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Revista Brasileira de Pesquisa em Educação em Ciências

doi: 10.28976/1984-2686rbpec2018181331

Um Estudo Metalinguístico sobre as Interpretações


do Fóton nos Livros Didáticos de Física Aprovados no
PNLDEM 2015: Elementos para uma Sociologia Simétrica
da Educação em Ciências

A Metalinguistic Study on the Photon Interpretation Present


in Physics Textbooks Approved in PNLDEM 2015: Elements
for a Symmetric Sociology of Science Education
Nathan Willig Lima Brasil
Bruno Birkheur de Souza Brasil
Fernanda Ostermann Brasil
Claudio José de Holanda Cavalcanti Brasil

Apresentamos um trabalho de Sociologia Simétrica da Educação em Ciências a partir


de um quadro teórico que articula as filosofias de Bruno Latour e de Mikhail Bakhtin.
Fazemos uma análise metalinguística dos textos sobre Física Quântica presentes
nos livros de Física aprovados no PNLDEM 2015 em dialogia com as interpretações
filosóficas do fóton em artigos científicos. Apresentamos as relações dialógicas existentes
entre diferentes discursos científicos e didáticos, explicitando a reelaboração de sentido
existente em todo texto. Mostramos, também, que os autores dos livros didáticos
hibridizam diferentes visões sobre o fóton em uma visão própria, que não dialoga
com resultados da pesquisa contemporânea na maioria dos livros, de forma que suas
narrativas nem poderiam ser compreendidas como Física Quântica (visto que atribuem
ao fóton uma performance com diversos toques clássicos). Mostramos, ademais, que
todos os livros omitem a construção teórica que envolve o fóton, seguindo a mesma
proposta didática-ideológica dos livros de ensino superior, conforme descrita por Kuhn,
omitindo controvérsias e forçando o estabelecimento de um paradigma. Tal paralelismo
didático sugere a subordinação da Educação em Ciências à própria comunidade científica
na forma de um colonialismo didático. Ainda que concordássemos que o objetivo da
Educação em Ciências é formar pequenos cientistas (o que não é o caso), há o problema
de que o paradigma apresentado pelos livros não é hegemônico há mais de oito décadas.
Por fim, a articulação teórica desenvolvida se mostrou profícua para analisar a Educação
em Ciências e suas relações simétricas com a natureza e com a sociedade.
Palavras-chave: Física Quântica; Livro Didático; Latour; Bakhtin.

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Lima, Souza, Ostermann, & Cavalcanti

We present a work on Symmetric Sociology on Science Education from a theoretical


framework that articulates Bruno Latour’s and Mikhail Bakhtin’s Philosophies. We
perform a metalinguistic analysis of the texts about Quantum Physics present in the
Physics textbook approved by the PNLDEM 2015 in dialogue with the philosophical
interpretations about the photon in scientific papers. We present the dialogic relation
among the different scientific and didactic speeches, explicating the re-elaboration of
meaning that exists in every text. We show that the textbook authors hybridize different
visions into a particular vision, which is not in dialogue with contemporary research in
most textbooks, so these narratives could not even be considered Quantum Physics (since
they attribute to photons a performance with many classical aspects). Furthermore, we
show that all textbooks omit the theoretical construction that encompasses the photon,
following the same didactic and ideological proposal found in undergraduate textbooks,
as described by Kuhn, that is, omitting controversies and pushing the establishment of
a paradigm. Such didactic parallel suggests the subordination of Science Education to
the Scientific Community in a sort of didactic colonialism. Even if we agreed that the
goal of Science Education is to educate “little scientists” (which is not the case), there
is the problem that the paradigm presented by the texts has not been hegemonic for, at
least, eight decades. Finally, the developed theoretical articulation proved to be fruitful
to analyze Science Education and its symmetrical relations with nature and society.
Keywords: Quantum Physics; Textbook; Latour; Bakhtin.

Introdução
As pesquisas sobre livros didáticos ganharam espaço na produção acadêmica
brasileira há cerca de quarenta anos (Garcia, 2017). Elas abarcam uma grande variedade
não somente de temas (os assuntos específicos de cada disciplina), mas também de
problemas de pesquisa, envolvendo questões como currículo, papel do livro didático,
visões epistemológicas, erros historiográficos e conceituais, recursos, entre outros. No
cenário internacional, desde a publicação de A Estrutura das Revoluções Científicas (Kuhn,
1978), o “manual de instrução” é reconhecido como um elemento importante da cultura
científica, capaz de “transmitir” os problemas exemplares às gerações subsequentes de
pesquisadores e iniciá-los no paradigma de sua área.
A descrição kuhniana sobre o livro didático “alertou” os pesquisadores de
Educação em Ciências com relação ao problema das “distorções historiográficas”
presentes nos livros didáticos, as quais resultam na defesa implícita de uma visão
epistemológica em consonância com o paradigma vigente (Brush, 1974). A partir de tal
visão, muitos estudos foram desenvolvidos, contrastando a História da Ciência com as
pseudo-histórias dos livros didáticos (Siegel, 1979; Allchin, 2004), mostrando que um
viés positivista é responsável por variações discursivas presentes nos livros (Kincheloe,
& Tobin, 2009) tais como omitir premissas metafísicas (Silveira, 2002), supervalorizar
o papel dos dados empíricos na construção de uma teoria (Silveira, & Ostermann,

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2002) e subestimar a qualidade de teorias que perderam sua hegemonia na comunidade


científica (Piassi, Santos, Vieira, & Ferreira, 2009).
Ao fazer tal abordagem, alguns pesquisadores de História e Filosofia da Ciência
(HFC) na Educação, se opondo ao discurso positivista, terminaram, sem perceber,
por reforçá-lo em outro aspecto. Eles se opuseram ao empirismo ingênuo na ciência,
mas adotaram, muitas vezes, um empirismo ingênuo historiográfico. Isto é, para eles,
os livros adotam uma pseudo-história; mas eles, os pesquisadores, seriam capazes de
apresentar a Verdadeira História da Ciência, acessada de forma imediata e objetiva por
meio das fontes primárias.
Um problema semelhante a esse foi relatado por Bruno Latour na área de Estudos
da Ciência (Latour, & Woolgar, 1988): o Programa Forte da Sociologia (Bloor, 1982) se
apresentava construtivista para a natureza, mas objetivista para a sociedade (Latour,
2013). Em oposição a essa visão, Latour aderiu à Sociologia da Tradução (Callon, 1986)
(também chamada de Sociologia Simétrica) como uma alternativa que não recaísse na
assimetria do Programa Forte, descrevendo a interação entre humanos e não-humanos
por relações de tradução entre actantes.
Nosso objetivo é analisar a construção de narrativas sobre o fóton em livros
aprovados pelo Plano Nacional do Livro Didático (PNLD) de 2015 (Ministério da
Educação, 2014), procurando não recair na visão reducionista de que existe uma história
objetiva para contrastar com a história do livro. Isso significa, em resumo, que nos
opomos à dicotomia história versus pseudo-história. Ao fazer tal abordagem, entretanto,
não recaímos em uma proposta relativista. Assim, pretendemos apresentar um estudo
metalínguistico, apoiado na Filosofia da Linguagem de Bakhtin, que forneça subsídios
para a proposição de um Programa Sociológico Simétrico em Educação em Ciências.
Reconhecendo a natureza textual1 (Wertsch, 2004) de cada artigo científico e
de cada capítulo do livro didático, é possível inferir que eles sempre irão “distorcer” a
história original. Isso não é feito porque há um descuido historiográfico, mas porque é da
própria natureza dos processos de comunicação verbal reexpressar discursos anteriores,
reelaborando-os e reacentuando-os (Bakhtin, 2016). Mesmo que alguém quisesse, sua
interpretação sobre o artigo do Einstein de 1905 jamais seria “A visão de Einstein de
1905”, pelo fato de que, quando se fala de Einstein, a voz2 do locutor se hibridiza3 com
a de Einstein. Assim, não se pode entender uma narrativa histórica como um espelho
da realidade histórica, mas como um texto sobre a história que, em diálogo com outros
textos, traduz (Latour, 1999) a história para o leitor. Tal tradução implica variações não

1 Wertsch (2004) adota uma noção mais ampla de texto, como manifestação discursiva (oral ou escrita), sendo
esses “textos” aqueles que medeiam o que ele chama de memória coletiva ou, como o autor ressalta, lembrança
coletiva. Segundo essa perspectiva, lembrança (ou memória) não são ações realizadas por um indivíduo isolado,
mas sim ações mediadas por recursos textuais socialmente compartilhados. Tais recursos podem estar inseridos
em um contexto temporal e/ou espacial amplo.
2 Voz é a personalidade falante, a consciência falante (Wertsch, 1992). A voz sempre tem uma vontade ou desejo
por trás de si, seu próprio “timbre” e “sobretom” (Bakhtin, 1981, p. 434).
3 “Hibridização é a mistura, dentro de um único enunciado concreto, de duas ou mais consciências linguísticas,
frequentemente vastamente separadas no espaço e no tempo social.” (Bakhtin, 1981, p. 429)

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somente sobre a própria história social, mas também sobre a natureza, visto que esses
dois elementos não podem ser dissociados (Latour, 1999).
A partir de tal concepção, é possível mostrar que os processos de reelaboração de
uma determinada produção científica, tensionando e variando os sentidos dos conceitos
e das equações, aparece, também, nos artigos científicos e não é um privilégio dos livros
didáticos. Isto é, o sentido e a história do fóton são múltiplos tanto na produção científica
quanto na produção didática.
Para explicitar tais relações, primeiramente, apresentamos uma breve história do
fóton, baseada na bibliografia de Max Jammer (1974), por meio da qual ressaltamos os
processos discursivos de reelaboração do sentido nos artigos científicos, os quais são
interpretados como processos de tradução (Callon, 1986; Latour, 1999). Ao longo de
nossa narrativa, discutimos como a visão ontológica e epistemológica sobre o fóton varia
ao longo da história e mostramos que a ressignificação de artigos científicos não é um
privilégio dos livros didáticos, mas um elemento presente em todo processo discursivo.
Nessa perspectiva, nossa própria narrativa não é um espelho da realidade histórica; mas
uma possível construção que dialoga com os artigos científicos e os livros didáticos
simetricamente.
A escolha desse tema se deve, primeiro, pela relevância que a literatura vem
atribuindo para a introdução de Física Quântica no Ensino Médio (Ostermann, &
Moreira, 2000; Silva, & Almeida, 2011) e, segundo, porque Física Quântica é introduzida
nos livros didáticos do PNLDEM através de uma abordagem cronológica (Lima,
Ostermann, & Cavalcanti, 2017), o que a torna um tema propício para uma pesquisa
que busca analisar questões historiográficas a partir da Sociologia Simétrica4.
De acordo com a literatura de Filosofia da Física Quântica (Bunge, 2013; Jammer,
1974, Pessoa Jr., 2003), a interpretação de uma teoria corresponde a um conjunto de
teses que se agrega ao formalismo mínimo de uma teoria científica, e que em nada afeta
as previsões observacionais da teoria. O livro “Conceitos de Física Quântica” (Pessoa Jr.,
2003), por exemplo, apresenta diferentes experimentos mentais com o Interferômetro de
Mach-Zehnder para explorar a dualidade onda-partícula e as diferentes interpretações que
ela suscita. Pautado na obra de Jammer (1974), Pessoa Jr. (2003) divide as interpretações
do fóton em quatro grupos (corpuscular, ondulatória, dualista realista e intepretação
de Copenhague). Ainda que o formalismo matemático usado e o experimento sejam
o mesmo, essas quatro interpretações divergem quanto à explicação do que está sendo
observado e descrito matematicamente.
Tal definição é necessária para que possamos especificar que o escopo da pesquisa
abarca as interpretações da teoria, isto é, estamos interessados em analisar como os livros
didáticos enunciam a teoria, com qual visão de mundo (ontológica e epistemológica)
4 A maioria dos textos didáticos de Física não trata a ciência sob um viés cronológico; mas postulacional. Em
tais casos, a história é colocada em um plano secundário, e uma análise historiográfica do tema apresentado no
texto didático fica comprometida. No caso da Física Quântica, entretanto, a estrutura do texto didático busca
seguir a própria história dos artigos originais, hibridizando o ensino da Física com o de sua história. Ao investigar
os aspectos sociológicos envolvidos em tal apresentação, conseguimos, ao mesmo tempo, discutir a Física e sua
história, cruzando as fronteiras entre natureza e sociedade, como se espera de uma pesquisa latouriana.

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eles se alinham5. De forma específica, nosso trabalho responde às seguintes perguntas:


como os livros didáticos falam sobre o fóton? A quais intepretações filosóficas os livros
didáticos aderem? Quais as relações existem entre a exposição do livro didático e a
narrativa dos artigos originais? Quais implicações didáticas podem ser inferidas dessa
análise?

Referencial Teórico-Metodológico
O presente trabalho lida com questões relacionadas à natureza da Ciência e da
Educação em Ciência por meio da análise de textos científicos e didáticos. É necessário,
portanto, valer-se de um quadro teórico que dê conta não só de questões epistemológicas
e sociológicas; mas, também, da natureza e do papel da linguagem. Por tal motivo,
propomos uma articulação de conceitos da Sociologia Simétrica de Bruno Latour e da
Filosofia da Linguagem de Mikhail Bakhtin. Enquanto Latour tem sua obra dedicada
a estudar a prática científica (abordando problemas ontológicos, epistemológicos e
sociológicos), Bakhtin apresenta uma profunda e complexa Filosofia da Linguagem,
cujo escopo transcende os limites da própria linguagem, o que, frequentemente, torna
sua obra classificada como metalinguística6. Apresentamos, nesta seção, os elementos
das filosofias de ambos autores que foram utilizados no presente trabalho.
Sociologia Simétrica de Bruno Latour: Atores, Performances e Tradução
A proposta de Bruno Latour se destaca por contrapor-se àquilo que o autor
denomina descrição moderna da realidade, a qual separa natureza e sociedade em polos
ontológicos independentes, sendo a linguagem o seu possível elo de conexão (mas sem
se hibridizar com eles) (Latour, 2013). A Sociologia Simétrica de Latour, por outro
lado, assume que nem a natureza, nem a sociedade são realidades objetivas, acabadas,
independentes; mas que, a todo momento, natureza e sociedade são estabilizadas pela
5 Estudos semelhantes para livros do Ensino Superior podem ser encontrados, tanto para intepretações do
fóton (Lima, Antunes, Ostermann, & Cavalcanti., 2017b) como para questões historiográficas do fóton em livros
didáticos (Lima, Antunes, Ostermann, & Cavalcanti., 2017a, 2017c).
6 Latour (2013) critica duramente os estudos discursivos, ou, como ele chama, “o Império dos Signos” (Latour,
2013, p. 63), pois esses dissolvem os polos ontológicos da natureza e da sociedade, reduzindo a realidade a efeitos
do discurso. Bakhtin, embora seja um filósofo da Linguagem, não reduz a realidade à linguagem. Pelo contrário, a
materialidade dos signos e, portanto, de toda construção ideológica, aparece em uma das obras seminais do Círculo
de Bakhtin (Bakhtin, 2006), e o coração de sua metalinguística reside na possibilidade de articular o discurso verbal
com a sociedade e a cultura (externa ainda que interdependente ao discurso) (Bakhtin, 2016, 2017). Portanto, a
crítica de Latour não recai sobre a obra de Bakhtin. Ademais, ainda que Latour critique a vertente semiótica do
mundo moderno, ele próprio se vale de estudos discursivos e semióticos em diferentes obras. Pode-se citar, por
exemplo, um estudo sobre o uso de referências em artigos científicos como forma de blindagem social do trabalho
de pesquisa (Latour, 2011), uma tipologia de enunciados que são usados no processo de estabilização de um fato
científico (Latour, & Woolgar, 1997), um estudo sobre a inter-relação entre tecnologia e signos (Latour, 1999),
um estudo semiótico sobre um livro de Albert Einstein (Latour, 1988) e um estudo sobre a retórica de artigos
científicos (Latour, & Fabbri, 1977). Tais elementos semióticos e discursivos na obra de Latour, entretanto, são
usados de forma dispersa e desconexa, de forma que não é possível determinar sua visão de linguagem de forma
completa e organizada. Isto justifica a necessidade de trazer elementos da Filosofia da Linguagem de Bakhtin para
o presente trabalho.

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prática dos diferentes agentes humanos e não-humanos (Latour, 2013).


Ao invés de pensar que, na natureza e na sociedade, há elementos previamente
existentes, Latour propõe a noção de actantes, os quais não existem como entidades
objetivas, mas se definem e se estabilizam pelas relações com os demais actantes e pelas
respostas que provocam em suas interações, o que chamamos de performances (Latour,
1999). Ao usar o termo actante, não distinguimos entre humanos e não-humanos,
evitando a fragmentação proposta pelos modernos.
Latour (1999) narra, por exemplo, como o fermento (um actante) pode passar
a existir a partir da associação de Pasteur (outro actante) com o ácido lático (outro
actante). O fermento não existia antes desses dois actantes se associarem. Somente por
intermédio da relação estabelecida por Pasteur com o ácido lático, o fermento passou
a apresentar diferentes respostas em testes de laboratório (suas performances). Pasteur
nunca teve acesso ao fermento em si; mas às suas performances. Sem as performances,
nada haveria para definir o fermento. Além disso, conforme as relações e as performances
do fermento mudam, ele próprio muda. Ao final, fermento é o rótulo usado para designar
o conjunto de performances e actantes que estão associados em uma única rede.
Uma vez que a essência7 (objetiva e autônoma) do fermento é negada em favor
da sua rede de associações e performances, a qual é sempre mutável e contingente, o
conceito de verdade é diluído. Para um moderno, o conceito de fermento (elemento
da linguagem) seria verdadeiro se ele correspondesse a um fermento “real” (elemento
da natureza) (Latour, 1999). Entretanto, nunca temos acesso ao fermento, mas às suas
performances e à sua rede de actantes. Isto é, nunca conseguimos confrontar o conceito
de fermento de um lado contra o fermento do mundo natural do outro. Tal constatação
impossibilita a construção de qualquer concepção de verdade por correspondência e
indica um viés antiplatônico8 na filosofia latouriana.
Se não podemos validar a prática científica como um confronto entre linguagem
e matéria (Latour, 1999), então devemos assumir que a produção científica é da mesma
natureza que qualquer outra obra literária? Isto é, a impossibilidade de conceber a
verdade por testes de correspondência obriga-nos a assumir uma postura relativista
sobre o conhecimento científico? A resposta de Latour é não para ambas perguntas
(Latour, 1999). Ainda que não exista uma correspondência ontológica um-para-um
entre linguagem e natureza, a prática científica se dá em uma corrente de traduções. O
que garante a validade de uma prática ou de um actante é a estabilidade de tal corrente.
Tradução, nesse contexto, “não significa a mudança de uma língua para outra (como
do Português para o Francês) como se as duas línguas existissem independentemente,
7 A discussão filosófica sobre a existência e a essência remonta a Aristóteles (Nelson, 2012), para o qual ambas eram
indissociáveis. São Tomás de Aquino (Aquino, 1995), por outro lado, afirmava que a essência precede a existência,
visto que é possível conceber a essência de um ente que não existe. Sartre, por sua vez, deriva, da inexistência de
Deus, que pelo menos os homens têm sua existência anterior à essência, visto que não foram concebidos antes
de existir (Sartre, 2007). Ao estender as propriedades dos humanos aos não humanos, Latour aplica o princípio
existencialista de Sartre (a existência antecede a essência) para os “fatos científicos” (Latour, 2013).
8 Platão distinguia o mundo das Ideias em relação à nossa realidade material. Para uma visão detalhada da oposição
que Latour faz à filosofia platônica, sugere-se ler “A Invenção das Guerras da Ciência” (Latour, 1999, p. 216).

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mas translação, deriva, invenção, mediação, a criação de um link que não existia antes e
que em algum grau modifica os dois actantes” (Latour, 1999, p.179).
Latour exemplifica tal conceito para o caso de uma pessoa portando uma arma.
Um defensor de uma visão puramente sociológica (e ingênua) diria, “armas não matam,
homens matam.” – ou seja, quem atua é o homem, a arma só é um instrumento da ação
humana sem agência alguma. Por outro lado, uma posição extremamente materialista
(igualmente ingênua), por exemplo, colocaria o homem como subserviente à arma: nós
nos tornamos instrumentos da instrumentalidade (Latour, 1999). A visão de Latour não
é nenhuma dessas duas posições. Uma arma sozinha não pode matar. Um homem (sem
uma arma) pode sentir vontade de ferir outro homem, mas não ser capaz de matá-
lo. Entretanto, quando o homem com vontade de ferir possui uma arma em sua mão,
surge uma incerteza sobre a possível ação que ele pode tomar. Isoladamente, nenhum
dos actantes tinha a performance matar disponível. O actante homem-arma, contudo,
tem essa possibilidade ao seu alcance. Tal processo de incerteza sobre objetivos e
performances é o que se chama de tradução. Observa-se que a tradução é um conceito
usado para descrever a associação entre dois actantes quaisquer (sejam eles humanos ou
não-humanos). No caso da arma, a natureza da tradução é não-verbal; entretanto, pode-
se ter um caso em que o processo de tradução envolve, também, elementos semióticos.
Isso é exatamente o que acontece no caso da prática científica (Latour, 1999). Em
cada etapa de tal prática, o actante estudado funciona como um signo da etapa anterior e
como matéria bruta para a próxima etapa (ou seja, ele é um híbrido de matéria e signo).
Tal híbrido, em cada etapa, é associado a outros actantes, resultando na tradução de um
novo híbrido com novas performances. Embora o actante formado em uma etapa não
espelhe o actante anterior, existe uma relação entre eles. Isto é representado na Figura 1.

Figura 1. Corrente de traduções da prática científica (Figura adaptada de Latour, 1999)


Retomando o exemplo do fermento, a cada novo teste de laboratório, Pasteur
traduz os resultados dos experimentos na mesma medida em que os aparelhos
traduzem as intenções de Pasteur (de forma simétrica). A cada novo experimento, novas
performances traduzem um novo fermento. Dessa forma, apesar de não podermos
confrontar um fermento teórico (pertencente à linguagem) com o fermento do mundo
real (pertencente à natureza), podemos investigar toda a cadeia de traduções e traçar
que associações foram feitas e como cada performance foi mobilizada na direção da
estabilização de um actante. Assim, o que valida a prática científica não é o confronto
entre o mundo natural e social, mas a estabilidade de toda cadeia de traduções (Latour,

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1999). Se alguma das traduções feitas for inconsistente com o restante da cadeia, todo o
processo pode ficar comprometido.
A concepção de Latour, portanto, não pode ser considerada relativista, pois é
possível avaliar a realidade de um determinado actante pela extensão e pela estabilidade
da cadeia que ele mobiliza. Quanto mais extensa e estável for a cadeia de traduções, mais
real aquele actante se torna (Latour, 1999). Um dos objetivos da Sociologia Simétrica é
investigar a cadeia de traduções, traçando as relações entre todos os actantes envolvidos,
sejam eles humanos ou não-humanos, cruzando as fronteiras entre natureza, linguagem
e sociedade quantas vezes for necessário.
Observa-se, ainda, que, ao final de uma longa cadeia de traduções da prática
científica, tem-se a produção de um artigo científico. O artigo é, nesse sentido, mais um
elo na cadeia de traduções realizadas pelo cientista. A partir de tal texto, novos textos
podem ser produzidos, dando sequência à cadeia de traduções, pois cada novo texto
traduz os textos anteriores.
Um texto de história da ciência, por exemplo, jamais será um espelho da “história
da ciência real”, da mesma forma que o “conceito de fermento” não pode ser um espelho
do “fermento real”. O livro de história traduz os artigos originais, da mesma forma que
cada etapa do processo científico traduz o actante anterior. Neste trabalho, apresentamos
uma análise de como artigos científicos traduzem outros artigos científicos e como
livros didáticos traduzem artigos científicos, mostrando as incertezas e as variações
que surgem a cada nova etapa. Como a natureza dessas traduções é intrinsicamente
discursiva, adotamos um quadro teórico capaz de aprofundar tal questão: a Filosofia da
Linguagem de Bakhtin (1997; 2016; 2017).
Filosofia da Linguagem de Bakhtin: Signos e Dialogia
Uma das características que distingue a produção intelectual de Bakhtin em
relação às demais vertentes de estudo do discurso de sua época é a proposição de uma
teoria materialista sobre a construção ideológica (conhecimento científico, religioso,
moral, etc.), isto é, que não separa a construção ideológica da matéria. A visão platônica
de que existe um mundo das ideias apartado do mundo material é impossibilitada por
Bakhtin na medida em que “tudo que é ideológico é um signo. Sem signos não existe
ideologia” (Bakhtin, 2006, p.29) e
“os signos também são objetos naturais, específicos, e, como vimos, todo produto
natural, tecnológico ou de consumo pode tornar-se signo e adquirir, assim, um sentido
que ultrapasse suas próprias particularidades. Um signo não existe apenas como parte
de uma realidade; ele também reflete e refrata uma outra.” (Bakhtin, 2006, p.30).
Assim, as construções ideológicas só são possíveis a partir do signo e esse,
para Bakhtin, é um corpo natural (material) cujo sentido ultrapassa suas próprias
particularidades, refletindo e refratando outra realidade. Um pingente metálico no
formato de uma estrela de seis pontas, por exemplo, é ao mesmo tempo um corpo
natural e um signo, uma vez que remete a algo externo à própria estrela, nesse caso, o

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Judaísmo. A relação entre estrela de seis pontas e Judaísmo, entretanto, não pode ser
considerada unívoca. Nem todas pessoas tem a mesma relação seja com o signo ou com
a realidade a que ele remete. Existe uma incerteza envolvida nessa relação. Assim, não se
pode considerar que o signo reflita (corresponda) univocamente à realidade; mas que,
também, a “distorce” (refrata). Observamos que essa noção vai ao encontro da visão de
mundo latouriana, para a qual signo e matéria são indissociáveis e para a qual a relação
entre um signo e aquilo que ele significa sempre envolve a existência de variações e
incertezas.
Outro ponto importante que destaca a obra bakhtiniana em relação às outras
vertentes do discurso é que Bakhtin não está preocupado em estudar a língua encerrada
nela mesma (perspectiva predominante na Linguística de Saussure); mas os atos
concretos de comunicação. Nesta perspectiva, a comunicação verbal é composta por
uma parte verbal propriamente, mas também por uma parte extraverbal, não exprimida,
mas subentendida (Voloshinov, 1981) cujo conhecimento é condição indispensável para
que se possa fazer sua interpretação.
Se não considerarmos a dimensão extraverbal, a dimensão verbal não pode ser
compreendida. Por exemplo, uma expressão verbal como “Que pena!” pode adotar
diferentes sentidos dependendo da situação em que está sendo expressa, podendo indicar
tristeza (após ouvir um relato triste) ou ironia (após ouvir uma história supostamente
triste). A análise de discurso passa, portanto, inevitavelmente por um reconhecimento
do contexto extraverbal. Tal contexto pode ser pensado em um sentido mais direto
(como o contexto em que a comunicação está ocorrendo), principalmente, quando se
fala de um ato de comunicação oral. Mas, como no caso do presente estudo, quando
interpretamos textos (Wertsch, 2004), o contexto é dado por um conjunto de outros
textos que dialogam entre si (Bakhtin, 2017). Para interpretarmos o sentido de um texto,
podemos investigar, primeiramente, a que gênero do discurso ele pertence e qual sua
relação com a esfera de ação humana em que é realizado; mas, também, com que outros
textos (do mesmo gênero do discurso ou não) ele dialoga.
Cada campo de atuação humana, dependendo de seus objetivos e condições,
lida com estruturas discursivas relativamente estáveis, o que chamamos de gênero do
discurso. Sabemos, por exemplo, que o gênero de artigos científicos de Física aceita
textos com tema, estrutura e estilo9 relativamente determinados. Se alguém submeter
um texto com um tema, estrutura ou estilo diferente do que é esperado, provavelmente,
o artigo não será aceito. Assim, antes de produzir um artigo, o locutor já sabe quais
possíveis temas, estruturas e estilos podem ser mais adequados. Em uma análise
discursiva, pode-se fazer o processo reverso: identificamos o tema, a estrutura e o estilo
do texto e, a partir disso, inferimos características do campo de atuação em que o texto
foi apresentado. Por exemplo, a partir do estilo do discurso citado, pode-se inferir se
determinado contexto tem tendências mais autoritárias (quando os limites do discurso
citado são bem demarcados) ou liberais (quando o discurso citado se dissolve no
discurso do locutor) (Bakhtin, 2006).
9 Estilo refere-se às escolhas lexicais, gramaticais e fraseológicas realizadas pelo autor (Bakhtin, 2016).

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Ao mesmo tempo que o autor organiza seu texto pensando no campo de atuação
em que ele está inserido, ele não o constrói a partir de um vazio absoluto, mas o faz em
dialogia com textos anteriores que já presenciou.
Ademais, todo falante é por si mesmo um respondente em maior ou menor grau: porque
ele não é o primeiro falante, o primeiro a ter violado o eterno silêncio do universo, e
pressupõe não só a existência do sistema de língua que usa mas também de alguns
enunciados antecedentes – dos seus alheios – com os quais o seu enunciado entra nessas
ou naquelas relações (baseia-se neles, polemiza com eles, simplesmente os pressupõe já
conhecidos do ouvinte) (Bakhtin, 2016, p.26).
Assim, cada texto só existe em sua relação dialógica com textos anteriores e,
também, antecipando a resposta que espera causar no seu campo de atuação. Interpretar
um texto exige, portanto, traçar essas relações dialógicas, aproximando o texto de outros
textos (Bakhtin, 2017), um trabalho potencialmente infinito: “O objeto das ciências
humanas é o ser expressivo e falante. Esse ser nunca coincide consigo mesmo e por isso é
inesgotável em seu sentido e significado.” (Bakhtin, 2017, p. 59). Isso, portanto, explicita
outro caminho de análise do discurso para Bakhtin. Alguém que estudou Epistemologia,
por exemplo, pode ler um texto científico e polemizá-lo a partir de suas leituras prévias,
concordando, discordando, duvidando, de diferentes perspectivas que o texto científico
pode apresentar. Nesse processo, o leitor está construindo uma interpretação sobre
o texto, ou seja, criando um novo sentido para algo que é materialmente limitado
(Bakhtin, 2017). Toda leitura, toda interpretação, nesse sentido é ativa, é prenhe de
resposta (Bakhtin, 2016). Além da análise estilística, que permite entender a relação do
texto com o seu campo de atuação, interpretar um texto é aproximá-lo de outros textos,
explicitando as relações dialógicas entre eles.

Metodologia
Não se pode esperar uma sobreposição integral entre as filosofias bakhtiniana e
latouriana. Como já mencionamos, enquanto Latour se preocupa em descrever a prática
científica, Bakhtin ergue sua concepção de linguagem a partir de estudos literários.
Apesar disso, elementos das obras de ambos autores apontam na mesma direção. Ambos
apresentam uma filosofia antiplatônica, fundindo os signos com a matéria. Em tal
concepção, o signo se relaciona com a realidade de forma incerta e imprecisa, refletindo-a
e refratando-a (em termos bakhtinianos) ou traduzindo-a (em termos latourianos).
Ainda, a proposta de Latour é estudar uma determinada prática sem fragmentar
natureza, sociedade e linguagem, enquanto a metalinguística bakhtiniana permite,
analisando a linguagem, falar sobre elementos extralinguísticos. Tais tangenciamentos
permitem-nos explorar o discurso de livros didáticos, investigando como eles dialogam
e traduzem artigos científicos e quais implicações isso traz tanto para a natureza quanto
para a sociedade.
Neste trabalho, o objeto de estudo são os capítulos de Física Quântica dos
livros aprovados no PNLDEM-2015. Queremos entender como cada texto traduz as

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Um Estudo Metalinguístico sobre as Interpretações do Fóton nos Livros Didáticos de Física...

interpretações do fóton presentes nos artigos originais de Física Quântica. Quando o autor
do livro didático fala sobre o fóton, não pode se esperar uma relação de correspondência
entre sua visão e a dos artigos originais, mas é natural que haja translações de objetivos,
de visões de mundo (ontológica e epistemológica) e de linguagem. Queremos saber
quais translações são essas e como elas ocorrem. Quais as relações dialógicas existentes
entre todos esses textos?
O que estamos fazendo, portanto, é interpretar os artigos originais e interpretar os
livros didáticos. Ou seja, este artigo também é um texto, sujeito a todas as características
e condições discutidas anteriormente. Isto significa que nossa visão não é a Verdade,
mas é um relato (interpretativo) dos artigos e dos livros didáticos. Em resumo, deve-se
levar em consideração três aspectos sobre este trabalho:

1. O método de análise desse artigo pode ser classificado, de forma genérica,


como uma interpretação (Bakhtin, 2017); estamos interpretando textos como
Bakhtin também o fazia (Bakhtin, 1984a, 1984b). A interpretação é uma
construção. Isto é, ainda que o texto seja limitado (conjunto de caracteres
sobre um papel) seus sentidos são potencialmente infinitos (Bakhtin, 2017). O
sentido dado ao texto não depende só do texto (parte verbal), mas da situação
em que o texto é lido e, principalmente, do conhecimento de outros textos com
que o leitor já teve contato (Voloshinov, 1930). Por isso, Bakhtin afirma que o
processo de interpretação envolve o encontro de duas consciências (Bakhtin,
2017). A interpretação enquanto método de análise consiste justamente em
se valer dessa leitura ativa, que constrói relações dialógicas entre diferentes
textos.
2. Como existem potencialmente infinitos textos fora do texto de análise, existem
potencialmente infinitas interpretações de cada texto. Tudo que temos para
oferecer é uma possível interpretação. O fato de que existem potencialmente
infinitas interpretações sobre um texto não implica, entretanto, que todas
elas sejam equipolentes. Este artigo é uma tradução, e como tal, ele também
faz parte de uma cadeia de traduções. Devemos buscar, em uma análise
metalinguística, ser consistentes com a cadeia a que pertencemos. Se
utilizarmos ideias inconsistentes com o referencial teórico ou com os próprios
textos estudados, a tradução pode ficar comprometida.
3. É preciso limitar o escopo de textos que pretendemos usar para interpretar os
textos em questão (o contexto). No caso desse trabalho, queremos analisar os
textos dos livros em dialogia com as interpretações da Física Quântica. Por
isso, na próxima seção, apresentamos uma possível história das interpretações
do fóton. Uma vez estabelecido esse contexto discursivo, ou conjunto de
cotextos (Latour, 1988), podemos ler os textos dos livros didáticos e perceber
as relações dialógicas entre eles, isto é, como eles traduzem, transmitem,
reexpressam, tensionam, omitem, modificam os textos originais. Na Figura 2,

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Lima, Souza, Ostermann, & Cavalcanti

apresentamos um esquema que sintetiza a proposta dessa pesquisa.

Artigos Originais
actantes e suas performances
Sociologia Simétrica da estão em apresentam
interpreta Tradução
Educação em Ciências dialogia

elementos dialógicos
Livros Didáticos

Reflexão e Refração

Figura 2. Esquema geral da pesquisa. Os termos em vermelho são trazidos da Filosofia da


Linguagem de Bakhtin e os termos em azul dos Estudos da Ciência de Latour.
Nossa proposta de um estudo de sociologia simétrica passa pela interpretação de
textos. No caso deste trabalho, os objeto-de-pesquisa são os textos sobre Física Quântica
presentes nos livros didáticos de Física aprovados no PNLDEM 2015 e os artigos originais
de Física Quântica (pertencem a diferentes gêneros do discurso). Todos os textos falam
sobre actantes e suas performances e apresentam processos de tradução e dialogia. A
análise envolve traçar e descrever esses processos.
Selecionamos os 14 livros didáticos de Física aprovados no PNLDEM 2015
e identificamos o capítulo específico sobre Física Quântica (ou Física Moderna) no
volume 3 de cada coleção. Antes de começar uma interpretação detalhada dos textos,
é recomendado que se faça uma primeira leitura das obras, para que se possa ter uma
noção mais clara dos textos tratados e com quais outros textos eles dialogam (Veneu et al.,
2015). Nesta etapa da pesquisa, pode-se, por exemplo, classificar os textos em diferentes
categorias dependendo de suas proximidades estilísticas. Depois disso, realiza-se, então,
a interpretação de cada texto de forma aprofundada.

Uma Possível História do Fóton – As Interpretações Filosóficas


como Tradução10
O primeiro registro do nascimento fóton11 no século XX não se deu em um
laboratório ou durante qualquer atividade empírica. O fóton não foi, na sua gênese,
detectado explicitamente em algum instrumento de medida. Sua articulação no mundo
surge pela comparação teórica da variação de entropia de dois actantes diferentes (o gás
ideal e a radiação) em um artigo científico de Albert Einstein (1905).
O artigo de Einstein traduz consequências das teorias da época e de resultados
experimentais previamente obtidos. Essas teorias e experimentos não foram criados por
10 O objetivo desta seção é apresentar ao leitor uma possível interpretação da história do fóton explicitando
os processos de tradução existentes na produção acadêmica e apresentar a relação existente entre os múltiplos
fótons da história. Nosso objetivo não é apresentar a versão mais completa ou mais precisa da história do fóton,
mas evidenciar que, a partir de um estudo de dados historiográficos primários, é possível haver multiplicidade de
sentidos. A história contada interpreta a apresentação de Jammer (1974) e Pessoa Jr. (2003).
11 Para Latour, no momento em que a rede sociotécnica é articulada, o fóton é construído como um ente real e
não um mero conceito sem realidade.

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Einstein, eles já existiam. Einstein nos diz aquilo que os experimentos “querem” dizer,
da mesma forma que um senador, ao falar, expressa a voz das pessoas que representa.
Einstein demonstra que a entropia da radiação eletromagnética monocromática varia
com o volume da mesma forma que varia a entropia de um gás ideal; mas ele afirma
muito mais do que isso (da mesma forma que um senador pode afirmar muito mais do
que o povo gostaria que ele falasse), ele afirma que a radiação eletromagnética é análoga
a um gás ideal. Surge, nas palavras de Einstein, algo que as teorias da época, sozinhas,
não poderiam dizer.
Nesse sentido, o autor do artigo é Einstein, mas o autor do conceito fóton não
é somente Einstein. É, também, a Física Estatística de Boltzmann, a Termodinâmica,
os gases ideais, o Efeito Fotoelétrico, a Termoluminescência, os gases ionizados. Sem
Einstein, esses actantes não nos diriam nada sobre o fóton, pois são mudos; mas sem
eles, Einstein também não poderia nos dizer nada. Nesse caso, humanos e não-humanos
se medeiam uns aos outros para produzir um novo actante. Nessa tradução, há mais
do que a própria fala dos fatos (os fatos não falam por si mesmos). A voz de Einstein
se sobrepõe à dos objetos. A grande inovação de Einstein é justamente a interpretação
que ele oferece para a equação que relaciona energia e frequência (E=hf). É justamente
a tradução de Einstein que marca, tradicionalmente, o início da Física do século XX
(Greenstein, & Zajonc, 1997).
Os artigos subsequentes sobre o fóton (na época ainda chamado de quantum)
falam da performance desse actante e de sua associação a diferentes actantes. Até a
segunda década do século XX, o comportamento corpuscular era toda a perfomance
relatada nas narrativas do fóton (Martins, & Rosa, 2014) e, portanto, era a performance
corpuscular que definia sua essência. Arthur Compton, por exemplo, narra as colisões
entre fótons e elétrons (Compton, 1923). O seu fóton, entretanto, tem exatamente a
mesma performance do fóton de Einstein? Na verdade, não! O fóton de Compton
transfere momentum12, o que o quantum de 1905 não fazia. Isso quer dizer que o fóton
de Compton e o de Einstein não guardam relação nenhuma? Também não. O fóton
de Einstein e o de Compton guardam entre si uma relação de tradução, pois são dois
actantes híbridos de uma mesma cadeia de transformações (Figura 1). Essa relação de
tradução entre os dois fótons é refletida nos textos na medida em que a narrativa sobre o
fóton de Compton reflete o fóton de Einstein, pois ambos são corpúsculos; mas a refrata
na medida que apresenta uma nova performance – a transferência de momentum.
Em 1922, De Broglie (1922), valendo-se de recursos teóricos, dá andamento à
cadeia de traduções dos fótons corpusculares, dotando-os não somente de momentum;
mas, também, de massa. Esses novos actantes viajariam a uma velocidade levemente
abaixo da velocidade limite estabelecida pela teoria da relatividade e, no referencial
próprio, seriam idênticos. Em 1923, De Broglie (1923) propõe uma nova visão, sugerindo
uma teoria relativística para todas as partículas (inclusive os fótons) associando-as a
um grupo de ondas, cuja velocidade de fase seria superior à velocidade da luz e cuja
12 Stark foi o primeiro a dotar o fóton de momentum, o que foi considerado um grande erro por Einstein (Martins,
& Rosa, 2014).

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velocidade de grupo seria inferior à velocidade da luz e idêntica à da partícula. Essa é a


primeira proposta verdadeiramente dual (Martins, & Rosa, 2014), visto que, até então,
Einstein havia proposto o quantum individualmente como um ente corpuscular, e a
radiação (escala macroscópica) é que teria propriedades ondulatórias.
Esse cenário profícuo para a estabilização da cadeia de traduções do fóton, seja
ele de natureza corpuscular ou dual, entretanto, muda com a proposta da Física Quântica
de Schrödinger e seu principal actante, a função de onda13 (Schrodinger, 1928). Como
um átomo emite radiação eletromagnética cuja energia equivale à diferença dos dois
autovalores associados aos autoestados de energia, Schrödinger traduziu sua função
de onda como a própria natureza da radiação eletromagnética (Jammer, 1974) e, com
isso, foi capaz de traduzir o Efeito Stark e o Efeito Zeeman entendendo a radiação
eletromagnética como onda (e não partícula). A identificação da função de onda como
proposta por Schrödinger, entretanto, implica, necessariamente, a desestabilização da
cadeia do fóton.
Para dar conta das propriedades localizadas da radiação, Schrödinger
propõe o conceito de pacote de onda14. Além disso, Schrödinger contribuiu para a
desestabilização da cadeia corpuscular da radiação, explicando o Efeito Compton
com um modelo semiclássico com radiação contínua (Schrodinger, 1927; Greenstein &
Zajonc, 1997). Seguindo Jammer (1974), a proposta de Schrödinger, entretanto, possuía
sérios problemas: 1) a onda se propaga no espaço de fase e não no espaço geométrico; 2)
a onda é complexa; 3) a onda passa por mudanças descontínuas e abruptas em processos
de medidas; 4) o comportamento da onda depende da base utilizada no Espaço de
Hilbert.
Também no ano de 1926, Born propõe sua tradução da Equação de Schrödinger
(Born, 1926) para objetos quânticos (Jammer, 1974). Entendendo-os como partículas, a
função de onda expressaria o nosso conhecimento sobre sua posição ao longo do tempo.
De acordo com Born, o módulo quadrado da função de onda fornece a densidade de
probabilidade da partícula. Em contraposição a tudo que havia sido apresentado, Born
reexpressa a equação de Schrödinger, introduzindo uma visão de mundo idealista na
medida em que atribui a uma equação física informações sobre nosso conhecimento e
não sobre a realidade física.
Born afirma ter usado a ideia de campo que guia os fótons usada por Einstein em
1909 (Jammer, 1974); mas Einstein não havia atribuído tal significado ao seu resultado,

13 As interpretações da função de onda, tradicionalmente, foram propostas no âmbito da física quântica não
relativística, o que, em princípio, não englobaria fótons. Existem, entretanto, propostas recentes no sentido de
desenvolver uma função de onda para o fóton (Bialynicki-Birula, 1994, 1996)- o que permite a extensão das
interpretações. Ademais, apesar de, formalmente, não tratar de fótons, a interpretação da função de onda é,
historicamente, relacionada à interpretação do campo eletromagnético em trabalhos como o de Schrödinger e
Born (como discutiremos). Tal relação é tão íntima que Pessoa Jr. (2003) usa as interpretações apresentadas para
falar de fótons indistintamente.
14 A função de onda de uma partícula pode ser descrita ajustando-se os coeficientes de sua expansão em série
de Fourrier. Nesse caso, o comportamento corpuscular é reduzido de um status ontológico para um mero caso
particular de um conjunto de configurações possíveis para a função de onda.

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o que caracteriza mais um exemplo de refração de um texto15. Ainda, Born utiliza o


formalismo de Schrödinger sem aderir à sua interpretação. Em resumo, ele traduz as
ideias de Einstein e o formalismo de Schrödinger em uma visão nova, hibridizando-
as e refratando-as: o movimento da partícula é probabilístico, sendo a probabilidade
que obedece uma equação determinista (a evolução da função de onda é determinista
e é dada pela equação de Schrödinger no caso não-relativístico). Os objetos quânticos
recebem uma nova articulação: se a função de onda representa nosso conhecimento sobre
a partícula, seu colapso representa uma mudança repentina em nosso conhecimento.
Entretanto, isto é difícil de se articular com os experimentos de fenda dupla cujos
resultados parecem se articular mais facilmente com uma noção de onda como algo que
não depende só do nosso conhecimento (Jammer, 1974).
Em 1927, a refração e reflexão dos discursos anteriores levou à proposição de outra
síntese, de cunho positivista, pautada no conceito de Complementaridade (Bohr, 1928).
Para Bohr, a realidade tem dois quadros de explicação (o corpuscular ou o ondulatório).
Dependendo do arranjo experimental, um desses quadros é o mais apropriado (Pessoa
Jr., 2003). Essa posição, de viés positivista e antirrealista, é para Bohr uma característica
da própria realidade e não só da Física Quântica, podendo ser percebida em vários
âmbitos do conhecimento humano. Outros pensadores se opuseram à visão positivista
de Bohr, articulando, novamente, objetos quânticos enquanto partícula, principalmente
no contexto de uma interpretação estatística - com diferentes refrações da proposta de
Born. Podemos incluir, nesse grupo, as propostas de Popper (1957) e Ballentine (1970).
Essa curta história das interpretações filosóficas do fóton, a qual se mistura à
própria história da função de onda e dos demais objetos quânticos, nos mostra pelo
menos dois elementos fundamentais sobre o conhecimento científico. O primeiro é que
não é possível encontrar A Física Quântica ou O fóton. Quando alguém fala de fótons,
precisa nos dizer qual é sua interpretação, ou melhor, qual tradução está fazendo do
formalismo e dos experimentos. Não existe uma visão única, a científica, contra a qual se
estabelecem as visões pseudocientíficas. Aquilo que, geralmente, designamos por Física
Quântica configura-se como um grupo extremamente heterogêneo de traduções que
são defendidas em textos em articulação dialógica (alguns em concordância, outros em
oposição, outros em síntese dialética) e que se comunicam por processos de reflexão e
refração. O segundo elemento, consequência do primeiro, é a noção de que nenhuma
visão é totalmente inovadora. Ela sempre se posiciona em dialogia com os textos
anteriores (seja confirmando, negando, ou propondo uma síntese) - o que chamamos
de dimensão refletora do discurso. Por outro lado, nenhuma visão é uma cópia das
visões anteriores, elas sempre traduzem as visões anteriores acrescentam aspectos
anteriormente inexplorados - o que chamamos de dimensão refratora do discurso.

15 Nesse processo de refração, pode-se perceber como o avanço científico acontece apesar das contradições que
ele pode levar à razão, o que lembra a noção de contraindução de Feyerabend (2011): Born se inspira na noção
de um campo que guia os fótons proposta por Einstein, em um caso relativístico, para interpretar uma equação
não-relativística.

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A Física Quântica dos Livros Didáticos


Ao fazer uma primeira leitura dos textos selecionados, etapa discutida na
Metodologia, identificamos que os quatorze livros poderiam ser classificados em três
categorias distintas conforme a sua relação com as Interpretações Filosóficas do Fóton.
Como os livros de cada categoria são muito semelhantes, optamos por apresentar, na
análise metalinguística, um livro exemplar de cada grupo. A seguir, apresentamos as três
categorias bem como as obras classificadas em cada uma:

1. Não reconhece explicitamente a existência de diferentes interpretações e não


adere a uma interpretação específica. Onze livros foram classificados nessa
categoria, a dizer, os livros de Yamamoto e Fuke (2013), Guimarães et al
(2013), Barreto e Xavier (2013), Luz e Álvares (2013), Bonjorno et al. (2013),
Gonçalves Filho e Toscano (2013), Doca, Bôas e Biscuola (2013), Menezes et
al (2013), Stefanovits (2013), Sant’Anna et al. (2013) e Torres et al. (2013).
2. Reconhece explicitamente a existência de diferentes interpretações. Dois livros
foram classificados nessa categoria, a dizer, os livros de Artuso e Wublewski
(2013), Oliveira et al. (2013).
3. Adere a uma única interpretação e a defende como única possibilidade.
Apenas o livro de Gaspar (2013) foi classificado nessa categoria.

A tradução entre o livro didático e o artigo científico apresenta-se, dessa forma,


como um problema típico da Filosofia da Linguagem de Bakhtin, a dizer, o problema do
discurso citado (Bakhtin, 2006). A análise literária de Bakhtin levou-o a concluir que a
forma como o discurso aparece citado no texto (isto é, o estilo da escrita, envolvendo as
escolhas gramaticas e fraseológicas) está intimamente ligada com a visão de mundo do
autor. Como o texto é sempre construído em relação aos outros textos, todos os livros
didáticos se relacionam dialogicamente com os artigos originais, mas alguns explicitam
essa relação dialógica enquanto outros a omitem. Ao longo da análise bakhtiniana,
podemos inferir quais as implicações epistemológicas e didáticas de cada opção.
Textos que não reconhecem explicitamente a existência de diferentes
interpretações e não aderem a uma interpretação específica
No primeiro grupo, em que está a maioria dos livros didáticos de física aprovados
pelo PNLDEM 2015, encontram-se os textos que não discutem explicitamente a
existência de diferentes interpretações do fóton. Isso não significa que eles não adotam as
interpretações, mas somente que o discurso citado tem suas fronteiras diluídas ao longo
do discurso (Bakhtin, 2006). Escolhemos apresentar a obra de Bonjorno et al.(2013),
pois esse foi o livro mais distribuído em escolas públicas no Brasil de acordo com o
portal do PNLD.
A história contada por Bonjorno et al. (2013) começa com Planck:

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Um Estudo Metalinguístico sobre as Interpretações do Fóton nos Livros Didáticos de Física...

Em outras palavras, segundo Planck, os osciladores vibrantes na frequência f emitem


energia E em quantidades discretas ou quantizadas. A quantidade mínima de energia
emitida, ou seja, o quantum, seria um pacote de energia hf. Os “pacotes de energia”
poderiam assumir valores dados por E =nhf (Bonjorno et al., 2013, p. 244).
De acordo com Bakhtin, as escolhas gramaticais de um autor são indícios de sua
visão de mundo, de forma que o estilo de um autor não pode ser analisado separadamente
do tema (Bakhtin, 2016). Nesse trecho, o autor usa os verbos no futuro do pretérito
(“seria”, “poderiam”), dando uma indicação muito sutil de que aquilo sobre o qual está
falando vai ser modificado adiante. Ou seja, ainda que eles reflitam a concepção original
de Planck, o período verbal do tempo que introduz essa concepção enfraquece a voz
de Planck. Nesse caso, o tempo verbal funciona como um modulador da intensidade
daquilo que quer ser dito. Além disso, os autores não explicam como Planck chegou a suas
ideias, sua tradução envolve uma simples declaração sobre o que Planck obteve. Assim,
a tradução do artigo original pelo livro didático envolve o apagamento da construção
teórica de Planck e a veiculação de uma única ideia em detrimento de toda obra. Toda
a construção de Planck fica resumida em poucas linhas – um processo chamado por
Latour de blackboxing. Na sequência, os autores falam sobre Einstein:
Com base na ideia de quantum de Planck, Einstein estabeleceu que a energia da radiação
incidente concentrava-se em “partículas”, que passaram a ser denominadas fótons. Ele
sugeriu que cada fóton transporta um quantum de energia dado por E=hf . Ou seja, em
lugar de se espalhar nas frentes de ondas, como estabelecia a teoria eletromagnética, a
energia é transportada em pacotes discretos. (Bonjorno et al., 2013, p. 248)
Ao falar de Einstein, os autores se alinham à sua visão corpuscular. Ao fazer
isso, eles mudam o tempo verbal que vinham utilizando, de futuro do pretérito para o
pretérito e, depois, para o presente, o que revela um fortalecimento da visão de Einstein
em relação à de Planck (que não concordava com a concepção do fóton). Ainda, o verbo
que os autores utilizam para inserir o discurso de Einstein é bastante incisivo: eles não
afirmam que Einstein sugeriu ou propôs o fóton, mas que Einstein o “estabeleceu”, sem
explicar como isso foi feito, ou seja, mais uma vez, a dialogia se dá por processo de
blackboxing. A única menção que fazem à construção de Einstein é a informação de que
ele partiu da ideia de Planck, o que não está de acordo com o artigo original (Einstein,
1905). A associação do conceito de fóton com a proposta de Planck só começou um
ano depois do seu primeiro artigo (Einstein, 1906) e seguiu nas décadas subsequentes.
Aparentemente, os autores adotam essa releitura do próprio Einstein e não a versão do
artigo original.
Ademais, os autores não se preocupam, nesse momento, em conciliar o aspecto
corpuscular do fóton com o fato de sua energia depender da frequência (grandeza
ondulatória). Essa contradição é simplesmente silenciada. Ou seja, introduz-se a nova
Física como algo que progride em relação à Física Clássica, mas não se discute os seus
problemas. Apesar de não explicitar a questão da conciliação partícula-onda, os autores
não chamam o fóton de corpúsculo, mas de “pacotes discretos”, sendo que o termo pacote

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Lima, Souza, Ostermann, & Cavalcanti

de onda aparece na proposta de Schrödinger justamente para conciliar uma partícula


não relativística localizável com sua natureza ondulatória. Ou seja, os autores parecem
perceber a contradição, mas preferem não a revelar. Isso é um indício de que prevalece,
no discurso didático, o intento de validar o discurso científico ao invés de apresentá-
lo com sua complexidade e possíveis contradições. Na sequência, os autores falam do
Efeito Compton:
Compton compreendeu que ambos apresentaram comportamento semelhante ao que
acontece quando ocorre a colisão de bolas de bilhar. Isso pode ser interpretado como
uma indicação da natureza corpuscular do raio X. Após o choque, as bolas de bilhar
continuam sendo as mesmas, mas no caso do experimento com os raios X, Compton
descobriu que o comprimento de onda do raio X espalhado é maior que o incidente.
(Bonjorno et al., 2013, p. 253)
Neste primeiro momento, os autores apresentam que a proposta de Compton é
“um indicativo da natureza corpuscular”, e, na sequência, aumentam a confiabilidade do
trabalho de Compton:
O efeito Compton confirma que os fótons se comportam como partícula apesar de sua
energia ser descrita em função do comprimento de onda associada a eles - no caso, os
raios X. (Bonjorno et al., 2013, p. 253)
Aquilo que era apenas um indicativo, no primeiro trecho, se torna uma confirmação
no segundo. Os autores, portanto, seguem reforçando a natureza corpuscular da radiação,
interpretando o fóton como partícula. Para o leitor desavisado, o texto, até o momento, o
conduz à concepção de que o fóton é uma partícula. O processo de blackboxing impede
que se visualize a construção dos conceitos, restando ao leitor a opção de aceitar as ideias
do autor. Esse posicionamento autoritário se reflete no uso de verbos como “confirma”
de forte viés positivista. No próximo trecho, a visão corpuscular é novamente reiterada:
Fenômenos como o efeito fotoelétrico e o efeito Compton evidenciaram que as radiações
têm comportamento corpuscular, uma vez que podem ser explicadas com o conceito de
fóton ao qual está incorporada uma quantidade de energia proporcional à frequência da
fonte emissora. Assim, podemos afirmar que as radiações eletromagnéticas consistem
num conjunto discreto de pacotes de energia - corpúsculos ou fótons. (Bonjorno et al.,
2013, p. 253)
O discurso dos autores até esse momento expressa um forte viés essencialista em
prol da concepção corpuscular da luz, fortalecida por uma escolha lexical positivista. O
conceito de frequência é atribuído à fonte emissora (como se não fosse propriedade da
partícula) – o que parece sugerir o fim do conflito. No seguinte trecho, entretanto, os
autores se contrapõem ao que vem sendo discutido:
Por outro lado, fenômenos como difração e interferência, que ocorrem com essas
radiações, são descritos teórica e experimentalmente por uma natureza ondulatória.
(Bonjorno et al., 2013, p. 253)
Até então, os autores haviam adotado um viés essencialista para falar dos

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corpúsculos (ou seja, a luz é constituída de partículas). Nesse momento, ao falar dos
fenômenos ondulatórios, eles chamam de “descrição”, ou seja, rebaixam a concepção
ondulatória uma visão instrumental16.
Além disso, deve-se notar que Bonjorno et al. contrapõem a visão corpuscular
dos fenômenos de absorção e emissão de fótons com efeitos de interferência e difração
da luz. Essa é a concepção original de Einstein em 1905, a qual, conforme discutido
anteriormente, não é uma visão dual e, portanto, não costuma ser chamada de Física
Quântica. O problema da dualidade onda-partícula surge somente quando um único
fóton (cuja natureza esperada seria corpuscular, em uma visão de senso comum)
apresenta fenômenos de interferência e difração. Ou seja, na Física Quântica não há uma
contraposição entre visão ondulatória macroscópica e visão corpuscular microscópica.
Na Física Quântica, há a dualidade de comportamento corpuscular e ondulatório para
o mesmo ente, na mesma escala. A Interpretação de Copenhague, por exemplo, tenta
explicar ou resolver tal dualidade e não o conflito entre fóton corpuscular versus radiação
contínua. Ignorando isso, os autores afirmam:
Por isso, seguimos o que estabelece o princípio da complementaridade, enunciado em
1929 por Niels Bohr, que considera a necessidade de duas teorias para estabelecer o
comportamento duplo das radiações, embora nunca seja necessário usar ambos os
modelos ao mesmo tempo para descrever determinados fenômenos. (Bonjorno et al.,
2013, p. 254)
Os autores, portanto, adotam a visão corpuscular de Einstein ao longo de todo
o texto e explicam o comportamento ondulatório da radiação usando a Interpretação
de Copenhague (que não era aceita por Einstein) para um problema que não é da
Física Quântica. Assim, a visão dos autores é uma interpretação própria da natureza da
luz, que não corresponde nem à visão de Einstein, nem à de Copenhague, mas é uma
hibridização dessas visões17. Além disso, os autores afirmam na sequência que
Niels Bohr aceitou a ideia de que o comportamento ondulatório e corpuscular da
matéria e da luz são duas faces do mesmo fenômeno básico e não dois tipos de eventos
distintos. O comportamento ondulatório ou corpuscular são meios complementares de
ver o mesmo fenômeno. Não é a luz que muda suas características, mas a forma como
nós decidimos interpretá-la. (Bonjorno et al., 2013, p. 254)
Eles apresentam, portanto, o Princípio da Complementaridade jogando sobre a
teoria os problemas de descrição, aderindo novamente a uma visão instrumentalista
– o que se contrapõe à visão essencialista adotada em quase todo o texto. Os autores
afirmam que somos nós que decidimos com interpretá-la, o que sugere a inserção de um
grande grau de subjetividade. A análise bakhtiniana deste texto nos permite sintetizar os
seguintes resultados sobre a primeira categoria:
16 Historicamente, a Física tem suas origens associadas a uma visão essencialista, segundo a qual a ciência descobre
quais são as essências da realidade. A visão instrumentalista surge, posteriormente, caracterizando a ciência como
um instrumento para descrever a realidade, mas incapaz de descobrir suas essências (Popper, 2008).
17 Isso também é feito por todos os outros livros dessa categoria com exceção das obras de Menezes et al. (2013)
e Sant’Anna et al. (2013).

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Lima, Souza, Ostermann, & Cavalcanti

• O texto didático se articula (ou dialoga) com os artigos originais por um


processo de blackboxing.
• Os autores se alinham a uma voz corpuscular ao longo de quase todo o texto.
O actante fóton apresentado pelos livros é muito próximo, em termos de
sua performance, ao estabelecido por Einstein (início do século XX), uma
vez que a performance corpuscular do fóton é contraposta à performance
ondulatória da radiação. Ou seja, para os autores, o fóton único não apresenta
comportamento ondulatório da mesma forma que o fóton de Einstein.
• Para explicar a dicotomia fóton-radiação (diferentes escalas), eles usam
a Interpretação de Copenhague (que não era aceita por Einstein), a qual,
originalmente, deveria explicar a dicotomia partícula-onda para o fóton.
• As conclusões ii e iii indicam que, apesar de dialogarem com os artigos
originais, a visão sobre o fóton dos autores não corresponde nem à visão de
Einstein nem à de Copenhague, hibridizando-as em um discurso próprio.
• No processo de tradução, a intenção dos autores pode ser percebida como a de
transmitir a noção de ciência neutra, universal e absoluta – o que é refletido
na escolha lexical de cunho positivista, no silenciamento das controvérsias
da interpretação e no próprio processo de blackboxing. Assim, ainda que
esses livros sejam voltados para a Educação Básica, percebe-se neles a mesma
ideologia didática dos manuais de instrução do ensino superior: defender
um paradigma de forma acrítica e instrumentalista, sem se preocupar com a
construção das teorias, mas somente sua aplicação.
• Apesar de defenderem um paradigma, a abordagem dos autores não
dialoga com a concepção contemporânea de Física Quântica (incluindo a
dualidade onda-partícula do fóton), estando relacionada somente com os
problemas teóricos das duas primeiras décadas do século XX. O paradigma
defendido pelos livros deixou de ser hegemônico há mais de oito décadas pela
comunidade científica.

Textos que reconhecem explicitamente a existência de


diferentes interpretações
Na segunda categoria, encontram-se apenas dois livros. Apresentamos a análise
do texto de Oliveira (2013), pois esse é o que apresenta o maior intervalo temporal
da história da radiação eletromagnética, retomando o problema de Newton e Huygens
(Lima, Ostermann, e Cavalcanti, 2017d). Se, por um lado, uma apresentação com uma
janela temporal maior é interessante, pois permite a visualização da ciência em um
contexto maior, por outro lado significa que houve maior supressão de informações. Isto
significa que o processo de blackboxing ocorre de forma mais intensa. Ainda, deve-se
notar que os dois livros desta categoria adotam a mesma estratégia para realizar a inserção
das intepretações filosóficas: primeiro, eles fazem uma abordagem cronológica como os
livros da primeira categoria e, ao final, acrescentam um texto sobre o Interferômetro

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Um Estudo Metalinguístico sobre as Interpretações do Fóton nos Livros Didáticos de Física...

de Mach Zehnder e as possíveis interpretações que ele desperta, apresentando uma


abordagem provavelmente inspirada na proposta de Pessoa Jr. (2003).
A história da luz, no âmbito da Física Moderna, é contada, como de costume,
a partir da apresentação do Efeito Fotoelétrico segundo a visão clássica da radiação
eletromagnética. Na sequência, os autores apresentam uma seção com título:
“Interpretação de Einstein: luz como partícula.” O próprio título sugere a interpretação
corpuscular da radiação, o que concorda com o que está presente no artigo e Einstein
(1905). Os autores comentam:
Em 1905, Einstein propôs a teoria do efeito fotoelétrico, que concordava com os
resultados experimentais até então obtidos e posteriormente com medidas mais precisas
por outros pesquisadores. Ele afirmou que a radiação eletromagnética de frequência f
continha “pacotes” de energia de intensidade diretamente proporcional à sua frequência.
A esses “pacotes” deu-se posteriormente o nome de fótons. (Oliveira et al., 2013, p. 230).
Se, nos artigos originais, o autor traduzia as equações e os fenômenos; no livro
didático, o autor traduz os textos dos cientistas. Isso significa que ele sobrepõe a sua
voz à voz dos cientistas. No trecho acima, Oliveira et al. (2013) chamam de “teoria” o
que Einstein chamava de “hipótese”, e dão aos quanta de Einstein o rótulo de “pacote
de energia”, sendo que o termo “pacote” pode ter sido importado da interpretação de
Schrödinger (que traz a ideia de pacote de ondas).
Além disso, os autores dizem que a radiação eletromagnética “continha” pacotes,
enquanto o termo usado por Einstein foi “consiste” de quanta. Essa sutil diferença sugere
que há algo a mais do que os pacotes (talvez uma influência da visão dualista-realista,
mas que não fica clara), o que não corresponde à visão original de Einstein.
Estes são partículas em constante movimento que, no vácuo, se propagam com
velocidade da luz c e não possuem massa. Podemos associar aos fótons energia E e
quantidade de movimento Q. (Oliveira et al., 2013, p. 230)
Comparando esse trecho com o anterior, observamos que existe uma variação
ontológica: no trecho anterior, os autores falam o que Einstein pensava (“Einstein
propôs”, “Ele afirmou que”), mas nesse trecho eles não estão mais falando da visão de
Einstein, mas sobre o que a realidade é (“Estes são partículas”). Houve uma promoção
ontológica. Antes o fóton era um elemento de um discurso de um cientista, agora, ele já
é uma realidade.
Além disso, os autores hibridizam sua visão atual sobre o fóton com a visão
original de Einstein, dotando-o de quantidade de movimento, o que Einstein não havia
feito em 1905. Depois de discutir o Efeito Fotoelétrico, identificando o fóton como
uma partícula (e já tendo discutido experimentos ondulatórios da radiação), os autores
apresentam uma seção intitulada “O que é Luz Afinal”. O título da seção sugere um forte
viés essencialista.
Dessa maneira, com a proposta corpuscular de Einstein, devemos voltar a considerar
a natureza da luz particulada? Mais ou menos. O que devemos ter em mente é que

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Lima, Souza, Ostermann, & Cavalcanti

precisamos das duas representações para tratar da natureza da luz. Em alguns fenômenos,
ela se apresenta como onda, em outros como partícula. É o que chamamos em Física
de natureza dual da luz, ou ainda, de dualidade onda-partícula. (Oliveira et al., 2013,
p. 233)
Nesse trecho, os autores parecem se alinhar à visão da Complementaridade
de Bohr, ao apresentar a existência de dois quadros distintos, mas necessários para
explicação da realidade. Algo importante a ser notado é que todo texto é construído com
base em textos anteriores (Bakhtin, 2016), e a forma como são citados está intimamente
ligada ao projeto de fala do locutor. No trecho acima, a visão corpuscular é chamada de
“visão corpuscular de Einstein”, mas a visão da Complementaridade não é atribuída a
nenhum autor. Isso sugere, mais uma vez, uma diferenciação ontológica: antes, tínhamos
uma proposta, agora temos a realidade. Essa “visão real e verdadeira” é traduzida, mais
uma vez, por argumento de autoridade: se antes a proposta era de Einstein, agora a
visão é da “Física”. Além de autoritário, esse discurso silencia a existência de diferentes
interpretações. Os defensores da visão corpuscular não concordariam com a necessidade
de dois quadros de explicação, mas por isso eles não são parte da Física? Na sequência,
os autores completam sua explicação:
É importante destacar que a dificuldade na representação da luz não é um problema da
própria luz, mas dos meios que a Ciência, e em particular a Física, tem em descrever
fenômenos e situações. Parece razoável assumir uma natureza dual para a luz. Ela pode
se apresentar como onda ou como partícula, dependendo do fenômeno que está sendo
estudado e de como se impõe a medida sobre o objeto de estudo. É importante que o
modelo é que se adapta à situação, não é a luz que se transforma em partícula. (Oliveira
et al., 2013, p. 233)
Esse trecho possui um forte viés instrumentalista, o que contraria todo o restante
do texto e, inclusive o título da seção. Até o momento, os autores queriam explicar o que
é a luz, agora delegam o problema para a teoria. Na sequência, os autores explicitam a
visão de Bohr (que já vinha sendo veiculada):
A dupla natureza da luz foi resultado direto da proposição de Einstein sobre a
quantização da radiação eletromagnética e a proposição do fóton. O físico dinamarquês
Niels Bohr (1855–1962) propôs o princípio da Complementaridade, considerando que
a luz se comporta como partícula ou como onda. Nunca como ambas simultaneamente.
(Oliveira et al., 2013, p. 234)
Ao dizer isso, os autores suprimem uma discussão importante: a visão de Einstein
em 1905 não era dual (Martins, & Rosa, 2014) – a visão de Einstein era “clássica” –
a radiação era composta por partículas. A dualidade só aparece estruturada em uma
proposta teórica em De Broglie (Martins, & Rosa, 2014). Isso, mais uma vez, exemplifica
uma tradução da história em que visões subsequentes são sobrepostas à visão original.
Na sequência, mais um trecho instrumentalista:
Nesse sentido, a dualidade onda-partícula e a questão sobre a Relatividade do espaço e

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Um Estudo Metalinguístico sobre as Interpretações do Fóton nos Livros Didáticos de Física...

do tempo servem de alerta aos limites de nosso intelecto em lidar com a complexidade
da natureza além do mundo cotidiano. (Oliveira et al., 2013, p. 234)
Essa é novamente uma afirmação que se opõe à visão essencialista do restante do
texto. De acordo com ela, os resultados de uma teoria física nos dão informação sobre
o intelecto humano e não sobre a realidade – o que implica, além de instrumentalismo,
idealismo (a Física não fala da realidade, mas do conhecimento). Tal afirmação
é inesperada, visto que o primeiro autor do livro possui artigos em que sugere a
implementação da Epistemologia de Mario Bunge no Ensino de Física (Pietrocola,
1999), que é explicitamente contra tal tipo de interpretação de teorias físicas (Bunge,
2013). Nessa mesma seção, os autores abrem um box chamado “Explorando a situação”
em que apresentam o Interferômetro de Mach-Zehnder na versão clássica e quântica e
o seguinte trecho:
Assim, como no caso do feixe de luz monocromática, o fóton não chega ao detector D2.
Supondo que o fóton esteja em A, podemos retirar o vidro semirrefletor S1, supondo
que ele esteja em B, substituir o vidro semirrefletor S1 por um espelho. Em qualquer
dos experimentos, ele chega ao detector D1. Sendo o fóton uma partícula, como isso é
possível? (...) Esse resultado pode ter quatro interpretações: ondulatória, corpuscular,
dualista realista e complementaridade. De acordo com a interpretação ondulatória, um
fóton é um “pacote de onda” que talvez, em S1 se divida em dois “meio-fótons”, que se
recombinam em S2. No entanto, até hoje não se detectou um meio fóton. (Oliveira et
al., 2013, p. 234)
Os autores estão usando um grupo de classificações para interpretações filosóficas
do fóton provavelmente inspirados no livro de Pessoa Jr. (2003). Sobre a interpretação
corpuscular, os autores afirmam:
Na interpretação corpuscular, sendo o fóton uma partícula, não há uma boa explicação
para o fenômeno observado. Pode-se tentar justificar dizendo que a lógica do mundo
quântico é diferente do mundo macroscópico e o fóton pode ser e não ser uma partícula
ao mesmo tempo. (Oliveira et al., 2013, p. 235)
Após dizer que a interpretação corpuscular compreende o fóton como partícula,
o autor diz que a explicação sob essa ótica é a de que o fóton pode não ser partícula, o
que não está em consonância com o texto original de Pessoa Jr (2003). De acordo com
essa interpretação, o fóton é partícula, mas ele pode estar ou não em dois caminhos
diferentes.
Originalmente formulada por Louis de Broglie e redescoberta por David Bohm, a
interpretação dualista realista explica que a luz se divide em duas partes: uma partícula
e uma onda, com a posição da partícula dependendo da frequência da onda. (Oliveira
et al., 2013, p. 235)
Neste trecho, os autores apresentam uma proposição inconsistente com a
interpretação de Born, segundo a qual a posição mais provável da partícula depende da
amplitude da função de onda e não de sua frequência. Por fim, os autores explicam a

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Lima, Souza, Ostermann, & Cavalcanti

visão da complementaridade:
Segundo a interpretação proposta por Niels Bohr, a da complementaridade, a luz pode
ser ou onda ou partícula, nunca as duas ao mesmo tempo. Desse modo, o resultado desse
experimento indica um fenômeno ondulatório, no qual a luz não segue um caminho
bem definido. Assim, não faz sentido perguntar onde está o fóton. (Oliveira et al., 2013,
p. 235).
De uma forma geral, podemos resumir que os textos que apresentam as
interpretações do fóton explicitamente têm as seguintes características:
1. A introdução das interpretações é feita no final do texto e não dialoga com
o restante do capítulo. Em outras palavras, o aluno é exposto a um texto
inconsistente ontológica e epistemologicamente e, no fim, é apresentado às
interpretações do fóton, que já vinham sendo utilizadas de forma acrítica.
Se os próprios autores não conseguiram usar os grupos de interpretação do
fóton para pensar sua produção didática, o que esperar do aprendizado dos
alunos?
2. Ao longo da narrativa, os autores alternam entre contar a visão “do cientista”
e a visão “da realidade”. Isso é feito discursivamente explicitando e omitindo
as referências alternadamente.
3. Os autores sobrepõem a visão de diferentes interpretações na mesma visão
como os livros do primeiro grupo.
Texto que adere a uma única interpretação e a defende como única
possibilidade
O único texto que adere somente à visão corpuscular da luz está contido no livro
de Gaspar (2013):
Em síntese, de acordo com Einstein, a luz, assim como qualquer radiação eletromagnética,
não se propaga uniformemente pelo espaço como sugere a teoria ondulatória, mas por
meio de corpúsculos, ou quanta de luz, mais tarde chamados fótons. (...) os fótons são
como pacotes de energia (E) proporcional à frequência (f) da radiação. (Gaspar, 2013,
p. 210)
Tal discurso, como o presente nos outros casos, apresenta um viés autoritário:
Gaspar (2013) não apresenta a construção do fóton; simplesmente, informa ao aluno de
que a luz é feita por corpúsculos. Mas se ela é composta por corpúsculos, qual o sentido
da frequência? O autor não explica. A única forma de convencer é através de argumento
de autoridade:
Por isso, há quem diga ainda hoje que a luz tem um caráter dualístico — ora se
comporta como partícula ora como onda (...). Na verdade, essa afirmação não é correta:
a dualidade alternativa, ser uma coisa ou outra, não existe. Para a Física atual, não há
dúvida de que um feixe de luz é um feixe de partículas, isto é, um feixe de fótons. A
dualidade surge em relação ao comportamento coletivo desse feixe, que é ondulatório.
(Gaspar, 2013, p. 214)

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Um Estudo Metalinguístico sobre as Interpretações do Fóton nos Livros Didáticos de Física...

O autor utiliza o recurso estilístico de contrapor a visão dual usando a expressão


“há quem diga”, com a visão corpuscular usando as expressões “Na verdade”, “para a
Física atual”, “não há dúvida”. Ou seja, de acordo com Gaspar (2013), há quem diga que
a luz tem comportamento dual, enquanto “na verdade”, na Física atual, “não há dúvida”
de que a luz é corpuscular. Se o aluno havia ficado confuso sobre a natureza da luz, já
não pode ficar mais. O autor adere explicitamente à visão dos Ensembles Estatísticos
(Ballentine, 1970) e silencia, à força, as demais visões. A seguir, fala sobre a experiência
de dupla fenda para o fóton:
Esse resultado, surpreendente até hoje, foi mal compreendido durante algum tempo, até
meados do século XX. Isso porque essa figura, de acordo com a teoria ondulatória, só
é possível quando ondas de duas fontes diferentes atingem o mesmo ponto ao mesmo
tempo e interferem entre si. Por isso, alguns físicos concluíram que, para uma figura
dessas se formar com partículas — fótons individuais atravessando as fendas — seria
preciso que cada fóton interferisse consigo mesmo. Cada fóton atravessaria as duas
fendas simultaneamente e depois se recomporia novamente restabelecendo sua unidade,
mas com um novo caráter, fruto da sua autointerferência. Nesse caso, poderíamos
concluir que uma partícula pode estar em dois lugares ao mesmo tempo, o que teria
extraordinárias implicações tanto físicas como filosóficas. (Gaspar, 2013, p. 216)
E prossegue,
Mas não é isso o que ocorre. A sequência de fotos mostra que os fótons atingem a chapa
fotográfica individualmente. Além disso, há evidências experimentais que comprovam
que essa divisão, ou capacidade de estar em dois lugares ao mesmo tempo, não ocorre.
Cada fóton passa apenas por uma das fendas de cada vez. Mas por que a figura tem
características ondulatórias se é formada por partículas? A resposta a essa pergunta está
no comportamento da natureza no microcosmo, que não pode ser extrapolado a partir
do comportamento de partículas macroscópicas — fótons não são bolinhas rígidas
como chumbinhos de caça, como já foi dito. Essa, aliás, é uma das principais conclusões
da Física moderna. A descrição do comportamento dos fótons já é conhecida. A forma
como os fótons interagem com a matéria é perfeitamente determinada por meio de
um cálculo de probabilidades que tem dado resultados extraordinariamente precisos,
originários de uma nova teoria da Física moderna — a Eletrodinâmica Quântica.
(Gaspar, 2013, p. 218)
Para justificar o comportamento corpuscular, o autor ressalta que “há evidências
experimentais” de o fóton não poder se dividir, sem especificá-las. Além disso, ele
afirma que a Eletrodinâmica Quântica é a responsável por explicar o problema. Ou seja,
ele encerra a discussão. O aluno não tem nenhuma explicação de como isso deve ser
entendido, ele precisa apenas aceitar. A “explicação” se dá por articulação linguística
com argumento de autoridade. Isso leva ao último resultado:
• O texto que não só omite a existência de interpretações, mas também silencia
as controvérsias, aderindo a apenas uma interpretação, precisa ser muito
mais autoritário que os demais textos. O texto de Gaspar (2013) é marcado
estilisticamente por imposições discursivas daquilo que ele não se propõe a

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Lima, Souza, Ostermann, & Cavalcanti

justificar intelectualmente.

Conclusões
Neste trabalho, apresentamos um estudo de Sociologia Simétrica da Educação
em Ciências, articulando a Sociologia Simétrica de Bruno Latour e a Filosofia da
Linguagem de Mikhail Bakhtin. Ao fazer isso, optamos por realizar uma descrição dos
processos de dialogia e tradução existentes em diferentes textos científicos e didáticos,
em detrimento de buscar a tradicional dicotomia história versus pseudo-história.
Tal articulação teórica possibilitou discutir algo inédito, a dizer, que o estilo do
discurso citado (um problema fundamental da filosofia de Bakhtin) em livros didáticos
está intimamente associado à estabilização da essência do fóton (elemento da natureza)
e à relação entre a educação básica e a educação científica (uma questão social). Ou
seja, relacionamos, em uma única análise, linguagem, natureza e sociedade (proposta
metodológica de Latour). Para atingir tal objetivo, aproximamos o conceito latouriano de
tradução com o conceito bakhtiniano de dialogia. Tal proposta, em si, é uma tradução
das ideias originais. Para fazê-la, precisamos estender o projeto de pesquisa de Latour,
que nunca se debruçou sobre a Educação em Ciências, e o escopo da obra de Bakhtin
(voltada a questões humanas) para incorporar a “fala” dos actantes não-humanos. Isto é,
extrapolamos os contextos de pesquisa de cada autor para discutir a natureza híbrida da
Educação em Ciências. Com isso, simetrizamos não só verdade e falsidade e humanos e
não-humanos, como propunha Latour, mas também o gênero do discurso científico e o
didático. A opção de aproximação feita neste trabalho, usando os conceitos de tradução
e dialogia, não é a única possível. Esperamos que ela motive futuras articulações entre as
obras desses autores, pois isso permitirá a proposição de uma visão sociológica própria
sobre a Educação em Ciências e sobre suas relações com a natureza e com a sociedade,
o que denominamos Sociologia Simétrica da Educação em Ciências.
Após realizar uma reflexão teórica e metodológica, apresentamos uma possível
história do fóton em que as diferentes interpretações surgem como processos de
tradução. Assim, mostramos que, no âmbito dos textos científicos, as visões de mundo
são refletidas e refratadas por textos em posição dialógica entre si.
O livro didático, por sua vez, pertence a outro gênero do discurso, o qual
dialoga com o gênero científico. Cada texto didático, portanto, também reflete e refrata
características dos artigos originais, jamais sendo uma cópia fiel ao texto original, tão
pouco sendo um texto totalmente incomensurável a ele. Apresentamos, neste artigo,
como o texto didático dialoga com os artigos originais e como o estilo (escolha lexical e
gramatical) modula o valor de verdade que o autor do texto pretende imprimir.
De uma forma geral, identificamos três estilos de abordagem de discurso citado:
há textos que usam as interpretações do fóton sem dizer explicitamente que há diferentes
intepretações (grupo com 11 livros); há textos que explicitam a existência de diferentes
interpretações do fóton (grupo com 2 livros); e há um texto que adota apenas uma
interpretação. A análise metalinguística dos livros classificados na primeira categoria

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Um Estudo Metalinguístico sobre as Interpretações do Fóton nos Livros Didáticos de Física...

aponta que esses traduzem os artigos originais através de processos de blackboxing,


omitindo a construção do fóton e suprimindo discussões teóricas. A apresentação do
fóton é feita, então, hibridizando diferentes posicionamentos adotados ao longo das
primeiras décadas século XX em uma nova visão. Os autores, alinhados à visão de
Einstein, entendem que o fóton é uma partícula (escala microscópica); e, alinhados à
visão de Schrödinger, entendem que a radiação é ondulatória (escala macroscópica). Por
fim, usam a Interpretação de Copenhague para explicar essa dualidade em diferentes
escalas, enquanto a interpretação original explicaria a dualidade do fóton (uma só
escala).
Com as performances reveladas pelos autores do primeiro grupo, o actante fóton
é uma partícula clássica e não seria considerado objeto de estudo da Física Quântica
(contemporânea), visto que não apresenta dualidade onda-partícula na mesma escala.
Além disso, identificamos que, nessas narrativas, os autores variam o viés ontológico
e epistemológico sobre o fóton, ora atribuindo-lhe caráter essencial ora instrumental.
Isso pode criar complicações no entendimento do conceito de fóton que poderiam ser
evitadas se os autores expusessem a existência de diferentes interpretações e discutissem
cada arranjo experimental à luz de tal pluralidade conceitual.
O fato de os autores privilegiarem uma visão didática instrumentalista (que
simplesmente apresenta conceitos para serem inseridos na resolução de problemas) ao
invés de discutir as construções teóricas e experimentais do fóton, com suas limitações
e controvérsias, revela que os autores dos livros didáticos para ensino médio seguem a
mesma perspectiva didática revelada por Kuhn no âmbito da formação de cientistas:
escondem-se as controvérsias, omitem-se as bases teóricas, apenas se instrui para se
resolverem quebra-cabeças de um paradigma. Deve-se fazer, entretanto, a seguinte
pergunta: faz sentido adotarmos livros didáticos que sigam a mesma orientação
ideológica dos livros de ensino superior? Queremos formar alunos de Ensino Médio
como pequenos cientistas, capazes de inserir fórmulas em problemas, mas totalmente
incapazes de entender as limitações de suas próprias teorias? Entendemos que se, de fato,
almejamos um ensino crítico, formador para a cidadania, o modelo didático cientificista
não é cabível, visto que é alienante não somente do ponto de vista político, mas quanto
à própria disciplina a que se dedica.
As altas cifras investidas pelo governo no Plano Nacional do Livro didático,
aliadas à baixa formação dos autores desses livros, resultam em textos colonizados
didaticamente do ponto de vista estrutural dos livros (Lima, Ostermann, & Cavalcanti,
2017) e ideológico didático. Ademais, apesar de ser cientificista, a visão de fóton dos
livros didáticos circunscreve-se à descrição do fóton dos anos 1920, tendo pouco vínculo
com a literatura contemporânea. Ou seja, ainda que o objetivo fosse formar um pequeno
cientista, sua visão estaria dissonante da visão do paradigma vigente! Os livros didáticos
estão preparando os alunos para um paradigma que já foi abandonado. Cria-se, assim,
uma racionalidade própria que só se sustenta na narrativa autoritária dos livros, ou
como diria Alice Lopes, uma “razão conformada e conformista, o racionalismo com

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Lima, Souza, Ostermann, & Cavalcanti

gosto escolar, da forma que tem feito a escola, alegre como porta de prisão” (Lopes,
1996, p. 270).
Os textos classificados na segunda e terceira categoria apresentam os mesmos
problemas didáticos da primeira. A análise metalinguística dos livros classificados na
segunda categoria, por exemplo, aponta que esses seguem uma abordagem semelhante
aos textos do primeiro grupo, mas acrescentam um texto sobre as interpretações do
fóton, ao final do capítulo, em que nada dialoga com o restante do texto.
Quando comparados com o primeiro grupo, os textos dessa categoria ampliam
as performances do fóton visto que discutem explicitamente a sua dualidade onda-
partícula. Apesar disso, a estratégia discursiva de acrescentar um texto ao final de uma
seção em que a existência de controvérsias não é privilegiada pode ser, novamente,
problemático do ponto de vista didático. Não faz sentido explicitar a multiplicidade
de interpretações do fóton após um texto inteiro que a omite. Dificilmente o leitor
conseguirá articular essas ideias com o restante do que foi lido. A propósito, a falta de
coesão do texto sugere que os próprios autores não entendem as interpretações do fóton,
mas as acrescentaram para estar em consonância com a literatura de Ensino de Física
Quântica. Por fim, o texto do último grupo não só não explicita a existência de diferentes
interpretações como nega a validade de visões diferentes, afirmando que somente a visão
corpuscular é correta. Nossa análise indica que essa é a abordagem mais autoritária das
três, apresentando recursos estilísticos para suprimir a existência de controvérsias.
Se, ao formar um bacharel em Física, é suposto ser suficiente que ele aprenda
a substituir valores em equações cujo significado, construção e implicações lhe são
alheios (o que deve ser problematizado) (Johansson, Andersson, Salminen-Karlsson,
& Elmgren, 2016); para formar um cidadão é necessário muito mais do que isso. Não
podemos, portanto, copiar o modelo bacharelesco para o Ensino Médio simplesmente
apagando as derivadas e as integrais. É possível ensinar Ciências e, mais especificamente,
Física Quântica, discutindo suas bases teóricas e filosóficas em consonância com a
literatura contemporânea, como já vem sendo feito em livros e pesquisas de Educação
em Ciências pelo menos no âmbito do ensino superior (Betz, 2014; Montenegro, &
Pessoa Jr., 2002; Netto, Cavalcanti, & Ostermann, 2015; Netto, Ostermann, & Prado,
2011; Pereira, & Ostermann, 2012; Pereira, Ostermann, & Cavalcanti, 2009; Pereira,
Ostermann, & Cavalcanti, 2012; Pessoa Jr., 2003). Para que propostas críticas possam
ser implementadas na Educação Básica, é necessário que mais trabalhos sejam feitos
sob um ponto de vista sociológico simétrico, sem recair na dicotomia história e pseudo-
história ao se investigar as relações entre produções didáticas e científicas. A partir de
tais estudos, esperamos que a área de Educação em Ciência adquira mais subsídios para
pensar em uma construção didática para educação básica com identidade própria, sem
ter que se posicionar de forma subserviente a outras comunidades.

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Lima, Souza, Ostermann, & Cavalcanti

Nathan Willig Lima

http://orcid.org/0000-0002-0566-3968
Universidade Federal do Rio Grande do Sul
Instituto de Física
Porto Alegre, Brasil
00182656@ufrgs.br

Bruno Birkheur de Souza



http://orcid.org/0000-0001-8165-5807
Universidade Federal do Rio Grande do Sul
Instituto de Física
Porto Alegre, Brasil
bruno.fonini@hotmail.com

Fernanda Ostermann

http://orcid.org/0000-0002-0594-2174
Universidade Federal do Rio Grande do Sul
Instituto de Física
Porto Alegre, Brasil
00008943@ufrgs.br

Claudio José de Holanda Cavalcanti


http://orcid.org/0000-0002-2477-3150
Universidade Federal do Rio Grande do Sul
Instituto de Física
Porto Alegre, Brasil
claudio.cavalcanti@ufrgs.br

Submetido em 05 de Setembro de 2017


Aceito em 18 de Janeiro de 2018
Publicado em 26 de Abril de 2018

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