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UNICID-UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO.

SUELI XAVIER

TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO:


SERVIÇO SOCIAL

Santa Bárbara-MG
2020
SUELI XAVIER

O DESAFIO DE COMPREENDER A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA

Trabalho de Conclusão do Curso de Serviço Social


apresentado à Universidade de São Paulo como
exigência parcial para obtenção do grau de
bacharel em Serviço Social.

Santa Bárbara-MG
2020
RESUMO

Este trabalho tem como objetivo discutir sobre a violência doméstica no âmbito
social a fim de levar o conhecimento a todos os lugares possíveis de se fazer
uma reflexão. O que é uma violência doméstica, como ela acontece e o que
fazer diante deste acontecimento. Para isso, é necessário que as políticas
públicas estejam voltadas para o tema, buscando parcerias e promovendo
mudança na consciência da sociedade. O referente estudo foi feito através de
pesquisas bibliográficas e uma abordagem específica sobre a valorização da
mulher nos procedimentos a serem realizados com os agressores, utilizando-se
de políticas públicas acessíveis e assertivas diante do contexto da violência
doméstica.

Palavras-chave: violência doméstica, políticas públicas, compreensão.

ABSTRACT

This work aims to discuss domestic violence in the social sphere in order to
take knowledge to all possible places to make a reflection. What domestic
violence is, how it happens and what to do about this event. For this, it is
necessary that public policies are focused on the theme, seeking partnerships
and promoting change in society's awareness. The referred study was made
through bibliographic research and a specific approach on the valorization of
women in the procedures to be carried out with the aggressors, using
accessible and assertive public policies in the context of domestic violence.

Keywords: domestic violence, public policies, understanding.


SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO...............................................................................................5

2 DESENVOLVIMENTO...................................................................................7

2.1 Desafiando a compreensão da violência...................................................7

2.1.1 Mitos da violência doméstica..................................................................8

2.1.2 Os motivos pelos quais as mulheres permanecem em um


relacionamento abusivo.....................................................................................10

2.1.3 As entrelinhas da violência doméstica..................................................12

2.1.4 Só as mulheres podem receber atendimento e denunciar pelo


180?...................................................................................................................12

2.1.5 Relato importante da responsável pela criação da Lei “Maria da


Penha”................................................................................................................13

2.1.6 Os números da violência contra a mulher.............................................16

2.1.7 Implicações da violência para a saúde da vítima.................................21

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS.........................................................................26

REFERÊNCIAS..................................................................................................27

APÊNDICE A......................................................................................................29

APÊNDICE B......................................................................................................30
5

1 INTRODUÇÃO

No mundo em que vivemos, a violência doméstica vem se arrastando ao


longo de séculos devido às regras passadas de geração em geração, nas quais o
machismo prevalecia tratando as mulheres como um ser incapaz de pensar e tomar
suas próprias decisões.
Foi necessário que várias mortes acontecessem para se chegar ao
patamar de um início de seriedade por parte política e parte social. Apesar de que,
ainda, prevalece o pensamento patriarcal e machista juntamente com a
desigualdade de gênero que é perceptível a todo o momento seja da casa ao
trabalho, no qual a mulher faz a mesma atividade, porém o salário não é compatível
ao do homem.
É um tema complexo pela voracidade em que acontece em pleno século
XXI que a cada 10 minutos um total de 4 a 5 mulheres são espancadas por uma
figura masculina que pode ser não somente o seu cônjuge mas um irmão, um pai,
padrasto, tios e avós. Essa figura que deveria proteger torna-se um agressor por
motivos banais, desde assuntos relacionados à organização de uma casa, como o
desejo sexual impondo o seu desejo.
Tal estudo afirma também que, com o passar do tempo, as atitudes do
agressor mudam, tornando-se mais evidentes, mas ainda sutis. Então, a violência
psicológica doméstica passa a manifestar-se verbalmente, com humilhações
privadas ou públicas, exposição à situação vexatória, como no caso de ridicularizar o
corpo da vítima chamando-a por apelidos ou características que lhe causam
sofrimento. Tais atitudes, cumulativamente, podem produzir efeitos como, a mulher
passa a ficar se justificando e se desculpando perante o companheiro, bem como se
desculpando com as demais pessoas pelo comportamento dele.
Ao reconhecerem que não estão sós, itas têm acionado órgãos
competentes para serem procurados de acordo com a necessidade, assegurando à
mulher disposições preliminares da lei nº 11.340 de 07 de Agosto de 2006 no art. 2
em que “Toda mulher independentemente de classe, raça, etnia, orientação sexual,
renda, cultural, nível educacional, idade e religião, goza dos direitos fundamentais
inerentes a pessoa humana, sendo- lhe asseguradas as oportunidades e facilidades
para viver sem violência, preservar sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento
6

moral, intelectual e social. Esta lei veio para coibir a violência doméstica através da
criação de mecanismos nos termos do 8 artigo 226 da constituição Federal.
É preciso que este conhecimento seja ampliado e divulgado de forma
bem clara a toda comunidade. Colocando em questão que as mulheres não estão
sozinhas nesta luta, instituindo um basta à violência doméstica.
7

2 DESENVOLVIMENTO

2.1 DESAFIANDO A COMPREENSÃO DA VIOLÊNCIA

Segundo O importante e mais urgente é que sejam divulgados diversos


estudos que abordem a violência doméstica, destacando sempre que existe amparo
diante das leis e ressaltar de igual forma sobre a importância de denunciar, pois esta
violência é um problema para a saúde pública no que tange a violação dos direitos
humanos (AZEVEDO; GUERRA, 2001).
O termo violência psicológica doméstica foi cunhado no seio da literatura
feminista como parte da luta das mulheres para tornar pública a violência
cotidianamente sofrida por elas na vida familiar privada. O movimento político-social
que, pela primeira vez, chamou a atenção para o fenômeno da violência contra a
mulher praticada por seu parceiro, iniciou-se em 1971 na Inglaterra, tendo sido seu
marco fundamental a criação da primeira "CASA ABRIGO" para mulheres
espancadas, iniciativa esta que se espalhou por toda a Europa e Estados Unidos
(meados da década de 1970), alcançando o Brasil na década de 1980.
A desigualdade de gênero no qual o homem considerado mais forte
impõe seu poder a partir da força por motivos culturais, econômicos e sociais é um
tema que não era tão discutido como atualmente. Apesar da impunidade existente
aos agressores que, muitas vezes, levam anos ou até mesmo caducam no poder
público devido à lentidão das leis brasileiras, não pode colocar fatores como as
drogas, bebidas ou tipos de temperamento como desculpas para a impunidade,
deixando de pensar no ser humano como um ser pensante e sociável.
8

2.1.1 Mitos da violência doméstica

Existem alguns mitos que são bem populares sobre a violência doméstica
levando as vítimas a acreditarem que são elas as culpadas, fica tão embutido em
suas mentes que, devido a tanto sofrimento, elas passam a sentir que merecem
estar vivendo aquela situação. Um dos mais agravantes é que as mulheres
apanham porque gostam ou porque provocam.
“Desde quando uma pessoa com a mente sã irá aceitar esta situação por
hobby?” Atrás desta aceitação existem diversos empecilhos que as impossibilitam
de agir na proteção da vida dos filhos, como a própria falta de recursos financeiros.
“A violência doméstica só acontece em famílias de baixa renda e pouca
instrução”, mas isto não é verdade, pois os agressores estão em toda parte com ou
sem instrução, com muito ou pouco dinheiro, em toda camada social e a denúncia
tem que ser feita por parte da vítima ou de qualquer testemunha sem precisar
envolver-se.
Outra frase muito comum é afirmar que “há facilidade em identificar o tipo
de mulher que apanha”. Não é fácil, porque não existe um perfil específico de quem
sofre violência doméstica, qualquer mulher em qualquer período da sua vida,
dependendo do relacionamento em que se encontra, pode-se tornar uma vitima, pois
os agressores também não apresentam imediatamente essas características, a não
ser aqueles em que já exista um histórico construído com essas atitudes em
relacionamentos anteriores. Assim, já é de se esperar que, mais cedo ou mais tarde,
este agressor possa manifestar a sua verdadeira identidade.
“A violência doméstica não acontece com frequência”. Segundo dados da
Organização Mundial da Saúde (OMS), em 2015 o Brasil já ocupava o 5º lugar num
ranking de 83 países onde se matam mais mulheres. São 4,8 homicídios por 100
mulheres destes, quase 30% dos crimes ocorrem em domicílio.
Além disso, uma pesquisa da Data Senado (2013) revelou que uma em
cada cinco brasileiras assumiu que já foi vítima de violência pelos seus parceiros. Há
situações e que a violência verbal ganha força e a vítima acredita que o agressor
mudará seu comportamento e que não irá se repetir. Chances são dadas por
colocarem os filhos, o amor à frente de tudo e o agressor acaba aproveitando a
brecha para se apoderar cada vez mais da situação, até a vítima não ter mais forças
9

e nem coragem para sair dessa situação.


Todos estes mitos levam a crer que as políticas públicas precisam ser
mais acirradas e com ações concretas, estando ao lado das vítimas possibilitando-
as conhecimento para se encorajarem e tomar as decisões certas, saindo do
relacionamento abusivo com apoio dos órgãos competentes para se reestruturarem,
pois nenhuma vítima sairá e abandonará os seus filhos com os parceiros.
Cabe ao poder público estar contribuindo com o acesso às políticas
públicas voltadas para estes procedimentos, por exemplo, o CRAS, CREAS, CAPS
e Delegacia da Mulher, protegendo as vítimas e punindo os agressores com penas
mais rigorosas e com mais rapidez, assim faria a diferença e até mesmo não
chegaria ao número tão grande de mortes. Não oportunizando chance de repetir
estas ações com outras pessoas, o que infelizmente acontece, a reincidência dos
fatos.
De acordo com a cartilha que foi distribuída gratuitamente para a
população através do CRAS, CREAS, pelo “Conselho da mulher”, deixa bem claro
que é preciso denunciar sem medo. É mostrar as inovações da lei para o
conhecimento de todos os cidadãos e é muito importante que todos estejam cientes
dos capítulos da Lei nº 11.340 de 07 de agosto de 2006.
CAPITULO ll
Das formas de violência doméstica e familiar contra a mulher.
Art 7º- são formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre
outras;
l- a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua
integridade ou saúde corporal.
ll- a violência psicológica entendida como qualquer conduta que lhe causa
dano emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o
pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações,
comportamentos, crenças e decisões mediante ameaça, constrangimento,
humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz,
insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou
qualquer outro meio que lhe cause prejuízo á saúde psicológica e a
autodeterminação.
ll- a violência sexual, entendida como a conduta que constranja a
presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante
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intimidação, ameaça, coação ou uso da força, que a induza a comercialização ou a


utilizar de qualquer modo, a sexualidade, que impeça de usar qualquer método
contraceptivo ou que a force ao matrimônio, á gravidez, ao aborto ou a prostituição,
mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação, ou que limite ou anule o
exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos.
lII- a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que
configuras retenção,subtração, destruição parcial ou total de seus objetos,
instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos
econômico,incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades.
IV- a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure
calunia, difamação ou injúria.
Estas formas de violência, muitas vezes, não são de valor pelas vítimas
por não conhecerem o seu teor. Através de relatos feitos com pessoas de níveis
diferentes de escolaridade, foi constatado o desconhecimento dessas formas. Então
é necessário que os órgãos competentes se apropriem desse contexto e divulguem
com mais clareza a qualquer cidadão a fim de conscientizá-los de que qualquer tipo
de violência contra a mulher é crime.

2.1.2 Os motivos pelos quais as mulheres permanecem em um relacionamento


abusivo

Segundo alguns autores renomados, isto acontece por diversos fatores


que deixam a vítima sem ação. Souto e Braga (2009), em sua pesquisa concordam
que a representação da violência doméstica por meio de sentimentos de meio e
aprisionamento e o medo são atribuídos à sensação de ameaça sobre o perigo da
agressão, sendo uma maneira de intimidação para manter a violência em silêncio,
sem reação. Nessa direção, Tavares e Pereira (2007) mencionam que as mulheres
expressam o medo e a insegurança, pois não sabem o que poderá desencadear a
fúria do agressor. O medo faz com que as testemunhas e a vítima fechem os olhos e
se omitam de qualquer atitude de proteção, assim, não denunciam o agressor.
As mulheres que sofrem de violência doméstica recorrem a mecanismos
de defesa, de estratégias de adaptação e de sobrevivência. Esses fatos se associam
ao processo de sujeição das mulheres, o qual contribui para sua permanência em
11

longo prazo na situação de violência. O aprisionamento é relacionado com a perda


de liberdade e autoestima. O medo de ficar sozinha pode ser coadjuvante ao
aprisionamento da mulher. Desse modo, a condição da mulher, atendendo ao
estereótipo de gênero, mantém a subordinação para a prática de abuso (NARVAZ;
KOLLER, 2006).
Souto e Braga (2009) relatam que são evidenciadas as condutas que
atribuem a condição feminina de sujeição ao homem e a violência, destacando a
forma como algumas mulheres são socializadas a alcançar a sua realização no
casamento idealizando e atendendo as expectativas do parceiro e sendo cuidadora
do lar. O casamento é visto como um ponto mais importante a que poderiam chegar,
mesmo vivendo episódios de violência conjugal, perpetradas pelo parceiro íntimo.
Na relação conjugal, a desigualdade de gênero é mais presente, principalmente nos
modelos tradicionais de família, nos quais a posição de provedor econômico
configura-se no homem e a de mãe e cuidadora do lar, na mulher.
Ainda são mais propensas as relações de dominação sobre as mulheres,
considerando que a violência física é a mais reconhecida e vista como a mais
perigosa. De acordo com Sagot, as mulheres relatam a agressão psicológica como a
mais dolorosa, pois é silenciosa e ninguém a vê e, muitas vezes, nem é acreditada
devido à postura do agressor. Na maternidade, na sexualidade e na relação com os
filhos encontra-se o núcleo do poder feminino como mães, esposas e amantes, e é
nesses aspectos que o agressor controla sua companheira,
Outra arma de maltrato psicológico é a infidelidade, pois se transforma em
motivo para o agressor chantagear e manter o controle, sendo sustentado pela
sociedade que ensina as mulheres a realizarem os pedidos dos homens para não
perdê-los.
Ainda, a autora expõe que os homens costumam fazer chantagens
psicológicas envolvendo os filhos, sabendo-se que esta é a parte que mais abala as
mulheres por sentirem culpadas em tê-los e os colocarem nesta situação. Devido a
esses acontecimentos no Brasil, o governo de Minas no âmbito do desenvolvimento
social, criou uma cartilha intitulada “Fique por Dentro”, explanando sobre a violência
sexual.
Em parceria com a Secretaria de Estado de Saúde e com a Polícia Civil
de Minas Gerais, as partes entenderam a importância desta cartilha, visando
conscientizar e orientar as mulheres sobre as providências a serem tomadas em
12

caso de serem vítimas de violência sexual, a cartilha foi editada com perguntas e
respostas, endereços de onde buscar atendimentos, cujo lema: viver sem violência é
direito de todos.
Ao evidenciar a violência sexual dentro do contexto doméstico, já que faz
parte do ambiente familiar, considera-se bem peculiar de acontecer em qualquer
meio da sociedade, independente da esfera econômica, racial ou da diversidade
familiar.

2.1.3 As entrelinhas da violência doméstica

A violência doméstica inicia-se bem antes de se formalizar como


violência, é através de pequenos gestos e atitudes que vão tornando corriqueiras as
situações vexatórias diante de outras pessoas, xingamentos, exposição de situações
íntimas e particulares, constrangimentos e insultos pelo tipo físico do corpo.
Estas são algumas atitudes que vão abrindo portas e dando direito ao
outro de se apossar da pessoa como objeto pessoal, único e sem vontades próprias.
É preciso intensificar as informações abrindo a visão e o conhecimento
dos tipos de violência existentes. Que passam despercebidos pelas vítimas. No
entanto, é possível que a vítima saiba, mas não tem coragem, forças de falar e
denunciar por medo, vergonha e até meso por não terem condições econômicas e
nem psicológicas para saírem do relacionamento abusivo.
Este assunto deve ser debatido desde cedo nas escolas, para que as
crianças, jovens e adultos possam reverter este quadro de violência, diminuindo os
feminícidios que ocorrem a cada segundo no Brasil e no mundo inteiro.

2.1.4 Só as mulheres podem receber atendimento e denunciar pelo 180?

A máxima “em briga de marido e mulher ninguém mete a colher” é coisa


do passado. Qualquer pessoa pode fazer uma denúncia pelo serviço que tem por
objetivo auxiliar mulheres em situação de violência em todo pais. A denúncia de
conhecidos e vizinhos, por exemplo, pode fazer toda diferença desde a agressão ao
13

feminicidio, especialmente durante a pandemia do novo coranavírus. Nenhuma


mulher deve enfrentar este problema sozinha, toda sociedade é responsável pelas
mulheres em situação de risco. Cabe ressaltar que o ligue 180 além de preservar a
vida, preserva também o anonimato dos denunciantes.
A ONDH (Ouvidoria Nacional dos Direitos Humanos) informou que a
média diária entre os dia 1º/03 a 16/03/2020 foram 3.045 ligações recebidas e 829
denúncias registradas e de 3,303 ligações recebidas e 978 denuncias registradas
entre os dia 17/03 e 25/03/2020.
A situação de isolamento eleva o risco de violências. Acredita-se que o
apoio do vizinho seja fundamental para interromper situações que possam levar ao
feminicidio, por exemplo.
A ministra Damares Alves à frente do Ministério da Mulher, da Família e
dos Direitos Humanos, afirmou diante desses relatos que toda sociedade é
responsável por este problema, não é individual, é uma questão pública. Somente
através do conhecimento e interações com os orgãos competentes é que se pode
conhecer e ter coragem para ajudar as mulheres que são vitimas de violência.
Dessa forma, é muito importante que todos saibam que a lei é específica
às mulheres que estão em um relacionamento abusivo e que querem ser ajudadas
independente do manejo a ser implementado, sem nenhum preconceito ou
discriminação.

2.1.5 Relato importante da responsável pela criação da Lei “Maria da Penha”

Meu sofrimento se transformou em luta, diz Maria da Penha sobre lei que leva seu
nome. Em 7 de agosto de 2006, a Lei Maria da Penha estabeleceu que é dever
do Estado criar mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra
as mulheres.
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Figura 1: Maria da Penha Fernandes em foto tirada para passaporte em viagem para a Argentina.

Fonte: https://catracalivre.com.br/cidadania/maria-da-penha-uma-mulher-que-sobreviveu-na-luta/

“Acordei de repente com um forte estampido dentro do quarto. Abri os


olhos. Não vi ninguém. Tentei mexer-me, mas não consegui. Imediatamente, fechei
os olhos e um só pensamento me ocorreu: Meu Deus, o Marco me matou com um
tiro. Um gosto estranho de metal se fez sentir forte na minha boca, enquanto um
borbulhamento nas minhas costas me deixou ainda mais assustada. Isso me fez
permanecer com os olhos fechados, fingindo-me de morta, porque temia que Marco
desse um segundo tiro.” 
Por mais que a farmacêutica bioquímica Maria da Penha Fernandes, até
então com 38 anos, estivesse acostumada com os gritos, as explosões de fúria e
atitudes violentas de Marco Antônio Heredia Viveros, seu marido à época, ela custou
a acreditar que aquele disparo tinha sido feito pelo homem que escolheu para
compartilhar a vida e ser pai de suas três filhas. A partir daquela noite em meados
de 1983 relatada em trecho do livro “Sobrevivi...Posso contar”, escrito pela própria
Maria da Penha, hoje com 71 anos, resistiu.
“A minha luta foi tão grande que, hoje, essa parte da agressão não tem
mais sentido. Hoje existe uma lei que tem o meu nome e que está funcionando. A
gente se alimenta com os resultados, eu vejo muitas mulheres lutando, muitos
homens mais conscientes também. Há uma mudança, por mais que imperceptível
para alguns”, disse em entrevista ao HuffPost Brasil.
15

Figura 2: Maria da Penha ao lado das filhas, em 1983.

Fonte:https://gauchazh.clicrbs.com.br/comportamento/noticia/2016/04/maria-da-penha-muitas-
vezes-o-agressor-e-docil-em-publico-5710074.html

Hoje, Penha se locomove com uma cadeira de rodas ― o que não foi um
empecilho para que ela se tornasse uma das grandes protagonistas da luta pelos
direitos das mulheres no Brasil. Há dez anos, devido a sua persistência em buscar
justiça, a primeira lei brasileira que visa combater a violência doméstica contra a
mulher no País leva seu nome.
Em 7 de agosto de 2006, a Lei Maria da Penha estabeleceu que é dever
do Estado criar mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra as
mulheres e que todas elas, “independentemente de classe, raça, etnia, orientação
sexual, renda, cultura, nível educacional, idade e religião”, devem gozar.

 A legislação é fruto da condenação do Estado brasileiro na Corte


Interamericana de Direitos Humanos (CIDH). O País foi considerado omisso na
resolução do caso de violência doméstica contra ela, que ficou paraplégica após
duas tentativas de assassinato cometidas pelo seu marido à época.
16

2.1.6 Os números da violência contra a mulher

Apesar da existência de uma legislação como esta no Brasil, é crescente


o número de mulheres assassinadas no País. Segundo o Atlas da Violência de
2019, 4.963 brasileiras foram mortas em 2017, considerado o maior registro em dez
anos.
 A taxa de assassinato de mulheres negras cresceu quase 30%, enquanto
a de mulheres não negras subiu 4,5%. Entre 2012 e 2017, aumentou 28,7% o
número de assassinatos de mulheres na própria residência por arma de fogo. 
 A Defensoria Pública de São Paulo, por meio do Núcleo de Promoção e
Defesa dos Direitos da Mulher (NUDEM), disponibiliza cartilhas com orientações de
atendimentos à mulher vítima de violência, além de endereços de delegacias
especializadas.
O ex-marido e agressor de Penha só foi punido 19 anos depois do crime e
passou apenas dois anos em regime fechado. Diante da libertação de Viveiros, ela
apresentou uma denúncia à CIDH, que determinou que o Brasil feriu a Convenção
do Belém do Pará, de 1994 — e, a partir daquele momento, seria obrigado a criar
leis mais rígidas para casos de violência contra a mulher, que contemplassem
políticas públicas de educação, proteção e prevenção.
Mais de três décadas após ser atingida por um tiro proferido por seu ex-
marido e ficar paraplégica, Maria da Penha afirma em entrevista ao HuffPost Brasil
que todo o sofrimento foi transformado em algo muito maior: a luta pela garantia dos
direitos das mulheres que sofrem com a violência doméstica no Brasil.
Eis a entrevista:
HuffPost Brasil: Você vê melhorias nos últimos dez anos de Lei
Maria da Penha?
Maria da Penha Fernandes: Sim. Eu acho que no momento em que você
tem uma lei e políticas públicas feitas a partir dela, as mulheres passam, sim, a se
conscientizar e lutar contra a violência doméstica. Tanto, que o número de
denúncias aumentou neste período. Isso não quer dizer que a violência cresceu,
mas sim, que as mulheres estão falando mais sobre isso.
17

O que falta para que as mulheres sejam totalmente amparadas pela


lei?
Eu acho que reforçar a importância das políticas públicas é muito
importante. É muito importante, ainda, que o gestor público se comprometa com a
causa. A gente sabe que o número de denúncias aumentou nesses dez anos, mas o
número de mulheres que ainda são violentadas é bem maior – e muitas vezes é um
número que a gente desconhece. Muitas mulheres que vivem em locais remotos do
País e ainda não tem acesso ao que a lei pode oferecer. A maioria delas mulheres
ainda não tem coragem e nem sabe como denunciar.

Por que ainda é tão difícil falar sobre violência contra a mulher no
Brasil?
Eu acredito que é porque é um assunto que nunca foi debatido da forma
como está sendo altualmente, né? Antes da lei, as feministas, as pessoas mais
intelectualizadas e ligadas aos movimentos sociais falavam sobre isso de forma
isolada. Mas, com a lei, eu acredito que essa conscientização aumentou. E
aumentou o interesse das mulheres em saber como sair dessa situação. A principal
finalidade da lei não é de punir os homens, como muitos dizem. É de punir o homem
agressor. Além proteger a mulher da violência doméstica, e avisá-la de que ela tem
direitos. 

E qual é a forma de “cuidar” também do agressor?


É muito importante o atendimento ao agressor. Muitos repetem a
educação que tiveram e, por isso, se tornam agressores. No momento em que esse
homem é preso, ele não se acha responsável pelo crime, porque foi educado para
tratar as mulheres daquela forma. Precisa haver essa desconstrução. O Instituto
Maria da Penha luta para que, além das políticas públicas ligadas à lei, haja uma
conscientização e a desconstrução da cultura machista que tanto maltrata as
mulheres.

Mas você não acha que ainda há muita resistência tanto em quem
aplica a lei, quanto com quem precisa deixar de ser machista?
Sim. Tanto que os agressores continuam agredindo, né? Um exemplo:
você veja que, todo policial, ao ser chamado para acudir uma mulher vítima de
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violência ele é orientado e treinado para prender o agressor em flagrante. Mas o que
acontece? Muitos policiais deixam de prender e aconselham o casal. Isso não é
correto. Eles não têm que perguntar nada. Eles têm que prender o agressor em
flagrante. E quando isso não acontece, as mulheres perdem confiança no poder
público. Porque a lei diz uma coisa, mas o Estado não cumpre o que é determinado.

E qual a recomendação, nesse caso?


Que a própria comunidade, os vizinhos, ou até a vítima ligue para o 180 e
comunique que o policial chegou ao local e não prendeu o agressor. O Estado tem
que cumprir o seu papel.

Você acha que vivemos um retrocesso no Brasil em relação aos


direitos das mulheres?
Eu acho que as mulheres precisam ser representadas por mulheres. Isso
é muito importante. Infelizmente, não temos mais a SPM (Secretaria de Políticas
para as Mulheres), agora ela está dentro de uma outra pasta e é lamentável que isso
tenha acontecido. Eu espero que muito em breve isso seja reestabelecido. Porque
garantir os direitos das mulheres é muito importante para a paz no País. O que a
gente quer é que os direitos das mulheres sejam reconhecidos e a gente saiba onde
buscar ajuda em todos os momentos. A gente foi prejudicada com todo esse cenário
político atual.

A recente aprovação de uma alteração na Lei Maria da Penha é o


reflexo disso?
Não acho que seja um reflexo, mas é algo que precisa ser revisto. De
início eu entendi que seria uma coisa positiva. Mas é inconstitucional. O policial não
pode fazer as vezes do poder Judiciário. Cada qual com seu cada qual. A lei não
pode perder a sua força e, para qualquer alteração é preciso que as ONGs e
entidades que criaram a lei estejam envolvidas no debate. E isso não aconteceu.

O que você espera para os próximos dez anos de Lei Maria da


Penha?
Olha, eu torço demais para que a visibilidade da lei aumente. Que os
gestores públicos ajudem a garantir um futuro sem violência para as nossas jovens
adolescentes, crianças, meninas. A atitude desses gestores é importante para que a
19

Lei seja aplicada. No momento em que há um compromisso com a causa, há um


compromisso ― e a gente fala com muito otimismo disso ― para acabar com a
violência doméstica. Eu espero que nos próximos dez anos a gente tenha avançado
nesse sentido: com a colaboração e conscientização dos gestores públicos.

Figura 3: Em 1963, quando foi eleita Rainha dos Calouros na Faculdade de Farmácia.

Fonte: https://gauchazh.clicrbs.com.br/comportamento/noticia/2016/04/maria-da-penha-muitas-
vezes-o-agressor-e-docil-em-publico-5710074.html

Como você olha para o passado, Penha?


Olha, foram 19 anos. Tem vezes em que eu ainda tenho aquela antiga
sensação comigo. Até chegar à decisão final da OEA (Organização dos Estados
Americanos), quando o Brasil foi condenado internacionalmente por não prosseguir
com o meu caso, eu não descansei. Eu queria muito que ele fosse punido pelo crime
que cometeu. E ele foi julgado duas vezes e colocado em liberdade. A minha mágoa
era muito grande. Quer dizer, é horrível. Como é que a pessoa vai a julgamento, o
advogado entra com recurso, e ele não é punido?

A punição dele foi muito significativa diante da lesão que ele me


provocou. Em compensação, a minha luta foi tão grande que, hoje, essa parte para
mim não tem mais nenhum sentido. Hoje existe uma lei que tem o meu nome e que
está funcionando. Quando saiu o resultado do relatório da OEA, foi um momento
importantíssimo na vida das mulheres e na minha vida em particular. Estava
registrada a incompetência do poder judiciário no Brasil.
20

Você se sente, de certa forma, “aprisionada” por precisar da cadeira


de rodas?
Existem momentos em que, sim, eu sou aprisionada. Porque existem
coisas que eu não posso mais fazer sozinha. Eu sempre preciso de alguém comigo.
Mas queria dizer o seguinte: eu não me concentro na dificuldade, a minha cabeça
funciona muito bem. Todo o meu sofrimento se transformou em uma luta muito
grande. A gente se alimenta dos resultados: eu vejo muitas mulheres lutando e
muitos homens mais conscientes também. Há uma mudança, por mais que seja
imperceptível por alguns.

O que você costuma escutar de outras mulheres que já sofreram


violência?
A gente sente, nas palestras, depois que a gente conversa, que as
mulheres estão mais conscientes da violência e de como sair dela. Eu escuto muito
que “se a lei já existisse há mais tempo, ela não teria apanhado tanto”, etc. É muito
difícil, mas gratificante ao mesmo tempo.

Você pensou em desistir em algum momento?


Quando, no segundo julgamento, ele não foi condenado, eu quis parar de
lutar. Eu desanimei. E só pensava nas minhas filhas. Mas tive a ideia de levar o
processo para frente. Fiz o livro Sobrevivi... Posso contar, com todas as etapas do
processo e todas as contradições. E partir daí, esse livro criou força e chegou até a
OEA. Então, eu recuei na luta, por tristeza, mas depois de alguns meses essa foi a
minha vitória: o livro.
O que te fez permanecer casada, mesmo depois de tantas
agressões?
Falta de ação. Não existia nada de apoio à mulher naquela época. Não se
falava sobre isso. Era 1983, naquela época não existia nenhuma delegacia da
mulher. Na verdade, eu nunca tomei uma decisão de me separar porque eu temia
pela minha vida.

E o que te fez continuar lutando depois dele?


Justiça. Quando a gente sofre um dano, a gente quer ser ressarcida. A
gente quer que o outro pague pelo mal que fez. É a lógica: ele cometeu um crime e
21

precisa ser punido. E também o amor maior que eu tinha: as minhas filhas. Elas
eram a minha responsabilidade. Elas foram vítimas dele, ele era violento com elas
também.

Você acha que algum dia viveremos em uma sociedade que maltrate
menos as mulheres?
Eu espero que sim. Eu trabalho para isso.

Você se considera feminista?


Olha, eu nunca parei para pensar. Mas eu acho que o que eu estou
fazendo por aí tem muito disso [risos].

O que você diria a outras mulheres que sofreram e sofrem violência?


Olhe, eu diria: ‘Denuncie!’. E falaria para não recuar. Elas têm seus
direitos garantidos pela lei.

2.1.7 Implicações da violência para a saúde da vítima

Com o desenrolar do presente estudo foi percebido que o silêncio e a


invisibilidade são temas associados à violência. Experimentar situações de violência,
especialmente quando esta é de natureza doméstica, conjugal e/ou sexual, tem-se
mostrado vivência de difícil revelação, quer na esfera da pesquisa científica, quer no
âmbito de práticas sociais de assistência. Tal fato pode ser visto nas pesquisas e
relatos sobre o tema. Estudos consultados trazem a violência, em geral, e a
violência contra a mulher, em particular, como temas culturalmente investidos de
uma aura de silêncio, o que torna sua abordagem mais complexa, exigindo que se
subdivida em contornos particulares: locais, regionais, nacionais, de acordo, com a
cultura em questão. A violência de natureza doméstica, por sua vez, amplia tal
característica, ao situar-se no âmbito da vida privada e das relações familiares.
Falando sobre violência e, mais especificamente, sobre a violência contra
mulheres, percebemos que a noção de gênero muitas vezes é confundida com a
idéia de sexo feminino, quando, na verdade, surgiu exatamente para destacar tal
22

distinção. Enquanto sexo indica uma diferença anatômica corporal, gênero indica a
construção social, material e simbólica dos seres humanos.
Segundo Griesse (1993), esta dicotomia influencia a vidas das pessoas.
Estas são diferenças culturais determinantes entre o feminino e o masculino. A
identificação do sexo, normalmente, determina o comportamento social e as
características pessoais. As pessoas são divididas em dois grupos exclusivos nos
quais os interesses, as aspirações e habilidades são assumidos e bem definidos (o
que corresponde aos estereótipos dos papéis sexuais).
Dentro dos lares, essas posturas também são assumidas e exigidas,
apesar de vários grupos, a partir dos anos 60, as caracterizarem como rígidas e
disfuncionais. Os papéis acabam por restringir os comportamentos dos indivíduos a
determinadas atividades consideradas apropriadas para o seu sexo.
Desta forma, os homens, especialmente os homens jovens, estariam
muito mais sujeitos do que as mulheres à violência no espaço público e ao
homicídio, cometido por estranhos ou conhecidos. Já as mulheres estão mais
sujeitas a serem agredidas por pessoas conhecidas e íntimas. Este fato pode
significar violência repetida e continuada o que, muitas vezes, se perpetua
cronicamente por muitos anos ou até vidas inteiras.
No Brasil, por exemplo, dados do PNAD/88 (Pesquisa Nacional de
Amostragem Domiciliar, IBGE, de 1988) apontam que o lugar de maior perigo para
as mulheres é a própria casa (55% das mulheres agredidas na região sudeste foram
atacadas dentro de casa e 67% das agressões foram feitas por parentes ou
conhecidos). Dados atualizados em 1995 apontam que cerca de 39% dos
homicídios de mulheres, cuja autoria era conhecida, foram cometidos dentro das
relações familiares. O número de vítimas da violência no universo da infância e
adolescência vem aumentando significativamente, segundo os dados do
PNAD/IBGE. Entre 1993 e 1996, o agente agressor encontrava-se em 35,6% dos
casos entre pessoas conhecidas e 19% dos casos entre parentes. (Marin, 2002,
p.29).
A violência pode se correlacionar aos maiores índices de suicídio, abuso
de drogas, álcool e sofrimento psíquico. O uso e/ou abuso do álcool e das drogas e
as situações de estresse também podem, conforme Griesse (1991), ser entendidos
como fatores precipitantes da violência no âmbito familiar. Ainda com base em tal
autora, os dados indicam que mulheres espancadas e/ou violentadas
23

psicologicamente têm companheiros com maior tendência a beber freqüentemente,


mesmo que eles não sejam sempre violentos quando bebem. 71% dos
companheiros das mulheres de classe baixa bebiam com um alto grau de
freqüência; 19% foi a média dos companheiros da classe média que bebiam com
freqüência e 38% dos companheiros era da classe média alta.
A pesquisa de Schraiber e colaboradores (2003) também mostra dados
interessantes. Foram entrevistadas 322 mulheres, usuárias de um serviço da rede
pública do município de São Paulo. Estas apresentaram como principais
características sócio-demográficas na época da pesquisa: serem jovens (47,2% têm
entre 15 e 24 anos); 47,8% se auto definiram como de cor branca; e 59% moravam
com o companheiro. Quanto ao nível de instrução: 5,6% eram analfabetas; 32,3%
tinham até quatro anos de estudo; 33,8% até oito anos (fundamental completo);
19,6% tinham completado o ensino médio; e 8,7% tinham 12 anos ou mais de
estudo. Quanto à ocupação: 36% declararam-se do lar; 41,9% estavam empregadas
em trabalho regular (16,1% como empregadas domésticas); 4,3% em trabalho não
regular; 4,3% declararam-se estudantes e 13% estavam desempregadas. Filhos: na
época da pesquisa, 24,5% das entrevistadas estavam grávidas e 24% não faziam
nenhum tipo de contracepção; 61,5% (198 mulheres) das entrevistadas tinham
filhos, sendo que destas 72,2% tinham até dois filhos; 19,2% tinham até quatro
filhos; 8,6% tinham cinco filhos ou mais.
Do total de mulheres entrevistadas nesta pesquisa, 44,4% (143 mulheres)
responderam ter sofrido pelo menos um episódio de agressão física na vida adulta,
sendo que 76,9% desses casos foram perpetrados por companheiros ou familiares;
11,5% (37 mulheres) disseram ter sido forçadas a ter relações sexuais pelo menos
uma vez na vida adulta, sendo 62,2% desses casos cometidos por companheiros e
familiares. Quando questionadas sobre a humilhação, maus-tratos ou agressão
verbal (violência psicológica) cometidos por alguém próximo, pelo menos alguma
vez na vida, 55,6% (179 mulheres) responderam que já haviam vivido este tipo de
situação e, destas, 40,3% consideraram haver sofrido violência na vida. Os dados
revelam, ainda, que 69,6% das entrevistadas (224 mulheres) afirmaram ter passado
por algum tipo de humilhação, desrespeito ou agressão física ou sexual na vida
adulta.
Os dados são relevantes e mostram que as violências ocorrem e têm
elevado grau de incidência. Os dados mostram que precisa ser dada maior atenção
24

às mesmas, para que possamos atuar na promoção da saúde e na garantia de


direitos, tanto do ponto de vista ético da assistência, como também, pelo que mostra
a literatura, para que nossas ações sejam, de fato, mais resolutivas.
Nesta mesma pesquisa, uma parcela das mulheres (39,7%) lembrou das
dimensões da coerção e dominação e muitas insistiram na importância desta forma
de violência, ao apontarem para a dimensão psicológica como sendo situações até
de maior constrangimento que a da violência física, por deixarem “feridas que não
cicatrizam”.
Cabe, no entanto, ressaltar que a nomeação de vítima permanece
bastante associada à mulher até por suas raízes históricas. A ordem social de
tradição patriarcal por muito tempo não deu visibilidade à violência contra mulheres.
Tendo o homem o papel ativo na relação social e sexual entre os sexos, a mulher
coube o papel de passividade e de reprodução. Salienta-se, também, que no campo
jurídico todas as pessoas em conflito, sejam homens ou mulheres, serão
denominados réus ou vítimas, por isso, usam-se tais termos.
A partir do movimento feminista ocorreram transformações sociais, tais
como a inserção da mulher no mercado de trabalho que, em geral, foi acompanhada
pela dificuldade do que chamamos de “dupla jornada”. Esta expressão remete à
concepção de que mulher que trabalha fora ao chegar em casa deve tomar conta
dos filhos, do marido, da comida, entre outras atividades. Se o homem sempre teve
o poder, agora a mulher tenta mostrar o contrapoder, manifestando seus desejos,
suas recusas, suas vontades e exigindo os seus direitos.
Para Ricotta (2002), muitas vezes a vítima parece complementar a atitude
do agressor, pois ela assume efetivamente a posição de vítima, fazendo com que
existam as duas posições – vítima e agressor. Se a vítima não assumisse tal
posição o agressor também não teria esta posição. O ciclo, então, se repete, pois
ele é reforçado no momento em que o agressor ataca e a vítima responde com
submissão. Sem saber ela promove um novo ataque e este se torna o complemento
oportuno para a manutenção do comportamento do agressor.
Ricotta (2002) refere uma relação existente entre vítima e agressor,
dominador e dominado. Esta relação realmente deve existir, todavia não se acredita
que seja tão fácil definir quem é o desencadeador da mesma. Pensamos que é um
ciclo e como tal não podemos saber, exatamente, onde começa e onde termina.
Sabemos somente que agressor e vítima fazem parte da relação.
25

Como já apontado, a violência conjugal passou a ter visibilidade nos


primeiros anos da década de 80 com o surgimento do movimento feminista e o
levantamento das situações de violência ocorridas dentro dos lares. Vários grupos
de apoio a mulheres foram criados nessa época e conseguiram dar visibilidade à
violência conjugal, tornando-a pública. Esses grupos fizeram parcerias com o Estado
para implementar políticas públicas e assim surgiram outros grupos, como o
Conselho Nacional dos Direitos da Mulher em 1983 e a primeira Delegacia de
Defesa da Mulher (DDM), em 1985.
A Delegacia de Defesa da Mulher foi o primeiro e grande recurso no
combate público à violência contra a mulher e especialmente à violência conjugal no
país. Seu caráter é basicamente policial: detectar transgressões à lei, averiguar sua
procedência e criminalizar a violência doméstica. Desta maneira, a violência
doméstica é tida como um desvio da norma e como tal é considerado um crime
passível de responsabilização e punição.
Como já referido, os crimes têm diferentes formas de serem tratados.
Mesmo que seja igual quando praticado por desconhecidos ou por marido e mulher
assumem significados diferentes e, muitas vezes, a violência conjugal é de difícil
caracterização enquanto violência e se forem levadas em conta às relações e
contratos já existentes entre o casal.
Lembrando que o ambiente violento reproduz a violência, os membros
passam a ser reprodutores de condutas agressivas e levam essa conduta aos outros
ambientes dos quais participam. Muitas vezes, conseguem disfarçar, mas em algum
momento irão mostrar o que realmente são: pessoas violentas.
26

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante dos estudos apresentados e as reflexões de diversos autores


renomados e relatos de mulheres que sofreram por serem vítimas da violência
doméstica. Este artigo trouxe à tona a necessidade de fortalecer as campanhas
contra a violência, pois afeta não só a vítima, mas sim toda estrutura familiar.
As discussões apontadas por autores leva a pensar que, para uma
sociedade que ainda não se deparou com a importância desse assunto, faz-se de
suma importância a necessidade de um trabalho com mais intensidade a favor das
mulheres e com pulso firme para os agressores.
Portanto, o desejo da sociedade é que o respeito a todos os cidadãos,
independentemente de sua crença ou seu gênero, é que se respeite o ser humano e
diga não à violência doméstica. É preciso dar um basta nos feminicidios e um
acolhimento das redes sociais em expandir as campanhas em apoio a qualquer
cidadão que se depare com esta situação. Colocando disque 180 para funcionar
sempre em prol de salvar uma vida. Porque quando a mulher revela as agressões
que sofre, ela dá um passo importante para quebrar o ciclo. Esta atitude ajuda a
diminuir o seu isolamento e solidão, por isso, deve ser apoiada e incentivada.
Contudo, ressalta-se que cada cidadão faça sua parte em compartilhar,
denunciar, apoiar e ser um canal de informações capaz de salvar uma família ou
uma vida dessa violência tão enraizada não só na figura masculina, mas na figura de
um companheiro ou companheira que é o provedor e sente-se no direito de tomar
posse do outro.
É necessário que este tema ganhe visibilidade política, social de órgãos
também não governamentais para que as pesquisas e a parte jurídica cumpram o
seu papel punindo com rigor os agressores ou buscando soluções para as mulheres
viverem sem medo e cumprir o seu papel em qualquer espaço que ela queira estar,
sem discriminação e sem agressão.
27

4 REFERÊNCIAS

APÊNDICE A e B. Relatos de superação da violência doméstica. Autoria da


aluna Sueli Xavier. Relatos baseados em fatos reais com nomes fictícios.

BRASIL. Lei n. 11.340, de 7 de agosto de 2006. Disponível em:


http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2006/Lei/L11340.htm. Acesso
em: 07 Out. 2020.

Brasil. Ministério da Saúde. O que é a violência contra a mulher? Disponível


em http://portal.saude.gov.br/saude/visualizar_texto.cfm?idtxt=33903. Acesso em 18
Out. 2020.  

DATASENADO. Violência doméstica e familiar contra a mulher. Secretaria de


Transparência. Mar. 2013.

MARTINELLI, Andréa. Dez anos de Lei Maria da Penha. Huffpost, 2019. Disponível
em: https://www.huffpostbrasil.com/2016/08/03/meu-sofrimento-se-transformou-em-
luta-diz-maria-da-penha-sob_n_11290424.html. Acesso em: 09 Out. 2020.

MENEGHEL, Stela Nazareth et al . Rotas críticas de mulheres em situação de


violência: depoimentos de mulheres e operadores em Porto Alegre, Rio Grande do
Sul, Brasil. Cad. Saúde Pública,  Rio de Janeiro ,  v. 27, n. 4, p. 743-752,  Apr. 
2011.   Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php? script=sci_arttext &pid=S
0102-311X2011000400013&lng=en&nrm=iso>. Acesso em:  07  Out.  2020.
28

NARVAZ, M. G.; KOLLER, S. H. Mulheres vítimas de violência doméstica:


Compreendendo subjetividades assujeitadas. Psico, v. 37, n. 1, 31 jul. 2006.
Disponível em: https://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/revistapsico/ article/
view/1405. Acesso em: 03 Out. 2020.

SOUTO, Cláudia Maria Ramos Medeiros; BRAGA, Violante Augusta Batista.


Vivências da vida conjugal: posicionamento das mulheres. Rev. bras. enferm., 
Brasília ,  v. 62, n. 5, p. 670-674,  Oct.  2009 .   Disponível em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-7167200900050 000
3&lng=en&nrm=iso>. Acesso em:  07  Out.  2020.

Vivências da vida conjugal: posicionamento das mulheres. Rev. bras. enferm., 


Brasília, v.62, n.5, p.670-674, Oct. 2009. Disponível em: <http://www.scielo.br/
scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-71672009000500003&lng=en&nrm=iso>.
Acesso em:  05  Out.  2020. 

TAVARES, Fabrício André; PEREIRA, Gislaine Cristina. Reflexos da dor:


contextualizando a situação das mulheres em situação de violência doméstica.
Disponível em: file:///C:/Users/Win/Downloads/2318-Texto%20do%20artigo-13707-2-
10-20110818.pdf. Acesso em: 07 Out. 2020.
29
30

APÊNDICE A – RELATO DE SUPERAÇÃO DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA

Sou Maria, tenho 30 anos, casada há 15 anos e tenho 5 filhos.


No início do casamento era tudo maravilhoso, o que me importunava era
apenas a bebida, mas como o José meu marido não era violento comigo nem com
as crianças, eu não importava. Até que, com o passar do tempo, ele começou a me
xingar, falar até palavrões dentro de casa. Eu pegava as crianças e ficava dentro do
quarto rezando e deixava-o pra lá.
Até que um dia, eu estava varrendo o terreiro, e ele chegou “zoado”,
começou a xingar e me deu um empurrão que eu cai, não liguei tanto. Com o passar
dos tempos começou a me agredir de tal forma que eu fui ficando acuada, com
vergonha até de chegar na porta da rua.
Um dia a minha vizinha aproveitou que ele não estava em casa e veio até
a mim, contei pra ela o que estava acontecendo e ela me incentivou a buscar ajuda,
denunciar esta agressão. Pensei muito por causa dos meus filhos e até mesmo
porque eu sempre esperava que ele melhorasse, voltasse a ser aquele homem com
quem e casei.
Mas infelizmente isto não aconteceu. Nós é que temos que tomar uma
atitude. E eu tomei. Um dia ele foi pego e flagrante pelas agentes de saúde que
chegaram lá em casa no momento certo. Chamaram a policia e ele foi preso.
Conversei com a minha família que me aconselhou a voltar pra minha
cidade natal. Peguei os meus filhos e fui embora, recebi ajuda, criei os meus filhos,
voltei a estudar também, realizei o meu sonho de enfermeira que até tinha
esquecido, pois não tinha sonhos mais.
Hoje estou feliz realizada, trabalhando com os meus filhos. Percebo que
aquilo não era amor, era aprisionamento. E falo pra qualquer mulher que vive essa
situação.
Tenha fé, força e coragem, “denuncie”, porque senão você pode ser a
próxima manchete do jornal
Que todas as Marias do mundo vivam como devemos viver, livres e
respeitadas.
31

APÊNDICE B – RELATO DE SUPERAÇÃO DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA

Sou Joana, tenho 45 anos, mãe de 3 filhos. Amiguei com Paulo quando
eu tinha 21 anos, já era maior de idade, resolvemos juntar os panos. Sabia que ele
usava droga, mas era controlado, pois trabalhava, sustentava a família, eu sempre
fui do lar.
Um dia Paulo bebeu e ainda usou a droga, ficou doidão, quebrou as
coisas dentro de casa e partiu pra cima de mim tão de repente que eu fiquei sem
ação, apanhei, fiquei toda roxa, mas não denunciei porque foi a primeira vez. No
outro dia mostrei como eu estava, conversamos, e ele me disse que estava
arrependido e que nunca mais iria fazer aquilo. Acreditei! Ficou uns tempos
bonzinho e eu toda machucada não só na pele, mas por dentro também.
Passaram uns três meses e a agressão voltou a se repetir. Neste
momento reagi, chamei a polícia e ele foi preso. Depois de uns tempos ele foi solto.
Me procurou, eu falei com ele que não o queria mais na minha casa. Ele disse que
iria mudar e não iria fazer aquilo mais. Mas o meu orgulho, a força que recebi da
casa de apoio às mulheres violentadas me deu força, resisti e não o aceitei.
Aconselho todas as mulheres a não aceitarem a primeira vez de uma
violência, pois é assim que começa. Eles não mudam, nós é que temos de mudar,
ter coragem e Deus na frente para poder mudar o rumo da nossa vida.

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