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Motrivivência v. 28, n. 48, p.

386-403, setembro/2016

http://dx.doi.org/10.5007/2175-8042.2016v28n48p386

O jogo como manifestação da cultura


corporal de movimento na Educação
Física Escolar: as três dimensões do conteúdo
e o desenvolvimento do pensamento crítico

Daniel Teixeira Maldonado1


Sheila Aparecida Pereira dos Santos Silva2

RESUMO

Este texto descreve uma experiência pedagógica realizada com alunos do 7º ano do
Ensino Fundamental de uma escola municipal da zona leste do município de São Paulo
em que os jogos foram tematizados nas três dimensões do conteúdo com a intenção de
estimular o pensamento crítico dos estudantes sobre essa manifestação da cultura cor-
poral de movimento, atendendo ao proposto no projeto político pedagógico da escola.
Tivemos como objetivo central que os alunos fossem estimulados a refletir, analisar e
debater sobre os jogos tradicionais, os cooperativos, os que estimulam as inteligências
múltiplas, os realizados pelos seus familiares mais velhos e, também, que os estudantes
criassem jogos durante as aulas. Ao final do projeto pedagógico, os desenhos produzidos
pelos alunos e as avaliações conjuntas nos permitiram identificar elementos da visão
crítica desenvolvida a respeito das práticas corporais experimentadas.

Palavras-chave: Educação Física Escolar; Jogos; Pensamento Crítico; Dimensões do


Conteúdo

1 Doutorando em Educação Física. Professor de Educação Física do Instituto Federal de Educação, Ciência e
Tecnologia de São Paulo (IFSP). Universidade São Judas Tadeu (USJT). São Paulo/São Paulo, Brasil.
E-mail: danieltmaldonado@yahoo.com.br
2 Doutora em Educação. Professora dos cursos de Mestrado e Doutorado em Educação Física da Universidade
São Judas Tadeu (USJT). São Paulo/São Paulo, Brasil. E-mail: sheila.silva@uol.com.br
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INTRODUÇÃO realizados pelos docentes da área, diversos


referenciais curriculares da EF foram lança-
A promulgação da Lei de Diretrizes dos em diferentes redes públicas de ensino
e Bases da Educação Nacional (LDB nº pelo Brasil, tendo o conceito de cultura
9.394/96) legitimou a Educação Física (EF) corporal de movimento como ponto de
como componente curricular da educação convergência da organização dos conteúdos
básica. Dois anos depois, os Parâmetros da EF (GONZÁLEZ e FRAGA, 2012).
Curriculares Nacionais, inspirados nas A partir dessas reflexões, esse com-
reflexões e debates realizados na área, con- ponente curricular, no nosso entendimento,
solidaram a cultura corporal de movimento é o responsável pela transmissão e recons-
como objeto de estudo central da disciplina trução das manifestações corporais a partir
de EF em todos os ciclos do Ensino Funda- da sua historicidade. Para isso, o docente
mental e no Ensino Médio. necessita levar os alunos a compreende-
Já nessa época, Daolio (1996) nos rem as influências dos diversos elementos
alertava que a EF se constitui como uma área filosóficos, políticos, religiosos, sociais e
de conhecimento que estuda e atua sobre pedagógicos sobre a cultura corporal (NEI-
um conjunto de práticas ligadas ao corpo e RA e NUNES, 2008).
ao movimento criadas pelo ser humano ao Ainda sobre esse aspecto, concor-
longo de sua história, sendo sistematizada damos com Bracht (2011) que os docentes
ao longo da educação básica, nas aulas de de EF devem possibilitar aos seus alunos
EF, pelos jogos, esportes, lutas, danças e a vivência de diferentes danças, lutas,
ginásticas. ginásticas, esportes, jogos e brincadeiras,
Soares (1996) também apresentava a permitindo que os estudantes reconheçam
ideia de que a EF na escola precisava ser um essas práticas corporais como elementos da
espaço de ensino e de aprendizagem sobre cultura. Para atingir esses objetivos, as aulas
os jogos, as ginásticas, as lutas, as danças devem ser permeadas por conhecimentos
e os esportes, discutindo os conteúdos que advindos da fisiologia do exercício, das re-
estão envolvidos nessas práticas corporais lações existentes entre saúde e lazer com as
com um olhar abrangente. práticas corporais, das implicações políticas
Vaz (1999) defendia o enraizamento e econômicas relacionadas com as manifes-
da EF na cultura escolar como a área de tações da cultura corporal de movimento,
conhecimento responsável pela problema- dentre outros saberes que possam estimular
tização e pela prática da cultura corporal de o pensamento crítico dos estudantes.
movimento produzida pelos seres humanos. Nessa lógica, a EF escolar brasileira
O autor também considerava que a EF é, por definição de diferentes referenciais
poderia ser um espaço para possibilitar o curriculares, um componente curricular
processo de criação dos alunos sobre outras que trabalha com conteúdos da cultura
formas de fazer os esportes, as danças, as gi- corporal de movimento, nas suas diferentes
násticas, as lutas, os jogos e as brincadeiras. dimensões, para atingir os objetivos educa-
No início do século XXI, muito em cionais a que se propõe. Entendemos por
função das demandas previstas pela pró- dimensões do conteúdo os aspectos lógicos
pria LDB de 1996 e dos diferentes debates e psicológicos presentes nas matérias de
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estudo e classificados, no âmbito da teoria A educação realizada em uma


da elaboração curricular segundo Coll perspectiva crítica se esforça para garantir
(1997), em conceitos, princípios e proce- o aprendizado de cada estudante em parti-
dimentos. cular, sem qualquer tipo de discriminação
Portanto, após décadas de debates, motivadas por diferenças nas capacidades
reflexões e da elaboração dos Parâmetros intelectuais, tipos de inteligência, estilos
Curriculares Nacionais e de propostas de aprendizagem, capacidades físicas e
curriculares de diferentes cidades e esta- sensoriais, crenças religiosas e culturais,
dos brasileiros, entendemos que a EF é um etnia, sexualidade, gênero e classe social
componente curricular que possui a finali- (SANTOMÉ, 2013).
dade de formar pessoas com pensamento Nesse sentido, quando pensamos
crítico para agir com autonomia em relação especificamente nas aulas de EF escolar,
às manifestações da cultura corporal de acreditamos que a escola não é simples
movimento, e com a consciência voltada palco de reprodução das práticas corporais
para a formação e o exercício da cidadania como elas são realizadas fora dela, como
(DARIDO et al, 2001; González e Fens- já apontava Caparroz (2007), mas as aulas
terseifer, 2010). necessitam oportunizar o conhecimento de
Compreendemos o pensamento diversas manifestações da cultura corporal
crítico de acordo com a perspectiva de de movimento, estimulando a reelaboração
Libâneo (2013), na qual o ensino, em uma crítica dos discentes sobre o que está sendo
perspectiva crítica, se preocupa com a compreendido. Sendo assim, a EF deve
democratização do conhecimento histori- possibilitar a releitura e a apropriação crítica
camente acumulado para todas as crianças dos conhecimentos da cultura corporal de
movimento.
e adolescentes que frequentam a escola
Entretanto, mesmo com todos os
pública, valoriza a forma de expressão
debates realizados sobre a EF escolar nos
desses alunos, luta para que esses jovens
últimos 20 anos, em muitos contextos edu-
se comuniquem bem, desenvolvam o gosto
cacionais o “bom” professor de EF é aquele
pelos estudos, dominem o saber escolar e
que apenas não falta ao trabalho, cumpre
se organizem como coletividade.
horário, mantém a burocracia em dia, dá
Os docentes que ensinam nessa
conta dos alunos da sua turma e daqueles
perspectiva buscam proporcionar aos dis-
que estão soltos no pátio, consegue conter
centes o saber e o saber-fazer críticos como
situações indesejáveis (alunos machucados,
condição para sua participação na vida so-
indisciplina, etc.), não é muito exigente com
cial, luta pela melhoria de suas condições de
a infraestrutura do seu local de trabalho, está
vida e ampliação das capacidades humanas,
sempre à frente da organização de eventos
fazendo com que os discentes que frequen-
e disponível para as demandas da escola,
tam a escola sejam capazes de transformar
independentemente do que proponha em
as condições ideológicas e materiais de do- sua aula. Nessa forma de valorização, o
minação em que vivem, fortaleçam o poder reconhecimento do professor de EF escolar
social, lutem pela democracia e valorizem a não está ligado às aprendizagens especí-
cultura popular (GIROUX e SIMON, 2013). ficas dos saberes da sua disciplina que o
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seu ensino pode promover (GONZÁLEZ e pública localizada na zona leste do municí-
FRAGA, 2012). pio de São Paulo. Cada turma era formada
Indagamos, então: será que existe por meninos e meninas e tinha, em média,
alguma possibilidade de mudar essa repre- 35 alunos.
sentação social a respeito do professor de EF Nessa rede de ensino e na época
e de que as pessoas enxerguem as possíveis em que ocorreu a experiência didática, os
contribuições do trabalho desse profissional discentes tinham três aulas semanais e os
para o desenvolvimento do pensamento crí- espaços da unidade escolar precisavam ser
tico dos estudantes sobre as manifestações divididos com outros docentes que minis-
da cultura corporal de movimento e, por travam aulas para outras turmas.
extensão, das comunidades onde vivem? Utilizamos diferentes espaços para
Seguindo essa linha de raciocínio, sistematizar a nossa prática pedagógica.
experimentamos com os nossos alunos di- Fizemos atividades na quadra, no pátio, na
ferentes tipos de jogos, debatemos sobre a sala com tatame, na sala de aula conven-
forma como essas práticas corporais podem cional, na sala de informática e na sala de
ser realizadas na escola, refletimos sobre os vídeo da escola.
conteúdos de ordem conceitual e atitudinal Os registros da experiência foram
ligados à realização de jogos e avaliamos coletados por meio de diários de campo,
conjuntamente os aprendizados. Essa é a fotografias das aulas e processos de ava-
experiência que passamos a relatar com o
liação dos alunos. Segundo Delmanto e
objetivo de mostrar que é possível envolver
Faustinoni (2009),
os alunos em um tipo de aprendizado dos
conteúdos da cultura corporal de movi-
Relatos de práticas docentes são regis-
mento que ultrapasse a mera dimensão da tros de atividades realizadas com os
prática pela prática. alunos, com o objetivo de construir co-
nhecimentos. Neles deve transparecer a
intenção do professor em cada ativida-
de planejada, suas reflexões e observa-
Relato de Experiência
ções ao longo do desenvolvimento da
experiência. O caminho para alcançar
Nosso objetivo nesse estudo foi cada objetivo precisa estar claramente
analisar e discutir uma experiência didá- expresso, para que os leitores, prova-
velmente outros professores, possam
tica onde os jogos foram trabalhados nas
compreender o trabalho por inteiro. Os
três dimensões do conteúdo (Coll, 1997) resultados alcançados e o modo como
e mostrar manifestações do pensamento cada procedimento foi avaliado, reto-
crítico dos alunos a respeito do que foi mado, revisto, refeito também precisam
estar explícitos, de modo a propiciar
vivenciado, refletido, debatido e criado
elementos de análise para posterior
sobre essa manifestação da cultura corporal reflexão e busca de caminhos, na pers-
de movimento. pectiva da melhoria contínua da educa-
As experiências didáticas foram rea- ção oferecida na escola. (p. 9)
lizadas entre os meses de julho e dezembro
de 2014, com alunos de três turmas do 7º Terminada a etapa de realização
ano do Ensino Fundamental de uma escola destes registros, eles foram discutidos com
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um pesquisador mais experiente com o processo de elaboração no momento em


objetivo de localizar manifestações do que foi realizada essa experiência didática.
pensamento crítico dos alunos e gerar este No entanto, já se havia iniciado um proces-
relato de experiência. so de formação continuada de professores
e as discussões acenavam que as novas
orientações curriculares estariam pautadas
DESENVOLVIMENTO DA PRÁTICA em uma pedagogia de ordem crítica.
PEDAGÓGICA Nesse processo de reorientação
curricular e de disputas dentro da unidade
Fui docente dessa unidade escolar escolar sobre as formas de se pensar a EF,
por cinco anos. Desde a minha chegada à o corpo docente da escola decidiu que o
escola, minha prática pedagógica sempre projeto político pedagógico para o ano de
ocorreu em meio a muitos embates com 2014 discutiria novas expressões culturais
os demais docentes de EF. A razão desses dos jovens, pois foi observado que, durante
embates é que eles entendiam que as aulas as férias, em São Paulo, os adolescentes
de EF eram, unicamente, momentos de realizaram “rolezinhos” em shoppings da
lazer para os alunos ou destinadas a treinar cidade, se organizaram para realizar mani-
os mais habilidosos para os campeonatos festações contra a Copa do Mundo de fute-
propostos pela rede municipal. bol e a favor de melhorias estruturais para a
A proposta curricular do município cidade. Nessas discussões de planejamento,
de São Paulo, naquele momento, passava os professores mencionaram a importância
por um processo de reorganização. Até de compreender melhor as ações dos jovens
o ano de 2012 o currículo de EF da rede do século XXI, principalmente no local onde
municipal era embasado pelas orientações eles passam grande parte do seu dia: a esco-
curriculares publicadas em 2007 que la. Nesse contexto, a EF deveria selecionar
colocavam como objetivo central da EF conteúdos e estratégias que visassem atingir
no Ensino Fundamental proporcionar aos a esses objetivos.
alunos experiências pedagógicas que via- A prefeitura de São Paulo possuía,
bilizassem a prática das manifestações da naquele momento, três ciclos de escola-
cultura corporal de movimento presentes rização: Alfabetização, Interdisciplinar, e
no universo cultural próximo e distantes Autoral. No ciclo Autoral os alunos eram
dos alunos, e a reflexão crítica das diversas considerados atores ativos no processo de
formas de representação cultural veiculadas ensino-aprendizagem e os professores dos
pelas brincadeiras, lutas, esportes, ginásticas diferentes componentes curriculares preci-
e danças. Além disso, recomendava oferecer savam se articular para trabalhar de forma
para cada discente a possibilidade de se interdisciplinar. Esse ciclo é frequentado
posicionar enquanto produtor da cultura pelos discentes do 7º, 8º e 9º ano do Ensino
corporal (SÃO PAULO, 2007). Fundamental (SÃO PAULO, 2014).
No ano de 2013, outra equipe assu- O ciclo Autoral era concebido a
miu a Diretoria de Orientações Técnicas da partir de uma proposta pedagógica que
Secretaria Municipal de Educação e novas favorecia o desenvolvimento humano me-
orientações curriculares ainda estavam em diante o exercício da responsabilidade, da
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solidariedade, da tomada de decisões, bem diferentes inteligências; compreender que


como devia propiciar a apropriação e ma- todos os seres humanos possuem uma diver-
nejo do conhecimento culturalmente acu- sidade de inteligências e podem aprender
mulado com a responsabilidade de buscar a por meio de diferentes linguagens;
transformação social (SÃO PAULO, 2014). 4 – Criação de jogos pelos alunos –
Decidimos, então, tematizar os estimular a criação de jogos onde todos os
jogos durante o período de um semestre alunos da turma devem participar;
por perceber que suas características eram 5 – Dia da família na escola – pro-
completamente relacionadas aos objetivos porcionar momentos em que os familiares
traçados no projeto político pedagógico da e as crianças brinquem juntos dentro do
escola e aos propósitos do ciclo Autoral. ambiente escolar.
Também fizemos esta escolha porque Passamos, agora, a descrever como
percebíamos que os discentes realizavam ocorreu a experiência em cada momento.
diferentes tipos de jogos no intervalo das
aulas e comentavam durante as aulas a
respeito daqueles que desenvolviam nas Momento 1 – jogos tradicionais
ruas onde moravam.
Esse já era o 3º ano consecutivo em A EF, ao debater as diferentes
que ministrávamos aula para essas turmas dimensões do conteúdo do jogo dentro
e em anos anteriores havíamos tematizado do ambiente escolar, colabora para que
os esportes, os esportes radicais, as lutas, essa manifestação da cultura corporal de
as ginásticas e as danças com esses alunos. movimento continue a ser transmitida de
Ao planejarmos o projeto, dividimos geração em geração, alicerçando esse patri-
a sequência didática em cinco momentos e mônio cultural da humanidade. (DARIDO
traçamos os seguintes objetivos para cada e RANGEL, 2008).
momento: Para Kishimoto (2001), as brin-
1 – Jogos Tradicionais – conhecer cadeiras tradicionais infantis, entre elas
diferentes brincadeiras e jogos tradicionais; o jogo, são consideradas como parte da
vivenciar as brincadeiras e jogos tradicio- cultura popular, guardando a produção
nais que os familiares praticavam durante a espiritual de um povo em um determinado
infância; refletir sobre os jogos tradicionais período histórico. Esses jogos estão sempre
realizados atualmente; em transformação, incorporando criações
2 – Jogos Cooperativos – debater anônimas das gerações que continuam a
sobre as diferenças existentes entre com- realizar essas atividades.
petição e cooperação; vivenciar jogos Por ser um elemento folclórico,
cooperativos; refletir sobre a importância a brincadeira tradicional infantil assume
de cooperar em uma sociedade onde pre- características de anonimato, tradição,
domina o estímulo à competição; transmissão oral, conservação, mudança e
3 – Jogos para o estímulo das Inteli- universalidade. Exemplificando essas carac-
gências Múltiplas – conhecer as diferentes terísticas mencionadas, não se conhece a
inteligências que podem ser estimuladas no origem da amarelinha, do pião, das parlen-
ser humano; vivenciar jogos que estimulam das, ou seja, seus criadores são anônimos.
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O que sabemos é que esses jogos provêm


das práticas abandonadas por adultos, de
fragmentos de romances, poesias, mitos e
rituais religiosos (KISHIMOTO, 2001).
A tradicionalidade e universalidade
das brincadeiras e jogos populares ocorrem
porque povos antigos e distintos, como os
da Grécia e do Oriente, brincaram de ama-
relinha e de empinar pipa e as crianças re-
produzem essas brincadeiras até hoje quase
da mesma forma. Essas brincadeiras foram
transmitidas de geração em geração através
de conhecimentos empíricos presentes na
memória infantil. Enquanto manifestação
livre e espontânea da cultura popular, a
brincadeira tradicional acaba perpetuando
a cultura infantil, desenvolve formas de
convivência social, permite o prazer de
brincar e garante a presença do lúdico na
sua realização (KISHIMOTO, 2001).
As brincadeiras e jogos tradicionais
costumam variar conforme a região, mas
mantêm a sua essência, sua forma e sua
poesia. Os aspectos desses jogos que po- Figura 1 – Amarelinha e Cabra-cega, jogos
tradicionais realizados durante as aulas de EF.
dem ser alterados são a letras das canções
e o próprio nome dos jogos. No Brasil
Nesse momento, tínhamos como
existe uma riqueza muito grande de jogos objetivo trazer à tona elementos da cultura
e brincadeiras, já que herdamos a cultura popular das crianças que participavam da
de portugueses, índios e negros (DARIDO nossa aula, já que essa é uma das questões
e RANGEL, 2008). centrais que possibilitam a formação do
Tendo como pano-de-fundo essas pensamento crítico dos estudantes. Em uma
características dos jogos, iniciamos as aulas sociedade utilitarista, que valoriza apenas
realizando diferentes jogos tradicionais o conhecimento que pode ser usado para
(queimada, alerta, brincadeiras de corda, angariar melhores vagas de trabalho ou
rouba-bandeira, amarelinha, cabra-cega, para ser aprovado em vestibulares, estimu-
lar a vivência dos jogos tradicionais pode
cabo de guerra, entre outros). Algumas
ser considerado como um movimento de
crianças não conheciam muitos desses
resistência.
jogos que eram realizados em lugares e em
Sabemos que os jogos tradicionais,
momentos não tão distantes deles. muitas vezes denominados de populares
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nas aulas de EF, são muito utilizados pelos referentes à dificuldade de aprendizagem,
docentes desse componente curricular. dificuldade de cooperar e de trabalhar em
Nesse sentido, encontramos na literatura grupo foram gradativamente diminuindo.
dois estudos em que os autores contaram Voltando para a nossa prática pe-
as experiências de como trabalhar com dagógica, ao terminar de realizar os jogos,
essa manifestação da cultura corporal de fomos para a sala de informática pesquisar
movimento na escola. reportagens que discutiam jogos e brinca-
Calegari e Prodócimo (2006) realiza- deiras tradicionais. Depois da pesquisa, foi
ram um estudo tendo como abordagem me- realizada a leitura dos textos analisados e
todológica a pesquisa-ação, que teve como cada aluno expôs o seu entendimento para
objetivo analisar uma proposta de aula de EF o restante da turma.
pautada nos jogos populares. Participaram Durante a realização dos jogos tra-
do estudo meninos e meninas da 2ª. série dicionais, conversamos com a professora
do Ensino Fundamental, com idades entre de Artes sobre o que estávamos desenvol-
8 e 10 anos e os dados foram coletados vendo. Após essa conversa, ela concordou
semanalmente por meio de relatórios. Os em se envolver no projeto e pediu que os
resultados apontaram para a possibilidade alunos realizassem a releitura das obras de
de desenvolvimento da proposta, bem arte de um artista chamado Ivan Cruz. Esse
como da participação efetiva dos alunos na artista pintou diversas brincadeiras e jogos
escolha dos jogos, integrando-os de maneira tradicionais da sua infância. Os alunos co-
mais plena ao ambiente escolar. nheceram um pouco da história do artista e
Falcão et al (2012) desenvolveram realizaram, em grupo, a releitura de um dos
um projeto pedagógico para o ensino de jo- seus quadros. Posteriormente, reproduziram
gos e brincadeiras em uma escola municipal essas obras de arte em caixas de pizza.
de Ensino Fundamental com uma turma do Os estudos interdisciplinares e a
4º ano. A coleta de dados foi realizada por organização de modos de trabalhos coope-
observação, registro fotográfico, gravações rativos são fundamentais para a formação
e entrevistas com os alunos. No início da de um cidadão crítico capaz de lidar com a
pesquisa percebeu-se que os alunos não complexidade dos problemas de seu tempo.
tinham muito interesse em participar de Entretanto, em um trabalho interdisciplinar,
aulas de EF e tinham dificuldades para tra- cada componente curricular precisa desen-
balhar em grupo. Iniciou-se o projeto com volver os seus conhecimentos específicos e
a introdução de jogos e brincadeiras como um componente não pode ficar subordina-
pique-bandeira, cai no poço e o gavião. do ao outro durante a realização do projeto
Após a introdução e explicação, eram inicia- (GONZÁLEZ e FRAGA, 2012).
das as atividades, mostrando que o resgate Para finalizar esse momento das
de jogos e brincadeiras foi essencial para aulas pedimos que os discentes tirassem
esta turma, pois aprenderam a desenvolver fotos com os seus familiares realizando
habilidades motoras e psíquicas. Os alunos jogos e brincadeiras tradicionais da época
aprenderam a fazer registro das suas aulas deles. Os alunos enviaram esse material por
por meio de pinturas e desenhos e, ao final e-mail e montamos um acervo com essas
do projeto, perceberam que as questões fotos. Embora delicado, esse momento foi
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essencial para o andamento do projeto, pois começamos a vivenciar esses jogos tivemos
era necessário tentar possibilitar o encontro dificuldades para que os estudantes se
com maior proximidade entre criança e fa- motivassem, principalmente porque esta-
miliares, pois uma das características dessa vam muito acostumados a participar de
escola era que os adultos participavam jogos apenas competitivos, tanto dentro
muito pouco da vida escolar dos discentes. como fora do ambiente escolar.
Após algumas conversas e debates
onde abordamos o que se pode aprender
Momento 2 – jogos cooperativos por meio desses jogos e suas implicações
para nossas vidas, foram vivenciados alguns
O mundo globalizado, acelerado, jogos cooperativos (travessia, nó humano,
cheio de crises e mudanças, estimula que jogo de cadeira cooperativo, vôlei com rede
as pessoas queiram apenas vencer por humana e passando por dentro do arco
vencer, não importando nem o que e nem cooperativo), alguns ilustrados na Figura 2.
a que custo. Nessa lógica, estamos sempre
buscando a superioridade em relação aos
outros seres humanos. Se a vitória, por um
lado, pode gerar um sentimento de imenso
prazer, por outro, pode causar sofrimento,
pois as pessoas podem se envolver em
disputas sem sentido e valorizar o individua-
lismo, a exclusão, a derrota do adversário,
a rivalidade, aumentando as desigualdades
como consequência de todo esse processo
de valorização extrema da competição
(BRANDL NETO; SILVA, 2015).
Para tentar debater com os alunos as
características da competição e da coopera-
ção, decidimos realizar jogos cooperativos.
Para Brotto (2001), os jogos cooperativos
são divertidos para todos; proporcionam
um sentimento de vitória a todos; há uma
mistura de grupos que brincam juntos
criando alto nível de aceitação mútua;
todos participam e ninguém é rejeitado ou
excluído; os jogadores aprendem a ter um
senso de unidade, a compartilhar o sucesso
e a desenvolver a sua autoconfiança.
Mesmo com todas essas caracte-
rísticas dos jogos cooperativos, quando Figura 2 – Arco Cooperativo e Nó Humano.
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Ao final de cada jogo, fazíamos ro- e adolescentes reproduzirem, na escola,


das de conversa para debater com os alunos muitas situações que ocorrem no esporte
sobre a sociedade capitalista, sobre vencer de alto nível. Esse momento também serviu
a qualquer custo nos jogos competitivos e para discutir sobre a participação efetiva
sobre as qualidades e os limites dos jogos das meninas na aula, pois, com outros
cooperativos experimentados. Nesse mo- professores, os discentes relatavam que
mento, mostrávamos vários exemplos do as aulas eram dominadas pelos meninos,
que fazem os atletas que buscam a vitória enquanto as meninas ficavam conversando
a qualquer custo (utilizam anabolizantes, na arquibancada.
tentam ludibriar o árbitro, estimulam a Para avaliar o que os discentes com-
violência entre os atletas). Também con- preenderam das discussões e das vivências
versávamos sobre a exclusão dos menos realizadas em aula, pedimos que realizas-
habilidosos das aulas de EF e discutimos, sem charges sobre os temas debatidos em
principalmente, os motivos das crianças aula (Figura 3).

Figura 3 – Charges: discriminação racial, suborno, inveja do vencedor em atividades competitivas.

Em pesquisa desenvolvida no ano de Também existem relatos de o desen-


2004, em uma escola pública municipal da volvimento da atitude cooperativa ter sido
cidade de São Paulo, com alunos das turmas eleito como eixo norteador dos objetivos
de 3ª e 4ª séries do Ensino Fundamental I, pedagógicos de professores de EF na cidade
Monteiro (2007) também mostrou uma pos- de Marechal Candido Rondon-PR desde
sibilidade concreta de reestruturação dos jo- as séries iniciais do Ensino Fundamental
gos e do esporte, utilizando como exemplo (BRANDL NETO; SILVA, 2015).
a queimada, a partir dos princípios dos jogos Na nossa visão, experimentar os
cooperativos, visando ao desenvolvimento jogos cooperativos foi de extrema relevân-
de novos e mais humanos valores, como cia para a formação do pensamento crítico
cooperação, solidariedade e justiça. dos alunos sobre essa manifestação da
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cultura corporal de movimento. Esse tipo a intenção de fazer com que as crianças
de jogo possibilitou diferentes discussões conceituassem essas inteligências, mas
sobre as lutas de classe, de gênero e de que fossem capazes de entender que cada
etnia pautadas em uma sociedade extre- ser humano nasce com todas elas e podem
mamente competitiva e que olha com cada desenvolver uma ou mais delas com maior
vez menos delicadeza para os direitos das afinco durante a sua vida. Esse momento
pessoas menos privilegiadas e que sofrem foi extremamente importante para os
diferentes tipos de preconceito. Ao cooperar alunos compreenderem que não existem
para atingir objetivos em comum, tentamos pessoas burras, já que eles, muitas vezes,
levar os alunos a compreender que eles adjetivavam os outros dessa forma. Tam-
precisam se unir e se ajudar para entender bém discutimos que os atletas possuem a
historicamente a luta da classe trabalhadora inteligência cinestésica corporal bem desen-
pelos seus direitos. volvida e, nesse aspecto, os atletas de alto
rendimento são extremamente inteligentes.
Mesmo assim, precisam treinar muito para
Momento 3 – jogos para o estímulo das conseguirem bom desempenho, por mais
inteligências múltiplas talento que tenham.
Fizemos jogos com o objetivo de
Atualmente já existem evidências desenvolver todas essas inteligências du-
que nos levam a acreditar na existência de rante as aulas. Após cada jogo realizado,
diversas competências intelectuais humanas perguntávamos para os discentes qual inte-
relativamente autônomas, que são conhe- ligência tinha sido estimulada. Para exem-
cidas como inteligências humanas, e que plificar essa situação, realizamos um jogo no
podem ser modeladas e combinadas em qual os alunos precisavam formar palavras
uma multiplicidade de maneiras adaptati- com o próprio corpo (Figura 4b) e depois
vas por indivíduos e culturas. Trata-se da refletíamos se aquele jogo teria estimulado
ideia que os diferentes seres humanos que a inteligência linguística, a cinestésica, ou
vivem nesse planeta possuem inteligências ambas Propusemos a realização do jogo da
múltiplas (GARDNER, 1994). velha humano para estimular a inteligência
Gardner (1994) defende que exis- lógico-matemática (Figura 4a). Também
tem sete inteligências que podem ser realizamos jogos para estimular as demais
estimuladas ao longo da vida das pessoas inteligências mencionadas.
(linguística, musical, lógico-matemática, Ao pensar na formação do pensa-
espacial, corporal cinestésica e pessoais). mento crítico, nosso objetivo central foi
Os seres humanos são diferentes porque, fazer os estudantes entenderem que todos
mesmo podendo desenvolver todas essas precisam ser respeitados, independente-
inteligências, costumam mostrar mais ta- mente da sua orientação sexual, etnia, classe
lento e facilidade para aprender e absorver social ou inteligência. Nesse aspecto, tam-
conteúdos relacionados a algumas delas. bém foi interessante a discussão religiosa de
Esse momento do projeto foi ini- maneira a superar certa visão determinista
ciado com a explicação das inteligências da realidade, bem como a superação do
múltiplas para os alunos. Não tínhamos discurso alienante das elites para que não
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exista transformação social. Isso se fez por o sujeito estabelece com a cultura a partir
meio do devido reconhecimento da histo- do repertório, informações/conhecimentos,
ricidade da luta dos trabalhadores. movimentos e condutas de sua história de
vida, de suas vinculações socioculturais e
de seus desejos. Nesse sentido, cada aluno
realiza as diversas práticas corporais pro-
postas nas aulas de EF de acordo com as
experiências que obteve na sua vida.
Rangel e Darido (2008) apontam
que criar e transformar jogos com os dis-
centes pode contribuir para solucionar os
problemas enfrentados no cotidiano escolar
e levam a pensar de forma crítica sobre
as diferentes situações que enfrentamos
diariamente em uma sociedade capitalista.
Para as autoras, os professores precisam ser
críticos dos acontecimentos da sociedade e
ajudar os alunos a enfrentar e transformar
essa realidade.
Após estudar com os alunos os
jogos tradicionais, os jogos cooperativos
e os jogos que estimulam as inteligências
múltiplas, solicitamos a eles que criassem
ou transformassem jogos atendendo a duas
condições:1) todos os alunos teriam que
jogar, e 2) os materiais utilizados nesses
jogos teriam que existir na escola. No dia
dessa criação, entregamos uma folha para
Figuras 4a e 4b – Jogos para o estímulo das inteligências cada aluno e pedimos que eles realizassem
múltiplas realizados durante as aulas de EF um desenho do jogo criado e escrevessem
como essa atividade seria jogada (Figura 5).
Após recolher as folhas, os próprios alunos
Momento 4 – criação de jogos pelos alunos explicavam para a turma os jogos criados
e todos jogavam. Em alguns momentos,
Pautamos a nossa prática pedagó- os discentes criaram jogos muito difíceis
gica na criação e transformação de jogos de realizar, mas fazíamos as adaptações
tradicionais de acordo com a explicação de necessárias e sempre conseguíamos jogar
Kunz (2001). Para o autor, o se-movimentar as atividades criadas pelas próprias crianças.
humano é caracterizado como a relação que
398

Figura 5 – Exemplo de jogo elaborado pelos alunos - Barra Bandeira.

Encontramos algumas pesquisas na damental. Os resultados mostraram que não


literatura especializada em EF em que são há como quantificar como essas vivencias
relatadas práticas pedagógicas relacionadas autônomas influenciam a vida das pessoas,
com a modificação e criação de jogos pelos e que parece claro que só se conquista
discentes, com o objetivo central de torna-los autonomia se a oportunidade de a exercer
mais autônomos e críticos sobre essa mani- for estimulada. Nesse sentido, a criação de
festação da cultura corporal de movimento. jogos pelos alunos proporciona vivencias
Galvão (1996) relata uma expe- nas quais eles se defrontam com situações
riência com a proposta de modificação e problemas, e isso facilita o seu processo de
criação de jogos com regras nas aulas de EF aquisição da autonomia.
com alunos do ciclo básico (1ª e 2ª séries Pereira e Moreira (2011) realizaram
do Ensino Fundamental) de uma escola da uma experiência nas aulas de EF com o ob-
rede estadual de ensino de Rio Claro-SP na jetivo de transcender o simples “fazer” e “re-
qual os estudantes tiveram autonomia para produzir”, traduzindo-se em apropriação de
refletir sobre sua ação, criaram, usufruíram, novos conhecimentos e significados para as
partilharam, produziram, reproduziram e crianças. A pesquisa-ação ocorreu em dois
transformaram as formas culturais do jogo. bimestres em uma escola pública estadual
Fernandes (2008), por sua vez, rea- de Santo André - SP, com a participação de
lizou um levantamento sobre como a EF 350 alunos das 3ª e 4ª séries do Ensino Fun-
escolar vem tratando o tema da aquisição damental. Após o processo de construção e
da autonomia. Para alcançar tal objetivo foi vivência de novas brincadeiras, os alunos
realizada uma reflexão sobre sua conquista compreenderam as aulas de EF como um
por meio de uma experiência de criação de espaço de construção de conhecimentos,
jogos por alunos da 4ª série do Ensino Fun- de forma alegre e prazerosa.
V. 28, n° 48, setembro/2016 399

Essas experiências corroboram que


a criação de jogos serve de estímulo ao
desenvolvimento do pensamento crítico/
criativo dos estudantes. Por meio delas,
conseguimos compreender o orgulho dos
discentes ao explicarem o seu jogo aos co-
legas e jogarem juntos o jogo que criaram.
Enquanto professor dessas crianças,
escutamos muitas vezes, deles mesmos,
que não conseguiam fazer nada bem feito,
demonstrando baixa autoestima. Um dos
momentos mais marcantes das aulas foi
quando os próprios alunos elogiavam os
colegas, deixando-os orgulhosos pela ativi-
dade que criaram.

Momento 5 – dia da família na escola

O Dia da Família na escola ocorre


duas vezes por ano nas escolas do municí-
pio de São Paulo. Esse dia foi criado para Figura 6 - Alunos brincando de pião e jogando
futebol de botão no Dia da Família na escola.
que as famílias dos alunos pudessem partici-
par dos projetos desenvolvidos pela escola e Também realizamos a exposição
ajudar os alunos no processo de apropriação das fotos dos discentes com seus familia-
e construção dos conhecimentos debatidos res praticando jogos populares que eram
no ambiente escolar. realizados antigamente por eles (Figura 7).
No Dia da Família na escola do
2º semestre de 2014, os alunos do 7º ano
realizaram uma exposição de Artes com
os quadros que reelaboraram das obras do
artista Ivan Cruz e brincaram de diferentes
jogos tradicionais (futebol de botão, bolinha
de gude, elástico, pião, ioiô e bambolê) que
ainda não tinham sido realizados durante as Figura 7 – Fotos dos alunos realizando
aulas de EF (Figura 6). brincadeiras com os pais.
400

Muitos familiares estiverem presen- da EF e a base teórica de pensamento crítico,


tes na escola nesse dia e brincaram com seus nos pautamos na ideia de que o currículo
filhos, sobrinhos e netos, e puderam apre- não é um elemento ingênuo e neutro de
ciar as obras de arte criadas pelos alunos. transmissão e reelaboração dos conheci-
Esse evento foi muito importante para que mentos de ordem social. O currículo está
as crianças e adolescentes dessa unidade implicado em relações de poder, transmite
escolar pudessem passar mais tempo com visões sociais e identidades particulares,
as pessoas da sua família e refletissem sobre além de estar inserido em uma forma de se
os conteúdos debatidos durante as aulas de pensar a sociedade e a educação (MOREIRA
EF e de Artes. e SILVA, 2013).
Gostaríamos de mencionar que os
conflitos entre os docentes sobre a forma
CONSIDERAÇÕES FINAIS de se ensinar na escola ainda são agudos
e profundos. Não se trata apenas de uma
Os indicadores de aprendizagem questão educacional, mas de uma questão
que nos orientaram durante esse processo ideológica e política, pois os currículos e as
tiveram como eixos as três dimensões questões educacionais sempre estiveram re-
do conteúdo propostas por Coll (1997) – lacionados à história dos conflitos de classe,
conceitos, princípios e procedimentos, e etnia, gênero e religião em diferentes países
foram: a) os discentes tiveram acesso ao (APPLE, 2013).
conhecimento acumulado historicamente Considerando que o que caracteriza
pela sociedade sobre essa manifestação da o pensamento crítico é que os alunos se
cultura corporal de movimento (história apropriem dos conhecimentos, reelabo-
dos jogos tradicionais, características dos rem criticamente o que foi aprendido e,
jogos cooperativos e competitivos, teoria como resultado, ampliem o seu repertório
das inteligências múltiplas, jogos realizados cultural e científico buscando melhorar as
pelos seus familiares em outras épocas), suas condições de vida, além de respeitar
aprenderam a valorizar o conhecimento e compreender com maior clareza as lutas
popular relacionados com os jogos e de classe, de gênero e de etnia, pudemos
refletiram sobre esses aprendizados nas perceber que, ao finalizar o semestre, foi
avaliações de conhecimentos conceituais, alcançado o objetivo central de desenvolver
b) reelaboraram os conhecimentos apren- este tipo de pensamento por meio da tema-
didos produzindo charges, textos e jogos tização dos jogos e sua exploração nas três
que refletiam sua forma de enxergar o que dimensões do conteúdo.
foi aprendido, o que reflete sua elaboração Novas e diferentes formas de organi-
atitudinal sobre o assunto, além de debater zar os conteúdos podem ser criadas com o
sobre as lutas de classe, gênero e etnia e c) objetivo de desenvolver o pensamento críti-
trabalharam a dimensão procedimental por co dos estudantes e gostaríamos de destacar
meio das vivências motoras com os jogos a importância de os docentes elaborarem
vivenciados. seus registros de maneira sistemática, como
Ao enfatizarmos o nosso posiciona- também dos docentes publicarem os relatos
mento sobre a materialização do currículo avaliativos de suas experiências didáticas
V. 28, n° 48, setembro/2016 401

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V. 28, n° 48, setembro/2016 403

Game as expression of culture body motion in Physical Education


School: the three dimensions of content and the development of
critical thinking

ABSTRACT

This paper describes an educational experiment carried out with students from the 7th
grade of elementary school to a public school of the east side of São Paulo where the
games were taught in the three dimensions of content intended to stimulate critical
thinking of students on this manifestation of the culture of body movement, in view
of the proposed political pedagogical project of the school. We had as main objective
that the students were encouraged to think, analyze and discuss the traditional games,
cooperative, those that stimulate multiple intelligences, those made by their older
family members and also that students would create games during class. At the end of
the education program, the designs produced by the students and the joint evaluations
allowed to identify elements of critical vision developed in relation to body practices
experienced.

Keywords: School Physical Education; Games; Critical thinking; Dimensions of the


Content

Juego como manifestacion de la cultura corporal de movimiento en


la Educación Física Escolar: las tres dimensiones de los contenidos y
el desarrollo del pensamiento crítico

RESUMEN

Este trabajo describe una experiencia educativa llevada a cabo con estudiantes del 7º
grado de la enseñanza básica en una escuela pública de la zona este de Sao Paulo, donde
los juegos fueron trabajados en las tres dimensiones del contenido con la intención de
estimular el pensamiento crítico de los estudiantes sobre las manifestaciones de la cultura
corporal, a la vista del proyecto político pedagógico propuesto en la escuela. Tuvimos
como objetivo principal que los estudiantes fuesen estimulados a pensar, analizar
y discutir los juegos tradicionales, cooperativos, los que estimulan las inteligencias
múltiples, los realizadas por sus miembros mayores de la familia, y también que los
estudiantes creasen juegos durante las clases. Al final de ese proyecto educativo, los
dibujos producidos por los estudiantes y las evaluaciones conjuntas nos han permitido
identificar elementos de que la visión crítica se desarrolló en relación a las prácticas
corporales experimentadas.

Palabras clave: Clases de Educación Física; Juego; Pensamiento Crítico; Dimensiones


del Contenido

Recebido em: novembro/2015


Aprovado em: julho/2016

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