ri, era impossível não adorar essa senhorinha.


— Nonna — Bruce a cumprimentou sem jeito, aceitando o abraço
que ela insistia em lhe dar. Eu a envolvi em meus braços com carinho
quando ela veio até mim.

— Querida, você está tão linda. — Ela acariciou meu rosto, os olhos
azuis brilhantes enquanto me observava. — Está até mais cheinha, eu
costumava ficar preocupada com seu peso e tamanho, Bruce vai lhe dar
bebês grandes.
Bruce tossiu, os olhos meio arregalados para a senhorinha entre nós.

— Nonna — ele chamou sua atenção.


— Eu não estou dizendo nada que Emma não saiba — ela disse, o
olhando por cima do ombro. Pressionei os lábios para não rir, já acostumada
ao seu jeito. — Agora se sentem, por favor. A nonna fez questão de
organizar tudo para que vocês tenham um jantar inesquecível. Pelo que
Bruce me disse, vocês têm muito tempo para recuperar.

— Obrigado — ele agradeceu, mas ela já saía, para alcançar um


garçom, que chegou à nossa mesa após nos sentarmos.

Depois de fazermos o pedido, voltei a observar o nosso entorno,


havia diversas outras mesas com casais já conversando e rindo baixinho. A
decoração quente e romântica agora contava com um painel com fotos.
Uma pista de dança pequena e aconchegante à esquerda, banhada apenas à
meia-luz, o que dava mais privacidade aos casais que já se moviam
lentamente por lá, embalados por uma música baixa e romântica do
repertório italiano.

Bruce alcançou minha mão com a sua e voltei a encará-lo,


consciente do sorriso que ainda estava em meus lábios por estar ali, por
rever nonna, por tê-lo à minha frente.

O calor dos seus lábios no dorso da minha mão alastrou um arrepio


através do meu braço. Como uma chama aquecendo minha pele a partir
daquele contato carinhoso. Até meu corpo ficou mais quente sob seu olhar
intenso.

— Todas as vezes que viemos aqui, seus olhos brilharam assim —


sussurrou.

— Por isso me trouxe aqui de novo?


Ele acenou.

— Amo ver você feliz assim, Cherry.

Sorri.
Eu adorava ouvi-lo me chamando por aquele apelido bobo, que
havia surgido por um motivo mais bobo ainda quando eu tinha doze anos.
Sua voz e sotaque se uniam para fazer um rebuliço juvenil na minha
barriga, com uma única palavra.
Inclinei-me sobre a mesa para beijar sua boca suavemente, mas fui
impedida de me afastar e gemi baixinho quando Bruce mordiscou meu lábio
inferior e o puxou para si, para um beijo de verdade, com direito à sua
língua dominando cada movimento da minha e sua mão grande apertando e
envolvendo minha cintura.

— Você precisa saber que vou fazer isso em toda oportunidade que
tiver — sussurrou, baixo e rouco, ofegante como eu, nossos lábios ainda se
roçando a cada palavra.

— Posso lidar com isso — garanti, consciente do calor úmido que


havia se formado entre minhas pernas com aquele único beijo. Pressionei
um último beijo em seus lábios, deixando-os com um sorriso.

O garçom se aproximou com nossas bebidas. As taças tilintaram


enquanto ele as retirava do carrinho e colocava à nossa frente.

— O sem álcool é para a senhora? — perguntou, erguendo uma


garrafa.

— É para mim — Bruce avisou.

Franzi a testa, observando nossas taças serem servidas, a partir de


garrafas diferentes. Aguardei que o homem se afastasse para fazer a
pergunta que eu tinha certeza de que já estava nítida em meu semblante.

— Você não toma mais vinho com álcool?


— Aderi ao desalcolizado há algum tempo — respondeu e sorveu
um gole pequeno antes de prosseguir: — Além disso, vou dirigir mais tarde.

Concordei com um aceno, então peguei minha taça e provei o vinho


que ele havia escolhido. Alguma safra cara e antiga que ele costumava
tomar e que eu desconhecia.

Era delicioso.
Bruce voltou a pousar sua taça sobre a mesa.

— Como começou a trabalhar na Aubrey’s? — perguntou. — Você


costumava dizer que queria a carreira acadêmica.

— A bolsa de estágio deles era muito boa durante a faculdade.


Quando concluí o curso, o mestrado não era mais uma opção viável. Eu
precisava trabalhar e a chance que me deram lá era suficiente,
financeiramente falando.

Ele acenou uma vez.

— O mestrado não é mais algo que quer fazer, então?

Apertei os lábios. O que Bradshaw havia dito a ele?

— Não é algo que posso fazer agora — respondi, com um suspiro.


— Em alguns anos, talvez.
Quando Emy for mais velha ou se mamãe cansar de viajar e torrar a
pensão dela.

Nossa comida chegou e aguardamos em silêncio enquanto o garçom


nos servia. Comemos devagar, intercalando com uma conversa mais leve
sobre o que havíamos feito nos últimos anos.
Já estávamos bebendo vinho novamente no momento que um casal
de velhinhos passou por nós em direção à pista de dança. Eu os acompanhei
sem me dar conta de que precisava concluir uma resposta para Bruce. Uma
batida musical suave e familiar inundou o ambiente.

— Você quer dançar? — Bruce perguntou.

Voltei meus olhos para ele, pronta para lembrá-lo do meu tornozelo,
mas ele disse:
— Podemos ir devagar. Terei cuidado.

Então eu sorri e acenei, concordando, e ele me ajudou a levantar.


Uma de suas mãos pousava sobre a minha lombar conforme ele me guiava
até a pista.

Quando Laura Pausini começou a cantar os primeiros versos de La


Solitudine, já estávamos abraçados, com meu rosto muito bem acomodado
ao seu abdômen. Um de seus braços envolvia minha cintura, a mão livre
acariciando meus cabelos. Minha falta de salto contribuía para me fazer
parecer uma minion se comparada aos seus dois metros.

Não dissemos nada enquanto nos movíamos devagar, apenas


sentindo as batidas de nossos corações ressoarem em uníssono através de
nossos corpos. Nossas respirações tranquilas.

Alguns segundos me concentrando na letra da música foram


suficientes para eu apertar Bruce ainda mais forte e cerrar os olhos, ele
retribuiu, compreendendo o motivo de eu fazê-lo.

Meu italiano podia estar enferrujado, mas eu entendi a música o


bastante para senti-la tocar um ponto ainda frágil em mim.

 
“Sua respiração é doce nos meus pensamentos

Distâncias enormes parecem nos dividir

Mas o coração bate forte dentro de mim

Talvez você pense em mim

Ou não fale mais com seus pais

Ou você está escondido como eu estou

Foge de vista e está


Trancado no quarto e sem fome

Abraçando forte o travesseiro


Você chora sem saber quanto a solidão ainda te machucará”

Meus olhos arderam com lágrimas insistentes e irritantes, mas me


recusei a derramá-las. Nenhum de nós continuava solitário, nem precisaria
ficar, se não quiséssemos. E não queríamos.
Isso precisaria ser suficiente.

— Essa música não deveria ser mais leve e romântica? — Bruce


perguntou baixinho, seu peito vibrou contra mim a cada palavra. A
descrença em seu tom me fez sorrir.

— As músicas mais românticas são de amores que não deram certo


— contei.

— Isso não faz o menor sentido — ele comentou, agora num tom
cético, me fazendo rir baixinho. Ergui meu queixo o bastante para conseguir
ver seu rosto, já ele, precisou baixar o seu.
— Histórias trágicas têm um apelo sentimental enorme — esclareci,
mas ele se limitou a menear a cabeça em negativa, ainda se recusando a
acreditar nisso. Eu estava sorrindo quando Bruce se inclinou como pôde
para me beijar.

— Uma história não precisa de um final trágico para ser bonita —


foi o que ele disse, seus lábios ainda pressionados aos meus, e eu precisei
concordar, mas o fiz beijando-o.

A música chegou ao fim e outra se iniciou, mas não nos movemos


para sair dali, seguimos embalados por um ritmo suave. Bruce me ergueu
do chão em algum momento, sustentando meu peso com um braço
envolvendo minha cintura, colando nossos corpos ainda mais. Sua mão
livre segurou minha nuca para que ele pudesse tomar minha boca num beijo
mais profundo, que aceitei de bom grado, ávida. Cada centímetro da minha
pele queimava, incendiada pelo seu toque firme e determinação.

Cheguei a esquecer que havia outras pessoas por ali.

Minhas mãos agarraram seus cabelos com força quando senti sua
ereção pressionar meu ventre. Suspirei baixinho, tentada a tocá-lo, senti-lo
de novo, cega para tudo porque Bruce agora beijava e chupava meu
pescoço. Aquele era meu ponto fraco.

No entanto, de alguma maneira, meu bom senso ainda levou a


melhor sobre meu desejo.

— Vamos voltar para a mesa — pedi.

Bruce parou, a respiração densa como a minha estava, inalando meu


cheiro sem se importar em disfarçar, pouco antes de seus lábios
pressionarem os meus uma última vez.
— Tudo bem. — As palavras vieram roucas, carregadas de um
desejo que ele não conseguiria ocultar nem se quisesse. Esfreguei minhas
pernas, a umidade e o latejar sutil entre elas me deixando inquieta.

Voltamos à mesa para comer nossa sobremesa e o fizemos devagar,


para nos recuperarmos dos minutos intensos na pista de dança e prolongar
um pouco mais daquela noite.

Já estávamos conversando novamente quando Bruce tocou no nome


de Emy. Meu coração se encheu com um sentimento novo e poderoso,
enquanto ele falava dela, parecia fascinado com o quanto ela era esperta e
como sempre parecia ter algo a dizer. O cantinho dos seus lábios curvado
num sorriso sutil e o brilho em seus olhos me deram certeza de que Emy já
o havia conquistado.

— Ela torna tão natural a nossa aproximação depois de tanto tempo


— comentou, mais baixo, meio pensativo, talvez se lembrasse de algo. —
Mais cedo, quando me apresentou à babá, parecia muito orgulhosa ao dizer
que sou seu irmão mais velho.

 Sorri.
— E ela está — confirmei. — Emy vê você como uma espécie de
herói grande e forte. Ela já te ama e não há nada que você possa fazer sobre
isso.

Ele não respondeu, apenas me encarou ali, em silêncio, como se


digerir o significado daquelas palavras, a verdade que estava nelas, fosse
mais difícil do que ele poderia explicar.

Depositei um beijo suave em seus lábios e me acomodei ao seu


peito, satisfeita por ele enlaçar minha cintura com um braço, para me
manter perto e confortável.
— Lidar com a Emy é muito fácil, Bruce — contei, baixinho. — Às
vezes não parece, mas ela é só uma criança. Não complica sentimentos,
nem guarda mágoa ou rancor. Você é irmão dela, o tempo que passou longe
não mudou isso. Nem o fato de que ela ama você e só queria uma chance de
ficar perto de você.
Ele soltou o ar devagar e entrelaçou nossas mãos.

— Não acho que eu mereço isso — confessou.


— Então faça por merecer, a partir de agora.

Ele ficou em silêncio, ponderando minhas palavras, o polegar


deslizando sobre o dorso da minha mão.
Não insisti, dei a ele o tempo de que precisava para pensar.
Aproveitei nossa proximidade para apenas fechar os olhos e inspirar seu
cheiro. Curtir os minutos que ainda tínhamos.

Não muito tempo depois, nos despedimos da nonna e retornamos ao


carro já em nossos casacos, por causa do frio. Nossos braços entrelaçados
enquanto comentávamos sobre as mudanças que identificávamos nas ruas.
O percurso de volta para casa também foi rápido e durante ele
compartilhamos aquele silêncio confortável embalado por músicas menos
melancólicas do que a que havíamos dançado. Uma das mãos de Bruce
descansando sobre minha coxa, com a minha fazendo um péssimo trabalho
em cobrir a sua.

Quando estacionou seu Tesla à frente do meu prédio, nenhum de nós


se moveu para sair. Meu peito se apertou um pouco, atingido pela
consciência de que aquela noite estava prestes a acabar para nós.
— Emy vai escolher um lugar para sairmos juntos — ele avisou,
livrando-se do seu cinto para conseguir se voltar completamente para mim.
— E vou mandar meu assistente marcar nossa reunião para sexta-feira. No
meu território.

Minhas sobrancelhas se ergueram, em desentendimento.

— Quero você longe daquela maldita empresa — ele respondeu —,


onde ninguém vai questionar sua presença para uma reunião. E,
principalmente, onde posso demitir qualquer infeliz que olhar torto pra você
ou fizer comentários idiotas sobre nós.

Meneei a cabeça em negativa, mas a verdade era que queria sorrir.

Eu sabia que seu pai havia se afastado das empresas há dois anos,
então não me preocupava com a possibilidade de encontrá-lo.
— Tudo bem. Nos veremos em dois dias então.

Desafivelei meu cinto de segurança e inspirei fundo, me preparando


para sair dali e dar aquela noite por encerrada, mas Bruce segurou meu
braço.

— Você disse à babá que chegaríamos até dez e meia — lembrou, a


voz grossa e rouca soando perto demais do meu pescoço. Um arrepio suave
acariciou minha pele antes dos seus lábios a tocarem. — Ainda temos meia
hora, Cherry.

Fechei os olhos já meio ofegante e instável, incapaz de dizer não


porque eu realmente não queria ir embora assim. Um suspiro me escapou
quando ele inalou meu perfume, a boca roçando minha nuca e os dentes
capturando o lóbulo da minha orelha, num tipo de provocação que me
deixava fraca, perdida antes mesmo de ele me tocar de verdade.
Mas então Bruce parou.
— Se me disser que prefere ir devagar, eu vou respeitar —
prosseguiu. — De qualquer forma, não estou pedindo pra transarmos...
Quando eu puder ter você de novo, Cherry, não será na porra de um carro
apertado e escuro. Nem só por trinta minutos.

Movi meu corpo o bastante para voltar a encará-lo, a expectativa em


seu semblante era muito clara, mas a surpresa veio apenas como um
vislumbre conforme eu mesma me inclinava para encontrar seus lábios,
então meus olhos se fecharam e a única coisa que realmente me importou
foi sua língua me invadindo e tomando a minha, com a urgência e
habilidade que me incendiavam de dentro para fora.
Não houve qualquer resistência da minha parte quando Bruce
agarrou minha cintura e me ergueu até o seu colo, o movimento não foi
abrupto ou descuidado, mas ainda senti uma fisgada sutil de dor em meu
tornozelo, só não me importei com ela o bastante para acabar com o beijo.
Minhas mãos envolveram seu pescoço e arranharam sua nuca até se
enfiarem entre os cabelos; as suas desceram por meus quadris e apertaram
minha bunda de um jeito que me fez gemer e amolecer em seus braços.

Adorava sua pegada.


— Sempre achei que eu conseguia lembrar exatamente como era
tocar você — revelou, ofegante, e não disposto a abandonar minha boca. —
Mas eu estava errado... muito errado... nenhuma lembrança se compara a ter
você aqui, agora.

Mordisquei seu lábio inferior e o trouxe para mim antes de chupá-lo.


— Eu senti sua falta... senti tanto, Bruce...
— Nunca mais vamos passar por isso, está me ouvindo? Nunca
mais, porra.

E mais uma vez sua boca estava na minha, agora com uma fome que
me fez agarrá-lo mais forte e fincar as unhas em seu couro cabeludo, do
jeito que o fazia gemer. Sempre.

O volume duro sob sua calça pulsou contra minha nádega e eu quis
tocá-lo, de novo, mas nossa posição não me permitiria fazê-lo. Movi-me
devagar, me esfregando nele, e Bruce grunhiu, como um animal faminto
sendo torturado com um banquete que não pode devorar.
O aperto de suas mãos em minha cintura se tornou mais forte, quase
doloroso, logo era ele me ajudando a rebolar em seu colo, enquanto
sufocávamos gemidos com um beijo. Sentir seu pau daquele jeito fez o
latejar entre minhas pernas aumentar. Eu estava molhada, seria tão fácil
gozar se pudéssemos tirar...

— Cherry?... — ele me chamou, baixo e rouco. — Quer gozar? —


Era uma pergunta, mas soou como uma súplica. E ela era nítida em seus
olhos quando voltei a encontrá-los.

Eu acenei, isso foi tudo o que consegui fazer encarando a


intensidade em seus orbes, a fome que os consumia.

— Então abre pra mim, amor. Me deixa tocar nessa bocetinha de


novo.
Eu me senti contrair apenas por ouvi-lo, mas abri as pernas como
pude, aproveitei também para me livrar do casaco. Não havia frio ali,
apenas calor.

Assisti Bruce deslizar uma mão entre minhas coxas e mordi os


lábios em expectativa, minhas unhas cravando em sua nuca. Eu nem
respirava no momento que seu polegar pressionou meu clitóris, um gemido
me escapou quando ele desenhou círculos rudes e lentos sem nem afastar a
calcinha, testando minha sensibilidade.
— Você pode gemer — ele emitiu em minha boca —, pode implorar
por mais ao meu ouvido, pode continuar tremendo nos meus braços e gozar
como está louca pra fazer, mas vai guardar seus gritos só pra mim, pra
quando só eu puder ouvir.

Engoli em seco, acenando em concordância porque ele já havia


estabelecido um ritmo de movimentos perturbador de tão gostoso.
Minha calcinha foi afastada e logo minha umidade escorria pelos
seus dedos longos e grossos, conforme ele os deslizava da minha entrada
até o clitóris, me lambuzando de novo e de novo, num vai e vem lento que
mais parecia uma tortura.

O mundo girou conforme meus olhos reviravam de prazer. Era


normal eu já estar tão sensível? Não deveria ser.

— Bruce...

— Você aprendeu a se tocar, Cherry? — indagou, num fio de voz


que denunciava o seu tesão nesse momento. — Aprendeu a gozar com seu
próprio toque, como eu mandei?
Ele ainda se lembrava disso?

Voltei a acenar, sem fôlego para proferir uma resposta audível. Os


dedos continuavam se movendo, esfregando ao redor dos lábios,
provocando a fenda pequena e então o clitóris já sensível demais.

Choraminguei, inclinando minha perna boa para lhe dar mais


espaço. A ponta do seu dedo me penetrou devagar, mas logo recuou, me
torturando.
— E o que descobriu?

Que eu prefiro você me fazendo gozar.


Usei minha perna sobre o banco como impulso para me mover de
encontro aos seus dedos. Deslizando contra eles, tentando encaixá-los na
minha entrada. Eu precisava deles dentro de mim.

— Responda — mandou, ainda rouco, pousando o polegar no


clitóris para fazer os movimentos circulares que me deixavam louca,
trêmula em seus braços, latejando de um jeito que meu próprio toque nunca
havia me deixado. — O que descobriu, Cherry?
Engoli com dificuldade a saliva em minha boca, minha voz saiu
instável:

— Prefiro gozar com seu pau... ou dedos... dentro... sempre dentro


de mim.
Bruce beijou minha boca, dois dos seus dedos me invadindo
devagar, ultrapassando a resistência sutil, aquela que só o tempo sem sexo
poderia explicar, porque eu já estava molhada de um jeito que era
vergonhoso.

— Assim? — provocou, estocando em mim. A fricção foi tão


gostosa que me fez morder meus lábios para não gemer alto demais. Um
espasmo de prazer atravessou meu corpo.

— S-sim.
Em meu ouvido, num rosnado grave e sexy, ele declarou:
— Eu também prefiro gozar na sua boceta... e na sua boca... sempre
dentro de você. Daqui pra frente, vou me certificar de que nós dois
fiquemos sempre satisfeitos.

Sua boca encontrou a minha de novo, num beijo duro e faminto.


Bruce bebeu meus gemidos, um rugido baixo escapando dele quando voltei
a empurrar os quadris em sua direção e me agarrei aos seus cabelos,
tentando me prender ao que podia porque não tinha controle sobre mim
mesma.

Então ele se moveu mais rápido e forte, se enfiando em mim sem


pena, sem me dar tempo para absorver uma estocada antes de me encher
com outra, esfregando aquele ponto incrível dentro de mim, me arrastando à
força àquele limite delicioso que eu sabia bem o que antecedia.

Até eu explodir.

Gozei em seus dedos, me desmanchando nos seus braços, dominada


pelo prazer e por Bruce, agarrada a ele. Satisfeita. Sua.
Mais uma vez e sempre.
 
 
 
 
DEZENOVE
 

— Eu gosto do jeito que você olha pra minha irmã — Emy


sussurrou ao meu lado, com uma mão entrelaçada à minha enquanto a outra
segurava um cachorro-quente.

Eu a encarei, então ergui os olhos para a direção que ela observava,


Emma na fila da bilheteria do parque de diversões. Tínhamos chegado há
uns vinte minutos, mas era sexta-feira à noite, o lugar estava cheio.

— Como eu olho pra ela?


— Como se ela fosse um sorvetão de morango com gotas de
chocolate no meio do verão.
Eu ri, não duvidava de que ela estivesse certa, principalmente depois
do encontro que tive com Emma há dois dias. De como aquela noite com
ela havia me lembrado do quão perfeitos éramos juntos. De como tudo
parecia certo quando ela estava comigo.

Emy deu uma risadinha e voltou a comer seu cachorro-quente


enquanto eu usava um braço para impedir que as pessoas passando por nós
topassem nela. À minha maneira, estava me esforçando para estreitar os
laços entre nós, para me abrir um pouco mais porque, sinceramente, Emy já
fazia grande parte do trabalho por nós dois e nem parecia perceber. Ela
merecia que eu também tentasse ser mais receptivo.

Emma abriu um sorriso quando viu que estávamos voltando, os


olhos brilhando do jeito que fazia a porra do meu coração palpitar. Cinco
anos sem aquele sorriso, sem ela, e agora eu voltava a me sentir um maldito
adolescente toda vez que a via.

Mais cedo, ela tinha ido à sede das empresas da minha família e
tivemos uma reunião curta com alguns integrantes da equipe que estava
trabalhando na fusão da Aubrey’s ao nosso marketplace. Duvido que
qualquer um daqueles homens não havia percebido meu olhar para Emma,
além de não conseguir tirá-lo dela, orgulhoso assistindo-a tão segura e
eloquente tirar dúvidas sobre os dados do gerenciamento financeiro da
Aubrey’s, eu havia fuzilado com os olhos um dos desgraçados quando ele
decidira que encerrar uma reunião profissional com um elogio à beleza de
Emma era algo que deveria fazer.

Na verdade, não fora apenas um olhar. Eu o havia mandado engolir


aquele tipo de comentário se não quisesse receber uma demissão por
assédio sexual. Estávamos na porra de uma reunião, qual a droga da
necessidade de falar da beleza da Emma como se fosse uma surpresa uma
mulher linda como ela também ser inteligente e um gênio com os números?

O filho da puta mereceu meu corte seco.


— Você quer ver minha lista, Bruce? — Emy perguntou, quando
conseguimos enfim ultrapassar a multidão. Paramos ao lado da bilheteria,
Emma já estava sendo atendida.
— Lista?

— É, eu fiz uma lista de coisas que a gente tem que fazer hoje —
contou. Ela soltou minha mão e estendeu o que restava do seu cachorro-
quente para que eu segurasse, então pegou a bolsinha rosa de crochê que
carregava e a abriu. — Espero que dê tempo.

Devolvi seu cachorro-quente e fiquei com sua lista. Nem precisei ler
todos os itens para ter certeza de que não daria tempo de fazer tudo aquilo.
Meus olhos saltaram rapidamente pelo que ela havia escrito.

— Carrinho bate-bate? — Franzi a testa.

— Eu não sou muito boa nele. Emma diz que vou ser uma péssima
motorista.

Sorri.

— O que é esse três ao lado do item?

— É pra indicar que temos que ir nós três nesse brinquedo — ela se
inclinou na minha direção, para olhar a lista de perto. — Você vai comigo
pra gente ganhar da Emma.

— Roda-gigante? Casa do terror?

— Nunca fui nesses, a Emma é muito medrosa.

Pressionei os lábios para não rir. Emma realmente tinha medo de


altura e não suportava levar sustos.
O último item da sua lista me fez encará-la, sentindo meu coração se
encher com algo novo.
19. Fazer o Bruce me colocar no ombro dele.

— Prontinho, agora podemos ir — Emma avisou ao parar à nossa


frente, uma de suas mãos vindo à cabeça de Emy para arrumar o gorro dela.
A noite estava mais fria que as anteriores.
Eu havia insistido que ela trouxesse as muletas, assim as pessoas
teriam mais cuidado ao se aproximarem dela. E ela não se cansaria tanto,
afinal, Emy tinha uma lista a cumprir.

— Podemos começar pelos brinquedos em que a Emy vai sozinha


— sugeri.
— Eba!

Emy jogou no lixo a embalagem suja do seu cachorro-quente e


estendeu a mão para mim novamente.
Caminhamos lado a lado até o primeiro brinquedo, uma espécie de
castelo inflável enorme. A menina saltitou para ele após abandonar seus
sapatos ao meu lado e jogar sua bolsinha rosa para mim.

Emma riu da cara que fiz ao pegar a bolsa no ar. Sorri também,
abraçando-a para acompanhar Emy com os olhos. Ela já subia os degraus de
plástico do castelo. Ao chegar ao topo, nos procurou, como se quisesse ter
certeza de que estávamos prestando atenção, e acenou animada antes de
descer, escorregando castelo abaixo, para então subir as escadas e fazer tudo
de novo.
— Quanto tempo ela consegue ficar fazendo isso? — perguntei em
seu ouvido, sem tirar meus olhos de Emy.
Com um sorriso travesso, Emma me olhou por cima do ombro e
disse:

— Como aqui não está cheio, vamos ter que chamar pra ela sair.
Marque quinze minutos no relógio.

Suspirei.
— Por que já acho que foi uma péssima ideia aceitar trazê-la aqui
hoje?

Emma riu e voltou a recostar seu corpo ao meu.

— Porque foi.

 Envolvi sua cintura com um braço e depositei um beijo no topo de


sua cabeça, satisfeito por podermos ficar assim. Por tudo o que Emma
estava cedendo para nos permitir avançar juntos. Ainda lembrava de cada
segundo do que havíamos compartilhado no meu carro, enquanto eu a fazia
gozar em meus dedos. E, porra, eu já queria repetir. Fazer mais do que a
beijar. Ver mais do que a silhueta do seu corpo gostoso no escuro de um
carro apertado e desconfortável.

— Logo você vai aprender que ser bom para Emy nem sempre vai
significar dizer sim a tudo o que ela quiser — avisou, sua mão se
entrelaçando à minha. — Em alguns momentos, você vai precisar ser um
pouco mais firme, mesmo que ela fique chateada.

— Você demorou a aprender tudo isso?


Emma meneou em negativa.

— Vi Emy nascer, cuidava dela enquanto mamãe trabalhava.


Aprendi desde cedo.
Pressionei os lábios. Por um momento, tentei visualizar Emma
cuidando da irmã sozinha por todos aqueles anos, sendo o tipo de mãe que,
eu sabia, nenhum de nós havia tido. Beijei sua têmpora.

— Talvez eu demore, Cherry, mas vou aprender — prometi, em seu


ouvido. — Vou aprender a cuidar da Emy com você. Vou aprender a ser o
irmão mais velho que ela precisa... o homem que você merece.

Eu a senti engolir em seco com dificuldade, a mão apertando a


minha com força, mas nenhuma palavra foi proferida por seus lábios.

— Você não está mais sozinha — prossegui, observando uma Emy


sorridente acenando para nós. — Vou cuidar de vocês... também estou aqui
pra assumir a responsabilidade por todos os últimos anos.

— Por quê? — a pergunta saiu num fio de voz frágil que quase não
me alcançou.
— Porque vocês são minhas. Mesmo que ainda estejamos indo
devagar por causa de todos os últimos anos e para a Emy se acostumar com
a gente, vocês são minhas. E eu vou proteger e cuidar das duas.

Emma soltou o ar dos pulmões devagar, ainda sem palavras, talvez a


ficha de que eu não estava apenas tentando reconquistá-la estivesse caindo
agora e ela precisasse de tempo para digerir o fato de que o que eu queria é
que fôssemos a família que deveríamos ter sido juntos depois que a merda
sobre nossos pais explodiu. Voltei a depositar um beijo suave em sua
têmpora e a deixei com seus pensamentos até chegar a hora de chamarmos
Emy.
Entre brinquedos, risadas, tiros de espingarda e gritinhos de
felicidade quando acertei o alvo e Emy pôde escolher um urso de pelúcia
enorme, Emma voltou a me dar sorrisos pequenos e retribuiu todos os
beijos que dei em sua boca, a cada intervalo furtivo entre as voltas que Emy
dava nos brinquedos.

Meu telefone tocou enquanto aguardávamos na fila da roda-gigante,


o último brinquedo que visitaríamos. Emy estava sobre meu ombro e
precisei enfiar seu urso sob meu braço pra conseguir alcançar meu telefone
no casaco. Peguei o aparelho já com o intuito de recusar a chamada e, ao
ver o nome na tela, meu maxilar travou, toda a leveza e animação das
últimas horas ameaçaram ir embora.

Mamãe.
Era a terceira vez que ela me ligava em dois dias e a terceira vez que
eu a ignorava, pelo simples fato de saber o que ela queria.

Eu não estava disposto a aparecer em um de seus jantares de


caridade, para ajudá-la a posar como a boa mãe e exemplo de mulher
altruísta que ela nunca fora.

Recusei a chamada e voltei a guardar meu telefone sob a observação


atenta de Emma. Ela obviamente havia notado a mudança em meu
semblante.

— Por que está ignorando sua mãe? — perguntou para mim.


Expirei profundamente, aumentando o aperto da minha mão na sua.

— Muitas coisas mudaram nos últimos anos — contei, os olhos


finalmente encontrando os seus. — Não falo direito com meus pais há
muito tempo.

Seus lábios se entreabriram em choque.


— Agora que estou em Nova Iorque, mamãe não tem mais
desculpas para contar aos seus amigos sobre minha ausência em seus
eventos e jantares. Por isso ela fica me ligando — revelei, porque mais
cedo, na empresa, Emma também me vira desligando o telefone após uma
chamada de mamãe. — Não tenho intenção de ir a nenhum desses lugares.

Emma apertou os lábios, talvez não soubesse o que dizer.

— Não se preocupe — insisti. — Manter distância dos dois foi a


melhor coisa que fiz nos últimos anos. Estou bem assim.
Chegou a nossa vez de entrar no brinquedo e Emy comemorou se
remexendo em meus ombros, inquieta por causa da animação.

— Tira fotos da gente, tá, Emma? — ela pediu, enquanto eu a


colocava sobre o chão novamente. Sua irmã respondeu com um sorriso.

Depois de Emy fazer com que nos uníssemos para tirar uma última
selfie, Emma se afastou para sair da fila e seguimos para entrar na roda-
gigante. Ajudei Emy a se acomodar e verificar se as travas de segurança
estavam todas no lugar e funcionando. Quando começamos a subir, precisei
conter Emy para que ela não se inclinasse demais para observar a vista da
cidade. O Brooklyn estava de um lado, do outro, estava o Rio East e, mais
ao longe, os prédios de uma Manhattan cintilante.

— Isso é muito lindo! É tão incrível e... alto! — ela exclamava,


boquiaberta, apertando seu urso enorme ao seu corpo, deslumbrada e talvez
um pouquinho assustada com a altura também. Alcancei uma de suas mãos
e a entrelacei a minha, numa tentativa boba de a confortar com minha
presença.

Ela aceitou, sua mão pequenina sendo engolida pela minha mesmo
enquanto ela tentava segurá-la com força.

— Num avião, você conseguiria ver toda a Manhattan — contei,


para chamar sua atenção, minha voz preencheu o pouco espaço entre nós e
trouxe seus olhos para mim novamente.

— Deve ser muito incrível, mas acho que a Emma não deixaria. É
melhor eu crescer mais, primeiro.

Eu acenei, concordando.

Trocamos mais algumas palavras até eu conseguir fazê-la rir e,


enfim, se distrair até podermos descer.

Tentei não rir quando vi as perninhas instáveis de Emy retornando


ao solo e fingi não perceber isso antes de perguntar se ela queria voltar ao
meu ombro, o que ela aceitou imediatamente.

Mesmo à distância, antes de sairmos da área fechada reservada à


roda-gigante, vi Emma conversando com um casal. O perfil do homem à
sua esquerda me chamou atenção, por ser familiar, mas só o reconheci
quando já estava perto o bastante para ver uma parte do seu rosto.

Minhas passadas se tornaram mais pesadas e rápidas conforme eu


cortava a distância até alcançar Emma, preocupado com o que um dos meus
amigos poderia estar dizendo a ela. Quando vi a mulher que estava com
Liam tentar afastá-lo de Emma, eu empurrei a porra da grade de ferro que
fora colocada para isolar a área da fila.

— Vou descer você, Emy — avisei, um instante antes de girá-la com


destreza e colocá-la no chão novamente, no momento seguinte eu me
colocava entre Emma e Liam Caldwell, com uma postura ofensiva que não
consegui controlar.

Liam recuou um passo para conseguir me encarar, seus traços


asiáticos se intensificando enquanto ele semicerrava os olhos e compreendia
o que via. Que eu estava ali com Emma.
— Algum problema? — indaguei, mantendo Emma e Emy às
minhas costas.

— Hey, Bruce! — uma voz feminina e conhecida chamou minha


atenção, me forcei a tirar meus olhos dos castanhos de Liam para encontrar
sua irmã adotiva ao seu lado. — Você continua um grande gostoso, hein?
Parece maior que da última vez que te vi. Que tal dissiparmos esse clima
ruim com vocês dois se afastando pra conversar?

Eu estava prestes a concordar quando a voz de Emy preencheu o


silêncio pesado que ficou entre nós:

— Emma, ela parece a Kim Jennie, do Black Pink!

Elizabeth explodiu numa gargalhada alta ao ouvir aquilo, um riso


cheio e contagiante que era sua característica mais marcante depois da sua
beleza asiática inegável. Ela mesma empurrou o irmão para o lado e me
rodeou para ver quem havia dito aquelas palavras.

A risada ainda me tirou a atenção por alguns instantes, mas, ao ver


Emy distraída, troquei um olhar rápido com Emma, para confirmar se
estava bem, e então me afastei dali, arrastando um dos meus melhores
amigos para longe.

Precisava descobrir o que esse filho da puta estava falando para


minha mulher.
 
VINTE
 

Assisti em silêncio, ainda reclusa em meus próprios pensamentos,


enquanto Bruce carregava uma Emy vencida pelo sono. Era mais de dez e
meia da noite quando atravessamos a rua à frente do meu prédio e abri o
portão tomando cuidado para não fazer barulho demais.
Ao adentrarmos meu apartamento, guiei Bruce até o quarto de Emy
e me sentei na cama após ele a acomodar nos travesseiros. O silêncio entre
nós não era confortável nesse momento, estava carregado das perguntas que
eu sabia que ele insistiria em fazer.

O que Liam disse?

Você está bem?


Por que você está tão calada?
Eu ainda tentava descobrir como conversaria com ele sobre isso, de
forma a não deixar uma nuvem densa pairando entre nós. Rever Liam
Caldwell fora inesperado, e desconfortável, apesar de sua irmã ser boa em
dissipar climas tensos. Eu já a conhecia e sabia que ela também morava no
Brooklyn, na verdade Bradshaw havia me apresentado a ela há algum
tempo, depois que a encontramos por acaso; mas nunca imaginei que veria
Liam com ela, por aqui.
Retirei os sapatos e meias de Emy com cuidado, então a livrei
também do casaco. Enquanto eu ligava os abajures de tomada, observei
Bruce cobri-la e acomodar ao lado dela o urso ridiculamente grande que
havia ganhado para ela no parque.

Um calor inesperado inundou meu peito diante dessa cena. Ele ainda
não sabia, mas ela havia dado seu nome àquele urso enorme.
Deixamos o quarto sem fazer barulho e retornamos à sala.

— Você está bem? — foi a primeira coisa que ele perguntou tão
logo se acomodou ao meu lado no sofá, a tensão e preocupação que
emanava eram muito mais fortes agora.
Após me livrar da bota imobilizadora, e numa tentativa de acalmá-
lo, tirei meu casaco e me recostei a Bruce, agradecendo silenciosamente
quando ele compreendeu o que eu precisava e apenas me envolveu com
seus braços.

— Sim — respondi.

— Mas você não parece bem.

— O que você e Liam conversaram depois que se afastaram? —


perguntei. — Você estava bravo quando voltou.
Bruce hesitou.

— Ele ainda não entende por que estamos juntos de novo.

Suspirei.

— Liam ainda me odeia pelo que pensa que fiz. Seus amigos não
vão mudar de ideia sobre isso tão facilmente. Ou me aceitar de novo.

— Eles não precisam aceitar nada, Cherry.

Fixei meu olhar no vaso com flores azuis sobre o balcão que dividia
a sala da cozinha, só porque ainda não queria encarar Bruce. Na verdade,
não queria ter que discutir sobre seus amigos e o que eles achariam da
minha volta à sua vida. Não queria me importar com isso.

— O que ele te disse?


— Nenhuma acusação que já não tivesse feito. — Sorri, sem humor.
— Mas essas acusações não me atingem mais, Bruce.

Ele ficou em silêncio, talvez em dúvida sobre eu estar falando sério.


Entrelacei nossas mãos para acalmá-lo.

— Eu não sou mais a Emma da faculdade, sabia? — sussurrei, meu


corpo inteiro cedendo e relaxando sobre o seu quando ele me colocou em
seu colo. — Não dói mais ouvir alguém que não significa nada pra mim me
dizer que sou uma vadia interesseira... uma traidora. Eu sei que não sou.

Eu quis encará-lo, para que ele pudesse ver a verdade em meus


olhos, mas Bruce me apertou num abraço forte, quase como se quisesse me
consolar por todas as vezes que eu havia ouvido isso. Por todas as vezes que
ouvir isso doeu, antes de finalmente deixar de doer.
— Minha orientadora na faculdade me ensinou algo — contei,
baixinho. — Ofensas só nos atingem quando encontram terreno fértil na
gente. Quando pelo menos uma parte de nós concorda ou teme que a ofensa
seja uma verdade.

Bruce permaneceu em silêncio, seu corpo grande ainda envolvendo


o meu como um casulo, o calor emanando dele me livrando de todo o frio
que havia me tomado ao ver o passado surgir à minha frente novamente.

— Eu descobri uma coisa quando aprendi isso — sussurrei, fingindo


não notar como minha voz começou a sair rouca a partir daqui. — Eu
sempre tive medo de não merecer você e o seu amor.

Sua respiração travou, o peito ficou imóvel e rígido contra minhas


costas. A tensão tomando cada músculo de seu corpo.

— Cherry...
— Por isso doeu tanto ouvir você no lago. E por isso, por muito
tempo, doeu tanto ouvir seus colegas da Alpha Dragons. Era como se
estivessem sempre me lembrando de que eu não merecia você. De que era
pouco por ser quem eu era, por isso pessoas como eu seduziam, mas depois
eram descartadas.

Apesar das lágrimas finas que caíram, não o deixei me interromper.

— Ver Liam hoje não doeu por ele insinuar que eu continuava
enganando e traindo homens por aí — assegurei. — Mas me lembrou por
que eu não quero fazer parte do seu mundo.

— O que...
— Eu mereço mais do que uma vida sendo julgada pelas pessoas
arrogantes e mesquinhas do seu mundo, Bruce. Mais do que engolir
comentários ácidos ou rebatê-los como se precisasse defender quem eu sou
— expliquei. — Eu não preciso. E não vou deixar a Emy passar pelo que eu
passei, não vou permitir que ela duvide por um momento do seu próprio
valor perto de pessoas como o seu pai e a sua mãe.

Mais lágrimas caíram quando ele enterrou seu rosto na curva do


meu pescoço, inalando meu perfume.

— Você quer Emy e eu na sua vida, então precisa saber que o que
aconteceu hoje com Liam não deve se repetir, especialmente quando ela
estiver por perto... Eu sei que você não pode garantir que as pessoas não
ajam como Liam, e eu não quero que minta pra mim dizendo que vai fazer
isso. O que quero é que não me peça pra fazer parte da sua vida forçando
nossa presença para seus amigos e família até nos aceitarem. Não quero
Emy no meio disso.

Bruce moveu o rosto devagar, concordando sem se afastar de mim.


Quando me movi em seus braços, para conseguir encará-lo, ele se inclinou
sobre o braço do sofá, nos deixando praticamente deitados, comigo sobre
ele.

Seus polegares limparam a umidade das lágrimas em minhas


bochechas. A seriedade em seu semblante me surpreendeu um pouco, mas
seu toque continuou gentil e cuidadoso. Bruce não queria distância entre
nós agora, e eu também não.

— Não posso garantir que ninguém mais vai duvidar de você ou do


que temos — ele cedeu, num sussurro só meu, pressionando um beijo em
minha testa. — Mas posso garantir que todos aqueles que machucarem
qualquer uma de vocês vão se arrepender.

Engoli em seco.
— Vou cuidar de tudo para que nós três possamos viver em paz —
foi o que ele escolheu prometer.

Seus lábios tocaram os meus com suavidade, uma das suas mãos
descendo até a minha cintura, para manter nosso abraço. Talvez para me
transmitir segurança também. Acabei me aninhando ao seu corpo, satisfeita
com sua promessa e um pouco aliviada por ter conseguido conversar sobre
esse assunto com Bruce. Havíamos concordado em ir devagar, mas tudo o
que poderia abalar ou afetar nossa relação precisava ser discutido entre nós.
Ele precisava conhecer meus limites e estar disposto a respeitá-los. Eu
tentaria sempre fazer o mesmo por ele.

Fechei os olhos com meu rosto bem acomodado ao seu peito e logo
seus dedos começaram a acariciar meus cabelos. O contato contínuo
confortou meu coração e mente, se estendeu nos minutos que
compartilhamos ali e me deixou um pouco sonolenta, com as pálpebras
pesadas e a mente se distanciando lentamente dos acontecimentos das
últimas horas.
— Cherry?

— Hum?

— Você merece muito mais do que só o meu amor — iniciou, sua


voz rouca bem perto do meu ouvido, me lembrando do que eu havia dito há
poucos minutos, sobre ter acreditado que não merecia seu amor. — Por isso
eu estou aqui, tentando ser alguém melhor, digno de uma mulher como
você.

— Bruce... — chamei-o, minha voz saindo arrastada.


— Shhh... você pode dormir agora.
Mesmo de olhos fechados, tive certeza de que eram seus lábios
pressionando um beijo em minha têmpora. Quando ele voltou a me abraçar
forte, eu retribuí, apesar do pouco espaço que tínhamos naquele sofá
apertado, sua proximidade me permitia me embriagar com seu cheiro.
— Bruce?

— Hum?
— Eu amo você.

Foram três palavras em um sussurro frágil e deturpado pelo sono,


mas o paralisaram. As batidas do seu coração retumbaram potentes,
reverberando em meu corpo e me carregando para a inconsciência.
 
 
VINTE E UM
 

O desconforto e a falta de mobilidade no sofá da sala de Emma me


fizeram acordar com as costas doendo. As luzes da sala continuavam acesas
e um olhar rápido para o relógio na parede me informou que se aproximava
de uma da manhã.
Expirei profundamente, minhas mãos ainda bem acomodadas à
cintura de Emma, que dormia aconchegada ao meu peito.

Eu amo você.
Suas últimas palavras antes de dormir fizeram um sorriso tolo
curvar meus lábios. De novo. Esqueci a dor nas costas por um momento e
beijei o topo da cabeça feminina sobre mim. Não achei que voltaria a ouvir
essas palavras tão cedo, mas ouvi-las era algo que eu ansiava como um
louco. Nunca pareceu mentira quando Emma as disse para mim, e não foi
diferente agora.

Eu não tinha qualquer dúvida de que era real.

Após nossa conversa, pensei sobre como lidaria com meus amigos e
família. Tinha um encontro marcado com os caras e usaria esse momento
para avisar que estava com Emma novamente. Talvez eles demorassem a
acreditar que ela não havia me enganado, mas eu não me importava com
isso. Os quatro teriam muito tempo para aprender a lidar com essa
informação antes de eu decidir que poderia expor Emma a eles de novo.
Eu ainda não havia engolido a raiva e indignação de Liam ao jogar
na minha cara que ela havia me traído. Mesmo consciente de que eu era o
culpado por meus amigos pensarem assim, que era por acreditarem que
precisavam me defender e estar do meu lado que eles agiam tão mal com
ela, eu odiei essa primeira experiência de ver alguém ir contra Emma. De
acusá-la e julgá-la tão abertamente e com tanto afinco.

Eu precisaria consertar essa merda o quanto antes, do contrário


acabaria mesmo socando um dos caras.
Soltei o ar devagar ao recordar de mamãe e suas ligações. Eu sabia
que ela se sentiria diretamente atacada pelo meu relacionamento com
Emma, e pela minha aproximação com Emy. Antes de deixá-la saber disso,
eu precisaria estar pronto para lidar com seus dramas e uma possível
intromissão de papai.

Pronto para tudo, na verdade, porque sua oposição e protestos já


eram esperados, mas eu não tinha ideia de como eles decidiriam nos atacar.

Tentei me mover para apoiar as costas de um jeito diferente, mas


não havia espaço no sofá para isso e acabei apenas grunhindo pela dor em
minha coluna. Emma se remexeu em meus braços e resmungou baixinho,
alheia ao meu desconforto e determinada apenas a continuar agarrada a
mim.
Sorri.

 Ergui a cabeça por um momento e, com cuidado, me apoiei em um


braço para nos levantar e me sentar com Emma ainda acomodada a mim,
minhas costas gritaram mais uma vez, um ou outro estalo me fazendo
grunhir porque umas poucas horas num sofá não deveriam ser capazes de
causar tanto estrago assim. A mudança de posição fez Emma acordar.

— O que está fazendo?

— Tentando salvar minha coluna — grunhi e senti seu sorriso em


meu pescoço quando ela o envolveu. Não era para ser engraçado, mas
Emma não se deu conta disso.

Expirei profundamente ao apoiar as costas no encosto do sofá, as


mãos nunca abandonando a cintura feminina ainda sobre mim, agora
sentada em meu colo e aconchegada ao meu peito. Emma depositou um
beijo em meu queixo e tentou se afastar para me deixar levantar, mas não
permiti. Não sentia dor a ponto de preferir não a ter em meu colo.

— Acho que você também não caberá na minha cama — avisou e


voltei a grunhir, imaginando meus pés pendendo para fora do colchão.
Emma riu baixinho e aposto que imaginou o mesmo.

— Ainda é melhor que um sofá — respondi. — E melhor que


aquela cama minúscula do seu dormitório na faculdade.

A vibração da sua risada em meu peito espalhou um arrepio pela


minha pele. Sorri.
— Você fala como se não tivesse aproveitado cada centímetro dela
— provocou, entrelaçando nossas mãos, eu apertei a sua, então voltei a
abraçá-la e pressionei um beijo em sua cabeça.
— Eu adorava e odiava aquela maldita cama — assumi, em seu
ouvido. — Foi por causa dela que você se acostumou a dormir agarrada a
mim como a um bote salva-vidas.

Senti seu sorriso pequeno quando Emma pressionou um beijo em


meu pescoço, alastrando outro arrepio intenso por todo o meu corpo. Tentei
prendê-la exatamente onde estava e retribuir aquela provocação, mas ela se
moveu mais rápido e logo sua boca estava na minha.

— Sinto saudade de dormir com você me abraçando daquele jeito


— confessou baixinho.

— Eu sinto saudade de tudo — revelei, também a beijando. Minha


voz saiu mais baixa quando concluí: — Mas as coisas podem ser muito
melhores agora, Cherry.
Ela acenou, concordando silenciosamente, os olhos azuis inundados
pela certeza que nesse momento também enchia meu peito. Seus lábios
voltaram para os meus, beijando-me devagar, com suavidade, sorrindo em
meio ao beijo porque ela sabia que essa era uma provocação que eu não
aguentaria. Uns poucos segundos foram suficientes para eu enlaçar sua
cintura com um braço e tomar sua boca para mim com força, roubando seu
fôlego e qualquer vestígio de sono que ainda pudesse existir.

Suas mãos envolveram minha nuca para se firmarem e eu a ergui o


bastante para ajudá-la a se sentar, com os joelhos aos lados dos meus
quadris.
— Seu tornozelo? — perguntei baixinho, deixando beijos numa
trilha deliciosa até seu pescoço. O doce de sua pele me fazendo salivar por
mais.

— Está tudo bem — garantiu e se inclinou o bastante para me dar


mais acesso à sua garganta. Sorri. Quando se tratava da minha boca em seu
pescoço, beijando e chupando como agora, Emma ficava fraca. Suas
estruturas eram sempre abaladas.

Um suspiro baixo escapou dos seus lábios quando raspei os dentes


em sua pele eriçada, suas unhas cravaram em mim à medida que eu
mordiscava a área já sensível pelos beijos e pelo roçar da minha barba.
Deslizei as mãos por suas coxas e ergui a saia o bastante para conseguir
trazer Emma para mais perto, até sua boceta ficar bem encaixada ao meu
pau. Precisava dela ali e tinha certeza de que ela já estava tão úmida quanto
eu estava duro.

— Você sabe o que fazer, amor — lembrei e meu pau pulsou sob a
calça antes mesmo de Emma começar a se mover, esfregando-se nele,
dando início à porra da fricção que nos deixava loucos.

Voltei a tomar sua boca em meio aos sussurros incoerentes que ela
emitia, agarrei seus cabelos e aprofundei o beijo, exigindo sua rendição sem
proferir uma única palavra. Emma retribuiu, cedeu, mas também exigiu; me
permitiu dominá-la, mas também me dominou. Não era uma disputa, era
um dar e tomar recíproco.

Não permiti que buscasse fôlego longe dos meus lábios, mas a
ajudei a tirar meu casaco e abrir minha camisa. Enquanto suas mãos
trêmulas tocavam meu peito nu e encontravam apoio nos meus ombros,
para ela continuar se movendo, eu levantei sua blusa e cobri seus seios com
minhas mãos.
— Ainda consegue gozar assim? — indaguei baixinho, tão ofegante
quanto ela, com sua testa colada à minha, apertando os seios gostosos. —
Só sentindo meu pau duro e pronto pra você? Se esfregando nele com todas
essas roupas entre nós?
— S-sim, só... va-vamos pro meu quarto... — pediu, mas não
interrompeu seus movimentos, sua calcinha molhada a ponto de eu senti-la
mesmo através da calça e da boxer que vestia. Grunhi só de imaginar como
toda aquela fricção estava deixando sua boceta. Eu já me sentia a ponto de
explodir, as bolas doloridas, mas a porra da minha imaginação conseguiu
elevar o nível da tortura que eu atravessava por me recusar a gozar.

— Acho que seu corpo quer algo antes, Cherry. — Mordi seu lábio
inferior. — Você só precisa pedir, amor... meu pau, dedos ou boca... pede
que eu dou.

Um gemido baixo me escapou quando meus cabelos foram puxados


com força. Sua respiração ofegante se misturou com a minha.

— Seus dedos... só... rápido — implorou, e eu dei.


Um afastar de calcinha, dois dedos mergulhando em sua umidade e
umas poucas investidas estimulando seu clitóris com a palma da mão, isso
foi tudo o que Emma precisou pra derreter em meus braços, comigo
abafando os sons de prazer que deixavam seus lábios.

Seu corpo cedeu sobre o meu, mole e cansado, as pernas tremendo


involuntariamente nos espasmos que sua boceta continuou sofrendo ao
redor dos meus dedos. Afastei-os devagar, enquanto ela ainda tentava se
recuperar, e os trouxe para minha boca. Seu cheiro me fez latejar, dolorido,
mas o gosto... porra, seu gosto me fez gemer e sugar cada maldita gota do
seu prazer que havia ficado em mim, faminto e ávido. Louco por mais.
Eu precisava tanto me enterrar nela. Tanto.

Aconcheguei Emma ao meu peito e me levantei com ela em meus


braços, então caminhei até o corredor, como se minhas bolas não estivessem
rígidas e latejando de dor. Arrisquei abrir uma das três portas e, por sorte,
era a do seu quarto. Encontrei o interruptor sem dificuldade e liguei as luzes
após fechar a porta às minhas costas.

Com cuidado, depositei Emma sobre a cama e a assisti em silêncio


retomar o fôlego enquanto eu me livrava dos sapatos e meias. Seus olhos
voltaram a mim no momento que desafivelei o cinto e o puxei, a atenção
intercalando entre meu peito nu e a ereção evidente, até se fixar nela. Logo
ela mesma começou a deslizar por seus quadris a saia que vestia.
Grunhi baixo, preso à imagem que se revelava à minha frente: a
calcinha encharcada cobrindo sua boceta. Emma não a tirou, em vez disso
se livrou da blusa que usava. Os seios surgiram para minha apreciação, mal
cobertos pelo sutiã preto de renda, fino e incapaz de conter aqueles montes
cheios e perfeitos.

Meus.

Descartei minha calça e a camisa aberta com movimentos


automáticos, a boxer caiu aos pés da cama quando subi no colchão, me
apoiando nos joelhos. Meu pau pesou, rígido e úmido dos meus próprios
fluidos, conforme Emma abria suas pernas para mim, pronta para me
receber. Nenhum de nós disse nada, nem precisava, sabíamos exatamente o
que queríamos. O que precisávamos.

Não sei de onde tirei forças para retirar sua calcinha em vez de
rasgá-la, ou para chupar o excesso de umidade pingando da sua boceta, mas
o fiz, e o fiz com o prazer doentio de um viciado se esbaldando na sua
droga preferida. Suas pernas se fecharam à minha volta, me prendendo com
a língua em sua entrada, mas não parei, chupei, lambi as dobras que
protegiam sua fenda, prendi o clitóris durinho entre meus lábios e suguei,
suguei tão forte que Emma precisou abafar seus gritos no travesseiro.

Percorri seu ventre e barriga com beijos, as mãos afastando a porra


do sutiã para que eu pudesse mamar em seus peitos de novo, enquanto tudo
o que ela conseguia emitir eram choramingos baixos, incapaz de controlar
os tremores involuntários se espalhando por seu corpo.

— Gostosa — rosnei, mordiscando um dos seus mamilos —, linda...


perfeita... minha.
— Sim... Bruce... — chamou, as pernas agora circulando minha
cintura, as unhas cravando em minhas costas com força suficiente me fazer
gemer mais alto, porque a dor nesse momento só elevava o prazer.

— Sim? — Mordisquei seu queixo e Emma aproveitou nossa


proximidade para implorar com um sussurro rouco:
— Vem...

Beijei sua boca e deslizei meu pau através da sua entrada,


esfregando-a.

— Porra, Cherry — rosnei, torturado, pronto pra explodir sem nem


penetrar sua boceta. — Não tenho camisinha, amor. A gente não usava e
também não achei que...

— Tudo bem, eu... — Ela gemeu, movendo os quadris devagar para


encontrar meus movimentos. — Estou protegida.

Rugi um maldito palavrão ao ouvi-la.


Guiei meu pau para o seu interior com dor e prazer disparando em
ondas através do meu corpo, a agonia de penetrá-la devagar por causa da
resistência natural do seu corpo diante do tamanho do meu; o prazer por
estar fazendo isso de novo, por ter Emma de novo.

Contive seus gemidos com um beijo quando me enfiei até a base,


suas pernas me prenderam com firmeza, os quadris se ergueram para mim, a
boceta me apertando tão forte que parecia me ordenhar. Recuei devagar,
mas meti com força, minhas bolas batendo em sua bunda, meu pau
alcançando os limites da sua boceta. Eu sabia que a deixaria dolorida
naquele ritmo, mas Emma não reclamou e eu não encontrei forças sozinho
para parar.

— Que saudade — grunhi, completamente perdido em seu corpo. —


Que saudade, porra!

Emma mordiscou meus lábios, trespassou a língua por eles e me


beijou, meu nome deixou sua garganta em um sussurro que ecoou em
minha boca.

— Mais forte — arfou o pedido e eu o atendi. Inclinei os quadris


para tocar todos os pontos certos, e esfregar aquele que faria Emma gozar
mais rápido, e ela choramingou, me arranhando em um prazer desesperado
e louco.
Voltei a beijá-la, sem parar de me mover, apenas intensifiquei o
ritmo, metendo com força; o som úmido produzido por nossos corpos
preenchendo o quarto, seu cheiro e gosto embriagando o resto dos meus
sentidos. Gemi em sua boca quando finalmente alcancei meu limite. Emma
não me deixou sair, me manteve enterrado em seu corpo enquanto ela
também chegava ao ápice, chamando por mim, se agarrando ao meu corpo
como se ele fosse tudo de que precisasse naquele momento.
Gozamos juntos, ainda unidos, abafando os gemidos um do outro,
compartilhando nossos corpos e almas.

Mais uma vez e sempre.


 
VINTE E DOIS
 

O chiar da água do chuveiro ecoava no box quando fui pressionada


a ele. O contato do vidro quente e embaçado pelo vapor fez meus mamilos
ficarem ainda mais duros. Mordi os lábios inchados pelos beijos que
haviam nos levado até ali.
Bruce deslizou sua mão através da minha espinha, descendo até
minhas nádegas para se enfiar entre elas, eu já estava empinada para ele,
seu corpo já estava inclinado sobre mim. Prendi o fôlego, ansiosa, minha
pele em ebulição sob seu toque.

— Você é tão linda, Cherry... Em todo maldito ângulo... Tão


perfeita, porra.

Seus lábios depositaram beijos em meu ombro, a respiração quente


me arrepiando. Arfei ao sentir seus dedos se moverem até alcançarem
minha umidade. Bruce grunhiu, massageando toda a região sensível.

— Consegue me receber de novo? — ele indagou, a voz grave e


rouca.

Eu estava dolorida, mas não o bastante para dizer não. Me sentia um


pouco fora de mim depois de todos os orgasmos da madrugada, mesmo há
cinco anos, nunca havíamos transado tantas vezes num período de tempo
tão curto. E eu só queria mais e mais...

— Sim — sussurrei e minha resposta se transformou num gemido


tão logo um de seus dedos me invadiu. Achei que Bruce arriscaria se enfiar
em mim naquela posição, mas ele me girou em seus braços, prensando
minhas costas ao box e me erguendo para o seu colo. Sua boca envolveu um
dos meus seios quando ele se curvou em direção a eles, chupando e
mordendo os mamilos duros, com uma fome que a última madrugada não
havia saciado.

Enfiei minhas mãos em seus cabelos negros e suspirei baixinho. A


violência do seu desejo deixando mais marcas em meu corpo, como as que
eu havia feito no seu mesmo sem me dar conta. Minha boca foi sua próxima
vítima, tomada com urgência. Minhas costas alcançaram a parede de
azulejos ao lado do chuveiro, logo seu membro encontrava seu caminho
para o meu interior. Uma estocada firme e cada centímetro de mim estava
preenchido por ele.

— Eu queria passar o dia enterrado aqui — rosnou, voltando a


tomar meus seios em sua boca.

Eu já estava tão cansada e perdida em prazer, que apenas me agarrei


aos seus músculos e usei minhas últimas energias para manter meus lábios
selados. Não podia gritar, não podia gemer alto demais... Já era manhã e
não queríamos que Emy acordasse antes de Bruce ir embora, mas meus
esforços foram em vão, a cada estocada dele, minhas forças eram testadas e,
no fim, meu grito de prazer foi contido por Bruce, com sua palma cobrindo
minha boca e seu corpo grande contendo os espasmos do meu.
A última coisa que lembro de ter ouvido bem foi seu gemido
enquanto se derramava em mim, depois disso, tive apenas a vaga
consciência de suas mãos me lavando, concluindo nosso banho e me
enfiando em um roupão.

Satisfeita e exausta sobre a cama, eu o assisti se secar antes de


começar a se vestir. Mordisquei meus lábios, atenta a cada parte do seu
corpo nu, presa a tudo o que havia mudado nele, cada músculo que agora
parecia maior e mais rígido. O pensamento reinando em minha mente era
possessivo, mas o sentimento que inundava meu peito era genuíno. A
certeza de que Bruce era meu e que estávamos fortes o suficiente para não
permitir que nada mais mudasse isso.

— O que foi? — perguntei, ao vê-lo se irritar com as mangas da


camisa. Ergui-me sobre os joelhos e o chamei com o indicador, para ajudá-
lo a arregaçá-las e dobrá-las.

— Nunca odiei tanto o fato de ter reuniões marcadas para um


sábado de manhã — ele disse, um vinco de irritação se aprofundando entre
suas sobrancelhas. Sorri. — Você está nua sob esse roupão e eu preciso ir
para a porra de uma videoconferência na empresa. Nem se quisesse eu
conseguiria me concentrar nos problemas que preciso resolver sobre a sede
da Inglaterra.
— Não poderíamos continuar nessa cama mesmo que você não
tivesse compromissos — lembrei-o, assim que finalizei a tarefa em uma das
mangas. — Ou já esqueceu que Emy acordará a qualquer momento? Além
disso, eu também vou precisar ir à empresa daqui a pouco.
Ele grunhiu.

— Por que seu chefe te convocaria para trabalhar num sábado?!

Mordi a parte interna da bochecha, sem saber o que responder.


Reuniões de emergência só eram marcadas quando algo sério acontecia,
mas Bruce não precisava ficar sabendo disso por mim.

— Vou saber assim que chegar lá — respondi.

— Me deixe levar você — pediu. — Não quero que precise pegar


ônibus e metrô hoje.

— Você vai se atrasar — lembrei-o e terminei de dobrar a outra


manga.
— Posso adiar o início da videoconferência em uma hora.

Entreabri os lábios para insistir que ele não precisava fazer isso, mas
sua boca encontrou a minha antes que eu pudesse dizer algo.

— Vou atrás de algo para comermos enquanto você se arruma. —


Outro beijo foi pressionado em meus lábios. — Não esqueça de avisar a
babá da Emy.
Suspirei quando o vi se afastar. Antes de qualquer coisa, procurei
meu celular e liguei para Lisa.

 
 
A meu pedido, Bruce estacionou seu Tesla no lado oposto à entrada
da empresa, um pouco distante dela. Nos despedimos com um beijo rápido
e a promessa de nos falarmos por telefone assim que concluíssemos nossos
trabalhos.

Atravessei as portas giratórias do prédio com uma sensação


estranha. Fazia apenas uma semana desde que havia passado por elas pela
última vez e parecia que muito mais tempo havia se passado. Eu já não me
sentia mal ou injustiçada como na sexta-feira, mas não me sentia mais bem
ali. Por algum tempo, eu havia fechado os olhos para o fato de que era
apenas uma peça nesse lugar, uma peça barata paga para garantir que as
finanças da empresa estivessem sempre em ordem. Mas ter sido afastada
pelo meu chefe me lembrou de que eu e meu trabalho impecável não
valíamos a possibilidade de criar uma rusga com um homem poderoso.
Se precisasse, ele se livraria de mim sem pensar duas vezes. Essa
consciência colocava muitas coisas em perspectiva.

Pressionei o botão que chamaria o elevador e, quando as portas se


abriram, uma voz feminina chamou minha atenção às minhas costas.

— Segure para mim, por favor!


A secretária do Sr. Jones percorria o hall de entrada do prédio
apressada.

— Bom dia, Srta. Bloom — cumprimentei, segurando as portas do


elevador até que ela entrasse.

— Garota, sua pele está iluminada e incrível! — elogiou, com um


sorrisinho dissimulado que me colocou em alerta.
— Obrigada — limitei-me a isso. Nunca fomos próximas e eu não
tinha motivos para estender essa conversa.

Alguns instantes de silêncio se passaram enquanto eu observava o


painel do elevador e sentia o olhar indiscreto de Sarah percorrendo minhas
roupas, até chegar aos meus pés.
— Achei que estivesse usando muletas — comentou.

— Me livrei delas e da bota ontem — respondi.

Ela bufou um riso e se aproximou, encostando seu ombro ao meu.

— Não precisa fingir, Emma. Eu vi você saindo do carro do Sr.


Waldorf.
Gelei.

Repreendi-me no momento seguinte, porque tive certeza de que ela


percebeu minha reação. No entanto, só precisei de um instante para me
recompor e voltar meus olhos para os seus.

— Não sei ao que exatamente está se referindo com fingir —


respondi, séria, mas sem me alterar de qualquer maneira.
— Ah, Emma, não se preocupe. Todos na empresa já acham que
vocês tiveram um caso. Não acho que seja um problema vocês o reatarem
agora. Além do mais, não é como se todos pudessem ter certeza de que
vocês estão dormindo juntos. — Ela riu e jogou seus cabelos ruivos para
trás ao desviar os olhos castanhos para as portas do elevador. — Eu tenho
olhos, sabe? Quem diria não para aquele homem?
Cerrei os dentes.

— E eu não julgo você, não se preocupe — ela garantiu, voltando a


me encarar com um sorriso falso que me dizia o contrário. — Mas admito
que estou muito curiosa pra saber se ele é tão grande como parece... E
também... — O elevador apitou e se abriu no nosso andar, a interrompendo
antes que concluísse. — Depois terminamos essa conversa. Se prepare para
me contar tudo, sim?
Havia um sorriso em seus lábios, mas suas palavras carregavam um
toque sutil de ameaça.

Sarah deu um passo para fora, mas segurei seu braço, trazendo-a de
volta. Graças ao seu corpo magro, meu movimento pareceu muito mais
intimidante do que eu gostaria que fosse, então fiz o possível para medir
meu tom e palavras. Nunca havia precisado erguer a voz, intimidar ou me
exaltar para me fazer entender, não começaria nesse momento.
— Não fale comigo como se tivéssemos alguma intimidade — pedi.
— Nós não temos e, se não mostrei interesse em mudar isso nos últimos
três anos, não mudarei agora.

Ela apertou os lábios.

— O que tenho ou não com o Sr. Waldorf não é da sua conta, nem
de ninguém da empresa. Isso também é algo que não pretendo mudar.

Sarah se desvencilhou do meu contato e abriu um sorriso lento,


estava prestes a soltar algum comentário ácido quando concluí:
— Nunca chamei você pelo seu nome e nunca pedi que me
chamasse pelo meu. Então vamos manter as coisas assim também.

Ela apertou os olhos, irritação cintilando neles, mas não me dei o


trabalho de ainda a ouvir.

— Tenha um bom dia, Srta. Bloom — foi o que eu disse para


encerrar a conversa.
Não aguardei sua resposta, apenas saí do elevador e me distanciei,
assumindo a postura profissional de sempre.

Eu sabia que lidar com as fofocas na empresa seria muito mais


difícil a partir dali, então coloquei minha mente para trabalhar. Precisava
me preparar e descobrir a melhor forma de lidar com o que viesse pela
frente.
 
VINTE E TRÊS
 

Passava de oito da noite quando estacionei o carro numa vaga


exclusiva do Oásis. Estava atrasado e mesmo odiando a mera possibilidade
de deixar alguém me esperando assim, era o motivo do meu atraso que não
saía da minha cabeça.
Mamãe tinha ido ao meu apartamento há menos de uma hora. Havia
chegado enquanto eu terminava de me arrumar para encontrar meus amigos.
Eu não estava preparado para vê-la depois da nossa última discussão, há
alguns meses.

Desde as duas visitas que mamãe me fizera na reabilitação, antes de


eu proibir que qualquer um fosse até lá, eu sentia como se sua presença
drenasse minhas energias. Agora não era diferente. Ela parecia ter usurpado
a leveza que inundava meu peito e mente depois de tudo o que havia vivido
com Emy e Emma na última noite. E por mais indiferente que eu me
colocasse diante dela, foi impossível permanecer assim quando ela lançou
contra o meu peito um envelope com fotos minhas nos últimos dias. Com
Emma e Emy. Chegando ao hotel de Bradshaw, no hospital, na frente do
prédio do meu apartamento, no Brooklyn, em Little Italy e até no parque de
diversões.

Ela e papai continuavam com a porra da mania de me manter sob


vigilância, como haviam feito enquanto eu estava em Londres, mas
reclamar sobre isso não foi uma opção quando ela parou à minha frente e
resumiu toda a sua revolta a uma ordem:

— Você vai se afastar dessas miseráveis.

— Não vou — garanti.

— Você está aqui há duas semanas e já foi atrás daquela... — Eu a


cortei antes que pudesse concluir.

— É melhor não concluir se quiser continuar essa conversa.

Como um felino paciente, ela avançou em minha direção. Os olhos


azuis cintilando de ódio me deram certeza da natureza do seu ataque antes
que ela proferisse qualquer palavra.

— Você é idiota, por acaso? Ou é só um canalha desprezível guiado


pelo próprio pênis, como o seu pai? Aquela vagabunda te traiu! Você se
transformou num alcoólatra miserável por causa dela! Já esqueceu da
vergonha que nos fez passar?! Pretende nos arrastar para a lama dessa
vez?

Engoli em seco ao ouvir aquelas palavras, algo em meu interior


ainda sendo atingido apesar dos meus esforços. Contudo, meu semblante
permaneceu vazio, a postura inabalada. Havia tanto em minha garganta
para ser despejado contra ela, a iniciar pelo que realmente tinha me levado
àquela reabilitação, mas tudo o que consegui emitir foi:

— É irônico que sua tendência a julgar Emma coexista com sua


incapacidade de enxergar que, entre vocês duas, não é ela quem merece
esse título.

Seu queixo caiu.


— Você nunca se importou em descobrir por que Emma e eu
terminamos — lembrei-a. — Não tem o direito de chamá-la de vagabunda
quando transforma seus motoristas em amantes.

Voltei a jogar o envelope pardo com as fotos em sua direção.

— Mantenha esse maldito stalker atrás de mim e verá como posso


ser bom em arrastar o nome dessa maldita família para a lama — avisei, já
lhe dando as costas. — Se você ou papai tentarem se meter na minha vida
de novo, esteja preparada para me ver fazendo o mesmo com as suas. E
talvez o motivo do afastamento dele do Grupo Waldorf não continue sendo
o que todos acreditam por aí.

Eu havia lidado bem com a situação. Sabia que sim. Por que então
sentia a veia em minha testa latejando à mera lembrança daquela conversa?
Por que não conseguia ultrapassar essa porra de assunto e empurrar mamãe
e suas manipulações para o terreno infértil da indiferença que ela merecia?

Por que infernos estava deixando sua aparição nublar a felicidade e


satisfação que havia tomado meu peito desde a noite anterior?

Bufei.

Desafivelei o cinto de segurança e verifiquei meu celular uma


última vez, à procura de uma mensagem de Emma. Eu havia avisado a ela
que encontraria os rapazes nessa noite, mas que queria vê-la. Até o
momento que saí do hotel, ela ainda não havia respondido.
No entanto, ali estava sua resposta, piscando em minha tela em
forma de notificação de mensagem de mídia. Eu a abri sem hesitar.

Apenas um segundo foi necessário para que mamãe e sua visita


fossem relegadas a um buraco obscuro em minha mente e a sombra de um
sorriso curvasse meus lábios.
Emma havia me enviado uma foto.

Na imagem, ela e Emy estavam sentadas lado a lado no sofá,


sorrindo com uma máscara facial verde, cada uma com um polegar e um
indicador unido e erguido para a câmera, num sinal que eu desconhecia. As
duas usavam pijama e uma espécie de faixa de pelúcia no cabelo, talvez
para mantê-lo longe do rosto.
A porra do meu coração derreteu ali.

Esqueci por um momento que ainda estava atrasado e digitei uma


mensagem rápida, dizendo que continuavam lindas mesmo com a cara
verde. E perguntei também que gesto era aquele que faziam com as mãos.

Sentindo-me mais leve e até feliz, deixei o carro guardando o


telefone no bolso. A estrutura imponente do Clube Oásis se assomava à
minha frente. Luxuosa e elegante. Meu primeiro e maior investimento longe
dos negócios da minha família.

Não perdi muito tempo observando o lugar, me dirigi logo à entrada


e, então, à área reservada que os caras disseram que usaríamos.
Um pouco de nervosismo me tomou quando os vi à distância, rindo
e provocando um ao outro. Parei por um momento, odiando a sensação de
que não fazia mais parte daquele grupo depois de tanto tempo afastado, mas
me forcei a seguir. Devia esse esforço a eles depois de tudo, porque apesar
do meu distanciamento, eles se mantiveram na minha vida como puderam.

Blake foi o primeiro a me ver, seu sorriso contido me pegou


desprevenido. O infeliz não costumava sorrir. Éramos parecidos nisso.
Então Chuck seguiu seu olhar e me encontrou, sendo o filho da puta
provocador e sarcástico que era, ele sequer aguardou que eu chegasse à
mesa para dizer:

— E esse é o desgraçado que costumava nos dar sermão sempre que


nos atrasávamos! — Ele encarou o Rolex em seu pulso. — Mais dois
minutos e você ganharia o prêmio norte-americano da pontualidade.

Bradshaw gargalhou e se ergueu para envolver meu ombro.

— Finalmente, Batman. Achei que nos daria um bolo.


— Tive um imprevisto — respondi, voltando a encarar os caras que
agora também se erguiam. Sem cerimônia, sem estranheza ou hesitação,
eles apenas se aproximaram para um abraço grupal e desconcertante. Até
mesmo Liam, que encerrou nossa conversa tão puto quanto eu, na noite
anterior. Minha garganta se trancou por um momento.

Fechei os olhos, aceitando o abraço e as provocações que vieram


com ele, me permitindo o direito de voltar a me sentir parte daquele grupo.
Da família que escolhemos formar há tanto tempo, a despeito dos pais
fodidos que alguns de nós tínhamos. Não precisei de mais do que aqueles
poucos instantes para ter certeza de que, se dependesse deles, nada mudaria
entre nós; e para admitir para mim mesmo que eu também não queria que
mudasse.
Lembrar da minha família de sangue só me fez valorizar ainda mais
a que eu tinha com esses brutamontes.

Em pouco tempo, estávamos sentados e conversando sobre o clube e


todas as ideias e contribuições que cada um havia dado, em especial sobre o
último espaço que seria inaugurado em dois meses. Brindamos ao sucesso
do lugar e concordei em vir em algum dia da semana para fazer um tour por
todos os ambientes. Entre recordações do passado e Bradshaw narrando
algum episódio cômico e depravado vivenciado no salão de swing, eu me
permiti apenas observá-los enquanto bebericava meu vinho sem álcool.

Meu melhor amigo era o responsável por nos unir há tantos anos. O
cara popular e extrovertido que havia adotado e protegido quatro
grandalhões que, sem ele, seriam reclusos, introvertidos, vítimas de bullying
ou simplesmente renegados por toda a escola por erros que nem eram seus.

A gargalhada de Chuck encheu todo o espaço entre nós quando ele


certamente compreendeu qual seria o desfecho da história que era contada
por Bradshaw, toda a sua postura arrogante de herdeiro alemão contido se
desfez ali.

Ao meu lado, Blake se inclinou sobre a mesa para encher seu copo
de bebida. Todos estavam tomando drinques sem álcool até eu chegar, mas
insisti que não precisavam fazer isso só porque eu estava ali.

Eu não era um viciado. Podia lidar com álcool perto de mim.

— Tudo bem, cara? — perguntou, suas costas largas retornando ao


estofado. A voz naturalmente rouca soou baixa para que apenas eu pudesse
ouvir. Acenei.
Ele não insistiu. Nós dois éramos assim. Os mais calados e
propensos a respeitar o espaço dos outros.
— E você? — indaguei, voltando-me para ele. Ele sorriu mais uma
vez, seus traços afrodescendentes se acentuando antes de seu rosto se
esvaziar de emoções novamente, como era costume.
— Melhorando — respondeu.

Os caras explodiram em gargalhadas que voltaram a chamar minha


atenção, acabei sorrindo também, porque era impossível não rir junto ao
ouvir a gargalhada estranha de Bradshaw.

— Ei, Batman — ele me chamou, após sorver um pouco da sua


bebida —, a Liz me disse que viu você ontem num parque de diversões.
Que porra foi fazer lá?

Cheguei a abrir a boca para responder, mas antes que eu pudesse


fazê-lo, Liam se empertigou e disparou:

— E por que diabos você estava falando com a minha irmã?!

Pressionei os lábios, sem entender o que acontecia, precisei de


pouco tempo observando as tentativas dos outros de esconderem sorrisos
para compreender que havia alguma rusga entre os dois, envolvendo a irmã
mais nova de Liam.

Como o filho da puta irritante que era, Bradshaw provocou:

— Você não vai querer saber, cara.

Chuck assoviou, para piorar o clima, mas foi o primeiro a conter


Liam quando ele tentou avançar sobre Bradshaw, como o bom
esquentadinho que era.

Bradshaw riu, então eu lembrei. Elizabeth era anos mais nova que
nós, e em sua adolescência costumava ter fases de quedinha por algum de
nós. A que ela sentiu por Bradshaw foi a mais duradoura, até onde eu sabia.
E Liam era um filho da puta superprotetor que costumava socar todo
infeliz que arriscava se aproximar de sua irmã.

— Deixa esse seu pau torto longe da minha irmã, caralho! —


ameaçou, um dedo em riste para o alvo da sua ameaça.

— Deve estar confundindo meu pau com algum outro, cara — meu
melhor amigo avisou. — O meu é grande, grosso e pesado, torto não faz
parte das características dele.

Liam se remexeu, o rosto ficando vermelho de raiva e, mesmo


sorrindo, também intervi, para impedi-lo de avançar em Bradshaw.

— Ele só está te irritando! — avisei.

— É claro que estou. — Bradshaw meneou a cabeça em negativa,


ainda sorrindo. — Elizabeth tem vinte anos e é sua irmã mais nova. Quase
nossa irmã mais nova. Ela nunca vai ter o prazer de conhecer meu pau. Fica
frio, porra.

Liam ainda manteve os olhos semicerrados por alguns instantes, até


ceder e se desvencilhar da gente, arrumando seu cabelo negro e longo.

Estendi uma garrafa de cerveja para ele e voltei a me acomodar ao


meu lugar. Blake observava tudo meneando a cabeça em negativa, com o
canto dos lábios curvado em um sorriso, os olhos negros atentos a
Bradshaw.

Ele sabia de algo. Ou, pelo menos, havia sacado algo que ainda me
escapava.
— Mas, afinal, que porra você foi fazer num parque de diversões?
— Chuck perguntou, chamando a atenção de todos para mim novamente.
Inspirei fundo, trocando um olhar rápido com Liam. Sabia que ele
também estava aguardando pelo momento que eu contaria sobre isso a
todos.

— Levei minha irmã e Emma para lá — contei. — Percebi que fiz


uma merda ao duvidar da Emma e acreditar que ela havia concordado com
tudo o que a mãe dela disse naquela noite. Estou tentando reconquistá-la e
recuperar o tempo perdido.

Choque.

Foi o que vi nos semblantes atordoados e boquiabertos de três deles.

Bradshaw era o único que sorria com orgulho e arrogância.

— Mas que... — Chuck iniciou, pronto para descarregar seu arsenal


de argumentos sobre mulheres interesseiras e como elas eram boas atrizes,
como sempre fazia, mas eu o silenciei:

— Nada que qualquer um de vocês disser vai mudar o fato de que


eu a amo e vou continuar tentando conquistá-la. Eu fiz merda há cinco anos,
eu perdi a vida que estava decidido a construir com Emma, e agora vou
recuperá-la. — Fiz uma pausa para inspirar fundo e observar os semblantes
ainda desconfiados deles, era nítido que acreditavam que eu estava louco ou
em negação. Foda-se. — Vocês só têm raiva dela porque acham que ela me
traiu, porque eu duvidei dela e achei mais fácil não tentar descobrir a
verdade, mas agora sei que ela não me traiu, nem está do lado da mãe dela
em nenhum plano de merda.

— Como... — Blake iniciou.

— Eu apenas sei — respondi, tranquilo apesar da dúvida nítida que


encontrei em seu rosto. — Não estou aqui para convencer vocês de nada,
nem para pedir um voto de confiança em Emma, ou no meu julgamento.
Estou avisando vocês que ela voltará a fazer parte da minha vida, uma parte
importante. Vocês são meus irmãos e terão que aprender a lidar com isso.

 Chuck chegou a entreabrir os lábios para retrucar, mas Bradshaw o


conteve. Erguendo uma taça com o vinho do Porto que estava bebericando,
ele concluiu:

— E os anjos dizem: finalmente, porra.


 
VINTE E QUATRO
 

Encarei meu reflexo no espelho de corpo inteiro que havia no


banheiro da suíte. Eu não era mais tão magra ou frágil quanto na faculdade,
mas continuava satisfeita comigo mesma e cada curva nova que havia
ganhado. Elas estavam mais aparentes na camisa grande e larga de Bruce.
Uma daquelas que ele me dera no passado e que eu nunca havia conseguido
jogar fora. Sorri, ciente de que ele adoraria me ver usando-a de novo.

A festa do pijama de aniversário de uma das amiguinhas de escola


de Emy fora providencial, só porque ela dormiria fora nessa noite, eu pude
vir dormir com Bruce. Depois de dias sem podermos nos tocar direito, eu
estava ansiosa para esquecer em seus braços todos os estresses e
aborrecimentos do trabalho.

Os burburinhos e fofocas que chegavam aos meus ouvidos na


empresa me incomodavam, as especulações sobre meu envolvimento com
Bruce e minhas motivações, também. Era quase como assistir minha
carreira e todos aqueles anos de trabalho serem ignorados diante do meu
envolvimento com ele. Eu não era mais a Emma competente que chegara a
uma posição de chefia graças a sua capacidade e expertise. Era a amante do
novo sócio majoritário da empresa.

Isso doía demais... mas eu estava cansada de remoer todos esses


burburinhos e palavras.

 De me importar.

Meu chefe estava ciente do meu envolvimento com Bruce e do que


estava acontecendo. Por algum motivo, decidira apenas aproveitar minhas
habilidades e me encher de muito trabalho. Ele não se importava e não
interviria na situação, então eu não daria munição aos meus colegas de
trabalho, discutindo ou tentando me justificar. Nenhum deles tinha nada a
ver com minha vida.

Suspirei, balançando a cabeça para espantar aqueles pensamentos.


Eu estava ali para esquecer, para ter um bom momento com Bruce e deixá-
lo me apertar em seus braços e me confortar, mesmo que eu não tivesse
intenção de lhe contar o que acontecia.

Pressionei meus lábios para espalhar melhor o batom rosa e soltei os


cabelos, que caíram em ondas sobre meus ombros e peito.

— Cherry? — a voz de Bruce soou abafada.

— Já vou!

Ouvi sua movimentação no quarto e inspirei fundo, meu coração


disparando contra a minha vontade. Em ansiedade e expectativa. Mordi a
parte interna da bochecha e, com cuidado, me apoiei à pia para retirar
minha calcinha. Guardei-a na bolsa que havia trazido. Conferi minha
aparência no espelho uma última vez e só então saí do banheiro.

Encontrei Bruce sentado na cama, recostado à cabeceira dela com o


peito largo e musculoso completamente nu. Seu olhar se ergueu da tela do
tablet para mim no momento em que fechei a porta às minhas costas. Três
segundos. Apenas três segundos foram suficientes para seus lábios se
entreabrirem e o queixo cair lentamente, diante da minha imagem.

Seu olhar percorreu minhas pernas nuas numa apreciação evidente.


O tablet foi largado de qualquer jeito sobre o móvel ao lado da cama,
porque sua atenção ainda estava em mim, subindo pela camisa amarela do
time de futebol americano que ele reconhecia, então meus cabelos, boca...
olhos.

— Cherry — sussurrou, sua língua deslizando pelo lábio inferior. —


Vem cá.

Sorri, consciente da ereção mal contida pela boxer preta que ele
usava.
Caminhei em sua direção, mas, antes que pudesse dizer ou fazer
algo, Bruce agarrou minha cintura e me puxou para o seu colo, sua boca
encontrou a minha um instante depois, faminta. Urgente. Embrenhei minhas
mãos em seus cabelos e retribuí o beijo, acariciando sua língua com a
minha.

— Você guardou minhas camisas — rosnou, mordiscando meus


lábios, delineando meu corpo por sobre a camisa, até agarrar meus seios. —
Eu adoro ver você com minhas camisas, sabia?

Acenei, sorrindo, e ele voltou a me beijar.


Não sei exatamente em que momento seu corpo cobriu o meu sobre
a cama, mas minha mão já havia se enfiado em sua boxer. Envolvi seu
membro com a firmeza que ele gostava e o masturbei devagar, adorando
sentir seus gemidos em minha boca.

— Me deixa ficar por cima — pedi.

Ele grunhiu baixinho, mas fez o que eu havia pedido. Apenas


quando alinhei nossos quadris e me acomodei sobre sua ereção, Bruce se
deu conta de que eu estava sem calcinha.
— Porra, Cherry! — rosnou, erguendo a camisa que eu vestia para
me ver nua sob ela, quente e umedecendo sobre seu pau.

Sorri e me inclinei sobre ele até voltar a alcançar sua boca, para
beijá-lo enquanto o guiava para meu interior. Movi os quadris lentamente
até o sentir todo em mim, a sensação foi tão gostosa que me deixou zonza
por um momento, perdida nele. Contraí meus músculos internos e nós dois
gememos. Nosso encaixe já era apertado, mas conseguia ficar ainda melhor
quando eu me contraía.
Apoiei as mãos em seu abdome e rebolei... então cavalguei... e
intercalei os movimentos enquanto o apertava em mim de propósito,
adorando cada palavrão em forma de rosnado que deixava sua boca toda
vez que eu quicava. Suas mãos vieram para minhas nádegas e afundaram
em minha carne, me agarrando forte e parando apenas para se infiltrar sob a
camisa até minha lombar. Logo meu peito voltava a encontrar o seu e meus
movimentos se intensificavam, acompanhados pelos de Bruce, conforme
ele erguia os quadris e se enterrava em mim com força.

Precisei morder minha própria mão para abafar meus sons de prazer.
— Hoje você pode gritar, amor — sussurrou. — Pode gritar o
quanto quiser — concluiu, me dando a permissão de que eu parecia
precisar.

Meus movimentos saíram do meu controle à medida que o prazer


me dominava, nublando minha mente e qualquer pensamento racional.
Bruce conseguiu nos mudar de posição em segundos em que eu só tentei
recuperar o fôlego. Seu peito ficou colado às minhas costas e minha perna
foi erguida. Seu pau voltou a se enterrar em mim e, naquela posição, além
de ter acesso ao meu pescoço e boca, ele conseguiu vir ainda mais forte.

Finquei minhas unhas em sua nádega firme, seu nome começou a


sair de meus lábios em pedidos desesperados, a cada estocada dura
reverberando em todo o meu corpo. Seus dentes se fecharam na pele
sensível do meu pescoço, numa mordida erótica que enviou contrações
dolorosamente intensas para minha boceta.

— Goza, Cherry — mandou, contra o meu ouvido, as palavras


vindo como o comando que meu corpo precisava para explodir num
orgasmo que me fez estremecer dos pés à cabeça, sem nenhum domínio
sobre mim mesma.

Bruce me beijou, chupou meus lábios e grunhiu de prazer, latejando


em meu interior, gozando comigo.

 
 

Os braços e músculos fortes de Bruce envolviam e aqueciam todo o


meu corpo quando o barulho da campainha soou por todo o apartamento.

Nossas respirações ainda estavam se estabilizando depois do


orgasmo e estávamos quietinhos, apenas sua mão continuava sob minha
camisa, com os dedos esfregando meus mamilos numa provocação
deliciosa e íntima.
— Deve ser o jantar que pedi — ele avisou, depositando um beijo
em meu ombro, mas ainda sem se afastar. Também não fiz qualquer esforço
para mudar nossa posição. Não queria.

Mas o toque voltou a ecoar ali dentro.


— Eu vou — avisei, me obrigando a virar em seus braços para
beijá-lo.

Bruce acenou.

— Vou aproveitar pra ir ao banheiro.

Ele me beijou uma última vez e levantei já procurando seu roupão


enorme. Ri de mim mesma quando o vesti e a barra se arrastou pelo chão.
Ainda assim, era melhor atender a porta com ele. A camisa de Bruce ficava
na metade da minha coxa e eu ainda estava sem calcinha.
Prendi meu cabelo desgrenhado num coque, para pelo menos
disfarçar o que acabara de fazer, mas tinha certeza de que minhas bochechas
continuavam coradas.

Tomei fôlego e abri a porta quando a campainha voltou a tocar.

Um segundo depois paralisei diante do homem na entrada.


Uma sobrancelha grossa se ergueu em seu rosto ainda atraente,
parecido com o de Bruce, tão logo ele me reconheceu. O ar simplesmente se
recusou a adentrar meus pulmões e eu só fui capaz de me mover para o lado
no momento que o Sr. Waldorf decidiu empurrar a porta o suficiente para
que pudesse entrar.
Meu coração disparou, socando meu peito enquanto eu ainda me
obrigava a reagir. A me recompor, porque eu conhecia esse homem, sabia
quão baixo e desprezível ele poderia ser. Que ele não hesitaria em pisar em
mim se eu permitisse.

Então respirei fundo e me preparei para suas acusações e ameaças,


para ver a fúria fria e até o desdém em seus olhos, para ouvi-lo repetir que
eu era uma tola gananciosa como mamãe, mas nunca, nem se tentasse, teria
conseguido me preparar para o olhar que ele dispensava a mim naquele
momento.

Ao meu corpo.

Mesmo coberta com aquele roupão enorme, me senti nua, e uma


parte de mim soube que ele acreditava que eu realmente estava sem nada.
Parecia tentar imaginar meu corpo sob aquela camada felpuda de algodão.
Um gosto acre inundou minha boca quando meus olhos encontraram os
seus, foi como sentir uma bola de fogo queimar meu estômago.
Engoli em seco, me sentindo exposta, desconfortável. Acabei apenas
abraçando meu próprio corpo, como se pudesse, além de me proteger, me
esconder daquele olhar nojento.

Seus olhos se apertaram gradativamente, encarando algo em meu


ombro ou talvez... — Encolhi-me por dentro, compreendendo o que havia
chamado sua atenção em meu pescoço.
A marca de mordida deixada por Bruce.
— Onde está aquele garoto inconsequente? — ele indagou.

E eu teria me esforçado para responder, só para me livrar da sua


atenção, mas Bruce surgiu um instante depois, apressado, vestindo apenas
sua boxer novamente.

Mesmo que eu estivesse distante, ele se colocou entre mim e seu pai
como um escudo, como se soubesse que precisava me proteger, mesmo que
não tivesse ideia do que acabara de acontecer.
 
VINTE E CINCO
 

— O que você está fazendo aqui?! — atirei, tão logo meus olhos
encontraram os frios e impassíveis de papai.
— Sua mãe me contou um pouco do que você andou fazendo por
Nova Iorque desde que voltou — iniciou, a expressão ilegível conforme
abria os botões do terno para se sentar em uma das poltronas da sala,
confortável demais para alguém que fora recebido por mim praticamente
com um rosnado. — Segundo ela, eu preciso intervir na vida de um homem
de vinte e oito anos antes que ele decida voltar a ameaçar o nome e
prestígio dessa família.

Cerrei o maxilar, os punhos já apertados como sempre ficavam


quando eu ouvia aquele tom passivo-agressivo.
— Não me surpreende você voltar a agir como um garoto
inconsequente que precisa ser controlado, mas eu não esperava que voltasse
a se enfiar entre as pernas dessa garota depois de tudo.
Grunhi de ódio e avancei em sua direção, mas Emma se colocou à
minha frente um instante antes que eu pudesse socar aquele rosto arrogante.

Minha respiração estava pesada como a de um touro quando meus


olhos encontraram os dela, a força que havia neles. O pedido silencioso
para que eu mantivesse a calma.

Papai ostentava um sorriso afetado no momento que voltei a encará-


lo.

— Pelo visto Emma controla mais do que o seu pau. Obviamente


aprendeu muito com a mãe dela.

— Seu filho da puta — tentei avançar novamente, mas Emma se


recusou a sair do meu caminho, em vez disso, ela se voltou para papai.
Havia tensão em seu corpo, mas ela manteve uma postura estoica,
inabalável, como eu jamais conseguiria numa situação como essa.

— O que o senhor veio fazer aqui? — indagou.

Ele voltou a sorrir, sua atenção agora fixada nela. Os olhos claros
cintilando de um jeito que eu não lembrava de já ter visto. E que odiei ver.

— Bruce te contou que, depois que foi embora, ele se transformou


numa versão alcoólatra deprimente de si mesmo? Que passou meses numa
reabilitação?
Ele atirou a pergunta com tanta naturalidade que meu corpo apenas
congelou, incapaz de reagir. Meu coração se encolheu no peito, minha
garganta se trancou.
Papai se ergueu, ainda sorrindo, mas sua atenção agora estava em
mim.

— Eu acho que não, mas vocês podem conversar sobre isso depois.
Agora preciso ter uma conversa com meu filho. Então saia.

Eu ainda não consegui me mover, tive consciência apenas do olhar


confuso que Emma me deu, das dúvidas que ela podia ter agora, mas não
consegui dizer nada, sequer encará-la. Envergonhado demais por essa
merda ter sido despejada sobre ela desse jeito.

— Saia — papai repetiu e, apesar de hesitar, ela o fez.

Devagar, ele se aproximou, sua estrutura não era maior que a minha,
tampouco sua força, mas, de alguma forma, suas palavras haviam me
reduzido a algo que eu não reconhecia há muito tempo. Voltei a me sentir o
garoto que fora podado e moldado segundo as expectativas dele.

— Vou lhe dar um mês para aproveitar o que quiser com essa garota,
mas depois você vai...

— Não — soltei, num rugido que emergiu do meu peito, lutando


para sair como um prisioneiro.

Ele içou uma sobrancelha arrogante.

— Não?

Um passo decidido em minha direção e sua tentativa de parecer


ameaçador apenas fez a raiva borbulhar em meu sangue, finalmente voltei a
me sentir dono de mim, capaz de reagir e avançar sobre o desgraçado.

— Não vou terminar o que tenho com Emma — repeti. — Não vou
me afastar dela.
Papai pressionou os lábios por um momento, lendo-me, quase
recalculando sua abordagem, porque reconhecia que a atual começava a
falhar.
— E o que pretende então? — ele indagou. — Trazê-la pra sua
vida? Casar? Iniciar uma família? Levá-la pra jantar com nossos amigos,
talvez? Contar que a mãe dela foi minha amante e que a filha era gostosa
demais pra você resistir?

Meu punho cerrado encontrou seu rosto num golpe duro que o levou
ao chão. E apesar da minha vontade de apenas explodir, alguma parte de
mim reconheceu que ele só estava me desestabilizando.

— Seus amigos não significam nada pra mim, e não te interessa o


que Emma e eu pretendemos fazer a partir daqui — avisei, sustentando o
ódio que cintilava em seus olhos enquanto ele limpava o sangue no canto
dos lábios e se levantava. — Talvez mamãe não tenha te avisado, então vou
repetir: não se metam na minha vida. Passei quatro anos sem olhar na sua
cara e me dirigir a você, não tenho a intenção de mudar isso a partir de
agora.

Ele apertou os olhos, furioso, e não se moveu quando cortei a


distância entre nós, meu tamanho se assomando ao seu e o forçando a
erguer o rosto para me encarar.

— Da próxima vez que abrir a boca para falar da Emma desse jeito,
vou me certificar de quebrar a porra desses seus dentes caros — concluí.

Ele sorriu, com sarcasmo, daquele jeito enervante que me levava ao


limite.
— Você a ama tanto a ponto de achar que ela só merece um
alcoólatra fraco como você? Incapaz de cuidar até de si mesmo?! — Meu
corpo enrijeceu. — Vai obrigá-la a ver você bêbado e desmaiado sobre o
próprio vômito, como os funcionários da mansão na Inglaterra viram?
Como seus amigos testemunharam? Como eu e sua mãe precisamos
esconder do mundo?

— Eu não sou alcoólatra! — repeti, não pela primeira vez. — Nunca


fui alcoólatra! Você me enfiou na porra daquela reabilitação pra me
esconder! Você fez todos acreditarem que eu precisava daquilo!

Ele sorriu.
— Fui eu também que te deixei bêbado em todos aqueles dias?
Assuma que foi um fraco e continua sendo! Nunca vai ser capaz de cuidar
de si mesmo sozinho, por isso sua mãe e eu precisamos continuar te
vigiando!

Meneei a cabeça em negativa, furioso, ferido, mas tentando me


lembrar de que aquele era apenas o jogo mental dele. Porque era difícil, em
muitos momentos eu esquecia e suas palavras se confundiam com minhas
malditas inseguranças e as imagens turvas que eu já não sabia se eram reais,
mas eu não havia me embebedado por tempo suficiente para ser
diagnosticado como um dependente. Um dos médicos havia me confessado
isso.

Eu me afastei do álcool por medo de papai estar certo mais do que


qualquer coisa. E eram suas acusações que me faziam sentir a porra de um
alcoólatra quando me permiti tomar alguma dose nos últimos anos. Eu não
sentia desejo irracional por álcool, ou necessidade de me afogar em
bebidas, eu só havia passado pela porra de uma fase horrível em que
preferia não estar lucido e esse filho da puta tinha aproveitado isso para me
manipular. Para fazer todos acreditarem que eu era fraco, que havia
desabado por causa de uma maldita desilusão amorosa.
Mas foi ele quem me empurrou para o fundo do poço. Foi ele quem
me manteve lá por meses. Ele preferiu me esconder e controlar, em vez de
me ajudar. Ele fez meus amigos acreditarem que eu estava viciado. Ele me
escondeu da sociedade para que nada em mim maculasse a porra da
imagem de família perfeita que mamãe havia criado para o mundo.
Mas ele não faria mais nada disso. Não interviria mais desse jeito na
minha vida. Nunca mais.

Voltei a avançar em sua direção, empurrando-o contra a parede mais


próxima e agarrando sua garganta.

— Você vai nos deixar em paz — avisei. — Vai me deixar viver a


porra da minha vida!

— Você não vai trazer essa garota pra nossa família, Bruce! — Ele
tentou me empurrar, mas sequer me movi. — É meu único herdeiro, vai
colocar ao seu lado alguém à sua altura, com poder, influência e uma
herança tão gorda quanto a sua.
Um riso irônico me escapou.

— Continue por perto e você não terá nem um herdeiro pra cuidar
das suas malditas empresas! — garanti. — Fique longe ou eu juro que vou
fazer cada investidor e cliente descobrir por que os acionistas daqui fizeram
pressão para você sair da presidência. Vou jogar a porra do seu nome na
lama e arrastar mamãe e os amantes dela junto!
Ele se calou.

— Saia daqui — mandei, largando-o.

Inspirei fundo com dificuldade, me sentindo sufocado. Exausto


desses poucos minutos de conversa.
Segundos de silêncio se passaram e papai não saiu. Ao me voltar
para ele, vi-o terminando de abotoar o terno sem pressa. Um filete de
sangue deslizando por seu queixo foi limpo com um polegar.
— Está tão determinado a lutar por essa garota — iniciou, abrindo
um sorriso dissimulado, que o fez parecer um tubarão prestes a dar o bote.
— Espero que o que vocês têm seja mais forte dessa vez... — Seus olhos se
estreitaram. — E será que você é, Bruce? Forte o bastante pra cuidar
daquela garota no nosso mundo? Pra protegê-la de pessoas como sua mãe e
eu, que nunca vão aceitá-la? Pra não desabar na primeira dificuldade e
deixá-la ver o fraco que você é de verdade? E ela? Seria feliz te vendo
bêbado como seus amigos e eu vimos? Sem conseguir se levantar de uma
poça de vômito por ser incapaz de lidar com a sua realidade?

Não respondi. Não consegui. Fiquei de pé ali, assistindo-o ir


embora, paralisado, sem entender por que meu próprio pai parecia tão
determinado a provar que eu era fraco demais para lutar pela vida que
queria ter.

A porta foi fechada e eu permaneci de pé no meio da sala,


encarando-a, me sentindo um pouco fora de órbita. Em algum momento, me
lembrei de Emma chorando em meus braços há algumas semanas, me
pedindo para deixá-la em paz, para deixá-la viver sua vida longe de mim,
do meu mundo e eu... eu sabia que não conseguiria abrir mão dela assim,
mas não estava sendo egoísta demais?

Ela estava certa quando disse que merecia mais do que o que meu
mundo tinha a oferecer. E se eu a machucasse de novo? E se machucasse
Emy? Eu queria protegê-las, estava determinado a isso, mas e se falhasse
com elas? De novo?
Meu corpo enrijeceu diante do contato de outro menor. O perfume
doce e suave misturado ao meu me fez agarrá-la, segurá-la contra mim com
força, urgência... talvez desespero. Minha garganta se trancou quando senti
as lágrimas de Emma em meu peito, o modo como me prendeu a si como se
não quisesse conviver com qualquer tipo de distância entre nós agora.

Acariciei seus cabelos e tentei acalmá-la enquanto lidava com minha


própria bagunça, silenciar minha mente e todas as dúvidas que papai havia
incitado com sua manipulação.

— Eu não sou alcoólatra, Cherry — sussurrei, sentia necessidade de


dizer isso ela, de tranquilizá-la sobre isso. — Não sou, tá? Você nunca vai
precisar me ver bêbado, nem cuidar de mim ou...

O soluço alto que deixou seu peito me interrompeu, seu corpo


começou a tremer num choro profundo e doloroso que me roubou o chão.

 Levantei-a em meus braços e tentei olhá-la nos olhos, descobrir o


que a deixava assim, mas uma vez que seus olhos encontraram os meus,
suas lágrimas quebraram algo em meu peito. Sua boca pressionou a minha e
a segurei mais forte, sustentando seu peso, mantendo-a pertinho daquele
jeito.

Demorou até Emma se acalmar e apenas envolver meu rosto, seus


lábios ainda roçando os meus, seu cheiro fazendo meu coração se aquietar
aos poucos.

— Bruce?

— Hum?

— Você não é o que o seu pai tentou fazer de você — sussurrou,


sem afastar nossos lábios, suas lágrimas voltando a cair. Nesse momento
tive certeza de que ela havia ouvido toda a minha conversa com papai. —
Você é um homem muito melhor do que ele seria capaz de te ensinar a ser.

Seus polegares deslizaram pelas minhas bochechas, limpando uma


umidade que eu sequer sabia como fora parar nela.

— Vamos conseguir passar por isso, tá? — prosseguiu. — Não


vamos nos perder dessa vez... não vamos ficar sozinhos de novo.

Envolvi uma de suas mãos com a minha, sem afastá-la do meu


rosto, e a beijei devagar.

— Não somos mais quem éramos há cinco anos — ela me lembrou,


a voz ainda rouca, mas agora estável, confiante. Tranquila. — Somos mais
fortes agora.

Acenei e me permiti acreditar em suas palavras, reconhecer que eu


me sentia mais forte, que não era mais o Bruce de cinco anos atrás e que
nunca fui o alcoólatra que meus pais diziam que eu era.

Eu era um filho da puta que havia sobrevivido a todas aquelas


manipulações, um homem louco pela mulher que tinha nos braços,
fascinado pela sua irmã mais nova e determinado a cuidar e proteger as
duas. Esse era o homem que eu era, que eu queria continuar sendo. Papai
não teria poder para me transformar em ninguém além desse homem, se eu
não deixasse.

E eu não deixaria.
 
VINTE E SEIS
 

Era pouco mais de seis da noite quando saí da estação de metrô no


Brooklyn. Estava frio e eu queria chegar em casa logo, especialmente
porque Emy pedira que Bruce fosse jantar conosco. Como eu chegaria tarde
para preparar algo, ele ficara de levar comida pronta de algum restaurante,
depois que saísse da última reunião na sua empresa.

Dias haviam se passado desde que seu pai fora ao hotel em que nós
estávamos, mas eu ainda não havia digerido a perversidade existente em
cada palavra dita por aquele homem. O modo como ele parecia se divertir
enquanto brincava com a mente de Bruce, atormentando-o.

  Eu sempre soube que o Sr. e a Sra. Waldorf eram pessoas


arrogantes e mesquinhas, mas nunca, nunca, imaginaria que seriam capazes
de manipular e quebrar seu próprio filho daquela maneira.
Era cruel demais.

Bruce não merecia nada disso e eu me sentia tão triste apenas por
imaginar o que ele havia passado numa reabilitação, o julgamento que havia
sofrido até das pessoas que gostavam dele, o quanto havia duvidado de si
mesmo, as cicatrizes que haviam ficado em seu coração.

Nos cinco anos que se passaram, não deixei Bradshaw mencioná-lo


e criei em minha mente o cenário que ele vivia na Inglaterra, fazendo um
mestrado na melhor universidade do país, ascendendo nas empresas,
tornando-se tão arrogante quanto seus pais.
Eu estava tão errada.

Durante os últimos dias, me senti mal por tê-lo julgado dessa


maneira. Eu tinha motivos para estar magoada com Bruce, mas acho que,
depois de um tempo, me tornei incapaz de pensar em como nossa separação
o teria afetado se ele me amasse. No entanto, o que ouvi do seu pai criou
imagens muito vívidas e dolorosas.
Expirei profundamente, percebendo tarde demais que estava
remoendo aqueles acontecimentos de novo. Bruce e eu havíamos
conversado sobre tudo isso. Prometemos que não permitiríamos que as
palavras de seu pai nos afetassem.

Estávamos juntos agora e precisávamos ultrapassar o passado


juntos.

Eu sabia que ele estava decidido a fazer algo drástico sobre a


intromissão de seus pais em nossas vidas, tinha até mesmo o ouvido em
uma conversa suspeita com Bradshaw, mas ele se recusara a me contar o
que exatamente estava planejando.

Agora tudo o que eu fazia era tentar não me preocupar demais.


Enfiei minhas mãos nos bolsos do casaco quando senti meu celular
vibrar nele. Ao ver a mensagem na tela, um sorriso pequeno tomou meus
lábios. Bruce havia mandado uma foto de uns cannoli italianos que eu
adorava, na legenda, ele avisava que chegaria em alguns minutos. Respondi
com um "Okay" e já senti meu coração um pouco mais leve ao chegar ao
meu prédio.

Entrei rapidamente e por sorte o elevador já estava me aguardando.


Em poucos segundos, eu estava no corredor do meu apartamento,
procurando minhas chaves na bolsa.

Uma sensação estranha espalhou um arrepio através da minha


espinha enquanto eu girava a chave na fechadura. Eu só entendi o que ele
significava quando entrei em casa e me deparei com outra parte cruel da
vida de Bruce. E do meu passado.

Barbara Waldorf estava de pé no meio da minha sala, me encarando


por cima do ombro. Os olhos azuis cheios de irritação e algo muito mais
intenso que uma emoção passageira. Não precisou de mais do que alguns
instantes para eles se estreitarem diante de mim.

— Emma! — a voz chorosa de Emy disparou um alerta em meu


peito.

Entrei no apartamento preocupada, sem me importar com a porta


porque o medo que senti em Emy me fez deixar todo o resto em segundo
plano. Vi minha irmã mais nova encolhida atrás de uma Lisa assustada, que
tinha uma bochecha vermelha. A marca de uma mão pesada era nítida nela.

Meu peito se encheu de raiva e indignação.

Atravessei o apartamento tão rápido, que acabei esbarrando na mãe


de Bruce sem querer, mas não me importei, determinada a chegar à minha
irmã e sua babá. Uma dose de adrenalina parecia ter sido injetada em
minhas veias, deixando minhas extremidades formigando, todo o corpo
pronto para um embate como eu, por natureza, sempre evitava.
— Você está bem? — indaguei, percorrendo seu corpinho com os
olhos, minhas mãos acariciando seu rosto, limpando a umidade de lágrimas
que o banhava.

A mãe de Bruce disse algo às minhas costas, mas a ignorei, focada


demais em acalmar Emy. Voltei-me para Lisa em seguida, meu coração se
apertando quando percebi a marca sutil de unhas em sua bochecha.
— Sinto muito — sussurrei. — Você pode ir com Emy para o quarto
dela, eu vou resolver isso.

Ela acenou uma vez e fez o que pedi mesmo quando minha irmã
tentou se agarrar a mim, para não me deixar sozinha. Assisti em silêncio as
duas seguirem para o corredor, só então larguei minha bolsa sobre o sofá e
me voltei para a loira que estava a um metro de distância, seu rosto
contraído pela cólera, os olhos brilhando com algo muito próximo de fúria,
como se eu realmente tivesse feito algo digno daquela emoção.
— Por que decidiu invadir minha casa? — inquiri.

— Casa? — debochou. — Parece mais um buraco em que você


decidiu se esconder.

Talvez ela pensasse que seu tom e palavras fossem capazes de me


fazer encolher ou mesmo desviar meu olhar, envergonhada, mas não o fiz.
Sequer me movi. Não tinha motivos para me envergonhar de nada ali, então
apenas sustentei seu olhar com uma frieza que só parecia fazer o sangue se
agitar mais forte em minhas veias.
Percebendo que não arrancaria nenhuma palavra ou emoção de
mim, ela deu um passo que certamente deveria ter sido ameaçador em
minha direção.

— Onde está sua mãe? Achei que ela se agarraria àquela bastardinha
como se... — ela nunca concluiu.

Rápido como apenas um reflexo poderia ser, minha mão atravessou


o ar em direção ao seu rosto de porcelana. Um estalo alto soou por toda a
sala. Minha mão formigou. Seu rosto foi tingido imediatamente por um tom
avermelhado que, além da dor, parecia indicar que a raiva borbulhou mais
forte nela.

A tensão pairando ali se tornou ainda mais insuportável.

— Não fale assim da minha irmã — avisei, sem recuar. Seu rosto
continuou pendendo para a esquerda, como se ela ainda processasse o que
eu tinha sido capaz de fazer. — E saia da minha casa, você não é bem-vinda
aqui.
Seus olhos se voltaram para mim frenéticos, vidrados com algo que
a fez avançar em minha direção, apenas para ser facilmente contida pelo
meu agarre em seus braços. Um impulso ágil e seu corpo cambaleava para a
esquerda, os saltos quase sendo responsáveis por ela desabar no chão.

— Sua miserável insolente! — ela se exaltou, possessa. — Quem


você pensa que é pra falar assim comigo? Pra ousar erguer essa mão pra
mim?!
— Sou a dona dessa casa! — atirei, finalmente erguendo minha voz
alguns decibéis, mas nunca o suficiente para parecer uma desequilibrada
como ela. — Você está aqui sem ser convidada, se acha no direito de
insultar a minha irmã e acha que eu deveria me encolher e aceitar que tente
me agredir?! Saia. Daqui.

— Não vou! — ela praticamente grunhiu, seu rosto vermelho, um


dedo arrogante em riste em minha direção. — Você vai se afastar da minha
família! Vai deixar o tolo do meu filho em paz!

Suspirei, fazendo um esforço consciente para não revirar os olhos.


— Seu filho é um homem adulto. Maior de idade. Independente. Ele
decide o que quer. Se quer ficar comigo, não é você quem vai impedir.

Tentei seguir até a porta, mas tive meu braço agarrado.


— Você é uma vagabunda imunda e gananciosa como a estúpida da
sua mãe! — acusou, perto demais do meu rosto para eu não ver e sentir a
força do ódio que nutria por nós. — Pode ter enganado aquele idiota
inconsequente do Bruce, mas nunca me enganou! E nunca vai fazer
conosco o que sua mãe fez!

Eu a encarei em silêncio por instantes pesados, em que o ar pareceu


arenoso entre nós. Acho que, pela primeira vez, ouvir seus insultos
direcionados a mim e à minha mãe não me atingiu. Não tocou nenhuma
ferida que eu não sabia como fechar. Não me fez sentir mal ou pequena.
Naquele momento, tudo o que senti foi pena da mulher que me segurava.
Do ser desprezível que ela continuava sendo.
— Deve ser difícil carregar e alimentar toda essa raiva — emiti,
num tom neutro. Pousei minha mão sobre a sua para afastá-la de mim. —
Guardar todo esse veneno. Culpar outras pessoas pela vida medíocre que
você continua tendo ao lado daquele homem enquanto manipula e machuca
seu filho como nunca conseguiu fazer com o pai dele.

— Sua...
— Nenhuma das suas palavras significa nada para mim agora —
avisei, ainda sem erguer minha voz, e finalmente colocando distância entre
nós. — Esse é um veneno que você vai engolir sozinha a partir desse
momento.
Do jeito que tremia de raiva, com todo aquele ódio nítido até em
seus olhos, ela tentaria me agredir se continuássemos perto demais, percebi,
então recuei mais dois passos. Eu podia não ser adepta à violência, mas não
a deixaria encostar em mim sem revidar.

Não mais.
— Eu não vou me afastar do Bruce só porque você quer —
informei. — Então não volte na minha casa, nem ouse se aproximar da
minha irmã ou fazê-la chorar de novo. Não me responsabilizo pelos meus
atos se o que aconteceu hoje se repetir.

Minha postura inabalada e tom neutro pareciam insultá-la mais do


que minhas palavras, mas Barbara Waldorf só atingiu seu limite quando
finalmente percebeu que não tinha mais poder sobre mim. Que eu não
cederia aos seus caprichos.

Acho que por isso ela avançou, as mãos fazendo movimentos


caóticos para me dar tapas e socos inconsistentes, dos quais me defendi
usando meus braços e a empurrando com meu corpo, meu ombro acertando
seu peito e a impulsionando para trás. Suas costas atingiram quadros na
parede e as mãos agarraram meus cabelos. Então eu revidei. Minha palma
estalou em um novo tapa em seu rosto, o que a fez gritar em fúria. Um
instante depois, o que ela emitia eram gritos de dor, porque minhas unhas
estavam fincadas em seu couro cabeludo e eu a arrastava pela sala.
Seus saltos a faziam tropeçar e ter dificuldades de revidar, a dor dos
seus puxões em meus cabelos me fez grunhir, mas não desisti de tirá-la da
minha casa à força.

Já estava prestes a empurrá-la para fora, quando Bruce surgiu à


frente da porta aberta, o choque em seu rosto logo deu lugar à preocupação
e ele soltou as sacolas que segurava para vir até nós. Foi a cintura de sua
mãe que ele agarrou e rebocou para longe, mas era em mim que seus olhos
estavam quando nós duas nos desvencilhamos. Era no meu corpo que ele
procurava hematomas.

— Você está bem? — perguntou, seus olhos encontrando os meus,


focando em meu rosto.

Eu acenei e só então percebi Emy e Lisa paradas à frente do


corredor, nos encarando boquiabertas, assustadas. A umidade de lágrimas
no rosto de Emy agora coexistia com a preocupação e me odiei por ela estar
presenciando isso.

Eu deveria estar protegendo-a.

— Está tudo bem — garanti, enquanto tentava arrumar meus


cabelos e minhas roupas. — Voltem pro quarto.

— Essa miserável me ataca e você pergunta se ela está bem?! — a


Sra. Waldorf rosnou para Bruce, lutando contra os braços dele. — Você
também vai me trocar por elas, seu moleque? Vai fazer como o canalha do
seu pai?! Me trocando por qualquer rabo de saia que...

Mas ela foi ignorada, mesmo quando direcionou sua raiva a mim.
Bruce a ergueu do chão e começou a tirá-la dali.

— Depois conversamos — ele disse para mim, um pedido de


desculpas nítido em seu semblante.
Eu o segui com o olhar e demorei a registrar o fato de que aquela
mulher já não estava ali, ainda assim, só voltei a respirar de verdade depois
que fechei a porta às minhas costas.
 
VINTE E SETE
 

Demorei cerca de meia hora para retornar ao prédio de Emma após


tirar mamãe dele e deixá-la aos cuidados do seu motorista. Por sorte, Lisa
estava saindo do apartamento quando eu cheguei, e me deixou entrar. A
garota estava com um arranhão na bochecha esquerda, que certamente fora
provocado por minha mãe. Vergonha e raiva esquentaram meu sangue no
momento que percebi isso. Saquei algumas centenas de dólares da carteira e
a orientei a comprar alguma pomada para o rosto. Além de lhe pedir
desculpas pelo ocorrido.
O apartamento estava silencioso, alguns móveis e itens de decoração
estavam desarrumados, mas não perdi tempo observando isso, apenas segui
para os quartos. Meu coração se apertou no peito assim que parei à frente
do de Emy. Eu não sabia o que diria a ela, mas havia visto suas lágrimas
mais cedo. Vê-la assustada daquele jeito me quebrou por dentro.
Dei três batidas suaves na porta e Emma liberou minha entrada.
Parei à soleira quando vi as duas deitadas sobre a cama. Abraçadas. Engoli
em seco, me odiando por não ter evitado que mamãe fosse ali. Ou mesmo
antecipado sua aparição. Nenhuma delas merecia ter passado por isso.

Mordi a parte interna dos lábios e fechei a porta às minhas costas.


Abandonei meu casaco sobre uma poltrona infantil perto de uma estante de
livros e pelúcias.

— Ela também machucou você? — Emy perguntou, preocupada.


Meneei a cabeça em negativa, em resposta, mesmo que os arranhões em
meus braços e mãos dissessem o contrário. Ela fungou baixinho, abraçando
sua irmã ainda mais forte.

— Eu posso? — indiquei a cama, que por sorte era de casal.


Ficaríamos apertados pelo meu tamanho, mas caberíamos juntos.

As duas acenaram, concordando.

Descalcei os sapatos, como Emma também havia feito, e deitei ao


lado esquerdo de Emy, que logo se aconchegou a mim. Hesitei por um
momento, imóvel, mas logo a envolvi com um braço.

— Sinto muito, Emy — sussurrei. Pressionei um beijo no topo de


sua cabeça. Busquei a mão de Emma com a minha e as entrelacei. Alívio
me inundou quando ela retribuiu o aperto.
— Por quê?

— Pelo que minha mãe fez.


Ela ficou em silêncio. Por sobre sua cabeça, meu olhar encontrou o
de Emma e não resisti a acariciar seu rosto, que já não estava corado ou
irritado como quando cheguei, mas ainda parecia cansado.
Eu havia evitado contar a Emma o que pretendia fazer nos próximos
dias, mas não esconderia mais. Finalmente eu havia contado a Bradshaw
toda a merda sobre a reabilitação, que ele só sabia em partes, e agora ele
estava acionando seus contatos para me ajudar a resolver essa situação do
meu jeito. Emma precisava saber que eu não estava de braços cruzados
aguardando o próximo movimento dos meus pais. Que eu nunca ficaria de
braços cruzados quando se tratava do seu bem-estar e do de Emy.

— Ela vai voltar? — a menina balbuciou a pergunta, chamando


minha atenção de novo. Ao prosseguir, sua voz falhou de um jeito que
pareceu enfiar uma faca no meu peito. — Porque eu não quero que ela
volte... Ela diz muitas coisas ruins e feias... e também tentou me bater.

Um nó apertou minha garganta.

Eu a abracei mais forte, numa tentativa tardia de protegê-la de tudo


aquilo. Da dor que minha mãe havia lhe causado.

— Ela não vai tocar em você tá, Emy? — sussurrei, uma promessa
que estava disposto a cumprir independente do que precisasse fazer para
isso. — Eu não vou deixar.

A menina voltou a chorar baixinho em meus braços e Emma se


aproximou, para também abraçá-la.

— Por que ela é tão má? Eu acho que não fiz nada pra que ela não
gostasse de mim, né?

Fechei os olhos por um momento, suas palavras tocando em feridas


profundas e nunca cicatrizadas em mim. Eu também já havia me feito essa
pergunta e demorei, mas consegui sufocar essa dúvida focando em outras
coisas. No entanto, eu não queria que Emy tivesse que passar por isso, não
queria que ela sofresse ou acreditasse que havia algo de errado com ela, por
não ter nem o respeito de pessoas como minha mãe e pai.
Ela nunca precisaria passar por essa merda, se dependesse de mim.

— Emy — chamei, minha voz saiu baixa e rouca pela emoção.


Acariciei seus cabelos negros como os meus, numa tentativa boba de
confortá-la, já que meu abraço não era suficiente —, às vezes as pessoas são
cruéis umas com as outras, mesmo sem motivo. Isso não tem a ver com
você, tá bom? Você é incrível. Tem a ver com ela, com a pessoa má que ela
é. E você não pode se culpar ou se sentir mal por quem as pessoas decidem
ser, okay?

Ela não respondeu, continuou a chorar baixinho, suas lágrimas


umedecendo o meu peito. Me quebrando por dentro.

Um olhar para Emma foi suficiente para eu ver as lágrimas


inundando seus olhos. Então me lembrei do que ela havia dito sobre não
querer que Emy passasse pelo mesmo que ela. Talvez se sentisse culpada
também, por não ter conseguido impedir aquela situação.
Mais do que a culpa e a dor por ver as duas assim, eu senti raiva.
Raiva de quem as tinha deixado desse jeito. Da droga de família ferrada que
eu tinha.

Em vez de continuar fazendo promessas a elas, e juramentos para


mim mesmo, nesse momento, decidi apenas confortá-las, cuidar das duas.
Deixá-las saberem que eu continuaria ao seu lado.
Sem soltar Emy, estendi uma mão para Emma e acariciei seu rosto,
limpei suas lágrimas com delicadeza, mantive meus olhos nos seus,
transmitindo-lhe, sem palavras, a certeza de que nada daquilo fora sua
culpa... de que Emy não cresceria como nós havíamos crescido. Que
daríamos algo muito melhor a ela. Uma vida muito mais feliz... Fiz isso até
que elas finalmente pararam de cair.

Emma não emitiu nada enquanto me assistia cobrir uma Emy já em


sono profundo, ou quando liguei as luzes de tomada em formato de nuvem,
que a vira ligando na noite em que fomos ao parque. Também deixei
novamente o urso de pelúcia enorme ao lado de Emy, para que ela pudesse
abraçá-lo, se quisesse.

O relógio no móvel de cabeceira informava que já se aproximava de


onze da noite quando ergui Emma e a levei para seu quarto. Liguei apenas o
abajur ao lado da cama e então me deitei, puxando-a para os meus braços.
Seu silêncio não era pesado nem causava tensão em mim, eu a conhecia e
sabia que precisava dele, mas eu tinha ideia do que poderia estar passando
por sua mente, isso me deixava um pouco ansioso. Talvez preocupado.
Acho que por isso, depois de alguns minutos apenas acariciando seus
cabelos, eu soltei as informações que estava ocultando dela nos últimos
dias, por só querer contar após concretizar tudo.

— Vou renunciar ao meu cargo de CEO do Grupo Waldorf.


Emma prendeu a respiração por alguns instantes e seu coração
disparou contra o meu, enquanto ela parecia refletir sobre o que eu havia
dito. Inspirando fundo, ela ergueu o rosto o bastante apenas para encontrar
meus olhos.
— Você acha que será suficiente para nos deixarem em paz? —
sussurrou, a dúvida era nítida em seu rosto. Nesse momento, a preocupação
também.

— Não — admiti. — Mas é um começo. Além disso estou


investigando melhor algumas coisas que quero trazer a público.

Ela hesitou, a testa se franzindo devagar.

— O que está investigando? E por que quer fazer isso?


— Porque eles precisam pagar pelo que fizeram conosco —
declarei. — Só vou lhes dar o que merecem. E eles não merecem menos
que serem vistos como realmente são.

Emma pressionou os lábios.

— Vão ficar com ainda mais raiva — lembrou.

— Sim, mas também estarão muito ocupados lidando com a merda


que vier — garanti. — Quando descobrirem dos amantes de mamãe, ela vai
tentar encontrar uma maneira de contornar a situação. Certamente tentará se
transformar em vítima. E se eu conseguir as provas que preciso, papai vai
ser processado, no mínimo. As ações da empresa vão cair e minha renúncia
só vai desvalorizar o Grupo Waldorf ainda mais, porque quem o colocou
como uma das empresas mais valiosas dos EUA e da Europa nos últimos
dois anos fui eu.

— Bruce, você não precisa...


— Preciso — insisti. — Não quero manter com eles nenhum
vínculo além do sangue. Não quero nenhum deles perto de vocês ou de
mim.
Depositei um beijo em sua testa, para desfazer o vinco de
preocupação que estava nela, somente então voltei a acomodar seu rosto em
meu peito e afagar seus cabelos. Alguns minutos de silêncio se passaram
enquanto ela parecia absorver minhas palavras. Dei-lhe o tempo de que
parecia precisar, eu já havia tido o meu próprio. Depois de dias pensando
nisso e finalmente começando a agir, eu estava em acordo comigo mesmo
sobre aquela decisão, consciente de que já tinha tentado colocá-la em
prática ao me afastar dos meus pais nos últimos anos. Eu só não havia
percebido ainda que manter distância deles não era o mesmo que tirá-los da
minha vida e sair das suas. O vínculo com as empresas e com seu nome
também precisava ser desfeito.

— Emma?

— Sim?

— Eu estava pensando — iniciei, e precisei de uma pausa porque


não tinha ideia de como ela reagiria ao que eu estava prestes a dizer —, o
que acha de pegar a guarda da Emy?

Ela parou de respirar, seu corpo tensionando contra o meu, mas não
a deixei dizer nada ainda, queria expor meus argumentos antes que ela
rejeitasse a possibilidade.

— Não é justo você arcar sozinha com toda a responsabilidade sobre


Emy, nem é justo que sua mãe gaste um dinheiro que é para o bem-estar e
conforto da Emy.
Eu a senti engolir em seco, logo Emma se moveu para me encarar. O
vinco sutil entre suas sobrancelhas, agora, indicava sua confusão.

— Como sabe disso?

— Eu investiguei — contei, finalmente. Já havia descoberto há


algumas semanas que a mãe dela estava turistando entre as praias da
América Central, mas nunca tivera motivos para tocar nesse assunto com
Emma.

Ergui minha cabeça por um momento para beijá-la suavemente,


numa tentativa de acalmá-la.

— O dinheiro da pensão da Emy deveria ser apenas da Emy e você


deveria ter um respaldo de que sua mãe nem o meu pai vão poder tirar Emy
de você. — Pressionei os lábios para me impedir de dizer as palavras que
estavam em minha garganta nos últimos dias, mas não foi suficiente. Elas
saíram ainda assim: — Eu gostaria que nós dois pudéssemos ter isso, e
cuidar da Emy juntos, mas sei que pode ser precipitado.
Fiz uma pausa quando Emma desviou o olhar do meu. Sua
insegurança agora era nítida, e eu tentei não me deixar vencer pela
possibilidade de ela estar insegura sobre eu realmente querer e estar pronto
para o que sugeria.

— Você pode pensar sobre isso — sussurrei, por fim. — Eu vou


estar aqui, com você, em qualquer que seja a sua decisão.

— Acha que eles podem tentar tirar a Emy de mim? — sua voz saiu
rouca aqui, um fio de voz carregado pelo medo de perder a irmã.

— Não duvido de nada que qualquer um deles possa fazer.


Ela expirou lentamente, seus olhos se enchendo com uma umidade
que parecia inesperada até mesmo a ela. Quando voltou a pousar seu rosto
em meu peito, eu a apertei um pouco mais forte a mim, para tentar confortá-
la, transmitir um pouco de segurança.

— Se eu fizer isso, mamãe vai voltar e não vai me deixar em paz —


soltou, em algum momento.

— Talvez, mas você não estará sozinha — lembrei.


Os segundos de silêncio que se seguiram me deram a chance de
visualizar em mente o que podia estar passando pela sua cabeça agora.
Conviver com sua mãe a infernizando nesse apartamento, por causa de um
dinheiro que nunca foi dela. Isso mexeria com Emy, também afetaria sua
vida e talvez até sua forma de enxergar sua importância para sua mãe.

Engoli em seco.

— Cherry?

— Sim?

— Você não vai precisar viver aqui com sua mãe se não quiser.
Tenho investimentos longe dos negócios da minha família e colocar sua
mãe numa casa ou apartamento longe daqui não seria nada pra mim —
iniciei, mas diante da tensão que tomou seu corpo, eu prossegui: — Não
estou dizendo que vou bancar os luxos da sua mãe... E nem preciso comprar
ou alugar uma casa pra ela. Você pode sair e deixá-la aqui.

Emma ergueu a cabeça para me encarar novamente.

— O apartamento em West Village ainda é nosso, Cherry —


lembrei-a, baixinho, como se isso fosse bastante para não a assustar com a
ideia. Com cuidado, toquei seu rosto e coloquei uma mecha do seu cabelo
atrás da orelha. — Há um quarto que podemos decorar para Emy.

Uma lágrima fina rolou por sua bochecha.

— Você tem opções, amor — lembrei, conforme a limpava. — No


que depender de mim, você sempre terá opções... e nunca estará sozinha.

Emma soluçou baixinho e avançou para me abraçar, suas lágrimas


molhando meu pescoço, o peito tremendo num choro que eu sabia que ela
havia segurado perto de Emy. Ignorando o aperto doloroso que seu
sofrimento trazia ao meu coração, eu apenas a abracei e consolei,
permitindo que ela desabasse pelo tempo que precisasse. Fiquei ao seu lado.

Exatamente como faria dali para frente.


 
VINTE E OITO
 

Minha conversa com Bruce ainda ecoava em minha mente na


segunda-feira seguinte. Depois que ele passou o final de semana todo em
meu apartamento e fazendo todas as vontades de Emy, que aos poucos
deixou de lado a invasão inesperada da Sra. Waldorf, nós três estávamos
mais fortes e confortáveis com a nossa relação, ainda assim, eu ainda me
pegava pensando que morarmos juntos seria precipitado. Ao menos agora.

Eu havia aceitado sua ajuda para receber orientação jurídica acerca


da guarda de Emy, Bruce inclusive insistira em pagar a advogada que me
auxiliaria, mas eu ainda achava que precisávamos de algum tempo antes de
darmos o passo de morar juntos, por mim, mas também por Emy. Ela nunca
havia convivido com um homem em casa, acostumá-la aos poucos com a
presença de Bruce em nosso apartamento a ajudaria a enxergar que haveria
mudanças com ele morando conosco, quando isso acontecesse.
Além disso, ele tinha questões a resolver com seus pais e eu já me
sentia tensa apenas por saber que nesta semana ele renunciaria ao seu cargo
no Grupo Waldorf. Tinha medo de como seus pais responderiam a essa
decisão.

  Batidas na porta da minha sala trouxeram minha atenção de volta


ao presente. Em poucos segundos, me tornei consciente mais uma vez de
todo o trabalho em forma de relatórios, documentos e planilhas dispostos na
minha mesa e na tela do computador.

— Entre — emiti, em meio a um suspiro. Recolhi e organizei os


documentos que precisavam da minha assinatura ainda hoje.

O estagiário do meu setor surgiu.

— O Sr. Jones pediu pra você ir até a sala dele.

Franzi o cenho, olhei rapidamente para os post-its na tela do


computador, em busca de algo que eu precisasse entregar ao meu chefe
hoje, mas não encontrei nada.

— Tudo bem. Obrigada — agradeci, já abandonando meus óculos


sobre a mesa e me erguendo com minha agenda de anotações e uma caneta.

O andar estava relativamente silencioso, todos concentrados no que


precisavam fazer antes do fim do expediente, que estava próximo. Em duas
horas eu poderia ir para casa e me aconchegar com Emy em nosso sofá
enquanto jantávamos e assistíamos alguma série ou dorama novo.

Dei três batidas suaves na porta e a abri quando recebi permissão


para isso. Estava fechando-a às minhas costas quando uma voz masculina
no interior da sala me fez congelar.

— Há quanto tempo, srta. Hale.


Engoli em seco, o coração socando o peito. Forcei-me a me
recompor e a encará-lo.

Ao me voltar para a direção em que ouvira sua voz, eu encontrei o


Sr. Waldorf confortavelmente sentado sobre o sofá, ao lado do meu chefe.
Ambos com as pernas cruzadas, segurando xícaras de café como velhos
amigos. O sorriso cínico nos lábios do pai de Bruce arrastou um arrepio de
nojo através da minha nuca.

— Não vai cumprimentar o Sr. Waldorf, Emma? Ele me contou que


vocês se conhecem. Sua mãe foi empregada na casa dele, não é?

Pressionei os lábios, me limitando a responder com um aceno de


cabeça. A tensão não me abandonou, e estava difícil administrá-la quando
tudo em que eu conseguia pensar era no que esse homem queria aqui.
Pretendia estragar ainda mais minha imagem diante de todos?

— Sr. Waldorf — cumprimentei, com um aceno. Não conseguiria


fazer mais do que isso. Voltando minha atenção ao meu chefe, concluí: —
O senhor precisa de algo?
Ele indicou o homem ao seu lado com a xícara.

— O Sr. Waldorf me pediu para chamá-la. Queria falar


pessoalmente com você. — Voltando-se ao pai de Bruce, ele questionou: —
Precisa que eu saia?

Cerrei os dentes, sem acreditar no que ouvia. Precisei de muita


energia para sustentar o olhar fixo do patriarca da família Waldorf.

— Não há necessidade — ele pousou sua xícara sobre a mesa de


centro à frente do sofá —, serei breve.
Meu coração vacilou uma batida no momento que ele abriu o sorriso
que mais o fazia parecer um predador.
— Emma, querida, gosto de você desde que ainda estava morando
nos fundos da minha mansão. Você é esforçada e respeito isso. Na verdade,
todo o trabalho e empenho de sua mãe dedicados a mim em todos os anos
que ficaram conosco me fizeram ter certeza de que você seria boa como ela,
em qualquer que fosse a posição. — Suas palavras me paralisaram. O que
ele insinuava com elas fez meu estômago revirar, a bile queimou minha
garganta numa ânsia de vômito súbita.

Ele se ergueu e eu acho que não consegui me impedir de recuar um


passo, porque seu sorriso aumentou.

— No entanto, tenho outros planos para o meu filho e não estou


disposto a abrir mão deles porque ele está obcecado por você, então preciso
agir. — Outro passo em minha direção e minhas costas alcançaram a porta.
— Você está demitida desta empresa a partir deste momento. Faço questão
de recomendá-la a algum amigo ou mesmo garantir que consiga um
emprego melhor, mas não a quero trabalhando com o meu filho. Ou perto
dele.

Meu chefe se ergueu.


— Sr. Waldorf, infelizmente isso não poderá acontecer. O contrato
que negociei com seu filho... — mas ele foi interrompido.

— Tenho conhecimento dos termos do contrato. Sua outra opção é


aceitar a rescisão dele.
Ele deu dois tapas amigáveis nas costas do meu chefe e se voltou
novamente para mim.

— Arrume suas coisas e saia daqui imediatamente.


Eu não sei por que, mas não consegui retrucar. A queimação em
minha garganta, o nó, o nojo... tudo isso se abatia sobre mim naquele
momento, e só piorou quando a consciência de que eu tinha sido demitida
também me atingiu.

O Sr. Waldorf disse algo ao meu chefe e se aproximou de mim em


seguida. Por reflexo, recuei para a esquerda, fugindo da mera possibilidade
de ser tocada por ele.

A próxima coisa que ouvi foi a porta sendo aberta e, em seguida,


fechada, após ele sair.

Antes de também deixar a sala, registrei o pedido de desculpas


envergonhado do meu chefe.

Sinto muito, Emma.


Nada que me tranquilizasse. Nada que mudasse o que acabara de
acontecer ou sugerisse que lutaria pela minha permanência na empresa.

Eu era só uma peça. Uma peça que pessoas como Sebastian Waldorf
conseguiam mover e empurrar para fora do tabuleiro sempre que queriam.
 
VINTE E NOVE
 

— A inauguração desse espaço será em dois meses — Chuck


concluiu, animado, com um gesto abrangente indicando o salão amplo e
luxuosamente decorado, aquele que em pouco tempo sediaria as festas
regadas à luxúria que ele sugerira que implantássemos no Clube Oásis.
Parecia um sacrilégio que esse filho da puta tivesse decidido que a
decoração desse lugar remontasse um templo, com diversos vestígios da
arquitetura de catedrais romanas.

Ouro.

Colunas.
Vitrais.

Arabescos.
— Imagine os convidados usando máscaras e... — eu o interrompi:

— Você entende que esse lugar é quase um sacrilégio?

Ele sorriu.

— E é pra ser. O ambiente foi montado para ser profanado. —


Esfreguei a testa, sem acreditar na merda que ouvia. — Não precisa ficar
assim, não tem nenhuma imagem realmente divina aqui, o que fizemos foi
replicar as características delas e implantar nos vitrais e esculturas, para
criar essa aura.

Grunhi.

— Se quer saber, a ideia surgiu a partir da literatura pornográfica


anticlerical do século XIX. Isso aqui não é nada perto daqueles pornôs de
padres e freiras, okay? — ele argumentou, parecendo muito satisfeito
consigo mesmo. Então abriu o sorriso sarcástico que era sua marca. — E os
caras também gostaram, então deixa de ser chato.

Meneei a cabeça em negativa, mas não discuti. Se eu quisesse, teria


tido o direito de opinar antes de começarem os preparativos. E não quis.
Então agora era melhor ceder e deixar como estava.

— Okay — respondi, voltando a procurar o olhar de Liam às minhas


costas, encostado a uma das colunas. Ele mantinha os braços cruzados e o
meio-sorriso nos lábios, adorava me ver discutir com Chuck porque não
poderíamos ser mais opostos. Apenas entrecerrei os olhos em sua direção.

Filho da puta.
— Agora que está desempregado — Liam disse, num tom de
provocação que eu reconhecia como uma tentativa de amenizar o peso do
que viria a seguir —, pode assumir a administração do clube.
Revirei os olhos, rejeitando a ideia antes mesmo de pensar a
respeito.

— Já nos reunimos e conversamos sobre isso, cara — Chuck avisou,


adotando um tom mais sério que o anterior. — Preferimos ter você
cuidando da parte burocrática a contratar um desconhecido para isso.

— Eu não estou desempregado e não... — tentei, mas Liam me


interrompeu, com a delicadeza que lhe era característica.

— Só pense sobre isso, caralho. Tem um mês para nos dar uma
resposta.

Estreitei os olhos em sua direção, pronto para mandá-lo se foder


com a mesma delicadeza, mas meu celular tocou no bolso e o peguei
irritado, pronto para recusar a quinta ligação do dia. Depois de finalmente
ter me reunido com os acionistas do Grupo Waldorf e informado minha
renúncia ao cargo de CEO, há umas duas horas, aquelas malditas ligações
simplesmente não paravam de chegar.

No entanto, ao ver o nome na tela, eu me impedi de fazê-lo.

— Sr. Waldorf? — Seth Jones me cumprimentou assim que atendi.


Seu tom me deixou em alerta antes mesmo que ele dissesse o que queria.
— O que houve?

Ao notarem a mudança em mim, meus amigos trocaram olhares e se


aproximaram.
— Eu não sei se sabe, mas achei melhor avisar antes que alguma
informação errônea chegue aos seus ouvidos. — Ele fez uma pausa breve,
que só me deixou mais inquieto e irritado. — Seu pai veio à minha empresa
hoje e exigiu a demissão de Emma.
— Mas que... — iniciei, porém a fúria me tragou rápido demais para
eu ser capaz de articular algo coerente. Tudo o que consegui proferir foi
alguns palavrões. — Filho da puta!
— Senhor? — o chefe de Emma emitiu, obviamente sem saber se eu
me referia a ele.

Inquieto, comecei a caminhar de um lado a outro, os punhos


apertados.
— Que horas isso aconteceu? — rosnei.

O homem hesitou por um instante que me fez parar entre meus


amigos, ignorei seus semblantes preocupados e as perguntas silenciosas que
faziam.
— Há alguns minutos — o Sr. Jones finalmente respondeu. — Ele a
mandou ir embora imediatamente e acho que Emma está arrumando as
coisas dela...

Afastei o celular do ouvido e soquei a porra da porta à minha frente,


tomado por uma fúria tão intensa que foi impossível me conter. A imagem
do sorriso pretencioso de papai assaltou minha mente, esquentando ainda
mais aquela energia violenta que percorria meu corpo, foi impossível pensar
em algo além de usá-la para socar o desgraçado até a inconsciência.

Minhas mãos tremiam de raiva quando saí do salão. Meus amigos


me acompanharam, fazendo perguntas que não eram registradas direito por
mim, pareciam apenas zumbidos que nublavam minha mente, e que eu
ignorava porque Emma era tudo em que eu conseguia pensar além de
encontrar Sebastian Waldorf.

— Não deixe ela sair do prédio — avisei ao telefone, entredentes.


— Estou indo para aí.
Desliguei o telefone sem aguardar por uma resposta e poucos
segundos depois atravessei uma das portas de saída do Clube Oásis, com
Liam e Chuck ainda em meu encalço.

Liam se colocou à minha frente antes que eu pudesse alcançar meu


carro.

— O que aconteceu? — foi Chuck a indagar, parando ao lado do seu


melhor amigo, dois brutamontes torrando a porra da paciência que eu já não
tinha nesse momento, impedindo que eu fosse até a minha mulher.
— Papai foi atrás da Emma na empresa em que ela trabalha —
grunhi, voltando a cerrar as mãos em punhos, ensaiando o maldito momento
em que eles poderiam encontrar o rosto aristocrático daquele filho da puta.
Logo empurrei meus amigos, mas um instante depois eles estavam
agarrando meus braços, numa tentativa de me impedir de entrar no meu
carro. — Mas que porra vocês estão fazendo?! Eu preciso encontrar a
Emma!

— Você não vai dirigir assim, irmão — Chuck avisou.


— Me dê as chaves — foi Liam a pedir. — Vou te levar até lá.

Ainda lutei contra os dois, transtornado, só tentando extravasar um


pouco da merda que sentia, mas acabei por ceder, mesmo puto, porque no
momento era mais importante chegar até Emma, saber como ela estava, ter
certeza de que papai não havia dito nenhuma merda a ela ou mesmo a
humilhado diante do seu chefe e colegas de trabalho.
Enquanto Liam nos tirava do estacionamento, eu liguei para o
celular de Emma... liguei diversas vezes durante todo o percurso curto, na
verdade, mas não fui atendido em nenhuma delas, o que só me deixou mais
inquieto e apreensivo.
— O prédio verde espelhado — avisei ao meu amigo, assim que
chegamos à rua em que a empresa estava localizada. O trânsito estava
tranquilo pelo horário, e talvez por isso também havia poucas pessoas
transitando pela calçada.
A tensão enrijecia meus músculos no momento que paramos num
sinal vermelho a pelo menos cem metros do prédio, meus olhos percorriam
pontos aleatórios através da janela do carro, incapazes de fixar num único
lugar, enquanto eu ouvia outra ligação minha cair na caixa de mensagens.

Eu estava prestes a clicar mais uma vez no botão que iniciaria outra
chamada quando achei ter visto Emma perto da empresa, caminhando com
uma caixa pela calçada. Voltei a procurá-la um instante depois, mas alguns
entregadores ocuparam minha linha de visão e, ao saírem, já não encontrei
nada. Inclinei-me sobre a janela e apertei os olhos, que a buscaram de novo.
Ainda sem sucesso. Um aperto estranho em meu peito me deixou mais
tenso e inquieto, com as extremidades formigando e um nó se formando em
meu estômago.
Encarei o telefone mais uma vez, então o sinal vermelho, as poucas
pessoas atravessando na faixa à frente do meu carro. Uma buzina soou ao
longe, um carro freou bruscamente numa rua à minha esquerda, o
burburinho de conversas fora do carro... tudo aquilo começando a me fazer
sentir sufocado ali dentro.

Era Emma mesmo com aquela caixa?

Se sim, para onde tinha ido?

Que agonia era aquela crescendo no meu peito?


Por que essa porra de sinal estava demorando tanto para abrir?
Respirar começou a ficar difícil conforme a pressão em minha
cabeça aumentava, e só pareceu piorar quando minha atenção voltou a
vagar entre meus amigos, o sinal, as pessoas na rua, o lugar em que eu
acreditava ter visto Emma e então o telefone em minhas mãos.
Uma decisão foi tomada por mim antes que eu pudesse registrá-la.

— Pra onde você vai? — Chuck perguntou, do banco da frente,


quando me viu abrir a porta.

— Vou atrás da minha mulher — rosnei, deixando o carro e batendo


a porta às minhas costas.

Então eu corri. Passei por entre as pessoas que encontrei, contornei


os entregadores que ocupavam parte da calçada, tentei tragar ar para os
meus pulmões mesmo sabendo que isso me deixaria cansado mais rápido.
Corri tão rápido, que o ar frio batendo em meu rosto fez um arrepio
atravessar minha espinha, ou talvez aquele fosse um tipo de presságio, eu
não sei, mas a merda incômoda crescendo no meu peito estava começando a
me deixar louco. Eu já estava perto de onde havia visto Emma quando pude
ver que era ao lado do beco para o qual eu a tinha puxado há algumas
semanas, quando vim atrás dela na rua.
Por algum motivo desconhecido, perceber isso só me deixou mais
aflito.

Alcancei a porra do beco e mal tive tempo de tomar uma respiração


profunda quando vi no chão a caixa que estivera com Emma.

Meu coração parou, os olhos percorrendo a rua estreita e sem saída,


em busca de algo além dos contêineres de lixo. Caminhei por entre eles, os
ouvidos atentos, o aperto em meu peito se agravando, a tensão aumentando.

Até que eu ouvi.


Um grunhido baixo.
Um sussurro incompreensível.

Avancei como um louco até o último contêiner e meu mundo parou


quando finalmente descobri o que ele ocultava.
Meu pai encurralando Emma a uma parede imunda, uma mão
cobrindo a boca dela, a outra enfiada sob a blusa rasgada dela, prendendo-a
ali com os quadris, sob seu poder, contra sua vontade. Vetando o
movimento de um de seus braços enquanto ela o socava e arranhava com o
outro.

Lágrimas grossas banhando o rosto da mulher que eu amava.

Não sei o que me tomou naquele momento, não tive tempo de


processar qualquer emoção ou planejar meu próximo movimento. Eu só agi.
Cego. Guiado pela raiva e pelo ódio. Agarrei os cabelos de papai por trás e
o puxei para longe de Emma, socando sua cabeça ao contêiner de lixo.
Uma. Duas. Três vezes. E só parei para lançá-lo longe porque a imagem da
minha mulher deslizando pela parede e caindo de joelhos fez com que eu o
soltasse para ir até ela.

Eu a amparei, ergui seu corpo rígido, paralisado pelo choque, as


lágrimas fluindo, apesar do olhar perdido. Puxei-a contra o meu peito e a
envolvi completamente, como se ainda fosse capaz de protegê-la daquele
pesadelo. Como se pudesse fazê-la acordar dele.

A porra do meu coração se despedaçou bem ali, quando a senti


quebrar em meus braços. Eu a apertei forte, tentei a confortar, acalmar o
tremor doloroso que a atravessava.

Nada nunca teria o poder de me destruir como a imagem de Emma


nesse momento.
Ouvi a voz do homem às minhas costas, mas não consegui registrar
suas palavras, apenas o sorriso que despontava em seus lábios quando o vi
por cima do ombro, conforme ele tentava se erguer do chão.

Minha visão foi tomada por vermelho. Focou apenas naquele alvo.
Meus ouvidos sendo tomados por uma pressão insuportável que abafou
qualquer som, me colocando quase numa maldita realidade paralela, onde
estávamos apenas meu progenitor e eu, todo o passado de merda causado
por ele e toda a dor e trauma que acabara de provocar na minha mulher.

Eu nunca o respeitei.
Nunca o vi como nada além de um filho da puta egoísta e incapaz de
respeitar sua mulher e filho.

Mas nunca, mesmo quando fiquei sabendo das denúncias de assédio


sexual que o afastaram da presidência do Grupo Waldorf, imaginei que ele
seria capaz de forçar uma mulher daquela maneira.
Talvez só tenha escolhido não pensar nisso. Ou enxergá-lo também
como um maldito abusador. Tudo o que eu via e nutria por ele sempre
pareceu ruim o bastante.

Mas agora eu sabia do que ele era capaz.

E ele precisava pagar.

A chegada dos meus amigos foi providencial, me impediu de deixar


Emma sozinha ou permitir que aquele filho da puta fosse embora. Porque
era exatamente isso que ele tentava fazer quando os caras chegaram.

— Cuide dela — pedi a Liam, mas não o encarei ao deixar Emma


sob seus cuidados, nem dispensei qualquer olhar a Chuck. Apenas avancei
sobre meu progenitor, agarrando seu cabelo mais uma vez e o puxando de
volta, para chocar suas costas ao contêiner mais próximo.

Não havia sorriso em seus lábios quando meu punho acertou seu
rosto pela primeira vez, mas já havia sangue banhando seus dentes quando
os acertei em seguida, e algum deles voou sob o peso dos meus golpes em
algum momento, em meio à sequência que não lhe deu tempo de reagir ou
mesmo de se proteger.

Agi como a porra de uma máquina, continuei o socando mesmo


quando seu sangue banhou minha mão e os hematomas em seu rosto me
deixaram sentir com mais facilidade quando parte dele cedeu sob meu
punho.

Chuck agarrou meu braço e me empurrou, numa tentativa tola de me


afastar, mas só conseguiu ganhar a porra de um soco que o levou ao chão.

O infeliz abusador desabou também, logo em seguida, um dos olhos


já inchado e fechado após os golpes que havia recebido. Parte do rosto
afundada em carne e ossos.

Liam me mandou parar, mas também o ignorei, chutando o filho da


puta que já não era ninguém além de um estuprador maldito que tentara
abusar da minha mulher. A potência do chute tirou seu corpo do chão e o
empurrou contra o contêiner de novo, num impacto forte e barulhento.

— Que porra você tá fazendo, caralho?! — Chuck gritou, agora


tentando me arrastar de cima daquele infeliz. — Por que tá chutando seu
pai?!

— Ele tentou estuprar a Emma, porra! — rugi, me desvencilhando


do seu agarre. — Esse filho da puta tentou estuprar a minha mulher!
Chuck me soltou, seus olhos se voltando para o homem no chão,
quase desacordado, já irreconhecível, eu sabia que aquele era um tema
sensível para ele, mas não aguardei sua explosão, não permiti que ele
direcionasse sua raiva àquele filho da puta. O único que o destruiria seria
eu. Com o peso dos meus punhos que ele se arrependeria de tocar numa
mulher contra sua vontade. Fosse pelo caminho da dor ou pela certeza de
que seu rosto atraente e cínico nunca mais seria o mesmo, nunca mais
enganaria ninguém.

E foi o que voltei a fazer.

Sem controle de quantos chutes e socos ainda desferi.

Sem controle sobre minha raiva.

Sem noção do cansaço que tomava meus membros ou do tempo que


ainda fiquei ali.

Quando meus amigos conseguiram me tirar de cima de Sebastian


Waldorf, já era tarde.

A polícia já estava entre nós.

Um vestígio sutil de consciência me atingiu conforme eu era contido


e algemado, por entre minha respiração ofegante e o suor que deslizava pelo
meu rosto, meus olhos finalmente voltaram a encontrar Emma encolhida no
chão, imóvel, abraçando a si mesma.

Perdida em si mesma.
E eu finalmente entendi que nada que eu fizesse mudaria o que
havia acontecido.
 
TRINTA
 

Meu estômago queimava, um gosto acre tomava minha boca


enquanto a saliva a inundava, fazendo a vontade de vomitar apenas
aumentar. Seria a terceira ou quarta vez. Bastava que eu lembrasse daquelas
mãos em meu corpo, das palavras nojentas daquele homem. Só isso e minha
ânsia se tornava insuportável. De novo e de novo.

Ele havia ficado me esperando. Era a única explicação. Talvez por


isso tinha exigido que eu saísse imediatamente da empresa, ele sabia por
onde eu... interrompi o pensamento, cerrando os dentes para conter a nova
ânsia que revirava meu estômago. Forcei-me a respirar fundo. Só respirar
fundo.

— Tome um pouco de água — Liam ofereceu, pela segunda vez


desde que eu havia dado um depoimento na delegacia, mas não me movi
nem o respondi. Não fiz nada além de encarar a porta por onde tinham
levado Bruce. Algemado.

Agarrei o meu casaco com mais força, desta vez não como uma
tentativa de me proteger ou esconder que minha blusa tinha sido rasgada,
era só uma tentativa tola de me consolar pelo que havia acontecido. De
preencher o espaço que deveria estar sendo ocupado por Bruce.

Fechei os olhos e cobri os lábios quando a bile voltou a queimar


minha garganta, trazendo mais daquele gosto acre à minha boca. Eu estava
imóvel ali há tanto tempo, que até a tentativa de me abraçar e tapar minha
boca pareceu estranha aos meus membros.

— Querida? — uma voz suave chamou, mas não consegui abrir os


olhos. Logo senti um perfume feminino e um corpo pequeno se acomodar
ao meu lado nos bancos da delegacia, então um toque delicado alcançou
minha mão.

Minha respiração travou. Abri os olhos devagar, buscando a mulher


que estava ali comigo, o sorriso educado e tranquilo em seus lábios me
impediu de me desvencilhar do seu contato.
Ela usou a mão livre para acariciar seu ventre redondo e
protuberante e então me estendeu um pacote pequeno que segurava.

— São balas de frutas cítricas — ofereceu. — Ótimas para enjoos.


Olhei para o pacote, mas não o peguei, não por estar desconfiada, eu
só não queria contato com ninguém ainda. A mulher não pareceu se dar
conta disso, porque após colocar na boca uma das balas, ela levou minha
mão para ficar entre as suas, acariciando-a lentamente, com carinho. Em
silêncio, como se não fosse uma desconhecida. Queria apenas me consolar
e, diante da delicadeza do seu toque, não consegui rejeitá-la.
Em algum momento, aceitei as balas e não demorei a sentir meu
estômago se aquietar um pouco. O gosto ruim também saiu da minha boca.

— Você foi muito corajosa — ela sussurrou, sem desviar seus olhos
do movimento de pessoas em nosso entorno. Também não a encarei. — Por
fazer a denúncia, digo. A coragem de mulheres como você pode tornar o
mundo um lugar mais seguro para a minha filha, então... — ela fez uma
pausa, para afagar seu ventre de novo —, obrigada.

Expirei profundamente, meus olhos voltando a se encher de


lágrimas, porque ainda não parecia real que eu tivesse passado por essa
situação. Que aquele homem tivesse tentado... como ele podia ter coragem
de fazer algo tão cruel?

Havia acontecido há poucas horas, mas parecia um pesadelo distante


ao qual eu odiava ter acesso. As imagens ainda eram vívidas demais.

E ainda havia a explosão de Bruce... O ódio em seus olhos e


movimentos. Ele já não parecia considerar aquele homem seu pai há muito
tempo, mas enquanto o agredia mais cedo, com todos aqueles chutes e
socos, parecia também tentar destruir à força qualquer chance que ele tinha
de voltar a tocar em qualquer mulher daquela forma.

— Vai ficar tudo bem, querida — a mulher garantiu, sua voz ainda
suave, tranquila. Como se soubesse o que aconteceria dali para frente.
Como se soubesse de coisas que eu não tinha ideia.

Eu a olhei por um momento, seus olhos castanhos repletos de uma


força que pareceu me encher com um fôlego do qual eu nem sabia que
precisava.

— Emma?! — uma voz conhecida chamou e só precisei erguer os


olhos para ver Bradshaw se aproximar com a advogada que Bruce havia me
apresentado há alguns dias. Aquela que me ajudaria a conseguir a guarda de
Emy.
Lágrimas voltaram a arder em meus olhos ao ver meu amigo
atravessar a distância entre nós com o semblante preocupado. Era tão
estranho vê-lo assim, mas foi tão reconfortante vê-lo.

Meus movimentos ainda pareceram estranhos quando me levantei


para abraçá-lo.
— Tire o Bruce de lá — implorei, num choro que não consegui
conter. — E-ele só estava m-me protegendo, não deveria estar preso. Ti-tire
ele de lá, por favor...

Maverick me apertou em seus braços, transmitindo conforto, a


segurança que eu gostaria que Bruce me desse agora.
— Blake vai resolver essa merda, não se preocupe — ele prometeu,
sem se afastar. — A mãe dele vai cuidar do seu processo. Nós precisamos
conversar, Emma.

Franzi o cenho, me afastando por alguns momentos para procurar a


advogada confiante a alguns passos de distância. Eu não sabia que ela era
mãe de Blake Davenport. Bruce não havia me contado isso.

— Olá, Srta. Hale — ela cumprimentou, com um aceno contido e


profissional. Sabendo do laço familiar que ela possuía com o amigo de
Bruce, foi mais fácil identificar as semelhanças entre eles. Eles tinham o
mesmo tom de pele negra retinta, o mesmo nariz e formato de rosto. A
mesma postura séria, confiante e o semblante impenetrável.

Eu retribuí seu cumprimento com um aceno e limpei meus olhos.


— Preciso de uma sala para conversar com minha cliente — a mãe
de Blake avisou à mulher que estivera me consolando ainda pouco. Apenas
nesse momento percebi que ela trabalhava na delegacia.

— Venham comigo — respondeu.

Após confirmar que eu não tinha nenhum ferimento ou hematoma


que necessitava de cuidados, Bradshaw me soltou para trocar algumas
palavras com seus amigos e voltei a receber o conforto da mulher grávida e
gentil.
Fiz um esforço para manter minha cabeça no presente e permanecer
atenta ao que a advogada me disse quando fomos deixadas sozinhas. Vendo
minha urgência em saber sobre Bruce, ela interrompeu os avisos que havia
iniciado e respondeu minhas perguntas. O caso de Bruce seria processado
como legítima defesa, mas o Sr. Waldorf estava em estado grave no
hospital, e isso poderia ser um agravante à situação.

— Duvido que os pais dele queiram fazer qualquer denúncia. Tenho


certeza de que vão tentar contratar meu escritório para abafar todo o caso —
ela prosseguiu, com um suspiro enfastiado, mordiscando o canto dos lábios
como se aquela fosse sua última preocupação no momento. Sua postura
quase poderia parecer arrogante por causa do excesso de confiança que
exalava. — Mas desisti de ambos depois das últimas situações em que me
colocaram.

Seus olhos castanhos se ergueram para mim mais uma vez.

— Blake vai lidar com isso. É um dos melhores advogados do meu


escritório — garantiu, mas não pareceu dizer aquilo com o orgulho de uma
mãe, soou apenas como um fato que ela não tinha problemas em tornar
público. — Agora vamos à sua situação, que é o que me interessa aqui.
Primeiro...

Ouvi-la a partir dali, e consciente de que Bruce estava em boas


mãos, conseguiu aquietar um pouco da minha aflição e distrair minha mente
o bastante para afastar as lembranças do que havia acontecido. Segundo a
advogada, o que o Sr. Waldorf tinha feito acabaria por nos ajudar no
processo de guarda da Emy, além disso Bruce já tinha provas de que minha
mãe estava há meses fora do país, então essas questões agilizariam todo o
processo.

O barulho da porta da sala sendo aberta me empurrou para fora do


transe em que as palavras seguras daquela mulher haviam me colocado.
Bradshaw surgiu, já sem qualquer vinco entre suas sobrancelhas.
Aparentemente, sua preocupação maior era comigo.

— Chegou na hora, Sr. Bradshaw — a advogada disse, mesmo sem


se voltar para ele.

Observei-o percorrer os metros até se sentar ao lado da mulher,


ambos ficando à minha frente. Uma pasta foi empurrada através da mesa
entre nós. Por algum motivo, hesitei ao vê-la e não a abri.

— São provas — a mulher à minha frente avisou. — Algumas


imagens podem ser perturbadoras, sobretudo depois do que...

Bradshaw a interrompeu:
— Bruce me pediu ajuda para reunir essas provas nos últimos dias.
Ele estava procurando vítimas de assédio do Sr. Waldorf, para ajudá-las a
abrir um processo contra o filho da puta.

Meu queixo caiu.


— Estou responsável por esse processo também, Srta. Hale — a
advogada avisou, chamando minha atenção. — Já sabemos que tomou a
iniciativa de denunciar esse criminoso, então minha pergunta é: a senhorita
aceita fazer parte do processo que moveremos contra ele? Junto de outras
vítimas?
O ar simplesmente se recusou a adentrar meus pulmões.

Meu olhar intercalou entre ela e Bradshaw, enquanto eu tentava


processar o que havia sido dito por eles.

— O Sr. Waldorf tinha outras vítimas? — foi tudo o que consegui


emitir. A verdade era que ainda me sentia um pouco perturbada por essa
informação. Meu estômago voltou a revirar.

— Os acionistas o afastaram das empresas por isso — Bradshaw


explicou.

Soltei o ar com dificuldade, um aperto em meu peito me impedindo


de respirar normalmente. A queimação em minha garganta voltando a
encher minha boca com aquele gosto ruim e ácido.

Outras mulheres... ele havia abusado de outras mulheres... — a


informação rodopiou em minha mente.
— Bruce ouviu sobre isso há alguns meses, mas só conseguimos
provas e encontrar... — as palavras de Bradshaw foram abafadas pelas do
Sr. Waldorf mais cedo.

Posso lhe dar muito mais prazer que o meu filho, Emma... posso ser
muito melhor que ele, se você deixar...
A ânsia de vômito veio muito mais forte desta vez e só tive tempo
de alcançar a lata de lixo mais próxima antes de despejar todo o suco
gástrico que ainda havia em meu estômago.
Bradshaw estava ao meu lado alguns instantes depois, segurando
meus cabelos.

Fiquei algum tempo ajoelhada à frente da lata de lixo, sem forças


para me erguer e com dificuldade de calar aquela voz e palavras nojentas
em minha mente. Lágrimas nublavam minha visão e caíam pesadas pelas
minhas bochechas.

Eu precisava de um banho. Precisava arrancar da minha pele o toque


daquele homem. Tirar de mim qualquer vestígio dele e do seu cheiro.

Limpei minha boca com o dorso da mão e fixei meu olhar na parede
cinza à minha frente. A voz firme da advogada inundou a sala.

— Entre no processo com as outras vítimas — aconselhou. — Juro


que vou fazer o desgraçado pagar, não importa o quanto ele tente usar seu
dinheiro para sair impune.

Engoli em seco, apenas sentindo as lágrimas voltarem a cair.


— Bruce já havia garantido a proteção da identidade e a segurança
das outras vítimas, Emma — meu amigo avisou. — Ele não vai deixar que
você ou a Emy sejam expostas. Não precisa se preocupar com isso. Você
terá todos nós ao seu lado.

Não tenho certeza de minha resposta ter soado audível, mas acho
que Bradshaw a compreendeu, porque avisou à advogada que ela poderia
dar continuidade ao processo. Em algum momento, ele me ajudou a
levantar e manteve um braço envolvendo minha cintura para me sustentar
de pé, enquanto ouvíamos o que a mãe de Blake ainda tinha a dizer.
Quando ela foi embora, fui convencida a ir para casa. Não queria
sair até poder encontrar Bruce de novo, mas bastou que Bradshaw me
lembrasse que Emy ficaria preocupada se eu não dormisse em casa, para eu
concordar em sair dali.

Horas depois, eu observava minha irmã dormir tranquila e


aconchegada a mim enquanto tudo o que eu era capaz de fazer era acariciar
seus cabelos e inspirar o cheirinho de morango do seu shampoo. Para me
acalmar e manter longe de mim qualquer lembrança daquele dia. Para me
lembrar de que eu havia feito a escolha certa. Para me ajudar a reconhecer
que, independente do que acontecesse com aquele homem, eu tinha feito a
minha parte. E ele merecia qualquer que fosse a sentença que recebesse.

Durante a madrugada, mantive contato com Bradshaw por telefone,


pedindo a todo momento que ele me atualizasse sobre Bruce, mas apenas
quando o sol já estava nascendo novamente, recebi a mensagem de que
realmente precisava.

Estou aqui.

Meu coração saltou no peito.

Com cuidado, me desvencilhei de Emy e deixei o quarto. O piso


estava gelado sob meus pés conforme eu percorria o corredor e a sala. No
momento que abri a porta, sequer tive tempo de registrar o que havia no
semblante de Bruce ou mesmo dizer qualquer coisa, ele apenas avançou em
minha direção, puxando-me para dentro dos seus braços e me apertando ao
seu peito.

Eu o envolvi também. Com força. Agarrei-me ao seu corpo com


desespero. Com toda a necessidade que havia sentido nas últimas horas.
Dele. Da sua presença. Do seu carinho e cuidado. Do seu amor.
— Como você está? — A urgência em seu tom não me surpreendeu.
— Ele conseguiu...

— Não — soltei, num sussurro rouco abafado pelo seu peito.

— Me desculpe, Cherry — pediu, afundando seu rosto em meu


pescoço. — Me desculpa, eu nunca imaginei que...

Meneei a cabeça em negativa, odiando ouvir aquele desespero em


seu tom. O peso da culpa que ele achava que precisava carregar.

— Aquele filho da puta vai pagar — jurou, mas eu ainda não


consegui dizer nada. — Enquanto isso, eu vou cuidar de você, amor.

Eu acreditei. Não tive dúvidas de que ele faria isso.

Bruce me ergueu em seus braços e me carregou até o meu quarto,


seus lábios quentes depositando beijos em minha testa e limpando as
lágrimas finas que haviam deslizado por meu rosto.
Ele não me fez mais perguntas, nem falou sobre o que havia
acontecido, apenas me confortou.

E por todo o tempo que ficamos juntos a partir dali, eu me permiti


ser cuidada e protegida pelo meu homem.
 
TRINTA E UM
 

Enfiei as mãos nos bolsos da calça enquanto observava o escritório


principal do Clube Oásis. A decoração era sóbria, mas, de algum jeito,
também luxuosa, e deteve minha atenção por alguns instantes, tempo
suficiente para meus amigos também adentrarem o lugar. Teríamos uma
reunião com Chuck, por videochamada, em menos de uma hora, para
acertar alguns detalhes da inauguração do espaço idealizado por ele no
Clube.

Nas últimas semanas, três deles tentaram me convencer a aceitar


gerenciar o clube. Apenas Blake parecia ter uma opinião contrária a isso, se
seu silêncio fosse indicativo.

Muito havia acontecido desde que meu pai saíra de uma sala de
cirurgia para reconstrução facial. Ele ainda não tinha se recuperado, mas já
existia um processo sendo movido contra ele e, até onde eu sabia, mamãe
havia aproveitado o escândalo das denúncias de assédio sexual para fazer
seu papel de vítima e tentar convencer seus amigos de que as notícias sobre
seus inúmeros casos com seus funcionários eram apenas boatos de alguém
que tentava destruí-la.

Exatamente como eu imaginei que faria.

Depois de um telefonema conturbado entre nós, ela não ousou falar


comigo novamente. Tampouco se aproximar de Emma e Emy, temendo que
eu fizesse algo pior para destruir o que restava do seu prestígio. No entanto,
ela mandara seu advogado vir até mim. Exigir que eu parasse de disseminar
aquelas informações. Sabia que era eu destruindo sua maldita imagem, mas
não tinha provas disso.

Bradshaw desconfiava que ela não aguentaria a pressão causada


pelo processo. Mais vítimas começaram a surgir nas redes sociais e o caso
só ganhava mais exposição. Sobretudo porque as tentativas de abafarem
tudo iam por água abaixo graças a Liam, que era o herdeiro e CEO da maior
rede de telecomunicações do país.

— No que está pensando? — meu amigo perguntou, parando ao


meu lado. Às nossas costas, Blake e Liam conversavam baixinho.

— Que você está certo — eu o encarei por um momento —, mamãe


vai voltar para Londres a qualquer momento. Talvez se esconda por alguns
meses. Ou decida ficar por lá, onde sua imagem ainda não foi destruída.

— Talvez peça o divórcio. — Ele deu de ombros, indiferente a tudo


relacionado aos meus pais. Havia ficado assim após eu contar que Sebastian
havia enganado a todos para me esconder naquela reabilitação. — Quem se
importa?
A pergunta veio como uma piada, mas não a recebi assim. Ouvi-la
foi suficiente para eu perceber que realmente não me importava se mamãe
pediria o divórcio, se sairia dos Estados Unidos, se cortaria laços comigo
definitivamente ou se me odiaria pelo resto da vida.
Eu finalmente sentia que tinha desfeito qualquer vínculo que ainda
pudesse existir com meus pais. Desde que os dois estivessem longe de mim
e das pessoas que eu amava, eu não me importava com o que faziam ou
sentiam. Eu sequer sabia como eles estavam lidando com o processo e os
investidores do Grupo Waldorf. Através dos jornais, descobri apenas que
nossas ações estavam se desvalorizando cada dia mais.

Um dos maiores marketplaces dos EUA e da Europa simplesmente


ruindo diante das merdas do ex-presidente.

— Como a Emma está? — Bradshaw perguntou, seu tom se tornou


mais sério a partir daqui.

— Melhor. Ela é muito forte.

Acho que o orgulho ficou evidente em minha voz e palavras, porque


um sorriso de canto surgiu em seus lábios.

— Vocês três estão confortáveis naquela suíte? Posso conseguir um


lugar melhor e maior.
Meneei a cabeça em negativa.

— Não precisa. Gosto da proteção que o hotel oferece. Sei que


Emma e Emy estão blindadas lá. Isso me tranquiliza.

Diferente do prédio em que elas moravam, pensei. Mas não articulei


o pensamento. Quando o escândalo ocasionado pelo processo estourou,
Emma aceitou que precisava de mais segurança com Emy e concordou em
vir ficar comigo. Mudamos para uma suíte com quarto anexo para Emy, era
grande o bastante para nós três. Isso nos bastava no momento.
— Já tomou uma decisão? — Liam indagou, vindo ficar ao nosso
lado. — Se não aceitar cuidar do Clube, vamos ter que escolher outro
engomadinho de terno e gravata.

Estreitei os olhos em sua direção, a tempo de vê-lo com as


sobrancelhas bem-feitas erguidas, quase num desafio. Eu poderia responder
sua provocação mandando-o se foder, mas não o fiz. O filho da puta havia
me ajudado a espalhar as notícias sobre papai e mamãe. Podia estar
enchendo meu saco por causa da administração do clube, mas só fazia isso
porque confiava em mim para esse cargo.

 Cheguei a entreabrir os lábios para responder, mas a voz de Blake


preencheu o ambiente antes da minha.

— Bruce sabe que tem uma responsabilidade maior com os


negócios da família dele — iniciou, e todos nós nos voltamos para ele, bem
acomodado ao sofá preto de veludo no canto da sala ampla. — Seria
estupidez ignorar isso e aceitar apenas ficar aqui.
— Do que está falando? — Liam indagou e Bradshaw reforçou o
questionamento em seguida. Fiquei em silêncio, já sabia o que levava Blake
a iniciar esse assunto.

Ele expirou profundamente, antes de sorver um gole da bebida


ambarina em seu copo.
— Bruce é o herdeiro do Grupo Waldorf. Não pode simplesmente
deixar os negócios desmoronarem assim por muito mais tempo. Ele já
conseguiu o que queria, seu pai vai responder pelos crimes, sua mãe vai
deixá-lo em paz, mas nada disso anula o fato de que milhares de
funcionários dependem das empresas da sua família.

Pressionei os lábios, porque eu já havia pensado nisso. Só não tivera


coragem de verbalizar ainda. De aceitar que, apesar do que eu queria
acreditar e fazer, havia coisas que estavam além da minha vontade e
precisavam ser feitas.

— Não é sobre os pais dele ou o prestígio da família — Blake


prosseguiu, em seu tom firme e neutro de advogado do diabo. — O Grupo
Waldorf não pode mais ser liderado por nenhum deles. Os únicos que
estarão perdendo se ninguém assumir esse barco e guiá-lo nas próximas
semanas serão os milhares de funcionários e, claro, Bruce e Emy, que são
os únicos herdeiros. — Um suspiro de Bradshaw antecedeu o momento em
que ele se afastou em busca de uma bebida.

Meu olhar encontrou o de Blake, numa troca de palavras mudas que


apenas nós dois compreenderíamos.

Há alguns dias, o advogado de Sebastian Waldorf havia pedido uma


audiência com Blake – que era o meu advogado nesse assunto. Segundo ele,
se eu não retornasse à presidência da empresa, Sebastian abriria um
processo contra mim, por eu tê-lo agredido e mandado para a porra de uma
cirurgia.

Blake havia dito que eu não precisava me preocupar com essa


ameaça, e eu não me preocupava, mas meu amigo obviamente não
acreditava que abrir mão de tudo era uma decisão inteligente a se tomar.

— Faça um acordo com seus pais — ele aconselhou, pela segunda


vez naquela semana —, exija o que quiser, eles vão aceitar. Não querem
assumir, mas estão desesperados. Não renuncie ao que é seu e da sua irmã
mais nova. Em alguns meses, Emma terá a guarda da menina. Em poucos
anos, ela terá idade suficiente para entender o que está acontecendo agora e
um dia vai poder usufruir de tudo o que é dela por direito.

E, pela segunda vez, ele conseguiu me deixar em silêncio ao dizer


aquelas palavras.

Ouvi o som abafado da TV antes mesmo de abrir a porta. Passava de


oito da noite quando saí da reunião com meus amigos e eu só queria poder
tomar um banho e me aconchegar à Emma para dormir sentindo seu cheiro
doce e gostoso.
No entanto, bastou que eu adentrasse a sala para reconhecer o som
dos passos apressados de Emy vindo em minha direção. Mal havia me
livrado do casaco quando seu corpinho se chocou contra o meu em um
abraço apertado como ela adorava.

Sorri e a ergui em meus braços. Vê-la costumava ser suficiente para


recarregar minhas baterias depois de um dia como o de hoje, mas agora eu
também me reconhecia feliz e aliviado por já não me sentir hesitar ou retrair
diante dos seus abraços e carinho. Eu me acostumava cada vez mais a tê-la
por perto e me sentia cada dia mais confortável com a cumplicidade que
surgia entre nós.

— Você chegou muito tarde, sabia?! — ela disse, conforme eu


caminhava para dentro do apartamento. Vi Emma se erguer do sofá com
uma tigela de pipoca, usando um pijama de panda idêntico ao de Emy. — A
gente tava esperando você, mas depois eu disse pra Emma colocar logo o
episódio. Agora vou ter que explicar tudinho que aconteceu nele pra você
entender a história.

— Episódio? — ecoei, minhas sobrancelhas arqueadas numa


pergunta que apenas Emma compreendeu.

Ela ficou na ponta dos pés para beijar meus lábios suavemente e
envolvi sua cintura com o braço livre.

— Emy decidiu que vai forçar você a gostar de doramas — contou,


com um sorriso travesso muito parecido com o sapeca que nossa irmã tinha.

— Mas... — tentei.

— Eu separei até as máscaras coreanas pra gente fazer skin care


juntos — Emy me interrompeu, fazendo um biquinho com os lábios.

— Mas agora vamos ter que deixar pra outro dia — Emma avisou.
— Está na hora de alguém ir pra cama, não é?

Emy cruzou os braços e desviou o olhar, seu bico era maior agora.

Eu sorri, porque a última coisa que ela parecia quando fazia isso era
brava.

— Emy, eu não gosto de assistir nada na TV — contei, conforme a


levava através do apartamento, direto para o seu quarto. — Mas podemos
fazer outra coisa.
— O quê? — ela tentou, mas ainda não quis dar o braço a torcer e
desfazer aquele bico fofo.

— Não sei, você pode escolher e...

— Você disse que me levaria pra pista de patinação do Bryant Park


de novo — ela lembrou, voltando a me encarar. Emma bufou um riso
enquanto abria a porta do quarto, ela já havia me dito que Emy não deixaria
isso passar. — Já estamos pertinho do Natal, e aposto que a decoração tá
muito linda.
— Tudo bem — cedi, mesmo que ainda fosse enrolá-la sobre isso
por alguns dias. Eu já sabia que ir às pistas de patinação era um ritual de
inverno das duas e seria a primeira vez que eu faria parte dele. Tivera uma
ideia, talvez precipitada, e queria um pouco mais de tempo para refletir
sobre ela antes de decidir o que fazer.

— Okay — ela cedeu, voltando a me encarar, suas mãozinhas vindo


ao meu pescoço para me abraçar. — E agora vou pensar em outro lugar pra
gente ir e compensar o dorama de hoje.

— Vá escovar os dentes, Emy.

Ao ouvir a voz de Emma, coloquei a menina novamente no chão e a


observei saltitar para o banheiro com suas pantufas de coelho.

Um sorriso tolo brincava em meus lábios quando ela fechou a porta


e só aumentou quando Emma se aproximou e aconchegou aos meus braços.

— Um dia você vai ter que aprender a dizer não a ela — avisou.
Também havia um sorriso em seus lábios quando me inclinei para beijá-los.

— Um dia, não hoje.

Ela riu e me abraçou.


Eu a apertei contra mim por alguns segundos, apenas curtindo seu
calor, seu corpo perfeitamente moldado ao meu, seu cheiro doce de cereja.
Porra, eu amava poder fazer isso sempre que queria. Amava ter Emma em
meus braços e me sentir seguro sobre sua permanência neles dali para
frente.

Amava a segurança que transmitíamos um ao outro agora.

Não sabia como Emma reagiria à conversa que eu iniciaria mais


tarde, sobre a ameaça de Sebastian e a minha responsabilidade com o Grupo
Waldorf, mas eu não tinha dúvidas de que, independente do que eu
decidisse, ela estaria ao meu lado.

— Como foi com o trabalho? — indaguei.

Após as notícias sobre o Sebastian Waldorf estar no hospital e toda a


merda sobre as acusações de assédio, o chefe de Emma voltara atrás na
demissão dela, havia até mesmo concordado que ela trabalhasse em home
office nessas semanas, o que obviamente indicava que ficaria muito pior
sem o trabalho dela em um momento crítico como esse.
— Tudo bem. A parte mais pesada de análise e conferência pode ser
feita à distância e as reuniões por videochamada suprem as necessidades da
equipe até certo ponto.

— Você não parece feliz — concluí, afastando-me apenas o bastante


para ver seu rosto. Na verdade, Emma nunca parecera particularmente feliz
trabalhando naquela empresa. Até mesmo em nosso jantar no Ristorante
della Nonna há algumas semanas, ela parecera apenas resignada com o fato
de precisar daquele emprego. De ele suprir as necessidades financeiras que
tinha como responsável pela irmã mais nova.
Emma expirou profundamente e ergueu os olhos para me encarar.
— Minha ex-orientadora voltou a me convidar a tentar o mestrado
— Suas mãos envolveram meu rosto com cuidado, acariciando a barba por
fazer enquanto a observava. — Comecei a pensar que, se conseguir mesmo
a guarda da Emy, terei mais chances de arcar com as responsabilidades do
mestrado. Não seria impossível conseguir uma bolsa com um valor razoável
e a pensão da Emy seria suficiente para suprir todas as necessidades dela.

— Faça isso — incentivei. — Eu também posso...

— Não. — Ela reforçou a negativa acenando com firmeza. — Não


quero que interfira nisso.

Ela voltou a me abraçar e acomodar seu rosto ao meu peito.

— Ainda não me sinto muito segura sobre essa decisão,


especialmente agora que a mamãe vai voltar a Nova Iorque por causa do
processo de guarda, então... — ela hesitou e inspirou fundo, sua voz veio
rouca quando concluiu —, se puder só me incentivar quando eu precisar,
será suficiente.
Voltei a apertá-la em meus braços e beijei o topo de sua cabeça.

— Tudo bem — cedi. — No que depender de mim, você não


desistirá desse sonho, amor.

Ela também me apertou com força.

Emy deixou o banheiro alguns instantes depois e Emma se afastou


para disfarçar sua emoção, com a desculpa de que pegaria algo na sala.

— Pronta? — perguntei ao erguer Emy novamente nos braços.

— Siiiim.
Sorri e a levei para a cama. Livrei-a das pantufas e empurrei o
edredom antes de deitar Emy e cobri-la com ele.

— Você vai me levar pra escola amanhã de novo? — perguntou,


entre um bocejo.

Acenei.
— Todos os dias, se você quiser.

Ela sorriu.

— Bruce?

— Sim?

— Tenho outro questionário que você tem que responder.

Estreitei os olhos e me sentei ao seu lado na cama.

— Isso não parece bom — iniciei, desconfiado.

— Mas só tem uma pergunta!

— É mesmo? — Ela acenou, um sorriso sapeca voltando a surgir. —


E que pergunta é essa?

Ela pressionou os lábios por um momento, então me chamou para


mais perto com o indicador. Fiz o que ela pedia.

Emy ainda hesitou por alguns segundos, mordiscou os lábios, mas


acabou inspirando fundo e simplesmente soltando:

— Você me ama?

Acho que o tempo congelou ali, quando ela emitiu aquelas palavras.

O coração socou meu peito em umas batidas surpresas e


ensandecidas, mas logo pulou e tropeçou em outras, diminuindo o ritmo
gradativamente conforme a pergunta era absorvida por mim e a resposta se
formava em meus lábios sem que eu precisasse ponderá-la.

— Sim — sussurrei, mais baixo e rouco do que esperava. — Eu amo


você, Emy.

Seus olhinhos brilharam diante daquelas palavras e me surpreendi


um pouco quando ela veio para cima de mim, me abraçar.
Sorri, mas também me forcei a fechar os olhos, porque eles
começavam a arder de um jeito desconfortável.

— E a Emma? — ela perguntou, sem me soltar. — Você ainda ama


ela?

— Sim. — Eu ri da sua urgência em obter aquela resposta, como se


ter certeza de que eu continuava a amar Emma também fosse muito
importante agora. — Eu amo vocês duas. Vocês são meus amores. Os
únicos.

Ela riu baixinho e se afastou, para deixar um beijo em minha


bochecha.

— Então tá bom! Eu também amo vocês! Muuuuuito.

A sinceridade em seus olhos, de algum jeito, ainda me pegou


desprevenido. A resposta involuntária da minha mente ainda foi me fazer
questionar aqueles sentimentos e buscar razões que os justificassem, mas eu
calei aquelas malditas inseguranças. Expulsei todas elas.

Ainda era difícil me livrar da merda que fora incutida em mim desde
cedo, mas eu acreditei em Emy. Eu queria seu amor e estava disposto a
lutar comigo mesmo para aceitá-lo inteiramente. Para aceitar que eu estava
fazendo por onde merecê-lo, mas que ela o dava para mim sem exigir nada
em troca. Como Emma.

Meus olhos voltaram a queimar, e por sentir minha garganta apertar,


eu apenas sorri para Emy e acariciei seu rostinho. Voltei a cobri-la depois
que ela se deitou, seu olhar seguiu para a porta e ela sorriu.

— Por que você tá chorando?

A pergunta levou minha atenção à entrada do quarto, Emma


caminhava devagar até nós, limpando a umidade das bochechas.

— Cherry? — chamei-a, já preocupado.

Ela sorriu e fungou baixinho antes de se sentar em meu colo.

— Não é nada — emitiu. — Gosto de ver vocês dois juntos.

Emy riu.

— Você é tão chorona!

Emma também acabou rindo e limpei suas lágrimas com os


polegares. Após alguns segundos, ela se ergueu para pegar os abajures de
tomada.
— Bruce, por que você chama a Emma de Cherry? — Emy se
moveu na cama, para deitar de lado e conseguir me encarar. — É tão cringe.

Franzi a testa levemente.


— Cringe?

— É.
Procurei o olhar de Emma e encontrei um sorriso pequeno em seus
lábios. Seu rosto e tampouco o de Emy me davam qualquer dica sobre o que
diabos era cringe.

— Hum... — iniciei, voltando a encarar a menina.

— Essa é uma provocação boba de quando éramos adolescentes —


Emma contou e acho que ela também não entendeu o que aquela palavra
significava.
Pigarreei.

— Emma nasceu numa cidade de Nova Jersey chamada Cherry Hill


— iniciei, diante do olhar atento de Emy. — Em uma festa de Halloween da
escola, em que o tema era algo como “o lugar de onde você veio”, a sua
mãe fantasiou a Emma de cereja gigante.
A risada de Emma inundou o quarto.

— Na época, não nos dávamos muito bem e eu a chamei assim só


pra irritá-la — prossegui e teria dito que, anos depois, quando Emma e eu
nos beijamos pela primeira vez, foi o gosto de cereja que encontrei em seus
lábios, mas acho que Emy não precisava saber dessa parte. — O apelido
funcionou com o tempo.

Emma ainda ria, um pouco nostálgica, quando levantei e entrelacei


sua mão à minha.

Emy meneou em negativa, parecendo um pouco... indignada?


— Eu tinha razão — disse, por fim —, é mesmo cringe... mas ao
mesmo tempo é fofinho.

Troquei um olhar com Emma, ainda tentando entender que porra


aquela maldita palavra significava.
— Você vai ter que se esforçar mais pra criar meu apelido, tá? — a
menina pediu e tudo o que fiz em resposta foi acenar.
Definitivamente, cringe não era algo bom.

Quando as luzes do quarto foram desligadas, os abajures já estavam


funcionando. Emma deu um beijo de boa-noite na irmã e entrelaçou sua
mão à minha para sairmos juntos.
Não muito tempo depois, ela estava rindo comigo, após
pesquisarmos o significado da palavra.

Acabei beijando sua boca em meio ao riso e Emma cedeu sem


relutar. Logo estávamos em nossa cama, com ela de volta aos meus braços.

Exatamente onde ficaria dali para frente.


 
TRINTA E DOIS
 

— Emy, se apresse! — avisei, colocando a cabeça pela fresta da


porta do quarto, só para encontrá-la enfiada no seu guarda-roupa.
— Já vou, já vou! — ela repetiu, a voz saindo abafada pelos casacos
de inverno.

Meneei a cabeça em negativa e saí para voltar ao meu quarto. Ainda


não estava muito certa de que entraria na pista de patinação do Bryant Park,
mas Bruce me convenceu a levar meus patins, para o caso de mudar de
ideia quando chegássemos lá.

Entrei sem bater na porta e peguei Bruce enfiando algo rapidamente


no bolso do casaco, como um menino arteiro escondendo o último
chocolate na Páscoa.

Estreitei os olhos.
— O que está escondendo aí?

Ele hesitou, chegou a entreabrir os lábios para dizer algo, mas os


fechou logo em seguida.

Desconfiada, fui até ele, medindo-o em silêncio por instantes


desconfortáveis que basicamente o forçaram a proferir algo.
— Eu... — tentou, mas acabou desistindo do que diria e bufou,
irritado. — Tem algo que quero conversar com você já há algum tempo.

Meu coração deu um solavanco tolo.


Antes que eu pudesse dizer algo em resposta, Bruce me levou até a
cama, pedindo silenciosamente que eu me sentasse nela, o que fiz meio no
automático, ao passo que minha mente era bombardeada por uma série de
coisas que ele poderia dizer em seguida. E eu estava tão tensa pela chegada
de mamãe no dia seguinte, que só consegui pensar em coisas ruins
envolvendo a ela ou os pais de Bruce, com quem ele havia feito um acordo
há uma semana.

Seu nervosismo era nítido e acho que isso também só elevou o meu.

— O que houve? — indaguei, observando-o caminhar de um lado a


outro até, por fim, parar e me encarar.

— Eu nunca quis pressionar você e não quero que pense que estou
fazendo isso agora, tá bom? — Franzi a testa, sem entender do que ele
falava. Bruce voltou a inspirar fundo, mas respirar já não era algo que eu
conseguia fazer a essa altura. Ele retirou do bolso do casaco um objeto
pequeno e o ergueu para que eu pudesse ver. Um chaveiro. — Mandei que
limpassem nosso apartamento e reformassem o quarto que podemos dar à
Emy.
Soltei o ar devagar, absorvendo aquelas palavras aos poucos. Logo
Bruce vinha até mim e se ajoelhava à minha frente. O chaveiro foi colocado
em minhas mãos, mas minha atenção não deixou os seus olhos azuis
atormentados.
— Eu sei que nada que eu fizer será capaz de apagar toda a merda
do passado, Cherry. Tudo que eu disse a você e a maneira que minhas
palavras impactaram sua vida...

— Bruce... — tentei, aquela era a última coisa que eu gostaria de


ainda trazer à tona entre nós.

— Eu nunca vou me perdoar por tudo o que perdemos durante cinco


anos — prosseguiu, não me deixando interrompê-lo ainda —, por tudo o
que agora sei que você passou por minha causa, por todas as noites que
passei sem você nos meus braços. — Ele afastou uma mecha de cabelo do
meu rosto e beijou minha testa com carinho. — Mas nos últimos dias
percebi que eu preciso saber que tenho o seu perdão, amor... Ou pelo menos
que você sente que um dia será capaz de me perdoar, não quero que...

Eu o silenciei pressionando meus lábios aos seus.

— Por que estava pensando nisso? — perguntei, baixinho, sem me


afastar.

— Não quero voltar a falar em darmos passos juntos com essa


sombra do passado nos acompanhando.

Acenei uma vez, para mostrar que entendia do que ele estava
falando, e acariciei seu rosto devagar, conforme examinava tudo o que
havia mudado em mim naquelas últimas semanas. Não queria ser leviana e
apenas dizer o que ele queria ouvir, queria ter certeza do que sentia antes de
ousar compartilhar com Bruce. Deslizei meus dedos pelo seu maxilar e os
desci sem pressa até a sua nuca, numa tentativa de trazê-lo para mais perto.
Bruce pousou suas mãos em minha cintura, aceitando a proximidade
e contato que eu pedia sem palavras. A ansiedade era nítida em seus olhos,
até no modo sutil como apertava os lábios.

— Toda vez que parava pra pensar no que você me disse naquela
tarde no lago — iniciei —, eu sentia como se voltasse a abrir uma ferida
que nunca tinha se curado. Eu questionava tudo... o que você dizia sentir
por mim, o que eu sentia por você... o que havíamos vivido. Parecia ter sido
uma ilusão, algo que só existiu pra mim...

— Cherry...

— Eu cheguei a achar que só conseguiria fechar aquela ferida e dar


um ponto final a essa história quando tivesse certeza de que você se
arrependia. — Sorri, sem humor, meus dedos brincando com os cabelos de
sua nuca enquanto a emoção me tomava. — Mas eu estava errada.
Suas mãos apertaram minha cintura com um pouco mais de força.

— Quando você voltou e se arrependeu, a última coisa que eu quis


foi dar um ponto final pra gente — confessei, em seus lábios. — Eu não
sabia como confiar em você ou em nós, mas não queria que tivéssemos um
fim. Não era disso que eu precisava pra fechar aquela ferida, Bruce... O que
eu precisava era ter certeza de que tinha sido real. O que você sentia, o que
eu sentia por você, não por alguém que eu achava que tinha criado... o que
existia entre nós.
Bruce pressionou sua testa à minha.

— Nas últimas semanas, você me deu essa certeza. Você me deixou


ver que não fui a única a sofrer, a perder algo. — Ele limpou uma lágrima
fina que deslizou por minha bochecha e me beijou suavemente. — Você
curou aquela ferida, meu amor. E, sem que eu me desse conta, perdoei você.

— Cherry...

Eu o silenciei com um beijo.


— Não quero mais voltar a esse assunto — avisei, ainda roçando
meus lábios aos seus. — Não precisamos mais voltar a esse assunto...
Estamos bem agora, juntos e... — inspirei fundo, apertando o chaveiro em
minha mão — podemos conversar com a Emy sobre a possibilidade de
morarmos juntos naquele apartamento.

Bruce acenou lentamente.


Não sei se ele ainda pretendia dizer algo, mas, um instante depois, a
entrada abrupta de Emy no quarto foi bastante para fazer com que nos
desvencilhássemos.

— Eu combinei toda a roupa com os patins, tô bonita? — ela


perguntou e levantei o olhar para encontrá-la fazendo uma pose como uma
modelo mirim muito sorridente.

Hoje Emy seria um pontinho cor-de-rosa no Bryant Park.

Bruce se afastou também sorrindo.


— Você está linda — ele disse. Concordei.

— Só vou pegar meus patins — avisei a ela. — Pode nos esperar na


sala.

Ela acenou e saiu toda feliz com seu look.


Segui para o guarda-roupa e peguei meus patins e uma mochila.
Estava terminando de guardá-los quando Bruce se aproximou com uma
caixa de presente pouco maior que suas mãos.

— Posso guardar aí? — ele pediu, indicando a mochila.

Franzi a testa, mas a estendi para ele.


— O que é isso?

Ele colocou a mochila nos ombros após fechá-la e me envolveu com


um braço.

— Uma surpresa — foi tudo o que disse, misterioso.

— Quando será que vai começar a nevar? — Emy perguntou, as


mãozinhas apertando as nossas conforme caminhávamos juntos pela Feira
de Natal que antecedia a pista de patinação. Seus olhos cintilavam diante
dos itens natalinos que via pelo caminho, mas ela obviamente estava mais
interessada em chegar à pista. — Adoro quando neva.
— Em algum momento dos próximos dias — Bruce respondeu
assim que chegamos.

— Nossa, a árvore tá muito linda! — Emy exclamou, boquiaberta.


Meus olhos também se encheram com a imagem à minha frente. O
tapete azul-escuro do céu sendo iluminado pelos inúmeros prédios no
entorno de todo o parque e então a árvore de Natal, cintilando como um
espetáculo à parte.
Sorri.

Como se não bastasse, as luzes frias posicionadas para a pista


criavam aquele clima mágico e incrível. Apesar da queda na última vez em
que estive ali, eu não quis perder a chance de compartilhar esse lugar com
Bruce e Emy.
— Vou alugar um par de patins, vocês podem ir calçando os seus —
ele avisou, já me entregando minha mochila. — Cuidado com minha caixa,
amor.

Voltei a franzir a testa, cada vez mais curiosa sobre aquela caixa de
presente. Cogitei erguê-la e até sacudi-la para descobrir o que havia dentro,
mas não o fiz. Isso chamaria a atenção de Emy e seria pior.

Trocamos nossos sapatos pelos patins e depois seguimos para a fila


de entrada da pista. Ao procurar por Bruce no guichê de pagamento, me
surpreendi ao vê-lo conversando com um dos funcionários do parque, já
segurando seus patins.

Ao retornar calçado minutos depois, Bruce pegou a mochila de mim


e a colocou nos ombros novamente. Entrelacei nossas mãos e me surpreendi
ao sentir as suas úmidas de suor. Estava frio para qualquer um ficar suado
assim.

 — Tudo bem? — perguntei, esticando-me ao máximo para beijá-lo


nos lábios.
Ele acenou e devolveu o beijo com um sorriso que me pareceu um
pouco tenso.

Enquanto aguardávamos, Bruce acabou pegando Emy no colo para


que ela pudesse ver melhor a pista e toda a decoração ao redor dela. Rimos,
conversamos juntos e quando finalmente chegou a nossa vez de entrar, ela o
fez antes de nós, superanimada.

Conforme Emy corria e saltitava à nossa frente, patinamos de mãos


dadas, contornando a pista, como todas as outras pessoas. Graças a Deus
Bruce tinha mais habilidade que eu e conseguiu me manter firme e de pé
nas vezes em que quase escorreguei.
Os painéis de luz de dois lados da pista se apagaram de repente e,
apesar de não deixar o lugar escuro, a mudança da iluminação foi
inesperada e fez com que muitas pessoas parassem para ver o que havia
acontecido. Acabei fazendo o mesmo e pedindo que Emy também parasse,
preocupada que aquele fosse algum problema de energia.

Um burburinho de vozes se iniciou, mas a maior parte das pessoas


voltou a patinar, decidindo não esperar que aquele problema fosse
solucionado para poder se divertir. A pista ficou à meia-luz fria, mas não
perdeu seu encanto ou beleza. A árvore de Natal e o conjunto de luzes
amarelas da decoração natalina pareceram apenas mais deslumbrantes.

Fiquei tão fascinada com a mudança no ambiente, que não notei


Bruce e Emy trocando palavras, tampouco minha irmã se afastando.
Quando a vi, ela já estava no centro da pista, colocando uma espécie de
caixa sobre o gelo.

— Vem comigo, Cherry — Bruce pediu, voltando a segurar minha


mão e me puxando em direção a uma Emy sorridente.
A música Until I Found You soou na caixa de som que antes tocava
músicas natalinas e, por um momento, me lembrei da última vez que
estivemos ali, era essa a música que tocava quando Bruce nos encontrou e
segurou na pista.

Eu ainda não havia entendido o que estava acontecendo, mas acabei


sorrindo enquanto Emy girava uma manivela no topo da caixa, que logo se
acendeu e uma imagem azulada foi projetada no gelo.

Era um desenho. Parecia um menino.

Emy se ergueu e veio ficar ao meu lado, animada.

O desenho projetado no gelo se moveu conforme a música,


caminhando sozinho e sem sair do lugar, por segundos que começaram a me
apertar o peito... então ele cresceu e cresceu, ainda sem parar de caminhar.
Ainda sozinho. Até o próximo verso da música.

 
Eu estava perdido na escuridão, mas então eu a encontrei

Eu encontrei você

E alguém surgiu à frente dele. Uma garota.

Os dois começaram a caminhar juntos, crescendo ainda mais, as


mãos dadas... e então se separaram.

 
Eu pedi para

Amá-la mais uma vez

Você caiu, eu te peguei

Eu nunca vou deixar você ir de novo, como eu fiz


 

Quando os dois voltaram a se encontrar no gelo, a garota segurava a


mão de uma menininha. Meus olhos arderam. Emy se remexeu animada ao
meu lado.

Os três se encontraram no gelo.

Eu nunca mais me apaixonaria até encontrá-la

Eu disse que eu nunca me apaixonaria, a menos que fosse por você

Eu estava perdido na escuridão, mas então eu a encontrei

Eu te encontrei
 

Um coro de exclamações surpresas ganhou força em toda a pista


quando a projeção chegou ao fim e, ao procurar Bruce novamente, o
encontrei ajoelhado às minhas costas, erguendo uma caixinha vermelha de
veludo.

Emy praticamente pisoteou o gelo enquanto tentava saltitar ao meu


lado, mas meus olhos estavam em Bruce, apenas nele.
— Eu sei que estou cinco anos atrasado — ele iniciou, a voz rouca
pela emoção — e sei que fazer parte do meu mundo nunca foi algo que
você quis, mas desde que entraram na minha vida, vocês são o meu mundo
e nada nunca será tão importante quanto vocês. Se me aceitarem, prometo
amar e proteger duas, e ser o melhor marido e irmão mais velho que um
homem pode ser.
Lágrimas encheram meus olhos, nublando minha visão dos de
Bruce, limpei-os com o dorso da mão, consciente dos flashes de câmeras
sobre nós, mas sem me importar com eles. A caixinha vermelha foi aberta.
Dois anéis surgiram. Um deles pequenino, com uma coroa cravejada de
pedras cor-de-rosa. O outro, com um diamante rosa no centro.

Bruce se voltou para Emy:

— Aceita ser minha princesa dong-saeng[1]?

Ela avançou sobre ele antes mesmo de responder, o abraçou e gritou


animada, me fazendo rir e chorar de emoção.

— Sim, sim, sim! Eu aceeeeito! E você vai ser meu Oppa[2]!

Ele riu e concordou, retirando o anel dela da caixinha e o colocando


no anelar da mão que ela já estendia em sua direção.

— Agora o da Emma! — exclamou, se afastando com pulinhos de


felicidade, para nos dar espaço.

Voltei a limpar meu rosto enquanto uma rajada de vento frio


atravessava a pista entre nós. Uma gota gélida do que acreditei ser chuva
atingiu minha bochecha, mas eu apenas a limpei também.

Os olhos de Bruce voltaram a encontrar os meus, cintilando com um


brilho intenso e carregado de emoções.

— Aceita casar comigo, Cherry? — pediu a mim.

Eu acenei, o embargo em minha garganta dificultando a saída das


palavras, mas não as impedindo por completo.

— Sim... Sim, Bruce, é claro que sim.


Ele sorriu. Sorriu de um jeito tão lindo e apaixonado, que não
consegui mais continuar longe e me aproximei, chocando nossos corpos e o
beijando, sem me importar se estávamos diante de dezenas de
desconhecidos. Minha cintura foi enlaçada por seu braço.

— Por isso me perguntou aquilo mais cedo? — indaguei, contra


seus lábios, me afastando apenas para vê-lo colocar o anel em meu dedo.
Outra gota gélida pousou sobre minha mão enquanto eu observava o aro
delicado que a adornava.

Bruce acenou.

— Preparei tudo há dias — contou, então se ergueu. — Mas não


queria me precipitar nem te pressionar sobre nada daquilo, então...

Sorri, compreendia seu ponto.

Emy se juntou a nós e uma salva de palmas inundou a pista de


patinação, algumas felicitações surgiram de pessoas que estavam próximas
a nós e Bruce levantou Emy em seu colo enquanto ela me mostrava seu anel
perfeito e muito lindo.

Novas gotas frias acertaram meu rosto e braços e olhei para cima.

Um calor inesperado inundou meu peito.

Flocos pequeninos de neve começavam a cair, as rajadas de frio


fazendo-os sumirem no ar para logo serem substituídos por novos. Emy
estendeu a palma da mão para cima e sorriu.

— É a primeira neve — sussurrou, encantada. Seus olhos castanhos


encontraram os meus e não precisei de muito tempo para compreender a
emoção que havia neles.
Algo que Emy levava a sério desde que ouvira falar sobre aquela
crença da cultura sul-coreana.

Eu a envolvi em meus braços quando aconcheguei o corpo ao do


meu agora noivo.

— Você sabe o que significa a primeira neve, Bruce? — ela


perguntou. Ele acenou em negativa, limpando um floco de neve do rostinho
de Emy. — Na Coreia do Sul, quando as pessoas que se amam assistem à
primeira neve juntas e dizem que se amam, significa que elas vão ficar
juntas pra sempre.

Ele sorriu.

— É mesmo? Então é um bom momento pra eu dizer que amo vocês


duas.
Ela riu.

— E nós amamos você, né, Emma?

Sorri e acenei.

— Sim, nós amamos você, Bruce.


 
EPÍLOGO
 

Dois anos depois

Deixei escapar uma risadinha quando vi mamãe limpando as


lágrimas do rosto e se afastando para disfarçá-las, como sempre fazia,
porque não gostava de chorar na frente de ninguém. Olhei para a imagem
de Emma no espelho e sorri, quase entendia suas lágrimas. Ela estava muito
linda mesmo.

— Bruce vai ficar todo bobo quando vir você — falei, acariciando o
véu bonito e longo do vestido de noiva. Eu também usava um vestido
branco, de dama de honra, mas o da Emma era tão, tão, tão perfeito. Cheio
de umas pedrinhas delicadas e renda, e tinha também uma cauda enorme.

— Você acha mesmo? — perguntou. Logo desviou o olhar do


espelho para me encarar.
— Tenho certeza, e imagina quando ele souber que você... — ela me
cortou.

— Emy!

Cobri minha boca com as mãos e acho que congelei um pouco,


porque sabia que mamãe estava nos observando novamente. Eu descobri há
uma semana, vi Emma paralisada sobre a cama encarando um daqueles
testes de gravidez iguais aos das novelas. E claro que entendi rapidinho, né?
Mas ela pediu que eu guardasse segredo, queria contar ao Bruce no dia do
aniversário dele, daqui a uns dias. Ela não queria que ninguém mais
soubesse, antes dele. Eu estava até fazendo uns sapatinhos de crochê muito
fofos para o bebê.

— Emy? — mamãe me chamou. — Pode nos deixar sozinhas um


pouco? Quero conversar com sua irmã.

Soltei o ar que estava segurando e pedi desculpas a Emma com o


olhar, antes de a abraçar. Ela devia entender que era muito difícil guardar
aquele segredo. Eu teria um sobrinho. Um sobrinho muito lindinho e fofo.
Ou sobrinha. E ensinaria tanto a ele ou ela. Talvez fossem dois... meu Deus,
dois. Seria tão incrível. Emma disse que ainda não sabia se seria menino ou
menina, faria os exames em alguns dias.

Mas enfim, imagina olhar pro Bruce todo dia e não contar isso pra
ele logo? Como ela conseguia?!

Suspirei, soltando-a e indo até a mamãe para a abraçar também.


Gostava de fazer isso. Ela tinha passado muito tempo viajando quando eu
era menor e depois, quando voltou, ficou chateada comigo porque eu disse
para aquele juiz que preferia morar com o Bruce e a Emma, mas agora
estávamos bem. E ela e Emma também estavam ficando bem.
Depois de mamãe beijar o topo da minha cabeça, saí do quarto e
caminhei pelo corredor longo. O tio Maverick tinha isolado toda aquela ala
do hotel nos Hamptons para os convidados do casamento, mas Emma não
quis nada muito grande. Nem Bruce.
Eu queria algo grande, igual aqueles filmes de famílias ricas, mas
depois que vi a decoração do jardim, com a praia como plano de fundo e
um arco todo delicado de flores brancas, eu concordei que já estava perfeito
assim. Tudo gracioso e elegante, mas clean, que nem a Emma gostava.

Desci pelo elevador e, quando as portas se abriram no lounge de


entrada, encontrei uma das minhas pessoas preferidas no mundo.

— Tio Liam! — gritei, correndo para o abraçar.

— Gatinha — ele emitiu, rindo, enquanto me erguia em seus braços.


Eu já estava grande, mas ele era fortão igual ao Bruce. Todos os meus tios
eram, na verdade. — Você está linda, sabia? Cadê o chato do seu irmão?
Me mandaram ficar de olho nele pra não o deixar ter um colapso nervoso.

Eu ri e o abracei. O tio Liam era muito legal, mas não tinha muita
paciência com o Bruce, que nem o tio Maverick e o tio Blake. E eu não via
muito o tio Chuck, porque ele vivia mais na Europa, mas ele gostava
mesmo era de deixar o Bruce mais irritado.

— Eu não sei. Tava com a Emma. Cadê a tia Liz? — perguntei, eu a


tinha visto no jantar de ensaio do casamento, mas já estava com saudades.
Ela era muito especial e amorosa comigo.

— Foi consertar algo relacionado ao vestido dela — respondeu,


arrumando a coroa de flores que estava na minha cabeça. — Vamos
procurar o idiota do Bradshaw. Preciso falar com o filho da fruta.
Gargalhei, acenando em negativa. A Emma e a tia Liz tinham
treinado todos eles para não falarem palavrões perto de mim e da Jina, mas
só ficava muito engraçado quando usavam as versões que elas mandaram.
Até a Jina, que não entendia ainda, ficava rindo toda vez que ouvia.

Não precisamos ir muito longe para achar o tio Maverick, que


conversava com alguns funcionários do hotel e apertou os olhos ao nos ver.
Ele tinha um pouquinho de ciúmes, porque eu tinha me apegado muito ao
seu amigo, mas ele fingia que não, porque ciúmes era uma emoção feia.

— Cumprimente seu segundo tio preferido, Emy — o tio Liam


disse, para provocá-lo.

O tio Maverick bufou e dispensou os funcionários.

— Você não é preferido, Liam, só é parecido com os carinhas


asiáticos por quem a Emy é obcecada — retrucou, esse era seu melhor
argumento naquela discussão. — Quando eu ganhei o título de tio preferido,
ela nem sabia da sua existência.
Eu ri e fui com o tio Maverick quando ele estendeu os braços para
mim.

Os dois ainda trocaram algumas provocações, mas logo se


afastaram, porque um deles precisava ficar com o Bruce. Faltava pouco
para a cerimônia.

Depois a tia Liz encontrou a gente e me levou para pegar minha


cestinha de flores. Estava quase na hora da Emma entrar. Comecei a ficar
um pouquinho nervosa, com medo de cair ou sei lá.

Todas as cadeiras no jardim estavam ocupadas, mas só por amigos e


parentes mais próximos. Meu pai não estava ali e ao perguntar perguntei ao
Bruce por que não o tinha convidado, ele só me disse que um dia eu
entenderia.

Assim mesmo, todo misterioso.

Acho que eu queria muito conhecer meu pai e saber se ele podia ser
bom como o Bruce, mas começava a ver que tudo sobre ele era muito
estranho. Ele tinha sido preso há um ano, vi isso nos jornais, mas não
consegui entender bem por que, só sabia que Emma havia chorado ao tentar
me explicar o que era “assédio sexual”. Então parei de perguntar a ela sobre
ele.

Papai foi solto há uns meses, mas não o vi nem ouvi ninguém falar
sobre ele em casa. Num perfil de fofocas das redes sociais, apenas descobri
que ele tinha ido direto para Londres, onde a mãe de Bruce já estava.

Soltei o ar num suspiro de aceitação. Preferi pensar que todos que eu


sabia que nos amavam estavam ali, e a energia que eles transmitiam era tão
boa. Estavam todos felizes. E eu também.
Mamãe estava com os olhos vermelhos quando me encontrou e
instruiu a ter cuidado ao atravessar o corredor até o altar, então beijou
minha testa e deu um beijo na testa de Emma, para se despedir e seguir para
o altar também.

O tio Maverick foi quem entrelaçou o braço ao da minha irmã, ele a


entregaria para Bruce.
No dia do ensaio do casamento, perguntei à mamãe por que ela não
podia fazer isso, já que a Emma não tinha pai, mas ela apenas respondeu
que não merecia. Coisas de adulto. Eu já tinha desistido de tentar entender.

Os primeiros acordes da música de entrada da noiva começaram a


tocar e um sorriso grandão surgiu no meu rosto, igual no ensaio. Eu estava
tão feliz por Emma. E por Bruce. Eles se amavam muito e mereciam demais
aquele momento.

Meus olhos estavam ardendo um pouquinho com lágrimas quando


comecei meu percurso, jogando as pétalas brancas pelo caminho. Bruce
sorriu para mim, todo bobo e orgulhoso, e tive certeza do instante em que
Emma entrou porque seu olhar emocionado só poderia ter sido roubado por
ela.

Era tão lindo de ver.

Tipo um final feliz de um livro, ou de um dorama que tinha me


deixado com o coração quentinho. Na verdade, era melhor que isso, porque
era real pra eles e pra mim. Pra nossa história.

Bruce beijou o topo da minha cabeça quando o alcancei e uma


lágrima bobinha caiu pela minha bochecha assim que fiquei ao lado da
mamãe e o assisti erguer o véu da Emma para beijar sua testa. Ele sussurrou
que a amava, ela murmurou o mesmo.
E eu, quem nem era muito de chorar que nem a minha irmã, chorei
um pouquinho enquanto assistia os dois se casarem.

Enquanto as promessas deles um para o outro me davam a certeza


de um futuro lindo e cheio de amor para nós.
 
CAPÍTULO BÔNUS
 

Aviso:

Só leia se quiser saber mais sobre outros personagens desta história


ou se quiser conhecer a festa do Chuck no Clube Oásis. Este capítulo
termina com um gancho.
 

Noite de inauguração da festa do Chuck (dois anos antes do


casamento)

Conferi meu celular pela terceira ou quarta vez nas últimas duas
horas e ainda não havia nenhuma mensagem de Bradshaw.

— Se precisar, ele vai ligar, Bruce — Emma repetiu ao deixar o


closet segurando o vestido que usaria na festa. — Você precisa aceitar que
Bradshaw tem uma maneira diferente de lidar com as coisas. Vamos
respeitar a vontade dele.

Bufei.

— O filho da puta vive enfiando o nariz nas vidas de todos os


amigos e agora, que ele precisa de ajuda, é incapaz de aceitar?! — grunhi.
Abandonei o celular sobre a cama e me ergui para voltar a caminhar de um
lado a outro. — E por que ele não me contou que o pai dele estava no
hospital? Sou seu melhor amigo ou não? Se soubesse, eu o teria ajudado,
teria tentado o confortar ou...
Foda-se, eu não sabia o que teria feito, mas não o teria deixado
sozinho por todos aqueles meses. Saber que ele continuava com aquela
porra de mania de guardar a própria merda numa caixinha e agir como se
ela não existisse me preocupava. Maverick achava que podia resolver tudo
e cuidar das vidas de todos os amigos; ele tinha até ajudado Emma e Emy
quando me afastei, lidou com a administração dos hotéis de sua família —
coisa em que seu pai nunca fora bom —, me aproximou de Emma de novo,
cuidou de mim.

Por que não nos deixava ajudar quando ele precisava? Seu pai
estava com um diagnóstico ferrado e eu só havia descoberto isso porque
vira meu amigo receber uma ligação do hospital, informando que o Sr.
Bradshaw havia piorado?!

Fazia dois dias e Maverick sequer aceitara nossa presença lá.

Emma se aproximou e ficou na ponta dos pés para me beijar.

— Quando realmente precisar de você, ele vai te chamar. Porque


sabe que você estará lá por ele. — Ela usou a mão livre para tentar desfazer
o vinco de preocupação em minha testa. — Respeite o espaço dele, por
favor.

Expirei profundamente, cheguei a abrir a boca para argumentar, mas


o toque do meu telefone me interrompeu.

Avancei para a cama, certo de que era uma chamada de Bradshaw, e


o atendi imediatamente quando vi seu nome da tela.
— Hey, Batman — ele iniciou, tentando incorporar ao cumprimento
o tom de provocação de sempre —, você me ligou e mandou mais
mensagens hoje que em todos os últimos cinco anos.

Ele riu, mas a risada saiu artificial, acho que não enganou nem a ele.

— Me conte onde está, vou para aí com você — pedi, após trocar
um olhar com Emma.

— Eu estava em casa, cara. Agora estou indo para o Clube Oásis.


Temos uma inauguração hoje, ou já esqueceu? — Ouvi uma buzina soar
próximo dele e percebi que estava dirigindo. — Nos vemos lá. Chego em
uma hora. E é bom que você esteja vestido a caráter. É dia de profanar a
porra daquele templo.

Ele riu, mas não consegui fazer o mesmo.

— Até mais, cara.

 Encarei o telefone em silêncio após ele encerrar a chamada.

Emma ainda tinha seus olhos em mim quando guardei o telefone.

— Dê tempo a ele — pediu. — Talvez ele ainda esteja em negação.


É uma fase que ele precisa atravessar sozinho, no tempo dele.
Concordei com um aceno, mesmo que sentisse meu coração se
apertar ao fazer isso.
Observei-a ir até o banheiro para se trocar e peguei a camisa branca
que ela havia separado para mim. Por ser a última noite do ano e a primeira
festa na Secret Pleasure, no Clube Oásis, aquela era a cor exigida nos
figurinos.

Deixei o quarto e fui até o de Emy, para confirmar que ela já estava
dormindo. Havíamos conseguido uma babá para passar a noite no
apartamento com ela, porque provavelmente não chegaríamos até o
amanhecer.

Deixei um beijo na testa pequenina e retornei à sala, para aguardar


por Emma. Aos poucos, consegui me livrar de parte das minhas
preocupações envolvendo Bradshaw. Eu era bom em respeitar o espaço dos
meus amigos, não queria mudar isso agora, nem o sufocar quando a doença
de seu pai já devia estar o consumindo.

Mesmo que eu relutasse em aceitar, Emma estava certa em dizer que


o melhor que poderíamos fazer é respeitar o espaço dele. Então eu me
forçaria a fazer isso.
Encarei o relógio em meu pulso apenas para confirmar que nos
atrasaríamos e enviei uma mensagem para avisar meus amigos em nosso
grupo. Me atrasar estava se tornando a porra de um hábito, mas só porque
eu não gostava de apressar Emma, ou delegar a tarefa de buscar Emy na
escola ou mesmo mudar nossa rotina de jantar juntos todas as noites em
nosso apartamento. Tudo o mais podia sim esperar.

Tamborilei os dedos na coxa enquanto recordava da última reunião


que tivera com meus amigos, para estabelecermos as regras da festa secreta
que o Clube Oásis sediaria hoje, com uma lista de convidados
rigorosamente selecionados entre os nossos associados mais importantes.
Os boatos sobre a festa começaram a ser disseminados há alguns meses e,
desde então, segundo Chuck e Liam, que estavam à frente disso, recebemos
pedidos para entrada numa lista de espera. O fato de algumas pessoas já
saberem que suas identidades seriam protegidas durante as festas havia
aumentado a curiosidade acerca delas.
A expectativa era enorme e a lista de presenças fora totalmente
preenchida.

Ao ouvir Emma fechar a porta do nosso quarto, desviei meu olhar


para o corredor. Quando ela surgiu em um maldito vestido branco e longo,
como uma deusa grega e sexy, eu me ergui, meus olhos passearam pelo seu
corpo perfeito, atentos a cada pedaço de pele macia, e a todo centímetro
sensualmente coberto também. Uma coxa grossa e nua ficava à mostra
graças a uma fenda e, em alguns pontos específicos, sua pele também podia
ser contemplada através do tecido fino, o que criava a impressão de que ela
estava sem nada sob o vestido.
Eu não tinha nem palavras para definir a beleza da minha mulher
agora!

— É demais? — perguntou, diante do meu olhar, a maquiagem


suave estava em contraste com o batom vermelho-vibrante, que só deixava
seus lábios gostosos em evidência. Irresistíveis. — Eu adorei o corte e o
tecido, mas talvez...

— É perfeito — garanti, indo até ela para agarrar sua cintura e trazê-
la para mim. Beijei sua boca e mordisquei seu lábio inferior. — Você é um
pecado deliciosamente envolvido em tule e seda.
Emma sorriu e pousou suas mãos sobre meu peito.

— Lembra do que eu disse sobre essa festa?

Ela acenou.
— Há regras e limites para ela não ser transformada numa orgia
tosca e sem sentido, mas pudor não é uma palavra que existirá hoje, Cherry.

Sua cabeça voltou a se mover para cima e para baixo. Havia algum
receio em Emma, mas a curiosidade era nitidamente maior. A ansiedade
também.

— Posso lidar com isso— garantiu.

— Okay — concordei, me inclinando por um instante para beijá-la,


antes de sairmos.
 

 
Não mais do que meia hora depois, Emma estacou à entrada do
salão. A máscara elegante e dourada que ela usava, idêntica à minha, não
cobria sua boca e pude vê-la entreaberta. Talvez eu devesse tê-la preparado
para o fato de que o lugar pareceria uma catedral pronta para ser profanada.

Havia dois ambientes separados por uma linha tênue. De um lado,


sofás e mesas luxuosas montados estrategicamente para receber e acomodar
duas ou mais pessoas. Bebidas sendo servidas, dançarinos e dançarinas
mascarados se movendo de forma sensual, numa dança aérea em tecidos
acrobáticos brancos. Praticamente nus, mas intocáveis.
A iluminação quente, o cheiro, a música, a dança... tudo parecia
gritar luxúria, atiçar o desejo e lembrar o sexo, golpeando os sentidos com
os elementos certos para livrar todos ali das amarras do pudor e da
moralidade.

Emma e eu estávamos atrasados, por isso a abertura já tinha sido


feita e alguns casais se agarravam nos sofás, outros trocavam carícias e
conversavam baixinho. Todos de máscaras, porque aquela era uma regra
que não poderia ser quebrada. As máscaras só podiam ser tiradas em
privado, e se ambas as partes quisessem. E todos eram obrigados a usar
pseudônimos.
Achei ter visto Bradshaw com uma garrafa de bebida, sendo
chupado por uma mulher e revezando entre o gargalho e os lábios de outra,
mas não o encarei por muito tempo. Se aquela era a forma dele de lidar com
o que estava acontecendo em sua vida pessoal, eu deixaria. Ao menos por
enquanto.

— Quer conhecer o outro lado, Cherry? — perguntei baixinho, no


ouvido de Emma, que soltou o ar num suspiro e apenas acenou. Sua mão
procurou a minha e a agarrou.

Sorri ao ver seu lábio inferior preso entre os dentes. Daria tudo para
ler sua mente agora.

Devagar, eu a guiei para o outro lado, aquele que estava preenchido


por cabines de vidro e tendas de tecido vermelho praticamente transparente,
em vários ambientes criados e montados para o sexo. Como pequenas salas
com quase nenhuma privacidade, nas quais já era possível ver casais e até
trisais se movimentando em busca de prazer.

Emma parou diante da visão de um deles.

Sob a tenda, havia uma mulher presa a uma estrutura de madeira,


vendada e amordaçada. Nua. Tremendo de prazer enquanto era estimulada
com um vibrador.
— Me diga o que está pensando — pedi baixinho, ao ouvido de
Emma.

— Eu... — ela se interrompeu para engolir a saliva e inspirou fundo.


— Estou curiosa.

— Só curiosa?

Ela hesitou por um instante e moveu o rosto para me encarar, havia


um rubor intenso em suas bochechas, mas nada que a impedisse de ser
sincera.

— E excitada.

Sorri.

  Inclinei-me para beijá-la no que era para ser apenas uma


provocação, mas fui vencido pelo meu próprio desejo quando senti seu
gosto. Ergui seu corpo para diminuir nossa diferença de altura e saqueei sua
boca, roubando seu sabor, seu fôlego e qualquer capacidade de agir ou se
mover sem ser guiada pelo ritmo que eu impunha.

E Emma não recuou nem lutou, apenas aceitou meu domínio e


retribuiu cada movimento da minha língua em contato com a sua.
 Uma música baixa e sensual ainda tocava ao fundo, alguns gemidos
podiam ser ouvidos da tenda mais próxima e, apesar do ar climatizado, o
calor ardeu em minha pele a cada contato sutil com a sua.

Não larguei seus lábios mesmo quando Emma se apoiou em meus


ombros e envolveu uma das pernas em minha cintura, ficando toda aberta
para mim, os mamilos duros esfregando minha camisa através do tecido
fino do vestido.

— Porra, você está nua — grunhi, a certeza me atingiu e me fez


latejar antes mesmo de eu enfiar minha mão livre através da fenda e
encontrar sua boceta livre e molhada pra mim. Emma gemeu baixinho
quando a toquei, deslizando os dedos pelos lábios úmidos e esfregando até
alcançar o clitóris. — O que está deixando você molhada assim, amor?

Sua respiração era ofegante e se confundiu com a minha.

Ela não respondeu, mas seus dedos se embrenharam em meus


cabelos, puxando com força, seu olhar migrando para algo às minhas
costas, a boceta contraindo contra os meus dedos.
— Ver outras pessoas fodendo na sua frente? Ouvir os gemidos e
reconhecer o prazer que estão sentindo?

Ela engoliu em seco.

— Imaginar você me fodendo assim.

Porra... por que era tão sexy ouvir Emma falando assim?
— Como? — Sua respiração ainda estava superficial, percebi que
seu olhar vagava por entre as tendas e cabines, então comecei a listar o que
eu via naqueles lugares. — De quatro? Amarrada? Com um vibrador? De
joelhos com meu pau enterrado na sua garganta?
Ela gemeu, a boceta latejando mais a cada palavra que eu dizia.

— Podemos experimentar o que você quiser — sussurrei, contra


seus lábios. Esfreguei seu clitóris e sua tentativa de fechar as pernas e
esconder o rosto em meu peito quando um casal passou por nós, me tornou
ciente do pouco de tensão que a tomava. Pareceu finalmente lembrá-la de
que ainda estava em público, mesmo que mascarada. — Também há quartos
aqui, amor. Mais reservados e...

— Vamos para um deles — pediu.


Sorri novamente e a beijei.

Não lhe dei qualquer resposta além dos meus passos firmes através
do corredor cercado pelas cabines de vidro e tendas ocupadas. Em poucos
segundos, eu fechava uma porta às nossas costas, e enfiava uma mão entre
seus cabelos para puxá-los e afastar seu rosto o bastante para beijar seu
pescoço.

— Diga o que quer — mandei.

Ela suspirou, seu corpo agora livre de qualquer tensão.

— Pode me vendar? E... — Pausou, talvez em dúvida, mordendo a


parte interna da bochecha, como se não pudesse escolher apenas uma entre
as tantas opções que tinha. — E me surpreender?

Sorri e acenei. Descartei nossas máscaras e a beijei uma última vez


antes de colocá-la no chão. Suas pernas se mostraram instáveis, mas logo a
ajudei a sentar na cama.
O quarto tinha paredes cinzas e decoração preta, com móveis
negros. Apenas os lençóis de seda da cama eram vermelhos. Ardentes.
Chamativos. Um ponto de luz e luxúria.
 Deixei Emma observando todos os detalhes do lugar e me movi até
a mesa de cabeceira. Havia três gavetas nela e eu já tinha ideia do que as
ocupava. Não demorei a encontrar a venda e acabei sorrindo ao ver uma fita
longa de cetim, preta como todos os acessórios ali. Conferi as caixas com
lubrificantes, géis e cremes intocados e outro sorriso curvou meus lábios
quando vi uma cereja em um deles. Havia também vibradores, sugadores de
clitóris, anéis penianos e plugs anais.
— Tire o vestido, amor — mandei.

Enquanto ela o fazia, tive tempo suficiente para decidir o que usaria
e tudo o que faria. Sabia que Emma estava curiosa e excitada com a ideia de
estar ali, era tudo novo para ela, mas eu não cometeria o erro de ultrapassar
limites demais. Não queria assustá-la ou correr o risco de ela se fechar para
aquelas novas possibilidades. Começaria com algo simples, mas novo, e
agiria conforme suas reações.

Voltei-me para ela apenas com a venda e tomei meu tempo


observando a perfeição do seu corpo delicioso bem diante de mim. Nu em
pelo, com todas as curvas que só haviam se acentuado com o passar dos
anos. Minha vontade era beijar e chupar cada centímetro de Emma.

Envolvi seu pescoço com a mão e trouxe sua boca para mim em um
beijo urgente, daqueles que toma tudo e te rouba o chão, mas termina antes
que você seja capaz de saciar a vontade. Daqueles que é bom mesmo em
atiçar o desejo.

— Não canso de olhar pra você — confessei, capturando seu lábio


com os dentes, puxando com força. Adorei ouvi-la gemer e colar seu corpo
ao meu, em busca de mais contato.
Uma vez que coloquei a venda e a deitei na cama, sua respiração se
tornou mais pesada. Não precisei observá-la por muito tempo para saber
que estava atenta aos meus movimentos, a cada pequeno barulho que eu
fazia enquanto separava o que pretendia usar.

Livrei-me da camisa e dos sapatos que usava, assim como do cinto e


da calça. Peguei a fita, o gel com sabor de cereja e o vibrador. Não
pretendia usá-lo antes de eu mesmo chupar sua boceta, mas o deixaria ao
alcance das mãos.

O colchão afundou sob o peso do meu joelho quando me coloquei


sobre a cama. Movi-me sem pressa, abrindo e erguendo as pernas macias de
Emma até deixar sua boceta nua praticamente colada ao volume do meu
pau ainda preso à cueca boxer.

Ela ofegou.

Observei seu rosto bonito e ansioso enquanto abria a embalagem do


gel e o testava nos dedos. Poucos segundos foram suficientes para eu
comprovar o efeito que ele prometia no rótulo. A essência do sabor de
cereja inundou o espaço entre nós e Emma inspirou fundo, reconhecendo-a.
Sorri e deslizei meu polegar úmido sobre meus próprios lábios antes de me
inclinar sobre ela, para pressioná-los aos seus; chupei-os devagar, para
então mordê-los com força. Ela emitiu um som baixo de prazer e se
remexeu sob mim, as mãos vindo ao meu peito e costas, puxando-me para
colar nossos corpos ainda mais, até que o gel começou a agir, esquentando e
vibrando em nossos lábios. Voltei a beijá-la, mergulhando a língua em sua
boca e encontrando a sua. Emma gemeu baixinho e novamente tentou me
segurar, mas desta vez a impedi.

Acabei com o beijo abruptamente, deixando-a órfã, buscando por


mais. Prendi seus pulsos com uma mão e peguei a fita grossa de seda com a
outra.

— O que é isso? — Emma perguntou, trespassando a língua pelos


lábios. — Deixou meus lábios ardendo, mas... latejando.

Sorri e senti sua respiração travar quando comecei a prender suas


mãos à cabeceira da cama, o coração disparando tão rápido e forte que
Emma sequer conseguiu articular algo em resposta ao que fiz, apenas
mordeu os lábios.
Quando me afastei, ela já estava com os pulsos presos. Tomei o
cuidado de apenas restringir seus movimentos, de modo que ela só se
machucaria se lutasse demais contra as amarras.

Ainda em silêncio, voltei a lambuzar meus dedos com o gel,


levando-os desta vez para sua boceta. O contato gelado e úmido fez Emma
contrair as pernas, tentando fechá-las, mas bastou um esfregar singelo em
seu clitóris para ela relaxar.
— Bruce... — sussurrou com dificuldade, o corpo estremecendo sob
minhas mãos, os movimentos hábeis espalhando o gel, estimulando todas as
áreas que certamente já começavam a latejar e esquentar graças a ele. Os
movimentos dos seus quadris se tornaram mais inquietos, a respiração foi
ficando entrecortada e eu mordi meus próprios lábios para conter um
gemido quando vi sua boceta se contraindo com força.

Meu pau latejou, preso na boxer, dolorido.

Voltei a melar meus dedos com o gel e os enfiei em seu canal já


úmido, o movimento foi tão abrupto que Emma gemeu ainda mais alto,
arqueando sobre a cama. Ela rebolou em meus dedos e arfou. Suas pernas
se fecharam com força em volta da minha cintura no momento que comecei
a estocar meus dedos em seu corpo, esfregando seu ponto G e espalhando o
que podia do gel.
Seu rosto se contraiu de prazer e ela forçou a fita para tentar se
soltar, mas foi em vão.

— Quietinha — mandei, diminuindo o ritmo, atento aos balançar


hipnotizante dos seus seios enquanto ela resfolegava.

Seu esforço para me obedecer foi nítido, mas não durou. Ela
choramingou meu nome e só entendi o motivo quando senti sua boceta
inchar em volta dos meus dedos e latejar.

Parei, ofegante, preso à imagem da sua boceta pingando em minha


mão e me apertando do jeito que só meu pau tinha sentido até ali.

Emma empurrou os quadris em minha direção e gritou ao receber


um tapa forte na boceta, em resposta.

Em vez de se assustar e reclamar, ela gemeu. Gemeu, porra. Como


se implorasse por mais. Já devia estar quente e sensível como o inferno para
reagir tão rápido e de forma tão receptiva, mas não me importei. Salivei
diante da umidade que escorria por minha mão e voltei a meter nela,
investindo uma e outra vez apenas para ouvir Emma gemer e então gritar
quando meus dedos voltaram a encontrar sua carne rosada em outro tapa,
agora mais forte.

Um tremor involuntário e intenso percorreu suas pernas e quadris,


mas não a impediu de sussurrar:

— De novo.
Aquela foi a minha ruína, porra. Eu devia estar no controle, mas o
perdi completamente no momento que cedi ao seu pedido e voltei a bater.
Uma, duas... seis... nove vezes, até ela se contorcer em um orgasmo
violento, bem diante dos meus olhos.
Minha mão ainda estava molhada dos seus fluidos quando a usei
para me masturbar, dar um pouco de alívio ao meu pau enquanto Emma
voltava a si.

Mas, em poucos segundos, eu afundava minhas mãos em sua bunda


para erguer seu corpo e chupar sua boceta, cada gota do prazer que eu havia
lhe dado. Ela gritou meu nome de novo, forçando a seda em seus pulsos
com desespero, espasmos atravessando seu corpo já sensível demais.

— N-não aguento, p-por fa-favor... — implorou.

— Aguenta, sim, amor. — Usei um polegar para provocar sua


entrada. — Vai aguentar meu pau também, e gozar gostoso com ele, do jeito
que a gente gosta.
Voltei a sugar seu clitóris e deslizei uma mão pelo seu ventre e
barriga, o suor em sua pele e a respiração ofegante me deixando louco.
Apertei seus seios e prendi um mamilo entre os dedos, puxando-o, até
finalmente envolver seu pescoço. Não sei de onde a porra da vontade veio,
mas me vi tentado a restringir também o ar que entrava em seu corpo.
Desconfiei de que Emma um dia gostaria disso, de ser sufocada enquanto
também era fodida. Mas não agora. Não enquanto ainda estávamos
começando a testar seus limites.

Eu me afastei sem deixá-la gozar de novo.


Livrei-me da boxer com agilidade e contive o gemido de dor
causado pelas bolas roxas. Seu corpo tremia levemente quando a mudei de
posição, deixando-a de bruços sobre a cama. A seda prendendo seus pulsos
estava frouxa o bastante para permitir aquela mudança. Abri a embalagem
do vibrador e o higienizei com o produto adequado. O ruído chamou a
atenção de Emma.

— O que é? — balbuciou a pergunta, num fio de voz rouco e sexy.

— Você vai descobrir já, já...

Ela expirou com alguma dificuldade e se apoiou nos cotovelos


enquanto eu erguia sua bunda. Não precisei pedir para que a empinasse para
mim.

Eu adorava vê-la por aquele ângulo, agarrar seus cabelos com uma
mão, afundar a outra na carne macia das suas nádegas e me enterrar em seu
corpo, mas preferia as posições que me permitiam ver seu rosto e beijar sua
boca sem precisar parar ou diminuir o ritmo. Beijá-la durante o sexo era a
porra de um vício e eu sabia que Emma também preferia foder assim.
No entanto, daquela vez, quando preenchi sua boceta, o prazer que
me golpeou me fez esquecer de qualquer maldita preferência.

— Porra, Cherry, você tá tão apertada... — rosnei e resisti à vontade


de impedi-la de mover os quadris em minha direção.
— Tão gostoso — gemeu as palavras, sem conseguir parar de
empurrar a bunda deliciosa em minha direção. Não reclamei, apenas peguei
o maldito vibrador e o liguei.

Emma parou de respirar ao senti-lo deslizar por seu corpo e


choramingou desconsolada quando o posicionei em seu clitóris. Ela voltou
a tremer, sua boceta se contraiu de novo, tão forte que não consegui conter
o gemido que me escapou.

Inclinei-me e rasguei a fita que prendia seus pulsos.


Em seu ouvido, sussurrei:
— Mantenha o vibrador no clitóris, amor, vamos ver quão forte você
consegue gozar tendo ele e o meu pau te dando prazer.
Sua hesitação foi passageira, logo Emma enfiava uma mão entre as
pernas e o latejar recorrente do seu sexo me impulsionava a estocar com
força. Num ritmo que não demorou a nos roubar qualquer controle.

Ela gritou.

Eu gemi.

Agarrei seus cabelos em algum momento, forçando-a a arquear as


costas e firmando seu corpo para me receber, fiz isso sem parar de meter,
sem deixar de aproveitar o pulsar insano a minha volta, sem conseguir
raciocinar ou ver algo além do corpo gostoso da minha mulher se
desmanchando de prazer bem à minha frente.

Emma gozou primeiro, seu corpo se contorcendo enquanto seu canal


entrava na porra de um colapso que me empurrou do céu ao inferno. Não
sei por quanto tempo ainda consegui manter o vai e vem, mas gozei forte,
duro, enchendo sua boceta de um jeito que nunca havia feito antes.

Demorei a voltar a mim e Emma já estava exausta e fraca à minha


frente quando o fiz. Saí do seu corpo e a puxei para os meus braços ao
deitar. Ela se aconchegou em meu peito e se entregou ao cansaço. Não
consegui fazer mais do que tirar sua venda, cobri-la e abraçá-la antes de me
permitir descansar um pouco também.

Por algumas poucas horas.

Na manhã seguinte, Emma estava uma mistura deliciosa de cabelos


revoltos, satisfação sexual e exaustão física enquanto eu a ajudava a colocar
o vestido para irmos embora. Ela falou o mínimo, mas se manteve agarrada
a mim enquanto saíamos. Toda manhosa.
Sorri, pressionando um beijo no topo de sua cabeça e a abraçando.
Uma porta ao lado da nossa foi aberta assim que saímos e a pressa
da mulher que o deixava certamente foi responsável por ela não perceber
que estava sem máscara.

Encarei-a boquiaberto e ela deu alguns passos erráticos para trás


quando nos viu, também sem máscara.

— Elizabeth? — chamei, ainda sem acreditar que a irmã mais nova


de Liam estava ali.

Como diabos ela havia conseguido entrar nessa festa?


— Bradshaw? — a pergunta chocada de Emma levou minha atenção
ao homem nu que surgia à frente da porta.

As mãos escondendo o membro entre as pernas, os cabelos revoltos


me dando certeza de que acabara de acordar.

Meu olhar intercalou entre ele e Elizabeth, mas antes que eu pudesse
fazer qualquer pergunta, ela fugiu.

Obviamente deixando mais do que Emma e eu sem saber que porra


fazer.
 
 
 

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[1]
Expressão coreana usada com irmãs ou irmãos mais novos.
[2]
Expressão coreana que, nesse contexto, é uma forma carinhosa de se referir ao irmão mais velho.

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