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VOLUNTÁRIOS DE DEUS

PROGRAMA PARA VOLUNTÁRIOS EM


FORMAÇÃO

1
ÍNDICE
PONTOS DA ESPIRITUALIDADE
Deus Amor .............................................................................................................................03
A fulgurante descoberta: "DEUS É AMOR"...........................................................................06
A vontade de Deus ..................................................................................................................09
O sim a vontade de Deus .........................................................................................................12
Como amar o Irmão .................................................................................................................14
A Palavra .................................................................................................................................19
O Evangelho ............................................................................................................................24
O Amor recíproco ....................................................................................................................25
Jesus Abandonado ...................................................................................................................28
Perguntas e respostas - Jesus Abandonado .............................................................................32
A Unidade ...............................................................................................................................33
Perguntas e respostas - O que é a Unidade? ............................................................................36
Jesus no nosso meio .................................................................................................................37
A Eucaristia .............................................................................................................................40
A Eucaristia é fraternidade ......................................................................................................42
Maria ........................................................................................................................................43
Maria e a Espiritualidade Coletiva ..........................................................................................46
Como é Bela Maria ..................................................................................................................48
A Igreja ...................................................................................................................................49
O Espírito Santo e o Movimento dos Focolares ......................................................................50

ASPECTOS CONCRETOS DA VIDA DOS VOLUNTÁRIOS DE DEUS


Vermelho ................................................................................................................................53
Alaranjado ...............................................................................................................................56
Amarelo ...................................................................................................................................62
Verde .......................................................................................................................................65
Azul .........................................................................................................................................69
Anil ..........................................................................................................................................72
Violeta .....................................................................................................................................75

TEMAS - FORMAÇÃO
A Segunda Escolha de Deus ....................................................................................................76
Mensagem para o Voluntarifest ...............................................................................................82
A vocação do Voluntário .........................................................................................................84
Diálogo sobre a vocação do voluntário no hoje de Chiara ......................................................87
Assembléia dos voluntários - sobre o regulamento .................................................................92
Regulamento do setor dos voluntários de Deus ......................................................................99
Quem é o voluntário? ............................................................................................................114
A socialidade do trabalho ......................................................................................................115
Amor e Liberdade (Parte II) ..................................................................................................118
Chiara responde às perguntas das pré-voluntárias .................................................................125
A catequese de Jesus ..............................................................................................................140
O que significa rezar ..............................................................................................................148
Jesus no meio- dimensões sociais e culturais e diálogo - Vera Araújo...................................151
Dialógo sobre a ética - Gianni Caso.......................................................................................159
Mensagem de Chiara Lubich à Jornada do Mov Humanidade Nova 20/03/83 - resumo.......165
Mensagem de Chiara Lubich à Jornada do Mov Humanidade Nova 20/03/83 – integra.......167
Discurso de Chiara - prêmio UNESCO de 1996 "Educação à Paz".17/12/96........................172
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DEUS - AMOR

Na época em que nasceu o nosso Movimento, há 50 anos atrás, todas as coisas pareciam
desmoronar sob o impacto da Segunda Guerra Mundial, que destruía tudo.
Chiara tinha então 23 anos e, juntamente com suas amigas, verificava a fragilidade das coisas,
como tudo é passageiro e como é inútil apegar-se aos ideais terrenos, mesmo os maiores e mais
elevados.
Antes mesmo do início do Movimento, ela já era católica praticante e sem dúvida, Deus ocupava
um posto importante em sua vida. Mas, ele preenchia apenas uma parte do seu dia; existiam muitas
outras coisas e afazeres além dele.
O desmoronamento dos projetos, de esperanças, de ideais políticos, a morte de pessoas
queridas, parecia dizer: tudo é vaidade, tudo passa.
Diante de tudo isso, Chiara tomou a decisão do colocar Deus no primeiro lugar de sua vida e
fazer dele o porquê da sua existência.
Hoje, não nos encontramos numa situação de guerra propriamente dita, mas vivemos uma
experiência semelhante ou talvez ainda mais grave. Também hoje, poderíamos dizer: tudo parece
desmoronar.
Vivemos em uma época em que as pessoas, de um modo geral, estão perdendo de vista aquilo
que é essencial na vida, os valores espirituais e morais e até mesmo a realidade de Deus.
É uma crise que atingiu a todos, pois a nossa cultura, a um certo momento, achou que podia
excluir Deus e não mais considerá-lo como ponto de referência. Se nós pensarmos na situação do
Brasil, nas dificuldades que estamos atravessando, na crise moral, na corrupção, na crise econômica
que estamos enfrentando nas nossas famílias... tudo é fruto da nossa cultura que exclui Deus da vida
concreta.
Porém a verdade é que o homem e a mulher são filhos de Deus e somente a consciência desta
sua identidade consegue satisfazer o coração humano e dar plenitude à sua existência.
Mas é necessário redescobrir a verdadeira face de Deus. Sem dúvida, não se pode aceitar a
imagem de um Deus que é patrão, juiz, que castiga, que impõe regras e restrições à liberdade da
pessoa...
Deus não é assim.
Deus é Amor.
É nosso Pai. Ele nos ama pessoalmente e só quer o nosso bem.
Esta foi a descoberta fundamental que fez Chiara e suas primeiras companheiras, depois de ter
escolhido Deus como ideal de suas vidas.
Esta descoberta deu-se através de um episódio que foi muito importante.
Uma vez, um sacerdote perguntou a Chiara se estava disposta a oferecer a Deus uma hora do
seu dia, dedicando-se ao apostolado. Ela respondeu: "Por que não oferecer o dia inteiro?"
Impressionado por esta sua generosidade de jovem, o padre a abençoou e disse: "Lembre-se de que
Deus a ama imensamente".
Estas palavras tiveram uma grande repercussão na alma de Chiara. Foram como uma
fulguração, um momento de luz!
Aquilo que tinha aprendido desde pequena, que Deus é Pai, que Deus é Amor, entrou na sua
mente e no seu coração de uma maneira totalmente nova: "Deus me ama imensamente! Deus me ama
imensamente!"
A partir daquele momento ela continuou a dizer e a repetir às suas amigas esta realidade: "Deus
te ama imensamente! Deus nos ama imensamente!"
E começou a perceber Deus presente em toda parte, com o seu amor: nos seus dias, nas suas
noites, nos seus propósitos, nos acontecimentos alegres e confortantes, nas situações tristes, delicadas,
difíceis.
Ele está sempre presente, está em todo lugar e nos mostra que tudo é amor. É amor o que somos
e o que nos diz respeito.
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Somos seus filhos e ele é nosso Pai, nada foge ao alcance do seu amor, nem sequer os erros que
cometemos, porque ele os permite. O seu amor nos envolve como envolve os cristãos, a Igreja, o
mundo, o universo.
Ele nos sustenta e nos faz reconhecer em tudo e em todos os sinais do seu amor.
Foi uma verdadeira conversão. A "novidade" dessa descoberta brilhou na mente de Chiara que
dizia:
"Agora sei quem é Deus: Deus é Amor !
Que transformação na minha vida! As circunstâncias, os acontecimentos, as dores, as alegrias,
não são mais simplesmente casuais; nada acontece por acaso.
Atrás de tudo existe Alguém que guia cada coisa para o meu bem, porque me ama. E se isso é
válido para mim, é válido para todos.
Antes dessa descoberta, era como se eu fosse órfã; sentia-me sozinha no mundo!
Agora tinha descoberto o Pai que me acompanha. E sentir-se amado é a felicidade!"
E Chiara continua:
"Deus é Amor!
Esta é a nossa grande, a nossa imensa descoberta. Disto estamos conscientes; estamos
persuadidas até no mais profundo do nosso ser.
O sorriso desabrocha continuamente em nossos lábios, mesmo em meio às privações
provocadas pela guerra, mesmo nas separações, até mesmo debaixo dos bombardeios e diante da
morte. Tudo é expressão do Amor de Deus.
E ele coloca nos nossos corações esta novíssima fé nele que é Amor.
Por isso manifestamos o desejo de, se morrêssemos por causa da guerra, ser sepultadas num
único túmulo onde estivesse escrito, em lugar dos nossos nomes, a frase "E nós acreditamos no
Amor". Esta frase da Escritura seria o nosso nome porque era o nosso modo de ser".
Deus-Amor, é esta verdadeira imagem de Deus também para nós hoje. Não um Deus distante
no seu céu, mas um Deus próximo, que está ao nosso lado e caminha conosco.
Sendo assim, podemos nos entregar completamente a esse Deus que é Amor, com a certeza de
sermos compreendidos e conformados, ajudados e conhecidos profundamente.
Deus é Pai, e "conta até os cabelos da nossa cabeça", como disse Jesus, portanto sabe tudo a
nosso respeito e nos "conduz pela mão".
Em Deus-Amor encontra-se a resposta para as nossas exigências mais profundas.
Este Deus que é Amor, nos traz a paz, e é capaz de nos fazer sair do nosso isolamento para um
relacionamento de doação ao irmão que está ao nosso lado.
A sociedade em que vivemos nos impulsiona a querer possuir cada vez mais, a tender mais ao
"ter" do que ao "ser", sem levar em consideração o relacionamento com as pessoas e com a natureza.
E as conseqüências desta atitude são: o consumismo exagerado (compra-se sem necessidade,
impulsionado pela propaganda; quem não têm meios sente-se frustrado) a realização de experiências
de todos os tipos, sem nenhuma censura ou ética, seguindo uma conduta moral ditada pelas novelas
e a existência de uma sede de poder, cada vez maior, em todos os níveis.
Tudo isso leva a um processo de seleção, de separação entre quem tem e quem não tem.
As pessoas que não produzem são marginalizadas, colocadas de lado.
E surgem assim vastas áreas de marginalização social, econômica e cultural, que não são mais
constituídas apenas pelos mais pobres, mas também pelos jovens, pelas mulheres, pelos idosos, pelos
deficientes físicos ou mentais.
E este processo de seleção acentua em muito a frustração, a solidão, e diante de um futuro sem
esperanças, surgem problemas como o uso da droga, o desinteresse pelo trabalho, a indiferença, a
inércia...
Este posicionamento individualista, egoísta, que acontece a nível pessoal ou de grupo, acontece
também a nível de povos: o progresso organizado deste modo, tende a marginalizar os povos menos
favorecidos.

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Esta grande crise que a sociedade hoje atravessa, aumenta cada vez mais a exigência daqueles
valores essenciais e muitos sentem que o remédio para o consumismo, para o individualismo e o
egoísmo é : a doação, o amor, a unidade.
Porém, para encontrar este remédio parece que está faltando uma coisa muito importante. É
justamente aquele impulso vital que sentimos quando entendemos que somos filhos de Deus e
descobrimos a nossa verdadeira identidade de criaturas humanas.
Foi isto que aconteceu com todos nós quando encontramos Deus-Amor.
Foi um verdadeiro renascimento já que nos descobrimos numa dimensão que antes não
conhecíamos: se Deus é Pai, se somos filhos de Deus, em cada um de nós existe ao menos uma
centelha, uma pequena chama, do amor de Deus que é Pai.
Amar a Deus como filhos, significa amar os irmãos, todos eles filhos do mesmo Deus. Se Deus
é Pai, somos todos irmãos.
Deus não pode nos aceitar sozinhos, deseja que vamos até ele juntamente com os nossos irmãos.
Se Deus é Amor, também nós, filhos seus, devemos ser amor em nossa vida, devemos resplandecer
como pequenos sóis ao lado do Sol.
Temos dentro de nós esta semente do amor de Deus que nos une às outras pessoas e nos torna
todos irmãos.
E se a descoberta de Deus-Amor é um impulso para ir ao encontro do irmão, para amá-lo, por
sua vez, esse amor ao irmão nos leva a Deus. O irmão revela-se assim como sendo o nosso caminho
para chegar a Deus.
Portanto, todas estas realidades - Deus-Amor, acreditar no seu amor, responder ao seu amor,
amando - são as grandes exigências de hoje, são o essencial que a humanidade espera.

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A FULGURANTE DESCOBERTA: "DEUS É AMOR"
Trechos do livro: Deus Amor no pensamento e na experiência de Chiara Lubich - M. Cerine

Chiara tinha 23 anos. Mesmo sendo cristã praticante, estava à procura de algo que pudesse
saciar sua grande sede de verdade: procurava também a maneira de realizar seu ardente desejo de um
amor sempre vivo por Deus. Com pesar ela observava que o cristianismo do seu tempo estava, na
maioria das vezes, esvaziado de vitalidade e incidência.
Ao ser convidada a falar sobre "Deus-Amor e a Caridade" segundo sua experiência, ela mesma
se referiu àquela primeira e fundamental iluminação:
"Em meio às incoerências e contrastes nos quais Deus me atraía e a nossa vida de cristão que
me afligia, ele se manifestou.
Não sei exatamente quando. Sua luz sutil penetrava e iluminava e envolvia a alma; sem
suprimir o pensamento precedente, substituía-o lentamente.
Um fato: eu era ainda estudante. Um sacerdote que por ali passava(...) quer dirigir-me uma
palavra. Pede-me que eu ofereça uma hora por dia nas suas intenções. Respondo: por que não o dia
todo? Impressionado por esta generosidade juvenil (...) me diz:
- ‘Lembre-se que Deus a ama imensamente!’
É a fulgurante descoberta!
Deus me ama imensamente! Deus me ama imensamente !
Digo e repito para as minhas companheiras: 'Deus a ama imensamente. Deus nos ama
imensamente'.
A partir daquele momento, descubro Deus presente com o seu amor por toda parte: nos meus
dias, nas minhas noites, nos meus ímpetos, nos meus propósitos, nos acontecimentos alegres e
confortantes, nas situações tristes, ásperas e difíceis.
Ele esta sempre presente, em toda parte e me explica tudo. Explica o quê? Que tudo é amor: o
que sou e o que me acontece; o que somos e o que nos diz respeito; que sou sua filha e ele é meu Pai;
que nada foge ao alcance do seu amor, nem sequer os erros que cometo, porque ele os permite; que
seu amor envolve os cristãos como eu, envolve a Igreja, o mundo, o universo.
Ele me sustenta e me abre os olhos para tudo e para todos, fazendo-me reconhecê-los como
frutos do seu amor.
A conversão acontece. A novidade brilha diante de minha mente: sei quem é Deus. Deus é Amor
! Deus é Amor !
Disto estamos conscientes; estamos persuadidos até o mais profundo do nosso ser. Tudo muda
na nossa vida. O sorriso desabrocha continuamente nos nossos lábios, em meio aos desatinos da
guerra, em meio às separações, até mesmo debaixo dos bombardeios, à beira da morte: tudo é
expressão do amor de Deus.
Como se enterrasse uma semente, ele deposita em nosso coração esta fé tão nova nele que é
Amor.
É esta a nossa grande, enorme descoberta. O mundo que nos rodeia não o sabe. Comunico a
novidade a todos que posso: minha mãe, meu pai, minhas irmãs, meu irmão, minhas amigas.
Nós acreditamos no amor. Esta é nossa nova vida. Por isso manifestamos o desejo de que, se
morrêssemos por causa da guerra, fôssemos sepultadas num único túmulo onde estivesse escrito,
em lugar de nossos nomes (porque era o nosso ser): E nós acreditamos no amor".
Chiara explica: "Deus-Amor: não um Deus longínquo, imóvel e inacessível aos homens. Deus-
Amor que vem ao encontro de cada homem de inúmeras maneiras. Deus-Amor: Amor em si mesmo,
amor por toda a criação".
A fulgurante descoberta que atinge todo o seu ser fundamenta a radicalidade da resposta dada
por Chiara e suas companheiras. Coração e mente são chamados a "confrontarem-se perenemente
com o infinito amor de Deus" e a ser reflexo dele.

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"Nós - afirma Chiara - não teríamos nenhum sentido no mundo se não fôssemos uma pequena
chama dessa chama infinita; amor que responde ao Amor".
Desta forma, tendo como pano de fundo o dramático cenário da guerra, que evidencia a
transitoriedade e precariedade de todas as coisas, justamente no momento em que a realidade de Deus
Amor emerge como a mais real e verdadeira de todas as realidades, as primeiras focolarinas o
escolhem como o tudo de suas vidas.
Deus Amor, é o ponto de partida da espiritualidade do Movimento dos Focolares.
No início do texto Chiara dizia que Deus como que 'deposita’ no seu coração e no coração de
suas companheiras o dom de uma "novíssima fé em Deus-Amor", uma convicção viva de serem todas
e cada uma infinitamente amadas por ele.
Escreve Chiara: "É uma fé exaltante, que fortifica, que faz exultar . Esta fé no amor de Deus
por nós, cada uma de nós, por todos, pela humanidade inteira, iluminou desde então toda a nossa
existência".
E se Deus é Amor, a confiança completa nele não é senão uma conseqüência lógica disso.
Chiara afirma que nele cada um de nós "pode abandonar-se, na certeza de ser compreendido,
confortado, ajudado, conhecido no mais íntimo de seu ser".
Esta fé no Amor determina, para quem a vive, a orientação fundamental de suas existência e a
relação pessoal e viva com Deus, a tal ponto que modela a personalidade, tornando-se sua
característica própria. "Acreditar no amor - exorta Chiara - e agir em conseqüência (...) deve se tornar
vocês mesmas ".
Configura-se, assim, no percurso secular da espiritualidade cristã, um novo tipo de seguidor de
Cristo, forjado em seu ser pela fé no Amor, fé que nele se exprime de forma luminosa e operante em
toda a sua força de transformação.
Estabelecendo um original paralelismo com a imagem de uma criança em seu relacionamento
vital com o pai, Chiara delineia este novo tipo de cristão: a "criança" evangélica, que sabe ser filha
de um Pai que está nos céus, reconhece-o e o ama, da mesma forma que está consciente de ser
conhecida e amada por ele.
"Essa criança - descreve Chiara - confia plenamente em Deus, abandona-se totalmente nele,
na certeza de que tudo quanto lhe acontece é desejado ou permitido para o seu bem.
Imita o Pai e, uma vez que o Pai 'ama porque é Amor', também ela, na qualidade de filha sua,
ama a ponto de poder ser definida como 'alguém que ama'.
Vive a vida terrena imersa no Reino de Deus realizado desde já pela presença de Jesus em
meio aos que se amam.
Não vê as circunstâncias somente como uma sucessão de fatos externos, mas 'sabe penetrar
nos sinais dos tempos', sabe captar a trama da ação divina em todas as coisas e encanta-se diante
da assistência do Pai, da sua imediata e concreta providência.
É feliz e inocente; desprendida das coisas e da vida.
E assim como uma criança não aprende a falar sozinha, também a criança evangélica aprende
a palavra através do Pai, através de Deus, sendo inteiramente 'Palavra de Deus'.
Enfim, da mesma forma que a criança não se assemelha unicamente ao pai, mas também à
mãe, a criança evangélica não se assemelha exclusivamente a Deus Pai, mas também a Maria, sua
Mãe".
"Mas acreditar no amor de Deus - observa Chiara - significa acreditar que Deus é Amor mesmo
na escura experiência da dor. E quando esta fé passa pelo crivo da provação, quando, por uma
sucessão de fatos desconcertantes, temos a impressão de que Deus já não nos ama e nos sentimentos
um nada, então é preciso lutar pela fé no Amor. Deus intervirá e veremos os frutos da provação
superada.
'Quando sou fraco - escreve Paulo - então é que sou forte'. Portanto, também na extrema
fraqueza, vivida como vontade do Pai e acreditando no seu amor; pode-se experimentar uma força
interior inabalável e poderosa, inerente ao nosso verdadeiro ser, simples e unificado, participante
da vida e da potência do Ser, que é Amor e é Uno, d'Aquele que a criou.
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A experiência de viver esta fé no Amor nos faz entrever; com extrema evidência, as imensas
possibilidades que se abririam em horizontes sempre mais vastos se a nossa fé no amor do Pai fosse
inabalável e se, juntamente conosco, grande parte da humanidade também acreditasse".

E esta visão universal da fé em Deus - Amor que Chiara exprime no texto que se seque:

"Se Deus veio do céu à terra por nós


não há dúvida de que ele nos ama
E se alguém nos ama,
mais: se o próprio Deus nos ama,
tudo é mais fácil para nós aqui na terra,
tudo é mais compreensível;
por trás dos momentos sombrios da existência
pode-se descobrir a sua mão amorosa,
um porquê muitas vezes a nós desconhecido,
mas um porquê de amor.
Tudo é mais suportável.
E tudo é mais invadido de alegria
se já de alegria se trata.
Porque para além dos fatos agradáveis da vida,
(...) está presente a Providência de um Pai.
Tudo, pois se torna possível.
Se acreditamos - e acreditamos -
num Deus que nos ama,
toda impossibilidade pode ser anulada,
até a impossibilidade, às vezes tão evidente,
de que este nosso berço, o planeta que nos acolhe, viva em paz.
Sim, tudo é possível !
Ou antes, se o Onipotente veio até nós
a nossa fé pode ir muito mais além
Podemos acreditar que,
se o esperarmos e o pedirmos com todo o coração,
o nosso mundo se encaminhará para a unidade:
para a união entre as gerações,
entre as classes sociais, entre as raças,
entre os cristão divididos há séculos,
entre os fiéis de religiões diferentes,
entre os povos."

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A VONTADE DE DEUS

Desde o início do Movimento, Deus se manifestou a Chiara e às suas primeiras companheiras


como Amor e esta foi a fascinante descoberta que transformou totalmente as suas vidas.
E logo elas descobriram que podiam encontrá-lo de diversas maneiras: na sua Palavra, na
Eucaristia, no irmão, presente entre dois ou mais que se reúnem no seu nome; ele ainda nos fala
através da voz da consciência, através dos ensinamentos da Igreja, etc.
Nestas, que Chiara chamou as "fontes de Deus", sempre podemos nos encontrar com o amor
sem medidas de Deus que quer estar sempre conosco.
E tornou-se lógico, diante de tanto amor, surgir a pergunta: "Mas se Deus nos ama tanto assim,
o que nós podemos fazer para corresponder ao seu amor?"
Procurando uma resposta a esta pergunta, Chiara e suas amigas recordaram-se logo das palavras
de Jesus: "Não quem diz Senhor, Senhor, é quem me ama, mas aquele que faz a Vontade de meu Pai
".
A Vontade de Deus! Descobriram que amar a Deus não era uma questão de sentimentalismo,
mas significava fazer a sua Vontade com todo o coração, com todas as forças.
Portanto, o modo concreto de demonstrar a Deus o nosso amor por ele é fazer a sua Vontade.
E Chiara mesma conta a respeito desta descoberta:
"Naquele momento entendi uma coisa maravilhosa. Quantas pessoas no mundo procuram agir
corretamente, andar pelo caminho do bem, para realizar-se como homens e como cristãos... Porém,
muitos não sabem como fazer.
Eis então um caminho bom para todos: fazer a Vontade de Deus. Este é um caminho acessível
a todos, homens e mulheres, intelectuais e operários, leigos e sacerdotes, jovens e idosos,
governantes e povo.
Parecia-me - conclui Chiara - ter nas mãos um bilhete de ingresso à santidade para todo ser
humano, uma estrada aberta às multidões: fazer a Vontade de Deus."
Portanto, chegamos à conclusão que em nossa vida podemos escolher duas direções: fazer a
própria vontade ou livremente preferir a Vontade de Deus.
Então poderemos fazer duas experiências: fazendo a nossa própria vontade, logo nos
decepcionaremos, pois vamos querer escalar a montanha da vida somente com os nossos meios, com
os nossos pobres sonhos, com as nossas idéias e forças limitadas.
E, mais cedo ou mais tarde, virá a experiência da rotina de uma vida muitas vezes mergulhada
no tédio, na mediocridade, no pessimismo e às vezes até mesmo no desespero.
E apesar de todos os nossos esforços para torná-la interessante, viveremos uma vida monótona,
que nunca chegará a satisfazer aquilo que desejamos no mais profundo do nosso coração.
E no fim de tudo, aquela morte que não deixará rastro nenhum. Todos os dias morre muita gente
e isto causa grande sofrimento, mas passado algum tempo, depois da segunda geração, em geral
ninguém mais se recorda dos que morreram.
A segunda experiência que podemos realizar é aquela de fazer a Vontade de Deus.
Vejam bem, costumamos dar sempre este exemplo. Deus é como o sol. Do sol partem muitos
raios que iluminam cada homem: representam a Vontade de Deus para cada um deles.
Na vida, o cristão - e também todo homem de boa vontade - é chamado a caminhar na direção
do sol, isto é, na direção de Deus, na luz do seu próprio raio, que é diferente e distinto de todos os
outros. Assim realizará o maravilhoso e particular desígnio que Deus tem sobre ele.
Se nós também agirmos assim, vamos nos sentir envolvidos numa divina aventura que nunca
poderíamos imaginar.
Fazendo coincidir a nossa vontade com a de Deus, ele nos conduzirá momento por momento,
nos caminhos traçados pelo seu amor, inventados pela sua fantasia, sugeridos pela sua paternidade
que cuida de cada um de nós e da sociedade em que vivemos.

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E se por acaso sairmos do nosso raio luminoso e nos encontrarmos na escuridão da nossa
vontade, basta voltarmos a fazer a Vontade de Deus, retornar ao nosso raio e tudo de novo se
iluminará.
Seremos ao mesmo tampo atores e espectadores de alguma coisa grande, que Deus realiza em
nós e através de nós, na humanidade.
E a nossa vida não terminará no esquecimento, mas continuará a ser luz par muitas pessoas,
como acontece ainda hoje com a vida dos santos que não fizeram outra coisa a não ser a Vontade de
Deus.
Quem é que não ouviu falar de São Francisco, ou que não se encantou com os seus escritos?
No entanto, ele viveu entre os anos 1100 - 1200, novecentos anos atrás, mas deixou atrás de si um
rastro luminoso que permanece até hoje, justamente por ter realizado a Vontade de Deus.
Portanto, tudo o que pode nos acontecer, como dores e alegrias, graças e desgraças, fatos
notáveis (como sucessos e fortunas - ganhar na loteria) ou acidentes e mortes de entes queridos; fatos
corriqueiros do dia a dia (como o trabalho cotidiano em casa, no escritório, na escola) tudo, tudo vai
adquirir um significado novo porque nos será oferecido por Deus que é Amor.
Tudo que Ele quer ou permite é para o nosso bem. E se no início acreditarmos nisto somente
com a fé, depois descobriremos a existência de um fio de ouro, por assim dizer, ligando
acontecimentos e coisas, compondo um magnífico desenho que é justamente o desígnio de Deus sobre
nós.
Se vivermos assim, vem em relevo o valor, a utilidade e a beleza de fazer a Vontade de Deus,
não como algo que é o fim da linha, quando não se pode fazer outra coisa. Mas não deve ser assim .
Deve ser como algo que "posso" fazer.
Temos a certeza que a vontade de Deus é a vontade de um Pai e que podemos nos entregar
confiantes a ele, porque certamente ele deseja somente o nosso bem. E nós acreditamos no seu amor.
Esse abandono à Vontade de Deus não é passividade, pelo contrário. É necessário discernir,
momento por momento, a Vontade de Deus e realizá-la com todo o coração, com todas as forças.
Se esta perspectiva de vida nos atrai e queremos sinceramente dar um sentido mais profundo à
nossa vida, talvez precisemos entender antes de tudo quando devemos fazer a Vontade de Deus.
Ainda no período inicial do Movimento, durante a guerra, as primeiras focolarinas corriam
continuamente riscos de vida devido aos contínuos bombardeios aéreos.
Por isso, quando lhes perguntavam: "Quando é que devemos amar a Deus fazendo a sua
Vontade?", Respondiam: "Logo, agora, porque nem sabemos se teremos o momento seguinte nas
nossas mãos".
Esta foi uma lição fundamental, que serve também para nós hoje. O único tempo que nos
pertence é o momento presente.
Pensemos um pouco: o passado já passou e não podemos mais retomá-lo, só nos resta colocá-
lo na misericórdia de Deus. O futuro ainda não chegou e nem sabemos se chegará: iremos vivê-lo
quando se tornar atual. Apenas o momento presente está em nossas mãos. É justamente nele que
devemos procurara viver a Vontade de Deus.
Quando viajamos - e a vida é uma viagem - ficamos sentados tranqüilamente nos nossos lugares.
Não nos passa pela cabeça a idéia de ficar caminhado para frente e par trás no ônibus ou no vagão do
trem para chegar mais rápido ao nosso destino. Não adianta, porque o trem ou o ônibus necessitam
daquele tempo determinado para chegar.
Nessa agitação está quem vive sonhando com um futuro que ainda não existe ou pensando no
passado que jamais voltará. O tempo caminha por si mesmo. É preciso pois que nos concentremos no
presente; só então chegaremos à plena realização.
A respeito do momento presente, Chiara contou-nos uma sua experiência. Sentindo que o tempo
passava velozmente, pediu a Jesus que a ajudasse a "parar" o tempo. E ele a fez entender como
poderia fazer isso, como se ele mesmo lhe explicasse e dissesse:

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"Viva bem o momento presente, com todo o coração, com todas as forças. Não existe mais nada
para você a não ser a Vontade de Deus no presente. Faça cada ação bem feita, de modo que cada
uma seja como um pacote de presente confeccionado, que possa ser apresentado a Deus ".
E Chiara conta-nos que a partir desse momento, antes de realizar cada ação, diz: "Eu a faço
por ti, Jesus ".
Depois, procura fazer com perfeição tudo o que esta ação comporta e no final, antes de passar
para outra, envia o "pacote" (dessa ação) bem confeccionado para o Paraíso, oferecendo-o a Deus.
Fazendo assim, o tempo não passa velozmente, mas permanece em Deus, na eternidade.
Esta é uma experiência que também nós podemos fazer.
Poderemos ainda perguntar: mas como podemos distinguir entre a Vontade de Deus e a nossa
vontade?
Vivendo o momento presente não é tão difícil saber qual é a Vontade de Deus. Um caminho é
este: prestar atenção à voz de Deus que nos fala no íntimo de nós mesmos; é uma voz sutil, que talvez
tenhamos sufocado tantas vezes ao ponto de quase nem mais a perceber.
Vamos procurar ouvir bem a voz de Deus pois ela habita dentro de cada um de nós. Ela nos
sugere a cada momento o que fazer: quando é preciso estudar, ou amar algum necessitado, ou fazer
aquele trabalho, ou superar uma dificuldade, ou cumprir um dever como cristão. Ela nos convida a
ouvir quem nos fala em nome de Deus ou a enfrentar corajosamente situações difíceis... Não vamos
sufocar esta voz, mas ouvi-la. É o tesouro mais precioso que possuímos. Vamos seguí-la.
E, então, momento por momento, construiremos a nossa própria história, que é ao mesmo tempo
história humana e divina, porque feita em colaboração com Deus. E veremos coisas maravilhosas,
veremos o que Deus pode realizar numa pessoa que faz a sua Vontade.
Em uma mensagem que nos enviou, Chiara ilustra justamente este conceito da Vontade de
Deus. Diz assim.

"Deus nos colocou nesta Obra como numa pequena barca, que navega nas águas do tempo
rumo a um ponto desconhecido.
Quem a faz navegar não somos nós. É o Espírito Santo que, com o seu sopro divino, nos indica
as diversas etapas a percorrer nesta viagem (...)
O nosso dever é estar ali na barca, no lugar que a Providência nos designou e estar bem
seguros para que o turbilhão das ondas do mundo não nos faça afundar.
Ficar ali parados e totalmente ativos na Vontade de Deus para nós, para que a barca não sofra
abalos, mas navegue segura para uma destinação que nós não conhecemos mas na qual acreditamos,
infinitamente bela, profundamente útil à difusão do Reino da unidade sobre a terra.
Permanecer ali, e poder um dia agradecer a Deus por nos ter feito participar da construção
de uma sua Obra sobre a terra (...) Não podemos querer preceder Deus ou ousar sugerir-lhe algo,
nem querer com presunção acelerar a sua hora e o seu tempo. mas seguir Deus, e depressa a
pequena barca vai. E ficar bem firmes, fixos no momento presente.
Vamos valorizar mais, com grande amor, o lugar que Deus designou para nós e corresponder
plenamente. Para estarmos certos de navegar bem, deixemo-nos iluminar pela sua Palavra ".
Portanto, a nossa proposta para o dia de hoje, e que serve para toda a nossa vida, é esta: procurar
repetir a cada momento o nosso sim à Vontade de Deus, com total adesão, permanecendo firmes na
"barca ", prosseguindo neste caminho que é "bom para todos ", para cada um de nós e para as pessoas
que nos rodeiam. E permitir assim que Deus realize sobre nós e, conseqüentemente, sobre a
humanidade, o seu maravilhoso desígnio de Amor.

11
O SIM À VONTADE DE DEUS

Eu gostaria de lhes dizer uma única palavra, gen.


Talvez Eli lhes tenha dito que iniciamos um ano muito especial, no qual devemos aprofundar
uma idéia. É uma idéia que existiu desde o início da humanidade, ainda com Adão e Eva. É uma idéia
extraordinária, que eu procurei aprofundar durante um ano inteiro, no passado.
Trata-se de uma coisa da qual se fala pouco. Mas justamente aquilo que é pouco considerado
esconde tesouros imensos e nem mesmo eu sabia que se tratava de algo tão grande: a Vontade de
Deus.
Ouçam, gen, eu vou dizer somente o seguinte: enquanto eu estava estudando sobre a Vontade
de Deus, para poder dar a vocês do mais profundo do meu ser, em primeiro lugar no Evangelho, no
Antigo Testamento, nos Papas, depois nos Padres da Igreja, nos Santos, no Concílio, à medida que
prosseguia no estudo penetrava em mim algo que não sei como explicar mas que certamente é um
fato sobrenatural, algo que deixava marca em mim. Pensando nisso eu dizia: "Ninguém jamais
poderá arrancá-la de mim ", como se eu tivesse sido marcada por ela, pela grandeza da Vontade de
Deus. Dou-lhes um único exemplo, gen. Vocês sabem que o homem - com diz a Escritura - foi criado
à imagem e semelhança de Deus. E o que significa isso, estudando e analisando bem este aspecto?
Significa que o homem é realmente homem e não um animal, não é uma planta ou outra criatura
qualquer, porque é imagem de Deus, está diante de Deus. Deus pode dizer "tu " ao homem. Isso é, o
homem em sua própria estrutura - tanto que ele olha para frente - foi criado à imagem de Deus e não
é como as plantas, etc. Existe algo na nossa carne, na nossa alma, algo dentro de nós que diz: "Você
foi feito para Deus, para estar em comunhão com ele. Você foi feito par conhecer Deus, foi feito para
amar a Deus".
Nós não seríamos homens se não fôssemos assim: algo que está diante de Deus. Esta é a
estrutura do homem, a sua essência, forma o ser do homem. Ele é feito assim. De fato, observando a
Escritura, o Antigo Testamento, vimos que nos salmos se pergunta a Deus: "Mas quem é o homem
para que dele Te recordes? O que é o homem para que o visites?"
O homem é sempre e somente algo que está em relação com Deus, no seu ser, na sua estrutura.
Ora, assim como o homem no seu ser, na sua estrutura, está em relação com Deus, caso contrário
não é homem - entendem ?- ele não pode nem ser, nem existir fora desta relação com Deus.
Portanto, viver, progredir desde que nascemos, fazer tudo segundo o desígnio que Deus tem
sobre nós, é realizarmo-nos como homens, é a realização completa do homem. À medida que segue
o desígnio de Deus, o plano de Deus sobre ele, o homem é homem, o homem é feliz, o homem é livre.
Agora vocês já intuíram um pouco o que significa a Vontade de Deus. É aquilo que Deus pensou
desde o inicio, quando nos criou. Já que somos livres, podemos também não seguir este pensamento
de Deus e nos tornamos metade homem e metade animal; quero dizer, quando saímos da linha. Fomos
criados para o relacionamento com Deus, mas não o mantemos...
Se, ao invés, nele progredimos, inicia-se esta aventura extraordinária, maravilhosa. É, na
realidade, algo fascinante. Todos os outros homens vivem sobre esta terra como formigas. Mas os
santos lançam–se e arrastam muita gente porque são uma pequena luz neste mundo tão escuro.
Então, gen, queria dizer algo que explicasse como é compreensível que eu tenha ficado tão
impressionada e como a Vontade de Deus me pareceu a única coisa que devo almejar e saber minuto
por minuto. O que é a Vontade de Deus? Qual é por exemplo agora, a Vontade de Deus para mim:
sair e saudar os gen ou ficar em casa repousando porque estou mais cansada? É sair.
Qual é a vontade de Deus? Qual é a vontade de Deus? Momento por momento. Depois se
aprofundarem e estudarem mais, verão que Jesus (o Evangelho, a Escritura nos dizem) não fez outra
coisa senão a Vontade de Deus, porque a um dado momento esse Deus, que nos criou à sua imagem,
se fez homem. Então o homem, o que deve fazer? Não é necessário que olhe muito longe, para Deus,
basta que olhe para Jesus, porque nele Deus se fez homem. Então olhe para ele e saberá como
caminhar.
12
Na verdade, Jesus disse que somente fazendo a Vontade de seu Pai ama-se verdadeiramente e
o amor consiste nisso.
Todos nós estamos tomados pelo desejo de ter Deus como Ideal, de colocá-lo em primeiro lugar,
de amá-lo mesmo com todo o coração. Pois bem, existe um modo: basta fazer a sua Vontade momento
por momento, com todo o coração, toda a mente, toda as forças e, se fizer assim, você certamente
ama a Deus com todo o coração, toda a mente e todas as forças.
Portanto, gen, não esperem muito tempo; comecem já. Eu estou convencida de que em algum
ponto é preciso começar, ou seja, será que já começamos esta aventura? Talvez sim e talvez não. É
melhor iniciá-la esta tarde, ou melhor, agora.
Gen, vamos nos despedir com Jesus no meio, certos da sua presença entre nós, assim como com
Carlos no Paraíso, com Vir, o focolarino que morreu. Desse modo eu o tenho com vocês mesmo à
distância, que é uma distância aparente pois com o colegamento colocamos Jesus no meio.
Porém eu parto e vou atrás da minha aventura. Cada um de vocês vai atrás da própria aventura.
Depois contaremos uns aos outros as nossas aventuras. No Paraíso teremos tempo para sabê-las todas;
na terra também um pouco através de Opus, Silvana, de outros.
Mas eu quero que vocês façam milagres, porque se amarem a Deus, se caminharem sempre
com ele, farão milagres e não coisas insignificantes. É Ele que intervém a cada momento, porque
existe uma graça especial para o momento presente, que se chama graça atual, que nos ajuda a fazer
bem aquela determinada coisa e também outras, duas coisas, mil coisas, milhões de coisas. Todas
feitas bem, amando sempre a Deus com todo o coração.

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COMO AMAR O IRMÃO

O irmão no nosso Movimento

No início do Movimento, tendo a ocasião de estarmos especialmente em contato com pobres,


sem excluir as outras pessoas, entendemos o enriquecimento que o irmão trazia às nossas vidas e o
quanto ele ocupava o primeiro lugar, depois de Deus.
E ainda hoje, a quem nos pergunta quais são os ensinamentos fundamentais que colocamos em
relevo no Movimento, repetimos as mesmas palavras que Jesus disse ao Doutor da Lei: "Amarás o
Senhor, teu Deus, com todo o teu coração, com toda a tua alma e com todo o teu entendimento.
Amarás o teu próximo como a ti mesmo " (Mt. 22,37-39).
Isto porque estamos convencidos que é através do irmão que podemos passar continuamente de
uma vida vazia e insignificante à vida plena.
Lemos nos Evangelho de São João: "Passamos da morte para a vida porque amamos os irmãos
" (Jo 3, 14). É amando os irmãos que sentimos crescer em nós a união com Deus e podemos
experimentar, desde agora, um pouco da vida do Paraíso.
Alguém nos dizia recentemente que na espiritualidade do Movimento "o irmão é levado a sério
". É verdade; ele não é somente um colega, um parente, alguém confiado à minha orientação, um
companheiro na alegria ou mesmo um rival na luta. O irmão é uma criatura amada por Jesus. Nele,
Jesus está sempre presente, embora de várias maneiras. No irmão, Jesus entra em contato comigo,
como dom, como enriquecimento, como estímulo e também como purificação.
Aliás, no Movimento não fazemos penitências especiais pois encontramos no amor ao irmão o
caminho para destruir o nosso "homem-velho" e deixar viver em nós o homem novo. É o melhor
antídoto, o melhor remédio contra o egoísmo.
No irmão, Jesus quer ser amado e ser servido.

O homem ," imagem de Deus "

No livro do Gênesis lemos que Deus disse: "Façamos o homem à nossa imagem, à nossa
semelhança " (Gen 1,26-27).
E se Deus criou o homem à sua imagem e semelhança, a humanidade não pode existir senão
sendo "imagem de Deus " que é Amor e, portanto, os homens devem estar em relação de amor uns
com os outros.
Cada homem tem esta vocação independente de todas as diferenças, da diversidade de religião
e até mesmo do fato de crer ou não crer.
Com o pecado original, esta "imagem de Deus " no homem, mesmo se não foi destruída ou
perdida, foi alterada.
Mas Jesus, com sua vinda, restabeleceu no homem a imagem de Deus e aqui está a grandeza e
a verdadeira dignidade do ser humano.

O homem, criatura de Deus que deve ser amada

Porém, é também verdade que o homem é uma criatura de Deus e, como criatura, ele é muito
diferente do seu Criador e depende totalmente dele. Mas é uma criatura especial que deve ser amada.
No Antigo Testamento Deus comanda: "Não odiarás o teu irmão no teu coração ...
Não procurarás a vingança, nem conservarás a lembrança da injúria dos teus concidadãos.
Amarás o teu próximo como a ti mesmo".
Merece grande atenção o fato de que no Antigo Testamento o amor ao próximo, vale mais do
que o culto que se presta a Deus e mais que o jejum.

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Mesmo se o culto fosse desejado e estabelecido por Deus, quando o povo hebreu pensava honrá-
lo somente com o culto, Deus enviava os profetas, que conclamavam o povo a uma conversão interior.
Vendo que através de um tal culto se falsificava a religião na sua essência, os profetas não tinham
outra escolha senão rejeitá-lo radicalmente, porque provocava a indignação e a justiça de Deus.
Lemos nos profetas: "Eu odeio e desprezo as festas de vocês e não gosto dessas reuniões. Ainda
que vocês me ofereçam sacrifícios, suas ofertas não me agradarão... Afasta de mim o ruído dos seus
cantos, eu não posso mais ouvir o som das suas harpas. Podem multiplicar as suas preces, não as
ouço... Quero a misericórdia e não os sacrifícios..." (Am 5,21-24).
"Aprendei a fazer o bem, procurai o que é justo, protegei o oprimido, fazei justiça ao órfão,
defendei a viúva" (Is 1, 15-17).
A mesma coisa acontece em relação ao jejum.
Lemos em Isaías: "O jejum que eu quero é este: acabar com as prisões injustas, desfazer as
correntes do jugo, libertar os oprimidos, quebrar toda a espécie de opressão, repartir o pão com o
faminto, dar abrigo aos infelizes sem teto, vestir o nu e não desprezar o teu irmão... Então, invocarás
o Senhor e ele te atenderá, clamarás e ele te dirá: eis-me aqui... " (Is 58, 6-9; CF 59 1ss).
O jejum que agrada a Deus consiste portanto em realizar ações em favor do homem. Nelas
realmente o homem se mortifica e oferece a Deus uma espécie de jejum.
Entre as várias ações, uma agrada a Deus de modo particular: "Quebrar as correntes, livrar da
opressão".
As atitudes exigidas pelos profetas fazem desfilar diante dos nossos olhos aqueles que
socialmente são os mais fracos: os famintos, os marginalizados, os prisioneiros etc. Deus nos convida
a ajudá-los com as seguintes palavras: "Não te desviarás (fingindo não ver) de quem é da tua carne
" (cf. Dt 22,21).

Agora vamos ver "como amar o irmão"

Das reflexões que fizemos até agora, podemos concluir que o irmão é o "caminho para chegar
a Deus". Amar a Deus exige um fato concreto: amá-lo nos irmãos, em todos os irmãos do mundo.
No ano de 1949, Chiara escreveu:
"O Pai, Jesus, Maria, nós.
O Pai permitiu que Jesus se sentisse abandonado por nossa causa. Jesus aceitou o abandono
do Pai e se privou de sua Mãe por nós. Maria participou do abandono de Jesus e aceitou a provação
do Filho por nós.
Portanto, nós fomos colocados em primeiro lugar. É o amor que faz estas loucuras ".
Desde o começo de nossa experiência entendemos claramente que o próximo não deve ser
amado só por si mesmo, mas que nele devemos amar a figura de Cristo.
Jesus disse: "... cada vez que fizeste isto a um destes meus irmãos mais pequeninos (o que
significa: todos), a mim o fizeste ".
Quando desde o início do Movimento entendemos isto, o nosso modo de considerar e amar o
próximo mudou completamente. Se Cristo estava presente em todos, não podíamos fazer
discriminação nem ter preferências. Desmoronaram-se todos os esquemas que classificam as pessoas
em idosas ou jovens, bonitas ou feias, antipáticas ou simpáticas, ricas ou pobres. Cristo estava
presente em cada um.
Vivendo assim, percebemos logo que o próximo era para nós o caminho para chegar a Deus; o
irmão era semelhante a um arco sob o qual era necessário passar, a fim de encontrar Deus. E sobre
esta experiência feita nos primeiros tempos do Movimento, Chiara nos conta:
"Como crescia a união com Deus, na oração da noite ou no recolhimento, após tê-lo amado o
dia inteiro! Quem nos dava aquela consolação, aquela paz interior tão nova, senão Cristo que vivia
o dai e vos será dado do Seu Evangelho? Nós o tínhamos amado o dia todo nos irmãos, e eis que
agora ele nos amava ".

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Vínculo do amor a Deus com o amor ao próximo

A nossa experiência, portanto, nos diz que o amor ao próximo provém do amor a Deus, mas ao
mesmo tempo, o amor a Deus nasce no coração porque amamos o próximo.
"Quem não ama o seu irmão a quem vê, não pode amar a Deus a quem não vê! ", diz São João.
E o Santo Cura d'Ars afirma: "Nunca se esqueçam de que, durante todo o tempo em que vocês
não amam o próximo, o bom Deus está enfurecido com vocês ".

É Cristo em nós que ama, com a caridade

Amar o irmão, cada irmão, como o Espírito Santo ia nos ensinando nos primeiros tempos do
Movimento, foi uma autêntica revolução.
Naquela época, aqueles que procuravam o caminho da perfeição, viam as pessoas como
obstáculo para chegar a Deus e freqüentemente se retiravam num convento.
Mas nós, como poderíamos fazer isto, se justamente nos sentíamos chamados a viver em meio
à humanidade?
Logo Deus nos fez entender que amar o irmão, sem cair no sentimentalismo ou em outros erros,
era possível porque, com a caridade, ele mesmo através de nós poderia amar. Portanto, amávamos
Cristo no outro, nos outros, mas também era Cristo em nós que amava o irmão.

E o que é a caridade, essa palavra tão mal entendida em nosso tempo?

A caridade é um amor que vem do alto.


São Paulo explica "... O amor de Deus foi derramado em nossos corações pelo Espírito Santo
que nos foi dado ".
É um amor espontâneo, sempre novo, criativo, que encontra sempre novos modos para
manifestar-se, não se deixa enquadrar; inventa soluções imprevisíveis.
Existem ainda outras características: é um amor desinteressado, toma a iniciativa, é universal e
é capaz de doar-se até o sacrifício.
Para amar, devemos fazer como Deus: não esperar ser amado, mas "por primeiro ", tomar a
iniciativa. E já que não podemos agir assim com Deus, porque Deus é o primeiro a nos amar, podemos
fazer isso como o próximo.
São João, após ter dito que Deus nos amou, não conclui dizendo - como seria mais lógico - que
se Deus nos amou, nós devemos amá-lo em troca, mas diz: "Caríssimos, se Deus assim os amou,
devemos nós também amar-nos uns aos outros " (Ijo 4, 11).
É vivendo a caridade, que é esta participação do amor de Deus, que temos a força para
ultrapassar os nossos limites, amar os inimigos e dar a vida pelos irmãos.
Por isso, o amor cristão é típico dos tempos novos inaugurados por Jesus e o Mandamento Novo
é radicalmente novo, e introduz na história e na ética humana uma "novidade " absoluta.
E se a caridade é o próprio amor divino participado a nós, ela diferencia-se da filantropia e
também não é simples benevolência. O amor cristão considera os homens do ponto de vista do amor
que Deus tem por eles, porque vê neles filhos e imagens de Deus.

Como se manifesta a caridade

Vejamos agora como a caridade se manifesta.


Um trecho do Santo Cura d'Ars explica muito bem:
"Antes de tudo, uma pessoa que critica o comportamento alheio, não gosta de falar daquilo
que faz.

16
Uma pessoa que tem a caridade não analisa a intenção dos outros... nunca julga que faz melhor
do que os outros e nunca se coloca em posição superior a quem está a seu lado; muito pelo contrário,
acha que os outros fazem melhor do que ela.
Não se ofende se preferem o outro.
Se é desprezada, continua contente, porque acha que merece ainda mais desprezo.
Quem tem a caridade evita o mais possível entristecer os outros, porque a caridade é um manto
real que sabe esconder os erros dos próprios irmãos e não consente que se pense ser melhor que
eles".
Segundo São Vicente de Paulo, a caridade pode exprimir-se no "fazer-se um " com o irmão, o
que é uma característica do Movimento desde o seu início. "Fazer-se um ": fazer o vazio de si para
acolher o irmão, solidarizar-se com ele.
Para São Vicente de Paulo a caridade é:
"... Não conseguir ver uma pessoa sofrer sem sofrer com ela: vê-la chorar sem chorar com ela.
É um ato de amor que faz os corações se compenetrarem mutuamente e sentir aquilo que o
outro sente, distinguindo-se muito bem dos homens que não sentem nada ao ver a angústia dos aflitos
e o sofrimento dos pobres.
O filho de Deus tinha um coração terno: vieram chamá-lo para ver Lázaro e ele foi. Madalena
levanta-se e corre ao seu encontro chorando; os judeus a seguem e também choram; todos choram.
E o que faz Jesus? Chora com eles, tão grande é a ternura e a compaixão que tem em seu
coração.
Foi esta sua ternura que o fez descer do céu: via os homens privados da sua própria glória;
ficou sensibilizado pela desgraça deles.
Por isso também nós, como ele, devemos compadecer-nos dos sofrimentos do nosso próximo e
participar de suas dores ".
E conclui: "(...) Ser cristão e ver o próprio irmão que sofre sem sofrer com ele, sem estar doente
com ele, significa não possuir a caridade,é ser cristão só de nome... "
Ouvindo estes santos se expressarem desta maneira, torna-se claro que devemos amar com todo
o nosso ser; não podemos usar meias medidas, nem sermos pessoas sem coração. Jesus quer um amor
que "se compadece " (como diz Lucas). Devemos doar-nos totalmente ao irmão e acolher o irmão em
nós.
Se um próximo nos ofender, não devemos responder ao mal com o mal, "mas vencer o mal com
o bem ". Devemos fazer o bem a todos e de um modo particular àqueles que vivem conosco a nossa
mesma fé. Se assim fizermos, será mais fácil que o amor se torne recíproco. E esta mútua caridade
virá a ser vantagem para os irmãos que possuem a fé, porque é um testemunho de Deus.
A caridade, que procura a reciprocidade tem, além do mais, o poder de construir a comunidade
cristã. O amor "constrói ", e isto significa que com o amor cristão nós edificamos a comunidade.
Esta é também a experiência do Movimento em sua origem: de membros isolados, nos tornamos
uma comunidade.
Talvez alguém poderia pensar que no cristianismo o homem é usado como meio para amar a
Deus. Mas, não é assim.
Por exemplo, eis o que diz uma grande teóloga (Emile Mersch): "Um filho pode se sentir feliz
e orgulhoso por ser amado por causa dos seus pais. Isto se justifica porque ele, de certo modo, se
identifica com eles. Porém, se fosse amado somente por causa dos pais, logo teria a impressão de
ser deixado de lado e não amado. A caridade tem por objetivo o homem, concretamente; não passa
através dele para ir adiante. O que iria buscar mais adiante? Desde que o Verbo se fez carne e se fez
um conosco, já não é necessário procurar a Deus na imensidão do céu, mas na interioridade do
homem, onde ele se encontra como princípio interior de vida e de divinização ".

A caridade diviniza

E como se tornam aqueles que vivem a caridade?


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Santa Catarina de Sena, relatando aquilo que certa vez ouviu do próprio Jesus, explica: "... Olha
aqueles que estão revestidos com a veste nupcial da caridade, adornados de muitas virtudes
verdadeiras e reais e unidos a mim por amor. Se tu me perguntasses: quem são eles? Eu responderia:
são um outro eu ".
Portanto, a caridade diviniza.

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A PALAVRA

Há alguns anos foi feito na Igreja Católica, e também em outras igrejas cristãs, um apelo
insistente que expressa uma exigência imprescindível: é urgente evangelizar, ou melhor, re-
evangelizar.

Este apelo nasce da amarga constatação de que o mundo foi invadido pela secularização, pelo
materialismo. Os princípios evangélicos são cada vez menos levados em consideração, menos
seguidos; a vida religiosa é freqüentemente ignorada, abandonada e nem o próprio Cristo, hoje, como
observou um religioso poeta, "não é mais comprado (por muitos corações) nem mesmo por trinta
moedas ".
Realmente, parece que tudo deva recomeçar do início.
Como nos sentimos diante deste problema tão vasto? Como podemos ser autênticos filhos da
Igreja quando ela praticamente implora que nos encaminhemos todos para uma nova evangelização?
Será que devemos mudar alguma coisa? Acrescentar algo? Assumir novas responsabilidades?
Para responder devidamente esta questão, repassemos brevemente a nossa história e vejamos o
que Deus nos pediu justamente neste século tão descristianizado.
Nos primeiros tempos do Movimento, Deus não permitiu que as primeiras focolarinas tivessem
em mãos outro livro senão o Evangelho. Por uma graça especial do Espirito Santo compreenderam,
de uma maneira completamente nova, palavras fundamentais daquele livro.
E sentiram-se tão atraídas pelo seu conteúdo que chegaram a pensar que a regra da vida do
Movimento, então nascente, deveria ser unicamente o Evangelho. Além do mais, no Evangelho
encontravam tudo.
Nele converge o Antigo Testamento, nele está contida a lei da vida, a própria lei da vida da
Santíssima Trindade participada por Jesus aos homens. No Evangelho, viram brotar, do coração de
Cristo, a Igreja e a sua hierarquia e descobriram o sentido pleno do seu Magistério, iluminado pela
promessa do Espírito Santo aos apóstolos. Constataram mais tarde, como os outros livros do Novo
Testamento são explicações e desdobramentos do próprio Evangelho.

Fizemos no Movimento esta descoberta! Viver o Evangelho, difundir o Evangelho é a nossa


vocação.
Refletimos um pouco: viver assim não é autêntica evangelização, ou melhor, "nova
evangelização "?
Além disso, como sabemos, evidenciam-se no Evangelho alguns pontos que deram origem à
nossa espiritualidade evangélica. Mas estes pontos devem ser entendidos e interpretados no contexto
de todo o Evangelho e de tudo aquilo que se relaciona com o Evangelho. Seria limitado demais, seria
um grande erro considerá-lo de outro modo.
Por isso podemos dizer certamente que a nossa espiritualidade fundamenta-se nos doze pontos
que o Espírito Santo nos evidenciou no Evangelho, mas também podemos dizer que a nossa
espiritualidade é o Evangelho.
Sabemos como tudo começou com uma nova manifestação de Deus-Amor aos primeiros
membros do Movimento.

Pode-se dizer que foi como uma fulgurante revelação do seu infinito amor, revelação esta que
conquistou plenamente seus corações.

Logo após esta fascinante descoberta, as circunstâncias , sem dúvida previstas por Deus (a
guerra, a vida nos refúgios), destruíram tudo ao redor de Chiara e suas primeiras companheiras,
deixando em suas mãos somente o Evangelho.

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E foi justamente no Evangelho que encontraram a maneira de corresponder com o próprio amor,
ao amor de Deus, de modo a fazer de Deus o ideal de suas vidas.
Naturalmente, tendo havido nesse caso a intervenção de um carisma do Espírito Santo, os
primeiros membros do Movimento não leram o Evangelho somente com a mente ou com a
inteligência, mas colocaram em prática as suas palavras.
O Espírito Santo agiu iluminando aquelas palavras de modo que se entendesse profundamente
o seu sentido e, justamente por isso, elas se mostraram diferentes de todas as outras.
De fato, como escreve Santo Anselmo de Aosta, doutor da Igreja: "Uma coisa é ter facilidade
de expressão e esplendor de eloqüência, outra é penetrar nas veias e na medula das palavras celestes
(...); isto não poderá ser alcançado, de modo algum, nem pela doutrina do homem, nem pela erudição
do mundo; só a pureza da mente, mediante a iluminação do Espírito Santo, é capaz de consegui-la
".
Foi justamente o que aconteceu àqueles primeiros membros do movimento. Sob a ação do
Espírito Santo, as Palavras de Deus, embora já conhecidas anteriormente, mostravam-se novas,
universais, feitas para todos.
Pareceram-lhes eternas, isto é, válidas para todos os tempos e, sobretudo, podiam ser
colocadas em prática imediatamente. E assim, impulsionados pelo Espírito Santo, tiveram uma
força nova para traduzi-las em vida.
Procuraram, portanto, vivê-las com intensidade, do modo como eram entendidas e irradiá-las
em todo o seu esplendor.
E isto já seria suficiente para afirmar que, nos planos de Deus, o nosso Movimento era visto
como um instrumento de evangelização para os seus membros e para os outros.
Trata-se de uma "evangelização ", pois tudo era centralizado no Evangelho e "nova " porque
acontecia naquele momento e não nos primeiros séculos do cristianismo.
Mas sabemos que, se o Movimento foi assim no seu início, também hoje procuramos viver
da mesma forma.

Anunciamos às pessoas que Deus é Amor, que elas são amadas por Deus, que todos nós
existimos na mente de Deus desde a eternidade, que desde sempre ele pensou em nós, desde sempre
nos amou, que nós sempre tivemos um lugar no seu coração.

Anunciamos que não estamos sozinhos nesta terra, que temos um Pai que nos envolve com um
amor infinito e "conta até mesmo os cabelos da nossa cabeça ".
E, diante deste anúncio, as pessoas sentem-se "renascer ", os corações se abrem, pois saber
que somos amados, saber que há Alguém que se preocupa conosco, é sempre algo de grande
significado para o coração humano.

Transforma completamente a vida e, portanto, torna-se espontâneo querer saber como


corresponder a esse amor.

Por isto hoje, como naquela época, também se procura mostrar que, para amar a Deus, para
colocá-lo no primeiro lugar do nosso coração e da nossa mente, para amá-lo com todas as forças, é
preciso viver a Palavra de Deus. Jesus afirma que quem o ama, observa os seus mandamentos.
É preciso, portanto, colocar a Palavra de Deus em primeiro plano, acima de todos os nossos
pensamentos.
E, ainda hoje, continuando uma tradição dos primeiros tempos do Movimento, todos os meses
colocamos em relevo, de modo especial, uma frase completa da Escritura, escolhida geralmente da
liturgia do mês. É a Palavra de Vida.
Procuramos fazer uma breve exegese, dizendo como colocá-la em prática. Ela é traduzida em
aproximadamente 80 línguas e divulgada entre milhões de pessoas.

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E isto já é uma forma de evangelização; uma nova evangelização que se realiza hoje na
Igreja.
Mas, para explicar bem a nova evangelização que o Movimento realiza, devemos acrescentar
ainda outra coisa.
A nossa ação é uma "nova evangelização" pelo modo típico com que o Movimento é chamado
a considerar, viver e transmitir o Evangelho.
Realmente, o carisma da unidade, característico do Movimento, tem a capacidade de
compreender e apresentar o Evangelho de um ponto de vista bem preciso.
Como em outros períodos da história, São Francisco via o Evangelho principalmente através
do prisma da pobreza; São Bento, através da oração e do trabalho; ou Santo Inácio, através da
obediência; do mesmo modo hoje, o Evangelho é visto por nós através da unidade, que foi defendida
por Paulo VI como "uma palavra que resume todo o Evangelho".

Portanto, difundimos o Evangelho através da unidade.


E já vimos como a página de São João sobre a oração pela unidade é a "carta magna" do
Movimento: "Que todos sejam um... para que o mundo creia" (Jo 17,21).
Nós nascemos, portanto, para colaborar com a Igreja na realização do Testamento de Jesus.
E o que pede o Testamento de Jesus? Pede que sejamos "um" como ele e o Pai são uma coisa só.
Em primeiro lugar ele quer que sejamos "um" com Deus, fazendo a sua vontade no momento
presente e na oração.
E depois, quer que sejamos "um" com Deus presente em cada irmão.
E, ainda, o Testamento de Jesus requer que sejamos "um" entre nós.

E o que significa "ser um" com Deus?


Chiara nos dizia que antes de "falar de Deus" precisamos "falar com Deus", amá-lo sobre todas
as coisas com aquele amor que é a base da nossa vida cristã e portanto, também da nossa
evangelização.
Na liturgia da Missa encontramos um Salmo que pode servir para nos ajudar a nos manter
unidos a Deus. Este Salmo diz assim: "És Tu, Senhor, o meu único bem".
Para crescer na união com Deus, Chiara nos convida a repeti-lo durante o dia, especialmente
quando as várias circunstâncias ou os apegos humanos querem arrastar o nosso coração para coisas,
para pessoas ou nos leva a fechar-nos em nós mesmos.
"Procuremos repeti-lo quando a agitação ou a pressa querem nos levar a fazer imperfeitamente
a Vontade de Deus no momento presente.
Quando a curiosidade nos impulsiona a querer conhecer antecipadamente pessoas ou coisas,
digamos: 'És Tu, Senhor, meu único bem' e não estas coisas com as quais o meu eu e o meu orgulho
gostariam de satisfazer-se.
Dessa forma - continua Chiara - nos sentiremos mais unidos a Deus, repletos dele e
colocaremos as bases do nosso verdadeiro 'SER', do nosso necessário testemunho como primeiro ato
de evangelização".

E como fazer para "ser um" com os irmãos? Por onde começar?
Está escrito no Evangelho: "Amarás o teu próximo como a ti mesmo".

Mas, quem é o meu próximo?


É justamente aquele que está próximo, vizinho, o que está ao meu lado no momento presente,
que está aqui ou que encontramos na escola, na loja, no banco, em casa, no escritório. São estes os
próximos que devemos amar. E de que modo?
"Ser um" com este irmão que nos está próximo significa entender os seus sentimentos, suas
preocupações, aquilo que se passa dentro do seu coração. Significa amá-lo através de fatos concretos,
indo ao encontro de suas necessidades. Significa
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E "vivendo o outro", o que acontece?
Ele percebe que não carrega sozinho mais seus pesos, suas angústias e dificuldades; percebe
também que suas alegrias são compartilhadas, multiplicadas e se reanima e, às vezes, pode até aderir
à vida cristã e começar a vivê-la.
"Ser um", portanto, com Jesus e com ele, nos irmãos.
Ou seja, SER, que ainda não é falar, mas já é testemunhar e, por isso mesmo, já é evangelizar.
E o testemunho é uma exigência dos tempos atuais.
Hoje se dá mais valor àqueles que são testemunhas do que aos mestres, pois o testemunho é
uma maneira de "ser um" com os irmãos que se concretiza com os fatos.
Assim como fez Jesus, deve-se começar fazendo e só depois ensinar.
São João Crisóstomo a respeito desse assunto comenta:

"Jesus disse que devemos primeiro fazer e depois ensinar a fazer. Ele coloca a prática do bem,
antes do ensino, mostrando que se poderá ensinar com proveito somente quando antes se colocou
em prática aquilo que se ensina e nunca de outro modo".

E ainda, devemos "ser um" entre nós.


O caminho por excelência para isso é sempre renovar, aperfeiçoar, aprimorar o nosso amor
recíproco até darmos a este amor a medida da própria vida. Jesus disse: "Ninguém tem maior amor
do que aquele que dá a vida pelos seus amigos".
Experimentemos viver assim entre nós!
Diante de cada irmão que encontramos e sobretudo se ele compartilha os nossos mesmos ideais,
digamos no nosso coração: "até mesmo a vida", significando, "estou pronto a amá-lo até o ponto de
dar a vida".
E o fato de estarmos prontos a dar a vida pelo outro, por sí só, já é Palavra, já é Anúncio ao
mundo. Ser um entre nós é o nosso "dever ser" de cristãos e contém em si a potência evangélica
para a difusão da mensagem de Jesus.
Aqui está a novidade do Movimento, o "específico" nosso, não basta sermos um com Deus
fazendo a sua vontade, não basta que sejamos um com Deus presente nos irmãos.
Jesus, no seu Testamento, "Que todos sejam um a fim de que o mundo creia", quer que
estejamos unidos entre nós, que vivamos o amor recíproco. Quer este nosso "ser".
A nossa evangelização consiste, antes de tudo, em "ser", em viver, em testemunhar com a nossa
vida tudo aquilo que iremos depois anunciar.
Ser amor concreto para com os outros, tanto em ações pessoais ou de pequenos grupos, como
também em iniciativas em vasta escala como já existem hoje em âmbito do Movimento.
Portanto SER, "ser um" com a vontade de Deus, "ser um" com ele presente nos irmãos,
"sermos um" entre nós.
Portanto, viver e falar. São atitudes que, à primeira vista, parecem muito diferentes, mas na
realidade não o são.

Falar deve ser expressão da nossa vida.


Não podemos prescindir da palavra se quisermos viver integralmente a nossa espiritualidade,
que é basicamente comunitária, coletiva. Não podemos caminhar para Deus sozinhos, mas juntos.
Portanto, é preciso comunicar o que Deus nos faz experimentar no nosso coração quando nos
esforçamos em viver o Evangelho com radicalidade. O mundo de hoje tem sede de espiritualidade,
de amor, de comunhão, de autenticidade, de Evangelho.
Conservar só para nós este tesouro que Deus nos dá, significa privar os outros de algo que talvez
estejam esperando; significa não ter entendido a generosidade e a bondade de Deus.

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Então, como viver, para ser ao mesmo tempo anúncio?
Uma sugestão de como podemos agir poderia ser: cada vez que o telefone tocar, que alguém
bater à porta, quando nos for pedido para falar de Deus e do que lhe diz respeito; quando tivermos
que escrever ou responder a uma carta; quando entrarmos em uma escola, como estudantes ou como
professores; no ambiente de trabalho ou mesmo de lazer, em todas as circunstâncias repitamos com
alegria a nós mesmos: "Que ocasião! Que oportunidade eu tenho para amar a Deus, amando estes
irmãos também através da palavra".

Portanto, a característica do nosso modo de evangelizar, baseado no Testamento de Jesus, é


justamente esta: antes de tudo "SER" e depois "FALAR", "ANUNCIAR" a realidade que
procuramos viver.

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O EVANGELHO

As palavras do Evangelho são únicas, fascinantes, esculturais,


podem traduzir-se em vida;
são luz para cada homem que vem a este mundo
e portanto, universais.
Vivendo-as, tudo muda:
a relação com Deus, com o próximo, com os inimigos.
Estas palavras dão o lugar certo a todos os valores
e fazem deixar de lado cada coisa,
até o pai, a mãe, os irmãos, o próprio trabalho...
para colocar Deus em primeiro lugar no coração do homem.
E por isso têm promessas extraordinárias:
cem vezes mais nesta vida e a vida eterna...
Jesus age como Deus.
Por pouco que se dê, cumula-nos de dons.
Estamos sós e encontramo-nos rodeados por mil mães,
mil pais, mil irmãos, irmãs,
por todos os bens de Deus, que ele distribui a quem não tem.
Não há situação humana
que não encontre a resposta explícita ou implícita
naquele pequeno livro que contém a palavra de Deus.
As pessoas do Movimento imergem nele,
nutrem-se dele, re-evangelizam-se
e experimentam, comovidas e inebriadas,
que tudo que Jesus diz e promete se verifica.
“Dai e dar-se-vos-á” (1).
É a experiência cotidiana.
Dão, dão, dão
e recebem, recebem, recebem.
“Pedi e dar-se-vos-á” (2).

Pedem tudo para as muitas necessidades.


E, em plena guerra, chegam sacos e sacos de farinha,
embalagens de leite, de marmelada, lenha e roupa,
que distribuem pelos pobres da cidade.
As novas e exultantes experiências evangélicas
passam de boca em boca.
São um pequeno eco das palavras dos Apóstolos:
“Cristo ressuscitou!”
Aqui se diz: “Cristo está vivo!”

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O AMOR RECÍPROCO

Já dissemos outras vezes que o núcleo fundamental da espiritualidade da unidade, característica


do Movimento dos Focolares, é o amor, em especial, o amor recíproco.
Mas o amor recíproco é, antes de tudo, o mandamento de Jesus por excelência, como ele mesmo
disse:
"Eis o meu Mandamento: amai-vos uns aos outros como eu vos amei ".
Assim Jesus propôs um modelo desse amor "como Eu vos amei ", o modelo que é ele mesmo.
Depois acrescentando "Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a vida por seus amigos
", determinou a medida que deve ter nosso amor. A sua mesma medida: dar a vida.
É por isso que no Movimento se busca ter essa medida no amor, procurando estar sempre
prontos a morrer uns pelos outros. Naturalmente não nos é pedida a vida em cada momento, mas esta
prontidão deve constituir a base de cada ato nosso de amor aos irmãos.

O que representa, portanto, o amor recíproco no Movimento?

É o seu distintivo, assim como era para os primeiros cristãos. Eles não se distinguiam das outras
pessoas pelos grandes empreendimentos, pelas obras grandiosas, pelos profundos estudos, pela
eloqüência brilhante, nem mesmo pelos milagres.
Eles se distinguiam pelo amor recíproco. Essa era a realidade. "Vede como se amam - diziam
os pagãos - e como estão prontos a dar a vida uns pelos outros ".
É assim também que procuramos fazer - com a graça de Deus - no nosso Movimento; é este o
nosso esforço.
Desde o início o Espírito Santo acentuou de tal forma a necessidade da recíproca caridade, para
poder chamar-se cristãs, que as primeiras focolarinas fizeram um pacto. Olhando-se umas às outras,
disseram: "Eu estou pronta a morrer por você... Eu por você..."E todas por cada uma. Esse foi como
um alicerce para a construção desse Movimento.
O amor recíproco é tão importante que sempre tivemos em grande consideração a frase de São
Pedro: "Antes de tudo mantenham entre vocês a mútua e contínua caridade ".
"Antes de tudo". Esta é a base que vem antes de qualquer atividade nossa: dos estudos, do
trabalho, da oração... Não podemos fazer nada se não tivermos assegurada a mútua e contínua
caridade; nem trabalhar, nem dormir, nem comer, nem mesmo rezar... Esta é a plataforma de tudo, o
resto se constrói sobre isso.
Pode ser que vocês já tenham escutado uma oração que diz assim: "Tu nos deste o teu Espírito
para fazer de todas as nações um só povo novo que tem por Estatuto o preceito do amor ".
Esta frase impressionou-nos profundamente pois constatamos, mais uma vez, como o "Estatuto
do Povo de Deus " e, portanto, de toda a Igreja, é o Mandamento do Amor. E relacionamos este
Estatuto com o da nossa Obra de Maria, no qual está escrito que a regra básica, a norma na qual todas
as outras normas têm valor e sem a qual nada tem sentido (nem a oração, nem o apostolado, nem o
dar os próprios bens) é Jesus no meio, efeito do amor recíproco.
E causou-nos grande alegria constatar como o Espírito Santo agiu em relação a nós. Como
somos, por assim dizer, um "pequeno povo de Deus " - pois participam da Obra de Maria jovens,
adultos, crianças, pessoas de todas as vocações - o Espírito Santo não podia deixar de nos dar por
Estatuto, o mesmo Estatuto do "grande Povo de Deus ", isto é: o amor recíproco. Esta é a
característica da nossa vida, o nosso típico modo de ser, válido para todos os membros do Movimento.
Então, a primeira conclusão a que chegamos é esta: a única coisa que temos para fazer é viver
o mandamento do amor recíproco. O resto vem como conseqüência, porque o amor ilumina todos
os outros nossos deveres. Experimentemos viver assim o dia inteiro! É uma experiência que merece
ser feita.
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Pois, fazendo a experiência constatamos que a atuação do Mandamento Novo de Jesus é que
dá o " brilho ", o "esmalte" o "último retoque" à nossa vida cristã, à comunidade dos seguidores
de Jesus. Porém, muitas vezes, falta este "brilho " nas comunidades cristãs, porque o amor recíproco
não vem em evidência.
Sem dúvida, a freqüente falta de atuação do Mandamento Novo de Jesus por parte daqueles que
deveriam vivê-lo, deve-se a muitos obstáculos que se apresentam. Um deles, por exemplo, é o amor
próprio; muitas vezes olhamos somente para nós mesmos e não pensamos no próximo: a nossa
preocupação não é "amar ".
Ou então, somos vaidosos, apegamo-nos às nossas idéias, queremos salvar as aparências, a
fama, a boa reputação, procuramos satisfação humanas e espirituais... E nos esquecemos de colocar
em prática o Mandamento do amor recíproco. O que devemos fazer; então, para deixar caminho
livre ao amor, ao amor recíproco?
A segunda conclusão à qual podemos chegar é esta:
Nós sabemos que o caminho pelo qual nos conduz a vivência da espiritualidade da unidade é
eminentemente positivo. O nosso empenho, portanto, não é tanto "tirar" os nossos defeitos, mas
"acrescentar" algo na nossa vida, acrescentar amor.
E para manter perfeito, íntegro e constante o nosso amor recíproco, é necessário de nossa parte
um esforço constante em viver para o outro, ou como nós dizemos, "viver fora de nós mesmos ".
Por exemplo, surge dentro de mim um pensamento de orgulho? Digo a mim mesma: "deixo de
lado este pensamento", e coloco-me à disposição para amar quem estiver mais próximo, ao meu lado.
Tenho vontade de comprar algo, algum objeto que é desnecessário, supérfluo? Procuro vencer este
desejo. Somos levados a assistir certos programas de televisão, ou ler certos livros, revistas, que nada
constróem? Deixemos isso de lado e lancemo-nos a amar quem necessita de nós...
Fazendo assim, o dia inteiro, o amor ocupará cada vez mais espaço na nossa vida e quando
estivermos diante de cada pessoa, será mais espontâneo interessar-me concretamente por eles... Se
entre nós fizermos assim, o amor recíproco se tornará mais forte e será sempre mais a nossa
característica, o nosso modo de viver...

O Mandamento Novo vivido dessa forma produz ainda efeitos extraordinários

Primeiramente, percebemos um salto de qualidade na nossa vida espiritual: experimentamos os


dons do Espirito Santo, uma luz nova que nos ajuda a ver os acontecimentos em Deus, provamos uma
alegria que nunca experimentamos antes. Sentimos a paz, a paciência para com todos, abrem-se novos
horizontes e nos tornamos mais generosos.
Ao mesmo tempo, este amor recíproco, testemunha Cristo ao mundo. Muitas vezes, nós nos
encontramos num mundo descristianizado, sem Deus, e a nossa maneira característica de
testemunhá-lo é justamente o amor recíproco "Nisto reconhecerão que sois meus discípulos, se
tiverdes amor uns para com os outros ".
O amor recíproco é também um amor que conquista o mundo para Cristo. Jesus disse: "Que
todos sejam um (mediante o amor) para que o mundo creia ". E o mundo realmente crê quando vê o
testemunho do amor recíproco.
Outra conseqüência muito importante da vivência do amor recíproco é que nos leva a colocar
em comum os bens materiais e espirituais.
Pratica-se a comunhão dos bens materiais desde o início do Movimento e recentemente, de
forma mais explicita ainda.
Podemos dizer que a comunhão de bens já existente é como um sinal profético, pois mesmo se
ainda acontece em pequena escala já pode mostrar ao mundo como ele seria se os homens fossem
unidos.
Quando os bens, que atualmente são causa de divisões entre pessoas e países, puderem ser
partilhados, muitos dos atuais problemas estarão resolvidos.

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Para atuar o Mandamento Novo coloca-se em comum não só os bens materiais, como também
os bens espirituais. As belas experiências que a nova vida comporta, são comunicadas por amor, como
as experiências da Palavra de Vida.
Colocando em comum os bens espirituais, para a edificação mútua, contribui-se para a
santificação do outro como para a própria. E o amor leva a santificar-nos todos juntos.
Lembrando o que dissemos no início, a característica essencial dos primeiros cristãos, o modo
como eram reconhecidos pelos pagãos era justamente: "Vede como se amam e estão prontos a morrer
uns pelos outros ".
Isto talvez dependia também do fato de que, naqueles tempos de perseguição, não era raro o
caso de alguém se oferecer para morrer no lugar do outro. Todavia, permanece o fato que esta medida
de amor entre os primeiros cristãos era visível, eram reconhecidos justamente por isto.
Será que nós também podemos ser reconhecidos hoje por este mesmo amor recíproco, por este
amor que se vê, e que existia entre os primeiros cristãos?
Vamos "elevar o termômetro " da nossa caridade recíproca de modo que mesmo um simples
sorriso, um gesto, uma palavra, um conselho, um elogio e até uma correção, dirigidos aos irmãos,
revelem a nossa disposição de estar prontos a morrer por eles. Que nosso amor seja visível.

Em nossa Obra tudo é animado pelo amor recíproco.

Não podemos fazer nada se antes não existir esse amor, que traz a presença de Jesus no nosso
meio. Todas as nossas atividades, também as Mariápolis, as Jornadas, os diversos encontros como
este, apoiam-se sobre esses pilares.
O nosso Movimento quer levar ao mundo, antes de tudo com o seu exemplo, o amor recíproco
de forma que se realize a unidade. Mesmo porque o seu primeiro objetivo é contribuir para a
realização do "Que todos sejam um".
E foi através desse amor recíproco vivido, que esse ideal se estendeu sobre toda a terra, de irmão
a irmão, de todas as nações, idades, condições sociais, crenças religiosas. E ainda hoje continua a
difundir-se sempre mais intensamente, para chegar à nossa meta, que é a unidade.
Por isso, queremos partir daqui com um desafio dirigido a cada um e a todos: vamos fazer a
experiência de viver entre nós o amor recíproco, este "amor que se vê " e que se irradia ao nosso
redor.
Vamos viver assim, ser assim, amar assim, a cada dia. E à noite nos encontraremos
transformados e com um novo entusiasmo pela maravilhosa e divina vida que Deus nos deu. E
veremos, pouco a pouco, também o mundo ao nosso redor, se transformar.

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JESUS ABANDONADO

Desta vez queremos aprofundar um dos pontos mais importantes da Espiritualidade da Unidade,
típico do movimento dos Focolares, que é o aspecto que nós chamamos de "Jesus Abandonado ".
Para compreender melhor este "ponto chave " da nossa espiritualidade, é bom retomar um
episódio dos primeiros tempos do Movimento.
Um dia, Chiara reunindo-se com as suas amigas, notou a ausência de Dori. Disseram-lhe que
ela estava acamada e que havia contraído uma doença ao visitar uma senhora já idosa, que tinha os
pés cheios de feridas. Ela havia cuidado desta senhora e depois de alguns dias, estas mesmas feridas
começaram a aparecer em seu rosto.
Resolveram então visitar Dori. E junto com elas foi também um sacerdote para levar-lhe a
Eucaristia.
Quando Chiara entrou e viu a sua companheira com aquelas feridas no rosto, lembrou-se de
Jesus na cruz. Este fato deu origem a uma pergunta:
_ “ Quando foi que a dor de Jesus chegou ao ponto máximo, durante os seus 33 anos de vida?”
_ “Talvez no Horto das Oliveiras, quando transpirou sangue e se dirigiu ao Pai, pedindo-lhe:
‘Pai, se é possível, afasta de mim este cálice’ ".
Aquele sacerdote porém afirmou:
_ "Não, não foi ali. Foi no momento em que pregado na cruz, depois de 3 horas de agonia,
depois de ter sido abandonado por todos, Jesus percebeu, como homem, o abandono de Deus e
lançou o terrível grito: Meu Deus, meu Deus por que me abandonaste? "
Estas palavras do sacerdote caíram como uma bomba e produziram nelas o efeito de uma
revelação e de um chamado. Sim, esta era a resposta!
Então compreenderam que no grito de Jesus na cruz estava o segredo da unidade.
E mais tarde, quando refletiam sobre o grito de Jesus na cruz, comentavam:
"Se foi aquele o momento em que Jesus mais sofreu, foi ali que ele mais amou.
O que mais poderia nos ter dado Jesus que, sendo Deus, aceitou por amor a nós, o abandono
do Pai?
Naquele momento ele parece ter sido excluído da terra e do céu: a terra o rejeita porque os
homens o crucificam; o céu o exclui porque aparentemente o Pai o abandona.
Se Jesus sofreu mais naquele momento, nós que decidimos amar a Deus aqui na terra,
queremos escolhê-lo crucificado e abandonado como ideal das nossas vidas ".
E daquele momento em diante a face de Jesus, o seu misterioso grito na cruz pareciam dar
sentido a cada situação dolorosa da própria existência.
Logo pela manhã, quando acordavam, as primeiras focolarinas diziam:
_ "Porque tu és abandonado, Jesus, eis o motivo porque vivo! "
Queria significar: “Eu vivo para que não sejas mais abandonado.”
E começaram a compreender mais profundamente que a dor de Jesus não se restringia apenas
àqueles instantes do Calvário, mas que ele continua a sofrer misticamente em cada dor nossa e de
toda a humanidade.
Portanto, entenderam que qualquer sofrimento, qualquer dor - moral, física ou espiritual - é um
vulto, um semblante de Jesus Abandonado.
Começaram a olhar para cada sofrimento, cada dor, sob o prisma da lógica divina. A dor não
era mais algo que as amedrontava, que provocava repugnância e da qual gostariam de fugir... Em
cada sofrimento, de qualquer espécie, as primeira focolarinas reconheciam o semblante de Jesus
Abandonado, de Jesus que repete: "Sou eu, não tenha medo ".
Por exemplo, se a um certo momento, encontravam-se na indecisão, sem saber que caminho
seguir, na escuridão, pensavam nele Abandonado quando gritou: "Meu Deus, meu Deus, por que me
abandonaste?".

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Ele também, por um momento na cruz, encontrou-se na mais profunda escuridão. Então
recolhiam-se no profundo do coração e diziam a Jesus:
_ "É você que eu encontro nesta situação...Você que se fez escuridão ".
Então, abraçavam Jesus Abandonado nesta dor e depois se lançavam a amar o próximo.
E amando concretamente o irmão a escuridão tornava-se luz, porque está escrito no Evangelho: "A
quem me ama eu me manifestarei ".
Portanto, amando a luz retornava e entendiam o que fazer.
Ou quando, diante de uma situação em que experimentavam uma sensação de fracasso,
lembravam: "Mas também Jesus na cruz parecia um fracassado, porque era Deus e tinha
pronunciado, até aquele momento, palavras dignas de um rei... E, no entanto, ali naquele grito de
abandono, parecia um fracassado ".
Então, interiormente, diziam:
_ "Jesus, sinto-me fracassada, mas este é também um semblante seu, é um aspecto da sua dor...
Você está escondido por trás desta dor, portanto, eu o aceito neste sofrimento ".
E até mesmo a sensação de fracasso que poderia ser um obstáculo tornava-se um trampolim
para levá-las adiante nesta estrada, na escolha que tinham feito.
Assim como Chiara e suas primeiras companheiras, hoje também nós podemos fazer esta
experiência.
Freqüentemente nos oprime a solidão, mesmo vivendo numa grande cidade, ou ainda, nos
encontrando abandonados pelos parentes, pelos amigos, pelo próximo a quem nos doamos.
Mas... Jesus não se sentiu sozinho na cruz, quando a terra o rejeitou e o céu parecia não o receber
?
Outra vezes, sentimos o peso dos nosso pecados, das nossas faltas, das nossas imperfeições, em
suma, da nossa miséria humana, da nossa vida passada. Então, olhando para Jesus no seu abandono,
entendemos que o peso que sentimos pelas nossas faltas é uma dor e nos encontramos, pelo menos
um pouco, semelhantes a ele, debaixo do peso dos nossos pecados.
Então, nos concentramos dentro da nossa alma e dizemos a ele o nosso "sim ". Depois, saímos
de nós para amar o irmão que está ao nosso lado.
E a solidão, a sensação de fracasso, o peso dos nossos limites desaparecem. Começamos a
entender o quanto é dinamicamente divina a vida cristã que significa ressurreição, luz, esperança,
mesmo em meio ao sofrimento e às tribulações.
Um outro momento em que podemos amar Jesus Abandonado é no sofrimento físico, nas
doenças.
Elas são purificações que Deus permite e que nos fazem mais semelhantes a Cristo que, na cruz,
passou também por dores atrozes. Para nós cada sofrimento aceito por amor è um degrau que nos
leva à união com Deus, à santidade.
Então, reconhecer Jesus Abandonado em nós, quando estamos doentes, não significa ficar
inativos. Significa transformar a dor em amor e todo crescimento no amor, é crescimento no Reino
de Deus em nós.
E podemos encontrá-lo, também nas cruzes da nossa vida cotidiana. Por exemplo, quem
trabalha o dia inteiro numa fábrica, num hospital, numa empresa, aquela mãe de família
sobrecarregada de problemas... Em todos os lugares, encontramos dificuldades que fazem parte do
cotidiano.
Mas é justamente na escolha radical de Deus, no amor a Jesus Abandonado, que encontramos
a força para transformar em amor, tudo aquilo que normalmente é considerado motivo de obstáculo
par caminharmos em direção a Deus.
Quando chega a dor, dizemos no íntimo da nossa alma: "É Jesus Abandonado ". Procuramos
resolver aquilo que nos bloqueia e abraçamos a cruz, evidentemente com as possibilidades que as
nossas forças nos permitem naquele momento.

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Depois, nos lançamos a amar o próximo, a fazer a Vontade de Deus, a cumprir nossas
obrigações, como executar um trabalho, estudar, fazer um telefonema, enfim... viver aquilo que Deus
nos pede no momento presente. Isto significa não parar diante da dor, mas continuar a amar.
Podemos também amar Jesus Abandonado nas pessoas que estão ao nosso redor.
Podemos divisá-lo nos atribulados, nos rejeitados pela sociedade, nos perseguidos, nos
indigentes que têm fome e sede. Em quem está desempregado, em quem não tem moradia.
Podemos vê-lo nos encarcerados, pois quem mais do que ele é prisioneiro no corpo e também
na alma, com a terrível impressão de ter sido abandonado pelo Pai?
Podemos entrevê-lo nos aflitos, nos desconsolados, nos fracassados, nos marginalizados, nos
que sofrem insucessos ou se encontram em situações absurdas e sem saída, nos desorientados, nos
impossibilitados de defesa ou desesperados, nos que se encontram tomados pelo medo. Podemos
amar Jesus em todos, em cada próximo, compartilhando a sua dor, procurando aliviar o seu
sofrimento. A dor do outro torna-se nossa, porque nela reconhecemos um vulto de Jesus
Abandonado.
Será com este amor a Jesus Abandonado que poderemos aliviar o sofrimento de muitas pessoas.
E liberados assim das angústias e das preocupações que os afligem estarão, também eles, com o
coração livre, aberto, no qual poderemos depositar a semente do amor de Deus e esta cairá em bom
terreno...
Ele é como um plano inclinado que vem sobre a terra para acolher qualquer um de nós e todos
podem encontrar nele um ponto de apoio para subir em direção ao Pai.
Depois, existem as tensões sociais, as guerras, as disputas entre países, os preconceitos entre
raças, o conflito de gerações e, ainda muitos outros problemas...
"Todos os grandes problemas do mundo atual podem se espelhar naquele grito: Meu Deus,
meu Deus, por que me abandonaste? "
Jesus nos assumiu inteiramente, nos amou completamente (...)
O modelo, o crucificado que hoje devemos seguir é Jesus na sua dor mais aguda, no seu grito.
Devemos procurar descobrir o seu semblante na humanidade desorientada, sem Deus e amá-lo. E
poderemos fazer muito, aliás muitíssimo, se antes de tudo fizermos dele o Ideal da nossa vida..."
Jesus Abandonado é também aquele que recompõe a caridade, a unidade com os irmãos, toda
vez que esta sofre uma ruptura, por menor que seja. O mal-estar invade a alma e já não
compreendemos o motivo da escolha que fizemos. Falta aquele algo mais que nos plenifica, falta
Jesus que fazia com que a nossa vida transbordasse de alegria.
O que fazer, como agir?
Nestes momentos somente a recordação do abandono em que Jesus se encontrou pode servir de
luz para nós. E, sofrendo por causa daquela pequena ou grande falta de caridade, conscientes de
participar um pouco da agonia de Jesus, recolhemo-nos no nosso íntimo e abraçamos a nossa dor.
Depois, quer tenhamos sido nós ou os outros, os culpados, corremos ao encontro do irmão para
recompor a plena harmonia.
E Jesus volta a estar presente entre nós e com ele sentimos a felicidade e uma nova força.
Portanto, Jesus Abandonado é sempre a chave para recompor todas as faltas de caridade, é a
chave para construir a unidade, a unidade com Deus e a unidade dos homens entre si.
Vimos então até agora quem era Jesus Abandonado para Chiara e as suas primeiras
companheiras e como também nós podemos acolhê-lo na nossa vida.
Elas o amaram assim, Abandonado. Acolheram-no assim . Naquele momento, como nunca,
Jesus se apresentou como Deus, Deus-Amor que doa tudo.
Verificavam-se também em relação às primeiras focolarinas as Palavras de Jesus: "Não foste
vós que me escolhestes, mas eu que vos escolhi ".
Jesus no seu abandono as escolhia, as convidava para serem suas discípulas.
E elas seguiram-no, impulsionadas pelo desejo de viver da melhor maneira a própria vida.
E com essas lições, Jesus iniciava este Movimento, que tem como meta realizar a unidade.

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Também nós, certamente, queremos viver bem nossa vida, portanto, também para nós aquele
grito de abandono pode ser um chamado forte e decisivo.
E nós fomos criados para a felicidade. Coloquemo-nos, então, como seguidores daquele que
após ter-nos pedido para carregar a cruz, como condição para segui-lo, prometeu-nos a paz, a paz
verdadeira e duradoura que o mundo, com todas as suas atrações e ilusões, não nos pode dar.
Amando Jesus Abandonado, descobriremos que o distintivo do cristão é a alegria: porque
quando a dor é transformada em amor, permanece na alma a plenitude do amor.
Vivendo dessa forma, experimentamos que não é verdade que quem se lança nos braços da cruz
encontra a dor. É mais verdade que encontra o Amor, encontra o Ressuscitado, encontra a fonte da
verdadeira alegria.

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Carta de Chiara à Jesus Abandonado

Caro Jesus,
Escolhi como minha herança o teu abandono, quando me sinto abandonada.
Reconheço, muitas vezes ao dia, que Tu morreste pelos meus pecados e pelas minhas infidelidades;
mas quando cometo algum pecado, perco a paz, como se não pudesse ser mais perdoada.
Iludo-me dizendo que é delicadeza de consciência a obsessão que minhas infidelidades provocam em
mim, mas na verdade, trata-se de orgulho refinado.
Ainda que tivesse cometido de olhos abertos, que importa, Jesus?
Seria a prova de que não te amo, mas não deve ser motivo para não te amar no futuro, pelo contrário!
Acreditar no teu amor, mesmo se sou mesquinha, quer dizer ser fiel à tua herança. O teu Amor seria
menos divino se me amasses por eu ser virtuosa. Reconhecer-te, abraçar-te nas humilhações que
seguem minhas infidelidades agrada-te pois, então, só o amor te pode reconhecer. A inteligência não
chega a tanto.
“Aquele que não ama não conhece a Deus, porque Deus é Amor” (Jo 4,8).
O Ideal da santidade não consiste na alegria que experimento depois de uma vitória sobre mim
mesma e tampouco no me sacrificar pelos irmãos até a morte com a certeza de Te agradar; seria
demasiado.
O Ideal da santidade consiste em Te procurar quando não te sinto, quanto por ter seguido minha
natureza, Te sinto distante.
A santidade não consiste em ser sem defeitos, mas em acreditar no teu Amor, não obstante, a
precisamente, pelos meus defeitos.
Faz, Jesus Abandonado, que eu seja fiel à tua herança que, num arrebatamento de amor, escolhi
para mim.

Chiara

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PERGUNTAS E RESPOSTAS

Como corresponder melhor à graça de amar Jesus abandonado

Focolarino: Essa pergunta é de Katy, uma voluntária de mar Del Plata, que é da
região de Bahia Blanca.

Katy: Ciao, Chiara


Você nos ensinou a reconhecer Jesus Abandonado em cada dor pessoal e da
humanidade. Tempos atrás eu compreendi que, vivendo assim, colaboramos com Jesus na
redenção do mundo. Poderia me explicar melhor como corresponder a esta graça?

Chiara: Em vez de ser eu, é Maria que lhe explica isso.


Maria, aos pés da cruz, sofria incrivelmente. É a desolada. Ela era mãe de Jesus e
ele a entregou a outro filho. Ora, ver o seu filho ser substituído por outro é pior do que perdê-
lo. Ela o via agonizante e o ouviu gritar: “Meu Deus...”. Portanto foi uma tragédia inigualável.
Ali ela viveu o seu abandono, porque perdeu o seu filho que era Deus. Por que Jesus fez isso?
Porque ele queria associá-la à sua paixão. (...)
São Paulo diz: “Completo em mim o que falta à paixão de Cristo”. Parece quase
que a paixão de Cristo não seja suficiente. É claro que foi, mas Jesus quer também a nossa
contribuição, porque nos ama. Por isso São Paulo diz: “Completo em mim...”, o meu sofrimento
se une à paixão de Cristo, ajuda a redimir o mundo.
Conclusão: pela vida de Maria e de São Paulo devemos deduzir que Deus nos ama
muito, fazendo-nos ser uma coisa só com ele para poder sanar o mundo e todos os nossos irmãos.

32
A UNIDADE

Estamos no quarto dia de nossa Mariápolis e após tudo o que foi dito aqui, creio que poderíamos
chegar logicamente à seguinte conclusão: a unidade é um "sinal dos tempos ", porque o mundo tende
à unidade. Podemos fazer tal afirmação mesmo estando plenamente conscientes das tensões em que
vive a humanidade, com as guerras, a fome, a impunidade e tantos outros males que nos tocam de
perto ou dos quais tomamos conhecimento através dos meios de comunicação.
Que a unidade seja o grande anseio de nosso tempo no-lo demonstra, por exemplo, a ação do
Espírito Santo levando as várias igrejas cristãs e comunidades eclesiais a buscarem os caminhos da
reunificação e do diálogo, após séculos de indiferenças e de luta. Uma outra demonstração nos foi
dada pelos últimos Papas, a partir de João XXIII até João Paulo II. Este último, com suas viagens
pelo mundo inteiro, com seu abraço universal a inúmeros povos, personifica esse "sinal dos tempos
".
A unidade é igualmente o objetivo de grupos religiosos não-cristãos, de entidades e
organizações internacionais, assim como também dos modernos meios de comunicação que a
favorecem, trazendo o mundo inteiro para o interior de uma comunidade ou de uma família. É mais
do que evidente que a humanidade, querendo ou não, caminha irreversivelmente para a unidade, em
meio, é claro, aos inúmeros males e experiências até opostas a esta orientação.

A unidade: palavra chave

É neste contexto que é necessário vermos também a experiência do Movimento dos Focolares.
É nele que devemos situar este "caminho de vida ", como definiu João Paulo II esta experiência.
Do mesmo modo que as várias espiritualidades existentes na Igreja podem ser definidas -
simplificando um pouco - por meio de uma palavra ("pobreza" para o movimento franciscano;
"obediência", talvez, para a Ordem dos Jesuítas; "oração" para as espiritualidades que se baseiam em
Santa Tereza d'Ávila e assim por diante), para nós seria suficiente a palavra "unidade" para expressar
o que Deus quer dizer à Igreja e ao mundo, através deste Movimento, sem querermos naturalmente
fazer comparações em termos de santidade.
Mas qual é o conceito que se tem da unidade em nosso Movimento? Por meio de alguns escritos
e cartas de Chiara Lubich, que são dos primeiros tempos do Movimento, podemos ter uma idéia do
que é a unidade para nós.
Numa carta de 1948, dirigida a um grupo de religiosos, lê-se o seguinte: "... Antes de tudo
sejam um! (mesmo se nesse tudo estejam incluídas as coisas mais belas, mais sagradas, como a
oração, a celebração da santa missa, etc.) Só então não sereis mais vós que agis, que rezais, que
celebrais... mas sempre Jesus em vós ".
A unidade, portanto, é essencial, antes de qualquer outra coisa. Este deveria ser o nosso esforço
constante, de cada dia. Para nós, membros do Movimento dos Focolares, a unidade deve ser mantida,
custe o que custar. De fato, ela chega a custar a morte do nosso eu, mas proporciona a vida, que é
Jesus.
"Irmãos - diz outra carta também de 1948 - tudo pode cair, mas a unidade jamais!
Onde reina a unidade, lá está Jesus! ...
Aquela unidade, onde vive o amor, dará a vocês força para enfrentar toda falta de unidade
exterior e para preencher todo vazio..."
Em outra carta daquele mesmo período está escrito:
"...Se formos fiéis à nossa missão (que todos sejam um), o mundo verá a unidade... todos serão
um, se nós formos um!
Sábio é quem morre para deixar que Deus viva nele! E a unidade é o campo de treinamento
desses atletas da vida verdadeira, que lutam contra a vida falsa... A unidade antes de tudo!... Pouco
valem as discussões, as questões, embora sacrossantas, se não dermos a vida a Jesus em nosso
meio..."
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Unidade: Cristo presente na comunidade

A unidade não é uma simples união de corações ou uma convivência de pessoas; não é estar
num grupo simplesmente. A unidade em Cristo é uma realidade especial, porque traz consigo a
presença do próprio Jesus que nos disse: "Onde dois ou três estiverem unidos em meu nome, ali estou
eu no meio deles " (Mt 18,20).
Jesus está, como o sabemos, na sua Igreja, que é seu Corpo; está em cada cristão, principalmente
naqueles que o anunciam, nos pequenos e nos que sofrem; está presente na Eucaristia, na sua Palavra
e na comunidade cristã.
Mas hoje em dia destaca-se, de maneira especial, esta última presença: Jesus presente na
comunidade cristã reunida no seu nome, onde os membros estão unidos pelo amor recíproco, estando
dispostos a dar a vida uns pelos outros.
Paulo VI afirmou que o mundo hoje dá mais ouvidos às testemunhas do que aos mestres, e
quando os mestres são considerados, é porque antes eles testemunharam o que dizem. Pode-se ter
uma confirmação dessas palavras vendo de que modo Madre Tereza de Calcutá é ouvida e
considerada, porque o testemunho de sua vida e de suas obras é a garantia de tudo o que ela diz.
Realmente, hoje vem em evidência o preceito missionário do Evangelho de São João: "Nisto
conhecerão que sois meus discípulos, se tiverdes amor uns pelos outros " (Jo 13,35). Nós também
fizemos recentemente a experiência da veracidade dessa afirmação, em nossos contatos com os
budistas na Ásia, que acreditaram em nossas palavras porque antes haviam conhecido uma pequena
porção de Igreja viva, nos contatos com o nosso Movimento.

Fazer-se um: a arte de amar

Sabemos que amar, para nós cristãos, significa sobretudo servir. Qual é no entanto a melhor
maneira de servir? É "fazer-se um " com cada pessoa que se encontra, sentindo em nós os seus mesmos
sentimentos, assumindo-os como algo que se tornou nosso através do amor. É "viver o outro ", como
hoje dizemos. É "fazer-se um " em tudo com os outros, exceto no pecado. "Tornar-se fraco com os
fracos... Fazer-se tudo para todos ", como nos ensina São Paulo.
Este "fazer-se um " não é naturalmente algo tão simples, pois exige a morte de nós mesmos,
mas é justamente por esta razão que esse método se mostra infalível, fazendo com que, mais cedo ou
mais tarde, o próximo seja conquistado por Cristo, que vive em nós, com a morte do nosso eu. Se
soubermos "fazer-nos um " com o próximo, ele depois se "faz um" conosco, interessa-se por aquilo
que nos interessa, e Cristo, também para ele, se tornará a sua luz, o seu Ideal. São Paulo diz que é
necessário "fazer-se tudo a todos a fim de ganhar o maior número para Cristo ".
Em nossa vida, porém, muitas vezes nos encontramos com pessoas que têm o mesmo Ideal que
nós e, "fazendo-nos um " reciprocamente, surge a unidade.

A alegria: fruto da unidade

Se a unidade é um dever para os membros do Movimento, tal dever traz consigo no entanto
uma alegria nova, plena; a alegria que Jesus prometeu quando disse: "... a fim de que tenha em si a
minha plena alegria "
E a alegria, que constitui um dos dons de Deus para com a unidade, é uma riqueza da qual hoje
em dia talvez não nos apercebemos suficientemente. Como no corpo não se percebe tanto a saúde e
sim o sofrimento e a doença, do mesmo modo acontece na vida sobrenatural com a alegria. Esta é
inseparável da vida verdadeiramente cristã e, talvez por isso, não lhe damos o realce que merece. No
entanto, trata-se de um dom extraordinário e muito ambicionado.
Olhemos para o mundo ao nosso redor: quanta apatia, quanto tédio, quanta tristeza e quanta
sede, quantas loucuras para obter a felicidade. O que significa o fenômeno da droga, a procura
34
desenfreada do cinema e da televisão? O que significam as revoltas nas nações? As próprias guerras?
Significam sede de paz, de justiça, de felicidade. O coração humano foi criado para alegria.
Pois bem, Deus revelou aos cristãos - e continua revelando a quem vive a unidade - onde se
encontra a fonte da alegria, onde está a mina do tesouro.
Os membros do Movimento são felizes porque vivem a unidade. E por serem portadores de
unidade, proporcionam aos outros alegrias, felicidades, paraíso. Há, na Igreja, os que foram chamados
a dar pão ao mundo, outros a oferecer hospedagem ou aconselhar e outros ainda são chamados a
instituir ou mesmo abrigar a quem necessita.
Os membros do Movimento são chamados sobretudo a distribuir alegrias, muitas vezes após
terem feito tudo isso que dizíamos antes, pois o "fazer-se um " com o próximo leva –nos a saciar a
sua fome ou sede, a lhe arranjar um trabalho, a visitá-lo, etc.
Nos primeiros dias dessa nossa nova vida, a alegria nos fazia exultar. Queríamos que todos
participassem dela e agradecíamos a Deus por esse dom que ele nos tinha feito.
Devemos agradecer a Deus pela alegria que ele nos proporciona, embora não devamos nos
apegar a ela, mas transformá-la em trampolim para levar a unidade ao mundo inteiro.

35
Em preparação ao Congresso
"Um para que todos sejam um ",
seminaristas do mundo inteiro
enviaram perguntas a Chiara.
O QUE É A UNIDADE?

- Você é a fundadora de um Movimento para a unidade. O que é para você a unidade? Como
podemos contribuir para realizá-la no mundo?

A unidade é o objetivo da oração de Jesus: o supremo desejo dele. É, como afirmou Paulo VI,
o resumo, a síntese, o vértice do Evangelho; é a vida trinitária na terra; o maior testemunho para o
mundo. Jesus mesmo disse: "Que sejam um para que o mundo creia "; é um sinal dos tempos porque,
apesar das divisões, lutas e guerras, o mundo tende à unidade.
Isso confirma, no mundo cristão, a ação do Espírito Santo, que impulsiona as várias Igrejas e
comunidades eclesiais à unificação, depois de séculos de indiferentismo ou de antagonismo.
Também os Papas afirmam isso, como Paulo VI, cuja doutrina está impregnada desta idéia de
unidade. E João Paulo II, com as suas viagens no mundo inteiro, o Concílio Vaticano II, cujos
documentos voltam repetidamente sobre este tema. A mesma coisa afirma a instituição dos Conselhos
Pontifícios para a unidade entre os cristãos, para o diálogo com as outras religiões e com todos os
homens de boa vontade.
Essa tendência é afirmada pelo Conselho Ecumênico das Igrejas e até mesmo por ideologias
que não podemos co-dividir. Afirmam a mesma coisa entidades e organizações internacionais;
também favorecem a unidade os modernos meios de comunicação.
O que é a unidade para mim? Descobri isso um dia quando escrevi em 1947:
"Oh! A unidade, a unidade! Que divina beleza! Não temos palavras humanas para dizer o que
ela é! É Jesus ".
E uma carta de 1948, lemos ainda:
"A unidade! Mas quem terá a ousadia de falar dela? É inefável como Deus! Sente-se, vê-se,
goza-se ... Mas é inefável! Todos rejubilam-se pela sua presença, todos sofrem pela sua ausência. É
paz, alegria, amor, ardor, clima de heroísmo, de suma generosidade. É Jesus entre nós! ".
A unidade é fruto do amor e do amor recíproco, é um salto de qualidade, é a atuação da Palavra:
"Onde dois ou três estão unidos no meu nome, aí estou eu no meio deles ". É uma presença de Cristo
no mundo, aquela que se realiza na comunidade. Vocês poderão contribuir a esta realização vivendo-
a, começando entre vocês como nós começamos: amando os pobres, todos, atuando-a entre nós, na
comunidade.

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JESUS EM NOSSO MEIO

Como todos sabem, tudo no Movimento começou com a grande descoberta de Chiara e suas
primeiras companheiras de que Deus é amor, que nos ama imensamente e do desejo que brotou em
seus corações de corresponder a este amor, com redobrado amor.
Procuraram então todas as maneiras para amá-lo concretamente em cada próximo, mas de um
modo todo especial - pois estavam no período da guerra - nas pessoas que mais sofriam, como os
feridos, os pobres, os doentes... Mas Chiara não estava sozinha para percorrer esta estrada, porque ao
seu redor logo se reuniram as primeiras focolarinas. Assim este amor tornou-se recíproco e o
Mandamento Novo de Jesus - "Amai-vos como eu vos amei " - havia se tornado a regra de vida entre
elas.
Assim deram os primeiros passos para permanecer no amor até que, num certo momento, surgiu
uma experiência maravilhosa.
Sentiam que vivendo desta maneira, a vida melhorava em qualidade.
Alguém silenciosamente introduziu-se naquele grupo, como um irmão invisível, que trazia
segurança e uma alegria inconfundível. Era Jesus que realizava entre elas as suas palavras: "Onde
dois ou três estiverem unidos no meu nome, eu estarei no meio deles ".
Assim como é necessário por em contato os dois pólos da corrente elétrica para produzir a luz,
do mesmo modo a caridade recíproca, unindo as suas almas, produzia um efeito superior: Cristo
presente entre elas.
Esta foi e continua sendo uma experiência extraordinária no Movimento.
Mas, vocês podiam perguntar.
Como podemos ter certeza da presença de Jesus entre nós?
Como podemos recebê-la?
Talvez não se possa dizer com certeza quanto ele está no nosso meio. É certo, porém, que
quando na nossa vida existe o propósito sincero de estarmos prontos a dar a vida uns pelos outros,
como Jesus quer, considerando que antes de tudo é necessário ter a mútua e contínua caridade,
frequentemente parece-nos perceber a sua presença.
Assim como sentimos a alegria e a dor, a angústia e a dúvida, da mesma forma, numa dimensão
superior, a presença espiritual de Jesus entre nós doa-nos uma paz que só ele nos pode dar, uma
alegria, uma força, uma convicção que não pode ser só humana, mas que é fruto de uma ajuda especial
de Deus e, nestas ocasiões, damos passos que antes não tínhamos coragem de dar.
E quando, com simplicidade e sem raciocínios, acreditamos nas suas palavras com o encanto
de uma criança e as colocamos em prática, gozamos deste paraíso antecipado que é o Reino de Deus
em meio aos homens unidos no seu nome.
Porém, compreendemos ainda mais o que é "Jesus no nosso meio " quando ele falta. Isso
acontece quando os dois fios por onde passa a corrente se desligam, mesmo se por coisas mínimas:
um desentendimento, um ato de orgulho, um mau julgamento. Enfim, quando ao invés de amar,
dispostos a morrer um pelo outro, queremos fazer a nossa vontade ou só pensar em nós mesmos.
Então, aquela voz que já experimentamos e aquela força desaparecem, voltam as dúvidas,
sentimos o peso das nossa limitações e fraquezas, enfim, tudo perde sentido enquanto não se
recompõe a unidade.
Neste momento recordamo-nos das palavras de Jesus: "Se teu irmão tem alguma coisa contra
ti, deixa a tua oferta no altar; vai primeiro reconciliar-te com ele e depois volta para apresentar a
tua oferta ".
Quase sempre basta pedir desculpas e fazer um ato de amor concreto para que o amor volte a
circular entre nós e com ele a presença de Jesus. Então, no pequeno ou grande grupo, o sol volta a
brilhar e tudo readquire sabor: arrumar o quarto, pegar um pedaço de papel no chão, ir a uma outra
cidade para um encontro, trabalhar, ir a um jogo ou visitar um doente, etc.
Quais as qualidades que as pessoas devem ter para que Jesus se estabeleça no meio delas? Quem
pode realizar isto?
37
Quando Jesus prometeu: "Onde dois ou mais... ", Ele não disse onde dois ou mais santos, nem
onde duas ou mais pessoas com grande experiências. Jesus disse somente:
"Onde dois ou mais..."
"Onde dois ou mais..."
E Jesus não especifica quem. Ele deixa o anonimato.
"Onde dois ou mais..."
Quem quer quer seja, desde que estejam unidos no seu nome, isto é, como ele quer.
Portanto, onde dois ou mais jovens! Dois: um adulto e uma criança; dois pecadores
arrependidos que decidam seguir Deus; dois, mesmo se até um pouco antes eram inimigos entre si.
Dois: um brasileiro e um alemão, um preto e um branco, um pobre e um rico, um esportista, cheio de
forças e um deficiente físico, mãe e filho, um estudante e um professor, um lavrador e um cidadão da
cidade e assim por diante...
Jesus no nosso meio faz cair as barreiras e todas as divisões: os bairrismos, os regionalismos;
caem todos os preconceitos. Portanto todos podem, ou melhor, devem se unir no nome de Cristo.
Este não é um estilo de vida que exige uma grande preparação, nem pessoas escolhidas,
especialistas em coisas espirituais. Parece-nos ser um Ideal feito para todos, sem distinção.
Se antes desta nova vida acreditávamos não ser possível viver o Evangelho, porque sozinhos
não conseguíamos, na unidade se vê que isto é possível.
Talvez não exista nada melhor do que estas palavras para explicar a experiência que tivemos
desde o início do Movimento: viver com Jesus em meio.
Jesus é sempre Jesus e, mesmo se está presente só espiritualmente, faz arder o nosso coraçã o de amor
e nos faz entender as Escrituras, como aconteceu com os discípulos de Emaús. Foi ele em meio às
primeiras focolarinas que revelou a importância do seu Testamento: "Que todos sejam um " e que as
fez compreender tão profundamente estas palavras, de tal modo que a unidade tornou-se a nossa
palavra de ordem, o objetivo do nosso Movimento.
Ainda durante a guerra, lendo o Evangelho, num sótão, à luz de uma vela, as primeiras
focolarinas ficaram fascinadas pela beleza do testamento de Jesus: "Pai que todos sejam um, como
eu e tu somos um! ".
Unidas pediram ao Pai, em nome de Jesus, para ensiná-las a viver aquela unidade que ele havia pedido
antes de morrer.
Era um texto nada fácil para se compreender. No entanto, pareceu a elas ter compreendido que tinham
nascido sobretudo em função daquela página do Evangelho; era lá que se encontrava a "Magna Carta " do
Movimento que estava surgindo. Perceberam que elas estavam sendo chamadas a contribuir para a realização
da unidade da qual fala o Testamento de Jesus.
Sem dúvida que tinham sido atraídas por todo o Evangelho, a ponto de pensarem que a regra de vida
entre elas não fosse outra senão aquele livro, o Evangelho de todos, o Evangelho de sempre. Mas à medida
que procuravam viver as palavras do Evangelho, uma após a outra, Deus ia salientando no coração delas
aqueles pontos que viriam a se tornar "os princípios de atuação, as idéias-força " - como diria mais tarde o
Papa Paulo VI - de uma nova espiritualidade na Igreja, tipicamente comunitária.
A força divina que emanava deste modo de viver o Evangelho era tanta, que em pouco tempo ele se
difundiu de tal forma e já estava presente praticamente em todas as partes do mundo , que podíamos repetir
aquela famosa frase de Tertuliano sobre a difusão do cristianismo nos primeiros séculos: "Somos de ontem e,
no entanto, já invadimos toda a terra ".

38
JESUS NO MEIO

Há uma verdade no Evangelho


que, desde o início do Movimento,
o Espírito Santo submeteu
à nossa particular atenção
e que somos chamados a atuar
com o máximo empenho.
É a verdade evangélica que
ali, onde estivermos unidos no nome de Cristo,
ele está presente (1).
Portanto, não está presente só nos tabernáculos
das nossas igrejas,
nem só nas pessoas chamadas
a difundir a sua mensagem
ou a governar a sua Igreja.
Não, está também entre todos nós,
também no meio de nós, seu povo.
É a entusiasmante verdade que ele é uma realidade,
que não passou pelo mundo só há vinte séculos,
por poucos anos,
mas que como Ressuscitado,
torna-se presente no meio de nós,
cada vez que nos amamos como ele quer,
compartilhando entre nós esperanças,
aspirações, necessidades, dores, lutas, conquistas,
segundo a sua extraordinária promessa:
"E eu estarei convosco,
até o fim do mundo" (2).

Atos - uma cultura de paz


para a unidade dos povos
(1)Mt 18.20: (2)Mt 28.20

Chiara Lubich

39
Congresso Eucarístico Nacional de Pescara
15 de setembro de 1997
(1)Lc 6,38; (2) Mt 7,7

Chiara Lubich
A EUCARISTIA

A Eucaristia faz a Igreja.


Mas o que é a Igreja? A Igreja é o Corpo de Cristo; Cristo que continua. E como é que a
Eucaristia faz a Igreja?
Para entender isto, parece-me útil fazer uma comparação entre o efeito que produz a Eucaristia
com os efeitos produzidos pelos outros sacramentos.
Cada um dos sacramentos tem uma graça especial que nos une a Jesus. Por exemplo, o
sacramento do Batismo lava no homem o pecado original e os outros pecados. O sacramento do
Matrimônio dá a graça para viver unidos em Cristo, na vida matrimonial.
Aquilo que a Eucaristia faz é diferente. Nela recebe-se o próprio Jesus. Na Eucaristia é o próprio
Jesus que vem a nós.
E o que opera Jesus em nós? Uma coisa enorme... transforma-nos nele. É algo extraordinário.
São Tomás dizia: “O efeito próprio da Eucaristia é a transformação do homem em Deus, é a sua
divinização”. Não se trata de como acontece com o alimento, que se transforma em nós; é vice-versa,
nós nos transformamos nele. Santo Alberto Magno expressou esta realidade assim: “Cada vez que
duas coisas se unem, vence a mais forte; o mais potente transforma em si o mais fraco”. Portanto,
como este alimento possui uma força mais potente do que aqueles que o comem, este alimento
transforma aqueles que o comem em si mesmo, em Jesus. E continua: "Não acontece uma união
física, mas uma união da nossa pessoa com o corpo glorificado de Cristo presente na Eucaristia.
Somos concorpóreos realmente, mas num sentido novo, místico. É uma realidade enorme”.
Mas a Eucaristia não produz somente a transformação de cada um dos cristãos individualmente
em Cristo. Como verdadeiro sacramento da unidade produz também a unidade entre os homens, a
comunhão entre os irmãos. Faz a família dos filhos de Deus.
Jesus, mediante a Eucaristia, une os cristãos a si mesmo e entre eles, num único corpo. E assim
dá vida à Igreja na sua essência mais profunda, porque ela é caridade, unidade, corpo de Cristo. A
Eucaristia faz realmente a Igreja.
Naturalmente, os efeitos da Eucaristia verificam-se quando existem certas condições. Por
exemplo, é lógico que não se pode comungar e receber aqueles efeitos se não acreditamos na doutrina
de Jesus, se não desejamos colocar em prática os seus mandamentos, se não vamos nos confessar
antes, se não deixamos a oferta no altar para antes nos reconciliarmos se é necessário, etc...
Mas, além de existirem as condições para que a Eucaristia produza todos esses efeitos
– a nossa transformação em Jesus e de nós todos num único corpo, a Igreja – para que estes efeitos
permaneçam, é necessário também ter um devido comportamento.
Se a Eucaristia nos transforma em Jesus, devemos nos comportar como Jesus. Os seus
sentimentos, o seu modo de pensar, o seu modo de ver as coisas, devem tornar-se os nossos. O seu
modo de agir deve ser o nosso.
Por exemplo, Jesus chama de bem-aventurados os pobres de espírito, isto é, aqueles que são
desapegados das coisas desta terra, porque deles é o Reino dos Céus. Nós devemos dizer
também assim, mesmo num mundo como o nosso, onde o consumismo penetra em todos os
lugares, onde o materialismo congela os corações num enorme desejo de bem - estar somente
terreno, num mundo assim nós devemos ir contra-corrente e manter o coração desapegado de
tudo.
Jesus está convencido ainda que são bem-aventurados os puros de coração. A pureza!
Mas, quem fala hoje de pureza? Esqueceu-se esta palavra, por quê ? Porque "queima". Mas nós
devemos ser coerentes. Não se pode conciliar a vida de Jesus em nós que a Eucaristia traz, com a

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finalidade com que assistimos qualquer programa de televisão (não é possível conciliar, porque não
estão de acordo), com leitura de algumas revistas, com o assistir certos filmes ou com certas maneiras
de vestir. Devemos ir contra-corrente.
O cristão é chamado a ver Deus: "Bem-aventurados os puros porque verão a Deus". É este o
seu extraordinário futuro. E, como quem quer atingir a meta não mede esforços, assim nós cristãos
não devemos medir o esforço que a pureza pode nos custar.
E nós poderíamos continuar todo o Evangelho, mas já entendemos, nós não podemos manter-
nos Igreja viva se não vivermos todas as palavras de Jesus.
Vocês poderão dizer-me que é difícil e que são muitas... Como faremos para nos lembrar de
todas as palavras?
Não se pode negar que é difícil, a doutrina de Jesus não é "água de rosas". As suas palavras são
muitas, mas existe uma que sintetiza todas: é amar. Amar a Deus e ao próximo.
Dizem as Escrituras e os santos que, quando se ama tudo se torna fácil.
Então, comecemos a amar, façamos a experiência e aquilo que a Eucaristia opera, que é a nossa
transformação em Cristo, permanecerá.
E, ainda, para que a Eucaristia nos faça uma única família, a família de Deus, também devemos
fazer a nossa parte.
Todas as famílias têm as suas exigências, as suas leis... Uma das características desta terra é o
viver todos juntos: os membros, o pai, a mãe, os filhos vivem sob o mesmo teto. Geralmente, têm
tudo em comum, a dor de um é sentida por toda a família, cada um se preocupa, ajuda, economiza
para o outro, existem aqueles que perdem a noite para assistir quem está doente, quem trabalha mais
para conseguir um ordenado melhor. A alegria de um membro da família é a alegria de todos. Todos
se alegram por uma promoção, por um casamento, por um aniversário. Numa boa família, os sábios
ensinamentos dos pais, tornam-se critérios de vida. Existe solidariedade, amor recíproco,
compreensão, participação.
Também a família dos filhos de Deus tem os seus elementos característicos. Não temos um
modelo melhor do que as primitivas comunidades cristãs.
Nelas existem quatro elementos que as distinguem: o amor recíproco; os bens em comum; o
rezar, sobretudo o partir o pão ao redor da mesa eucarística e o escutar dos Apóstolos, a Palavra.
Nós cristãos do século XX somos chamados hoje a fazer essa experiência.
Vocês poderão dizer que também isto é difícil, mas qual é a raiz de tudo? É o amor recíproco
"a alma", o que une a família. Então, o segredo é sempre o amor.
Mas quem devemos olhar para saber como amar? A Eucaristia é o modelo como pode fazer o
cristão para amar. Por exemplo, Jesus se dá completamente a todos. Também nós devemos amar a
todos, somos chamados à fraternidade universal.
Jesus Eucaristia ensina-nos também o modo de nos aproximar das pessoas. Amar significa
"fazer-se um". Fazer-se um em tudo aquilo que os outros desejam, também nas coisas menores e
insignificantes. Jesus fez-se pão para deixar-se comer. E devemos nos fazer um de modo que os
outros se sintam nutridos pelo nosso amor, confortados, aliviados, compreendidos. Fazer-se um em
tudo exceto no pecado; só por amor, sem interesse. Se fizermos assim, o irmão tocado pelo nosso
amor, começará cedo ou tarde também a amar. E o amor se tornará recíproco, tornando-nos Igreja.

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A Eucaristia é fraternidade

A Eucaristia produz a comunhão entre os irmãos. Isto é esplêndido. E, se fosse levada


a sério pela humanidade, verificar-se-iam conseqüências paradisíacas, inimagináveis. Porque, se a
Eucaristia faz que sejamos um entre nós, é conseqüência lógica que cada um trate os outros como
irmãos.
A Eucaristia compõe a família dos filhos de Deus, irmãos de Jesus e entre si. Na própria
família natural existem regras que, elevadas a um plano sobrenatural e aplicadas em vasta escala,
transformariam o mundo.
Na família põe-se tudo em comum.
Os membros de uma família saem para o mundo levando o calor do lar e podem fazer o bem
à sociedade se forem íntegros, se sua família for sadia. Uma família é feliz quando se reúne ao redor
da mesa, ou canta, ou reza unida.
Se a família é uma das mais belas obras do Criador, o que será a família dos filhos de Deus?
No Oriente, era muito apreciado o valor do banquete. Jesus quer ao seu redor não só os seus
amigos mais íntimos, mas, unindo mediante a Eucaristia os cristãos a Ele e entre si num único corpo,
que é o seu, dá vida à Igreja na sua essência mais profunda: Corpo de Cristo, fraternidade, unidade,
vida, comunhão com Deus.
Quando Jesus instituiu a Eucaristia? Na Última Ceia. Antes, porém, de instituir a
Eucaristia, Jesus deu o seu Mandamento Novo: “Como eu vos amei, amai-vos também uns aos
outros” (Jo 13,34). Portanto, é preciso fazer com que o amor mútuo preceda a Eucaristia; caso
contrário, embora o efeito da Eucaristia exista, nós não o experimentamos, não sentimos o impulso
de nos amarmos, de sermos uma só coisa, de tratarmos o outro como a nós mesmos.
Caridade antes e caridade depois, como efeito da Eucaristia. Caridade antes, porque
Jesus falou do Mandamento Novo antes. Logo, não basta a Eucaristia para tornar-nos um corpo; nós
o somos, mas não o experimentamos nem damos ao mundo a idéia do que é um corpo, um povo novo,
não damos a idéia da unidade — ficamos escondidos, como fogo debaixo das cinzas.
Então, é preciso atuar primeiramente o amor mútuo.

Chiara Lubich

42
MARIA

Sabemos que Maria esteve sempre presente na vida do Movimento, que justamente é chamado
Movimento dos Focolares ou Obra de Maria.
Mas um fato, que marcou profundamente a vida desta Obra no relacionamento com Maria, foi
aquela experiência de Chiara, quando ela entrando numa Igreja, diante de Jesus Eucaristia, com o
coração cheio de confidência, perguntou-lhe: "Por que quiseste permanecer na terra, em todos os
pontos da terra, na dulcíssima Eucaristia e não encontraste um modo, tu que és Deus, de deixar-nos
também Maria, a mãe de todos nós que peregrinamos?".
No silêncio parecia que Jesus respondesse: "Não a deixei porque quero revê-la em ti, quero
revê-la em vós. Mesmo se não sois imaculados, o meu amor vos purificará e abrireis braços e
corações de mães à humanidade, que tem sede de Deus e de sua Mãe... Canta as ladainhas e espelha-
te nelas".
Através deste fato, Jesus nos mostrava que a nossa vocação, a vocação dos membros do
Movimento, é ser Maria para quem passa ao nosso lado.
Diante desta realidade tão grande, pode surgir dentro de nós uma dúvida. "Como é possível
sermos outra Maria, nós que conhecemos as nossas fraquezas, limitações, pecados...?".
Acreditamos que Deus nos perdoa, a sua misericórdia preenche cada vazio... porém, somos
sempre pecadores, apesar de já termos recebido tantas graças... E Maria é Imaculada!
Lembrando-nos das aparições de Nossa Senhora em Lourdes, nos impressiona um fato: Maria
não escolheu um jardim, um lago azul, uma catedral. Ela quis aparecer a Santa Bernadete, num lugar
onde se jogava lixo...
Quem sabe Maria com isto quis nos mostrar que pode se servir de nós para reviver aqui na terra.
Talvez ela apareceu naquele lugar para consolar-nos, para dar-nos a esperança de que é possível que
ela viva em nós, mesmo se somos apenas miséria. Talvez sobre as nossas misérias ela possa triunfar.
Então, também as nossas fraquezas, as nossas imperfeições, poderão servir para fazer
resplandecer ainda a sua luz.
Sabemos que Maria é um monumento de caridade e de todas as virtudes.
Ela é puríssima, amável, tão atenta à voz do Espírito Santo que é chamada a Mãe do Bom
Conselho, é prudentíssima, clemente, fiel, espelho de justiça, sede da sabedoria, causa de alegria para
todos. É forte como uma "Torre de Marfim".
Pois bem, nós deveríamos viver de tal modo que fosse possível dizer algo semelhante também
de nós. Podemos, de certa forma cantar as ladainhas a Maria que vive em nós e entre nós.
Maria é chamada "Refúgio dos pecadores". Cada pessoa que passa ao nosso lado deveria
encontrar no nosso coração um refúgio, encontrar Deus ou a estrada para unir-se a Ele.
Maria é também "Consoladora dos aflitos". Toda lágrima, toda dor, toda pessoa que sofre,
passando ao nosso lado, deveria sentir o amor de Maria; deveria encontrar no nosso coração, um
coração que sabe entender, que sabe valorizar a sua dor.
Maria é considerada "Auxílio dos cristãos". Cada cristão deveria encontrar em nós uma ajuda
para manter-se fiel a Cristo, mesmo nesta época tão difícil.
Maria é "Porta do céu". Cada um de nós deveria ser para o próximo uma porta que lhe abre o
caminho do céu, da vida com Deus.
Portanto, como podemos ser estas ladainhas "vivas"?
Conseguiremos viver estas realidades, estando sempre no amor. Maria vivia de tal forma no
amor, vivia tão projetada fora de si mesma, numa atitude contínua de doação, que atraiu o Espírito
Santo. Se conseguirmos ser vazios de nós mesmos, o Espírito Santo plenificará nossas almas e
poderemos ser amor para cada próximo que encontramos.
Assim, com o passar do tempo, vivendo desta maneira, o nosso relacionamento com Nossa
Senhora crescerá, mesmo se entre pausas e quedas, até tornar-se mais constante.

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Este modo de comportar-se, de procurar ser semelhantes a Maria aqui sobre a terra, é a maneira
de amar Maria que talvez supere todas as outras.
Podemos imitar Nossa Senhora no viver a Vontade de Deus pois ela disse SIM ao chamado de
Deus.
Podemos imitá-la no viver a Palavra de Deus. Maria era de tal modo impregnada pela Palavra
que quando falava, usava as mesmas expressões da Sagrada Escritura. Esta originalidade de Maria
deveria ser vivida por cada cristão: nutrir-se das palavras de Jesus para poder repetir Cristo, com a
personalidade que Deus lhe deu.
Maria pode ser imitada ainda no abraçar com amor todas as cruzes que se apresentam durante
o dia. Esta atitude em relação ao sofrimento fortalece em nós todas as virtudes: a paciência, a
humildade, a obediência, a perseverança, a caridade... E isto faz com que nos tornemos cada dia mais
semelhantes a ela.
Mas se olharmos Maria na sua essência, naquilo que mais a caracteriza, veremos que ela é
Mãe de Deus e também Mãe nossa.
Jesus nos deu Maria como Mãe, sobre a cruz, na pessoa de João, quando disse: "Mulher, eis o
teu filho. Filho, eis a tua mãe".
E João, como diz a Escritura, "levou Maria consigo”. Também nós devemos levar Maria para
nossa casa, como nossa Mãe.
Maria é por excelência, o protótipo da maternidade, o modelo do amor humano, É Mãe de toda
a humanidade, não só dos católicos, mas dos cristãos não católicos, também dos não cristãos.
Talvez ela não seja amada por muitas dessas pessoas, porém ela ama todos, porque a
maternidade de Maria é universal, como foi universal a Redenção.
Um modo especial para imitá-la seria agir justamente como Maria, procurando comportar-se
como mães ou pais dos próximos que encontramos.
Fazendo assim, veremos como nosso relacionamento com todas as pessoas se transforma
radicalmente, porque a mãe acolhe sempre, espera sempre.
A mãe tudo perdoa a seu filho, mesmo se ele for um criminoso. Ela está sempre pronta a
socorrê-lo. O amor de mãe é muito semelhante à caridade de Cristo, aquela caridade da qual nos fala
São Paulo: "O amor tudo crê, tudo espera, tudo sofre"
A mãe não deixa de amar o filho porque ele é mau, não deixa de esperá-lo se está longe. Nada
mais deseja senão encontrá-lo, abraçá-lo, porque o amor de mãe é todo revestido de misericórdia.
O amor de mãe está sempre acima de qualquer situação difícil ou condição dolorosa em que se
encontre o filho. É um amor que jamais desanima diante dos problemas morais ideológicos, que
possam envolver o filho.
Se a mãe vê o filho em perigo, não hesita em arriscar tudo para salvá-lo. Não vacila em jogar-
se sob um carro, se seu filho está para ser atropelado, ou nas ondas do mar, se corre o risco de afogar-
se. Porque o amor de mãe, por sua natureza, é mais forte do que a morte.
Conta-se que numa ocasião certa mãe jogou-se da sacada do seu apartamento, na tentativa de
salvar a criança que lhe escapara dos braços. Um ato inútil e desesperado, mas que demonstra o quanto
é grande o amor materno.
Pois bem, se tudo isso acontece com as mães desta terra, pode-se muito bem imaginar quem é
Maria, Mãe humano-divina do Homem-Deus e Mãe espiritual de todos nós! Imitando Maria neste ser
mãe, perceberemos em nós uma conversão, uma revolução.
E não só porque, às vezes, nos encontraremos exercendo o papel de mãe, até mesmo de nossa
própria mãe ou de nosso pai, mas porque assumiremos uma atitude determinada, específica.
Diante de cada pessoa, com aqueles com quem estivermos falando até pelo telefone, com
aqueles para os quais trabalhamos, na nossa família, nos escritórios, nos hospitais, nas escolas... diante
de cada um nos comportaremos como se fôssemos sua mãe, seu pai.
Se partirmos daqui com esta atitude, se amarmos com o coração de mãe, o que acontecerá? A
caridade ficará acesa dentro de nós e a levaremos nas nossas famílias, nos nossos ambientes e muitos
encontrarão, através do nosso amor, a presença materna de Maria.
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Há algum tempo atrás, os membros do Movimento no mundo inteiro fizeram o propósito de
amá-la de uma forma muito especial e isto fortaleceu muito o nosso amor por Maria.
Durante o mês de maio todos nós tínhamos feito a nossa parte para demonstrar-lhe o nosso
amor, mesmo se o amor a Maria não se limita ao mês de maio, mas continua sempre.
Chiara tinha ido visitá-la em diversos santuários onde é venerada. Visitando alguns santuários
e percebendo como naqueles ambientes, de uma certa forma, respira-se a atmosfera, o clima de Maria,
Chiara sentiu um desejo: o desejo de que também nós, da Obra de Maria, construíssemos um santuário
unicamente em sua honra.
Quando pensava nesta possibilidade de construir um santuário, talvez em Loppiano, a nossa
Mariápolis permanente, Chiara sentiu uma resposta interior, sugerida talvez por Maria: "Não quero
de vocês um santuário de pedra; quero vocês, são vocês as pedras vivas do meu santuário.
Vocês se propõem a seguir-me como um modelo para se tornarem uma outra pequena Maria?
Então vocês são como pedras que durante a Santa Viagem da vida o Espírito Santo vai lapidando
até torná-las perfeitas e prontas para a construção deste santuário".
Então, Chiara entendeu que não somente Loppiano, mas também todo o nosso Movimento,
espalhado no mundo inteiro, poderia ser considerado um "Santuário Mariano".
Cada um, procurando ser uma pequena Maria, é como uma pedra que colocada ao lado das
outras vai formando, se poderia dizer, MARIA. É um santuário original, feito não de paredes, de
pedras, mas de pessoas.
Então, toda nossa Obra, assim como se apresenta, difundida no mundo inteiro, pode ser
considerada um “Santuário Mariano” original; nosso Movimento é uma grande Mariápolis no mundo,
e todos nós desejamos nos tornar uma outra pequena Maria individualmente e todos juntos.
Podemos construir esse santuário em seu louvor. Devemos ser um louvor concreto a Maria, que
se eleva de todas as partes da terra. Pedras vivas de um santuário que se estende ao mundo inteiro.
Permaneçamos com Maria. Ela ficará conosco para nos ensinar como amar Jesus, como nos
comportar diante do sofrimento, para guiar-nos pela sua vida, para levar-nos à santidade.
Portanto, saiamos hoje daqui com este propósito: somos pedras vivas do “Santuário de Maria”
, que se espalha no mundo. Queremos ser uma outra pequena Maria, que ama com o amor de mãe
cada próximo.

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MARIA E A ESPIRITUALIDADE COLETIVA

(CH - 25 de maio de 1995)

Caríssimos,

Agora, gostaria de responder a uma pergunta que de vez em quando me fazem e que é a
seguinte: "Como Maria vivia a espiritualidade coletiva?".
De fato, podemos supor que a nossa Obra, animada por esta espiritualidade, pode ter em Maria,
sua líder, sua rainha, sua condutora, um modelo. E é mesmo assim.
Porém, demonstrar o que afirmamos não é muito fácil. Sabemos muito pouco a respeito de
Maria. Mas, se houver em nós pelo menos um pouco de amor por Maria, talvez possamos intuir
alguma coisa.
Vamos tentar.
Provavelmente Maria viveu a espiritualidade coletiva com São José, com Jesus, com os
Apóstolos e com o Apóstolo João.

Maria e José

No relacionamento com seu esposo terreno, Maria teve um privilégio único que permitia e
garantia uma espiritualidade coletiva: Jesus esteve sempre presente entre eles. Isso já diz tudo. Aquela
presença iluminava, dava sentido, solidez e uma enorme profundidade ao relacionamento deles,
conservando-o no sobrenatural.
Creio que Maria falava pouco. Está escrito que ela "guardava todas as coisas, meditando-as em
seu coração" (cf. Lc 2,51). Porém é claro que isso não determinava uma falta de comunhão entre os
dois. Não dizemos também nós que, quando fazemos a nossa comunhão de almas, o amor e a dor
devem ser guardados em segredo, enquanto a luz deve ser doada? Logo, supomos que mesmo se
Maria não comunicava a José os abissais mistérios que se verificavam no seu coração, jamais o terá
privado da luz de sua extraordinária experiência, principalmente depois que o Céu, através de um
mensageiro, revelou a José o que ele devia saber

Maria e Jesus

Pensamos que jamais houve sobre a terra um relacionamento tão semelhante àquele que existe
entre as Pessoas da Santíssima Trindade, quanto o existente entre Maria e Jesus.
O que terão dito um ao outro ao longo de trinta anos de vida privada de Jesus? Não o sabemos
e não é possível saber. A nossa pureza e a nossa transparência são pequenas demais para podermos
pelo menos intuir o que conversavam.
Sabemos alguma coisa do período de vida pública de Jesus, durante o qual diversas vezes ele
tratou sua Mãe de um modo talvez pouco compreensível para nós. Podemos imaginar quanto ele a
amava, contudo, naquele tempo, com a sua pregação, com os seus milagres, com a fundação da Igreja,
estava totalmente concentrado em instaurar a grande família de Deus, a fraternidade universal, em
vista da qual cada relacionamento humano com a mãe natural, irmãos, pai etc., deveria ser
posposto, quando não exigia a "espada".
Por isso Jesus necessariamente devia dar o primeiro exemplo, tratando a sua Mãe por vezes de
modo um pouco forte, como quando a chamava de "mulher" ou explicava que sua mãe e seus irmãos
são sobretudo aqueles que fazem a Vontade de Deus.
Porém Maria não ficava surpreendida. Compreendia e partilhava as preocupações do Filho que
continuamente a arrebatava às alturas da Vontade de Deus. E também neste caso o relacionamento
entre eles era uma comunhão como aquela que se realiza entre os responsáveis e os demais; ou aquela
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que se atua nos "colóquios" ou inclusive (e por que não?) na hora da verdade. Jesus representava
para Maria também um orientador espiritual.

Maria e os Apóstolos

Nós estamos acostumados a ver Maria no cenáculo, à espera de Pentecostes, como a Mãe de
todos, como aquela que, de certo modo, tomou o lugar de Jesus. E isto é verdade. Jesus a fez ser assim
aos pés da cruz: "Mulher, eis o teu filho!" (Jo 19,26).
Mas não é só isso. Jesus na cruz a fez ser também sua irmã, se bem que de modo único e
exemplar, assim como todos os homens daquele momento em diante são ou podem ser seus irmãos,
filhos do único Pai, embora filhos adotivos.
Jesus jamais havia chamado os seus discípulos de irmãos. Ele o fez após a ressurreição. "Vai -
diz a Madalena - ... aos meus irmãos..." (Jo 20,17). E já que Maria foi redimida como todos, se bem
que precedentemente, como todos ela é irmã de Jesus.
O fato de considerá-la também irmã, além de Mãe, facilita a nossa compreensão sobre o seu
relacionamento com os Apóstolos. É a fraternidade, que deriva do fato de termos um único Pai, que
nos possibilita compreender um pouco melhor o seu relacionamento com os Apóstolos.
Era um relacionamento em que eles, sem dúvida, conservavam uma veneração única pela Mãe
de Jesus, mas percebiam também a possibilidade de uma comunhão espiritual, e esta comunhão nutria
os Apóstolos e Maria.

Maria e São João

Quem saberá dizer algo sobre a unidade entre eles?


Maria já havia se tornado plenamente o modelo, a forma da Igreja e João era chamado a
descrever a Igreja principalmente no seu futuro, através do Apocalipse. Quanto à comunhão final e
fraterna como Maria terá influenciado na missão de João? Eu penso que muitíssimo. Mas saberemos
tudo no Paraíso.
Hoje é suficiente saber que em Maria podemos, com toda a certeza, encontrar o modelo da
espiritualidade coletiva, porque à imagem da Santíssima Trindade.
Com a oração, que aprendemos a amar mais e a praticar melhor, peçamos a Maria que nos dê a
graça de sermos seus discípulos, seus filhos, seus irmãos menores, totalmente semelhantes a ela, na
prática perfeita da espiritualidade coletiva. Portanto, que o céu a veja na terra em nós, individualmente
e globalmente, na sua Obra. E que ela viva não só na terra, mas em todos os que nos precederam no
céu e que ficaram ligados conosco pela caridade, pelo carisma da unidade.
Chiara

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Como é Bela Maria

Como é bela Maria, nossa Mãe, no presente recolhimento em que o Evangelho


no-la apresenta: “Guardava todas as coisas no seu coração”.
Aquele silêncio pleno tem encantos para a alma que ama.
Como poderia eu viver Maria no seu místico silêncio, quando nossa vocação,
por vezes, é falar para evangelizar, sempre em primeira linha, por lugares ricos e
pobres, dos subterrâneos às ruas, às escolas, por toda parte?
Também Maria falou. E nos deu Jesus. Jamais alguém no mundo foi apóstolo
maior. Jamais alguém teve palavra como a sua, Ela que deu o Verbo.
Maria, nossa Mãe, é real e merecidamente Rainha dos Apóstolos.
E Ela silenciou. Silenciou porque simultaneamente os dois não podiam falar.
A palavra há de pousar sempre no silêncio, como a pintura pousa na tela de um
quadro.
Silenciou porque criatura. Porque o nada não fala. Mas, sobre aquele nada,
falou Jesus e disse a Palavra que é Ele mesmo.
Deus, o Criador e o tudo, falou sobre o nada da criatura.
Como então viver Maria? Como perfumar a minha vida com o seu encanto?
Fazendo silenciar em mim a criatura e deixando falar neste silêncio o
Espírito do Senhor.
Assim vivo Maria e vivo Jesus. Vivo Jesus em Maria. Vivo Jesus vivendo
Maria.

Chiara

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A IGREJA

“Os membros da Obra de Maria querem caminhar pela via da caridade cristã, segundo a sua
espiritualidade evangélica, em unidade com o magistério da Igreja, imitando os santos no
cumprimento da vontade de Deus, assim como eles fizeram. ( ...)
(...) Procuram viver o mais perfeitamente possível a realidade do corpo místico, sendo em toda
parte Igreja viva, por meio do amor recíproco sempre renovado e da inserção sempre mais plena na
Igreja, por meio da mais profunda, filial e fervorosa unidade com o Papa e com os Bispos, sucessores
dos Apóstolos.” (Estatutos Gerais da Obra de Maria- Trechos do Cap. III – Espírito ,art.8)

**** **** ****

O perfil mariano e petrino na relação trinitária

“Se nos perguntarmos como se configurará a Igreja no terceiro milênio, podemos responder em
síntese: será uma Igreja que manifestará, ao lado do perfil petrino, o seu perfil mariano, também
este em relação trinitária.
Os dois perfis, ou os dois princípios petrino e mariano, que caracterizam a Igreja, foi uma
tese do grande teólogo suiço Hans Urs von Balthasar, que entrou no capítulo oito da Lumen
Gentium. Chiara sempre viu no perfil mariano, o aspecto mais profundo e interior da Igreja, seja
porque Maria coloca em relevo o aspecto fundamental do amor que a faz ser “uma”, seja porque
graças a este amor, Maria faz a Igreja entrar no mistério de Deus, que é amor trinitário.
É forte esta sua afirmação: “Maria, leiga como nós leigos, ressalta que a essência do
cristianismo é o amor e que, também sacerdotes e bispos, antes de serem eles, devem ser
cristãos verdadeiros, crucifixos vivos, como foi Jesus, que sobre a cruz fundou a sua Igreja. Maria,
colocando em relevo na Igreja o aspecto fundamental do amor que a torna “uma”, como na
Trindade, apresenta ao mundo a Esposa de Cristo, como Jesus a desejou e todos os homens de hoje
a esperam: caridade ordenada, caridade organizada. E somente enfatizando este seu fundamental
aspecto, a Igreja pode, hoje, cumprir dignamente a função de contato e diálogo com
o mundo, o qual frequentemente se interessa pouco, ”pela hierarquia, mas é sensível ao
testemunho do amor, alma do mundo”.
E o Papa, referindo-se aos dois perfis petrino e mariano da Igreja, falando aos cardeais e
prelados da cúria romana, em 22 de dezembro de 1987, sublinhou na nova eclesiologia o perfil
mariano, declarando-o “tão – ou até mais – fundamental e característico ... quanto o perfil
apostólico petrino”, e acrescentava que “a dimensão mariana da Igreja antecede a dimensão
petrina, mesmo sendo estreitamente unida e complementar”,que a dimensão mariana “é anterior tanto
no desígnio de Deus quanto no tempo, é mais alta e proeminente, mais rica em implicações pessoais
e comunitárias”.
Além do mais, Chiara teve sempre consciência de que a Obra de Maria não quer ser outra coisa
na Igreja, senão a mística – mas real – presença de Maria. E Mons. Klaus Emmerle pôde confirmar
em uma assembléia de bispos: “Este Movimento, aprovado com o nome de Obra de Maria, por
sua vocação à caridade e por sua inspiração à unidade, parece realmente trazer à Igreja de hoje,
com o seu espírito e com o seu serviço, a presença de Maria”.

( Trechos de Silvano Cola em," Qual Igreja para o Terceiro Milênio?" )

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O ESPÍRITO SANTO E O MOVIMENTO DOS FOCOLARES

Quando ouvimos a história do Movimento - definido e aprovado pela Igreja como uma Obra de
Deus - podemos perceber que o primeiro passo que marcou o seu início foi uma escolha radical de
Deus: colocá-lo acima de tudo e fazer dele o ideal da vida.
Sabemos que é vocação de todos os cristãos buscar a sua vida em Deus.
Mas, quando entramos em contato com esta espiritualidade, acontece conosco o que aconteceu
com as primeiras focolarinas.
Fazemos também nós uma escolha de Deus e o colocamos mais conscientemente como o
fundamento da nossa existência.
E, se vamos mais em profundidade, descobrimos que isto acontece porque quando o Espírito
Santo age na nossa história, transforma a nossa vida.
Ele nos mostra, também hoje, que os nossos ideais - mesmo se positivos e cheios de esperanças
- são transitórios, passam... e nos faz entender que o único Ideal que não passa é Deus.
Ele age na nossa pequena história como agiu na história do Movimento.
Para demonstrar que foi sempre o Espírito Santo o protagonista da nossa história, podemos
percorrê-la em algumas das suas etapas e descobertas.
Há 55 anos atrás, em Loreto, surgiram as primeiras idéias, quando Chiara intuiu que nasceria
uma vocação nova na Igreja para pessoas que se consagram a Deus, como os focolarinos, as
focolarinas, os foclarinos casados, e intuiu também que multidões seguiriam esta espiritualidade.
Compreendeu-se então, que essas pessoas se espelhariam na convivência da Sagrada Família,
de Jesus, Maria e José. Porém jamais nos questionamos que foi o Espírito Santo quem nos fez
compreender estas coisas.
Sabemos também que o Movimento teve início com a redescoberta de Deus como Amor,
escolhido como ideal da vida.
Porém jamais pensamos que essa escolha de Deus Amor era algo semelhante ao batismo,
porque no momento em que aderimos a este chamado, dissemos como no batismo: "Creio, creio em
Deus-Amor; abraço este Ideal, portanto, renuncio aos outros ideais terrenos!".
Esta opção por Deus - que o Movimento fez no princípio e que cada pessoa que o encontra hoje
também o faz - é ação do Espírito Santo.
Da mesma maneira na nossa espiritualidade nós temos muitas indicações que nos mostram
como fazer a Vontade de Deus: atuá-la no presente, caminhar no raio da Vontade de Deus, tender à
Vontade de Deus e não fazer a nossa.
Ora, é típico do Espírito Santo guiar as almas pelos caminhos de Deus e fazer com que elas
renunciem aos seus projetos e se encaminhem rumo a uma "aventura divina".
Deste modo, realizando a Vontade de Deus, a nossa história - quer individualmente, quer como
grupo – torna-se uma pequena história sagrada. Não tínhamos pensado nisso, mas foi o Espírito Santo
quem iluminou a agir dessa forma.
O Papa João Paulo II diversas vezes afirmou que a "centelha inspiradora" do Movimento foi o
amor.
Nós sabíamos disso porém não havíamos refletido suficientemente que "o amor de Deus , como
diz São Paulo , foi derramado em nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado".
Sem dúvida, a centelha inspiradora do Movimento foi o amor, é e sempre será o amor! Mas não
tínhamos plena consciência de que foi o Espírito Santo quem o colocou nos nossos corações.
O mesmo aconteceu quando lemos o Evangelho e vimos que aquelas palavras eram iluminadas
por uma luz interior, eram palavras novas, completamente diferentes daquelas dos homens. Eram
palavras eternas, porque não passam; universais, porque feitas para todos. E, quando sentimos
também um impulso para vivê-las, não sabíamos que era o Espírito Santo que provocava em nós este
efeito. Agora vemos que foi ele mesmo.

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Com efeito, diz um grande teólogo ortodoxo: "Sem a ação do Espírito Santo, sem a sua
intervenção, a Palavra de Revelação jamais poderia manifestar-se como Palavra de Deus".
Assim aconteceu conosco, as palavras do Evangelho se manifestaram como Palavras de Deus
e as vimos totalmente diferente das palavras dos homens.
E é o Espírito Santo que faz da Palavra de Jesus, historicamente pronunciada, uma palavra
viva, sempre aplicável às novas situações.
E também quando nos primeiros tempos do Movimento, quisemos escolher no Evangelho as
palavras que mais falavam da caridade, não sabíamos quem nos conduzia pela mão.
De fato São Paulo diz: " Existe no coração do fiel uma nova lei interior": é o Espírito Santo
nele que o leva a amar.
Na verdade o Espírito Santo foi precisamente o dom que Jesus nos deu para que possamos ser
uma coisa só com ele e o Pai. Jesus é um com o Pai mediante o Espírito Santo. Para que também nós
fôssemos um como ele e o Pai, era necessário o Espírito Santo.
Naturalmente já tínhamos o Espírito Santo antes que conhecêssemos esta espiritualidade,
porque éramos cristãos, fomos batizados. Porém, com este Ideal, temos como que uma nova
compreensão, uma iluminação nova da realidade que já existia em nós.
O mesmo aconteceu quando nos concentramos no Mandamento Novo de Jesus - "Amai-vos
uns aos outros como Eu vos amei" - que é a síntese do Evangelho.
Quem nos concentrou neste particular? Podíamos ter escolhido outra frase qualquer, da primeira
do Gênesis à última do Apocalipse! Não faltam preceitos nos 72 livros da Bíblia. E, de todos esses
infinitos preceitos, escolhemos o Mandamento Novo. É evidente que foi o Espírito Santo quem nos
fez escolher este Mandamento.
Foi ele também quem nos revelou que a medida e o modelo para atuar o Mandamento Novo é
Jesus Crucificado e Abandonado. Mesmo que fôssemos os maiores cientistas do mundo, jamais
teríamos chegado a essa conclusão!
Assim também aconteceu com a descoberta da presença de Jesus Ressuscitado no nosso meio
que nos plenificou de alegria, de uma imensa alegria. Sem dúvida foi também o Espírito Santo que
nos revelou essa presença.
E ainda a melhor compreensão da Eucaristia como veículo do Espírito Santo do qual cada um
de nós é um templo e a novíssima compreensão de Maria, nos foram dadas pelo Espírito Santo.
Resumindo: poderíamos escrever de novo a nossa história e a história do nosso Movimento
atribuindo-a inteiramente ao Espírito Santo.
Esta é uma novidade! Uma novidade que devemos guardar no coração e sermos gratos ao
Espírito Santo. Assim ele deixa de ser o “Deus desconhecido” porque começamos a conhecê-lo.
Apresentei este tema também aos jovens e eles disseram: "Então eu tenho o Espírito Santo,
porque eu conheço Jesus Abandonado, conheço o amor recíproco, sei como viver o Ressuscitado...
foi o Espírito Santo quem me deu tudo isto, portanto agora eu conheço o Espírito Santo...".
E assim nasce um relacionamento com o Espírito Santo, que talvez antes não tivéssemos,
porque agora sentimos que ele faz parte da nossa vida.
Todavia não é que estivemos sempre longe desta compreensão do Espírito Santo. Alguma coisa
percebíamos, compreendíamos, também antes.
Tanto é verdade que existem e sempre existiram no Movimento atitudes, comportamentos,
orações, realidades, aspirações, que se referem ao Espírito Santo.
Por exemplo, era uma exigência desde os primeiros tempos do Movimento, "escutar aquela
voz", expressão que usávamos referindo-nos à voz do Espírito Santo que habita nos nossos corações.
E isto é muito importante porque toda a edificação desta Obra se efetuou porque obedecemos
"àquela voz", à voz do Espírito Santo que nos conduziu.
Escutar "aquela voz" foi sempre um imperativo insistente. Era o próprio Espírito Santo que
insistia nisso. Um exigência reforçada pela forte atração que sempre exerceu em nós, desde o início,
aquilo que Santo Agostinho dizia aos seus amigos: "No íntimo do homem habita a verdade".

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O cristão, como sabemos, é chamado a escutar "aquela voz", isto é, ser dócil ao Espírito Santo
que guia, exorta, conduz, constrói. O cristão deve caminhar sob o impulso do Espírito Santo a fim de
que ele possa operar no seu coração com a sua força criadora e conduzi-la à santificação e à
ressurreição.
Na escritura se lê: "Escutarei o que diz em mim o Senhor Deus", e ainda: "A Palavra de Deus
habita em vós".
Além disso no Movimento não se aprende somente a escutar a voz do Espírito Santo dentro de
nós, mas também a vos dele presente entre nós.
Aliás, considera-se muito importante escutar a voz do Espírito Santo quando Jesus está no nosso
meio, porque a sua presença nos ajuda a escutar melhor a voz do Espírito Santo em cada um de nós.
De fato, dizemos que Jesus entre nós "amplifica" a sua voz em nós, ela se torna nítida, mais
clara, mais transparente.
Nós ressaltamos sempre que o modo de amar o Espírito Santo era precisamente "escutar a
sua voz" e obedecer-lhe. E estabelecer Jesus no nosso meio para escutar ainda melhor o Espírito
Santo.
E isto foi sempre um costume nosso; o que comprova que o Espírito Santo sempre esteve
presente na nossa história.
E notamos que a sua voz nos fala interiormente, em todos os instantes da nossa vida: quando
rezamos e temos boas aspirações, quando agimos e temos boas idéias. Portanto, ele está sempre
presente; é a lâmpada que nos guia.
E sempre nos impressionou, além de ter sido um estímulo, aquela frase da epístola aos Hebreus:
"Hoje, se ouvirdes a sua voz, não endureçais os vossos corações".
Enfim, percebemos e constatamos inúmeras vezes que, escutando "aquela voz", os defeitos
diminuem e desenvolvem-se as virtudes, e nos encaminhamos rumo à perfeição.
Agora gostaríamos de concluir com uma breve meditação de Chiara sobre o Espírito Santo, que
é como uma oração que queremos juntos dirigir a ele:
"Ó Espírito Santo, quanto deveríamos ser-te reconhecidos e quão pouco o somos !
Queremos estar contigo... Ótimo consolador; doce hóspede da alma, doce refrigério.
Tu és a luz, a alegria, a beleza.
Tu arrebatas as almas, Tu inflamas os corações e inspiras pensamentos profundos e decididos
de santidade, com propósitos individuais inesperados.
Tu realizas aquilo que muitas pregações não teriam ensinado.
Tu santificas.
E sobretudo, Espírito Santo, Tu que és tão discreto, embora impetuoso e arrebatador, que
sopras como tímida brisa que poucos sabem escutar e sentir, olha a nossa rudeza e faze-nos devotos
teus.
Que não passe um dia sem te invocarmos, sem te agradecermos, sem te adorarmos, sem te
amarmos, sem vivermos como assíduos discípulos teus.
Envolve-nos em tua grande luz de amor!
Esta é a graça que te pedimos".

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ASPECTOS CONCRETOS DA VIDA DOS VOLUNTÁRIOS DE DEUS

VERMELHO

Encontro das Delegadas e Conselheiras


Castelgandolfo, 1º de dezembro de 1994
Dori Zamboni

Faremos agora uma exposição das cores, para penetrarmos no arco-íris.


Sabemos que na natureza a luz reflete-se em muitas cores e também nós temos as nossas cores, que
são os aspectos. Estes são, naturalmente, apenas um particular em relação à Obra inteira, que
sabemos ser muito maior; muito mais completa.
Vocês sabem que a união de todas as cores forma o branco e já que vocês estão
aqui como representantes das cores de todos os centretos, achei que seria lógico falar sobre os
aspectos, como também convidar as focolarinas para falar sobre as cores.
Para o vermelho deveria ser Giosi, mas não foi possível (não se sentia bem).
Ontem eu lhe disse: "Giosi, sou eu que devo falar sobre a sua cor... mas é você que tem o desígnio..."
E ela me respondeu: "Eu te faço unidade, te faço unidade".
É necessário termos uma idéia completa desta cor que chamamos "Vermelho"
e refere-se à comunhão dos bens e ao trabalho. Como vocês sabem, a comunhão dos bens foi vivida
desde o início da nossa história. Fizemos o "fagotto" como primeiro testemunho de nossa fé em Deus-
Amor e depois, aos poucos, com o nascimento das outras vocações da Obra ela foi modificando-se e
crescendo sob o imenso amor de Deus por cada uma de nós.
No próprio Evangelho e na vida das primeiras comunidades cristãs
encontramos citações referentes à comunhão dos bens. De fato, Jesus disse: "Procurai primeiro o
reino de Deus e a sua justiça e todo o resto vos será dado por acréscimo".
Na nossa vida precisamos agir e não esperar que as coisas apareçam de repente;
que caia do céu aquilo que necessitamos; precisamos procurar, antes de tudo, o Reino de Deus, viver
o Ideal e ainda procurar trabalho, fazer a comunhão dos bens, etc... Os Atos dos Apóstolos nos dizem
que "a multidão dos fiéis tinha um só coração e uma só alma e ninguém dizia seu, aquilo que possuía,
tudo era colocado em comum entre eles".
Agora, com o lançamento da Economia de Comunhão, esta frase: "... e tudo era
colocado em comum entre eles", tornou-se mais vivida entre nós. E com a espiritualidade coletiva
Chiara mostra-nos como esta comunhão deve ser atuada, não só no campo material, como também
no espiritual, colocando em comum a nossa "alma", as experiências de vida, nossas capacidades,
nossos dons naturais. Todos temos algum dom e, portanto, sempre algo para colocar em comum.
Todos nós dizemos que confiamos na Providência, mas será que é sempre
assim? Não colocamos em primeiro lugar os nossos negócios, com a nossa visão estreita?
Devemos sempre fazer a nossa parte, porque até mesmo a Escritura louva a
mulher sábia que prevê a compra das coisas necessárias; mas tenhamos sempre presentes as palavras
de Jesus: "Olhai os pássaros do céu... e no entanto o vosso Pai Celeste os nutre. Vocês não valem
mais do que eles?
Às vezes dizemos: o que vamos comer? O que vamos vestir? E com estas
coisas..., disse Jesus, também os pagãos se preocupam. É necessário que nós vivamos, trabalhemos,
mas confiantes Nele. Mesmo se somos pobres não descuidemos em ajudar os outros, pois Deus é
generosos e não nos deixará faltar nada. No Evangelho fala-se do cêntuplo, do doar. De um certo
modo pode parecer-nos supérfluo: quando Maria Madalena derrama todo aquele perfume, mesmo se
era para Jesus e no tempo da preparação à paixão, era inútil . Quando Jesus transforma a água em
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vinho, não era necessário que esse fosse de excelente qualidade, porque já haviam bebido muito,
porém Jesus assim o fez; transformou a água em um vinho, de fato, excelente. Ele não é um tirano
que nos pede para ajudarmos aos outros, deixando-nos apenas o necessário, mas demonstra sempre
aquela longanimidade, aquele amor, aquela plenitude que nos dá até aquilo que não é de extrema
necessidade.
Gostaria ainda de dizer-lhes alguma coisa deste grande amor de Deus que nos
dá também o supérfluo.
Certa vez uma focolarina casada contou-nos que um dia ela e o marido
decidiram visitar um parente que estava aniversariando. Sabiam que esta pessoa gostava muito de um
determinado tipo de licor, mas era muito caro e não tinham a possibilidade de comprá-lo. Ela lembrou-
se então, de fazer uma bela torta que o deixaria feliz da mesma maneira. Passou ferro na roupa e
enquanto preparava-se para fazer a torta, chega à sua casa um senhor com um pacote com um brinde
ganho de uma rifa. Ela não se recordava de ter comprado o bilhete, mas depois lembrou-se que havia
ganho de presente de alguém em uma festa. E naquele pacote havia justamente aquele licor que ela
queria dar de presente. Vejam, quando fazemos a nossa parte, Jesus chega de uma maneira que não
imaginamos, a Providência vem no momento oportuno.
Quando começamos a construir Loppiano, no terreno que era de Eletto
Folonari, pediram-nos tanto dinheiro para construir as casas, o "college", etc... Então decidimos
iniciar com o pouco que tínhamos.
Um dia Chiara estava assistindo televisão com Eli e essa percebeu que
mostravam uma casa de campo de sua família. Disseram que enquanto estavam arrumando o porão,
a adega, encontraram um quadro de um autor famoso. Eli imediatamente telefonou para a sua mãe
que lhe confirmou a notícia. Disse-lhe também que queria avaliar o valor do quadro para vendê-lo.
Como no Focolare estão quatro de seus filhos, um quarto da quantia da venda seria dado a eles para
dar início à construção de Loppiano. O Senhor inventa as coisas mais estranhas para vir ao nosso
encontro; mas devemos ter fé, confiança na Providência que chegará, não apenas em coisas materiais,
mas também para resolver os problemas que temos.
Um outro aspecto importante do vermelho é o trabalho. Qualquer que seja este
devemos pensar que é "servir à comunidade", e isto os faz "dar a César o que é de César", para que o
meu trabalho de cidadão sirva a toda a comunidade.
É necessário também aperfeiçoá-lo sempre, lembrando-nos que por trás
daquele trabalho, daquela correspondência, daquela aula ou daquele trabalho árduo no campo, estão
as pessoas, está Jesus para ser alimentado, para matar a fome, para vestir, para servir. E Jesus
considera feito a si tudo aquilo que fazemos também através do nosso trabalho. Fazê-lo com
perfeição, como Jesus o fez quando estava na terra e também Maria que trabalhava com amor. Muitas
vezes o fazemos como de rotina, porque temos que fazer. Mas não obstante tudo, devemos fazê-lo
com amor, lembrando sempre que Jesus está presente nas várias pessoas com quem trabalhamos.
Trabalhar, ou seja, fazer-se um com cada pessoa que vemos e com quem temos
um relacionamento e assim, também com todos aqueles aos quais estamos ligados indiretamente
através do nosso trabalho e que no final serão beneficiados.
"Fazer-se um" é sempre uma frase iluminada. Fazer-se um não se refere
somente ao fato de Jesus ter-se tornado homem, mas também ao fato de ter sido carpinteiro,
trabalhador, servindo-nos de maneira perfeita. Mesmo se fazemos pequenas coisas, a imitação de
Cristo diz: "Muito faz quem muito ama, muito faz quem faz bem uma coisa". Precisaria que cada
trabalho que sai de nossas mãos fosse uma obra-prima porque o Espírito Santo dentro de nós, aprovará
ou reprovará, se por acaso não o fizermos bem. Somente desta maneira ajudaremos a humanidade,
somente assim poderemos falar de Humanidade Nova, em renovar as estruturas, somente se
começarmos a viver bem e produzir no nosso pequeno ambiente, através do nosso trabalho, frutos
dignos da humanidade.
E além disso, devemos trabalhar com desapego, sabendo que cada obra é
participação na criação e, mesmo se é difícil, se nos faz sofrer, é participação na redenção.
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No final das contas somos apenas administradores daquilo que fazemos e o
fazemos porque Deus nos deu e depois devemos dar a Ele de volta.
Esta maneira de viver será o verdadeiro testemunho do Evangelho e através
dele as pessoas devem dizer de nós: "Eu acho que você tem alguma coisa especial, devido a sua
maneira de trabalhar".
E, então, participamos, abrimos a alma sobre tudo aquilo que Humanidade
Nova faz, que inicia, projeta, para que o nosso trabalho se torne aquela realidade de Economia de
Comunhão da qual Chiara tanto nos falou.
Devemos começar a partir de nós mesmos e depois abrirmos negócios
produtivos. Mas, antes de tudo precisamos incentivar, cooperar para aquela justa economia mundial
que o Papa tanto deseja; aquela mesma que o mundo procura e não consegue realizar, colocando em
relevo aquela cultura do doar, aquela civilização do amor, que não é fácil fazer se não começarmos,
por nós e entre nós, a viver o Vermelho deste modo.

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ALARANJADO

Encontro das Delegadas das Voluntárias


Castelgandolfo, dez/94
Graziella de Luca

Pediram-me para ilustrar com experiências o que existe nos nossos Estatutos
em relação ao apostolado, no sentido espiritual.
É pretensioso querer fazê-lo em 15-20 minutos, mas tentaremos, pedindo ao
Espírito Santo para ajudar-nos. Iniciemos logo.
O apostolado individual e coletivo das pessoas da Obra tem a mesma dimensão
do objetivo específico dela.
Portanto, "apostolado" para nós significa "ut omnes". Para realizar este
programa planetário é necessário ressaltar que se quisermos transformar o mundo, devemos
transformar os homens, cada homem e mulher, começando por nós mesmas para sermos luz, fermento
e sal.
Olhando além de nós mesmas é importantíssimo saber que método Chiara
utilizou conosco, suas primeiras companheiras, para compreendermos como lidarmos com as pessoas
que, pouco a pouco conhecem o Ideal através de nossa vida.
Assim que conhecíamos o Ideal, Chiara nos confiava grupos de pessoas para
acompanharmos.
No sábado seguinte à minha conversão eu já tinha no coração a certeza de que
tendo sido Chiara a me confiar aquelas pessoas, eu teria toda a graça para levá-las adiante. Entendi
que sob suas palavras podia lançar as redes, sem hesitar.
Compreendia também que era necessário que produzisse nas pessoas o efeito
desejado por Chiara. Por isto deveria empregar todas as minhas capacidades e depois confiar no
Espírito Santo para que Ele agisse.
Não era sempre fácil aquilo que me confiavam. Mas percebi que deveria
acolher aquelas palavras com a fé de que conseguiria fazer o que me tinha sido pedido e se tinha essa
fé, os frutos proporcionais não faltariam.
Existe porém, todo um trabalho para fazer nas pessoas antes de colocar a
semente do Ideal.
Trabalhava num escritório do Tesouro de Trento. Como muitos jovens, também
eu, por causa da guerra, tive que deixar os estudos para trabalhar e ajudar a minha família. Na sala
onde trabalhávamos éramos cinco. Próximo à minha escrivaninha havia uma funcionária que quando
escutava tocar a sirene de alarme anti-aéreo, ficava parada e não era mais capaz de caminhar.
Eu que, entre outras coisas, era também campeã de corrida, não tinha
dificuldade para atingir o refúgio. Mas, naquele momento, Deus me chamava claramente para amar
o próximo como a mim mesma e para estar pronta eventualmente, a morrer por ele. Portanto,
segurava-a pelo braço e chegávamos juntas ao refúgio.
Quando os aviões, que voavam baixo, metralhavam, nos refugiávamos num
porão para depois retomar o caminho até que chegássemos seguras ao refúgio. Isto uma, duas, três
vezes, dez vezes num dia.
A fortíssima idéia que animava Chiara e também a nós era esta: primeiro fazer
e depois falar. Portanto, dizia a mim mesma que se Deus não me tivesse impulsionado fortemente,
não teria jamais falado do nosso grande Ideal.
Uma senhora um dia me perguntou: "Mas olhe, por que você faz isto?" -
Respondi: "Se você fosse minha irmã certamente faria isso por mim. Do mesmo modo sua irmã faria
por você". "Oh, mas nem por todo ouro do mundo eu faria isto! Responda-me, portanto diga-me: por
que você faz isto?" A este ponto parecia-me que tinha chegado o momento de contar-lhe a nossa
imensa descoberta de Deus-Amor.
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Eu não esperava porém, a sua reação: assim que terminei de falar ela contou-
me todo os seus pecados. Eu certamente, não poderia absolvê-la, portanto sugeri-lhe procurar um
sacerdote e contar-lhe o que me tinha dito. No entanto aconselhei-a iniciar imediatamente a amar
todos os que passassem ao seu lado.
Para ela isto foi o início de uma nova vida. Depois eu a segui dia após dia.
Quando estamos sempre no amor, somos uma expressão de Deus e quem passa
ao nosso lado o percebe.
Muitas vezes na minha vida pedi a Jesus - percebendo que uma pessoa estava
em perigo, mesmo se não a conhecia, - "que Ele fizesse com que ela sentisse, através de mim, a sua
presença".
Conto-lhes um episódio referente a isto: Certa manhã entrei na catedral de
Trento para assistir à Missa. Vi o celebrante no altar e tive logo uma expressão de medo. Que pena,
digo, como aquela alma está destruída! Quem sabe em que provação se encontra! Disse então a Jesus
- " faze com que ele veja alguma coisa em mim, quando me der a comunhão, que o faça compreender
que és Tu".
Naquele tempo para ir à igreja colocava-se o véu, mas eu tinha esquecido e
como tinha nos ombros uma jaqueta com capuz, na hora da comunhão coloquei-o na cabeça.
Alguns dias depois, Bruna me propôs encontrar uma pessoa do seu
conhecimento, um sacerdote, e contou-me a situação muito trágica em que ele se encontrava, na
esperança de que eu pudesse convertê-lo.
Aceitei este seu desejo e encontrei-me diante daquele sacerdote...
Ele recebeu-me com simpatia e logo me disse: "Mas sabe, naquele dia quando
você veio para a comunhão e colocou o capuz, para mim foi muito forte. Senti que me encontrava
com o cristianismo vivo, sem formalidade, que vai ao essencial."
Permaneci sem palavras; Jesus mesmo tinha agido. Depois, um colóquio
profundo e muitos encontros, por várias vezes.
Para tornar mais evidente que é a nossa vida que deve falar, conto-lhes um
outro episódio, que quer demonstrar a importância da unidade para que acreditem em nós.
Encontrava-me em Nova York e telefonou-me uma senhora brasileira que
trabalhava para a TV nos Estados Unidos. Era mãe de um jovem que no Brasil foi conquistado pelo
Ideal e dizia que queria entrar no focolare. Ela era declaradamente contrária, mas, como não estava
lá, tinha o desejo de conhecer essas pessoas tão perigosas. Convidei-a para jantar e pensando no
ambiente que freqüentava, procurei adequar-me aos seus hábitos. Um jantar especial, portanto, no
ambiente adequado: luzes... música de fundo.
Antes de sua chegada colocamo-nos de acordo para não falar nada do Ideal e
que ninguém se apresentasse como responsável. De fato, existia uma unidade tão grande que não se
percebia quem era o responsável.
Foi uma noite agradável. Falamos de música, de discos célebres... Depois, no
final me presenteou com um belíssimo colar que logo coloquei e expressamos reciprocamente o
desejo de reencontrarmo-nos.
Um fracasso? Uma noite inútil? Não! Não podia ser assim, porque entre nós
existia Jesus no meio e Ele deixa, com certeza sua marca.
No dia seguinte pela manhã, tocou o telefone. Era ela. E disse-me: "Apreciei
demais o Movimento de vocês, aliás, parece-me que vocês são as pessoas mais aptas para
apresentarem-se na TV. Portanto já falei com meus amigos de Nova York para apresentarem um
programa sobre o Movimento. Está de acordo? Não só, mas como irei à Inglaterra, farei também uma
apresentação de vocês".
É muito importante também que as pessoas sejam levadas para frente, com
Jesus no meio.
Neste sentido são duas as coisas que devem ter presentes: quando devemos
falar a um grupo, os temas devem ser preparados em unidade; isto é, bem feitos e depois confrontados
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com Jesus no meio. Se devemos acompanhar individualmente as pessoas, é importante fazê-lo
confrontando-se com quem representa Jesus no meio.
Mas, atenção. Nos primeiros tempos sempre confrontei tudo com Chiara,
porque queria estar certa de que aquilo que fazia fosse realmente expressão do Ideal. Até que um dia
Chiara me disse: " Agora basta! Não é necessário que me conte outras experiências, porque você já
sabe como mover-se, segundo o Ideal".
Fazer as coisas com Jesus no meio significa saber escutar Jesus entre nós.
Conto-lhes uma experiência.
Morava com Chiara, mas viajava muito. A cada meu retorno contava-lhe tudo
o que havia acontecido nas viagens.
Uma tarde, assim que entrei, fiz-lhe a minha narração, mas ela me corrigiu: "É
possível que quando você viaja sempre fala a alguém do Ideal?"
Depois de alguns dias viajo de novo. Após entrar no trem disse a mim mesma:
agora realmente não vou falar. A lição tinha sido clara.
No meu compartimento tinha um único companheiro de viagem, um senhor
que começou logo a se interessar por mim. Respondi-lhe com monossílabos, depois peguei o pacote
de cartas que deveria responder e comecei a escrever. Mas ele voltava ao assunto. "Quantas cartas!
Quantos conhecimentos! O que faz? " E eu: sou dona de casa. E dentro de mim: aqui ninguém me
impelirá a falar. Finalmente compreendi”. E ele ainda: "desculpe se pergunto-lhe, mas quantos anos
tem?" Ficou surpreendido com a minha resposta. "Porém, continuava, deve ter uma vida límpida, o
que demonstra de verdade!" Limitei-me a agradecer. Foi uma viagem de muitas horas, mas não abri
a boca.
Voltando para casa contei a Chiara e ela disse: "Certamente o conquistou, não
foi?" E eu: “não”. A este meu "não" tive dentro uma resposta evidente. "Você não deve falar ou ficar
calada, não deve fazer as coisas ao pé da letra, deve escutar aquela voz que, pensando bem, a sentiu
fortíssima. Por que ficou apegada à palavra? A palavra mata o espírito". E aprendi a fazer apostolado.
Uma coisa importantíssima no apostolado é esta: depois de ter dado o Ideal a
alguém e depois de tê-lo acompanhado, talvez por muito tempo, no momento certo é preciso também
saber cortar e confiá-lo a alguém - visto com Jesus no meio - para que possa encontrar o seu lugar na
Obra.
Agora, um outro episódio.
Tive a ocasião de levar o Ideal a Padre Foresi, que ainda era um jovem de vinte
anos. Não foi fácil, porque esteve no seminário e o tinha deixado, no seu dizer, por amor à Igreja .
Evidentemente não tinha encontrado aquilo que procurava.
Acompanhava-o já há alguns meses quando o convidei para ir a Trento, no
Natal. Sabendo que era muito tímido, fui pegá-lo na estação, porque chegariam também outros vinte
jovens de Roma: Antonio, Giulio, Enzo, etc...Todos fomos ao jantar com Chiara. Padre Foresi
escutava Chiara encantado. Dentro de mim percebi com clareza que devia confiá-lo a Chiara e não
pensar mais.
Quando Chiara terminou de falar, Pasquale perguntou-me: "Poderia me dizer
qual é a minha vocação?" E eu: "Deus lhe manifestará." Mas vendo -o ainda desejoso de uma
resposta precisa, procurei explicar-lhe toda as espiritualidades que tinha conhecido até aquele
momento. Enfim descrevi-lhe a nossa. Ele me disse logo que tinha encontrado: esta era a sua
estrada. E depois perguntou-me: "Eu estou estudando filosofia, mas estarei pronto também para ser
sapateiro, operário, se for necessário. Qual é vontade de Deus para mim?" Expliquei-lhe que não
estando mais nos primeiros tempos, quando era necessário deixar os estudos para que o Movimento
fosse para frente, parecia-me oportuno que continuasse a estudar. E ele ainda: "Tenho muitas
roupas, o que devo fazer?" Respondi-lhe que sendo filho de um deputado não devia causar
vergonha ao seu pai. Que mantivesse portanto, quanto lhe parecia ser necessário e o resto desse
aos pobres. E enfim: "Eu fumo mais de trinta cigarros por dia ..." A este ponto pareceu-me
necessário dar-lhe uma idéia única, central. Disse-lhe que trinta cigarros fazem mal a saúde, que
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fumar não é pecado e que, colocando-se a amar compreenderia aquilo que devia fazer e aquilo que
não devia fazer. E com isto concluí .
Deixei-o no meio dos outros jovens, porque sentia que devia uni-lo a Chiara.
Para concluir, no apostolado é necessário sempre, amplos horizontes. Cada um
é candidato à unidade. Devemos estar prontos a falar às multidões, mas cuidar também de cada
pessoa, como se amássemos somente ela e assim cada uma.
É importantíssimo este relacionamento, alimentado constantemente pela
caridade, caso contrário não existirá mais o sal em nós e não seremos mais luz para os outros.

OUTROS TRECHOS SOBRE O ALARANJADO

"Como em cada cor do arco-iris existe toda a luz, expressa no vermelho, alaranjado, amarelo, da
mesma forma cada aspecto contém toda a vida, que se exprime no seu modo característico.
Também o alaranjado é, portanto, a própria vida do Movimento: vida que é Deus. E Deus é Amor, é
fogo: aquele fogo que Jesus veio trazer sobre a terra.
Podemos definir esta cor como sendo o Ideal do Movimento dos Focolares ( a sua expressão externa),
e coincide com a conquista do mundo, com o "Que todos sejam uma só coisa" (Jo 17,21), que Jesus
pediu ao Pai.
A concretização deste aspecto é o apostolado, ou melhor, é a típica evangelização do Movimento dos
Focolares." (1955).

A Palavra de Vida do alaranjado é "Eu vim trazer fogo à terra, e o que quero senão que ele arda?"
( Lc 12,49). Comparando o nosso apostolado com o fogo, Chiara dizia que este, por sua própria
natureza, queima, transforma tudo em si, consome. O fogo existe, se consome, se queima. Logo, o
apostolado existe se queima, se consome, se atrai e arrasta os outros ao amor a Deus. Caso contrário,
não existe.
Devemos, portanto, possuir o fogo vivo entre nós, aquele amor
"que é o mesmo amor com o qual Deus ama, aquele fogo que Jesus trouxe sobre aterra e deseja que
arda num incêndio, em Reino de Deus que transforma de modo radical as pessoas que, no início,
ficam tocadas por esse fogo de amor, e depois, deixando-se inflamar, foram arrastadas por ele. É um
fogo, um amor que dá a cada um de nós a possibilidade de sermos um outro Cristo, com maior ou
menor plenitude, dependendo da nossa correspondência. Em outras palavras, o amor cristão
divinizando os homens, influencia a sociedade em seus diversos modos de expressar-se: costumes,
leis, progresso, paz, cultura, etc" . (diário Chiara 1971)
È um fogo vivo que leva à unidade pedida por Jesus ao Pai: "que todos sejam um... para que o mundo
creia que tu me enviaste". Todos um! Se nós somos um, o mundo se encaminha em direção da
unidade. No momento em que essa unidade diminui, ou melhor, no momento em que a nossa unidade
não cresce, diminui consequentemente também esta força que pode influenciar o mundo.
Não se trata portanto de "fazer" apostolado, mas sim de "ser fogo".
Quando se fala em apostolado, imediatamente se pensa em uma ação externa, como se fosse uma das
múltiplas ações do dia. Para nós não é assim! Uma vez descoberto Deus, vivemos por Ele as 24 horas
do dia. Por isso, quer falemos, quer silenciemos, a nossa vida influi sobre aqueles que desejam o
Reino de Deus: este fogo não pode deixar de contagiar as pessoas que se aproximam de nós.

A característica do nosso apostolado é esta: o amor recíproco. Consequentemente, também nos


nossos encontros devemos cuidar para que este seja a base entre todos: é o primeiro apostolado
que oferecemos. Os nossos encontros não podem ser, certamente, para nós, simples ocasiões

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para fazer somente belos discursos. De fato nós não temos o carisma da pregação, mas aquele
da unidade.
Se, nos forem confiadas as pessoas, precisamos ”lançar as redes” sem hesitação, certos de ter todas
as graças para levá-las para frente, porque é Deus que nos manda essas almas; e devemos fazer toda
a nossa parte para produzir nelas os efeitos esperados.
Significa oferecer a Deus a nossa mente, o nosso coração, a nossa vontade, todas as nossas
capacidades para que as use como Ele sabe; fazer como se tudo dependesse exclusivamente de nós,
mesmo sabendo que tudo depende unicamente Dele. É Jesus que deve ir até o irmão, Jesus em nós,
assim a graça entra em ação através de nós.
Se não temos esta fé, pode acontecer que caiamos na confusão e percamos o fio do discurso - se por
acaso tivermos que falar - ou não saibamos mais como começar ou como concluir; desse modo não
acontece nenhum fruto.
Se a nossa alma, como ponteiro de uma bússola, estiver constantemente voltada em direção a Deus,
seremos “fogo” sempre e as pessoas não passarão em vão ao nosso lado. Agora, que o fogo nos
incendiou, não somos mais como éramos antes de conhecer o Ideal, sem interesse pelo
desenvolvimento do Reino de Deus, mas estaremos sempre na posição de ataque, na disposição de
amar.
E saberemos que devemos mirar sempre ao “Que todos sejam um” e estar plenamente consciente do
que significa esta missão.
Deus deseja que realizemos em nós mesmos uma coisa enorme, que Jesus expressou com estes termos
: “Vós sois deuses”; Deus em Deus, Cristo em Cristo : portanto quem nos vê, quem se aproxima de
cada um de nós deve ter a impressão de tratar, em certo modo, com Deus, de tocar, por assim dizer,
Deus: um Deus por participação, mas Deus, Deus Amor.
(Então)... aquele amor que o Espírito Santo difundiu nos nossos corações, contagia os outros e os leva
ao relacionamento com Deus, enquanto une ainda mais a nossa alma com Ele.
Deus nos quer pequenos salvadores, pequenos Cristo, pequenos Deus, pequenos Amor, filhos do
Amor.
(...) Acontece como com uma lente que recolhe os raios do sol : chegando-se perto dessa lente um
cigarro, este se acende porque, com o concentrar-se dos raios, a temperatura se torna mais forte. Se
ao contrário se colocarmos o cigarro diretamente em frente ao sol, este não se acende.
Assim acontece, às vezes, com as pessoas. Diante de Deus, parecem indiferentes, enquanto que
diante de uma pessoa que participa do amor de Deus, muitas vezes se “acendem” , porque essa
pessoa faz o trabalho da lente que recolhe os raios e ilumina.

Citaremos um escrito de Chiara de 1981, quando fala aos responsáveis da região do México:
“Gostaria que como nos primeiros tempos, nenhum de nós pense em salvar-se sozinho e que,
assim que receba o dom do Ideal, acenda fogos à sua volta.
Cada um que recebe o Ideal, saiba que deve imediatamente amar os outros, porque somos
filhos de um único Pai, todos candidatos à unidade, sem nenhuma distinção.
Aonde esteja uma pessoa do Ideal, alí deve-se acender um fogo, alimentando-o depois com
aquele amor que tudo crê e tudo espera”.
Este deve ser o comportamento dos membros da Obra de Maria : ser o manto de Maria!
Devemos amar a todos como se fossemos mães de cada um.”

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PERGUNTAS E RESPOSTAS

Bangcoc (Tailândia), 04 de janeiro de 1997.

Chiara aos internos das regiões da Tailândia, Índia e Paquistão

“Respostas às perguntas”.

Thaworn:
Na Tailândia os católicos formam uma pequena minoria. São menos de 1% da
população. Chiara, o que fazer para que muitos tailandeses conheçam profundamente o amor de
Jesus?

Chiara: Você é um voluntário de Bancoc?

Thaworn: Sim!

Chiara: Veja bem: quanto às estatísticas, eu não me preocuparia com elas, sendo
do Movimento dos Focolares. Não muda nada se os católicos são 1% ou mais. Para nós isso não
tem importância, porque devemos amar a todos, visto que todos são candidatos a entrar para o
nosso Movimento. O nosso Movimento abre as portas para todos. Ele exige, porém, que todos
amem, que todos se queiram bem, que todos criem a paz, que todos criem a união.
Por isso, para nós, todo o povo tailandês deve ser alvo do nosso amor, todos, os
católicos, os cristãos, os budistas, os de outras religiões, pois todos possuem uma alma na qual
um dia, mais cedo ou mais tarde, Jesus pode entrar. E Jesus pagou por todos. Portanto, já foram
resgatados. Agora trata-se de encontrarem a estrada justa.
Eu diria para amar a todos assim como são, e depois de tê-los amado, criem uma
amizade com eles, levem-nos aos nossos encontros. Ali serão amados por todos e ouvirão falar
também de Jesus, porque é o assunto mais corrente entre nós.

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AMARELO

Encontro das Delegadas e Conselheiras


Castelgandolfo, 1º de dezembro de 1994
Natália Dallapicola

Neste pouco tempo que tenho à disposição falarei sobre o amarelo e quero
imediatamente dizer aquilo que está no coração do amarelo: a união com Deus.
Vocês são Obra e portanto vou ler o que Chiara, o que o carisma fez Chiara
escrever nos Estatutos Gerais da Obra, justamente sobre o terceiro aspecto, sublinhando a união com
Deus.

Capítulo III - Da união com Deus e da Oração ( cf.Obra de Maria - Estatutos Gerais)

Art.43 - Os membros da Obra deverão tender a uma união sempre mais profunda com Deus. Por isso
deverão se esforçar em viver a sua vida de "ressuscitado com Cristo" (Col 3,1) abraçando constante,
imediata e alegremente a cruz e o abandono de Jesus, toda vez que estes se apresentam sob a forma
de qualquer dor ou aquele esforço que é exigido pela prática das virtudes cristãs;

Art. 44 - Deverão além disso, lembrar-se que encontram e incrementam a sua união com Deus,
amando e incrementando o amor para com os irmãos, porque quanto mais cresce o amor pelos irmãos,
tanto mais cresce o amor a Deus;

Art. 45 - Na união com Deus procurada e mantida - que desabrocha freqüentemente num
espontâneo colóquio com Ele - os membros da Obra poderão espelhar aquelas palavras de Jesus que
falam do dever de rezar sempre, sem jamais se cansar ( Lc. 18, 1);

Agora vejamos aquilo que é a específica vocação das voluntárias, aquilo que
se refere a um particular, assim como foi definido no Regulamento das Voluntárias como se
exprime, como se atua esta união especial com Deus e esta oração contínua.

Regulamento - (cf. Obra de Maria- Regulamento do setor das Voluntárias)

Art. 19 - As voluntárias procuram aprofundar constantemente a união com Deus, segundo a


espiritualidade comunitária da Obra. Por isso empenham-se em modelar-se em Jesus crucificado e
abandonado nas provações pessoais, para desenvolver e amadurecer em si mesmas as virtudes cristãs
e amá-lo nas tensões, nas fraquezas, nas injustiças e nos traumas daquela parte da humanidade onde
vivem.

Não encontro outras palavras para explicar e para sublinhar isso que está
escrito, senão lendo o que Chiara disse às voluntárias em 1975, respondendo a esta pergunta:
"Sentimos ao nosso redor um grande medo de viver, como um desencorajamento diante da vida:
suicídio, casais jovens sem querer ter filhos, fuga para um rejuvenescimento artificial por parte de
muitos anciãos ou fuga para a morte por sentir-se um peso para os outros. São programadas muitas
iniciativas que, ao nosso ver, não vão em profundidade no problema. Parece-nos antever uma resposta
a tudo isto, olhando o Ideal sob o aspecto do verde. Poderia ajudar-nos a penetrar mais nesta esperança
para a humanidade?"
Na resposta parece-me que esteja tudo e me deu muita alegria quando li. Diz
Chiara: "Vejam: nós vivemos num mundo cujo ar é irrespirável. Estando neste mundo também nós
ficamos ameaçados de perder o fôlego algumas vezes, porque nos sufocam certas ondas maléficas
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que falam da impossibilidade de vida, de suicídio, de juventude delinqüente, de droga, de heroína, de
todas estas coisas... O conselho que eu dou sempre aos focolarinos, e dou também aos voluntários, é:
viver numa "nuvenzinha". A "nuvenzinha" é a Palavra de Vida. Se você viver agora- por assim dizer
- o estar aqui, pode também estar contente porque é um momento belo, também sem pensar na Palavra
de Vida; mas quando sair deste lugar para o meio do mundo, onde os outros não são como estes seus
irmãos, chegam estas correntes, onde sente todos os problemas dos quais abordamos só alguns. Como
serão enfrentados estes problemas? Não só com o aspecto do verde, mas vivendo o Evangelho. O
Evangelho é a nossa "nuvenzinha" na qual devemos nos encontrar. Sabemos que cada circunstância
é um aspecto de Jesus Abandonado: desencorajamento, falta de vontade - Jesus gritou na cruz. Ele
pensava que tinha fracassado, que era inútil na vida - todos aspectos de Jesus Abandonado. E nós,
mediante a Palavra de Vida que contém sempre o positivo, podemos transformar estes momentos
negativos em algo de positivo. Nós devemos estar na "nuvenzinha", devemos viver no mundo, ao
lado dos nossos irmãos como muitas "nuvenzinhas". Vocês dirão: mas o que Chiara quer dizer? Digo
exatamente aquilo que era o conceito da "nuvenzinha" no Antigo Testamento. No Antigo Testamento,
Deus apresentava-se muitas vezes ao povo hebreu, sob forma de nuvem que precedia o povo. Nós
devemos arrastar este povo desencorajado, este mundo cheio de problemas, não enfrentando os
problemas diretamente, mas permanecendo na "nuvenzinha". Na "nuvenzinha" o problema não é
enfrentado diretamente, se contorna, porém se chega ao fundo do problema; chega-se talvez mais
tarde, mas chega-se. Portanto o meu conselho é este: quando amanhã terminar este encontro, não
saiam desta "nuvenzinha", não saiam da Palavra de Deus, não saiam do Evangelho. Vivam cada
momento da vida de vocês: o encontro com o marido, com os filhos, com o chefe de trabalho, com
os seus subalternos, com suas colegas, em estilo evangélico. Permaneçam na "nuvenzinha"! Os outros
as verão e as compreenderão; ou não as compreenderão, porque existe também o ódio do mundo, que
é próprio - vocês sentirão ou já sentiram - que é uma conseqüência de quem vive o Evangelho; e serão
odiadas e amadas. Paciência pelo ódio, mas serão também amadas e serão também seguidas e atrairão
também aqueles para a "nuvenzinha"; a salvação para a sociedade de hoje. Porque se quisermos
resolver problema por problema é impossível! Assim fazem na Holanda os nossos focolarinos, que
nos dizem - que quando se encontram como em uma ilhazinha e ao redor deles parece haver borrasca
porque é abalada a fé, é abalada a doutrina, é abalada a moral, tudo é abalado, mas quando se
encontram estão como um "paraíso". Então, permanecem na "nuvenzinha" de Jesus no meio, na
"nuvenzinha" de Jesus que é o Evangelho, o Evangelho vivido.
Portanto estejam atentas: não digo a vocês algo abstrato, digo a coisa mais
importante que existe que é Deus. Vivam em Deus e resolverão todos esses problemas para vocês e,
conseqüentemente para os outros, porque eles perguntarão: mas como você é sereno no meio de toda
esta confusão, deste barulho, destes desentendimentos? Como você consegue ainda permanecer em
pé e não ser derrubada por estas leis, por estas coisas, etc? Mas vocês no coração estão na paz. A
liturgia(...) se vocês observarem na missa, é sempre muito positiva, é sempre plena de esperança: "Tu
és o meu pastor, nos teus pastos verdejantes eu me sacio..." Deixa a alma sempre bem. Isto é Deus,
Deus que fala, que sustenta sempre, também nos momentos mais perigosos, também nas desordens
mais variadas, também nas confusões de idéias; também na confusão da alma. Estar na "nuvenzinha";
não significa isolar-se do mundo. Significa dar ao mundo uma injeção de Deus. Esta é a minha
proposta."
( cf. Incontro Voluntari europei; Rocca di Papa, 14/03/75)

Queria dizer-lhes a minha experiência e também alguma coisa que confirma


como estar na união com Deus, porque aqui Chiara diz para estar em Deus.
Nestes dois anos nos quais Chiara esteve ausente - nesta provação da Obra,
nesta ausência / presença de Chiara, porque esteve bem presente espiritualmente e moveu todos nós
- nunca sustentei atividades tão contínuas como neste tempo, especialmente neste último ano.
Tivemos novos encontros, como aqueles dos mulçumanos, e de modo particular aquele para o diálogo
entre as religiões, que nos levaram a uma grande atividade. Foi sustentada por completo pelo
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Movimento, com um trabalho de dois anos, a sexta Assembléia da Conferência Mundial das Religiões
pela Paz, realizada em Riva del Gerde, no Trentino. Esta foi precedida pelo encontro com o Santo
Padre, coisa única no mundo, na sala do Sínodo no Vaticano, presente também Chiara, e foi uma
coisa muito bela. Neste tempo, há dois anos, antes de partir para a África, precisamente em 3 de abril
de 1992, no encontro com o Centro da Obra, Chiara disse-nos muitas daquelas coisas, que nos deram
os alicerces sobre os quais retornamos continuamente nestes dois anos, no Centro, para alimentar-
nos, para renovar-nos, para impulsionar-nos ao ouvi-las de novo, porque parecia-nos como que
inatingíveis.Com aquelas realidades vivemos. Em particular, o que me sustentou foi a união com
Deus; ela foi a raiz de toda esta atividade e fez frutificar tudo o que surgiu, para a glória de Deus.

Chiara no Conselho - 03/04/92

"...Uma outra coisa queria dizer-lhes: é que se na Obra caímos no ativismo, se


aquilo que fazemos é simplesmente ativismo, isto não levará absolutamente à união com Deus à qual
estamos destinados."Eu, eles e Tu em mim, até que sejam um "; somos destinados à união com Jesus,
até que Ele esteja entre nós e o Pai nele e em nós. O ativismo não leva à união com Deus e portanto
à realização do seu Testamento, nem salvará a Obra se não se remedia. Vivendo a Palavra nos unimos
a Deus - diz Chiara - a Palavra coloca-nos em contato vital com Jesus, por isso Jesus está em nós,
somos um com Ele, que nasce e renasce em nós.(...)
Como disse
muitas vezes, devemos recolher esta união com Deus, este algo que temos e acreditamos, porque
estou certa de que vocês recorrem a Ele e nos momentos tristes e talvez também naqueles alegres,
para oferecer-lhe as suas alegrias e consolações! Estou certa de que vocês recorrem a Ele.
Estas expressões que lhes vêm espontâneas, precisam recolhê-las, como Nossa
Senhora recolheu Jesus os braços. A mais bela figura de Maria é Maria com o menino Jesus. Nós
devemos tomar sobre nós este Jesus que se exprime com estas palavras, que são todas orações. Estas
palavras crescerão, até que esta união torne-se sempre maior, sempre mais forte".

(Encontro de Chiara com o Centro da Obra, Rocca di Papa, 03/04/92)

Está tudo aqui e Chiara confirmou na penúltima ligação. No final, ali no Centro
da Obra, deu-nos duas palavrinhas a respeito de como viver a Palavra: lançar n'Ele, no coração de
Jesus e de Nossa Senhora, todo o resto e olhar logo o que Ele quer naquele momento, como viver a
Palavra. Quantos fracassos, não podem imaginar! Mas não ficar ali olhando aquilo que não puder
fazer de imediato, logo lançar fora (não tinha nem mesmo tempo de pensar) e recomeçar, recomeçar...
É isto que queria dizer-lhes... Unidíssima!

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VERDE

Encontro das Delegadas e Voluntárias


Castelgandolfo, 1º de dezembro de 1994
Aletta

Então andemos avante com este aspecto? Soube que esta manhã vocês
escutaram três, os três primeiros. Então, como sabem, aquele que devo expor é o verde. E vocês
entenderam que os aspectos, as cores, são estes aspectos do amor; o arco-íris que se desdobra em sete
cores; os aspectos do amor.
É por isso que os primeiros, quando surgiram chamamos cores; o verde, o qual
me diz respeito. Depois a um certo momento houve outros títulos. Nós sabemos que no Estatuto tem
"Natureza e Vida Física", "Saúde e Doença", etc... Depois no regulamento de Humanidade Nova tem
" Sanidade". E depois, a um certo momento, Chiara deu uma Palavra de Vida: "Deus é aquele que é",
porque é a vida, é o ser.
Mas agora para explicar o verde, eu gostaria de falar um pouco de história.
Pouco, pouco, porque não temos muito tempo.
Estávamos nos anos 1954 - 55 e Chiara, com esta torrente de luz que possuía
sempre no Espírito Santo, sentiu que Deus desejava que houvesse estes outros aspectos. Havia os três
aspectos que nasceram em 49: vermelho, alaranjado e amarelo. Depois, em 1954, após 5 anos, o
verde, anil, azul e violeta.
E aquilo que fez nascer o verde foi que, em um certo momento no Movimento
( então estávamos só na Itália e ainda em fase de fundação, como - penso - pode-se dizer agora)
tínhamos que levar o Ideal em toda a Itália. Não se calculava, não se media nada. Saltava-se as
refeições, viajava-se à noite, porque éramos impulsionadas. Chiara possuía esta luz nova, assim não
se podia estar parados. Precisava mesmo doá-la. Deus queria isso; era vontade de Deus até aquele
momento.
Depois, em um certo momento, Chiara sentiu que não se podia ir para frente
assim, precisava regular esta vida e pôr uma ordem. Não precisava descuidar da saúde, desta vida que
Deus nos deu. A saúde é um dom preciosíssimo: realmente se reconhece; só se aprecia quando se
perde. Então Chiara dizia: " Eu sinto que é vontade de Deus, sinto que Deus quer que cuidemos deste
corpo, desta saúde que Ele nos deu. É verdade que nós a doamos a Deus, doamos toda a nossa vida a
Deus e portanto não nos pertence mais. Porém, justamente porque não nos pertence mais, precisamos
mesmo cuidá-la. E depois para estar a serviço de todos, do próximo, mais vivos, mais vitais".
Por isso fizemos uma conversão, uma virada em nossas vidas. Assim, paramos:
agora é vontade de Deus que durmamos 8 horas. A noite foi feita para dormir, precisamos dormir 8
horas.
Começou mesmo assim: Chiara regulou a vida humana, podemos dizer, a vida
natural. Depois, alimentar-se às refeições é vontade de Deus; fazíamos porque era vontade de Deus.
E, de fato - agora reporto-me aos Estatutos -, o artigo 51 afirma: " No que diz
respeito à saúde física, cuidarão da saúde com solicitude, mas também com desapego, sabendo que é
necessário manter a saúde do corpo para servir Deus e os irmãos, mas que precisamos estar prontos
para acolher igualmente como dom, a doença e a morte.

(cf. Obra de Maria - Estatutos Gerais)

Gostaria de contar-lhes uma pequena experiência. Em um certo momento tive


que passar por uma doença bastante séria, depois de alguns anos que conhecia o Ideal (tinha 30 anos),
digamos, depois de 10 anos. Estava na plenitude da vida, pode-se dizer, também muito vivaz; e
depois, havia nascido o verde. A um certo momento Chiara manda-me em todos os focolares, que
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eram cinco então: no norte, no centro, em Roma, na Sardenha, na Secília. Havia estes 5 focolares e
eu deveria ir para dizer-lhes da necessidade de mudar de vida, de colocar-se a viver também este
aspecto.
E lembro-me que lhes dizia, que precisavam fazer a vontade de Deus: cuidar
da saúde é amar a Deus . É uma divina graça e precisa fazer a sua vontade, tratando-a e vendo-a como
uma purificação, como uma moeda que Deus nos pede. Uma riqueza, pode-se dizer, para pagar
alguma coisa ou também para nos purificar. E havia dito todas estas belas coisas e ... aconteceu
comigo a doença!
Um dia encontraram em mim a TBC, uma doença que nos bloqueava
completamente, que nos colocava inativos por completo. Lembro-me que deveria ficar 9 horas por
dia deitada, sem poder ler nada, porque não tinha forças por conta dos antibióticos que existiam na
época, muito fortes e também eram os primeiríssimos e não os associavam com as vitaminas, porque
ainda não se sabia. Por isso quase ficava destruída pelos antibióticos. E recordo que sempre ali, por
muitos meses, isolada num convento e todo dia sem fazer nada, sendo inativa. Porém, lembro-me que
quando aconteceu esta doença, disse: " mas não mudará nada; não muda nada." O Ideal pode-se viver
sãs e doentes! Isto é o verde, viver o Ideal. Viver o Ideal, sãs e doentes.
E ali, como dizia antes, na ineficiência completa ( levantava somente para as
refeições), quando ia às refeições e passava pela capelinha, vinha-me espontâneo de ficar de joelhos
diante do Tabernáculo e dizer: " olha Jesus, eu estou aqui e não faço nada, mas não me sinto inativa
e ineficiente. Sinto-me na primeira fila com Chiara a levar para frente o Ideal, o Movimento." Isto eu
sentia fortíssimo, real também, tanto que à noite encontrava-me contente e era sempre a mesma
jornada, as mesmas horas, os mesmos remédios, os mesmos..., sempre, sempre. Mas para mim o dia
jamais foi igual, sempre pleno, sempre vivo. Por isso não me sentia inativa, como dizer, meio morta.
Não sei como posso dizer...não me sentia doente. Não, não me senti doente! Esta foi,
verdadeiramente, uma belíssima experiência e daquela vez, daquele momento em diante, lembro-me
que parti e depois fiquei curada ( mas foram preciso anos, antes de curar-me). Mas haveria tantas
coisas belas para contar! Mas o que aconteceu foi isto: eu não me sentia uma doente, porque era Deus
que o queria. E pode-se dizer a sua vontade, pode-se construir a Obra mesmo estando doente, porque
é a sua vontade.
Contei-lhe esta experiência para dizer-lhes também um aspecto do verde.
Sabemos que em todos os nossos aspectos existe duas partes: a parte divina e a parte humana. A parte
de cuidar do corpo, de cuidar da saúde, de amar os irmãos, por exemplo em Humanidade Nova com
os anciãos, os doentes, nos hospitais, fazendo todas estas belas obras de misericórdia. É toda parte
humana do verde.
Depois há toda a parte divina e pouco a pouco Chiara tinha uma idéia, depois
surgia-lhe muitas outras; assim nasceu o verde para cuidar da saúde. Porém, evidenciou-se aquilo que
Chiara dizia: " sim, o verde é a saúde do corpo Místico; é manter a saúde do Corpo Místico." E o que
significa este Corpo Místico? Eu explico assim. Nós aqui somos um Corpo Místico, aqui as
voluntárias; depois existe toda a Obra. Somos um Corpo Místico, toda a Obra; depois vem a Igreja.
Somos um Corpo Místico também com toda a Igreja e nós, somos todos membros deste corpo.
Então, eu, membro da Obra e da Igreja, devo fazer com que este corpo esteja
são, seja compacto, seja unido. Eu devo ser sã como corpo; como membro devo ser sã. E devo (...)
ter Jesus em meio com os outros membros, porque Jesus em meio nasce com o amor recíproco,
com a unidade. É como o "nó" que liga todos os membros do Corpo Místico, como diz sempre Chiara.
Então, se existe Jesus em meio nós fazemos um "nó", que liga o braço ou a cabeça, etc...O amor
recíproco, Jesus em meio é o vínculo que une este Corpo, por isso a unidade, em Jesus em meio, o
amor recíproco é aquele que faz com que o corpo seja unido.
Depois, para que seja são e seja nutrido, existe a Eucaristia. Por que eu me
aproximo da Eucaristia? Sim, me faz bem, porque é uma graça de Deus, mas também porque me
nutrindo de Jesus Eucaristia, não pára em mim, mas caminha em todo o Corpo. Se o braço é são,
então todo o corpo é são. É nutrido. É nutrido também o Corpo Místico.
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E gostaria de ler o que Chiara explicou aos gen. Disse assim: " A vitalidade do
Corpo Místico está nesta unidade de todos os seus membros... E, como quando existe a desordem nos
órgãos de um corpo não existe saúde, assim se não existe harmonia entre os cristãos não existe saúde
no Corpo Místico".

(cf. Colóquio com os Gen - Revolução Arco-Íris)

Esta harmonia é o amor recíproco que torna presente Jesus, o "nó" que liga em
unidade todos os membros do Corpo Místico, tornando-o compacto e são.
Porém existe ainda um alimento substancial que nutre, revigora, faz viver este
Corpo.
" Os primeiros fiéis - é sempre Chiara que fala - usavam um meio excepcional
para manterem-se sãos nesse sentido: nutriam-se da Eucaristia, deixada por Jesus, como vínculo de
unidade entre todos e remédio da desunidade. "
(cf. Colóquio com os Gen - Revolução Arco-Íris)

Manter a saúde do Corpo Místico é um modo novo de manifestar o nosso amor.


Dizem os Estatutos: "Jesus presente nos membros e entre os membros da Obra
de Maria é a sua verdadeira saúde, a sua saúde espiritual, seja na integridade física como na doença
e também mesmo na morte corporal."
( cf. Obra de Maria - Estatutos Gerais - art. 49)

Depois, diz ainda: "Para possuir esta saúde, os membros da Obra de Maria,
aproximar-se-ão o mais possível da Eucaristia, sacramento da caridade do Senhor, vínculo da
unidade com os irmãos vivos e mortos e também sinal da ressurreição corporal."
(cf. Obra de Maria- Estatutos Gerais - art. 50)

Aqui se deveria explicar muito bem a Eucaristia da terra que Chiara nos falou:
é para isto que ressuscitamos, porque recebemos Jesus, somos "misturados" (se podemos dizer) de
Jesus Eucaristia.
Conto-lhes uma outra experiência sobre esta saúde do Corpo Místico. A um
certo momento Chiara mandou-me a Istambul e ali era para manter contatos com o patriarca
Atenágoras. Estávamos em 1967. Eu estava ainda um pouco em convalescença, não me sentia muito
bem. Porém Chiara me disse: " Tu vais e não deves fazer nada. Deves só esperar a minha chegada,
assim tenho um "pied-a-terre" (ponto de apoio), há uma casa para quando tiver os contatos com o
Patriarca. Porém não deves fazer nada!" Porque vocês sabem que quando se começa a construir a
Obra numa zona, é uma vida... Vocês conhecem.

Então coloquei-me assim: é vontade de Deus não fazer nada. Porém também,
digo a verdade, não havia nada para se fazer! Neste sentido nós da Obra encontramo-nos ali pela
primeira vez e não conhecíamos o mundo islâmico, que é uma religião, um povo - assim pode-se
dizer - totalmente diferente da gente; e nós não podemos entrar neles e nem eles podem entrar em
nós. Por isso havia mesmo um muro e realmente não havia nada a se fazer.
Os contatos que havia era um "bom dia", "boa noite", mas o Ideal não passava.
Onde estava o Ideal? Somente entre nós focolarinos que estávamos neste pequeno focolare. Dizíamos:
"Bem, aqui não se pode fazer nada, porém podemos ter Jesus em meio e Jesus em meio é potente,
potentíssimo. Será Ele que fará alguma coisa. E depois temos Jesus Abandonado. Jesus Abandonado
será a chave que abrirá a porta deste Islã, mesmo hermeticamente fechada. Devemos ter Jesus
Abandonado, Jesus no meio.

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Depois veio-me em mente isto: "Vejam, nós estamos aqui porque é vontade de
Deus; nós somos partes da Obra, da Obra de Maria". E depois: "Somos membros da Obra de Maria
(mas não fiz esse raciocínio de membros), fazemos parte da Obra. Se nós não somos vivos, a Obra se
ressente, a Igreja se ressente; portanto nós devemos ser vivíssimos nesta vida aqui, mesmo se
externamente, aparentemente, não existe vida, mas nós devemos ser, este ser em nós e entre nós". E
lembro-me que éramos assim vivas..., sentíamos-nos plenas de vida, não de morte, mesmo se não
sabíamos o que fazer.
Tanto que um dia veio um cardeal do Vaticano, para encontrar todas as ordens
religiosas. E realmente havia encontrado muito desânimo, muito, muito desencorajamento. E veio
visitar-nos à noite, às 19:30 h. e nós três havíamos feito um pacto, as três juntas. Porque ali fazíamos
pactos. Tínhamos muito tempo. Então chega a primeira pergunta que nos faz: "Mas vocês não estão
desanimadas? Não existem momentos de desânimo? Não ficam bloqueadas?" E então nós: "Não!
Bem... o desânimo pode algumas vezes existir, mas para nós é Jesus Crucificado, é a dor e a dor é
uma riqueza e para nós é a chave - dissemos - é uma chave, com a qual talvez abriremos esta porta
do Islã". Porque sabia, havia escutado de todos os outros religiosos como é duro ali. É realmente duro.
Hoje um pouco menos, porque se abriram, mas... E então, ele ficou contente, tanto que depois tivemos
contato ainda com ele e se sentia focolarino. No dia seguinte fomos vê-lo quando partia.Disse-nos
(estava na Igreja e fomos à missa): "Bem, parto, porém estou contente, porque sinto que aqui em
Istambul, às margens do Bósforo, a Igreja não morrerá, porque existem vocês com a caridade". Talvez
com aquele "vocês" queria dizer vivos, membros vivos. E depois, falamos sobre isto ao Núncio
Apostólico, a um bispo, como vivíamos ali.
Porque nos perguntavam: "Mas o que fazem e que coisa não fazem?" porque
queriam ver, não só a nossa vida. Então contávamos a nossa vida. Então disse: isto é ser Igreja, isto
é ser Igreja!" Tanto que quando partimos e fomos para Beirute, disseram: " Partiu o pedaço da Igreja
mais vivo!" E, para concluir: eu não devia, nós não devíamos fazer nada! Mas deste fazer nada, que
era fazer a vontade de Deus, nasceu toda o zona do Oriente Médio.
Não sei de dei a idéia: a saúde nossa e a saúde do Corpo Místico.

68
AZUL

Encontro das Delegadas e Voluntárias


Castelgandolfo, 29 de novembro de 1994
Nunziatina

Tenho um pouco a ambição de que levem com vocês, deste pequeno encontro,
não somente as noções que se referem ao Azul, que já conhecem, mas o que diz respeito à alma que
" informa" cada expressão desta cor.
E queria, com Jesus em meio, aprofundar na consideração deste aspecto de
nossa vida, para ficarmos todas "informadas", como costumamos dizer, isto é, para assumir com a
graça de Deus o sentido mais profundo do Azul. Ainda que, obviamente, nos detenhamos somente
sobre alguns pontos. Antes de mais nada queria dizer-lhes numa palavra, aquilo que mais intimamente
tenho dentro de mim, em relação ao Azul. E para exprimi-lo, digo-lhes uma palavra com a qual Chiara
expressou muitas vezes as realidades desta cor.
Esta palavra é "harmonia".
Gostaria de dizer-lhes que, talvez porque este encargo me foi confiado já há
alguns anos e talvez porque quando a vontade de Deus é um aspecto particular desta Obra maravilhosa
- como é para mim o azul - parece-me ver ao longo do meu dia, com todas as expressões que o
compõem, que tudo é azul e, portanto, que tudo é harmonia.
É o sentido íntimo que nasce de dentro. portanto, parece-me que harmonia pode
também considerar-se a unidade sempre renovada que consigo estabelecer com Jesus dentro de mim,
procurando recomeçar sempre. Harmonia e unidade com as focolarinas com quem convivo todos os
dias. Portanto, acordos fortes e belos impulsionam-me a recriar as relações que já existem. Harmonia
é o desenrolar da vontade de Deus durante o dia e são harmonia até os diferentes contratempos que
podem acontecer, quase como notas de contraste na melodia que o Senhor quer compor com a minha
vida.
Digo isto porque está viva em mim a imagem que Chiara nos deu, já há muitos
anos, quando nos apresentou a existência de cada um como uma partitura que devia compor-se na
terra, com os olhos fixos na partitura do céu .
E se, olhando ao meu redor observo a beleza natural na qual vivemos: as aves
do céu e o próprio clima que parecem dizer com potência que Deus é amor para cada homem. Parece-
me ainda que com a palavra "harmonia" posso exprimir a nossa vida.
De onde nasce esta íntima verificação?
É experiência comum - minha, e de vocês - que, quando conhecemos Chiara,
fomos arrastados numa aventura que se abriu e continua a abrir-se aos olhos da alma,sempre nova,
nunca antes imaginada tão densa, tão variada. Portanto tudo na vida tomou cor, iluminou-se e, como
é freqüente repetir, entendemos.
Por exemplo: Chiara fez-me descobrir que Deus é beleza. Talvez eu antes o
soubesse, mas como se conhece racionalmente um atributo de Deus.
Isto impressionou-me fortemente. E fiquei ainda mais impressionada quando,
ao falar num encontro há muitos anos atrás, Chiara disse que: "as focolarinas devem dar ênfase ao
modo de vestir. Devem cuidar de si para que se possa ver a beleza da religião cristã."
"Nós não sabíamos o que era melhor - se continuávamos a emprestar as casas,
as coisas aos outros, ou passar pela estrada e arrastar com o nosso modo de caminhar e de vestir. Nós
sabemos que o exemplo arrasta. A palavra talvez abale, mas é o exemplo que arrasta. De agora em
diante devemos cuidar também destes pormenores - acrescentava . Não por ambição, mas porque é
vontade de Deus. Nós não pensamos em Maria desarrumada, manchada. Não pensamos nela deste
modo. Pensamos em Maria sempre arrumada, toda harmoniosa, toda bela."
Portanto, também com o meu vestido, com a harmonia do conjunto, devo
permitir que se diga: Deus é beleza.
69
A este propósito, digo-lhes que Chiara chegou a falar de elegância explicando-
a assim: " existe uma virtude - diz - chama-se a virtude da elegância; dizem que sobretudo no início
quando se enfrenta o mundo, é necessário praticar esta virtude. Depois, quando já lhe conheceram,
então podem também vestir aquilo que quiserem, mas sempre bem; porém, no início é necessário
apresentar-se como filhos de Deus."
Nestes anos, parece-me ter entendido o sentido da elegância: trata-se da
simplicidade. E, como Chiara explicava, trata-se "de nos adequarmos à personalidade." Isto já se
tornou normal com muitas focolarinas: uma é alta, outra feita do modo diferente da primeira; para
uma é necessário gastar mais dinheiro, isto é, comprar coisas de qualidade; para outra basta pouco
dinheiro. O importante é responder às necessidades da focolarina .
Para isto basta confrontar-se com quem com vocês, vive o Ideal, no caso de
vocês, com as voluntárias mais próximas. A este propósito gostaria de acrescentar uma experiência
que não é pessoal, mas que encontrei nos relatórios que nos chegam das zonas do mundo. Diz respeito
aos sacerdotes focolarinos. Escreve um responsável de zona: "cada vez mais os nossos sacerdotes vão
comprar as roupas juntos. E o azul pessoal ganhou com isto!"
Se for possível é importante fazer as compras juntos: aconselhando-nos, ouvindo
o pensamento do outro, apreciando. E acabamos por nos vestir com Jesus em meio.
E soa bem esta experiência neste ano da espiritualidade coletiva.
Detenho-me com vocês num outro aspecto importante: a casa. Chiara diz a seu
respeito: "será simples, será bela, como é a natureza."
É uma definição entusiasmante. Simples quer dizer que não há nada a mais. A
simplicidade significa libertar-se das supra-estruturas, de tudo que pode ser supérfluo. Por vezes -
não sei se também é a experiência de vocês - somos tomadas pela preocupação de que em cada canto
da casa exista alguma coisa.
Conto-lhs uma experiência pessoal.
Neste Centro Mariápolis existe uma parte que cuidamos como apartamento de
Chiara, de modo que quando aqui chegar tenha um ponto de referência, onde possa permanecer.
Logicamente, no início, quando chegamos e depois, de vez em quando, procuramos reavivar a
decoração, de modo a preparar-lhe sempre algo de acolhedor, de novo. Lembro-me uma vez que
talvez exagerássemos no acumular de bibelôs. Chiara disse-me que eram em demasia. Ela própria
retirou aqueles que estavam a mais e deixou ficar uns poucos, que ainda hoje estão lá.
Tudo se tornou mais leve. E, também mais em sintonia com a nossa pobreza,
que não quer nada a mais, mais quer que as poucas coisas que possamos ter se componham em
harmonia.
Pode acontecer por vezes, que pareça impossível deixar uma parede
completamente vazia e então vá-se procurar um quadro, um objeto. Mas pode acontecer que aquele
objeto, com o passar do tempo acabe por destoar. Recordemos que Chiara quer a casa "bela como a
natureza." E "simples".
Ainda em relação à decoração da casa ou do quarto em que vivemos, pode-se
dizer que se todos em uma família vivem o Ideal, será possível ver as coisas com Jesus no meio e
responder sempre - isto é, na medida em que se crescer a exigência da alma que quer ordem,
simplicidade, harmonia ao seu redor, quase reflexo de uma mais profunda unidade com Deus. Se isto
não for possível, não podemos esquecer que, como diz Chiara: "em cada aspecto de nossa vida existe
Jesus e existe Jesus Abandonado."
Neste caso intervém o perder, o saber perder, o perder algo de nós, o fazer-se
um. E, entretanto, continuamos a dialogar com a plena caridade e com a convicção de que dar a vida
é também isto.
Pode acontecer que se viva a experiência sofrida de um quadro posto num local
que não é apropriado ou que, para fazer unidade ao marido e aos filhos, se conviva com uma certa

70
confusão. É o encontro com Jesus Abandonado que dá a possibilidade de viver o Ideal por inteiro,
também neste aspecto da vida. Disse "por inteiro", porque tudo tende, afinal, à vida da alma.
Vou ler um pensamento que se encontra no Diário de Chiara de 1981. Ela
escrevia: "já há algum tempo reconheço que, tal como estou contente por ter uma perfeita ordem nas
coisas ao meu redor, no vestuário, na decoração, nos papéis, no arquivo, a tal ponto que uma vez feita
esta ordenação e renovadas as coisas por quanto possa sentir-me rica, assim - e ainda - devo fazer
com as coisas espirituais, isto é, com as virtudes que têm que adornar e embelezar a minha alma."
Entende-se como em Chiara a harmonia dentro, isto é, este tender a retocar a
nossa vida espiritual - e a isto Chiara leva-nos com a Coligação, a qual basta sempre nos referirmos -
impulsiona a exigir ordem e harmonia fora e vice-versa.
Deixo-lhes com um último pensamento de Chiara, que nos dá numa única
frase, a fisionomia que deveria ter aquela, assim chamada a Focolarina do Azul, e que é sem dúvida
uma meta a atingir.
Disse Chiara uma vez que a "focolarina do azul - e entendemos com esta palavra
todos nós, não somente a pessoa a quem está confiada esta cor, porque em cada um de nós as sete
cores deveriam ser todas cuidadas e sempre em crescimento - é aquela que compõe a unidade lá onde,
por exigência das coisas, foi alterada."
E isto tanto do ponto de vista concreto como no ponto de vista espiritual.
Façamos votos recíprocos de aprofundar todos os dias, cada vez mais esta
experiência de tão largo alcance.

71
ANIL

Encontro das Delegadas e Voluntárias


Rocca di Pappa, 1º de dezembro de 1994.

O aspecto da nossa vida que agora queremos focalizar, pelo menos em alguns
pontos, é o que se chama Sabedoria e Estudo; o anil.
Estamos envolvidas e nutridas pela Sabedoria que Chiara nos dá, sem limites.
Jamais acabaremos de agradecer a Deus por tal privilégio.
Por isto queremos conhecer bem o que é a Sabedoria.
Chiara, ao falar dos dons do Espírito Santo, recordou-nos que a Sabedoria é o
primeiro destes dons:"o primeiro e o mais alto", dizia citando um discurso de João Paulo II. É uma
luz que nos dá um conhecimento, permeado de amor, das realidades divinas e que nos faz saborear a
sua beleza.
"A Sabedoria - explica Chiara - é o Verbo de Deus. E o Verbo de Deus é Deus.
Por isto ela não tem somente um sabor intelectual, mas sacia o coração, sacia a alma."
No Verbo, no Filho, Deus ao gerá-lo reflete-se substancialmente a Ele próprio
e conhece-se a si mesmo. Este conhecimento que Deus tem de si em si, de todas as coisas, é a
Sabedoria; um conhecimento saborosíssimo ( por isso é que se chama "sabedoria"), porque é
conhecimento no amor, no Espírito Santo, é o Verbo, o Filho. Mas o Verbo encarnou-se. É Ele,
o Verbo encarnado, o Cristo - ainda melhor, o Cristo crucificado - que São Paulo chama "sabedoria
de Deus" (1 Cor 1,24).
A Sabedoria, portanto, "desceu", por assim dizer, desde a Trindade até o meio
de nós.
Existe mais. No batismo, Deus participa-a mediante o seu espírito, a cada
cristão. No batismo Ele "derrama" sobre nós (Rm 5,5) o seu amor, para que nos tornemos capazes de
amar como Ele ama, e o seu conhecimento ou sabedoria para que nos tornemos capazes de conhecer
como Ele conhece ( 1 Cor 13,12)
Nós a experimentamos como uma luz interior que nos faz "ver" (igual a
conhecer) os homens, o mundo, os acontecimentos em Deus, com os olhos - por assim dizer - de
Deus.
"Quando o estudioso - diz Chiara - quando o intelectual, quando aquele que
pensa tudo encontrar, tudo indagar com a sua própria razão, curva a mente diante da Mente Suprema
que é o Logos, o Verbo de Deus, compreende que o seu espírito é iluminado por uma luz, que não é
fruto de raciocínio, que não advém da inteligência, mas provém do céu.
"Então sabe e olha as coisas, as mesmas coisas que antes via confusas,
ordenarem-se como em um encantador desenho divino. Assim os mistérios mais profundos, ainda
que permaneçam mistérios, porque transcendem o homem, parecem-lhe acessíveis e toma
consciência de que participa, qual filho de Deus, na luz de Deus."
E ainda mais. Devido àquela sua presença que Jesus prometeu àqueles que
estão unidos no seu nome (Mt. 18,20), Ele, a Sabedoria encarnada, que vive em cada um de nós, está
também no meio de nós. A sabedoria, de fato, é aquela luz típica que experimentamos quando existe
Jesus no meio.
Mas quando é que Jesus sobre a terra atingiu o vértice do seu ser Sabedoria? É
no momento do abandono por Ele vivido como supremo ato de amor para com o Pai e por nós; é
quando doa tudo de si, até mesmo a luz, a Sabedoria. É ali, que Ele se torna suma revelação e
participação a nós daquela primeira verdade que é Deus; Deus na sua realidade de amor trinitário. É
ali que Ele se torna para nós a fonte suprema de Sabedoria. Para que tivéssemos a luz, Tu te fizeste
escuridão (...) Para que possuíssemos a sabedoria, Tu te fizeste ignorância (...)".

72
"Jesus Abandonado era o único livro no qual líamos", escreve Chiara aludindo
a experiência dos primeiros tempos. "O amor a Ele abandonado entrou, penetrou, explodiu nosso
coração, como um fogo que tudo devora, que nada salva, como uma paixão divina que arrasta e
envolve o coração, mente, forças: como um fulgor que ilumina.Via-se. Entendia-se. Eram rios de luz.
Jesus Abandonado iluminava-nos ..."
É claro, portanto, como fazer para possuir a Sabedoria.
Abraçando Jesus Abandonado e mantendo viva, no amor recíproco, a presença
de Jesus entre nós. O Ressuscitado resplandecerá em cada um de nós e no meio de nós irradiará os
seus dons.Transformar-nos-á como Chiara quer - em "fontes jorrantes de sabedoria" para a derramar
sobre os outros, sobre o mundo que nos rodeia.
Então poderemos assumir, mediante os estudos, o saber humano em toda a sua
amplitude, para iluminar com a sabedoria e para que ele possa servir à sabedoria.
Por isso, com Chiara, advertimos a urgência de explicitar e elaborar a doutrina
rica que está contida na espiritualidade e a vida da Obra de Maria, para a poder oferecer à Igreja e à
humanidade, como base de uma nova "cultura" cristã, de um novo estilo de viver cristão na sociedade
de hoje; uma doutrina que terá as suas aplicações nos múltiplos aspectos da realidade humana.
Pensamos em tudo aquilo que já aconteceu pelas extraordinárias inspirações de Chiara sobre a
Economia de Comunhão, sobre a cultura do dar, sobre a inculturação focolarina e - antes de tudo -
sobre a Escola Abbá .
Entretanto, continuemos a nos preparar, a nós mesmas e todos aqueles que nos
estão confiados, participando ativamente também em tudo aquilo que nos é oferecido nas diversas
escolas da Obra para a formação de seus membros. “Queremos - diz Chiara - cada vez mais conhecer
a Deus, porque O amamos. E tudo aquilo que é sua vontade para cada uma de nós, segundo o estado
da vida,a nossa vocação e profissão, para contribuir - cada uma singularmente e unidas - para atuação
dos seus desígnios sobre a Obra e sobre a humanidade”.
Mas é necessário, antes de mais nada, deixar tudo e seguir Jesus, para depois
poder com Ele retomar tudo e cristianizar tudo.
E agora um pouco de minha experiência neste nosso aspecto.
Recordo que desde 1970, por uma década, Chiara pediu aos professores e às
professoras de Loppiano, para recolher e enviar-lhe passagens da Escritura, escritos dos Padres da
Igreja, de santos, de grandes místicos, de papas, do Vaticano II, de grandes teólogos medievais e
contemporâneos, de filósofos, etc., que tivessem uma certa afinidade com os vários pontos de nossa
espiritualidade para ilustrar os seus temas. Empenhamo-nos de imediato nesta investigação, da qual,
diz Chiara, toda a Obra se beneficiaria.
Foi uma escola formidável. Conto-lhes apenas um fato.
Eu traduzia os Padres gregos que nem sempre são fáceis de interpretar. E revia
para Chiara, o apanhado de todos os trabalhos. Mas dei-me conta, de imediato, de que tinha na alma
um potente farol de luz - o Ideal - que me fazia descobrir minas de tesouros depositados ao longo dos
séculos, pelo Espírito Santo na Igreja. Iluminava-me o valor e o modo de os extrair, de os traduzir,
para os apresentar sinteticamente a Chiara. Era uma descoberta contínua, à qual acrescentava-se outra,
surpreendente: todos aqueles "tesouros" já existiam no Ideal, vindos diretamente de Deus. Mas no
Ideal existe uma novidade; existe um progresso na compreensão da verdade... continüidade, portanto,
da doutrina rica de Chiara com toda a tradição e vida da Igreja e novidade segundo o carisma da
unidade, que ela recebeu para a Igreja e a humanidade de hoje. Tudo ia para frente com Jesus no
meio. Jesus Abandonado existia sempre, obviamente. E Chiara ficava contentíssima com tudo aquilo
que lhe enviávamos.
Foi um trabalho que nos fez repetir também para a Escola Abba. Mas, na Escola
Abba, ela conduz todos os trabalhos, espiritualmente e operativamente. Chiara entendeu que para ter
Jesus em meio também em proporção ao trabalho que nos é confiado, era necessário dar um passo,
que é, como sabemos, o do "corte das nossas raízes culturais". E fez com que fizéssemos através de
um pacto, escrevendo depois, por trás de um magnífico ícone de Maria estas palavras: "Consagramos
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todos nós, mesmo como pequeno corpo de teólogos, à 'nova teologia' que o carisma da unidade deve
exprimir como dom a Maria, sede da sabedoria". - Seguem todas as nossas assinaturas: Chiara,
Chiaretto, Klaus (mons. Hemmerle), Peppuccio, Marisa.Padre Novo, Enzo, Piero Coda, Gérard.
É claro o que isto significa: por parte de todos e cada um, abrir mão, até mesmo
da sua própria formação cultural, recebida anteriormente de diferentes “escolas", para poder acolher
totalmente, um, o pensamento do outro; para compreender cada um totalmente, o outro. Somente
assim pode existir aquela unidade que nos faz ser Jesus - para ter Jesus no meio - também neste
campo e permitir exprimir a teologia de Jeus, a filosofia de Jesus, a sociologia, a economia e assim
por diante, de Jesus; de Jesus no meio de nós.
Qual é a realidade nova que o carisma da unidade traz ? pergunta Chiaretto. É
Jesus.O mesmo Jesus que volta a passar sobre a terra no nosso século. Jesus no meio de nós; o próprio
Jesus, Jesus no meio, que dá vida e desenvolve a Obra no mundo. O próprio Jesus, Jesus no meio de
nós, o teólogo, o filósofo, etc., cuja luz, cuja doutrina - a doutrina do Ideal - poderá, dizia monsenhor
Hemmerle, determinar a reviravolta mais radical que se conhece até hoje no campo do pensamento e
abri-lo sobre novíssimos horizontes, para o mundo de hoje e de amanhã.

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VIOLETA

Encontro da Delegadas e Voluntárias

As voluntárias, mesmo se espalhadas no mundo inteiro e por vezes sozinhas, sabem


que formam um só corpo.
O núcleo é uma família que as torna um só corpo. Portanto, quando vocês se sentem
fracas, sozinhas, incapazes, etc., quer dizer que é preciso reavivar a vida de núcleo porque é esta que
lhes faz fortes e lhes dá sempre novo ardor à revolução de amor. Este é o segredo para estar sempre
"su". (para cima)
Por isso, "procurem manter, o mais que puderem, a comunicação contínua, imediata e
completa entre elas". Eis o violeta, é esta a sua função: ajudar as voluntárias do núcleo a ser um corpo,
família, ajudando a nunca faltar nada.
"Contínua": suponhamos que uma voluntária por motivo de saúde ou outro, não
possa vir às reuniões de núcleo, digamos por um mês. O violeta deve ajorná-la continuamente. A
voluntária não pode vir, deve ser ajornada sobre o que se fez, os projetos e cada encontro de núcleo.
"Imediata": não é que você vai ajornar a essa voluntária uma semana depois. Imediata
quer dizer que se o encontro foi sábado, domingo procura falar com ela ou no máximo segunda-feira,
mas não deixar passar uma semana.
"Completa": não dizer: o encontro foi belo, as voluntárias estavam todas "su". Não!
Completa é especificar tudo. Se não puder fazer sozinha chame outra para ir com você e é belo assim
porque chega àquela o amor das outras. Esta voluntária deve sentir que mesmo estando sozinha faz
parte do núcleo e está sempre presente. Quem deve fazê-la sentir-se assim é justamente a voluntária
que é o violeta.
Se no final de um ano existe uma voluntária que diz: "Realmente o Ideal é maravilhoso,
mas eu não tenho vontade de ir à reunião do núcleo, assumir tal compromisso, etc.." Talvez este seja
um sintoma de que Deus não a chama para ser uma voluntária e portanto somos livres e, graças à
Deus, na Obra há lugar para todos. Agora com Humanidade Nova, Famílias Novas e Movimento
Paroquial há lugar para todos. Porém a vida de unidade é a única estrutura divina que Deus pensou
para vocês e portanto devemos chegar a isto.
Às vezes a voluntária pode pensar: "Quando eu vou à reunião de núcleo não tenho
nada para contar; as outras voluntárias têm belas experiências e eu não. Aliás, foi tudo mal comigo,
um fracasso". Este é um raciocínio humano; é preciso que nos re-evangelizemos, porque o que
importa é colocar em comum aquilo que temos e aquilo que somos. Devemos chegar a possuir
aquela mentalidade evangélica que nos faz entender que não é mais importante dar que receber; mas
é também amor, tanto dar como receber; entender que é importante dizer o positivo, mas dar aquilo
que se tem. É isso que faz aumentar a presença de Jesus em meio. Quem ama mais? A voluntária
que diz "foi lindo porque eu conquistei aquela pessoa" ou a que diz "eu não conquistei ninguém?"
Talvez dê mais a que não conquistou ninguém, porque dá a sua dor, dá o seu fracasso, o que não é
fácil... Portanto entender que tudo é amor. Possuir esta mentalidade que não é a mentalidade do
mundo. O mundo julga e pesa as coisas de um modo diverso do nosso. O importante portanto é dar
aquilo que temos. É preciso ter essa simplicidade. Devemos acreditar que estamos juntas para nos
amarmos, não para nos julgarmos. Ai de nós se pensamos: "Não vou à reunião porque não tenho
nada de positivo para contar. O importante não é dar as coisas positivas, mas dar aquilo que se tem
e se você amou Jesus Abandonado em todos esses fracassos, dá algo de valor inestimável e as
outras colherão como um tesouro. Logo, este é o corpo que deve compor o núcleo.
Portanto, se existe uma voluntária que pensa assim, aquela que é o violeta, deve
ajudá-la a entender como aquilo que ela conta, pode ser um dom precioso para as outras.

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TEMAS - FORMAÇÃO

Rocca di Papa, 10 de janeiro de 2002


Escola para focolarinos
Padre Foresi

A Segunda Escolha de Deus

Este tema que devo fazer é um tema que vocês conhecem, só que nunca foi gravado em vídeo.
Fiz esse tema no dia 4 de agosto de 1963.
Uma focolarina de Loppiano me perguntou: “Quando foi que você fez esta experiência
da segunda escolha de Deus?” Eu lhe respondi: “Eu não me lembro de tê-la feito num período
particular. Só sei que fiz este tema no dia 4 de agosto de 1963 e com certeza alguns meses antes
eu tinha feito esta experiência. Portanto, eu tinha 33 ou 34 anos.
A segunda escolha de Deus
Esta exposição refere-se ao caminho que os cristãos percorrem a fim de crescerem na união
com Deus. Quem tem algum conhecimento sobre a história da espiritualidade encontrará muitas
ligações com o que os místicos e os grandes mestres dizem nesse campo. No entanto, nas reflexões
que desejo oferecer, muito humilmente, como em família, encontram-se duas características
conhecidas.
Antes de mais nada, não se trata de conceitos teóricos, pois representa a experiência de muitas
pessoas do Movimento dos Focolares nesses anos.
A outra característica, a mais importante, é que se trata de uma espiritualidade claramente
comunitária. As suas etapas foram descritas por Chiara Lubich, de maneira simples, mas muito
profunda e original, nas suas conversações sobre a Via de Maria.
Nesta espiritualidade, a subida a Deus está relacionada com o crescimento da unidade com os
irmãos. Por isso, tudo o que lhes direi sobre a união com Deus, tem sempre algum reflexo na relação
com o irmão e vice-versa.
Crer que Deus é amor implica uma grande descoberta: a descoberta de um amor pessoal
de Deus por nós, por mim. Ele, com um amor infinito, continua a nos querer bem, mesmo que
não tenhamos correspondido aos seus dons e ainda que tenhamos cometido as maiores
maldades, Ele nos quer sempre bem, nos ama cada vez mais.
Aquilo que agora gostaríamos de nos perguntar é: conscientes desse bem que Deus nos
quer, diante do amor de Deus, que se derrama sobre cada um de nós, como podemos responder,
o que devemos fazer, o que eu posso fazer por Deus?
Temos que ir por etapas. Em primeiro lugar, Jesus nos revelou no Evangelho como devemos
retribuir ao amor de Deus: “Com toda a tua mente, com todo o teu coração e com todas as tuas forças”
(cf. Mc 12,28-34).
Quando afirmamos que fizemos a escolha de Deus como o tudo da nossa vida, como o nosso
único ideal, o que fizemos? Tomamos justamente a decisão de amar a Deus com toda a mente, com
todo o coração, com todas as forças. O que isso significa concretamente?

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Com toda a mente implica duas coisas: antes de mais nada, que a mente não esteja
ocupada por pensamentos contrários a Deus e, de modo positivo, que toda a própria
inteligência, todas as próprias faculdades sejam colocadas a serviço de Deus, doadas a Ele. De
fato, nos cristãos, que atingiram uma grande maturidade, se percebe o quanto toda a sua mente
está dedicada ao serviço de Deus, da Igreja, da humanidade. Quando desempenham uma
incumbência, estudam todos os meios para tentar fazê-la completamente por Deus, sem
considerar a si mesmos.
Observando a vida deles, não se concebe que a sua mente possa pensar em qualquer coisa que
não tenha por finalidade o crescimento do Reino de Deus no mundo.
Na verdade, acontece com freqüência que, quando se fala com eles, ao serem interrogados
sobre a sua vida pessoal, sem se darem conta eles não conseguem falar de si; referem-se
espontaneamente ao que fazem pelos outros, ao crescimento das pessoas e das obras a que eles se
dedicam.
Por sua vez, nos cristãos,que estão mais no início da vida espiritual, nota-se que Deus não
ocupa toda a sua mente, que as atividades que desenvolvem são feitas por si e não por Deus. Mesmo
quando desenvolvem tarefas na Igreja, embora dêem a impressão de fazer tudo por Deus, na realidade
freqüentemente as motivações são outras e não refletem uma verdadeira escolha de Deus. Agem por
ativismo natural, como fariam em qualquer outra opção de vida; agem por espírito de corpo, fazendo
com que a própria instituição cresça; por gosto pessoal, para alcançarem lugares de destaque, para
serem reconhecidos pelos outros e assim por diante.
Uma pessoa expressava isso muito bem ao confidenciar-me que percebera “que fazia muitas
coisas por Deus e, no entanto, quão pouco havia Deus nas coisas que fazia”.
Pode acontecer que se trabalhe a vida inteira fazendo “apostolado”, atuando em meio às
“coisas sagradas”, sem jamais ter feito essa escolha profunda e verdadeira de Deus, pois, no fundo,
era para uma autosatisfação.
Visto, porém, que Deus ama essas pessoas, depois elas serão purificadas por Ele, inclusive
mediante o sofrimento; e, à medida que elas corresponderem, crescerão espiritualmente, e Deus vai
forjá-las sempre mais. O amor de Deus é um amor “ciumento”: ele nos quer totalmente para si, pois
o ser humano é plenamente ele mesmo, realiza-se e encontra a felicidade só quando é totalmente de
Deus.
Constata-se isso, por exemplo, observando como muitos cristãos, se não tivessem conhecido
o Evangelho, seriam pessoas insignificantes, medíocres, talvez boas, sem, no entanto, terem criado
nada; ao passo que, à medida que Deus vai tomando a inteligência deles, conseguem fazer coisas
maravilhosas para si e para os outros.
Depois, Deus quer que nos doemos a Ele com todo o nosso coração.
O coração, na Bíblia, tem um significado muito vasto. Neste momento eu gostaria de
focalizar apenas aquele que diz respeito à emotividade, ou seja, a toda a gama de sentimentos
que podem ser definidos pela palavra “coração”. São aspectos muito importantes da nossa
pessoa que, além do mais, não são facilmente controlados racionalmente, mas devem ser bem
canalizados e doados totalmente a Deus, tendem muito mais a apegarem-se a muitas coisas que
não são Deus.
Também nesse caso há duas coisas a fazer. Por um lado, doar totalmente o nosso coração a
Deus com uma vontade firme. Por outro, evitar que se instalem sentimentos que vão na direção
contrária das coisas como Deus as quer. Então é necessária a virtude da prudência. Pois, visto que o
coração é muitas vezes cego e tem uma inteligência muito obtusa, que não consegue sair de certos
labirintos, é preciso afastar-se, distanciar-se daquelas realidades que podem suscitar tais sentimentos.

77
Em certas ocasiões, para que se consiga vencer e orientar os próprios sentimentos, é preciso
já estar muito adiantado na santidade, já ter superado a purificação dos sentidos e talvez a do espírito;
enfim, já ter conseguido possuir o Coração de Jesus ao invés do nosso coração.
No entanto, quem passa por essas provações, essas tentações, nunca deve desanimar. Mas
também não deve presumir que consegue vencê-las a não ser com uma grande vontade de amar a
Deus e usando muita prudência. De fato, temos que nos afastar de tudo o que não é Deus, que não
provém de Deus.
Quando o nosso coração quer nos fazer deslizar para os desejos da carne, para a busca egoísta
da riqueza, a sede do poder e assim por diante, o que devemos fazer? Devemos enfrentar a situação
com a audácia ou com a mortificação?
Neste caso, a audácia seria apenas aparente; é para cortar que se necessita verdadeiramente da
coragem. Temos de nos mortificar a fim de que se desenvolva em nós (para usar termos paulinos) o
homem novo (Cl 3,10; Ef 4,22-24; Rm 6,6), que vive na luz, que vê as coisas a partir de Deus.
Às vezes alguém poderá dizer: “Gostaria de vencer essas tendências permanecendo no
ambiente; sem fugir das tentações, mas enfrentando-as”. Pois bem, é preciso convencer-se de que isso
é praticamente impossível. Ou é um subterfúgio inconsciente para não cortar, ou é ingenuidade, falta
de experiência.
Às vezes justifica-se essa atitude até mesmo com argumentos espirituais. São todos enganos
que, a longo prazo, provocarão muitos sofrimentos.
Freqüentemente, para superar determinados sentimentos basta pôr a dificuldade em comum,
talvez com uma pessoa experiente na vida e nas coisas de Deus. Às vezes, o simples fato de comunicar
os problemas os coloca nas devidas proporções ou nos faz encontrar a força para agir corretamente.
Claro que ser prudente, cortar, mortificar-se são apenas o aspecto “negativo”, conseqüência
do aspecto positivo, que é querer amar a Deus e doar o nosso coração totalmente a Ele. Nós não
vivemos “evitando”, mas escolhendo Deus e o seu desígnio de amor para nós e para a humanidade.
Depois, à medida que nos doamos plenamente a Deus, os nossos sentimentos tornam-se
divinos. Percebemos isso em certas pessoas, nas quais vemos que, justamente por serem todas de
Deus, tornaram-se profundamente humanas. E notamos isso no modo como escutam, falam, na sua
compreensão, sabedoria, firmeza, misericórdia… São pessoas que agem seguindo as inspirações do
Espírito Santo, e por isso mesmo muitas vezes ouvimos dizer sobre elas que “chegam no momento
certo”, que têm influência nas pessoas, que produzem obras que perduram.
Outro ponto é “amar com todas as forças”.
Algumas pessoas amam a Deus e aos outros com uma medida tal que vai além das próprias
forças e chegam mesmo a adoecer. De certo, Deus fica mais feliz com quem adoeceu por se doar
totalmente a Ele do que com quem, por ter um apego a si, procurou salvar as próprias forças. Porém,
isso não implica, da nossa parte, que devamos nos matar. Adoecer, esgotar-se quer dizer permanecer
inativos, talvez por anos. Por isso devemos organizar nossa vida a fim de termos tempo também para
o descanso, e assim podermos continuar a nos doar mais e melhor. A não ser que Deus nos mande
doenças sem que nós as tenhamos procurado. Assim é diferente, pois as doenças servem para a nossa
purificação. Quando adoecemos, realiza-se o que se afirma na Carta aos Colossenses: “Completo na
minha carne o que falta aos sofrimentos de Cristo em favor do seu corpo que é a Igreja” (Cl 1,24).
Quando Deus nos concede a enorme graça de nos enviar alguma provação com uma doença,
é porque Ele tem em programa para nós um grande desenvolvimento espiritual, fecundo inclusive de
grandes frutos; talvez não os vejamos logo, mas estes existem. Muitas vezes Deus se serve da doença
para purificar também os nossos sentidos externos, pois toda a nossa pessoa dever ser tomada por
Deus.

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Assim como existe a “noite escura do espírito”, por meio da doença Deus pode nos fazer
passar por uma “noite escura do corpo”. Assim como a alma precisa ser purificada, também o corpo
precisa passar por alguma purificação. A purificação absoluta acontecerá com a morte, pois com a
morte e a ressurreição, tudo será renovado; já nessa terra, porém, uma certa morte do corpo serve para
uma certa ressurreição do próprio corpo. Em algum sentido, é o início, aqui na terra, da ressurreição
da carne.
A este ponto, gostaria de dar outro passo.
É suficiente fazer o que dissemos até aqui, embora com todas as imperfeições, em certo
sentido inevitáveis, para amar a Deus? Ou em determinado momento Deus nos pede outra
coisa?
Para aqueles que já se doaram com toda a mente, com todo o coração, com todas as forças e
também mais do que todas as forças, em determinado momento Deus pede outra escolha dele.
Em que esta difere da anterior?
Na primeira vez entendemos que Deus deveria ser amado acima de tudo, que deveríamos
colocá-lo no primeiro lugar da nossa vida; e, com boa vontade, tentamos amá-lo com todo o coração,
toda a mente e todas as forças.
Mas se fosse possível seccionar essa nossa escolha, constataríamos que, na realidade, ela
contém 30% de amor a Deus, 30% de repugnância pela mediocridade e pelo vazio no qual vivemos,
15% de alegria e entusiasmo pelo fato de nos doarmos a uma causa tão bela e tão santa, talvez 10%
de temor…
Quero dizer que é praticamente impossível que a primeira escolha tenha sido feita com um
amor total, um amor pleno.
No entanto, pelo fato de a perfeição consistir unicamente na caridade, todas as motivações
secundárias que, no início, nos ajudaram por estarem cobertas pela nossa boa vontade e pelo nosso
impulso de amar a Deus, aos poucos afloram e nos perturbam. E é lógico que venham à tona, porque
já existiam antes, como o joio que cresceu com o trigo, segundo o Evangelho de Mateus. Trata-se de
pequenos apegos, defeitos, atitudes que não são propriamente santidade autêntica.
Talvez não sejam sequer pecados veniais, mas também não são amor puro.
O que devemos fazer a esse ponto? Uma nova escolha de Deus. Isto é, querer que a motivação
de toda a nossa vida seja unicamente o amor a Deus, o amor puro, e absolutamente nada mais.
A Igreja, na sua sabedoria, afirma – ao falar especialmente sobre os semiquietistas – que não
é possível nessa terra viver ininterruptamente só por amor a Deus. No entanto, percebe-se o chamado
a começar e recomeçar a viver unicamente por Ele.
De fato, tomamos consciência como, antes, tudo estava misturado, contaminado, e
entendemos que é preciso, sim, amar a Deus com todo o coração, com toda a alma, com todas
as forças, mas por amor a ele, não por qualquer outra razão.
É Deus que nos reapresenta a necessidade de refazermos esta nova escolha, que é mais
difícil que a anterior, por ser tão sutil, tão divina necessita de uma graça para chegarmos a
captá-la. E mesmo quando isso acontece, temos que ver se entendemos que passos exatamente
devemos dar na própria vida.
Normalmente na primeira escolha, embora em meio à alegria, tivemos de dar um passo no
escuro. De fato, ao nos doarmos completamente, apresentava-se diante de nós uma vida, mas não
sabíamos o que nos aguardava. Por isso havia também o temor ao darmos o salto.
O mesmo acontece nesta segunda escolha. Também aqui é preciso dar um salto no escuro.
Embora sintamos que Deus nos ama, podemos sentir muito medo de fazer esse ato de doação.
Efetivamente nos perguntamos: “Mas eu já vivo somente por Deus… Tenho mesmo de doar tudo,
tudo, tudo; tenho mesmo de fazer tudo exclusivamente por Deus?” É a nova escolha que se apresenta.
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Uma diferença da anterior é esta: em vez de fazê-la com outros — como acontece em geral,
na nossa espiritualidade coletiva e na primeira escolha —, devemos fazer essa nova escolha sozinhos,
justamente porque o seu motivo formal é o amor puro a Deus.
E o perigo mais forte é que podemos fazer essa escolha e depois voltar atrás. Porque, com a
primeira, uma vez feita, passamos a tomar parte de uma comunidade, na qual todos os membros a
fizeram. A segunda é puramente espiritual.
Podemos fazê-la ou não, sem que aparentemente, externamente, nada mude. Estamos sós com
Deus; mas ao lado da generosidade total, com a qual nos queremos doar a Ele, há a fácil possibilidade
de retrocedermos.
Pode também acontecer que alguém nunca dê esse passo. E assim nos vemos diante de pessoas
que, em si, tendo feito a primeira conversão sincera e bela, estão adiantadas na vida evangélica, mas
permanecem naquele estágio o resto da vida, sem chegar a fazer a segunda escolha. Portanto, elas são
boas, mas têm alguns defeitos, aspectos que chocam, têm apegos. Por isso Deus intervém nessas
pessoas com graças particulares, com provações, com golpes fortes, se necessários, para que não se
acomodem naquele estado.
Creio que aqui continue válido o que teve valor na primeira conversão: é preciso dar de
novo um mergulho no amor de Deus que, se é obscuro no início, mais tarde vai tornar-se
luminosíssimo. É preciso, agora mais do que nunca, viver o momento presente. Pois, do
contrário, poderíamos pensar: “Não conseguirei viver sempre e somente por amor”.
É preciso fazê-lo agora e depois, em cada momento presente sucessivo. Não é um passo que
pode ser dado de uma vez por todas. Talvez sejam necessários anos.
Enfim, o que deve ser feito é um salto de qualidade: escolho amar a Deus por Deus, não por
aquilo que sinto, não pelos frutos que produz; mas amá-lo por Ele mesmo, para responder com o meu
amor pessoal ao Amor pessoal que Ele tem por mim. Tenho de encontrar na união com Deus a
motivação da minha existência, da minha vida cotidiana.
Quando alguém atinge essa relação com Deus, torna-se uma pessoa realmente livre, não mais
condicionada. Qualquer coisa que aconteça, qualquer calúnia ou dificuldade ou preocupação ou
motivo de amargura não alteram a paz, porque ela vive enxertada em Deus. E em Deus encontra
aquela unidade interior, alegria, serenidade que somente o amor a Deus pode dar.
Vivemos numa outra dimensão. Entendemos bem o que afirma santa Teresa d’Ávila: a pessoa
se depara numa outra morada, com outro modo de pensar. É algo bem diferente.
Obviamente, ainda não é o ponto de chegada. Deus é abissal na sua riqueza e no seu amor, e
continua a realizar maravilhas na nossa vida.
A vida do espírito progride de maneira silenciosa e misteriosa.
Há um período no qual a própria meditação, como a fazíamos antes, lendo os textos, não nos
satisfaz mais, porque Deus nos quer chamar a uma vida ainda mais profunda. Deus começa a tomar
posse da nossa vontade, do nosso amor, e por isso também a meditação torna-se mais um ato de amor
do que de inteligência. No entanto, algumas vezes vem à tona alguma perturbação por parte da
inteligência, da memória e da fantasia, que ainda não foram tocadas por Deus.
Depois de algum tempo, porém — talvez dez, quinze anos, quando a vida é vivida totalmente
em Deus —, aos poucos também a inteligência, também a memória e a fantasia são tomadas por Deus.
Com isso, não deixaremos de ter distrações na nossa oração e na nossa vida de unidade, na nossa
escuta e na nossa identificação com a situação dos outros; seguramente por toda a vida teremos
algumas distrações, mas estas não serão mais como antes.
E acontece, por exemplo — sinal típico dessa etapa — que a meia hora que normalmente
empregávamos para meditar torna-se muito pouco; não se olha o relógio para ver se a meia hora já

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passou, mas se, infelizmente, ela já passou. E às vezes acontece que se começa a meditação e depois
se percebe: “Veja só, passou uma hora, passou uma hora e meia, e nem notei”.
Assim, mediante passos sucessivos e sucessivas “escolhas de Deus”, Ele toma posse da
nossa vontade, inteligência, fantasia, memória, que ainda não foram (na medida do possível
nessa vida) fulguradas por Ele, tocadas, transformadas, divinizadas.
Ele o faz enviando-nos purificações que muitas vezes chegam por meio de doenças. Mas,
em geral, é preciso muito, muito tempo para que não sejamos tanto nós com a nossa vontade, a
crescer, quanto é essa presença de Deus que há de crescer em nós e vencer a inteligência e a
fantasia.
Até chegarmos ao ponto de Deus mesmo tomar o nosso coração e “trocá-lo” pelo seu.
No começo, isso acontece ocasionalmente. Quando isso se dá definitivamente, chegou-se ao
que os místicos chamam de “matrimônio espiritual”. Mas a vida não termina ali. Começa então uma
vida mais plena e maior. Isto é – como dizem os místicos –, Marta se une a Maria, a vida
contemplativa se une à vida ativa, a uma criatividade fecunda, na qual se realizam grandes obras que
duram pelos séculos, justamente porque se age sob o influxo completo do Espírito Santo.
Portanto, é um constante crescimento naquele “não sou mais eu que vivo, é Cristo que vive
em mim” (Gl 2,20).
O que quer que essas pessoas façam, influenciam. Sua palavra adquire peso, transforma. Às
vezes basta uma saudação para converter uma pessoa.
Quando elas falam, sente-se que é Deus quem fala por meio delas. Quando tomam iniciativas,
quando realizam obras, percebe-se que são arrastadas por Deus. Vivem, por assim dizer, uma vida
“naturalmente sobrenatural”, mesmo se a “escolha de Deus” tenha sempre de ser renovada, porque a
vida em Deus é sempre nova, inesgotável, e prepara sempre novas surpresas.
Diante dessas realidades tão belas e importantes, cada um poderia ter a curiosidade de querer
saber aonde chegou.
Ora, embora todos tenhamos sido chamados a este caminho, não devemos ficar analisando a
que ponto estamos. Inclusive porque estas descrições são mais tipológicas do que cronológicas; eu as
esquematizei, ao passo que na vida as coisas são muito mais complexas e variadas. Deus nunca se
repete.
Cada etapa pode variar de duração, de acordo com a pessoa, e além disso essas etapas
sobrepõem-se parcialmente, talvez pelo fato de que, em determinados aspectos, estamos em
certo ponto do caminho e ao mesmo tempo já começamos a saborear “antecipações” de etapas
seguintes.
O importante é cada um seguir o próprio caminho lá onde Deus o colocou, e viver com
simplicidade e total fidelidade, de maneira radical e concreta, o Evangelho. Depois, será Deus
que se ocupará de nos conduzir espiritualmente.
Uma coisa é certa: a escolha de Deus precisa ser sempre renovada. Talvez sejamos chamados
a uma terceira escolha e depois a outras ainda, porque a vida em Deus é sempre nova, inesgotável e
cheia de surpresas.
Obrigado pela unidade.

Traduzione fatta alla Mariapoli Ginetta,


rivista da Iracema Amaral, Ufficio Traduzioni, 10/08/2019
Nome file: TBS-20020110DF.doc

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Mensagem para o Voluntarifest

Caríssimas voluntárias e caríssimos voluntários de Deus,


As minhas calorosas boas-vindas a todos vocês que, ao festejarem 50 anos de vida, marcaram
um encontro “histórico”, vindo aqui de todos os ângulos do planeta. Por quê? Para testemunhar, com
a própria vida, um chamado pessoal de Deus. Vocês já reviram a sua história e compreenderam que
esta vocação nasceu de circunstâncias externas – a Revolução Húngara – e por inspiração do Espírito
Santo. Muitas coisas mudaram nesses 50 anos, para a Hungria, para a Europa, para o mundo, mas a
meta que eu propus na época: «compor um bloco de homens de todas as idades, raças, condições,
unidos entre si pelo vínculo mais forte que existe: o amor recíproco; amor que funde os cristãos numa
unidade divina indestrutível, apesar dos ataques do humano e do mal», permanece atual. E
permanecerá sempre assim, em sociedades sem uma orientação precisa como as nossas e cheias de
sonhos e de potencialidades.
Neste quadro exigente, mas repleto de luz e de esperança, a vocação do voluntário é estupenda
e jamais será suprimida pelos eventos. Por isso, agradecemos a Deus por nos ter chamado a viver
uma vocação tão totalitária, tão livre, tão essencial.
Vocês, como leigos, vivem nas condições normais da vida familiar, profissional e social, e
justamente por isso são chamados a edificar, como o fermento na massa, o Reino de Deus no mundo.
Sim, justamente mergulhando nas coisas do mundo é que vocês se fazem santos. E dão à Obra
de Maria inteira algo magnífico, porque trabalham para clarificar o mundo, não só para continuar a
criação de Deus, mas também a redenção das coisas. Com o esforço que fazem e com o seu trabalho,
podem contribuir para criar os “céus novos” e a “terra nova”. Cristo, de fato, junto com o cosmo,
redimiu também as obras do homem, que permanecerão, se forem edificadas no amor.
Caríssimos voluntários, vocês responderam livremente a Deus e essa é a “essência” da sua
vocação. Dia após dia, vocês renovam essa escolha radical, segundo os compromissos escritos no seu
Regulamento, no espírito da Obra de Maria.
Esse um caminho, devido à espiritualidade da unidade, que os anima, é percorrido como um
corpo. Nesta época, de fato, o Espírito Santo convida com força os homens para caminharem juntos,
ao lado de outros homens. Aliás, convida a serem “um só coração e uma só alma”, porque “nisso
conhecerão que sois meus discípulos”. Essa é a característica que distinguiu a mais antiga comunidade
de Jerusalém, que nasceu ao redor de Maria e dos Apóstolos. Foi isso que os primeiros cristãos
testemunharam e vocês, no Século XXI, são chamados a imitá-los.
Com vocês, deverá despontar uma santidade coletiva, uma multidão que se santifica, porque
os leigos são multidões e vocês podem conduzi-las à santidade. Hoje o mundo precisa de homens
dignos de crédito, construtores de uma humanidade nova nos vários âmbitos da sociedade.
Quem pode realizar isso, a não ser Jesus entre nós, o único capaz de construir um mundo
novo? É Ele que ainda hoje atrai os corações. Ele os funde numa unidade divina, unidade garantida
por Jesus no meio com toda a Obra e por Jesus entre todos vocês. Por isso, é essencial a participação
na vida do núcleo, para serem sempre iluminados por Ele em cada circunstância da vida.
Se a meta é a unidade, o segredo para realizá-la sabemos qual é: Jesus crucificado e
abandonado.
Jesus, que no seu grito de abandono, fez-se “nada” e se fez tudo para todos, a fim de alcançar
cada homem, não é uma figura distante, inatingível, mas é o modelo que devem amar e seguir na vida
cotidiana, para serem verdadeiros voluntários, voluntários daquele Deus Amor que se manifestou em
Jesus abandonado.

82
Sim, é com Jesus abandonado, amado em cada sofrimento, em cada trauma, em cada injustiça,
e com Jesus entre vocês que poderão plenificar-se de Deus, de Sabedoria, para serem guiados por Ele
ao governarem as coisas humanas.
Nestes dias, as suas experiências, melhor do que qualquer outra palavra, farão certamente
emergir a riqueza de um amor vivido muitas vezes com heroísmo; outras no silêncio, por homens e
mulheres que, sem distinção de idade, raça e cultura, tornam visível a presença do Ressuscitado.
Com vocês e com todos os membros da Obra de Maria, cresce e amadurece um povo novo, o
povo da unidade, que traz um novo paradigma cultural. De fato, já podemos entrever o Espírito de
Deus soprar em todas as coisas: na arte, na economia, na política, no direito, nas diversas ciências,
transformando tudo. E vocês, colhendo os tesouros de luz, que jorram do Carisma, são chamados a
dar uma contribuição específica, para que na vocação que vivem se manifeste toda a aspiração por
Deus, mas também todo o amor pela criação.
Maria, criatura imbuída de Deus, é especialmente de vocês. Nela, que foi assunta aos céus
também com o corpo, todas as coisas da Terra se divinizam. Por meio dela, “flor da humanidade”,
toda a criação volta a Deus purificada e redimida.
Acolhamos Maria como Mãe na “nossa casa” para cantarmos com ela o nosso “Magníficat”.
Coragem, voluntárias e voluntários, muitos jovens aguardam o seu testemunho, a fim de se
lançarem com vocês pelos caminhos do mundo. Almejem, com todos aqueles que os seguirão, realizar
o projeto de Deus sobre a humanidade: a fraternidade universal

Chiara Lubich

83
A vocação do Voluntário
Resumo do Tema de Dori

Gostaria de neste momento ver com vocês o que é a vocação da voluntária.


Vejam, não é alguma coisa que surgiu assim, de repente, na mente de Chiara.
Quando nos primeiros tempos que estávamos em Trento, ainda na praça Cappuccini,
éramos um pequeno grupo de popas, porém ao nosso redor existia uma fileira de pessoas: jovens,
menos jovens, casados ou não, que queriam seguir a nossa estrada, porém que sentiam uma vocação
particularmente voltada para o social. Uma dizia: “eu quero ser engenheira”, uma outra: “quero ser
assistente social para estar próxima dos mais necessitados”. Era um pouco como todas as vocações
que surgiam porque não sentiam o desejo de se consagrar a Deus como nós havíamos feito. Agora,
olhando para o passado dizemos: eram as verdadeiras voluntárias, mesmo se Chiara um dia disse:
“Sim, serão pessoas que são como “bons samaritanos” que se ocupam dos outros”. Depois
entendemos que Deus delineou também essa vocação no carisma. Porém foi uma coincidência
particular na história da Obra que fez emergir como uma linha muito clara a vocação do voluntário.
E realmente coincidiu com a revolução húngara. O Papa de então, vendo a tragédia
daquele povo, anulado não só como pessoas, mas como povo em si, gritou: “Deus, Deus, Deus”,
quase clamando a ajuda do Eterno para salvar aquela situação que estava realmente se tornando grave.
Chiara dizia: “Precisaria uma multidão de voluntários – com aquele ardor que tinham
os voluntários húngaros daquela época (em ’56) para salvar a nação, a religião, contra a idéia marxista
que estava se impondo com os tanques de guerra naquela nação, – e Chiara continuava: “É necessário
um exército de voluntários, de pessoas que voluntariamente querem levar Deus no mundo, pessoas
que vivam toda a espiritualidade como nós, mas ao mesmo tempo queiram que a sua vida seja toda
encarnada no mundo”.
Porque, uma outra vez Chiara disse: “os voluntários são como os focolarinos no que diz
respeito à espiritualidade. Não têm a vida em comum – como tem os focolarinos – e nem os votos –
que os focolarinos fazem (porque se consagram verdadeiramente a Deus). Ao invés, cada voluntário
permanece na própria casa, vive a sua vida, se casa, faz seu trabalho.
Eu me recordo que me tocou profundamente quando, um dia, Chiara nos disse: “Para
mim, a vocação do voluntário é a mais bela, no sentido que é a mais nova, porque as pessoas que se
consagram a Deus sempre existiram nesses séculos, porém pessoas que vivem no meio do mundo,
todas por Deus, para elevar o mundo, não existem.
Existiram pessoas no mundo, que individualmente, fizeram coisas maravilhosas, mas
uma multidão assim, ainda não existiu”.
Depois, Chiara, explicando um pouco quem é o voluntário, disse uma coisa forte : “O
voluntário é aquele que crê”. No que ele acredita? Acredita que o Evangelho pode ser vivido em todos
os lugares e que cada voluntário tem uma vocação, uma missão no mundo para ser um cristão
verdadeiro, mas que não pode sair por ai pregando, (porque os pregadores são os sacerdotes ou as
pessoas que têm essa vocação). E como nós, nos primeiros tempos, quando alguém nos perguntava:
Qual é a regra de vocês, o seu modo de viver?” Dizíamos: “O Evangelho”. Sim o Evangelho que
mesmo sendo um pequeno livro, tem dentro dele tantas coisas... E nós dizíamos: “O Evangelho e a
Vontade de Deus que vira as páginas”. Uma vez devemos renegar a nós mesmos, uma outra devemos
amar os pais, uma outra devemos ser perfeitos como o Pai; de acordo com a página que o Senhor vira
para nós.
Os voluntários também não são somente pessoas que vivem, que devem levar o
cristianismo particularmente no mundo, mas são pessoas que receberam uma luz, que entenderam
que devem ser Jesus: não procuram imitar, mas ser Jesus.
Entretanto, todos vemos que no mundo existe um fortíssimo individualismo; é
necessário sempre ir contra-corrente. E a primeira atitude do contra-corrente é ser feliz. Por que o que
as pessoas buscam no mundo de hoje? A felicidade; e não a encontram. Mesmo procurando de todas
as maneiras de todos os modos, vemos pessoas tristes pelas ruas, nos metrôs, nos ônibus, são pessoas
84
que se arrastam, mesmo as que têm um trabalho e portanto tem meios de subsistência. Mas tem os
olhos apagados. Ao invés, nós com o Ideal que nos iluminou, somos felizes, temos um rosto alegre e
isso pode atrair os outros. Mas para isso devemos continuamente ir contra-corrente, porque não é que
nos faltam as dores, as dificuldades, as provas que todos têm, porque somos homens como todos,
porém, temos o “caminho” para poder superar essas coisas, porque amando Jesus Abandonado e
ajudando-nos reciprocamente, conseguimos ser verdadeiramente serenos.
Chiara dizia: “Eu sinto que se eu tivesse de dar uma Palavra de Vida para os voluntários
seria: ‘Que os homens vejam as suas boas obras e glorifiquem o Pai’ ”.
Percebemos que o Ideal que recebemos nos faz conscientes, capazes, nos faz conhecer
que não só recebemos a Graça de Deus com o Batismo, mas que o Espírito Santo nos é enviado
continuamente e que podemos invocá-lo em cada momento do nosso dia, porque Jesus disse a um
santo: “O Espírito Santo está dentro de você. Chame-O e Ele responderá”.
Nos primeiros tempos do cristianismo, um tal Diogneto queria saber quem eram os
cristãos. Um autor desconhecido, respondeu de uma maneira maravilhosa e sentimos naquilo que diz,
cada voluntário deveria se espelhar. Ele diz:“Os cristãos não se distinguem dos outros homens, nem
pelo território, nem pela língua, nem pelos costumes. Não usam uma gíria especial, uma maneira
particular de falar; não conduzem um gênero especial de vida estranha, original. A sua doutrina não
é a descoberta do pensamento cristão, ou a pesquisa de qualquer gênio humano, de qualquer filosofia,
mas mesmo vivendo em cidades gregas ou bárbaras – como cabe a cada um – e adequando-se aos
hábitos do lugar no vestir-se, no alimentar-se e em todo o resto, dão o exemplo de uma vida social
admirável, ou melhor, - como dizem todos - , paradoxal”. E conclui: “Os cristãos são no mundo
aquilo que a alma é para o corpo”.
Talvez deveremos fazer um exame de consciência: Nós, os voluntários, somos a alma
do ambiente no qual vivemos? A alma da família, de um escritório, a alma de uma escola, de um
hospital?
Eis o nosso contra-corrente, não ser do mundo, não raciocinar como o mundo.
E então, no início, quando os voluntários nasceram como corpo – em ’56 – certamente
Chiara iluminou-lhes esta vocação e deu muitos conselhos, escreveu-lhes cartas muito belas.
Em uma carta diz uma coisa muito importante, grandíssima, para os voluntários:
“voluntário significa livre” e eu sinto que um voluntário deve defender essa liberdade contra todos.
De fato Chiara continua: “Vocês são livres para ter uma vida como todos os outros.
Vocês não tem ninguém que os obrigue ou votos que os ligue. E, ao invés, vocês se engajam
(espontaneamente) na Obra como operários maravilhosos e atentos (nos projetos que se possam
fazer)... Vocês recebem o seu dinheiro honestamente, assim mesmo procuram com aquilo que
receberam como ordenado, dar algo aos outros”.
E esse não é um empenho como podem ter os outros cristãos que dizem: “Eu cada mês
dou uma taxa para a Igreja ou para os pobres”. Vocês devem se encontrar cada mês (digo cada mês
porque a cada mês se recebe o salário) diante de Deus e com Ele decidir: “Posso dar essa ajuda ou
não posso. Posso dá-la toda ou somente a metade? Posso dar esse tanto? Posso dar só cinco? Não
posso dar nada?” e com Deus se decide.
Essa é a beleza da liberdade de vocês.
E eu lhes asseguro que esta liberdade também existe nas coisas materiais. Para mim foi
sempre uma coisa que me colocou diante de Deus, no sentido de admirar a beleza da vocação da
voluntária: eu (Dori), no fundo, o que faço? Se tenho um ordenado ou a aposentadoria, eu a levo ali
e não penso mais nisso, porque faço tudo junto com o focolare. A voluntária não, é ela que recebe o
dinheiro e pensa, diante de Deus, como fazer e o que fazer com ele. Por isso é importante rezar e ter
um relacionamento com Deus também para falar essas coisas. Falar com Deus e dizer-Lhe: “O que é
melhor, Jesus? É melhor que eu dê ou que não dê?” Alguém me disse: “Mas depois, como você faz?”
Depois: “Vocês podem rezar quando quiserem, como quiserem (sem se sentirem
empurrados a ir à missa) mas vocês vão receber a Eucaristia que os pode divinizar”. Mas como se
faz para se tornar Jesus sem se nutrir de Jesus?
85
Nutrindo-nos continuamente Dele, nos tornamos sempre mais Jesus.
Vocês são livres, porém por amor, se fizeram escravos de Jesus que espera o seu
testemunho realmente ali, no meio do mundo onde Ele não existe.
Chiara disse de Maria: “Maria pode dar a vocês, voluntários, uma luz ulterior sobre a
estrada que vocês devem percorrer. Porque para Deus não bastou a alma de Maria no céu; certamente
a alma de Maria era a parte mais interessante, porque a sua beleza era toda interior. Mas Deus quis
Maria lá em cima, , também com o corpo, no final da sua vida terrena. Assim, se Deus chama os
focolarinos a representar na Obra a alma de Maria que era toda plena do Espírito, toda transbordante
de carismas, toda incêndio de fogo, Deus chama vocês, voluntários, antes de tudo, a representar na
Obra o corpo de Maria. Esse é o símbolo daquela parte humana que Deus criou e que deve retornar a
Ele toda transformada.
“Esse é o símbolo de todas as expressões humanas do mundo, daquela encarnação no
social, na economia, na arte, na educação, na saúde, etc., na qual vocês vêem traçada luminosa a sua
estrada para chegar a Deus e levar com vocês a sociedade transfigurada”.
“Em uma criatura humana – continua Chiara – a alma sem corpo seria um contra senso.
Assim a Obra de Maria com os focolarinos e sem os voluntários não seria Obra de Maria, nem Obra
da Igreja. E então o que devemos deduzir?”
E por isso Chiara deu aos voluntários, como protetora, Maria Assunta aos céus, para que
Ela os retorne ao céu, como criaturas perfeitas, não só o seu corpo, mas toda a realidade humana.
É próprio dos voluntários clarificar o mundo e o homem tem a capacidade de renovar o
mundo com todas as obras sociais. Retornar ao céu todo o trabalho do homem, não somente o seu
cansaço, mas o homem pode levar ao paraíso tudo aquilo que fez, todo o seu trabalho, todo o seu
estudo, todas as suas ações, porque com o trabalho o homem participa da criação, com o cansaço do
trabalho participa da redenção.
Certo que para viver assim é necessário ter um ponto de apoio. E o ponto de apoio para
cada voluntário é o núcleo.
Chiara, um dia, dizia: “Se eu fosse uma voluntária e visse que a minha vida não é levada
a clarificar o trabalho onde vou, isto é, a renovar aquele trabalho, qualquer que seja, com a minha
fidelidade, com a minha honestidade, com a minha vida na legalidade, certamente esta vida não teria
grande sentido. Se eu fosse uma voluntária que se encontrasse com os outros, talvez no núcleo, depois
rezasse, depois procurasse amar a todos, fizesse também obras piedosas, mas não tivesse dentro da
alma o sentido de renovar completamente o mundo, a mim pareceria uma voluntária pela metade”.
Como Santo Ambrósio diz que: “o amor é um olho”, quando amamos vemos o que fazer.
Se permanecermos voltados sobre nós mesmas não vemos, mas se amamos vemos o que e como
fazer.
Portanto, como vocês vêem, a vocação do voluntário não é como inserir-se em uma
associação onde se vai e às vezes não se vai. É Deus que os chama, chama cada um e diz: “Venham”,
e nós respondemos como fez Jesus: “Eis que venho para fazer a Tua vontade”. E eu as felicito por
sentirem essa vocação dentro do coração, também aquelas que ainda não sabem, porque ainda não
sabem tantas coisas, não a conhecem ainda, não estão ainda decididas, ainda não receberam aquela
luz.
Peçam a luz para a sua vocação pessoal, para o seu pessoal desígnio de Deus, porque é
uma coisa muito bela saber que Deus tem o seu desígnio pessoal sobre nós. Já está traçado: basta que
nós caminhemos, momento por momento, fazendo a Sua vontade, na nossa vida assim como é, e
cumpriremos aquele desígnio de Deus que conheceremos no paraíso.

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Diálogo sobre a vocação do voluntário no hoje de Chiara

Domenico Mangano no encontro dos voluntários:


Castelgandolfo, 1º de dezembro de 2001

Este momento, em que estaremos juntos, é intitulado: «Diálogo sobre a vocação do


voluntário no hoje de Chiara».
Não devem esperar de mim um tema, porque não estou à altura. Digamos que vou lhes
propor, num tempo breve, algumas reflexões que amadureceram nesses últimos tempos, digamos que
foi de um ano para cá. São coisas que amadureci pessoalmente (pois tenho muito tempo durante o
dia), mas sobretudo confrontando-me com o Centro dos Voluntários.
Portanto, são simples reflexões e somos chamados a ver se nos satisfazem, se temos
algo a acrescentar, se algo não vivemos...
Eu começo com duas premissas.
A primeira tem como base a carta apostólica Novo Millennio ineunte. É uma carta
belíssima. Eu a li há três meses e não me cansei de lê-la por um período bastante longo.
É uma carta onde o Papa no início, na primeira parte faz, digamos, um balanço do que
foi o Ano Santo1. Na segunda parte ele fala sobre este Deus "novo", que é Jesus abandonado, de onde
emerge uma sociedade de comunhão, uma Igreja de comunhão; e na terceira parte, faz reflexões
pastorais sobre qual deve ser o caminho no terceiro milênio.
De toda essa carta, eu fiquei muito impressionado quando o Papa reflete, e diz que foi
uma coisa grandíssima, sobre o perdão que ele pediu aos judeus e às grandes religiões. O Papa fala
da purificação da memória. Quando eu li isso (visto que tudo o que me acontece, eu interpreto sempre
do ponto de vista político), quando eu li sobre a purificação da memória, assim como o Papa a
apresentava, eu disse a mim mesmo: «Esta é a Palavra de vida da política», porque a purificação da
memória significa cancelar o modo com que eu vejo o outro, eu vejo os problemas, eu vejo a
sociedade, eu vejo um Estado, eu vejo um partido. E visto que a política não é o vértice de todos os
mundos, mas é o compêndio de todos os mundos em Humanidade Nova, então se esta expressão
"purificação da memória" se aplica à política, pode ser aplicada a todas as nossas realidades.
A purificação da memória.
Eu me perguntei: «Mas em que me devo purificar?», lendo essa Carta. Então, eu revi o
meu comportamento, o meu estilo de vida, os meus julgamentos – às vezes justos, às vezes ásperos –
, as idéias, o pensamento. Eu vi tudo isso como uma jaula em que tudo foi construído. E percebi que
a purificação da memória, isto é, o fato de cancelar o passado é a alavanca que pode abrir esta jaula.
Depois eu revi os relacionamentos familiares, paroquiais, com as autoridades civis, eu
vi o relacionamento com a Obra, no núcleo, no Centro. Eu disse a mim mesmo: «Se existe a
purificação da memória, eu devo pedir perdão a todos, perdão ao Centro dos voluntários pelas idéias
que eu às vezes com força imponho e que não perco; perdão ao núcleo (embora o nosso seja muito
especial, não só por causa das várias doenças, também de Guido, minha, mas também pelos
compromissos de Vincenzo); perdão a Humanidade Nova e sobretudo ao Movimento da unidade. Se
eu penso em todas as batalhas, entre aspas, feitas com Antônio. Meus Deus, seria preciso enfiar a
cabeça no chão...»
Eu penso que cada um de nós deve fazer esta purificação da memória, porque nós
tecemos uma roupa para cada pessoa que encontramos. E esta roupa está sempre diante dos nossos
olhos, também nos momentos mais lindos. Portanto, esta purificação da memória é tirar essa roupa
que demos às pessoas que encontramos, para vê-las como Deus as vê: sempre novas. E mais, para
concluir, a purificação da memória, nós devemos fazê-la todos os dias, continuamente, porque senão
não estamos nas condições de merecer a presença de Jesus.

1. Corrigido assim na transcrição italiana do texto (N.d.T);


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Muitas vezes, dizemos: «Tenhamos Jesus em meio» É um modo de dizer, porque Jesus
em meio torna-se presente, se nós merecermos a sua presença. Se nós, por meio dessa purificação da
memória, fizermos o vazio de nós mesmos, então entra Jesus abandonado e nos dá a luz do
Ressuscitado. Primeira premissa.
A segunda premissa é a misericórdia de Deus.
No último encontro de núcleo que nós tivemos com Guido e Vincenzo (há dois meses e
meio, infelizmente), Guido nos leu uma descrição da misericórdia de Deus belíssima! Tanto que
depois, à noite, nos telefonamos, pois eu estava em Viterbo, Vincenzo e Guido estavam em Roma, e
nos dissemos que era mesmo belíssima! E o que representava? Guido disse: «A misericórdia de Deus
(foi um escrito que ele encontrou não lembro onde), a misericórdia de Deus é um oceano imenso de
fogo ardente; este imenso oceano de fogo ardente espera ardentemente que nós lancemos (como diz
São Pedro na primeira carta), que lancemos ali as nossas preocupações, que lancemos ali os nossos
defeitos, as nossas limitações», pois as limitações humanas que temos são infinitas. Refletindo no
núcleo, dissemos que, no fundo, as nossas misérias, o que são? São como uma gotinha suja que nós
lançamos neste oceano de fogo. Essa gotinha não tem o poder de mudar o fogo. Essa gota, no
momento em que entra ali, torna-se fogo. Então, a misericórdia de Deus o que é? É nos lançarmos
nele para nos tornar Ele, para nos tornarmos Deus. Mas o que é a misericórdia de Deus? É ter uma
alma misericordiosa, uma alma larga, aberta, prospectiva, que tudo perdoa. Eu penso que é preciso
ter misericórdia para com os nossos defeitos, as nossas limitações e humanidade. Ainda não estamos
no Paraíso e a primeira misericórdia é para com as nossas limitações, os nossos defeitos, pecados,
omissões... Ter misericórdia também para com aqueles que estão na nossa frente.
Então, com esta disposição, podemos distribuir aquilo que Peppuccio nos disse ontem:
o sorriso de Deus. Com esta disposição podemos distribuir o sorriso de Deus. Eu penso que, esta alma
que contém toda a misericórdia de Deus, prepara aquela que é a nossa comunhão na Obra, a comunhão
nas nossas realidades: a família, a paróquia, o tempo livre, o lugar de trabalho. Esta alma é a base, na
minha opinião... Esta misericórdia, vivida com os olhos de Deus, sendo nós Deus por participação,
contando com a sua graça, é a base sobre a qual construir a nova unidade, de que Chiara nos fala.
Tendo feito essas duas premissas (fui até um pouco longo), vamos ao tema: a vocação
do voluntário hoje.
O que é esta vocação? Nós, quer acreditemos quer não, quer estejamos ou não
conscientes, fomos chamados pessoalmente, como Santo André, cuja festa ocorria outro dia, pelo
Eterno Pai e fomos chamados quando Ele nos viu, digamos, nos concebeu, isto é, desde toda a
eternidade. Porém, houve um momento histórico em que vivemos e nascemos. Fomos chamados
pessoalmente pelo Eterno Pai por meio de Nossa Senhora, porque a Obra de Maria é de Maria. E nós
devemos acreditar nesse chamado individual, pois chamou-nos pelo nome: Domenico, Augusto,
Carlo, Francesco, e sentir-nos responsáveis. Devemos sentir que este chamado, que comporta uma
totalitariedade de respostas, isto é, estar voltados completamente para Deus, é idêntico ao que
receberam os focolarinos, os religiosos, os frades, as freiras. Não há nada de especial. É o mesmo
chamado e comporta o mesma totalitariedade de respostas. Só que nós temos um campo, no qual dar
a nossa resposta. Outros têm outros campos.
O Estatuto da Obra, o regulamento dos voluntários e o regulamento de Humanidade
Nova, são para nós, na nossa liberdade individual – lembremos disso –, são para nós, na nossa
liberdade individual, pois esta é a nossa vocação, são para nós a vontade de Deus para cada um de
nós.
Eu penso que nós seremos julgados por Deus, o qual verá, se neste caminho, que estamos
percorrendo, fomos fiéis a esta norma, que está contida nos Estatutos gerais, no regulamento dos
voluntários, de Humanidade Nova. Esta é a responsabilidade pessoal e comunitária que temos. Se
alguém sentir que tal responsabilidade não lhe compete, então é preciso dizer que esta pessoa não tem
a vocação do voluntário, não é um voluntário. Se não formos fiéis ao nosso regulamento, se alguém
pensar que pode viver ou não o regulamento, se alguém vegeta, não é um voluntário, mas um aderente,
porque nos Estatutos da Obra está escrito que o aderente não tem obrigações; ao passo que nós temos
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que ser obedientes aos regulamentos, aos Estatutos. É um aderente, um aderente vivo. Irá para o
Paraíso, certamente, com todos os méritos, mas não é um voluntário!
Então, vejamos no que consiste a vocação, partindo exatamente do nosso regulamento.
Deus nos chama a percorrer um caminho maravilhoso e estupendo, como diz o
regulamento no artigo n.º 2: «Nós, voluntários, somos chamados a tornar visível, nos lugares onde
estamos, a Igreja, Jesus, e por meio das obras de misericórdia». Eu o traduzo num modo um pouco
mais pobre: por meio do amor doado aos outros e do amor recíproco entre nós e com os outros. Esta
é a nossa vocação, isto é, tornar visível, lá onde estamos, a presença de Jesus, mas não com as
palavras, com a nossa ação, por meio do amor doado aos outros, o amor entre nós, o amor com os
outros.
Diz sempre o artigo n.º 2: «Ao tornar visível Jesus, a Igreja, ao levar Deus onde nós
vivemos o nosso dia a dia, este fato é o lugar privilegiado onde podemos nos realizar como cristãos».
Nós não temos outros lugares onde nos podemos realizar como cristãos. Cada um pode pensar, não
sei, em todos os modos em que mais ou menos está inserido. No entanto, o lugar privilegiado, em que
nós realizamos o nosso cristianismo, a nossa santidade, é o mundo e todas as realidades sociais que
nos circundam.
Eu gostaria de fazer, se me permitirem, um parêntese sobre Foco. Foco escreveu livros
maravilhosos. Eu gosto muito do seu livro: «As duas cidades», mas existem outros. Infelizmente, não
está em circulação, porque a edição se esgotou. Muito bem, nesse livro, quando Foco fala da santidade
vivida nos lugares em que Deus nos coloca, isto é, no mundo, ele diz que introduzir Deus nesses
lugares significa transformá-los em Abadias, em lugares sagrados. Logo, devemos transformar o
parlamento, o hospital, a escola, o escritório, a loja, o estúdio profissional, mas também a casa, o
jogo... Devemos transformar esses lugares numa Abadia, numa grande igreja onde se celebra uma
missa especial. O que é esta missa especial? É o nosso trabalho, o nosso amor difundido nesses
lugares, os torna uma espécie, digamos, de nova criação, porque regeneramos Jesus. E Foco também
fala, sempre nesse livro, de uma comunhão mística. Ele diz que no modo em que nos relacionamos
com os outros e relacionando-se com os outros, doamos nós mesmos, doamos o nosso amor,
perdemos tudo de nós para nos fazer um com o outro e esse comportamento realiza uma comunhão
mística. É como se eu desse a comunhão, isto é, Jesus, mas de outra maneira. É Jesus amor que passa;
é Jesus amor que chega.
Sempre no regulamento encontramos o artigo n.º 3 que nos toca muito. Ali lemos que
os voluntários atuam o fim geral da Obra, isto é, a perfeição da caridade, com três coisas. Portanto,
nós atuamos o fim geral da Obra, atuamos a Obra, cujo fim geral é a perfeição da caridade, por meio
de três coisas: do cumprimento fiel dos deveres do próprio estado, dos compromissos que livremente
assumimos na Obra e agindo pessoal e comunitariamente nas realidades sociais em que vivemos,
trabalhando em Humanidade Nova, nas inundações, mas também em Famílias Novas, no Movimento
Paroquial e em Juventude Nova.
Paremos um pouco, ainda têm paciência? (aplausos)
O fiel cumprimento dos deveres do próprio estado.
Por vezes assumimos fardos pesados, de que gostamos, pois nos dão satisfação, mas que
não são a vontade de Deus, pois em parte ou totalmente nos impedem de ser fiéis ao cumprimento
dos deveres do próprio estado, porque estamos quase sempre fora de casa, menos com os filhos,
diminuímos aquela atividade que Deus nos chama a realizar. Portanto, o fiel cumprimento dos deveres
do próprio estado vem antes, vem antes de qualquer coisa que a Obra nos pede: ser pai, ser mãe, ser
trabalhador, vem antes porque aqui, nesse campo se desenvolve o nosso caminho de santidade, a
nossa vocação.
Mas nos deveres do próprio estado estão também os deveres da vocação do voluntário.
Se antes dissemos que o fato de sermos voluntários é um chamado pessoal de Deus, que exige uma
resposta, então, entre os deveres do próprio estado, de pai, de trabalhador, de avô, etc., de viúvo, entre
os deveres do próprio estado, estão também os deveres do voluntário, deveres que são pessoais (o

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caminho com Deus) e comunitários (tudo o que está escrito no regulamento: o núcleo, os sete
aspectos, o modo de gerar Jesus na sociedade, as células de ambiente).
Por vezes nós pensamos que a célula de ambiente deve nascer (no trabalho ou em outras
partes onde Deus nos chama) com duas pessoas do Movimento dos Focolares, se ali se encontrar um
voluntário, outro voluntário, alguém de famílias, um focolarino casado, um focolarino, um religioso.
Mas isso não está escrito em nenhum lugar, porque a nossa vocação, o fato de sermos "popos" de
Chiara, nos leva a construir relacionamentos de amor. O que significa construir um relacionamento
de amor? Significa amar quem está ao meu lado no momento presente. Este amor, o fato de sair de
mim mesmo, o fazer-me um, ser o primeiro a amar, amar sem julgar, este amor exige uma resposta
que pode ser uma rejeição ou uma aceitação. Se é uma rejeição, é um encontro com Jesus abandonado,
abraçamos Jesus abandonado, que é sempre um Jesus, reconhecido, e por isso emana o seu espírito,
o Espírito Santo, que atinge também aquela pessoa, que rejeita o nosso amor, e de um modo
misterioso, que nós não sabemos, mas o atinge, como atinge a nós mesmos.
Se o gesto for de aceitação, independentemente do fato de que ele seja cristão ou não,
do Movimento ou não, independentemente desse fato, pelo simples fato de que houve um sorriso de
resposta, uma manifestação de reciprocidade, nasce Jesus, pois também ele abraçou Jesus
abandonado, no sentido de que saiu de si mesmo. Mas esta é uma célula? É uma semente, é a semente
da célula, é uma semente.
Se nós levarmos para frente este relacionamento, veremos que gera coisas maravilhosas:
os 750 prefeitos, que participaram do Congresso em Innsbruck, em sua maioria era fruto desse
relacionamento. Eles foram e ouviram... Vocês sabem como foi o discurso inflamado de Chiara, pois
o ouvimos ontem. Quem sabe o Espírito Santo tem em mente para eles em relação à Europa e ao
mundo unido?
Para concluir, o fiel cumprimento dos próprios deveres nos leva a rever o nosso dia. As
coisas que nós fazemos estão na vontade de Deus? Neste âmbito, colocando em primeiro lugar o fiel
cumprimento dos deveres do próprio estado, também os deveres do voluntário. Mas eu vou à missa?
Algumas vezes renuncio. Faço meditação? Sim, leio alguma coisa.
A vocação totalitária, aonde Deus nos conduz, passa por um caminho livre, onde não
existe um quartel, onde recebemos as ordens, mas é um caminho livre, sendo fiel aos Estatutos, ao
regulamento dos voluntários, ao regulamento de Humanidade Nova, sendo fiel na sua completeza, ao
que nos é pedido ao longo desse caminho.
«Tenho que fazer 7 coisas, mas farei somente 3. Está certo, Jesus, as outras 4 eu não
consegui fazer, e as coloco na misericórdia de Deus». Colocando-as na misericórdia de Deus, torno-
me Deus por participação. E no dia seguinte, de 3 se tornarão 4... Mas vocês devem entender
profundamente este chamado, não é?, e esta resposta!
Segundo ponto (estou me encaminhando para a conclusão, ainda cinco minutos), são os
empenhos que livremente assumimos na Obra. Eu li aquele advérbio: livremente. O que significa? A
meu ver, livremente significa o caminho que eu faço na união com Deus. Cada vez que esse meu
relacionamento torna-se mais aprofundo, compreendo a palavra livremente, e que esta palavra não
significa "como bem entendo", mas é uma resposta. Nesta resposta, é verdade que eu sou livre para
dizer sim ou não, mas neste caminho com Deus compreendo cada vez mais o que significa
"livremente". Livremente é livrar-se de si mesmo. É isso que significa: livrar-se de si mesmo, das
suas – como posso dizer –, de todas as conjecturas que fizemos, de todos os programas que fizemos,
de todas as roupas que costuramos. "Livremente", na união com Deus, no caminho que nós
percorremos com Deus, significa mesmo isso: compreender o que nós podemos dar à Obra. E
lembremo-nos de uma coisa: Chiara no último encontro com os focolarinos disse que nós temos que
ser co-interessados por toda a Obra. Eu diria muito mais. No encontro do ano passado com Chiara,
ela nos disse: quanto mais vocês se livrarem do setor muito mais o setor vai crescer. Foi a nossa
responsável que disse assim, a pessoa que, para nós, representa Nossa Senhora, que nos representa
Jesus!

90
E ainda, é o terceiro ponto: operar comunitariamente nas várias realidades sociais. Neste
ponto eu devo dizer somente isso: que o belíssimo discurso de Peppuccio, sobretudo as suas 3
respostas; as reflexões de ontem de Mariele e Pino, mas sobretudo de Vera; aquele discurso, que
ouvimos em Innsbruck, para não falar de hoje de manhã. Mas eu me deteria em Innsbruck, tudo isso
nos diz o que é a Obra hoje, o que é este sinal visível, grande, muito visível no mundo, que é como
uma semente que pouco a pouco realizará a unidade do mundo inteiro. Tudo isso nos diz também que
nós, popos de Chiara, não alguém que só simpatiza pelo Movimento dos Focolares, mas nós, filhos
de Chiara, temos uma responsabilidade a assumir hoje. É uma responsabilidade que comporta
determinadas coisas.
Eu posso citar três ou quatro: requer de nós uma metanóia, uma mudança de vida radical.
Não podemos ficar como somos. Partindo amanhã, não podemos ser como éramos, quando chegamos.
Devemos mudar de vida, fazer o propósito de mudar, de recomeçar do início. Eu diria: devemos nos
esquecer dos 10, 15, 20, 5, 30, 40 anos de Ideal! Começa hoje o nosso Ideal. Tomemos a decisão de
que começa hoje, neste hoje de Chiara. Nesta visão da Obra assim como se apresenta, que é luz para
a Igreja e para o mundo, nesta visão, digamos, com conceitos novos, de uma política que é comunhão
por meio da fraternidade, de uma Economia que é comunhão, lembrando-se de quem passa
dificuldade, e assim por diante.
Devemos nos lembrar sempre disso. Interroguemo-nos sobre o que devemos fazer.
Podemos rezar mais, certamente, mas ser fiel ao que está escrito nos Estatutos. Devemos compreender
que, o chamado a ser voluntário é algo grande, mas é mesmo grande. Compreender, sempre com a
ajuda do Espírito Santo, a responsabilidade que temos em seguir Chiara. Como eu disse antes, somos
co-interessados: toda a Obra é nossa. Todas as suas partes me pertencem. O setor é só uma pequena,
embora grande, parte da Obra. Mas a Obra é muito diferente, é grande!
E ainda, para concluir, devemos ser conscientes de que nós, pessoalmente, não podemos
fazer nada, não somos capazes de fazer nada. Só uma vida em conjunto, uma unidade que consiste
em perder...
Por vezes eu digo à noite, dialogando com Deus: mas o que eu perdi hoje? Pois se não
perdi nada, não abracei Jesus abandonado. No que tive que perder: nos relacionamentos na minha
família, com minha esposa, os filhos? Também no relacionamento com todas as pessoas que eu
encontro pela rua. O que eu perdi? Esse perder significa renunciar a mim mesmo pelo outro. Nós não
podemos fazer nada de tudo isso, a metanóia, se não tivermos um forte relacionamento pessoal e
comunitário com Deus e se não recomeçarmos a ver a unidade com outros olhos, como algo que eu
devo fazer, que é a minha vontade, e se eu a aplico, me conduz à unidade, mas a unidade não vem
por vir. Ela se realiza por meio de um grandíssimo esforço de vontade.
A meu ver, isso é aquilo que hoje a Obra espera de nós. Obrigado!

91
Para a tradução simultânea do vídeo N.º 1645 PORTUGUÊS
(em expressão brasileira)
Castelgandolfo, 14 de novembro 2002
Chiara na Assembléia dos voluntários:
Sobre o regulamento: princípios fundamentais.
Pe. Foresi: Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, Amém. Ave-maria... Maria, mãe das
voluntárias e dos voluntários, rogai por nós. (aplausos)
Chiara: Caríssimos, vocês são muitos. Quantos são, Augusto?
Augusto: 550.
Chiara: 550. Muito bem!
Então, vamos passar quinze minutos juntos. Tomara que sejam tão intensos que pareçam
uma hora, mas não são as horas que contam.
Essa noite, acordei e pensei nos voluntários. Depois, não consegui mais dormir, porque
pensava: «O que Deus quer que eu diga aos voluntários?» Então, me veio em mente uma palavra que
depois lhes direi qual é.
Sei que vieram para o encontro, que já começou e que está maravilhoso. Vieram também
para a Assembléia, que é muito importante, sabem? Estamos no período carismático e, por isso, não
damos muita atenção aos aspectos jurídicos. Porém, vemos que são muito importantes. A Igreja é
sapiente em nos obrigar a considerá-los, inclusive para renovar as forças ou para se consolidar..., para
se analisar os nossos Regulamentos.
Eu soube também, porque recebo as notícias, que a atmosfera aqui (que estou
experimentando) é uma continuação daquela outra Assembléia 2. Vocês já foram ajornados nas
regiões, ou não?

Todos: Sim!

Chiara: Então, entenderam o que digo.


Agora eu gostaria de lhes dizer algo, pois peguei o Regulamento com a capa vermelha, o dos
voluntários, para ver o que devo focalizar para vocês.
Uma das coisas que devemos destacar neste ano é a visibilidade. Isto é, nós devemos tornar
visível o dom de Deus, a Obra de Deus. Para nós, não é vontade de Deus tornar visível os setores, as
ramificações, as seções, como aquela dos focolarinos, dos voluntários, dos gen, nem sequer os
Movimentos. É preciso dar visibilidade à Obra, porque a Obra é Maria mística. O que quer dizer
Maria mística? A presença de Maria não numa pessoa, mas num corpo.
Vocês sabem que, segundo o nosso Estatuto, está escrito que a nossa vocação é repetir Maria
e ser uma sua continuação. Portanto, devemos ser Maria... também por meio das várias ramificações.
Mas o projeto de Deus é fazer com que isso ocorra com toda a Obra. Enfim, é como dizer: «O que é
Chiara? É essa inteira ou é o seu fígado e coração?» Sim, no seu corpo está o fígado, o coração, caso

2. Chiara se refere à Assembléia Geral da Obra de setembro/outubro de 2002 (n.d.t.);


92
contrário Chiara não existiria. Porém, Chiara é essa pessoa inteira. Portanto, a Obra de Maria não é a
seção dos focolarinos ou o setor dos voluntários, dos sacerdotes, etc. É a Obra de Maria. Temos que
ter isso em mente. Por isso, comportem-se de maneira que seja visível a Obra de Deus, a Obra de
Maria, Maria. Ela está assumindo uma importância enorme a partir do que o Papa nos pediu para
fazer3. E não nos limitamos ao Rosário recitado. Nós queremos ser Maria e falaremos sobre isso.
Naturalmente, para isso (e vocês ouviram nos ajornamentos), neste ano, o co-interesse
assumiu grande importância! Isto é, interessar-se pelos outros, não tanto por nós, mas sempre pelos
outros, e aproveitar todas as ocasiões para viver o co-interesse e criar as condições para isso. Por
exemplo, para o Collegamento, hoje, vão chegar outras pessoas, outras pessoas. Portanto, aquilo que
direi aos outros, interessa também a vocês. Aquilo que eu direi sobre vocês, é do interesse deles. O
co-interesse. Se não o vivermos...
Também no corpo humano tudo interage. De fato, se o coração falha, nós morremos. Então,
o co-interesse é super importante.
Assim sendo, o Regulamento, sobre o qual vocês farão uma análise profunda e dirão o que
acham, se algo deve ser mudado... Vocês devem analisar o Regulamento. Nós o estudamos
detalhadamente no mês de agosto, com Augusto e Maria. Nós o lemos e relemos. Fizemos uma
espécie de radiografia do Regulamento. Nós o corrigimos várias vezes. O Regulamento... é como a
roupa que vestimos para sair.
De manhã fazemos várias coisas: nos levantamos, tomamos banho, escovamos os dentes,
nos penteamos, fazemos a barba... Depois, nos vestimos, mudamos de roupa, tomamos o café da
manhã pequeno almoço]4 e tudo isso é feito na privacidade. Ninguém faz isso no meio da praça. Essa
mesma privacidade vocês devem ter em relação à vivência interna do Regulamento. Isso vale para os
focolarinos, vale para os gen... Isto é, vivam tudo isso. Porque vocês não podem se levantar e ir falar
sobre a Obra vestidos de pijama. É preciso abrir um certo véu de silêncio sobre toda esta vida de que
falarão nesses dias, que é importantíssima, porque é a nossa vida. Porém, não é ela que dará
visibilidade, que serve à Obra para que tenha esta visibilidade. Fui clara?
Então, com essa atitude, que é bela porque é íntima... Também as orações da manhã fazem
parte da privacidade. Temos, de fato, a parte reservada e, depois, a parte pública. Escrevi aqui: «Assim
como nos vestimos na privacidade, é preciso manter esse silêncio».
Eu li o Regulamento dos voluntários para ver qual é a sua primeira característica.
Ele gera em nós um certo temor, pois é muito forte. Ele começa com a premissa de todas as
regras. Afirma que é obrigatório viver com Jesus em meio, e isso vale também para vocês, que não
vivem no focolare. Daí se vê a importância infinita (e nunca falaremos o bastante) da vida do núcleo,
porque é só ali que vocês podem gerar Jesus em meio. Quando terminarem a reunião, levarão com
vocês o Jesus em meio construído, enquanto corresponderem à graça, enquanto superarem todas as
provações, enquanto amarem todos os próximos. Quando diminuírem a intensidade da vida, esse
Jesus em meio dentro de vocês desaparecerá. Porém, está escrito que é obrigatório viver assim.

3. Difundir a devoção do rosário, como escreveu na sua mensagem do dia 16.10.2002 (n.d.t.);
4. Para Portugal;
93
Portanto, eu não vou me deter a falar do núcleo, pois não terminaria mais. Vocês já
entenderam quanto é importante viver entre dois fogos: Jesus dentro e Jesus em meio. Para vocês, é
a condição indispensável para serem voluntários. Não se foge disso! Portanto, se alguém vai e não
vai à reunião, porque trabalha em Humanidade Nova ou no Movimento Paroquial, esta atitude está
errada, e essa pessoa não é um voluntário. Dá uma contribuição humana ao invés de divina.
Essa é a premissa.
Agora leio, esta noite fiz algumas anotações.
Na página três, pois a primeira página fala da norma das normas, está escrito o seguinte: «Os
voluntários são leigos que se comprometem em viver de modo totalitário a espiritualidade evangélica
da unidade». A espiritualidade evangélica da unidade. E gostaria de focalizar isso.
Por vezes, temos a mente um pouquinho estreita e pensamos que essa espiritualidade
evangélica da unidade consiste no fazer a vontade de Deus, unir-se com os outros, viver o
mandamento novo, tender à unidade, reparar as faltas de unidade, viver pela unidade das Igrejas, viver
pela fraternidade, tudo isso. Não é bem assim: a espiritualidade evangélica da unidade supõe o
conhecimento, a prática do Evangelho, de todo o Evangelho, de todo o Evangelho, de tudo aquilo que
se pode viver, não é? Portanto, é muito diferente. E gostaria... Tenho vontade de dizer "popos", mas
me seguro continuamente! (aplausos)
Vocês sabem que foi publicado o livro com relatos das nossas experiências 5. Vocês o viram.
Eu já imaginava que seria um livro único, porque dele emerge Jesus Cristo, o Evangelho. Nós
trabalhamos um pouco, mas é o Evangelho que vem em evidência. Verificam-se as coisas que Jesus
disse, aquilo que ele prometeu, como constatamos por meio das experiências. Daquele livro podemos
deduzir: «Deus existe!», justamente como foi escrito no prefácio.
Este livro está sendo um grande sucesso. Acabou de ser publicado e na Argentina já se
esgotou a primeira edição. Na Itália ele acabou de sair. Eu vejo que posso presenteá-lo de presente a
todos: aos meus parentes, às pessoas que não participam do Movimento. Porém, elas o lêem e
aprendem, também a pessoas que...
Ontem, por exemplo, uma pessoa, que não acredita em Deus, veio me visitar e eu lhe dei
esse livro. Vejo que está surtindo um grande efeito e deveríamos... Espero não ter me esquecido de
trazer... Trouxe duas cartas que recebi hoje de manhã, que demonstram como as pessoas captam o
Evangelho, por meio da leitura desse livro.
Outro dia o fundador da Comunidade de Santo Egídio veio me visitar. Eu conheço diversas
pessoas da sua comunidade, por isso lhe dei sete, oito livros, para que ele os distribuísse a essas
pessoas que eu conheço entre mulheres, homens e sacerdotes. Um dos sacerdotes, que o recebeu,
trabalha no Vicariato. É um sacerdote jovem, uma pessoa formidável! Eu recebi hoje uma carta sua
que diz: «Caríssima Chiara, tenho em mãos o lindo livro "Os fioretti de Chiara e dos Focolares», que
recebi com grande alegria. Escrevo depois de ter "devorado" as páginas, com a grata confirmação de
ter encontrado plenamente o Evangelho vivido. Lendo-o, participa-se da alegria e da surpresa que

5. O livro "I fioretti di Chiara e del Movimento dei Focolari" (n.d.t.);


94
sentem aqueles que vivem dessa maneira (pois vêem que Deus responde); lendo-o, participa-se da
alegria e da surpresa, de modo simples e direto»... Ou seja, conosco acontece o mesmo. «Creio que,
quem o ler, começará, já com a sua leitura, a penetrar no mistério de um carisma». Isto é,
compreendem o nosso carisma. Viram? Compreendem com o Evangelho e não com uma unidade que
nós fabricamos, que é estreita, com uma mentalidade humana.
Ele continua: «Creio que, quem o ler, começará, já com a sua leitura, a penetrar no mistério
de um carisma que, como o amor, comunicando-se de um a outro (pois lêem as experiências relatadas
no livro), cresce e ilumina ainda mais, brilhando e orientando corações, olhares e pensamentos, tanto
na vida cotidiana como nas grandes provações. Ele nos ensina a viver e o faz com muita delicadeza
– ouçam –, beneficiando uma Igreja por demais masculina».
Então, os carismas são femininos? Não, não são femininos. Os carismas são masculinos e
femininos. Como se diz... É o perfil mariano da Igreja e tem essa característica, não é? Ainda bem,
ainda bem!
E me escreveu também uma senhora do Pontifício Conselho para a unidade dos cristãos. Ela
trabalha ali há 35 anos. É uma pessoa de valor. Eu lhe mandei uma cópia, e ela disse: «Obrigada, com
todo o coração por tudo e também pelo livro. É um livro de cabeceira (como dizem na França), que
deve estar sempre em nossa companhia, para que possa ser meditado. É muito imediato e capaz de...»,
ela quer dizer: capaz de fazer entender a Obra de Maria; «de veicular o significado da Obra de Maria,
tão simples e profundo ao mesmo tempo. É uma base sólida para se construir aquela espécie de
catedral para Jesus em meio para todos os que se reúnem no seu nome».
Vocês entenderam? É o Evangelho. Não é um Ideal da unidade que nós inventamos, mas o
Evangelho. Portanto, também aqui, queridos popos: «Os voluntários – está na página 3 do
Regulamento –, os voluntários são leigos que se comprometem em viver de modo totalitário a
espiritualidade evangélica da unidade». Portanto, vivem o Evangelho. Para isso, é muito útil a Palavra
de vida do mês e também a frase do dia, por exemplo: «Vigiar...».
Então, eu lhes disse algo sobre o livro e por quê? Porque não sei quantos desses 60 episódios
são dos voluntários ou das voluntárias. Vocês já descobriram isso, Maria? Quantos serão?

Maria: Ainda não calculamos.

Chiara: É preciso verificar isso para se ver quem são os melhores: os focolarinos, vocês, os
gen, os sacerdotes, os bispos... Colocamos também uma experiência de um bispo. Agora temos de
arregaçar as mangas, pois nos disseram que desejam publicar um segundo livro. Não uma edição
nova, que já farão, mas um segundo livro, e nós dissemos: «Sim, temos outros episódios. Só que já
escolhemos os melhores.» «Não tem problema», disseram aqueles da editora Paulus, «todos são belos,
mandem-nos ainda...». Portanto, temos que viver para mandar mais experiências.
E aqui está escrito, sempre no Regulamento: por meio dessa espiritualidade evangélica da
unidade, «desejam imitar, no nosso século, a vida dos primeiros cristãos», no nosso século. E foi por
isso que essa noite eu não conseguia dormir, pois dizia: «O que vou dizer aos nossos voluntários?
95
Tenho que dizer algo sólido» e logo me lembrei de uma figura: Pacômio. Esse seria um bom exemplo,
que revela um estilo de vida, ou seja, «Como repetir, hoje, a vida dos primeiros cristãos?»
Hoje de manhã, pedi a padre Fábio alguns documentos históricos sobre Pacômio, pois eu
conhecia algo sobre ele. Eu os trouxe, mas não vou ler, pois já os sei de cor.
Aconteceu assim: tão logo o famoso Constantino tornou-se imperador e as perseguições, que
havia naquele período, estavam para terminar, um rival seu insurgiu-se contra ele. Então, Constantino
mandou que alistassem os jovens mais fortes do seu Império, que estavam do seu lado. Entre esses
jovens, havia Pacômio, que tinha 20 anos. Ele não era muito forte, mas se alistou.
Eles partiram de navio e chegaram a Tebas. Provavelmente, Tebas devia estar sob o domínio
desse rebelde. Só que esses soldados foram feitos prisioneiros e jogados às prisões. Porém, assim que
foram presos, Pacômio viu algo meio estranho. À noite (creio que ele próprio conseguia enxergar ou
lhe contaram), à noite, ele viu sair das casas pessoas que pareciam sombras, muitas pessoas, aqui e
ali... e que caminhavam em direção à prisão, levando alimentos. Elas acordavam os soldados, que
estavam muito desanimados por terem sido feitos prisioneiros. Quem sabe o que poderia lhes
acontecer? Eles não queriam comer; só pensavam em morrer. Essas pessoas os acordavam e lhes
diziam que deviam ser fortes. Pacômio perguntou: «Quem é essa gente?» Ele perguntou a alguém:
«Quem são?» «São os cristãos». Pacômio fez, então, uma oração e disse: «Se eu for libertado, meu
Deus, prometo que me dedicarei aos próximos, tal como fazem os cristãos». De fato, quando ele foi
libertado, mudou de cidade, que não lembro o nome, e pediu o batismo. Depois, ele conheceu os
anacoretas, que foram os primeiros grandes santos da época. Eles viviam no deserto e se
concentravam na própria perfeição... Eu não sei como é que podiam viver o Evangelho só para se
aperfeiçoarem, uma vez que está escrito tão claramente que é preciso pensar também nos outros. Vê-
se que Deus concentrava o homem primeiro no amor a Ele e mais tarde alargou esse amor aos irmãos.
A certa altura, quase o convenceram a não se dedicar aos irmãos, mas a Deus. Pensava-se que o irmão
fosse um obstáculo para se chegar a Deus. Porém, Pacômio conseguiu manter-se firme, pois, a certa
altura, perguntou a Deus: «Qual é a sua vontade para mim?» E ouviu dentro de si uma voz que dizia:
«Sirva a Deus nos irmãos». Essa voz foi para ele algo decisivo. Primeiro, ele hesitou; mas, depois,
essa voz foi tão determinante que o fez fundar uma Família Religiosa, a primeira que se dedicou a
servir os irmãos.
Eu lhes contei essa história para lhes dizer, caríssimas voluntárias e voluntários, o que
significa ser cristãos também hoje, se quiserem imitar os primeiros cristãos: significa sair das próprias
casas e ir ajudar os que sofrem. Em certas nações... Vi aqui representantes também da África e da
Ásia. Lá existem os pobres de sempre: famintos, sedentos, nus, presos, analfabetos; em certos países,
como aqui no Ocidente, será preciso "inventar" quais seriam os pobres de hoje. Sabemos, mais ou
menos, quem são: os drogados, as prostitutas, que se encontram pelas ruas, os ateus, os solitários, os
idosos... Mais ou menos são esses. Porém, eu encarregaria Augusto e Maria, pois isso é de grande
interesse para mim para dizê-lo aos outros, para fazerem um elenco de todos os possíveis pobres do
Ocidente, porque são... Um dia, eu vi uma lista dos pobres de hoje, que guardei e não sei onde
coloquei.
96
Quem é o voluntário? É aquele que, à noite e durante o dia, quando pode, sai e cria esta
sociedade nova, mediante o amor, mediante a caridade. Isso. Vocês entendem que é preciso...
(aplausos) Agora vocês entendem que aqui é preciso fazer alguma coisa? Que devemos nos
converter? Por isso devemos nos ajudar.
Ainda no Regulamento de vocês está escrito: «Por meio disso – como eu disse – almejam
imitar, no nosso século, a vida dos primeiros cristãos». E ainda: «Desejam, com efeito, tornar visível
– ouçam: não o setor, mas – a comunidade», logo todos aqueles que vocês servem, não vocês mesmos.
Está no Regulamento. Ouçam que lindas palavras! «Desejam tornar visível a comunidade cristã – eu
escrevi: e não o setor – por meio da comunhão de bens – que vocês já fazem e será preciso reforçá-la
– e as obras de misericórdia espirituais e corporais», que são essas que vamos procurar fazer também
no Ocidente.
Ainda: «Os voluntários – está escrito – não são do mundo – isso se sabe, nós deixamos o
mundo – mas consideram – e isso é que é bom –, consideram o mundo e as realidades temporais como
um lugar privilegiado, no qual podem realizar-se como cristãos». E isso é belíssimo; é mesmo
belíssimo! Tenho sempre essa frase em mente, que se atribui a Foco, porque Foco – quando os
voluntários ainda não existiam – representava todo o mundo leigo, todos os nossos Movimentos 6.
Quando se afirma, por exemplo, que agora querem santificar Foco e não "apesar da política", mas
"por meio da política"... Também vocês, não são do mundo. Porém, devem se santificar e ser
perfeitos, fazendo a vontade de Deus, não apesar do trabalho que fazem como funcionário, professor,
etc., mas por meio do trabalho no mundo. Isso é belíssimo! É belíssimo! Faz nascer em nós – e é
estranho! – uma simpatia por este ambiente que nos santifica. Não podemos amar as coisas ruins do
mundo, mas as boas sim. Essas possibilidades devemos amar, pois inflamam, entusiasmam e tornam
atual e moderna a vocação do leigo, porque a Igreja, na sua hierarquia, não pode chegar ali, não pode
fazer uma política nova, uma arte nova, não consegue. São os leigos que podem fazê-lo. Portanto,
nós nos empenhamos nisso por meio dos voluntários.
Está escrito ainda: «Desejam que se possa repetir deles o que já se dizia dos primeiros
cristãos: "Aquilo que a alma é para o corpo os cristãos são para o mundo"». Acho que ali em Tebas
se podia ver... Essas pessoas que saíam de casa eram a alma, tanto que Pacômio se converteu e quem
sabe quantos outros se converteram. Portanto, para se ter... A alma é algo vivo, dinâmico, não se está
parado. Se nós ficarmos parados em casa ou só no núcleo, que alma daremos? É preciso que,
individualmente, saiamos de casa.
Vocês dirão: «Mas, cara Chiara, o que você ainda nos pede? Você nos dá Famílias Novas,
Humanidade Nova...!» Esse é o "apostoladinho" privado de vocês. Também é preciso fazer algo
pessoal.
E está escrito ainda: «E pelo radicalismo com que vivem, se comprometem...» Primeiro
vivem assim; depois lançam a revolução cristã, que vem por si só, pois Pacômio se converteu vendo
um exemplo, não por meio de um sermão. É necessário o testemunho.

6. Como Humanidade Nova, Famílias Novas, etc. (n.d.t.);


97
«De tal forma, influenciam os ambientes para a edificação de uma sociedade nova»; sim,
porque disso nasce também uma sociedade nova, também as leis mudam. «E, de modo especial, para
a atuação da oração de Jesus: "Que todos sejam um"», pelo menos entre os cristãos, e com os outros
a fraternidade universal.
E escrevi aqui, pois peguei o Regulamento. Vejamos, vejamos... «Os voluntários – é a última
linha –, os voluntários são, em geral, animadores, da Obra – da Obra, devemos chegar à Obra – por
meio dos Movimentos Humanidade Nova, Paroquial, Famílias Novas e também de Juventude Nova».
Vocês sabem o quanto nós falamos disso durante a Assembléia: andar de braços dados com... Vocês
o façam com esses Movimentos. Por quê? Porque isso serve para que vocês não se fechem, mas se
abram, e porque assim se compreende a vocação completa do voluntário; mas também serve para os
outros, senão, sendo todos Movimentos que promovem muitas atividades... Humanidade Nova faz
obras, obras. As Famílias trabalham pelas famílias, etc. Por isso, correm o risco de cair numa espécie
de trabalho, trabalho, trabalho, enfim, no ativismo; ao passo que vocês, que levam ali Jesus em meio
e têm uma formação, conseguem manter cristãs essas atividades.
Isso é tudo! (aplausos) Devemos ir para lá 7.

Pe. Foresi: Dou uma saudação e agradeço a todos aqueles focolarinos, focolarinas e voluntários
que fizeram nascer o setor. Estou pensando na Dori, no Turnea e em todos aqueles dos primeiros
tempos. (aplausos)

Chiara: Tchau!

7. A transmissão do collegamento tinha sido preparada na outra sala (n.d.t.).


98
________________________________________________________________________________

OBRA
DE
MARIA
_______________________________________________________________________________

(Movimento dos Focolares)

Regulamento do setor
dos voluntários de Deus

Aprovado pela Assembléia Geral da Obra de Maria em 18 de julho de 2008

99
OBRA DE MARIA
(Movimento dos Focolares)

REGULAMENTO DO SETOR
DOS VOLUNTÁRIOS DE DEUS

A PREMISSA DE TODAS AS DEMAIS REGRAS

«A mútua e contínua caridade, que torna possível a unidade e atrai a presença de Jesus na
coletividade, é para as pessoas que fazem parte da Obra de Maria, a base de suas vidas em todos os
seus aspectos:
é a norma das normas, a premissa de todas as demais regras».

Chiara Lubich

Primeira Parte

100
O SETOR E OS SEUS PARTICIPANTES(*)

Cap. I – NATUREZA, ESPÍRITO, OBJETIVO

Art. 1 – O setor dos voluntários de Deus8 é uma ramificação da Obra de Maria, da qual faz própria a
natureza, o espírito e os objetivos.
É regido pelos Estatutos Gerais da Obra e por este Regulamento.

Art. 2 – Os voluntários são leigos que se empenham em viver de modo radical a espiritualidade
evangélica da unidade e, enquanto parte constitutiva da Obra de Maria, são construtores da sua
unidade, juntamente com os outros participantes.
Através desta espiritualidade que é um caminho ao mesmo tempo pessoal e comunitário para ir até
Deus, visam imitar, em nosso século, a vida dos primeiros cristãos.
Os voluntários «não são do mundo» (Jo 17,16), mas consideram o mundo e as realidades temporais,
nas quais vivem, como o lugar privilegiado onde podem se realizar e se santificar. Almejam que se
possa repetir deles o que já se dizia dos primeiros cristãos: “O que a alma é para o corpo, os cristãos
são para o mundo”9.
Por isso a incidência de seu testemunho se manifesta especialmente nos ambientes onde vivem. Pelo
radicalismo que os distingue, se empenham em alimentar constantemente ao seu redor a revolução
cristã, em particular através da comunhão dos bens e das obras de misericórdia, que procuram
traduzir em obra sociais10 como expressão concreta do mandamento novo de Jesus: «Amai-vos uns
aos outros» (Jo 13,34).
De tal modo, contribuem para a edificação de uma sociedade renovada pelo Evangelho para que se
realize a oração de Jesus: «Que todos sejam uma coisa só… para que o mundo creia que Tu me
enviaste» (Jo 17,21).
São – normalmente – animadores de Movimentos de amplo alcance, 11 prioritariamente do Movimento
Humanidade Nova que lhes é confiado. 12
Colocam-se nas mãos de Maria Assunta, como sua protetora, para renovar o mundo que os circunda. 13

Art. 3 – Para atuar o objetivo geral da Obra – a perfeição da caridade – eles se propõem a
renovar diariamente a escolha de Deus:
- cumprindo fielmente os deveres de seu estado de vida;
- atuando os empenhos que assumem livremente na Obra e, em particular, no setor;
- agindo, pessoalmente e comunitariamente, nas realidades sociais em que vivem.
Além disso, para contribuir na atuação da unidade (“Que todos sejam uma coisa só…” Jo 17,21) e da

(*) cf. art.1 dos Estatutos Gerais


8 Assim chamados por Chiara num artigo de Cidade Nova (edição italiana) de 15 de janeiro de 1957.
Deste ponto em diante, quando se escreve a palavra “voluntários” se entende “voluntários de Deus”.
9 cf. Carta a Diogneto, cap. 6.1.
10 cf. Chiara: A Obra se chama caridade.- Os voluntários (Escritos espirituais 3 págs. 100-101).
11 cf. Estatutos gerais art.14.
12 cf. art. 5 Regulamento do Movimento Humanidade Nova.
13 cf. Mensagem de Chiara de 15.8.1980.

101
fraternidade universal – objetivo específico da Obra – livremente se empenham nos “diálogos” da
Obra de Maria, particularmente naquele com a cultura e as realidades humanas, 14 e participam das
suas iniciativas de caráter unitário. 15

Cap. II – PREPARAÇÃO E ADMISSÃO AO SETOR

Art. 4 – Quem ouve o chamado a tornar-se voluntário faz o pedido ao responsável regional do setor.
O responsável regional, de acordo com o delegado da Obra na região, antes de admitir o solicitante
ao período de preparação e de prova, deve certificar-se de que ele tenha ou se comprometa a ter uma
formação cristã de base16 e uma vida moral sadia; que tenha um equilíbrio psico-físico correspondente
aos empenhos de vida que pretende assumir e um adequado conhecimento do Movimento dos
Focolares.

Art. 5 – O período de preparação e de prova tem a duração de dois anos ou mais, podendo ser reduzido
a um ano, por justos motivos.
Durante este período o candidato aprofunda a vocação, o conhecimento da Obra, da sua
espiritualidade e dos seus aspectos concretos, sob os cuidados particulares de um encarregado pela
formação, preferivelmente um voluntário.

Art. 6 – Os candidatos se encontram periodicamente em pequenos grupos, chamados de pré-


núcleos, nos quais se formam exercitando-se na vida de comunhão, própria da vocação, para
inserir-se cada vez melhor na Obra e abrir-se à sociedade.
Antes da sua admissão ao setor, além dos encontros anuais específicos, eles deveriam participar de
uma escola de formação realizada pelo responsável regional dos voluntários, de acordo com o
delegado da Obra na região, sobre indicações do Centro Internacional do setor.

Art. 7 – Cumprido o período de preparação e de prova, o candidato, que deseja ser admitido no setor,
faz um colóquio com o responsável regional do setor ou com uma pessoa encarregada por ele. O
responsável regional do setor, após ter ouvido o parecer positivo dos responsáveis por sua formação,
após constatar a autêntica e madura vontade de assumir os compromissos próprios da vocação, assim
como está expresso neste regulamento, com o consenso do delegado da Obra na região, admite-o
como interno do setor. Normalmente, a idade de admissão está compreendida entre os 20 e os 50
anos.
A admissão será realizada solenemente com a entrega deste Regulamento. 17

Cap. III - OS NÚCLEOS

Art.8 – Cada voluntário faz parte de um grupo chamado de “núcleo”, “focolare temporário vivo”18 no

14
cf. art. 6e nota 3 Estatutos gerais.
15 cf. art. 36 Estatutos gerais.
16 Para os que pertencem a outras Igrejas e Comunidades eclesiais ver art. 67 deste Regulamento; para os que pertencem a outras

religiões ver art. 69 deste Regulamento.


17 Juntamente com o Regulamento de Humanidade Nova e os Estatutos gerais, caso ainda não tenham sido entregues.
18 Chiara aos dois Centros dos voluntários – 1975.

102
meio do mundo. O núcleo19, portanto, é a unidade básica dos voluntários.

Art.9 - Cada núcleo constituído é composto por três a oito voluntários. Um deles é o responsável,
como ponto de referência da unidade, mas todos os componentes são co-responsáveis segundo os
diversos aspectos concretos da vida dos voluntários.
O núcleo se reúne uma vez por semana ou, pelo menos, a cada quinze dias. A participação no núcleo
é indispensável. 20

Art.10 – No núcleo, os voluntários estão fortemente empenhados em merecer e manter a presença de


Jesus entre eles (cf. Mt 18,20), para serem por Ele iluminados e guiados em todos os aspectos de suas
vidas.

Art.11 – Na reunião de núcleo, os voluntários, tendo como premissa a unidade entre eles como base
das próprias vidas e como norma das normas,21 nutrem-se de todo o patrimônio espiritual e cultural
da Obra, tendo presente o próprio chamado específico. Colocam-se a par das realidades da vida da
mesma Obra, ajudam-se a traduzir em vida a Palavra de Deus e comunicam as suas experiências a
este respeito, consultam-se e confrontam-se sobre seus empenhos nos aspectos concretos. 22
A unidade, estabelecida e reavivada nos encontros de núcleo, permeará a vida quotidiana dos
voluntários e a sua ação no social.

Segunda Parte

ASPECTOS CONCRETOS DA VIDA DOS VOLUNTÁRIOS


PREMISSA

Art.12 – Os voluntários se inspiram, na própria vida, no que está descrito a respeito dos aspectos
concretos nos Estatutos Gerais da Obra. 23
Atuam, de modo particular, as normas contidas nos artigos seguintes.

Cap. I – COMUNHÃO DOS BENS, ECONOMIA E TRABALHO

Art.13 – Os voluntários se propõem a ser, pessoal e comunitariamente, testemunhas da verdade do


Evangelho também no aspecto econômico de suas vidas e de seus trabalhos, recordando-se antes de
tudo que o Pai celeste não deixará faltar o necessário para quem busca em primeiro lugar o Reino de
Deus e sua justiça (cf. Mt 6,31-33).

Art.14 – Participam da comunhão dos bens atuada no Movimento dos Focolares, na medida
livremente estabelecida por cada um, levando em conta os deveres familiares e as próprias
responsabilidades sociais e eclesiais.

19
“Núcleo significa Jesus no meio”. (Chiara e os Voluntários – perguntas e respostas - pág. 25).
20 Nos casos de voluntários que moram muito distantes entre si, ou que por motivos sérios e válidos sejam impedidos, os
responsáveis pelo setor providenciarão para assegurar com regularidade a comunicação necessária nas formas mais adequadas.
21 cf. Premissa Estatutos Gerais e este Regulamento.
22 cf. art.s 13-44 deste Regulamento.
23 cf. Estatutos Gerais, terceira parte.

103
Na atuação desta comunhão, aperfeiçoarão a sua consciência reconsiderando continuamente seja as
suas próprias possibilidades seja as necessidades dos irmãos, começando pelas necessidades do
próprio setor.24

Art.15 - O valor recolhido mensalmente nos núcleos (comunhão dos bens ordinária) é destinado,
segundo diretrizes do Centro do setor, conforme o seguinte critério geral:
- uma parte permanece na região para ajudar os voluntários que têm necessidade e para a vida do
setor. O que eventualmente sobrar desta parte será colocado anualmente em comum com os
voluntários em necessidade das outras regiões através do Centro do setor;
- uma parte destina-se à vida e ao apostolado de toda a Obra na região, especialmente ao
desenvolvimento de Humanidade Nova;
- uma parte é enviada ao Centro do setor, como contribuição para os voluntários necessitados, para
a formação dos membros do setor, para a gestão do Centro Internacional, para a vida do centro
da Obra e da Secretaria Central de Humanidade Nova.
O Centro do setor, levando em conta todas as necessidades, com prévia aprovação do Centro da Obra,
pode estabelecer uma proporção diferenciada das partes acima citadas (ver anexo 1).
A comunhão dos bens extraordinária (doações, heranças, legados, e todas as demais entradas não
previstas e não compreendidas na comunhão dos bens ordinária), salvo diversa indicação do doador,
é destinada prioritariamente aos voluntários em necessidade, através do Centro Internacional do setor.

Art.16 – Empenham-se em realizar bem o seu trabalho segundo seus talentos e em aperfeiçoá-lo,
porque estão conscientes de que é uma participação na obra do Criador e do Redentor. Com ele dão
um forte testemunho cristão na sociedade contemporânea, procurando criar em cada realidade de
trabalho, uma comunidade. Assim atuam uma viva solidariedade com muitos irmãos e contribuem
para o melhoramento das estruturas sociais.
No exercício do trabalho, e em qualquer atividade produtiva, os voluntários se inspiram nos princípios
do Evangelho e na doutrina social da Igreja.

Art.17 – Esforçam-se para que entre eles, entre as pessoas com as quais vivem e nos ambientes onde
trabalham, se difunda a cultura da partilha que poderá originar na sociedade formas de partilha de
bens como, por exemplo, a Economia de Comunhão.

Cap. II – TESTEMUNHO E IRRADIAÇÃO

Art.18 – Os voluntários são chamados a testemunhar a verdade cristã antes de tudo com sua vida
pessoal.
Além disso, o amor recíproco vivido no setor e com todo o Movimento tornará possível uma
incidência ainda mais forte nos próprios ambientes.

Art.19 – Colaboram com as iniciativas apostólicas de caráter unitário da Obra e são os primeiros
animadores – junto com as voluntárias – do «Movimento Humanidade Nova». Tornam evidente, com
a força das idéias e dos fatos, a potência transformadora do espírito evangélico na construção da
24 cf.Chiara na Assembléia das/dos voluntárias/os 18.11.1997.
104
cidade terrestre. Assim, muitas pessoas, que se dedicam em boa fé por um ideal de unidade e de
justiça, poderão ser atraídas a se empenhar juntos pela fraternidade universal.
Além disso suscitam e sustentam a vida dos mundos e âmbitos de Humanidade Nova, os grupos de
iniciativa social e as «células de ambiente».25

Art.20 – De acordo com o responsável regional do setor e segundo as próprias aptidões e


competências, cada voluntário, para a irradiação do Ideal, dedica-se a um ou outro campo de
apostolado, harmonizando os próprios compromissos para evitar o ativismo. Os voluntários
contribuem junto com todas as pessoas da Obra para a vida e o desenvolvimento das “comunidades
locais”.26.

Cap. III – UNIÃO COM DEUS, VIDA DE ORAÇÃO E FORMAÇÃO

Art.21 – Os voluntários procuram aprofundar constantemente a união com Deus, segundo a


espiritualidade comunitária da Obra e em particular através do amor ao irmão e a escolha de Jesus
crucificado e abandonado como Único Bem. Modelam-se Nele nas provações pessoais, da Obra e da
Igreja e O reconhecem e O amam também nas tensões, nas fraquezas, nas injustiças nos sofrimentos
e nos traumas da humanidade, particularmente daquela porção onde vivem.

Art.22 – Inseridos como estão nas realidades temporais e chamados a impregná-las com o espírito
evangélico, sentem a necessidade de transformar toda a sua ação em oração.
No quanto for possível, se propõem a participar quotidianamente da Santa Missa e a receber o
alimento eucarístico. Todos os dias se recolhem em meditação, rezam o terço, examinam a própria
consciência. Com freqüência e fidelidade recebem o sacramento da reconciliação.

Art.23 – Para avançar juntos no caminho de santidade, colocam em prática os instrumentos da


espiritualidade coletiva da Obra de Maria: pacto, comunhão de alma, comunhão de experiências,
«hora da verdade», colóquio. 27

Art.24 – Os responsáveis pelo setor e pela Obra procurarão dar uma formação contínua aos
voluntários, capaz de abranger sua vida pessoal, familiar e social.
A base dessa formação será sempre constituída pela Verdade revelada, pelos ensinamentos da Igreja
e pelo patrimônio espiritual e cultural da Obra.

Art.25 – A formação se realizará:


- nos encontros de núcleo;
- em retiros espirituais periódicos (de região, de sub-região ou de núcleo), nos quais são
aprofundados cada um dos pontos da espiritualidade ou cada um dos aspectos concretos da vida
do setor e se atuam os instrumentos da espiritualidade coletiva, em particular, a hora da verdade;
- nos encontros periódicos (de região ou de sub-região), possivelmente mensais, para responsáveis
de núcleo, organizados pelo responsável regional do setor ou pelo encarregado de sub-região e
pelo delegado da Obra na região ou pelo responsável da sub-região;

25 cf. art.s 17,18,19 do Regulamento de Humanidade Nova.


26 cf. art. 43 Estatutos Gerais.
27 cf. art. 50 Estatutos gerais.

105
- nos encontros anuais (exercícios espirituais), realizados no Centro, organizados pelo Centro
internacional, ou nas regiões segundo a linha do ano;
- em encontros para aprofundar temáticas específicas 28 (jornadas);
- em escolas: a) para responsáveis regionais do setor; b) para responsáveis de núcleo; c) para
voluntários. Estas escolas, internacionais ou da região, deverão durar ao menos uma semana e
cada voluntário deveria participar pelo menos uma vez daquela que lhe compete.

Art.26 – Pelo radicalismo de sua vocação, os voluntários – colocando-se com sua vida pessoal e
comunitária até mesmo contracorrente – contribuirão para o melhoramento dos relacionamentos e das
estruturas sociais, segundo a ética cristã.

Cap. IV - VIDA FÍSICA E NATUREZA

Art.27 - Os voluntários, conscientes de que fazem parte do Corpo de Cristo, atuam as obras de
misericórdia29 entre si e com os outros próximos, tornando visível assim a comunidade cristã.
Essas obras serão cumpridas não apenas com ações individuais, mas também com ações de grupo, de
modo a envolver outras pessoas e contribuir para uma eficaz solução de problemas da sociedade civil.

Art.28 – Com todos os meios, cuidam da própria saúde física. Seguem de modo especial os
voluntários doentes ou com outras dificuldades, procurando ajudá-los, procurando sustentá-los,
contribuindo para encontrar os possíveis remédios. Sobretudo, compartilham os seus sofrimentos e
os ajudam a valorizá-los cristãmente.

Art.29 – Assistem com especial dedicação aqueles que estão no fim de sua «Santa viagem», 30
acompanhando-os na passagem para a vida plena em Cristo, fazendo de modo que não falte a eles o
conforto de Jesus no meio.

Art.30 – Os responsáveis pelo setor recolherão os escritos e os testemunhos dos voluntários falecidos,
para que através do perfil da vida deles e de sua fidelidade ao Ideal, sirvam de exemplo para muitos.
Permanecer-se-á unidos a eles na caridade, rezando e pedindo a sua intercessão.

Art.31 – Promovem a cultura da vida desde a concepção até o fim natural.

Art.32 – Empenham-se em defender e valorizar a natureza, para que o ambiente seja de acordo com
o desenvolvimento da pessoa humana.

Cap. V – HARMONIA, AMBIENTE E ARTE

Art.33 – Os voluntários procuram exprimir a harmonia, fruto de sua vida de unidade, também na
maneira de se vestir, nas casas onde moram e, se for possível, nos ambientes de trabalho.

28
cf. art. 40 deste Regulamento.
29 Obras de misericórdia corporais: dar de comer a quem tem fome, dar de beber a quem tem sede, vestir os nus, acolher os peregrinos,
visitar os enfermos, visitar os prisioneiros, sepultar os mortos. Obras de misericórdia espirituais: aconselhar os que têm dúvidas,
ensinar aos ignorantes, admoestar os pecadores, consolar os aflitos, perdoar as ofensas, suportar pacientemente as pessoas molestas,
rezar a Deus pelos vivos e defuntos. (Catecismo da Igreja Católica. Compêndio, apêndice).
30 cf. Salmo 84,6 e CH de 3.9.1981.

106
Art.34 – O modo de vestir deve ser segundo a personalidade de cada um e o bom gosto, sem nada de
extravagante; a casa deve ser digna e adequada ao lugar e à época. Também as sedes e os escritórios
do Centro do setor e dos Centros regionais do setor devem ser simples, acolhedores e segundo as
exigências de sua vida. 31

Art.35 – O necessário desapego espiritual da própria casa se manifesta sobretudo na acolhida e na


hospitalidade.
Eles colocam suas casas à disposição, na medida do possível, para os encontros de núcleo 32 e para
outros encontros; deste modo muitas pessoas poderão encontrar ou reencontrar o cristianismo nessas
casas, que são como que igrejas espalhadas no meio do mundo.

Art.36 – Conscientes de que no Evangelho se encontra o código para a mais profunda transformação
da sociedade, lá onde se encontram, se esforçam em reconstituir o tecido social, segundo o modelo
da vida trinitária. Por isso promovem e sustentam iniciativas, obras, ações, dando assim a sua
específica contribuição na construção da cidade terrestre.

Art.37 – Valorizam os próprios talentos nas várias expressões da arte para testemunhar ao mundo a
beleza de Deus.

Cap. VI – SABEDORIA E ESTUDO

Art.38 – Os voluntários desejam, antes de tudo, possuir o dom da Sabedoria, fruto do amor a Jesus
abandonado e do empenho em viver com Jesus no meio.

Art.39 – Dedicam-se a estudos catequéticos e teológicos para conhecer o ensinamento do magistério


da Igreja,33 de atualização profissional e àqueles referentes aos seus empenhos sociais.

Art.40 – Participam de cursos e escolas de formação ligados a temáticas de Humanidade Nova e das
“Inundações”34 nos âmbitos de sua competência e de outras escolas relativas aos objetivos específicos
da Obra.

Art.41 – São informados e formados culturalmente consultando continuamente os tesouros de luz do


Carisma da unidade. Eles se propõem a levar a sua contribuição específica na elaboração de linhas de
pensamento que saibam introduzir a Sabedoria nas várias ciências humanas e assim, na produção,
comunitariamente, de uma cultura nova. Esforçam-se para que a própria vida seja lugar de
treinamento da aplicação constante desta doutrina.

Cap. VII – UNIDADE E MEIOS DE COMUNICAÇÃO

Art.42 – No setor procura-se fazer com que cada voluntário, através dos meios mais adequados e
imediatos possíveis, esteja a par de todas as notícias da vida do setor inteiro e de todo o Movimento
no mundo.
Desta maneira, cada um poderá tornar próprias as dificuldades e as alegrias de todos e ser, onde quer

31 cf. “Chiara e os voluntários – perguntas e respostas” págs. 52-55.


32 cf. Idem.
33 Utilizando também material oferecido pela Universidade Popular Mariana.
34 cf. art. 6, nota 3, Estatutos gerais.

107
que se encontre, expressão da unidade da Obra. 35
Mantêm-se informados sobre a vida da Igreja e da sociedade.

Art.43 – Para que seja assegurada a plenitude da comunhão e a contínua verificação da vida, cada
responsável de núcleo prepara um relatório periódico para o responsável regional do setor; este, para
o delegado da Obra na região e para o responsável central do setor.

Art.44 – Os voluntários sustentam a imprensa e os outros meios de comunicação do Movimento,


colaborando ativamente nos mesmos. Procuram, com todos os meios de comunicação social, influir
nas realidades humanas para realizar a unidade, em toda a parte, na sociedade.

Terceira Parte
ORGANIZAÇÃO DO SETOR
Cap. I – O RESPONSÁVEL CENTRAL E OS SEUS CONSELHEIROS
Art.45 – O responsável central do setor depende do Centro da Obra 36 e segue as decisões e as diretrizes
da Presidente relativas à vida da Obra.37 Faz parte do Conselho geral da Obra de Maria. 38

Art.46 – O responsável central do setor é eleito pela Assembléia do setor, 39 escolhido de uma lista
de três nomes de voluntários, proposta conforme as normas dos art.s 84f e 99 dos Estatutos gerais da
Obra. Para a eleição é exigida a maioria de dois terços dos votantes presentes, inclusive por delegação.
O mandato do responsável central é de seis anos, salvo o que está estabelecido no art. 88 dos Estatutos
gerais da Obra. Pode ser reeleito consecutivamente uma só vez.

Art.47 – O responsável central é auxiliado por ao menos cinco voluntários, como conselheiros
centrais, nomeados por ele com o consenso da Presidente.
A um dos conselheiros é confiado o acompanhamento particular dos candidatos ao setor,
principalmente dos jovens. Também faz parte do conselho central do setor o responsável pela escola
dos voluntários na cidadezinha de Loppiano, nomeado pelo responsável central do setor, de acordo
com o responsável da cidadezinha e com o consenso da Presidente.
Os conselheiros permanecem no cargo por seis anos e podem ser reconfirmados em sua tarefa. Perdem
o cargo no caso em que, com base nos estatutos gerais da Obra40, o responsável central do setor perca
o cargo ou de algum modo seja substituído.
O voto dos conselheiros é considerado consultivo, a menos que seja exigido diversamente por este
regulamento.
Com a denominação «Centro do setor» ou «Centro internacional do setor» entende-se o responsável
central do setor junto com os seus conselheiros.

Art.48 – As principais incumbências do responsável central do setor são:


a) Salvaguardar a unidade do setor com o Centro da Obra, mantendo também constantes
relacionamentos com os Conselheiros;
b) levar a presença e a vida do setor ao Conselho geral da Obra;
c) alimentar e incrementar, nos voluntários, a sua consciência de ser Obra;
35
cf. Estatutos gerais art. 68.
36 cf. Estatutos gerais art. 97 a).
37 cf. Estatutos gerais art. 131.
38 cf. Estatutos gerais art. 101.
39 cf. art. 60 deste Regulamento.
40 cf. Estatutos gerais art.s 107 e 114b.

108
d) fazer com que eles se realizem em sua vocação específica;
e) preparar aquilo que for necessário para que a vida dos voluntários se organize e se desenvolva
segundo os vários aspectos concretos, como está expresso neste regulamento; 41
f) reavivar sempre a unidade com o setor das voluntárias;
g) manter um estreito relacionamento com os responsáveis centrais de Humanidade Nova para
favorecer a unidade plena entre as duas ramificações.42

Art.49 – Além do que foi estabelecido em outros dispositivos deste regulamento, compete ao
responsável central:
a) nomear os responsáveis regionais do setor 43 e manter com eles um constante relacionamento, seja
dando orientações e diretrizes, seja recolhendo a vida do setor na região;
b) atribuir aos conselheiros os encargos referentes aos vários aspectos da vida dos voluntários 44 e ao
particular acompanhamento de cada região;
c) visitar as regiões e fazer com que circule a vida do setor com todos os meios disponíveis;
d) apresentar relatórios periódicos à Presidente e ao Co-presidente da Obra;
e) propor modificações ao presente Regulamento, segundo sugestões dos voluntários, a serem
apresentadas em tempo hábil à Assembléia geral da Obra para a aprovação.

Art.50 – O Centro internacional elabora programas de formação para escolas permanentes e


periódicas, segue a realização de escolas, encontros, congressos anuais (exercícios espirituais) e
congressos internacionais.

Art.51 – O Centro internacional se responsabiliza por aqueles bens da Obra que tenha recebido para
administrar e usar.45
O responsável central, após ouvir seu Conselho, decide quais deles confiar a um Centro regional do
setor.
Com voto colegiado, aprova os balanços anuais e os apresenta à Presidente e ao Co-presidente para
as deliberações previstas nos Estatutos gerais da Obra.
Cap. II – AS REGIÕES

Art.52 – A cada região instituída da Obra corresponde uma região do setor. 46


Nas regiões, o setor é considerado constituído quando existem pelo menos cinco núcleos.

Art.53 – O responsável regional do setor é nomeado pelo responsável central do setor, 47 com o
consenso de seu Conselho e do delegado da Obra na região, e com a aprovação da Presidente da Obra.
Ele permanece no cargo durante três anos e pode ser reconfirmado consecutivamente por três vezes.
Havendo motivos graves, pode ser demitido do cargo pelo responsável central do setor, após ouvir o
seu Conselho, com o consenso do delegado da Obra na região.

Art.54 – O responsável regional do setor faz parte do Conselho regional da Obra.


É incumbência do responsável regional:

41 cf. Segunda parte deste Regulamento.


42
cf. art. 25 do Regulamento de Humanidade Nova.
43 cf. art. 53 deste Regulamento.
44 cf. segunda parte deste Regulamento.
45 cf. Estatutos gerais art. 31.
46 cf. Estatutos gerais art. 115.
47 cf. art. 49 deste Regulamento.

109
- cuidar que cada expressão da vida dos voluntários seja segundo o espírito da Obra e que sejam
observados os seus Estatutos gerais e este Regulamento;
- manter viva a unidade dos voluntários da região – especialmente dos responsáveis de núcleo – entre
si, com o Centro do setor e com o delegado da Obra na região, com “ajornamentos” e relatórios
periódicos;
- manter o arquivo de todo o material relativo ao setor;
- cuidar da formação dos que pertencem ao setor segundo sua vocação específica, seguindo as linhas
enviadas pelo Centro internacional;
- promover o desenvolvimento do setor na região, também fazendo com que se conheça a vocação,
segundo as orientações do Centro internacional e do delegado da Obra na região;
- manter um estreito relacionamento com a responsável regional do setor e, junto com ela, com os
responsáveis de Humanidade Nova na região. Juntos também elaboram os programas de formação.

Art.55 – Compete ainda ao responsável regional do setor:


- nomear e revogar os conselheiros segundo o art. 57, após ouvir o parecer do delegado da Obra na
região;
- atribuir aos conselheiros os encargos relativos aos aspectos concretos da vida dos voluntários; a um
dos conselheiros é confiado o particular acompanhamento dos candidatos ao setor, principalmente
dos jovens;48
- instituir os núcleos, com o consenso do seu Conselho e com a aprovação do delegado da Obra na
região;
- nomear os responsáveis dos núcleos, com o consenso do seu Conselho e com a aprovação do
delegado da Obra na região;
- instituir pequenos grupos, chamados de pré-núcleos, para a formação dos candidatos, 49 após ouvir
o seu Conselho e o parecer do delegado da Obra na região;
- cuidar, após ouvir o seu Conselho, para que a administração e o uso dos bens da Obra,
confiados ao Centro do setor na região, sejam realizados com competência e zelo.

Art.56 – O responsável regional do setor segue as orientações e diretrizes do Centro internacional do


setor no que se refere à vida interna do mesmo. Segue as orientações e diretrizes do delegado da Obra
na região no tocante à vida dos voluntários na realidade unitária da Obra.

Art.57 – O responsável regional do setor é auxiliado por um Conselho de, pelo menos, três voluntários
que com ele formam o Centro regional do setor. O voto dos conselheiros é considerado consultivo, a
menos que seja exigido diversamente por este Regulamento.

Art.58 – Se a região é subdividida em “sub-regiões”, a vida do setor em cada sub-região é confiada à


particular responsabilidade de um voluntário, nomeado pelo responsável regional do setor, após ouvir
o seu Conselho e com o consenso do delegado da Obra na região e do responsável central dos
voluntários.
Ele deve agir sempre como encarregado do responsável regional do setor e em grande unidade com
ele; pode escolher alguns voluntários como ajuda, de acordo com o responsável regional do setor.

48 cf. art. 5 deste Regulamento.


49 cf. art. 6 deste Regulamento.
110
Cap. III – A ASSEMBLÉIA CENTRAL DO SETOR E
AS ASSEMBLÉIAS REGIONAIS

Art 59 – A Assembléia central do setor é composta pelo responsável central, pelos conselheiros
centrais, pelos responsáveis regionais e pelos representantes das regiões constituídas, eleitos segundo
as normas do art. 63.

Art.60 – As tarefas da Assembléia central do setor são:


- eleger o responsável central; 50
- elaborar e aprovar propostas relativas à vida do setor.

Art.61 – A Assembléia central ordinária do setor é convocada pelo responsável central do setor, de
acordo com a Presidente da Obra, seis meses antes de término do seu mandato.
Nos casos conforme os art.s 89 e 90 dos Estatutos gerais da Obra, esta Assembléia é convocada para
uma data que não ultrapasse seis meses do término do cargo do responsável central.
Com o consenso da Presidente da Obra e de seu Conselho, o responsável central pode convocar uma
Assembléia central extraordinária do setor, se existirem motivos urgentes e graves para fazê-lo.

Art.62 – Aqueles que, tendo direito de participar da Assembléia central, estejam impedidos de fazê-
lo, podem delegar, por escrito, um outro membro da Assembléia central, para exprimir o voto no seu
lugar. Cada participante desta Assembléia não pode receber mais de uma delegação.
Salvo para aquilo em que haja disposição em contrário ao que esteja disposto neste Regulamento,
aplicam-se, para as eleições, as mesmas normas válidas para a Assembléia geral da Obra.
Para a participação de voluntários de outras Igrejas ou outras religiões se faz referência ao artigo 78
dos Estatutos gerais.

Art.63 – A Assembléia regional do setor é composta por todos os voluntários da região.


Depois da convocação da Assembléia central do setor, é incumbência dos responsáveis das regiões
constituídas convocar as Assembléias regionais para a eleição dos representantes que participarão da
Assembléia central do setor.
Nas regiões constituídas, a Assembléia elege, por maioria simples, os seus representantes e,
precisamente 01 (um) representante para cada 100 voluntários da região, ou fração (não inferior a
30). Os representantes que têm direito a voto na Assembléia central do setor, são escolhidos entre os
membros.51
Para cada representante é proposta uma lista de três nomes predisposta pelo responsável regional do
setor com o seu Conselho e aprovada pelo delegado da Obra na região, permanecendo intacta a
possibilidade de votar em outros nomes de membros não indicados na lista. Cada votante pode
exprimir tantas preferências quantos são os representantes a serem eleitos.
A Assembléia regional também trata dos assuntos que considera necessário apresentar à Assembléia
central do setor.
Nestas eleições se aplicam, no mais, as mesmas normas válidas para a Assembléia central do setor.

Quarta Parte
SAÍDA DO SETOR E DEMISSÃO

50 cf. art. 46 deste Regulamento.


51 cf. art. 17 Estatutos gerais.
111
Cap. Único
Art.64 – O voluntário que decide sair do setor deve comunicá-lo ao responsável regional do setor.
Depois que se tenha feito todo o possível, através de um diálogo fraterno, para esclarecer e para
superar os motivos da decisão, cabe ao responsável regional do setor, de acordo com o delegado da
Obra na região, aceitar o pedido de saída, informando o fato ao responsável central.

Art.65 – Em caso de comportamento grave contra a fé, a moral, as pessoas, o espírito da Obra e seus
Estatutos ou contra este Regulamento, o Centro regional do setor, com voto colegiado e com o
consenso do delegado da Obra na região, pode demitir um voluntário do setor; o procedimento será
comunicado ao Centro internacional do setor.
O procedimento de demissão não poderá ser efetuado senão depois de esgotadas todas as
possibilidades para ajudar o voluntário a se corrigir e que lhe tenham sido oferecidas amplas
possibilidades de ser ouvido a fim de esclarecer a sua posição.

Art.66 – Nos casos previstos nos art.s 64 e 65, fica estabelecido que nem o setor nem os voluntários
que saírem ou que forem demitidos, têm o direito de exigir algo referente aos bens que foram objetos
de doação.
Cabe aos responsáveis regionais do setor a atenção para que seja salva a caridade.

Quinta Parte

NORMAS PARA OS VOLUNTÁRIOS DE OUTRAS IGREJAS E COMUNIDADES ECLESIAIS

Cap. Único

Art.67 – Segundo o que estabelecem os Estatutos gerais da Obra,52 podem fazer parte da vida do setor
também pessoas de outras Igrejas e Comunidades eclesiais.
Para elas, valem todas as normas deste Regulamento, na medida em que as diferenças na fé e a práxis
de cada uma das Igrejas e Comunidades eclesiais o permitem.
Com a sua presença no setor, os voluntários de várias Igrejas exprimem a partilha do patrimônio
cristão no espírito ecumênico da Obra de Maria, e a vontade de viver, rezar e trabalhar para contribuir
na obtenção da comunhão plena e visível entre as Igrejas, que é um dos objetivos específicos da Obra
de Maria.

Art.68 – O responsável regional do setor, de acordo com o responsável central do setor e com o
delegado da Obra na região, pode instituir núcleos compostos unicamente de pessoas de uma mesma
Igreja ou Comunidade eclesial, cujo responsável seja um deles.
Estes núcleos estão ligados, como os outros, aos órgãos diretivos, regionais e centrais, do setor.

Sexta Parte

NORMAS PARA OS VOLUNTÁRIOS DE OUTRAS RELIGIÕES

Cap. Único

52 cf. Estatutos gerais art.s 16, 20, 141-145.


112
Art.69 – Segundo o que estabelecem os Estatutos gerais da Obra, 53 podem fazer parte da vida do setor
também pessoas de outras religiões.
Para elas, valem todas as normas deste Regulamento, na medida em que a sua religião o permite.

Art.70 – O responsável regional do setor, de acordo com o responsável central do setor e com o

delegado da Obra na região, pode instituir núcleos compostos unicamente de pessoas de outra

religião. Estes núcleos estão ligados, como os outros, aos órgãos diretivos, regionais e centrais,

do setor.

Art.71 – Estes voluntários, aderindo à espiritualidade da unidade, compartilham alguns de

seus valores religiosos, os seus valores humanos e sociais, contribuindo assim para a

renovação da sociedade na perspectiva da fraternidade universal.

=======================================================================
ANEXO 1

Repartição percentual da comunhão dos bens ordinária do setor dos “Voluntários de Deus”
(Aprovação de Chiara, Mollens, setembro de 2002)

Setor Obra Humanidade Nova TOTAL

vol. em necessidade, formação e gestão

23 % 27 % 5% 55 % REGIÃO

27 % 11 % 7% 45 % CENTRO

50 % 38 % 12 % 100 % TOTAL

Ver Artigo 15
Una parte

Una parte

Una parte

Quem é o voluntário?

O voluntário é: alguém que crê.


Crê no Evangelho e, portanto, age.
Não faz acordos com o mundo.

53 cf. Estatutos gerais art.s 16, 21 e 146.


113
Quer levar o fogo, sabendo que é fogo o Reino de Deus sobre a Terra. O fogo age
nele e se alimenta, criando em torno de si a revolução evangélica.
Vê as conseqüências potentes do Evangelho: "Bem-aventurados os mansos porque
possuirão a Terra". Não é possível ser voluntário se não se propõe a conquistar a Terra
inteira, a fim de atuar o desejo supremo de Jesus: "Que todos sejam um".
"Dai a vos será dado". O voluntário ama e, assim, dá e se toma um rico que
enriquece espiritualmente ou materialmente os outros.
"A quem me ama, eu me manifestarei”.O voluntário não fica contemplando o
amor, mas ama. Deus se manifesta dentro dele. Não é uma marionete em poder da esposa ou
do marido, do chefe, das circunstâncias. Amando, sente que não está sozinho, mas que alguém
dentro dele o guia. O amor, o entusiasmo nele torna-se luz e essa luz, submetida à Igreja pode
ser vista.
Com isso, o voluntário se torna um instrumento de Deus e, se Deus age nele, o que
ele fará? Uma revolução!
O voluntário sabe, porém, que no Evangelho existem leis das quais não pode prescindir: "Se
o grão de trigo cai na terra e morre, produz grandes frutos". O voluntário vai á cidade, semeia...
Mas sabe que, para produzir frutos, a semente deverá consumar-se e morrer.
O Evangelho reflete a vida do Primeiro Voluntário, que terminou na cruz...
Portanto, o voluntário se prepara, se Deus o quiser, também para o martírio e, por enquanto,
ama o crucifixo dia após dia.
O voluntário tem um grande lema; segue um chefe que diz: "Se alguém vem a mim
e não renuncia a seu pai e sua mãe, à esposa... não pode ser meu discípulo”. (pede pureza de
vida)
"Quem quiser me seguir, renegue a si mesmo". (obediência às leis divinas)
"Bem aventurados os pobres de espírito porque deles é o Reino de Deus"
(pobreza).
E Jesus teve mais discípulos que qualquer outro jamais teve, porque a cruz cria
uma abertura na alma e traz a luz, a plenitude da alegria, da vida.
O voluntário que vive como Jesus verá o mundo se revolucionar.

Chiara

114
A SOCIALIDADE DO TRABALHO
(adaptado)
Tommaso Sorgi

O mundo da economia e do trabalho se empenha em coisas concretas, humanas, terrenas, de


tal modo que muitas vezes corremos o perigo de ser absorvidos e permanecer apenas no âmbito
material.
Para reencontrarmos a nossa humanidade è necessário um suplemento espiritual que nos
empenhe continuamente.

1. O trabalho não egoísta


O homem não pode considerar o trabalho somente para si, para obter uma vantagem, para
satisfazer suas necessidades e aspirações, embora legítimas. O salário, a carreira, a ascensão social, a
auto-realização não podem constituir a finalidade total, nem mesmo a principal finalidade do trabalho.
O Papa comenta na encíclica Laborem exercens e Chiara nos repete: com o trabalho o homem
se realiza, se torna mais homem, cresce em humanidade.
Existe também o aspecto econômico do sustento individual e ascensão social e são todas
coisas justas que não podem ser menosprezadas. Não podemos desprezar a possibilidade que cada
trabalhador tem de dar ao ganho que obtém do seu trabalho, um conteúdo não apenas individual, que
seria egoísta. Certamente o trabalhador pensa por primeiro em seu grupo familiar: porque esta é a
primeira sociedade, é o primeiro próximo a amar.
Mas os fins do trabalho não se fecham ali: abrem-se à uma vasta gama de exigências de
outras pessoas, de outras famílias, de outros grupos, das obras sociais, da sua nação, do mundo
inteiro. Chiara nos fala da necessidade de uma consciência social planetária.
As necessidades das outras famílias, dos outros grupos, das outras pessoas assinalam o nível
que indica a cada um o que é supérfluo.
O supérfluo é um conceito simples que nos constrange a fazer um exame de consciência
comparativo entre o que temos e todos aqueles que não tem o que nós temos.

2. Trabalho com, Trabalho para


O homem se realiza no trabalho, se torna mais homem, cresce em humanidade.
Continuando este raciocínio de João Paulo II podemos fazer uma indagação: é o trabalho que faz o
homem crescer em sua humanidade ou é o amor que eu coloco no trabalho que faz crescer em mim
a humanidade? O homem se realizará no trabalho tanto quanto tomará consciência da dimensão
social do próprio trabalho e quanto mais o exercerá com empenho externo concreto e também
interior.
A dimensão social do trabalho é uma realidade objetiva, inerente à condição trabalhadora. O
trabalho por si só é um grande elemento de socialização. Porém esta realidade objetiva me pede
para estar presente na minha consciência com a luz viva de uma realidade humana que me estimula
a cumprir uma escolha profunda: ou a favor do homem ( e portanto também em meu favor), ou
contra o homem ( e portanto também contra mim). A dimensão social é esta: trabalha-se com os
outros, trabalha-se para os outros.

3. Trabalho com os outros


Olhar com atenção aos outros é o primeiro ponto. É preciso atenção para com cada
componente do pequeno mundo de trabalho a que se pertence, colocando continuamente calor
humano tanto nas relações horizontais, com os nossos pares, como nas relações verticais, se temos
superiores ou subalternos: quando chefiamos um setor ou dirigimos uma empresa.
É necessário calor humano nos relacionamentos, ir além da frieza das funções: eu sou chefe
o outro é empregado, eu sou dirigente da empresa, o outro é operário. São funções, mas por baixo

115
delas existem as pessoas. Descobrir as pessoas embaixo das funções na empresa, na escola, no
hospital. Cada escola, cada hospital, cada empresa, deveria se tornar uma comunidade.
É com o crescimento das relações humanas que se enriquece a personalidade. Portanto o
trabalho faz crescer em humanidade, no sentido que dá ocasião de multiplicar a possibilidade de
relação com outras pessoas. Quanto mais um sujeito tem relacionamentos bem vividos, mais cresce
em humanidade.

4. Trabalho para os outros.


Para além das funções a executar e do salário a receber, é preciso descobrir os destinatários
do próprio trabalho: cada produto ou serviço é destinado a alguém, e o seu valor mais verdadeiro e
profundo é este ser “para” um outro, ser “para“ muitos outros. Os rostos destes “outros” são algumas
vezes próximos e visíveis, outras vezes são distantes e não consigo nem mesmo imaginá-los.
Para dar um exemplo: o operário de uma fábrica não vê as pessoas que usarão os produtos
que saem da fábrica onde trabalha. Assim o mesmo se for uma fábrica de fogões, ou de sapatos, não
sabemos quem usará. Um funcionário da administração pública não vê a pessoa que sofre dentro da
prática burocrática que encaminha. São casos em que não se vê o outro, porém o outro existe,
mesmo se não o vemos.
Ao invés quem trabalha no Caixa de um Banco vê o cliente que tem pressa ou que está
preocupado. O professor vê o rosto dos alunos a quem ensina e percebe suas expectativas, portanto
vê.
O trabalhador esclarece a si mesmo a destinação do próprio trabalho e se colocar nele a maior
carga possível de solidariedade humana, de amor, dará ao seu trabalho um valor a mais - muito maior
daquela “mais valia” a que Marx se refere. Este valor de humanidade, de sociabilidade, de amor no
trabalho é imensamente maior que qualquer valor de caráter econômico, e não pode ser medido por
nenhum sindicalista ou especialista econômico. É um tesouro que permanece no íntimo da pessoa e
se comunica, quando conseguimos viver bem, para muitas pessoas próximas ou distantes. Se cada
trabalhador tivesse esta consciência faria com maior cuidado, atenção e perfeição o próprio trabalho.

5. Eu e o mundo
Ao mesmo tempo eu desfruto do trabalho dos outros. Entre a pessoa que trabalha e a outra
pessoa que usufrui o trabalho existe uma relação de fato: Eu tenho necessidade de ti para poder
continuar a trabalhar. Se tu não compras os meus produtos, minha empresa vai a falência e eu perco
o emprego. Portanto eu tenho necessidade de ti para continuar a trabalhar. Tu precisas de mim
porque necessitas de sapatos, de roupas, de remédios, de fogões, etc. Chega para ti o resultado do
meu trabalho de produção ou serviço: aquela camisa, o livro, o cartão postal para uma pessoa
querida. Para mim chega uma parte do dinheiro que sai do teu bolso para pagar o meu trabalho de
costureiro, escritor, tipógrafo, empregado dos correios. São muitas as funções que se entrelaçam ao
redor de um pequeno trabalho. Assim, quando eu compro um radinho “made” in Japão ou um
brinquedo “made” in Hong Kong, ou qualquer outro objeto estou trazendo comigo algo de ti que
vives e trabalhas muito distante de mim. E te dou algo de meu, algo que obtive com o meu trabalho.
Existe uma ponte real entre mim e ti, uma ponte lançada entre duas margens que não se vêem entre
si.
Na vida de cada um de nós existe uma intersecção destas pontes: uma multidão de
trabalhadores preenche o meu dia. Se eu for olhar minha roupa: o casaco, a camisa, os botões, os
óculos, os sapatos, o relógio, são frutos de muito trabalho, de muitos trabalhadores... Uma série de
pessoas trabalham em torno destes objetos. Quando eu descubro, por trás destes objetos, as pessoas
que neles trabalharam, o meu dia se preenche de pessoas.
A mesma coisa com os alimentos. Com os remédios. Então o mundo gira ao meu redor.
Assim podemos olhar cada objeto que temos em casa: a geladeira, a televisão, o sofá... Do mundo
inteiro correm irmãos que não conheço. Talvez 100 ou mais pessoas estão comigo, através dos
produtos do seu trabalho.
116
Estamos de fato, coligados com o mundo. Pode nascer uma solidariedade consciente, um
sentimento de universalidade, de amor, de gratidão. “Amor” em quem trabalha para os outros,
“gratidão” em quem recebe o fruto do trabalho realizado por outros.

6. Trabalho com Deus


O homem cresce em humanidade até o vértice mais alto possível através do trabalho, se
também no trabalho souber olhar além do humano: chegar ao vértice para chegar a Deus, para
descobrir que o meu trabalho adquire luz, um novo valor, uma nova potência de ser uma verdadeira
colaboração á obra criadora de Deus, uma participação da atividade divina. Este é o valor divino do
nosso trabalho.
Giordani diz: "Cada homem é um Cristo que trabalha, se trabalha segundo a mente a mente
de Cristo" (Le due città, p. 426). "A fadiga que o trabalho nos traz é a nossa ascética ordinária: o
modo comum, universal da nossa santificação" (p. 442). "O trabalho é o primeiro elemento da nossa
santificação" (p. 446).
Será que tínhamos pensado nisso? Nós podemos celebrar uma nossa missa, uma missa leiga:
no escritório, na oficina, em família, oferecendo a Deus o nosso trabalho.
Então se o trabalho é tão importante, e o desempregado? E quem não pode trabalhar por
incapacidade para o trabalho? Para quem está incapacitado, recordamos que até a completa
inatividade pode ser considerada como um trabalho. É um tipo de trabalho ainda mais precioso,
porque se gera uma série de trabalho e de empenhos por parte da sociedade ao redor da
incapacidade física ou mesmo psíquica.
Pode existir alguém que não gosta de trabalhar. Giordani diz: "O ócio voluntário é
desobediência contra a lei de Deus, é ateísmo prático" (pp. 427 e 428). "Não fazer o homem
trabalhar é como não deixá-lo respirar... o trabalho nos foi dado por Deus como um elemento da
nossa natureza” (p. 427). Portanto quem não quer trabalhar não respeita a natureza que Deus nos
deu. Quem não deixa o outro trabalhar não respeita no outro a natureza que Deus lhe deu.
Aqui se insere o problema de quem não trabalha porque não encontra emprego: o drama dos
pais desempregados que não têm como sustentar a família, dos que concluem os estudos e não
encontram emprego, dos jovens que não têm perspectivas que pede de todos nós uma atitude de
solidariedade e atenção para a necessidade de conjugar esforços com o empenho político para
transformar esta realidade.
A cultura do homem contemporâneo encoraja para o mais fácil; educa ao imediato e
passageiro. Estamos nos tornando pessoas que não têm senso do limite e senso do dever. Enfim
vivemos uma época em que vemos apenas os nossos direitos e conhecemos pouco os nossos
deveres para com os outros. O consumismo invade nossa personalidade desde a idade infantil.
Todavia devemos ajudar o homem de hoje a recolocar-se diante da verdade profunda e realista da
vida, para que descubra as dimensões mais profundas e mais humanas; para que descubra e aprecie
os aspectos de austeridade e renúncia que o trabalho comporta, que não são menos essenciais que a
alegria, a auto-realização, a ascensão social.
Precisamos educar-nos ao empenho de dar um suplemento de amor ao trabalho, relançando
uma ética da solidariedade do trabalho.

117
Amor e Liberdade (Parte II)
Encontro de pré-voluntárias.
Castelgandolfo, 8 de maio de 2003.
Giorgio Marchetti (Fede)

Não me chamo Fede desde sempre, mas recebi este nome um ano após de um famoso
colóquio com Chiara no qual reencontrei a fé. Para mim a fé foi um dom de Chiara e lhe sou grato
também por esse motivo além de tantas outras coisas, mas talvez essa seja a mais importante.
Augusto já fez uma introdução daquilo que devo dizer. É a continuação do tema
desenvolvido no ano passado: “Amor e Liberdade”. Quando cheguei uma de vocês me disse que
estava aqui no ano passado quando fiz o primeiro tema e com isso me encorajou, lhe agradeço pois
isso me impulsiona a prosseguir.
No ano passado falei apenas do amor e fiz um breve aceno à liberdade. Este ano
podemos fazer a segunda parte, falaremos da liberdade que, para os voluntários, é particularmente
importante.
Primeiro aspecto: a liberdade. Entendemos por liberdade a capacidade de se
autodeterminar, isto é, decidir por si próprio, autonomamente, a capacidade de fazer escolhas...
Acredito que, em relação a isso, estamos todos de acordo. Quantas línguas existem aqui? Oito
línguas! Caso eu fale muito depressa, por favor, digam-me.
O amor e a liberdade estão extremamente unidos, compõem um binômio indissolúvel.
O amor supõe a liberdade. As outras criaturas do cosmo por nós conhecido – pois pode haver outros
cosmos que nós não conhecemos - mas as criaturas do cosmo por nos conhecido não podem amar
porque não possuem a liberdade. Amar quer dizer ser livre para fazê-lo: as plantas, os planetas,
fazem a vontade de Deus, mas não podem amar porque não são livres. O amor cresce com a
liberdade, mas também a liberdade cresce com o amor, como veremos a seguir. Portanto a mensagem
do Novo Testamento é um hino ao amor mas é também um hino a liberdade.
Liberdade exterior e interior. Este é o subtítulo. Existe uma liberdade exterior, isto é,
a liberdade política ou social, a liberdade da opressão ou da descriminação e existe uma liberdade
interior.
Nós falamos desta liberdade. Esta liberdade interior é a mais importante porque pode
permanecer viva e plena mesmo quando não existe a liberdade exterior. Eu cito sempre o bispo Van
Thuan, cardeal, que morreu quase que nos braços de Chiara. Este bispo que esteve treze anos na
prisão foi sempre, ao longo desses treze anos, um homem livre. Continuou a amor sempre, até mesmo
os seus carcereiros que depois se arriscavam a se converterem. Ali, de vez em quando, o mudavam
de lugar mas era tão pleno de amor que...tinha direito apenas a uma cumbuca de arroz...Por muito
tempo esteve no isolamento, porque era um indivíduo perigoso, era um focolarino. Uma das graves
acusações que recaia sobre ele, por parte do governo de Hanói, era a de ter introduzido o Movimento
dos Focolares no Vietnã. Um fato gravíssimo! De qualquer forma, ele esteve no isolamento por
muitos anos, depois, quando estava junto com os outros, lhe davam uma cumbuca de arroz para
comer e ele algumas vezes dizia: “olha, eu estou com dor de estômago, você não poderia comer por
mim?”. Naturalmente, mais do que depressa, encontrava alguém que comesse por ele. Quando saiu
da prisão logo se tornou cardeal etc, etc, etc. Isto para lhes dizer que ele permaneceu livre mesmo
estando ali dentro. Além do mais, poder-se-ia acrescentar que, esta liberdade interior não só não
pode ser tirada por ninguém bem como é à base da liberdade sócio-política: homens livres farão
uma sociedade livre e a manterão como tal e vice-versa. Homens que não são livres dentro de si
merecem e produzem uma sociedade de escravos. Isto acontece muito. Existe um livro de Eric Fromm
cujo título é: Medo da Liberdade54 onde o autor demonstra justamente esta realidade.

54
Na ediçao brasileira deste livro Fuga foi traduzida por Medo, logo o titulo é: Medo da Liberdade.
118
Continuemos com a liberdade interior e prossigamos dizendo que, a liberdade esta
sujeita a condicionamentos. Muitas vezes nos imaginamos livres, mas na realidade não o somos. Na
área da psicologia foram realizados muitos estudos para entender quanto uma pessoa é realmente
capaz de escolhas livres, isto é, autônomas, racionais e maduras. Chegou-se a conclusão que a
liberdade é muito mais limitada daquilo que se pode imaginar. Percebeu-se que as pessoas são muito
dependentes do contexto social, das pressões sociais, “da pressão do conformismo”, isto é, do fazer
tudo aquilo que fazem os outros. Hoje esta pressão é ainda muito maior, sobretudo, por causa da
mídia, agora o mestre universal é a televisão e é muito difícil permanecer criticamente livres diante
dela. Quer queira quer não, se escuta, se escuta...muitas vezes fazendo outras coisas, porém este
ensinamento penetra. Através da mídia aqueles que detém o poder econômico nos transformam, na
realidade, em escravos, nos transformam em simples consumidores, enfim, não somos mais homens
e mulheres, somos consumidores. Impõem o consumo, criam falsas necessidades, conquistam os
mercados, mas impõem modelos, estilos de vida, valores ou pseudovalores, muitas vezes
contrastantes com as tradições ou com uma vida humana autêntica e sadia. Vejamos o exemplo dos
modelos ocidentais que, de qualquer modo, acabam sendo impostos às culturas orientais que, como
dizem, agora todos os produtos ocidentais entram na China, no Japão, na África e assim por diante.
Ou ainda oferecemos, a países não cristãos, uma imagem “descristianizada” dos países cristãos.
Lembro-me que na Argélia havia uma grande preocupação por parte de pais muçulmanos diante da
invasão dos programas da TV espanhola. A TV espanhola, segundo eles, era cristã, sendo assim, a
imagem que faziam do cristianismo era aquela veiculada pelas TVs dos países ditos cristãos.
Portanto, podemos ser muito condicionados pela mídia. Os protagonistas dos espetáculos televisivos,
inclusive os cinematográficos, mas sobretudo os televisivos, ou aqueles da Internet, se tornam
modelos de vida, estilos de vida.
Acontece que as pessoas podem ser condicionadas ainda – dizem esses estudos – pelo
próprio mundo interior que não conseguem dominar. Todos nós possuímos um rico mundo interior,
um mundo interior que é feito de idéias, projetos, convicções mas é também feito de todo gênero de
pulsões, emoções, sentimentos que, muitas vezes são úteis (os sentimentos, os afetos são a riqueza da
vida) mas, às vezes, são danosos. Aquilo que não deveria acontecer é deixarmo-nos arrastar pelos
sentimentos, pelos impulsos, pelas pulsões, pelos instintos etc. mas, pelo contrário, devemos agir
segundo escolhas livres, coerentes e maduras. Mas não é fácil. Neste mundo interior se experimenta,
muitas vezes, uma luta entre uma força que leva ao bem e outra que levam ao mal à qual não é fácil
resistir. Abro um parêntese: o simples fato de sermos conscientes da existência, dentro de nós, de
uma luta entre o bem e o mal que devemos carregar por toda...(a vida). O fato de reconhecer essa
realidade já é um ato de liberdade! Existem muitas pessoas que não se apercebem que, seguindo os
próprios sentimentos e as próprias pulsões ou as mensagens da mídia, caminham sem perceber que,
na realidade, se deveria travar uma luta entre o homem velho e o homem novo - para dize-lo em
linguagem paulina – ou para vencer a tentação – como diria a teologia moral.
Mas, nos perguntemos, é fácil sermos livres com esta gama de condicionamentos que
acabamos de acenar? É fácil? Não, não é fácil. Ser livre não é fácil. Ter a consciência de que não é
fácil ser livre já é uma grande coisa. Porém é possível. Atingir a liberdade interior é um valor
importantíssimo em todas as culturas e em todas as religiões. Pensemos na religião oriental,
especialmente no budismo, a meditação, o trabalho que se realiza para conquistar a liberdade
interior, para dominar a si mesmo. A liberdade não é fácil, mas é uma conquista que dura à vida
toda. Uma conquista muitas vezes fatigosa, mas estamos todos conquistando, dia após dia,
continuamente a nossa liberdade que, algumas vezes, nos parece inalcançável.
Mas eis que Jesus vem e nos traz como dádiva a liberdade: liberdade que podemos
acolher ou recusar. Eu sempre cito, porque gosto muito, um episódio do Evangelho de João, no qual
Jesus diz: “Se permanecerem fieis as minhas palavras conhecerão a verdade e a verdade vos fará
livres”. E ali é extraordinário porque os judeus não o queriam ouvir e diziam: “não precisamos da
sua liberdade”, a rejeitaram, rejeitaram a liberdade de Jesus. Diziam: “nós não somos escravos de
ninguém”, mas na realidade eram escravos dos romanos e nem ao menos isto conseguiam
119
reconhecer. Além do mais, eram escravos da escravidão interior, da lei do pecado. E Jesus diz: “se
o Filho vos libertará sereis realmente livres”. A liberdade é, portanto, um dom que vem de Jesus, se
procuramos colocar em prática as suas palavras. Nós devemos colaborar, mas antes de qualquer
coisa é um dom que vem de Jesus com a sua graça. N’Ele podemos encontrar a libertação do mal.
Nos livra do mal, nos livra do pecado, mas também dos nossos condicionamentos aos quais acenamos
anteriormente.
Dou um exemplo: um sentimento que, muitas vezes, nos pega de sobressalto é o medo,
medo de todo tipo, o medo de causar uma má impressão, por exemplo, talvez vocês o conheçam bem.
Conquistar a liberdade da imagem que os outros possuem de nós...quanto não se faz para causar
uma boa impressão ou para não causar uma má impressão e, no entanto, seria uma liberdade a ser
conquistada. Não deveríamos nos importar com o que os outros podem pensar...digo uma estupidez
a título de exemplo, mas existem medos maiores. Também Jesus experimentou, sentiu o medo, e de
maneira muito forte, no Getsemani, por isso O sentimos tão próximo, tão próximo a nós. Eu tenho
medo, mas todos nós temos medo, também Ele experimentou o medo. Como é bela aquela frase do
Evangelho: “começou a temer”, começou a ter medo...Como é belo, porque assim é realmente um
homem como eu. Porém Ele o experimentou e nos libertou não tanto para não experimentarmos o
medo, mas porque Ele o superou e também nós podemos superá-lo. De fato, lê-se continuamente no
Evangelho esta mensagem de libertação do medo: “coragem, não tema”, “homens de pouca fé,
porque tens medo?” Existe um belo ditado cristão que diz – dos Evangelhos – “o medo bateu à porta,
a fé foi abri-la, fora não havia ninguém”. Nós podemos dizer: “o amor foi abrir e fora não havia
ninguém”. Se nos colocamos no amor e enfrentamos as coisas com amor o medo desaparece. É a
liberdade que Jesus nos traz.
Eu sou muito orgulhoso, como vocês sabem, por conhecer no Movimento homens e
mulheres que arriscam a vida, a cada dia e por inúmeras circunstâncias, nos vários países onde a
liberdade religiosa é limitada ou onde existem guerras. As nossas popas (focolarinas) no Iraque,
por exemplo, e agora aquelas de Man na Costa do Marfim, ou ainda aqueles acometidos por doenças
graves. Mas sou orgulhoso também por todos aqueles que enfrentam e superam a cada dia os
pequenos medos para poder viver coerentemente na honestidade, na castidade, na vida cristã de
cada dia, o medo de acabar sozinho, o medo de causar uma má impressão, o medo de perder o posto
de trabalho ou a posição social, o medo de não ser bem sucedido na carreira, etc.
Desta forma, Jesus nos livra do medo se o seguimos, mas nos livra também da ira, da
raiva incondicional, da agressividade, da vingança, nos dá a capacidade de perdoar, de transformar
o mal em bem, a capacidade de nos tornarmos construtores de paz.
Nos ensina e nos dá a força, com a Sua graça, para viver a sexualidade como um
verdadeiro amor recíproco. Nós somos aqueles que desejam o sexo como amor, para nós ou a
sexualidade é amor ou não possui nenhum valor. É essa a nossa campanha, esta é a nossa revolução,
por mais que a mídia insista em nos dizer que o sexo é belo e quanto mais se faz melhor é. É um
ótimo instrumento publicitário para vender os produtos e, desta forma, o sexo, reduzido a mercado,
o sexo reduzido a puro prazer pode se tornar uma droga da qual não se consegue ficar sem e que
nunca é suficiente, deseja-se sempre algo a mais. Por isso, ao possuirmos o domínio das nossas
pulsões sexuais fazemos uma revolução. Também neste argumento a maioria das correntes do
pensamento psicológico insiste no fato que a personalidade do homem e da mulher se forma, em boa
parte, na medida em que se consegue dominar e usar bem as próprias pulsões sexuais. Nós queremos
que o sexo seja amor, a sexualidade seja amor fraterno entre todos os homens e mulheres, seja
nupcial entre um homem e uma mulher que se doam um ao outro com responsabilidade, com
fidelidade e com fecundidade.
Falamos sobre a liberdade de muitas coisas, que é uma conquista e também um dom.
Agora nos perguntamos: “muito bem, mas liberdade para quê?”.
Uma vez que uma pessoa é livre deve, justamente, escolher o que fazer. Eu sempre
imagino uma pessoa – talvez eu mesmo – mas uma pessoa qualquer que, por meio de várias
vicissitudes, conseguiu conquistar a plenitude da liberdade, não possui mais nenhum
120
condicionamento, não existe ninguém que a impeça de fazer aquilo que deseja no seu íntimo, talvez
essa pessoa por meio das ascéticas budistas ou outras formas, conquistou uma bela e plena liberdade.
É livre. Agora deve escolher. Então o que faz com essa liberdade? Aqui existe uma escolha
fundamental: ou se usa a liberdade para si mesmo ou para os outros. Ou se usa a liberdade para o
individualismo e o egoísmo ou para o amor. Eis o que nos ensinou Jesus, é isto que desejamos: para
nós a liberdade é para amar. Eu sou livre, por isso amo, quero amar. É isto que desejo fazer da
minha vida, quero amar. E esta é uma escolha fundamental.
O amor é a essência da vida cristã, mas é também, a essência da vida de todos. Os
seres humanos estão bem quando se amam e estão mal quando não se amam. Esta é uma verdade
tão universal que não se entende como se possa não considera-la. É válida para todas as religiões,
para todas as raças, para todas as famílias, para todas as pequenas e grandes comunidades, para os
Estados e para os relacionamentos internacionais e, no entanto, muitas vezes, se pensa em fazer algo
diferente. Ao invés de amar a pátria alheia como a própria se prefere matar, invadir, usar as armas.
Quantas tolices! E, ao invés, a coisa mais importante seria o amor. Nós escolhemos o amor,
queremos ser livres para amar.
A este ponto devemos falar de uma característica fundamental do amor para entender
bem a escolha que Chiara nos revelou e que foi revelada por Jesus Abandonado porque Jesus
Abandonado se fez “nada” por amor.
Como vocês sabem, através da carta aos Filipenses, Jesus se “esvaziou” por amor a
nós, se anulou por amor, Jesus Abandonado se fez nada e pecado por nós. E justamente por isso
ressuscitou e nos revelou a essência da vida, da vida trinitária e, nos revelou ainda que, o amor
possui a sua dinâmica, a sua dialética.
Escreve Chiara – e isto é de 49 -: “...o amor é – quem sabe quantas vezes já lhes
disseram isso – o amor é e não é ao mesmo tempo, mas mesmo quando não é é porque amor. De
fato, se me privo de alguma coisa e dôo (me privo, portanto, não sou) por amor, tenho amor (é), sou
amor”. E ainda explica Chiara: Jesus Abandonado porque não é, é. Nós somos se não somos...”
Estas simples frases de Chiara que são meditadas e remeditadas na Escola Abbà
contém em si, junto a muitas outras, uma filosofia nova. Para os filósofos contém uma nova filosofia
do ser, uma nova teologia e assim por diante...e é justamente neste sentido, ou seja, de que Deus é
amor, mas o amor é não sendo. Chiara afirma que também na Trindade é assim. Diz, nessa mesma
frase: “a realidade é que são três pessoas mas são um porque o amor é e não é ao mesmo tempo”.
Então o Pai se perde no Filho, o Filho no Pai, o Espírito Santo no Pai e no Filho. O Pai está no
Filho, o Filho está no Pai, o Espírito Santo está no Pai e no Filho. O amor é não sendo porém não
sendo é.
Esta chave de leitura da existência humana e da existência divina é realmente muito
importante, a dialética trinitária do amor, na qual do vazio-por-amor vem a plenitude, do nada-por-
amor vem o tudo. E quando este “anular-se por amor” é recíproco, quando eu me anulo por amor,
por amor a vocês e vocês por amor a mim, e é recíproco, ali, nessa reciprocidade de vazio, que se
torna plenitude, existe a plenitude da vida cristã, neste anular-se reciprocamente por amor, repete-
se, de alguma forma, a vida trinitária sobre a terra. Esta é a nossa escolha: queremos amar com esse
amor trinitário, com este amor a Jesus Abandonado, com este amor de Chiara.
Agora salto uma pequena parte...
Há ainda uma outra coisa, um outro subtítulo: o amor faz crescer a liberdade.
Vivendo no amor, acontece uma coisa interessante, isto é, nos tornamos cada vez mais
livres. Vejam, tendo dito aquilo que dissemos antes, ou seja, que em cada ato de amor nós nos
perdemos a nós mesmos, cada vez que realmente amamos, isto é, nos anulamos, nos perdemos,
morremos a nós mesmos, nos perdemos e depois nos reencontramos feitos amor, nos encontramos
com nossa verdadeira personalidade, porque eu sou se sou amor. Amo, portanto sou. Porém toda vez
que nos perdemos por amor, na realidade nos libertamos de muitas coisas, porque não me preocupo
em cortar com um vício ou outro, um defeito ou outro, quando amo eu perco tudo isso junto. Perco
tudo. Tudo aquilo que me impede de amar eu perco e então nos libertamos cada vez mais de todos
121
os condicionamentos que nos impedem de amar, como o medo, o orgulho, a inveja, o ciúmes, o poder,
o apego às coisas. Se amo eu perco tudo isso. É um caminho fácil, ao invés de fazer todas as ascéticas
me perco diretamente no amor. Por outro lado, sendo amor crescemos. Crescemos com um coração
pleno: puro e pleno, livre e pleno. Assim, como a liberdade nos permite amar – como dissemos no
início – da mesma forma o amor aumenta a liberdade. Isto é uma coisa belíssima!
Ao contrário, se a escolha não é por amor, mas é por si, por egoísmo – aqui não me
detenho em um longo discurso – me parece possível, ou melhor, provável que a própria liberdade se
empobreça quando nos voltamos para nós mesmos, correndo o risco de acrescentarmos sempre
novas escravidões, com condicionamentos internos mais ou menos inconscientes.
Agora há um outro subtítulo. Até aqui vocês me acompanharam? Estão cansados?
Conseguem prosseguir? Se alguém quiser fazer uma pergunta pode fazer mesmo sem esperar o final,
especialmente aqueles que possuem o fone para a tradução têm prioridade se quiserem intervir,
fazer perguntas...Continuo.
Existe um outro ponto, isto é: a própria liberdade e a liberdade dos outros. Aqui a
questão é interessante porque apenas com o amor se supera este problema, isto é, o amor supera o
inevitável conflito entre a própria liberdade e a liberdade dos outros. Se alguém escolhe a liberdade
em absoluto, a liberdade para si mesmo e diz: “eu quero fazer aquilo que me agrada”, encontrará
muitas vezes também nos outros um limite. Os outros limitam a minha liberdade, “eu gostaria mas
aquilo me limita, aquilo me limita...”. Ainda que aquele não tenha uma autoridade sobre mim eu,
porém, vivo em meio a tantos limites, porque os outros limitam a minha liberdade. Por exemplo,
quem percebeu de forma mais perspicaz este conflito foi o famoso filósofo francês Sartre, para o qual
“a liberdade é o ser do homem” “é incondicional”. Então, assim como ele vê a liberdade como um
valor único, como valor absoluto, faz com que seu personagem do drama teatral A Portas Fechadas
pronuncie a famosa frase: “os outros são o inferno” “o inferno são os outros”. Mais tarde
arrependendo-se um pouco escrevera: “não posso ter a minha liberdade como fim se não tenho
igualmente como fim a liberdade dos outros”. Simone de Beauvoir, sua companheira, dirá “a
liberdade dos outros é um prolongamento da minha liberdade”. Mas vejam, na realidade, o conflito
permanece e não se supera. Pelo contrário, na dinâmica do amor Ágape o outro é justamente aquele
que me permite amar e, desta forma, ser plenamente eu mesmo. Volto novamente a Jesus porque Ele
explica bem essa realidade existencial. Eu sou particularmente enamorado de uma expressão muito
potente da carta de São Paulo aos Gálatas: “Irmãos, Jesus nos liberou à liberdade”. Pensem como
é forte! : “Jesus nos libertou à liberdade”. Isto é, para que fossemos livres... mas não diz nem mesmo
essa frase longa, no texto grego diz apenas: “nos libertou à liberdade”.
Depois mais a frente acrescenta: “vocês foram chamados à liberdade...mas não
queiram usar a liberdade como pretexto para a carne (isto é para o egoísmo), mas, por amor, façam-
se servos uns dos outros”. É justamente esta realidade que, fazendo-me servo, perdendo-me no outro
me torno sempre mais livre e sempre mais eu mesmo. Antes que Chiara me explicasse a dialética do
amor, eu não entendia esta “Carta aos Gálatas”, depois lhe contei esse episódio e ela ficou contente.
De fato, na casa do Pai, não somos mais servos, mas livres filhos de Deus. Podemos
nos tornar servos dos nossos irmãos, mas o fazemos livremente, por amor, como diz São Paulo.
Portanto estejam atentos: podemos nos tornar servos também por medo, por covardia, por interesse,
por constrangimento, por conformismo e por muitos outros motivos. Podemos fazer a vontade de
Deus, mas devemos fazer a Sua vontade por amor, livremente, por amor. E então nos tornamos
plenamente livres, nesse amor recíproco, na unidade-distinção que nos faz homens plenamente livres,
que nos faz Jesus.
E é esta reciprocidade no amor de Jesus, o amor recíproco, esta reciprocidade no
amor que nos une e nos distingue porque depois quando nos distinguimos nos encontramos mais
unidos, porém quando nos distinguimos nos encontramos também mais distintos, mais diversos, mais
livres. Isto é interessante.
Chiara sempre diz que o cume da unidade é a distinção. Faz-se unidade mas depois
nos distinguimos e cada um é mais si mesmo, portanto é mais diverso e é mais si mesmo e isto Chiara
122
viu já em ’49 mas também na prática. Portanto, esta reciprocidade no amor de Jesus que nos une e
nos distingue é também o lugar no qual se protege e se alimenta a nossa liberdade.
Portanto, ao fim e ao cabo, esta escolha de amor e liberdade...às vezes imagino um
diálogo muito simples, sem questionamentos teóricos, com um interlocutor qualquer. “O que você
entende por liberdade?” Pergunto a um garoto qualquer, a um homem ou a uma mulher. “O que
você entende por liberdade?” “Fazer aquilo que quero”, me responde. “Eu também penso a mesma
coisa”. “Ah, é?” ele diz. E eu acrescento. “Mas você sempre consegue fazer aquilo que deseja?”
“Bem, não, muitas vezes não. Muitas vezes não consigo, é impossível, e você consegue?” “Eu sim,
respondo – eu sim, porque eu quero somente amar. Tendo escolhido amar eu faço sempre aquilo que
quero”, porque – e isso eu realmente vivo – eu não tenho ninguém que me empeça de amar. Quem
pode me impedir? Eu posso vir aqui, posso fazer bem, posso fazer mal, posso receber o aplauso de
vocês ou ainda vocês podem dizer: “nossa, que chateação” ....o que importa? Com isso vocês me
impedem de amar? Eu continuo querendo bem a vocês quer vocês me tratem bem ou me tratem mal.
Eu os quero bem igualmente. Por isso aquilo que quero fazer, ou seja amar, eu posso fazer sempre,
não existe nada nem ninguém que possa me impedir. E isto é muito importante, porque às vezes nós
criamos muitas complicações, porém se nos lembrássemos que, quando começamos a viver o Ideal,
entendemos que a essência da vida é o amor e que aquilo que queremos fazer desta vida é um único
ato de amor prolongado no tempo, então seriamos livres. Eu quero apenas amar e isto eu posso fazer
sempre. Depende apenas de mim mesmo e quando fracasso, isto é, me esqueço de amar – o que me
acontece – posso recomeçar naquele mesmo instante. Então o que fazer?....Começo a amar, é muito
simples.
Esta escolha de amor e liberdade é aquilo que Chiara escreve, em essência, na famosa
“Carta aos Voluntários”, que vocês conhecem (mensagem de 77). É uma escolha que se faz
continuamente e esta é a beleza da vocação do voluntário. É admirável, nos consagrados, a grande
escolha que se faz uma vez por todas, libertar-se de tudo e doar-se completamente a Deus. “Pronto,
está feito. Sou livre, sou todo de Deus”. Ainda que depois isso deva ser repetido por toda a vida,
porém é mais característico dos voluntários o fato de sempre repetir esta escolha. Muitas vezes,
quando falo aos casados digo: “nós fazemos os votos e vocês os vivem”, porque, na prática os
casados devem obedecer ao cônjuge e aos próprios familiares e ainda os familiares do cônjuge.
Depois os filhos crescem e são eles que comandam55, quando nascem comandam no modo mais
absoluto do termo, depois quando crescem comandam de outra forma.
Em relação à pobreza, muitas vezes, nós consagrados somos todos pobres, porém é
também verdade que existe “o convento” que pensa nas nossas necessidades – modo de dizer –
enquanto os casados devem sempre fazer as contas dia após dia , equilibrar as contas e ver como
fazer. Depois quando se deve doar alguma coisa como o supérfluo, por exemplo, ou às vezes até o
necessário, é um sacrifício que se faz constantemente. Em relação à castidade, vocês bem sabem que
as tentações são as mais diversificadas, onde quer que estejamos, do computador ao ambiente de
trabalho, por toda à parte... Então nós fazemos os votos e vocês os vivem. Portanto, é uma escolha a
ser feita nas mais variadas circunstâncias, em ambientes de trabalho, na família, nas mais deferentes
situações.
Caso tenhamos ainda um tempo, gostaria de fazer uma conclusão. Gostaria de olhar
a dimensão da liberdade com os olhos da fé.
Até agora falamos da liberdade a partir de um ponto de vista existencial, mas eu
gostaria que por um momento refletíssemos sobre as dimensões da nossa liberdade: a dimensão
originária, fundamental e imensa da nossa liberdade. Vejam, quando Deus, a um dado momento, em
um tempo fora do tempo, quis dar vida a um outro-de-Si, Ele, que é amor, quis estabelecer com a sua
criatura um relacionamento de amor. E por isso criou seres livres, capazes de responder livremente,
em nome de toda criação, ao amor de Deus.

55
Comandam no sentido que, desde o nascimento, exigem uma presença constante, demandando muito amor e
dedicação.
123
Mas Deus quis amar esse outro-de-Si como a Si mesmo. “Ama o teu próximo como...”
Nós somos o próximo de Deus e Ele nos ama como a Si mesmo. Então, Ele se encarnou e nos fez
participes do seu próprio amor, a amor trinitário. Jesus, na oração ao Pai, diz: “o amor com o qual
me amou esteja neles e eu neles”. Podemos responder ao amor de Deus com a mesma medida do Seu
amor, temos dentro de nós um amor divino. Aqui esta a nossa grandeza.
Além disso, para resgatar a nossa liberdade perdida, para redimir as nossas escolhas
erradas, o Verbo encarnado, Jesus, assumiu os nossos pecados, experimentando o distanciamento
de Deus, para que nós, resgatados à liberdade, pudéssemos novamente amar a Deus e reconquistar
a dignidade que nos foi dada. Este é o amor de Deus, mas também aqui, Deus, que nos criou livres
apela à nossa liberdade, nos redime sem a nossa presença, mas não nos salva sem a nossa presença,
nos quer. Chiara na meditação Ressurreição de Roma escreve: “Ele poderia...ressuscitar a todos
com um único olhar, mas deveria deixar a cada um....a alegria da livre conquista do Céu”.
Ainda uma coisa: o amor de Deus é tão grande que, querendo fazer-se um de nós, quis
nascer de nós, quis nascer de nós, em Maria. Não só, mas quis pedir a nós, em Maria, o
consentimento para nascer por meio de nós. Para encarnar-se pediu o consentimento da criação. E
foi Maria que disse seu sim representando toda a criação. Este sim é certamente a mais alta
expressão da liberdade humana. No sim de Maria está o nosso sim de toda a vida, de cada dia, de
cada hora. E é assim que somos realmente nós mesmos, isto é, o desígnio de Deus sobre cada um de
nós. É esta a dimensão na qual nos movemos.
Para concluir, podemos dizer que falamos sobre a liberdade, a partir de tudo aquilo
que não é Amor, liberdade por Amor, liberdade que cresce no Amor.

124
Para a tradução simultânea PORTUGUÊS
(em expressão brasileira)
Castelgandolfo, 18 de maio de 1987
Chiara responde espontaneamente às perguntas das pré-voluntárias56

Vim para saudá-los, também da parte de Loppiano, de onde voltei ontem. Deixei ali
uma cidadezinha incendiada pelo amor a Deus e pelo amor ao próximo, assim como por uma presença
particular, diria, de Maria; Loppiano é a cidade, uma cidade de Maria, porque somos Obra de Maria.
Então, caríssimas voluntárias! Encontrei-me também com as responsáveis dos
núcleos, em Loppiano; está aqui alguma? Não.
Foi um encontro belíssimo, com as e os responsáveis dos núcleos! Fizemos um
diálogo. Eles fizeram perguntas e eu respondi. Esperemos que também agora, com o meu breve
discurso, de cerca de meia-hora, em que fico com vocês, possamos fazer uma espécie de conclusão
desta escola, que terminará amanhã, se não me engano; portanto... Ainda temos tempo para crescer.
Que haja uma tal presença de Jesus no meio que as faça felizes!
Então, queríamos, como disse à Dori, responder espontaneamente, assim, a algumas
das perguntas mais importantes.
Então vejamos. O seu nome?
Sou Liliana da região de Roma.
Chiara: Da zona de Roma.
Liliana: 1. Gostaria que me explicasse melhor como é que podem coexistir a
liberdade e a totalitariedade?
Chiara: A respeito de liberdade, também em Loppiano fiz alusão a isso, respondendo a uma
pergunta mais ou menos igual: como podem coexistir a liberdade e a vida do focolarino, que está
vinculado até com os três votos. Era uma pergunta dos focolarinos casados. Então, expliquei assim e
é a mesma resposta que se pode dar a Liliana.
Se para os focolarinos, que fazem os três votos, existe a liberdade e uma enorme
liberdade, também para as voluntárias, que assumem apenas compromissos, existirá a liberdade.
Explico-lhes como é possível a liberdade com os três votos. Nós estamos livres de nós
mesmos, porque projetados no amor. Se nós amamos os outros, se vivemos nos outros - como lhes
direi no fim, antes de concluir - se permanecemos na via do amor, que é a nossa estrada, comum a
toda a Obra: voluntários, focolarinos, gen, sacerdotes, religiosos, religiosas, de todos, se nós estamos
no amor, somos livres. Somos livres, porquê? Porque não estamos agarrados a nós mesmos, fechados
em nós mesmos; é o "eu" que torna a pessoa escrava, ao passo que quando ela se doa, é livre.
Isto é claro? (Sim.) É claro.
Ora, o que faz um voto de obediência, por exemplo? O que faz um voto de pobreza,
ou um voto de castidade? Com o voto de castidade, procuramos estar livres do egoísmo e de coisas
ainda piores, que tornam as pessoas escravas de outras criaturas. Então, cortam definitivamente,

56 Este texto foi passado no scaner e por isso podem-se encontrar erros (N.d.T).
125
fazendo um voto de castidade - que depois deve ser vivido durante toda a vida. Somos mais livres no
contacto com as outras pessoas, porque não ficamos escravos delas, ou de nós mesmos, ou seja, não
somos atraídos pelas pessoas, tendo o voto de castidade.
Com o voto de pobreza ficamos mais livres, porque colocamos em comum todos os
bens; portanto as riquezas, as jóias, as peles, as casas, as coisas, não nos escravizam.
Eis então que os focolarinos, tanto virgens como casados, também fazem o voto de
pobreza, com o qual chegam a escrever, quando entram em focolare, uma espécie de documento,
como um testamento, deixando todos os próprios bens ao Movimento, o qual se servirá deles somente
para o apostolado ou para os pobres ou para atividades sempre em favor dos outros.
Com o voto de obediência cortamos a nossa cabeça. Libertamo-nos de nós mesmos,
porque, estabelecendo Jesus no meio com o responsável do focolare, etc., procuramos descobrir qual
é não a nossa mas a vontade de Deus e assim não fazemos a nossa vontade. Portanto libertamo-nos
da nossa vontade.
Esses votos, que os focolarinos e os focolarinos casados fazem, que já são
compromissos radicalíssimos, porque concretos... Com efeito, pelo voto de pobreza, fazemos um
testamento. Pelo voto de castidade, nem sequer casamos, portanto renunciamos a algo concreto; isto
para os focolarinos virgens. Os outros, os casados, renunciam ao egoísmo e comprometem-se a viver
toda a vida conjugal por amor, por amor do outro. Esforçam-se por fazer assim, por amar o outro.
E com o voto de obediência estão livres de si mesmos. Portanto, são livres de si
mesmos. Fazem um verdadeiro voto de obediência, de obedecer a Jesus no meio com o responsável
do focolare, de obedecer àquilo que disser o capofocolare.
Ora, se os votos, que são vínculos tão estreitos, tão concretos, tornam a pessoa mais
livre para se aproximar de Deus, para poder amar a todos, porque não ama uma pessoa só... Se amasse
uma pessoa só, seria escrava. Mesmo que fosse a própria mãe (mas amar a mãe já seria uma coisa
bela! ... ), mas se a amasse com um amor morboso, seria escrava. Se ama uma pessoa de modo
irregular, é mais que escrava.
Então, se os votos são tão radicais e tornam o amor mais potente, também os
compromissos que assumem as voluntárias, que são radicais segundo os sete aspectos, como vocês
sabem: vocês vivem a comunhão dos bens, o supérfluo, o apostolado, põem à disposição as suas
casas, enquanto azul; têm todos os seus compromissos como voluntárias. Quanto mais se
empenharem com Deus, mais livres serão, mais livres serão.
Não sei se respondi... (aplausos)
Como te chamas?
Ornella, da zona de Turim.
Ornella: 2. Caríssima Chiara, sinto com a mesma intensidade tanto a paixão pela vocação
da voluntária, como pela vocação da focolarina casada. Gostaria de lhe perguntar
o que é que devo fazer para compreender qual é exatamente a minha vocação.

126
Chiara: A única coisa a fazer para a... O nome é Ornella? Para Ornella, a única coisa a fazer é
rezar para que Deus a ilumine. Foi ele que a chamou ("não fostes vós que me escolhestes..."), não foi
a Ornella que escolheu Jesus, mas sim Jesus que escolheu a Ornella, agora ela encontra-se na
encruzilhada: não sabe se a sua vocação é ser focolarina casa da ou voluntária.
Eu diria que o único modo para o saber é acelerar a vida Ideal; acelerar a vida de amor;
eu acho que é este. Se você amar mais, entenderá. Mas quer saber a minha opinião? Gostaria?
(aplausos)
Olhe, você se santifica na vontade de Deus. Você se fará santa como voluntária, se é
uma voluntária; se fará santa como focolarina casada, se for uma focolarina casada.
No nosso Movimento há muitos... estados de vida: os gen, os sacerdotes, os religiosos,
muitos estados de vida. Porém, aquilo que vocês devem recordar, que todos devemos recordar, é que
o importante é permanecer firmes na vontade de Deus, pois se sairmos da vontade de Deus, não nos
santificamos.
Eu recordava há pouco, ao falar ao Conselho de Coordenação, aquele episódio da
minha vida, quando eu, no princípio, depois de ter feito o voto de castidade, sentia que Deus me
chamava a dar-lhe tudo, tudo, tudo, e então pensava: "Mas então, faço o voto de pobreza e o de
obediência; então, entro em clausura e na mais estreita; nunca mais verei os meus pais e parto! Tudo!"
Confiei isso ao confessor e ele disse: "Não, não é esta a vontade de Deus para você". Já tinha nascido
o Movimento à minha volta, ele percebia que eu tinha um pequeno ou grande dom, não sei, para
arrastar as pessoas comuns, os leigos, assim, e disse-me: "Para você é assim". Eu compreendi
claramente que o que importava era a Vontade de Deus e que só na Vontade de Deus é que me
santificaria; ao passo que se fosse... Naturalmente, confesso que quando sentia: "Devo fazer assim,
devo fazer assim..." era um suplício para mim, porque eu não era chamada para aquilo.
Portanto o estado de vida é importante até certo ponto, mas também não o é para a
santidade. O que importa é estar na própria estrada.
Foi o que aconteceu em Loppiano: quando respondi a toda a cidade - a uma voluntária,
a um focolarino casado, a um religioso, a um gen, a uma focolarina, a um focolarino, a todos juntos -,
todos se deram conta de que a espiritualidade é para todos e que pode haver uma voluntária muito
mais adiantada na vida espiritual que um focolarino ou que um sacerdote, porque o que conta é a
intensidade com que amamos Deus.
Para Ornella eu escolheria: focolarina casada, porque... Não sei dizer porquê, não sei
porquê...
Oi, Ornella, oi!
E depois? Vejamos ainda.
Rosemarie: Sou Rosemarie da zona de Colônia, Alemanha.
Chiara: De Colônia, da zona da Ulli?
Rosemarie: Sim e também moro em Sollingen.
3. Qual é a diferença entre a unidade que se deve fazer no núcleo, a unidade com a Obra e a
unidade com os colegas de trabalho?
127
Chiara: No emprego referes-te à unidade com os superiores de serviço...
Rosemarie: Com os colegas.
Chiara: Com os colegas, com todos, sim. Bem, é um pouco diferente ...
A unidade que se deve fazer no núcleo, é a mesma que se faz com a Obra, é uma unidade...
como está prevista nos nossos estatutos, nos nossos regulamentos. Ora, os nossos regulamentos está...
os nossos regulamentos, antes de mais, foram aprovados pela Santa Sé. Os novos ainda devem ser
vistos, mas como foram aprovados os anteriores, dos quais os novos não são mais que uma
amplificação...
Obedecer aos nossos superiores, aos responsáveis, por exemplo, do núcleo e, portanto,
fazer umidade ao responsável do núcleo - comecemos por esta -, significa fazer unidade à Igreja. Por
quê? Porque está escrito no Evangelho: "Quem vos ouve, a Mim ouve". Jesus falava aos apóstolos e
aos que seriam os seus sucessores, os Bispos e o Papa, etc. Portanto a Palavra: "Quem vos ouve, a
Mim ouve", refere-se mesmo ao Papa e aos Bispos. Porém, como o Papa - nós somos uma Obra
pontifícia, que depende diretamente do Papa - como o Papa aprova, através da Santa Sé, os nossos
regulamentos, então todos os responsáveis da Obra, por exemplo: Chiara como responsável de toda
a Obra, como Presidente; por exemplo a Dori, como responsável de todo o sector das voluntárias,
etc., pode aplicar-se a estas pessoas a frase: "Quem vos ouve, a Mim ouve". Pois, uma vez que a
Igreja disse: "Esta regra é aprovada", a autoridade do Papa estende-se a todos os responsáveis da
Obra, até ao caponúcleo.
Portanto, vocês têm, não um voto de obediência, porque as voluntárias não fazem
votos e não é necessário, para se fazerem santas, mas têm um dever de obediência para com a
caponúcleo. Logo, devem ver Jesus na caponúcleo a duplo título: é Jesus, porque é um cristão, uma
cristã, e é Jesus, porque tem uma graça especial para orientar o núcleo. Portanto, isso deveria facilitar
a unidade: saber que também se deve a obediência; obediência como virtude, não como voto.
Portanto, ver na caponúcleo estes dois aspectos, digamos: Jesus - repito - enquanto
criatura, e Jesus enquanto autoridade. Portanto, a unidade com a responsável do núcleo é esta.
A unidade com as outras do núcleo é a unidade que se constrói, vendo Jesus nas outras
voluntárias. E isto também é importantíssimo!, para que os núcleos sejam realmente vivos,
vivíssimos.
No último "collegamento", dissemos que devemos ter o Ressuscitado em nós e no
nosso meio, mas onde é que a voluntária pode se alimentar deste Jesus no meio, se não for no núcleo?
Portanto, o núcleo é importantíssimo! É um focolare temporário; reúnam-se sempre que for possível,
para poderem estabelecer realmente Jesus no meio, para contarem com Jesus no meio, para
analisarem todos os seus problemas com Jesus no meio; os problemas que quiserem confrontar com
Jesus no meio.
Portanto: com a responsável do núcleo, tenham aquela posição que dissemos; com as
outras, estejam sempre na disposição de amar, para poder ter Jesus no meio.
No emprego, também ali é preciso ver de certo modo Jesus nos colegas. Com as irmãs
do núcleo, vocês podem estabelecer a presença de Jesus no meio, porque também as outras devem
128
amar. Vocês farão de tudo, quando faltar esta unidade, abraçando Jesus Abandonado, dizendo: "Mas
olhe, não há Jesus no meio, tenhamos Jesus no meio; eu procuro fazer a minha parte, se puder, faz
também a sua..." para que haja Jesus no meio.
No emprego nós nos a fazemos um com os outros. Devemos fazer-nos um com os
outros para conquistá-los, como diz São Paulo, que se fez fraco com os fracos, tudo para todos, para
conquistar a Cristo. Fazer-se um em quê? Em tudo exceto no pecado.
Ultimamente umas crianças - vê-se que estão no meio do mundo, mas pequeninos
assim! - me disseram: "Chiara, na escola procuro fazer-me um, mas vejo que o diálogo não vai para
frente, porque as minhas convicções religiosas não são aceita e zombam de mim, riem de mim; o que
você faria no meu lugar?" Eu disse: "Olhe que a última coisa a lançar do Ideal, do Evangelho, das
Escrituras, da Igreja é a palavra! A última coisa a lançar é a palavra. Antes você deve se fazer um em
tudo: estão doentes? Interesse-se! Têm parentes doentes? Interesse-se! Estão desempregados?
Interesse-se! Estão, sei lá, tristes? Pergunta: 'O que você tem? O que o preocupa?', etc. Em resumo:
faça-se um com a vida".
O nosso diálogo, característico, também como leigos, é o diálogo da vida. É o padre
que tem a função de anunciar a palavra, como disseram os apóstolos. Certos tinham notado que as
viúvas ficavam de lado e então disseram aos apóstolos: "Mas vocês esquecem as nossas viúvas!" E
eles responderam: "Não podemos abandonar o anúncio da Palavra para servirmos à mesa; elejamos
sete pessoas honradas, dignas, que façam este serviço. Nós devemos dedicar-nos à Palavra e à
oração". (cf At 6,2) Isto é para os sacerdotes: primeiro a Palavra; de resto são os sucessores dos
apóstolos.
Para nós não. Nós, como leigos, devemos dar primeiro o testemunho. Também o
Sínodo o afirma, porque li o trabalho preliminar. É preciso que a primeira coisa seja o testemunho.
Quando virem que nos desfizemos por eles, para nos fazermos um em tudo: nas dores, nas alegrias.
Fazem uma festa, fazem aniversário, mandamos os parabéns ou um buquê de flores ou fazemos
qualquer coisa. Quando virem que nos desfizemos por eles, escutarão a nossa palavra.
E se a nossa palavra caísse mal? Se provocássemos, em vez da atração por Jesus, o
ódio? Bem, diremos: "Senhor, espero que seja uma perseguição por causa do seu nome. Eu a aceito,
porque, como à sua volta havia um vaivém de corações, vinham e iam, assim também à minha volta,
se eu for uma verdadeira cristã, não serei apenas uma líder que arrastará muitos, mas também uma
pessoa que afasta muitos", porque - repito - é este o destino dos cristãos.
Por conseguinte, que atitude tomar? Para com a caponúcleo, entendemos. Para com as
voluntárias do núcleo, entendemos. No emprego, para com todos, inclusive o chefe, devemos
comportar-nos deste modo.
Quando, depois, desejarem que falemos, quando tiverem visto que nos desfizemos por
eles e perguntarem: "Mas você é diferente das outras pessoas; diga-me o que é que o leva a fazer tudo
isso?!" Então, pode se arriscar uma palavra... "É porque o quero bem; procuro amar a todos; sabe, fui
educada como cristã e então..." Depois, se quiserem saber mais: "Está bem, eu... sou uma voluntária!"
(aplausos)
129
Fiona: Oi, Chiara!
Chiara: Quem é você?
Fiona: Fiona, da Inglaterra.
Somos cinco anglicanas.
Chiara: Ah, sim? Fico contente. Quem são estas cinco anglicanas? Oi! (aplausos)
Fiona: 4. Nós somos as suas filhas anglicanas. Estamos muito contentes por estar aqui;
queremos ter Jesus no meio com você. Ontem, ao ouvirmos o discurso que fez aos
sacerdotes sobre os efeitos da Palavra, tivemos a impressão de que a nossa
tradição anglicana estava em segundo plano.
Qual é o segredo para termos Jesus no meio com você, sempre, se acontecer isto outra vez, sem
julgarmos, nem nos sentirmos separadas?
Chiara: Que nos sentimos separadas?
Fiona: Sim.
Chiara: Dizem que, quando falei com os sacerdotes, elas, as nossas voluntárias da Igreja
anglicana, sentiram... a sua tradição em segundo plano.
Bem, devemos compreender que não podemos fazer um irenismo, isto é, unificar todas as
tradições. Nós não podemos fazer isso. Devemos fazer de tudo para que os católicos melhorem como
católicos, que os anglicanos melhorem como anglicanos, que os ortodoxos sejam cada vez melhores
ortodoxos, etc. Como, de certo modo, é preciso desenvolver o que existe de bom também nos budistas,
nos muçulmanos; é preciso que venha em relevo o que existe de verdadeiro.
Mas, falando de nós, cristãos, devemos fazer de maneira que viva mais Jesus nos
católicos, mais Jesus nos anglicanos, mais Jesus nos reformados, mais Jesus em todos. Como dizia o
Cardeal Bea, o ecumenismo é possível se houver Jesus, Jesus, Jesus, que cresce. A certa altura, Jesus
se encontrará com Jesus e fará o "tchak", a unidade.
Também é lógico que eu, dirigindo-me a todos - quase cem por cento eram sacerdotes
católicos, - procurasse fazê-los melhorar enquanto católicos, como sacerdotes católicos. Portanto, eu
não posso dizer a católicos, por exemplo: "Façam uma certa unidade ao Papa", devo dizer: "Façam-lhe
uma unidade total", porque são católicos. Ou "vocês podem ter uma unidade parcial com os Bispos";
devem ter, em vez, uma plena unidade!, porque são...
Por isso é que muitas vezes me encontro em dificuldade, isto é, com a impressão de
que talvez alguém sofra com o que eu digo. Mas repito: não é que posso fazer uma mistura de
catolicismo, anglicanismo, calvinismo, etc.; misturar tudo com um denominador comum. Seria um
erro gravíssimo! Nós nos transformaríamos em outra Igreja; uma Igreja que tem uma sua verdade,
que é a soma de todas as verdades fundamentais das várias Igrejas. Ao passo que nós queremos ajudar
os católicos, ajudar os anglicanos, salvar... de maneira que aumentem, os patrimônios espirituais que
possuem os católicos, os anglicanos, os luteranos, e cresçam a tal ponto que desemboquem a certa
altura na unidade. Crescendo, crescendo, crescendo Jesus, se escutarão melhor uns aos outros; os
colóquios e os diálogos serão mais fáceis e se compreenderá o porquê: com uma forte presença de
Jesus, teremos o Espírito Santo em abundância e compreenderemos melhor a verdade que o outro
130
salienta e o outro compreenderá melhor a nossa verdade. Uniremos estes dois aspectos de uma única
verdade. Virá em relevo talvez a verdade da Igreja católica, mas completada pelo aspecto da Igreja
anglicana. Porém, é sempre a verdade da Igreja católica.
Assim o anglicano sentirá que não traiu a sua Igreja, mas que a sua verdade era um
aspecto da Verdade e que deve ser necessariamente completada por aquilo que pensam os católicos.
É por este motivo que às vezes me encontro em dificuldade e também posso ser
incompreendida; contudo de modo algum quero trair o ecumenismo; não quero fazer uma nova igreja,
formada por... Quero fazer a unidade, dando tempo ao tempo, quando Deus quiser. Mas entretanto
devemos saber isto: que nós podemos ter Jesus no nosso meio!
Em Loppiano, estava um sacerdote anglicano, bravíssimo, que além do mais
participou de uma comédia, desempenhou um papel numa comédia engraçadíssima, e porque ...
Ah, está aqui! Fico contente! Sim, o senhor, o senhor! (aplausos)
Fico contente! Estou contente por ter feito um elogio a este sacerdote sem saber que
estava presente; porque se o soubesse, talvez não o tivesse feito assim, enquanto não sabendo, eu o
fiz espontaneamente.
Perguntaram-me, parece-me que foi o senhor que me perguntou... A pergunta exata
não recordo, porém era o seguinte. Certas pessoas no ecumenismo vêem esses traumas que existem
entre as igrejas e não pensam senão nesses traumas nessa dor. Quando vão à Missa, por assim dizer,
os católicos num lado e os anglicanos no outro, tanto uns como os outros sofrem, sofrem, sofrem.
Então, eu disse que não faz parte da nossa espiritualidade este sofrimento, ou melhor, que é uma dor
também para nós, no entanto, devemos superá-la, abraçando Jesus Abandonado. Porquê? Porque não
devemos pensar que estamos completamente divididos! Todos nós temos o Batismo! Temos uma
série de verdades em comum, de verdades comuns. Devemos contar com o que temos em comum!
E uma das verdades que temos em comum é que, tendo recebido o Batismo, podemos
ter Jesus no meio! Mas Jesus no meio é a plenitude da alegria, não é outra coisa.
Eu dizia: com os anglicanos, com os luteranos - nós, católicos - com os reformados,
devemos ter Jesus no meio. Portanto, quando vamos à Missa separadamente, pois bem!, será uma
dor, que também os católicos sentem, mas a abraçamos e superá-las.
A diferença da unidade entre católicos e católicos e a unidade entre católicos e
anglicanos é que entre católicos e anglicanos a plenitude de unidade é menos completa do que entre
católicos e católicos, por exemplo. Entre católicos e católicos há também a plenitude da verdade,
enquanto aqui há a plenitude da caridade.
Por conseguinte, nós devemos avançar no caminho rumo à unidade, progredindo
sempre, a fim de que esta unidade se torne cada vez mais perfeita, mais perfeita, mais perfeita.
Quando unirmos mais as verdades ... E com o diálogo ecumênico já se uniram muitas
verdades, que antes eram obstáculos recíprocos. Agora foram aceitas. Também pelos católicos,
sabem? Os católicos aceitaram muitíssimas coisas. Por exemplo, antes via-se a ação de Lutero toda
negativa; agora não é mais assim. Diz-se que fez coisas positivas e enumeram-se as coisas positivas

131
que fez Lutero, como, por exemplo, colocar o Evangelho nas mãos do povo. É uma coisa mais que
positiva, que não se fazia entre os católicos, por receio e por outros motivos.
Agora, continuando... Já estamos mais perto uns dos outros e Jesus no meio e os
anglicanos, entre nós e os luteranos, e entre os luteranos e os anglicanos, Jesus no meio tem uma certa
medida. Não há uma fenda, não há o trauma, não há a barreira.
Entre todos nós da Obra de Maria, deve existir a plena unidade e ficarmos tranqüilos,
sabendo que estamos em reta consciência na nossa Igreja, católica ou anglicana, e que Deus nos pedirá
contas segundo a nossa consciência, segundo aquilo que sentimos dentro, sobre como fomos fiéis e
não outras coisas. Portanto, coloquemos Jesus no meio com serenidade.
Portanto, como ela dizia, nós devemos ter Jesus no meio! E se vocês estão dispostas,
mesmo já, a aceitar toda a verdade que se descobrir, quando nos unirmos, Jesus já leva isso em conta.
Vocês estão neste caminho. E se nós, católicos, estamos dispostos a aceitar os anglicanos, por todos
os valores positivos que possuem, a unidade já está feita. Aguardamos apenas que os nossos
superiores coloquem o carimbo nesta nossa unidade. Mas nós devemos ir para frente tranqüilos.
Entendeu?
Elizabeth: Sou Elizabeth de Viena, Áustria. São várias perguntas.
5. Por causa do meu trabalho, faço turnos de noite no hospital, muitas vezes não consigo ir ao
encontro de núcleo. Isto me faz sofrer, porque me sinto um pouco desligada. Que
devo fazer?
Chiara: Primeiro respondemos a esta.
Também neste caso, ela sofre; compreende-se a sua dor. Porém, será tanto mais
autêntica, quanto mais abraçar esta impossibilidade da vontade de Deus. Depois Deus compensará,
se nós a aceitarmos. Esta dor é uma moeda; é uma moeda para pagar uma maior união com Deus. Ela
gostaria de ir ao encontro para ter uma maior união com Deus e uma unidade maior com os outros
irmãos. Deus, porém, não desperdiça esta situação, de ela não poder ir, mas a faz experimentar uma
pequena ou grande dor. Se ela abraça este Jesus Abandonado, vai crescer. A dor é a via mais direta
para alcançar a união com Deus e a união com o próximo.
Eu constatei muitas vezes que uma humilhação, por exemplo, nos deixa tão prostrados,
que... nos faz sentir inferiores a todos; amamos a todos, e não somos orgulhosos em fazer as coisas,
porque a dor nos humilhou e por conseguinte amamos mais os outros.
Aquilo que não pode receber do núcleo, ela recebe da dor transformada em amor.
Entendeu?
Elizabeth: Obrigada!
Outra pergunta:
5.a) Moro a 100 Km - esta é semelhante...
Chiara: De onde? A 100 Km de quê?
Elizabeth: Do núcleo; é muito difícil participar.
E outra:

132
5.b) Não estou bem de saúde. Mesmo se faço parte do núcleo, tenho a impressão de não ser útil.
Sinto que valho bem pouco em comparação com aquelas que levam muitos pesos
do Movimento.
Chiara: Sim, são todas pequenas dores. Ela sente que vale pouco. Jesus, no abandono, sentiu-
se nada. São todas pequenas impressões.
Olhem, nós estamos cobertos de impressões, de perturbações, de dores, de ansiedades,
de trevas... Tudo isso deve ser resolvido, deve ser queimado, queimado, abraçando Jesus
Abandonado.
É ela que se sente assim, mas se transformar a sua dor, mesmo a de se sentir pouca
coisa, é um rosto de Jesus Abandonado. Se sente isso e abraça essa dor, em primeiro lugar, ela passa,
torna-se amor, e depois serve para a vida das voluntárias, do núcleo.
De resto, nós escrevemos também nos nossos Estatutos que os nossos doentes - e são
os Estatutos gerais de toda a Obra - que os nossos doentes, por exemplo, são crucifixos vivos e aqueles
que mais dão à obra. Não se trata de uma mera expressão; sabemos: se Jesus tivesse encontrado um
meio melhor para realizar a redenção do que o sofrimento, ele o teria usado; por exemplo, sei lá,
pregar mais, rezar mais, fazer mais milagres. Pelo contrário, ele preferiu o sofrimento, o que significa
que o sofrimento tem um grande valor.
Portanto, também para serem úteis ao setor das voluntárias, vocês devem aceitar todas
as pequenas ou grandes dores; todas estas coisas que nos bloqueiam, tudo aquilo que nos bloqueia,
que nos condiciona. Se pensarmos bem: eu sinto que sirvo bem pouco! Mas esse é um aspecto de
Jesus Abandonado. Ele se sentiu nada, porque: "Meu Deus, por que Me abandonaste?", em que
condições estava! Você deve abraçar todos estes matizes de dor e então se sentirá utilíssima à obra.
Mas também as outras voluntárias do seu núcleo devem ajudá-la a entender, com Jesus
no meio, que são aspectos de Jesus Abandonado, que devem ser abraçados e que ela é utilíssima,
precisamente porque não pode vir, assim como é útil um doente que está em casa de cama e não vem
ao encontro. É útil graças à comunhão dos santos. Com a comunhão dos santos ele faz mais do que
uma pessoa sã. Se além disso chegar a oferecer a própria vida, quando morre, e a oferece pela Obra,
quem sabe onde vai parar, quem sabe se aquele ato de amor que nós fizemos, não foi fruto daquela
oferta?
Entendeu?
Delia: Oi, Chiara!
Chiara: Como você se chama?
Delia: Delia, do Uruguai.
Chiara: E veio de propósito para esta escola?
Delia: Como caponúcleo.
Chiara: Ah, como caponúcleo!
Delia: 6. Eu trabalho num ambiente muito corrompido, onde não existem os valores morais.
Tenho muitas colegas que se dizem cristãs, mas não vivem coerentemente. Por que motivo,
mesmo se amo, se procuro amar Jesus Abandonado, não tenho sempre o Ressuscitado?
133
Chiara: Você tem a impressão de não conseguir influir no ambiente, que não consegue
melhorar o ambiente?
Delia: Pelo menos no sentido em que você diz que devemos ter sempre o Ressuscitado. Não,
parece-me que...
Chiara: Sim, parece-me que... Como você se chama? Delia. Parece-me que Delia colocou o
dedo numa ferida que eu sinto muito nestes dias e que vos queria comunicar às voluntárias e aos
voluntários.
Estou percebendo que acabou um período para nós em toda a Obra, isto é, o período
da formação sobretudo quanto à espiritual idade, etc., à qual já dedicamos quarenta e quatro anos de
Ideal; Deus quer que nos lancemos no mundo.
Foco dizia, como me recordaram esta manhã, que nós devemos ser a Igreja militante
e não a Igreja dormente. Bem, nós não somos a Igreja que dorme, pois talvez das pessoas leigas
sejamos as mais ativas que existem hoje na Igreja. Não é por acaso que a Igreja, a nossa e as outras
Igrejas, estão muito contentes com o Movimento dos Focolares, porque vêem a vida. Porém, o que
devemos fazer agora como voluntárias, não é nos fechando em nós mesmas e na nossa
santificação - que é uma vontade de Deus! -, mas devemos lançar-nos em todos os ambientes, porque
todo o mundo está corrompido; não é só o ambiente da Delia. Praticamente, todo o mundo está
corrompido. O mundo da política: pensem no aborto, no divórcio, pensem em tantas leis não cristãs.
O mesmo acontece no mundo da arte, o mundo... que é uma coisa terrível! O mundo da ciência, que
chega ao extremo, como disseram agora, que até querem misturar o homem com o animal, na
biogenética. Coisas de loucos! Como se não tivéssemos tido sempre os animais, e agora passa-lhes
pela cabeça... Para dizer que o mundo da ciência está enlouquecendo; sem pensar na bomba atômica,
em todas estas coisas. O mundo das comunicações sociais. Vocês vêem que não se pode acender a
televisão sem depararmos logo com coisas horríveis, que não estão certas; e por isso temos sempre
vontade de deixá-la desligada.
O mundo inteiro à nossa volta está afundado no mal, como Jesus disse, que o príncipe
deste mundo é o demônio, e isso se vê. E o Papa ultimamente, justamente na Alemanha, recomendou
a todos os leigos que se empenhem também na política, para mudar essas leis, para fazer emergir algo
cristão, na ética social, em todos os campos.
Assim eu sinto que chegou a hora de nos lançarmos: dos focolarinos aos voluntários,
e também os sacerdotes, os quais - como se disse naquele trabalho preliminar para o Sínodo - também
os sacerdotes devem abrir os olhos e ver nos leigos os que tomarão a dianteira para salvar o
cristianismo no mundo da política, da saúde, da arte, da ciência, do estudo, da cultura. Portanto, os
padres devem fazer-se um com eles e estimulá-los a continuar, ajudando-os. E não passar o tempo à
espera - os padres - de ir à igreja para a Missa semanal ou de dar a Comunhão ou sair quando devem
dar a extrema unção, ou quando devem benzer as casas. Os padres devem estar ao lado dos leigos,
porque o laicato constituí 90 por cento da população mundial. Se os leigos não anunciarem Cristo,
ninguém... poucos o fazem! Se pensarmos que os sermões dominicais, as homilias dos sacerdotes,

134
chegarão a cinqüenta, cem, mesmo mil pessoas, mas... e todos os outros que vivem aglomerados nos
edifícios imensos?!
Portanto, chegou mesmo a hora de nos lançarmos, de nos lançarmos em todos estes
ambientes. Antes de tudo, com a nossa vida pessoal, como dizia a Delia. É mesmo necessário que ela,
cada vez que ouve, não sei, uma blasfêmia, ou qualquer coisa, entre dentro de si, cada vez que ouve
uma coisa incorreta, no coração é preciso que ela diga: é Jesus Abandonado, o abraço e lanço-me,
continuo a amar, continuo a amar, continuo a amar.
Naturalmente, amar significa possuir o Espírito Santo e às vezes também se deve (e se
não o fizermos, estamos fora do cristianismo), devemos corrigir: "Por favor, tenha paciência; não
diga essas coisas na minha presença; por favor, faça assim". Também devemos fazê-lo, porque uma
das características de Jesus, como eu disse no Congresso da Educação, é que ele corrigia. Quando
Pedro lhe disse: "Não fales da morte", da morte na cruz, Jesus respondeu: "Afasta-te, Satanás!
Afasta-te, Satanás! És como Satanás, porque não me deixas fazer aquilo que quer o meu Pai".
Por isso também a correção - recorde-se, Delia - é vontade de Deus; basta saber fazê-la.
Amando, estando disposta a morrer por aquele tal, faz aquela pequena correção. De resto, "corrigir
os que erram" é uma obra de misericórdia, como dar de comer, de beber, etc. Portanto, diga-lhe: "Por
favor, na minha frente não digas essas coisas; essas coisas não se dizem; - assim, não acham? - não
se deve comportar desse modo". Deixando livres todos, porque também o Eterno Pai nos deixa livres;
porém dizer uma palavrinha.
E depois, voluntárias nossas, minhas!, lancem-se em todos os ambientes para levar um
pouco de cristianismo. É realmente a hora de Humanidade Nova; chegou este momento, o momento,
de nos lançarmos em todos os campos.
Também a Conferência Episcopal Italiana convidou todos a participar, porque
podemos dizer que o mundo se tornou patrimônio do demônio. Por que deixá-lo neste estado, se
podemos fazer alguma coisa?
Por isso, você também, se conseguir entrar em algum quadro... Não sei, você trabalha
num hospital?
Delia: Não, trabalho numa farmácia e perfumaria, mas é um ambiente muito...
Chiara: Corrompido.
Delia: Sim.

Chiara: Mas se você conseguir ter voz ativa... Se vocês conseguirem avançar naquela que os
outros chamam de carreira", convém, convém, porque podem influir nas pessoas, se puderem. Caso
contrário, influenciam da base; mas se for possível avançar, influenciem também do vértice. Portanto,
não parem. Agora não sei o que e que vocês acham disto, mas... perceberam? (aplausos)
Francisca: Sou Francisca da Suíça. Somos vinte e duas da Suíça.
Chiara: Aqui? Estupendo! Levantem a mão! Oi! (aplausos)

135
Francisca: 7. Sinto-me atraída pela vocação da voluntária, ao mesmo tempo tenho medo
de dar o passo decisivo. Este medo é sinal de que não sou chamada, ou devo
vencer este receio e como?
Chiara: Sim. Geralmente o medo de uma vocação é quase uma característica da vocação; é
quase uma coisa normal, é como... A vocação, quando se manifesta, provoca sempre um certo medo;
não se sabe de que deriva. Pode derivar do próprio fato de que Deus se revelou, que Deus se
manifestou. Quando Deus se manifesta, porque é Ele que chama, a criatura sente sempre um certo
medo. Pensem, por exemplo, em Nossa Senhora: quando o Anjo lhe anunciou a Encarnação? Ela
sentiu um certo receio, ficou um pouco perplexa. Dizem que também as aparições, porque algumas
são reais (pelo menos na Igreja católica pensamos assim) e geralmente assustam. São manifestações
sobrenaturais e assustam. Portanto o medo... Ou também pode ser, quando se verifica em outras
formas, efeito do demônio, que não quer que aquela pessoa se empenhe.
Contudo, o medo deve ser visto como Jesus Abandonado. Eu garanto que você tem a
vocação! (aplausos). Sim, porque se nota do modo de se exprimir. Também pelo fato que diz:
sinto-me atraída por esta vocação.
Por exemplo, dizem que quando uma pessoa entra num convento, deve sentir
geralmente uma atração pela superiora, uma certa atração. A superiora emana um certo fascínio,
porque é Jesus que se manifesta através daquele convento.
Ela é atraída por esta vocação; significa que é feita para esta vocação. O medo
provavelmente é um componente da própria vocação; vem confirmar a vocação e não a falta dela.
Por isso eu diria que deve vencer este medo, abraçar Jesus Abandonado... Jesus
Abandonado teve um medo louco ali, disse: "Mas que horror! Meu Deus, por que me abandonaste?"
Teve terror, não medo, de ser abandonado pelo Pai. Deve abraçá-Lo para que viva o Ressuscitado em
você e terá cada vez mais a certeza da sua vocação. (aplausos)
E o mesmo para todas as que vêm da Suíça. Muitas felicidades! Queremos fazer da
pequena Suíça uma grande Mariápolis, pouco a pouco, com o tempo. (aplausos)
Gigliola: Chiara, sou Gigliola da França. Vivo em França, mas sou italiana.
Creio que já respondeu à pergunta que lhe queríamos fazer.
8. Queríamos saber se você pode nos dizer quais são os ambientes da nossa sociedade em que
sente mais urgente a presença das voluntárias.
Chiara: Bem, todos, mas de modo especial a política; sobretudo a política,
porque ela governa de certo modo tudo. Também os meios de comunicação são dirigidos pela política;
também os hospitais, as escolas, tudo é dirigido... Portanto, a política acima de todos. Não é por acaso
que dizemos que o "bureau" da política faz parte do "preto", porque o "preto" compreende todas as
outras cores, é a base de cada cor. Porém depois, todos! Vocês devem penetrar nos ambientes ligados
à própria profissão e estado.
Pode haver quem não saiba para onde endereçar-se e então convém ver com Jesus no
meio, também com o Movimento Humanidade Nova, para ver onde se pode ser útil. No núcleo,
caríssimas voluntárias, no núcleo vocês não fazem mais que aprofundar a vida espiritual, porque uma
136
das vontades de Deus para nós é a nossa santificação. E é o que proclamará o Sínodo sobre os leigos:
que a vocação à santidade é de todos, de todos, de todos, e cita muitas frases da Escritura. No núcleo
vocês aprendem a se tornarem santas com esta via coletiva, mas não aprendem a ser úteis à sociedade.
Para serem úteis à sociedade, é necessário desenvolver muito, por meio das
voluntárias, o Movimento Humanidade Nova. E ali, com Jesus no meio com outros que têm os seus
mesmos problemas, os mesmos interesses, verão como podem ser úteis. Talvez varrendo a sala, onde
se encontram aquelas pessoas ou arrumando as cadeiras em ordem; talvez muito humilmente. Porém,
se não houver aquela sala, não se podem reunir, não se podem encontrar, não podem estabelecer Jesus
no meio. Ou trabalhando nos hospitais e procurem... A minha palavra de ordem é esta: procurem fazer
carreira! (aplausos)
Acabou, acabamos as perguntas.
Eu gostaria de concluir agora com uma idéia. É uma idéia que repetiremos no fim
deste ciclo de "collegamentos", antes do Ano Mariano. Nós começamos o ano Mariano... Espero que
agrade também às nossas voluntárias e ao sacerdote anglicano, pois eles também amam muito Nossa
Senhora.
Nós celebraremos este Ano Mariano no sentido que o viveremos com a Igreja,
juntamente com a Igreja. Participaremos no que a Igreja nos convidar. Agora, o Santo Padre escreveu
esta Encíclica sobre Maria, que foi feita tomando em grande consideração o mundo ecumênico; com
efeito, sublinha-se muito a fé de Maria.
Agora queria comunicar-lhes a idéia que deixei como último pensamento em
Loppiano. Ali em Loppiano, como lhes disse antes, houve uma espécie de incêndio, digamos. Foi
belíssimo! E no último momento pediram-me para falar de uma coisa que eu dissera a um dos grupos,
ou seja, eu tinha dito isto. Até agora, eu disse em Loppiano, que devíamos ser como o santuário de
Maria. Conceito que depois repeti num "collegamento". Agora disse: basta! Porque também devemos
variar e viver outro conceito, pois é tão rica a nossa fé que podemos extrair sempre uma coisa nova.
Então disse: agora não devemos ser um santuário de Maria, procuremos ser Maria;
porque é o melhor modo para podermos honrar Nossa Senhora no Ano Mariano. E será o que direi
no "collegamento", antes da abertura do Ano Mariano.
Então disse: como fazer para sermos Maria? Bem, alguém dirá: "Mas é uma
presunção, como posso eu ser Maria?" Primeiro: é o nosso destino, sermos outra Maria, que significa
outro Cristo (outra Maria, discípula de Cristo); então é melhor começarmos já.
Como as criancinhas, que começam logo a brincar de mães com as bonecas, com os
carrinhos, dando de comer às bonecas, também nós podemos começar já a fazer de Maria.
Como fazer para imitar Maria? Então eu disse: Sabem quem é Maria? Maria é a Mãe
de todos, mas de todos, todos os homens desta terra, porque Jesus a fez nossa mãe. E como a redenção
é universal, é para todos, também para os hebreus, os budistas, os muçulmanos, os hinduístas, para
todos os homens desta terra, assim também a maternidade de Maria se estende a todos os homens,
àqueles que Jesus redimiu. Depois, logicamente, é preciso corresponder para usufruir as graças da
redenção.
137
Então disse: quem é Maria? Maria é a mãe de todos, mesmo de todos, de todos. E ela
é assim, ela é mãe dos católicos, mãe dos anglicanos, mãe também daqueles que não a reconhecem.
A sua maternidade é um fato, falta talvez a correspondência dos filhos, mas também é mãe dos
muçulmanos, de todos.
Então eu disse: para imitarmos Maria, para sermos outra Maria, nós devemos fazer
isto (e esta é a idéia!): que nos comportemos para com todos os irmãos, para com todas as criaturas
que encontrarmos durante o Ano Mariano, aqui em Loppiano ou aqueles que virão, como se fôssemos
a mãe de cada um deles. Uma mãe comporta-se num modo especial. Por exemplo, vocês já viram na
televisão, quando se fazem os julgamentos dos terroristas ou drogados (não drogados, dos que
vendem a droga sobretudo!) ou dessas, digamos, pessoas más, e vê-se ali um parente, talvez a mãe.
A mãe nunca abandona o filho nem sequer no julgamento nem que fosse enforcado, nunca; vai ali
para o ver, para saudá-lo, beijá-lo, chorando.
Eis, uma mãe nunca abandona o filho, seja ele drogado, terrorista, delinqüente, ou
ladrão, nunca. Uma mãe espera sempre, uma mãe tem sempre esperança, nunca perde a esperança;
uma mãe perdoa sempre.
Este deve ser o nosso comportamento durante o Ano Mariano: devemos ver todas as
pessoas, também aquelas - como me dizia - que não agem retamente, com o olhar de uma mãe; uma
mãe que tudo cobre, como diz o Hino à Caridade de São Paulo; uma mãe que ama sempre, uma mãe
que perdoa sempre.
Se partirmos daqui com esta atitude... e ver a Dori com um olhar de mãe... Eu disse
até às criancinhas de Loppiano: "você deve ver no seu pai um seu filho" e qualquer coisa entendiam!
Todos devemos amar com um coração de mãe; se amarmos com um coração de mãe, o que acontece?
Que a caridade fica acesa em nós e temos o Ressuscitado e, além disso, fazemos também a nossa
parte para que o Ressuscitado esteja no meio de nós, porque é necessária a nossa parte e a parte dos
outros. E assim estamos em linha também com o último "collegamento": temos o Ressuscitado em
nós e entre nós.
Então partamos com este único conceito: devemos ser mãe de todas as pessoas que
encontrarmos, também da nossa mãe.
Estão de acordo? (aplausos)
Não me resta então que lhes fazer os melhores votos para estes dias e dizer que tive
uma impressão belíssima deste encontro! O setor das voluntárias é muito jovem; mesmo as pessoas
que já têm uma certa idade (provavelmente todas mais novas que eu!), são muito joviais, muito
jovens, e isto causa uma impressão estupenda.
Continuemos em frente! Nós nos santificamos no lugar onde Deus nos quer.
Tornemo-nos santas e invadamos o mundo. Esta é a hora da Igreja militante!

138
A CATEQUESE DE JESUS

Fabio Ciardi, omi

O Movimento nasceu com o Evangelho nas mãos, como Chiara conta, quando narra o seu
início. Durante os seis primeiros anos, até julho de 1949, a Palavra de vida foi vivida: «com uma
atenção toda especial», conservando-a no coração «como um tesouro».
Esse período, assinalou uma nova e especial intensidade na vivência da Palavra. Chiara e suas
primeiras companheiras se sentiam cada vez mais «concentradas na Palavra de vida» a ponto de
vivê-la «com uma intensidade muito particular». «Todo o nosso esforço consistia em viver a
Palavra. A Palavra de Deus entrava profundamente em nós a ponto de mudar a nossa
mentalidade. (...) E em nós provocava uma nova evangelização».
E Chiara comentava: «É incrível a intensidade com que se vivia a Palavra. A Palavra era a
nossa vida, era o nosso respiro. Sentíamos o quanto devíamos ser a Palavra, que a nossa vida tinha
sentido apenas sendo Palavra. Nada mais tinha significado, nem as circunstâncias, nem os
sofrimentos, nem a doença... Por isso, em nós não era mais Chiara que vivia, nem Graziella, nem
Natália... mas vivia Cristo que é a Palavra. Esse radicalismo de vida nos fazia adquirir uma grande
liberdade».
Concentrando-nos na Palavra de vida, a vida cristã se simplificava. «Aprendi – conta ainda
Chiara, lembrando esse tempo – a viver somente a Palavra de vida e a plasmar todas as ações com
a sua luz. Por isso, a minha vida se condensava na Palavra que todo o mês mudava».
Era o próprio Deus, o Espírito Santo que guiava Chiara e as suas primeiras companheiras
nessa nova experiência do Evangelho.
Os frutos foram imediatos.
O primeiro foi a descoberta de que cada palavra do Evangelho é amor, porque é expressão de
Deus que é Amor, e cada palavra nos leva a amar.
«Vivendo uma Palavra e depois outra e ainda outra – escreve Chiara, constatamos que,
colocando em prática qualquer uma das Palavras de Deus, no final, os efeitos eram idênticos.
(...)
O fato é que – continua Chiara - cada Palavra, ainda que apresentada em termos humanos
e diferentes, é Palavra de Deus. Mas, visto que Deus é Amor, cada Palavra é caridade. Naquele
tempo, tivemos a impressão de descobrir, sob cada Palavra, a caridade.
E, quando uma dessas Palavras "caía" na nossa alma, nos parecia que se transformava
em fogo, em chama, que se transformava em amor. Podíamos afirmar que a nossa vida interior
era toda amor».

139
«Nós experimentamos – comenta Chiara – que a Palavra penetrava em nós e se transformava
em fogo, de forma que a nossa vida interior era toda amor; um amor concreto, não um amor somente
teórico».
Realmente, acolher e viver a Palavra nos leva a ser outras palavras vivas, transforma em amor,
porque acolher a Palavra é acolher Jesus, a Palavra, plena revelação de Deus Amor, e é viver de sua
vida que é amor.
Outra experiência sobre a Palavra foi descobrir que as palavras da Escritura, que contém a
Palavra de Deus, são muito diferentes e distintas uma da outra. Ao mesmo tempo, justamente devido
à sua grande variedade, manifestam a mesma natureza: a natureza do Verbo, da Palavra, de Jesus.
Chiara explica isso através de uma analogia com a Eucaristia: «Na Hóstia Santa está Jesus
por inteiro, mas também em cada um de seus fragmentos; analogamente no Evangelho está
Jesus por inteiro, mas também em cada uma de suas Palavras».
Mais adiante, Chiara escreveria: «Em cada Palavra da Escritura está contida toda a
Palavra, assim como uma Palavra, contém cada Palavra (fragmento do Evangelho)».
“As Palavras de Jesus! – escreveu Chiara – devem ter sido a sua maior arte... se assim podemos
afirmar”. O Verbo que fala em palavras humanas: que conteúdo, que sonoridade, que voz, que
intensidade!”
Os evangelhos descrevem Jesus sempre anunciando a palavra: e em todos os lugares Ele
“anunciava a palavra” (Mc 2,2).
De fato, quando os guardas do templo foram prender Jesus, permaneceram fascinados pelas
suas palavras. E ouviram aquilo que Ele estava dizendo: “Se alguém tem sede venha a mim, e beba
quem crê em mim!” (Jo 7,38). As palavras fluíam de sua boca como água fresca e límpida. E foram
embora sem tê-Lo nem mesmo tocado. Aos sumos sacerdotes e aos fariseus, que perguntavam à eles
porque não tinham executado suas ordens, responderam: “Jamais um homem falou como fala este
homem (Jo 7,46). Como todos, também eles, tinham ficado conquistados pelas suas palavras.
Conquistados estavam mais ainda os seus discípulos, os quais jamais teriam voltado atrás,
nem mesmo quando não O compreendiam plenamente, ou mesmo quando elas (as suas palavras)
poderiam parecer demasiado exigentes: “Senhor, a quem iremos? Tu tens palavras de vida eterna”
(Jo 6,68).
Sim, porque as palavras d´Ele possuem uma consistência e uma profundidade que as outras
palavras não possuem, sejam elas de filósofos, de políticos, ou até mesmo de escritores ou de poetas.
A Suas Palavras, são “Palavras de vida eterna” porque contém, exprimem, comunicam a plenitude
daquela vida que não tem fim: a própria vida de Deus.

140
Nesta minha breve conversação procurarei não entrar no mérito de conteúdos: ou seja sobre
a boa nova que Ele veio anunciar. Eu me limitarei a dar algumas pinceladas, aqui e ali, sobre alguns
aspectos da maneira como ele apresentava a sua palavra.

Os ensinamentos de Jesus são expressão do amor

Porque Jesus falava? Porque Ele amava a sua gente. Era a sua maneira de doar-se.
A narração da multiplicação dos pães é particularmente significativa a este respeito. Marcos
conta que Jesus, “assim que desembarcou, viu uma grande multidão e ficou tomado de compaixão
por eles, pois estavam como que ovelhas sem pastor. E começou a lhes ensinar muitas coisas” (Mc
6,34). Mateus acrescenta que curou os seus doentes”(Mt 14,14). E por fim multiplica os pães e os
peixes. A “compaixão” pela multidão se manifesta em um tríplice dom: a palavra, a cura, os pães. A
palavra de Jesus cura e alimenta. Ele mesmo tinha experimentado que “não só de pão vive o homem,
mas de toda palavra que sai da boca de Deus” (Mt 4,4). A Sua salvação trata-se de uma salvação
integral, que faz renascer a pessoas em sua totalidade.
Por isto as pessoas permaneciam tocadas pelas suas palavras: elas respondiam ao anseio mais
profundo de cada um. Ele sabia “fazer-se um” penetrando no mais íntimo de seu ser.

A técnica do “fazer-se um”

“Fazer-se um”! A encarnação foi o primeiro ato educativo de Jesus: Ele penetrou em nosso
mundo, para nos conhecer, partindo de nossa parte mais íntima, “fá-se um” até o ponto de aprender
a nossa maneira de falar.
Fala com palavras simples, com parábolas extraídas da vida de cada dia. E talvez, justamente
por isso mesmo a sua maneira de se exprimir exerça um fascínio todo particular.
Em suas conversações aparecem fatos e pessoas normais da vida de seu povo, do seu tempo:
crianças que brincam nas praças, festas de núpcias, construtores de casa e de torres, trabalhadores
braçais e terrenos arrendados, prostitutas e administradores corruptos, porteiros e serventes, donas de
casa e pais preocupados, devedores e credores, juízes ineficientes e viúvas indefesas, andarilhos e
assaltantes, pastores, vinhateiros, pescadores... Fala também de moedas, tesouros escondidos, mesas
preparadas... Nas suas palavras a natureza se move com todos os seus acontecimentos: o sol que
nasce, os ventos que sopram e as tempestades... Estão presentes também plantas de várias espécies:
caniços, figueiras, trigo, lírios, oliveiras, palmeiras, carvalhos, mostarda, videiras, joio... E não faltam
também as aves e os animais: ovelhas e lobos, jumentos e camelos, pombas e corvos, galinhas e
pintinhos, moscas e traças...
141
Através de Suas palavras assim tão “humanas”, Jesus mostra todo o realismo da encarnação.
Entrou verdadeiramente na nossa vida, neste nosso mundo. O olhou com amor e soube encontrar nele
(no nosso mundo) fatos e palavras com as quais falar do Céu. Usou a nossa mesma linguagem. Tinha
até previsto que muitos, por este seu modo simples e franco de falar, teriam se envergonhado de
suas palavras (cf. Mc 8,38).
O tentador queria induzi-lo a comportar-se em modo diferente, propondo para ele “uma
estratégia triunfalista, um falso messianismo feito de milagres clamorosos, como a proposta de
transformar as pedras em pão, de lançar-se do alto do pináculo do templo com a certeza de ser salvo,
de conquistar o domínio político de todas as nações. Jesus afasta decididamente às tentações... O seu
ser Filho de Deus se manifesta não no possuir, na exibição do poder e no domínio, mas no humilde
serviço, no dom de si, na cruz” (CEI, La verità vi farà liberi, nn. 181-183).
Jesus nos oferece assim um primeiro ensinamento a respeito de como se faz catequese. E não
se baseia na eloqüência, em um conhecimento encontrado em livros, ou na utilização de técnicas
super-avançadas. Ela deve ser, mais do que tudo isso, ser expressão de uma inculturação, ou seja de
uma encarnação, de uma postura de amor, de um sair de si mesmo para entrar no mundo do outro, a
ponto de chegar a compreendê-lo em suas expectativas, em suas exigências e ansiedades, e saber
apresentar uma resposta adequada, em uma linguagem para os tempos em que vivemos.

Falar às multidões e, individualmente, a cada pessoa

Jesus fala às multidões. O seu primeiro grande discurso, o chamado “sermão da montanha” é
dirigido à multidão: “Jesus, pôs-se a falar e os ensinava, dizendo...” (Mt 5, 2) . Nos Evangelhos
encontraremos Jesus rodeado pela multidão, que acorria a ele: “Acolheu a multidão – lemos em Lucas
– e começou a falar do Reino de Deus” (Lc 9,11). Ele mesmo girava por toda Galiléia ensinando nas
sinagogas e pregando a boa nova do reino....” (Mt 4,23; cf. Mc 6,6). No sábado o encontramos sempre
nas sinagogas a ensinar (cf. Mc 1,21.39).
Não Lhe parece ser suficiente o anuncio feito apenas por uma vez. Volta a repetir o seu
ensinamento, a exemplificá-lo a esmiuçá-lo. Sobretudo com os seus discípulos vai mais em
profundidade: a eles “explicava tudo”, em particular (Mc 4, 34). “Vocês entenderam?” costumava
dirigir-se a eles, e vendo perplexidade, em seus rostos, recomeça tudo de novo, com paciência e amor.
Ao lado de uma catequese endereçada às multidões, Jesus comumente se dirige também, num
tu a tu, a uma determinada pessoa.. Da mesma forma que ele fala às multidões ele se entretém em
colóquios pessoais. O Evangelho de João nos relata os diálogos de luz com Nicodemos (cf. Jo 3, 1-
21), com a mulher samaritana (cf. Jô 4, 1-26), com o cego de nascença (cf. Jo 9, 35-39), autênticas
catequeses personalizadas. É necessário “fazer-se um” com cada pessoa.
142
Um ensinamento exigente

A sua maneira de fazer-se um e o amor pessoal que o guia no seu falar, não O impedem de ser
exigente ao nos pedir, propondo a todos um caminho que é “sinal de contradição”. Não hesita em nos
pedir de oferecer a outra face, de amar o inimigo, de perdoar sempre, de tomar a própria cruz de cada
dia... Sabe que isto significa ir contra a mentalidade corrente, sabe que nos pede coisas difíceis de
serem praticadas. Quando lhe dizem que a sua linguagem é muito dura, Ele não procura atenuá-la.
Pelo contrário, vendo que muitos de seus discípulos se afastam e desistem de segui-Lo, dirige-se aos
Doze perguntando-lhes simplesmente se também eles queriam partir! (Jo 6, 68).
Jamais procure querer “domar” a Palavra de Deus, jamais queira “cegar” o fio do corte que a
lâmina da Palavra de Deus possui!

Os Momentos difíceis: são os mais privilegiados para se ensinar

A pedagogia de Jesus sabe escolher justamente os momentos mais difíceis como o lugar mais
adequado para um ensinamento eficaz.
A ocasião mais apropriada parece até mesmo ter sido aquela em que tenha havido
desentendimentos e contrastes entre os seus discípulos. A eles, que pelo caminho discutiam sobre
quem deles seria o maior, Jesus ensina que “se alguém quer ser o primeiro, seja o último de todos e
o servo de todos” (Mc 9,35). Ao pedido de Tiago e João de sentar-se à sua direita e à sua esquerda
no reino futuro e à reação de indignação por parte dos outros dez, Jesus contrapõe uma maneira de
agir em completo contraste com aqueles que governam as nações e dos grandes que dominam e detêm
o poder: “Entre vós não seja assim; mas quem quiser ser grande entre vós se fará o vosso servidor,
e quem quiser ser o primeiro entre vós será o servo de todos”.
Ele mesmo se coloca como modelo para a comunidade, ele que “não veio para ser servido,
mas para servir e dar a sua vida em resgate por muitos” (Mc 10, 45).
A João que quer impedir de expulsar os demônios àqueles que não pertencem à comunidade,
ele recorda que “quem não é contra nós é por nós” (Mc 9, 40). À intolerância demonstrada por João
e Tiago com relação a um povoado da Samaria que não os quisera acolher, responde com uma dura
reação: “Ele, porém, voltando-se para eles, repreendeu-os”, ensinando-os a ser grandes de coração”
(Lc 9,55).
Quando existiam problemas e dificuldades, justamente então a palavra de Jesus parece criar
raízes de modo eficaz, porque colhe a pessoa em sua parte vital.

143
A vida normal de cada dia se revela como o lugar “pedagógico” privilegiado. Jesus é um
Mestre itinerante: ensina enquanto caminha - “vivendo a vida”. Ensina sobretudo “con-vivendo” com
os seus discípulos. Resultando daí um ensinamento feito a partir do exemplo, da experiência.
Não podemos nunca desanimar por aquilo que nos possa parecer “fracasso” em nossa
catequese. Tudo, mesmo em se tratando de algum aspecto negativo, pode ser a forma encontrada, por
Deus, para que se abra uma estrada para o ensinamento, estrada que verdadeiramente atinge o coração.
Será suficiente compartilhar, profundamente, aquilo que o outro vive e assumir o outro como leal
companheiro de viagem.

“Exempla docent” (O Exemplo educa)

Jesus ensina sobretudo com a vida, com o seu exemplo: diz aos outros de fazer aquilo que ele,
por primeiro faz (“se observais os meus mandamentos como eu observo os mandamentos do meu Pai;
como eu vos amei, assim também vós amai-vos...; eu faço sempre aquilo que é do agrado de meu
Pai; meu alimento é fazer a Vontade do Pai”). Paulo lhe faz eco quando dirá: “Sede meus imitadores,
como eu mesmo o sou de Cristo” (1 Cor 11, 1). Os exemplos mais luminosos são aqueles que se
relacionam com a oração e com o lava-pés.
Estando com Jesus, os seus discípulos, O vêm em oração e com simplicidade lhe pedem:
“Senhor, ensina-nos a rezar”. O ensinamento de Jesus se torna resposta a uma exigência suscitada
por um testemunho de vida. Assim Jesus pôde introduzi-los no seu relacionamento de amor e
confidência com o Pai, a Quem também nós podemos falar com confiança (cf. Lc 11, 1-4).
Também a última grande lição que o Mestre ministra à sua comunidade é fruto do exemplo:
lava os pés: “Se, portanto, eu, o Mestre e Senhor, vos lavei os pés, também deveis lavar-vos os pés
uns aos outros” (Jo 13, 14).
Da mesma forma anunciar para os discípulos significa comunicar uma experiência. “Aquilo
que nós ouvimos, que vimos com nossos olhos, o que contemplamos, e o que nossas mãos apalparam,
nós o anunciamos também a vós, para que também vós estejais em comunhão conosco” (cf. I Jo 1,
1-4).
Portanto, acolher o anúncio não significa aprender aquilo que nos está sendo ensinado, mas
na disponibilidade que devemos ter em nós no reviver a experiência que nos está sendo comunicada.
Um dos livros do velho testamento: o Deuteronômio, nos oferece uma pista da maneira como
encontrar a Deus, através da sua Palavra, e da importãncia de colocá--la em prática:
“Ele não está no céu, para que você fique perguntando: ´quem subirá por nós até o céu para trazê-lo
até nós, a fim de que possamos ouvi-lo e colocá-lo em prática?´ Também não está no além mar, para que
você fique perguntando: `Quem atravessará por nós o mar, para trazer esse mandamento a nós, a fim de que
possamos ouvi-lo e colocá-lo em prática?´”.
“Sim, essa palavra está ao seu alcance: está na sua boca e no seu coração, para que você a coloque
em prática. Veja: hoje eu estou colocando diante de você a vida e a felicidade, a morte e a desdita” Dt 30,12-
15.

144
Podemos então concluir a partir dessa afirmação que a comunicação do evangelho poderá ter
algum êxito se necessariamente for resultado de uma comunhão, ou seja, de um profundo
relacionamento interpessoal, um encontrar-se de pessoas concretas que se conhecem, conversam, se
comunicam, trocam as suas experiências da vivência de Cristo em si, e chegam assim a possuir em
comum aquilo que para cada um foi o seu encontro pessoal com Cristo.
Este tipo de ação, de testemunho, está associado ao dom do Espírito Santo: “Mas recebereis
uma força, a do Espírito Santo que descerá sobre vós, e sereis minhas testemunhas em Jerusalém,
em toda Judéia e a Samaria, e até os confins da terra” (At 1, 8).
Pedro, então, poderá dizer: “Nós somos testemunhas destas coisas, nós e o Espírito Santo”
(At 5, 32).
E, junto aos apóstolos, Pedro se apresenta como testemunha do evento Jesus: “E nós somos
testemunhas de tudo o que fez na região dos judeus e em Jerusalém” (At 10, 39).
O verdadeiro catequista é aquele que se deixa transformar pela palavra que ele mesmo
anuncia. No mandato missionário Jesus não disse: “Ide por todo o mundo e ensinai aquilo que eu vos
ordenei”, mas “ensinai a observar aquilo que eu vos ordenei” (Mt 28, 20). O objetivo do ensinamento
é a maneira com a qual se procura colocar em prática a Palavra. O apóstolo pode ensinar como se faz
para vivê-la (“observar”) apenas como uma condição: que já tenha se tornado especialista nessa arte.

O preço do dom

Um último aspecto da “catequese” de Jesus que gostaria de colocar em relevo diz respeito à
densidade da sua palavra. Falar, para Jesus, significa dar. Ele falava, eu disse logo ao início, movido
pelo amor de sua gente, em quem Ele via como que um rebanho debandado, sem pastor. Mas o seu
amor chega até mesmo a dar a vida pelo seu rebanho: “O bom pastor dá sua vida pelas suas ovelhas”
(Jo 10, 11). “Tendo amado os seus que estavam no mundo, amou-os até o fim” (Jô 13, 1).
A vida e o seu ensinamento foram um contínuo doar, até o dom supremo: “Isto é o meu Corpo
que é dado por vós... Este é o meu Sangue derramado por vós...” (Lc 22, 19-20), doar onde Palavra
e Eucaristia se tornam um único alimento servido sobre uma única mesa. Dom que chegou até ao
abandono na cruz.
Jesus, que muitas vezes comparou a pregação do Evangelho à semente lançada no campo,
comparou também depois, o seu doar-se, ao grão de trigo que deve morrer para produzir fruto.
Como o Mestre, assim também o discípulo: deve doar, sem esperar, sem desejar retorno, e
saber esperar confiante como o semeador: “Dei-lhes, de fato, o exemplo, para que assim como eu fiz,
vocês também o façam” (Jo 15, 15). É o dom gratuito de si feito por amor, é a parte pedida ao
discípulo para tornar visível a vida nova em Cristo: “Nisto nós conhecemos o Amor: ele deu a sua
vida por nós; e nós também devemos dar a nossa vida pelos irmãos” (1 Jo 3, 16).

145
É necessário que estejamos n´Ele e sejamos como Ele, semente, que morrendo, gera vida
nova.
Sim, o fruto da palavra doada é a vida, a plenitude da vida nova, a Igreja. Ela nasce, lembra-
nos o Concílio Vaticano II, do anúncio da Palavra. Como diz o seu próprio nome, Ekklesia, ela é a
assembléia dos chamados, dos convocados pela Palavra: “O povo de Deus se reúne, antes de tudo
por meio da palavra do Deus vivo” (Presbiterorum ordinis, 4). “Pregaram a palavra da verdade –
escreve Santo Agostinho a respeito dos Doze – e geraram a Igreja” (cf. Adgentes, 1).
A família de Jesus é composta por todos aqueles que ouvem a palavra de Deus e a colocam
em prática (cf. Lc 8,21). Nós nascemos não de uma semente corruptível, mas de uma semente
incorruptível que é a palavra do Deus vivo (cf. 1 Pt 1, 23). Temos o mesmo sangue como em uma
família humana: nas nossas veias circula, corre, o sangue da Palavra de Deus.
Anunciar a Palavra quer dizer colaborar, com Jesus e como Jesus, para edificar a unidade do
único povo de Deus: o Corpo Místico de Cristo.

146
O QUE SIGNIFICA REZAR

Pe. Foresi

Rezar não consiste propriamente no fato de dedicar um tempo, durante o dia, para a
meditação ou para ler algum trecho da Sagrada Escritura ou de textos de santos, ou para pensar em
Deus ou em si mesmo em vista de uma mudança interior.
Isso não é, na sua essência, rezar.
Isso vale também para o terço, as orações da manhã e da noite. Uma pessoa pode ter
feito todas essas coisas o dia inteiro e não ter rezado sequer um minuto.
A oração, para ser realmente oração, exige antes de tudo um relacionamento com Jesus:
é preciso ir, espiritualmente, além da nossa condição humana, dos nossos afazeres, das nossas
orações, mesmo se estas são belas e necessárias para estabelecer este relacionamento íntimo e pessoal
com Ele.
É indispensável fazer a extraordinária descoberta que Jesus nos ama e nos chama. O que
significa, fundamentalmente, a "vocação"? Foi descrita claramente, no modo mais belo, no encontro
de Jesus com o jovem rico. Diz o Evangelho de Marcos: “Jesus fixou nele o olhar, amou-o e disse-
lhe: "Vende tudo o que tens... depois vem e segue-me”(cf. 10,21). Jesus tem esse olhar para cada um
de nós e nos ama, e nós sentimos esse seu amor e podemos escolhê-lo e segui-lo . A vida de oração,
na sua essência, consiste em manter esse relacionamento filial e fraterno com Jesus durante o dia
inteiro, e todos os dias. A oração é ter um relacionamento com Ele e uma escuta silenciosa daquilo
que Ele nos diz.

A forma substancial

Esse nosso relacionamento com Jesus se instaura se conseguimos fazer a “escolha de


Deus”, que consiste em colocá-Lo em primeiro lugar na nossa vida, em todas as nossas ações. Então,
as orações podem se tornar “oração“, a forma substancial de oração, pois nela o ser humano expressa
profundamente o seu relacionamento com Jesus.
As maneiras de rezar podem ser muitas. Um tipo de “oração mental” é a meditação, que
se faz seguindo vários métodos. Um dos mais simples é a leitura lenta, meditativa da Sagrada
Escritura ou dos escritos de santos. Mas, além dos métodos com que ela é feita, a meditação deve ser
um momento de encontro sereno, tranqüilo com Jesus. Pode ser que durante esse momento, venham
à nossa mente algumas preocupações. Então, falemos sobre isso com Jesus dizendo-lhe: “Cuide você
disto, eu não posso fazer nada, posso somente conversar com você”. Podemos chamar este tipo de
“oração de súplica”.
Mas, na sua essência, mesmo quando a oração é "de súplica”, é sempre de abandono,
pois também quando pedimos alguma coisa, nos abandonamos àquilo que Jesus quer. Se existem
experiências dolorosas na nossa vida ou na das pessoas que queremos bem, falemos sobre essas coisas
com Ele, com tranqüilidade, porque sabemos que nos ama e ama a todos muito mais do quanto nós
podemos amá-los.
A oração mais bela é a de quem sabe que Jesus conhece os nossos problemas, as nossas
dificuldades, as nossas necessidades (o Evangelho diz: “o Pai sabe o que vos é necessário”: cf. Mt.
6,8), e se abandona, fala com Jesus num estado de doação, de total entrega de si, de alegria pelo
encontro com Ele. Diz a Jesus (e Nele à Santíssima Trindade): “Você conhece todas as minhas
dificuldades, você conhece as minhas misérias, a minha pouca fé, você conhece as minhas faltas, os
sofrimentos e as dificuldades que encontro na vida: agora quero ficar com você e contemplá-Lo”.

147
De volta para a casa

É o momento no qual saímos da realidade contingente que nos afadiga e nos faz sofrer,
para estarmos em contato com Ele, para encontrá-Lo, e vivermos na nossa casa. A casa de cada um
de nós é a Trindade, o Pai, o Filho, o Espírito Santo e, neles, Maria e todos os Santos. E nós, que
vivemos imersos num mundo que nos parece real, mas que é só aparência, finalmente voltamos para
casa, ao nosso verdadeiro mundo, o mundo da Trindade. A oração é o momento mais lindo da nossa
vida terrena, porque o vivemos junto ao Pai, ao Filho, ao Espírito Santo, com Maria, de uma maneira
mais consciente.
Essa contemplação não significa fuga da vida concreta; mas é a verdadeira vida, através
da qual podemos enfrentar, de modo cristão, a realidade concreta de todos os dias, com tudo o que
lhe diz respeito, as suas tribulações, o cansaço físico e mental, com todas as dificuldades, que posso
e sei enfrentar, justamente porque eu vivi por um certo tempo, por meia hora durante a meditação, a
vida verdadeira: o colóquio com Jesus.

O silêncio interior

Nesse encontro Ele me fala; muitas vezes é difícil saber escutá-Lo, porque estamos
transtornados pelo barulho das coisas quotidianas que tentam insinuar penetrar também neste espaço
de tempo dedicado à contemplação. Devemos nos habituar a escutá-Lo, porque Ele nos fala sempre.
Não se trata de fazer um silêncio exterior, mas sim, um silêncio interior, isto é, o domínio (sempre
relativo a nossa condição humana) de todas as nossas paixões (não só no sentido negativo do termo),
de todas as nossas agitações, de todos os tumultos psicológicos internos. É ir além de tudo isso para
escutar Jesus que nos fala.
A sua voz é muito sutil. É necessário realmente um silêncio interior para percebê-la (e
a meditação nos oferece a ocasião para um silêncio exterior, que simboliza aquele silêncio interior,
necessário para escutar Jesus). Ele nos diz sempre coisas fundamentais. Quando estamos atribulados,
perturbados pelos vários problemas da vida, ele nos diz: “Não temais, sou eu”. “Não temais, eu venci
o mundo”. “Eu estou convosco...”.
Jesus se apresenta como modelo, a sua vida como modelo para a nossa. Uma vida feita
também de sucessos humanos, de milagres, mas concluída aparentemente com um fracasso total sobre
a cruz. Os romanos não sabiam nem mesmo quem Ele era; dentre os seus correligionários, os
israelitas, alguns pensavam que fosse Elias ou outro profeta...
E quando nós lhe dizemos: “Jesus, isso aqui não deu certo; também esta outra coisa...
não está dando certo”, Ele nos responde: “Eu gritei: ‘Deus meu, Deus meu, porque me abandonaste?’.
Esta é a meta que lhe apresento, eu cuido do resto; não é importante o sucesso ou insucesso, o
importante para você é manter este relacionamento comigo”.
Estes são apenas alguns exemplos daquilo que o Senhor nos diz para nos levar além do
quotidiano da nossa vida, para fazer-nos viver no mundo eterno. E às vezes faz também milagres,
nesse colóquio que podemos ter com Ele. Quem não se lembra do episódio da mulher que perdia
sangue, que estava no meio da multidão e não conseguia alcançar Jesus para pedir que a curasse? Esta
mulher pensava: “Se eu pudesse ao menos tocar no tecido da sua roupa, ficaria curada”. Ela consegue
se aproximar e tocá-Lo com fé, com amor e é curada. E Jesus sente que uma força saiu dele e
perguntou aos apóstolos: “Quem me tocou?”. Os apóstolos lhe responderam: “Senhor estamos em
meio a uma multidão e Tu nos perguntas quem te tocou?” (cf.Mc.5,25-31). Muitos ‘rezavam’, mas
só ela encontrou o modo de falar-Lhe, tinha encontrado a “oração”, e Jesus sentiu que uma força saía
dele devido aquela oração humilde, silenciosa, cheia de fé e de abandono.

148
A oração que nos transforma

Se rezamos com esta fé, os outros nos encontrarão serenos, porque temos uma paz que
vai além dos sofrimentos, que também nós sentimos como todas as pessoas desse mundo. Eles sentem
a alegria de estar conosco, aquela alegria que Jesus diz que o mundo não sabe dar, porque levamos
no nosso coração um pedacinho do Céu no qual vivemos durante o tempo da oração.
O mundo está sedento de Deus e se nós não conseguimos saciá-lo é porque lhe damos
somente as nossas palavras que "falam" de Deus. O mundo, ao invés tem necessidade de Deus, mesmo
sem as nossas palavras, sem que falemos Dele. Conseguimos isso, se ao escutarmos o chamado de
Jesus, permanecemos em um continuo colóquio com Ele.
Hoje, às vezes, a oração vocal não é mais valorizada, porque se considera que a
intelectual seja mais importante. Ao invés, o mais importante é o relacionamento com Deus, que
posso encontrar tanto na oração mental quanto na oração vocal, nas jaculatórias, no rosário, em todas
as formas de piedade mais populares e simples, simples demais para a nossa soberba, mas que na
realidade, são ocasiões para ter um relacionamento com Deus. Um relacionamento que, naturalmente,
só surge na oração se nascer da vida. Isto é, não se pode “rezar”, se a nossa vida não estiver
completamente enraizada em Deus.

A realidade mais linda

Se temos este relacionamento autêntico com Jesus, a oração se transforma na coisa mais
linda e mais viva do nosso dia. Torna-se para nós uma fonte de água viva, como disse Jesus: “Quem
crê em mim, nele nascerão torrentes de água viva” (cf. Gv7,38).
A nossa atitude deve ser de paz radical e total: devemos conseguir ter uma plenitude
humana que só Deus pode nos dar, e que irradia a paz e a serenidade ao nosso redor. Por isso - repito
- a oração é o momento mais belo do nosso dia; porque é o único momento no qual retornamos à casa:
saímos lentamente do mundo que nos circunda, mesmo permanecendo sempre imersos nele; é o
momento no qual falamos com Jesus , temos um relacionamento com Ele. Um falar que não é feito
de palavras, como Ele nos diz: “Quando rezardes dizei poucas palavras”(cf.Mt 6,7).
É um relacionamento de amor profundo, de confiança profunda, de profundo abandono
no Pai, através do Filho, no Espírito Santo, com a ajuda de Maria que - como nas bodas de Caná -
fala por nós quando não sabemos fazê-lo. Esta é a nossa vida verdadeira. Nós fomos chamados a viver
no seio do Pai. O nosso verdadeiro chamado é seguir Jesus e viver nesta família divina. A oração não
é senão falar em casa, na nossa verdadeira casa.
Esta deve ser, deve se tornar a nossa oração. E se tornará assim, sem dúvida, se vivermos
a nossa vida totalmente por Deus.

Pasquale Foresi

149
Escola de Prévoluntarias - Castelgandolfo 23 de abril 2009

Jesus no meio- dimensões sociais e culturais e diálogo


Vera Araújo
Estou muito contente por estar aqui com vocês, mesmo se o tema que devo abordar seja muito
complexo. Digo complexo e não complicado. Complexo porque existem muitos modos de abordá-lo.
Eu procurarei falar devagar e não fazer frases longas para que os tradutores possam traduzi-lo bem.
Todas vocês conhecem e já fizeram experiência de Jesus no meio.
Jesus no meio é a presença de Deus entre nós, é uma experiência que faz mudar radicalmente
a vida. Depois, aos poucos, é preciso entender essa mudança no seu conjunto, parte por parte,
dimensão por dimensão. O fato que devemos refletir e entender juntos é este: Jesus revela – Ele nos
manifesta, revela, explica – quem é Deus. E Deus é a grande procura da humanidade. Deus se
manifesta de muitos modos, mas é em Jesus que Ele se manifesta plenamente. Tomar essa consciência
já é uma coisa muito grande, ou seja, é tudo. Jesus não só revela Deus, mas também revela quem
somos nós.
Normalmente somos habituados a pensar que o grande mistério da vida seja Deus. E é verdade,
porém, também somos um grande mistério. Desde o início de sua existência, a humanidade interroga
sobre si mesma: “Quem somos? De onde viemos? Para onde vamos? Que fazemos? Qual o sentido
da nossa existência?”
Eis, então, que Jesus revela quem somos nós. Nele está a resposta para o mistério do homem.
Se é assim, isso significa que n´Ele há também - senão a resposta – a luz para todas as indagações,
dimensões da vida humana: aquela pessoal, familiar, para os relacionamentos, para a vida política,
aquela para a vida econômica, social, e assim por diante. Compete a nós descobrir o modo como ela
se manifesta.
Deste modo, todas as vezes que anunciamos Jesus, devemos anunciá-Lo num contexto
humano e social bem definido. Nesse sentido, não é a mesma coisa anunciar Jesus como se fazia há
10 ou 15 séculos e anunciá-Lo hoje, em nossos dias. Em cada época, existem situações diferentes que
exigem compreensões e possibilidades de compreensão diversas.
Portanto, é dever daquele que tem fé tomar consciência da situação em que se encontra para
poder anunciar e testemunhar Jesus. Eu não estou aqui para fazer uma análise sociológica do mundo
contemporâneo, isso não me interessa neste momento, mas conhecemos, ao menos por experiência,
como é o mundo em que vivemos. Se o conhecermos por experiência, isso já é suficiente.

A meu ver, o problema é interrogar-se: “Esta situação de interdependência, de globalização,


de unificação do mundo é uma evolução natural da humanidade ou está no desígnio de Deus?”
Essa, sim, é uma pergunta importante. Porque, se está no desígnio de Deus, significa afirmar
que, nessa evolução, nessa mudança, nesse caminho, existe a presença de Deus e de seu Espírito.
E nós devemos entender e responder que existe sim o desígnio de Deus e que esse desígnio é
justamente o fato de que toda a humanidade compõe uma unidade. É aquilo que os cristãos chamam
unidade do gênero humano. Esse é o desígnio de Deus sobre a humanidade. O desígnio, porém, tem
de ser concretizado, realizado, construído.
Então, cada ação dos cristãos, daqueles que creem, consiste no construir essa unidade. E essa
unidade é a mesma unidade que está em Deus, da qual Deus é a expressão máxima. Essa unidade não
é apenas religiosa, mística, espiritual, mas deve encarnar-se, transformar-se na vida social, política,
chegar completamente às instituições, às estruturas, construindo um mundo sempre mais solidário e
unido. Nessa perspectiva, é preciso pensar o que significa anunciar Jesus.

150
Qual é dificuldade que encontramos? Qual é a dificuldade no mundo de hoje, na sociedade
pós-moderna?
A primeira dificuldade, hoje, é, senão a carência, a dificuldade de uma vida relacional, a falta
de relacionamentos. Vejam que sobre este assunto existe uma literatura infinita. Todos estão de
acordo ao afirmar que a sociedade de hoje, tal como está organizada, como é, não facilita
relacionamentos verdadeiros, autênticos e profundos. Por quê? Porque é complexa, se pensarmos na
sociedade de cinco séculos passados, que era muito mais simples. Os tipos de relacionamento que se
estabeleciam eram menores, tanto quanto à qualidade, quanto à quantidade. Hoje a situação se tornou
extremamente complexa e essa é uma dificuldade que precisa ser superada e resolvida.
De onde vem essa dificuldade de relacionar-se na sociedade pós-moderna?
Essa dificuldade existe porque é cada vez mais difícil conjugar a afirmação da própria
identidade com a universalidade do gênero humano. É um grande problema porque existe uma
consciência profunda da nossa dignidade pessoal e, portanto, das nossas culturas, da nossa
convivência entre nações, que deve conjugar-se com essa globalização, com esta mundialização. Não
é simples. Então, também as relações se tornam difíceis, e a primeira tentação é evitá-las, ou construí-
las de modo mais rápido, o mais virtual possível, evitando as relações mais aprofundadas. Porém, as
consequências são bastante visíveis, pois, sem relacionamentos verdadeiros, a pessoa, o indivíduo se
fecha, se isola e morre. Parece estar vivo porque caminha, mas está morto.
Então, o que significam relações verdadeiras, autênticas e profundas que fazem com que
estejamos vivos e não morto? Significa a capacidade de dar e receber, capacidade de comunicar. Em
uma palavra, a capacidade de amar. É uma palavra tão velha quanto o mundo, que ainda precisa ser
descoberta em sua profundidade. Sem o amor, o amor verdadeiro, a humanidade morre. Vejam que
se trata de algo já constatado, claro, de que todos falam a respeito, tanto os que creem, como aqueles
que não creem.
Existe um grande sociólogo russo, ateu, que dizia: “Deixamos o amor de lado na nossa vida
social. O amor quer dizer amar e ser amado. E esse amor é a vitamina mais necessária para o
crescimento pessoal”.
Um outro sociólogo, este inglês, dizia: “Se é verdade que o amor é a única solução válida
para o problema da existência humana, então, qualquer sociedade que exclua o amor do seu
desenvolvimento, do seu crescimento, ao longo do tempo, deve perecer pelas próprias contradições.
Na verdade, falar de amor não significa fazer uma prédica, pela simples razão de que significa falar
da única necessidade verdadeira de que cada ser humano precisa. O fato de que esta necessidade ter
sido ignorada não significa que não exista.”
Se essa é a condição da humanidade, então a mensagem cristã, uma vida cristã traz em si a
resposta não apenas plena, mas, de tempo em tempo, o espírito de Deus reaviva nos seguidores de
Cristo uma resposta que parece nova, que sempre existiu, porém parece nova. É uma chama mais
forte, uma luz mais viva, que vem ao encontro das necessidades, dos sofrimentos, desânimos, das
perguntas dos homens daquele tempo.
Então, diante deste mundo, como dizemos, macro, globalizado, no qual prevalecem as grandes
dimensões, como é possível viver no “micro”, isto é, no pequeno, nas pequenas comunidades, na
família, etc, sem se isolar? Eu acredito que esse grito, essa pergunta, esse questionamento possa
encontrar uma resposta plena na vida cristã. E a vida cristã tem justamente a função de criar ou recriar
os espaços, as possibilidades e as metodologias para uma vida de relações verdadeiras. Ou seja, deve
ensinar, com a vida e não com palavras, o que é o amor, aquele verdadeiro, autêntico, nas suas
diversas manifestações: amor entre esposos, amor filial, amor materno, entre amigos, solidário,
gratuito.

151
E, nesse sentido, como fazer? O Evangelho nos oferece múltiplas e variadas soluções, porém
existe uma que resume todas, é como uma gota, uma chave para recriar a comunidade na sua
autenticidade. É a palavra de Jesus “Onde dois ou mais estiverem reunidos no meu nome, Eu estarei
no meio deles”. Jesus no meio, onde dois ou mais, é uma presença muito particular de Deus que une,
compõe, em que Ele se coloca em meio a nós para nos humanizar ao máximo e também nos divinizar.
O que é Jesus no meio? Um modo de dizer? Não, não. É uma presença de Deus, um tipo
particular de Sua presença, que eu chamaria leiga. O que isso significa? Leiga porque não tem
necessidade de espaços sagrados, de templos, lugares especiais, mas pode-se encontrar na vida
cotidiana e nos espaços da vida. Existem outros modos de encontrar a Deus: na Palavra de Deus, na
Eucaristia, para os cristãos católicos ou cristãos de outras denominações. Existem outros modos,
porém Jesus entre nós é uma presença que precisa ainda ser descoberta por todos nós que vivemos,
querendo ou não, um ritmo acelerado.
Parece-nos que a sociedade seja mesmo impenetrável, incapaz de acolher essas presenças de
Deus. Então, o que Ele faz? Deus, porque é amor e nos ama, suscita um Carisma, suscita uma
realidade que inventa, exatamente “inventa” um novo modo de estar em meio aos homens, ou seja,
Jesus entre aqueles que se amam, que são capazes de viver em meio ao mundo, em todos os lugares,
na normalidade da vida cotidiana, nos apartamentos, nos condomínios, nas casas, no trabalho, na
família, pelas ruas das cidades, nos trens,... em todos os lugares. É uma presença extraordinária e
escondida: ninguém vê, mas existe. E, se existe, ela atua. É como se Deus, fazendo-se homem em
Jesus, escondesse a Sua divindade, a Sua potência, o Seu esplendor. Escondesse tudo isso em nossa
humilde humanidade, para que nós, nutridos por Ele, pudéssemos mostrar a Sua divindade na nossa
humanidade recriada, renovada, refeita por Ele. Isso é Jesus no meio, é uma revolução enorme da
qual ainda não nos demos conta por completo.
Podemos ainda nos perguntar: “Com que resultados? Quais são os resultados que essa
presença traz?” Nós somos pessoas modernas, que querem os resultados, os frutos, tantos, bem
delineados. Todos nós gostamos da matemática num sentido muito simples. Queremos ver, tocar os
frutos, os resultados. Também, nesse caso, Jesus quer que façamos uma experiência, quer nos elevar
dessa dimensão comercial para uma dimensão de gratuidade, magnanimidade, abundância. Nada de
resultados, nada de saber nada, simplesmente a experiência de algo que penetra nos corações, nas
mentes, nas estruturas, nas instituições e as eleva, partindo de dentro. É como a semente na terra: você
não vê a árvore que cresce e, a um dado momento, cresceu. Assim é a ação de Deus na história. Antes,
porém, Jesus nos faz viver essa experiência profunda, verdadeira, profundamente humana. E, depois,
nos fazer ver também os frutos.
Há um texto de Chiara, dos primeiros tempos de sua aventura espiritual, em que transparece
o encanto, a maravilha desta vida nova com as suas primeiras companheiras e com a comunidade
nascente. É um texto que a maioria de vocês conhece, que, de vez em quando, eu releio porque
reencontro nele todo esse impulso para entender e entrar nessa dinâmica renovada.

Nesse texto, Chiara diz “Onde dois ou mais, essas palavras divinas e maravilhosas, muitas
vezes, na sua atuação, nos parecem maravilhosas.
“Dois ou mais...”. E Jesus não especifica quem. Ele deixa anônimo... - onde dois ou mais,
qualquer, qualquer que sejam eles.
Dois ou mais pecadores arrependidos que se unem no Seu nome; duas ou mais jovens como
éramos nós; dois, mesmo se um seja grande e o outro pequenino... Dois ou mais...; e, no viver assim,
vimos desmoronar barreiras em todas as frentes: bairrismos (isto é, nos relacionamentos entre
países, cidades); frequentemente, entre dois cidadãos, de cidades diferentes ou de países diferentes,
existem senão ódio, críticas, reservas (...), e Jesus entre nós fazia desmoronar todas essas misérias
humanas.

152
Dois ou mais, de pátrias diferentes – digam-me se isso não é uma realidade atual –: e
desmoronavam os nacionalismos.
Duas ou mais, de raças diferentes: e desmoronava o racismo.
Duas ou mais, mesmo entre pessoas se encontrassem em lados opostos pela cultura, idade,
classe social...
Todos podíamos, antes, devíamos unir-se em nome de Cristo.
Dois ou mais, mesmo no campo da fé e dos de boa vontade: não pesava o espírito
corporativista que normalmente predomina; dois ou mais entre pessoas de associações diferentes,
de ordens diferentes
A atuação dessa palavra deu às nossas reuniões e às nossas comunidades o aspecto e o
perfume das primeiras comunidades cristãs e contribuiu para manifestar ao mundo como a Igreja é
mãe de todos e brilha pela sua unidade.
E, além disso, essas palavras manifestam uma vida cristã de caráter comunitário, em que se
superava o individualismo, já anacrônico, no qual muitos viveram. “Onde dois ou mais”.
Não era uma espiritualidade que exigia uma grande preparação, nem almas escolhidas, já
muito experientes em coisas espirituais. Parecia-nos um ideal feito para todos. Jesus não disse:
“Onde dois ou mais santos unidos em meu nome, aí estou no meio deles, mas disse “Onde dois ou
mais”.57

Em todas as partes do mundo, aonde o Ideal chegou, brilham, nos diferentes ambientes
(hospitais, prisões, escolas, escritórios, fábricas, parlamentos, instituições), e nos lugares mais
impensáveis, nas cidades e no campo, verdadeiras células compostas por pessoas as mais diversas:
esses constituem o laboratório em que o humano e o divino se unificam, porque entre todos existe
Jesus homem-Deus.
Vejam que existe aqui uma grande revolução a ser combatida todos os dias por nós, em nós e
entre nós, pois sabemos que continuamente as sementes da divisão florescem dentro de nós e, por
isso, realmente temos necessidade da presença de Jesus para erradicá-las.
Eu lembro que, quando conheci o Ideal, aquilo que me chocou, que me fez cair do cavalo foi
quando vi três focolarinos, ou melhor, duas focolarinas e um focolarino, Marco, que esteve hoje com
vocês. Eram Marco, Lia, uma das primeiras companheira de Chiara, e Fiore. O que foi que eu vi? Vi
Jesus no meio Porque vi os efeitos, não vi Jesus, vi os efeitos de Jesus no meio. Vi um relacionamento
entre eles que nunca tinha visto antes, que não conhecia. Vi os frutos de como tratam as pessoas, de
como olham as pessoas, como se vive com Jesus no meio. Foi um choque espiritual e humano que
transformou a minha vida de repente e, ao mesmo tempo, iniciou-se em mim um trabalho que ainda
não acabou.
Eu me lembro, por exemplo, que, depois de oito ou nove meses que tinha conhecido o Ideal,
fui a Mariápolis. Fui a Mariápolis na Europa. Eu morava no Brasil e vim para a Mariápolis de 1959.
Entrei nessa realidade. Ali isso significava viver com Jesus no meio 24 horas sobre 24 horas, durante
70 dias. A Mariápolis durou 70 dias e foi uma experiência. Todo o verão: mês de julho, agosto e ainda
10 dias de setembro. Eu fiz 70 dias de Mariápólis. É uma experiência que desejo para todos, mas, ao
mesmo tempo, não desejo, porque ou se sai vivos ou mortos. Não há muita escolha. Para mim, foi
uma experiência extraordinária. Por quê? De morte e ressurreição contínua: nos relacionamentos, nos
afetos, na vida, na mente. Todos os dias era uma agitação constante.
E me lembro que - para dizer-lhes essas coisas que Chiara disse aqui - eu me recordo de que,
como uma sul-americana engajada, brasileira, do nordeste do Brasil, eu tinha certos conflitos no
relacionamento com os norte-americanos. Quando cheguei a Mariapolis, com essa angústia dentro de

57
Chiara Lubich, “Escritos Espirituais/3 Todos um”. P. 69-70, 1979, Città Nuova Ed.
153
mim, um dia, senti uma inquietação: “Você deve amar os americanos”. Eu dizia: “Amar os
americanos? Como faço? Não é possível amar os americanos. É impossível! Os americanos são meus
amigos?”
Então, procurei uma focolarina e lhe disse: “Veja como é trágica a minha situação: ou vou
embora da Mariápolis ou devo amar os americanos e não sei como fazer.” Ela me olhou muito séria,
mas eu acho que dentro ela ria de mim... Eu era muito jovem, tinha 20 anos. Ela disse: “Procure não
pensar como pensou até agora. Busque encontrar neles virtudes boas que eles têm, tudo de bom que
têm...”. Eu repliquei: “Mas não existem”. Ela me respondeu: “Invente-as”. Essa luta dentro de mim
durou vários dias. Era uma luta entre mim, os americanos e Jesus. Porém, mesmo nesse clima, vejam
os passos são dados um por vez, um por vez. E também isso depois eu superei. Lembro-me de que
não havia americanos na Mariápolis, porém esse confronto, essa rivalidade era real, era algo concreto
na vida, que expressava racismo, nacionalismo. Porque, em geral, acreditamos que seja “um
problema dos outros”. É um problema meu, nosso em diferentes dimensões, está dentro de nós e
precisamos levá-lo em consideração.
Jesus no meio, se você coloca Jesus no meio com o outro, o que significa amá-lo e estar
disposto a dar a vida por ele, é uma passagem de morte e de ressurreição. E isso, na vida social,
porque se já faz essa experiência na vida pessoal, nas relações pessoais, deve fazer também a
experiência na vida social, nas relações sociais, na vida de trabalho.
Quando entrei no focolare, logo depois da Mariápolis de 1959, estava na Universidade,
estudava Direito. E ali havia um jovem, um garoto que era... que era tipo diferente. Em todas as
comunidades, existem essas pessoas de que todos gostam de provocar. Inclusive eu, porque ele se
achava um grande orador e acreditava que era o tal - eu estudava Direito na Universidade. Ele se
considerava um grande orador, e todos nós o apelidamos de Quintiliano, o grande orador romano.
Esse rapaz era a vítima de todos e ninguém pensava, mas todos faziam brincadeiras, “gozavam” dele...
Um dia, fui à Universidade logo após o trabalho e, quando cheguei, fui jantar e vi esse colega que
estava sozinho numa mesa, porque ninguém gostava de sua companhia... Ele não tinha amigos. Nesse
dia, e eu já estava no focolare, algo dentro me dizia: “Vera, você se dá conta de como está vivendo?”
E, sem pensar muito, fui me sentar ao seu lado na mesa. Todos os meus colegas e aqueles que estavam
no refeitório me olharam, pensavam que estava aprontando algo e ficaram esperando. E eu, ao invés,
comecei a conversar com Jesus, com Jesus no sentido de... “Esta é uma pessoa que eu devo amar.
Devo amar? O que isso significava? Eu conheço esta pessoa? Não, não a conheço, jamais a
conheci”. E ali, depois, todos se tranquilizaram, e ele e eu conversamos sobre coisas sérias por mais
de uma hora. Ele abriu sua alma, e vi que era uma pessoa maravilhosa. Nós nos tornamos grandes
amigos. E também toda a comunidade de estudantes se tranquilizou, e ninguém mais fez brincadeiras
com ele, pois se tornou uma pessoa igual a nós. Contei esta pequena experiência para dizer que são
as pequenas revoluções sociais que introduzem no mundo as luzes – como diz o Collegamento – que
brilham, fazem luz e transformam a sociedade, ou seja, é Jesus no meio essa força explosiva. Não
podemos esperar outras revoluções, elas não existem, a revolução é esta.
Vocês podem dizer: “Mas esta é uma utopia ou é uma realidade?”
Conto a vocês um pequeno fato que me impressionou muito. Por alguns anos, estudei também
na Espanha, estive no focolare na Espanha e estudei ali. E, para que compreendam melhor, eu concluí
o curso de Direito na Espanha. Para entender melhor o Direito espanhol, tinha de estudar toda a
história da Espanha, caso contrário, não entendia nada. Então, comecei a ler alguns livros. Li um
grande volume de um importante historiador alemão, que é um especialista do século XVI, que foi o
século de ouro da Espanha, em que ela conseguiu o apogeu de seu esplendor.
Nesse livro, ele dizia que, na sua opinião, os elementos que contribuíram para esse esplendor
da Espanha foram: a riqueza material (naquele momento, a Espanha era um grande império), um
monarca, ou seja um rei forte, inteligente, uma explosão de artistas, escritores e, não por último,
também os grandes místicos. Naquele século, viveram Teresa d’Ávila, São João da Cruz. E
154
justamente aquele período foi considerado o século de ouro. Teresa abriu um novo caminho de
conhecimento e união com Deus, que era a contemplação, a oração. Esse historiador dizia que,
naquela época, esses caminhos de acesso, união com Deus por meio da oração, da contemplação, não
ocorriam apenas nos conventos que Teresa tinha fundado, mas também na sociedade. Milhares e
milhares de pessoas viviam essa experiência, pessoas normais, como: donas de casa, comerciantes,
cavaleiros, damas da alta sociedade. Ele dizia: “Esse é um dos elementos que tornou grande a
Espanha daquele século”.
Eu gosto de pensar que Jesus em meio, que essa realidade que brilha no mundo inteiro e que
milhares e milhares de pessoas vivem nos vários ambientes, não só na Espanha, uma nação, mas no
mundo inteiro, não é apenas uma experiência religiosa, mística, mas é uma experiência social, uma
experiência humana que transforma a sociedade, que a leva para frente, que a faz crescer. Este é o
Deus de hoje, o Deus da humanidade atual, que nós tivemos o privilégio e a responsabilidade de
receber de Chiara, de Deus por meio de Chiara, como um dom de Deus para a humanidade de hoje.
E aqui se poderia fazer um elenco imenso de experiências, de fatos pequenos e grandes, mas todos
autênticos, em que se pode verificar a força de mudança da, sociedade através da presença de Jesus
entre nós.
Portanto, estamos agora na época.... Eu acredito que, à medida que conseguirmos a realizar
essa experiência entre nós, em nível pessoal, relacional, nós estaremos em condições de inserir essa
experiência como força não apenas de transformação pessoal, como está ocorrendo em nossa vida,
mas também na vida social, na vida cultural. Porque Jesus transforma também nossas mentes, não
apenas o nosso coração, os nossos comportamentos... Ele transforma o nosso modo de conhecer, o
nosso modo de abordar a realidade, de posicionar-nos diante da realidade, de toda realidade. É um
conhecimento novo, um conhecimento que vem de Deus que utiliza a nossa humanidade para chegar
até nós.
Eu concluo aqui esta pequena reflexão, convidando a todos a serem os apóstolos, os
portadores, e não apenas anunciadores, mas portadores dessa realidade que depois se explica. Pode-
se explicar, mas que as pessoas com as quais nos relacionamos, possam ver, ver, e, quando digo ver,
digo ver não apenas fisicamente, mas ver significa perceber e descobrir que existe um futuro para a
humanidade. Obrigada!

Maria Ghislandi: Vera, você colocou dentro de nós muita paixão por Deus e pelo homem e,
ainda, testemunhar para que o mundo veja esta realidade. Foi muito especial! Podemos dizer que
existe esta realidade entre nós, não é verdade? Então, se ainda tivesse tempo para perguntas. Cinco
minutos. É, sobretudo, para os tradutores, pois sabemos esta manhã foi muito intensa.

Vera: Posso dizer uma outra coisa? Gostaria de concluir com uma outra experiência. Não me
lembro bem, faz oito anos. Deus me deu um presente: mandou-me para os Estados Unidos. Nunca
tinha estado lá, mesmo tendo viajado pelo mundo afora, mas nunca tinha ido aos Estados Unidos. Foi
um verdadeiro presente, pois aquilo que tinha vivido na fé, experimentei, toquei com as mãos:
conhecer muitas pessoas ali e poder ter Jesus no meio com tantos, o que já havia feito com algumas
pessoas, mas ali, com o povo americano, foi muito forte, um verdadeiro presente e agradeço muito a
eles.

“Ciao Vera, me chamo Gardênia. Agradeço pela sua paixão, mas, sobretudo, pela unidade.
Queria perguntar isto: queria saber se você recorda se na sua vida de focolare você teve dificuldades
grandes para ter Jesus no meio com..., mesmo grandes dificuldades. Como você... O que lhe sugeriu
a fantasia do amor para superar essas dificuldades?”

155
Vera: A fantasia do amor passa por meio da dor. A dor não é algo, assim... é uma realidade
substancial, ela existe, faz parte da nossa existência e Jesus sabe disso, Deus sabe - e o sabe muito
bem - por isso é um tempero para que o prato fique saboroso. E, por isso, fazer unidade sem passar
pela superação da dor, da dificuldade, não é possível. Todos sabemos o que significa a dor para nós:
é tudo aquilo que Jesus já assumiu e n´Ele existe a resposta para tudo, isto é, tudo está ligado. A
dificuldade é dor, a dor é Jesus no Seu grito de abandono. Então, eu O amo e, se O amo, Ele me
sugere mil modos para enfrentar as dificuldades. E, nesse caso, a fantasia surge para nos ajudar a
superar essa dificuldade que temos, e que é normal ter, afinal de contas somos todos diferentes.
Conto a vocês uma pequena experiência. Estava no focolare na Espanha. Assim, refiro-me a
uma outra nação. No focolare, estávamos eu, uma brasileira, uma francesa e duas focolarinas
espanholas de regiões bem diferentes (uma catalã e uma castelhana). Eu, brasileira, e uma francesa...
Preparar o almoço era uma dificuldade, porque cada uma comia coisas diferentes da outra. O horário:
uma outra dificuldade! Os franceses almoçam mais cedo, e os catalães às 15 horas. Tudo era uma
dificuldade, cada pequena coisa, sem contar outras ainda maiores, devido ao modo de cada uma ver
as coisas.
A um certo ponto, disse: “Aqui penso que seja preciso fazer alguma coisa, é necessário que
todas sejamos capazes de superar essas dificuldades”. Eram situações concretas, reais, não é que se
podia dizer: “Então não façamos mais almoço, se uma quer às 12 horas, outra às 15 horas, não
vamos mais almoçar”. Mas, não! Era preciso almoçar. Era preciso encontrar um modo, você pode
enfrentar e dizer “ok”, ou você pode buscar contornar, mas não para colocar “panos quentes”, mas
para colocar as coisas no devido lugar. A um certo momento, um dia, disse: “Vamos sair, ir ao
Santuário de Nossa Senhora de Montserrat”, que é um lugar belíssimo, na montanha. Juntas
preparamos o lanche: piquenique! Era um domingo. E ali disse: “Agora, vamos... vamos dizer tudo,
todas as nossas dificuldades.” Todas nós queríamos ter Jesus no meio, queríamos viver com Jesus
no meio, queríamos amar umas as outras.
Nós dissemos tudo. Veja que maravilha, com aquela natureza maravilhosa. Quando dissemos
tudo: “Agora resolvemos todas as questões”. E tudo se resolveu: era melhor almoçar às 13:30, bem
no meio do caminho, entre 12:00 e 15:00 h, e tudo foi se ajustando. Às vezes, nós...
A verdade é que os problemas existem, e às vezes nós os tornamos maiores do que são, ao
invés de diminuí-los. Muitas vezes, basta uma chamada, basta uma palavra certa na hora certa, basta
um ato de amor, um sorriso. Ao contrário, nós acreditamos que, quando o problema é grande, é
necessário enfrentá-lo de forma mais dura. E não é bem assim. Isso não quer dizer que às vezes não
existam grandes problemas, porém, nessas situações, é necessária uma dose maior de amor
substancial, o que significa estar realmente pronto a dar a vida, porque vez ou outra nós tornamos os
problemas maiores do que são. Se fizermos um bom exame de consciência, verificamos que é isso
que devemos fazer, pois as coisas são muitas mais simples do que pensamos. Certo?

“Sou Beppe Porqueddu, da região de Roma. Gostaria de saber em que momento, você,
pessoalmente, na sua vida interior, intuiu pela primeira vez que o Ideal da unidade poderia ter algo
a ver com a Sociologia?”
Vera: Foi um momento muito preciso. A Sociologia é uma disciplina que nasce em contraste
com a Teologia, com a metafísica. É laica no sentido anticlerical mesmo, uma visão em que o
transcendente não pode entrar, por isso, se estuda a realidade humana tal como é, uma ciência humana
e basta sem... . Nisso ela se circunscreve.
Então, eu pensava: “Ok, é difícil entrar nesta disciplina com a sua metodologia, com as suas
teorias, tendo o Ideal. Mesmo porque Deus não é objeto da Sociologia. O objeto da Sociologia é o
homem.”

156
Um dia, na escola Abba, lemos e, depois, Chiara falou sobre Maria. Estávamos na Suíça, uma
das vezes em que fizemos a escola Abba na Suíça, e Chiara falou de Maria. Para mim, foi um
momento fulminante. Maria é criatura, não é Deus. Ela é criatura, totalmente criatura. E ali intuí que
existia a chave: Maria como pessoa coletiva, Maria como esplendor da criação, realidade humana na
sua perfeição... Existiam todos os elementos, mas era um ser humano completo e total, do qual a
Sociologia podia se ocupar. E aquilo me abriu toda uma outra visão sobre as coisas, que seria muito
longo explicar.
Um obrigada infinito! Bom prosseguimento.

157
CONGRESSO DAS VOLUNTARIAS
Frascati, 1 de fevereiro de 2008

DIALOGO SOBRE A ÉTICA


Gianni Caso
“Numa das conversações, você disse que todo agir ético deveria ser iluminado por uma frase
de Chiara: "O pecado é servir-se do irmão, e não servir ao irmão”. Você poderia nos explicar,
dando também exemplos concretos no campo da ética?”.
Antes de mais nada, como é evidente, é preciso entender quem é o nosso próximo, aquele com
quem vivemos na família, na escola, no trabalho, em cada atividade. O “irmão”, às vezes, pode ser
usado. Isso se pode dizer de qualquer pessoa que instrumentaliza para fins egoístas, para fins pessoais,
ou por meio de ações que trazem o mal, como por exemplo: roubar, cometer violência, dar falso
testemunho, etc....
Podemos nos servir dos irmãos de muitas maneiras; por exemplo, nas atividades econômicas,
quando se cometem falcatruas ou trapaças, fraudes em prejuízos ao consumidor. Podemos usufruir
também do “irmão” nas diversas atividades profissionais, quando um profissional, com o único
objetivo de ganhar, não faz um bom trabalho. Quando vamos ao médico, advogado e estes, ao invés
de fazer um trabalho profissional, necessário para o bem do cliente ou paciente, fazem um serviço de
qualquer jeito, somente para ganhar mais. Também isso é roubar o “irmão”, é “servir-se do irmão”.
O irmão deve ser entendido num sentido mais amplo. Por exemplo, todos aqueles que compõem
comigo a comunidade são meus irmãos. Nós vivemos numa cidade, portanto todos os habitantes da
cidade são nossos irmãos. Podemos também “servir-nos deles”, quando, por exemplo, quem tem a
responsabilidade da administração pública se apropria de bens que pertencem à comunidade, ou seja,
a todos os irmãos da cidade Ou, ainda, quem tem a responsabilidade de dirigir certas instituições pode
usá-las em benefício próprio, ou de amigos, ou de grupos particulares. Portanto, podemos usar o
irmão não só como pessoa, mas podemos usá-lo nas instituições que foram construídas para o bem
comum (de todos).Dessa forma, faz-se mal a todos os cidadãos, a todos os membros da comunidade,
porque eles serão privados de alguma coisa que é destinada ao bem deles. Esse modo de comportar-
se tem um nome na vida pública, chama-se corrupção.
Durante esses anos, tanto a ONU quanto a Igreja estudaram a fundo o fenômeno da corrupção
e emitiram dois documentos muito importantes, e seria bom conhecê-los. Eu fiz um pequeno resumo
desses dois documentos.
No documento da Igreja, entre outras coisas, diz-se que a corrupção distorce a função (vocação)
das instituições políticas, conduzindo escolhas que favorecem os interesses daqueles que podem
influenciar essas instituições, prejudicando o bem comum. Portanto, ‘pecado’ é também “servir-se
das instituições” para fins pessoais; isso vai contra o bem da comunidade. Ao invés, é preciso que
todos os que têm uma responsabilidade pública exerçam esse poder a favor do bem comum.
Ora, com o termo “irmão”, podemos entender, compreender que tudo aquilo é um “outro” que
não sou eu. O outro são as pessoas, as coisas, também a natureza, o ambiente. A natureza sobre a qual
vivemos é um nosso próximo, é nosso irmão ou irmã (vocês se lembram de são Francisco?). Desfrutar,
poluir a natureza para objetivos egoístas, para aumentar o lucro e diminuir os custos, é desfrutar do
próximo, que, nesse caso, é a natureza, é “servir-se da natureza”. Portanto, vejam que o pecado, como
definiu Chiara, significa “servir-se do irmão”, no seu sentido mais amplo, para fins egoístas.
Ao invés, devemos “servir o irmão”, que é a atitude ideal, positiva e corresponde ao grande
mandamento do amor ao próximo. Doar o nosso amor ao próximo, isto é, responder às suas
necessidades, tanto materiais como espirituais, com os nossos talentos, as nossas capacidades e

158
possibilidades. Mas dom chama dom, como diz Chiara, e, então, o amor se torna recíproco, e é o
mandamento novo.
A outra pergunta diz: “O nosso Regulamento, no aspecto do amarelo, diz que o nosso agir
contracorrente deveria melhorar as estruturas. O que você pode nos dizer a respeito disso?”.
A pergunta é clara: O agir contracorrente melhora as estruturas ? Antes de mais nada, temos
que nos perguntar quais são essas estruturas, o que são essas estruturas. Vou simplificar rapidamente.
As estruturas, no campo público, são, por exemplo, todos os escritórios públicos: desde a prefeitura
até as casas, os ambulatórios, as escolas, os hospitais, os tribunais..... Tudo isso são as estruturas
públicas. No campo privado, as estruturas são, por exemplo, as empresas, os bancos, a empresa onde
trabalhamos, um negócio, etc....Essas são as estruturas.
O que quer dizer agir contracorrente? Agir contracorrente, nas estruturas públicas e privadas,
em que, por motivo de trabalho, nós também estamos inseridos, quer dizer ter amor pelo próprio
trabalho. Ter amor pelo trabalho é já um agir contracorrente, porque geralmente as pessoas procuram
se esquivar do trabalho, procuram trabalhar menos e mal....ou pior, aproveitam-se do trabalho para
tirar vantagens pessoais. Ter amor pelo trabalho significa fazer bem o próprio trabalho, isto é,
desenvolver-se com a devida preparação técnica e profissional, fazendo com competência, sendo
pontual, estando sempre atualizados. Esse é um modo de agir contracorrente, porque a corrente
negativa nos leva a passar por cima do trabalho, a fazer por fazer, a não manter-se atualizado, a não
ser pontuais e nem diligentes.
Agir contracorrente quer dizer, também, estabelecer, no ambiente de trabalho, relacionamentos
verdadeiros, leais, de colaboração, de altruísmo, sem procurar somente a própria vantagem em
detrimento dos outros.
Porém, para nós, do Movimento, o agir contracorrente traz em si algo a mais, que é saber
iluminar e renovar com amor a atividade que desenvolvemos e também o ambiente onde trabalhamos.
Por exemplo, o juiz desenvolve o seu trabalho com amor, isto é, para o bem das pessoas, daqueles a
quem deve chegar a justiça, para o bem da coletividade. Os médicos e os enfermeiros agem com amor
quando desenvolvem o próprio trabalho para o bem das pessoas que são o objeto do próprio trabalho.
Vocês compreendem, portanto, que esse modo de exercer o trabalho, esse modo de comportar-
se no trabalho, em relação aos outros e para com o ambiente onde trabalhamos, torna as estruturas
mais operantes, mais funcionais, mais responsáveis para a finalidade do serviço público. Podemos
dar um outro exemplo: a escola..., em uma escola, há os professores, os auxiliares, os diretores,
etc...Se cada um desenvolve bem a sua função, ou seja, para o bem dos alunos que lhe foram
confiados, então toda a escola é realmente um serviço para a sociedade.
Portanto, o agir contracorrente tende a melhorar as estruturas.

A terceira pergunta è: “Qual é o relacionamento entre legalidade e justiça?”.


O que é a legalidade? Podemos simplesmente dizer que é a observação das leis. Mas por que
existem as leis? Existem, antes de tudo, para proteger as pessoas que vivem na sociedade e, depois,
para tutelar o bem da sociedade, o bem comum. Cada lei tem uma função específica, por isso são
muitas. As leis que defendem a vida, os bens, a liberdade, a dignidade das pessoas são as leis penais.
São aquelas que dizem: “Não matar, não roubar, etc....”. Elas devem ser respeitadas imediatamente
porque são as que protegem as pessoas e a sociedade diretamente.
Falamos antes sobre a corrupção. A corrupção traz um grande dano á comunidade, e quem faz
corrupção viola as leis. Portanto, se vivermos as leis, não cometeremos a corrupção.
Existem muitas outras leis para fins específicos, sempre para o bem do homem e da
comunidade. Por exemplo, as leis sanitárias, que protegem e cuidam da saúde pública, as leis sobre a
circulação das estradas, as leis que protegem o ambiente e o território, as leis que regulam a

159
urbanização....Todas essas leis foram feitas justamente para cuidar da vida em sociedade (fala-se de
“qualidade de vida”), e, de forma indireta, protegem as pessoas singularmente e a coletividade.
A legalidade é o respeito para com as leis, e, respeitando as leis, respeitam-se os bens que as
próprias leis tutelam.
A legitimidade, particularmente, é o respeito às instituições e ao seu funcionamento, para que
as instituições políticas e públicas possam alcançar o bem comum. Por exemplo, o munícipio e as
suas secretarias (prefeito, assessores, etc...) devem usar do poder que têm para administrar bem as
“coisas públicas”. Existem leis que dizem como deve ser feita uma boa administração pública. A
corrupção ao invés, é a perseguição, a violação dessas leis. O documento da Igreja sobre a corrupção
diz que “a corrupção priva o povo de um fundamental bem que é a legitimidade, legalidade”.
A legitimidade, portanto, é comportar-se segundo as leis, mas com um objetivo preciso que é
aquele de cuidar os bens que as leis protegem.
A justiça. O que é a justiça? Para explicar a diferença entre justiça e legalidade, existe uma
esplêndida definição de santo Agostinho sobre a justiça: “A justiça é a disposição de alma de
qualquer que seja a pessoa, homem ou mulher, que, enquanto cuida do bem comum, harmoniza esse
bem comum com a dignidade lhe é própria”. Isto é, a justiça consiste no comportamento que cada
um de nós deve ter, comportamento esse que, enquanto protege o bem da comunidade (bem comum),
respeita a dignidade de cada pessoa.
Justiça é também dar a cada um o que lhe é devido, reconhecer os seus direitos.
Existe também a administração da justiça (que é aquela dos tribunais, dos juízes, da policia),
que tem o objetivo de fazer observar as leis. A administração da justiça deve defender a legalidade,
deve combater a criminalidade e a violência.
Esses são os conceitos da legalidade e da justiça.
Uma outra pergunta diz: “A ética é a base de todos os aspectos. Pode nos dizer alguma coisa
a respeito?”
Nós conhecemos quais são os aspectos: o vermelho, o alaranjado, o amarelo, o verde, etc.; a
cada aspecto corresponde um campo da atividade humana. Por exemplo, ao vermelho corresponde
toda a atividade econômica; ao alaranjado corresponde todos os relacionamentos entre os povos, as
etnias, as culturas; ao amarelo corresponde a administração da justiça; ao verde tudo o que tem a ver
com a saúde, o cuidado com o aspecto físico da pessoa; ao azul corresponde ao cuidado com o
ambiente; ao anil corresponde a escola; e ao violeta correspondem os meios de comunicação social.
Todas essas atividades humanas devem ser desenvolvidas em função do bem do homem e da
sociedade – já vimos isso antes. Portanto, existe um ética da economia, uma ética da educação, uma
ética da comunicação social. Nesse sentido, a ética está por trás de cada atividade humana e tem o
objetivo de fazer com que essas atividades sejam desenvolvidas para o bem do homem e da sociedade.

A última pergunta é essa: “A ética se faz necessária em todos os campos: pessoal, familiar,
profissional,, social, etc. Hoje, na Obra, como estamos quanto a esses aspectos ?”.
Como eu disse antes, nós, do Movimento, temos uma ética positiva, que é a ética do amor,
porque, como sabemos do Evangelho e de São Paulo, “o pleno cumprimento da lei é o amor” (isto
é, quem ama não faz mal a ninguém e observa plenamente as leis do Estado, que existem para proteger
a pessoa e a comunidade). Ou melhor, quem ama faz mais: desenvolve a própria vida, aplica os
próprios talentos e as próprias capacidades para o bem dos outros e da sociedade. Esse é o ideal.
Eu li, nos Estatutos Gerais da Obra de Maria no art. 47, algo maravilhoso porque Chiara fala da
união com Deus. Parece que se refere a algo muito espiritual, e é também; porém Chiara, no art. 47
(digo Chiara porque quem fez os Estatutos foi ela), diz: “O típico caminho para as pessoas do
Movimento, que querem chegar a união com Deus ou incrementá-la, é o amor ao próximo”. Portanto,
160
o caminho típico para a união com Deus é o amor ao próximo. Com o amor ao próximo, nós não
vivemos somente todas as leis, ou as observamos, observamos a sua legalidade, observamos a justiça
e, consequentemente, encontramos também a união com Deus. Essa é a visão da ética ideal, positiva,
da ética da moral. A moral não é a observação formal das regras. Estas existem, mas para nos indicar
a direção da nossa caminhada, os bens das pessoas e da comunidade que devemos defender e respeitar.
A Obra nos ensina, nos ajuda, nos leva a amar o próximo em todos os tipos de relacionamerntos:
na família, na profissão, na sociedade, na política, na economia, nos ajuda muito a realizar a ética em
todos os campos da vida social.
Nós temos, por exemplo, na Obra, o Movimento Famílias Novas, o Movimento Humanidade
Nova, temos as Inundações. Esses são instrumentos potentes para levar o amor às realidades humanas
e, consequentemente, tornar mais justa e sã toda a vida social. Esse é o objetivo da ética, mas
conseguimos isso por meio dos Movimentos: Famílias Novas, Humanidade Nova, Inundações que
nos fazem levar uma onda de amor aos relacionamentos com as pessoas, às instituições, à vida
política, à vida econômica, à escola, aos hospitais, aos tribunais. E essa onda de amor faz com que se
concretize a ética no seu ponto alto, moraliza ao máximo a vida social, faz com que possamos atingir
aquele bem que pertence a todos, que é o bem comum, mas que, ao mesmo tempo, produz o bem de
cada um enquanto vive numa sociedade melhor, sã, possível de ser vivida. Vocês veem quantos frutos
o Ideal produz? Produz a sociedade nova, a humanidade nova, o Reino de Deus em meio aos homens,
realizado em todos os campos da vida social.

“Pode-nos dizer alguma coisa a mais sobre o “mundo” da ética no Movimento Humanidade
Nova, já que esses são os nossos instrumentos? Você nos falou de Famílias Novas, Humanidade
Nova, das Inundações; porém, pode-nos dizer alguma coisa a mais sobre o “mundo” da ética,
porque é o mundo no qual podemos nos inserir logo, já que muitas de nós estamos empenhadas
nisso”.
Em Humanidade Nova, cada um dos “mundos” corresponde a um determinado campo da
atividade humana, a um determinado âmbito da sociedade civil, e são os âmbitos de que eu falei antes.
Há o âmbito da economia, que é o mundo do vermelho de Humanidade Nova, o âmbito da justiça,
que é o o mundo do “amarelo”, assim como o âmbito da saúde, da medicina, que é o mundo do
“verde”etc.
Os “mundos” de Humanidade Nova são as estruturas do Movimento Humanidade Nova. Essas
estruturas são feitas por todas as pessoas que trabalham num determinado ambiente. Essas pessoas
levam àquele campo da sociedade civil uma onda de amor, que é o Ideal, para renovar e transformar
as estruturas e todos os ambientes da sociedade. Nesse sentido, Humanidade Nova é o instrumento
da Obra para entrar em todos os campos da sociedade e renová-los. Por isso, eu disse que a Obra por
meio de Humanidade Nova faz essa ação de renovação da sociedade. Todas as pessoas do Movimento
que trabalham nos diferentes campos do “mundo” do amarelo (magistratura, policia, professores,
juristas, etc...) devem realizar o próprio trabalho para fazer essa renovação. Essas pessoas estão
inseridas nos grupos, nas células de ambiente, para se ajudar a viver e levar para frente as ações de
renovação..
Queríamos lhe fazer um outra pergunta: “Você acabou de voltar do Brasil. O que aconteceu
no Brasil, na Mariapolis Ginetta? Sabemos que você foi para a inundação do Direito. Acho que
isso pode interessar a todos nós”.
Foi um Congresso promovido pela inundação do Direito. Para dizer duas palavras, a inundação
é a última realidade que nasceu na Obra de Maria, poucos anos atrás, porque Chiara quis.
Chiara tomou a palavra “inundação” – como vocês sabem – de uma expressão de São João
Crisóstomo, que fala das inundações do Espírito Santo. Espírito Santo que entra nas realidades do

161
homem, as envolve e as inunda. Portanto, as inundações, na Obra de Maria, significam isto: o carisma,
que é o Espírito Santo atuado, que penetra em todas as realidades humanas, inunda, ilumina e vivifica.
Esse Congresso que fizemos no Brasil foi promovido pelas inundações, porém foi sustentado
por Humanidade Nova. Foi um Congresso do Direito, portanto participaram pessoas do Movimento
que fazem parte do mundo do direito e da justiça, isto é, todos aqueles que trabalham na magistratura,
na polícia, que ensinam na faculdade de Direito, os alunos, advogados, etc...
Duzentos e quarenta pessoas estavam presentes nesse Congresso, vindas de todo o Brasil (eram
pessoas qualificadas, profissionais, magistrados, professores...). Muitas dessas pessoas já fazem parte
de Humanidade Nova; enquanto vivem no próprio ambiente o Ideal, fazem uma justiça nova e um
direito novo. Porém, a inundação se caracteriza pelo fato de que, por meio dessa vida, as pessoas
compreendem e atuam um modo novo de fazer uma determinada atividade ou função profissional.
Portanto,um modo novo de administrar a justiça e uma ideia nova do direito, da justiça.
As inundações têm o objetivo de apresentar aos outros, que não são do Movimento, essas novas
ideias, que nós as compreendemos vivendo o Ideal no nosso “mundo” específico. Portanto, não se
trata somente de renovar aquela determinada atividade humana, como pode ser a atividade de um
advogado, de um juiz (isso é Humanidade Nova), mas se trata de propor àqueles que não são do
Movimento um modo novo de fazer justiça, como um modo novo de fazer pedagogia, de fazer
política, etc.
As inundações têm o objetivo de apresentar, no plano cultural, científico, doutrinal, uma nova
visão de uma determinada realidade humana. Uma nova cultura.
Portanto, as inundações se caracterizam pelo diálogo com pessoas que não são do movimento,
sobre a nova visão da realidade humana.
É típico das inundações apresentar uma nova visão das realidades humanas, enquanto que é
típico de Humanidade Nova viver e transformar com o Ideal essas realidades.
No Brasil a proposta foi viver a fraternidade no Direito, na Justiça. A fraternidade pode estar
presente hoje nas leis? A fraternidade pode ser vivida por quem trabalha na justiça, portanto nos
tribunais?
As pessoas que vieram ao congresso não vieram a um encontro do Movimento dos Focolares,
ou para conhecer a espiritualidade, nem nós apresentamos no congresso a espiritualidade do
Movimento dos Focolares. Apresentamos a ideia da fraternidade na justiça, no direito, dizendo: ”As
leis poderiam ser feitas assim. A justiça poderia ser administrada dessa forma”. Dessa forma,
pudemos estabelecer um diálogo com eles. Na conclusão desse congresso, todos, também aqueles
que não pertencem ao Movimento, diziam: “Essa é uma ideia boa, justa! O direito deveria ser
assim...”, E alguns deles, nas impressões, afirmaram: “De agora em diante, eu não posso mais
continuar na minha atividade de juiz, de policial, etc....sem a ideia de viver a fraternidade”.
Vocês entendem por que eu disse que as Inundações são a última expressão da Obra? Porque é
aquela que traz o Ideal, não sob forma de espiritualidade, mas o Ideal já encarnado em todas as
atividades humanas e em forma de proposta doutrinal e cultural. Chiara dizia ultimamente que aos
homens de hoje não interessa tanto as ideias espirituais. Eles querem ver uma justiça nova, uma
medicina nova, uma arte nova, uma política nova, etc....Todos procuram o bem do homem e o bem
do homem é universal. Sobre essa base é possível construir a unidade entre todos.
Trata-se, portanto, de levar o Carisma não somente a toda a humanidade, mas a todas as
realidades humanas. Por das inundações, como diz Chiara, o Carisma se faz cultura, por meio das
realidades humanas específicas (pedagogia, economia, etc.). Porém, as inundações precisam da vida,
que é Humanidade Nova. Precisam da formação e demonstrar, por meio da vida, que aquela atividade
humana se ronova, pois as inundações apresentam a nova visão.

162
Mensagem de Chiara Lubich à Jornada do Movimento Humanidade Nova
Roma, 20 de março de 1983
(RESUMO)
O nosso Movimento - como sabemos - surgiu, porque um pequeno número de pessoas, uma
célula da humanidade se deparou com uma nascente, deixou-se banhar por um manancial de água
viva: uma nova e mais profunda compreensão da Boa Nova: Deus é Amor! (aplausos) Deus nos ama!
Deus ama todos os homens.
Na nossa vida, mesmo na rotina do dia a dia, com os seus problemas e projetos, com as suas
dores e as suas alegrias, não estamos sós. Se a quisermos, se a acolhermos, pode entrar em jogo esta
Presença superior e extraordinária, capaz de ajudar de uma maneira imprevisível, de enriquecer e
sublimar o nosso viver quotidiano em todas as suas manifestações.
Um Pai, uma Providência divina está acima de nós e nos segue.
Com certeza, esta fé no amor de Deus não está ausente nem mesmo hoje do coração de muitos.
Todavia, nem sempre se tiram disso todas as conseqüências, e se conduz a própria vida,
se constrói a cidade terrena, se pretende renovar o mundo como se tivéssemos que fazer tudo sozinhos.
(…) Uma das maiores convicções que o nosso Movimento adquiriu ao longo desses quarenta
anos de vida, convicção confirmada pela experiência quotidiana é esta: viver segundo a Boa Nova,
desencadear no mundo a revolução evangélica é sinônimo de desencadear também a mais potente
revolução social.
Hoje no mundo existem desníveis sociais? Vivem ainda em margens opostas os ricos e os
pobres?
Nós acreditamos, como Maria - e graças a Deus o vimos atuar-se em vários pontos do nosso
planeta - que a lei do Evangelho, colocada em prática, sabe efetivamente cobrir de bens quantos têm
fome e “despedir os ricos de mãos vazias”. (Lc 1,53).
Nós testemunhamos que a bem-aventurança da pobreza (Lc 6,20) e a advertência de Jesus “ai
de vós, ricos” (Lc 6,24), levadas a sério, podem dar um notável impulso ao restabelecimento do
equilíbrio social.
Existe hoje o problema do desemprego, dos idosos, dos marginalizados, dos diversamente
hábeis, da fome, os múltiplos problemas do Terceiro Mundo?
Não nos ensina toda a história cristã que a página do Evangelho, relativa ao exame final de cada
cristão - “tive fome e me deste de comer...” - (Mt 25,35 ss), ofereceu extraordinárias soluções?
E não experimentamos também nós que, colocadas em prática com empenho quotidiano,
segundo as exigências atuais e com métodos adequados ao nosso tempo, podem resolver muitos
destes problemas?
E o “dar” que o Evangelho requer (‘Dai e vos será dado’), que garante a promessa de “uma boa
medida cheia, calcada e trasbordante” (Lc 6,38), que o nosso Movimento muitas vezes constatou, não
será também uma atitude concreta que pode aliviar quem está na miséria, na fome, na solidão, carente
de tudo?
É também uma experiência quotidiana que, “pedindo” como o Evangelho nos ensina, se obtém
(Lc 11, 10); que ‘o resto,’ (‘o resto’ que pode ser para uns a saúde, para outros o emprego, para outros
ainda a casa ou um filho ou quanto necessita) o resto vem por acréscimo (Mt 6, 33).
Constatamo-lo, muitas vezes, com os nossos próprios olhos, para a glória de Deus, o ‘cêntuplo’
que Cristo prometeu a quantos se desapegam de tudo por Ele. (Mt 19, 23). (…) E se a providência
chega aqui, pelo pouco que, com a graça de Deus, se faz e pelo pouco que se ama, porque não poderá
chegar em toda a parte?

163
Mensagem de Chiara Lubich à Jornada do Movimento Humanidade Nova
Roma - Palaeur, 20 de março de 1983

Prezados irmãos, irmãs, prezados amigos,


convergimos aqui, provenientes de todos os continentes, para fazer uma avaliação do nosso
“Movimento Humanidade Nova”, ramificação do Movimento dos Focolares e expressão do seu
aspecto mais humano e social.
Estamos aqui para avivar em nosso ânimo os ideais que lhe deram origem, para procurar
compreender juntos que caminhos percorrer e adquirir entusiasmo e coragem para os passos a dar.
“Rumo a uma nova humanidade” é o título do Congresso que hoje nos reúne. “Rumo a uma
nova humanidade”, na qual queremos acreditar e pela qual desejamos certamente empregar as nossas
melhores energias.
“Rumo a uma nova humanidade”.
“Nova humanidade”: humanidade renovada.
Hoje será possível falar de humanidade renovada ou até do seu início, no momento que
atravessamos, no mundo em que vivemos?
Haverá algo novo ao nosso redor que possa evocar o conceito de juventude, a irradiação da
beleza, a ponto de fazer florescer a esperança na vida?
Observando de relance a fisionomia da humanidade do nosso tempo, logo constatamos com
extrema amargura quanto ela é marcada por sombras de devassidão e rugas de desagregação.
Todos os dias os jornais, o rádio, a televisão fornecem elencos assustadores desses indícios.
Já o sabemos: domina no nosso planeta a divisão política, ideológica, militar e econômica.
Os direitos humanos são violados.
Difunde-se o materialismo de toda a espécie.
Povos inteiros são subjugados.
A miséria, a fome, o analfabetismo flagelam as nações pobres. O desemprego, a droga, a
violência, a pornografia flagelam também as ricas.
Generaliza-se a corrupção política.
Os valores morais perdem sua força.
Produzem-se armas cada vez mais assustadoras e continuam a explodir guerras! O terrorismo
mantém-se vivo. Cresce a criminalidade organizada.
A família sofreu duros golpes.
A mulher não é colocada sempre no seu lugar.
O desprezo pela natureza causa graves conseqüências.
O fenômeno da urbanização amontoa milhões de seres humanos em megalópoles desumanas.
Dominam as culturas materialísticas.
Difundem-se culturas permissivas...
Estes são alguns aspectos alarmantes da desagregação para onde a humanidade parece estar
encaminhada.
E são precisamente os que mais vêm em evidência.
No entanto, sabemos que nem tudo o que acontece no nosso mundo é negativo.
Homens, mulheres, jovens, sociedades, governos, a Igreja Católica e as outras Igrejas, fiéis de
outras religiões, pessoas cheias de boa vontade empregam suas próprias forças para reagir.
Há uma vasta mobilização a nível internacional em favor da paz.
Aumenta o empenho a fim de que sejam respeitados os direitos da pessoa humana e condena-
se a opressão de povos por outros povos.
Deseja-se combater a fome e se intervém em ajuda ao Terceiro Mundo, aos marginalizados,
aos anciãos e deficientes.
Há nos jovens uma busca de conteúdos espirituais e uma certa repulsa pelo consumismo.
Também os excessos do permissivismo geram formas de rejeição.
Surgem grupos para combater a droga e a criminalidade.
164
Alastra-se o movimento ecológico.
O grande desenvolvimento da ciência, da técnica e da mídia abre perspectivas, antes
inimagináveis, facilitando imediatos contatos entre os homens, o seu conhecimento recíproco em
nível planetário e a aprendizagem científica.
Existem, na verdade, inumeráveis esforços no mundo, em todos os campos e em todas as
direções, para remediar os males típicos da nossa sociedade, para renovar a sua imagem.
Toda iniciativa em favor do bem, venha de onde vier e seja qual for o legítimo fim a que se
destina; toda expressão de solidariedade e de fraternidade, mesmo simplesmente humanas, oferecem
um enorme e imprescindível contributo à causa.
São esforços louváveis, que o nosso Movimento deve encorajar, compartilhar e apoiar.
Sabemos, porém, que, embora se tente com toda a boa vontade melhorar a condição humana,
a ativar ao máximo a ajuda ao homem, nem sempre se consegue. O fato é que o homem, com todas
as boas intenções, não tarda a experimentar os próprios limites; é impelido freqüentemente por forças
internas e externas a ceder à indiferença, a deixar correr, a fechar-se e a pensar somente em si mesmo.
Por quê?
Porque acha muitas vezes que deve lutar sozinho e que pode contar unicamente com as suas
próprias forças.
Neste contexto emerge a contribuição específica que o nosso Movimento Humanidade Nova
pode oferecer, onde quer que viva, em qualquer nação onde atue: dizer, confirmando-o com a própria
experiência, que no esforço imane de renovar uma sociedade, restituir-lhe esperança e confiança,
oferecer-lhe valores válidos, oportunos e duradouros, não estamos sós.
O nosso Movimento - como sabemos - surgiu, porque um pequeno número de pessoas, uma
célula da humanidade se deparou com uma nascente, deixou-se banhar por um manancial de água
viva: uma nova e mais profunda compreensão da Boa Nova: Deus é Amor! (aplausos) Deus nos ama!
Deus ama todos os homens.
Na nossa vida, mesmo na rotina do dia a dia, com os seus problemas e projetos, com as suas
dores e as suas alegrias, não estamos sós. Se o quisermos, se a acolhermos, pode entrar em jogo esta
Presença superior e extraordinária, capaz de ajudar de uma maneira imprevisível, de enriquecer e
sublimar o nosso viver quotidiano em todas as suas manifestações.
Um Pai, uma Providência divina está acima de nós e nos segue.
Com certeza, esta fé no amor de Deus não está ausente nem mesmo hoje do coração de muitos.
Todavia, nem sempre se tiram disso todas as conseqüências, e se conduz a própria vida, se
constrói a cidade terrena, se pretende renovar o mundo como se tivéssemos que fazer tudo sozinhos.
O nosso “Movimento Humanidade Nova” deseja reavivar em si e no maior número possível
de pessoas, a verdade de que o Céu está conosco e que, se temos um Pai, Ele nos dará também - como
afirmava Igino Giordani - o pão e tudo de que necessitamos 58.
Uma das maiores convicções que o nosso Movimento adquiriu ao longo desses quarenta anos
de vida, convicção confirmada pela experiência quotidiana é esta: viver segundo a Boa Nova,
desencadear no mundo a revolução evangélica é sinônimo de desencadear também a mais potente
revolução social. (aplausos)
Hoje no mundo existem desníveis sociais? Vivem ainda em margens opostas os ricos e os
pobres?
Nós acreditamos, como Maria - e graças a Deus o vimos atuar-se em vários pontos do nosso
planeta - que a lei do Evangelho, colocada em prática, sabe efetivamente cobrir de bens quantos têm
fome e “despedir os ricos de mãos vazias”. (Lc. 1.53).

58 Cf. I. GIORDANI, Il messaggio sociale del cristianesimo (A mensagem social do cristianismo), Roma
1960, pág. 41; cf. Id., Il messaggio sociale di Gesù, (A mensagem social de Jesus) Roma 1951, pág. 109-
113.
165
Nós testemunhamos que a bem-aventurança da pobreza (Lc 6.20) e a advertência de Jesus “ai
de vós, ricos” (Lc 6, 24), levadas a sério, podem dar um notável impulso ao restabelecimento do
equilíbrio social.
Existe hoje o problema do desemprego, dos anciãos, dos marginalizados, dos deficientes, da
fome, os múltiplos problemas do Terceiro Mundo?
Não nos ensina toda a história cristã que a página do Evangelho, relativa ao exame final de
cada cristão - “tive fome e me deste de comer...” - (Mt. 25.35 ss), ofereceu extraordinárias soluções?
E não experimentamos também nós que, colocadas em prática com empenho quotidiano,
segundo as exigências atuais e com métodos adequados ao nosso tempo, podem resolver muitos
destes problemas?
E o “dar” que o Evangelho requer (‘Dai e vos será dado’), que garante a promessa de “uma
boa medida cheia, calcada e trasbordante” (Lc 6, 38), que o nosso Movimento muitas vezes constatou,
não será também uma atitude concreta que pode aliviar quem está na miséria, na fome, na solidão,
carente de tudo?
É também uma experiência quotidiana que, “pedindo” como o Evangelho nos ensina, se obtém
(Lc 11, 10); que ‘o resto,’ (‘o resto’ que pode ser para uns a saúde, para outros o emprego, para outros
ainda a casa ou um filho ou quanto necessita) o resto vem por acréscimo (Mt 6, 33).
Constatamo-lo, muitas vezes, com os nossos próprios olhos, para a glória de Deus, o
‘cêntuplo’ que Cristo prometeu a quantos se desapegam de tudo por Ele. (Mt 19, 23). Nós os
enumeramos – e vocês são uma prova - aqui na Terra, os ‘cem’ irmãos, irmãos sem fim, irmãos
autênticos, com os quais constituímos uma única família com todas as conseqüências espirituais e
materiais; as vimos nas várias partes do mundo onde está difundido o nosso Movimento, as “cem”
casas; temos diante dos olhos diariamente a providência de todo gênero que chega sempre pontual.
E se a providência chega aqui, pelo pouco que, com a graça de Deus, se faz e pelo pouco que
se ama, porque não poderá chegar em toda a parte? (aplausos)
Há divisão no mundo, corrida aos armamentos, guerras, terrorismo?
Quem pode negar que o amor evangélico para com cada próximo, vivido literalmente, ou seja,
o amar o irmão como a nós mesmos e o amor ao inimigo, típico do cristianismo, a pérola da Boa
Nova que é o Mandamento Novo, praticados em vasta escala entre os homens, seriam o melhor
antídoto a todos estes graves males, a estes terríveis perigos e constituiriam a melhor garantia para a
paz?
Existe droga, roubos, furtos? Existe a pornografia, a violência?
Mas por que o homem se rebaixa a este nível?
Porque deseja aproveitar a vida.
Nós, que tentamos viver um pouco o nosso cristianismo, sabemos por uma experiência de
longa data, quanto a aventura evangélica do amor, do dar a vida pelos outros, ou melhor, do ‘viver o
outro’, seja fonte de imensa, puríssima felicidade!
Ajudemos a quantos for possível, a saborear a plenitude da alegria, que Jesus prometeu e
muitos desses tristes fenômenos desaparecerão. (aplausos)
Essas palavras de Cristo, mais do que qualquer outra coisa, colocadas em prática: “...O homem
não separe o que Deus uniu” (Mt 19, 6), salvou e reconstruiu tantas famílias nossas.
A figura de Maria, que o Evangelho nos oferece, como a criatura mais sublime de toda a
criação, não foi sempre para nós a melhor apologia da mulher? Por que não há de ser também para
muitos outros?
Perde-se a consciência de pertença à mesma comunidade política, com os seus direitos e
deveres?
A nossa experiência é que na observância da palavra “dai a César o que é de César ...” (Mt
22, 21) podemos ter realmente a mais profunda garantia de que as leis do Estado (que não sejam
contrárias à Lei de Deus) sejam observadas.
Por tudo isso e muito mais ainda, nos é difícil não pensar que a nossa vida humana, por vezes
monótona e penosa, pode mudar de rumo, pode levantar vôo.
166
Não nos é impossível sonhar o que hoje poucos ousam admitir: que o mundo pode mudar, que
contra a evidente desagregação de muitas coisas, estamos nos encaminhando para uma era nova.
(aplausos)
Ao lado e em profunda união de intentos com quantos procuram hoje o bem da humanidade,
é o que pensamos e desejamos que seja a nossa típica contribuição ao mundo para a sua renovação:
oferecer uma experiência do Evangelho, com toda a sua repercussão no nosso viver humano, terreno,
social. Queremos oferecê-la em todas as nações onde estamos presentes: nas nossas casas, nos nossos
escritórios, nas escolas, nas fábricas, nos parlamentos... nas comunidades, nos congressos, nos
Centros, nas Mariápolis Permanentes.
Queremos oferecê-la inclusive todos juntos. Queremos dizer bem alto com o nosso próprio
ser que, se entre pessoas dos mais variados povos - como somos nós - de todas as raças, latitudes e
línguas é possível o amor, a harmonia, a paz, a felicidade; se a nós nada falta do necessário, por que
não pode ser assim para muitos e muitos?
Hoje, aqui se falará de ações concretas. Nós nos exprimiremos em termos de trabalho,
desemprego, voluntariado, propostas legislativas, direito internacional, etc.
O que queremos desde logo afirmar é que, se nessas pequenas ações ou nas não tão pequenas
experiências individuais ou coletivas, há os sinais, os sintomas de uma humanidade renovada, não
são apenas o resultado do nosso esforço nem sequer de algum possível talento: são fruto do desejo de
colocar em prática ali - no recanto da Terra, onde Deus nos colocou - o que nós compreendemos do
Evangelho. (aplausos)
Há ainda uma verdade, uma verdade do Evangelho para a qual o Espírito despertou, desde o
início do nosso Movimento, a nossa atenção especial e que somos chamados a atuar com o máximo
empenho.
É a verdade evangélica de que, onde estivermos unidos no nome de Cristo, Ele está presente
(Mt 18, 20). Portanto, não está presente só nos sacrários das nossas igrejas, nem somente nas pessoas
chamadas a espalhar a Sua mensagem ou a guiar a Sua Igreja. Não: também entre todos nós, também
em meio a nós, seu povo.
É a entusiasmante verdade que Ele é uma realidade, que não passou pelo mundo unicamente
há vinte séculos, por poucos anos, mas como Ressuscitado, torna-se presente entre nós cada vez que
nos amamos como Ele quer, compartilhando entre nós esperanças, aspirações, necessidades, penas,
lutas, conquistas, conforme a Sua surpreendente promessa: “Eis, que eu estou convosco todos os dias
até a consumação dos tempos” (Mt 28, 20).
Por que queremos evidenciar este aspecto do Evangelho?
É importante esta Sua presença?
É importantíssima, é imprescindível, de modo especial para nós que pertencemos ao
“Movimento Humanidade Nova”.
Nós, chamados a edificar a cidade terrena, devemos de certo modo continuar a obra do
Criador.
Ora, para quem olhou o Pai quando criou?
O Evangelho diz: “No princípio era o Verbo... Tudo foi feito por meio dele...” (Jo 1, 1-3).
Tudo começou a existir por meio d’Ele, do Verbo.
O Verbo teve, portanto, uma função na criação. N’Ele estava o projeto do homem e da criação.
N’Ele o Pai o admirou, quando criou 59
Nós que desejamos colaborar na renovação do mundo, para quem olharemos a fim de edificar
a cidade terrena em harmonia e como prosseguimento da criação?
Quem melhor nos poderá iluminar?
Olharemos para Jesus, o Verbo encarnado.
E isso será mais fácil, se Ele estiver presente entre nós.

59 Cf. Comentário a Jo. 1.3, nos I Vangeli, (Os Evangelhos), Assis, 1980, pág. 1350.
167
Ninguém melhor que Ele poderá nos sugerir o que devemos fazer; nos estimular no que já
iniciamos; nos corrigir ou encorajar para recomeçar do nada.
No entanto, a presença de Jesus em meio a nós é importante também por outro motivo.
Sabemos que o homem arrasta consigo, como uma ferida incurável, a saudade do sobrenatural;
o divino o atormenta, o infinito o persegue, o eterno o atrai.
Sabemos também que, mesmo conseguindo renovar a humanidade inteira e construir na
verdade um mundo novo, o seu coração não abrangeria ainda tudo o que deseja.
Por quê? Porque foi criado para uma vida que não morre.
Daí a necessidade de evidenciar também neste caso uma verdade: o homem, construindo a
cidade terrestre, pode desde já edificar algo que não passa, porque pode contribuir com a sua fadiga,
com o seu trabalho para os “Novos Céus” e a “nova Terra” (2 Pd 3,13) que o esperam.
Cristo redimiu com o cosmo também a atividade humana, ou melhor, redimiu também as obras
do homem.
O Universo não será anulado, mas transfigurado. Não haverá interrupção entre o aquém e o
além, mas continuidade.
Também os bons frutos da natureza e da nossa operosidade (ou seja, quanto construímos dia
após dia) não só não desaparecerão, mas os reencontraremos purificados, iluminados e transfigurados
(cf. GS 39)60.
É uma verdade exaltante; é uma visão consoladora e sublime da vocação do homem, chamado
a transformar a terra com o seu próprio trabalho.
Mas há uma condição para que tudo isto aconteça. As obras do homem permanecerão, se
tiverem sido edificadas no mundo, segundo o mandamento do amor (cf. GS 38)61. (aplausos)
Ora, quem nos garantirá que o nosso esforço é aplicado desta maneira? Quem nos dirá que
estamos realmente construindo sobre a rocha do amor, assegurando-nos assim que quanto fazemos
não morrerá?
Será Jesus em meio a nós. Jesus entre nós sublima a pequena e grande sociedade, a faz ser,
contemporaneamente, célula da cidade terrestre e célula da cidade celeste, será a nossa garantia.
Ele, na verdade, está plenamente presente ali onde o amor vive. Ele é dom de Deus e efeito,
ao mesmo tempo, da nossa caridade recíproca, que devemos estabelecer como base de toda a nossa
atividade.
Jesus entre nós! N’Ele o projeto de uma nova humanidade! N’Ele a garantia que o que fazemos
permanecerá. (aplausos)
Prezados irmãos, irmãs, amigos todos,
Como não considerar fascinante o caminho que empreendemos e o que nos está diante?
E como não pensar e sonhar com uma Nova Humanidade, quando está conosco Aquele cujo
Espírito pôde dizer: “Eis que Eu faço novas todas as coisas” (Ap 21,5)?
Que o dia de hoje assinale para todos, além de um ponto de chegada, também um ponto de
partida, graças à consciência fortalecida que Deus nos deu, através deste nosso Movimento, com o
espírito que o anima, um meio excelente para fazer a humanidade esperar numa saída rumo àquela
que será sem dúvida - se Deus o quiser e se nós o quisermos - a civilização do século XXI, ou seja,
“a civilização do amor” 62.
Discurso de Chiara durante a entrega do prêmio UNESCO de 1996
"Educação à Paz".

Paris, 17 de dezembro 1996

60 Cf. Gaudium et Spes 39.


61 Cf. Gaudium et Spes 38.
62 Expressão de Paulo VI, citada por João Paulo II. Discurso da audiência geral, Obs. Romano. de
16.06.1982, pág. 2.
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Senhora vice-diretora geral da UNESCO,
Senhor presidente do júri Internacional,
Excelências, Senhoras e Senhores,

em primeiro lugar uma respeitosa saudação e um caloroso agradecimento a todos aqueles que,
neste ano de 1996, pensaram em atribuir a mim o prestigioso prêmio UNESCO pela educação à paz.
Tomo a liberdade de oferecer, em forma de agradecimento, a esta nobre assembléia algumas
idéias.
Não contarei a história do Movimento dos Focolares nem falarei da sua estrutura. O Movimento
é um instrumento para fomentar nesta nossa época - ao lado de muitas outras beneméritas e preciosas
organizações, iniciativas, obras - a unidade e a paz no nosso planeta. Sobre isso já se deteve a atenção
de todos, ao ouvirem as motivações que favoreceram a designação do prêmio.
Quero falar sobretudo do segredo do seu sucesso.
Ele consiste numa nova linha de vida, num novo estilo adotado por milhões de pessoas que,
inspirando-se fundamentalmente em princípios cristãos - sem abandonar, aliás, evidenciando valores
paralelos presentes em crenças e culturas diferentes -, deu a este mundo, ansioso por reencontrar ou
consolidar a paz, justamente a paz e a unidade.
Trata-se de uma nova espiritualidade, atual e moderna: a espiritualidade da unidade.
Mas a unidade e a paz, que é uma sua conseqüência, são assuntos atuais?
Como todos sabemos e podemos constatar, o mundo hoje é marcado por tensões: entre Norte e
Sul, no Oriente Médio, na África; por guerras, ameaças de novos conflitos e por outros males típicos
da nossa época. É assim. Mas apesar disso e de tudo, hoje, paradoxalmente, parece que o mundo se
encaminha para a unidade e, portanto, para a paz: é um sinal dos tempos.
É o que dizem, por exemplo, as numerosas entidades e organizações internacionais.
No mundo político, como na Europa, é o que afirmam os Estados que tendem a unir-se.
É o que diz, no mundo religioso, a "Conferência Mundial das Religiões pela Paz" e sobretudo,
no mundo cristão, é o que diz o Espírito Santo, que impele as várias Igrejas e comunidades eclesiais
à unificação, após séculos de indiferença e de luta.
Isso é enfatizado pelo Conselho Ecumênico das Igrejas e pelo Concílio Vaticano II, cujos
documentos mencionam repetidas vezes esta idéia.
Indicaram esta tendência do mundo à unidade até ideologias, hoje em parte superadas, que
também tendiam a resolver os grandes problemas de hoje de modo global.
Favorecem a unidade os modernos meios de comunicação, que fazem o mundo entrar numa
comunidade ou numa família.
Sim, no mundo existe esta tendência. E é neste contexto que o Movimento dos Focolares deve
ser enquadrado, inclusive a sua espiritualidade.
Ela não é vivida apenas individualmente, mas comunitariamente, por grupos de pessoas. De
fato, ela tem uma dimensão comunitária que se evidencia sobremaneira.
Lança suas raízes em algumas frases do Evangelho, que se encadeiam umas às outras.
Cito aqui somente algumas.
Supõe em primeiro lugar que aqueles que vivem essa espiritualidade reconheçam Deus
profundamente como aquilo que Ele é: Amor, Pai.
Como se poderia pensar na paz e na unidade no mundo sem a visão de toda a humanidade como
uma única família? E como vê-la tal sem a presença de um Pai para todos?
Pede, portanto, que se abra o coração a Deus Pai, que não abandona certamente os filhos ao
próprio destino, mas quer acompanhar, proteger, ajudá-los; que, porque conhece o homem no mais
íntimo do seu ser, segue cada um em todos os particulares; conta até os cabelos da sua cabeça... que
não sobrecarrega de pesos os seus ombros, mas é o primeiro a carregá-los.

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Ele não deixa unicamente nas mãos dos homens a renovação da sociedade, mas também é o seu
autor.
Acreditar no seu amor é um imperativo nesta nova espiritualidade; acreditar que somos amados
por Ele pessoalmente e imensamente.
Acreditar.
E, entre as mil possibilidades, que a existência oferece, escolhê-lo como Ideal de vida. Colocar-
se inteligentemente naquela atitude que cada homem assumirá no futuro, quando alcançará o destino
para o qual foi chamado: a Eternidade.
Mas é claro que não basta acreditar no amor de Deus, não basta ter feito a grande escolha dele
como Ideal. A presença e as atenções de um Pai para com todos, convida cada um a agir como filho,
a amar por sua vez o Pai, a atuar cada dia aquele especial desígnio de amor que o Pai pensa para cada
um, a fazer, isto é, a vontade dele.
E sabemos que a primeira vontade de um pai é que os filhos se tratem como irmãos, que se
queiram bem, que se amem, quer que conheçam e pratiquem o que pode ser definido como "a arte de
amar".
A sua vontade é que se ame a todos como a si mesmos, porque "Eu e você - dizia Gandhi - nada
mais somos que uma coisa só. Não posso machucá-lo sem me ferir"63.
Quer que sejamos os primeiros a amar, sem esperar que os outros nos amem.
Significa saber "fazer-se um" com os outros, isto é, assumir os seus pesos, os seus pensamentos,
os seus sofrimentos, as suas alegrias.
Mas, uma vez que este amor dirigido ao outro é vivido por uma pluralidade de pessoas, torna-
se recíproco.
E Cristo, o "Filho" por excelência do Pai, o Irmão de cada homem, deixou como norma para a
humanidade o amor recíproco. Ele sabia que esse amor era necessário para que exista a paz e a unidade
no mundo, para que todos formem uma única família.
É evidente que, para qualquer pessoa que tente remover as montanhas do ódio e da violência, a
luta é enorme e árdua. Mas o que é impossível para milhões de homens isolados e divididos, pode se
tornar possível para pessoas que fizeram do amor recíproco, da compreensão recíproca, da unidade a
motivação essencial da própria vida.
E por quê? Existe um porquê.
Um elemento ulterior desta nova espiritualidade, ligado ao amor recíproco, preciosíssimo, que
surpreende e causa admiração, é aquele anunciado também pelo Evangelho. Diz que, se duas ou mais
pessoas se unem no verdadeiro amor, Cristo em pessoa, que é a Paz, está presente entre elas e,
portanto, nelas.
E qual maior garantia, que possibilidade superior pode existir para aqueles que querem ser
instrumento de fraternidade e de paz?
Este amor recíproco, esta unidade, que tanta alegria dá a quem o coloca em prática, exige
sempre seriedade, esforço cotidiano, sacrifício.
E a esse ponto se motra para os cristãos, em toda a sua luminosidade e dramaticidade, uma
palavra que o mundo não quer ouvir pronunciar, porque considerada tola, absurda, insensata.
Esta palavra é cruz.
Não se faz nada de bom, de útil, de fecundo no mundo sem conhecer, sem saber aceitar o
esforço, o sofrimento, em resumo, sem a cruz.
Não é um divertimento dedicar a própria vida para viver e difundir a paz! É preciso coragem.
É preciso saber sofrer.
Mas é claro que, se muitos homens aceitassem o sofrimento por amor, o sofrimento que o amor
exige, ele poderia se tornar a mais poderosa arma para doar à humanidade a sua mais elevada

63. WILHELM MÜHS, Parole del Cuore. Milão, 1996, pág. 82.
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dignidade: sentir-se não tanto um aglomerado de povos em fileira, muitas vezes em combate, mas um
único povo.
Deus Pai, além disso, não nos deixou sem ajuda neste árduo caminho. Conhecemos aquelas que
a Igreja tem sempre à disposição para os cristãos.
E não nos podemos esquecer de Maria, amada, venerada, presente também em outras Religiões,
Maria, a mãe de Jesus e de cada homem da terra. Dela podemos receber inspirações, conforto, amparo:
é a função de uma mãe compor e recompor sempre a família.
Esta espiritualidade comunitária não está necessariamente ligada a uma Igreja: é universal e
pode ser vivida por muitos.
Por ela, com efeito, abriram-se fecundos diálogos com todos os homens, com cristãos de muitas
Igrejas, com fiéis de diversas religiões e com pessoas das mais variadas culturas, as quais encontram
enfatizados nela os valores em que acreditam. Juntos nos encaminhamos para aquela plenitude da
verdade que é a nossa meta.
Hoje, em virtude desta espiritualidade, homens e mulheres de quase todas as nações do mundo,
lenta mas decididamente estão tentando ser, pelo menos lá onde se encontram, sementes de um povo
novo, de um mundo de paz, mais solidário sobretudo para com os fracos, com os pobres; de um
mundo mais unido.
Que Deus, Pai de todos, queira fecundar estes nossos esforços, com aqueles de todos os que
estão empenhados no excelso fim da paz. E que se possa, como disse João Paulo II à Assembléia da
ONU no qüinquagésimo aniversário de sua fundação (e que pode servir também para a mesma
celebração da UNESCO): "... Construir no século que está para chegar e no próximo milênio uma
civilização digna da pessoa humana, uma verdadeira cultura da liberdade e da paz.
Podemos e devemos realizá-lo! - continuou -. E fazendo isso, poderemos perceber que as
lágrimas deste século prepararam o terreno para uma nova primavera do espírito humano" 64.
E também o prêmio que recebo hoje é destinado ao fim da unidade e da paz. Ele servirá para
construir numa Mariápolis permanente do Movimento na Ásia, nas Filipinas, que se chama "Paz",
uma casa útil para o diálogo inter-religioso.

Traduzione di Iracema Amaral, Ufficio Traduzioni,

64. L'OSSERVATORE ROMANO, 6 de outubro de 1995, pág. 6.7, ed italiana.


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