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Direito das Obrigações II – 1.ª e 2.

ª Turmas
3 de Junho de 2019

I (4 valores)
Distinga entre:
a) Dolo eventual e negligência consciente.
Cfr. João de Matos Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. 1, 10.ª ed.,
Almedina, Coimbra, 2000, pp. 570 a 573.
b) Produtor aparente e produtor presumido.
Cfr. João Calvão da Silva, Responsabilidade Civil do Produtor e Protecção do
Consumidor em Portugal e na União Europeia, p. 477.

II (8 valores)
Ana circulava numa estrada secundária quando perdeu o controlo do veículo
automóvel que conduzia, em resultado de um ataque de epilepsia. Bruno circulava na faixa
contrária, em excesso de velocidade, num automóvel que o seu amigo Daniel lhe
emprestara. Os veículos colidiram e sofreram danos, assim como os respetivos condutores.
Por sua vez, Cristina, jornalista transportada no veículo de Ana, de quem era amiga, sofreu
lesões na coluna e o seu equipamento foi destruído.
Diga quem é o responsável pelos danos causados e em que termos.
Alguns tópicos a abordar:
Enquadramento do caso na responsabilidade civil. Colisão de veículos (artigo
506.º).
Ana é detentora (n.º 1 do artigo 503.º). Do outro lado, levanta-se a questão de
saber se o detentor é só Daniel, ou se também Bruno o será. A resposta dependerá das
condições do comodato (principalmente da sua duração): cfr. Antunes Varela, Das
Obrigações em Geral, vol. 1, pp. 664 a 666. Referir a teleologia da norma e a natureza
altruísta do interesse do comodante.
Bruno age culposamente (“excesso de velocidade”). Antunes Varela considera
que a responsabilidade do comodante inclui os danos “que procedem de culpa do
condutor” (Das Obrigações em Geral, vol. 1, p. 665), embora hesite nos casos em que
a atuação do comodatário haja sido dolosa.
Já a contribuição causal de Ana para a colisão assenta no funcionamento dos
riscos próprios do veículo (cfr. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. 1, pp.
668 e 669).
Levanta-se o problema de saber se pode haver concorrência entre a conduta
culposa de Bruno, de um lado, e o funcionamento dos riscos próprios do veículo de
Ana, do outro lado. Tal concorrência permitiria a repartição da responsabilidade na
proporção da contribuição do comportamento dos agentes no âmbito da colisão.
Mencionar as divergências de entendimentos no âmbito desta matéria.
Entre os danos resultantes da colisão contam-se os de Cristina, transportada
gratuitamente por Ana (é amiga desta). Nos termos do n.º 3 do artigo 504.º, “a
responsabilidade abrange apenas os danos pessoais da pessoa transportada”. Porém, o
comportamento de Bruno é culposo; a responsabilidade deste não estará limitada por
aquele preceito.

III (8 valores)
A, B e C adquiriram um cavalo puro-sangue lusitano pelo preço de €10.000 a D,
obrigando-se este a entregar o mesmo uma semana após a aquisição, uma vez que pretendia
ainda participar numa feira medieval.
Considere, de forma autónoma, as seguintes hipóteses:

a. A recusa-se a pagar o preço total, invocando que B, com quem juntamente com C
se obrigou ao pagamento na íntegra do preço, se tornara entretanto insolvente. Quid
iuris?
1. Identificação da obrigação plural como obrigação solidária. O acordo das
partes como fonte da solidariedade (art.º 513.º).
2. Características da obrigação solidária (art.º 512.º).
3. Identificação do meio de defesa como meio de defesa pessoal (noção e tipo-
meio de defesa pessoal que prejudica os condevedores, art.º 526.º).
4. Inoponibilidade por A do meio de defesa de C.

b. Na feira, o cavalo desfalece, não ficando provado se por exaustão e calor ou se por
uma insuficiência cardíaca de que padecia, vindo a falecer. Os compradores
recusam-se a pagar o preço. Pronuncie-se sobre a legitimidade e fundamento desta
recusa ou a falta deles.
Referência ao problema do risco em caso de incumprimento inimputável
(796.º, n.º 2). Consideração da presunção de culpa (não afastada em função da dúvida)
–art.º 799.º, n.º 1. Consequências do incumprimento imputável por impossibilidade
de entrega do objeto. Possibilidade de resolução do contrato (art.º 801.º, n.º 2), que
conferiria o direito a não entregar o preço.

c. A pretende pagar em dólares canadianos, uma vez que no contrato se menciona a


possibilidade de pagamento em moeda estrangeira, mas D recusa-se a receber o
montante, invocando que só pretende o pagamento na data em que interpelar os
devedores (por questões fiscais) e em euros.
Identificação de uma obrigação valutária. Regime previsto no art.º 558.º. Nos
termos desta disposição, pode o devedor pagar em Euros, se essa possibilidade não
for afastada pelos contraentes, mas o credor só pode exigir na moeda convencionada.
Como nada se diz em relação ao prazo, tratando-se de obrigação pura, o
credor não pode recusar o cumprimento oferecido pelo devedor que pode cumprir a
todo o tempo (art.º 777.º)
Mora do credor (art.º 813.º e ss.).

d. A, B e C pretendem resolver o contrato, dado que D na data em que entregou o


cavalo se esqueceu de trazer consigo três fotografias de vitórias do cavalo em
competições equestres, fotografias que prometera ceder aos credores e que
correspondiam a 2% do preço acordado. Terão essa possibilidade?
Identificação do tipo de incumprimento. Mora imputável (art.º 799.º, n.º 1, e
culpa efetiva por força do “esquecimento”) ao devedor (características) – art.º 804.º e
ss.. Ilegitimidade do pedido de resolução, salvo se houver conversão em
incumprimento definitivo (art.º 808.º). Regime do incumprimento parcial (limite da
escassa importância, a considerar não só em termos monetários, mas atendendo ao
possível interesse do credor) – 802.º, n.º 1 e 2.

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