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Liarieth Lilamatris
iarieth não podia esperar para ver a cara de Grim quando ela voltasse com as joias da
coroa. O halfling havia dito que ela jamais conseguiria roubar as o castelo de Ebenhold.
O primeiro desafio era escolher o momento certo. Mas Lia tinha contatos em toda Ebenfeld,
e seus informantes no castelo haviam lhe contado que naquela noite haveria um grande banquete que
O segundo desafio era entrar sem ser vista. Ebenhold era uma verdadeira fortaleza, o que
dificultava um pouco as coisas. Construído sobre o Chifre de Alberion, a única montanha da cidade,
ele tinha apenas uma entrada, após as longas Escadas de Beliandros. Essa entrada dava acesso ao
Grande Salão, sempre fortemente vigiado. Chegar aos andares superiores por ali não seria uma boa
ideia.
Mas aquela era a única entrada para pessoas normais, e Liarieth Lilamatris tinha habilidades
extraordinárias.
O melhor caminho, ela concluíra, era por cima. Escalar o Chifre de Alberion, e depois os
muros do castelo, à noite – quando ninguém poderia vê-la – não era uma tarefa trivial, mas tampouco
era algo que a elfa não conseguisse fazer, com a ajuda de algumas cordas e gazuas.
Uma vez do lado de dentro, ela precisaria se esgueirar sem que ninguém a visse – mesmo com
as atenções voltadas para o banquete, os corredores seriam tomados por patrulhas ocasionais.
Felizmente, furtividade também era uma das especialidades de Liarieth, e ela conseguiu atravessar o
Depois, era preciso chegar ao lugar certo. Lia era esperta, e não tentaria levar algo chamativo;
os melhores roubos eram justamente aqueles em que a vítima sequer percebia que havia sido roubada.
Um colar qualquer da princesa seria o suficiente para calar a boca de Grim e manter seus amigos bem
Liareth também era boa com direções. Mica, uma camareira do castelo que de vez em quando
dormia com seu amigo Burch, havia explicado como chegar aos aposentos da princesa Sarena, e a elfa
sequer precisava de um mapa. Facilmente ela encontrou as portas duplas delicadamente entalhadas
Agora, Lia tinha apenas que abrir a fechadura. Nada que não pudesse ser resolvido com alguns
grampos, habilidade e…
Liarieth gelou. Em sua direção, caminhava um dos guardas do castelo, vestindo uma cota de
malha e brandindo uma espada e escudo. Que azar! Qual era a chance de aparecer um deles naquele
exato momento? Lia não conseguiria escapar daquela situação com sua lábia. Só havia uma saída:
correr.
De fato, aquela parecia a solução mais sensata. Todo aquele metal tornaria o guarda mais forte
em combate, mas também muito mais lento. E Liarieth Lilamatris era rápida.
Por alguns segundos, ela de fato conseguiu abrir vantagem, e parecia que eventualmente
conseguiria desaparecer. Mas eis que, vindo pelo lado oposto do corredor, mais dois soldados
A elfa até podia ter alguma chance enfrentando um deles, mas lutar contra três ao mesmo
tempo seria suicídio. Só havia uma saída possível: a mesma que ela usara para entrar.
***
ia parou em frente a uma janela que dava para o exterior e respirou fundo. Ela podia ouvir
os guardas se aproximando por ambos os lados, de forma que não havia tempo a perder:
ela abriu a janela e atirou-se por ali com uma destreza felina, rodopiando no ar para agarrar
um parapeito.
Após recobrar o fôlego, Lia começou a descer. Não seria fácil nem rápido fazê-lo daquela
forma, sem instalar suas gazuas e cordas. Mas ela não precisava ter pressa: ela tinha certeza de que os
O que a elfa não imaginava é que um deles fosse produzir uma besta e começar a disparar
setas contra ela pela janela. Céus, ela nem havia conseguido roubar nada!
Felizmente, estava escuro e o ângulo não ajudava, de forma que os primeiros tiros falharam.
No entanto, eles acertavam cada vez mais perto… Até que um disparo finalmente atingiu uma de suas
mãos.
A elfa tentou sustentar-se com a outra, mas não conseguiu, e começou a cair de uma altura de
pelo menos trinta metros. Mas, no último segundo, Liarieth conseguiu se agarrar a uma janela, e
instintivamente jogou-se para dentro da sala. Ela precisava recuperar o fôlego, antes de pensar em
O local parecia uma pequena biblioteca ou um grande gabinete. Aparentemente não havia
ninguém presente, mas do outro lado da única porta era possível ouvir sons de música, talheres e
muitas pessoas conversando. Provavelmente era ali que o banquete sobre o qual haviam lhe falado
estava acontecendo, e seria impossível sair por lá naquele momento. A elfa também não estava
disposta a tentar escalar novamente. O melhor que ela podia fazer era se esconder e esperar até que
os convidados se dispersassem.
Em certo momento, a maior parte dos ruídos cessou de forma abrupta. Lia podia ouvir apenas
o som distante de um monólogo – talvez alguém houvesse começado a fazer algum discurso. Mas,
algum tempo mais tarde, até essa única voz se calou, e então a porta da biblioteca se abriu com um
estrondo.
Escondida atrás de uma estante, Liarieth podia ver um homem de cabelos negros rebeldes,
vestido em roupas escuras e elegantes, andando de um lado para o outro do aposento, aparentemente
furioso. A elfa conseguia reconhece-lo: era o príncipe Casimir, herdeiro do trono alberionês!
Alguns momentos depois, a porta se abriu novamente, e um homem mais velho, usando uma
“Como ousa deixar o jantar daquela forma, na frente de toda a corte, no meio do meu discurso?
“Não, papai. Eu deixei a sala quando você anunciou que casaria a minha irmã com o duque
de Ergana. Um homem sem escrúpulos que faz ameaças veladas para a nossa família há anos! Não sei
“Casimir, a maioria das pessoas pode não fazer ideia disso, mas você sabe tão bem quanto eu
que ser membro de uma família real requer certos sacrifícios. Precisamos colocar o bem do reino à
frente de nossa felicidade pessoal. Cerdic de Ergana está longe de ser o genro dos meus sonhos, mas
estamos em guerra, e a verdade é que ele tem boa parte do exército em suas mãos. E as ameaças que
ele faz têm sido cada vez menos veladas. Eu não tive escolha. Ou eu consentia com esse casamento,
ou corria o risco de enfrentar um motim em minhas Forças Armadas em meio ao conflito com
Salésia.”
para ambos os lados. Essa guerra não nos levará a lugar algum!”
Pai e filho continuaram discutindo por vários minutos, em um tom de voz cada vez mais
elevado. Em certo momento, porém, Liarieth achou que seus olhos a traíam: uma criatura medonha,
alada, de forma humanoide, pele vermelha e feições diabólicas surgiu por trás do príncipe quando ele
dava as costas para o pai. De súbito, aquele ser sacou a espada da bainha de Casimir e voou com ela
Godomir III desabou no chão, e suas vestes brancas e douradas rapidamente se encharcaram
de sangue. Desnorteado, o príncipe agarrou o pai e começou a gritar por socorro, enquanto tentava
Alguns segundos depois a porta foi aberta por um senhor velho que andava apoiado em uma
bengala, e em seguida muitos outros apareceram. Uma confusão gigantesca se seguiu. Pessoas
gritavam, choravam e corriam. Uma mulher vestida de branco e com um chapéu estranho entrou na
biblioteca, parecendo farejar alguma coisa. Então, uma voz carregada de autoridade começou a falar:
“Eu não esperava que Vossa Alteza fosse ficar feliz com meu casamento, mas jamais poderia
imaginar uma reação tão extremada. Mas não pense que o seu sangue irá salvá-lo nesta hora: príncipe
continuava prostrado no chão, com a cabeça do pai apoiada em suas pernas, e uma expressão de
choque e tristeza no rosto. Nesse momento, uma jovem loura apareceu, coberta em lágrimas, e
“Meu noivo,” disse ela, “acabo de perder meu pai, e não seria capaz de suportar a perda do
meu irmão no mesmo dia. Eu vos suplico: não marque o dia do nosso noivado como aquele em que
toda a minha família foi destruída. Tenho certeza de que há alguma explicação para isso, Casimir não
seria capaz de matar o nosso pai. Prenda-o na mais alta torre ou na mais profunda masmorra do
castelo, se achar necessário, mas não cometa um erro que não poderá ser desfeito.”
De alguma forma, o pedido da princesa pareceu surtir efeito. O duque ordenou a seus homens
que levassem o príncipe para o Torre do Marechal, e ele, ainda visivelmente abalado, deixou que o
***
A elfa se esgueirou sorrateiramente para fora e rapidamente se misturou à multidão que estava
na sala de jantar; em meio àquele caos, ninguém iria nota-la ali. Foi fácil escapar para um corredor que
parecia levar para o Grande Salão, e então para a saída do castelo. Com sorte, ela seria capaz de sair
Três pessoas vinham na direção contrária pelo corredor, no entanto. Parecia mais seguro se
esconder que arriscar ser percebida, então Lia achou um lugar atrás de uma armadura que decorava o
ambiente. Os três pararam bem diante de onde ela estava, contudo, e começaram a conversar,
“Precisamos agir rápido,” disse um deles, que parecia ser o velho de bengala que primeiro
abrira a porta da biblioteca. “Não foi por acaso que Cerdic mandou que Casimir fosse levado para a
Torre do Marechal, e não para as masmorras do castelo, como seria natural. Lá o príncipe será
guardado por homens da própria escolha do duque, e mais cedo ou mais tarde – e temo que mais cedo
– seremos informados de que ele foi tomado por remorsos, confessou seu crime e se suicidou – e não
“Agir? Você acha que devemos fazer alguma coisa?”, respondeu o outro, que aparentava ser
“Ora, Aethelwine, você conhece Casimir melhor do que eu”, disse o terceiro, que era uma
criatura estranha, com cara de lagarto e coberto de escamas douradas, que Lia nunca havia visto. “Você
não acredita que ele possa de fato ter assassinado o pai, não é mesmo? Eu ainda não sei o que
aconteceu, mas é tudo muito conveniente. Agora que o noivado foi literalmente o último desejo de
Godomir, ninguém ousará questioná-lo, muito menos Sarena. E com o rei morto e o Príncipe de
Sulster executado, ela será a herdeira da coroa – e nada mais natural do que Cerdic ser nomeado o seu
regente. Tudo isso sem deixar o posto de Marechal de Alberion. Ele será muito mais poderoso do que
“Eu preciso começar a sondar as outras Grandes Casas”, respondeu o homem mais velho.
“Descobrir quem estaria disposto a resistir quando a hora chegar. Mas isso levará tempo. Preciso ser
discreto, pois se Cerdic me enxergar como um inimigo ele me destruirá com um estalar de dedos. E
tempo é algo de que não dispomos neste momento. Como eu disse, suspeito que o príncipe será
eliminado em poucos dias ou até mesmo horas. E se ele morrer não haverá mais nada que possamos
fazer. É aí que você entra. É uma solução extrema, mas não consigo enxergar outra: você precisa
resgatar Casimir e fugir com ele para longe de Ebenfeld, talvez até para fora de Alberion, pelo menos
até que a situação fique mais clara. É a hora de descobrirmos se enfrentar seu pai para se tornar um
estudar há poucos anos… Eu certamente posso fazer alguns truques, mas duvido que tenha alguma
“Você não precisa fazer isso sozinho”, disse o velho. “Precisamos encontrar Nico. Aquele
“Acho que há mais uma pessoa que devemos procurar”, acrescentou o homem de feições
reptilianas. “A monja”.
“Alana?” disse o jovem a quem chamavam de Aethelwine. “Embaixador, eu achava que Vossa
“Eu pouco a conheço, mas concordo que essa relação é imprudente e tira o foco do príncipe”,
respondeu o outro. “No entanto, neste momento precisamos de qualquer ajuda que pudermos
encontrar, e acho que não temos dúvidas de que ela o ama. Além disso, ela luta como poucos”.
“Aethelwine, sei que nada do que estou pedindo é trivial, mas eu não o faria se achasse que
você não está à altura do desafio. Ademais, como nobres de Alberion não temos apenas privilégios –
temos responsabilidades para com o país, e é nosso dever honrar nosso nome em momentos como
este. Vá e encha de orgulho seus ancestrais. Encontraremos alguma forma de entrar em contato assim
que possível”
tomar conta de Liarieth. Eles suspeitavam que o príncipe estava sendo acusado injustamente, e
estavam dispostos a arriscar a própria pele para fazer algo a respeito; ela tinha certeza disso, tendo sido
provavelmente a única pessoa a testemunhar o crime e a saber o que acontecera de fato. Poderia então
ficar calada?
Lia lembrou-se do encontro que tivera com a sua irmã havia apenas algumas semanas. Ela e
Allisa seguiram caminhos opostos na vida – uma se tornara uma ladra, a outra, uma devota do deus
da justiça. Claro, quando as duas se tornaram órfãs, foram os furtos de Liarieth que as mantiveram as
vivas. E Alli, sendo a irmã mais nova, foi poupada de sujar as próprias mãos para se alimentar, até se
Depois disso, Allisa foi enviada para algum lugar distante – Alantor, talvez – para concluir seu
treinamento, e desde então as duas nunca mais haviam se visto. Até que, algumas semanas atrás, elas
por acaso se encontraram nas ruas de Ebenfeld. Lia até agora se sentia mal ao lembrar do olhar de
desapontamento da irmã ao descobrir que ela ainda levava uma vida de crimes. As palavras com que
Alli se despediu ficaram marcadas na alma da ladra: “Eu a amo, mas não confio em você. Não
Será que aquela situação era uma oportunidade fornecida pelos deuses para a elfa provar o seu
valor? Além disso, toda aquela trama envolvendo reis, príncipes, duques e assassinatos misteriosos
parecia exatamente a carreira de espiã com que ela tanto sonhara. Então, Liarieth não teve dúvidas:
embora tivesse sido fácil naquele momento fugir para fora do castelo, ela resolveu procurar um
daqueles homens. Se eles pretendiam fazer algo para salvar Casimir, ela iria ajudar.
Casimir: obviamente, Liarieth nunca falou com o príncipe de Alberion, e o mais perto que
esteve dele foi na biblioteca em que o rei foi morto. E, verdade seja dita, Lia nunca foi fã de
autoridades. Mas o fato é que todos os relatos sobre Casimir parecem ser positivos, e a elfa é
provavelmente a única pessoa que pode afirmar com certeza que ele não foi o responsável pelo
assassinato do pai.
Aethelwine: não conhece. Tudo o que Lia sabe é que o jovem parece ser um amigo de