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Capítulo 1 – O Nome é Liarieth.

Liarieth Lilamatris

iarieth não podia esperar para ver a cara de Grim quando ela voltasse com as joias da

coroa. O halfling havia dito que ela jamais conseguiria roubar as o castelo de Ebenhold.

Mas nada era impossível para Liarieth Lilamatris.

O primeiro desafio era escolher o momento certo. Mas Lia tinha contatos em toda Ebenfeld,

e seus informantes no castelo haviam lhe contado que naquela noite haveria um grande banquete que

monopolizaria as atenções. A ocasião perfeita para um assalto, portanto.

O segundo desafio era entrar sem ser vista. Ebenhold era uma verdadeira fortaleza, o que

dificultava um pouco as coisas. Construído sobre o Chifre de Alberion, a única montanha da cidade,

ele tinha apenas uma entrada, após as longas Escadas de Beliandros. Essa entrada dava acesso ao

Grande Salão, sempre fortemente vigiado. Chegar aos andares superiores por ali não seria uma boa

ideia.

Mas aquela era a única entrada para pessoas normais, e Liarieth Lilamatris tinha habilidades

extraordinárias.

O melhor caminho, ela concluíra, era por cima. Escalar o Chifre de Alberion, e depois os

muros do castelo, à noite – quando ninguém poderia vê-la – não era uma tarefa trivial, mas tampouco

era algo que a elfa não conseguisse fazer, com a ajuda de algumas cordas e gazuas.

Uma vez do lado de dentro, ela precisaria se esgueirar sem que ninguém a visse – mesmo com

as atenções voltadas para o banquete, os corredores seriam tomados por patrulhas ocasionais.
Felizmente, furtividade também era uma das especialidades de Liarieth, e ela conseguiu atravessar o

castelo sem que ninguém a visse.

Depois, era preciso chegar ao lugar certo. Lia era esperta, e não tentaria levar algo chamativo;

os melhores roubos eram justamente aqueles em que a vítima sequer percebia que havia sido roubada.

Um colar qualquer da princesa seria o suficiente para calar a boca de Grim e manter seus amigos bem

alimentados por um bom tempo.

Liareth também era boa com direções. Mica, uma camareira do castelo que de vez em quando

dormia com seu amigo Burch, havia explicado como chegar aos aposentos da princesa Sarena, e a elfa

sequer precisava de um mapa. Facilmente ela encontrou as portas duplas delicadamente entalhadas

com o grifo de Alberion que davam acesso ao local.

Agora, Lia tinha apenas que abrir a fechadura. Nada que não pudesse ser resolvido com alguns

grampos, habilidade e…

“Parada aí!”, gritou uma voz grave do outro lado do corredor.

Liarieth gelou. Em sua direção, caminhava um dos guardas do castelo, vestindo uma cota de

malha e brandindo uma espada e escudo. Que azar! Qual era a chance de aparecer um deles naquele

exato momento? Lia não conseguiria escapar daquela situação com sua lábia. Só havia uma saída:

correr.

De fato, aquela parecia a solução mais sensata. Todo aquele metal tornaria o guarda mais forte

em combate, mas também muito mais lento. E Liarieth Lilamatris era rápida.

Por alguns segundos, ela de fato conseguiu abrir vantagem, e parecia que eventualmente

conseguiria desaparecer. Mas eis que, vindo pelo lado oposto do corredor, mais dois soldados

apareceram. O castelo permanecia mais bem vigiado do que Lia imaginava.

A elfa até podia ter alguma chance enfrentando um deles, mas lutar contra três ao mesmo

tempo seria suicídio. Só havia uma saída possível: a mesma que ela usara para entrar.
***

ia parou em frente a uma janela que dava para o exterior e respirou fundo. Ela podia ouvir

os guardas se aproximando por ambos os lados, de forma que não havia tempo a perder:

ela abriu a janela e atirou-se por ali com uma destreza felina, rodopiando no ar para agarrar

um parapeito.

Após recobrar o fôlego, Lia começou a descer. Não seria fácil nem rápido fazê-lo daquela

forma, sem instalar suas gazuas e cordas. Mas ela não precisava ter pressa: ela tinha certeza de que os

guardas não ousariam segui-la por ali.

O que a elfa não imaginava é que um deles fosse produzir uma besta e começar a disparar

setas contra ela pela janela. Céus, ela nem havia conseguido roubar nada!

Felizmente, estava escuro e o ângulo não ajudava, de forma que os primeiros tiros falharam.

No entanto, eles acertavam cada vez mais perto… Até que um disparo finalmente atingiu uma de suas

mãos.

A elfa tentou sustentar-se com a outra, mas não conseguiu, e começou a cair de uma altura de

pelo menos trinta metros. Mas, no último segundo, Liarieth conseguiu se agarrar a uma janela, e

instintivamente jogou-se para dentro da sala. Ela precisava recuperar o fôlego, antes de pensar em

como continuaria descendo.

O local parecia uma pequena biblioteca ou um grande gabinete. Aparentemente não havia

ninguém presente, mas do outro lado da única porta era possível ouvir sons de música, talheres e

muitas pessoas conversando. Provavelmente era ali que o banquete sobre o qual haviam lhe falado

estava acontecendo, e seria impossível sair por lá naquele momento. A elfa também não estava

disposta a tentar escalar novamente. O melhor que ela podia fazer era se esconder e esperar até que

os convidados se dispersassem.
Em certo momento, a maior parte dos ruídos cessou de forma abrupta. Lia podia ouvir apenas

o som distante de um monólogo – talvez alguém houvesse começado a fazer algum discurso. Mas,

algum tempo mais tarde, até essa única voz se calou, e então a porta da biblioteca se abriu com um

estrondo.

Escondida atrás de uma estante, Liarieth podia ver um homem de cabelos negros rebeldes,

vestido em roupas escuras e elegantes, andando de um lado para o outro do aposento, aparentemente

furioso. A elfa conseguia reconhece-lo: era o príncipe Casimir, herdeiro do trono alberionês!

Alguns momentos depois, a porta se abriu novamente, e um homem mais velho, usando uma

coroa, adentrou. Era o rei Godomir III em pessoa!

“Como ousa deixar o jantar daquela forma, na frente de toda a corte, no meio do meu discurso?

Justamente quando eu falava que a união era a maior força de Alberion!”

“Não, papai. Eu deixei a sala quando você anunciou que casaria a minha irmã com o duque

de Ergana. Um homem sem escrúpulos que faz ameaças veladas para a nossa família há anos! Não sei

onde o senhor estava com a cabeça quando teve essa ideia.”

“Casimir, a maioria das pessoas pode não fazer ideia disso, mas você sabe tão bem quanto eu

que ser membro de uma família real requer certos sacrifícios. Precisamos colocar o bem do reino à

frente de nossa felicidade pessoal. Cerdic de Ergana está longe de ser o genro dos meus sonhos, mas

estamos em guerra, e a verdade é que ele tem boa parte do exército em suas mãos. E as ameaças que

ele faz têm sido cada vez menos veladas. Eu não tive escolha. Ou eu consentia com esse casamento,

ou corria o risco de enfrentar um motim em minhas Forças Armadas em meio ao conflito com

Salésia.”

“Nós sabemos muito bem que você tinha alternativas.”

“Ora, não me venha falar novamente em rendição!”


“Nunca falei em rendição. O que nós precisamos é de um acordo de paz que seja aceitável

para ambos os lados. Essa guerra não nos levará a lugar algum!”

Pai e filho continuaram discutindo por vários minutos, em um tom de voz cada vez mais

elevado. Em certo momento, porém, Liarieth achou que seus olhos a traíam: uma criatura medonha,

alada, de forma humanoide, pele vermelha e feições diabólicas surgiu por trás do príncipe quando ele

dava as costas para o pai. De súbito, aquele ser sacou a espada da bainha de Casimir e voou com ela

em direção ao rei, atravessando-lhe o peito.

Godomir III desabou no chão, e suas vestes brancas e douradas rapidamente se encharcaram

de sangue. Desnorteado, o príncipe agarrou o pai e começou a gritar por socorro, enquanto tentava

desesperadamente – e sem sucesso – estancar o ferimento.

Alguns segundos depois a porta foi aberta por um senhor velho que andava apoiado em uma

bengala, e em seguida muitos outros apareceram. Uma confusão gigantesca se seguiu. Pessoas

gritavam, choravam e corriam. Uma mulher vestida de branco e com um chapéu estranho entrou na

biblioteca, parecendo farejar alguma coisa. Então, uma voz carregada de autoridade começou a falar:

“Eu não esperava que Vossa Alteza fosse ficar feliz com meu casamento, mas jamais poderia

imaginar uma reação tão extremada. Mas não pense que o seu sangue irá salvá-lo nesta hora: príncipe

ou não, a pena por regicídio é a morte.”

Casimir parecia ignorar as palavras do homem, provavelmente o tal duque de Ergana, e

continuava prostrado no chão, com a cabeça do pai apoiada em suas pernas, e uma expressão de

choque e tristeza no rosto. Nesse momento, uma jovem loura apareceu, coberta em lágrimas, e

abraçou o rapaz. Devia ser a princesa Sarena.

“Meu noivo,” disse ela, “acabo de perder meu pai, e não seria capaz de suportar a perda do

meu irmão no mesmo dia. Eu vos suplico: não marque o dia do nosso noivado como aquele em que

toda a minha família foi destruída. Tenho certeza de que há alguma explicação para isso, Casimir não
seria capaz de matar o nosso pai. Prenda-o na mais alta torre ou na mais profunda masmorra do

castelo, se achar necessário, mas não cometa um erro que não poderá ser desfeito.”

De alguma forma, o pedido da princesa pareceu surtir efeito. O duque ordenou a seus homens

que levassem o príncipe para o Torre do Marechal, e ele, ainda visivelmente abalado, deixou que o

conduzissem sem protestos.

Aquele dia se tornava cada vez mais estranho.

***

os poucos as pessoas começavam a se dispersar. Depois de algum tempo o corpo do rei

foi recolhido, e fecharam novamente a porta da biblioteca. Felizmente, ninguém

percebera a presença de Liarieth atrás da estante. Agora, ela precisava aproveitar a

confusão generalizada para fugir dali.

A elfa se esgueirou sorrateiramente para fora e rapidamente se misturou à multidão que estava

na sala de jantar; em meio àquele caos, ninguém iria nota-la ali. Foi fácil escapar para um corredor que

parecia levar para o Grande Salão, e então para a saída do castelo. Com sorte, ela seria capaz de sair

pela porta da frente.

Três pessoas vinham na direção contrária pelo corredor, no entanto. Parecia mais seguro se

esconder que arriscar ser percebida, então Lia achou um lugar atrás de uma armadura que decorava o

ambiente. Os três pararam bem diante de onde ela estava, contudo, e começaram a conversar,

aparentemente tentando se certificar que não eram ouvidos.

“Precisamos agir rápido,” disse um deles, que parecia ser o velho de bengala que primeiro

abrira a porta da biblioteca. “Não foi por acaso que Cerdic mandou que Casimir fosse levado para a

Torre do Marechal, e não para as masmorras do castelo, como seria natural. Lá o príncipe será
guardado por homens da própria escolha do duque, e mais cedo ou mais tarde – e temo que mais cedo

– seremos informados de que ele foi tomado por remorsos, confessou seu crime e se suicidou – e não

haverá nada que Sarena possa fazer dessa vez.”

“Agir? Você acha que devemos fazer alguma coisa?”, respondeu o outro, que aparentava ser

bem mais jovem.

“Ora, Aethelwine, você conhece Casimir melhor do que eu”, disse o terceiro, que era uma

criatura estranha, com cara de lagarto e coberto de escamas douradas, que Lia nunca havia visto. “Você

não acredita que ele possa de fato ter assassinado o pai, não é mesmo? Eu ainda não sei o que

aconteceu, mas é tudo muito conveniente. Agora que o noivado foi literalmente o último desejo de

Godomir, ninguém ousará questioná-lo, muito menos Sarena. E com o rei morto e o Príncipe de

Sulster executado, ela será a herdeira da coroa – e nada mais natural do que Cerdic ser nomeado o seu

regente. Tudo isso sem deixar o posto de Marechal de Alberion. Ele será muito mais poderoso do que

Godomir jamais foi”.

“Mas o que podemos fazer?”, replicou o jovem.

“Eu preciso começar a sondar as outras Grandes Casas”, respondeu o homem mais velho.

“Descobrir quem estaria disposto a resistir quando a hora chegar. Mas isso levará tempo. Preciso ser

discreto, pois se Cerdic me enxergar como um inimigo ele me destruirá com um estalar de dedos. E

tempo é algo de que não dispomos neste momento. Como eu disse, suspeito que o príncipe será

eliminado em poucos dias ou até mesmo horas. E se ele morrer não haverá mais nada que possamos

fazer. É aí que você entra. É uma solução extrema, mas não consigo enxergar outra: você precisa

resgatar Casimir e fugir com ele para longe de Ebenfeld, talvez até para fora de Alberion, pelo menos

até que a situação fique mais clara. É a hora de descobrirmos se enfrentar seu pai para se tornar um

mago valeu a pena.”


“Lorde Powell, o senhor sabe que eu faria qualquer coisa por Casimir, mas eu comecei a

estudar há poucos anos… Eu certamente posso fazer alguns truques, mas duvido que tenha alguma

chance de derrotar toda a guarnição da Torre do Marechal sozinho.”

“Você não precisa fazer isso sozinho”, disse o velho. “Precisamos encontrar Nico. Aquele

halfling tem seus talentos, e ele certamente poderá ajudar”.

“Acho que há mais uma pessoa que devemos procurar”, acrescentou o homem de feições

reptilianas. “A monja”.

“Alana?” disse o jovem a quem chamavam de Aethelwine. “Embaixador, eu achava que Vossa

Excelência compartilhava da minha opinião sobre ela”.

“Eu pouco a conheço, mas concordo que essa relação é imprudente e tira o foco do príncipe”,

respondeu o outro. “No entanto, neste momento precisamos de qualquer ajuda que pudermos

encontrar, e acho que não temos dúvidas de que ela o ama. Além disso, ela luta como poucos”.

“Isso é verdade. Tudo bem, eu tentarei encontrá-la.”

“Aethelwine, sei que nada do que estou pedindo é trivial, mas eu não o faria se achasse que

você não está à altura do desafio. Ademais, como nobres de Alberion não temos apenas privilégios –

temos responsabilidades para com o país, e é nosso dever honrar nosso nome em momentos como

este. Vá e encha de orgulho seus ancestrais. Encontraremos alguma forma de entrar em contato assim

que possível”

Os três homens então partiram em direções opostas, e sentimentos estranhos começaram a

tomar conta de Liarieth. Eles suspeitavam que o príncipe estava sendo acusado injustamente, e

estavam dispostos a arriscar a própria pele para fazer algo a respeito; ela tinha certeza disso, tendo sido

provavelmente a única pessoa a testemunhar o crime e a saber o que acontecera de fato. Poderia então

ficar calada?
Lia lembrou-se do encontro que tivera com a sua irmã havia apenas algumas semanas. Ela e

Allisa seguiram caminhos opostos na vida – uma se tornara uma ladra, a outra, uma devota do deus

da justiça. Claro, quando as duas se tornaram órfãs, foram os furtos de Liarieth que as mantiveram as

vivas. E Alli, sendo a irmã mais nova, foi poupada de sujar as próprias mãos para se alimentar, até se

tornar velha o bastante para aderir ao clero de Valir.

Depois disso, Allisa foi enviada para algum lugar distante – Alantor, talvez – para concluir seu

treinamento, e desde então as duas nunca mais haviam se visto. Até que, algumas semanas atrás, elas

por acaso se encontraram nas ruas de Ebenfeld. Lia até agora se sentia mal ao lembrar do olhar de

desapontamento da irmã ao descobrir que ela ainda levava uma vida de crimes. As palavras com que

Alli se despediu ficaram marcadas na alma da ladra: “Eu a amo, mas não confio em você. Não

poderemos nos reaproximar antes que você encontre sua redenção”.

Será que aquela situação era uma oportunidade fornecida pelos deuses para a elfa provar o seu

valor? Além disso, toda aquela trama envolvendo reis, príncipes, duques e assassinatos misteriosos

parecia exatamente a carreira de espiã com que ela tanto sonhara. Então, Liarieth não teve dúvidas:

embora tivesse sido fácil naquele momento fugir para fora do castelo, ela resolveu procurar um

daqueles homens. Se eles pretendiam fazer algo para salvar Casimir, ela iria ajudar.

Relações com Outros Personagens

 Casimir: obviamente, Liarieth nunca falou com o príncipe de Alberion, e o mais perto que

esteve dele foi na biblioteca em que o rei foi morto. E, verdade seja dita, Lia nunca foi fã de

autoridades. Mas o fato é que todos os relatos sobre Casimir parecem ser positivos, e a elfa é

provavelmente a única pessoa que pode afirmar com certeza que ele não foi o responsável pelo

assassinato do pai.
 Aethelwine: não conhece. Tudo o que Lia sabe é que o jovem parece ser um amigo de

Casimir, e está disposto a fazer alguma coisa para resgatá-lo.

 Alana: não conhece.

 Nicolai: não conhece.

 Tanner: não conhece.

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