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O PODER
DE ORAÇAO
C o m o v i v e r em
c o m u n h ã o com
D e u s em um
mundo caótico
VIDA NOVA
Dados internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Câmara Brasileira do Livro» SP, Brasil)
Miller, Paul E.
O poder de uma vida de oração /
Paul E. Miller; tradução Eulália P. Krçgness.
— São Paulo : Vida Nova, 2010.
10-11022 C D D -248.32
T ra d u çã o : E u lá lia P. K reg n e ss
VIDA NOVA
Copyright © 2009 Paul Miller
Título original: A Praying Life: Connecting with God in a Distracting World
Originalmente publicado por Navpress, um selo da Navigators, P.O. Box
35001, Colorado Springs, C O , 80935, EUA
l . a edição: 2010
Reimpressão: 2014
ISBN 9 7 8 -8 5 -2 7 5 -0 4 5 3 -9
REVISÃO D E PROVAS
Mauro Nogueira
CO O RD EN AÇÃ O DE PRODUÇÃO
Sérgio Siqueira Moura
DIAGRAMAÇÃO
Luciana D i Iorio
CAPA
Souto Crescimento de Marca
Em m em ória de Benjam in Edtvard M iller
10 de março de 2 0 0 9
Nosso sétimo neto, um tesouro celestial
Agradecimentos especiais a
P a r te 1: A p r e n d e n d o a o r a r c o m o c r ia n ç a
P a r t e :2 : A p r e n d e n d o a c o n f ia r n o v a m e n t e
9. Entenda o ceticismo..................................................................... 7 9
10. Siga a Jesus e deixe para trás o ceticismo.......................... 86
P a r t e 4 : P a r t ic ipa n d o da h is t ó r ia d o P ai
P a r te 5 : O r a n d o n a v id a rea l
A g r a d e c i m e n t o s f i n a i s .............................................................................................. 2 8 3
PRE FAC IO
“O Q U E VAI
ADiANTAR ORAR?
\ ..............
”
Orar é estranho
A coisa piora um pouco se pararmos para pensar o quanto é estranho
orar. Quando conversamos ao telefone, ouvimos a voz de alguém e
1 C. S. Lewis, The Screwtape Letters. Nova Iorque: HarperCollins, 2001, p. 171. [Pu
blicado em português pela Edicora Vida sob o título Cartas do infemõ\.
podemos responder a essa pessoa. Quando oramos, falamos com o ven
to. Só malucos falam sozinhos. Como é que vamos conversar com um
Espírito, com alguém que não fala em voz audível?
E se acreditamos que Deus fala conosco em oração, como diferen
ciamos nossos pensamentos dos pensamentos dele? Orar é algo con
fuso. Sabemos, por alto, que o Espírito Santo está envolvido nisso de
certa forma, porém não temos certeza de como e quando ele irá surgir
e nem o que isso significa. Temos a impressão de que algumas pessoas
são cheias do Espírito. Mas não nós.
Mas vamos deixar Deus de lado por um minuto. E quanto a você,
onde se encaixa nesse esquema todo? Você pode orar pelo que deseja
receber? E por que precisa orar, se Deus já conhece suas necessidades?
Para que entediá-lo? Parece amolação. Só de pensar em orar já sentimos
um nó no estômago.
Será que essa tem sido a sua experiência em termos de oração? Se
tem, saiba que você não está sozinho. Em geral, os crentes se sentem
frustrados quando o assunto é oração!
AONDE QUEREMOS
CHEGAR
1 Para falar a palavra lasanha, a Kim seleciona primeiro o ícone de “Maçã” que é usado
para os grupos de alimentos. Depois seleciona o ícone “Caminhão”, que restringe a
busca em comida italiana. A seguir, Kim seleciona o terceiro ícone, “Arco-íris”. As faixas
do arco-íris se parecem com as camadas da lasanha. Quando Kim usa o terceiro ícone,
o sintetizador fala a palavra lasanha.
tl.is releiçõcs em família. Quando se trata de oração, concentrar-se na
i uiivcrsa c o mesmo que tentar dirigir olhando para o para-brisa e não
dele. Ficamos sem ação, sem saber para onde devemos ir. A
mnversa é apenas um meio que nos leva a conhecer uns aos outros.
1'tniamo, a oração não é a essência deste livro. Sua essência é conhecer
.1 uma pessoa, Deus.
2 Anthony Boom, Beginning to Pray. Nova Iorque: Houghton Miffiin, 2005, p. 202.
PARTE 1
APRENDENDO
A ORAR COMO
CRIANÇA
C a p ít u l o 3
TORNE-SE C O M O
1 Rousseau, filósofo iluminista francês, ensinou que as crianças nasciam boas, mas
eram corrompidas pelos adultos. Não é de surpreender que Rousseau tenha entregado
seus cinco filhos a um orfanato. Leo Damrosch, Jean-Jacques Rousseau: Restless Genius.
Nova Iorque: Houghton Mifflin, 2005, p. 202.
saber o que eles conversaram pelo caminho. Os discípulos abaixaram a
cabeça e tentaram desconversar. Jesus não disse nada. Sentou-se, pegou
uma criança no colo e afirmou: “Se não vos tornardes como crianças,
nunca entrareis no reino do céu” (Mt 18.3). Criancinhas, mesmo que
em tamanho adulto, são valiosas para Jesus.
Um fato menos conhecido ocorreu quando os discípulos voltavam
animadíssimos de sua primeira viagem missionária e anunciaram: “Se
nhor, até os demônios se submetem a nós em teu nome” (Lc 10.17).
Jesus reage com uma oração exultante: “Graças te dou, ó Pai, Senhor
do céu e da terra, pois ocultastes essas coisas aos sábios e eruditos e
as revelastes aos pequeninos”(Lc 10.21). Jesus fica empolgado ao ver
que os discípulos eram como criancinhas.
Não é de espantar que, muitas vezes, os discípulos tenham se com
portado como criança. Por exemplo, o que Pedro faz quando algo lhe
vem à cabeça? Solta a língua. Também é assim que as crianças agem.
Certa vez, quando fui convidado a pregar numa igreja, uma senhora fez
um solo ao estilo de uma ópera. Depois do culto, ela se aproximou de
Kim e carinhosamente perguntou o que minha filha tinha achado do
solo. Kim, que por causa do autismo tem pavor de música alta, tocou a
testa com a mão fechada, o sinal, nos Estados Unidos, para “tolice”. A
solista se voltou para JilI e perguntou o que a menina havia respondido.
JilI engoliu em seco. Minha esposa estava estudando para ser intérprete
da linguagem de sinais, e o intérprete aprende a dizer exatamente o que
foi dito pela outra pessoa. Assim, JilI respondeu: “Uma tolice”.
Os discípulos, exatamente como a Kim, falam o que pensam, sem
pensar no que falam. Depois da última ceia, dizem a Jesus: “Agora falas
abertamente, e não por figuras” (Jo 16.29)! Quando Tiago e João deci
dem ser os mais importantes no reino, pedem que a mãe interceda em
favor deles (Mt 20.20,21). Com exceção de Judas, os discípulos não
têm segundas intenções.
Jesus espera que nós também não tenhamos segundas intenções
quando nos aproximamos dele em oração. Mas geralmente tentamos
parecer o que não somos. Logo de início nos concentramos em Deus,
mas quase que de imediato nossos pensamentos tomam dezenas de
rumos diferentes. Os problemas do dia a dia afastam a boa intenção
de sermos espirituais. Puxamos nossas próprias orelhas e tentamos de
novo, mas a vida sufoca a oração. Sabemos que não é assim que a oração
deve ser; então, desalentados, desistimos de vez. É melhor ir trabalhar.
Mas qual é o problema, afinal? Estamos tentando ser espirituais,
fazer as coisas direito. Nós sabemos que para ser cristão não temos de
dar primeiro um jeito na vida, mas nos esquecemos disso quando o
assunto é oração. E como é típico dos adultos, tentamos endireitar a
nós mesmos. Jesus, ao contrário, quer que nos aproximemos dele como
criancinhas, exatamente do jeito que somos.
Seu verdadeiro eu
Por que é tão importante ir a Deus exatamente como estamos? Porque
se formos de outro modo, seremos falsos e hipócritas, exatamente
como os fariseus. Eles raramente diziam a Jesus o que estavam pen
sando. Jesus os acusou de serem hipócritas, mascarados, dissimulados.
Não eram pessoas autênticas. E também não gostavam de crianças.
Os fariseus ficaram indignados quando elas entraram no templo (de
pois de o Mestre ter feito a limpeza) e começaram a adorar a Jesus.
Ele respondeu com o Salmo 8: “Da boca de pequeninos e de bebês
obtiveste louvor” (Mt 21.16).
A única maneira de irmos a Deus é sem nenhuma máscara espiri
tual. Nosso eu verdadeiro tem que encontrar o Deus verdadeiro, pois
ele é uma pessoa.
APRENDA A
comi
COM (
COMO APRENDEMOS A CONVERSAR com o Pai? Pedindo como
criança, crendo como criança, e até brincando como criança.
PODE SER QUE ALGUÉM imagine que Jesus, por ser o Filho de
Deus, não precisava orar. Ou pelo menos não precisava ter um mo
mento específico para orar, já que vivia em constante estado de oração.
Não estranharíamos se ele tivesse uma linha direta com o Pai celeste,
um tipo de conexão banda larga com o céu. Ou no mínimo, pode ser
que alguém pense que Jesus não se deixava afetar tanto quanto nós
pela agitação do mundo. Porém, para nossa surpresa, parece que o
Mestre precisava tanto quanto nós de um tempo a sós com Deus.
No primeiro dia de seu ministério na Terra, Jesus ensina na sinago
ga de Cafarnaum, e é sábado (veja Mc 1.21-39). Enquanto as pessoas
que o, escutam se maravilham com sua autoridade, um homem ende-
moninhado grita: “Sei quem tu és, o Santo de Deus”. Jesus repreende
o demônio severamente e, num piscar de olhos, manda-o embora. O
povo fica boquiaberto.
Depois do culto na sinagoga, Jesus volta à casa de Pedro para a re
feição do sábado, e descobre que a sogra do pescador está de cama, com
muita febre. Jesus pega na mão dela e a cura imediatamente. A mulher
se levanta e prepara a refeição.
A história da cura e do exorcismo se espalhou pela cidade litorâ
nea de Cafarnaum. Como a tradição não permitia curas no sábado, a
não ser em caso de risco de vida, o povo aguardou até o fim do dia.
De acordo com Marcos, assim que o sol se pôs, “toda a cidade estava
reunida à porta da casa”. É fácil imaginar a rua em frente da casa toda
iluminada pela luz suave de centenas de lamparinas bruxuleantes. Jesus
realiza curas até bem tarde da noite. Era para isso que ele viera ao mun
do — não deve haver crianças mudas nem esposas abandonadas nem
patrões grosseiros.
Na manhã seguinte, antes do nascer do sol, Jesus se levanta, sai da
cidade e vai orar num lugar afastado. Ele fica tanto tempo fora que se
forma de novo uma multidão, e os discípulos são obrigados a ir atrás
dele. Quando o encontram, Pedro explica: “Todo mundo está procu
rando o senhor”.
Foi um dia extraordinário — a tarde e manhã do primeiro dia de
uma nova criação. O novo Adão acaba com a maldição e derrota o mal.
Demônios e doenças fogem da presença da Vida. Aslan entra em ação.
Quando você (assim como Jesus) entende que não pode viver
por suas próprias forças, então a oração fa z todo sentido.
1. Sua identidade
Sempre que fala de seu relacionamento com o Pai, Jesus parece uma
criança. “O Filho nada pode fazer por si mesmo” (Jo 5.19). “Não posso
fazer coisa alguma por mim mesmo” (Jo 5.30). “Nada faço por mim
mesmo; mas falo como o Pai me ensinou” (Jo 8.28). “O Pai, que me
enviou, ordenou-me o que dizer e o que falar” (Jo 12.49). E coisa de
criança dizer: “Eu só faço o que vejo meu Pai fazer”.
Quando Jesus diz para sermos como crianças, não está nos dizen
do para fazer algo que ele mesmo não faça. Sem dúvida, Jesus foi o ser
humano mais dependente que o mundo já viu. Por entender que não
podia viver por suas próprias forças, Jesus ora, ora e ora. Lucas conta
que Jesus “se retirava para lugares desertos, e ali orava” (5.6).
Quando Jesus afirma que “sem mim nada podeis fazer” (Jo 15.5),
está nos convidando a fazer parte de sua vida, uma vida de dependên
cia ao Pai. Quando Jesus nos diz para ter fé, não está sugerindo que
façamos um esforço para arrumar um punhado de força espiritual. Está
abrindo nossos olhos para o fato de que, assim como ele, não temos, em
nós mesmos, os recursos para viver. Quando você (assim como Jesus)
entende que não pode viver por suas próprias forças, então a oração faz
todo sentido.
Porém há muito mais do que isso. Jesus só pode conceber a si mes
mo interligado ao Pai. Adão e Eva saíram em busca de uma identidade
própria, depois da Queda. Só depois de terem agido de forma indepen
dente de Deus é que perceberam a existência de um eu separado.1 Por
não ter essa mesma noção da existência de um eu separado de Deus,
Jesus não tem crise de identidade nem crise existencial. Por conseqüên
cia, não tenta “se encontrar”. Ele apenas se concebe interligado a seu
Pai. Não se imagina existindo fora desse relacionamento.
Imagine-se conversando com Jesus. Você pergunta como ele está.
A resposta é: “Eu e meu Pai estamos ótimos. Ele já me deu tudo o que
preciso para hoje”. Você continua: “Que bom que seu Pai está bem,
mas, por enquanto, gostaria de me concentrar em você. Jesus, como
é que você está?” Jesus faria uma cara estranha, como se você estivesse
“falando outra língua”. A pergunta não faria o menor sentido, pois ele
1 R. Scott Rodin, Stewards in the Kingdom. Downers Grove: InterVarsicy, 2000, p. 99.
não pode responder à pergunta “Como vai você?” sem incluir seu Pai
celeste na resposta. É por isso que antecipar o horror da cruz, quando
esteve no Getsêmani, foi a mais pura agonia para Jesus. Ele nunca havia
passado um instante sequer longe da comunhão do Pai. E essa agonia
que ele sentiu é parte normal da nossa vida.
A vida de oração de Jesus é uma expressão de seu relacionamento
com o Pai. Ele quer ficar a sós com a pessoa amada.
2 Jesus também é plenamente Deus, mas quando viveu no mundo, sua divindade
estava encoberta. Os teólogos debatem sobre o que Paulo quis dizer em Filipenses 2.7
com “esvaziou-se a si mesmo” (e k e v í o o e v ). Não sabemos como nem quanto Jesus foi
esvaziado de sua divindade. É um mistério. Temos um vislumbre de sua divindade no
monte da transfiguração.
Para se comunicar com o Pai, por exemplo, ele tinha de se afastar
ilas pessoas.
Em tese, Jesus poderia se concentrar no Pai enquanto curava os
enfermos. Poderia ter usado sua divindade para se livrar da demora e
ineficiência da vida. Quando a mulher que sofria de hemorragia inter
rompeu Jesus a caminho da casa de Jairo, ele poderia tê-la curado sem
icr parado para interagir pessoalmente com ela (veja Lc 8.40-48). Mas
Jesus não faz isso. Quando rejeita a tentação de Satanás de transformar
pedras em pães, Jesus rejeita a eficiência e escolhe o amor (veja Mt 4.1-4).
Portanto, por ser plenamente humano, ele tem que se afastar para orar.
Quando Jesus sai da casa lotada em Cafarnaum e vai orar no de
serto, está seguindo o conselho que ele mesmo havia dado, no Sermão
do Monte: “Entra no teu quarto e, fechando a porta, ora a teu Pai”
(Mt 6.6). Jesus se relaciona com o Pai desde a eternidade. Ele sente
necessidade de se concentrar no Pai. Ele quer estar junto do seu Pai;
então fica sozinho para orar.
tua presença (8 8 .1 3 ).
Será que somos obrigados a orar logo pela manhã? Não. A oração
intercessória de Jesus, em João 17, e a oração que fez mais tarde, no
Getsêmani, aconteceram ao cair da tarde.
No livro de Salmos temos uma indicação da maneira como os he
breus oravam. A maioria dos salmos têm pelos menos um exemplo de
oração em voz alta, tal como “Atende à voz do meu clam or (...) Atende
o meu clam or (...) Ouve minhas súplicas quando clamo a ti' (veja Salmo
5.2,3; 17.1; 28.2). Fomos nós que transformamos esses exemplos em
metáforas da alma; todavia, os hebreus estavam literalmente suplicando
em voz alta para que Deus os socorresse.
Jesus segue o costume de orar em voz alta. Sabemos o conteúdo
de sua oração intercessória, pois os discípulos ouviram suas palavras.
Do mesmo modo, sabemos o que ele orou no Getsêmani porque os
discípulos ouviam enquanto ele abria o coração diante do Pai. “Nos
dias de sua vida, com grande clamor e lágrimas, Jesus ofereceu orações
e súplicas àquele que podia livrá-lo da morte” (Hb 5.7).
Ao contar a parábola do fariseu e do coletor de impostos, Jesus
explica que os dois oravam em voz alta. Depois, ele nos encoraja a orar
na privacidade do nosso quarto, para que a oração em voz alta não se
transforme em um mero show de palavras. A oração em voz alta ajuda a
nossa concentração; transforma nossos pensamentos em algo concreto.
No entanto, é bem mais que uma técnica; é também uma declaração de
fé. Afirmamos de maneira audível nossa confiança no Deus vivo.
Orar em voz alta não é uma regra no Novo Testamento; é apenas
outra forma de sermos autênticos quando oramos. Somos diferentes
uns dos outros. Eu, particularmente, acho difícil orar em voz alta, pois
estou bastante acostumado a orar em silêncio. No entanto, quando
confesso um pecado em voz alta, minha confissão parece mais genuína.
Quando ouço minha própria voz admitindo um erro, fico espantado
em ver como o pecado se torna concreto. Já cheguei a pensar: “ Uau,
acho que errei mesmo . Muitas vezes, a caminho de um evento social,
oro em voz alta no carro para não ceder à tentação sexual ou não ser
bajulador. Isso me leva a ficar mais atento às minhas fraquezas. Minhas
orações ganham mais seriedade.
Rebata as desculpas
Independentemente de quando ou como oramos, sempre arrumamos
desculpas que nos impedem de parar o suficiente para orar com regula
ridade. Uma das desculpas é: “Estou sempre em oração”. Embora “estar
sempre em oração” (Rm 12.12) seja um jeito importante de orar, sobre
o qual conversaremos mais tarde, nada substitui um tempo específico
concentrado na oração. Por exemplo, um casal que só troca palavras rá
pidas no decorrer do dia não tem um relacionamento muito profundo.
Parecem mais sócios do que duas pessoas que se amam. É impossível
edificar um relacionamento trocando só meia dúzia de palavras.
Outra desculpa comum é o corre-corre da vida. Quando fiquei saben
do que Lutero disse que não conseguia fazer nada sem antes passar três
ou quatro horas diárias orando, cocei a cabeça.3 Sabendo como Lutero
era um homem ocupado, alguém poderia ter imaginado que ele dimi
nuiria o tempo de oração. Hoje, muitos anos depois, é possível entender
perfeitamente o motivo de ele ter agido assim. Na verdade, quanto mais
pressões eu sofro, mais necessidade tenho de orar. Oro logo de manhã
porque minha vida parece uma panela de pressão em fogo alto.
Se você não ora, então deve estar muito confiante de que tempo,
dinheiro e talento é tudo o que precisa na vida. Estará sempre cansa
do demais, ocupado demais. Mas se você, assim como Jesus, sabe que
não tem forças por si mesmo para viver, então, independentemente do
corre-corre e do cansaço, sempre encontrará tempo para orar.
O tempo de oração nos torna ainda mais dependentes de Deus,
pois ficamos com menos tempo ainda para realizar nossas tarefas. Cada
minuto gasto em oração é um minuto a menos de “produtividade”.
Assim, orar significa que temos de confiar cada vez mais em Deus.
Não importa como nem quando você ora, se der lugar para Deus
entrar, ele tocará sua alma. Deus sabe que você está exausto, mas, mes
mo assim, deseja muito fazer parte de sua vida. Um banquete o aguarda.
C a p ít u lo ó
A P R E N D A A SER
D EPÉ^ D EN TE
NATUREZA PECADORA
Conheço bem esse seu estado de espírito, quando você fica totalmente
sozinho, aflito, roendo-se de infelicidade, no mais puro sofrimento.
Você não se aproxima de m im, mas supõe, em seu desespero, que tudo
o que fez na vida já foi com pletam ente perdido e esquecido. Essa
espécie de desespero e autocomiseração na verdade não passam de
uma form a de orgulho. Esse patamar de absoluta segurança em que
você imaginava estar, e de onde caiu, não passava de excesso de con
fiança em sua própria força e capacidade (...) o que magoa você é o
fato de as coisas sim plesmente não terem acontecido do je ito que
você esperava e queria.
Na realidade, eu gostaria que deixasse de se basear em seus próprios
planos, em sua própria força e capacidade, que duvidasse deles, de você
mesmo, e confiasse apenas em mim e em mais ninguém, em mais nada.
Enquanto depender inteiramente de si mesmo você está destinado a
sofrer. H á uma lição importantíssima que precisa aprender: confiar em
sua própria força ajudará tanto quanto se escorar numa taquara racha
da. N ão perca a confiança em mim. Você pode ter esperança e confiar
plenamente em mim . M inha misericórdia é infinita.3
3 John ofLandsburg, A Letterfrom Jesus Christ. Nova Iorque: Crossroad, 1981, p. 58-59.
Levei dezessete anos para entender que não poderia educar meus
filhos sozinho. Essa percepção não foi fruto de um despertar espiri
tual fabuloso, apenas de uma observação realista. Se eu não meditasse e
orasse de modo deliberado pelos meus filhos, todas as manhãs, citando
o nome de cada um, eles se matavam. Eu era incapaz de tocar-lhes
o coração. Ficava desesperado. Além disso, eu era incapaz de mudar
meu próprio coração autoconfiante. O diário de oração revela tanto
minha incapacidade de mudar meus filhos quanto minha incapacidade
de mudar minha autoconfiança. É por isso que preciso receber graça
até para orar.
Deus respondeu minha oração. Quando passei a orar regularmen
te por meus filhos, Deus começou a trabalhar no coração deles. Por
exemplo, comecei a orar para que John, o mais velho, fosse mais humil
de. (Como a Jill sempre diz: “Tal pai, tal filho”.) Cerca de uns seis meses
depois, John veio conversar comigo: “Pai, ultimamente tenho pensado
muito sobre minha falta humildade”. Percebi logo que o melhor jeito
de ser pai era orando. Passei a reclamar menos com meus filhos e a
conversar mais com Deus. Para falar a verdade, foi um grande alívio.
Se acharmos que podemos levar a vida por conta própria, não le
varemos a oração a sério. Nossa omissão em orar parecerá outra coisa
— falta de disciplina ou obrigações em excesso. Todavia, quando algo é
importante para nós, achamos tempo para aquilo. É lamentável, mas a
oração simplesmente não é importante para muitos cristãos porque para
eles o Mestre já se tornou um acessório. É por isso que o sofrimento é
tão importante para o aprendizado da oração, como veremos mais tarde.
Ele é um dom que Deus usa para nos mostrar como a vida é de verdade.
/ \
clame “A b a , P a i ” ,
' Santo Agostinho, Confessiom. Nova Iorque: Oxford University Press, 1998, p. 3.
|Publicado em português pela Editora Mantin Claret sob o título Confissões.]
suplicar ao Pai. E isso aconteceu tantas vezes que acabou se tornando
um hábito, abrindo um via de comunicação entre minha alma e Deus.
Mesmo hoje em dia raramente percebo que estou orando. E pos
sível que nem seja eu mesmo orando, mas sim o Espírito Santo. Paulo
afirma: “Deus enviou ao nosso coração o Espírito de seu Filho, que
clama: Aba, Pai” (G1 4.6). O Espírito não está nos ajudando a orar; na
verdade, é ele mesmo quem está orando. É ele quem ora.
Para ser mais preciso, é o Espírito do Filho que ora. O Espírito
põe o coração de Cristo — que é semelhante ao de uma criança — em
meu próprio coração e clama: Aba, Pai. O anseio que Jesus tem do Pai
se torna o meu anseio. Meu espírito se liga ao Espírito, e eu também
clamo: Aba, Pai.
A opinião da maioria dos teólogos é que, ao orar, Jesus normal
mente chamava o Pai de aba. Essa palavra significa algo parecido com
papai. A explicação lógica dos teólogos é a seguinte: conhecemos o ter
mo aba porque ele ficou gravado na mente dos discípulos. Eles ficaram
tão surpresos ao ver Jesus usá-lo — pois nunca tinham ouvido antes
ninguém falar com Deus de maneira tão íntima — que, quando fa
laram de Jesus aos cristãos gregos, usaram o termo aramaico aba nas
versões gregas da Bíblia.
Paulo ficou tão impressionado com isso que usou o termo aba
em Romanos e Gálatas. Os tradutores deram continuidade ao padrão
estabelecido pelos primeiros discípulos e também usam o termo aba,
independentemente do idioma em que a Bíblia seja traduzida.
Essa oração de uma palavra, Pai, é exclusiva de Jesus. A primeira
fala dele de que se tem registro, aos doze anos de idade, foi sobre seu
Pai: “Não sabíeis que eu devia estar na casa de meu Pai?” (Lc 2.49).
A ba é a primeira exclamação do filho pródigo na volta ao lar. É a pri
meira palavra do Pai Nosso, e é a primeira que Jesus pronuncia ao orar
no Getsêmani. É sua primeira palavra na cruz — “Pai, perdoa-lhes”
(Lc 23.34) — e é também a última — “Pai, nas tuas mãos entrego o
meu espírito” (Lc 23.46). P ai foi minha primeira oração, quando co
mecei a orar sem cessar, e continua sendo minha oração mais freqüente.
Oração de Jesus
A Igreja Ortodoxa grega continua a usar uma oração bem simples, do
século v, algumas vezes chamada de Oração de Jesus: Senhor Jesus Cristo,
Filho de Deus, tende piedade de mim, pecador.1 A tradição ortodoxa
denomina orações como essa de “orações de um fôlego”, pois podem
ser feitas num só fôlego.
A versão mais antiga dessa oração veio da boca de um mendigo
cego, chamado Bartimeu, que clamou enquanto Jesus passava: “Jesus,
Filho de Davi, tem compaixão de mim!” (Lc 18.38). Se acrescentarmos
a isso o hino de Paulo em Filipenses, “confesse que Jesus Cristo é o
2 The P hilokalia: The Complete Text, vol. 4, compilado por Nikodimos e Makarios,
craduzido e editado por G. E. H. Palmer, Philip Sherrard e Kallistos Ware. Londres:
Faber e Faber, 1999, p. 206.
Senhor” (Fp 2.11), temos a oração de Jesus. Essa oração foi feita sem
cessar desde o princípio. Quando a multidão mandou que Bartimeu
se calasse, “ele, porém, gritava ainda mais” (Lc 18.39). O homem deve
ter berrado a plenos pulmões, pois três dos evangelhos mencionam sua
persistência em altos brados!
Minha esposa tem sua própria versão da oração de Jesus. Quando
passeamos com nossos cachorros nos domingos de manhã, passamos
em frente de uma casa espetacular, com um gramado muito bem cuida
do. Nossa caminhada fica ainda mais interessante no outono, quando
os donos dessa casa recolhem com um aspirador portátil cada folhinha
que cai na grama. Por causa de seu sangue alemão, a Jill tem uma certa
compulsão por limpeza. Quando passamos em frente dessa casa impe
cável, ela começa a orar repetidamente: Senhor, salve-me de mim mesma.
Senhor, salve-m e de mim mesma.
Quando nossos filhos eram adolescentes, certa vez a Jill me pergun
tou: “Sabe do que a nossa família mais precisa?” Uma porção de coisas
me veio à mente, inclusive um carro mais novo. A resposta dela, de uma
palavra só, me pegou de surpresa: “Misericórdia”. Não precisávamos de
mais disciplina. Não precisávamos de mais dinheiro. Precisávamos de
misericórdia. Eis a mentalidade que produz um coração que ora.
Ter uma vida de oração não é simplesmente orar de manhã; é orar
a qualquer hora do dia, não porque somos disciplinados, mas por ter
mos consciência de nossa pobreza de espírito e saber que não conse
guimos nem mesmo caminhar pelo shopping ou pela vizinhança sem a
ajuda do Espírito de Jesus.
C a p ít u l o 8
C UR VE SEU C O R A Ç Ã O
d ianj;e W Pa i
Senhor, meu coração não é arrogante, nem meus olhos são altivos; não
busco coisas grandiosas e maravilhosas demais para mim . Na verdade,
acalmo e sossego minha alma; com o uma criança desmamada nos bra
ços da mãe, assim é minha alma, com o essa criança.
1 David Powlison, “'Peace Be Still’: Learning Psalm 131 by Heart”, The Jou rn al o f
fíiblical Counseling 18, no. 3 (Primavera, 2000): p. 2.
M inha infância foi o período em que estive mais próximo do “orai sem
cessar” do que em qualquer outra época da vida. Até onde me lembro,
tinha o hábito de agradecer a Deus por tudo o que recebia, e pedir-lhe
tudo o que desejava. Se perdesse um livro ou um brinquedo, eu orava
até encontrá-lo. Orava ao caminhar pelas ruas, na escola e fora dela,
quando estava brincando ou estudando. N ão fazia isso para obedecer
a alguma regra preestabelecida. Era algo natural. Para mim, Deus era
um ser sempre presente em qualquer lugar, cheio de bondade e amor,
que não se zangava quando as crianças falavam com ele. Eu sabia que
ele cuidava das andorinhas. Vivia satisfeito e alegre com o os pássaros e
agia como se fosse um deles.2
2 Archibald A. Hodge, The L ife ó f Charles Hodge. Manchester: Ayer, 1979, p. 13.
Convite à oração
Quando oramos sem cessar, aqueles momentos que nos levam à ansie
dade se transformam em convites à oração. O trânsito parado, a mágoa
causada por um amigo ou a pressão para entregar algum trabalho são
portas que o levarão a Deus. Você vai desligar o rádio do carro porque
deseja conversar com o Pai. Acordará no meio da noite e verá que está
orando. Será algo tão natural e essencial para você quanto respirar.
Quando desistir de tentar controlar a própria vida e permitir que
as ansiedades e problemas o levem a Deus, você deixará de se preocupar
e passará a observar. Observará a mão de Deus escrevendo a história
da sua vida. Em vez de querer dominar e tecer a trama de sua própria
existência, perceberá que você faz parte do enredo divino. Enquanto
espera, irá vê-lo trabalhando, e sua vida vai adquirir um novo brilho
diante das maravilhas de Deus. Você vai aprender a confiar novamente.
PARTE 2
APRENDENDO
A CONFIAR
NOVAMENTE
Ca p ít u l o 9
ENTENDA O
A sensação de ceticismo
As primeiras palavras de Satanás que foram registradas são cheias de
ceticismo. Ele diz a Adão e Eva: “Na verdade Deus sabe que no dia em
que comerdes desse fruto, vossos olhos se abrirão, e sereis como Deus,
conhecendo o bem e o mal” (Gn 3.5). Satanás está sugerindo que os
motivos de Deus para que eles não comam o fruto são questionáveis.
Em essência, ele está dizendo: “Deus não foi honesto ao falar sobre a
árvore no meio do jardim. A ordem para que não comam da árvore não
tem nada a ver com a proteção de vocês. Deus quer mesmo é se livrar
da concorrência. Ele é invejoso. Finge estar cuidando de vocês, mas seu
plano é proteger a si mesmo. Deus tem duas caras”. De maneira seduto
ra, o Inimigo esclarece a Adão e Eva sobre o que se passa nos bastidores
— o que está realm ente acontecendo atrás das cortinas. É esse tipo de
intimidade fatal que a intriga nos oferece.
Satanás vê m ald ad e em tu d o , até m esm o em D eu s. Iro n ica m e n te ,
isso se to rn o u u m a p ro fe cia que se cu m p riu . D esd e a Q u e d a , o m al
parece estar em to d o lugar, tra n sfo rm a n d o o ce ticism o em u m p ro d u to
fácil de ser vend id o. C o m o o ce ticism o passa a im pressão de saber o que
está “realm en te a co n te c e n d o ”, vend e u m a im ag em de q u e é real, a u tên
tico . Isso lh e dá u m a lto statu s, u m a vez q u e a a u ten ticid a d e é u m a das
ú ltim as virtu d es p ú blicas q u e restam e m nossa socied ad e.
Conversei sobre essas minhas reflexões com a Cathie, uma amiga
que lutava contra o ceticismo. Ela explicou o que sentia em seu próprio
coração: “O ceticismo é ensinado em nossas escolas, abraçado por nossa
cultura e exaltado como um ideal. Para mim é algo insidioso. De certa
forma, essas verdades parciais, obtusas, passam a imagem de ser mais
reais do que as verdades ensinadas na Bíblia. Para mim, é mais fácil ser
cética e não sentir nada do que sentir uma profunda convicção. E assim
o ceticismo vai criando raízes e ‘parecendo’ mais real do que a verdade”.
“Sei que não estou sozinha na minha luta contra o ceticismo. Po
rém a maioria nem percebe que isso é um problema, ou que é algo que
toma conta dos nossos corações. Simplesmente não conseguimos mais
encontrar alegria nas coisas, como se fossemos conscientes demais para
confiar ou ter esperança.”
As observações da Cathie acertam em cheio o alvo. O ceticismo
reinante leva a uma insensibilização em relação à vida.
Ele começa com a convicção distorcida de que todo mundo tem
segundas intenções. Atrás de todo arco-íris existe uma nuvem negra. A
pessoa cética está sempre observando e criticando tudo, mas nunca se
envolve em nada, não ama nem tem esperanças. Segundo R. R. Reno,
um acadêmico católico, o ceticismo é uma versão perversa do “estar no
mundo, mas não ser do mundo”. Saímos de uma era heróica de grandes
feitos e entramos em uma era de apatia e indiferença.' Yoani Sánchez,
blogueira cubana de trinta e dois anos, porta-voz influente de sua gera
ção, escreveu: “Ao contrário de nossos pais, nós nunca acreditamos em
nada. O ceticismo é a característica que nos define. Porém, ele também
é uma espada de dois gumes. Ao mesmo tempo em que nos protege de
dolorosas desilusões, também nos incapacita de fazer qualquer coisa”.2
' R. R. Reno, “Postmodern Irony and Petronian Humanism”. Mars Hill Audio
Resource Essay, vol. 67 (Março/Abril 2004): p. 7.
’ Yoani Sánchez, citada em Joseph Contreras, “Island o f Failed Promises”, Time (3 de
•
março, 2008): p. 31.
Ser cético é ser distante. Embora o ceticismo pareça oferecer a falsa
intimidade de alguém que está “por dentro” das coisas, na verdade,
ele mata qualquer possibilidade de intimidade. E leva a uma amargura
cada vez mais intensa que pode enfraquecer e até aniquilar o espírito.
Minha amiga Cathie já está sentindo as primeiras pontadas desse mal.
A vida de oração, contudo, é exatamente o contrário. Ela encara o
mal de frente. Não aceita “não” como resposta. O salmista colocou-se
diante de Deus, esperando, sonhando, pedindo. A oração é ativa. O
ceticismo, por outro lado, só critica. É passivo, vive se esquivando das
emoções da grande batalha cósmica na qual estamos envolvidos. Ele
não tem esperança.
Se colocarmos um verniz de oração sobre um coração cético ou até
mesmo esgotado, vai parecer falso. Para o cético, a vida em si já é falsa;
ele só vai ter a sensação de que está apenas contribuindo para aumentar
ainda mais a confusão toda.
A era do ceticismo
Nossa luta pessoal contra o ceticismo e o desânimo é agravada pela ten
dência progressiva rumo ao perfeccionismo. Acreditar que você tem de
ter relacionamentos perfeitos, filhos perfeitos, ou um corpo perfeito dá
espaço a um espírito crítico, que é um solo fértil para o ceticismo. Na
ausência da perfeição, tentamos projetar uma boa imagem, inconscien
temente nos fragmentando entre uma personalidade pública e outra
privada. Deixamos de ser reais e nos tornamos céticos.
A tendência dos meios de comunicação de encontrar respostas
para tudo, explicando por que “isso nlo deveria ter acontecido”, molda
a maneira como reagimos ao mundo e, assim, passamos a querer uma
vida livre de sofrimentos e de problemas. A ideia de que podemos tudo
está assumindo a forma de um egocentrismo implacável.
A tendência da psicologia de buscar motivos ocultos por trás de
tudo acrescenta outra camada à nossa capacidade de julgamento e, com
isso, nos tornamos céticos em relação ao comportamento alheio. As
pessoas não cometem adultério por causa da luxúria, mas sim porque
têm desejos que precisam ser satisfeitos.
O ceticismo está no ar que respiramos, sufocando nosso coração. A
menos que nos tornemos discípulos de Jesus, esse clima atual de iniqüi
dade irá primeiro enfraquecer e depois destruir completamente nossa
vida de oração, sem falar de nossa alma. Nossa única esperança é seguir
a Jesus, pois ele nos afasta do ceticismo.
SIGA A J E S US E
D' " S
a
CRISTO OFERECE SEIS TIPOS de cura para o ceticismo. Estudemos
um de cada vez.
1 Alan Jacobs, The N am ian: The Life and Imagination ó f C. S. Lewis. São Francisco:
HarperSanFrancisco, 2005, p. XXV.
lugares, preparando uma mesa perante mim na presença de meus ini
migos, seguindo-me com seu amor. Tanto a criança quanto o cético que
havia em mim caminharam pelo vale da sombra da morte. O cético ha
via se concentrado na escuridão; a criança se concentrou no bom Pastor.
Logo após minhas conversas com a Cathie a respeito do ceticismo,
ela passou pelo vale da sombra da morte, e explicou: “Agora, o ceti
cismo para mim se parece mais com uma escravidão. Ao me mostrar
os interesses escusos e egoístas aos quais me agarro em meu ceticismo,
Jesus me liberta para amar. Sei muito bem que essa jornada está longe
de acabar, mas estou aprendendo a viver na esperança. Só preciso de um
pouco mais de prática”.
A presença do Pastor no vale sombrio é tão imediata, tão pode
rosa, que o ceticismo simplesmente desaparece. Não há espaço para o
distanciamento sarcástico quando você luta por sua vida. Quando você
se agarra ao Pastor, o nevoeiro do ceticismo se dissipa.
Como o ceticismo não nota a presença do bom Pastor, ele inverte
o quadro descrito em ljoão da luz invadindo as trevas. Assim como
Saruman em O Senhor dos Anéis, o ceticismo fita longamente a bola
de cristal de Sauron. Não percebe, contudo, que na tentativa de des
mascarar o mal, faz o mal crescer ainda mais. Estamos cada vez mais
retornando ao mundo do paganismo anterior ao cristianismo, quando
o mal aparentemente falava mais alto e tinha a última palavra.
A sociedade secular em que vivemos cortou o bom Pastor do salmo 23.
Veja só o que acontece quando cortamos o bom Pastor e tudo o que ele fàz:
■ C. S. Lewis, The Abolition ofM an. Nova Iorque: Macmillan, 1978, p. 81.
’ Jacobs, p. 158.
A primeira aparição dessa duplicidade foi logo depois da queda
de Adão e Eva. As pessoas amigáveis, que andavam com Deus foram
substituídos pelos seres nus, que se escondem da presença de Deus. A
pergunta penetrante que Deus faz, “Onde estás?”, teve como propósito
expor essa fragmentação da personalidade de Adão e Eva.
O arrependimento consegue juntar de novo essa personalidade
dividida e, assim, restaura a integridade à vida. O verdadeiro ego se re
vela. Quando a pessoa orgulhosa se humilha, o ego inflado se submete
ao ego verdadeiro.
O ceticismo, por outro lado, se concentra na personalidade divi
dida das outras pessoas e em sua necessidade de arrependimento. Falta-
lhe a humildade que brota da atitude de se tirar primeiro a trave do
próprio olho. É o próprio Cristo quem diz: “Hipócrita! Tira primeiro a
trave do teu olho; e então enxergarás bem para tirar o cisco do olho do
teu irmão” (Mt 7.5).
Vemos essa mesma dinâmica na chegada de Davi ao acampamento
de Saul, quando foi levar comida para os irmãos mais velhos. Davi fica
surpreso ao ouvir Golias escarnecendo dos israelitas e de seu Deus. Fica
estarrecido ao ver que ninguém tem coragem de desafiar Golias e diz,
enfurecido: “Quem é esse filisteu incircunciso, para afrontar os exérci
tos do Deus vivo?” (ISm 17.26). Davi reage à ruptura entre a fé pública
de Israel e sua covardia no campo de batalha.
Davi tinha estado longe por um tempo, afastado da onda de ce
ticismo que dominava a sociedade de sua época, e cultivara uma rica
caminhada com o Senhor. A obscuridade de Davi o havia protegido do
espírito cético da época. Havia harmonia entre a fé que ele professava
publicamente e a atitude que adotava em sua vida privada. O norm al
na vida de Davi era andar na companhia de Deus pelo vale da sombra
da morte, onde matou leões e ursos com sua funda. Para ele, Golias era
como um grande urso. O resultado disso era que, para Davi, a incredu
lidade de Israel parece uma coisa estranha, fora de propósito.
Quando Eliabe, irmão mais velho de Davi, fica sabendo que o ca
çula está de papo com os soldados, zomba do menino: “Por que viesce
para cá e com quem deixaste aquelas poucas ovelhas no deserto? Eu
conheço o teu orgulho e a maldade do teu coração; pois desceste para
ver a batalha” (17.28). Eliabe, redondamente enganado, acha que co
nhece os motivos do irmão. Acha que Davi, entediado com as ovelhas,
está atrás de façanhas, instigando os soldados só para conseguir assistir
a uma batalha. A maneira como Eliabe vê os motivos de Davi provavel
mente reflete seus próprios motivos. Ele projeta em Davi seus próprios
motivos, e inescrupulosamente acusa o irmão caçula de ter segundas
intenções. Eliabe não tem um coração puro e pressupõe q^p Davi tam
bém não o tenha.
Essa mesma dinâmica pode ser observada no jardim do Éden.
Satanás acusa Deus de ter segundas intenções, quando, na verdade, é
ele quem distorce descaradamente as ordens de Deus em benefício pró
prio. A desconfiança é a semente que dá origem à rebeldia de Adão e
Eva contra Deus, assim como é a semente da nossa própria rebeldia.
Enquanto tenta desmascarar o pecado, o cético acaba por criá-lo.
Eliabe também vê a si próprio pelas lentes erradas. Ele tem um
conceito falso e arrogante de si mesmo. Zomba da função humilde de
Davi como pastor de ovelhas: “Com quem deixaste aquelas poucas ove
lhas no deserto?” Eliabe, o poderoso guerreiro, menospreza o trabalho
simples de seu irmão caçula de cuidar das ovelhas; mas o verdadeiro
Eliabe está se acovardando, assim como todos os demais israelitas do
acampamento.
Davi não leva em conta o sarcasmo de Eliabe e acaba recebendo a
bênção e a armadura de Saul. Mas o rapaz logo percebe que não con
seguirá lutar usando a armadura. Davi percebe que não pode ser o que
não é. Ele é um pastor de ovelhas, e não um guerreiro. Aquilo que ele
é por dentro e por fora têm que estar em harmonia. Ele é autêntico.
Davi pega seu cajado, junta cinco pedrinhas lisas de um riacho e
vai em direção a Golias. O gigante, enraivecido e insultado porque os
israelitas mandaram um simples menino para lutar com ele, não perce
be a funda e enxerga somente o cajado. “Por acaso sou algum cachorro,
para que venhas contra mim com pedaços de pau?” (17.43).
A resposta de Davi evoca o espírito de oração: “O Senhor salva,
não com espada, nem com lança; pois a batalha é do Senhor, e ele vos
entregará nas nossas mãos” (17.47). Davi aperta o passo. Quanto mais
se aproxima, maior é a velocidade das pedras e mais certeira é a ponta
ria. Golias mal consegue vê-las.
Assim como Davi, os puros de coração olham primeiro para suas
próprias motivações. Depois de terem confrontado seus próprios ursos
e leões no vale da sombra da morte, percebem com clareza como é
anormal Golias maldizer o Deus vivo. Por cultivarem o arrependimento
como um estilo de vida, os puros de coração desenvolvem integridade
de vida e têm suas próprias fissuras curadas. Ao reconhecerem o próprio
pecado, evitam a postura recriminatória e negativa do ceticismo.
A boa notícia é que, se seguirmos a Jesus, não teremos que ser es
cravos do espírito da época em que vivemos. Não teremos que ser defini
dos pela nossa sociedade. Como Paulo em Filipo, entoaremos cânticos
mesmo na prisão (veja At 16.25). Como Davi, diante de circunstâncias
impossíveis, usaremos tranquilamente cinco pedrinhas lisas.
Quanto ao sexto tipo de cura para o ceticismo, eu o deixei para o
próximo capítulo.
C a p ítu lo 11
P R OC U R E ------
DE V E R
ÚE JESUS
APRENDENDO
A PEDIRÃO
PAI
C a p ítu lo 12
1 N. T. Wright, The Crown an d the Fire. Grand Rapids: Eerdmans, 1992, p. 42.
2 Como exemplo dessa atitude em uma cultura não ocidental, podemos citar o fato de
que o imperador japonês ora publicamente em monumentos feitos em memória dos
espíritos dos soldados japoneses mortos na Segunda Guerra Mundial.
Como isso aconteceu? Se voltarmos o bastante no tempo, veremos
que esse “eles”, presente nas palavras de Emily, surgiu com o Iluminis-
mo do século xvm. Durante esse período da história, os intelectuais de
destaque resolveram que não precisavam mais de Deus. Como é mos
trado no gráfico abaixo, pensadores como Kant dividiram o mundo
em sentimentos — coisas que são verdadeiras somente para mim — e
fatos — coisas que são verdadeiras para todos. Kant incluiu a oração e
a religião em meio a outras coisas sobre as quais também não podemos
ter certeza como, por exemplo, o amor, o certo e o errado.3
Essas coisas pertencem ao mundo sensível da opinião pessoal refle
tido na metade superior do gráfico. Na metade inferior, estão as coisas
sobre as quais temos certeza, por exemplo, coisas materiais, como árvo
res e carros. Essas coisas são vistas por todos e tidas como reais — como
verdadeiras para todo mundo.
seníim enios
“tudo o que é verdadepara mim’ j
/ apeSSO
al ísfeta<s1\Cll(líÕ0
'CU'ar f „irH“ai' '\
Co‘*a> Livros d e fic ç ã o
FATOS
"tudo o que é verdade para todos" '
O poder do Iluminismo
Antes do Iluminismo, os primeiros cientistas ocidentais relatavam em
suas anotações que oravam. Johannes Kepler, o astrônomo dinamarquês
4 Pearcey, p. 106.
5 C. S. Lewis, Surprised by Joy. Nova Iorque: Harcourt, 1955, p. 170. [Publicado em
potruguês pela Editora Mundo Cristão sob o título Surpreendido pela alegria.]
6 Walter Hooper, C. S. Lewis: A Complete Guide to His Life & Works. Nova Iorque:
HarperOne, 1998, p. 583.
que descobriu as leis sobre o movimento dos planetas, anotou que esta
va “pensando os pensamentos do próprio Deus”.7 Era comum Newton
e outros cientistas darem glórias a Deus em seus escritos.
Ironicamente, a ciência moderna só é possível porque o cristia
nismo ensinou que Deus criou um mundo separado dele mesmo. Se o
mundo é algo separado, então podemos investigá-lo.
Algumas culturas antigas foram incapazes de investigar o mun
do de forma mais séria porque seus deuses eram inseparáveis do mun
do. Por exemplo, Baal, o deus dos cananeus, é o deus do trovão e da
tempestade. Quando troveja, estamos ouvindo a Baal. Se o trovão é o
próprio Baal, então não existe nada a ser investigado. Esses deuses se
confundem com o mundo.
Até mesmo os gregos antigos, que pareciam ter mais intimidade
com a ciência do que qualquer outro povo, não se tornaram cientistas
de verdade por suspeitarem que a matéria era o caos. Faltava-lhes a vi
são judaico-cristã que acredita que Deus criou um mundo separado de
si mesmo, tendo a sabedoria por companheira (veja Pv 8.22-31).
O secularismo é uma crença de caráter religioso que é fruto da arro
gância em relação às conquistas humanas, em particular, às descobertas
científicas. Ele se faz passar por ciência ou realidade, opondo-se à religião,
à qual atribui o status de opinião. O secularismo reivindica ter-nos brin
dado com a ciência quando, na verdade, esse papel coube ao cristianismo.
Gostaria de fazer uma demonstração rápida do poder do Iluminismo.
Quase todas as faculdades americanas mais conceituadas, assim
como algumas centenas de universidades, foram fundadas como insti
tuições cristãs. No entanto, sob a influência do secularismo, acabaram
deixando de lado a fé cristã. O mesmo aconteceu com a fé judaica
ortodoxa. Ela sobreviveu às tentativas de extermínio pelas mãos de
faraó (Moisés), dos filisteus (Davi), dos sírios (Elias), dos babilônios
(Daniel), dos persas (Ester) e dos samaritanos (Esdras). Sobreviveu aos
Peter Jennings, que foi âncora da rede de televisão ABC nos Esta
dos Unidos, costumava dizer aos repórteres: “Quando perguntarem a
alguém: ‘O que tirou você dessa crise?’, e a pessoa responder, ‘Deus’, ja
mais retruque: ‘Deixe de brincadeira, vai. O que de fato ajudou você?”’8
Jennings tinha consciência de que a densa névoa do Iluminismo tentava
nossas elites culturais a desprezar o valor da oração e da ação de Deus.
Charles Malik, grego ortodoxo, filósofo, teólogo e diplomata, des
creve com muita percepção o espírito do Iluminismo:
N ada pode estar mais distante nem ser mais estranho à índole do ser
hu m ano atual do que o clam or angustiado de D avi: “C lam o a ti desde
a extrem idade da terra; m eu coração está abatido; leva-m e até a rocha
que é m ais alta d o que eu .” O ser h u m ano atual não reconhece tal
rocha, e essa é a fo n te de toda sua alienação e tragédia.9
11 Dana Tierney, “Coveting Luke's Faith,” The New York Times M agazine (11 de ja
neiro de 2004).
de Davi”, quando viram Jesus em forma humana no templo, nós tam
bém, se nascermos de novo e nos tornarmos com o elas — intuitivas,
puras, simples, diretas, receptivas, abertas — conseguiremos passar da
criação ao Criador (...) Com isso, quero dizer que o coração tem cer
teza absoluta de que, além de tudo isso que vemos (...) existe Alguém
que criou o mundo e continua a sustentá-lo. A “força” que os bebês e
as crianças na fé demonstram por meio da declaração simples, direta e
resoluta, envergonha a força dos inteligentes e poderosos.12
12 Malick, p. 69.
13 Albert Einstein, “Einstein to Phyllis Wright”, 24 de janeiro de 1936, AEA 52-337,
citado em Walter Isaacson, Einstein: His L ife an d Universe. Nova Iorque: Simon &C
Schuster, 2007, p. 388.
C a p ítu lo 13
P OR QUE PODEMOS
PEDIR?
CERTA VEZ FUI A Londres dar um curso sobre oração numa igreja
composta de pessoas que haviam sido hindus, muçulmanas e siques.
No domingo de manhã, após o curso e logo no começo do culto,
Asha, uma senhora que havia sido hindu, se aproximou de mim e per
guntou se eu poderia orar por sua neta de doze anos, que não se dava
bem com os pais e queria morar com ela. Respondi: “Claro. Vou orar
por sua neta”. Asha entrou discretamente no culto, pegou a neta e fez
sinal para que eu entrasse numa sala ao lado, e ali orasse pela menina.
Depois da oração, voltamos para o culto. A coisa toda não levou mais
que uns dois minutos.
Nos Estados Unidos, poucas pessoas se aproximariam de um pas
tor visitante, a quem tivessem acabado de conhecer, e pediriam a ele
que orasse por sua neta, bem ali, na mesma hora. Um comportamento
assim pareceria inconveniente, egoísta, impróprio. Nossa visão de ora
ção como algo particular e pessoal nos impede de chamar alguém para
orar num canto.
Alguns de nós até se aproximariam do pastor visitante para pedir
um conselho. Estaríamos prontos a admitir nossa falta de conhecimen
to; contudo, jamais pensaríamos que o pastor tivesse acesso ao poder
divino. Mesmo porque, para nós, isso não faria a menor diferença, pois
confiamos na ciência, e não em Deus. A questão do poder — da ca
pacidade de fazer diferença, de mudar alguma coisa — é o que está no
centro de um pedido de oração.
A cultura de Asha nunca havia lhe ensinado que a oração é um ato
particular e pessoal, e foi por isso que, publicamente e sem se envergonhar,
ela buscou o poder de Deus para resolver o dilema que estava passando.
Por não ter sido contaminada pelo Iluminismo, e por estar ciente de que
“este mundo é do meu Pai”, ela não hesitou em me pedir que orasse.
Asha trazia na mente outra ideia que não é ocidental, a de que
algumas pessoas têm mais poder diante de Deus. Qualquer asiático
dirá que isso é verdade. Os africanos concordam com essa ideia, assim
como os latino-americanos. Os únicos que não concordam com ela
são os americanos e europeus. Reconhecemos essa diferença de “poder”
em outras áreas da vida. Por exemplo, aceitamos que alguns consulto
res financeiros e médicos sejam melhores que outros. Porém, em nossa
sociedade igualitária, nem nos passa pela cabeça a ideia de que isso
também seja verdade no mundo espiritual.
Porém, ao contrário do que acontece no caso dos especialistas aci
ma mencionados, o poder da oração resulta de admitirmos nossa fra
queza. Para nos ensinar a orar, Jesus contou histórias de pessoas fracas,
pessoas que sabiam ser impossível viver apenas por suas próprias forças.
A viúva insistente e o amigo que procura por pão à meia-noite conse
guem ser ouvidos não por serem fortes, mas por estarem desesperados.
Um sábio desespero encontra-se no cerne da vida de oração.
"O Senhor
(pesso a l)
Também vemos esse mesmo deslumbramento em Salomão, na
oração que ele faz para a dedicação do templo, quando pensa no Deus
infinito que habita pessoalmente entre nós. “Mas, na verdade, habitaria
Deus com os homens na terra? Nem o céu e os céus dos céus podem te
conter; muito menos este templo que te edifiquei!” (2Cr 6.18). Por ser
infinito e pessoal, Deus ouvirá “o clamor e a oração que teu servo faz
diante de ti” (6.19).
O Deus do universo
( in f in it o )
•*--------------------------------------►
com o contrito e
humilde de espírito"
(p e s s o a l )
1 Isaacson, p. 389-
3 Albert Einstein, “Einstein to Herbert S. Goldstein,” 25 de abril de 1929, AEA 33-
272, citado em Walter Isaacson, Einstein: His Life an d Universe. Nova Iorque: Simon
& Schuster, 2007, p. 551.
C a p itu lo 14
O QUANTO DEUS
Aquele escritor “espiritual”, que diz que não devemos orar para
que a casa em chamas não seja a nossa, transformou a oração em um
jogo no qual um lado tem que perder para o outro ganhar. Um carro de
bombeiro na rua não significa necessariamente que uma casa esteja em
chamas. Há outras possibilidades. Talvez um gato esteja preso em cima
de uma árvore. Talvez alguém tenha se machucado. A raiz da questão é
que o escritor espiritualizou demais a oração. Ele se rende a Deus com
tanta rapidez que desaparece como pessoa. Quando Jesus, no Getsêmani,
ora “afasta de mim este cálice”, está sendo autêntico. Os cristãos passam
apressadamente para o “não seja feita a minha vontade, mas a tua”,
sem antes derramar seu coração diante de Deus (Lc 22.42). Rendem-se
com tamanha pressa que desaparecem. Espiritualizar demais a oração
é reprimir o desejo natural de que não seja a nossa casa pegando fogo.
E quando deixamos de ser nós mesmos com Deus, nossa conversa com
ele deixa de ser honesta.
O pensamento desse escritor tem raízes no neoplatonismo, uma
corrente de pensamento da Grécia antiga que tirou a ênfase do mun
do físico. Os estoicos gregos se orgulhavam da capacidade de não se
deixarem perturbar diante da vida; Sócrates, imperturbável, bebeu o
cálice de veneno que lhe fora dado pelos carrascos. O neoplatonismo se
infiltrou dentro da igreja, fazendo da espiritualidade um sinônimo de
repressão de desejos e emoções. É por isso que, em muitos filmes, Jesus
é retratado como um homem estranho e meio afeminado. Ele caminha
a passos lentos, fala pausadamente e se move bem devagar. Dá até von
tade de lhe dar uma espetada com um alfinete.
Agostinho, um dos mais importantes pais da igreja, foi influen
ciado por essa filosofia. Ele escreveu: “Nada peçam a Deus, exceto ele
mesmo”.2 Agostinho tinha razão em metade do que disse. Jonathan
Edwards e seu discípulo John Piper nos lembram que o melhor pre
sente que recebemos de Deus é ele mesmo. Porém “nada peçam a
Deus” é uma perspectiva sem ligação com a vida real. Deixe-me
explicar isso melhor.
Imaginemos um marido que ame muito a esposa. Ele supre suas
necessidades. Ouve o que lhe vai no coração. Ele é o maior presente que
ela tem neste mundo. Como ela reagiria se o marido lhe dissesse: “Não
peça nada a mim. Sou seu melhor presente”. Quando apresento esse
quadro em meus cursos de oração, os participantes caem na gargalhada.
O amor do marido pela esposa não o desobriga de responder de modo
prestativo e generoso a seus pedidos. Se separarmos nossas necessidades
neste mundo (o fazer) da dádiva maior de Deus — de sua presença
amorosa (de seu ser) — estaremos espiritualizando demais a oração.
Se não pedirmos nada a Deus, ficaremos à deriva num mundo de
maldades. Uma atitude dessas talvez pareça espiritual porque tem um
certo ar de desprendimento, mas não é bíblica, pois separa o mundo
real, o mundo dos nossos desejos, do mundo de Deus. E assim o reino
não poderá vir porque estará pairando no ar, distante de nós.
Ao desacreditar os mundos físico e espiritual, o neoplatonismo
agiu do mesmo modo que o Iluminismo. A única diferença é que o
Pijama e leite
Minha primeira experiência com uma resposta de oração foi incen
tivada por minha mãe, quando eu tinha nove anos de idade e estava
precisando de um pijama. Havíamos acabado de mudar do interior
da Califórnia para São Francisco, onde meu pai conseguiu emprego
de jornalista em uma fundação. O preço de moradia nos pegou de
surpresa, e nossa família de sete pessoas teve que se espremer em um
bangalô de dois quartos, ao sul de São Francisco. Por causa da falta de
espaço, eu dormia numa cama estreita de lona, na varanda da casa, que
ficava de frente para as colinas. Achava o máximo, pois meu sonho era
ser guarda florestal. O único problema é que a varanda não era coberta.
Minhas irmãs trancavam a porta à noite, e quando chovia, nem sempre
me escutavam chamar. Com o tempo, descobri que poderia dormir na
chuva se deitasse em um dos lados da cama, e deixasse a água empoçar
no meio da lona. Só precisava ter cuidado para não rolar para o meio da
cama. No inverno, eu ia para dentro de casa e dormia num espaço bem
apertado, que ficava no corredor, embaixo da clarabóia. Ter um pijama
para usar, portanto, era algo de suma importância para mim.
Quando disse à minha mãe que precisava de um pijama, ela su
geriu que eu orasse pedindo um. E orei. Dentro de uma semana, um
pijama vermelho, enviado por amigos, chegou pelo correio. Duas se
manas depois, recebi outro pijama pelo correio. É a mais pura verdade.
Não me lembro de ter ganhado nunca mais pijamas de presente, nem
antes nem depois dessa época. Minha resposta de oração fora tão clara,
tão rápida, que não podia ser ignorada. Deus se preocupa com coisas
como pijamas.
Ele também se preocupa com coisas simples como despejar leite
numa tigela de cereal. Todas as manhãs, na hora do café, oro silen
ciosamente enquanto a Kim despeja leite na tigelinha de cereal. Sua
visão monocular lhe tirou a percepção de distância; por isso, para ela,
mirar um ponto é algo difícil. Assim que ela começa a despejar o leite
na tigela, a deficiência motora a impede de parar, e como não gosta de
palpites, não obedece quando a mando parar. O resultado é a mais pura
expectativa, todos os dias. A JilI normalmente sai da cozinha quando a
Kim aparece com o litro de leite. Deus se preocupa com coisas simples
como despejar o leite em uma tigela. Ele sempre está ali, presente em
nossas vidas.
Será que isso quer dizer que todos devemos orar quando estiver
mos despejando leite numa tigela? Claro que não. Espero que a essa
altura da vida você tenha aprendido a encher um copo ou uma tigela
com leite! Saber fazer isso não é uma necessidade para você. Mas é para
a Kim, e por isso oramos. Não somos mais espirituais por isso; essa é
apenas mais uma das pequenas jornadas de oração que eu e a Kim per
corremos todos os dias.
Um momento de encarnação
A maravilha de um Deus infinito e pessoal é revelada na encarnação,
mais do que em qualquer outro acontecimento. Nada poderia nos pre
parar para o nascimento de Deus: um bebê judeu, rechonchudinho,
cabelos escuros e encaracolados, nascido no outono ou inverno do ano
5 a.C., numa gruta de pastores de ovelhas que ficava na encosta de uma
colina, na cidade de Belém, na província romana da Judeia, situada no
oeste da Ásia. É algo tão sem igual que confunde a mente. É como se
Deus tivesse achado uma vaga para estacionar, um lugar e um tempo
específicos onde seu amor tocaria o mundo.
A oração é um momento de encarnação — é Deus conosco. É
Deus envolvido nos pormenores da minha vida. Li outro livro sobre
oração que seria nota dez, se o autor não tivesse dito que o objetivo
principal da oração é nós nos aproximarmos de Deus, e não Deus res
ponder às nossas orações. Como exemplo, o autor menciona que “na
época em que a taxa de mortalidade infantil era alta, as mães oravam
desesperadamente para que seus filhos não morressem na infância. A
medicina moderna deu fim a essas orações no Ocidente”.3 Pode ser.
Mas também pode ser que a medicina moderna tenha se desenvolvido
O mistério da oração
Quando oramos, algo de misterioso acontece nos caminhos ocultos e
sinuosos da vida. Se tentamos solucionar esse mistério, ele se esquiva de
nós. É um verdadeiro enigma.
Como uma criança autista, só conseguimos ter uma visão limitada
de como a oração funciona. Ao cumprimentar as pessoas, a Kim não
olha de frente para elas, mas apenas com o canto dos olhos. Segundo
alguns especialistas, para os autistas, olhar diretamente nos olhos das
pessoas é penoso.
Existem várias coisas na vida que não podem ser olhadas de frente.
Na física quântica, não conseguimos observar a velocidade e a massa de
uma partícula ao mesmo tempo. A relação sexual é linda no casamento;
mas quando se torna objeto de observação se transforma em pornografia.
O ato de observar altera a intimidade sexual. Há certas coisas que sim
plesmente desaparecem no ar, quando tentamos captá-las ou observá-las.
Estudos que tentam provar que a oração funciona não entendem
a natureza da oração. Isso seria algo tão estranho quanto alguém tentar
provar que está vivo ou tentar medir o amor. Deus é uma pessoa, e seu
universo reflete seu caráter pessoal. E quanto mais algo se aproxima do
caráter de Deus, mais reflete o Senhor e menos pode ser medido. Coi
sas como integridade, beleza, esperança e amor estão enquadradas na
mesma categoria da oração. Podemos sentir sua presença e até mesmo
descrevê-las, mas não podemos defini-las, simplesmente por estarem
tão próximas da imagem de Deus.
A presunção de que conseguimos descobrir como as coisas fun
cionam é baseada no princípio iluminista de que todas as coisas não
passam de matéria e energia. Essa definição de “todas as coisas” deixa
de fora tudo o que é importante na vida, como o amor, a beleza e as
pessoas. As coisas mais preciosas da vida não podem ser medidas nem
observadas diretamente; porém, cremos que elas existem tanto quanto
cremos na existência do sol e da lua.
Em 1983 começamos a orar para que a Kim aprendesse a falar.
Ela estava com um ano e meio nessa época. Sem que soubéssemos,
engenheiros de uma fábrica de computadores do estado de Ohio esta-
vam criando o primeiro computador com sintetizador de voz de fácil
acesso. Quatro anos depois a Kim falou sua primeira palavra eletrônica
— M cD onald’s. Hoje ela usa a terceira geração de um desses computa
dores, o Pathfinder.
Alguém pode discordar, dizendo: “Esse tipo de computador teria
sido inventado de qualquer maneira, mesmo se não tivessem orado”. É
verdade que, muitas vezes, em se tratando de respostas de oração, quan
do analisamos os fatos tudo parece se encaixar perfeitamente, como
se aquilo fosse acontecer de qualquer maneira. Mas olhar para trás é,
na verdade, colocar-se na posição de Deus, presumindo saber como
tudo funciona. Quem é como criança diz: “Senhor, meu coração não
é arrogante, nem meus olhos são altivos; não busco coisas grandiosas e
maravilhosas demais para mim” (SI 131.1).
A oração é algo incrivelmente íntimo, pessoal. No exato mo
mento em que alguém pega uma resposta específica de oração e tenta
descobrir como ela aconteceu, deixa Deus de fora. Simplesmente não
conseguimos enxergar as ligações de causa e efeito entre nossas ora
ções e seus resultados. Mas veja bem; isso não acontece apenas com a
oração. Nenhuma das coisas boas da vida tem essa linha causai visível.
Por exemplo, o amor abnegado, aquele que não recebe crédito nem
recompensa, é algo totalmente irracional para as elites intelectuais,
pois náo há uma ligação visível entre o que o amor oferece e o que
recebe em troca. No entanto, a sociedade “se prostra em adoração aos
pés do amor”.6 Por exemplo, quando a madre Teresa de Calcutá falou
às elites intelectuais de Harvard, foi aplaudida de pé.7 O amor, assim
como a oração, só faz sentido quando percebemos que é um reflexo
da imagem de Deus.
A incapacidade de ver essa ligação entre causa e efeito é algo intrín
seco à natureza da oração, pois ela é diretamente o agir de Deus. Tentar
dissecar como a oração funciona é o mesmo que usar uma lupa para
descobrir porque uma mulher é bela. Se transformarmos Deus em um
O QUE FAZER C O M
AS E X U B E R A N T E S
PROM ESSAS.DE
C RI ST©~£ jQBRE
A ORAÇÃO?
O que Jesus de fato está dizendo é: “Peça-me para fazer qualquer coisa
por você na minha área de atuação, e eu a farei.”(...) Se quisermos ter
um testemunho eficaz, devemos recorrer à ajuda de Deus por meio da
oração, e pedir que seja feita apenas a vontade dele, e não a nossa. Só
então nossas orações serão respondidas.1
Pedir algo “em nome de Jesus” não é mais uma coisa que preciso
fazer direito para que minhas orações sejam perfeitas. É mais uma
dádiva de Deus por minhas orações serem tão imperfeitas.
N ã o P ed ir P ed ir c o m eg o ís m o
EU
I
DEUS
A ntíd o to : A n t Id o t o :
P e d ir c o m o u s a d i a . E n t r e g a r - s e p o r c o m p le to .
“Aba, Pai, tudo te é possível. '..todavia não seja o que eu quero,
Afasta de mim este cálice.'' mas o que tu queres".
De volta a Jesus
Agora que entendemos uma das estruturas básicas da oração ainda temos
que lidar com a exuberante promessa de Jesus: “peçam o que quiserem”.
Por que ele não trouxe mais moderação para essa promessa, se de fato era
isso que ele pretendia dizer? Acho que é porque nós não somos equilibra
dos. Por instinto, ou confiamos em nós mesmos ou perdemos a esperança.
E nos dois casos, ficamos paralisados, sem dar um passo sequer em
direção a Deus. Então, como um pai cujo filho pequeno está correndo
para longe, Jesus grita: “Meu Pai tem um grande coração. Ele se inte
ressa pelos detalhes da sua vida. Peça o que você precisa e ele lhe dará”.
Jesu s q u er q u e possam os co n h ece r o co ração g eneroso de seu Pai.
Q u e r nos ver ab rin d o m ão de to d a a c o n fia n ça q u e tem o s em nós m es
m os, pois “sem (Jesus) nad a podeis fazer”; espera q u e ten h a m o s c o n
fiança ab so lu ta nele, p ois “q u em p erm an ece em m im e eu nele, esse dá
m u ito fru to ” (Jo 1 5 -5 ).
Tudo o que Jesus ensinou sobre a oração nos evangelhos pode ser
resumido em uma palavra: peça. A maior preocupação do Mestre é que
nossa falta de fé ou hesitação em pedir nos distancie de Deus. Mas não
é só por isso que Jesus nos manda pedir o que queremos. Deus quer nos
dar bons presentes. Ele adora presentear.
Na parábola da viúva persistente (veja Lc 18.18), Jesus conta que
um juiz injusto virou as costas para a viúva desamparada. Como a se
nhora continuou a incomodar o magistrado, ele finalmente cedeu, não
por dó, mas por olhar de modo realista para seus próprios interesses.2
Se ele não resolvesse o problema da mulher, ela faria da vida dele um
tormento só. Se até um juiz injusto socorre uma viúva, seu Pai não fará
o mesmo por você?
Na parábola do homem que bate à porta do vizinho, à meia-noite,
em busca de pão, porque um amigo chegou (veja Lc 11.5-8), o vizinho
grita em resposta, pedindo que ele pare de incomodar quem já está na
cama. Por fim, resolve que, como não “dá pra dormir com um barulho
desses”, o melhor é se levantar e dar ao homem os três pães, nem que
seja só para o outro dar sossego. Assim como o juiz injusto, esse vizinho
podia não ser generoso, mas não era bobo.
Por que ele pediu três pães? O primeiro é para dar ao amigo que
chegou à meia-noite. O segundo é para ele mesmo, pois não vai deixar
o outro comer sozinho. E quando o amigo terminar de comer, ele po
derá lhe oferecer o terceiro pão como demonstração de sua generosida
de. O homem não quer parecer uma pessoa mesquinha. Sua reputação
e a reputação da comunidade estão em jogo. Ou seja, o primeiro pão é
para saciar a necessidade física de seu amigo. O segundo é para saciar
sua necessidade relacionai, sua necessidade de viver em comunidade. O
terceiro é para saciar sua necessidade íntima de ser amado. Nós temos
um Deus que nos dá três pães. Ele adora nos presentear.
Orações respondidas
Quando faço um balanço da minha vida, a afirmação de Jesus, “Se me pe
dirdes alguma coisa em meu nome, eu a farei” faz todo sentido (Jo 14.14).
Para explicar melhor, vamos dar uma olhada em minhas fichas de ora
ção. (Depois explico por que uso fichas, em vez de listas.) Na ficha de
meu filho John, tenho cinco pedidos de oração; quatro deles foram
claramente respondidos. Mantenho uma ficha separada para os pedidos
relacionados ao emprego dele. Alguns meses depois de eu começar a
orar, Deus respondeu de modo fantástico meus pedidos pelo John. A
ficha da Emily tem seis pedidos. Deus já respondeu a cinco deles. Em
outra ficha, anotei mais sete pedidos em favor dela. Deus respondeu a
todos. Estou quebrando a cabeça sobre o que orar pela Courtney, pois
Deus já atendeu quatro dos meus pedidos por ela, e agora não sei mais
pelo que orar.
Em um dos nossos seminários sobre oração, um senhor que lutava
com a típica incredulidade cristã, que todos conhecemos bem desde o
Éden, questionou se essas respostas não eram apenas um reflexo da lei
das probabilidades. Ou seja, uma porção de coisas acontece natural
mente, com o passar do tempo. Será que talvez eu não estava dando
créditos a Deus por algo que viria a acontecer de qualquer maneira?
Excelente pergunta. Agradeci sua coragem de verbalizar o que muitos
de nós pensamos, mas não ousamos colocar em palavras.
Eu não quis entrar em um debate teórico com ele, então, compar
tilhei minha vida e comecei a descrever direitinho como Deus vinha res
pondendo às minhas orações. “Como o senhor explica todas as respostas
que recebi ao orar por meus filhos? Não são apenas probabilidades.”
Durante o intervalo, ele retomou o questionamento. Para que o homem
tivesse um exemplo concreto, mostrei uma das fichas de oração de um
dos meus filhos. Ele perguntou se poderia pegar uma ficha aleatoria
mente, suspeitando que eu pudesse manipular a prova com uma ficha
“boa”. Respondi que sim. Sem olhar, o homem abriu as fichas em leque
e colocou o dedo em um pedido de oração, que foi feito há um ano.
Ele não poderia ter escolhido uma resposta mais espetacular. Contei-lhe
como Deus havia respondido àquela oração. Junto com a resposta, veio
um presente, algo que eu nem havia pedido: cinqüenta mil dólares para
nos ajudar a implantar um ministério de oração em tempo integral. O
homem se afastou pensativo. Talvez Deus esteja vivo mesmo.
Ontem mesmo recebi três respostas claras de oração. É uma esta
tística alta para um dia normal, mas não é incomum. Três das respostas
envolvem pessoas por quem oro especificamente a respeito de algum as
pecto do caráter de Cristo em suas vidas. Outra resposta foi pela cura de
nosso contador, que há um ano e meio luta contra uma fadiga crônica
severa. Ele não teve nenhuma resposta impressionante até agora, apenas
um diagnóstico de melhora. A última resposta foi este capítulo. Faz me
ses que batalho para escrevê-lo e, finalmente, ontem tudo se encaixou.
Vejo que quanto mais perto minhas orações chegam do coração
de Deus, mais poderosas e rápidas são as respostas. Três das respostas
relacionadas aos pedidos sobre semelhança ao caráter de Cristo vieram
de maneira particularmente extraordinária, duas delas por meio de te
lefonemas de meus filhos. Um deles compartilhou como Deus o havia
libertado de um comportamento idólatra; o outro contou que havia se
arrependido por ser tão egocêntrico. Eu não tinha conversado com ne
nhum deles sobre essas questões. A única pessoa com quem falei foi
com Deus. Ele também estava trabalhando com a natureza rude da ter
ceira pessoa por quem orei. Deus havia permitido que essas três pessoas
passassem pelo sofrimento; isso revelou seus corações, permitindo que
vissem seu pecado. O Pai se alegra em trazer seus filhos para a vida do
Filho, para sua vida, morte e ressurreição. Ele quer que permaneçamos
firmes na videira. Este é o jeito do Pai.
Quando estamos mergulhados em nossas orações, podemos ver
claramente o agir de Deus, mas geralmente é difícil explicar isso a
alguém de fora. Às vezes não podemos explicar, pois a explicação iria
envergonhar a pessoa desnecessariamente. Outras vezes é difícil explicar
porque você tem que ser parte da história para entendê-la. Para que o
Espírito trabalhe, ela tem de permanecer oculta.
Jesus disse que até o ato de orar deve ser secreto (veja Mt 6.5,6).
Explicou que o reino é como um tesouro escondido em um campo
ou uma semente enterrada no chão. A vida de Cristo na Terra — do
nascimento à morte — teve essa mesma característica. No entanto, de
um ponto de vista puramente secular, sua vida foi a mais influente da
história mundial. Ninguém jamais chegou perto de sua influência.
Mas ainda hoje, a presença de Jesus na Terra continua a ter essa carac
terística. Está submersa, oculta na vida de seus seguidores.
ALG O Q U E NÃO
PEDIMOS A DEUS:
"O PÃO N O S S O
DE C A D A DIA"
NA IGREJA, QUASE TODOS os pedidos de oração se limitam a doen
ças, pedidos de emprego, problemas com os filhos e, talvez, um ou
outro pedido em favor de um missionário. Porém, a oração de Jesus
pelo pão diário foi um convite para que levássemos a ele todas as ne
cessidades. No grego, “o pão nosso de cada dia nos dai hoje” é uma
expressão meio obscura, que literalmente significa “nos dai hoje o pão
de amanhã”.' Isso nos dá ideia do tipo de fartura que Deus quer trazer
às nossas vidas. Creio que nossa geladeira e nossa conta bancária já
tenham hoje o “pão de amanhã”.
Só uma vez na vida eu e a Jill não tivemos hoje o pão de amanhã.
Eu era estudante em período integral na faculdade e sustentava com
um emprego de meio período, como pintor de parede, minha pequena
família (Courtney, nossa primeira filha, tinha um ano de idade).
No dia 1 de janeiro de 1975 não tínhamos comida nem dinheiro
nem trabalho. Vendemos nossos livros, joias e até os anéis de formatura.
(z^OtriO <>*UUliiXíWA£Í/trdUju
------- (Jccê/âjUx> doK o pahíajaé IhJUUoJL?
2 Albert Einstein, citado em George Viereck, “W hat Life Means to Einstein,” The
Saturday Evening Post (26 de outubro de 1929): p. 117.
ALGO QJJE NÃO
P lú s:
‘V í n h a D~t E u r e in o "
QUANDO ORAMOS "VENHA O teu reino”, temos feito coisas es
tranhas e, com isso, mantido à distância o senhorio de Cristo. Às vezes
espiritualizamos o reino, achando que ele está ligado apenas ao que é
espiritual. Em outras ocasiões, identificamos o reino com instituições
cristãs. Embora o reino esteja presente nessas instituições, elas são ape
nas uma expressão do reino.
Veja abaixo uma lista parcial das orações relacionadas ao reino que
dificilmente fazemos:
E N T R E G A TOTAL:
“S E J A- F EI TA À
TUA V O N T A D E ”
b ém tinha.
Oferte em segredo
A bre- se nova
PORTA DE ORAÇÃO
Ajunte tesouros / p
no céu
PARTICIPANDO
DA HISTÓRIA
DO PAI
C a p ítu lo 19
OBSERVANDO
O DESENROLAR
DA H I S T Ü R Í Â
Hockey no gramado e fé
Uma palavra resume nossas orações pela Emily: fé. Desejamos que a
força de sua vida venha de Deus, e não das pessoas ou coisas que a cer
cam. Queremos que ela permaneça em Cristo. Vejam a história a seguir,
fruto de nossa oração.
A Emily adora jogar hockey no gramado, um jogo parecido com
o hockey no gelo, só que menos agressivo, e só requer onze jogadores
no campo. Na época da Emily, a equipe feminina da escola dela era
ótima e muito bem treinada. O time normalmente vencia em sua divi
são e quase sempre participava do campeonato estadual. O técnico era
excelente, embora a Emily achasse que ele favorecia algumas jogadoras.
Num certo ano, Emily e suas amigas não estavam entre as favoritas, e
muitas vezes ela ficou o jogo inteiro no banco de reservas.
Certo dia, a mãe de uma jogadora, sabendo que o técnico esta
va deixando as meninas de “molho” no banco, perguntou, enquanto
conversávamos no ginásio de esportes: “Não é demais o que o técnico
vem aprontando? Você não fica louco da vida?” Respondi: “Na verdade,
não. Somos agradecidos porque a Emily está passando por essa pequena
decepção enquanto está sob nossos cuidados. É uma oportunidade ma
ravilhosa para ela crescer na fé. Ela aprenderá muito mais sobre Deus
no banco de reservas do que em campo”.
Essa mãe esperava que eu e a JilI ficássemos furiosos com o que
estava acontecendo com a Emily. O objetivo dela para sua filha estava
voltado para a realização da menina. Nosso objetivo estava voltado para
a fé da Emily. Por isso, víamos o esporte apenas como outro modo de
nossa filha aprofundar suas raízes em Deus. Eu via o banco de reservas
como uma resposta às minhas orações diárias para que a Emily não
amasse o mundo nem as coisas do mundo.
Não me interprete mal. É lógico que eu gostaria que minha filha
jogasse mais. O coração me doía ao olhar para o banco de reservas e
vê-la sentada o jogo inteiro. No entanto, a decepção era abrandada pela
certeza de que ficar no banco era uma excelente lição para a vida. A vida
está mais para ficar sentado no banco do que para ser a estrela do time.
Perguntei se Emily queria que eu conversasse com o técnico, e ela
respondeu que cuidaria disso sozinha. Falou com ele em várias oca
siões, sem muito resultado. Contudo, fiquei exultante em ver que ela
conseguiu conversar abertamente com um adulto sobre o que parecia
uma injustiça.
Conversar com alguém que está acima de você e que de fato pode
estar sendo injusto com você aum enta suas chances de ser ainda mais
marginalizado. Aquela foi mais uma oportunidade para a Emily não vi
ver de acordo com os caminhos do mundo. Foi outra resposta de oração.
No ano seguinte, durante as férias, Emily foi conselheira num
acampamento evangélico, e sua fé cresceu a olhos vistos. Ela nem par
ticipou do acampamento do time de hockey. Quando voltou para casa,
ela não sabia se conseguiria jogar bem naquela temporada. O melhor
de tudo é que não estava preocupada com o que as amigas e o técnico
pensavam. Sabe o que aconteceu? Ela nunca jogou tão bem quanto na
quele último ano do colegial. Perguntei-lhe o motivo, e ela respondeu:
“Não ligo mais para o que os outros pensam. Quero ser eu mesma”.
Porque estávamos orando com diligência pela Emily, consegui
mos enxergar a grande trama que Deus estava tecendo por meio das
decepções que ela passava. Deus permitiu um pouco de sofrimento na
vida da Emily para que sua alma se ligasse à dele. Ninguém trabalha
como Deus!
C a p ítu lo 20
A M O R DE PAI
Guatemala
Em setembro de 2007, eu e a Emily caminhávamos pelo quintal de
um orfanato na Guatemala, onde ela passaria nove meses. Enquanto o
sol se punha, ainda era possível enxergar a cerca de arame farpado no
topo do muro de três metros que cercava a propriedade. A Emily havia
decidido não começar a faculdade, e ir trabalhar com quarenta e cinco
crianças órfãs em Villa Nueva, na Guatemala. O orfanato ficava numa
favela, cercado por gangues.
Havíamos incentivado nossa filha a ir não somente porque o
orfanato precisava de ajuda, mas também para afastá-la dos ídolos da
adolescência: esportes, rapazes, aparência e amigos. Acima de tudo,
queríamos que crescesse na fé, que permanecesse em Cristo. A disposi
ção da Emily de ir para a Guatemala foi outra resposta às nossas orações
para que ela não amasse o mundo; no entanto, grande parte da oração
continuava sem resposta.
Enquanto caminhávamos, de repente a Emily fez um comentário
ríspido sobre o fato de eu não permitir que ela tivesse um celular nos
Estados Unidos. Havíamos acabado de comprar um celular para ela
usar na Guatemala, e isso deve ter despertado sua irritação por não ter
tido um em casa. Eu já havia explicado a ela que poderia comprar seu
próprio celular, mas seria difícil arcar com as despesas com telefone e
carro. Mas como eu sabia que ela estava com medo de ficar sozinha
num país estranho, longe da família, dos amigos e de tudo que conhe
cia, não disse nada.
Isto é, não disse nada para a Emily. Eu sabia que o fio que inter
ligava seu medo, seu distanciamento de mim e sua vontade de ter um
celular era a fé. Ela caminhava um pouco à minha frente, então dimi
nui o passo e orei: Deus, o Senhor precisa colocarf é na vida de Emily este
ano. N ão tem outra saída. Eu estava plenamente consciente da minha
incapacidade em fazer com que a fé crescesse em seu coração. Deus
teria de fazer isso. Ele não tinha outra saída. Estava amarrado à sua
própria promessa.
Será que essa era uma oração poderosa, aquele tipo de oração que
pede e reivindica as coisas a Deus? Não, na verdade era uma oração sem
poder algum. Orei porque era fraco. Não estava tentando controlar
Deus. E muito menos a Emily, pois eu certamente não tinha nenhum
controle sobre ela. Estava simplesmente orando a Deus sobre algo que
já estava no coração dele. Não acreditava que Deus fosse deixar essa
oração sem resposta.
Os nove meses seguintes foram os mais difíceis da vida da Emily.
Ela estava convivendo com quarenta e cinco crianças hispânicas, e seu
conhecimento do espanhol era mínimo. Deus usou o isolamento em
que ela se viu e o desafio que teve de enfrentar para fazer amizade com
adolescentes temperamentais para quebrantá-la repetidamente e atraí-
la para si. A Emily era outra pessoa quando voltou para casa.
Um ano depois, quando já estava na faculdade, Emily me pediu
para revisar o trabalho abaixo, escrito para uma das matérias que ela
estava cursando. O texto fala sobre uma das tramas que Deus teceu em
sua vida naquele ano fora de casa.
Meu pai com eçou a falar sobre minha atitude. Quando paramos na
frente da escola, saí do carro mal-humorada e bati a porta, sem dizer
tchau nem agradecer.
Certo dia, conversava com uma voluntária que iria nos ajudar por
algumas semanas, e decidi lhe mostrar fotos da minha família. Meu pai
tinha um blog no site do trabalho, e eu sabia que havia fotos lá. En
quanto passava por artigos antigos postados no blog, deparei-me com
fotos minhas tiradas num jantar do colegial (em junho de 2 0 0 5 ). Ao ler
os comentários que ele fez abaixo das fotos, o amor de meu pai por mim
tomou conta do meu coração. Quando as Lágrimas começaram a rolar, a
voluntária deve ter achado que eu estava louca. Lembrei-me de todas as
vezes que havia gritado porque ele fazia barulho ao mastigar, das vezes
que explodi dizendo que não o amava, das vezes que saí da sala batendo
os pés — não apenas naquele ano, mas durante quase toda a adolescên
cia. Enquanto lia os comentários e olhava as fotos, senti-me totalmente
indigna de todo o amor, atenção, paciência e gentileza dele para comigo.
Como vivemos num mundo caído, Deus tem de usar imagens im
perfeitas de si mesmo, como os pais. Na verdade, todas as imagens que
Deus nos apresenta de si mesmo na Bíblia são defeituosas. Pense num
rei ou senhor. Quantos bons governantes você conhece? A experiência
dos primeiros cristãos com César não foi nada agradável, mas, mes
mo assim, pegaram o título de César, “Senhor”, e aplicaram a Jesus,
chamando-o de “Senhor Jesus”.
2 David Powlison, T beJou rn alofB iblical Counseling \2, no. 1 (Outono de 1993): p. 2-6.
C a p ítu lo 21
ORAÇÃO NÃO
RE SP O NDIDA: E NT E N DA
OS CONTORNOS
DA HISTÓRIA
NEGAÇÃO
TEMPO
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DETERMINAÇÃO
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LU
a. REALIDADE
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“E, sem enfraquecer na fé, considerou que seu corpo já não tinha vitali
dade (pois já contava com cem anos), e o ventre de Sara já não tinha vida.
Contudo, diante da promessa de Deus, não vacilou em incredulidade;
pelo contrário, foi fortalecido na fé, dando glória a Deus” (4.19-20).
Cresça no deserto
No entanto, Deus leva para o deserto todas as pessoas a quem ama.
O deserto é a cura para os nossos corações errantes, que buscam sem
descanso um novo Éden. Veja como isso funciona.
Primeiro, desistimos aos poucos de lutar. Nossos desejos cedem
diante da realidade da circunstância em que vivemos. As coisas que nos
motivavam vão aos poucos morrendo. Nossos ídolos morrem de fome.
Foi isso que aconteceu com a Emily na Guatemala. Foi isso que acon
teceu com a Jill em relação a Kim.
O ar seco e parado do deserto cria em nós uma sensação de de
samparo que é crucial para o espírito de oração. Ficamos face a face
com nossa incapacidade de viver, de sentir alegria, de fazer coisas que
tenham um valor eterno. Somos esmagados pela vida.
O sofrimento extingue totalmente o falso ego gerado pela descren
ça, pelo orgulho ou pela ambição. Você deixa de se preocupar com que
os outros pensam a seu respeito. O deserto é a maior esperança para a
criação de um ego autêntico.
A vida no deserto nos santiííca. Você nem percebe que está mu
dando. Depois de passar um tempo no deserto, nota que está diferente.
O que antes era importante não tem mais valor. Por exemplo, antes do
nascimento da Kim, fazíamos um de nossos filhos pentear as franjas do
tapete da sala para que ficasse impecável. Agora, temos sorte quando
conseguimos encontrar tempo para pentear os cabelos.
Depois de um tempo, você percebe sua sede verdadeira. No deser
to, Davi escreve:
O deserto floresce
Logo de início, eu e a Jill compreendemos que, por causa da Kim, Deus
estava nos tornando humildes, fazendo-nos mais parecidos com seu
Filho. A Kim salvou nossa família, a começar por mim. Deus a usou
para me despertar espiritualmente. Na época, eu estava pensando em
deixar a escola no centro da cidade, onde era diretor e professor, pois
queria expandir meu negócio com as declarações de imposto de renda.
Eu abrira outro escritório e percebi que podia ganhar dinheiro. Embora
não haja nada de errado com isso, ao mesmo tempo meu coração estava
se afastando de Deus. Após o nascimento da Kim, todos esses planos se
evaporaram e, seis meses depois, eu estava orando para ir trabalhar com
meu pai e ajudá-lo a organizar seu trabalho missionário. Mais tarde, ele
chamou a Jill para ajudá-lo. Fui como voluntário, e no final de 1983,
fundamos a World Harvest Mission. A agência missionária não existiria
se não fosse a dádiva da presença da Kim.
A pressão causada por um filho com autismo como a Kim — um
transtorno invasivo do desenvolvimento — pode ser sufocante. A pres
são dessa condição, somada às outras frustrações, levou a Jill, em 1991,
a questionar meu amor por ela.
Esse foi o começo da minha jornada para a vida de Cristo, e que
me levou ao ministério seejesus.net e a escrever os estudos Love W alked
Among Us e The Person o f Jesus.
com o D e u s se
APRES.ENTA NA
HISTORIA
QUANDO ESTAMOS ATRAVESSANDO O deserto, Deus nos pa
rece distante. Desejamos desesperadamente que ele se revele de forma
mais clara, que nos explique a lógica daquela confusão toda que esta
mos vivendo. Assim como Jó, perguntamos a Deus: “Por que escondes
o rosto?” (13.24). Para encontrar a resposta, vamos observar como
Jesus lidou com três mulheres que também sofriam dentro de uma
história que parecia sem sentido.
[Os soldados que guardavam o túmulo] viram três homens saírem dele;
dois deles amparavam o terceiro, e uma cruz seguia atrás deles. A ca
beça dos dois homens que os soldados viram alcançavam o céu, mas
a cabeça daquele [Jesus] que estava sendo amparado ia além do céu.1
O R A R SEM T E R
U M Ar.H I S T Ó R I A
O QUE ACONTECE QUANDO você acha que sua vida não é uma
história que está sendo escrita pelo Pai? Leia a seguir a história de
Joanne, contada por Philip Yancey.
Posso fazer uma lista de centenas de orações que não foram respon
didas. E não estou falando de pedidos egoístas, mas de orações im
portantes: Senhor, cu id e d e m eus filh o s, m an ten ha-os lon ge das m ás
com pan hias. Todos os três se encrencaram com a polícia por causa de
drogas e bebidas.
Em duas ou três ocasiões, ouvi Deus falar comigo. Um a vez foi quase
audível. Eu era jovem, havia terminado a faculdade, e estava indo para
o hospital porque havia acabado de saber que tinha leucemia, e estes
versículos de Isaías me vieram com muita clareza à mente: “Não te as
sustes, porque sou o teu Deus; eu te fortaleço, ajudo e sustento com a
minha mão direita fiel” [4 1 .1 0 ]. Agarro-me a essas poucas lembranças,
e não recebo mais nada, nenhum sinal recente de que Deus ouve.
Acho que só uns 2 0 por cento das minhas orações são respondidas do
jeito que espero. C om o tempo, acabo desistindo. O ro só pelas coisas
que acredito que vão acontecer, ou então simplesmente não oro. Leio
meu diário e vejo Deus agindo cada vez menos. Fico louca da vida.
C om o uma criança, calo a boca. Adoto uma atitude passiva e ao mes
mo tempo agressiva com Deus. Deixo Deus de lado. Talvez mais tarde
a gente converse.
Meu coração chora por Joanne. Sua vida não tem sido fácil. Leu
cemia quando ainda estava na faculdade. Problemas com os três filhos e
uma profunda decepção com Deus. Muitos salmos ecoam a súplica do
coração da Joanne: “Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste?”
(SI 22.1). Na cruz, o próprio Jesus expressa a agonia da Joanne.
1 Philip Yancey, Prayer: Does It M akeAny Difference? Grznd Rapids: Zondervan, 2006,
p. 64-65.
Sei como é sentir-se abandonado por Deus. Durante um ano em
particular, vivi essa agonia. Não houve uma única semana em que eu não
caísse no choro. No fim daquele ano, comecei a especular se não havia
compreendido mal a Deus. Será que minha visão de seu coração bondoso
estava distorcida? Será que havia superestimado a graça de Deus?
Não gostamos da confusão que as orações não respondidas provo
cam nem de respostas de oração diferentes daquilo que pedimos. Um
coração aflito, como o de Joanne, nos causa desconforto. Sua história
nos faz ver como a oração é algo difícil de se perceber.
1. Não exija que a história siga o enredo que você planejou. (Re
sumindo, renda-se totalmente.)
2. Preste atenção no Autor da história. Procure pela mão dele,
e então ore à luz do que está vendo. (Resumindo, aprenda a
ficar de olho em Jesus.)
3. Continue na história. Não feche o livro, quando o enredo
tomar um caminho diferente.
Continuar na história pode ser algo particularmente difícil. Quan
do a história não estiver do jeito que você gosta, pergunte-se: O que
Deus está fazen do? E prepare-se para receber as dádivas mais estranhas.
Deus adora nos surpreender com bebês enrolados em panos, deitados
em manjedouras.
Muitas vezes quando dizemos que “Deus está calado” o que está
de fato acontecendo é que ele não contou a história do jeito que que
ríamos. Deus ficará em silêncio quando pedirmos que ele preencha as
lacunas da história que nós estamos criando. Mas dificilmente ele se
cala em suas próprias histórias, aquelas em que nós vivemos.
O caso a seguir resume bem o que quero dizer. Em um acampamen
to para crianças deficientes em que fui palestrante, uma das voluntárias
achou que tinha sido acusada injustamente por um dos pais. Depois de
ouvir sua história, ofereci-lhe encorajamento e disse: “Agora você pode
servir a Jesus, e não aos pais”. Como havia passado por situações seme
lhantes, fiquei alegre por ela. Não existe nada melhor para acabar com o
orgulho de se sentir justo do que servir a alguém que critica você.
Para vermos o Autor da história, temos que acalmar nossa vida in
terior e prestar atenção. Temos que mergulhar na Palavra para conhecer
a mente do Autor e seguir o ritmo de sua voz. Temos de ficar atentos à
história, à voz do Autor, ao que ele fala sobre os detalhes de nossa vida.
A história que Deus tece não é esquisita nem etérea. Sempre exige que
nos curvemos diante da majestade de Deus com os cacos de nossa vida.
ESPERANÇA: O FIM
DÁ m S T Ô R l A
1 Tomei emprestada essa imagem de Frederick Buechner em Telling the Truth: The
Gospel as Tragedy, Comedy an d Fairy Tale. Nova Iorque: HarperColüns, 1977.
tempo, como encontraria emprego? Passamos a orar diariamente para
que Deus providenciasse um trabalho para a Kim.
Tentamos tudo. A menina foi ser voluntária numa casa para ido
sos. Ela adorava alimentar os coelhos, mas detestava arrumar as mesas.
Organizar as coisas era demais para ela, mesmo com a ajuda de alguém.
A Jill tentou ensiná-la a arrumar a mesa para as refeições. Com um pin
cel, a Jill desenhou num jogo americano de plástico o lugar do prato,
do copo e dos talheres. Todavia, quando a Kim terminava de ajeitar os
utensílios, a mesa parecia ter sido atingida por um pequeno furacão.
Como a Kim gostava muito de livros foi ser voluntária na biblio
teca. Sua tarefa era recolocar os livros nas estantes. Porém, isso era o
mesmo que pedir a um alcoólatra para guardas bebidas nas prateleiras.
A Kim guardava dois livros e lia um. Arranjar os livros em ordem alfa
bética era um desafio e tanto para ela. Além disso, a menina sabia bem
ser cabeça-dura. Certa vez, começou a dar uma de boba, atazanando
a vida da pessoa que a ajudava. A moça, em prantos, ligou para a Jill.
Minha esposa detesta quando a Kim usa sua deficiência para manipu
lar as pessoas. Jill foi até a biblioteca e perguntou quantos livros ela
poderia retirar com um cartão. Cinqüenta. Ela emprestou três cartões
de amigos e retirou duzentos livros, colocou-os em dois carrinhos da
biblioteca e levou a Kim para casa. A Jill mandou a Kim colocar os
livros em ordem. Depois, misturou tudo, e mandou a filha organizá-los
novamente. E assim foi por dois dias. Resumindo: “Kim, se você não
obedecer à pessoa que ajuda você, sua vida vai ser um inferno de carri
nhos cheios de livros”. Depois disso, a Kim virou um anjo com a moça.
O primeiro trabalho remunerado da Kim foi numa locadora; sua
tarefa era recolocar os vídeos nas prateleiras. Mais uma vez, foi como
colocar um alcoólatra para trabalhar em um bar, pois a Kim é louca
por filmes. Certo dia, ela desceu do ônibus na porta da locadora, mas a
pessoa que a ajudava não apareceu.
Os autistas necessitam da estrutura de um horário bem organiza
do. Quando há qualquer mudança, o pânico se instala. A Kim entrava
em pânico quando as aulas começavam com duas horas de atraso por
causa de uma tempestade. Assim, quando a auxiliar não apareceu, ela
perdeu o controle. Nós estávamos acostumados com aquilo; mas para
a Blockbuster foi novidade. Em alguns dias, a Kim estava procurando
emprego de novo.
Como ela adora cachorros, fomos atrás de emprego em pet shops
e canis. Encontramos trabalho voluntário, mas nada permanente. Le
vamos a Kim a alguns seminários profissionalizantes, pois este era o
nosso plano B, mas ela não gostou de nada. Cinco meses antes da
formatura, continuava sem emprego. Com um cenário de trabalho
nada promissor, levamos a Kim a mais um seminário profissionali
zante. Eu e a Jill gostamos do lugar, mas dentro de poucos minutos,
os olhos da Kim se encheram de lágrimas. Ela queria sair dali. A Jill e
eu trocamos um olhar, saímos do local e fomos conversar. Decidimos
que pagaríamos um auxiliar para ajudá-la, não importava o quanto
custasse; o importante era a Kim arranjar um emprego remunerado.
No entanto, tínhamos de encontrar alguém que quisesse empregar
um adulto com deficiências.
A Jill não se acanhava em pedir a desconhecidos que orassem por
um emprego para a Kim. Ele fazia a viúva insistente da parábola parecer
uma iniciante.
Seis semanas antes da formatura, a Kim ainda não tinha arrumado
emprego. Um dia, a Jill estava conversando com o dono da gráfica que
imprimia nossos cartões e ele perguntou: “A Kim já arrumou empre
go?” Quando a Jill disse que não, ele telefonou para um amigo que é
dono de um canil. O amigo disse que empregaria a Kim para passear
com os cães se ela tivesse um auxiliar. Quando levamos a Kim ao canil,
ela achou a maior graça porque seu auxiliar, Skip, um ex-marinheiro de
l,80m que pesava uns 115 quilos, estava com medo de entrar nas jaulas
dos animais. Ela não tinha um pingo de medo.
A Kim achou o emprego, mas eu e a Jill tínhamos de encontrar um
jeito de pagar o auxiliar. O município se recusou a nos ajudar. Porém,
duas semanas antes da formatura, a assistente social que atendia nos
sa família ligou: “Paul, a auditoria estadual apareceu aqui e disse que
temos de ser mais criativos em nosso trabalho. Sugeri que pagássemos
um auxiliar para a Kim, e aprovaram. Vamos pagar o auxiliar da Kim”.
Tudo correu bem nas primeiras semanas, até que outro auxiliar
substituiu o primeiro, e a Kim teve um “chilique” no estacionamento
do canil. Recebi o temido telefonema: “Acho que isso não vai dar cer
to!” Supliquei. Implorei. Prometi. Cheguei quase a vender minha alma,
e o canil resolveu dar outra chance pra Kim.
Ela passeia com os cachorros desde 2003 e adora o que faz. A Kim
faz 75 por cento das tarefas; o auxiliar cuida dos 25 por cento restantes.
Mesmo nos dias mais frios ou nos mais quentes, ela sai pra caminhar
com os animais. A Kim poupa dinheiro o ano inteiro para ir à Flórida
nas férias, ela adora a Disney.
Quando fica sem um auxiliar, eu ou a Jill preenchemos a vaga. Eu
havia orado por humildade e de repente me ocorreu que Deus estava
respondendo à minha oração. Eu preferia que a humildade me envol
vesse num passe de mágica. Mas Deus ensina humildade nas situações
mais modestas. Deus mantém meus pés no chão quando tenho de
catar cocô de cachorro, logo após de ter sido palestrante em alguma
conferência importante. O que eu achei que fosse uma pedra era, na
verdade, um pão.
O fato de a Kim ter encontrado trabalho foi um milagre de Deus.
Acho que a taxa de desemprego entre adultos que têm o nível de de
ficiência da Kim é perto de 99 por cento. Enquanto orávamos pelo
emprego da menina, várias vezes sentimos que estávamos orando para
o céu mudar de azul para cor-de-rosa. No entanto, como o anjo disse a
Maria: “Para Deus nada é impossível” (Lc 1.37).
Nossas orações não ficaram pairando acima da vida. Nossa fa
mília tinha os olhos tanto na linha da realidade quanto na linha da
esperança. Orar era algo inseparável de trabalhar, planejar, e do bom
e velho implorar.
Disposição para se encantar
Enquanto esperamos e oramos, Deus tece sua história e cria algo mara
vilhoso. Em vez de vagarmos entre comédia (negação) e tragédia (rea
lidade), nós nos relacionamos com o Deus vivo, que está intimamente
ligado aos detalhes da nossa vida. Vamos aprendendo a observar o de
senrolar da história, a esperar o milagre.
Quando nossos filhos eram pequenos, às vezes arrumávamos
um jeito de sair de férias sem gastar muito, quando eu era preletor
em algum acampamento. Certa vez, numa dessas ocasiões, eu estava
com a Courtney, de 4 anos, no colo, caminhando na escuridão da
noite, mostrando-lhe o céu. Apontei para Orion, Cassiopeia e Ursa
Maior. Chamei-lhe a atenção para as diferentes cores das estrelas e
da Via Láctea.
A Courtney ficou extasiada com a criação de Deus. Se souber es
perar, o Pai celeste o carregará no colo noite adentro, e fará sua vida
brilhar. Deus quer deslumbrar você com o mistério do seu amor.
Para poder ver o esplendor da história que o Pai está contando,
precisamos nos tornar como crianças. Esse era o segredo de C. S. Lewis
como contador de histórias. Ruth Pitter, grande amiga de Lewis, expli
cou certa vez: “Sua vida inteira foi orientada e movida por um senso
infantil único e persistente de glória e pesadelo”.2 O escritor Alan
Jacobs disse o seguinte sobre Lewis:
2 Ruth Pittter, citada por Alan Jacobs em The N arnian: The L ife an d Im agination o f
C. S. Lewis. São Francisco: HarperSanFrancisco, 2005, p. xxv.
3 Jacobs, p. xxiii
C a p ítu lo 25
VIVA H I S T Ó R I A S
D 0~E YANGE LH O
Histórias do evangelho
O evangelho, a dádiva de Deus em entregar seu Filho para morrer em
nosso lugar, é tão impressionante que desde a morte de Jesus ninguém
foi capaz de contar uma história melhor. Para se contar uma história
boa, é preciso contar uma história do evangelho.
No best-seller “ The L ife ofP í', escrito por Yann Martel, um garoto
hindu chamado Pi conhece o padre Martin, que lhe conta a história do
evangelho. Pi quer saber mais:
Pedi que me contasse outra história, uma que me satisfizesse mais. Cla
ro que essa religião tinha mais de uma história no bolso — as religiões
são ricas em histórias. Mas o padre M artin me levou a entender que
(...) a religião deles tinha apenas uma História, e que voltam a ela con
tinuamente, sempre e sempre. Essa história bastava para eles.2
O Pai quer nos colocar na história de seu Filho. Ele não tem uma
história melhor para contar, então continua repetindo-a em nossas vidas.
2 Yann Martel, The L ife ó f Pi. Nova Iorque: Harcourt, 1954, p. 53.
Quando representamos o evangelho, somos atraídos para uma comu
nhão estranha. Experimentar a Cristo é tão bom que o apóstolo Paulo
disse aos filipenses que gostaria de ter “participação nos seus sofrimentos
[nos sofrimentos de Jesus]” (Fp 3.10). Essa foi a oração de Paulo.
Viver uma história do evangelho expõe nossos ídolos, as fontes fal
sas de amor. Veja o que se revelou em minha vida naquela sexta-feira. A
necessidade de aprovação pública, eficiência e organização eram ídolos
que eu acalentava e foram todos revelados, quando tentei demonstrar
meu amor por minha esposa e filha. Quando nossos ídolos são expos
tos, entramos em desespero, oprimidos pelo pecado da outra pessoa
e pelo nosso. Porém, se tão-somente permanecermos na história, se
continuarmos levando a vida adiante, mesmo que pareça inútil, o reino
virá. A pobreza de espírito deixa de ser apenas um ponto de vista. E algo
que possuímos. Algo que nos descreve.
O arrependimento estranhamente nos restaura. Em A Viagem do
Peregrino da Alvorada, de C. S. Lewis, o personagem Eustace se transfor
ma em dragão após ser dominado pela cobiça. Quando Aslan arranca a
pele de dragão com um golpe de sua pata enorme, Eustace compara isso
à alegria infantil de arrancar a casca de uma ferida: “Dói à beça, mas é
tão legal ver a casca saindo”.3 Quando arrancamos nosso ego artificial, o
arrependimento gera integridade. Voltamos à verdadeira fonte de amor:
nosso Pai celeste. Nós nos tornamos autênticos.
3 C. S. Lewis, Voyage ofth e Dawn Treader. Nova Iorque: Macmillian, 1967, p. 89. [Pu
blicado em português pela Editoia Martins fontes sob o título A Viagem do Peregrino
da Alvorada.}
sempre súplicas por todos vós, em todas as minhas orações, com ale
gria” (Fp 1.4) Se buscarmos diretamente a alegria, ela escapará de
nossas mãos. Porém, se começarmos com Jesus e aprendermos a amar,
acabaremos encontrando alegria.
Você precisava ver o sorriso da Kim quando fizemos canoagem, ou
quando ela alimentou as girafas no zoológico. Quando nos ligamos a
alguém que nos causa transtornos de vez em quando, temos oportuni
dade de encontrar Deus e a alegria.
E como isso muda o que penso sobre a viagem da Kim à Flórida?
Ora, eu não sou obrigado a levar a Kim à Flórida. Tenho a chance de
levá-la comigo. É um privilégio meu. É uma alegria.
4 Carl Sandburg, Abraham Lincoln: The Prairie Years an d the War Years (O ne Volume
Edition). Nova Iorque: Harcourt, 1954, p. 664.
para se verem livres do favoritismo do pai. Vinte anos mais tarde, Judá,
um dos irmãos, se apresenta a José e diz que dará sua vida pelo irmão
Benjamim, a quem José havia ameaçado de escravidão (veja Gn 44.33).
A disposição de Judá em entregar sua liberdade pela vida do irmão foi
uma história do evangelho que reverteu a traição anterior.
Sob a percepção que José e Lincoln tinham da história do evange
lho está uma profunda consciência da soberania de Deus, a consciên
cia de que ele é o tecelão das histórias. No discurso de posse, Lincoln
afirmou: “O Todo-Poderoso tem seus propósitos”. Refletindo sobre seu
discurso, Lincoln escreveu a um amigo: “Os homens não se sentem
lisonjeados ao notar que existe diferença entre o propósito deles e o do
Todo-Poderoso”.5José disse algo parecido. Quando os irmãos foram le
vados a sua presença, temerosos de vingança, José lhes assegurou: “Não
temais. Por acaso estou no lugar de Deus? Certamente planejastes o mal
contra mim. Porém Deus o transformou em bem, para fazer o que se vê
neste dia, ou seja, conservar muita gente com vida. Agora, não temais”
(Gn 50.19-21). Se enxergarmos esse mesmo plano fundamental em
nossas vidas, teremos imensa alegria e liberdade.
5 Sandburg, p. 665.
falar de mim quando a Kim é incapaz de falar?) e a graça (“Paul, você
gostaria de fazer um curso de criação literária?”). O que quero dizer
com invisível é que não há ligações palpáveis, de causa e efeito. Mas
quando trazemos a mente de Deus para nossas histórias, podemos ver
sua mão tecendo as ligações entre os diversos cenários.
Nada na mentalidade moderna nos incentiva a prestar atenção nas
ligações invisíveis que estão por trás de tudo na vida. Não achamos
que vivemos na presença de um Pai amoroso e que temos de prestar
conta de tudo o que fazemos. O lema de Las Vegas, a cidade americana
famosa por seus cassinos — “O que acontece em Vegas permanece em
Vegas”— descreve a visão que a sociedade de hoje tem da vida. A pessoa
vai a Las Vegas, faz sexo no anonimato e volta para casa, para seu cônju
ge, como se nada tivesse acontecido. Não há conexão entre Las Vegas e
o restante da vida. A pessoa tem liberdade ilimitada para buscar aquilo
que a faz se sentir bem.
Conversa fiada. Este mundo pertence a meu Pai. O que você fizer
em Las Vegas está relacionado a tudo em sua vida. Tudo o que fazemos
tem conexão com quem somos e, assim, gera a pessoa em que estamos
nos transformando. Tudo o que fazemos afeta nossos entes queridos.
Tudo na vida está entrelaçado.
Embutido no conceito de oração existe uma visão, ricamente de
talhada, de um mundo onde tudo é organizado ao redor de laços ou
alianças invisíveis que nos unem. Não vivemos num mundo “estático”.
Vivemos no mundo do nosso Pai, um mundo construído para rela
cionamentos divinos entre as pessoas em que, por causa da boa nova,
tragédias se transformam em comédias e a esperança nasce.
PARTE 5
ORANDO NA
VI DA REAL
C a p ít u l o 26
FERRAMENTAS
DEORAÇÃO
' James D. G. Dunn, The Epistles to the Colossians an d to Philemon. Grand Rapids:
Erdmans, 1996, p. 316.
natural, então não é autêntico. Pensamos que as coisas espirituais — se
feitas de modo correto — deveriam fluir naturalmente. Porém, como
temos uma deficiência, nada flui, especialmente no início.
Certa manhã, quando a Kim estava com seis meses, a Jill me cha
mou na sala. A menina estava deitada de bruços, lutando para ficar de
costas. A Kim erguia um ombro o mais que podia; depois virava os
pequenos quadris para dar um impulso e virar de costas. Quando es
tava quase conseguindo, caía de novo. Enquanto eu e a Jill ficamos ali,
torcendo por ela, a Kim tentou várias vezes.
Não podíamos ajudar nossa filha, ou ela nunca aprenderia a se
virar sozinha. Por instinto, a Kim sabia o que fazer; tinha apenas que
colocar isso em prática. Finalmente, depois de meia hora e inúmeras
tentativas, ela conseguiu levantar os ombrinhos o suficiente e rolou de
barriga para cima.
Assim como a Kim teve que se empenhar para virar de costas, nós
temos que persistir quando a oração não parecer algo natural, espe
cialmente durante o nosso período de aprendizado, quando ainda não
conseguimos “nos virar” totalmente.
ACOMPANHANDO A
HISTÓRIA: FICHAS
DE O R A Ç Ã O
pái^a^^3on^ct<'
y^c/ru^oíy —ôonÀ- íUni^Oi- OJrJür^Ou'^ujy
Õl.Ô: '“fc íÍAi^aA' a- vjbe^ h/y í*ti/nx>.
Qo*££££A* a> £ OóJrútJUia- &vn, e& 1/03 ‘E J& Lo ^ 4 . 2 : dcvrv toAj,
halrüiAoÁ**
Observe que cada frase representa uma área da vida do meu filho
pela qual estou orando. A ordem não importa. Oro por suas amizades,
seu caráter, seus relacionamentos, seu coração e sua mente — nada é
banal. Quando o Andrew estava na oitava série, tentando descobrir de
que esporte gostava, anotei algumas modalidades — basquete, atletis
mo — que me ajudassem a orar. Ele se apaixonou por atletismo.
Quando anoto um versículo, estou colocando a Palavra para
trabalhar. Eu e a Jill já vimos Deus responder várias vezes à minha
oração para que o Andrew desejasse “que a verdade esteja no [seu]
íntimo” (SI 51.6). Enquanto eu observava esse pedido de oração agindo
na vida do Andrew, uma coisa levou a outra, e acabamos fazendo acon
selhamento juntos. Isso criou uma amizade duradoura entre nós. Deus
me arrastou para dentro do meu próprio pedido de oração.
Com o passar do tempo, quase todas as frases dessa ficha se torna
ram uma pequena história repleta de voltas e reviravoltas a caminho de
uma resposta. Quando mostrei a ficha para Jill, muito tempo depois de
tê-la feito, sua única resposta foi: “Uau!”
Veja agora a ficha da Kim:
£ o> Am, toda> a> ^ lqj^Oji e/*v C^jújJto ooV cta/nou, à> iuxo/ Ú£Hj\ú* (^jytwQj,
djepoity d&bu>&ij££& ÚÂ&usn,poccCo-, e£&m£Vn<>' ooV efe KZoÁÚitaK,
CoK^MJncJc, ^ pxíaliW o V clUí C&uÇjxK'. fPeíí*ü> 5 .1 0 .
yi*jieô!»...e<vn>joaci&vttúu 4.2..
â£&jj> <^u£> fafr^-buütdido em. to^to^- ai- CoüaA- e ^ux- ten/oA' Vuíiff',
aMÍ/>vComo- a/tu-cPal/n/is i*cL 'cf^óõjy 2.
- mjyo-òc dU>(UsmÇnj£oÀoK - hJ^ÁoA^ d&Co/ruuuCíLÇdz> -
- cn.tp.iiiA*, muxAJMMflhsbo- - io^fcwiAe- - toMA^uCa^é- áa/nuiy&Ò*
- &im, em,ÇulMiXU* - Q/umífr
S Z rryyu ^ o -: *re C fp e ia tú Jiía ,, ê iM ió ttC íh , ttjA * . — a m . c k a m a d o , u/n, rru ydfr d& t£A, úSiZ
4. ^ÍÕ^ve-Sclk^u1/—dimtçjljfr i.Oj
Se não tiver tempo para fazer todas essas fichas, então use os mo
mentos de oração para isso. Uma vez por semana, em vez de orar, prepare
uma ficha para uma dessas áreas. Comece escrevendo parte de uma ficha.
Foi assim que dei início às minhas fichas. Por exemplo, anote um versícu
lo e uns dois nomes na ficha das pessoas que sofrem, e deixe assim.
A parte difícil de se preparar as fichas não é falta de tempo, é a
falta de fé. Raramente a descrença nos ataca de forma direta — ela nos
espreita por trás dos sentimentos que vem à tona quando começamos
a fazer nossas anotações nas fichas. Você pensará, por exemplo: “Isso é
tão piegas” ou “parece que estou preso numa camisa de força” ou “será
que isso dá resultado?” O velho disfarce do legalismo talvez nos venha
à mente. Pode ser que fique com medo de que esse negócio de ficha de
oração acabe com sua espontaneidade de orar como criança.
Arregace as mangas
Orar é pedir que Deus se encarne, que se envolva em sua vida. Acredite,
o Deus eterno também esfrega o chão. Sabemos que ele também lava
pés. Por isso, cobre de Jesus o que ele prometeu. Peça-lhe. Diga-lhe
exatamente o que você quer. Arregace as mangas. Anote seus pedidos
de oração; não passe pela vida em brancas nuvens, anestesiado pelos
afazeres diários.
Se tentar controlar seus dias com as próprias mãos, será tragado
por eles. Em vez disso, agarre-se a uma ponta da túnica de Cristo e não
solte até ser abençoado. Ele transformará seus dias.
C a p it u lo 28
EXERCITANDO
um- 3 .4
- Oj <&ULÍypíVLt-rj&o Á&
- (uomstotoJL
Um ano depois, o Bob passou por um sofrimento, e pude ajudá-
lo. Alguns anos mais tarde, mais sofrimentos vieram, e tive a chance
de servi-lo novamente. Dessa vez, o sofrimento era tanto que a única
saída do Bob foi aceitar meu amor e cuidado por ele. Pela primeira vez
em nosso relacionamento sua atitude para comigo abrandou de modo
significativo.
Quando começo a orar para que Cristo entre na vida de uma pes
soa, Deus normalmente permite que ela passe por algum sofrimento.
Se o plano básico de Satanás é o orgulho, em busca de nos atrair para
sua vida de arrogância, então o plano básico de Deus é a humildade,
atraindo-nos para a vida de seu Filho. O Pai não pode pensar em nada
melhor para nos oferecer do que seu próprio Filho.
O sofrimento nos convida a participar da vida, morte e ressurrei
ção do Filho. Uma vez que entendemos isso, o sofrimento deixa de ser
estranho. Pedro afirma: “Amados, não estranheis a provação que como
fogo vos sobrevem, como se vos estivesse acontecendo alguma coisa
estranha. Mas alegrai-vos por serdes participantes dos sofrimentos de
Cristo” (lPe 4.12,13).
OUVIND s O A/
V O\ ^ Ü E 'DTTÚ -S-
1, €/ c y u v o .
D I Á R I Q DE
O R A Ç Ã p r T Q R N E-
] Q ^ A ^ r T ^ r T E RI O R
2 Peter J. Leithart, resumindo Edward Said, “Bunyan, Defoe, and the Novel”, 5 de
novembro de 2005. htp/://www.leithart.com/archives/print/001586.php.
transforma em uma história completa e integrada. Ela passa a fazer sen
tido. Quando entendemos a história, nossa alma se aquieta. O grande
problema não é ter uma vida agitada, mas sim uma alma agitada.
3 Santo Agostinho, The Confessíons ofSt. Augustine. Grand Rapids: Revell, 2008, p. 11.
A comunhão ou o diálogo com Deus no diário de oração é com
posto das seguintes perguntas:
Meditar num texto que refletia a situação da minha vida era es
tranhamente reconfortante. Disse a Deus: N ão tenho certeza de que o
Senhor me libertou. Sinto que estou afundando. Orei para que Deus me
salvasse, e depois de um segundo, escrevi: A té que o Senhor m e salve,
dê-m e f é para esperar.
Em seguida, passei a refletir sobre o estado em que minha alma se
encontrava: M inha incapacidade de esperar em ti vem de eu achar que a
salvação depende de mim. Isso me levou a pensar em todo sofrimento
registrado em Apocalipse; então, procurei ali versículos sobre perseve
rança (ênfase acrescentada).
__ N _ í-t&P»v4£4.2.I4-I6
d o j^ f d í
m£* cfe' k^wv Qoô em/ oãx> (UytnL otv ttux&oM&L 2 ..1 Ò ).
— /*'—
/v/ /y * Y *Y *Y 'V
/^—•/*—
’V
/*— /*—•
' Y ' Y ' Y —*VZ '—
'Y* * Y /Y />—
' Y (A-*/A-- /A-' /*>-•
---
*Y * Y V V
/w
' Y '^Y -V "Y W
--- - / o yAw
W 'V “V * Y /'Y
v
—*Y
^ '^
Y 'Y ' ' Y 'V *"Y 'Y
^V 'Y ’ 'Y /,”Y ’ 'Y ' ‘Y ’ 'Y ’ ^Y /V/
/w/^w ^ ^
Usei os versículos como oração, pedindo que a Jill fosse uma filha de
Deus irrepreensível e sincera “no meio de uma geração corrupta e perver
sa”, na qual pudesse resplandecer como luminar “no mundo” (Fp 2.15).
Logo depois das seis horas, ouvi novamente o tum-tum-tum de
passadas leves. Gritar não estava adiantando; então subi até o quarto
da Kim e disse-lhe para não sair da cama. Ela ficou tão zangada que
mordeu o próprio braço. Como castigo, disse a ela que não iria assistir
a nenhum filme naquele dia. Ela mordeu de novo o braço. Suspirei.
Tirar-lhe o privilégio de ver filmes só iria complicar mais o meu dia.
A Kim estava com pneumonia dupla, e eu tinha prometido à minha
esposa que iria trabalhar em casa para ficar com a menina, pois ela já
havia faltado dois dias no trabalho. A garota se acalmou, e voltei a orar.
Usei as fichas para orar pelo restante da família; algumas orações
eram de agradecimentos, outras eram de petições. Meu genro Ian pre
cisava de emprego; meu filho John precisava crescer espiritualmen
te; meu filho Andrew estava começando um estágio como professor.
Quando cheguei à ficha “Um lugar para a Kim morar”, agradeci a Deus
pela resposta clara que ele havia nos dado recentemente, após dois anos
de busca por um sobrado grande o suficiente para que ela tivesse seu
próprio canto, mas ficasse perto de nós.
Prossegui com as fichas, orando por meus amigos, minha igreja,
meu trabalho — por todas as áreas da minha vida. A certa altura, a Jill
apareceu e começou a conversar comigo enquanto ajeitava a casa. Eu ia
de Deus para a Jill, orando quando ela se calava. Terminei às 6h l 5min.
HI S T Ó R I A S )
in a c a b X d a s J
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A agonia de Israel
Israel estava em agonia. “Às margens do rio da Babilônia nos assenta
mos e choramos, recordando-nos de Sião” (SI 137.1). Os babilônios
haviam destruído a cidade de Jerusalém; derrubaram muros e demo
liram o templo de Salomão. Mataram os filhos do rei diante de seus
próprios olhos, depois o cegaram e levaram-no acorrentado para o exí
lio. Os rapazes — como Daniel e seus amigos — o futuro do reino
de Israel, tornaram-se eunucos a serviço do rei da Babilônia. Até seus
nomes foram mudados. O reino de Israel desapareceu; o rei desapare
ceu; o reinado desapareceu. Em termos práticos, Israel deixou de existir.
Assim, à margem do rio da Babilônia, eles sentaram e choraram.
A volta do cativeiro não ajudou muito. Em 520 a.C., na ceri
mônia de dedicação do templo provisório que haviam construído, as
pessoas mais velhas choraram, ao se lembrar do edifício majestoso que
Salomão havia construído. O profeta Ageu perguntou a Zorobabel:
“Dentre vós, os sobreviventes, quem viu este templo na sua primeira
glória? E agora, como o veem? Não é como se nada fosse a vossos
olhos?” (Ag 2.3).
A única esperança dos israelitas eram umas poucas palavras dos
profetas. Na mesma cerimônia, Ageu profetizou:
Mas não é isso que o autor nos mostra nesta obra. Ele
mostra que a vida de oração é possível, pois a finalidade
da oração é ser um diálogo onde a vida e Deus se
encontram. A Bíblia dá centenas de exemplos desses
diálogos, e Paul Miller chama atenção para eles. As
orações da Bíblia têm a ver com a vida cotidiana e com
um Deus real. Levam problemas genuínos e
necessidades reais a um Deus que ouve de verdade.
ISBN 978-85-275-0453-9
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V1ÜAN 0VA
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